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Admito estar curiosa sobre ele. Aaron, assim como eu, é muito reservado. E
uma parte de mim quer conhecê-lo. De verdade. Apenas para saber o que ele
mantém escondido de todos.
Não contei a elas que eu estava me relacionando com Aaron, não contei que
estávamos conversando por mensagens e, muito menos, que era pelo AP,
Action’s App — o aplicativo da empresa que todos os funcionários usavam para
se comunicar rapidamente.
— Espero que esteja preparada para uma ressaca daquelas, Lola. — Foram as
primeiras palavras de Brenda após nos cumprimentarmos. — Porque amanhã
não vou trabalhar e preciso contar a vocês sobre o segurança que me chamou
para sair.
— Sim, sim e sim! Ele foi cavalheiro, soube como me tratar e avançar
quando dei os sinais para ele.
Apertei os olhos para ela e acenei em negativa quando paramos na rua para
esperar o sinal fechar para os carros. Os olhos castanhos da minha amiga
brilhavam junto ao sorriso bobo e satisfeito em seu rosto. Algo me dizia que ela
tinha gostado demais dele para ter sido apenas sexo, mas eu não diria nada sobre
isso. Ela certamente tentaria se defender dizendo que há meses não fazia sexo e
por isso estava tão... feliz.
— Meu Deus, vocês não têm ideia do que é a pegada daquele homem. — Ela
riu. — Me senti uma virgem indefesa e facilmente excitável. Senti aquelas mãos
me apertarem e apalparem tudo, e o filho da puta também beijava
maravilhosamente bem, então eu já estava fodida antes dele começar a tirar
minha calcinha.
— Eu acho que vocês deveriam maneirar um pouco. — Ouvi Elise dizer, mas
ignorei enquanto verificava as mensagens no meu celular.
“Se soubesse que você estaria aqui, teria vindo antes.”
Ri ao ler aquilo.
“E qual o problema de falar sobre isso?”
— Não, não vou acabar com a festa de vocês. E vou fazer um vídeo dela
antes de ir embora.
Acenei em negativa, mas sorri.
— Vá em frente.
— Não?
Foi a primeira vez que desconfiei que a rouquidão de sua voz fosse
consequente do desejo. Segundos depois, suas pupilas dilatadas me deram
certeza disso.
— Você pode tentar — respondi tentando parecer mais altiva à sua presença
do que realmente me senti. Meus olhos caíram sobre seus lábios e a próxima
coisa que senti foi sua boca contra a minha. Seu corpo se chocou contra o meu e
o pressionou contra o balcão.
— Porra, você é mais gostosa do que imaginei. — Cerrei os olhos com força
quando ele apertou minhas nádegas e me trouxe para perto de si.
Algo brilhou em seus olhos por um momento após ouvir algumas palavras,
mas não pude ler sua expressão. Não consegui entender nada além da sua
mudança abrupta e perceptível.
— Tudo bem.
Céus! Eu parecia tão excitada com as mãos presas por seus punhos em
minhas costas, enquanto ele sussurrava as formas diferentes que iríamos transar
naquela noite — com seu membro pulsando entre minhas nádegas.
O problema foi que, enquanto eu fazia aquela pergunta a elas, Aaron estava
lá. Ouvindo tudo.
Sua resposta ao que dissemos ficaria gravada em minha mente por muito
tempo. Lembro exatamente das suas palavras:
Ele precisou mudar seus horários na empresa, estava indo no turno da noite
por causa de um problema no site da editora que trabalhávamos e somente neste
horário poderia tentar resolvê-lo. E por isso, nossas conversas ficaram um pouco
escassas. Até sexta-feira. Até aquela conversa. Até aquela mensagem.
Então decidi que estava na hora de descobrir algo sobre ele. Algo além de
seus fetiches sexuais. O que fiz foi procurar informações sobre ele entre os
arquivos que enviei para meu e-mail, para um trabalho — admiti que não fiquei
feliz com o que descobri sobre ele em especial.
Aaron tinha uma noiva — aquilo acabou com qualquer chance remota que eu
tinha de acabar parando em sua cama.
Inferno! Eu queria transar com ele. Era simples. Por que ele tinha que ter
uma maldita noiva? E por que estava flertando comigo há uma semana se
estava prestes a se casar?!
Eu estava com duas pastas em meus braços e faria apenas o trabalho de levá-
las ao arquivo. Eu já havia feito as devidas mudanças nas planilhas que passei o
final de semana editando — esperava de verdade que meus trabalhos extras
somassem pontos para meus chefes e os fizessem ver que eu realmente quero um
cargo melhor.
Passei meu mês de férias pensando sobre isso, quer dizer, o que eu poderia
fazer para mudar minha situação? Eu queria, na verdade, precisava, ser efetivada
como administradora do meu setor. E cheguei a feliz conclusão de que deveria
ter um bom projeto para apresentar na reunião daqui a quarenta e cinco dias.
Porém, antes disso, levar para a aprovação de meu chefe as novas planilhas que
eu estava concluindo. Elas diminuiriam a grande quantidade de relatórios que
precisávamos alimentar todos os dias.
— Lola! — Virei-me de costas para ver Brenda vindo até mim. Ela estava
com uma porção de pastas e uma caixa média; equilibrando tudo
desajeitadamente como somente ela faria.
— Bom dia, Bree — cumprimentei-a com um sorriso e tirei o peso das pastas
de seus braços.
Engoli em seco ao ver mais três pastas de cores diferentes sobre ela. Havia
um bilhete grudado na tela de meu computador. Eu o peguei e amassei quando
um misto de raiva e frustração me invadiu.
Eu realmente não o conhecia, não sabia nada sobre a sua vida além de que
tinha uma noiva. Sabia também que ele só trabalhava ali há alguns meses, mas já
tinha conseguido desenvolver projetos que deixaram os diretores e donos da
empresa maravilhados — a falta de informações sobre ele me deixava ansiosa
por realmente conhecê-lo. Mas agora que finalmente descobri sobre sua noiva,
isso será posto de lado. E ele deixará de ser uma ameaça iminente à minha
sanidade.
Horas depois, o horário de meu almoço chegou e continuei a fingir que não
havia percebido a mensagem que fazia meu celular piscar. Peguei minha bolsa e
bloqueei a tela de meu computador antes de sair. Infelizmente, com todas
aquelas mudanças malucas, eu não estava no mesmo horário que Brenda ou
Elise, então teria que ficar sozinha. Abri as mensagens enquanto esperava o
elevador, a primeira era de Veridiana pedindo que eu revisasse algumas matérias
mais tarde. A outra era de meu chefe avisando sobre uma reunião de última hora
que teríamos às cinco — maldito, todos sabem que essas reuniões duram horas.
Por que ele não a marcou para às três já que o expediente encerra às seis?
Olhei para a tela de LCD acima do elevador e vi que ele ainda estava no
oitavo — parei de resistir e abri a de Aaron.
Franzi a testa tentando me lembrar de onde ele morava. Como ele podia ter
me visto pela manhã?
Olhei por cima do ombro para sua mesa, mas ele estava ocupado mostrando
algo a um de seus aprendizes.
Eu poderia ser fria, como minha mãe insistia em dizer que eu era — e como
Aaron merecia agora que eu havia descoberto sobre seu noivado. Ou sarcástica,
como a mulher inteligente que eu sabia que eu era — assim poderia alfinetá-lo
sobre seu relacionamento. Mas também poderia ser impertinente, como vinha
sendo ultimamente, sim, eu sabia que teria que dizer a ele que havia descoberto
sobre seu noivado, mas não precisava falar isso através de uma mensagem.
Ainda podia me divertir com aquelas mensagens ridículas que trocavámos.
Eu ainda usava meus fones quando me deitei sobre uma das poltronas para
relaxar e meu celular tocou com uma nova chamada.
— Lola, querida?
Revirei os olhos.
— Eu sei, eu sei.
Elaine nunca foi mais que um protótipo de mãe. Isso é um fato. E eu sei que
está na hora de parar de relevar suas atitudes e lhe explicar a situação crítica em
que nos encontramos.
“Infelizmente.”
— Sim, e você?
— Estou ótima.
Ele tem noiva. A partir do momento que eu soube disso, seu sorriso deveria
parar de ter qualquer efeito sobre mim, mas não, ele continuava a parecer
tentador; um convite ao pecado.
— O quê?
— Não é capaz de conversar comigo em outro lugar que não seja a tela de
bate-papo do seu celular? — esclareceu.
— Sim.
Meus lábios se entreabriram para lhe dar uma resposta, mas eu os fechei
rapidamente para me obrigar a pensar sobre a evasiva que pretendia lhe dar.
Seria a primeira vez que conversaríamos de verdade. E eu não poderia mentir
para mim mesma e dizer que não estou curiosa para saber como ele agiria depois
daquele beijo... E das mensagens que trocamos.
— Será apenas uma bebida. Nada de mais — repeti para mim mesma
enquanto percorria o corredor até o salão do meu andar.
Avistei-o ao longe e segui para a mesa que ele estava me esperando. Repeti
para mim mesma que não havia nada de mais em encontrar um colega de
trabalho para beber algo. Eu apenas queria conhecê-lo um pouco mais, não
deixaria que nada entre nós acontecesse. Nunca me sujeitaria a ser a outra.
— Sim. — Aaron fez um sinal para o garçom e se voltou para mim. — O que
quer beber?
— Algum problema?
Talvez uísque fosse uma bebida um pouco forte para se tomar no primeiro dia
de trabalho da semana.
— Algumas coisas podem ajudar nisso — ele disse. — Tipo não fazer o
trabalho dos outros.
Revirei os olhos e suspirei. Sabia que ele estava certo, mas ele não entenderia
porque eu faço isso, então eu não tentaria explicar.
— Sabe do que você precisa? — perguntou antes de levar seu copo aos lábios
e sorver um pouco de sua bebida. Aquilo levou minha atenção à sua boca. E
pensamentos impróprios sobre o que ele poderia fazer com ela.
— Achei que você diria algo relacionado a livros — ele murmurou ao chamar
o garçom.
— Como pode ter uma opinião formada sobre algo que não conhece?
Até agora.
— Ok. Embora não tenha vivido algo tão, digamos, diferente, sei exatamente
do que se trata... — expliquei. — E falamos sobre isso. É pelo controle. Eu não
deixaria ninguém controlar nada em minha vida. Sou capaz de decidir o que
quero.
— O que foi?
— Primeiro você diz não gostar de sexo, mas agora parece ser adepta a sexo
casual.
Revirei os olhos.
O sorriso que ele deu depois disto me fez sentir uma pontada no baixo-ventre
e um inegável calor entre as pernas. Suas palavras ecoaram em meus ouvidos
trazendo lembranças do sonho que me tirou o sono na madrugada daquele dia.
Pedi silenciosamente que ele não tivesse percebido o arrepio que atravessou meu
corpo após aquilo. Por sorte meu sutiã escondia perfeitamente meus seios
intumescidos.
Fingi procurar algo na bolsa e decidi pegar meu celular. Já eram mais de nove
da noite e aquela me parecia uma boa desculpa para fugir dali o mais rápido
possível.
Peguei meu copo e bebi o que restava de chope. Seu olhar dedicado a mim
agora era demasiado intenso para o meu gosto, percebi quando deixei o copo
sobre a mesa novamente. Perguntei-me o que passava por sua cabeça naquele
momento.
Agradeci mentalmente por minha casa ser apenas a algumas quadras dali e
não estar tão tarde, assim poderia ir andando e não precisaria gastar com táxi.
Aaron não fez objeções ou mais comentários. Apenas colocou dinheiro sob
seu copo de uísque e seguiu meu exemplo quando levantei.
Saímos juntos do barzinho. O frio quase cortante me fez fechar o casaco
rapidamente. Voltei-me para ele para me despedir.
Fitei-o sem acreditar no que estava sugerindo. Ele se virou ao perceber que eu
não o seguia e perguntou:
— Não espera que eu a leve em meus braços, não é? — ironizou.
Olhei para a rua praticamente deserta e ponderei sobre minhas opções. Com
toda a certeza seria mais seguro estar acompanhada durante o percurso pelas ruas
desertas que levavam à minha casa. Decidi que definitivamente não gostaria de
seguir sozinha por aquele caminho e comecei a andar.
Naquele momento entendi onde ele havia me visto correr. Há uma praça à
frente de seu prédio, eu estava lá hoje.
Como o fato dele morar tão próximo de minha casa passou despercebido a
mim enquanto eu lia aqueles papéis no sábado?
A resposta para aquela pergunta estava pronta assim que ele a fez.
— “Ninguém pode fazer com que você se sinta inferior sem o seu
consentimento.” — Quando voltei a encará-lo, ele parecia surpreso. — Vovô me
disse isso quando eu tinha oito anos.
Eu não sabia por que estava lhe contando isso e, de verdade, não sabia ao
certo como chegamos a esse assunto e sem restrições lhe contei sobre minha
vida.
Seu celular tocou, mas ao ver de quem se tratava ele o desligou. Pela cara que
fez, imaginei que fossem apenas problemas — eu fazia a mesma cara quando
recebia uma chamada de mamãe. Era a segunda vez que eu o via desta forma.
— É, mas você não me conhece. Não pode ter tanta certeza ao dizer algo
sobre mim. — Viramos à esquerda, no fim da esquina, e agradeci por faltarem
apenas duas quadras.
Ele só poderia estar mesmo brincando. Convivi anos com vovô me dizendo
que deveria ser imprevisível, pois assim seria mais fácil chegar onde quisesse.
No entanto, hoje até mesmo ele concordaria que eu não deveria ter levado suas
palavras tão ao pé da letra.
— Descobri muitas coisas a seu respeito a partir de suas atitudes —
continuou.
— Tipo? — arrisquei.
O que ele disse não era mentira, entretanto, o que eu disse também não era.
— Talvez — anuiu.
Pensei em algo para dizer a seu respeito. Afinal eu também devia saber de
algo sobre ele, mesmo que fosse bobo.
Alguns segundos se passaram e tive tempo suficiente para refletir sobre o que
ele dissera. Eu realmente concordava e cheguei à conclusão de que pensei assim
durante muito tempo.
— Por quê?
— É mais aprazível ouvir seus argumentos sem sentido. — Sua expressão era
tão séria quanto a minha se tornou naquele momento. Não era para ser
engraçado.
— Meus argumentos são bons, a questão é que você somente aceita a sua
opinião como certa.
Uma fúria me subiu à cabeça ao vê-lo sorrir com insolência. Era isso que ele
queria. Enfurecer-me.
Cheguei ao outro lado e antes que pudesse finalmente abrir o portão, ele me
alcançou.
— Acabei de perceber que foi uma péssima ideia aceitar sair com você, só
para começar — respondi.
Fiquei diante do meu portão apenas fitando a figura alta de ombros largos
seguir rua afora, sentindo-me completamente confusa e desentendida. Estúpida,
na verdade. Buscando inutilmente compreendê-lo.
“Nem tudo é como você quer
Durante muito tempo este dia da semana era o mais aguardado por mim e, de
fato, continuava sendo. No entanto, desta vez havia preocupação mesclada à
felicidade de ver vovô novamente.
O desfoque era o que eu mais gostava. Pois acreditava que a mais bela e
verdadeira imagem deveria representar aquilo, o desfoque existencial de tantas
coisas a cada um de nós.
Retribuí e agradeci por aquele ser um dos dias em que ela lembrava da minha
existência.
— Vou pedir que o diretor fale para ele vir me visitar com Ricardo da
próxima vez. — E seu sorriso estava de volta. — João disse que Ricardo veio me
visitar. Mas que eu estava em consulta, então ele prometeu voltar no sábado à
tarde.
— Estou bem, juro — respondi com a voz abafada por seu casaco. — Só
estava com saudade.
Vovô jamais tentara me colocar contra ela, mesmo tendo inúmeros motivos
para fazê-lo. Mamãe era sua nora, e após a morte de papai, quando eu tinha
apenas cinco anos, ela simplesmente decidiu que ainda tinha muito que viver
antes que a morte também decidisse levá-la. O que ela esqueceu é que tinha uma
filha, uma criança que ainda precisava dos cuidados de uma mãe.
— Não sei — respondi sincera — Eu... estou cansada, vovô. Você sabe que é
um círculo vicioso — lembrei-o. — Ela vem nos visitar. Age como se fosse a
coisa mais normal do mundo ser tão ausente em nossas vidas. Ignora os
problemas que precisamos resolver. Nós brigamos e ela vai embora. Novamente
e novamente.
— Sei que é mais forte que isso, querida — ele disse com a voz baixa em
meu ouvido e fechei os olhos. — Sua mãe não é motivo suficiente para deixá-la
assim — insistiu.
Eu tenho certeza sobre o que ele faria quando descobrisse que papai
hipotecou a casa em que ele morou com minha avó e depois me criou. Essa seria
demais para ele.
Talvez meu curso na faculdade estivesse de bom tamanho.
— Pare com isso, essa não é minha garota! — advertiu-me. — É claro que
você conseguirá. Eu estou aqui para ajudá-la de qualquer forma. Você sabe,
tenho minhas economias. Tudo o que guardei durante anos, minha filha, é pra
você.
Há cerca de quinze minutos meu celular vibrou com uma nova mensagem.
Mas eu sabia que não era Aaron, pois eu não o vi durante todo o dia de hoje.
Certamente ele não estava na empresa. Sendo assim, as chances de ser alguém
me pedindo ajuda sobre isso ou aquilo seriam maiores. Portanto, preferi não a
ler.
Apenas quando meus olhos começaram a arder sob os óculos, percebi que
estava há muito tempo lendo e concentrada nas palavras que passavam
fervorosamente em minha mente e formavam frases e parágrafos que
rapidamente eram compreendidos por mim.
Já estava na décima quinta página quando decidi tomar uma xícara de café.
Olhei o relógio em meu pulso e vi que já eram quase nove da noite.
Peguei-a com cuidado e virei-me para voltar ao salão que minha mesa ficava.
Procurei nas gavetas algo que me ajudasse a limpar a bagunça que havia
feito, abrindo uma de cada vez.
— E o que está fazendo aqui a essa hora? — inquiri tirando uma flanela de
uma delas.
Pedi silenciosamente para não ser perceptível aos seus olhos que eu estava
evitando encará-lo.
— Precisei concluir uns trabalhos — expliquei mesmo sabendo que não faria
diferença.
Talvez tenha sido uma péssima ideia ficar aqui até tarde.
— Não, obrigado.
Encarei-o após lavar as mãos e o encontrei já me fitando atentamente.
Sustentei seu olhar enquanto fechava as portas de minha mente e mantinha
minha expressão serena, não deixando espaço para sua tentativa de descobrir o
que se passava por minha cabeça.
“Que oportuno”, pensei. A mensagem foi enviada antes das sete da noite.
Inferno!
— Por que não me avisou sobre a atualização? — perguntei em voz alta para
que ele pudesse me ouvir.
— Por que você não admite que também sente essa tensão, Lola? —
provocou e não precisei me esforçar para perceber seu sorriso provocador.
— Lola — ele disse meu nome em um sussurro, e o seu rosto estava muito
próximo ao meu.
Senti a maciez de seus lábios beijarem suavemente minha face, meu peito
subiu e desceu com respirações pesadas e suspiros de deleite. Aquele simples
contato enviou rapidamente prazer a todo o meu corpo.
— Maldição! — ele murmurou contra meu ouvido. — Não pode ser normal
eu te querer tanto assim.
— Tudo bem — ele disse fazendo-me dar um passo para trás. Seus dedos
roçaram meu lábio inferior e sua mão seguiu para minha nuca. Ele aproximou
meu rosto do seu. — Seu corpo responde melhor que qualquer palavra agora —
concluiu.
Um pequeno feixe de luz causado pela persiana de uma das janelas iluminou
parcialmente seu rosto enquanto ele acabava com o pouco espaço entre nós. Em
apenas um segundo, tudo o que fui capaz de fazer foi sentir.
Suas mãos me tocarem suave e lentamente sobre o tecido da saia, quando era
perceptível que ele estava apenas procurando a extremidade mais próxima para
tirar aquilo de seu caminho. E quando ele encontrou, pude confirmar que estava
certa.
Sentir seus lábios provocarem os meus com beijos nos cantos de minha boca.
Beijos que somente encontraram o lugar certo quando desisti de manter o
controle sobre mim mesma, agarrei seu blazer e o puxei para mim.
Quando seus dedos ergueram o tecido que cobria a parte inferior de meu
corpo e acariciaram desta vez minha pele nua, gemi baixo contra sua boca. Um
arrepio levou prazer a pontos inimagináveis de meu corpo e me lembrou de que
a mulher libidinosa dentro de mim, ainda vivia.
Retribuí o novo beijo e mantive seu corpo próximo ao meu quando dei outro
passo para trás a fim de encostar-me à mesa e ficar sobre ela. Enlacei sua cintura
com minhas pernas e ele acabou com o beijo puxando meus lábios para si.
Com a respiração entrecortada dei-me conta de seu cheiro e do quanto ele era
bom, só não consegui dizer o que estava misturado ao seu perfume cítrico. Sabia
somente que havia gostado, pois combinava perfeitamente com o quanto ele era
másculo.
Aaron beijava minha garganta e seguia devagar por minha clavícula até meu
pescoço, quando me dei conta de que ele tirava minha calcinha.
Inferno! Eu estava ciente de que não era capaz de acabar com qualquer coisa,
e nem gostaria. Eu queria apenas aproveitar os movimentos compassados e
ritmados que me permitiam desfrutar tudo como deveria fazer. Era, de certa
forma, torturante a suavidade e a lentidão como ele me tocava. Mas as sensações
e o prazer proporcionado a mim eram maiores a cada segundo. Era como se ele
não tivesse pressa de acabar com nada agora. Como se quisesse prolongar o
momento o quanto pudesse. E por mais que uma parte de mim odiasse, eu
agradecia por isso.
— Nua. — Sua voz foi tão incrivelmente baixa, áspera e rouca por causa do
desejo, que me surpreendeu.
Soltei seu blazer quando Aaron me beijou e desta vez pude sentir uma paixão
e desejo desenfreado tomar conta dele. Minhas mãos seguiram por seu peito
rapidamente até sua calça.
Em resposta ao seu toque gentil em meu sexo, abri a braguilha de sua calça e
foi sua vez de gemer ao perceber o que eu faria.
Foi difícil reprimir o novo som de prazer quando Aaron massageou meu
clitóris. Espelhando-se nos gestos anteriores e aumentando a deliciosa tortura.
— Seu corpo responde tão bem ao meu — ele disse ao morder o lóbulo de
minha orelha.
“Lola, ele tem uma noiva!”, meu subconsciente gritou para mim. O que você
está fazendo?
Baixei minha saia mais rápido do que achei ser capaz e agradeci por ainda
estar escuro o suficiente para ele não ver meu rosto.
— Por quê?
— Você tem uma noiva! Precisa que eu o lembre disso? — perguntei alto
demais — Não serei a maldita outra.
— Eu tinha a droga de uma noiva — ele disse e agradeci por estar de costas
quando meu queixo caiu.
“Eu não o conheço tão bem quanto gostaria”, lembrei-me. “Ele pode ser um
ótimo mentiroso.”
— Eu não queria te transformar na outra — continuou lentamente. — Apenas
achei que havia encontrado a mulher certa para o que queria.
“Por que infernos eu retribuí se já sabia que ele era comprometido?”, meu
subconsciente indagou em um tom de acusação.
Respirei fundo uma vez e concordei que aquela deveria ser uma cena ridícula.
Oh diabos!
Meu corpo não deveria continuar respondendo ao seu, pelo menos não desta
forma.
Segurei minha bolsa com mais força e, diante de seu silêncio, decidi sair.
Fui até a saída de emergência e desci os oito andares. Mas, infelizmente, nem
mesmo todos aqueles lances de escadas me deixaram mais ofegante que os
beijos que havíamos trocado.
Foi mais fácil ignorar o mundo a minha volta quando percebi que Aaron não
ocupava a sua cadeira à minha frente — desde que precisou fazer a mudança no
antivírus dos computadores da empresa, ele ficava a maior parte do dia na sala
de controle.
Agradeci ao ver que já estava na hora de ir embora. Peguei minhas coisas e
saí apressada, mais cedo Brenda e Elisabeth haviam me intimado para uma noite
das garotas e eu não tive escolha senão aceitar. Não após elas me deixarem sem
saída com os argumentos que utilizaram.
— Eu tenho Minha Mãe Quer Que Eu Case e Plano B. Por qual vocês
querem começar? — perguntou sentando-se ao meu lado e Brenda sobre o braço
do sofá.
— Lola, eu acho que conheço uma mulher que acabou de ser fodida, minha
querida. E você estava definitivamente com cara de quem havia sido
perfeitamente fodida — Brenda devolveu.
Revirei os olhos e bufei, antes que pudesse continuar negando, Elise disse:
— Não ouse mentir para nós! Somos suas melhores amigas! — Fez uma
pausa. — Sempre contamos tudo — lembrou-me.
Aquela vaca sabia que aquele tom e aquelas palavras sempre conseguiam me
convencer.
— Eu já disse: não transei com ninguém! — insisti.
— Dolores Dias, que inferno este homem fez para te assustar? — Foi a vez
de Elise.
— Por quê? Por que estavam no trabalho? Faça-me o favor, quem nunca quis
fazer sexo no trabalho? — Franzi o cenho e Brenda e eu olhamos para ela, que
teve a decência de corar. — Não tente desviar do assunto principal!
— O maldito tem uma noiva, estão satisfeitas? Eu não podia deixar aquilo
acontecer! Antes que o último fio de bom senso me abandonasse, eu lembrei
deste pequeno detalhe! E não podia simplesmente continuar!
Elas me encararam boquiabertas e me afastei para tentar respirar um pouco.
Fui para a janela no canto da sala do apartamento e fechei os olhos.
Inferno!
Eu não deveria me sentir tão bem depois de dividir isso com outras pessoas.
— Não — respondi sabendo que era verdade — Eu não gosto dele. Eu acho
que o que sentimos é recíproco, mas não passa de um desejo sem sentido,
entendem?
Assentiram.
— E como ele lida com isso se tem uma noiva? — Elise indagou em voz
baixa.
— Eu não sei. — Fiz uma pequena pausa para pensar. — Mas aquele homem
exala problema, não vou adicioná-lo à minha lista de prioridade de solução.
— Sabe exatamente como e onde me tocar para me fazer ver estrelas — ela
disse fazendo-nos rir. — Sério, o cara tem uma pegada dos deuses!
Já era tarde quando me arrastei para fora da cama, a fim de tomar banho e me
arrumar para ir visitar vovô.
Diabos!
Encontrei meu celular piscando sobre o balcão que separa a cozinha da sala.
Quando o peguei para verificar de quem era a mensagem, me surpreendi ao ver o
nome de Aaron. Então, respirei fundo uma vez e a abri:
Como ele sabia das minhas planilhas? E por que estava me perguntando isso?
Suspirei cansada ao ler aquilo. Onde ele queria chegar? E por que estava
falando assim?
“Pretendo apresentá-las na reunião de pessoal daqui a três semanas. Elas
diminuem a quantidade de planilhas já existentes e facilitam o trabalho que
temos de alimentá-las. Agora, POR QUE ESTÁ ME FAZENDO ESTAS
PERGUNTAS?”
“Claro. Eu já deveria saber que a workaholic teria algo a ver com isso.”
Franzi o cenho ao ler aquela mensagem. Escrevi uma resposta, mas desisti de
enviá-la. Quando tentei voltar para ler sua primeira mensagem novamente,
percebi que todas haviam sumido. Todas as mensagens que trocamos. Pensei em
perguntar o que ele havia feito, mas desisti. — Respirei fundo e acenei em
negativa para espantar os pensamentos que vieram a mim e deixei o celular
sobre o balcão novamente. O idiota não me responderia nada.
Tomei coragem e liguei para o mesmo número. Cada célula do meu corpo se
tornou apreensiva e a preocupação me dominou enquanto chamava.
— Bom dia, eu recebi uma ligação daí, mas não pude atendê-la. Gostaria de
saber do que se trata.
— Você é parente de algum dos nossos pacientes?
Meu corpo inteiro relaxou quando percebi o seu sorriso. Certamente era
Antônio, o diretor da casa de repouso.
— Mas hoje?
— Isso. Parece que ele só tem os sábados para visitar a mãe e como já
conhece o seu avô, pediu que ele fosse junto. É que... — Ele fez uma pausa. —
Desde ontem, Mabel não lembra que tem dois filhos.
Respirei pesadamente.
— Outras, ela pede que a deixemos ir embora... Apenas João tem algum
controle sobre ela.
Limpei a lágrima fina que rolou por meu rosto. Eu já havia presenciado algo
assim. A mudança em Mabel era drástica e isso machuca não só a mim, mas ao
vovô também. Os dois se conhecem desde a juventude, por isso ela lembra
apenas dele naquele asilo.
— Tudo bem. Preciso ir até aí para assinar algo? Para autorizá-lo a sair? —
inquiri um momento depois.
— Sim. Mas, como sei que vem na terça-feira, vou deixar os papéis
preparados para que assine neste dia.
— Eu agradeço muito... Quando vovô voltar, pode, por favor, pedir que ele
me ligue? Eu gostaria de ao menos falar com ele.
— Igualmente. — E desliguei.
Droga! Doía até mesmo imaginar como vovô estava se sentindo agora.
Tentei prestar atenção no que fazia, mas acompanhei os dois com o olhar
enquanto andavam rapidamente na direção do elevador. Foi perceptível a mim
quando seus lábios se moveram e formaram o meu nome.
Levantei-me rapidamente e segui para o elevador, sem nada, foi o que ele
disse.
Bati na porta duas vezes antes que minha entrada fosse permitida. Tentei
esconder minha surpresa ao ver Aaron ao lado do Sr. Otávio Soares, e os
cumprimentei:
— Bom dia.
Aaron estava em um canto agora, com os braços cruzados e uma das mãos
sobre os lábios. Ele parecia pensativo e preocupado ao mesmo tempo. Aquilo me
surpreendeu. Foi a primeira vez que o vi assim.
Os olhos verdes atrás dos óculos de aro grosso, nunca pareceram tão
assustadores. Na verdade, a figura mediana e careca à minha frente, nunca
parecera tão assustadora.
Ele trocou um olhar com Aaron, que não fez nada além de retribuir o olhar.
— Agora sim — minha voz foi um pouco mais baixa desta vez.
— Por que fez isso? — continuei a olhá-lo nos olhos enquanto respondia.
Franzi o cenho e olhei para Aaron que, desta vez, parecia usar uma máscara
impenetrável.
— Renata falará com você mais tarde — meu chefe repetiu e me obriguei a
levantar.
Suas palavras reverberaram por minha mente enquanto eu saía. Antes que
fechasse a porta atrás de mim, ouvi Aaron dizer:
— Creio que agora acreditou.
Depois uma nova lembrança surgiu. Renata trabalha no RH. Então eles
decidiriam juntos o que fazer conosco? Eu seria demitida mesmo?
Diabos!
"Quando a tarde toma a gente nos braços
(Fotografia – Leoni)
Depois do almoço, Renata me ligou e pediu que eu fosse até sua sala.
— O quê? Do que está falando? — Franzi o cenho enquanto ela voltava com
uma folha de papel nas mãos.
A porta foi aberta novamente e seus colegas de trabalho entraram,
provavelmente voltando do almoço.
Ela fingiu não ouvir minha pergunta e bateu em sua mesa com uma caneta.
Percebi que havia uma folha sobre ela.
— Assine.
— O que é isso?
— Termo de confidencialidade.
Fechei os olhos e agradeci a Deus por ter me ajudado mais uma vez.
Voltei ao meu andar e peguei minhas coisas antes de sair. Ninguém fez
nenhuma pergunta e segui para o elevador agradecida por isso.
Eu tinha muitas perguntas para fazer a ele, mas já havia percebido que aqui
não é o melhor lugar para isso. Principalmente por não estarmos sozinhos.
Olhei para ele quando desisti de ignorar aquela vontade em mim e o encontrei
já me encarando. Seus lábios se moveram quando o elevador parou e entendi o
que ele disse:
Parei por alguns segundos, apenas para tomar água e mudar a playlist do
iPod. Suspirei e fitei a enorme praça. Havia um número considerável de pessoas
nela para uma segunda-feira, mas poucas estavam fazendo caminhada ou
correndo. Com o pôr do sol, as crianças e suas mães já começavam a recolher as
toalhas da grama e a organizar as cestas de piquenique — o que era estranho.
Crianças deveriam estar estudando e as mães trabalhando. Pelo menos eu achava
que sim.
— Não se preocupe, não vou forçá-la a nada. Além do mais, não pretendo
tocar em você até que me peça.
— Não acredito que vou falar de trabalho depois de ter saído de lá. —
Percebi seu humor mudar imediatamente quando ele começou a andar e o segui.
— Eu não odeio. Mas prefiro não trazer problemas do trabalho para casa e
vice-versa. — O divertimento de antes fora substituído pelo que reconheci como
cansaço e esgotamento. Até mesmo seu tom travesso se convertera à sarcástico e
incomplacente.
— Não, obrigada — tive que falar um pouco mais alto para que ele ouvisse.
— Não posso demorar — menti.
“Isso, você deve ficar longe dele. Ele tem noiva!”, meu subconsciente me
lembrou.
Noiva?
Suspirei e sentei-me.
— Eu já expliquei.
— Sim.
— Disse a Otávio que permiti que você fizesse o envio das planilhas, porque
sabia sobre as modificações que estava fazendo e... — ele interrompeu por um
segundo e semicerrei os olhos quando o vi levantar. — Eu disse que estava a
ajudando.
Estava me ajudando?
Eu fiz aquela droga de trabalho sozinha! E agora teria de ficar calada e aceitar
que ele levasse créditos por algo que eu fiz? Quando já aceitava que metade dos
funcionários daquele andar o fizesse?
— E não precisa agradecer — o tom cortante de sua voz fez com que todos
os xingamentos que consegui colecionar em poucos segundos, apenas para lhe
dizer, sumissem.
— Não deveria ter mentido — sussurrei ao deixar meu cantil sobre a mesa de
centro.
É claro que eu não queria que todos achassem que ele me ajudou com as
mudanças, mas eu queria menos ainda ser demitida.
— E então? — provocou.
Franzi o cenho.
— Alguém que tinha acesso aos arquivos que o pessoal do marketing havia
preparado para a nova versão da revista, o vendeu àquela editora americana. A
mesma que tentou comprar a nossa há alguns meses — explicou.
Eu lembro disso. Aconteceu meses atrás quando essa Gossip’s June tentou
comprar a editora do dono de nossa empresa — Mulher Moderna é uma
extensão de um grupo americano chamado Action. É a editora de revista em que
trabalho. Mas quem venderia essas informações à Gossip’s June?
— Otávio insistiu que você está envolvida em quase todo tipo de trabalho da
empresa.
Então o filho da puta é ciente disso? E age como se eu fosse uma funcionária
ruim?
— Agora que sabem que não fui eu, quem são os suspeitos?
— Do contrário?
— Serei demitido.
E ao ouvir aquela convicção e certeza em sua voz, eu não tive dúvidas de que
ele conseguiria.
— Percebi que se você fosse demitida, eu não teria uma colega de trabalho
para trocar mensagens safadas em um aplicativo da empresa.
— Seria o segundo lugar que procurariam algum tipo de contato entre nós.
— Você não presta — respondi tentando colocar uma expressão séria em meu
rosto. — Era o que pretendia desde o começo, não é?
— Eu não lhe pedi nada em troca do que fiz, até porque não acredito que
tenha feito nada de mais. Você afirmou que estava me devendo uma.
— Sim.
— Eu preciso ir.
— Vamos de carro porque hoje não estou com a mínima disposição para ir
andando e você não vai sair sozinha a essa hora.
— Ainda são sete da noite — falei as últimas palavras mais baixo quando seu
celular começou a tocar.
Mesmo que ele tenha se afastado para um dos cantos da sala, eu pude ouvi-lo.
Aaron.
Hesitei antes de dizer algo sobre isso e quando entendi, decidi me desculpar.
— Eu sinto muito.
Fiquei boquiaberta ante suas palavras e preferi não continuar com o assunto.
Percebi que ele definitivamente não tinha a menor intenção de falar sobre o
irmão.
Família não é um assunto fácil para muitas pessoas. Eu sabia disso porque
para mim era assim. Eu somente conheci o papai, meu avô e mamãe. Mas perdi
papai quando ainda era uma criança e de certa forma, perdi mamãe também.
Restara-me apenas vovô. E mesmo que eu me orgulhasse de tê-lo comigo, a falta
de uma mãe e, às vezes, até de meu pai, me machucava muito — Por mais que
eu não admitisse que estivesse sempre reprimindo sentimentos como esse.
Agora sei que Aaron parece não ter uma história feliz com sua família. Pelo
menos não completamente feliz.
Eu participo”
— O quê?
O telefonema tem algo a ver com sua noiva? Não... Aaron disse que não tem
uma noiva.
Ele não desviou os olhos dos meus. Na verdade, pareceu me fitar mais
atentamente que antes.
Aquilo me fez ficar em silêncio. Engoli em seco e procurei por algo para
dizer.
— Não achei que você seria sincero — comecei. — Aaron, nós quase
transamos naquela noite. Você nunca diria que tem uma noiva, pois sabia que eu
acabaria com o que estava acontecendo.
— É o que acha?
Tudo bem. Eu sabia que não queria compartilhar meus problemas com ele. Na
verdade, não gostaria de compartilhá-los com ninguém. Mas o que Aaron
escondia? O que poderia ser tão pessoal e doloroso a ponto de torná-lo tão
reservado?
— Naquele dia, eu lhe expliquei. — Desta vez seu cenho estava franzido
enquanto ele parecia lembrar. — Quando conversamos, eu lhe disse que não
tinha uma noiva e, mesmo assim, você fugiu.
— Onde você quer... — tentei novamente, mas preferi não concluir.
Fechei os olhos ao recordar-me. Inferno! Por que diabos ele estava voltando a
falar nisso?
Maldição!
— Odiei achar que seria a outra, e mais ainda, pensar que eu deixei que me
tocasse quando sabia que você tinha uma noiva — admiti por fim.
Eu só queria dormir com ele, e ele queria o mesmo. O que poderia ser tão
irrevogavelmente difícil de aceitar, ainda mais agora que sei que ele não tem
uma noiva?
Em teoria era tudo muito simples. Pelo menos, segundo o que ele dissera da
última vez. Mas na prática... Na prática só saberei se tentar — percebi.
“Não é capaz nem mesmo disso, Lola?”, meu subconsciente repetiu diversas
vezes em minha mente.
Aaron ficou em silêncio. Seu esforço para esperar minhas novas palavras foi
irrefutável.
— Eu aceito.
Não acreditei que estava sorrindo por suas palavras até ouvi-lo praguejar por
causa da pouca distância entre nós. Entre beijos em meu pescoço, ele pediu em
voz baixa:
Diabos! Eu estava mesmo tão desesperada assim apenas para que ele me
tocasse novamente? Descobri que não gostaria de saber a resposta.
Com a mão direita ele transitou por minha calça de moletom. Apertando
minha coxa enquanto seguia para a minha cintura.
Meu corpo inteiro estremeceu sobre Aaron quando percebi o que ele faria.
Mas não tentei impedi-lo de nenhuma forma. Apenas retribuí o beijo enquanto
sua mão adentrava minha calça e, em seguida, minha calcinha.
Gemi contra seus lábios quando ele tocou meu clitóris e o massageou
lentamente. Rapidamente deliciosas e avassaladoras ondas de prazer me
preencheram.
E eu o fiz.
Um som um pouco mais alto de prazer fugiu de meus lábios e cerrei os olhos
— ou aquilo era realmente infinitamente prazeroso, ou eu não era tocada do jeito
certo há muito tempo. Desconfiei se tratar de um pouco de cada opção. Mas
percebi que se continuasse com aqueles sons a cada pequeno movimento seu,
Aaron perceberia que há muito tempo eu não fazia sexo.
Minhas unhas arranharam suas costas sobre a camisa preta que ele vestia.
Encostei minha testa a sua enquanto tentava lidar com tudo o que estava
sentindo, mas foi impossível. A cada segundo que passava suas investidas
ficavam mais rápidas e indubitavelmente mais prazerosas.
Gemi mais alto quando ele roçou meu ponto G, e o fez de novo segundos
depois.
— Ah, meu Deus, Aaron. — Tentei fechar minhas pernas, mas ele não
permitiu.
— Gosta?
— Sim.
Apenas assenti.
— Então diga.
— Posso vir à sua casa amanhã? — pediu com a voz mais rouca que antes.
— Não, Lola. — Ele me impediu após minha primeira carícia na parte de seu
corpo que ainda queria atenção.
— Por quê?
Não tive tempo de protestar. Quando percebi, seus lábios já estavam nos
meus e eu retribuía seu beijo. Intenso, mesmo com o quê provocativo que me fez
desejar mais.
Peguei meu cantil do canto que estava e Aaron destravou a porta para mim.
Senti seu olhar sobre mim através dos vidros opacos do carro. Tentei
descobrir qual seria sua expressão e apostei no mesmo sorriso satisfeito de
segundos atrás.
Eu sabia que já estava encharcada pela chuva que continuava a cair e decidi
entrar de uma vez, antes que ficasse resfriada. Ouvi o carro dar partida e
encostei-me no portão enquanto ele se afastava.
Eu fiz mesmo isso? Pressionei minhas pernas uma à outra e a resposta foi
automática.
Neste momento, o homem que estava com ela se voltou para mim. Era
relativamente jovem e bonito. Eu não lhe daria mais de trinta e cinco anos a
julgar pela barba em seu rosto. Era moreno, não muito mais alto que ela.
— Achei que viesse apenas no feriado — foi o que eu lhe disse. — E não
imaginei que desta vez traria visitas.
— Este é Marcos, acho que lhe falei dele. — Apertei a mão do homem e dei-
lhe um sorriso forçado. — Marcos, esta é minha filha, Dolores.
— É ótimo saber que começou a ouvir meus conselhos, querida — ela disse
tentando se aproximar para me abraçar novamente, mas me esquivei antes que
ela conseguisse chegar perto demais. — Lola, você, mais do que ninguém, sabe
que seu avô estava apenas atrasando a sua vida.
Apertei os olhos para ela e engoli as palavras que dariam início a uma nova
discussão nossa.
Calma, Lola. Lembre-se das palavras do vovô. Tente não se importar com o
que ela diz. Com o que ela faz.
Ela nunca trouxe nenhum de seus affairs para casa, até porque dificilmente
estava com um deles quando vinha — desconfio que esse seja o motivo dela
voltar. Não ter uma diversão longe daqui.
***
— Antônio. — Apertei sua mão que me foi estendida e retribuí seu sorriso.
— Como está?
— Estou bem — fiz uma pausa enquanto ele ligava para sua secretária e
pedia duas xícaras de café. — Vim apenas para assinar a autorização de saída de
vovô. A que ficou pendente — lembrei-o.
Parei um momento, apenas para pensar e lembrei que ontem saí para correr e
levei apenas o iPod.
— Está muito melhor, não se preocupe. Como eu disse, foi apenas um mal-
estar passageiro.
— Me repassou uma lista de comprimidos que o Sr. Dias terá que tomar
diariamente. E pediu que nos atentássemos à quantidade de sal em suas
refeições, assim como o açúcar. Como já sabe, seu avô tem diabetes.
— Marcamos uma consulta para ele em uma clínica conveniada para o fim do
mês.
— Ótimo. Fico mais tranquila por saber disso. Obrigada — agradeci.
— Tivemos que dar um calmante a ela ontem, pois ficou muito agitada por
causa de seu avô.
— Entendo. Se não há mais nada a dizer, vou ao quarto do vovô, tudo bem?
Apertei sua mão quando ele me entregou a receita e saí — guardei-a na bolsa.
Segui para o quarto de vovô.
Um sorriso fraco surgiu em meus lábios ao vê-lo. Senti meus olhos ficarem
marejados, mas recusei-me a chorar. Ele estava bem. Parecia apenas um pouco
cansado e talvez abatido, mas isso, com toda a certeza, melhoraria com o passar
do dia.
— Bom dia — sussurrei quando ele se levantou de sua cadeira e sorriu para
mim.
Sorri ao ouvir aquelas palavras. Ele sempre as dizia para me lembrar que uma
hora ou outra eu teria que me casar. E decidiu proferi-las agora também.
Quando me sentei em sua cama e ele foi até sua cadeira, eu já estava um
pouco menos preocupada.
— Querida, já são quase nove da manhã — ele disse ao olhar para seu
relógio. — Você não vai se atrasar para o trabalho?
Hesitei por um momento e decidi não lhe contar o que acontecera. Neste
momento evitaria o máximo falar de coisas ruins — o que incluía falar da
chegada de mamãe.
— É verdade. Ela não se lembrou dele quando o viu, mas não o tratou mal.
Mabel conseguiu concluir o quadro em que pintava seu filho e quando o viu,
achou que se tratava de um modelo.
— A família dela deve estar sofrendo muito com o que está acontecendo.
— Ela tem apenas Ricardo, querida. O marido foi um monstro desde sempre
e, por sorte, ela dificilmente se lembra dele — explicou. — Mabel sofreu anos
nas mãos de um bastardo que se achava dono do mundo apenas por ter dinheiro.
Mordi os lábios ao perceber que aquela era uma dor de Mabel, mas
compartilhada por meu avô.
— Ela está muito melhor agora que antes, tenho certeza — concluiu.
— É claro que está! Ela tem o senhor e tem o filho que ama e não a
abandonou...
— Você sabe que ela tem um carinho especial por você, filha.
— Sim, eu sei. E eu por ela, vovô. Mabel é como uma mãe que encontrei há
um ano — sussurrei.
— Vá visitá-la antes de ir embora — pediu.
— Vovô!
— Só vou fazer isso por você e meus bisnetos, deixe isso claro para aquele
arrogante de jaleco.
— Se sentir qualquer coisa fora do normal, peça que me liguem, por favor —
pedi antes de soltá-lo.
— Ao senhor também.
Eu passei o último Natal na casa da família Torres e sua mãe era tão vaidosa e
cuidadosa no que dizia respeito à sua beleza quanto a minha mãe. A senhora Ana
não quis sequer que lhe fizessem uma festa de aniversário. Segundo ela, a partir
de certa idade, a quantidade de anos de uma pessoa passa a não ser comemorada.
— E de fato, nós nos dávamos. Mas percebi que ele não gostaria de ter um
relacionamento sério, entende? Então eu disse a ele que agora poderia aproveitar
para ficar com quem quisesse. Se um dia estivesse disposto a algo mais sério e
eu também estivesse livre, poderíamos tentar novamente.
Talvez não fosse tão doloroso para ela, porque desde o começo os dois
sabiam o que queriam um do outro.
Sua boca se abriu num “o” e Bree precisou de um momento para se recuperar.
— Que seria?
— Sexo.
— Você é uma vadia, Lola! Como começa a contar algo assim e não querer
dizer nem mesmo o nome dele?
— Não vou criar expectativas quanto a ele, Brenda! É apenas sexo e será
assim até que um de nós enjoe. Você e Elise vão inventar significados para tudo
o que ele fizer e, se souberem a identidade dele, provavelmente o manterão em
seus radares oito horas por dia na empresa.
Incrível como, sobre isso, eu não possuía reserva alguma de contar para as
minhas amigas. Quando, em outros aspectos da minha vida, eu preferiria
encerrar o assunto sem entrar em qualquer tipo de detalhe.
A jovem que acompanhava a mulher não poderia ter mais que dezoito anos e
chorava enquanto tentava acordar a mãe.
— Obrigada. Eu... Eu não sei o que fazer para acordá-la, ela está doente,
mas... — eu a interrompi.
Voltei-me para a garota que acariciava os cabelos da mãe, ela estava pálida —
a menina estava ligando para alguém.
Fechei os olhos sem acreditar naquilo. Não podia ser o mesmo Aaron.
Entreguei a bolsa da mulher à jovem e ela agradeceu antes de sair atrás dos
homens que levavam sua mãe.
Teu olhar
Era pouco mais de seis da tarde quando cheguei em minha casa — já havia
deixado os remédios de vovô no asilo.
Até agora não sabia se ligava para Aaron e avisava sobre minha mãe ou se o
esperava me ligar e avisar que não poderia vir por causa de sua mãe; se é que era
sua mãe. Mas se Aaron não ligou, era porque viria e eu, consequentemente,
estava completamente enganada em relação à sua família.
A casa parecia silenciosa demais. Mamãe e seu “namorado” devem ter saído.
Fechei os olhos ao lembrar que uma hora ou outra precisaria conversar com
ela — desta vez sem brigas, de preferência.
Tirei o casaco e fui até meu quarto para deixar minhas coisas. Trouxe apenas
o celular, para o caso de alguém ligar.
Ouvi batidas na porta e, antes de abri-la, vesti uma blusa azul com mangas
até os pulsos e tirei a toalha dos cabelos.
Abri a porta o suficiente para deixá-la passar e respirei fundo antes de voltar-
me para ela.
Estranhei o que ela disse, pois foi a primeira vez em anos que ela mencionara
papai.
Engoli em seco e fingi não prestar atenção na forma que ela tocava os móveis
e objetos de meu quarto enquanto visivelmente divagava em lembranças.
— Gramado?
— Eu queria avisá-la antes, pois sei que terá que ir trabalhar cedo, como fez
hoje, e provavelmente não nos veremos.
— Tudo bem.
— Sei que não há muitos turistas lá agora, mas Marcos quer conhecer a
cidade.
— Um colega de trabalho.
Às vezes a distância que nos separava parecia ser apenas uma linha tênue
entre a sua pouca vontade de ser uma mãe de verdade e meu desejo de que fosse.
Em outras, eu diria que um oceano nos separava — e este era nossa grande
divergência de opiniões.
— Você é tão bonita, Lola. Tão jovem. Mas vai fazer com sua vida o mesmo
que...
“Seu pai estava tão apaixonado, querida. Tenho certeza de que faria tudo
por sua mãe, tudo...”
Ela ficou em silêncio ainda de costas para mim e percebi que tentava limpar o
rosto. Provavelmente estava chorando.
— Em que momento papai hipotecou esta casa?
Cerrei os olhos sem acreditar. Não podia ser. Não por isso... Por algo tão
trivial.
Como papai pudera ser tão inconsequente ao fazer isso? E ela, por que não
fez nada para contornar a situação quando descobriu?
Segui para a porta e a abri.
— Dolores.
Um silêncio desconfortável pairou sobre nós. Pareceram passar anos até que
ela cedeu e, sem nenhuma palavra, saiu.
Senti meus olhos queimarem em lágrimas, mas não me permiti chorar. Estava
farta daquilo. Dela, da sua forma de pensar e, principalmente, de suas atitudes.
Vi meu celular piscando sobre o criado-mudo e o peguei rapidamente.
Havia uma chamada perdida de Aaron e uma mensagem — desta vez deixada
para meu número de celular, em vez do programa da empresa.
Digitei em resposta:
“Tudo bem.”
Então ele possuía sim uma irmã e sua mãe estava doente.
Quando Elaine e Marcos saíram para ir ao restaurante, decidi seguir para a
sala. Sentei-me no sofá e liguei a TV para assistir uma série qualquer.
Já passavam de dez da noite quando verifiquei meu celular pela décima nona
vez e não havia mensagens novas ou ligações.
Eu não estava cansada pela demora de Aaron. Mas devia admitir que a falta
de aviso sobre os motivos dela, me deixava preocupada.
Sua irmã parecia preocupada e nervosa demais até mesmo para pensar —
desconfiei que aquela não fosse a primeira vez que aquilo acontecia.
Lembrei da forma que ele ficara pensativo ao dizer que sua mãe era bonita,
deixando claro que ainda vivia. Ele devia ser muito apegado a ela.
Precisei de alguns segundos para perceber que ele realmente estava aqui.
Levantei-me rapidamente e arrumei meus cabelos e minha blusa, que estavam
desalinhados. Respirei fundo ao ouvir batidas na porta e fui atendê-la.
— Aaron.
A porta foi fechada com um baque surdo — emiti um som baixo de prazer
quando Aaron colocou as mãos sobre minha cintura e, sem qualquer delicadeza,
trouxe meu corpo de encontro ao seu.
— Nada.
Tentei respirar fundo enquanto o seguia pelo corredor, mas foi em vão. Eu
ainda estava ofegante pelo beijo e desconfiava que ele não pretendia mudar isso.
Bastou apenas que eu o ouvisse fechar a porta, para que as batidas de meu
coração voltassem ao estado descontrolado de antes.
Tentei continuar imóvel enquanto ele baixava meu short. E sem dificuldade
saí dele.
— Lola, eu quero fazer tantas coisas com você — sussurrou em meu ouvido
enquanto seus dedos adentravam minha calcinha de forma lenta.
Gemi um pouco mais alto quando ele usou o polegar e o indicador para
esfregar meu clitóris. O que funcionou para deixar-me ainda mais excitada.
— Mas, acima de tudo, eu quero saber qual o seu gosto aqui. — Minhas
pernas fraquejaram por um momento quando ele rodeou meus lábios inferiores
apenas com um dedo. — Quero saber qual a sensação de ser apertado por sua
boceta, enquanto você goza para mim.
— Seja especifica.
Cerrei os olhos após o som de prazer que ele emitiu com minhas palavras e
seus dedos me abandonaram.
Aaron jogou minha roupa em um canto do quarto e com o dedo indicador ele
roçou a pele, agora mais sensível que o normal, de minha clavícula e, em
seguida, tocou o vale entre meus seios.
Levei minhas mãos aos seus cabelos mais uma vez quando sua atenção foi
direcionada ao meu pescoço e, logo mais, minha orelha. Onde ele mordeu o
lóbulo e sussurrou:
Peguei a camisinha que ele havia aberto para colocar em si e abaixei sua
boxer para colocá-la nele — mordi os lábios para reprimir o som de apreciação
ao vê-lo. Era bonito e macio, embora estivesse completamente rígido e excitado.
E eu queria beijá-lo e tê-lo em minha boca agora mesmo, mas sabia que a
necessidade de senti-lo dentro de mim era maior.
— Diga que está pronta e molhada para mim — mandou enquanto tirava-me
a calcinha molhada. — Diga, Lola! — repetiu. — Eu não fiz nada como planejei,
e embora esteja louco pra entrar em você, não quero machucá-la.
Não fui capaz de manter os olhos abertos ao senti-lo roçar minha entrada.
Meu corpo arrepiou-se inteiramente e meus lábios se entreabriram em um
gemido.
Eu queria tocá-lo de forma que lhe desse ainda mais prazer que nossa
posição, mas não conseguia. As ondas avassaladoras que me percorriam o corpo
estavam me levando ao ápice com uma velocidade surpreendente, deixando-me
sem qualquer saída, a não ser sucumbir a ele.
Somente percebi que Aaron havia tirado meu sutiã quando a umidade de sua
boca envolveu um de meus mamilos e ele o sugou. Cerrei os olhos quando o
orgasmo iminente fez com que minha pele se contraísse e o apertasse com força
diversas vezes antes que aquele prazer me dominasse por completo.
Gritei seu nome enquanto me sentia cair em queda livre por ele, para ele. O
desejo e a luxúria estavam em cada célula de meu ser.
Uma de suas mãos envolveu meu seio e o apertou, enquanto seu indicador e o
polegar instigavam meu mamilo.
— De novo, Lola... Eu quero que goze para mim mais uma vez.
Não tive tempo de dizer qualquer outra palavra para Aaron, pois seu nome
escapou de meus lábios de forma desesperada quando ele voltou a me incitar.
Suas mãos acariciaram minhas pernas, uma delas seguiu para a junção de
nossos corpos e ele tocou meu clitóris. Aquele toque fez com que um tipo de
prazer líquido e quente passasse a circular junto ao sangue em minhas veias.
Seus quadris se moveram e ele me penetrou de novo. Sua boca envolveu meu
seio direito e ele usou os dentes em meu mamilo desta vez.
Por alguns segundos senti como se estivesse perdida em meio a tudo o que
sentia, mas sua voz agiu como uma bússola e me guiou de volta a realidade.
— Lola...
Não sei o que exatamente me fez lembrar do que ainda estava acontecendo
fora das paredes de meu quarto. E eu sabia que não deveria tentar me envolver
ou me preocupar com o espaço vazio em minha mente sempre que eu tentava
descobrir e entender um pouco mais sobre o homem que beijava agora, mas eu
queria saber. E queria que ele me dissesse. Mesmo que, francamente, estivesse
ciente de que o assunto não era da minha alçada, e mais, que Aaron não o
dividiria comigo.
Ele não disse nada, apenas me fitou em silêncio e pareceu ter lembrado que
ainda estava dentro de mim.
Voltei a fitá-lo quando o senti passar um tecido fino e úmido entre minhas
coxas para me limpar — um gesto gentil demais para Aaron. Pelo menos, eu
achei que fosse.
— Então será assim? Você virá aqui e me fará gozar para esquecer o que quer
que esteja acontecendo em sua vida?
Talvez eu não soubesse ser mais sutil que aquilo. Aaron se levantou e fechou
a braguilha de sua calça, que continuava aberta. Segui seu exemplo e procurei
minhas roupas que estavam uma em cada lado do quarto. Decidi apenas vestir
um robe preto de uma camisola que ganhara de Elise no último Natal.
Desisti de ignorar sua presença e voltei-me para ele, que terminava de fechar
os botões da camisa.
— Eu só quero saber se está tudo bem — completei da forma mais suave que
consegui. — Você parecia preocupado quando chegou e não me deixou sequer
perguntar sobre isso antes... — Ele continuou a me fitar e concluí: — Eu sei, ok?
É apenas sexo. Mas isso quer dizer que terei de fingir que não percebo quando
algo está errado?
Lembrei de mais cedo. Sua irmã, sua mãe, o telefonema... A forma que ele
chegou em minha casa. A preocupação naqueles mesmos olhos castanhos.
— Lola, você está nua — ele murmurou entre beijos em meus lábios. Suas
mãos percorrendo meu corpo. — A idiotice de trazer apenas uma camisinha, foi
um respaldo para que eu não decidisse me perder em você a noite inteira.
“Não tente obrigá-lo a dizer mais do que ele quer”, meu subconsciente falou.
Eu já sei o que está acontecendo, por que quero que Aaron confie em mim a
ponto de me contar? Isso é ridículo.
“Eu quis
No alvo estou
Só arranhou
Na mão
Do atirador
As facas que
Eu mesma concedi
Encostei-me à porta assim que ele saiu e mordi os lábios quando uma certeza
continuou a me importunar.
Havia algo errado. E não parecia ser apenas o fato de sua mãe estar doente. O
Aaron que acabou de sair daqui não era o homem que encontrei naquela praça
ontem. Antes daquele telefonema. Porque foi sim, a partir do maldito
telefonema, que tudo nele mudou.
Claro que eu não tinha nada a ver com o que quer que pudesse estar se
passando em sua vida, mas não deixava de ficar curiosa — e devia admitir que
um lado de mim começava a ficar preocupado.
Era o de Aaron.
E o fiz.
— Vou correr amanhã de manhã. Mas posso levá-lo ao seu apartamento antes
do seu expediente na empresa.
Uma nova pausa. E o som de uma buzina ao longe se fez ser ouvida.
— Não vou para casa agora. Preciso desligar. Amanhã eu o pego — insistiu.
— Que horas estará na sua casa?
Franzi o cenho quando ele desligou e olhei para o telefone sem entender.
Querida?
Ele definitivamente estava muito estranho.
Voltei para a cama com o celular. Já eram mais de meia-noite e até alguns
minutos atrás eu estava com sono, mas agora tivera uma ideia.
Era falta de educação? Sim. Era errado? Certamente. Eu ligava? Não muito.
Mas ele nunca saberia, certo? O que tinha demais em verificar uns arquivos?
O máximo que eu poderia encontrar eram uns vídeos pornôs, eu acho.
Onde ele conseguira aquela foto? Era possível ver apenas uma blusa preta.
Meus cabelos estavam completamente soltos, o que dificilmente acontecia
enquanto eu estava no trabalho. E eu sorria genuinamente para a câmera. Como
se estivesse posando para aquela foto.
Respirei fundo e decidi resistir à vontade de apagá-la. Enviei para meu
celular para ter certeza de que a teria quando Aaron e eu conversássemos sobre
isso.
Céus! Era como olhar para minha própria playlist! Eu somente não possuo
músicas de Isabela Taviani e Engenheiros do Hawaii.
Eu tive grande influência de vovô em meu gosto musical, afinal, fora ele a me
apresentar mais da metade dos artistas nacionais que conheço. Um sorriso idiota
surgiu em meus lábios enquanto eu repassava as músicas.
A
AR (provisório)
CDR
CDR C
“Você e eu.”
Ok. Aquela era a noiva abandonada?
Aaron respondeu:
Conhecê-lo deixou de ser uma curiosidade boba há muito tempo. Era como
um desafio agora.
Sem nem mesmo prestar atenção à música que ainda tocava, eu a coloquei em
pausa e deixei o celular sobre o criado-mudo.
Era sete da manhã e eu já havia terminado meu café quando Aaron chegou à
frente de minha casa — o som da buzina do carro apenas me mostrou quão
apressado ele estava.
Peguei seu celular do bolso, mas antes que pudesse estendê-lo para Aaron,
ele disse:
Fitei-o surpresa.
— Você sabe que não posso voltar ainda. E de qualquer forma, não vestida
assim — indiquei o novo conjunto de moletom que eu usava para correr.
Semicerrei os olhos para ele e suspirei de raiva ao perceber que sua expressão
não dizia nada que eu gostaria de saber. Desviei meus olhos dos seus e segui
para o carro.
O que diabos Roberto encontrou agora? E o que eu tenho a ver com isso? E
por que tínhamos que ir a empresa agora se o turno dos funcionários da noite
ainda não terminou?
Franzi o cenho ao olhar para Aaron. Ele parecia diferente, observei após
colocar o cinto de segurança.
— Não mandaram — foi tudo o que ele disse antes de dar partida no carro.
O teto era alto e desconfiei que o som de qualquer uma daquelas máquinas
enormes e antigas ao meu redor, seria ensurdecedor por causa do eco.
Maldição!
“Não entre em pânico. Isso não a ajudará em nada”, ele dizia em minha
mente.
Mas eu não estava em pânico. Eu estava sendo cuidadosa com o que minha
expressão aparentava, porque ainda tentava entender o que acontecia. O homem
naquele carro era definitivamente o irmão gêmeo de Aaron, mas por que diabos
ele decidiu me sequestrar? Se quisesse me matar já o teria feito. Então por que
eu estava aqui?
— Por que me trouxe aqui? — perguntei. Minha voz soou fraca e rouca no
começo, por ter passado algum tempo sem usá-la, mas não me importei com
aquilo. Talvez se ele achasse que sou tão fraca quando aparento, eu ganhasse
alguns pontos sobre ele.
“Ele está blefando”, concluí ao perceber que seus olhos estavam quase
imperceptivelmente semicerrados. Eu poderia fazer o mesmo, certo?
— Me trazer para casa depois de eu ter machucado o pé na corrida de ontem,
não me parece uma noite maravilhosa — menti.
— Você não estava prestando atenção em nada de mim quando apareci na sua
frente — devolvi.
— Por que acha que não movi um músculo desde que acordei? — Ele cruzou
os braços e me avaliou em silêncio por um momento.
Aquilo era estranho. Ele era idêntico a Aaron fisicamente, mas não parecia,
de fato, ter qualquer característica do irmão.
O homem estava com os braços cruzados e uma de suas mãos estava sob o
queixo, acariciando metodicamente a barba por fazer de, pelo menos, três dias.
Seus olhos pareciam me fazer uma ameaça sempre que eu o fitava. Desafio e
perigo iminente também poderiam ser encontrados ali. Senti-me desconfortável
por isso, mas não ousei demonstrar. Eu ainda queria descobrir o porquê dele me
manter aqui.
Ele assentiu e descruzou os braços. Havia uma arma no cós de sua calça. A
adrenalina passou a correr em minhas veias.
— Eu acredito em você. Meu irmão sempre teve essa tara por manter-se
reservado, com sua vida pessoal oculta. Acredito que toda essa discrição tenha
sido herdada de Olavo.
— Olavo?
— Eu a trouxe aqui por isso. Você é parte do que Aaron esconde e é sempre
bom lembrar a ele que continuo aqui, não é mesmo?
— Não há melhor maneira de lembrá-lo disso, do que mostrar que ele ainda
possui alguém como você — continuou como se eu jamais tivesse dito algo. —
Um ponto fraco.
Ele ficou em silêncio. Tentei entender sua expressão. Mas foi inútil. Ele era
impassível. Não revelava nada sobre o que quer que pudesse estar pensando.
Ele sorriu e recuei quando sua mão esquerda acariciou meu rosto
suavemente.
Fechei os olhos quando percebi que ele nos faria andar em círculos com esta
conversa. Olhei para a janela mais próxima e chutei que já deveria ser mais de
quatro da tarde. Como ele conseguiu me manter tanto tempo desacordada?
Ele assentiu.
— Não acho que ele vá se importar com uma colega de trabalho que quase o
fez perder o emprego — tentei levar a conversa para outro campo.
— Não acho que tenha sido sua culpa, afinal, todos já sabem que você não
teve nada a ver com o que aconteceu.
— Hum... Tudo, talvez... Não adianta sustentar a mentira de que não há nada
entre vocês. Eu já sei de tudo — ele fez uma pausa. — Responda minha
pergunta.
— Você estava com uma carranca parecida com a de Aaron, e eu ainda estava
com sono. — Sorri ao dizer as últimas palavras.
— Você se acha esperto, quer tentar atingir seu irmão com algo bobo e acha
que vai conseguir isso me mantendo aqui... — devolvi. — Você é um inimigo
fraco demais para ele.
Eu sabia que estava indo longe demais, mas precisava que ele continuasse
ocupado e longe o suficiente de mim.
Rodrigo pegou o celular de Aaron, que eu lhe dei mais cedo, e sua expressão
se suavizou o suficiente para que um sorriso surgisse em seus lábios.
— Na hora de quê?
— Do show começar.
Senti um arrepio de medo percorrer minha espinha quando ele tocou meu
queixo e seguiu com a carícia por meu pescoço até chegar à minha blusa.
— Se você me tocar... — tentei, mas antes que pudesse terminar a ameaça ele
me interrompeu.
Mesmo com sua proximidade, eu tentava deslizar uma de minhas mãos pelas
cordas e soltá-las.
— Filho da puta!
Ele pegou o celular mais uma vez e só percebi que estava tocando quando ele
atendeu:
— Olá, irmãozinho. Adivinha quem está quase nua à minha frente agora
mesmo?
A fúria em seus olhos não foi amenizada pelo tom cínico que ele usou ao
falar com Aaron.
Continuei em silêncio mesmo ao conseguir deslizar dois dedos para fora dos
nós das cordas.
— Fale com ele — mandou ao trazer o celular para perto o suficiente de mim.
Liberei uma das minhas mãos das cordas e voltei minha atenção ao homem à
minha frente:
Maldição!
— Você acaba de ameaçar minha vida, não sou estúpida o suficiente para
continuar com isso — retruquei em fingida resignação. — Sua pergunta foi
respondida?
Rodrigo aproximou-se mais uma vez e suas mãos agarraram meu pescoço
com força. Tentei respirar profundamente como uma tentativa de manter-me
lúcida por mais tempo. Meus pés saíram do chão e meus olhos se arregalaram
quando ele me deixou de sua altura.
Agarrei seus genitais com as duas mãos, apertei e puxei com força.
Rodrigo estava no chão com a mão entre as pernas e gemia de dor. Ainda fui
capaz de sorrir ao vê-lo ali.
Filho da puta!
Tentei desfazer o nó das cordas em meus pés e o máximo que consegui foi
deixá-lo um pouco mais frouxo. Tirei os sapatos de corrida que estava usando
com dificuldade, mas consegui me liberar das cordas. O que foi um alívio.
Inclinei minha perna esquerda e meu joelho bateu com força na junção de
suas pernas. Ele gemeu novamente e caiu ao meu lado.
A última vez que toquei em uma arma, vovô quase me deu uma surra. Coisa
que ele nunca havia sequer ameaçado de fazer comigo. Ele sempre achou que eu
nunca precisaria de uma arma para me defender. Mas eu preferia tê-la em minhas
mãos agora, que nas mãos de Rodrigo.
— Volta aqui, sua vadia! — Quase não compreendi o que ele dizia enquanto
eu seguia para o mastro na tentativa de pegar meu tênis para fugir.
Minha respiração estava um pouco mais calma quando saí correndo ao vê-lo
tentar levantar.
Tive dificuldade para encontrar uma saída e quando cogitei passar por uma
daquelas janelas, encontrei uma porta. Esta me levou a uma sala pequena e
completamente suja, com lama, as paredes possuíam infiltrações. Havia outra
porta ali e a atravessei com rapidez.
Aquele parecia um bairro abandonado. Mas logo percebi que estava na parte
do distrito industrial de Porto Alegre. Eu reconhecia aquele lugar de diversas
manchetes dos jornais do Rio Grande do Sul. Senti um calafrio ao perceber que
estava deserto.
Olhei para a mata que cercava a estrada e decidi seguir por ela já que
conseguiria me esconder melhor e, consequentemente, ficar fora da vista de
Rodrigo se ele pegasse o carro e tentasse me encontrar.
É o maior desperdício,
“Eu a trouxe aqui por isso. Você é parte do que Aaron esconde, e é sempre
bom lembrar a ele que continuo aqui, não é mesmo? Não há melhor maneira de
lembrá-lo disso, do que mostrar que ele ainda possui alguém como você. Um
ponto fraco...”
Eu sou parte do que Aaron esconde? Que raio de motivo ele teria para isso?
Se é que tem. E ainda por cima, sou seu ponto fraco? Duvido.
Não. Definitivamente ele sabia que eu estou tendo um tipo de caso com
Aaron, mas não está certo de que eu sou a noiva dele. Acenei em negativa para
mim mesma e ultrapassei o tronco de uma árvore que estava em meu caminho.
Inferno!
Franzi o cenho ao vê-lo seguir pelo caminho do qual eu, tão rapidamente,
fugi.
Cerca de cinco minutos depois ouvi o carro de novo, desta vez vindo atrás de
mim. O motorista dirigia um pouco mais devagar. E reprimi um gemido de
cansaço quando entendi que estava procurando alguém.
Procurei a maior árvore com o olhar e corri até ela para me esconder
novamente.
— Lola?
Esse pensamento fervilhou em minha cabeça até que cedi à minha indecisão e
decidi espiar rapidamente.
— Lola!
O maldito me viu.
Respirei fundo quando ouvi a porta do carro bater e peguei a arma que
continuava no bolso de meu moletom.
Saí de onde estava a tempo de vê-lo adentrar a floresta. Mirei a arma em sua
direção e a engatilhei.
— Me dê um motivo para não cumprir a promessa que lhe fiz há meia hora
— pedi.
Minha voz soou áspera pela raiva e o homem semicerrou os olhos. O
observei com atenção procurando qualquer característica que me dissesse se
tratar de Rodrigo. Mas não encontrei.
Aaron vestia uma camisa azul e as mangas estavam arregaçadas e puxadas até
o cotovelo, como sempre vejo quando o expediente na empresa está prestes a
acabar. E seus cabelos eram tão grandes quanto na noite passada e estavam bem
penteados. Assim como não havia barba por fazer. Nunca vi seus olhos
castanhos tão escuros.
A distância entre nós era de quase três metros. E ele a percorreu em poucos
segundos.
— Você está bem? — perguntou segurando meu rosto para que eu olhasse em
seus olhos. Em seguida suas mãos estavam verificando meus ombros e braços
quando percebeu que meu moletom estava rasgado e meu top aparecendo.
Aaron parou de respirar e seus lábios se entreabriram assim que pareceu
imaginar o porquê daquilo. Quando voltou a me encarar, vi em seus olhos algo
que nunca imaginei que veria ali.
Culpa.
— Se tivesse ousado fazê-lo, ele não estaria vivo agora — respondi seca.
Ele segurou em minha mão e virou-se para sair, mas a soltei abruptamente e o
chamei:
— Aaron?
Ele voltou a me fitar e minha mão esquerda voou em direção ao seu rosto.
Senti-a formigar, mas não me arrependi.
— Isso é pelo inferno de dia que passei hoje por sua culpa — eu disse.
Ele levou uma de suas mãos à bochecha que eu havia batido e olhou-me.
— Sim.
Meia hora depois, quando paramos a frente da minha casa, lembrei que
estava sem chaves. Eu não as peguei hoje mais cedo quando encontrei Rodrigo.
Então me lembrei de minha conversa com mamãe. Ela fora para Gramado
hoje pela manhã. Certamente não percebeu nada de diferente sobre minha
ausência já que achava que eu estava na empresa.
— Vamos voltar para o carro — ele disse quando uma garoa começou a cair.
Mordi os lábios quando a vontade de dizer que não cresceu em mim, mas fiz
o que ele disse. Não havia motivos para ter aquela conversa na chuva.
Parecia haver um conflito interno no homem à minha frente onde ele brigava
consigo mesmo tentando decidir se me contava ou não. Mas, após quase um
minuto de silêncio, ele murmurou:
— Temos muito tempo — insisti ainda irritada por ele continuar a omitir
fatos.
Aaron semicerrou os olhos para mim e sustentei seu olhar sem hesitar. Então
começou a contar:
Eu não estava entendendo o que eu tinha a ver com isso. Mas decidi
continuar a ouvi-lo. Quem sabe quando eu teria a chance de escutá-lo falar de
sua vida pessoal desta forma?
— Ele sabia que eu tinha mais chances de conseguir algo com Olavo... —
Aaron expirou profundamente antes de continuar. — Então ele usou meu único
ponto fraco para me chantagear.
“Maldição!”, pensei.
“Não poderia ser como Natasha e chorar enquanto implora por socorro?”,
foram as palavras de Rodrigo hoje à tarde.
Natasha era seu ponto fraco?
Fechei os olhos e acenei em negativa. O que aconteceu para que ele mudasse
de ideia?
— Não. Rodrigo me ligou, quer dizer, ligou para o seu celular e eu achei que
fosse você. Eu disse que se quisesse eu levaria o seu celular para sua casa antes
que o expediente na empresa começasse, mas ele avisou que viria pegá-lo —
explanei.
— Se Olavo o deserdou, por que ele voltou agora e se importa tanto com o
que você faz?
— Olavo está com uma doença terminal. Rodrigo acha que se eu não estiver
em seu caminho, ele conseguirá reverter a situação com Olavo.
Meus lábios se abriram num “o” ao ouvir aquilo. Céus! Seu pai e sua mãe
estavam doentes?
— Eu sinto muito.
— Não sinta. O mundo será um lugar melhor sem ele — interveio em tom
frio.
Franzi o cenho, mas decidi não falar mais nada sobre isso. Eu não sabia o que
ele passara com seu pai. E não poderia julgá-lo mesmo se soubesse.
— Certamente.
— Eu não espero ter a mesma sorte de fugir se seu irmão tentar algo contra
mim novamente. — admiti. — Mas mesmo que eu precise voltar do inferno, eu
vou cumprir a promessa que fiz a ele.
— Que seria?
— Agora entendi por que ele estava gemendo de dor a cada passo que dava
para sair daquele galpão. — Suas palavras me fizeram rir logo que imaginei a
cena.
— Como descobriu onde eu estava?
— Rodrigo me mandou uma mensagem por volta das três da tarde e deixou o
GPS do celular ligado. Só precisei de alguns minutos para encontrá-los.
Assenti sem realmente entender como isso o ajudara, mas decidi ficar em
silêncio por um momento.
Arqueei a sobrancelha apenas para mim e fitei o homem ao meu lado. Aaron
não é do tipo que foge. Teria enfrentado o irmão se amasse essa tal Natasha.
Aaron riu e finalmente voltou a me fitar. Aquele brilho de tristeza que estava
em seu olhar na noite anterior havia voltado.
— Já tentamos isso anteriormente, mas ele ganha mais se eu estiver vivo. Sou
o seu segundo plano.
— E sua mãe?
— Por favor, eu juro que não faço mais perguntas sobre ela.
Por quê?
Ele suspirou:
— Sexo tem sempre que possuir um significado pra você? Não pode apenas
aceitar o fato de que eu quero continuar fazendo sexo com você,
independentemente de ter ou não um maldito irmão querendo ferrar comigo?
— Ontem eu estava preocupado e ocupado demais com algo, mas não quis
desmarcar com você. Se eu quisesse usá-la para esquecer qualquer droga que
fosse, eu teria passado a noite dentro de você. Não teria ido embora tão rápido!
— Não — admiti.
— Pare.
Ele voltou a fitar a chuva através do para-brisa e nós dois respiramos fundo
algumas vezes, apenas como uma tentativa de nos acalmar.
— É uma sugestão?
Eu não sei o que fazer. Estava certa de que ele não me contaria nada e isso
colocaria um fim ao nosso trato anterior, mas ele disse muito mais do que
imaginei. E agora? Eu duvido que Rodrigo pare de me importunar mesmo se
Aaron e eu não nos falarmos mais.
Olhei através da janela e pedi que a chuva passasse logo. Quanto mais ela
demorasse, mais o chaveiro demoraria.
— Se continuarmos com o acordo, você não vai me tirar disso. Até porque
acho que não será possível.
— E então?
— Achei que correria de mais problemas.
— Como se isso fosse dar certo. Rodrigo sabe onde trabalho, onde moro e
está certo de que eu estou ajudando a tramar algo contra ele. É claro que não
facilitaria minha vida se eu me afastasse, Aaron.
— Quer que eu comece com o discurso de que não gostaria que se envolvesse
nisso desta forma?
— Eu sei. Embora eu não goste da ideia de colocá-la nisso, não sei como
posso tirá-la.
— Você o conhece, Aaron. Uma hora ou outra ele aprontará algo. Dará um
passo em falso. E temos a vantagem de saber sobre Roberto.
Diabos!
“Dobro os joelhos
Me usa demais
Perco as rédeas
Ainda havia tantas informações a serem digeridas por mim. Mas apenas
relembrar a maldita conversa que tive com Rodrigo, se é que aquilo pode ser
denominado de conversa, e depois a que tive com Aaron.
“Então por que não pôs um fim a esse ‘relacionamento’ com Aaron? Por que
decidiu ajudá-lo?”, meu subconsciente me perguntou.
Pena então? Definitivamente não! Aaron não é o tipo de sujeito que desperta
pena em alguém. E em nenhum momento ele pareceu preocupado consigo
mesmo ou com o que Rodrigo pudesse fazer com ele. Aaron estava preocupado
com outras pessoas. Sua mãe e sua irmã, certamente.
Mas vovô? Por ele eu agiria como Aaron. Porque João é meu único ponto
fraco. E eu faria tudo para mantê-lo bem e longe de qualquer perigo — assim
como Aaron fazia com sua mãe.
Vesti uma blusa enorme para dormir e um short de algodão curto sob a blusa.
— Achei que quando ofereceu sua garagem para que eu guardasse meu carro,
estava me fazendo o convite completo. — Ele me deu um sorriso de canto e
revirei os olhos antes de retribuir.
— Eu já havia esquecido disso — admiti. — Não tenho nada masculino para
lhe dar para dormir.
Cretino depravado!
Sem desviar os olhos dos meus, Aaron deu um passo em minha direção.
— Você está cansada a ponto de não querer fazer algo além de dormir? —
inquiriu agora mais perto.
— Não.
Mordi os lábios para não rir após a lembrança do dia em que ele me disse
estas mesmas palavras.
Assenti e ele lançou-me contra a parede mais próxima e seu corpo pressionou
todos os lugares certos do meu. Um arrepio perpassou por meu corpo e deixou
claro que eu havia gostado daquilo.
Céus! Eu sabia que estava exagerando, mas também queria saber até onde ele
poderia ir. Ou melhor, me levar.
— Eu vou?
Senti toda a adrenalina daquele dia ser substituída por um desejo insano,
desejo do seu toque em minha pele, em meu corpo, dos seus beijos... Dele.
— Sim, você vai — confirmou contra meus lábios ao acabar com o beijo.
Eu arfava tentando levar ar aos meus pulmões quando Aaron tomou meus
lábios novamente em outro beijo. Ele estava tão, ou mais, ávido que eu.
Desesperado para prolongar o contato de nossos corpos.
Eu já estava desesperada por ar quando puxei seus cabelos com força para
quebrar o beijo.
Cerrei os olhos quando sua boca envolveu o seio direito enquanto ele
apertava maravilhosamente o esquerdo — um prazer avassalador me invadiu e
fez com que gemidos fugissem de meus lábios.
Inferno! A forma como Aaron tomava meu seio em sua boca, chupando-o
incansavelmente na busca pelo meu prazer, estava me deixando louca. E esta
situação só piorou quando ele mordeu meu mamilo. Um som mais alto fugiu de
meus lábios quando dor e prazer mesclaram-se em mim e fui incapaz de
distinguir um do outro. Pedi que ele continuasse a roçar os dentes em meus
mamilos e ele o fez. Assim que Aaron decidiu fazer o mesmo com o outro seio,
arqueei meu corpo na direção de sua boca e pressionei seu rosto em meu busto
para que ele continuasse. Aquilo era muito excitante para mim e só descobri isto
agora, pois sentia o quanto o desejo em mim aumentava e, consequentemente,
encharcava minha calcinha.
— Aaron... — sussurrei seu nome quando abri os olhos para vê-lo ainda com
os lábios em meu peito. — Me toque — pedi já desesperada para que ele o
fizesse.
— Você vai se arrepender de ter pedido isso — advertiu e senti meu sexo
pulsar por ouvir a aspereza em seu tom.
Mordi os lábios com força e cheguei a sentir o gosto de sangue por tê-lo feito,
mas não me importei.
Aaron tocou meu clitóris sensível e seguiu devagar para minha entrada.
Minhas unhas cravaram em seus ombros e afundaram em sua pele, ele não
reclamou. Eu só conseguia pensar na frase “não pare, por favor”, mas nenhum
outro som, além do de prazer, saiu de meus lábios.
Assim que percebi o caminho que ele seguia, eu o beijei e murmurei seu
nome contra seus lábios.
— Sim — sussurrei.
Não pude manter meus olhos abertos quando dois de seus dedos me
invadiram de uma só vez. Aaron moveu-os com uma lentidão que me torturou
mais a cada segundo, depois ele pressionou meu ponto G e a primeira contração
de meu sexo denunciou o orgasmo iminente.
— Qual?
Ri de suas palavras quando ele me colocou sobre a cama. Tirei a blusa que
vestia, ficando apenas com o short curto.
— Eu vou?
Sua atenção estava em meus seios descobertos e ele umedeceu os lábios
quando disse:
— Não vou? — insisti enquanto ele se colocava sobre a cama, com os joelhos
pressionados sobre o colchão, um de cada lado de meu corpo.
Beijei-o suavemente e tive meu lábio inferior capturado por seus dentes. O
que me fez cerrar os olhos por um momento.
Sua boca deixou um rastro de beijos por minha garganta e o vale entre meus
seios enquanto suas mãos deslizavam por meu corpo. Aaron saiu da cama para
conseguir tirar meu short.
Abri os olhos sem entender quando ele acariciou meu tornozelo. Eu os forcei
dolorosamente para tirar as cordas que me prendiam e eles ainda estavam
vermelhos e marcados.
Touché.
— Não — admiti.
— Vai estar sempre pronta para mim, Lola? — questionou ao separar minhas
pernas e se colocar entre elas.
Acordei no dia seguinte com meu maldito telefone tocando. Abri os olhos
preguiçosamente e me deparei com Aaron dormindo ao meu lado.
Não sei se era o sexo, a química, o desejo entre nós ou qualquer outra coisa,
mas o que isso fazia conosco era surreal. E eu não lembro de já ter me sentido
assim nem com... — interrompi meus pensamentos e toquei suavemente minha
tatuagem.
Agora seus cabelos estavam mais desgrenhados que o normal e isso lhe dava
um ar jovial e extrovertido, algo que Aaron não aparentava ser enquanto estava
acordado. A seriedade e o sarcasmo nele não permitiam.
Baixei os olhos para seu peito, que estava descoberto, e resisti à vontade de
tocá-lo. Acompanhei com o olhar o caminho que os pelos de seu abdome faziam.
O lençol o cobria da cintura para baixo. Infelizmente.
Engoli em seco e trouxe minha mão para o meu colo — era melhor não
prolongar aquele contato.
Era Brenda.
O que essa vaca estava pensando quando decidiu me ligar antes das sete da
manhã?
Movi-me devagar para tirar o lençol antes de levantar. Deixei Aaron coberto
apenas pelo edredom.
Fechei os olhos por um momento quando dei o primeiro passo e senti que
lugares significativos em mim, estavam doloridos.
— Adivinha?
Afastei o celular do ouvido quando ela gritou animada. Entrei no banheiro.
— É o cara da empresa?
— Sim.
— O que ele fez pra te convencer a deixá-lo dormir na sua casa? — inquiriu
ainda surpresa.
— Nada — admiti. — E eu sei o que vai dizer, ok? “Lola, você nunca fez
isso. Sexo pode acontecer em qualquer lugar e todo o blá-blá-blá”. Vamos pular
essa parte? Preciso tomar um banho.
— Você sabe que eu faria uma aposta também, mas teremos esta conversa
depois quando Elise puder concordar comigo. — Ela fez uma pausa. — Como
foi a noite?
Contive uma risada ao ouvir o tom que ela usou para dizer aquilo.
— Maravilhosa.
— Sexo fantástico?
Tive quase certeza de que meu coração parou naquele momento. Fechei os
olhos e engoli em seco. Aquela informação não podia ser digerida por mim. Não
tão rapidamente, pelo menos.
— Sim, eu... — Fiz uma breve pausa para escolher as palavras e concluí: —
Como ficou sabendo disso?
— Ele me ligou há pouco para avisar — explicou. — Disse que queria fazer
uma surpresa para você e me perguntou se ainda estava solteira... Eu disse que
sim.
Mantive-me em silêncio.
— O que você fará? — questionou quando percebeu que eu não diria mais
nada.
Eu a interrompi:
— Você disse que André podia ir, Dolores! Não coloque a culpa nele.
— Você tem uma maldita cabeça-dura! — Foi a última coisa que ouvi antes
de desligar.
“Não pense nisso, Lola”, repeti para mim mesma ao deixar o lençol sobre o
balcão da pia.
Maldição!
“Você me fez sentir de novo o que eu
Encontrei Aaron sentado sobre a cama com as mãos cobrindo o rosto. Parecia
ainda estar com sono.
Por um momento, esqueci tudo o que havia pensado durante o banho e sorri.
Bem feito.
— Parece que eu acabei com você — provoquei enquanto abria uma gaveta
de lingerie.
— Acabou comigo? Quem pediu pausa pra descansar foi você — lembrou.
Ele riu de minhas palavras por um momento e fingi continuar séria enquanto
pensava.
Uma hora nós discutíamos. Outra nós fazíamos sexo — maravilhoso, por
sinal. Depois conseguíamos conversar normalmente. Não como um casal; não
como melhores amigos, apenas como dois adultos que têm algumas qualidades,
defeitos e desejos em comum... Duas pessoas que não querem envolvimentos
sérios e conseguem lidar com o que o outro está disposto a oferecer. Mesmo que
seja pouco — isso é tão bom. Desta vez eu realmente quero que seja assim.
Porque para mim está perfeito.
Peguei uma toalha e a joguei para ele enquanto tentava voltar à realidade.
— Vou preparar o café da manhã enquanto você toma banho — avisei ao
pegar minhas roupas íntimas e um vestido.
Era dia de visitar vovô e eu precisava fazê-lo o mais cedo possível, para ele
não desconfiar que eu não estava indo ao trabalho.
Franzi o cenho e virei-me para fitar Aaron quando o motivo para eu estar sem
trabalhar por estes quatro dias, me veio à mente.
— Foi Veridiana.
Eu costumava ajudá-la!
— Isso mesmo — respondeu com um sorriso. — Ela foi demitida ontem pela
manhã.
Enquanto ele tomava banho, fui para a cozinha preparar o café da manhã.
Vinte minutos depois, eu estava esperando apenas o café ficar pronto. Arrumei
toda a mesa e fui para a sala, à procura das correspondências que mamãe
certamente tirou ontem da caixa de correio.
Contas e anúncios foram tudo o que recebi. Deixei tudo sobre o rack
novamente e esgueirei-me entre os sofás para voltar à cozinha, mas uma caixa de
veludo sobre a mesa de centro me chamou a atenção.
Levei uma mão à boca quando surpresa fez meu coração disparar. Eram joias.
Muitas joias.
Eu não pude deixar o colar de esmeraldas, sinto muito. É tudo o que ainda
tenho de seu pai. Depois de você, aquele conjunto é tudo o que me lembra dele,
querida. Eu jamais poderia me desfazer disso.
Espero que possamos nos ver em breve. Me desculpe pela forma como as
coisas terminaram entre nós. De novo.
Com amor,
Mamãe.”
Todas as perguntas que invadiam minha mente agora são quase capazes de
me deixar louca.
Elaine é apaixonada por suas joias. E de uma hora para outra deixa metade
delas para mim?
“Ela não pôde deixar as joias que papai lhe deu? Por quê?”, questionei-me.
Proferir essas palavras foi menos doloroso e mais fácil de acreditar do que a
outra afirmação que me importunava agora. Eu não queria criar esperanças
quanto aquilo, mas talvez, apenas talvez, ela se importasse comigo. Pois deixou
muitos de seus pertences mais amados para que eu pudesse pagar uma dívida
que poderia tirar a casa em que eu vivia.
Mas eu sempre estive errada. Ela sempre foi embora. Minhas esperanças
eram sempre destroçadas, para depois ela vir novamente e fazer o mesmo. E me
deixar da mesma forma.
Limpei meu rosto e respirei fundo algumas vezes antes de dobrar aquele
pedaço de papel e colocá-lo no envelope e, em seguida, dentro da caixa.
“Independente do que a tenha levado a fazer isso, Dolores, não foi suficiente
para fazê-la ficar desta vez. Nunca seria. Então pare com a maldita choradeira!”,
repeti em pensamento.
Eu prometi para mim mesma que não deixaria minha relação com minha mãe
me fazer chorar novamente. A nossa briga de seis anos atrás me rendera isso.
Essa foi a minha decisão. E era melhor que eu continuasse a levá-la a sério.
— Vá pro inferno. Não vou te dar mais dinheiro, Rodrigo! — Aaron disse,
desta vez alterado. — Tínhamos um trato... Eu te dei o maldito dinheiro, faça sua
parte e suma de nossas vidas!
— Então diga.
— Eu não vou entrar nessa discussão com você de novo, Aaron. — Acenei
em negativa e concluí: — Nós não jogamos esse tipo de joguinho.
Eu soube que seu silêncio serviu apenas para mostrar-lhe que eu estava certa.
Os jogos que um homem e uma mulher podem ter e que nós temos, se limitam a
cama. Isso não é um relacionamento romântico.
Aaron respirou pesadamente uma vez. Seus olhos jamais desviaram dos meus
desde que começamos com esta conversa. Segundos de silêncio se passaram. Eu
tinha certeza de que ele estava pensando, então decidi ficar quieta.
— Rodrigo descobriu onde minha mãe está. Quer usá-la para me fazer ir atrás
de Olavo ou lhe dar mais dinheiro — contou.
Meu ódio por Rodrigo cresceu em níveis grandes demais para um período de
tempo muito curto.
— Ele foi, mas não adiantou. Portanto, ainda sou sua segunda opção.
— E sua mãe?
Eu não sabia o que dizer naquele momento. Era mais do que perceptível o seu
cuidado com sua mãe, mas eu não tinha ideia do que poderia fazer para ajudá-lo
em relação a isso.
— Ela é a linha tênue que hoje me impede de fazer algo contra ele, Lola —
continuou. — Se Rodrigo tentar qualquer coisa contra...
Eu o interrompi.
— Ela também é mãe dele, Aaron. Rodrigo não faria nada para machucá-la
— arrisquei, mesmo estando em dúvida sobre aquilo.
Franzi o cenho sem entender, mas ele não fez questão de explicar.
— O que foi?
— Nada — respondeu.
— Nada?
— Acha que ele pode tentar me matar para fazer com que Olavo dê a ele o
dinheiro?
— Sim, mas também acho que pode tentar te tirar do caminho de outra
forma. — Fiz uma pausa e o fitei atentamente antes de dizer: — Nunca pensou
nessa possibilidade?
— Há muito tempo sim. Mas depois do nosso acordo ele foi embora e... —
ele interrompeu novamente enquanto parecia lembrar de algo.
Sustentei seu olhar sobre mim após minhas palavras. Eu sei que estou sendo
muito intrometida, mas queria realmente saber. Desde que conheci Aaron, ele
sempre me pareceu um mistério, um paradoxo difícil de desvendar. Mas agora?
Agora eu conhecia muito mais sobre ele do que poderia imaginar e queria
descobrir ainda mais.
Aaron arqueou as sobrancelhas, mas não disse nada sobre minha pergunta
indiscreta.
Sim, quase respondi. Mas percebi que ele contou demais de sua vida e eu não
fiz questão de dizer nada sobre a minha.
— Aaron — insisti.
Peguei minha bolsa, que havia deixado sobre a cama quando Aaron foi tomar
banho, e saí do quarto seguida por ele.
Ele verificou o relógio em seu pulso e concordou com uma xícara de café.
Arregalei os olhos surpresa quando entendi o que ele queria dizer com aquilo.
— Por quê?
— Está mais do que provado que não foi você, Lola. Eles a culparam naquele
momento porque precisavam entregar um culpado ao dono da empresa.
— Eu não sei.
— Meu Deus! Você é quase escrava de Otávio, ele sabe que nunca encontrará
uma funcionária que entenda todos os setores daquela revista e saiba como
ajudar a todos eles... Foi ele que defendeu você para o RH, se quer saber —
confidenciou.
Ele anuiu com um aceno de cabeça e me ajudou a levar a louça suja para a
pia.
— Eu agradeceria muito.
Peguei minhas chaves sobre o balcão atrás do sofá e abri a porta para Aaron.
— Tudo bem.
Abri o portão para que Aaron tirasse o carro da garagem e meu celular tocou
quando ele abriu a porta do passageiro para mim.
— Alô?
— Morena?
Maldição! Era perceptível que as reações de todo o meu corpo não eram as
mesmas que antes, mas algumas continuavam ali.
— Por dois anos eu achei que você não lembraria mais de mim — devolvi ao
tomar coragem para encarar Aaron.
Ele começara a dirigir, mas eu sabia que estava ciente da mudança em mim.
O silêncio do outro lado da linha durou tempo suficiente para que eu me
recuperasse.
Vovô não gostaria de saber sobre essa volta. Mas eu precisava falar com ele
sobre André.
“Teu corpo combina com meu jeito
Mesmo que ele não quisesse demonstrar, eu percebi que parecia curioso e
prestes a perguntar o motivo de eu ter me recluído e ficado em completo silêncio
desde o telefonema de André. Mas Aaron não fez nenhuma pergunta.
Vi seu carro se afastar enquanto ele dirigia até seu apartamento e tomei
coragem para entrar na casa de repouso. Cumprimentei o segurança no portão de
entrada e segui pela trilha no jardim.
Ainda não havia ninguém aqui tomando café e lendo um jornal ou livro, mas
eu sabia que o café da manhã já havia sido servido. Então segui direto para o
quarto de vovô. De forma hesitante, bati à sua porta e esperei que ele permitisse
minha entrada. Precisei repetir a ação mais uma vez até que ele dissesse algo.
Seu sorriso era tímido enquanto ela retirava o avental que vestia e seus olhos
cor de âmbar brilharam ao me fitar atentamente.
— Bom dia, minha querida! — ele respondeu. Percebi que seus olhos azuis
brilharam de alegria.
— Eu quero lhe apresentar uma pessoa — ele disse com o tom de seriedade
fingida, o que a fez sorrir um pouco mais.
Céus! Há dois dias eu a vi, conversamos, ela lembrava de mim, de todos nós
e agora... — Um nó começou a se formar em minha garganta, mas não permiti
que crescesse. — Ela havia esquecido. De novo.
Apertei sua mão que me foi estendida e sorri para ela antes de abraçá-la e
beijá-la no rosto. Não pude evitar fazê-lo.
Senti lágrimas brotarem em meus olhos quando ela acariciou meu rosto e fez
algum comentário sobre meus olhos e cabelos, mas eu não prestei atenção.
Eu estava bem com tudo aquilo. Não lembrava que tinha metade destes
problemas até agora. No entanto, neste momento eles pareciam tão... difíceis de
suportar sozinha.
— Os dois?
Apenas vovô sabia. Apenas ele me viu chorar por algo tão bobo.
Maldição! Eu não queria conversar sobre isso, mas sentia que precisava falar.
E só poderia fazer isso com ele. Só confiava nele.
— Nada. Ela ficou apenas um dia — respondi pressionando meu rosto ao seu
peito. — Trouxe um namorado. Eles foram para Gramado ontem.
— E André?
— Chegou hoje. Me ligou. Quer me ver.
Ele ficou em silêncio. Eu também. Eu não queria dizer mais nada. Escutar
seus batimentos cardíacos já me acalmava o suficiente.
— Você sabe o que ele quer — vovô afirmou fazendo-me voltar a encará-lo.
— Vai aceitar passar por tudo aquilo novamente?
— Não — respondi mal ele havia concluído sua fala. — Não vou.
Ele não pareceu acreditar nem mesmo na convicção que pus em minhas
palavras. Era verdade. Mas era a terceira vez que eu dizia aquilo, e antes não fiz
valer minhas palavras.
Levantei-me agitada. Ele nunca quis realmente entender o que tive com
André. Para ele tudo se resumiu a esta pequena explicação que deu a Mabel.
Abri os lábios para interrompê-lo, mas ele não foi capaz de concluir.
Eu entendi, sabia que sofreria, mas não movi um dedo para que ele ficasse.
Vovô descobriu sobre nós da pior forma possível. Nos encontrou atrás do ginásio
da faculdade em um dia de festa. Estávamos quase transando.
Àquela foi a noite em que nós discutimos pela primeira vez. Eu nunca
esqueceria — porque naquele momento eu não sabia o que doía mais: a
decepção perceptível em sua expressão, ou a verdade que ele me mostrara.
Eu prometi que me afastaria de André quando contei a vovô que não éramos
namorados e ele me fez ver o papel que eu estava desempenhando. Mas André
iria embora em algumas semanas. Eu não poderia me afastar dele em nossos
últimos dias.
Olhei para ele e reprimi a vontade de semicerrar os olhos. Era a segunda vez
que ele tentava usar este argumento para me fazer mudar de ideia sobre este
assunto.
— Minha filha... — ele começou desta vez mais suavemente. — Você precisa
ser sempre tão...
— Independente? — tentei.
— Heterodoxa.
— Vovô, eu já lhe disse. Os tempos mudaram. Essa não é mais uma opinião
contrária ao que a sociedade impõe. As mulheres decidem o que querem de suas
vidas. Nem todas querem um relacionamento e filhos antes dos trinta anos.
Ao voltar para casa, já estava cansada. Percebi que os últimos dias fora do
trabalho me deixaram muito mal-acostumada.
Após guardar as compras nos armários e na geladeira, fui até a sala. Meu
celular estava tocando.
— Brenda? — atendi.
Sorri e concordei.
— Sim.
— Se você for correr podemos nos encontrar naquela praça que você faz
exercícios.
— A que horas?
— Ótimo — concordei.
Me despedi e parei por alguns segundos para enviar uma mensagem à Elise
para perguntar sobre sua irmã. Se ela estava livre para cuidar da mãe de Aaron.
Fui até o quarto em que ela havia ficado e encontrei tudo arrumado. Sobre a
colcha vermelha da cama, estava um envelope amarelo.
“Há uma joalheria no shopping do centro. Eles lhe darão uma quantia aceitável
por cada uma destas joias.”
Fechei os olhos por um momento e respirei fundo. Em dois dias seria sábado.
Então eu poderia levar essas joias para vender e, em seguida, usaria o dinheiro
para quitar a maldita hipoteca.
Meu celular vibrou com uma nova mensagem e acenei em negativa ao pegá-
lo.
“Ela está trabalhando em uma clínica agora. Mas se quiser uma indicação, eu
posso pedir. Kamila certamente conhece alguém que tenha disponibilidade. O
que houve? Seu avô está doente?”
“Não é nada grave. Um amigo que precisa. Fale com ela, por favor, fico
esperando sua resposta, ok?”
Após o almoço, eu preparei uma xícara de chá e peguei meu notebook.
Sentei-me à mesa que vovô costumava usar para ler seu jornal. Ela ficava
próxima à janela da sala.
Meu celular tocava sobre a mesa quando voltei à sala com pão de queijo e
café quente.
— Olá, querida. — Por alguns segundos fui incapaz de levar ar aos meus
pulmões. O tom sarcástico que o “querida” carregava o entregou.
Eu não daria a ele o prazer de saber que me surpreendi com sua ligação.
— Rodrigo.
Coloquei o café sobre a mesa e concentrei-me no que ele diria. Meu peito já
inflava de fúria quando lembrei do inferno que passei ontem por sua culpa.
— Como suas bolas estão hoje? — A provocação era nítida em minha voz e
em minhas palavras.
— Muito bem. Obrigado. — Uma pausa se seguiu até que ele continuou: —
Você quase conseguiu me enganar, cunhadinha.
Juntei as sobrancelhas sem entender aquela pergunta. Mas então lembrei que
Rodrigo continuava achando que Aaron e eu estávamos tramando algo contra
ele. Tentei descobrir o que ele pretendia fazer com aquela informação e arregalei
os olhos ao lembrar-se do que eu sugeri a Aaron hoje pela manhã.
Incrivelmente consegui manter a calma e agradeci por minha voz não vacilar
em nenhum momento.
Apertei o celular em minha mão por alguns segundos e tomei coragem para
ligar para Aaron.
Será?
— Moça, desculpe é que... Aaron é meu irmão e nossa mãe está... Ela está
passando muito mal e... eu não sei o que fazer.
— Aaron? — ela chamou. Sua atenção havia sido capturada. — Você é irmã
dele?
— Sim.
Revirei os olhos ao ouvir a esperança em sua voz. Ela realmente quer dormir
com ele.
— Nada! Ele me ligou para fazer uma pergunta. Queria saber se eu sei
trabalhar individualmente.
Aaron hesitou por um momento, depois suspirou. Houve um silêncio
simultâneo por quase um minuto, até que ele contou:
Fechei os olhos sem querer acreditar. Sabendo que ele está envolvido com
Rodrigo, eu não acredito que essa seja uma coincidência.
— Sobre o quê?
Ouvi sua respiração por algum tempo. Tentei entender o que ele queria dizer
com aquilo.
Peguei minha xícara de café e sorvi um pouco enquanto pensava nos motivos
para Rodrigo ter feito algo contra Roberto.
Acenei em negativa. Não duvidava de nada que seu irmão pudesse fazer.
— Vocês são idênticos! Ninguém sabe que seu irmão está em Porto Alegre! E
se realmente acharem que você fez algo contra Roberto?
— Ele vai te deixar em paz se eu não puder fazer nada para atrapalhar seus
planos. — Ele trocou palavras com alguém e depois voltou ao telefone. —
Mamãe já está na casa de Natasha. As duas estão seguras lá. Vou ligar para ela
e avisar que posso ficar ocupado por um dia.
— Lola, você está exagerando — ele disse. — Tudo isso é uma suposição.
Não sabemos se Rodrigo fez algo com Roberto. Ele apenas faltou ao expediente
de hoje.
Respirei melhor ao ouvir aquilo. Ele está certo. Para uma mulher inteligente e
realista, eu estou sendo dramática e pessimista demais.
— Se ele fizer algo e todos pensarem que fui eu, posso acionar meu
advogado — ele continuou como se falasse com uma criança que precisa de uma
mentira para ficar bem. — Não vou ficar preso por mais de vinte e quatro horas.
— Não fale comigo como se eu fosse uma criança desesperada que precisa se
acalmar.
Suspirei quando finalmente desisti. Eu não sabia que tipo de acordo havia
entre os dois irmãos para que um deles pudesse ameaçar a própria mãe e roubar
o próprio pai, mas que não pudesse machucar fisicamente o outro irmão.
— Não tanto quanto está normalmente... Mas sua mesa está repleta de
pastas e bilhetes — avisou. Devia estar olhando para ela agora.
Eu não achei que sentiria falta do trabalho. Mas é tedioso não ter o que fazer
durante o dia.
— E hoje, você não tem que ficar com sua mãe ou algo do tipo?
— E seu apartamento?
— Mas já que você gosta de me ouvir dizer o que eu quero de você. Agora eu
quero que você faça o mesmo. — Sorri vitoriosamente ao fim de minhas
palavras.
— O inferno que eu vou fazer isso — ele disse. Aquilo me fez rir.
— Olha, eu não achei que você tivesse senso de humor também, então
estamos empatados. — Olhei para meu relógio e franzi o cenho ao ver que já
eram cinco horas. — Você era o cara sério e reservado demais... Não lembro de
ter visto você rir nem uma vez.
— Tenho dois minutos, mas haverá uma reunião no oitavo andar agora. Eu
preciso ir.
— Ok.
Desconfiei tê-lo ouvido dizer algum palavrão, mas não entendi. Nos
despedimos e desliguei.
Procurei Brenda por alguns minutos e como não a encontrei, decidi iniciar
uma caminhada de aquecimento. Quando a vi, parei abruptamente no lugar. Ela
estava próxima ao pequeno muro que dividia o espaço da grama e o que estava
com a areia que possuía os brinquedos. Estava fazendo alguns exercícios com a
ajuda de André.
Ele não parecia ter mudado em nada. Olhos escuros e cabelo cortado baixo.
Sua pele negra continuava a parecer perfeita e denotava seus músculos definidos.
Seu sorriso parecia ainda mais lindo — eu adorava seu sorriso, sua risada.
Meu coração se preencheu mais uma vez com a dor de anos atrás e forcei-me
a me aproximar dos dois. Eu não fugiria, mesmo que meu coração dissesse para
eu fazê-lo.
Claro que no começo sofri com sua viagem, mas depois me conformei. E
decidi que aquela foi a melhor coisa que aconteceu.
Ele beijou meus lábios suavemente e Brenda decidiu dar sinal de vida.
Eu não queria saber quantas mulheres abriram as pernas para ele. Não queria
saber por que ele não veio nos visitar nas férias e não queria saber nem mesmo
como fora concluir a graduação em Portugal.
Até agora eu estava muito bem com a sua volta. Talvez fosse porque
lembrava muito bem de tudo o que aconteceu depois de sua viagem. Ou talvez
porque eu realmente tivesse superado André.
Uma hora e meia depois, eu começava a ficar cansada. Percebi, tarde demais,
que com toda pressa que tive para trocar de roupa e vir encontrar Brenda, eu
esqueci meu cantil. Tive que dividir o de Brenda com ela, mas como ela não está
acostumada a correr, em menos de uma hora já não havia água.
— Ai, amiga, me lembra de nunca mais concordar em correr com você, viu?
Isso aqui é tortura! Vou ficar o resto das minhas férias completamente dolorida!
Só corremos quatro quilômetros. Como ela pode estar tão cansada? André e
eu rimos da expressão dela e a vimos arregalar os olhos ao ver algo na rua, que
agora estava muito movimentada — tínhamos voltado para a praça.
— Táxi! — ela gritou recomposta e acenou para um táxi com sua toalha de
rosto. — Táxi, por favor!
Acenei junto a ela e Brenda agradeceu quando ele parou próximo de onde
estávamos.
— Que bom que não vamos mais sair hoje. Vou precisar ficar de molho na
minha banheira por algumas horas.
Sorri e assenti quando nos despedimos e ela semicerrou os olhos para André
após beijá-lo no rosto para se despedir.
— Eu não estou gorda — ela sussurrou para ele que havia dito isso enquanto
fazíamos a caminhada, ele estava brincando, mas Brenda não leva esse tipo de
comentário na brincadeira.
— Você está gostosa, Bree — ele disse para ela. — Muito gostosa. Então
pare com esse drama.
— Eu sei que precisa voltar por causa do seu avô, mas podemos conversar
antes?
— Nós.
Já estava na hora.
Andamos alguns instantes em silêncio. Eu senti seus olhos negros sobre mim,
mas fingi não perceber. Estava perdida demais em pensamentos, pois sabia que
ao fim desta conversa eu lhe diria que já não queria nada com ele, mas não fazia
ideia do que diríamos um ao outro até chegar a isso.
— Pode começar — eu fui a primeira a falar.
— O quê?
— Não era.
— Por isso me excluiu da sua vida quando fui embora? Sem me deixar saber
o porquê de tê-lo feito?
— Sim. Achei que aquela era a melhor forma de te esquecer — admiti. —
Não acreditei quando Brenda me ligou para dizer que você estava de volta. Em
algum momento destes dois anos, eu comecei a achar que sua vida seria
construída lá e que você também já não lembrava de mim.
— Eu não vou aceitar o que você está me oferecendo... Eu já não quero isso
com você.
— Tudo acaba aqui? — Sua voz também foi mais baixa agora.
Nenhum de nós disse mais nada. Eu tomei aquele como o fim da conversa e
virei-me para ir embora.
Comecei andando devagar, ainda tentando digerir tudo aquilo e logo meus
passos ficaram mais confiantes e rápidos.
“Eu havia feito a coisa certa”, pensei. Mas lágrimas finas rolaram por meu
rosto em seguida.
Aquilo era alívio ou pesar pelo que eu havia feito?
Era o inferno não saber. Entretanto, eu arriscava que era algo bom.
Inicialmente doloroso, mas bom.
Minhas lágrimas já haviam secado, mas meu rosto devia estar inchado.
Fui direto para o corredor e antes de entrar em meu quarto ouvi o telefone da
sala tocar, porém, o ignorei.
Eu preciso de um banho. Não quero falar com ninguém. Muito menos com
Brenda e Elisabeth, que com toda a certeza estavam ávidas para saber o que
aconteceu entre André e eu.
Vesti uma camisola qualquer e fui até a sala para tomar um copo d’água, não
estava com fome, então dormiria cedo.
“Obrigado.”
Ele suspirou do outro lado da linha e ficou em silêncio por alguns segundos
intermináveis.
— E o que tem?
— Sou o único que precisa falar sobre a vida pessoal por aqui?
Touché.
Mordi os lábios e pensei em algo para dizer. Falar sobre André estava fora de
questão.
A porta de um carro foi fechada com força e lembrei que ele deveria estar na
casa de sua irmã agora.
Segui para a sala e arrumei a droga da camisola em meu corpo antes de abrir
a porta da sala.
Usei as chaves para abrir o enorme portão e desliguei o celular ao ver Aaron.
Ele parecia ainda mais sério estando à minha frente e seus olhos exalavam
uma fúria que eu sabia estar muito bem contida. Senti meus batimentos
cardíacos aumentarem apenas por ver aquilo.
— Porque eu vi você beijar um homem hoje e quero saber se ele tem algo a
ver com isso.
André me deu um selinho hoje ao me ver... Mas foi apenas um selinho. Algo
normal entre nós há muito tempo.
Maldição!
Ele parou por alguns segundos e pareceu organizar as palavras em sua mente:
— Primeiro eu vou para minha casa e encontro aquele cara beijando você. —
Ele parece lembrar. — Depois vou para a casa de Natasha e te vejo limpando
lágrimas do rosto.
Foi minha vez de semicerrar os olhos. Estava pronta para negar isso quando
ele concluiu:
— Então, você me manda uma mensagem e me convida para vir dormir com
você novamente, quando você havia dito que não o faria.
Ele ficou em silêncio tempo suficiente para que eu entendesse onde queria
chegar.
Inferno!
Como ele pode achar que eu o usaria para esquecer André? Quando eu sequer
lembrava que André existia, quando comecei a desejar dormir com Aaron?
— Você não ficou nada satisfeita quando achou que eu a estava usando para
esquecer meus problemas. — Percebi que seu queixo se ergueu alguns
centímetros. — Por que eu deveria me importar se tudo o que você quer quando
transa comigo, é esquecer um filho da puta que eu sequer sabia que existia?
Engoli em seco. Era tão difícil tirar meus olhos dos seus quanto lhe dar uma
resposta.
Não havia nada que eu quisesse esquecer. Mesmo assim eu o chamei aqui.
Queria que ele estivesse aqui. Que alguém estivesse aqui.
— Eu não sirvo para ser sua segunda opção, Dolores — Aaron murmurou
roçando seus lábios aos meus.
Fechei meus olhos com força quando ele me beijou e senti a fome insana que
ele exalava ao me beijar. Como se aquela fosse a última coisa que ele quisesse
fazer em vida.
Minhas costas se chocaram contra a porta, mas não senti qualquer dor ou
desconforto. Não conseguia sentir ou registrar qualquer coisa além do beijo
selvagem que ele me dava.
— Queria que eu estivesse aqui para lhe dar sexo? — ele sussurrou contra
minha boca. — Eu vou lhe dar.
— Eu não quis...
Ele me interrompeu:
Estava começando a ficar com raiva por ele ter entendido tudo errado e por
não me deixar explicar.
Ele se afastou o suficiente para tirar a camisola que eu vestia e rasgar minha
calcinha.
Inferno!
Ajudei-o a tirar a boxer e nós dois gememos quando o toquei. Seu membro
cresceu rapidamente sob meu toque quando o acariciei. Antes que pudesse
envolvê-lo completamente com minha mão, Aaron me impediu.
Meu Deus! Ele era maravilhoso dentro de mim. Sempre. Era a maldita
perfeição ter aquele homem me preenchendo.
Eu sabia que ele estava com raiva e que eu o havia provocado a ponto disso,
mas como poderia explicar que ele estava errado, se Aaron não me deixava
concluir uma frase antes de me arrancar um gemido?
Suas mãos seguraram minhas coxas com firmeza antes que ele começasse a
se mover.
— Ai meu Deus — gemi. — Não pare, Aaron, por favor.
Ele me beijou e mordeu meu lábio inferior com força, antes de proferir:
Quase respondi com ironia, mas não consegui. Suas estocadas eram fortes e
rápidas, além de serem estupidamente profundas. Eu sentia meu corpo todo
reagindo freneticamente a cada impulso seu e sabia que meu orgasmo chegaria
de forma abrupta e seria mais intenso que qualquer outro que ele já havia me
dado. Minhas unhas arranharam a porta com força e mais gemidos escaparam de
meus lábios.
— Consegue pensar em qualquer coisa que não seja o meu pau dentro de
você aqui e agora?
Achei que estivesse chegando ao céu quando ele aumentou o ritmo de suas
estocadas. Meu sexo o apertou com força diversas vezes e ouvi seus gemidos
fazerem apenas eco aos meus.
— Aaron...
Eu sussurrava seu nome sem sequer saber o motivo. Não tinha certeza nem
mesmo se aquele era um pedido ou uma súplica, mas ele sabia. Ele entendia
perfeitamente.
Demorei a registrar sua pergunta, mas quando o fiz, a resposta foi automática:
— Nada...
— Ficamos juntos. Por algum tempo — admiti ainda sem conseguir abrir
meus olhos. — Depois ele foi para Portugal... — Levei minhas mãos para seus
cabelos e os puxei. O maldito estava roçando meu ponto G de propósito. —
Aaron, me faça gozar — pedi.
— Aaron!
— Você o ama?
— Aaron? — chamei-o.
— Sim.
— Já disse que não sirvo para segunda opção — ele interrompeu. — Não
quero que outro tenha permissão para tocar em você, e te preencher assim,
enquanto você concordar que eu fique aqui.
Franzi o cenho.
Sabia que aquilo era apenas sexo, mas nunca pensei em deixar que outro me
tocasse enquanto estivesse com Aaron. Ainda assim, me surpreendeu ouvi-lo
dizer isso.
— Por quê?
— Porque se eu quisesse ter algo assim, continuaria fazendo sexo com várias
mulheres ao invés de uma.
— Nunca.
Eu não sabia se poderia acreditar nisso, mas decidi que teria que esperar para
descobrir.
— Achei que era o que você queria. — Seus olhos estavam nos meus. — E
quis fazer de um jeito que você lembrasse que eu estaria aqui e não aquele filho
da puta.
— Não preciso que faça isso para que eu saiba que é o seu pau dentro de
mim, Aaron! Você agiu como um adolescente idiota.
Pressionei minhas pernas contra seu corpo e ele as segurou sem toda a força
de antes. Parecia ter finalmente se acalmado.
— Aaron — sussurrei em seu ouvido. — Me diga.
Suas investidas ficaram mais precisas e delirantes. Foi ainda mais difícil
manter o foco no que eu gostaria de saber. Ele se manteve em silêncio até que eu
estivesse chegando ao orgasmo. Quando fechei os olhos e as primeiras ondas de
prazer imensurável começaram a me levar ao ápice, eu o ouvi sussurrar:
Eu me perguntava por que ele criara aquela regra para si mesmo. Sua ex-
noiva tinha algo a ver com isso? Ou seria outra mulher a decepcioná-lo a ponto
disso?
Sim, porque eu realmente achava que uma mulher era culpada por ele ter se
restringido à uma regra como essa.
Parei de delinear os traços de suas tatuagens e me voltei para ele. Havia uma
pequena dúvida me corroendo desde que ele chegou.
— Por quê?
— Queria saber quem era aquele cara e por que estava te beijando.
— Por quê?
Se ele estava vindo para minha casa antes de receber minha segunda
mensagem, ele não tinha motivos para achar que eu o estava usando.
Revirei os olhos.
Movi-me sobre ele e meus seios pressionaram seu peito com força. Aaron
fechou os olhos por um momento.
— Você nunca me falou nada sobre sua vida — ele começou novamente ao
me fitar. — Não entendi porque disse que estava se sentindo sozinha.
“Como ele sabia que...”, interrompi meus pensamentos. “Eu mesma lhe disse
isso hoje”.
Engoli em seco e desviei meus olhos dos seus para pousar minha cabeça
sobre seu peito, como fizera antes.
— Nada?
— Por quê?
— Tenho apenas meu avô agora — cedi após uma eternidade. — Mas ele
mora em uma casa de repouso há quase um ano.
— E seus pais?
— Sinto muito.
— E sua mãe?
— E seu avô?
— Ele é... meu pai, avô, amigo. — Fiz uma pausa ao lembrar de vovô. — É
tudo o que tenho.
Aaron xingou baixo e o seu braço que me envolvia, foi retirado de meu corpo
quando fiz menção de me afastar. Mantive os lençóis em meu corpo ao levantar
e Aaron ficou nu sobre a cama.
— Vou tomar um banho — avisei a ele, que havia levantado para pegar sua
calça.
Parei à frente da porta quando ele ficou de costas para mim e atendeu ao
celular.
Qualquer palavra que ele tenha dito foi ignorada por meus ouvidos. Eu estava
perdida demais na imagem de suas costas fortes e bem definidas — levei uma
mão aos lábios ao ver as marcas de unhas por vários centímetros de toda a sua
extensão. Não achei que o estivesse arranhando com tanta força, mas fiz isso há
pouco.
Mordi os lábios ao baixar os olhos para o seu traseiro. Como eu nunca havia
o apalpado ali? Constatei que aquela era uma bela vista. Suas pernas eram
grossas, mas não eram muito peludas — algo pelo qual eu agradecia, pois não
gosto de homens peludos demais.
Quando o ouvi dizer o nome de sua irmã enquanto perguntava: “como ele
chegou até aí?” decidi entrar de uma vez no banheiro.
— Rodrigo descobriu onde ela estava e precisei agir rápido — ele dizia.
Apenas neste momento ele pareceu perceber que eu também estava ali.
— Por favor.
Suspirei sem acreditar que estava concordando e vesti uma calça jeans e uma
blusa azul-escuro de manga comprida, além de um cachecol vermelho para
proteger o pescoço — e cobrir as poucas marcas que Aaron havia deixado.
Prendi os cabelos em um rabo de cavalo e segui para a sala. Aaron havia ido
para lá.
— Casa de Natasha. — Ele abriu a porta e esperou que eu o seguisse até ela.
Peguei meu celular e o segui ainda de má vontade. Havia cinco ligações
perdidas de um número desconhecido. Quem me ligaria a esta hora? E por quê?
Ele me entregou as chaves e tranquei a porta. Quando saímos para a rua, onde
seu carro escuro nos aguardava, eu percebi que fazia mais frio que o normal.
Aaron abriu a porta do carro para mim e sentei-me ao entrar. Esperei que ele
também colocasse o seu cinto de segurança e perguntei:
— Natasha tem dezessete anos, Lola, e tem mais problemas que muita gente
por aí.
— Quem está lá além de sua mãe, Aaron? — perguntei a ele, que me fitou em
silêncio antes que pudesse me responder, o elevador parou no quarto andar. Ele o
segurou para que eu saísse e veio atrás de mim.
Olhei para as portas brancas com números aleatórios. As paredes eram cor de
creme e havia alguns quadros e vasos com flores pelo caminho. Aaron apertou a
campainha do apartamento de número 409 e voltei para ficar ao seu lado. A
porta foi aberta e uma moça nos atendeu. Era a mesma que vi no shopping há
dois dias.
Natasha.
Natasha sorriu para mim e olhou para Aaron, que estava ao meu lado.
— Que bom que chegaram — ela disse. Pelo visto não me reconheceu.
A porta foi aberta o suficiente para que nós dois pudéssemos entrar e olhei
encantada para a sala da casa. As paredes eram brancas e os móveis
maravilhosos. Toda a decoração era vintage e me apaixonei rapidamente por
cada detalhe.
— Natasha, esta é Dolores — ele disse ao iniciar as apresentações — Lola,
esta é minha irmã, Natasha.
A porta foi aberta. Voltei-me lentamente para ela e foi como se o mundo
tivesse parado.
De repente o amor
Verdades ou mentiras
A gente é o que é
Homem ou mulher”
Olhei para Aaron em busca de uma resposta que não obtive de meu avô.
Eu desconfiava que meu coração uma hora acabaria pulando do peito, mas
até agora estava conseguindo controlá-lo.
— Mabel — sussurrei levando a mão aos lábios. Segui para a cama ao ver
que ela parecia desacordada e senti meu peito se encher de dor.
Desviei meus olhos dos seus e fitei vovô, que estava o meu lado.
Ele olhou para Mabel e segurou em meu braço delicadamente para me levar
até a varanda do quarto. Fechou as portas de vidro em seguida e cruzei os braços
com frio.
— Eu o conheço há pouco mais de dois anos — contou. — Nos conhecemos
por causa de Mabel.
Eu estava perplexa.
Assenti.
— Tentamos fugir uma vez, para ficar juntos — ele sussurrou com um sorriso
fraco. Parecia perdido em meio às lembranças. — Olavo nos encontrou dias
depois e a levou de volta. Há dois anos um jovem me procurou. Ele dizia ser
filho de Mabel e me contou que achava que eu era o seu pai.
— Fizemos testes de DNA. Ele não era meu filho, mas mantivemos contato.
Ele sempre me contava sobre Mabel e respeitou minha decisão quando pedi que
não contasse a ela que havia me encontrado.
— Meses depois, ele me ligou. Disse que Mabel estava doente e seu pai
estava cada dia mais insuportável. Ricardo ficava na mansão Andrade por causa
de sua mãe. Ele me disse que Olavo era violento e... — Ele fez uma pausa. —
Ricardo conseguiu tirá-la daquela casa e a levou para um apartamento que
ganhara de Mabel em seu aniversário de vinte anos. Mas eu não queria voltar à
vida dela de uma hora para outra, ainda me sentia culpado por ela ter caído nas
garras daquele homem.
Eu entendi que ele tomou esse cuidado por causa de mamãe. Não queria que
eu achasse que ele estava me abandonando como Elaine sempre fez.
— Depois que os testes foram feitos e descobrimos que eu não era seu pai,
paramos de nos ver. Nós apenas conversávamos algumas vezes por mês. Até
então, você também não sabia sobre Mabel, por isso preferi não entrar no
assunto.
— Mas e depois? Quando vocês já estavam no asilo? Por que não me falou
sobre ele? Por que não nos apresentou?
Revirei os olhos.
Juntei as sobrancelhas.
Ele assentiu.
— Comecei a falar de você quando Mabel disse a ele que você é um doce de
pessoa.
— Mas ele nunca demonstrou muito interesse até ver uma pintura que Mabel
havia feito de você.
— Não exatamente. — Ele riu. — Ela fez uma pintura de você. Como um
autorretrato.
Meus olhos se abriram à medida que eu compreendi aquilo. A foto que Aaron
tinha em seu celular — lembrei. — Devia ser uma foto da pintura de Mabel.
— Por que ela nunca me mostrou?
— Não fique chateada, filha — ele pediu após uma pausa. Beijou o topo de
minha cabeça e concluiu. — Eu pediria que Ricardo ligasse para você amanhã.
— Falei, mas não pedi que ele contasse a você. Nem sabia que ele a traria
para esta casa.
— Há quanto tempo estão juntos? — vovô perguntou. Parecia ter lido meus
pensamentos.
— Filha, não pode culpá-lo por não ter te contado. — Arregalei os olhos sem
acreditar no que estava ouvindo.
— Como não posso, vovô? Ele me escondeu tudo isso! — Baixei o tom de
voz ao lembrar de Mabel. — Aaron não deveria ter feito isso. Principalmente
sabendo que envolvia você e Mabel!
— Como ele te contaria que chegou até mim achando que eu era seu pai? E
que só achava isso porque Olavo passou a vida lhe dizendo que ele era um
bastardo? Que Mabel o havia traído?
— Se para ele é tão difícil falar sobre isso, ele poderia ter me contado ao
menos que conhecia o senhor e que Mabel é sua mãe.
— Mas ele te contou sobre Rodrigo — ele disse. — Você acabou de dizer que
eles são diferentes.
— Tem certeza?
— Vamos para casa, vovô. Depois decidimos o que fazer sobre Mabel.
Antônio certamente me ligará amanhã, você não deveria ter fugido da casa de
repouso. Temos que resolver tudo isso.
Céus! Eu sabia que ele queria ficar. Mas como poderia deixá-lo aqui? Na casa
de dois estranhos?
— Vovô, você não pode ficar aqui. Natasha está sozinha. Esta casa é dela.
— Natasha precisa cuidar da própria mãe. Ela já abriu mão de muitas coisas
para isso. Não posso deixar que tenha que cuidar de Mabel. Ela não saberá como
agir quando Mabel tiver uma recaída.
Mas e eu? Não posso simplesmente parar de visitar Mabel por causa de seu
filho. Ela também é muito importante para mim.
Respirei fundo e segui para seus braços novamente. Não poderia, jamais,
pedir que ele escolhesse entre nós.
— Vou falar com Aaron — sussurrei. — Visto a relação que vocês mantém,
acho que ele não irá se opor à sua estadia aqui. Não posso dizer o mesmo de
Natasha.
— Eu preciso ir. Vou pensar em uma forma de resolver isso e amanhã volto
para pegá-lo, tudo bem?
Percebi que ele não confirmou que “tudo bem”, mas decidi não discutir por
isso.
— Espero que tenha realmente certeza de que ele só lhe contou sobre
Rodrigo porque a situação o obrigou.
— Não adianta defendê-lo, vovô — falei ao sair e segurar a porta aberta.
Segui de volta pelo corredor e peguei meu celular para verificar as horas.
— Você pensou o quê? — ela questionou em tom irônico. — Que ela acharia
que você é um maníaco perseguidor, apenas porque conhecia o avô dela?
— Para um homem inteligente, você foi muito idiota por deixá-la no escuro
desta forma.
— Tenho quase dezoito anos, Aaron — ela disse entre pausas para enfatizar.
— E você sabia que não deveria ter escondido tudo daquela moça.
— Você fez o favor de repetir isso dez vezes nos últimos vinte minutos. Eu já
entendi que... — ele interrompeu ao me ver.
— Vovô foi irredutível. Não consegui convencê-lo a ir para casa comigo. Mas
amanhã posso voltar para buscá-lo.
— Natasha disse que já havia combinado com ele de dormir no sofá hoje,
assim ele pode ficar em seu quarto. Não se preocupe. Amanhã tentaremos levar
outra cama para o quarto de mamãe.
Eu nunca pensaria em algo assim. Até porque achei que a mãe dele fosse a
senhora que vi no shopping com sua irmã.
Franzi o cenho.
— Ele tinha um caso com a mãe dela — explicou quando pareceu entender
minha expressão.
Concordei sem saber o que dizer sobre aquilo e cruzei os braços.
— Posso levá-la.
Encaramo-nos em silêncio por alguns segundos, até que ele seguiu para a
porta e a abriu para mim.
A viagem de volta para minha casa fora suficiente para que eu organizasse as
perguntas que faria a ele. E me permitiu também tempo suficiente para me
acalmar.
— Como conheceu meu avô? Por que não me disse que vocês mantinham
uma amizade? Qual foi o real motivo de ter se aproximado de mim? — Fiz uma
pausa e o fitei. — Você tem muitas opções.
— Por quê?
— Por que não me contou sobre vovô? E Mabel? Se sabia que eu a conhecia,
por que não me disse que ela era a sua mãe?
— Eu não confiava em você. Não a ponto de falar sobre ela. — Ele fez uma
pausa. — Acho que seu avô não me perdoaria se soubesse o que realmente havia
entre nós.
Percebi que não poderia exigir que ele confiasse em mim, se nem mesmo eu
confiava nele.
“Não confia nele? E o deixou dormir em sua casa? Em sua cama?”, uma
vozinha irritante repetiu em minha mente. Mas a expulsei para longe quando as
palavras de Aaron fizeram eco em minha cabeça.
— Por que para você todas as minhas atitudes escondem uma forma de te
menosprezar?
— Eu não sei se seu amiguinho ou qualquer idiota fez isso com você, mas eu
não sou nenhum deles, Dolores. Achei que você estivesse ciente disso.
— E você se importaria?
Ele ficou em silêncio por tempo suficiente para que eu quisesse encará-lo
novamente.
— Ele queria que eu fosse o namorado de sua neta, não o cara que dorme
com ela sem lhe propor um relacionamento.
— Ele nunca achou que eu fosse uma santa, Aaron! E sou maior de idade.
Não havia motivos para vovô ficar com raiva ou chateado por isso.
— Então por que se aproximou? Por que me propôs sexo sem a droga de um
relacionamento?
— Porque eu também queria você e aquela era a única coisa que estava
disposto a oferecer. Era a única coisa que você estava disposta a aceitar.
Ele tem razão. Nós dois sempre deixamos claro que não queremos um
relacionamento.
Mas ele não confiava em mim. Pelo menos não o suficiente para falar da
própria mãe — segundo o que ele disse.
Querendo ou não, continuo em meio à sua briga com Rodrigo. Mas o pouco
de confiança que comecei a cultivar por Aaron quando lhe contei sobre minha
família mais cedo, foi por água abaixo no momento em que ele me levou para a
casa de sua irmã e vi meu avô lá — e Mabel.
— Amanhã vou pegar vovô na casa da sua irmã. Pode me enviar o endereço
por mensagem?
— Pra você não faz diferença — afirmou. — Por que quis que eu te contasse
tudo isso se não mudaria sua decisão?
O incrível para mim naquele momento é que Aaron parecia calmo. Notei que
isso sempre acontecia quando chegávamos a um impasse. A decisão final era
minha e ele respeitaria.
— Não todas.
— Se essa é a última vez que nos veremos assim, é melhor perguntar agora.
— Eu não sabia se você iria querer continuar comigo depois de saber sobre
Rodrigo, pensar em falar sobre tudo me dava a certeza de que não iria.
Assenti.
— Não. Sinto muito por não o ter feito antes, mas não costumo me
arrepender de nada que tenha feito.
— Acaba aqui?
— Eu preciso pensar.
— Tudo bem.
Não resisti a olhar para o carro dele que continuava no mesmo lugar. Sabia
que ele também me encarava. Podia sentir.
Entrei em casa, mas não me incomodei de ligar as luzes. Segui direto para o
meu quarto e então liguei o abajur sobre o criado-mudo.
Triste demais.
“Um dia desses, num desses encontros casuais
Rodrigo e Aaron são realmente filhos de Mabel. Ele achou ser filho de meu
avô. Os dois são amigos.
Ele me quis desde que me viu na empresa... Mas não confia em mim.
As palavras de vovô.
Ele parecia estar certo de que Aaron não me contaria sobre sua família apenas
porque a situação o obrigou. E Aaron disse que um dos motivos para ter me
contado tudo na quarta-feira, era ele ter certeza de que eu me afastaria se ele não
contasse.
Eu não estava com raiva de Aaron. Mas não gostava nem mesmo de pensar
que ele havia me escondido tantas coisas que envolviam pessoas que amo.
Segui diretamente para a pia e lavei minha xícara de porcelana enquanto elas
conversavam:
— Ele confirmou se vai? — Jéssica perguntou. O fato de ela falar como uma
criança mimada me irritava profundamente.
Quase deixei a droga da xícara cair quando ouvi o nome de Aaron ser
mencionado.
— Qualquer coisa, mas ele só sairá daquele bar comigo, para a minha cama.
Mesmo que eu precise embebedá-lo.
— O quê?
— Jéssica quer ficar com Aaron hoje... Acho que você o conhece. Ele é o
meu chefe e o de Roberto também — Vanessa foi a primeira a falar.
— Me ajude, Lola! Por favor! Estou há semanas esperando por este dia.
— Não acha mais fácil o chamar para ir ao bar, Jéssica? — perguntei a ela.
Então finalmente entendi sua insistência. Era por isso que ela queria ficar
com ele. Porque ele não a queria.
— Vovô, no máximo às oito e meia eu vou pegá-lo — repeti pela terceira vez
desde que liguei para a casa de Natasha. Aaron me mandou uma mensagem com
o endereço e número de telefone da casa de sua irmã hoje à tarde.
— Querida, eu não...
Eu o interrompi:
— Já pensei em algo. Só preciso falar com Aaron antes, vovô... Eu só preciso
de dois dias para resolver tudo e na segunda ou terça-feira, você e Mabel já
estarão juntos em outro lugar, tudo bem? Eu prometo que isso acontecerá. Mas
não posso deixar você na casa de Natasha, é muita despesa e trabalho para ela e
o senhor me disse que ela precisa cuidar da mãe dela.
— Por quê?
— Pensei sobre o que conversamos ontem — ele disse. Desviar de seus olhos
seria impossível. — Eu sinto muito.
— Para, André — pedi. — É sério, eu estou bem. Tudo isso já passou... Ficar
pensando em como as coisas teriam sido se não tivéssemos começado com
aquilo não vai adiantar.
Quase suspirei aliviada ao registrar minhas próprias palavras. Era verdade.
Céus! Não achei que conseguiria lidar tão bem com a volta dele. Mas é muito
bom perceber que estou conseguindo.
— Acho que você ainda tem que me colocar a par do que está acontecendo
em sua vida — ele disse. — Pelo visto Lucas e Giovane lhe contavam tudo o que
eu fazia em Lisboa.
Brenda vestia calça jeans escura e uma blusa vermelha um pouco decotada,
segurava um casaco preto. Seus cabelos cacheados estavam soltos e formavam
uma cascata negra maravilhosa. Ela usava maquiagem simples, mas o batom era
vinho. Tudo, como sempre, estava combinando muitíssimo.
Elise estava mais sóbria, como eu, vestia uma saia, mas diferente da minha
que era preta, a sua era roxa na altura dos joelhos, e uma blusa de seda branca
enquanto a minha era azul. Suas madeixas eram de um castanho-claro que a
iluminava a ponto de ofuscar qualquer outra visão. Usava maquiagem discreta e
batom rosa.
— Nada de mais.
Mas meu sorriso esmoreceu quando percebi que ele não poderia suprir as
necessidades de Elise. Ela tinha utopias demais sobre namoro e casamento para
um homem como ele.
Pela forma que Jéssica e Vanessa correram para o banheiro para retocar a
maquiagem antes de vir para cá, eu tinha certeza de que Aaron viria.
— Eu ainda acho uma ideia infantil e ridícula — Elise dizia para Bree.
Elise completou:
— O quê?!
— Você precisa me ajudar! — ela disse para ele. — Aquele filho da mãe veio
com uma loira oxigenada... Não posso ficar sozinha.
— Achei que tivesse superado o fim que você decidiu dar ao relacionamento
que tinham — lembrei-a. — Você está além disso, amiga, por favor. Isso é
ridículo.
— Se não quer que ele fique com outra, diga isso a ele ao invés de fazer uma
cena ridícula — aconselhei. — Vamos lá, Bree, você é a racional aqui, lembra?
— Ela bebeu um pouco antes de vir para cá — Elise sussurrou para mim.
— Você sabe que as chances disso acontecer são mínimas, não é? — foi a vez
de Elise dizer a ela.
— Não me importa.
Revirei os olhos quando ouvi novas vozes e risadas vindas da entrada. Neste
momento o cantor no pequeno palco começou a cantar uma música dos
Engenheiros do Hawaii — Pra Ser Sincero.
— Eu faço o que você quiser se me ajudar — Bree disse para André antes de
passar por mim e ir para o lado dele.
Uma hora depois nós já havíamos conversado muito. Até rimos das piadas
sem graça de Brenda — ela já estava bêbada e gargalhava antes mesmo de
concluir a piada.
— Gio e Luca estão aqui perto... Posso chamá-los para vir aqui?
Peguei meu celular e olhei para a mesa em que Aaron estava. Semicerrei os
olhos ao ver Jéssica falando com ele — a vadia parecia ter baixado a blusa tanto
quanto pôde para aumentar o decote e estava com os seios quase pulando em
cima dele.
— Não... Apenas Jéssica que me pediu para ajudá-la com o chefe de Vanessa.
Franzi o cenho.
— Você não deixaria uma amiga usar um decote daquele tamanho para
conquistar um cara.
Ela riu e ao ouvir sua gargalhada foi impossível não rir junto.
— Ela está tentando te enganar porque o André está aqui, amiga! Conte tudo,
Lola... Tudinho.
Revirei os olhos para ela e peguei o copo de chope que estava em sua mão.
Brenda já estava alegre demais para o resto da vida. Se ficasse mais bêbada que
isso, seria impossível lidar com ela.
— Dormimos juntos nas últimas noites, mas ontem tivemos uma discussão e
pedi um tempo para pensar. — Nem mesmo eu entendi minhas próprias palavras.
As pronunciei com uma rapidez surreal.
— O que você quer saber da vida dele, Dolores? Você está transando com ele,
Tran-san-do, por isso não precisa saber nada da vida dele... Bem, só se ele for
um assassino, aí é melhor você se afastar... Ele é um assassino?
Ela pareceu pensar sobre isso e se inclinou sobre o balcão para pegar sua
bebida, mas a impedi.
Fiquei em silêncio.
— Bree, você não está falando coisa com coisa, amiga. É melhor parar —
Elisabeth pediu.
— Sabe o que eu acho? — Brenda não esperou minha resposta. — Você está
atrás de um motivo para não ficar com ele... — Ela se voltou para Elise, que
agora estava séria. — Lembra daquele cara... — Estalou os dedos — O gerente
daquele banco... Mauro... Não, Maurício... Isso, era esse o seu nome. Ela
terminou com ele por besteira... Você lembra o motivo, amiga?
Fechei os olhos.
Isso aconteceu meses depois que André foi embora... Elas me apresentaram
ao Maurício... Mas nós não tínhamos nada em comum e ele queria uma esposa,
antes de falar de namoro.
— Você faz isso desde esse idiota aqui. — Apontou para André.
O garçom voltou com minha bebida. Tomei tudo de uma vez e pedi outra.
Sim, talvez eu também fosse um pouco reservada, mas não como ele. Quer
dizer, eu nem tinha segredos como os dele.
Semicerrei os olhos para ela. Então Brenda tem as respostas para os meus
problemas e minhas complicações, mas não sabe o que dizer ao cara que está a
fim?
— Que você não pode vê-lo agora porque está bêbada — eu disse a ela.
— Você é louca? — ele perguntou a mim. — Ela não pode falar com ele
desse jeito.
Olhei para a mesa que Aaron estava segundos atrás e encontrei Jonathan
olhando para Brenda e André. Parecia fuzilá-los com o olhar.
— Ele está morrendo de ciúmes — avisei. — Tire ela daqui ou o estrago será
pior.
Pisquei para ela antes de sair e indiquei André. Ela entendeu, mas acenou em
negativa.
— Lola?
Dei alguns passos até a calçada e parei para esperar o movimento de carro
diminuir para atravessar a rua.
— Por quê?
— Se nenhum outro pode me tocar, por que eu deveria deixar que outra te
toque?
— Lola.
— André precisou voltar para que nós pudéssemos nos ver novamente, hein?
— Lucas foi o primeiro a me abraçar.
— Não exagera — falei. — Giovane está casado agora. Alice não vai deixá-
lo à solta assim tão facilmente — murmurei fazendo-os rir.
— Você já está indo?
— Espero que desta vez ele não ameace André com uma arma.
Revirei os olhos.
Voltei ao telefone.
— Aaron?
— Sim? — respondeu.
Aaron vestia um casaco azul-escuro sobre um blazer preto. Sua barba estava
completamente feita, como de costume, e seus cabelos bem penteados. Bem
diferente da versão cabelos pós-sexo.
— Sim, é o André.
Revirei os olhos.
Ouvi risadas vindas da entrada do PZB e sorri ao ver Brenda escoltada por
três homens e Elise à sua frente, que parecia repreendê-la por algo.
Por algum motivo, André olhou para trás e me viu com Aaron. Os dois se
encararam por alguns segundos até que ele me fitou e depois se voltou para
Brenda.
— Lola.
Minha respiração se tornou pesada apenas por vê-lo tão perto. Sua
proximidade era instigante, assim como o perfume delicioso que ele usava. A
mistura era indecente, devastadora. Minha atenção se deteve em seus lábios, eles
eram tão irresistíveis, e umedeci os meus antes de segurá-lo pelo casaco e trazê-
lo para mim em um beijo.
Aaron me beija sempre com a intensidade de quem não quer apenas um beijo,
de quem planeja fazer com que a volúpia compartilhada enquanto nossos lábios
estão juntos perdure até mesmo quando eles não estiverem. E eu retribuía com a
mesma avidez, o mesmo ardor e desejo.
Minhas costas se chocaram contra o seu carro e ele pressionou seu corpo ao
meu, antes de levar uma de suas mãos aos meus cabelos e puxá-los de forma
selvagem e a outra para minha cintura, para manter nossos corpos juntos
enquanto sua língua continuava a guiar a minha.
Após acabar com o beijo, ele encostou sua testa à minha. Precisamos de
alguns segundos para respirar melhor. Momentos depois, ele murmurou:
— Eu preciso ir.
Eu parecia ainda estar zonza pelo beijo e tudo o que fiz foi assentir
novamente.
Escondi as mãos dentro do casaco e me afastei para que ele pudesse entrar no
carro.
Respirei fundo algumas vezes e, antes que ele desse partida, eu o aconselhei:
Quando ele saiu, eu decidi chamar um dos taxistas próximos ao bar e pedir
que me levasse à casa de Natasha.
Olhei em meu relógio enquanto subia o elevador lentíssimo do prédio.
Sua mãe.
— Olá — murmurei.
— Ele vai sentir falta de Mabel — avisou-me. — E ela sentirá falta dele.
— Eu sei, mas será apenas por dois ou três dias. Só até Aaron e eu
encontrarmos um lugar seguro para eles.
Ela concordou com um aceno de cabeça e sua filha me chamou para ir ao
quarto de Mabel.
— Olavo morreu?
Ele ficou em silêncio por alguns minutos e apertou minha mão que estava
entre as suas antes de perguntar:
— Quase — admiti.
Vovô sorriu.
Mordi os lábios e tomei coragem para fazer a pergunta que ecoava em minha
mente desde que saímos da casa de Natasha.
— Por que Aaron ajuda Natasha a cuidar de Suzana, se ela era amante do seu
pai?
— Ele não faz isso por Suzana — vovô explicou. — Faz isso por Natasha.
— Não entendi.
Vovô parou por alguns segundos e pareceu tentar organizar as palavras antes
de dizer:
— Ricardo e Rodrigo foram desprezados por Olavo durante muitos anos por
ele achar que os dois não eram seus filhos. Eles sofreram muito com isso e
quando Ricardo descobriu sobre Natasha... Não sei... — Vovô sorriu. — Ele quis
cuidar dela. Pelo que me contou, Natasha tinha quatorze anos quando foi atrás de
Olavo pedir ajuda para a mãe que estava com um problema sério de anemia. Ele
ouviu a conversa, Olavo expulsou Natasha da sua casa. Não se importava com
ela ou Suzana.
— Até que Ricardo decidiu ajudá-la. — Ele fez uma pausa. — Mabel nunca
se opôs a isso. Tanto ela quanto o filho sabiam como era ser tratado como lixo
por Olavo. Nenhum deles queria que Natasha, sendo tão nova, sofresse tanto por
causa do bastardo do pai.
Neste momento lembrei das palavras de Rodrigo: “Não poderia ser como
Natasha e chorar desesperada enquanto pede socorro?”.
— Exatamente.
Tudo o que Aaron sempre faz é proteger as pessoas que são importantes para
ele... Sua mãe, sua irmã, vovô...
— Seu quarto continua intacto, vovô — avisei enquanto o levava até ele.
— Você guardou aquele celular, querida? — questionou referindo-se ao seu
celular extremamente ultrapassado.
Sorri.
Ele assentiu e o beijei no rosto antes de sair e fechar a porta de seu quarto.
Eu sabia que aquela seria mais uma noite em que eu não dormiria direito por
causa disso.
Eu não fazia ideia de quem era o dono do número na tela, mas já estava
acordada então decidi atender:
— Alô?
Porra!
— Ele foi detido esta manhã em sua casa. Mas estou resolvendo a situação.
— Fez uma pausa. — Ele só me pediu que a avisasse porque ficará pelo menos
dois dias...
— Sob que acusação ele foi preso? — eu o interrompi.
— Tentativa de homicídio.
Suspirei audivelmente.
— Roberto tem algo a ver com isso? E Rodrigo? Tenho certeza de que
Rodrigo tem algo a ver com isso!
Abri meu guarda-roupa e tirei a primeira saia e blusa que vi pela frente.
— O quê?
Ele cedeu.
Ouvi atentamente quando ele me deu o endereço e peguei papel e caneta para
anotar.
— Estamos fechados por causa do feriado, mas ficarei vinte e quatro horas
neste telefone. Não se preocupe, o...
— Por que ele não quer que eu vá vê-lo? — Minha voz soou mais baixa
agora.
O que quer que tenha feito, Rodrigo conseguiu tirar Aaron de seu caminho.
Pelo menos, por enquanto.
Meu ódio por aquele homem crescia a cada dia que passava, a cada nova
conversa onde ele era tema. E eu tinha certeza de que não seria capaz de me
controlar se estivesse frente a frente com aquele filho da puta.
“Tudo o que se vê não é, igual ao que a gente viu há um segundo
Após arrumar-me ouvi batidas na porta de meu quarto. Sabia que se tratava
de vovô, pois ele certamente estranharia minha ausência no café da manhã.
Quando abri a porta já estava com a bolsa sobre o ombro e o celular nas
mãos.
— Bom dia... — ele interrompeu sua fala e a preocupação que estava em sua
expressão foi trocada pela desconfiança.
Fitamo-nos por segundos em silêncio — era quase como se conversássemos
através do olhar.
— Ele foi preso por causa de uma armadilha de Rodrigo — soltei de uma vez
enquanto atravessava a porta e a fechava.
Engoli em seco.
Quando ele voltou com o seu velho celular em mãos e guardando a carteira
no bolso, percebi que estava se preparando para ir a algum lugar.
Vovô fitou minha expressão incrédula e passou por mim para abrir a porta. Eu
o acompanhei pelo pátio e o vi acenar em negativa em todo o percurso.
— Dolores, ele não quer que você se envolva nisso! Será que não vê? —
Parei quando ele se voltou para mim. — Rodrigo a conhece! Sabe que Ricardo
se preocupa com você... Você é alguém importante para ele e Rodrigo já sabe
disso.
— Não preciso que ele se preocupe comigo! Sei me virar muito bem e Aaron
sabe disso! Que inferno!
Sua cabeça pendeu para trás e ele olhou para o céu enquanto parecia pedir
paciência. A última vez que fez isso foi na minha primeira aula de autodefesa.
Quando ele cansou de me explicar como usar minha força para subjugar um
homem. Como pegá-lo desprevenido, para ser mais exata.
— Filha, entenda. — Ele veio até mim e segurou meu rosto entre suas mãos.
— Se Rodrigo tiver certeza de que você é um ponto fraco, ele deixará de usar
Mabel para ferir Ricardo e passará a usar você... Já pensou que ele pode fazer
com que a culpa, sobre o que quer que tenha acontecido, caia sobre você e
Ricardo?
Fechei os olhos com força — em parte pela raiva e outra por saber que a
qualquer momento uma lágrima indesejada rolaria por meu rosto.
Eu o abracei.
Não queria falar mais nada sobre isso. Nem queria que ele defendesse Aaron.
Ele visivelmente o conhecia muito mais do que eu.
Antes de qualquer coisa, eu precisava falar com Aaron.
Não ouvi uma resposta sua, mas soube que havia concordado quando abri o
portão da frente e ele me seguiu.
Eu estava nervosa com a situação, ainda mais por ver Mabel naquele estado,
mas jamais deixaria que isso ficasse perceptível. A última coisa que precisamos
é uma casa cheia de mulheres desesperadas, quando todas sabiam que isso não
levaria a nada.
— Você está mais calma? — questionei para Natasha após entregar uma
xícara de café para Suzana, sua mãe.
— Sim... Obrigada. — Sua voz estava fraca e seus olhos ainda vermelhos
pelo choro.
Eu sabia que Aaron e Suzana são a única família de Natasha — a única que
não está displicente a ela — e tentava compreender o que ela estava sentindo ao
saber que o homem que agiu como seu pai, e não irmão mais velho, está preso.
— Um dia Rodrigo pagará por tudo que fez a Mabel e Ricardo — Suzana
murmurou. Aparentava estar perdida demais em pensamentos.
Pousei minha xícara sobre o pires e fechei os olhos enquanto tentava respirar
lentamente para fazer com que meu coração batesse mais regularmente, mas isso
foi inútil, pois tudo o que consegui foi imaginar Mabel e Aaron sofrendo por
culpa de Rodrigo.
— Tortura? — questionei.
Ouvi meu celular tocar em minha bolsa e movi-me no sofá para pegá-lo.
Número desconhecido.
Natasha levantou e colocou sua xícara sobre a mesa de centro, assim como
eu.
— Pode deixá-lo aqui. Juro que cuidarei muito bem dele — a menina
prometeu.
— Alô?
— Cunhadinha... Há quanto tempo.
Apertei a alça da bolsa com força e respirei pela boca para me impedir de
bufar de raiva.
— Rodrigo. — Fiz uma pausa para me forçar a aparentar não saber sobre
Aaron. — O que quer?
Cliquei no botão que fazia a ligação ser gravada. Tinha certeza de que ele não
diria nada que pudesse envolvê-lo ou ligá-lo a qualquer coisa, porém não custava
nada tentar.
— Espero que sim, porque a culpa foi sua! — Usei toda a minha raiva
naquelas palavras.
— Olha, eu não sei por que estou falando com você sobre isso! Ligou para
me dizer o quê, hein?
— Ei, querida, por que está com raiva de mim? Quem te chutou foi aquele
idiota. — Ele riu.
Revirei os olhos enquanto seguia para a parada de ônibus mais próxima. Era
quase três da tarde.
— Não tenho nada para falar com você — disse e encerrei a ligação.
— Por que está com tanta raiva dele? — foram as primeiras palavras de
Rodrigo.
— Porque aquele filho da puta usou uma desculpa ridícula pra terminar
comigo e vinte e quatro horas depois já estava comendo uma colega de trabalho.
Acha pouco?!
Ele ficou em silêncio e eu tive certeza de que ele havia notado a ponta de
impulsividade que deixei escapar ao perguntar aquilo.
— Vou lhe mandar uma mensagem com um endereço. Se quiser fazer algo
sobre isso, venha me encontrar. — E desligou.
Fiquei alguns segundos olhando para a tela do celular.
Fiz sinal para que o ônibus parasse e segundos depois estava devidamente
sentada.
Cerrei os olhos por alguns segundos e lembrei do que senti quando aquele
advogado ligou... Depois quando Suzana me contou aquilo... Então cenas do que
passei na quarta-feira surgiram de forma nítida em minha mente.
Após passar em minha casa, eu segui para a de Elise. Depois dirigi o carro
rapidamente até o endereço que Rodrigo me passara e ao parar à frente da
enorme construção antiga, a percepção do que eu estava prestes a fazer, me
atingiu. No entanto, não havia medo ou temor por nada que Rodrigo pudesse
fazer, somente a raiva insuportavelmente maior por perceber que estava tão perto
do homem que fez tanto mal à Mabel.
Podia sentir seu olhar sobre mim, mas não poderia dizer de onde ele vinha.
Ouvi sua risada cada vez mais próxima de mim e senti um arrepio de repulsa
quando percebi que ele estava a apenas alguns centímetros de mim.
Fiz uma careta involuntária quando ele beijou meu pescoço e começou a tirar
meu casaco.
Meu corpo reagia com aversão a sua proximidade, ao seu toque... Mas ele
parecia crer que os arrepios eram de prazer e excitação.
— E eu vou.
Levei minhas mãos às minhas costas para tirar meu casaco. Ele se afastou
para tocar meu corpo sobre as roupas que eu vestia, mas dei um passo para trás
antes que ele o fizesse.
Meu olhar o desafiava a se aproximar, mas à medida que ele o fazia, eu dava
passos para trás.
Fingi abrir os botões nas costas de minha blusa e ele parou a dois passos de
distância.
— Como? — sussurrei.
Rápido demais ele se aproximou, ergueu meu braço com força, fazendo com
que a arma se voltasse para o teto e meu corpo se chocasse contra a parede —
me deixando entre ela e seu corpo.
Ele me virou em seus braços e o lado esquerdo do meu rosto foi pressionado
contra a parede. Com o baque, a arma caiu de minhas mãos.
Fechei os olhos com força quando ele libertou um de meus braços e segurou
meus dois pulsos com apenas uma mão.
Maldição! Esse filho da puta não vai colocar esse pau em lugar nenhum.
Respirei fundo quando senti suas mãos apalparem minha bunda sobre a calça
jeans e ele libertou minhas duas mãos para tentar abrir a calça.
— Diga que vai se afastar de Aaron — ele mandou contra o meu ouvido.
Não respondi, abri os olhos e não pensei duas vezes ao ver um porta-retrato
de vidro na parede a distância de um braço, o peguei rapidamente e com toda a
força que aquela posição me permitia, eu lancei o objeto contra a cabeça de
Rodrigo.
Gritei de dor quando Rodrigo me pegou pelos cabelos e me puxou para si.
Quando meu corpo pressionou o seu, eu senti a arma que ele carregava
escondida na calça, coberta pela camisa.
— Não achou realmente que eu viria aqui e deixaria você pôr essas mãos
nojentas em mim, não é?
Foi rápido. Em questão de dois segundos, ele sacou a arma e a apontou para
mim.
— Não devia tê-la subestimado. Se Aaron está com você é por um bom
motivo.
Seus olhos agora estavam mais frios e assustadores do que nunca. Um arrepio
de medo percorreu minha espinha, mas o ignorei e continuei a sustentar o olhar
furioso do homem à minha frente.
Semicerrei os olhos para ele e parei antes que meu dedo pressionasse o
gatilho.
Ri com escárnio.
E se Rodrigo tivesse usado sua arma para atingir José Roberto ou qualquer
outra pessoa? Suas digitais estariam nela.
Eu precisava pegá-la.
Fiz uma careta de dor antes de baixar a arma na altura de suas pernas e atirar
novamente em uma delas.
Resisti à vontade de chutá-lo e decidi sair de uma vez, antes que ele notasse
que eu segurava sua arma.
— Elise? — sussurrei assim que ela atendeu. — Peça que Kamila vá à sua
casa, por favor — pedi reprimindo um som angustiado ao fazer uma curva.
Mantive os olhos bem abertos, mesmo quando a minha vontade era de fechá-
los e gritar por causa da ardência que só aumentava. Fora apenas de raspão, mas
isso estava doendo como o inferno.
Mordi os lábios com força e aproveitei o sinal vermelho para fechar os olhos
e tentar controlar o que estava sentindo. Não adiantou, mas pensar que eu
poderia continuar tentando e talvez conseguisse, era um consolo.
Se em mim estava doendo tanto, em Rodrigo a dor era duplamente
agonizante. Quase sorri ao perceber que este também era um consolo.
Diabos!
Eu não planejava ter que usar a droga da arma, mas também não achei que
aquele filho da puta tentaria abusar de mim.
Contudo, o que ele fez com Mabel... sendo seu filho, não tem perdão. É
horrível demais para qualquer pessoa.
Mesmo sabendo que não deveria ter ido atrás dele, e atirado nele, eu não me
sentia culpada. Pelo contrário, sentia-me vingada.
Que me contempla
— Agora me conta o que está acontecendo — Elise repetiu pela segunda vez.
Voltei-me para minha amiga e amaldiçoei a mim mesma por mentir para ela.
— Quase fui assaltada após levar vovô para a casa de uma amiga —
expliquei. — Não quero que ele saiba disso.
Ela semicerrou os olhos para mim e quando eu percebi que diria algo, Kamila
se levantou.
Ela riu.
Esperei alguns momentos para ver se ela expressava algo sobre minha
resposta em seu rosto, quando vi a resignação tomar conta de seu semblante.
— Esse filho da puta tem que pagar pelo que fez a você! — murmurou
agitada vindo me abraçar. Gemi baixo de dor e ela percebeu que me apertava
demais.
— Eu sei... Eu preciso ir pra casa. Depois tenho que pegar o vovô e...
Com dificuldade consegui tomar uma ducha e não molhar o curativo que
Kamila fizera.
Quando estava finalmente vestida com uma camisola, peguei meu celular e
liguei para o advogado de Aaron. Ainda não era nove da noite.
— Sr. Rodolfo? Aqui é a Dolores Dias, a... — interrompi sem saber como me
apresentar.
Ele ficou em silêncio por alguns segundos e mesmo assim fui capaz de
entender o que se passava em sua mente.
— Não.
— Já entendi aonde quer chegar... Mas como pode provar que se tratava de
Rodrigo e não de Aaron?
— Fui atrás de Rodrigo hoje. Peguei a arma dele e estou com ela... Quero que
faça um exame de balística para saber se foi essa a arma usada, assim poderá
confirmar que nela há apenas digitais de Rodrigo.
Ele ficou em silêncio. Engoli em seco e esperei que ele dissesse algo.
— Menti para ele dizendo que Aaron havia terminado comigo, que estava
com outra, disse que me vingaria e ele me ofereceu ajuda... Mas quando cheguei
à casa dele, Rodrigo tentou... — interrompi e tomei coragem para continuar. —
Abusar de mim. Ele estava armado, mas consegui tirar a arma dele e lembrei que
ele poderia tê-la usado. Consegui fugir e trouxe a arma comigo.
Pelo menos dois minutos de silêncio se passou até que ele se pronunciou:
— Não. — Fechei os olhos com força. — Estávamos apenas nós dois lá.
— Podemos fazer uma denúncia contra ele, por assédio sexual e tentativa
de...
— E depois?
— O senhor Rodrigo será preso e o mal-entendido com o senhor Aaron será
perceptível.
Após uma série de perguntas sobre tudo o que aconteceu, eu decidi mostrar as
gravações. Já havia até mesmo mostrado onde o tiro de Rodrigo me atingiu e ela
parecia irredutível em acreditar.
— Como se conheceram, senhorita Dolores?
— Estou tentando apurar todos os fatos — ela respondeu para ele enquanto
vinha até mim. — Por que fez tudo isso, senhorita? — perguntou a mim.
Ela ergueu o queixo para me olhar nos olhos e baixei a vista para fazer o
mesmo com ela.
— Meu namorado foi preso porque vocês não fizeram seus trabalhos direito.
Os documentos dele comprovam que ele tem um irmão gêmeo e ainda assim não
tentaram descobrir o que poderia ter realmente acontecido — falei.
— Dolores — o advogado me repreendeu.
— Peço que fique mais alguns momentos para o exame de corpo de delito e
assine a denúncia. Procuraremos este senhor Rodrigo ainda hoje.
Suspirei aliviada.
— Obrigada.
Ela assentiu e, pela primeira vez desde que entrei, ela sorriu.
— Você foi corajosa, senhorita — elogiou e sentou-se novamente.
Assinei a denúncia e alguns minutos depois fui levada a uma sala para fazer o
exame, Rodolfo ficou para conversar com a delegada sobre as outras evidências.
— Meus comprimidos, querida — Suzana pediu para Natasha assim que ela
levantou. Recolhemos a louça.
— Nos últimos exames o médico disse que ela já não responde tão bem aos
medicamentos quanto antes. Por isso, às vezes, ela não consegue sequer levantar
na cama.
— Isso mesmo. Anemia aguda. — Fez uma pausa enquanto abria as portas do
armário e pegava uma caixa de comprimidos. — Só um momento. — pediu
enquanto enchia um copo de água e levava para a mãe.
Suzana parecia ainda mais abatida do que estava na segunda vez que vim
aqui. Eu não queria nem mesmo pensar em como seria se a mãe de Natasha
chegasse a falecer.
Meu Deus! Essa garota é tão jovem para já ter sofrido tanto.
Lavei minhas mãos quando terminei e sentei-me em uma das cadeiras à mesa.
Limpei os olhos e respirei fundo algumas vezes.
“É claro que ela não ficaria desamparada, afinal, estamos aqui, mas perder
uma mãe não...”, interrompi meus pensamentos quando percebi o que estava
fazendo.
Ela riu.
— Uma hora ele pode ruir — murmurei baixando os olhos para fitar minhas
mãos em meu colo. — Vejo-o sempre tão forte, mas ninguém consegue ficar
assim o tempo todo.
— A única vez que o vi desesperado, foi quando descobriu que Rodrigo havia
tirado Mabel do apartamento... Para mim, ele é quase a personificação da força e
autocontrole.
Ela riu.
— Ele é muito controlador. Olha, até ano passado, quando eu estudava, ele
queria todos os meus boletins da escola. E estava sempre dizendo que eu não
tinha permissão para arranjar namorados antes de concluir o ensino médio e
entrar em uma faculdade. — Seu sorriso se manteve enquanto ela lembrava. —
Ele e mamãe não suportavam quando eu tinha que ir à casa de uma colega para
fazer trabalhos. Eles acham a cidade perigosa demais para mim. — Ela revirou
os olhos. — Ele não me deixa comprar doces ou chocolate quando me leva para
fazer as compras do mês! Imagine, Lola! Chocolate!
Revirei os olhos.
— Não. No segundo dia da prova do Enem, eu tive que ir para o hospital com
a mamãe.
— Sinto muito.
— Olá, Jéssica.
— Nada.
— Impossível! Eu fiz de tudo para conseguir seduzi-lo e ele não se afetou por
nada. — Sua expressão facial denotava nojo. — Qualquer homem em sã
consciência preferiria a mim.
— Eu não sou a Luana para ignorar suas alfinetadas. E muito menos para
ignorar suas tentativas de dormir com o Aaron, como ela fez quando você tentou
seduzir o namorado dela. — Dei os poucos passos que me distanciavam da loira
e concluí: — Não vou discutir com Aaron porque ele não tem culpa de você
viver correndo atrás dele, a discussão será sempre entre nós duas, querida. — O
tom de sarcasmo na última palavra foi quase palpável.
— Chato.
— Aaron me dá esta resposta todas as vezes que lhe faço esta pergunta.
— Exatamente.
Ela riu.
Deixei minha bolsa sobre o sofá e segui para a cozinha estilo americana.
— Por quê?
Acenei em negativa.
— O que preparo para ele jantar? — gritei quando ela adentrou o corredor.
— Só um momento!
Natasha parecia ser sempre tão madura que era estranho vê-la aparentar ter os
dezessete anos que lhe cabia.
— Lola, ele tem uma banheira enorme! E a cama dele é daquelas king size.
Umas três vezes maior que a minha! — Sua voz tornou-se mais alta à medida
que ela emergia do corredor. — O que eu estou dizendo! Você já devia saber
disso.
Estava sem meu celular, então não poderia ligar para o advogado. Tinha que
ficar esperando que ele trouxesse Aaron para casa.
— Posso perguntar uma coisa?
— Claro.
Ela bufou.
— Ok. Só me conte.
— Nos conhecemos na empresa... Conversamos por alguns dias antes que ele
me convidasse para sair. — Fiz uma pausa. — Minha perna não subiu quando
ele me beijou pela primeira vez... Fim.
Assim que ouvi o barulho das chaves na porta, meu coração vacilou no peito,
saí da cozinha para encontrá-lo fechando a porta.
— Gostei da recepção.
Revirei os olhos.
— Tudo bem.
Aaron foi tomar o banho e sentei-me à mesa para esperá-lo. Meia hora depois
ele adentrava a cozinha vestindo apenas a calça do pijama, o peito
completamente nu. Havia se barbeado também. Concentrei-me no que fazia e
comecei a lhe servir.
— Aaron! — Tentei me desvencilhar, mas ele não permitiu. Sua mão direita
tocava suavemente o meu braço por cima da blusa à procura do meu ferimento.
Tomei coragem para olhar em seus olhos e quando o fiz, por alguns
segundos, me assustei com a fúria que vi ali.
— Como e quando ele fez isso? — Sua voz soou assustadoramente baixa.
Cerrei os olhos por um momento e ele se afastou. Ouvi quando socou algo
com força, mas não me importei de ver o que era.
Ele se voltou para mim. A fúria que ele exalava era sentida por mim mesmo
com os quase dois metros que nos separavam. Seu maxilar estava cerrado e,
mesmo assim, eu soube que ele queria dizer algo. Decidi me adiantar:
— Eu não fui atrás dele, mas não desperdicei a chance quando ele me ligou.
— Fiz uma pausa. — Aceitei quando ele me chamou para ir à casa em que ele
estava.
— Você fez o quê?! — Sua voz soou muito mais alta agora. Fechei os olhos.
— Dolores, eu disse que a porra do advogado resolveria tudo! Você não deveria
ter se intrometido! Não deveria ter ido atrás daquele filho da puta!
— Rodolfo sabia o que deveria fazer! Ele é advogado! Estudou para isso!
— Fui atrás dele, sim. E se acha que vou me arrepender ou pedir desculpas,
poupe suas palavras. — Ergui o queixo quando o vi cerrar os punhos. — Eu não
me arrependo.
— Por quê?
Senti quando ele se aproximou, mas a raiva não me abandonou apenas por ter
percebido isso.
Sua respiração batia contra meu ombro e minha pele se arrepiou, mas fingi
não me importar.
— Por que você fez isso, Lola? Você não foi atrás de mim, então entendeu
que eu não queria que ele tentasse te colocar no meio de tudo... Por que não
continuou a fazer o que pedi? Por que não ficou longe de Rodrigo?
— Eu já disse! Sua mãe e sua irmã estavam desesperadas! — Fiz uma pausa.
— E eu também não queria que você ficasse preso por causa daquele bastardo.
Não poderia ficar quieta sabendo do plano dele!
Aaron se encostou à mesa e acenou em negativa, estava cansado daquela
discussão. Mas uma hora perceberia que aquilo não nos levaria a nada. Eu não
me arrependeria, não mudaria e ele continuaria não aprovando minhas atitudes.
— Nós dois sabemos que essa decisão foi minha, então não faça com que eu
me pergunte por que infernos decidi continuar nisso.
Ele desviou os olhos dos meus e levou as mãos aos cabelos, bagunçando-os.
Parecia tentar descobrir o que dizer.
Vi a fúria, que antes estava em seus olhos, se esvair lentamente. Aos poucos,
até que já não existisse nada de tempestuoso em seu olhar, em sua feição.
Assenti.
Seus beijos fizeram uma pequena trilha até minha orelha e ele mordeu o
lóbulo delicadamente.
Ele me puxou para si, pressionando meu corpo ao seu — o calor que emana
de seu corpo aquece o meu.
— Isso não vai dar certo, Lola — ele sussurrou antes de chupar dois pontos
distintos em meu pescoço. Gemi baixo.
Senti seu membro crescer entre nós e pressionei meu corpo ao seu, para senti-
lo ainda mais.
— Nós dois.
Suas mãos acariciaram meus quadris antes de apertarem minhas nádegas com
força, impelindo-me a ficar contra ele.
Engoli em seco.
— Por que não me quer em perigo, Aaron? — tomei coragem para perguntar.
Ele me beijou.
Gemi contra seus lábios quando o beijo ficou mais intenso e veemente e
minha pele em contato com a sua ficou febril; ardente.
Como eu não percebi antes que senti falta disso? Dele, do seu corpo, da
forma impetuosa que ele me toca?
— Eu quero você... — ele afirmou. — Tanto que achei que ficaria louco
naquele inferno.
— Eu não disse isso. Mas cozinhar ficou chato a partir do momento que vovô
foi para a casa de repouso e não havia ninguém além de mim para comer e
reclamar.
Aaron concordou e a sombra de um sorriso iluminou seu rosto — eu já havia
percebido que ele ficava mais atraente quando sua expressão ficava tão suave e
jovial quanto neste momento. Quando ele tentava esconder um sorriso.
Ele terminou de comer e serviu o suco para nós dois. Ficamos em silêncio
enquanto o bebericávamos. Esses poucos segundos serviram para me lembrar de
nossa discussão de meia hora atrás.
Após repassar mentalmente toda a nossa discussão percebi que ele parecia
mais preocupado comigo, que com o irmão que levou dois tiros.
E Aaron não me disse por que diabos não queria que eu me colocasse em
perigo — lembrei de minha conversa com vovô, na qual ele dizia que Aaron
sempre protegia as pessoas importantes para ele.
“Não”, concluí.
— Seu avô ficou com mamãe? — ele perguntou após se levantar para retirar
a louça da mesa, como fizera quando jantamos em minha casa na semana
passada.
— Sim... Aliás, ele me pediu para ligar assim que você chegasse. Acabei
esquecendo — murmurei pesarosa. — Ele deve estar preocupado.
Mordi os lábios ao ouvir meu nome e esperei que ele ouvisse o que ela dizia.
Surpreendi-me ao vê-lo rir.
Ele se voltou para mim naquele momento e quase engasguei com o suco que
estava tomando com o susto que levei. Voltei para a cozinha, deixei o copo na
pia e segui para a sala novamente. Aaron já estava sentado sobre o sofá e
assentia lentamente enquanto ouvia o que meu avô dizia.
Semicerrei os olhos quando, pela primeira vez desde que o conheci, seus
olhos se iluminaram e se tornaram brilhantes. Ele voltou a assentir.
— Eu sei... Eu vou.
Era inútil tentar ouvir o que vovô dizia. Aaron continuava apenas a
concordar.
Ele sorriu.
Concordei com um aceno de cabeça e tentei não rir, sem graça. Às vezes,
vovô passava dos limites. E Aaron aparentemente levava isso a sério.
Assenti.
— Preciso ir — avisei.
Aaron se voltou para mim.
— O quê?
— Não tenho roupas aqui — lembrei-o. — E não acho que você me deixará
ter uma boa noite de sono se eu ficar.
— Não mesmo. — Ele segurou meu braço direito e me fez voltar para ele. —
Tenho uma ideia melhor.
A próxima coisa que registrei foi seus lábios sobre os meus. Quando um de
seus braços enlaçou minha cintura e trouxe meu corpo de encontro ao seu, eu
permiti que sua língua encontrasse a minha.
Minha bolsa caiu no chão. Usei a mão livre para puxar seus cabelos e
retribuir todos os seus movimentos.
Isso é viciante.
— Eu preciso trabalhar amanhã — lembrei-o ao acabar com o beijo.
— Quero ter uma boa noite de sono. Não tenho uma desde sábado.
— Se eu fosse mesmo, não ficaria cinco dias sem sexo. — Ele fez uma pausa.
— Você sabe que não precisa ir.
Minha boca se abriu num “o” quando me deparei com seu quarto. Não era
enorme como eu imaginei, mas também não era pequeno — mesmo que a cama
ocupasse grande parte dele. As paredes estavam pintadas de branco. Havia duas
prateleiras de livros em uma das paredes e uma cômoda, com diversos objetos
decorativos de alumínio, além do guarda-roupa enorme.
A cama estava coberta com uma colcha preta. Quatro travesseiros em sua
extremidade combinavam com ela.
Aaron beijou o ponto abaixo de minha orelha, minha pele se eriçou, e ele
sussurrou:
Fechei os olhos ao ouvir que sua voz já estava rouca, qualquer ideia sobre
continuar resistindo se evaporou ali, quando o ouvi sussurrar meu nome com
aquela voz sexy.
Não respondi com palavras, mas meu corpo fez o favor de deixar claro que a
resposta para aquela pergunta era não, porque ele se arrepiou e estremeceu a
cada toque daquele homem.
Ajudei-o a tirar minha blusa para não correr o risco de acabar tocando e
machucando meu braço, embora o anti-inflamatório estivesse fazendo efeito.
— Ainda não acredito que foi atrás daquele filho da puta — ele disse.
Ele o fez em silêncio e tirou o sutiã que eu vestia. O zíper de minha saia foi o
próximo a ser aberto e ele a baixou, deixando-me apenas com a calcinha.
— Meus seios estão muito sensíveis — avisei roçando meus lábios aos seus.
— Vou lembrar.
Retribuí quando ele me beijou e deixei-o me guiar até a cama, na qual deitei
com facilidade e ele logo se colocou sobre mim.
Gemi alto quando sua boca envolveu um de meus seios e ele o sugou com
força. Parecia realmente faminto por todos os cinco dias. Como se a única que
pudesse saciar sua fome fosse eu. Eu reconhecia que me sentia da mesma forma
sobre ele.
— Aaron — sussurrei seu nome antes de segurar a colcha da cama com força.
Movi meu quadril na direção de sua ereção e mesmo com o tecido fino da
calcinha, que eu ainda vestia, eu pude sentir que ele já estava excitado.
Eu não queria chegar ao orgasmo sem que ele estivesse dentro de mim. Já
estava molhada e pronta para tê-lo.
Mordi meus lábios com força para reprimir meus sons de prazer. Minha
respiração estava ofegante quando abri os olhos. Senti meu sexo se retesar
quando Aaron intercalou as pequenas mordidas e sucções em meu seio direito.
Arqueei meu corpo na direção do seu novamente. Precisava de mais contato.
Precisava que ele me tocasse.
Uma ideia passou por minha cabeça e engoli em seco antes de fazer
exatamente o que havia imaginado.
Baixei minha calcinha até onde pude e peguei sua mão, que estava em meu
seio. Cerrei os olhos enquanto a levava para o centro de meu corpo, seguindo por
meu ventre, até meu clitóris inchado — tenho certeza de que ele entendeu o que
eu queria fazer, mas preferiu esperar que eu o fizesse.
Guiei dois de seus dedos até eles roçarem meu clitóris e gemi baixo ao senti-
lo me tocando, mesmo que eu estivesse comandando isso. Pressionei-os ali e os
movi para que fizessem movimentos circulares lentos, para recriar a maldita
tortura que ele sempre me fazia passar.
— Céus — sussurrei.
Minha cabeça pendeu para trás e gemi quando Aaron começou a me ajudar
nos movimentos.
Seus dedos eram implacáveis; seu toque era voraz, ávido e insaciável. Não
como a tortura deliciosa a qual ele me deixava sujeita, descobri que desta forma
seu toque se tornava muito mais prazeroso para mim.
— Você só vai gozar quando meu pau estiver dentro de você. Não antes disso
— ele disse. Eu não tive forças nem mesmo para assentir.
Ele levou os dedos até minha entrada e me provocou por alguns segundos.
— Você está tão molhada — ele sussurrou agora contra meus lábios. —
Quero te chupar todinha...
Senti meu sexo se apertar novamente quando o vi levar os dedos, que antes
estavam em mim, para os lábios.
— Precisa?
— Não pretendo fazê-la gozar apenas uma vez, Lola — avisou. — Não se
preocupe.
Desisti de lhe dar uma resposta quando o senti me penetrar. Seu pau me
preencheu perfeitamente e envolvi sua cintura com minhas pernas.
Arranhei seu peito com força fazendo com que ele emitisse um som de dor,
mas não consegui parar de arranhá-lo nem mesmo por isso. A forma que ele
remetia para dentro de mim, colocando todo o seu membro e depois tirando-o
completamente, estava me deixando louca. Aquelas estocadas eram brutais,
delirantes e avassaladoras. Eu sentia todo meu corpo quente com o deleite que
crescia a cada segundo.
Tudo por ele.
Aaron segurou meus quadris com firmeza para manter meu corpo contra o
seu e me beijou de maneira voluptuosa e insana antes que eu finalmente
chegasse ao orgasmo — sentindo o êxtase primitivo, que somente ele me
proporcionava, pulsar euforicamente junto ao sangue em minhas veias, levando-
me a um nível de indolência ardente e quase energético.
— Meu Deus, Lola! — Ouvi Aaron murmurar contra meu ouvido enquanto
eu tentava regularizar minha respiração ofegante. — Você nunca me apertou
tanto quanto agora — concluiu antes de mordiscar minha orelha.
Ele respondeu com um beijo, que logo fez com que eu me perdesse em
milhares de sensações novamente.
Hoje, antes de vir para a casa de Elise, decidi levar algumas das joias a uma
joalheria. Apenas pelas poucas que levei, foi me oferecido dinheiro suficiente
para pagar os seis primeiros meses das prestações da hipoteca. Decidi entrar em
contato com a terceirizada novamente para fechar um novo acordo à vista.
Assim poderia ter um desconto maior nos juros e me livraria mais rápido desta
dívida.
Senti como se um peso enorme fosse tirado de minhas costas apenas por
perceber que meu maior problema no momento, seria finalmente resolvido.
Meu braço já estava bem melhor e eu conseguia movê-lo muito mais do que
imaginaria. Mesmo que ainda não estivesse tão bom quanto antes, os remédios e
anti-inflamatórios estavam servindo muito bem.
Arrependi-me por não tê-lo convidado para entrar em minha casa ontem —
se bem que os beijos com direito a mordidinhas e algumas apalpadas mais firmes
também valeram a pena.
Ontem ele também foi visitar a mãe e Natasha. E hoje fomos almoçar na casa
dela. Vovô também estava lá. E Mabel parecia extremamente feliz.
Arregalei os olhos e me voltei assustada para Elise, que parecia ter lido os
meus pensamentos.
— É ele — afirmou.
Tentei colocar uma máscara impassível em meu rosto antes de negar, mas sua
expressão facial e o sorriso em seus lábios me disseram que eu não conseguiria
enganá-la.
Fiz uma careta involuntária ao lembrar e sentei-me sobre uma das cadeiras à
mesa.
Não funcionaria.
Ouvimos Brenda fechar a porta da frente e seus passos enquanto ela vinha até
a cozinha.
— Você não sobreviveria uma semana sem a Rosa — Elise provocou. — Não
sabe diferenciar uma batata de um chuchu.
Ela assentiu rindo, mas todas sabíamos que ela não saberia diferenciar nem
uma laranja de uma tangerina.
Elise levantou para apagar o fogo da pipoca e eu segui para a sala para
preparar a TV. Minutos depois elas adentraram a sala com vasilhas cheias de
pipoca, um pote de sorvete, o brigadeiro de panela e latas de Coca-Cola.
Eu preferia evitar comer chocolate, mas como meu ciclo menstrual havia
começado, eu voltei ao meu ritual de “enfrente a TPM com chocolate”.
— O que houve?
Brenda revirou os olhos e riu. Sentou-se ao meu lado, Elise fez o mesmo
sentando-se do outro lado. Eu soube naquele momento que estava em uma
encrenca.
— Não entendo o fato de ter escondido que o cara das preliminares, do sexo
fodasticamente perfeito, do pau maravilhoso, era Aaron Andrade.
— Conta o que ele fez para que você chegasse ontem à empresa com aquele
sorriso safado e inabalável.
Denotei em cada palavra e em minha expressão tudo o que queria dizer com
aquilo. Não entraria em detalhes e minha resposta teria um efeito amplo para
ambas.
— Céus, vocês falam como se eu tivesse sido obcecada por André! Como se
minha vida girasse em torno dele, quando eu sequer passei dias chorando depois
da viagem dele!
— O estrago feito pelas neuras de André em você, não foi físico e sim
emocional... Você se tornou inacessível demais para os caras.
Dei de ombros.
Muitas coisas aconteceram e todas me levavam a crer que mesmo que não
houvesse sexo entre nós, teríamos outros tipos de contato... por causa de nossas
famílias. Talvez até nos tornássemos amigos.
Não nos víamos desde ontem à tarde, quando Aaron me trouxe para a
empresa após o almoço. Ele não usava casaco hoje e a camisa preta que vestia
lhe caiu muito bem, principalmente por ele ter deixado as mangas arregaçadas na
altura dos cotovelos. Isso somado ao jeans escuro que ele vestia, lhe dava um ar
jovial que nem mesmo seus cabelos bem penteados conseguia tirar.
Inferno!
— É quarta-feira, não é?
Assenti nervosa.
Na quarta-feira seria a maldita reunião em meu setor. Eu não sabia quem mais
se candidataria à vaga de Veridiana, mas precisava consegui-la. Eu sou auxiliar
administrativa de Otávio há quase dois anos, já aprendi mais do que minhas
funções me cabiam e quero ascender em minha carreira. Para isso precisava ser
remanejada.
Hoje eu só me atrasei porque estava ajudando Otávio no sexto andar, pois ele
continuava a cuidar dos dois setores e estava a ponto de ficar louco e me fazer
enlouquecer junto.
— Ótima. E você?
Ele verificava meu braço cuidadosamente quando respondeu que estava bem.
Percebi que Aaron acreditou em mim quando ele tocou suavemente o local que
Kami havia colocado o novo curativo e eu não deixei nenhum gemido de dor
escapar.
— Eu preciso ir — avisei.
Pigarreei tentando manter foco em seus olhos, mas quando o fitei, percebi
que também olhava meus lábios. Umedeci-os e Aaron me deu um selinho.
Fechei os olhos e sorri por um momento. Não dormíamos juntos desde terça-
feira e ontem, quando ele tentou mudar isso, eu disse que não podia.
O coque no qual meus cabelos estavam presos se soltou quando ele me puxou
pela cintura e trouxe meu corpo de encontro ao seu.
Meus dedos desgrenharam seus cabelos lisos e ele mordiscou meu lábio
inferior antes de acabar com o beijo.
— Eu também.
Aquele quase sorriso derretia algo em meu peito sempre que eu o via. Era o
tipo de sensação que eu não lembro de já ter tido. Eu não sabia se aquilo era bom
ou ruim. Mas desconfiava que em breve descobriria.
Concordei.
Quase deixei o prato cair de minhas mãos ao ouvir isso. Respirei fundo uma
vez, antes de continuar o caminho até a pia.
— O que ela disse? — indaguei.
Eu queria ouvir ela me dizer o motivo de tê-las deixado para mim, mas não
tinha certeza se já estava preparada para ter uma conversa com Elaine sem que
nós acabássemos brigando. Novamente.
Ela amava papai, por isso não quis deixar as joias que ele lhe deu... Inspirei
profundamente. Talvez ela também me amasse... Por isso deixou as joias para
mim.
Senti como se meu coração tivesse trincado, e a cada novo pensamento sobre
todas as visitas de Elaine ele se partia cada vez mais, em pedaços pequeninos e
dolorosos. Essas lembranças faziam com que eu duvidasse cada vez mais desse
amor.
Um nó em minha garganta fez com que meus olhos ficassem marejados, mas
me obriguei a não chorar. Aquela era uma promessa que eu nunca quebraria.
Não choraria mais por ela, por suas atitudes.
— Sim — minha resposta saiu em um fio de voz e fechei os olhos com força.
O nó aumentou ainda mais.
Assim como eu vi nela a minha fortaleza, ela deveria ter visto em mim um
motivo para continuar. Mas não. Ela foi embora como se eu tivesse sido a
culpada por aquele infarto.
Com o tempo eu comecei a acreditar que seria mais fácil se ela nunca
voltasse, porque eu acabaria me esquecendo de que Elaine existia, mas nunca foi
assim. Ela sempre voltava e não importava o que eu fizesse, não importava se
minhas notas eram excelentes, se eu aprendia tudo o que ela me ensinava sobre
roupas e cabelos, não importava se eu implorava para ela ficar. Ela nunca ficou.
Ouvi batidas fracas e hesitantes na porta de meu quarto, mas não me importei
de responder nem mesmo quando vovô pediu que eu abrisse.
Eu queria ficar sozinha.
Odiava parecer fraca para outras pessoas. Principalmente por algo tão bobo
— por remoer uma dor tão antiga. Preferia continuar aqui, encolhida, com os
olhos cheios de lágrimas e a agonia sufocante no peito.
Ele me encarou com a testa franzida de preocupação. Lembrei que meu rosto
ainda deveria estar inchado pelo choro e fechei os olhos antes de me afastar da
porta.
Sua expressão me mostrou que ele havia entendido que eu não queria falar
sobre Elaine e agradeci por isso.
Sentei-me sobre a cama e baixei os olhos para minhas mãos, que estavam em
meu colo.
Levantei em um sobressalto.
— Vovô?
Vi vovô falar ao telefone com Aaron, mas decidi ficar com Natasha para
consolá-la.
Eu sabia o que era perder um pai, mas não fazia ideia do que dizer a ela ou a
Aaron. Sabia das coisas que Olavo havia feito para os filhos e Mabel. Não
poderia lhes dizer coisas como “ele está em um lugar melhor agora”, “você
sempre terá boas lembranças dele em seu coração”. Essas foram as frases que
eu ouvi quando papai faleceu, mas nenhuma delas faria sentido ao ser proferida
para Natasha e Aaron. Nenhuma delas amenizaria qualquer tipo de dor que essa
morte pudesse ter provocado.
— Você sabe que pode chorar o quanto quiser — sussurrei para ela. —
Estamos aqui... Eu estou com aqui com você.
— Eu sei... Lola, que ele foi horrível... — ela murmurou. — Terrível... Mas...
era o meu pai.
Fechei os olhos com força e acariciei seus cabelos negros. Sentia meu casaco
se encharcar com suas lágrimas, mas não me importava.
Abri os olhos para procurar vovô na sala e não o encontrei. Suzana estava em
sua poltrona sentada. Sua expressão era impassível.
Apesar de tudo eu a reconhecia como uma mulher forte. Não por não estar
chorando, mas por, assim como Mabel, ter sobrevivido a Olavo e ter criado sua
filha sem ele.
Eu via em seus olhos que ela não conseguia perdoá-lo. Não estava feliz com a
morte dele, mas também não estava triste.
— Onde está vovô? — sussurrei para Suzana. Ela indicou a porta da frente e
fechei os olhos.
— Nat — murmurei acabando com o nosso abraço. Ela limpou os olhos antes
de me encarar. — Pode fazer algo por mim?
Ela assentiu e senti meu coração se apertar ao ver seus olhos tão vermelhos.
Olhei em meu relógio assim que ela saiu. Quase uma da manhã.
Respirei fundo sem saber o que dizer e sentei no sofá, próxima a ela.
— Obrigada por cuidar deles. — Neste momento percebi que aquele brilho
era de lágrimas. — Eu não poderia pensar em uma mulher melhor para Aaron.
— Não acho que Aaron precise de alguém para cuidar dele — respondi com
sinceridade.
— Ele cuida de todos a sua volta, o tempo todo. Precisa de alguém forte ao
lado dele. Não necessariamente para cuidar, mas para ser um bálsamo, um porto
seguro.
Olhei para minhas mãos sobre meu colo e engoli em seco ao pensar sobre o
que ela disse.
Por mais que soubesse que depois de tudo o que aconteceu entre mim e
Aaron, o que tínhamos já não era estritamente sexual, dizer que eu era para ele
mais que uma colega de trabalho com benefícios, parecia ser exagero.
Fitei-a surpresa.
— Estou pronta. — Natasha adentrou a sala vestindo uma calça jeans escura
e uma blusa de mangas preta. Segurava um casaco também preto.
— Aaron? — Uma pausa se seguiu até que ela voltou a me encarar. — Ela
disse que vai comigo. O seu João vai ficar com mamãe e Mabel. Você não me
vai me impedir de ir. Eu não me importo... Aaron — a ênfase usada por ela ao
dizer o nome dele me fez arquear as sobrancelhas.
Decidi prestar atenção nas mulheres. Uma delas parecia ter mais de setenta
anos. As rugas e marcas de expressão profundas denotavam sua idade avançada
e seus cabelos brancos confirmavam isso.
A outra ainda não poderia ter mais de dezesseis anos — desconfiei ser filha
da mulher de cabelos negros, pois elas se pareciam. A garota aparentava estar tão
displicente àquela situação quanto sua suposta mãe.
Vovô foi o primeiro a nos ver, ele sussurrou algo para Aaron que se voltou
para nós em seguida.
Engoli em seco ao ver seu rosto. Ele não parecia triste. Não parecia ter sequer
chorado. Sua expressão era a mesma de quando o conheci. Completamente
impassível — e eu já estava acostumada a não vê-lo daquela forma.
Natasha soltou minha mão quando estávamos perto o suficiente e correu para
os braços de Aaron. Estaquei no lugar que estava a pelo menos três metros deles.
Ele sussurrou algo para ela e acariciou os cabelos de Nat. Seus olhos não
desviaram dos meus nem por um segundo. E eu odiava o fato de não ter ideia do
que se passava em sua mente.
Vovô veio até mim quando uma das senhoras ao lado deles disse algo e fez
uma carranca ao indicar Natasha.
— Sabem que Natasha é filha de uma das amantes de Olavo. Mas não sabiam
que Ricardo a conhecia.
Acenei em negativa ao ver Aaron levar Natasha para se sentar ao seu lado, no
local que vovô estava segundos atrás. Ele não soltou sua mão em momento
nenhum.
Encostei minha cabeça ao ombro de vovô e ele acariciou meus cabelos por
alguns segundos. Não sei quanto tempo fiquei ali, mas uma movimentação
estranha na igreja me fez sentar ereta novamente.
— Maldição.
— O que é, vovô? — murmurei para ele, que fingiu não ouvir e continuou a
acenar em negativa.
Ela estava à minha frente, não pude ver Aaron ou Natasha, apenas as feições
boquiabertas das mulheres ao lado dele.
Eu quis ver como estava sua expressão, mas ela continuava impedindo minha
visão.
Era ela... Só poderia ser. Mordi o lábio inferior e vovô me encarou com
curiosidade.
Inferno!
Aaron seguiu para uma sala e levou Natasha, sua tia e sua avó já haviam
levantado e estavam conversando com os seguranças que ficaram.
— Elas não querem Natasha aqui — vovô disse ao meu lado. — Ricardo não
fará a vontade delas, mas precisa conversar com a irmã.
Talvez ela fosse uma mulher bonita — concluí quando percebi que ela não
me encarava, e sim a vovô, que sustentava o olhar com desprezo. Ela ergueu
uma sobrancelha em desafio e levantou. Andando de forma sensual, ela seguiu
para a sala que Aaron fora.
— Vai me contar o que aconteceu para que ela e Aaron rompessem o noivado
ou preciso esperar um pouco mais para descobrir?
— Tem certeza?
Ele usou o mesmo tom e fez a mesma pergunta que utilizou quando me
contou como conhecera Aaron.
— O quê?
— Vá atrás de Aaron agora! Não deixe aquela vagabunda tentar tirar o seu
homem!
Olhei para a pequena porta atrás das cadeiras. As poucas pessoas que
continuavam na igreja já estavam saindo.
— Aaron não precisa de uma babá — lembrei-a. — Sabe muito bem o que
deve ou não fazer.
— Ele é o seu homem! Não seu filho... Estou falando que você deve se
preocupar com aquela mulher e não com ele! Pare de tentar demonstrar um
autocontrole que não tem e vá atrás deles!
— Eu estava louca para rever você. — O tom usado por ela era manhoso.
Minha raiva cresceu e dei os poucos passos que me separavam da sala que
eles estavam.
— Não achei que seria tão cara de pau a ponto de vir aqui — ele falou para
ela secamente.
— Eu o quê, Fernanda?
A falta de resposta dele e de novos pedidos dela, me fez olhar para a sala.
Engoli em seco ao ver aquela cena. Minha cabeça cogitava duas hipóteses:
sair dali o mais rápido possível ou adentrar aquela sala e tirá-la de perto dele.
Mas meu corpo não se moveu. Eu queria saber o que ele faria depois.
As mãos de Aaron, que até então estavam imóveis, seguiram para os ombros
dela e ele acabou com o beijo.
— Não. Eu não a amo, não sou seu e você nunca foi minha.
Ele se afastou dela abruptamente e me viu. Percebi que ele pareceu ainda
mais surpreso, mas mantive meu olhar no seu.
Ri com sarcasmo e usei uma mão para baixar o dedo que ela me apontava.
Depois indiquei Aaron.
— Quem sou eu, Aaron? — questionei sem tirar meus olhos dos dela.
Fernanda preferiu fitá-lo.
Cerrei os punhos para levá-los ao seu belo rosto, mas me impedi de fazê-lo
no último segundo. Era o que ela queria. Uma chance para se fazer de vítima.
— Vamos.
Desvencilhei-me de Aaron e dei meia volta para sair dali. Ele me seguiu.
Eu não faria uma cena ridícula. Agora não era hora e aqui não era lugar para
fazê-lo.
Não passo da única que ele quer agora... Até encontrar outra que julgue
melhor.
Maldição!
— Natasha, você vai para casa com o seu João. E Lola você...
— Ela também vai comigo — vovô respondeu antes que minha resposta
fugisse de meus lábios. Ele sabia o que eu estava prestes a dizer.
Quando vovô me disse que ficaria com Mabel, eu decidi vir para casa.
Tentei me distrair com coisas supérfluas, mas não adiantou. Nem mesmo o
sono conseguiu desligar minha mente e me impedir de pensar em tudo o que
aconteceu nesta madrugada.
Afundei no sofá e peguei uma almofada. Isso quer dizer que sou um corpo
descartável de acordo com as vontades e necessidades dele? Que só que me quer
agora?
Inferno! Fechei os olhos com força. Isso não está fazendo sentido, concluí
acenando em negativa para mim mesma.
Nada do que um dia senti por André, eu sinto por Aaron. Nem mesmo o
desejo. Nunca desejei André como desejo Aaron.
Antes eu era boba demais, queria estar com André da forma que ele decidisse
e nada mais me importava. Com Aaron não, o que há entre nós é um acordo
simultâneo. Eu quero estar com ele. Dormir com ele. Porque esse é um desejo
recíproco — e estou cada dia mais acostumada a isso. Mas eu não o amo. Não
estou obcecada por ele. E não quero ser apenas um corpo disponível para ele,
como fui para André.
O telefone da sala tocou e fechei os olhos com força para ignorá-lo. Mas
antes que o toque irritante me deixasse com dor de cabeça, eu decidi atender:
Suspirei cansada.
— Nada de mais.
— E por que ele estava com o batom daquela vagabunda nos lábios? Por
que você exalava tanta raiva?
— Você deveria ter feito exatamente isso! Aaron é seu namorado. Você não
pode ficar quieta quando outra tenta tirá-lo de você!
— Vou tentar dormir. Depois nos falamos — menti e desliguei sem esperar
sua resposta.
Você não vai querê-lo para sempre, Dolores, uma voz em minha mente
lembrou. Como espera que ele te queira para sempre?
Ele, assim como eu, quer apenas sexo. E é claro que isso não durará para
sempre. Não devo... Não, na verdade não preciso e nem posso me importar com
o tempo que continuaremos a dormir juntos. Sobretudo se não tenho motivos
para isso. Talvez... eu esteja pensando muito e tirando conclusões errôneas. De
novo. Talvez esteja tangenciando as conclusões. Não devo me importar com isso
também.
Senti que este último pensamento foi o que mais fez sentido dentre tantos
pensamentos.
Mordi a parte interna da bochecha e abri o portão o suficiente para que ele
pudesse entrar.
— O que está fazendo aqui? — questionei sem rodeios enquanto ele trancava
o portão e eu seguia pelo pátio em direção à sala.
Soltei uma respiração profunda e me sentei sobre o sofá. Não queria falar
desta mulher novamente. Pelo menos, não agora. Ainda estava brava por tê-los
visto trocar aquele maldito beijo.
E eu também precisava lembrar que o pai dele morreu há menos de vinte e
quatro horas. Que ele passou uma madrugada tendo que suportar pessoas lhe
dando os pêsames e listando as maravilhas feitas por seu pai. Que ele precisou
consolar Natasha.
Dei algumas palmadinhas no lugar ao meu lado, pedindo que ele também se
sentasse. Quando ele decidiu fazê-lo, eu voltei a encará-lo.
Suspirei lentamente.
— Não me dê explicações, isso não vai mudar o que você fez. Portanto, elas
não me servirão de nada — murmurei e decidi completar: — Só não durma com
ela... Nem a beije.
— Não quer saber por que a beijei? — ele sussurrou próximo ao meu ouvido
enquanto acariciava meus cabelos.
Encostei minha cabeça no espaço entre seu ombro e seu pescoço e fechei os
olhos.
— Aliviado.
— Por que sua tia olhou para Natasha daquele jeito? — questionei ao lembrar
disso.
Seu braço esquerdo envolveu meu corpo e isso me impediu de virar para
encará-lo.
— Está melhor?
— Sim.
— Obrigado.
Virar o jogo
Agora eu sabia tanto sobre ele e, ao mesmo tempo, tinha certeza de que não
sabia quase nada. E Aaron sequer desconfia que eu descobri tantas coisas sobre
ele.
Fechei os olhos e decidi interromper meus pensamentos. Recordar de tudo
isso não ajudaria em nada.
Cerca de uma hora depois, eu estava pronta. Já havia tomado banho e trocado
de roupa — agora vestia um short com tecido de algodão e uma camisa. Prendi
os cabelos em um rabo de cavalo e saí do banheiro.
Suspirei cansada.
Como ele pode ter pensado em se casar com uma mulher como aquela? E ter
gostado dela a ponto de levar isso à frente?
Mordi os lábios quando o último pensamento quase foi dito em voz alta por
mim.
— Por que não quer falar sobre isso? — questionei tentando manter a calma.
A ironia escorreu por minhas palavras e deixei que pairasse sobre ele quando
saí.
Tudo o que fazia parte de seu passado o conhecia como Ricardo. E todos que
o conheciam desta forma parecem saber muito mais sobre ele do que eu. Isso me
irrita.
— Vamos.
Aaron não queria que ela me dissesse nada. Não queria que eu conversasse
com Fernanda. Não queria que eu a conhecesse.
Faz sentido.
Contudo, ele parecia estar tão bravo com ela. E ele ainda tinha aquelas
malditas regras, que segundo ele, eu o fiz quebrar.
Mas eu não estava com ciúme. Só estava brava por ele continuar a esconder
tantas coisas.
— Já disse que não vou voltar com ela — assegurou. — Nada fará com que
eu repita este erro.
Respirei fundo e mordi o canto dos lábios antes de voltar a encará-lo. Aaron
agora estava muito perto.
Sua mão direita que estava próxima ao meu rosto, para acariciá-lo, foi
recolhida.
— Por quê?
— Não se você continuar tentando encontrar razões para eu não falar sobre
Fernanda. E, principalmente, não se em todas as suas cogitações eu estiver
escondendo isso porque não confio em você ou porque você é apenas a mulher
que dorme comigo — ele deu ênfase à última frase com um desgosto que me
surpreendeu.
— Você é apenas o homem que dorme comigo, por que eu seria diferente
para você?
Inferno!
— Então você levou um tiro pelo cara que apenas dorme com você?
O aperto em meu braço aumentou e ele virou nossos corpos para me deixar
contra a mesa enquanto o seu corpo pressionava o meu.
— Vai precisar de mais força de vontade para me enganar com uma mentira.
Tentei afastá-lo no começo, mas, quando percebi que seria inútil, decidi trazê-
lo para perto.
Fechei os olhos com força quando decidi deixar minhas mãos sobre o seu
peito para acabar com aquilo.
Antes que eu o desvencilhasse de mim, ele murmurou em tom intransigente:
— Ela me traiu.
Levantei os olhos para fitá-lo, surpresa. Já não esperava que ele me contasse
nada sobre isso.
Minhas mãos se fecharam para segurar sua camisa e eu o puxei para mim,
trazendo seus lábios para os meus novamente.
Precisei ficar na ponta dos pés para envolver sua nuca com meus braços.
Aaron aproveitou aquela chance para enlaçar minha cintura com um braço e
colar nossos corpos ainda mais.
Meus seios estavam doloridos e intumescidos contra o seu peito e ele sabia.
Eu estava sem sutiã e meu gemido baixo lhe deu certeza da minha excitação
crescente.
Aaron me colocou sobre a mesa e abri minhas pernas o suficiente para que
ele se colocasse entre elas. Ouvi o tecido da minha blusa se rasgar antes que ele
a baixasse.
— Aaron — gemi seu nome e levei minhas mãos aos seus cabelos lisos, para
puxá-los. Ele havia tomado meu seio em sua boca e o sugava íntima e
intensamente.
Fechei meus olhos com força e comprimi os lábios. Contudo, um gemido não
pôde ser reprimido quando ele usou uma de suas mãos para apertar o outro seio.
Eu quis pedir que ele continuasse, que fosse ainda mais selvagem, mas não
precisava. Ele fazia isso exatamente da forma que eu queria: feroz, insano e
sempre faminto por mais.
— Faça isso de novo — pedi puxando seus cabelos com mais força.
— O quê?
Ele ergueu uma sobrancelha. Percebi que estava comprimindo os lábios para
esconder um maldito sorriso malicioso.
Sua risada me irritou ainda mais, mesmo quando percebi que aquela foi a
primeira vez que o ouvi rir daquela forma.
Quando vovô se retirou para dormir um pouco, fiquei sozinha com Aaron na
sala. Ele folheava algumas revistas, que vovô lhe dera anteriormente, e tentava
esconder o maldito sorriso em seu rosto.
Segui para a mesa de vovô e liguei meu notebook. Sabia que continuar a
ignorá-lo por causa de um orgasmo era muita infantilidade, mas, naquele
momento, eu não me importava.
Verifiquei meus e-mails e respondi os que eu havia deixado pendentes.
— O quê? — tentei fingir estar alheia às suas palavras, mas havia fechado os
olhos para iniciar uma breve oração.
Que ele não esteja com meu álbum de fotografias. Que não esteja com meu
maldito álbum de fotografias!
Ele sorriu.
Tentei tirar o álbum de suas mãos, mas ele não permitiu, segurou meu braço e
me puxou para o seu colo.
Inclinei-me sobre ele para pegar as fotos, mas foi outra tentativa frustrada.
— Eu era fofinha — murmurei quando ele abriu o álbum de novo. —
Extremamente fofinha...
Interrompi quando ele virou uma página e uma foto nova surgiu. Eu estava
nos braços de papai e mamãe estava ao lado de papai. Nós duas estávamos
beijando as bochechas dele.
Apenas assenti.
— Você e sua mãe são parecidas — ignorei seu comentário e esperei que ele
virasse a página novamente. A vergonha inicial por saber que ele estava vendo
minhas fotos de infância havia ido embora.
— Sim — sussurrei.
— Por quê?
— Porra! — murmurei. — Essa é uma boa hora para queimar aquela foto.
Ele riu.
— Seu avô disse que tem outras como essa — provocou, vindo até mim. — E
que pretende guardá-las para mostrar aos bisnetos.
— Por que você tem essas edições? E por que você faz marcações? — ouvi-o
perguntar.
— Bem. Seu avô disse que há dois dias ela não tem crises.
— É sério?
Lembrei do que aconteceu uma hora atrás e virei-me para o computador para
fechá-lo.
Após reler mais de cinquenta mensagens que troquei com Aaron, encontrei o
que tanto queria: a parte em que ele diz que acha lingeries sexies. Eu queria ter
certeza sobre isso.
Eu já havia conversado com as meninas sobre isso. Sabia o que faria à noite.
Coloquei um vestido preto na altura dos joelhos e saltos não muito altos.
Após uma pequena discussão com vovô, eu consegui que ele me deixasse ir
dormir na casa de Aaron.
Não lembro de já ter me sentido tão sexy. Não sei se era o fato de saber o que
vestia por baixo daquele vestido ou estar ciente do que isso poderia provocar a
Aaron. Mas aquela era uma boa sensação.
Nove e dois.
Ao menos meu vestido não era curto nem mesmo justo. Duas coisas pelas
quais eu agradecia, pois não gostava de roupas coladas demais ao corpo, nem
curtas demais.
Expirei lentamente enquanto seguia pelo corredor.
Ouvi uma movimentação do lado de dentro e o tilintar das chaves. A porta foi
aberta.
Aaron me recebeu com um sorriso, que fui incapaz de não retribuir. Seus
cabelos estavam molhados. Percebi tarde demais que ele acabara de sair do
banho e vestia apenas uma toalha branca enrolada a cintura.
Ele começou a levantar meu vestido e acabei com o beijo quando percebi que
com um movimento apenas, eu conseguiria deixá-lo nu.
— Está?
— Sim.
— Tenho outros planos, Aaron — gemi baixo quando ele chupou meu
pescoço. — E prometi fazer algo pra você hoje.
Levei minhas mãos aos seus cabelos molhados e os puxei com força quando
ele me beijou.
Aaron apertou minhas nádegas e precisei interromper o beijo antes que ele
me fizesse mudar meus planos.
— Não vou mudar de ideia — avisei.
— Porque estou — admiti acariciando seu rosto suavemente. Ele havia feito a
barba. — Mas você vai gostar.
— Eu vou?
— Lembro de algumas...
— Nunca tentei para saber se gosto ou não — admiti. — Mas não sou
ingênua. Sei o que tenho que fazer.
— Como sabe que gostarei disso? — ele perguntou com a voz rouca.
— Não.
Sorri quando ele me deixou entre a parede e seu corpo. Segundos depois ele
estava sem a toalha e seu pau pressionava minhas nádegas.
Gemi baixo.
Inclinei meu pescoço alguns centímetros para que ele tivesse melhor acesso e
continuasse a beijá-lo.
Concentrei-me nas palavras que deveria proferir, mas esqueci de todas elas
quando ele tocou em meu sexo inchado com sua mão livre.
— Diga.
Seu nome fugiu de meus lábios como um pedido desesperado quando ele
apalpou meu clitóris por cima da calcinha e começou a fazer movimentos
circulares.
— Continue.
— O que mais?
— Quero ficar por cima. — Fiz uma pausa e cerrei os olhos antes de começar
a mover meu quadril na direção de seu membro e me esfregar nele. Aquilo
torturava nós dois, mas era viciante. — E rebolar até você gozar.
— Porra, Lola!
Ele xingou enquanto virava meu corpo novamente e me beijou com força.
Sentei sobre suas pernas e olhei em seus olhos, sem desviar deles, baixei
meus lábios até seu membro. Beijei suavemente a sua glande e vi seu rosto se
contorcer de prazer. Minha boca envolveu os primeiros centímetros de seu
comprimento e minha língua o acariciou. Sua pele era macia, quente e estava
rígida, em contrariedade com a umidade e suavidade de minha boca. Me
concentrei em movimentar meus lábios de forma que lhe desse prazer,
apertando-os em volta de seu pau e chupando-o com força.
Tentei lembrar tudo o que Brenda me disse, mas, naquele momento, foi
impossível. Passei a seguir apenas meu instinto.
Tomei-o em minha boca, até onde pude, e apertei os lábios ao seu redor antes
de voltar ao início e repetir aquela ação. Aaron fechou os olhos e sua cabeça
pendeu para trás. Sua batalha interna para não se mover era perceptível.
Eu sentia meu sexo molhado e meu clitóris inchado com a necessidade cada
vez maior de que ele estivesse dentro de mim, me preenchendo completamente,
mas por ora, me contentava em tê-lo em minha boca.
Um gemido ficou preso em minha garganta quando percebi que ele estava
prestes a gozar, eu queria sentir o gosto do seu orgasmo, no entanto, acabei com
aquilo.
Usei minha mão para limpar meu batom, que deveria estar borrado, e ignorei
sua expressão enquanto me colocava sobre seu torso, uma perna de cada lado de
seu corpo.
— Você não pode gozar, até que esteja dentro de mim — avisei.
Quando ele entendeu minhas palavras, tentou me tirar de seu colo para se
colocar sobre mim, mas segurei seus braços e acenei em negativa.
— Não vai gozar, Aaron — repeti enquanto levava seus braços para ficarem
atrás de sua cabeça.
Ele manteve seus olhos semicerrados quando eu usei meu dedo indicador
para fazer uma trilha em seu peito, a qual nós dois seguimos com o olhar. Fiz
uma linha reta até seu umbigo e, em seguida, até meu sexo.
— Porra, Lola! — pediu em voz baixa — Você vai me matar.
Esfreguei meu clitóris ao lembrar da segunda vez que Aaron me tocou assim.
Tê-lo me tocando é sempre mais prazeroso, mas saber que ele está vendo o que
eu estou fazendo, faz com que isso se torne tão, ou mais, prazeroso ainda.
Ele sabia exatamente como me tocar e tentei repetir suas ações. A lentidão
nos movimentos e depois um pouco da avidez dos momentos de descontrole.
Passei a fazer movimentos circulares e gemi baixo quando senti minha pele se
contrair. Quando dois de meus dedos rodearam minha entrada, Aaron trouxe
suas mãos para as minhas e as afastou.
— Aaron, não! — Quando abri os olhos, ele já havia nos virado de posição.
Deixando-me sobre a cama com ele sobre mim.
Apertei os olhos.
Ele beijou meu queixo suavemente e fez o mesmo em meu pescoço até
chegar ao vale entre meus seios — seus dedos começaram a se mover dentro de
mim e cerrei os olhos, em êxtase.
— Eu também queria tomar você para mim... Por trás. — Ele suspirou e
tirou seus dedos de mim. Mordisquei sua orelha quando seus lábios se
aproximaram da minha. — Mas prefiro meu pau na sua boceta apertada e
molhada.
Ele roçou seu membro em minha entrada e gemi quando ele colocou um
pouco dentro de mim. A sensação de tê-lo sem a camisinha era maravilhosa. Sua
pele contra a minha, seu calor no meu, bastou apenas isso para que as contrações
em meu sexo se iniciassem novamente. Isso é enlouquecedor. Eu nunca imaginei
que a inexistência da camisinha faria isso.
— Você me pedir.
Mordi os lábios quando ele retirou seu membro de mim e se afastou para
pegar um preservativo na cabeceira.
— Aaron?
— Sim?
— Não posso gozar dentro de você, Lola — ele avisou mordendo meus
lábios.
— Não estou pedindo pra você fazer isso. — Puxei seus cabelos e o trouxe
para me encarar. — Só quero sentir você dentro de mim.
Ele roçou seu pau em minha entrada e gemi baixo sem tirar meus olhos dos
seus.
Um som mais alto fugiu de meus lábios quando ele me penetrou com apenas
uma estocada. Puxei seus cabelos com força e o beijei.
Eu estava certa de que uma hora ou outra Otávio voltaria para me dizer que
estava brincando, mas horas se passaram e ele não voltou.
Liguei meu celular enquanto subia o elevador para voltar ao meu andar. Eu
estava no horário de almoço e, tarde demais, percebi que estava cinco minutos
atrasada — isso nunca havia acontecido antes.
Aaron e Elise haviam me ligado. Mas eu não queria falar com ninguém.
Todos sabiam o quanto eu estava trabalhando para usufruir desta chance e agora
tudo foi por água abaixo.
Eu estava com raiva. Mas a parcela em mim que estava dilacerada era maior
— e eu não queria falar sobre isso com ninguém.
“Repasse estes documentos ao Word e faça uma mala direta. Preciso deles
prontos antes das quatro.”
— Estou ocupada demais para entregar isso ainda hoje. Se o senhor tem
pressa, peça à sua auxiliar deste andar — eu disse sem deixar transparecer minha
fúria interna.
Não era necessário. Ele saberia. Mas eu não me importava. Ele também sabe
que esse não é o meu trabalho, não pode me obrigar a fazer sua tarefa ou a de
qualquer outro funcionário, quando sabe que tenho meus próprios trabalhos.
— Foi uma decisão do RH. São as regras da empresa. Por mim você já estaria
sentada nesta maldita cadeira — ele disse ao se levantar.
E era. Eu pensei até mesmo onde faria a pós-graduação, pois com o salário
mais alto eu finalmente poderia começar a me especializar em apenas uma área
da administração.
— Você sabe que essa vaga era sua — ele disse e fechei os olhos.
— Eu sei.
— Percebi.
— Gostei do que fez há pouco. — Sorri ao ouvir aquilo, mas percebi que ele
falava sério. — Já estava na hora.
— Até mais.
— Não, eu não tive um bom dia... Por que infernos você se embebedou? —
perguntei com raiva.
Eu estava tentando ajudar André a sair do maldito barzinho em que ele estava
para levá-lo para casa. Contudo, ele estava tão bêbado que essa tarefa era
dificultada cada vez mais.
Era pouco mais de oito da noite, eu saí ainda há pouco da empresa e queria,
mais que tudo naquele momento, tomar um uísque. Cansei de esperar por Aaron
e vim sozinha. E encontrei André no PZ bar, completamente bêbado.
Bufei e tentei pegar o celular do bolso do casaco. Tinha que ligar para um dos
amigos dele. Alguém que pudesse me ajudar a levá-lo daqui.
— Você não está dizendo coisa com coisa — reclamei, lhe dedicando um
olhar irritado.
— Eu estou falando de tudo. — Ele indicou a rua a nossa volta com o dedo
indicador. — Perdi você... Perdi meus amigos... Não passei naquela droga... O
filho da puta do Arthur voltou. Eu... estou ferrado. — Ele riu e franzi o cenho ao
deixar o celular de lado.
— Ah... Vamos lá, morena. — Ele indicou quatro dedos e baixou um deles
enquanto dizia. — Você está com um bastardo que eu... Eu nem sabia que
existia.
Revirei os olhos.
— Giovane e Lucas estão... loucos. Não sei que merda aconteceu. Nada mais
é como antes.
— André, todos seguiram suas vidas — falei para ele. — Você ficou dois
anos em Portugal. Porra, dois anos não são dois dias, ok? Ninguém ficaria
esperando você voltar para continuar a viver!
Expirei lentamente e mordi os lábios ao ouvir aquilo. Senti até meu coração
se apertar por ele.
Juntei as sobrancelhas.
— Quem é Arthur?
Engoli em seco.
— Ainda sei onde moro, morena — André se manifestou após arquear uma
sobrancelha para Aaron e olhar para os dois lados da rua.
Acenei em negativa.
— Tentei, mas não consegui falar com os amigos dele.
Aaron bufou.
— Eu os levo.
Suspirei e peguei o celular novamente. Não tinha paciência para lidar com
eles nesse estado.
Certamente.
Antes que eu ligasse para a cooperativa de táxi, lembrei que no fim da rua, do
outro lado, havia alguns táxis disponíveis.
Meus passos fizeram sons que deram a eles certeza da minha raiva.
— Vamos.
Aaron não expressou nada sobre minha provocação e fechou a porta quando
eu estava devidamente sentada no banco do carona. Ele deu a volta no carro e
sentou ao meu lado.
— O que houve?
— Rodolfo me avisou hoje antes das seis — ele completou com voz mais
baixa. — Quando não a vi no estacionamento após o expediente... — ele
interrompeu e voltei a encará-lo. Parei de respirar por todo o tempo que ele
demorou para completar. — Achei que ele a tivesse levado.
Meu coração não deveria palpitar compulsivamente apenas por saber disso,
mas não tive controle sobre isso.
— Por que falou daquele jeito com André? — questionei assim que abri o
portão da frente.
— Ele ainda quer você. Estar ou não bêbado, não vai mudar isso.
— Não me importa, Aaron! — falei brava, mas quando percebi que sua
resposta confirmava minhas suspeitas, um sorriso tomou conta de meus lábios.
— Eu não o quero mais.
— Não vamos começar uma discussão por isso. — Ele colocou as mãos nos
bolsos e bufou.
Beijei seus lábios suavemente e fechei os olhos. Minhas mãos seguiram para
sua nuca e meu corpo se chocou contra o seu quando aprofundamos o beijo.
Eu amava a forma que sua língua guiava a minha. Nossos beijos costumavam
ser selvagens, primitivos, mas este fora o oposto disso. E mesmo assim, ainda
me tirou o chão por alguns segundos.
— André está no passado — sussurrei contra sua boca antes de mordiscar seu
lábio inferior. — No passado.
Ouvi a porta da frente se fechar após Aaron atravessá-la. Avisei aos dois que
tomaria um banho e vovô pediu que Aaron ficasse para que os dois
conversassem.
Aaron ligou para Antônio mais cedo. Os dois conversaram e, horas depois,
ele me consultou sobre uma alternativa que haviam encontrado. Decidimos
colocar vovô e Mabel em uma casa de repouso em uma cidade vizinha à nossa,
em Tupandi. Antônio também era dono desta e prometeu manter sigilo sobre a
estadia deles naquele local.
Era a melhor coisa que poderíamos fazer. Ainda mais agora que Rodrigo
estava solto novamente.
Inferno!
— Eu não vou deixar que ela sofra duas vezes pelo mesmo motivo! —
vociferou bravo.
— Infelizmente não estarei aqui para sempre... — ele começou agora mais
baixo. — Eu preferia ter você como genro, caso eu viesse a faltar, mas se não
está interessado em nada disso, deixe-a em paz. Dolores precisa encontrar
alguém que queira mais do que apenas dormir com ela.
Ele suspirou e acenou em negativa. Por algum motivo desconhecido por mim,
Aaron permaneceu quieto, apenas observando o desenrolar da situação.
— Como se machucou?
— Foi Rodrigo — contei e segundos depois seus olhos estavam nos meus. —
Ele... atirou em mim.
A fúria fez com que seus olhos azuis se tornassem escuros, quase negros. Sua
respiração se tornou pesada, fui capaz de ver seu pomo de adão se mover quando
ele engoliu em seco.
Maldição!
Seu tom assustador me lembrou da vez que ele me viu treinar com a arma de
brinquedo, na época que eu fazia aulas numa espécie de academia de um velho
amigo seu.
— Eu...
— Ela foi atrás de provas para me tirar da prisão — Aaron respondeu.
— Nunca mais cometa essa idiotice de novo! — ele advertiu ainda mais
bravo. — Eu não a criei para fazer o trabalho da polícia e muito menos para vê-
la morrer antes de mim.
— Prometa, Dolores... que nunca mais fará algo tão estúpido, que nunca mais
irá atrás daquele... — ele interrompeu.
— Dolores.
— Eu prometo — sussurrei.
— Reze para que eu não encontre aquele filho da puta. Minhas contas a
acertar com ele só aumentam. — Sua atenção foi direcionada a mim novamente.
— Depois terminamos esta conversa.
Assenti e ele saiu.
— Ele não quer sair da cidade sem ter certeza de que definimos o que há
entre nós.
— Inferno! — xinguei. — Ele ficou bravo quando você disse que não
teríamos nada?
— Como pode dizer que ele está certo? — inquiri com o cenho franzido. O
desentendimento me preenchia. — Por que concorda com ele?
— Dolores.
— Você vai fazer o que ele mandou? Vai pôr um fim ao que temos e me
deixar procurar um... um segurança particular?
— Não.
— Eu concordo, mas não vou abrir mão de você por isso. — Ele virou de
costas para mim e expirou profundamente. — Não vou deixar você livre para
qualquer outro.
— Só o farei se você me disser que não quer mais nada comigo — concluiu
quando voltou a me encarar.
— Agora sim.
Quando percebi que ele apertou seus lábios para esconder um sorriso, decidi
perguntar:
Revirei os olhos.
Dei-lhe um selinho.
Olhei em seus olhos cor de âmbar e entendi o que ele estava falando.
Concordei com suas palavras. O Aaron daquele primeiro encontro não é o Aaron
de hoje. E vice-versa.
Céus! Minhas atitudes e opiniões eram todas contrárias ao que eu fizera antes
com André, mas algo me dizia que talvez isso não fosse suficiente para não cair
nas mesmas armadilhas.
Acordei cerca de cinco da manhã para fazer minha corrida matinal. Quando
voltei, por volta das seis e meia, vovô já estava de pé preparando o café da
manhã. Lhe dei um beijo no rosto antes de seguir para meu quarto para tomar um
banho.
Quando cheguei à empresa tudo estava normal. Mais bilhetes sobre minha
mesa foram ignorados e pude fazer meu trabalho sem qualquer pressa. Consegui
até tomar duas xícaras de café.
Não vi Aaron até a hora do almoço, hoje ele saiu mais cedo que eu.
À tarde, cerca de meia hora depois do início do meu intervalo, recebi uma
mensagem de Natasha. Ela queria conversar.
— O que houve?
— Preciso que me ajude a falar com Aaron sobre algo. Eu não sei como
entrar nesta conversa.
— Não! Ai meu Deus! É claro que não, Lola! Eu não estou grávida.
— E então?
Ela pigarreou por alguns segundos e percebi que havia fechado uma porta.
— É que... Bem, lembra quando eu contei que Aaron disse que não me
deixaria namorar até que eu estivesse formada?
— Sim, mas veja, Vitor é um cara legal! Ele... Ele era um ótimo aluno.
Estudávamos juntos no ano passado e esse ano ele está estudando no mesmo
grupo que eu. Ele quer passar em Direito e... nós estamos apaixonados! Ele
quer fazer as coisas do jeito certo! Foi ele que me disse que quer falar com
Aaron. E bem... Falei com mamãe, mas queria que você me ajudasse também.
— Claro que eu ajudo! Mas não posso dizer que Aaron vai reagir bem a isso.
Ela suspirou fortemente e ficamos em silêncio por alguns segundos, até que
me lembrei de algo.
— Nat?
— Sim?
Revirei os olhos ao ouvir a forma apaixonada como ela falava dele. Às vezes,
eu agradecia por nunca ter passado por isso.
Ela suspirou.
— Mais tarde eu te ligo para marcarmos algo, ok? Temos que conversar.
— Obrigada, Lola!
— Vovô?
— Olá, filha.
— Eu liguei apenas para saber se está tudo bem? O senhor disse que não iria
à casa de Natasha hoje.
Fiquei alguns minutos na linha. Ouvi a porta ser aberta, depois ser fechada e
algo ser rasgado.
— Dolores?
— Filha?
— Sim? — sussurrei de forma quase inaudível quando percebi que seu tom
havia mudado completamente.
— Eu já resolvi tudo, vovô! — decidi dizer de uma vez, mas ele já não estava
na linha. Ouvi um baque surdo e a ligação foi encerrada.
“É que quando eu não estava legal, te procurava pra ficar bem. Mas e se eu
não estou legal por tua causa, procuro quem?”
(Soulstripper)
Eu não queria acreditar que aquilo estava realmente acontecendo. Mas meus
olhos não me deixavam dúvidas. O homem à minha frente estava em uma cama
de hospital, desacordado, respirando com a ajuda de aparelhos.
Não havia nada que eu pudesse fazer para mudar aquela situação e estava
ciente de que as lágrimas em meu rosto não ajudariam em nada, mas não
conseguia simplesmente controlá-las. A chance remota de perder a única pessoa
que eu amava de verdade e retribuía esse amor, que cuidou de mim, que foi meu
pai e melhor amigo, estava me destroçando aos poucos e eu não sabia como
parar aquilo.
Eu repetia para mim mesma, mas parecia ser sempre meu subconsciente aflito
e desesperado falando, parecia ser sempre um desejo primordial e inefável; nada
que eu pudesse colocar em palavras. Só sabia que não poderia perdê-lo.
Os minutos que precisei para chegar em casa mais cedo foram angustiantes.
Liguei para o hospital e pedi que uma ambulância fosse à minha casa, cheguei
alguns momentos antes dela. Vovô estava no chão, desmaiado.
Não faço ideia de quanto tempo estou aqui. Fiquei com vovô na ambulância,
mas nos separaram quando chegamos ao Hospital Divina Providência. Fiquei
minutos incontáveis na recepção, até que a recepcionista me informou onde
ficava a capela. Lá passei alguns minutos, ou horas, realmente não faço ideia,
pedindo a Deus que não o tirasse de mim. Que não levasse vovô de forma
precoce, que não o tirasse de mim como fez com papai. Confiava que Ele ouvira
minhas palavras e súplicas, só não tinha certeza se minha vontade também era a
sua.
Mordi os lábios para impedir as novas lágrimas de rolarem por meu rosto e
voltei-me para a janela de vidro. Vovô parecia dormir tranquilo e profundamente.
Cerrei os olhos e respirei fundo. Ele ficará bem.
— Obrigada — sussurrei para ela. Apertei minha bolsa contra meu corpo e
segui pelo corredor após a senhora me dar um sorriso confortador.
Suspirei enquanto descia o elevador e olhei para o meu relógio. Onze e meia
da noite.
Não comi nada após o horário de almoço e, incrivelmente, não estava com
apetite para nada. Coloquei meu celular para carregar sobre o criado-mudo, ele
havia descarregado à tarde, e vesti um baby-doll. Sequei os cabelos e deitei-me
sobre a cama.
Cerca de sete da manhã, acordei após pouco mais de duas horas de sono
conturbado. Fiquei alguns minutos apenas encarando o teto do quarto. Sem
qualquer pensamento relevante pairando sobre minha mente. Desisti do que quer
que estivesse tentando fazer e levantei devagar. Segui diretamente para o
banheiro.
Continuava sem fome, mas me obriguei a tomar uma xícara de café e comer
algumas torradas e uma maçã. Precisaria de forças e energia para aquele dia.
Sabia que sim.
Não recebi nenhuma ligação do hospital, algo pelo qual eu agradeci, pois isso
significava que vovô passara a noite bem.
O caminho sendo percorrido de ônibus, durou quase uma hora, mas não me
importei muito com isso, pois não chegaria atrasada. O horário de visita só
começaria às dez e meia da manhã.
Assim que adentrei o hospital, meu celular começou a tocar dentro de minha
bolsa. Eu o peguei e atendi quando vi o nome de Aaron na tela.
— Hospital? Você está bem? Porra! Rodrigo fez algo contra você?
Acenei em negativa, mesmo sabendo que ele não estava me vendo. Fiquei tão
aturdida ontem que sequer o avisei sobre o que havia acontecido.
O silêncio do outro lado da linha me deu certeza de que ele tentava digerir
aquelas palavras. Segundos depois, perguntou em voz mais baixa e séria:
Segui para a recepção e deixei Aaron na linha enquanto falava com a moça
que me atendeu ontem e pedia informações sobre o médico de vovô.
— Dolores. — Notei que seu tom agora era brando, afável. Mas isso não
serviu para me deixar mais calma ou diminuir minha aflição.
Ouvi alguém chamar por ele enquanto a recepcionista me pediu que fosse até
a sala do médico.
Conversei com o Dr. Ribeiro por cerca de vinte minutos. Ele disse que o
estado de vovô continuava o mesmo e por isso ele continuaria na UTI. Me
perguntou quais os medicamentos que vovô estava tomando para a pressão e
diabetes. Informou sobre a dieta diferenciada que precisaria seguir
rigorosamente enquanto estivesse aqui e depois que saísse — aquela informação
fez com que a centelha de esperança em meu coração crescesse, apenas porque
percebi que o médico já achava que vovô voltaria para casa.
Ele estava dormindo e não pude colocar em palavras o quanto me senti bem
por ver seu peito se movendo à medida que ele respirava.
Chega de chorar.
Curvei-me sobre ele e tirei a máscara por um segundo para beijar sua testa.
Ela me deu um sorriso confortador e olhou para o meu avô por alguns
segundos.
— O senhor João passou a noite muito bem. Os remédios pararam de fazer
efeito de madrugada e precisei lhe dar uma nova dose, para que ele voltasse a
dormir. Ainda estão fazendo efeito e por isso ele está desacordado.
— O estado dele continua o mesmo, senhorita. Não posso lhe confirmar nada
agora, mas se conseguirmos fazer a pressão aumentar um pouco mais, em breve
ele será transferido para o posto.
Cerca de dez minutos depois, a técnica já havia ido embora e a porta foi
aberta por uma enfermeira, esta também me cumprimentou com educação. Ela
estava com a mesma prancheta da mulher que veio antes e parecia verificar se
tudo nas folhas estava correto.
Os olhos de vovô se abriram lentamente e ele puxou o ar com força uma vez,
o que fez com que eu me sobressaltasse. Sua agonia por levar ar aos pulmões
continuou e a enfermeira me pediu para sair da sala enquanto apertava um botão
de um controle.
Curvei-me sobre meu corpo e cobri o rosto para abafar meus soluços e
esconder as lágrimas. Mesmo sendo inútil.
Senti alguém se aproximar, mas não me importei de olhar quem era. A cena
vivida há alguns minutos era repetida em minha mente diversas vezes. E a cada
vez que eu a repassava, meu desespero aumentava.
— Aaron — tentei proferir seu nome, mas minha tentativa foi frustrada.
Novas lágrimas surgiram e nenhum de nós se importou com aquilo. Seu terno
estava sendo encharcado e tudo o que ele fez foi me apertar ainda mais em seus
braços, tentando de alguma forma me confortar.
Aaron afagou meus cabelos por todos os minutos que precisei para me
acalmar. Beijou o topo de minha cabeça e o ouvi agradecer a alguém por algo,
antes de escutá-lo chamar meu nome.
Tentei me afastar abruptamente ao perceber o que havia feito, mas ele não
permitiu.
Precisei de tempo para ter certeza de que minha voz não falharia ao lhe
responder:
Cerrei os olhos novamente e apertei seu terno em minha mão. Havia certeza
em seu tom. Não era como se ele estivesse apenas dizendo aquilo para me
confortar.
— Eu sei... Mas ele parecia tão... — a frase ficou no ar. Não tive coragem de
concluir.
— Sim?
Quando finalmente saí do banheiro, vi que ele havia deixado uma camisa sua
sobre a cama e um short, que reconheci como meu — um que eu havia
esquecido na última vez que dormi aqui.
Não havia mais nada para eu fazer. Na verdade, a casa estava limpa e
arrumada, não encontrei nada além da louça do almoço suja na pia. E agora
andava de um lado para o outro e volta e meia encarava o relógio na estante.
Ainda eram três da tarde. Aaron demoraria a chegar e eu ficaria louca se
continuasse aqui.
Coloquei meu vestido novamente e decidi ir para minha casa, mesmo que
odiasse saber que me sentiria insuportavelmente sozinha lá. Eu apenas pegaria
uma roupa para vestir amanhã na empresa e voltaria para o apartamento de
Aaron — ele havia deixado as chaves comigo antes de sair hoje.
Meu coração se apertou no peito quando percebi que o vaso que vovô
derrubou ontem, continuava com os estilhaços espalhados pela sala. Respirei
fundo e peguei a vassoura e uma pá, para limpar tudo.
Coloquei minha nécessaire dentro de uma mochila com a roupa que vestiria
amanhã para ir ao trabalho. Coloquei minhas sandálias também e o carregador
do celular.
Decidi ligar para a terceirizada e pedir que enviassem o novo boleto para o
meu e-mail. Peguei metade das joias de mamãe e levei ao shopping. Procuraria a
joalheria e as venderia para acabar com aquela dívida.
Ele as avaliava com a atenção de quem conhece cada uma daquelas pedras.
Comprimi os lábios quando a ansiedade aumentou e ele continuou apenas a
observá-las atentamente com uma lente de aumento.
Suspirei, cansada.
— Elaine Dias?
— Sim — menti.
— Trinta mil.
— Obrigada, mas recebi uma oferta melhor. — Ele segurou minha mão
quando comecei a tirar as joias do balcão.
— Quanto? — inquiriu.
Foi minha vez de arquear uma sobrancelha. Ele parecia realmente interessado
naquelas peças. Sabia que valiam muito mais e tentou me enganar! Bastardo.
— Lhe dou metade das joias agora e amanhã voltarei aqui. Quero o
comprovante de depósito, somente com ele deixarei as que faltarem.
Ele acenou em negativa e um sorriso jocoso surgiu em seus lábios.
Era inacreditável.
Tentei me lembrar de uma conversa que tive com Natasha, na qual ela me
disse que duas vezes por semana uma diarista vem fazer a limpeza do
apartamento e lavar as roupas. Hoje era quinta-feira, não havia motivos para ela
vir aqui. Não havia ninguém na cozinha, então fui direto ao quarto.
Parei à frente da porta e tentei ouvir algum som, mas foi em vão. Abri a porta
lentamente e só entrei quando percebi que não havia ninguém.
O chuveiro estava ligado no banheiro e percebi que quem quer que fosse,
estava se preparando para a chegada de Aaron.
Tentei me acalmar enquanto decidia o que fazer e fechei os olhos com força
quando uma ideia me veio à mente. E se Aaron estiver dormindo com outra
mulher além de mim?
Não. Ele não seria louco a ponto de fazer isso. Eu arrancaria seu pau se ele
estivesse fazendo isso.
Voltei para a sala e, sem me importar, verifiquei a bolsa da tal mulher. Peguei
a carteira de dentro dela e procurei algum documento.
“Essa mulher não deve ter amor à própria vida”, concluí. Aaron não estava
aqui para ela se fazer de vítima enquanto eu estivesse com minhas mãos em seu
pescoço.
Bufei.
Quando voltei, sentei-me sobre a poltrona e esperei que a mulher viesse para
a sala. Cinco minutos depois, cansei de esperar e decidi seguir para o quarto
novamente. Abri a porta sem qualquer cuidado e não me surpreendi ao vê-la
sobre a cama.
Consegui esconder minha surpresa ao ouvi-la falar desta forma. A vadia nem
tentou esconder que só o queria por causa do dinheiro.
Franzi o cenho.
— Eu já disse, você pode ir embora. — Ela usou as mãos para gesticular com
desdém para a porta. — Eu durmo com ele daqui pra frente.
Andei rapidamente pelo corredor e apertei meus dedos entre seus cabelos
antes de abrir a porta da frente e lançá-la para fora.
— Sua vadia! — ela gritou quando abri a porta e tentou se aproximar para me
bater. Joguei as roupas contra seu rosto.
— Eu vou...
— Você vai precisar de mais do que ameaças e uma lingerie barata pra tirar o
Aaron de mim — avisei.
“Se eu tivesse feito isso antes, ela não teria a infeliz ideia de vir aqui”,
lembrei-me.
A surpresa me atingiu quando percebi que estava agindo como uma mulher
irracional e extremamente possessiva. Isso não acontecia desde...
Ele perguntou se eu estava bem após me beijar e lhe respondi com uma
afirmativa. Quando ele foi tomar banho, eu peguei o celular para ligar para o
hospital e tentar falar com alguém que cuidou de meu avô hoje. A recepcionista
me garantiu que estava tudo bem, disse que se não estivesse, já teriam me
avisado. Eu devia admitir que fiquei mais tranquila ao ouvir aquilo.
Apertei os lábios para não sorrir e levei o recipiente de vidro para a mesa. O
creme não estava completamente congelado, mas parecia ótimo.
— Na semana passada, quando vim aqui com Nat, ela me disse que você
prefere sobremesas geladas — expliquei. — Só preparei tudo isso hoje, porque
tinha muito tempo. Então não se acostume.
Ele concordou com um aceno e aceitou quando lhe ofereci uma tigela
pequena de creme. Fomos para a sala e nos sentamos no sofá.
— Liguei para o hospital — ele disse. Surpreendi-me, mas não falei nada. —
Ele está bem.
— Ele ficará bem — murmurei mais para mim mesma, que para ele.
Eram quase oito da noite quando Aaron levantou para levar nossas tigelas à
cozinha. Mantive-me sentada próxima a uma das extremidades do sofá.
Revirei os olhos.
— Você se importa?
— Não — murmurei.
Uma música suave preencheu a sala e sorri ao perceber que conhecia a letra.
Suspirei lentamente ao imaginar o motivo. Vovô não vai visitá-la há dois dias.
— Na verdade, não.
— Depois de dois anos, seu quadro já deveria ter progredido muito... — ele
completou. — E ela deveria ter se tornado mais...
Ele apertou os lábios e cerrou os olhos. Notei que estava tentando lembrar de
algo.
— Esses problemas não têm fim — sussurrei ao fechar os olhos. Senti minha
garganta se apertar, mas eu me recusei a chorar.
A música que tocava antes acabou e logo outra começou. A voz grave de Ana
Carolina pairou sobre a sala enquanto ela cantava, coincidentemente, a música
Problemas. Eu abri os olhos e me deparei com Aaron me encarando atentamente.
Sustentei seu olhar enquanto decidia sobre me aproximar ou não.
Suas barreiras ruíram a ponto dele me deixar ver que não havia apenas
seriedade em sua expressão e raiva em seus olhos. Aquela foi a primeira vez que
vi a dor brilhar neles.
— Não é possível que isso uma hora não chegue ao fim — concluí.
Arrumei o lençol, que estava sobre mim e Aaron, e tirei os sapatos. Meus pés
estavam gelados.
Revirei os olhos após ouvir suas palavras. Ele havia me alertado sobre isso
mais cedo.
Afastei-me um pouco quando ele se moveu para pegar algo sobre a mesinha
ao nosso lado. Em seguida, Aaron me entregou o iPod e os fones de ouvido.
Coloquei os fones, mas ele pegou um para si, fingi não perceber e procurei
em sua playlist as músicas que passei os últimos dias ouvindo.
— Isso é um problema?
Acenei em negativa e coloquei a primeira música para tocar.
O silêncio tomou conta do quarto por minutos, que foram preenchidos apenas
pela música em nossos ouvidos.
Hoje era sexta-feira e amanhã era meu dia de folga. Segundo o médico, vovô
poderia receber sua alta ainda neste final de semana.
Aaron e eu viemos passar a noite no hospital. Na verdade, hoje era o seu dia,
mas como amanhã é minha folga, decidi vir para cá.
Havia apenas uma poltrona no quarto, ele estava sentado sobre ela e eu estava
em seu colo. Depois de tudo o que aconteceu desde que nos conhecemos, esta
posição parecia tão natural para nós quanto qualquer outra.
Durante os dias que vovô passou na UTI, dormi uma noite no apartamento de
Aaron e os outros dias as meninas, Brenda e Elisabeth, insistiram em dormir em
minha casa, para não me deixar sozinha. Eu agradeci por isso, por ter o conforto
e a amizade delas durante aqueles dias.
Troquei um sorriso com Aaron ao ouvir suas palavras. Ele foi o responsável
por convencer vovô daquilo.
O sorriso tímido que surgiu em meus lábios ao ouvir aquilo foi aplacado pela
incredulidade em mim após pensar sobre sua afirmação.
— Você não jantou direito — ele disse quando me entregou o pequeno saco e
o café. Havia alguns pães de queijo nele.
Beijei-lhe o rosto antes de levá-la até o táxi e lhe entregar o dinheiro para
pagá-lo.
— Não. Aquele bastardo não tem nada a ver com o que me fez vir aqui.
— E então?
— Eu vim apenas dizer que você não tem ideia do que fez, Dolores.
Franzi o cenho sem entender do que ele estava falando e esperei que
continuasse.
— Nunca tive nada contra você — ele disse. — Não concordei quando
aquele filho da puta quis envolver você no fogo cruzado com Aaron, mas agora
que está nessa, tome cuidado com o que faz. Ou pode acabar instigando mais do
que a fúria de Rodrigo.
— Não foi Rodrigo que me colocou naquela revista para vigiar Aaron.
— Você é esperta. É bom saber que Rodrigo está mais ferrado do que vocês
imaginam, que por causa dele vocês estão em mais perigo do que imaginam.
Chegamos ao seu carro e ele abriu a porta enquanto parecia pensar sobre uma
resposta.
— Você não tem culpa do que ainda vai acontecer. Nem deveria estar
envolvida nisso.
— Cuidado, Dolores! — foi seu último conselho antes de adentrar seu carro.
Tudo parecia estar em seu devido lugar desde que vovô saiu da UTI. Ele
estava melhorando, Mabel esquecia algumas coisas esporadicamente, mas nada
grave, Rodrigo havia sumido. Até Aaron e eu estávamos... evoluindo em nosso...
Acordo?
Roberto não deveria aparecer justo agora para trazer ainda mais problemas!
Ou melhor, me alertar sobre a vinda deles.
Maldição!
Suspirei sem acreditar que para ele era tão fácil descobrir que algo estava
errado comigo.
— Vamos entrar.
Engoli em seco e mordi a parte interna da bochecha. Eu não queria nem saber
o que Aaron diria se soubesse que agora eu também fazia parte da obsessão de
Rodrigo.
Ele ficou em silêncio e me encarou atentamente por alguns segundos, até que
decidiu perguntar:
Bufei.
Ele assentiu, mas eu soube que não desistiria da sua suspeita até que eu
dissesse algo.
— Dolores.
— Aaron!
— Vamos levar mamãe e o seu João para fora da cidade. Natasha quase não
sai, não há como Rodrigo encontrá-la. — Ele fez uma pausa — Por que Olavo
contrataria Roberto para me vigiar? A fim de quê?
— Bem, isso não importa. Ele está morto. — Enquanto se aproximava, ele
completou: — O que está me escondendo, Dolores?
Cerrei os olhos quando seus dedos acariciaram meu rosto. Os pelos de minha
nuca se eriçaram automaticamente. Eu não conseguia acreditar na facilidade que
ele conseguia me fazer desejá-lo.
— Tem algo a ver com você, não é? — Seus lábios estavam tão próximos dos
meus quando ele fez essa pergunta, que eu senti os meus tremerem levemente.
Tentei me afastar, mas ele não permitiu. Meu corpo foi pressionado ao seu e
ele continuou a me segurar.
Diabos! Era muito mais difícil negar quando ele estava tão perto e seus olhos
pareciam adentrar minha alma.
Eu odeio saber quando ele está me escondendo algo, agora percebi que ele
também não suporta saber que eu estou ocultando algo dele.
— Não vou deixar que ele me toque! — assegurei, como uma tentativa de
aplacar a raiva em sua feição. — Nunca!
Aaron expirou lentamente e encostou sua testa a minha. Acariciei sua nuca
com o polegar e cerrei os olhos.
— E está conseguindo.
Nós dois ficamos em silêncio por alguns segundos, rocei meu nariz ao seu
antes de levar meus lábios até os seus em um beijo suave.
— Querido! Você já chegou! — Nos desvencilhamos rapidamente ao ouvir a
voz de Mabel.
Mabel lhe beijou o rosto e pedi licença para ir à cozinha, deixando os dois
conversando. Peguei um copo e enchi de água para mim.
O sorriso amável em seu rosto fez com que algo em meu coração trincasse.
Acenei em negativa e sorri.
— Tenha paciência, sim? — ela pediu. — Vocês não são as pessoas mais
fáceis de lidar no mundo.
Aquilo me fez sorrir ainda mais enquanto a abraçava. Mabel estava certa e eu
não fazia ideia do motivo de minha garganta estar apertada. Não sabia por que
não conseguia dizer nada e fazer outra coisa além de abraçá-la. Apenas um
sentimento de plenitude e calmaria me preenchia naquele momento.
— Mabel?
Me assustei ao ouvir a voz de vovô. Levei o copo vazio que segurava à pia.
— Mas querida...
Ele suspirou e concordou antes de sair. Desde que saiu do hospital, os dois
estavam agindo como um casal que estava junto há mais de vinte anos. Isso me
deixava feliz por eles.
— Vovô, você não pode comer isso — alertei-o, antes de me sentar ao lado
de Aaron.
Após meia hora de filme, eu já estava enjoada da pipoca e meu suco havia
acabado. Minha pele estava completamente arrepiada pelo frio.
Arrisquei um olhar para vovô e percebi que ele dormia enquanto Mabel
acariciava seus cabelos.
— Não sei — sussurrei em resposta. — Acho que ela quis dizer que não seria
completamente dele.
— Ele teria o corpo, mas não teria os lábios? — Sua ironia me fez sorrir.
— Então ele poderia ter o corpo dela, mas nunca teria o coração?
— Isso mesmo.
— Por quê?
Cerrei os olhos com força e pressionei meu rosto ao seu peito quando ele
usou sua mão direita para acariciar meus seios sob o vestido fino que eu vestia.
— Nós arrumamos isso. — Minha voz soou rouca e frágil quando eu disse
aquilo. Pedi silenciosamente que eles achassem que isso se devia ao fato de eu
estar “dormindo” há alguns segundos.
— Boa noite — os dois desejaram antes de sair para o corredor. Quando ouvi
a porta do quarto de vovô se fechar, respirei melhor.
Aaron consentiu e me deu um selinho, mas não cedi. Seus dedos enterraram-
se em meus cabelos para puxá-los, e me instigar a retribuir o beijo. Quando
permiti que sua língua encontrasse a minha, eu já estava deitada sobre o sofá.
A forma que ele me beijou e me tocou, me fez sentir feminina, desejada. Seu
toque aflorou todos os meus desejos, toda a minha vontade, necessidade dele.
Naquele instante me convenci de que não seria tão fácil assim me desligar
dele. Em algum momento destes dois meses, eu cheguei a achar que a qualquer
hora deixaria de querê-lo. Mas não podia estar mais enganada. Até agora eu não
havia admitido, mas aquela compulsão que me trazia para cada vez mais perto
dele, física e emocionalmente, não tivera nenhuma resistência minha, havia se
tornado algo forte demais para ser vencido por mim e eu não me importava com
isso, sequer temia que estivesse cometendo algum erro ao deixá-lo se aproximar
demais.
Quando ele acabou com o beijo, eu já arranhava seu peito como se ele
estivesse me torturando da pior forma possível e, de fato, estava. Seus beijos só
serviam para me deixar mais e mais excitada, principalmente, quando eram
beijos como estes.
Ele não respondeu com palavras, apenas me beijou uma última vez, depois
me pegou em seus braços e me levou para o quarto.
— Você fez a barba — sussurrei próxima ao seu ouvido entre beijos que sabia
que arrepiariam a sua pele. — Adoro isso.
Aaron tirou meu vestido com uma agilidade já conhecida por mim e trouxe
meu corpo para o seu.
Um beijo gentil foi deixado sobre minha tatuagem, depois ele seguiu até meu
pescoço — caminho que adorava percorrer entre beijos suaves — e um arrepio
de prazer perpassou por meu corpo e me fez fechar os olhos.
Não trocamos mais do que beijos durante estas duas semanas. E, por algum
motivo, nenhum de nós estava completamente desesperado para ter o outro.
Talvez também funcionássemos estando conectados de outras formas.
Senti o colchão afundar contra minhas costas quando ele me colocou sobre a
cama e depois se colocou sobre mim, distribuindo seu peso perfeitamente. Não
demorou muito para que eu o sentisse sem a boxer.
Aaron delineou meu corpo suavemente. Desde a curva dos seios ao meu torso
e, em seguida, meu ventre, parando em minha calcinha e fazendo com que todo
o deleite e a amenidade do seu toque se concentrasse em meu âmago.
— Perfeita.
— Não sei o que vai fazer para te impedir de gemer alto, mas é bom que
pense em algo. Rápido — ele disse.
— Shhh...
— Como você quer que eu fique calada? — questionei sem fôlego, em seu
ouvido. — Não posso fazer isso.
— Pode sim.
Minhas mãos envolveram sua nuca e ele continuou sua maldita tortura
enquanto eu também me movia contra ele, tentando aumentar aquele contato.
— Quero todo o seu pau dentro de mim, agora. — Minha voz soou irritada.
Sua boca sobre a minha abafou um gemido quando ele me penetrou da forma
que eu queria. Rápido, com força e de uma só vez. Senti todos os meus
centímetros serem preenchidos por ele.
— Só para mim?
Aaron beijou meu pescoço e desceu devagar até meus seios. Arqueei meu
corpo e mordi meus lábios com força para me impedir de gemer quando ele
abocanhou meu seio direito e sugou o mamilo. Aquela altura eu já não sabia
diferenciar dor de prazer. Só sabia que a mistura estava me levando rapidamente
ao ápice.
Meu sexo se contraiu e ele gemeu baixo enquanto sua boca continuava a
trabalhar em meu seio. Fechei os olhos com força quando senti as primeiras
ondas avassaladoras do orgasmo pulsarem em mim. Antes que eu me perdesse
completamente no clímax, Aaron abandonou meu seio e girou nossos corpos,
deixando-me desta vez sobre ele.
Meus olhos estavam fechados quando ele cobriu meus seios com as mãos e
os apertou. Depois ele levou as mãos por minha cintura até minhas nádegas e
pressionou meu corpo ao seu. Este pequeno movimento fez com que o prazer
despertasse em mim mais uma vez. Era como se nenhum contato, por maior que
fosse, chegasse a ser suficiente para nós dois.
Usei as mãos para me apoiar sobre seu torso e comecei a cavalgá-lo. O ritmo
era ditado pela quantidade desmedida de desejo que nos assolava, que pedia por
alívio.
Uma nova contração de meu sexo me fez senti-lo perfeitamente. Suas mãos
seguiram para minhas costas e ele acabou com a distância entre nossos corpos.
Minha respiração estava ofegante quando ele beijou meus lábios suavemente.
Senti meu lábio inferior ainda mais inchado após ele mordiscá-lo. Gemi baixo
contra sua boca quando ele foi apertado novamente em mim. Céus, isso é tão
bom. Aaron se colocou sobre mim e a mudança fez com que todo o prazer
dobrasse. Tomei coragem para abrir os olhos e fitá-lo.
Não respondi, mas aquela pergunta ecoou por minha mente. Que porra esse
homem está fazendo comigo?
Minha pele estava suada, assim como a sua, e eu ainda estava um pouco
aérea depois do que Aaron me proporcionara. Fechei os olhos com força e
expirei lentamente tentando me acalmar após mais um turbilhão de sentimentos
e sensações intensas e avassaladoras.
Eu não tinha forças suficientes para me voltar para ele. Mantive meu rosto
contra seu peito. Acariciava suas tatuagens, delineando-as com perfeição.
— Quando é que nós vamos cansar disso? — murmurei, mais para mim
mesma que para ele.
O “apenas sexo” deixou de valer entre nós no momento em que ele me trouxe
para casa naquela quarta-feira, após me encontrar naquela floresta. Claro que
fizemos sexo após aquele dia, e como fizemos, mas não era somente isso.
— Antônio me garantiu que este é um lugar seguro, Lola. Não temos outra
saída.
Expirei pesadamente.
— Eu sei — admiti.
Concordei antes de levantar da cama. Estava discutindo sobre isso, mas sabia
que não havia outra saída no momento.
— E a consulta de Mabel? — inquiri, enquanto me aproximava. — Você
precisará buscá-la na sexta-feira.
— Ligarei para Natasha e pedirei que ela não saia de casa hoje.
— Natasha me disse que ela não passou os últimos dias muito bem, mas
Suzana é forte, Aaron — lembrei-o.
— Vamos?
— Sim.
— O que Mabel disse para convencer vovô a ir? — perguntei assim que
chegamos à cozinha.
— Eu não sei. — Ele franziu o cenho. — Mas agradeço por tê-lo convencido.
Com os dois seguros e juntos, nós dois ficamos mais tranquilos.
Aaron juntou as sobrancelhas ao ouvir minha pergunta. Não consegui ler sua
expressão e isto me incomodou.
— O mês já está acabando, Dolores. Se Olavo deixou algo para mim naquele
testamento, não me importa. Rodrigo ficará com tudo e vai nos deixar em paz.
Lembrei da conversa que tive ontem com Roberto e engoli em seco antes de
olhar nos olhos de Aaron novamente.
— Bom dia!
Afastei-me da mesa ao ouvir a voz de Mabel. Percebi que vovô estava ao seu
lado com a expressão séria.
Natasha!
Liguei desta vez para Aaron, ele não estava sentado à sua mesa. Ele também
não atendeu.
Inferno!
Após a reunião, pouco antes das seis, eu liguei meu celular. Desci para meu
andar rapidamente e encontrei Aaron parado à frente do elevador, esperando-o.
Corri para minha mesa e peguei minha bolsa e casaco antes de segui-lo.
Por favor, não deixe que nada aconteça a ela. Por favor.
— Lola?
— Natasha! — praticamente gritei quando ouvi sua voz. — Onde você está?
Por que não nos atendeu antes?
Aaron parou ao meu lado e me encarou.
— Hoje era dia do grupo de estudos se reunir! Me desculpe, mas eles pedem
que os celulares sejam colocados no modo silencioso ao entrar na biblioteca.
— Que amigos?
— Liguei diversas vezes à tarde e ela não atendeu. Natasha estava estudando
com uns amigos.
Deus, não deixe que ela perca a mãe, por favor. Senti meus olhos arderem
apenas com este pensamento e virei-me para a janela do carro. Por favor.
Assim que paramos à frente do prédio antigo, era mais de seis e meia. Aaron
abriu a porta para mim e seguimos juntos para a entrada.
Aaron me fuzilou com o olhar quando entrei na sala. Estava vazia. A cozinha
também. Trocamos um olhar antes de seguir para o corredor. Resisti à vontade
de pegar qualquer objeto para me defender e apenas o segui. Entrei no quarto de
Natasha e o verifiquei minuciosamente e em silêncio; quando saí, Aaron estava
fechando a porta do quarto que Mabel ficara quando esteve aqui.
Aaron abriu a porta e entrou, quando tomei coragem para segui-lo, ele já
estava próximo a cama de Suzana.
Ela se voltou para mim e aceitou quando ofereci o conforto de meus braços.
— Todos já sabem sobre ela, Lola — ela disse quando voltou a chorar. — Eu
mal consigo me manter de pé, como posso proteger minha filha?
Esperei que ela dormisse e fechei a porta do quarto antes de seguir para a
sala.
Bufei de raiva.
— Você já deixou claro que não quer nada de Olavo. Natasha não precisa da
droga desse dinheiro! Por que Rodrigo continua a infernizar nossas vidas? Não
está claro que ele ficará com a droga do dinheiro?!
— Não sei por que permito que continue em meio a isso — ele murmurou
aparentemente preocupado.
— Não.
— Por que está me perguntando isso? Deveríamos estar decidindo o que fazer
sobre Rodrigo! Se aquele filho da puta tocar em Natasha, eu mesma me
encarrego de matá-lo!
Ele fechou os olhos e quase pude ver seus pensamentos pairando sobre sua
cabeça. Suspirei pesadamente quando percebi que estava descontando minha
raiva nele.
Diabos!
— Vou deixar você na sua casa e depois vou pegar Natasha. Rodrigo está na
mansão de Olavo. Não voltará aqui tão cedo.
Ele abriu a porta e me movi até ela quando ele a manteve aberta para mim.
“Não se prenda a sentimentos antigos
Bem, eu não venho à sua casa com frequência e da última vez que estive aqui
foi porque levei um tiro. Ela tinha toda razão de estar surpresa.
— Eu não sei.
Ela franziu o cenho, preocupada, e abriu a porta o suficiente para que eu
entrasse.
Inferno!
— O que está acontecendo, Lola? — Elise repetiu assim que nos sentamos no
sofá de sua sala.
— Meu Deus! Como você pode ter vivido tudo isso sem nos contar, sem nos
pedir ajuda?! — exclamou sem pausas.
— Me desculpe! — pedi.
— Ok, isso não está em questão e se você não contou foi porque tinha bons
motivos — ela ponderou.
— Acho que Aaron se arrependeu de não ter tentado me tirar disso desde o
início. Ficamos bem preocupados hoje. Eu estava brava e quando ele disse que
não deveria permitir que eu continuasse ao seu lado, eu surtei, eu acho... Não
queria ouvi-lo dizer que se arrependia daquilo. E começamos a discutir.
Ela suspirou.
— Não acho que esteja apaixonada, amiga. Não fiquei assim com André.
— Não acho que deveria tentar comparar o que sentiu por André com o que
pode estar sentindo por Aaron.
— Amiga, olha, eu não estava aqui quando você teve o lance com André.
Acompanhei muito pouco o que vocês tiveram. — Juntei as sobrancelhas ao
perceber que ela parecia indecisa enquanto procurava as palavras certas. —
Posso estar errada... Mas nunca achei que você o tivesse amado.
— Você estava frágil quando o conheceu. Seu avô estava doente no hospital,
sua vida estava uma loucura... Você estava tão abalada com o que aconteceu com
o seu João que achou que fosse perdê-lo.
Franzi o cenho ao ouvir aquilo. Tudo o que ela dizia era repassado em minha
mente em uma lembrança sombria e dolorosa.
— Acho que André foi o seu escape quando você estava com medo de ficar
sozinha.
Tentei digerir aquelas palavras, mas tive dificuldade de fazê-lo. Parecia ser
muita informação para um período de tempo muito curto.
— Você não queria perder nenhum deles quando seu avô melhorou, mas
quando André foi embora você...
— Sempre achei que o que você teve foi mais platônico, mas não posso
afirmar nada, amiga. Somente você sabe o que sentiu, assim como apenas você
pode descobrir o que sente por Aaron.
Engoli em seco e me obriguei a admitir:
— Achei que tivesse escolhido ficar com ele porque tínhamos em comum o
fato de querermos proteger nossas famílias.
— Agora vejo que não. Eu só estava procurando uma desculpa para mim
mesma. Algo que fizesse a decisão de continuar com ele ser coerente... Ter
algum sentido.
Ficamos em silêncio por alguns segundos, apenas pensando, até que ela disse:
— Então você gosta de ficar com ele e ficou com ciúme de Jéssica.
Cerca de meia hora depois, eu estava finalmente seguindo para minha casa.
As palavras de Elise trouxeram diversas perguntas à minha mente. Fechei os
olhos por um momento e pensei sobre tudo o que ela me disse.
Passei todo esse tempo achando que amava André, sem realmente amá-lo?
Devo admitir que não me importo com isso agora. Também não me importo
com o fato de ter certeza de que Elise estava certa em tudo o que disse depois
disso, menos a parte que estou apaixonada. Não sei se realmente estou
apaixonada, afinal, como se descobre isso? Eu não deveria saber se o amasse
realmente? E como confiar no meu discernimento se eu provavelmente passei
dois anos achando que amei um homem, sem realmente amá-lo?
Pesquei uma palavra aqui e outra ali e a ansiedade me fulminou por dentro.
E desta vez, mesmo que fosse contratada como auxiliar, possuía mais chances
de ser remanejada, do que aqui na revista. Cerrei os olhos por alguns segundos e
agradeci silenciosamente a Deus por isso.
A porta da sala de descanso foi aberta e engoli em seco ao ver Aaron entrar.
Não nos víamos desde ontem à noite. Ele demorou para me ver e pareceu
surpreso ao me avistar ali.
Encaramo-nos sem dizer nada até que eu decidi aproveitar que não havia
mais ninguém ali e levantei, guardei minhas coisas e segui para o banheiro.
Esperei que ele entendesse. Precisei lidar com minha apreensão enquanto
encarava meu reflexo no espelho e o esperava. Apesar de ter dormido tarde, eu
parecia bem. O delineador e a máscara de cílios não me deixavam muito
maquiada, mas meu atípico batom rosa me garantia uma expressão mais suave.
O corte do vestido social vermelho também me caía bem.
Aaron fechou a porta assim que adentrou o pequeno banheiro. Havia apenas
dois boxes e o espaço com balcão e uma pia. Quando se voltou para mim, eu
decidi dizer:
— Eu não sabia a resposta quando me fez aquela pergunta, por isso respondi
com evasivas idiotas — admiti surpreendendo-o. Tinha certeza de que ele não
esperava que eu retornasse àquela conversa. Nem que o fizesse desta forma.
Céus! Era muito mais difícil dizer aquilo olhando-o nos olhos — percebi
assim que tomei fôlego para continuar.
— Eu não queria, e não quero, me afastar apenas por causa do seu irmão. Por
isso decidi continuar com você.
Esperei aflita que ele dissesse algo. Um, dois, três segundos se passaram e
Aaron continuou apenas a me fitar. A expressão dele foi de surpreso a admirado.
— Eu só estou preocupado com você, Dolores... Você não tem nada a ver
com o que está acontecendo.
— Não. — Acomodei meu rosto em seu peito após ouvir aquela resposta. —
Me arrepender seria o mesmo que lamentar ter vivido essas últimas semanas.
— Achei que não fosse mais deixar que Otávio se aproveitasse da sua boa
vontade — foi a primeira coisa que Aaron me disse, após sentar no banco ao
meu lado.
Bufei.
Acenei em negativa.
— Falei com o vovô hoje — avisei-o. — Eles estão bem e vovô pediu que eu
confirmasse a consulta de Mabel na sexta-feira.
— Ah meu Deus! Ainda bem que você veio! — ela murmurou ao me ver
conversando com Suzana. Sorri.
— Sabe que eu prefiro conversar com esse Vitor antes de falar dele para o
Aaron — insisti.
— Ok.
— Droga — ela sussurrou vindo até mim, que tentava organizar minhas
palavras.
— Não é nada de mais — comecei após trocar um olhar com Suzana. Deixei
a louça, que ainda segurava, sobre a pia e voltei-me para ele.
— Namorando?
Entrelacei meu braço ao de Natasha quando Aaron lhe pediu uma resposta.
— E ele? Você acreditou apenas por que ele disse que te amava?! — inquiriu
com raiva.
Expirei lentamente e olhei para Natasha quando ela demorou para lhe dar
uma resposta. Ela estava chorando.
— Você nunca terá essa certeza. Vai precisar confiar nela, Aaron! — foram
minhas palavras.
— Conversamos no quarto.
Ignorei suas palavras e o tom áspero que ele usou antes de sair.
Suzana levou Natasha para o quarto que elas estavam dividindo e fui ao
quarto de Aaron. Bati duas vezes e a falta de resposta me fez abrir a porta de
uma vez.
— Eu não me importo com a porra do dinheiro que você quer ou com nada
que você pretende fazer. — Ouvi-o dizer, mas não o vi no quarto. — Se tocar
nela, eu te mato.
Eu vi sua mão direita agarrada a pia, os nós de seus dedos sangravam. Ele
ouvia o irmão falar algo ao telefone e quando percebeu que eu estava ali, seu
olhar se deteve em mim.
— Não acredito em uma palavra do que disse — o tom cortante usado por ele
fez com que um arrepio percorresse todo o meu corpo. — Porque ela não me
trairia ou me esconderia algo assim.
— Vá pro inferno! — Sua voz estava muito mais fria ao dizer estas últimas
palavras.
Hesitei, indecisa sobre retribuir seu beijo, mas quando uma de suas mãos
segurou minha cintura com firmeza e me trouxe para si, qualquer indecisão foi
mandada ao inferno. Sua língua foi exigente e inflexível ao guiar a minha, Aaron
não me deu chance, a não ser me submeter ao seu beijo. O desejo e vigor
insaciável só aumentaram em ambos quando ele levou suas mãos às minhas
nádegas e pressionou meu corpo ao seu. Gemi entre o beijo e puxei seus cabelos
com força para trazê-lo para perto e, consequentemente, aumentar o contato
entre nós.
Eu estava ofegante quando ele acabou com o beijo e seus lábios fizeram uma
trilha deliciosa de beijos e chupões por meu rosto e pescoço, ao passo que ele
também alisava minhas pernas e erguia meu vestido.
— Aaron... — proferi seu nome, mesmo que ele soasse apenas um gemido
baixo aos meus ouvidos. Procurei forças dentro de mim mesma para acabar com
aquilo e coloquei minhas mãos sobre o seu peito antes de afastá-lo.
Segurei suas mãos com força e virei o rosto, mas seus lábios o beijaram
suavemente e seguiram para minha orelha. Um arrepio de prazer se espalhou por
meu corpo quando ele sussurrou meu nome em meu ouvido. Suspirei.
Expirei lentamente e desviei meus olhos dos seus. Peguei sua mão que estava
machucada e trouxe para o meu colo.
Ele ficou em silêncio por alguns segundos até que eu voltasse a encará-lo.
— Ele disse que tocou em você quando foi atrás dele, que você gostou, que é
gostosa e que ele vai repetir a dose.
Ele arqueou uma sobrancelha e vi seu rosto se tornar impassível enquanto ele
percebia o que eu estava prestes dizer. Pude ver também suas barreiras se
erguendo. Me desesperei para fazer algo para mudar aquilo.
— Ele tentou me tocar, mas não gostei de nada! Foi exatamente por isso que
atirei nele! — explodi quando ele se afastou.
Algo em meu peito trincou dolorosamente, mas não consegui tirar meus
olhos dos seus e lidar com a dor crescente em mim. Ele virou de costas e cerrei
os olhos com força.
— Atirou por que não gostou?
— É claro que não! Eu atirei porque aquele filho da puta colocou aquelas
mãos nojentas em mim! — gritei enfurecida ao descer daquele balcão.
Eu não sabia o motivo, mas minha respiração estava pesada. Seu silêncio me
angustiou mais que qualquer coisa naquele momento.
Aaron estava usando as mãos para se apoiar à pia, sua cabeça estava baixa.
Eu estava um pouco distante quando parei atrás dele.
Deus, que ele não esteja imaginando como isso aconteceu. Por favor.
Forcei-me a ficar ali e esperar que ele dissesse qualquer coisa. Encarei-o
através dos estilhaços do espelho que continuavam presos ao suporte da parede.
— Porque tinha certeza de que você não gostaria de saber disso. Eu consegui
o que queria, você estava solto e não havia motivo para contar isso.
Suas palavras me deixaram estupefata. Não fui capaz de lhe dar uma resposta
quando ele voltou a me encarar. A desconfiança em seu tom me machucou. Mais
do que eu admitiria um dia.
Mordi a parte interna dos lábios quando ele se aproximou, fechei os olhos e
ele acariciou meu rosto suavemente. Achei que ele fosse me beijar, mas não o
fez.
— Eu posso ser louco por você, Dolores, mas eu não vou aceitar que minta
ou omita qualquer coisa assim de mim. Não interessa se eu vou ou não gostar de
saber. Confiei em você e espero que também confie em mim.
Pela primeira vez desde que nos conhecemos, consegui realmente entender
uma atitude sua. Aaron queria tempo para pensar sobre o que aconteceu hoje.
Deixei a bolsa sobre o sofá e segui diretamente para o meu quarto. Deitei-me
sobre a cama e encarei o teto por alguns minutos. Por mais que eu tentasse
encontrar motivos para me fazer acreditar que eu estou certa, eu não consigo
encontrá-los, e devo admitir que não estou. Seria hipocrisia da minha parte não
concordar com suas últimas palavras. Eu estava escondendo coisas importantes
dele, quando Aaron passou a me deixar ciente sempre que algo acontecia.
Suspirei audivelmente e cobri o rosto com as mãos.
Definitivamente eu não sei. Contudo, segundo suas palavras, ele não pôs um
fim a nada. Estava apenas bravo. E talvez magoado.
Diminuí minhas passadas e fiz uma pausa para tomar água. Era a segunda
volta que eu dava no quarteirão. Estava na hora de ir para casa.
Eu estava andando pela praça quando Skin começou a tocar. Meu inglês não
era dos melhores, mas eu conseguia me virar um pouco e entender alguns versos
da música. A letra é sexy, instigante e até depravada. Isso fez com que um
sorriso surgisse em meus lábios. Era como ouvir o sexo entre mim e Aaron, em
uma música.
Hoje terei o almoço com Vitor e Natasha. Ela me mandou uma mensagem
ontem mais de onze da noite. Concordei em encontrar o garoto porque até
mesmo eu fiquei preocupada com Nat ao saber do tal Matheus.
Tomei um banho rápido e me arrumei sem muita pressa. Vesti uma saia preta
na altura dos joelhos sobre uma meia calça preta, uma blusa cinza e um casaco
preto completava o visual “mulher de negócios” que o salto me dava.
Preparei um café e o tomei com algumas torradas. Peguei duas maçãs antes
de sair da cozinha para ir ao quarto arrumar minha bolsa.
Era pouco mais de seis e meia quando peguei as chaves de casa e saí.
Voltei-me para o carro novamente a tempo de ver apenas dois homens com os
rostos completamente cobertos, muito próximos de mim. Quando minha boca se
abriu para gritar, um deles avançou sobre mim com um pedaço de camisa e a
colocou sobre meu nariz e boca.
— Não acredito que estamos fazendo isso. — Sua voz soou baixa, mas tão
rouca, que novamente tive certeza de que conhecia esses homens.
No mesmo instante em que teu corpo toca o meu, já não existe o certo nem o
errado
(Deslizes – Fagner)
Me preparei para o que faria assim que ouvi a porta do carro ser fechada.
Cerrei os olhos e me concentrei no som de seus passos. Inclinei as pernas um
pouco mais e quando o homem finalmente abriu o porta-malas, eu chutei seu
peito com força, fazendo-o fazendo cair a uma distância segura do carro.
Não perdi tempo antes de sair dali. Me assustei ao perceber que eu estava em
um estacionamento deserto, não havia para onde correr, muito menos havia algo
para me proteger ou me esconder.
Arregalei os olhos ao ver o homem tentar levantar e corri até ele para chutar o
seu rosto e torso. Ele continuava com o rosto escondido.
— Foi Rodrigo que mandou você? Ele já não é capaz de fazer o trabalho sujo
e mandou seus capangas? — provoquei.
Eu o vi tirar o que parecia ser uma meia, de seu rosto. Ele gemeu ainda mais.
O outro homem me agarrou por trás. Tentei me afastar e até usar os pés para
machucá-lo, mas foi em vão. Quando senti seu toque firme sobre o ponto entre
minha clavícula e pescoço, eu me mexi ainda mais. Não podia desmaiar.
Senti meu corpo enfraquecer e me mexer foi ainda mais difícil. Perdi todos os
sentidos em seguida.
Tentei usar minhas mãos para afastar o homem, mas foi impossível. Elas
estavam algemadas atrás de meu corpo.
— Ela acordou. — Ouvi a voz de Lucas dizer antes de levantar o rosto para
encará-lo. A fúria me dominou e me arrependi de ter chutado seu maldito rosto
apenas uma vez.
Porra!
— Não acredito que três míseros anos foram suficientes para que você
esquecesse de mim.
O homem gargalhou.
— Robson? — chamei-o.
O homem corpulento de três anos atrás parecia ainda maior. A cabeça careca
contrastava com a sobrancelha grossa e os olhos verdes. Ele possuía a feição de
um homem mau... Bem, isso até sorrir ou rir histericamente de algo. O que quase
sempre acontecia.
— Seu grande bastardo! Por que fez isso? — murmurei. — Achei que
estivesse em São Paulo! Quando voltou? E por quê?
Revirei os olhos.
— Me explique a parte em que eu estar presa nesse maldito poste faz algum
sentido.
Ele riu.
Movi minhas mãos, fazendo com que as algemas trincassem uma na outra.
Arregalei os olhos ao ver meu celular em suas mãos. Robson pegou o seu
celular e procurou algo nele.
— Eu deveria saber que ele não aceitaria ir para outra cidade e me deixar
aqui estando ciente do que está acontecendo — admiti baixinho após alguns
segundos pensando. — Não entendo porque diabos vovô insiste nisso! E por que
eu continuo presa?!
— Porque ele é louco pela neta dele e não quer que ninguém a machuque!
— É sério, vovô exagerou. Você não precisa ficar e nem me manter aqui!
— Não. Estou apenas tentando acabar com essa ideia ridícula de vocês.
— Seguimos você durante toda a sua caminhada matinal, você sequer notou
— ele disse. Parecia lembrar disto. — Foi esperta ao fingir o desmaio, preciso
admitir, mas que chances teria ao atacar um de nós em um lugar que não
conhecia, sabendo que o outro tentaria impedi-la de fugir?
Revirei os olhos.
Ele sorriu.
Algo foi lançado contra o portão de ferro de sua antiga academia e isso fez
com que eles se voltassem para o lugar de onde veio o som, não pude fazê-lo,
pois as algemas impediam.
— Você também foi esperta ao deixar o GPS ligado — ele disse apontando
para mim. — Mas eu queria ver como se sairia sem isto. — Ele procurou algo
em seu casaco e me assustei ao vê-lo com uma arma. — Coloque a mordaça
nela.
— O quê?! — gritei enquanto Lucas vinha até mim. — Você não pode fazer
isso, seu filho da... — minhas reclamações ficaram inaudíveis quando Lucas
amarrou um pano qualquer em minha boca.
— Liguei para o seu namorado... Ou o que quer que ele seja... Achei que
precisaríamos esperar mais tempo — ele disse após olhar seu relógio. — Menos
de uma hora desde a minha ligação. Parece que alguém ficou preocupado.
Lucas foi até o carro e percebi que estava deixando a camisa que usou em seu
rosto, dentro dele.
Meus olhos se arregalaram quando olhei para a porta dos fundos e vi Aaron
com uma arma, se aproximando lentamente. Ele pareceu mais preocupado ainda
ao me ver ali.
Engoli em seco quando Lucas voltou tocando suavemente seu nariz para
verificar o inchaço.
— Porra, eu achei que você tivesse quebrado meu nariz, Dolores — ele disse.
— Você está bem? — ele sussurrou enquanto tentava tirar a mordaça de meu
rosto. — Eles fizeram algo com você?
Acenei em negativa.
— O quê?!
Rob aproveitou o descuido de Aaron e o acertou com um soco no lado direito
no rosto, fazendo com que caísse sobre o chão.
Semicerrei os olhos para Rob enquanto ele se levantava, seguido por Aaron.
Senti uma pontada de dor no peito ao ver que o canto de seus lábios estava
sangrando, mesmo que fosse quase imperceptível.
Robson usou um dos pés para mover Lucas no chão e este resmungou alguns
palavrões.
— Levante, seu molenga — mandou.
— Mas...
— Por favor.
Lucas abriu a porta do carro para mim e entrei após um último olhar dedicado
a Aaron.
Peguei meu celular no bolso do casaco e percebi que continuava fora de área.
Eu tentei usá-lo para chamar a polícia enquanto estava no porta-malas do carro,
mas não havia qualquer sinal de área.
— O que foi?
— Nada.
— Não estou fugindo. Só não quero ouvi-los falando de mim como se eu não
estivesse ali.
Mordi os lábios e o interrompi para pedir que dirigisse para fora dali.
— Terei que parar perto da academia, porque ele não tem carona —
concordei sem me importar com o fato de estarmos na academia que treinei há
mais de três anos.
— Não estou chorando e nem vou começar — avisei. — Onde está minha
bolsa?
Ele tirou o cinto de segurança e se moveu até o banco traseiro para pegá-la.
Me livrei do meu cinto quando eu a peguei de suas mãos, assim como o meu
celular que ele me estendeu, e abri a porta do carro.
Lucas me seguiu.
— Você não pode sair sozinha, Lola! Ele ainda quer falar com você.
— Ele sabe onde moro. É melhor não me seguir. Você não vai me impedir de
sair daqui.
Ontem a confiança que havia entre mim e Aaron fora quebrada. Algo me
dizia que depois disto o possível fim do que tínhamos, e até do que estava
acontecendo, não seria nada bom. Principalmente para mim.
Eu já não sabia o que faria daqui para frente. Não suportaria a distância que
Aaron colocou em nós dois desde ontem e, principalmente, sua falta de
confiança. Poderia ser bobagem da minha parte, mas isso estava me
machucando. Acabando lentamente com algo dentro de mim.
Estou ciente de que nada durará para sempre e não crio expectativas, mas
hoje percebi que algo entre nós mudou drasticamente. Desde aquela conversa. E
por mais que queira estar com Aaron, que queira continuar ao seu lado, em sua
vida, prefiro ficar sozinha a ter que lidar com sua distância e indiferença.
Se eu colocar um fim agora, ao que quer que haja entre nós, estou ciente de
que vou lamentar por algum tempo, ou muito. Mas é melhor fazê-lo agora e
economizar os estragos... E diminuir o sofrimento.
Meu celular vibrou em minha mão e percebi que finalmente estava com sinal.
Era um e-mail... da Airmac. Segundos depois, o celular começou a tocar.
— Ele sabe que você é importante para mim! Falo de você para ele desde
que Aaron me contou sobre você... Agora Vitor está com medo de não ter sua
aprovação.
Natasha riu.
— Hoje vamos nos encontrar com o resto do grupo, o vestibular está muito
próximo e o nervosismo já começou a bater. Vamos nos encontrar com você e
depois iremos para a biblioteca, tudo bem assim?
— Preciso que me diga o que está acontecendo, Dolores. Seu avô passou mal
novamente?
Acenei em negativa.
— Ontem fiz uma entrevista e hoje recebi um e-mail confirmando que passei.
Eu pretendia lhe contar mais tarde... Agradeço pela chance que me deu ao me
aceitar aqui como estagiária e por concordar em me contratar. Aprendi muito
aqui e devo isso ao senhor.
— Sim.
Natasha tinha sua mão direita entrelaçada a de um garoto que entendi ser
Vitor. Só lembro de ter visto duas mãos se entrelaçarem daquela forma quando
encontrei vovô e Mabel no asilo há quase dois meses.
— Não achei que isso ainda acontecesse — admiti. — Natasha comentou que
você quer cursar a faculdade de Direito, Vitor. Por que escolheu este curso?
Encarei-o em silêncio por alguns segundos. Eu sentia que ele era uma pessoa
na qual eu poderia confiar, porque isso ficou ainda mais forte depois de ouvir sua
resposta.
— Dezoito.
Percebi que Natasha voltara a entrelaçar sua mão a dele. O aperto deles
parecia ser maior agora, como se ela quisesse confortá-lo de alguma forma.
— Você trabalha?
— Mora sozinho?
Senti-me uma psicóloga atenta a sua expressão e às palavras que ele dizia a
cada pergunta que eu lhe fazia.
— Não. Tenho dois irmãos mais novos e minha mãe, moramos juntos.
Assenti.
Arqueei uma sobrancelha mesmo quando percebi que não havia qualquer
sinal em sua expressão que me dissesse que ele estava mentindo.
Eu devo continuar séria. Posso ser ótima com ele, mas serei terrível se ele a
fizer chorar também. É bom que ele saiba disso.
— Estou falando sério, atirei duas vezes no último homem que a machucou e
não pensarei duas vezes em fazer o mesmo com você se por acaso machucá-la,
entendeu?
— Ótimo.
Otávio me pediu para continuar ocupando meu cargo até finalmente sair da
editora, eu disse que o faria. O e-mail que recebi hoje da Airmac, me informava
que eu fora selecionada e que devo levar uma série de documentos e declarações
para eles na próxima segunda-feira, o horário correto também fora estipulado.
Uma conversa com a gerente do RH de lá também estava marcada para o mesmo
dia. Eu só não sabia para quê.
Arrumei minha mesa quando o relógio me avisou que já eram seis da noite,
peguei minha bolsa e fui até o banheiro. Retoquei o batom e usei um lenço
umedecido para limpar o pouco da maquiagem que borrou durante a tarde.
Eu não lembrava que Rob era tão vidrado em segurança, mas aquela
característica sua sempre me incomodou.
Passei a tarde pensando sobre o que decidira pela manhã. Talvez ele precise
de tempo para pensar sobre o que eu escondi dele, e mais tempo ainda para
chegar à conclusão de que só o fiz com a intenção de lhe poupar de mais
problemas... Se for realmente isso, posso esperar. Mas falarei com Aaron sobre
isso hoje mesmo, se não chegarmos a um consenso será o fim... Do que quer que
haja entre nós.
Mordi os lábios ao ler aquilo e suspirei baixinho. Algo em mim queria adiar
esta conversa com Aaron. Talvez fosse um pressentimento, eu não sei.
Engoli em seco, sem conseguir tirar minha atenção de Aaron. Ele estava
andando de um lado para o outro à frente de seu carro, parecia pensativo e talvez
um pouco preocupado. Vestia o mesmo terno de hoje pela manhã e aquilo me
deu certeza de que ele também estava na empresa.
— Você sumiu — ele disse antes de abrir a porta do passageiro para mim.
— Almocei com Natasha e o namorado dela, hoje. Ele parece ser um bom
garoto — iniciei uma conversa, já reforçando as palavras de Suzana. —
Confirmei o jantar de vocês para a próxima segunda-feira.
— Não devia ter tomado essa decisão sem falar comigo. — A frieza em seu
tom não me abalou.
— Não decidi. Apenas tentei dar uma chance a ele antes de julgá-lo. Depois
concordei com uma decisão de Natasha.
Uma fina garoa começou a cair e tentei me concentrar nas ruas em que
passávamos, ao passo em que sentia algo dentro de mim, que já havia sido
machucado antes, se partir lentamente causando-me uma dor angustiante. Do
tipo que eu só lembro de ter sentido quando André foi para Portugal.
— Não quero que ela se machuque — ele disse. — Não vou me perdoar se
permitir que isso aconteça novamente.
— Natasha não é uma criança, Aaron. Tem quase dezoito anos. Você não
pode impedi-la de viver usando a desculpa de que quer protegê-la... Não há
como fazer isso para sempre.
— Dolores...
— Dolores, você...
— Foi exatamente por isso que eu não disse! Você teria brigado com ele, teria
o procurado de novo... Já estava tudo bem! Não havia motivos para fazer isso!
— Se acha que não vai me perdoar ou que nada vai ser como antes, pode me
dizer agora e damos um fim a isso.
— Pare de me ameaçar com esse maldito fim sempre que algo acontece e
você não gosta!
Meus lábios se abriram num “o” ao ouvir aquilo. Foi como se ele tivesse
usado um machado para partir meu coração ao usar aquelas palavras.
— Eu era a mulher que estava ao seu lado, mesmo quando seu mundo estava
caindo e sua vida se transformava em um inferno por causa daquele bastardo do
seu irmão. — Senti lágrimas em meus olhos, mas eu me recusei a derramá-las.
Ri sem humor e acenei em negativa. Abri a porta do carro, mas antes que
pudesse sair, ele segurou meu braço.
— Responda.
— Me solte.
Ele não poderia ter dito isso... Fechei os olhos. Depois de tudo o que
aconteceu, não posso ter sido apenas a mulher que abriu as pernas para ele.
Ele me puxou com força para o carro novamente e a porta se fechou com a
rapidez que a soltei.
— Não, isso não acabou. — O tom incisivo usado por ele não incomodou.
— Você me escondeu que aquele filho da puta tocou em você, Dolores... Que
ele colocou aquelas malditas mãos em você! Tem ideia do que eu quis fazer
apenas por imaginar ele te beijando?
— Ele não me tocou! Tentou me beijar, mas eu não o beijei! Quando ele
pensou em tirar o que eu estava vestindo, eu quebrei o primeiro quadro que vi na
cabeça dele! Depois dei dois malditos tiros nele! Isso não é suficiente pra você?!
— Não me interessa. Não me importo. Não vou continuar sendo a mulher que
abre as pernas para você.
— Você nunca foi apenas a mulher que abre as pernas para mim.
Ele usou o braço livre para envolver minha cintura e me puxar para seu colo.
— Porra, não faça parecer que você está certa... Sabe que nunca
desempenhou este papel.
Fiquei em silêncio por alguns segundos e ele permitiu quando tentei usar as
mãos para limpar o rosto e arrumar os cabelos.
— Acho melhor darmos um tempo — sugeri. — Você está com raiva e não
consegue esquecer o fato de eu não ter contado aquilo. Se é para haver distância
entre nós, que seja física e não... — deixei a frase no ar, sem saber como
completá-la.
— Não preciso de tempo. Só não quero que me esconda nada, que minta para
mim... Eu concordei silenciosamente com o mesmo para que você não
terminasse tudo entre nós. É tão difícil fazer o mesmo agora?
— Não achei que era tão importante para você... apenas saber disso.
— Mas era.
Eu não concordaria com aquela afirmação, mesmo que meu corpo dissesse o
contrário.
Ele me interrompeu:
— Juntos.
— Eu sei. E fiquei dias sem saber se você me perdoaria por tê-lo feito.
— Por quê?
— Aaron.
Ele me encarou em completo silêncio pelo que pareceu ser uma eternidade,
mas esperei pacientemente.
— Podemos tentar.
Retribuí o abraço e inspirei seu cheiro, ele já me era natural, mas não deixava
de me inebriar sempre que eu o sentia, aquilo somado a proximidade de Aaron e
sua atípica expressividade com as palavras me instigavam a fazer o mesmo sem
me importar por aparentemente estar revelando coisas demais.
— Às vezes parece que a gente voltou pra estaca zero, e que eu não sei nada
sobre você. Não gosto disso. E odeio quando você é impassível.
— Não pode mesmo acreditar que não sabe nada sobre mim. — Ele fez uma
pausa e levou minha mão, a que estava entrelaçada a sua, aos seus lábios e a
beijou com delicadeza. — Demonstrações não são meu forte, Dolores, você já
deveria ter percebido isso. Meus atos falam mais que minhas palavras.
Acabei com o abraço e voltei a encará-lo, meu sorriso era muito maior agora.
Beijei-lhe os lábios suavemente e murmurei:
— Posso tentar.
“Eu sei que na verdade eu não consigo entender o nosso amor
Discrepância do destino!”
A forma que o lençol lhe cobria o corpo poderia ser facilmente definida como
sexy. Assim como eu, Aaron estava nu sob os lençóis brancos de minha cama,
contudo, este o cobria apenas da cintura para baixo. Eu queria tocá-lo, mas da
última vez que o fiz, ele acordou. Preferi não arriscar.
Meus olhos seguiram vagarosamente o caminho de seu peito e os quadrinhos
de seu torso, depois a trilha de pelos que formavam o seu caminho da felicidade.
— Você me olha como se não soubesse o que está embaixo desses lençóis.
— Você me toca como se ainda não conhecesse cada parte do meu corpo e eu
não digo nada.
Ele sorriu.
— E você não?
— Touché.
Sorri.
Nos encaramos em silêncio por alguns segundos, até que desviei minha
atenção para o seu braço direito. O que estava coberto de tatuagens. Levei uma
das mãos até ele e acariciei os contornos precisos e perfeitos da águia em seu
tríceps. A ave fora desenhada somente com uma tinta preta e estava com os
braços abertos em toda a sua majestade.
Notei que os desenhos que eu não reconheci, faziam parte de tatuagens tribais
e todas eram negras, exceto a âncora que possuía flores.
— E esta?
Sorri.
Ele assentiu.
Voltei minha atenção às suas tatuagens e recolhi minha mão que ainda
percorria e delineava os desenhos e símbolos.
Aaron baixou o lençol que cobria meus seios lentamente, até que minha
tatuagem ficou à vista. Levantei os olhos para fitá-lo.
Aaron colou nossos corpos e pude sentir seu peito nu contra minhas costas,
seu membro provocar minhas nádegas e ele posicionar uma de suas pernas entre
as minhas. Um tremor se espalhou por meu corpo e reprimi um gemido quando
uma de suas mãos agarrou meus cabelos e ele beijou meu pescoço.
Ele sorriu contra meu pescoço e mordeu o lóbulo de minha orelha, fazendo
com que um arrepio me deixasse cada vez mais ciente do corpo masculino
perfeito, nu e excitado que eu tinha contra o meu.
— Eu sempre soube que não poderia confiar em você quando dizia que não
era um viciado em sexo.
Ele riu contra meu ouvido e puxou meus cabelos com força enquanto sua
outra mão seguia para o interior de minhas pernas.
O calor sob os lençóis aumentou e não tive escolha, senão fechar os olhos e
me entregar ao prazer, a Aaron, quando ele estabeleceu um ritmo lento e
delirante com sua carícia.
Ele acariciou o lóbulo da minha orelha com a língua e isso somado ao seu
toque, me fez sentir o prazer, aos poucos, percorrer o caminho das minhas
terminações nervosas e se concentrar nelas criando o início de um frenesi
intenso.
Seu nome saiu de forma sôfrega de meus lábios quando seu pau se impôs
contra mim.
Arqueei o corpo contra seus dedos quando os senti separarem meus lábios
inferiores.
— Você gosta da tortura que a lentidão provoca... — ele sussurrou contra
meu ouvido. — Mas prefere enlouquecer de prazer com a rapidez do meu toque.
Gemi seu nome de novo quando senti dois de seus dedos me penetrarem e se
moverem vagarosamente para dentro e fora de mim. Eu não conseguia entender
como, infernos, o fato de eu ainda estar dolorida deixava aquilo melhor.
— Podemos tentar?
— Se eu não...
Ele me interrompeu:
Concordei.
Sua mão, que estava em meus cabelos, seguiu para uma das minhas nádegas e
ele a apertou com firmeza.
— Sim.
O orgasmo que crescia em meu ventre me fez pedir por mais e não me
importei se aquilo me fazia parecer desesperada, pois era o que, de fato, eu
estava.
— Sim!
Meu pescoço pendeu sobre o seu ombro e ele envolveu um de meus seios
com a mão livre.
— Por favor.
Seu corpo se chocou contra o meu após uma estocada precisa e forte, e gemi
mais uma vez, após isso. Céus! O que ele está fazendo é tortura, é a segunda vez
que ele me priva de um orgasmo... Mas desta vez está bem pior.
— E nós dois sabemos que não poderá voltar atrás depois disso.
— Eu sou sua. — Abri os olhos quando a verdade por trás destas palavras me
atingiu. — Só sua — repeti, numa tentativa boba de aceitar a veracidade daquela
afirmação.
Quando Aaron começou a se mover da forma que eu pedi, coloquei qualquer
pensamento de lado. Eu senti a intensidade insana do orgasmo me invadir e me
entreguei àquela insanidade, àquele prazer.
Pela primeira vez em minha vida, tudo parecia bom demais para ser verdade.
— Liguei para o João e ele decidiu vir a Porto Alegre com Mabel, parece que
ela tem algum exame marcado para hoje e ele aproveitará para falar com você.
Revirei os olhos.
O ouvi bufar.
— Você foi seguida hoje e ainda quer tentar nos fazer mudar de ideia?
— Robson, aquele bastardo não fará nada contra mim, ok? Ele deve estar
querendo apenas me assustar, numa tentativa de me fazer sair correndo para
contar ao Aaron.
— Não me importa o que esse filho da puta está tentando fazer, ele não
tocará em você novamente. — Ele fez uma pausa. — Vou te esperar na academia
amanhã às sete, seu avô também me ajudará no seu treinamento, se não estiver
aqui neste horário, eu vou buscá-la. E você sabe que eu o farei.
— Continuará a ser minha sombra? Rob, você não tem uma vida para cuidar
além da minha? Achei que seu emprego fosse sua vida!
— Dolores, você é como a filha que não tive. Posso ter sido mais como o
amigo bobalhão do seu avô, o tio divertido que te dava doces quando seu avô
dizia que não. Mas João e eu te amamos demais para deixar que seja
machucada por qualquer filho da puta.
— Você parece ter esquecido que sumiu por anos e nos deixou sem notícias.
Você nos...
— Você não deveria ter voltado daquela forma — Fiz uma pausa e mordi os
lábios. — Não deveria ter me sequestrado e dito aquelas coisas ao Aaron.
— Não — admiti.
— Quando João me disse que você estava com um cara que não queria nada
sério com você pela segunda vez, eu procurei em minhas lembranças qualquer
indício da garota centrada e obstinada que deixei em Porto Alegre anos atrás.
Ela nunca aceitaria tão pouco de um homem.
— Acha que esse acordo seria suficiente para fazê-lo escolher você ao invés
do irmão, se fosse necessário?
Eu estava prestes a dizer sim, quando lembrei de uma conversa que tive com
Aaron há muito tempo onde ele disse que prometeu a alguém que nunca
denunciaria Rodrigo.
— Seu avô me pediu pra descobrir algumas coisas sobre esse tal Rodrigo. Eu
te contaria ontem, mas você foi embora... Preciso conversar com você e seu avô
sobre isso.
— Lola?
— Não, mas estava furioso sobre algo. Quer falar conosco antes do horário
da leitura do testamento.
— Seis e meia.
Ao olhar para meu relógio, percebi que passava das quatro da tarde, mais
uma hora e meia e meu expediente acabaria.
“Lola, Aaron continua na clínica com Mabel e seu avô, ele pediu que eu pegasse
um táxi para ir ao escritório do advogado de Olavo, caso ele não conseguisse
vir me pegar e eu ainda quisesse ir. Pode ir comigo? Mamãe não pode ir e a
irmã de papai estará lá, ela nunca me tratou muito bem... Prefiro não ter que
enfrentá-la sozinha, principalmente sabendo que Rodrigo também estará lá. Por
favor, não quero faltar.”
— Só um pouco preocupada.
— Fernanda estará lá? — Eu não pretendi deixar meu tom frio daquela
forma, mas não consegui impedir.
— Sim, Aaron me disse isso há uma hora, quando me avisou sobre o exame
de Mabel. Estava tentando me convencer a não ir.
— Ela foi amante dele, não foi? — inquiri assim que juntei as peças e
cheguei àquela conclusão.
— Não.
Abri os olhos e expirei devagar. Segundos se passaram, até que meus dedos
adentraram seus cabelos e eu os acariciei suavemente.
— Você parece tão frágil estando sob mim — ele disse assim que voltou a me
encarar.
Revirei os olhos.
— Hum-hum...
Ele sorriu — pela primeira vez pude ver o sorriso espontâneo que ele insistia
em esconder. Aaron beijou meus lábios e explicou:
— Eu penso o mesmo quando percebo que você está com o maxilar cerrado e
responde minhas perguntas com “Hum-hum”.
Ele ficou em silêncio, seu sorriso esmoreceu à medida que ele parecia
lembrar das vezes que fez isso.
Deixei minha bolsa sobre a cadeira que estava anteriormente e abri a porta.
Mas ele parecia perdido, inerte em seu próprio mundo, enquanto desferia
socos no rosto do irmão que, quase sem sucesso, ria e dizia:
— Eu achei que essa mulher — ela olhou com desprezo para Fernanda —
fosse a pior de todas. Mas você acaba de ganhar o título. Se vendeu para os dois
irmãos e para o pai deles para garantir um futuro.
Minha boca se abriu num “o”, mas antes que eu pudesse responder, Fernanda
avançou sobre mim.
Gritei de dor e surpresa quando ela conseguiu nos lançar ao chão. Agarrei
seus pulsos para fazê-la soltar meus cabelos, mas isso só aconteceu quando
cravei minhas unhas em sua pele com força e ela gritou de dor. Aproveitei o
meio tempo para me colocar sobre ela.
Senti duas mãos agarrarem meus braços e tentarem me puxar para cima, mas
ainda consegui puxar seus cabelos e fazê-la gemer de dor.
Ela foi obrigada a se sentar sobre o chão com a cabeça inclinada, porque eu
ainda segurava seus cabelos, e eu a chutei uma vez, antes de ser afastada
completamente.
Não entendi o motivo, mas senti meus olhos arderem em lágrimas. Procurei
Natasha, vovô e Mabel e os encontrei no mesmo canto que vi vovô
anteriormente. Mabel parecia desmaiada e quando tentei me aproximar para
verificar, o homem que me segurava não permitiu. Vovô se voltou para mim e o
brilho de decepção, raiva e lágrimas em seus olhos, me machucou
dolorosamente.
— Não tente mais esconder, querida. Todos descobriram sobre nós. E pior,
sobre seu caso com Olavo.
Voltei a encarar Aaron, a frieza em seu olhar dera espaço a um brilho de dor e
ressentimento, talvez ódio, que me perturbou, me dilacerou de dentro para fora.
Quando ele se soltou do aperto dos seguranças e saiu da sala, eu não soube
identificar de onde exatamente veio a dor, mas ela se instalou em cada célula do
meu corpo, como uma doença que me destruiria aos poucos.
Fechei os olhos e chorei em seus braços quando ele me abraçou com força.
Ouvi a porta ser fechada duas vezes seguidas, mas minha mente estava tomada
por pensamentos demais para que eu me importasse com quem estava saindo e
por quê.
— O que está acontecendo? — sussurrei entre os soluços e as lágrimas.
Era uma coisa sua que ficou em mim (que não tem fim)”
(Poema – Cazuza)
Ouvi a voz de Rodrigo e me voltei para ele. O filho da puta estava quase
desacordado e murmurando palavras sem sentido. Seu rosto estava
completamente inchado, com cortes finos, e o sangue havia parado de escorrer
de seu nariz. O braço que eu atirei há algumas semanas, estava enfaixado. Não vi
qualquer atadura sobre a perna que atirei, mas tive certeza de que ela estava sob
a calça que ele vestia e que esse era um dos motivos de suas dores agudas.
Assim que os seguranças o levaram para fora da sala e o advogado saiu com
eles para dar ordens à secretária, eu percebi que fora Fernanda e a tia de Aaron a
irem embora anteriormente. Mabel pareceu ter acordado e estava abraçada a
vovô, enquanto ele sussurrava palavras de conforto para ela, que ainda chorava.
Natasha levantou.
— Eu vou atrás de Aaron, ele não está bem — avisou e um novo nó surgiu
em minha garganta quando ela começou a se afastar e sequer me olhou.
O caminho até minha casa foi silencioso. Mabel continuava abraçada a vovô
e parecia perdida demais em pensamentos para sequer notar que qualquer um de
nós, além de vovô, também estava no carro.
Robson parecia sério demais. Pelo que disse há alguns minutos, ele
continuava me seguindo e me acompanhou no percurso até o escritório do
advogado.
Quando finalmente chegamos, segui para o meu quarto e lavei o rosto. Fiz
um coque em meu cabelo e troquei os saltos altos por uma Havaianas.
Voltei para a sala a tempo de ver Robson fechar a geladeira. Ele estava com
uma garrafa de água e um copo nas mãos. Fez um gesto para perguntar
silenciosamente se eu queria e assenti.
Sentei-me sobre o sofá e o esperei. Vovô estava em seu quarto, com Mabel.
Encarei o copo em minhas mãos e o girei devagar. Queria usar qualquer coisa
para me ajudar a manter as lembranças daqueles momentos bem longe, mas
aquela era uma tarefa impossível.
— Aparentemente sim.
— E ela não pode responder por si mesma por estar doente — completei
pensativa.
— Por que ele fez isso? — consegui sussurrar mesmo com o nó em minha
garganta. — Por que ele inventou tudo isso? Por que tentou me destruir na frente
de todos eles? — Lágrimas finas já rolavam por meu rosto.
— Por vingança.
Levei meu rosto às minhas mãos em concha e me encolhi sobre mim mesma.
Não conseguia acreditar nisso, não queria acreditar nessa verdade.
— Quando fugi com Mabel naquela época e ele a encontrou, prometeu que se
vingaria por eu tentar tirar o que ele mais amava. E deixou uma carta para cada
um de nós.
— Sim.
— Rodrigo o provocou dizendo que nunca teria uma mulher somente dele.
Que estava fadado a dividi-las com o pai e o irmão. E que você fora mais uma.
Vi todo o controle de Ricardo se esvair naquele momento. Por isso eles
começaram a briga.
Lembrei da forma que Aaron me tocou apenas por pensar que Rodrigo
poderia ter feito o mesmo. Ele acreditou em mim antes de pensar no que Rodrigo
afirmara. Agora tudo se repetia, só que em proporções maiores. Muito maiores.
E ele não sabia se poderia confiar em mim.
Eu sabia que uma hora ele viria, ou talvez estivesse tentando acreditar nisso...
Porque Aaron poderia muito bem fingir que nunca me conheceu, que nada nunca
aconteceu... Que... Pausei os pensamentos e respirei fundo.
Preferia manter a ideia de que todo o inferno que o sobrenome Andrade traz
consigo, havia se dissipado há dois anos, preferia acreditar que, mesmo contra
minha própria vontade, eu havia encontrado algo que... valia a pena tentar
manter em minha vida.
Foda-se!
Por mais que não soubesse o que ele deixaria naqueles papéis, estava
preparado para um novo inferno causado por ele. Para suas imposições, para
encontrar uma forma de tirar mamãe e Natasha de sua vingança tosca, mas...
— Lola está apaixonada por você, Aaron. Não o trairia de forma tão baixa...
Nem de qualquer outra forma.
Agora não importa. Isso é algo que nunca deveria ter importado na verdade.
— Meu Deus! Você a conhece, Aaron! Acha realmente que Dolores faria
algo assim?!
Fiquei em silêncio.
Pra você... Só pra você, Aaron. Foram as palavras usadas por ela e mais
tarde: Eu sou sua... Só sua.
Não. Eu não acho. Havia verdade em suas palavras. Ela nunca mentiria para
mim enquanto eu estivesse dentro dela... Dolores não..., interrompi meus
próprios pensamentos e suspirei lentamente.
A verdade em tudo era que eu já não sabia no que pensar. Não sabia se o que
me impedia de acreditar nas palavras de Rodrigo e no testamento de Olavo era o
fato de confiar nela ou o fato de querer confiar nela, que não me trairia e
enganaria por dinheiro.
— Ele não pode falar agora... Fernanda, Aaron não quer mais saber de você...
Não... Ele não acredita mais em você. Se Rodrigo realmente precisasse de ajuda,
teria vindo atrás da gente.
— Desliga esse telefone, Nat — mandei. Não queria nem ouvir falar em
Fernanda e Rodrigo.
“Querida,
Em vida eu nunca seria capaz de agradecer o suficiente por você ter sido a
mediadora de minha vingança, mas em morte saiba que você, e sua pequena
existência, me farão descansar em paz. Sua ajuda foi imprescindível para que
tudo isso acontecesse. Espero que seu pagamento e sua mesada sejam
suficientes para meu agradecimento.
Olavo Andrade.”
O único motivo para ele ter deixado essa carta comigo, para que eu
entregasse a ela, era me provocar. Ele armou tudo isso.
Bufei, bravo demais comigo mesmo por ter chegado ao impasse daquela
última questão. Peguei o outro contrato e deixei o anterior de lado. Meu coração
vacilou ridiculamente no peito quando percebi que o que restara do conteúdo do
envelope grande eram fotos, outra carta e o contrato que estava em minhas mãos.
— Porra, Olavo tem que ter pagado alguém para fazer isso — repeti. Ele
pode ter conseguido a maldita assinatura em um banco, faculdade... no inferno
que tenha sido, mas Dolores não assinaria essa droga.
Joguei os papéis sobre a poltrona ao meu lado e fechei os olhos por alguns
segundos. Tentei, de todas as maneiras existentes, acreditar que eu estava apenas
apontando fatos e não procurando motivos para manter Dolores como a mulher
honesta e admirável que conheço.
Você, melhor do que eu, conhece Rodrigo. Sabe que ele não tem escrúpulos e
se precisar, usará Mabel para conseguir dinheiro. Seja tentando colocar as
mãos em minha fortuna, seja chantageando você.”
Cessei a leitura daquela carta ao entender uma porção quase infinita de coisas
que aconteceram desde que Rodrigo voltou. Suas artimanhas e planos, cada vez
mais desprezíveis, passaram a fazer sentido para mim. Ele precisava daquele
dinheiro. Sua vida dependia daquilo.
“Talvez não precise, mas vou alertá-lo sobre Fernanda. Ela irá atrás de
você, provavelmente após a minha morte. Embora eu tenha deixado explícito em
meu testamento que nem ela, nem Dolores e muito menos Anita continuarão a
receber a mesada se se casarem. Fernanda não se importará com essa mesada
se for sua esposa e tiver direito a metade de toda a fortuna. Não me preocupo
com Dolores ou Anita sobre isso. Por mais que estivesse com você, Dolores
pareceu muito satisfeita com a chance que lhe dei. Já Anita, há dois meses foi
para São Paulo e, ao que parece, não pretende voltar.”
— Acordei antes das cinco, princesa. Tenho muita energia para gastar
naquela academia. É bom que você esteja na cozinha, para o café da manhã, em
vinte minutos, do contrário, eu voltarei aqui com um balde de água fria.
— Ricardo não é fácil de lidar no começo, é algo que devo admitir. Mas ele é
um bom homem, querida. E não estou dizendo isso porque é meu filho. — Ela
acariciou meu rosto e cerrei os olhos ao sentir as lágrimas. — Ele é como você;
demora a confiar nas pessoas, mas quando confia, ele muda completamente.
Basta ele sentir que a vida dele não se tornará frágil a você.
Um celular tocou na cozinha e só percebi que era o de vovô quando ele saiu
para atender.
Anuí.
Uma hora depois, Robson e eu adentrávamos a sua academia. Vovô fora levar
Mabel ao apartamento de Aaron, mas não quis me dar maiores informações
sobre ele. Disse apenas que depois viria para à academia também, pois ajudaria
Rob a me treinar.
Rob não tocou no assunto Aaron ou nada inerente à noite anterior, algo pelo
qual eu agradeci. Sabia que ele queria me ajudar a tirar os pensamentos e
lembranças de ontem da minha cabeça.
— De cinco a oito.
— E exercícios?
— Três vezes por semana, na academia ao ar livre da praça.
Meia hora depois, eu continuava na maldita esteira, que ficava mais rápida a
cada dois minutos.
— Deixe de ser molenga, princesa. Sua resistência está melhor que há três
anos. Mais dois minutos e seguiremos para outra etapa.
Ele pegou meu cantil da prateleira de pesos e me entregou. Bebi a água como
se tivesse passado dias sem aquele líquido.
— Você quer que eu soque esse boneco depois de ter corrido pelo menos seis
quilômetros em meia hora?!
Inspirei fortemente ao perceber que aquela era uma ótima ideia. Socar
Rodrigo, mesmo que de forma imaginária, poderia ser uma ótima terapia.
Ouvi-o clicar nos botões de seu cronômetro. O silêncio após isso foi
suficiente para fazer com que eu ouvisse minha respiração ofegante e os
batimentos fortíssimos de meu coração.
— Agora!
Foquei minha atenção no movimento dos sacos até que o ritmo de suas voltas
ficou claro em minha mente e comecei a me mover.
Rodrigo estava envolvido com traficantes?! Como? E por que infernos ele se
envolveu com esse tipo de gente?!
— Levante, Dolores!
Ele usaria essas malditas informações para tentar me distrair. Por isso não
queria me contar agora.
Andei até a linha vermelha novamente e ele gritou “agora”, mais uma vez.
Ouvi o peso dos sacos rasgar o ar a cada movimento rápido deles. Pareciam
vários pêndulos se movendo um após o outro.
Minha boca se abriu num “o”, mas não me permiti ser atingida novamente.
— Você é alta, aproveite as pernas e joelhos para atingi-lo mais e com mais
força.
Fiz o que ele disse e chutei a costela novamente e, em seguida, girei uma vez
para chutar o rosto e depois socar seu peito, na altura dos pulmões, e depois sua
barriga novamente.
— Aposto que já sabem que ele está aqui na cidade, só não o localizaram
ainda. Ele sumiu e o traficante chefe foi preso há alguns meses. Mas parece que
nunca deixaram de procurá-lo.
Ouvi o portão de ferro da academia ser aberto e parei de socar o boneco para
ver vovô entrar.
Senti o suor correr por minhas costas, meu rosto e meu peito. Minha
respiração estava irregular e a pausa nos movimentos consecutivos, me deixou
ciente da dor crescente nos nós de meus dedos.
— Achei que você a vendaria para isso — vovô falou para Robson.
— O foco dela é tirado com facilidade. Talvez a venda realmente ajude nisso
— respondeu.
— Vovô, ele...
— Não me interessa se ele está em perigo, João. — Ouvi Rob murmurar para
vovô e acreditei que falassem de Rodrigo, já que Rob também contaria o que me
disse ainda há pouco ao vovô.
Afastei-me para pegar meu cantil e neste momento percebi que vovô ainda
conversava com Robson. Ele fingia avaliar algumas facas e cordas, mas eu sabia
que não estava prestando atenção a nenhuma delas.
O som dos meus batimentos cardíacos ainda estava nítido e audível em meus
ouvidos. Mas não conseguiam, nem de longe, ofuscar as vozes de acusações de
Rosali e Fernanda ontem à noite. Nem mesmo a de vovô enquanto me contava
sobre o testamento.
Acenei em negativa e usei as mãos para cobrir o rosto. Era inútil tentar
esquecer tudo usando o cansaço físico para isso.
— E Mabel? — perguntei.
Meus lábios se entreabriram, mas não fui capaz de fazer qualquer pergunta.
— Ela sofreu algum trauma muito forte, e sua mente começou a bloquear
algumas informações. Como uma defesa. Por isso que, quando ela lembra de
algo, tem crises de choro e desmaios. As lembranças ruins a machucam como se
fossem dores físicas.
Ele assentiu.
Robson o interrompeu:
Tirei as luvas e as deixei sobre o banco que dividia o espaço dos armários do
vestiário.
— Você acreditou — afirmei sem saber o que poderia dizer além daquilo.
— Por que, Dolores? — Fez uma pausa. — Foi tão difícil recusar a quantia
que ele ofereceu?
A dor em meu peito aumentou e meus olhos arderam em lágrimas. Mas a
raiva cresceu nas mesmas proporções que a dor em mim. Levantei minha mão
para levá-la ao seu rosto quando percebi que Aaron havia realmente dito aquelas
palavras, mas ele a segurou com força e um movimento rápido fez com que a
proximidade entre nós aumentasse.
— Você estava com ele desde o começo? Foi fácil me enganar durante esses
dois meses? — ele atirou as perguntas sem se importar com o mal que elas me
faziam. — E se entregar a mim? Foi mais difícil que se entregar a ele?!
Não sei o que exatamente brilhou em seus olhos antes dele fechá-los.
Tentei me soltar de seu aperto e ele permitiu. Naquele momento foi possível
para eu enxergar a centelha de dor através de suas muralhas, mas aquilo não se
comparava, nem de longe, ao que suas palavras me causavam.
— Foi tão fácil para eles te enganarem com uma mentira?! — perguntei. —
Tão fácil acreditar que eu faria o mesmo que Fernanda? Que te trairia de todas as
formas que Olavo mencionou naquele testamento?
— Acreditou mesmo que eu seria tão baixa? — A angústia ficou muito mais
notável em meu tom ao murmurar esta pergunta.
— O que seu avô diria se soubesse que conseguiu pagar aquela hipoteca com
o dinheiro de Olavo? — Franzi o cenho ao encará-lo. — E que só conseguiu isso
porque foi para a cama com ele?
Lágrimas finas rolaram por meu rosto quando encontrei algumas fotos e as
peguei. Todas eram fotos de um casal fazendo sexo. Os cabelos, a pele e formas
do corpo daquela mulher, lembravam o meu, e o homem, um velho de mais de
cinquenta anos, a tocava enquanto ela se movia sobre ele, seus cabelos cobriam
o rosto. Em outra era possível ver a mulher completamente nua e o homem entre
suas pernas, a câmera não estava focada no rosto dela, mas era o meu rosto ali...
Como ele conseguiu isso, eu não sabia. Não tive coragem de verificar as outras
imagens e peguei os papéis que também estavam no envelope. Eram cópias de
algumas das minhas contas... da hipoteca, do financiamento. E depois uma cópia
de uma espécie de contrato, especificando valores e... — Engoli em seco ao
perceber do que se tratava. — Havia minha assinatura ali, como se eu
concordasse em oferecer meu corpo a Olavo em troca de dinheiro.
Lágrimas mais grossas rolaram desta vez e não me importei com o fato de
Aaron estar vendo todas elas.
O que eu poderia dizer sobre isso? Era o meu rosto, era a minha assinatura,
minhas contas. Mas não fui eu a fazer aquilo, a assinar nada! Como Olavo
conseguiu isso?! Como conseguiu organizar tudo isso antes de ir para o maldito
inferno?!
Criei coragem e voltei a fitá-lo.
Olavo Andrade.”
Acenei em negativa.
— Não vou implorar para que acredite em mim ou no que aconteceu entre
nós — respondi com a expressão impassível. — Você escolheu acreditar em
algumas montagens e mentiras e...
O brilho de dor em seus olhos não foi suficiente para me fazer regredir. Eu
não me sentia nada bem em vê-lo desta forma, mas tinha certeza de que sua dor
não era minimamente comparada ao que suas acusações fizeram comigo. Eu não
queria pensar nos motivos para aquilo estar me machucando tanto, mas uma
afirmação de Elise ecoou em minha mente durante o silêncio pesado que se
instalou entre mim e Aaron. Ele não estava me abandonando como André e
mamãe fizeram, e o sentimento que tornava minha dor cruciante agora não
poderia ser uma paixãozinha adolescente.
Aaron desistiu.
Meus olhos estavam fechados e preferi não os abrir para não olhar em seus
olhos.
— Por que fez isso? — ele perguntou em voz tão baixa que quase não ouvi.
— Eu teria te ajudado se soubesse da hipoteca. Teria feito qualquer... — eu o
interrompi:
— Vá embora, Aaron — pedi quase sem forças. Seu cheiro cítrico já não
podia ser ignorado e permaneceria impregnado em mim quando ele fosse
embora, e eu queria desesperadamente que ele fosse. Só assim me permitiria
chorar em paz.
Senti seu polegar acariciar minha bochecha após limpar uma lágrima fina.
“Boa sorte.”
Sorri ao ler aquelas duas palavras. Ontem à noite ela me ligou para falar
sobre o que havia acontecido. E tive meu amor e confiança por ela renovados
quando ela sequer pediu que eu explicasse algo e apenas disse que acreditava em
mim.
Vovô estava com raiva de Aaron e se irritou comigo quando eu não contei o
que ele me disse durante a nossa conversa para me deixar tão arrasada. Mas
concordou quando eu pedi que encerrássemos os assuntos Aaron e testamento.
— Eu pedi para ter esta conversa com vocês porque há uma vaga de
administrador junior em aberto. Apenas um de vocês poderá preenchê-la. — Ela
abriu duas pastas e tirou duas folhas, as fichas de solicitação de emprego que
preenchemos ao chegar aqui no primeiro dia. — Humberto, você é casado e tem
dois filhos.
Franzi levemente o cenho quando ela pegou minha ficha. Suas sobrancelhas
negras e bem arqueadas se ergueram enquanto ela lia a minha ficha.
— Isso mesmo.
— Creio que Dolores seria a mais indicada ao cargo, já que não é casada e
não possui filhos — ela disse agora olhando para mim. Sustentei o olhar
avaliador dela. — A filial é de Salvador, na Bahia. Serão seis meses de
experiência nesse cargo e, se você se sair bem, será a próxima na fila para um
cargo de administradora junior.
Deixei de ouvir o que ela falava sobre condições de trabalho e adicional que a
empresa pagaria para que eu pudesse alugar um lugar para morar.
— Eu queria tanto que estivesse aqui! — ela disse. — Você saberia como me
ajudar a lidar com eles. E sabe, como ninguém, lidar com Aaron.
— Lola... — Ela fez uma pausa. — Meu Deus. Vocês têm que se resolver.
Estão sofrendo e preferem manter as máscaras de seres fortes e impenetráveis.
— Você acha que eu não percebi que ontem estava chorando quando te
liguei? E que eu não sabia que isso era culpa do idiota do meu irmão?!
— Mas...
— Não tem “mas”.
— Você acredita que Vitor te ama, não é? Ele acreditaria em você se alguém
dissesse que você o traiu? — perguntei e ela confirmou. — Se alguém dissesse a
ele que você o traiu com o Matheus, e esse alguém apresentasse diversas provas
contra você, incluindo fotos desta traição, acha que ainda assim Vitor acreditaria
em você? Que você não o traiu?
— Ele não acreditou em mim, acha que o traí e não vai me perdoar... E por
isso eu também não o perdoarei.
Ela continuou em silêncio, percebi apenas que sua respiração estava mais
pesada.
— Natasha, vou desligar. Boa sorte com o jantar... E mantenha a calma! Não
deixe que Aaron intimide vocês dois.
Vovô estava com uma bandeja com duas xícaras de chá e sorri timidamente
ao ver aquilo. A última vez que ele fez isso foi na véspera do meu vestibular,
quando sabia que eu precisava me acalmar.
Eu assenti.
Tomei o primeiro gole de chá e decidi esperar para tomar o próximo, pois
estava muito quente.
Acenei em negativa.
— A empresa me deu dez dias para resolver tudo sobre a viagem — lembrei-
o. — Não quero contar a ninguém agora. Não quero que ninguém tente me
impedir de ir.
— Eu sei. Mas não vou ficar com ela e o tal Marcos, namorado dela. Vou
procurar um apartamento simples para ficar enquanto não arranjo outro lugar.
— Não acredito que vou deixar minha filha voar para longe de mim.
— Tem certeza do que vai fazer, querida? — Ele fez uma pausa. — Se estiver
fazendo isso por causa de Ricardo, não é...
— Você gosta dele, não é? — ele questionou assim que nos separamos. — E
está sofrendo pelo que aconteceu.
— Vou conseguir esquecer tudo isso se estiver bem longe — assegurei,
ignorando sua pergunta.
— Se você realmente gostar dele, poderá passar uma vida que não será
suficiente para tirá-lo de sua mente e de seu coração.
Pousei minha xícara sobre o criado-mudo e deitei minha cabeça sobre o seu
colo.
— Sim.
Mordi o canto dos lábios e cerrei os olhos quando ele começou a acariciar
meus cabelos.
— Não vou esperar que ele se convença de que não fiz nada — repeti o que
lhe disse ontem. — Aaron me machucou... muito. E não vou permitir que
consiga fazê-lo novamente.
As lágrimas que inundavam meus olhos, finalmente rolaram.
— Não quero que sofra, querida — ele disse. — Sei que também sou culpado
de parte desta dor e se você acha que a distância te fará sentir melhor, eu prefiro
que vá.
— Achei que você não viria! — exclamei assim que vi Natasha emergir das
escadas rolantes do aeroporto.
Olhei a minha volta. Vovô, Robson, Mabel, Elise, Brenda, André, Lucas e
Giovane também estavam aqui. Odeio despedidas e as tentativas das meninas, de
me fazer ficar, não estavam me ajudando a passar por isso imune a choros.
Limpei meu rosto e respirei fundo antes de começar a limpar o seu também.
— Não chore, ok? Vamos manter contato sempre... — sussurrei. — Vou ligar
sempre que der e vou torcer por você no dia do vestibular.
— E eu de você — murmurei.
Uma voz feminina anunciou meu voo pelos alto-falantes e segundos depois
senti braços a minha volta e diversos perfumes se misturarem ao meu.
— Vocês não estão deixando isso mais fácil — sussurrei quando Elise e
Brenda voltaram a chorar.
— São apenas seis meses, nós sabemos, mas ninguém aqui está acostumado a
ficar sem seu mau humor e suas dúvidas sem fim.
— Você merece essa chance e tem que agarrá-la com todas as forças.
— E o farei.
Abracei Mabel uma última vez e ela me deu sua bênção, depois segui vovô
em silêncio.
Minha pele se arrepiou suavemente e aquilo fez com que eu olhasse a minha
volta... e involuntariamente procurasse os olhos castanhos que sempre
provocavam aquele efeito em mim.
Uma Lola idiota dentro de mim quis que, como no filme Uma Linda Mulher,
que Aaron e eu assistimos com vovô e Mabel há alguns dias, ele chegasse no
último minuto e tentasse me impedir de ir embora, mas não vivemos em um
mundo em que as histórias precisam ter finais felizes. E talvez por isso, esta
história não tivesse um.
Seis meses. É o tempo que, segundo meu maldito médico, tenho de vida. Eu
poderia, definitivamente, começar a lamentar o pouco tempo que tenho na porra
desse mundo, poderia pensar em consertar tudo o que já fiz para prejudicar
alguém e tentar amenizar qualquer situação ruim criada por mim e até mesmo
enumerar as dez coisas que eu gostaria de fazer antes de morrer. Um sorriso
sarcástico surgiu em meus lábios ao pensar nas malditas opções. Era tudo tão
infinitamente caricato, que chegava a ser cômico.
Afastei a cortina pesada e negra que bloqueava a luz do sol de mais um dia
entediante em Porto Alegre. Fitei o jardim extremamente bem cuidado de minha
mansão enquanto relembrava as palavras de Célio, meu neurologista.
Eu trocaria todas aquelas hipóteses por uma única. Um último e colossal ato,
e o melhor criado pelo homem até hoje, eu diria: a vingança.
Vesti o blazer e retirei algum dinheiro da carteira antes de seguir para a minha
cama.
Aproximei-me para tocar a bunda maravilhosa e desnuda que pedia para ser
fodida novamente. Eu não lembrava o nome daquela vadia, mas com certeza a
contrataria novamente. Porque se havia uma coisa que eu ainda faria muito antes
de ir pro inferno, era foder. E se ser chupado estava no pacote, melhor ainda.
Principalmente se era pela ex de Ricardo, o bastardo que todos tentam me
convencer de que é o meu filho.
O tapa que dei na bunda da vadia foi audível no cômodo e a fez acordar em
um sobressalto.
Semanas depois...
— Eu ofereço trinta mil para que me traga informações sobre uma pessoa —
iniciei uma conversa. — Qualquer informação é válida, contudo, de acordo com
a importância de cada uma delas, eu lhe darei uma quantia à parte deste primeiro
valor proposto.
Revirei os olhos.
— Para mim é a mesma coisa. — Fiz uma pausa. — Não o contratei para
conseguir informações de nenhum sistema público ou privado, muito menos
perfis de redes sociais. Seu curriculum só me interessou porque pode se encaixar
na vaga que consegui.
O homem expirou.
Bufei.
As ponderações de seres como esse, que não sabiam se valia ou não a pena ir
contra o certo e errado em troca de dinheiro, me entediava.
Rodrigo será procurado e morto. Terá um fim, que não será dado por mim,
mas que merecerá... Definitivamente.
Era uma pena perder um homem em minha lista de vingança, mas saber que
um dia o encontrarei no inferno, me fez pensar em como isso pode ser divertido.
Fechei os olhos por um momento quando a maldita dor de cabeça ficou pior.
Pressionei os dedos em minhas têmporas e me obriguei a abrir os olhos. A minha
sala na empresa, novamente, já não passava de um maldito borrão de cores...
Como a porra das pinturas de Mabel, minha esposa.
Mabel..., lembrei. Todo esse inferno era culpa dela... E de Ricardo. Se aquele
ingrato não tivesse roubado Mabel de mim, eu não estaria doente. Não estaria
sozinho e certamente não estaria com essa maldita dor de cabeça.
Não sei se o filho da puta concordou, somente o ouvi pedir licença e sair de
minha sala.
Cerrei os olhos novamente e tateei em minha mesa à procura dos meus
comprimidos para dor de cabeça. Célio mandou que eu não os tomasse, por
causa de algum maldito efeito colateral, que eu não me importava porque tinha
pouco mais de dois meses de vida, segundo ele. Mas ainda tinha a convicta
certeza de que passaria desse prazo. Levei as mãos ao rosto e pousei os
cotovelos sobre a mesa. Olavo Andrade não morreria assim... Por causa de algo
tão insignificante.
Dias depois...
Roberto fora prestativo ao conseguir tantas fotos da vadia que Ricardo está
comendo.
Após dias com uma dor de cabeça, que me fez desfalecer algumas malditas
vezes, eu consegui ler os relatórios que meu detetive fez.
Parte do meu plano já estava certo. O ponto crucial de minha vingança seria a
morena gostosa nas fotos à minha frente. Eu só precisava ter certeza de que ela
realmente já havia ganhado o coração daquele idiota. Acenei em negativa. Do
jeito que o bastardo era fraco, certamente já estava beijando o chão que a vadia
pisava.
Suzana estava riscada de minha lista. Também morreria em breve então não
teria graça adicioná-la ao testamento.
Acenei em negativa.
Rodrigo, se eu não tivesse certeza que é filho de João, eu acharia que é meu
filho, pois o maldito aprendeu muita coisa comigo ao ser criado por mim.
Ponderei ao ver sua foto. Eu não deixaria um centavo para esse filho da puta.
Sabia sobre seu affair com a ex-noiva de Ricardo.
Mabel. Apertei os olhos para a foto da única mulher que amei na porra da
minha vida. Vendida a mim pelo próprio pai. Ela era só mais uma vadia. Como
Glória, Rosali, Fernanda e Suzana. Foi fraca o suficiente para se deixar vencer
por um trauma psicológico após acordar, depois da surra que lhe dei ao levantar
a voz para mim. Sorri. A idiota sempre defendeu demais seus bastardos. Já
estava acostumada a tapas, estava ciente de que não deveria me irritar com a
conversa de que eles são meus filhos. Me desafiar, e chamar de covarde, por não
aceitar fazer um exame de DNA, foi a gota d’água. Mereceu cada soco e chute.
Eu não passaria a desonra de ter um papel dizendo que fui traído e era incapaz de
abandonar a mulher que me traiu.
João. O filho da puta que tentou tirar minha mulher de mim e conseguiu
acabar com o amor que eu tinha certeza de que ela sentia por mim. A morte seria
muito fácil para ele depois de já estar velho. Ele tem que sofrer... Preciso fazer
com que encontre Mabel e veja o ser deplorável que ela se tornou... E preciso,
mais ainda, fazer com que sua neta seja nomeada a vadia do ano. Meus
problemas eram: nem mesmo eu sei o paradeiro de Mabel... E a tal Dolores,
segundo Roberto, é incorruptível. Eu não poderia arriscar perder a chance de
usá-la nesta vingança... Se fizesse uma proposta e ela não aceitasse, eu perderia
esta chance.
Aaron e Dolores. Fiz questão de colocar suas fotos uma do lado da outra.
Roberto me trará um novo relatório sobre os dois no fim deste mês. Se eu
pudesse realmente machucar Ricardo com algo que envolvesse esta mulher, o
faria sem remorso.
— Ela tem alguma marca de nascença ou algo que possa diferi-la de outra
mulher?
Bufei segundos mais tarde, quando percebi que ele continuava pensativo.
— Tem ou não?
— Mas?! — encorajei-o.
Juntei as sobrancelhas e ponderei sobre aquilo. Talvez fosse mais fácil tentar
subornar a ginecologista da tal Dolores. Ela sim saberia de tudo sobre o corpo da
vadia.
O homem sorriu.
Revirei os olhos.
— Quando ela se curvou sobre a mesa para jogar em sua vez, vi um coração
partido e vermelho em um dos seios.
Curvei-me sobre a cama e peguei meus comprimidos, para tomar mais um.
— O que fará com as assinaturas dela? — repetiu. — Olavo, Dolores não tem
nada a ver com...
Bufei.
— Não me interessa — afirmei. — Deixarei uma boa quantia para que ela
fique bem e pagarei as malditas dívidas da vadia. Ela não precisará mover um
dedo para isso. Como pode achar que isso é ruim para ela?
Dias depois...
Aos meus filhos, Aaron Ricardo Nunes de Andrade e Adrian Rodrigo Nunes
de Andrade, que foram anteriormente deserdados por motivos já conhecidos por
meu advogado, não deixarei absolutamente nada. Contudo, à minha filha,
Natasha Borges, deixo metade de tudo o que possuo hoje. Sejam valores em
todas as moedas existentes, sejam ações de toda e qualquer empresa que até este
instante sou sócio, seja em imóveis, inclusive minha mansão na capital do Rio
Grande do Sul, e em empresas que presidi por serem totais ou parcialmente
minhas.
A minha mãe, Glória Silva de Andrade, minha irmã, Rosali Cristina Silva e
minhas companheiras, amigas — Fernanda Castro de Lima, Dolores Meireles
Dias e Anita Soares Soure —, deixo uma mesada no valor de quatro mil reais,
para que cada uma possa manter um padrão de vida aceitável. Sendo esta uma
responsabilidade do representante de Mabel.”
— Preferia passar o resto da vida dormindo a ter que enfrentar mais uma
daquelas dores de cabeça — retruquei lembrando-a do motivo de eu ter tomado
todos aqueles remédios.
A mulher não respondeu. Apenas preparou mais uma seringa com algum
líquido que eu desconhecia e, em seguida, o meu soro.
Sorri ao ver as fotos que o editor de imagens conseguira fazer. Peguei uma
delas. Não foi difícil encontrar uma mulher fisicamente parecida com a vadia de
Ricardo. E após a quarta-feira, quando, segundo Roberto, ele conseguiu avaliar a
tatuagem de Dolores com atenção, a tatuagem feita na mulher contratada por
mim, ficara igual. Tiramos todas essas fotos há alguns dias, em um dia em que
eu ainda poderia fazer algo além de vegetar em um maldito leito de hospital.
Todas ficaram realmente boas e ninguém diria que havia qualquer edição ou
montagem nelas.
O contrato que pedi que Oseias preparasse, ficou com uma assinatura idêntica
a da tal Dolores. Ri baixo. A última, e irrefutável, prova de que Dolores traiu
Ricardo seria algo mais delicado, dependeria do interesse de Dolores em uma
vaga de emprego fora de Porto Alegre. Suspirei. Roberto me disse que ela está
louca para virar gerente de um setor da revista e isso me deu a ideia de mandá-la
para fora daqui.
Depois disso, Ricardo chegaria à conclusão de que foi trocado por seu pai,
dinheiro e uma boa vaga de emprego. João conviveria com a vergonha de
também saber sobre isso.
Uma tosse insistente me fez afastar todos os papéis e me deixou com falta de
ar novamente.
Aquela morte era como pagar lentamente por cada pecado cometido em toda
a minha vida. Era como estar vivo em um corpo quase morto.
A porta do quarto foi aberta e achei ser uma enfermeira, movi meu pescoço
lentamente e me surpreendi ao ver Ricardo entrar e fechar a porta. Embora ele e
Rodrigo fossem irmãos gêmeos, os dois eram muito diferentes.
O que esse filho da puta está fazendo aqui? Veio apenas assistir minha
desgraça?
Entreabri os lábios para tentar falar, mas só consegui após muita dificuldade:
— O que... faz aqui?
— Vim lhe dizer que o perdoo. — Sua voz soou tão potente quanto há dois
anos, na última vez que nos vimos. Antes dele tirar Mabel de mim. — Por tudo o
que me fez... — Ele fez uma pausa e semicerrou os olhos. — Por ter sido o pior
pai que um homem poderia ser.
— Porque se não o tivesse feito, se não fosse um homem tão desprezível, sem
escrúpulos, sem honra, eu jamais me tornaria o que sou hoje.
As poucas pessoas que o juiz permitiu a entrada para assistir a audiência que
nomeará um procurador para mamãe, mantiveram-se em silêncio sepulcral
enquanto a mulher de longos cabelos negros subia os pequenos degraus da
escada que a levaria à cadeira ao lado do juiz. Ela vestia um terninho preto feito
sob medida, que escondia perfeitamente todas as curvas que eu conhecia tão
bem... A maquiagem perfeita e sóbria acentuava a expressão séria que ela
mantinha desde que chegou aqui hoje. Nenhum sorriso, nenhuma palavra
dedicada a mim. Até mesmo o brilho de seus olhos castanhos, quase negros,
havia desaparecido.
Aquela era outra mulher. E, por algum motivo desconhecido por mim, eu
ainda a queria com todas as malditas forças do meu ser.
Mamãe apertou sua mão à minha, pareceu ter percebido a forma que eu
encarava Dolores. Retribuí seu aperto, mesmo que o motivo para isso tenha sido
contrário ao seu. Eu não precisava do seu conforto apenas por ver Dolores, como
mamãe imaginava.
— Eu sempre soube da existência dos dois filhos — ela disse. — Mas apenas
um deles a visitava e mantinha as despesas da casa de repouso. Mabel, desde que
a conheci, me falou muito de seu filho Ricardo. Ela o amava mais que tudo e
nunca ouvi nenhuma palavra vinda dela, ou de qualquer pessoa, que denegrisse o
tal Ricardo. — Dolores se voltou para meu irmão. — Já sobre Rodrigo, todos
sabiam do sumiço dele e tinham que lidar com as perguntas de Mabel acerca do
filho, sempre que ela lembrava de algo sobre ele.
— Quando os conheceu?
— Achou que houvesse algo entre mim e Ricardo. E achou que conseguiria
dinheiro por causa disso.
— Está aqui para defender seu cliente ou descobrir sobre minha vida
amorosa? — ela replicou, irônica.
— Não seja sarcástica, está aqui para responder e não para questionar. — O
olhar dela se apertou ainda mais na direção do advogado.
O advogado assentiu.
Affair?
— Mas antes que tente fazer qualquer insinuação, deixarei claro que aquele
caso não tem nada a ver com o que me trouxe aqui — concluiu.
O juiz usou o martelo sobre a mesa para chamar a atenção dos dois.
João se levantou seguido por mim, mas foi mais rápido com as palavras.
— Você está falando com uma moça de família, seu filho da...
— O Sr. Lemos tem como provar sobre meu envolvimento com qualquer um
dos Andrade? Ou que esses supostos envolvimentos tiveram como objetivo obter
quantias em dinheiro?
— Ele sabe que você nunca o odiará, mamãe — murmurei para ela, enquanto
acariciava seus cabelos curtos e agora grisalhos. — Também sabe que você
nunca o abandonará. Se Rodrigo um dia quiser sua ajuda, sabe que a terá.
Ela o abraçou com força, sem sequer notar que mamãe e eu também
estávamos ali.
— Cuide de Mabel, sim? — sussurrou para ele, mas pude ouvir. — Assim
que eu chegar lá, eu ligarei.
— Sim, eu tenho pouco mais de meia hora para chegar ao aeroporto... Onde
está Natasha?
— Não pôde ficar até o fim, porque precisava ir a uma universidade fazer a
segunda fase de um vestibular — respondi.
— Não.
Decidi desviar meus olhos dela, encarava-a como se pudesse encontrar uma
solução para todo aquele inferno apenas por fitá-la. João moveu a cabeça em
negativa para mim, com sua habitual expressão paternal de "você me
decepciona, garoto" e pegou o celular em um dos bolsos.
— Não olhe para ela como se ainda tivessem algo — alertou. — Eu não
quero que volte a se aproximar da minha neta.
Suspirei pesadamente.
— João, Dolores...
— Dolores não fez nada do que o bastardo do seu pai a acusou. Nós dois
sabemos, mas você é fraco demais para se convencer disso sozinho. — Ele parou
abruptamente em um lance de escadas, parei à sua frente. — E como ela não
tentará fazer você acreditar nela, você fica se remoendo por continuar a querê-la.
— Sabe que eu odeio quando você usa o que eu digo contra mim — lembrei-
o.
— Você sabe que gosto de você como se fosse meu filho, sabe que só o
perdoei por saber que da última vez, com Fernanda, você não acreditou em seu
pai e depois descobriu que tudo era verdade, mas entre você e Dolores, eu
sempre vou escolher minha neta, Ricardo. — Ele fez uma pausa. — Eu seria
capaz de colocar minhas mãos nas lavas do inferno por ela, Rob faria o mesmo e
se você não confia nela a ponto disso, você não a merece. Enquanto tiver essas
malditas dúvidas, eu vou impedi-lo sim, de ir atrás dela.
— O que Rodrigo ainda tem a ver com isso? — questionou, após notar a
diferença nas informações que eu repetia sempre que começávamos aquela
discussão.
— Não, claro que não! Aprendi a confiar em Dolores, claro que não acreditei
naquele filho da puta!
— E então?
— Por isso ela deu dois tiros nele... Mas Dolores não tinha me contado isso,
não disse que aquele bastardo colocou aquelas mãos nojentas nela e eu fiquei
louco, porra! Eu confiei nela e ela ainda estava me escondendo aquilo.
A única mudança no homem a minha frente foi em sua expressão, que se
fechou completamente. Desta vez, ele se tornou impassível.
Foda-se!, pensei, enquanto sentia como se meu coração fosse esmagado por
todas aquelas malditas revelações.
— Depois veio a porra daquele testamento e aquilo fodeu tudo ainda mais —
prossegui. — Eu sabia que ela precisava do dinheiro, mas não sabia se queria
confiar nela por querê-la comigo ou se realmente confiava. Aquelas eram novas
informações que ela nunca dividiu comigo! Você me contou sobre a maldita
hipoteca e não ela, eu não sabia sobre o financiamento ou aquelas malditas
dívidas! E, de repente, estava tudo pago. E ela recebeu uma proposta
maravilhosa de emprego bem longe daqui. Eu vi as assinaturas, vi a porra da
solicitação de emprego preenchida por ela. O que queria que eu pensasse?
— Não pensou que alguém muito próximo pode ter ajudado seu pai nisso? —
João se manifestou novamente.
João fez uma careta ao ouvir o nome de André. Ele já havia deixado muito
claro que não gostava do ex de Dolores, que agora, surpreendentemente, era
quase como um colega de cerveja para mim.
— Você está em desvantagem para ser tão petulante, não acha, Rodrigo? —
Lola indagou.
Voltei-me rapidamente para ela ao ouvir aquilo. A ironia em seu tom aplacou
a minha expressão de desentendimento.
— Eu preciso ir — murmurou para nós dois antes de passar por mim para ir
embora.
— O que você andou ensinando para Dolores? — Ouvi João inquirir para
Robson ao telefone.
Olhei para Rodrigo enquanto ele tentava levantar, um momento depois decidi
seguir Dolores.
— Por que você está fugindo? — perguntei, com a respiração ofegante por
descer tantos degraus tão rápido.
Ela riu. Um riso jocoso, debochado. Do tipo que eu nunca havia ouvido vindo
dela.
— Não fuja das minhas perguntas. — Fiz uma pausa. — Por que lá dentro
você disse que tivemos um affair?
— Porque foi o que tivemos! — replicou em voz controladamente baixa, mas
ainda assim brava. Ela me afastou com uma facilidade que me fez chegar à
conclusão de que não o fez antes porque não quis. — Você está me atrasando
ainda mais. — Dolores tentou sair novamente, mas impedi.
Eu sabia que me arrependeria pelo que faria, por ser tão fraco de novo, mas
em voz baixa, quase como se fizesse um pedido, em seu ouvido, eu sussurrei:
À Laís Pedroso e Ana Clara Borone, as melhores betas que uma autora pode
ter, meu carinho e “obrigados” a vocês nunca serão suficientes. Vocês, mais do
que lapidarem minhas histórias e sinopses, me ajudaram e apoiaram muito,
mesmo que involuntariamente às vezes! Meu sincero e enorme obrigada a vocês,
por tudo!
Elizabeth Roberts, me pergunto até agora o que seria de mim sem você. És
amiga, irmã, leitora, beta, crítica, psicóloga, defensora de personagens e
assassina em série determinada a matar os vilões das minhas histórias. Você é
meu sustento em momentos de crise e meu incentivo em situações extensas de
bloqueios. É a amiga que escuta minhas aflições em relação a detalhes da
história, é a pessoa que me ajuda a montar a playlist (e conhece umas bandas
maravilhosas). Você foi essencial para a conclusão desta história e publicação
deste sonho em forma de capítulos.
À Dri K.K. que fez as novas capas DI-VÔ-NI-CAS da duologia Trust. Você
capturou a essência dos meus personagens, conseguiu evidenciar na capa tudo o
que era necessário da história deles. Depois disso encontrei minha
capista/tatuadora/cirurgiã plástica oficial. Obrigada por me aturar e aturar minha
indecisão na hora da escolha. Você é uma diva maravilhosa!
À Carlinha porque, falando sério, o que seria de mim nos últimos meses de
aflição, desespero, dúvidas, indecisão e todas as mudanças infinitas que
ocorreram na história, sem ela do outro lado da telinha pra me mostrar que
valeria a pena? Nunca, NUNCA MESMO, vou agradecer o suficiente a você,
Carlinha. Você me ajudou a refletir mais sobre esses personagens, a rir quando
tudo o que eu sentia que conseguiria fazer era chorar, me acalmou em momentos
de desespero, acreditou em mim e nessa duologia que amo tanto, você foi e é um
anjo para mim e eu nunca agradecerei o suficiente por isso. Obrigada por me
aguentar por todos esses meses, por me deixar entrar na sua vida virtual (espero
que, em breve, a gente se conheça pessoalmente, preciso te abraçar, mana!) e
receber meus personagens de braços abertos. Você se tornou uma amiga que
guardo com carinho no coração, saiba que estarei aqui sempre que precisar!
À Thais Turesso, minha diva assessora, que mesmo nesse pouco tempo já me
ajudou tanto, já me ensinou e incentivou tanto! Seus toques, junto aos da
Carlinha, lapidaram esse livro e se eu me sinto segura para publicá-lo hoje, em
parte é porque sei que ele passou por profissionais maravilhosas como vocês,
que também trabalharam nele com carinho e cuidado. Obrigada, obrigada,
obrigada!!!
À Ariane que foi, por meses, minha beta, minha animação para escrever e a
amiga que, apesar de tudo, sempre esteve lá para me ouvir e me aconselhar.
Obrigada por ter me ajudado tanto com Aaron, obrigada por ter sido tão
paciente, por ter me aguentado por tantos meses e por sonhar comigo. Você é
minha diva-mor. Estarei aqui pra você sempre.
À minha família, agradeço pela força e incentivo sem igual que me dão a
cada dia. À minha tia, Josenir Santos, por cuidar do marketing dos meus livros
na minha cidade natal (risos) e à minha mãe, por ser tudo o que é, por me ajudar
a ser quem sou e ser meu maior orgulho. Vocês, e todas as mulheres da minha
família, são minha maior inspiração.
Claro, agradeço a Deus. Por tudo, porque sem Ele eu não escrevo nada, não
publico nada, não sou nada.
Mary Oliveira é uma jovem escritora brasileira que nasceu na década de
noventa, no interior do Maranhão, mas mora há doze anos na capital do Pará.
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Todas as obras estão à venda no formato digital
na AMAZON.
Após a morte de seu pai e a leitura do testamento, ele percebeu que o martírio
carregado por todos os Andrade, mesmo depois de tudo, também respingaria em
si mesmo. Pois defender sua mãe e irmã não será mais tão fácil quanto fora
anteriormente.
Aaron será capaz de proteger a quem ama? Ou esta, a partir de agora, será
uma realidade irreal e inalcançável?
ITALIANO ESPANHOL
Duologia Blame
Para ela, se dar uma chance de tentar de novo parece impossível, aceitá-lo
como essa chance ainda mais.
ENCONTROS LASCIVOS
Ao ganhar uma bolsa de intercâmbio e viajar para outro país, Tracy esperava
ter novas experiências, conhecer novas pessoas e fazer seu tão sonhado estágio
em uma instituição reconhecida mundialmente, encontrar uma figura
inesquecível de seu passado a surpreendeu tanto quanto a preocupou, ela não
acreditava ser capaz de resistir a velhos jogos e aquele homem ficou impregnado
em seu corpo, sua mente, por tempo demais para ser ignorado agora.