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“Ler é aprimorar seus conhecimentos e

compreender a vida ao seu redor.”


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Copyright © 2017 Mary Oliveira

Capa: Dri K.K.


Copidesque: Carla Santos
Diagramação Digital: Carla Santos

Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e acontecimentos


descritos são produtos da imaginação da autora. Qualquer semelhança com
nomes, datas e acontecimentos reais é mera coincidência.

Esta obra segue as regras do Novo Acordo Ortográfico.

Todos os direitos reservados.


Esta é uma obra de ficção. São proibidos o armazenamento e/ou reprodução total
ou parcial de qualquer parte desta obra, através de quaisquer meios, sem o
consentimento prévio e expresso da autora.
Capa
Folha de Rosto
Créditos
Prólogo
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Epílogo
Atraente e Perigosa: Duologia Trust – Livro II
Agradecimentos
Biografia
Obras
Nota
Passava de seis da noite quando adentrei o elevador para finalizar mais um
dia de trabalho.

Havia marcado de me encontrar com umas amigas em um barzinho próximo


ao prédio da editora da revista em que eu era funcionária. Mantínhamos um
ritual semanal de ir ao Preto Zé Bar ao menos uma vez por semana, não em uma
quinta-feira, mas, como era meu aniversário, decidimos ir lá de qualquer forma.

Assim que as portas do elevador se abriram no térreo, surpreendi-me ao ver


Aaron parado à frente do elevador, com outras pessoas, pronto para entrar.
Sempre achei que aquela coisa de o coração acelerar ao ver uma pessoa era
decorrente de uma paixãozinha adolescente. Agora, depois de vê-lo vestido
naquele maldito terno — que o deixava sexy como o inferno —, eu poderia
facilmente dizer que estar fisicamente atraída por um homem também faz com
que seu coração acelere ao vê-lo, assim como a respiração se torne irregular e o
arrepio se espalhe pelo corpo após observá-lo arquear uma sobrancelha de forma
desafiadora e a sombra de um sorriso surgir em seus lábios.

Não resisti a retribuir o quase sorriso.

Aaron era um homem atraente. De uma beleza discreta, sóbria e que me


atraía de forma que nem mesma eu entendia. Olhos castanhos cor de âmbar,
rosto triangular e lábios finos, que até então, eu só vira carregarem sorrisos
irônicos. Seus cabelos eram castanhos e lisos, nem grandes demais, nem muito
pequenos, apenas do tamanho certo para serem puxados com força durante o
sexo. Fisicamente, ele me lembrava do modelo nacional Lucas Malvacini.
Mesmo que eu só o visse naqueles ternos e blazers na empresa, eu tinha certeza
de que Aaron possuía um corpo invejável. Na verdade, eu estava ansiosa para
vê-lo, tocá-lo.

Estávamos progredindo rapidamente desde que tínhamos nos conhecido, há


duas semanas, em uma reunião. E eu até achava que depois do celibato de dois
anos, eu teria sexo novamente com alguém que eu queria ter apenas sexo.

Trocamos algumas mensagens na última semana, o suficiente para que eu


tivesse certeza de que ele também queria ficar comigo.

Admito estar curiosa sobre ele. Aaron, assim como eu, é muito reservado. E
uma parte de mim quer conhecê-lo. De verdade. Apenas para saber o que ele
mantém escondido de todos.

E eu sequer sei o porquê.

— Boa noite — ele me cumprimentou com aquela voz áspera e rouca.

— Boa noite — murmurei em resposta ao sair.


Vi Brenda e Elizabeth me esperando à frente do prédio e suspirei fortemente
enquanto vestia meu casaco. Elas eram minhas melhores amigas desde a
faculdade, quando nos conhecemos. Entendiam-me melhor do que eu mesma e
até me ajudavam com minhas neuras. Poucas eram as pessoas que eu me
permitia confiar, mas com o passar dos meses, aprendi a acreditar na amizade e
lealdade das duas. Bree e Elise eram sempre alegres, incrivelmente divertidas e
atenciosas. Estavam sempre dispostas a ajudar e me fazer esquecer os problemas
— e problemas era o que eu tinha de sobra.

Não contei a elas que eu estava me relacionando com Aaron, não contei que
estávamos conversando por mensagens e, muito menos, que era pelo AP,
Action’s App — o aplicativo da empresa que todos os funcionários usavam para
se comunicar rapidamente.

— Espero que esteja preparada para uma ressaca daquelas, Lola. — Foram as
primeiras palavras de Brenda após nos cumprimentarmos. — Porque amanhã
não vou trabalhar e preciso contar a vocês sobre o segurança que me chamou
para sair.

Elise riu alto enquanto atravessávamos o estacionamento do prédio de


dezoito andares.

— Já vi que teremos um presságio do que foi o sexo depravado de vocês —


ela disse entre risos. Elise era a mais romântica entre nós, mas não tinha nada
contra sexo sem compromisso e, graças a Deus, não era puritana. Porque se
fosse, certamente nossa amizade não seria tão louca quanto era.

Meus olhos se arregalaram ao compreender as palavras dela.

— Vocês já transaram? — inquiri em voz baixa para Bree. Estava surpresa,


pois Brenda estava enrolando para sair com o tal Jonathan há dias.

— Sim, sim e sim! Ele foi cavalheiro, soube como me tratar e avançar
quando dei os sinais para ele.

Apertei os olhos para ela e acenei em negativa quando paramos na rua para
esperar o sinal fechar para os carros. Os olhos castanhos da minha amiga
brilhavam junto ao sorriso bobo e satisfeito em seu rosto. Algo me dizia que ela
tinha gostado demais dele para ter sido apenas sexo, mas eu não diria nada sobre
isso. Ela certamente tentaria se defender dizendo que há meses não fazia sexo e
por isso estava tão... feliz.

Atravessamos a rua ouvindo Brenda contar como foi o início do encontro e


para onde Jonathan a levou.

— Amiga, você gostou dos presentes? — Elise me perguntou, referindo-se


aos presentes que ela, Brenda e vovô me deram durante o nosso “almoço
especial de aniversário”.

— Não abri nenhum deles. Só o farei quando chegar em casa.

Elas concordaram com acenos simultâneos e escolheram uma mesa afastada


do palco para ficarmos.

— Eu quero uma Margarita e um Martini — pedi assim que o garçom se


aproximou.

— Coquetel de frutas — Elise disse a ele e Bree completou pedindo uma


cerveja.

— Conte tudo! — Elisabeth e eu murmuramos em uníssono.


Ela suspirou e jogou seus cabelos cacheados para as costas.

— Depois que saímos do restaurante, ele me levou para o Porto e a conversa


entre nós fluiu muito bem. Ele me beijou e ficamos nos amassos até que eu
sugeri que fôssemos para o carro.

Elise suspirou apaixonadamente e eu ri de sua expressão.

O garçom voltou com nossas bebidas e aquela primeira rodada foi


rapidamente vencida pela segunda. Brenda já estava muito alegre quando tomou
o quarto copo de cerveja e começou a contar das preliminares. Ela sempre foi
fraca para bebida.

— Meu Deus, vocês não têm ideia do que é a pegada daquele homem. — Ela
riu. — Me senti uma virgem indefesa e facilmente excitável. Senti aquelas mãos
me apertarem e apalparem tudo, e o filho da puta também beijava
maravilhosamente bem, então eu já estava fodida antes dele começar a tirar
minha calcinha.

Troquei um olhar com Elise.

— Vamos gravar — ela sussurrou para mim. Eu apenas acenei em negativa.


Sabia que poderíamos rir muito no futuro ao assistir aquelas cenas, mas Brenda
ficaria realmente brava se nós fizéssemos uma gravação dela naquele estado. Eu
já estava ficando alegre também, e não queria me ver completamente bêbada em
nenhum vídeo.

Quando o garçom trouxe a sexta rodada de bebidas, eu estava rindo de uma


piada infame feita por Brenda. Nem entendi a porra da piada e estava rindo.

— Obrigada, amor! — Bree agradeceu ao homem, que lhe respondeu com


um sorriso.

— Eu acho que vocês deveriam maneirar um pouco. — Ouvi Elise dizer, mas
ignorei enquanto verificava as mensagens no meu celular.
“Se soubesse que você estaria aqui, teria vindo antes.”

Mordi a parte interna da bochecha ao ler a mensagem de Aaron. Procurei-o


no bar, mas não o encontrei. O lugar nem estava muito cheio, mas a minha visão
já havia sido prejudicada pela quantidade de álcool em meu sangue.
“Onde você está?”
“Perto o suficiente para ouvir sua amiga contar sobre o tamanho do pau do
namorado dela.”

Ri ao ler aquilo.
“E qual o problema de falar sobre isso?”

— Amiga, vamos ao banheiro comigo? — Elise me chamou.

Concordei com um aceno e levantei.

— Não saia daí — avisei para Brenda, que assentiu obedientemente.

Tentei localizar Aaron no bar novamente e não o encontrei. Minutos depois


Elizabeth deixou o boxe do banheiro e fez uma careta de dor.

— Odeio essa maldita cólica — sussurrou. — Não aguento mais.

— Se quiser podemos ir embora — ofereci.

— Não, não vou acabar com a festa de vocês. E vou fazer um vídeo dela
antes de ir embora.
Acenei em negativa, mas sorri.

— Você sabe que ela vai ficar brava.

— Se não quiser participar, não atrapalhe.

Levantei as mãos e ergui os ombros, vencida.

— Vá em frente.

O celular vibrou em minhas mãos.

— Já percebi que a próxima a falar sobre sexo depravado será você.

Ri de suas palavras e ela fez o mesmo enquanto saía.


“Não ouvi você falar sobre nenhum pau”, ele respondeu.
“Há muito tempo não tenho nenhum sobre o qual falar.”

Deixei meu celular sobre o balcão da pia e suspirei audivelmente antes de


começar a prender meus cabelos negros. Eles eram grandes demais e eu já estava
começando a ficar com calor.

— Não?

Assustei-me ao ouvir a voz de Aaron e me voltei para ele rapidamente.


Engoli em seco enquanto acenava em negativa e o vi se aproximar.

— Será que podemos mudar isso?

Foi a primeira vez que desconfiei que a rouquidão de sua voz fosse
consequente do desejo. Segundos depois, suas pupilas dilatadas me deram
certeza disso.

Parei de me importar com o fato de minha respiração estar ofegante quando


ele parou à minha frente. Eu sabia que era inútil tentar esconder aquilo.

— Você pode tentar — respondi tentando parecer mais altiva à sua presença
do que realmente me senti. Meus olhos caíram sobre seus lábios e a próxima
coisa que senti foi sua boca contra a minha. Seu corpo se chocou contra o meu e
o pressionou contra o balcão.

Aaron me beijou com a intensidade e o desespero de alguém que procura a


salvação para a própria vida, de alguém que está sem beber há dias e precisa se
saciar. Eu era a água, a sua salvação. E retribuía como se precisasse que ele
continuasse tão perto.

Ele me acariciou suavemente e diversos arrepios se espalharam por meu


corpo. Gemi baixinho contra seus lábios quando ele pressionou seu membro ao
meu ventre e suas mãos percorreram minhas coxas e levantavam o vestido que
eu vestia.

— Porra, você é mais gostosa do que imaginei. — Cerrei os olhos com força
quando ele apertou minhas nádegas e me trouxe para perto de si.

Batidas na porta fizeram com que nos afastássemos abruptamente.

— Você trancou a porta? — sussurrei entre arfadas.

Ele assentiu após um palavrão.

— Tem alguém aí? — Ouvimos uma mulher perguntar.


Respirei fundo algumas vezes e fechei os olhos por alguns segundos.

Maldição! O filho da mãe beija muito bem.

As batidas na porta cessaram e suspirei aliviada ao perceber que a mulher foi


embora. Neste momento, o telefone de Aaron tocou, impedindo-me de dizer
qualquer coisa. Ele franziu o cenho ao encarar a tela e trocou um olhar comigo
antes de atender.

Algo brilhou em seus olhos por um momento após ouvir algumas palavras,
mas não pude ler sua expressão. Não consegui entender nada além da sua
mudança abrupta e perceptível.

— Eu preciso ir — avisou-me em voz baixa e mais áspera que o normal.


Quase fria, eu diria.

— Tudo bem.

Concordei e ele saiu falando ao telefone.

Franzi o cenho enquanto tentava entender o que acontecera. Suspirei


fortemente. Eu deveria parar com a mania de querer entender tudo o que se
passava a minha volta.

Alguns dias depois...


Após me revirar diversas vezes sobre minha cama, cheguei à conclusão de
que aquela seria realmente uma madrugada insone.

Através da janela, era possível ver o quanto já era tarde ou incrivelmente


cedo. Fechei os olhos com força para tentar expulsar todos os pensamentos da
minha mente, mas contrariando o que eu queria, cenas do maldito sonho
voltaram a mim.

Céus! Eu parecia tão excitada com as mãos presas por seus punhos em
minhas costas, enquanto ele sussurrava as formas diferentes que iríamos transar
naquela noite — com seu membro pulsando entre minhas nádegas.

Gemi ao perceber que estava fazendo de novo. Eu estava me lembrando de


coisas que nunca deveriam ter passado por minha cabeça.

Acenei em negativa ao me lembrar da mensagem que ele me enviou na


última sexta-feira. Era uma resposta ao que eu havia dito em uma conversa com
Brenda e Elizabeth — o que me petrificou no lugar. E fez com que eu me
arrependesse amargamente por minhas palavras.

Eu estava conversando com as meninas — Elise estava nos recomendando


um livro que havia acabado de ler. Era um romance erótico que contava a
história de um bilionário que facilmente seduziu uma mulher e possuía
praticamente todo poder de persuasão sobre ela. Elise comentou que suas partes
preferidas envolviam demonstrações do poder que ele tinha sobre a personagem
principal e do quanto ela gostava disso. Ela realmente achou excitante o fato dele
mandar na mulher e o fato de o homem comandar tudo o que acontecia durante
o sexo. Brenda a interrompeu para dizer o que achava daquilo, no caso, de um
homem mandar nela entre quatro paredes. E eu completei com a seguinte
pergunta: Por que uma mulher deveria se submeter às vontades do parceiro?
Brenda e eu concordamos que entre quatro paredes era, de fato, excitante
quando o homem cumpria o papel de macho alfa, mas isso não queria dizer que
iríamos aceitar que ele impusesse suas vontades sobre as nossas, ou que ele
sempre estaria no controle. E, principalmente, que ele controlasse nossas vidas.

O problema foi que, enquanto eu fazia aquela pergunta a elas, Aaron estava
lá. Ouvindo tudo.

Sua resposta ao que dissemos ficaria gravada em minha mente por muito
tempo. Lembro exatamente das suas palavras:

“A questão sobre o homem mandar na mulher durante o sexo realmente a


deixa excitada. Na verdade, não é só a mulher que se submete às vontades do
homem, ele também se submete às vontades dela. Pense que o objetivo dele,
durante o sexo, é fazê-la gozar. Independentemente de como faça isso, se um
homem for realmente sincero com você, ele vai admitir que o seu próprio
orgasmo é apenas um bônus. Porque o que importa, pelo menos para a maioria
de nós, é o prazer que podemos proporcionar a vocês.”

Ele precisou mudar seus horários na empresa, estava indo no turno da noite
por causa de um problema no site da editora que trabalhávamos e somente neste
horário poderia tentar resolvê-lo. E por isso, nossas conversas ficaram um pouco
escassas. Até sexta-feira. Até aquela conversa. Até aquela mensagem.

Talvez tivéssemos chegado a um novo nível depois daquilo. Começamos a


conversar sobre sexo e afins. Sem qualquer pudor.

Então decidi que estava na hora de descobrir algo sobre ele. Algo além de
seus fetiches sexuais. O que fiz foi procurar informações sobre ele entre os
arquivos que enviei para meu e-mail, para um trabalho — admiti que não fiquei
feliz com o que descobri sobre ele em especial.

Aaron tinha uma noiva — aquilo acabou com qualquer chance remota que eu
tinha de acabar parando em sua cama.

Inferno! Eu queria transar com ele. Era simples. Por que ele tinha que ter
uma maldita noiva? E por que estava flertando comigo há uma semana se
estava prestes a se casar?!

Eu precisava aceitar algumas coisas antes de iniciar mais uma semana de


trabalho: ele tinha noiva. Então dormir com ele estava fora de questão. Eu iria
me afastar, fingiria que não o conhecia e esqueceria o maldito beijo que
tínhamos trocado há uma semana.

Depois do fim de um quase relacionamento, eu decidi focar apenas na minha


faculdade e, posteriormente, em meu trabalho. Estava bem sem um homem, sem
desejar ter sexo com alguém. Até Aaron aparecer.
“Hoje eu preciso te encontrar de qualquer jeito

Nem que seja só pra te levar pra casa

Depois de um dia normal

Olhar teus olhos de promessas fáceis

E te beijar a boca de um jeito que te faça rir

Que te faça rir”

(Só Hoje – Jota Quest)

As portas do elevador se abriram e saí rapidamente. Não estava atrasada, mas


o fluxo de pessoas no corredor me fez optar pela pressa.

Eu estava com duas pastas em meus braços e faria apenas o trabalho de levá-
las ao arquivo. Eu já havia feito as devidas mudanças nas planilhas que passei o
final de semana editando — esperava de verdade que meus trabalhos extras
somassem pontos para meus chefes e os fizessem ver que eu realmente quero um
cargo melhor.

Passei meu mês de férias pensando sobre isso, quer dizer, o que eu poderia
fazer para mudar minha situação? Eu queria, na verdade, precisava, ser efetivada
como administradora do meu setor. E cheguei a feliz conclusão de que deveria
ter um bom projeto para apresentar na reunião daqui a quarenta e cinco dias.
Porém, antes disso, levar para a aprovação de meu chefe as novas planilhas que
eu estava concluindo. Elas diminuiriam a grande quantidade de relatórios que
precisávamos alimentar todos os dias.

— Lola! — Virei-me de costas para ver Brenda vindo até mim. Ela estava
com uma porção de pastas e uma caixa média; equilibrando tudo
desajeitadamente como somente ela faria.

— Bom dia, Bree — cumprimentei-a com um sorriso e tirei o peso das pastas
de seus braços.

— Obrigada — agradeceu quando voltamos a caminhar. Nossos saltos faziam


eco no piso de mármore.

— Já fizeram a mudança? — questionei, me referindo à sua troca de lugares.

A editora de revista que eu trabalhava funcionava em um prédio alugado para


três empresas. Eram dezoito andares, seis para cada empresa. Brenda e Elisabeth
trabalhavam na clínica de fisioterapia nos primeiros andares, mas como a
empresa que ocupava a cobertura havia comprado um prédio no subúrbio, a dona
de sua clínica havia alugado os seis andares até a cobertura.

— Sim. — Revirou os olhos para ninguém em especial. — Estou indo para o


décimo sexto agora.

— E Elise? — Olhei para ela de soslaio apenas para me certificar de que as


coisas entre elas já estavam melhores.

— Não faço ideia. Espero que no primeiro. — Dei de ombros e ratifiquei o


que menos queria. Elas continuavam brigadas.

Chegamos ao outro elevador e apertei o botão para ela.

— Vocês precisam parar com isso. Foi só um vídeo.

— Nós vamos. Não se preocupe. Só estou chateada. Depois passa.

— Nos falamos depois.

Ela assentiu e entrou, coloquei as pastas sobre a caixa novamente e me dirigi


para a minha mesa.

Engoli em seco ao ver mais três pastas de cores diferentes sobre ela. Havia
um bilhete grudado na tela de meu computador. Eu o peguei e amassei quando
um misto de raiva e frustração me invadiu.

Eram mais documentos para que eu digitalizasse e organizasse.

Claro que eu já tinha cogitado a hipótese de procurar um novo emprego,


cheguei até mesmo a deixar meu currículo em uma porção de empresas dentro e
fora de Porto Alegre, mas as coisas não eram tão fáceis no Brasil. Uma pessoa
não podia simplesmente pedir demissão depois de ter um emprego e estabilidade
financeira, pois o desemprego é um mal que temos o desprazer de enfrentar há
muito tempo. E eu nunca, jamais, seria idiota a ponto de largar a vaga que
consegui com tanta dificuldade para me arriscar a entrar no mercado de trabalho
novamente.

Aproximadamente às dez da manhã Aaron chegou. Admito, o ar parece


carregado quando ele sai daquele elevador segurando uma pequena garrafa de
água. Andando com segurança e prepotência, olhando sempre para frente, mas
nunca para alguém em especial. A forma com a qual ele abre lentamente os
botões do terno e arruma a gravata enquanto faz a pequena curva que o leva à
sua mesa e à minha frente, faz-me tentar entender o que toda aquela máscara
esconde — o que aqueles olhos castanhos mantinham à parte de tudo o que se
passava. Meu sistema entrava em curto sempre que ele dedicava um olhar
intenso a mim por mais de cinco segundos. Era uma resposta involuntária. Meu
corpo e meus desejos reprimidos reagiam ao dele.

Eu realmente não o conhecia, não sabia nada sobre a sua vida além de que
tinha uma noiva. Sabia também que ele só trabalhava ali há alguns meses, mas já
tinha conseguido desenvolver projetos que deixaram os diretores e donos da
empresa maravilhados — a falta de informações sobre ele me deixava ansiosa
por realmente conhecê-lo. Mas agora que finalmente descobri sobre sua noiva,
isso será posto de lado. E ele deixará de ser uma ameaça iminente à minha
sanidade.
Horas depois, o horário de meu almoço chegou e continuei a fingir que não
havia percebido a mensagem que fazia meu celular piscar. Peguei minha bolsa e
bloqueei a tela de meu computador antes de sair. Infelizmente, com todas
aquelas mudanças malucas, eu não estava no mesmo horário que Brenda ou
Elise, então teria que ficar sozinha. Abri as mensagens enquanto esperava o
elevador, a primeira era de Veridiana pedindo que eu revisasse algumas matérias
mais tarde. A outra era de meu chefe avisando sobre uma reunião de última hora
que teríamos às cinco — maldito, todos sabem que essas reuniões duram horas.
Por que ele não a marcou para às três já que o expediente encerra às seis?

Olhei para a tela de LCD acima do elevador e vi que ele ainda estava no
oitavo — parei de resistir e abri a de Aaron.

“Costuma vestir roupas tão sexies apenas para correr?”

Franzi a testa tentando me lembrar de onde ele morava. Como ele podia ter
me visto pela manhã?

Olhei por cima do ombro para sua mesa, mas ele estava ocupado mostrando
algo a um de seus aprendizes.

As portas se abriram e eu entrei pensando sobre uma resposta.

Eu poderia ser fria, como minha mãe insistia em dizer que eu era — e como
Aaron merecia agora que eu havia descoberto sobre seu noivado. Ou sarcástica,
como a mulher inteligente que eu sabia que eu era — assim poderia alfinetá-lo
sobre seu relacionamento. Mas também poderia ser impertinente, como vinha
sendo ultimamente, sim, eu sabia que teria que dizer a ele que havia descoberto
sobre seu noivado, mas não precisava falar isso através de uma mensagem.
Ainda podia me divertir com aquelas mensagens ridículas que trocavámos.

“Não com a frequência que você gostaria de ver.”

Depois de ir ao restaurante da empresa fazer minha refeição, subi os cinco


andares novamente e fui para a sala de descanso.

Porto Alegre estava frio como de costume — observei, enquanto atravessava


a sala que me levava à minha poltrona. As janelas dali iam do chão ao teto e me
permitiam ver a cidade — eu estava acostumada com a sensação térmica
melhorar ao menos um pouco durante a tarde. No entanto, naquele dia, aquilo
não aconteceu.

Eu ainda usava meus fones quando me deitei sobre uma das poltronas para
relaxar e meu celular tocou com uma nova chamada.

Não acreditei quando vi “mamãe” na tela:

— Alô? — eu disse, mesmo estando incerta, ela não me ligava há semanas.

— Lola, querida?

Fechei os olhos e suspirei ao ouvir sua voz.

— Mamãe, onde você esteve durante todo esse tempo? — questionei me


forçando a não perder o controle daquela vez. Eu precisava me lembrar de que
ela havia ido embora após uma discussão que tivemos.

— Estou na Bahia, querida. — Estranhei a conhecida animação em sua voz.


— Acabei de chegar à capital e Marcos me trouxe para provar uns pratos
típicos.

Revirei os olhos.

— Achei que tivessem terminado. — Olhei para a sala que estava


praticamente vazia e continuei, agora mais baixo: — Precisamos conversar.

— Eu sei, eu sei.

Quase pude vê-la fazendo um gesto de desdém com as mãos.

— Liguei para avisar que estarei aí no feriado de Sete de Setembro. Espere-


me, sim?

— Tudo bem. — Revirei os olhos novamente. Ela falava como se eu tivesse


opção.

— Beijos, querida. O garçom chegou.

Despedi-me e ela desligou.

Elaine nunca foi mais que um protótipo de mãe. Isso é um fato. E eu sei que
está na hora de parar de relevar suas atitudes e lhe explicar a situação crítica em
que nos encontramos.

Não podia continuar bancando todas as despesas sozinha enquanto ela


viajava com seus affairs. Em menos de dois meses começaria a pagar meu curso
na faculdade e não conseguiria pagar a hipoteca sozinha. Um ano e meio já tinha
se passado. Meu financiamento estudantil teria de ser pago de uma forma ou de
outra. E não poderíamos perder nossa casa — desconfiei que ficaria louca se
continuasse a trazer tantas responsabilidades para a minha vida.
O celular vibrou e percebi que desta vez era uma mensagem.

“Infelizmente.”

Revirei os olhos e sorri.

Troquei a música em meus fones, fechei os olhos e me deitei — eu sabia que


só precisava relaxar.

Antes que conseguisse dormir um pouco e repor as horas de descanso que


deveria ter tido à noite, meu celular vibrou novamente. Suspirei e abri os olhos
pronta para mandar Aaron para o inferno, mas era apenas o despertador me
dizendo que estava na hora de voltar ao trabalho.

Levantei preguiçosamente e guardei o celular. Antes de calçar os sapatos


novamente eu o vi.

Sustentei seu olhar e arqueei as sobrancelhas quando ele sorriu.

Voltei-me para meus sapatos e os coloquei. Pedi silenciosamente que ele


fosse embora quando olhei ao redor e vi que não havia ninguém além de mim.

Eu me levantei para ficar de pé novamente.

— Tudo bem? — inquiri.

Ele sorriu e tentei ignorar aquilo quando peguei minha bolsa.

— Sim, e você?
— Estou ótima.

Reprimi a vontade de fechar os olhos para não precisar encarar aquele


sorriso.

Que inferno! Será que estou louca?

Ele tem noiva. A partir do momento que eu soube disso, seu sorriso deveria
parar de ter qualquer efeito sobre mim, mas não, ele continuava a parecer
tentador; um convite ao pecado.

— Já podemos sair das conversas pelo celular?

Pisquei sem entender.

— O quê?

Ele sorriu um pouco mais.

— Não é capaz de conversar comigo em outro lugar que não seja a tela de
bate-papo do seu celular? — esclareceu.

Foi minha vez de sorrir e acenar em negativa.

— Está me convidando para sair? — arrisquei.

— Sim.

Meus lábios se entreabriram para lhe dar uma resposta, mas eu os fechei
rapidamente para me obrigar a pensar sobre a evasiva que pretendia lhe dar.
Seria a primeira vez que conversaríamos de verdade. E eu não poderia mentir
para mim mesma e dizer que não estou curiosa para saber como ele agiria depois
daquele beijo... E das mensagens que trocamos.

“Ele tem noiva!”, uma voz irritante gritou em minha mente.

Mas não é como se eu fosse transar com ele — lembrei-me.

— Que horas? — me ouvi perguntar.

— Às oito, no barzinho próximo à sua casa. Tudo bem?

— Sim. — Peguei meu celular na bolsa e verifiquei as horas. — Eu preciso


ir. Meu intervalo acabou.

Ele assentiu e acenei antes de sair.

— Será apenas uma bebida. Nada de mais — repeti para mim mesma
enquanto percorria o corredor até o salão do meu andar.

Cheguei quinze minutos atrasada por causa da maldita reunião.

Ao entrar no bar-restaurante, eu tentei controlar minha respiração e os


milhares de pensamentos e avisos que martelavam em minha cabeça.

Avistei-o ao longe e segui para a mesa que ele estava me esperando. Repeti
para mim mesma que não havia nada de mais em encontrar um colega de
trabalho para beber algo. Eu apenas queria conhecê-lo um pouco mais, não
deixaria que nada entre nós acontecesse. Nunca me sujeitaria a ser a outra.

— Recebeu minha mensagem? — perguntei ao me sentar à sua frente. Eu


havia o avisado sobre o trânsito ruim e a reunião.

— Sim. — Aaron fez um sinal para o garçom e se voltou para mim. — O que
quer beber?

— Uísque — respondi enquanto tirava o casaco e o colocava ao meu lado


junto a bolsa.

Só percebi que ele me fitava com as sobrancelhas arqueadas quando voltei a


encará-lo.

— Algum problema?

— O dia foi tão ruim assim?

Talvez uísque fosse uma bebida um pouco forte para se tomar no primeiro dia
de trabalho da semana.

— Não, foi pior — repliquei.

— Algumas coisas podem ajudar nisso — ele disse. — Tipo não fazer o
trabalho dos outros.

Revirei os olhos e suspirei. Sabia que ele estava certo, mas ele não entenderia
porque eu faço isso, então eu não tentaria explicar.
— Sabe do que você precisa? — perguntou antes de levar seu copo aos lábios
e sorver um pouco de sua bebida. Aquilo levou minha atenção à sua boca. E
pensamentos impróprios sobre o que ele poderia fazer com ela.

— Um estoque maior de bebidas em casa? — tentei, voltando a olhar em seus


olhos.

— Também — concordou — Mas eu me referia a distrações que não


colocassem em risco o seu emprego.

Sussurrei com ironia:

— Tipo mensagens safadas trocadas em um aplicativo da empresa com um


colega de trabalho?

— Eu tinha coisas mais interessantes em mente.

Encarei-o com os olhos semicerrados e tentei entender o porquê de Aaron


não permitir que outras pessoas vissem aquele lado dele: o incitante.

Agradeci ao garçom quando ele me entregou minha bebida e fitei o homem à


minha frente novamente. Avaliei-o enquanto tomava um pouco de meu uísque,
mas antes que eu pudesse lhe fazer uma pergunta, ele o fez:

— Então, o que a workaholic faz para se divertir?

— Gosto de ir a exposições — respondi após o que pareceu uma eternidade.

— Exposições? — Aaron pareceu incrédulo. — Do que exatamente? —


questionou franzindo a testa ao tomar um pouco mais de sua bebida.
— Fotografias.

Limitei-me apenas a isso. Não estava minimamente interessada em explicar o


porquê de gostar de fotografias, ou por quem.

— Nossa — ele disse após um segundo. — Por isso eu não esperava —


concluiu e percebi que aquela foi a primeira vez que ele me deu um sorriso de
verdade. Sem ironia ou sarcasmo.

Talvez ele não fosse apenas um libertino como eu imaginei.

— E você, Sr. Andrade? O que faz para se divertir?

Ele levantou a sobrancelha esquerda e seu sorriso se tornou insolente. Eu


disse talvez.

— Eu costumava tocar piano.

Assenti também, surpresa.

Quando eu imaginaria isso?

— Achei que você diria algo relacionado a livros — ele murmurou ao chamar
o garçom.

— Gosto de ler, mas este não é meu hobby preferido.

Ele me observou por alguns segundos e depois se voltou para o garçom. Eu


pedi um chope e Aaron um uísque duplo. E após o homem sair, ele se voltou
para mim:
— Decidiu ler aquele livro?

Foi impossível não rir após sua menção daquela história.

— Não, e você já sabe qual é a minha opinião sobre ele.

— Como pode ter uma opinião formada sobre algo que não conhece?

— Como pode dizer que não conheço? — desafiei sorrindo.

Eu tentava, de verdade, compreender o que se passava dentro dele, mas seus


olhos não deixavam pistas sobre o que quer que pudesse passar por sua cabeça.

— Você não confiaria em qualquer um para embarcar em algo assim.

E lá estava Aaron, fazendo observações assertivas a meu respeito. Eu apenas


me perguntava como ele podia ter tanta certeza sobre coisas assim, sendo que eu
nunca falei sobre mim mesma, ou sobre minha vida, em nenhuma de nossas
conversas.

Até agora.

— Ok. Embora não tenha vivido algo tão, digamos, diferente, sei exatamente
do que se trata... — expliquei. — E falamos sobre isso. É pelo controle. Eu não
deixaria ninguém controlar nada em minha vida. Sou capaz de decidir o que
quero.

Recostou-se na cadeira e pareceu pensar por um momento, porém, antes que


pudesse dizer algo, eu concluí:

— Eu sei que são comparações distintas. O livro remetia a um tipo peculiar


de relacionamento. Sexo casual costuma ser diferente. Nele não há necessidade
de controle sobre nada.

O silêncio entre nós se tornou constrangedor para mim. Os segundos se


arrastavam enquanto eu pensava em uma solução para sair daquela conversa.
Mas cessei essas tentativas quando o vi sorrir.

— O que foi?

Ele acenou em negativa.

— Você é diferente do que eu imaginava.

— Por que está dizendo isso?

— Primeiro você diz não gostar de sexo, mas agora parece ser adepta a sexo
casual.

Revirei os olhos.

— O quê? Eu nunca disse isso — expliquei. — Preliminares não são como


sexo — percebi que estava falando alto demais e tentei me acalmar.

Em uma de nossas conversas durante a última semana, de alguma forma,


chegamos a falar das preliminares. A questão é que eu mencionei que nunca me
interessei muito pela parte que antecedia o sexo.

Por que adiar o que irremediavelmente acontecerá? Era perda de tempo.

— Então é uma mulher que não gosta das preliminares.


Arqueei as sobrancelhas esperando seu próximo comentário engraçadinho,
mas ele não o fez. Apenas riu por um momento e pegou sua bebida.

— Alguém precisa fazê-la mudar de ideia.

O sorriso que ele deu depois disto me fez sentir uma pontada no baixo-ventre
e um inegável calor entre as pernas. Suas palavras ecoaram em meus ouvidos
trazendo lembranças do sonho que me tirou o sono na madrugada daquele dia.
Pedi silenciosamente que ele não tivesse percebido o arrepio que atravessou meu
corpo após aquilo. Por sorte meu sutiã escondia perfeitamente meus seios
intumescidos.

Malditos sinais que demonstram excitação.

Fingi procurar algo na bolsa e decidi pegar meu celular. Já eram mais de nove
da noite e aquela me parecia uma boa desculpa para fugir dali o mais rápido
possível.

Peguei meu copo e bebi o que restava de chope. Seu olhar dedicado a mim
agora era demasiado intenso para o meu gosto, percebi quando deixei o copo
sobre a mesa novamente. Perguntei-me o que passava por sua cabeça naquele
momento.

— Está tarde — murmurei, me desvencilhando daqueles pensamentos. —


Preciso ir — comentei.

Agradeci mentalmente por minha casa ser apenas a algumas quadras dali e
não estar tão tarde, assim poderia ir andando e não precisaria gastar com táxi.

Aaron não fez objeções ou mais comentários. Apenas colocou dinheiro sob
seu copo de uísque e seguiu meu exemplo quando levantei.
Saímos juntos do barzinho. O frio quase cortante me fez fechar o casaco
rapidamente. Voltei-me para ele para me despedir.

— Espere enquanto vou pegar o carro — ele disse e acenei em negativa,


fazendo-o voltar para me fitar.

— Nada vai me fazer entrar em um carro com você, Aaron — principalmente


depois do que me disse, completei em pensamento.

Ele franziu a testa em evidente desentendimento, mas foram necessários


apenas alguns segundos para que finalmente entendesse.

— Está com medo de mim, Lola? — arriscou, sorrindo, com irrefutável


ardileza. — Ou de si mesma?

— Não seja tão presunçoso. Eu não confio em você, é diferente — esclareci


deixando à parte o fato de também não confiar em mim mesma quando se tratava
dele.

Foi sua vez de acenar em negativa e gesticular para a rua. Mudando de


assunto, questionou:

— Prefere andar três quarteirões neste frio?

— Sim — respondi colocando as mãos dentro do casaco.

— Vamos congelar — resmungou resignado ao iniciar a caminhada.

Fitei-o sem acreditar no que estava sugerindo. Ele se virou ao perceber que eu
não o seguia e perguntou:
— Não espera que eu a leve em meus braços, não é? — ironizou.

Olhei para a rua praticamente deserta e ponderei sobre minhas opções. Com
toda a certeza seria mais seguro estar acompanhada durante o percurso pelas ruas
desertas que levavam à minha casa. Decidi que definitivamente não gostaria de
seguir sozinha por aquele caminho e comecei a andar.

— Onde você mora? — perguntei tentando iniciar uma nova conversa.

— A algumas quadras daqui, no Roosevelt — explicou.

Naquele momento entendi onde ele havia me visto correr. Há uma praça à
frente de seu prédio, eu estava lá hoje.

Como o fato dele morar tão próximo de minha casa passou despercebido a
mim enquanto eu lia aqueles papéis no sábado?

— Como Eleanor Roosevelt? — questionei, me referindo ao nome de seu


prédio.

— É, como... — ele interrompeu e me encarou com o cenho franzido. — Não


imaginei que você a conhecesse — disse após um momento.

Dei de ombros e voltei a caminhar.

— Vovô adora algumas citações dela.

— Há alguma que lembre?

A resposta para aquela pergunta estava pronta assim que ele a fez.
— “Ninguém pode fazer com que você se sinta inferior sem o seu
consentimento.” — Quando voltei a encará-lo, ele parecia surpreso. — Vovô me
disse isso quando eu tinha oito anos.

Eu não sabia por que estava lhe contando isso e, de verdade, não sabia ao
certo como chegamos a esse assunto e sem restrições lhe contei sobre minha
vida.

Seu celular tocou, mas ao ver de quem se tratava ele o desligou. Pela cara que
fez, imaginei que fossem apenas problemas — eu fazia a mesma cara quando
recebia uma chamada de mamãe. Era a segunda vez que eu o via desta forma.

— Confiança — ele sussurrou, chamando minha atenção novamente. — Não


é algo que você tenha por qualquer pessoa.

— Você fala como se me conhecesse.

— Não é verdade? — inquiriu ante minhas palavras.

— É, mas você não me conhece. Não pode ter tanta certeza ao dizer algo
sobre mim. — Viramos à esquerda, no fim da esquina, e agradeci por faltarem
apenas duas quadras.

— Você é mais previsível do que imagina. — Aquilo me fez encará-lo


abruptamente e perceber um sorriso brincar em seus lábios.

Ele só poderia estar mesmo brincando. Convivi anos com vovô me dizendo
que deveria ser imprevisível, pois assim seria mais fácil chegar onde quisesse.
No entanto, hoje até mesmo ele concordaria que eu não deveria ter levado suas
palavras tão ao pé da letra.
— Descobri muitas coisas a seu respeito a partir de suas atitudes —
continuou.

— Tipo? — arrisquei.

— Na empresa todos delegam tarefas a você. Você não dispensa mesmo


estando cheia de coisas para fazer.

Mordi o lábio inferior ao ouvir aquilo. Preferi não o encarar de novo.

— É como se achasse que é capaz de suportar o peso do mundo nas costas.


Está sempre trazendo responsabilidades para a sua vida.

Engoli em seco e tentei mudar o rumo de seus pensamentos. Eu não precisava


que Aaron tivesse certeza sobre isso, principalmente que ele chegasse à
conclusão de que aquilo não acontecia somente na empresa.

— Talvez eu simplesmente precise do meu emprego — tentei.

O que ele disse não era mentira, entretanto, o que eu disse também não era.

— Talvez — anuiu.

Pensei em algo para dizer a seu respeito. Afinal eu também devia saber de
algo sobre ele, mesmo que fosse bobo.

— Você é reservado demais — afirmei. — Parece pensar muito antes de dizer


até mesmo uma palavra. — Permiti-me olhá-lo. Aquela informação era,
certamente, ridícula. Mas era tudo o que eu tinha conseguido perceber a partir de
suas atitudes. — Ninguém sabe nada a seu respeito, nada além do essencial.
— Você é mais vulnerável quando as pessoas te conhecem.

Arqueei as sobrancelhas, surpresa, e esperei suas próximas palavras:

— Prefiro ser discreto a ser vulnerável.

— Somos dois — concordei e isso o fez se voltar para mim.

Alguns segundos se passaram e tive tempo suficiente para refletir sobre o que
ele dissera. Eu realmente concordava e cheguei à conclusão de que pensei assim
durante muito tempo.

— Eu prefiro quando falamos sobre sexo e você discorda das minhas


afirmações — Aaron disse e aquilo me fez sorrir.

— Por quê?

— É mais aprazível ouvir seus argumentos sem sentido. — Sua expressão era
tão séria quanto a minha se tornou naquele momento. Não era para ser
engraçado.

— Meus argumentos são bons, a questão é que você somente aceita a sua
opinião como certa.

Uma fúria me subiu à cabeça ao vê-lo sorrir com insolência. Era isso que ele
queria. Enfurecer-me.

— Como se você não o fizesse — lembrou-me.

— Cale-se! — sugeri em um impulso bobo. — Às vezes, sua sagacidade me


irrita.
— Sua boca esperta também, mas ainda não tentei mantê-la calada. — Parei
de andar naquele instante e voltei a olhá-lo.

— Precisa de mais do que bons argumentos para me manter calada —


retorqui.

— Não dê espaço à minha imaginação — avisou irônico.

Suspirei farta daquilo e voltei a andar.

Para ele é aprazível me manter impaciente e furiosa.

Agradeci mentalmente por ver a fachada branca e o portão enorme e negro de


minha casa e olhei para os lados antes de atravessar a rua.

— Lola! — chamou-me, mas fui incapaz de atendê-lo.

Cheguei ao outro lado e antes que pudesse finalmente abrir o portão, ele me
alcançou.

— O que há com você agora? — perguntou tentando inutilmente esconder o


desentendimento de sua expressão. Foi a primeira vez que consegui facilmente
entender o que se passava dentro dele.

— Acabei de perceber que foi uma péssima ideia aceitar sair com você, só
para começar — respondi.

— Ah, é? E por quê? — Fechei os olhos e tentei me soltar de seu aperto


quando percebi que ele estava se divertindo com aquilo.

— Você é mais convencido pessoalmente.


Diferente do que imaginei, ele sorriu e me soltou. Tentei de todas as formas
entender o motivo de sua estranha e rápida serenidade e mudança de
comportamento. Franzi o cenho quando ele se afastou, mas o sorriso continuou.

— Você é uma péssima mentirosa, Lola. E muito séria, às vezes — endossou


antes de virar as costas para mim e ir embora. — Tenha uma boa-noite.

Fiquei diante do meu portão apenas fitando a figura alta de ombros largos
seguir rua afora, sentindo-me completamente confusa e desentendida. Estúpida,
na verdade. Buscando inutilmente compreendê-lo.
“Nem tudo é como você quer

Nem tudo pode ser perfeito

Pode ser fácil se você

Ver o mundo de outro jeito”

(Não olhe para trás – Capital Inicial)

Durante muito tempo este dia da semana era o mais aguardado por mim e, de
fato, continuava sendo. No entanto, desta vez havia preocupação mesclada à
felicidade de ver vovô novamente.

Eu estava a caminho do asilo em que ele morava. Nunca cheguei a odiar


exatamente aquele lugar, afinal, como o senhor João costuma dizer, aquela era
sua casa. Lá, ele tinha a companhia de velhos amigos e pessoas que podiam
cuidar dele a qualquer momento. Diferente do que aconteceria se ele ainda
estivesse comigo.

Infelizmente com o término da faculdade e o início da minha vida


profissional eu já não podia estar com ele tanto quanto gostaria. Assim ele
conseguiu me convencer a ir morar com seus “amigos”. Claro, eu sabia que não
deveria me sentir culpada por permitir que o homem mais importante de minha
vida viva em um asilo, como se eu fosse displicente a ele em sua velhice. Eu
sabia que não havia saída e agora tenho certeza de que foi o melhor que nós dois
poderíamos ter feito. O problema é que hoje, após mais de três meses, eu deveria
pagar a mensalidade trimestral. Ainda tinha dinheiro suficiente para mantê-lo
aqui por mais um ano, entretanto, este também era o dinheiro que eu usaria para
as minhas parcelas de meu curso na faculdade.

Cumprimentei o guarda à frente da entrada com um sorriso e uma saudação.


Depois de quase um ano vindo aqui em todas as quartas e sábados, ele já me
conhecia.

O jardim estava repleto de senhores e senhoras aproveitando um atípico dia


de sol — não exatamente sol, com direito a calor. Apenas um dia em que as
nuvens permitiram pouca passagem dele e o frio não era tão gélido.

Reconheci os cabelos curtos e grisalhos de Mabel ao longe. Sorri enquanto


me aproximava de uma das amigas de vovô. Ela tem Alzheimer, às vezes não se
lembra de mim ou qualquer coisa a meu respeito. Mas é uma senhora adorável a
quem eu guardo muito carinho.

— Bom dia, Mabel — cumprimentei-a em voz baixa ao perceber que estava


decidindo entre as cores para pintar os cabelos e mais um homem sem rosto.

Aquilo era incrível. Eu sempre me surpreendia ao ver suas pinturas. Eram


lindas, eu quase poderia dizer perfeitas! Sentia-me capaz de ver o sentimento
exposto em cada uma delas.

O desfoque era o que eu mais gostava. Pois acreditava que a mais bela e
verdadeira imagem deveria representar aquilo, o desfoque existencial de tantas
coisas a cada um de nós.

— Dolores! — Ela se levantou abruptamente e veio até mim, abraçando-me


com carinho.

Retribuí e agradeci por aquele ser um dos dias em que ela lembrava da minha
existência.

— Como você está, querida? — questionou quando coloquei um de meus


braços sobre seu ombro, mantendo-a próxima a mim enquanto caminhávamos.
— Não a vejo desde... — percebi que tentava lembrar e completei antes que ela
percebesse as lacunas em suas lembranças.

— Quase uma semana. Desculpe-me, tive alguns problemas na empresa. —


Seguíamos para o corredor agora. — Quem estava pintando?

— Meu filho Adrian. — Seu sorriso aumentou. — Não o vejo há muito


tempo, mas a lembrança dele se fez presente durante a noite de ontem... Você
sabe onde ele está, Lola?

Engoli em seco ao voltar a fitá-la e ver a esperança em sua feição.

— Não — respondi em tom de desculpas mais uma vez.


— Ah! — exprimiu em resignação. — Ninguém sabe onde ele está e isso me
deixa preocupada, sabe? Sei que Adrian é um homem adulto, mas uma angústia
cresceu dentro de mim quando percebi que não falo com o meu filho há muito
tempo.

— É uma pena — sussurrei ao ver a dor em seus olhos cor de mel.

— Vou pedir que o diretor fale para ele vir me visitar com Ricardo da
próxima vez. — E seu sorriso estava de volta. — João disse que Ricardo veio me
visitar. Mas que eu estava em consulta, então ele prometeu voltar no sábado à
tarde.

— Que boa notícia, Mabel! — Abracei-a novamente sentindo-me realmente


feliz por vê-la sorrir assim. Ela merecia.

Ouvimos um senhor baixo chamá-la pelo nome, eu não o conhecia, mas


entendi pelo seu sorriso que ela sabia de quem se tratava. Despedimo-nos com
um beijo no rosto e segui para o quarto de vovô.

Três toques na porta e ele permitiu minha entrada.

— Bom dia — cumprimentei ao vê-lo sentado à sua mesa de escrever.

Sua presença era capaz de acabar com qualquer preocupação e medo em


mim. Bastava que eu pudesse vê-lo por perto e bem para que meu sorriso
aumentasse.

— Dolores. — Ele se levantou retribuindo meu sorriso e veio até mim.

— Vovô — sussurrei em reconhecimento quando ele me abraçou.


Eu me sentia segura em seus braços. Sempre ouvindo as batidas regulares de
seu coração enquanto sua respiração me acalmava.

— Como você está, minha filha? — questionou afagando meus cabelos.


Àquela altura, ele já havia entendido que havia algo de estranho comigo e que eu
não estava interessada em sair do conforto irrefutável de seu abraço.

— Estou bem, juro — respondi com a voz abafada por seu casaco. — Só
estava com saudade.

Aquilo o fez rir.

— Minha filha — murmurou — Sabe que pode me contar tudo, não é?

Apenas assenti ao me afastar. Ele sorriu novamente e arrumou meus cabelos,


colocando mechas rebeldes atrás de minha orelha.

— Venha! — O acompanhei, seguindo para a cama. — O que houve?

Fitei os olhos azuis que conseguiam me acalmar em qualquer situação. Eu


sabia que seria inútil tentar esconder tudo dele, mas estava ciente de que também
não poderia dividir todos os meus problemas naquele momento. Não queria
deixá-lo preocupado com minhas responsabilidades.

— Mamãe ligou na segunda-feira — despejei de uma vez. — Disse que virá


nos fazer uma visita no feriado de Sete de Setembro. — Sentei-me e ele fez o
mesmo ficando à minha frente.

Vovô jamais tentara me colocar contra ela, mesmo tendo inúmeros motivos
para fazê-lo. Mamãe era sua nora, e após a morte de papai, quando eu tinha
apenas cinco anos, ela simplesmente decidiu que ainda tinha muito que viver
antes que a morte também decidisse levá-la. O que ela esqueceu é que tinha uma
filha, uma criança que ainda precisava dos cuidados de uma mãe.

— Você não quer vê-la? — perguntou suavemente tentando me entender.

— Não sei — respondi sincera — Eu... estou cansada, vovô. Você sabe que é
um círculo vicioso — lembrei-o. — Ela vem nos visitar. Age como se fosse a
coisa mais normal do mundo ser tão ausente em nossas vidas. Ignora os
problemas que precisamos resolver. Nós brigamos e ela vai embora. Novamente
e novamente.

— Sei como se sente, querida — concordou acariciando minhas mãos, como


uma forma de deixar a situação mais fácil. — Elaine é assim. Muito cheia de
vida, excêntrica. Não gosta de se sentir presa a nenhum tipo de responsabilidade.
Tente não contar com ela — aconselhou.

Aproximei-me mais uma vez e o abracei.

— Eu tento. — Senti como se as palavras pesassem demais em minha


garganta. Meus olhos de repente ficaram marejados e odiei-me por isso.

— Sei que é mais forte que isso, querida — ele disse com a voz baixa em
meu ouvido e fechei os olhos. — Sua mãe não é motivo suficiente para deixá-la
assim — insistiu.

Engoli o choro e tentei me controlar e pensar no que poderia dizer.

Eu tenho certeza sobre o que ele faria quando descobrisse que papai
hipotecou a casa em que ele morou com minha avó e depois me criou. Essa seria
demais para ele.
Talvez meu curso na faculdade estivesse de bom tamanho.

— Estou preocupada — admiti. — As parcelas da faculdade estão prestes a


vencer e ainda não consegui um cargo melhor na empresa. — Afastei-me para
olhar em seus olhos. — Às vezes, eu tenho a impressão de que talvez não
consiga. E isso está me deixando louca.

— Pare com isso, essa não é minha garota! — advertiu-me. — É claro que
você conseguirá. Eu estou aqui para ajudá-la de qualquer forma. Você sabe,
tenho minhas economias. Tudo o que guardei durante anos, minha filha, é pra
você.

— Não! — neguei deliberadamente enquanto me levantava. — É o seu


dinheiro, vovô. Fruto do seu trabalho. Já conversamos sobre isso — relembrei-o.

Talvez tocar nesse assunto também não fosse a escolha certa.

Uma das vantagens de trabalhar na Action era o horário de trabalho. Duas


vezes por semana poderíamos fazer mudanças, desde que avisadas com
antecedência e respaldadas por um bom motivo. As quartas eu pedia que meu
horário de entrada fosse às dez da manhã. Assim poderia fazer uma visita ao
vovô. No entanto, meu horário de saída seria um pouco mais tarde. Apenas às
oito da noite.

Já eram mais de sete e meia quando peguei os primeiros documentos que


seriam utilizados na reunião do dia seguinte. Eu precisava analisá-los. Seria uma
das poucas reuniões a qual eu teria a chance de participar e não poderia perder
nenhum detalhe.

Há cerca de quinze minutos meu celular vibrou com uma nova mensagem.
Mas eu sabia que não era Aaron, pois eu não o vi durante todo o dia de hoje.
Certamente ele não estava na empresa. Sendo assim, as chances de ser alguém
me pedindo ajuda sobre isso ou aquilo seriam maiores. Portanto, preferi não a
ler.

Apenas quando meus olhos começaram a arder sob os óculos, percebi que
estava há muito tempo lendo e concentrada nas palavras que passavam
fervorosamente em minha mente e formavam frases e parágrafos que
rapidamente eram compreendidos por mim.

Já estava na décima quinta página quando decidi tomar uma xícara de café.
Olhei o relógio em meu pulso e vi que já eram quase nove da noite.

— Droga! — sussurrei para mim mesma enquanto o café puro e


incrivelmente quente enchia a xícara de porcelana branca.

Peguei-a com cuidado e virei-me para voltar ao salão que minha mesa ficava.

Quase gritei de susto ao ver Aaron à frente da porta. A xícara caiu e


estilhaçou-se no chão de mármore. Levei a mão direita ao peito como uma
tentativa boba de acalmar as batidas de meu coração.

— Quer me matar de susto? — questionei mudando minha expressão.

O que ele está fazendo aqui?


— Não foi minha intenção — replicou adentrando o pequeno compartimento.

Acenei em negativa para nenhuma pergunta implícita e dei os poucos passos


que me levavam a pia. Ignorei meus batimentos cardíacos que continuavam
acelerados. Sabia que o susto já havia passado, mas o motivo dele ainda estava
aqui.

Procurei nas gavetas algo que me ajudasse a limpar a bagunça que havia
feito, abrindo uma de cada vez.

— E o que está fazendo aqui a essa hora? — inquiri tirando uma flanela de
uma delas.

Pedi silenciosamente para não ser perceptível aos seus olhos que eu estava
evitando encará-lo.

— Eu poderia lhe fazer esta mesma pergunta — devolveu.

Voltei-me para ele e o vi encostado ao armário com os braços cruzados e um


sorriso no rosto.

— Precisei concluir uns trabalhos — expliquei mesmo sabendo que não faria
diferença.

— Eu também — respondeu após olhar vagarosamente para o seu relógio.

— Ainda tem café, se quiser — anunciei enquanto limpava o piso sujo.

Talvez tenha sido uma péssima ideia ficar aqui até tarde.

— Não, obrigado.
Encarei-o após lavar as mãos e o encontrei já me fitando atentamente.
Sustentei seu olhar enquanto fechava as portas de minha mente e mantinha
minha expressão serena, não deixando espaço para sua tentativa de descobrir o
que se passava por minha cabeça.

Chegando à minha mesa eu apenas foquei em fechar as abas abertas de meu


computador, mas antes que pudesse desligá-lo, todas as luzes, e inclusive ele,
desligou-se. Tentei discernir uma coisa da outra em meio à escuridão.

Meu celular continuava a piscar em cima da mesa e o peguei.

“O sistema será encerrado às vinte e uma horas. Entrará em atualização e


estará disponível somente no dia seguinte.”

“Que oportuno”, pensei. A mensagem foi enviada antes das sete da noite.

Inferno!

Se eu tivesse lido-a antes, já não estaria aqui.

— Por que não me avisou sobre a atualização? — perguntei em voz alta para
que ele pudesse me ouvir.

— Enviei mensagem a todos pelo system. — Voltei-me para a porta quando


percebi que ele estava aqui.

Fechei os olhos e respirei fundo agradecendo pela escuridão esconder minha


expressão naquele momento.

— Por que você não admite que também sente essa tensão, Lola? —
provocou e não precisei me esforçar para perceber seu sorriso provocador.

Eu continuava a lembrar-me de suas palavras sobre ser aprazível irritar-me,


no entanto, nem mesmo isso me ajudava a me controlar.

— Já disse que não sei do que está falando — insisti.

Engoli em seco ao ver sua sombra aproximar-se de mim. A escuridão não me


permitia ver sua face ou seus olhos. E não saber ao certo como sua expressão
estava, me incomodou muito.

— Lola — ele disse meu nome em um sussurro, e o seu rosto estava muito
próximo ao meu.

Seus dedos roçaram minha pele e a acariciaram por alguns segundos. Eu me


senti incapaz de afastá-lo. Minha respiração já estava acelerada e a expectativa
sobre o que ele faria cresceu em mim, ao passo que eu desejava secretamente
que ele o fizesse logo.

Quando seu dedo indicador tocou superficialmente meus lábios, cerrei os


olhos e lembranças de algumas mensagens que havíamos trocado, me vieram à
mente. Lembranças muito impróprias.

Senti a maciez de seus lábios beijarem suavemente minha face, meu peito
subiu e desceu com respirações pesadas e suspiros de deleite. Aquele simples
contato enviou rapidamente prazer a todo o meu corpo.

— Maldição! — ele murmurou contra meu ouvido. — Não pode ser normal
eu te querer tanto assim.

Minhas pernas ameaçaram deixar-me, quando a lentidão torturante de seus


beijos chegou ao meu pescoço.

Mordi os lábios para reprimir um gemido baixo e engoli em seco ao sentir


uma de suas mãos pousar sobre a minha cintura e trazer meu corpo de encontro
ao seu. Ele parecia ser forte e rijo em todos os lugares que deveria ser.

Forcei minhas mãos a continuarem no lugar e deixá-lo fazer o que quisesse


— torci ridiculamente para que aquilo fosse suficiente para me convencer de que
eu não havia retribuído nada.

— Não vai mesmo responder? — indagou-me em voz baixa entre os beijos e


chupões que deixava em minha pele.

— Não — sussurrei maltratando meus lábios novamente.

— Tudo bem — ele disse fazendo-me dar um passo para trás. Seus dedos
roçaram meu lábio inferior e sua mão seguiu para minha nuca. Ele aproximou
meu rosto do seu. — Seu corpo responde melhor que qualquer palavra agora —
concluiu.

Um pequeno feixe de luz causado pela persiana de uma das janelas iluminou
parcialmente seu rosto enquanto ele acabava com o pouco espaço entre nós. Em
apenas um segundo, tudo o que fui capaz de fazer foi sentir.

Suas mãos me tocarem suave e lentamente sobre o tecido da saia, quando era
perceptível que ele estava apenas procurando a extremidade mais próxima para
tirar aquilo de seu caminho. E quando ele encontrou, pude confirmar que estava
certa.

Sentir seus lábios provocarem os meus com beijos nos cantos de minha boca.
Beijos que somente encontraram o lugar certo quando desisti de manter o
controle sobre mim mesma, agarrei seu blazer e o puxei para mim.

E sentir sua língua entrelaçar-se à minha em um beijo intenso; que me deixou


sem qualquer obstáculo ou barreira a ser erguida, de forma que eu havia me
tornado incapaz de não retribuir. À medida que sua língua me guiava habilmente
para caminhos que eu não percorria há tempos, o resto do mundo se tornava, de
alguma forma, inexistente para mim. Eu estava ciente apenas de suas mãos em
meu corpo e seus lábios sobre os meus.

Quando seus dedos ergueram o tecido que cobria a parte inferior de meu
corpo e acariciaram desta vez minha pele nua, gemi baixo contra sua boca. Um
arrepio levou prazer a pontos inimagináveis de meu corpo e me lembrou de que
a mulher libidinosa dentro de mim, ainda vivia.

Retribuí o novo beijo e mantive seu corpo próximo ao meu quando dei outro
passo para trás a fim de encostar-me à mesa e ficar sobre ela. Enlacei sua cintura
com minhas pernas e ele acabou com o beijo puxando meus lábios para si.

Com a respiração entrecortada dei-me conta de seu cheiro e do quanto ele era
bom, só não consegui dizer o que estava misturado ao seu perfume cítrico. Sabia
somente que havia gostado, pois combinava perfeitamente com o quanto ele era
másculo.

Aaron beijava minha garganta e seguia devagar por minha clavícula até meu
pescoço, quando me dei conta de que ele tirava minha calcinha.

Inferno! Eu estava ciente de que não era capaz de acabar com qualquer coisa,
e nem gostaria. Eu queria apenas aproveitar os movimentos compassados e
ritmados que me permitiam desfrutar tudo como deveria fazer. Era, de certa
forma, torturante a suavidade e a lentidão como ele me tocava. Mas as sensações
e o prazer proporcionado a mim eram maiores a cada segundo. Era como se ele
não tivesse pressa de acabar com nada agora. Como se quisesse prolongar o
momento o quanto pudesse. E por mais que uma parte de mim odiasse, eu
agradecia por isso.

— Nua. — Sua voz foi tão incrivelmente baixa, áspera e rouca por causa do
desejo, que me surpreendeu.

Somente registrei sua palavra quando senti seus dedos percorrerem


novamente o caminho que o levava a minha feminilidade. Minha respiração
estava ainda mais irregular e a expectativa cresceu consideravelmente.

Soltei seu blazer quando Aaron me beijou e desta vez pude sentir uma paixão
e desejo desenfreado tomar conta dele. Minhas mãos seguiram por seu peito
rapidamente até sua calça.

Em resposta ao seu toque gentil em meu sexo, abri a braguilha de sua calça e
foi sua vez de gemer ao perceber o que eu faria.

Foi difícil reprimir o novo som de prazer quando Aaron massageou meu
clitóris. Espelhando-se nos gestos anteriores e aumentando a deliciosa tortura.

O frenesi estava presente em mim, em meu sangue e gestos quando toquei


sua excitação. Senti-me delirar de prazer por estar tocando nele tão
descaradamente, mas, principalmente, por tê-lo tocando-me. Por ouvir seus
gemidos que a cada novo movimento meu, apenas faziam eco aos meus próprios
após cada toque seu.

Mordi seus lábios ao acabar com o beijo e tentei regularizar a respiração


compassada.
— Aaron — sussurrei cerrando os olhos após um de seus dedos roçar minha
entrada. Agora nós dois sabíamos que eu estava molhada.

— Seu corpo responde tão bem ao meu — ele disse ao morder o lóbulo de
minha orelha.

Quando um pedido desesperado se formou em minha garganta, percebi o que


estava prestes a fazer. Abri os olhos e tirei as minhas mãos de seu corpo.

“Lola, ele tem uma noiva!”, meu subconsciente gritou para mim. O que você
está fazendo?

— Aaron — pedi ao afastá-lo ainda mais de mim.

Baixei minha saia mais rápido do que achei ser capaz e agradeci por ainda
estar escuro o suficiente para ele não ver meu rosto.

— O que foi, Lola? — ele perguntou voltando a se aproximar, mas coloquei


uma mão entre nós.

— Eu não posso fazer isso — expliquei enquanto voltava-me para a minha


mesa e tateava à procura de meu celular e minha bolsa. Minhas mãos tremiam
mais a cada segundo que se passava e eu me tornava mais ciente do que acabara
de fazer.

— Por quê?

Engoli em seco e amaldiçoei aquele homem. Pois ele visivelmente não


deixaria as coisas mais fáceis para mim.

Expirei pesadamente e decidi que era hora de acabar definitivamente com


aquilo.

— Você tem uma noiva! Precisa que eu o lembre disso? — perguntei alto
demais — Não serei a maldita outra.

O feixe de luz permitiu que eu visse Aaron franzir o cenho e me avaliar. Eu


respirava com dificuldade após dizer tudo aquilo em um só fôlego. No entanto,
agradeci por tê-lo feito.

A proximidade entre nós se manteve, mas ele agora cruzava os braços.

— De onde você tirou isso?

Revirei os olhos e mudei de assunto:

— Você encontrará uma mulher que não se importará em ser a outra —


concluí antes de sair.

— É divertido para você me deixar falando sozinho?

Parei no meio do caminho e esperei que ele continuasse. Isso deveria


terminar hoje e agora. Quanto mais rápido, melhor.

— Eu tinha a droga de uma noiva — ele disse e agradeci por estar de costas
quando meu queixo caiu.

O que ele está dizendo?

“Eu não o conheço tão bem quanto gostaria”, lembrei-me. “Ele pode ser um
ótimo mentiroso.”
— Eu não queria te transformar na outra — continuou lentamente. — Apenas
achei que havia encontrado a mulher certa para o que queria.

Mantive-me em silêncio e engoli em seco enquanto tentava acalmar meu


coração. O remorso começava a mostrar as caras também.

“Por que infernos eu retribuí se já sabia que ele era comprometido?”, meu
subconsciente indagou em um tom de acusação.

— Poderia olhar em meus olhos ao falar comigo ou terei que conversar


olhando para suas costas?

Respirei fundo uma vez e concordei que aquela deveria ser uma cena ridícula.

— Essa foi apenas uma atitude impensada da qual nos arrependeríamos em


breve.

— Fale por você, eu não me arrependo de nada — devolveu. — A propósito,


não foi a droga de uma atitude impensada. Você se surpreenderia se soubesse há
quanto tempo eu quero tocá-la.

Acenei em negativa e um arrepio se espalhou por meu corpo após suas


palavras.

Oh diabos!

Meu corpo não deveria continuar respondendo ao seu, pelo menos não desta
forma.

Depois de uma pausa consegui insistir:


— Uma loucura que não vai se repetir — prossegui fingindo que não ouvira o
que ele disse. E enganando a mim mesma ao tentar me convencer de que aquelas
palavras não haviam causado uma reviravolta em meu interior. Inferno! Aaron
estava realmente falando sério?

Reprimi a vontade de sacudir a cabeça para espantar aqueles pensamentos.

Segurei minha bolsa com mais força e, diante de seu silêncio, decidi sair.

Fui até a saída de emergência e desci os oito andares. Mas, infelizmente, nem
mesmo todos aqueles lances de escadas me deixaram mais ofegante que os
beijos que havíamos trocado.

Toquei os lábios suavemente e prometi a mim mesma que isso havia


terminado aqui.
“Eu procurei em outros corpos encontrar você

Eu procurei um bom motivo pra não, pra não falar

Procurei me manter afastado

Mas você me conhece faço tudo errado, tudo errado”

(Só por uma noite – Charlie Brown Jr.)

Foi mais fácil ignorar o mundo a minha volta quando percebi que Aaron não
ocupava a sua cadeira à minha frente — desde que precisou fazer a mudança no
antivírus dos computadores da empresa, ele ficava a maior parte do dia na sala
de controle.
Agradeci ao ver que já estava na hora de ir embora. Peguei minhas coisas e
saí apressada, mais cedo Brenda e Elisabeth haviam me intimado para uma noite
das garotas e eu não tive escolha senão aceitar. Não após elas me deixarem sem
saída com os argumentos que utilizaram.

Sorvi um pouco mais do refrigerante que Brenda havia me oferecido há


alguns minutos. Olhei demoradamente para a sala de seu apartamento. Eu a
adorava. Não era enorme e sofisticada, era pequena e aconchegante. Com uma
decoração feminina que em todos os detalhes parecia com sua dona. Desde os
quadros nas paredes, meus preferidos, aos porta-retratos sobre as prateleiras e
racks.

— Ok, agora sim. — As duas emergiram do corredor. Brenda terminando de


espalhar o hidratante em seus braços e Elise com dois DVDs diferentes.

— Eu tenho Minha Mãe Quer Que Eu Case e Plano B. Por qual vocês
querem começar? — perguntou sentando-se ao meu lado e Brenda sobre o braço
do sofá.

— Eu prefiro começar com a explicação da Lola — Brenda respondeu


sorrindo maliciosa.

Engoli em seco e bebi um pouco mais de refrigerante para disfarçar.

— Gosto da ideia de um Plano B — tentei.


Continuei fingindo estar avaliando as pinturas nas paredes e Brenda se
levantou, ficando à minha frente.

— Quem estava com você lá em cima? — questionou lançando a mim um


olhar que dizia “a escolha é sua, será por bem ou por mal”.

Limpei a garganta e respirei fundo antes de dizer:

— Não quero falar sobre isso.

Elise se colocou ao lado de Bree e as duas trocaram um olhar antes de se


voltarem para mim novamente e arquearem as sobrancelhas.

— Você está de brincadeira, não é? É a primeira vez em dois anos que


desconfiamos que você transou com um cara e não quer nem mesmo nos dizer
de quem se trata?

— Eu não transei com ninguém! — expliquei, levantando-me.

— Lola, eu acho que conheço uma mulher que acabou de ser fodida, minha
querida. E você estava definitivamente com cara de quem havia sido
perfeitamente fodida — Brenda devolveu.

Revirei os olhos e bufei, antes que pudesse continuar negando, Elise disse:

— Não ouse mentir para nós! Somos suas melhores amigas! — Fez uma
pausa. — Sempre contamos tudo — lembrou-me.

Aquela vaca sabia que aquele tom e aquelas palavras sempre conseguiam me
convencer.
— Eu já disse: não transei com ninguém! — insisti.

— Então, o que aconteceu?

— Nós apenas nos beijamos e...

— E...? — Elisabeth prosseguiu após minha pausa.

— Nós quem? — Bree inquiriu ante meu silêncio.

— Não passamos das preliminares, ok? Eu não o deixei continuar e fui


embora — concluí impaciente.

— Dolores Dias, que inferno este homem fez para te assustar? — Foi a vez
de Elise.

— Nada, ele... Ele não fez nada. — Sustentei os olhares de desentendimento


das duas e continuei: — Eu apenas não podia continuar com aquilo.

— Por quê? Por que estavam no trabalho? Faça-me o favor, quem nunca quis
fazer sexo no trabalho? — Franzi o cenho e Brenda e eu olhamos para ela, que
teve a decência de corar. — Não tente desviar do assunto principal!

— Eu sequer lembrava que estava naquela maldita empresa! É só que... Não


podia.

— Por quê? — As duas gritaram em uníssono.

— O maldito tem uma noiva, estão satisfeitas? Eu não podia deixar aquilo
acontecer! Antes que o último fio de bom senso me abandonasse, eu lembrei
deste pequeno detalhe! E não podia simplesmente continuar!
Elas me encararam boquiabertas e me afastei para tentar respirar um pouco.
Fui para a janela no canto da sala do apartamento e fechei os olhos.

Inferno!

Eu não deveria me sentir tão bem depois de dividir isso com outras pessoas.

As duas se juntaram a mim e fizeram o mesmo que eu ao se encostarem ao


parapeito.

— Você gosta dele, amiga? — Brenda foi a primeira a falar.

— Não — respondi sabendo que era verdade — Eu não gosto dele. Eu acho
que o que sentimos é recíproco, mas não passa de um desejo sem sentido,
entendem?

Assentiram.

— E como ele lida com isso se tem uma noiva? — Elise indagou em voz
baixa.

— Eu não sei. — Fiz uma pequena pausa para pensar. — Mas aquele homem
exala problema, não vou adicioná-lo à minha lista de prioridade de solução.

Nós três suspiramos, concordando, e Brenda insistiu:

— Não vai nos dizer quem é?

— Não — concluí finalmente.

— Ok. Então vamos ao filme. O sorvete já deve ter descongelado sobre a


mesa de centro! — avisou fazendo-me rir e segui-las.

— E o segurança, amiga? — perguntei após tirarmos a mesa de centro da


frente do sofá e sentarmos juntas contra ele.

— Sabe exatamente como e onde me tocar para me fazer ver estrelas — ela
disse fazendo-nos rir. — Sério, o cara tem uma pegada dos deuses!

Peguei um dos potes de sorvete e sentei de forma mais confortável. O filme já


havia sido esquecido. Agora conversaríamos sobre coisas um pouco mais
interessantes.

Na manhã de sábado, acordei com uma dor de cabeça horrível. Arrependia-


me por ter ido à saideira de ontem.

Já era tarde quando me arrastei para fora da cama, a fim de tomar banho e me
arrumar para ir visitar vovô.

Amaldiçoei deliberadamente quando percebi que já eram mais de dez da


manhã. Pois eu estava muito atrasada.

Diabos!

Olhei-me no espelho e fiz uma careta de desgosto. Estava parecendo uma


panda com a maquiagem borrada. A única diferença no momento são meus olhos
que eram castanhos, se fossem negros, eu seria a panda.
Após o banho, arrumei-me rapidamente e segui para a cozinha. Ao olhar para
a sala e os móveis de madeira escura, percebi que há quase duas semanas eu não
limpava minha casa, como uma dona de casa deveria fazer. Ela só não estava
completamente suja, porque apenas eu moro aqui e não sou a espécie mais
bagunceira de pessoa. Não deixava sequer louças sujas na pia.

Encontrei meu celular piscando sobre o balcão que separa a cozinha da sala.
Quando o peguei para verificar de quem era a mensagem, me surpreendi ao ver o
nome de Aaron. Então, respirei fundo uma vez e a abri:

“O que são, exatamente, esses modelos de planilhas em seu computador?”

Fiquei petrificada no lugar ao ler aquilo.

Como ele sabia das minhas planilhas? E por que estava me perguntando isso?

A mensagem fora enviada há mais de uma hora. Cliquei em responder e


escrevi:

“Melhorias que estou fazendo. Por quê?”

Menos de cinco minutos depois, ele respondeu:

“Qual o porquê das malditas melhorias?”

Suspirei cansada ao ler aquilo. Onde ele queria chegar? E por que estava
falando assim?
“Pretendo apresentá-las na reunião de pessoal daqui a três semanas. Elas
diminuem a quantidade de planilhas já existentes e facilitam o trabalho que
temos de alimentá-las. Agora, POR QUE ESTÁ ME FAZENDO ESTAS
PERGUNTAS?”

“Claro. Eu já deveria saber que a workaholic teria algo a ver com isso.”

Franzi o cenho ao ler aquela mensagem. Escrevi uma resposta, mas desisti de
enviá-la. Quando tentei voltar para ler sua primeira mensagem novamente,
percebi que todas haviam sumido. Todas as mensagens que trocamos. Pensei em
perguntar o que ele havia feito, mas desisti. — Respirei fundo e acenei em
negativa para espantar os pensamentos que vieram a mim e deixei o celular
sobre o balcão novamente. O idiota não me responderia nada.

Enquanto preparava o café e esperava que as torradas ficassem prontas, o


celular tocou. Pensei ser Aaron e por isso não atendi. Mas após o café da manhã,
eu o peguei para colocar na bolsa e vi que era do asilo de vovô — e foi como se
meu coração tivesse parado.

Eles só ligam quando algo de ruim acontece. Ou quando querem fazer


atualização no cadastro, mas se fosse a segunda opção, quem me ligaria seria a
coordenação.

Tomei coragem e liguei para o mesmo número. Cada célula do meu corpo se
tornou apreensiva e a preocupação me dominou enquanto chamava.

— Bom dia, eu recebi uma ligação daí, mas não pude atendê-la. Gostaria de
saber do que se trata.
— Você é parente de algum dos nossos pacientes?

— Sim — respondi rapidamente. — João Albuquerque Dias.

— Ah, senhorita Dolores. Ele estava aqui há alguns minutos.

Meu corpo inteiro relaxou quando percebi o seu sorriso. Certamente era
Antônio, o diretor da casa de repouso.

— O senhor João me pediu autorização para ir almoçar com Mabel e o filho


dela, que virá ao meio-dia.

— Mas hoje?

— Isso. Parece que ele só tem os sábados para visitar a mãe e como já
conhece o seu avô, pediu que ele fosse junto. É que... — Ele fez uma pausa. —
Desde ontem, Mabel não lembra que tem dois filhos.

Fechei os olhos ao registrar aquilo. Não, de novo não.

— Ela tem apenas flashes de lembranças do que aconteceu depois do


casamento e vez ou outra pede que não deixemos que seu marido a encontre.

Respirei pesadamente.

— Outras, ela pede que a deixemos ir embora... Apenas João tem algum
controle sobre ela.

Limpei a lágrima fina que rolou por meu rosto. Eu já havia presenciado algo
assim. A mudança em Mabel era drástica e isso machuca não só a mim, mas ao
vovô também. Os dois se conhecem desde a juventude, por isso ela lembra
apenas dele naquele asilo.

— Tudo bem. Preciso ir até aí para assinar algo? Para autorizá-lo a sair? —
inquiri um momento depois.

— Sim. Mas, como sei que vem na terça-feira, vou deixar os papéis
preparados para que assine neste dia.

— Eu agradeço muito... Quando vovô voltar, pode, por favor, pedir que ele
me ligue? Eu gostaria de ao menos falar com ele.

— Tudo bem. Obrigado, senhorita Dolores. Tenha um bom-dia.

— Igualmente. — E desliguei.

Droga! Doía até mesmo imaginar como vovô estava se sentindo agora.

Tirei o casaco e coloquei a bolsa sobre o balcão. Agora eu limparia toda a


casa.

Era pouco mais de nove da manhã de segunda-feira quando Roberto, um dos


assistentes de Aaron, atravessou o corredor formado por mesas, em meu andar, e
seguiu para a mesa de Aaron.

Tentei prestar atenção no que fazia, mas acompanhei os dois com o olhar
enquanto andavam rapidamente na direção do elevador. Foi perceptível a mim
quando seus lábios se moveram e formaram o meu nome.

Meus olhos encontraram os de Roberto, e após alguns segundos ele desviou


os olhos dos meus. Perguntei-me se ele ainda estava chateado pelo modo que a
noite de sexta-feira terminou — fomos a um barzinho com alguns colegas de
trabalho, formamos pares para jogar sinuca e bebemos algumas cervejas. Ele foi
a minha dupla e ao final da noite se ofereceu para me levar para casa, tentou me
beijar e eu me desvencilhei dele antes que conseguisse fazê-lo — e a conclusão à
qual cheguei após a lembrança foi que sim. Mas tenho certeza de que ele não
conversaria sobre algo assim com Aaron, que é seu chefe, então do que eles
estavam falando?

A dúvida cresceu acompanhada de medo, quando quinze minutos depois meu


chefe me ligou pedindo que eu fosse até sua sala.

Levantei-me rapidamente e segui para o elevador, sem nada, foi o que ele
disse.

Minha respiração falhou e precisei fechar os olhos por um momento quando


me lembrei de que Aaron excluíra as nossas mensagens. Será que eles as
descobriram antes que ele o fizesse? Inferno! Se isso tivesse mesmo acontecido,
eu seria demitida. Com toda a certeza.

Bati na porta duas vezes antes que minha entrada fosse permitida. Tentei
esconder minha surpresa ao ver Aaron ao lado do Sr. Otávio Soares, e os
cumprimentei:

— Bom dia.

— Bom dia — responderam quase que em uníssono.


Mordi a parte interna dos lábios e quando ele me pediu para sentar na cadeira
à sua frente, eu o fiz.

— Dolores, eu pedi que viesse à minha sala para conversarmos a respeito de


coisas que foram encontradas em seus registros na empresa — ele dizia enquanto
andava vagarosamente por sua sala.

Aaron estava em um canto agora, com os braços cruzados e uma das mãos
sobre os lábios. Ele parecia pensativo e preocupado ao mesmo tempo. Aquilo me
surpreendeu. Foi a primeira vez que o vi assim.

Maldição! Serei demitida.

— Tem alguma ideia do que eu possa estar falando, senhorita Dolores? —


Otávio questionou-me ao encostar-se em sua mesa.

Os olhos verdes atrás dos óculos de aro grosso, nunca pareceram tão
assustadores. Na verdade, a figura mediana e careca à minha frente, nunca
parecera tão assustadora.

— Não — respondi rapidamente, parabenizando-me mentalmente por


conseguir demonstrar calma.

Ele trocou um olhar com Aaron, que não fez nada além de retribuir o olhar.

— Ficou registrado no sistema o envio de um e-mail de seu perfil profissional


para um e-mail pessoal. O que tem a dizer sobre isso?

Procurei em minha mente algo que explicasse sua pergunta. Eu sequer


lembrava o que havia enviado neste e-mail, até que algo me veio à mente.
— Há algumas semanas eu comecei a editar algumas planilhas que preciso
alimentar todos os dias — expliquei. — E enviei o modelo inicial que já uso na
empresa para o meu e-mail pessoal. Eu gostaria de continuar o trabalho em casa,
durante o fim de semana.

Os dois homens trocaram olhares novamente e Aaron arqueou as


sobrancelhas para Otávio, que voltou a me encarar.

— Dolores, a planilha possuía informações pessoais de mais da metade de


nossos funcionários. Está ciente de que cometeu uma falta grave?

— Agora sim — minha voz foi um pouco mais baixa desta vez.

— Por que fez isso? — continuei a olhá-lo nos olhos enquanto respondia.

— Eu gostaria de apresentar as mudanças e explicar a celeridade que


ganharíamos com elas, na reunião daqui a três semanas.

Ele assentiu e parou de tamborilar o lápis contra a mesa.

— Tudo bem. — Assentiu voltando à sua cadeira. — Vou conversar com


Renata e decidiremos o que faremos com vocês. Pode voltar à sua mesa.

Franzi o cenho e olhei para Aaron que, desta vez, parecia usar uma máscara
impenetrável.

— Renata falará com você mais tarde — meu chefe repetiu e me obriguei a
levantar.

Suas palavras reverberaram por minha mente enquanto eu saía. Antes que
fechasse a porta atrás de mim, ouvi Aaron dizer:
— Creio que agora acreditou.

Depois as palavras de Otávio ecoaram em minha mente:

“... E decidiremos o que faremos com vocês...”

Vocês? Por que ele estava incluindo Aaron?

Depois uma nova lembrança surgiu. Renata trabalha no RH. Então eles
decidiriam juntos o que fazer conosco? Eu seria demitida mesmo?

Diabos!
"Quando a tarde toma a gente nos braços

Sopra um vento que dissolve o cansaço

E é o avesso do esforço que eu faço

Pra ser feliz

O que vai ficar na fotografia

São os laços invisíveis que havia"

(Fotografia – Leoni)
Depois do almoço, Renata me ligou e pediu que eu fosse até sua sala.

Notei que Aaron ainda não estava em seu lugar e me perguntei


silenciosamente se ele já estava no RH. Embora soubesse que eu não poderia
fazer nada se me demitissem, eu não conseguia aceitar a ideia de que aquilo
poderia realmente acontecer. Inferno! Eu só estava tentando deixar as coisas
mais fáceis para todos. E agora posso ser demitida.

Terei sérios problemas nos próximos meses. Precisarei de pelo menos um


mês para conquistar um novo emprego e mais ainda para me estabilizar
novamente. Meu financiamento estudantil estava para vencer e... Calma, Lola.
Você é uma mulher racional. Não pode se permitir sucumbir ao desespero. Não
tão facilmente, pelo menos.

Sempre há uma saída.

Bati na porta algumas vezes antes que me permitissem entrar — senti um


pouco de alívio ao perceber que Aaron não estava aqui. Eu preferia que ninguém
além de Renata visse minha expressão após o que ela me dissesse.

— Boa tarde, Dolores — ela retribuiu meu cumprimento, mas não se


incomodou de olhar para mim. — Você está bem encrencada, não é mesmo? —
Um sorriso cínico surgiu em seus lábios e resisti à vontade de revirar os olhos.

Eu já havia esquecido o quanto ela era insuportável.

— Então, agora você é a principal suspeita?

— O quê? Do que está falando? — Franzi o cenho enquanto ela voltava com
uma folha de papel nas mãos.
A porta foi aberta novamente e seus colegas de trabalho entraram,
provavelmente voltando do almoço.

Ela fingiu não ouvir minha pergunta e bateu em sua mesa com uma caneta.
Percebi que havia uma folha sobre ela.

— Assine.

— O que é isso?

— Termo de confidencialidade.

Peguei a folha e a caneta e o li, desta vez havia algumas especificações


quanto a quebra de sigilo e percebi a falta de uma data de validação daquele
contrato. Eles não puderam me demitir por justa causa, porque não tinham o
termo válido assinado por mim para provar que eu estava ciente do que fazia.

— Ele se estende por todo o período em que trabalhar na empresa —


explicou. — Por um motivo desconhecido, na sua pasta não há um desses
devidamente assinado. O que foi um erro gravíssimo pelo qual eu terei que
responder.

Ela me estendeu outra folha e continuou, ainda irritada:

— Você ficará suspensa de suas atividades profissionais e assinará uma


advertência que irá para sua pasta na empresa.

Engoli em seco e tomei coragem para perguntar:

— Por quanto tempo?


— Quatro dias. A partir de hoje.

Reprimi um suspiro de alívio e li rapidamente as duas folhas antes de assinar.

Fechei os olhos e agradeci a Deus por ter me ajudado mais uma vez.

Voltei ao meu andar e peguei minhas coisas antes de sair. Ninguém fez
nenhuma pergunta e segui para o elevador agradecida por isso.

Minha respiração falhou quando encontrei Aaron no pequeno cubículo.

Eu tinha muitas perguntas para fazer a ele, mas já havia percebido que aqui
não é o melhor lugar para isso. Principalmente por não estarmos sozinhos.

Olhei para ele quando desisti de ignorar aquela vontade em mim e o encontrei
já me encarando. Seus lábios se moveram quando o elevador parou e entendi o
que ele disse:

— Temos que conversar.

Assenti sutilmente e a quantidade de pessoas lá dentro diminuiu. Na próxima


parada, ele saiu.

Ótimo. Eu gostaria de saber o que estava acontecendo e ele parecia concordar


em me explicar.

O cansaço já começava a tomar conta de todo o meu corpo quando comecei a


quarta volta no quarteirão. Meus músculos reclamavam a cada novo movimento.
Mas eu não podia e não queria parar. Era a primeira vez em anos que eu estava
em casa numa tarde de um dia útil. Depois de duas horas presa em minha sala,
sem nenhum programa de TV interessante, decidi sair para correr. Ter algo para
me manter em ação é gratificante.

Parei por alguns segundos, apenas para tomar água e mudar a playlist do
iPod. Suspirei e fitei a enorme praça. Havia um número considerável de pessoas
nela para uma segunda-feira, mas poucas estavam fazendo caminhada ou
correndo. Com o pôr do sol, as crianças e suas mães já começavam a recolher as
toalhas da grama e a organizar as cestas de piquenique — o que era estranho.
Crianças deveriam estar estudando e as mães trabalhando. Pelo menos eu achava
que sim.

— Eu sabia que você não conseguiria ficar apenas descansando. — A voz


masculina me fez congelar no lugar.

Engoli em seco e virei-me para ver Aaron.

— Como soube que eu estaria aqui?

— Eu a vi enquanto dirigia há alguns minutos. — Deu de ombros. — Já são


mais de cinco da tarde, não percebeu?

“Seu prédio é perto daqui”, lembrei.

— Você disse que queria conversar — lembrei-o.

— Sim... E também estou cansado e louco por um banho. — Ignorei o sorriso


travesso e sugestivo. — Vamos para minha casa.
Revirei os olhos e ele continuou:

— Não se preocupe, não vou forçá-la a nada. Além do mais, não pretendo
tocar em você até que me peça.

Desta vez, um sorriso brincou em meus lábios.

— Você é louco se acha que vou pedir isso — respondi.

— Então não tem o que temer, não é mesmo?

Desliguei o iPod e o guardei no bolso do moletom. Eu preferia não imaginar


como estava depois de correr mais de oito quilômetros. Mas tinha uma ideia.
Suada e descabelada.

— Quero que me explique tudo o que está acontecendo — condicionei.

Ele suspirou e assentiu.

— Não acredito que vou falar de trabalho depois de ter saído de lá. —
Percebi seu humor mudar imediatamente quando ele começou a andar e o segui.

— Se odeia tanto seu trabalho, por que continua lá?

— Eu não odeio. Mas prefiro não trazer problemas do trabalho para casa e
vice-versa. — O divertimento de antes fora substituído pelo que reconheci como
cansaço e esgotamento. Até mesmo seu tom travesso se convertera à sarcástico e
incomplacente.

Fiquei em silêncio enquanto o seguia pela calçada. No fim da avenida estava


o seu prédio: o Roosevelt.
Alguns minutos depois, arrisquei um olhar furtivo na direção dele e o peguei
me fitando.

— O que foi? — perguntei sem entender o seu novo sorriso.

— Eu preferia a última roupa que vestiu para correr.

Tentei reprimir o sorriso, mas foi impossível. Como eu um dia poderia


entender esse homem se suas emoções e características mudavam tão
abruptamente?

— Há duas semanas não estava tão frio como hoje — expliquei. — Se


estivesse com aquela legging e aquele top, eu acabaria congelando.

Ele não respondeu. Pois havíamos chegado à entrada do prédio. Aaron


cumprimentou o porteiro e me levou até os elevadores.

Apertou o botão para o sexto andar e nos mantivemos em silêncio enquanto


as pessoas presentes conversavam baixo entre si. Menos de um minuto depois
seguíamos pelo corredor e parávamos à frente da porta de seu apartamento.

— Sinta-se à vontade — ele disse enquanto arregaçava as mangas da camisa


e ligava as luzes da sala.

Fiquei surpresa ao ver o interior de seu apartamento. Era completamente


masculino, óbvio, mas também muito organizado e limpo. Muito sofisticado e
espaçoso — eu devia ter pensado nisso quando ele me disse que morava no
Roosevelt. Nunca imaginei que um gerente de TI ganhasse tão bem.

— Belo apartamento — elogiei sentindo-me perdida ali.


— Obrigado — disse ao seguir para o que eu desconfiei ser a cozinha. —
Quer comer ou beber algo?

— Não, obrigada — tive que falar um pouco mais alto para que ele ouvisse.
— Não posso demorar — menti.

Ok. Era apenas um respaldo. Quando eu sentisse que realmente deveria ir


embora, só precisaria reforçar o que disse agora.

“Isso, você deve ficar longe dele. Ele tem noiva!”, meu subconsciente me
lembrou.

Noiva?

Rapidamente aproveitei que ele não estava e procurei qualquer objeto


feminino ou porta-retrato. Mas havia apenas quadros de arte — o que me
interessou bastante. Voltei-me completamente para a parede repleta de quadros e
quando me deparei com uma fotografia ampliada de Rio De Janeiro Noturno, de
Di Cavalcanti, um sorriso enorme surgiu em meus lábios.

Aaron gosta de arte moderna.

Outros não possuíam assinaturas ou qualquer traço que me lembrasse


qualquer outro artista. Mas um me chamou muito a atenção. Era maravilhoso.

Uma paisagem. Mas de forma diferente. Como se ao imaginá-la ou usá-la


como inspiração, o artista estivesse dentro d’água. Em um rio de águas
cristalinas, era possível ver até mesmo pedras sob a água. A floresta logo à
frente, fora pintada com tons mais escuros de verde e um desfoque perfeito fora
adicionado. O que mantinha todo o foco no rio e suas pedras que pareciam
brilhantes.
— Gostou? — Assustei-me ao ouvir a voz grave de Aaron.

Mesmo ciente da proximidade de seu corpo, virei-me para vê-lo.

— Sim, é perfeito... De quem é?

— Um pintor desconhecido. — Ele estava bebendo o que eu desconfiei ser


suco.

— É uma pena. Esse é o tipo de trabalho que deveria ser reconhecido —


comentei.

— Concordo. — Ele indicou o sofá preto e sentou-se na extremidade dele. —


Então, me explique o que deu na sua cabeça para você enviar aquelas planilhas
para o seu e-mail.

Suspirei e sentei-me.

— Eu já expliquei.

— O cargo de chefe administrativo é tão importante assim?

— Sim.

— Foi o que imaginei — continuou. — Você é o exemplo de workaholic


perfeito.

Revirei os olhos e decidi fazer a pergunta que estava me incomodando:

— O que você fez para que não me demitissem?


Aaron voltou a me encarar naquele momento. Seus olhos castanhos me
observaram com evidente atenção. Pareciam enxergar dentro de mim, através de
mim, e aquilo me incomodou.

— Disse a Otávio que permiti que você fizesse o envio das planilhas, porque
sabia sobre as modificações que estava fazendo e... — ele interrompeu por um
segundo e semicerrei os olhos quando o vi levantar. — Eu disse que estava a
ajudando.

Minha boca se abriu num “o”.

Estava me ajudando?

Eu fiz aquela droga de trabalho sozinha! E agora teria de ficar calada e aceitar
que ele levasse créditos por algo que eu fiz? Quando já aceitava que metade dos
funcionários daquele andar o fizesse?

— Bastardo! — xinguei-o ao me levantar abruptamente. — Eu fiz aquelas


malditas modificações sozinha e eu criei os novos protótipos!

Foi sua vez de semicerrar os olhos e pude ver milhares de pensamentos e


palavras apenas pelo brilho de fúria que estava neles.

— E não precisa agradecer — o tom cortante de sua voz fez com que todos
os xingamentos que consegui colecionar em poucos segundos, apenas para lhe
dizer, sumissem.

— Não deveria ter mentido — sussurrei ao deixar meu cantil sobre a mesa de
centro.

— Ainda dá tempo de voltar atrás se você quiser — ele ofereceu. — E além


de levar os créditos, terá de assinar sua demissão. Assim como eu.

Inspirei profundamente e me obriguei a pensar com clareza.

É claro que eu não queria que todos achassem que ele me ajudou com as
mudanças, mas eu queria menos ainda ser demitida.

— E então? — provocou.

— Por que fez isso?

— Não acho que eu seja o único a precisar de um emprego — retrucou ao


deixar o copo vazio no balcão próximo a parede — E sei que não foi você a
repassar os arquivos.

Franzi o cenho.

— O quê? Que arquivos?

As palavras de Renata ecoaram em minha mente. Então, agora você é a


principal suspeita?

— Eu sou suspeita de quê? — endossei rapidamente.

— Alguém que tinha acesso aos arquivos que o pessoal do marketing havia
preparado para a nova versão da revista, o vendeu àquela editora americana. A
mesma que tentou comprar a nossa há alguns meses — explicou.

Eu lembro disso. Aconteceu meses atrás quando essa Gossip’s June tentou
comprar a editora do dono de nossa empresa — Mulher Moderna é uma
extensão de um grupo americano chamado Action. É a editora de revista em que
trabalho. Mas quem venderia essas informações à Gossip’s June?

Inferno! Eu sequer lembrava se tive acesso a esses tais arquivos.

— Eu não sei do que se tratam — defendi-me. — Como poderia tê-los


enviado? E como o faria se sua equipe vasculhou meu computador e não
encontrou nada?

— Otávio insistiu que você está envolvida em quase todo tipo de trabalho da
empresa.

Então o filho da puta é ciente disso? E age como se eu fosse uma funcionária
ruim?

— E a minha equipe ainda não seguiu todos os procedimentos para averiguar


tudo. Aliás, fizemos isso hoje na sua máquina. Precisamos pegar a CPU do seu
computador e analisar o disco rígido dele, só assim saberíamos com toda a
certeza.

— Agora que sabem que não fui eu, quem são os suspeitos?

— Tenho quatro, apenas. Mas não vou dizer quem são.

Assenti e mordi os lábios ao perceber que estive mais encrencada do que


imaginei e sequer sabia. E ele me ajudou? Quer dizer, Aaron não tinha motivos
para isso e sua desculpa de que não sou a única a precisar de um emprego não
serviu de nada para mim. Ele se colocou nisso comigo, mesmo sem saber o que
lhe aconteceria.

— O que fizeram com você? — inquiri.


— Nada diretamente. — Deu de ombros e virou-se de costas para mim —
Tenho dois dias para descobrir quem foi.

— Do contrário?

— Serei demitido.

Aquilo me fez ficar em silêncio.

Maldição! E se ele perdesse o emprego por minha culpa? E eu ainda o


xinguei por ter me ajudado.

— Não se preocupe. Eu vou descobrir quem foi.

Somente agora percebi que ele estava novamente me encarando.

E ao ouvir aquela convicção e certeza em sua voz, eu não tive dúvidas de que
ele conseguiria.

— Por que fez isso por mim?

— Por você? — arrependi-me de minhas palavras quando percebi a ironia em


sua voz.

— Pelo inferno que tenha sido, por que o fez? — insisti.

— Percebi que se você fosse demitida, eu não teria uma colega de trabalho
para trocar mensagens safadas em um aplicativo da empresa.

A sombra de um sorriso se fez presente em meu rosto quando lembrei do dia


em que lhe disse isso. Quando nos encontramos para tomar chope no barzinho
próximo à minha casa.

— Você excluiu nossas mensagens — lembrei-o.

— Seria o segundo lugar que procurariam algum tipo de contato entre nós.

Concordei mentalmente com aquilo.

Mantive meus olhos nos seus e agradeci:

— Obrigada... Acho que estou te devendo uma.

— Sim, você está.

Agora eu estava lidando com o Aaron travesso novamente.

Semicerrei os olhos ao perceber a malícia naquele sorriso e a insinuação


descarada em suas palavras.

— Você não presta — respondi tentando colocar uma expressão séria em meu
rosto. — Era o que pretendia desde o começo, não é?

— Não sei do que está falando. Seja mais clara — pediu.

— A tentativa de me salvar de ser desligada da empresa.

— Eu não lhe pedi nada em troca do que fiz, até porque não acredito que
tenha feito nada de mais. Você afirmou que estava me devendo uma.

— Eu já disse que sua sagacidade me irrita? — questionei quando percebi


que ele havia deixado os fatos do seu lado e agora seus argumentos não me
davam chance de replicar.

— Sim.

Peguei meu cantil.

— Eu preciso ir.

— Tudo bem. Eu a levo para casa.

Abri a boca para contestar, mas ele me interrompeu:

— Vamos de carro porque hoje não estou com a mínima disposição para ir
andando e você não vai sair sozinha a essa hora.

— Ainda são sete da noite — falei as últimas palavras mais baixo quando seu
celular começou a tocar.

— Só um momento — ele pediu ao atender. — O que houve?

Mesmo que ele tenha se afastado para um dos cantos da sala, eu pude ouvi-lo.

— Eu já disse que não vou voltar atrás. Não. Tínhamos um trato...

Sobre a prateleira de livros, na parede da porta, eu vi um único retrato ao lado


de diversos livros. Aproximei-me devagar enquanto Aaron continuava a falar.

Eram duas crianças. Dois meninos idênticos. Gêmeos univitelinos. E uma


mulher morena de cabelos lisos e brilhantes olhos castanho-claros. Ela sorria
alegremente enquanto os abraçava. Eles também sorriam, mas eu quase poderia
dizer que fora apenas para a foto, porque os meninos estavam distantes enquanto
a mãe os puxava para perto de si.

Ao olhar mais atentamente para eles, eu percebi os olhos castanhos. E as


características começaram a me lembrar de alguém.

Aaron.

Ele tinha um irmão gêmeo. Eu nunca imaginaria isso.

Certo. Então eu finalmente descobri algo sobre o Sr. Reservado?

— Vamos? — ele me chamou ao abrir a porta.

— Você nunca me disse que tem um irmão.

— Eu não tenho um irmão — afirmou.

Hesitei antes de dizer algo sobre isso e quando entendi, decidi me desculpar.

— Eu sinto muito.

— Não sinta. Infelizmente ele não está morto.

Arqueei as sobrancelhas, surpresa, e as portas do elevador se abriram.

Fiquei boquiaberta ante suas palavras e preferi não continuar com o assunto.
Percebi que ele definitivamente não tinha a menor intenção de falar sobre o
irmão.

— Sua mãe era linda — eu disse ao invés disso.


— Ela é — anuiu e senti um que de tristeza em suas palavras. Olhei para ele,
mas diferente do que acontecia sempre, ele não estava me fitando. Na verdade,
parecia perdido demais em pensamentos para isso.

Família não é um assunto fácil para muitas pessoas. Eu sabia disso porque
para mim era assim. Eu somente conheci o papai, meu avô e mamãe. Mas perdi
papai quando ainda era uma criança e de certa forma, perdi mamãe também.
Restara-me apenas vovô. E mesmo que eu me orgulhasse de tê-lo comigo, a falta
de uma mãe e, às vezes, até de meu pai, me machucava muito — Por mais que
eu não admitisse que estivesse sempre reprimindo sentimentos como esse.

Agora sei que Aaron parece não ter uma história feliz com sua família. Pelo
menos não completamente feliz.

A estranheza do seu silêncio me deixou extremamente desconfortável durante


o percurso até minha casa.

— Aaron, se eu disse algo errado, eu...

— Você não disse nada, Lola. Não se preocupe — me interrompeu e


finalmente voltou a me encarar. — Não estou chateado por nada. — Ele tentou
me dar um sorriso, mas quando o sinal abriu novamente e ele continuou a dirigir,
percebi que havia sim algo errado.

O telefonema — fora isso que o deixara assim.

Mas o que alguém poderia dizer em um telefonema de dois minutos para


deixá-lo tão sério e perdido em pensamentos desta forma?
“É tão certo quanto o calor do fogo

É tão certo quanto o calor do fogo

Eu já não tenho escolha

Participo do seu jogo

Eu participo”

(Fogo – Capital Inicial)

Quando o carro finalmente parou em frente à minha casa, o celular de Aaron


tocou novamente. Sem dizer uma palavra, eu o vi pegá-lo e desligá-lo.
Mordi os lábios quando me lembrei do silêncio desolador que
compartilhamos enquanto ele me trazia para casa. Eu não conseguia esconder
minha curiosidade quanto a isso. Sabia que Aaron não era assim, e vê-lo tão
estranho fez com que eu quisesse conhecê-lo melhor e, principalmente, entendê-
lo ao menos um pouco.

— Você não me respondeu. — As palavras dele me fizeram voltar a encará-


lo.

— O quê?

Franzi o cenho sem realmente entender e continuei a fitá-lo, esperando sua


resposta.

— Não me disse de onde tirou a ideia de que eu tenho uma noiva.

A expressão de confusão em meu rosto certamente ficou mais perceptível.


Por que ele começou com este assunto novamente? E justamente agora?

O telefonema tem algo a ver com sua noiva? Não... Aaron disse que não tem
uma noiva.

— Tenho acesso a alguns documentos do RH. Estava no seu cadastro de


funcionário — expliquei. — Você o preencheu.

Ele não desviou os olhos dos meus. Na verdade, pareceu me fitar mais
atentamente que antes.

— Foi há oito meses.

Aquilo me fez ficar em silêncio. Engoli em seco e procurei por algo para
dizer.

— Nunca sequer coloquei um anel de noivado — continuou. — Por que não


me perguntou se eu tinha ou não uma maldita noiva?

Suspirei e acenei em negativa.

— Não achei que você seria sincero — comecei. — Aaron, nós quase
transamos naquela noite. Você nunca diria que tem uma noiva, pois sabia que eu
acabaria com o que estava acontecendo.

— É o que acha?

— Sim — respondi com sinceridade.

— Realmente, você não sabe nada sobre mim.

— Essa foi uma escolha sua — lembrei-o. — E minha... Nenhum de nós


estava minimamente interessado em falar da vida pessoal em nenhuma daquelas
mensagens.

— Esse nunca foi um tema que me agradasse.

Tudo bem. Eu sabia que não queria compartilhar meus problemas com ele. Na
verdade, não gostaria de compartilhá-los com ninguém. Mas o que Aaron
escondia? O que poderia ser tão pessoal e doloroso a ponto de torná-lo tão
reservado?

— Naquele dia, eu lhe expliquei. — Desta vez seu cenho estava franzido
enquanto ele parecia lembrar. — Quando conversamos, eu lhe disse que não
tinha uma noiva e, mesmo assim, você fugiu.
— Onde você quer... — tentei novamente, mas preferi não concluir.

Fechei os olhos ao recordar-me. Inferno! Por que diabos ele estava voltando a
falar nisso?

— Por que o fez? — insistiu.

Mantive-me em silêncio quando as cenas voltaram até mim, a mais


perturbadora delas: sua confissão sobre querer me tocar há muito tempo.

Maldição!

— Odiei achar que seria a outra, e mais ainda, pensar que eu deixei que me
tocasse quando sabia que você tinha uma noiva — admiti por fim.

— Eu não tenho uma noiva — afirmou. — É tão difícil acreditar nisso?

Apenas assenti, mesmo contrariada.

Eu estava olhando através da janela quando as primeiras gotas de chuva


molharam o asfalto da rua. Eu não fazia ideia do frio lá fora, sabia apenas que a
temperatura no carro aumentava a cada segundo que passava. Estava chegando a
um ponto que eu não conseguia suportar.

A última conversa com Brenda e Elisabeth me veio à mente naquele


momento. Este homem exala problema, não vou adicioná-lo à minha lista de
prioridade de solução — foi minha desculpa.

Eu só queria dormir com ele, e ele queria o mesmo. O que poderia ser tão
irrevogavelmente difícil de aceitar, ainda mais agora que sei que ele não tem
uma noiva?
Em teoria era tudo muito simples. Pelo menos, segundo o que ele dissera da
última vez. Mas na prática... Na prática só saberei se tentar — percebi.

— Apenas sexo? — murmurei ainda sustentando seu olhar.

— Apenas sexo — concordou.

“Não é capaz nem mesmo disso, Lola?”, meu subconsciente repetiu diversas
vezes em minha mente.

Aaron ficou em silêncio. Seu esforço para esperar minhas novas palavras foi
irrefutável.

— Eu aceito.

Ele me fitou surpreso. Quase estupefato, eu diria. Dei-me ao luxo de sorrir ao


perceber que aquela era a primeira vez que eu o via daquela forma — e eu o
deixei assim.

Era, de fato, excentricidade da minha parte. Controverso ao que eu já quis um


dia, entretanto, obstante a tudo, eu queria e já não havia nada que me impedisse
de aceitá-lo.

— Sua contrariedade e excentricidade ainda vão me levar à loucura — ele


disse quando a sombra de um sorriso iluminou o seu rosto. Erradicando a
preocupação e o cansaço de antes.

— Essas são características minhas que você não consegue entender.

Não consegui levar ar aos meus pulmões quando o vi desvencilhar-se do


cinto de segurança.
— Não consigo ainda — respondeu inclinando-se para mim.

Aaron colocou algumas mechas de meu cabelo atrás de minha orelha e


beijou-me suavemente nos lábios.

— Não posso demorar — avisou-me quando fechei os olhos. — Mas não


quero ir embora sem ter um pouco de você.

Não acreditei que estava sorrindo por suas palavras até ouvi-lo praguejar por
causa da pouca distância entre nós. Entre beijos em meu pescoço, ele pediu em
voz baixa:

— Inferno! Saia daí.

Mordi os lábios e mesmo com dificuldade saí do banco do passageiro e segui


para o seu. Sentando-me em seu colo.

— Melhor assim — concordei mentalmente com aquilo.

Em vez de dizer qualquer palavra, eu o beijei. Forte e intensamente,


agregando a esse contato tudo o que poderia ter acontecido naquela noite.

A língua hábil rapidamente passou a controlar o beijo e naquele momento,


tudo o que fiz, inegavelmente, foi me submeter ao que ele me fazia sentir. Levei
uma mão à sua nuca para me certificar de que aquela proximidade duraria. Estar
ciente do seu calor aumentava em mim o frenesi — e a necessidade de senti-lo
ainda mais. Desta vez em mim.

Diabos! Eu estava mesmo tão desesperada assim apenas para que ele me
tocasse novamente? Descobri que não gostaria de saber a resposta.
Com a mão direita ele transitou por minha calça de moletom. Apertando
minha coxa enquanto seguia para a minha cintura.

Meu corpo inteiro estremeceu sobre Aaron quando percebi o que ele faria.
Mas não tentei impedi-lo de nenhuma forma. Apenas retribuí o beijo enquanto
sua mão adentrava minha calça e, em seguida, minha calcinha.

Gemi contra seus lábios quando ele tocou meu clitóris e o massageou
lentamente. Rapidamente deliciosas e avassaladoras ondas de prazer me
preencheram.

— Abra as pernas para mim — pediu.

E eu o fiz.

Um som um pouco mais alto de prazer fugiu de meus lábios e cerrei os olhos
— ou aquilo era realmente infinitamente prazeroso, ou eu não era tocada do jeito
certo há muito tempo. Desconfiei se tratar de um pouco de cada opção. Mas
percebi que se continuasse com aqueles sons a cada pequeno movimento seu,
Aaron perceberia que há muito tempo eu não fazia sexo.

Qualquer pensamento foi mandado ao subespaço quando um de seus dedos


me penetrou. Sussurrei seu nome em seu ouvido. E ele continuou apenas a beijar
meu pescoço.

Minhas unhas arranharam suas costas sobre a camisa preta que ele vestia.

O imensurável prazer em mim cresceu quando outro de seus dedos me


invadiu. Ele começou a se mover em um ritmo alucinante.

Beijei-o novamente com ímpeto e involuntariamente movi-me na direção de


seus dedos.

— Porra! Você está tão molhada — murmurou acabando com o beijo.

Encostei minha testa a sua enquanto tentava lidar com tudo o que estava
sentindo, mas foi impossível. A cada segundo que passava suas investidas
ficavam mais rápidas e indubitavelmente mais prazerosas.

Gemi mais alto quando ele roçou meu ponto G, e o fez de novo segundos
depois.

— Gosta que eu te toque aqui? — questionou de forma insolente em meu


ouvido.

— Ah, meu Deus, Aaron. — Tentei fechar minhas pernas, mas ele não
permitiu.

Eu estava tão perto. Ele só precisava me tocar lá de novo.

— Gosta?

— Sim.

— Quer que eu a toque assim novamente?

Apenas assenti.

— Então diga.

— Você é um idiota — afirmei. — Mas eu quero que me toque.


Aquilo o fez sorrir e eu apenas percebi isso porque ele beijava meus lábios.

Quando o senti em mim mais uma vez, a luxúria passou a me dominar.


Estremeci contra ele e minha respiração, assim como meus batimentos cardíacos,
voltou à irregularidade.

Fechei os olhos e me concentrei apenas em seus movimentos. Em como seus


dedos me invadiam de forma implacável, e me davam tanto prazer.

— Posso vir à sua casa amanhã? — pediu com a voz mais rouca que antes.

— Sim — concordei deliberadamente quando minha pele o apertou em mim


e, mais do que há muito tempo, cheguei à beira de meu orgasmo.

Quando Aaron finalmente tocou em meu ponto, cheguei ao ápice. E mesmo


com meus espasmos em regozijo, ele não parou de se movimentar. Antes que eu
gritasse seu nome, ele me beijou.

Eu não imaginei forma melhor de me recuperar e voltar a mim.

Enquanto eu voltava a respirar com normalidade, percebi que ele fazia o


mesmo.

Mexi-me em seu colo e um suspiro me escapou ao sentir seu membro em


meu quadril.

Sorri contra seu pescoço e o beijei ali.

— Não, Lola. — Ele me impediu após minha primeira carícia na parte de seu
corpo que ainda queria atenção.
— Por quê?

Voltei a encará-lo para que ele visse o desentendimento em mim.

— Porque se me provocar, não vou conseguir esperar até amanhã. Quando eu


estiver dentro de você, não vou me contentar em fazê-la gozar apenas uma vez.
E agora, infelizmente, não tenho tempo.

Arqueei a sobrancelha esquerda e acenei em negativa. Toquei-o novamente e


Aaron cerrou os olhos. Seus lábios estavam entreabertos e seu esforço para não
me impedir foi perceptível.

Beijei-lhe os lábios suavemente e sussurrei:

— Até amanhã então.

Tentei voltar ao banco que estava antes, mas ele me segurou.

— Não antes de me dar um beijo de verdade.

Não tive tempo de protestar. Quando percebi, seus lábios já estavam nos
meus e eu retribuía seu beijo. Intenso, mesmo com o quê provocativo que me fez
desejar mais.

— Eu tenho que ir, e você também — lembrei-o.

Foi sua vez de suspirar e se afastar.

— Ok. Você tem razão.

Voltei ao banco do passageiro e amarrei meu cabelo em um rabo de cavalo


decente. Eu sabia que minhas bochechas estavam vermelhas, mas não me
importava muito com aquilo.

Peguei meu cantil do canto que estava e Aaron destravou a porta para mim.

— Até amanhã — murmurou com um sorriso.

— Até amanhã — concordei dando-lhe um meio sorriso antes de sair.

Procurei em meu bolso as chaves e corri até a entrada de minha casa.

Suas palavras ecoaram em meus ouvidos e voltei-me para o carro quando


finalmente consegui abrir o portão.

Senti seu olhar sobre mim através dos vidros opacos do carro. Tentei
descobrir qual seria sua expressão e apostei no mesmo sorriso satisfeito de
segundos atrás.

Eu sabia que já estava encharcada pela chuva que continuava a cair e decidi
entrar de uma vez, antes que ficasse resfriada. Ouvi o carro dar partida e
encostei-me no portão enquanto ele se afastava.

Eu fiz mesmo isso? Pressionei minhas pernas uma à outra e a resposta foi
automática.

Minha pele se arrepiou quando fiquei ciente do frio da noite. Um calafrio


atravessou meu corpo e suspirei ao seguir para a entrada de casa.

Apenas naquele momento, vi as luzes da sala acesas.

Franzi o cenho para aquilo e aproximei-me da janela — era possível ouvir


uma música baixa. Vi malas em um canto da sala e, quando entendi o que
acontecia, o cansaço, de repente, preencheu-me.

Não podia ser. Por favor, ainda não.

Voltei para a porta novamente e a abri.

A gargalhada de mamãe era audível da sala. Olhei para a cozinha e me


deparei com ela entregando uma taça de champanhe a um homem que estava de
costas para mim.

Eu já havia esquecido de como ela realmente era, e vê-la loira em vez de


ruiva, foi estranho para mim. A maquiagem em seu rosto era pouca também,
diferente de como eu sempre a via e os lábios estavam pintados de vermelho.
Vovô me disse uma vez que somos fisicamente parecidas, mas forcei-me a
acreditar que ele estava enganado. Na maior parte do tempo, eu não queria
acreditar que pudesse ter algo em mim que parecesse minimamente com ela.

— Dolores! — A conhecida animação em sua voz me incomodou como de


costume. — Finalmente!

Neste momento, o homem que estava com ela se voltou para mim. Era
relativamente jovem e bonito. Eu não lhe daria mais de trinta e cinco anos a
julgar pela barba em seu rosto. Era moreno, não muito mais alto que ela.

— Achei que viesse apenas no feriado — foi o que eu lhe disse. — E não
imaginei que desta vez traria visitas.

Joguei as chaves sobre a mesa de centro e tentei, sem sucesso, fingir um


sorriso quando ela me abraçou.
— Por que está tão molhada e descabelada? — ela sussurrou em meu ouvido.
— Eu estava com tanta saudade, querida! — disse enquanto me avaliava. — E
você cresceu tanto. Creio que o que eu comprei para você não servirá.

Reprimi a vontade de revirar os olhos e afastei-me ligeiramente para ir em


direção à cozinha.

— Já faz quase seis anos, mamãe — lembrei-a.

— Tem certeza? Não achei que fosse tanto tempo.

Semicerrei os olhos para ela e coloquei um pouco de água em um copo para


mim.

— Este é Marcos, acho que lhe falei dele. — Apertei a mão do homem e dei-
lhe um sorriso forçado. — Marcos, esta é minha filha, Dolores.

— É um prazer finalmente conhecê-la, Dolores.

Assenti, incapaz de lhe dizer o mesmo.

— Estão esperando há muito tempo? — perguntei.

— Não. Na verdade, chegamos ainda há pouco.

— Ótimo. Já arrumou o quarto de hóspedes, mamãe? Como não me avisou


que viria hoje, não me preocupei em arrumá-lo.

— Na verdade, não, querida... Onde está seu avô?

Mordi a parte interna da bochecha e voltei-me para ela.


— Está morando em uma casa de repouso. Há alguns meses — expliquei.

Um sorriso genuíno surgiu em seus lábios.

— É ótimo saber que começou a ouvir meus conselhos, querida — ela disse
tentando se aproximar para me abraçar novamente, mas me esquivei antes que
ela conseguisse chegar perto demais. — Lola, você, mais do que ninguém, sabe
que seu avô estava apenas atrasando a sua vida.

Apertei os olhos para ela e engoli as palavras que dariam início a uma nova
discussão nossa.

— Ele nunca foi um atraso em minha vida — afirmei. — Vou tomar um


banho e trocar de roupa — avisei-a. — Creio que no guarda-roupa há tudo o que
precisará.

— Pedimos comida chinesa — Elaine disse enquanto eu seguia pelo corredor


que levava a meu quarto.

— Não estou com fome. Obrigada.

Calma, Lola. Lembre-se das palavras do vovô. Tente não se importar com o
que ela diz. Com o que ela faz.

Mas que inferno ela fazia aqui com esse homem?

Ela nunca trouxe nenhum de seus affairs para casa, até porque dificilmente
estava com um deles quando vinha — desconfio que esse seja o motivo dela
voltar. Não ter uma diversão longe daqui.

Deixei as roupas pelo quarto enquanto segui na direção do banheiro. Eu


estava encharcada. Precisava de um banho de verdade.

Olhei-me no espelho enquanto soltava os cabelos escuros e avaliei-me


atentamente.

— Maldição! — xinguei ao ver duas marcas de chupões em meu pescoço. —


Quando Aaron fez isso?

Liguei o chuveiro e fechei os olhos quando a água quente começou a cair


sobre meu corpo.

Permiti-me voltar àquele carro e reviver tudo aquilo. Eu esperava de verdade


não me arrepender. Porque apenas os primeiros quinze minutos que passamos
juntos, foram perfeitos.

É claro que o idiota era bom no que fazia.

***

Na manhã de terça-feira, saí de casa antes que Elaine e seu namorado


acordassem. Era dia de visitar vovô e eu aproveitaria para fazer isso antes do
almoço que marcara com Brenda — ela havia entrado de férias e me pediu ajuda
para comprar um presente para sua mãe, que faria aniversário no sábado. No fim,
decidimos nos encontrar no shopping e almoçar lá.

Eu já havia decidido contar a ela sobre o que aconteceu na noite anterior.


Porém, manteria em sigilo a identidade do homem que me dera um orgasmo
depois de dois anos de celibato.

— Bom dia — cumprimentei o segurança da casa de repouso e ele me


respondeu com um sorriso.

Decidi ir primeiro à coordenação para assinar o documento pendente sobre a


saída de vovô no sábado.

— Dolores! É um prazer vê-la novamente! — Antônio, o diretor do asilo,


disse ao me ver.

— Antônio. — Apertei sua mão que me foi estendida e retribuí seu sorriso.
— Como está?

— Bem na medida do possível, e você? — perguntou enquanto indicava a


cadeira à sua frente.

— Estou bem — fiz uma pausa enquanto ele ligava para sua secretária e
pedia duas xícaras de café. — Vim apenas para assinar a autorização de saída de
vovô. A que ficou pendente — lembrei-o.

— Sim, sim. Eu me recordo, mas gostaria de conversar com você.

Franzi o cenho para ele e a preocupação me dominou.

— O que aconteceu com o vovô?

— Não se preocupe, ele está bem agora. Só teve um mal-estar passageiro


ontem.

— O que houve? A pressão aumentou muito novamente? Por que não me


ligaram?!

— Sim, mas após tomar os remédios necessários, ela normalizou. Ligamos


para sua casa e seu celular, mas não obtivemos resposta — esclareceu.

Parei um momento, apenas para pensar e lembrei que ontem saí para correr e
levei apenas o iPod.

— Mas como ele está agora?

— Está muito melhor, não se preocupe. Como eu disse, foi apenas um mal-
estar passageiro.

Respirei melhor após suas palavras e neste momento, a secretária bateu na


porta e entrou com o café.

— Lorena, imprima uma autorização de saída do senhor João Albuquerque


Dias e traga para que a senhorita Dolores assine, por favor.

— Sim, senhor — respondeu antes de sair.

— Vovô fez algum exame? O que o médico disse?

— Me repassou uma lista de comprimidos que o Sr. Dias terá que tomar
diariamente. E pediu que nos atentássemos à quantidade de sal em suas
refeições, assim como o açúcar. Como já sabe, seu avô tem diabetes.

Fiquei em silêncio e concordei. Vovô deve ter odiado a ideia de tomar


remédios todos os dias.

— Se me entregar a receita, eu trago todos ainda hoje... Algo mais?

— Marcamos uma consulta para ele em uma clínica conveniada para o fim do
mês.
— Ótimo. Fico mais tranquila por saber disso. Obrigada — agradeci.

A secretária voltou com o documento e me entregou. Não me preocupei em


ler, apenas assinei e levantei para entregá-lo ao diretor.

— E Mabel? Como está?

— Tivemos que dar um calmante a ela ontem, pois ficou muito agitada por
causa de seu avô.

— Entendo. Se não há mais nada a dizer, vou ao quarto do vovô, tudo bem?

— Fique à vontade, senhorita. — Tentei retribuir seu sorriso, mas eu estava


ciente de que a preocupação estava estampada em meu rosto.

Apertei sua mão quando ele me entregou a receita e saí — guardei-a na bolsa.
Segui para o quarto de vovô.

Bati à porta duas vezes antes que ele me permitisse entrar.

Um sorriso fraco surgiu em meus lábios ao vê-lo. Senti meus olhos ficarem
marejados, mas recusei-me a chorar. Ele estava bem. Parecia apenas um pouco
cansado e talvez abatido, mas isso, com toda a certeza, melhoraria com o passar
do dia.

— Bom dia — sussurrei quando ele se levantou de sua cadeira e sorriu para
mim.

— Minha filha, ótimo dia agora que a vi! — Eu o abracei e um aperto em


meu coração fez com que o nó em minha garganta crescesse.
— Desculpe por não estar aqui com você ontem — murmurei após tomar sua
bênção.

— Eu já estou bem, querida. Não se preocupe. São males da velhice — disse


em tom de brincadeira. — Ainda verei meus bisnetos crescerem, você sabe.

Sorri ao ouvir aquelas palavras. Ele sempre as dizia para me lembrar que uma
hora ou outra eu teria que me casar. E decidiu proferi-las agora também.

— Eu sei que verá — concordei.

Quando me sentei em sua cama e ele foi até sua cadeira, eu já estava um
pouco menos preocupada.

— Querida, já são quase nove da manhã — ele disse ao olhar para seu
relógio. — Você não vai se atrasar para o trabalho?

Hesitei por um momento e decidi não lhe contar o que acontecera. Neste
momento evitaria o máximo falar de coisas ruins — o que incluía falar da
chegada de mamãe.

— Ainda tenho algum tempo, não se preocupe. — Dei de ombros. — Como


foi o almoço de sábado?

— Maravilhoso, minha filha. Ricardo é um bom homem. — Ele semicerrou


os olhos para mim e entendi o que aquele olhar queria dizer. — Vocês deveriam
se conhecer. Aposto que seriam bons amigos.

Ri de sua nova tentativa de me arranjar um namorado — ele já tentara algo


assim antes.
— Já conversamos sobre isso, vovô — lembrei-o. — Eu me referia à Mabel
— explanei. — O diretor me disse que ela não se lembrava do filho.

O sorriso do rosto de vovô sumiu aos poucos.

— É verdade. Ela não se lembrou dele quando o viu, mas não o tratou mal.
Mabel conseguiu concluir o quadro em que pintava seu filho e quando o viu,
achou que se tratava de um modelo.

— A família dela deve estar sofrendo muito com o que está acontecendo.

— Ela tem apenas Ricardo, querida. O marido foi um monstro desde sempre
e, por sorte, ela dificilmente se lembra dele — explicou. — Mabel sofreu anos
nas mãos de um bastardo que se achava dono do mundo apenas por ter dinheiro.

Mordi os lábios ao perceber que aquela era uma dor de Mabel, mas
compartilhada por meu avô.

— Ela está muito melhor agora que antes, tenho certeza — concluiu.

— É claro que está! Ela tem o senhor e tem o filho que ama e não a
abandonou...

— E tem você — completou.

Sorri para ele e concordei.

— Você sabe que ela tem um carinho especial por você, filha.

— Sim, eu sei. E eu por ela, vovô. Mabel é como uma mãe que encontrei há
um ano — sussurrei.
— Vá visitá-la antes de ir embora — pediu.

— Eu irei — concordei ao levantar-me para pegar um copo de água. — Virei


mais tarde para trazer os comprimidos que o médico receitou para o senhor. E
quero que me prometa que tomará todos no horário certo.

Ele fez uma careta e insisti para repreendê-lo:

— Vovô!

— Só vou fazer isso por você e meus bisnetos, deixe isso claro para aquele
arrogante de jaleco.

Suas palavras me fizeram rir.

— Obrigada! Agora eu preciso ir.

Ele se levantou e veio até mim para me abraçar e beijar-me o rosto.

— Se sentir qualquer coisa fora do normal, peça que me liguem, por favor —
pedi antes de soltá-lo.

— Tudo bem, filha. Que Deus te abençoe.

— Ao senhor também.

Foram minhas últimas palavras antes de sair.


Depois de seguir Brenda por três joalherias diferentes e repetir que todas as
joias que ela gostava eram, de fato, lindas, Bree finalmente comprou o presente
de sua mãe.

— Amiga, são quarenta e cinco anos! A mamis me mata se meu presente a


fizer se sentir mais velha que isso. — Suas palavras me fizeram rir.

Ela estava certa.

Eu passei o último Natal na casa da família Torres e sua mãe era tão vaidosa e
cuidadosa no que dizia respeito à sua beleza quanto a minha mãe. A senhora Ana
não quis sequer que lhe fizessem uma festa de aniversário. Segundo ela, a partir
de certa idade, a quantidade de anos de uma pessoa passa a não ser comemorada.

— Eu sei. Mas todas aquelas joias eram lindas — repliquei quando


finalmente escolhemos uma mesa na praça de alimentação. — Mas deixa para lá.
Alguma novidade?

— O segurança e eu decidimos dar um tempo.

Fiquei boquiaberta ao ouvir aquilo.

— Como assim? Por quê? Vocês pareciam se dar tão bem.

— E de fato, nós nos dávamos. Mas percebi que ele não gostaria de ter um
relacionamento sério, entende? Então eu disse a ele que agora poderia aproveitar
para ficar com quem quisesse. Se um dia estivesse disposto a algo mais sério e
eu também estivesse livre, poderíamos tentar novamente.

Suas palavras me surpreenderam.


O bipe de nossa senha começou a tocar. Brenda levantou e foi pegar nossa
pizza.

Talvez não fosse tão doloroso para ela, porque desde o começo os dois
sabiam o que queriam um do outro.

E eu sabia exatamente o que eu queria. Pois o prazer que Aaron me


proporciona é somente meu, além de ser como uma maldita droga entorpecente.
Fazia-me esquecer tudo, mesmo que por pouco tempo. O sexo com ele seria uma
ótima diversão para nós dois. Porque era tudo o que queríamos.

Após o almoço em que conversamos apenas amenidades, decidi entrar no


assunto Aaron.

— A Elise vai me matar, mas preciso contar a alguém! — comecei. — Ontem


fiquei com o cara da empresa.

Sua boca se abriu num “o” e Bree precisou de um momento para se recuperar.

— Achei que ele estivesse noivo.

— Eu também. Mas quando finalmente decidi ouvi-lo, ele me explicou que


aquilo foi há oito meses. Discutimos um pouco antes que eu decidisse aceitar o
que ele me oferecia e...

— Que seria?

— Sexo.

Minha amiga bateu palmas e riu alto.


— Achei que já não tivesse jeito... Mas como o cara das preliminares se
chama?

— Não vou dizer. Isso continuará em segredo.

— Você é uma vadia, Lola! Como começa a contar algo assim e não querer
dizer nem mesmo o nome dele?

Ri alto de suas palavras e levantei-me ao olhar o relógio em meu pulso. Mais


de duas da tarde — eu comprei os remédios de vovô e terei que levá-los.

— Não vou criar expectativas quanto a ele, Brenda! É apenas sexo e será
assim até que um de nós enjoe. Você e Elise vão inventar significados para tudo
o que ele fizer e, se souberem a identidade dele, provavelmente o manterão em
seus radares oito horas por dia na empresa.

— Você infelizmente me conhece — concordou enquanto descíamos a escada


rolante. — Mas o que aconteceu entre vocês? Onde transaram?

— Não fizemos sexo ainda. — Ri ao lembrar disso. — Ele me fez gozar na


frente da minha casa. Estávamos no carro — murmurei em voz muito baixa,
apenas para ela.

Incrível como, sobre isso, eu não possuía reserva alguma de contar para as
minhas amigas. Quando, em outros aspectos da minha vida, eu preferiria
encerrar o assunto sem entrar em qualquer tipo de detalhe.

— O sexo no carro teria sido estupidamente maravilhoso então?

— Sim — respondi enquanto seguíamos duas mulheres até o banheiro. —


Combinamos de nos encontrar hoje à noite, mas mamãe está em casa... Inferno!
Eu ainda não o avisei!

Bree riu de minha expressão e esperou enquanto eu pegava meu celular.

— Mamãe! — Uma das mulheres à nossa frente caiu no chão e a outra


pareceu desesperada ao vê-la desacordada.

Brenda e eu corremos para ajudar.

— Amiga, vou ligar para uma ambulância — ela sussurrou quando


percebemos que a senhora havia desmaiado.

A jovem que acompanhava a mulher não poderia ter mais que dezoito anos e
chorava enquanto tentava acordar a mãe.

— Senhorita? — chamei-a ao ajoelhar-me ao seu lado. — Calma, minha


amiga já chamou uma ambulância.

Os olhos azuis me fitaram, mas pareciam desfocados.

— Obrigada. Eu... Eu não sei o que fazer para acordá-la, ela está doente,
mas... — eu a interrompi.

— Pense apenas em levá-la ao hospital agora. Você é maior de idade? Se não


for, será melhor se encontrar alguém para acompanhá-las.

— N-não, eu... — Ela se voltou para a bolsa para provavelmente procurar o


celular.

Tentei encontrar Brenda com o olhar, e então percebi que já estávamos


rodeadas de pessoas.
— O Hospital Conceição mandará uma ambulância — ela me avisou.

Voltei-me para a garota que acariciava os cabelos da mãe, ela estava pálida —
a menina estava ligando para alguém.

— Aaron? — O nome me fez enrijecer no lugar. — É a mamãe, ela


desmaiou... Eu não sei o que fazer.

Tentei ignorar o burburinho das pessoas em nossa volta e concentrar-me nas


palavras da garota.

— Chamaram uma ambulância... A mamãe me disse que estava bem e me


pediu para sair um pouco do quarto... Estamos no Shopping Iguatemi, próximo
ao seu prédio.

Fechei os olhos sem acreditar naquilo. Não podia ser o mesmo Aaron.

— Hospital Nossa Senhora da Conceição. — Ouvi Brenda repetir para a


garota e, em seguida, ela disse para o homem com quem conversava: — Vou
esperá-lo.

A menina estava tremendo e ainda chorando quando desligou.

— Seu pai virá até aqui? — Bree perguntou a ela.

— Não, é o meu irmão... E-ele sabe o que fazer.

Irmão? Aaron tem uma irmã?

As pessoas deram espaço à equipe de primeiros socorros do shopping e


levantamos para que pudessem trabalhar.
A senhora, mãe de Aaron, foi colocada sobre uma maca e levada.

Entreguei a bolsa da mulher à jovem e ela agradeceu antes de sair atrás dos
homens que levavam sua mãe.

Aaron tem uma irmã?


“Teus sinais

Me confundem da cabeça aos pés

Mas por dentro eu te devoro

Teu olhar

Não me diz exato quem tu és

Mesmo assim eu te devoro

Te devoraria a qualquer preço

Porque te ignoro ou te conheço

Quando chove ou quando faz frio”


(Eu te Devoro –Djavan)

Era pouco mais de seis da tarde quando cheguei em minha casa — já havia
deixado os remédios de vovô no asilo.

Até agora não sabia se ligava para Aaron e avisava sobre minha mãe ou se o
esperava me ligar e avisar que não poderia vir por causa de sua mãe; se é que era
sua mãe. Mas se Aaron não ligou, era porque viria e eu, consequentemente,
estava completamente enganada em relação à sua família.

A casa parecia silenciosa demais. Mamãe e seu “namorado” devem ter saído.

Fechei os olhos ao lembrar que uma hora ou outra precisaria conversar com
ela — desta vez sem brigas, de preferência.

Tirei o casaco e fui até meu quarto para deixar minhas coisas. Trouxe apenas
o celular, para o caso de alguém ligar.

Às sete da noite eu já havia terminado todo o jantar — e me perguntava por


que diabos cozinhara para três pessoas quando sabia que mamãe certamente
jantaria em algum restaurante chique.

Olhei para a tela de meu celular à procura de qualquer mensagem. Qualquer


ligação perdida. Mas nada havia.

Quando finalmente tomei um banho, me senti com as energias renovadas.


Arrumei-me devagar e com esmero.

Ouvi risadas no corredor enquanto passava hidratante no corpo e acenei em


negativa.

Eu já decidi o que farei. Independentemente da ajuda que mamãe me der, eu


usarei o dinheiro que já tenho para pagar os primeiros meses de meu
financiamento estudantil. E então poderei fazer um empréstimo — o valor da
parcela da hipoteca era aproximado do valor de meu salário, logo, seria
impossível manter a casa e esse pagamento durante os próximos meses sem um
empréstimo — ou a ajuda de Elaine.

Ouvi batidas na porta e, antes de abri-la, vesti uma blusa azul com mangas
até os pulsos e tirei a toalha dos cabelos.

— Mamãe — falei ao vê-la.

Abri a porta o suficiente para deixá-la passar e respirei fundo antes de voltar-
me para ela.

— Eu vim avisá-la sobre algo, querida — disse enquanto avaliava meu


quarto. Com passos hesitantes e lentos, ela o observou e pareceu esquecer o que
me diria.

— Lembro-me de quando seu pai pintou as paredes de rosa...

Estranhei o que ela disse, pois foi a primeira vez em anos que ela mencionara
papai.

Engoli em seco e fingi não prestar atenção na forma que ela tocava os móveis
e objetos de meu quarto enquanto visivelmente divagava em lembranças.

— Vovô me ajudou a pintar de cinza quando eu tinha dezenove anos —


contei sem ao menos saber o motivo.
Elaine me fitou e somente neste momento, percebi que estava arrumada
demais para alguém que ficaria em casa.

— Marcos e eu vamos para Gramado amanhã.

— Gramado?

— Eu queria avisá-la antes, pois sei que terá que ir trabalhar cedo, como fez
hoje, e provavelmente não nos veremos.

Assenti enquanto procurava frases diferentes de “você só está aqui há vinte e


quatro horas”.

— Tudo bem.

— Sei que não há muitos turistas lá agora, mas Marcos quer conhecer a
cidade.

— É lindo. Vocês vão gostar.

— Você já foi lá? — perguntou momentaneamente interessada.

— No Natal, quando eu tinha dez anos.

Foi sua vez de assentir.

— Nós vamos jantar fora. Você quer vir conosco?

— Não. Eu... estou esperando uma pessoa — respondi reticente.

— Um namorado? — Seus olhos brilharam. — Como se chama?


Senti-me desconfortável com sua proximidade, mas sorri ao responder:

— Um colega de trabalho.

— Que pode vir a ser um namorado — completou instantaneamente. — Mas


o que ele é? Sócio da empresa? Diretor ou gerente de algum setor?

Fechei os olhos sem acreditar no que estava ouvindo. Acenei em negativa e


afastei-me rapidamente.

Às vezes a distância que nos separava parecia ser apenas uma linha tênue
entre a sua pouca vontade de ser uma mãe de verdade e meu desejo de que fosse.
Em outras, eu diria que um oceano nos separava — e este era nossa grande
divergência de opiniões.

— Não, mamãe. Ele é um empregado como eu. Trabalha na área de


informática da empresa.

Eu sabia que ela ficaria boquiaberta e esperava que, de fato, estivesse —


porque de tudo o que ela é, aquele lado é o mais promíscuo e interesseiro. E o
que eu mais odeio.

— Você não se importa, não é? — questionou ao voltar a me encarar. — É


como seu pai e seu avô. Não tem ambições, está conformada com a vida que
leva e...

— Não — eu a interrompi. — Eu tenho ambições. E não estou conformada


com a vida que tenho. Claro que pretendo viver em condições melhores, mas
farei isso sem precisar de um homem. Sem precisar do dinheiro dele.

Aquilo a fez ficar em silêncio.


— Vou trabalhar para chegar onde quero, mamãe.

Ela pareceu estupefata.

Nada em Elaine chegava a me atingir realmente. Não mais. Eu já a conhecia.


Não me surpreenderia com nada vindo dela.

— Você é tão bonita, Lola. Tão jovem. Mas vai fazer com sua vida o mesmo
que...

— Você fez? — completei. — Me apaixonar por alguém e me casar? Sim, eu


um dia farei isso.

— Diferente do que você acha, eu não tentava me aproveitar dos homens


para ter uma boa vida, Dolores. Eu tinha um emprego antes do seu pai. Ganhava
muito bem como modelo fotográfica. Mas...

— Cometeu o erro de engravidar de um homem que não podia manter o


padrão de vida com o qual estava acostumada.

— Meu erro foi me apaixonar, Dolores. Apenas isso.

Mordi os lábios ao lembrar das palavras de vovô.

“Seu pai estava tão apaixonado, querida. Tenho certeza de que faria tudo
por sua mãe, tudo...”

— Quero que me diga algo — pedi.

Ela ficou em silêncio ainda de costas para mim e percebi que tentava limpar o
rosto. Provavelmente estava chorando.
— Em que momento papai hipotecou esta casa?

Ela hesitou. E após alguns segundos decidiu me encarar.

— Como sabe disso?

— Não acha que uma hora o banco cobraria?

Ela engoliu em seco e perceptivelmente procurou as palavras certas para


dizer.

— Em nosso aniversário de casamento de quatro anos, ele me levou ao


shopping para escolhermos um presente — começou.

Cerrei os olhos sem acreditar. Não podia ser. Não por isso... Por algo tão
trivial.

— Só descobri sobre a hipoteca meses depois.

— O que você queria?

— Um conjunto de esmeraldas... Os brincos e o colar eram lindos.

Acenei em negativa e tentei voltar a encará-la, mas foi impossível. Eu não


podia acreditar no que ouvia.

Era simplesmente muito para digerir agora.

Como papai pudera ser tão inconsequente ao fazer isso? E ela, por que não
fez nada para contornar a situação quando descobriu?
Segui para a porta e a abri.

— Por favor — pedi.

— Dolores.

— Elaine, eu quero que saia. Por favor — repeti.

Um silêncio desconfortável pairou sobre nós. Pareceram passar anos até que
ela cedeu e, sem nenhuma palavra, saiu.

Senti meus olhos queimarem em lágrimas, mas não me permiti chorar. Estava
farta daquilo. Dela, da sua forma de pensar e, principalmente, de suas atitudes.
Vi meu celular piscando sobre o criado-mudo e o peguei rapidamente.

Havia uma chamada perdida de Aaron e uma mensagem — desta vez deixada
para meu número de celular, em vez do programa da empresa.

“Estou um pouco ocupado. Posso passar em sua casa mais tarde?”

Digitei em resposta:

“Tudo bem.”

Então ele possuía sim uma irmã e sua mãe estava doente.
Quando Elaine e Marcos saíram para ir ao restaurante, decidi seguir para a
sala. Sentei-me no sofá e liguei a TV para assistir uma série qualquer.

Já passavam de dez da noite quando verifiquei meu celular pela décima nona
vez e não havia mensagens novas ou ligações.

Eu não estava cansada pela demora de Aaron. Mas devia admitir que a falta
de aviso sobre os motivos dela, me deixava preocupada.

Ele ainda estaria no hospital? E sua mãe, estaria melhor ou pior?

Sua irmã parecia preocupada e nervosa demais até mesmo para pensar —
desconfiei que aquela não fosse a primeira vez que aquilo acontecia.

Lembrei da forma que ele ficara pensativo ao dizer que sua mãe era bonita,
deixando claro que ainda vivia. Ele devia ser muito apegado a ela.

Assustei-me ao ouvir meu telefone tocar e o atendi rapidamente ao ver o


nome de Aaron.

— Estou na frente da sua casa.

— Deixei o portão da frente aberto.

— Em um minuto estou aí.

Precisei de alguns segundos para perceber que ele realmente estava aqui.
Levantei-me rapidamente e arrumei meus cabelos e minha blusa, que estavam
desalinhados. Respirei fundo ao ouvir batidas na porta e fui atendê-la.

— Aaron.

Engoli as palavras que pretendia dizer, ao ver um misto de sentimentos em


seus olhos e sua expressão, coisa que nunca acontecera. Havia dor e preocupação
ali, mas à medida que ele também me fitava, vi tudo aquilo converter-se a desejo
incontido.

Quando ele me beijou, sem dizer uma só palavra — ou fazer qualquer


comentário sarcástico — eu percebi que aquela era sua forma de esquecer o que
quer que estivesse vivendo. Em qualquer outro momento, me incomodaria muito
desenvolver o papel de escape para ele, mas não agora. Não quando eu estava
ciente do que ele vivia e do desejo que sentia por mim. Não enquanto ele me
beijava como se precisasse manter seus lábios sobre os meus e sua língua
guiando a minha. Como se aquela fosse uma necessidade. Algo que o fizesse se
sentir bem em meio a tudo.

A porta foi fechada com um baque surdo — emiti um som baixo de prazer
quando Aaron colocou as mãos sobre minha cintura e, sem qualquer delicadeza,
trouxe meu corpo de encontro ao seu.

Meus dedos enterraram-se em seus cabelos e mantive seu rosto próximo ao


meu quando ele acabou com o beijo e procuramos desesperados por ar.

— O que aconteceu? — tentei.

— Nada.

Um arrepio atravessou meu corpo e manteve acordadas as partes mais


libidinosas de meu ser enquanto eu me tornava ciente da forma que gostaria que
aquela noite terminasse — e, mais do que nunca, tive certeza de que seria
exatamente como eu gostaria.

— Aaron, o quê... — tentei perguntar, mas meu gemido de surpresa me


impediu quando ele segurou minhas nádegas com possessividade e manteve meu
corpo contra o seu. Ele beijou meu o pescoço e os rastros de fogo deixados por
aqueles beijos, em questão de segundos, conseguiram espalhar calor a todo o
meu corpo. E manter ardentes diversas partes dele.

— Seu quarto, onde fica? — indagou de forma quase inaudível em meu


ouvido.

Meus batimentos triplicaram com aquela pergunta. Forcei-me a respondê-la o


mais rápido possível, mesmo que ainda quisesse saber se a sua preocupação
inicial era por causa de sua mãe.

— Última porta à direita, no corredor.

Tentei respirar fundo enquanto o seguia pelo corredor, mas foi em vão. Eu
ainda estava ofegante pelo beijo e desconfiava que ele não pretendia mudar isso.

Eu ouvia sua respiração profunda e pesada quando finalmente abri a porta de


meu quarto. Estava ciente da sua perturbadora presença e sabia também que a
excitação em mim crescia a cada segundo apenas por este fato.

Bastou apenas que eu o ouvisse fechar a porta, para que as batidas de meu
coração voltassem ao estado descontrolado de antes.

Seus dedos enterraram-se em meus cabelos e Aaron delicadamente os


colocou sobre meu ombro esquerdo enquanto beijava o direito.
Um suspiro de prazer me escapou e fechei os olhos ao sentir seus lábios
quentes ora beijarem-me a pele sensível, como fizera antes, ora marcarem-na
com chupões e deliciosas mordidas.

Tentei continuar imóvel enquanto ele baixava meu short. E sem dificuldade
saí dele.

— Lola, eu quero fazer tantas coisas com você — sussurrou em meu ouvido
enquanto seus dedos adentravam minha calcinha de forma lenta.

Gemi um pouco mais alto quando ele usou o polegar e o indicador para
esfregar meu clitóris. O que funcionou para deixar-me ainda mais excitada.

— Aaron... — suspirei quando ele parou de incitar-me ali e seguiu para


minha entrada.

— Mas, acima de tudo, eu quero saber qual o seu gosto aqui. — Minhas
pernas fraquejaram por um momento quando ele rodeou meus lábios inferiores
apenas com um dedo. — Quero saber qual a sensação de ser apertado por sua
boceta, enquanto você goza para mim.

Maldição! O seu toque agora era instigante e excitante — a umidade pelo


desejo e prazer mesclados em mim aumentava e ele se aproveitava disso para
massagear meu clitóris novamente e manter-me molhada.

Luxúria e prazer dominavam-me por inteiro. Meu sangue já corria


ferozmente em minhas veias e minha pele ardia por ele, por seu toque e seus
beijos.

Fechei as pernas quando um de seus dedos me invadiu e mordi os lábios com


força para impedir outro gemido de fugir de minha boca.
— Não — ele repreendeu. — Mantenha as pernas abertas para mim.

— Aaron, eu quero você dentro de mim.

— Seja especifica.

— Eu quero seu pau dentro de mim, não seus dedos.

Cerrei os olhos após o som de prazer que ele emitiu com minhas palavras e
seus dedos me abandonaram.

— Céus — sussurrei quando ele aproximou seu corpo o suficiente do meu


para que eu sentisse seu membro em minhas nádegas.

Ele estava excitado. Muito.

— Ainda não — disse contra meu ouvido.

— Você é um cretino depravado — murmurei quando ele fez com que eu


voltasse a encará-lo.

— Eu sou — concordou antes de beijar-me impetuosamente.

Interrompemos o beijo apenas porque ele começou a tirar minha camisa —


ajudei-o com as mangas e segundos depois havia me livrado dela.

Meus seios apertaram-se ainda mais contra o sutiã e suspirei devagar


tentando controlar o turbilhão de emoções em que me encontrava.

Aaron jogou minha roupa em um canto do quarto e com o dedo indicador ele
roçou a pele, agora mais sensível que o normal, de minha clavícula e, em
seguida, tocou o vale entre meus seios.

— O que significa? — inquiriu acariciando suavemente minha tatuagem. Era


apenas um coração partido, pequeno e vermelho em meu seio esquerdo.

— É só símbolo da minha banda preferida — menti.

Claro que não era apenas isso.

Ele a beijou ternamente e depois voltou aos meus lábios.

Levei minhas mãos aos seus cabelos mais uma vez quando sua atenção foi
direcionada ao meu pescoço e, logo mais, minha orelha. Onde ele mordeu o
lóbulo e sussurrou:

— Esqueça as preliminares hoje, ok? Eu preciso estar dentro de você agora.

Beijei-lhe o ombro sem respondê-lo. Não poderia.

Comecei a abrir sua camisa. Eu não me achava capaz de responder com


palavras e esperava que minhas atitudes falassem por si só. Acompanhei os
passos que ele deu e um momento depois me encontrava em minha cama. Ele
terminou de abrir a braguilha da calça, que eu tentara anteriormente sem sucesso,
e fingi não me surpreender ao ver o volume em sua boxer.

Senti uma pontada em meu ventre e reprimi a vontade de fechar as pernas ao


sentir o doloroso e excitante vazio em mim.

— Não, eu... Quero fazer isso — pedi com a voz irreconhecível.

Peguei a camisinha que ele havia aberto para colocar em si e abaixei sua
boxer para colocá-la nele — mordi os lábios para reprimir o som de apreciação
ao vê-lo. Era bonito e macio, embora estivesse completamente rígido e excitado.
E eu queria beijá-lo e tê-lo em minha boca agora mesmo, mas sabia que a
necessidade de senti-lo dentro de mim era maior.

— Aaron... — chamei-o quando deitei sobre a cama.

— Diga que está pronta e molhada para mim — mandou enquanto tirava-me
a calcinha molhada. — Diga, Lola! — repetiu. — Eu não fiz nada como planejei,
e embora esteja louco pra entrar em você, não quero machucá-la.

— Estou pronta e molhada para você — afirmei um momento depois.

Não fui capaz de manter os olhos abertos ao senti-lo roçar minha entrada.
Meu corpo arrepiou-se inteiramente e meus lábios se entreabriram em um
gemido.

— Abra os olhos — mandou. — Quero vê-los enquanto estiver dentro de


você.

Entrelacei minhas pernas em sua cintura e suspirei lentamente para me


acostumar com a sensação de tê-lo tão perto de mim. E então fiz o que ele pediu.

O prazer de senti-lo me invadindo era imensurável, maravilhoso. Repeti seu


nome diversas vezes quando ele percebeu que eu estava mais que pronta para tê-
lo em mim, e passou a penetrar-me sem qualquer cuidado ou delicadeza. Eu
estava completa e perfeitamente preenchida por ele. E não conseguiria colocar
em palavras todo o prazer que me arrebatava neste momento.

Comprimi minhas paredes internas na intenção de apertá-lo e ouvir o som


que Aaron emitiu foi suficiente para completar meu estado de êxtase. Minhas
unhas arranharam suas costas por cima de sua camisa sem pena quando ele
começou a se mover. Seus movimentos concisos, intensos e insanamente
perfeitos me levaram à loucura.

Eu queria tocá-lo de forma que lhe desse ainda mais prazer que nossa
posição, mas não conseguia. As ondas avassaladoras que me percorriam o corpo
estavam me levando ao ápice com uma velocidade surpreendente, deixando-me
sem qualquer saída, a não ser sucumbir a ele.

Somente percebi que Aaron havia tirado meu sutiã quando a umidade de sua
boca envolveu um de meus mamilos e ele o sugou. Cerrei os olhos quando o
orgasmo iminente fez com que minha pele se contraísse e o apertasse com força
diversas vezes antes que aquele prazer me dominasse por completo.

Gritei seu nome enquanto me sentia cair em queda livre por ele, para ele. O
desejo e a luxúria estavam em cada célula de meu ser.

Aaron não parara de se mover e me beijara antes que eu voltasse a mim.

Uma de suas mãos envolveu meu seio e o apertou, enquanto seu indicador e o
polegar instigavam meu mamilo.

— Aaron... — gemi novamente acabando com o beijo e minhas mãos


seguiram para seus cabelos, procurando ávidas por qualquer lugar que pudessem
puxar. — Eu... — tentei, mas ele me interrompeu.

— De novo, Lola... Eu quero que goze para mim mais uma vez.

Eu sequer me recuperara por completo do último orgasmo. A respiração ainda


era ofegante, a pele ainda estava eriçada, os seios sensíveis e receptíveis ao
toque, e o suor já brilhava em minha testa.
— Eu não...

— Você pode sim — concluiu.

Não tive tempo de dizer qualquer outra palavra para Aaron, pois seu nome
escapou de meus lábios de forma desesperada quando ele voltou a me incitar.

Suas mãos acariciaram minhas pernas, uma delas seguiu para a junção de
nossos corpos e ele tocou meu clitóris. Aquele toque fez com que um tipo de
prazer líquido e quente passasse a circular junto ao sangue em minhas veias.

Céus! Ele me faria chegar lá novamente. Claro que faria.

Seus quadris se moveram e ele me penetrou de novo. Sua boca envolveu meu
seio direito e ele usou os dentes em meu mamilo desta vez.

Demais. Aquilo era demais para mim.

Deixei-me cair em um novo orgasmo incrível e ainda mais intenso que o


anterior. Eu o ouvi chamar meu nome enquanto ele também chegava ao ápice,
mas já estava perdida no subespaço e meu grito por seu nome ofuscou qualquer
coisa que ele tenha dito.

Por alguns segundos senti como se estivesse perdida em meio a tudo o que
sentia, mas sua voz agiu como uma bússola e me guiou de volta a realidade.

— Lola...

Abri os olhos e me deparei com ele me fitando.

Ignorei o fato de nós dois estarmos ofegantes e o puxei para me beijar.


Surpreendi-me apenas com quão diferente isso foi do que imaginei. Em
divergência ao que imaginei, o beijo foi calmo.

Não sei o que exatamente me fez lembrar do que ainda estava acontecendo
fora das paredes de meu quarto. E eu sabia que não deveria tentar me envolver
ou me preocupar com o espaço vazio em minha mente sempre que eu tentava
descobrir e entender um pouco mais sobre o homem que beijava agora, mas eu
queria saber. E queria que ele me dissesse. Mesmo que, francamente, estivesse
ciente de que o assunto não era da minha alçada, e mais, que Aaron não o
dividiria comigo.

— Aaron... — sussurrei acabando com o beijo.

Ele não disse nada, apenas me fitou em silêncio e pareceu ter lembrado que
ainda estava dentro de mim.

Fechei os olhos e reprimi um gemido de reprovação quando ele se afastou.


Suspirei audivelmente quando ele levantou, mas não abri os olhos. Ouvi-o andar
até o banheiro e voltar em seguida. Eu sequer me importei de cobrir minha
nudez, desconfiei que estava cansada demais até mesmo para isso. Tive coragem
suficiente apenas para fechar as pernas e deliciar-me com a sensação de vazio
entre elas.

Voltei a fitá-lo quando o senti passar um tecido fino e úmido entre minhas
coxas para me limpar — um gesto gentil demais para Aaron. Pelo menos, eu
achei que fosse.

Pensei em me levantar antes que ele voltasse do banheiro novamente, mas


preferi não o fazer. Eu queria saber qual seria o seu próximo passo. Não queria
que ele fosse embora, mas não via motivos e argumentos suficientes para mantê-
lo aqui.

É sexo e apenas isso.

— O que houve? — perguntei quando ele se sentou em silêncio na beirada da


cama.

Ele voltou a me encarar e o sorriso que surgiu em seus lábios quase me


convenceu de que estava tudo bem.

— Estou lamentando o fato de ter trazido apenas um preservativo.

Revirei os olhos e usei o lençol para me cobrir. Sentei-me encostada à


cabeceira da cama.

— É sério... — falei. — Você não parecia bem ao chegar aqui.

Ele foi cuidadoso o suficiente para não deixar transparecer nada.

— Não sei do que está falando.

Ponderei um momento e quase desisti de tentar convencê-lo, mas pendi para


uma nova tentativa.

— Então será assim? Você virá aqui e me fará gozar para esquecer o que quer
que esteja acontecendo em sua vida?

Talvez eu não soubesse ser mais sutil que aquilo. Aaron se levantou e fechou
a braguilha de sua calça, que continuava aberta. Segui seu exemplo e procurei
minhas roupas que estavam uma em cada lado do quarto. Decidi apenas vestir
um robe preto de uma camisola que ganhara de Elise no último Natal.
Desisti de ignorar sua presença e voltei-me para ele, que terminava de fechar
os botões da camisa.

— Eu só quero saber se está tudo bem — completei da forma mais suave que
consegui. — Você parecia preocupado quando chegou e não me deixou sequer
perguntar sobre isso antes... — Ele continuou a me fitar e concluí: — Eu sei, ok?
É apenas sexo. Mas isso quer dizer que terei de fingir que não percebo quando
algo está errado?

— Não — respondeu por fim. — Só prefiro não falar sobre isso.

Mordi os lábios e mesmo hesitante, eu me aproximei dele. Aaron era mais


alto que eu e precisei erguer o queixo para olhar diretamente em seus olhos.

Lembrei de mais cedo. Sua irmã, sua mãe, o telefonema... A forma que ele
chegou em minha casa. A preocupação naqueles mesmos olhos castanhos.

— Espero que tudo termine bem — sussurrei com sinceridade.

Ele assentiu lentamente e percebi seus ombros relaxarem, como acontecera


quando ele me beijou assim que chegou.

“Seria estranho beijá-lo agora?”, questionei-me.

Independente de ser ou não, eu o beijei.

— Lola, você está nua — ele murmurou entre beijos em meus lábios. Suas
mãos percorrendo meu corpo. — A idiotice de trazer apenas uma camisinha, foi
um respaldo para que eu não decidisse me perder em você a noite inteira.

— E por que diabos fez isso? — indaguei sem entender.


— Eu não podia passar muito tempo aqui — admitiu.

Permaneci onde estava, apenas encarando-o enquanto o sentia acariciar meu


corpo.

“Não tente obrigá-lo a dizer mais do que ele quer”, meu subconsciente falou.

Beijei-lhe uma última vez e me afastei.

Eu já sei o que está acontecendo, por que quero que Aaron confie em mim a
ponto de me contar? Isso é ridículo.
“Eu quis

No alvo estou

Foi por um triz

Só arranhou

Na mão

Do atirador

As facas que

Eu mesma concedi

Um leão sem domador”


(Um Leão – Pitty)

Encostei-me à porta assim que ele saiu e mordi os lábios quando uma certeza
continuou a me importunar.

Havia algo errado. E não parecia ser apenas o fato de sua mãe estar doente. O
Aaron que acabou de sair daqui não era o homem que encontrei naquela praça
ontem. Antes daquele telefonema. Porque foi sim, a partir do maldito
telefonema, que tudo nele mudou.

Claro que eu não tinha nada a ver com o que quer que pudesse estar se
passando em sua vida, mas não deixava de ficar curiosa — e devia admitir que
um lado de mim começava a ficar preocupado.

Segui devagar para o meu quarto e tomei um banho. Troquei os lençóis de


cama e deitei-me cansada. Extremamente satisfeita e, devia admitir, um pouco
dolorida.

Somente neste momento percebi que além do abajur, a lâmpada do quarto


continuava acesa. Suspirei e levantei. Quando desliguei as luzes, um telefone
começou a tocar no quarto.

Franzi o cenho e apurei os ouvidos para descobrir de onde vinha aquele


toque. O celular não é meu, pensei ao encontrá-lo no chão próximo à minha
cama.

Era o de Aaron.

“É falta de educação atender ao telefone de alguém, filha”, lembrei das


palavras de vovô. Mas e se fosse Aaron para dizer que virá buscá-lo? Eu deveria
atender.

E o fiz.

— Olá. — Era Aaron.

— Aaron, seu celular ficou aqui. — Arrependi-me de minhas palavras no


momento em que as disse. Se ele estava ligando, é claro que sabia. — Você virá
pegá-lo agora?

Houve um momento, um tanto quanto longo, de silêncio até que respondeu:

— Está tarde. Amanhã eu o pego.

— Vou correr amanhã de manhã. Mas posso levá-lo ao seu apartamento antes
do seu expediente na empresa.

Uma nova pausa. E o som de uma buzina ao longe se fez ser ouvida.

— Não vou para casa agora. Preciso desligar. Amanhã eu o pego — insistiu.
— Que horas estará na sua casa?

— Por volta das sete horas.

— Certo. Nos falamos amanhã, querida.

Franzi o cenho quando ele desligou e olhei para o telefone sem entender.

Querida?
Ele definitivamente estava muito estranho.

Voltei para a cama com o celular. Já eram mais de meia-noite e até alguns
minutos atrás eu estava com sono, mas agora tivera uma ideia.

O celular de Aaron não possuía uma tela de bloqueio ou qualquer senha.


Portanto, eu poderia fazer uma pequena verificação nele.

Era falta de educação? Sim. Era errado? Certamente. Eu ligava? Não muito.

Mas ele nunca saberia, certo? O que tinha demais em verificar uns arquivos?
O máximo que eu poderia encontrar eram uns vídeos pornôs, eu acho.

Comecei exatamente pelos vídeos. E na verdade não me surpreendi muito ao


ver que a pasta estava vazia.

Segui então para a galeria de imagens. Onde encontrei apenas paisagens,


prints de anúncios de novos aparelhos tecnológicos e uma foto minha.

Uma foto minha?

Voltei na minha imagem e me surpreendi ao vê-la de novo. Eu não tinha


certeza se era a qualidade da imagem do celular ou se a foto estava com algum
efeito, mas estava um pouco borrada. Eu não lembro de ter posado para uma foto
sorrindo desta forma. Ainda mais para ele. O que foi curioso.

Onde ele conseguira aquela foto? Era possível ver apenas uma blusa preta.
Meus cabelos estavam completamente soltos, o que dificilmente acontecia
enquanto eu estava no trabalho. E eu sorria genuinamente para a câmera. Como
se estivesse posando para aquela foto.
Respirei fundo e decidi resistir à vontade de apagá-la. Enviei para meu
celular para ter certeza de que a teria quando Aaron e eu conversássemos sobre
isso.

Segui para a pasta de músicas. E a estranheza pela imagem anterior foi


esquecida quando me deparei com a lista de músicas na sua conta do iTunes:
Legião Urbana, Ana Carolina, Roupa Nova, Djavan, Engenheiros do Hawaii,
Isabela Taviani, Nando Reis e Tim Maia.

Céus! Era como olhar para minha própria playlist! Eu somente não possuo
músicas de Isabela Taviani e Engenheiros do Hawaii.

Eu tive grande influência de vovô em meu gosto musical, afinal, fora ele a me
apresentar mais da metade dos artistas nacionais que conheço. Um sorriso idiota
surgiu em meus lábios enquanto eu repassava as músicas.

Coloquei uma música para tocar em segundo plano e comecei a mexer na


parte que realmente interessava. A caixa de mensagens.

Não havia muitas. Ele só trocou mensagens recentemente comigo um tal de


NG, JB e NT.

Antes de abrir as mensagens, decidi acabar com uma curiosidade. Ele


colocava apenas as iniciais dos nomes de cada pessoa? Eu só soube que eram
minhas as mensagens no topo do quadro porque reconheci meu número. Sou LD.
— Lola Dias.

Fui até seus contatos e encontrei por ordem alfabética.

A
AR (provisório)

CDR

CDR C

E assim por diante. Eu nunca vira alguém fazer algo assim.

Acenei em negativa para mim mesma e voltei para as mensagens. Ignorei as


minhas e entrei na conversa de JB.

“Ainda está na empresa?”

Franzi o cenho novamente e tentei lembrar quem possuía as iniciais JB na


empresa, mas nada me veio à mente. Decidi continuar lendo. Havia a resposta de
Aaron:

“Não deveria estar usando o programa da empresa?”

“Não quero conversar sobre trabalho.”

Definitivamente era uma mulher.

Arqueei a sobrancelha e prossegui:

“E sobre o que seria?”

“Você e eu.”
Ok. Aquela era a noiva abandonada?

Aaron não respondeu, mas a mulher replicou:

“Você não aceitou meu contive anterior.”

“Não vou me envolver com uma funcionária da empresa, Jéssica.”

Naquele momento lembrei: Jéssica Bernardes. Então ela queria mesmo


transar com ele. Parece que ele não quer o mesmo. E um novo sorriso surgiu em
meus lábios.

Entrei na conversa de NG.

“Me ligue, por favor.”

“Mamãe está com muita febre.”

Era seu irmão ou sua irmã?

Aaron respondeu:

“Avise-me se o estado se agravar.”

O registro de chamadas também possuía poucos números. O meu, NG e AR


(provisório), que era o número que ligara há pouco.

Suspirei ainda mais confusa e fechei os olhos.

Conhecê-lo deixou de ser uma curiosidade boba há muito tempo. Era como
um desafio agora.

Sem nem mesmo prestar atenção à música que ainda tocava, eu a coloquei em
pausa e deixei o celular sobre o criado-mudo.

Era sete da manhã e eu já havia terminado meu café quando Aaron chegou à
frente de minha casa — o som da buzina do carro apenas me mostrou quão
apressado ele estava.

Peguei rapidamente seu celular e meu iPod e saí.

Estranhei o carro prateado com que me deparei, pois o carro de Aaron é


preto. Mas ao vê-lo no assento do motorista com cara de poucos amigos,
sombreada por uma barba por fazer, a estranheza deu lugar à preocupação. O que
aconteceu agora?

— Bom dia — cumprimentei-o ao me aproximar.

Ele não respondeu.

Peguei seu celular do bolso, mas antes que pudesse estendê-lo para Aaron,
ele disse:

— Você precisa ir à empresa comigo.

Fitei-o surpresa.

Entreguei seu celular e lembrei-o:

— Você sabe que não posso voltar ainda. E de qualquer forma, não vestida
assim — indiquei o novo conjunto de moletom que eu usava para correr.

— Isso não é importante — respondeu enquanto procurava algo em seu


celular. — Roberto descobriu algo. E querem que você esteja lá.

Respirei fundo e disse:

— Do que estão me acusando agora?

Inferno! Eu já estava farta daquilo!

— Estamos atrasados, Dolores. Entre de uma vez — avisou enquanto abria a


porta do carona para mim.

Semicerrei os olhos para ele e suspirei de raiva ao perceber que sua expressão
não dizia nada que eu gostaria de saber. Desviei meus olhos dos seus e segui
para o carro.

O que diabos Roberto encontrou agora? E o que eu tenho a ver com isso? E
por que tínhamos que ir a empresa agora se o turno dos funcionários da noite
ainda não terminou?
Franzi o cenho ao olhar para Aaron. Ele parecia diferente, observei após
colocar o cinto de segurança.

— Por que mandaram você me dar este recado? — questionei referindo-me a


eu ter que ir à empresa.

— Não mandaram — foi tudo o que ele disse antes de dar partida no carro.

Olhei para o espelho retrovisor do carro a tempo de ver um homem com um


capuz preto e uma máscara se aproximar e colocar um tecido dobrado e úmido
contra minha boca e nariz.

Arregalei os olhos e tentei soltar-me do aperto do homem, mas ele me


segurou por trás e com força, o que me impediu de fazer qualquer coisa. Meus
olhos lacrimejaram e olhei para homem ao meu lado. Ele fingia não ver o que
acontecia.

À medida que eu perdia as forças e a falta de ar em meus pulmões me levava


ao inconsciente, minhas unhas, que até então estavam cravadas nos braços do
homem, o soltaram.

Meu último pensamento antes de desmaiar foi: ele não é o Aaron.

Abri os olhos rapidamente, como se estivesse acordando de um pesadelo, e as


lembranças do que acontecera mais cedo logo preencheram as lacunas vazias de
minha mente. Forcei-me a sair do estado de letargia e prestar atenção ao local
que estava. Parecia um galpão abandonado, relativamente escuro, já que toda a
luz que o iluminava era a do céu nublado da cidade, que passava de forma
vagarosa pelas janelas destruídas pelo tempo.

O teto era alto e desconfiei que o som de qualquer uma daquelas máquinas
enormes e antigas ao meu redor, seria ensurdecedor por causa do eco.

Maldição!

Eu estava presa a um mastro próximo a uma daquelas máquinas. Olhei para


baixo e vi meus pés unidos por cordas. Meus braços estavam da mesma forma,
só que colocados contra minhas costas. Eu estava presa o suficiente para não ter
desabado no chão enquanto estava desacordada.

Fechei os olhos tentando lembrar de qualquer lição do vovô ou de Robson, o


professor de autodefesa. Os pensamentos pareciam longe demais para que eu
pudesse pescá-los.

“Eu estou sozinha?”, perguntei-me ao abrir os olhos. Ao que parecia, sim,


mas eu tinha a nítida sensação de estar sendo observada.

Respirei fundo e agradeci pela inteligência emocional aprendida anos atrás,


quando vovô colocou na cabeça que eu deveria aprender a me proteger.

“Não entre em pânico. Isso não a ajudará em nada”, ele dizia em minha
mente.

Mas eu não estava em pânico. Eu estava sendo cuidadosa com o que minha
expressão aparentava, porque ainda tentava entender o que acontecia. O homem
naquele carro era definitivamente o irmão gêmeo de Aaron, mas por que diabos
ele decidiu me sequestrar? Se quisesse me matar já o teria feito. Então por que
eu estava aqui?

Então eu o vi. Ele saiu detrás de algumas máquinas enferrujadas e úmidas,


que certamente contribuíam para o cheiro horrível de ferro daquele local.
Encarou-me em silêncio. Eu fiz o mesmo.

Era impossível acreditar na semelhança dele e de Aaron. Os dois pareciam a


mesma pessoa. Talvez apenas seu cabelo fosse mais curto e acho que Aaron
também tem os ombros um pouco mais largos. Mas nenhuma diferença além
destas.

— Por que me trouxe aqui? — perguntei. Minha voz soou fraca e rouca no
começo, por ter passado algum tempo sem usá-la, mas não me importei com
aquilo. Talvez se ele achasse que sou tão fraca quando aparento, eu ganhasse
alguns pontos sobre ele.

— Por que acha que eu a trouxe aqui?

Percebi o tom de ironia em suas palavras e decidi mantê-lo falando enquanto


tentava deixar as cordas um pouco mais frouxas em meus pulsos.

— Por que você e Aaron se odeiam talvez? — sugeri lembrando da forma


que Aaron falou que não possuía um irmão quando eu descobri este fato de sua
vida.

— Aaron? — Fez-se de desentendido, o que não funcionou. — Mas eu sou


Aaron. Já se esqueceu da nossa noite maravilhosa ontem?

“Ele está blefando”, concluí ao perceber que seus olhos estavam quase
imperceptivelmente semicerrados. Eu poderia fazer o mesmo, certo?
— Me trazer para casa depois de eu ter machucado o pé na corrida de ontem,
não me parece uma noite maravilhosa — menti.

Ele olhou para meus pés presos e mantive-os imóveis.

— Você não parecia machucada.

— Você não estava prestando atenção em nada de mim quando apareci na sua
frente — devolvi.

Ele deu de ombros e decidi continuar:

— Por que acha que não movi um músculo desde que acordei? — Ele cruzou
os braços e me avaliou em silêncio por um momento.

Aquilo era estranho. Ele era idêntico a Aaron fisicamente, mas não parecia,
de fato, ter qualquer característica do irmão.

O homem estava com os braços cruzados e uma de suas mãos estava sob o
queixo, acariciando metodicamente a barba por fazer de, pelo menos, três dias.

Seus olhos pareciam me fazer uma ameaça sempre que eu o fitava. Desafio e
perigo iminente também poderiam ser encontrados ali. Senti-me desconfortável
por isso, mas não ousei demonstrar. Eu ainda queria descobrir o porquê dele me
manter aqui.

— Dolores Dias — murmurou como se estivesse testando meu nome em seus


lábios. — O que Aaron viu em você?

Ergui a sobrancelha esquerda após sua provocação e entrecerrei os olhos. Eu


precisava ser cuidadosa. Uma palavra em falso e eu seria derrubada pelo que ele
insistia que eu admitisse: o caso que tenho com Aaron.

— Por que me trouxe aqui?

— Isso não diz respeito a você — replicou.

— Eu sou sequestrada e o motivo para isso não é da minha conta? — repeti.


— Vai me dizer, ao menos, qual o seu nome?

Foi sua vez de arquear as sobrancelhas em fingida surpresa.

— Pode me chamar de Rodrigo — cedeu ao se aproximar. — Então, Dolores,


o que tem a me dizer sobre o meu irmãozinho?

Parei de mover as mãos em minhas costas quando ele chegou próximo o


suficiente para perceber o que eu estava fazendo.

— Eu não conheço Aaron. Nada além do nome dele.

Ele assentiu e descruzou os braços. Havia uma arma no cós de sua calça. A
adrenalina passou a correr em minhas veias.

— Eu acredito em você. Meu irmão sempre teve essa tara por manter-se
reservado, com sua vida pessoal oculta. Acredito que toda essa discrição tenha
sido herdada de Olavo.

— Olavo?

Ele me fitou atentamente e prosseguiu:

— Eu a trouxe aqui por isso. Você é parte do que Aaron esconde e é sempre
bom lembrar a ele que continuo aqui, não é mesmo?

— Aaron é meu colega de trabalho, sequer estamos no mesmo setor —


insisti. — De onde tirou isso?

— Não há melhor maneira de lembrá-lo disso, do que mostrar que ele ainda
possui alguém como você — continuou como se eu jamais tivesse dito algo. —
Um ponto fraco.

Franzi o cenho ainda sem entender e desisti de insistir.

Ele ficou em silêncio. Tentei entender sua expressão. Mas foi inútil. Ele era
impassível. Não revelava nada sobre o que quer que pudesse estar pensando.

— E por que você precisa lembrá-lo disto?

Ele sorriu e recuei quando sua mão esquerda acariciou meu rosto
suavemente.

— Você é inteligente. — Rodrigo riu ao se afastar.

Fechei os olhos quando percebi que ele nos faria andar em círculos com esta
conversa. Olhei para a janela mais próxima e chutei que já deveria ser mais de
quatro da tarde. Como ele conseguiu me manter tanto tempo desacordada?

— Se vamos continuar apenas conversando, me solte, por favor — pedi


fazendo uma careta de dor. — As cordas estão me machucando.

Ele negou meu pedido e prosseguiu:

— Como sabia que eu não era Aaron?


— Se eu for responder suas perguntas e continuar aqui, quero que me diga, ao
menos, quando vou poder ir embora.

— Quando for da minha vontade que você vá.

Juntei as sobrancelhas e engoli a sentença de desafio que chegou a minha


garganta e quase foi dita por mim.

— Quer apenas assustar Aaron?

Ele assentiu.

— Não acho que ele vá se importar com uma colega de trabalho que quase o
fez perder o emprego — tentei levar a conversa para outro campo.

— Não acho que tenha sido sua culpa, afinal, todos já sabem que você não
teve nada a ver com o que aconteceu.

Abri a boca para retrucar, mas o desentendimento me impediu. E perguntei:

— O que você sabe sobre isso?

— Hum... Tudo, talvez... Não adianta sustentar a mentira de que não há nada
entre vocês. Eu já sei de tudo — ele fez uma pausa. — Responda minha
pergunta.

Rodrigo virou-se para me encarar e parei de mover minhas mãos novamente.


Eu já estava conseguindo movê-las com mais facilidade.

— Vocês são diferentes. Aaron é frio e impenetrável. Você é um tanto quanto


transparente para mim — menti. — Você blefou comigo assim que eu lhe fiz
uma pergunta. Aaron não foge de respostas... Não deixa a barba por fazer, tem os
cabelos maiores que os seus, assim como os ombros mais largos — meu tom era
irônico e percebi que ele não gostara disso.

— Está em desvantagem para ser tão petulante, não acha, Dolores?

— Você me fez uma pergunta e eu respondi — repliquei recusando-me a


recuar um centímetro quando ele se aproximou demais.

— Não me reconheceu ao me ver mais cedo — lembrou-me.

— Você estava com uma carranca parecida com a de Aaron, e eu ainda estava
com sono. — Sorri ao dizer as últimas palavras.

— Inteligente, sarcástica e petulante... Você é um desafio para ele —


concluiu.

— Você se acha esperto, quer tentar atingir seu irmão com algo bobo e acha
que vai conseguir isso me mantendo aqui... — devolvi. — Você é um inimigo
fraco demais para ele.

Eu sabia que estava indo longe demais, mas precisava que ele continuasse
ocupado e longe o suficiente de mim.

Rodrigo pegou o celular de Aaron, que eu lhe dei mais cedo, e sua expressão
se suavizou o suficiente para que um sorriso surgisse em seus lábios.

— Quase na hora... — disse se aproximando de novo.

— Na hora de quê?
— Do show começar.

Senti um arrepio de medo percorrer minha espinha quando ele tocou meu
queixo e seguiu com a carícia por meu pescoço até chegar à minha blusa.

— Você não fez nada que eu esperava, querida.

Impedi um palavrão de fugir de meus lábios quando minha respiração


acelerada ficou perceptível para ele.

— Se você me tocar... — tentei, mas antes que pudesse terminar a ameaça ele
me interrompeu.

— Eu queria tê-la desesperada... — prosseguiu quando começou a abrir o


zíper do meu casaco. — Chorando e suplicando por sua vida. Essa é a única
forma de chamar a atenção dele.

— Eu te mato — concluí fingindo não ouvir suas palavras. Aquilo o fez me


encarar novamente.

Mesmo com sua proximidade, eu tentava deslizar uma de minhas mãos pelas
cordas e soltá-las.

Rodrigo riu ao encarar-me novamente e acenou em negativa.

— Você me mataria se eu fizesse isso?

Xinguei audivelmente quando ele abriu meu moletom completamente e fiquei


apenas com o top de corrida.

— Filho da puta!
Ele pegou o celular mais uma vez e só percebi que estava tocando quando ele
atendeu:

— Olá, irmãozinho. Adivinha quem está quase nua à minha frente agora
mesmo?

A fúria em seus olhos não foi amenizada pelo tom cínico que ele usou ao
falar com Aaron.

Rodrigo sorriu enquanto ouvia o que o irmão dizia.

— Então você não se importa se eu me divertir um pouco com ela?

Meu peito se movia enquanto eu tentava regularizar meus batimentos


cardíacos. Mas raiva e ódio ainda mantinham o sangue em minhas veias
pulsando ferozmente junto à adrenalina que aumentara.

Continuei em silêncio mesmo ao conseguir deslizar dois dedos para fora dos
nós das cordas.

— Fale com ele — mandou ao trazer o celular para perto o suficiente de mim.

Ignorei seu comando e ele disse a Aaron:

— Ela precisa de um estímulo para falar. Só um momento.

Voltou-se para mim e questionou:

— Não poderia ser como Natasha e chorar enquanto pede socorro?

Semicerrei os olhos para ele.


Rodrigo desferiu um tapa em meu rosto, que esquentou terrivelmente e a dor
fez com que meus olhos ardessem.

— Diga algo a ele — repetiu agora com raiva.

Liberei uma das minhas mãos das cordas e voltei minha atenção ao homem à
minha frente:

— Vá pro inferno! — mandei.

— É bom que esteja aqui em vinte minutos, do contrário eu vou matá-la —


murmurou para Aaron ao telefone antes de desligar.

Fitamo-nos em silêncio pelo que pareceu serem séculos. Lembrei-me da arma


que ele mantinha consigo e meus pés que continuavam amarrados contra o
mastro.

Maldição!

— Autossuficiente ou estúpida? — indagou de repente. — Ainda não sei qual


adjetivo combina mais com você.

Ante meu silêncio ele prosseguiu:

— Precisa de um novo estímulo para me responder?

— Você acaba de ameaçar minha vida, não sou estúpida o suficiente para
continuar com isso — retruquei em fingida resignação. — Sua pergunta foi
respondida?

Rodrigo aproximou-se mais uma vez e suas mãos agarraram meu pescoço
com força. Tentei respirar profundamente como uma tentativa de manter-me
lúcida por mais tempo. Meus pés saíram do chão e meus olhos se arregalaram
quando ele me deixou de sua altura.

“Aperte-o próximo a clavícula”, eu apenas lembrava das palavras de vovô,


mas estava ocupada demais soltando minha outra mão das cordas.

— O que vocês estão tramando? — ele perguntou quando fechei os olhos. —


O que Aaron está escondendo?

Eu não alcançaria seus ombros. Percebi.

Tentei respirar, mas não consegui. O ouvi repetir a pergunta e forcei-me a


responder quando uma ideia me veio à mente.

— Eu não sei... Do que está falando.

Fechei os olhos e sem pensar em qualquer consequência levei minhas mãos


até sua calça. Meus dedos roçaram a arma e quando consegui pegá-la, Rodrigo
apertou ainda mais meu pescoço. Senti minhas forças diminuírem
consideravelmente e a arma caiu.

Agarrei seus genitais com as duas mãos, apertei e puxei com força.

Um grunhido de dor fugiu de seus lábios, mas ele não me soltou. Eu


tampouco o soltei. Apenas usei o resto de minhas forças para apertá-lo ainda
mais. Mesmo por cima da calça, eu pude sentir suas bolas em minhas mãos. E
seu gemido de dor ecoou por aquele galpão antes que ele me soltasse.

Inspirei desesperadamente tentando levar ar aos meus pulmões e toquei meu


pescoço para massageá-lo quando caí no chão. A arma estava um pouco distante
de mim, e não consegui pegá-la.

Rodrigo estava no chão com a mão entre as pernas e gemia de dor. Ainda fui
capaz de sorrir ao vê-lo ali.

Filho da puta!

Tentei desfazer o nó das cordas em meus pés e o máximo que consegui foi
deixá-lo um pouco mais frouxo. Tirei os sapatos de corrida que estava usando
com dificuldade, mas consegui me liberar das cordas. O que foi um alívio.

Joguei-me sobre a arma, quando Rodrigo percebeu o que eu faria e segundos


depois ele estava sobre mim, tentando pegá-la.

— Porra de vadia! — gritou. — O que você estava pensando quando fez


isso?

— Que se me tocar de novo, sou capaz de arrancar suas malditas bolas! —


gritei em resposta e antes que ele conseguisse pegar a arma, eu a joguei para o
outro lado.

Inclinei minha perna esquerda e meu joelho bateu com força na junção de
suas pernas. Ele gemeu novamente e caiu ao meu lado.

Rolei para longe do homem e procurei a arma.

A endorfina começava a fazer efeito em meu corpo e isso entorpeceu a dor


em minha garganta temporariamente.

Peguei a arma e agradeci em mente a Deus por conseguir alcançá-la.


Para mim, a sensação de segurar uma arma estava longe de ter algo a ver com
repulsa. Eu me sentia potente e autossuficiente com aquele objeto. Minha mão se
encaixou perfeitamente aos contornos do metal gélido e levantei rápido para me
afastar ainda mais do homem.

A última vez que toquei em uma arma, vovô quase me deu uma surra. Coisa
que ele nunca havia sequer ameaçado de fazer comigo. Ele sempre achou que eu
nunca precisaria de uma arma para me defender. Mas eu preferia tê-la em minhas
mãos agora, que nas mãos de Rodrigo.

— Volta aqui, sua vadia! — Quase não compreendi o que ele dizia enquanto
eu seguia para o mastro na tentativa de pegar meu tênis para fugir.

— Se eu ficar vou colocar uma bala no meio de suas pernas! — gritei em


resposta para ele.

Minha respiração estava um pouco mais calma quando saí correndo ao vê-lo
tentar levantar.

Não parei sequer para colocar o tênis que estava comigo.

Tive dificuldade para encontrar uma saída e quando cogitei passar por uma
daquelas janelas, encontrei uma porta. Esta me levou a uma sala pequena e
completamente suja, com lama, as paredes possuíam infiltrações. Havia outra
porta ali e a atravessei com rapidez.

Calcei o tênis quando estava fora do galpão e decidi esconder a arma no


bolso do moletom, que estava aberto. Passei cuidadosamente pela cerca de
arame farpado.

Aquele parecia um bairro abandonado. Mas logo percebi que estava na parte
do distrito industrial de Porto Alegre. Eu reconhecia aquele lugar de diversas
manchetes dos jornais do Rio Grande do Sul. Senti um calafrio ao perceber que
estava deserto.

Olhei para a mata que cercava a estrada e decidi seguir por ela já que
conseguiria me esconder melhor e, consequentemente, ficar fora da vista de
Rodrigo se ele pegasse o carro e tentasse me encontrar.

Eu estava com a respiração ofegante e, devia admitir, o medo ainda disputava


espaço com a determinação em mim, mas forcei-me a atravessar aquelas árvores
e usá-las com camuflagem enquanto seguia ao redor da estrada.
“Mas tudo que acontece na vida

Tem um momento e um destino,

Viver é uma arte, é um oficio,

Só que precisa cuidado,

Pra perceber que olhar só pra dentro

É o maior desperdício,

O seu amor pode estar do seu lado.”

(Do seu lado – Jota Quest)


Eu queria me concentrar apenas em encontrar a estrada que possuísse tráfego
de carros e ônibus mais próxima, mas a verdade é que as malditas palavras de
Rodrigo não saíam de minha cabeça.

“Eu a trouxe aqui por isso. Você é parte do que Aaron esconde, e é sempre
bom lembrar a ele que continuo aqui, não é mesmo? Não há melhor maneira de
lembrá-lo disso, do que mostrar que ele ainda possui alguém como você. Um
ponto fraco...”

Eu sou parte do que Aaron esconde? Que raio de motivo ele teria para isso?
Se é que tem. E ainda por cima, sou seu ponto fraco? Duvido.

Mas Rodrigo parecia certo disso. Ele me confundiu com a ex-noiva de


Aaron?

“Não poderia ser como Natasha e chorar enquanto pede socorro?”

Não. Definitivamente ele sabia que eu estou tendo um tipo de caso com
Aaron, mas não está certo de que eu sou a noiva dele. Acenei em negativa para
mim mesma e ultrapassei o tronco de uma árvore que estava em meu caminho.

Olhei em volta e percebi que já estava escurecendo. O que serviu de motivo


para meu desespero crescer. Esse tipo de lugar é perigoso demais, ainda mais à
noite. Costuma servir de espaço para grupos de viciados dessa parte da cidade.
Naquele momento, eu não sabia se agradecia por ter o hábito de assistir aos
jornais e saber deste tipo de coisa, ou se lamentava por este mesmo fato.

Inferno!

Ouvi um carro derrapar na estrada à minha frente e arregalei os olhos ao ver o


veículo preto reluzente se aproximar. Escondi-me atrás de uma árvore alta e
fechei os olhos sem respirar por um segundo enquanto ele passava por mim.

Franzi o cenho ao vê-lo seguir pelo caminho do qual eu, tão rapidamente,
fugi.

Seria um capanga de Rodrigo para ajudá-lo a me procurar? Com este


pensamento comecei a andar novamente. Desta vez ainda mais rápido.

“O que vocês estão tramando? O que Aaron está escondendo?”

Lembrei-me das últimas palavras de Rodrigo e a confusão mesclada à


curiosidade me preencheu.

Agora eu, aparentemente, estou ajudando Aaron a tramar algo?

— Porra! — xinguei baixo e com raiva.

As palavras de vovô me repreendendo por dizer palavrões me vieram à


mente, mas as expulsei e repeti o maldito palavrão três vezes mais.

Eu queria sexo e consegui um psicopata me acusando de armar contra ele?

Suspirei e forcei-me a controlar o maldito ódio. Eu deveria reprimi-lo até a


conversa com Aaron. Ele merecia aguentar toda a minha raiva. Principalmente
depois do que seu irmão me fez passar.

Cerca de cinco minutos depois ouvi o carro de novo, desta vez vindo atrás de
mim. O motorista dirigia um pouco mais devagar. E reprimi um gemido de
cansaço quando entendi que estava procurando alguém.

Procurei a maior árvore com o olhar e corri até ela para me esconder
novamente.

Prendi a respiração quando percebi o carro se aproximar. A estrada ficava ao


lado da floresta. E eu estava em uma árvore não muito distante desta.

— Lola?

Ouvi a voz de Rodrigo... Ou seria Aaron?

Diabos! Como eu poderia saber de quem se tratava se não estava vendo-o


para perceber as diferenças?

Mas ele estava em um carro preto. Como o de Aaron.

Esse pensamento fervilhou em minha cabeça até que cedi à minha indecisão e
decidi espiar rapidamente.

— Lola!

Porra! Era a única expressão repetida por mim.

O maldito me viu.

Respirei fundo quando ouvi a porta do carro bater e peguei a arma que
continuava no bolso de meu moletom.

Saí de onde estava a tempo de vê-lo adentrar a floresta. Mirei a arma em sua
direção e a engatilhei.

— Me dê um motivo para não cumprir a promessa que lhe fiz há meia hora
— pedi.
Minha voz soou áspera pela raiva e o homem semicerrou os olhos. O
observei com atenção procurando qualquer característica que me dissesse se
tratar de Rodrigo. Mas não encontrei.

Aaron vestia uma camisa azul e as mangas estavam arregaçadas e puxadas até
o cotovelo, como sempre vejo quando o expediente na empresa está prestes a
acabar. E seus cabelos eram tão grandes quanto na noite passada e estavam bem
penteados. Assim como não havia barba por fazer. Nunca vi seus olhos
castanhos tão escuros.

Em um segundo de fraqueza eu quis chorar de alívio por encontrar alguém


para me tirar daqui, mas coloquei essa maldita ideia de lado. Eu ainda estava
com raiva.

Em que inferno familiar eu fui me meter?

— Eu não sou o Rodrigo — ele disse.

Semicerrei os olhos e baixei a arma quando ele começou a se aproximar.

A distância entre nós era de quase três metros. E ele a percorreu em poucos
segundos.

— Lola... — sussurrou aproximando-se. Parecia preocupado.

Guardei a arma novamente e voltei a fitá-lo quando estava perto o suficiente.

— Você está bem? — perguntou segurando meu rosto para que eu olhasse em
seus olhos. Em seguida suas mãos estavam verificando meus ombros e braços
quando percebeu que meu moletom estava rasgado e meu top aparecendo.
Aaron parou de respirar e seus lábios se entreabriram assim que pareceu
imaginar o porquê daquilo. Quando voltou a me encarar, vi em seus olhos algo
que nunca imaginei que veria ali.

Culpa.

— Ele tocou em você? — murmurou de forma quase inaudível.

— Se tivesse ousado fazê-lo, ele não estaria vivo agora — respondi seca.

Ele expirou, aliviado.

— Vamos sair daqui — pediu olhando ao redor daquela floresta.

Ele segurou em minha mão e virou-se para sair, mas a soltei abruptamente e o
chamei:

— Aaron?

Ele voltou a me fitar e minha mão esquerda voou em direção ao seu rosto.
Senti-a formigar, mas não me arrependi.

— Isso é pelo inferno de dia que passei hoje por sua culpa — eu disse.

Ele levou uma de suas mãos à bochecha que eu havia batido e olhou-me.

— Acho que eu merecia isso.

— Sim, você merecia — concordei antes de seguir para o carro.


O caminho para casa foi silencioso. No entanto, milhares de pensamentos
passavam por minha cabeça; lembranças dos piores momentos deste maldito dia.

Toquei em meu pescoço e o acariciei suavemente enquanto olhava a


paisagem através da janela. Eu agradecia por minha pele ser parda. Se eu fosse
branca como mamãe, estaria com o pescoço e clavícula extremamente vermelhos
agora.

— Você está bem?

Ouvi Aaron perguntar, mas não me importei de voltar a encará-lo quando


respondi:

— Sim.

Meia hora depois, quando paramos a frente da minha casa, lembrei que
estava sem chaves. Eu não as peguei hoje mais cedo quando encontrei Rodrigo.

Então me lembrei de minha conversa com mamãe. Ela fora para Gramado
hoje pela manhã. Certamente não percebeu nada de diferente sobre minha
ausência já que achava que eu estava na empresa.

— Você tem as chaves? — questionou quando pegou um celular diferente do


que esquecera ontem em minha casa.

— Não. Esqueci-me de pegá-las hoje pela manhã.


Abri a porta do carro sem esperá-lo para fazer isso e saí. Aaron falou
rapidamente ao telefone e assim que desligou, disse:

— Liguei para um chaveiro. Ele virá em no máximo meia hora.

Escondi as mãos nos bolsos do moletom quando o frio me fez estremecer. A


arma continuava comigo, mas eu já não me sentia tão potente com ela.

— Nós precisamos conversar. — Ouvi-o dizer.

Aquelas palavras me fizeram voltar a encará-lo. Já não havia culpa ou


preocupação em sua expressão. E eu sabia que ele entendera que eu queria
apenas mantê-lo afastado enquanto pensava. Ele também devia estar se
preparando para responder o que eu gostaria de saber.

— Se você planeja não me contar o que está acontecendo, pode ir embora


agora mesmo. Vá para o inferno e leve aquele bastardo com você. — Foram as
primeiras palavras que denotavam minha fúria após o momento em que ele me
encontrou e eu o ameacei com a arma.

Ele fechou os olhos e suspirou, provavelmente cansado. Quando voltou a me


fitar disse:

— Nosso tipo de envolvimento partiu da premissa de nós mantermos nossa


vida pessoal como um limite rígido.

— Isso até o psicopata do seu irmão me sequestrar — repliquei. — Eu estou


falando sério, Aaron. Eu realmente quero que vá embora se não for me contar
nada. Porque eu quero entender o que diabos está acontecendo.

— Vamos voltar para o carro — ele disse quando uma garoa começou a cair.
Mordi os lábios quando a vontade de dizer que não cresceu em mim, mas fiz
o que ele disse. Não havia motivos para ter aquela conversa na chuva.

Parecia haver um conflito interno no homem à minha frente onde ele brigava
consigo mesmo tentando decidir se me contava ou não. Mas, após quase um
minuto de silêncio, ele murmurou:

— Rodrigo e eu nos odiamos.

Eu estava pronta para fazer um comentário irônico, mas decidi perguntar:

— Por isso ele me sequestrou? Por que te odeia?

Aaron hesitou e fui capaz de ver a resignação através de seus olhos.

— Não, isso... É uma longa história.

— Temos muito tempo — insisti ainda irritada por ele continuar a omitir
fatos.

Aaron semicerrou os olhos para mim e sustentei seu olhar sem hesitar. Então
começou a contar:

— Quando tínhamos vinte anos, Rodrigo e eu fazíamos faculdade. Ele


estudava administração e já trabalhava com nosso... pai. — Franzi o cenho ao
perceber seu esforço para dizer a última palavra. — E eu cursava ciência da
computação. Depois de um golpe em uma das empresas, ele conseguiu desviar
alguns milhões para uma conta pessoal sua. Rodrigo foi ridículo... — Um sorriso
debochado surgiu em seus lábios. — Um plano completamente amador. Mas
quando Olavo descobriu, Rodrigo já havia sacado metade do dinheiro e havia
fugido.
Então Olavo era o nome do pai dele.

— Por que ele fez isso?

— Acho que quando a convivência naquela casa piorou, Rodrigo quis ir


embora, mas também quis se vingar de Olavo no caminho. — Ele riu sem
humor. — A questão é que Olavo o deserdou. E mesmo que eu estudasse um
curso oposto ao que um presidente deveria cursar, fui o único filho que lhe
restou para cuidar de sua fortuna.

Eu o encarava estupefata, mas ele parecia não se importar, ou não ver...


Aaron estava perdido em pensamentos para isso.

— Eu declinei da honra de presidir aquele inferno e Olavo ficou louco de


raiva. — Ele fez uma pausa. — Um ano atrás Rodrigo voltou. Acho que já havia
gastado quase todo o dinheiro que roubara e precisava de mais. Achou que eu já
era o braço direito de nosso pai, mas, ao chegar aqui, percebeu que eu era tão
odiado por Olavo quanto ele.

Eu não estava entendendo o que eu tinha a ver com isso. Mas decidi
continuar a ouvi-lo. Quem sabe quando eu teria a chance de escutá-lo falar de
sua vida pessoal desta forma?

— Ele sabia que eu tinha mais chances de conseguir algo com Olavo... —
Aaron expirou profundamente antes de continuar. — Então ele usou meu único
ponto fraco para me chantagear.

“Maldição!”, pensei.

“Não poderia ser como Natasha e chorar enquanto implora por socorro?”,
foram as palavras de Rodrigo hoje à tarde.
Natasha era seu ponto fraco?

— Eu dei a ele o dinheiro que me pediu, mas Rodrigo havia descoberto


algo... Eu estava planejando me casar e... — eu o interrompi em um sobressalto.

— Então você tem uma maldita noiva?!

— Inferno! Eu não disse isso, Lola! — retrucou. — Eu estava planejando me


casar.

Fechei os olhos e acenei em negativa. O que aconteceu para que ele mudasse
de ideia?

— Ele me falou sobre eu estar ajudando você a tramar algo — lembrei. — E


ele sabia exatamente o que acontecia entre nós. Além de saber o que acontece na
empresa.

Aaron havia juntado as sobrancelhas quando eu voltei a encará-lo. E eu sabia


que a pergunta que ecoava em minha mente, estava na sua agora.

Quem estava dando estas informações a ele?

Então lembrei de quando eu entreguei o celular a Rodrigo hoje pela manhã.


Das palavras que ele me disse... Dos olhos do homem que colocou aquele lenço
com álcool em meu rosto.

— Roberto — murmuramos ao mesmo tempo.

— Filho da puta! — exclamou. — Ele deve ter lido nossas mensagens na


empresa antes que eu as excluísse.
— Só ele teria como saber onde eu moro, é fácil para você ou qualquer outro
de sua equipe entrar na pasta de documentos escaneados do RH — expliquei. —
Foi ele que ajudou Rodrigo a me sequestrar!

Aaron ficou em silêncio enquanto pensava e eu tentava encontrar motivos


para Roberto estar fazendo isso. Quando percebi que não chegaria a nenhuma
conclusão, inquiri:

— Por que acha que Roberto se dispôs a isso?

— Dinheiro. — Ele semicerrou os olhos com raiva e voltou a me fitar. — Ele


a sequestrou enquanto você fazia sua corrida?

— Não. Rodrigo me ligou, quer dizer, ligou para o seu celular e eu achei que
fosse você. Eu disse que se quisesse eu levaria o seu celular para sua casa antes
que o expediente na empresa começasse, mas ele avisou que viria pegá-lo —
explanei.

Fitei-o em silêncio e repassei suas palavras à procura de qualquer lacuna


ainda aberta.

— Se Olavo o deserdou, por que ele voltou agora e se importa tanto com o
que você faz?

— Olavo está com uma doença terminal. Rodrigo acha que se eu não estiver
em seu caminho, ele conseguirá reverter a situação com Olavo.

Meus lábios se abriram num “o” ao ouvir aquilo. Céus! Seu pai e sua mãe
estavam doentes?

— Eu sinto muito.
— Não sinta. O mundo será um lugar melhor sem ele — interveio em tom
frio.

Franzi o cenho, mas decidi não falar mais nada sobre isso. Eu não sabia o que
ele passara com seu pai. E não poderia julgá-lo mesmo se soubesse.

— Então agora estou na mira do seu irmão?

— Certamente.

— Tudo o que eu precisava — proferi com sarcasmo.

— Outras mulheres em seu lugar começariam a entrar em desespero agora —


ele disse e não resisti a um sorriso irônico.

— Eu não espero ter a mesma sorte de fugir se seu irmão tentar algo contra
mim novamente. — admiti. — Mas mesmo que eu precise voltar do inferno, eu
vou cumprir a promessa que fiz a ele.

Foi sua vez de franzir a testa.

— Que seria?

— Eu arranco as bolas dele se me tocar novamente.

Ele riu ao ouvir aquilo e semicerrei os olhos.

— Agora entendi por que ele estava gemendo de dor a cada passo que dava
para sair daquele galpão. — Suas palavras me fizeram rir logo que imaginei a
cena.
— Como descobriu onde eu estava?

— Rodrigo me mandou uma mensagem por volta das três da tarde e deixou o
GPS do celular ligado. Só precisei de alguns minutos para encontrá-los.

Assenti sem realmente entender como isso o ajudara, mas decidi ficar em
silêncio por um momento.

Recordei de tudo o que aconteceu desde que o conheci. E comecei a entender


por que ele me disse uma vez que uma pessoa é mais vulnerável quando a
conhecem de verdade. Rodrigo o conhece como ninguém e usa o ponto fraco de
Aaron a seu favor.

Natasha. Dúvidas sobre a mulher me importunaram. Quem é esta? Sua ex-


noiva? Por que continua sendo o ponto fraco de Aaron se não estão mais noivos?
Ele acabou com o noivado para protegê-la?

Arqueei a sobrancelha apenas para mim e fitei o homem ao meu lado. Aaron
não é do tipo que foge. Teria enfrentado o irmão se amasse essa tal Natasha.

— Por que nunca o denunciou? — perguntei.

Ele hesitou e engoliu em seco antes de responder:

— Prometi a alguém que nunca o faria.

Juntei as sobrancelhas ao ouvir aquilo e mordi os lábios.

— Nem mesmo se ele tentar te matar?

Aaron riu e finalmente voltou a me fitar. Aquele brilho de tristeza que estava
em seu olhar na noite anterior havia voltado.

— Já tentamos isso anteriormente, mas ele ganha mais se eu estiver vivo. Sou
o seu segundo plano.

Aquela resposta fez com que um nó se formasse em minha garganta.

— As coisas nem sempre foram assim, não é?

Ele não respondeu. Antes que eu perdesse a coragem, decidi continuar:

— E sua mãe?

— Você está exagerando, Lola — repreendeu.

— Por favor, eu juro que não faço mais perguntas sobre ela.

O silêncio no carro ficou ainda mais evidente quando a pequena garoa se


transformou em chuva forte e devastadora. Mas eu não era capaz de desviar
meus olhos dos seus. Queria que ele me dissesse. Que confiasse em mim a ponto
de fazê-lo.

— Ela não está em condições de ser envolvida nisso — replicou.

Por quê?

Suspirei cansada e cerrei os olhos. Após digerir toda aquela situação, eu


percebi que estava em meio ao fogo cruzado dos dois irmãos. O que eu faria?

— O que acontece a partir de agora? — Aquelas palavras me fizeram voltar a


encará-lo.
Engoli em seco e pensei em uma resposta para aquela pergunta.

— Pretende continuar a me usar para esquecer de seus problemas por


algumas horas? — arrisquei.

Ele suspirou:

— Eu já disse que não fiz isso. Nem faria...

Semicerrei os olhos, desconfiada, e ele completou:

— Sexo tem sempre que possuir um significado pra você? Não pode apenas
aceitar o fato de que eu quero continuar fazendo sexo com você,
independentemente de ter ou não um maldito irmão querendo ferrar comigo?

— Não mude o foco da conversa. Ontem você estava me usando para


esquecer algo.

Ele fechou os olhos e percebi que havia desistido.

— Ontem eu estava preocupado e ocupado demais com algo, mas não quis
desmarcar com você. Se eu quisesse usá-la para esquecer qualquer droga que
fosse, eu teria passado a noite dentro de você. Não teria ido embora tão rápido!

Inferno! Eu estaria mesmo entendendo as coisas de forma tão errada?

Mas do que eu estava reclamando, afinal? Independentemente de ele ter ou


não me usado para esquecer algo, eu deixei. Aceitei esse trato porque queria
sentir prazer e deixar meus problemas de lado. Se ele queria o mesmo ou não,
não me importava. Por que isso mudou agora?
Ele voltou a me fitar e foi fácil ver a fúria refletida em seus olhos castanhos,
que estavam muito mais escuros que o normal.

— Vai continuar procurando motivos para me deixar aqui e sair correndo


para sua casa? Meu irmão psicopata não é suficiente?

Talvez nós dois fôssemos bons em provocar um ao outro, porque eu consegui


deixá-lo com raiva e agora ele fazia o mesmo comigo.

— Eu não tenho medo do seu maldito irmão — devolvi.

— Mas quer que isso entre nós acabe?

— Não — admiti.

— Então por que toda essa discussão, Lola?

— Eu queria entender você, Aaron! E é a primeira vez que consigo fazê-lo!

— Isso inclui suas últimas afirmações? Porque se sim, é melhor continuar


tentando.

— Pare.

Ele voltou a fitar a chuva através do para-brisa e nós dois respiramos fundo
algumas vezes, apenas como uma tentativa de nos acalmar.

Compartilhamos um silêncio confortador. Este era melhor que o que


discutíamos há pouco.

— E então? — questionei sem olhá-lo.


— Admito que achei que você apontaria a arma para mim novamente antes
de me mandar embora.

Ignorei sua ironia e devolvi:

— É uma sugestão?

— Eu prefiro que não o faça.

Eu não sei o que fazer. Estava certa de que ele não me contaria nada e isso
colocaria um fim ao nosso trato anterior, mas ele disse muito mais do que
imaginei. E agora? Eu duvido que Rodrigo pare de me importunar mesmo se
Aaron e eu não nos falarmos mais.

Olhei através da janela e pedi que a chuva passasse logo. Quanto mais ela
demorasse, mais o chaveiro demoraria.

— Entendo se quiser se afastar por causa de Rodrigo. — Aquelas palavras


me fizeram voltar a encará-lo.

— Se continuarmos com o acordo, você não vai me tirar disso. Até porque
acho que não será possível.

— Você é louca, Lola. — Ele sorriu e franzi o cenho ao dizer:

— O quê? Achou que eu pediria que você me protegesse do seu irmão?

— Você é orgulhosa demais para isso.

— E então?
— Achei que correria de mais problemas.

— Como se isso fosse dar certo. Rodrigo sabe onde trabalho, onde moro e
está certo de que eu estou ajudando a tramar algo contra ele. É claro que não
facilitaria minha vida se eu me afastasse, Aaron.

— Quer que eu comece com o discurso de que não gostaria que se envolvesse
nisso desta forma?

— Podemos pular esta parte? — pedi. — Não vai adiantar.

— Eu sei. Embora eu não goste da ideia de colocá-la nisso, não sei como
posso tirá-la.

Revirei os olhos para ele.

— Já pensou que se você não pode denunciá-lo, eu posso?

— Por que você faria isso?

— Seu irmão é um psicopata e tem como obsessão o dinheiro do seu pai e


tirar quem quer que seja de seu caminho. Nós estamos no caminho dele. Eu
realmente não acho que precise de mais motivos do que isso.

— Sob que acusação o prenderiam?

— Sequestro, chantagem e um golpe milionário talvez?

— Sua ironia me diverte. Mas ainda precisamos de provas.

— Você o conhece, Aaron. Uma hora ou outra ele aprontará algo. Dará um
passo em falso. E temos a vantagem de saber sobre Roberto.

Ele apenas me encarou de forma impassível e em silêncio.

Apenas neste momento percebi: eu estava tentando convencê-lo a colocar o


próprio irmão atrás das grades?

Diabos!
“Dobro os joelhos

Quando você me pega, me amassa, me quebra,

Me usa demais

Perco as rédeas

Quando você demora, devora, implora sempre por mais”

(Luxúria – Isabella Taviani)

Quando o chaveiro chegou, já não estava chovendo. Abri o portão


completamente para que Aaron colocasse seu carro na garagem e o levei para
minha casa.
Suspirei aliviada quando adentrei minha sala e segui para a cozinha. Eu
estava morrendo de sede e fome, após um dia inteiro sem comer ou beber nada.

— Posso pedir comida japonesa, assim você pode tomar um banho e


descansar um pouco — Aaron ofereceu fazendo-me fitá-lo.

Assenti e agradeci enquanto seguia para meu quarto.

Um longo e maravilhoso banho era tudo o que eu precisava para repor ao


menos metade das energias que foram usurpadas durante o dia surreal e
cansativo que tive.

Banhos para mim também eram sinônimos de decisões — as melhores eram


tomadas debaixo de um chuveiro.

Ainda havia tantas informações a serem digeridas por mim. Mas apenas
relembrar a maldita conversa que tive com Rodrigo, se é que aquilo pode ser
denominado de conversa, e depois a que tive com Aaron.

Porra! Ele tem um maldito irmão psicopata. O que eu pretendia fazer da


minha vida enquanto tentava convencê-lo a armar e denunciar o próprio irmão?
Eu só posso estar ficando louca. Não tenho nada a ver com a droga da rivalidade
entre eles e quero mais é que o dinheiro do pai dos dois exploda bem longe de
mim!

Fechei os olhos e acenei em negativa para mim mesma.

“Então por que não pôs um fim a esse ‘relacionamento’ com Aaron? Por que
decidiu ajudá-lo?”, meu subconsciente me perguntou.

Não, não era pelo sexo ou qualquer sentimento idiota.


Cumplicidade talvez? Mas nós sequer somos amigos! Mesmo que nos raros
momentos em que não somos irônicos ou sarcásticos nós consigamos nos dar
bem, isso não é cumplicidade.

Pena então? Definitivamente não! Aaron não é o tipo de sujeito que desperta
pena em alguém. E em nenhum momento ele pareceu preocupado consigo
mesmo ou com o que Rodrigo pudesse fazer com ele. Aaron estava preocupado
com outras pessoas. Sua mãe e sua irmã, certamente.

Era isso. Só poderia ser. Tínhamos essa preocupação em comum. Mas a


diferença é que eu só tinha vovô com quem me preocupar e, devia admitir,
mamãe. Mas ela sequer fica em Porto Alegre, qualquer pessoa que quisesse me
atingir usando-a, desistiria só por tentar encontrá-la.

Mas vovô? Por ele eu agiria como Aaron. Porque João é meu único ponto
fraco. E eu faria tudo para mantê-lo bem e longe de qualquer perigo — assim
como Aaron fazia com sua mãe.

Eu admirava aquilo e o entendia, por isso queria ajudá-lo.

Após esfregar meu corpo com a esponja, lavar os cabelos e espalhar o


sabonete líquido por meu corpo, eu me enxaguei, e me sequei antes de sair do
banho.

Vesti uma blusa enorme para dormir e um short de algodão curto sob a blusa.

Sequei os cabelos, os penteei metodicamente e os prendi em um rabo de


cavalo. Passei meu hidratante antes de sair do quarto.

— Está melhor? — Aaron perguntou assim que adentrei a cozinha.


— Sim.

Ele já havia posto a mesa e a comida, graças a Deus, já havia chegado.


Sentei-me ao seu lado e franzi o cenho ao perguntar:

— Como sabia onde encontrar os pratos e talheres?

— Eu não sabia. Tive que abrir dezenas de gavetas antes de encontrá-los.


Espero que não se importe.

Dei de ombros e agradeci antes de começar a comer.

Céus, eu estava faminta! E só lembrei disto quando levei o primeiro pedaço


de camarão à boca.

Quando terminamos o jantar e tomamos um pouco de refrigerante, a única


bebida além de água que eu possuía em minha geladeira, eu levei a louça para a
pia e Aaron limpou a mesa e jogou o lixo fora.

Ri comigo mesma ao perceber que aquela era a primeira vez em mais de um


ano que alguém me ajudava a arrumar a cozinha após o jantar. Desde que vovô
fora para a casa de repouso, não havia ninguém para fazer isso comigo. E agora
eu o estava fazendo justamente com Aaron?

A vida é irônica e gosta de debochar da minha cara. Só pode.

— Você quer ficar para dormir? — questionei enquanto secava as mãos.

— Achei que quando ofereceu sua garagem para que eu guardasse meu carro,
estava me fazendo o convite completo. — Ele me deu um sorriso de canto e
revirei os olhos antes de retribuir.
— Eu já havia esquecido disso — admiti. — Não tenho nada masculino para
lhe dar para dormir.

Desliguei as luzes da sala enquanto seguíamos pelo corredor que levava ao


meu quarto.

— Não costumo dormir vestindo nada.

Àquelas palavras me fizeram voltar a encará-lo. Eu não acreditava no que


ouvira.

Ele arqueou a sobrancelha direita sugestivamente e semicerrei os olhos


enquanto sustentava o seu olhar.

— Prefere que eu durma com boxer, Lola? — provocou com um maldito


sorriso insolente no rosto.

Cretino depravado!

— Não. É claro que não.

Sem desviar os olhos dos meus, Aaron deu um passo em minha direção.

— Você está cansada a ponto de não querer fazer algo além de dormir? —
inquiriu agora mais perto.

— Não.

— Ótimo. Tenho um objetivo a cumprir — murmurou com o rosto próximo


suficiente do meu, para me beijar.
— Que objetivo?

— Fazê-la mudar de ideia sobre as preliminares.

Mordi os lábios para não rir após a lembrança do dia em que ele me disse
estas mesmas palavras.

— Duvido que consiga — aticei.

— Duvida? — questionou ao segurar minha cintura com firmeza e


possessividade.

Assenti e ele lançou-me contra a parede mais próxima e seu corpo pressionou
todos os lugares certos do meu. Um arrepio perpassou por meu corpo e deixou
claro que eu havia gostado daquilo.

— Você não conseguiu ontem, por que o faria hoje?

Céus! Eu sabia que estava exagerando, mas também queria saber até onde ele
poderia ir. Ou melhor, me levar.

— Lola, Lola. Você vai se arrepender por duvidar de mim — afirmou.

— Eu vou?

Ele sorriu diabolicamente e, antes que eu pudesse proferir qualquer outra


palavra, me beijou, deixando-me surpresa com a veemência do beijo e a forma
com que este me arrebatou rapidamente. A intensidade exalada por ele em cada
movimento, me fez estremecer e isso deixou claro a nós dois que os primeiros
sinais de excitação já eram demonstrados por meu corpo.
Entreguei-me deliberadamente àquele beijo e minhas mãos seguiram para
seus cabelos, que puxei com força quando ele me ergueu do chão e levantou uma
de minhas pernas para envolver sua cintura. Fiz o mesmo com a outra.

Senti toda a adrenalina daquele dia ser substituída por um desejo insano,
desejo do seu toque em minha pele, em meu corpo, dos seus beijos... Dele.

— Sim, você vai — confirmou contra meus lábios ao acabar com o beijo.

Eu arfava tentando levar ar aos meus pulmões quando Aaron tomou meus
lábios novamente em outro beijo. Ele estava tão, ou mais, ávido que eu.
Desesperado para prolongar o contato de nossos corpos.

Suas mãos tocaram-me a pele nua sob a blusa e percebi a ansiedade


acentuada em meu ventre aumentar. Mas ele não baixou meu short, como eu
achei que faria. Aaron levantou minha blusa com avidez e revelou meus seios
nus e já turgidos pelo prazer, que apenas o seu beijo, conseguiu me proporcionar.

Eu já estava desesperada por ar quando puxei seus cabelos com força para
quebrar o beijo.

Gemi baixo quando ele apertou um de meus seios e, em seguida, provocou os


mamilos deixando-os entre seus dedos.

A luxúria já corria por minhas veias e aumentava ainda mais o deleite em


mim. E este era prolongado por suas mãos e lábios que continuavam em meu
corpo.

Cerrei os olhos quando sua boca envolveu o seio direito enquanto ele
apertava maravilhosamente o esquerdo — um prazer avassalador me invadiu e
fez com que gemidos fugissem de meus lábios.
Inferno! A forma como Aaron tomava meu seio em sua boca, chupando-o
incansavelmente na busca pelo meu prazer, estava me deixando louca. E esta
situação só piorou quando ele mordeu meu mamilo. Um som mais alto fugiu de
meus lábios quando dor e prazer mesclaram-se em mim e fui incapaz de
distinguir um do outro. Pedi que ele continuasse a roçar os dentes em meus
mamilos e ele o fez. Assim que Aaron decidiu fazer o mesmo com o outro seio,
arqueei meu corpo na direção de sua boca e pressionei seu rosto em meu busto
para que ele continuasse. Aquilo era muito excitante para mim e só descobri isto
agora, pois sentia o quanto o desejo em mim aumentava e, consequentemente,
encharcava minha calcinha.

— Aaron... — sussurrei seu nome quando abri os olhos para vê-lo ainda com
os lábios em meu peito. — Me toque — pedi já desesperada para que ele o
fizesse.

Após soprar suavemente meu mamilo e este enrijecer automaticamente, ele


levou sua mão para meu short e o adentrou.

— Quer gozar em meus dedos ou em minha boca? — Suspirei quando seus


dedos encontraram minha umidade e tentei imaginar as duas cenas. Aaron
beijando-me e eu gozando em seus dedos e ele entre minhas pernas usando a
boca para me dar prazer.

— Nos dois — minha resposta o fez sorrir.

— Você vai se arrepender de ter pedido isso — advertiu e senti meu sexo
pulsar por ouvir a aspereza em seu tom.

Mordi os lábios com força e cheguei a sentir o gosto de sangue por tê-lo feito,
mas não me importei.
Aaron tocou meu clitóris sensível e seguiu devagar para minha entrada.

— Tão molhada e eu ainda nem comecei — provocou.

Engoli em seco quando um de seus dedos levou um pouco do lubrificante de


meu sexo para meu clitóris. Movi meu quadril na direção de sua mão e gemi alto
quando ele começou a esfregar aquele local com ímpeto.

Minhas unhas cravaram em seus ombros e afundaram em sua pele, ele não
reclamou. Eu só conseguia pensar na frase “não pare, por favor”, mas nenhum
outro som, além do de prazer, saiu de meus lábios.

Meu sexo se retesou e movi-me na direção de seus dedos novamente.


Precisava de um orgasmo. Estava ávida por isso e ele sabia.

— Não! Continue, continue... — pedi desesperada quando Aaron cessou os


movimentos completamente.

Assim que percebi o caminho que ele seguia, eu o beijei e murmurei seu
nome contra seus lábios.

— Aqui, Lola? — questionou insolente, quando parou em minha entrada.

— Sim — sussurrei.

Não pude manter meus olhos abertos quando dois de seus dedos me
invadiram de uma só vez. Aaron moveu-os com uma lentidão que me torturou
mais a cada segundo, depois ele pressionou meu ponto G e a primeira contração
de meu sexo denunciou o orgasmo iminente.

— O que acha das preliminares agora?


Mordi os lábios para me impedir de xingá-lo, pois sabia que não seria levada
a sério se o xingasse como se estivesse pedindo que me deixasse gozar.

Seus dedos moveram-se com mais agilidade e encontraram um ritmo


enlouquecedor para me levar ao ápice. Cerrei os olhos com força quando a
pressão de seus dedos em mim aumentou. Não foi preciso mais do que segundos
para que o clímax me atingisse.

Enquanto tentava me recuperar do orgasmo, ele sussurrou em meu ouvido:

— O melhor som que já tive o prazer de ouvir.

Eu respirava com dificuldade quando pousei o rosto em seu ombro. Após


alguns segundos, eu perguntei:

— Qual?

— Você gritando meu nome enquanto goza para mim.

Aquilo me arrancou um sorriso.

— Você é um maldito cretino depravado — murmurei enquanto ele me


levava para meu quarto.

— Eu sou — concordou — E ainda não terminei com você, Lola. Você


aprenderá a não duvidar de mim.

Ri de suas palavras quando ele me colocou sobre a cama. Tirei a blusa que
vestia, ficando apenas com o short curto.

— Eu vou?
Sua atenção estava em meus seios descobertos e ele umedeceu os lábios
quando disse:

— Você não vai me distrair.

— Não vou? — insisti enquanto ele se colocava sobre a cama, com os joelhos
pressionados sobre o colchão, um de cada lado de meu corpo.

Ele sorriu maliciosamente enquanto se aproximava.

Beijei-o suavemente e tive meu lábio inferior capturado por seus dentes. O
que me fez cerrar os olhos por um momento.

Sua boca deixou um rastro de beijos por minha garganta e o vale entre meus
seios enquanto suas mãos deslizavam por meu corpo. Aaron saiu da cama para
conseguir tirar meu short.

Abri os olhos sem entender quando ele acariciou meu tornozelo. Eu os forcei
dolorosamente para tirar as cordas que me prendiam e eles ainda estavam
vermelhos e marcados.

— Eu estou bem — garanti.

— Você me diria se não estivesse?

Touché.

— Não — admiti.

— Foi o que pensei.


Aquilo me deixou em silêncio. Por alguns segundos, minha mente ficou
nublada com alguns pensamentos, mas isso mudou quando ele me segurou com
firmeza e me deixou mais próxima a extremidade da cama.

Aaron tocou as laterais de minha calcinha e fechei os olhos. Expirei


pesadamente quando ele começou a tirá-la e senti uma pontada em meu ventre.
Ele não estava disposto a atenuar meu desejo, e sim acentuá-lo ainda mais.

— Vai estar sempre pronta para mim, Lola? — questionou ao separar minhas
pernas e se colocar entre elas.

— Isso só vai depender de você, Aaron.

— Quero ouvir essa sagacidade enquanto eu estiver com a boca trabalhando


em sua boceta.

Reprimi a vontade de fechar os olhos e as pernas quando ele se ajoelhou


contra a cama.

Diabos! Aqueles olhos me diziam que eu pagaria por toda a intrepidez de


hoje. E eu definitivamente sabia como.

Acordei no dia seguinte com meu maldito telefone tocando. Abri os olhos
preguiçosamente e me deparei com Aaron dormindo ao meu lado.

Ele parecia sereno dormindo. Sorri internamente por um momento.


Fechei os olhos por um momento quando o celular parou de tocar e me
lembrei de metade das coisas que fizemos na noite anterior, e na madrugada.

Não sei se era o sexo, a química, o desejo entre nós ou qualquer outra coisa,
mas o que isso fazia conosco era surreal. E eu não lembro de já ter me sentido
assim nem com... — interrompi meus pensamentos e toquei suavemente minha
tatuagem.

Aaron se mexeu um pouco para deitar-se de lado — com o rosto à minha


frente. Meu Deus! Ele é muito bonito. Por mais que eu tenha odiado admitir isso
no passado, ele é.

Agora seus cabelos estavam mais desgrenhados que o normal e isso lhe dava
um ar jovial e extrovertido, algo que Aaron não aparentava ser enquanto estava
acordado. A seriedade e o sarcasmo nele não permitiam.

Baixei os olhos para seu peito, que estava descoberto, e resisti à vontade de
tocá-lo. Acompanhei com o olhar o caminho que os pelos de seu abdome faziam.
O lençol o cobria da cintura para baixo. Infelizmente.

Mordi os lábios e toquei suavemente as tatuagens que ocupavam todo o seu


braço direito. Havia várias. Eram lindas e extremamente masculinas. Eu somente
percebi a existência delas ontem, já que em nossa primeira noite não fiz questão
de lhe tirar nada além da calça.

Era uma diversidade de formas. Eu consegui distinguir, dentre os tantos


desenhos, uma âncora presa por cordas e flores, sim, flores. Uma coruja. E uma
águia. Com letras de forma bem pequenas, eu vi a frase “no regrets” — sem
arrependimentos.
Eu queria saber o que significavam para ele, mas ele não me deu a chance de
perguntar ontem. Eu esperava ainda ter a oportunidade de fazê-lo.

Engoli em seco e trouxe minha mão para o meu colo — era melhor não
prolongar aquele contato.

O telefone voltou a tocar e voltei-me para o criado-mudo para pegá-lo.

Era Brenda.

O que essa vaca estava pensando quando decidiu me ligar antes das sete da
manhã?

— Você está louca? — perguntei em voz baixa ao atender.

Movi-me devagar para tirar o lençol antes de levantar. Deixei Aaron coberto
apenas pelo edredom.

— Mas que mau humor, Dolores! — reclamou. — É importante.

Fechei os olhos por um momento quando dei o primeiro passo e senti que
lugares significativos em mim, estavam doloridos.

Estranho seria se não estivessem!

— É bom que seja — continuei enquanto enrolava o lençol em meu corpo.

— Por que está sussurrando?

— Adivinha?
Afastei o celular do ouvido quando ela gritou animada. Entrei no banheiro.

— É o cara da empresa?

Sorri para minha imagem no espelho e respondi:

— Sim.

— O que ele fez pra te convencer a deixá-lo dormir na sua casa? — inquiriu
ainda surpresa.

— Nada — admiti. — E eu sei o que vai dizer, ok? “Lola, você nunca fez
isso. Sexo pode acontecer em qualquer lugar e todo o blá-blá-blá”. Vamos pular
essa parte? Preciso tomar um banho.

Ela riu e continuou:

— Você sabe que eu faria uma aposta também, mas teremos esta conversa
depois quando Elise puder concordar comigo. — Ela fez uma pausa. — Como
foi a noite?

Contive uma risada ao ouvir o tom que ela usou para dizer aquilo.

— Maravilhosa.

— Sexo fantástico?

— Definitivamente — concordei esperando que aquilo a fizesse entender.

Ela riu novamente.


— Acho melhor não te dizer por que liguei.

Revirei os olhos e disse:

— Você já me acordou. Diga logo!

— Recebi uma ligação hoje — começou. Seu tom já havia mudado


completamente. — Certo fotógrafo está voltando para Porto Alegre.

Tive quase certeza de que meu coração parou naquele momento. Fechei os
olhos e engoli em seco. Aquela informação não podia ser digerida por mim. Não
tão rapidamente, pelo menos.

André voltaria? Depois de dois anos?

— Lola? Você está aí?

— Sim, eu... — Fiz uma breve pausa para escolher as palavras e concluí: —
Como ficou sabendo disso?

— Ele me ligou há pouco para avisar — explicou. — Disse que queria fazer
uma surpresa para você e me perguntou se ainda estava solteira... Eu disse que
sim.

Mantive-me em silêncio.

— O que você fará? — questionou quando percebeu que eu não diria mais
nada.

— Nada. Eu disse a ele que não ficaria o esperando, Bree.


— Mas amiga...

Eu a interrompi:

— Nada, Brenda. Ele que fique com as malditas modelos.

— Você disse que André podia ir, Dolores! Não coloque a culpa nele.

Suspirei audivelmente e concluí:

— Mais tarde falamos sobre isso, preciso desligar.

— Você tem uma maldita cabeça-dura! — Foi a última coisa que ouvi antes
de desligar.

“Não pense nisso, Lola”, repeti para mim mesma ao deixar o lençol sobre o
balcão da pia.

Através do reflexo do espelho pude ver a diferença em minha expressão. Já


não havia nenhum maldito sorriso.

Mordi os lábios e toquei a tatuagem novamente.

Maldição!
“Você me fez sentir de novo o que eu

Já não me importava mais

Você me faz tão bem

Você me faz, você me faz tão bem”

(Você me faz tão bem – Detonautas)

Vinte minutos depois saí do banheiro.

Encontrei Aaron sentado sobre a cama com as mãos cobrindo o rosto. Parecia
ainda estar com sono.
Por um momento, esqueci tudo o que havia pensado durante o banho e sorri.

Bem feito.

— Bom dia — cumprimentei passando por ele para ir em direção ao meu


guarda-roupa.

— Bom dia — respondeu com um sorriso, que eu facilmente consegui


interpretar.

— Parece que eu acabei com você — provoquei enquanto abria uma gaveta
de lingerie.

— Acabou comigo? Quem pediu pausa pra descansar foi você — lembrou.

— Ter orgasmos múltiplos deixa qualquer pessoa cansada. — Revirei os


olhos.

Ele riu de minhas palavras por um momento e fingi continuar séria enquanto
pensava.

Uma hora nós discutíamos. Outra nós fazíamos sexo — maravilhoso, por
sinal. Depois conseguíamos conversar normalmente. Não como um casal; não
como melhores amigos, apenas como dois adultos que têm algumas qualidades,
defeitos e desejos em comum... Duas pessoas que não querem envolvimentos
sérios e conseguem lidar com o que o outro está disposto a oferecer. Mesmo que
seja pouco — isso é tão bom. Desta vez eu realmente quero que seja assim.
Porque para mim está perfeito.

Peguei uma toalha e a joguei para ele enquanto tentava voltar à realidade.
— Vou preparar o café da manhã enquanto você toma banho — avisei ao
pegar minhas roupas íntimas e um vestido.

Era dia de visitar vovô e eu precisava fazê-lo o mais cedo possível, para ele
não desconfiar que eu não estava indo ao trabalho.

Céus! Eu precisava desesperadamente conversar com ele.

Hoje finalmente acaba minha suspensão e amanhã poderei voltar à empresa.

Franzi o cenho e virei-me para fitar Aaron quando o motivo para eu estar sem
trabalhar por estes quatro dias, me veio à mente.

— Você descobriu quem vendeu as informações à Gossip’s June?

Ele assentiu enquanto enrolava a toalha em sua cintura.

— Foi Veridiana.

Meu queixo caiu assim que registrei aquelas palavras.

Veridiana? Ela era a chefe do sétimo andar.

Eu costumava ajudá-la!

— A gerente do sétimo andar? — certifiquei-me.

— Isso mesmo — respondeu com um sorriso. — Ela foi demitida ontem pela
manhã.

— Por que desconfiou dela? — perguntei sem entender.


— Porque ela fora uma das pessoas a participar da reunião em que o
marketing apresentou o projeto de reestruturação da revista.

— Eu nunca desconfiaria dela — admiti.

— Ninguém desconfiaria — concluiu. — Ela era chefe de um do setor


administrativo, seria a última de quem desconfiaríamos.

Acenei concordando quando suas palavras fizeram sentido para mim.

Troquei de roupa rapidamente. Peguei de uma das gavetas embaixo da pia,


uma escova de dente, hidratante e outros itens que Aaron precisaria após o
banho. Deixei tudo organizado sobre o balcão e saí.

Enquanto ele tomava banho, fui para a cozinha preparar o café da manhã.
Vinte minutos depois, eu estava esperando apenas o café ficar pronto. Arrumei
toda a mesa e fui para a sala, à procura das correspondências que mamãe
certamente tirou ontem da caixa de correio.

Contas e anúncios foram tudo o que recebi. Deixei tudo sobre o rack
novamente e esgueirei-me entre os sofás para voltar à cozinha, mas uma caixa de
veludo sobre a mesa de centro me chamou a atenção.

Franzi o cenho para ela e a peguei.

Engoli em seco quando mamãe me passou pela mente e abri a caixa.

Levei uma mão à boca quando surpresa fez meu coração disparar. Eram joias.
Muitas joias.

Brincos, colares, gargantilhas, pulseiras e até mesmo um anel. As pedras que


ordenavam cada um daqueles objetos me deixaram estupefata. Desconfiei ter
visto até mesmo um diamante pequeno entre elas.

Respirei fundo e voltei-me para a mesa. Havia um envelope pequeno sobre


ela. Peguei-o também e o abri rapidamente.

“Espero que isto seja suficiente para ajudá-la a quitar a hipoteca.

Eu não pude deixar o colar de esmeraldas, sinto muito. É tudo o que ainda
tenho de seu pai. Depois de você, aquele conjunto é tudo o que me lembra dele,
querida. Eu jamais poderia me desfazer disso.

Espero que possamos nos ver em breve. Me desculpe pela forma como as
coisas terminaram entre nós. De novo.

Com amor,

Mamãe.”

Eu respirava com dificuldade quando terminei de ler aquilo. Sentei-me sobre


o sofá e tentei digerir aquelas palavras. Era inacreditável!

Todas as perguntas que invadiam minha mente agora são quase capazes de
me deixar louca.

Elaine é apaixonada por suas joias. E de uma hora para outra deixa metade
delas para mim?
“Ela não pôde deixar as joias que papai lhe deu? Por quê?”, questionei-me.

E ao compreender aquela parte, cerrei os olhos para frear as lágrimas que


surgiram em meus olhos. Um nó se formou em minha garganta quando me forcei
a dizer as palavras que se repetiam em minha mente:

— Ela o amava. Apesar de tudo, ela o amava.

Proferir essas palavras foi menos doloroso e mais fácil de acreditar do que a
outra afirmação que me importunava agora. Eu não queria criar esperanças
quanto aquilo, mas talvez, apenas talvez, ela se importasse comigo. Pois deixou
muitos de seus pertences mais amados para que eu pudesse pagar uma dívida
que poderia tirar a casa em que eu vivia.

Entretanto, eu já me enganara tantas vezes com aquilo. Eu costumava


acreditar que ela mudaria. Então quando eu ainda era uma criança e ela vinha me
visitar, eu criava esperanças de que daquela vez ela ficaria e cuidaria de mim.
Que, daquela vez, ela pararia de me levar à shoppings e tentar me fazer feliz por
dois dias enquanto planejava ficar fora por mais dois anos.

Mas eu sempre estive errada. Ela sempre foi embora. Minhas esperanças
eram sempre destroçadas, para depois ela vir novamente e fazer o mesmo. E me
deixar da mesma forma.

Limpei meu rosto e respirei fundo algumas vezes antes de dobrar aquele
pedaço de papel e colocá-lo no envelope e, em seguida, dentro da caixa.

“Independente do que a tenha levado a fazer isso, Dolores, não foi suficiente
para fazê-la ficar desta vez. Nunca seria. Então pare com a maldita choradeira!”,
repeti em pensamento.
Eu prometi para mim mesma que não deixaria minha relação com minha mãe
me fazer chorar novamente. A nossa briga de seis anos atrás me rendera isso.
Essa foi a minha decisão. E era melhor que eu continuasse a levá-la a sério.

Fui até o quarto à procura de Aaron e me surpreendi quando não o vi lá.


Então ouvi sua voz no banheiro, a porta estava aberta, mas decidi não me
aproximar quando percebi que ele falava ao telefone.

— Duvido — murmurou. — O que você quer com ela?

Mordi os lábios e apurei os ouvidos para entendê-lo melhor.

Diabos! É claro que eu queria saber o que está acontecendo agora!

— Vá pro inferno. Não vou te dar mais dinheiro, Rodrigo! — Aaron disse,
desta vez alterado. — Tínhamos um trato... Eu te dei o maldito dinheiro, faça sua
parte e suma de nossas vidas!

Franzi o cenho enquanto tentava relacionar aquelas palavras com qualquer


outra coisa que sabia a respeito dos irmãos Andrade.

— Tente. Apenas tente fazer algo contra ela e eu te mato.

Parei de respirar naquele momento.

Assustei-me ao vê-lo saindo do banheiro. Engoli em seco ao perceber sua


atenção completamente voltada para mim.

— Eu preciso desligar... Você está avisado — concluiu antes de desligar.

— O que houve? — perguntei.


Ele suspirou visivelmente cansado e se aproximou.

— Não é nada de mais.

— Então diga.

Foi sua vez de apertar os olhos.

— Você está agindo como uma mulher controladora e curiosa demais,


Dolores.

Comprimi os lábios ao ouvir aquilo e tentei manter o tom de voz neutro ao


dizer:

— Não estou pedindo que me conte isso porque nós transamos.

Ele cerrou os olhos por um segundo e pareceu pensar em algo ao suspirar.

— Eu sei... Mas eu prefiro diminuir as chances dele vir atrás de você


novamente — explicou sem tirar a seriedade de seu semblante.

— Olha, eu não precisei de sua proteção ontem! — retruquei irônica. — Pare


de tentar bancar o maldito protetor! Sabemos que já não posso sair desta
situação. Preciso mesmo ficar sem saber em que tipo de fogo cruzado eu me
meti?

Ele não respondeu e foi minha vez de suspirar.

— Eu não vou entrar nessa discussão com você de novo, Aaron. — Acenei
em negativa e concluí: — Nós não jogamos esse tipo de joguinho.
Eu soube que seu silêncio serviu apenas para mostrar-lhe que eu estava certa.
Os jogos que um homem e uma mulher podem ter e que nós temos, se limitam a
cama. Isso não é um relacionamento romântico.

Aaron respirou pesadamente uma vez. Seus olhos jamais desviaram dos meus
desde que começamos com esta conversa. Segundos de silêncio se passaram. Eu
tinha certeza de que ele estava pensando, então decidi ficar quieta.

— Rodrigo descobriu onde minha mãe está. Quer usá-la para me fazer ir atrás
de Olavo ou lhe dar mais dinheiro — contou.

Meu ódio por Rodrigo cresceu em níveis grandes demais para um período de
tempo muito curto.

— Achei que ele iria atrás do seu pai.

— Ele foi, mas não adiantou. Portanto, ainda sou sua segunda opção.

— Fará o que ele disse?

— Claro que não — respondeu sem hesitação.

— E sua mãe?

— Vou tirá-la de onde está.

Eu não sabia o que dizer naquele momento. Era mais do que perceptível o seu
cuidado com sua mãe, mas eu não tinha ideia do que poderia fazer para ajudá-lo
em relação a isso.

— Ela é a linha tênue que hoje me impede de fazer algo contra ele, Lola —
continuou. — Se Rodrigo tentar qualquer coisa contra...

Eu o interrompi.

— Ela também é mãe dele, Aaron. Rodrigo não faria nada para machucá-la
— arrisquei, mesmo estando em dúvida sobre aquilo.

— Talvez não fisicamente.

Franzi o cenho sem entender, mas ele não fez questão de explicar.

— Posso ajudá-lo com algo? — ofereci. — Ainda temos a vantagem de saber


sobre Roberto e Rodrigo pode... — Parei ao perceber a forma com a qual ele me
fitava. Parecia tentar compreender minhas palavras. Repassei tudo o que disse a
ele e percebi:

Ele se surpreendeu por eu ter oferecido ajuda a ele. Aquilo me surpreendeu.

— Eu já disse que quero ajudá-lo — lembrei-o.

Franzi o cenho quando o vi acenar em negativa por um momento. Tenho


certeza de que vi a sombra de um sorriso em seu rosto.

— O que foi?

— Nada — respondeu.

— Nada?

— Nada. — Ele guardou o celular no bolso e suspirei frustrada e curiosa


antes de continuar:
— E se Rodrigo quiser fazer algo contra você? — tentei. — Ele pode querer
deixar seu pai sem opções.

Aaron semicerrou os olhos e percebi quando o entendimento brilhou neles.

— Acha que ele pode tentar me matar para fazer com que Olavo dê a ele o
dinheiro?

Arqueei a sobrancelha e me aproximei.

— Sim, mas também acho que pode tentar te tirar do caminho de outra
forma. — Fiz uma pausa e o fitei atentamente antes de dizer: — Nunca pensou
nessa possibilidade?

— Há muito tempo sim. Mas depois do nosso acordo ele foi embora e... —
ele interrompeu novamente enquanto parecia lembrar de algo.

— Que acordo? — questionei.

Sustentei seu olhar sobre mim após minhas palavras. Eu sei que estou sendo
muito intrometida, mas queria realmente saber. Desde que conheci Aaron, ele
sempre me pareceu um mistério, um paradoxo difícil de desvendar. Mas agora?
Agora eu conhecia muito mais sobre ele do que poderia imaginar e queria
descobrir ainda mais.

— Conversamos sobre isso ontem à noite. — Suas palavras me trouxeram de


volta a conversa. — Há quase um ano ele descobriu que eu estava com nossa
mãe. Ela morava comigo no meu apartamento, mas Rodrigo a tirou de lá
enquanto eu estava fora. Depois me chantageou para conseguir dinheiro.

Eu já estava boquiaberta ao compreender todas aquelas palavras.


Rodrigo usou a própria mãe para ganhar dinheiro? E roubou o próprio pai
pelo mesmo motivo?

Lembrei-me de nossa conversa ontem à noite quando finalmente chegamos à


minha casa. Então, Natasha não era o seu ponto fraco e sim sua mãe.

— E sua noiva? — Ouvi-me perguntar.

Aaron arqueou as sobrancelhas, mas não disse nada sobre minha pergunta
indiscreta.

— Eu não estava planejando me casar para ficar com o maldito dinheiro de


Olavo. — Foram suas únicas palavras.

Engoli em seco ao perceber que ele não estava minimamente interessado em


ter esta conversa comigo. E eu devia admitir que estava exagerando com
perguntas tão pessoais. Aaron é reservado demais para se dispor a respondê-las.

— Precisamos realmente ficar conversando sobre minha vida? — ele


questionou visivelmente cansado daquela conversa.

Sim, quase respondi. Mas percebi que ele contou demais de sua vida e eu não
fiz questão de dizer nada sobre a minha.

— Eu só estou tentando entender — admiti.

Tentando obstinadamente entender você e seu irmão.

— Esqueceram de me dizer que você também é muito curiosa — ele


sussurrou mais para si mesmo do que para mim.
— O quê? Quem falou sobre mim para você?

Ele pareceu repreender a si mesmo por alguns segundos e disse:

— Não vamos mais falar sobre minha família problemática, ok?

— Aaron — insisti.

— Eu preciso ir. Preciso resolver esse problema antes das dez.

Não consegui reprimir um suspiro quando ele abriu a porta do quarto e


esperou que eu me movesse até ela.

Peguei minha bolsa, que havia deixado sobre a cama quando Aaron foi tomar
banho, e saí do quarto seguida por ele.

Essa conversa ainda não havia acabado.

— Eu preparei o café da manhã, se estiver com fome — avisei quando


chegamos à sala.

Ele verificou o relógio em seu pulso e concordou com uma xícara de café.

Eu o fitei em silêncio enquanto desligava a cafeteira e levava o recipiente até


a mesa.

— Você volta à empresa hoje?

A conversa anterior já fora posta de lado por ele.

— Não — respondi sentando-me em uma das cadeiras à sua frente — A


suspensão acaba hoje, mas só poderei voltar amanhã.

Ele franziu o cenho e pareceu lembrar de algo enquanto eu passava um pouco


de manteiga nas torradas que separei para mim.

— Àquela reunião que você mencionou... — comentou. — Será em duas


semanas, não é?

Assenti enquanto tomava um pouco de café.

— Veridiana era a chefe administrativa do sétimo andar — ele disse. — E foi


demitida há dois dias.

Arregalei os olhos surpresa quando entendi o que ele queria dizer com aquilo.

Havia uma vaga em aberto agora!

— Quem está no lugar dela? — questionei tentando acalmar a euforia que


crescia em mim.

— Otávio está cuidando do setor, mas é temporário. — Ele sorriu. — Eu


sabia que ficaria feliz ao saber disso.

— É claro que fiquei! — respondi rapidamente, mas meu sorriso esmoreceu


quando algo me veio à mente. — Não tenho certeza de que Otávio deixará que
eu participe do processo seletivo para esta vaga.

— Por quê?

— Todos acreditavam que eu havia repassado aquelas informações! É óbvio


que não confiam em mim.
Ele revirou os olhos e pousou a xícara sobre a mesa.

— Está mais do que provado que não foi você, Lola. Eles a culparam naquele
momento porque precisavam entregar um culpado ao dono da empresa.

Suas palavras não me convenceram.

— Eu não sei.

— Meu Deus! Você é quase escrava de Otávio, ele sabe que nunca encontrará
uma funcionária que entenda todos os setores daquela revista e saiba como
ajudar a todos eles... Foi ele que defendeu você para o RH, se quer saber —
confidenciou.

Aquilo me deixou ainda mais surpresa.

Otávio é um chefe arrogante e prepotente. Age como se eu nunca fizesse o


meu trabalho de forma boa o suficiente. E me defendeu para que eu não fosse
demitida?

— E quem defendeu você?

— Sou o gerente de dois setores daquela empresa, Lola. Eles precisam de


pelo menos um mês para encontrar alguém que gerencie aquelas pessoas em meu
lugar. Raul só ameaçou me demitir porque estava com raiva.

“Convencido!”, gritei em pensamento. Mas acabei decidindo mudar de


assunto.

— Você pretende vir hoje à noite? — questionei ao pegar meu celular. —


Marquei de jantar com uma amiga.
— Não, eu terei que encontrar uma enfermeira.

Franzi o cenho enquanto tentava entender.

“Sua mãe”, lembrei.

— A irmã de uma amiga, é técnica em enfermagem — respondi ao lembrar


de Elise. — Eu a contratei há dois anos para ficar com o meu avô.

Foi sua vez de me encarar surpreso.

— Ele estava doente e eu precisava trabalhar — expliquei. — Se quiser posso


perguntar se ela está livre.

Ele anuiu com um aceno de cabeça e me ajudou a levar a louça suja para a
pia.

— Eu agradeceria muito.

— Eu lavo quando voltar — murmurei fazendo um gesto displicente para a


pia.

Peguei minhas chaves sobre o balcão atrás do sofá e abri a porta para Aaron.

— Quer uma carona? — perguntou.

— Não estou indo para o centro — avisei.

— Tudo bem.

Abri o portão para que Aaron tirasse o carro da garagem e meu celular tocou
quando ele abriu a porta do passageiro para mim.

Cogitei não atender quando vi que era um número desconhecido. Aaron


percebeu minha hesitação e antes que ele dissesse qualquer coisa, eu decidi levar
o celular ao ouvido:

— Alô?

— Morena?

Senti um nó enorme crescer rapidamente em minha garganta. Fechei os olhos


por um segundo e respirei fundo quando um nome foi repetido diversas vezes
em minha mente.

— André? — Engoli em seco ao sussurrar seu nome e ignorei o olhar que


sabia que Aaron dedicava a mim.

Meu coração se encheu de sentimentos que eu fui incapaz de denominar


quando esperei que ele respondesse — minha mente já estava repleta de
lembranças. Ruins, principalmente.

— Por um momento achei que não lembraria de mim — ele respondeu e


quase pude vê-lo sorrir.

Maldição! Era perceptível que as reações de todo o meu corpo não eram as
mesmas que antes, mas algumas continuavam ali.

— Por dois anos eu achei que você não lembraria mais de mim — devolvi ao
tomar coragem para encarar Aaron.

Ele começara a dirigir, mas eu sabia que estava ciente da mudança em mim.
O silêncio do outro lado da linha durou tempo suficiente para que eu me
recuperasse.

— Você não me atendeu por dias — André replicou.

— Onde você está?

— Cheguei à Porto Alegre há pouco.

— Podemos conversar depois? Eu estou ocupada agora — menti.

— Um jantar mais tarde está bom para você?

— Tenho um compromisso — expliquei. — Eu te ligo e falamos sobre isso,


que tal?

— Tudo bem, morena. Até mais.

Encarei o celular por alguns segundos, sem acreditar no que acabara de


acontecer. Suspirei lentamente e me forcei a sair daquele torpor. Brenda já havia
me alertado sobre a volta dele.

— Algum problema? — Ouvi Aaron perguntar.

— Não. Só um amigo que voltou de viagem. — Dei de ombros e guardei o


celular na bolsa.

Segundos incômodos de silêncio se passaram, até que ele perguntou:

— Para onde quer ir?


Quando eu lhe dei o endereço, senti meu coração se apertar um pouco.

Vovô não gostaria de saber sobre essa volta. Mas eu precisava falar com ele
sobre André.
“Teu corpo combina com meu jeito

Nós dois fomos feitos muito pra nós dois

Não valem dramáticos efeitos

Mas o que está depois”

(Nosso estranho amor – Caetano Veloso)

Aaron e eu nos despedimos com um beijo rápido e combinamos de nos falar


mais tarde por telefone.

Mesmo que ele não quisesse demonstrar, eu percebi que parecia curioso e
prestes a perguntar o motivo de eu ter me recluído e ficado em completo silêncio
desde o telefonema de André. Mas Aaron não fez nenhuma pergunta.

Vi seu carro se afastar enquanto ele dirigia até seu apartamento e tomei
coragem para entrar na casa de repouso. Cumprimentei o segurança no portão de
entrada e segui pela trilha no jardim.

Ainda não havia ninguém aqui tomando café e lendo um jornal ou livro, mas
eu sabia que o café da manhã já havia sido servido. Então segui direto para o
quarto de vovô. De forma hesitante, bati à sua porta e esperei que ele permitisse
minha entrada. Precisei repetir a ação mais uma vez até que ele dissesse algo.

— Bom dia. — Meu sorriso se ampliou ao ver Mabel limpando as mãos em


um pano branco e sujo de tinta.

Seu sorriso era tímido enquanto ela retirava o avental que vestia e seus olhos
cor de âmbar brilharam ao me fitar atentamente.

As janelas do quarto de vovô estavam abertas e percebi que ela pintava


quando vi a tela e o cavalete atrás dela.

Vovô levantou-se de sua cadeira de balanço e deixou um livro sobre a mesa


antes de vir até mim com um sorriso doce.

— Bom dia, minha querida! — ele respondeu. Percebi que seus olhos azuis
brilharam de alegria.

— Eu estava com saudade — sussurrei quando a percepção daquilo me fez


abraçá-lo ainda mais forte. — Como o senhor está? — questionei. Minha voz
saiu abafada por sua camisa.

— Bem, querida. Muito bem.


Entrelacei minha mão a sua quando nos voltamos para Mabel.

— Eu quero lhe apresentar uma pessoa — ele disse com o tom de seriedade
fingida, o que a fez sorrir um pouco mais.

Céus! Há dois dias eu a vi, conversamos, ela lembrava de mim, de todos nós
e agora... — Um nó começou a se formar em minha garganta, mas não permiti
que crescesse. — Ela havia esquecido. De novo.

— Dolores, esta é Mabel. E Mabel, esta é Dolores.

Apertei sua mão que me foi estendida e sorri para ela antes de abraçá-la e
beijá-la no rosto. Não pude evitar fazê-lo.

— É um prazer conhecê-la — murmurei.

— Igualmente — ela respondeu — Ela é tão linda, João!

Senti lágrimas brotarem em meus olhos quando ela acariciou meu rosto e fez
algum comentário sobre meus olhos e cabelos, mas eu não prestei atenção.

— O que houve, querida? — ela perguntou baixando a voz a cada palavra.


Sua voz era doce e suave, seu tom materno.

— Dolores? — Vovô se aproximou, parecendo preocupado. — O que está


acontecendo, filha?

Acenei em negativa por um momento. Saber que Mabel não lembrava de


nada sobre mim me destroçava. Ela sempre fora como a mãe que eu não tive. E
recordar tudo o que aconteceu neste ano, me fez chegar ao limite. Mas agora eu
também me lembro de tudo o que estou escondendo deles: a hipoteca, mamãe,
minha suspensão, as joias, o sequestro, Rodrigo e André.

Eu estava bem com tudo aquilo. Não lembrava que tinha metade destes
problemas até agora. No entanto, neste momento eles pareciam tão... difíceis de
suportar sozinha.

— Mamãe voltou — sussurrei fitando-o novamente. — André voltou. — Fiz


uma pausa enquanto tomava coragem para admitir. — Não sei o que fazer.

Vi suas narinas se dilatando à medida que ele registrava minhas palavras.


Seus olhos me fitaram com preocupação irrefutável e ele veio até mim para me
abraçar.

— Os dois?

Assenti quando já estava em seus braços.

Apenas vovô sabia. Apenas ele me viu chorar por algo tão bobo.

Maldição! Eu não queria conversar sobre isso, mas sentia que precisava falar.
E só poderia fazer isso com ele. Só confiava nele.

— O que Elaine fez? — ele sussurrou enquanto afagava meus cabelos.

— Nada. Ela ficou apenas um dia — respondi pressionando meu rosto ao seu
peito. — Trouxe um namorado. Eles foram para Gramado ontem.

Eu não poderia contar sobre as joias. Muito menos sobre a hipoteca.

— E André?
— Chegou hoje. Me ligou. Quer me ver.

Ele ficou em silêncio. Eu também. Eu não queria dizer mais nada. Escutar
seus batimentos cardíacos já me acalmava o suficiente.

Elaine e André foram as pessoas que mais me machucaram. Na verdade,


foram as únicas que permiti que o fizessem — e eu poderia ser forte o quanto
fosse, mas nunca fui o suficiente para me proteger de como me sentia em relação
a estas duas pessoas.

Ouvi Mabel abrir a pequena geladeira e tirar algo dela.

Respirei fundo e me afastei de vovô para limpar os olhos. Ele me encarava


como se lembrasse do que aconteceu há mais de dois anos.

— Filha, você sabe o que eu penso.

Mabel me estendeu um copo de água e me deu um sorriso confortador.


Agradeci a ela e tentei sorrir de volta.

— E lembro o quanto sofri também. — Suspirei e sentei-me sobre a cama.

Mabel aproximou-se de vovô e ele a abraçou antes de entrelaçar sua mão a


dela. Mordi os lábios com os olhos ainda fixos na forma como os dois apertavam
confortavelmente suas mãos e elas se encaixavam perfeitamente. Como se
tivessem sido moldadas para aquilo.

— Você sabe o que ele quer — vovô afirmou fazendo-me voltar a encará-lo.
— Vai aceitar passar por tudo aquilo novamente?

— Não — respondi mal ele havia concluído sua fala. — Não vou.
Ele não pareceu acreditar nem mesmo na convicção que pus em minhas
palavras. Era verdade. Mas era a terceira vez que eu dizia aquilo, e antes não fiz
valer minhas palavras.

— Um ex-namorado? — Mabel questionou hesitante.

Comprimi os lábios e juntei as sobrancelhas ao lembrar. Doía admitir, mas eu


o fiz:

— Nunca chegamos a ser namorados.

— Ela se apaixonou — vovô disse. — André brincou com os sentimentos


dela e depois foi embora.

— Não foi assim, vovô!

Levantei-me agitada. Ele nunca quis realmente entender o que tive com
André. Para ele tudo se resumiu a esta pequena explicação que deu a Mabel.

— Éramos amigos! Sempre fomos amigos! — lembrei-o.

— Dolores, amigos não dormem...

Abri os lábios para interrompê-lo, mas ele não foi capaz de concluir.

— Nunca dormimos juntos — sussurrei mordendo a parte interna da


bochecha.

A verdade é que éramos melhores amigos. Tínhamos uma espécie de amizade


colorida, nunca dormimos juntos, mas sabíamos aproveitar muito bem uma cama
nas horas que tínhamos juntos.
Então Brenda me contou que ele conseguira uma bolsa de intercâmbio para
estudar Fotografia em Portugal. Fechei os olhos ao lembrar. Fui tão ingênua.
Achei que o impasse o faria me escolher, mas não. Ele queria ir. Ele iria. E faria
isso porque aquela era uma chance em um milhão.

Eu entendi, sabia que sofreria, mas não movi um dedo para que ele ficasse.
Vovô descobriu sobre nós da pior forma possível. Nos encontrou atrás do ginásio
da faculdade em um dia de festa. Estávamos quase transando.

Àquela foi a noite em que nós discutimos pela primeira vez. Eu nunca
esqueceria — porque naquele momento eu não sabia o que doía mais: a
decepção perceptível em sua expressão, ou a verdade que ele me mostrara.

Eu prometi que me afastaria de André quando contei a vovô que não éramos
namorados e ele me fez ver o papel que eu estava desempenhando. Mas André
iria embora em algumas semanas. Eu não poderia me afastar dele em nossos
últimos dias.

Antes de ir embora, ele me deu um CD de nossa banda preferida:


Soulstripper. Eu lembro que fomos juntos a um show da banda aqui em Porto
Alegre. Depois, em um lapso de loucura, fomos juntos fazer uma tatuagem. Um
coração partido.

Quando ele finalmente se foi, eu fiquei destroçada. Mas dediquei-me ao que


havia restado. Eu estava no último ano do curso de Administração, fazia estágio
na revista que trabalho hoje, tinha prioridades e responsabilidades. Era uma
mulher adulta e forte o suficiente para saber a hora de parar de chorar por
alguém que já não estava ali e que não voltaria.

Mas ele voltou. E parecia querer recomeçar de onde paramos.


A questão em tudo isso era: eu já não queria nada disso com ele. Depois de
muito tempo, eu escolhi entrar em algo parecido com Aaron. A diferença era que
eu sabia que queria apenas sexo com ele, sabia que ele queria apenas sexo
comigo. Não estou apaixonada e não há qualquer chance de um de nós acabar se
apaixonando.

— Vovô, eu não vou me deixar passar por isso novamente — assegurei.

— Eu espero que não, querida — ele murmurou ao abraçar Mabel. — Você é


inteligente demais para aceitar que um homem a use desta forma.

Olhei para ele e reprimi a vontade de semicerrar os olhos. Era a segunda vez
que ele tentava usar este argumento para me fazer mudar de ideia sobre este
assunto.

— Nenhum homem estará me usando se eu decidir que também não quero


um relacionamento, vovô — concluí.

Poderíamos ter nascido em épocas diferentes e crescido com paradigmas


ainda mais divergentes, mas nenhum de nós nunca deixou de ser sincero. Ele era
meu avô, meu pai, mas também era meu amigo, o único a quem eu confio dizer
qualquer coisa. Eu nunca fingiria ser algo que não sou, principalmente, para ele.

— É o que eu não entendo, Dolores! — ele retrucou agora falando um pouco


mais alto. — Não há motivo para não querer algo mais sério!

— João — Mabel tentava acalmá-lo.

— Tenho prioridades antes de qualquer relacionamento. Isso não mudará.

Ele suspirou consternado.


— Nunca concordamos nisso.

— Nunca — anuí com um sorriso fraco.

— Minha filha... — ele começou desta vez mais suavemente. — Você precisa
ser sempre tão...

Arqueei as sobrancelhas enquanto ele procurava as palavras certas e me


aproximei para abraçar os dois.

— Independente? — tentei.

— Heterodoxa.

Ri um pouco mais ao me afastar.

— Vovô, eu já lhe disse. Os tempos mudaram. Essa não é mais uma opinião
contrária ao que a sociedade impõe. As mulheres decidem o que querem de suas
vidas. Nem todas querem um relacionamento e filhos antes dos trinta anos.

Mabel riu ao dizer:

— Já estamos vivendo nesses tempos, João?

Ele assentiu e continuou:

— É o que parece, minha querida. É o que parece.

Beijei-lhe o rosto e fiz o mesmo com Mabel.

— Eu amo vocês. — Minha voz soou incrivelmente embargada, como


sempre acontecia quando eu dizia aquelas palavras.

— Nós também te amamos, querida. — Surpreendi-me quando Mabel me


abraçou e sussurrou isso.

De alguma forma, ela lembra.

Depois de sair da casa de repouso, decidi ligar para Brenda e marcar um


almoço com ela, para cancelar o jantar. Elise tinha um almoço marcado com sua
chefe e não pôde confirmar se juntaria a nós.

Fui ao supermercado fazer as compras do mês — devia aproveitar o tempo


que tinha antes que voltasse a trabalhar.

Ao voltar para casa, já estava cansada. Percebi que os últimos dias fora do
trabalho me deixaram muito mal-acostumada.

Após guardar as compras nos armários e na geladeira, fui até a sala. Meu
celular estava tocando.

— Brenda? — atendi.

— Oi, amiga! Podemos remarcar o almoço de hoje? Eu esqueci que marquei


com mamãe.

— Tudo bem. Podemos marcar para amanhã.


— É claro! Amanhã é sexta-feira, finalmente!

Sorri e concordei.

— A suspensão acaba hoje?

— Sim.

— Se você for correr podemos nos encontrar naquela praça que você faz
exercícios.

— A que horas?

— Às cinco, que tal?

— Ótimo — concordei.

Me despedi e parei por alguns segundos para enviar uma mensagem à Elise
para perguntar sobre sua irmã. Se ela estava livre para cuidar da mãe de Aaron.

Enquanto esperava pela resposta dela, eu vi a caixa de veludo que deixara


sobre o balcão hoje cedo.

Peguei-a e a abri novamente. Ainda não conseguia acreditar que Elaine


deixou todas essas joias para me ajudar.

Fui até o quarto em que ela havia ficado e encontrei tudo arrumado. Sobre a
colcha vermelha da cama, estava um envelope amarelo.

Coloquei a caixa sobre a cama e me sentei sobre ela.


Abri o envelope e engoli em seco ao ver as notas fiscais e todos os tipos de
comprovantes de compra e seguro para as joias. Todos muito bem detalhados,
especificando tudo sobre cada uma delas. Havia um novo bilhete.

“Há uma joalheria no shopping do centro. Eles lhe darão uma quantia aceitável
por cada uma destas joias.”

Fechei os olhos por um momento e respirei fundo. Em dois dias seria sábado.
Então eu poderia levar essas joias para vender e, em seguida, usaria o dinheiro
para quitar a maldita hipoteca.

Se ela se importa, por que sempre vai embora?

Meu celular vibrou com uma nova mensagem e acenei em negativa ao pegá-
lo.

Era uma mensagem de Elise.

“Ela está trabalhando em uma clínica agora. Mas se quiser uma indicação, eu
posso pedir. Kamila certamente conhece alguém que tenha disponibilidade. O
que houve? Seu avô está doente?”

Cliquei em responder e escrevi:

“Não é nada grave. Um amigo que precisa. Fale com ela, por favor, fico
esperando sua resposta, ok?”
Após o almoço, eu preparei uma xícara de chá e peguei meu notebook.
Sentei-me à mesa que vovô costumava usar para ler seu jornal. Ela ficava
próxima à janela da sala.

Eu concluiria minhas planilhas e as testaria para o que eu pretendia fazer.

Depois da segunda xícara de chá e mais de duas horas fazendo modificações


e adicionando fórmulas e regras à planilha, eu finalmente havia concluído. E
estava exatamente como eu gostaria. Apenas com a planilha do setor financeiro,
eu conseguiria extinguir outras quatro. A planilha do RH me deu um pouco mais
de trabalho. Fiquei mais de uma semana trabalhando apenas nela, mas consegui
dividir por abas para cada setor a quantidade de funcionário, quem os
gerenciava, o cargo de cada um, data de contratação e outras informações úteis
sobre documentação e quantidade de faltas, declarações e atestados entregues
por mês.

Minhas costas já estavam doendo quando me levantei para esticar um pouco


o corpo e preparar algum lanche.

Meu celular tocava sobre a mesa quando voltei à sala com pão de queijo e
café quente.

Número desconhecido. Franzi o cenho e lembrei de mais cedo, quando André


me ligou.

— Alô? — murmurei quando atendi.

— Olá, querida. — Por alguns segundos fui incapaz de levar ar aos meus
pulmões. O tom sarcástico que o “querida” carregava o entregou.

Eu não daria a ele o prazer de saber que me surpreendi com sua ligação.
— Rodrigo.

Ele suspirou dramaticamente do outro lado da linha.

Coloquei o café sobre a mesa e concentrei-me no que ele diria. Meu peito já
inflava de fúria quando lembrei do inferno que passei ontem por sua culpa.

— Como suas bolas estão hoje? — A provocação era nítida em minha voz e
em minhas palavras.

— Muito bem. Obrigado. — Uma pausa se seguiu até que ele continuou: —
Você quase conseguiu me enganar, cunhadinha.

Arqueei a sobrancelha esquerda. A primeira coisa que registrei foi a forma


como ele me chamou. Cunhadinha? Eu não podia acreditar nisso. Então a sua
expressão completa me deixou confusa.

— Eu gostaria de lhe fazer uma pergunta. — Percebi seu sorriso, mesmo


sem vê-lo. — Você é boa em trabalho individual?

Juntei as sobrancelhas sem entender aquela pergunta. Mas então lembrei que
Rodrigo continuava achando que Aaron e eu estávamos tramando algo contra
ele. Tentei descobrir o que ele pretendia fazer com aquela informação e arregalei
os olhos ao lembrar-se do que eu sugeri a Aaron hoje pela manhã.

— O que você fez?

Incrivelmente consegui manter a calma e agradeci por minha voz não vacilar
em nenhum momento.

Ele riu e demorou segundos insuportáveis para responder:


— Nos falamos depois. Estou no meio de algo importante, cunhadinha. Até
mais.

— Filho da puta! — xinguei antes que ele desligasse.

Apertei o celular em minha mão por alguns segundos e tomei coragem para
ligar para Aaron.

— Maldição! — repeti a palavra diversas vezes ao perceber que não possuía


o novo número dele. O que eu tinha, Rodrigo havia se apossado ontem.

Mantenha a calma e pense, Lola! Rodrigo tentou obrigar Aaron a ajudá-lo


hoje. Mas é claro que ele não faria algo contra Aaron.

Será?

Respirei fundo e liguei para a revista. Quando Jéssica, a recepcionista, me


atendeu, pedi uma ligação para o setor de Aaron.

— Não estou autorizada a repassar ligações — repetiu com a mesma voz


tediosa de segundos atrás. Pude ouvi-la tiquetaquear as unhas sobre o balcão.

Coloquei uma mão sobre a boca novamente e insisti.

— Moça, desculpe é que... Aaron é meu irmão e nossa mãe está... Ela está
passando muito mal e... eu não sei o que fazer.

Eu esperava de verdade estar me saindo bem no papel de imitar a voz da irmã


dele.

— Aaron? — ela chamou. Sua atenção havia sido capturada. — Você é irmã
dele?

— Sim.

— Olhe, querida, vou repassar a ligação agora mesmo.

Revirei os olhos ao ouvir a esperança em sua voz. Ela realmente quer dormir
com ele.

Fiquei cerca de três minutos aguardando que ela me transferisse para o


telefone dele e ele me atendesse.

— Natasha? — Assustei-me ao ouvir sua voz cheia de preocupação. — O


que houve?

Engoli em seco, me arrependendo pela mentira. É claro que ele ficaria


preocupado de verdade!

— Aaron, não é Natasha — respondi em tom de desculpas. — Sinto muito,


eu não sabia como entrar em contato com você e precisei inventar uma desculpa.

Então Natasha é sua irmã e não sua ex-noiva.

— Lola? O que aconteceu?

— Rodrigo ligou — respondi.

— O que ele queria agora?

— Nada! Ele me ligou para fazer uma pergunta. Queria saber se eu sei
trabalhar individualmente.
Aaron hesitou por um momento, depois suspirou. Houve um silêncio
simultâneo por quase um minuto, até que ele contou:

— Roberto não apareceu na revista hoje.

Fechei os olhos sem querer acreditar. Sabendo que ele está envolvido com
Rodrigo, eu não acredito que essa seja uma coincidência.

— Acho que você estava certa.

— Sobre o quê?

— Rodrigo pode querer me tirar do caminho.

Ouvi sua respiração por algum tempo. Tentei entender o que ele queria dizer
com aquilo.

Peguei minha xícara de café e sorvi um pouco enquanto pensava nos motivos
para Rodrigo ter feito algo contra Roberto.

— Diabos — murmurei abandonando a xícara. — Acha mesmo que ele fez


algo contra Roberto para culparem você?

— É apenas uma suposição.

Acenei em negativa. Não duvidava de nada que seu irmão pudesse fazer.

— Vocês são idênticos! Ninguém sabe que seu irmão está em Porto Alegre! E
se realmente acharem que você fez algo contra Roberto?

— Lola, eu não vou fugir, se é o que você está pensando.


— E então?

Fiquei em silêncio e fechei os olhos. Estava começando a ficar com raiva


também.

— Eu passei a manhã ocupado. Iniciei o expediente às dez horas. Tenho um


álibi para cada passo que dei hoje. O que quer que Rodrigo possa ter feito, não
fez direito.

— Até você conseguir provar isso, se conseguir provar, o que acontece?

— Ele vai te deixar em paz se eu não puder fazer nada para atrapalhar seus
planos. — Ele trocou palavras com alguém e depois voltou ao telefone. —
Mamãe já está na casa de Natasha. As duas estão seguras lá. Vou ligar para ela
e avisar que posso ficar ocupado por um dia.

Mordi os lábios enquanto lembrava da adolescente no shopping. Ela parecia


jovem e assustada demais. Como agiria sozinha se sua mãe passasse mal de
novo?

Então entendi: por isso Aaron quer contratar uma enfermeira.

— Tem certeza de que Rodrigo não vai encontrá-la desta vez?

— Ele não sabe onde Natasha mora.

— E se você for preso?

— Lola, você está exagerando — ele disse. — Tudo isso é uma suposição.
Não sabemos se Rodrigo fez algo com Roberto. Ele apenas faltou ao expediente
de hoje.
Respirei melhor ao ouvir aquilo. Ele está certo. Para uma mulher inteligente e
realista, eu estou sendo dramática e pessimista demais.

— Se ele fizer algo e todos pensarem que fui eu, posso acionar meu
advogado — ele continuou como se falasse com uma criança que precisa de uma
mentira para ficar bem. — Não vou ficar preso por mais de vinte e quatro horas.

— Não fale comigo como se eu fosse uma criança desesperada que precisa se
acalmar.

— Você não está desesperada?

— Eu estou preocupada, não desesperada — retruquei.

Acenei em negativa ao registrar nossa discussão ridícula. Tinha certeza de


que ele estava sorrindo. Aaron fazia isso quando nós discutíamos por coisas
idiotas. O que era irritante para mim, era aprazível para ele.

— Você não está nem um pouco preocupado, não é?

— Com Rodrigo não.

— E com o que ele pode fazer para te machucar?

— Ele não me machucará, Lola.

Suspirei quando finalmente desisti. Eu não sabia que tipo de acordo havia
entre os dois irmãos para que um deles pudesse ameaçar a própria mãe e roubar
o próprio pai, mas que não pudesse machucar fisicamente o outro irmão.

Ouvi diversas vozes conversando próximas a Aaron e preferi mudar de


assunto:

— A loucura diária continua?

Estávamos quase na metade no mês, o que significa que a revisão e a


diagramação de cada matéria estão acontecendo agora.

— Não tanto quanto está normalmente... Mas sua mesa está repleta de
pastas e bilhetes — avisou. Devia estar olhando para ela agora.

— Trabalho acumulado — concluí.

Eu não achei que sentiria falta do trabalho. Mas é tedioso não ter o que fazer
durante o dia.

— Você ainda tem um jantar hoje à noite?

— Não — respondi após fechar o notebook com força.

— Posso pensar em uma porção de possíveis programações para uma noite


de quinta-feira.

Semicerrei os olhos quando finalmente entendi o motivo dele ter me


perguntado isso.

— Você só pensa em sexo, Aaron?

— Ultimamente sim — admitiu.

Revirei os olhos sem acreditar.


— Não vou abrir as pernas pra você sempre que pensar nisso.

— Infelizmente estou ciente deste fato — respondeu.

— E hoje, você não tem que ficar com sua mãe ou algo do tipo?

— Vou passar na casa de Natasha depois do trabalho. Mas não há espaço


suficiente para eu dormir lá.

— E seu apartamento?

Ele suspirou e baixou a voz ao dizer:

— Você realmente quer que eu peça para dormirmos juntos de novo?

— Eu não cheguei a pedir que fizesse isso.

Peguei um dos pequenos pães de queijo e o comi.

— Mas já que você gosta de me ouvir dizer o que eu quero de você. Agora eu
quero que você faça o mesmo. — Sorri vitoriosamente ao fim de minhas
palavras.

— O inferno que eu vou fazer isso — ele disse. Aquilo me fez rir.

— Então sem noite de quinta-feira animada pra você.

Aaron mandou alguém reiniciar uma máquina para verificar se um programa


havia sido instalado e depois voltou ao telefone:

— De onde veio todo esse senso de humor, Dolores? — ele questionou. —


Você era a workaholic séria demais há uma semana.

— Olha, eu não achei que você tivesse senso de humor também, então
estamos empatados. — Olhei para meu relógio e franzi o cenho ao ver que já
eram cinco horas. — Você era o cara sério e reservado demais... Não lembro de
ter visto você rir nem uma vez.

Minhas palavras o deixaram em silêncio por alguns segundos.

— Seu intervalo não acabou?

— Tenho dois minutos, mas haverá uma reunião no oitavo andar agora. Eu
preciso ir.

— Ok.

— Depois negociamos sobre esse seu pedido sem sentido.

— Não estou aberta a negociações — concluí ainda com o mesmo tom


provocativo.

Desconfiei tê-lo ouvido dizer algum palavrão, mas não entendi. Nos
despedimos e desliguei.

Eu tinha algo para fazer agora? Continuei a buscar em minha mente


qualquer compromisso que tenha marcado e lembrei de Brenda.

Diabos! Eu me atrasaria para encontrá-la!

Cheguei cerca de cinco e meia à praça que havíamos marcado de nos


encontrar. Estava mais frio que o normal então cuidei de me agasalhar muito
bem, embora fosse correr.

Procurei Brenda por alguns minutos e como não a encontrei, decidi iniciar
uma caminhada de aquecimento. Quando a vi, parei abruptamente no lugar. Ela
estava próxima ao pequeno muro que dividia o espaço da grama e o que estava
com a areia que possuía os brinquedos. Estava fazendo alguns exercícios com a
ajuda de André.

Eu não conseguiria impedir meu coração de bater tão fortemente no peito e


também não seria capaz de frear a quantidade de pensamentos e lembranças que
invadiram minha mente apenas por vê-lo novamente. Mesmo que de tão longe.

Ele não parecia ter mudado em nada. Olhos escuros e cabelo cortado baixo.
Sua pele negra continuava a parecer perfeita e denotava seus músculos definidos.
Seu sorriso parecia ainda mais lindo — eu adorava seu sorriso, sua risada.

Meu coração se preencheu mais uma vez com a dor de anos atrás e forcei-me
a me aproximar dos dois. Eu não fugiria, mesmo que meu coração dissesse para
eu fazê-lo.

— Lola! — Brenda foi a primeira a me ver. — Olhe só quem está aqui!

Eu não consegui retribuir seu sorriso. Estava ocupada demais tentando


descobrir o significado do olhar de André.

Respirei fundo quando sussurrei um oi e ele sorriu ao se aproximar.

— André — murmurei quando ele me abraçou.

— Morena. — Inspirei seu cheiro por alguns segundos e fechei os olhos


quando ele sussurrou outra coisa com aquela voz rouca, mas não entendi.
André era apenas três centímetros mais alto que eu, mas era tão forte que me
fazia parecer uma criança em seus braços.

— Eu senti sua falta — ele disse quando nos separamos.

Eu não seria capaz de dizer o mesmo. Seria mentira.

Claro que no começo sofri com sua viagem, mas depois me conformei. E
decidi que aquela foi a melhor coisa que aconteceu.

Ele beijou meus lábios suavemente e Brenda decidiu dar sinal de vida.

— Lola, eu estava convidando o André para a saideira de amanhã, o que


acha? Podemos ir àquele barzinho próximo à sua casa! — Hesitei, mas ela
continuou: — Ele vai nos contar tudo o que aconteceu durante estes dois anos.

Troquei um olhar com André, mas não dei uma resposta.

Eu não queria saber quantas mulheres abriram as pernas para ele. Não queria
saber por que ele não veio nos visitar nas férias e não queria saber nem mesmo
como fora concluir a graduação em Portugal.

Até agora eu estava muito bem com a sua volta. Talvez fosse porque
lembrava muito bem de tudo o que aconteceu depois de sua viagem. Ou talvez
porque eu realmente tivesse superado André.

Uma hora e meia depois, eu começava a ficar cansada. Percebi, tarde demais,
que com toda pressa que tive para trocar de roupa e vir encontrar Brenda, eu
esqueci meu cantil. Tive que dividir o de Brenda com ela, mas como ela não está
acostumada a correr, em menos de uma hora já não havia água.
— Ai, amiga, me lembra de nunca mais concordar em correr com você, viu?
Isso aqui é tortura! Vou ficar o resto das minhas férias completamente dolorida!

Só corremos quatro quilômetros. Como ela pode estar tão cansada? André e
eu rimos da expressão dela e a vimos arregalar os olhos ao ver algo na rua, que
agora estava muito movimentada — tínhamos voltado para a praça.

— Táxi! — ela gritou recomposta e acenou para um táxi com sua toalha de
rosto. — Táxi, por favor!

Acenei junto a ela e Brenda agradeceu quando ele parou próximo de onde
estávamos.

— Que bom que não vamos mais sair hoje. Vou precisar ficar de molho na
minha banheira por algumas horas.

Sorri e assenti quando nos despedimos e ela semicerrou os olhos para André
após beijá-lo no rosto para se despedir.

— Eu não estou gorda — ela sussurrou para ele que havia dito isso enquanto
fazíamos a caminhada, ele estava brincando, mas Brenda não leva esse tipo de
comentário na brincadeira.

— Você está gostosa, Bree — ele disse para ela. — Muito gostosa. Então
pare com esse drama.

Os olhares que os dois trocavam eram hostis como há dois anos.

— Vai se fo... — antes que ela concluísse, eu a interrompi.

— O táxi está esperando, amiga.


Ela se voltou para o motorista quando ele começou a buzinar.

— Amanhã terminamos essa conversa.

E ela finalmente saiu.

— Preciso ir para casa — murmurei apontando para a direção da minha casa.

— Eu sei que precisa voltar por causa do seu avô, mas podemos conversar
antes?

— Vovô não mora mais comigo. — Acenei em negativa e concluí: — Sobre o


que quer conversar?

Ele juntou as sobrancelhas sem entender.

— Nós.

Fechei os olhos e suspirei lentamente.

Já estava na hora.

— Tudo bem — concordei.

Sabia que uma hora ou outra chegaríamos a isso.


“O teu amor é uma mentira

Que a minha vaidade quer

E o meu, poesia de cego

Você não pode ver”

(O Nosso Amor a Gente Inventa – Cazuza)

Andamos alguns instantes em silêncio. Eu senti seus olhos negros sobre mim,
mas fingi não perceber. Estava perdida demais em pensamentos, pois sabia que
ao fim desta conversa eu lhe diria que já não queria nada com ele, mas não fazia
ideia do que diríamos um ao outro até chegar a isso.
— Pode começar — eu fui a primeira a falar.

Olhei para os paralelepípedos da calçada que percorríamos para voltar às


nossas casas. Tomava coragem para encará-lo.

— Quero entender o que aconteceu.

Franzi o cenho e voltei a fitá-lo.

— O quê?

Ele acenou em negativa como se não acreditasse que eu havia perguntado


aquilo e explicou:

— Você me ignorou, Dolores — ele disse. — Depois de tudo o que vivemos,


você me ignorou quando fui para Portugal. Eu quero entender por quê.

“Depois de tudo o que vivemos?”, pensei.

— O que nós vivemos, André?

Ele parou. Eu também. Nos encaramos por segundos insuportáveis de


silêncio, mas eu jamais desviaria meu olhar do seu. Eu queria ouvir dele. Sabia
exatamente o que “tudo” havia significado para mim. Mas não sabia nada sobre
o que havia sido para ele. Estava ciente apenas de que não fora suficiente para
ele ficar.

— Achei que estivesse apaixonada.

Meus lábios se entreabriram, mas os fechei rapidamente. Respirei fundo e


tomei cuidado ao escolher minhas palavras.
— Eu estava... Mas nunca disse que ficaria esperando por você — lembrei-o.
— Nunca disse que aquilo seria suficiente para continuar o resto da minha vida
transando com você sem ser mais que sua amiga. Eu nunca disse que viveria
bem sabendo que você estava com outras mulheres, enquanto eu, e apenas eu,
nutria qualquer sentimento dentro do que tínhamos. Seja o que tenha sido.

— Achei que aquilo fosse suficiente para você.

— Não era.

— E por que não me disse, Dolores?!

Arregalei os olhos ao ouvir aquilo e voltei-me completamente para ele.

— Eu disse! Mas você não queria um relacionamento!

— E eu disse o que estava disposto a lhe oferecer. Havíamos concordado com


isso.

Senti meus olhos arderem. Mas eu me recusei a chorar na frente dele.

— Eu estava apaixonada. Queria você — eu lhe disse mesmo sabendo que


me arrependeria amargamente por minhas palavras. — Por isso concordei. Mas
você não estava disposto a me dar mais do que algumas horas de sexo. Quando
finalmente percebi que nunca teríamos mais do que aquilo, eu decidi me afastar.
— Acenei em negativa enquanto lembrava. — Eu não continuaria a ser a mulher
que você come nas horas vagas, André.

— Por isso me excluiu da sua vida quando fui embora? Sem me deixar saber
o porquê de tê-lo feito?
— Sim. Achei que aquela era a melhor forma de te esquecer — admiti. —
Não acreditei quando Brenda me ligou para dizer que você estava de volta. Em
algum momento destes dois anos, eu comecei a achar que sua vida seria
construída lá e que você também já não lembrava de mim.

Ele ficou em silêncio. Mordi os lábios e tomei coragem para concluir:

— Eu não vou aceitar o que você está me oferecendo... Eu já não quero isso
com você.

André estava impassível. Após o que pareceu ser uma eternidade, eu o vi


comprimir os lábios, como se estivesse tentando impedir a si mesmo de dizer
algo.

— Eu preciso ir — sussurrei um tempo depois.

— Tudo acaba aqui? — Sua voz também foi mais baixa agora.

Assenti brevemente e afirmei:

— Tudo acaba aqui.

Nenhum de nós disse mais nada. Eu tomei aquele como o fim da conversa e
virei-me para ir embora.

Comecei andando devagar, ainda tentando digerir tudo aquilo e logo meus
passos ficaram mais confiantes e rápidos.

“Eu havia feito a coisa certa”, pensei. Mas lágrimas finas rolaram por meu
rosto em seguida.
Aquilo era alívio ou pesar pelo que eu havia feito?

Era o inferno não saber. Entretanto, eu arriscava que era algo bom.
Inicialmente doloroso, mas bom.

Liguei as luzes da sala de minha casa e a adentrei.

Minhas lágrimas já haviam secado, mas meu rosto devia estar inchado.

Fui direto para o corredor e antes de entrar em meu quarto ouvi o telefone da
sala tocar, porém, o ignorei.

Eu preciso de um banho. Não quero falar com ninguém. Muito menos com
Brenda e Elisabeth, que com toda a certeza estavam ávidas para saber o que
aconteceu entre André e eu.

Eu ainda não estava preparada para um relatório completo.

Fiquei mais de quinze minutos debaixo daquele chuveiro. Não havia


lembranças em minha mente, nem mesmo pensamentos sobre o que eu acabara
de fazer — o que foi uma surpresa para mim. Eu apenas me sentia entorpecida.

Vesti uma camisola qualquer e fui até a sala para tomar um copo d’água, não
estava com fome, então dormiria cedo.

Quando voltei ao quarto, meu celular piscava sobre o criado-mudo. Eu o


peguei e abri a mensagem de Elise. Era o número de telefone de uma técnica em
enfermagem, amiga de sua irmã, Kamila — ela mencionava que Paula, a técnica,
fizera um curso de cuidadora de idosos. Copiei a mensagem e encaminhei para
Aaron — ele havia me enviado uma mensagem após nosso telefonema, com seu
novo número de telefone — escrevendo no final.

“Talvez você consiga falar com ela ainda hoje.”

Alguns segundos depois, ele respondeu:

“Obrigado.”

Encarei o celular durante alguns momentos.

Desviei a atenção dele para o meu quarto; insuportavelmente vazio.

“Ainda quer vir para minha casa?”

Digitei rápido o suficiente para não me arrepender e enviei a mensagem de


uma vez.

Ele não respondeu.

Suspirei cansada e deitei-me sobre a cama. Fiquei minutos em silêncio. Não


faço ideia de quanto tempo exatamente, mas a falta de qualquer som quase me
sufocou.
Eu gostava de morar sozinha, mas às vezes era deprimente, quando eu olhava
para a casa vazia e silenciosa, principalmente.

Meu celular tocou, me assustando, e o peguei rapidamente.

— Aaron? — murmurei após ver seu nome na tela.

Fechei os olhos e sentei-me sobre a cama quando ouvi os sons do trânsito ao


longe.

— Aconteceu algo? — questionei quando ele ficou em silêncio.

— Não. — Ele parecia sério demais. — O que houve, Lola?

Ele certamente perguntou isso por causa do meu convite — desabei no


colchão mais uma vez.

— Nada de importante — sussurrei em resposta. Minha voz saiu abafada pela


colcha de cama.

— Acho que eu já disse que você é uma péssima mentirosa.

Afastei o telefone do ouvido e o coloquei no viva voz. Revirei-me na cama e


cerrei os olhos ao ouvir sua respiração. Quase podia imaginar que ele estava
aqui.

Ele suspirou do outro lado da linha e ficou em silêncio por alguns segundos
intermináveis.

— Quer resolver seus problemas com sexo?


— Meus problemas não têm nada a ver com o que me deixou sensível como
uma garotinha.

— E o que tem?

— Precisa mesmo me encher de perguntas?

Ouvi a buzina de um carro. Encarei o celular ao meu lado e esperei sua


resposta.

— Sou o único que precisa falar sobre a vida pessoal por aqui?

Touché.

Mordi os lábios e pensei em algo para dizer. Falar sobre André estava fora de
questão.

— Por que quer saber o que me deixou estranha assim?

A porta de um carro foi fechada com força e lembrei que ele deveria estar na
casa de sua irmã agora.

— Pode abrir a porta para mim? — ele sussurrou ao telefone.

Aquilo me acordou de meus devaneios. Peguei o celular e levantei da cama.

— Você já estava aqui?

Ele não respondeu.

Segui para a sala e arrumei a droga da camisola em meu corpo antes de abrir
a porta da sala.

— Dolores, parece que o inferno congelou aqui fora — ele murmurou.

— Estou indo — respondi enquanto chegava ao portão da frente.

Usei as chaves para abrir o enorme portão e desliguei o celular ao ver Aaron.

Ele parecia ainda mais sério estando à minha frente e seus olhos exalavam
uma fúria que eu sabia estar muito bem contida. Senti meus batimentos
cardíacos aumentarem apenas por ver aquilo.

Deixei-o entrar e tranquei o portão em seguida.

Algo aconteceu. Mas o quê?

Adentramos a sala e ele se encarregou de fechar a porta desta vez.

Decidi fazer a pergunta que havia articulado dois minutos antes.

— Por que quer saber o que me deixou assim?

Aaron semicerrou os olhos, a resposta parecia estar pronta antes que eu


repetisse a pergunta:

— Porque eu vi você beijar um homem hoje e quero saber se ele tem algo a
ver com isso.

Minha boca se abriu num “o”. E me tornei incapaz de formular qualquer


resposta para aquilo.
“Como Aaron viu André me beijando? Quando e onde isso...”, interrompi
minha linha de raciocínio ao lembrar.

André me deu um selinho hoje ao me ver... Mas foi apenas um selinho. Algo
normal entre nós há muito tempo.

Estávamos na praça próxima ao prédio de Aaron, no horário que ele costuma


chegar em casa após o trabalho.

Maldição!

— Ele tem algo a ver com isso, Dolores?

— Eu não beijei ninguém. André me deu apenas um selinho — esclareci.

— André — ele repetiu como se estivesse testando o nome em seus lábios. —


Ele é seu amigo que voltou de viagem?

— Sim — respondi franzindo o cenho sem entender. — O que está


acontecendo aqui, Aaron? Por que está com raiva apenas por isso?

Ele parou por alguns segundos e pareceu organizar as palavras em sua mente:

— Primeiro eu vou para minha casa e encontro aquele cara beijando você. —
Ele parece lembrar. — Depois vou para a casa de Natasha e te vejo limpando
lágrimas do rosto.

Foi minha vez de semicerrar os olhos. Estava pronta para negar isso quando
ele concluiu:

— Então, você me manda uma mensagem e me convida para vir dormir com
você novamente, quando você havia dito que não o faria.

Ele ficou em silêncio tempo suficiente para que eu entendesse onde queria
chegar.

Inferno!

— Qual o meu papel em meio a isso?

Fechei os olhos sem acreditar e tentei respirar fundo.

“Diabos”, repeti diversas vezes em minha mente.

— Sou o idiota que você transa para esquecer outro?

Abri os olhos. Estava perplexa após ouvir sua pergunta.

Como ele pode achar que eu o usaria para esquecer André? Quando eu sequer
lembrava que André existia, quando comecei a desejar dormir com Aaron?

— Isso seria um problema pra você?

Ele respirou fundo algumas vezes e retrucou, com a voz assustadoramente


calma:

— Você não ficou nada satisfeita quando achou que eu a estava usando para
esquecer meus problemas. — Percebi que seu queixo se ergueu alguns
centímetros. — Por que eu deveria me importar se tudo o que você quer quando
transa comigo, é esquecer um filho da puta que eu sequer sabia que existia?

Ok. Talvez minha pergunta não tivesse ajudado muito.


Acenei em negativa e mordi a parte interna da bochecha quando o vi se
aproximar.

— Foi para isso que me convidou para vir aqui?

Engoli em seco. Era tão difícil tirar meus olhos dos seus quanto lhe dar uma
resposta.

Não havia nada que eu quisesse esquecer. Mesmo assim eu o chamei aqui.
Queria que ele estivesse aqui. Que alguém estivesse aqui.

— Eu não sirvo para ser sua segunda opção, Dolores — Aaron murmurou
roçando seus lábios aos meus.

— Aaron, você não... — tentei, mas foi inútil.

Fechei meus olhos com força quando ele me beijou e senti a fome insana que
ele exalava ao me beijar. Como se aquela fosse a última coisa que ele quisesse
fazer em vida.

Levei minhas mãos rapidamente para seus cabelos, para impedi-lo de se


afastar, e retribuí o beijo com a mesma avidez.

Minhas costas se chocaram contra a porta, mas não senti qualquer dor ou
desconforto. Não conseguia sentir ou registrar qualquer coisa além do beijo
selvagem que ele me dava.

— Queria que eu estivesse aqui para lhe dar sexo? — ele sussurrou contra
minha boca. — Eu vou lhe dar.

— Eu não quis...
Ele me interrompeu:

— Mas o amante, o parceiro de cama ou o inferno que eu seja pra você,


declinará do trabalho de satisfazê-la, depois disso.

— Você fala como se eu fosse a única a ficar satisfeita após o sexo —


devolvi.

Estava começando a ficar com raiva por ele ter entendido tudo errado e por
não me deixar explicar.

Ele se afastou o suficiente para tirar a camisola que eu vestia e rasgar minha
calcinha.

Suas mãos envolveram meus seios e Aaron os apertou maravilhosamente e,


em seguida, usou os polegares para fazer movimentos circulares em meus
mamilos. Depois delineou os contornos de minha tatuagem, então os libertou.
Deixando-os intumescidos, com os mamilos prontos para serem chupados.

E eu fiquei excitada, pronta para ser preenchida por ele.

O olhar que Aaron me dedicava seria o mesmo de desejo incontrolável e


insaciável, que ele sempre me dava, se também não houvesse fúria ali.

Quando seus lábios encontraram a pele sensível de meu pescoço e ele o


chupou e beijou sem qualquer hesitação ou pena, eu soube que queria apenas
deixar marcas em meu corpo. Uma lembrança semidurável de quem havia me
proporcionado prazer.

Isso estava indo longe demais!


— Aaron, eu não estava... — tentei mais uma vez, mas ao senti-lo contra
mim, eu desisti.

Inferno!

Ajudei-o a tirar a boxer e nós dois gememos quando o toquei. Seu membro
cresceu rapidamente sob meu toque quando o acariciei. Antes que pudesse
envolvê-lo completamente com minha mão, Aaron me impediu.

— Não — repreendeu. — Isso é para ser rápido... Um orgasmo para você e


acaba — lembrou enquanto colocava um preservativo em seu membro.

— Aaron, você não entendeu nada — murmurei quando ele me ergueu o


suficiente para segurar minhas pernas contra seus quadris. — Eu não estava
usando você...

Minhas últimas palavras se perderam em meio ao estado de êxtase a qual fui


transportada quando ele me penetrou. Gemi contra seu ouvido.

Meu Deus! Ele era maravilhoso dentro de mim. Sempre. Era a maldita
perfeição ter aquele homem me preenchendo.

Eu sabia que ele estava com raiva e que eu o havia provocado a ponto disso,
mas como poderia explicar que ele estava errado, se Aaron não me deixava
concluir uma frase antes de me arrancar um gemido?

“Se você não fosse tão fraca”, meu subconsciente apontou.

Suas mãos seguraram minhas coxas com firmeza antes que ele começasse a
se mover.
— Ai meu Deus — gemi. — Não pare, Aaron, por favor.

Ele me beijou e mordeu meu lábio inferior com força, antes de proferir:

— Você tem uma boceta perfeita.

Quase respondi com ironia, mas não consegui. Suas estocadas eram fortes e
rápidas, além de serem estupidamente profundas. Eu sentia meu corpo todo
reagindo freneticamente a cada impulso seu e sabia que meu orgasmo chegaria
de forma abrupta e seria mais intenso que qualquer outro que ele já havia me
dado. Minhas unhas arranharam a porta com força e mais gemidos escaparam de
meus lábios.

— Consegue pensar em qualquer coisa que não seja o meu pau dentro de
você aqui e agora?

— Não — repeti a palavra diversas vezes em vários tons e volumes de voz.

Achei que estivesse chegando ao céu quando ele aumentou o ritmo de suas
estocadas. Meu sexo o apertou com força diversas vezes e ouvi seus gemidos
fazerem apenas eco aos meus.

— Aaron...

Eu sussurrava seu nome sem sequer saber o motivo. Não tinha certeza nem
mesmo se aquele era um pedido ou uma súplica, mas ele sabia. Ele entendia
perfeitamente.

— O que ele é para você?

Demorei a registrar sua pergunta, mas quando o fiz, a resposta foi automática:
— Nada...

— Por que ele te beijou?

— Ficamos juntos. Por algum tempo — admiti ainda sem conseguir abrir
meus olhos. — Depois ele foi para Portugal... — Levei minhas mãos para seus
cabelos e os puxei. O maldito estava roçando meu ponto G de propósito. —
Aaron, me faça gozar — pedi.

— Continue — ele mandou.

— Aaron!

— Por que aquele filho da puta voltou, Dolores?

Eu o xinguei por não me dar o que eu queria e continuar a fazer essas


malditas perguntas. Vi o suor brilhar em seu rosto e tive vontade de beijá-lo ao
perceber isso. Mas não o fiz.

— Ele concluiu a graduação e voltou — expliquei de uma vez. — Queria


retomar ao que tínhamos, mas terminei tudo com ele.

— Por isso estava chorando?

— Ah, meu Deus — gemi.

Quase o xinguei novamente quando ele cessou todos os movimentos.

— Você o ama?

Fechei os olhos com força ao ouvir aquela pergunta.


Acenei em negativa e tomei coragem para, pela primeira vez em minha vida,
dizer aquilo com todas as palavras.

Deparei-me com seus olhos castanhos me encarando atentamente quando abri


os olhos. Havia um brilho diferente e desconhecido ali. Eu não fazia ideia do que
significava, mas aquilo me instigou a lhe responder esta pergunta. Mesmo que
nunca tivesse pensado um dia fazê-lo.

— Eu não o amo... Não mais.

— Por que me chamou aqui?

Àquela altura, eu já respirava melhor e pude pensar de verdade no motivo


para tê-lo chamado.

— Eu não queria ficar sozinha — admiti.

Ele ficou em silêncio. Encostei minha testa à sua.

— Aaron? — chamei-o.

— Sim.

— Por que ficou com tanta raiva?

— Já disse que não sirvo para segunda opção — ele interrompeu. — Não
quero que outro tenha permissão para tocar em você, e te preencher assim,
enquanto você concordar que eu fique aqui.

Franzi o cenho.
Sabia que aquilo era apenas sexo, mas nunca pensei em deixar que outro me
tocasse enquanto estivesse com Aaron. Ainda assim, me surpreendeu ouvi-lo
dizer isso.

— Por quê?

— Porque se eu quisesse ter algo assim, continuaria fazendo sexo com várias
mulheres ao invés de uma.

— Então sou a mulher que...

— Está me fazendo quebrar minhas próprias regras.

Acenei em negativa, sem acreditar.

— Que regras? — inquiri.

— Você faz perguntas demais.

Mordi os lábios com força e voltei a fitá-lo.

— Você me deixou louca assim, de propósito, apenas para conseguir


respostas — acusei. — Acha que não posso fazer o mesmo?

— Você não mentiria enquanto eu estivesse dentro de você. E também não se


oporia a dizer nada — ele se limitou apenas a esta resposta.

— E você? Mentirá para mim enquanto estiver aqui?

— Nunca.
Eu não sabia se poderia acreditar nisso, mas decidi que teria que esperar para
descobrir.

— Por que fez isso?

— Achei que era o que você queria. — Seus olhos estavam nos meus. — E
quis fazer de um jeito que você lembrasse que eu estaria aqui e não aquele filho
da puta.

Semicerrei os olhos para ele e minha expressão se fechou.

— Não preciso que faça isso para que eu saiba que é o seu pau dentro de
mim, Aaron! Você agiu como um adolescente idiota.

A falta de uma resposta sua me fez fitá-lo com mais atenção.

— Eu sei — admitiu por fim.

Fiquei em silêncio tentando assimilar aquilo, até que decidi perguntar:

— Que regra eu te fiz quebrar?

Desta vez ele ficou em silêncio, acenou em negativa e voltou a penetrar-me


completamente.

Quando Aaron começou a se mover, eu fiz um esforço tremendo para não


fechar os olhos e me perder em meio a todas as sensações que afloravam em
minha pele e meu corpo, tudo porque queria continuar olhando-o nos olhos.

Pressionei minhas pernas contra seu corpo e ele as segurou sem toda a força
de antes. Parecia ter finalmente se acalmado.
— Aaron — sussurrei em seu ouvido. — Me diga.

Suas investidas ficaram mais precisas e delirantes. Foi ainda mais difícil
manter o foco no que eu gostaria de saber. Ele se manteve em silêncio até que eu
estivesse chegando ao orgasmo. Quando fechei os olhos e as primeiras ondas de
prazer imensurável começaram a me levar ao ápice, eu o ouvi sussurrar:

— Não me envolver assim com nenhuma mulher novamente.

Estávamos em minha cama agora, desta vez Aaron também estava


completamente nu. Apenas os lençóis estavam cobrindo nossos corpos, enquanto
eu estava sobre ele, com a cabeça sobre seu peito.

O silêncio entre nós era bem-vindo e confortador. Eu conseguia pensar com


clareza sobre tudo o que ele disse desde que chegou aqui, mas, principalmente, o
que ele murmurou para mim depois de tudo aquilo.

Eu me perguntava por que ele criara aquela regra para si mesmo. Sua ex-
noiva tinha algo a ver com isso? Ou seria outra mulher a decepcioná-lo a ponto
disso?

Sim, porque eu realmente achava que uma mulher era culpada por ele ter se
restringido à uma regra como essa.

Brenda uma vez me disse algo parecido.


Se você se machuca com algo uma vez, será cauteloso em evitá-lo no futuro.

Eu sempre achei aquela teoria extrema e sem bons fundamentos. Mas me


agarrava a ela para explicar as regras de Aaron.

Parei de delinear os traços de suas tatuagens e me voltei para ele. Havia uma
pequena dúvida me corroendo desde que ele chegou.

— Você já estava aqui quando enviei aquela mensagem?

— Não. Estava saindo da casa de Natasha.

— E quando o convidei para vir aqui?

— Eu já estava vindo para a sua casa.

— Por quê?

— Queria saber quem era aquele cara e por que estava te beijando.

— Por quê?

Se ele estava vindo para minha casa antes de receber minha segunda
mensagem, ele não tinha motivos para achar que eu o estava usando.

— Você não acha que faz muitas perguntas?

Revirei os olhos.

— Tenho uma curiosidade que só é saciada com respostas — respondi.


Ele arqueou uma sobrancelha e a sombra de um sorriso apareceu em seus
lábios. Ok. Então ele já não estava tão sério e furioso quanto antes.

Movi-me sobre ele e meus seios pressionaram seu peito com força. Aaron
fechou os olhos por um momento.

— Você nunca me falou nada sobre sua vida — ele começou novamente ao
me fitar. — Não entendi porque disse que estava se sentindo sozinha.

Juntei as sobrancelhas sem entender sua pergunta.

“Como ele sabia que...”, interrompi meus pensamentos. “Eu mesma lhe disse
isso hoje”.

Aparentemente fico muito condescendente durante o sexo.

Engoli em seco e desviei meus olhos dos seus para pousar minha cabeça
sobre seu peito, como fizera antes.

— Não há o que dizer sobre minha família.

— Nada?

— Nada que eu queira dividir — esclareci.

— Por quê?

— Não gosto de falar sobre mim mesma ou minha família — admiti.

— Por isso minha família e eu somos seu assunto preferido?


Suspirei ao ouvir aquilo. A alfinetada me acertou em cheio.

— Tenho apenas meu avô agora — cedi após uma eternidade. — Mas ele
mora em uma casa de repouso há quase um ano.

— E seus pais?

— Meu pai morreu quando eu era muito nova.

— Sinto muito.

— Não se preocupe. As boas lembranças que guardo dele me consolam. —


Meu coração se apertou na última palavra e fechei os olhos com força.

— E sua mãe?

— Não nos damos bem.

Ele fez uma pausa, como se tentasse digerir aquilo e completou:

— E seu avô?

Agradeci mentalmente quando ele mudou o rumo da conversa.

— Ele é... meu pai, avô, amigo. — Fiz uma pausa ao lembrar de vovô. — É
tudo o que tenho.

— Vocês ainda se veem?

— Claro — respondi. — Todas as semanas.


Um celular tocou no quarto, mas não era o meu — e era terceira vez que eu o
ouvia.

Aaron xingou baixo e o seu braço que me envolvia, foi retirado de meu corpo
quando fiz menção de me afastar. Mantive os lençóis em meu corpo ao levantar
e Aaron ficou nu sobre a cama.

— Vou tomar um banho — avisei a ele, que havia levantado para pegar sua
calça.

Parei à frente da porta quando ele ficou de costas para mim e atendeu ao
celular.

Qualquer palavra que ele tenha dito foi ignorada por meus ouvidos. Eu estava
perdida demais na imagem de suas costas fortes e bem definidas — levei uma
mão aos lábios ao ver as marcas de unhas por vários centímetros de toda a sua
extensão. Não achei que o estivesse arranhando com tanta força, mas fiz isso há
pouco.

Mordi os lábios ao baixar os olhos para o seu traseiro. Como eu nunca havia
o apalpado ali? Constatei que aquela era uma bela vista. Suas pernas eram
grossas, mas não eram muito peludas — algo pelo qual eu agradecia, pois não
gosto de homens peludos demais.

Quando o ouvi dizer o nome de sua irmã enquanto perguntava: “como ele
chegou até aí?” decidi entrar de uma vez no banheiro.

Quinze minutos depois, saí enrolada em uma toalha. Aaron estava


completamente vestido e ainda falava ao telefone.

— Rodrigo descobriu onde ela estava e precisei agir rápido — ele dizia.
Apenas neste momento ele pareceu perceber que eu também estava ali.

“O que houve?”, sussurrei franzindo a testa, preocupada.

Aaron continuou a falar ao telefone e sussurrou para mim: “Se apresse”.

“Por quê?”, devolvi.

— Só um momento — ele disse a quem estava na linha com ele. — Preciso


que vá comigo a um lugar. Agora.

— O quê? Para onde e por quê?

— É uma longa história.

Acenei em negativa pronta para retrucar quando ele concluiu:

— Por favor.

Aaron nunca pediu “por favor”. Devia ser realmente sério.

Suspirei sem acreditar que estava concordando e vesti uma calça jeans e uma
blusa azul-escuro de manga comprida, além de um cachecol vermelho para
proteger o pescoço — e cobrir as poucas marcas que Aaron havia deixado.
Prendi os cabelos em um rabo de cavalo e segui para a sala. Aaron havia ido
para lá.

— Para onde vamos?

— Casa de Natasha. — Ele abriu a porta e esperou que eu o seguisse até ela.
Peguei meu celular e o segui ainda de má vontade. Havia cinco ligações
perdidas de um número desconhecido. Quem me ligaria a esta hora? E por quê?

As palavras de Aaron me tiraram de meus devaneios.

— Há duas pessoas lá que você precisa conhecer e... — ele interrompeu e


segundos depois concluiu: — Vamos.

— Espero que uma destas pessoas seja a sua mãe.

Ele me entregou as chaves e tranquei a porta. Quando saímos para a rua, onde
seu carro escuro nos aguardava, eu percebi que fazia mais frio que o normal.

Aaron abriu a porta do carro para mim e sentei-me ao entrar. Esperei que ele
também colocasse o seu cinto de segurança e perguntei:

— O que sua irmã disse?

— Que eu precisava resolver um problema.

— Natasha não sabe resolver nada sozinha?

— Natasha tem dezessete anos, Lola, e tem mais problemas que muita gente
por aí.

Ergui as sobrancelhas, sem entender, mas ele não explicou.

Cerca de vinte minutos depois, nós parávamos à frente de um prédio de


quatro andares. Eu não sabia que bairro era aquele, mas não era muito longe de
minha casa.
Quando Aaron abriu a porta do meu lado e eu saí do carro, pude ver o prédio
de um ângulo melhor. Era antigo, mas muito bem conservado. Na pequena
entrada, acima da grade, lia-se a frase: “Residencial Pôr do sol”.

Acompanhei Aaron até a entrada e, em seguida, até o pequeno elevador —


que parecia ser tão antigo quanto o prédio.

— Quem está lá além de sua mãe, Aaron? — perguntei a ele, que me fitou em
silêncio antes que pudesse me responder, o elevador parou no quarto andar. Ele o
segurou para que eu saísse e veio atrás de mim.

Olhei para as portas brancas com números aleatórios. As paredes eram cor de
creme e havia alguns quadros e vasos com flores pelo caminho. Aaron apertou a
campainha do apartamento de número 409 e voltei para ficar ao seu lado. A
porta foi aberta e uma moça nos atendeu. Era a mesma que vi no shopping há
dois dias.

Natasha.

Seus cabelos negros estavam amarrados em um rabo de cavalo, como os


meus, e os olhos azuis pareciam estar muito mais atentos e lindos que antes.

Natasha sorriu para mim e olhou para Aaron, que estava ao meu lado.

— Que bom que chegaram — ela disse. Pelo visto não me reconheceu.

A porta foi aberta o suficiente para que nós dois pudéssemos entrar e olhei
encantada para a sala da casa. As paredes eram brancas e os móveis
maravilhosos. Toda a decoração era vintage e me apaixonei rapidamente por
cada detalhe.
— Natasha, esta é Dolores — ele disse ao iniciar as apresentações — Lola,
esta é minha irmã, Natasha.

Apertamos as mãos em um cumprimento e ela me abraçou em seguida.

— É um prazer, Dolores. Aaron me falou de você. — Suas palavras me


fizeram franzir o cenho.

— Também o ouvi falar de você — eu lhe disse. — Sua casa é linda.

— Obrigada — ela agradeceu com um sorriso maior.

— Onde eles estão? — Foi a vez de Aaron.

— No quarto de hóspedes. Ele pediu para ficar com ela.

— Sua mãe? — perguntei a Aaron.

— Sim — ele respondeu. — Venha comigo.

Minha expressão ainda era completamente desentendida. Atravessamos o


corredor pequeno. Nele havia apenas três portas, paramos na que ficava do lado
esquerdo. Aaron bateu três vezes na frente dela e esperou. Trocamos um olhar e
percebi que ele parecia nervoso.

A porta foi aberta. Voltei-me lentamente para ela e foi como se o mundo
tivesse parado.

Meus lábios se entreabriram e precisei de alguns segundos para articular


qualquer frase. Apenas uma palavra pôde ser proferida por mim:
— Vovô?
“Quem guarda tudo em segredo

E vive numa ilha

De repente o amor

Por destino ou dispor joga armadilha

Não há mistérios na paixão

Verdades ou mentiras

A gente é o que é

Homem ou mulher”

(Caça e Caçador – Fabio Junior)


Ele também parecia surpreso por me ver ali.

Olhei para Aaron em busca de uma resposta que não obtive de meu avô.

— Ele fugiu da casa de repouso — Aaron disse.

Voltei-me para vovô rapidamente e ele abriu a porta do quarto o suficiente


para que entrássemos.

Eu desconfiava que meu coração uma hora acabaria pulando do peito, mas
até agora estava conseguindo controlá-lo.

Ao olhar para a cama do quarto entendi o que o levou àquela casa.

— Mabel — sussurrei levando a mão aos lábios. Segui para a cama ao ver
que ela parecia desacordada e senti meu peito se encher de dor.

“O que está acontecendo?”, era a única pergunta que ecoava em minha


mente.

— Ela está apenas dormindo. — Foram as palavras de vovô.

— O que você está fazendo aqui? — perguntei a ele enquanto acariciava o


rosto de Mabel.

Eu tentava me acalmar, mas à medida que o fazia, mais perguntas apareciam.

Decidi deixar Aaron em segundo plano. Com ele eu me entenderia depois.


— Eu precisava cuidar dela — ele murmurou enquanto se aproximava. —
Ricardo a tirou às pressas do asilo. Eu não podia deixá-la de novo, querida. —
Senti que sua voz ficou embargada nas últimas palavras e fechei os olhos com
força.

Levantei devagar e respirei fundo antes de voltar a encarar os dois.

Primeiro a Aaron, desafiando-o a me dizer qualquer coisa. Mas ele se


manteve impassível e quieto.

Por que vovô o chamou de Ricardo?

Desviei meus olhos dos seus e fitei vovô, que estava o meu lado.

— Por que não me avisou? — sussurrei.

— Eu não queria demorar muito para encontrá-la. Se Mabel se esquecesse de


Ricardo, as coisas ficariam muito difíceis para ele.

— Vou deixá-los sozinhos para conversar — Aaron decidiu se manifestar. —


Irei esperá-la na sala.

Não me dei ao trabalho de encará-lo. Ouvi apenas quando a porta se fechou


atrás dele.

— Como o senhor conheceu Aaron? — questionei.

Ele olhou para Mabel e segurou em meu braço delicadamente para me levar
até a varanda do quarto. Fechou as portas de vidro em seguida e cruzei os braços
com frio.
— Eu o conheço há pouco mais de dois anos — contou. — Nos conhecemos
por causa de Mabel.

Dois anos? Eles se conhecem há dois anos e eu só fiquei sabendo disso


agora?

Eu estava perplexa.

— Como se conheceram? — repeti tentando não deixar a dor crescente me


abalar.

— Eu já lhe contei sobre Mabel e eu sermos namorados no passado, depois


que minha primeira esposa faleceu.

Assenti.

— Eu já servia o exército e seu pai estudava em um colégio interno naquela


época. Então meus superiores me remanejaram algumas vezes. Sempre que isso
acontecia, Mabel e eu precisávamos nos separar.

Olhei-o nos olhos e vi a tristeza brilhar no azul que sempre me acalmava.

— Em uma das minhas viagens, o pai de Mabel a obrigou a se casar com um


homem muito rico. Quando voltei, meses depois, ela já estava morando no
centro de Porto Alegre com ele.

Mordi os lábios para me impedir de dizer qualquer coisa. Eu queria ouvi-lo


antes de qualquer coisa.

— Tentamos fugir uma vez, para ficar juntos — ele sussurrou com um sorriso
fraco. Parecia perdido em meio às lembranças. — Olavo nos encontrou dias
depois e a levou de volta. Há dois anos um jovem me procurou. Ele dizia ser
filho de Mabel e me contou que achava que eu era o seu pai.

Meus olhos se arregalaram ao ouvir aquilo. Aaron? Filho do meu avô?

— Na época você estava fazendo a viagem de formatura, lembra-se?

Assenti lembrando que eu pedi uma viagem ao invés da festa de formatura.


Passei uma semana no Rio de Janeiro. Sempre fui louca para ir aos museus de lá.

— Sim. — Minha voz soou rouca e baixa demais.

— Fizemos testes de DNA. Ele não era meu filho, mas mantivemos contato.
Ele sempre me contava sobre Mabel e respeitou minha decisão quando pedi que
não contasse a ela que havia me encontrado.

Encostei-me ao parapeito, como vovô, e esperei suas próximas palavras.

— Meses depois, ele me ligou. Disse que Mabel estava doente e seu pai
estava cada dia mais insuportável. Ricardo ficava na mansão Andrade por causa
de sua mãe. Ele me disse que Olavo era violento e... — Ele fez uma pausa. —
Ricardo conseguiu tirá-la daquela casa e a levou para um apartamento que
ganhara de Mabel em seu aniversário de vinte anos. Mas eu não queria voltar à
vida dela de uma hora para outra, ainda me sentia culpado por ela ter caído nas
garras daquele homem.

Encostei minha cabeça em seu ombro e ele segurou minha mão.

— No entanto, foi necessário, pois o irmão gêmeo de Ricardo certa vez


sequestrou Mabel e pediu dinheiro para entregá-la de volta a nós e não a Olavo.
Depois disso, Ricardo decidiu levá-la para outro lugar. Foi então que
encontramos a casa de repouso.

— Você me disse que tinha amigos lá.

— Não queria que pensasse que eu a estava abandonando para cuidar de


Mabel — ele murmurou voltando a me encarar. — Não queria magoá-la com
isso.

Eu entendi que ele tomou esse cuidado por causa de mamãe. Não queria que
eu achasse que ele estava me abandonando como Elaine sempre fez.

— Por que não me contou sobre Aaron?

— Depois que os testes foram feitos e descobrimos que eu não era seu pai,
paramos de nos ver. Nós apenas conversávamos algumas vezes por mês. Até
então, você também não sabia sobre Mabel, por isso preferi não entrar no
assunto.

Concordei mentalmente com aquilo.

— Mas e depois? Quando vocês já estavam no asilo? Por que não me falou
sobre ele? Por que não nos apresentou?

Ele me encarou com os olhos semicerrados e sorriu.

— Eu nunca tentei apresentá-la a Ricardo, Dolores?

Revirei os olhos.

— Você queria me arranjar um namorado — lembrei-o.


— Desde que o conheci, eu achei que vocês formariam um belo casal.
Mesmo que ele seja seis anos mais velho que você.

Juntei as sobrancelhas.

— Casal? Aaron e eu?

Ele assentiu.

Acenei em negativa. Dentre as coisas mais improváveis em minha vida, essa


está no topo. Principalmente agora.

— Ele sabia sobre a minha existência?

— Comecei a falar de você quando Mabel disse a ele que você é um doce de
pessoa.

Aquilo me fez sorrir.

Eu? Um doce de pessoa. Em um mundo hipotético talvez.

— Mas ele nunca demonstrou muito interesse até ver uma pintura que Mabel
havia feito de você.

— Mabel pintou algo para mim? — inquiri surpresa.

— Não exatamente. — Ele riu. — Ela fez uma pintura de você. Como um
autorretrato.

Meus olhos se abriram à medida que eu compreendi aquilo. A foto que Aaron
tinha em seu celular — lembrei. — Devia ser uma foto da pintura de Mabel.
— Por que ela nunca me mostrou?

— Nunca achou a pintura boa o suficiente para fazê-lo.

Revirei os olhos. Mabel pinta maravilhosamente bem.

— Quando foi isso?

— Há oito meses, eu acho.

Depois que ele entrou na revista.

Nós estávamos tão perto e sequer sabíamos.

Só começamos a manter qualquer diálogo, mesmo que profissional, há menos


de dois meses, que foi quando mudamos de andar no prédio. E então, sua mesa
ficou à frente da minha.

— Como se conheceram? — ele perguntou.

A primeira reunião que participamos juntos me veio à mente. Lembro da


forma que sua voz me abalou.

— Trabalhamos na mesma revista. — Fiz uma pausa. — Você não sabia?

— Ele me contou nesta semana... Conversamos muito, na verdade.

— Depois que Rodrigo voltou?

— Sim. — Sua expressão mudou repentinamente. Foi a primeira vez que vi


indícios de ódio em seu rosto. — Não entendo como duas pessoas tão parecidas
podem ser tão diferentes.

— Faço das minhas as suas palavras, vovô.

— Não fique chateada, filha — ele pediu após uma pausa. Beijou o topo de
minha cabeça e concluiu. — Eu pediria que Ricardo ligasse para você amanhã.

— Você não falou com ele ainda há pouco?

— Falei, mas não pedi que ele contasse a você. Nem sabia que ele a traria
para esta casa.

— Por que o chama de Ricardo?

— Seu nome é Aaron Ricardo Nunes de Andrade. Mas Mabel o chama


apenas de Ricardo.

Fechei os olhos. Aaron Andrade é o nome reduzido dele na empresa.

Abracei vovô com força e ele retribuiu o abraço.

— Não deveria ter me escondido tudo isso.

— Eu sei — ele sussurrou. — Agora percebo isso.

— Como Mabel está? — perguntei me afastando.

— Bem. Ela lembra de Ricardo... E de você.

Suspirei profundamente e tentei registrar todas as informações que ele havia


me repassado.
“Precisava falar com Aaron”, o pensamento fez com que irritação mesclada à
raiva crescesse em mim.

— Há quanto tempo estão juntos? — vovô perguntou. Parecia ter lido meus
pensamentos.

— Não estamos juntos.

— Filha, não pode culpá-lo por não ter te contado. — Arregalei os olhos sem
acreditar no que estava ouvindo.

Entramos no quarto novamente.

— Como não posso, vovô? Ele me escondeu tudo isso! — Baixei o tom de
voz ao lembrar de Mabel. — Aaron não deveria ter feito isso. Principalmente
sabendo que envolvia você e Mabel!

— Como ele te contaria que chegou até mim achando que eu era seu pai? E
que só achava isso porque Olavo passou a vida lhe dizendo que ele era um
bastardo? Que Mabel o havia traído?

Engoli em seco por um momento, mas não desisti.

— Se para ele é tão difícil falar sobre isso, ele poderia ter me contado ao
menos que conhecia o senhor e que Mabel é sua mãe.

— Dolores, ninguém sabe que Mabel é mãe de Ricardo. Ele a mantém


escondida de todos porque não confia em ninguém que se aproxime dela. Não
depois de ter que defendê-la do próprio pai e do próprio irmão. Ele é muito
superprotetor.
— Isso é não suficiente. Eu também não costumo confiar em pessoas
facilmente. O senhor mais do que ninguém sabe o quanto prezo a confiança entre
duas pessoas! Com ele eu...

— Você confia nele?

— Não! Eu não confio, e depois disso nunca vou me permitir fazê-lo. —


Acenei em negativo. — Aaron é reservado demais, fechado demais. Ninguém
pode se permitir confiar no que não conhece de verdade.

— Mas ele te contou sobre Rodrigo — ele disse. — Você acabou de dizer que
eles são diferentes.

— Ele não me contou porque queria. A situação o forçou a isso.

— Tem certeza?

Olhei para o seu rosto. Ele parecia realmente duvidar disso.

— Sim. — Levantei o queixo e respirei fundo.

— Espero que tudo se resolva entre vocês — ele concluiu.

Voltei-me para a porta e a abri.

— Vamos para casa, vovô. Depois decidimos o que fazer sobre Mabel.
Antônio certamente me ligará amanhã, você não deveria ter fugido da casa de
repouso. Temos que resolver tudo isso.

Ele não se moveu.


— Não posso abandonar Mabel de novo, filha. Preciso estar aqui quando ela
acordar.

Senti meus olhos marejarem ao ouvir suas palavras.

Céus! Eu sabia que ele queria ficar. Mas como poderia deixá-lo aqui? Na casa
de dois estranhos?

— Vovô, você não pode ficar aqui. Natasha está sozinha. Esta casa é dela.

— Natasha precisa cuidar da própria mãe. Ela já abriu mão de muitas coisas
para isso. Não posso deixar que tenha que cuidar de Mabel. Ela não saberá como
agir quando Mabel tiver uma recaída.

— Aaron está com o telefone de uma técnica em enfermagem, eu mesma lhe


repassei, ele vai conseguir alguém para cuidar de Mabel... Talvez o senhor possa
visitá-la — tentei convencê-lo.

Mas e eu? Não posso simplesmente parar de visitar Mabel por causa de seu
filho. Ela também é muito importante para mim.

— Não vou, minha querida.

Fechei os olhos. O que eu poderia dizer para lhe convencer?

Nada. Não havia nada mais a ser dito.

— Vovô — pedi. — Por favor, eu prometo que vamos dar um jeito.

Ele continuou imóvel.


— Eu sinto muito — foi tudo o que disse.

Respirei fundo e segui para seus braços novamente. Não poderia, jamais,
pedir que ele escolhesse entre nós.

— Vou falar com Aaron — sussurrei. — Visto a relação que vocês mantém,
acho que ele não irá se opor à sua estadia aqui. Não posso dizer o mesmo de
Natasha.

— Ela se assustou ao me ver aqui, mas se acalmou quando eu disse que


poderia ligar para Ricardo.

Desvencilhei-me de seus braços e assenti. Beijei-lhe o rosto e tomei sua


bênção.

— Eu preciso ir. Vou pensar em uma forma de resolver isso e amanhã volto
para pegá-lo, tudo bem?

— Tenho certeza de que pensará em algo.

Percebi que ele não confirmou que “tudo bem”, mas decidi não discutir por
isso.

— Boa noite — sussurrei.

— Boa noite, minha filha. Vá com Deus.

Assenti e voltei para a porta.

— Espero que tenha realmente certeza de que ele só lhe contou sobre
Rodrigo porque a situação o obrigou.
— Não adianta defendê-lo, vovô — falei ao sair e segurar a porta aberta.

— Você é muito obstinada, querida — ele disse. — Ainda mais quando


coloca uma coisa na cabeça.

Troquei um último olhar com ele e saí.

Segui de volta pelo corredor e peguei meu celular para verificar as horas.

Dez e meia da noite.

Inspirei profundamente e cheguei ao fim do corredor. Aaron estava encostado


ao balcão enquanto conversava com Natasha.

— Você pensou o quê? — ela questionou em tom irônico. — Que ela acharia
que você é um maníaco perseguidor, apenas porque conhecia o avô dela?

Ele ficou em silêncio e ela continuou:

— Para um homem inteligente, você foi muito idiota por deixá-la no escuro
desta forma.

— Natasha, já chega — ele disse a ela tentando visivelmente manter a calma.


— Crianças já deveriam estar na cama, sabia?

Não acreditei que estava sorrindo quando vi a garota arquear a sobrancelha


em desafio.

— Tenho quase dezoito anos, Aaron — ela disse entre pausas para enfatizar.
— E você sabia que não deveria ter escondido tudo daquela moça.
— Você fez o favor de repetir isso dez vezes nos últimos vinte minutos. Eu já
entendi que... — ele interrompeu ao me ver.

Sustentei seu olhar em silêncio e ele fez o mesmo.

Natasha pediu licença e saiu enquanto eu adentrava a sala.

— Vovô foi irredutível. Não consegui convencê-lo a ir para casa comigo. Mas
amanhã posso voltar para buscá-lo.

— Natasha disse que já havia combinado com ele de dormir no sofá hoje,
assim ele pode ficar em seu quarto. Não se preocupe. Amanhã tentaremos levar
outra cama para o quarto de mamãe.

A ficha sobre aquilo finalmente caiu. Aaron é filho de Mabel.

Filho. De. Mabel.

Eu nunca pensaria em algo assim. Até porque achei que a mãe dele fosse a
senhora que vi no shopping com sua irmã.

— Natasha também é...?

— Não. Ela é filha apenas de Olavo.

Franzi o cenho.

Mas Natasha é mais nova que Aaron... Como?

— Ele tinha um caso com a mãe dela — explicou quando pareceu entender
minha expressão.
Concordei sem saber o que dizer sobre aquilo e cruzei os braços.

— Preciso ir para casa — lembrei-o.

— Posso levá-la.

Ele continuou impassível. Não moveu um centímetro do corpo enquanto


esperava que eu dissesse algo sobre tudo o que havia descoberto:

— Tem algo para me contar? — questionei.

— Acho que João já lhe contou tudo.

Meneei a cabeça em negativa.

— Há coisas que somente você pode explicar.

Após alguns segundos ele assentiu.

— Se puder me ouvir antes de dizer qualquer coisa.

Coloquei o celular no bolso novamente.

Suspirei cansada e respondi:

— Não garanto nada.

Encaramo-nos em silêncio por alguns segundos, até que ele seguiu para a
porta e a abriu para mim.

A viagem de volta para minha casa fora suficiente para que eu organizasse as
perguntas que faria a ele. E me permitiu também tempo suficiente para me
acalmar.

Quando ele parou o carro, em pensamento, retrocedi à segunda-feira. Na hora


em que ele me trouxe para casa após a corrida — aquilo parecia ter acontecido
há tanto tempo.

— O que quer saber primeiro? — ele questionou voltando-se para mim.

— Como conheceu meu avô? Por que não me disse que vocês mantinham
uma amizade? Qual foi o real motivo de ter se aproximado de mim? — Fiz uma
pausa e o fitei. — Você tem muitas opções.

Ele não expressou nada, apenas disse:

— Nos conhecemos há algum tempo, quando o procurei. Ele me ajudou a


cuidar de minha mãe. — Aaron pareceu lembrar de algo durante alguns
segundos. — Ela me falou de você durante muito tempo. Mamãe não costuma
confiar depressa nas pessoas, mas parecia ter confiado facilmente em você.
Depois me mostrou um quadro que havia feito de você. Dias depois eu te vi na
revista. Fiquei curioso, mas não me aproximei.

— Por quê?

Ele respirou fundo e continuou:

— Mamãe e João tentavam me instigar a conhecê-la para me arranjar uma


namorada. — Ele acenou em negativa. — Eu não queria aquilo e já sabia muito
sobre você, não precisava realmente conhecê-la.

— Quando isso mudou?


— Quando participamos daquela reunião. — Sua expressão facial se
suavizou por um momento. — A Dolores daquela conversa era a mesma que
haviam me descrito antes. Gostei de saber que eles estavam certos em tudo o que
disseram sobre você.

— Por que não me contou sobre vovô? E Mabel? Se sabia que eu a conhecia,
por que não me disse que ela era a sua mãe?

Aquilo o deixou em silêncio por alguns segundos.

— Eu não confiava em você. Não a ponto de falar sobre ela. — Ele fez uma
pausa. — Acho que seu avô não me perdoaria se soubesse o que realmente havia
entre nós.

Aquilo me deixou em silêncio. Meus lábios se entreabriram diversas vezes


para dizer algo, mas as palavras simplesmente não saíam.

Percebi que não poderia exigir que ele confiasse em mim, se nem mesmo eu
confiava nele.

“Não confia nele? E o deixou dormir em sua casa? Em sua cama?”, uma
vozinha irritante repetiu em minha mente. Mas a expulsei para longe quando as
palavras de Aaron fizeram eco em minha cabeça.

— Mas depois que Rodrigo te sequestrou, eu percebi que estava errado em


não... — Ele acenou em negativa e achei que estivesse tentando organizar seus
pensamentos. — Ontem comecei a falar sobre mim para você... Também contei
ao seu avô que eu a havia conhecido e que estávamos saindo.

Vovô me disse isso ainda há pouco.


— Você não confiava em mim para falar sobre Mabel... — murmurei quando
minha voz pareceu ter voltado. — Não me achava boa o suficiente para ter um
relacionamento... — lembrei-o de suas palavras. — Eu servia apenas para lhe dar
prazer?

— Por que para você todas as minhas atitudes escondem uma forma de te
menosprezar?

Fechei os olhos ao ouvir aquilo.

— Eu não sei se seu amiguinho ou qualquer idiota fez isso com você, mas eu
não sou nenhum deles, Dolores. Achei que você estivesse ciente disso.

Mordi os lábios e desviei meus olhos dos seus.

— Por que decidiu me contar sobre Rodrigo? — questionei lembrando-me da


expressão de vovô quando eu disse que Aaron fora forçado a me contar por
causa da situação.

— Você já sabia sobre a existência dele, eu achei melhor também deixá-la


saber o que estava acontecendo. — Seu tom de voz foi o mesmo. — E você
estava com raiva. Certamente se afastaria se eu não dissesse nada.

— E você se importaria?

Ele ficou em silêncio por tempo suficiente para que eu quisesse encará-lo
novamente.

— Eu não te daria motivos para se afastar. Se você o fizesse, eu queria que


fosse apenas uma decisão sua.
Eu não disse nada pelo que pareceu ser tempo demais. Ainda estava um
pouco perdida em meio a essas explicações e repassava tudo em minha mente
para não correr o risco de ter deixado passar qualquer detalhe.

— Por que disse que vovô não o perdoaria?

— Ele queria que eu fosse o namorado de sua neta, não o cara que dorme
com ela sem lhe propor um relacionamento.

— Ele nunca achou que eu fosse uma santa, Aaron! E sou maior de idade.
Não havia motivos para vovô ficar com raiva ou chateado por isso.

Aaron riu por um momento.

— Você realmente nunca ouviu seu avô falando de você, não é?

Semicerrei os olhos para ele.

— Se importa tanto com o que ele pensa sobre isso?

Ele pareceu surpreso com minha pergunta e comprimiu os lábios como se


tentasse se acalmar, antes de dizer:

— Não — respondeu olhando em meus olhos. — Mas me importo com a


confiança que ele tem em mim. Eu nunca quis quebrá-la por algo assim.

— Então por que se aproximou? Por que me propôs sexo sem a droga de um
relacionamento?

— Porque eu também queria você e aquela era a única coisa que estava
disposto a oferecer. Era a única coisa que você estava disposta a aceitar.
Ele tem razão. Nós dois sempre deixamos claro que não queremos um
relacionamento.

Mas ele mentiu. Ou no mínimo omitiu muitas coisas de mim. E independente


de ter ou não um bom motivo, ele o fez.

Se fôssemos continuar juntos, mesmo que apenas em uma cama,


precisaríamos confiar um no outro quando as coisas envolviam nossas famílias.
Talvez até mesmo quando se tratava de nós dois.

Mas ele não confiava em mim. Pelo menos não o suficiente para falar da
própria mãe — segundo o que ele disse.

Querendo ou não, continuo em meio à sua briga com Rodrigo. Mas o pouco
de confiança que comecei a cultivar por Aaron quando lhe contei sobre minha
família mais cedo, foi por água abaixo no momento em que ele me levou para a
casa de sua irmã e vi meu avô lá — e Mabel.

Aquele pensamento me lembrou de Mabel e vovô. Eu ainda não sabia o que


faria para que vovô voltasse à casa de repouso ou à nossa casa. Porém, precisava
pensar em algo.

— Amanhã vou pegar vovô na casa da sua irmã. Pode me enviar o endereço
por mensagem?

— Posso levá-la depois do expediente.

— Não precisa. Apenas me envie o endereço e pegarei um táxi. — Voltei a


fitá-lo.

Contei cinco segundos de pleno silêncio até que ele se manifestou


novamente.

— Pra você não faz diferença — afirmou. — Por que quis que eu te contasse
tudo isso se não mudaria sua decisão?

— Eu queria ouvir de você — respondi simplesmente.

— Conseguiu as respostas que queria?

O incrível para mim naquele momento é que Aaron parecia calmo. Notei que
isso sempre acontecia quando chegávamos a um impasse. A decisão final era
minha e ele respeitaria.

— Não todas.

— Se essa é a última vez que nos veremos assim, é melhor perguntar agora.

— Por que não me contou sobre tudo isso na quarta-feira? Se já havia


concordado em falar sobre Rodrigo?

— Eu não sabia se você iria querer continuar comigo depois de saber sobre
Rodrigo, pensar em falar sobre tudo me dava a certeza de que não iria.

Acenei em negativa devagar e olhei a rua deserta através da janela.

— No fim, você realmente me conhecia — murmurei para mim mesma. Após


alguns segundos, decidi endossar: — Você não se arrepende?

— De não ter dito nada?

Assenti.
— Não. Sinto muito por não o ter feito antes, mas não costumo me
arrepender de nada que tenha feito.

Quase ri sem humor ao ouvir aquilo.

E ainda tínhamos algo em comum.

— Eu tenho que ir — falei ao abrir a porta do carro.

— Acaba aqui?

Voltei-me para ele e respirei fundo antes de dizer:

— Eu preciso pensar.

Ele suspirou e respondeu:

— Tudo bem.

Um nó em minha garganta impediu que eu dissesse qualquer outra coisa além


de “até amanhã”.

— Até amanhã — ele retribuiu.

Peguei as chaves do meu bolso e segui para o portão de entrada.

Não resisti a olhar para o carro dele que continuava no mesmo lugar. Sabia
que ele também me encarava. Podia sentir.

Decidi entrar e tranquei o portão em seguida. Encostei-me a ele e ouvi o carro


dar partida.
Não conseguia acreditar em tudo o que havia acontecido hoje. Nesta semana,
para falar a verdade.

Entrei em casa, mas não me incomodei de ligar as luzes. Segui direto para o
meu quarto e então liguei o abajur sobre o criado-mudo.

Deitei-me na cama sem me preocupar de ainda estar com roupas tão


apertadas. Fechei os olhos para me forçar a não ver o que estava a minha volta.
Era tudo vazio demais. Silencioso demais.

Triste demais.
“Um dia desses, num desses encontros casuais

Talvez a gente se encontre

Talvez a gente encontre explicação”

(Pra Ser Sincero – Engenheiros do Hawaii)

O início do expediente na empresa no dia seguinte fora conturbado. Encontrei


seis pastas sobre a minha mesa e mais de dez bilhetes. Todos com tarefas
pendentes.

Consegui me organizar completamente e começar a fazer os trabalhos por


ordem de prioridade.
Aaron não estava em sua mesa, à minha frente, e eu ainda não sabia o
motivo. Já vi até mesmo José Roberto, mas nenhum sinal de Aaron.

Quando olhei para o relógio no canto da tela do computador e vi que já eram


mais de dez da manhã, permiti a mim mesma uma pausa para respirar melhor.

Eu mal dormira durante a noite. Pensara em tudo o que havia descoberto


ontem e repassava todas as informações tentando forçar a mim mesma a
acreditar em todas elas. E finalmente conseguira.

Rodrigo e Aaron são realmente filhos de Mabel. Ele achou ser filho de meu
avô. Os dois são amigos.

Ele me quis desde que me viu na empresa... Mas não confia em mim.

Havia outra coisa que eu não conseguia tirar da minha cabeça.

As palavras de vovô.

Ele parecia estar certo de que Aaron não me contaria sobre sua família apenas
porque a situação o obrigou. E Aaron disse que um dos motivos para ter me
contado tudo na quarta-feira, era ele ter certeza de que eu me afastaria se ele não
contasse.

Ele não queria que as coisas entre nós terminassem.

Eu não estava com raiva de Aaron. Mas não gostava nem mesmo de pensar
que ele havia me escondido tantas coisas que envolviam pessoas que amo.

Como poderia denominar isso? Mágoa?


Não chegava a tanto porque ao passo que eu não esperava que ele me
escondesse tudo isso, eu também não esperava que me contasse tudo sobre sua
vida.

Suspirei e levantei para ir à cantina pegar café.

Maldito inferno. Estou andando em círculos com esses pensamentos. Estava


sendo metódica demais quando poderia simplesmente terminar com Aaron se
não quisesse mais nada com ele ou voltar com ele se ainda quisesse.

Sim, eu quero. Mas e se ele me escondesse coisas importantes de novo?

Respirei fundo quando vi Jéssica, a recepcionista assanhada, conversar com a


única mulher que fazia parte da equipe de Aaron: Vanessa.

Segui diretamente para a pia e lavei minha xícara de porcelana enquanto elas
conversavam:

— Ele confirmou se vai? — Jéssica perguntou. O fato de ela falar como uma
criança mimada me irritava profundamente.

— Não. Mas e se Aaron for, Jess? O que você fará?

Quase deixei a droga da xícara cair quando ouvi o nome de Aaron ser
mencionado.

— Qualquer coisa, mas ele só sairá daquele bar comigo, para a minha cama.
Mesmo que eu precise embebedá-lo.

Arqueei a sobrancelha esquerda enquanto o café quente enchia o recipiente


que eu usaria para tomá-lo.
“Ah, mas você não vai mesmo, Jéssica! Não enquanto eu estiver com ele,
pelo menos”, pensei.

Voltei-me para as duas e encostei-me ao balcão. Tomei o primeiro gole de


café e Vanessa olhou para mim.

— A Lola estava flertando com o Roberto na sexta-feira! — ela disse


chamando a atenção de Jéssica. — Talvez se ela falar com Roberto, ele consiga
convencer Aaron a ir.

Arqueei a sobrancelha esquerda sem acreditar.

— O quê?

As duas se aproximaram de mim. Jéssica com um sorriso enorme no rosto.


Eu já sabia que a próxima coisa que ouviria seria falsidade em sua voz enquanto
ela me fazia um pedido.

— Jéssica quer ficar com Aaron hoje... Acho que você o conhece. Ele é o
meu chefe e o de Roberto também — Vanessa foi a primeira a falar.

Assenti brevemente dividindo meu olhar entre as duas.

— Me ajude, Lola! Por favor! Estou há semanas esperando por este dia.

Fingi um sorriso e em tom de desculpas disse:

— Eu não estou saindo com Roberto — expliquei. — Na verdade, ele está há


dias sem sequer me olhar nos olhos.

A esperança que estava na expressão de Jéssica sumiu aos poucos e ela me


deu um sorriso fingido.

— Não acha mais fácil o chamar para ir ao bar, Jéssica? — perguntei a ela.

Ela acenou em negativa e pareceu se recordar de algo.

“Aaron estava a ignorando”, lembrei.

Então finalmente entendi sua insistência. Era por isso que ela queria ficar
com ele. Porque ele não a queria.

— Preciso voltar ao trabalho — avisei enquanto enchia minha xícara


novamente. — Até mais.

Saí andando tranquilamente e ao chegar à minha mesa, peguei meu celular e


digitei uma mensagem para Elise e Brenda.

“Vamos ao Preto Zé Bar, hoje? Estou a fim de ouvir um pouco de MPB.”

— Vovô, no máximo às oito e meia eu vou pegá-lo — repeti pela terceira vez
desde que liguei para a casa de Natasha. Aaron me mandou uma mensagem com
o endereço e número de telefone da casa de sua irmã hoje à tarde.

— Querida, eu não...

Eu o interrompi:
— Já pensei em algo. Só preciso falar com Aaron antes, vovô... Eu só preciso
de dois dias para resolver tudo e na segunda ou terça-feira, você e Mabel já
estarão juntos em outro lugar, tudo bem? Eu prometo que isso acontecerá. Mas
não posso deixar você na casa de Natasha, é muita despesa e trabalho para ela e
o senhor me disse que ela precisa cuidar da mãe dela.

Ele ficou em silêncio e percebi que finalmente estava conseguindo convencê-


lo. Atravessei a rua para chegar à frente do PZB e concluí.

— Amanhã é feriado e Aaron poderá cuidar de Mabel até segunda-feira. São


apenas dois dias, vovô.

Quase um minuto de silêncio se passou até que ele disse:

— Teremos que esperar Mabel dormir para que eu possa ir embora.

Estalei a língua e fechei os olhos.

Diabos. Ele estava realmente preocupado de deixá-la sozinha de novo.

— Tudo bem... Obrigada — sussurrei. — Em duas horas estou aí.

— Vou esperá-la, filha.

Nos despedimos e desliguei assim que entrei no barzinho.

Procurei alguém conhecido, mas não vi nenhum colega de trabalho... Nem


mesmo Brenda e Elise.

“Inferno”, repeti diversas vezes em pensamento ao ver que André já estava


aqui.
Como eu esqueci que Brenda o chamaria?

— Morena. — Ele sorriu e levantou-se da cadeira que estava ao me ver.

— André. — Beijei-lhe o rosto. — Acho que cheguei cedo demais.

Sentei-me em uma cadeira do balcão, ao seu lado, e ele chamou o barman.

— Eu cheguei cedo com esperança de encontrá-la primeiro — admitiu


chamando minha atenção.

— Por quê?

Engoli em seco quando ele se voltou para mim.

— Pensei sobre o que conversamos ontem — ele disse. Desviar de seus olhos
seria impossível. — Eu sinto muito.

Juntei as sobrancelhas sem entender e esperei que ele continuasse — na


verdade não possuía capacidade suficiente para dizer qualquer coisa. Não no
momento.

— Eu nunca quis te magoar. Realmente achei que o que tínhamos era


suficiente para você e... — ele interrompeu. — Estava enganado. Se eu
desconfiasse que você não estava bem com aquilo, eu não deixaria que
continuássemos.

— Para, André — pedi. — É sério, eu estou bem. Tudo isso já passou... Ficar
pensando em como as coisas teriam sido se não tivéssemos começado com
aquilo não vai adiantar.
Quase suspirei aliviada ao registrar minhas próprias palavras. Era verdade.
Céus! Não achei que conseguiria lidar tão bem com a volta dele. Mas é muito
bom perceber que estou conseguindo.

— Lola... — ele tentou mais uma vez.

— Você pediu desculpas e eu estou aceitando-as agora — afirmei. — Já se


passaram dois anos, tempo demais para continuar remoendo esse assunto.

— Tudo bem — ele concordou. — Ainda somos amigos?

Arqueei uma sobrancelha e revirei os olhos.

— Só se você nunca mais começar com esse assunto de novo.

O barman trouxe meu chope e tomei um pouco dele enquanto André me


encarava em silêncio.

— Acho que você ainda tem que me colocar a par do que está acontecendo
em sua vida — ele disse. — Pelo visto Lucas e Giovane lhe contavam tudo o que
eu fazia em Lisboa.

Lucas e Giovane são seus melhores amigos.

— Não há o que contar. — Dei de ombros ao ver Brenda e Elise se


aproximarem.

Brenda vestia calça jeans escura e uma blusa vermelha um pouco decotada,
segurava um casaco preto. Seus cabelos cacheados estavam soltos e formavam
uma cascata negra maravilhosa. Ela usava maquiagem simples, mas o batom era
vinho. Tudo, como sempre, estava combinando muitíssimo.
Elise estava mais sóbria, como eu, vestia uma saia, mas diferente da minha
que era preta, a sua era roxa na altura dos joelhos, e uma blusa de seda branca
enquanto a minha era azul. Suas madeixas eram de um castanho-claro que a
iluminava a ponto de ofuscar qualquer outra visão. Usava maquiagem discreta e
batom rosa.

As duas juntas eram capazes de chamar a atenção de qualquer homem.

Levantei-me para abraçá-las.

— Você sumiu, hein? — Elise sussurrou para mim. — O que houve?

Acenei em negativa ao me afastar.

Você não faz ideia.

— Nada de mais.

Me surpreendi ao perceber que Brenda e André já estavam de “bem”


novamente e mais ainda quando vi Elisabeth corar quando a apresentei a ele —
os dois se viram apenas duas vezes antes desta. Mas isso foi há dois anos.

Um sorriso enorme tomou conta de meus lábios ao lembrar de um detalhe:

Compartilhávamos da preferência por homens negros.

Mas meu sorriso esmoreceu quando percebi que ele não poderia suprir as
necessidades de Elise. Ela tinha utopias demais sobre namoro e casamento para
um homem como ele.

— Vi seus colegas lá na frente — Brenda me avisou, tirando-me de meus


pensamentos.

Concordei com um aceno e peguei minha bebida.

Pela forma que Jéssica e Vanessa correram para o banheiro para retocar a
maquiagem antes de vir para cá, eu tinha certeza de que Aaron viria.

— Eu ainda acho uma ideia infantil e ridícula — Elise dizia para Bree.

— O que houve? — questionei quando as duas se voltaram para André.

— Jonathan está lá fora — Brenda explicou, em seguida.

Elise completou:

— E Bree quer fazê-lo sentir ciúmes, usando André.

Ele arregalou os olhos para Brenda.

— O quê?!

— Você precisa me ajudar! — ela disse para ele. — Aquele filho da mãe veio
com uma loira oxigenada... Não posso ficar sozinha.

Juntei as sobrancelhas, sem entender, e murmurei:

— Achei que tivesse superado o fim que você decidiu dar ao relacionamento
que tinham — lembrei-a. — Você está além disso, amiga, por favor. Isso é
ridículo.

Brenda me fuzilou com o olhar, mas explanou:


— Amiga, eu estava além disso até ele aparecer com uma vaca loira e eu ver
aquela vagabunda se esfregar no meu homem.

Se Elise e eu tínhamos o gosto parecido para homens, Brenda e eu tínhamos


essa necessidade de possessão em comum.

— Se não quer que ele fique com outra, diga isso a ele ao invés de fazer uma
cena ridícula — aconselhei. — Vamos lá, Bree, você é a racional aqui, lembra?

— Não... Você não entende! — ela disse. — Ele não quer um


relacionamento! E se tiver certeza de que me perdeu pode querer voltar atrás.

— Ela bebeu um pouco antes de vir para cá — Elise sussurrou para mim.

— Você sabe que as chances disso acontecer são mínimas, não é? — foi a vez
de Elise dizer a ela.

— Não me importa.

Revirei os olhos quando ouvi novas vozes e risadas vindas da entrada. Neste
momento o cantor no pequeno palco começou a cantar uma música dos
Engenheiros do Hawaii — Pra Ser Sincero.

— Eu faço o que você quiser se me ajudar — Bree disse para André antes de
passar por mim e ir para o lado dele.

Acenei em negativa para ela e segundos depois voltei-me para os outros.

Quando encontrei os olhos castanhos e penetrantes de Aaron já me fitando,


todo o resto entrou em desfoque.
Eu não tinha certeza, mas arriscava que aquela era a primeira vez que meu
coração acelerava tanto apenas por vê-lo tão perto. Todas as gargalhadas e
conversas das pessoas nas mesas ao redor foram completamente ignoradas por
mim, exceto a música que o jovem cantor continuava a tocar no palco:

“Nós dois temos os mesmos defeitos


Sabemos tudo a nosso respeito
Somos suspeitos de um crime perfeito
Mas crimes perfeitos não deixam suspeitos”

Fui obrigada a voltar à realidade quando Elise me fez uma pergunta e


iniciamos uma conversa.

Uma hora depois nós já havíamos conversado muito. Até rimos das piadas
sem graça de Brenda — ela já estava bêbada e gargalhava antes mesmo de
concluir a piada.

— Gio e Luca estão aqui perto... Posso chamá-los para vir aqui?

Dei de ombros em resposta e Elise concordou seguida por Brenda.

O garçom se aproximou e pedi uma caipirinha.

Peguei meu celular e olhei para a mesa em que Aaron estava. Semicerrei os
olhos ao ver Jéssica falando com ele — a vadia parecia ter baixado a blusa tanto
quanto pôde para aumentar o decote e estava com os seios quase pulando em
cima dele.

Pelo menos Aaron fingia não perceber.


“Cuidado com o que bebe”, digitei rapidamente e enviei para Aaron.

— Há algo de errado, amiga? — Elisabeth me perguntou.

— Não... Apenas Jéssica que me pediu para ajudá-la com o chefe de Vanessa.

Elise olhou para os dois disfarçadamente.

— Por que negou ajuda a ela amiga? — perguntou risonha.

Franzi o cenho.

— Como sabe que eu não estou a ajudando?

— Você não deixaria uma amiga usar um decote daquele tamanho para
conquistar um cara.

Ela riu e ao ouvir sua gargalhada foi impossível não rir junto.

— Ei! — ela chamou minha atenção quando pareceu lembrar de algo. —


Brenda me disse que aconteceram algumas coisas entre você e o cara da
empresa... Não tem nada a me contar, senhorita Dolores?

Arregalei os olhos ao ouvir suas palavras. Inferno! André estava ao nosso


lado.

— A Bree exagerou — tentei desconversar.

— Ela está tentando te enganar porque o André está aqui, amiga! Conte tudo,
Lola... Tudinho.
Revirei os olhos para ela e peguei o copo de chope que estava em sua mão.
Brenda já estava alegre demais para o resto da vida. Se ficasse mais bêbada que
isso, seria impossível lidar com ela.

André se voltou para mim e arqueou uma sobrancelha esperando minha


resposta.

— Dormimos juntos nas últimas noites, mas ontem tivemos uma discussão e
pedi um tempo para pensar. — Nem mesmo eu entendi minhas próprias palavras.
As pronunciei com uma rapidez surreal.

— Seu problema é que você pensa muito — Brenda advertiu. — Às vezes...


Só, às vezes, eu me pergunto: “O que essa mulher quer da vida dela?”. — Franzi
o cenho e quase ri quando ela fez aspas no ar e olhou para o vazio ao seu lado,
como se estivesse falando com sua sombra. — Ela não quer um namoro, e
quando encontra um cara que também não quer, ela chuta ele?

Elise gargalhou e André a acompanhou, mas eu continuei prestando atenção


nas palavras de Brenda.

— Ele me escondeu coisas importantes da vida dele — tentei explicar.

— O que você quer saber da vida dele, Dolores? Você está transando com ele,
Tran-san-do, por isso não precisa saber nada da vida dele... Bem, só se ele for
um assassino, aí é melhor você se afastar... Ele é um assassino?

Ela pareceu pensar sobre isso e se inclinou sobre o balcão para pegar sua
bebida, mas a impedi.

— E se isso envolver pessoas que eu amo?


Eu jamais poderia ser levada a sério. Eu estava conversando com minha
amiga bêbada e levando em consideração seus conselhos.

— Alguém morreu, amiga? Ou alguém pode morrer?

Fiquei em silêncio.

— Bree, você não está falando coisa com coisa, amiga. É melhor parar —
Elisabeth pediu.

— Sabe o que eu acho? — Brenda não esperou minha resposta. — Você está
atrás de um motivo para não ficar com ele... — Ela se voltou para Elise, que
agora estava séria. — Lembra daquele cara... — Estalou os dedos — O gerente
daquele banco... Mauro... Não, Maurício... Isso, era esse o seu nome. Ela
terminou com ele por besteira... Você lembra o motivo, amiga?

Elise acenou em negativa.

— Viu só? Nós sequer lembramos o maldito motivo.

Fechei os olhos.

Isso aconteceu meses depois que André foi embora... Elas me apresentaram
ao Maurício... Mas nós não tínhamos nada em comum e ele queria uma esposa,
antes de falar de namoro.

— Você faz isso desde esse idiota aqui. — Apontou para André.

O garçom voltou com minha bebida. Tomei tudo de uma vez e pedi outra.

— Brenda, já chega! — Foi a vez de André. — Você está bêbada.


Meu celular vibrou com uma nova mensagem e desbloqueei a tela para lê-la.
Era apenas um ponto de interrogação enviado por Aaron.

Deixei-o de lado e peguei minha nova bebida.

Eu não estava procurando um motivo para terminar com Aaron. Eu queria


continuar com ele... O sexo é ótimo e até temos algumas coisas em comum...
Como o gosto musical e o fato dele também gostar de arte contemporânea.

Eu só não queria que ele me escondesse nenhum maldito segredo importante


como o fato de sua mãe ser a ex do meu avô ou ele achar que vovô é seu pai.

Sim, talvez eu também fosse um pouco reservada, mas não como ele. Quer
dizer, eu nem tinha segredos como os dele.

— Amiga, essa é a sua música — Brenda disse. — Djavan, lembra?

Juntei as sobrancelhas e olhei para o cantor no palco. Ele cantava a música


“Se”, de Djavan.

“Você disse que não sabe se não


Mas também não tem certeza do sim
Quer saber?
Quando é assim, deixa vir do coração”

Olhei para a mesa de Aaron e o vi deixar dinheiro sob um copo de bebida e


levantar. Ele falava ao telefone.

Jéssica levantou rapidamente e o seguiu.


Peguei minha carteira em minha bolsa e tirei dinheiro suficiente para pagar
minhas bebidas.

— Eu tenho que ir — avisei ao levantar. — Depois nos falamos.

O celular de Brenda tocou e Elise se levantou para se despedir de mim.

— Leve ela pra casa — pedi.

— Pode deixar. Não vamos demorar.

— Gente, é o Jonathan — Brenda disse surpresa após colocar o celular contra


o ombro. — Ele quer me encontrar. O que eu digo?

Semicerrei os olhos para ela. Então Brenda tem as respostas para os meus
problemas e minhas complicações, mas não sabe o que dizer ao cara que está a
fim?

— Que você não pode vê-lo agora porque está bêbada — eu disse a ela.

— Obrigada — Brenda sussurrou antes de voltar ao telefone. — Então,


Jonathan, eu não posso porque estou... — André pegou o celular de sua mão.

Ri da cara que Brenda fez.

— Você é louca? — ele perguntou a mim. — Ela não pode falar com ele
desse jeito.

Olhei para a mesa que Aaron estava segundos atrás e encontrei Jonathan
olhando para Brenda e André. Parecia fuzilá-los com o olhar.
— Ele está morrendo de ciúmes — avisei. — Tire ela daqui ou o estrago será
pior.

Elise riu e concordou.

Pisquei para ela antes de sair e indiquei André. Ela entendeu, mas acenou em
negativa.

Meus passos foram rápidos e me levaram rapidamente à saída. Parei à frente


da entrada e procurei Aaron ou o carro dele.

A raiva correu como líquido quente em minhas veias e precisei de alguns


segundos para acreditar no que estava vendo.

Ele estava do outro lado da rua, beijando Jéssica.

Não me importei de me esconder quando o vi afastá-la e dizer algumas


palavras — que não entendi porque estava longe — ela retrucou com raiva, mas
ele a deixou falando sozinha.

Peguei meu celular e liguei para ele.

Vi Aaron pegar o celular e olhar para a tela, confuso.

— Aaron? — murmurei quando ele atendeu.

Jéssica o xingou e saiu com raiva para longe dele.

— Lola?

— Parece que alguém não gostou de ser rejeitada.


Ele deu meia volta no mesmo instante e olhou na minha direção. Mas sorriu
antes de dizer:

— Espero que tenha entendido que não estou disponível.

Dei alguns passos até a calçada e parei para esperar o movimento de carro
diminuir para atravessar a rua.

— Achei que eu precisaria interferir.

— Por quê?

Semicerrei os olhos para ele ao longe e precisei de alguns segundos para


articular uma resposta.

— Se nenhum outro pode me tocar, por que eu deveria deixar que outra te
toque?

Não acreditei quando o vi sorrir novamente.

— Lola.

Virei-me de costas e encontrei Giovane e Lucas, os amigos de André.

— Só um momento — pedi a Aaron.

— André precisou voltar para que nós pudéssemos nos ver novamente, hein?
— Lucas foi o primeiro a me abraçar.

— Não exagera — falei. — Giovane está casado agora. Alice não vai deixá-
lo à solta assim tão facilmente — murmurei fazendo-os rir.
— Você já está indo?

— Sim, eu preciso ir pegar meu avô.

Giovane arregalou os olhos ao lembrar de meu avô e riu em seguida.

— Espero que desta vez ele não ameace André com uma arma.

Revirei os olhos.

— Foi um prazer, Lolita — Lucas murmurou antes de acenar para mim e os


dois entrarem no bar.

Voltei ao telefone.

— Aaron?

Olhei para os dois lados da pista antes de atravessar. Ele continuava no


mesmo local.

— Sim? — respondeu.

Desliguei o telefone quando estava perto o suficiente.

Aaron vestia um casaco azul-escuro sobre um blazer preto. Sua barba estava
completamente feita, como de costume, e seus cabelos bem penteados. Bem
diferente da versão cabelos pós-sexo.

Já não havia sorriso em seu rosto.

— O que houve? — inquiri.


Ele acenou em negativa como se estivesse se repreendendo por pensar em
algo, mas disse:

— O cara lá dentro é o seu ex?

Meus lábios se entreabriram involuntariamente e precisei de alguns segundos


para lhe dar uma resposta.

— Sim, é o André.

Ele guardou o celular no bolso do casaco e juntei as sobrancelhas.

— O que houve? — repeti.

— Estou tentando dar um tempo para você pensar.

Revirei os olhos.

— Preciso ir — ele avisou.

— Aconteceu algo com Mabel? — perguntei preocupada.

— Não, ela está bem. Eu só... — Aaron voltou a me fitar e suspirou. — Me


ligaram do hospital. Parece que Olavo piorou.

Levei a mão direita aos lábios.

— Quer que eu vá com você? Precisa de ajuda com algo?

Ele acenou em negativa e sua expressão se suavizou.


— Não.

Ouvi risadas vindas da entrada do PZB e sorri ao ver Brenda escoltada por
três homens e Elise à sua frente, que parecia repreendê-la por algo.

Por algum motivo, André olhou para trás e me viu com Aaron. Os dois se
encararam por alguns segundos até que ele me fitou e depois se voltou para
Brenda.

— Lola.

Fitei Aaron que agora estava mais próximo.

— Sim — sussurrei em resposta.

Ele ficou em silêncio.

Minha respiração se tornou pesada apenas por vê-lo tão perto. Sua
proximidade era instigante, assim como o perfume delicioso que ele usava. A
mistura era indecente, devastadora. Minha atenção se deteve em seus lábios, eles
eram tão irresistíveis, e umedeci os meus antes de segurá-lo pelo casaco e trazê-
lo para mim em um beijo.

Aaron me beija sempre com a intensidade de quem não quer apenas um beijo,
de quem planeja fazer com que a volúpia compartilhada enquanto nossos lábios
estão juntos perdure até mesmo quando eles não estiverem. E eu retribuía com a
mesma avidez, o mesmo ardor e desejo.

Minhas costas se chocaram contra o seu carro e ele pressionou seu corpo ao
meu, antes de levar uma de suas mãos aos meus cabelos e puxá-los de forma
selvagem e a outra para minha cintura, para manter nossos corpos juntos
enquanto sua língua continuava a guiar a minha.

Após acabar com o beijo, ele encostou sua testa à minha. Precisamos de
alguns segundos para respirar melhor. Momentos depois, ele murmurou:

— Se existir qualquer chance de você me desculpar por ter escondido aquelas


coisas de você, não deixe que ele ou qualquer outro te toque.

Franzi o cenho, mas mesmo sem entender, eu assenti.

— Eu preciso ir.

Eu parecia ainda estar zonza pelo beijo e tudo o que fiz foi assentir
novamente.

Escondi as mãos dentro do casaco e me afastei para que ele pudesse entrar no
carro.

Respirei fundo algumas vezes e, antes que ele desse partida, eu o aconselhei:

— Mantenha-se longe daquela mulher.

Aaron apertou os olhos por um momento e sustentei seu olhar.

Quando ele saiu, eu decidi chamar um dos taxistas próximos ao bar e pedir
que me levasse à casa de Natasha.
Olhei em meu relógio enquanto subia o elevador lentíssimo do prédio.

Natasha me recebeu com um sorriso ainda maior que o da noite anterior e me


cumprimentou com educação antes que eu entrasse em sua casa.

Estranhei ao ver uma mulher sentada em uma poltrona, à frente da televisão


da sala. Estava embrulhada com um lençol.

Sua mãe.

— Só um momento, Dolores — Natasha pediu.

— Pode me chamar de Lola — ofereci.

Seus olhos brilharam e ela assentiu enquanto se aproximava da mãe.

— Mamãe? A namorada do Aaron chegou.

Meus olhos se arregalaram ao ouvir aquelas palavras, mas mantive-me em


silêncio quando a senhora me olhou e sorriu.

— Olá, querida — ela disse com um sorriso amistoso.

— Olá — murmurei.

— Dolores veio pegar o seu João — Natasha esclareceu.

— Ele vai sentir falta de Mabel — avisou-me. — E ela sentirá falta dele.

— Eu sei, mas será apenas por dois ou três dias. Só até Aaron e eu
encontrarmos um lugar seguro para eles.
Ela concordou com um aceno de cabeça e sua filha me chamou para ir ao
quarto de Mabel.

Em meu relógio já eram quase nove da noite, no máximo às dez vovô e eu já


poderíamos ir para casa.

— Ligaram para Aaron de um hospital — contei a vovô assim que


adentramos o táxi que nos levaria para casa.

— Olavo morreu?

Arqueei as sobrancelhas quando percebi que não havia qualquer sinal de


compaixão em sua expressão ou seu tom.

Vovô realmente odiava esse tal Olavo.

— Não sei, mas parece que está muito mal.

Ele ficou em silêncio por alguns minutos e apertou minha mão que estava
entre as suas antes de perguntar:

— Você e Ricardo já conseguiram se resolver?

Desviei meus olhos dos seus e suspirei.

— Quase — admiti.
Vovô sorriu.

Mordi os lábios e tomei coragem para fazer a pergunta que ecoava em minha
mente desde que saímos da casa de Natasha.

— Por que Aaron ajuda Natasha a cuidar de Suzana, se ela era amante do seu
pai?

— Ele não faz isso por Suzana — vovô explicou. — Faz isso por Natasha.

— Não entendi.

Vovô parou por alguns segundos e pareceu tentar organizar as palavras antes
de dizer:

— Ricardo e Rodrigo foram desprezados por Olavo durante muitos anos por
ele achar que os dois não eram seus filhos. Eles sofreram muito com isso e
quando Ricardo descobriu sobre Natasha... Não sei... — Vovô sorriu. — Ele quis
cuidar dela. Pelo que me contou, Natasha tinha quatorze anos quando foi atrás de
Olavo pedir ajuda para a mãe que estava com um problema sério de anemia. Ele
ouviu a conversa, Olavo expulsou Natasha da sua casa. Não se importava com
ela ou Suzana.

— Ela estava sozinha — sussurrei em entendimento.

— Até que Ricardo decidiu ajudá-la. — Ele fez uma pausa. — Mabel nunca
se opôs a isso. Tanto ela quanto o filho sabiam como era ser tratado como lixo
por Olavo. Nenhum deles queria que Natasha, sendo tão nova, sofresse tanto por
causa do bastardo do pai.

— Rodrigo sabe sobre elas?


— Não que Natasha é sua irmã. Ele acha que ela era uma namorada de
Ricardo. Semana passada ele tentou armar um tipo de sequestro envolvendo-a,
mas Ricardo conseguiu pegá-la de volta.

Neste momento lembrei das palavras de Rodrigo: “Não poderia ser como
Natasha e chorar desesperada enquanto pede socorro?”.

— Aaron não contou a ele porque isso a colocaria em perigo, não é? —


questionei ao entender. — Se Rodrigo sonhar que Olavo teve uma filha e que
esta também pode herdar parte do que ele quer que seja seu, ele dará um jeito de
tirá-la do caminho.

— Exatamente.

Por isso Rodrigo queria saber o que Aaron e eu estávamos tramando.


Primeiro ele achou que Natasha fosse namorada de Aaron e depois eu apareci.
Ele concluiu que algo estava errado, mas tirou conclusões errôneas e chegou até
mim.

Diabos, a complicação dessa história não tem fim.

Tudo o que Aaron sempre faz é proteger as pessoas que são importantes para
ele... Sua mãe, sua irmã, vovô...

— Chegamos — o taxista informou tirando-me de meus pensamentos.

Pegamos a mala de vovô que estava no porta-malas e paguei o taxista antes


de entrarmos em casa.

— Seu quarto continua intacto, vovô — avisei enquanto o levava até ele.
— Você guardou aquele celular, querida? — questionou referindo-se ao seu
celular extremamente ultrapassado.

Sorri.

— Na gaveta do criado-mudo... Posso lhe passar o novo número de Aaron


amanhã.

Ele assentiu e o beijei no rosto antes de sair e fechar a porta de seu quarto.

À medida que eu colecionava informações, as peças sobre o quebra-cabeça


chamado Aaron começavam a se encaixar.

Eu sabia que aquela seria mais uma noite em que eu não dormiria direito por
causa disso.

No dia seguinte acordei com meu celular tocando incessantemente. Olhei


para o despertador e percebi que já eram mais de oito da manhã.

Era Sete de Setembro, eu não precisaria trabalhar, mas me assustei ao


perceber que dormi até tão tarde.

— Inferno — murmurei quando o celular voltou a tocar e me inclinei sobre a


cama para pegá-lo.

Eu não fazia ideia de quem era o dono do número na tela, mas já estava
acordada então decidi atender:

— Alô?

— Bom dia — estranhei a voz masculina e profissional que me


cumprimentou. — Eu falo com Dolores Dias?

Franzi o cenho. Cautelosa, decidi perguntar:

— Quem gostaria de falar com ela?

— Rodolfo Montenegro, advogado.

Cerrei os olhos tentando lembrar se eu havia esquecido algum compromisso


com o advogado do banco, mas não me recordava de nada sobre isso.

— Qual seria o assunto, Sr. Montenegro? — questionei ao sentar-me sobre a


cama. — Eu sou Dolores Dias.

— Meu cliente, o Sr. Aaron Ricardo Nunes de Andrade, me pediu que


entrasse em contato com a senhorita.

Porra!

Levantei rapidamente ao ouvir aquilo.

— O que aconteceu? Onde Aaron está? Ele está bem?

— Ele foi detido esta manhã em sua casa. Mas estou resolvendo a situação.
— Fez uma pausa. — Ele só me pediu que a avisasse porque ficará pelo menos
dois dias...
— Sob que acusação ele foi preso? — eu o interrompi.

— Tentativa de homicídio.

— Contra quem? — praticamente gritei.

— Eu prefiro não entrar em detalhes sobre o caso, senhorita Dolores.

Suspirei audivelmente.

— Roberto tem algo a ver com isso? E Rodrigo? Tenho certeza de que
Rodrigo tem algo a ver com isso!

Abri meu guarda-roupa e tirei a primeira saia e blusa que vi pela frente.

— Onde ele está?

— Ele me pediu que não a informasse sobre isso.

— O quê?

Fechei os olhos e tentei me acalmar.

— Onde fica seu escritório? — inquiri tentando não perder tempo.

— Senhorita... — ele tentou.

— Se preferir eu posso procurar na internet. Já tenho seu nome, não será


difícil — desafiei.

Ele cedeu.
Ouvi atentamente quando ele me deu o endereço e peguei papel e caneta para
anotar.

— Estamos fechados por causa do feriado, mas ficarei vinte e quatro horas
neste telefone. Não se preocupe, o...

— Você já sabe como tirá-lo de lá?

— Ele me deu o endereço do hospital em que estava ontem à noite, vou


precisar de uma autorização judicial para ter acesso às câmeras de segurança.
Isso pode demorar um pouco.

— Por que ele não quer que eu vá vê-lo? — Minha voz soou mais baixa
agora.

— Ele não me revelou os motivos, senhorita.

Acenei em negativa e encostei-me ao guarda-roupa.

— Se eu puder ajudar com algo, me ligue, por favor — pedi. — Ficarei no


aguardo de notícias.

— Tudo bem. Tenha um bom-dia.

Fechei os olhos com força e reprimi a vontade de quebrar algo.

O que quer que tenha feito, Rodrigo conseguiu tirar Aaron de seu caminho.
Pelo menos, por enquanto.

Meu ódio por aquele homem crescia a cada dia que passava, a cada nova
conversa onde ele era tema. E eu tinha certeza de que não seria capaz de me
controlar se estivesse frente a frente com aquele filho da puta.
“Tudo o que se vê não é, igual ao que a gente viu há um segundo

Tudo muda o tempo todo no mundo”

(Nada Do Que Foi Será – Lulu Santos)

Após arrumar-me ouvi batidas na porta de meu quarto. Sabia que se tratava
de vovô, pois ele certamente estranharia minha ausência no café da manhã.

Quando abri a porta já estava com a bolsa sobre o ombro e o celular nas
mãos.

— Bom dia... — ele interrompeu sua fala e a preocupação que estava em sua
expressão foi trocada pela desconfiança.
Fitamo-nos por segundos em silêncio — era quase como se conversássemos
através do olhar.

— Ele foi preso por causa de uma armadilha de Rodrigo — soltei de uma vez
enquanto atravessava a porta e a fechava.

— O que aquele filho da puta fez?

Juntei as sobrancelhas e voltei-me para vovô.

Ele jamais disse palavrões em minha presença.

Deixei a surpresa de lado e expliquei:

— Há dois dias, em uma conversa, Aaron e eu chegamos à conclusão de que


Rodrigo poderia tentar tirá-lo de seu caminho. E após a falta de José Roberto, o
cúmplice de Rodrigo, na empresa, desconfiamos que os dois estavam tramando
algo. — Fiz uma pausa. — Tenho certeza de que os dois estão envolvidos nisso e
quando o advogado me ligou hoje e disse que Aaron fora preso por tentativa de
homicídio, eu tive certeza sobre isso.

— Maldição! — exclamou quando chegamos à sala. — Onde ele está?

Acenei em negativa e suspirei.

— Ele pediu que o advogado não me dissesse — agradeci por conseguir


esconder a ponta de mágoa que senti por Aaron ter feito isso.

Mordi os lábios enquanto pensava se contava ou não a ele sobre a pesquisa


que havia feito. Depois de muito pensar, a julgar pela denúncia e seu endereço,
percebi que havia apenas três possíveis delegacias para terem levado Aaron.
Eu iria em todas elas. Se contasse para ele, vovô poderia tentar me impedir.

— Rodrigo a conhece, querida? — inquiriu enquanto seguia para o corredor


novamente.

Engoli em seco.

— Eu o conheci na quarta-feira — limitei-me a esta pouca explicação.

Quando ele voltou com o seu velho celular em mãos e guardando a carteira
no bolso, percebi que estava se preparando para ir a algum lugar.

— Aaron fez isso por você.

Parei abruptamente minha caminhada até a porta da frente e voltei a encará-lo


boquiaberta:

— O quê? — Acenei diversas vezes em negativa. — Aaron não se preocupa


comigo, vovô! Ele só não quer que eu o veja nesta situação!

Vovô fitou minha expressão incrédula e passou por mim para abrir a porta. Eu
o acompanhei pelo pátio e o vi acenar em negativa em todo o percurso.

— Dolores, ele não quer que você se envolva nisso! Será que não vê? —
Parei quando ele se voltou para mim. — Rodrigo a conhece! Sabe que Ricardo
se preocupa com você... Você é alguém importante para ele e Rodrigo já sabe
disso.

— Não preciso que ele se preocupe comigo! Sei me virar muito bem e Aaron
sabe disso! Que inferno!
Sua cabeça pendeu para trás e ele olhou para o céu enquanto parecia pedir
paciência. A última vez que fez isso foi na minha primeira aula de autodefesa.
Quando ele cansou de me explicar como usar minha força para subjugar um
homem. Como pegá-lo desprevenido, para ser mais exata.

— Filha, entenda. — Ele veio até mim e segurou meu rosto entre suas mãos.
— Se Rodrigo tiver certeza de que você é um ponto fraco, ele deixará de usar
Mabel para ferir Ricardo e passará a usar você... Já pensou que ele pode fazer
com que a culpa, sobre o que quer que tenha acontecido, caia sobre você e
Ricardo?

Juntei as sobrancelhas novamente e senti meus olhos arderem.

Que inferno! Eu estou com raiva e quero me manter assim.

— Se ninguém souber sobre seu envolvimento com Ricardo, qualquer


acusação contra você não terá fundamento.

Fechei os olhos com força — em parte pela raiva e outra por saber que a
qualquer momento uma lágrima indesejada rolaria por meu rosto.

Vovô beijou minha testa e me abraçou.

— Pare de achar que ele quer mantê-la longe — sussurrou. — Se Ricardo


quisesse isso, já o teria feito.

Eu o abracei.

Não queria falar mais nada sobre isso. Nem queria que ele defendesse Aaron.
Ele visivelmente o conhecia muito mais do que eu.
Antes de qualquer coisa, eu precisava falar com Aaron.

— Vamos — murmurei ao me afastar. — Preciso levá-lo à casa de Natasha.


Se Aaron não está com Mabel, o senhor deve ficar com ela.

Não ouvi uma resposta sua, mas soube que havia concordado quando abri o
portão da frente e ele me seguiu.

Preparei café e coloquei em quatro xícaras diferentes antes de colocar sobre


uma bandeja e levar para a sala.

Natasha entrou em desespero ao saber sobre Aaron e, infelizmente, Mabel


ouviu a nossa conversa. Ela ficou incontrolável. Apenas vovô pôde acalmá-la e
até agora estava conversando com ela.

Eu estava nervosa com a situação, ainda mais por ver Mabel naquele estado,
mas jamais deixaria que isso ficasse perceptível. A última coisa que precisamos
é uma casa cheia de mulheres desesperadas, quando todas sabiam que isso não
levaria a nada.

— Você está mais calma? — questionei para Natasha após entregar uma
xícara de café para Suzana, sua mãe.

— Sim... Obrigada. — Sua voz estava fraca e seus olhos ainda vermelhos
pelo choro.
Eu sabia que Aaron e Suzana são a única família de Natasha — a única que
não está displicente a ela — e tentava compreender o que ela estava sentindo ao
saber que o homem que agiu como seu pai, e não irmão mais velho, está preso.

— Um dia Rodrigo pagará por tudo que fez a Mabel e Ricardo — Suzana
murmurou. Aparentava estar perdida demais em pensamentos.

O desentendimento me guiou quando decidi perguntar:

— O que Rodrigo fez a Mabel?

— Há mais de um ano, Rodrigo sequestrou Mabel e pediu que Ricardo lhe


desse dinheiro para devolvê-la. Rodrigo conseguiu mantê-la desesperada
torturando-a psicologicamente. Ricardo ficava mais louco e desesperado a cada
ligação de seu irmão.

Pousei minha xícara sobre o pires e fechei os olhos enquanto tentava respirar
lentamente para fazer com que meu coração batesse mais regularmente, mas isso
foi inútil, pois tudo o que consegui foi imaginar Mabel e Aaron sofrendo por
culpa de Rodrigo.

— Tortura? — questionei.

Natasha manifestou-se ao responder:

— De uns anos para cá, as características faciais de Aaron e Rodrigo têm se


mostrado cada vez mais parecidas com as de Olavo — esclareceu. — O que os
difere é a barba. Seu avô me disse que se Aaron deixasse a barba crescer, seria
uma cópia perfeita de Olavo quando era mais jovem.

Rodrigo deixa a barba crescer.


Assenti ao compreender a forma de tortura a qual ele infligiu a própria mãe.

Ouvi meu celular tocar em minha bolsa e movi-me no sofá para pegá-lo.

Número desconhecido.

Decidi ignorar ao lembrar que André me ligou por um número que eu


desconhecia. Certamente era ele.

— Mais tarde ligarei para o advogado de Aaron e pedirei mais informações.


Quero saber o que ele está fazendo para tirá-lo de lá — expliquei ao levantar. —
Vou mantê-las informada, ok?

Natasha levantou e colocou sua xícara sobre a mesa de centro, assim como
eu.

— Sobre vovô, eu... — comecei, mas ela me interrompeu.

— Pode deixá-lo aqui. Juro que cuidarei muito bem dele — a menina
prometeu.

Dei-lhe um sorriso e sussurrei um agradecimento.

— Virei pegá-lo mais tarde.

Ela assentiu e me despedi das duas antes de sair.

Meu celular tocou novamente enquanto eu descia o elevador e decidi atendê-


lo ao ver que se tratava do mesmo número.

— Alô?
— Cunhadinha... Há quanto tempo.

Apertei a alça da bolsa com força e respirei pela boca para me impedir de
bufar de raiva.

O que esse filho da puta quer agora?

— Rodrigo. — Fiz uma pausa para me forçar a aparentar não saber sobre
Aaron. — O que quer?

— Precisa estar sempre na defensiva, querida? Eu gostaria apenas de saber se


está bem. Se continua com meu irmãozinho. Fiquei sabendo que não se falaram
ontem.

Comprimi os lábios ao pensar em algo. Ele poderia não acreditar, mas eu


poderia tentar e não perderia nada com isso.

Cliquei no botão que fazia a ligação ser gravada. Tinha certeza de que ele não
diria nada que pudesse envolvê-lo ou ligá-lo a qualquer coisa, porém não custava
nada tentar.

— O filho da puta terminou comigo — respondi. — Está satisfeito?

Ele não respondeu.

— Espero que sim, porque a culpa foi sua! — Usei toda a minha raiva
naquelas palavras.

Saí do elevador e segui pelo saguão até a entrada do prédio.

— Aaron terminou com você? — Ele não conseguiu esconder a surpresa. —


O que eu tenho a ver com isso?

Precisei pensar rápido em uma resposta.

— Olha, eu não sei por que estou falando com você sobre isso! Ligou para
me dizer o quê, hein?

— Ei, querida, por que está com raiva de mim? Quem te chutou foi aquele
idiota. — Ele riu.

Revirei os olhos enquanto seguia para a parada de ônibus mais próxima. Era
quase três da tarde.

— Vocês são uns malditos bastardos. Primeiro um me sequestra, depois o


outro termina comigo para o meu próprio bem. Quer saber? Vocês podem muito
bem ir para o quinto dos...

— Então foi isso?

— Por que me ligou Rodrigo?

Alguns carros passaram por mim na rua.

— Eu queria falar com você.

Fechei os olhos com força e suspirei.

— Não tenho nada para falar com você — disse e encerrei a ligação.

Parei no meio da rua e encarei o celular.


“Ligue novamente”, eu repetia em voz baixa apenas para mim. “Eu preciso
de uma pista... Qualquer uma”.

Quando o celular voltou a tocar, percebi que havia prendido a respiração.

— Por que está com tanta raiva dele? — foram as primeiras palavras de
Rodrigo.

Sorri ao perceber que havia conseguido o que queria — coloquei-o em modo


de gravação novamente.

— Porque aquele filho da puta usou uma desculpa ridícula pra terminar
comigo e vinte e quatro horas depois já estava comendo uma colega de trabalho.
Acha pouco?!

Fiquei em silêncio enquanto ele ria e parei de andar ao chegar à parada de


ônibus.

— Está com raiva a ponto de querer se vingar?

Arqueei a sobrancelha ao ouvir aquilo.

Esse homem é muito idiota.

— O que quer dizer com isso?

Ele ficou em silêncio e eu tive certeza de que ele havia notado a ponta de
impulsividade que deixei escapar ao perguntar aquilo.

— Vou lhe mandar uma mensagem com um endereço. Se quiser fazer algo
sobre isso, venha me encontrar. — E desligou.
Fiquei alguns segundos olhando para a tela do celular.

Em parte o que eu gostaria acabou acontecendo.

Fiz sinal para que o ônibus parasse e segundos depois estava devidamente
sentada.

Encarei meu celular e abri a mensagem que Rodrigo me mandou.

Cerrei os olhos por alguns segundos e lembrei do que senti quando aquele
advogado ligou... Depois quando Suzana me contou aquilo... Então cenas do que
passei na quarta-feira surgiram de forma nítida em minha mente.

A fúria que aumentava em mim a cada novo pensamento, a cada nova


lembrança, foi suficiente para me ajudar a decidir.

“Onde você está?”

Digitei em uma mensagem para Elise.

Cinco minutos depois, ela respondeu:

“Em casa. Por quê?”

Ao ler sua mensagem, repliquei:


“Pode me emprestar seu carro por algumas horas?”

Após passar em minha casa, eu segui para a de Elise. Depois dirigi o carro
rapidamente até o endereço que Rodrigo me passara e ao parar à frente da
enorme construção antiga, a percepção do que eu estava prestes a fazer, me
atingiu. No entanto, não havia medo ou temor por nada que Rodrigo pudesse
fazer, somente a raiva insuportavelmente maior por perceber que estava tão perto
do homem que fez tanto mal à Mabel.

Arrumei a roupa e, enquanto saía do carro, coloquei o casaco marrom para


cobrir a parte de trás de meu corpo.

Mantive minha bolsa colada ao corpo e segui rapidamente pela entrada e o


gramado.

Podia sentir seu olhar sobre mim, mas não poderia dizer de onde ele vinha.

O toque da campainha era baixo e assustador — assim como aquela maldita


casa.

— Dolores — ele murmurou com um sorriso e surpreso ao me ver.

Respirei fundo ao olhar para o homem que me sequestrou há apenas dois


dias. O homem que me fez viver aquele inferno... Que torturou Mabel... O
responsável por Aaron estar preso.

— Rodrigo. — Seu nome em meus lábios soou como uma ameaça.


Ele abriu a porta o suficiente para que eu entrasse e o fiz.

Mantive-me de costas para ele e o senti se aproximar depois de fechar a


porta.

— O que sugere para uma vingança? — inquiri sem rodeios.

Ouvi sua risada cada vez mais próxima de mim e senti um arrepio de repulsa
quando percebi que ele estava a apenas alguns centímetros de mim.

— Então ele te trocou por outra? — sussurrou em meu ouvido e precisei me


afastar quando ele roçou seus lábios em meu pescoço e meu estômago se
embrulhou.

— Isso mesmo — repeti olhando em seus olhos.

Cruzei os braços e arqueei uma sobrancelha enquanto o fitava.

— Rodrigo, se não for me dizer com o quê pretende me ajudar, eu vou


embora. — Semicerrei os olhos. — Tenho mais o que fazer.

Ele sorriu sarcástico.

Não estava sugerindo que eu pagasse na mesma moeda... Estava? Um sorriso


debochado surgiu em meus lábios.

Acenei em negativa de forma provocativa quando ele se aproximou.

— O que você queria ao me chamar aqui?

Rodrigo parou à minha frente e fitou meus lábios.


— Você.

Desviei meu rosto do seu quando ele tentou me beijar.

— Por quê? — sussurrei em seu ouvido. — Achei que me ajudaria a fazer


seu irmão pagar pelo que me fez e não que tentaria me seduzir.

Fiz uma careta involuntária quando ele beijou meu pescoço e começou a tirar
meu casaco.

Meu corpo reagia com aversão a sua proximidade, ao seu toque... Mas ele
parecia crer que os arrepios eram de prazer e excitação.

— E eu vou.

Levei minhas mãos às minhas costas para tirar meu casaco. Ele se afastou
para tocar meu corpo sobre as roupas que eu vestia, mas dei um passo para trás
antes que ele o fizesse.

Meu olhar o desafiava a se aproximar, mas à medida que ele o fazia, eu dava
passos para trás.

Fingi abrir os botões nas costas de minha blusa e ele parou a dois passos de
distância.

— Como? — sussurrei.

— Ficando com o que era dele.

Foi a minha vez de rir.


Tirei a arma de minha calça quando ele decidiu agir com mais ousadia e
tocou meus seios. Girei o metal gélido em minha mão e dei um novo passo para
trás antes de segurar a arma com firmeza e levá-la contra seu rosto com mais
força do que pretendia.

O corpo de Rodrigo pendeu para o lado esquerdo e ele levou as mãos ao


rosto. Segundos depois percebi que estava sangrando.

— Eu disse que se me tocasse, eu o mataria.

Em seus olhos vi um misto de fúria e ódio.

Meus dedos se encaixaram à arma e a mirei em sua direção.

Rápido demais ele se aproximou, ergueu meu braço com força, fazendo com
que a arma se voltasse para o teto e meu corpo se chocasse contra a parede —
me deixando entre ela e seu corpo.

— Você é uma vadia muito petulante — sussurrou contra meus lábios.

“Porra!”, repeti em pensamento quando tentei afastá-lo e ele segurou meu


outro braço.

— Mas é inteligente e corajosa — admitiu. — Admiro isso.

Tentei me libertar do seu aperto quando ele me deu um selinho.

Ele me virou em seus braços e o lado esquerdo do meu rosto foi pressionado
contra a parede. Com o baque, a arma caiu de minhas mãos.

Fechei os olhos com força quando ele libertou um de meus braços e segurou
meus dois pulsos com apenas uma mão.

“Pense”, forcei a mim mesma. “Pense”.

— Eu quero meu pau dentro de você de todas as maneiras possíveis —


sussurrou contra meu ouvido antes de pressionar sua excitação nas minhas
nádegas.

Maldição! Esse filho da puta não vai colocar esse pau em lugar nenhum.

Respirei fundo quando senti suas mãos apalparem minha bunda sobre a calça
jeans e ele libertou minhas duas mãos para tentar abrir a calça.

— Diga que vai se afastar de Aaron — ele mandou contra o meu ouvido.

Não respondi, abri os olhos e não pensei duas vezes ao ver um porta-retrato
de vidro na parede a distância de um braço, o peguei rapidamente e com toda a
força que aquela posição me permitia, eu lancei o objeto contra a cabeça de
Rodrigo.

Ele gemeu e se afastou alguns centímetros que me permitiram me voltar para


ele. Antes que ele pudesse se mover, eu o soquei na barriga e saí rapidamente de
seu campo de visão.

Gritei de dor quando Rodrigo me pegou pelos cabelos e me puxou para si.
Quando meu corpo pressionou o seu, eu senti a arma que ele carregava
escondida na calça, coberta pela camisa.

Usei os dois cotovelos, ao mesmo tempo, para atingi-lo no peito, na altura


dos pulmões.
Corri para pegar a minha arma quando ele se apoiou no sofá e tentou lidar
com a dor e momentânea incapacidade de respirar.

Engatilhei a arma e murmurei:

— Não achou realmente que eu viria aqui e deixaria você pôr essas mãos
nojentas em mim, não é?

Foi rápido. Em questão de dois segundos, ele sacou a arma e a apontou para
mim.

— Não devia tê-la subestimado. Se Aaron está com você é por um bom
motivo.

Seus olhos agora estavam mais frios e assustadores do que nunca. Um arrepio
de medo percorreu minha espinha, mas o ignorei e continuei a sustentar o olhar
furioso do homem à minha frente.

— Eu só queria saber se o que o mantém com você é uma trepada depravada


— provocou.

Semicerrei os olhos para ele e parei antes que meu dedo pressionasse o
gatilho.

Ri com escárnio.

Eu não deixaria que ele me tirasse do sério com tanta facilidade.

— Disso você nunca terá certeza.

Tentei não demonstrar surpresa quando algo me veio à mente.


A arma.

E se Rodrigo tivesse usado sua arma para atingir José Roberto ou qualquer
outra pessoa? Suas digitais estariam nela.

Eu precisava pegá-la.

Eu o vi engatilhar a sua arma e atirei no braço que a segurava.

Dois palavrões em forma de gemidos fugiram de nossos lábios. Sua arma


caiu, mas consegui manter a minha em punho, mesmo com o braço esquerdo
ardendo como o inferno e sendo manchado por sangue.

Fiz uma careta de dor antes de baixar a arma na altura de suas pernas e atirar
novamente em uma delas.

Rodrigo me xingou de nomes quase que ininteligíveis e o ignorei.

— Tente machucar Mabel de novo e a próxima bala atravessará seu maldito


coração — sussurrei mesmo com dificuldade.

A dor lancinante em meu braço aumentou quando o flexionei para colocá-lo


junto ao meu corpo e me abaixei para pegar a arma de Rodrigo. Ele segurou meu
braço com força e tentou me levar ao chão para me subjugar, mas consegui me
equilibrar e me libertar de seu aperto.

— Você vai me pagar, sua vadiazinha — chiou e semicerrei os olhos.

— Você está sempre me fazendo essas promessas, cunhadinho — devolvi


sarcástica. — Você acaba de levar dois tiros pelo que fez a Mabel e Aaron, o
próximo será por mim. — Fiz uma pausa enquanto me erguia novamente. —
Essa também é uma promessa.

Resisti à vontade de chutá-lo e decidi sair de uma vez, antes que ele notasse
que eu segurava sua arma.

Peguei meu casaco e saí sem olhar para trás.

Gemia baixinho de dor enquanto seguia pelo mesmo gramado e escondia as


armas nos bolsos do casaco. O frio me fez estremecer e me apressei para chegar
ao carro.

Respirei fundo algumas vezes e abri os olhos quando os gemidos e


xingamentos de dor de Rodrigo ecoaram em meus ouvidos.

Engoli em seco e me obriguei a colocar as chaves do carro na ignição e dar


partida mesmo que a agonia triplicasse em meu braço por movimentá-lo.

— Elise? — sussurrei assim que ela atendeu. — Peça que Kamila vá à sua
casa, por favor — pedi reprimindo um som angustiado ao fazer uma curva.

— O que houve, amiga?

— Só peça para ela ir para lá... Estou chegando — disse e desliguei.

Mantive os olhos bem abertos, mesmo quando a minha vontade era de fechá-
los e gritar por causa da ardência que só aumentava. Fora apenas de raspão, mas
isso estava doendo como o inferno.

Mordi os lábios com força e aproveitei o sinal vermelho para fechar os olhos
e tentar controlar o que estava sentindo. Não adiantou, mas pensar que eu
poderia continuar tentando e talvez conseguisse, era um consolo.
Se em mim estava doendo tanto, em Rodrigo a dor era duplamente
agonizante. Quase sorri ao perceber que este também era um consolo.

Expirei profundamente quando voltei a dirigir e lembrei-me de meu celular


dentro da bolsa. Coloquei para gravar nossa conversa antes de sair do carro e
entrar naquela casa, mas não recordava de Rodrigo ter me dito qualquer coisa
concreta sobre o que tenha feito.

Diabos!

Eu não planejava ter que usar a droga da arma, mas também não achei que
aquele filho da puta tentaria abusar de mim.

Acenei em negativa por um momento.

Eu já sabia que o fogo cruzado entre os dois era arriscado, precisava


realmente me envolver ainda mais nele?

Contudo, o que ele fez com Mabel... sendo seu filho, não tem perdão. É
horrível demais para qualquer pessoa.

Mesmo sabendo que não deveria ter ido atrás dele, e atirado nele, eu não me
sentia culpada. Pelo contrário, sentia-me vingada.

Então, dane-se! Agora não há como voltar atrás.


“Meu Deus, que homem forte

Que me contempla

Sou sua, mas não posso ser

Sou seu, mas ninguém pode saber”

(Nos Seus Olhos – Nando Reis)

— Agora me conta o que está acontecendo — Elise repetiu pela segunda vez.

Fechei os olhos por um momento e suspirei cansada. Kamila já havia limpado


minha ferida e feito os três pontos necessários, além de um curativo pequeno,
para que eu pudesse esconder com as minhas blusas de mangas.
— Obrigada, Kami — agradeci tentando ganhar tempo.

Que droga de desculpa eu inventaria para ter levado um tiro?

Voltei-me para minha amiga e amaldiçoei a mim mesma por mentir para ela.

— Quase fui assaltada após levar vovô para a casa de uma amiga —
expliquei. — Não quero que ele saiba disso.

Ela semicerrou os olhos para mim e quando eu percebi que diria algo, Kamila
se levantou.

— Meu plantão começa daqui a pouco — ela murmurou em tom de


desculpas. — Não posso te dar uma receita para comprar remédios, mas acho
que um bom anti-inflamatório é suficiente se você não fizer muito esforço com
este braço.

Assenti concordando e levantei para abraçá-la e agradecer.

— Muito obrigada! Você foi um anjo, hoje.

Ela riu.

— Sou um anjo quando vestida de enfermeira, baby. Aqui é só a gostosa da


Kami mesmo.

Foi impossível não rir de suas palavras e ela também o fez.

— Cuide-se, Lolita. Quero vê-la muito melhor na próxima semana.

Apenas ela e Lucas me chamavam assim, eu só não sabia ao certo quem


copiou de quem este apelido.

— Se me mandar a conta ainda hoje, eu faço uma transferência bancária. —


Ela abriu a boca para retrucar, mas fui mais rápida: — Eu insisto.

Kamila revirou os olhos e seguiu para a porta com sua bolsa.

— Até mais, babies — murmurou antes de sair.

— Conte-me a verdade! — Elise mandou.

— Estou falando a verdade, Liss! É sério... — Fiz uma pausa enquanto


tentava pensar em algo. — Vovô sentiu umas dores no peito na semana passada,
não quero preocupá-lo por isso, você já o viu, sabe como ele é! Imagina se
achasse que não me treinou bem o suficiente para me defender?

Esperei alguns momentos para ver se ela expressava algo sobre minha
resposta em seu rosto, quando vi a resignação tomar conta de seu semblante.

— Esse filho da puta tem que pagar pelo que fez a você! — murmurou
agitada vindo me abraçar. Gemi baixo de dor e ela percebeu que me apertava
demais.

— Desculpe! Eu não quis te machucar!

— Eu sei... Eu preciso ir pra casa. Depois tenho que pegar o vovô e...

— Eu te levo, não se preocupe.

Concordei e ela pegou minha bolsa e me estendeu. Lembrei imediatamente


que havia colocado as duas armas dentro dela e após colocá-la sobre meu ombro
a apertei contra meu corpo.

Eu tentei ao máximo esconder as caretas de dor sempre que movimentava


meu braço esquerdo e agradeci por vovô não ter me enchido de perguntas
quando eu disse que não estava com fome e que iria dormir mais cedo.

Tranquei a porta de meu quarto lentamente e segui para a cama enquanto


tirava as luvas que protegiam minhas mãos do frio. Coloquei a bolsa sobre a
cama e levantei-me novamente. Com cuidado tirei meu casaco e, em seguida, a
calça que vestira — precisei cortar as mangas da blusa para poder tirá-la.

Com dificuldade consegui tomar uma ducha e não molhar o curativo que
Kamila fizera.

Quando estava finalmente vestida com uma camisola, peguei meu celular e
liguei para o advogado de Aaron. Ainda não era nove da noite.

— Sr. Rodolfo? Aqui é a Dolores Dias, a... — interrompi sem saber como me
apresentar.

— Namorada do Sr. Andrade, lembro-me da senhorita. Algum problema?

Namorada? Acenei em negativa e formulei uma explicação coerente para a


minha ligação.

— O senhor conseguiu a autorização para pegar as gravações das câmeras de


segurança do hospital?

— Estou aguardando a resposta da delegada e do juiz.

Assenti mesmo sabendo que ele não estava vendo.

— O senhor poderia me dizer exatamente o que aconteceu? — pedi. — Creio


que consegui uma prova irrefutável de que não foi Aaron a machucar quem quer
que tenha sido.

Ele ficou em silêncio por alguns segundos e mesmo assim fui capaz de
entender o que se passava em sua mente.

Por fim, Rodolfo suspirou e disse:

— Houve uma discussão entre o senhor Andrade e um colega de trabalho na


sexta-feira à noite, no sábado pela manhã este tal colega foi baleado e no
hospital pediu que seus familiares fizessem uma denúncia contra meu cliente. Há
testemunhas sobre a discussão no estacionamento da empresa e as câmeras de
segurança da casa do Sr. José Roberto Siqueira provam que se tratava de Aaron.

Concordei lentamente enquanto juntava todas as peças e tentava reconstituir,


em minha mente, os passos de Rodrigo e entender seu plano.

— A arma que atingiu esse colega de trabalho foi encontrada?

— Não.

Fechei os olhos e suspirei aliviada.

— O senhor também precisa de uma permissão do juiz para fazer um exame


de balística?

Após alguns segundos, ele limpou a garganta e pareceu se arrumar em uma


cadeira.

— Por que está me perguntando isso?

Respirei uma vez para me acalmar antes de responder.

— Tenho um palpite e fortes motivos para acreditar que estou certa —


afirmei.

— Sou todo ouvidos.

Clareei a garganta e então expliquei minha teoria:

— Aaron tem um irmão gêmeo, Rodrigo. Há alguns dias descobrimos que


Rodrigo e Roberto são coniventes. O pai de Aaron está muito doente e os dois
têm uma fortuna para herdar, Rodrigo não quer dividir nada com Aaron —
introduzi-o desde os motivos do irmão de Aaron. — O senhor disse que nas duas
situações, havia testemunhas que confirmaram se tratar de Aaron, mas nenhuma
delas sabia da existência de Rodrigo e, principalmente, que ele está em Porto
Alegre.

— Já entendi aonde quer chegar... Mas como pode provar que se tratava de
Rodrigo e não de Aaron?

Inspirei e me forcei a contar a ele o que aconteceu hoje.

— Fui atrás de Rodrigo hoje. Peguei a arma dele e estou com ela... Quero que
faça um exame de balística para saber se foi essa a arma usada, assim poderá
confirmar que nela há apenas digitais de Rodrigo.

Ele ficou em silêncio. Engoli em seco e esperei que ele dissesse algo.

— Como conseguiu pegar esta arma?

Fechei os olhos com força e respirei fundo.

— Menti para ele dizendo que Aaron havia terminado comigo, que estava
com outra, disse que me vingaria e ele me ofereceu ajuda... Mas quando cheguei
à casa dele, Rodrigo tentou... — interrompi e tomei coragem para continuar. —
Abusar de mim. Ele estava armado, mas consegui tirar a arma dele e lembrei que
ele poderia tê-la usado. Consegui fugir e trouxe a arma comigo.

Pelo menos dois minutos de silêncio se passou até que ele se pronunciou:

— Alguém pode confirmar isso, senhorita?

— Não. — Fechei os olhos com força. — Estávamos apenas nós dois lá.

Ele concordou e disse:

— Podemos fazer uma denúncia contra ele, por assédio sexual e tentativa
de...

— Denúncia? — questionei antes que ele concluísse.

— Sim. A senhorita teria que fazer um exame de corpo de delito e teríamos


um bom motivo para fazer o exame de balística o mais rápido possível.

— E depois?
— O senhor Rodrigo será preso e o mal-entendido com o senhor Aaron será
perceptível.

— É necessário fazer isso?

— Não. Mas é preferível um estuprador preso a tê-lo à solta e à procura de


uma nova vítima. Além de que, se o fizer, todas as denúncias serão retiradas
contra o senhor Aaron.

— Tudo bem — concordei.

Ele me deu o endereço da delegacia que me esperaria amanhã e depois


desligamos.

Fitei o celular por alguns segundos e mordi os lábios.

Esperava de verdade que estivesse fazendo a coisa certa.

Quando a terceira gravação acabou, a delegada ainda me encarava com olhos


semicerrados e eu sustentava o seu olhar, desafiando-a a dizer que eu estava
mentindo.

Após uma série de perguntas sobre tudo o que aconteceu, eu decidi mostrar as
gravações. Já havia até mesmo mostrado onde o tiro de Rodrigo me atingiu e ela
parecia irredutível em acreditar.
— Como se conheceram, senhorita Dolores?

Reprimi a vontade de revirar os olhos e decidi finalmente contar.

— Rodrigo me sequestrou na quarta-feira. Queria me usar para assustar


Aaron. A arma que eu usei ontem para atirar nele, consegui antes de fugir do
galpão que Rodrigo me levou naquele dia. Se quiser verificar se as digitais dele
também estão nela, eu trouxe as duas — concluí.

— Por que atirou duas vezes nele ontem?

Desta vez suspirei cansada e me levantei, o senhor Rodolfo fez o mesmo.

— Eu não sou idiota — expliquei. — Não poderia acreditar que conseguiria


subjugá-lo novamente. O primeiro tiro o acertou em um dos braços e o segundo
foi em uma das pernas, para que ele não pudesse vir atrás de mim.

— A delegada não acha que está fugindo do assunto principal? — Rodolfo


perguntou sério. — Viemos fazer uma denúncia de assédio sexual.

A senhora baixa de cabelos loiros levantou ao ouvir aquela pergunta.

— Estou tentando apurar todos os fatos — ela respondeu para ele enquanto
vinha até mim. — Por que fez tudo isso, senhorita? — perguntou a mim.

Ela ergueu o queixo para me olhar nos olhos e baixei a vista para fazer o
mesmo com ela.

— Meu namorado foi preso porque vocês não fizeram seus trabalhos direito.
Os documentos dele comprovam que ele tem um irmão gêmeo e ainda assim não
tentaram descobrir o que poderia ter realmente acontecido — falei.
— Dolores — o advogado me repreendeu.

— Peço desculpas pela sinceridade, mas se eu fosse esperar que todas as


burocracias fossem ultrapassadas para que começassem a desconfiar que Aaron
não fez nada, o tempo passaria e seria suficiente para acabar com a carreira dele.
Com a vida dele.

Eu a vi engolir em seco e virar-se de costas para fitar o advogado.

— Tentarei agilizar o exame de balística. Precisamos do seu celular. Há


provas importantes nele.

Assenti e o estendi para Rodolfo.

Um homem que estava no canto da sala digitando fervorosamente levantou e


se aproximou da delegada com uma folha de papel nas mãos.

— Peço que fique mais alguns momentos para o exame de corpo de delito e
assine a denúncia. Procuraremos este senhor Rodrigo ainda hoje.

— E Aaron? — a pergunta escapou de meus lábios.

— Amanhã ou depois, o libertaremos. Assim que o exame de balística sair e


confirmar que esta arma foi a mesma usada para atingir a vítima e que as digitais
nela são do tal Rodrigo.

Suspirei aliviada.

— Obrigada.

Ela assentiu e, pela primeira vez desde que entrei, ela sorriu.
— Você foi corajosa, senhorita — elogiou e sentou-se novamente.

Assinei a denúncia e alguns minutos depois fui levada a uma sala para fazer o
exame, Rodolfo ficou para conversar com a delegada sobre as outras evidências.

Cerca de uma hora depois, o advogado e eu saíamos da delegacia.

Natasha me convidou para ir para sua casa na tarde do domingo. Tive o


cuidado de vestir uma blusa de tricô de gola alta e mangas compridas antes de ir
para lá.

Ela e Suzana queriam saber sobre Aaron, e enquanto estávamos sentadas no


sofá conversando, Mabel estava em um canto da sala pintando e vovô estava
lendo um jornal — eu já havia contado a ele que Aaron poderia ser solto amanhã
ou terça-feira. Omiti apenas que eu havia feito algo sobre isso.

— O senhor Rodolfo conseguiu as imagens das câmeras do hospital e elas


mostram que Aaron ficou lá até mais de onze da noite, assim que as gravações
do Roosevelt, o prédio que ele mora, mostrarem que ele chegou pouco mais de
meia-noite e não saiu.

— Graças a Deus — Natasha murmurou com um sorriso. — Vocês querem


mais biscoitos? — questionou para vovô e Mabel, que tomavam chá e biscoitos
enquanto liam e pintavam.

— Não, obrigado — ele respondeu com um sorriso e virou as páginas do


jornal.

— Obrigada, querida. — Mabel sorriu docemente ao responder. Ela estava


muito mais tranquila sobre Aaron.

— Meus comprimidos, querida — Suzana pediu para Natasha assim que ela
levantou. Recolhemos a louça.

— Trarei em um momento, mamãe.

Quando chegamos à cozinha e ela colocou a louça sobre a pia, eu perguntei.

— Há quanto tempo ela está doente?

— Alguns anos. — Ela me deu um sorriso triste. — Quando eu tinha quinze


anos ela teve que parar de trabalhar.

Assenti enquanto organizava a louça e, com certa dificuldade, consegui lavar


as xícaras apenas com um braço.

— Nos últimos exames o médico disse que ela já não responde tão bem aos
medicamentos quanto antes. Por isso, às vezes, ela não consegue sequer levantar
na cama.

— Vovô me disse que ela tem anemia.

— Isso mesmo. Anemia aguda. — Fez uma pausa enquanto abria as portas do
armário e pegava uma caixa de comprimidos. — Só um momento. — pediu
enquanto enchia um copo de água e levava para a mãe.

Fechei os olhos por um momento e acenei em negativa quando um nó surgiu


em minha garganta.

Suzana parecia ainda mais abatida do que estava na segunda vez que vim
aqui. Eu não queria nem mesmo pensar em como seria se a mãe de Natasha
chegasse a falecer.

Meu Deus! Essa garota é tão jovem para já ter sofrido tanto.

Lavei minhas mãos quando terminei e sentei-me em uma das cadeiras à mesa.
Limpei os olhos e respirei fundo algumas vezes.

“É claro que ela não ficaria desamparada, afinal, estamos aqui, mas perder
uma mãe não...”, interrompi meus pensamentos quando percebi o que estava
fazendo.

Lembrei-me de que já me envolvi tanto em tudo o que está acontecendo.


Estou até mesmo me incluindo como porto seguro da garota caso a sua mãe
chegue a faltar. Por algum motivo, eu não estava tão surpresa por isso.

Eu não queria me afastar deles. De Mabel, de Natasha e devia admitir que, no


momento, nem mesmo de Aaron.

— Algum problema, Lola? — ela questionou assim que voltou.

— Não — sussurrei. — Só estou pensando em algumas coisas.

Ela riu.

— Aaron ficará bem — assegurou. — Eu nunca conheci um homem que


pudesse passar por tantas coisas e continuar intacto como ele.
Juntei as sobrancelhas e entendi — ela achou que eu estivesse pensando nele.

— Uma hora ele pode ruir — murmurei baixando os olhos para fitar minhas
mãos em meu colo. — Vejo-o sempre tão forte, mas ninguém consegue ficar
assim o tempo todo.

Ela sentou à minha frente e ficou em silêncio por alguns segundos.

— A única vez que o vi desesperado, foi quando descobriu que Rodrigo havia
tirado Mabel do apartamento... Para mim, ele é quase a personificação da força e
autocontrole.

Lembrei-me de tudo o que sabia que havia acontecido e precisei concordar.

— Ele é quase um pai para você, não é?

Ela riu.

— Não! Como irmão mais velho ele já é chato por si só — murmurou. —


Aaron é insuportável. Você não tem ideia.

Ri de suas palavras e voltei a encará-la.

— Ele é muito controlador. Olha, até ano passado, quando eu estudava, ele
queria todos os meus boletins da escola. E estava sempre dizendo que eu não
tinha permissão para arranjar namorados antes de concluir o ensino médio e
entrar em uma faculdade. — Seu sorriso se manteve enquanto ela lembrava. —
Ele e mamãe não suportavam quando eu tinha que ir à casa de uma colega para
fazer trabalhos. Eles acham a cidade perigosa demais para mim. — Ela revirou
os olhos. — Ele não me deixa comprar doces ou chocolate quando me leva para
fazer as compras do mês! Imagine, Lola! Chocolate!
Revirei os olhos.

— Ele está preocupado com a sua saúde e bem-estar — expliquei.

— Eu sei! — ela disse. — Mas é beeeeem chato quando faz isso.

— Você conseguiu entrar na faculdade? — inquiri realmente interessada.

— Não. No segundo dia da prova do Enem, eu tive que ir para o hospital com
a mamãe.

— Sinto muito.

— Já superei — ela disse dando de ombros. — Esse ano estou estudando


também e pretendo passar.

Sorri para ela. Naquele momento eu a admirei ainda mais. Apesar de


sensível, Natasha era resiliente e forte quando necessário.

— Tenho certeza de que passará — assegurei — Que curso escolheu?

— Medicina. — Natasha sorriu novamente. — Gosto da ideia de poder


cuidar de muitas pessoas, de ajudar alguém que sente dor.

O nó em minha garganta se apertou e forcei-me a não chorar. Nunca fui de


chorar e não vou começar agora!

— Aaron ficou mais chateado do que eu — ela murmurou pensativa. —


Disse que se pudesse pagaria para que eu fizesse a faculdade. Mas esse é um
curso muito caro.
— Eu sei — concordei sentindo minha empatia por ele aumentar — Lembro
que quando cursei Administração na federal, as greves me deixaram quase um
semestre atrasada. Então decidi entrar em uma faculdade particular.

— Você deixou uma vaga na federal?!

Arregalei os olhos ao ver sua incredulidade. Desconfiei que ela me bateria se


pudesse.

Ri um pouco antes de começar a explicar porque e como o fizera.

Faltavam pouco mais de vinte minutos para o expediente acabar quando


Natasha me ligou para avisar que já estava no térreo me esperando. Nós iríamos
para o apartamento de Aaron para preparar o jantar. Rodolfo me ligou mais cedo
para avisar que Aaron voltaria hoje. O exame de balística confirmou minhas
suspeitas.

Peguei as reportagens e colunas que havia revisado hoje à tarde e levantei


para levá-las para Otávio.

Peguei o elevador e fui até o seu andar.

Quando voltei, pelas escadas, passei pela recepção.

— Dolores — Jéssica disse ao me ver.


Arqueei as sobrancelhas e parei para fitá-la.

— Olá, Jéssica.

Ela semicerrou os olhos e levantou de sua cadeira. Manteve-se em silêncio


enquanto atravessava a pequena porta de entrada e saída do balcão da recepção.

— O que você fez para seduzi-lo?

Juntei as sobrancelhas e continuei a fitá-la tentando entender do que estava


falando. Quando finalmente entendi, ela já estava à minha frente com os braços
cruzados me olhando de cima a baixo como se tentasse entender o que Aaron viu
em mim.

Ela deve ter visto quando nos beijamos na sexta-feira.

Respirei fundo e ergui o queixo ao responder:

— Nada.

Minha resposta a fez franzir o cenho.

— Impossível! Eu fiz de tudo para conseguir seduzi-lo e ele não se afetou por
nada. — Sua expressão facial denotava nojo. — Qualquer homem em sã
consciência preferiria a mim.

— Jéssica, você não passa de um rostinho bonito com a inteligência de uma


porta e o fogo de uma cachorra no cio — retruquei levando minhas mãos à
cintura. — Conforme-se. Ele é o único homem na empresa que não aceitou
quando você ofereceu abrir as pernas pra ele.
Eu vi a fúria brilhar em seus olhos. Ela entreabriu os lábios para me xingar,
mas fui mais rápida.

— Eu não sou a Luana para ignorar suas alfinetadas. E muito menos para
ignorar suas tentativas de dormir com o Aaron, como ela fez quando você tentou
seduzir o namorado dela. — Dei os poucos passos que me distanciavam da loira
e concluí: — Não vou discutir com Aaron porque ele não tem culpa de você
viver correndo atrás dele, a discussão será sempre entre nós duas, querida. — O
tom de sarcasmo na última palavra foi quase palpável.

— Você está me ameaçando, sua vadia?

Acenei em negativa quando as portas do elevador de entrada se abriram.

— Não — sussurrei próxima ao seu ouvido. — Estou apenas lhe dando um


aviso, querida.

— Poderiam nos ajudar, por favor? — Duas mulheres se aproximaram de


nós. — Viemos para uma entrevista com Renata...

— Até mais, Jéssica — murmurei antes de sair.

Desliguei meu computador e peguei minhas coisas antes de sair.

— Você demorou! — Natasha observou assim que me viu. — Estou aqui há


mais de vinte minutos. Tenho que chegar em casa antes das oito ou mamãe me
mata!

Sorri para ela e nos abraçamos.

— Desculpe, mas meu horário de saída é só às seis da tarde.


Ela gesticulou concordando e me acompanhou para sair do estacionamento.

— Então, como foi o dia? Muito estressante?

Meneei a cabeça de um lado para o outro, como se pesasse os acontecimentos


e ri.

— Chato.

Ela também riu.

— Aaron me dá esta resposta todas as vezes que lhe faço esta pergunta.

— Ele odeia falar de trabalho quando não está no trabalho — lembrei.

— Exatamente.

Quando estávamos chegando à parada, o ônibus que deveríamos pegar para ir


para a avenida em que o prédio ficava, estava passando.

Cerca de meia hora depois, descemos e atravessamos a rua para entrar no


Roosevelt.

— Eles nunca questionam se você entrar e seguir diretamente para o elevador


como se fosse uma moradora.

Ela riu.

— Não tenho as chaves — lembrei-a enquanto subíamos para o sexto andar.

— Aaron me deu uma cópia há alguns meses.


Natasha abriu a porta do apartamento e ligou as luzes quando entramos. Tudo
estava exatamente como eu lembrava.

— Eu amo esse apartamento! — ela disse. — É tão moderno e espaçoso!

Deixei minha bolsa sobre o sofá e segui para a cozinha estilo americana.

— Lola, eu vou ver o quarto dele.

— Por quê?

— Ele nunca me deixou ir lá! Tenho essa curiosidade há um tempo.

Acenei em negativa.

— O que preparo para ele jantar? — gritei quando ela adentrou o corredor.

— Só um momento!

Natasha parecia ser sempre tão madura que era estranho vê-la aparentar ter os
dezessete anos que lhe cabia.

“Ela me lembrava Elise”, pensei, sorrindo, e voltei-me para a geladeira.


“Sempre tão eufórica e curiosa”.

— Lola, ele tem uma banheira enorme! E a cama dele é daquelas king size.
Umas três vezes maior que a minha! — Sua voz tornou-se mais alta à medida
que ela emergia do corredor. — O que eu estou dizendo! Você já devia saber
disso.

Fiz uma cara séria e ela interrompeu as próprias palavras.


— Desculpe, é que eu fiquei impressionada. — Ela fez uma pausa e seu
sorriso aumentou. — Para o jantar, Aaron adora carne vermelha de qualquer
tipo. Purê de batatas, arroz e feijão... E até salada. Ele não gosta muito de
refrigerante, prefere sucos naturais e... dispensa sobremesas.

— Ele não gosta de doces?

Ela acenou em negativa.

— Dificilmente. Lembro de apenas uma vez que ele aceitou a sobremesa ao


almoçar lá em casa. Era sobremesa gelada. Mousse, se não me engano.

Assenti enquanto tirava tudo o que precisaria da geladeira.

— Por que está usando apenas um braço?

Parei no lugar e lentamente voltei-me para ela.

— Machuquei o braço esquerdo hoje — menti. — Está dolorido. Prefiro não


o mover.

Ela concordou e entrou na cozinha para me ajudar.

Cerca de meia hora depois estava tudo cozinhando. O suco de maracujá


estava pronto, assim como a salada.

Sentamos no sofá para descansar e verifiquei as horas em meu relógio.

Estava sem meu celular, então não poderia ligar para o advogado. Tinha que
ficar esperando que ele trouxesse Aaron para casa.
— Posso perguntar uma coisa?

Ri baixo quando Natasha encostou sua cabeça ao meu ombro e suspirou.

— Claro.

— Como vocês se conheceram? Tiveram aquela troca de olhares especial?


Sua perna subiu quando ele te beijou pela primeira vez?

Fechei os olhos por um momento e mordi os lábios para não rir.

— Não estamos vivendo em um conto de fadas, Nat — murmurei. — Somos


pessoas normais, da vida real.

Ela bufou.

— Ok. Só me conte.

— Nos conhecemos na empresa... Conversamos por alguns dias antes que ele
me convidasse para sair. — Fiz uma pausa. — Minha perna não subiu quando
ele me beijou pela primeira vez... Fim.

— Você é tão sem graça quanto ele! Meu Deus!

— Tínhamos que ter algo em comum, não é?

Ela se afastou quando seu celular começou a tocar.

— Droga! É lá de casa! Eu preciso ir... É uma pena, queria vê-lo.

— Ele certamente irá à sua casa amanhã. Não se preocupe.


Eu a levei de volta para o térreo e a coloquei em um táxi.

Quando subi novamente, a comida já estava quase pronta e decidi arrumar a


mesa enquanto esperava.

Já estava começando a ficar preocupada quando tudo ficou pronto e Aaron


não apareceu. Comecei a andar de um lado para o outro enquanto a ansiedade
me corroía. Pedi que Rodolfo não contasse nada e eu ainda não sabia como
contaria para Aaron o que fiz.

Assim que ouvi o barulho das chaves na porta, meu coração vacilou no peito,
saí da cozinha para encontrá-lo fechando a porta.

No momento em que ele se voltou para mim, eu me tornei incapaz de levar ar


aos meus pulmões. Vi seus lábios se moverem para formar meu nome, mas não
ouvi.

Ele parecia cansado, vestia um terno com a camisa amassada, a gravata


estava em suas mãos. Os cabelos desgrenhados como eu não me lembro de um
dia já ter visto.

Meu coração se apertou no peito enquanto eu me aproximava.

— Aaron — sussurrei antes de meu corpo roçar o seu e ele me envolver.

Eu o beijei antes que pudesse dizer qualquer coisa e senti-me extremamente


leve em seus braços quando ele retribuiu como se estivesse sentindo falta de me
ter tão perto.

— Por que demorou? — questionei contra seus lábios.


— Pedi para Rodolfo me levar para ver Rodrigo. Ele está no hospital.

Assenti displicente àquela informação. Rodolfo já havia me dito isso.

— Você deve estar cansado — murmurei ao me afastar. — Natasha e eu


viemos cedo para preparar o jantar. Espero que não se importe.

Ele deu de ombros e começou a tirar o terno.

— Preciso de um banho — ele disse.

Toquei sua barba por fazer e delineei seus lábios devagar.

— Eu esperava um Aaron furioso.

— Você me encontraria furioso se tivesse me visto dez minutos atrás.

Encarei-o com o cenho franzido.

— Por que mudou?

— Gostei da recepção.

Revirei os olhos.

— Não se acostume — adverti.

Sua expressão se suavizou e ele quase sorriu.

— Tudo bem.

Aaron foi tomar o banho e sentei-me à mesa para esperá-lo. Meia hora depois
ele adentrava a cozinha vestindo apenas a calça do pijama, o peito
completamente nu. Havia se barbeado também. Concentrei-me no que fazia e
comecei a lhe servir.

— Você está bem? — perguntamos ao mesmo tempo.

Ele assentiu com os olhos semicerrados e comprimi os lábios quando ele


olhou para o meu braço que eu quase não estava movendo. Quando ele me fitou
novamente, eu soube que estava me fazendo uma pergunta silenciosa.

— Coma — sussurrei indicando um prato repleto de comida. — Não vou


falar nada antes de fazer isso.

— Lola — repreendeu vindo até mim. — O que aconteceu?

— Aaron! — Tentei me desvencilhar, mas ele não permitiu. Sua mão direita
tocava suavemente o meu braço por cima da blusa à procura do meu ferimento.

Quando deixei um gemido baixo de dor escapar, ele parou.

Tomei coragem para olhar em seus olhos e quando o fiz, por alguns
segundos, me assustei com a fúria que vi ali.

— Como e quando ele fez isso? — Sua voz soou assustadoramente baixa.

— Aaron — pedi e ele me soltou.

Cerrei os olhos por um momento e ele se afastou. Ouvi quando socou algo
com força, mas não me importei de ver o que era.

Respirei fundo algumas vezes e tentei me acalmar.


No fundo do meu coração eu sabia que não estava errada em ter feito o que
fiz, mas algo me dizia que ele não acharia o mesmo.
“Os nossos corpos se completam

Mesmo estando longe

Em pensamento eu vou te buscar

Dá calafrio, um arrepio ao lembrar seu cheiro”

(Calafrio – Henrique e Juliano)

Mordi a parte interna da bochecha e encostei-me à mesa ao me voltar para


ele, que continuava de costas para mim.

— Lola, o que aconteceu enquanto eu estava naquele maldito inferno?


— Aaron, eu precisava fazer algo — tentei. — Você estava preso e eu sabia
que Rodrigo tinha algo a ver com isso!

Ele se voltou para mim. A fúria que ele exalava era sentida por mim mesmo
com os quase dois metros que nos separavam. Seu maxilar estava cerrado e,
mesmo assim, eu soube que ele queria dizer algo. Decidi me adiantar:

— Eu não fui atrás dele, mas não desperdicei a chance quando ele me ligou.
— Fiz uma pausa. — Aceitei quando ele me chamou para ir à casa em que ele
estava.

— Você fez o quê?! — Sua voz soou muito mais alta agora. Fechei os olhos.
— Dolores, eu disse que a porra do advogado resolveria tudo! Você não deveria
ter se intrometido! Não deveria ter ido atrás daquele filho da puta!

— Para de gritar! — mandei, enfurecendo-me. — Eu fiz o que achei certo


naquele momento! Você estava preso! Mabel e Natasha estavam desesperadas! O
que queria que eu fizesse? Que continuasse a esperar o juiz autorizar o advogado
a pegar as gravações do hospital? Como isso provaria que você não atirou em
Roberto no dia seguinte?!

— Rodolfo sabia o que deveria fazer! Ele é advogado! Estudou para isso!

Semicerrei meus olhos e inspirei lentamente em uma tentativa de me acalmar.

— Fui atrás dele, sim. E se acha que vou me arrepender ou pedir desculpas,
poupe suas palavras. — Ergui o queixo quando o vi cerrar os punhos. — Eu não
me arrependo.

— Dolores, você não...


— E teria feito de novo! — Foi minha vez de gritar. — Me certificaria de que
os malditos tiros o matassem! — admiti.

Ele parou e me encarou em silêncio por alguns segundos. Suspirei e virei-me


de costas. Gritar tanto quanto ele não adiantaria de nada.

— Você atirou nele? — questionou agora mais calmo.

— Sim — respondi cruzando os braços. Ainda não queria encará-lo, então


não o fiz.

— Por quê?

— Foi necessário. Eu precisava pegar a arma dele, precisava fugir e precisava


que ele não viesse atrás de mim.

Senti quando ele se aproximou, mas a raiva não me abandonou apenas por ter
percebido isso.

Sua respiração batia contra meu ombro e minha pele se arrepiou, mas fingi
não me importar.

— Por que você fez isso, Lola? Você não foi atrás de mim, então entendeu
que eu não queria que ele tentasse te colocar no meio de tudo... Por que não
continuou a fazer o que pedi? Por que não ficou longe de Rodrigo?

Dei dois passos à frente antes de me voltar para ele.

— Eu já disse! Sua mãe e sua irmã estavam desesperadas! — Fiz uma pausa.
— E eu também não queria que você ficasse preso por causa daquele bastardo.
Não poderia ficar quieta sabendo do plano dele!
Aaron se encostou à mesa e acenou em negativa, estava cansado daquela
discussão. Mas uma hora perceberia que aquilo não nos levaria a nada. Eu não
me arrependeria, não mudaria e ele continuaria não aprovando minhas atitudes.

— Você está livre agora — lembrei-o. — Eu estou bem! Pare de reclamar.


Não tem motivos para isso!

— Dolores, eu preferia continuar naquele inferno se isso significasse que


você não se machucaria! E se ele tivesse te machucado ainda mais?! Como acha
que eu ficaria sabendo que te coloquei nesse inferno?!

Apertei os olhos novamente e bufei ao revirá-los.

— Nós dois sabemos que essa decisão foi minha, então não faça com que eu
me pergunte por que infernos decidi continuar nisso.

Ele desviou os olhos dos meus e levou as mãos aos cabelos, bagunçando-os.
Parecia tentar descobrir o que dizer.

— Vamos continuar essa briga? — inquiri também cansada.

Aaron me fitou em silêncio por alguns segundos, até que disse:

— Como posso confiar em você, se você ignora minhas tentativas de te


proteger?

Senti como se aquelas palavras tivessem o poder de perfurar algo em mim.


Desconfiei se tratar do meu coração, mas pus a ideia de lado quando ela
começou a me fazer lamentar de ter quebrado essa pouca confiança que ele havia
depositado em mim. Eu fiz o que achava certo. Não vou me arrepender por isso.
— Não percebe que eu não preciso que você me proteja, Aaron?

Vi a fúria, que antes estava em seus olhos, se esvair lentamente. Aos poucos,
até que já não existisse nada de tempestuoso em seu olhar, em sua feição.

Aaron se aproximou sem qualquer pressa. E seus olhos castanho-claros


fitaram os meus.

— Você ignora minhas palavras e meus pedidos, Dolores — afirmou antes de


fechar os olhos.

Ele beijou meus lábios suavemente e o desentendimento em minha expressão


sumiu aos poucos.

— Suas mudanças abruptas me confundem — admiti quando ele encostou


sua testa a minha.

— Só estou tentando amenizar a situação... — explicou. — Nossas


discussões não nos levam a lugar algum.

Cerrei os olhos e concordei com estas palavras.

— Estou tentando aceitar isso. Pode fazer o mesmo?

Assenti.

Seus beijos fizeram uma pequena trilha até minha orelha e ele mordeu o
lóbulo delicadamente.

— Estou com raiva e você está irredutível — afirmou. — Vamos chegar a um


acordo?
— Não.

Ele me puxou para si, pressionando meu corpo ao seu — o calor que emana
de seu corpo aquece o meu.

Mantive meus olhos fechados com força. As sensações surgiam lentamente e


estavam se impregnando em mim, diferente de todas as outras vezes que ele me
tocou. Antes era tudo inesperado e intenso demais, o que me fazia sucumbir a ele
rapidamente. Agora ele não está sendo selvagem, mas o que sinto continua a ser
avassalador.

Toquei seu peito e o delineei vagarosamente agradecendo mentalmente por


estar descoberto. Parei sobre seu coração quando percebi o quanto ele batia
rápido.

— Isso não vai dar certo, Lola — ele sussurrou antes de chupar dois pontos
distintos em meu pescoço. Gemi baixo.

Senti seu membro crescer entre nós e pressionei meu corpo ao seu, para senti-
lo ainda mais.

— Do que está falando? — questionei.

Beijei as tatuagens de seu ombro. Sua pele se arrepiou automaticamente.

— Nós dois.

Suas mãos acariciaram meus quadris antes de apertarem minhas nádegas com
força, impelindo-me a ficar contra ele.

Aaron roçou seus lábios aos meus e sussurrou:


— Precisamos de um meio-termo.

Abri os olhos para fitá-lo.

— Não a quero em perigo e você insiste em se colocar em situações de risco.

Engoli em seco.

— Por que não me quer em perigo, Aaron? — tomei coragem para perguntar.

— Você é minha responsabilidade.

— O inferno que eu sou — retruquei irônica.

Ele arqueou as sobrancelhas e as manteve assim.

— Encontre uma resposta melhor — incitei-o.

Ele me beijou.

Gemi contra seus lábios quando o beijo ficou mais intenso e veemente e
minha pele em contato com a sua ficou febril; ardente.

Como eu não percebi antes que senti falta disso? Dele, do seu corpo, da
forma impetuosa que ele me toca?

— Eu quero você... — ele afirmou. — Tanto que achei que ficaria louco
naquele inferno.

Acenei em negativa e escondi meu rosto em seu peito enquanto sorria.


— Eu estava preocupada e você pensando em sexo?

— Hum-hum... — ele concordou de forma irônica. — Cada segundo dos


quatro dias.

Quando voltei a encará-lo, semicerrei os olhos. Não sabia o que a ironia


queria esconder.

— Vamos jantar — falei. — Ou a comida esfriará.

Ele revirou os olhos, divertido, e concordou.

— Você fez isso? — indagou após provar a comida, eu apenas assenti. —


Está ótimo. Não achei que você cozinhasse tão bem.

Reprimi a vontade de rir.

— É bom ouvir isso. Vovô costumava dizer que eu exagerava no sal. Ou em


qualquer outro tempero. — Acenei em negativa ao lembrar. — Depois que fiquei
sozinha, cozinhar ficou chato.

— Não gosta da sua própria comida? — ele pareceu incrédulo.

— Eu não disse isso. Mas cozinhar ficou chato a partir do momento que vovô
foi para a casa de repouso e não havia ninguém além de mim para comer e
reclamar.
Aaron concordou e a sombra de um sorriso iluminou seu rosto — eu já havia
percebido que ele ficava mais atraente quando sua expressão ficava tão suave e
jovial quanto neste momento. Quando ele tentava esconder um sorriso.

Ele terminou de comer e serviu o suco para nós dois. Ficamos em silêncio
enquanto o bebericávamos. Esses poucos segundos serviram para me lembrar de
nossa discussão de meia hora atrás.

Após repassar mentalmente toda a nossa discussão percebi que ele parecia
mais preocupado comigo, que com o irmão que levou dois tiros.

E Aaron não me disse por que diabos não queria que eu me colocasse em
perigo — lembrei de minha conversa com vovô, na qual ele dizia que Aaron
sempre protegia as pessoas importantes para ele.

Eu sou importante para ele?

“Não”, concluí.

— Seu avô ficou com mamãe? — ele perguntou após se levantar para retirar
a louça da mesa, como fizera quando jantamos em minha casa na semana
passada.

— Sim... Aliás, ele me pediu para ligar assim que você chegasse. Acabei
esquecendo — murmurei pesarosa. — Ele deve estar preocupado.

— Vou ligar para ele — avisou antes de seguir para a sala.

Coloquei um pouco mais de suco em meu copo e o segui silenciosamente.


Parei e me encostei ao batente da porta da cozinha para fitá-lo enquanto Aaron
discava o número no telefone da sala. Ele estava de costas e não percebeu que eu
estava ali.

— Natasha? — Foi sua primeira palavra ao atenderem. — Eu estou bem. Não


se preocupe... Sim... Não, eu não estou. Cheguei há pouco mais de uma hora...
Lola?

Mordi os lábios ao ouvir meu nome e esperei que ele ouvisse o que ela dizia.
Surpreendi-me ao vê-lo rir.

— Ela é. — Juntei as sobrancelhas sem entender. — Natasha, pare de falar


asneiras... Não, você não é... Chame o seu João.

Ele se voltou para mim naquele momento e quase engasguei com o suco que
estava tomando com o susto que levei. Voltei para a cozinha, deixei o copo na
pia e segui para a sala novamente. Aaron já estava sentado sobre o sofá e
assentia lentamente enquanto ouvia o que meu avô dizia.

Sorri ao ver sua expressão e sentei ao seu lado.

— Há uma hora... Ela já estava aqui. — Ele me olhou.

Semicerrei os olhos quando, pela primeira vez desde que o conheci, seus
olhos se iluminaram e se tornaram brilhantes. Ele voltou a assentir.

— Eu sei... Eu vou.

Era inútil tentar ouvir o que vovô dizia. Aaron continuava apenas a
concordar.

— Tudo bem, obrigado. Para o senhor também. — E desligou.


— Por que acho que ele estava te dando um sermão? — perguntei com os
olhos semicerrados.

Aaron revirou os olhos.

— Por que está dizendo isso?

— Eu nunca discuto quando ele começa com os sermões — confidenciei. —


Percebi que quanto menos eu falo, mais rápido ele termina a discussão.

Ele sorriu.

— Ele só estava me fazendo prometer que cuidaria bem de sua neta.

Concordei com um aceno de cabeça e tentei não rir, sem graça. Às vezes,
vovô passava dos limites. E Aaron aparentemente levava isso a sério.

Por isso sou sua “responsabilidade” então?

Olhei para o meu relógio e surpreendi-me ao perceber que já passava de nove


da noite.

— Você vai à empresa amanhã? — questionei.

— Somente à tarde. Preciso levar alguns documentos e declarações antes de


voltar.

Assenti.

— Preciso ir — avisei.
Aaron se voltou para mim.

— O quê?

— Eu preciso ir para casa — repeti pacientemente e me levantei. — Tenho


que ir amanhã bem cedo para a empresa.

— Eu posso levá-la — ele ofereceu.

— Não tenho roupas aqui — lembrei-o. — E não acho que você me deixará
ter uma boa noite de sono se eu ficar.

Pisquei para ele e peguei minha bolsa no outro sofá.

— Você realmente quer que eu peça para você ficar? — perguntou ao se


levantar.

— Você não pediria.

— Não mesmo. — Ele segurou meu braço direito e me fez voltar para ele. —
Tenho uma ideia melhor.

A próxima coisa que registrei foi seus lábios sobre os meus. Quando um de
seus braços enlaçou minha cintura e trouxe meu corpo de encontro ao seu, eu
permiti que sua língua encontrasse a minha.

Minha bolsa caiu no chão. Usei a mão livre para puxar seus cabelos e
retribuir todos os seus movimentos.

Isso é viciante.
— Eu preciso trabalhar amanhã — lembrei-o ao acabar com o beijo.

— Não vou impedi-la.

— Quero ter uma boa noite de sono. Não tenho uma desde sábado.

— E eu quero você — admitiu, surpreendendo-me. — Estou há cinco dias


sem te tocar.

— Você é um satiromaníaco1 muito depravado.

Ele ficou em silêncio enquanto me levantava em seus braços. Percebi que


estava tentando esconder um sorriso novamente. Um sorriso malicioso desta vez.

— Aaron, eu preciso ir!

— Se eu fosse mesmo, não ficaria cinco dias sem sexo. — Ele fez uma pausa.
— Você sabe que não precisa ir.

— Você só ficou porque foi obrigado a isso — lembrei-o quando ele


atravessou a sala comigo em seus braços e andou na direção do corredor. —
Inferno! Como vou trabalhar amanhã com as pernas bambas?!

— Entre no T2 — sugeriu referindo-se ao horário de dez horas. — Não vou


desistir e sei que você também quer isso. A forma que me tocou meia hora atrás
e que me beijou há dois minutos, me deu certeza disso.

Semicerrei os olhos para ele.

— Você está sendo arrogante e irresponsável.


Ele usou um dos pés para abrir a porta, que estava apenas encostada.

Minha boca se abriu num “o” quando me deparei com seu quarto. Não era
enorme como eu imaginei, mas também não era pequeno — mesmo que a cama
ocupasse grande parte dele. As paredes estavam pintadas de branco. Havia duas
prateleiras de livros em uma das paredes e uma cômoda, com diversos objetos
decorativos de alumínio, além do guarda-roupa enorme.

A cama estava coberta com uma colcha preta. Quatro travesseiros em sua
extremidade combinavam com ela.

Tudo extremamente organizado e masculino.

Aaron beijou o ponto abaixo de minha orelha, minha pele se eriçou, e ele
sussurrou:

— Prefere realmente ir embora e dormir sozinha em sua cama?

Fechei os olhos ao ouvir que sua voz já estava rouca, qualquer ideia sobre
continuar resistindo se evaporou ali, quando o ouvi sussurrar meu nome com
aquela voz sexy.

Não respondi com palavras, mas meu corpo fez o favor de deixar claro que a
resposta para aquela pergunta era não, porque ele se arrepiou e estremeceu a
cada toque daquele homem.

Aaron me colocou sobre o chão novamente e começou a abrir os botões de


minha blusa lentamente. Àquela altura eu já sentia meus seios doloridos dentro
do sutiã, minha pele completamente arrepiada e o coração acelerado. Tudo em
expectativa sobre o que aconteceria depois.
Era involuntária a forma que meu corpo reagia ao seu, aos seus estímulos. Eu
não sabia por que me importava tanto com a forma que ele conseguia manipular
meu corpo, se ele o fazia tão bem.

Ajudei-o a tirar minha blusa para não correr o risco de acabar tocando e
machucando meu braço, embora o anti-inflamatório estivesse fazendo efeito.

— Foi de raspão — murmurei quando percebi que sua atenção estava no


curativo. — Só levei três pontinhos.

— Ainda não acredito que foi atrás daquele filho da puta — ele disse.

Virei-me de costas para ele e indiquei meu sutiã.

— Abra o fecho... E não comece com esta discussão.

Ele o fez em silêncio e tirou o sutiã que eu vestia. O zíper de minha saia foi o
próximo a ser aberto e ele a baixou, deixando-me apenas com a calcinha.

Aaron me virou em seus braços e em segundos seu peito forte pressionou o


meu.

— Meus seios estão muito sensíveis — avisei roçando meus lábios aos seus.

— Quer que eu seja mais cuidadoso com eles?

— Não. Gosto quando não é.

Ele me deu um selinho.

— Então por que me disse isso?


— Porque meu prazer aumenta quando eles estão sensíveis. Quero que
lembre disso.

Ele revirou os olhos e não conseguiu reprimir um sorriso.

— Vou lembrar.

Retribuí quando ele me beijou e deixei-o me guiar até a cama, na qual deitei
com facilidade e ele logo se colocou sobre mim.

Aaron me ajudou a tirar o que vestia e, em seguida, se livrou da boxer


também.

Gemi alto quando sua boca envolveu um de meus seios e ele o sugou com
força. Parecia realmente faminto por todos os cinco dias. Como se a única que
pudesse saciar sua fome fosse eu. Eu reconhecia que me sentia da mesma forma
sobre ele.

— Aaron — sussurrei seu nome antes de segurar a colcha da cama com força.

Seus dentes mordiscaram meu mamilo suavemente e meu prazer triplicou.


Uma de suas mãos envolveu meu outro seio e o apertou antes dele usar o polegar
e o indicador para me incitar — eu sabia que estava sensível porque eu me
aproximava do meu período, isso fazia com que as partes mais íntimas de meu
corpo se tornassem mais erógenas. E, consequentemente, tudo o que ele fizesse,
se tornasse mais prazeroso para mim.

Movi meu quadril na direção de sua ereção e mesmo com o tecido fino da
calcinha, que eu ainda vestia, eu pude sentir que ele já estava excitado.

Eu não queria chegar ao orgasmo sem que ele estivesse dentro de mim. Já
estava molhada e pronta para tê-lo.

Mordi meus lábios com força para reprimir meus sons de prazer. Minha
respiração estava ofegante quando abri os olhos. Senti meu sexo se retesar
quando Aaron intercalou as pequenas mordidas e sucções em meu seio direito.
Arqueei meu corpo na direção do seu novamente. Precisava de mais contato.
Precisava que ele me tocasse.

Uma ideia passou por minha cabeça e engoli em seco antes de fazer
exatamente o que havia imaginado.

Baixei minha calcinha até onde pude e peguei sua mão, que estava em meu
seio. Cerrei os olhos enquanto a levava para o centro de meu corpo, seguindo por
meu ventre, até meu clitóris inchado — tenho certeza de que ele entendeu o que
eu queria fazer, mas preferiu esperar que eu o fizesse.

Guiei dois de seus dedos até eles roçarem meu clitóris e gemi baixo ao senti-
lo me tocando, mesmo que eu estivesse comandando isso. Pressionei-os ali e os
movi para que fizessem movimentos circulares lentos, para recriar a maldita
tortura que ele sempre me fazia passar.

— Céus — sussurrei.

Minha cabeça pendeu para trás e gemi quando Aaron começou a me ajudar
nos movimentos.

Seus dedos eram implacáveis; seu toque era voraz, ávido e insaciável. Não
como a tortura deliciosa a qual ele me deixava sujeita, descobri que desta forma
seu toque se tornava muito mais prazeroso para mim.

— Você só vai gozar quando meu pau estiver dentro de você. Não antes disso
— ele disse. Eu não tive forças nem mesmo para assentir.

Ele levou os dedos até minha entrada e me provocou por alguns segundos.

— Você está tão molhada — ele sussurrou agora contra meus lábios. —
Quero te chupar todinha...

Senti meu sexo se apertar novamente quando o vi levar os dedos, que antes
estavam em mim, para os lábios.

— Preciso de você dentro de mim ou vou gozar antes disso, Aaron!

— Precisa?

Assenti descaradamente. Fechei os olhos e suspirei. Inferno! Sua voz soava


tão sexy enquanto rouca, como agora.

Ele se moveu na cama e o vi pegar uma camisinha.

— Não pretendo fazê-la gozar apenas uma vez, Lola — avisou. — Não se
preocupe.

Desisti de lhe dar uma resposta quando o senti me penetrar. Seu pau me
preencheu perfeitamente e envolvi sua cintura com minhas pernas.

Arranhei seu peito com força fazendo com que ele emitisse um som de dor,
mas não consegui parar de arranhá-lo nem mesmo por isso. A forma que ele
remetia para dentro de mim, colocando todo o seu membro e depois tirando-o
completamente, estava me deixando louca. Aquelas estocadas eram brutais,
delirantes e avassaladoras. Eu sentia todo meu corpo quente com o deleite que
crescia a cada segundo.
Tudo por ele.

Aaron segurou meus quadris com firmeza para manter meu corpo contra o
seu e me beijou de maneira voluptuosa e insana antes que eu finalmente
chegasse ao orgasmo — sentindo o êxtase primitivo, que somente ele me
proporcionava, pulsar euforicamente junto ao sangue em minhas veias, levando-
me a um nível de indolência ardente e quase energético.

— Meu Deus, Lola! — Ouvi Aaron murmurar contra meu ouvido enquanto
eu tentava regularizar minha respiração ofegante. — Você nunca me apertou
tanto quanto agora — concluiu antes de mordiscar minha orelha.

— Continue — pedi, mesmo que em momento algum ele tenha parado de se


mover. — Apenas continue... Gosto de te ter dentro de mim.

Ele respondeu com um beijo, que logo fez com que eu me perdesse em
milhares de sensações novamente.

Na noite de quinta-feira Brenda e eu fomos ao apartamento de Elise para uma


noite das garotas. Na semana passada não o fizemos e nesta isso era
imprescindível.

Hoje, antes de vir para a casa de Elise, decidi levar algumas das joias a uma
joalheria. Apenas pelas poucas que levei, foi me oferecido dinheiro suficiente
para pagar os seis primeiros meses das prestações da hipoteca. Decidi entrar em
contato com a terceirizada novamente para fechar um novo acordo à vista.
Assim poderia ter um desconto maior nos juros e me livraria mais rápido desta
dívida.

Senti como se um peso enorme fosse tirado de minhas costas apenas por
perceber que meu maior problema no momento, seria finalmente resolvido.

Meu braço já estava bem melhor e eu conseguia movê-lo muito mais do que
imaginaria. Mesmo que ainda não estivesse tão bom quanto antes, os remédios e
anti-inflamatórios estavam servindo muito bem.

Os dois dias desde a volta de Aaron passaram rapidamente — reprimi um


suspiro ao lembrar disso.

Arrependi-me por não tê-lo convidado para entrar em minha casa ontem —
se bem que os beijos com direito a mordidinhas e algumas apalpadas mais firmes
também valeram a pena.

Ontem ele também foi visitar a mãe e Natasha. E hoje fomos almoçar na casa
dela. Vovô também estava lá. E Mabel parecia extremamente feliz.

Eu estava terminando de preparar o brigadeiro quando Elise entrou na


cozinha com o pacote de pipoca que fora pegar na despensa. Brenda fora ao
supermercado há alguns minutos comprar algumas bebidas.

— Ele é o cara das preliminares?

Arregalei os olhos e me voltei assustada para Elise, que parecia ter lido os
meus pensamentos.

— O quê? — Pisquei atordoada tentando entender do que ela falava.


Ela riu.

— É ele — afirmou.

— De quem diabos você está falando? — questionei após apagar o fogo do


fogão.

— Do cara que você pegou carona hoje no horário do almoço.

Tentei colocar uma máscara impassível em meu rosto antes de negar, mas sua
expressão facial e o sorriso em seus lábios me disseram que eu não conseguiria
enganá-la.

— Sim, é ele — admiti.

— Gaaaaato — ela prolongou a primeira sílaba e assoviou animadamente.

Retribuí seu sorriso, mas revirei os olhos.

— Agora entendi porque você não ajudou a Jéssica.

Juntei as sobrancelhas ao me lembrar de Jéssica e seus olhares furiosos


dedicados a mim desde a nossa “conversa” na terça-feira.

— Me admira você não ter voado no pescoço dela na sexta-feira, enquanto


ela se jogava para cima dele.

Fiz uma careta involuntária ao lembrar e sentei-me sobre uma das cadeiras à
mesa.

— Você faria isso se fosse o André no lugar dele há dois anos.


Olhei para ela por alguns segundos. Eu sabia que Elise estava certa. Eu tinha
um tipo de ciúme doentio por André. Com o tempo percebi que aquilo se devia
ao fato de estar ciente de que ele não era realmente meu. Por mais que eu
quisesse.

— A diferença é que eu estava apaixonada por André. — expliquei. — Não


estou apaixonada por Aaron.

Dei de ombros e baixei os olhos para a cesta de frutas sobre a mesa.

Percebi que ela me encarava com os olhos semicerrados, desconfiada, mas


não liguei. Por alguns segundos apenas o som na pipoca na panela preencheu o
pequeno cômodo.

— Ele te levou para almoçar em algum lugar especial hoje?

Arqueei uma sobrancelha antes de voltar a encará-la.

Conhecia aquela tática. Ela estava sondando os acontecimentos, para depois


ter “argumentos” para ativar meu lado emocional.

Não funcionaria.

— Não — respondi seca.

Ouvimos Brenda fechar a porta da frente e seus passos enquanto ela vinha até
a cozinha.

— Eu definitivamente odeio supermercados — ela murmurou com um


suspiro cansado. — Pra que tantas filas?
Sorri ao lembrar que sua empregada é que faz suas compras do mês.

— Você não sobreviveria uma semana sem a Rosa — Elise provocou. — Não
sabe diferenciar uma batata de um chuchu.

— E você sabe, não é? — Brenda devolveu irônica.

Ela assentiu rindo, mas todas sabíamos que ela não saberia diferenciar nem
uma laranja de uma tangerina.

— Ok. Eu acho que já chega, não é? — questionei de forma retórica ao me


levantar. — Vamos que temos uma temporada de Friends para atualizar.

Elise levantou para apagar o fogo da pipoca e eu segui para a sala para
preparar a TV. Minutos depois elas adentraram a sala com vasilhas cheias de
pipoca, um pote de sorvete, o brigadeiro de panela e latas de Coca-Cola.

— Cadê meu chocolate? — perguntei para Brenda.

Eu preferia evitar comer chocolate, mas como meu ciclo menstrual havia
começado, eu voltei ao meu ritual de “enfrente a TPM com chocolate”.

— Vou pegar — ela disse ao colocar o refrigerante sobre a mesa de centro.

Quando voltou, eu agradeci e abri rapidamente a embalagem. As duas me


encaravam como se esperassem uma resposta sobre algo.

— O que houve?

Brenda revirou os olhos e riu. Sentou-se ao meu lado, Elise fez o mesmo
sentando-se do outro lado. Eu soube naquele momento que estava em uma
encrenca.

— Não entendo o fato de ter escondido que o cara das preliminares, do sexo
fodasticamente perfeito, do pau maravilhoso, era Aaron Andrade.

Apertei os olhos enquanto dividia meu olhar entre as duas.

— Vocês são piores que o FBI — murmurei vencida.

Elas riram vitoriosamente e bateram palmas em comemoração.

— Conta o que ele fez para que você chegasse ontem à empresa com aquele
sorriso safado e inabalável.

Não resisti a um sorriso ao lembrar.

Eu já havia notado que esses encontros sempre nos levavam a falar


descaradamente sobre os caras que estávamos saindo, sobre o sexo com eles.
Mas entendia, porque sabíamos que isso não acontecia com frequência, então
tínhamos que aproveitar enquanto podíamos.

Um sorriso malicioso brotou em meus lábios e encostei minha cabeça ao sofá


antes de suspirar.

— Me fez gozar de todas as maneiras possíveis.

Denotei em cada palavra e em minha expressão tudo o que queria dizer com
aquilo. Não entraria em detalhes e minha resposta teria um efeito amplo para
ambas.

— Fi-nal-men-te! — Elise gritou pronunciando uma sílaba de cada vez, para


dar ênfase. — Meu Deus, depois de dois anos sem sexo eu achei que você
decidiria virar freira.

Minha testa se enrugou com a ideia.

— Então ele também sobreviveu à sua incapacidade de manter um


relacionamento com um homem que não seja André — Brenda afirmou
pensativa. — Um bom soldado esse... Gostei.

— Céus, vocês falam como se eu tivesse sido obcecada por André! Como se
minha vida girasse em torno dele, quando eu sequer passei dias chorando depois
da viagem dele!

— O estrago feito pelas neuras de André em você, não foi físico e sim
emocional... Você se tornou inacessível demais para os caras.

Dei de ombros.

— Ao menos aprendi algo. — Acenei em negativa. — Não me tornei


inacessível, só fiquei bem mais seletiva — esclareci. — Passei semanas
pensando em dormir com Aaron antes que deixasse isso acontecer.

— Por isso eu disse que ele é um sobrevivente à sua incapacidade. Nem o


conheço e já o considero fo... — Elise a interrompeu:

— O tipo de contato de vocês é puramente sexual?

— Sim — respondi mesmo sabendo que aquilo já não era verdade.

Muitas coisas aconteceram e todas me levavam a crer que mesmo que não
houvesse sexo entre nós, teríamos outros tipos de contato... por causa de nossas
famílias. Talvez até nos tornássemos amigos.

Estremeci com o pensamento. Eu não conseguia me imaginar como sua


amiga. Por mais que soubesse que uma hora toda essa nossa avidez incontrolável
por estar conectados, de alguma forma, se esvairia.

— Ele estava no turno da noite no início da semana? — Elise inquiriu


pensativa.

Franzi o cenho e esperei que ela explicasse o motivo da pergunta.

— Não o vi nem mesmo no horário de almoço.

— Não — repliquei. — Ele não foi na segunda e terça-feira.

Brenda abriu a primeira lata de Coca-Cola e tomou um gole.

— O que aconteceu entre você e Jonatan? — foi minha vez de perguntar a


ela, que sorriu abertamente e arqueou uma sobrancelha.

— Expulsei ele da minha casa ontem.

Elise e eu trocamos um olhar incrédulo. Nenhuma de nós conseguiu dizer


nada. Brenda pegou uma colher de brigadeiro e começou a nos contar o que
aconteceu.

Na sexta-feira, Aaron e eu trocamos algumas mensagens de texto. Descobri


que ele conseguiu que demitissem Roberto, provando que este havia armado
contra ele para ficar com seu cargo, além de ter argumentado que todos os meses
Roberto possuía ao menos uma falta não justificada, assim como diversos
atrasos.

Rodrigo teve alta do hospital e fora levado à prisão. De alguma forma,


conseguiu um advogado das empresas de seu pai.

Eu estava atravessando o estacionamento para ir embora quando vi o carro de


Aaron atravessar a entrada.

Hoje ele trabalharia no turno da noite.

Mantive o ritmo de minhas passadas e antes que chegasse próximo o


suficiente de seu carro, ele abriu a porta e saiu.

Não nos víamos desde ontem à tarde, quando Aaron me trouxe para a
empresa após o almoço. Ele não usava casaco hoje e a camisa preta que vestia
lhe caiu muito bem, principalmente por ele ter deixado as mangas arregaçadas na
altura dos cotovelos. Isso somado ao jeans escuro que ele vestia, lhe dava um ar
jovial que nem mesmo seus cabelos bem penteados conseguia tirar.

Ele arqueou a sobrancelha ao me ver e fitou o relógio em seu pulso. Era


quase sete da noite.

Inferno!

— O que ainda está fazendo aqui?

Reprimi a vontade de fechar os olhos e suspirar.


— Quando eu comecei a lhe dar explicações sobre meus horários? —
questionei parando à sua frente.

Ele semicerrou os olhos.

— Otávio te fez ficar fazendo hora extra? De novo?

Revirei os olhos e decidi dizer:

— Eu só me atrasei com a entrega de alguns trabalhos e como não virei


amanhã... — deixei a frase no ar.

Ele pareceu pensar por alguns segundos, quando o entendimento brilhou em


seus olhos ele acenou em negativa.

— É quarta-feira, não é?

Assenti nervosa.

Na quarta-feira seria a maldita reunião em meu setor. Eu não sabia quem mais
se candidataria à vaga de Veridiana, mas precisava consegui-la. Eu sou auxiliar
administrativa de Otávio há quase dois anos, já aprendi mais do que minhas
funções me cabiam e quero ascender em minha carreira. Para isso precisava ser
remanejada.

Hoje eu só me atrasei porque estava ajudando Otávio no sexto andar, pois ele
continuava a cuidar dos dois setores e estava a ponto de ficar louco e me fazer
enlouquecer junto.

Eu merecia aquele cargo. Sabia que sim.


— Como você está? — perguntou vindo até mim. Entendi que se referia ao
meu braço.

— Ótima. E você?

Ele verificava meu braço cuidadosamente quando respondeu que estava bem.
Percebi que Aaron acreditou em mim quando ele tocou suavemente o local que
Kami havia colocado o novo curativo e eu não deixei nenhum gemido de dor
escapar.

— Por que precisou vir no turno da noite?

— Faremos atualização no site da revista.

Concordei com um aceno de cabeça e ele voltou a me encarar.

— Eu preciso ir — avisei.

Somente naquele momento percebi o quanto seus lábios estavam próximos


dos meus. Não nos beijávamos desde ontem.

Pigarreei tentando manter foco em seus olhos, mas quando o fitei, percebi
que também olhava meus lábios. Umedeci-os e Aaron me deu um selinho.

— Mais três dias agora, Lola? — questionou.

Fechei os olhos e sorri por um momento. Não dormíamos juntos desde terça-
feira e ontem, quando ele tentou mudar isso, eu disse que não podia.

Assenti em resposta à sua pergunta.


— Porra de tortura — ele murmurou antes de me beijar de verdade. Seu tom
usual áspero fez com que os pelos de minha nuca se eriçassem.

O coque no qual meus cabelos estavam presos se soltou quando ele me puxou
pela cintura e trouxe meu corpo de encontro ao seu.

A volúpia e voracidade do beijo me deixaram imediatamente sem ar, mas não


me importei. Minha necessidade de manter aquela proximidade entre nós era
equiparada a sua e eu queria que Aaron soubesse disso.

Meus dedos desgrenharam seus cabelos lisos e ele mordiscou meu lábio
inferior antes de acabar com o beijo.

— Aaron, nós ainda estamos no estacionamento da empresa — lembrei-o ao


me desvencilhar. — Eu preciso ir.

Ele suspirou e se afastou.

— Eu também.

Sorri ao ver sua carranca. Ele parecia um adolescente contrariado quando


fazia isso. Era atípico dele, por isso eu decidi aproveitar que esta era a segunda
vez que eu o via fazer isso.

— São apenas três dias — eu lhe disse me aproximando novamente.

— Hum-hum... — ele concordou, irônico, quando lhe dei um selinho. Repeti


aquela ação até que seu rosto se tornasse um pouco mais suave e percebi que ele
tentava esconder um sorriso.

Aquele quase sorriso derretia algo em meu peito sempre que eu o via. Era o
tipo de sensação que eu não lembro de já ter tido. Eu não sabia se aquilo era bom
ou ruim. Mas desconfiava que em breve descobriria.

Vovô já estava em casa quando cheguei. Senti o aroma de seu tempero


culinário desde que entrei no pátio, o jantar certamente estava pronto. Ele sorriu
ao me ver adentrar a sala.

— Boa noite, filha — murmurou antes de me beijar a testa.

— Boa noite, vovô.

Ele voltou ao seu jogo de caça-palavras.

— Vou esperá-la para o jantar — avisou quando segui para o corredor.

Concordei.

Meia hora depois eu já havia tomado banho e trocado de roupa.

Jantamos silenciosamente e quando levantei para terminar de tomar meu suco


e arrumar a mesa, ele disse:

— Sua mãe ligou.

Quase deixei o prato cair de minhas mãos ao ouvir isso. Respirei fundo uma
vez, antes de continuar o caminho até a pia.
— O que ela disse? — indaguei.

— O de sempre. Perguntou como você estava. E disse que ligaria de novo


para falar com você.

Anuí com um aceno de cabeça e mordi os lábios ao me lembrar das joias.

Eu queria ouvir ela me dizer o motivo de tê-las deixado para mim, mas não
tinha certeza se já estava preparada para ter uma conversa com Elaine sem que
nós acabássemos brigando. Novamente.

Comecei a lavar a louça e meus pensamentos voltaram à nossa última


conversa antes dela ir embora. E recordei também do seu bilhete.

Ela amava papai, por isso não quis deixar as joias que ele lhe deu... Inspirei
profundamente. Talvez ela também me amasse... Por isso deixou as joias para
mim.

Senti como se meu coração tivesse trincado, e a cada novo pensamento sobre
todas as visitas de Elaine ele se partia cada vez mais, em pedaços pequeninos e
dolorosos. Essas lembranças faziam com que eu duvidasse cada vez mais desse
amor.

Um nó em minha garganta fez com que meus olhos ficassem marejados, mas
me obriguei a não chorar. Aquela era uma promessa que eu nunca quebraria.
Não choraria mais por ela, por suas atitudes.

— Você está bem, querida? — vovô sussurrou. Percebi que estava se


levantando.

— Sim — minha resposta saiu em um fio de voz e fechei os olhos com força.
O nó aumentou ainda mais.

Terminei de lavar a louça e engoli o choro enquanto secava minhas mãos. Eu


estava ciente de que vovô já havia percebido que meus olhos estavam
vermelhos. Eu tinha certeza de que estavam porque desde que ele mencionou
que Elaine ligou, eu os sentia arder em lágrimas.

— Vou para o meu quarto — murmurei.

Não esperei sua resposta e saí.

Tranquei a porta assim que entrei e joguei-me na cama.

Eu me lembrei da garota pequena de cabelos negros e olhos castanhos que eu


fui. Senti-me como ela novamente. Chorando silenciosamente, encolhida em
minha cama, me perguntei por que minha própria mãe me abandonava ano após
ano. Me perguntei por que ela me deixou quando eu mais precisei do seu carinho
e amor, por mais que também estivesse sofrendo pela morte de papai.

Assim como eu vi nela a minha fortaleza, ela deveria ter visto em mim um
motivo para continuar. Mas não. Ela foi embora como se eu tivesse sido a
culpada por aquele infarto.

Com o tempo eu comecei a acreditar que seria mais fácil se ela nunca
voltasse, porque eu acabaria me esquecendo de que Elaine existia, mas nunca foi
assim. Ela sempre voltava e não importava o que eu fizesse, não importava se
minhas notas eram excelentes, se eu aprendia tudo o que ela me ensinava sobre
roupas e cabelos, não importava se eu implorava para ela ficar. Ela nunca ficou.

Ouvi batidas fracas e hesitantes na porta de meu quarto, mas não me importei
de responder nem mesmo quando vovô pediu que eu abrisse.
Eu queria ficar sozinha.

Odiava parecer fraca para outras pessoas. Principalmente por algo tão bobo
— por remoer uma dor tão antiga. Preferia continuar aqui, encolhida, com os
olhos cheios de lágrimas e a agonia sufocante no peito.

Uma hora elas secariam, os motivos para chorar se esgotariam e eu voltaria a


reconstruir minhas muralhas internas. E estas impediriam que Elaine ou qualquer
pensamento e lembrança inerente a ela, me machucassem.

Acordei assustada com batidas insistentes na porta de meu quarto. Esfreguei


os olhos e olhei para o despertador. Era quase onze da noite.

— Dolores? — Ouvi vovô me chamar assim que levantei.

— O que houve? — perguntei assim que abri a porta.

Ele me encarou com a testa franzida de preocupação. Lembrei que meu rosto
ainda deveria estar inchado pelo choro e fechei os olhos antes de me afastar da
porta.

— O que houve? — repeti.

Sua expressão me mostrou que ele havia entendido que eu não queria falar
sobre Elaine e agradeci por isso.
Sentei-me sobre a cama e baixei os olhos para minhas mãos, que estavam em
meu colo.

— Natasha me ligou ainda há pouco — ele disse.

Levantei em um sobressalto.

— O que aconteceu com Aaron?

Vovô acenou em negativa e seu semblante refletiu extrema preocupação. Meu


coração se apertou no peito e forcei-me a insistir:

— Vovô?

Ele respirou fundo.

— Ele está bem... Eu acho. Olavo faleceu esta noite.

Expirei aliviada por um momento e ao registrar aquela informação eu caí


sentada sobre a cama novamente. Acomodei o rosto em minhas mãos e fechei os
olhos.

Não podia acreditar.

O pai de Aaron e Natasha morreu.


"Te aceito, assim, complicado demais

Também sou assim, complicada demais

E já faz tempo que o tempo parou

Não envelheço à espera do teu amor"

(Complicados Demais – Paula Fernandes)

Não vi Aaron quando vovô e eu chegamos à casa de Natasha e Suzana. Nat


estava com lágrimas nos olhos e me abraçou ao me ver.

Vi vovô falar ao telefone com Aaron, mas decidi ficar com Natasha para
consolá-la.
Eu sabia o que era perder um pai, mas não fazia ideia do que dizer a ela ou a
Aaron. Sabia das coisas que Olavo havia feito para os filhos e Mabel. Não
poderia lhes dizer coisas como “ele está em um lugar melhor agora”, “você
sempre terá boas lembranças dele em seu coração”. Essas foram as frases que
eu ouvi quando papai faleceu, mas nenhuma delas faria sentido ao ser proferida
para Natasha e Aaron. Nenhuma delas amenizaria qualquer tipo de dor que essa
morte pudesse ter provocado.

— Você sabe que pode chorar o quanto quiser — sussurrei para ela. —
Estamos aqui... Eu estou com aqui com você.

— Eu sei... Lola, que ele foi horrível... — ela murmurou. — Terrível... Mas...
era o meu pai.

Fechei os olhos com força e acariciei seus cabelos negros. Sentia meu casaco
se encharcar com suas lágrimas, mas não me importava.

Abri os olhos para procurar vovô na sala e não o encontrei. Suzana estava em
sua poltrona sentada. Sua expressão era impassível.

Apesar de tudo eu a reconhecia como uma mulher forte. Não por não estar
chorando, mas por, assim como Mabel, ter sobrevivido a Olavo e ter criado sua
filha sem ele.

Eu via em seus olhos que ela não conseguia perdoá-lo. Não estava feliz com a
morte dele, mas também não estava triste.

— Onde está vovô? — sussurrei para Suzana. Ela indicou a porta da frente e
fechei os olhos.

Ele já foi encontrar Aaron.


— Como ficaram sabendo disso? — perguntei a Nat.

— Avisaram para Aaron. Ele estava aqui ainda há pouco... Mas os


empregados de Olavo ligaram novamente e ele precisou ir — Suzana respondeu.

Mordi os lábios e respirei fundo.

Eu não sabia como o encontraria. Mas algo em mim se partia lentamente


apenas por imaginá-lo neste momento.

— Nat — murmurei acabando com o nosso abraço. Ela limpou os olhos antes
de me encarar. — Pode fazer algo por mim?

Ela assentiu e senti meu coração se apertar ao ver seus olhos tão vermelhos.

— Eu quero que você tome um banho e troque de roupa... Quando Aaron


ligar, nós precisaremos ir para o velório — expliquei. — E você deve estar
pronta.

Ela anuiu novamente e mordeu os lábios quando seus olhos se encheram de


lágrimas.

— Aaron está mal, mas ele nunca demonstraria.

Concordei com um aceno e comprimi os lábios.

— Eu vou me trocar... Não vou demorar.

Olhei em meu relógio assim que ela saiu. Quase uma da manhã.

— Você faz muito bem para eles. — As palavras de Suzana me


surpreenderam.

Respirei fundo sem saber o que dizer e sentei no sofá, próxima a ela.

— Não sei se posso concordar com isso — admiti.

Ela sorriu, seus olhos brilharam.

— Obrigada por cuidar deles. — Neste momento percebi que aquele brilho
era de lágrimas. — Eu não poderia pensar em uma mulher melhor para Aaron.

Acenei em negativa e sorri cética.

— Não acho que Aaron precise de alguém para cuidar dele — respondi com
sinceridade.

— Ele cuida de todos a sua volta, o tempo todo. Precisa de alguém forte ao
lado dele. Não necessariamente para cuidar, mas para ser um bálsamo, um porto
seguro.

Olhei para minhas mãos sobre meu colo e engoli em seco ao pensar sobre o
que ela disse.

Não sabia o que dizer em resposta, então os próximos minutos foram


preenchidos pelo silêncio.

Por mais que soubesse que depois de tudo o que aconteceu entre mim e
Aaron, o que tínhamos já não era estritamente sexual, dizer que eu era para ele
mais que uma colega de trabalho com benefícios, parecia ser exagero.

— Mabel está dormindo? — inquiri.


— Sim. Seu avô preferiu não acordá-la. Disse que voltará para ficar com ela
enquanto vocês estiverem no velório.

Assenti lentamente e ficamos em silêncio. Segundos se passaram e quando


me voltei para ela, Suzana já estava me encarando.

— Aaron pode não dizer, mas gosta de você.

Fitei-a surpresa.

— Estou pronta. — Natasha adentrou a sala vestindo uma calça jeans escura
e uma blusa de mangas preta. Segurava um casaco também preto.

Ela já não chorava, mas seus olhos continuavam vermelhos.

O telefone da sala tocou e ela correu até ele.

— Aaron? — Uma pausa se seguiu até que ela voltou a me encarar. — Ela
disse que vai comigo. O seu João vai ficar com mamãe e Mabel. Você não me
vai me impedir de ir. Eu não me importo... Aaron — a ênfase usada por ela ao
dizer o nome dele me fez arquear as sobrancelhas.

Levantei para pegar minhas coisas e Natasha desligou em seguida.

Quando chegamos à igreja do Santíssimo Sacramento, eu me surpreendi ao


ver a quantidade de pessoas naquele local.
A partir de tudo o que me foi contado sobre Olavo, eu comecei a imaginá-lo
como um carrasco repulsivo e odiado por todos. Mas havia tantas pessoas,
algumas até chorando, que qualquer um acharia que se tratava da morte do
homem mais altruísta de Porto Alegre.

Natasha apertou sua mão à minha após subirmos os degraus da escada. À


medida que nos aproximávamos a quantidade de pessoas parecia diminuir e a
visão para o altar era facilitada por isso.

Seguranças com ternos escuros estavam de pé ao lado de Aaron e das três


mulheres ao lado esquerdo dele — vovô estava do lado direito e eles pareciam
conversar baixinho.

Decidi prestar atenção nas mulheres. Uma delas parecia ter mais de setenta
anos. As rugas e marcas de expressão profundas denotavam sua idade avançada
e seus cabelos brancos confirmavam isso.

A outra senhora estava em seus cinquenta anos no máximo. Os cabelos


continuavam pretíssimos, mas a maquiagem não ajudava a mascarar sua idade.
Sua expressão séria e a falta de lágrimas me deixou indecisa sobre os possíveis
motivos de estar ali.

A outra ainda não poderia ter mais de dezesseis anos — desconfiei ser filha
da mulher de cabelos negros, pois elas se pareciam. A garota aparentava estar tão
displicente àquela situação quanto sua suposta mãe.

Vovô foi o primeiro a nos ver, ele sussurrou algo para Aaron que se voltou
para nós em seguida.

Engoli em seco ao ver seu rosto. Ele não parecia triste. Não parecia ter sequer
chorado. Sua expressão era a mesma de quando o conheci. Completamente
impassível — e eu já estava acostumada a não vê-lo daquela forma.

Natasha soltou minha mão quando estávamos perto o suficiente e correu para
os braços de Aaron. Estaquei no lugar que estava a pelo menos três metros deles.

Ele sussurrou algo para ela e acariciou os cabelos de Nat. Seus olhos não
desviaram dos meus nem por um segundo. E eu odiava o fato de não ter ideia do
que se passava em sua mente.

Vovô veio até mim quando uma das senhoras ao lado deles disse algo e fez
uma carranca ao indicar Natasha.

Franzi o cenho quando vovô estava perto o suficiente e sussurrei:

— Quem são elas?

— Mãe e irmã de Olavo — respondeu quando entrelacei minha mão a sua. —


Não quero que você se misture a elas... Venha.

Minha expressão desentendida aumentou ainda mais enquanto ele me puxava


para sentar em um dos bancos da frente do altar.

— Por que elas estão olhando desta forma para Nat?

— Sabem que Natasha é filha de uma das amantes de Olavo. Mas não sabiam
que Ricardo a conhecia.

Acenei em negativa ao ver Aaron levar Natasha para se sentar ao seu lado, no
local que vovô estava segundos atrás. Ele não soltou sua mão em momento
nenhum.
Encostei minha cabeça ao ombro de vovô e ele acariciou meus cabelos por
alguns segundos. Não sei quanto tempo fiquei ali, mas uma movimentação
estranha na igreja me fez sentar ereta novamente.

Todos olhavam para a entrada como se o próprio defunto estivesse entrando


na igreja. Olhei para vovô no momento em que ele se voltou para mim após
olhar quem quer que estivesse entrando.

— Maldição.

— O que é, vovô? — murmurei para ele, que fingiu não ouvir e continuou a
acenar em negativa.

Vi as costas de uma mulher quando ela emergiu do corredor. Ela tinha


cabelos curtos e castanho-escuros. Pele alva como uma folha de papel. Usava um
vestido negro extremamente colado ao corpo em uma tentativa bem-sucedida de
deixar suas curvas em evidência.

Ela estava à minha frente, não pude ver Aaron ou Natasha, apenas as feições
boquiabertas das mulheres ao lado dele.

— Eu sinto muito, querido. — Ouvi-a balbuciar antes de seus saltos fazerem


eco audível na igreja que agora estava completamente silenciosa.

Levantei rapidamente ao vê-la abraçar Aaron. Meus lábios se entreabriram,


mas os fechei rapidamente.

Aaron permaneceu imóvel até que a mulher se afastou e segurou em seus


ombros enquanto sussurrava algo para ele.

Eu quis ver como estava sua expressão, mas ela continuava impedindo minha
visão.

Sentei-me com um suspiro e fechei os olhos por um segundo quando entendi.

Era ela... Só poderia ser. Mordi o lábio inferior e vovô me encarou com
curiosidade.

— Noiva? — sussurrei. Ele apenas assentiu em resposta.

Inferno!

Era pouco mais de sete da manhã quando os seguranças levaram o caixão


para uma limusine à frente da igreja.

A ex-noiva de Aaron estava sentada no banco ao lado da cadeira de Natasha e


estava usando óculos escuros — o que não facilitou minha tentativa de ver seu
rosto por inteiro.

Aaron seguiu para uma sala e levou Natasha, sua tia e sua avó já haviam
levantado e estavam conversando com os seguranças que ficaram.

— Elas não querem Natasha aqui — vovô disse ao meu lado. — Ricardo não
fará a vontade delas, mas precisa conversar com a irmã.

Assenti e minha atenção se voltou à mulher que chamou a atenção de todos


ao entrar.

Vi o exato momento em que um sorriso cínico surgiu em seus lábios. Ela


tirou os óculos e olhou em minha direção.

Talvez ela fosse uma mulher bonita — concluí quando percebi que ela não
me encarava, e sim a vovô, que sustentava o olhar com desprezo. Ela ergueu
uma sobrancelha em desafio e levantou. Andando de forma sensual, ela seguiu
para a sala que Aaron fora.

Cerrei os punhos e mordi a parte interna da bochecha enquanto tentava me


acalmar. Eu não faria uma cena. Não faria.

— Vai me contar o que aconteceu para que ela e Aaron rompessem o noivado
ou preciso esperar um pouco mais para descobrir?

Ele me fitou, incrédulo.

— Olhe como fala comigo, querida.

Suspirei e cruzei os braços.

— Quem deve lhe contar isso é Ricardo e não eu.

— Ele nunca me contará — afirmei.

— Tem certeza?

Ele usou o mesmo tom e fez a mesma pergunta que utilizou quando me
contou como conhecera Aaron.

— Vá atrás dele! — Surpreendi-me ao ver Natasha com os braços cruzados à


minha frente.

— O quê?

— Vá atrás de Aaron agora! Não deixe aquela vagabunda tentar tirar o seu
homem!

Ergui as sobrancelhas ao me levantar.

— Natasha, Aaron não é...

— Ele não é um adolescente, mas ela foi boa em manipulá-lo da primeira


vez. Não deixe que tente fazê-lo novamente!

Olhei para a pequena porta atrás das cadeiras. As poucas pessoas que
continuavam na igreja já estavam saindo.

— Aaron não precisa de uma babá — lembrei-a. — Sabe muito bem o que
deve ou não fazer.

Ela me encarou boquiaberta.

— Ele é o seu homem! Não seu filho... Estou falando que você deve se
preocupar com aquela mulher e não com ele! Pare de tentar demonstrar um
autocontrole que não tem e vá atrás deles!

— É melhor ir, filha — vovô concordou.

Semicerrei os olhos para os dois e bufei antes de andar rapidamente até a


porta. Entrei em um corredor e expirei enquanto seguia devagar por ele.

— Eu estava louca para rever você. — O tom usado por ela era manhoso.

Senti cólera apenas por ouvir isso.

Minha raiva cresceu e dei os poucos passos que me separavam da sala que
eles estavam.

— Ricardo, me beije. — Ouvi-a pedir.

Meus lábios se entreabriram e parei à frente da porta. Vi a mulher com as


mãos na nuca de Aaron puxando-o para beijá-la, mas ele a afastou com
violência.

— Não achei que seria tão cara de pau a ponto de vir aqui — ele falou para
ela secamente.

— Fiz isso por você.

Acenei em negativa e apertei os olhos quando percebi que ela fingia


descaradamente estar chorando.

— Poupe suas lágrimas, elas já não me atingem — Aaron afirmou. — Se


acha que conseguirá algo de mim vindo até aqui, está redondamente enganada.

— Ricardo, você... — ele a interrompeu.

— Eu o quê, Fernanda?

— Você me ama — ela sussurrou em um fio de voz.

A risada sarcástica de Aaron me agradou. Escondi-me atrás da parede, mas


decidi continuar ouvindo a conversa.

— Amo? — questionou com ironia palpável. — Esta informação é nova para


mim... Eu sequer lembrava que você existia há meia hora.
— Você me ama! — Ouvi um movimento estranho e precisei me esforçar
ainda mais para ouvir. — Continua a ser meu! Se me tocar, saberá que continuo
a ser sua... Apenas sua.

Ele ficou em silêncio.

— Me beije, Ricardo... — repetiu. — Por favor, me beije.

A falta de resposta dele e de novos pedidos dela, me fez olhar para a sala.

Aaron a estava beijando.

Engoli em seco ao ver aquela cena. Minha cabeça cogitava duas hipóteses:
sair dali o mais rápido possível ou adentrar aquela sala e tirá-la de perto dele.
Mas meu corpo não se moveu. Eu queria saber o que ele faria depois.

As mãos de Aaron, que até então estavam imóveis, seguiram para os ombros
dela e ele acabou com o beijo.

Sorriu de forma cínica antes de sussurrar:

— Não. Eu não a amo, não sou seu e você nunca foi minha.

Ele se afastou dela abruptamente e me viu. Percebi que ele pareceu ainda
mais surpreso, mas mantive meu olhar no seu.

— Lola — Aaron sussurrou vindo até mim.

Continuei parada à frente da entrada e a mulher se voltou para mim. Ergueu o


queixo e colocou as mãos sobre os quadris enquanto me encarava de cima a
baixo. Seus olhos azuis eram tão claros, mas ao mesmo tempo tão escorregadios
e perigosos. Fiz o mesmo com ela. Se essa tal Fernanda acha que conseguirá me
intimidar desta forma, está muito enganada.

— Lola? — ela disse com desdém.

Aaron tentou me impedir de entrar na sala, mas me desvencilhei dele.

— E você é Fernanda, a ex-noiva, suponho. — Dei-lhe um sorriso fingido e


ela fez o mesmo.

— Futura esposa... Prefiro que pense assim — ela completou.

Arqueei uma sobrancelha ao parar à sua frente e meu sorriso aumentou.

— Se continuar a implorar para ele com tanto afinco, talvez consiga —


retruquei.

Sua expressão se fechou e ela apontou um dedo em minha direção.

— O que está fazendo aqui? Quem você pensa que é?

Ri com sarcasmo e usei uma mão para baixar o dedo que ela me apontava.
Depois indiquei Aaron.

— Quem sou eu, Aaron? — questionei sem tirar meus olhos dos dela.
Fernanda preferiu fitá-lo.

Aquela era uma resposta que interessava a nós duas.

— A única que eu quero agora. Vamos, Dolores. — Ele segurou em meu


braço e repetiu a última parte.
— Você me trocou por ela? — Fernanda fingiu estar incrédula.

Cerrei os punhos para levá-los ao seu belo rosto, mas me impedi de fazê-lo
no último segundo. Era o que ela queria. Uma chance para se fazer de vítima.

— Você não foi trocada, querida — lembrei-a. — Tente recordar do que


realmente aconteceu.

O aperto de Aaron em meu braço direito aumentou.

Ela abriu os lábios para responder, mas os fechou rapidamente.

— Vamos.

Desvencilhei-me de Aaron e dei meia volta para sair dali. Ele me seguiu.

Eu não faria uma cena ridícula. Agora não era hora e aqui não era lugar para
fazê-lo.

Suzana estava errada. Completamente enganada.

“Ele pode não dizer, mas gosta de você.”

Não passo da única que ele quer agora... Até encontrar outra que julgue
melhor.

Maldição!

Eu tinha que me enfiar numa dessa de novo?

Vovô e Natasha nos esperavam na entrada da igreja e parei ao lado dele.


Natasha me pedia respostas, mas não lhe dei. Simplesmente fingi não perceber.

— Natasha, você vai para casa com o seu João. E Lola você...

— Ela também vai comigo — vovô respondeu antes que minha resposta
fugisse de meus lábios. Ele sabia o que eu estava prestes a dizer.

Aaron o encarou por alguns segundos e percebi que eles conseguiam


conversar desta forma.

— Tudo bem — ele concordou.

Quando vovô me disse que ficaria com Mabel, eu decidi vir para casa.

Tentei me distrair com coisas supérfluas, mas não adiantou. Nem mesmo o
sono conseguiu desligar minha mente e me impedir de pensar em tudo o que
aconteceu nesta madrugada.

As palavras de Aaron não saíam de minha cabeça.

“A única que eu quero agora.”

Afundei no sofá e peguei uma almofada. Isso quer dizer que sou um corpo
descartável de acordo com as vontades e necessidades dele? Que só que me quer
agora?

Porque foi assim que soou para mim.


Ele não é o que eu queria por ora... Até encontrar algo melhor... Até encontrar
outro. Aaron é quem eu continuo a querer porque é o único com o qual eu quis
dormir depois de dois anos.

Inferno! Fechei os olhos com força. Isso não está fazendo sentido, concluí
acenando em negativa para mim mesma.

Nada do que um dia senti por André, eu sinto por Aaron. Nem mesmo o
desejo. Nunca desejei André como desejo Aaron.

Antes eu era boba demais, queria estar com André da forma que ele decidisse
e nada mais me importava. Com Aaron não, o que há entre nós é um acordo
simultâneo. Eu quero estar com ele. Dormir com ele. Porque esse é um desejo
recíproco — e estou cada dia mais acostumada a isso. Mas eu não o amo. Não
estou obcecada por ele. E não quero ser apenas um corpo disponível para ele,
como fui para André.

O relógio em meu pulso marcava quase nove da manhã. Aaron já deveria


estar em casa.

O telefone da sala tocou e fechei os olhos com força para ignorá-lo. Mas
antes que o toque irritante me deixasse com dor de cabeça, eu decidi atender:

— O que aconteceu? — Ouvi Natasha me perguntar.

— Do que está falando?

— Do que aconteceu naquela sala.

Suspirei cansada.
— Nada de mais.

— E por que ele estava com o batom daquela vagabunda nos lábios? Por
que você exalava tanta raiva?

— Porque precisei me segurar para que meus punhos não deformassem o


rosto dela... Nat, é sério. Não...

— Você deveria ter feito exatamente isso! Aaron é seu namorado. Você não
pode ficar quieta quando outra tenta tirá-lo de você!

— Aaron e eu não somos e nunca fomos namorados. Não há o que Fernanda


tirar. Ele nunca foi meu.

Ela ficou em silêncio.

— Vou tentar dormir. Depois nos falamos — menti e desliguei sem esperar
sua resposta.

Apertei a almofada contra mim e fechei os olhos.

Você não vai querê-lo para sempre, Dolores, uma voz em minha mente
lembrou. Como espera que ele te queira para sempre?

Mordi os lábios e deitei de costas para o sofá.

Talvez eu esteja sendo patética.

Aaron não é André.

Ele, assim como eu, quer apenas sexo. E é claro que isso não durará para
sempre. Não devo... Não, na verdade não preciso e nem posso me importar com
o tempo que continuaremos a dormir juntos. Sobretudo se não tenho motivos
para isso. Talvez... eu esteja pensando muito e tirando conclusões errôneas. De
novo. Talvez esteja tangenciando as conclusões. Não devo me importar com isso
também.

Senti que este último pensamento foi o que mais fez sentido dentre tantos
pensamentos.

A campainha do portão da frente ecoou na sala extremamente silenciosa.


Levantei com o cenho franzido e olhei para o balcão. Vovô não havia esquecido
as chaves dele.

Segui para a porta e, em seguida, para o portão da frente. Juntei as


sobrancelhas e expirei quando o vi.

— Aaron — murmurei. — Achei que estivesse...

— Já acabou — ele respondeu sem tirar os olhos dos meus.

Mordi a parte interna da bochecha e abri o portão o suficiente para que ele
pudesse entrar.

— O que está fazendo aqui? — questionei sem rodeios enquanto ele trancava
o portão e eu seguia pelo pátio em direção à sala.

— Vim vê-la. Não conversamos depois que Fernanda apareceu.

Soltei uma respiração profunda e me sentei sobre o sofá. Não queria falar
desta mulher novamente. Pelo menos, não agora. Ainda estava brava por tê-los
visto trocar aquele maldito beijo.
E eu também precisava lembrar que o pai dele morreu há menos de vinte e
quatro horas. Que ele passou uma madrugada tendo que suportar pessoas lhe
dando os pêsames e listando as maravilhas feitas por seu pai. Que ele precisou
consolar Natasha.

Decidi baixar a guarda.

Dei algumas palmadinhas no lugar ao meu lado, pedindo que ele também se
sentasse. Quando ele decidiu fazê-lo, eu voltei a encará-lo.

— Como você está?

Ele franziu o cenho e sua expressão séria se suavizou aos poucos.

— Fernanda só voltou por causa da herança — ele preferiu não responder


minha pergunta.

Suspirei lentamente.

— Não me dê explicações, isso não vai mudar o que você fez. Portanto, elas
não me servirão de nada — murmurei e decidi completar: — Só não durma com
ela... Nem a beije.

— Não quer saber por que a beijei? — ele sussurrou próximo ao meu ouvido
enquanto acariciava meus cabelos.

— Só se for me dizer que decidiu voltar com ela.

— Então não preciso dizer.

Fechei os olhos e não criei qualquer resistência quando ele me abraçou e me


trouxe para o seu colo.

— Você parece cansada.

— Eu estou. E você também.

Encostei minha cabeça no espaço entre seu ombro e seu pescoço e fechei os
olhos.

— Como você está? — repeti.

Ele hesitou e segundos depois voltou a acariciar minhas pernas.

— Aliviado.

— Não sofreu... nem um pouquinho?

— Não acho que tenha tido motivos para isso.

— Seu pai morreu, Aaron! — repreendi-o.

— Ele nunca foi um pai para mim... Ou Rodrigo, ou Natasha. Pelo


contrário... Ele foi um...

— Ele já morreu... — eu o interrompi. — Continuar sentindo mágoa fará


apenas com que você se sinta pior.

— Não quero falar sobre isso, Lola.

Comprimi os lábios e acariciei seus cabelos lisos. Inspirei seu perfume e


fechei os olhos. Seu cheiro era inebriante e sua presença reconfortante.
Ele me levantou em seus braços e me levou para o meu quarto.

Aaron me colocou sobre a cama lentamente e se afastou para tirar o terno e a


gravata. Finalizou com os sapatos e deitou ao meu lado.

— Por que sua tia olhou para Natasha daquele jeito? — questionei ao lembrar
disso.

— Sabem que Natasha nasceu de um caso extraconjugal.

— E que culpa ela tem disso?

Seu braço esquerdo envolveu meu corpo e isso me impediu de virar para
encará-lo.

— Ela é cínica e retrógrada. Ignore aquelas mulheres o quanto puder.

Aaron tocou suavemente o curativo em meu braço. Kamila havia colocado


um bem menor ontem.

— Está melhor?

— Sim.

Ficamos minutos em silêncio. Fechei os olhos e o peso daquelas vinte e


quatro horas caiu sobre mim. O sono estava prestes a me vencer quando ele
beijou meu rosto e sussurrou em meu ouvido:

— Obrigado.

Eu não entendi o motivo dele estar agradecendo, e meus olhos estavam


pesados demais para que eu me forçasse a perguntar ou pensar sobre isso.
Deixei-me ser levada pela escuridão e aos poucos todos os meus sentidos foram
colocados de lado. E eu fui transportada a um lugar calmo e silencioso.
"Eu sou o preço cobrado e bem pago

Eu sou um pecado capital

Eu quero é derrapar nas curvas do seu corpo

Surpreender seus movimentos

Virar o jogo

Quero beber o que dele escorre pela pele

E nunca mais esfriar minha febre"

(Luxúria – Isabella Taviani)


Suspirei lentamente para não acordar Aaron.

Um pouco da fúria, que senti ao ver aquela mulher, já havia se dissipado. No


entanto, eu ainda queria que o homem a minha frente me explicasse o motivo
dos dois terem acabado com o noivado. O motivo dela ter voltado tão segura de
que os dois se casariam.

Respirei fundo enquanto o fitava. Aaron ressonava baixinho enquanto dormia


profundamente. Seu peito se movia devagar à medida que ele respirava. A feição
serena, em uma tranquilidade atípica dele.

Me peguei pensando na primeira vez que o vi naquela reunião. Lembro de ter


achado sua voz extremamente sexy e ele um homem atraente, mas não de forma
arrasadora, do homem que chega e é logo percebido, Aaron é atraente de uma
forma discreta, sóbria e única.

Quando houve a troca de lugares na empresa, eu o vi novamente. Surpreendi-


me com o efeito que sua voz continuava a ter sobre meu corpo enquanto
organizávamos os slides daquela reunião. A princípio foi estranho perceber que
um homem estava me fazendo sentir coisas como aquelas novamente. E, mais
estranho ainda, saber que este não era André.

Em seguida, durante nossas mensagens, eu quis, obstinadamente,


compreender Aaron. Saber o que estava por trás de seus olhos castanhos, dos
seus sorrisos sarcásticos e das suas respostas rápidas se tornou uma necessidade.
Assim como a vontade de tê-lo me tocando.

Agora eu sabia tanto sobre ele e, ao mesmo tempo, tinha certeza de que não
sabia quase nada. E Aaron sequer desconfia que eu descobri tantas coisas sobre
ele.
Fechei os olhos e decidi interromper meus pensamentos. Recordar de tudo
isso não ajudaria em nada.

Levantei devagar e procurei minhas sandálias antes de seguir para o corredor


e, em seguida, a cozinha. Era mais de meio-dia e vovô ainda não estava em casa.

Decidi preparar o almoço e depois tomar um banho. Continuava exausta e


sonolenta, mas também estava com fome.

Cerca de uma hora depois, eu estava pronta. Já havia tomado banho e trocado
de roupa — agora vestia um short com tecido de algodão e uma camisa. Prendi
os cabelos em um rabo de cavalo e saí do banheiro.

Aaron estava vestindo o terno novamente e se voltou para mim ao ouvir a


porta ser aberta.

Nos encaramos em silêncio por alguns segundos. Eu tentei retardar a


conversa sobre aquela mulher, mas não conseguiria continuar a fazê-lo e ele logo
percebeu isso.

— O que quer saber, Dolores? — ele perguntou com a expressão séria.

Suspirei cansada.

Eu sou tão transparente assim?


— Por que terminou o noivado com ela? — Arqueei uma sobrancelha.

Eu o vi acenar em negativa antes de fechar os olhos e suspirar.

Ele não quer falar sobre isso.

— Ela terminou e não eu — murmurou.

Como ele pode ter pensado em se casar com uma mulher como aquela? E ter
gostado dela a ponto de levar isso à frente?

Essa tal Fernanda é uma vadia.

Mordi os lábios quando o último pensamento quase foi dito em voz alta por
mim.

— Por que não quer falar sobre isso? — questionei tentando manter a calma.

— Porque não acho que seja necessário.

— Você nunca acha que há necessidade de me dizer as coisas até que


aconteça algo — retruquei.

— Fernanda está no passado, Dolores — insistiu.

Eu já percebi que ele só pronuncia o meu nome quando está extremamente


cansado ou bravo. Naquele momento não me importava com isso. Poderia ter me
chamado assim pelos dois motivos, mas eu não recuaria.

Dei os passos que me separavam da porta de saída do quarto.


— E você ainda não percebeu que seu passado decidiu voltar em peso,
Ricardo?

A ironia escorreu por minhas palavras e deixei que pairasse sobre ele quando
saí.

Tudo o que fazia parte de seu passado o conhecia como Ricardo. E todos que
o conheciam desta forma parecem saber muito mais sobre ele do que eu. Isso me
irrita.

E o pior é que eu não via motivos plausíveis para isso.

De repente, as palavras de vovô povoaram a minha mente. E seu ceticismo ao


proferi-las me incomodou mais do que deveria. Aaron não contaria nada! Essa é
a verdade.

Sentei-me à mesa da cozinha antes de cerrar os olhos e usar as mãos para


cobrir o rosto.

A cena retornou a minha mente automaticamente.

— Você não foi trocada, querida — lembrei-a. — Tente recordar do que


realmente aconteceu.

O aperto de Aaron em meu braço direito aumentou.

Ela abriu os lábios para responder, mas os fechou rapidamente.

— Vamos.

Aaron não queria que ela me dissesse nada. Não queria que eu conversasse
com Fernanda. Não queria que eu a conhecesse.

Mas por que diabos ele não queria isso?

Suspirei e acenei em negativa quando me recostei à cadeira. Cruzei os braços


sob os seios e tentei lembrar de qualquer outro detalhe que poderia me ajudar
com isso. Mas não consegui.

Se Fernanda foi quem terminou o noivado, foi Aaron a fazer alguma


bobagem e por isso ele não queria que eu soubesse o motivo?

Faz sentido.

Contudo, ele parecia estar tão bravo com ela. E ele ainda tinha aquelas
malditas regras, que segundo ele, eu o fiz quebrar.

“Não me envolver assim com nenhuma mulher novamente.”

Não o ouvi se aproximar e, quando o vi encostado ao batente da porta da


cozinha, sustentei seu olhar.

— Vamos discutir por causa de Fernanda? — inquiriu.

— Não estamos discutindo — respondi erguendo o queixo para olhá-lo


atentamente.

Eu o vi arquear uma sobrancelha e fiz o mesmo. Desafiando-o a dizer que eu


estava agindo como uma mulher ciumenta — esse era o único motivo cabível
para uma discussão naquele momento.

Mas eu não estava com ciúme. Só estava brava por ele continuar a esconder
tantas coisas.

— Já disse que não vou voltar com ela — assegurou. — Nada fará com que
eu repita este erro.

Levantei e dei de ombros.

— Bom pra você.

Levei as tigelas de comida para a mesa e depois os pratos, copos e talheres.

— Dolores. — Seu tom agora foi de repreensão.

Respirei fundo e mordi o canto dos lábios antes de voltar a encará-lo. Aaron
agora estava muito perto.

— Só me diga — murmurei, como uma última tentativa. — O que aconteceu


para que ela terminasse com você? Você a traiu?

Sua mão direita que estava próxima ao meu rosto, para acariciá-lo, foi
recolhida.

— Eu não vou recriminá-lo! Não sou sua namorada, ou nada disso. Eu só


quero saber o que aconteceu!

Aaron demorou a aparentar ter assimilado tudo o que eu disse.

— Por quê?

— Seu passado parece um campo obscuro e inatingível. — Acenei em


negativa. — Todos supostamente sabem sobre ele, menos eu. E ainda não
consegui entender o porquê disso.

— Porque você é a única que não faz parte do meu passado.

Deixei os braços caírem ao lado de meu corpo em resignação.

— Dolores, não — ele impediu quando tentei me afastar. Quando me puxou


para si, meu corpo pressionou o seu. Ele baixou os lábios até minha orelha. —
Pare com isso.

— Estou tentando deixar o assunto de lado. Não é o que você queria?

— Não se você continuar tentando encontrar razões para eu não falar sobre
Fernanda. E, principalmente, não se em todas as suas cogitações eu estiver
escondendo isso porque não confio em você ou porque você é apenas a mulher
que dorme comigo — ele deu ênfase à última frase com um desgosto que me
surpreendeu.

— Você é apenas o homem que dorme comigo, por que eu seria diferente
para você?

Ele murmurou um palavrão e respirou fundo. Minha pele se arrepiou.

Inferno!

Tentei me afastar, mas ele não permitiu.

— Então você levou um tiro pelo cara que apenas dorme com você?

Bufei ao ouvir a ironia tangível de suas palavras.


— Eu fiz aquilo por Mabel e Natasha! Não seja tão arrogante!

O aperto em meu braço aumentou e ele virou nossos corpos para me deixar
contra a mesa enquanto o seu corpo pressionava o meu.

— Vai precisar de mais força de vontade para me enganar com uma mentira.

Quando finalmente voltei a encará-lo, semicerrei os olhos.

— Eu não estou mentindo — repliquei entre pausas. — Pare de tentar mudar


de assunto. E me solte! Já que não... — Um beijo seu foi todo o necessário para
me calar.

Tentei afastá-lo no começo, mas, quando percebi que seria inútil, decidi trazê-
lo para perto.

Nunca um único beijo conseguiu me tirar o ar com tanta facilidade e me


deixar tão louca por um contato mais íntimo. Talvez fosse isso unido ao fato de
não dormirmos juntos há quase uma semana e ainda não podermos fazê-lo.

Maldição! Eu havia cedido à sua necessidade com tanta facilidade que me


assustava.

Minha respiração estava ofegante quando ele acabou com o beijo.

Uma de suas mãos deslizou por meu corpo enquanto compartilhávamos um


silêncio quebrado apenas por nossas tentativas de normalizar nossas respirações.
Minha pele se eriçava à medida que seus dedos a acariciavam.

Fechei os olhos com força quando decidi deixar minhas mãos sobre o seu
peito para acabar com aquilo.
Antes que eu o desvencilhasse de mim, ele murmurou em tom intransigente:

— Ela me traiu.

Levantei os olhos para fitá-lo, surpresa. Já não esperava que ele me contasse
nada sobre isso.

Passei a respirar regularmente enquanto tentava entender o que estava em


seus olhos. Não havia dor ou qualquer sentimento ali, mas eu quis saber o que
brilhou em seus olhos por um momento. Ao mesmo tempo, em minha mente,
tudo o que eu havia pensado antes pareceu se encaixar. E diversas lacunas foram
preenchidas. Entendi porque ele não queria falar sobre isso e preferi não tocar
mais nesse assunto.

Minhas mãos se fecharam para segurar sua camisa e eu o puxei para mim,
trazendo seus lábios para os meus novamente.

Ele tomou posse do beijo e o guiou habilmente.

Precisei ficar na ponta dos pés para envolver sua nuca com meus braços.
Aaron aproveitou aquela chance para enlaçar minha cintura com um braço e
colar nossos corpos ainda mais.

Meus seios estavam doloridos e intumescidos contra o seu peito e ele sabia.
Eu estava sem sutiã e meu gemido baixo lhe deu certeza da minha excitação
crescente.

Aaron me colocou sobre a mesa e abri minhas pernas o suficiente para que
ele se colocasse entre elas. Ouvi o tecido da minha blusa se rasgar antes que ele
a baixasse.
— Aaron — gemi seu nome e levei minhas mãos aos seus cabelos lisos, para
puxá-los. Ele havia tomado meu seio em sua boca e o sugava íntima e
intensamente.

Aquilo me deixava louca.

Fechei meus olhos com força e comprimi os lábios. Contudo, um gemido não
pôde ser reprimido quando ele usou uma de suas mãos para apertar o outro seio.

Eu quis pedir que ele continuasse, que fosse ainda mais selvagem, mas não
precisava. Ele fazia isso exatamente da forma que eu queria: feroz, insano e
sempre faminto por mais.

— Se continuar assim, eu vou gozar, Aaron — admiti em um sussurro ao


abrir os olhos.

Inferno! Estamos em minha cozinha. Sobre a mesa. Como dois animais


desesperados e ávidos pra se saciar no outro.

Seus dentes roçaram meus mamilos propositalmente e um gemido alto fugiu


de meus lábios.

— Faça isso de novo — pedi puxando seus cabelos com mais força.

Ele o fez e segundos depois seguiu para meu outro seio.

O prazer foi ainda mais delirante e arrebatador.

Ele diminuiu o ritmo e a intensidade das sucções e segundos depois cessou


todas elas.
Abri os olhos sem entender. Senti-o beijar minha tatuagem suavemente.

— Aaron? — sussurrei quando ele deixou beijos em minha clavícula e, em


seguida, meu pescoço.

— Não vou deixá-la gozar.

Meus olhos se arregalaram. Seus dedos acariciaram os contornos simples e


sutis de minha tatuagem.

— O quê?

Eu permaneci incrédula. Mesmo quando ele me deu um selinho. Senti o calor


naquele cômodo aumentar, mas minha respiração estava quase normal e eu
retornava aos poucos àquela realidade. Àquela frustrante realidade.

Aaron levantou minha camiseta, para cobrir meus seios e me beijou


suavemente antes de sussurrar:

— Só vou deixá-la gozar quando eu estiver dentro de você.

Minha boca se abriu num “o”.

A fúria inundou meu ser.

Mantive o resto de minha camiseta cobrindo meu torso e seios e semicerrei os


olhos ao fitá-lo.

— Você me paga! — prometi. — Isso vai ter volta.

Ele ergueu uma sobrancelha. Percebi que estava comprimindo os lábios para
esconder um maldito sorriso malicioso.

— E nem tente sorrir assim! — ameacei empurrando-o para longe.

Desci da mesa abruptamente e, com raiva, saí da cozinha para tomar um


banho frio e trocar de roupa.

Sua risada me irritou ainda mais, mesmo quando percebi que aquela foi a
primeira vez que o ouvi rir daquela forma.

Estávamos almoçando quando vovô chegou. Eu o servi e esperei que ele


almoçasse antes de começar a lavar a louça. Depois ele foi para a sala com
Aaron, para conversar.

Ele veio à cozinha pegar um copo d’água e me perguntou o porquê de eu


estar irritada. Respondi com evasivas — não contaria ao meu avô que estava
com raiva porque seu protegido me negou um orgasmo. Aquela situação já era
ridícula por si só.

Quando vovô se retirou para dormir um pouco, fiquei sozinha com Aaron na
sala. Ele folheava algumas revistas, que vovô lhe dera anteriormente, e tentava
esconder o maldito sorriso em seu rosto.

Segui para a mesa de vovô e liguei meu notebook. Sabia que continuar a
ignorá-lo por causa de um orgasmo era muita infantilidade, mas, naquele
momento, eu não me importava.
Verifiquei meus e-mails e respondi os que eu havia deixado pendentes.

— Eu não sabia que você havia sido uma bebê gordinha.

Parei qualquer coisa que estivesse tentando fazer naquele momento.

Porra! O que vovô deu para ele folhear?

— O quê? — tentei fingir estar alheia às suas palavras, mas havia fechado os
olhos para iniciar uma breve oração.

Que ele não esteja com meu álbum de fotografias. Que não esteja com meu
maldito álbum de fotografias!

— Quem fazia esses penteados, Dolores?

Levantei rapidamente da cadeira.

— Por que você está olhando isso? — questionei, enquanto me aproximava


dele.

Ele sorriu.

— E ainda fazia poses de modelo para ser fotografada? Eu nunca imaginaria


isso.

Tentei tirar o álbum de suas mãos, mas ele não permitiu, segurou meu braço e
me puxou para o seu colo.

Inclinei-me sobre ele para pegar as fotos, mas foi outra tentativa frustrada.
— Eu era fofinha — murmurei quando ele abriu o álbum de novo. —
Extremamente fofinha...

Interrompi quando ele virou uma página e uma foto nova surgiu. Eu estava
nos braços de papai e mamãe estava ao lado de papai. Nós duas estávamos
beijando as bochechas dele.

Um nó em minha garganta dificultou minha tentativa de falar.

Estávamos tão felizes.

— Seus pais? — Aaron sussurrou.

Apenas assenti.

— Você e sua mãe são parecidas — ignorei seu comentário e esperei que ele
virasse a página novamente. A vergonha inicial por saber que ele estava vendo
minhas fotos de infância havia ido embora.

Na próxima foto eu estava com as mãos na cintura fazendo pose enquanto


mamãe estava ao meu lado e fazia o mesmo. Estávamos vestidas com roupas
idênticas. Eu devia ter uns quatro anos de idade.

O nó em minha garganta cresceu e meus olhos se inundaram de lágrimas.


Não tentei limpá-las quando finalmente rolaram por meu rosto, pois sabia que
Aaron perceberia se eu o fizesse.

— Tal mãe, tal filha? — ele brincou.

Assenti novamente enquanto encostava-me ao seu peito.


Uma colagem de fotos pequeninas apareceu. Em todas eu estava beijando ou
abraçando mamãe, papai ou vovô.

O aperto de Aaron em minha cintura aumentou.

— Você está bem? — ele perguntou.

Acenei para confirmar, mas as lágrimas em meus olhos diziam o contrário e,


quando ele me fitou, percebeu isso.

— Lola. — Sua voz soou mais baixa e preocupada.

Ele não deixou que eu me afastasse, na verdade, me apertou em seus braços


até que eu desistisse daquilo e o abraçasse.

— Desculpe — ele sussurrou em meu ouvido enquanto afagava meus


cabelos.

Precisei de alguns segundos para conseguir redirecionar minhas lembranças a


qualquer lugar que não fosse aqui e agora. Limpei meus olhos e mordi os lábios.
Desconfiei que o estivesse sufocando, mas como Aaron não reclamou, continuei
a fazê-lo.

— Ele foi um bom homem?

— Sim — sussurrei.

Aaron ficou em silêncio após minha resposta e agradeci por isso.

Respirei fundo algumas vezes e, mesmo contra minha vontade, saí do


conforto de seus braços.
— Não pegue isto novamente — pedi enquanto levava o álbum para a
estante.

— Por quê?

— Não quero que me veja com maria-chiquinha e usando fraldas.

Quando me voltei para ele, Aaron estava sorrindo genuinamente.

— Eu vi você de calcinha, usando os saltos da sua mãe e com uma escova de


cabelos de microfone. Você está realmente preocupada com isso?

Minha boca se abriu num “o”.

— Porra! — murmurei. — Essa é uma boa hora para queimar aquela foto.

Ele riu.

— Seu avô disse que tem outras como essa — provocou, vindo até mim. — E
que pretende guardá-las para mostrar aos bisnetos.

Franzi o cenho e revirei os olhos.

— O inferno que ele vai.

Segui para a mesa novamente e suspirei ao agradecer silenciosamente por


Aaron não deixar que as coisas ficassem estranhas.

Peguei a edição da revista para verificar e dois marca-textos.

— Por que você tem essas edições? E por que você faz marcações? — ouvi-o
perguntar.

— Você faz muitas perguntas — reclamei.

— Minha curiosidade só é saciada com respostas. — Revirei os olhos quando


ele repetiu minha resposta para aquela afirmação.

Tomei um pouco do meu suco de abacaxi, que já estava quente, e decidi


responder:

— Costumo comprar uma edição da revista todos os meses. Leio as matérias


e marco o que acho irrelevante.

— Workaholic. — Eu o ouvi sussurrar. Fingi não ouvir. — Descubra se ele


mente pra você.

Um sorriso surgiu em meus lábios ao escutá-lo ler o título de uma das


matérias que eu havia marcado. Aaron estava atrás de mim.

— Trabalhamos tanto para produzir isso? — ele questionou irônico. —


Alguém compra essa coisa?

— Aparentemente sim — respondi.

Ele revirou os olhos, estava estupefato.

— Acho que virei buscar o seu João mais tarde.

— Ele ainda irá para a casa de Natasha?

— Sim. Ela o convidou para jantar.


— Como Mabel está?

— Bem. Seu avô disse que há dois dias ela não tem crises.

Sorri ao ouvir aquilo e voltei-me para ele.

— É sério?

Aaron assentiu. Ele me encarava atentamente e juntei as sobrancelhas ao


perceber isso.

Lembrei do que aconteceu uma hora atrás e virei-me para o computador para
fechá-lo.

Eu devia continuar brava. Ou pelo menos tentar.

— Você me leva até o portão?

Confirmei com um aceno de cabeça e levantei.

A tarde de domingo no shopping com as meninas foi muito produtiva.

Após reler mais de cinquenta mensagens que troquei com Aaron, encontrei o
que tanto queria: a parte em que ele diz que acha lingeries sexies. Eu queria ter
certeza sobre isso.

Com a ajuda de Brenda e Elizabeth, consegui encontrar uma perfeita para o


que queria. As duas riram quando eu disse o motivo de estar fazendo aquilo. Mas
não me importei. Havia prometido que a situação criada por ele no sábado teria
volta, e realmente teria.

Concordamos que a branca com detalhes de renda em um tom de azul-


marinho seria perfeita. O sutiã possuía alças finas e a calcinha fio dental possuía
um laço azul pequeno na parte de trás.

Estranhei a aparição de Aaron na empresa na segunda-feira. A morte de seu


pai lhe dava direito a alguns dias com sua família, mas ele preferira abdicar
disso. Segundo ele, um “recesso” era algo desnecessário naquela situação.

Depois eu que sou uma workaholic.

Na terça-feira de manhã, eu enviei uma mensagem para Aaron — deveria tê-


lo feito ontem, mas decidi torturá-lo um pouco mais com a falta de sexo. Tudo
para deixar que o celibato durasse, de fato, uma semana.

Isso nos rendeu alguns beijos no banheiro da sala de descanso em nosso


horário de almoço. Eu não deixei que ele me tocasse, mas o provoquei como
nunca ao tocar em seu membro enquanto sussurrava em seu ouvido o que
pretendia fazer mais tarde.

Eu já havia conversado com as meninas sobre isso. Sabia o que faria à noite.

Tomei um banho longo e demorei cerca de uma hora para me arrumar.


Sequei os cabelos e os amarrei em um rabo de cavalo. Decidi não abusar de
perfume porque o creme de rosas que havia passado no corpo era suficiente.

Coloquei um vestido preto na altura dos joelhos e saltos não muito altos.

Após uma pequena discussão com vovô, eu consegui que ele me deixasse ir
dormir na casa de Aaron.

Não lembro de já ter me sentido tão sexy. Não sei se era o fato de saber o que
vestia por baixo daquele vestido ou estar ciente do que isso poderia provocar a
Aaron. Mas aquela era uma boa sensação.

Em minha bolsa, coloquei apenas o essencial. A roupa que vestiria para ir ao


trabalho amanhã, minha nécessaire e algumas cópias de documentos que
precisaria na empresa.

Olhei em meu relógio antes de sair de casa.

Nove e dois.

Peguei um táxi e dez minutos depois, eu estava à frente de seu prédio.

Engoli em seco enquanto avaliava minha aparência através do espelho do


elevador.

Talvez o batom vermelho tivesse sido exagero. Eu não costumava usar


batom.

Ao menos meu vestido não era curto nem mesmo justo. Duas coisas pelas
quais eu agradecia, pois não gostava de roupas coladas demais ao corpo, nem
curtas demais.
Expirei lentamente enquanto seguia pelo corredor.

Eu faria tudo o que havia planejado. Sem exceção.

Toquei a campainha de seu apartamento duas vezes e esperei. Segundos


depois a falta de resposta me preocupou. Tentei novamente.

Ouvi uma movimentação do lado de dentro e o tilintar das chaves. A porta foi
aberta.

Aaron me recebeu com um sorriso, que fui incapaz de não retribuir. Seus
cabelos estavam molhados. Percebi tarde demais que ele acabara de sair do
banho e vestia apenas uma toalha branca enrolada a cintura.

Respirei fundo antes de dar o passo que me separava dele e beijá-lo.

A porta foi fechada e ele me encostou a ela ao aprofundar o beijo. E todas as


sensações estavam em meu corpo novamente. Tudo de mais intenso e
avassalador possível.

Ele começou a levantar meu vestido e acabei com o beijo quando percebi que
com um movimento apenas, eu conseguiria deixá-lo nu.

Sorri contra seus lábios e lhe dei um selinho.

— Você está muito apressado — murmurei antes de mordiscar seu lábio


inferior. Suas mãos levantaram meu vestido na altura da cintura, mas as segurei
antes que ele o tirasse.

— Não estou apressado, estou desesperado pra entrar em você novamente.


Fechei os olhos com força quando ele beijou meu rosto e fez uma pequena
trilha até minha orelha.

— Está?

— Sim.

Umedeci os lábios ao ouvir a rouquidão em sua voz. Minha pele se arrepiou.


Mantive minhas mãos em seus ombros e os apertei.

— Tenho outros planos, Aaron — gemi baixo quando ele chupou meu
pescoço. — E prometi fazer algo pra você hoje.

Seus braços, que me envolviam a cintura, trouxeram meu corpo de encontro


ao seu. Seu membro pressionou meu ventre.

Ele estava duro.

Eu o queria dentro de mim. Agora.

— Dentro de você é sempre melhor — ele admitiu.

Gemi novamente quando ele me levantou em seus braços e segurou minhas


pernas contra seus quadris.

Levei minhas mãos aos seus cabelos molhados e os puxei com força quando
ele me beijou.

Aaron apertou minhas nádegas e precisei interromper o beijo antes que ele
me fizesse mudar meus planos.
— Não vou mudar de ideia — avisei.

— Por que acho que você está planejando fazer algo?

— Porque estou — admiti acariciando seu rosto suavemente. Ele havia feito a
barba. — Mas você vai gostar.

— Eu vou?

Assenti e voltei a encará-lo.

— Você lembra das nossas mensagens? — questionei, sorrindo.

Ele concordou com os olhos semicerrados.

— Lembro de algumas...

— Você disse que não gosta de fazer sexo oral.

— Nunca tentei para saber se gosto ou não — admiti. — Mas não sou
ingênua. Sei o que tenho que fazer.

— Porra! — ele praguejou enquanto colava sua testa a minha. — Dolores,


você não sabe o que isso...

Ele interrompeu quando pareceu registrar minha segunda frase.

— O que você tem que fazer?

Mordi a parte interna da bochecha enquanto criava coragem para colocar


aquilo em palavras e falar. Sussurrei em seu ouvido como se fosse um segredo:
— Vou beijar seu pau — comecei. — Depois vou colocar um pouco dele em
minha boca, vou chupá-lo, primeiro devagar, depois com mais força e usar a
língua para acariciar a cabecinha. E repetir isso até você gozar pra mim. — Parei
de falar quando senti seu pau ainda mais duro contra minha coxa.

— Como sabe que gostarei disso? — ele perguntou com a voz rouca.

— Perguntei a uma amiga. Ela estava errada?

Ele acenou em negativa e, comigo em seus braços, seguiu para o corredor.

— Você está sem calcinha?

— Não.

Suspirei quando chegamos ao seu quarto. Tirei meus saltos e Aaron me


ajudou a tirar o vestido.

Seus dedos tocaram minhas costas suavemente e desceram vagarosamente até


chegar em meu traseiro. Ousei um pouco mais ou empiná-lo para ele.

— Você está me provocando! — acusou com a voz áspera contra o meu


ouvido.

Sorri quando ele me deixou entre a parede e seu corpo. Segundos depois ele
estava sem a toalha e seu pau pressionava minhas nádegas.

Gemi baixo.

— Estou duro como uma pedra e já pensei em milhares de maneiras de meu


pau entrar em você. Só porque vi você nessa maldita lingerie. E você quer que
eu adie isso?

Assenti, incapaz de falar.

Fechei os olhos com força e encostei minha testa à parede.

— Quais são seus planos, Lola?

Inclinei meu pescoço alguns centímetros para que ele tivesse melhor acesso e
continuasse a beijá-lo.

Concentrei-me nas palavras que deveria proferir, mas esqueci de todas elas
quando ele tocou em meu sexo inchado com sua mão livre.

— Diga.

Um gemido alto de prazer me escapou e seu membro pressionou entre


minhas nádegas com mais força.

Eu o queria dentro de mim.

— Aaron. — Mordi os lábios por um segundo e tentei me acalmar. — Quero


chupar você...

Seu nome fugiu de meus lábios como um pedido desesperado quando ele
apalpou meu clitóris por cima da calcinha e começou a fazer movimentos
circulares.

— Continue.

Arranhei a parede de seu quarto e engoli em seco tentando encontrar forças


para continuar.

— Vou me tocar pra você... Só pra você.

Desta vez ele deixou um som baixo de prazer escapar.

— O que mais?

— Quero ficar por cima. — Fiz uma pausa e cerrei os olhos antes de começar
a mover meu quadril na direção de seu membro e me esfregar nele. Aquilo
torturava nós dois, mas era viciante. — E rebolar até você gozar.

— Porra, Lola!

Ele xingou enquanto virava meu corpo novamente e me beijou com força.

Peguei seu pau em minha mão e comecei a masturbá-lo.

Os sons presos em sua garganta me deixaram ainda mais excitada e louca


para fazer exatamente o que havia dito.

— Mas você não pode me interromper — avisei. — Se me tocar, eu vou


parar.

— Não há chances de eu ficar com minhas mãos longe de você.

— Se você me tocar, vai ser impossível não gozar — lembrei-o, enquanto o


soltava.

Empurrei-o até que ele chegasse à cama.


— Você precisa tentar — mandei.

Minha atenção se voltou para o seu membro e umedeci os lábios antes de


pedir que ele deitasse e ficasse imóvel. Aaron me encarou estupefato.

Sentei sobre suas pernas e olhei em seus olhos, sem desviar deles, baixei
meus lábios até seu membro. Beijei suavemente a sua glande e vi seu rosto se
contorcer de prazer. Minha boca envolveu os primeiros centímetros de seu
comprimento e minha língua o acariciou. Sua pele era macia, quente e estava
rígida, em contrariedade com a umidade e suavidade de minha boca. Me
concentrei em movimentar meus lábios de forma que lhe desse prazer,
apertando-os em volta de seu pau e chupando-o com força.

Tentei lembrar tudo o que Brenda me disse, mas, naquele momento, foi
impossível. Passei a seguir apenas meu instinto.

Vi o momento em que suas pupilas se dilataram e ele cerrou os punhos antes


de trazê-los aos meus cabelos, mas no meio do caminho, ele desistiu. Pareceu ter
lembrado das minhas palavras.

Tomei-o em minha boca, até onde pude, e apertei os lábios ao seu redor antes
de voltar ao início e repetir aquela ação. Aaron fechou os olhos e sua cabeça
pendeu para trás. Sua batalha interna para não se mover era perceptível.

Minha língua o acariciou na ponta e o coloquei em minha boca novamente.


Senti-o roçar minha garganta e meus dentes roçaram sua extremidade. Ele pediu
que eu repetisse e eu o fiz diversas vezes, enquanto também o chupava.

Cerrei os olhos quando o prazer me atingiu. Eu nunca havia ouvido Aaron


gemer daquela forma e aquilo me excitava mais do que deveria, me deixava mais
desinibida em meus movimentos.

Eu sentia meu sexo molhado e meu clitóris inchado com a necessidade cada
vez maior de que ele estivesse dentro de mim, me preenchendo completamente,
mas por ora, me contentava em tê-lo em minha boca.

Levei minha mão para minhas pernas e tirei minha calcinha.

Um gemido ficou preso em minha garganta quando percebi que ele estava
prestes a gozar, eu queria sentir o gosto do seu orgasmo, no entanto, acabei com
aquilo.

Aaron praguejou uma sequência de palavrões e sorri vingada e agora mais


corajosa porque havia descoberto o que eu poderia fazer com ele.

Usei minha mão para limpar meu batom, que deveria estar borrado, e ignorei
sua expressão enquanto me colocava sobre seu torso, uma perna de cada lado de
seu corpo.

— Você não pode gozar, até que esteja dentro de mim — avisei.

Quando ele entendeu minhas palavras, tentou me tirar de seu colo para se
colocar sobre mim, mas segurei seus braços e acenei em negativa.

— Não vai gozar, Aaron — repeti enquanto levava seus braços para ficarem
atrás de sua cabeça.

Ele manteve seus olhos semicerrados quando eu usei meu dedo indicador
para fazer uma trilha em seu peito, a qual nós dois seguimos com o olhar. Fiz
uma linha reta até seu umbigo e, em seguida, até meu sexo.
— Porra, Lola! — pediu em voz baixa — Você vai me matar.

Acenei em negativa e mordi os lábios ao sentir minha própria umidade.

— Você está muito molhada... Eu... — eu o interrompi.

— Não diga nada — pedi, enquanto acariciava suavemente meu clitóris e


fechei os olhos em deleite. Minha umidade e calidez aumentaram. — Quero
fazer isso pra você.

Esfreguei meu clitóris ao lembrar da segunda vez que Aaron me tocou assim.
Tê-lo me tocando é sempre mais prazeroso, mas saber que ele está vendo o que
eu estou fazendo, faz com que isso se torne tão, ou mais, prazeroso ainda.

Ele sabia exatamente como me tocar e tentei repetir suas ações. A lentidão
nos movimentos e depois um pouco da avidez dos momentos de descontrole.
Passei a fazer movimentos circulares e gemi baixo quando senti minha pele se
contrair. Quando dois de meus dedos rodearam minha entrada, Aaron trouxe
suas mãos para as minhas e as afastou.

— Aaron, não! — Quando abri os olhos, ele já havia nos virado de posição.
Deixando-me sobre a cama com ele sobre mim.

— O inferno que não! — ele murmurou. — Sua boceta está brilhando de


excitação e você quer que eu fique quieto?

Comprimi os lábios quando uma de suas mãos separou minhas pernas e se


colocou entre elas. Ele me tocou sem qualquer vergonha e foi impossível não
gemer.

— Você fez isso de propósito — ele acusou.


— Você me privou de um orgasmo primeiro — lembrei-o. Um gemido
deixou meus lábios quando seus dedos me invadiram.

Aaron me beijou e sussurrou:

— Mas não fiz isso por uma vingança estúpida.

Apertei os olhos.

— Não interessa. Você o fez — concluí.

Ele beijou meu queixo suavemente e fez o mesmo em meu pescoço até
chegar ao vale entre meus seios — seus dedos começaram a se mover dentro de
mim e cerrei os olhos, em êxtase.

— Vai continuar apenas a me provocar? — Minha voz foi irreconhecível. —


Achei que tivesse milhares de planos — incitei.

— Um deles era fazer você gozar em minha boca.

Acenei em negativa e, antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, ele


continuou:

— Eu também queria tomar você para mim... Por trás. — Ele suspirou e
tirou seus dedos de mim. Mordisquei sua orelha quando seus lábios se
aproximaram da minha. — Mas prefiro meu pau na sua boceta apertada e
molhada.

— E o que está esperando? — Soei desesperada.

Ele roçou seu membro em minha entrada e gemi quando ele colocou um
pouco dentro de mim. A sensação de tê-lo sem a camisinha era maravilhosa. Sua
pele contra a minha, seu calor no meu, bastou apenas isso para que as contrações
em meu sexo se iniciassem novamente. Isso é enlouquecedor. Eu nunca imaginei
que a inexistência da camisinha faria isso.

— Você me pedir.

Mordi os lábios quando ele retirou seu membro de mim e se afastou para
pegar um preservativo na cabeceira.

— Aaron?

— Sim?

— Eu quero você sem a camisinha — pedi. — Só por alguns segundos.

— Não posso gozar dentro de você, Lola — ele avisou mordendo meus
lábios.

— Não estou pedindo pra você fazer isso. — Puxei seus cabelos e o trouxe
para me encarar. — Só quero sentir você dentro de mim.

Ele roçou seu pau em minha entrada e gemi baixo sem tirar meus olhos dos
seus.

Um som mais alto fugiu de meus lábios quando ele me penetrou com apenas
uma estocada. Puxei seus cabelos com força e o beijei.

— Você fica perfeito dentro de mim. — As palavras fugiram de meus lábios


em meio a um suspiro, antes que eu pudesse impedir.
Sua resposta foi me beijar e iniciar seus movimentos. Nós dois gememos e
acabamos com o beijo quando meu sexo o apertou fortemente.

Fechei os olhos e envolvi minhas pernas em volta de sua cintura. Aaron


aumentou o ritmo de suas estocadas e pegou uma das almofadas para colocar sob
meu traseiro. Eu o senti entrar em mim mais profundamente, deixando-me louca
de prazer e contentamento. Aaron manteve aquele ritmo e abafou meus gemidos
e pedidos com a sua boca. Senti minhas pernas tremerem e a conhecida sensação
maravilhosa me dominar. Ele acabou com o beijo e sussurrou contra meus
lábios:

— Dê tudo para mim, Lola.

Aquele foi meu limite.

— Aaron — balbuciei seu nome antes que o clímax me atingisse. Deixando-


me inerte em todo aquele turbilhão, em todo aquele prazer. Até voltar àquela
cama e aos seus braços.
"As luzes refletem no seu rosto tirando a minha concentração

Enquanto você se alimenta de ódio

Me preparo pra juntar os teus pedaços"

(Sol da Manhã – Supercombo)

Aquilo não poderia ser verdade.

Eu estava certa de que uma hora ou outra Otávio voltaria para me dizer que
estava brincando, mas horas se passaram e ele não voltou.

Brenda, Elisabeth e até mesmo Aaron, tentaram me acalmar para a reunião —


meu nervosismo era perceptível para qualquer um deles. Hoje seria feita a
reunião de pessoal. E eu não participaria.

Foi o que Otávio me dissera três horas atrás.

Eu trabalhei semanas em dois projetos para apresentar nesta reunião, quase


fui demitida por isso. Fui a única a ajudá-lo a cuidar dos dois setores que ele
estava gerenciando desde a demissão de Veridiana. Mas isso não valeu de nada.

Eu fui barrada da maldita reunião. Da minha única chance de ascender nesta


empresa.

Meu chefe me disse que eu não poderia me candidatar a vaga de Veridiana


por ter levado uma advertência recentemente.

Eu não pude acreditar. Na verdade, até agora não acredito.

Liguei meu celular enquanto subia o elevador para voltar ao meu andar. Eu
estava no horário de almoço e, tarde demais, percebi que estava cinco minutos
atrasada — isso nunca havia acontecido antes.

Aaron e Elise haviam me ligado. Mas eu não queria falar com ninguém.
Todos sabiam o quanto eu estava trabalhando para usufruir desta chance e agora
tudo foi por água abaixo.

Eu estava com raiva. Mas a parcela em mim que estava dilacerada era maior
— e eu não queria falar sobre isso com ninguém.

Desbloqueei a tela de meu computador e verifiquei meus trabalhos da tarde.


Uma onda aterradora de frustração me atingiu. Havia tantas pastas sobre a minha
mesa que eu precisei de alguns segundos para contar.
“Revise, por favor.”

“Organize por ordem alfabética e leve ao arquivo, por favor.”

“Digitalize estas noticias e as revise antes de levar à produção.”

“Repasse estes documentos ao Word e faça uma mala direta. Preciso deles
prontos antes das quatro.”

“POR FAVOR, NÃO ESQUEÇA DE PROCURAR AS SEGUINTES


EDIÇÕES NO ARQUIVO MORTO.”

Expirei profundamente e peguei as primeiras quatro pastas. Levantei


abruptamente e olhei para as mesas à frente da minha. Funcionários falando ao
telefone, digitando fervorosamente e alguns até mesmo conversando e rindo com
outros, estavam espalhados em todo aquele andar.

Coloquei as pastas nas mesas de seus respectivos donos e voltei à minha


mesa sem dizer uma palavra.

Peguei todas as outras e subi ao andar em que Otávio estava.

Bati na porta duas vezes e ele permitiu minha entrada.

Ele baixou os óculos de aro grosso ao me ver e me encarou estupefato


enquanto eu deixava cinco pastas sobre sua mesa.

— Estou ocupada demais para entregar isso ainda hoje. Se o senhor tem
pressa, peça à sua auxiliar deste andar — eu disse sem deixar transparecer minha
fúria interna.
Não era necessário. Ele saberia. Mas eu não me importava. Ele também sabe
que esse não é o meu trabalho, não pode me obrigar a fazer sua tarefa ou a de
qualquer outro funcionário, quando sabe que tenho meus próprios trabalhos.

— Com licença — pedi antes de virar-me para sair.

— Dolores, o que significa isso?

Revirei os olhos antes de me voltar para ele.

— O que o senhor acabou de ouvir — repeti lentamente, com uma paciência


que não possuía — Já tenho trabalho suficiente para concluir até oito da noite...
Hoje não posso fazer hora extra.

Ele olhou para as pastas em sua mesa e suspirou.

— Foi uma decisão do RH. São as regras da empresa. Por mim você já estaria
sentada nesta maldita cadeira — ele disse ao se levantar.

Arqueei uma sobrancelha, mas não me permiti transparecer minha surpresa.

— Os relatórios de logística estarão em sua mesa antes das oito da noite —


avisei referindo-me aos relatórios que eu costumava fazer nas quartas feiras. —
Com licença.

Desta vez não esperei que ele me permitisse sair.

Bufei enquanto descia as escadas e procurei em minha mente pelo plano B


que eu havia traçado caso não conseguisse esse cargo.

Não havia nenhum.


Eu realmente cheguei a acreditar que aquela vaga era minha — parei em um
dos lances e acenei em negativa antes de fechar os olhos.

E era. Eu pensei até mesmo onde faria a pós-graduação, pois com o salário
mais alto eu finalmente poderia começar a me especializar em apenas uma área
da administração.

Meu Deus. Eu preciso de outro emprego, repeti diversas vezes em


pensamento. Não vou aguentar mais um ano disso.

Inspirei profundamente e continuei a descer, agora devagar.

Eu deixei currículos em tantos lugares! Não é possível que ninguém precise


de uma administradora! Pelo amor de Deus. Há empresas em todas as esquinas!

A porta do sétimo andar foi aberta e parei no primeiro degrau da escada ao


ver de quem se tratava.

— Por que ele não lhe deu a vaga?

Franzi os lábios ao fitar Aaron e mordi a parte interna da bochecha.

— Segundo ele, o RH não permitiu — expliquei enquanto descia os degraus


que me deixariam no lance em que ele estava.

— Você sabe que essa vaga era sua — ele disse e fechei os olhos.

— Eu sei.

— Eles vão se arrepender por não a delegarem a você.


Ri sem humor e voltei a fitá-lo.

— Espero que sim.

— Estou falando sério.

Peguei sua gravata e a puxei um pouco, para arrumá-la.

— Percebi.

— Gostei do que fez há pouco. — Sorri ao ouvir aquilo, mas percebi que ele
falava sério. — Já estava na hora.

— Tenho que voltar — avisei ao soltar sua gravata.

Antes de me virar completamente para descer as escadas, eu voltei e o beijei


suavemente.

— Até mais.

— Não, eu não tive um bom dia... Por que infernos você se embebedou? —
perguntei com raiva.

Eu estava tentando ajudar André a sair do maldito barzinho em que ele estava
para levá-lo para casa. Contudo, ele estava tão bêbado que essa tarefa era
dificultada cada vez mais.
Era pouco mais de oito da noite, eu saí ainda há pouco da empresa e queria,
mais que tudo naquele momento, tomar um uísque. Cansei de esperar por Aaron
e vim sozinha. E encontrei André no PZ bar, completamente bêbado.

— Morena... Você sabe — murmurou quando atravessamos a entrada do bar


para sair dele. Ele enrolou uma mecha de meu cabelo com um dedo e riu sem
humor. — O que faço agora, hein?

Bufei e tentei pegar o celular do bolso do casaco. Tinha que ligar para um dos
amigos dele. Alguém que pudesse me ajudar a levá-lo daqui.

— Você não está dizendo coisa com coisa — reclamei, lhe dedicando um
olhar irritado.

Ele se afastou de mim e encostou-se à parede. Arqueei uma sobrancelha e


tentei ligar para Giovane.

— Eu estou falando de tudo. — Ele indicou a rua a nossa volta com o dedo
indicador. — Perdi você... Perdi meus amigos... Não passei naquela droga... O
filho da puta do Arthur voltou. Eu... estou ferrado. — Ele riu e franzi o cenho ao
deixar o celular de lado.

— Do que está falando?

— Ah... Vamos lá, morena. — Ele indicou quatro dedos e baixou um deles
enquanto dizia. — Você está com um bastardo que eu... Eu nem sabia que
existia.

Revirei os olhos.

— Não comece com isso.


Ele baixou outro dedo.

— Giovane e Lucas estão... loucos. Não sei que merda aconteceu. Nada mais
é como antes.

— André, todos seguiram suas vidas — falei para ele. — Você ficou dois
anos em Portugal. Porra, dois anos não são dois dias, ok? Ninguém ficaria
esperando você voltar para continuar a viver!

— Não! — A palavra saiu arrastada. — O problema, morena, é que todos


vocês decidiram me excluir dessa droga aqui.

Ele bufou e baixou outro dedo.

— Meus quadros não passaram no comitê de aprovação daquela galeria. Não


haverá porra de exposição.

Expirei lentamente e mordi os lábios ao ouvir aquilo. Senti até meu coração
se apertar por ele.

André baixou o último dedo.

— Arthur descobriu que estou em Porto Alegre.

Juntei as sobrancelhas.

— Quem é Arthur?

— Um colecionador brasileiro que conheci em Lisboa. — Ele encostou a


própria testa à parede e cerrou os punhos antes de socá-la. — Porra, você vai me
matar.
Antes que eu pudesse lhe perguntar o motivo disso, vi Aaron aparecer atrás
de André.

Engoli em seco.

Há quanto tempo ele está aí?

Ele parecia tão sério e impassível como eu não me lembro de vê-lo há


algumas semanas.

— Achei que estivesse me esperando — ele disse sem tirar os olhos de


André, que agora se voltava para nós.

Guardei o celular e respirei fundo.

— Eu estava, mas encontrei André e agora preciso levá-lo pra casa.

— Ainda sei onde moro, morena — André se manifestou após arquear uma
sobrancelha para Aaron e olhar para os dois lados da rua.

Suas palavras perderam qualquer credibilidade quando ele franziu o cenho,


indeciso.

Troquei um olhar com Aaron, que estava com os olhos semicerrados.

O que eu fiz agora?

— Não pode ligar para que alguém venha buscá-lo?

Acenei em negativa.
— Tentei, mas não consegui falar com os amigos dele.

Aaron bufou.

— Eu os levo.

— Não precisa — André e eu murmuramos ao mesmo tempo.

— Prefere colocá-lo em um táxi e deixá-lo ir sozinho? — Ele olhou para


André, que continuava com o cenho franzido. — Não estou reclamando. Até
prefiro.

Suspirei e peguei o celular novamente. Não tinha paciência para lidar com
eles nesse estado.

Um bêbado e outro... Enfurecido?

Certamente.

— Não preciso da droga da sua carona! — o outro homem replicou bravo.

Aaron revirou os olhos.

Antes que eu ligasse para a cooperativa de táxi, lembrei que no fim da rua, do
outro lado, havia alguns táxis disponíveis.

— Podem parar? — pedi. — Vou chamar um táxi.

Meus passos fizeram sons que deram a eles certeza da minha raiva.

Voltei alguns minutos depois e os encontrei em silêncio, trocando olhares


hostis.

Dei o endereço de André para o motorista e o chamei.

— Tome um café forte quando chegar em casa — mandei ao abraçá-lo. — E


não beba mais nada além disso.

Ele me apertou em seus braços e sussurrou em meu ouvido:

— Me desculpe por Arthur... Vou tirá-lo de meu pé.

Franzi o cenho sem entender e nos separamos.

— O que quer dizer com isso?

André franziu o cenho como se não entendesse minha pergunta e acenou em


negativa. Eu conhecia aquele olhar. Ele sempre me olhava daquele jeito quando
percebia que havia feito uma bobagem. André entrou no carro sem me dar uma
resposta.

Continuei a olhá-lo, mesmo quando o carro saiu.

Do que ele estava falando?

— Vamos.

Ouvi Aaron me chamar e precisei de alguns segundos para segui-lo.

Fechei o casaco e cruzei os braços ao suspirar.

— Vocês pareciam dois adolescentes ridículos — murmurei quando


chegamos ao seu carro.

Aaron não expressou nada sobre minha provocação e fechou a porta quando
eu estava devidamente sentada no banco do carona. Ele deu a volta no carro e
sentou ao meu lado.

— Não acho que qualquer um de nós chegou a isso... morena.

Bufei cansada antes de me voltar para a janela do carro.

— Precisamos conversar — ele murmurou. Sua voz agora era séria.

Juntei as sobrancelhas e voltei a encará-lo.

— O que houve?

— Rodrigo foi solto.

Cerrei os olhos e acenei em negativa.

— Eu não acredito — sussurrei incapaz de fazer com que aquela informação


fosse aceita por mim. — Por quê?

— Roberto retirou a queixa... E as evidências não foram contundentes o


suficiente para mantê-lo lá. — O seu tom irônico entrou em contraste com seus
olhos semicerrados. — Rodolfo repetiu todas as desculpas da delegada para tirá-
lo de lá, falou até mesmo de coerção, mas sabemos que ele conseguiu dinheiro
para suborná-los.

— Mas ele atirou em Roberto! — gritei enfurecida.


— Ele não o matou, Lola. — Aaron fechou os olhos e suspirou. — Ele era
filho de um dos homens mais influentes de Porto Alegre. Bastou que um
procurador assinasse um cheque... Olavo, por pior que fosse, não denunciou
Rodrigo nem mesmo quando ele o roubou. Nunca deixaria que ninguém sujasse
a imagem e prestígio do sobrenome Andrade. — Ele acenou em negativa,
enfurecido.

— Mas ele também... — Engoli em seco e interrompi ao lembrar que Aaron


não sabia das gravações. Muito menos que Rodrigo tentou me tocar. Desviei
meus olhos dos seus e mordi os lábios.

— Rodolfo me avisou hoje antes das seis — ele completou com voz mais
baixa. — Quando não a vi no estacionamento após o expediente... — ele
interrompeu e voltei a encará-lo. Parei de respirar por todo o tempo que ele
demorou para completar. — Achei que ele a tivesse levado.

— Você se preocupou — sussurrei.

Ele não negou.

Meu coração não deveria palpitar compulsivamente apenas por saber disso,
mas não tive controle sobre isso.

“Realmente gostei de perceber isso?”, me perguntei, mas já sabia a resposta.

As palavras de vovô e Suzana voltaram à minha mente em um redemoinho.


Depois até mesmo as palavras de Aaron; sobre as regras, sobre eu ser sua
responsabilidade e sobre sentir minha falta.

Ele começou a dirigir e minha atenção estava dispersa. As ruas e avenidas


pelas quais estávamos passando continuaram em desfoque. Eu estava perdida
demais em pensamentos para notá-las de verdade.

O caminho foi percorrido em um silêncio simultâneo. Um lado de mim se


sentia eufórico e satisfeito por suas palavras, e o outro não sabia o que pensar
sobre elas. Contudo, o contentamento ainda era maior.

— Por que falou daquele jeito com André? — questionei assim que abri o
portão da frente.

— Queria que eu fosse amistoso com o filho da puta que me chamou de


bastardo?

Parei na metade do caminho para a porta da frente e me voltei para ele.


Precisei comprimir os lábios para não sorrir diante de sua resposta.

Ele está com ciúme?

— Ele estava bêbado — lembrei-o. — Nada do que dizia era coerente.

Aaron semicerrou os olhos para mim.

— Ele ainda quer você. Estar ou não bêbado, não vai mudar isso.

— Não me importa, Aaron! — falei brava, mas quando percebi que sua
resposta confirmava minhas suspeitas, um sorriso tomou conta de meus lábios.
— Eu não o quero mais.

— Não vamos começar uma discussão por isso. — Ele colocou as mãos nos
bolsos e bufou.

Revirei os olhos e me aproximei, mesmo quando percebi que ele ficou


surpreso com minha aproximação. Eu só poderia ser louca por gostar da forma
como ele demonstrava esse ciúme — louca por perceber que ele sente ciúme e
que algo em mim gosta disso, só para começar. Eu gosto, ainda mais, do fato
dele não tentar me controlar por uma coisa boba como essa.

Beijei seus lábios suavemente e fechei os olhos. Minhas mãos seguiram para
sua nuca e meu corpo se chocou contra o seu quando aprofundamos o beijo.

Eu amava a forma que sua língua guiava a minha. Nossos beijos costumavam
ser selvagens, primitivos, mas este fora o oposto disso. E mesmo assim, ainda
me tirou o chão por alguns segundos.

— André está no passado — sussurrei contra sua boca antes de mordiscar seu
lábio inferior. — No passado.

Me afastei devagar, virei-me para a porta e a abri.

— Boa noite, vovô — cumprimentei-o com um beijo ao vê-lo próximo ao


sofá.

Ouvi a porta da frente se fechar após Aaron atravessá-la. Avisei aos dois que
tomaria um banho e vovô pediu que Aaron ficasse para que os dois
conversassem.

Franzi o cenho antes de deixar os dois a sós.

“Depois falamos sobre a viagem”, murmurei para Aaron.

Aaron ligou para Antônio mais cedo. Os dois conversaram e, horas depois,
ele me consultou sobre uma alternativa que haviam encontrado. Decidimos
colocar vovô e Mabel em uma casa de repouso em uma cidade vizinha à nossa,
em Tupandi. Antônio também era dono desta e prometeu manter sigilo sobre a
estadia deles naquele local.

Era a melhor coisa que poderíamos fazer. Ainda mais agora que Rodrigo
estava solto novamente.

Inferno!

Aquele psicopata está solto — percebi finalmente. E foi como se uma


descarga elétrica me trouxesse à realidade. Eu não queria pensar nos possíveis
planos daquele bastardo. Pelo menos, não agora.

Menos de meia hora depois, eu estava de volta à sala. A conversa entre os


dois não parecia nada boa. Parei próxima ao corredor ao ouvir as palavras de
vovô.

— Eu não vou deixar que ela sofra duas vezes pelo mesmo motivo! —
vociferou bravo.

Ergui as sobrancelhas, surpresa, e decidi me manter calada.

Aaron manteve-se em silêncio, impassível, enquanto vovô andava de um lado


para o outro.

— Infelizmente não estarei aqui para sempre... — ele começou agora mais
baixo. — Eu preferia ter você como genro, caso eu viesse a faltar, mas se não
está interessado em nada disso, deixe-a em paz. Dolores precisa encontrar
alguém que queira mais do que apenas dormir com ela.

Minha boca se abriu num “o”.


— Ela precisa encontrar um homem que a proteja e esteja com ela, que
planeje um futuro ao seu lado, uma família... — Ele fez uma pausa e se voltou
para Aaron. — E esse... Isso que vocês têm... É passageiro, é um caso que,
quando chegar ao fim, pode deixá-la dilacerada!

— Eu não preciso de um marido, vovô — afirmei fazendo com que os dois se


voltassem para mim. — E nem quero um agora.

Ele suspirou e acenou em negativa. Por algum motivo desconhecido por mim,
Aaron permaneceu quieto, apenas observando o desenrolar da situação.

— Filha, você não...

Arqueei as sobrancelhas encorajando-o a prosseguir, mas vovô não concluiu


sua frase.

— Não preciso de um homem pra planejar o meu futuro... Inferno! Eu faço


isso sozinha! — lembrei-o. — Você mais do que ninguém sabe disso! Então pare
de tentar mudar as coisas para mim. Estou bem com a forma como tudo está. —
Cruzei os braços sobre os seios e tentei controlar meu humor e minha respiração.

Aaron trocou um olhar com vovô.

— O que aconteceu com seu braço? — Meus olhos se arregalaram ao ouvir


aquela pergunta.

Olhei para meu curativo e comprimi os lábios em busca de uma resposta.


Como esqueci de vestir uma blusa com mangas? Segundos depois, me voltei
para ele.

— Eu machuquei há alguns dias — murmurei. — Não se preocupe, Kamila


está trocando os curativos. Estou bem.

Ele semicerrou os olhos, desconfiado, e se aproximou.

— Como se machucou?

Enquanto vovô verificava o tamanho do curativo, eu arrisquei um olhar para


Aaron.

“Se você não contar, eu conto”, ele sussurrou.

Cerrei os olhos com força e expirei lentamente.

— Foi Rodrigo — contei e segundos depois seus olhos estavam nos meus. —
Ele... atirou em mim.

A fúria fez com que seus olhos azuis se tornassem escuros, quase negros. Sua
respiração se tornou pesada, fui capaz de ver seu pomo de adão se mover quando
ele engoliu em seco.

Maldição!

— Eu estou bem! Foi de raspão. Já não sinto nada.

— Por que você foi atrás dele?

Seu tom assustador me lembrou da vez que ele me viu treinar com a arma de
brinquedo, na época que eu fazia aulas numa espécie de academia de um velho
amigo seu.

— Eu...
— Ela foi atrás de provas para me tirar da prisão — Aaron respondeu.

— Você tem algo a ver com isso?

— Não! — respondi rapidamente. — Eu fui porque Rodrigo me ligou! Tive


uma ideia e...

— Nunca mais cometa essa idiotice de novo! — ele advertiu ainda mais
bravo. — Eu não a criei para fazer o trabalho da polícia e muito menos para vê-
la morrer antes de mim.

— Vovô... — murmurei em tom mais ameno ao ouvir a fúria dar espaço a


mágoa e preocupação em sua expressão, ainda que sua voz continuasse
extremamente assustadora e implacável. — Eu só...

— Prometa, Dolores... que nunca mais fará algo tão estúpido, que nunca mais
irá atrás daquele... — ele interrompeu.

Franzi o cenho e mordi os lábios ao perceber que ele parecia tão


decepcionado quanto quando descobriu sobre mim e André. Eu odiava perceber
isso. Nós nos dávamos tão bem que, quando algo assim acontecia, doía em mim.

— Dolores.

— Eu prometo — sussurrei.

Ele se voltou para Aaron.

— Reze para que eu não encontre aquele filho da puta. Minhas contas a
acertar com ele só aumentam. — Sua atenção foi direcionada a mim novamente.
— Depois terminamos esta conversa.
Assenti e ele saiu.

Cerrei os olhos e respirei fundo algumas vezes. Agora eu estava preocupada.


Vovô não podia se alterar desta forma. Não podia.

— Ele vai ficar bem — Aaron murmurou ao se aproximar.

Concordei com um aceno de cabeça e, sem me importar com qualquer coisa,


o abracei. Foi reconfortante perceber que ele retribuía o meu abraço.

— Como chegaram àquela discussão? — questionei minutos depois. Minha


voz saiu abafada pelo seu terno.

— Ele não quer sair da cidade sem ter certeza de que definimos o que há
entre nós.

— Inferno! — xinguei. — Ele ficou bravo quando você disse que não
teríamos nada?

Aaron me apertou um pouco mais em seus braços e pude inspirar seu


perfume cítrico. Gostava de seu cheiro.

— Ele está certo. — Franzi o cenho ao ouvir aquilo e me desvencilhei de seu


abraço. — Não discuto com ele quando sei que está certo.

— Como pode dizer que ele está certo? — inquiri com o cenho franzido. O
desentendimento me preenchia. — Por que concorda com ele?

— Entendo a preocupação dele, Dolores — explicou. — Não é você que


precisa de um homem. Ele é que precisa saber que você estará em boas mãos
caso ele venha a faltar.
— Vovô não vai morrer! — Minha voz soou desesperada. — E isso não faz
sentido... Por que eu só estaria protegida e com um bom futuro se um homem
estivesse do meu lado? Isso é...

— Dolores.

— Você vai fazer o que ele mandou? Vai pôr um fim ao que temos e me
deixar procurar um... um segurança particular?

As perguntas simplesmente eram proferidas com cada vez mais raiva, e eu


não conseguia impedi-las de sair de meus lábios.

— Não.

— Por que não? Você não acaba de dizer que...

— Eu concordo, mas não vou abrir mão de você por isso. — Ele virou de
costas para mim e expirou profundamente. — Não vou deixar você livre para
qualquer outro.

Aquelas palavras me deixaram estupefata.

— Só o farei se você me disser que não quer mais nada comigo — concluiu
quando voltou a me encarar.

— Então não precisa fazê-lo.

Ele juntou as sobrancelhas, confuso.

— Por que foge de relacionamentos? — ele me perguntou, mesmo que


parecesse hesitante em fazê-lo.
Dei de ombros e suspirei.

— Nós temos um relacionamento — expliquei. — Só não dizemos que é um


namoro. Eu não preciso dizer que tenho um namorado, se já tenho alguém.

— Isso é suficiente para você?

— Agora sim.

Quando percebi que ele apertou seus lábios para esconder um sorriso, decidi
perguntar:

— Por que não sorri?

Ele semicerrou os olhos.

— Porque sei que não deveria.

Revirei os olhos.

— E por que não deveria?

Dei-lhe um selinho.

— Porque esse não sou eu.

Olhei em seus olhos cor de âmbar e entendi o que ele estava falando.
Concordei com suas palavras. O Aaron daquele primeiro encontro não é o Aaron
de hoje. E vice-versa.

Senti como se algo em meu peito se derretesse lentamente quando ele me


beijou.

Céus! Minhas atitudes e opiniões eram todas contrárias ao que eu fizera antes
com André, mas algo me dizia que talvez isso não fosse suficiente para não cair
nas mesmas armadilhas.

Mesmo sem cometer os mesmos erros, eu poderia acabar vivendo as mesmas


consequências?

Acordei cerca de cinco da manhã para fazer minha corrida matinal. Quando
voltei, por volta das seis e meia, vovô já estava de pé preparando o café da
manhã. Lhe dei um beijo no rosto antes de seguir para meu quarto para tomar um
banho.

Decidimos concluir nossa conversa mais tarde. Agradeci por isso.

Quando cheguei à empresa tudo estava normal. Mais bilhetes sobre minha
mesa foram ignorados e pude fazer meu trabalho sem qualquer pressa. Consegui
até tomar duas xícaras de café.

Mais tarde, meu chefe apresentaria o novo chefe administrativo. Entretanto,


eu já não me importava.

Não vi Aaron até a hora do almoço, hoje ele saiu mais cedo que eu.

À tarde, cerca de meia hora depois do início do meu intervalo, recebi uma
mensagem de Natasha. Ela queria conversar.

— Oi, Nat — murmurei assim que ela atendeu.

— Lola! Tudo bem?

— Sim, e você? O que houve?

Ela riu e percebi que parecia sem graça.

— Eu estou bem. É que eu preciso de sua ajuda.

Franzi o cenho e me arrumei na cadeira que estava.

— O que houve?

— Preciso que me ajude a falar com Aaron sobre algo. Eu não sei como
entrar nesta conversa.

Juntei a sobrancelhas enquanto pensava sobres suas palavras e quando uma


ideia me veio à mente, eu murmurei:

— Natasha, você não está... — ela me interrompeu antes que eu concluísse.

— Não! Ai meu Deus! É claro que não, Lola! Eu não estou grávida.

Expirei muito mais tranquila ao ouvir aquelas palavras.

— E então?

Ela pigarreou por alguns segundos e percebi que havia fechado uma porta.
— É que... Bem, lembra quando eu contei que Aaron disse que não me
deixaria namorar até que eu estivesse formada?

Fechei os olhos e encostei-me à poltrona quando um sorriso surgiu em meus


lábios.

— Você arranjou um namorado? — adivinhei.

— Sim, mas veja, Vitor é um cara legal! Ele... Ele era um ótimo aluno.
Estudávamos juntos no ano passado e esse ano ele está estudando no mesmo
grupo que eu. Ele quer passar em Direito e... nós estamos apaixonados! Ele
quer fazer as coisas do jeito certo! Foi ele que me disse que quer falar com
Aaron. E bem... Falei com mamãe, mas queria que você me ajudasse também.

Não consegui conter uma risada.

— Claro que eu ajudo! Mas não posso dizer que Aaron vai reagir bem a isso.

Ela suspirou fortemente e ficamos em silêncio por alguns segundos, até que
me lembrei de algo.

— Nat?

— Sim?

— Seu pé subiu quando ele te beijou pela primeira vez?

— Simmmmm! — Ela prolongou tanto a palavra que precisei afastar o celular


do ouvido. — Ele é... demais.

Revirei os olhos ao ouvir a forma apaixonada como ela falava dele. Às vezes,
eu agradecia por nunca ter passado por isso.

— Quantos anos ele tem?

— Dezoito... Quase dezenove. Ele trabalha e ajuda a mãe a manter a casa.


Lola, ele é perfeito. Eu juro.

— Nós precisamos conversar sobre isso pessoalmente — avisei agora mais


séria. — Não gosto da ideia dele ser perfeito. Todos têm defeitos.

— Se ele tem, eu ignoro muito bem.

— Ele tem — afirmei. — Você está tão apaixonada que somente vê as


qualidades dele.

Ela suspirou.

— Talvez seja realmente isso.

— Mais tarde eu te ligo para marcarmos algo, ok? Temos que conversar.

— Tudo bem. Mas não diga nada a Aaron, por favor!

— Não direi — prometi.

— Obrigada, Lola!

Sorri ao ouvir seu tom eufórico. Nos despedimos e desliguei.

Decidi ligar para vovô antes de voltar ao meu andar.


Ele atendeu no terceiro toque.

— Vovô?

— Olá, filha.

— Eu liguei apenas para saber se está tudo bem? O senhor disse que não iria
à casa de Natasha hoje.

— Sim, eu... — ele interrompeu por um momento. — Só um momento. Acho


que é o carteiro.

Concordei e esperei enquanto ele saía.

Fiquei alguns minutos na linha. Ouvi a porta ser aberta, depois ser fechada e
algo ser rasgado.

— Vovô? — chamei, mas ele não respondeu.

A preocupação passou a me dominar quando ouvi algo cair no chão e


quebrar.

— Dolores?

— O que houve, vovô?

— É uma correspondência em nome de seu pai.

Meus olhos se arregalaram e levantei abruptamente da poltrona que estava.

— Vovô, não abra. É só um problema que estou resolvendo, assim que eu


chegar, eu leio.

— Já abri. — Ele ficou em silêncio, percebi que estava lendo.

Cerrei os olhos enquanto lembrava da minha última ligação com a


terceirizada.

A correspondência do primeiro acordo que fechei já estava a caminho, me


pediram para desconsiderá-la, porque enviariam uma nova com os novos
valores.

— Filha?

— Sim? — sussurrei de forma quase inaudível quando percebi que seu tom
havia mudado completamente.

— Carlos hipotecou a nossa casa?

Acenei em negativa e um nó em minha garganta me impediu de lhe


responder. Meus olhos ficaram marejados e os fechei com força para que as
lágrimas rolassem de uma vez.

Isso deve machucá-lo muito mais que a mim.

Ouvi algo cair no chão e se partir.

— Eu já resolvi tudo, vovô! — decidi dizer de uma vez, mas ele já não estava
na linha. Ouvi um baque surdo e a ligação foi encerrada.
“É que quando eu não estava legal, te procurava pra ficar bem. Mas e se eu
não estou legal por tua causa, procuro quem?”

(Soulstripper)

Eu não queria acreditar que aquilo estava realmente acontecendo. Mas meus
olhos não me deixavam dúvidas. O homem à minha frente estava em uma cama
de hospital, desacordado, respirando com a ajuda de aparelhos.

Há cerca de quinze minutos, o médico me disse os motivos de terem trazido


vovô para a unidade de tratamento intensivo. Ele teve um infarto e os
medicamentos não foram suficientes para aumentar sua pressão. Sua vida
continuava em perigo.

Não havia nada que eu pudesse fazer para mudar aquela situação e estava
ciente de que as lágrimas em meu rosto não ajudariam em nada, mas não
conseguia simplesmente controlá-las. A chance remota de perder a única pessoa
que eu amava de verdade e retribuía esse amor, que cuidou de mim, que foi meu
pai e melhor amigo, estava me destroçando aos poucos e eu não sabia como
parar aquilo.

Ele vai ficar bem.

Eu repetia para mim mesma, mas parecia ser sempre meu subconsciente aflito
e desesperado falando, parecia ser sempre um desejo primordial e inefável; nada
que eu pudesse colocar em palavras. Só sabia que não poderia perdê-lo.

Os minutos que precisei para chegar em casa mais cedo foram angustiantes.
Liguei para o hospital e pedi que uma ambulância fosse à minha casa, cheguei
alguns momentos antes dela. Vovô estava no chão, desmaiado.

Não faço ideia de quanto tempo estou aqui. Fiquei com vovô na ambulância,
mas nos separaram quando chegamos ao Hospital Divina Providência. Fiquei
minutos incontáveis na recepção, até que a recepcionista me informou onde
ficava a capela. Lá passei alguns minutos, ou horas, realmente não faço ideia,
pedindo a Deus que não o tirasse de mim. Que não levasse vovô de forma
precoce, que não o tirasse de mim como fez com papai. Confiava que Ele ouvira
minhas palavras e súplicas, só não tinha certeza se minha vontade também era a
sua.

Apenas há alguns minutos um médico veio me dar explicações. E nenhuma


delas foi boa. Por isso as lágrimas.

— Senhorita, é melhor que vá para casa. — Limpei o rosto antes de me voltar


para a enfermeira. — Não poderá entrar no quarto dele até o horário de visitas de
amanhã e não o deixará nada bem preocupando-o com sua dor e sofrimento.

Mordi os lábios para impedir as novas lágrimas de rolarem por meu rosto e
voltei-me para a janela de vidro. Vovô parecia dormir tranquilo e profundamente.
Cerrei os olhos e respirei fundo. Ele ficará bem.

— Obrigada — sussurrei para ela. Apertei minha bolsa contra meu corpo e
segui pelo corredor após a senhora me dar um sorriso confortador.

O médico já havia me informado sobre o horário de visitas, contudo, preferi


continuar observando vovô através daquela janela. Eu sentia como se algo fosse
acontecer apenas por eu me afastar. Porém, não poderia continuar ali para
sempre. Eles estavam certos. Vovô não se sentiria melhor vendo o quanto eu me
sinto preocupada e desolada com o que está acontecendo.

Suspirei enquanto descia o elevador e olhei para o meu relógio. Onze e meia
da noite.

Deus! Eu havia chegado ao hospital por volta das três da tarde!

Peguei um táxi e menos de meia hora depois, eu estava em casa. O silêncio


aterrador dos cômodos me sufocou e, enquanto eu tomava um banho, desabei
mais uma vez e me entreguei ao choro. Lembrei da última vez que me preocupei
tanto com vovô, foi quando descobrimos sobre seu diabetes e ele ficou alguns
dias no hospital por causa disso. Minha apreensão e medo de deixá-lo sozinho
enquanto eu estava trabalhando, foram tantos que precisei contratar uma técnica
em enfermagem para cuidar dele enquanto eu estava fora. Foi horrível, mas desta
vez estava sendo bem pior.

Esperei que a última lágrima se misturasse à água quente do chuveiro e


rolasse para longe de mim, antes de acabar com o banho e me enrolar em uma
toalha.

Não comi nada após o horário de almoço e, incrivelmente, não estava com
apetite para nada. Coloquei meu celular para carregar sobre o criado-mudo, ele
havia descarregado à tarde, e vesti um baby-doll. Sequei os cabelos e deitei-me
sobre a cama.

Estava cansada de forma física e mental, entretanto, sabia que não


conseguiria dormir tão cedo.

Cerca de sete da manhã, acordei após pouco mais de duas horas de sono
conturbado. Fiquei alguns minutos apenas encarando o teto do quarto. Sem
qualquer pensamento relevante pairando sobre minha mente. Desisti do que quer
que estivesse tentando fazer e levantei devagar. Segui diretamente para o
banheiro.

Depois de um banho, coloquei um vestido social — com a parte do busto na


cor creme e a saia preta, na altura dos joelhos.

Não me preocupei de me maquiar com mais do que o necessário para


esconder as olheiras, calcei um salto e peguei minha bolsa e celular antes de sair.

Continuava sem fome, mas me obriguei a tomar uma xícara de café e comer
algumas torradas e uma maçã. Precisaria de forças e energia para aquele dia.
Sabia que sim.
Não recebi nenhuma ligação do hospital, algo pelo qual eu agradeci, pois isso
significava que vovô passara a noite bem.

O caminho sendo percorrido de ônibus, durou quase uma hora, mas não me
importei muito com isso, pois não chegaria atrasada. O horário de visita só
começaria às dez e meia da manhã.

Assim que adentrei o hospital, meu celular começou a tocar dentro de minha
bolsa. Eu o peguei e atendi quando vi o nome de Aaron na tela.

— Dolores! O que aconteceu? Onde você está?!

Fechei os olhos e expirei lentamente ao ouvir seu tom de preocupação. Fiquei


um dia fora de casa e sem me comunicar, assim como vovô, é claro que ele
ficaria preocupado! Ainda mais agora que Rodrigo está solto.

— Eu estou no Hospital da Divina Providência — murmurei assim que as


portas do elevador se abriram e entrei com mais dois funcionários do hospital.

— Hospital? Você está bem? Porra! Rodrigo fez algo contra você?

Acenei em negativa, mesmo sabendo que ele não estava me vendo. Fiquei tão
aturdida ontem que sequer o avisei sobre o que havia acontecido.

— Não... É o vovô. — Engoli em seco. — Ele teve um infarto.

O silêncio do outro lado da linha me deu certeza de que ele tentava digerir
aquelas palavras. Segundos depois, perguntou em voz mais baixa e séria:

— Como ele está?


— Eu não sei — respondi ao sair do elevador.

Segui para a recepção e deixei Aaron na linha enquanto falava com a moça
que me atendeu ontem e pedia informações sobre o médico de vovô.

— Eu o trouxe ontem e... — Minha garganta se apertou e falar se tornou mais


difícil do que imaginei.

— Dolores. — Notei que seu tom agora era brando, afável. Mas isso não
serviu para me deixar mais calma ou diminuir minha aflição.

Eu não queria sua pena.

— Ele ficará bem, Aaron — sussurrei mesmo com dificuldade. — Vou


conversar com o médico agora e em uma hora o horário de visitas começará.
Então poderei finalmente vê-lo.

Ouvi alguém chamar por ele enquanto a recepcionista me pediu que fosse até
a sala do médico.

— Tenho que ir. Depois nos falamos. — E desliguei.

Comprimi os lábios para impedir as malditas lágrimas de continuarem a rolar


por meu rosto e as limpei. Eu não queria parecer ainda mais fraca do que já
havia aparentado para ele hoje. Odiava isso e mantê-lo longe enquanto eu me
reconstruía por dentro, era o melhor a se fazer por enquanto.

Conversei com o Dr. Ribeiro por cerca de vinte minutos. Ele disse que o
estado de vovô continuava o mesmo e por isso ele continuaria na UTI. Me
perguntou quais os medicamentos que vovô estava tomando para a pressão e
diabetes. Informou sobre a dieta diferenciada que precisaria seguir
rigorosamente enquanto estivesse aqui e depois que saísse — aquela informação
fez com que a centelha de esperança em meu coração crescesse, apenas porque
percebi que o médico já achava que vovô voltaria para casa.

Esperei o tempo que antecedia o horário de visitas e coloquei a roupa e a


máscara especiais para entrar no quarto dele, quando finalmente o horário
começou.

Vovô parecia tão cansado e abatido, que cheguei a me preocupar. Mas


continuava vivo e isso me confortava.

Ele estava dormindo e não pude colocar em palavras o quanto me senti bem
por ver seu peito se movendo à medida que ele respirava.

Acariciei seu rosto por alguns segundos e apertei os lábios.

Chega de chorar.

— Não posso perder você — sussurrei em um fio de voz.

Curvei-me sobre ele e tirei a máscara por um segundo para beijar sua testa.

A porta foi aberta lentamente e uma técnica em enfermagem entrou. Ela


vestia branco e apenas seu blazer, sobre a blusa branca, era preto.

— Bom dia — cumprimentou-me.

— Bom dia. Como ele está?

Ela me deu um sorriso confortador e olhou para o meu avô por alguns
segundos.
— O senhor João passou a noite muito bem. Os remédios pararam de fazer
efeito de madrugada e precisei lhe dar uma nova dose, para que ele voltasse a
dormir. Ainda estão fazendo efeito e por isso ele está desacordado.

Assenti brevemente e voltei-me para ele.

— Acha que ele sairá daqui logo?

Ela hesitou e deixou suas anotações na prancheta de lado.

— O estado dele continua o mesmo, senhorita. Não posso lhe confirmar nada
agora, mas se conseguirmos fazer a pressão aumentar um pouco mais, em breve
ele será transferido para o posto.

Concordei novamente e ela voltou às suas anotações.

Cerca de dez minutos depois, a técnica já havia ido embora e a porta foi
aberta por uma enfermeira, esta também me cumprimentou com educação. Ela
estava com a mesma prancheta da mulher que veio antes e parecia verificar se
tudo nas folhas estava correto.

Os olhos de vovô se abriram lentamente e ele puxou o ar com força uma vez,
o que fez com que eu me sobressaltasse. Sua agonia por levar ar aos pulmões
continuou e a enfermeira me pediu para sair da sala enquanto apertava um botão
de um controle.

— Não vou sair! O que está acontecendo?! — questionei apavorada, olhando


para a forma desesperada que vovô tentava respirar. As lágrimas surgiram em
meus olhos, a porta foi aberta, o médico entrou seguido por duas técnicas, uma
delas segurou em meu braço e pediu que eu a seguisse.
— Vovô! — chamei-o quando ele parou de resfolegar e a mulher conseguiu
me empurrar para fora. — O que está acontecendo?!

— O médico lhe informará tudo, senhora. Espere na recepção, por favor —


ela disse antes de fechar a porta.

As lágrimas grossas rolaram por meu rosto quando os observei através do


vidro.

Engoli em seco ao ver a enfermeira iniciar uma massagem em seu peito e o


medo me preencheu. Não consegui continuar observando e tirei a máscara que
vestia, assim como a capa, enquanto seguia para a recepção. Eu chorava
vergonhosamente quando me sentei em uma das cadeiras. Pedi a Deus que não o
tirasse de mim.

Curvei-me sobre meu corpo e cobri o rosto para abafar meus soluços e
esconder as lágrimas. Mesmo sendo inútil.

Senti alguém se aproximar, mas não me importei de olhar quem era. A cena
vivida há alguns minutos era repetida em minha mente diversas vezes. E a cada
vez que eu a repassava, meu desespero aumentava.

— Lola. — Ouvi alguém me chamar, mas achei estar imaginando aquilo.


Braços fortes me envolveram e, enquanto eu tentava voltar a respirar, reconheci
aquele perfume.

Quando me deparei com aqueles olhos castanhos, a dor pareceu sufocante.


Não me importei com o quanto eu poderia estar frágil agora e o abracei.

— Aaron — tentei proferir seu nome, mas minha tentativa foi frustrada.
Novas lágrimas surgiram e nenhum de nós se importou com aquilo. Seu terno
estava sendo encharcado e tudo o que ele fez foi me apertar ainda mais em seus
braços, tentando de alguma forma me confortar.

Aaron afagou meus cabelos por todos os minutos que precisei para me
acalmar. Beijou o topo de minha cabeça e o ouvi agradecer a alguém por algo,
antes de escutá-lo chamar meu nome.

— Tome — ele pediu segurando um copo de água à minha frente. Só percebi


que eu estava tremendo quando peguei o copo e o levei aos meus lábios.

Tentei me afastar abruptamente ao perceber o que havia feito, mas ele não
permitiu.

— Pare — pediu de forma suave em meu ouvido. Cerrei os olhos e decidi


ceder e voltar aos seus braços. Não adiantaria tentar fingir que nada disso acabou
de acontecer.

Não faço ideia de quanto tempo ficamos naquela recepção, abraçados. Só


percebi que lágrimas finas e silenciosas rolavam por meu rosto quando ele
começou a acariciar meus cabelos novamente.

— O que houve? — sussurrou em voz muito baixa. Se eu não estivesse tão


próxima, certamente não ouviria.

Precisei de tempo para ter certeza de que minha voz não falharia ao lhe
responder:

— Ele não estava conseguindo respirar...

Mordi os lábios e limpei meu rosto antes de pressioná-lo ao seu peito.


— Fizeram massagem no peito dele — a última palavra soou
incompreensível.

— João ficará bem — ele murmurou em meu ouvido. — Ele é forte.

Cerrei os olhos novamente e apertei seu terno em minha mão. Havia certeza
em seu tom. Não era como se ele estivesse apenas dizendo aquilo para me
confortar.

— Eu sei... Mas ele parecia tão... — a frase ficou no ar. Não tive coragem de
concluir.

— Dolores Dias? — uma voz masculina chamou. Aaron e eu levantamos.


Limpei meu rosto quando o médico se aproximou e Aaron se colocou ao meu
lado.

— Sim?

— Seu avô continuará em observação e, infelizmente, não posso permitir que


continue com o horário de visitas — informou. — Ele teve uma parada cardíaca,
mas, graças a Deus, conseguimos reanimá-lo.

Assenti, incapaz de dizer qualquer coisa naquele momento. Aaron envolveu


minha cintura, para me sustentar de pé e se apresentou para o médico. Ouvi os
dois conversarem sobre o estado de vovô, mas as palavras não faziam sentido em
minha cabeça. Senti o mundo girar por um momento e me encostei ao homem
que estava ao meu lado.

— Obrigado — Aaron agradeceu ao médico quando ele saiu. Após me


abraçar, ele sussurrou ao meu ouvido: — Você está bem?
Assenti, mesmo que não tivesse certeza daquilo.

Fizemos o percurso para seu apartamento em completo silêncio. Só percebi


que ele me trazia para o Roosevelt quando ele estacionou à frente de seu prédio.

— Por que me trouxe aqui? — inquiri sem entender.

— Não vou deixá-la sozinha naquela casa — respondeu. — Preciso voltar


para a empresa, mas à noite estarei aqui. Vou falar com Otávio sobre você, então
não se preocupe.

Ele não me deu tempo de responder, abriu a porta e saiu.

Agradeci quando ele me ajudou a sair do carro. Mordi a parte interna da


bochecha quando ele entrelaçou sua mão à minha, mas retribuí o aperto.

— Vou colocar a comida no micro-ondas, enquanto você toma banho — ele


disse ao adentrar seu apartamento.

Quando finalmente saí do banheiro, vi que ele havia deixado uma camisa sua
sobre a cama e um short, que reconheci como meu — um que eu havia
esquecido na última vez que dormi aqui.

Troquei de roupa rapidamente e usei a toalha para tentar secar os cabelos.

Sentei-me sobre a cama por alguns segundos. Surpreendentemente eu já não


sentia vergonha por demonstrar minha fraqueza hoje. Acho que a preocupação
em mim se sobressaía de tudo isso. Segundo o médico, não adiantaria continuar
no hospital, pois eu não poderia ver vovô novamente, não antes do horário de
visita de amanhã.

Expirei pesadamente e levantei-me para ir à cozinha.

Não havia mais nada para eu fazer. Na verdade, a casa estava limpa e
arrumada, não encontrei nada além da louça do almoço suja na pia. E agora
andava de um lado para o outro e volta e meia encarava o relógio na estante.
Ainda eram três da tarde. Aaron demoraria a chegar e eu ficaria louca se
continuasse aqui.

Um pouco da preocupação e desespero, de mais cedo, se esvaiu. Eu ainda


estava temerosa sobre vovô estar no hospital, mas estava muito mais calma.
Sabia que o desespero não me ajudaria em nada.

Coloquei meu vestido novamente e decidi ir para minha casa, mesmo que
odiasse saber que me sentiria insuportavelmente sozinha lá. Eu apenas pegaria
uma roupa para vestir amanhã na empresa e voltaria para o apartamento de
Aaron — ele havia deixado as chaves comigo antes de sair hoje.

Eu não queria ficar sozinha e, intimamente, agradecia por Aaron ter me


levado ao seu apartamento. E por me deixar ficar lá hoje.

Meu coração se apertou no peito quando percebi que o vaso que vovô
derrubou ontem, continuava com os estilhaços espalhados pela sala. Respirei
fundo e peguei a vassoura e uma pá, para limpar tudo.

Coloquei minha nécessaire dentro de uma mochila com a roupa que vestiria
amanhã para ir ao trabalho. Coloquei minhas sandálias também e o carregador
do celular.

Decidi ligar para a terceirizada e pedir que enviassem o novo boleto para o
meu e-mail. Peguei metade das joias de mamãe e levei ao shopping. Procuraria a
joalheria e as venderia para acabar com aquela dívida.

— Quanto me dá por elas? — perguntei ao dono da loja.

Ele as avaliava com a atenção de quem conhece cada uma daquelas pedras.
Comprimi os lábios quando a ansiedade aumentou e ele continuou apenas a
observá-las atentamente com uma lente de aumento.

— Vendi algumas destas joias a uma senhora há alguns anos. Nunca


esqueceria delas — ele disse. — Como as conseguiu?

Suspirei, cansada.

— Minha mãe as deu para mim — esclareci.

— Elaine Dias?

Assenti lentamente sem acreditar que ele lembraria o nome dela.

— Uma cliente fiel. — Um sorriso surgiu em seus lábios. — Foi muita


generosidade dela fazer com que as joias voltassem às minhas mãos.
— Ela me disse que você pagaria bem por elas — afirmei sem retribuir o
sorriso.

— Tem apenas estas, senhorita? — Ele arqueou uma sobrancelha.

— Sim — menti.

Ele semicerrou os olhos e pegou uma das gargantilhas.

— Trinta mil.

Ri sem humor e tirei a peça de suas mãos.

— Obrigada, mas recebi uma oferta melhor. — Ele segurou minha mão
quando comecei a tirar as joias do balcão.

— Quanto? — inquiriu.

Foi minha vez de arquear uma sobrancelha. Ele parecia realmente interessado
naquelas peças. Sabia que valiam muito mais e tentou me enganar! Bastardo.

— Cinquenta e cinco — menti, mesmo sabendo que a primeira proposta fora


quarenta mil.

— Eu lhe dou sessenta — ele murmurou vencido. — Trinta agora mesmo e


amanhã posso fazer um depósito para sua conta, do que faltar.

Semicerrei os olhos para ele e me desvencilhei de seu aperto.

— Lhe dou metade das joias agora e amanhã voltarei aqui. Quero o
comprovante de depósito, somente com ele deixarei as que faltarem.
Ele acenou em negativa e um sorriso jocoso surgiu em seus lábios.

— Não há dúvidas de que é filha de Elaine. — Suspirou. — Vou pegar seu


dinheiro.

Assenti e ele saiu.

Verifiquei meu relógio e agradeci mentalmente quando lembrei que há um


banco no térreo do shopping.

Quando peguei o táxi que me levaria ao prédio de Aaron, eu ainda verificava


o comprovante de depósito em minhas mãos. Sessenta mil reais.

Era inacreditável.

Paguei o taxista e subi o elevador para o apartamento de Aaron. Abri a porta


devagar e a fechei em seguida. Era pouco mais de cinco horas e eu apenas
deixaria minhas coisas no quarto antes de começar a fazer o jantar.

Uma bolsa feminina sobre o sofá me fez franzir o cenho.

Quem está aqui?

Tentei me lembrar de uma conversa que tive com Natasha, na qual ela me
disse que duas vezes por semana uma diarista vem fazer a limpeza do
apartamento e lavar as roupas. Hoje era quinta-feira, não havia motivos para ela
vir aqui. Não havia ninguém na cozinha, então fui direto ao quarto.

Parei à frente da porta e tentei ouvir algum som, mas foi em vão. Abri a porta
lentamente e só entrei quando percebi que não havia ninguém.

Meus lábios se entreabriram e a raiva inflou em mim quando vi uma lingerie


sobre a cama.

O chuveiro estava ligado no banheiro e percebi que quem quer que fosse,
estava se preparando para a chegada de Aaron.

Tentei me acalmar enquanto decidia o que fazer e fechei os olhos com força
quando uma ideia me veio à mente. E se Aaron estiver dormindo com outra
mulher além de mim?

Não. Ele não seria louco a ponto de fazer isso. Eu arrancaria seu pau se ele
estivesse fazendo isso.

Voltei para a sala e, sem me importar, verifiquei a bolsa da tal mulher. Peguei
a carteira de dentro dela e procurei algum documento.

— Fernanda Castro de Lima.

“Essa mulher não deve ter amor à própria vida”, concluí. Aaron não estava
aqui para ela se fazer de vítima enquanto eu estivesse com minhas mãos em seu
pescoço.

Bufei.

Ela não esperava que eu estivesse aqui. Essa era a questão.


Pesquei as chaves do apartamento de Aaron que estavam em sua bolsa e
coloquei a carteira dentro dela novamente. Peguei a bolsa e a levei para fora do
apartamento, deixando-a ao lado da porta.

Quando voltei, sentei-me sobre a poltrona e esperei que a mulher viesse para
a sala. Cinco minutos depois, cansei de esperar e decidi seguir para o quarto
novamente. Abri a porta sem qualquer cuidado e não me surpreendi ao vê-la
sobre a cama.

— O que você está fazendo aqui? — perguntamos ao mesmo tempo. Ela


sequer tentou cobrir sua nudez.

— Bem, eu vim dormir com meu noivo, e você?

Semicerrei os olhos para ela e tentei respirar fundo.

— Vim tirar uma vagabunda do quarto do meu namorado — expliquei.


Minha voz saiu assustadoramente baixa. Ela riu, debochada.

— Você? Me tirar daqui?

Assenti lentamente pensando em como seus cabelos ficariam depois de eu


pegá-los e arrastá-la para fora daqui.

— Acho que precisamos esclarecer algumas coisas — ela disse enquanto se


levantava. — Ricardo é meu, queridinha. Você foi o estepe que ele usou quando
eu já não estava aqui.

Fingi concordar lentamente enquanto me aproximava dela.

— Achei que você tivesse terminado o noivado — lembrei-a.


Fernanda revirou os olhos e pousou as mãos sobre os quadris.

— Um erro de percurso. No fim, eu deveria saber que ele seria o herdeiro.


Fui tola antes, mas agora não há dúvidas.

Consegui esconder minha surpresa ao ouvi-la falar desta forma. A vadia nem
tentou esconder que só o queria por causa do dinheiro.

— Ele não quer a herança de Olavo.

— Ele não terá escolha — disse com um sorriso.

Franzi o cenho.

— Eu já disse, você pode ir embora. — Ela usou as mãos para gesticular com
desdém para a porta. — Eu durmo com ele daqui pra frente.

Foi minha vez de rir.

— Quem deve ir embora é você, queridinha — devolvi. — Se não o fizer


agora, por livre e espontânea vontade, terei o prazer de ajudá-la a fazê-lo. E você
não gostará da forma que pretendo fazer isso.

Ela riu ainda mais.

Dei o passo que nos separava e parei à sua frente.

— Isso eu quero ver — concluiu.

— Com prazer. — Meus dedos capturaram os seus cabelos e peguei um


punhado de fios castanhos antes de puxá-los com força e ela gritar. Não me
importei. Ela precisou se inclinar quando comecei a arrastá-la para fora do
quarto. Sua posição não permitia que ela tentasse me parar ou se soltar, então ela
continuou a gritar, mandando inutilmente que eu a soltasse.

Andei rapidamente pelo corredor e apertei meus dedos entre seus cabelos
antes de abrir a porta da frente e lançá-la para fora.

— Se quiser continuar com o rosto sem marcas é bom ir embora — avisei


com raiva antes de fechar a porta.

Ouvi seus gritos enquanto ela batia estrondosamente na porta e expirei,


cansada. Segui para o quarto, peguei suas roupas e voltei para a sala.

— Sua vadia! — ela gritou quando abri a porta e tentou se aproximar para me
bater. Joguei as roupas contra seu rosto.

— Tem sorte de eu não deixá-la ir embora se vestindo como a vadia oferecida


que é! — vociferei desafiando-a a se aproximar novamente.

— Eu vou...

— Vai o que, Fernanda? — questionei enfurecida. — Me bater? Sugiro que


só faça isso se souber como dar um soco e se defender de outro.

Sua boca se abriu num “o”.

— Você vai precisar de mais do que ameaças e uma lingerie barata pra tirar o
Aaron de mim — avisei.

— Filha de uma... — eu a interrompi com o baque surdo da porta ao ser


fechada com força.
— Puta. Você me paga! — A ouvi gritar, mas não me importei.

Peguei minha mochila e levei para o quarto de Aaron.

Troquei os lençóis da cama e sentei-me sobre ela em seguida.

“Se eu tivesse feito isso antes, ela não teria a infeliz ideia de vir aqui”,
lembrei-me.

Precisei de alguns minutos para me acalmar e quando o fiz, a sanidade


pareceu ter voltado.

— Eu a joguei para fora daqui vestindo apenas uma lingerie?

A surpresa me atingiu quando percebi que estava agindo como uma mulher
irracional e extremamente possessiva. Isso não acontecia desde...

— Chega! — repreendi-me ao perceber para onde meus pensamentos


estavam me levando.

Aaron e eu não estamos namorando, mas é perceptível que nenhum de nós


pretende deixar o outro. Não temos um relacionamento, mas ele concordou em
ser apenas meu e eu concordei em ser apenas sua. Isso me dava o direito de jogar
sua ex para fora daqui... Certo?

Bufei cansada e acenei em negativa.

Não vou pensar sobre isso agora.


Eu já havia tomado banho e vestido outra de suas camisas, quando Aaron
chegou. Esqueci de trazer uma camisola ou baby-doll.

Ele perguntou se eu estava bem após me beijar e lhe respondi com uma
afirmativa. Quando ele foi tomar banho, eu peguei o celular para ligar para o
hospital e tentar falar com alguém que cuidou de meu avô hoje. A recepcionista
me garantiu que estava tudo bem, disse que se não estivesse, já teriam me
avisado. Eu devia admitir que fiquei mais tranquila ao ouvir aquilo.

Arrumei a mesa para o jantar e sentei-me para esperar Aaron.

— Otávio não reclamou por eu me ausentar? — perguntei quando Aaron


adentrou a cozinha, vestindo apenas a calça do pijama.

— Incrivelmente, não — respondeu. — Mas ele ficou bem atarefado sem a


sua auxiliar.

Aquelas palavras fizeram com que um sorriso tímido surgisse em meus


lábios.

Comecei a me servir e ele fez o mesmo. Comemos em silêncio e decidi não


falar sobre a visita de Fernanda. Mas ainda tinha uma dúvida sobre a vinda dela.

— Aaron? — murmurei chamando sua atenção. — Fernanda chegou a morar


com você aqui?
Ele franziu o cenho e levantou os olhos para me encarar. Esperei
pacientemente por uma resposta, que só veio minutos depois.

— Sim. — Sustentei seu olhar, mesmo quando ele semicerrou os olhos,


desconfiado. — Por quê?

— Curiosidade — respondi encerrando conversa.

“Então aquela vadia manteve sua cópia da chave de entrada do apartamento”,


pensei.

O silêncio entre nós voltou a reinar.

— Fiz um creme de cupuaçu — avisei quando ele pousou os talheres sobre o


prato. — Mas acho que ainda não está congelado.

Levantei-me para verificar o creme no congelador e o ouvi levar a louça para


a pia.

— Você andou conversando com Natasha sobre o que eu gosto? — inquiriu.

Apertei os lábios para não sorrir e levei o recipiente de vidro para a mesa. O
creme não estava completamente congelado, mas parecia ótimo.

— Na semana passada, quando vim aqui com Nat, ela me disse que você
prefere sobremesas geladas — expliquei. — Só preparei tudo isso hoje, porque
tinha muito tempo. Então não se acostume.

Ele concordou com um aceno e aceitou quando lhe ofereci uma tigela
pequena de creme. Fomos para a sala e nos sentamos no sofá.
— Liguei para o hospital — ele disse. Surpreendi-me, mas não falei nada. —
Ele está bem.

— Ele ficará bem — murmurei mais para mim mesma, que para ele.

Eram quase oito da noite quando Aaron levantou para levar nossas tigelas à
cozinha. Mantive-me sentada próxima a uma das extremidades do sofá.

Vaguei involuntariamente à discussão que tivemos ontem com vovô. Somente


agora entendi os motivos dele me querer casada. Contudo, eu não poderia fazê-lo
de forma tão abrupta apenas para que ele se sentisse melhor agora, pois sabia
que um casamento arranjado desta forma não me faria feliz. E, acima de tudo, eu
sabia que vovô queria me ver feliz.

— Não quer assistir nada? — Ouvi Aaron perguntar.

Acenei em negativa e ele juntou as sobrancelhas.

— Achei que as mulheres assistissem às novelas a esta hora.

Revirei os olhos.

— Não gosto de novelas.

Ele ergueu as sobrancelhas, surpreso, e se voltou para o aparelho de som na


estante.

— Você se importa?

— Não — murmurei.
Uma música suave preencheu a sala e sorri ao perceber que conhecia a letra.

— Natasha disse que mamãe está desconfiada — ele disse ao se sentar ao


meu lado.

Suspirei lentamente ao imaginar o motivo. Vovô não vai visitá-la há dois dias.

— Ela não teve nenhuma crise recentemente?

Aaron franziu os lábios e pensou por um momento antes de responder:

— Na verdade, não.

Hesitei, quando uma ideia me veio à mente, e inspirei lentamente enquanto


pensava sobre isso.

— Como descobriram sobre o Alzheimer? — questionei.

— O médico dela diagnosticou isso há mais de dois anos.

Concordei. Mabel realmente esquecia de algumas coisas com frequência, mas


isso parece ter mudado desde que ela saiu da casa de repouso. Desde que ela
passou a manter mais contato com Aaron e vovô.

— Eu sempre achei algumas coisas estranhas — afirmei, ele voltou a me


encarar. — Quando vovô me disse que ela foi diagnosticada com Alzheimer, eu
decidi fazer uma pesquisa — contei. — Mabel só possui um sintoma desta
doença, Aaron.

Ele juntou as sobrancelhas e pareceu pensar por um momento.


— Ela mantinha um bom relacionamento com todos os seus colegas do asilo,
pintava perfeitamente bem e continuou sendo amável e doce com todos. O
contrário disso são sintomas do Alzheimer — expliquei.

— A perda de memória não começou com a recente. — Aaron murmurou


pensativo. — A primeira vez que notamos, ela esqueceu que era casada com
Olavo.

Comprimi os lábios quando percebi o quanto ele ficou perdido em


pensamentos.

— A capacidade de relacionamento dela deveria ter se tornado mínima...


Alzheimer é uma doença neurodegenerativa...

— Depois de dois anos, seu quadro já deveria ter progredido muito... — ele
completou. — E ela deveria ter se tornado mais...

— Dependente. E sabemos que isso não aconteceu.

Ele apertou os lábios e cerrou os olhos. Notei que estava tentando lembrar de
algo.

— Porra! Acha que Olavo...?

— Eu não sei — o interrompi. — Acho que deveríamos procurar outro


médico.

Aaron cerrou o maxilar e segundos depois assentiu lentamente.

— Esses problemas não têm fim — sussurrei ao fechar os olhos. Senti minha
garganta se apertar, mas eu me recusei a chorar.
A música que tocava antes acabou e logo outra começou. A voz grave de Ana
Carolina pairou sobre a sala enquanto ela cantava, coincidentemente, a música
Problemas. Eu abri os olhos e me deparei com Aaron me encarando atentamente.
Sustentei seu olhar enquanto decidia sobre me aproximar ou não.

Suas barreiras ruíram a ponto dele me deixar ver que não havia apenas
seriedade em sua expressão e raiva em seus olhos. Aquela foi a primeira vez que
vi a dor brilhar neles.

— Aaron — sussurrei antes de me aproximar o suficiente para sentar sobre o


seu colo e abraçá-lo.

Cerrei os olhos com força e o apertei em meus braços.

— Não é possível que isso uma hora não chegue ao fim — concluí.

Ele se manteve em silêncio e apenas retribuiu o meu abraço enquanto


ouvíamos a música.

“...O meu amor conhece cada gesto seu


Palavras que o seu olhar, só diz pro meu...”
“Eu sei, é um doce te amar

O amargo é querer-te pra mim

Do que eu preciso é lembrar, me ver

Antes de te ter e de ser teu

O que eu queria, o que eu fazia, o que mais?

E alguma coisa a gente tem que amar

Mas o que, eu não sei”

(Condicional – Los Hermanos)


Duas semanas depois...

Olhei para vovô, que estava dormindo profundamente sobre a cama.

Arrumei o lençol, que estava sobre mim e Aaron, e tirei os sapatos. Meus pés
estavam gelados.

— Estou sem sono — murmurei.

— Não deveria ter tomado tanto café.

Revirei os olhos após ouvir suas palavras. Ele havia me alertado sobre isso
mais cedo.

— Trouxe seu iPod?

Afastei-me um pouco quando ele se moveu para pegar algo sobre a mesinha
ao nosso lado. Em seguida, Aaron me entregou o iPod e os fones de ouvido.

— Eu já disse que seu gosto musical me apetece?

Mesmo sem vê-lo, eu soube que estava sorrindo.

Coloquei os fones, mas ele pegou um para si, fingi não perceber e procurei
em sua playlist as músicas que passei os últimos dias ouvindo.

— Metade da sua playlist tem músicas de Ana Carolina.

— Isso é um problema?
Acenei em negativa e coloquei a primeira música para tocar.

— Não. Só não imaginei que gostasse tanto dela.

O silêncio tomou conta do quarto por minutos, que foram preenchidos apenas
pela música em nossos ouvidos.

Beijei seu pescoço suavemente e me acomodei melhor sobre ele. Eu sentia


meu corpo pesado. O cansaço estava me deixando saturada, mas eu não me
importava.

— Precisamos descansar — sussurrei encostando meu rosto ao seu peito.


Seus braços voltaram a me envolver e respirei tranquilamente quando notei que
seu coração batia regularmente. A preocupação das últimas semanas foi tanta,
que ver que vovô estava bem depois de tudo, era como um bálsamo para mim.
Mesmo que continuássemos no hospital.

Há dois dias vovô fora transferido a um quarto diferente da unidade de


tratamento intensivo. Ele estava bem melhor, mas as enfermeiras recomendaram
que ficasse alguém com ele aqui. Elas não poderiam acompanhá-lo o tempo
todo, apenas nas horas de cada remédio e preenchimento da evolução. Ontem
passei à noite com ele, hoje Natasha se dispôs a passar parte do dia assim como
Mabel, enquanto Aaron e eu estávamos na empresa. Eu já havia levado tantas
declarações de comparecimento, que até mesmo Otávio me alertou sobre isso. O
RH não estava satisfeito com minhas ausências, tendo ou não um motivo
plausível para elas.

Hoje era sexta-feira e amanhã era meu dia de folga. Segundo o médico, vovô
poderia receber sua alta ainda neste final de semana.
Aaron e eu viemos passar a noite no hospital. Na verdade, hoje era o seu dia,
mas como amanhã é minha folga, decidi vir para cá.

Havia apenas uma poltrona no quarto, ele estava sentado sobre ela e eu estava
em seu colo. Depois de tudo o que aconteceu desde que nos conhecemos, esta
posição parecia tão natural para nós quanto qualquer outra.

Durante os dias que vovô passou na UTI, dormi uma noite no apartamento de
Aaron e os outros dias as meninas, Brenda e Elisabeth, insistiram em dormir em
minha casa, para não me deixar sozinha. Eu agradeci por isso, por ter o conforto
e a amizade delas durante aqueles dias.

Pouco mais de cinco da manhã, uma das técnicas em enfermagem adentrou o


quarto. Meu sono estava tão leve que acordei apenas por ouvi-la abrir a porta.
Quando me movi nos braços de Aaron, ele também acordou.

— Bom dia — a senhora baixa de cabelos grisalhos nos cumprimentou.

— Bom dia — sussurrei enquanto me levantava. Aaron também a


cumprimentou. — Ele está dormindo desde os medicamentos que tomou após o
jantar — expliquei quando ela se aproximou de vovô.

— Isso é ótimo — murmurou com um sorriso. Ela escreveu algo em sua


prancheta. — Ele está tendo boas noites de sono, já está se alimentando bem e
parou com as discussões sempre que chega a hora de tomar os medicamentos. O
médico gostará de saber disso.

Troquei um sorriso com Aaron ao ouvir suas palavras. Ele foi o responsável
por convencer vovô daquilo.

— Vou pegar café, você quer? — ele perguntou.


Apenas assenti.

Aproximei-me de vovô e respirei muito melhor ao perceber que ele dormia


tranquilamente. Acariciei seu rosto e beijei sua testa.

— Vocês devem se amar muito. — A voz da senhora me chamou atenção


novamente.

— Ele é tudo o que tenho — expliquei enquanto acariciava os cabelos


grisalhos de vovô. Eu achava aquilo incrível. Ele possuía mais de sessenta anos,
mas não aparentava ter esta idade. Qualquer um que o visse lhe daria, no
máximo, cinquenta e cinco anos.

— E o seu namorado? — Ela pareceu confusa. Levantei a vista para encará-


la, mas ela estava concentrada na tela que mostrava os batimentos cardíacos de
vovô.

— Dificilmente vemos homens cuidando de parentes por aqui.


Principalmente quando têm mulheres para fazer isso — confidenciou e logo um
sorriso surgiu em seus lábios. — Ele deve se importar muito com vocês para
fazer isso.

O sorriso tímido que surgiu em meus lábios ao ouvir aquilo foi aplacado pela
incredulidade em mim após pensar sobre sua afirmação.

Ele realmente se importa.

— Vovô é como um pai para Aaron. Fez isso por ele.

Ela voltou a me encarar e me observou em silêncio por alguns segundos.


Momentos depois um sorriso surgiu em seus lábios.
— Certamente foi isso mesmo — concordou e o seu sorriso continuou aberto.

Aaron adentrou o quarto com dois copos descartáveis de café e um saco de


papel.

— Você não jantou direito — ele disse quando me entregou o pequeno saco e
o café. Havia alguns pães de queijo nele.

Antes que eu pudesse agradecer, a técnica disse:

— Eu já vou indo. Tenham um bom-dia.

Dois dias depois...

— Eu amei sua casa, Lola! — Natasha murmurou ao me abraçar. — Mas


realmente preciso ir, mamãe não passou esta semana muito bem e agora que o
seu João está aqui com Mabel, eu fico mais tranquila sobre eles!

— Obrigada por cuidar deles! — sussurrei antes de acabar com o abraço. —


Ainda temos que conversar sobre um tal Vitor.

Ela arregalou os olhos e mordeu os lábios para esconder um sorriso.

— Aaron vai querer me matar — confessou enquanto seguíamos para a porta.


Não havia motivos para estarmos sussurrando, já que vovô e Mabel estavam no
quarto e Aaron não estava aqui.

Abri o portão da frente no momento em que o taxista começou a buzinar.

— Eu não vou deixar, não se preocupe.

Ela riu e agradeceu.

Beijei-lhe o rosto antes de levá-la até o táxi e lhe entregar o dinheiro para
pagá-lo.

Acenei em despedida quando o carro partiu e esperei que fizesse a curva na


rua para eu sair da calçada. Um calafrio percorreu meu corpo, deixando-me
assustada.

Virei-me abruptamente para a rua a tempo de ver que continuava da mesma


forma. Os postes estavam acesos, o céu escuro o suficiente para confirmar que
eram mais de oito da noite e havia poucas pessoas transitando ali.

Respirei fundo por alguns segundos e cruzei os braços antes de voltar-me


para minha casa novamente. Um grito ficou preso em minha garganta e com o
susto me afastei da entrada em um sobressalto.

Eu estava ofegante, tentando levar ar aos meus pulmões e sequer sabia o


motivo.

— Roberto? — sussurrei quando ele se aproximou. Usava uma muleta para


apoiar o lado esquerdo do corpo. Percebi que aquilo se devia ao fato de ter
levado um tiro na coxa.

Ele semicerrou os olhos e deu um passo em minha direção. Engoli em seco


ao perceber que só poderia usar os punhos para me defender se ele tentasse
qualquer coisa contra mim.

— Lola. — Meu corpo se arrepiou involuntariamente de medo ao ouvir sua


voz dizer o meu nome. Roberto estava com um casaco negro, cobrindo todo o
corpo e sua feição não era a mais branda que eu já havia visto.

— O que está fazendo aqui? — questionei quando o seu silêncio passou a me


incomodar de verdade. — Veio a mando de Rodrigo?

— Não. Aquele bastardo não tem nada a ver com o que me fez vir aqui.

— E então?

— Eu vim apenas dizer que você não tem ideia do que fez, Dolores.

Franzi o cenho sem entender do que ele estava falando e esperei que
continuasse.

— Nunca tive nada contra você — ele disse. — Não concordei quando
aquele filho da puta quis envolver você no fogo cruzado com Aaron, mas agora
que está nessa, tome cuidado com o que faz. Ou pode acabar instigando mais do
que a fúria de Rodrigo.

— Roberto, você... — ele me interrompeu.

— Não foi Rodrigo que me colocou naquela revista para vigiar Aaron.

Meus lábios se entreabriram e antes que ele dissesse qualquer coisa, eu


perguntei:
— Olavo te colocou lá?! Por quê?!

Ele riu e começou a se afastar lentamente.

— Você é esperta. É bom saber que Rodrigo está mais ferrado do que vocês
imaginam, que por causa dele vocês estão em mais perigo do que imaginam.

— Roberto! — eu o chamei enquanto o seguia pela rua. — Veio até aqui


apenas para isso? Por que está nos ajudando?

Chegamos ao seu carro e ele abriu a porta enquanto parecia pensar sobre uma
resposta.

— Você não tem culpa do que ainda vai acontecer. Nem deveria estar
envolvida nisso.

Juntei as sobrancelhas e apertei os lábios, sem saber o que dizer.

— Cuidado, Dolores! — foi seu último conselho antes de adentrar seu carro.

Fiquei parada em frente à minha casa apenas acompanhando o percurso do


seu carro. Não sabia o que pensar, mas tinha certeza de que descobrir o que fazer
era o mais difícil naquele momento.

Tudo parecia estar em seu devido lugar desde que vovô saiu da UTI. Ele
estava melhorando, Mabel esquecia algumas coisas esporadicamente, mas nada
grave, Rodrigo havia sumido. Até Aaron e eu estávamos... evoluindo em nosso...
Acordo?

Roberto não deveria aparecer justo agora para trazer ainda mais problemas!
Ou melhor, me alertar sobre a vinda deles.
Maldição!

Minutos depois, eu decidi voltar à minha casa, antes de abrir o portão


novamente, um novo carro parou à frente dela.

Virei-me a tempo de ver Aaron saindo de seu Corolla preto.

— Natasha já foi? — ele perguntou enquanto se aproximava. — Vim pegá-la.

— Eu a coloquei em um táxi há pouco — expliquei após lhe beijar os lábios.

— Você parece nervosa. — notou. — O que aconteceu? — Seus olhos


estavam semicerrados quando ele me fez esta pergunta.

Suspirei sem acreditar que para ele era tão fácil descobrir que algo estava
errado comigo.

— Vamos entrar.

A desconfiança em seu rosto ficou mais evidente ainda.

— Já jantou? — inquiri assim que fechei a porta da frente.

— Sim. O que aconteceu, Lola?

Expirei profundamente e tomei fôlego para finalmente dizer:

— Roberto veio aqui.

Ele ergueu as sobrancelhas, surpreso, mas esperou minhas próximas palavras.


— Disse que não foi Rodrigo a contratá-lo primeiro, que eu não deveria estar
em meio ao fogo cruzado entre você e Rodrigo e que estamos em mais perigo do
que imaginamos.

Engoli em seco e mordi a parte interna da bochecha. Eu não queria nem saber
o que Aaron diria se soubesse que agora eu também fazia parte da obsessão de
Rodrigo.

Ele ficou em silêncio e me encarou atentamente por alguns segundos, até que
decidiu perguntar:

— O que ainda está me escondendo?

Bufei.

— Aaron, você não ouviu o que eu acabei de dizer?!

Ele assentiu, mas eu soube que não desistiria da sua suspeita até que eu
dissesse algo.

— Dolores.

— Aaron!

Revirei os olhos para ele e me afastei para ir em direção à escrivaninha.

— Vamos levar mamãe e o seu João para fora da cidade. Natasha quase não
sai, não há como Rodrigo encontrá-la. — Ele fez uma pausa — Por que Olavo
contrataria Roberto para me vigiar? A fim de quê?

Acenei em negativa e voltei a olhá-lo.


— Eu não sei.

— Bem, isso não importa. Ele está morto. — Enquanto se aproximava, ele
completou: — O que está me escondendo, Dolores?

Cerrei os olhos quando seus dedos acariciaram meu rosto. Os pelos de minha
nuca se eriçaram automaticamente. Eu não conseguia acreditar na facilidade que
ele conseguia me fazer desejá-lo.

— Tem algo a ver com você, não é? — Seus lábios estavam tão próximos dos
meus quando ele fez essa pergunta, que eu senti os meus tremerem levemente.

Inferno! Ele está me provocando para conseguir respostas!

Tentei me afastar, mas ele não permitiu. Meu corpo foi pressionado ao seu e
ele continuou a me segurar.

— Ele disse que Rodrigo te usará para me atingir?

Diabos! Era muito mais difícil negar quando ele estava tão perto e seus olhos
pareciam adentrar minha alma.

Eu odeio saber quando ele está me escondendo algo, agora percebi que ele
também não suporta saber que eu estou ocultando algo dele.

— Segundo ele, devo tomar cuidado com Rodrigo... Ou posso acabar


instigando mais do que a fúria dele.

A raiva que vi em seus olhos, também estava perceptível em sua expressão.


Aquilo me assustou por alguns segundos, Aaron é sempre controlado demais no
que diz respeito a Rodrigo. Mas ele estava longe de aparentar ter qualquer
controle agora.

— Não vou deixar que ele me toque! — assegurei, como uma tentativa de
aplacar a raiva em sua feição. — Nunca!

Aaron me fitou em silêncio por alguns segundos e, em seguida, seus lábios


encontraram os meus e sua língua pediu passagem com urgência. Ele juntou
nossos corpos com força quando aprofundou o beijo. Ter seu corpo colado ao
meu daquela maneira era excitante, e aquela proximidade, unida ao beijo
possessivo, era a mistura perfeita para me deixar louca em poucos segundos.
Gemi baixo e levei minhas mãos à sua nuca. Eu não queria que aquele beijo
acabasse nunca.

Era inacreditável. Aaron conseguia ser insanamente implacável até em um


beijo.

— Antes dele pensar em te tocar, eu mato aquele filho da puta! — a


convicção em seu tom me assustou ainda mais. Eu nunca vi tanta fúria em seus
olhos. Nunca imaginei que pudesse haver tanta raiva concentrada ali.

— Você não fará nada — afirmei incisiva.

Aaron expirou lentamente e encostou sua testa a minha. Acariciei sua nuca
com o polegar e cerrei os olhos.

— Ele só quer te provocar, Aaron.

— E está conseguindo.

Nós dois ficamos em silêncio por alguns segundos, rocei meu nariz ao seu
antes de levar meus lábios até os seus em um beijo suave.
— Querido! Você já chegou! — Nos desvencilhamos rapidamente ao ouvir a
voz de Mabel.

— Cheguei há pouco — Aaron murmurou voltando-se para ela.

Mabel lhe beijou o rosto e pedi licença para ir à cozinha, deixando os dois
conversando. Peguei um copo e enchi de água para mim.

Eu repassava suas palavras em minha mente e me indagava sobre as razões


plausíveis para sua fúria repentina, quando Mabel adentrou a cozinha.

— Querida, está tudo bem? — ela me perguntou.

Não consegui continuar com a expressão séria ao olhar em seus olhos.

— Sim, são só...

— Problemas de casais? Se quiser conversar, eu estou aqui.

O sorriso amável em seu rosto fez com que algo em meu coração trincasse.
Acenei em negativa e sorri.

— Um abraço ajuda — sussurrei. Seu sorriso aumentou enquanto ela vinha


em minha direção.

— Tenha paciência, sim? — ela pediu. — Vocês não são as pessoas mais
fáceis de lidar no mundo.

Aquilo me fez sorrir ainda mais enquanto a abraçava. Mabel estava certa e eu
não fazia ideia do motivo de minha garganta estar apertada. Não sabia por que
não conseguia dizer nada e fazer outra coisa além de abraçá-la. Apenas um
sentimento de plenitude e calmaria me preenchia naquele momento.

— Você precisa lê-lo nas entrelinhas — sussurrou antes de se afastar e me


beijar o rosto. — Ele não é do tipo de homem que usa palavras para se expressar.

Comprimi os lábios e resisti à vontade de fechar os olhos e a mente para não


pensar em mais nada sobre Aaron, relacionamentos e o inefável acordo que
tínhamos.

— Mabel?

Me assustei ao ouvir a voz de vovô. Levei o copo vazio que segurava à pia.

— Que filme prefere assistir?

— Uma Linda Mulher.

Ri da careta que vovô fez.

— Mas querida...

— É o meu filme preferido, João. Você sabe.

Ele suspirou e concordou antes de sair. Desde que saiu do hospital, os dois
estavam agindo como um casal que estava junto há mais de vinte anos. Isso me
deixava feliz por eles.

— Vou tomar um banho e trocar de roupa — avisei.

— Vamos esperá-la na sala, tudo bem?


Sorri e concordei antes de sair.

Pouco mais de quinze minutos depois, eu voltei. Usava um vestido simples e


havia prendido os cabelos em um rabo de cavalo. A sala estava escura e a TV
ligada. Havia duas vasilhas de pipoca e copos de suco sobre a mesa de centro.

— Vovô, você não pode comer isso — alertei-o, antes de me sentar ao lado
de Aaron.

— Não se preocupe, querida. Me arranjaram uma babá pior que aqueles


arrogantes de jaleco — respondeu olhando para Mabel, que revirou os olhos e
entregou o copo de suco a ele. Os dois estavam em um sofá ao lado do que
Aaron e eu estávamos. Mabel aninhada entre os braços de vovô.

— Não acredito que estão me fazendo assistir isso — Aaron resmungou.

— Silêncio — ela mandou. — Já vai começar!

Trocamos um olhar e reprimi uma gargalhada ao ver sua expressão incrédula.

Ele pegou a pipoca e me entregou o copo de suco.

Após meia hora de filme, eu já estava enjoada da pipoca e meu suco havia
acabado. Minha pele estava completamente arrepiada pelo frio.

— Ainda falta muito? — Aaron sussurrou apenas para mim. Sorri e me


aproximei de seu corpo.

— Um pouco — murmurei em resposta, quando um de seus braços me


envolveu.
Ele se inclinou sobre o sofá por alguns segundos e só percebi o que havia
pegado, quando ele abriu o lençol para nos cobrir.

Arrisquei um olhar para vovô e percebi que ele dormia enquanto Mabel
acariciava seus cabelos.

— Qual a lógica dos beijos? — ele questionou contra o meu ouvido, se


referindo ao filme.

— Não sei — sussurrei em resposta. — Acho que ela quis dizer que não seria
completamente dele.

— Ele teria o corpo, mas não teria os lábios? — Sua ironia me fez sorrir.

— Faço analogia ao coração, mas se quer pensar assim.

Percebi quando ele acenou em negativa.

— Então ele poderia ter o corpo dela, mas nunca teria o coração?

— Isso mesmo.

— Por quê?

— Eu não sei. Estou fazendo suposições. — Acenei em negativa. — Assista


o filme, Aaron.

Quinze minutos depois, até mesmo eu já começava a ficar com sono.


Acomodei-me a Aaron e lutei para não dormir.

— Não entendo como não percebem que estão apaixonados! — Mabel


murmurou, sua atenção completamente voltada para o filme.

Mordi os lábios para não rir. Ela realmente se envolve na história.

— Vamos para o quarto — Aaron sussurrou.

Eu apenas acenei em negativa.

Cerrei os olhos com força e pressionei meu rosto ao seu peito quando ele
usou sua mão direita para acariciar meus seios sob o vestido fino que eu vestia.

— Pare, Aaron — pedi de forma quase inaudível. Desconfiei que nem


mesmo ele ouviu. — Pare.

Respirei melhor quando ele fez o que pedi.

O filme estava prestes a acabar, quando eu comecei a achar que surtaria.


Fingia dormir, com o rosto pressionado ao seu peito, mas estava muito acordada
e terrivelmente quieta quando minha vontade era me mover contra seus dedos,
enquanto ele os movia sob minha calcinha e brincava com meu clitóris,
deixando-me cada vez mais molhada. O maldito adorava me torturar e sabia
fazer isso como ninguém.

— Querido, vamos. — Ouvi Mabel chamar vovô e mordi o peito de Aaron


com força antes de criar coragem para voltar a encará-los. Seus dedos me
abandonaram assim que vovô se levantou com Mabel.

— Nós arrumamos isso. — Minha voz soou rouca e frágil quando eu disse
aquilo. Pedi silenciosamente que eles achassem que isso se devia ao fato de eu
estar “dormindo” há alguns segundos.
— Boa noite — os dois desejaram antes de sair para o corredor. Quando ouvi
a porta do quarto de vovô se fechar, respirei melhor.

— Você não deveria ter me tocado aqui! Na frente deles! — sussurrei


exasperada.

Aaron falhou terrivelmente na tentativa de esconder seu sorriso.

— Só tentei deixar o filme mais interessante.

Ele já estava perto o suficiente para me beijar e o fez sem qualquer


dificuldade, mas me mantive imóvel.

— Vai me negar seus beijos também? — questionou contra meus lábios.

— Você estava me tocando, na frente do meu avô e da sua mãe! — sussurrei


com mais raiva ainda. Ele ficou em silêncio.

Acenei em negativa e expirei lentamente para me acalmar.

— Não faça mais isso.

Aaron consentiu e me deu um selinho, mas não cedi. Seus dedos enterraram-
se em meus cabelos para puxá-los, e me instigar a retribuir o beijo. Quando
permiti que sua língua encontrasse a minha, eu já estava deitada sobre o sofá.

A forma que ele me beijou e me tocou, me fez sentir feminina, desejada. Seu
toque aflorou todos os meus desejos, toda a minha vontade, necessidade dele.

Naquele instante me convenci de que não seria tão fácil assim me desligar
dele. Em algum momento destes dois meses, eu cheguei a achar que a qualquer
hora deixaria de querê-lo. Mas não podia estar mais enganada. Até agora eu não
havia admitido, mas aquela compulsão que me trazia para cada vez mais perto
dele, física e emocionalmente, não tivera nenhuma resistência minha, havia se
tornado algo forte demais para ser vencido por mim e eu não me importava com
isso, sequer temia que estivesse cometendo algum erro ao deixá-lo se aproximar
demais.

Quando ele acabou com o beijo, eu já arranhava seu peito como se ele
estivesse me torturando da pior forma possível e, de fato, estava. Seus beijos só
serviam para me deixar mais e mais excitada, principalmente, quando eram
beijos como estes.

— Aaron, estamos na sala. Vovô e Mabel estão a apenas alguns metros —


sussurrei beijando seu rosto. — Vamos para o meu quarto.

Ele não respondeu com palavras, apenas me beijou uma última vez, depois
me pegou em seus braços e me levou para o quarto.

— Você fez a barba — sussurrei próxima ao seu ouvido entre beijos que sabia
que arrepiariam a sua pele. — Adoro isso.

Assim que chegamos ao outro cômodo, ele me colocou no chão e fechou a


porta em seguida.

Tirei sua camisa e sua calça. Ele se livrou dos sapatos.

Aaron tirou meu vestido com uma agilidade já conhecida por mim e trouxe
meu corpo para o seu.

— Você conversou com sua ginecologista? — questionou e eu assenti.


— Estou tomando as pílulas desde sexta-feira.

Um beijo gentil foi deixado sobre minha tatuagem, depois ele seguiu até meu
pescoço — caminho que adorava percorrer entre beijos suaves — e um arrepio
de prazer perpassou por meu corpo e me fez fechar os olhos.

Não trocamos mais do que beijos durante estas duas semanas. E, por algum
motivo, nenhum de nós estava completamente desesperado para ter o outro.
Talvez também funcionássemos estando conectados de outras formas.

— Sabe há quanto tempo eu quero gozar dentro de você? Há quanto tempo


quero que minha porra preencha essa sua boceta perfeita?

— Você é um maldito muito depravado.

Puxei seus cabelos com força e o trouxe para me beijar.

— Eu sou — concordou entre beijos em meus lábios. — Mas você gosta.

Senti o colchão afundar contra minhas costas quando ele me colocou sobre a
cama e depois se colocou sobre mim, distribuindo seu peso perfeitamente. Não
demorou muito para que eu o sentisse sem a boxer.

Aaron delineou meu corpo suavemente. Desde a curva dos seios ao meu torso
e, em seguida, meu ventre, parando em minha calcinha e fazendo com que todo
o deleite e a amenidade do seu toque se concentrasse em meu âmago.

— Perfeita.

Seus dedos ágeis adentraram minha calcinha e Aaron gemeu baixo ao


perceber que eu já estava molhada novamente. Ele rasgou o tecido fino e um
gemido escapou de meus lábios quando ele roçou seu membro em minha
entrada.

— Não sei o que vai fazer para te impedir de gemer alto, mas é bom que
pense em algo. Rápido — ele disse.

Eu perdi a capacidade de registrar qualquer outra palavra quando senti seu


pau contra minha pele.

— Shhh...

Minhas unhas cravaram em seus ombros no instante em que ele pressionou


seu pau em meu clitóris.

— Como você quer que eu fique calada? — questionei sem fôlego, em seu
ouvido. — Não posso fazer isso.

— Pode sim.

Aaron colocou um pouco de seu membro dentro de mim e me provocou,


fazendo movimentos lentos de vai e vem. Meus lábios estavam próximos ao seu
pescoço e os pressionei a sua pele para conter meus sons de prazer. Não queria
que ninguém nos ouvisse e tivesse certeza do que acontecia aqui, mas ele estava
me deixando louca.

Minhas mãos envolveram sua nuca e ele continuou sua maldita tortura
enquanto eu também me movia contra ele, tentando aumentar aquele contato.

— Aaron... — pedi contra seu ouvido. — Por favor.

— Por favor, o que, Lola?


Cerrei os olhos com força e arranhei seus ombros quando ele parou de se
mover e minha pele o apertou dentro de mim.

— Quero todo o seu pau dentro de mim, agora. — Minha voz soou irritada.

— Tem sorte de eu estar louco por isso também, do contrário eu te provocaria


muito mais.

Sua boca sobre a minha abafou um gemido quando ele me penetrou da forma
que eu queria. Rápido, com força e de uma só vez. Senti todos os meus
centímetros serem preenchidos por ele.

— Porra, você está tão quente... Tão molhada.

Beijei-lhe suavemente e enterrei meus dedos em seus cabelos.

— Só pra você — confidenciei quando ele começou a se mover. Estocadas


profundas, rápidas, brutais e maravilhosas era o que ele me dava.

— Só para mim?

Assenti mesmo com os olhos fechados.

Eu sentia como se estivesse sendo transportada a um lugar desconhecido, do


qual eu não gostaria de sair. Nunca.

— Só pra você, Aaron — ratifiquei.

Aaron beijou meu pescoço e desceu devagar até meus seios. Arqueei meu
corpo e mordi meus lábios com força para me impedir de gemer quando ele
abocanhou meu seio direito e sugou o mamilo. Aquela altura eu já não sabia
diferenciar dor de prazer. Só sabia que a mistura estava me levando rapidamente
ao ápice.

Meu sexo se contraiu e ele gemeu baixo enquanto sua boca continuava a
trabalhar em meu seio. Fechei os olhos com força quando senti as primeiras
ondas avassaladoras do orgasmo pulsarem em mim. Antes que eu me perdesse
completamente no clímax, Aaron abandonou meu seio e girou nossos corpos,
deixando-me desta vez sobre ele.

— Maldito cretino depravado! — xinguei após um gemido de frustração. —


Eu não acredito que fez isso de novo, Aaron!

Semicerrei os olhos para ele e respirei fundo quando o vi apertar os lábios


para esconder um sorriso. A irritação pelo que ele havia feito, travou uma
batalha com a parte de mim que queria fazer aquilo. A primeira perdeu
vergonhosamente assim que percebi que nesta posição nos moldávamos
perfeitamente e eu o sentia tocar lugares novos em mim.

Meus olhos estavam fechados quando ele cobriu meus seios com as mãos e
os apertou. Depois ele levou as mãos por minha cintura até minhas nádegas e
pressionou meu corpo ao seu. Este pequeno movimento fez com que o prazer
despertasse em mim mais uma vez. Era como se nenhum contato, por maior que
fosse, chegasse a ser suficiente para nós dois.

Usei as mãos para me apoiar sobre seu torso e comecei a cavalgá-lo. O ritmo
era ditado pela quantidade desmedida de desejo que nos assolava, que pedia por
alívio.

Uma nova contração de meu sexo me fez senti-lo perfeitamente. Suas mãos
seguiram para minhas costas e ele acabou com a distância entre nossos corpos.
Minha respiração estava ofegante quando ele beijou meus lábios suavemente.
Senti meu lábio inferior ainda mais inchado após ele mordiscá-lo. Gemi baixo
contra sua boca quando ele foi apertado novamente em mim. Céus, isso é tão
bom. Aaron se colocou sobre mim e a mudança fez com que todo o prazer
dobrasse. Tomei coragem para abrir os olhos e fitá-lo.

— Que infernos você está fazendo comigo, Dolores? — questionou antes de


me beijar de maneira exigente, bruta e selvagem.

Não respondi, mas aquela pergunta ecoou por minha mente. Que porra esse
homem está fazendo comigo?

Minha pele estava suada, assim como a sua, e eu ainda estava um pouco
aérea depois do que Aaron me proporcionara. Fechei os olhos com força e
expirei lentamente tentando me acalmar após mais um turbilhão de sentimentos
e sensações intensas e avassaladoras.

Eu não tinha forças suficientes para me voltar para ele. Mantive meu rosto
contra seu peito. Acariciava suas tatuagens, delineando-as com perfeição.

— Quando é que nós vamos cansar disso? — murmurei, mais para mim
mesma que para ele.

O “apenas sexo” deixou de valer entre nós no momento em que ele me trouxe
para casa naquela quarta-feira, após me encontrar naquela floresta. Claro que
fizemos sexo após aquele dia, e como fizemos, mas não era somente isso.

Ou era e eu estou ficando louca.

— Espero que nunca — ele disse


— Eu os levarei para Tupandi, creio que até às oito da manhã nós já
estaremos lá. — Assenti ao ouvir Aaron repetir aquelas palavras.

Era pouco mais de quatro da manhã. Acordamos há quase uma hora e


começamos a arrumar as coisas para a viagem de vovô e Mabel. Tomei banho
primeiro e fui acordar os dois, para que eles se arrumassem. Preparei o café da
manhã enquanto Aaron tomava banho e agora estávamos em meu quarto
novamente. Ele terminava de se preparar.

— Tem certeza de que eles ficarão bem? — questionei. — Não conhecemos


aquelas pessoas e Antônio não estará lá!

Aaron parou de fechar os botões da camisa e se voltou para mim.

— Antônio me garantiu que este é um lugar seguro, Lola. Não temos outra
saída.

Expirei pesadamente.

— Eu sei — admiti.

— Vamos visitá-los todas as semanas. E manteremos contato por telefone.

Concordei antes de levantar da cama. Estava discutindo sobre isso, mas sabia
que não havia outra saída no momento.
— E a consulta de Mabel? — inquiri, enquanto me aproximava. — Você
precisará buscá-la na sexta-feira.

Ele voltou a me encarar após essa pergunta. Concentrei-me em arregaçar a


manga da sua camisa e levá-la até seu cotovelo.

— Mamãe está ciente desta consulta. Já fiz a troca de horários na empresa


também. Irei bem cedo buscá-la e a levarei ao médico.

Assenti novamente e comecei a arregaçar a outra manga.

— Ligarei para Natasha e pedirei que ela não saia de casa hoje.

— Estou preocupado com Suzana — murmurou.

Comprimi os lábios antes de olhar para ele.

— Natasha me disse que ela não passou os últimos dias muito bem, mas
Suzana é forte, Aaron — lembrei-o.

Ele suspirou e anuiu.

— Vamos?

— Sim.

Ele abriu a porta do quarto para mim e saímos.

— O que Mabel disse para convencer vovô a ir? — perguntei assim que
chegamos à cozinha.
— Eu não sei. — Ele franziu o cenho. — Mas agradeço por tê-lo convencido.
Com os dois seguros e juntos, nós dois ficamos mais tranquilos.

— Vamos precisar escondê-los até quando?

Aaron juntou as sobrancelhas ao ouvir minha pergunta. Não consegui ler sua
expressão e isto me incomodou.

— O mês já está acabando, Dolores. Se Olavo deixou algo para mim naquele
testamento, não me importa. Rodrigo ficará com tudo e vai nos deixar em paz.

Lembrei da conversa que tive ontem com Roberto e engoli em seco antes de
olhar nos olhos de Aaron novamente.

— Tantas coisas aconteceram por causa desse testamento — afirmei enquanto


recordava. — Tudo para chegar a isso?

Ele ficou em silêncio.

— Bom dia!

Afastei-me da mesa ao ouvir a voz de Mabel. Percebi que vovô estava ao seu
lado com a expressão séria.

— Bom dia — Aaron e eu murmuramos ao mesmo tempo.

Engoli em seco quando eles se aproximaram para sentar à mesa. Vovô


cumprimentou Aaron e depois veio me dar um beijo no rosto. Mabel beijou a
nós dois.
“Eu não vou ficar louca”, foi o que repeti para mim mesma pelo menos dez
vezes durante o dia.

Otávio havia faltado ao expediente de hoje e eu não fazia ideia do motivo.


Assustei-me apenas com o telefonema do RH às oito e um da manhã. Ligaram
para me avisar que eu ficaria no lugar dele durante o dia, já que o administrador
do setor de produção já estava no sexto andar.

Havia reuniões, decisões a serem tomadas e relatórios para entregar! Eu não


fazia ideia do que fazer primeiro! Ao menos eu sabia como fazer os relatórios e
já havia visto Otávio ponderar antes de tomar as decisões em nosso setor:
marketing.

Era quatro da tarde e somente agora eu estava voltando de meu almoço.

Recebi uma mensagem de Aaron avisando que vovô e Mabel já estavam em


Tupandi e lembrei-me de ligar para eles há pouco.

Natasha!

Eu deveria ter ligado para ela também!

Peguei o celular enquanto subia o elevador e a apreensão tomou conta de


mim quando chamou pela quarta vez e ninguém atendeu. Tentei ligar novamente
para sua casa e celular enquanto seguia para minha mesa para pegar a pasta que
precisaria para uma reunião.
Ninguém atendeu.

Liguei desta vez para Aaron, ele não estava sentado à sua mesa. Ele também
não atendeu.

Inferno!

Digitei uma mensagem rápida perguntando sobre Natasha. A preocupação já


havia tomado conta de mim.

Após a reunião, pouco antes das seis, eu liguei meu celular. Desci para meu
andar rapidamente e encontrei Aaron parado à frente do elevador, esperando-o.
Corri para minha mesa e peguei minha bolsa e casaco antes de segui-lo.

— Conseguiu falar com ela? — perguntei mesmo que outras pessoas


estivessem conosco.

— Não. E ninguém atende ao telefone da casa.

Fechei os olhos e iniciei uma breve oração.

Por favor, não deixe que nada aconteça a ela. Por favor.

Vesti o casaco enquanto saíamos. Disquei o número do celular de Natasha


novamente.

— Lola?

— Natasha! — praticamente gritei quando ouvi sua voz. — Onde você está?
Por que não nos atendeu antes?
Aaron parou ao meu lado e me encarou.

— Hoje era dia do grupo de estudos se reunir! Me desculpe, mas eles pedem
que os celulares sejam colocados no modo silencioso ao entrar na biblioteca.

Expirei mil vezes mais tranquila ao ouvir aquilo.

Aaron abriu a porta do carro para mim e entrei.

— Como você está?

— Bem. Acabei de sair da biblioteca. Estávamos combinando de ir ao


shopping comer algo... Pode ser?

Saímos do estacionamento da empresa e Aaron seguiu pelas ruas mais


estreitas, numa tentativa de fugir dos engarrafamentos. Mordi os lábios ao
lembrar de algo. Suzana estava em casa, por que não atendeu ao telefone?

— Quem está aí com você?

— Alguns amigos... E Vitor.

Olhei para Aaron e sussurrei:

— Vou deixá-la ir ao shopping com uns amigos, tudo bem?

Ele semicerrou os olhos.

— Que amigos?

Olhei para o relógio em meu pulso.


— Que shopping, Natasha?

— O Iguatemi. Próximo ao prédio de Aaron.

— Tudo bem. Deixe o celular ligado, vamos pegá-la no máximo às sete e


meia.

— Mas sete e meia...

— Sete e meia, Natasha — eu a interrompi. — Tome cuidado. Beijos.

Desliguei o celular e o guardei na bolsa.

— Por que a deixou ir?!

Voltei-me para Aaron e tomei coragem para dizer:

— Acho que algo aconteceu com Suzana.

Sua expressão se converteu a preocupação em questão de segundos.

— Liguei diversas vezes à tarde e ela não atendeu. Natasha estava estudando
com uns amigos.

Após minhas palavras entramos em um silêncio sepulcral. Nós dois nos


perdemos em pensamentos e medos durante o percurso para o prédio de Natasha
e Suzana.

Deus, não deixe que ela perca a mãe, por favor. Senti meus olhos arderem
apenas com este pensamento e virei-me para a janela do carro. Por favor.
Assim que paramos à frente do prédio antigo, era mais de seis e meia. Aaron
abriu a porta para mim e seguimos juntos para a entrada.

Escondi as mãos nos bolsos do casaco e apertei os lábios quando o medo


começou a me assolar por dentro.

Aaron pegou as chaves do bolso, mas ao colocá-las na fechadura, notamos


que já estava aberta. Meu coração pulou uma batida apenas por perceber isso.
Cheguei a ouvi-lo bater descompassadamente no peito.

— Espere aqui — ele pediu quando abriu a porta devagar.

Aaron me fuzilou com o olhar quando entrei na sala. Estava vazia. A cozinha
também. Trocamos um olhar antes de seguir para o corredor. Resisti à vontade
de pegar qualquer objeto para me defender e apenas o segui. Entrei no quarto de
Natasha e o verifiquei minuciosamente e em silêncio; quando saí, Aaron estava
fechando a porta do quarto que Mabel ficara quando esteve aqui.

Meu coração se apertou no peito quando seguimos para o quarto de Suzana.

Aaron abriu a porta e entrou, quando tomei coragem para segui-lo, ele já
estava próximo a cama de Suzana.

Me apressei a chegar à cama quando percebi que ela estava chorando.

— Suzana, o que houve?!

Aaron parecia perdido ao vê-la chorando copiosamente. Passei à sua frente e


sentei-me sobre a cama, ao lado dela.

— Suzana — sussurrei da forma mais gentil e afável que pude. Tirei os


cabelos que lhe cobriam o rosto e o limpei, mesmo que as lágrimas continuassem
a rolar. — O que aconteceu?

Ela se voltou para mim e aceitou quando ofereci o conforto de meus braços.

— Ele disse que a mataria — sussurrou.

Troquei um olhar com Aaron e o vi cerrar o maxilar.

— Rodrigo esteve aqui? — murmurei em seu ouvido. Ela apenas assentiu.

Olhei para Aaron novamente e o vi pegar o celular no bolso do casaco, ele


discou um número no telefone e seguiu para a porta. Olhou em nossa direção
uma última vez e percebi que a fúria de ontem estava de volta. Só que duas
vezes maior.

— Todos já sabem sobre ela, Lola — ela disse quando voltou a chorar. — Eu
mal consigo me manter de pé, como posso proteger minha filha?

Meu coração se apertou no peito e eu voltei a abraçá-la.

— Nós vamos protegê-la — assegurei. — Estamos aqui para isso.

Fechei os olhos com força.

— Eu estou aqui para isso.

Quando a imagem de Rodrigo inundou minha mente, eu abri os olhos e jurei


silenciosamente que se ele encostasse um dedo em Natasha, eu mesma o mataria.
Sem pena, sem me importar com o fato dele também ser filho de Mabel e irmão
de Aaron e Nat.
Deixei Suzana no quarto e fui até à cozinha para pegar um copo d’água e um
calmante para ela.

Esperei que ela dormisse e fechei a porta do quarto antes de seguir para a
sala.

Aaron ainda falava ao telefone quando adentrei à sala.

— Sexta? A que horas? Estaremos lá... Ok. — Ele desligou e proferiu um


palavrão sem perceber que eu estava bem próxima ao sofá.

— O que está acontecendo? — inquiri fazendo-o voltar-se para mim.

— Na sexta-feira o testamento será lido.

Me aproximei lentamente e ele continuou:

— Natasha também foi convocada, por isso Rodrigo veio aqui.

Bufei de raiva.

— Você já deixou claro que não quer nada de Olavo. Natasha não precisa da
droga desse dinheiro! Por que Rodrigo continua a infernizar nossas vidas? Não
está claro que ele ficará com a droga do dinheiro?!

Aaron desviou os olhos dos meus e contive a vontade de quebrar algo.

— Olavo não deixaria as coisas tão fáceis para nós.

Sentei-me sobre o braço do sofá e escondi o rosto entre as mãos. O ódio me


dominava aos poucos e eu pedia a Deus que me desse sabedoria para não me
deixar levar por este sentimento.

— Não sei por que permito que continue em meio a isso — ele murmurou
aparentemente preocupado.

Voltei-me para ele com os olhos semicerrados.

Repeti suas palavras mentalmente e quando o entendimento sobre elas ficou


perceptível, eu decidi responder:

— Você não tem que permitir nada, Aaron.

Ele arqueou as sobrancelhas, estupefato.

— Eu decidi aceitar o que me oferecia, eu decidi continuar nisso e eu decidi


desafiar Rodrigo. — Fiz uma pausa enquanto levantava. — Estou aqui até agora
porque quero e não porque você permitiu.

— Por que você decidiu continuar nisso, Dolores?

— Porque não tenho medo daquele filho da puta!

— Continua comigo por que não tem medo de Rodrigo?

Juntei as sobrancelhas ao ouvir aquilo.

— Não.

— E então, por quê?

— Por que está me perguntando isso? Deveríamos estar decidindo o que fazer
sobre Rodrigo! Se aquele filho da puta tocar em Natasha, eu mesma me
encarrego de matá-lo!

Ele fechou os olhos e quase pude ver seus pensamentos pairando sobre sua
cabeça. Suspirei pesadamente quando percebi que estava descontando minha
raiva nele.

Diabos!

— Vou ficar aqui hoje e amanhã as levarei para minha casa.

Concordei silenciosamente com aquilo.

— Precisamos ir pegar Natasha no shopping — lembrei-o, após verificar meu


relógio. Já passava de sete horas.

— Vou deixar você na sua casa e depois vou pegar Natasha. Rodrigo está na
mansão de Olavo. Não voltará aqui tão cedo.

Mordi os lábios para me impedir de retrucar sobre sua decisão.

Ele abriu a porta e me movi até ela quando ele a manteve aberta para mim.
“Não se prenda a sentimentos antigos

Tudo que se foi vivido me preparou para você”

(Monalisa – Jorge Vercillo)

— Amiga, o que houve? — Elise pareceu surpresa ao me ver ali.

Bem, eu não venho à sua casa com frequência e da última vez que estive aqui
foi porque levei um tiro. Ela tinha toda razão de estar surpresa.

Suspirei fortemente e mordi o canto dos lábios antes de dizer:

— Eu não sei.
Ela franziu o cenho, preocupada, e abriu a porta o suficiente para que eu
entrasse.

Eu estava remoendo pensamentos e lembranças em minha mente desde que


Aaron e eu saímos da casa de Natasha e Suzana. A pergunta dele havia me tirado
dos eixos, me tirado a verdade que eu mantive por tanto tempo, pois eu ainda
não sei a resposta para aquela pergunta. Não sei por que decidi continuar com
Aaron mesmo quando percebi que qualquer interação com ele me deixaria no
campo de visão de Rodrigo e à mercê do perigo que ele não fez questão de
esconder que exalava.

Inferno!

— O que está acontecendo, Lola? — Elise repetiu assim que nos sentamos no
sofá de sua sala.

Acenei em negativa e criei coragem para encará-la.

— Aaron e eu discutimos. — Ela ergueu as sobrancelhas em evidente


surpresa, mas continuou em silêncio, esperando minhas próximas palavras. —
Ele quis saber por que eu continuava com ele mesmo depois de tudo e eu... eu
não soube o que dizer.

Eu sabia que precisaria contar tudo o que estava acontecendo a Elizabeth,


mas isso não me importava. Não mais. Eu achava até mesmo que desabafar
sobre tudo seria bom para mim.

— Achei que o que tinham era puramente sexual.

— Eu também... — admiti em voz baixa. — Até o irmão dele me sequestrar,


até ele me contar sobre a sua família, até eu perceber que estávamos nos dando
bem fora da cama, até eu descobrir que ele conhecia meu avô, que sua mãe era
Mabel. Eu achei que o que tínhamos se limitava a sexo até conhecer o Aaron por
trás de toda aquela discrição, até conhecer sua família, até perceber que tudo o
que ele tentava fazer era para proteger quem amava.

Sua expressão confusa me pedia uma explicação. Respirei fundo antes de


começar a lhe contar sobre tudo o que aconteceu. Deixando de lado apenas o
fato de vovô estar se escondendo com Mabel, os detalhes sobre o pai e o irmão
de Aaron e a localização e identidade de Natasha.

— Meu Deus! Como você pode ter vivido tudo isso sem nos contar, sem nos
pedir ajuda?! — exclamou sem pausas.

Baixei os olhos e escondi o rosto com as mãos, envergonhada.

— Me desculpe! — pedi.

— Eu sabia que estava mentindo sobre o maldito tiro! — concluiu, parecendo


ainda mais brava.

Apertei os lábios e voltei a fitá-la.

— Ok, isso não está em questão e se você não contou foi porque tinha bons
motivos — ela ponderou.

Fiquei em silêncio e Elise prosseguiu:

— Se o que vocês têm não é apenas sexo, o que é?

— Eu não sei. Nenhum de nós se importa com isso, Elise — contei. — A


realidade que nos basta é que estamos juntos e não pretendemos nos afastar... Ou
não pretendíamos.

— Por que está dizendo isso?

— Acho que Aaron se arrependeu de não ter tentado me tirar disso desde o
início. Ficamos bem preocupados hoje. Eu estava brava e quando ele disse que
não deveria permitir que eu continuasse ao seu lado, eu surtei, eu acho... Não
queria ouvi-lo dizer que se arrependia daquilo. E começamos a discutir.

Ela suspirou.

— E você quer continuar com ele? — Assenti. — E não sabe o motivo?

O leve tom de ironia na sua última pergunta me fez murmurar:

— Não acho que esteja apaixonada, amiga. Não fiquei assim com André.

Elise engoliu em seco e mordeu os lábios.

— Não acho que deveria tentar comparar o que sentiu por André com o que
pode estar sentindo por Aaron.

— Por que está dizendo isso?

— Amiga, olha, eu não estava aqui quando você teve o lance com André.
Acompanhei muito pouco o que vocês tiveram. — Juntei as sobrancelhas ao
perceber que ela parecia indecisa enquanto procurava as palavras certas. —
Posso estar errada... Mas nunca achei que você o tivesse amado.

Minha expressão facial tornou-se estupefata.


— Por que está dizendo isso? — repeti.

— Você estava frágil quando o conheceu. Seu avô estava doente no hospital,
sua vida estava uma loucura... Você estava tão abalada com o que aconteceu com
o seu João que achou que fosse perdê-lo.

Franzi o cenho ao ouvir aquilo. Tudo o que ela dizia era repassado em minha
mente em uma lembrança sombria e dolorosa.

— Acho que André foi o seu escape quando você estava com medo de ficar
sozinha.

Tentei digerir aquelas palavras, mas tive dificuldade de fazê-lo. Parecia ser
muita informação para um período de tempo muito curto.

— Você não queria perder nenhum deles quando seu avô melhorou, mas
quando André foi embora você...

— Eu sofri... — murmurei. — Como se uma parte de mim tivesse sido


arrancada.

— Você sentiu como se ele tivesse te abandonado. — Voltei-me para ela ao


ouvir aquilo. — Como Elaine fez.

Senti lágrimas em meus olhos ao lembrar disso. Continuei apenas a encará-la.


Eu me recusava a derramar qualquer lágrima por isso.

— Sempre achei que o que você teve foi mais platônico, mas não posso
afirmar nada, amiga. Somente você sabe o que sentiu, assim como apenas você
pode descobrir o que sente por Aaron.
Engoli em seco e me obriguei a admitir:

— Gosto de tê-lo perto de mim.

— Pelo visto, ele também.

Expirei lentamente e fechei os olhos.

— Achei que tivesse escolhido ficar com ele porque tínhamos em comum o
fato de querermos proteger nossas famílias.

— E não era isso?

— Agora vejo que não. Eu só estava procurando uma desculpa para mim
mesma. Algo que fizesse a decisão de continuar com ele ser coerente... Ter
algum sentido.

Ficamos em silêncio por alguns segundos, apenas pensando, até que ela disse:

— Então você gosta de ficar com ele e ficou com ciúme de Jéssica.

Ri sem humor ao me afastar dela.

— Não fiquei com ciúme daquela oferecida — afirmei com os olhos


apertados ao lembrar de Jéssica.

Elise apenas arqueou uma sobrancelha, cética.

Inferno! Nem mesmo eu acreditava em minhas palavras.

Cerca de meia hora depois, eu estava finalmente seguindo para minha casa.
As palavras de Elise trouxeram diversas perguntas à minha mente. Fechei os
olhos por um momento e pensei sobre tudo o que ela me disse.

Passei todo esse tempo achando que amava André, sem realmente amá-lo?

Devo admitir que não me importo com isso agora. Também não me importo
com o fato de ter certeza de que Elise estava certa em tudo o que disse depois
disso, menos a parte que estou apaixonada. Não sei se realmente estou
apaixonada, afinal, como se descobre isso? Eu não deveria saber se o amasse
realmente? E como confiar no meu discernimento se eu provavelmente passei
dois anos achando que amei um homem, sem realmente amá-lo?

Meu cérebro se recusava a acreditar no que eu estava vendo. Decidi reler


aquele e-mail e, em seguida, o fiz novamente apenas para ter certeza sobre o que
estava escrito.

Pesquei uma palavra aqui e outra ali e a ansiedade me fulminou por dentro.

Era um convite. A Airmac, a maior empresa de geradores do país, estava me


informando sobre uma oportunidade de emprego na área administrativa de sua
matriz aqui em Porto Alegre. Eu deixei currículo lá após me formar na
faculdade, há dois anos! Como podem ter demorado tanto para vê-lo?

“Não importa!”, pensei. Ao menos eles o fizeram e me chamaram para este


processo seletivo.
Precisei de um segundo a mais para que a ficha sobre isso caísse.

Eu tinha uma nova chance.

E desta vez, mesmo que fosse contratada como auxiliar, possuía mais chances
de ser remanejada, do que aqui na revista. Cerrei os olhos por alguns segundos e
agradeci silenciosamente a Deus por isso.

Um sorriso enorme estava em meu rosto quando comecei a anotar as


informações necessárias para levar à entrevista e detalhes sobre horário e local.
Fechei meu notebook e o deixei sobre a poltrona ao meu lado.

Eu estava no horário de almoço do trabalho, era pouco mais de duas da tarde,


e decidi pegar meu notebook e verificar meus e-mails. Não acreditei quando vi
um e-mail com assunto “Processo Seletivo”. Sentia-me eufórica por dentro,
mesmo que por fora apenas o sorriso em meu rosto deixasse perceptível a minha
felicidade. Claro que eu sabia que a vaga não estava garantida para mim, mas me
esforçaria ao máximo para consegui-la e isso já valia.

A porta da sala de descanso foi aberta e engoli em seco ao ver Aaron entrar.
Não nos víamos desde ontem à noite. Ele demorou para me ver e pareceu
surpreso ao me avistar ali.

Encaramo-nos sem dizer nada até que eu decidi aproveitar que não havia
mais ninguém ali e levantei, guardei minhas coisas e segui para o banheiro.
Esperei que ele entendesse. Precisei lidar com minha apreensão enquanto
encarava meu reflexo no espelho e o esperava. Apesar de ter dormido tarde, eu
parecia bem. O delineador e a máscara de cílios não me deixavam muito
maquiada, mas meu atípico batom rosa me garantia uma expressão mais suave.
O corte do vestido social vermelho também me caía bem.
Aaron fechou a porta assim que adentrou o pequeno banheiro. Havia apenas
dois boxes e o espaço com balcão e uma pia. Quando se voltou para mim, eu
decidi dizer:

— Eu não sabia a resposta quando me fez aquela pergunta, por isso respondi
com evasivas idiotas — admiti surpreendendo-o. Tinha certeza de que ele não
esperava que eu retornasse àquela conversa. Nem que o fizesse desta forma.

Céus! Era muito mais difícil dizer aquilo olhando-o nos olhos — percebi
assim que tomei fôlego para continuar.

— Lola, você não...

— Eu não queria, e não quero, me afastar apenas por causa do seu irmão. Por
isso decidi continuar com você.

Esperei aflita que ele dissesse algo. Um, dois, três segundos se passaram e
Aaron continuou apenas a me fitar. A expressão dele foi de surpreso a admirado.

— O que a faria se afastar? — questionou momentos depois.

Juntei as sobrancelhas e pensei por um momento.

— Uma traição... Ou uma mentira.

Ele semicerrou os olhos e acenou em negativa, depois suspirou como se


aquela resposta o deixasse muito mais tranquilo. Meu coração saltou no peito
quando o vi se aproximar.

— Não há com o que me preocupar então. — Cerrei os olhos quando Aaron


roçou seus lábios aos meus e sugou o inferior. Senti minhas pernas
enfraquecerem antes dele segurar em minha cintura e finalmente me beijar. O
alívio me preencheu após aquele contato. Minhas mãos seguiram rapidamente
para seus cabelos e não hesitei em retribuir o beijo. Ele me trouxe para perto de
si e sua mão direita seguiu para minha nuca, enquanto a esquerda se manteve em
minha cintura.

— Achei que tentaria me tirar dos seus... — murmurei, mas ele me


interrompeu:

— Eu só estou preocupado com você, Dolores... Você não tem nada a ver
com o que está acontecendo.

— Eu já disse que não precisa se preocupar comigo.

— Não aja como se eu estivesse exagerando. — Ouvi-o dizer. — Mamãe,


Natasha e Suzana não são nada para você, então não...

— Não diga isso. Eu me importo com elas! — adverti.

Aquilo o deixou em silêncio. A nós dois, na verdade.

Meus lábios se entreabriram quando ele os delineou com o polegar. A dúvida


sobre o que havia em seus olhos me inundou. Parecia ser algo entre ternura e
admiração, eu não fazia ideia.

Fechei os olhos quando seus dedos vagarosamente enterraram-se em meus


cabelos. Expirei lentamente e ele fez o mesmo. Segundos foram suficientes para
nos acalmar. Ele beijou minha testa e me abraçou. Eu não esperava por aquilo,
mas um sentimento de plenitude me invadiu e, enquanto eu sentia as batidas
regulares de meu coração sob o seu, tive certeza de que era ele que me fazia
sentir daquela forma... Completa.
— Se arrependeu disso? De ter concordado que eu ficasse? — perguntei.

— Não. — Acomodei meu rosto em seu peito após ouvir aquela resposta. —
Me arrepender seria o mesmo que lamentar ter vivido essas últimas semanas.

Céus! Eu nunca estaria preparada para este Aaron.

No dia seguinte, Aaron me levou para jantar em seu apartamento. Suzana e


Natasha estavam lá e esta queria falar comigo.

— Achei que não fosse mais deixar que Otávio se aproveitasse da sua boa
vontade — foi a primeira coisa que Aaron me disse, após sentar no banco ao
meu lado.

Bufei.

Ele manejou o carro com habilidade e nos tirou do estacionamento da


empresa.

— Você não deve se incomodar por mim, Aaron!

— Eles se aproveitam de você, Dolores. — Ele manteve a seriedade em sua


expressão e seu tom. — Claro que vou me importar.

Revirei os olhos e voltei-me para a janela do carro. Minutos se passaram e o


silêncio reinou naquele veículo.
Ele voltou a me fitar enquanto esperava que o portão da garagem subterrânea
do prédio fosse aberto. Suspirei lentamente e o encarei também.

— Hoje precisei entrar ao meio-dia — esclareci. — Apenas por isso fiquei


até às oito, ok?

Ele expirou antes de voltar a dirigir para chegarmos ao estacionamento.

— Vai me contar o motivo disso?

Acenei em negativa.

— É uma surpresa — murmurei ao lembrar da entrevista que fiz hoje. Um


sorriso involuntário tomou conta de meus lábios. — Mas preciso ter certeza
sobre ela antes de contar.

Ele arqueou a sobrancelha esquerda e semicerrou os olhos, visivelmente


desconfiado, mas depois a sombra de um sorriso aplacou aquela expressão.

— Tudo bem — concordou.

Me livrei do cinto de segurança quando ele finalmente estacionou o carro e


saiu. Peguei minha bolsa e deixei o carro assim que Aaron abriu a porta para
mim.

— Falei com o vovô hoje — avisei-o. — Eles estão bem e vovô pediu que eu
confirmasse a consulta de Mabel na sexta-feira.

Aaron assentiu ao apertar no botão de seu andar, no elevador.

— Sábado poderemos visitá-los — lembrou-me.


Quando chegamos ao apartamento de Aaron, Natasha estava no banho e
Suzana estava na sala. Ele foi ao seu quarto para banhar e segundos depois Nat
adentrou a sala.

— Ah meu Deus! Ainda bem que você veio! — ela murmurou ao me ver
conversando com Suzana. Sorri.

— Sabe que eu prefiro conversar com esse Vitor antes de falar dele para o
Aaron — insisti.

Ela suspirou enquanto se aproximava. Pareceu se preocupar com minhas


palavras.

— Eu sei, eu sei! Podemos marcar para vocês conversarem amanhã mesmo!


Isso não é problema. É só que nenhum de nós quer continuar a esconder isso de
Aaron.

— Ele é um bom menino, Lola — foi a vez de Suzana dizer.

— Ok.

Esperamos Aaron voltar e jantamos em silêncio. Apenas Natasha e eu


trocávamos olhares, ela parecia temer o que ele diria. Tentei sorrir e encorajá-la.

— Quando vão me dizer o que está acontecendo?

Me assustei ao ouvir a pergunta de Aaron quando levantei para ajudar


Natasha a arrumar a mesa.

— Droga — ela sussurrou vindo até mim, que tentava organizar minhas
palavras.
— Não é nada de mais — comecei após trocar um olhar com Suzana. Deixei
a louça, que ainda segurava, sobre a pia e voltei-me para ele.

Aaron levantou da cadeira e se colocou à nossa frente.

— Natasha se apaixonou por um colega de estudos e eles estão namorando.

Ele semicerrou os olhos para ela e a encarou.

— Marcaremos um jantar para que você o conheça na próxima semana —


prossegui. — Então, peço que seja educado e não o julgue antes de conhecê-lo.

— Namorando?

Entrelacei meu braço ao de Natasha quando Aaron lhe pediu uma resposta.

— Nós estamos apaixonados, Aaron!

— Como pode ter certeza disso, Natasha?!

Reprimi um suspiro de cansaço.

— Tenho certeza disso toda vez que o vejo — murmurou.

— E ele? Você acreditou apenas por que ele disse que te amava?! — inquiriu
com raiva.

Expirei lentamente e olhei para Natasha quando ela demorou para lhe dar
uma resposta. Ela estava chorando.

— Ele não é o Matheus — sussurrou.


Quem infernos é Matheus?

— Eu já o conheço, Aaron — Suzana falou. — Ele é um bom menino.


Esforçado e responsável. Realmente gosta de Natasha. Não se preocupe com
isso.

— Depois nós conversamos — ele murmurou para Suzana. — Como posso


ter certeza de que esse filho da puta não quer apenas transar com você?!

Meus olhos se arregalaram e minha boca se abriu num “o”.

Natasha começou a chorar audivelmente e não permiti que ela saísse da


cozinha quando tentou. Semicerrei os olhos para Aaron ao abraçá-la.

— Você nunca terá essa certeza. Vai precisar confiar nela, Aaron! — foram
minhas palavras.

— Conversamos no quarto.

Ignorei suas palavras e o tom áspero que ele usou antes de sair.

— Quem é Matheus? — sussurrei para Suzana.

— Um garoto do passado — ela respondeu após beijar os cabelos de Nat e


acariciá-los. — Ele apostou com os amigos que conseguiria ser o primeiro de
Natasha.

Expirei profundamente ao entender a fúria de Aaron. Nat é a menina dos seus


olhos. Nem quero imaginar a reação dele ao descobrir sobre esse tal Matheus.

— Não desmarque o jantar — sussurrei para ela. — Vou conversar com


Aaron.

Suzana levou Natasha para o quarto que elas estavam dividindo e fui ao
quarto de Aaron. Bati duas vezes e a falta de resposta me fez abrir a porta de
uma vez.

— Eu não me importo com a porra do dinheiro que você quer ou com nada
que você pretende fazer. — Ouvi-o dizer, mas não o vi no quarto. — Se tocar
nela, eu te mato.

Rodrigo, concluí enquanto me aproximava do banheiro.

— Pro inferno a Fernanda!

Encostei-me à parede próxima à porta do banheiro e fechei os olhos. Ele


parecia mais furioso que minutos atrás.

Ouvi os estilhaços de algo se partindo e decidi abrir a porta quando percebi


que ele havia quebrado o espelho do banheiro.

Eu vi sua mão direita agarrada a pia, os nós de seus dedos sangravam. Ele
ouvia o irmão falar algo ao telefone e quando percebeu que eu estava ali, seu
olhar se deteve em mim.

Maldição! Senti como se aqueles olhos penetrassem em meu interior e


pudessem visualizar meus pensamentos, minha alma.

Adentrei aquele compartimento e abri os armários sobre o balcão para pegar


o kit de primeiros socorros, que eu já havia visto ali.

— Não acredito em uma palavra do que disse — o tom cortante usado por ele
fez com que um arrepio percorresse todo o meu corpo. — Porque ela não me
trairia ou me esconderia algo assim.

Retirei o soro da pequena caixa e fiz o mesmo com as gases e o antisséptico.

— Vá pro inferno! — Sua voz estava muito mais fria ao dizer estas últimas
palavras.

Fechei os olhos involuntariamente quando o ouvi deixar o celular sobre a pia.


Inspirei profundamente quando um pensamento me passou pela cabeça, sobre o
que Rodrigo pode ter dito. Virei-me para fitá-lo e o encontrei já me encarando
atentamente.

— O que houve? — perguntei.

Ele acenou em negativa e pareceu tentar expulsar pensamentos de sua cabeça.


Engoli em seco.

Inferno! O que Rodrigo inventou desta vez?

Surpreendi-me ao vê-lo se aproximar, mas o que vi em seus olhos me deixou


confusa. Não havia fúria ali e sim insegurança mesclada a um desejo de
possessão, que só aumentou à medida que ele se aproximava.

Hesitei, indecisa sobre retribuir seu beijo, mas quando uma de suas mãos
segurou minha cintura com firmeza e me trouxe para si, qualquer indecisão foi
mandada ao inferno. Sua língua foi exigente e inflexível ao guiar a minha, Aaron
não me deu chance, a não ser me submeter ao seu beijo. O desejo e vigor
insaciável só aumentaram em ambos quando ele levou suas mãos às minhas
nádegas e pressionou meu corpo ao seu. Gemi entre o beijo e puxei seus cabelos
com força para trazê-lo para perto e, consequentemente, aumentar o contato
entre nós.

Ouvi o som da caixa de primeiros socorros, que eu peguei anteriormente, cair


no chão após ele derrubá-la. Aaron suspendeu meu corpo e me colocou sobre
aquele balcão.

Eu estava ofegante quando ele acabou com o beijo e seus lábios fizeram uma
trilha deliciosa de beijos e chupões por meu rosto e pescoço, ao passo que ele
também alisava minhas pernas e erguia meu vestido.

Porra! Eu já me sentia quente, quase pronta para ele.

— Aaron... — proferi seu nome, mesmo que ele soasse apenas um gemido
baixo aos meus ouvidos. Procurei forças dentro de mim mesma para acabar com
aquilo e coloquei minhas mãos sobre o seu peito antes de afastá-lo.

— O que ele disse? Por que você ficou assim? — questionei.

— Não quero falar sobre isso — respondeu antes de tentar me beijar


novamente.

Segurei suas mãos com força e virei o rosto, mas seus lábios o beijaram
suavemente e seguiram para minha orelha. Um arrepio de prazer se espalhou por
meu corpo quando ele sussurrou meu nome em meu ouvido. Suspirei.

— Estavam falando de mim? Por quê? — tentei novamente.

— Dolores — ele repreendeu.

Afastei suas mãos de meu corpo.


— Não quero mais discutir — falei. — Podemos conversar, por favor?

Ele franziu o cenho por um segundo e disse:

— Ele só estava me provocando.

Expirei lentamente e desviei meus olhos dos seus. Peguei sua mão que estava
machucada e trouxe para o meu colo.

— Te provocou a ponto disso?

Ele ficou em silêncio por alguns segundos até que eu voltasse a encará-lo.

— Ele disse que tocou em você quando foi atrás dele, que você gostou, que é
gostosa e que ele vai repetir a dose.

— Aaron... — interrompi quando um peso enorme pendeu sobre o meu


coração. Tentei encontrar rapidamente uma forma de contar como aquilo
aconteceu.

Ele arqueou uma sobrancelha e vi seu rosto se tornar impassível enquanto ele
percebia o que eu estava prestes dizer. Pude ver também suas barreiras se
erguendo. Me desesperei para fazer algo para mudar aquilo.

— Ele tentou me tocar, mas não gostei de nada! Foi exatamente por isso que
atirei nele! — explodi quando ele se afastou.

Algo em meu peito trincou dolorosamente, mas não consegui tirar meus
olhos dos seus e lidar com a dor crescente em mim. Ele virou de costas e cerrei
os olhos com força.
— Atirou por que não gostou?

— É claro que não! Eu atirei porque aquele filho da puta colocou aquelas
mãos nojentas em mim! — gritei enfurecida ao descer daquele balcão.

Eu não sabia o motivo, mas minha respiração estava pesada. Seu silêncio me
angustiou mais que qualquer coisa naquele momento.

Aaron estava usando as mãos para se apoiar à pia, sua cabeça estava baixa.
Eu estava um pouco distante quando parei atrás dele.

Deus, que ele não esteja imaginando como isso aconteceu. Por favor.

Forcei-me a ficar ali e esperar que ele dissesse qualquer coisa. Encarei-o
através dos estilhaços do espelho que continuavam presos ao suporte da parede.

Eu já não podia perceber nada ou entender qualquer coisa que estivesse se


passando com ele.

— Por que não me contou?

— Porque tinha certeza de que você não gostaria de saber disso. Eu consegui
o que queria, você estava solto e não havia motivo para contar isso.

— O que mais você me esconde?

Suas palavras me deixaram estupefata. Não fui capaz de lhe dar uma resposta
quando ele voltou a me encarar. A desconfiança em seu tom me machucou. Mais
do que eu admitiria um dia.

Respirei fundo uma vez e respondi:


— Fiz uma denúncia de assédio sexual. Acho que por isso ele foi preso tão
rápido.

Mordi a parte interna dos lábios quando ele se aproximou, fechei os olhos e
ele acariciou meu rosto suavemente. Achei que ele fosse me beijar, mas não o
fez.

— Eu posso ser louco por você, Dolores, mas eu não vou aceitar que minta
ou omita qualquer coisa assim de mim. Não interessa se eu vou ou não gostar de
saber. Confiei em você e espero que também confie em mim.

Baixei os olhos antes de ele seguir para a porta.

— Eu te levo pra casa.

Meu estado de torpor se agravou ao ouvir suas últimas palavras. Precisei de


alguns segundos para me obrigar a sair daquele banheiro.

O percurso até minha casa foi preenchido por um silêncio sepulcral. Eu


odiava saber que isso, de alguma forma, me machucava ainda mais.

Pela primeira vez desde que nos conhecemos, consegui realmente entender
uma atitude sua. Aaron queria tempo para pensar sobre o que aconteceu hoje.

Deixei a bolsa sobre o sofá e segui diretamente para o meu quarto. Deitei-me
sobre a cama e encarei o teto por alguns minutos. Por mais que eu tentasse
encontrar motivos para me fazer acreditar que eu estou certa, eu não consigo
encontrá-los, e devo admitir que não estou. Seria hipocrisia da minha parte não
concordar com suas últimas palavras. Eu estava escondendo coisas importantes
dele, quando Aaron passou a me deixar ciente sempre que algo acontecia.
Suspirei audivelmente e cobri o rosto com as mãos.

Deus. Ele confiava em mim. Realmente confiava.

Aaron não acreditou nas palavras de Rodrigo, sequer tentou me fazer


confessar as mentiras que seu irmão inventou. Ele confiou que eu não o trairia,
que não esconderia nada dele e, no fim, eu o fiz.

E agora? Como estamos?

Definitivamente eu não sei. Contudo, segundo suas palavras, ele não pôs um
fim a nada. Estava apenas bravo. E talvez magoado.

Encolhi-me na cama e peguei um travesseiro para me abraçar. Percebi que,


mesmo que fraco, o cheiro de Aaron continuava impregnado ali.

Diabos! Eu já estava mais acostumada a tê-lo perto do que eu imaginava.

Tentei frear a nova enxurrada de pensamentos e lembranças que me


desnorteou por alguns segundos, quando fechei os olhos e as lembranças
voltaram vívidas.

“Eu só estou preocupado com você, Dolores...”

“Eu posso ser louco por você...”

Céus! Ele disse isso. Aaron realmente disse isso.

Na hora não tive tempo de prestar atenção nas palavras e no significado


delas, mas agora sentia meu corpo vibrar apenas por lembrar disso.
Espero, de verdade, que as coisas se consertem entre nós.

Na quinta-feira, às cinco e meia da manhã, eu já fazia minha corrida matinal.


O clima insuportavelmente frio não me abalou, pois eu conseguia me aquecer
com o que vestia e manter minhas sinapses trabalhando também ajudava.

Right Now, de Rihanna, explodia em meus ouvidos e aquilo deixou a corrida


mais animada. Hoje eu decidi colocar a playlist do celular apenas nas músicas
dela.

As ruas estavam pouco movimentadas, como de costume neste horário.

Estávamos na metade do mês de outubro. Um mês e meio até o Natal. Eu


tinha esperanças de que todos esses problemas já tivessem chegado ao fim até lá.

Diminuí minhas passadas e fiz uma pausa para tomar água. Era a segunda
volta que eu dava no quarteirão. Estava na hora de ir para casa.

Eu estava andando pela praça quando Skin começou a tocar. Meu inglês não
era dos melhores, mas eu conseguia me virar um pouco e entender alguns versos
da música. A letra é sexy, instigante e até depravada. Isso fez com que um
sorriso surgisse em meus lábios. Era como ouvir o sexo entre mim e Aaron, em
uma música.

Eu já estava próxima à minha casa quando a música acabou e outra começou


a tocar. Meus pensamentos já estavam dispersos em lembranças das coisas que
aconteceram nos últimos dois dias.

Como eu poderia me sentir preocupada, feliz e ansiosa ao mesmo tempo?

Amanhã é o dia da leitura do maldito testamento do Olavo, assim como o dia


do reencontro de Aaron e Rodrigo. Eu não sabia o que esperar das exigências de
Olavo. Mas já estava preocupada por ter certeza de que não seria nada bom.

Hoje terei o almoço com Vitor e Natasha. Ela me mandou uma mensagem
ontem mais de onze da noite. Concordei em encontrar o garoto porque até
mesmo eu fiquei preocupada com Nat ao saber do tal Matheus.

Ontem, a ansiedade e a felicidade me preencheram até às oito da noite. O


processo seletivo na Airmac foi ótimo e a entrevista com a psicóloga realmente
animadora. No entanto, a preocupação e a felicidade também me inundaram
após a conversa que tive com Aaron. Isso deve ser excentricidade da minha
parte; ficar feliz com o que ele disse ontem. Ao menos eu achava que a euforia
em mim era felicidade, que a sensação leve e plena era felicidade. Porém, seu
humor ao final daquela discussão me deixou preocupada por saber como
realmente estamos agora. Ontem, quando ele me levou para casa, uma pontada
aguda de tristeza me assustou quando ele se despediu com apenas um selinho.

Suspirei cansada daqueles pensamentos e esperei o sinal ficar vermelho para


que eu atravessasse. Tirei os fones e os guardei no bolso do moletom quando um
carro vermelho parou.

Peguei minhas chaves e abri o portão.

Tomei um banho rápido e me arrumei sem muita pressa. Vesti uma saia preta
na altura dos joelhos sobre uma meia calça preta, uma blusa cinza e um casaco
preto completava o visual “mulher de negócios” que o salto me dava.

Preparei um café e o tomei com algumas torradas. Peguei duas maçãs antes
de sair da cozinha para ir ao quarto arrumar minha bolsa.

Toquei no bolso do casaco, meu celular estava nele.

Era pouco mais de seis e meia quando peguei as chaves de casa e saí.

Procurei em minha bolsa a minha carteira enquanto seguia para a parada de


ônibus. Meu coração vacilou no peito quando um carro preto passou a
centímetros de distância de meu corpo. Xinguei baixo o maldito motorista, que
já estava longe. O filho da puta estava correndo em alta velocidade a essa hora
da manhã.

Afastei-me em um sobressalto da calçada quando um carro vermelho parou


ao meu lado. Ouvi as batidas ensurdecedoras de meu coração e me forcei a
voltar a andar, e parar de encarar os vidros negros do carro.

Olhei para os lados à procura de qualquer pessoa. Eu estava a pelo menos


quatrocentos metros da parada e apenas lá havia pessoas.

“Porra. Porra. Porra!”, repeti em pensamento quando ouvi a porta do carro se


fechar.

Voltei-me para o carro novamente a tempo de ver apenas dois homens com os
rostos completamente cobertos, muito próximos de mim. Quando minha boca se
abriu para gritar, um deles avançou sobre mim com um pedaço de camisa e a
colocou sobre meu nariz e boca.

Inferno! De novo não.


Debati-me contra ele, mas ele me prendeu com uma chave de braço e o outro
homem o ajudou a me controlar.

Meus olhos lacrimejaram e me forcei a não desmaiar. Era impossível pensar


naquele momento, mas quando percebi que eles me levavam ao carro, uma ideia
louca me veio à mente.

Fechei os olhos e desfaleci sobre os dois, que me pegaram rapidamente.

Meu coração batia descontroladamente no peito e não tentar levar ar aos


meus pulmões com desespero, foi praticamente impossível.

— Cuidado para não a machucar — um dos homens murmurou quando


apenas um deles me tomou em seus braços. Mantive os olhos fechados e ouvi o
que achei ser o porta-malas ser aberto. — Depois pegue a bolsa dela no chão.

Eu conhecia essa voz. Percebi e o desespero em mim aumentou. Quem estava


tentando me sequestrar agora?

Fui colocada dentro de algo abafado e extremamente fedorento. Fingi deixar


meu braço cair para fora e o homem o pegou, desta vez suavemente e o
acariciou.

— Não acredito que estamos fazendo isso. — Sua voz soou baixa, mas tão
rouca, que novamente tive certeza de que conhecia esses homens.

Mas de onde? Quem são?

O porta-malas foi fechado e abri os olhos para encontrar apenas a escuridão.

— Deus! O que morreu aqui dentro? — me perguntei em voz baixa quando


percebi que meu corpo estava completamente encolhido ali.

O carro entrou em movimento e fechei os olhos por um momento para me


obrigar a pensar, mas foi impossível. Eu já sentia meu corpo reclamar, não
estava conseguindo respirar direito e o carro parecia trafegar por uma rua de
terra cheia de buracos.

“Calma. Apenas mantenha a calma”, repeti para mim mesma.

O que Rodrigo queria comigo agora?

Se é que era ele.


“Nós somos cúmplices, nós dois somos culpados

No mesmo instante em que teu corpo toca o meu, já não existe o certo nem o
errado

Só o amor que por encanto aconteceu”

(Deslizes – Fagner)

Me preparei para o que faria assim que ouvi a porta do carro ser fechada.
Cerrei os olhos e me concentrei no som de seus passos. Inclinei as pernas um
pouco mais e quando o homem finalmente abriu o porta-malas, eu chutei seu
peito com força, fazendo-o fazendo cair a uma distância segura do carro.

Não perdi tempo antes de sair dali. Me assustei ao perceber que eu estava em
um estacionamento deserto, não havia para onde correr, muito menos havia algo
para me proteger ou me esconder.

Arregalei os olhos ao ver o homem tentar levantar e corri até ele para chutar o
seu rosto e torso. Ele continuava com o rosto escondido.

— Que golpe mais covarde.

Virei-me abruptamente ao ouvir a voz do outro homem.

— E o que vocês fizeram há alguns minutos? Acha que foi justo?

Mantive meus olhos semicerrados ao encará-lo, mesmo que não conseguisse


ver o seu rosto, eu tinha certeza de que o conhecia. Pensei se tratar de Roberto e
Luís Fernando, mas o homem à minha frente não tinha a pele negra, como
Roberto, nem mesmo o que estava caído a alguns passos de distância de mim,
gemendo de dor.

— Foi Rodrigo que mandou você? Ele já não é capaz de fazer o trabalho sujo
e mandou seus capangas? — provoquei.

Ele não respondeu.

Forcei-me a ficar onde estava enquanto ele se aproximava. Tentei planejar a


forma que o subjugaria, mas aquilo parecia impossível. Ele era enorme. Parecia
um muro de tão alto e também estava em ótima forma.

— Caralho, Dolores! Você quebrou o meu nariz!

Olhei para trás quando finalmente reconheci aquela voz.


— Lucas?!

Eu o vi tirar o que parecia ser uma meia, de seu rosto. Ele gemeu ainda mais.

— O que infernos você estava pensando quando me colocou na porra daquele


porta-malas?! — gritei para ele.

O outro homem me agarrou por trás. Tentei me afastar e até usar os pés para
machucá-lo, mas foi em vão. Quando senti seu toque firme sobre o ponto entre
minha clavícula e pescoço, eu me mexi ainda mais. Não podia desmaiar.

Senti meu corpo enfraquecer e me mexer foi ainda mais difícil. Perdi todos os
sentidos em seguida.

Acordei abruptamente ao sentir o cheiro de álcool muito próximo ao meu


nariz. Senti mãos em meus ombros, pressionando meu corpo a uma espécie de
poste de ferro, ou o inferno que seja aquilo.

Tentei usar minhas mãos para afastar o homem, mas foi impossível. Elas
estavam algemadas atrás de meu corpo.

— Ela acordou. — Ouvi a voz de Lucas dizer antes de levantar o rosto para
encará-lo. A fúria me dominou e me arrependi de ter chutado seu maldito rosto
apenas uma vez.

— Filho da puta! — xinguei-o tentando me soltar, meus pulsos foram


machucados pelas algemas e meus braços reclamaram de dor quando os estiquei
para me aproximar do meu antigo colega de faculdade. Lucas apenas se afastou
ainda pressionando um pedaço de pano ao seu nariz.

— Finalmente Dolores. — Procurei a voz que disse aquilo e, tarde demais,


percebi que vinha de trás de mim.

Porra!

— Não acredito que três míseros anos foram suficientes para que você
esquecesse de mim.

— Me trouxe aqui para brincar de adivinha? — ironizei. Por algum motivo,


eu não sentia medo de nenhum deles. Nem mesmo meu sexto sentido tentava me
dar avisos sobre nada.

O homem gargalhou.

Cerrei os olhos ao lembrar. Aquela gargalhada altíssima e peculiar era


inesquecível.

— Robson? — chamei-o.

Sem parar de rir, ele se colocou à minha frente.

O homem corpulento de três anos atrás parecia ainda maior. A cabeça careca
contrastava com a sobrancelha grossa e os olhos verdes. Ele possuía a feição de
um homem mau... Bem, isso até sorrir ou rir histericamente de algo. O que quase
sempre acontecia.

— Seu grande bastardo! Por que fez isso? — murmurei. — Achei que
estivesse em São Paulo! Quando voltou? E por quê?

Ele abriu um sorriso paterno. Um que costumava me dar, quando me dava


aulas de autodefesa. Perdemos qualquer contato quando ele aceitou um emprego
fora de Porto Alegre.
— João me chamou — contou. — Disse que minha princesa estava em
perigo. Não pude recusar o convite. Sabe que não fujo de uma boa briga.

Revirei os olhos.

Agora eu tinha dois avôs superprotetores? Eu estava ferrada.

— Me explique a parte em que eu estar presa nesse maldito poste faz algum
sentido.

Ele riu.

— Isso eu também quero saber. — Lucas se aproximou novamente.

Movi minhas mãos, fazendo com que as algemas trincassem uma na outra.

Robson expirou profundamente e se voltou para mim.

— Lerei o e-mail que ele me enviou — avisou.

Arregalei os olhos ao ver meu celular em suas mãos. Robson pegou o seu
celular e procurou algo nele.

— Rangel, Dolores está em perigo. Há um filho da puta aqui a ameaçando.


Ela foi ferida com um tiro há alguns dias e sei que não pretende sair desta
situação. Encontrei Mabel e para a proteção dela precisamos sair de Porto
Alegre. Não pude trazer Lola comigo. Sabemos que ela não está pronta para se
proteger sozinha, precisa de você... Se...

— Mas que... — interrompi minhas próprias palavras. Me sentia incapaz de


dizer qualquer coisa.
— Você acaba de ganhar esse grandalhão aí de guarda-costas — Lucas
debochou se referindo ao tio.

— Eu deveria saber que ele não aceitaria ir para outra cidade e me deixar
aqui estando ciente do que está acontecendo — admiti baixinho após alguns
segundos pensando. — Não entendo porque diabos vovô insiste nisso! E por que
eu continuo presa?!

— Porque ele é louco pela neta dele e não quer que ninguém a machuque!

— Não vou permitir que ninguém me machuque — retruquei.

— Sempre autossuficiente. — Revirou os olhos.

— É sério, vovô exagerou. Você não precisa ficar e nem me manter aqui!

— Mal cheguei e já está me expulsando?

— Não. Estou apenas tentando acabar com essa ideia ridícula de vocês.

— Vou continuar seu treinamento de onde paramos — Robson prosseguiu


como se eu não tivesse dito nada. — Não se preocupe que esse tal Rodrigo, não
tocará em minha princesa novamente.

— Vocês só podem estar loucos — murmurei. — Não podia simplesmente ir


à minha casa e me dizer isso? Precisava me sequestrar e me algemar para fazer
isso?

— Nós sabíamos que precisávamos te mostrar que não é tão autossuficiente


quanto acha... Por isso decidimos não avisá-la sobre isso.
— Robson, eu preciso ir trabalhar. Depois conversamos sobre essa bobagem
de vocês. De preferência com vovô.

Ele acenou em negativa e se afastou.

— Seguimos você durante toda a sua caminhada matinal, você sequer notou
— ele disse. Parecia lembrar disto. — Foi esperta ao fingir o desmaio, preciso
admitir, mas que chances teria ao atacar um de nós em um lugar que não
conhecia, sabendo que o outro tentaria impedi-la de fugir?

Revirei os olhos.

— Queria que eu esperasse que me prendessem ou amarrassem, para tentar


fugir?

Ele sorriu.

— Senti saudades desse seu humor, princesa...

Algo foi lançado contra o portão de ferro de sua antiga academia e isso fez
com que eles se voltassem para o lugar de onde veio o som, não pude fazê-lo,
pois as algemas impediam.

— Você também foi esperta ao deixar o GPS ligado — ele disse apontando
para mim. — Mas eu queria ver como se sairia sem isto. — Ele procurou algo
em seu casaco e me assustei ao vê-lo com uma arma. — Coloque a mordaça
nela.

— O quê?! — gritei enquanto Lucas vinha até mim. — Você não pode fazer
isso, seu filho da... — minhas reclamações ficaram inaudíveis quando Lucas
amarrou um pano qualquer em minha boca.
— Liguei para o seu namorado... Ou o que quer que ele seja... Achei que
precisaríamos esperar mais tempo — ele disse após olhar seu relógio. — Menos
de uma hora desde a minha ligação. Parece que alguém ficou preocupado.

Robson andou rapidamente na direção do portão de ferro que ficava atrás de


alguns aparelhos de ginástica, a pelo menos dez metros de distância de onde eu
estava.

Lucas foi até o carro e percebi que estava deixando a camisa que usou em seu
rosto, dentro dele.

Meus olhos se arregalaram quando olhei para a porta dos fundos e vi Aaron
com uma arma, se aproximando lentamente. Ele pareceu mais preocupado ainda
ao me ver ali.

Acenei em negativa freneticamente, mas ele não regrediu.

Engoli em seco quando Lucas voltou tocando suavemente seu nariz para
verificar o inchaço.

— Porra, eu achei que você tivesse quebrado meu nariz, Dolores — ele disse.

Semicerrei os olhos para ele e quando Aaron estava próximo o suficiente, eu


o indiquei com o queixo. Lucas se virou de costas para mim e Aaron acertou a
arma em seu rosto com tanta força, que ele caiu desacordado no chão.

Fechei os olhos brevemente quando ele se aproximou e percebi toda aquela


preocupação ali.

— Você está bem? — ele sussurrou enquanto tentava tirar a mordaça de meu
rosto. — Eles fizeram algo com você?
Acenei em negativa.

— Onde está aquele filho da puta?! — De repente, o brilho em seus olhos


passou a ser de raiva.

— Estão falando de mim? — ouvi a voz de Robson atrás de Aaron, que se


voltou rapidamente para Rob.

Em questão de um segundo, suas armas estavam em punho novamente. A de


Robson apontava para mim e a de Aaron para Lucas.

Concentrei-me em mover meus lábios e dentes de forma que a droga daquela


mordaça saísse de minha boca.

— Quem é você?! — A voz de Aaron soou mais áspera e potente do que eu


me lembro de já ter ouvido.

Cuspi a porra do tecido, que estava em minha boca.

— É uma armação, Aaron! — avisei-o, fazendo com que se voltasse para


mim. — Eles não estão aqui a mando de Rodrigo!

Foi rápido, em um segundo Aaron estava me encarando tentando


compreender minhas palavras e no outro, estava no chão, com Robson sobre ele.

— Maldição! Parem com isso! — mandei ao vê-los trocarem socos e golpes.


Aaron conseguiu virar seus corpos e agora estava sobre Robson, desferindo
socos enquanto o xingava e era xingado — É mentira! Ele me conhece! Veio a
mando de vovô! — gritei em plenos pulmões.

— O quê?!
Rob aproveitou o descuido de Aaron e o acertou com um soco no lado direito
no rosto, fazendo com que caísse sobre o chão.

— Aaron! — tentei sair de onde estava e as malditas algemas impediram.

— Você acabou com a graça, princesa.

Semicerrei os olhos para Rob enquanto ele se levantava, seguido por Aaron.
Senti uma pontada de dor no peito ao ver que o canto de seus lábios estava
sangrando, mesmo que fosse quase imperceptível.

— Por que João o mandou aqui?

— Está preocupado com Dolores e quer afastá-la de você... Ou do outro. Eu


já não faço ideia.

Revirei os olhos. Aaron me fitou e percebi o exato momento em que seus


olhos se tornaram impenetráveis e sua expressão ilegível.

— Ele armou tudo isso exatamente para quê?

— Acha que não estou segura — respondi.

— E que você não seria capaz de proteger Dolores do seu irmão.

— Por que ele pensaria isso? — Aaron inquiriu rispidamente.

— Sobre isso você deve falar com ele.

Robson usou um dos pés para mover Lucas no chão e este resmungou alguns
palavrões.
— Levante, seu molenga — mandou.

— Então, eu passei em seus testes? — Até mesmo eu senti a ironia tangível


nas palavras de Aaron.

Baixei os olhos e mordi o canto dos lábios.

Ele ainda está com raiva.

Os dois continuaram a conversar e discutir sobre Rodrigo. Tentei mover


minhas mãos de qualquer forma que tirasse aquelas malditas algemas, mas foi
impossível. Não percebi quando Lucas se aproximou, mas agradeci quando ele
tirou uma chave do bolso e segundos depois minhas mãos estavam soltas.

— Eu quero ir embora — sussurrei para Lucas.

— Mas...

— Por favor.

Ele assentiu e somente neste momento percebi que a arma de Aaron o


machucou de verdade no rosto. Havia um corte em sua bochecha esquerda que
estava sangrando.

— Não estamos apenas transando, estamos juntos! — Aaron proferiu com


ainda mais raiva para Robson.

Uma centelha de esperança se manteve em meu peito ao ouvir aquilo, mas


não me fez regredir.

Lucas abriu a porta do carro para mim e entrei após um último olhar dedicado
a Aaron.

Peguei meu celular no bolso do casaco e percebi que continuava fora de área.
Eu tentei usá-lo para chamar a polícia enquanto estava no porta-malas do carro,
mas não havia qualquer sinal de área.

— O que foi?

Meneei a cabeça em negativa e, ao encarar a janela, eu cerrei os olhos com


força.

— Nada.

— Sabe que vai parecer uma covarde se fugir, não é?

— Não estou fugindo. Só não quero ouvi-los falando de mim como se eu não
estivesse ali.

— Robson é um idiota... E esse cara parece ser...

Mordi os lábios e o interrompi para pedir que dirigisse para fora dali.

— Terei que parar perto da academia, porque ele não tem carona —
concordei sem me importar com o fato de estarmos na academia que treinei há
mais de três anos.

Mantive meus olhos fechados e me forcei a impedir que lágrimas rolassem


por meu rosto. Meu peito continuava com aquele aperto insuportável desde que a
preocupação na expressão de Aaron foi trocada pela impassibilidade.

— Porra, eu nunca achei que te veria chorar, Dolores.


Abri os olhos ao ouvir as palavras de Lucas.

— Não estou chorando e nem vou começar — avisei. — Onde está minha
bolsa?

Ele tirou o cinto de segurança e se moveu até o banco traseiro para pegá-la.

Me livrei do meu cinto quando eu a peguei de suas mãos, assim como o meu
celular que ele me estendeu, e abri a porta do carro.

— Avise a Robson que fui trabalhar.

Lucas me seguiu.

— Você não pode sair sozinha, Lola! Ele ainda quer falar com você.

— Ele sabe onde moro. É melhor não me seguir. Você não vai me impedir de
sair daqui.

Percebi que ele parou e aumentei o ritmo de minhas passadas.

O prédio antigo ficava no final de uma rua em um bairro carente da cidade.


Quando cheguei à avenida, eu acenei para o primeiro táxi que vi. Tirei meu
casaco que ainda cheirava ao maldito odor do porta-malas. Me acomodei no
banco traseiro e dei o endereço ao motorista.

A facilidade com que meus pensamentos foram preenchidos por lembranças


não foi assustadora, pois a confusão de sentimentos já me assustara
anteriormente.

Ontem a confiança que havia entre mim e Aaron fora quebrada. Algo me
dizia que depois disto o possível fim do que tínhamos, e até do que estava
acontecendo, não seria nada bom. Principalmente para mim.

Eu já não sabia o que faria daqui para frente. Não suportaria a distância que
Aaron colocou em nós dois desde ontem e, principalmente, sua falta de
confiança. Poderia ser bobagem da minha parte, mas isso estava me
machucando. Acabando lentamente com algo dentro de mim.

Estou ciente de que nada durará para sempre e não crio expectativas, mas
hoje percebi que algo entre nós mudou drasticamente. Desde aquela conversa. E
por mais que queira estar com Aaron, que queira continuar ao seu lado, em sua
vida, prefiro ficar sozinha a ter que lidar com sua distância e indiferença.

Se eu colocar um fim agora, ao que quer que haja entre nós, estou ciente de
que vou lamentar por algum tempo, ou muito. Mas é melhor fazê-lo agora e
economizar os estragos... E diminuir o sofrimento.

O som da buzina de um carro me despertou de meus pensamentos.

Meu celular vibrou em minha mão e percebi que finalmente estava com sinal.
Era um e-mail... da Airmac. Segundos depois, o celular começou a tocar.

— Lola! Liguei apenas para confirmar o almoço de hoje. Ao meio-dia e meia


é bom para você?

Mordi o canto dos lábios ao me lembrar de Natasha. Eu não queria perder o


contato com ela se terminasse com Aaron.

— Vitor está nervoso! Mais do que quando foi conhecer mamãe!

Forcei-me a dizer algo. Ela parecia tão eufórica.


— Por quê? — tentei soar divertida.

— Ele sabe que você é importante para mim! Falo de você para ele desde
que Aaron me contou sobre você... Agora Vitor está com medo de não ter sua
aprovação.

O nó em minha garganta cresceu a ponto de meus olhos queimarem em


lágrimas.

Natasha riu.

— Hoje vamos nos encontrar com o resto do grupo, o vestibular está muito
próximo e o nervosismo já começou a bater. Vamos nos encontrar com você e
depois iremos para a biblioteca, tudo bem assim?

— Sim — sussurrei após limpar as lágrimas em meu rosto.

— Ok. Obrigada, Lola! Até mais!

Respirei fundo todas as vezes necessárias para me acalmar.

— Preciso que me diga o que está acontecendo, Dolores. Seu avô passou mal
novamente?

Acenei em negativa.

— Não. Graças a Deus ele está bem.


— Há algo que eu deva saber? O que está prejudicando seu desempenho na
empresa? É a segunda vez em uma semana que você chega atrasada, Dolores.
Esta é a primeira vez que isso acontece em mais de dois anos que você trabalha
aqui.

— Recebi uma proposta de emprego em outra empresa e estou cogitando


aceitar — contei de uma vez.

Otávio ficou em silêncio e eu me levantei.

— Ontem fiz uma entrevista e hoje recebi um e-mail confirmando que passei.
Eu pretendia lhe contar mais tarde... Agradeço pela chance que me deu ao me
aceitar aqui como estagiária e por concordar em me contratar. Aprendi muito
aqui e devo isso ao senhor.

— Está pedindo demissão?

— Sim.

Enviei uma mensagem para Natasha perguntando a sua localização na praça


de alimentação. Eu estava subindo a escada rolante quando ela me respondeu.

Eu a vi antes que ela percebesse que eu estava ali.

Natasha tinha sua mão direita entrelaçada a de um garoto que entendi ser
Vitor. Só lembro de ter visto duas mãos se entrelaçarem daquela forma quando
encontrei vovô e Mabel no asilo há quase dois meses.

O garoto me viu e certamente percebeu quem eu era, pois percebi sua


expressão de ansiedade se converter a um nervosismo perceptível a quilômetros.
Ele era mais alto que Natasha, o que não era difícil de acontecer, e tinha cabelos
negros e olhos azuis. A pele alva contrastava com a barba por fazer em seu rosto
e não fui capaz de ignorar o sorriso amigável que ele me deu quando parei atrás
de Natasha.

— Boa tarde — cumprimentei-os.

— Lola! — Os dois levantaram e Natasha fez as apresentações rapidamente.


Me surpreendi ao ouvi-la dizer que sou sua melhor amiga.

— Vocês já decidiram o que pedir? — questionei olhando para o restaurante


mais próximo ao me sentar.

— Podemos pedir comida japonesa?

Assenti ao ver os olhos azuis de Natasha brilharem.

Fizemos os pedidos e, em seguida, almoçamos em silêncio.

— Como se conheceram? — questionei após terminarmos de tomar o suco.

Eles trocaram um olhar e um sorriso antes de Natasha contar:

— Fomos dois nerds que se uniram nas aulas. Começamos a conversar de


verdade no fim do ano letivo, quando alguns colegas decidiram se juntar para
estudar.
Vitor acenou em negativa e sorriu.

— No primeiro encontro discutimos sobre quem era melhor em física — ele


completou.

Revirei os olhos e ri baixo.

— Não achei que isso ainda acontecesse — admiti. — Natasha comentou que
você quer cursar a faculdade de Direito, Vitor. Por que escolheu este curso?

Seu sorriso esmoreceu antes dele responder:

— Meu pai foi assassinado, e o crime ficou impune. Me tornarei um delegado


para impedir que casos assim continuem a acontecer nesta região.

Encarei-o em silêncio por alguns segundos. Eu sentia que ele era uma pessoa
na qual eu poderia confiar, porque isso ficou ainda mais forte depois de ouvir sua
resposta.

— Eu sinto muito — murmurei. — Quantos anos você tem?

— Dezoito.

Percebi que Natasha voltara a entrelaçar sua mão a dele. O aperto deles
parecia ser maior agora, como se ela quisesse confortá-lo de alguma forma.

— Você trabalha?

— Sim. Trabalho em um supermercado parte da tarde e da noite.

— Mora sozinho?
Senti-me uma psicóloga atenta a sua expressão e às palavras que ele dizia a
cada pergunta que eu lhe fazia.

— Não. Tenho dois irmãos mais novos e minha mãe, moramos juntos.

Assenti.

— Você gosta de Natasha, Vitor?

Ele sorriu e a fitou.

— Sou completamente apaixonado por ela.

Arqueei uma sobrancelha mesmo quando percebi que não havia qualquer
sinal em sua expressão que me dissesse que ele estava mentindo.

Eu devo continuar séria. Posso ser ótima com ele, mas serei terrível se ele a
fizer chorar também. É bom que ele saiba disso.

— Gostei de você, Vitor — admiti. — Vou ajudá-los em relação a Aaron,


mas se você a machucar, de qualquer forma que seja, não terá que se ver apenas
com Aaron — avisei em tom sério.

— Lola... — Natasha tentou me interromper.

— Estou falando sério, atirei duas vezes no último homem que a machucou e
não pensarei duas vezes em fazer o mesmo com você se por acaso machucá-la,
entendeu?

Ele assentiu diversas vezes e depois trocou um olhar com Nat.


— Não vou machucá-la.

Um sorriso surgiu em meus lábios ao ouvir aquilo.

— Ótimo.

Otávio me pediu para continuar ocupando meu cargo até finalmente sair da
editora, eu disse que o faria. O e-mail que recebi hoje da Airmac, me informava
que eu fora selecionada e que devo levar uma série de documentos e declarações
para eles na próxima segunda-feira, o horário correto também fora estipulado.
Uma conversa com a gerente do RH de lá também estava marcada para o mesmo
dia. Eu só não sabia para quê.

Arrumei minha mesa quando o relógio me avisou que já eram seis da noite,
peguei minha bolsa e fui até o banheiro. Retoquei o batom e usei um lenço
umedecido para limpar o pouco da maquiagem que borrou durante a tarde.

Meu celular vibrou sobre o balcão e o peguei.

“Onde você está?”

Era uma mensagem de Aaron.

Cerrei os olhos por um momento e suspirei. Eu não o vi desde que saí da


academia mais cedo, nem tive notícias suas. Em contrariedade a isso, Robson me
ligou três vezes e vovô me ligou duas vezes do número do novo asilo. Ignorei
todas as chamadas, estava farta das desculpas de Robson e sabia que vovô
somente as reforçaria, insistindo que eu estava em perigo.

Eu não lembrava que Rob era tão vidrado em segurança, mas aquela
característica sua sempre me incomodou.

“Estou saindo da empresa.”, respondi para Aaron.

Passei a tarde pensando sobre o que decidira pela manhã. Talvez ele precise
de tempo para pensar sobre o que eu escondi dele, e mais tempo ainda para
chegar à conclusão de que só o fiz com a intenção de lhe poupar de mais
problemas... Se for realmente isso, posso esperar. Mas falarei com Aaron sobre
isso hoje mesmo, se não chegarmos a um consenso será o fim... Do que quer que
haja entre nós.

Meu celular vibrou novamente com uma mensagem e a abri:

“Vou esperá-la no estacionamento.”

Mordi os lábios ao ler aquilo e suspirei baixinho. Algo em mim queria adiar
esta conversa com Aaron. Talvez fosse um pressentimento, eu não sei.

Peguei o elevador e desci até o térreo.

Meu coração batia dolorosamente no peito e a sensação só piorou quando o


vi.

Engoli em seco, sem conseguir tirar minha atenção de Aaron. Ele estava
andando de um lado para o outro à frente de seu carro, parecia pensativo e talvez
um pouco preocupado. Vestia o mesmo terno de hoje pela manhã e aquilo me
deu certeza de que ele também estava na empresa.

Borboletas pareceram brincar em meu estômago quando eu me aproximei o


suficiente para que ele me visse.

Nos encaramos em silêncio por alguns segundos, sua expressão tornou-se


impassível e aquilo me machucou mais do que eu pude colocar em palavras. Eu
já estava acostumada demais a ler sua expressão, seus olhares e sorrisos, para
perceber que parecíamos ter voltado ao início de tudo, quando eu sequer sabia
seu nome.

— Você sumiu — ele disse antes de abrir a porta do passageiro para mim.

Mordi a parte interna da bochecha e tentei organizar minhas palavras


enquanto ele dava a volta no carro. Assim que ele nos tirou do estacionamento
da empresa, eu decidi dizer:

— Almocei com Natasha e o namorado dela, hoje. Ele parece ser um bom
garoto — iniciei uma conversa, já reforçando as palavras de Suzana. —
Confirmei o jantar de vocês para a próxima segunda-feira.

— Não devia ter tomado essa decisão sem falar comigo. — A frieza em seu
tom não me abalou.

— Não decidi. Apenas tentei dar uma chance a ele antes de julgá-lo. Depois
concordei com uma decisão de Natasha.

Uma fina garoa começou a cair e tentei me concentrar nas ruas em que
passávamos, ao passo em que sentia algo dentro de mim, que já havia sido
machucado antes, se partir lentamente causando-me uma dor angustiante. Do
tipo que eu só lembro de ter sentido quando André foi para Portugal.

— Não quero que ela se machuque — ele disse. — Não vou me perdoar se
permitir que isso aconteça novamente.

— Natasha não é uma criança, Aaron. Tem quase dezoito anos. Você não
pode impedi-la de viver usando a desculpa de que quer protegê-la... Não há
como fazer isso para sempre.

— Dolores...

Um nó em minha garganta surgiu quando lembrei dos motivos que o faziam


me chamar pelo nome, mas decidi ignorar isso também.

— Dores são necessárias — lembrei-o após criar coragem para fitá-lo. —


Farão com que ela amadureça, seja mais forte e aprenda a tomar decisões.

Ele não respondeu. Voltei a encarar a janela do carro. Já não conseguia me


concentrar no mundo fora dela.

O carro parou à frente de minha casa e nos mantivemos imóveis. A chuva,


agora forte demais, nos impediria de sair dali por algum tempo. E nós dois
sabíamos que precisávamos conversar.

— Vamos continuar assim? — questionei.

— Dolores, você...

— Só me responde, Aaron — pedi voltando a olhá-lo nos olhos. — Essa


distância entre nós vai continuar?
Ele tirou o cinto de segurança e fiz o mesmo.

— Eu fui atrás daquele filho da puta, vi ele em um hospital, Dolores. O


médico me disse que ele poderia perder os movimentos de uma das pernas e eu
me preocupei com aquele bastardo! Se eu soubesse que ele...

— Foi exatamente por isso que eu não disse! Você teria brigado com ele, teria
o procurado de novo... Já estava tudo bem! Não havia motivos para fazer isso!

Ele desviou os olhos dos meus. Ainda parecia bravo.

— Se acha que não vai me perdoar ou que nada vai ser como antes, pode me
dizer agora e damos um fim a isso.

— Pare de me ameaçar com esse maldito fim sempre que algo acontece e
você não gosta!

— Não estou ameaçando! — gritei exasperada. — Aaron eu não vou


continuar com você quando sinto que você não está comigo! Não vou ficar com
você se não confia em mim ou se meu papel será apenas abrir as pernas para
você!

Ele pareceu surpreso quando voltou a me encarar.

— E qual era o seu papel há duas noites?

Meus lábios se abriram num “o” ao ouvir aquilo. Foi como se ele tivesse
usado um machado para partir meu coração ao usar aquelas palavras.

— Eu era a mulher que estava ao seu lado, mesmo quando seu mundo estava
caindo e sua vida se transformava em um inferno por causa daquele bastardo do
seu irmão. — Senti lágrimas em meus olhos, mas eu me recusei a derramá-las.

— E por que fez isso?

Ri sem humor e acenei em negativa. Abri a porta do carro, mas antes que
pudesse sair, ele segurou meu braço.

— Responda.

— Me solte.

Ele não poderia ter dito isso... Fechei os olhos. Depois de tudo o que
aconteceu, não posso ter sido apenas a mulher que abriu as pernas para ele.

A primeira lágrima rolou e mordi os lábios para impedir as outras de


seguirem o exemplo da primeira, mas não foi suficiente. Tentei me desvencilhar
dele novamente e não tive sucesso.

— Acabou, Aaron! Me solte!

Ele me puxou com força para o carro novamente e a porta se fechou com a
rapidez que a soltei.

— Não, isso não acabou. — O tom incisivo usado por ele não incomodou.

— O inferno que não. — Semicerrei os olhos para ele, que me soltou ao


perceber minhas lágrimas. — Se quer mais sexo, pode ficar feliz porque Jéssica
está interessada em lhe dar o quanto quiser.

— Você me escondeu que aquele filho da puta tocou em você, Dolores... Que
ele colocou aquelas malditas mãos em você! Tem ideia do que eu quis fazer
apenas por imaginar ele te beijando?

— Ele não me tocou! Tentou me beijar, mas eu não o beijei! Quando ele
pensou em tirar o que eu estava vestindo, eu quebrei o primeiro quadro que vi na
cabeça dele! Depois dei dois malditos tiros nele! Isso não é suficiente pra você?!

Os trovões ensurdecedores nos informaram que aquela tempestade não


acabaria agora. E eu sabia que esta conversa também não teria um fim tão cedo.

— Não me interessa. Não me importo. Não vou continuar sendo a mulher que
abre as pernas para você.

Ele me impediu de sair mais uma vez.

— Você nunca foi apenas a mulher que abre as pernas para mim.

— Não vai adiantar — murmurei tentando me soltar novamente.

Ele usou o braço livre para envolver minha cintura e me puxar para seu colo.

— Porra, não faça parecer que você está certa... Sabe que nunca
desempenhou este papel.

Debati-me em seus braços, mas ele não me libertou.

— Nunca abri as pernas para você? — Eu esperava que minha ironia o


fizesse desistir.

— Não da forma pejorativa que insiste em deixar subentendida.

Fiquei em silêncio por alguns segundos e ele permitiu quando tentei usar as
mãos para limpar o rosto e arrumar os cabelos.

— Acho melhor darmos um tempo — sugeri. — Você está com raiva e não
consegue esquecer o fato de eu não ter contado aquilo. Se é para haver distância
entre nós, que seja física e não... — deixei a frase no ar, sem saber como
completá-la.

— Não — ele disse.

Aaron enterrou seu rosto entre minha clavícula e cabelos e inspirou


profundamente, meu corpo estremeceu sob o seu.

— Não, Aaron... — Tentei me afastar e ele não permitiu.

— Não preciso de tempo. Só não quero que me esconda nada, que minta para
mim... Eu concordei silenciosamente com o mesmo para que você não
terminasse tudo entre nós. É tão difícil fazer o mesmo agora?

— Não achei que era tão importante para você... apenas saber disso.

— Mas era.

Fechei os olhos quando seus lábios beijaram-me a pele sensível do pescoço e


meu corpo todo se arrepiou.

— Por quê? — sussurrei.

— Porque você é minha. E é intocável para qualquer homem, principalmente


para aquele filho da puta.

Eu não concordaria com aquela afirmação, mesmo que meu corpo dissesse o
contrário.

— Você é louco se acha que sou...

Ele me interrompeu:

— Você é que vai me enlouquecer se continuar a negar isso.

— Como estamos? — perguntei.

— Juntos.

— Ainda confia em mim como antes?

— Não. — Sua resposta me atingiu como um soco.

Apertei os lábios e respirei fundo enquanto pensava sobre o que diria.

— Aaron, você também já omitiu muitas coisas de mim — lembrei-o.

— Eu sei. E fiquei dias sem saber se você me perdoaria por tê-lo feito.

Encarei-o enquanto pensava sobre aquilo.

— Realmente se importaria se eu não o perdoasse? — murmurei a pergunta.

Ele pareceu surpreso ao ouvir minhas palavras. Após alguns segundos,


apenas assentiu em resposta.

— Por quê?

— Porra, você gosta de fazer perguntas difíceis.


Semicerrei os olhos ao ouvir aquilo.

— Aaron.

Ele me encarou em completo silêncio pelo que pareceu ser uma eternidade,
mas esperei pacientemente.

— Eu não queria que você se afastasse, satisfeita?!

Assenti lentamente quando um sorriso suscitou em meus lábios.

— Não é algo que podemos reconstruir? — questionei referindo-me a


confiança.

— Podemos tentar.

Aquela resposta tirou um peso enorme do meu peito. Respirei aliviada e o


fitei, havia preocupação em seus olhos e algo que eu não imaginei que veria ali
de novo: insegurança. Isso não combinava com Aaron, era quase errado ver
aquele homem forte e quase inabalável aparentar insegurança sobre algo e, neste
caso em especial, parecia mais errado ainda eu ser o motivo disso, porque ele
não precisava se preocupar com a minha permanência em sua vida. Não quando
não queríamos qualquer distância entre nós.

— Eu também não quero me afastar, Aaron — admiti. Entrelacei minha mão


a sua e ele manteve um aperto confortável unindo-as, depois me puxou para o
seu peito e me abraçou.

— Então para de falar o contrário.


Aquelas palavras confirmaram que o que vi em seus olhos tinha a ver com o
que eu disse sobre darmos um tempo.

Retribuí o abraço e inspirei seu cheiro, ele já me era natural, mas não deixava
de me inebriar sempre que eu o sentia, aquilo somado a proximidade de Aaron e
sua atípica expressividade com as palavras me instigavam a fazer o mesmo sem
me importar por aparentemente estar revelando coisas demais.

— Às vezes parece que a gente voltou pra estaca zero, e que eu não sei nada
sobre você. Não gosto disso. E odeio quando você é impassível.

— Não pode mesmo acreditar que não sabe nada sobre mim. — Ele fez uma
pausa e levou minha mão, a que estava entrelaçada a sua, aos seus lábios e a
beijou com delicadeza. — Demonstrações não são meu forte, Dolores, você já
deveria ter percebido isso. Meus atos falam mais que minhas palavras.

— É uma pena que eu não seja boa em lê-los.

Senti quando ele sorriu e aquela percepção me fez sorrir também.

— Não é algo que você possa aprender? — ele perguntou, apropriando-se do


tom que eu usei ao lhe fazer uma pergunta parecida há alguns minutos.

Acabei com o abraço e voltei a encará-lo, meu sorriso era muito maior agora.
Beijei-lhe os lábios suavemente e murmurei:

— Posso tentar.
“Eu sei que na verdade eu não consigo entender o nosso amor

Que teu silêncio fala alto no meu peito

E que nós dois estamos juntos na distância

Discrepância do destino!”

(Deixe Estar – Los Hermanos)

A forma que o lençol lhe cobria o corpo poderia ser facilmente definida como
sexy. Assim como eu, Aaron estava nu sob os lençóis brancos de minha cama,
contudo, este o cobria apenas da cintura para baixo. Eu queria tocá-lo, mas da
última vez que o fiz, ele acordou. Preferi não arriscar.
Meus olhos seguiram vagarosamente o caminho de seu peito e os quadrinhos
de seu torso, depois a trilha de pelos que formavam o seu caminho da felicidade.

Aaron inspirou profundamente e isso levou minha atenção ao seu rosto.


Assustei-me ao vê-lo acordado.

— Você me olha como se não soubesse o que está embaixo desses lençóis.

Semicerrei os olhos para ele e os revirei em seguida.

— Você me toca como se ainda não conhecesse cada parte do meu corpo e eu
não digo nada.

Ele sorriu.

— Porque você gosta.

— E você não?

— Touché.

Sorri.

Nos encaramos em silêncio por alguns segundos, até que desviei minha
atenção para o seu braço direito. O que estava coberto de tatuagens. Levei uma
das mãos até ele e acariciei os contornos precisos e perfeitos da águia em seu
tríceps. A ave fora desenhada somente com uma tinta preta e estava com os
braços abertos em toda a sua majestade.

— O que significa? — murmurei.


— Força e liberdade. — Sua voz soou tão baixa, que me surpreendi.

Notei que os desenhos que eu não reconheci, faziam parte de tatuagens tribais
e todas eram negras, exceto a âncora que possuía flores.

— E esta?

— Natasha que escolheu. — Percebi a sombra do seu sorriso característico.


— A âncora significa firmeza e segurança. Eu a fiz por ela... — Arqueei as
sobrancelhas e voltei a fitá-lo. — Porque também significa estabilidade, proteção
e confiança. Prometi que seria sua estabilidade sempre que precisasse, que a
protegeria de tudo que pudesse machucá-la e ela confiou em mim para isso.

Sorri.

Ele continuava a cumprir essas promessas.

— Todas têm um significado para você?

Ele assentiu.

Voltei minha atenção às suas tatuagens e recolhi minha mão que ainda
percorria e delineava os desenhos e símbolos.

Aaron baixou o lençol que cobria meus seios lentamente, até que minha
tatuagem ficou à vista. Levantei os olhos para fitá-lo.

— Gosto dela — ele disse acariciando-a com o polegar.

Minha pele se arrepiou suavemente.


O despertador tocou naquele momento e nos avisou que já estava no horário
de levantar para começar um novo dia. O dia em que o testamento de Olavo seria
lido.

Virei-me na cama para desligar o despertador e cerrei os olhos por um


momento antes de suspirar. Inferno! Eu estou realmente preocupada com o
exame de Mabel e esse maldito testamento que será lido. Hoje Aaron e Natasha
encontrarão Rodrigo novamente. Eu sentia um presságio, uma sensação tão ruim
sempre que pensava nisso, que me assustava.

Acenei em negativa para expulsar aqueles pensamentos de minha mente e


percebi quando Aaron se moveu na cama, sob os lençóis.

Aaron colou nossos corpos e pude sentir seu peito nu contra minhas costas,
seu membro provocar minhas nádegas e ele posicionar uma de suas pernas entre
as minhas. Um tremor se espalhou por meu corpo e reprimi um gemido quando
uma de suas mãos agarrou meus cabelos e ele beijou meu pescoço.

— Aaron, você conseguiu me deixar dolorida... depois da maratona de


ontem, preciso de tempo para me recuperar.

Ele sorriu contra meu pescoço e mordeu o lóbulo de minha orelha, fazendo
com que um arrepio me deixasse cada vez mais ciente do corpo masculino
perfeito, nu e excitado que eu tinha contra o meu.

— O que tenho em mente não interromperá sua recuperação. — A voz rouca


e áspera sussurrou em meu ouvido antes dele insinuar seu membro entre minhas
nádegas. Gemi baixo.

— Eu sempre soube que não poderia confiar em você quando dizia que não
era um viciado em sexo.

Ele riu contra meu ouvido e puxou meus cabelos com força enquanto sua
outra mão seguia para o interior de minhas pernas.

— Abra as pernas para mim — pediu e após um suspiro de derrota, eu


inclinei a perna direita. — Não sou viciado em sexo... se não for com você.

— Hum-hum... — concordei cética, logo que ele usou o polegar em meu


clitóris.

O calor sob os lençóis aumentou e não tive escolha, senão fechar os olhos e
me entregar ao prazer, a Aaron, quando ele estabeleceu um ritmo lento e
delirante com sua carícia.

Ele acariciou o lóbulo da minha orelha com a língua e isso somado ao seu
toque, me fez sentir o prazer, aos poucos, percorrer o caminho das minhas
terminações nervosas e se concentrar nelas criando o início de um frenesi
intenso.

Seu nome saiu de forma sôfrega de meus lábios quando seu pau se impôs
contra mim.

— Não sei se consigo, Aaron — admiti ao lembrar da primeira vez que


tentamos esta posição.

— Você só precisa relaxar — ele disse. — Só sentirá desconforto novamente


se tentar me repelir.

Arqueei o corpo contra seus dedos quando os senti separarem meus lábios
inferiores.
— Você gosta da tortura que a lentidão provoca... — ele sussurrou contra
meu ouvido. — Mas prefere enlouquecer de prazer com a rapidez do meu toque.

Gemi seu nome de novo quando senti dois de seus dedos me penetrarem e se
moverem vagarosamente para dentro e fora de mim. Eu não conseguia entender
como, infernos, o fato de eu ainda estar dolorida deixava aquilo melhor.

— Podemos tentar?

— Se eu não...

Ele me interrompeu:

— Eu paro... Como da primeira vez.

Concordei.

Mordi os lábios com força enquanto o sentia me invadir, os dedos


continuaram a se mover e isto me distraiu de qualquer desconforto que pudesse
sentir naquele momento.

— Porra, você é tão apertada. Adoro isso.

Sua mão, que estava em meus cabelos, seguiu para uma das minhas nádegas e
ele a apertou com firmeza.

Um gemido alto de prazer e dor, me escapou quando Aaron começou a se


mover lentamente, colocando apenas a cabeça do seu membro em mim antes de,
gradativamente, aumentar aquele ritmo. Inferno, como algo poderia ser tão
doloroso e depois tão prazeroso desse jeito?
— Tudo bem?

Expirei fortemente e lembrei do que ele disse sobre relaxar. Se eu continuasse


a fazê-lo, não sentiria tanto desconforto.

— Sim.

Seus dedos voltaram a se mover junto a ele e me perdi irrevogavelmente no


turbilhão de sensações e prazeres que Aaron me oferecia. Antes que me desse
conta, eu também me movia contra seus dedos e seu pau. E gemia muito porque,
aos poucos, a dor se dissipava e restava apenas o prazer.

O orgasmo que crescia em meu ventre me fez pedir por mais e não me
importei se aquilo me fazia parecer desesperada, pois era o que, de fato, eu
estava.

— Aaron, por favor — implorei após ele chupar o meu pescoço.

— Já está pronta para gozar?

— Sim!

A lentidão torturante de seu toque foi substituída pela rapidez enlouquecedora


que eu amava, aquilo me fez chegar à beira do orgasmo mais rápido que o
normal, prestes a me submeter a ele, quando Aaron diminuiu o ritmo das
penetrações.

Meu pescoço pendeu sobre o seu ombro e ele envolveu um de meus seios
com a mão livre.

Ondas deliciosas de prazer me percorreram o corpo e me fizeram estremecer


quando ele apertou meus seios e, em seguida, brincou com um dos meus
mamilos.

Movi-me contra ele novamente e repeti:

— Por favor.

Seu corpo se chocou contra o meu após uma estocada precisa e forte, e gemi
mais uma vez, após isso. Céus! O que ele está fazendo é tortura, é a segunda vez
que ele me priva de um orgasmo... Mas desta vez está bem pior.

— Só quando você admitir que é minha.

— Maldito cretino depravado.

Seus dedos intensificaram os toques e as carícias em meu sexo e seios.

— Mais rápido... Mais forte — pedi, mas ele ignorou e um gemido de


frustração de minha parte, ecoou pelo quarto. — Sabe que eu concordaria com
qualquer droga agora só pra você me deixar gozar, não é? — consegui dizer
mesmo estando ofegante.

— E nós dois sabemos que não poderá voltar atrás depois disso.

Aaron diminuiu gradativamente os seus movimentos. Cerrei os olhos com


força e o xinguei baixinho. Apertei os lábios antes de me ouvir dizer:

— Eu sou sua. — Abri os olhos quando a verdade por trás destas palavras me
atingiu. — Só sua — repeti, numa tentativa boba de aceitar a veracidade daquela
afirmação.
Quando Aaron começou a se mover da forma que eu pedi, coloquei qualquer
pensamento de lado. Eu senti a intensidade insana do orgasmo me invadir e me
entreguei àquela insanidade, àquele prazer.

— Só minha. — Ouvi-o sussurrar quando o ápice finalmente me alcançou.

O dia se passou relativamente rápido. Era meu penúltimo dia de trabalho na


editora e depois de todos os acontecimentos da semana, dos últimos meses na
verdade, eu estava irremediavelmente... feliz.

Consegui um novo emprego, paguei a maldita hipoteca que papai deixou,


pude usar o dinheiro das últimas joias de mamãe, e o que eu tinha guardado, para
pagar as primeiras parcelas de meu financiamento estudantil. Conheci Aaron e,
segundo ele, estávamos juntos. Conheci Natasha e consegui convencer Aaron de
conhecer o namorado dela, Vitor. Vovô e Mabel estão juntos e seguros fora de
Porto Alegre. Tudo está em seu devido lugar.

Pela primeira vez em minha vida, tudo parecia bom demais para ser verdade.

Meu celular tocou sobre a minha mesa e o peguei.

Vi que era uma chamada do Robson.

Suspirei com força e atendi:

— Sei que me seguiu hoje no meu horário de almoço — disse a ele.


— Ficaria surpresa se eu dissesse que não fui o único?

Franzi o cenho ao ouvir aquilo e deixei o e-mail que digitava de lado.

— Do que está falando?

— Que tinha um filho da puta te seguindo hoje em uma Mercedes prateada.


Isso te lembra algo?

— Não — admiti enquanto tentava me forçar a lembrar de mais cedo ou de


qualquer carro prata.

— Liguei para o João e ele decidiu vir a Porto Alegre com Mabel, parece que
ela tem algum exame marcado para hoje e ele aproveitará para falar com você.

Revirei os olhos.

— É incrível a forma que vocês ignoram o que eu digo, mas insistem em


tentar me fazer aceitar o que dizem.

O ouvi bufar.

— Você foi seguida hoje e ainda quer tentar nos fazer mudar de ideia?

— Robson, aquele bastardo não fará nada contra mim, ok? Ele deve estar
querendo apenas me assustar, numa tentativa de me fazer sair correndo para
contar ao Aaron.

— Não me importa o que esse filho da puta está tentando fazer, ele não
tocará em você novamente. — Ele fez uma pausa. — Vou te esperar na academia
amanhã às sete, seu avô também me ajudará no seu treinamento, se não estiver
aqui neste horário, eu vou buscá-la. E você sabe que eu o farei.

— Não se atreva! — retruquei incisiva.

— Até amanhã, princesa.

Quando percebi que ele desligaria, eu insisti:

— Continuará a ser minha sombra? Rob, você não tem uma vida para cuidar
além da minha? Achei que seu emprego fosse sua vida!

— Dolores, você é como a filha que não tive. Posso ter sido mais como o
amigo bobalhão do seu avô, o tio divertido que te dava doces quando seu avô
dizia que não. Mas João e eu te amamos demais para deixar que seja
machucada por qualquer filho da puta.

— Você parece ter esquecido que sumiu por anos e nos deixou sem notícias.
Você nos...

— Eu não os abandonei! — ele me interrompeu. — João também sabia da


droga da viagem. No meu tipo de trabalho, princesa, é melhor que ninguém
saiba sobre a existência de qualquer pessoa que amo.

— Achei que trabalhasse para a polícia federal.

— Eu trabalhava, mas o trabalho de campo sempre me colocou cara a cara


com os piores criminosos de São Paulo. E eu não queria colocar você em risco...
Quero me aposentar do trabalho há pouco mais de cinco meses. Ficaria em São
Paulo e só voltaria para visitá-los no Natal, se João não tivesse me ligado.

Suspirei e olhei para o andar, quase não se ouvia burburinhos de conversas


entre as pessoas nas mesas à frente da minha. A de Aaron estava preenchida
somente por seus pertences.

— Você não deveria ter voltado daquela forma — Fiz uma pausa e mordi os
lábios. — Não deveria ter me sequestrado e dito aquelas coisas ao Aaron.

— Imagine que eu lhe mostrei que está vulnerável a sequestros e a qualquer


filho da puta como aquele, acabei de lhe dizer que você foi seguida e você se
mantém irredutível em nos deixar te proteger. O que aconteceria se eu estivesse
apenas conversando calmamente e lhe mostrando as chances existentes de um
bastardo atirar em você para se vingar do irmão? Você me ouviria?

— Não — admiti.

Foi sua vez de suspirar.

— Quando João me disse que você estava com um cara que não queria nada
sério com você pela segunda vez, eu procurei em minhas lembranças qualquer
indício da garota centrada e obstinada que deixei em Porto Alegre anos atrás.
Ela nunca aceitaria tão pouco de um homem.

Cerrei os olhos quando o significado daquelas palavras culminou numa


angústia dilacerante em meu peito.

— Aquela garota nunca quis nada de um homem — murmurei. — Depois do


primeiro baque, com André, decidi que aquele fora um erro de percurso, um
desvio que me atrasou em meus objetivos, mas não me impediu de conseguir
alcançá-los.

— E com aquele cara?


— Eu não era uma garota inocente quando o conheci, Rob — lembrei-me. —
Era uma mulher e o queria. Não havia motivos para me negar a chance de tê-lo...
E um relacionamento exige demais de duas pessoas, para o meu gosto. Eu não
queria um, ele muito menos. O que tivemos desde o início foi um acordo mútuo.

— Acha que esse acordo seria suficiente para fazê-lo escolher você ao invés
do irmão, se fosse necessário?

Eu estava prestes a dizer sim, quando lembrei de uma conversa que tive com
Aaron há muito tempo onde ele disse que prometeu a alguém que nunca
denunciaria Rodrigo.

— O que quer dizer com isso? — questionei com cautela ao invés de


respondê-lo. — Claro que Aaron me defenderia de Rodrigo se fosse necessário.
Ele já deixou isso bem claro.

— Seu avô me pediu pra descobrir algumas coisas sobre esse tal Rodrigo. Eu
te contaria ontem, mas você foi embora... Preciso conversar com você e seu avô
sobre isso.

Otávio surgiu à minha frente e limpou a garganta ruidosamente ao indicar


uma pasta.

— Preciso desligar, amanhã conversamos sobre isso, Robson — murmurei


antes de desligar.

— Encontrei erros neste relatório, Dolores. Preciso que os ajustes sejam


feitos, marquei todos eles. E também preciso daquele relatório enviado pelo
almoxarife.

Peguei a pasta e a abri lentamente. Havia ao menos cinco páginas nela.


— O relatório estará em sua mesa em alguns minutos — avisei.

Ele agradeceu e saiu.

Bufei e organizei os papéis sobre minha mesa. Guardei o celular em meu


bolso e levantei para ir à sala do arquivo para procurar o relatório que ele pediu.
Ao chegar lá, acendi a lâmpada e segui para a estante de ferro.

Enquanto folheava algumas folhas, o meu celular voltou a tocar: Aaron.

— Lola?

— Oi, o que houve?

— João acabou de entrar na sala do médico com mamãe.

— Ele disse algo sobre o que aconteceu ontem?

— Não, mas estava furioso sobre algo. Quer falar conosco antes do horário
da leitura do testamento.

— E que horas será isso?

— Seis e meia.

— Só sairei da empresa às seis. Acho que não dará tempo.

Aaron trocou algumas palavras com alguém na clínica e, em seguida, voltou


ao telefone:

— Eu preciso ir. O médico também quer falar comigo.


— Ok. Depois nos falamos... — Encontrei o relatório que Otávio pediu e
guardei as outras pastas. — Beijos, até mais.

Ao olhar para meu relógio, percebi que passava das quatro da tarde, mais
uma hora e meia e meu expediente acabaria.

Faltava pouco mais de vinte minutos para eu ir embora, quando Natasha me


enviou uma mensagem:

“Lola, Aaron continua na clínica com Mabel e seu avô, ele pediu que eu pegasse
um táxi para ir ao escritório do advogado de Olavo, caso ele não conseguisse
vir me pegar e eu ainda quisesse ir. Pode ir comigo? Mamãe não pode ir e a
irmã de papai estará lá, ela nunca me tratou muito bem... Prefiro não ter que
enfrentá-la sozinha, principalmente sabendo que Rodrigo também estará lá. Por
favor, não quero faltar.”

Suspirei lentamente e mordi a parte interna da bochecha. Eu não queria ver


Rodrigo de novo, o filho da puta mentiu para Aaron e quase terminamos por
culpa dele. Se eu o visse, seria capaz de atirar nele novamente. Mas não deixaria
Natasha sozinha com aquele filho da puta e aquelas mulheres cínicas.

“Chego em meia hora. Esteja pronta.”

Natasha e eu seguíamos de táxi para o endereço do escritório do antigo


advogado de Olavo. Eu devia admitir que um tipo de angústia cresceu em mim à
medida que nos aproximávamos daquele local. Senti um aperto desesperador no
peito, como se algo ruim estivesse prestes a acontecer. Aquilo estava me
assustando.

— Tudo bem? — Natasha questionou ao perceber meu desconforto.

Lhe dei um meio sorriso e respondi:

— Só um pouco preocupada.

Ela emitiu um som de tristeza.

— Ele já te contou que ela estará lá? — Juntei as sobrancelhas. — Não se


preocupe, Lola. Aaron é louco por você, jamais te trocaria por Fernanda.

— Fernanda estará lá? — Eu não pretendi deixar meu tom frio daquela
forma, mas não consegui impedir.

— Sim, Aaron me disse isso há uma hora, quando me avisou sobre o exame
de Mabel. Estava tentando me convencer a não ir.

Encostei minha cabeça ao banco do carro e fechei os olhos.

— Ela foi amante dele, não foi? — inquiri assim que juntei as peças e
cheguei àquela conclusão.

Ela assentiu lentamente.

A filha da puta trocou Aaron pelo pai dele?

Bufei ao lembrar: “Ela quer o dinheiro dos Andrade. Independente de qual


descendente ele virá”.

Chegamos pouco mais de seis e quarenta e cinco e Natasha foi levada


rapidamente, pela secretária do advogado, à sala dele. Como estávamos
atrasadas, todos já estavam na sala.

Fiquei na espécie de recepção esperando. Quinze minutos se passou e ouvi a


primeira exclamação de indignação. Vinha de uma mulher, mas eu sabia que não
se tratava de Fernanda nem Natasha, então pensei ser da tia de Aaron.

Minhas mãos estavam unidas sobre o meu colo e respirei profundamente


tentando colocar a tensão que se instalou em mim para fora. Lembrei da manhã
de hoje, e um sorriso surgiu em meus lábios.

Minhas pernas estavam enlaçadas em volta do corpo de Aaron, assim como


meus braços em volta de seu pescoço. Nossas respirações se misturaram e eu
senti seu peito sobre o meu, seus batimentos cardíacos estavam tão acelerados
quanto os meus. O contraste entre nossos corpos era inegável. O rígido e
másculo contra o sensível e feminino. O peso de seu corpo sobre o meu era bem-
vindo e eu, de alguma forma, não queria que ele saísse. Pelo contrário, gostaria
de fazer este momento durar muito mais.

— Eu te machuquei? — ele sussurrou em meu ouvido.

— Não.

Abri os olhos e expirei devagar. Segundos se passaram, até que meus dedos
adentraram seus cabelos e eu os acariciei suavemente.

— Você parece tão frágil estando sob mim — ele disse assim que voltou a me
encarar.
Revirei os olhos.

— Frágil? Sei me defender muito bem — lembrei-o.

— Hum-hum...

Apertei os olhos ao perceber que ele estava sendo irônico.

— Você é facilmente irritável.

Sorri sem humor.

— Pelo que lembro, minha irritação é aprazível pra você.

Ele sorriu — pela primeira vez pude ver o sorriso espontâneo que ele insistia
em esconder. Aaron beijou meus lábios e explicou:

— Você parece uma adolescente contrariada quando aperta os olhos desta


forma e franze os lábios levemente.

Não pude me impedir de rir de suas palavras.

— Eu penso o mesmo quando percebo que você está com o maxilar cerrado e
responde minhas perguntas com “Hum-hum”.

Ele ficou em silêncio, seu sorriso esmoreceu à medida que ele parecia
lembrar das vezes que fez isso.

— Prefiro o Aaron ciumento e contrariado ao reservado e sarcástico do


início — confidenciei em seu ouvido após usar minha língua para lhe provocar
arrepios.
O baque de algo contra a parede do escritório me assustou e fez com que eu
me levantasse em um sobressalto. Ouvi gritos vindos da sala e o choro de uma
mulher também. A secretária, que havia levantado e parado ao meu lado para
encarar a porta da sala, correu até sua mesa e pegou o telefone.

Deixei minha bolsa sobre a cadeira que estava anteriormente e abri a porta.

Vi Natasha, Fernanda e a tia de Aaron em um lado do escritório com


expressões horrorizadas e desesperadas.

— Ricardo, pare com isso! — a tia gritou, seguida por Fernanda:

— Vocês parecem dois selvagens!

Adentrei a sala a tempo de ver Aaron lançar Rodrigo no chão e se colocar


sobre ele.

— Aaron! — gritei correndo até eles. — Você vai matá-lo!

Mas ele parecia perdido, inerte em seu próprio mundo, enquanto desferia
socos no rosto do irmão que, quase sem sucesso, ria e dizia:

— Sempre, irmãozinho. Isso sempre acontecerá.

Era como ver Aaron batendo em uma cópia de si mesmo.

O advogado, um homem negro de baixa estatura e óculos quadrados, se


aproximou e tentou me ajudar a tirar Aaron de cima de Rodrigo, mas Aaron
empurrou o advogado para longe e fez o mesmo comigo.

— O que está fazendo aqui, sua vadia? — Ouvi Fernanda questionar.


Semicerrei os olhos para ela e me estabilizei no chão novamente. Naquele
momento vi vovô e Mabel em um canto da enorme sala. Mabel estava chorando
copiosamente no chão e vovô tentava consolá-la.

— Por quanto você se vendeu a ele? — Franzi o cenho ao ouvir a senhora


gritar aquilo para mim. Olhei para Natasha à procura de respostas, mas ela virou
e rosto e percebi que também chorava, só que silenciosamente.

— Do que está falando?

— Eu achei que essa mulher — ela olhou com desprezo para Fernanda —
fosse a pior de todas. Mas você acaba de ganhar o título. Se vendeu para os dois
irmãos e para o pai deles para garantir um futuro.

Minha boca se abriu num “o”, mas antes que eu pudesse responder, Fernanda
avançou sobre mim.

— Filha da puta! — proferiu ao agarrar meus cabelos.

Gritei de dor e surpresa quando ela conseguiu nos lançar ao chão. Agarrei
seus pulsos para fazê-la soltar meus cabelos, mas isso só aconteceu quando
cravei minhas unhas em sua pele com força e ela gritou de dor. Aproveitei o
meio tempo para me colocar sobre ela.

— Do que estão falando?! — gritei exasperada.

— Você! Sua vadia! Como conheceu Rodrigo? — gritou furiosa e um nó


surgiu em minha garganta. Só percebi que ela continuava a gritar sob mim,
quando consegui voltar à realidade e seus xingamentos passaram a ser
compreendidos. — Prostituta! Vagabunda... Você não passa de uma...
— Cale a boca! — mandei ao desferir um tapa em seu rosto. A marca da
minha mão ficou vermelha em sua bochecha e Fernanda tentou puxar meus
cabelos novamente, mas a impedi e bati no outro lado de seu rosto. — Você é
uma vadia oferecida! Você se vendeu para Olavo e deixou Aaron! Você e não eu!

Senti duas mãos agarrarem meus braços e tentarem me puxar para cima, mas
ainda consegui puxar seus cabelos e fazê-la gemer de dor.

— Me solte! — mandei para quem quer que estivesse me afastando de


Fernanda.

Ela foi obrigada a se sentar sobre o chão com a cabeça inclinada, porque eu
ainda segurava seus cabelos, e eu a chutei uma vez, antes de ser afastada
completamente.

Eu estava ofegante quando olhei ao redor e vi dois seguranças tentarem


conter Aaron. Rodrigo parecia desacordado sobre o chão, mas logo se moveu
lentamente e deitou de lado. Sua risada, que não passava de risos e gemidos
intercalados, ecoou pelo escritório e quebrou o silêncio que antes deixava claras
a minha respiração ofegante e a de Aaron. Rodrigo estava com o rosto inchado e
seu nariz estava sujo de sangue.

Não entendi o motivo, mas senti meus olhos arderem em lágrimas. Procurei
Natasha, vovô e Mabel e os encontrei no mesmo canto que vi vovô
anteriormente. Mabel parecia desmaiada e quando tentei me aproximar para
verificar, o homem que me segurava não permitiu. Vovô se voltou para mim e o
brilho de decepção, raiva e lágrimas em seus olhos, me machucou
dolorosamente.

Um calafrio percorreu meu corpo e me voltei para Aaron, que me encarava


com os olhos frios e impenetráveis.

— O que está acontecendo? — inquiri tentando mascarar a dor e fraqueza


que sentia, com a raiva que também batalhava dentro de mim.

Aaron fechou os olhos por um momento e Rodrigo respondeu:

— Não tente mais esconder, querida. Todos descobriram sobre nós. E pior,
sobre seu caso com Olavo.

Meu coração afundou no peito e senti minhas pernas falharem por um


momento.

— O quê? — desconfiei que a pergunta soou inaudível.

Voltei a encarar Aaron, a frieza em seu olhar dera espaço a um brilho de dor e
ressentimento, talvez ódio, que me perturbou, me dilacerou de dentro para fora.
Quando ele se soltou do aperto dos seguranças e saiu da sala, eu não soube
identificar de onde exatamente veio a dor, mas ela se instalou em cada célula do
meu corpo, como uma doença que me destruiria aos poucos.

Tentei me soltar também quando as primeiras lágrimas rolaram, mas o


homem que me segurava não me soltou.

— Não. — Me surpreendi ao ouvir a voz de Robson. — Você não irá atrás


dele.

Fechei os olhos e chorei em seus braços quando ele me abraçou com força.
Ouvi a porta ser fechada duas vezes seguidas, mas minha mente estava tomada
por pensamentos demais para que eu me importasse com quem estava saindo e
por quê.
— O que está acontecendo? — sussurrei entre os soluços e as lágrimas.

Robson apenas me apertou em seus braços e murmurou uma desculpa para


alguém.

— Vamos embora daqui.


“Hoje eu acordei com medo

Mas não chorei, nem reclamei abrigo

Do escuro, eu via um infinito

Sem presente, passado ou futuro

Senti um abraço forte, já não era medo

Era uma coisa sua que ficou em mim (que não tem fim)”

(Poema – Cazuza)

Desvencilhei-me de Robson e limpei o rosto. Respirei fundo algumas vezes e


me forcei a me acalmar e a colocar todos os sentimentos, e medos, conflituosos
de lado.

Ouvi a voz de Rodrigo e me voltei para ele. O filho da puta estava quase
desacordado e murmurando palavras sem sentido. Seu rosto estava
completamente inchado, com cortes finos, e o sangue havia parado de escorrer
de seu nariz. O braço que eu atirei há algumas semanas, estava enfaixado. Não vi
qualquer atadura sobre a perna que atirei, mas tive certeza de que ela estava sob
a calça que ele vestia e que esse era um dos motivos de suas dores agudas.

Assim que os seguranças o levaram para fora da sala e o advogado saiu com
eles para dar ordens à secretária, eu percebi que fora Fernanda e a tia de Aaron a
irem embora anteriormente. Mabel pareceu ter acordado e estava abraçada a
vovô, enquanto ele sussurrava palavras de conforto para ela, que ainda chorava.
Natasha levantou.

— Eu vou atrás de Aaron, ele não está bem — avisou e um novo nó surgiu
em minha garganta quando ela começou a se afastar e sequer me olhou.

— Natasha... — chamei-a. Ela parou abruptamente, mas não se voltou para


mim. — Eu não o traí... Não fiz nada que...

— Chega, Dolores. — A voz de vovô soou como aço, partindo o ar em que o


silêncio amargo de minhas palavras sufocadas estava.

Cerrei os olhos sem coragem de encará-lo. Me odiei pelas novas lágrimas em


meu rosto.

Inferno! Eu sequer sabia realmente o que estava acontecendo e o desespero já


havia tomado conta de mim.
Mordi os lábios e, enquanto limpava os olhos e o rosto, me forcei a engolir o
choro.

Estava na hora de ao menos aparentar ser forte.

— Vamos sair daqui. — Ouvi-o dizer.

O caminho até minha casa foi silencioso. Mabel continuava abraçada a vovô
e parecia perdida demais em pensamentos para sequer notar que qualquer um de
nós, além de vovô, também estava no carro.

Robson parecia sério demais. Pelo que disse há alguns minutos, ele
continuava me seguindo e me acompanhou no percurso até o escritório do
advogado.

Eu me encontrava em estado de torpor necessário. Como se precisasse da


bolha que se formou a minha volta, para me isolar do que quer que fora escrito
naquele testamento, para me proteger do que, há poucos minutos, me destruía
por dentro.

Quando finalmente chegamos, segui para o meu quarto e lavei o rosto. Fiz
um coque em meu cabelo e troquei os saltos altos por uma Havaianas.

Voltei para a sala a tempo de ver Robson fechar a geladeira. Ele estava com
uma garrafa de água e um copo nas mãos. Fez um gesto para perguntar
silenciosamente se eu queria e assenti.
Sentei-me sobre o sofá e o esperei. Vovô estava em seu quarto, com Mabel.

— O que aconteceu naquela sala? — Rob perguntou a mim, após sentar-se na


poltrona à minha frente. Peguei o copo d’água e tomei todo o líquido em um só
gole, como se precisasse desesperadamente me hidratar.

— Eu não sei — respondi em voz baixa. — Ouvi gritos e choros. Quando


entrei na sala, Aaron estava batendo em Rodrigo, Mabel estava passando mal e
depois Fernanda avançou sobre mim.

Encarei o copo em minhas mãos e o girei devagar. Queria usar qualquer coisa
para me ajudar a manter as lembranças daqueles momentos bem longe, mas
aquela era uma tarefa impossível.

— Rodrigo inventou algo... — continuei. — Fernanda e a tia de Aaron me


chamaram de... vadia.

Robson se remexeu sobre a poltrona, mas não me dei ao trabalho de fitá-lo.

— Disseram algo sobre eu ter me vendido a Olavo. — Senti lágrimas em


meus olhos mais uma vez, mas pisquei incessantemente para me impedir de
derramá-las. — Rodrigo disse a Aaron que tivemos um caso.

— Filho da puta! — disse o homem à minha frente. — E seu... amigo


acreditou?

Deixei o copo de lado e fitei Robson.

— Aparentemente sim.

Ouvi passos vindos do corredor e voltei-me para vovô. Levantei rapidamente


e o encarei em silêncio quando ele se aproximou. Esperei que ele brigasse, que
dissesse que me avisou ou que me abraçasse e dissesse que tudo ficaria bem,
uma hora ou outra, mas ele fez algo pior que me dar um tapa. Ele se manteve em
silêncio enquanto me encarava. Seu olhar me desestruturou psicologicamente e
me despedaçou internamente... Tudo com uma rapidez infalível.

— O que aconteceu naquela sala? — perguntei em voz baixa quando ele se


afastou.

Quando voltou a me fitar, seus olhos azuis estavam escuros e semicerrados.


Ele parecia bravo, muito bravo, mas seu controle se sobressaía a isso.

— Ricardo e Rodrigo foram deserdados há anos. E Olavo deixou tudo para


Mabel e Natasha. Mas o advogado deixou claro que, pelo estado de Mabel e o
fato de Natasha ainda ser menor idade, as duas precisarão de um procurador, um
representante.

Franzi o cenho enquanto tentava juntar as peças.

— Existem dois em potencial. Um deles quer a fortuna mais que tudo e o


outro quer a segurança da família mais que a sua própria. Não acho que seja
necessário dizer que Olavo os afundou num inferno pior do que o que já
estavam, não é?

Cerrei os olhos e comprimi os lábios para me impedir de dizer qualquer


coisa. Estava chocada demais com a maldade daquele homem, com o desejo de
fazer mal aos próprios filhos e a mulher que deveria ter amado e cuidado.

— O procurador será responsável pela mesada de Glória e Rosali, mãe e irmã


de Olavo, assim como de Fernanda, que não poderá se casar se quiser continuar
a receber esta mesada. — Ele fez uma pausa e se encostou à sua escrivaninha. —
Natasha será o inferno particular de Rosali, que sempre a odiou por ser filha da
amante do irmão. E viverá o próprio inferno quando for morar na mansão
Andrade.

— E se elas abdicarem da herança? — questionei.

— As empresas entrarão em declínio. Também não podem ser repassadas a


qualquer pessoa que não possua o sangue dos Andrade.

— O que quer dizer com declínio? — Robson perguntou.

— Todas deverão ser fechadas em seis meses. — Vovô suspirou. — De


qualquer forma, nem Ricardo nem Rodrigo poderiam recusar a parte de Mabel...
Pois essa é uma decisão que deveria vir dela.

— E ela não pode responder por si mesma por estar doente — completei
pensativa.

— Onde Dolores entra nesta história? — a pergunta de Rob levou minha


atenção a vovô também.

— Olavo deixou explícito no testamento que suas amantes deveriam receber


o equivalente a uma mesada da qual pudessem viver em padrões aceitáveis. Lola
fazia parte da lista.

Sentei-me sobre o sofá quando me senti incapaz de me manter de pé. Meus


lábios se entreabriram, mas nenhum som foi audível por algum tempo.

— Por que ele fez isso? — consegui sussurrar mesmo com o nó em minha
garganta. — Por que ele inventou tudo isso? Por que tentou me destruir na frente
de todos eles? — Lágrimas finas já rolavam por meu rosto.

— Por vingança.

Levei meu rosto às minhas mãos em concha e me encolhi sobre mim mesma.
Não conseguia acreditar nisso, não queria acreditar nessa verdade.

— Queria se vingar de mim e de Ricardo... por termos tirado Mabel dele.

Engoli com dificuldade e senti como se as tentativas de reprimir tudo o que


eu estava sentindo fossem inúteis. Aaron acreditou apenas nas palavras de
Olavo? E Natasha também? Como Olavo chegou até mim? Como descobriu que
eu estava com Aaron? Por que, mesmo depois de morto, ele insistiu em destruir
o que Aaron e eu estávamos construindo, seja o que tenha sido?

— De você? — Ouvi Robson questionar sobre meus pensamentos


conflitantes.

— Quando fugi com Mabel naquela época e ele a encontrou, prometeu que se
vingaria por eu tentar tirar o que ele mais amava. E deixou uma carta para cada
um de nós.

— Por isso você também estava lá?

— Sim.

— Aaron acreditou nas palavras de Olavo? — inquiri com vergonha de


encará-los. Os dois sabiam que eu estava chorando, mas eu me sentiria ainda
mais frágil se os encarasse neste estado.

— Rodrigo o provocou dizendo que nunca teria uma mulher somente dele.
Que estava fadado a dividi-las com o pai e o irmão. E que você fora mais uma.
Vi todo o controle de Ricardo se esvair naquele momento. Por isso eles
começaram a briga.

Acenei em negativa quando lembrei do que aconteceu há dois dias, de como


Aaron ficou ao descobrir que Rodrigo tentara me tocar. Mordi os lábios até sentir
o gosto de sangue. Ele não queria terminar o que tínhamos, mas precisava que
eu dissesse que era apenas sua. Por isso insistiu.

Senti como se pudesse enlouquecer após o aumento do fluxo de pensamentos


e lembranças em minha mente. Eu me sentia sufocar mais e mais à medida que
as lembranças me traziam todos os momentos, bons e ruins, que culminaram
nisto.

Vovô se aproximou e me abraçou enquanto eu me encostei ao seu peito.


Precisava daquele conforto, mesmo que ele não diminuísse a intensidade da dor
ou da angústia em meu peito.

— Ele devia ter confiado em você, querida — sussurrou. — Confiado que


não o trairia.

— Há dois dias ele confiaria... — sussurrei com a voz rouca.

Lembrei da forma que Aaron me tocou apenas por pensar que Rodrigo
poderia ter feito o mesmo. Ele acreditou em mim antes de pensar no que Rodrigo
afirmara. Agora tudo se repetia, só que em proporções maiores. Muito maiores.
E ele não sabia se poderia confiar em mim.

— Olavo também me deixou uma carta, um bilhete, na verdade. — Ele tirou


algo de um dos bolsos. — Disse que a história se repetirá, e aquela era sua
vingança.

— Ele fez tudo isso por uma vingança? — Robson perguntou ao se


aproximar e se sentar sobre o sofá.

— O ódio e o rancor o dominaram e venceram, como a doença que o matou


aos poucos. Ele esperou anos por isso... — vovô murmurou enquanto acariciava
meus cabelos. — Pelo momento certo de se vingar. E planejou tudo como
sempre fazia: com a frieza de um assassino e a inteligência de um psicopata.

— Como ele descobriu sobre a minha existência? Quando ele prometeu se


vingar do senhor, papai era uma criança! Eu sequer tinha nascido. Como ele
chegou até mim depois de mais de vinte anos?

— Eu não sei — ele sussurrou.

Cerca de duas horas depois, eu já havia tomado um banho. Vovô me obrigou


a tomar um calmante e me forçou a tentar dormir. Eu sabia que não adiantaria de
nada, não dormiria. Aqueles pensamentos não permitiriam.

Revirei-me na cama mais uma vez. Estava me torturando com pensamentos


que, querendo ou não, eram inúteis neste momento. Pensava em como Aaron
deve estar agora, em como reagiu ao descobrir tudo o que seu pai inventou, tudo
o que impôs naquele maldito testamento...

Eu sabia que uma hora ele viria, ou talvez estivesse tentando acreditar nisso...
Porque Aaron poderia muito bem fingir que nunca me conheceu, que nada nunca
aconteceu... Que... Pausei os pensamentos e respirei fundo.

Suspirei lentamente e cerrei os olhos. Eu odiava o fato de não saber o que


fazer neste momento. Uma parte de mim queria tentar explicar a Aaron,
convencê-lo de que eu não fiz nada do que seu pai e irmão me acusaram, mas
outra, bem grande, queria esperar e descobrir o que ele faria. Se acreditaria em
todas essas mentiras, se acreditaria que, desde o início, eu quis apenas seduzi-lo
para dar informações sobre sua vida a Olavo e que o traí como Fernanda fez. Ou
se acreditaria em mim.
“Eu desço dessa solidão

Espalho coisas sobre um chão de giz

Há, meros devaneios tolos a me torturar

Fotografias recortadas em jornais de folhas, amiúde...”

(Chão de Giz – Zé Ramalho)

O silêncio no veículo, enquanto Natasha e eu seguíamos para casa, era o


contraste perfeito de minha mente. Havia desde perguntas e dúvidas a cenas
entrecortadas do que aconteceu naquela maldita sala. Eu ainda podia sentir o
desejo de matar Rodrigo e sabia que não me culparia por isso. Pelo menos não
agora, não até pensar em mamãe e no que isso poderia causar a ela.
E ainda havia Lola.

Porra, toda a maldita verdade estava a minha frente. Tudo o que


supostamente aconteceu desde que nos conhecemos e, no entanto, eu não queria
acreditar. Preferia não substituir o passado, os dois meses atrás, pelo que
descobrira há menos de uma hora.

Apertei o volante do carro com mais força.

Preferia manter a ideia de que todo o inferno que o sobrenome Andrade traz
consigo, havia se dissipado há dois anos, preferia acreditar que, mesmo contra
minha própria vontade, eu havia encontrado algo que... valia a pena tentar
manter em minha vida.

Ninguém conseguiria mentir e esconder todos esses segredos por tanto


tempo. Ela não seria capaz de fazer isso — era o que eu queria acreditar. Era a
maldita ideia que tentava impor a mim mesmo como solução para colocar tudo
de lado e...

O quê? Não deixar que a realidade me atingisse e me forçasse a ver que


Olavo conseguira... mais uma vez, acabar com tudo o que achei ter construído?
Com algo que eu realmente me importava.

Um sorriso irônico surgiu em meus lábios.

Estou realmente me preocupando com a saída de uma mulher, que me traiu


com meu pai e com o filho da puta do meu irmão, da minha vida? Ao invés de
me preparar para a merda toda que ainda está por vir com o que Olavo escreveu
naquela droga de testamento?

Foda-se!
Por mais que não soubesse o que ele deixaria naqueles papéis, estava
preparado para um novo inferno causado por ele. Para suas imposições, para
encontrar uma forma de tirar mamãe e Natasha de sua vingança tosca, mas...

Parei em um sinal fechado e encostei a cabeça no encosto do banco e fechei


os olhos.

Mas nunca para algo que a envolvesse. Principalmente daquela forma.

— Lola está apaixonada por você, Aaron. Não o trairia de forma tão baixa...
Nem de qualquer outra forma.

Apaixonada, ela disse. Há menos de vinte e quatro horas eu tentava acreditar


no contrário disso, mas desejava secretamente que ela estivesse.

Agora não importa. Isso é algo que nunca deveria ter importado na verdade.

— Meu Deus! Você a conhece, Aaron! Acha realmente que Dolores faria
algo assim?!

Fiquei em silêncio.

Pra você... Só pra você, Aaron. Foram as palavras usadas por ela e mais
tarde: Eu sou sua... Só sua.

Não. Eu não acho. Havia verdade em suas palavras. Ela nunca mentiria para
mim enquanto eu estivesse dentro dela... Dolores não..., interrompi meus
próprios pensamentos e suspirei lentamente.

A verdade em tudo era que eu já não sabia no que pensar. Não sabia se o que
me impedia de acreditar nas palavras de Rodrigo e no testamento de Olavo era o
fato de confiar nela ou o fato de querer confiar nela, que não me trairia e
enganaria por dinheiro.

Voltei a dirigir e tentei concentrar-me na rua à minha frente.

Meu celular tocou, Nat o pegou no banco de trás e o atendeu.

— Ele não pode falar agora... Fernanda, Aaron não quer mais saber de você...
Não... Ele não acredita mais em você. Se Rodrigo realmente precisasse de ajuda,
teria vindo atrás da gente.

— Desliga esse telefone, Nat — mandei. Não queria nem ouvir falar em
Fernanda e Rodrigo.

Era mais de dez da noite e eu continuava apenas a fitar o envelope sobre a


mesa de centro de minha sala. Em minha mão direita, eu segurava o terceiro ou
quarto, eu sequer sabia ao certo, copo de uísque, enquanto andava em círculos
pela sala.

Decidi parar de enrolar e segui até a mesa. Peguei o maldito envelope e o


abri. Estava pesado. Era óbvio que nele não havia apenas uma carta.

Expirei fortemente ao retirar o conteúdo de dentro dele e abandonei o copo,


que também segurava, sobre a mesa de centro.

Havia uma porção de papéis e outros dois envelopes menores. Abri o


primeiro e o li atentamente:

“Querida,

Em vida eu nunca seria capaz de agradecer o suficiente por você ter sido a
mediadora de minha vingança, mas em morte saiba que você, e sua pequena
existência, me farão descansar em paz. Sua ajuda foi imprescindível para que
tudo isso acontecesse. Espero que seu pagamento e sua mesada sejam
suficientes para meu agradecimento.

Olavo Andrade.”

Verifiquei o destinatário da carta e não me surpreendi ao ver o nome de


Dolores escrito com a caligrafia de Olavo. Respirei fundo uma vez e cerrei os
olhos.

O único motivo para ele ter deixado essa carta comigo, para que eu
entregasse a ela, era me provocar. Ele armou tudo isso.

Peguei as primeiras três páginas grampeadas e sentei-me sobre o sofá, para


lê-las.

Após ler as primeiras linhas e entender que se tratava de um contrato... e das


condições deste contrato, involuntariamente retornei a uma lembrança. No dia
em que o avô de Dolores saiu do hospital, ele me contou o motivo de ter passado
mal. Seu filho, Carlos, hipotecou sua casa e o banco estava cobrando o
pagamento daquela dívida. Dolores garantiu para ele que já havia resolvido
aquela pendência.

— Não — murmurei como um pedido idiota ao passar as páginas e chegar à


última delas. A assinatura de Dolores estava ali. Como se ela concordasse em ser
amante de Olavo por um mês, em troca do dinheiro para quitar aquela dívida. —
Definitivamente não! — repeti de maneira incisiva. Dolores estava desesperada
por João estar naquele hospital, certamente estava preocupada com esta hipoteca
e tentaria resolver esta situação, mas... Não. Ela não faria isso.

Passei a respirar pesadamente enquanto buscava uma hipótese plausível para


explicar o fato da assinatura dela estar ali. Olavo poderia tê-la forjado... Poderia
ter pagado alguém para imitar aquela assinatura. Contudo, onde e como ele
conseguiria uma assinatura dela para copiar?

Bufei, bravo demais comigo mesmo por ter chegado ao impasse daquela
última questão. Peguei o outro contrato e deixei o anterior de lado. Meu coração
vacilou ridiculamente no peito quando percebi que o que restara do conteúdo do
envelope grande eram fotos, outra carta e o contrato que estava em minhas mãos.

Li os novos papéis em minhas mãos. Era extremamente sucinto: ele pagaria


parcelas de um financiamento estudantil e ela deveria levar informações acerca
de minha vida para Olavo. Novamente a assinatura dela estava em todas as
páginas.

— Porra, Olavo tem que ter pagado alguém para fazer isso — repeti. Ele
pode ter conseguido a maldita assinatura em um banco, faculdade... no inferno
que tenha sido, mas Dolores não assinaria essa droga.

Joguei os papéis sobre a poltrona ao meu lado e fechei os olhos por alguns
segundos. Tentei, de todas as maneiras existentes, acreditar que eu estava apenas
apontando fatos e não procurando motivos para manter Dolores como a mulher
honesta e admirável que conheço.

Tomei o resto do uísque em meu copo e o depositei sobre a mesa de centro


novamente antes de pegar as malditas fotos.

As primeiras imagens estavam em preto e branco, eram basicamente: Olavo


retirando as roupas de uma mulher, que estava com seus longos cabelos negros
presos em um rabo de cavalo. Descartei as imagens de forma displicente,
ignorando tudo o que pudesse parecer minimamente com Dolores. Parei
abruptamente em uma foto em que a mulher estava sobre o homem, era
perceptível que ela estava cavalgando sobre o pau daquele filho da puta, seu
rosto estava com diversas mechas de cabelo cobrindo-o e, mais abaixo, sobre os
seios, algo me chamou atenção. Descartei mais três imagens até chegar a uma
em que o desenho simples e sutil da tatuagem ficou à vista. Era um coração
partido... Idêntico ao da tatuagem de Dolores.

“Como aquele bastardo descobriria sobre aquela tatuagem em Dolores?”,


questionei-me mentalmente. “Como qualquer filho da puta, além de mim,
saberia da porra daquela tatuagem sobre o seio de...”, interrompi quando percebi
onde meus pensamentos estavam me levando.

Ela não me trairia. Não. Me. Trairia.

Peguei a última carta e abri rapidamente o envelope. Suspirei fortemente ao


perceber que havia duas folhas. Uma delas era, de fato, a carta, e a outra parecia
uma ficha. Decidi ler a carta primeiro.
“Eu não pretendia lhe escrever uma carta, admito, mas diante da situação
me vi obrigado a fazê-lo. Claro, isso não muda o fato de eu odiá-lo, muito
menos o fato de odiar o bastardo do seu irmão. O que escreverei aqui é
basicamente um aviso, porque, acima de tudo, sempre amei sua mãe, e não
quero, de nenhuma maneira, que ela se machuque por culpa de Rodrigo.

Há algumas semanas descobri que seu irmão se envolveu com tráfico de


drogas — o idiota usou o dinheiro que me roubou, para fazer isso. Ele está
devendo muito dinheiro ao traficante, “dono do morro” em uma favela do Rio
de Janeiro. Meu detetive não conseguiu maiores informações, mas, pelo que sei,
o dono do morro está preso, mas continua com capangas atrás de Rodrigo. Ele
quer seu dinheiro de volta.

Você, melhor do que eu, conhece Rodrigo. Sabe que ele não tem escrúpulos e
se precisar, usará Mabel para conseguir dinheiro. Seja tentando colocar as
mãos em minha fortuna, seja chantageando você.”

Cessei a leitura daquela carta ao entender uma porção quase infinita de coisas
que aconteceram desde que Rodrigo voltou. Suas artimanhas e planos, cada vez
mais desprezíveis, passaram a fazer sentido para mim. Ele precisava daquele
dinheiro. Sua vida dependia daquilo.

“É óbvio que minha fortuna ficará com você. De um jeito ou de outro.


Apesar de tudo, essa ainda é minha vontade. Todos sabem que Rodrigo nunca
será capaz de zelar por tudo o que conquistei. Já você, você é capaz. Mas
apenas não quer.”
Mordi a parte interna da bochecha com força e resisti à vontade de rasgar
aquela folha de papel.

Li rapidamente o resto daquela explicação e virei a página quando percebi


que Olavo mudava de assunto.

“Talvez não precise, mas vou alertá-lo sobre Fernanda. Ela irá atrás de
você, provavelmente após a minha morte. Embora eu tenha deixado explícito em
meu testamento que nem ela, nem Dolores e muito menos Anita continuarão a
receber a mesada se se casarem. Fernanda não se importará com essa mesada
se for sua esposa e tiver direito a metade de toda a fortuna. Não me preocupo
com Dolores ou Anita sobre isso. Por mais que estivesse com você, Dolores
pareceu muito satisfeita com a chance que lhe dei. Já Anita, há dois meses foi
para São Paulo e, ao que parece, não pretende voltar.”

Amassei a porra da carta e a joguei em qualquer lugar. Trouxe as mãos ao


rosto e cerrei os olhos. Pensar era tudo o que eu não gostaria de fazer naquele
momento, no entanto, pensamentos eram o que eu mais colecionava neste
instante.

Eu não acreditava em nada daquilo. Desconfiei que nunca acreditaria. Mas


me conhecia bem o suficiente para saber que as dúvidas me importunariam e me
enlouqueceriam se eu não a ouvisse negar tudo aquilo.

Levantei abruptamente e peguei o copo sobre a mesa de centro. O enchi com


mais uísque e voltei a andar em círculos em meio à sala. Tentei reprimir a raiva
que sentia, a fúria que me dominava a confusão que me assolava e a quantidade
absurda de dúvidas que, contra minha vontade, me faziam repensar tudo o que
acontecera desde que conheci aquela mulher... que há menos de vinte e quatro
horas, eu desejei insanamente que dissesse ser minha. Que há menos de vinte e
quatro horas, eu quis, mais que tudo, manter em minha vida.
“Só uma palavra me devora

Aquela que meu coração não diz

Só o que me cega é o que me faz infeliz

É o brilho do olhar que eu não sofri.”

(Juras de Amor – Fagner)

Robson bateu à minha porta às seis horas da manhã de sábado. Eu o mandei


ir embora diversas vezes, deixando claro que dormira menos de três horas, mas
ele não cedeu. Apenas bateu ainda mais estrondosamente na porta.

— Acordei antes das cinco, princesa. Tenho muita energia para gastar
naquela academia. É bom que você esteja na cozinha, para o café da manhã, em
vinte minutos, do contrário, eu voltarei aqui com um balde de água fria.

— Vá pro inferno! — mandei ao tirar o travesseiro que estava em meu rosto.


Ouvi seus passos no corredor enquanto ele ia embora.

Suspirei audivelmente e encarei o teto de meu quarto. Procurei motivos para


continuar naquela cama, naquele quarto, durante todo o dia, mas percebi que
aquilo seria ridículo. Uma hora ou outra, Aaron viria conversar comigo e eu não
pretendia aparentar fragilidade ou resignação diante dele. Ficar aqui pensando no
que aconteceu, não me ajudaria em nada.

Levantei após chegar àquela conclusão e segui para o banheiro.

Quinze minutos depois, já estava vestindo uma legging e um top com


moletom. Prendi os cabelos em um rabo de cavalo e expirei lentamente enquanto
encarava meu reflexo no espelho.

Eu estava com olheiras e as pálpebras um pouco inchadas, sinais inegáveis da


noite maldormida e do choro que a antecedeu.

Quando cheguei à cozinha, Mabel e vovô estavam trabalhando juntos no café


da manhã e Robson os observava com um sorriso. Até mesmo eu sorri ao ver a
forma como eles pareciam confortáveis um com o outro.

— Bom dia — murmurei.

Eles responderam em uníssono. Mabel se voltou para mim com um sorriso


enorme.

— Lola! — Tentei esconder a surpresa ao vê-la se aproximar, como se


estivesse tentando acreditar que eu realmente estava aqui. — Ontem João me
contou que você conheceu meu filho!

Franzi o cenho e engoli em seco. Voltei-me para vovô e ele acenou em


negativa.

Ela esqueceu. Mabel esqueceu de tudo o que aconteceu ontem. Naquele


momento, eu desejei fazer o mesmo. Poderia ser um desejo covarde, mas era o
que eu gostaria.

Ela me abraçou e eu retribuí o abraço.

— Vocês são perfeitos um para o outro, tenho certeza! Na verdade, eu soube


disso no momento em que João me apresentou a você naquele dia.

Um nó cresceu rapidamente em minha garganta quando ela continuou a falar.

— Ricardo não é fácil de lidar no começo, é algo que devo admitir. Mas ele é
um bom homem, querida. E não estou dizendo isso porque é meu filho. — Ela
acariciou meu rosto e cerrei os olhos ao sentir as lágrimas. — Ele é como você;
demora a confiar nas pessoas, mas quando confia, ele muda completamente.
Basta ele sentir que a vida dele não se tornará frágil a você.

Uma lágrima fina rolou.

— O que houve, querida? — Ela pareceu preocupada ao limpar minha


lágrima.

— Ela teve um problema com uma amiga, ontem — Robson respondeu. —


Um problema grave de confiança e ficou sensível à menção da palavra.
Mabel apertou os olhos e engoli o maldito choro ao me afastar. Sabia que ela
queria uma resposta verdadeira, mas eu não seria capaz de lhe dar uma agora.

Um celular tocou na cozinha e só percebi que era o de vovô quando ele saiu
para atender.

— Fizemos panquecas, querida — Mabel avisou. — Vou fazer um café


reforçado para você.

Anuí.

Uma hora depois, Robson e eu adentrávamos a sua academia. Vovô fora levar
Mabel ao apartamento de Aaron, mas não quis me dar maiores informações
sobre ele. Disse apenas que depois viria para à academia também, pois ajudaria
Rob a me treinar.

Rob não tocou no assunto Aaron ou nada inerente à noite anterior, algo pelo
qual eu agradeci. Sabia que ele queria me ajudar a tirar os pensamentos e
lembranças de ontem da minha cabeça.

— Quantos quilômetros você corre diariamente?

— De cinco a oito.

— E exercícios?
— Três vezes por semana, na academia ao ar livre da praça.

Ele assentiu enquanto ligava uma esteira e pressionava alguns botões.

— Comece a se aquecer. Depois ficará quinze minutos na esteira. Quero


testar sua resistência.

Suspirei, mas ele fingiu não se importar. Tirei o moletom e comecei a me


alongar.

Meia hora depois, eu continuava na maldita esteira, que ficava mais rápida a
cada dois minutos.

— Achei que fosse apenas quinze minutos! — lembrei-o.

Ele levantou os olhos de sua prancheta e me fitou.

— Deixe de ser molenga, princesa. Sua resistência está melhor que há três
anos. Mais dois minutos e seguiremos para outra etapa.

Ele pegou meu cantil da prateleira de pesos e me entregou. Bebi a água como
se tivesse passado dias sem aquele líquido.

— Você quer que eu soque esse boneco depois de ter corrido pelo menos seis
quilômetros em meia hora?!

— Preciso saber se você lembra dos pontos fracos de um homem —


murmurou enquanto colocava uma luva em minha mão. — Você pode imaginar
que é o seu amigo ou o irmão dele.

Inspirei fortemente ao perceber que aquela era uma ótima ideia. Socar
Rodrigo, mesmo que de forma imaginária, poderia ser uma ótima terapia.

Esperei que ele colocasse a outra luva e voltei-me para o boneco.

— Você disse que descobriu algo sobre Rodrigo — lembrei-o. — Já pode me


contar o que descobriu?

Me aproximei do boneco e analisei as marcações que ele possuía. Linhas


vermelhas: pontos fracos. Linhas azuis: pontos de resistência. Linhas verdes:
pontos que me machucariam.

Ouvi-o clicar nos botões de seu cronômetro. O silêncio após isso foi
suficiente para fazer com que eu ouvisse minha respiração ofegante e os
batimentos fortíssimos de meu coração.

— Atenção nos sacos — avisou. — Fique atrás da linha vermelha.

Robson colocou o boneco no meio daquela área e movimentou os sacos de


boxe para que todos se movimentassem ao mesmo tempo enquanto eu tentava
me aproximar do boneco. Após ficar atrás da linha vermelha, a distância entre
mim e o boneco, era de pelo menos dois metros.

— Agora!

Foquei minha atenção no movimento dos sacos até que o ritmo de suas voltas
ficou claro em minha mente e comecei a me mover.

— Descobri que ele está envolvido com criminosos e traficantes do Rio de


Janeiro e São Paulo — ele gritou de onde estava.

— O quê? — Voltei-me rapidamente para onde ele estava. Minha expressão


era estupefata ao encará-lo. Um dos sacos veio em minha direção com uma
rapidez que não me deu tempo de me afastar. O peso me lançou ao chão com
força e gemi de dor quando meu ombro foi machucado.

Acompanhei o movimento dos sacos sobre mim, sem coragem e força de


vontade para me levantar.

Rodrigo estava envolvido com traficantes?! Como? E por que infernos ele se
envolveu com esse tipo de gente?!

— Sua atenção é facilmente desfocada, Dolores. Levante essa bunda daí e


comece de novo. Os sacos se movimentarão com mais rapidez desta vez.

— Tem certeza do que disse? — certifiquei-me. — Como descobriu isso?

— Levante, Dolores!

Bufei, agora enfurecida, e levantei.

Ele usaria essas malditas informações para tentar me distrair. Por isso não
queria me contar agora.

Andei até a linha vermelha novamente e ele gritou “agora”, mais uma vez.

Ouvi o peso dos sacos rasgar o ar a cada movimento rápido deles. Pareciam
vários pêndulos se movendo um após o outro.

— Você tem dez segundos para chegar ao boneco! — berrou.

Apressei-me a ultrapassar os sacos em movimento, quando faltavam apenas


três, ele disse:
— Ele tem uma dívida com o traficante de um morro. Saiu do Rio por causa
disso e os criminosos estão procurando-o.

Minha boca se abriu num “o”, mas não me permiti ser atingida novamente.

— Ele está aqui há quase um ano, esses criminosos nunca o encontraram? —


questionei assim que cheguei ao maldito boneco.

Atingi o nariz de plástico do boneco e mantive minha outra mão em posição


de defesa. Dois socos subsequentes na barriga e um chute nas costelas fizeram o
boneco emitir sons artificiais de dor.

— Você é alta, aproveite as pernas e joelhos para atingi-lo mais e com mais
força.

Fiz o que ele disse e chutei a costela novamente e, em seguida, girei uma vez
para chutar o rosto e depois socar seu peito, na altura dos pulmões, e depois sua
barriga novamente.

— Ótimo. O chute e socos no rosto o deixariam desnorteado, mas você bate


como uma menininha.

— O inferno que eu bato! — gritei em resposta. Tomei fôlego para socar o


rosto novamente, desta vez com mais força. Quando a imagem do rosto
sombreado de Rodrigo surgiu em minha mente, eu o soquei com mais força
ainda. — Continue contando! Por que esses malditos traficantes não mataram
aquele filho da puta?!

— Aposto que já sabem que ele está aqui na cidade, só não o localizaram
ainda. Ele sumiu e o traficante chefe foi preso há alguns meses. Mas parece que
nunca deixaram de procurá-lo.
Ouvi o portão de ferro da academia ser aberto e parei de socar o boneco para
ver vovô entrar.

Senti o suor correr por minhas costas, meu rosto e meu peito. Minha
respiração estava irregular e a pausa nos movimentos consecutivos, me deixou
ciente da dor crescente nos nós de meus dedos.

— Achei que você a vendaria para isso — vovô falou para Robson.

— O foco dela é tirado com facilidade. Talvez a venda realmente ajude nisso
— respondeu.

Encarei-os em silêncio, quando começaram a conversar em voz baixa o


suficiente para que eu não ouvisse.

— Vovô, ele...

— Ricardo não estava no apartamento — replicou antes que eu concluísse


minha pergunta.

Baixei os olhos e respirei fundo antes de me voltar para o boneco.

Soquei consecutivas vezes o rosto do boneco e o chutei próximo ao ouvido


duas vezes. Sabia que se tratasse de Rodrigo, aquele golpe o deixaria aéreo por
alguns segundos.

— Não me interessa se ele está em perigo, João. — Ouvi Rob murmurar para
vovô e acreditei que falassem de Rodrigo, já que Rob também contaria o que me
disse ainda há pouco ao vovô.

Afastei-me para pegar meu cantil e neste momento percebi que vovô ainda
conversava com Robson. Ele fingia avaliar algumas facas e cordas, mas eu sabia
que não estava prestando atenção a nenhuma delas.

Sentei-me em silêncio sobre um banco próximo à uma parede e cerrei os


olhos após esvaziar meu cantil.

O som dos meus batimentos cardíacos ainda estava nítido e audível em meus
ouvidos. Mas não conseguiam, nem de longe, ofuscar as vozes de acusações de
Rosali e Fernanda ontem à noite. Nem mesmo a de vovô enquanto me contava
sobre o testamento.

Acenei em negativa e usei as mãos para cobrir o rosto. Era inútil tentar
esquecer tudo usando o cansaço físico para isso.

— Dolores, por que parou? — Ouvi Rob inquirir mesmo ao longe.

— Estou cansada — respondi não tão alto quando deveria.

— Você já foi mais forte! — provocou.

— Eu sei — admiti, não me referindo apenas à resistência física.

Suspirei pesadamente e levantei os olhos a tempo de vê-los se aproximarem.

— E Mabel? — perguntei.

— Ficou com Natasha e Suzana.

Mordi o canto dos lábios para me impedir de perguntar sobre a localização de


Aaron. Ao invés disso, decidi questionar:
— O que o médico disse ontem?

A preocupação e a culpa tomaram conta da expressão de vovô e aquilo me


preocupou.

— O que ela tem? — insisti ao levantar.

— O médico afirmou que ela nunca teve Alzheimer — explicou. — Os


sintomas são claros e apontam para um trauma psicológico.

Meus lábios se entreabriram, mas não fui capaz de fazer qualquer pergunta.

— Ela sofreu algum trauma muito forte, e sua mente começou a bloquear
algumas informações. Como uma defesa. Por isso que, quando ela lembra de
algo, tem crises de choro e desmaios. As lembranças ruins a machucam como se
fossem dores físicas.

Fechei os olhos com força e meneei a cabeça em negativa.

— Por isso ontem ela... — interrompi. — Hoje ela acordou como se os


últimos meses não tivessem acontecido?

Ele assentiu.

— Não fui capaz de contrariar sua lembrança — ele admitiu. — Inventei


desculpas para termos saído da casa de repouso e disse que a levaria para ver o
filho. Por isso a deixei no apartamento de Ricardo.

— Será que Olavo... — interrompi quando o som do portão de ferro sendo


aberto, levou nossas atenções a quem entrava.
Meu coração afundou no peito ao ver Aaron. Engoli em seco ao vê-lo se
aproximar em silêncio. Meu coração se partiu lentamente ao perceber o olhar
que ele dedicava a mim.

Aaron continuava com raiva. Realmente havia acreditado nas palavras de


Rodrigo e no testamento de Olavo.

— Será que podemos conversar? — inquiriu de forma fria, da maneira que


seus olhos estavam.

— Não — vovô respondeu antes de mim. — Você não vai...

Robson o interrompeu:

— Eles precisam desta conversa, João.

Respirei fundo ao assentir e tentar erguer alguma proteção à minha volta.


Segui para o vestiário e ele me acompanhou.

Tirei as luvas e as deixei sobre o banco que dividia o espaço dos armários do
vestiário.

O encarei em silêncio e fingi, corajosamente, que a frieza e aparente


decepção em seu olhar, não me machucavam.

— Você acreditou — afirmei sem saber o que poderia dizer além daquilo.

Ele suspirou e semicerrou os olhos em seguida.

— Por que, Dolores? — Fez uma pausa. — Foi tão difícil recusar a quantia
que ele ofereceu?
A dor em meu peito aumentou e meus olhos arderam em lágrimas. Mas a
raiva cresceu nas mesmas proporções que a dor em mim. Levantei minha mão
para levá-la ao seu rosto quando percebi que Aaron havia realmente dito aquelas
palavras, mas ele a segurou com força e um movimento rápido fez com que a
proximidade entre nós aumentasse.

— Você estava com ele desde o começo? Foi fácil me enganar durante esses
dois meses? — ele atirou as perguntas sem se importar com o mal que elas me
faziam. — E se entregar a mim? Foi mais difícil que se entregar a ele?!

— Você está me ofendendo — sussurrei quando as primeiras lágrimas


rolaram. — Eu não fiz nada disso.

Não sei o que exatamente brilhou em seus olhos antes dele fechá-los.

— Não chore — mandou. — Não chore.

Tentei me soltar de seu aperto e ele permitiu. Naquele momento foi possível
para eu enxergar a centelha de dor através de suas muralhas, mas aquilo não se
comparava, nem de longe, ao que suas palavras me causavam.

— Foi tão fácil para eles te enganarem com uma mentira?! — perguntei. —
Tão fácil acreditar que eu faria o mesmo que Fernanda? Que te trairia de todas as
formas que Olavo mencionou naquele testamento?

Ele se virou de costas.

— Acreditou mesmo que eu seria tão baixa? — A angústia ficou muito mais
notável em meu tom ao murmurar esta pergunta.

Ele tirou algo do casaco preto que vestia.


Quando se voltou para mim, ele pareceu ainda mais frio e implacável. Peguei
o envelope que me estendia e apertei os lábios sem saber se o abria ou não.

— O que seu avô diria se soubesse que conseguiu pagar aquela hipoteca com
o dinheiro de Olavo? — Franzi o cenho ao encará-lo. — E que só conseguiu isso
porque foi para a cama com ele?

Inspirei fundo e decidi ignorar suas palavras antes de abrir o maldito


envelope.

Lágrimas finas rolaram por meu rosto quando encontrei algumas fotos e as
peguei. Todas eram fotos de um casal fazendo sexo. Os cabelos, a pele e formas
do corpo daquela mulher, lembravam o meu, e o homem, um velho de mais de
cinquenta anos, a tocava enquanto ela se movia sobre ele, seus cabelos cobriam
o rosto. Em outra era possível ver a mulher completamente nua e o homem entre
suas pernas, a câmera não estava focada no rosto dela, mas era o meu rosto ali...
Como ele conseguiu isso, eu não sabia. Não tive coragem de verificar as outras
imagens e peguei os papéis que também estavam no envelope. Eram cópias de
algumas das minhas contas... da hipoteca, do financiamento. E depois uma cópia
de uma espécie de contrato, especificando valores e... — Engoli em seco ao
perceber do que se tratava. — Havia minha assinatura ali, como se eu
concordasse em oferecer meu corpo a Olavo em troca de dinheiro.

Lágrimas mais grossas rolaram desta vez e não me importei com o fato de
Aaron estar vendo todas elas.

O que eu poderia dizer sobre isso? Era o meu rosto, era a minha assinatura,
minhas contas. Mas não fui eu a fazer aquilo, a assinar nada! Como Olavo
conseguiu isso?! Como conseguiu organizar tudo isso antes de ir para o maldito
inferno?!
Criei coragem e voltei a fitá-lo.

— Há uma carta para você — ele avisou.

Deixei as fotos e papéis dentro do envelope e tirei um menor. O abri devagar


e li o pequeno trecho:

“Querida, em vida eu nunca seria capaz de agradecer o suficiente por você


ter sido a mediadora de minha vingança, mas em morte saiba que você, e sua
pequena existência, me farão descansar em paz. Sua ajuda foi imprescindível
para que tudo isso acontecesse. Espero que seu pagamento e sua mesada sejam
suficientes para meu agradecimento.

Olavo Andrade.”

— Eu só não entendo, qual foi a serventia de Rodrigo em tudo isso — ele


disse.

Deixei os envelopes sobre o banco do vestiário e me forcei a não deixar as


malditas lágrimas rolarem. Limpei o rosto quando finalmente decidi o que faria e
voltei a encará-lo. Sustentei a frieza e fúria em seu olhar e fiz com que minhas
barreiras se erguessem mais fortes.

— Diga alguma coisa.

Acenei em negativa.
— Não vou implorar para que acredite em mim ou no que aconteceu entre
nós — respondi com a expressão impassível. — Você escolheu acreditar em
algumas montagens e mentiras e...

— Não se faça de sonsa — ele proferiu.

Respirei fundo e olhei para o envelope sobre o banco. Estava me sentindo


horrível, com tanta raiva, tanto ódio e, ainda assim, admitia que estava sofrendo
com tudo isso.

— Se prefere acreditar em um pai que passou todos os malditos anos de sua


vida te maltratando, conviva com a ideia de que foi traído duas vezes, por duas
mulheres e pelo mesmo motivo.

Ele ficou em silêncio.

O brilho de dor em seus olhos não foi suficiente para me fazer regredir. Eu
não me sentia nada bem em vê-lo desta forma, mas tinha certeza de que sua dor
não era minimamente comparada ao que suas acusações fizeram comigo. Eu não
queria pensar nos motivos para aquilo estar me machucando tanto, mas uma
afirmação de Elise ecoou em minha mente durante o silêncio pesado que se
instalou entre mim e Aaron. Ele não estava me abandonando como André e
mamãe fizeram, e o sentimento que tornava minha dor cruciante agora não
poderia ser uma paixãozinha adolescente.

Eu nunca o deixaria me machucar assim novamente.

Minhas costas se chocaram contra um armário de ferro quando Aaron


avançou sobre mim e me beijou. Eu tentei afastá-lo, mas ele segurou minhas
mãos com força. Não retribuí o beijo que ele me dava e percebi que talvez nunca
mais fosse capaz de fazê-lo. Nunca mais.

Aaron desistiu.

Meus olhos estavam fechados e preferi não os abrir para não olhar em seus
olhos.

— Nestes dois meses, você nunca foi realmente minha? — A necessidade de


uma resposta verdadeira naquele tom, me abalou mais do que eu gostaria de
admitir.

— Você não acreditará em minha resposta — lembrei-o. — Assim como não


acreditou da primeira vez.

— Por que fez isso? — ele perguntou em voz tão baixa que quase não ouvi.
— Eu teria te ajudado se soubesse da hipoteca. Teria feito qualquer... — eu o
interrompi:

— Vá embora, Aaron — pedi quase sem forças. Seu cheiro cítrico já não
podia ser ignorado e permaneceria impregnado em mim quando ele fosse
embora, e eu queria desesperadamente que ele fosse. Só assim me permitiria
chorar em paz.

Senti seu polegar acariciar minha bochecha após limpar uma lágrima fina.

Abri os olhos lentamente e o encontrei me encarando. Havia tanta confusão,


indecisão e dúvida mesclada a raiva e decepção em seus olhos castanhos que eu
quase achei que eles fossem espelhos da minha mente.

Ele se afastou lentamente, sua expressão se convertendo a impassibilidade


novamente. Ele pegou o envelope sobre o banco e saiu.
Havia tantas palavras sufocadas em minha garganta que eu preferi culpá-las
pelas lágrimas incessantes que rolaram por meu rosto a partir do momento que
Aaron fechou a porta.

Na segunda-feira pela manhã, eu fui à Airmac com todos os documentos


necessários para a minha admissão. Estava esperando que a psicóloga do RH me
recebesse quando meu celular vibrou com uma nova mensagem. Era de Natasha.

“Boa sorte.”

Sorri ao ler aquelas duas palavras. Ontem à noite ela me ligou para falar
sobre o que havia acontecido. E tive meu amor e confiança por ela renovados
quando ela sequer pediu que eu explicasse algo e apenas disse que acreditava em
mim.

Vovô estava com raiva de Aaron e se irritou comigo quando eu não contei o
que ele me disse durante a nossa conversa para me deixar tão arrasada. Mas
concordou quando eu pedi que encerrássemos os assuntos Aaron e testamento.

Robson me trouxe à Airmac hoje e estava me esperando lá embaixo.

— Dolores Meireles. — A psicóloga me chamou após abrir a porta de sua


sala e fez uma pausa para verificar qual dos homens ao meu lado também havia
passado no processo seletivo. — E Humberto Junior?
Nós dois levantamos e a seguimos quando ela pediu que o fizéssemos.

Quando estávamos devidamente sentados à sua frente, ela leu a lista de


documentos que havia solicitado e nós os entregamos à medida que ela os pedia.

— Eu pedi para ter esta conversa com vocês porque há uma vaga de
administrador junior em aberto. Apenas um de vocês poderá preenchê-la. — Ela
abriu duas pastas e tirou duas folhas, as fichas de solicitação de emprego que
preenchemos ao chegar aqui no primeiro dia. — Humberto, você é casado e tem
dois filhos.

— Duas filhas, na verdade — ele esclareceu.

Franzi levemente o cenho quando ela pegou minha ficha. Suas sobrancelhas
negras e bem arqueadas se ergueram enquanto ela lia a minha ficha.

— Você é solteira e não possui filhos, Dolores?

— Isso mesmo.

Ela assentiu para si mesma e guardou todos os documentos.

— Tenho duas vagas aqui na empresa. Os detalhes sobre salário e benefícios


são esses. — Ela nos repassou duas folhas. — Uma vaga para auxiliar
administrativo no setor de logística. Creio que você já conhece bem como
funciona esta, não é? — perguntou a mim. — Você mencionou que já foi
estagiária em um setor de logística.

Assenti e ela prosseguiu explicando sobre a outra vaga, também de auxiliar.

— Temos uma gerente de um setor financeiro que precisará sair de licença-


maternidade a partir do dia dez deste mês de novembro — explicou. — Em
conjunto com o RH da filial, decidimos delegar o cargo dela ao administrador
junior, mas precisarei de alguém para substituí-lo.

Meu coração bateu fortemente no peito ao ouvir aquilo.

— Creio que Dolores seria a mais indicada ao cargo, já que não é casada e
não possui filhos — ela disse agora olhando para mim. Sustentei o olhar
avaliador dela. — A filial é de Salvador, na Bahia. Serão seis meses de
experiência nesse cargo e, se você se sair bem, será a próxima na fila para um
cargo de administradora junior.

Deixei de ouvir o que ela falava sobre condições de trabalho e adicional que a
empresa pagaria para que eu pudesse alugar um lugar para morar.

Era minha chance. Minha única chance.

Baixei os olhos para os papéis sobre a mesa e ponderei por um momento.

“Não há nada que me prenda aqui em Porto Alegre”, pensei.

Eu preciso de espaço e tempo para mim. Seis meses em um estado longe do


meu e longe de tudo parece ser perfeito para isso. Já havia terminado de vez com
Aaron, vovô continuaria com Mabel e Robson poderia voltar a viver sua vida se
eu fosse embora para outro lugar.

— Eu aceito — respondi com convicção, interrompendo-a no meio de uma


frase.
— Natasha, você precisa se manter calma sobre isso! Eles só vão se conhecer
— tentei acalmá-la sobre o jantar que ela e Vitor teriam com Aaron em menos de
uma hora. — Aaron tentará assustar Vitor e certamente o deixará avisado sobre
as consequências que sofrerá se te machucar. Mas isso já é o esperado.

— Eu queria tanto que estivesse aqui! — ela disse. — Você saberia como me
ajudar a lidar com eles. E sabe, como ninguém, lidar com Aaron.

Demorei mais tempo que o necessário para entender aquelas palavras e me


forcei a responder:

— Tudo dará certo, Nat. Não se preocupe.

— Lola... — Ela fez uma pausa. — Meu Deus. Vocês têm que se resolver.
Estão sofrendo e preferem manter as máscaras de seres fortes e impenetráveis.

— Não quero falar sobre isso — lembrei-a.

— Você acha que eu não percebi que ontem estava chorando quando te
liguei? E que eu não sabia que isso era culpa do idiota do meu irmão?!

— Não estava chorando. E se estivesse, não seria por Aaron — menti. —


Natasha, entenda: acabou. Não vamos voltar a ter nada. Nunca mais.

— Mas...
— Não tem “mas”.

— Vocês não deveriam permitir que alguém os separasse desta forma. Eu


odeio isso, porque sei que vocês estão apaixonados, mas não vão admitir! Sei
que tudo isso está errado e que vocês são orgulhosos demais para pedir
desculpas!

— Você acredita que Vitor te ama, não é? Ele acreditaria em você se alguém
dissesse que você o traiu? — perguntei e ela confirmou. — Se alguém dissesse a
ele que você o traiu com o Matheus, e esse alguém apresentasse diversas provas
contra você, incluindo fotos desta traição, acha que ainda assim Vitor acreditaria
em você? Que você não o traiu?

Ela ficou em silêncio.

— Ele não acreditou em mim, acha que o traí e não vai me perdoar... E por
isso eu também não o perdoarei.

Ela continuou em silêncio, percebi apenas que sua respiração estava mais
pesada.

— Natasha, vou desligar. Boa sorte com o jantar... E mantenha a calma! Não
deixe que Aaron intimide vocês dois.

Não esperei que ela respondesse e desliguei.

Batidas na porta de meu quarto me impediram de cair em pensamentos que,


novamente, me levariam a lembrar dos últimos dois meses, da última sexta-feira
e de Aaron. Essa era uma tortura que eu me fazia sentir desde sábado. Sempre
fazia com que eu acabasse em lágrimas, eu me odiava por isso, mas também
sabia que aquilo me ajudava a reforçar a ideia de que, naquele momento, dar um
fim a tudo foi a coisa certa a fazer.

— Pode entrar — murmurei.

Vovô estava com uma bandeja com duas xícaras de chá e sorri timidamente
ao ver aquilo. A última vez que ele fez isso foi na véspera do meu vestibular,
quando sabia que eu precisava me acalmar.

Ele me deu um sorriso e nos serviu em silêncio.

— Tudo bem? — ele perguntou.

Eu assenti.

— Estava falando com Natasha.

Tomei o primeiro gole de chá e decidi esperar para tomar o próximo, pois
estava muito quente.

— Contou para ela? — perguntou referindo-se a vaga de emprego que


consegui. Eu contei isso a ele ontem.

Acenei em negativa.

— A empresa me deu dez dias para resolver tudo sobre a viagem — lembrei-
o. — Não quero contar a ninguém agora. Não quero que ninguém tente me
impedir de ir.

— Acha que Ricardo faria isso?

Baixei os olhos para o copo e soprei suavemente o chá.


— Não.

— Sua mãe também está na Bahia — ele me lembrou.

— Eu sei. Mas não vou ficar com ela e o tal Marcos, namorado dela. Vou
procurar um apartamento simples para ficar enquanto não arranjo outro lugar.

Ele pousou sua xícara vazia sobre a bandeja.

— Não acredito que vou deixar minha filha voar para longe de mim.

Sorri tristemente e me aproximei para abraçá-lo.

— São apenas seis meses. Depois eu volto. E o senhor poderá me visitar


sempre que quiser.

O conforto de seus braços me lembrou que eu não o teria perto de mim se


fosse para Salvador. Que não teria ninguém para recorrer ou alguém para me
apoiar caso eu precisasse.

Senti meus olhos marejarem e os fechei com força.

— Tem certeza do que vai fazer, querida? — Ele fez uma pausa. — Se estiver
fazendo isso por causa de Ricardo, não é...

— Preciso de um tempo, vovô — sussurrei. — Preciso conhecer novas


pessoas, ter um novo desafio e ascender em minha carreira. Preciso de tudo o
que não encontrei aqui em Porto Alegre.

— Você gosta dele, não é? — ele questionou assim que nos separamos. — E
está sofrendo pelo que aconteceu.
— Vou conseguir esquecer tudo isso se estiver bem longe — assegurei,
ignorando sua pergunta.

Ele acenou em negativa.

— Se você realmente gostar dele, poderá passar uma vida que não será
suficiente para tirá-lo de sua mente e de seu coração.

Pousei minha xícara sobre o criado-mudo e deitei minha cabeça sobre o seu
colo.

— Foi o que aconteceu com você e Mabel? — sussurrei.

— Sim.

Mordi o canto dos lábios e cerrei os olhos quando ele começou a acariciar
meus cabelos.

— Eu prometi que não me machucaria — lembrei-o.

— Vocês foram vítimas de uma armação.

— Mas ele não acredita nisso.

— Ele já não sabe no que acreditar — contou. — Nunca vi Ricardo daquela


forma.

— Não vou esperar que ele se convença de que não fiz nada — repeti o que
lhe disse ontem. — Aaron me machucou... muito. E não vou permitir que
consiga fazê-lo novamente.
As lágrimas que inundavam meus olhos, finalmente rolaram.

— Não quero que sofra, querida — ele disse. — Sei que também sou culpado
de parte desta dor e se você acha que a distância te fará sentir melhor, eu prefiro
que vá.

Alguns dias depois...

— Achei que você não viria! — exclamei assim que vi Natasha emergir das
escadas rolantes do aeroporto.

Ela correu até mim com os olhos cheios de lágrimas e me abraçou.

— É claro que eu viria — sussurrou entre soluços. — Ainda tenho vinte


minutos para te fazer desistir disso.

Sorri em meio as lágrimas e acabei com o abraço.

— Não tente, por favor — pedi. — Já está sendo difícil o suficiente.

Olhei a minha volta. Vovô, Robson, Mabel, Elise, Brenda, André, Lucas e
Giovane também estavam aqui. Odeio despedidas e as tentativas das meninas, de
me fazer ficar, não estavam me ajudando a passar por isso imune a choros.

Os olhos azuis de Natasha estavam vermelhos desde ontem à noite, quando


contei que havia aceitado um emprego fora de Porto Alegre.

Limpei meu rosto e respirei fundo antes de começar a limpar o seu também.

— Não chore, ok? Vamos manter contato sempre... — sussurrei. — Vou ligar
sempre que der e vou torcer por você no dia do vestibular.

Minhas palavras a fizeram chorar ainda mais.

— E vou comemorar, mesmo que de longe, quando você passar em medicina.

Ela me abraçou novamente.

— Vou sentir tanto a sua falta.

— E eu de você — murmurei.

Uma voz feminina anunciou meu voo pelos alto-falantes e segundos depois
senti braços a minha volta e diversos perfumes se misturarem ao meu.

— Vocês não estão deixando isso mais fácil — sussurrei quando Elise e
Brenda voltaram a chorar.

— São apenas seis meses, nós sabemos, mas ninguém aqui está acostumado a
ficar sem seu mau humor e suas dúvidas sem fim.

Aquilo me fez rir quando nos separamos.

— Você vai voltar no Natal? — Brenda perguntou.

— Farei o possível para voltar.


André se aproximou, ele e os meninos eram os únicos a não chorar.

— Você me deixou ir uma vez, lembra? — perguntou ao me abraçar. — Esse


é o melhor pra você, não vou te dar motivos para ficar.

— Obrigada — agradeci quando ele beijou meu rosto.

— Você merece essa chance e tem que agarrá-la com todas as forças.

— E o farei.

Vovô pegou minha mala e começou a levá-la para o local anunciado.

Abracei Mabel uma última vez e ela me deu sua bênção, depois segui vovô
em silêncio.

Olhei para trás enquanto limpava os olhos e todos acenaram em despedida.

Minha pele se arrepiou suavemente e aquilo fez com que eu olhasse a minha
volta... e involuntariamente procurasse os olhos castanhos que sempre
provocavam aquele efeito em mim.

Odiei-me quando uma lembrança de um momento bom me deixou


esperançosa sobre Aaron estar aqui.

Uma Lola idiota dentro de mim quis que, como no filme Uma Linda Mulher,
que Aaron e eu assistimos com vovô e Mabel há alguns dias, ele chegasse no
último minuto e tentasse me impedir de ir embora, mas não vivemos em um
mundo em que as histórias precisam ter finais felizes. E talvez por isso, esta
história não tivesse um.
Seis meses. É o tempo que, segundo meu maldito médico, tenho de vida. Eu
poderia, definitivamente, começar a lamentar o pouco tempo que tenho na porra
desse mundo, poderia pensar em consertar tudo o que já fiz para prejudicar
alguém e tentar amenizar qualquer situação ruim criada por mim e até mesmo
enumerar as dez coisas que eu gostaria de fazer antes de morrer. Um sorriso
sarcástico surgiu em meus lábios ao pensar nas malditas opções. Era tudo tão
infinitamente caricato, que chegava a ser cômico.

Afastei a cortina pesada e negra que bloqueava a luz do sol de mais um dia
entediante em Porto Alegre. Fitei o jardim extremamente bem cuidado de minha
mansão enquanto relembrava as palavras de Célio, meu neurologista.

— Fale na porra de uma língua que eu entenda — mandei. — Se vou mesmo


morrer, ao menos que eu saiba o maldito motivo. O que, em nome do diabo, será
capaz de matar Olavo Andrade?
Célio retirou seus óculos e apertou os olhos para conseguir me enxergar de
maneira aceitável.

— O tumor se encontra em um estado avançado e em um lugar delicado de


ser retirado. Suas chances de sobrevivência após uma operação são de, no
máximo, dez a vinte por cento.

Eu trocaria todas aquelas hipóteses por uma única. Um último e colossal ato,
e o melhor criado pelo homem até hoje, eu diria: a vingança.

Olhei para o meu reflexo através do espelho de meu quarto e arqueei as


sobrancelhas para mim mesmo enquanto concluía o nó em minha gravata.

Com o tempo fui capaz de derrubar todos os meus inimigos... Um a um todos


eles caíram. Agora, por desleixo, ainda possuo três: Adrian, Ricardo e João.

Um novo sorriso tornou meu rosto sombrio, e maldoso nas mesmas


proporções. Eu acabaria com pai e filhos no mesmo intervalo de tempo. Só
precisaria de um plano, para fazê-lo de forma que todos lembrassem da minha
passagem por suas existências medíocres na terra.

A questão a se pensar era: que plano?

“Para uma boa vingança”, ponderei ao arrumar minha camisa e as


abotoaduras da mesma. ”O essencial e impreterível é conhecer seu inimigo. E, é
claro, que isto será o início de tudo.”

Vesti o blazer e retirei algum dinheiro da carteira antes de seguir para a minha
cama.

A morena estonteante da noite anterior fizera seu trabalho como nenhuma


outra. — Olhei-a na cama. Continuava nua e era sem-vergonha o suficiente para
não se importar de cobrir a nudez.

Aproximei-me para tocar a bunda maravilhosa e desnuda que pedia para ser
fodida novamente. Eu não lembrava o nome daquela vadia, mas com certeza a
contrataria novamente. Porque se havia uma coisa que eu ainda faria muito antes
de ir pro inferno, era foder. E se ser chupado estava no pacote, melhor ainda.
Principalmente se era pela ex de Ricardo, o bastardo que todos tentam me
convencer de que é o meu filho.

O tapa que dei na bunda da vadia foi audível no cômodo e a fez acordar em
um sobressalto.

Levantei e me afastei enquanto jogava o dinheiro sobre ela.

— Hora de ir, querida — avisei ao sair do quarto.

Semanas depois...

Avaliei o homem à minha frente com atenção. Cessei os movimentos da


caneta entre meus dedos e peguei o dossiê. Li o nome na primeira linha: José
Roberto Siqueira.

— Eu ofereço trinta mil para que me traga informações sobre uma pessoa —
iniciei uma conversa. — Qualquer informação é válida, contudo, de acordo com
a importância de cada uma delas, eu lhe darei uma quantia à parte deste primeiro
valor proposto.

— Sou todo ouvidos — ele respondeu.

Semicerrei os olhos para ele e prossegui:

— Aaron Ricardo Nunes de Andrade. Este é o nome — comecei enquanto


folheava o relatório que o detetive particular me enviou há pouco. Peguei as
páginas que falavam sobre Ricardo. — Ele é gerente de segurança da informação
de uma revistinha qualquer. Consegui uma vaga de auxiliar lá para você.
Segundo suas informações, você também estudou para ser hacker, não é mesmo?

O homem do outro lado da mesa se remexeu na cadeira, apertou os olhos para


mim e percebi que respirou fundo, provavelmente tentando se acalmar diante de
minha proposta irrecusável, pensei.

— Ciência da computação — respondeu. — Me formei em ciência da


computação.

Revirei os olhos.

— Para mim é a mesma coisa. — Fiz uma pausa. — Não o contratei para
conseguir informações de nenhum sistema público ou privado, muito menos
perfis de redes sociais. Seu curriculum só me interessou porque pode se encaixar
na vaga que consegui.

O homem expirou.

— Você quer que...


— Quero que você descubra tudo sobre a vida de Ricardo Andrade. Pago
quinze mil após possuir sua assinatura em um contrato e o resto quando achar
que seus serviços não serão necessários. E você pode ficar com a vaga e tudo o
que ganhar naquela revista de mulherzinha.

Minhas últimas palavras o deixaram em silêncio.

Bufei.

As ponderações de seres como esse, que não sabiam se valia ou não a pena ir
contra o certo e errado em troca de dinheiro, me entediava.

Três meses depois...

— Então Rodrigo está mesmo envolvido com tráfico? — questionei de forma


retórica quando um sorriso sarcástico surgiu em meus lábios. Mesmo com a
porra da dor de cabeça que sentia, depois daquela notícia, é claro que eu poderia
sorrir. — O filho da puta poderia ter feito tantas coisas com meu dinheiro e
preferiu investir em um campo tão perigoso.

Athos, o detetive à minha frente, franziu o cenho quando gargalhei. O idiota


não percebia o que estava por trás de minhas palavras.

Rodrigo será procurado e morto. Terá um fim, que não será dado por mim,
mas que merecerá... Definitivamente.

Era uma pena perder um homem em minha lista de vingança, mas saber que
um dia o encontrarei no inferno, me fez pensar em como isso pode ser divertido.

— Esse é o relatório sobre a mulher que me pediu — Athos murmurou ao me


estender uma nova pasta.

Peguei a pasta ao lembrar da mulher que Roberto me disse que estava se


relacionando com Ricardo. Li ao início da ficha.

— Dolores é neta de um ex-militar. É solteira, tem vinte e três anos e trabalha


na editora de revista há mais de dois anos — Athos explicou. — Possui algumas
dívidas que seu salário jamais conseguirá pagar e mora sozinha. Segundo as
informações que consegui no endereço em que ela mora, o avô dela sumiu há
quase um ano e ela ficou sozinha...

Fechei os olhos por um momento quando a maldita dor de cabeça ficou pior.
Pressionei os dedos em minhas têmporas e me obriguei a abrir os olhos. A minha
sala na empresa, novamente, já não passava de um maldito borrão de cores...
Como a porra das pinturas de Mabel, minha esposa.

Mabel..., lembrei. Todo esse inferno era culpa dela... E de Ricardo. Se aquele
ingrato não tivesse roubado Mabel de mim, eu não estaria doente. Não estaria
sozinho e certamente não estaria com essa maldita dor de cabeça.

— Lerei tudo, Athos — avisei-o ao cessar as tentativas de enxergá-lo bem. —


Continue atrás de Ricardo...

Não sei se o filho da puta concordou, somente o ouvi pedir licença e sair de
minha sala.
Cerrei os olhos novamente e tateei em minha mesa à procura dos meus
comprimidos para dor de cabeça. Célio mandou que eu não os tomasse, por
causa de algum maldito efeito colateral, que eu não me importava porque tinha
pouco mais de dois meses de vida, segundo ele. Mas ainda tinha a convicta
certeza de que passaria desse prazo. Levei as mãos ao rosto e pousei os
cotovelos sobre a mesa. Olavo Andrade não morreria assim... Por causa de algo
tão insignificante.

Dias depois...

“O universo poderia ser realmente justo”, concluí ao verificar as fotos da tal


Dolores.

Roberto fora prestativo ao conseguir tantas fotos da vadia que Ricardo está
comendo.

Após dias com uma dor de cabeça, que me fez desfalecer algumas malditas
vezes, eu consegui ler os relatórios que meu detetive fez.

A vadia de Ricardo é neta do filho da puta que roubou Mabel de mim. Ri


enquanto colocava as fotos da mulher em meu mural de vingança. Não poderia
haver justiça maior que aquela.

Parte do meu plano já estava certo. O ponto crucial de minha vingança seria a
morena gostosa nas fotos à minha frente. Eu só precisava ter certeza de que ela
realmente já havia ganhado o coração daquele idiota. Acenei em negativa. Do
jeito que o bastardo era fraco, certamente já estava beijando o chão que a vadia
pisava.

Avaliei as imagens à minha frente com atenção. Uma por uma.

Glória, a prostituta conhecida socialmente como minha mãe. Seguida por


Rosali, minha irmã ilegítima. Ariane, o projeto de vadia, filha de Rosali. Todas
odeiam o fato de terem que viver das migalhas que lhes dou. Dei de ombros.
Continuarão a viver desta forma.

Suzana estava riscada de minha lista. Também morreria em breve então não
teria graça adicioná-la ao testamento.

Natasha... Sorri ao ver a foto da garota. A menina é linda... Seria facilmente


pegável se não tivesse meu sangue... Se não fosse uma bastarda, eu faria questão
de deixar toda a minha fortuna para ela. Apenas pelo prazer de saber que isso
faria as mulheres de minha família quererem me matar novamente. Pelo prazer
de saber que isso deixaria Rodrigo louco, mas, infelizmente, não haveria nenhum
efeito em Ricardo.

Acenei em negativa.

Rodrigo, se eu não tivesse certeza que é filho de João, eu acharia que é meu
filho, pois o maldito aprendeu muita coisa comigo ao ser criado por mim.
Ponderei ao ver sua foto. Eu não deixaria um centavo para esse filho da puta.
Sabia sobre seu affair com a ex-noiva de Ricardo.

Sorri. Fernanda e Rodrigo também seriam usados em minha vingança.


Porque eles também machucariam Ricardo.

Mabel. Apertei os olhos para a foto da única mulher que amei na porra da
minha vida. Vendida a mim pelo próprio pai. Ela era só mais uma vadia. Como
Glória, Rosali, Fernanda e Suzana. Foi fraca o suficiente para se deixar vencer
por um trauma psicológico após acordar, depois da surra que lhe dei ao levantar
a voz para mim. Sorri. A idiota sempre defendeu demais seus bastardos. Já
estava acostumada a tapas, estava ciente de que não deveria me irritar com a
conversa de que eles são meus filhos. Me desafiar, e chamar de covarde, por não
aceitar fazer um exame de DNA, foi a gota d’água. Mereceu cada soco e chute.
Eu não passaria a desonra de ter um papel dizendo que fui traído e era incapaz de
abandonar a mulher que me traiu.

João. O filho da puta que tentou tirar minha mulher de mim e conseguiu
acabar com o amor que eu tinha certeza de que ela sentia por mim. A morte seria
muito fácil para ele depois de já estar velho. Ele tem que sofrer... Preciso fazer
com que encontre Mabel e veja o ser deplorável que ela se tornou... E preciso,
mais ainda, fazer com que sua neta seja nomeada a vadia do ano. Meus
problemas eram: nem mesmo eu sei o paradeiro de Mabel... E a tal Dolores,
segundo Roberto, é incorruptível. Eu não poderia arriscar perder a chance de
usá-la nesta vingança... Se fizesse uma proposta e ela não aceitasse, eu perderia
esta chance.

Aaron e Dolores. Fiz questão de colocar suas fotos uma do lado da outra.
Roberto me trará um novo relatório sobre os dois no fim deste mês. Se eu
pudesse realmente machucar Ricardo com algo que envolvesse esta mulher, o
faria sem remorso.

Como tudo que já fiz em minha vida.


Semanas depois...

— Conseguiu algum documento? — perguntei assim que o homem entrou em


meu quarto.

— Sim. Ela assinou uma advertência na empresa recentemente e um termo de


confidencialidade — Roberto explicou enquanto me entregava duas impressões
e um pen drive.

Analisei as impressões com as assinaturas e, em seguida, peguei o dinheiro


que pedi para meu empregado deixar sobre o criado-mudo de meu quarto. Eu
estava há alguns dias confinado em meu maldito quarto por causa de todas as
dores de cabeça. Agora mesmo sentia como se minha cabeça fosse explodir, mas
não me importava. Se meu tempo neste mundo estava acabando, o tempo para
concluir minha vingança também era menor.

— Pago mais cinco mil se me der uma última informação.

Ele arqueou uma sobrancelha.

— Ela tem alguma marca de nascença ou algo que possa diferi-la de outra
mulher?

Roberto franziu o cenho enquanto tentava lembrar, e tirou o dinheiro de


minha mão.

Bufei segundos mais tarde, quando percebi que ele continuava pensativo.

— Tem ou não?

— Nunca a vi nua, Olavo — respondeu rispidamente. — Não sei dizer se tem


alguma marca de nascença escondida no corpo... Mas...

— Mas?! — encorajei-o.

— Uma vez vi uma tatuagem.

Juntei as sobrancelhas e ponderei sobre aquilo. Talvez fosse mais fácil tentar
subornar a ginecologista da tal Dolores. Ela sim saberia de tudo sobre o corpo da
vadia.

Contudo, seria arriscado demais. E eu não seria estúpido a ponto de confiar


em nenhuma mulher.

— Como e onde está essa tatuagem?

O homem sorriu.

— São duas informações distintas.

Revirei os olhos.

— Lhe dou dez mil se conseguir desenhar a porra da tatuagem.

— Ontem ela foi a um barzinho próximo ao prédio da revista. Estava com


alguns colegas de trabalho. Fizemos duplas para jogar sinuca e ela jogou
comigo.

Arqueei a sobrancelha em nítido desinteresse.

— Quando ela se curvou sobre a mesa para jogar em sua vez, vi um coração
partido e vermelho em um dos seios.

Acenei em negativa. Que tipo de tatuagem ridícula era aquela?

— O que pretende fazer Olavo? — ele questionou diante de meu silêncio.

Curvei-me sobre a cama e peguei meus comprimidos, para tomar mais um.

— Contratarei algum desenhista para desenhar a maldita tatuagem. Volte aqui


amanhã para supervisionar isso e lhe darei seu dinheiro em seguida.

— O que fará com as assinaturas dela? — repetiu. — Olavo, Dolores não tem
nada a ver com...

— Cale-se! Não preciso de nenhum sermão ou conselho.

— Então se vire com a porra da tatuagem — avisou ao virar-se de costas e


seguir para a porta.

Bufei.

— Não vou machucá-la, se essa é sua maldita preocupação.

— Por que odeia tanto seus filhos?


— Eles não são meus filhos! — gritei em resposta. — São dois bastardos...
que me roubaram. Não merecem misericórdia, muito menos a sua pena!

— Dolores não tem nada a ver com isso.

— Não me interessa — afirmei. — Deixarei uma boa quantia para que ela
fique bem e pagarei as malditas dívidas da vadia. Ela não precisará mover um
dedo para isso. Como pode achar que isso é ruim para ela?

Ele acenou em negativa.

— Tenho certeza de que ela pagará caro por sua caridade.

Dias depois...

“Eu, Olavo Silva de Andrade, em pleno uso de minhas faculdades mentais,


venho por meio deste testamento manifestar meu último desejo em vida. E
ressalto, sobre todas as coisas, que toda e qualquer divergência ante ao que
escrevo aqui hoje, culminará no fechamento de toda e qualquer empresa
atualmente minha e venda subsequente de minhas ações até este momento.

Aos meus filhos, Aaron Ricardo Nunes de Andrade e Adrian Rodrigo Nunes
de Andrade, que foram anteriormente deserdados por motivos já conhecidos por
meu advogado, não deixarei absolutamente nada. Contudo, à minha filha,
Natasha Borges, deixo metade de tudo o que possuo hoje. Sejam valores em
todas as moedas existentes, sejam ações de toda e qualquer empresa que até este
instante sou sócio, seja em imóveis, inclusive minha mansão na capital do Rio
Grande do Sul, e em empresas que presidi por serem totais ou parcialmente
minhas.

A minha esposa, Mabel Cecilia Chaves de Andrade, deixo a parte seguinte e


distinta de tudo o que já mencionei. Entretanto, segundo a existência de sua
impreterível incapacidade de dirigir tamanha fortuna, deixo a encargo de meu
advogado, Oseias Messias Furtado, nomear um representante, procurador e
tutor para esta tarefa, mas deixo claro, que é imprescindível que este, um
homem, seja um Andrade nascido e criado em minha família.

A minha mãe, Glória Silva de Andrade, minha irmã, Rosali Cristina Silva e
minhas companheiras, amigas — Fernanda Castro de Lima, Dolores Meireles
Dias e Anita Soares Soure —, deixo uma mesada no valor de quatro mil reais,
para que cada uma possa manter um padrão de vida aceitável. Sendo esta uma
responsabilidade do representante de Mabel.”

Uma copeira, seguida por uma técnica em enfermagem, entrou em meu


quarto no hospital e interrompeu a forma fervorosa com a qual eu digitava meu
testamento. Oseias, meu advogado, levantou de sua poltrona para retirar o
notebook de minhas pernas e a copeira pudesse deixar minha bandeja de comida
sobre ela.

— Que porra é essa? — questionei ao olhar para o prato cheio de uma


espécie de cola branca grudenta e fedorenta.
— Seu almoço segundo a dieta da nutricionista — ela avisou sem sequer me
encarar. — Qualquer reclamação, por favor, converse com seu médico.

— Volta aqui, sua... — gritei enquanto a mulher andava na direção da porta.

— Está na hora de trocar o soro, senhor Andrade — a técnica informou, me


calando.

— Até quando continuarei a comer essa porra? — perguntei, fazendo com


que Oseias me pedisse calma.

Calma era o caralho do inferno ao qual eu estava destinado a ir em poucas


semanas. Que diferença a comida que eu comia faria nisso? Me daria certeza de
dois ou três dias mais?!

— O senhor passou mais da metade da semana dormindo por causa do uso


abusivo de...

— Preferia passar o resto da vida dormindo a ter que enfrentar mais uma
daquelas dores de cabeça — retruquei lembrando-a do motivo de eu ter tomado
todos aqueles remédios.

A mulher não respondeu. Apenas preparou mais uma seringa com algum
líquido que eu desconhecia e, em seguida, o meu soro.

Cerca de uma hora depois, eu concluía o testamento e iniciava a escrita da


carta de Ricardo. Oseias já segurava três envelopes: o de Mabel, João e Dolores.
Decidi preparar o de Ricardo desta vez.

Sorri ao ver as fotos que o editor de imagens conseguira fazer. Peguei uma
delas. Não foi difícil encontrar uma mulher fisicamente parecida com a vadia de
Ricardo. E após a quarta-feira, quando, segundo Roberto, ele conseguiu avaliar a
tatuagem de Dolores com atenção, a tatuagem feita na mulher contratada por
mim, ficara igual. Tiramos todas essas fotos há alguns dias, em um dia em que
eu ainda poderia fazer algo além de vegetar em um maldito leito de hospital.
Todas ficaram realmente boas e ninguém diria que havia qualquer edição ou
montagem nelas.

O contrato que pedi que Oseias preparasse, ficou com uma assinatura idêntica
a da tal Dolores. Ri baixo. A última, e irrefutável, prova de que Dolores traiu
Ricardo seria algo mais delicado, dependeria do interesse de Dolores em uma
vaga de emprego fora de Porto Alegre. Suspirei. Roberto me disse que ela está
louca para virar gerente de um setor da revista e isso me deu a ideia de mandá-la
para fora daqui.

Meu cronograma também devia ser seguido à risca. O testamento só poderia


ser lido um mês após minha morte e a vaga de emprego devia ser ofertada à
Dolores uma semana antes e ela precisava aceitar.

Depois disso, Ricardo chegaria à conclusão de que foi trocado por seu pai,
dinheiro e uma boa vaga de emprego. João conviveria com a vergonha de
também saber sobre isso.

E eu ainda tinha certeza de que Rodrigo tentaria ser o procurador de Mabel,


mas Ricardo jamais permitiria isso. Era uma certeza a qual ele ganharia o poder
sobre minhas empresas para salvar a querida mãe do irmão gêmeo mau. E
pagaria pela própria língua, por ter dito que jamais seguiria meus passos, que
jamais trabalharia comigo ou em minhas empresas. Tudo por odiar o que sou. Ou
o que me tornei ao ficar rico. Para mim não interessa.

Uma tosse insistente me fez afastar todos os papéis e me deixou com falta de
ar novamente.

Aquela morte era como pagar lentamente por cada pecado cometido em toda
a minha vida. Era como estar vivo em um corpo quase morto.

Oseias levou os envelopes e o notebook para longe.

Pousei a cabeça sobre os travesseiros e fechei os olhos por um momento


quando as pontadas de dor de cabeça aumentaram. Só consegui abri-los
novamente muito tempo depois daquilo.

Quatro dias depois...

Há cerca de meia hora eu encarava o teto do quarto de hospital que ainda me


encontrava. Olhava as paredes brancas enquanto cenas de tudo o que fiz no
último ano passavam por minha mente.

Inspirei profundamente e o ar gelado do aparelho respiratório adentrou


minhas narinas e pareceu congelar algo dentro de mim. Há dois dias, após um
AVC, dezenas de aparelhos estavam ligados ao meu corpo. Eu mal conseguia me
mover, ficara com algumas sequelas e falar era um martírio, já que as palavras
pareciam ficar presas em minha garganta e, quando saíam, os sons eram
lamentáveis. Se eu já não estivesse resignado com minha situação mórbida,
provavelmente estaria remoendo de dores e sofrendo por tudo o que fora tirado
de mim: desde Mabel à minha saúde e mobilidade. Porém, eu somente
aguardava pacientemente que a morte finalmente me levasse e acabasse com
todo este inferno que vivi no último mês.

Eu agradecia por conseguir cumprir meu último objetivo. Minha vingança


estava pronta. Isso é o que importa.

A porta do quarto foi aberta e achei ser uma enfermeira, movi meu pescoço
lentamente e me surpreendi ao ver Ricardo entrar e fechar a porta. Embora ele e
Rodrigo fossem irmãos gêmeos, os dois eram muito diferentes.

Meus batimentos cardíacos aumentaram quando a fúria me dominou.

O que esse filho da puta está fazendo aqui? Veio apenas assistir minha
desgraça?

Encaramo-nos em silêncio. Os olhos castanhos herdados de Mabel não


tinham nada da amabilidade dela. Ricardo era frio, sua expressão não diferia
disso em nada, pois era impassível.

Naquele momento me arrependi de todas as surras que lhe dei em todas as


vezes que tentou defender Mabel. Todos os tapas que lhe dei por respostas
impertinentes e todas as vezes que lhe bati por fingir ser Rodrigo ao tentar
defendê-lo. Arrependi-me de nunca ter lhe batido o suficiente para fazer com
que ele baixasse a cabeça para mim, para fazer com que o ódio e força fossem
trocados por respeito e submissão. Se havia uma coisa a qual eu me arrependia
era isto. Criei um monstro, alimentei-o, mantive-o comigo e deixei que roubasse
minha mulher de mim.

Entreabri os lábios para tentar falar, mas só consegui após muita dificuldade:
— O que... faz aqui?

— Vim lhe dizer que o perdoo. — Sua voz soou tão potente quanto há dois
anos, na última vez que nos vimos. Antes dele tirar Mabel de mim. — Por tudo o
que me fez... — Ele fez uma pausa e semicerrou os olhos. — Por ter sido o pior
pai que um homem poderia ser.

Sorri da forma mais debochada que poderia naquele momento. Tentei


responder, mas ele me interrompeu:

— Porque se não o tivesse feito, se não fosse um homem tão desprezível, sem
escrúpulos, sem honra, eu jamais me tornaria o que sou hoje.

Meu sorriso esmoreceu.

— E o que... você... se tornou?

— Um homem melhor do que você jamais poderia ter me ensinado a ser. Um


homem que jamais levantará a mão para bater em uma mulher, que jamais
infligirá seus filhos ou qualquer pessoa a castigos desumanos, que jamais
desrespeitará sua própria família levando prostitutas para dentro de casa para se
deitar com elas na cama que divide com sua esposa.

Revirei os olhos e voltei a encarar o teto.

— Eu o perdoo, Olavo — prosseguiu. — E espero que você se arrependa e


também se perdoe por tudo o que fez a tantas pessoas.

“Nunca passou de um bastardo”, pensei ao ouvi-lo dirigir-se para a porta.


Leiam uma prévia do segundo volume
da Duologia Trust...

As poucas pessoas que o juiz permitiu a entrada para assistir a audiência que
nomeará um procurador para mamãe, mantiveram-se em silêncio sepulcral
enquanto a mulher de longos cabelos negros subia os pequenos degraus da
escada que a levaria à cadeira ao lado do juiz. Ela vestia um terninho preto feito
sob medida, que escondia perfeitamente todas as curvas que eu conhecia tão
bem... A maquiagem perfeita e sóbria acentuava a expressão séria que ela
mantinha desde que chegou aqui hoje. Nenhum sorriso, nenhuma palavra
dedicada a mim. Até mesmo o brilho de seus olhos castanhos, quase negros,
havia desaparecido.

Aquela era outra mulher. E, por algum motivo desconhecido por mim, eu
ainda a queria com todas as malditas forças do meu ser.
Mamãe apertou sua mão à minha, pareceu ter percebido a forma que eu
encarava Dolores. Retribuí seu aperto, mesmo que o motivo para isso tenha sido
contrário ao seu. Eu não precisava do seu conforto apenas por ver Dolores, como
mamãe imaginava.

Expirei fortemente e olhei para as pessoas presentes naquela sala. Havia no


máximo quinze pessoas ali. Todas envolvidas de alguma forma na vida de
mamãe no último ano.

Rodrigo nos trouxe aqui. Oséias, antigo advogado de Olavo, já havia


decidido que deixaria a responsabilidade sobre a saúde e segurança de mamãe
para mim, contudo, meu irmão não aceitou isso. E nos trouxe ao tribunal para
tentar fazer o juiz mudar o veredito — olhei para o homem que, infelizmente,
possuía as mesmas feições que as minhas. Rodrigo fora tão absurdamente idiota
em fazer isso, que somente agora parece perceber que jamais conseguiria tirar a
curatela de mamãe de mim. Eu cuidei dela durante todos os anos em que ele
sumiu com o dinheiro de Olavo, eu a protegi de Olavo... E eu jamais deixaria
que ele tivesse a chance de mantê-la consigo, pois estava ciente de que seu único
objetivo era alcançar a fortuna de Olavo por esse subterfúgio.

— Há quanto tempo conhece a senhora Andrade, Dolores? — Rodolfo, meu


advogado, perguntou a ela.

— Há um ano e meio. — Sua voz suave reverberou pelo ambiente.

— E o relacionamento dela com os filhos, como era? — Rodolfo prosseguiu,


chamando minha atenção.

— Eu sempre soube da existência dos dois filhos — ela disse. — Mas apenas
um deles a visitava e mantinha as despesas da casa de repouso. Mabel, desde que
a conheci, me falou muito de seu filho Ricardo. Ela o amava mais que tudo e
nunca ouvi nenhuma palavra vinda dela, ou de qualquer pessoa, que denegrisse o
tal Ricardo. — Dolores se voltou para meu irmão. — Já sobre Rodrigo, todos
sabiam do sumiço dele e tinham que lidar com as perguntas de Mabel acerca do
filho, sempre que ela lembrava de algo sobre ele.

— Você os conhecia? — o advogado questionou parando à frente do balcão


enorme do qual Dolores estava praticamente escondida.

— Naquela época não.

— Quando os conheceu?

Ela respirou fundo uma vez e, segundos depois, respondeu:

— Conheci Ricardo há pouco mais de cinco meses. Trabalhávamos na


mesma empresa, mas eu só fiquei sabendo que ele era filho de Mabel semanas
depois de começarmos a manter qualquer contato... Conheci Rodrigo quando ele
me sequestrou para usar numa chantagem com Ricardo.

Os burburinhos que se iniciaram na sala somente cessaram quando o juiz


interviu pedindo silêncio.

— E por que ele a usou?

— Achou que houvesse algo entre mim e Ricardo. E achou que conseguiria
dinheiro por causa disso.

— Sem mais perguntas.

O advogado de Rodrigo levantou em seguida.


— Senhorita, que tipo de relacionamento mantinha com Ricardo Andrade?

Dolores semicerrou os olhos para o homem e arqueou uma sobrancelha.

— Está aqui para defender seu cliente ou descobrir sobre minha vida
amorosa? — ela replicou, irônica.

— Não seja sarcástica, está aqui para responder e não para questionar. — O
olhar dela se apertou ainda mais na direção do advogado.

— Limite-se a respostas, Srta. Dias! — o juiz a repreendeu. — Espero que


tenha um bom motivo para fazer esta pergunta, Sr. Lemos.

O advogado assentiu.

— Tive um affair com ele há mais de um mês.

As palavras de Dolores reverberaram por minha mente até que o significado


de cada uma delas penetrou em meu consciente.

Affair?

— Mas antes que tente fazer qualquer insinuação, deixarei claro que aquele
caso não tem nada a ver com o que me trouxe aqui — concluiu.

O advogado se empertigou, mas manteve o olhar duro sobre Dolores.

— Segundo o testamento do senhor Olavo Andrade, a senhorita também foi


amante dele.

A mulher riu debochada.


— Vai continuar a listar meus possíveis casos? — inquiriu, de maneira
desafiadora. — Agora também quero descobrir onde essas respostas o levarão.

O juiz usou o martelo sobre a mesa para chamar a atenção dos dois.

— Onde quer chegar, Sr. Lemos?

— Meritíssimo, apenas quero ressaltar ao senhor e a todos presentes. — Ele


se voltou para nós e seu olhar nos avaliou por alguns segundos. — Que a
senhorita Dolores foi amante de dois componentes da família Andrade. Em
ambos os casos havia quantias de dinheiro envolvidas. O que me traz a pergunta:
Quem nos garante que não está aqui hoje por dinheiro?

João se levantou seguido por mim, mas foi mais rápido com as palavras.

— Você está falando com uma moça de família, seu filho da...

— Chega! — o juiz o interrompeu. — Uma nova interrupção e serei obrigado


a convidar todos a se retirarem — advertiu.

Ao sentar, minha atenção se deteve unicamente em Dolores, mas ela fingia


não notar. Continuava inexpressiva, como nunca antes fora para mim.

— Eu sei que o senhor... — a mulher próxima ao juiz voltou a se pronunciar.


Tentava inutilmente mascarar sua ironia com educação fingida. — Meritíssimo,
desculpe, pediu que eu não fizesse perguntas, mas tenho duas apenas.

Todos se voltaram para Dolores, que não esperou a resposta afirmativa do


juiz.

— O Sr. Lemos tem como provar sobre meu envolvimento com qualquer um
dos Andrade? Ou que esses supostos envolvimentos tiveram como objetivo obter
quantias em dinheiro?

O silêncio se instalou na sala novamente. Todos se voltaram para o advogado


de Rodrigo, esperando uma réplica para a imposição audaciosa, mas pertinente.
Meu olhar continuou sobre Dolores. Percebi o exato momento em que os cantos
de sua boca se ergueram em um sorriso quase imperceptível.

Expirei, completamente vencido por aquela imagem.

Era aquela ousadia, perspicácia, inteligência e força em excesso,


concentradas naquela mulher, que me deixavam louco por ela, que a tornavam
marcante e única de forma que me deixasse condicionado a querê-la mais e mais.
Independente do que infernos estivesse entre nós.

Rodrigo fora o primeiro a sair da sala de audiências do tribunal, seguido por


seu advogado. A decisão do juiz fora irrevogável. Mamãe permaneceria comigo.

— Ele nunca me perdoará, querido — sussurrou contra meu peito. Eu a


apertei em meus braços e senti as suas lágrimas encharcarem minha camisa.

— Ele sabe que você nunca o odiará, mamãe — murmurei para ela, enquanto
acariciava seus cabelos curtos e agora grisalhos. — Também sabe que você
nunca o abandonará. Se Rodrigo um dia quiser sua ajuda, sabe que a terá.

Ela apertou as lapelas de meu blazer e soluçou baixinho enquanto se


desvencilhava do abraço.

— Foi como escolher entre um de vocês, querido — contou, pensativa.


Certamente lembrava-se do juiz perguntando com quem ela preferia ficar.
Mamãe pediu desculpas a Rodrigo após dizer que gostaria de continuar comigo.
A verdade era que todos sabiam que não se tratava de ficar com a
responsabilidade sobre ela, e sim sobre quem administraria a fortuna de Olavo
através disso. — Uma mãe não pode fazer isso — ela concluiu.

Usei os polegares para limpar as lágrimas remanescentes em seu rosto.


Mantive-me em silêncio enquanto saíamos. Já não havia nada a ser dito.

— Foi um milagre eu ter conseguido uma passagem de avião, vovô! —


Dolores disse para o avô, quando nos aproximamos. — Prometi ao meu chefe
que voltaria hoje mesmo e que faria hora extra para compensar a manhã perdida.

Ela o abraçou com força, sem sequer notar que mamãe e eu também
estávamos ali.

— Cuide de Mabel, sim? — sussurrou para ele, mas pude ouvir. — Assim
que eu chegar lá, eu ligarei.

— Tudo bem, querida — João concordou, soltando-a.

— Você já vai, querida? — mamãe perguntou à Dolores.

Os olhos castanhos da mulher me fitaram por dois segundos antes dela se


voltar para minha mãe, que estava ao meu lado.

— Sim, eu tenho pouco mais de meia hora para chegar ao aeroporto... Onde
está Natasha?
— Não pôde ficar até o fim, porque precisava ir a uma universidade fazer a
segunda fase de um vestibular — respondi.

Ela assentiu, sem voltar a me fitar e abraçou mamãe.

— Você voltará em duas semanas, para o Natal?

— Não.

Decidi desviar meus olhos dela, encarava-a como se pudesse encontrar uma
solução para todo aquele inferno apenas por fitá-la. João moveu a cabeça em
negativa para mim, com sua habitual expressão paternal de "você me
decepciona, garoto" e pegou o celular em um dos bolsos.

— Robson está lá embaixo — avisou após trocar algumas palavras com


alguém na linha e se aproximar de mim. — Venha comigo.

Quando estávamos longe o suficiente das duas, eu perguntei:

— Por que aquele homem continua com ela?

— Ele está preocupado com Lola, com a segurança dela, principalmente


agora morando em outro estado, um lugar completamente desconhecido. Admito
que eu também prefiro que ele esteja com ela. Dolores pode não ter dito nada,
mas agradeceu por não ficar sozinha naquela cidade.

Descemos as escadas que nos levariam ao primeiro andar.

— Não olhe para ela como se ainda tivessem algo — alertou. — Eu não
quero que volte a se aproximar da minha neta.
Suspirei pesadamente.

— João, Dolores...

— Dolores não fez nada do que o bastardo do seu pai a acusou. Nós dois
sabemos, mas você é fraco demais para se convencer disso sozinho. — Ele parou
abruptamente em um lance de escadas, parei à sua frente. — E como ela não
tentará fazer você acreditar nela, você fica se remoendo por continuar a querê-la.

Fechei os olhos, atingido em cheio por suas palavras.

— Sabe que eu odeio quando você usa o que eu digo contra mim — lembrei-
o.

Ele revirou os olhos e bufou.

— Você sabe que gosto de você como se fosse meu filho, sabe que só o
perdoei por saber que da última vez, com Fernanda, você não acreditou em seu
pai e depois descobriu que tudo era verdade, mas entre você e Dolores, eu
sempre vou escolher minha neta, Ricardo. — Ele fez uma pausa. — Eu seria
capaz de colocar minhas mãos nas lavas do inferno por ela, Rob faria o mesmo e
se você não confia nela a ponto disso, você não a merece. Enquanto tiver essas
malditas dúvidas, eu vou impedi-lo sim, de ir atrás dela.

Eu sabia que minha expressão impassível se mantinha, mas João me conhecia


bem o suficiente para parti-la em milhares de pedaços para descobrir o que se
passava comigo. Foi assim que ele descobriu sobre a carta de Olavo e todas as
fotos e documentos com a assinatura de Dolores.

— Ela me escondeu coisas sobre Rodrigo, João. Me escondeu os motivos de


você ter parado no hospital. Nenhum de nós sabe como infernos ela conseguiu
pagar aquela hipoteca. — Fiz uma pausa. — Eu queria acreditar nela, porra! Mas
não conseguia deixar esses malditos detalhes de lado.

— O que Rodrigo ainda tem a ver com isso? — questionou, após notar a
diferença nas informações que eu repetia sempre que começávamos aquela
discussão.

Me afastei o suficiente para levar as mãos em concha ao rosto — eu havia


decidido não falar sobre Rodrigo desde que Lola fora embora, mas agora, depois
de mencionar isso, não poderia voltar atrás.

— Ele me ligou antes da leitura do testamento e disse que havia tocado em


Dolores — contei de uma vez, após levar os punhos cerrados à parede mais
próxima.

— E você acreditou?! — Ele pareceu enfurecido por isso.

— Não, claro que não! Aprendi a confiar em Dolores, claro que não acreditei
naquele filho da puta!

João franziu o cenho.

— E então?

— Ela me disse que ele tentou tocá-la e beijá-la.

As narinas dele se dilataram quando sua respiração ficou mais pesada.

— Por isso ela deu dois tiros nele... Mas Dolores não tinha me contado isso,
não disse que aquele bastardo colocou aquelas mãos nojentas nela e eu fiquei
louco, porra! Eu confiei nela e ela ainda estava me escondendo aquilo.
A única mudança no homem a minha frente foi em sua expressão, que se
fechou completamente. Desta vez, ele se tornou impassível.

Foda-se!, pensei, enquanto sentia como se meu coração fosse esmagado por
todas aquelas malditas revelações.

— Depois veio a porra daquele testamento e aquilo fodeu tudo ainda mais —
prossegui. — Eu sabia que ela precisava do dinheiro, mas não sabia se queria
confiar nela por querê-la comigo ou se realmente confiava. Aquelas eram novas
informações que ela nunca dividiu comigo! Você me contou sobre a maldita
hipoteca e não ela, eu não sabia sobre o financiamento ou aquelas malditas
dívidas! E, de repente, estava tudo pago. E ela recebeu uma proposta
maravilhosa de emprego bem longe daqui. Eu vi as assinaturas, vi a porra da
solicitação de emprego preenchida por ela. O que queria que eu pensasse?

Me surpreendi ao olhá-lo novamente e perceber que seus olhos estavam


vermelhos, ele tentava represar lágrimas a todo custo.

Fechei os olhos e encostei minha testa a uma das paredes. Ficamos em


silêncio por tempo suficiente para que eu pudesse controlar a fúria que tentava se
alastrar dentro de mim.

— Não pensou que alguém muito próximo pode ter ajudado seu pai nisso? —
João se manifestou novamente.

Voltei a fitá-lo, consternado. Claro que já havia pensado naquela hipótese,


mas se nem mesmo João sabia da hipoteca até receber aquela carta, como outra
pessoa saberia?

Dois homens vestidos em ternos rigorosamente pretos subiram as escadas e


passaram por nós.

— Não consegui chegar a nenhuma conclusão aceitável — admiti, por fim.


— Eu acho que as amigas de Dolores sequer sabiam sobre mim. André deixou
claro para mim que jamais faria algo contra Dolores — lembrei-o.

João fez uma careta ao ouvir o nome de André. Ele já havia deixado muito
claro que não gostava do ex de Dolores, que agora, surpreendentemente, era
quase como um colega de cerveja para mim.

— Precisamos conversar sobre isso mais tarde — ele concluiu.

Ouvimos um som estranho e olhamos involuntariamente para o lance de


escada acima do que estávamos. Parecia que algo pesado estava caindo
rapidamente. Depois o eco de saltos no mármore das escadas foi audível. João e
eu trocamos um olhar e começamos a subir as escadas para averiguar o que
acontecia.

— Maldição! — João foi o primeiro a exclamar ao ver Rodrigo gemendo de


dor sobre o chão.

Dolores surgiu descendo calmamente as escadas, com uma expressão séria.

— O que você fez, filha?

Abaixei-me o suficiente para verificar o ferimento na testa de Rodrigo, que


sangrava.

— Nada — ela respondeu em um tom frio, quase assustador. — Apenas


agradeci com um carinho dócil um elogio que Rodrigo fez a mim.
Ergui as sobrancelhas, tentando entender que tipo de elogio ele fez para
merecer um soco muito bem dado no meio das fuças.

— Robson me prometeu que te treinaria para se defender e não para sair


como uma selvagem na rua! — João repreendeu-a. Dolores apenas deu de
ombros.

— Vadia — Rodrigo sussurrou, mesmo com dificuldade. Em um movimento


rápido, usei o dedo indicador para agarrar a garganta dele e apertá-la, deixando-o
rapidamente sem ar.

— Você está em desvantagem para ser tão petulante, não acha, Rodrigo? —
Lola indagou.

Meneei a cabeça em negativa ao vê-la levar um dos pés, cobertos por um


sapato com salto altíssimo, para o meio das pernas de Rodrigo.

— Dolores! — João interpôs novamente, ela sequer se moveu quando


Rodrigo encolheu o corpo sob seu salto assustador.

— Não se preocupe, vovô — disse, sem tirar os olhos de Rodrigo. — Esse é


só um cumprimento entre amantes, não é, Rodrigo?

Voltei-me rapidamente para ela ao ouvir aquilo. A ironia em seu tom aplacou
a minha expressão de desentendimento.

Duas mulheres surgiram atrás de Dolores e, desesperadas, perguntaram se o


homem no chão estava bem.

— Meu Deus, Robson estragou você! — João prosseguiu enquanto pegava o


telefone do bolso do casaco. — Eu vou matar aquele filho da puta!
Dolores se voltou para as mulheres e, com o mesmo tom frio, disse que o
homem tropeçou em um dos lances, mas estava bem.

— Eu preciso ir — murmurou para nós dois antes de passar por mim para ir
embora.

— O que você andou ensinando para Dolores? — Ouvi João inquirir para
Robson ao telefone.

Olhei para Rodrigo enquanto ele tentava levantar, um momento depois decidi
seguir Dolores.

Quando consegui alcançá-la, ela já descia o último degrau da escada. Agarrei


seu braço direito com uma das mãos e trouxe seu corpo de encontro ao meu.

— Por que você está fugindo? — perguntei, com a respiração ofegante por
descer tantos degraus tão rápido.

— Não estou fugindo. Tenho um voo marcado e preciso ir ao aeroporto. —


Ela tentou se desvencilhar de meu aperto, mas desistiu quando percebeu que
seria em vão. — Por que aceitou esse emprego? — questionei. — Queria se
afastar tanto assim de mim?

Ela riu. Um riso jocoso, debochado. Do tipo que eu nunca havia ouvido vindo
dela.

— Você se dá muita importância, não é, Ricardo? — Segui seu olhar, que me


levou a ver todas as pessoas na recepção, que tentavam disfarçar e não nos fitar.

— Não fuja das minhas perguntas. — Fiz uma pausa. — Por que lá dentro
você disse que tivemos um affair?
— Porque foi o que tivemos! — replicou em voz controladamente baixa, mas
ainda assim brava. Ela me afastou com uma facilidade que me fez chegar à
conclusão de que não o fez antes porque não quis. — Você está me atrasando
ainda mais. — Dolores tentou sair novamente, mas impedi.

Eu sabia que me arrependeria pelo que faria, por ser tão fraco de novo, mas
em voz baixa, quase como se fizesse um pedido, em seu ouvido, eu sussurrei:

— Porra, eu quero acreditar em você.

Percebi o momento em que ela engoliu fortemente, como se tentasse engolir


minhas palavras. Demorou alguns segundos, mas quando ela me fitou, deixando
seu rosto a míseros centímetros de distância, seus olhos refletiam um misto de
raiva e mágoa. Muito mais raiva do que mágoa.

— Eu não quero que acredite em mim — sussurrou com a voz desprovida de


qualquer sentimento. Ao ouvir aquilo, eu me perguntei o que aconteceu nessas
poucas semanas em que ela esteve longe, que a fizeram mudar tanto. — Não
preciso que acredite em nada além do que estava naquela carta e naquele
testamento. Eu, na verdade, quero você longe de mim. Não preciso de um
homem facilmente manipulável ao meu lado.

Aquelas palavras me deixaram em silêncio, esgotado de tudo aquilo. Era


inútil continuar com aquelas perguntas, com a proximidade forçada.

Quando Dolores se soltou e foi embora, eu a encarei demoradamente, como


fizera quando a vi ir para a sala de embarque naquele aeroporto há um mês, mas,
desta vez, ela não virou para procurar meu olhar.
Já cheguei a achar que os agradecimentos seriam a parte mais fácil a se
escrever, pois, obviamente, a história estaria pronta. Contudo, agradecer às
pessoas que nos ajudam a tornar sonhos como este em realidade, nunca é fácil.
Nunca parece ser algo proporcional, suficiente. Ainda assim, tentarei fazê-lo.

À Laís Pedroso e Ana Clara Borone, as melhores betas que uma autora pode
ter, meu carinho e “obrigados” a vocês nunca serão suficientes. Vocês, mais do
que lapidarem minhas histórias e sinopses, me ajudaram e apoiaram muito,
mesmo que involuntariamente às vezes! Meu sincero e enorme obrigada a vocês,
por tudo!

Elizabeth Roberts, me pergunto até agora o que seria de mim sem você. És
amiga, irmã, leitora, beta, crítica, psicóloga, defensora de personagens e
assassina em série determinada a matar os vilões das minhas histórias. Você é
meu sustento em momentos de crise e meu incentivo em situações extensas de
bloqueios. É a amiga que escuta minhas aflições em relação a detalhes da
história, é a pessoa que me ajuda a montar a playlist (e conhece umas bandas
maravilhosas). Você foi essencial para a conclusão desta história e publicação
deste sonho em forma de capítulos.

Thainara e Tatiana, obrigada meninas! Minhas leitoras-divas-críticas por


sinalizarem meus deslizes, por me puxarem a orelha em determinadas situações
e por tentarem amar Aaron e Lola. Vocês me deixaram mais confiante em
relação ao enredo; vocês, junto à Luana Gomes, foram o impulso que precisei
para prosseguir com a história, para dar o final que eu tanto desejei, para criar
coragem de mostrar esses personagens a um novo público.

À Dri K.K. que fez as novas capas DI-VÔ-NI-CAS da duologia Trust. Você
capturou a essência dos meus personagens, conseguiu evidenciar na capa tudo o
que era necessário da história deles. Depois disso encontrei minha
capista/tatuadora/cirurgiã plástica oficial. Obrigada por me aturar e aturar minha
indecisão na hora da escolha. Você é uma diva maravilhosa!

À Carlinha porque, falando sério, o que seria de mim nos últimos meses de
aflição, desespero, dúvidas, indecisão e todas as mudanças infinitas que
ocorreram na história, sem ela do outro lado da telinha pra me mostrar que
valeria a pena? Nunca, NUNCA MESMO, vou agradecer o suficiente a você,
Carlinha. Você me ajudou a refletir mais sobre esses personagens, a rir quando
tudo o que eu sentia que conseguiria fazer era chorar, me acalmou em momentos
de desespero, acreditou em mim e nessa duologia que amo tanto, você foi e é um
anjo para mim e eu nunca agradecerei o suficiente por isso. Obrigada por me
aguentar por todos esses meses, por me deixar entrar na sua vida virtual (espero
que, em breve, a gente se conheça pessoalmente, preciso te abraçar, mana!) e
receber meus personagens de braços abertos. Você se tornou uma amiga que
guardo com carinho no coração, saiba que estarei aqui sempre que precisar!
À Thais Turesso, minha diva assessora, que mesmo nesse pouco tempo já me
ajudou tanto, já me ensinou e incentivou tanto! Seus toques, junto aos da
Carlinha, lapidaram esse livro e se eu me sinto segura para publicá-lo hoje, em
parte é porque sei que ele passou por profissionais maravilhosas como vocês,
que também trabalharam nele com carinho e cuidado. Obrigada, obrigada,
obrigada!!!

À Ariane que foi, por meses, minha beta, minha animação para escrever e a
amiga que, apesar de tudo, sempre esteve lá para me ouvir e me aconselhar.
Obrigada por ter me ajudado tanto com Aaron, obrigada por ter sido tão
paciente, por ter me aguentado por tantos meses e por sonhar comigo. Você é
minha diva-mor. Estarei aqui pra você sempre.

Às minhas leitoras um agradecimento especial, pois sem elas eu não teria


animação suficiente para escrever um livro tão grande! (risos). Há algumas
leitoras que, em alguns momentos, me contagiaram com seu amor por Aaron e
Lola e também quero agradecer por isso, são elas: Danielly Mota, Suzi Mara,
Priscila Prates, Sterfane Farias, Amanda Beatriz, Robertinha, Beatriz Góes,
Yanca e Nathália. Divas, muito obrigada, de coração!

À minha família, agradeço pela força e incentivo sem igual que me dão a
cada dia. À minha tia, Josenir Santos, por cuidar do marketing dos meus livros
na minha cidade natal (risos) e à minha mãe, por ser tudo o que é, por me ajudar
a ser quem sou e ser meu maior orgulho. Vocês, e todas as mulheres da minha
família, são minha maior inspiração.

Claro, agradeço a Deus. Por tudo, porque sem Ele eu não escrevo nada, não
publico nada, não sou nada.
Mary Oliveira é uma jovem escritora brasileira que nasceu na década de
noventa, no interior do Maranhão, mas mora há doze anos na capital do Pará.

Acadêmica em Letras, apaixonada por música, viciada em chocolate e louca


por viagens, ela curte uma vida pacata com sua família quando não está imersa
em livros ou criando novos personagens.
Escreveu os romances Best-seller Princesa Implacável e a duologia Blame –
Italiano Espanhol. Seu lançamento mais recente, a duologia Trust, conta com os
livros Intenso & Misterioso e Atraente & Perigosa. Todos disponíveis na
Amazon.

FanPage:
https://www.facebook.com/Mary-Oliveira-916336428395348/

Instagram:
@autora_maryoliveira

Skoob:
https://www.skoob.com.br/autor/12839-mary-oliveira

Wattpad:
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E-mail:
autoramaryoliveira@gmail.com
Todas as obras estão à venda no formato digital
na AMAZON.

ATRAENTE & PERIGOSA


Duologia Trust – Livro II
No segundo volume da duologia Trust, Aaron se vê em meio a um inferno
maior do que jamais poderia imaginar. Achar que seu único problema era
reconquistar a mulher pela qual estava louco e queria, mais que tudo, ao seu
lado, fora seu pior erro.

Após a morte de seu pai e a leitura do testamento, ele percebeu que o martírio
carregado por todos os Andrade, mesmo depois de tudo, também respingaria em
si mesmo. Pois defender sua mãe e irmã não será mais tão fácil quanto fora
anteriormente.

Um traficante ameaçador e um engano perigosamente fatal. Uma mulher e


um amor que o ódio não pode tolerar.

Aaron será capaz de proteger a quem ama? Ou esta, a partir de agora, será
uma realidade irreal e inalcançável?

ITALIANO ESPANHOL
Duologia Blame

Ela é uma CEO norte americana determinada a conseguir um contrato com


um grupo multinacional, vive para sua empresa, instituições de caridade e sua
filha adotiva. Não há espaço para uma companhia masculina em sua vida – Não
enquanto o passado a perturbar sempre que um homem se aproxima.

Ele é um CEO italiano (e espanhol!) encarregado de tomar o posto de seu pai


para administrar o império da família, disposto a – nesta fase de sua vida – não
decepcionar seu pai, descobre que o destino pode lhe pregar peças irresistíveis.
Se envolver com alguém que só deveria estar em sua vida profissionalmente era
um erro, e insistir com uma mulher que claramente não queria sua aproximação
(ainda que obviamente se sentisse tão atraída quanto ele), era outro pior.

Para ele, resistir não será fácil, se afastar menos ainda.

Para ela, se dar uma chance de tentar de novo parece impossível, aceitá-lo
como essa chance ainda mais.

Quando a batalha é travada entre a mente, o corpo e o coração, o resultado


pode ser devastador.

ENCONTROS LASCIVOS

Ao ganhar uma bolsa de intercâmbio e viajar para outro país, Tracy esperava
ter novas experiências, conhecer novas pessoas e fazer seu tão sonhado estágio
em uma instituição reconhecida mundialmente, encontrar uma figura
inesquecível de seu passado a surpreendeu tanto quanto a preocupou, ela não
acreditava ser capaz de resistir a velhos jogos e aquele homem ficou impregnado
em seu corpo, sua mente, por tempo demais para ser ignorado agora.

Logan sempre foi inclinado a quebrar uma ou outra regra, contudo, ao


encontrar a mulher que virou sua cabeça do avesso anos atrás, sua inclinação foi
substituída por uma necessidade de quebrar toda e qualquer regra que o
impedisse de tê-la novamente.

Desta vez eles não possuíam apenas uma noite, as perspectivas e


consequências não seriam as mesmas, afinal, agora as jogadas eram feitas pelo
destino. Resistir não era uma opção.
1)
Diz-se ninfomania para apetite sexual excessivo de mulheres e Satiríase
(satiromaníaco) para homens. Embora a maior parte das pessoas use o primeiro
para os dois gêneros. ↵

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