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Copyright © 2021 Stephânia de Castro

Capa e projeto gráfico: Bárbara Dameto


Revisão: Julia Lollo
Releitura de segurança: Regilane Gonçalves
Imagens: Deposithphotos e Freepik
Paixões de Outono
1. Romance Contemporâneo Multicultural
2. Romance
Edição Digital
1ª edição / 2021
Esta obra segue as Regras ao Novo Acordo Ortográfico
REGISTRADA E PATENTEADA NO REGISTRO DE OBRAS
________________________________________________________
Todos os direitos reservados
Está é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e acontecimentos
descritos, são produtos de imaginação do autor. Qualquer semelhança com nomes
datas e acontecimentos reais é mera coincidência.
São proibidos o armazenamento e/ou a reprodução de qualquer parte
dessa obra, através de quaisquer meios — tangível ou intangível — sem o
consentimento escrito da autora.
A violação dos direitos autorais é crime estabelecido pela lei nº
9.610./98 e punido pelo artigo 184 do Código Penal.
Dedicatória
Dedico este livro a todos da minha família que estão sempre me
apoiando incondicionalmente. Também quero dedicar a minha psicóloga por
conseguir me mostrar o quanto eu posso ir longe. Sem nossas sessões jamais eu
estaria aqui. Sou grata a cada uma das pessoas que passam pela minha vida, cada
página escrita é por e para vocês.
Nota da Autora
Em 2019 escrevi GYPSY e ficou engavetado até o fim do mesmo ano,
quando cedi os direitos de publicação para uma editora, porém eu sentia que ele
precisava de algo a mais, mas resolvi entregar do jeito que estava. No meio de
2021 os direitos dele voltaram para mim e resolvi relançar com capa nova,
várias passagens novas e uma nova revisão também. Até porque minha intenção
sempre foi fazer mais algumas histórias, e foi quando surgiu a ideia em fazer a
história de Esmeralda, Bóris e Micaela.
Sara e Ramon sem dúvidas é um casal que merecia muito mais e hoje,
com um pouco mais de experiência do que há dois anos, eu decidi mexer nele e
deixá-lo como sempre deveria ter sido.
Não foi essa decisão que aprendi a tomar, mas sim a ser menos impulsiva
aos lançamentos. Quando os próprios personagens não querem contar sua
história é melhor esperar. Por isso passei GYPSY na frente, como encerramento
deste ciclo.
Ele será o primeiro de quatro livros da série Paixões de Outono. Cada
um contará a história dos personagens que citei.
Então se você já leu este livro vai se deparar com algumas coisas que já
estavam no outro, porém vai encontrar muitos fatos novos. E no fim o spoiler de
cada um que virá em breve.
Um outro detalhe é sobre a cultura e a religião abordada. Não se trata de
uma crença pessoal, e sim de um povo rico culturalmente, por isso irão se
deparar muito com a religiosidade e a crença deles.
Espero que gostem de como ficou e revejam que o amor pode ultrapassar
anos, mas não o seu destino.
Sinopse
Sara e Ramon queriam ser livres para fazer suas próprias escolhas.
Ele, recém formado em medicina.
Ela, uma jovem sonhadora.
Ele amou outra mulher antes dela.
Ela odiava o fato de ter sua vida controlada.
Eles tinham em comum um destino traçado por seus pais, quando ainda
eram crianças.
Nenhum dos dois queriam esse casamento arranjado.
Mas será que não se rederiam?
- A paixão;
- As implicâncias;
- E ao destino;
Duas almas, dois corações, duas vidas unidas por uma promessa.
O nascimento de Sara
18 anos atrás

SORAIA
Era pequenina, tão linda.
Seus olhos cor de avelã, marejados, estavam fixos em mim como uma
conexão inexplicável. Eu a segurava me sentindo realizada e repleta de
sentimentos maravilhosos.
Ela era minha... minha promessa... a expressão do amor absoluto, puro
e verdadeiro...
Quando me casei com seu pai esperei por um filho por meses, anos. Já
havia perdido a esperança de que seria mãe, mas quando menos esperei lá estava
ela, crescendo em meu ventre me dando a certeza de que a promessa estava
sendo cumprida.
Mês a mês foi um misto de incertezas até escutar o primeiro choro e até
este momento: no seu banho de moedas.
— Minha Aurora, minha deusa da manhã — sussurrei em seu ouvido, sem
que mais ninguém escutasse o primeiro nome. Somente eu saberia qual era até o
dia em que fosse se casar. E ela faria da mesma forma com suas filhas um dia.
Era assim que sua história e seu destino começariam a serem traçados
pelos ventos.
Após sussurrar um dos seus nomes, agradeci à Sarah Kalí [1] pelo
presente e a dádiva que me concedeu ao gerar minha menina. Em seguida
mergulhei seu corpo dentro da bacia com água e com uma das mãos peguei um
punhado de moedas de ouro e as deslizei lentamente pelo seu corpo, desejando
prosperidade, saúde, fortuna, amor e que em toda sua existência ela fosse feliz.
Ela chorou e sorri diante da imensa felicidade que sentia.
— Não imaginei que poderia ser tão feliz como nesse momento. Eu a
amo! — A retirei e aconcheguei-a em meu peito, protegendo-a com meus braços.
— Não chore bebê... — sibilei um som na tentativa de acalmá-la.
— Obrigado por ter me dado este presente! Eu a amo com tudo que sou!
— Senti a massa corpulenta ficar logo atrás ao mesmo tempo que o hálito quente
e a voz grave e pesada chegou aos meus ouvidos.
— Sou eu que devo agradecê-lo. Obrigada por ela, por ser um marido
maravilhoso. — Me virei e deixei nossa filha entre nós.
Valter me olhou e, com um lindo sorriso estampado em seu rosto,
depositou em seguida seus lábios em minha testa.
— Já soprou aos ventos o nome de nossa filha?
— Sim! — respondi.
Todo cigano tem mais de um nome, o primeiro que somente os ventos
sabem, o segundo que é pelo qual somos chamados e conhecidos pela nossa
família. Era passado de pai para filho desde o princípio.
— Seu nome será Sara, a princesa, a desejada. No dia em que se casar
saberá como a te recebi e a te chamei pela primeira vez — disse baixo, sentindo
minha fala embolar em meio ao choro de emoção que estava sentindo.
Quis muito por esse momento.
E toda profecia se cumpriu.
— Soraia, diga o nome que poderemos chamá-la — Valter pediu em um
sussurro, me lembrando de que toda nossa família estava ao nosso redor,
esperando por esse momento desde o instante em que uma de suas primas
profetizou.
— A chamaremos de Sara, a princesa, como nossa Santa Sarah Kalí. —
Valter me abraçou enquanto os urros de vivas e os acordes do bandolim,
misturados com as notas do violão ao toque do pandeiro, revoaram por todo
ambiente em comemoração ao nascimento de minha menina, da minha promessa
cumprida.
Sara Rosberg...
Para mim e para sempre minha Aurora, a deusa das minhas manhãs.
— "Thie Avel Hertô" — Que Deus te Salve e te guie! — disse em ROM.
— Que seus dias sejam mais felizes ainda. Sara será uma grande mulher.
— Nazira, a prima de Valter, se aproximou e pediu para pegar Sara. Esticou os
braços e se prontificou a enrolá-la em uma manta de tear. A entreguei e ainda
sorrindo ela olhou diretamente para os olhos da menina em seu colo.
A prima de meu marido era uma linda mulher, conhecida por todos os
acampamentos por seu talento em revelar nos jogos de cartas, no nosso tarô.
— Um dia o Protetor cuidará da Princesa com sua vida e dará a ela todo
seu amor e seu coração — mantendo toda sua atenção em Sara ela disse e por
fim sorriu proferindo algumas bênçãos sobre sua vida.
— Obrigada, Nazira. Jamais poderei retribuir...
— Jamais me agradeça, apenas cuide para que Sara cresça em graça e
seja uma grande mulher, não a deixe se desviar do seu caminho nem sequer um
dia.
Respirei fundo e assenti pegando novamente minha filha dos seus braços.
Capítulo 1

Dezoito anos depois

O calor da estrada fazia a faixa central parecer que tinha vida própria.
— Que calor, cara! A faixa da estrada parece uma serpente — olhei para
o lado quando Bóris reclamou.
Estava dirigindo em silêncio, pensando em tantas coisas que me esqueci
completamente de sua presença.
— Muito, mas já estamos quase chegando.
Voltávamos para casa, para o acampamento. E desta vez sem volta para
onde eu era feliz.
Havia terminado a faculdade de medicina há dois dias, sem festas, sem
toda aquela pompa que há no final de uma graduação.
Não que fizesse questão, até porque só de ter conseguido deixar o
acampamento para estudar foi um privilégio que poucos poderiam desfrutar. No
entanto, eu sabia de onde vinha e para onde teria que voltar, por isso tentei fazer
algo que pudesse beneficiar meu povo, que muitas vezes carecia de ser atendido
com qualidade, devido à nossa cultura. Porém, me afastar me fez ver que eu
queria mais, que também gostava daquela vida que nunca tive.
Mas como prometi que voltaria um dia, estava voltando.
Mesmo que parte de mim tivesse ficado para trás. Acabei me
apaixonando e a cada quilômetro que me aproximava de casa mais ia ficando
distante dela.
Foram anos incríveis, sentiria muita falta dela e de todos e dos momentos
em que ficamos juntos. Levaria comigo o som da sua risada e a lembrança do seu
toque.
Alina foi uma inesperada e deliciosa paixão, mas jamais meu pai a
aceitaria e ela também não aceitou quando lhe contei o que aconteceria após eu
me formar. Que teria que voltar para casa e me casar como manda o costume. Sei
que não fui cem por cento sincero e estava pagando o preço por isso.
Terminamos de um jeito que se pudesse faria de tudo para reverter,
porém, o sangue que corre em minhas veias, toda minha história e minha família
me fizeram ficar em dúvida e os dias foram passando, se tornaram semanas de
um distanciamento que não tinha mais volta. Bastava agora encarar e seguir em
frente.
Foi bom e infelizmente tivemos um fim.
Sou o filho mais novo de Miro Rosberg, o líder de um assentamento de
Kalderash, ficamos no sul do país com mais algumas famílias que moram em
nosso acampamento e para ele, nossas tradições precisam se manter vivas,
fazendo questão de que não nos desviássemos do que e de quem somos.
Quando fui estudar, até me adaptar foi difícil não me encantar com tudo
tão livre e tão acessível, sem muitos impedimentos. Tive vários embates comigo
mesmo, até aceitar que eu poderia sim pertencer aos dois lugares.
Conheci tantas pessoas, mulheres, ou melhor, gadjíns[2], que muitas
vezes acabava me esquecendo de quem de fato eu era. Por isso, quando eles
perceberam que eu já preferia ficar na cidade a estar em casa, começaram a
pedir para eu estar no acampamento todos os fins de semana.
Sei que o maior medo deles era que no fim eu não honrasse a tal
promessa.
Talvez demore para eu sentir toda aquela paixão, excitação e todos os
sentimentos que tive por Alina. Quem sabe nunca mais me sentiria ligado a
alguém como estive com ela nesse último ano.
Com ela quis ser apenas Ramon, um estudante de medicina que no fim
não tivesse seu futuro ligado a uma promessa e a um compromisso do qual não
dei minha palavra.
“— Quando vou conhecer seus pais? — Alina me inquiriu naquele
momento do qual sabia que um dia ou outro chegaria.
Estávamos deitados na minha cama, sua cabeça estava na curvatura
dos meus braços e suas unhas deslizavam lentamente sobre meus músculos.
— Sei que parece que estou pressionando, Ramon. Mas você não fala
neles, não tem sequer uma foto deles. Todos os fins de semana fico por aqui e
você vai para casa. Queria conhecê-los.
Respirei profundamente, procurando as palavras essenciais para que
não a machucasse, que não chegasse no fim. Ela jamais aceitaria e eu não
tinha forças para lutar contra para o que fui criado.
Eu não escolhi ser cigano, mas nasci e morreria como um.
E isso fazia com que tudo se tornasse ainda muito mais conturbado.
Meus pais não a aceitariam, mesmo que essa fosse minha vontade.
— Eu preciso muito contar algo — disse e tentei trazê-la para mais
perto, mas Alina sentou e me encarou.
— O que você precisa me contar, tem a ver com conhecer seus pais?
Assenti.
Ela não era idiota a ponto de fingir que nada estava acontecendo.
Ficamos por um ano, quase todos os dias dormindo juntos. Para todos os
conhecidos da faculdade éramos namorados.
— Eu sou cigano!
— E daí? Não tem problema você ser um...
— Mas para minha família, você não ser uma cigana tem... — Tentei
não ser tão direto, mas não tinha como. Não conseguiria ficar escondendo
mais isso dela.
Alina ao contrário do que pensei que fosse fazer, ficou me encarando,
esperando que eu dissesse algo.
— Vai me dizer que nenhum de vocês nunca namorou alguém que não
fosse?
— Sim, mas não é só isso...
— Então o que é? — Me sentei e tentei tocar seu rosto, mas ela virou e
desviou da minha mão.
— Estou noivo e devo me casar em breve.
— O quê? — Alina se empertigou e ficou ajoelhada, mantendo-se ainda
na minha frente, no entanto sua expressão delicada e suave se tornou fria e
distante. — Está me dizendo que é noivo? Que vai se casar?
— Alina! Eu nem a conheço.
— Sem essa, Ramon. Como é noivo de alguém que não se conhece?
— É assim que funciona com meu povo, nos casamos através de um
compromisso na infância. Quando vi Sara ela tinha apenas 5 anos e eu tinha
13 anos. Mas nosso casamento foi marcado desde quando ela nasceu. — Como
não tinha opção acabei contando apenas o essencial para ela.
— Está me dizendo que vai se casar? E nós? — Foi neste momento que
vi as lágrimas descerem no canto dos seus olhos e ela cada vez mais se
distanciava, me fazendo entender que eu tive uma escolha e que preferi honrar
a palavra que dei ao meu pai a viver com ela meus sonhos e tudo mais.
— Alina...
Queria muito dizer que eu faria algo, mas eu respeitava meus pais,
meus costumes e tudo no que sempre acreditei.”
Sabia que algum dia teria que pagar pelo que fiz, mas já traí Sara e a mim
mesmo negando quem eu era. Até o tapa que me deu foi mais do que merecido,
eu jamais deveria ter permitido que alimentasse quaisquer esperanças. O errado
fui eu.
— Será que vai vir muita gente? — Bóris tornou a falar, mas estava tão
absorto que acabei me esquecendo da sua presença ao meu lado de novo.
— Não sei! — respondi descansando minha cabeça no braço apoiado na
janela da caminhonete.
— Tio Miro prometeu uma grande festa para aproveitar sua formatura. O
primeiro médico do nosso acampamento. — Tentei sorrir, mas tudo que
aconteceu entre eu e Alina há semanas tirou completamente todo meu ânimo.
— Dia de Kalí merece uma grande comemoração — respondi e voltei
meu foco para a estrada, deixando novamente o silêncio entre nós invadir.
Queria apenas ficar com meus pensamentos, que mesmo com tantas
certezas criavam dúvidas das quais jamais poderia questionar.
Confesso que me casar com alguém que nunca tive sequer um contato
também não era exatamente o que queria, mas seguiria em frente. Talvez eu
conseguisse adiar um pouco mais, já que Sara deve estar ainda com 17 anos.
Não demoramos mais que 40 minutos até chegar no acampamento, que se
localizava mais ao sul, em uma propriedade rural afastada de qualquer cidade ao
redor. Lá vivíamos à nossa maneira, do jeito mais livre que poderíamos
conseguir. Dormindo sob tendas, cantando e dando sequência ao nosso estilo de
vida.
— Ramon! — minha mãe me chamou assim que estacionei minha Ford
150 platinum v6 próximo à tenda deles.
Desde que fui para faculdade a minha foi desmontada e todos os fins de
semana ficava na deles. Ainda não sei o que vou fazer, deixei para me decidir
quando voltasse de vez. Além do que preciso ainda voltar a pensar em como vou
trabalhar, se vou mesmo ficar por aqui.
Antes de ir para a faculdade eu comprava carro e vendia, tanto
automóveis como cavalos de raça. Cresci vendo meu pai fazendo seus negócios.
E quando pude comecei a fazer os meus. Graças a eles que tenho um bom
dinheiro guardado.
Minha ideia sempre foi me manter onde nasci e cresci, não sei se daria
certa essa vida nômade para mim. Até porque meus pais acabaram ficando
sozinhos para comandar o acampamento.
— Mãe! — A abracei assim que desci da caminhonete e a encontrei
vindo na minha direção.
— Que bom que chegou, meu filho. Estava com saudades.
— Foi apenas uma semana. Deixa de ser exagerada, dona Constância! —
Beijei seu rosto e a soltei, caminhando em seguida ao seu lado. Deixaria para
tirar minhas coisas mais tarde de dentro da caminhonete. — Vamos, estava te
esperando para comer.
Minha mãe era incrível, uma mulher determinada, corajosa e fiel. Sempre
com sua postura íntegra conseguia ajudar nas dissoluções dos problemas que, às
vezes, surgiam no acampamento. Ela se casou muito nova, e se não fosse pelos
maus tratos do tempo e a pouca vaidade, ainda seria uma belíssima mulher. As
marcas do tempo mostravam as pequenas rugas que se formavam no canto dos
olhos e ao redor da boca. Mas ainda assim, continuava a ser muito bonita com
seus longos cabelos castanhos.
Meu pai conta que quando a viu pela primeira vez se apaixonou, e que
ainda sente o mesmo amor desde que se casaram.
Eu admiro isso neles. Toda essa cumplicidade e o amor que
compartilham até hoje.
— Foi muito puxada, mas chegou no fim.
— Estou muito orgulhosa de você — me disse quando paramos à frente
da tenda enquanto segurava meu rosto.
Virei a cabeça para o lado e segurando seu pulso beijei a palma da sua
mão.
— Fiz bolo e acabei de fazer aquele café que você tanto gosta. —
Sempre era assim quando retornava no fim de tarde das sextas-feiras. Ela me
esperava sempre com um bolo feito pouco tempo antes.
— O cheiro dele está vindo aqui — disse após meu estômago fazer
barulho.
Entramos e ela me serviu enquanto conversávamos sobre algumas coisas
que havia acontecido no meio de semana por aqui.
Depois de uma longa conversa e de ela me colocar a par de todos os
acontecimentos da semana, fui caminhar, respirar um pouco de ar puro e esperar
o céu se encher de estrelas. Estava precisando desse refrigério, ainda havia
tantas coisas para se pensar e nada melhor do que deitar sobre a grama e sentir a
brisa que invadia a noite tocar em meu rosto.
Por mais culpado que fosse, estava apenas pagando pelo preço das
minhas escolhas, mas ainda assim eu me dividia sobre o sentimento quebrado e
toda uma história.
Desci o aclive do terreno e fui para perto do grande lago que ficava no
fundo das terras.
O lugar era lindo, os fins de tarde ali sempre me rendiam paz e
tranquilidade e se realmente eu fosse ficar por aqui, seria exatamente onde
colocaria minha tenda.
Escolhi o lugar de sempre e me sentei antes de me deitar, porém o
barulho esmagando a grama me chamou atenção. Era meu pai. A figura
corpulenta e alta, de cabelos esvoaçantes até o ombro, se materializou ao meu
lado e sentou ainda em silêncio.
Por segundos ficamos apenas olhando o horizonte, até sua voz grave
quebrar todo o vazio silencioso.
— Como está, meu filho? — Meu pai sorriu, mostrando sua vaidade
estampada em quase toda a arcada superior.
Seus dentes eram de ouro, o que significava prosperidade e o quanto
nossa cultura estava impregnada em nós, eu não possuía nenhum, preferi não ter
por causa da faculdade.
Lidar com o preconceito cultural, é algo que ainda continua em
evidência. Muitos não entendem como somos, como vivemos e preferem inventar
mentiras sobre nosso estilo de vida. Claro que onde existe um grupo de pessoas
sempre terão os joios e os trigos, no entanto, o mau exemplo de alguns faz com
que todos acreditem que somos daquele jeito e pronto. Porém, o que importa é o
que realmente somos. Dentro dos nossos costumes não admitimos maus tratos,
roubos, seguimos nossa política decretada por nossas leis. Se infelizmente
existem pessoas de todos os jeitos, o que vale é sua consciência.
Mas por causa do pré-julgamento de alguns, evitei a exposição e optei
por me esconder e não abrir minha vida enquanto estivesse estudando.
— Estou bem, pai. Como foi a semana por aqui? — respondi e perguntei
ao mesmo tempo sem olhar na sua direção.
Sempre que chegava tínhamos essa conversa no sábado e
esporadicamente, na sexta-feira à noite. Ele, assim como minha mãe, gostava de
me contar tudo o que aconteceu durante a semana no acampamento. No fundo eles
tinham esperança que eu assumiria futuramente o seu lugar como líder do
acampamento, já que meus outros três irmãos após casarem foram embora.
Mas confesso que estava tão cheio de incertezas de estar fazendo o certo,
que liderar um povo era ainda uma completa loucura. Começando por ter me
relacionado com Alina. Jamais seria aceito como líder se soubessem que traí
minha noiva. Por mais que eu achasse arcaico e sem sentindo, porém o que ardia
em mim era o respeito pela minha cultura, do qual fui hipócrita o tempo todo. Se
respeitava os costumes, deveria não criar hipóteses para justificar minhas
atitudes contrárias.
Ela terminar comigo foi o mais sensato.
— O mesmo de sempre. Nada de especial, apenas que estamos animados
para a grande festa.
— Gosto de ver o senhor animado — disparei o comentário quase no
automático.
— E você, o que pretende fazer agora? — A mudança de assunto foi
nítida, ele estava apenas esperando para termos a conversa de que tanto tenho
evitado.
— Ainda não sei, pretendo ficar um pouco por aqui, cuidar do pessoal,
mas... — me calei e continuei a olhar para o longe, fixando meus olhos na luz
natural refletindo nas ondas circulares que se formavam no lago.
— Por que não constrói sua vida por aqui? Poderia usar essa parte do
terreno para fazer o que quisesse.
Meu pai era um homem muito perceptível e em algumas de nossas
conversas confessei o quanto este era o lugar em que mais gostava daqui.
— Poderia começar sua família próximo de nós.
Família?
Sei que estava à espera da oportunidade para me lembrar do meu
compromisso com a filha do nosso primo. Mas ainda me doía muito a forma
como eu e Alina terminamos. Por algum tempo, vivendo dentro de uma bolha,
pensei que poderia ser com ela que construiria um lar e veria meus filhos
crescendo ao nosso lado.
A ilusão de um homem pode ser seu maior inimigo.
Olhei para ele, ainda perdido em meus pensamentos.
— Sim, pai! — respondi, deixando as divagações se perderem nas
minhas memórias.
— Eu e sua mãe ficaríamos muito felizes de ver seus filhos crescendo
perto de nós. Seus irmãos tomaram os ventos deles, só nos restou você para
manter toda uma geração vindoura. Não quero lhe pressionar, mas o primo me
ligou nessa manhã e... — ele interrompeu o que iria falar, no entanto, não
precisava terminar de dizer mais nada para me lembrar de seu compromisso, ou
melhor, da promessa que um fez para o outro. De que casariam seus filhos
quando chegasse a hora.
Respirei fundo, por mais que fosse uma questão de honra eu não queria
me casar ainda.
Meu corpo e meu coração pertenciam a outra mulher, e sei que isso
passaria um dia e quem sabe eu conseguisse honrar seu voto. Porém no momento
apenas queria ficar sozinho.
Quem sabe um dia...
— Disse que virá com as filhas para a festa de Sarah Kalí este ano. Fez
uma grande doação para nossa festa e está muito animado — ele completou o que
estava me dizendo me lembrando nas entrelinhas do que realmente se tratava a
vinda do nosso primo.
— Pai! — nutri minha coragem para dizer o que há tempos deveria ter
dito. — Faz tempo que deveríamos ter essa conversa.
— Sim. Eu prometi que o deixaria estudar, mas agora é mais que um
homem pronto para honrar o sobrenome que carrega.
Não seria fácil...
Suas palavras eram firmes e tinham tanto peso que não seria fácil
dissuadi-lo. Mas eu precisava tentar, por mim, pelo que estava sentindo.
Não acho que casar com uma pessoa que não conheço e não sinto nada
seja algo bom. Todos vão sofrer e não quero fazer ninguém infeliz, muito menos
a mim.
— Sei que não vai aprovar o que vou dizer, mas preciso que me entenda,
pai. Não tenho certeza de que devo me casar com a filha do primo Valter. — Ele
enrugou a testa e desviou seu olhar do meu, o que era um péssimo sinal. — Esses
casamentos às cegas funcionavam muito bem antes, mas não acredito que serei
feliz e muito menos farei alguém feliz sem ter um sentimento.
O silêncio pairou entre nós por longos minutos.
— Para nós a palavra vale mais que o ouro, que as riquezas que um
homem pode conquistar em sua vida. E eu sou um homem de honra. Há quase 18
anos eu dei minha palavra e nem que se estivesse morto teria que honrá-la. É
assim que funciona. Você vai se casar com Sara. Eu esperei, fui paciente e
compreendi seus motivos, mas agora espero que entenda os meus. — A pressão
que colocou foi decisiva, não me dando sequer nenhuma opção para fazê-lo
mudar de ideia.
— Não é isso, apenas queria ter a opção de escolher e também não
querer neste momento entrar em um casamento — tentei argumentar.
— Se não quer se casar no momento, então podemos esperar alguns
meses, mas Sara é sua noiva desde o dia em que ela nasceu. É com ela que se
casará.
— Não está me entendendo, pai. Apenas quero poder um dia escolher
alguém que eu sinta algo. Quase ninguém sabe sobre esse compromisso —
procurei argumentos que o fizesse mudar de opinião.
Na verdade, eu estava à espera de um milagre.
— Você se interessou por alguma gadjín? — sua pergunta foi direta,
como se ele soubesse que tive alguém de fora da nossa cultura.
— Não! — neguei e menti, agindo contra tudo que preso. Mas se eu
dissesse a verdade, além de estar indo contra tudo o que acreditamos, estaria
agindo com um traidor.
— Ramon, você foi prometido à Sara, é com ela que vai se casar. Achar
uma nova noiva e romper com a família de Valter está fora de cogitação — ele
terminou de falar e se levantou, deixando claro sobre sua posição e sua ordem a
ser acatada.
Frustrado por não ter o controle da própria vida, lancei uma pedra na
direção do lago. Eu não queria desobedecer aos princípios de respeito em que
fui criado, porém não conseguia reprimir o sentimento de raiva por não ter o
direito de uma escolha.
E pelo visto nem de ficar sozinho...
Já fazia alguns minutos que meu pai havia ido embora e novamente
escutei o farfalhar na grama.
Ele não voltaria. Uma vez que deixou bem claro que minha vontade
pouco importava na sua decisão.
— Oi, Ramon! — Revirei os olhos impacientemente ao escutar sua voz.
Era Esmeralda, uma linda cigana de 18 anos, que em todos os fins de
semana fazia questão de vir onde eu estava sempre puxando algum assunto para
conversarmos, porém ela era problema na certa.
Foram várias as vezes que me encurralou e quis ficar sozinha comigo, o
que não seria o ideal, visto que poderiam interpretar de modo errado.
Por mais que fosse muito bonita o certo era nos mantermos distantes.
— Olá, Esmeralda. — Me mantive sentado e apenas olhei para o alto e
não a convidei para se sentar ao meu lado, inclusive acabei me levantando para
evitar que mesmo não sendo uma convidada para estar ali ela não se sentasse.
Ainda mais por estar à noite, sozinhos e em um local que poderia causar algum
problema com seu pai.
— Como está? Não vi a hora em que chegou.
— Estou bem e você? — evitei ser grosseiro e acabei retribuindo a
pergunta.
— Bem também. — Ela sorriu deixando as covinhas que tinha no meio da
bochecha ficarem mais evidentes.
— Que bom, já estava subindo. Vai ficar? — perguntei na tentativa de
que ela se fosse.
— Não sei. Posso? — Como não respondi ela emendou outra pergunta ao
se aproximar mais. — Está animado para a festa? Vai vir muitos parentes de
outros lugares — concluiu animada.
— É, fiquei sabendo — respondi desanimado.
— Vai ser lindo, vai ser a primeira festa que vou participar aqui. —
Apenas sorri, me sentindo desconfortável por ficar ali com ela.
— Estou indo. Vai ficar aí? — Bati a mão contra minha calça, tirando um
pouco da grama que havia grudado no jeans e evitei olhar para ela.
— Posso lhe fazer uma pergunta antes?
— Claro! — A encarei, esperando para responder e logo sair dali.
— Você não gosta de conversar mais comigo? — sua voz foi baixa e um
tanto chateada.
Confesso que me deu pena e desviei o olhar do seu, indo novamente para
o lago.
— Esmeralda... não me leve a mal, você é muito bonita, não seria algo
agradável se nos encontrassem aqui. Mesmo que não estivesse acontecendo nada,
mas sou homem e você uma mulher. Acredito que seus pais não gostariam.
— Tudo bem! — Ela abaixou a cabeça e me sentindo um pouco mal
diante da situação a deixei, entretanto pude escutar o choro reprimido ao me
afastar dando-lhe as costas.
Talvez Esmeralda fosse uma opção se eu não estivesse comprometido
com uma estranha e Alina não tivesse passado e marcado minha vida.
Capítulo 2
Ainda segurava aquela carta não acreditando no que estava acontecendo
comigo. Era meu sonho se materializando através de uma palavra tão pequena,
mas com uma grande importância.
Não consegui acreditar quando Marjorie, uma das minhas amigas de
escola, me entregou, ela sabia o porquê não poderia receber correspondência
desse tipo em casa. Aliás, ela era a única que tinha conhecimento sobre quem eu
era e de como vivíamos.
Por mais que morássemos em uma casa grande e confortável, isso não
anulava nossas origens e meus pais faziam questão a cada minuto de nos lembrar
quem éramos e a que pertencíamos.
Nossa cultura era diferente e cresci aprendendo o quanto afortunados
somos por fazer parte de um povo rico, que mantém suas tradições ainda tão
firmes de pé.
Não que isso me envergonhasse, mas ia contra tudo que pensava.
Pregavam a liberdade, mas quando se tratava de estar à frente da sua
família, e no meu caso eu não passava de um pássaro engaiolado pelo estilo de
vida dos meus pais.
Por isso essa carta era minha alforria. Em breve eu estaria livre para
seguir meu caminho, iria para a universidade e tudo mudaria.
Por mais que nossos pais tivessem em mente em alguns anos voltar para o
sul, onde parte da nossa família estava, como Micaela estava estudando ainda
ficaríamos na cidade.
Antes de morarmos aqui, vivíamos sempre por aí, viajando por alguns
estados, vivendo em sua maioria, sem um local fixo, mas quando estava com
nove anos foi que mudamos para a capital. Minha mãe convenceu meu pai de que
eu e minha irmã mais nova precisávamos estudar, pelo menos aprender o básico.
E mesmo com os tantos nãos ela conseguiu que estudássemos e aprendêssemos o
essencial, enquanto muitas garotas ciganas aprendiam apenas a escrever seu
nome e mal ler.
Em nossa cultura a mulher não precisa saber coisas básicas como ler e
escrever, sendo que o responsável pelo sustento da família sempre virá do
homem. O que para mim vai contra tudo que acredito. Sinto que meu caminho não
é o mesmo que o de minha mãe, ou das outras mulheres da família. Preciso saber
mais, conhecer o mundo, viver de forma livre e independente.
Não serei mais uma escrava da tradição e do destino que traçaram para
mim. Se sigo as tradições é porque foram impostas, mas acho completamente
retrógrado a forma como lidam e seguem.
Respeito, mas não concordo.
Ainda não contei que havia me inscrito para uma universidade.
Aprendi ao longo dos anos que antecipar meus anseios era arruinar
qualquer sonho ou plano que tivesse. Por isso estava esperando a melhor hora
para falar.
“Sarah Kalí, sei que vai me ajudar e que meu destino é ser diferente. É
conhecer o mundo, é poder ver as coisas com liberdade.”
Aproximei-me da imagem que tinha ao canto do meu quarto, sob a mesa
de cabeceira.
Sei que poderia ser hipócrita ao pedir para a protetora dos ciganos para
ir contra o que a cultura mandava, mas mesmo não aceitando algumas tradições
arcaicas, sendo privada de coisas tão normais, eu amava quem eu era.
Ser uma cigana não era cem por cento ruim. Eu adorava dançar e cantar.
Sentia alegria quando olhava as estrelas. Dentro de mim habitava o espirito livre
dos ventos que poderia ir para qualquer canto que quisesse.
Era sobre liberdade minha revolta.
Queria poder usar as roupas que quisesse, ou mesmo escolher o próprio
namorado, entretanto eu só conseguiria se fosse para a universidade.
— Soraia! Soraia! — Escutei quando meu pai chegou em casa chamando
pela minha mãe.
Havia saído mais cedo da escola e vindo direto para casa. Não contendo
minha felicidade ao saber que fui aceita para fazer a faculdade, não esperei por
Micaela. Só queria saber de chegar em casa e reler aquela carta.
— Soraia! Soraia! — ele continuou a gritar o nome de minha mãe e
curiosa aproximei da porta e abri apenas um vão, na intenção de escutar o que
estava acontecendo.
— Que foi, homem? — minha mãe respondeu com o tom alto.
Eles estavam na sala sem que percebessem que eu estava no andar de
cima, escutando-os, abri um pouco mais a porta e fui passo a passo até o alto da
escada.
Nossa casa era estilo um sobrado, os quartos e os banheiros ficavam na
parte superior, a sala e a cozinha embaixo. Nos fundos um amplo e grande quintal
tinha uma tenda, onde meu pai fazia questão de dormi. Se negava a ter um teto
sobre sua cabeça ao invés das estrelas todas as noites.
— Sua filha estava que nem uma gadjín [3] se agarrando com um
gadjon [4] na porta da escola, com a língua pendurada na boca dele e sei lá mais
o que — ele gritava nervoso.
Micaela deveria ter aprontado e eu que não perderia por nada.
Desci as escadas em silêncio, ainda me mantendo escondida deles,
avistando-os à espreita.
— Ela estava como uma serpente na frente de todos. Se enroscando
naquele gadjon. Não criei filha para perder seu destino.
Micaela estava com os olhos encharcados de choro e mamãe com as
mãos tampando a boca como se não acreditasse no que estava escutando.
— Vocês só brigam comigo. Sara também beijou um gadjon — Micaela
tentou se defender me acusando.
Ela sempre tentava se safar do que aprontava jogando em mim, assim
tirando o foco da ira de nosso pai, transferindo-a para mim.
Que ódio quando ela fazia isso.
Irritada, deixei meu esconderijo e fui para perto deles.
— Sua mentirosa! Está dizendo calúnias só para eles brigarem e
esquecerem de que foi você quem estava aprontando. Sua cobra! — gritei, indo
na direção dela.
— Estou falando a verdade. — Sim! Ela falava, porém estava apenas me
dedurando para eu ser punida como ela.
Era típico seu, usar de vitimismo para não ser punida.
— Mentira! — menti em minha defesa.
Jamais deixaria que descobrissem que uma única vez havia beijado um
garoto da minha sala.
Por mais que não concordasse com o modo de vida que nos obrigavam,
eu os respeitava e por isso tentava não agir errado.
— Ela eu não vi, você eu vi — papai argumentou, levando Micaela pelos
braços até o sofá, empurrando-a contra as almofadas.
Nossa mãe assistia tudo calada, não que fosse permissiva, mas ela só
intervia caso nosso pai exagerasse. Não a ponto de bater. Ele nunca levantou uma
mão sequer para nos castigar.
— O senhor sempre a defende — Micaela reclamou chorosa.
— Valter se acalme — minha mãe interviu quando percebeu que o marido
não estava bem.
— Se acalmar? Minha filha vai ficar falada e vai viver no vento.
— Sara também! — Micaela continuou a me acusar.
— Olha só, Soraia, até nossa Sara! — Ele tirou o lenço do bolso e
esfregou na testa suada enquanto dava voltas pela sala.
— Eu vou te matar! — me aproximei e sussurrei sem que ninguém mais
além de Micaela ouvisse.
— Vamos ter que casar as meninas! — ele disse e voltou a olhar na
direção onde estava ao lado de Micaela.
Não seria possível que estava escutando ele dizer que nos casaria.
Foi como se tivesse sido nocauteada com apenas um golpe.
— Eu não vou me casar não! — protestei imediatamente.
— Nem eu! — Micaela se manifestou também.
— Ah! Mas vão sim! E Sara será a primeira — ele disse determinado.
— Mãe! — Olhei para a mulher ao lado pedindo por ajuda.
Como assim ele me casaria porque flagrou Micaela beijando um garoto
qualquer por aí?
Era absurdo e uma loucura completa.
— Está ficando louco! — aumentei o tom de voz, quando percebi que
minha mãe não me ajudaria. — Não vou casar com ninguém.
— Você vai sim. Não quero ter uma filha devolvida no dia do casamento
porque anda se portando como essas gadjíns lumia[5]. É a mais velha, tem que
dar o exemplo.
— Não... não... não... — comecei a negar em vão.
Sei como funcionava. Enquanto eu não me casasse, Micaela não poderia
casar. E um casamento neste momento é a mesma coisa que perder tudo o que
poderia conquistar.
— Estarei ligando para o primo Miro e cobrando o compromisso com
seu filho. — Fui ignorada.
Meu maior pesadelo estava acontecendo. Todos os meus sonhos
escorriam pelos vãos dos meus dedos.
— Pai... por favor! — Desesperada me aproximei dele e tentei segurar
suas mãos, pronta para um apelo.
Eu não poderia me casar logo agora, quando tudo estava indo como
sempre sonhei.
No próximo ano estaria indo para a faculdade e era o que mais queria.
— Está decidido — ele me respondeu firme, afastando-se de mim.
— Eu não vou, pai! — rebati corajosamente.
Não queria e tinha que lutar...
— Vai sim, aliás, você já está prometida desde que nasceu.
— Como assim?
Ele não poderia estar falando sério.
— Quando nasceu, concedi sua mão ao filho mais novo de Miro Rosberg
— me respondeu sério e convicto.
Abri a boca para protestar, no entanto sua confissão me pegou de
surpresa, me deixando completamente sem saber o que falar. Neguei com a
cabeça na tentativa de espantar o que havia acabado de saber.
— Mãe! — Em desespero, olhei na sua direção, pedindo que intervisse
nessa loucura, mas ela levantou as mãos aos céus, como se estivesse pedindo sua
redenção, deixando bem claro que não se meteria.
A esposa era assim, o marido falava e ela acatava fielmente em sinal de
respeito. Que nem cordeirinho.
— Não podemos mudar uma promessa, Sara! — ela respondeu e nos deu
as costas, voltando para a cozinha.
— Como assim, compromisso, noivo? Sem chances de me casar com um
estranho.
— Você não vai se casar com um estranho, Ramon é filho do meu primo.
É da família! — ele argumentou com naturalidade, como se fosse o fato mais
normal do mundo.
— Bem feito! — Micaela zombou e de tão impactada com a notícia de
que tinha um noivo e que iria me casar com estranho, não lhe devolvi a
provocação.
— Micaela, cale-se — minha mãe gritou da cozinha.
— Sem chances de me casar com um estranho. — Balançava a cabeça
enquanto negava em voz alta.
— Vai sim. Inclusive, logo será o primo Miro que cobrará a promessa.
— EU NÃO VOU! — gritei e só me dei conta que havia faltado com o
respeito quando ele se aproximou e me encarou.
— Você vai sim. É assim que manda a tradição.
— O senhor vai destruir a minha vida — segurei o choro e respondi
firme. — Vai ter que me matar antes de me casar com um estranho.
— Eu falei que essas meninas não deveriam ficar tanto tempo na escola,
Soraia. Olha só como estão se tornando umas gadjíns — ele me ignorou e disse,
quando novamente minha mãe surgiu de volta à sala. — Meu coração vai parar
de tanta decepção. Tive duas filhas e todas me dando desgosto. — Pegou o lenço
novamente, deslizou sobre a testa e o rosto avermelhado.
— Sara, não fala assim, seu pai está passando mal — minha mãe disse,
vindo para mais perto no momento em que meu pai cambaleou e caiu sentado no
sofá.
— É, Sara, você vai matar o papai. — Micaela se levantou e foi para o
lado de nosso pai, como se não fosse a real culpada por tudo que estava
acontecendo.
Não pensei duas vezes ao enrolar minhas mãos nos longos cabelos e
puxá-los, trazendo-a para perto.
Para sua sorte ela havia falado e passado no exato momento e assim que
a puxei para trás novamente empurrei-a para o sofá, sentando sobre suas pernas.
Enquanto puxava seus cabelos, suas mãos tentavam alcançar os meus,
mas fui agarrada e tirada de cima dela.
— Parem as duas, agora! — ele usou o tom de autoridade que nos fez
ficar quietas na mesma hora. — Cada uma vai para seu quarto! — ele ordenou e
me soltou.
— Papai! Por favor — me virei —, eu quero ir para a universidade —
informei sem muita alternativa e desculpa do porquê eu não queria me casar.
Era o único argumento que tinha para conseguir tirar aquele absurdo da
cabeça dele. Mesmo tendo certeza de que não era uma boa hora para ter
revelado.
— Não, você não vai. Já permiti que estudassem. Está na hora de honrar
com a promessa que fiz.
— O senhor fez, eu não fiz nenhuma.
— Por isso mesmo, Sara. A palavra de um homem vale mais que os
dentes de ouro que tem na boca. — Fechei os olhos, perdendo a batalha.
Seria muito difícil fazê-lo mudar de ideia.
Para nós uma promessa feita é uma dívida de sangue, que deve ser
honrada a qualquer custo.
— Fim de conversa. Você vai se casar.
Neguei com a cabeça me afastando, percebendo que lutar agora era perda
de tempo. Voltaria a falar com ele quando tivesse mais calmo, porém todo meu
corpo correspondeu à frustração de saber que meu sonho estava quase perdido.
— Não é justo...
Nunca seria.
Não escolhi nascer cigana, fui destinada a ser uma.
Capítulo 3
Dias depois

Acabei retornando mais cedo da escola e quando cheguei ao abrir a porta


de casa me deparei com uma cena que há muitos anos não via. Meus pais
estavam dançando alegremente, cantando a melodia da música que tocava no
som.
Não quis interrompê-los e me encostei próximo a eles sem que
percebessem, deixando-os à vontade para continuarem.
Ficar ali, parada, encostada na parede, próximo deles, observando-os me
fez ver o quanto o amor deles era forte e lindo. E isso me deixava em paz, com
aquele sentimento que todo filho tem ao querer que a felicidade dos pais seja
duradoura e eterna.
Deixei que continuassem. Eles estavam tão envolvidos que ainda não
haviam percebido que estava olhando para eles.
— Ai que nojo! Poderiam parar! — disse quando os vi se beijando.
Não que o beijo deles me causasse repúdio, contudo ver seus pais se
beijando de língua não era nada agradável.
Eles se afastaram ao olharem para mim e sorriram.
— Não percebemos que havia chegado. Estava nos espionando? —
minha mãe perguntou se aproximando de mim antes de me abraçar.
— Claro que não — respondi mentindo ao sentir seus lábios contra
minha bochecha.
— Filha desejada! — Meu pai abriu os braços e também veio onde eu
estava.
Os dois me apertaram, me fazendo sentir como se fosse o recheio de
algum sanduíche. Porém senti que algo de estranho estava acontecendo. Ontem
essa casa estava tensa e hoje a alegria está exalando pelas paredes. Era como se
nada tivesse ocorrido, se o assunto do casamento nunca existiu.
O que por um lado era maravilhoso, quanto menos se falasse neste
assunto mais rápido caía no esquecimento e eu poderia voltar a sonhar em ir para
a universidade.
— Aconteceu algo para estarem tão felizes? — perguntei, arqueando uma
sobrancelha, muito ressabiada.
— Nada, filhinha — por mais que minha mãe tentasse disfarçar era nítido
que estava mentindo.
Ela só me chamava de filhinha quando algo de especial está para
acontecer.
— Sarinha, nós vamos para o sul no dia de Sarah Kalí.
Estava explicado.
Tinha que ter algum motivo para estarem eufóricos assim.
— Vai ser lindo. Comemorar com nossa família.
O dia de Sarah Kalí é muito importante para nosso povo. Ela é a santa
protetora do nosso povo e em todos os anos se comemora com muita festa,
bebida e dança.
Nunca passamos um ano sem comemorar, mesmo que fosse apenas nós
quatro aqui em casa. Mamãe preparava a comida, eu dançava e tocava o
pandeiro enquanto papai tocava o violão. Cantávamos em ROM [6] e nos
divertíamos.
Alguns anos viajávamos para um acampamento próximo e ficávamos por
lá os dias de comemorações.
— Não vejo a hora...
— Não vê a hora de que papai? — Micaela perguntou, parando ao meu
lado.
Não havia notado sua presença. Ela fez o mesmo que eu ao entrar
sorrateiramente e ficar escutando.
— Vamos para o sul no dia... — estava respondendo quando a observei
de cima a baixo e notei que ela usava um dos meus cintos.
Respirei fundo, contando mentalmente os números até dez para ver se
conseguia manter minha paciência com Micaela.
Algo impossível...
— O que faz com meu cinto?
— O óbvio. Estou usando — me provocando ela respondeu com
petulância ao chacoalhar os ombros.
— Quem deixou você mexer nas minhas coisas? — perguntei em voz alta,
me aproximei e fiquei exatamente à sua frente.
— Sara... — Micaela tentou argumentar, porém a interrompi batendo nos
cadernos em que estava carregando, fazendo com que caíssem pelo chão.
Odiava o fato de ela sempre mexer nas minhas coisas sem pedir.
— Eu não te emprestei! — comecei a gritar e ela tentou ser mais rápida
ao tentar sair correndo.
Meu pai percebeu o que estava prestes a acontecer e se antecipou, entrou
na minha frente pedindo calma.
— Sua ladra, quem pega sem pedir merece perder as mãos — continuei a
gritar, tentando passar pela muralha que meu pai fez para nos apartar.
Era exagerada? Era sim... Mas Micaela parecia ter o dom de me fazer
perder a paciência e ficar descontrolada.
— Parem as duas! Parecem cão e gato — meu pai interviu.
— Ela pegou sem pedir— me defendi —, sua ladra! — Sem me intimidar
com ele entre nós tentei alcançar seu cabelo.
— Sara, é só um cinto. Não precisa dar esses escândalos. — Foi a vez de
minha mãe tentar amenizar a situação.
— É só um cinto. Ok! Mas é meu! Não deixei essa menina insuportável
entrar no meu quarto e pegar minhas coisas.
— Mas não precisa dar escândalos por causa de uma bobeira dessas.
Era sempre assim: minha mãe não dando importância para as coisas que
Micaela fazia.
— Você sempre a defende — inquiri me afastando. — Ela entra no meu
quarto, mexe nas minhas coisas e a senhora diz que é uma bobeira.
— Calma, Sara.
Só percebi que Micaela havia subido para seu quarto quando escutei a
porta bater.
Novamente ela saía impune.
— Eu quero meu cinto! — gritei para que ela escutasse onde estivesse.
— E se mexer novamente nas minhas coisas vou rasgar suas roupas — concluí.
— Não fica assim, minha filha! — Papai me abraçou e como se nada
tivesse acontecido continuou a cantar a melodia que tocava no display de sound
round. Uma das poucas modernidades que ele permitiu entrar em casa, só porque
o aparelho se apresentou útil a ele.
— Eu a odeio.
— Diz isso da boca para fora. São irmãs e sangue é para todo o sempre.
— Preferia não ter o mesmo sangue que ela.
— Anime-se, querida filha. Vamos para o sul para o dia de Sarah Kalí —
ele disse animadamente me puxando para dançar com ele.
— Eeeehhh! — vibrei com deboche.
Por mim, íamos para qualquer acampamento aqui mesmo por perto e
estava tudo bem. Mas entendia o motivo da sua felicidade, lá era um lugar
importante para ele e minha mãe.
— Mas no fim do mês é o baile da escola — Micaela falou ao voltar,
reapareceu na sala com meu cinto em mãos, com a expressão de quem não havia
feito nada de errado.
Era muito cínica.
— E o que o baile tem a ver? Você não ia mesmo — precisei lembrá-la
de que nunca íamos nesses eventos.
Nosso pai não deixava, lembrando que não devíamos nos misturar em
festas que não fossem do nosso povo.
— Mas esse ano papai disse que ia deixar.
Comecei a rir. Como era ingênua de acreditar que Valter Rosberg iria
deixar as filhas vestirem um vestidinho curto para dançar, beber e ainda por cima
sair com garotos.
— Sonhou, queridinha? Aí, você caiu da cama e bateu sua cabeça? —
debochei dela.
— Papai! Você disse que ia deixar — fez voz infantilizada, buscava por
piedade.
— Como é cínica...
— Cala a boca, Sara.
— Eu disse? — Meu pai parou de dançar e olhou na direção de Micaela,
fazendo-se de desentendido.
Acredito que seja verdade que ele tenha deixado, mas era sempre assim:
quando chegava a hora de deixar mesmo, fingia que não se lembrava do que
disse.
Comecei a rir, provocando-a.
— Mas no dia de Sarah Kalí, não vai não — falei e balancei o dedo
indicador bem em frente ao seu rosto.
Micaela foi bater em meu dedo, mas meu pai previu que íamos começar
novamente a brigar e me puxou.
— Vamos para o sul, Mic — ele disse.
— Mãe!
— Não tenho nada a ver. Resolva com seu pai — minha mãe respondeu,
se abstendo novamente do embate.
— Que droga, vocês não deixam fazer nada — ela bufou e se jogou no
sofá emburrada, como se fosse uma criança mimada.
No fundo eu tinha pena dela. Já passei pelo que estava passando, porém
hoje aceitava as condições que nos limitava de fazer coisas normais. O único
fato que ainda não estava aceitando era de não poder ir para a faculdade. Mas eu
iria arrumar um jeito de convencê-lo.
Talvez ir para o sul e evitar mostrar desânimo fosse o caminho para
voltar no assunto da universidade.
Nem tudo estava perdido, precisava apenas de mais tempo.
Os dias passaram rapidamente e, em um deles, fui com mamãe fazer os
vestidos para os dias de festa. Escolhi dois modelos lindos, um floral branco e
azul com decote canoa e detalhes bem bufados, o outro preto, com um tule
bordado de rosas vermelhas.
Particularmente eu amava vermelho, era uma das poucas cores quentes
que gostava. Já Micaela fez sua pirraça habitual e não quis ir escolher em forma
de protesto por causa do baile.
Se ela achava que eu daria palpite na roupa dela como sempre fazia,
estava enganada. Minha irmã provaria do gosto de moda da mamãe. Por causa
dela, eu estava prestes a perder a oportunidade de ir para a universidade. Ela
poderia até achar que não, mas naquele dia declarei guerra em silêncio contra a
pirralha.
— Lá vamos nós para o reino da cafonice — disse Micaela na calçada
em frente de nossa casa.
O tal dia de ir para o sul chegou. Era bem cedo e papai queria sair antes
do sol nascer para que chegássemos no fim de tarde.
— Micaela! Deixa de ser amarga.
Está certo que tudo era exagerado, inclusive o motorhome estacionando
na frente de casa. Papai o comprou e fez questão de decorá-lo.
Não que pudesse ser chamado de decoração o que ele fez.
Era exageradamente colorido, com cortinas azul turquesa, o banco do
motorista era todo revestido de brocado amarelo e tinha uma bandeira pendurada
ao lado da janela. Porém certos comentários, diante da felicidade dele, eu
guardava para mim.
Ele estava feliz e era o que importava.
Meu pai poderia ter suas manias, seus costumes e ser fechado a tantas
coisas, mas eu o amava.
Todos têm seus defeitos e suas qualidades.
— Olha só para isso — ala continuou a comentar com desdém.
— Está lindo e para de ser maldosa. Ele está feliz, Micaela. Não pode
uma vez pelo menos fingir que também está? Mas esqueci, você é uma egoísta
insuportável e invejosa.
— Invejosa é você. Só porque não vai para a universidade não queria me
ver indo no baile.
Engoli em seco, não caindo na sua provocação.
— Coitada... O baile é esse fim de semana, a universidade é daqui alguns
meses. Ainda tenho tempo.
— Mas ele não vai deixar. — Ela balançou os braços e mudamos de
assunto quando escutamos a buzina ecoar alto.
Papai já estava sentado no banco do motorista nos esperando e sua
impaciência era tanta que abriu a janela e colocou a cabeça para fora, nos
chamando, batendo em seguida na lataria do motorhome.
— Que é cafona é, muito cafona mesmo! — Micaela continuou a
desdenhar.
— Vamos, Soraia! Ande logo, mulher — ele chamava animado.
— Seja um pouco mais agradável. E você também acha que não está um
pouco colorida demais? — disse com sarcasmo olhando dos pés à cabeça.
Micaela estava vestida com uma saia estampada de rosa e verde com
muitas flores grandes
— Olha quem fala — ela deu a resposta do contra só para não sair por
baixo, mas na verdade, eu sei que estava bem mais discreta que todos eles.
Usava um vestido de algodão cru, pouco rodado, coloquei cintos de couro e
carreguei de colares e pulseiras no mesmo estilo.
— Está linda, Sarinha — olhei para Micaela e comecei a rir sem fazer
barulho, apenas para provocá-la —, você também, Mic — ele completou.
Deixei-a para trás e coloquei o chapéu flopy com um lenço em torno dele
e fui para o motorhome.
Procurei um lugar que ficasse o mais confortável possível.
E ainda protestando, fazendo suas pirraças, Micaela foi a última a entrar,
após levar uma bronca de nossa mãe.
Mas a reclamação não parou por aí.
Ela passou boa parte da viagem ainda emburrada dando más respostas
aos nossos pais. Seu humor foi melhorar quando já havia se passado mais da
metade da viagem. Até jogamos tarot uma para a outra.
Por mais que não estivesse tão animada com a viagem, acabei entrando
no clima de felicidade deles, que estavam cantando.
— Como canta lindamente, deveria cantar sempre para nós... — minha
mãe elogiou e notei que estava sozinha entonando a melodia.
Eu até gostava de cantar e dançar antes, mas com o tempo fui deixando de
lado até não ter mais tanto ânimo.
— Nem tanto. Parece uma gralha — Micaela enciumada desdenhou.
— Invejosa!
— Por favor, vocês duas não comecem novamente. Vamos chegar em
breve e não quero que nossos parentes vejam vocês nessa guerra constante —
nossa mãe pediu.
— Vamos festejar. — Papai animado buzinou do nada.
— Seus vestidos ficaram lindos, Sara! — Até tinha me esquecido que
eles não economizaram os gastos para essa viagem, meus vestidos ficaram bem
caros.
Não me contive diante da seda e do tule bordado. Já Micaela, ficaria
nervosa quando visse o seu, no dia que era para fazer as compras dos tecidos ela
não quis ir, fazendo pirraça ainda por causa de não poder ir ao baile. Deixando
para nossa mãe escolher. E como sempre ela usou e abusou dos brocados mais
vibrantes que tinha na loja.
A viagem até o sul durou quase o dia todo e já estava no fim de tarde
quando chegamos.
Não precisamos nos esforçar para que nos vissem. Assim que entramos
no acampamento, papai buzinou tanto que seria impossível que não notassem que
estávamos chegando.
— Para que esse escândalo? — Micaela comentou.
Também achei desnecessário, mas jamais concordaria com Micaela.
— Vai começar? — perguntei e ignorando-a olhei por cima dos ombros
com desgosto na sua direção. — Deixa de ser chata.
— Chata é você — ela retrucou, mas como já havia descido do
motorhome fingi que não havia escutado.
Meu pai e minha mãe desceram antes e já estavam cumprimentando
alguns parentes que haviam vindo até nós.
Eles estavam tão felizes que acabei sorrindo e esquecendo que preferia
ter ficado em casa. Não tinha outra opção a não ser entrar no clima e me divertir
enquanto estivesse aqui.
— Sara, me espera — Micaela pediu vindo na minha direção.
— Sai de perto de mim, Micaela! — disse entredentes.
— Por favor! — ela implorou.
— Não!
— Você é a Sara? — Escutei alguém dizendo meu nome logo atrás de
mim.
Virei-me e deparei com uma linda cigana de cabelos bem pretos e longos.
Seus olhos eram de um verde incrível. Ela sorria e me estendeu a mão.
Afirmei com a cabeça, respondendo-a.
— Sou Esmeralda. E seremos amigas! — Sorri e segurei em sua mão,
mas fui puxada para um abraço caloroso.
Confesso que não esperava.
— Obrigada — retribui timidamente.
Algumas outras ciganas, aparentemente da minha idade, me rodearam e
me abraçaram.
Era como uma enorme família, com tantas pessoas que aquele carinho
pela recepção me deixou mais tranquila, me fez sentir acolhida.
— Seja bem-vinda.
— Vai gostar muito daqui. E estamos felizes por estarem conosco.
Muitas falavam disparadamente, não dando tempo para eu responder.
Micaela logo se enturmou, esquecendo completamente que não iria ao
baile da escola. Eu também não me demorei para me misturar com as ciganas da
minha idade.
Elas eram animadas e me deixaram bem à vontade, entretanto, como não
era muito de falar quando mal conhecia as pessoas, fiquei observando-as um
pouco mais.
— Você é muito quietinha — Esmeralda falou ao me puxar e me levar até
a tenda onde ficaríamos.
Tentei falar um pouco mais enquanto caminhávamos até onde ficaria.
Por mais bem recepcionados que fomos, ainda estava receosa, sem sabe
como agir com eles.
Eu e Micaela fomos criadas conhecendo nossas tradições. Tudo era muito
restrito, mas nunca estivemos com tantos de nós ao nosso redor.
Morávamos em uma casa, diferente deles que dormiam em tendas.
Mesmo tendo uma tenda em nosso quintal, não era como aqui. Eles eram cheios
de vida, simples e tudo era lindo e perfeito. As risadas altas eram como sons e
músicas desordenadas, que nos fazia sentir acolhidos.
— Seus pais moraram aqui, sabia? — Esmeralda me perguntou.
— Sim.
Quando meus pais se casaram eles ficaram alguns anos por aqui.
Também me contaram que antes da minha mãe conseguir engravidar ela
sofria abortos espontâneos consecutivos. Por isso me chamo Sara, pois nasci no
dia da nossa protetora e foi uma promessa dela de que eu nasceria, e me
batizaram com seu nome. Dizem que sou o presente dado por ela.
Então, aqui foi onde nasci.
De certo modo aqui também foi minha casa.
Mas nos mudamos logo, Micaela nasceu dois anos depois e pelo que
contam, já não moravam mais no sul.
Por anos fomos nômades, indo de cidade em cidade enquanto papai fazia
seus negócios. Ele vende tudo que consegue com um bom preço, desde joias,
cavalos e algumas quinquilharias que lhe rendem um bom dinheiro. Em
contrapartida, ficamos em casa.
No início, quando comecei a frequentar a escola algumas crianças diziam
que meus pais eram ladrões de bebês e outras coisas. Mas tudo o que dizem a
cerca disso é apenas histórias contadas para assustarem as pessoas. Não somos
nem um terço do que falam por aí.
Por mais que já me revoltei com algumas imposições, tenho orgulho de
pertencer a um povo com uma cultura diferente. Mesmo não concordando com
algumas tradições arcaicas e retrógradas, que acabam sendo um tanto machistas.
Mamãe é a típica cigana, alegre, que apenas sabe o básico da
alfabetização. Ela sempre cuidou muito bem de todos nós. A típica dona de casa
feliz.
— Está animada para a festa de Sarah Kalí? — Esmeralda me perguntava
em seguidas vezes.
— Sim... — Acho que não fui muito convincente.
Ainda estava associando essa sensação de euforia à descoberta de gostar
de estar perto deles. Não achei que fosse me sentir tão bem por aqui.
Capítulo 4

Havia se passado algumas horas desde que chegamos e já não me sentia


um peixe fora d’água.
Esmeralda e mais algumas primas da minha idade me fizeram esquecer
que eu era apenas uma visitante de um lugar que também já foi minha casa. Me
fazendo sentir à vontade, como se nunca tivesse ido embora.
Elas eram alegres e extrovertidas, discutiam por coisas bobas, mas ao
mesmo tempo já estavam se falando como se não tivessem opiniões divergentes.
Era uma dinâmica que jamais deixaria qualquer um cair na monotonia.
Era tudo tão novo para mim que mal conseguia falar, apenas fiquei
observando, sentada em uma das almofadas que estavam espalhadas pelo chão.
— O que está fazendo aí, quieta, Sara? — Esmeralda aproximou e se
esparramou ao meu lado.
Ela era um ano mais velha do que eu. Cabelos pretos, olhos verdes como
seu nome, com um corpo escultural.
Infelizmente vivemos em uma sociedade, onde uma mulher avalia a outra
no momento em que se conhecem, mas não por um ângulo ruim, apenas fazendo
uma leve comparação.
E comigo não foi diferente.
— Estou apenas observando — respondi e sorri.
Por mais à vontade que estava me sentindo, não tinha muito que falar. Eu
era assim no início, bem introvertida a ponto de não confiar em quem mal
conhecia, e Esmeralda era alguém que conheci apenas há algumas horas.
Olhei para baixo e com as mãos alisei a saia do meu vestido.
— Fiquei sabendo que dança muito bem. Todas nós achamos que deveria
dançar hoje à noite — ela comentou me pegando de surpresa.
Como assim? Quem contou para ela?
Só poderia ser minha mãe e sua boca enorme, que deve ter falado das
filhas como se fossem duas joias raras.
Irritada virei o rosto na sua direção.
Eu gostava de dançar em casa e não para muitas pessoas, como ela e as
outras sugeriram.
Apesar de que Esmeralda falou no nome de mais gente, mas duvido que
essa intromissão tenha vindo inocentemente.
— O que acha? — Ela me encarou, esperando que eu respondesse que
sim.
— Claro que não — respondi seriamente.
Acho que falei um tom mais alto, que acabei chamando a atenção das
outras.
— Por quê? — uma outra me perguntou.
— Porque não quero.
— Não deve dançar tão bem quanto sua mãe disse, jogando pelos ventos
que sua filha era excelente dançarina — Esmeralda me provocou.
E eu entendi aonde ela queria chegar.
Infelizmente, entre nós ciganos havia essa disputa idiota de sempre
provar que um era melhor que o outro.
Soraia e sua boca enorme querendo provar que suas filhas eram melhores
que qualquer outra daqui.
Que raiva...
Fechei os olhos por alguns segundo, procurei não entrar na provocação,
mas por outro lado, ela despertou algo competitivo em mim. Poderia até não
dançar melhor que outras, mas não ficaria por baixo enquanto elas soltavam risos
debochados.
Esperta... mas vim de um lugar bem mais cruel que esse acampamento.
— Não preciso provar nada para ninguém — rebati.
— Seu pai achou uma ótima ideia, Sara. Não precisa ter medo, não
vamos rir se não dançar tão bem — após falar sorriu e entendi muito bem qual
era o seu jogo.
— Não vou dançar, porque odeio que tomem atitudes sem me
consultarem antes, Esmeralda — fui direta e um pouco rude.
Sempre odiei que as pessoas tentassem me controlar, tomando decisões
por mim. Porém eu iria dançar e provar que não tinha sequer medo de ser ruim
ou melhor que alguma delas.
— Nossa! Desculpa, Sara! Não sabia que isso fosse deixá-la irritada —
ela retrucou e foi nítido que estava sendo cínica.
— Desculpas aceitas — agi como ela, não dando a ela o que estava
pensando.
Era bom eu tomar cuidado. Esmeralda por mais acolhedora que tivesse
sido poderia ser apenas uma cobra pronta para me dar o bote.
As horas transcorreram que nem percebi; papai fez questão de que
ficássemos em uma tenda só nossa. Por mim, eu dormiria numa boa no
motorhome, mas não implicaria com isso.
Minha mãe me ajudava a pentear meus cabelos quando escutamos os
gritos de Micaela.
— Eu não vou usar isso aqui! — Ela apareceu na tenda em que
estávamos vestindo o vestido cor de um rosa intenso, todo bordado com brocás
em preto.
Tentei segurar o riso e a vontade de provocá-la, pois sabia que essa hora
chegaria. Ela ficou inconformada com seu vestido cor de rosa com brocás em
preto.
— Está linda, minha filha! — Mamãe parou de me ajudar e foi para perto
de Micaela, parou à sua frente e ajustou as alças do vestido nos ombros dela.
Sem que minha mãe visse, comecei a rir em silêncio.
— Do que está rindo, Sara? — Micaela olhou na minha direção, com a
expressão de quem estava preste a passar por cima de nossa mãe para vir até
mim.
— Eu rindo? — fingi que não estava fazendo nada.
— Sim, está rindo de mim — respondeu com a voz chorosa.
— Mentirosa — retruquei, mantendo o sorriso debochado nos lábios.
— Olha só o vestido dela. Por que o meu é feio assim?
— Não começa, Micaela — a repreendi antes que começasse a se
vitimizar. Já conhecia muito bem esse seu joguinho de foder o psicológico de
nossa mãe, se fazendo de pobre coitada.
— O meu é essa coisa horrorosa e o dela é lindo.
Optei por usar o branco com flores em azul. E de fato meu vestido era
lindo. Suas mangas eram bufantes que pendiam do decote canoa, que deixava
meus ombros à mostra.
— Quem mandou fazer pirraça e não ter ido escolher seu tecido?
— Mãe, o da Sara é mais bonito e o meu é essa cafonice? — ela ignorou
o que disse e continuou com seu drama. Mas sei que estava fazendo isso para que
minha mãe falasse para eu usar algo parecido com o dela, apenas para ela não se
sentir feia.
— Sem chance, Micaela. Não vou tirar meu vestido. Dane-se você. E
mãe, ela está dizendo que o vestido é cafona. Logo quem escolheu tudo foi a
senhora. Está lhe chamando de cafona também. Faça ela usar só por causa da sua
afronta.
— Eu te odeio, Sara.
— Eu também.
— Por favor, vocês duas poderiam não brigar aqui? — nossa mãe pediu.
— Eu não vou usar este vestido feio. — Micaela cruzou os braços como
se fosse uma criança birrenta.
— Não vai usar nenhum meu.
— Sara, não custa nada emprestar um dos seus para ela.
— Não! — fui enfática.
Não emprestaria e se eu visse Micaela usando qualquer coisa que fosse
minha seria bem capaz de fazer o maior escândalo.
— Micaela, você está linda, parece uma grande rosa.
— Uma grande porca rosada. Você me paga, Sara.
— Nossa que medinho — debochei.
Micaela aprontaria algo, ela era vingativa.
E mesmo fazendo seus dramas minha mãe a fez usar o vestido que estava
enquanto eu terminava de me arrumar.
As duas ainda discutiam quando deixei a tenda pegando um xale de
franjas na cor das flores e uma faixa para prender meu cabelo quando fosse
dançar. Ainda tinha mais essa. Além do escândalo de Micaela, eu teria que
mostrar que sabia dançar na frente de todos, apenas para provar para um bando
de cigana competitiva.
— Uau! — falei sozinha quando olhei para o céu completamente
estrelado e que não pude apreciar por muito tempo, pois logo Esmeralda chegou
e chamou para irmos.
A festa de Sarah Kalí começaria na noite de hoje e amanhã seria o dia
exato de comemoração. No mesmo dia em que eu completava 18 anos.
Em todos os acampamentos esses dois dias eram muito esperados e
comemorados.
Aproximamos de onde seria o local da grande fogueira e me deu a
impressão que todos já estavam lá comemorando. Inclusive meu pai junto de
outros homens.
A princípio me mantive calada quando reunimos com mais ciganas da
minha idade.
Era comum em festas como essas terem os grupos separados. Mesmo se
relacionássemos com caras como nós, não podíamos no beijar ou pegar na mão,
o máximo era conversarmos, mas sempre com alguém nos observando. Por isso
eles ficavam ao lado oposto onde as mulheres costumavam ficar.
Claro que havia namoros e beijos às escondidas, mas se fossem pegos
provavelmente um casamento aconteceria nos próximos dias.
— Está vendo aquele ali. — Esmeralda aproximou, ficando muito
próxima de mim e disfarçadamente apontou o dedo para um dos homens que
estava dentro do grupo de ciganos solteiros.
Ele tinha uma barba bem feita e os cabelos eram longos, mas estavam
presos em um coque. Era bonito, elegante e bem alto. Suas roupas eram
modernas, nada muito parecido com a forma que um cigano gostava de se vestir.
Dava para perceber que também era musculoso e acabei ficando sem graça
quando seu olhar parou no meu e nos viu olhando na sua direção.
Evitando me sentir ainda mais constrangida desviei meu olhar,
disfarçando, como se não estivesse olhado para ele.
— Eu vou me casar com ele! — Esmeralda afirmou convicta.
Era como se ela estivesse me dando um aviso sobre ele ser
comprometido.
— Papai disse que vai conversar com a família dele para acertar meu
casamento antes que outra família acerte e passe na minha frente — concluiu
como se estivesse me deixando a par de que ele era dela.
— Você é linda, certamente vão permitir — respondi aleatoriamente,
deixando claro que eu entendi o recado.
Depois de um tempo me vi olhando curiosamente na direção dele.
De fato, era o mais bonito e qualquer mulher ficaria encantada pelo seu
jeito extrovertido. Ele conversava à vontade com outros ciganos e foi difícil não
encará-lo. Contudo não consegui desviar quando ele olhou para mim e desenhou
um lindo sorriso nos seus lábios. Em contrapartida ao me lembrar de que o filho
de Miro Rosberg poderia estar me observando virei o rosto para o lado,
perdendo o contato visual com ele. Não seria nada bom para meu pai se fosse
pega trocando olhares com outro cigano. Poderia criar uma situação bem
complicada.
Infelizmente eu era noiva de qualquer um desses daqui e aquela sensação
calorosa que estava sentindo acabou se tornando uma grande tristeza.
Por mais que eu não me importasse em ser uma cigana e com que as
pessoas achavam disso, o fato de casarem os filhos com quem eles bem
entendiam era o que mais me desanimava. Não que eu nunca fosse me casar, mas
queria primeiro estudar, conhecer o mundo. Lugares onde em meus sonhos
desejava ir. E depois me casar por amor e não com alguém que nunca vi na vida.
Frustrada e com os sentimentos todos bagunçados, me chamaram para
dançar no meio da imensa roda de pessoas e me entregaram um pandeiro.
A música não tinha começado quando caminhei para o centro em silêncio.
Parei e respirei fundo, evitei olhar para qualquer pessoa ali e nos
primeiros acordes do violino deixei meu cabelo solto e joguei toda minha cabeça
para trás. Comecei tremular minha mão com o pandeiro no mesmo momento que
escutei os primeiros acordes do violão.
Fechei os olhos deixando a música me absorver, senti o leve balanço dos
ventos me carregarem enquanto a notas eram entoadas lentamente.
O violão parou, deixando apenas espaço para o violino, que deslizava
suas notas finas e suaves.
Ali, era a minha hora de entrar em cena.
Levantei graciosamente e remexi os ombros lentamente no ritmo da
música. A melodia intensificou, e meu corpo junto com ela se tornou um só,
sendo levado a cada batida.
Girei, segurando e puxando o tecido em excesso da saia, subindo-o um
pouco, deixando apenas meus tornozelos aparentes.
Aos giros e a cada tremida do pandeiro, eu ouvia palmas que
acompanhavam a melodia, fazendo com que toda aquela timidez fosse embora.
Meus pés descalços acompanhavam a dança; somente eu estava dançando
naquele momento, sendo assistida por todos.
E por mais que me sentisse acanhada, resolvi que seria melhor entrar no
clima do que ficar emburrada por dois dias inteiros, provando não só o quanto eu
era boa, mas também que, independentemente do que acontecesse, eu poderia ser
feliz.
Comecei a animar os de fora da roda, que interagiam em perfeita
harmonia com seus "HEI’s e OPTCHÁ’s". Eles vibravam e sorriam dançando,
sendo parte de um completo show.
A cada batida forte que eu dava com o pandeiro em meu quadril, eu ouvia
mais da interação de todos. Passei por várias pessoas tirando-as para dançarem
comigo e, sem perceber, estava rodopiando à frente do cigano, que mais cedo
chamou minha atenção.
Ele era bem mais alto do que eu pensei, de porte atlético, usava camisa
de seda branca com botões abertos até o peitoral. Seu olhar ficou preso no meu
novamente e quando ele fez menção de vir dançar, a batida da música pediu para
que eu me movimentasse mais rapidamente e saí de perto dele, deixando-o ali,
parado me observando. Olhei por duas vezes em sua direção e ele ainda olhava
fixamente para mim, me deixando desconfortável, então resolvi ignorar seus
olhares, até que a música acabasse e me distraí com as palmas acaloradas após a
dança.
Quando encerrei minha apresentação meu rosto ficou virado na direção
dele. Presa em seu olhar instigante, meu peito subia e descia buscando mais ar
enquanto explodiam novas salvas de palmas, vibrando. Ele sorriu e se tornou
quase impossível deixar de observá-lo.
Seus olhos exalavam fome e sua intensidade me tragou, me deixando
perturbada, completamente sem saber o que fazer.
Capítulo 5

Naquele ano, as festividades do dia de Sarah Kalí seriam na sexta-feira e


no sábado, bem quando eu estava retornando para o acampamento de uma vez
por todas, deixando minha vida acadêmica para trás.
Encerraria minhas atividades na faculdade de uma vez por todas. Voltaria
somente para pegar meu diploma, mas eu não teria mais provas nem aulas. Foi
por isso que fiquei até mais tarde, pegando minhas coisas no alojamento e
carregando tudo na caçamba da caminhonete com um primo que me ajudava com
a mudança.
Estava anoitecendo quando deixamos o campus da universidade.
— Esse ano a festa terá mais pessoas do que a do ano passado. Seu pai
disse que o primo Valter virá, todos estão empolgados, faz muitos anos que o
restante da família dele não vem até o acampamento.
Não respondi, mas fiquei pensando no que isso significava. Que Sara
viria e a iminência de reafirmar o noivado estava mais perto do que pensava.
Como será que é Sara, a filha mais velha?
Pouco me importava como ela era. Seu nome sempre foi motivo de me
lembrar que estava preso a uma mulher da qual não conhecia, não sabia nem o
timbre da sua voz e de quem eu não gostava.
— Minha mãe comentou algo, mas não dei atenção a ela — respondi
vagamente.
De fato, eu fingi não estar preocupado quando meu pai me disse que
estava na hora de honrarmos nosso compromisso com a família de seu primo.
Desde aquela conversa com meu pai na semana passada evitei e tentei a
todo custo encerrar esse assunto o mais rápido que pudesse. Quem sabe assim
eles me dariam um pouco mais de tempo, esquecendo da tal promessa. Porém,
Bóris ainda insistia, me deixando um pouco irritado.
Meu primo e sua família eram um dos poucos que sabiam sobre o
compromisso que meu pai e Valter fizeram há 18 anos.
Por anos deixei que não falassem e quanto menos pessoas soubessem era
melhor, assim seria mais fácil caso eu conseguisse romper e me vir livre dessa
obrigação.
— Sei que ele tem uma filha mais nova, será que já está prometida para
alguém?
— Não faço a menor ideia, por mim eles esqueceriam de uma vez por
todas esse noivado.
— Mas por quê? — Bóris perguntou e por um momento pensei em não
respondê-lo. Não queria ficar dando explicações do que pensava sobre. Era ter
que entrar na minha história com Alina e o melhor era que ninguém soubesse
sobre ela.
— Por nada, primo! — Tentei encerrar o assunto e continuar com meus
olhos firmes na estrada.
— Não está feliz que já tem uma noiva? — ele insistiu.
— Não estou feliz por ter que me casar com uma estranha. Só isso — fui
direto, reprimindo e escondendo o que de fato era. Até porque, o que havia dito
era apenas meias verdades.
— Entendi! E agora, o que você vai fazer da vida? Vai se mudar após se
casar?
— Vou continuar fazendo o mesmo. E não sei quando vou me casar.
Ainda não havia aceitado o fato que teria que me casar com uma estranha,
mas preferi dizer que não sabia. Talvez eu conseguisse arrumar um jeito para
sair de tudo isso. Meu futuro era algo que ainda não queria comentar, me formei
para ajudar nosso povo, mas na verdade queria um tempo para relaxar e pensar
no que faria.
Nos últimos dias, todas as vezes que me encontrava com meu pai ele me
pressionava cada vez mais para formalizar o compromisso que havia feito com
nosso primo, quando prometeu a ele que eu me casaria com sua filha, Sara. E em
todas eu argumentava e tentava achar uma saída para não ter que me casar.
Não demoramos mais do que duas horas para chegar até o acampamento,
e quando ainda terminava de descarregar as coisas, notei uma jovem andando
por fora da tenda, sozinha.
Estava linda, vestida de branco com detalhes em flores azuis, os cabelos
soltos com um lenço em torno da cabeça e se cobria com um xale da mesma cor
da estampa do vestido. Fiquei parado, olhando. Nunca a tinha visto por aqui, só
poderia ser uma das visitantes que vieram para a festa.
A ciganinha chamou tanto a minha atenção que acabei ficando
hipnotizado, observando-a. Ela sorria olhando para o céu, e foi tudo tão rápido;
sem saber nomear porque me senti completamente atraído, desejando me
aproximar mais para conferir se era realmente bonita como parecia ser do local
que eu estava parado.
Senti um arrepio me tomar por inteiro ao ficar admirando-a pelo tempo
que permaneceu ali olhando as estrelas.
Fiquei parado e apoiei os cotovelos na caçamba da caminhonete, sem
conseguir tirar meus olhos dela. A maneira como sorria e ajeitava o xale sobre
seus ombros nus a deixava perfeita sob a luz do luar.
Por Santa Sarah, o que estava acontecendo comigo?
Não conseguia parar de olhar na sua direção, observando cada detalhe da
sua expressão e por mais escuro que tivesse dava para vê-la perfeitamente.
O que foi isso?
Meu coração acelerou e minha boca secou quando ela jogou a cabeça
para trás, olhando diretamente para o céu estrelado, me dando a completa visão
do seu peito subindo e descendo.
Precisava saber quem era ela.
Há muito tempo não sentia esse encanto. Por mais que eu estivesse
estilhaçado pelo término com Alina, a figura feminina próxima de mim alimentou
algo que achei que estaria morrendo aos poucos.
Desejo...
Era exatamente a definição do que estava sentindo naquele momento. Um
desejo intenso e arrebatador de saber quem era, de conhecer sua voz e descobrir
o porquê sorria com tanta intensidade.
Desencostei da lataria, mantive meu olhar fixo naquela linda ciganinha e
fui na sua direção, mas Esmeralda se aproximou, me fazendo recuar.
Elas conversaram algo e a jovem a acompanhou indo na direção onde
todos estariam se reunindo, e me lembrei que estava bem atrasado. Logo dona
Constância estaria por aqui me dando um grande puxão de orelhas.
Mais tarde quando a encontrasse novamente, iria até ela, ou melhor,
procuraria saber quem era, mas rapidamente me aprontaria o mais rápido que
pudesse, assim antes eu descobriria quem era.

Não demorei muito para me arrumar, terminei de descarregar minhas


coisas, tomei um banho rápido e me vesti. Logo em seguida me juntei aos outros
do acampamento.
Bóris e uma turma de outros caras estavam no lado oposto aos das
mulheres solteiras e a linda ciganinha estava junto delas, bem ao lado de
Esmeralda.
Com certeza meu primo já deveria saber quem era ela.
Antes de me reunir com ele contornei um grupo de homens mais velhos e
os cumprimentei, sem demorar fui na direção de Bóris.
Assim que cheguei a primeira palavra que escutei eles falando foi:
“casamento”. Respirei fundo querendo fugir dali antes que me questionassem se
logo seria eu a me casar, no entanto, eu estava mais preocupado em saber mais
sobre a jovem que me deixou fascinado.
— Primo! — Bóris me cumprimentou antes de todos, como se não
estivéssemos juntos algumas horas atrás.
Devolvi o cumprimento enquanto olhava na direção da linda ciganinha,
pegando-a olhando para mim. Sorri e acredito que deva ter ficado sem graça,
pois desviou o olhar quando Esmeralda cochichou algo em seu ouvido, me
deixando intrigado.
Será que ela disse algo sobre mim?
O que estava acontecendo e por que estava encantado por ela?
Era apenas uma jovem normal. De cabelos ondulados, bonita e
interessante, nada que uma outra mulher bonita não despertasse minha atenção,
porém tinha algo que me fazia olhar fixamente, esperando novamente para eu ver
seus olhos na minha direção.
— A filha de Valter é aquela ali — um do grupo disse, chamando minha
atenção.
Se era a filha do primo de meu pai, certamente era com ela que estava
comprometido, mas sua aparência não era de alguém que estaria completando 18
anos.
Mais um motivo para eu argumentar a meu favor sobre a anulação desse
casamento. A jovem parecia uma adolescente, sem qualquer aparência de uma
mulher pronta para um compromisso matrimonial.
— Ela é linda... — outro disse, mas preferi não expor minha opinião.
Os poucos que sabiam sobre esse compromisso eram mais velhos, e
Bóris não iria falar para ninguém, a não ser pelo olhar que ele dirigiu a mim,
como se me perguntasse se deveria contar que estavam falando da jovem que me
foi prometida. Contudo neguei. Não queria que ninguém soubesse, apenas que
tudo isso não passasse de um sonho.
Se fosse para eu me casar, então que fosse alguém como a ciganinha, que
assumia o meio de todo o círculo e começava a dançar.
Lindamente ela dançou como se estivesse flutuando, era sensual em sua
natureza e a todo momento nossos olhares se cruzavam e quando tomei coragem
para entrar e dançar com ela a música acabou, me deixando com aquela sensação
de algo inacabado, de querer desesperadamente saber mais sobre ela.
Meu maior problema seria se meu pai descobrisse que estava interessado
em alguém que não fosse a filha do primo dele.
— Quem é ela? — me aproximei do ouvido de Bóris e perguntei, não
permiti que mais ninguém escutasse além dele.
Bóris sorriu debochadamente, como se fosse um porco grunhindo.
— Ahh primo... vai me falar que não sabe quem é ela? — Neguei com a
cabeça, encarando-o sem saber do que ele estava falando.
— É Sara, filha do primo Valter, a mais velha. — Ele piscou após se
referir sobre a ciganinha, me fazendo não saber mais no que pensar.
Ela era a Sara... a mesma jovem que fiquei encantado.
Quanta ironia...
Desejar a única mulher que não queria.
— Mas você não disse que a outra... — repliquei, querendo entender.
— Sim, mas você pediu para eu não dizer nada. Ia falar que essa era a
mais nova.
— Entendi. — Meu olhar vagou para onde Sara estava enquanto Bóris
fazia algum comentário que não consegui entender.
— Linda!
— Muito — balbuciei baixo.
— O que disse, primo?
— Nada, apenas estava tentando entender.
— Micaela é a mais nova e Sara a mais velha. A prometida... — ele
sussurrou.
Tentei não sorrir, mas imaginei os ventos e o próprio destino zombando
de mim.
Uma semana antes deixei bem claro que não queria me casar e nesse
momento eu só queria saber mais sobre ela. Pensei realmente que tudo poderia
valer a pena. Deixei também que Alina fosse sendo enterrada dentro de mim.
— Eu me casaria fácil — alguém atrás de mim disse e de modo instintivo
virei para ver quem havia falado.
Era Silas, um jovem rapaz, novo por aqui, mas de boa aparência e
solteiro.
— Dizem que ela já está comprometida — Bóris sorriu e interviu.
— Uma pena. Daria o valor que o pai pedisse.
— Ela não é um pedaço de terra — respondi em defesa, mesmo sendo
nossa tradição pagar pela noiva, como ato de mostrar o quanto uma mulher era
valiosa para seu marido.
— Calma, Ramon. Não disse nada.
— Se ela está comprometida devemos pelo menos respeito. – Mais uma
vez agi impulsivamente, me sentindo irritado pelo modo como se referiram a ela.
— Vai falar com ela? — Bóris sussurrou a pergunta.
— Não.
Não agora...
Ainda estava digerindo o fato de ter me encantado por ela, sem saber de
quem se tratava.
Foi um choque e estava tentando lidar rapidamente com tantos
sentimentos confusos que surgiam em cascata dentro de mim.
Minha primeira atitude foi procurá-la novamente, olhei na direção do
grupo de moças solteiras, mas ela não estava mais em lugar algum.
Vasculhei mais uma vez, olhei atentamente cada canto, cada grupo, e nada
de vê-la, foi quando senti o toque nos meus ombros. Me virei rápido e assustado,
encontrando o olhar de minha mãe.
— Seu pai quer falar com você. — Assenti ainda olhando ao redor na
tentativa de encontrá-la.
Precisava novamente vê-la para ter certeza de que realmente eu tive essa
forte conexão sem saber quem era. Tinha que entender todo esse fascínio que
estava sentindo por ela.
Sem conseguir achá-la acompanhei minha mãe e retornei para perto das
tendas.
Enquanto caminhávamos em silêncio fui tentando me entender,
compreender o que estava acontecendo comigo; com o fato de horas atrás ainda
me sentir apaixonado por Alina, repudiando Sara a qualquer menção de seu
nome, entretanto, em questão de horas tudo se tornou confuso e conturbado, eu
desejava alguém que não queria.
Estávamos nos aproximando das tendas quando ouvimos vozes e
resolvemos ficar parados do lado de fora da tenda que entraríamos.
— Eu já disse que não quero me casar! Não é justo o que estão fazendo
comigo! Estão roubando a minha vida! — alguém dizia alto em meio ao choro.
— Ah... mais vai sim! Nem que para isso eu te amarre. — Era ela quem
estava ali. — Quem manda sou eu! E já disse que você não vai estudar na
maldita Universidade. Hoje, conhecerá seu noivo e se casará antes do fim do
verão.
— Mas eu não quero!
— Não tem que querer, é um compromisso que precisa ser honrado. Eu
dei minha palavra para Miro.
— Mas eu não dei a minha. Não é justo o senhor fazer algo sem saber se
um dia eu iria querer.
Ela não estava errada. Eu também me senti assim quando me contaram
que eu teria que me casar com alguém que foi combinado quando nasceu.
Olhei para minha mãe e percebi o quanto ela se sentia constrangida.
— Desculpa, Miro — uma voz feminina falou com meu pai.
— Imagina, Soraia. Passamos por isso várias vezes — meu pai
argumentou.
— Eu prefiro morrer a me casar com alguém que não conheço.
— Sara! — seu pai aumentou o tom de voz. — Soraia, faça alguma coisa!
Fale com sua filha — o primo de meu pai falou rispidamente.
— Sara, minha filha! — Escutei outra voz feminina, provavelmente, sua
mãe.
— Estou envergonhado, primo. Me desculpa, mas Sara vai se casar com
Ramon.
— Não é justo... — Sara se rebelava em meio ao choro.
— Por favor, Ramon. Não faça isso com seu pai — minha mãe sussurrou
para mim.
Sei que ela estava se referindo a eu fazer o mesmo e acabar dizendo na
frente de Valter Rosberg que não iria me casar com sua filha, porém tanta coisa
me fez sentido nesse momento.
Eu me casaria sim...
No entanto não forçaria ninguém, e se Sara não quisesse eu não poderia
fazer nada, apenas conquistá-la. Ainda não diria nada a ninguém, ainda hoje eu
não queria esse compromisso e há poucos minutos eu já me sentia confortável em
ter a linda ciganinha como esposa.
Permanecemos quietos e deixei que eles alimentassem essa dúvida.
Esperaria quando acabassem a discussão acalorada do lado de dentro para
avisar que eu me casaria com Sara na data que escolhessem.
— Não adianta, eu não quero me casar. Vocês vão acabar com a minha
vida! É repugnante me entregar a um velho fedido e feio, que me tratará como
uma empregada. — Segurei a risada ao escutar seu pensamento ao que achava de
mim.
— Se não se casar com o filho de Miro, você pode ir embora, pode
seguir seu próprio vento. Não terá mais em nós uma família.
Por alguns minutos tudo ficou silencioso até escutar novamente sua voz.
— Se é assim... eu vou embora! — Sara disse com voz firme. Em
seguida, olhei para minha mãe que não sabia o que dizer e o que fazer.
— Desculpa, Miro.
— Fica tranquila, prima Soraia.
Eles conversavam quando minha mãe disse que entraria para tentar
apaziguar e foi no momento em que ela esbarrou em Sara que estava saindo como
um vendaval, correndo na direção da entrada do acampamento.
Sua mãe em seguida apareceu gritando seu nome, mas ela não parou e
continuou a correr.
Para onde a doida pretendia ir a uma hora daquelas?
Estávamos a mais de 50km da cidade mais próxima. Uma hora dessas a
estrada era vazia e mal passava um carro. Não era uma boa ideia ela sair na
estrada sozinha. Mesmo que muitos que passavam por ali soubessem que havia
um assentamento de ciganos por perto.
— Me desculpa, Constância — Soraia se desculpou sem graça quando
notou que estávamos ali e que havíamos escutado tudo.
— Vá atrás dela, Ramon. — Assenti e as deixei, seguindo o rumo para
onde Sara ia.
Se soubesse dos perigos que poderiam acontecer com ela, pensaria duas
vezes em sair assim daqui desse jeito.
Capítulo 6

Corri e caminhei um pouco, me mantive afastado, tentando não chamar


sua atenção. Porém já estávamos bem distantes do acampamento quando resolvi
me aproximar mais quando ela olhou para trás e me viu caminhando na sua
direção.
Ao invés de parar, Sara começou a correr novamente, como se isso
adiantasse algo.
Tola...
Quanto mais corria, mais se cansava, o que a fez parar ofegante, ficando
curvada para frente a procura de fôlego. Ela respirava com e já não estava
conseguindo correr mais quando parei logo atrás.
— Quem é você e por que está me seguindo? — ainda de costas para
mim, Sara endireitou o corpo e perguntou. Foi quando pude ver seu real estado,
em como a maquiagem estava borrada ao se virar e me encarar.
Ela havia chorado e os seus lindos olhos, grandes, cor de avelã estavam
marejados.
— Quem é você? — Me encarou e empinou o queixo corajosamente.
— Aqui é perigoso! — disse sem lhe responder.
Não queria assustá-la. Neste momento se eu dissesse meu nome ela iria
gritar e correr para mais longe.
— Que se exploda! Prefiro morrer a ter que voltar para aquele lugar. —
Notei que estava nervosa ao pressionar o maxilar e contrair toda a musculatura
do seu rosto.
— Ei, calma aí! O que aconteceu? — Tentei mostrar empatia para que
desfizesse a postura defensiva.
— Não te interessa! — respondeu rude.
Porém não me importei, até achei graça na forma petulante com que me
respondeu.
Sua voz era linda, rouca e firme, despertando em mim muito mais que
desejo, mas uma força voraz em querê-la toda para mim.
— Sabia que você é mal-educada? — retruquei sem demonstrar o quanto
seu jeito estava me desafiando a tê-la de qualquer jeito.
— Não estou nem aí... — Ela balançou os ombros, como se não desse a
mínima importância para o que estava dizendo.
— Aqui é perigoso.
— Então por que está aqui?
— Porque a vi sair como uma doida e me preocupei.
— Não fique, pode voltar. Vou embora desse lugar e não preciso de um
segurança. Na verdade, quero distância de todos os homens daqui.
Era nítido o quanto estava ressentida e que não queria um casamento que
foi acordado no dia do seu nascimento. Eu mesmo também me senti assim,
entretanto, a cada minuto na sua presença me fazia mudar de ideia.
Sei que estava sendo levado apenas pelo encanto e fascínio que
despertou em mim, pois eu também, horas atrás, não queria me casar. Mas aqui
estávamos, eu atrás da ciganinha linda, de cabelos longos até a cintura — e que
cintura —, com uma língua afiada e de respostas rápidas.
— Não vou deixá-la sozinha.
— Mas não quero ninguém comigo. É surdo? Não escutou que vou
embora?
— Para onde vai? — a questionei e não contive a risada ao imaginar que
nem mesmo ela sabia para onde iria.
— Para qualquer lugar — me respondeu após segundos em silêncio
pensando no que iria me falar.
— Sem dinheiro? Você pelo menos tem a ideia de quantos quilômetros
fica a próxima cidade?
Sara me encarou e ficou com o seu olhar parado no meu.
— Como pensei. Não — funguei em forma de um riso.
— Idiota!
— E você uma mimada e mal-educada, só estou querendo te ajudar —
retruquei.
— E? Não o conheço e nem lhe devo satisfações. Não preciso da sua
ajuda. — Ela manteve seu queixo empinado desafiadoramente.
— Seus pais não lhe deram educação, não? — Vinquei a testa, mostrando
que agiria diferente dela e, mais uma vez, fui cordial ao dizer em tom baixo. —
Aqui é um lugar muito perigoso.
Não vim atrás dela apenas porque foi um pedido de minha mãe, e sim
porque meu instinto de proteção ordenou que eu zelasse por ela.
Cruzei os braços e esperei uma nova má resposta enquanto observava
seus lábios entreabertos sem saber o que falar.
— Vamos voltar? — perguntei após perceber que não iria me responder,
mas antes fui atingido pelo seu perfume que misturava com o de algumas
gardênias plantadas na beira da estrada, me deixando inerte e com os
pensamentos conturbados, querendo na verdade beijá-la e provar dessa boca
arredia.
— Não vou! Eu não vou me casar com um cigano feio, fedido com quem
eles querem. Não fui eu a fazer promessa alguma — ela me respondeu e manteve
seu olhar preso ao meu quando terminou de falar e eu me aproximei mais,
encurtando o pequeno espaço que havia entre nós dois.
— Concordo com você, mas quero só ajudá-la.
— Que eu me lembre não te pedi ajuda alguma. — Sara entortou a cabeça
para o lado, mudando o peso de uma perna para a outra enquanto segurava a
própria cintura.
Sorri e em seguida balancei a cabeça. Não era possível que até esse seu
jeito corajoso, um pouco mal educado, estava me fazendo achá-la ainda mais
linda, porém todo santo tem seu limite de paciência. E eu perdia a minha, quando
novamente me deu outra má resposta.
— Deveria ter deixado você correr por essa estrada sozinha. Logo vai
passar o caminhão do gado, com homens que adorariam uma jovem e bela mulher
sem a companhia de outra pessoa. Deve mostrar pelo menos gratidão, pois
comigo aqui ninguém vai ousar mexer com você, Sara. — Sem se importa
balançou os ombros, como se não estivesse acreditando no que eu disse.
Que menina insolente!
— Não tenho medo.
— Mas deveria... — Deixei-a acuada e, sem permitir que corresse,
encostei meu corpo ao seu. Foi quando percebi que era muito grande em relação
a sua altura. Facilmente eu conseguiria pegá-la e levá-la de volta. Porém, sua
respiração profunda, seus olhos e sua boca foi o ápice para esquecer que eu não
poderia tocá-la. Agi impulsivamente e fechei minha mão na sua cintura e minha
boca parou na dela.
Capturei seu lábio inferior lentamente, em seguida envolvi toda sua boca
de uma vez enquanto suas mãos espalmaram em meu peito, tentando se afastar de
mim. Não permiti e continuei a trilhar seus lábios carinhosamente até sentir sua
resistência ruir e minha língua poder invadir completamente, indo de encontro a
sua.
Deliciosa...
E como era bom...
Fechei os olhos e deixei ser guiado pelo desejo que senti desde o
momento em que a vi. Seu gosto, a dosagem e a forma com que seu corpo se
encaixou perfeitamente em meio aos meus braços, fez com que eu mudasse
completamente meus pensamentos.
Ela seria minha!
Não tínhamos muitas opções, então era melhor ser com alguém que
meu corpo reaja dessa forma, com vontade e luxúria.
Intensifiquei a forma como minha boca engolia a sua, deixando extravasar
toda a sensação de saber que a mulher que estava comigo ali seria minha futura
esposa.
Pelo menos não seria difícil gostar dela. Apenas esse mau gênio teria
que ser domado.
— Ah! Sara! — gemi quando mordisquei seu lábio inferior, soltando-o
lentamente antes de deixar completamente sua boca gostosa e molhada.
Sara estava de olhos fechados e não consegui segurar o sorriso descendo
meus olhos para suas mãos que antes me empurraram e agora retorcia o tecido da
minha camisa entre os dedos.
— Você é muito linda! — sibilei baixo pronto para voltar a beijá-la, mas
tudo foi tão rápido e não percebi que ela levantou a mão, acertando em cheio a
lateral do meu rosto.
— Você é muito abusado. — Sara me empurrou, mas ao invés de soltá-la
a prensei ainda mais contra mim, pouco me importando com o tapa que havia
acabado de levar.
Sei que agi errado. Eu e Sara não poderíamos sequer ter qualquer tipo de
intimidade, desde um simples toque até o que acabei de fazer. Mas a necessidade
que urrava dentro de mim e esse desejo recém descoberto me fez agir
impensadamente.
— Quem pensa que você é?
— Antes eu do que qualquer outro — respondi pensando que em breve
ela saberia que eu era o noivo, feio e fedido, que ela tanto detestava.
— Você e nenhum outro — ela disse ainda forçando para que eu a
soltasse —, me solta!
— Não!
— Eu vou gritar.
— É mesmo? — Olhei para os lados e debochei. — Ninguém aqui vai
escutá-la.
— Me solta! — ela aumentou o tom de voz e para evitar que alguém,
qualquer um que seja, que por acaso estivesse por perto escutasse a soltei.
— Pronto. — Me afastei um pouco e levantei os braços.
Não queria que pensasse que era abusivo, se tomei a liberdade em beijá-
la era porque ela era minha noiva.
— Com que permissão você vem e me beija? — perguntou irritada.
— Nenhuma. Apenas senti vontade.
E se não fosse pela sua ameaça, estaria beijando-a novamente nesse
momento.
— Eu não te conheço e não quero ficar sozinha com um estranho. Sai de
perto de mim, agora! — Ri, achando engraçado a forma como me olhava, como
se eu fosse atacá-la.
— Pare de rir, seu idiota! — Sara se aproximou e me empurrou, batendo
contra meu peito.
— Não me interessa o que você pensa, só saio daqui se eu quiser —
instiguei-a, provocando.
— Estou mandando sair daqui agora, seu... seu...
— Idiota?
— Sim! Idiota e arrogante. Eu sou noiva não deveria ter me beijado.
— Ah! Agora é noiva? Minutos atrás disse que não se casaria mais —
retruquei, levando na brincadeira, entrando no seu jogo.
— Quem decide isso sou eu. Vai embora.
— Vai me tirar à força? Tente! — Me aproximei mais, encurralando-a,
pronto para envolvê-la novamente.
— Vocês, ciganos, acham que podem fazer o que bem entendem. Sai de
perto de mim agora! Estou mandando! — Não me contive e acabei rindo.
Ela era uma verdadeira força da natureza com todo seu jeito firme e
corajoso. Se fosse outra mulher já teria saído correndo, mas não, se manteve
prestes a enfrentar uma guerra comigo, empinando ainda mais seu rosto para o
alto, me encarando desafiadoramente. O que não era um bom sinal. Já a havia
beijado sem pensar nas consequências e estava completamente tentado a fazer
novamente.
— Seu babaca metido. Para de me olhar assim.
— Assim como? — Balancei a cabeça, sem entender.
Sim... eu estava louco por aquela boca bem desenhada e que tinha um
delicioso gosto de menta nos lábios.
— Como se eu fosse a presa e você o predador.
— Talvez eu seja.
— Vai embora e me deixa.
— Não vou deixá-la aqui sozinha, pode não acreditar, mas aqui é
perigoso para você a essas horas.
— Você falando em perigo enquanto veio e me beijou sem minha
permissão. Um hipócrita.
— Não sou hipócrita.
— É um babaca idiota também — ela continuou me ofender, testando
minha paciência.
Não que eu me importasse, mas tudo tem um limite e o de Sara, ao ficar
me atacando, já estava esgotando.
— Arrogante, metido e...
— Já deu... — Havia um único jeito de pará-la e eu agi novamente,
segurei firme sua cintura com uma das mãos e a outra fechei em sua nuca, travei-
a perto de mim. — Não vai ficar me ofendendo, vim para ajudá-la e se quiser
beijá-la vou fazer quantas vezes eu quiser. — Não esperei que dissesse ou se
movimentasse e colei meus lábios, pressionando os seus invadindo sua boca com
a minha língua, deixando claro que a cada vez que gritasse comigo, ou me
ofendesse, eu a beijaria como bem entendesse. Mas não foi uma boa ideia, não
só meus pensamentos reagiram, mas meu corpo inteiro quando a agarrei ficando
excitado ao deixá-la totalmente presa em meio ao meu braço.
Ela estava tensa e aos poucos seu corpo foi cedendo assim como seu
beijo, que se tornou livre e macio. Porém fui enganado quando não esperava,
Sara mordeu minha boca e me empurrou, conseguindo se afastar de mim.
— Está louca? — Levei minha mão no local onde havia mordido e por
sorte não havia me machucado.
— Você que é um ogro, petulante. Eu já disse para não me beijar — Sara
gritou.
— Para de ser escandalosa. — Tentei puxá-la de volta, mas foi em vão,
ela bateu em meu braço, criando uma distância maior entre nós, que fiz questão
de diminuir para cobrir sua boca e evitar que ela gritasse novamente. — Vai nos
complicar se alguém nos ouvir.
O que quase aconteceu...
Uma luz forte se aproximava, deixando o local com um pouco de
iluminação.
O ronco do motor aumentou à medida que se aproximava e quando achei
que fosse passar por nós parou bem perto.
Estávamos encrencados, visto que meu estado de excitação ainda
estava em evidência.
Quem quer que fosse poderia interpretar tantas coisas se me visse
daquele jeito.
— Não vai gritar, se eu te soltar? — Sara confirmou com a cabeça e
lentamente tirei minha mão.
— Ramon? — ouvi meu pai me chamar.
Porra... Agora fodeu tudo...
— Achou Sara? — ele perguntou.
Acredito que por Sara ser bem menor que eu, não foi vista.
Esperei por um momento e olhei para minha pelve, verificando se já
poderia me virar e responder.
— Achou minha filha? — Valter também estava ali para deixar a situação
ainda mais complicada, mas como já estava mais calmo me virei e deixei que
eles mesmo vissem que ela estava comigo.
— Sim, pai! — respondi.
— Ramon? — Sara sussurrou meu nome em tom de pergunta ao me
encarar.
— Filhinha! — Seu pai veio para mais perto.
— Que bom que a achou a tempo — meu pai comentou e também se
aproximou.
— Tenho uma dívida eterna com você e seu filho, primo Miro — Valter
disse e foi quando Sara compreendeu quem eu era.
— Imagina, primo. Ramon só fez o que todo noivo deveria ter feito.
Enquanto os dois conversavam, agradecidos, fiquei bem próximo e
sussurrei provocando-a.
Não perderia essa oportunidade por nada.
— Agora entendeu o porquê eu posso e vou beijá-la quando bem
entender?
Capítulo 7

Tudo se encaixava perfeitamente agora. A felicidade dos meus pais


naquele dia para a tal viagem para o sul. Na verdade, eles estavam agindo pelas
minhas costas para que eu conhecesse o tal noivo que nunca quis ter.
Era revoltante...
Por que eu tinha que ter nascido ali? Só queria ser uma pessoa normal.
Nunca senti vergonha por ser quem sou e pertencer a um povo com
costumes diferentes. Mas queria ser livre para poder escolher o que quisesse e
não ter que aceitar um casamento arranjado.
Era muito pedir para decidir o que seria da minha própria vida?
Não consigo me conformar que nos tempos em que vivemos eu ainda
teria que me casar com alguém que não conheço e que eles escolheram, como se
fosse a melhor opção para mim.
Eu não iria me casar e se fosse preciso viver ao relento eu iria negar
minhas origens.
Tanto que fugi, sem rumo.
Correndo, quase tropeçando, corri muito, indo na direção da saída, mas
não me atentei ao horário e o quanto aquele pedaço era deserto. A estrada estava
a ermo, apenas com o barulho dos ventos batendo nas copas das arvores próximo
dali.
Cansada, parei para respirar. Foi quando me dei conta que estava sendo
seguida e como se não soubesse continuei andando apressadamente, porém
comecei a sentir aquela fisgada sob as costelas, me fazendo parar um pouco para
respirar melhor. Dobrei o tronco para frente sentindo a dor intensificar enquanto
as passadas de quem vinha atrás aumentava.
Algo em mim ficou difuso entre o que estava sentindo e o medo que me
dominou, quando olhei por cima dos ombros e vi a silhueta masculina vindo logo
atrás.
Onde estava com a cabeça? Não deveria ter saído de lá a essas horas
sem um plano de fuga. Poderia ter esperado e planejado melhor, mas temi por
quererem me casar a qualquer momento, me forçando a ser de alguém que não
amava.
Voltei a caminhar apressadamente, no entanto o vestido, a dor e o pouco
ar circulando em meus pulmões não me deixavam correr mais. Logo agora que
precisava fugir ou mesmo gritar ao estar sendo perseguida por um desconhecido.
Com medo, sentindo que meu coração sairia pela minha boca, comecei a
traçar tantas possibilidades quando seus passos ficavam mais perto de mim.
Talvez se voltasse a correr ao contrário, voltando para o acampamento fosse uma
melhor opção, porém me senti um pouco mais aliviada quando vi que se tratava
do cigano bonito, que estava ao redor da fogueira, o mesmo que sorriu quando eu
estava dançando.
Mesmo no escuro o reconheci, contudo fiquei curiosa para saber o que
ele estava fazendo ao me seguir. Ao questioná-lo sem animosidade alguma,
fiquei irritada com a forma debochada com que me respondeu.
Sua voz era grave e musical. Diferente da minha imaginação quando o vi
mais cedo. Ele era ainda mais bonito visto assim de perto. Com os cabelos
compridos e a barba bem feita.
O encarei sem piscar.
O que estava acontecendo comigo?
Por segundos fiquei hipnotizada, sentindo as batidas do meu coração se
acelerar e minha boca secar, fazendo com que esquecesse, de que na verdade,
por mais que estivesse entre alguém familiar eu deveria temer por ele ser um
completo desconhecido que estava me oferecendo ajuda.
Recusei e fui até um pouco rude quando tentou me ajudar, se mostrando
preocupado por estar sozinha ali, querendo bancar o super-herói. Eu não
precisava de ninguém para me resgatar para depois me jogar novamente em um
casamento arranjado. A única maneira de sair de tudo isso era ir embora. E o
cigano arrogante não fazia questão de entender. Inclusive achou que poderia
tomar liberdade e se aproximar, o que me deixou ainda mais conturbada ao sentir
o seu perfume masculino.
E era bom...
Algo misturado com canela, madeira e almíscar.
Mas o rebatida da forma como podia, porém, tudo mudou quando senti
sua mão se fechar na minha cintura e me aprisionar próximo ao seu corpo.
O presunçoso entortou o canto da boca, estreitou seu olhar fixando-o em
mim e, pretensiosamente, tentou me colocar medo ao tentar provar do que uma
jovem mulher sozinha no meio do nada poderia sofrer, se alguém tentasse algo
contra a vontade dela, no caso a minha.
— Você é mal-educada... — sua voz se perdeu ao me encarar com olhos
tão misteriosos e enigmáticos, de um marrom intenso.
Senti-me perdida, sem saber como reagir, porém, institivamente tentei
empurrá-lo sem sucesso algum. Também, quem conseguiria? O cigano
desconhecido era forte o bastante para fazer o que quisesse sem conseguir sair
com um arranhão meu.
— Você é um babaca idiota! — repliquei e não tive tempo para virar o
rosto.
Sabendo que não podíamos ter um contato tão próximo ele me beijou,
indo contra uma tradição e me pegando desprevenida, mexendo completamente
comigo.
E por mais que não quisesse e estivesse com um pouco de medo a
sensação excitante da sua boca engolindo a minha percorreu pelo meu corpo
atingindo minhas pernas, me deixando inerte e arrebatada, gostando do que
estava acontecendo.
Eu não deveria... nós não deveríamos.
Porém ao sentir que relaxava em seus braços e permitia que sua língua se
aprofundasse ainda mais tive um lapso que me fez morder seu lábio inferior, em
minha defesa.
Jamais um cigano deve tocar uma mulher se não forem casados. Isso não
só a mancha perante aos outros, mas a deixa marcada para sempre. E de um
casamento arranjado, pulariam para um casamento de vergonha, só para não
deixá-la com má fama.
— Está louco? — o questionei diversas vezes, no entanto a falta de
respostas me deixou enfurecida a ponto de gritar e pedir por socorro.
Para complicar mais a situação ele tornou a me beijar e por mais que
minhas atitudes fossem contrárias eu gostei de como me senti em seus braços,
mas não poderia permitir que tivesse esse certo tipo de sentimento por um
estranho. Porém seu corpo, seu cheiro que me enfeitiçava, o peso firme com que
sua mão se fechava em mim, me aprisionando como sua, me fez ansiar por mais.
Estava experimentando toda a euforia excitante romper em cada célula do
meu corpo.
Contudo, estava ali para fugir de um casamento arranjado e me sentir bem
com um desconhecido não era o correto.
Ele continuou a me beijar e nossos corpos corresponderam ao mesmo
tempo. Pude sentir que estava excitado, com o volume da sua pelve pressionando
meu abdome. Por meros segundos me agarrei a ele quando aquele formigamento
dentro de mim tomou proporções maiores.
Jamais havia me sentido excitada com apenas um beijo...
Vi meu mundo virar de ponta cabeça em milésimos e me culpei por
querê-lo. Não era correto e por mais delicioso que estivesse sendo precisava
seguir meu instinto e fugir daquele lugar, dele e de qualquer cigano.
Tentei reprimir essas novas sensações e reuni todas as minhas forças,
sentindo raiva por perceber que sabia quem eu era, enquanto para mim ele ainda
continuava a ser um desconhecido abusado, que estava tomando liberdades que
jamais deveria ter com uma cigana solteira.
— Não ouse me beijar novamente e saía daqui agora — ordenei e ele
debochou de mim.
Mas não deixaria mais que se aproveitasse por eu estar desprotegida e o
empurrei, ganhando alguns centímetros de distância ao conseguir me afastar um
pouco dele.
Esse cigano cretino poderia saber meu nome, mas não me tocaria mais,
não quando ele estava se divertindo à minha custa.
Independentemente de ser bonito e ter me feito gostar dos seus beijos
jamais o deixaria perceber que havia me afetado. Quando estava prestes a correr,
mesmo ciente de que não adiantaria muito, um carro se aproximou e parou
próximo de nós.
Respirei aliviada quando escutei perguntando por mim, mas tomei um
choque de realidade quando escutei seu nome e seu pai dizendo que se tratava de
quem eu mais queria ficar longe.
Arrogante de uma figa. Que ódio!
O encarei procurando por uma resposta, mas o abusado sorriu vitorioso,
alargando os lábios presunçosamente.
Poderia ganhar o troféu de idiota do ano.
Ele sabia quem eu era enquanto eu não.
Que raiva!
“—Agora sabe bem o porquê a beijarei quando e na hora que eu
quiser.”
Ele sussurrou quando meu pai e o seu conversavam sobre terem me
achado.
Minha vontade era de gritar e socar seu rosto todo, até desmanchar esse
sorriso arrogante.
— Vai sonhando! — Ele segurou o riso quando seu pai e o meu voltaram
a olhar para nós dois.
— E contando os dias, querida noiva — ele me provocou sem que
ninguém percebesse o que acontecia entre nós dois.
— Ramon, ainda bem que você foi atrás de Sara, me culparia para
sempre se algo tivesse acontecido com ela — meu pai o agradeceu como se
Ramon tivesse salvado o mundo —, serei eternamente grato.
— Imagina, primo. Não precisa me agradecer, apenas fiquei preocupado,
aqui é muito perigoso a essas horas da noite — Ramon respondeu
tranquilamente.
— E você, Sarinha, minha filha. Por que fez isso com seu pai?
Revirei os olhos, me sentindo a pessoa mais idiota do mundo.
— Não acredito... — murmurei inconformada. Além de ser a boba da
corte neste momento, teria que aguentar o vitimismo de Valter Rosberg, como se
eu tivesse cometido algum crime ou fosse uma criancinha.
— Não vamos falar mais sobre isso, primo — Miro tentou intervir, mas
não me controlei e acabei respondendo.
— Eu não fiz nada! Quem me mandou embora foi o senhor.
— Não deveria ter saído do acampamento. Poderia estar por aí, correndo
riscos — Miro argumentou em tom de preocupação.
— Mas quem me mandou embora foi ele — falei, não escondendo o tom
de revolta, apontando para meu pai.
— Calma, Sara. Seu pai só falou aquelas coisas da boca para fora. Nós
entendemos sua situação. E Valter também!
Miro mediava o impasse como se fosse um advogado defendendo meu
pai de sua autoridade e, ao mesmo tempo, tentando me acalmar para apaziguar o
embate.
— Não é mesmo, primo? — Ele apertou um dos ombros e meu pai sorriu,
concordando.
— Sim, Sarinha. Eu falei da boca para fora. Não conseguiria viver em
paz em saber que te joguei no mundo.
Rejeitei o abraço que veio para me dar.
Imaginei que estivesse arrependido, mas não via nenhum resquício de que
realmente estava.
Falso!
— Vamos voltar para o acampamento. O importante é que Ramon te
achou sã e salva — meu pai disse, ao me ignorar, como se nada tivesse
acontecido e ainda enaltecendo o feito desse cigano idiota, como se fosse um
santo.
Quanto mais eles falavam entre eles, mais eu ficava com raiva de tudo
que estava acontecendo. Me sentindo como uma marionete presa às cordas.
— Seu noivo será um excelente marido — completou, deixando a
situação ainda mais constrangedora quando meu olhar cruzou com o de Ramon.
Se soubesse o que tinha acontecido minutos antes duvido que pensaria
assim.
Talvez eu tivesse algo no que me apegar se fosse observar de outro
ângulo.
O simples fato de Ramon ter me beijado já era motivo para um grande
escândalo e talvez esse fosse meu trunfo. Contando para eles de um modo que
fizesse me sentir desrespeitada.
— E serão um casal incrível! — bufei frustrada.
Achei que tivessem encerrado o assunto de casamento, mas eles falavam
como se eu não estivesse ali e minha opinião pouco importasse. Porém eu ainda
teria tempo para pensar em como sair ou mesmo tentar fugir novamente. Só que
desta vez faria diferente.
Um pigarreio saiu da garganta de Ramon, se fazendo notar ao falar.
— Faria qualquer coisa pela minha noiva — o babaca disse com a maior
naturalidade, ao contrário de mim. Se eu pudesse nesse momento queria arrancar
com as unhas o sorriso arrogante de vitorioso que exibia.
Hipócrita, cretino, idiota, imbecil, babaca.
Mentalizei vários adjetivos para eu poder falar quando estivéssemos a
sós.
Ele me enganou, usou da minha fragilidade e agora agia como o perfeito
filho, que está aceitando esse casamento arranjado.
Um hipócrita.
Era nítido que estava apenas se divertindo à minha custa.
— Valter, vamos voltar na caminhonete e Ramon acompanha Sara a pé.
Terminamos nossa conversa daqui a pouco.
Não!
Pronta para negar, meu pai interviu e nos olhou intrigado.
— Não sei se é uma boa ideia. Ninguém ainda sabe sobre o noivado,
talvez, se alguém os ver podem fazer mal juízo deles, Miro — meu pai
argumentou.
Isso aí!
Comemorei em silêncio e, sem perceberem, sorri debochadamente para
Ramon.
— Fique tranquilo, primo. Ramon jamais faria algo que prejudicasse a
reputação de Sara.
Não acreditei na inocência e na cegueira com que Miro defendeu Ramon,
como se seu filho fosse irrefutavelmente um cavalheiro.
Não me contive e comecei a rir.
— Bom moço, deixa eles descobrirem o que acabou de fazer — me
aproximei de Ramon, ficando ao seu lado ao cochichar.
— Diga algo e eles fazem esse casamento acontecer amanhã mesmo —
ele retrucou satisfeito.
Cretino!
— Quero ir com vocês — o ignorei e me adiantei, andando para perto
dos nossos pais.
— Mas não vai. — Sem deixar que percebessem, Ramon segurou meu
braço e parou logo atrás de mim.
— O que disse, Sara? — Miro desatento me olhou e perguntou.
— Nada.
— Ramon e Sara, vamos voltar. — Assenti vencida e ciente que seus
dedos continuavam pressionados em meu braço.
Protestar agora seria uma grande perda de tempo. Pouparia minhas
energias para hora certa.
Os dois homens se foram e assim que me certifiquei que não estavam por
perto puxei meu braço e comecei a caminhar à frente de Ramon, retornando na
direção do acampamento.
— Aonde pensa que vai? — Não tive tempo para responder ao sentir
novamente ser travada pela sua mão em meu braço, me puxando e virando ao
mesmo tempo.
— Vou voltar para o acampamento e ficar bem longe de você — disse
firme.
— Está com medo, agora que já sabe quem sou?
Balancei os ombros, como se pouco me importasse. Mas por dentro
estava me corroendo de raiva por ter sido feita de otária.
Se queria ter me beijado, poderia ter se apresentado e eu não teria feito
papel de idiota, que nunca sabe de nada.
— Então, Ramon! Vamos lá. Você não vai me tocar, não vou me casar
com você. E pode ir desmanchando esse seu sorrisinho de vitorioso. Porque eu
posso contar que você me beijou e aí vão ficar sabendo que de protetor você não
tem nada — conclui e tentei tirar meu braço da sua mão.
— Aí que você se engana. Se souberem que eu lhe beijei vão realizar
esse casamento amanhã. O que não vai ser uma má ideia.
— Me solta... — pedi, após entender o tom e o peso das suas palavras.
Ramon me desafiou e mesmo que tenha gostado de beijá-lo eu não o
queria.
— Não...
— Vou gritar!
— Vai! Grite! — Ramon estimulou sabendo que eu não faria.
— O que quer? Não acredito que vai deixar que escolham seu destino e
com quem deve se casar.
— Não sou você.
— Para a pose de homem seguro, o bom filho é um verdadeiro
cordeirinho — zombei.
Se ele estava pensando que facilitaria e aceitaria me casar com ele
facilmente, estava enganado. Até porque minha raiva sobre não dizer quem era
ainda estava me corroendo.
Não gosto de ser feita de boba e que zombem de mim como fez.
— Sabe por que você vai se casar comigo? Porque quero fazê-la lembrar
todos os dias que você é minha.
— Idiota!
Puxei meu braço com mais força enquanto ele ainda continuava exibindo
sua expressão presunçosa, mas perdi o equilíbrio e acabei me deparando com
seu peito ao sentir seus braços me rodeando.
— Me solta!
— Não... Eu disse que a beijaria quantas vezes eu quisesse e não adianta
me ameaçar, porque a maior prejudicada vai ser você, que não quer casar.
Não tive tempo de responder quando percebi o que iria fazer.
Ramon segurou firme minha nuca com uma das mãos enquanto a outra me
apertava, me prendendo junto do seu corpo ao me beijar possessivamente,
envolvendo meus lábios nos seus. Tentei resistir como na primeira vez, mas as
sensações e o desejo que senti vieram mais fortes e acabei cedendo ao deixar
que sua língua se enroscasse a minha.
Seria hipócrita da minha parte dizer, que mesmo com toda uma história
envolvida ele não despertasse em mim a vontade de aproveitar cada segundo da
sua boca na minha.
— Eu te disse que beijaria você quando eu quisesse! — gemeu contra
meus lábios cumprindo o que me disse há poucos minutos.
Capítulo 8

O que fiz?
Acabei de concordar que me casaria com Sara no final do outono.
Não sei o que deu em mim, mas a cada movimento dos seus lábios nos
meus me fez ter a certeza de que eu a queria.
Sim... era cedo para falar em paixão, quando ainda pela tarde queria que
outra mulher ocupasse o lugar dela, porém a explosão, o misto de sentimentos
que tive ao beijá-la me fez ficar completamente dividido, sem saber qual atitude
tomar.
Não que fosse uma má ideia, mas eram poucas escolhas.
Quando Sara nasceu fomos prometidos um ao outro, sem terem nos dado
o direito de dizer se queríamos ou não. Não tivemos opções, elas simplesmente
foram escolhas de outras pessoas e não nossas.
Pode até parecer estranho e arcaico, mas esse tipo de casamento
arranjado é comum entre nós. Foi um meio que encontraram para manter nossas
tradições, costumes e a pureza do nosso sangue até os dias de hoje. Não fomos
nós, nem nossos pais, muito menos nossos avós que determinaram que seria
assim. Fidelizar um noivado enquanto os filhos são pequenos vem de muito antes
que possamos imaginar.
E talvez saber que Alina jamais se encaixaria em todo esse contexto me
fez perceber que nasci cigano e não foi uma escolha minha, então eu precisava
aceitar meu destino. Era o certo a fazer, ainda mais sentindo esse misto de
sentimentos pela ciganinha nervosa.
— Me espera. — Me apressei e consegui alcançá-la.
— Não quero falar com você. Além de tomar liberdades das quais não
lhe dei, é um mentiroso. — Ela parou de repente e me olhou furiosa.
— Não sou um mentiroso — rebati um pouco irritado.
Esse mau gênio até certo ponto era aceitável, mas não quando me
chamava de mentiroso.
— É sim! Você sabia quem era eu e não me disse nada.
— Você não me perguntou.
— Você foi mal-intencionado — ela acusou.
— E você mal-educada — respondi.
Sabia que estava furiosa comigo, a forma como me olhava me dava essa
certeza e não era apenas uma simples raiva por ter sido ludibriada, mas porque
esconderam coisas dela. Se fosse comigo também me sentiria traído como ela,
porém algo a mais brilhava em seus olhos.
— Jamais poderia ter me beijado. Não somos nada um do outro. Você
quebrou as leis.
Comecei a rir.
Sara era simplesmente adorável, com esse seu jeito natural, explosivo e
sem maldades. Com certeza ela jamais perceberia o quanto fica atraente quando
está irrita e o quanto isso atraí um homem possessivo.
Não que eu a veja como algo que eu pudesse possuir.
Ao contrário, confesso que adorei experimentar o gosto de inocência
misturado com pecado em seus lábios, era um sinal de que poderíamos nos dar
muito bem. Uma deliciosa combinação, que me fez querer mais em tão pouco
tempo, fazendo com que a possibilidade de conseguir uma maneira de atrasar
esse casamento já não fizesse mais parte dos meus planos.
Como você não vale nada, Ramon. Horas atrás você não queria se
casar.
Hipócrita...
Eu era, não a quis e apesar de ter recentemente terminado com alguém de
quem gostava muito, Sara apareceu na melhor hora quando não conseguia pensar
no que me aguardava ao concordar com esse casamento arranjado pelos nossos
pais.
Na verdade, que se foda o que eu estava pensando antes. Esquecer Alina
era o que iria fazer de um jeito ou de outro, porém me apaixonar por Sara ainda
era algo tão incerto, mesmo meu corpo se tornando um escravo do desejo de
novamente beijá-la.
E foi o que tentei fazer antes de entrarmos no terreno do acampamento.
Avancei e a peguei desprevenida, puxando seu corpo contra o meu,
batendo suas costas no meu peito.
— Não começa, seu babaca. — Sara estava relutante, mas nada que não
fosse fácil de domá-la.
Ela era como uma fera, um animalzinho com medo e acuada pelo caçador.
Contudo, não queria que me visse assim e sim como seu futuro marido, porém o
fato de vê-la irritada a deixava ainda mais linda do que já era, me fazendo
esquecer de quem éramos e porque estávamos travando essa batalha.
— Ainda acha que sou velho, feio e fedido? — perguntei, mostrando que
eu havia escutado toda a conversa antes de ela sair em disparada para a estrada.
— Seu idiota, cretino e abusado.
Sei que poderíamos nos dar bem e eu provaria que não seria tão ruim. No
entanto, com seu corpo tão rente ao meu me perdi, não conseguindo lidar com a
euforia e a excitação que estava sentindo por ela.
— Me solta, Ramon! — Fechei os olhos enquanto suas mãos se
agarravam em meus pulsos tentando se soltar.
— Se me responder eu te solto — continuei a provocá-la.
— Não tem diversão alguma no que está tentando fazer. Não é meu dono
e muito menos algo que eu queira que seja meu — me respondeu irritada.
Sim... ela tinha razão. Talvez eu estivesse ultrapassando meus limites,
mas ela acabou despertando tantas coisas que mal consegui me controlar. E eu
precisava me conter, ela ainda era intocável para mim, não só por causa do que
manda a tradição, mas sim por sua idade e ainda por não terem anunciado nosso
noivado a todos.
— Tudo bem! Mas não se esqueça que ainda mantenho o que disse. Que
vou beijá-la quando quiser. — Deixei minha cabeça descer até seu ombro,
ficando com minha boca próximo do seu ouvido, em seguida sussurrei e então a
soltei.
— Seu ogro! — rebateu e saiu, indo novamente a minha frente.
Permiti que fosse e não a importunei mais, muito menos a beijei
novamente, deixei que fosse ficar próximo a sua mãe e a minha, que
conversavam do lado opostos dos homens.
Era como se estivesse buscando a proteção delas.
Sara sabia que jamais tentaria me aproximar, dando um foda-se em
nossos costumes, com ela estando perto de outras pessoas, era proibido.
Ora ou outra, eu olhava na sua direção e por diversas vezes a flagrei
olhando para mim, ficando nesse jogo de cão e gata até o fim da noite, quando
ela foi para a tenda onde estava mais cedo.
Por mais enfeitiçado que estivesse por ela não consegui parar de pensar
em como foi tudo tão repentino, me fazendo por horas esquecer de houve alguém
no passado que me fez desejar ser pai e ter uma família com ela. Sara sem
dúvidas foi uma grata surpresa.
— Já está indo dormir, Ramon?
Estava voltando para a minha tenda, já muito tarde, quando passei pela
tenda de minha tia, irmã de meu pai, e ela me chamou.
Tia Nazira era uma linda cigana de cabelos pretos como ébano, diferente
de nós, que a tonalidade dos fios era de um castanho bem claro.
— Precisa de algo, tia? — perguntei, me aproximando de onde estava
sentada, na sua habitual cadeira fumando seu cigarro.
— Estava sofrendo, mas a gadjín só lhe trará tristeza. Apesar que já
conheceu Sara e posso sentir daqui que ela mexeu com você como homem. Mas
não se engane e nem tente mentir para os ventos.
Minha tia era vidente, ela sempre profetizava coisas quando menos se
esperava. Era assim do nada. E todos do acampamento e muitos de outros
acreditavam no quanto suas previsões eram poderosas, no entanto, o fato de ela
comentar sobre Alina me fez ficar atento. Ninguém sabia do meu envolvimento
com uma não-cigana.
— Como assim, minha tia? — Parei à sua frente.
— Só siga o seu caminho... — Negando com a cabeça ela parou de falar
e me esticou sua mão para que eu pudesse ajudá-la a se levantar.
Segurei em sua mão e, antes de se levantar, beijei o dorso em sinal de
respeito, não só por ser alguém importante, mas pelo fato de ser uma mulher
sábia e com mais idade em minha família.
— Agora vá dormir, amanhã uma grande comemoração acontecerá.
— Sim.
O dia de maior festa estava planejado para amanhã, o dia de Sarah Kalí.
Tia Nazira entrou na sua tenda e eu continuei o meu caminho até a minha,
pensando e tentando decifrar as entrelinhas do que havia dito.
Já deitado, ao invés de pensar na minha antiga namorada como fazia
todos os dias desde que nos separamos, pensei em Sara. Em como era linda com
seu lábio inferior farto, no brilho dos seus olhos cor de avelã. Na forma como
dançou lindamente naquela noite e em como a vi pela primeira vez.
Não foram somente seus beijos que me deixaram a desejando ainda mais,
e sim desde o exato momento que contemplei-a olhando para as estrelas.
A ciganinha esquentada e de língua afiada tomou todos os meus
pensamentos, me fazendo relembrar e ansiar por novamente sentir o delicioso
gosto da sua boca. De poder sentir o toque dos seus lábios quentes nos meus. Eu
estava completamente hipnotizado e enfeitiçado por ela, o que me fez rir de mim
mesmo, pois já estive com algumas mulheres, já gostei de várias garotas ciganas,
mas nunca uma me fez desejar querer algo como ela estava fazendo, sem ter
alguma explicação para o que eu estava sentindo, nem mesmo Alina mexeu
comigo assim.
Eu achei que gostava dela, mas bastou Sara aparecer para eu perceber
que todo aquele sentimento poderia ser esquecido.
Capítulo 9

— Sara, como pôde ter feito seu pai passar por essa vergonha com a
família de Miro e Constância?
Fechei os olhos e suspirei.
Lá vem ela de novo com isso...
Já tinha perdido as contas de quantas vezes ela me perguntou o porquê.
Talvez me julgassem por estar indo contra meus costumes. Mas será que
não conseguiam entender o quanto me privar dos meus sonhos, dos meus planos
me frustravam? Pelo visto não.
Infelizmente pouco se importavam.
A única importância que tinha para eles era uma tradição e essa promessa
idiota. Estavam mais preocupados em viver aquilo que acreditavam, com que os
outros poderiam falar, do que comigo que era a filha deles. E pelo visto nada do
que eu dissesse os faria mudar de ideia, ainda mais depois de Ramon ser o
grande herói da noite. Mas mal eles sabiam do que realmente aconteceu entre nós
dois enquanto ficamos sozinhos. Ele me beijou diversas vezes e isso só piorava
minha situação se descobrissem, não chegaria no final do verão solteira, acredito
que nem para casa eu voltaria mais.
Cigano abusado... e cheiroso...
Repreendi-me por começar a encontrar qualidades nele. Não poderia
sequer me sentir compelida a deixá-lo me beijar de novo.
— Vou dormir — informei após ignorar novamente minha mãe.
Se eles poderiam agir como se minha opinião não valesse de nada, por
que eu não?
— Amanhã vamos conversar — minha mãe disse ao perceber que de
propósito eu estava fingindo que não a ouvia, enquanto a deixava na outra
divisão da tenda em que estávamos.
Sei que não queriam meu mal, porém o fato de não me deixarem escolher
com quem um dia formarei uma família era demais para perdoá-los neste
momento.
Não que eu já estivesse aceitando.
Não se tratava disso.
Porém a cada minuto que pensava, não só em Ramon, mas da maneira
como me beijou com desejo, eu me via sem saída, sem conseguir sequer uma
alternativa para que tudo isso se tornasse apenas um sonho passageiro.
Drama ou não, como Micaela me acusou de estar fazendo, era a minha
vida, o meu futuro e a minha felicidade que estavam negociando.
“— Deixa de ser dramática, Sara. Ramon é lindo! Eu me caso com ele
se você não quiser.”
Sim... Ramon era um homem lindo, não era velho como pensei. Deveria
ter seus 20 e poucos anos, não fedia, ao contrário, era cheiroso e sua barba
então; era macia como seus beijos. Os músculos dos seus braços eram firmes e
ironicamente eu me senti bem estando entre eles.
Que contraditório...
Não tinha que ficar relembrando do quanto me fez ficar irritada, ao invés
de ficar pensando nos seus bons atributos.
— Vai dormir mesmo? — Micaela perguntou, vindo logo atrás de mim.
— Sim — respondi secamente.
Na verdade, eu estava agitada, com raiva, tendo que lidar com esse misto
de sentimentos de fúria e desejo que despertava simultaneamente em mim. Por
isso preferia ficar quieta, procurando por respostas para toda essa confusão.
Horas depois, eu ainda estava duelando com redemoinhos de sentimentos
que não me deixavam dormir. Até pensar em como Ramon estaria deitado nesse
momento eu passei a fantasiar.
O que estava acontecendo comigo?
Toquei meus lábios inchados e relembrei exatamente como foi beijá-lo.
Eu queria odiá-lo, mas me vi desejando ter mais, só para poder olhar
diretamente em seus olhos e vivenciar novamente essa deliciosa experiência,
mesmo não querendo me casar com ele.
Que ódio desse cigano abusado.
Fiquei relembrando dos beijos daquele idiota até pegar no sono. O
amaldiçoei em pensamentos por ser tão deliciosamente lindo e perigoso ao meu
coração, e aos meus planos. Ele era a tentação da qual eu não queria e nem
deveria ter. Por isso me manteria firme até quando minha razão falasse. Eu
negaria veemente esse casamento arranjado. Entretanto me surpreendi comigo
mesma, ao vivenciar, de novo em pensamentos, a intensidade de como tudo
aconteceu, adormecendo quase amanhecendo o dia.

Ainda cansada da noite mal dormida, acordei com muitas vozes ao meu
redor.
Eu queria dormir mais... só mais um pouquinho.
Aquele infeliz, irritante de uma figa, já me fez perder o sono e agora esse
monte de mulheres falando junto, era demais para mim.
Virei para o lado, afundando meu rosto entre as almofadas na tentativa de
continuar a dormir, porém adivinharam minha intenção e vieram para mais perto,
cantando e me chamando.
— Por favor! Hoje não! — reclamei abafado, pressionando meu rosto
contra o tecido fofo.
Mas meu pedido foi em vão.
— Bom dia, Sarinha! — meu pai gritou animado.
— Parabéns, meu amor! Estamos tão felizes — minha mãe completou.
Era meu aniversário, o dia em que eu completava 18 anos. A idade que
tanto esperei para ser livre. Mas cá estava eu; presa dentro de um acampamento,
prometida para um cigano irritante, que ao mesmo tempo que me fazia sentir
raiva me deixava inerte e presa no desejo de querer mais dele.
— Vamos, Sara. Se levante logo, hoje é um dia muito especial.
Irritada me virei e me sentei.
Deveria estar descabelada e com o rosto todo amassado.
Se dormi duas horas nessa noite havia sido muito.
— Seu presente! — Meu pai entregou, sem muitos rodeios, um pequeno
saquinho de veludo, do tamanho da minha mão. Nele tinha uma joia. Um par de
brincos de brilhantes e rubis no formato de uma rosa.
— É para usar com seu vestido novo hoje à noite — minha mãe emendou
mais empolgada que eu com o presente.
— Obrigada — sorri após agradecer.
Quanta criatividade!
Todos os anos era o mesmo presente.
Não que eu estivesse reclamando, mas não tinha surpresa nenhuma. Ele
trabalhava vendendo joias por aí e pela facilidade sempre me presenteava com
uma.
Com muito custo e sob protestos, acabei deixando os lençóis de lado e
levantando. Um a um foi me abraçando e me felicitando. Primeiro meus pais, em
seguida Micaela e Constância, a mãe de Ramon. Ela me presenteou com um lindo
xale de seda branco, com franjas.
A princípio fiquei com muita vergonha dela.
Na noite anterior, de algum modo, acabei ofendendo sua hospitalidade e
sua família ao rejeitar seu filho. Não que me arrependesse, mas me fez sentir-me
péssima por ter sido infantil e ter dado aquele escândalo. Miro e ela não
mereciam a forma ingrata com que agi diante da forma como nos receberam. Fui
muito injusta e egoísta, pensando somente em mim, enquanto ela estava
preocupada em me agradar.
Ainda mais depois de me deparar com uma mesa de café da manhã que
haviam preparado em comemoração ao meu aniversário.
Não deveria ter agido por impulso e ter criado uma situação
constrangedora daquelas. Estava completamente arrependida. Mas infelizmente
não tinha como voltar atrás.
Quando aparecesse uma oportunidade eu iria falar com ela e me
desculpar, mas não foi necessário, assim que todos me deixaram em paz um
pouco, quase próximo ao horário de almoço, Constância pediu para conversar a
sós comigo, me levando para sua tenda.
— Sara, me desculpe por querer falar com você. Pedi para sua mãe e ela
permitiu que eu o fizesse. — Sorri, assentindo, sentindo ainda aquela sensação
de vergonha pela forma como agi com eles.
Rejeitar Ramon não só atingia a minha família, mas a deles que não
tinham nada a ver com o que meu pai fez ao planejar esse casamento e se
comprometer com uma promessa que não era dele.
Sim... Miro aceitou, mas ainda assim não tínhamos nenhum elo para que
eu me sentisse traída por eles além da minha família.
— Sei que não quer casar com meu filho — o tom com que Constância
falou deu a entender que eu estava desfazendo de Ramon, mas não era isso.
Ainda me encarando firme ela me indicou uma cadeira à frente da que se
sentou e pediu para que eu não a interrompesse quando tentei me justificar.
— Não estou julgando você. Sei do quanto tudo isso está sendo difícil de
lidar, assim como você eu era jovem e queria tantas coisas que um casamento
não me daria. Também não queria me casar com Miro, mas as coisas foram tão
diferentes do que pensei, que depois que nos casamos e formamos nossa família
tudo mudou. Talvez o desconhecido se torne algo que temos medo, com isso não
conseguimos enxergar que nem tudo é o fim — assenti, esperando o momento em
que poderia me justificar. — Nossa cultura é assim desde muito antes de nós
mesmas. Você tem o que muitas de nós não tivemos e não é porque se trata do
meu filho, mas Ramon é um homem incrível, sei que formarão um lindo casal e
amor, Sara, quando menos perceberem já estarão apaixonados um pelo outro.
— Entendo que deve estar achando que o motivo é por eu não amar seu
filho. Mas não é! É por mim. Quero tanto ser livre, continuar a estudar, fazer uma
faculdade, poder dar aulas para crianças — sem contrariá-la tentei me justificar.
— Eu te entendo. Não precisa ficar com receios. Deixa-me contar algo
que precisa saber. Há alguns anos Ramon desafiou o pai por querer estudar
também. E foi bom, ele se tornou médico. Nada que impeça que ele proporcione
a você seus sonhos. Pode não perceber, pois se conheceram recentemente, mas
os dois são muito parecidos. Você é privilegiada, Sara. Teve acesso ao que para
nós está muito além da realidade. Conseguiu concluir seus estudos, talvez um
diploma não lhe impeça de ensinar as crianças do seu povo, como deseja.
Pensando em tudo que estava me dizendo, olhei ao meu redor, entretanto
não era apenas ensinar, eu queria ser livre, conhecer outros lugares e poder
escolher com quem formaria uma família.
— As cartas não mentem e elas disseram que vocês dois seriam felizes.
— Constância se levantou e não me deu a oportunidade de continuarmos essa
conversa ao mudar de assunto.
Porém se a intenção dela, ao contar que Ramon havia se formado, era
tentar me convencer deste casamento, ela apenas criou mais força em mim de
querer seguir meus sonhos. Contudo, ele acabou ganhando um ponto extra no meu
conceito.
Se ele conseguiu, por que eu não? Por que sou mulher?
Isso não me impediria. Talvez conversar com o próprio Ramon sobre
meus sonhos fizesse com que me ajudasse a cancelarmos esse casamento.
No entanto, antes de encerrarmos aquele momento, Constância me
informou que meu pai e Miro anunciariam o noivado dos filhos nesta noite.
— Não concordei em esconder essa informação de você. Serei sempre
sua amiga, Sara e eu te entendo, apenas pense em tudo que conversamos.
Constância foi incrível, até melhor que minha mãe ao me fazer sentir
acolhida e escutada. Porém duvido que meu pai vá me escutar, quando eu disser
que não quero me casar com Ramon é bem capaz de me amarrar até o dia deste
casamento.
Pelo jeito minha única solução vai ser fugir de casa.
Mas como sua idiota?
Sem dinheiro algum para onde eu iria?
Pensaria em algo depois, talvez tentasse pegar minhas joias no cofre de
casa e as vendesse, mas não iria rebatê-los nesse momento. Deixaria para
quando voltasse para casa, quando não estivessem esperando.
Capítulo 10

Era ainda de tarde, eu estava deitada, sozinha, pensando em tudo que


Constância havia me dito.
Meus pensamentos ora ou outra fugiam para Ramon, na verdade, a maior
parte deles foi sobre ele e da forma como me beijou.
Poderia dizer que não, mas no meu mais íntimo gostei de como tudo
aconteceu. Do jeito que me pegou de surpresa e me beijou várias vezes. Não
poderia negar que Ramon despertou em mim sentimentos que jamais pensei que
poderia sentir. Contudo todo esse de desejo estava me confundindo muito.
Será que estava atraída por ele?
Infelizmente, irrevogavelmente sim.
O que me deixava enfurecida comigo.
Foi tão repentino. Humanamente falando, seria impossível ter sentimentos
tão contraditórios por alguém que entrou como um intruso na minha vida. No
entanto, assim como eu, ele não tinha culpa desse casamento arranjado pelos
nossos pais.
— Sara!
Alguém me chamou, me fazendo sair desse transe de conflitos em que
estava.
Era Esmeralda, a vi invadindo a tenda em que estava e me lembrei que
havia combinado ontem à noite de encontrá-la no meio da tarde para me levar a
um lugar.
— Desculpa, acabei me esquecendo do compromisso com você — me
desculpei assim que ela parou à minha frente.
— É seu aniversário, hoje pode tudo — ela respondeu animada.
Sentei-me e a olhei com um sentimento de culpa, afinal, na noite passada
me disse que sua família falaria com Miro para que arranjassem o casamento
entre eles. Não que eu devesse satisfações da minha vida a uma pessoa que fazia
pelo menos um dia que a conhecia, mas sei que diferente de mim ela gostava dele
e queria isso para sua vida.
Porém não contaria ainda, esperaria um momento mais oportuno para
contar que Ramon era meu noivo.
— O que foi? Está tudo bem, Sara?
— Sim! Apenas dormi mal, não estou acostumada a dormi em outros
lugares — respondi com a primeira desculpa que me veio à mente.
— Quero te dar um presente — Esmeralda mudou de assunto empolgada
e me puxou pelas mãos —, acho que você vai amar — concluiu empolgada.
— Não precisa... — tentei recusar, porém quando percebi já estava de pé
com ela me levando pela mão para fora da tenda.
Isso só piorava toda a situação, me fazendo sentir ainda mais culpa, como
se fosse uma traidora.
Enquanto a seguia fiquei quieta apenas escutando até chegarmos a uma
tenda mais afastada, toda fechada e sem pedir permissão ela entrou e eu
acompanhei logo atrás.
O local era cheio de velas e estava mais escuro que o habitual. O cheiro
delas se misturavam à lavanda dos incensos acesos. Pelo chão havia diversas
almofadas e ao centro uma pequena mesa, onde uma linda mulher de cabelos
pretos estava sentada embaralhando as cartas de um tarô gasto.
A cigana me encarou misteriosamente.
— Até que enfim você veio, Sara — ela sorriu após dizer e pude notar
que quase todos os seus dentes eram de ouro. — Sabia que nesse mesmo dia de
hoje, há 18 anos profetizei em sua vida? — neguei com a cabeça surpresa com
sua confissão.
Então, ela me conhecia e pelo tempo que se referiu foi exatamente no dia
do meu nascimento.
— Disse para sua mãe e seu pai, que um dia a princesa se uniria ao
protetor.
Olhei para Esmeralda procurando por respostas.
Cresci acreditando em ciganas com dons de previsões, era a minha
cultura, e naquele momento meu sangue e meus instintos falaram mais alto ao
voltar encará-la, esperando que me dissesse mais sobre meu futuro.
— Sente-se, eu não mordo. — Ela mexeu sua cabeça e, mostrando à sua
frente, indicou que eu deveria me sentar ali.
Receosa, olhei para Esmeralda.
— Sente-se, Sara. Eu não mordo — ordenou e, novamente, sorriu com
toda sua arcada revestida por ouro.
— Vai logo, Sara. — Esmeralda me empurrou me forçando a sentar logo.
— Não precisa ter medo. — A cigana continuou a sorrir enquanto
estendia sua mão, pedindo que eu colocasse a minha sobre a dela. Eu estiquei e
antes de ela mexer, virar a palma para cima, busquei o olhar de Esmeralda.
Sei que jogaria para minha sorte e não era a primeira vez que alguém
falaria sobre meu futuro, porém ela não só me deixava desconfortável, mas
também tinha algo nela que me fazia temer pelo desconhecido.
Ela começou a traçar com a ponta do seu indicador cada linha visível em
minhas mãos, contudo não disse nada, largando-a e pegando o baralho que havia
deixado de lado, embaralhando-o na sequência enquanto me olhava fixo.
— Você é Nazira, a virgem portadora dos ventos? — perguntei e a cigana
à minha frente assentiu.
Associei o que me disse a uma velha história que minha mãe havia me
contado sobre uma cigana chamada Nazira que previu quando ela engravidaria
de mim e até a data exata em que eu nasceria.
— Quer saber de algo sobre sua vida, Sara? — ela me perguntou assim
que habilidosamente dispôs as cartas em um grande círculo, simbolizando a
grande roda da vida. Nosso símbolo.
Neguei com a cabeça. Deixaria para que me dissesse o que veria nas
cartas.
Para os de fora dos nossos costumes poderia parecer um monte de
bobeiras ditas por figuras, mas para mim era mais que isso e desde pequena fui
ensinada a acreditar em pessoas que possuam esse dom de adivinhação através
do tarô.
Ela começou a desvirar as cartas uma por uma, desviando seu olhar para
as figuras.
— Como eu imaginava. — Ela bateu a ponta da enorme unha vermelha
contra a carta dos enamorados e me olhou novamente. — Um amor rápido que a
fez pensar e repensar nele diversas vezes. O deseja, mas luta com o sentimento
que ele despertou. Se engana se acha que está brigando com você mesma, na
verdade só está tentando mudar seu destino.
Fui tentar argumentar que não era o que estava dizendo, mas ela sibilou
pedindo que eu ficasse quieta, me ignorando ao pular para as duas cartas à sua
direita.
— Olha só... duas cartas fortes viradas no ângulo certo. Temperança e
força. Sarah Kalí tem mesmo as suas favoritas. Viverá dias que nunca imaginou
ter, o amor supre qualquer sonho, ele alimenta, fortalece e preenche qualquer
espaço que tenha. Você não o quer, mas vai chegar um dia que seu desejo vai ser
para que nunca saía da sua vida. Temos a estrela no seu presente. És muito
sortuda. Nunca antes abri o baralho para alguém com tantas coisas boas, com um
futuro preparado pelos ventos.
— Eu...
— Não diga nada, criança. Apenas receba de bom agrado o que o destino
preparou para sua vida. No seu futuro prevejo choro, mas muita prosperidade e
dias felizes. O protetor não deixará que o amor falte, sua casa será abundante e
os dois cumprirão seus destinos juntos, se quiserem.
E, ao terminar, ela segurou a borda da pequena mesa onde estava as doze
cartas viradas e mais duas ao centro da roda da minha vida.
— Sara, seu presente foi preparado há muitos anos. Só tem energias
trazidas pelos ventos como prosperidade e felicidade. O protetor estará seguindo
ao seu lado recebendo essa abundância e não vai faltar um dia em que o amor
transborde entre vocês dois. Enfim, o protetor e a princesa cumprirão seus
destinos juntos. Mas só depende de vocês. Do mesmo jeito que os ventos te
abençoam, ele pode virar as costas para um de vocês.
— Eu acredito em tudo que me disse, mas como faz para ser feliz e fazer
o que quer, o que deseja? — perguntei, me abrindo, expondo o que sentia sobre
ter que me casar com Ramon.
— Do que adianta fazer o que está predestinado e não ter um final feliz?
— Engoli seco.
— Já foi escrito, não é você a autora do seu destino. E quem disse que
não será feliz?
— Mas... — Novamente ela me interrompeu.
— Nunca trabalhei com um baralho tão positivo assim, você é
abençoada.
Olhei para o lado e vi Esmeralda absorver tudo mais que eu. E mostrava-
se mais empolgada e, por fim, Nazira fechou o baralho juntando todas as cartas e
por um momento seu olhar vagou para longe de um jeito misterioso e enigmático.
— Sara, você será tão feliz que seus sonhos de hoje serão um reflexo do
que realizará junto do seu protetor. Você vai chorar em certos momentos, haverá
dias escuros e nublados, mas nada que não seja superado. Sarah Kalí lhe dará
tudo que deseja, então viva e agarre seu destino, agrade os ventos, que eles
guiarão teus caminhos por estradas limpas.
Saímos de lá e eu queria ficar quieta e pensar em tudo que escutei, mas
Esmeralda não parava de falar. Ela jogava palavra por cima uma da outra, me
atrapalhando digerir tudo que Nazira disse.
— Você ouviu Sara? Nazira disse que serei feliz com um grande amor.
Será com Ramon. — Esmeralda suspirou, porém, estava interpretando tudo de
um modo errado. Sem lógica alguma.
Pobre iludida.
Olhei com tristeza para ela.
Talvez esse fosse o momento de me abrir com ela, de que eu era noiva de
Ramon, a prometida dele, no entanto fiquei travada, sem saber como agir
enquanto voltávamos para a tenda que estava.
— Sara, você escutou o que disse? — Esmeralda me questionou.
— Desculpa, não estava prestando muita atenção — respondi
sinceramente.
— Perguntei se havia gostado do presente. Pelo visto não, né?! Desde
que saímos da tenda de Nazira, você parece infeliz — concluiu, mais uma vez,
de modo ao contrário do que era. Apenas estava pensativa com tudo que escutei.
Era tanta coisa para absorver que cada minuto que passava minha cabeça
dava tantas voltas, ficando ainda mais confusa.
— Não! Não é isso, Esmeralda. Eu amei! Muito obrigada pelo presente.
Só estou tentando entender tudo que ela me disse — respondi, tentando não
deixar transparecer minha insegura e que eu precisava falar para ela sobre
Ramon.
— Tudo bem, vou para minha tenda, mais tarde nos encontramos.
Sei que havia se ressentido. Mas o que poderia ter feito? Se eu mesma
mal conseguia lidar com tudo que estava sentindo.
Eram tantas coisas... era o que queria, meus sonhos, esse desejo curioso
que senti por Ramon desde que o vi e agora tudo que fiquei sabendo. Não
conseguia associar nada.
Como poderia ser feliz sem realizar meus sonhos?
Continuei caminhando até a tenda e fui direito para um lugar que ninguém
pudesse ficar me perguntando, falando. Só queria ficar sozinha um pouco, no
entanto, quando aproximei da cama que haviam preparado para mim, sobre ela
estava uma pequena caixa quadrada, ao lado de um enorme buquê de rosas
vermelhas.
— Deixaram para você! — Micaela me assustou ao me surpreender. —
Rosas vermelhas? Hum... — debochou.
— Invejosa! De quem é?
— Não sei — respondeu debochadamente.
É claro que sabia. Micaela sempre foi intrometida.
— Se mexeu antes de mim eu te mato. — Me aproximei de onde estava o
presente e peguei as rosas, levando antes até o nariz.
Micaela por sua vez cruzou os braços e continuou a debochar.
— Não tenho medo de você. Só não mexi, porque mamãe jurou que me
colocaria de castigo se eu mexesse no seu presente.
— Então o que faz aqui ainda? Sua enxerida! — A encarei, esperando
que saísse, mas ela continuou parada, mostrando que não saíria.
— Aqui também é meu enquanto estivermos aqui.
— Sai, Micaela. Quero ficar sozinha.
— Quero saber quem foi e não vou sair enquanto não souber. Você não
manda em mim.
Mexi os ombros e lhe dei as costas ignorando-a após deixar o buquê de
volta sobre as almofadas, peguei em seguida a pequena caixa e abri.
Era uma pulseira de ouro, outra joia, porém essa era delicada e tinha um
pequeno pingente no formato de coroa com a gravação escrita: “minha
princesa”.
— O que é Sara? Me mostra, por favor! — Micaela insistiu, mas
continuei a fingir que ela não estava ali.
Alcancei o cartão no meio das rosas, abri o pequeno envelope branco e
comecei a ler a caligrafia esgarranchada.
" Parabéns, não sabia seu gosto. Espero que goste. Queria dar outra
coisa de presente, mas sei que ficaria brava. Hoje é seu aniversário e não deve
se ressentir com nada. Do protetor para a princesa. R.”
— Quem te enviou Sara? — Micaela insistiu.
— Não é da sua conta — respondi ainda olhando para o que Ramon disse
naquele papel.
— Foi Ramon que deu, eu que recebi, sua idiota.
— Então por que está perguntando, se sabe que foi um presente dele? —
Me virei e fechei o papel ao encará-la.
— Porque queria ver sua reação.
— Já viu? Então fora daqui — pedi em tom de ordem e me aproximei,
como se fosse colocá-la para fora à força.
— Burra! Chata... — Micaela saiu resmungando.
Assim que fiquei sozinha abri o papel novamente e reli, me lembrando
sobre o que Nazira disse sobre a princesa e o protetor cumprirem seus destinos
juntos.
Meu nome significava princesa e o de Ramon, protetor.
Meu destino seria mesmo ser feliz com ele ao invés de ser livre?
Capítulo 11

Não conseguia pensar em mais nada que não fosse no que Nazira havia
me dito e sobre o que senti quando Ramon me beijou.
Será que estava negando o que estava sentindo sobre a paixão ser rápida?
Ou estava em um estado de negação e aceitação?
Queria muito ter respostas para tudo isso.
Como Ramon poderia me fazer feliz, se o que não quero é esse
casamento?
Fiz essa pergunta e muitas outras o restante do dia.
— Parece que está somente seu corpo aqui, Sara. No que está pensando,
que seu olhar está perdido assim? — minha mãe questionou. — Já lhe perguntei
diversas vezes se quer usar a pulseira que Ramon lhe deu.
— Desculpa.
— Deveria colocá-la — ela insistiu.
— Está bem! — cedi e permiti que ela colocasse em mim.
Sei que colocar essa pulseira dá a entender que estava aceitando a
vontade deles, porém a forma como estava confusa me deixou sem forças para
lutar.
Eu só queria poder fazer meu próprio destino e não me sentir perdida.
— Você está linda! — Constância aproximou enquanto minha mãe
terminava de ajeitar os botões de rosas ao longo do meu cabelo.
— Obrigada! — Sorri, tentando não deixar elas perceberem todo esse
conflito que estava sentindo.
— Vai usar a pulseira que Ramon lhe deu? — ela perguntou e pude notar
o sorriso satisfeito, que tentou disfarçar, ao olhar em meu pulso e ver a joia que
seu filho me deu de presente.
— Sara gostou muito — minha mãe respondeu antes de mim, temendo que
eu dissesse algo ao contrário.
— Eu sei que sim, Soraia — Constância concluiu e saiu.
Não demorei muito para terminar e assim que fiquei pronta, acompanhei
minha mãe até a fogueira, onde todo o acampamento já estava reunido.
Meu pai e Micaela estavam ao lado de Miro, Constância e Ramon
quando nos aproximamos.
Ele me encarou e foi inevitável não fazer o mesmo, porém não consegui
sentir raiva por vê-lo, apenas mais confusa do que já estava.
— Sara, boa noite. Está linda! — Miro me cumprimentou sorridente.
— Sim, muito bonita — Ramon confirmou o comentário de seu pai, na
sequência.
— Obrigada! — agradeci e por segundos sustentei seu olhar.
Ele estava muito bonito também. Vestido todo em preto e com alguns
colares. Ramon não se vestia como os outros, suas roupas eram modernas e com
um estilo próprio.
Também reparei na forma como prendeu seus cabelos, diferente do jeito
que estava ontem. Me atraindo novamente ao observar o quanto eu me sentia
afetada apenas por estar perto, fazendo com que minhas mãos transpirassem e
minha respiração ficasse pesada.
Boa parte da noite, enquanto os outros estavam mais desatentos eu me
pegava por várias vezes olhando para na sua direção, procurando por respostas.
Precisava entender o porquê estava me sentindo perdida, sem saber como lidar
com tudo e com essa sensação difusa por estar tão perto dele.
— Amigos, irmãos e família — Mirou disse em voz alta assim que o som
parou e ele tomou o meio da enorme roda. — Todos hoje comemoramos o dia da
nossa protetora — todos aplaudiram e assim que cessaram ele tornou a falar —,
mas não só pelo dia de hoje que minha felicidade não cabe em mim. Há 18
anos... quem já morava aqui vai se lembrar desse dia, minha irmã meses antes
previu que a mulher que um dia se casaria com meu caçula, Ramon, nasceria no
mesmo dia de Sarah Kalí. E assim se cumpriu. Quando Sara, filha do nosso
primo Valter nasceu, após ouvirmos seu nome sabíamos que se tratava da
previsão de Nazira. Ela viu nas cartas que a princesa se juntaria em união com o
protetor. Por isso... — ele fez uma pausa —, hoje estamos aqui não só para
celebrar o dia de Sarah Kalí, mas também para fazer o anúncio de que mais uma
profecia, trazida pelos ventos, se cumpre. Sara e Ramon vão se casar até o fim
do outono — ele concluiu com todos aplaudindo e olhando na minha direção e de
Ramon.
— Viva os futuros noivos — alguém gritou e os outros presentes
seguiram.
Olhei para Ramon e me perdi em seu olhar. Lá estavam seus olhos
castanhos escuros fixos em mim, me provando, o que dentro de mim, desde que
deixei a tenda de Nazira, eu já tinha certeza, de que não teria mais como escapar
desse casamento.
Estava anunciado.
Dor, tristeza e um sentimento novo se misturaram. Eu queria chorar, mas
ao mesmo tempo continuar presa nessa síntese entre mim e ele.
Era o meu destino...
Constância ficou ao meu lado e afagou meus ombros quando Ramon
estendeu sua mão para que eu a pegasse.
E então tudo mudou, não como queria que fosse, mas como deve ser.
— Eu prometo... — ele sussurrou incompleto.
Segurei sua mão e todas as lembranças da noite passada retornaram mais
fortes. Eu estava com raiva ainda, mas não poderia negar que sentia cada fração
do seu tato me afetar, enviando arrepios por todo meu corpo.
Miro pediu que fôssemos ao centro após apontar para nós dois.
— Você está bem? — Ramon me perguntou baixo.
Fisicamente sim, mas meus pensamentos nem um pouco.
— Estou sim — respondi um tanto receosa.
— Por que então está me olhando assim?
— Como? — o questionei.
— Como se estivesse perdida.
É... eu estava fodidamente perdida.
— Não estou não! — retruquei, tentando disfarçar.
— Também é difícil para mim, por mais que a tenho beijado.
— Eu...
— Ramon e Sara, poderiam vir aqui? — Miro nos chamou,
interrompendo o que iria dizer.
Ramon segurou ainda mais firme minha mão, evitando que eu fizesse
qualquer loucura e fugisse dali novamente, olhando para meu pai, que exibia seu
sorriso de satisfeito por saber que sua vontade estava sendo realizada.
Fomos para o meio da enorme roda e ficamos um de frente com o outro.
Era normal o casal de noivos se apresentarem em uma dança.
Ele me puxou após beijar o dorso da minha mão. Tentei resistir, porém
meu corpo se esquentou quando novamente me vi entre seus braços, me senti
afetada com seu cheiro, com todo aquele seu ar pretencioso e com sua respiração
rouca próxima do meu ouvido, quando me girou e me apertou mais.
Não faço ideia como ainda estava me mantendo de pé, minhas pernas
estavam trêmulas e meu corpo inteiro febril por sua causa.
Como poderia alguém sentir toda essa confusão de sentimentos
ambíguos?
Terminamos de dançar enquanto as pessoas ainda nos saudavam,
desejando um bom noivado.
— Está bem? — Ramon me perguntou assim que saímos do meio e
voltamos para próximo de nossos pais.
— Por que está fazendo essa pergunta novamente?
— Apenas porque quero saber.
— Estou sim — respondi secamente.
Eu não queria que parecesse que estava atordoada e desesperada para
entender o que estava acontecendo comigo.
— Gostou do presente? — Acompanhei seu olhar até meu pulso.
— Gostei sim, é linda. — Ramon sorriu com minha resposta e
discretamente roçou o polegar desde onde a pulseira estava até a palma da minha
mão, me deixando ainda mais tensa.
Era bom seu toque.
Confusa, fechei os olhos e me deixei levar pelo seu gesto.
— Quando a vi na vitrine, pensei em você. Achei que combinaria.
Comprei quando estava comprando o anel — se explicou.
Antes de dançarmos, ele se ajoelhou como parte de todo o ritual clichê,
onde o noivo pede a mão e colocou a joia em meu dedo.
De fato, era lindo, não muito grande, com um brilhante solitário e uma
pedra principal em vermelho.
— Obrigada por ter lembrado de mim — sibilei educadamente.
Não poderia negar que, diferente do idiota e babaca da noite passada, ele
estava tentando ser gentil. Acredito que agiu desta forma buscando uma trégua,
que durou apenas esse momento.
— Mas ainda não lhe dei um beijo de feliz aniversário — completou.
— Está louco? — Me soltei, recuando um passo atrás.
Ramon sorriu, me irritando com esse seu jeito abusado.
Não era casta a ponto de não querer ser beijada, apenas tudo estava
sendo uma avalanche de novas situações para eu enfrentar.
— O que é engraçado?
— Nada. Mas vai dizer que não quer que eu a beijei novamente?
— Claro que não — rebati rapidamente negando.
— Duvido que não tenha gostado — Me assustei quando ele se
aproximou, insinuando que iria me beijar ali.
— Não é isso... — Senti meu rosto esquentar. Não tínhamos intimidade
para estarmos conversando sobre esse assunto.
— Então gostou — ele provocou, no entanto, percebi que esse era seu
jogo, que sentia prazer em me ver irritada. Porém ele tomaria do próprio veneno.
— Já beijei melhores — retruquei.
— Você não pode...
— E você também não, mas ainda sou virgem — não me controlei e
acabei falando demais.
— O que quer dizer com isso? Que já beijou outros caras? — seu tom foi
pesado e aquele sorriso debochado se desfez dos seus lábios.
Engoli em seco procurando as palavras.
Não sei se minha fisionomia acabou me entregando, pois ele disparou a
rir chamando atenção de sua mãe que o repreendeu ao olhar furiosa para ele.
— Contente?
— Não, só preciso saber que foi e vai ser somente minha.
— Já respondi. E se depender de mim, nunca serei sua. — Ramon
contrariado comprimiu os músculos do seu rosto e rangeu os dentes como se
fosse uma fera.
— Quantos?
— Você está louco? Já respondi que sou virgem. Quer que eu grite para
todos e faça um alarde?
O que estava acontecendo com esse cigano arrogante que agora estava se
importando com a minha virgindade? Mal tínhamos intimidade, mal nos
conhecíamos. E não era um assunto do qual eu me sentia à vontade para falar
com ele.
— Você está me enlouquecendo desde ontem.
— Prometo fazer da sua vida um inferno se quer saber.
Por mais afetada e confusa que sua presença me deixava, não cederia
facilmente. Já que ele estava disposto a ir com esse casamento eu faria da sua
vida um verdadeiro purgatório. Eu o atormentaria até quando ele não me
suportasse mais.
— Se me levar ao paraíso antes, não me importarei, pode me infernizar o
quanto quiser. — Fui pega de surpresa ao sentir sua barba roça meu ombro e seu
hálito soprar no meu ouvido ao sussurrar.
Cigano filho de uma...
Se ele queria me atormentar, ele teria muito bem o que merece.
Capítulo 12
Passei o dia todo pensando nela. Pretendia dar o seu presente pessoalmente, mas bastou eu vê-la se
aproximando para eu entender que a ciganinha com a língua afiada era simplesmente encantadora em todos
os sentidos.
Ela estava ainda mais linda que na noite passada, vestindo preto, com os cabelos enfeitados com rosas,
parecidas com as que dei para ela.
Perfeita.
Sem dúvidas, ela era única.
É assim que eu a via, sem conseguir desgrudar meus olhos sequer um segundo dela. O vestido tinha
um ótimo caimento, apertado na cintura delgada e nos pequenos seios. Assim como nos fios dos seus cabelos
haviam rosas, também tinham algumas bordadas em toda a barra do seu vestido.
Não fiquei reparando como era seu corpo, mas a observei apenas para gravar cada detalhe seu em
minha memória.
Descobri que há porções de sentimentos e desejo que um homem pode sentir tão rapidamente por uma
mulher e Sara conseguiu despertar todos eles de uma vez só, me fazendo agir como um adolescente,
impulsivo e possessivo.
Eu aceitaria esse compromisso de bom agrado depois de saber que sua boca, seu corpo, o seu mal
gênio e tudo nela me atraía. Só precisava comunicar minha mãe e tranquilizá-la quanto a querer esse
casamento arranjado por eles.
Talvez com o tempo eu ame Sara e tudo se torne habitual e sólido, mas no momento eu tinha era
necessidade de ficar perto, de saber mais sobre ela.
— Por que está com esse sorriso, Ramon? Posso saber? — Minha mãe me pegou de surpresa pela
manhã assim que acordei e a encontrei sentada próximo à mesa, preparando um bolo.
— Se souber... acredito que não vai ficar contente com o que fiz, dona Constância — respondi e me
aproximei, pegando um dos pães que estava dentro de uma cesta.
— O que aprontou?
— Acho que não é bom nem ficar sabendo — respondi de boca cheia.
— Ramon, é relacionado à Sara? — Minha mãe parou de ajeitar as frutas que estava colocando por
cima do doce e ficou me encarando.
— Se eu disser que sim?
— Por Sarah Kalí! Seu pai vai querer sua cabeça se falou ou fez algo que prejudique esse noivado. O
que fez? — perguntou preocupada.
— Para quem é esse café? — perguntei na tentativa de mudarmos de assunto.
— Para Sara. Hoje é aniversário dela. Prometi ao seu pai que iria conversar com ela. Vocês são tão
parecidos. Lembro como você agiu quando queria estudar para se tornar médico. — Sorri grato pela
informação. — Aliás, você precisa saber se vai querer dar a ela algum anel de família ou vai comprar?
— Ah... — Não pensei em anel e noivado por muito tempo, então jamais pensei que esse dia chegaria.
Na verdade, assim como Sara eu lutei para pertencer a um lugar que nunca foi meu.
— Vou comprar. Preciso ir à cidade e aproveito para fazer isso.
— Não está pensando em não honrar com esse compromisso? Sei que ela disse tudo aquilo ontem à
noite, mas só está confusa. Seu pai está bastante preocupado. Sabe como ele é... acredita fielmente em todas
as previsões de sua tia e tem certeza de que Sara é seu destino.
— Fica tranquila, eu me casarei com ela. Eu a beijei — confessei e já estava me preparando para o
esporro.
— Ramon!
— Foi só um beijo — menti. Se revelasse a tortura psicológica que fiz em Sara eles nos casariam
ainda hoje. O que não seria uma má ideia.
— O que faço com você, meu filho?
— Nada. Fique feliz porque esse casamento vai acontecer — encerrei nossa conversa e a deixei para
ir até a cidade mais próxima.
Além de algumas coisas que precisava comprar, agora tinha mais um item da minha lista que não
poderia esquecer: o bendito do anel, porém não só comprei ele, mas também uma linda pulseira de ouro com
um pingente de uma coroa.
Iria combinar com ela. Era delicada e na coroinha estava escrito princesa.
Ainda antes de voltar passei em uma floricultura e comprei o maior buquê de rosas que tinha e dentro
da caminhonete, quando estacionei no acampamento, escrevi um recado.
Não era muito bom com palavras, mas fui sincero ao esperar que ela gostasse do presente.
Fui até a tenda onde Valter com sua família estava ficando e ao invés de encontrá-la acabei
esbarrando em sua irmã.
— Ei... você é irmã da Sara? — perguntei sabendo quem ela era.
— Sim. Você é Ramon! — ela afirmou e sorriu.
Micaela, esse era seu nome. Também tão bonita quanto Sara. E não só compartilhavam de uma beleza
impressionante, mas tinham temperamentos parecidos.
— Sim. Queria falar com Sara. — Ela olhou para o buquê e depois para a pequena caixa que
carregava.
— Ela saiu por aí com a Esmeralda.
— Poderia entregara para ela? — Estendi as flores, mas tive receio de que ela realmente entregaria.
— Sim.
— Mas dê sua palavra então de que não vai abrir nada.
— Claro que não! — Micaela afirmou, mas duvido que estivesse falando a verdade.
Não sei por que, mas ela não me transmitia confiança alguma.
— Eu não vou abrir, prometo — Micaela garantiu e mesmo ainda desconfiado entreguei e fui para o
lugar que mais gostava do acampamento, próximo ao lago.
Deitei na grama e fechei os olhos não conseguindo pensar em mais nada e ninguém do que em Sara.
Sei que poderia até ser obsessivo, mas entre nós tudo acontecia de uma forma intensa e sem
explicações. Odiávamos pela manhã e no fim da noite já amávamos.
Foi o que aconteceu comigo e com Sara. Eu estava sofrendo por não ter um modo de assumir Alina,
não queria me casar e estava acostumando com a ideia de que eu entraria em uma grande batalha para poder
seguir meu caminho, porém ela chegou e fui pego de surpresa, me sentindo atraído sem saber de quem se
tratava.
Quando a beijei pela primeira vez agi por impulso, por desejo, e em questão de segundos me vi
querendo saciar esses sentimentos confusos.
O problema não era mais eu, havia aceitado meu destino, porém dependia de Sara aceitar o seu.
— Ramon! — Abri os olhos e encontrei os do meu pai.
Ele estava parado ao meu lado.
— Sua mãe me disse que estaria por aqui. — Assenti e esperei que ele se sentasse.
Quando me procurava era sinal de que queria conversar comigo a sós. Já imaginava do que se tratava
e me sentei segurando meus joelhos.
— Aconteceu alguma coisa? — perguntei após seu silêncio.
— Ela me disse que conversou com você hoje pela manhã...
— Sim. Mas...
— Estou feliz que não queira mais romper com Sara! — ele me interrompeu e concluiu o motivo por
estar aqui.
— Sim. Mas sabe que não depende só de mim para que esse casamento aconteça.
— Claro. Porém me preocupa saber que você a beijou. Eu confiei em você — me repreendeu com
poucas palavras. — Se Valter ficar sabendo, vai me cobrar uma posição sua.
— Fica tranquilo, comprei o anel de noivado. Sei que vocês têm a intenção de anunciar o noivado hoje
à noite, durante a fogueira.
— Sim. Isso me deixa mais tranquilo, porém o que me preocupa é Sara.
— O que tem ela?
— Valter está perdendo o controle sobre elas. Ele desabafou comigo. A mais nova o tem lhe dado
muita dor de cabeça. Por isso quer que você e Sara se casem até o fim do outono.
— Por mim tudo bem.
— Eu tinha certeza de que poderia contar com você.
Não diria o quanto eu havia me tornado contraditório em apenas um dia. Seria dar motivos para mais
uma vez se gabarem sobre o poder da paixão cigana.
— Vamos fazer o casamento mais lindo que já teve por aqui. Não podemos decepcionar a família de
Valter.
Sempre a velha e boa disputa de ego entre quem é o mais rico.
Se não fosse assim, não seriamos os Rosberg.
— Mais uma pergunta, meu filho? — Ele fez a menção de se levantar, mas voltou a se sentar
novamente.
— Pretende ir embora, formar sua família longe de nós?
— Não. Me formei para cuidar das pessoas daqui, gosto desse lugar. Há anos penso em construir uma
cabana próximo a esse lago.
— Cabana.
— Sim, espécie de uma casa, um pouco mais rústica que uma casa.
— Não costumo entender esses costumes de cidade que tem. Mas faça o que quiser. Se quer morar
aqui, então eu lhe presenteio. É sua parte do acampamento.
— Obrigado.
Conversamos mais um pouco enquanto ainda havia sol naquele pedaço. Contei sobre o projeto que
tinha em mente. Mesmo com algumas reticências ele concordou com a minha ideia.
E antes do fim do entardecer subimos o terreno de volta para nos preparar.
Capítulo 13
Ter Sara próximo me fez ver o quanto ela mexeu de fato comigo. O doce aroma do seu perfume me
deixava inebriado e eu queria mais.
Anunciamos o noivado a todos e mesmo depois eu ainda me pegava olhando para ela, querendo saber
mais. Porém irritá-la era tentador e delicioso demais. Ela correspondia com respostas ousadas quando a
pressionava, no entanto, senti o gosto do meu próprio veneno ao querer saber se alguém a havia beijado
antes. Me senti furioso quando ela deu a entender que sim. Contudo eu não poderia exigir dela o que eu não
fiz.
Infelizmente eu não fui leal ao compromisso conforme nossa cultura. Então se ela não foi não poderia
cobrar nada.
— Ainda bem que amanhã irei embora — disse quando a acompanhei com a permissão de seus pais.
— Mas antes de ir me deve uma despedida. Agora somos noivos.
— Lógico que não! Vai ficar querendo. — Sara balançou os ombros e inconscientemente e por
impulso a impedi de continuar pelo caminho.
A desafiei novamente ao me aproximar e não dar espaço para que fugisse.
— Por favor não começa... — Não obedeci. Tanto eu quanto ela queríamos. Se não quisesse já teria
gritado quando envolvi sua cintura e a puxei para mais perto.
— Apenas vou me despedir de você como quero — terminei de falar enquanto minha mão subiu para
sua nuca e a aprisionou ainda mais dentro do meu abraço.
Lentamente curvei minha cabeça e deixei que meus lábios roçassem os seus.
Gemi prazerosamente, sentindo seu hálito quente e entrecortado.
— Não sabe o quanto esperei a noite toda por esse momento — resmunguei após traçar todo seu lábio
inferior com a língua e alisar o superior em seguida, pressionando os meus na sequência até sentir sua
resistência ruir e minha língua invadir sua boca.
Desta vez Sara não demorou e se rendeu, me deixou beijá-la como queria desde o primeiro momento,
não resistiu.
Eu queria mais e acabei ultrapassando o limite que impus a mim mesmo, que seria somente o da sua
boca para poder sentir sua pele e o cheiro delicioso dela.
Sara ofegou em um quase delicioso gemido.
Danada...
Acabei ficando completamente duro ao sentir seu corpo pressionando o meu enquanto minha boca
percorria todo seu pescoço perfumado.
— É bom, não é? — perguntei baixo.
— Você é um completo idiota — resmungou.
— Vai me dizer que não gostou de me beijar?
— Se eu disser que não.
— Vai ser uma mentirosa...
Retomei com posse para sua boca, movimentando e pressionando meus lábios contra os seus com
calidez, sentindo meu corpo reverberar e ansiar para ter mais dela. De tê-la completamente só para mim
todas noites, dias e manhãs.
— Preciso ir dormir, quanto mais cedo eu adormecer, mais rápido chega amanhã para ir embora daqui.
— Você é minha, Sara. Logo aqui será sua casa — respondi e selei seus lábios antes de ir soltando-a
lentamente.
Ela abriu a boca, com certeza retrucaria, mas se lembrou que ainda estava arrepiada. Eu amava
quando suas reações involuntárias a denunciavam, isso apenas me mostrava o quanto seu corpo correspondia
ao meu.
— Vai achando! — Sara saiu e eu a acompanhei. — Quem disse que vou vir? Ainda tenho meses
para planejar minha fuga.
— Veremos — desafiei —, no fim do outono será eu e você. — Sara se afastou, me olhando como se
fosse me degolar vivo, diferente da forma como ficou calma entre meus braços.
— Pode ser que caía do seu lindo cavalinho, Ramon — ela rebateu e me deixou sozinho.
Porém não me contive e para irritá-la um pouco mais a segui. Em dado momento, ela parou bem
próximo à tenda em que estava e antes que entrasse agarrei-a, pegando-a desprevenida.
— Boa noite. Sonhe comigo — zombei.
— Está me seguindo? Ou tem medo que eu beijei outro por aqui? — Sara me provocou.
— Você não faria isso. Está apenas querendo medir forças comigo.
— Não se engane.
Sorri e a encurralei com meu corpo na penumbra dos tecidos grossos. A virei e novamente, deixando
os sentimentos vorazes me tomar, a beijei com possessão.
— Ainda falta meu outro presente — segurei a ponta do seu queixo, ignorando seu protesto.
Foi tão fácil, já conhecia o caminho para dentro da sua boca.
Ansiei o dia todo por aquilo e nem ela nem ninguém me privaria. Circundei-a com um braço e a trouxe
para perto. Aspirei seu perfume de rosas esfregando a ponta do nariz e a boca na pele do pescoço.
Ainda bem que Sara não deu um ataque ou me afastou.
— Você é cheirosa demais — ataquei sua boca de novo. Não tive como não deixar minha língua roçar
na dela.
Queria ficar ali a noite inteira sentindo seu gosto, absorvendo toda essa aura maravilhosa.
— Me abrace! — pedi.
Sara mesmo com sua boca na minha mantinha seus braços e suas mãos espremidas entre nós.
Receosa, Sara acabou cedendo ao meu pedido e me abraçou. Aproveitei e esfreguei minha ereção
contra o seu quadril, ao menos para sentir a sensação da pressão do seu corpo enquanto meus lábios se
apossavam dos seus numa dança sensual. Apertei-a contra mim e sem intenção alguma acabei não refreando
meu tesão ao comprimir seu quadril no meu deixando minha mão escorregar na curvatura superior da sua
bunda. Porém apavoramos e nos soltamos de uma vez quando escutamos passos e vozes se aproximando.
— Sai agora daqui, Ramon! — ela disse me empurrando.
Não poderíamos ser pegos, na verdade, não poderíamos era estarmos juntos a sós.
— Amanhã virei me despedir de você — disse quando ela já contornava os fundos da tenda para
entrar.
Fiquei por ali alguns minutos esperando para depois ir despistando qualquer um que tivesse por perto.
No entanto acabei escutando gritos e uma grande discussão vindo da tenda de Sara. E me apressei ao ouvir
sua voz.
Quando entrei, vi Sara e Esmeralda em uma calorosa discussão. Sara foi para cima dela e a puxou
pelo cabelo, derrubando-a no chão enquanto as outras incentivavam, como se fosse uma torcida apoiando a
briga delas.
Pararam assim que apareci na entrada e olharam para mim assustadas. Elas sabiam que eu interveria
e depois falaria com meu pai sobre o que aconteceu ali.
Atravessei e fui até onde Sara estava, contudo, a maior dificuldade que tive foi de tirá-la de cima de
Esmeralda. A danada segurava firmes os cabelos da outra.
— Sara, por favor — pedi e consegui tirá-la, enlaçando-a pela cintura e a levantando no ar.
Se não fosse pela situação eu até começaria a rir.
Jamais imaginei que a encontraria brigando, aos tapas e puxões de cabelos com outra mulher.
— O que está acontecendo aqui? — perguntei, colocando Sara logo atrás de mim.
— Foi ela! — Esmeralda gritou apontando na nossa direção.
Ela estava descabelada e com raiva quando tentou novamente se aproximar e continuar a se atracar
com Sara.
— Eu não fiz nada, sua louca! — Sara retrucou aos berros.
— Você é uma ladra. Roubou ele de mim. — Sem entender olhei firme para ela.
Como assim?
Era totalmente absurdo o que Esmeralda estava dizendo.
— Sua louca! — Sara continuou tentando passar por mim.
— Por favor! — pedi ao encará-la.
Sara também não colaborava e cada vez mais as duas se exaltavam, trocando acusações.
— Ladra! Merece ser banida daqui — enquanto Esmeralda continuava a acusar Sara de algo tão
absurdo, as amigas dela voltaram a falar, ajudando e dando apoio à amiga.
— Parem com isso agora, as duas! — uma outra voz grave surgiu no meio do bate-boca. Era meu pai,
que chegou na tenda com Micaela ao seu lado, enquanto tentava segurar Sara ainda atrás de mim.
— Miro, você tem que fazer algo — Esmeralda em prantos começou a falar.
Mas o que achei que seria entre poucos acabou se tornando para muitos. Algumas das mulheres mais
velhas do acampamento começaram a chegar para saber o que estava acontecendo.
— Esmeralda fique quieta — meu pai pediu.
Esmeralda foi para perto das amigas que a consolavam.
— Quero saber o que aconteceu aqui! Ramon! — questionou olhando diretamente para mim. No
entanto, mal sabia de fato o que tinha acontecido também.
— Pai, quando cheguei aqui as duas já estavam nessa confusão, eu nem sei o que estava acontecendo
— justifiquei.
— Sara é uma ladra, Miro! — Esmeralda novamente acusou Sara de roubo.
— Esmeralda, o que você está fazendo é muito grave. Acusar alguém de roubo é algo grave — meu
pai tentou adverti-la educadamente, mas ela continuava a gritar e chorar histericamente.
— Miro! — Sara estava um pouco mais controlada e chamou por meu pai.
Saí da sua frente e deixei que passasse por mim.
— Posso explicar o que aconteceu? — Ela respirou profundamente, ignorando as ofensas que
Esmeraldas e as amigas ainda faziam.
— Sim, Sara. Por favor!
— Eu entrei e estavam todas aqui — apontou o dedo para cada uma das amigas e Esmeralda —,
Esmeralda começou a me acusar de roubo. Ela acha que roubei Ramon dela.
— Hã!? Me roubou? — Não me contive e comecei a rir com uma loucura dessas.
— Ramon, por favor — meu pai olhou na minha direção me repreendendo.
— Você o roubou, sim. Era para ele se casar comigo.
— Esmeralda, se acalme — meu pai pediu.
Além dos curiosos, Valter e Soraia chegaram junto com minha mãe.
— O que está acontecendo? — o pai de Esmeralda perguntou ao entrar na tenda e olhar para a
situação em que a filha estava.
Olhando melhor, Esmeralda estava bem pior que imaginei. Sara não só quase arrancou seus cabelos
fora, como conseguiu rasgar uma das mangas do vestido também.
— Vamos nos acalmar.
Intermediando de forma pacífica, com gesto das mãos meu pai pediu que acalmassem e pediu para
que todos fizessem silêncio para que ele conseguisse descobrir o que realmente estava acontecendo.
— Veja se entendi... Esmeralda está acusando Sara de roubo por dizer que Ramon estaria
comprometido com ela. É isso mesmo?
— Eu nunca me comprometi com ela, pai! — fui incisivo.
— Sim eu sei! Acho que não fui claro mais cedo. Sara e Ramon têm um compromisso desde o
nascimento dela, então não tem nenhum fundamento sua acusação, Esmeralda.
— Você disse que eu era bonita — Esmeralda disse, apontando o dedo para mim.
— Mas isso não quer dizer que eu quero me casar com você — após me justificar procurei olhar para
Sara.
Mas fui ignorado.
— Ei! — chamei-a baixo, deixando a fala do meu pai sobressair. — Sara! — Ela me encarou como se
eu fosse o culpado por tudo que estava acontecendo.
Será que ela estava acreditando no que essa doida da Esmeralda estava dizendo?
— Hipócrita! — ela sussurrou, evitando chamar atenção dos outros.
Eu me aproximei mais. Não poderia permitir que ela entendesse tudo errado.
— Eu não fiz nada — me defendi.
— Não estou nem aí se fez — respondeu com desdenho.
— Depois vamos conversar, não vai me tratar assim por algo que não fiz.
— Ah... mas não vamos não.
— Você vai sim! — afirmei convicto.
Se tinha algo que Sara não teria de mim agora seria paciência para alimentar seu ego. Eu queria
apenas me justificar deste mal entendido.
— Eu não fiz nada.
— Mentiroso!
— Eu vou falar pela última vez... Eu não fiz nada — cochichei.
— Ramon, quero falar com você. Preciso que fique apenas Valter e sua família. Narciso e sua esposa.
Sara e Esmeralda também.
— Mas eu não fiz nada. Essa doida que fica me seguindo — por fim perdi a paciência.
Não deixaria que me acusassem de algo que jamais passou pela minha cabeça. Se disse que era
bonita, foi apenas por educação.
Assim que ficamos em um grupo menor, me justifiquei novamente.
— Pai, eu não fiz nada. Algum dia te beijei, Esmeralda? Algum dia me viu pedindo para falar com
você a sós? Quem vive indo aonde estou é você.
— Ontem ela disse que a família dela falaria com o senhor para arrumarem o casamento entre eles —
a revelação de Sara me pegou de surpresa —, ela deixou bem claro suas intenções de se casar com Ramon.
— Mas se não fosse por você, eu iria mesmo, sua ladra! — Esmeralda gritou com Sara, que pela
primeira vez desde que as separei se manteve calma.
— Esmeralda, Miro já disse que o compromisso dos dois é de muitos anos, minha filha — o pai tentou
acalmar a filha.
— Mas ele tinha que ser meu! — Esmeralda parecia uma criança mimada, fazendo birra.
Será que ela não percebeu que criou fantasias na sua cabeça?
— Me desculpe, primo, estou envergonhado com o comportamento dela.
— Imagina, primo Narciso — o pai de Esmeralda se desculpou e ordenou que a filha fosse embora,
indo junto com ele e sua esposa.
— Nos perdoe por essa inconveniência, Valter! — meu pai se dirigiu ao pai de Sara.
— Não tem do que se desculpar, primo. O importante é que nossos filhos vão se casar e para isso
precisamos beber mais um pouco de proska [7].
Os dois saíram em seguida.
— Os dois podem conversar um pouco, mas estou de olhos em vocês. — Minha mãe e Soraia nos
deixaram um pouco a sós.
E eu precisaria realmente desse momento.
Sara estava com a expressão de poucos amigos, evitando olhar para mim. Com certeza ela havia
acreditado na loucura que Esmeralda disse. Porém acabei enxergando toda a situação pelo lado positivo. Se
ela estava com raiva de mim é porque estava com ciúmes.
— Sara... — me aproximei e parei à sua frente —, eu não tenho nada com ela e muito menos tive —
expliquei.
— Se teve ou não, pouco me importa.
— Eu não tive nada a ver com isso — continuei a me defender. Não que fosse necessário, pois estava
dizendo a verdade, porém algo foi mais forte nesse momento. Senti que eu dependia que me olhasse e
acreditasse em mim.
— Não quero saber. Eu não acredito. Não me importa nada do que fez. Você elogiou uma outra
mulher, dando esperanças a ela. Isso não se faz.
— Claro que está se importando. Olha a forma como está me tratando. Acreditando em Esmeralda,
defendendo-a. — Sara tentou desviar o rosto e por fim perdi a paciência com ela.
Eu não tive nada com Esmeralda e ela precisava entender que o fato de eu ter sido educado não
queria dizer nada.
— Sara, vou dizer pela última vez. Eu não fiz nada de errado. E se quer saber não há nada que possa
fazer para impedir esse casamento. — Ela não só me fez ficar irritado, mas também despertou um lado bem
competitivo meu.
Se ela quer entrar nessa batalha de egos comigo, eu sairia vencedor.
— Você vai ser minha e nada vai mudar mais — disse firme e tentei beijá-la.
— Vai sonhando! Eu te odeio!
— Ah... é mesmo, querida? — Me aproximei, a encurralando contra a lona da tenda e a beijei,
prendendo-a em seguida entre meus braços.
— Me solta! Seu... seu babaca.
— Não. Pode esperar que até o fim do outono vai ser minha de todos os jeitos que possa imaginar —
disse firme, encerrando após beijá-la novamente.
Ela conseguiu se afastar e me encarou.
— Eu tenho tempo para fugir e quando ficar sabendo estarei longe.
— Uma pena, porque não vai conseguir ir nem até a cidade vizinha — zombei e sem que ela
esperasse puxei-a pela nuca, enrolando seus cabelos na minha mão, trazendo em seguida sua boca na minha.
Fui voraz, assim como esse desejo por ela, e só me acalmei quando senti sua resistência ruir e ceder
ao beijo, envolvendo também seus braços ao meu redor.
Sem medo de que nos visse, a apertei contra meu corpo, mostrando a ela o quanto estava excitado
com toda essa disputa.
— Sei ser carinhoso, mas também sei pegar o que é meu como eu bem entender — sussurrei em seu
ouvido após encerrar o beijo. — Em breve nos veremos, muito antes do que possa imaginar.
Capítulo 14
Três meses se passaram desde que ele me beijou firme e possessivo.
Foi naquele beijo que meu corpo se tornou um traidor, que meus sonhos aos poucos deixavam de ser
firmes para se tornarem uma possibilidade inalcançável.
Tudo mudou quando percebi que já estava com os braços ao redor da sua nuca, deixando que sua
língua ditasse o ritmo e a forma como ela exigia a minha. Foi a dor de uma perda de algo que nunca tive para
se transformar na boa e deliciosa excitação, que correu por todo meu corpo ao desejar e querer que suas
mãos cumprissem sua ameaça. Eu quis mais, de uma forma inexplicável. Queria que ele me tocasse
lascivamente, que me deixasse débil e quente. Que saciasse a pulsação entre minhas pernas.
Nunca antes havia experimentado a vontade primitiva entre um homem e uma mulher. Contudo, peguei
de volta a minha razão e me afastei, porém, desde que voltei para casa, tenho pensado em como ele tomou
posse, não só de uma promessa feita por nossos pais, mas de como se tornou proprietário dos meus desejos
mais secretos.
No entanto, eu ainda sentia o misto de raiva, privação e vontade de ter mais.
Não sei como seria quando nos encontrássemos novamente.
Eu ainda queria sonhar e voar livre pelo mundo. Em contrapartida eu também queria me deixar levar
por essa atração.
Ramon é o típico homem sexy, atrativo e possessivo.
Sei que quando estou perto dele eu quero e não quero. Sinto-me confusa, sem saber no que pensar,
desconhecendo quem sou.
Claro que jamais daria crédito ao que queriam de mim. Tanto para ele quanto para meus pais. Talvez
seja exatamente por isso que tenho negado para mim mesma as possibilidades de aceitar. Descobri que odeio
muito quando tentam ditar o que tenho que fazer. Inclusive já não aguento mais, estou cansada de escutar
minha mãe falar deste casamento 24h por dia.
Por isso todas as vezes que ela começa o assunto me tranco e fico sozinha no meu quarto.
Talvez se não tivesse toda essa imposição eu estaria aceitando, não só dando a eles a felicidade, mas
também me preparando para saciar meu desejo.
Não aceitei ainda, mas vi nesses últimos meses minha vontade indo embora, voando para longe de
mim.
Confusa e chateada, entre as cartas das universidades chegando e a falta de saber o que realmente
faria, me vi sem opções.
Chorei muito, foram momentos de revolta, porém sem muitas opções fui aceitando meu destino.
Uma amiga da escola, a única que sabia sobre o que estava acontecendo, até me sugeriu fugir. Mas
como? Se o único meio para ir embora e me virar sozinha eram minhas joias e elas ficavam no cofre que meu
pai mantinha em casa.
Sem dinheiro, sem opções, sem sonhos, Ramon me pareceu a melhor opção. Afinal, ele não era tão
ruim assim. Porém, eu aproveitaria o pouco que me restou e foi por isso que decidi que iria à minha primeira
festa da escola.
Claro que escondida.
Micaela seria minha comparsa.
Ela também seria beneficiada.
Criamos um plano.
Como ela queria ir, aproveitei para usá-la. Mal sabia que se caso tudo desse errado, ela assumiria toda
a culpa sozinha. Se nos descobrissem, jogaria a culpa nela e que eu só estava ali para buscá-la. Mas acredito
que não tinha como dar errado.
Como parte do combinado, procurei meu pai para ter uma longa conversa. Disse que aceitava o
casamento e que não faria nada do contrário, como fugir de casa, que não o envergonharia, porém pedi que
me deixasse pelo menos ter um dia normal e dormir na casa de uma amiga antes de voltarmos ao sul.
Não disse o dia e com a ajuda de minha mãe ele deixou com a condição de que Micaela fosse junto.
— Ai... Sara. Obrigada! Você é a melhor irmã do mundo — cochichou comigo quando estávamos
saindo de casa para nos arrumar na casa de Laísa.
Micaela era outra. Não brigou mais comigo.
Era só uma noite e aproveitaria ao máximo.
Nos trocamos na casa desta amiga e mais duas se uniram a nós. Todas estavam animadas com o baile
dos formandos.
Elas insistiram que eu usasse um vestido mais curto, justo e não vi motivos para não usar, já que eu
queria apenas esse momento de liberdade e normalidade em minha vida.
Como eu não tinha levado nada de diferente das roupas e vestidos discretos, me emprestaram um lindo
vestido justo na cor azul, com um decote nas costas e que terminava agarrado no meio das minhas coxas.
Deixe meus cabelos soltos e permiti que me maquiassem.
— Está linda, Sara — Micaela fez o elogio assim que me viu vestida e toda arrumada para sairmos.
— Você também.
Pela primeira vez, desde que me entendo como irmã dela, estávamos nos dando bem.
— Se divirta, Sara. Você merece — Laísa me abraçou, incentivando.
E iria...
Eu não seria Sara Rosberg, uma cigana. Seria apenas uma jovem mulher, de 18 anos, que estaria
aproveitando a vida.

Quando chegamos à festa, já estava lotada. O tema era de fundo do mar, com várias conchas enormes
servindo de sofás para os casais. Havia bola de sabão voando pelo espaço.
— Vai com suas amigas, Micaela — disse e assenti —, se algo acontecer eu te procuro.
— Está bem.
Ela estava feliz e com certeza se sentindo do mesmo jeito que eu.
Livre...
— Precisa se soltar mais. — Laísa se aproximou e me puxou para o meio da pista de dança de vidro.
Por baixo dela havia luzes.
Tudo estava tão lindo e por mais incomodada que me sentisse por pensar que aqui não era meu lugar
tentei aproveitar, mas por fim estava cansada e aproveitei para tomar algo e procurar um canto. Meus pés
estavam me matando, não estava acostumada a usar sapatos de saltos tão altos assim.
— Está linda, confesso que estava doido para vê-la, mas não esperava que estivesse tão perfeita. E
que pernas... — Reconheci sua voz.
Meu coração acelerou e o senti querendo sair pela boca.
Não era possível que Ramon estivesse exatamente aqui. Só poderia ser uma ilusão, algo criado pela
minha imaginação.
Porém quando me virei para me certificar, o vi parado logo atrás de mim com as mãos no bolso da
calça.
Pisquei para me certificar que não fosse uma projeção imaginária.
— Parece que viu um fantasma — ele disse e sorriu debochadamente.
E de fato eu vi mesmo!
— Acho que sim e ele ainda está falando — retruquei sem conseguir acreditar que Ramon estava ali
parado bem na minha frente.
Ninguém sabia que eu e Micaela estaríamos no baile dos formandos da escola, não tinha a
possibilidade de ele saber.
Ramon gargalhou exibindo-se.
Eu estava muito fodida...
Mas o que e por que ele estava aqui?
— Não vai me dizer nada, minha doce Sarinha?
Ainda sem acreditar o encarei após olhar todo o local, me certificando de que não passava de um
sonho.
O que faria agora?
E como ele me descobriu?
Respirei fundo enquanto seus lábios se enviesaram em um sorriso debochado e conquistador.
Ah... por Sarah Kalí! E se ele me viu enquanto eu estava dançando com algumas pessoas da
minha turma, inclusive com Mellon, um carinha que sempre sentou logo atrás de mim nas aulas.
— Cadê sua língua, doce Sarinha? O gato comeu? — ironizou ao ficar me questionando.
Era melhor eu sair dali o quanto antes, sem que alguém percebesse o que estava acontecendo. Não
era uma boa hora para perguntas que nem mesmo eu tinha as respostas.
Sem deixar de encará-lo passei por ele e fui na direção da saída.
Ramon me seguiu como pensei e antes mesmo que alcançasse a rua, ele me segurou, impedindo que
eu fugisse.

— Te fiz uma pergunta, Sara. — Era perceptível que estava irritado. Seu tom de voz o denunciou.
Ramon me virou e ficou cara a cara comigo.
— O que estava fazendo ali?
Neguei com a cabeça sem saber o que lhe responder.
Pela primeira vez o vi agir sério, como se fosse meu dono. Ele me puxou até uma enorme pick-up
preta estacionada do outro lado da rua.
— Entra! — ordenou ao abrir a porta do lado oposto ao do motorista.
— Calma! — pedi e fiquei parada, não obedecendo-o. — Você está me machucando. — Puxei meu
braço e o empurrei, batendo com as mãos espalmadas na altura do seu tórax.
— Calma? — Ramon me encarou, em seu olhar pude ver como estava furioso.
— Você não é meu dono! — explanei no mesmo momento em que ele girou meu corpo e me prensou
contra a lataria da sua caminhonete.
— Não, mas você é minha e eu deveria nesse momento mostrar que eu sou bem melhor que essa
merda de festa — disse ameaçadoramente.
— Ridículo — rebati desesperada.
Sei que estava errada. Ele não havia feito nada demais, era só responder sua pergunta, mas ao invés
de ser direta deixei que pensasse ao contrário do que de fato era.
— Por que está vestida assim?
— Não sei se percebeu que ali — apontei na direção de onde estava sendo o baile dos formandos —,
está acontecendo uma festa.
— Não sou idiota, Sara. Eu sei o que é uma festa.
— Então por que está questionando minha roupa?
— Porque se seus pais a virem assim, vão trancá-la até o dia do nosso casamento.
— Está preocupado com isso? Pois parece que está gostando.
— Gosto do que vejo e não gosto de quem possa querê-la.
Seu olhar passeou por todo meu corpo e ao invés de me sentir ressentida, tudo em mim criou vida,
esquentando a ponto de me sentir prestes a entrar em combustão.
Que ódio por me sentir afetada assim...
— Como me descobriu aqui? E por que está aqui? — indaguei, tentando iniciar uma discussão para
desviar sua atenção.
Ramon não só me deixou acuada, mas também estimulou minha libido ao deixar seu rosto a
centímetros do meu, me fazendo sentir sua boca resfolegar a minha enquanto me questionava.
— Você não está em posição de fazer perguntas, só de respondê-las.
Tentei empurrá-lo, mas ele era bem maior que eu e seria impossível medir forças. Eu perderia
facilmente.
— Se afasta de mim! — pedi.
— Não! — o tom da sua voz abaixava conforme seus lábios se apertavam contra os meus.
Mas eu ainda tinha uma saída e beijá-lo não era uma delas. Por isso assim que percebi o que estava
prestes a fazer, virei meu rosto para o lado, dando acesso ao meu pescoço.
Ramon afundou seu rosto na curva e me assustei quando senti sua língua deslizar audaciosamente,
subindo até meu ouvido.
Arfei.
— Não sou um homem comum. Não se esqueça que vivi fora daquele acampamento e sei muito bem
ser alguém tão normal quanto você deseja ser — Ramon sussurrou.
Tentei sem sucesso afastá-lo enquanto ainda tinha controle sobre minhas vontades.
— Não quero que me toque — pedi baixo, quase em um tom choroso. O que fez ele se afastar e me
encarar novamente.
— Só a tocarei se quiser e sei que quer muito.
— Deixa de ser um idiota, Ramon. Poderia pelo menos conversar direito comigo?
— Então, sobre o que você quer conversar? — ele perguntou e recuou um pouco mais, cruzando os
braços na altura do seu peito.
— Acha mesmo que está em posição de querer conversar sério?
Novamente senti o peso do seu olhar lascivo sobre meu corpo, parando em minhas pernas.
— Ramon, por favor! Eu posso explicar!
— Que estava numa festa da escola?
— Eu queria poder me despedir das minhas amigas, já que daqui algumas semanas eu não as verei
nunca mais.
Não que minha desculpa fosse uma mentira, eram apenas meias verdades.
E sim, eu queria poder ser pelo menos uma noite como elas.
— Não me importo que esteja em uma festa, Sara. Só não quero saber e muito menos imaginar que
alguém a tenha beijado. Não estou aqui para recriminá-la. Eu também já fui em várias e não vejo mal algum
você querer viver livremente. Porém...
Ao mesmo tempo que sua confissão me causou um certo alívio acabou me fazendo sentir algo a mais,
como se ele me compreendesse. Algo que antes não tivemos a oportunidade de falar.
Foi nesse momento que percebi que eu e Ramon não sabíamos quase nada um do outro.
Mas esse porém e seu sorriso debochado me fez sair rapidamente dessa sensação boa.
— Contarei para seus pais onde você estava.
Sorriu vitorioso.
Por segundos pensei que ele fosse me entender, no entanto, não poderia confiar nele. Ramon desde o
dia em que nos conhecemos deixou bem claro com suas atitudes que ele gosta de sempre ter o controle da
situação.
— O que será que eles vão dizer da filha deles vestida deliciosamente em uma festa com um monte de
gadjons?
Fechei os olhos controlando minha vontade de enfrentá-lo, mas sei que se ele cumprisse com o que
disse amanhã mesmo eu estaria voltando para o sul casada com ele.
— Não faz isso, por favor! — pedi, pronta para implorar.
— Não sei... — Ramon descruzou o braço e gentilmente tocou em meu cabelo, deixando a mecha
deslizar entre seus dedos —, o que eu vou ganhar? Não me sinto bem em mentir para seus pais — concluiu
com cinismo.
Que ódio...
O babaca arrogante estava querendo barganhar para esconder onde eu estava.
Neguei com a cabeça, me decidindo o que faria.
— O que você quer?
Preferi não bater de frente com ele. Talvez não fosse fazer uma exigência absurda.
— Você sabe muito bem o que quero, Sara!
— Eu não sei. Você é imprevisível. Se não dizer, não saberei.
Ramon olhou para os meus pés e foi subindo até deixar seu olhar preso em minha boca.
— Você está louco? — perguntei, interpretando a forma como estava me encarando.
— Por que não? Não quero nada de você que não possa me dar. Seja obediente apenas e pare de
achar que sou desprezível — suavizou ao concluir.
Aliviada respirei melhor, deixando todo o ar preso sair.
Achei que fosse ser babaca e exigir algo que talvez nos prejudicasse.
— Vamos dar uma volta e conversar melhor. Quero saber mais de você.
Assenti e entrei em sua caminhonete, aliviada
— Eu não o acho desprezível — disse após ele entrar ao meu lado, assumindo a direção da pick-up.
— Não é o que parece — ele respondeu tranquilamente e deu partida no motor.
— Por que está aqui? — perguntei, me sentindo mais aliviada enquanto saímos da frente da festa.
Ele não me respondeu e estacionou novamente sua caminhonete em uma rua mais à frente, em um
lugar mais tranquilo.
— Porque queria te ver! — me respondeu assim que desligou o carro.
— Ah... — Abri minha boca para respondê-lo, mas fui pega de surpresa quando virou e jogou seu
peso todo sobre mim. Respirando pesado e me encarando senti suas mãos subirem pelo meu pescoço
enquanto sua boca se aproximava da minha.
Ele iria me beijar.
Desde que nos conhecemos, Ramon deixou bem claro que não seguiria as tradições e me beijaria
quando quisesse. E bem no meu íntimo eu queria muito que ele fizesse exatamente isso. Por isso não o
empurrei e fechei os olhos quando senti seus lábios repousarem suaves sobre os meus, permitindo que sua
língua passasse e se enroscasse com a minha, movimentando em sintonia.
Por mais raiva e irritada que ficasse com ele, meu corpo respondia por minhas vontades e desejo.
— Não sabe o quanto pensei em você e vê-la vestida assim está sendo uma grande tortura, Sara —
sussurrou, arfando contra meus lábios ao encerrar o beijo, após chupar meu lábio inferior.
Não foi como das outras vezes que cedi por não conseguir controlar o desejo. Desta vez eu esperava e
o recebia, correspondendo essa deliciosa sensação que meu corpo liberava com cada toque seu.
Ramon tocou meu rosto gentilmente e me puxou para seu colo em seguida.
Montada nele, me acomodei e sentei melhor sobre suas coxas firmes e musculosa.
— Por Kalí... — Ramon sibilou quando tomei a inciativa. Eu segurei seu rosto entre minhas mãos e o
beijei, deixando de lado minha raiva, minhas frustrações, para aproveitar e extravasar toda a excitação que
ele exercia sobre meu corpo.
Foi tão fácil tomar o controle quando meus lábios exigiram os seus. Eu buscava cada canto da sua
boca com minha língua, mordiscando e puxando seu lábio inferior entre meus dentes.
Era bom... muito por sinal.
Tanto que não percebi quando meu vestido subiu um pouco mais, enrolando-se na metade da minha
bunda, me deixando exposta e de calcinha, totalmente à sua mercê. Contudo, não me importei, já que dentro
de semanas isso seria comum entre nós dois. Então aproveitei o que estava sentindo, saciando essa fome que
nunca soube que existia.
— Porra... — ele rosnou sexy, sem deixar minha boca sair da sua.
Indiscutivelmente, nunca me senti tão bem; com sensações mistas, que exalavam por todo meu corpo.
Minha virilha formigava de um jeito desesperado, implorando por alívio.
Eu estava molhada e pela primeira vez quis que Ramon pulasse qualquer tradição e agisse como se
fôssemos um casal normal se pegando dentro de um carro, sem se importar com qualquer um que nos visse.
— Ai... — arfei quando senti seus dedos cravarem em minha bunda, apertando meu quadril contra o
volume sob meu púbis.
Era virgem, mas não ignorante a ponto de não saber o que era uma ereção. Está certo que nunca
experimentei o que estava sentindo e que também não tive experiências com meu corpo, mas sempre fui
curiosa e sabia exatamente em que caminho eu e Ramon estávamos entrando.
Sem volta e sem remorsos, declarando livremente que eu seria sua.
— Sara... — não deixei que falasse ou parasse o que estávamos fazendo. Eu precisava desse
momento. A sensação que buscava para saciá-la se tornava desesperadora. Mais que seus dedos me
marcando, exigindo que eu me movimentasse.
Como era bom...
Esse misto de dor, com a pressão da sua ereção se apertando contra meu sexo era incrível. Quanto
mais me mexia, mais gostoso ficava.
Balancei meu quadril, embalando-o para frente e para atrás, me esfregando literalmente em seu corpo.
E cada vez que eu aumentava o ritmo, mais me via débil para aliviar essa sensação que comprimia meu
ventre.
Não me reconhecia, agia ousadamente ao me movimentar, rebolando sobre suas coxas e o grande
volume coberto pelo seu jeans. Me esfregava sem pudor algum, apertando minha vagina contra seu quadril
em desespero, indo até sentir aquela dor gritante e pulsante se aliviar em forma de gozo.
— Ramon... — gemi seu nome, não conseguindo controlar minha respiração ofegante, ao sentir que
aquela pressão no baixo ventre me invadiu por completa, me fazendo não só tremer, mas todos os pelos do
meu corpo se arrepiarem de uma vez só.
Agarrei-me firme a ele, afundando meu rosto na curvatura do seu pescoço, esperando toda essa
explosão de sentimentos se acalmarem.
Foi maravilho. Era como se tivesse caído dentro de um vórtice que me tragava poderosamente, me
dando a melhor sensação que já senti um dia.
— Você é perfeita — Ramon sussurrou ainda me agarrando firme, me tocando gentilmente com suas
mãos no meio das minhas costas.
Completamente mole, me afastei e encarei seus olhos. Eles, em especial naquele momento,
apresentavam um brilho incrível, me transmitindo confiança e algo que ainda era completamente estranho e
incompreensível.
— O que mudou? — perguntei fitando seus lábios entreabertos.
Assim como eu, ele respirava ofegante e pausadamente.
— Tudo! Mas da próxima vez em que gozar, vou estar dentro de você, dizendo o quanto mudou entre
nós dois. — Ramon voltou a me beijar, porém foi calmo e lento.
Depois da tempestade sempre vem a calmaria. Assim fomos nós dois, entre brigas e beijos,
completamente suados e entregues dentro daquela caminhonete com o desejo nos consumindo por
inteiro.
Capítulo 15
Chegamos na cidade em que Sara morava no fim de tarde.
Não estava em nossos planos vir tão próximo do casamento, era para ter sido bem antes, porém
tivemos um imprevisto que não dava para ser adiado mais. Precisávamos comprar o vestido de casamento
dela enquanto todo o restante estava sendo organizado no sul.
Em nossa cultura, quem paga toda a festa de casamento, desde o que a noiva vai usar até seu dote, é a
família do noivo e pelo grande ego de Miro Rosberg essa festa prometia. Era uma honra para um pai casar
seu filho e ganhar uma filha e descendente para propagar seu nome.
Ficaríamos por uma semana na casa de Valter e Soraia. Minha mãe iria com Sara e Soraia comprar ou
mandar fazer o vestido. E eu precisava ainda comprar algumas coisas para terminar a construção de onde
iríamos morar.
Desde aquele fim de semana não nos falamos mais, já fazia três meses que tudo aconteceu.
Apesar de que, fiquei entretido com tudo e acabei me afastando também. Sara precisava lidar com a
aceitação e preferi me manter distante por um tempo.
Sei o quanto tudo está sendo difícil para ela, porém eu aceitei tudo muito mais rápido. Acabei me
deparando entre o desejo desenfreado que senti por ela e a ficar negando o óbvio. Casaríamos de qualquer
maneira, a não ser que ela ou eu fugisse, mas como por mim estava tudo certo, agora só dependia dela.
Confesso que pensei muito nela e cada vez mais Alina apenas se tornava parte do meu passado
escondido.
“— Achei que chegariam apenas amanhã.”
Valter nos disse quando atendeu o telefone.
Minha mãe ligou avisando quando paramos para almoçar no caminho. Nossa intenção era chegar pela
manhã, mas conseguimos adiantar em poucas horas.
Por um momento fiquei constrangido de chegar adiantado, no entanto, ao se aproximar da casa de
Sara meu coração disparou por poder vê-la logo.
Não era saudades, mas sim o desejo de saber como estava, porém fomos informados que ela e sua
irmã estavam na casa de uma amiga. Que haviam permitido por Sara mostrar-se mais aberta ao casamento e
que este havia sido o único pedido que fez.
Soraia e Valter pediram para que fosse buscá-la e me passou o endereço, contudo ao chegar na casa
da tal amiga os pais dela me informaram que não estavam, que haviam ido na festa da escola.
Que danada e mentirosa!
Sara não era nada inocente. Sabia muito bem como enganar seus pais. Não que me ressentisse por ela
ter ido, mas fiquei curioso para saber como e com quem estava.
E me surpreendi quando a vi parada de vestido curto, de cabelos soltos e maquiagem pesada.
Totalmente diferente da que conheci meses atrás. Claro que estava linda. Os saltos altos deixavam suas
pernas ainda mais torneadas. Não só elas, mas a forma como o tecido do vestido se agarrava acentuou ainda
mais suas curvas, deixando-a perfeita.
Fiquei um pouco mais afastado, logo atrás dela, e não deixei que me visse a princípio. Queria ainda um
pouco admirá-la, observando como estava quieta em um canto, mas foi por pouco tempo, não consegui me
segurar e fui até ela.
Discutimos a princípio assim que ela saiu e não me respondeu o que estava fazendo. Me levou à
loucura por não ter resposta e agi por impulso, a levei até a caminhonete. Porém tudo mudou quando
compreendi que com ela nada seria simples e fácil.
Sara tinha um temperamento forte, não que isso fosse ruim. Não me importava, sei que agia assim
apenas para mostrar que não queria ceder. Assim como ela, eu também quis tantas coisas que nossa cultura
não nos permitia fazer. Jamais a veria com outros olhos. Inclusive, vê-la como uma mulher normal, só
aumentava ainda mais todo esse sentimento novo que descobri nesses últimos meses.
Confesso que fiquei enciumado por pensar que alguém a desejaria como eu, no entanto, ao beijar sua
boca e sentir suas resistências ruírem foi incrível, uma experiência única.
Sara teve seu primeiro orgasmo sem que eu estivesse dentro do seu corpo e foi lindo assisti-la
enquanto ela ofegava entre gemidos e meu nome escapando de sua boca. Por minutos a segurei até ela
conseguir entender o que acabou de acontecer entre nós.
Com meu pau melado e dolorido, com certeza estaria todo esfolado também, mas valeu cada sensação
que foi ao sentir seu corpo corresponder àquele beijo, quente e voraz.
Gostosa e só minha...
Foi tudo que consegui pensar, quando me perguntou o que mudaria, no entanto, não respondi que esse
casamento sairia agora a qualquer preço. Não deixaria que ela escapasse de mim. Apenas prometi que da
próxima vez que gozasse eu estaria dentro dela e chegaríamos ao clímax juntos. Mesmo querendo mais dela
nesse momento, me contentaria em dormir com a linda imagem dela, rebolando sobre meu pau excitado,
gemendo meu nome contra meus lábios e esperando ansiosamente para o dia em que a tocaria sem ter as leis
do nosso povo para nos reprovar.
— Não vou contar para seus pais. — Segurei seu rosto entre minhas mãos quando estava
aparentemente mais calma e afirmei.
Não a trairia a ponto de entregá-la, apenas estava irritando-a.
— Você disse que tudo mudou... — Sara iria me questionar, mas a silenciei, beijando-a novamente.
— E sim... tudo mudou — disse tranquilamente. — Está linda! — a elogiei em seguida.
Não queria discutir com ela depois do que aconteceu, queria apenas aproveitar esse momento.
Sara tentou se afastar, mas a impedi.
— Aonde pensa que vai? — A segurei e acariciei seu rosto enquanto me encarava.
— Vamos conversar!
— Para que, se podemos fazer coisas melhores? — brinquei.
Mas é claro que continuar beijando era muito melhor que começarmos a discutir novamente por
bobeira.
— Se for me ofender vou te beijar, mais e mais, até que não tenha força para brigar comigo.
— Não vou discutir com você — ela me respondeu, tentando abaixar seu vestido.
Acredito que estava com um pouco de vergonha.
— Isso, boa menina — não me contive e a provoquei.
Sara revirou os olhos e bufou, me divertindo com esse seu temperamento forte.
— Idiota. Como você é arrogante — ela retrucou, se remexendo novamente contra meu pau, me
fazendo ficar excitado de novo. Era melhor ela parar, já estava à beira do colapso nervoso depois da linda
cena que presenciei em meus braços.
— Mas sou seu! O seu idiota. E você é a minha gatinha selvagem — peguei uma mexa do seu cabelo
e enrolei entre os dedos —, você é linda demais, Sara. Acho que... — não terminei de dizer, que estava me
apaixonando por ela.
Não iria assustá-la.
Para disfarçar, tornei a beijá-la, ficando entre troca de beijos e carícias por mais de uma hora dentro da
caminhonete, evitando nos provocar. E foi tudo ainda mais intenso. Era como se todas as barreiras entre nós
tivessem caído, tornando tudo mais leve e receptível.
— Precisamos voltar — Sara me informou e ajudei-a a se ajeitar, tanto o vestido quanto seu cabelo.
Ela precisava buscar Micaela e encontrar com a amiga.
Após me apresentar para sua amiga, as levei para a casa dela.
— Papai sabe que estava com Ramon por aí? — Escutei quando sua irmã a questionou, ao ficar um
pouco para trás esperando que entrassem na casa da amiga.
— Sabe sim, ele que deu o endereço de Laísa — Sara respondeu sem dar muita importância para a
pergunta.
— Mas não sabe que esteve sozinha com ele — Micaela a provocou.
— E nem vai saber, se contar vou dizer que foi para uma festa escondida.
— Mas você também foi.
— Não, eu estava com Ramon. — Sara olhou para mim e sorriu.
— Te odeio, Sara.
— Eu também.
Chegava a ser engraçado essa dinâmica de irmã implicante entre as duas.
— Tchau, Ramon — Micaela despediu enquanto ficamos ainda nós dois a sós e antes de ir embora
beijei Sara prometendo buscá-la pela manhã.

Voltei no dia seguinte para buscar Sara com a permissão de Valter, não deixei que ele percebesse o
quanto estávamos mais próximos e tendo intimidades da qual o deixaria louco de raiva comigo. Não queria
quebrar essa confiança que estava depositando em mim.
Sara me abraçou, me surpreendendo quando viu que eu havia ido buscá-la sozinho.
Foi tudo tão natural, como se estivéssemos nessa rotina de namorados há tempos.
Não teve ofensas, apenas olhares e aquela vontade absurda de beijá-la, mas não arriscamos na frente
de Micaela. A irmã poderia contar e criar uma grande confusão.
Nas semanas seguintes, não houve mais brigas, estava tudo muito bem entre nós dois. Sara estava
mais carinhosa e nossa convivência muito melhor que no início. Eu ainda a provocava de vez em quando, só
para vê-la irritada. Era deliciosamente proibido e confesso que extremamente excitante. Acabávamos os
impasses em beijos ainda mais quentes.
Tirar a minha ciganinha do sério era como colocar fogo em um paiol com muita palha seca.
Ela era pólvora e TNT ao mesmo tempo.
— Nos veremos daqui a três semanas, se comporte — disse ao me sentar próximo dela no sofá.
Estávamos nós dois sozinhos na sua casa. Seus pais, minha mãe e sua irmã foram comprar algumas
coisas para levarmos para o acampamento.
— Deixa de ser babaca, Ramon. O que acha que vou fazer? Fugir? — rebateu sem paciência.
— Se fugir vou atrás de você e te amarro — incitei e deixei meu corpo cair sobre o seu, cobrindo-a
com meu tamanho, ficando entre suas pernas.
— Não tenho medo — Sara respondeu e sorriu, percebendo minhas intenções.
Cada momento a sós com ela acabávamos nos beijando, aproveitando cada minuto em que estávamos
juntos, sem que nos vigiassem.
— Criei um monstro. — Ela se ajeitou e ergueu seu rosto na minha direção oferecendo sua boca.
— Vai dizer que não gosta? — me provocou, mordendo os lábios lascivamente.
— Estou me controlando, eu juro — respondi ficando com a boca a centímetros da sua.
— O que vão dizer do Santo Ramon se souberem que corrompeu sua noiva?
— Vão me banir, ou será minha em questão de horas. E eu poderei fazer tudo que tenho em mente
com você.
— Me diga o que tem em mente — ela me incitou, lambendo minha boca.
— Porra, Sara.
— Cuidado com o que fala.
— Você não me ajuda.
— Você também não. — Sara não me deixou responder ao puxar meu lábio inferior com seus dentes.
Eu já estava no meu limite e ultrapassei ao deixar sua boca, deslizando meus lábios pela sua pele.
Descendo sem me privar de tocá-la onde queria.
Sara ofegava e jogava sua cabeça para trás, me dando mais acesso àquela faixa de pele do seu
pescoço perfumado enquanto minhas mãos brincavam com sua cintura fina, passando por debaixo do tecido
da sua blusa.
Apertei-a. Não me contive ao subir um pouco mais e pela primeira vez tocar em seus seios. Ela estava
sem sutiã e seus mamilos endureceram à medida que eu os rodeava com a ponta do indicador. Fiquei por
minutos brincando com eles. Eram pequenos e rosados como as aréolas. Estava completamente possuído por
esse desejo que não me controlei e subi todo o tecido, deixando-os para fora. Um a um envolvi com minha
boca e novamente tive uma das cenas mais sexys que poderia ter com uma mulher. Sara ofereceu-os para
mim sem pudor.
Caralho... que gostosa.
Mesmo inexperiente Sara era ousada.
— Você está ferrando com meu autocontrole.
— Para de falar...
Era perigoso e ela não fazia sequer ideia do que estava prestes acontecer.
Minhas mãos já tinham vida própria, ao deslizar por seu corpo, possuindo cada curva dele. Então não
me segurei e fui até sua boceta. Desde a noite da caminhonete me controlei para não a tocar, mas a cada
beijo, cada momento que nossa intimidade avançava, se tornava impossível resistir a tocá-la como realmente
queria. Porém, mal consegui chegar no elástico da sua calcinha quando escutamos o barulho da porta se
abrindo.
— Eles chegaram — avisei rápido, me levantando em um salto só.
Se vissem minha situação as coisas não seriam tão pacificas.
Estava muito excitado e precisava me acalmar. Ir para o banheiro, tomar um banho seria a melhor
opção. Sara poderia sair dessa sem mim.
Ainda naquele dia, no meio da noite, fui surpreendido por ela vindo até onde estava deitado. Ela me
beijou achando que estava dormindo, mas desde o momento que se aproximou senti seu perfume e como
ainda estava acordado fechei os olhos e deixe que pensasse que estava em sono profundo.
Seus lábios encostaram suavemente sobre os meus e assustando abri olhos e a abracei, perdendo-a
entre meus braços.
— O que estava fazendo? — perguntei depois de encerrar o beijo.
— Me despedindo de você — ela disse como se fosse um adeus.
E foi nesse momento que me senti aflito por pensar na possibilidade de ela fugir e não se casar mais
comigo.
— É um adeus? — perguntei temeroso.
— Tudo mudou. Ainda acha que é um adeus? — Sara se desvencilhou, levantou e saiu na direção da
porta, parando sob o batente.
— Não sei. Você só vem me surpreendendo — respondi após me sentar na cama.
— O que ganho se eu te contar?
— Você já tem tudo que posso lhe dar...
— Nem tudo. Vou dormir só para amanhecer e poder esperar a noite chegar logo. Será assim por três
semanas até eu poder vê-lo de novo.
Sara deixou o quarto diferente de quando cheguei. Até seu tom de voz havia mudado e a cada minuto
mais eu me apaixonava por ela.
Capítulo 16
Ramon precisou ficar sete dias muito próximo de mim para me fazer repensar o que eu queria. No
início, eu só gostava de beijá-lo, mas depois se tornou uma necessidade absoluta me perder naqueles lábios
possessivos, que não só me proporcionava prazer, mas uma sensação de preencher algumas lacunas que
nunca pensei que existissem em mim. Ele alimentava essa fome e seus toques se tornaram indispensáveis.
Aquele cigano debochado sabia exatamente onde me tocar, me fazer sua de um modo especial.
Sei que era apenas o começo de tudo.
Depois do dia em que nos beijamos dentro da caminhonete, não consegui mais resisti-lo, a cada
chamado meu corpo me traía de uma forma escancarada e abusada.
Não estava me reconhecendo e eu queria sempre mais, nos controlando, mas uma vez ou outra as
coisas entre nós esquentavam e quase perdíamos o total senso de segurança.
Todas as vezes que ultrapassávamos dos limites eu desejava que ele fosse até o fim. Já tinha mesmo
me rendido, então que ele saciasse toda minha necessidade, porém era necessário que eu chegasse até o dia
do casamento virgem, mas Ramon já havia dominado cada parte do meu corpo apenas tocando-o
habilidosamente, por mim não teria problema algum se pulássemos todo esse ritual.
Ainda tínhamos nossos embates. Ele fazia questão de me provocar sempre que possível, porém não
tínhamos mais aquela dinâmica de uma guerra declarada, acabávamos desesperados um pelo outro. Entre
beijos, carícias e anseios para que esse casamento arranjado chegasse logo.
Quem diria que eu estava mudando minhas vontades apenas porque eu o desejava
ardentemente.
Comecei a contar os dias para nossa ida ao sul. Seria uma viagem só de ida para mim, o que
significava que meus antigos sonhos estavam morrendo. Eu já não tinha tantos desejos de estar sozinha neles,
passei a querer que Ramon tivesse em todos comigo. Ele havia conquistado um lugar especial nos meus
planos.
Se era paixão eu não sei, apenas ele me fez ver que eu dependia de muitas outras coisas para ser feliz.
Pelo menos todos estavam se esforçando.
Meus pais me tratavam como se fosse um cristal, dedicando tantos cuidados. Constância e Miro,
fizeram questão que tudo ficasse do meu gosto, eles queriam que tudo fosse perfeito e púnico. E eu só queria
pertencer ao filho deles e que ele fosse somente meu.
Ainda tive que lidar com toda aquela história de Esmeralda se achar no direito sobre Ramon. Acabei
me tornando possessiva e cheia de ciúme quando conversamos sobre aquela noite. Porém mesmo não
aprovando sua atitude de elogiar outra mulher, o entendi e acreditei no que me disse.
Ramon não tinha me dado motivos para desconfiar que estivesse me dizendo o contrário. Estávamos
nos entendemos bem, não só nos beijávamos, nos dias em que ficou por aqui, cantamos enquanto ele tocava
violão, nos divertimos muito. Foi aí que tudo mudou.
Ele me atraiu de todos os modos. Era simples e me encantou ainda mais quando contou seus motivos
para se tornar médico ao querer ajudar as pessoas do acampamento. Fiquei maravilhada em descobrir esse
seu lado mais humano.
Tudo parecia perfeito. Ele prometeu me fazer uma surpresa no dia da despedida, o que me deixou
curiosa e ansiosa. Meus pais estavam felizes. Constância também foi embora muito satisfeita, minha futura
sogra disse que estava mais tranquila com o clima cordial entre nós, e como estávamos nos entendendo
melhor. Mal ela sabia que o filho não perdia uma chance de me devorar com sua boca todos as vezes que
podia.
Em certos momentos, ela nos olhava e sorria, como se soubesse o que estava acontecendo ente nós.
Será que estava difícil esconder todo esse desejo crescente?
Eu precisava apenas de mais um dia para ter essa certeza. Amanhã estaríamos voltando ao sul, eu
estaria deixando a casa dos meus pais para ter a minha, com uma única certeza de que eu ainda poderia ser
feliz, mesmo não realizando meus sonhos.
Arrumei minhas malas, guardeis meus vestidos e tudo já estava em malas espalhadas pelo chão do
meu quarto. Restando apenas minha cama, onde eu dormiria pela última vez.
Por um momento entrei em um estado de nostalgia quando estava dobrando meus vestidos. Chorei
solitária por pensar que não teria meus pais mais por perto, o sentimento de vazio me tomou com uma força,
me fazendo duvidar da decisão que tomei em aceitar me casar com Ramon.
Micaela me ajudou e acabei deixando algumas coisas minhas para ela, mas acabamos discutindo
porque dei o que já não gostava mais. Porém o amor e o sentimento fraternal me fez abraçá-la quando me
despedi antes de dormir. No fim, eu sentirei muita falta das suas birras e das implicâncias. Papai e mamãe,
por mais contente que estavam, me abraçaram como se nunca mais fôssemos nos ver.
Mal dormi de ansiedade e a viagem até o sul demorou bem mais do que da outra vez. Um caminhão
nos acompanhou levando algumas coisas extras para a festa. Já estava quase anoitecendo quando chegamos.
Fomos recebidos por alguns parentes e pela família de Ramon. Todos nos abraçavam alegremente.
Desci do motorhome procurando por ele, mas não o vi em canto algum e fiquei triste quando soube que
não estava lá para me esperar. Foi como se me sentisse abandonada de um modo sem importância.
Talvez essas semanas ele tenha se cansado e por isso não estava ali. Ressentida, tentei me distrair e
esquecer por um tempo a falta que me fez.
Constância e algumas mulheres estavam animadas com os vestidos que eu usaria nos dias das festas.
Ela não só proibiu as suas outras noras de verem como também deixou claro sua preferência e sua felicidade
por este casamento.
Também conheci os irmãos de Ramon. Todos eram muito bonitos, mas meu cigano arrogante ainda era
o mais bonito. Eles tinham cabelos compridos, eram altos e muito sociáveis.
Miro e Constância estavam com tantos cuidados comigo, já não me chamavam pelo meu nome e sim
de minha filha.
— Não se deixe levar, Constância não é o doce de pessoa que aparenta.
Estava sozinha em uma das tendas que preparam para eu ficar quando uma das cunhadas de Ramon
apareceu para me ajudar a organizar minhas coisas.
Flora é a esposa do irmão mais velho e prima de Esmeralda. Algo nela me chamou atenção. Não sabia
dizer o que, mas me senti acuada quando mencionou maldosamente sobre a própria sogra. Porém, fingi que
não havia escutado o que disse.
Não tinha o porquê achar nada e muito menos me deixar ser levada por um comentário desses.
Constância, mesmo antes quando rejeitei seu filho, sempre se mostrou carinhosa e atenciosa comigo. Por isso
não quis dar créditos ao que me disse.
Não satisfeita, o tom e sua presença me fizeram ficar tensa. Ela me perguntava coisas sobre minha
vida e instigava alguns comentários sobre coisas que aconteciam aqui. Não era uma boa pessoa a se confiar.
Em resposta, apenas respondi o óbvio na tentativa de que fosse logo embora. No entanto, parecia que ela
fazia de propósito e continuava. Já estava pronta para pedir que fosse embora, mas quando me virei Ramon
estava parado próximo à entrada, segurando a lona que fechava a tenda.
Fui tragada pela sua presença e não consegui ter nenhuma reação sequer.
Como pode alguém ter tanto poder sobre as atitudes de outra?
Questionei-me em pensamentos.
Ramon não só fez com que tudo naquele momento sumisse, mas me deixou sem saber o que fazer.
Ele concentrava seu olhar em mim e eu nele, deixando visível toda atração que estávamos sentindo.
— Olá, Ramon! — Flora interrompeu o momento silencioso.
Ele não a respondeu e ficamos esperando até que ela nos deixasse a sós.
— Oi! — Ramon disse primeiro vindo até onde estava.
Por mais contente que estivesse por ele estar ali, ainda me sentia ressentida por não tê-lo visto quando
cheguei.
— Oi — respondi sem demonstrar o que estava sentindo.
Ramon titubeou ao me abraçar, ficando apenas muito perto, encostando a ponta do seu nariz no meu e
pegando minhas mãos.
— Estou suado, Sara! Vim porque estava com saudades — se justificou e se afastou após beijar minha
testa.
O que estava acontecendo?
Intrigada o encarei, procurando respostas para essa distância em que me tratou.
— Estava trabalhando em algo e acabei de saber que haviam chegado — Ramon continuou estranho e
distante —, por isso estou todo sujo.
Neguei com a cabeça, criando tantas suposições que não acreditei que ele estava preocupado em estar
sujo. Achei que ficaria feliz em me ver e não desse jeito todo frio. Poderia ser apenas cisma da minha
cabeça. Talvez só estivesse cansado e se sentindo sujo. Pelo menos suas roupas confirmavam que estava
dizendo a verdade.
— Chegamos não tem muito tempo —, me aproximei ao informá-lo e tentei abraçá-lo, mas ele se
afastou. Tentei mais uma vez e ele fez o mesmo, ao disfarçar ajeitou alguns fios de cabelo que soltavam do
rabo que prendia o restante.
Insisti e por fim, pela terceira vez que se mostrava receoso comigo, me afastei irritada.
— Ei! O que foi? — perguntou e se aproximou como se nada estivesse acontecendo.
— Nada! — respondi rancorosa.
Nada sim! Queria meu beijo.
Ramon se aproximou, mas não me tocou.
— Achei que não iria vir. Que teria fugido!
— Estou aqui — chateada respondi e virei o rosto para o lado, desviando meu olhar do seu.
— Estava contando os dias para te ver...
Que ódio!
Ramon agia como se estivesse tudo bem. Será que ele não percebia o quanto se manter distante de
mim estava me deixando triste? Esperava que me recebesse com o mesmo sentimento daquela noite, quando
fui no quarto que estava e me despedi.
— Está ainda mais linda do que nunca. Minha saudade é tanta, Sara, que estou com medo de
machucar você — ele segurou meu rosto ao terminar de falar e me fez encará-lo novamente.
— Por que isso agora? — me afastei irritada após questioná-lo.
Não dava para entendê-lo. Ramon não agia assim, ele era possessivo em alguns momentos e em
outros debochado e em nenhum deles carinhoso, todo romântico.
— Nada, Sara. E por que já está toda nervosinha? Não fiz nada demais — me perguntou, encurtando
o espaço entre nós.
— Deixa para lá — Resolvi não falar que estava me sentindo completamente frustrada por chegar
aqui e não vê-lo e agora por não me beijar.
— Não vou não! Diga o que está acontecendo e por que está brava comigo?
Sem me dar espaço para responder, Ramon me pegou de surpresa, com seus braços fortes me
puxando para o centro deles, fazendo com que nossos corpos chocassem um contra o outro. E em um assalto
sua boca tomou posse da minha, com sua língua me invadindo com urgência. Bem como queria desde que o
vi.
O abracei, envolvendo sua nuca com minhas mãos enquanto o movimento dos nossos lábios
aumentava em desespero.
— Ah... Sara! — Ramon arfou e se afastou sorrindo quando escutamos vozes femininas próximas da
entrada.
Não me contive e sorri, satisfeita por ele entender que era dos seus beijos que precisava.
Constância acompanhada de outras mulheres entrou e nos encarou, olhando nós dois ressabiada.
Disfarçando, Ramon saiu sem falar nada enquanto eu voltava para minhas coisas e para a mala aberta sobre
uma mesa. Depois desse episódio, não consegui ficar mais sozinha. Sempre tinha alguém me acompanhando
por onde ia. Ramon, em um dos momentos que conseguimos apenas conversar me contou que sua mãe pediu
para evitarmos ficar sozinhos. Era para evitar os falatórios até no dia do casamento, no entanto, eu e Ramon
não obedecemos. Depois de dois dias sem conseguirmos ficar a sós, ele ficou logo atrás de mim enquanto
estávamos juntos de nossos pais. Ele segurou minha mão e com o a ponta do dedo médio ficou fazendo
círculos na palma dela.
Sorri sem olhar para trás, tentando disfarçar, porém quando sua mãe percebeu suas intenções ela o
expulsou.
— Não fiz nada! — Ramon levantou as mãos para o alto, rendido e se justificou ao sair de perto de
mim.
Quando conseguiríamos um tempo só nosso antes deste casamento?
Ainda faltava mais uma noite para o dia...
Capítulo 17
Foram os 15 dias mais longos. Nunca esperei tanto para ter algo como estava contando os dias para
que Sara fosse minha de todas as formas.
Ainda faltava alguns dias para o casamento, exatamente uma semana e logo mais tarde ela estaria
chegando junto com seus pais.
Medo e receios fizeram parte constante de todos os momentos desde que voltei para o sul. Talvez Sara
fugisse e todo aquele sentimento que estava sentindo por ela despedaçasse ao meio, mas fiquei aliviado em
saber na noite passada que chegariam logo, mais para o fim de tarde.
Passei o dia todo próximo ao lago terminando alguns detalhes na cabana. Queria que tudo ficasse
perfeito. Ela merecia e eu estava completamente envolvido com tudo. Diferente de meses atrás quando me
sentia sentenciado a um futuro preparado pelos nossos pais.
Não sei se toda essa euforia era pelo simples fato de que não tinha muitas escolhas e acabou que Sara
foi uma opção incrivelmente maravilhosa, ou se era real o que estava sentindo por ela.
Fazíamos parte dessa cultura, onde os filhos já crescem com destinos pré-definidos pelos seus pais e
não fugimos à regra.
Por anos economizei, vendi, fiz trocas e consegui guardar um bom valor, fora todo o dinheiro que
ganhei vendendo carros reformados antes de entrar para a faculdade de medicina. Ainda não sei o que faria,
mas tudo que poupei daria para dar uma ótima vida para Sara e construirmos nossa família. Algumas noites
pensei sobre filhos e como seriam. Queria ter vários, mas ainda tudo era tão novo que deixaria para depois.
Sara ainda era nova e sei do seu sonho de conhecer vários lugares, talvez poderíamos ir em alguns deles.
Deixaria para ter essa conversa com ela depois que casássemos, a princípio ficaríamos por aqui, até
porque queria ainda colocar em prática tudo que aprendi para ajudar aos que moravam no acampamento.
Caminhei sobre o piso de madeira e olhei para Bóris, que estava terminando de prender nas estruturas
os cortinados que mandei fazer para nosso quarto. Eu e ela vivendo em espaços divididos talvez a deixasse
mais confortável, como se estivesse na casa dos seus pais.
Quando estive na capital comprei algumas coisas para terminar a construção. A plataforma era grande
e a projetei bem na beira do lago, com um deque que dava para as águas. Também instalei um fogareiro
externo para as noites frias em que poderíamos dividir a companhia um do outro do lado de fora.
Queria muito que ela tivesse participado de tudo, porém queria fazer uma surpresa.
Desde que aceitei esse casamento passei a pensar em tudo ao lado dela, já não tinha um dia sequer
que não me fizesse desejar estar junto, beijando-a, desejando-a de todas as formas possíveis.
— Primo, esse lugar ficou incrível — Gemini, outro primo, disse aparecendo ao fim do deque.
— Como está? — Me levantei e fui até onde ele estava e Bóris em seguida também veio
cumprimentá-lo.
Mostrei a ele todos os detalhes. De fato, tudo ficou incrível e só queria que Sara gostasse o tanto que
todos gostaram.
A traria nesta noite para que visse como havia ficado e por isso pedi que Bóris me ajudasse a instalar
lanternas ao redor da plataforma, não só, mas em todos os ambientes, deixando-os iluminados. A visão dele à
noite seria maravilhoso.
Precisava terminar logo antes que ela chegasse, porém fui avisado de que Sara e sua família haviam
chegado algum tempo atrás, me deixando furioso. Queria ter terminado antes, me banhado, preparado para
recebê-la.
— Aonde vai? — Gemini e Bóris perguntaram ao me ver saindo da cabana e indo na direção do
acampamento.
— Sara chegou! — respondi mais alto, deixando-os ali.
Quando cheguei, fui direto vê-la. Estava tão linda. Flora estava com ela, ajudando-a a organizar suas
coisas.
Fiquei alguns minutos segurando a lona da entrada da tenda observando Sara sem que ela percebesse
que estava ali, mas a desagradável da minha cunhada fez o favor de dizer meu nome, me dedurando.
Não precisei pedir que ela saísse, queria ficar alguns minutos a sós com Sara, mas estava com as
roupas sujas e não queria chegar perto dela assim. Vaidade ou não, queria abraçá-la e matar a vontade que
estava me consumindo há semanas. E pensar em não sujá-la a deixou chateada, mas nada que ceder a um
capricho seu não resolvesse. A beijei com urgência, mas tivemos que nos afastar quando percebemos que
mais pessoas estavam se aproximando.
Era minha mãe, ela virou um cão de guarda mantendo Sara o mais distante possível, não permitindo
que ficássemos sozinhos nem por um minuto sequer. Dona Constância deixou bem claro que não facilitaria
para mim, que eu teria que esperar. Tentei convencê-la de que era bobeira, que nada entre nós dois estava
acontecendo, mas ela não era boba e já havia percebido que nós dois estávamos bem mais íntimos do que o
costume nos permitia.
Tanto eu quanto Sara tentávamos pelo menos ficar próximos. Sem sucesso. Sempre alguém aparecia
ou ela estava sempre acompanhada, dificultando ainda mais.
Uma das poucas vezes que conseguimos ficar a sós foi no dia em que Esmeralda e outra mulheres,
suas amigas, atacaram Sara, cuspindo aos pés dela em sinal de traição. Minha ciganinha teimosa revidou.
Não poderia esperar menos. Seu temperamento era forte para aceitar tal humilhação.
O curioso foi o fato de Flora estar por perto e não fazer nada. Desconfiei que ela teria algo no meio de
toda essa confusão. As duas eram primas e provavelmente minha cunhada estaria do lado dela, culpando
Sara junto com as outras.
Conversei com meu pai sobre o que estava acontecendo e sobre minhas desconfianças. Flora não era
alguém confiável, tanto que ele pediu para Muriel se mudar com ela daqui quando se casaram. E o fato de
Sara ser a protegida de minha mãe estava causando certo ciúme nas esposas dos meus irmãos.
Mas Sara não precisava de proteção, era incrível, sabia se defender de qualquer pessoa que a
atacasse. Além de ser teimosa, tinha um lindo coração puro e quando não estava em posição de defesa era
alegre e espontânea, porém meu senso de protecionismo não permitiria que qualquer uma delas ficasse
julgando-a.
— Vou falar com Flora, mãe. Fique tranquila. — Escutei Muriel responder para nossa mãe.
Eles estavam dentro da tenda e pelo visto a conversa se tratava do que sua esposa estava fazendo
contra Sara.
E por falar nela...
Daria um jeito de ficar alguns minutos a sós com ela, ainda hoje.
Aproveitei que já estava de noite e ainda não estávamos reunidos. Saí para procurá-la.
Amanhã era o dia do casamento e nesse dia ninguém poderia nos privar de estarmos somente nós dois
a sós.
Sem que me visse a procurei e a encontrei próximo de nossos pais. Por minutos fiquei parado
esperando a melhor hora para chamar sua atenção.
Sara era linda, enamorei por mais um tempo todos seus detalhes, como a curva que fazia seu nariz ser
ainda mais empinado. Seu lábio inferior farto conferia um ar mais sensual à sua boca.
Além de bela era gostosa para caralho.
Tive o privilégio de conhecer algumas partes do seu corpo antes da noite de núpcias. E foi o alimento
que deu as minhas lembranças para me acalmar na sua ausência.
— Psiu! — chamei sua atenção e quando me notou na lateral joguei a cabeça para o lado, indicando
para ela ir até lá.
Ela assentiu e sorriu.
Saí de perto e fui para onde pedi que fosse me encontrar, ficando à sua espera.
Em especial essa noite Sara estava ainda mais linda, vestida com um conjunto de saia e blusa branca
com borboletas, que deixava uma pequena faixa de pele do seu abdome aparecendo.
O pensamento e o desejo de escorregar minha boca por ali me excitou no mesmo momento.
— Você está louco? — sussurrou ao se aproximar.
A puxei, trazendo-a para mais perto, ficando com meu rosto próximo do seu.
— Não via a hora de sentir sua boca gostosa. Faz três dias que não consigo chegar perto de você —
falei com os lábios colados nos seus, apertando seu corpo dentro dos meus braços, impedindo que fugisse dali.
— Sua mãe está vigiando — retrucou e tentou se desvencilhar, com medo.
— Não precisa ter medo.
— Ela me pediu para evitar comentários maldosos sobre nós dois.
— Não ligo. Amanhã você será somente minha. Não precisaremos dar satisfações para ninguém. —
tentei tranquilizá-la e antes que, algo ou alguém, nos interrompesse tracei seus lábios com a ponta língua,
deslizando tranquilamente e aproveitando cada segundo.
— Ah... Ramon! — Sara arfou e aproveitei para aprofundar o beijo e sugar sua língua, me deleitando
com o gosto delicioso da sua boca.
Sara tentou se afastar quando escutamos um barulho, mas não era nada.
— Sua bobinha, não é nada.
— Se nos pegarem...
— Não vão! Quero só te mostrar uma coisa! Acho que você vai gostar. Vai ser rápido! — Ignorei e a
soltei, segurando em seguida em sua mão, levando-a para onde queria mostrar o que havia preparado.
Caminhamos pelo enorme terreno e as tendas iam ficando para trás conforme nos aproximávamos do
lago.
Mais cedo pedi que Bóris acendesse as lamparinas.
Ainda do alto poderia mostrar para ela onde seria nossa casa.
— Onde está me levando? — perguntou ansiosa.
— Calma. Já estamos chegando.
Caminhamos mais alguns metros, nos afastando um pouco mais.
Quando cheguei do ponto que daria para ver a cabana a posicionei à minha frente e envolvi sua
cintura, cruzando minhas mãos em sua barriga. Encostei meu queixo no seu ombro deixando minha boca
próxima do seu ouvido.
— E aí? — perguntei, mas Sara não respondeu. Ela estava olhando para a cabana e era nítido o
quanto havia gostado.
Lentamente, com o sorriso estampando sua face, foi virando o rosto de modo que sua boca ficasse
perto da minha.
— É lindo — falou baixo antes de roçar seus lábios nos meus.
— É para você — sussurrei, capturando seus lábios na sequência.
— Eu amei. É onde vamos morar? — Afirmei com a cabeça.
Ela sorriu e novamente nos beijamos demoradamente, estalando nossos lábios ao encerrar o beijo.
— Fico feliz que tenha gostado.
— Eu adorei!
Ela sorriu e nunca a tinha visto sorrir tão feliz.
Alcancei seus lábios de novo enquanto uma de suas mãos tocava a lateral do meu rosto e sua bunda
remexia contra meu pau.
Porra...
Fiquei excitado e não era minha intenção que esse momento acontecesse dessa maneira. Eu só queria
mostrar e fazer uma surpresa, mas meu corpo não era mais minha propriedade quando se tratava de estar tão
perto assim dela.
— Está me torturando... — sussurrei e a apertei mais contra meu corpo, mostrando o efeito que tinha
sobre mim.
— Vou contar tudo ao papai, Sara! — Assustamos.
Estávamos sozinhos, pelo menos pensei que sim, mas Micaela apareceu do nada, como se fosse um
fantasma.
— O que faz aqui, Micaela? — questionou a sua irmã e eu me mantive logo atrás, escondendo minha
ereção.
— Vou contar para Constância também. Ela disse que você dois não deveriam ficar sozinhos — a
irmã a ameaçou e se tinha alguém que a tirava completamente do sério era a baixinha encrenqueira.
— Pode contar, amanhã estarei casada mesmo — Sara rebateu, demonstrando não ter medo da
ameaça.
Micaela balançou os ombros e mesmo com pouca luz era visível o seu ar de deboche.
— Mas você não. Vou falar para o papai que eu vi você com o irmão do Bóris. Como é mesmo o
nome dele? — Sara olhou para trás, perguntando.
— Igor! — respondi.
— Eu te odeio, Sara — Micaela bateu o pé no chão ao rebater a artimanha inventada na hora pela
minha linda ciganinha.
— Eu também, Micaela. Se não quiser que eu conte para o papai que você e Igor estavam sozinhos no
fundo do acampamento vai embora agora.
Perdendo o embate, minha futura cunhada saiu resmungando, nos deixando a sós novamente. Porém
não conseguiríamos ficar em paz ali e resolvemos voltar. Poderia ter sido outra pessoa e apenas tivemos sorte
de ser a pirralha.
Retornamos rapidamente e próximo de deixá-la ir fui beijá-la, no entanto não me contive e afundei meu
rosto entre seus cabelos soltos e mordisquei seu pescoço. Sara se remexeu e segurou firme em mim.
— Por favor, Ramon — Sara pediu e antes de me afastar selei seus lábios.
— Amanhã, será só eu e você. — Acariciei seu rosto, deslizando a ponta do dedo até seus lábios. —
Gostou da surpresa?
— Muito, ficou tudo muito lindo — ela disse entusiasmada.
— É onde vamos morar! — Sara novamente sorriu se jogando em meus braços ao envolver suas
mãos atrás do meu pescoço, me pedindo para ser beijada.
Antes eu tinha que tomar um beijo se quisesse beijá-la, diferente de agora que ela oferecia toda
deliciosamente safada seus lábios para mim.
De fato, tudo havia mudado desde o dia dentro da caminhonete.
— Safadinha... — brinquei, mas nos soltamos rapidamente. Assustamos de novo ao ouvir alguém me
chamando.
Sara se foi sem se despedir, entrando entre as tendas, se afastando rapidamente.
Fui para o lado oposto e esbarrei em minha mãe.
— Ramon!
— Mãe!? — Sorri tranquilamente.
— Cadê a Sara?
— Não a vi! — menti e tentei passar o máximo de verdade.
— Sei! Para quem não queria casar, os dois estão sendo bem complicados de serem vigiados.
Controle-se. Estavam se beijando por aí. Não adianta mentir — ela me repreendeu enquanto continuei
fingindo que não sabia de nada.
Uma coisa era ela achar, outra era eu confirmar.
Depois de dar um beijo no alto de sua cabeça, disse:
— Boa noite, mãe!
Capítulo 18

Não havia dormido quase nada, estava ansiosa na expectativa para que o
dia amanhecesse logo, porém acabei dormindo e acordei horas depois com
várias mulheres ao me redor. Acordei, mas preferi manter meus olhos fechados
escutando-as.
Algumas delas cantavam uma canção triste. Era como se algo de ruim
estivesse acontecendo. Deviam falar de coisas alegres e não da solidão e de uma
partida. Logo alguém morreria de depressão, no caso, em breve, seria eu se elas
continuassem com os lamentos em forma de letra.
Minutos depois pararam e o silêncio reinou. Poderia voltar a dormir mais
um pouco, porém pude escutar o cochicho e a voz de minha mãe e de Constância
conversando e preparando algo.
— Bom dia, linda noiva. — Minha mãe se aproximou e beijou minha
testa.
Ah!!! Era hoje.
— Precisamos começar os preparativos — completou.
Respirei fundo ainda de olhos fechados, sentindo meu estômago inteiro
revirar, pesando, indo do quente ao frio por causa da ansiedade.
Se me pedissem para lembrar de como eu não queria que este dia
chegasse há alguns meses, eu não conseguiria falar mais. Agora ansiava por ele
depois que entendi e percebi que meu desejo por Ramon estava se tornando uma
paixão.
Ainda sonolenta abri os olhos e tentei não deixar transparecer o quanto
eu não havia dormido bem, esperando que chegasse logo.
Nem mesmo quando esperei pelas cartas das faculdades que me inscrevi,
me deixaram tanto na expectativa como esse momento.
E logo eu que não o queria de modo algum.
Acredito que sem que eu percebesse, naquela noite, quando vi Ramon
pela primeira vez tudo mudou. Foi quando aceitei meu destino ao reparar
somente nele como homem.
— Bom dia, mamãe — respondi e me sentei, espreguiçando e esticando
meus braços para o alto.
— Ah... minha menina. — O peso da sua voz e as lágrimas presas em
seus olhos a denunciaram.
Por mais exagerada que fosse, entendi perfeitamente como estava se
sentindo, pois eu também me senti assim quando dormi pela última vez no meu
quarto. Era nossa despedida. Depois de amanhã ela iria embora e eu ficaria para
cumprir meu destino.
— Não chora, por favor — pedi carinhosamente.
Emocionada, ela beijou minhas bochechas e deslizou sua mão pelos fios
do meu cabelo.
Minha mãe sempre foi uma mulher intensa e exagerada, mas a dor em
seus olhos e o modo como sua voz saiu embargada dava para entender a
dimensão do momento em que eu deixaria de ser sua filha e me tornaria filha de
Constância e Miro.
Sempre foi assim e sempre será.
— Bom dia, minha princesa! — Constância se aproximou e me abraçou
sorridente e um pouco emotiva.
Não sei o que aconteceu comigo, vê-las ali foi como se tudo encaixasse
como um quebra-cabeça. Elas estavam revivendo o que um dia aconteceu com
elas. Então, mais do que ninguém, sabiam como esse momento seria duro para
mãe e filha.
— Não chora! — Constância disse baixo e afagou minhas costas
enquanto ainda estava abraçada a ela.
Não havia percebido, mas eu estava chorando.
— Não podemos chorar! — retrucou chorosa. — Hoje é dia de festa, o
dia em que nossa princesa vai se unir ao protetor dela.
Ouvi-la citar o que tanto ouvi nos últimos meses me fez lembrar daquela
tarde, quando Nazira disse que já estava escrito pelos ventos que teria que ser
assim.
— Sara, está na hora. Precisamos começar a prepará-la — minha mãe
disse e troquei dos braços de Constância para os dela.
Eu era ciente de que esse momento seria único e por isso pedi para ficar
abraçada a ela um pouco mais.
— Entendemos o que está sentindo. Mas sempre serei sua mãe e sempre
estaremos de braços abertos.
— Obrigada, mãe! — respondi e lentamente fui me afastando de cabeça
baixa, limpando as lágrimas que haviam escorrido em meu rosto.
Não tinha mais volta e toda filha precisa um dia sair do teto de seus pais
para ter o seu próprio. Era exatamente o que estava acontecendo comigo.
Sem me demorar tentei sorrir e levantei da cama, indo até uma mesa para
tomar café.
Constância e outras, junto com minha mãe, organizavam a tenda para me
prepararem.
Elas penduraram o vestido em um canto. Ele era lindo, nada muito
chamativo. Todo o corpete dele era cravejado de cristais incolor. Sua saia era
rodada e tinha uma enorme calda. Sem muitos detalhes e ainda tinha o véu, que
Constância fez questão que fosse bordado à mão.
Certamente este era o vestido mais lindo que havia visto.
O meu vestido de casamento...
E eu seria logo mais apenas de Ramon.
Aquele cigano abusado.
Suspirei fechando os olhos de novo. Nos meus pensamentos escutei sua
risada grossa, desajeitada, e sorri com a lembrança de como tudo estava indo tão
bem entre nós dois. Minha mente foi mais além, viajando até o dia que tive meu
primeiro orgasmo sentada em seu colo. Foi uma sensação imensurável.
Desde aquele dia, eu já não era mais a Sara que queria ser livre, eu havia
me tornado a sua prometida.
Após tomar café tomei um banho em uma banheira improvisada na tenda
ao lado. A água estava tão gostosa e cheirosa que não queria sair mais. Nela
haviam colocado óleos e essências, que segundo uma das mulheres que estava
me ajudando eram feromônios para a noite de núpcias.
Acho que fiquei com vergonha e a vermelhidão das minhas bochechas me
denunciou.
O que foi o motivo da extensa conversa.
As cunhadas de Ramon também estavam lá e aproveitaram para
continuarem com o assunto de como é a primeira noite de sexo de um casal.
Eu sabia como funcionava o sexo, menos na prática, porém me senti
constrangida. Não era com elas que gostaria de ter esse tipo de conversa, mas
elas pouco se importaram com minha timidez.
— Se Ramon for que nem o irmão, Sara estará perdida — Xadia disse,
cutucando o flanco de Pétala.
As duas caíram na gargalhada.
Se soubesse o quanto estava sendo constrangedor teriam piedade de mim.
— Duvido que Sara aguentará Ramon, ele vai reclamar de tudo e vão
acabar dormindo na primeira noite deles. — Flora havia entrado na tenda e
escutou o que elas conversavam.
Mas claro que ela tinha que destilar seu veneno.
Com o passar do tempo comecei a tomar mais cuidado, dias atrás ela
insinuou que eu estava fazendo mexericos entre as outras, na tentativa de colocar
algumas mulheres do acampamento contra mim.
— Acho que não, Flora. Ramon é um homem muito viril.
— Como sabe, Pétala? — Flora perguntou, insinuando maldosamente.
— Eu não sei, Flora. Apenas fiz uma suposição.
— Se ele puxar a Goés vai ser um homem insaciável — Xadia disse e
novamente começaram a rir.
Claro que fiquei com vergonha. O que estariam pensando e imaginando
quando eu e Ramon tivéssemos nossa noite de núpcias.
— Sara, é normal, não precisa ficar acanhada — Pétala me disse
enquanto me ajudava.
Normal ou não, apenas não me sentia à vontade com ela para dividir algo
tão pessoal meu e dele. Porém, elas despertaram minha curiosidade para saber
como era o sexo. Eu era virgem e a única experiência perto de uma relação
sexual foi ter um orgasmo sem perder minha virgindade.
— Preciso te avisar — Pétala olhou para mim e sorriu —, vai doer na
sua primeira vez.
— Como assim? — perguntei, sussurrando para as outra não ouvirem.
— A primeira vez é dolorida, mas garanto a você que das outras vezes
irá gostar muito — ela concluiu.
Será que não poderia apenas ficar com os beijos? Eles já me
satisfaziam muito bem.
— Não precisa ter medo. Não é uma dor mortal. É tão rápido que quando
perceber já estará adorando o ato. Todas nós passamos pelo teste do lençol e
tenho certeza de Ramon será cuidadoso com você.
Se ela pensou que estava me tranquilizando não sabe o quanto me deixou
ainda mais nervosa.
Não parava de pensar sequer de como seria e a cada minuto que se
aproximava do momento para começarem os rituais do casamento mais eu me
sentia nervosa, com as mãos transpirando e minha boca seca.
E se eu não gostasse da minha noite de núpcias? Se os beijos não me
proporcionassem mais as deliciosas sensações que senti?
— Você é a noiva mais linda de todas, Sara — Constância disse me
virando para o espelho.
Deixei que fizesse uma maquiagem mais simples e elegante. Eu estava
com os cabelos presos para prenderem um véu com uma tiara de pedras, iguais
aos cristais bordados em meu vestido branco, conforme a tradição. Como uma
virgem.
— Vocês também — disse nervosa ao vê-las preparadas para o
casamento.
— Mas você é a princesa. É seu dia e seu momento!
— E Ramon? — perguntei.
Não o vi durante o dia todo, nem sequer escutei sua voz por perto.
— Ele está lhe esperando — sua mãe respondeu.
— Eles já estão chegando — Micaela atravessou a entrada, sorridente ao
parar ao meu lado, informando que o cortejo se aproximava.
E dava para ouvi-los aos sons dos bandolins e violões.
— Vai ser uma linda festa — alguém comentou enquanto eles se
aproximavam, ficando ao lado de fora da tenda em que eu estava e logo saindo
com todos, me deixando sozinha.
Nunca estive próximo de uma noiva para saber como funcionava, mas
pelo que me contaram, ainda demoraria um pouco mais. Meu pai e Miro
acertariam os detalhes e o pagamento.
Nos nossos costumes, a mulher quando casa é comprada pela família do
noivo em sinal de respeito e por levar prosperidade para a casa deles. Não era
como se fosse uma moeda de troca, era mais por devoção e respeito. Pois,
acreditavam que estavam trazendo a propagação da família, por isso uma noiva
era algo valioso para a família do noivo.
Eles pagavam e depois brindavam com proska.
E consegui escutar exatamente a comemoração ao lado de fora quando a
cantoria começou novamente. Ela havia parado exatamente quando estavam
negociando.
Em seguida, Miro, meu pai, Constância e minha mãe entraram,
acompanhados da família completa de Ramon, mas não ele. O noivo ficava no
altar preparado por eles, esperando sua prometida.
Porém apenas minha mãe se aproximou e me abraçou.
— Minha princesa, minha Sara. A filha de uma promessa. Hoje você vai
embora da minha casa para ter a sua e assim será um dia com suas filhas — fez
uma pausa e pude sentir sua voz ficar embargada —, quando nasceu, eu te banhei
com as moedas para que te enriquecesse com sabedoria, prosperidade, saúde e
muitas alegrias, eu te limpei nas águas cristalinas para que seu destino e seus
caminhos fossem sempre leves e fáceis e hoje eu te chamo pelo seu primeiro
nome. Aurora! Aquela que é o primeiro raio de sol. Você foi como um sol na
minha vida, que sempre a iluminou — minha sussurrava enquanto o choro e as
lágrimas se acumulavam, prontas para extravasar.
Ela continuou...
— Um dia será sua vez de dar o primeiro nome da sua filha, aquele que
os ventos levaram, por isso eu quis que você se chamasse Aurora, a primeira a
irradiar vida. Que você seja muito feliz. E nunca se esqueça que você é Aurora e
Sara, a luz de uma linda princesa — ela se afastou ao terminar de me falar e
segurou meu rosto entre suas mãos —, vá, sua nova família a espera — concluiu
em voz alta.
Miro se aproximou e segurou minha mão, beijando o dorso dela.
— Eu te recebo, Sara, como minha filha — ele disse e entregou minha
mão para sua esposa.
— Sara, eu te recebo como minha filha — Constância repetiu as falas e o
gestos que o marido fez.
— Pai? — Olhei para o lado e meu pai apensa sorriu, levantando suas
mãos para o alto na minha direção.
— E eu lhe dou a minha bênção.
Ele se aproximou, segurou minha mão e como parte dos costumes dançou
comigo a mesma canção que cantaram hoje pela manhã.
Eu tinha razão. Ela falava sobre uma despedida.
Abaixei meu rosto para o chão escondendo minhas lágrimas que se
tornaram incontroláveis.
Era um misto terrível de sentimentos, como de perda, de angústia.
Eu deixei de ser quem eu era e não imaginei que seria tão doloroso
assim.
— Não chore, minha querida. Eu sempre serei sua amiga e farei de tudo
por você e meu filho — Constância me consolou enquanto meus pais se
distanciavam, saindo primeiro da tenda.
— Precisamos ir. — Miro segurou minha mão e antes de sairmos para
encontrar Ramon tive que cumprimentar todos os da família. Inclusive Flora, que
fez questão de mostrar quem realmente ela era.
— Traidora, ladra! — cochichou enquanto me abraçava.
— O que disse? — perguntei sem entender o que estava querendo dizer
ao me ofender. Porém não tive tempo de questioná-la, eles me conduziram para
fora da tenda, me levando até o local do altar.
O acampamento estava todo adornado com flores e lamparinas acesas.
Segura no braço de Miro, olhei para trás e vi meus pais de braços dados,
cantarolando antigas canções em romani. Eram canções alegres e, ao mesmo
tempo, com notas tristes, uma despedida para o amor.
Ao me aproximar do local, não consegui acreditar em como tudo estava
tão lindo.
Cada detalhe foi preparado como queria. Constância fez tudo do meu
gosto. Leve, simples e delicado.
— Obrigada! — agradeci a Miro quando nos aproximamos do enorme
caminho de rosas.
— Precisamos comemorar, acabei de ganhar uma nova filha — ele
respondeu e apertou minha mão que estava em seu braço, dando uma leve
batidinha.
Mesmo triste por deixar para trás minha família e tudo que sempre quis,
não consegui esconder meu sorriso e muito menos a felicidade que foi ver
Ramon, parado em pé, com as mãos para trás, me esperando no fim do caminho
de flores.
Ele estava lindo dentro de um terno preto e com a camisa da mesma cor.
Seus cabelos estavam alinhados e presos e na lapela do seu blazer tinha um
botão de rosa vermelho preso.
Respirei fundo e sorri, devolvendo seu sorriso encorajador.
Na verdade, eu não precisava de nada disso, só queria correr até ele e ter
certeza de que ele foi a minha melhor escolha. Me dei conta que eu estava
realmente apaixonada por ele. Já não tinha mais o porquê olhar para trás se
estava me esperando.
— Você está linda! — Ramon moveu seus lábios quando me aproximei,
me fazendo relembrar de como tudo começou, do nosso primeiro beijo e de
quando me senti especial em seus braços e até da forma que gostava de me
irritar.
Não era paixão, e sim amor.
Então, ele deixou seu lugar e caminhou, vindo de encontro a mim.
— Está linda, uma verdadeira princesa! — disse baixo ao pegar minha
mão primeiro e beijar o dorso. Em seguida repetiu o beijo casto ao levantar meu
véu e selar minha testa em sinal de respeito.
— Obrigada! — agradeci e segurei sua mão.
As minhas estavam suadas e frias. Era todo o nervosismo e como se
adivinhasse, Ramon segurou bem forte, entrelaçando seus dedos nos meus, me
transmitindo confiança.
O rito do casamento foi feito por um padre, mas antes Miro realizou a
união de sangue. Parte também dos costumes. Ele cortou nossos pulsos e, onde
cada um havia sido cortado, nos unindo enrolando uma faixa ao redor.
— Eu os uno, na carne, no sangue e no amor — proferiu após amarrar,
deixando nossos braços presos um no outro por toda a cerimônia.
Após seu discurso, juramos lealdade, respeito, mesmo que as
dificuldades surgissem em nosso caminho. Em seguida o padre assumiu e
terminou a cerimônia com o famoso: eu os declaro marido e mulher.
Não nos beijamos como queria, mas pude sentir seus lábios quentes e
úmidos encostando-os nos meus.
Ainda não podíamos manter uma intimidade de casal, apenas
pertencíamos um ao outro, tínhamos que nos resguardar até o momento nupcial.
Capítulo 19

— Sara, você está bem? — Ramon me perguntou preocupado,


sussurrando em meu ouvido ao se aproximar.
Na verdade, eu mal sabia o que estava acontecendo comigo. Me sentia
como se estivesse anestesiada. Uma sensação péssima, como se eu fosse cair a
qualquer momento.
Neguei com a cabeça.
— Não! Parece que vou cair — respondi sinceramente.
Ramon levou suas mãos em minha nuca, evitando que os outros vissem.
— Não ri, estou falando a verdade — repreendi.
— Não estou rindo, minha linda. Já está acabando e logo vamos para a
festa. Você não deve ter comido nada direito. — Balancei a cabeça, confirmando
o que disse.
— Não consegui — referi-me ao meu estado de nervos.
Ficamos firmes, sua mão apertou a minha provando que se eu caísse, ele
estaria lá para me segurar. O padre enfim terminou e nos beijamos brevemente,
um roçar de lábios bem casto. Nada do que eu queria.
Carinhosamente, Ramon se afastou segurando meu rosto entre suas mãos.
— Está linda, Sara, nunca vi mulher mais bela que você — ele também
estava lindo, queria elogiá-lo, mas não consegui me concentrar com tantas
palmas e gritos de euforia —, minha princesa.
Fomos conduzidos até a festa e antes que sentássemos, tivemos que
dançar.
Um grupo musical foi contratado para tocar e, mesmo não me sentindo
muito bem, me segurei em Ramon e permiti que ele conduzisse sozinho.
— Sara, me diga o que está sentindo — ele perguntou preocupado.
— Pode ficar tranquilo que vou melhorar — tentei tranquilizá-lo. Seu
olhar dissolveu a tensão, ficando mais calmo.
Na verdade, tudo estava me deixando ainda mais nervosa ao pensar que
logo mais aconteceria nossa noite de núpcias.
Seguindo a tradição, sentamo-nos em uma mesa reservada para nós dois,
onde cada convidado passava para cumprimentar e nos deixava algumas moedas
de ouro.
Todos estavam festejando e foi o momento mais tranquilo daquela noite.
Ramon fez questão que eu comesse algo, o que também foi bom, porque aos
poucos ia me sentindo melhor. Até o som já não estava mais me sufocando, mas
eu queria mesmo era sair dali. Estava cansada de ter que ficar sorrindo
constantemente.
— Você é uma verdadeira princesa, nunca vi uma noiva mais linda que
você.
A todo o momento Ramon me elogiava e beijava a minha mão mantendo o
respeito diante de todos.
— Agora é minha esposa. — Seu olhar era terno e carinhoso. Sorri e
ousei ao pegar e beijar sua mão, mostrando meu respeito por ele. Provando que
eu seria sua para todo sempre.
— Desculpa, mas mal consegui escutar o que falou durante a cerimônia
— comentei e lembrei de como não estava me sentindo bem.
— Não se preocupe, minha querida. Você estava tendo uma crise de
estresse, é assim mesmo quando estamos passando por um momento que nos
exige muito, mas agora está bem, é isso que importa — ele gentilmente acariciou
meu rosto e eu deitei a cabeça em sua mão —, ainda quer fugir de mim?
— Eu não estou aqui? — Ele sorriu e abaixou a cabeça emitindo um som
com a garganta. — O que foi?
— Nada. — Ele sorriu e voltou a me olhar com olhos de quem queria
mais, me prometendo coisas. — Quero te beijar e agora que não precisa ser
escondido não posso ainda.
Sorriu frustrado.
Tentei consolá-lo com palavras de ânimo, porém não sabia no que pensar
e como agir, acabei me sentindo limitada. Tudo se tornou um caminho
desconhecido. E já não tinha tanta certeza de que seria bom o que estava por vir.
— O que foi? — Ramon perguntou arqueando uma de suas sobrancelhas.
— Não foi nada — disfarcei.
Queria contar, porém me senti constrangida de dizer que eu estava com
medo do que aconteceria entre nós dois logo mais.
— Sara... — ele foi me advertir, mas Constância e Miro aproximaram-se
de nós pedindo que os acompanhassem.
Ramon foi com seu pai e eu com sua mãe.
Quando entramos em uma tenda diferente da que estava mais cedo,
percebi que a hora de consumar o casamento havia chegada. Me senti ansiosa,
com medo, mas tentei não deixar que percebessem esse temor meu.
Claro que eu estava me sentindo nervosa. Mesmo curiosa para saber mais
sobre sexo, não imaginei que ficaria com tantos anseios quando chegasse a minha
vez.
Olhei ao redor, observando os detalhes e a cama ao centro,
imaculadamente em branco, para que amanhã eu passasse pelo rito de pureza.
Eles fariam a exposição do lençol manchado, provando que fui casta e
respeitei o compromisso que tinha com Ramon até o casamento.
E não sei o que me deixava nervosa, se era o fato de que estava errada
em pensar que minha primeira vez seria boa ou de todos me olhando na manhã
seguinte, quando ficassem sabendo que eu e Ramon tínhamos transado.
Era um costume ridículo e velho, sem fundamento algum.
— Sara, preciso tirar seu vestido e ajudá-la com a camisola. — Pisquei
várias vezes quando Constância e Pétala se aproximaram, me informando.
Assenti e estava tão nervosa que fui contando cada botão que abriam do
meu vestido. Elas tiraram o véu e desamarraram as fitas com cuidado e logo me
ajudaram a vestir a camisola, pedindo que eu vestisse uma calcinha minúscula.
Quanto constrangimento!
Seria tão mais fácil se eu fizesse sozinha, sem a mãe do noivo estar me
ajudando.
— Não precisa ficar nervosa, Sara — Pétala disse enquanto escovava
meu cabelo, desmanchando o penteado. — Pode não ser o que espera pela
primeira vez, eu passei pelo que passou e posso afirmar que nem tudo é tão ruim
quanto possa melhorar.
Ela tentou me tranquilizar, mas mal sabia que por dentro me tremia toda,
com medo do desconhecido. Nem mais as boas lembranças, os beijos e meu
primeiro orgasmo conseguiu extinguir toda ansiedade que estava sentindo.
— Até amanhã — se despediu e saiu com Constância, me deixando
sozinha.
Sem saber o que fazer, caminhei de um lado para o outro buscando
relaxar e não pensar que daria tudo errado.
Inquieta, caminhei na direção da cama e subi nela, ficando ajoelhada no
meio. Estava completamente aérea e não percebi que Ramon já estava ali,
parado me observando. Ele estava com seus cabelos soltos e os primeiros botões
de sua camisa abertos.
— Quanto tempo está aí? — perguntei, tentando disfarçar meu
nervosismo.
— Não muito tempo — ele respondeu e veio na minha direção.
Por um momento achei que meu coração fosse pular para fora do meu
peito. Minha respiração ficou entrecortada ao vê-lo tão perto.
Ramon sentou próximo de mim e esticou sua mão, pendido a minha.
— Está com medo? — Assenti e abaixei a cabeça.
Ramon segurou meu queixo e levantou meu rosto.
— Não precisa temer nada. — Ele aproximou lentamente e senti seus
lábios leves e suaves encostarem nos meus, mas Ramon se afastou após selá-los.
— O que foi? — perguntei e o encarei.
— Nada. Apenas quero olhar para você e ficar admirando-a. Quero que
seja especial. — Ramon ajoelhou-se sobre a cama e carinhosamente me puxou
para si, me envolvendo em seus braços, me fazendo relembrar de como era bom
estar naquele espaço, mas ainda assim a insegurança não me deixava agir.
Suspirei e o abracei, cruzando minhas mãos atrás do seu pescoço.
— Ninguém vai chegar, temos a noite inteira só para nós — disse
confiante.
Queria eu me sentir como ele. Ter a segurança de que tudo daria certo.
— Estou com medo — sussurrei contra seus lábios.
— Não precisa ter. Não somos estranhos e eu sempre a protegerei, até de
mim mesmo. — Ramon aprofundou seus lábios e não resisti, apenas confiei em
suas palavras, me deixando levar pelos seus toques.
Ele não estava agindo com possessão, e sim com calma, me mostrando
que não precisava ter nenhum receio.
Então fechei meus olhos e tentei não pensar em mais nada, apenas
aproveitar. Já que teria que passar mesmo. Dei um foda-se ao medo e me
entreguei, permitindo que sua língua escorregasse para dentro da minha boca,
deixando-a esfomeada a cada movimento dos nossos lábios.
Ramon gentilmente me levou contra o colchão e ficou posicionado sobre
meu corpo enquanto me beijava. Suas mãos acariciavam minha pele e deslizava
suavemente pelo meu corpo, chegando até minhas coxas. Ele puxou todo o tecido
da camisola para cima e me entreguei por completo, sentindo que ali era
exatamente o lugar que queria estar.
— Não sei por que te vestiram com essa camisola — comentou ao subi-
la até tirá-la de mim, me deixando quase nua sob seu corpo.
— O que esperava? — questionei e sorri.
— Que não estivesse vestindo nada. Não vou negar que estou muito
excitado e desesperado para vê-la gozar enquanto eu estiver dentro de você.
Engoli em seco sem saber como responder.
Minha coragem desapareceu.
— Não vai ser bom como pensa — refleti em voz alta.
— Como sabe? — ele me questionou em seguida.
— Porque me disseram.
— Que vai doer? Que vai ser ruim sua primeira vez?
Afirmei com a cabeça, porém Ramon fez algo que não esperava, ele
selou meus lábios e deitou ao meu lado e pediu que eu ficasse do jeito que
estava.
— Pode ser que doa muito ou pouco, mas preciso que confie em mim.
— Como? Se disse que vai doer de qualquer jeito.
— Como disse, só preciso que acredite em mim.
— E se doer muito?
— Eu paro, mas prometo que será uma única vez. — Ramon apoiou sua
cabeça sobre o braço e ficou me olhando, deslizando as pontas dos seus dedos
por toda minha barriga, subindo em seguida até os meus seios.
Fechei os olhos ao sentir seu toque rodear os mamilos e brincarem com
eles.
Era bom e ele continuou...
Para mim estava sendo mais fácil, mas imagino o quanto deveria estar
sendo difícil para ela, por isso iria com calma. Tínhamos a noite toda e eu queria
que fosse mais que especial.
Pedi que confiasse em mim.
Sei que doeria, era assim com qualquer mulher, porém existia meios de
fazer com que não fosse tão desagradável.
— Você é perfeita! — disse enquanto admirava cada detalhe seu,
deslizando meus dedos pelo seu corpo.
Eu estava muito excitado, mas conseguiria me controlar até que ela
estivesse relaxada e para isso precisava de tempo. Continuei a tocá-la, acariciei
sua pele e em seguida brinquei com seus mamilos e fui percebendo que aos
poucos Sara estava menos tensa.
Aproximei novamente do seu rosto com o meu, esfregando sua boca com
a minha, deixando todo trabalho para minha mão.
Ela arfou e os entreabriu.
Sentindo-a mais calma, aprofundei o beijo, indo devagar, até que não
consegui me controlar e a tomei como queria.
Mas não foi só essa necessidade de prová-la que me invadiu e tornou
ainda mais urgente quando ofegou. Eu a queria muito, havia me apaixonado e a
cada minuto com ela ao meu lado ia tendo certeza de que esse casamento
arranjado poderia ser a melhor parte da minha vida.
Não sei para ela, mas por mim tudo se encaixou perfeitamente.
Olhando para seu rosto, deixei que minhas mãos escorregassem e a
tocasse com mais desejo até parar sobre sua boceta, sentindo o quanto estava
molhada. Percebi que já não estava mais tensa.
Sem pedir, tirei sua calcinha e tive que me controlar ainda mais ao
vislumbrar o monte, todo depilado, com apenas uma pequena faixa de pelos
sobre o púbis, mas Sara travou suas pernas, espremendo suas coxas uma na outra
quando tentei tocar o centro delas.
— Abra suas pernas, prometo que vai ser muito bom — tentei passar
confiança para ela ao parar de beijá-la e sussurrar em seu ouvido.
Sara obedeceu e timidamente fez o que pedi.
Então a toquei, deixando meu dedo escorregar na fenda até a entrada
molhada, fazendo círculos até a ponta do seu clitóris.
— Ramon! — gemeu meu nome e antes que pudesse protestar a beijei,
jogando meu corpo sobre o seu enquanto minha mão ainda esfregava sua boceta
encharcada.
Ela estava deliciosa e eu fodidamente excitado com a sensação de senti-
la lubrificada, desesperado para me afundar nela, no entanto, Sara precisava de
mais e continuei a brincar com seu clitóris até vê-la se perder em gozo.
Deliciosamente ela arqueou seu corpo e sua boceta contra minha mão
quando intensifiquei a pressão que fiz, ao massagear seu ponto, todo excitado e
lubrificado.
— Isso... minha deliciosa esposa! — incitei-a ao deixar seus lábios e
com os meus tocar sua pele novamente, percorrendo o caminho até seu ouvido.
— Quero vê-la gozar e só assim estará pronta para mim — conclui e não
demorou muito para que tivesse uma das cenas mais excitantes que vi na vida.
Sara gozava tão mulher e tão sexy.
Ela não só estava linda, mas perfeita para mim. Com cuidado, sem me
distanciar dela fui tirando minhas roupas, jogando-as pelo chão, ficando
completamente nu ao me reposicionar entre suas pernas.
Sei que a assustei, pois me olhou amedrontada quando segurei meu pau
em riste e deslizei onde meus dedos estavam há poucos minutos.
— Olhe para mim — pedi quando ela virou o rosto e apertou seus olhos,
me preocupando. — O que foi? — a questionei.
— Vai me machucar. Você não cabe em mim — ela respondeu e não
consegui segurar minha risada.
Sara era tão sensual, mas tão ingênua ao mesmo tempo, a deixando ainda
mais sexy.
— Não é motivo para rir, Ramon — respondeu irritada e um pouco
corada.
— Você é maravilhosa. Lógico que caberá, sua vagina é feita de músculo
elástico e me acomodará perfeitamente — respondi, tentando não rir.
— Você está debochando de mim...
— Claro que não — respondi antes que começássemos a discutir.
E não estava debochando, apenas achei engraçada a forma preocupada
com que disse.
— Você é perfeita, é natural que esteja preocupada. Se não estivesse eu
estaria estranhando. Confie em mim — elogiei e aproximei, voltando a ficar com
meu corpo completamente por cima do seu.
Repeti o movimento com meu pau a meio mastro e curvei meu corpo,
buscando por sua boca no exato momento que o forcei na entrada apertada.
Quando senti a resistência tentei ser o mais cuidadoso possível, beijando e
dizendo palavras de carinho enquanto a penetrava com cuidado.
Porra... caralho.
Fechei meus olhos ao senti-la apertada, quente e muito molhada,
engolindo meu pau todo.
Sara choramingou e novamente agarrou o lençol e o retorceu.
— Para, por favor. Está doendo, Ramon.
Não me movimentei e soltei seus lábios ao perceber que estava
chorando.
Para a mulher perder sua virgindade não era nada fácil e imagino o
quanto deveria estar sendo doloroso, por isso fiquei parado e esperei que sua
respiração acalmasse e ela abrisse seus olhos.
— Desculpa.
— Não precisa me pedir desculpas — respondeu chorosa.
— Não queria machucá-la.
Sentindo-me culpado beijei onde suas lágrimas haviam escorrido.
Será que a machuquei?
Preocupado, apoiei nos braços para vê-la melhor.
— Sara, está tudo bem? — ela negou, balançando a cabeça.
— Como dói! — sua voz saiu reprimida. — Que dor! Eu disse que não ia
caber e mim — respondeu envergonhada.
Quis rir, achando tudo tão natural e simples, mas não a constrangeria
nesse momento.
Eu sabia que a sua primeira vez seria dolorida, mas como um homem que
não quer só foder tinha que mostrar que seria bom para os dois. Que eu lhe daria
prazer.
— Mas coube, estou todo dentro de você, minha vida — expliquei e
remexi meu quadril, provando para ela que estava todo dentro do seu corpo.
— Mas arde tanto — reclamou e antes de voltar a me movimentar,
deixando-a se acostumar com meu tamanho, tornei a beijá-la lentamente,
esperando todo esse susto do momentâneo passar.
— Vai passar. Prometo!
Enquanto esperava ela se acalmar e o incômodo se dissipar, senti que
começou a relaxar e para testar se não estava mais sentindo dor me movimentei
como se fosse sair de dentro dela.
— Não! — Sara segurou meus ombros e me impediu.
— Mas está tudo bem? — perguntei me certificando.
— Ardendo um pouco, mas se o pior passou, não vejo porque parar.
Ainda estou esperando você cumprir sua promessa. — Sara sorriu timidamente,
me oferecendo seus lábios ao erguer um pouco seu corpo, após dizer que estava
melhor.
Era muito linda!
Antes de me movimentar de novo a encarei por alguns segundos, para
apenas contemplar o brilho em seus olhos.
Que loucura! Eu estava completamente apaixonado pela minha noiva
arranjada.
Comecei a me mover lentamente após selar seus lábios, sentindo sua
boceta contrair ao redor do meu pau.
Fui aos poucos saindo e penetrando-a em seguida, sentindo-a relaxar
ainda mais conforme eu aumentava meu ritmo.
Por fim, esquecemos que aquela era sua primeira vez e já estávamos um
desesperado pelo outro, nos envolvendo com mãos e beijos.
Meus lábios estalavam sôfregos nos seus enquanto meu quadril ondulava
contra sua pelve. Eu me controlava, mas estava impossível. Sua vulva me
apertava, exigindo mais. Então, quando Sara ofegou e fechou os olhos apertando-
os e o seu corpo convulsionou, me descontrolei bombeando rapidamente até me
juntar a ela, sentindo toda a sensação de gozo percorrer desde meus testículos até
a liberação.
— Ah... Sara! — gemi seu nome e fui desacelerando conforme meu corpo
ia se acalmando.
O que aconteceu comigo?
Nunca antes havia me sentido tão satisfeito com uma mulher.
Ela estava de olhos fechados e seu peito ainda subia e descia com
esforço. Era a visão perfeita.
Extasiado, estalei meus lábios sobre os seus e acariciei seu rosto. Saí de
dentro do seu corpo quando abriu os olhos e me encarou após sorrir satisfeita.
— Aonde vai? — sussurrou.
— Deitar do seu lado e ficar olhando para você.
Sara continuou sorrindo e se acomodou melhor assim que deixei seu
corpo e me posicionei ao seu lado.
— Mesmo com dor, foi bom...
Sara ficou de frente comigo e uniu as duas mãos para apoiar sua cabeça.
— Vai ser ainda melhor das outras vezes — garanti.
— Vou cobrar, seu cigano arrogante — ela debochou e fechou os olhos.
— Será uma grande honra, minha ciganinha teimosa.
E eu cumpriria.
Capítulo 20

— Bom dia... — Remexi e me encolhi quando senti a ponta da sua língua


deslizar pela minha orelha após sussurrar.
Doeu? Sim.
Ainda doía um pouco, mas nada que não fosse suportável. Se não tivesse
permitido que seguisse em frente estaria arrependida, mesmo dolorida foi
incrível. Tê-lo dentro de mim enquanto eu sentia tantas sensações mistas de
prazer e de plenitude foi indiscutivelmente melhor que a primeira vez, que gozei
sem senti-lo dentro de mim.
Tive medo? Sim.
Quando vi o sangue sobre o lençol me assustei, mas Ramon me acalmou
logo em seguida e me ajudou a me limpar. Não pensei que fosse sangrar tanto
assim, porém não dei tanta importância, querendo mais. Mesmo doendo no
início, com o medo de ele me machucar e estragar todo esse desejo, foi incrível.
Uns dias antes me questionei, pensando nos sonhos que tinha, mas tê-lo
comigo estava sendo maravilhoso. Ramon se tornou minha melhor escolha e vê-
lo ressonar sem dúvidas me fez ver que eu estava muito apaixonada,
respondendo a tantas dúvidas.
Que vergonha!
Por que fui questionar se caberia dentro de mim?
Ele deveria estar rindo muito internamente. Mas que se foda. Eu não sou
obrigada a saber de tudo.
No entanto foi perfeito.
Foi como se o céu estivesse dento da terra, tendo no mundo só eu e ele. E
essa certeza tornou tudo mais fácil.
Adormecemos e acordamos ainda no meio da noite. Novamente aquela
explosão excitante nos tomou e ainda sentindo um pouco dolorida tivemos nossa
segunda vez, diferente e melhor. Realmente o que me disseram foi de fato o que
aconteceu. Incomodou, mas passou e depois, pude sentir cada centímetro seu me
preencher por completo.
Estava exausta, mas satisfeita, com vários sentimentos explodindo dentro
de mim.
Dormimos com meu corpo todo moldado ao seu e sua mão pesando
possessivamente sobre minha cintura. Várias vezes, mesmo sonolenta, acordei
sentindo seu calor nas minhas costas.
— Bom dia, minha princesa! — repetiu, mas dessa vez suas mãos
começaram a deslizar em minha pele, me deixando arrepiada.
— Bom dia! — disse ainda sonolenta.
— Está melhor? Ou ainda está dolorida? — perguntou, mostrando-se
preocupado.
— Estou bem, muito bem! Obrigada — respondi convicta que sim.
Eu me sentia ótima.
— Está me agradecendo pelo quê?
— Por você fazer eu me sentir bem, aliás, muito bem — falei um pouco
envergonhada.
— Quem tem que agradecer sou eu, Sara. Você é fantástica. — Virei o
rosto para vê-lo e o peguei sorrindo.
Ficamos nos olhando e, por impulso, encostei minha boca na sua,
clamando por um beijo. Ramon correspondeu me virando de frente para ele e me
beijou com calma, movendo seus lábios lentamente, saboreando cada segundo de
nossas línguas enroladas uma na outra. Foi questão de minutos até intensificar o
ritmo e sem desgrudarmos ele posicionou seu corpo entre as minhas pernas e me
cobriu com seu tamanho de novo.
— Porra... como faz? Acho que estou muito apaixonado — sussurrou ao
cessar o beijo, recuando para olhar em meus olhos.
Ergui o queixo, suplicando que continuasse me beijando.
— Vamos ter que estar... — zombei e o vi ficar descontrolado, quando
insinuei e lambi meus lábios.
Toda aquela vergonha de ontem à noite já estava indo embora, deixando
apenas esse lado meu que gostava de estar com ele, de beijá-lo e agora senti-lo
dentro de mim.
— Vamos ter não. Não aceito menos que sim, Sara!
— Deixa de ser idiota. Claro que também estou, ou não estaria aqui —
conclui e selei seus lábios, porém Ramon mordeu meu lábio inferior e segurou
em um dos meus seios, mostrando esse seu lado possessivo. No qual acho que
iria gostar mais do que se fosse todo cuidadoso.
— Caralho... Você já está molhada de novo! — rosnou enquanto uma das
suas mãos apalpava meu peito e a outra buscava meu clitóris inchado.
Remexi e fechei os olhos, deixando com que me tocasse.
Era muito bom e sim eu já estava excitada.
Não era normal?
Não sabia. Talvez para quem perdeu sua virgindade e estava dolorida
não seria, mas para mim, mesmo dividindo dor e excitação eu o queria
novamente.
Curiosidade, tesão ou paixão... não tinha certeza, só de que como havia
me dito que seria bom, queria logo que chegasse na parte onde não teria dor e
cada vez mais prazer. Então antes e quanto mais, melhor seria.
— Ah... Ramon! — gemi seu nome quando senti seus dedos pressionarem
meu clitóris, massageando-o deliciosamente.
— Gosta? — perguntou baixo, próximo do meu ouvido.
Apenas assenti, absorvendo a sensação que ele me proporcionava.
— Acho que ainda não... — brinquei.
— Então tenho algo que possa ser que goste muito.
— O que é?
— Você vai ver!
Ramon saiu de trás de mim e fiquei deitada, apoiando meu corpo nos
cotovelos, a fim de observar o que faria.
Ele se posicionou no meio das minhas pernas e exigente abriu-as e
segurou minhas coxas, afastando-as.
— Não! — Me assustei e tentei fechá-las quando percebi o que faria ao
se afundar e escorregar sua língua onde esteve horas atrás.
— Você vai gostar. Prometo — garantiu enquanto me lambia, vagando sua
boca por toda minha vagina.
— Por favor... — gemi, fechando meus olhos e em seguida joguei minha
cabeça para trás quando senti seus dentes aprisionarem o clitóris entre eles. Ele
sugou e brincou. De fato, era ainda melhor.
— Eu te quero tanto — sua voz saiu abafada e quando parou de me tocar
abri os olhos e o vi me encarando.
Ramon não disse nada e caminhou, vindo por cima de mim, e sem pudor
senti meu gosto em sua boca, que me castigou sem piedade nenhuma.
Eu já estava pronta e o queria novamente, mas não precisei pedir, ele se
posicionou e diferente da noite passada, me penetrou de uma vez. Choraminguei,
sentindo como se fosse partir ao meio, mas nada como antes, foi duro,
possessivo e gostoso.
— Isso é bom... — ofeguei e ele sorriu descaradamente, passando a
movimentar firme.
— Que boceta apertada. Porra — gemeu ao estocar em um ritmo só.
Não estava acostumada com esse linguajar, mas tudo nele era uma
combinação perfeita, que o deixava ainda mais sexy, e só meu.
Deitei completamente e o trouxe comigo, ao me agarrar em seu pescoço
enquanto ele me beijava e arremetia junto.
Estávamos tão envolvidos que era como se mais nada existisse ao nosso
redor.
— Bom dia, pombinhos — Flora nos cumprimentou, nos pegando de
surpresa, antes de entrar na tenda principal, onde estávamos.
A princípio congelei, sem saber o que fazer.
Como assim?
Olhei para Ramon entre minhas pernas, literalmente dentro de mim. Ele
abaixou a cabeça, soltando minha boca irritado. Mas não foi só Flora que nos
atrapalhou. Suas outras duas cunhadas e sua mãe entraram logo em seguida,
saindo assim que perceberam o que estávamos fazendo.
Ramon rapidamente puxou o lençol para nos cobrir, porém não deu
tempo, elas já tinham visto tudo.
Envergonhada, escondi meu rosto com as mãos.
— Elas já foram! — rosnou Ramon, demonstrando o quanto estava
irritado.
— Que vergonha! Que constrangedor! — Me escondi na curvatura do seu
braço.
Por fim ele riu!
— Bobinha! Não precisa ficar. Não estávamos fazendo nada demais,
somos marido e mulher. É natural que façamos amor quando acordarmos. E eu
farei todas as manhãs, todas as tardes e todas as noites com você. Quantas vezes
tivermos vontade. — Ele soou tão natural, mas para mim era terrível saber que
elas viram Ramon e eu de um jeito tão íntimo.
— Não vou conseguir encarar nenhuma das quatro.
Divertindo-se da situação embaraçosa que elas nos flagraram, ele
gargalhou.
— Para de rir, Ramon.
Minhas bochechas esquentaram.
— Sara, para com essa bobeira. Não tem nada de mais, somos casados e
elas também fazem com os maridos delas o mesmo que nós estamos fazendo. —
Ele percebeu que estava me irritando e parou de rir, saindo de cima de mim.
— Não importa! — respondi contrariada.
Bufei e revirei os olhos.
— O que posso fazer, minha vida? Não imagina o quanto estou frustrado.
Te sentir e não gozar com você é a mesma coisa que tirar o doce da mão de uma
criança.
Enrolei meu corpo no lençol, em seguida sentei enquanto ele se levantava
e procurava pelas suas roupas espalhadas no chão.
Não foi a primeira vez que o vi de costas. Durante a noite quando
levantou para me ajudar a limpar o sangue em mim, pude reparar no quanto era
atlético, com os ombros torneados, as costas largas, e a ondulação perfeita da
sua bunda. Suas coxas eram vigorosas, os braços musculosos e fortes. Másculo e
viril. Não era para menos as outras mulheres do acampamento nutrirem desejos e
uma tara por ele. Meu marido arranjado era lindo e o melhor, era todo meu.
Ramon se virou vestindo a cueca e me viu contemplando-o. Fiquei
acanhada, e por pouco sua risada alta e grossa não me irritou.
— Poderia não me envergonhar mais do que já estou? — pedi, alertando-
o com meu tom de voz.
— Você é surpreendente. E ainda mais deliciosa quando me olha cheia de
desejo assim. Não sabe o quanto isso é bom.
— Ser desejado? — perguntei e acabei sorrindo quando se aproximou
para selar meus lábios.
— Por você? Sim — me respondeu, vestindo a calça e sentando-se na
beirada da cama.
Eu não tinha como me vestir ainda. Com a confusão de tecidos enrolados
sobre nós, minha camisola e calcinha estavam perdidas em algum lugar por aí.
— Podemos entrar, Ramon? — sua mãe perguntou.
— Sim. Fazer o quê? — respondeu contrariado.
Quando as vi entrando de novo todo meu rosto se aqueceu, como se
estivesse pegando fogo. Jamais conseguiria esquecer do olhar e do sorriso de
cada uma ao nos flagrar.
Que situação mais estranha, ser pega no meio do sexo com seu marido
por minha sogra.
— Vejo que a noite foi boa — Flora comentou com deboche, entrando
logo atrás de Constância.
De fato, foi maravilhosa e perfeita, e se ela soubesse...
Quase respondi, mas me calei e olhei para Ramon, que exibiu um dos
seus sorrisos sexy e arrogante.
— Foi perfeita — ele sibilou para mim sem que elas percebessem o que
ele estava falando.
Ignoramos a presença de Flora.
— Coitadinha de Sara, deve estar toda dolorida, já que Ramon não deve
ter a deixado em paz. — Mantivemos nossos olhares cúmplices sem deixar que
seu desdém nos afetasse. Contudo, Constância era bem perspicaz quando o
assunto não lhe agradava e pediu que ela parasse.
— Flora, pegue o lençol manchado e leve para Miro e Valter, os dois
estão esperando. — Com cara de poucos amigos, a cunhada de Ramon recolheu
o lençol e saiu.
Enrolada no outro lençol, levantei e fui para o lado de Ramon, me
sentindo mais confortável quando passou o braço por cima dos meus ombros.
Ele me abraçou e beijou minha testa.
— Não gosto muito dela — sussurrei, porém não reparei que Pétala
estava bem próxima.
— Não liga para ela, Sara. Flora está enciumada.
— Mais tarde conversarei com ela — Constância avisou vindo até mim.
— Quer tomar um banho, Sara? — sorri, confirmando.
Sem graça, abaixei a cabeça, imaginando o que ela estava pensando
quando viu seu filho e eu, tão intimamente.
— Ramon, peça que tragam o vestido de Sara e vá se aprontar. Vocês
dois ainda precisam cumprir o dia de hoje — ordenou séria.
Ramon terminou de se vestir e me deixou com as duas, que me levaram
em uma tenda escondida atrás da que estávamos. Lá tinha uma banheira e já
estava tudo arrumado para eu me lavar. Elas me ajudaram e logo chegou a outra
cunhada para continuar me ajudando.
Só deixei Sara aos cuidados de minha mãe porque era necessário, caso
contrário não sairia de perto. Nunca me senti dessa maneira, ela se tornou
indispensável para mim dá noite para o dia e o pouco que estávamos afastados já
me fazia uma enorme falta.
Seu jeito de sorrir e gargalhar tocava em mim como melodia, sua entrega
foi total e sem reservas e isso me fascinou de tal maneira que compreendi o real
sentimento que estava sentindo por ela.
Cada momento, cada sussurro, estava em mim. Fui marcado pela
ciganinha de língua afiada e de corpo esguio.
Minha boca secou, sentindo falta dos seus beijos que não largou de mim
por toda a noite. Fechei os olhos por um momento e imagens dela se contorcendo
de prazer vieram frescas na minha mente, me excitando.
Além de sentir falta da sua presença estava completamente frustrado por
terem nos interrompido. Ou melhor, irritado pela falta de discrição de minha mãe
e das minhas cunhadas. Elas poderiam ter esperado respondermos para então
entrar.
Terminei de fechar os botões da camisa branca quando lembrei de como
Sara estava entregue, da sua boca entreaberta e da respiração entrecortada ao
gemer meu nome e contrair toda sua boceta apertada em torno do meu pau.
Estava tão envolvido nas lembranças que não havia percebido a discussão do
lado de fora da tenda, fui me atentar quando disseram o nome da Sara.
Sem entender, descalço saí e encontrei meu pai e Valter discutindo. Ele
balançava algo branco nas mãos, enquanto meus irmãos o seguravam.
— O que está acontecendo por aqui? — perguntei me posicionando entre
os dois, batendo com a mão no peito dos dois.
— Sara não é virgem! — meu pai falou exaltado, abrindo o tecido limpo.
Estranhei e olhei para os dois, tentando entender de onde tiraram esse
absurdo. Era impossível Sara não ser virgem.
Tudo que vivi com ela nessa noite provava que ali estava acontecendo
um mal-entendido.
— Miro, você está levantando falso testemunho de minha Sara! — Valter
rebateu.
E ele estava certo. Eu mais que ninguém tinha essa certeza.
Com a discussão dos dois, o restante do acampamento foi se
aglomerando a nossa volta.
— Vamos parar com a discussão. Pai! — chamei-o e ele parou, me
encarando com o cenho franzido. — Sara era virgem até ontem à noite —
comentei baixo, evitando que todos ouvissem. — Algo não está encaixando. —
Olhei sério para ele.
— Mas o lençol está branco, não tem uma gota de sangue aqui, filho —
ele continuou duvidando.
— Impossível! Não vou ficar discutindo diante de todos se Sara era ou
não era virgem por causa de um lençol! Eu sei do que estou falando e não vou
ficar relatando a vocês os detalhes da minha noite de núpcias! — conclui firme.
Não a ficaria expondo.
— Ramon! — ele disse meu nome em tom de repreensão.
Sei que falar desta forma o deixava vulnerável diante dos outros, afinal
ele era o líder. Mas poderia ser qualquer um ali, não permitiria que difamassem
Sara.
— Flora trouxe a pouco e quando a questionei, disse que sua mãe que deu
para ela trazer.
Fechei os olhos e neguei com a cabeça, não acreditando que meu pai
estava acreditando na falsa da Flora.
Minha cunhada já aprontou muito antes. Por isso eles não moravam aqui.
Sempre arrumando confusão e discórdia.
— Flora? Desde quando Flora é uma pessoa confiável? O histórico dela
é bem duvidoso, pai.
Sei que falar mal da esposa de um dos meus irmãos talvez não ajudasse,
mas não era novidade nenhuma o quanto ela gostava de criar intrigas entre outras
pessoas.
— Chame Flora! — meu pai pediu.
Não só ela veio, minha mãe estava ao seu lado, segurando-a pelo branco,
enquanto chorava.
Não sei como tudo que acontecia por aqui se espalhava tão rápido.
— FLORA! — meu irmão chamou sua atenção antes mesmo que falasse
algo.
— Eu não fiz nada, só trouxe o lençol que Constância mandou — ela
tentou se justificar.
— Mandei que trouxesse o com sangue, não um limpo, cadê ele? —
Minha mãe sem paciência apertou o braço levando-a para o meio da roda.
— Eu não sei, eu trouxe o que você me mandou! — ela insistiu.
— Flora! Vou perguntar mais uma vez, se não falar a verdade vou
considerar uma traição com sua família — minha mãe adotou uma posição da
qual vi poucas vezes, pedindo para meu pai se posicionar diante de um
julgamento de traição.
Em nossa cultura a traição era considerada um crime de máxima
penalidade, ela poderia ser por diversos motivos; para prejudicar um membro do
bando ou nos casos de adultérios que se tornava o ato ainda mais grave,
chegando ao banimento total, perdendo o direito de usar até o sobrenome da sua
família.
— Eu juro que só quis agir em prol de Esmeralda, pois Sara é uma ladra
de homens — Flora confessou e começou a chorar, se ajoelhando.
— Cadê então o lençol que estava borrado com o sangue? — meu pai a
questionou, se aproximando dela.
— Está vendo? Minha filha era uma moça pura! — as falas altas se
misturaram virando uma confusão novamente.
— Eu não disse que ela não era, primo Valter — meu pai agora com o
tom de voz mais baixo se justificou, tentando apaziguar os ânimos.
Não sei como ficariam. Eram primos, mas o que aconteceu foi grave,
porém os dois acabaram se entenderam e abraçaram ao ouvirem dizer que Sara
estava vindo. E de fato ela já estava bem perto.
Quando me virei a vi acompanhada por Pétala.
Linda, toda vestida de vermelho.
Por segundos fiquei olhando fixo na sua direção, admirando-a.
— Quero o lençol sujo até o fim do dia — meu pai intimou Flora e olhou
para meu irmão, que estava ao lado da esposa —, e você, tome uma atitude com
sua esposa, ou nunca mais poderá vir aqui — ele concluiu.
— Ramon, você ainda não está totalmente vestido — minha mãe me
lembrou.
Assenti e saí, retornando logo em seguida, ficando ao lado de Sara.
Ainda precisávamos cumprir o segundo dia de festa, quando
entregaríamos os cravos vermelhos e receberíamos as moedas de ouro em troca.
— Você está ainda mais linda — sussurrei no ouvido de Sara quando
segurei sua mão e beijei a lateral do seu rosto.
— Você também está. — Recebi seu elogio beijando novamente o dorso
de sua mão.
Logo os pais de Sara e muitos dos convidados se foram.
Era o costume após o ritual do lençol a família da noiva se retirar, já que
agora Sara seria da minha família. Fiquei triste por ela, ao vê-la com os olhos
marejados despedindo dos pais.
Era uma passagem difícil para a mulher. Por isso tentei distraí-la,
contando sobre o que Flora havia feito. Apenas parávamos de conversar quando
alguém se aproximava para pedir o cravo nos desejando vida próspera. E
voltávamos a falar sobre algumas coisas para que não pensasse neles.
Por horas ficamos ali, me ausentando por alguns minutos, apenas para
pegar algo para comermos, mas quando voltei ela estava rodeada pelas outras
jovens do acampamento toda suja de barro, tanto no rosto quanto no vestido
havia lama escorrendo.
Elas novamente acusaram Sara e acabei chegando a tempo de segurá-la,
evitando que brigasse bem no dia do seu casamento.
— Sara, por favor — pedi, mas foi em vão. Ela fingiu que não escutou e
continuou discutindo com Esmeralda.
Irritado, a peguei por trás e a levei para um lugar mais afastado. Quando
a coloquei no chão se afastou de mim, me empurrando ao espalmar suas mãos em
meu peito.
— Vou embora daqui. Quero ir para minha casa!
Tentei me aproximar, mas recebi sua rejeição ao se afastar me dando as
costas.
Não tinha nada a ver, apenas queria conversar com ela e estava sem
entender o motivo por que me tratou assim.
— Você é louca! Você não vai embora — irritado afirmei e comecei a
caminhar logo atrás dela.
— Vou sim, quero ir para minha casa — gritou e começou a ir na direção
de onde todos estavam ainda festejando.
— Sua casa agora é aqui, Sara! — falei no mesmo tom que o dela.
— Eu quero minha família.
— Sua família sou eu!
Sem paciência alcancei-a e segurei em seus ombros impedindo-a de
continuar a andar.
— Me solta. — Ela tentou me empurrar, mas não permiti e a segurei mais
forte. — Você não é meu dono, Ramon.
Senti um nó na garganta se formando ao pensar nela indo embora.
Não sei qual nome dar a esse sentimento conflitante e não permitiria que
fosse assim, sem ao menos conversarmos direito.
— Para com essa bobeira — pedi.
Ela ainda estava de costas para mim e quando a virei fiquei penalizado
por vê-la com os olhos marcados de choro e o rosto todo sujo de barro.
— Eu quero ir para minha casa e não é aqui! — afirmou e tentou me
empurrar de novo, mas fui mais rápido e a peguei desprevenida, jogando-a sobre
os meus ombros.
— Me coloca no chão, seu idiota — Sara gritou e bateu, dando tapas nas
minhas costas e debatendo as pernas.
— Não! — neguei e continuei a levá-la para a direção do lago, onde era
sua casa agora.
— Me coloca no chão, Ramon, seu ogro!
Fingi que não a escutei e a coloquei no chão quando chegamos no deque,
na entrada da cabana moderna.
— Você não vai embora, aqui é sua casa! — afirmei e me aproximei dela,
mas como se repelisse ao meu toque ela recuou de costas.
— Não se aproxime — gritou irritada.
Ignorei-a e dei um passo à frente enquanto ela dava outro para trás.
— Para com essa bobeira agora. Você não vai embora.
Tentei agarrá-la, porém Sara deu um passo em falso e caiu no lago.
Corri para a borda para ver se estava tudo bem, rindo da situação
cômica. Não tive como não achar engraçado e fiquei esperando ela aparecer,
mas comecei a me preocupar quando não submergiu.
O lago era raso e já era para ter aparecido irritada e toda molhada,
porém a demora me deixou apreensivo e desesperado pulei, encontrando seu
corpo boiando desacordado. Agarrei-a firme e levei até o deque colocando seu
corpo no chão.
— Sara! Sara! — chamei, debruçando sobre seu corpo. — Por favor, fala
comigo.
Ela não respondia. Estava desacordada e desesperado dei leves
batidinhas em seu rosto, na tentativa de acordá-la.
A chamei diversas vezes, mas sem sucesso.
Apreensivo, comecei a realizar os primeiros socorros, imaginando que
ela poderia ter bronco aspirado e encharcado seus pulmões com água. Me
arrependi e estava com tanto medo que comecei a tremer, temendo pela sua vida.
Já vi pessoas morrerem por coisas bobas e não sei o que faria se isso
acontecesse com ela.
A virei de costas para o chão e abri sua boca, procurando alguma
obstrução. A virei de lado, mas nada de expelir água.
Eu deveria ter me jogado logo em seguida, assim não estaria aqui, me
sentindo um inútil.
Aflito, ajeitei-a melhor e abri sua boca. Faria respiração boca-a-boca,
mas quando fui assoprar ar em sua boca, ela fechou os lábios e começou a rir.
A filha da mãe estava fingindo o tempo todo.
Não sei se ficava aliviado ou com raiva por me deixar preocupado.
— Que brincadeira idiota essa, Sara! — inquiri irritado.
Se soubesse o quanto fiquei desesperado não estaria rindo assim.
— Não tem graça, estava preocupado — a repreendi.
— Bem feito! Lógico que teve graça, precisa ver como está sua cara. —
Sara ainda ria, achando engraçada a brincadeira de mau gosto.
— Que saco, Sara! Eu achei que poderia ter se afogado de verdade.
— Quem mandou ser mandão demais?
Não teve graça alguma. Fiquei desesperado, com medo de que tivesse
acontecido algo com ela. Será que ela não percebe a gravidade de uma
brincadeira dessas?
Frustrado e ainda muito puto com ela, deitei sobre seu corpo e a impedi
de sair. Segurei seu rosto e a encarei.
— Sai de cima de mim, Ramon!
— Agora você vai se arrepender da brincadeira de péssimo gosto. —
Abaixei e consegui pegar seus lábios ainda entreabertos, apoderando deles com
posse, provando e mostrando que ali era seu lugar e que não permitiria que
saísse de perto de mim. Porém, Sara correspondeu e me abraçou, permitindo que
eu a beijasse.
Após minutos beijando-a encerrei, pegando-a de surpresa.
— O que foi? — ela perguntou me encarando curiosa.
— Vou tirar esse vestido e terminar o que começamos hoje de manhã e
você vai ver que nunca mais vai falar de sair de perto de mim. Sua casa é onde
eu estiver — afirmei possessivo.
Levantei, ajudando-a a se levantar e ali mesmo a virei de costas e fui
desabotoando as dezenas de pequenos botões que fechavam o vestido. A cada
parte que ia se abrindo deixando sua pele exposta eu beijava no local e foi assim
até onde seria nosso quarto.
Paramos próximo da cama, uma espécie de tatame sobre uma plataforma
de madeira. Terminei de tirar seu vestido deixando-a somente de calcinha e
apressadamente desabotoei alguns botões da camisa, passando-a pela cabeça,
jogando-a em algum canto. Sara estava tremendo, mas estava tão excitado que
tínhamos pressa e nos secar ficaria para depois.
A envolvi e me sentei trazendo-a para meu colo e em seguida a deitei na
cama, cobrindo-a com meu corpo.
Não precisava falar o que queríamos. Sara abriu suas pernas me
abrigando entre elas. Quando me posicionei, pronto para continuarmos de onde
paramos nessa manhã. Seus pés cruzaram nas minhas costas, enquanto nossas
bocas desesperadas não se desgrudavam.
Penetrei-a de uma vez e fechei os olhos quando estava completamente
dentro dela, sentindo a pulsação da sua boceta ao redor do meu pau,
estrangulando-o.
Bombeie algumas vezes e logo a trouxe para meu colo.
A imagem de Sara gozando e rebolando sobre meu falo me fez ficar ainda
mais excitado, pronto para tê-la dessa vez por completo.
— Sara, sente em meu colo como daquela vez — pedi.
Ela concordou e se sentou, escorregando lentamente até o talo, me
engolindo todo.
Gememos juntos.
Segurei em sua cintura, deixando-a ainda se acostumar com meu pau todo
dentro e como da outra vez, Sara, remexeu para frente e para trás, esfregando e
rebolando deliciosamente, antes de ficar com seus pés plantados ao meu lado,
apoiando para descer e subir.
— Porra... que gostoso. — Me joguei para trás enquanto Sara
movimentou saindo e enterrando-me dentro do seu corpo perfeito.
Ela foi incrível e não parou, me deixando prestes a gozar.
A imagem era ainda mais linda, com seu corpo em movimento, seus seios
empinados a minha mercê. Eu os abocanhei e castiguei, mordendo os mamilos,
pressionando-os entre meus dentes.
Enquanto ela rebolava indo mais rápido, não me controlei ao sentir a
contração da sua boceta ao gozar, me levando junto no mesmo momento.
Ofegante jogou seu corpo e caiu sobre meu peito.
— Sara, não faça mais o que fez hoje! — pedi quando ela sentou
novamente e saiu de cima de mim. — Promete!
Ela concordou. Não era preciso prolongar um assunto que poderia
voltarmos a discutir por uma bobeira. Tínhamos muitas coisas melhores para
fazer do que brigarmos.
— Ramon, não aguento mais elas me chamarem de ladra — ela se
justificou.
E eu a entendia perfeitamente. A pessoa com menos culpa em toda essa
história era eu e ela. Não tinha motivos para atacarem como estavam fazendo.
— Prometo que amanhã vou tomar uma providência. Mas entenda, aqui é
sua casa e sua família.
Sara concordou e sem toda aquela explosão deitei melhor na cama e a
trouxe para perto, deixando sua cabeça em meu peito.
— Eu acho que te amo. — Sorri com sua confissão inusitada.
— Eu te amo! — respondi convicto do sentimento que estava sentindo, só
poderia ser amor.
Não voltamos mais para a festa e meus pais entenderam, afinal, Sara e eu
já havíamos cumprido todo o ritual exigido pela nossa tradição.
Por dois dias ninguém nos incomodou ali, naquele espaço. Ficamos
isolados de todos, organizando nossas coisas como gostaríamos. Transamos,
fizemos amor e fodemos a cada oportunidade e em cada canto daquele lugar.
Transformando cada momento em uma lembrança única.
Capítulo 21
Fazia quase oito meses que estava ali e já sentia que era minha casa.
Ramon e eu estávamos ainda comprando coisas das quais achávamos
necessário ter, aos poucos tudo ali se tornou tão nosso.
Era uma descoberta diária e eu estava feliz.
A adaptação de morar em uma tenda/cabana não foi difícil, mesmo que a
nossa mais parecesse com uma casa sobre o deque de madeira e plataformas de
concreto, o estranho ainda era o barulho da noite, mas diferente da cidade, ali eu
conseguia ouvir o barulho do lago e dos grilos e ver mais estrelas quando ficava
sentada sob o luar no colo dele.
E a todo momento fazíamos amor, uma das melhores coisas que o
casamento me proporcionou, hoje eu não sei se escolheria estar em uma
universidade, Ramon se tornou meu mundo e eu o dele.
Cada atitude e sua personalidade mostravam o quanto era comprometido
com as pessoas e com seu povo e isso me deixava mais apaixonada. Saber mais
sobre sua vida só me fez encarar o quanto eu estava errada em achar que era um
arrogante, mesmo que às vezes discutíssemos por coisas banais.
Talvez um dia essas pequenas divergências de pensamentos cessassem.
Sentia em paz, ainda mais depois que as acusações e as discussões com
Esmeralda pararam. Meu sogro ameaçou expulsar ela e sua família do
acampamento caso fizesse alguma confusão me envolvendo de novo. Ainda
sentia seu olhar de ódio quando me via, ainda mais quando estava com Ramon,
mas pouco me importava, pois eu o amava a cada dia mais e estar ali com ele
estava sendo minha vida.
Não pedi para ser dele, mas aceitei!
— Sara, se troque, quero te levar para passear — ouvi sua voz e olhei
por cima dos ombros. Estava sentada na beirada do deque com os pés
balançando dentro da água.
Ramon fez questão de construir nossa casa na beira do lago e era incrível
a sensação de bem-estar que proporcionava a nós.
— Aonde vamos? — perguntei curiosa; era sábado de manhã e o dia
estava lindo, um delicioso calor. Estava com um vestido de algodão branco e
com os cabelos presos em um coque no alto da cabeça.
— Surpresa. — Voltei a olhar para o lago à minha frente à medida que
Ramon se abaixava logo atrás das minhas costas.
Sorri sentindo o roçar dos seus lábios no meu pescoço, uma região a qual
ele sábia exatamente que me deixava excitada.
— Sabe que sou curiosa! — Levei um dos meus braços para trás
alcançando-o e me aconchegando a ele.
— Mas vai precisar esperar, vai ser surpresa dessa vez.
Sem questioná-lo, peguei em sua mão e me coloquei de pé com sua ajuda,
deixando a saia do vestido longo escorregar, cobrindo minhas pernas.
Fechamos as cortinas e deixamos tudo fechado ao sair, Ramon disse que
voltaríamos mais tarde.
Dentro da caminhonete estava uma cesta de piquenique grande, imaginei
o que seria e entendi o porquê acordei sozinha hoje, ele havia ido até a cidade
comprar algumas coisas, dentre elas a cesta no banco de trás.
— Vamos fazer um piquenique, eu e você — disse ao entrar ao seu lado e
fechar a porta após descobrir o objeto.
— Sim, mas isso não é uma surpresa, vai ser depois.
— Chato! — Sorri ao escutar sua risada grossa.
Levamos quase duas horas para chegar aonde Ramon queria me levar.
Era uma cidade vizinha e lá tinha uma enorme praça onde as pessoas passavam o
dia com toalhas estendidas, fazendo algo como: ler, descansar ou jogar bola.
Não estava cheio, havia alguns grupos, mas todos em um canto.
O lugar era lindo e tinha algumas fontes espalhadas pelo parque cheio de
grandes árvores que favoreciam as sombras para estendermos as toalhas e ao fim
dele um grande prédio que estendia no horizonte. Talvez ali fosse algum tipo de
museu ou algo histórico.
— Eu estudava aqui até alguns meses atrás.
Foi então com a revelação dele que me dei conta aonde Ramon havia me
levado.
— Aqui é a universidade onde me formei e aos sábados aqui se torna
tranquilo para podermos ficar um pouco relaxados sobre a grama.
Fiquei contemplando sua face e deslizei minha mão pelo seu cabelo.
— Como sei que seu sonho era estar em uma universidade achei que
poderíamos vir algumas vezes aqui e passarmos o dia. Quero te levar para
conhecer o campus. Ou quem sabe realizar o que sempre tanto quis e continuar
seus estudos — concluiu e acabei me emocionando.
Jamais esperaria essa atitude de Ramon. Ele não só me surpreendeu, mas
acabou mexendo muito mais no sentimento que tinha por ele.
Havíamos conversado uma vez sobre meus sonhos, mas achei
inalcançável, eu o priorizei quando o escolhi e sei que estava fazendo tudo para
me agradar como uma forma de me recompensar.
— Obrigada por estar fazendo a minha vida, ou melhor, a nossa vida ser
especial. — O abracei e selei seus lábios, sem me importar com as pessoas nos
olhando.
Passamos um dia incrível. Ele me levou para visitar a grande biblioteca,
as salas e como falou, se eu quisesse poderia continuar, mas não respondi. Seria
uma ideia para conversarmos mais para frente, ainda queria aproveitar todo esse
momento em que estávamos tendo juntos. Até porque também tínhamos ideia de
viajar pelo mundo, tornar nômades.
E com ele eu iria até o fim do mundo. Já não via minha vida sem tê-lo ao
meu lado.
Ao voltarmos para casa, quando estávamos próximo do acampamento
senti uma forte dor em meu ventre, quase insuportável. Era como se algo
estivesse me perfurando e espremendo todo meu útero ao mesmo tempo.
Não era uma simples cólica menstrual.
Sentindo muito mal, dobrei meu corpo todo, me curvando sobre minha
barriga gritei desesperada quando senti uma espécie de pontada forte.
— O que foi, Sara? — ele perguntou e parou imediatamente a
caminhonete no acostamento.
Não conseguia falar e comecei a chorar.
— O que está acontecendo?
— Não sei... — respondi sem entender e me desesperei quando senti um
líquido quente escorrendo pelas minhas pernas.
Fiquei desesperado quando a vi gritar de dor e o assoalho do carro virar
uma poça de sangue. Diante daquela situação, eu, como médico, já imaginei o
que poderia ser. Ao contrário de uma menstruação normal, Sara estava sofrendo
um aborto espontâneo e eu precisava correr com ela.
Antes de colocar o automóvel na pista novamente, segurei seu rosto.
— Preciso que fique calma, vou te levar para um hospital. — Ela tornou
a se curvar sobre o abdômen e ficar em posição fetal, chorando de dor.
Acelerei e pouco me importei com o limite de velocidade, só queria
chegar o mais rápido ao hospital.
Salvar Sara era primordial. Não sei o que faria se algo de ruim
acontecesse com ela.
Olhei para ela enquanto dirigia e senti um aperto no coração ao vê-la
naquele estado. Nosso dia tinha sido incrível e jamais pensei que fosse terminar
comigo levando-a para o hospital.
Dirigi feito um louco e quando chegamos parei o carro na entrada da
emergência e desesperado o contornei retirando-a de lá, carregando-a.
— Minha vida, vai ficar tudo bem! — tentei acalmá-la, sem mencionar
minhas suposições.
Enquanto dirigia, não falamos nada, apenas perguntei como era a
intensidade das dores, mas ela mal conseguia me responder, confirmando cada
vez mais minhas suspeitas.
Sara estava sofrendo um aborto espontâneo. Não tinha outra opção a não
ser isso.
Entrei no hospital com ela nos braços. Seu vestido estava todo
ensanguentado e quando me viram logo vieram em nosso socorro com uma maca.
— Ela é minha esposa. Creio que está sofrendo um aborto espontâneo —
informei ao médico da emergência quando se aproximou. Porém, só fui entender
o que realmente estava acontecendo ao encontrar seu olhar perdido.
Eu ia ser pai...
— Eu estou grávida? — Sara perguntou baixo e fechou olhos.
— Acho que sim. Quase certeza — respondi e segurei uma de suas mãos.
Fiquei ao seu lado e me encurvei quando a levaram para dentro do
hospital.
Até poderia acompanhá-la por ser médico, mas precisava de alguns
minutos sozinho e processar o que estava acontecendo. Não passava pela nossa
cabeça que um filho poderia vir por agora. Sara havia menstruado corretamente
todos os meses desde que nos casamos e isso não era uma prioridade nossa
nesse momento. Porém, ao saber, mesmo que tão repentino, algo em mim fez com
que pensasse o quanto eu queria ser pai.
— Senhor, por favor! — a recepcionista atrás do guichê de internação me
chamou em voz alta, me tirando do transe que entrei ao me dar conta da
importância que esse filho seria para nós.
— Pois não? — Me aproximei e a encarei, esperando dizer o que queria.
— Vou precisar que preencha os dados da sua esposa.
— Tudo bem! — Fui até a caminhonete, peguei os documentos dela e
retornei.
Após preencher todos os dados, fiquei sentado em uma das cadeiras da
recepção esperando meus pais chegarem. Assim que terminei de fornecer as
informações sobre Sara liguei para eles informando sobre o que aconteceu.
Não demorou muito eles chegaram.
— Ramon! — Minha mãe chamou ainda da entrada da recepção.
Olhei para ela e levantei a mão sinalizando onde estava.
Logo atrás dela veio meu pai. Os dois estavam assustados. Acho que os
preocupei ao dizer que Sara estava com hemorragia.
— Filho, o que aconteceu? Cadê, Sara? — ele perguntou olhando para
todos os lados, como se a tivesse procurando.
— Eles a levaram para dentro, acho que ela estava grávida e sofreu um
aborto espontâneo.
— E como ela está? — minha mão perguntou preocupada.
— Até agora não sei... — respondi quando no mesmo momento me
chamaram pelo autofalante, pedindo que me dirigisse ao balcão de internação.
— Vamos juntos com você — meu pai informou ao me acompanharem.
— Ramon Rosberg? — assenti, confirmando para a atendente.
— Queremos saber sobre Sara Rosberg — desesperada minha mãe
perguntou.
— Calma, senhora. — A mulher sorriu e olhou minha mãe dos pés à
cabeça, reparando em sua roupa.
Isso era bem comum acontecer, as mulheres mais velhas ainda se vestiam
com roupas de cores vivas, chamando atenção por onde fossem.
— A senhora tem notícias de Sara? — perguntei também.
— Senhor, sua esposa sofreu um aborto espontâneo, mas precisará fazer
uma cirurgia, e preciso lhe informar que o pagamento é antecipado, visto que
vocês não têm plano de saúde.
— Dinheiro não vai ser o problema — meu pai disse rispidamente.
— Acalme-se, senhor! — ela respondeu educadamente.
— Estou calmo, só lhe disse, mulher, que dinheiro não será o problema,
façam o que tem que fazer para minha nora melhorar.
A mulher vendo que estávamos preocupados com o bem estar de Sara, e
não com dinheiro, nos informou a quantia e depois que pagamos fomos avisados
sobre o real estado de Sara.
Ela sofreu um aborto espontâneo, estava com uma gestação tubária de
sete semanas e foi necessário fazer uma cirurgia imediata para conter a
hemorragia, tendo que retirar uma das trompas. O abortamento que Sara sofreu
havia sido bem mais grave que pensei.
Enquanto esperava, já alocado no outro andar, no quarto em que Sara
ficaria comecei a pensar sobre como algumas coisas são injustas. Se você não
tem dinheiro para a conta do hospital então ficaria sem atendimento até conseguir
o valor? E se eu não tivesse como pagar, ela corria ainda mais risco de vida.
Por sorte, tínhamos uma condição financeira boa. Mas e quem não tem?
Por isso queria ajudar essas pessoas, foi exatamente o que me levou a
fazer faculdade de medicina.

Duas horas depois, estava inquieto e andava de um lado para o outro.


Não consegui ficar no quarto esperando, estava desesperado para ter notícias
dela, até que escutei um homem alto me chamando.
Era o médico de Sara.
— O senhor está sozinho? — ele perguntou assim que me aproximei.
— Sim, meus pais foram buscar as coisas da minha esposa. E como ela
está?
— Ela está ainda sonolenta por causa da anestesia. Acho que já
informaram ao senhor que foi preciso retirar uma das trompas.
— Sim.
— Já a levaram para o quarto — ele me informou e eu o acompanhei.
Quando cheguei, Sara já estava na cama, estava de lado, com de costas
para a porta.
Pelo visto a anestesia já tinha passado.
— Vida? — a chamei pelo apelido carinhoso que dei para ela.
— Oi! — Sara olhou por cima dos ombros e sorriu desanimada.
— Como está? — perguntei e contornei a cama, ficando de frente com
ela.
— Estou bem, mas o bebê não — ela informou o que já sábia.
— Não tem problema, você estando bem é o que importa — tentei
acalmá-la.
Não tinha problema. Talvez tivesse se culpando. Era o que acontecia com
a maioria das mulheres que sofrem abortos espontâneos.
— Não chore. Ainda poderá ter quantos bebês quiser, meu amor. — Me
aproximei mais e beijei sua testa antes de enxugar as lagrimas que escorreram
pelo seu rosto.
— Me perdoa, eu não sabia.
— Sara, não precisa me pedir perdão. Não fazíamos ideia que poderia
estar grávida e ter um aborto é muito comum, não foi culpa sua — informei.
Não queria que carregasse esse sentimento. Ninguém tinha culpa.
— Ainda vamos ter muitos filhos, afinal, gostamos muito de fazer sexo e
assim que se fazem os bebês — ela sorriu.
— Eu sei como são feitos, Ramon. Não precisa me lembrar.
— Na verdade, eu quis te lembrar em como gostamos de fazer amor.
Eu e Sara não perdíamos a oportunidade de vivermos atracados. Na
primeira semana de casamento pouco nos viram, ficamos praticamente isolados
em nossa cabana, na maior parte do tempo transando. Não me cansava, aliás, a
cada dia só aumentava o meu desejo por ela.
Após senti-la mais tranquila, trouxeram uma sopa leve e a fiz tomar.
Ficamos conversando e fiquei aliviado por ver que estava conformada e não se
culpou mais.
Já se passavam das 8h da noite quando meus pais retornaram ao hospital
com uma pequena mala, trazendo algumas coisas para nós dois.
— Tem certeza de que não quer que eu fique com ela, filho? — minha
mãe insistia a cada cinco minutos, alegando sua intenção de passar a noite
cuidando de Sara. Mas neguei.
— Quero dormir com ela essa noite aqui, mãe — informei.
— Tem certeza?
— Tenho. E mãe, o médico disse que dará alta pela manhã, então não tem
necessidade, preciso que a senhora deixe tudo preparado para quando voltarmos,
Sara precisará fazer repouso.
— Está bem, meu filho.
Despedimos e assim que ficamos a sós, fui ao banheiro e tomei um banho
para tirar todo o suor do dia e trocar as roupas sujas por limpas. Lavei os
cabelos e quando voltei para o quarto encontrei o olhar dela preso nos meus.
— Eu te amo! E queria muito dormir abraçada com você. — Ela sorriu e
foi claro qual era sua intenção.
— Só se eu dormir nessa cama com você, mas não vamos caber e você
precisa descansar. Amanhã estaremos na nossa casa e vou passar o dia todo ao
seu lado.
Capítulo 22

Já havia se passado mais de dois meses do aborto e com isso tive que
fazer retornos à médica que Ramon fez questão de escolher. Fomos informados
que minha chance de engravidar reduziu para cinquenta por cento, pois agora eu
só tinha uma trompa e um ovário. No início fiquei triste, mas com os dias e com
tudo que Ramon fazia questão de me explicar, fui deixando a ansiedade de lado e
prometi a mim mesma que se fosse para ser mãe eu seria no tempo que fosse
destinado, e não me preocuparia mais com isso. Ramon também compartilhava
da mesma opinião que eu.
O que me deixava às vezes triste era nos momentos em que me reunia
com as outras mulheres do acampamento e em algumas estava Esmeralda, que
fazia questão de ficar me espezinhando e fazendo piadinhas sobre meu aborto.
Confesso que tinha horas que me dava uma vontade louca de esbofetear a cara
dela, mas minha sogra sabendo que isso poderia acontecer intervia, mandando
ela calar a boca.
Esses dias estava eu e Ramon fazendo amor durante a tarde e não
fechamos as cortinas e foi quando notei algo estranho. Quando percebemos do
que e de quem se tratava, a vimos escondida, Esmeralda estava nos espionando.
Depois desse episódio, Miro proibiu qualquer um de se aproximar do lago e
declarou que aquele pedaço do terreno era meu e de Ramon a partir daquele dia.

— Vida, onde está? — Estava na outra ponta organizando algumas coisas


nossas quando escutei sua voz próxima.
— Estou aqui! — respondi alto, informando minha localização.
— Vamos na cidade comigo? — Ramon disse já próximo me abraçando
por trás. Me encolhi quando encostou sua braba em meu pescoço, me arrepiando
toda.
— O que vai fazer lá? — perguntei curiosa e me virei ficando de frente.
— Queria dar uma volta. Não está precisando de algumas coisas?
— Queria ir a uma farmácia comprar algumas coisas de higiene pessoal.
— Então vamos. — Ramon roçou seus lábios nos meus e sorriu. — Ah...
me esqueci de dizer; está linda como sempre.
Ele a cada dia se tornava mais carinhoso comigo. Ainda tinha momentos
que minha vontade de arrancar a sua cabeça era enorme quando me irritava, no
entanto, estávamos mais dependentes um do outro, não fazíamos nada a não ser
juntos e poucos foram os dias que ficávamos separados.
Depois de me arrumar com um leve vestido discretamente estampado,
pois estava no auge da estação de verão e ali no Sul eu sentia um calor
exagerado, fomos para a cidade e almoçamos por lá. Depois do almoço
passeamos um pouco, parando para tomarmos sorvete e conversar. Ramon tornou
a falar que se quisesse agora poderíamos começar a viajar para alguns lugares,
ainda tocava no assunto de filhos, mas como havia prometido a mim mesma não
deixaria me abater por isso, aceitei que talvez fosse o melhor momento para
sairmos por aí. E quando voltássemos discutiríamos o que faríamos. Ainda
também tinha a opção de estudar. Mas só queria espairecer a cabeça, então
decidimos começar a nos planejar para ficarmos um tempo fora.
Assim que concordei, Ramon começou a falar de um itinerário que tinha
vontade de realizar e começava pelo próprio país, mas pelo Norte e depois
gostaria de viajar por toda a Europa. Ele também cogitou a ideia de ir ver meus
pais e eu gostei muito, pois desde quando perdi o bebê eu falei com eles umas
duas vezes e estava com muitas saudades.
Passamos a tarde planejando como seria nossa viagem e começamos a
andar pelas lojas pensando em algumas coisas que levaríamos.
Resolvemos que no mês seguinte sairíamos pelo mundo só eu e ele.
Ramon confessou quando fiquei pensativa em relação aos gastos que hoje
tínhamos um bom dinheiro para viver para o resto da vida e que ainda tínhamos
as moedas de ouro que ganhamos no casamento.
Estava animada e depois de passar o dia todo entrando e saindo de lojas
fomos para a farmácia. Precisava de shampoo, sabonete, lâminas de barbear,
alguns cremes e coisas de mulher, estava com a cesta na mão olhando pelas
gôndolas quando vi Ramon conversando com uma mulher próximo aos caixas.
Sorrateira me aproximei, me colocando ao lado deles e notei ele estranho e ficou
estático quando parei ao seu lado.
— Amor, acho que peguei todas as coisas que precisamos — disse para
ele e sorri cordialmente para a mulher. Ela era bonita, nada de extraordinário,
não deveria passar dos vinte e cinco anos.
Ela educadamente esticou os lábios.
— Sara, essa é Alina, uma colega da faculdade.
— Olá, prazer — estiquei as mãos que ficou por segundos no ar sob o
olhar da tal Alina.
— Sua esposa é linda, Ramon. — Senti um certo desconforto ali e sem
que ele se pronunciasse eu respondi em seu lugar ao elogio.
— Obrigada — agradeci e a observei como havia feito comigo.
— Já pegou tudo mesmo, vida? — ele me olhou e sorriu ainda
estranhamente desconfortável.
— Já sim, achei um sabonete com um cheiro delicioso para você. —
Senti uma das mãos dele tocar em meu ombro e apertar.
— Tenho que ir. E foi um prazer conhecê-la, Sara.
— O prazer foi meu. — Mesmo não sabendo de nada e percebendo que o
clima estava tenso eu quis ser cordial, afinal, Ramon ainda implicava com minha
pouca empatia com desconhecidos.
— Ramon, foi bom te ver, sabe agora onde me achar. — Olhei para ele
com esse último comentário e franzi a testa, achando abuso dela ao insinuar que
Ramon poderia querer vê-la.
Ele pagou o que tinha pego e fomos para a caminhonete e, por todo o
caminho, eu o achei quieto, mal conversamos e tentando desfazer esse silêncio
absoluto eu peguei as unhas e subi lentamente por todo seu braço, ganhando
assim um sorriso pelos cantos dos seus lábios. Me soltei do cinto e ajoelhei no
banco reduzindo o espaço entre nós.
— Poderíamos fazer amor em algum lugar parado, escondidos dentro do
carro — propus. Ultimamente eu não tinha mais vergonha alguma em relação a
querer fazer sexo com ele.
— O que aconteceu com você hoje? — ele disse em tom divertido.
Realmente aconteceu algo; não me senti à vontade com ele conversando
com uma colega de faculdade, parecia que a mulher não ficou feliz em me ver.
Talvez fosse mais outra igual a Esmeralda.
E por que será?
Ramon, pela cultura, sabe que não poderia ter namorado uma gadjín, era
contra nossas tradições. Tomada pelos ciúmes desse pensamento eu estava
propondo algo que fizesse ele esquecer de qualquer coisa do seu passado.
— Nada. Achei que fosse gostar de fazer amor comigo aqui dentro do
carro. — Sorri, dando de ombros, diminuindo a expectativa da minha proposta.
— Estamos quase chegando no acampamento, daqui a pouco ficaremos a
sós e teremos a noite toda. — Não sei por que, mas senti um desânimo completo
em sua voz. Jamais Ramon rejeitava a oportunidade de transarmos.
Sem graça, sorri como se estivesse tudo bem e voltei para minha posição
de antes.
Não conversamos mais durante o percurso.
Com os pensamentos inquietos, deixei minha cabeça pender para o lado e
fiquei encostada no vidro. Ele não se manifestou e terminamos nosso caminho até
nossa cabana em silêncio.
Já era tarde da noite quando senti cada minuto Ramon mais distante.
O que teria de errado aquele encontro com a colega?
Será que Ramon gostava dela?
Lembro que ele mencionou vagamente que no início não queria se casar.
Será que ele a namorava antes de mim?
Formaram tantas dúvidas na minha cabeça, me fazendo sentir
insegurança.
Tomada por esse pensamento e me sentindo miserável com o leve
afastamento dele essa noite, fui para fora contemplar as estrelas na busca de um
pouco de ar puro. Me sentia sufocada em pensar que outra pessoa já teve o
coração de Ramon.
Sem ter certeza, fiquei contemplando o reflexo da ondulação da água no
lago. Me abracei e senti-me mal por pensar que poderia perdê-lo. Junto com
aquela sensação ruim no coração senti um aperto, e meus olhos foram inundados
por grossas lágrimas.
Sentindo-me insegura, experimentei essa sensação ruim e dolorosa.
Tentando afastar esse acúmulo de sentimentos degradantes, arranquei toda minha
roupa e pulei no lago, precisava me lavar e retirar de mim essa dor inexplicável.
Era como se estivesse prevendo que algo poderia dar errado.
Impulsionada pelo medo nadei até o centro, não era grande, mas acredito
que ali a profundidade não me dava pé e sem perceber estava mais longe do
deque do que pensei. Só fui me dar conta disso ao escutar Ramon me chamar e
quando olhei em sua direção ele pulou vindo até mim, para mostrar que não tinha
acontecido nada nadei de encontro a ele.
— Sara, o que aconteceu? — ele me perguntou assim que ficamos
próximos, me puxando para perto.
— Nada, senti vontade de entrar na água, só isso! — Aproveitei o
momento e me aninhei nua em seus braços e avancei colando meus lábios nos
seus.
Ramon me correspondeu atacando minha boca e intensificando o beijo
me estreitou no seu abraço. O circundei com minhas pernas em torno da sua
cintura, cruzando meus calcanhares em suas costas, nos deixando colados um no
outro.
— Quero você! — falei em seus lábios e tomada por uma luxúria
misturada com o medo voltei a iniciar o beijo introduzindo minha língua em
busca da sua e como a fera que eu sabia que existia dentro daquele cigano, ele
retornou o controle da situação para si.
Onde estávamos já dava pé e Ramon me carregando começou a ir para a
borda, mas parei o beijo e olhei em seus lindos olhos escuros como ônix.
— Faça amor comigo aqui, Ramon! — Não estava pedindo e ele
entendeu a minha necessidade, pois, em minutos estava livre de qualquer roupa,
nu, igual a mim embaixo da água.
O luar iluminava seu rosto e dessa vez não teve mãos passeando pelo
corpo, teve a urgência de sentir-me preenchida por ele. Sabia que eu estaria
molhada e pronta para recebê-lo e posicionando seu grosso pênis Ramon o
forçou pela entrada da minha boceta e introduziu de uma vez só.
Como eu gostava de sentir essa invasão de sensações que ele me
proporcionava, a cada estocada fazendo ondas a nossa volta.
Hoje eu precisava senti-lo dessa forma, para ter certeza de que estava
tudo bem. E a cada investida eu olhava dentro dos seus olhos, tentando mantê-los
aberto, precisava ver meu reflexo no brilho deles.
Sem palavras sacanas, simplesmente com o desejo demonstrado em
atitudes, Ramon apertou minha cintura, me jogando para cima e me trazendo de
novo para aprofundar e enterrar sua ereção toda dentro do meu corpo. Quando
comecei a sentir o aperto no baixo ventre, sendo puxado por arrepios, deixando
meus mamilos mais eriçados, eu gozei, declarando em palavras meu amor por
ele e recebendo dele na mesma intensidade. Porém ainda sentia aquela sensação
de insegurança que rondava a nós dois e desabei a chorar, escondendo meu rosto
em seu pescoço.
— Sara, o que está acontecendo? — senti seu sussurro tremido em meu
ouvido.
— Nada — minha voz saiu chorosa.
— Sei que algo aconteceu, me fale.
— Não foi nada. — Não quis revelar o que tanto estava me
incomodando.
— Vamos entrar e nos secar.
Ramon me carregou e me tirou do lago levando-me para dentro da tenda.
Ele me colocou lentamente sobre a cama e me deixou sozinha para pegar uma
toalha.
Capítulo 23

Não consegui dormir, estava com Sara e seus longos cabelos ondulados
esparramados em meu peito, mas o sono não vinha.
O que aconteceu conosco ontem à noite?
Que Sara era o amor da minha vida eu não tinha dúvidas, mas ver Alina
ali, em carne e osso, me fez remoer minhas maiores transgressões culturais.
Jamais pensei em reencontrá-la, ainda mais estando na presença de Sara,
o que me perturbou foi o fato dela falar que estava atrás de mim há dias e que
precisava muito conversar comigo em particular e foi nesse exato momento em
que Sara aproximou e fui tomado pelo medo. Não seria bom ela saber do meu
envolvimento com outra mulher no passado.
Um dia conversamos e disse que eu já tinha saído com algumas pessoas,
mas deixei a entender que não passou disso e se soubesse o quanto me envolvi
com Alina a ponto de não querer me casar com ela, indo contra todos da família,
não me restaria mais ter sua confiança e cumplicidade.
A mulher na faculdade ficou para trás, quando ela esbofeteou meu rosto
no momento em que me abri e fui sincero. Estava disposto a tentar com ela, mas
Sara tomou tudo para si, tirando qualquer possibilidade de querer outra mulher
além dela.
Eu a amava.
Foi passo-a-passo. Aceitei meu destino, me apaixonei e o amor veio.
Agora que estava bem ao lado da minha prometida, vivendo tranquilamente, meu
passado retorna como um fantasma para me assombrar, me lembrando de que
histórias inacabadas haviam ficado em aberto.
Não conseguia parar de pensar no que Alina me disse. Parecia urgente,
ela não viria me procurar se não fosse.
Mas como dizer a Sara que preciso ir à cidade de novo?
Ela não era boba, sei que ficou desconfiada com a presença de Alina, seu
olhar e suas atitudes a denunciaram.
Queria poder contar tudo, porém o medo de perdê-la era assustador e
muito maior.
Aproveitei que não havia dormido e deixei Sara entre os lençóis de
algodão branco e iria descobrir o que tanto Alina precisava falar comigo. Sei
que poderia simplesmente ignorar, mas algo estava muito estranho, conhecendo-a
como conheci e depois da briga que tivemos quando terminamos, ela jamais
voltaria atrás se não houvesse algo de importante.
Ontem transar com Sara dentro do lago foi diferente, só reafirmou esse
sentimento nobre que aprendemos a dividir. Era algo transcendente, como se
estivéssemos há muitos anos juntos. Ela se tornou a pessoa mais importante para
mim. Perdê-la estava fora de cogitação, mas estava preocupado.
Levantei e fiquei por um tempo observando como dormia tão tranquila e
me senti culpado por deixá-la sem avisar aonde ia.
Eu não a trairia, mas precisava saber.
Dirigi para a cidade, indo direto ao hotel que Alina me passou o
endereço. Chegando lá pedi na recepção que a chamassem e assim que o
recepcionista confirmou, pegando o telefone, encaminhei-me até uma das
poltronas que tinha ali; no tempo que demorou até ela vir fiquei reparando na
mobília um pouco desgastada, no tapete esfolado e gasto de tanto as pessoas
passarem em cima.
O que será que ela queria tanto para vir atrás de mim e ficar
hospedada numa espelunca como essa?
Não que eu me importasse com essas coisas, mas não estava me sentindo
à vontade ali e talvez fosse essa sensação que tivesse deixado meu olhar mais
crítico.
Por alguns minutos fechei os olhos lembrando dos gemidos e do contato
com o corpo de Sara e fui tirado desse devaneio pela voz da loira à minha frente.
Quando abri os olhos fiquei encarando-a sem dizer nada e ela me devolvendo o
olhar da mesma forma.
— Achei que não viria — ela informou.
Tentei esboçar um sorriso, mas algo não estava normal em tudo isso.
— Por que achou que eu não viria?
— Por causa da sua esposa.
— Ela não sabe que estou aqui — deixei claro a real situação e fiquei
pensando que meses atrás estava desesperado de saudade dela, mas com ela ali,
na minha frente, não tinha mais esse sentimento.
— É melhor mesmo, porque o que temos para resolver pode ser que ela
não goste. E não quero atrapalhar vocês. — Senti um leve ressentimento em sua
voz.
— Alina... — me levantei, ficando frente a frente com ela —, eu me casei
faz 10 meses, era com Sara que já haviam planejado com quem me casaria.
— Não precisa me dar satisfações, Ramon. Vocês formam um lindo casal.
Que situação constrangedora.
Eu e minha ex falando de meu casamento.
Decidi ir direto ao ponto e o motivo pelo qual veio atrás de mim.
— O que precisa falar comigo depois de um ano?
Estávamos parados no centro da recepção e antes que ela falasse algo
achei melhor sairmos dali.
— Vamos conversar lá fora. — Sem esperar sua resposta virei e saí do
hotel indo em direção a minha caminhonete estacionada na vaga à frente.
— Não vou entrar com você em seu carro — ela afirmou ressentida.
Parei e fiquei olhando para Alina, sua fisionomia era a mesma de fúria
quando informei que não poderíamos ficar juntos e contei sobre Sara.
— Tudo bem! Só não quero conversar na frente de outras pessoas nos
observando.
— Por que tem medo? Teme que sua esposinha fique sabendo? — Alina
mudou seu tom calmo para contrariado.
— Claro que não. De onde tirou isso? — Estranhei a pergunta fora de
contexto dela.
— Por que então não contou a ela sobre vir aqui?
— Porque não quero deixá-la triste, Sara acabou de sofrer um aborto e o
que menos quero é vê-la chateada. Só isso e não tem um porquê.
Alina fechou os olhos e suspirou.
Ainda continuava uma bela mulher, mas não despertou em mim o desejo
que um dia tive.
— Ramon, nós temos um filho!
Acho que fiquei em choque e não sei ao certo quanto tempo demorou para
que eu voltasse a falar e raciocinar.
— Como assim, Alina? — Não foi uma simples notícia, ela veio e jogou
uma bomba nas minhas mãos.
— Temos um filho, Ramon. E ele tem cinco meses. Por isso vim atrás de
você, pois meus pais me colocaram para fora de casa e eu preciso de ajuda.
Minha boca secou e amargou.
Como assim, um filho com Alina?
E mentalmente comecei a fazer as contas da idade da criança e do tempo
que ela saiu da faculdade, fiquei mais em choque constatando que coincidia com
a data em que estivemos juntos.
Sem saber como reagir, passei a mão pelo cabelo jogando-os para trás,
andando de um lado ao outro, preocupado com o que acabou de me contar.
Era muita coisa para absorver que mal consegui encará-la de novo. Em
meus pensamentos apenas vinha Sara e a reação que poderia ter.
— Eu não viria, Ramon, mas eu não tenho mais a quem recorrer, meus
pais me mandaram embora. — Parei, olhando-a pelo canto dos olhos ao ficar
parado ao seu lado encostado na lataria da caminhonete.
— Você não faz ideia do problema que eu vou ter!
— Problema? Meu filho não é um problema, você também tem parte em
tudo, não sou culpada. — Senti seus punhos fechados batendo em meu ombro me
tirando um pouco do lugar.
Sim, um filho não seria o problema, mas tudo ia muito mais além do que
poderia pensar. Não seria tão simples para mim. Eu era casado e estava
completamente apaixonado por Sara.
Um filho mudava tudo. Tudo que eu queria que fosse tão normal.
— Alina, as coisas para meu povo não funcionam assim. — Comecei a
me desesperar ao pensar em tudo que estava em jogo.
Não que estava negando meu filho, mas me vi em uma encruzilhada, sem
saber qual rumo tomar.
Envolvia muitas coisas das quais se Alina não entendeu antes, jamais
entenderia.
Eu tinha um filho com uma mulher de fora do nosso povo. Ele foi
concebido enquanto eu tinha um compromisso de honra com Sara.
Isso significava que agi errado conforme nossos costumes.
— Não sabe o quanto é complicado. Meu povo não aceitaria essa traição
— comentei desesperado.
E não queria jogar toda essa culpa em ninguém, muito menos na criança e
Sara.
— De novo com essa história de tradição. Qual é, Ramon, vai me deixar
criar nosso filho sozinha?
— Claro que não. — Respirei fundo ao levar a mão às têmporas e
massageá-las.
Precisava pensar em como conduzir tudo isso, pois falar que estive com
uma mulher antes de Sara era o mesmo que traí-la. Teria que pagar pelos meus
atos e isso incidia que eu fosse banido como o costume mandava. Não me
perdoariam.
E Sara?
— Está com medo do que sua mulher vai falar?
— Isso é um assunto no qual não quero falar, Alina — respondi rude.
Fui surpreendido por Alina parar a minha frente e tentar me beijar, mas a
afastei no mesmo momento que a senti muito próxima, me prensando contra o
automóvel.
— Você não me ama mais, Ramon? — O misto de raiva e desespero
estava estampado na sua voz.
Um dia achei que a amava, mas o que sinto por Sara ultrapassava, indo
muito mais além.
— Alina, não faz isso — a repreendi.
— Um dia você disse que me amava — sua voz era chorosa e a imagem
humilhante.
— Um dia sim, mas hoje amo minha esposa.
— Você é pior que qualquer outro homem. — Segurei seus pulsos
fechados que me atacavam esmurrando meu peito.
Afastei-a com cuidado para não a machucar.
— Você é louca, Alina. Eu te avisei que eu tinha um compromisso desde
quando Sara nasceu. Você nunca vai entender.
Estava tudo muito conturbado saber que eu era pai de um menino e agora
Alina me cobrando amor, complicou ainda mais.
— Cadê o menino? — Tentei desviar o assunto, mas ela não estava
disposta a deixar para lá.
— Você me prometeu tantas coisas.
— Foi antes de você sair daqui e me deixar falando sozinho com um tapa
na cara. — Virei de costas e dei um tapa na lataria do carro com raiva.
— Mas antes não tinha o Túlio. Você não faz ideia do que tenho passado,
estou aqui com a ajuda de uma tia, porque não consigo emprego e meus pais
viraram as costas para mim. Agora tenho que aguentar você ficar na defensiva
por causa da sua ciganinha. — Não gostei da maneira como ela se referiu à Sara.
Como se ser cigano fosse uma afronta.
— Não se refira à Sara assim — rebati com fúria.
— O que ela vai dizer quando souber que você tem um filho?
Não queria pensar e tentava a todo custo bloquear quaisquer
pensamentos, pois eu sei que haveria uma punição à minha transgressão mediante
ao meu povo e isso afetaria meu casamento.
Fiquei em silêncio pensando em como resolver toda essa situação.
— É o que eu pensava, Ramon. Você não vai contar para ela. — Não sei
como havia chegado nessa conclusão, talvez minha fisionomia me denunciou, e
sim, não estava cogitando a ideia de revelar nada a ninguém, mas também não
poderia ser um covarde e esconder meu filho.
— Me deixa pensar no que vou fazer. Está precisando de dinheiro ou
alguma coisa? — Ela ficou me encarando.
— Sim, da minha dignidade! Você sabe onde me encontrar se quiser
conhecer seu filho, mas só venha se todos da sua família souberem dele, caso
contrário, esqueça que você ajudou a colocar uma criança no mundo — ela
terminou de falar e me deu as costas, retornando ao hotel.
Fiquei um tempo parado olhando para a entrada do lugar tentando
encontrar uma solução.
Conhecendo-a como eu conheço, Sara jamais vai me perdoar, e eu tinha
um filho, alguém que tinha parte de mim e que meu sangue corria também em suas
veias. Era muita coisa para relacionar.
Deixei a cidade e retornei ao acampamento um pouco depois do almoço,
fiquei vagando pela cidade procurando por respostas e de como eu poderia dar
um jeito nessa situação.
Depois de mais de um ano rever Alina só me trouxe arrependimento pelo
nosso envolvimento; queria conhecer meu filho, mas isso poderia colocar minha
vida tranquila com Sara em risco.
Quando estacionei a caminhonete, fui direto procurar por Sara. Eu me
peguei parado no deque olhando ao longe pela extensão do lago lembrando da
noite anterior.
Ela ainda estava se recuperando da perda do nosso filho, um filho que eu
queria ter com ela, e não com Alina.
Como a vida era ingrata.
Antes de ver Sara resolvi ir atrás de minha tia, ela sempre dizia nas
cartas que eu viveria um grande amor e agora isso, não que a criança fosse um
problema, mas para nós ciganos era uma traição e isso significava que poderia
ser o fim de tudo.
Em vez de encontrar minha tia, acabei encontrando com minha mãe.
— Oi mãe! — Aproximei e beijei sua mão em respeito.
— Sara estava te procurando. Onde estava? — Imaginei que Sara quando
acordasse e não me encontrasse estaria por aí pelo acampamento à minha
procura.
— Fui até a cidade, tinha umas coisas para resolver — respondi objetivo
não entrando muito no assunto.
— Aconteceu alguma coisa com vocês? — Ela arqueou a sobrancelha,
demonstrando certa desconfiança.
— Não! Por quê?
— Por nada, só sinto que algo está estranho, Sara estava com uma
carinha de choro hoje, achei que pudessem ter brigado.
— Não brigamos, ela está onde? — A visita à tenda de minha tia
esperaria.
— Ela está com sua tia.
Fiquei apreensivo em saber que Sara estava na tenda da minha tia e sem
perder tempo fui até lá.
Capítulo 24
Acordei procurando por Ramon, desde que casamos não tinha um dia
sequer em que acordávamos e não fazíamos amor, a não ser nos dias em que
fiquei de repouso, mas nos outros eram todas as manhãs sem exceções.
Nua, me enrolei no lençol branco e andei por toda o local à procura dele,
chamando por seu nome, mas nenhuma resposta.
De certo Ramon deveria estar lá fora. Me troquei colocando o primeiro
vestido que achei e ajeitando os cabelos com os dedos prendi-o no alto e lavei o
rosto terminando de realizar minha higiene íntima pela manhã. Em seguida, saí a
sua procura e não o encontrei em nenhum canto, mas dei de cara com Nazira. A
forma como ela me olhou e me convidou a tomar um café em sua tenda me deixou
intrigada, fazendo com que eu esquecesse que procurava seu sobrinho.
Assim que me serviu uma xícara com o líquido quente, a mulher que
sempre vestia vermelho dos pés à cabeça sentou no banco à minha frente.
— Vocês foram feitos um para o outro, mas nem sempre o futuro diz que
vão ser, a promessa se cumpriu, mas o destino traçou novas linhas que
confundirão todo o entendimento — ela foi enfática.
Mas o que ela estava querendo me dizer? Será que estava falando
sobre o que também estava sentindo.
Pensativa olhei para o lado, absorvendo suas palavras de modo negativo.
No entanto, por que ela estava me dizendo isso logo agora?
Voltei a encará-la e fui abrir a boca para perguntar o que estava
acontecendo, mas ela continuou:
— Talvez seja uma longa jornada; o protetor nem sempre estará por
perto, e a princesa o que sempre quis ela terá.
Nazira me olhou séria e sem desviar seus olhos do meu bebeu seu café e
levantou-se, indo na direção da saída da sua tenda.
— Já está na hora de ir, Ramon está procurando por você. Aproveite os
momentos, pois assim como esses vão demorar a se repetirem.
Engoli em seco e tentando juntar as entrelinhas e organizá-las não
agradeci, apenas me despedi apreensiva.
Andei pensativa, precisando conversar com Constância, só não reparei
por onde andava esbarrando nele. Não precisei levantar a cabeça para saber que
era Ramon ali à minha frente.
— Sara! — sua voz grossa fez com que eu erguesse os olhos e
encontrasse com os seus. — Estava te procurando.
— Eu também estava — respondi ainda inquieta.
— Não a encontrei lá na cabana.
— Vim te procurar, não vi a caminhonete estacionada e não te achei.
Onde estava? — perguntei curiosa.
Ramon comprimiu os lábios e não me respondeu.
A tensão no seu olhar mostrava que havia algo de errado.
— Fui até a cidade.
— Mas não me disse que precisaria sair cedo assim para ir lá.
— Havia me esquecido de comprar um remédio para tia Nazira.
Franzi a testa estranhando não saber nada sobre o medicamento, sendo
que havia acabado de sair da tenda da tia dele.
— Estava com ela. Ela me disse um monte de coisas...
— O que ela disse? — Contei a ele e sua atitude em resposta ao que
revelei me deixou preocupada.
Ramon sempre que estava perto fazia questão de estar me tocando, era
praticamente assim o dia todo, mas agora estava diante de mim, me olhando com
tristeza.
Cruzei os braços.
— Por que está assim? — o questionei, estranhando sua atitude.
— Assim como, Sara? — A musculatura do seu rosto sofria espasmos
comprimindo e apertando os dentes.
— Você está estranho. Só me chamou por Sara, chegou próximo a mim e
está parado na minha frente como se não fôssemos casados.
— O que você quer? Que fiquemos agarrados a toda hora? — Abri a
boca para responder-lhe, mas fechei não entendendo a forma grosseira como me
respondeu.
Ficar me agarrando e estarmos abraçado nunca teve hora e por que
agora ele estava assim?
— Sara! — seu tom de voz diminuiu mostrando que se arrependeu da
resposta que me deu.
Mas era tarde.
— Me deixe, Ramon, vá levar o remédio da sua tia. — Passei por ele
esbarrando, retirando-o do meu caminho e em vez de ir ao encontro de
Constância preferi voltar para o lago.
Antes que me afastasse senti um forte aperto no meu braço travando meus
próximos passos.
— Me desculpe. — Não me virei e soltei meu braço de sua mão.
Retornei à cabana e fiquei sozinha ali boa parte do dia inquieta, pensando
em tantas coisas.
Já era fim de tarde quando escutei seus passos. Estava sentada com os
pés dentro da água balançando-os e contemplando o pôr do sol, ainda remoendo
o que Nazira me disse e na forma como Ramon se distanciou de mim o dia todo.
Sem respostas, inconformada me lembrei que Ramon havia mudado
desde o encontro com aquela mulher na farmácia ontem.
— Sara! — ouvi me chamar bem próximo a mim, olhei por cima dos
ombros e o vi parado.
O encarei, procurando entender o que estava acontecendo.
— Precisamos conversar, mas primeiro vamos comer algo, trouxe um pão
que minha mãe fez agora há pouco.
Fiquei parada e não respondi.
Não estava com fome alguma, aliás, não quis comer nada o dia todo. Me
senti péssima. Eu não havia feito nada para ele ter falado comigo daquele jeito.
Desde o dia que meus pais me deixaram ali, casada, eu só o tive para ser
minha companhia constante e não pude reclamar até hoje mais cedo quando me
tratou rudemente, me deixando triste.
O que fiz para que me tratasse desta forma?
— Não estou com fome, obrigada — agradeci.
Tentei mostrar pelo menos gentileza ao contrário do que fez comigo.
— Por favor, Sara! Ainda está se recuperando, estou preocupado.
— Não pareceu que estava hoje mais cedo — respondi ressentida e virei
o rosto voltando olhar para o lago.
Sei que não poderia deixar transparecer que fiquei chateada, mas estava
magoada para aguentar essa mudança de humor dele. Antes me tratando como se
eu não fosse nada sua e agora com preocupação.
— Não faz assim, me desculpe. — Senti Ramon agachando nas minhas
costas e me abraçando, jogando um pouco de seu peso em mim. — Vida!
Não queria que ele me abraçasse naquele momento, doeu muito como
falou. Ele não tinha motivos para ter falado comigo daquela maneira. Na sua
ótica poderia ser algo pequeno, mas sua grosseria foi o bastante para eu passar o
dia pensando em tudo que estava acontecendo comigo nesses últimos dez meses,
afinal: tive um aborto há dois meses e isso ainda mexia comigo, mesmo que eu
não dissesse isso a ele ou a minha sogra, mas me sentia insegura e triste por
saber que falhei de alguma forma como mulher.
A médica disse em meu retorno para a consulta que não tinha nada a ver
com a forma que eu estava pensando, talvez ela tivesse razão, mas hoje me
peguei novamente refletindo sobre esse ponto.
Sua respiração estava pesada indo de encontro ao meu pescoço.
— Está calada. Fala comigo, vida! — Não estava nem um pouco a fim de
falar com ele, só queria que terminasse esse dia logo.
— Por favor, Ramon, me deixe quieta aqui mais um pouco — pedi sendo
direta e um pouco fria.
— Preciso de você agora mais que nunca — ele me disse pesaroso.
Mantive o silêncio, dando a entender que ainda mantinha minha vontade
de ficar sozinha, porém o que veio a seguir me tirou toda a necessidade de estar
ali com ele...
— Eu tenho um filho!
Seus braços ainda me circundavam, talvez se não estivesse ali eu teria
caído dentro da água com a notícia que acabava de receber.
Comecei a buscar o ar sentindo meu coração se tornando cada vez menor
e espremido pelos pulmões que se dilatavam buscando mais espaço para eu
conseguir tentar respirar melhor.
Ramon tinha um filho...
Como assim? Ele chega aqui e fala com essa naturalidade?
Não sei o que aconteceu comigo pela forma que tratei Sara.
Eu amava meus dias na sua presença, eu sentia a necessidade de tocá-la a
todo momento, era como se eu estivesse prevendo que a calmaria traria uma
grande tempestade. Foi como se uma grande nuvem cinza se instalasse sobre
minha cabeça.
Sara era para mim o sol que raiava todas as manhãs.
Arrependi-me no mesmo instante da maneira como falei com ela e depois
disso sei que seria difícil nossa convivência no dia de hoje, por isso, preferi me
manter mais distante e deixar as coisas ficarem amenas e quando achei viável fui
direto ao seu encontro.
Decidi me acertar com ela primeiro antes de contar. Não poderia
esconder dela. Ela era a que menos tinha culpa em tudo. Seria injusto!
Cometi erros, só precisava que ela me entendesse e seguiríamos em
frente. Eu não abandonaria meu filho e sei que Sara me perdoaria.
Porém não previ seu silêncio...
Ainda abraçado a ela, senti suas lágrimas molhar e parar em meus
braços. Me senti um miserável e infeliz, trouxe a ela tristeza e dor.
Sara ficou imóvel e sua respiração se tornou profunda entre os soluços de
choro.
— Eu preciso de você. — Encostei minha testa em sua cabeça ainda
mantendo meus braços ao seu redor.
— Por favor, me deixe! — sua voz estava baixa e embargada.
— Não! Preciso muito de você, Sara. Você é minha vida. Fala comigo,
por favor!
Precisava apenas que me dissesse que ficaria tudo bem, mas sei que não.
Ela estava calada e isso não significava que tudo daria certo.
Não quis soltá-la e contar com a sorte, Sara era imprevisível e talvez se
a soltasse nunca mais poderia tê-la em meus braços.
— Por favor, me deixa sozinha.
Eu não a deixaria antes de conversarmos.
Sara escondeu seu rosto nas mãos e pude sentir a intensidade como seu
corpo reagia ao chorar dolorosamente.
Eu me odiei mais que tudo. Era um miserável por fazer meu grande
amor sofrer.
Sei que no mundo é comum o homem ter filhos e se relacionar com
mulheres que não fossem mãe de seus filhos, mas com os ROM não era bem
assim. Fomos criados para respeitar nossas mulheres, endeusando-as e viver
com elas, unicamente, até no dia que um de nós fechássemos os olhos e foi assim
que esperei quando fiquei sabendo que Sara seria minha, desejei e estaria aqui
para fazê-la feliz por todos os dias de nossas vidas. Mas agora tudo estava tão
incerto, sem um destino traçado.
Agindo pelo impulso a peguei no colo, deixando que meu abraço a
trouxesse para mim e desajeitadamente a ergui no ar. Imaginei que fosse
espernear e estava pronto para não deixá-la cair. No entanto, ela escondeu seu
rosto em meu peito.
Carreguei-a até nossa cama e a coloquei com cuidado no centro e quando
achei que fôssemos ficar face a face, ela me deu as costas virando de lado e se
agarrando a um dos travesseiros. Fiquei ajoelhado ao seu lado sobre o colchão
esperando por uma brecha para conseguir olhar em seus olhos e dizer que
lamentava por essa situação e o quanto a amava.
Contudo, as horas passaram e Sara somente respirava e soluçava
engolindo o choro. Nada de se virar. Eu já havia mudado de posição, ora
sentando outra deitando atrás dela, moldando seu corpo delicioso ao meu.
Senti quando adormeceu e já era bem tarde quando minhas pálpebras
pesaram e eu adormeci, não ousei abraçá-la, fiquei somente sentindo sua
presença e não quis invadir o seu espaço naquele momento.
Quando dei por mim já estava amanhecendo e acordei sozinho ali na
cama.
Sara me abandonou.
Desesperado, não perdi tempo e levantei quando não a achei ao meu
lado. Saí por toda a extensão da nossa casa procurando e chamando, mas ao sair
dei de cara com meus pais e ela sentados ao redor do fogareiro externo.
— Pai e mãe?
Minha mãe até então estava segurando Sara, as duas estavam sentadas
lado a lado. Ela confortava minha esposa. E meu pai estava de cabeça baixa
apoiada nos cotovelos.
— Aconteceu algo? — perguntei, ciente do motivo de eles estarem ali.
Ajeitei-me e me aproximei mais.
— Acho que tem respostas a dar — minha mãe disse séria ainda
abraçando Sara.
Meu pai ergueu a cabeça e me encarou.
Os olhares deles já diziam que estavam sabendo, Sara deve ter ido contar
a eles e nós dois não tínhamos conversado ainda.
— Precisamos conversar, Ramon — a voz de meu pai saiu dura e
imponente.
— Sim, senhor! Mas queria falar com Sara primeiro. — Me aproximei
dela, mas como um modo protetivo minha mãe a apertou mais em seus braços.
— Deixe-a, Ramon. Ela não quer falar com você.
— Sara, fala comigo, por favor. — Ignorei minha mãe.
No entanto, ao invés de me olhar, Sara se aninhou ainda mais,
escondendo seu rosto.
Eu a perdi!
Sara não me perdoaria. Para nós trair o cônjuge era um crime gravíssimo
e eu a traí enquanto éramos noivo.
Às vezes esse costume me indignava a ponto de pensar que vivemos
ainda em um tempo arcaico, porém nunca questionei, mas agora para encobrir o
que tinha feito eu pensei seriamente.
Talvez se conversasse com ela, explicasse o que realmente aconteceu,
poderíamos ir embora e viver bem longe daqui. Ajudaria Alina com a criança e
se aceitasse poderíamos passar mais tempo com ele. Era tudo uma teoria que eu
criava e tinha fé para que desse certo, só precisava que Sara me escutasse.
— Ela não está em condições de escutá-lo. Estamos decepcionados com
você, meu filho. Sara não merecia isso. Converse com seu pai, é o que temos
para te oferecer. — Tentei me aproximar, mas parei no meio do caminho quando
senti o braço de meu pai me barrar.
— Deixei-a.
Sei que seria banido, o olhar pesado dele era sinal que tinha tomado uma
atitude.
Resolvi que seria melhor conversar, talvez não fosse nada daquilo que
estava temendo.
Apontei a ele para entrarmos na cabana. Fomos até onde era nosso quarto
e sentei na cama deixando minha cabeça pender em minhas mãos apoiando meus
cotovelos em meu joelho.
— O que você foi fazer, Ramon?
Somente olhei, não tinha explicação para o que ele perguntou.
— Acabou com sua vida e de Sara. Por que fez isso?
— Foi na faculdade há mais de um ano. Não achava que me casaria com
Sara em breve. Eu não sabia da criança.
— Você foi ao contrário de tudo que zelamos, meu filho. Mesmo que Sara
o perdoe nosso povo não vai aceitar que abriguemos um transgressor de nossas
regras. Nossas mulheres são nossas rainhas e jamais devemos ter contato de
corpo com outra mulher a não ser com aquela que fomos prometidos.
— Eu jamais imaginei que ela fosse ficar grávida — justifiquei.
Senti meus olhos arderem já imaginando o que aconteceria.
— Eu e sua mãe recebemos Sara no meio da madrugada nos pedindo para
ir embora daqui e nos contou que você tinha um filho.
— Não consegui falar com ela depois disso, pai, Sara não falou mais
nada em horas comigo. Eu deveria ter escondido.
Talvez se eu escondesse dela sobre a criança eu não estaria aqui agora,
dilacerado sabendo que a perdi.
— E nem vai falar, Ramon, sou seu pai, para o que fez não tem conversa,
você vai embora daqui ainda hoje.
— Como? — Levantei franzindo o cenho não compreendendo como ele
poderia fazer isso.
— Eu estou banindo você. Não pense que não está doendo em mim ter
que mandar meu próprio filho embora. E Sara não vai com você.
Meu mundo desabou ali na minha frente nesse momento, me senti
soterrado, enterrado com minhas próprias falhas.
— O senhor não pode me impedir de levar minha esposa comigo, posso
até ir embora, mas ela vai junto — falei por impulso.
Jamais deixaria Sara para trás, era meu direito querer ficar com ela para
o resto da minha vida.
— Eu paguei pela noiva, Sara é da nossa família, Ramon. Deixarei você
levar seu carro, mas todo o dinheiro que tem é dela. Você a manchou por toda sua
vida. E esteja ciente que nem o nome Rosberg você poderá usar mais.
Meu pai dizia tudo sem demonstrar uma reação de perda, eu era seu filho
e ele mesmo assim estava me banindo, procurava entender que era o líder, mas
essa obsessão pela tradição e cultura me revoltava.
— Pai, por favor me deixe falar com Sara — implorei desesperado.
Eu precisava falar com ela. Se ela me mandasse embora eu aceitaria,
pois errei foi com ela.
— Ela não quer. Você não só destruiu a vida dela, mas a sua também.
Não quero vê-lo por perto, não chegará mais perto dela. A deixe em paz. Sara
não merecia, ela deixou de sonhar por você.
Fechei os olhos e abaixei a cabeça me sentindo impotente, não passaria
por cima do meu pai, eu havia desrespeitado tudo aquilo que ele tanto me
ensinou.
Dei as costas sentindo vontade de que minha vida fosse interrompida ali
e não reparei que ele havia me deixado sozinho. Quando fui atrás, voltando para
a área externa, vi meus pais subirem abraçados com Sara, me deixando ali para
recolher meus pertences pessoais e ir embora.
Acovardado, eu a deixei ir e sabia que não a veria mais.
O que faria da minha vida?
Eu destruí a minha e a dela junto.
Fui um completo covarde.
Capítulo 25

Um mês depois

— Alina eu não quero nada com você, me desculpa. Só estou aqui por ele
— repeti o que vinha dizendo desde que deixei o acampamento.
No dia em que fui banido apenas peguei um pouco de roupa, minha
caminhonete e deixei tudo para trás. Não queria, mas fui obrigado e sei do que
meu pai seria capaz para cumprir a tradição do nosso povo. Porém, dia após dia,
eu pensava seriamente em ir escondido e dar um jeito de Sara me escutar. Talvez
ela estivesse mais calma e me entendesse. Eu ainda a amava muito e jamais
amaria outra mulher.
E deixei bem claro isso a Alina, quando vim conhecer meu filho.
Eu estava aqui por ele ser a única pessoa que amaria em minha vida.
Eu errei e teria que pagar o preço, mas não queria perder Sara.
Não ter Sara foi como enterrar o homem que existia em mim, apenas
deixaria viva as lembranças do que vivi com ela.
Fui do céu ao inferno e pelo visto morreria nele. Sem ter o maior
presente que a vida havia me dado. O seu amor!
Túlio foi apenas um refrigério, mas nada seria igual sem Sara. A vida
seria em tons de cinza.
Eu viveria para lembrar de quanto eu a amava e para ver meu filho
crescer e não cometer os mesmos erros que eu.
Após ter uma conversa séria com Alina, concordamos em dividir um
apartamento até ela conseguir se manter. Mas era só por Túlio e deixei bem claro
que não teríamos nada. O único que importava nesse momento era meu filho.
Reafirmei diversas vezes sobre meu motivo por estar ali, não era por ela.
Jamais amaria alguma mulher como amei e ainda amo Sara.
— Ramon, por que não podemos volta como éramos antes?
Revirei os olhos e respirei fundo antes de respondê-la. Há dias Alina
vinha me perguntando, querendo mudar tudo o que combinamos e isso estava
fazendo minha paciência ultrapassar os limites.
— Porque não, Alina — repeti o que vinha afirmando.
Alina me provocou ao aparecer com uma lingerie sexy, mas nada do que
fizesse mudaria minha decisão de manter meu amor por Sara vivo enquanto
vivesse.
— Ela não vai vir atrás de você — ela disse provocativa.
O que para mim só mostrava o quanto não me conhecia.
Por mais miserável que me sentisse sobre ter traído Sara, Alina seria a
última mulher no mundo com quem eu voltaria ter qualquer relacionamento.
— Vai ficar aí, vivendo como um monge enquanto sua ciganinha vai casar
e formar uma família de novo — ela insistia em ser baixa para me fazer sentir
ainda pior, mas ao invés de me fazer sentir raiva de Sara, era dela que eu sentia.
— Alina! Acho que não ficou claro que só estou aqui por causa do meu
filho. Então não fode.
— Nossa... Cadê aquele Ramon, sexy e carinhoso de antes?
Bufei antes de respondê-la.
— Cadê a Alina, calma e sensata de antes?
— Ela pode voltar, vai depender de você — ela respondeu e veio até
minha cama, subindo nela e vindo para cima de mim.
— Eu já lhe disse não. Deixa de ser ridícula! — Me levantei antes que
me tocasse.
— Idiota!
— Fique à vontade. Vou dormir no sofá.
Peguei um travesseiro e um lençol e a deixei para trás, indo para a sala.
Quando conversamos, vendi minha caminhonete e aluguei um apartamento
até conseguir arrumar um emprego como médico.
— Vai morrer sem ter ninguém mais? — Alina não satisfeita me seguiu.
— Não lhe devo satisfações da minha vida. Ok? Combinamos que nada
mais aconteceria entre nós dois. Se contente em criamos nosso filho juntos.
Era só o que poderia oferecer, nada mais.
Ignorando-a me ajeitei sobre o sofá e fechei os olhos fingindo que estava
dormindo. Quem sabe assim ela parava de ficar me enchendo.
Sei que talvez nunca mais visse Sara, porém eu ainda amava aquela
ciganinha de sangue quente e queria pelo menos manter todas as lembranças
vivas em mim.
Quem diria que um casamento arranjado fizesse minha vida, meus
sentimentos mudarem...
Um mês e ainda me doía pensar sobre o que Ramon havia feito comigo.
Olhava a pulseira com o pingente e lembrava dele. De como tudo
começou, eu o odiando e terminando com meu coração arrebentado de amor e
destruído pela dor da separação.
Quando procurei seus pais naquela madrugada eu buscava por ajuda para
poder lidar com toda essa situação. Não imaginei que fosse ser verdade que um
marido quando traía a esposa pagava com o banimento. Jamais passou pela
minha cabeça que meu sogro fosse banir o próprio filho.
Eu só queria ter um conselho. Por isso quando Miro informou qual seria a
solução não consegui encará-lo mais. Vê-lo partindo não só me deixou arrasada,
mas matou tudo que tinha de bom dentro de mim.
Fiquei na cabana sozinha, noite após noite, esperando que ele pudesse
aparecer escondido, mas ele sabia do quanto voltar aqui pudesse levantar a ira
dos membros do acampamento e ficar ainda pior.
Constância e Miro estavam tentando ao máximo fazer tudo para que me
sentisse melhor. Propuseram tantas coisas, mas preferi não. Queria só ficar
sozinha, esperando que os dias passassem e essa dor fosse embora com eles.
Esmeralda foi outra pessoa que se penalizou com o que estava passando
e passou a me tratar melhor, até fez bolo e me trouxe em uma tarde dessas.
— Sara! — escutei a voz de Miro me chamar do lado de fora.
— Sim, meu sogro! — respondi indo ao seu encontro.
Estava na outra ponta sentada no deque quando escutei meu nome.
— Vim aqui para te convidar para o chá. Constância acabou de fazer
aquele pão que você gosta. — Assenti e fui com ele, mesmo querendo ficar no
meu lugar preferido.
— Ah... minha linda! Como você está? — Constância veio ao meu
encontro quando me viu chegar com seu esposo.
— Estou bem!
— Estou preocupada. Não tem se alimentado bem.
— Fica tranquila. Estou bem — afirmei uma mentira que contava para
mim mesma.
Eu afirmava a todo momento que estava bem, numa tentativa de me sentir
melhor.
— Temos uma surpresa para você — ela disse e direcionei meu olhar
para mesa posta, toda preparada com carinho para o café da tarde.
— Obrigada, não precisava.
— Sente-se.
— Precisamos conversar — meu sogro disse ao sentar ao meu lado.
— Conversamos muito e chegamos a uma conclusão. — Ela me serviu
após servir seu esposo.
— Conclusão? — Demonstrei interesse. Eles estavam bem misteriosos se
olhando e tentando conversar em silêncio.
— Você vai estudar! — disparou Miro sem rodeios.
Tomada pela surpresa sorri e me emocionei com o que tinha acabado de
ouvir.
— Miro e eu achamos que você merece ter alguma coisa da qual queira
muito e como sabemos que um de seus sonhos era continuar os estudos, vamos
permitir e arcar com todos os seus custos.
— Mas achei que voltaria para casa dos meus pais — disse, tentando
conter a alegria que voltava a sentir dentro de mim.
— Não! É livre para fazer o que quiser da sua vida, concordamos que
você foi a mais prejudicada com as más escolhas de Ramon — Constância disse.
Eles não estavam com raiva de Ramon, nem eu, apenas não aprovavam e
preferiram seguir os costumes, escolhendo suas convicções.
Era algo complicado lidar com uma fé e ter que mudá-la do dia para a
noite. Eu os entendia. Ramon era o caçula deles e sei o quanto eles tinham
expectativas boas com ele. Não só eles se frustraram, eu mais do que todos.
Dentro de mim passou a existir um buraco infinito de tristeza.
Ele errou? Sim. Mas foi antes e eu o perdoaria. Não neste momento, mas
com o tempo.
— Você precisa buscar sua felicidade e nós apoiaremos.
— Obrigada! — Emocionada, me levante e abracei-a.
— Você é nossa filha hoje e queremos que seja feliz. Independente do que
aconteceu.
— Obrigada mesmo. — Olhei para Miro e estendi a mão, pegando a sua.
— Só não queremos perdê-la. Decidimos por uma lei e você é a única
coisa dele que nos restou — Miro concluiu.
Tentei me controlar e não me emocionar, mas foi difícil. Estava sendo
complicado lidar com esse redemoinho que me tomava a todo instante.
— Somos pais, amamos ele e infelizmente Ramon precisa arcar com o
preço das suas escolhas. Se quiser ir atrás dele, também não a impediremos.
— Não. Meu lugar e destino é aqui.
— Vai querer voltar a estudar? — Constância perguntou, mudando de
assunto ao perceber que este assunto poderia nos levar a levantar tantas coisas
das quais queria esquecer.
— É o que mais quero nesse momento...
Não era verdade, mas talvez fosse melhor seguir em frente, esperar o
tempo fechar todas as feridas e nada melhor que uma mudança e coisas novas.
Capítulo 26
Sete anos depois

Mudei para a capital quando consegui um emprego como médico no


hospital referência e assim trouxe Túlio e Alina comigo, se para ficar com meu
filho fosse o preço a pagar ter sua mãe por perto, eu teria. Nesses sete anos
discutimos muito pelo fato de ela continuar sua insistência em reatarmos o
passado.
Mas eu não queria.
Uma única vez acabei levando-a para jantar, mas assim que chegamos do
restaurante e ela se insinuou tentando me beijar, vi que havia cometido outro
grande erro. Desde então tento não dar esperança alguma para ela ou para
qualquer outra mulher. Eu ainda amava Sara e se minha punição foi ficar sem ela,
que eu a pagasse pelo resto da minha vida.
No hospital eu era assediado a todo momento, mas sempre levava na
brincadeira, jamais amaria alguém como amei Sara, ainda tinha o mesmo
sentimento genuíno de quando a vi, de como lembrava dela balançar ombros no
Chechevourri, a cada dia eu me esforçava para não esquecer dos detalhes dela
gemendo ao gozar e principalmente quando teve seu primeiro orgasmo no meu
colo, quando ainda quando não tínhamos nos casados.
Lembrar dela corar naquela manhã quando estava entre suas pernas e
minha mãe apareceu era como se me aquecesse em pensar que pelo menos pude
tê-la em mim. Não fui eu que a marquei, e sim ela que me marcou para toda uma
vida.
Não tinha notícias deles fazia quatro anos, desde que vim para cá. Sei
que Sara estava estudando, consegui arrancar de um dos moradores do
acampamento um dia quando o vi no supermercado com a esposa.
Fiquei feliz por Sara, ela merecia, mas queria eu nesses mil oitocentos e
vinte e cinco dias estar com ela, seríamos mais felizes ainda. Talvez tivéssemos
até nossos filhos e estaríamos sendo feliz.
— Tchau, doutor arrasador de corações — Melina disse quando coloquei
a papeleta sobre o balcão de enfermagem.
Sorri e brinquei com ela. Uma mulher mais velha e a única com quem já
dividi alguns trechos do meu passado.
— Estou atrasado para pegar Túlio na escola.
— Alina está viajando? — assenti.
Eu e Alina dividíamos a mesma casa. A intenção era apenas a criação de
Túlio. Não tivemos mais nada e nem queria. Até porque há um ano, ela estava
namorando e eu torcendo para que ela casasse e fosse feliz com outra pessoa. O
que me faria ser livre para continuar sobrevivendo.
— Dá um beijinho nele. Vamos combinar de irem almoçar em casa, Nate
vai gostar muito de brincar com ele.
— Vamos sim. Pode ser nesse domingo?
— Mas é muito abusado o senhor, doutor.
Ri em resposta.
— Nada que uma boa refeição grátis.
— Olha que abuso... — ela brincou e me despedi dela.
— Até amanhã! — despedi.
Estava bem atrasado para buscar Túlio na escola. Alina viajou a trabalho
me deixando com a responsabilidade de buscá-lo, porém hoje o plantão havia
sido bem tumultuado.
Quando cheguei, ele estava me esperando todo calado sentado nos
degraus da entrada da escola, ao lado da ajudante que auxiliava com as crianças
no horário da saída. Ao me ver veio correndo.
— Túlio, espera! — A ajudante veio atrás dele.
— Papai! — ele gritou enquanto corria até o carro.
— Oi, campeão. — O pequeno garoto correu abrindo a porta, vindo
direto ao meu colo me abraçar.
— Dr. Moráh me perdoe, mas Túlio saiu correndo. — Sorri deixando-a
mais tranquila com ele me agarrando com seus pequenos bracinhos gordinhos em
volta do meu pescoço.
Adotei o nome de Moráh por não ter mais um de família. Tive que mudar
todos os meus documentos, o que me causou bastante transtorno judicial. Não
entendiam como uma cultura poderia ser tão rigorosa.
— Fica tranquila, sei como ele é esperto. — Pisquei sabendo do efeito
que eu causava na moça, fazia isso devido ao meu atraso.
— A professora nova até esperaria, mas ela estava com pressa, pois se
mudou faz dois dias para cá e ainda precisava fazer algumas coisas, disse que
amanhã pedirá desculpas pessoalmente.
— Sem problemas, eu que estou atrasado — justifiquei.
— Por que demorou, papai? — Túlio me perguntou.
— Porque estava atendendo no hospital.
— Até mais, doutor. — A auxiliar se afastou de frente para mim,
abanando sua mão e sorrindo.
— O que fez hoje? — perguntei para ele depois que consegui ajeitá-lo no
seu acento.
— Brincamos e cantamos, a professora nova é muito legal. E bonita,
papai.
— Como ela é? — puxei o assunto para ele ficar falando e enrolarmos
até chegar em casa. Gostava de ver sua empolgação enquanto me contava as
novidades do seu dia. Túlio era o único que me fazia todos os dias tocar minha
vida e querer continuar para vê-lo um dia se tornar um grande homem.
Nesses sete anos trabalhei muito para conseguir me estabilizar e dar uma
vida boa a ele. Alina trabalhava também, estava atualmente no ramo de
consultorias e viajava muito, mas era bom porque assim eu tinha mais tempo e
me adequava a ele. Morávamos em uma casa boa, comprei quando teve uma
queda imobiliária, estava naquela época entrando em uma hipoteca quando teve
essa quebra e reformei a casa nas horas que não trabalhava e hoje oferecia um
lar bom para meu filho.
Olhei para Túlio pelo retrovisor do carro, ele estava olhando a paisagem
prestando atenção ou melhor, pensando em algo. Depois que falou e tagarelou
sobre a nova professora ficou em silêncio, bastante pensativo.
— O que está pensando aí, meninão?
Ele balançou os cabelinhos iguais ao da mãe. Em tudo era parecido
comigo, menos o cabelo, os olhos castanhos escuros quase pretos eram iguais
aos meus.
— Na professora nova, falando como meus olhos são de uma cor muito
bonita, que ela só viu olhos tão intensos uma vez assim em sua vida.
Túlio era pequeno para ficar preso em falas assim, era muito observador
e bastante adiantado para sua idade, havíamos levado ele ano passado a um
especialista que nos deixou tranquilo e avisou que meu menino tinha um índice
de quoeficiente acima da média. Desde então temos dado mais atenção aos
pensamentos e comentários formulados por ele a cerca de um determinando
assunto.
Algumas vezes mostrávamos que não precisava ficar procurando
respostas ao que as pessoas falavam, que era só isso e pronto.
— Ela só te elogiou, filho. Nada de mais. — Sorri e ganhei outro sorriso
ao contemplar ele pelo espelho retrovisor.
— Quero comer um x-burger.
— Sua mãe me mata se ficar te dando lanches.
— Ela não está aqui. — Ele deu de ombros e pensando no quanto isso o
deixaria feliz mudei a rota e fomos jantar um x-burger.
Meu celular tocou e tirando-o do bolso vi que era Alina, ela sempre
ligava nesse horário para saber como foi o dia de Túlio.
— Alô!
— Olá! Está tudo bem?
— Está sim, e você? — Perguntei educadamente. Não era porque não
tínhamos mais nada que nossa relação precisava ser a ferro e fogo. Tínhamos
Túlio e ele merecia pelo menos que fôssemos amigos.
— Vou ficar mais dois dias, queria saber se estão bem, se está tudo
certo com Túlio.
— Está sim, ele está brincando um pouco. Trouxe ele para comer na
lanchonete.
Fomos comer algo, onde tinha um pequeno playground para ele se
divertir um pouco e cansar.
— Ramon, você não pode ficar dando essas porcarias para ele comer.
— Só hoje, Alina, o menino está com saudades de você, ele precisava
distrair — tentei justificar.
Conversamos mais um pouco e logo desliguei até minha cerveja acabar.
Era hora de ir para casa. Chamei Túlio para ir embora e no retorno para casa ele
adormeceu durante o caminho. Tomara que não acorde, assim teria um momento
só para mim.
Ao estacionar o carreguei e fui direto para seu quarto e o aprontei para
dormir. Do jeito que estava ficou quando o cobri com a coberta de super-herói.
Em seguida apaguei a luz e saí, indo para a cozinha. Lá abri outra cerveja e
depois de um bom banho demorado fui para a sala ver um pouco de tv.
Era nesses momentos que eu pensava em Sara, de como me sentia sozinho
no mundo e o silêncio me dava paz para relembrar dos meses em que tive uma
vida maravilhosa ao seu lado.
Como será que estaria?
Será que se casou novamente e já teria filhos? Ou se formado?
Daria tudo que eu conquistei para vê-la mais uma vez nessa vida.

Mais um dia e eu estava diante da escola deixando Túlio para sua aula. O
garoto saiu do carro mal se despedindo de mim só porque viu a professora de
costas na entrada com outros amigos e o que vi foi suas pernas aos tropeços,
movimentando mais do que conseguia para conseguir chegar até ela.
Fiquei ao longe observando e sorri quando ele chegou e conseguiu ganhar
um carinho da professora.
Pelo visto meu filho estava tendo sua primeira paixão e logo com a nova
professora.
Ao observar melhor vi que desde cedo Túlio teria um bom gosto para as
mulheres, ela era morena com os cabelos cortados em v, caído pelas costas, não
era muito alta e com um corpo bonito, pelo menos o que aparentava o jeans justo,
mas de rosto não consegui vê-la.
Deixei o local rindo, relembrando da cena da primeira paixonite de
Túlio.
Qual menino nessa idade não nutre um amor platônico pela professora
legal e bonita?
Pronto para mais um plantão passei o dia todo na correria. E como de
praxe, quando olhei no relógio vi que mais uma vez estava atrasado para buscar
Túlio.
Com pressa, entreguei as prescrições na mão de Melissa e sem muita
conversa fui para escola pegar meu filho.
Preocupado por atrasar muito, parei em frente à escola e me desesperei
quando não o vi me esperando. Estava prestes a sair do carro quando o vi
segurando a mão da professora.
Não pode ser verdade...
Não consegui mexer os olhos e senti meu coração parar de bater.
Túlio segurava a mão da professora e sorria; os dois conversavam algo e
aquele sorriso me travou, me deixou cataplético. Os lábios se estendiam em um
sorriso perfeito e bem desenhado, a forma como agia era espontânea e sincera e
a única pessoa em toda minha vida que agiria assim era ela e eu não conseguia
me mover ou mesmo respirar diante da intensidade que me tomou ao revê-la.
Era impossível não a reconhecer, o amor da minha vida, a mulher que o
destino havia me reservado, mas como afronta por minha transgressão ele a tirou
de mim, estava a alguns passos.
Há exatamente sete anos eu não a via.
Fiquei estarrecido e me dei conta que segurava firme o volante do carro,
reagindo involuntariamente com a sua proximidade. Sem saber o que fazer, se
iria até ela ou ficaria ali mesmo, optei por observá-la ao longe. Sara e meu filho
estavam juntos, uma cena que por anos desejei. Mas ela como a mãe do meu
filho. E pelo visto ele tinha adoração por ela, olhando-a como se ela fosse o sol.
Assim como sempre foi para mim: O sol da minha vida!
Completamente alucinado, não consegui explicar a emoção de vê-la,
porém eu queria mais. Queria ouvir sua voz, mas tive medo de ser rejeitado por
ela.
Depois de muitos anos me senti vivo e não acreditei no que o destino
havia preparado para mim.
Ela estava tão linda, como sempre. E eles caminhavam tranquilamente.
Sara parecia estar feliz.
O que o destino estava preparando.
Jamais passou por minha cabeça que a reencontraria dessa forma, tinha
esperanças que um dia me procurasse ou eu tomasse a coragem e retornasse ao
sul para vê-la, mas o medo de novamente ser rejeitado como fui naquele dia me
barrou e continuei aqui, vivendo minha vida medíocre, me alimentando e
nutrindo-me do amor com meu filho.
— Papai! — a voz de Túlio me tirou do estado de catalepsia ao vê-los se
aproximando, porém pararam no meio do caminho e ela apenas se despediu do
meu filho, beijando-o no rosto.
Ainda sem conseguir processar o que se passava ali, não acreditando no
que via, eu a vi dando as costas e retornando para dentro da escola e Túlio
entrando no carro.
— Desculpe meu atraso filhão, papai estava atarefado no hospital —
justifiquei ainda olhando para onde Sara foi.
— Não tem problema, fiquei com minha professora ajudando a terminar
de organizar a sala.
Cenas dela ajeitando as carteiras e cuidando dos alunos me vieram à
mente e fiquei pensando no quanto Sara foi além e tocou sua vida, realizando
seus sonhos de menina.
Conferi o assento de Túlio para ver se estava em segurança e fomos
embora, em absoluto silêncio, eu pensando em Sara e na forma como novamente
nos colocávamos um na vida do outro e tendo a plena certeza de que não foi
apenas uma coincidência, era o destino novamente brincando e mostrando
quando ele ordena as coisas acontecem do seu jeito.
Dirigi no automático até em casa e não consegui desviar meus
pensamentos daquela imagem. Foi como reviver o passado ali na minha frente e,
de novo, me senti um covarde em não sair do carro e gritar por ela, falar seu
nome, aquele mesmo que eu não falava em voz alta há tempos.
— Podemos comer x-burger hoje, papai? — Olhei pelo retrovisor para
Túlio tentando me lembrar do que ele acabava de perguntar. Estava totalmente
perdido e ao mesmo tempo feliz.
Respondi quando ele já estava fora do acento, quase em mim.
— Papai, estou te chamando. — Olhei para ele balançando a cabeça,
tentando espantar a imagem de Sara ao me concentrar nele.
— O que foi, filhão?
— Podemos comer x-burger hoje de novo?
— Não, sua mãe vai ficar muito brava.
— Ah pai! — Ele deixou seus ombros caírem rendidos.
— Sem “ah pai”. Hoje não!
— Fazer o que, né?!
— Amanhã, depois do dia da família na escola eu te levo.
— Mas você disse que não poderia ir por causa do trabalho de médico.
Sei que estava tentando fugir desse compromisso, essas coisas da escola
de Túlio eu jogava a completa responsabilidade em cima de Alina, mas como
não perder a oportunidade de rever Sara cara a cara. O simples fato de estar
próximo me fez mudar de ideia.
— Até falei para a Tia Sara que nem você e nem a mamãe poderiam ir.
— Escutar seu nome foi como calmante na minha alma inquieta.
Era ela, meu grande amor.
Sei que havia falado que não poderia, inclusive arrumei inúmeras
desculpas, mas agora com toda certeza eu iria. Precisava revê-la, escutar sua voz
e sentir seu perfume tão próximo.
— Mas o papai vai! — reafirmei convicto.
Nada nesse mundo faria eu faltar no tal dia da família na escola.
Em sete anos Sara foi a lembrança mais doce que eu tive de toda minha
vida, no início foi insuportável a falta que me fez, os meses em que ficamos
casados e dividimos a mesma cama foram como se estivéssemos juntos por toda
uma vida, éramos felizes e da noite para o dia Túlio, minha outra alegria,
apareceu tirando de mim a metade do meu coração.
Eu era incompleto.
Era apaixonado em ser pai de Túlio, ele era uma criança incrível e talvez
estar junto dele me fez aguentar a falta que Sara fazia na minha vida, jamais seria
capaz de amar outra mulher como ainda a amava. Eram amores diferentes, jamais
um substituiria o outro.
Na verdade, acompanhar de perto a vida do meu filho foi a maneira mais
reconfortante que encontrei para tocar a vida sem ela. E agora estava ali de
novo, tão próxima que eu podia sentir o sangue correr quente em minhas veias,
com meu coração disparado, relembrando seu cheiro de lavanda e flores do
campo.
Parado no sinal, esperando que ficasse verde, eu contemplei minha
aliança em minha mão esquerda, o sinal de que ainda éramos casados. Nunca a
tirei de meu dedo; era como se tivéssemos conectados por algo que pudesse nos
levar de volta um ao outro.
Talvez poderia parecer bobo da minha parte, mas eu ainda tinha
esperança que um dia eu pudesse novamente tocar sua pele e beijá-la por longas
horas deitado na rede ao seu lado, escutando sua respiração e as batidas do seu
coração.
Mesmo que nossa cultura me condenasse por uma traição.
Sim, aos olhos deles o que fiz foi uma grande traição, era prometido a ela
e não cumpri ao ter engravidado outra mulher, uma gadjín. Eu deveria ter sido
somente de Sara, assim como ela foi só minha.
Quando fiquei com Alina jamais pensei que amaria Sara como a amo. Eu
era apenas um rapaz com tradições culturais diferente dos demais e fiz tudo
escondido, não só tendo atitudes, mas me escondendo de quem realmente eu era.
Não por vergonha, talvez por vontade de experimentar coisas que fossem
proibidas para mim e nessa busca para saber o que não poderia conhecer, perdi
tudo: meu nome, minha família e minha mulher.
Carreguei e carrego até hoje esse fardo. Sinto falta do meu povo, jamais
me envergonhei de ser quem eu sou.
Em casa, jantei com Túlio e após o banho coloquei-o para dormir e
voltei à sala, inquieto e ansioso por amanhã; pensando em mil coisas e da forma
como Sara reagiria quando me visse.
Nos amávamos e éramos felizes e isso não mudaria nosso passado.
Fechei os olhos lembrando das suas palavras e da forma como me
preenchia ao dizer que me amava. De como era delicada e da forma como se
entregou a mim, lembrando também de como estava linda e radiante no vestido
de noiva, perfeita com aquela camisola em nossa primeira vez e de como me
pediu para amá-la dentro do lago em nossa última noite.
Tentei dormir, mas nada me fazia parar de pensar nela e no quanto eu
ainda a amava. Do quanto eu pedi aos ventos para poder revê-la somente mais
uma vez.
O som dos ponteiros do relógio ao caminhar hora por hora me deixava
inquieto e mostrava que o dia já estava para amanhecer e eu aqui ainda pensando
exclusivamente nela.
Capítulo 27

Há três ano me formei como professora, um sonho no qual consegui


realizar depois da minha vida ser destruída por uma traição. Quando conheci
Ramon eu tinha planos de fazer uma faculdade, mas aos poucos fui me
apaixonando e desejando mais que qualquer coisa no mundo viver ao seu lado,
formando nossa família e eu repetindo a frase de quase toda cigana: “Casei com
o escolhido dos meus pais e o amor fluiu”, porém hoje essa frase jamais seria
proferida por minha boca, ela se tornou insossa e sem sentindo algum.
Ramon tirou de mim todo meu coração, destroçando-o, despedaçando-o,
deixando-o em frangalhos. No início desejei revê-lo, mas aos poucos ele seguiu
seu destino, esquecendo não só de mim, mas de sua família, levando a sério as
tradições e as decisões de seu pai.
Ainda tinha sua marca em mim e nesses anos tentei preencher o vazio da
traição com superação. E quando Miro veio até mim e disse que eu precisava ser
feliz, eu não pensei no momento em outra pessoa, eu pensei em realizar meus
sonhos antes do seu filho entrar em minha vida e isso foi o que fiz. Estudei, me
formei e quando tudo parecia estar seguindo seu curso normal eu fui agraciada
novamente pelo destino e depois de trabalhar como auxiliar de professora fui
chamada para trabalhar aqui na capital e nos mudamos para começar uma nova
vida.
Não o culparia, assim como eu, Ramon sempre teve curiosidades e nossa
cultura nos privou, mas jamais eu o trairia da maneira como fez comigo, já não
me ressentia com a traição, o que me causava tristeza foi por nunca ter vindo
atrás de mim ou me tirado à força, sua ausência só provou que não me amava.
Procurei por notícias suas, mas quando tive, percebi que ele era outra
pessoa. O que me fez repensar o que conseguiria indo atrás dele.
Eu estava apenas com 25 anos e novamente tinha esperança que minha
vida fosse seguir o destino abençoado que Sarah Kalí me prometeu.
Era completamente apaixonada pelo que fazia, me sentia viva quando
estava em uma sala de aula cheia de crianças, o som das vozes delas em meus
ouvidos eram com belas músicas ao redor da fogueira, me sentia preenchida e
realizada.
Cada aluno era o filho que não teria um dia; por isso eu os tratava com
carinho e compreendia as necessidades deles.
Quando fui contratada para assumir a sala de uma professora que estava
se aposentando, mostrei à coordenação todos os meus projetos e neles constava
um que sempre quis realizar. Foram horas com a equipe pedagógica para eu
apresentar como gostaria de trabalhar com as crianças e tive total apoio por
parte deles e hoje realizaríamos o Dia da Família, com o intuito de estreitar
laços com as famílias das crianças e conseguir desenvolver um ótimo trabalho
durante o tempo em que ainda fosse professora delas.
O papel da família na escola é sim fundamental.
Precisava saber mais como as crianças eram e tinha certeza que só assim
meu trabalho seria exemplar e eu estaria fazendo a diferença na vida de cada um.
Arrumei tudo com muito amor. Decorei toda a sala com cartazes de bem-
vindos. Fiz um mural com fotos que havia tirado das crianças nessa semana nos
momentos de trabalhos em sala de aula. Queria mostrar aos pais o tesouro que
tinham dentro de casa.
Em cada mesa eu coloquei um texto que eu gostava muito sobre amor e a
família.
Sorri ao contemplar toda sala arrumada e, muito preocupada com a boa
impressão que passaria aos pais, vesti um vestido de flores e uma jaqueta mais
curta jeans, deixando os cabelos soltos; estava com as mãos suando frio em
pensar que hoje seria o primeiro contato que estaria tendo com as famílias dos
meus alunos.
Deixei tudo pronto, além das mensagens e de outras coisas que preparei,
faria uma atividade dos pequenos com seus pais e depois falaria um pouco do
meu planejamento pedagógico para esse ano.
Quando saí de casa fui abençoada com ensejos de que tudo daria certo,
ganhei presentes. Minha família sem dúvidas era a melhor. Depois do que vivi,
com a separação de Ramon, hoje eu poderia dizer que era feliz novamente.
Estava reconstruída.
Nunca imaginei que poderia viver essa plenitude novamente.
Na separação eu fiz uma escolha antes de buscar o amor novamente. Fui
viver meu sonho. Ainda faltava conhecer outros lugares, mas quem sabe um dia,
quando estivesse realmente sozinha.
Muitos dizem que não se pode ser feliz quando perde o grande amor da
sua vida; mas na verdade, falam isso porque aprender a viver depois da perda se
torna insustentável.
Porém, não foi o que fiz.
Por um tempo lamentei e chorei, me sentia amagar e fria, mas depois que
comecei a estudar e a conviver com outras pessoas percebi que o tempo cura
todas as feridas abertas. Ele trata de cicatrizar o machucado e assim depois de
um tempo você só se lembra e nada mais, o que passou não traz mais dor, faz
com que siga em frente, para tentar fazer diferente seu novo recomeço e foi assim
que segui minha vida, buscando sempre ser feliz e me contentar com aquilo que
tenho.
Gratidão é tudo.
E Sarah Kalí me abençoou com minha nova família. Só posso afirmar que
se tenho vivido coisas boas, e se estou aqui em pé no centro da minha sala de
aula, devo a eles.
Ansiosa e realizada, olhei no relógio pendurado acima da porta e vi que
ainda tinha mais quinze minutos até as crianças começarem a chegar. A atividade
não duraria a tarde toda, mas boa parte dela sim, e o mais legal é que preparei
uma mesa com um delicioso café. Quando pedi a autorização à coordenação para
realizar esse dia eles adoraram a ideia.
Foi tudo planejado com muito carinho.
O convite se estendia ao pai e à mãe, ou um dos dois. No entanto, a
maioria me disse que viria um só, o que já era muito bom, mas me deu pena de
Túlio. Foi de cortar o coração. O menino havia me contato ontem à tarde, quando
ficou me ajudando a arrumar as coisas após a aula, que sua mãe viajava muito e
seu pai não viria, pois vive para o hospital. Tentei amenizar a situação e disse
que eu seria sua companheira no dia e que ele ficaria comigo.
Não gostava e nem poderia intrometer nas decisões familiares do menino,
mas fiquei penalizada quando ele relatou que os pais viviam juntos só para criá-
lo e que várias vezes os dois discutiram na sua frente. Talvez eu chamasse um
dos dois para conversar mais para frente se caso isso o afetasse em alguma coisa
na escola, até porque o pai buscava o menino na escola todos os dias após o
horário e sempre se atrasava.
E Túlio mostrava-se ser uma criança muito especial, diferente de todos
ali, merecendo muito mais minha atenção.
Com tudo preparado e no horário fui para a porta esperar. Um a um foi
chegando e eu os recebia com uma mensagem de boas-vindas. Assumi a turma
um pouco mais tarde, dois meses depois que se iniciou o ano letivo, há uma
semana exatamente; preenchi a vaga da professora que se aposentou e que não
pretendia trabalhar, foi onde consegui ser a professora titular.
Hoje não seria só um dia para conhecer eles, seria uma forma de eles me
conhecerem e saber o carinho e o amor que tinha pela arte de ensinar.
Todos haviam chegado e nada de Túlio, de certo o menino se sentiu
constrangido e não veio, me deixando triste, talvez a conversa com os pais dele
seria bem antes do que eu esperava.
Estava fechando a porta quando escutei uma voz infantil me chamando e
era ele, seu sorriso ao correr e me abraçar na cintura me encheu de carinho e
retribui da mesma forma.
— Tia Sara!
— Olá, Túlio.
— Olá, Sara! — Estava beijando o topo da cabeça do menino quando
ouvi sua voz grave me deixando petrificada.
A única voz da qual eu jamais esqueceria o timbre.
Agarrei-me onde estava sem vontade de levantar a cabeça, pois poderia
ser uma simples brincadeira ou uma mera coincidência. Pessoas têm vozes
iguais, mas a dele me chamando era inconfundível, eu a reconheceria no meio de
uma multidão.
Temi por tudo, por ser ele ou mesmo por ainda me sentir afetada por
alguém que tinha a mesma voz que a sua.
— Meu pai veio, Tia Sara. — O menino ainda agarrado a minha cintura
afastou seu rosto e olhou para cima e sorri, ainda não querendo levantar meus
olhos e contemplar quem estaria ali parado à minha frente. Mas foi inevitável
quando Túlio se desfez do meu abraço e em segundos tudo o que eu temia se
tornou de fato minha realidade nua e crua.
Ramon estava parado à minha frente, sete anos depois. Com aquele
sorriso arrogante estampado em sua cara.
O que ele fazia ali?
Fazia muitos anos que nunca soube notícia sua e agora sua presença
crescia de forma sufocante, me deixando sem saber como reagir. Me senti
claustrofóbica, como se as paredes apertassem e me espremessem entre elas.
Uma sensação atípica do que senti nesses anos. Pensei nele constantemente,
imaginando como seria se caso um dia nos esbarrássemos por aí. Mas desde que
voltei para Capital preferi esquecer e não me iludir com o que nunca poderia
acontecer.
Depois daquele dia que soube sobre seu filho, nunca mais nos falamos e
simplesmente, sem falar comigo, ele se foi. Não me procurando mais. No
entanto, por uma grande ironia do destino eu era a professora da criança que
destruiu meu casamento, meus sonhos de ter filhos e minha família.
Respirei fundo. Precisava prosseguir e ser forte. Não somos mais os
mesmos.
Sei que ele respeitaria uma lei do nosso povo e não poderia culpá-lo,
mas a frustração de revê-lo e ele dizer apenas um “olá”, significou muito mais
que muitas respostas que busquei por anos.
Ramon nunca me amou, ele só tinha uma obrigação e nada mais.
— Olá, doutor Moriáh. — Estendi a mão formalmente e o chamei pelo
nome que me informaram.
Nunca passou pela minha cabeça perguntar para Túlio como seu pai
chamava.
Algo tão improvável e inacreditável.
Como poderia acreditar que aconteceria comigo essa coincidência, ou
melhor, essa ardilosa brincadeira do destino?
De imediato pensei em fingir que não me lembrava dele e tentei esboçar
um sorriso amigável de professora para pai de aluno. Porém não consegui.
Em contrapartida, Ramon ficou me olhando, me encarando com seus
lindos olhos marcantes castanhos. Percebi que contraía a musculatura toda do seu
queixo angular, estreitando seu olhar ignorando meu gesto.
— Papai, vamos entrar. — Recolhi minha mão, que ficou estendida no ar.
Me sentindo uma completa idiota.
Peguei-o me olhando de cima a baixo e depois me consumindo com seu
olhar; sei que não gostou da forma como fingi não o conhecer, sua fisionomia o
denunciou assim que baixou a cabeça para olhar o menino à nossa frente.
— Vamos, filhão! — Eles passaram por mim entrando na sala e como se
eu precisasse me escorar, fechei os olhos procurando o equilíbrio e soltei toda
minha respiração presa.
Ramon era real, sua presença ali em carne e osso me confirmava isso.
Mas que diabos logo agora ele aparecer assim, mexendo comigo com
apenas o grave da sua voz com um simples “olá”?
Não poderia me sentir afetada dessa maneira, foram anos esperando que
retornasse e nada.
Observei-os acomodar no lado oposto da sala um sentado ao lado do
outro e o encontrei me encarando com um traço fino de desgosto em seus lábios.
Esperei todos pegarem seu lugar e me certifiquei de que ninguém mais
chegaria.
Fiquei em pé à frente, para que todos me vissem e eu não desse as costas
a ninguém.
Dei boas vindas novamente e me apresentei, falando meu nome e
sobrenome e pedi que cada um se apresentasse também. Quando chegou sua vez,
ele disse seu nome e sobrenome, enfatizando o Rosberg esquecendo que jamais
poderia usá-lo. Tive a leve impressão que algumas pessoas ali nos associaram e
ficaram me olhando, mas preferi ignorar qualquer referência que nos ligasse. Até
porque, quando Ramon foi banido ele sabia que nunca mais poderia usar o nosso
sobrenome ROM, mas ali quem saberia desse detalhe era somente nós dois.
Animadamente, tentando ignorar sua presença, fiz a reunião primária com
a coordenação ao meu lado e depois mostrei os projetos para o ano letivo,
pedindo que os pais após o dia da família participassem da liga dos pais e que
os interessados me procurassem após a aula. E mesmo com todo meu
nervosismo, com ele me analisando, tentei me manter serena, não demonstrando
o quanto estava desestabilizada emocionalmente em revê-lo.
Não daria esse gosto a ele. Ramon precisava ver com seus próprios
olhos que todos seguimos em frente.
Ainda evitando-o, passei a atividade que era para eles realizarem com os
filhos, me dando assim um pouco de tempo para tentar processar como tudo
estava acontecendo.
Ao vê-lo, aquele sentimento de raiva e ódio que por um tempo nutri
voltou.
Ele estava muito bonito de calças jeans, camisa e um blazer, com seus
cabelos preso em um rabo e sua barba toda aparada e alinhada. Ainda era lindo e
mantinha o porte atlético com seus músculos ressaltados, marcados pelo tecido.
Eu tinha apenas dezoito anos quando tudo aconteceu, fui privada de
sonhos e vontades, mas o amei, aprendi a vê-lo como meu marido e companheiro
para o resto da minha vida, porém, me senti suja e traída quando disse que havia
engravidado uma gadjín e não lutou contra nossas leis, simplesmente me deixou
para trás de sua vida.
Achei que poderia viver em paz e que estava curada desse mal, mas pelo
visto vê-lo só nutriu a raiva e a dor que passei por sua causa.
Não sei se conseguiria perdoá-lo e muito menos se estaria preparada
para falar com ele caso tocasse no assunto do nosso passado. Estava torcendo
para que não o fizesse, aprendi que existem coisas que são melhores quando não
faladas, até porque notei que usava aliança no anelar esquerdo, de certo mesmo
com as brigas casou-se novamente com a mãe de Túlio, mostrando que amava a
gadjín.
E mesmo o odiando, o que sempre quis é que tudo não tivesse passado de
um sonho e que ainda estaríamos no Sul vivendo como deveria ser.
Ramon não só me destruiu como mulher, mas assim que foi embora foram
meses difíceis, aconteceram tantas coisas das quais não só sua traição eu queria
esquecer, mas tudo que passei.
Capítulo 28

Como ainda era linda e como ainda eu a amava!


Chegar mais perto e aspirar seu perfume foi um redemoinho de emoções
revividas, trazendo lembranças marcadas em nosso passado.
Ela ali parada vestindo um vestido florido com seus cabelos castanhos
soltos pelos ombros me fez voltar sete anos e pensar no quanto me fazia bem e
me preenchia por completo.
Hoje ter Túlio era maravilhoso, mas queria que fossem os dois na minha
vida, ela como minha mulher de volta e ele como nosso filho. Não era hipócrita,
pois a própria Alina sabia que esse era meu desejo; que ainda não tinha
esquecido Sara, todo esse tempo não foi o bastante para eu esquecer de tudo que
vivemos, da intensidade dos sentimentos que compartilhamos. Porém, seu olhar
de desprezo ao me ver foi nítido que os anos não foram suficientes para fechar
uma ferida aberta por uma cultura arcaica.
Sara ainda se ressentia e isso estava estampado na sua face e me
confirmou quando fingiu não me conhecer, me estendendo a mão como se eu
fosse qualquer outro pai ali. Me deixando furioso, pois não esperava tanta frieza
dela. Sempre soube que tinha um gênio forte e uma personalidade única, mas ela
conseguiu essa proeza e ignorou toda nossa história, sendo fria com seu sorriso
falso.
Não quis segurar em sua mão, eu não era um pai de aluno qualquer, era o
seu ex-marido, ou melhor, seu marido, perante a lei nunca nos divorciamos.
Sara e eu não nos divorciamos no papel, pelo menos, nunca fui intimado
a assinar os papéis da separação, coisa que não fiz questão, pois sentia que ainda
a tinha como minha.
Se estava achando que me trataria como um outro pai qualquer estava
enganada.
Entramos eu e Túlio e me sentei exatamente na carteira que ficasse mais à
frente, assim ela teria que me olhar todas as vezes.
Sua doce voz ainda era do mesmo timbre e seu jeito me fez viajar no
tempo. Confesso que não prestei atenção em nada do que dizia, estava absorto
em tê-la à minha frente depois de tantos anos, me trazendo sentimentos que há
tempos estavam trancados no meu coração.
Fiquei durante a tarde toda criando teorias para sua frieza e cheguei à
conclusão que eu também fui um covarde em não ter procurado por ela.
Sei que fui banido e que meus pais me renegaram, por uma coisa que foi
antes e que para eles era um absurdo, indo contra suas crenças. Eles não
aceitavam em nenhuma hipótese qualquer tipo de traição.
Senti muita falta deles e de tudo, principalmente de Sara, e talvez o medo
da rejeição fez com que eu não tenha voltado, já estava sofrendo o bastante para
tentar e não conseguir nem mesmo que me perdoasse.
— Papai, me passa o verde. — Saí do transe com Túlio me cutucando
com seu dedinho indicador, me pedindo o lápis de cor.
Entreguei a ele e fiquei novamente observando Sara.
O misto de felicidade e frustração, fiquei feliz ao vê-la ali lecionando,
era algo que sempre quis fazer, mas que abriu mão por mim, por nós...
Se eu soubesse que fosse amar tanto uma mulher como a amava, eu não
tinha me deixado levar por uma paixão de faculdade. Mas agora era tarde para
me lamentar e ali vendo-a conversar feliz com outros pais reafirmei todo
sentimento que tinha por ela, mantendo minha promessa de nunca mais ter outra
mulher em minha vida que não fosse ela. Contudo a aliança no anelar esquerdo
me chamou a atenção. Pelo visto ela havia se casado novamente. Pela tradição
ela poderia reconstruir sua vida e até casar, caso o noivo não se importasse com
fato do que havia acontecido. E pelo que conheço dos meus pais, eles eram
justos e dariam a bênção caso ela quisesse construir uma família com outro
homem.
Constatar que ela seguiu em frente fez com que eu sentisse o amargo do
suco gástrico subir.
E quem seria o felizardo por ter minha Sara?
Será que tiveram filhos?
Perguntei-me angustiado.
As atividades na escola com outros pais se estenderam pela tarde toda, e
no fim do dia havia uma mesa com bolos e pães. Um tipo de confraternização,
fiquei em um canto quando fui cercado por uma mãe divorciada, a mesma que
todas as vezes fazia questão de se jogar para cima de mim. Ela sabia que eu e
Alina morávamos e criávamos Túlio juntos, mas que não éramos marido e
mulher.
Aliás, a única esposa que tinha, ou melhor, que tenho é Sara. Não houve e
nem haveria outra em seu lugar na minha vida, no meu coração e na minha cama.
Não foi por falta de opção. Alina ao longo dos anos se ofereceu, insistiu
e me questionou diversas vezes, mas não quis. Já havia traído Sara, não traíria
ao amor que ainda ardia em mim por ela.
— Mamãe, Túlio pode ir lá para casa hoje depois da escola? — o
amiguinho de Túlio se aproximou e pediu para a mãe. Os dois pulavam,
implorando para que deixássemos e acabou que não conseguimos negar.
— Por mim tudo bem, agora precisamos ver se o pai do Túlio vai deixar
— disse a mãe do coleguinha.
Confirmei que podia e a mulher segurou em meus braços e sorriu.
— Se quiser você também pode ir, Ramon — agradeci dispensando o
convite educadamente e me afastei quando notei que Sara estava me observando.
— Obrigado, Sandy, mas preciso voltar ao hospital — inventei a
primeira desculpa que veio em minha cabeça. — Se não for incômodo pego
Túlio às 21h.
— Sem problemas, Doutor Moriáh — ela sensualizou e tocou meu braço
novamente.
Durante a tarde inteira ela evitou me olhar e sei que isso foi uma espécie
de blindagem, como se não estivesse nem aí.
Sorri, achando ótimo para quem fingiu não me conhecer, isso me fez ver
que ela não era fria como estava pensando.
Esperei que todos fossem embora e parecia que Sandy estava prevendo o
que eu faria e ficou enrolando, quando viu que não daria certo o seu jogo ela se
foi me agradecendo pela confiança de deixar Túlio ir para sua casa. Me despedi
do meu filho e quando notei não ter mais ninguém na sala me aproximei de Sara.
Ela estava organizando as coisas onde estavam as guloseimas do café da
tarde.
— Por que fingiu não me conhecer? — fui direto e sei que ela sentiu
minha presença ao seu lado.
— Porque talvez eu não te conheça mesmo — Ela levantou primeiro a
cabeça ao me responder e depois ficou com a postura de quem vai entrar em uma
batalha de egos.
— Sara!
— Não, Ramon! — ela não me deixou falar além do seu nome. —
Deveria ir embora.
Sua voz era comedida e fria, me causando uma dor ao vê-la me olhando
como me olhou há sete anos. Quando seus olhos me disseram adeus.
— Eu não consigo me conformar que depois de anos eu estou vendo você
bem aqui na minha frente.
— E eu, não consigo me conformar que o seu fantasma apareceu para me
atormentar.
Ela rebateu meu comentário me mostrando o quanto ainda estava
ressentida.
— Precisamos conversar.
— Não temos nada para falar. E, por favor, poderia ir embora? Se quiser
marcar uma reunião para falar de Túlio peça na secretaria da escola.
Ela virou o rosto e voltou a juntar as coisas sobre a mesa, me ignorando
ao seu lado.
Não me conformei e acabei agindo por impulso ao segurar seu braço e
forçá-la a olhar para mim, mas rapidamente puxou seu braço com força,
conseguindo se soltar. Porém seu olhar me mostrou o quanto ainda essa
ressentida. Nele tinha raiva, magoa e algo que jamais quis ver de novo: tristeza.
— Quem pensa que você é para me tocar assim? — ela me perguntou e
recuou um passo atrás.
Revivi nosso começo, quando brigávamos. E isso me fez ter esperança,
porém eu não daria o braço a torcer e precisava mostrar a ela que tínhamos que
ter ainda uma conversa que deveria ter sido há sete anos.
— Sou seu marido, Sara. Não se esqueça que você nunca pediu o
divórcio.
Acho que por essa ela não esperava e constatei ao vê-la arregalando os
olhos e abrindo a boca sem emitir som algum.
— Ainda acha que não temos que conversar? — perguntei.
Sara continuou me ignorar e começou a pegar as coisas colocando-as em
uma sacola grande, dobrando a toalha em seguida.
— Ainda estou esperando. Não sabe como estou me sentindo em te ver
aqui — disse tentando mostrar que também estava surpreso e que mesmo com
todos esses anos ainda precisávamos conversar.
— Nos poupe, Ramon. Se em sete anos você não foi capaz de me
procurar para conversar, não vai ser agora que vai chegar e exigir isso de mim. E
sobre o divórcio, ficará mais fácil, já que sei onde encontrá-lo e será mais fácil
ainda se me passar seu endereço, posso mandar os papéis para lá.
Estranhei, Sara era geniosa, mas não fria.
— Sara, sei que fazem sete anos que não nos falamos e naquele dia mal
consegui que me olhasse... — fui interrompido.
— Você teve tanto tempo para fazer isso, do nada me encontra e quer
falar sobre aquele dia. Sério? — Percebi que ela tremia ao segurar a sacola.
Dava para notar o quanto estava nervosa.
— Sara, naquele dia ninguém deixaria eu falar com você.
Fui para seu lado diminuindo o espaço entre nós enquanto ela guardava o
restante das coisas.
— E ainda pensou isso também? Por favor, Ramon, vá embora, sete anos
foi muito tempo para você vir se explicar comigo, agora é tarde, estou vivendo e
espero que não venha atrapalhar minha vida. — Nos encaramos e eu perdi o
chão com a forma dura que me tratou.
Queria poder falar para ela que em todo esse tempo eu cumpri a tradição,
mas que não houve sequer um dia que não deixei de pensar nela ou em como nos
amávamos.
— Eu recomecei minha vida e por favor não venha atrapalhá-la.
— Sara, por favor, deixa eu falar! Eu segui a nossa tradição e isso tem
me matado aos poucos. Eu não tive ninguém, mais ninguém — confessei.
— Sério, Ramon? Tudo que aconteceu foi o suficiente para eu ver que
ninguém mais me iludiria com amor. E outra coisa, não quero ser vista falando
com você. Você tem sua família, esqueça tudo.
Ela terminou de organizar tudo, pegou sua bolsa para sair, apagou as
luzes e fiquei ao seu lado esperando. Eu não desistiria facilmente. Não quando
todos os sinais me mostraram que essa coincidência era algo destinado para
acontecer.
— Não precisa me seguir, minha resposta é que não temos mais nada
para falar. — Quando ela parou e me olhou nos olhos, empinando seu delicioso
queixo fino e seu nariz arrebitado, já estávamos na calçada da escola.
— Por que está fazendo isso?
— Você pode simplesmente continuar sua vida como se fôssemos
estranhos, porque é exatamente isso que se tornou para mim, Ramon.
Fiquei sem ação quando me disse que eu agora era um estranho, foi onde
percebi que Sara seguiu em frente e eu não poderia cobrar nada dela.
Sem ação não fui atrás e deixei que fosse. Até pensei em segui-la e
insistir, porém não seria pelo cansaço que conseguiria que ela escutasse tudo que
tinha para lhe dizer.
Queria fugir dali e me senti agoniada a tarde toda, a presença de Ramon
era mais que sufocante, ele conseguia fazer-se visível não por sua beleza, mas
por me fazer lembrar de como eu o amo e de tudo que vivemos juntos.
Foi curto, porém intenso.
Nossos dias foram incríveis. Vivíamos um pelo outro e nada parecia
atrapalhar nossa felicidade, mesmo depois que sofri o aborto, mas seu passado
incumbiu de fazer esse papel e quando estava mais calma foi que me dei conta
das palavras de Tia Nazira naquele dia, quando por mistérios ela me preveniu da
dor que eu sentiria, algo que hoje eu conseguia entender que o “protetor sempre
protegeria a princesa”.
Depois daqueles dias procurei-a para tentar saber mais, mas ela se
recusou a me dizer mais coisas, alegando que as cartas não queriam se revelar
para mim e depois disso não insisti, resolvi que viveria dia após dia até fazer
Ramon sumir das minhas entranhas. Deixei a sua vontade e só anos depois ela me
chamou para conversar.
Mas nada que me fizesse entender nesse momento.
E agora, quando achei que tudo ia ser pleno, eis que me deparo com ele
esfregando na minha cara que sou sua... Sim! Sua! Meu corpo reagiu a sua
presença de maneira que nem mesmo eu conseguia me entender.
Senti vontade de tocar em sua pele e dizer que estava tudo bem, beijar
sua boca e receber seus abraços apertados, rodeados por sua musculatura firme,
mas na mesma intensidade que meu corpo pedia por seu toque, meu coração o
repudiou e percebi que nunca deixou de doer.
Pensando em como sair dessa e me afastar da bagunça que ele causaria se
eu permitisse que falasse tudo, eu entrei em casa e fui recebida com um aroma
delicioso.
Não morava muito longe da escola, a quatro quadras exatamente.
— Sara, é você? — Escutei a voz me chamando vindo da cozinha e logo
que deixei minhas coisas no aparador fui até o outro cômodo.
— Nossa, e esse cheiro maravilhoso? — Me aproximei do fogão e fui
destampando as panelas sentindo o delicioso cheiro de comida fresca, recém
preparada.
Sorri ao capturar seus olhos que me faziam muito bem e mostravam o
quanto me amava. Por um tempo esqueci da tarde com Ramon tão perto e fui
lembrar de tudo quando já estava deitada, pronta para dormir.
Ele estava lindo com sua calça jeans e camisa esportiva, confesso que
sempre amei seu cabelo, mas de cabelos cortados e menores estava ainda mais
bonito e quando a mãe do Jonas tocou em seu braço... queria arrancá-la dali!
Aquele sentimento de posse me tomou, mas fiz questão de me lembrar que ele me
largou ainda com meses de casada por causa de uma traição do passado, ainda
quando éramos prometidos, mas que eu senti desejo por ele outra vez, eu senti e
novamente agora estava úmida, dolorida de vontade de sentir sua mão em mim,
me apalpando, me fazendo completamente sua.
Respirei fundo me aconchegando dentro das cobertas tentando me fazer
forte diante do sentimento poderoso dentro de mim. Ainda bem que amanhã era
fim de semana e eu conseguiria me preparar para vê-lo e ter certeza de que não
existe mais nada entre nós dois. Porém, fiquei encabulada com o fato de sua
declaração de que ainda éramos casados.
Será que Ramon mantinha a aliança em seu dedo devido ainda sermos
marido e mulher ou era só um blefe?

Nesses dois dias tentei não pensar em seu sorriso arrogante de quando
achava que já ganhou ou conquistou o que queria, mas ora ou outra eu retornava a
pensar em tudo, em como o destino é imprevisível e te prega as piores peças.
Já era fim da noite de domingo quando estava sentada na mesa
organizado as contas para serem pagas no outro dia, graças a Ramon eu tinha
uma boa situação financeira para viver um bom tempo sem trabalhar, o que era
dele passou a ser meu quando nos casamos e quando tudo aconteceu teve que
deixar para mim e foi assim que sobrevivi até aqui, mesmo tendo dias que a
saudade batia e eu desejava ter ele de volta e não o seu dinheiro.
— Ainda acordada, meu amor? — Sorri ao escutar sua voz nas minhas
costas.
— Sim, estou organizando as nossas contas para serem pagas amanhã.
Mal terei tempo e quero fazer tudo isso antes de ir para a escola.
— Está gostando?
— Sim, me sinto realizada com as crianças. — Sentando à minha frente
ganhei seu sorriso que me encheu de tanto carinho.
Alcancei sua mão e beijei o dorso, sentindo meu coração se encher com
tamanha dedicação que tinha por mim.
— Obrigada por estar aqui comigo, não sei o que seria de mim sem você.
Sorrimos com carinho.
Os dias em sua companhia eram um acalento para meu coração, me sentia
amada por alguém e isso era o que importava.
Estava hoje mais perto dos meus pais, mas depois do casamento em
nossa cultura eu era da família do noivo e talvez voltar ao meu berço de origem
não seria mais a mesma coisa, por isso resolvi seguir em frente.
Terminei de ajeitar as contas uma sobre a outra, deixando-as sobre a
mesa.
Acompanhada, fomos para o quarto.
Capítulo 29

Que fim de semana infernal...


Na sexta-feira, depois de sentir a frieza com que Sara me tratou fui ao
hospital e depois peguei Túlio na casa de Sandy. Retornando para casa fiquei
pensando nas reviravoltas que o tempo dá. Precisava pensar em como me
reaproximar dela, mas fui acometido pelo pior pensamento que eu poderia ter: e
se Sara estivesse casada?
Pela aliança isso confirmava que sim, e ligando os fatos tive quase
certeza que realmente estava. A forma como agiu friamente era um sinal de que
tinha alguém em sua vida.
Ainda parado na entrada de casa, deixei Túlio entrar na frente e fiquei
sentado me fazendo essa pergunta.
Sara está casada de novo?
Como? Se ainda éramos casados.
Mas nosso povo entendia de outra maneira e poderia ser que Sara
estivesse em outro casamento com algum cigano que resolveu fazer suas
vontades e estabeleceram uma casa, proporcionando para ela tudo que queria.
Inconformado e vendo o grande covarde que fui, me arrastei para dentro
de casa e mal conversei com Alina. Ela havia retornado mais cedo de sua
viagem. Fomos nos falar já era tarde, quando ela veio até a sala e me viu ali
esparramado no sofá.
— Está tudo bem, Ramon?
Olhei, sentindo raiva por ser ela ali e não Sara.
— Está sim — respondi secamente.
— Nossa... algum bicho lhe mordeu? — Ela ficou à minha frente e
colocou as mãos na cintura.
— Nenhum, só estou cansado e amanhã pego cedo no plantão. —
Levantei com o controle da TV na mão, apertando para desligar. — Vou dormi.
Ela se apressou e se colocou na minha rota. Mal reparei que ela vestia
um conjunto de baby doll preto de cetim.
— Eu queria muito que fosse diferente. — Ela colocou a mão em meu
peito e começou a contornar com a ponta do indicador meus músculos, mas eu
não queria. Será que não havia sido claro?
Tantos anos e ela ainda insistia.
Não é porque não voltei que precisava esquecer Sara. Se fosse preciso,
mesmo com ela agora por perto e ainda não a tendo de volta, eu me manteria
casto. Fiz essa promessa para mim naquele dia, quando tive que seguir meu
destino sem ela.
— Não quero nada, Alina. Já te disse que entre nós há apenas Túlio e
mais nada. Não te amo e não te amarei — disse convicto e segurando gentilmente
seus pulsos a afastei de mim.
Fiquei com pena, porém eu não traíria nunca mais esse sentimento que
tinha por Sara.
— Vai me dizer que até hoje tem esperado o dia que ela vai cair de
paraquedas na sua frente?
— Alina, jamais você vai entender o quanto eu a amei e continuarei
amando.
— Foi covarde, isso sim. Se a amasse tanto assim teria ido atrás dela.
— Você não sabe do que está falando.
Não tinha que ficar me explicando.
Fui covarde sim... poderia ter ido e arrancado Sara de lá. Raptado-a,
qualquer coisa, mas meu maior medo foi pensar que ela me rejeitaria, que me
mandaria embora de qualquer jeito. Então foi melhor eu me agarrar a uma regra
do que ouvir da sua boca que não me queria mais.
— Sete anos...
— Sete anos — repeti. — Sete anos que não sei o que é estar ao lado da
mulher que amo — conclui e respirei fundo ao passar por ela, deixando-a
sozinha na sala, ignorando seu choro.
Nunca dei esperanças para Alina. Eu fui apaixonado por ela, foi
diferente, mas Sara eu amei de uma forma inexplicável. Foi intenso, foi a maior e
melhor loucura da minha vida.
Infelizmente eu transgredi e isso foi nossa ruína.

Nos dois dias seguintes trabalhei como um louco no hospital, dobrei os


plantões tudo para evitar pensar em Sara.
Deveria ter lhe seguido, assim saberia onde era sua casa e eu poderia
mais uma vez tentar falar com ela, quem sabe fora da escola seria mais receptiva
e aceitaria, mas eu usava isso como um ponto de apoio, pois orgulhosa como era
não cederia assim tão fácil. Contudo, ainda essa semana eu daria um jeito de
saber onde estava morando e ela sendo casada ou não eu apareceria por lá.
— Ramon, precisamos conversar. — Assustei com o tom imponente de
Alina ao me tirar do transe assim que cheguei em casa depois de um final de
semana cansativo no hospital.
— O que foi? Algo com Túlio? — Passei o olho procurando por meu
filho, mas pelo visto o silêncio absoluto da casa denunciava que ele não estava.
— Túlio está na Sandy e quero falar com você. — Fui adentrando mais,
deixando as coisas no aparador próximo à entrada.
— Por que não me disse que ela estava de volta? — Franzi o cenho.
— Ela quem?
— Sara, sua esposa. — Fiquei sem resposta.
Como Alina já estava sabendo desse fato?
Ela parou à minha frente impedindo que eu fosse adiante.
Pensei em mentir e quando a olhei nos olhos percebi que não haveria uma
desculpa plausível e resolvi abrir o jogo.
— Por que eu fiquei sabendo na sexta-feira e ainda não queria dividir
com ninguém o que estou sentindo — respondi e consegui que me desse espaço
para passar.
— Não é justo comigo! Sabia? Eu estive sete anos aqui para Túlio e para
você. E agora não se sente à vontade de me avisar que sua esposa apareceu?
Pelo visto discutiríamos mais uma vez e tudo por que Alina não entendia
como eu amava Sara. Sei que ela esteve aqui e nunca exigi nada assim dela e
seria um bastardo se eu não reconhecesse sua dedicação e sua amizade, porém eu
me sentia mais miserável assim quando as lembranças me tomavam à flor da pele
e eu vislumbrava ainda o olhar perdido e desesperado de Sara quando fui
banido.
Eu devia uma devoção a Sara que nunca teve culpa de nada.
— Nunca pedi que estivesse aqui por mim, e Túlio não merece carregar
um fardo como se tudo que você fizesse por ele fosse uma obrigação. Você é a
mãe dele. — Alina ficou muda me olhando com os olhos marejados, sei que
novamente teríamos o mesmo impasse de sempre.
— Você diz como se eu não amasse meu filho, eu fiquei aqui porque
quero ele feliz e sei que isso depende que esteja perto do pai dele.
Fiquei com pena dela, sei que às vezes pegava pesado em nossas
discussões e acabava chamando-a de egoísta, que tanto eu quanto ela estávamos
ali por causa dele.
— Alina, não quero brigar e muito menos discutir. Sara é um assunto da
minha vida. Ela é minha esposa e tem coisas que você jamais entenderia sobre
meu povo. — Tentei diminuir a tensão instaurada ali, mas vi que dessa vez Alina
estava obstinada a debater até o fim.
— Você não vale nada. Tudo que se refere a sua ciganinha se torna
intocável — seu tom petulante ao referir-se a Sara me irritou.
— Não fala assim dela — aumentei o tom de voz e a vi se acuar —, quer
saber, Alina? Vou buscar Túlio, não quero discutir e deixar um clima ruim, você
pode não perceber, mas nosso filho sente quando estamos brigados e não se
esqueça que prometemos que seríamos uma família para ele.
Deixei-a impossibilitando que continuasse seus protestos sobre a volta
de Sara.
Fui lentamente com o carro pensando de como tudo era tão certo e ao
mesmo tempo tão conturbado.
Eu me sentia culpado com tudo que aconteceu, mas também não me
pesava, pois assim como Sara também vivi imposições e tinha meus conceitos
acerca do casamento com ela, mas tudo mudou quando a conheci e infelizmente
eu não poderia retornar no tempo e mudar o que fiz. Agora era conviver com as
escolhas erradas e tentar refazer certo.
Durante o percurso me pegava pensando e relembrando de Sara, dos
momentos em que vivemos juntos, do seu olhar quando mostrei onde
começaríamos nossa família, da forma como a vi assustada e triste por perder
nosso primeiro filho.
Da intensidade do que vivemos.
Eu me corroí por anos, me questionando por ter agido pela emoção e
paixão. Eu deveria ter esperado por ela, assim como foi somente minha.
Estacionei na frente da casa de Sandy para pegar Túlio e respirei fundo,
buscando força para aguentar as investidas da mãe do amiguinho.
A mulher vive jogando indiretas, não sei o que Túlio ou Alina falou, mas
a forma como age é descarada e chega às vezes ser engraçado, por fim, ignoro e
tento ser o mais educado possível ao declinar suas investidas. Mas hoje eu não
tinha cabeça para nada. Ou melhor, desde que vi Sara tenho me confrontado a
todo segundo. Não dando sequer um minuto de paz para os meus pensamentos.
Cansado, fiquei um pouco dentro do carro, refletindo como tudo estava
acontecendo, sei que se passaram muito anos e eu nunca fui atrás com medo de
ser rejeitado. Não fui antes, pois sei como funcionavam as coisas, éramos
diferentes e não era tão simples. Não tinha essa de que o tempo cura e abranda,
quando falado, dito e cumprido era aquilo e pronto.
Não tive escolhas, mas se Sara está aqui é porque não está mais no
acampamento, o que não me impede de ir atrás dela.
Respirei fundo, segurando ainda firme o volante olhei para o lado e vi
Sara entrando no sobrado branco, quase na frente da casa da mãe do amigo de
Túlio, ela carregava algumas sacolas.
Então é aqui que a danada mora.
Por impulso saí do carro e ao invés ir pegar meu filho, atravessei a rua
seguindo para a entrada da casa onde havia entrado.
O que eu estava fazendo?
Sem entender como estava agindo, parei com a mão fechada no ar pronto
para bater na porta. Mas confuso, voltei dois passos e avancei novamente.
Indeciso se deveria fazer isso mesmo. Porém não me contive ao fechar o punho e
bater na madeira.
— Vou ver quem é. — Escutei a voz de Sara um pouco mais alta,
informando que atenderia a porta.
Quando abriu a porta vi a sua expressão de surpresa.
— Boa noite, Sara! — Achei que ela fecharia a porta na minha cara, ao
invés disso, Sara rapidamente deu um passo à frente, me fazendo recuar, nos
trancando para fora.
— O que está fazendo aqui? — Era nítido que não havia gostado de me
ver ali.
— Eu a vi entrando e não aguentei, precisava falar com você.
— Você está me seguindo? — ela falava baixo, reparei. O que me dava a
entender que estava com medo, ou melhor, escondendo o que estava acontecendo.
— Não! Eu vim buscar Túlio na casa de Sandy ali do outro lado da rua.
— Apontei o dedo para a casa. — Não imaginei que morasse aqui, eu estava
parado quando vi você entrar — expliquei.
— Vai embora, por favor. — Sara aparentou desconforto com minha
presença.
— Sara, eu preciso falar com você.
— Por favor, Ramon, vai embora. — Assustada ela olhava por cima dos
ombros em direção à porta fechada a suas costas.
— Está com medo que me vejam aqui? — perguntei, sendo direto.
— Sim... Não! Quer dizer, por favor, não venha mais aqui. — Vê-la à
minha frente me deixava desesperado por não poder tocá-la e sentir sua pele, seu
cheiro de flores.
Foi atormentador.
— Eu preciso falar com você. Por favor, Sara — estava implorando.
— Não temos mais nada para falar Ramon, vai embora daqui por favor,
estou pedindo. Não insista. — Sara me olhou intensamente e senti que havia
muita magoa no seu olhar. Ao virar para me deixar ali necessitado e carente de
poder falar com ela, segurei firme em seu pulso, impedindo-a.
Ela olhou da minha mão para meu rosto, mostrando-se mais ressentida
ainda e vê-la dessa maneira não só me deixava frustrado, mas triste.
Eu a amava e estava diante da única oportunidade de me explicar.
— Por favor, Sara, só dessa vez — insisti.
— Me solta. — Ela puxou e conseguiu se livrar da minha mão. — Você
não deveria estar aqui, vai complicar as coisas depois de tanto tempo. Não se
sente satisfeito pelo mal que causou a todos nós? Já não foi o suficiente? —
Abaixei a cabeça sem saber como respondê-la.
Queria falar, gritar, que não tê-la mais na minha vida não só me
atormentou, mas que continuou a me torturar todas as noites quando deitava para
dormir, pensando em como seria diferente se estivéssemos juntos no
acampamento.
— Não complica mais as coisas não, me deixa em paz.
— Só me escuta dessa vez. Juro que nunca mais vou te procurar ou tocar
no assunto do nosso passado.
— Sara! — ouvi uma voz lhe chamar e não consegui identificar se era um
homem ou uma mulher.
— Já vou! — ela respondeu em um tom mais alto sem abrir a porta.
— Por favor. — A vi respirar profundamente agora pensativa. Talvez
aceitasse e eu torcia para que sim.
— Ramon, agora não posso. Preciso fazer algumas coisas e amanhã é
segunda-feira. — Notei o quanto estava nervosa e pensativa.
— Tudo bem Sara, mas me dê uma oportunidade de falar com você. —
Engoli seco, sentindo o gosto amargo do seu desprezo diante do meu desespero
de querer falar com ela.
— Eu não posso, me desculpe, vamos fingir que não nos conhecemos. Vai
ser melhor assim — quando me respondeu friamente, como se eu não tivesse
sido ninguém do seu passado não me contive.
— Por que? Tem medo de que? Do seu novo marido? — aumentei o tom
da minha voz, me deixando levar pela irritação.
Eu estava ali implorando na sua frente, sentindo meu coração disparar ao
estar tão perto dela enquanto se mostrava fria e distante.
— Fala baixo!
— Não! Quer saber, só saio daqui quando me escutar e prometo que
depois disso a deixo em paz — fui enfático.
— Não agora! — Sorri.
Pelo menos eu teria uma oportunidade...
Capítulo 30

Fiquei completamente sem saber o que fazer quando abri a porta e o vi


ali parado diante de mim. Sua presença forte me atormentava. Ainda lindo com
sua energia masculina presente, enigmático e viciante.
Assustada e pega desprevenida, saí e fechei a porta as minhas costas, me
arrependendo por ficar tão próximo assim, não deveria ter saído assim que o vi
pela pequena janela, mas agi impensadamente ao permitir que falasse comigo ali
na porta da minha casa, correndo o risco de nos verem, ou melhor, de vê-lo ali
na soleira.
Pedi que fosse embora, mas Ramon era teimoso e obstinado, sei que não
aceitaria ir tão fácil sem realizar seu objetivo. Quando ouvi me chamarem de
dentro da casa, meu nervosismo aumentou e quase implorando para que fosse me
vi perdendo a luta quando se alterou mantendo-se firme no que queria.
Não vi outra alternativa a não ser aceitar falar com ele, mas não ali.
Depois de uma hora estava aqui, agasalhada esperando na calçada de
casa. Pedi que esperasse eu terminar minhas coisas e que dentro de uma hora eu
sairia e falaria com ele, ele me informou que levaria Túlio para casa e voltaria.
Enfiei as mãos dentro do bolso da jaqueta e logo vi o carro estacionar na
minha frente e Ramon abrir a porta para que eu entrasse. Indecisa, fiquei olhando
para a porta aberta do carro, talvez fosse melhor eu não entrar e conversar na
calçada, por outro lado eu morava na frente da casa da mãe de um aluno e
poderia não ser uma coisa boa nos verem ali, mesmo que não tivesse nada
demais.
Só conversaríamos e eu deixaria as coisas às claras de que não queria
nenhum tipo de contato com ele, a não ser por seu filho, meu aluno.
— Não vai entrar? — Ramon quase deitou no banco ao lado para me ver
e perguntar.
Respirei fundo reunindo toda coragem necessária para entrar e falar tudo
que eu precisava e mais uma vez me senti atormentada.
Ramon foi o amor da minha vida e quando se foi eu fiquei estraçalhada
por muito tempo, ainda não tinha me recuperado da forma como tudo aconteceu,
eu aceitei o meu destino e foi só.
Entrei no carro disposta a ser breve e objetiva.
Ramon ligou o motor do carro e pude contemplar em seu rosto o sorriso
de satisfação, o que me deixou totalmente irritada.
— Você continua o mesmo prepotente — quando vi já tinha falado, mas
ver sua expressão de vitória só me irritou mais ainda.
— Não sabe o quanto esperei por esse momento.
— Pode parar aqui mesmo. — Não queria ir muito longe com ele,
somente o necessário para que não nos vissem.
— Está com medo, Sara? — ainda sorrindo me perguntou ao olhar de
soslaio para mim.
— Não, só não vejo necessidade de se afastar muito, o que temos para
falar vai ser rápido e pretendo voltar sozinha.
Ramon, atendendo meu pedido sem questionar ou fazer como queria,
estacionou o carro e retirou o cinto, se posicionando de lado para ficar frente a
frente comigo.
Eu o imitei e cruzei os braços esperando para que começasse falar o que
queria.
— Você ainda é tão linda. Não mudou em nada quando te vi pela primeira
vez. — Franzi o cenho me sentindo idiota por ter vindo aqui falar com ele, pelo
visto Ramon não se explicaria ou algo do tipo.
— Sério? Não preciso de elogios, depois de sete anos você acha que
pode chegar falando isso? — Seu sorriso desmanchou na mesma hora.
— Sara, não é bem assim. Você sabe que eu queria ter falado, mas meu
pai não permitiu.
— É simples assim, quando era para ter obedecido você não o fez e para
me deixar para trás você o obedeceu?
— Não é tão simples.
— Ah, não é! Não foi tão simples assim, para você pode até ter sido, mas
para mim não foi. — A amargura de sete anos veio com tudo e não consegui
parar a explosão de sentimentos e mágoas que tive ao começar a chorar.
— Sara! — Ramon se curvou para tentar me puxar para seus braços, mas
lutei e o empurrei.
— Não me toca! — falei mais alto. — Nunca mais me toque, eu te odeio
com todas as minhas forças, não entende? Me deixa em paz. Você destruiu minha
vida e me abandonou por causa da sua namoradinha de faculdade e do seu filho.
Foi intenso como havia sido há sete anos. Quando me contou que tinha um
filho e horas depois o vi partindo me deixando para trás.
Fui pega pela profundidade dos meus sentimentos e agi impensadamente
quando avancei para cima dele esmurrando seu peito. Eu batia tirando de mim
toda aquela dor que carreguei por anos e como se me entendesse Ramon
aguentou calado eu descarregar nele toda minha raiva e vencida pela dor, parei,
mantendo minhas mãos fechadas encostada onde havia o agredido, me rendendo
aos soluços e choro.
Não queria que visse em mim essa fraqueza.
Senti suas mãos envolverem meus ombros e me apertar entre seus braços,
tentei me soltar, mas Ramon me envolveu mais e não deixou que eu me afastasse.
— Me perdoa, jamais queria que fosse assim. — Fechei os olhos
sentindo as lágrimas escorrerem pelo meu rosto, ressentida e magoada.
Talvez fosse um erro ter vindo, deveria ter deixado esse cigano fazer um
escândalo e ter descoberto tudo, ao menos não teria me exposto assim.
— Me solta, por favor — disse com a voz embargada.
Ramon me olhava como se me sondasse, como se seus olhos me lessem e
isso estava me apavorando, pois não imaginei que estaria depois de tanto tempo
assim, na sua frente, esclarecendo o passado.
— Fica calma, por favor. Não quero te ver assim — sua voz era terna e
baixa, acalentadora.
Estava tão próximo de mim que pude sentir a intensidade da sua presença
tão viva ainda. Seu toque suave tentando enxugar minhas lágrimas com a ponta
do polegar me afetou e me queimou por onde me tocava.
— Me deixa ir embora, por favor — pedi enfraquecida.
— Não quero te fazer mal.
— Ramon, as coisas não são tão simples, por favor, eu preciso voltar
para minha casa. — Consegui que me soltasse e fiquei colada à porta do carro,
tentando me manter mais distante o possível.
— Não vou te prejudicar, só preciso que me entenda e me perdoe. —
Ramon se jogava para frente tentando capturar meu olhar.
Desviei o rosto querendo sair de tudo aquilo, já chorei o suficiente por
sua ausência, por seu sumiço, agora não queria mais relembrar tudo que
aconteceu. Eu o queria distante de mim.
— Eu quero ir embora, por favor, se não vai me levar de volta eu vou
voltar a pé. — Sua reação mostrou o quanto estava desesperado e me segurou
impedindo que eu saísse do carro, quando fiz a menção de que sairia.
— Por favor, Sara, eu juro que se me escutar nunca mais te perturbo. —
Olhei a sua mão no meu antebraço me segurando e percorri até chegar em seu
rosto, expressivamente envergonhado.
Assenti e tirei sua mão do meu braço.
— Fale tudo que quer falar e depois me deixa em paz, finja que não me
conhece e esquece tudo, por favor.
— Não consigo esquecer o passado e lembrar de como a amei e ainda
amo.
— Amar? — cortei antes que terminasse. — O que fez, me abandonando,
não foi amor! Desculpa, mas não consigo acreditar em nada do que me diz.
— Sara, não faz assim, está tudo tão eufórico dentro de mim, te ver e
saber que está tão próxima tem me feito ver o quanto eu fui covarde.
— Você não foi covarde, você foi egoísta, brincou comigo, brincou com
minha ingenuidade. Você me fez acreditar que eu viveria uma vida de felicidades
e depois você me abandonou. Por você abandonei meus sonhos, Ramon.
Vi cada músculo da sua mandíbula contrair e seus olhos se fixarem nos
meus, não como antes, eles estavam opacos e perdidos.
— Você não se preocupou em saber como estávamos, como eu fiquei ali
desesperada. Você acabou com a minha vida!
— Sara, eu sempre te amei desde do momento que te vi...
— Não Ramon, hoje eu tenho 25 anos e não acredito no que vai me dizer,
não foi sete dias, sete semanas, sete meses, foram sete anos; por quatro anos
ficamos sem notícias suas e quando um de seus irmãos lhe achou, para dizer que
seu pai chamava pelo seu nome e estava morrendo, você nos ignorou — não me
contive ao começar a revelar as mágoas que havia deixado em mim.
Aquele homem enorme na minha frente desmoronou, nunca o vi tão
perdido quanto esse momento.
— Meu pai morreu? — sua voz saiu travada.
— Sim, há três anos — respondi.
Algumas vezes cheguei a cogitar que um dia estaríamos frente a frente e
em nenhuma delas imaginei que fosse ser assim, que eu falaria do passado e o
confrontaria. Me penalizei ao vê-lo perdido. Eu jamais me deixei pensar em
como seria estar no lugar dele e talvez não devesse ter sido fácil, porém a
rejeição que convivi durante anos sem saber que ele preferiu seu filho e a mãe
dele não me deixou me compadecer dele, mas nesse momento eu vi o quanto era
miserável.
— Ele o chamou por quatro dias incansavelmente — comecei a
relembrar de como foi e ao relatar não me contive ao lembrar da cena do pai
delirando, deitado numa cama de hospital, virado para a porta e com as mãos
chamando por Ramon.
“Ramon está chegando Constância. Cadê o Ramon? Quero ver meu
filho.”
Ele gritava e eu me abalava mais ao vê-lo querer o filho e o filho tê-lo
rejeitado. Já não me importava só comigo, o que Ramon fez afetou a todos. Miro
ficou desacreditado como líder, Constância perdeu o brilho da vida, os irmãos
todos longe e eles só tinham a mim.
Por um momento eu fiquei inerte às minhas lembranças e Ramon chorou
silencioso, com suas lágrimas rolando pelo seu rosto.
Notei o quanto deveria estar doendo, mesmo com tudo que aconteceu,
como me lembrava Ramon era muito ligado aos dois.
— Seu irmão o procurou por dias, já estávamos perdendo a esperança
quando descobriu que você usava o nome da família de sua mãe e conseguiu o
seu telefone, quando te ligou quem atendeu acho que foi sua esposa. — Mesmo
sabendo que Ramon vivia com a mãe de Túlio na mesma casa eu achava que
deveriam manter uma vida como marido e mulher. — E ela disse a ele que você
não estava em casa e que não queria saber como seu pai estava, que deveria
estar com remorso de ter banido o filho e nunca querer saber sobre o neto. Ele
tentou dizer que Miro estava morrendo, mas ela desligou o telefone.
— Alina? — Ramon com a voz embargada me perguntou e eu dei de
ombros.
— Acho que sim, não falamos muito. E por fim seu pai cansou de chamá-
lo e morreu depois de dois dias — falar em voz alta como Miro morreu,
relembrando a cena deprimente dele chamando pelo filho mais novo, me deixou
péssima, sentindo um buraco no meio do peito.
— Nunca fiquei sabendo de nada do que está me falando. Alina não faria
algo assim. — Não acreditei no que havia acabado de ouvir e abri a boca para
retrucar, mas tornei a fechar vendo que tinha cometido novamente mais um erro
ao querer falar que ainda fomos um dia atrás dele enquanto ele não se lembrava
mais de nós.
Ramon se endireitou olhando para frente e tombou sua cabeça, deitando-a
sobreo volante.
— Por favor, me leva embora — depois de minutos no silêncio, eu com
minhas dolorosas lembranças e ele com sua dor, pedi que me levasse dali.
Enxugando suas lágrimas na manga da blusa, eu o vi dando partida com o
carro sem falar nada, me levando de volta.
Não dissemos nada até parar em frente a minha casa.
— Tchau! — Ramon se calou e nem sequer se despediu de mim, sem
saber como agir ou se deveria falar algo, desci do carro e o deixei partir, ficando
parada na calçada olhando seu carro se afastar e sem entender o total silêncio
que fez.
Sei que fui dura com ele, mas o que aquele cigano arrogante queria?
Que tudo estivesse a mil maravilhas e depois que foi embora nada tivesse
acontecido? Boa parte da minha raiva se dava pela ausência e descaso que havia
feito não só comigo, mas ao seu pai quando estava morrendo.
Talvez eu não devesse ter falado com ele ou permitido que se
aproximasse tanto assim de mim como foi nessa noite. Não sofreria mais, eu
estava indo bem nessa minha nova vida e ela precisava permanecer assim do
jeito que estava:
Muito bem, obrigada!
Capítulo 31

Não conseguia associar e processar tudo que ouvi de Sara nessa noite.
Quando a vi eu agi por impulso na ânsia de estar perto, de poder tocá-la, foram
incansáveis anos sem sua presença, mas diante da sua confissão eu percebi o
quanto fui egoísta e o quanto minhas atitudes não afetaram só meu destino, e sim
dos que eu amava também.
Dirigi como um louco na volta para casa, mesmo com a cabeça a mil
ainda tinha que fazer uma coisa e realmente saber se o que Sara me contou foi
verdade. Precisava falar com Alina, não seria possível ela cometer tamanha
crueldade de saber que meu pai estava morrendo e nem me comunicar de nada.
Estacionei o carro dentro da garagem e saí apressadamente em direção às
portas do fundo, as luzes de fora estavam acesas, mas as de dentro de casa já
estavam apagadas e o interior completamente silencioso, significando que Túlio
e ela já estavam dormindo. Não a acordaria, esperaria pela manhã para
conversar e questioná-la.
Subi direto para meu quarto e fui tomar um banho. Precisava relaxar.
Talvez sentir a água cair pelo meu corpo me fizesse relaxar e embaixo da água a
única coisa que me vinha à mente era o olhar de Sara me condenando.
Não sei o que tinha sido pior em nossa conversa: se era o fato de não ver
mais a paixão ou ver sua tristeza e raiva. Jamais quis despertar isso nela, eu era
novo quando decidi que poderia designar meu destino sozinho; pessoas comuns
jamais entenderiam como vivemos, sei que fui banido, contudo, nunca deixei de
ser quem eu era: Ramon Rosberg, filho de Miro e Constância dos ROM.
Nasci e fui criado assim, mas me perdi no meio do caminho e tudo
porque eu achei que poderia brincar de fazer o que bem entendia e que não
haveria consequências, no entanto, paguei um alto preço ao perder meu
verdadeiro amor, que havia sido guardado desde seu nascimento para mim. Perdi
tudo que possuía e o que me fez sobreviver foram as lembranças desse amor que
tinha por Sara e meu filho, sangue do meu sangue.
Respirei fundo tentando enxergar com clareza e foi ali que tomei a maior
decisão da minha vida: eu não procuraria mais por Sara, a deixaria viver em paz,
até porque sua atitude de hoje mais cedo indicava que já tinha tocado sua vida e
não seria certo eu entrar e requerer algo que era meu e que perdi por causa das
minhas escolhas erradas.
E mesmo ainda a amando desesperadamente, eu a deixaria livre e ficaria
feliz por ela estar feliz. Mas mesmo assim falaria com Alina e apuraria o que
aconteceu e seria a partir daí que decidiria minha vida, tentando o menos
possível afetar Túlio.
Terminei meu banho e deitei na minha cama, ainda com a tolha rodeando
meu quadril, meus cabelos úmidos colavam na minha pele e em vez de dormir
coloquei os braços atrás da cabeça e fiquei olhando para o teto pela maior parte
da noite e não percebi quando foi o exato momento que adormeci, mas senti a
claridade irradiar meu quarto já logo pelas primeiras horas do dia. Havia
esquecido de fechar as cortinas e com o sono leve acabei acordando bem cedo.
Fiquei por um tempo sentado na beirada da cama, traçando como eu faria
tudo diferente daqui para frente e assim que ouvi a batida na porta saí desse
momento para contemplar o rostinho aparecendo por trás dela.
— Bom dia papai! — Olhei por cima do ombro e sorri sentindo-me um
pouco melhor em saber que alguma coisa boa do meu passado ainda me restou.
— Bom dia, filhão! — respondi chamando-o para mais perto e próximo o
abracei, aspirando seu cheiro familiar, beijando o topo da sua cabeça.
— Hoje vamos jogar bola no parque? — perguntou ao sair dos meus
braços ficando à minha frente, já fazendo carinha de súplica.
— Vamos ver, preciso passar no hospital e resolver algumas coisas, mas
se der tudo certo e se não estiver muito frio, nós vamos sim.
— Legal! — Ri com seu jeito bem moleque de comemorar ao balbuciar:
“Yes!”.
— Sua mãe já acordou? — Pensei muito na forma como abordaria Alina,
mas enquanto eu não falasse com ela e esclarecesse o que Sara me disse não
ficaria em paz.
— Já sim, está na cozinha preparando o café — levantei e passei a mão
no alto da cabeça do menino mexendo em seu cabelo —, pai, aonde você foi
ontem depois que me deixou em casa? A mamãe não me deixou ficar acordado
para te esperar.
— Fui resolver algumas coisas. — Não poderia ficar me explicando para
um menino criativo e intenso de sete anos, isso só daria mais informações para
ele ficar pensando e o que menos quero é que ele fique sabendo que eu e sua
professora já fomos casados.
Escutei a voz de Alina ao fundo chamando por Túlio e assim que ele
respondeu ao chamado, saindo e me deixando sozinho, fui me trocar. Hoje o dia
seria calmo e não estava programado nada além de visitar meus pacientes no
hospital.
Vesti casualmente com calça jeans, uma camiseta de mangas longas e
calcei um par de tênis. Ao descer as escadas, me deparei com Alina indo em
direção à sala sozinha, segurando uma xícara de chá.
— Bom dia! Quero falar com você — ela fingiu que não me ouviu e
continuou seu percurso até o sofá na frente da televisão.
Parado, fiquei observando-a me ignorar e não me dei por satisfeito.
Nunca a iludi com uma vida de família feliz e sua atitude me deixava mais
tendencioso a acreditar no que Sara havia me falado sobre esconder o
telefonema de meu irmão.
— Vai fazer esse jogo de chateada? — Parei no batente do arco, bem na
entrada da sala, logo atrás do sofá em que ela estava.
— Não quero falar com você Ramon, vai atrás da sua ciganinha — me
respondeu sem se virar. — Ou você acha que não sei que foi atrás dela ontem
depois que trouxe Túlio?
Não me justificaria e muito menos daria satisfações sobre o que fui fazer.
— Alina, se eu fui ou não atrás de Sara não cabe a você, mas se quer
saber eu fui sim, precisava saber como estava minha família.
— A família que te baniu?! — retrucou maldosamente.
Alina sempre agia dessa forma. Era do tipo que desenterrava o passado
de qualquer pessoa para jogar na pior hora.
— Já lhe disse que cabe a mim julgá-los e não a você. Melhor, na
verdade, você os julgou e simplesmente se achou no direito de esconder a morte
de meu pai.
Não precisou a mãe do meu filho confirmar, seu olhar de consternação já
a entregou.
— Acha que não sei que meu irmão ligou para informar que meu pai
estava morrendo e você não fez nada e muito menos me avisou? — disparei,
mostrando que eu sabia sobre o telefonema.
Alina ficou calada me olhando e no momento suas emoções não me
diziam nada, se ela confessaria ou mesmo negaria, simplesmente não se
manifestou.
— Vai se calar? — perguntei tentando pressioná-la a me falar. Queria
escutar tudo da sua boca o que havia feito.
— Aquela cigana fofoqueira te falou o quê? — A entonação da sua voz
mostrava que realmente houve a ligação. — De certo quis envenená-lo contra
mim.
Não falei nada e acompanhei com o olhar seus movimentos ao levantar e
vir até mim e se jogar, me abraçando, me deixando sem atitudes.
— Me perdoa, não pensei que você quisesse saber depois do que fizeram
com você! Seu pai não merecia sua piedade, nem mesmo quando estivesse
morrendo. — Fiquei paralisado escutando os ecos da sua afirmação em meu
ouvido.
Sara estava falando a verdade quando me contou sobre a ligação.
No entanto, o choro dela não me comoveu e forçando-a a me soltar
segurei em seu antebraço e a afastei, empurrando-a para trás.
— Não é você quem deve decidir se eu devo perdoar ou não qualquer um
da minha família. — Dei-lhe as costas frustrado.
Novamente me senti um incapaz e medíocre diante do fato de não ter
visto meu pai pela última vez enquanto me chamava.
— Ramon! — Alina tentou se aproximar e novamente eu a afastei, me
afastando também.
Estava sentindo muita raiva dela e de mim mais ainda por ter permitido
que permanecesse na minha vida.
Eu fui mais covarde ainda, só a deixei ficar pelo simples motivo de ter
meu filho perto, já que eu estava sozinho, mas foi um dos maiores erros e o
remorso agora me corroía, intensificando a dor que eu sentia por não ter dito um
adeus ao meu pai mesmo que ele tenha me banido da vida deles.
— Alina, não quero ouvir sua voz! Você não tinha direito! Meu pai
morreu! — falei mais alto que o normal, passando as mãos pelo rosto e
esfregando-o.
Respirei fundo e fui para perto dela, queria chacoalhá-la. Estava sentindo
muita raiva e só me controlei, pois Túlio me chamou.
— Pai! Por que estão discutindo de novo? — Parei quando notei que
seria bem pior se continuássemos a brigar na frente do menino.
Alina passou dos limites achando que poderia se intrometer em assuntos
dos quais não lhe dizia respeito e em vez de mostrar arrependimento, como
mostrou a pouco, sua postura mudou.
— Vai Ramon, continue, o que faria? — Eu parei ficando a menos de um
metro dela e pelo visto ela não se preocupou que nosso filho estivesse presente,
me instigando.
Respirei fundo procurando um ponto de equilíbrio, ainda mais agora com
a presença de Túlio ali.
— Vocês dois poderiam parar de discutir sempre — o menino disse
chorando e saiu correndo, nos deixando ali na sala olhando para o local que ele
estava e antes que eu tomasse uma atitude Alina foi atrás dele.
Sem saber o que fazer, peguei as chaves do carro em cima do aparador e
fui espairecer.
Ainda era cedo e talvez ir para o hospital me ajudasse a refrescar a
mente.
A discussão com Alina ainda não teve um fim, precisávamos pontuar
umas coisas e confesso que minha vontade mesmo era de ver Sara, de estar com
ela e me sentir mais perto do que realmente eu era.
Anos me lamentei e anos descobri que eu sentia falta, não só dela, mas de
tudo e todos.
Capítulo 32

Não dormi, não fechei os olhos sequer um minuto essa noite. Revirei na
cama confusa e com toda minha vida virando uma nova bagunça. Logo quando
tudo parecia estar seguindo o fluxo normal novamente. Pensei em tantas coisas,
em Ramon, na nossa vida e tudo como estava.
Por que ele tinha que reaparecer assim?
Só para bagunçar tudo de novo.
Nutri raiva, um sentimento do qual me corroeu por anos e até hoje, por
mais que dissesse que não, eu ainda sentia muito rancor por ter sido deixada e
traída, mesmo que foi antes de mim. Ramon acabou com a minha vida, e mesmo
tudo o que deixou para trás não foi o suficiente para eu conseguir tirar essa
mágoa, porém o que vi ontem dele me fez sentir pena, mudando como eu o via,
quando lhe contei sobre seu pai.
Todos nós sofremos e pude ver em seus olhos o quanto a notícia o deixou
abalado. Nunca o vi chorar antes. Com certeza foi difícil para ele. E não seria eu
a julgá-lo mais.
— Bom dia, Sara! — estava saindo do quarto quando disse meu nome.
A única pessoa que me restou de tudo isso estava ali, me dando forças
para continuar.
— Parece que teve gente que madrugou.
— Sim, não dormi bem. — Me aproximei e beijei a lateral do seu rosto.
— Percebi que saiu ontem. — Tentei sorrir e disfarçar meu
constrangimento, esperei que dormisse para poder encontrar com Ramon e talvez
essa atitude de ter sido escondido tivesse denunciado o meu desconforto.
— Me desculpe, mas fiquei um pouco ao ar livre — menti, me sentindo
péssima por fazer isso, mas não poderia simplesmente dizer que fui conversar
com meu ex-marido.
— Sem problemas Sara. Só achei estranho, nunca sai, nem mesmo mais
cedo.
— Fiquei na entrada, sentada no balanço, pensando — completava a
mentira como se fosse a verdade mais concreta.
— Vamos tomar café. — Sorri e confirmei com a cabeça, segurando em
seu braço descemos a escada nos apoiando mutuamente.
— Não se esqueça que temos médico na próxima semana — mudei o
assunto e na cozinha coloquei a mesa. Ajudei com o café pensando ainda em tudo
que estava acontecendo. O aparecimento repentino de Ramon e dentre todas as
coisas não saia da minha cabeça.
Por mais que eu buscava por motivos para odiá-lo eu ainda me peguei
gostando da forma como havia dito que me amava, pois eu o amava assim. Nunca
deixei de amá-lo, porém me sucumbi à raiva por anos e me apeguei ao nosso
tradicionalismo para justificar minha dor.
— Sara! — Olhei por cima do ombro em direção à mesa, estava
terminando de coar o café quando me chamou. — Sinto saudades do
acampamento, será que há uma possibilidade de irmos para o dia de Sarah Kalí
ano que vem?
— Podemos ver, vejo se consigo uma folga e vamos sim. — Nossa vida
era assim hoje, com planejamentos e talvez fosse revigorante voltar ao nosso
povo, eu mesma os repeli por tanto tempo, mas nesses sete anos eles foram
minha família e um consolo quando me sentia péssima.
Neles tive uma nova oportunidade de seguir em frente e jamais poderia
negá-los, além de que, sentia saudades de todos, dos dias festejados e da alegria
contagiante.
Após o café me preparei para ir dar a aula e me encher dos meus alunos
que tanto amava, a felicidade deles era a minha e como um refúgio eu os tinha
como alimento para minha alma.
Talvez Ramon entendesse que nossas vidas eram outras e pela forma
como me deixou ontem não voltasse a aparecer, porém não foi ele quem me
seguiu desta vez, e sim uma mulher. Não sei como, mas achei estranho o fato de
uma desconhecida chamar meu nome quando estava indo embora.
Não conhecia ninguém por ali, a não ser a mãe de um dos meus alunos
que era minha vizinha da casa da frente.
— Boa tarde, Sara! — A loira bonita de olhos bem claros, quase de um
azul safira, me chamou novamente e me cumprimentou quando parei próximo da
minha casa, apenas alguns quarteirões.
— Boa tarde! — respondi achando estranho, algo me dizia que eu a
conhecia.
— Nos vimos uma única vez, em uma farmácia e você estava
acompanhada do meu marido. — Franzi o cenho sem entender de onde ela tirou
isso, já que eu não a conhecia.
— Creio que a senhora esteja me confundindo — a confrontei
educadamente.
— Me conhece sim, sou a esposa do Ramon. — Não tive reação.
Como assim esposa?
Ramon não disse que havia se casado e pelo que sei das mães
fofoqueiras, diziam que ele e a mãe do Túlio viviam uma fachada por causa do
menino.
O melhor seria continuar fingindo que não a conhecia e tentar sair dali o
mais rápido possível.
— Você é a ciganinha — sua fala desdenhosa mexeu com algo que
ultimamente, ou melhor, há muito tempo não me afetava. — Você é Sara e por
coincidência a professora do nosso filho. Que mundinho pequeno, tinha que
aparecer logo agora para atormentar nossa vida.
Antes que eu pudesse argumentar e continuar afirmando que eu não a
conhecia, ela começou a me alfinetar e isso fez com que meu sangue cigano
falasse mais alto.
— Pelo contrário, mal me lembro de vocês e por acaso sou sim a
professora do filho de vocês, e qual o problema disso? — Segurei firme as
pastas junto ao meu peito, me controlando para não demonstrar que estava me
afetando.
— Todo problema do mundo. Ele já não disse que não quer nada da
família? Vocês o abandonaram, principalmente você, a adorada Sara. Agora que
ele estava feliz com a família dele, você aparece para fazer intrigas e destruir
minha família — a mulher à minha frente, Alina, o nome do qual eu nunca me
esqueci, começou a aumentar o tom de voz, chamando a atenção de quem
passava, enquanto eu tentava manter a calma, evitando que virássemos uma
atração.
— Me desculpe, mas eu não sei do que está falando.
— É sonsa demais — Alina começou a me atacar verbalmente. —
Fofocou para ele sobre terem ligado quando o pai estava morrendo.
Ramon deve ter lhe confrontado depois que contei sobre a omissão dela.
— Você o procurou para destruir o que ele tem de melhor: a família, eu e
Túlio e, pode ter certeza, Sara, que não vou permitir que se coloque no meio da
minha família.
Respirei fundo para não partir para cima dela, há muito não perdia a
paciência e a maneira como falava, me julgando e acusando, não me deixava
escolhas muito racionais.
Projetei em minha mente na mesma hora eu agarrando-a pelo cabelo e a
derrubando, se fosse entre nosso povo eu faria sem pensar, mas não estávamos e
tomar uma atitude por impulso me colocaria em problemas, tanto em casa quanto
na escola e hoje eu estava vivendo um sonho, não deixaria Alina atrapalhar
minha vida mais uma vez.
— Fique tranquila Alina, creio que Ramon não vá mais me procurar, até
porque eu tenho uma família a zelar e deixei bem claro isso a ele. — Notei seu
olhar pousando sobre minha aliança no anelar da mão esquerda. — Agora, se
não for demais, me dê licença, eu preciso ir. — Passei esbarrando
propositadamente meu ombro no dela e sem esperar para receber sua resposta
segui sem olhar para trás.
Que ódio!
Se não bastasse Ramon aparecer na minha casa, agora isso?
Ter que aguentar sua esposa — sei lá se era mesmo.
Mas não me importava, ele poderia ficar com sua nova família, já tinha
problemas demais para trazer de volta um passado complicado.
Quando cheguei em casa não me contive ao deixar os materiais sobre a
mesa e sair sem falar ou explicar aonde ia. Eu precisava falar com ele, mas
como se nem ao menos eu sabia onde trabalhava? Já estava na esquina de casa
quando pensei bem e vi que eu estava agindo como uma doida por sair assim.
A única forma de conseguir o telefone ou alguma informação sobre ele
era ligar na escola e conseguir as informações na ficha de Túlio; eu precisava
deixar claro a ele que não o queria mais interferindo na minha vida e para se
afastar porque eu não aguentaria mais ser interceptada por Alina na rua e ser
acusada de coisas das quais eu não tinha culpa e muito menos faria.
Retornei para casa ainda pensativa e inconformada com o que acabou de
acontecer.
— Está bem, Sara? — Não percebi ao fechar a porta que já estavam me
esperando e tentei parecer tranquila. O problema é que mais uma vez eu estaria
mentindo para não contar o que realmente estava acontecendo.
— Está sim, achei que tinha perdido o estojo com as canetas — dei a
desculpa mais deslavada que consegui pensar momentaneamente.
— Você está trabalhando muito, precisava descansar, meu amor. —
Tentei não pensar em nada e simplesmente ganhar um abraço seu para me
consolar.
— Obrigada por estar aqui comigo. — Fiquei envolvida no meio dos
seus braços sendo confortada.
Esses últimos dias a minha vida foi completamente virada de cabeça para
baixo com a presença de Ramon.
Desde o dia que o vi na escola não deixei de pensar e reviver os
momentos dos maravilhosos meses que vivemos no acampamento, da forma
como nos casamos e do jeito que me paparicava, mas também de como tudo
aconteceu.
Eu o amava com todas as minhas forças e eu não vivi, eu sobrevivi por
causa da minha família que fez de tudo para que eu me mantivesse viva.
Ele não tinha esse direito de chegar e bagunçar tudo de novo.
Precisávamos sair daqui o mais rápido possível, indo para bem longe. Eu
encontraria outra escola para dar aula e outros médicos para o tratamento. Só
queria ter paz para prosseguir com minhas escolhas.
— Me diga o que está acontecendo. Somos uma família minha menina
linda. — Senti o afago tanto na sua voz quanto os gestos em meus cabelos.
— Não é nada que não posso lidar... — respondi e continuei entre seus
braços.
— Sempre estarei ao seu lado, como está ao meu. Eu a amo muito.
— Eu também te amo muito. Estaremos até o fim.
— Só não chore. Não gosto de vê-la assim.
— Não estou chorando — me justifiquei, dizendo a verdade.
Não que eu não estivesse me segurando, no entanto, eu precisava ser forte
e não deixar mais que o passado me abalasse tanto assim.
— Eu sei, mas está triste.
— Estou cansada, só.
— Precisa descansar um pouco mais.
— Obrigada! — Selei a lateral do seu rosto e me afastei, indo na direção
da pia.
— Fiz chá de jasmim. Sei que é seu preferido.
Era disso que eu precisava; de dias tranquilos de sol, e não de
tempestades como Ramon.
Capítulo 33

Passei o dia me ocupando de coisas para não pensar no que estava


acontecendo e por isso resolvi não voltar para casa tão cedo, mesmo não sendo
meu dia de plantão eu atendi como voluntário no pronto atendimento popular e as
horas que estive cuidado de doentes me fez esquecer a loucura que estava minha
vida.
Desejei tanto que um dia eu pudesse rever Sara, mas não desse jeito e
nessas condições. Decidi que nunca mais me colocaria contra as decisões do
destino e o deixaria se incumbir de tudo, e se ele quis que fosse desta forma,
assim seria. Não me intrometeria e muito menos tentaria me aproximar de Sara,
se essa não fosse sua vontade. Indo contra meu maior desejo de tê-la novamente.
Se agisse conforme os meus sentimentos, estaria neste momento à frente
da casa de Sara e não saíria de lá enquanto não me perdoasse, porém se minha
punição foi sete anos sem vê-la e passar o resto da vida assistindo sua felicidade
de longe eu aceitaria, como aceitei antes.
Em relação à Alina eu tomaria uma outra atitude, mas só comunicaria
minha saída de casa assim que eu conseguisse ajustar tudo, sei que prometi
termos uma família unida para o crescimento do meu filho, mas fui tolo ao pensar
que poderia fazer dar certo, sermos amigos, pois pelo visto só eu estava com
esse pensamento. A mãe do meu filho resolveu que deveria se intrometer no meu
julgo, passando por cima e escondendo coisas de mim.
Alina não tinha o direito de me esconder por anos aquele telefonema.
Resolvi deixá-la com aquela casa e me mudaria para outro lugar. Só não
entraria mais em um embate verbal na frente do menino. Eu e Túlio sempre
teríamos esse vinculo de pai e filho, não seria ela que nos distanciaria e mudaria
isso.
Estacionei o carro e vi que nada seria fácil quando entrei em casa e a
encontrei no pé da escada sentada no último degrau olhando diretamente para
mim, sei que se a ignorasse seria pior e foi só o tempo de fechar a porta e me
encostar nela cruzando os braços para o embate começar.
— Hoje era seu dia de folga, tinha que ter ido pegar Túlio na escola —
disparou, me cobrando.
— Pegasse você, você é a mãe dele, não tenho que me desdobrar para
fazer algo sendo que está em casa — respondi acidamente.
— Falei com sua ciganinha. — Alina enfatizava a “ciganinha” com
desdém como se fosse uma doença e isso sempre me incomodou.
— Primeiro, cadê Túlio?
— Está brincando na casa vizinha. Estava te esperando para
conversarmos sem ele presenciar.
— Ao menos agora está sendo sensata. Procurou Sara? — Tentei manter
a compostura e fiquei ainda com os braços cruzado na altura do peito.
— Sim. Como sabe?
— Imaginei que fosse fazer isso quando buscasse Túlio na escola. O que
disse para ela?
— Mandei se afastar de nós, de você.
— Alina, você não é nada minha, então pare de querer me controlar! Se
eu quiser ver Sara, eu vou ver quantas vezes eu quiser.
— Somos uma família Ramon e ela veio para atrapalhar nossa vida! —
Ela levantou, colocando as mãos na cintura.
— Você não tem o direito, assim como não teve de decidir se eu queria
ver meu pai. Ao contrário do que pensa, eu consigo ver e perdoar o que ele fez,
mas para você só importa ódio, mágoa e rancor. Você não consegue compreender
a dimensão do que fez, não é? Perdi a oportunidade de pedir perdão ao meu pai e
eu não te perdoo por isso!
— O santo fala em perdão e agora me condena dizendo que não vai me
perdoar — seu tom era debochado e, sem saída, me mantive no lugar quando ela
se levantou vindo até mim.
— É o meu direito e vou deixar claro que não quero você procurando
Sara mais. A deixe em paz! Você e eu já a fizemos sofrer muito.
— Eu? — fingiu estar surpresa ou era uma insinuação do quanto era
sarcástica. — Não tenho nada a ver se você me engravidou. Ou agora fiz um
filho sozinha?
— Sara sempre foi a vítima de tudo aqui.
Tentei mostrar quem foi a mais prejudicada com nossas decisões e com
certeza Sara foi muito machucada em toda essa situação. Como ela mesmo me
disse: Eu devo paz a ela.
— Aquela cigana nojenta estragou ao nascer — sua raiva transcendeu e
começou a falar alto.
— Não a chame assim! — a repreendi.
— Chamo do jeito que eu quiser e você não vai me impedir! Eu sei onde
está morando e pode ter certeza que farei da vida dela um inferno. Ela tem tanta
culpa quando qualquer um de nós. Você não me quis antes, não quis depois,
nesses anos sempre me rejeitando e eu estive aqui e não permitirei que Sara
estrague a minha família.
Segurei seus pulsos no exato momento que avançou para cima de mim,
tentando desferir socos em meu peito. A empurrei saindo de perto, pelo visto eu
não teria paz alguma e eu não queria entrar em um embate, até porque eu já havia
me decidido.
Deixando-a sozinha aos berros e lhe dei as costas saindo de casa de
novo. O clima estava ficando insustentável; nunca prometi a Alina que seríamos
marido e mulher, eu deixei bem claro desde o começo, o que não queria era ela
falando de Sara, que não tinha nada com o que decidimos.
Entrei no carro e quebrei a promessa que havia feito mais cedo e dirigi
até a casa do amor da minha vida. Precisava não só me explicar, mas dizer que
não sabia que Alina havia falado com ela. Assim que estacionei a vi e não seria
preciso tocar a campainha. Sara estava em uma cadeira de balanço bem à frente
da sua casa. Quando me viu levantou e veio na minha direção.
— Já falei para não vir mais aqui — me repreendeu antes mesmo de
alcança a calçada.
— Sara, por favor, ontem eu fiquei sem chão. Preciso falar com você. Sei
que Alina veio te procurar também. — Sara parou a menos de um metro e ficou
com o olhar fixo em mim.
— Será que é demais para você entender que quero distância de você, da
sua esposa? E por favor, vai embora, não quero que te vejam aqui. — Sua voz
era decidida e o que eu via na minha frente não era mais a mesma pessoa por
quem me apaixonei perdidamente. Ela havia se tornado alguém que não conhecia
mais. Decidida e fria.
— Por favor, Sara, preciso muito dizer que sinto tanto arrependimento
pela maneira que as coisas aconteceram e só saio depois que me escutar. —
Cruzei os braços e dali não saíria mesmo. Ao menos me escutaria e depois se
ainda continuasse a não querer me ver eu iria embora. Mas eu precisava falar o
quanto estava me doendo não ter despedido de meu pai.
— Já disse que não... — Sem terminar a frase, ela olhou por cima dos
ombros para ver se alguém estava na porta da casa e entendi que eu poderia
complicar as coisas para ela, tudo indicava que Sara havia casado novamente, a
aliança na sua mão era a prova que sim. Talvez minha presença pudesse
complicar as coisas. Até porque poderia ser alguém conhecido.
— Por favor, eu vou te deixar em paz, mas precisamos nos falar, eu sei
que fiz esse mesmo tipo de promessa ontem, mas Sara eu não vou te forçar a
nada, só quero saber mais coisas e, por favor, é só o que te peço. Me escuta!
Ficamos em silêncio e sem falar nada Sara passou por mim e foi na
direção do meu carro entrando e sentando, imediatamente corri e entrei junto
dela e ainda sem nos falar saí dali e procurei por alguma rua menos
movimentada para conversarmos melhor.
— Sara, eu não parei de pensar um momento sequer sobre o que me disse
ontem. E hoje de manhã perguntei à Alina por que não me contou sobre terem
ligado antes. Nada justifica o que ela fez, mas eu não sabia. Jamais seria
orgulhoso a ponto de não me despedir do meu pai — disse assim que desliguei o
carro e sentei com as costas na porta, ficando de frente.
Indecifrável, Sara mantinha-se séria e preferi esperar que se manifestasse
primeiro.
— Eu não tenho raiva de ninguém, ao contrário, sempre entendi que eu
estava pagando um preço por minha desobediência com a tradição e por ter
saído do caminho do meu destino. Você não faz ideia do quanto te amei e ainda a
amo. Desde o dia que te vi olhando as estrelas, antes mesmo de você fugir e eu ir
atrás, eu não sabia nem seu nome e a quis com todas as minhas forças. Jurei hoje,
a mim mesmo, que não viria atrás para te atrapalhar.
— Ramon... — Espalmei, pedindo para parar de falar, eu precisava falar
tudo sem que me interrompesse.
— Vou terminar primeiro. — Joguei um pouco o corpo para frente e
segurei seu rosto entre minhas mãos, trazendo-a para mais perto. Ao estar tão
perto encostei minha testa na sua e olhei fixo em seus olhos. — Eu a amo muito,
Sara, e jamais te farei sofrer como fiz um dia. Fiquei com muita raiva de Alina
quando fiquei sabendo que ela veio atrás de você, quase fiz uma loucura. — Sara
não se moveu e aproveitei o primeiro contato mais próximo que tivemos depois
de tantos anos longe, e achei que não precisava dizer mais nada, só senti-la.
Eu a amava e precisava desses pequenos momentos.
— Eu preciso ir embora. Acho que não devemos ficar lembrando mais do
que passou, você tem sua família e eu a minha, não quero estragar sua vida e nem
tenho esse intuito. — Fechei os olhos escutando atentamente Sara se afastar da
minha vida.
— Eu vou sair de casa assim que achar outro lugar para ficar. Nunca me
casei e com Alina apenas moramos na mesma casa por causa do meu filho. Não
teve outra mulher depois de você. Se não a ter é minha punição, então que eu
fique sozinho até os últimos dias da minha vida. Pagarei o preço por ter traído
nosso destino — disse o que sentia.
Sem ser rude, Sara se afastou de mim segurando minhas mãos e tirando-
as do seu rosto. E por impulso ao ver seus lábios entreaberto não me contive e
encostei os meus.
— Não Ramon! Por favor! — Sara balançou a cabeça negando e se
afastando. — Não faça isso, eu não posso. — A respeitei e me afastei dela
sentando direito.
Jamais poderia cobrar ou exigir algo dela.
— Tudo bem, vou te levar de volta. Só peço que não se deixe levar pelo
que Alina te falou, eu sinto muito por meu pai, de todo meu coração, eu queria
muito ter ido quando ele estava morrendo, jamais negaria vê-lo. E não vou te
pressionar mais, se não quiser falar como estão o restante e minha mãe vou
entender.
— Infelizmente, ninguém quer vê-lo mais. Seus irmãos ficaram
revoltados e a única que sofre até hoje é Constância, mas ela está bem — me
respondeu com tristeza.
— É o preço que pago, Sara. Sou consciente que tudo foi por minha
causa e minha punição é viver sem ter os que amo à minha volta. Só tenho Túlio
e depois de sete anos vê-la me fez respirar e ter esperança, mas entendo que
nada é como era, você deve ter casado e provavelmente tem filhos. — Sorri
frustrado. — Falar isso na sua presença e em voz alta me causa mais dor do que
possa imaginar.
Liguei o carro sem olhar para ela ao meu lado, confessar tudo e me abrir
não havia sido fácil, foi tão doloroso quando partir sem ela.
Não demorou e eu estava estacionando o carro à frente da sua casa e
quando olhei para a entrada não acreditei no que via e assustada Sara saiu
apressadamente, como se tentasse me afastar, mas não me contive ao vê-la com
os cabelos enrolados em um coque segurando no pilar de sustentação da sacada
que rodeava a entrada.
Praticamente para entrar rápido Sara disparou antes e eu a segui
cegamente sem pensar nas consequências.
— Sara! — quando ouvi sua voz chamá-la estava bem próximo das duas,
atrás de Sara, e não consegui ter reação alguma, minhas pernas bambearam e
sorri sentindo meus olhos arderem.
— Estou aqui. — Observei quando gentilmente Sara segurou o braço da
mulher e tocou em seu rosto acariciando-a. — Já cheguei, vamos entrar, você não
pode pegar este vento.
Fique atônito ao constatar que minha mãe não havia me visto ali, como se
eu fosse um fantasma. Ela havia enterrando não só seu marido, mas matou seu
filho vivo para sua vida.
Sara a levou para dentro, me deixando do lado fora completamente
confuso.
Ela havia dito que a única pessoa a sentir minha falta havia sido minha
mãe.
Quando retornou eu ainda estava parado no mesmo lugar.
— Você ainda está aqui? — Sara me perguntou, parando a minha frente,
cruzando os braços na altura do peito.
— Sou um miserável, olha o que fiz — disse mais alto não me
importando com mais nada.
Que se foda se Sara estivesse casada e seu marido me ouvisse de lá de
dentro.
Jamais pensei que minha mãe me ignoraria dessa forma, como se eu não
existisse.
— Você está ficando louco? Olha só o que está falando! — Sara rebateu.
— Jamais vai entender o que sinto, sei que sofreu e eu mesmo não me
perdoo por isso, mas minha mãe não me reconhecer... — lamentei.
Meu peito parecia que iria explodir de dor e solidão pelo desprezo.
Inesperadamente, não percebi que estava chorando quando Sara se
aproximou e me abraçou.
— Para de falar besteira, Ramon, sua mãe ficou cega, ela não o viu.
Como um médico não consegue perceber que uma pessoa é deficiente visual? —
Suspirei aliviado.
Como um menino carente a apertei em meus braços, apoiando meu queixo
em seu ombro. Jamais passou pela minha cabeça que minha mãe não me enxergou
por estar cega.
Afastei de Sara e respirei fundo. Compreendendo tantas coisas.
— Não queria que a visse. Não quero que ela sofra tudo de novo.
— Eu jamais cometeria os mesmos erros de antes.
— Não faz ideia do quanto sofreram por sua causa.
— Me perdoa, Sara. Nunca quis que sofresse. Nenhum de vocês. Sei que
deve estar casada e se me verem aqui vai lhe causar problemas, mas me deixa
ver minha mãe. Juro que não vou causar nenhum problema. Sei que não posso,
que estaria novamente quebrando as leis do nosso povo, mas eu necessito. —
Sara me encarou pensativa.
— Não sei se seria uma boa Ramon, muitas coisas aconteceram e sua
mãe não está bem de saúde, por isso estamos aqui na Capital, a trouxe para ter
um melhor tratamento. Constância foi a que mais sofreu calada quando você se
foi. Talvez fosse melhor ela não o ver para depois não sofrer mais com sua
ausência, os anos deixaram as saudades, mas curou a falta da presença física. —
Eu a entendi por adotar uma postura protetiva.
Eu sofri também por não os ter mais.
— Ramon! — Olhei para o lado e vi minha mãe na porta olhando para o
lado oposto do qual eu estava. — É você, meu filho? Eu ouvi sua voz, você nos
achou? — Ela fazia perguntas em sequência e como a emoção tomou seu ápice
em mim eu a olhei e sorri, sem conseguir responder seu chamado.
Respirei fundo sentindo o ar me faltar e virei para Sara, buscando sua
aprovação para falar, não poderia passar por cima do que decidisse, afinal, ela
quem estava ali por minha família, ou melhor, por minha mãe. E senti um dos
pesos sair de mim quando assentiu emocionada, com as lágrimas escorrendo por
seu rosto.
A deixei e fui em direção à porta da casa e ainda sem falar nada segurei a
mão de minha mãe e beijei.
— Sou eu sim, mãe! — Sem olhar na minha direção vi o sorriso brotar
em seus lábios e as rugas nos cantos dos olhos se acentuarem.
— Meu menino! — Tateando, procurou meu rosto e o segurou entre suas
mãos, acariciando-o. — Não acredito que é você, sua voz ainda é tão viva em
mim.
Capítulo 34

Quando Ramon reapareceu na porta eu queria muito xingá-lo e ameaçá-


lo, para que nunca mais voltasse aqui, mas me deixei levar. Novamente saí em
seu carro e quase cedi quando senti seu toque, mas me mantive firme na minha
decisão. Só não esperava mudá-la ao chegarmos em casa e ver Constância me
procurando do lado de fora. Não tive como esconder mais sobre sua mãe estar
ali. E o conhecendo, sei que não se contentaria em só vê-la de longe. Porém,
pretendia contar primeiro e prepará-la, para depois então deixar que a viesse.
Desde que seu pai estava chamando por ele, deixamos toda a tradição de
lado em nome do amor. Se eu ainda me ressentia com ele e o queria afastado, não
foi por causa da determinação de Miro, e sim porque eu sofria por nunca ter
voltado. Porém o destino estava se cumprindo mais uma vez quando ela o
chamou de cima das escadas.
Achei que nunca veria essa cena e custava acreditar que mais uma vez
Nazira esteve certa no que dizia.
Constância não estava muito bem de saúde. Ela sofria de insuficiência
cardíaca, diabetes e estava cega há cinco anos. Não poderia expô-la a emoções
mais fortes e por sorte Ramon não fez nenhum escândalo, me esperando voltar
depois que acomodei sua mãe dentro de casa. Só não estava preparada para a
teimosia dela — tal mãe, tal filho — ao voltar e perguntar se o filho estava ali.
Ela o escutou e não poderia mais impedir o inevitável, deixando minha
emoção falar mais alto. Um dia foi escrito sobre esse encontro e não poderia
simplesmente ignorá-lo. Só queria fazer a meu modo, mas nem tudo acontece
como queremos, e sim como deve ser.
O reencontro de mãe e filho mexeu comigo e não pude negar o quanto me
emocionei ao vê-los ali parado, ele olhando para ela e ela chamando pelo seu
nome.
Jamais impediria, mas pedi a Ramon que fosse com calma e expliquei o
porquê de ela não o ver, aliviando a dor que vi em seus olhos quando achou que
ainda era rejeitado por sua família.
O momento foi intenso e não consegui controlar mais as lágrimas que
molhavam todo meu rosto. Parte de mim estava feliz por Constância sorrir
tocando o rosto do filho perdido.
Sei que sofri muito sem tê-lo, mas jamais quis o seu mal, eu até iria
embora com ele se meu sogro em seu momento de decepção não proibisse, mas
não estava em um bom momento, meu coração doía tentando entender tudo.
Nunca me ressenti por coisas que aconteceram antes. Assim como ele eu quis o
mundo, que estava pronta para abdicar meu sangue, minha maior mágoa foi ele
aceitar a imposição do destino como uma punição e não ter voltado para me
buscar.
Constância sorriu contente quando Ramon a abraçou. Conseguia sentir
sua felicidade de onde estava, o que me trazia um conforto e paz em meu
coração. Sei que seus outros filhos me criticariam por permitir que o caçula se
aproximasse.
Mas como lutar contra a força desse amor infinito?
Tudo fez sentido... Vir para Capital a princípio era para cuidar melhor da
saúde dela, e dar aula para o filho do Ramon foi apenas a obra do destino se
cumprindo.
Entendi que tinha que estar aqui e ser desta forma.
— Meu menino, como pedi à Sarah Kalí para que ela me deixasse ao
menos mais uma vez escutar sua voz. — Constância tocou com os lábios na testa
de Ramon.
— Mãe, eu sinto tanto, como queria que tudo tivesse sido diferente.
— Sarinha, nosso Ramon está de volta — ela disse entusiasmada quando
mencionou nosso, como se eu ainda o estivesse esperando também.
Pois é... Lá no meu mais íntimo eu o esperaria para sempre.
— Sim, minha sogra. Seu filho está aí na sua frente. — Mantive meu
olhar preso no de Ramon como se ele buscasse respostas de mim.
— Ramon, meu adorado filho. — Constância distribuía beijos por toda a
face dele.
Quando saímos do acampamento para vir para a Capital, Nazira me
chamou e naquele momento não acreditei e muito menos achei que aconteceria
exatamente como me disse.
“O reencontro está próximo, nada escapa da correnteza, ela te leva no
ponto final de tudo; ele subirá as escadas e será pela voz que entrará e nem
você nem seu coração o proibirá.”
— Obrigado! — Ramon olhou para o lado ainda muito emocionado e
mexeu os lábios me agradecendo.
— Filho, quer tomar um chá? Sara comprou um delicioso bolo ontem. —
Estava tão impactada com o que estava acontecendo que não havia percebido o
que estavam conversando.
— Mãe...
— Sara, você permite que Ramon tome uma xícara de chá comigo? — me
procurando, com seu olhar distante, Constância me perguntou.
Sei que estava agindo com respeito ao me pedir permissão.
— Sim, ele pode — respondi e o encarei.
Sei que a partir desse momento Ramon voltaria para nossas vidas. Mas
não tinha certeza se eu queria, ainda estava presa no passado, na dor que tudo me
causou.
Era sua mãe e eu não poderia mais estar entre eles.
Ramon subiu o outro degrau e ajudou sua mãe a entrar em casa,
segurando-a pelo braço com cuidado.
Fiquei um pouco ainda do lado de fora, precisava respirar e controlar
tudo que estava sentindo. Não poderia chegar lá e deixar que pensasse que tudo
voltaria a ser como antes. Porque não seria assim. Nunca mais!
Minutos depois entrei e fui para a cozinha. Os dois estavam sentados um
de frente para o outro. Ramon segurava a mão dela e levava aos lábios repetidas
vezes.
— Vou servi-los — informei quando entrei e encontrei seu olhar preso no
meu.
Após servi-los, me senti ainda mais confusa e perturbadoramente
desesperada para chorar. Não queria ficar ali, era o momento deles, e não meu.
Talvez o destino devolvesse o filho para a mãe, mas não o marido para a esposa.
Ter Ramon tão perto, não só alimentou o sentimento que tinha por ele,
mas toda a mágoa que senti ao ser rejeitada.
Os deixei à vontade e fui para o meu quarto, ainda precisava olhar os
cadernos de alguns alunos. Voltaria a falar com ele quando estivesse indo
embora. Assim teríamos o mínimo de contato enquanto estivesse aqui. Pois sei
que a partir de hoje ele e ela sempre se veriam. A não ser que eu fosse embora
sozinha.
Retornei para a cozinha, estava no horário dos medicamentos de
Constância, porém estavam conversando tão animados que não quis interrompê-
los, mas fiquei quieta observando-os até ser notada por ele.
— Constância está na hora da sua medicação e sei que está feliz hoje,
mas já está na hora de se deitar — falei enquanto pegava a caixa de remédios
organizados para dar a ela.
— Só hoje, Sara, poderia me deixar dormir mais tarde — pediu
igualmente a uma criança pedindo para ficar um pouco mais acordada.
— A senhora já teve fortes emoções por hoje, precisa cuidar do seu
coração e descansar — não cedi, mesmo sabendo o quanto estava extasiada com
a presença do filho.
Minha sogra nunca deixou de pensar que um dia reveria seu caçula,
sempre se manteve esperançosa, mesmo quando Miro pedia para não falar o
nome do filho em voz alta, ou quando seu marido faleceu e Ramon não apareceu.
Miro o renegou por seguir o que acreditava, sendo fiel a sua cultura, mas
foi por ele quem chamou dois dias seguidos. Após sua morte, Constância sempre
falava do filho com carinho esperando que um dia voltasse a vê-lo.
Mesmo não sendo mãe eu a entendia...
— Você se tornou uma carrasca. — Sorri com o comentário não levando
em consideração a sua teimosia.
Quando ela ficou cega estava pronta para seguir com minha vida, mas não
consegui deixá-los. Miro e Constância haviam se tornado meus pais e desde
quando tudo aconteceu eles estiveram lá por mim, sem deixar de demonstrar o
quando me amavam. Não conseguiria partir e saber que eram eles que
precisavam de mim naquele momento. Por isso fiquei e me anulei como mulher.
Fiz a escolha de estar ao lado deles enquanto vivessem, compreendendo que nem
todos seguem a vida depois de uma grande desilusão. Alguns procuram amar
novamente, mas eu preferi me dedicar a ensinar e como missão por um tempo
estar lá na velhice de Miro e Constância.
Poderia sim ter dado uma nova oportunidade para outra pessoa, mas só
faria isso quando eles já não estivessem mais aqui. Até porque meu coração
ainda pertencia ao filho deles e se fosse para estar com outro alguém; que eu o
amasse como amei Ramon.
— Está fazendo manha — comentei.
— Dona Constância não pode abusar, tem que obedecer à Sara e se ela
me permitir, virei vê-la amanhã assim que sair do hospital.
Assenti, concordando com seu pedido.
— Você deixa, Sara?
— Claro! — respondi.
Não teria mais como fazer objeções. Meu maior medo quando o
reencontrei foi de ele descobrir sobre sua mãe. Temi por causa da sua saúde
fragilizada, tive medo que ela não conseguisse aguentar fortes emoções, mas
agora não teria mais nenhuma desculpa para impedir que mãe e filho se vissem.
Jamais negaria à Constância o direito de ter seu filho perto dela.
— Vou ver se trago Túlio para a senhora conhecer. Ele vai adorar saber
que tem uma avó. Sara já o conhece. Ela é a professora dele. Foi assim que o
destino as colocou de novo na minha vida — Ramon disse para sua mãe, porém
me encarava a cada palavra que saia da sua boca.
— Vou adorar conhecer meu neto, mas meu filho, meu Ramon, hoje posso
encontrar com seu pai em paz, pois eu escutei sua voz de novo. Era tudo que
mais queria nesta vida. Poder sentir seu toque.
— Não diga uma coisa dessas. Não pode me deixar aqui sozinha —
argumentei preocupada.
Eu só a tinha nesse mundo. Sei que um dia eu teria que lidar com sua
partida, mas não estava preparada ainda.
Constância não era só minha sogra, ela foi uma mãe, uma amiga e minha
companheira.
— Você o tem de novo.
— Pare de falar bobeiras — a repreendi, mudando de assunto antes que
ela dissesse o quanto queria que eu e seu filho ainda ficássemos juntos. — Agora
tome seus remédios. — Evitei olhar na direção de Ramon quieto observando nós
duas.
— Ainda vamos ter uma longa conversa, minha menina — ela disse após
ingerir a medicação, sorrindo para mim, como se a presença de Ramon fosse
voltar no tempo e ser como era antes.
— Depois — respondi que sim para encerrarmos o assunto —, mas
vamos dormir, precisa descansar e Ramon vai vir vê-la amanhã, então precisa
estar muito bem.
— Ela é uma carrasca meu filho, mas é a filha que não tive. Sua esposa é
uma mulher incrível — Constância disse quando se despediu de Ramon.
A levei para o quarto e ajudei se preparar para dormir. Quando retornei à
cozinha, Ramon ainda estava lá.
— Achei que tivesse ido embora — falei assim que entrei no cômodo.
— Ela dormiu? — Virou-se e ficou me olhando, ainda sentado onde
esteve boa parte da noite.
— Sim. Ramon...
— Sara, obrigado. Não sei como agradecer e muito menos expressar o
que estou sentindo. Jamais imaginei que você estaria cuidando da minha mãe.
Pensei que estivesse casada, com filhos.
— Foi ela quem cuidou de mim quando você foi embora. Foi seu pai que
permitiu e garantiu que eu realizasse meus sonhos. Não poderia abandoná-los.
Foram eles que estiveram lá. Existem amores e prioridades — me emocionei ao
falar um pouco do passado.
— Se eu tivesse recebido o recado ou atendido a ligação eu teria deixado
tudo para trás e voltado.
— É, eu sei... — Fui para perto da cozinha tentando lidar com minha
emoção, com esse desejo de gritar, de chorar e desabafar tudo. Mas éramos dois
estranhos hoje.
— Acho que pode ir embora, Ramon.
— Sim. — Ele levantou e eu o acompanhei até a saída, mas ele parou no
meio da escada e olhou para trás enquanto eu aguardava para fechar a porta.
— É verdade, Sara? — ele virou e me questionou.
— O quê?
— Que sofreu outro aborto depois que fui embora?
Não consegui respondê-lo, fiquei travada sem saber o que fazer.
Constância não tinha esse direito de contar para ele que eu estava grávida
quando foi banido.
Dois meses depois fui surpreendida com enjoos e excesso de sono. De
tanto minha sogra insistir, fui consultar e descobrimos que estava grávida, mas
era uma gestação sem embrião. Logo sofri outro aborto. A própria médica não
conseguia acreditar, pois era mais difícil que eu engravidasse em tão pouco
tempo.
Foi outro período muito difícil.
Nada havia restado de nós dois. Nem mesmo o novo bebê.
Como não respondi, Ramon retornou, parando perto de mim.
— Eu sinto muito. — Ele tentou me tocar, mas afastei sua mão batendo
nela.
— Me poupe Ramon, aconteceu e sobrevivi. Agora poderia não me
tocar? — Me afastei e o encarei. Procurando olhar para ele e fazer com que toda
essa dor fosse embora.
Parte de mim estava feliz por eles, mas a outra ainda estava sangrando e
completamente perdida.
— Sim, Sara. Me perdoa, eu sinto muito! Conversei com minha mãe
sobre tudo que aconteceu e ela me disse que você estava grávida, mas que
acabou sofrendo outro aborto. Eu sinto tanto, eu queria ter tido muitos filhos com
você.
— Mas não teve e vamos deixar para lá — disse interrompendo a
conversa, não queria falar sobre isso. Não queria ficar relembrando de coisas
tristes.
— Calma Sara, eu jamais imaginei que poderia estar grávida. Nem
passou pela minha cabeça que você engravidaria depois de uma gestação
ectópica.
— Não quero mais falar sobre esse assunto. Boa noite! — quis encerrar.
Do que adiantaria falar sobre os fantasmas do passado?
— Sara, ainda temos muitos assuntos inacabados — Ramon insistiu e
encurtou a distância entre nós, vindo para mais perto de mim.
— Por favor! Vá embora. Boa noite! — Fui fechar a porta, mas ele
conseguiu travar colocando o pé.
— Não. Você sabe que ainda não acabou. — Abri a porta, vencida pela
sua insistência.
Talvez fosse melhor resolver tudo de uma vez.
— Você não se casou, ainda somos casados.
— Isso não quer dizer nada. Podemos resolver muito fácil essa
burocracia.
— Você ainda é minha — disse possessivamente ao conseguir me puxar
pela cintura, me pegando desprevenida.
— Não somos mais os mesmo de sete anos atrás.
— Não, mas ainda a amo como antes.
— Eu não quero. Se não casei antes é porque não posso mais ter filhos.
Então, volta para sua casa, para seu filho. Não vou impedir de ver sua mãe, mas
não há mais nada entre nós dois. — Tentei me desvencilhar, mas foi em vão.
— Não diga isso!
— Vá embora... — pedi tentando sair dos seus braços, mas fui
pressionada pelo seu corpo contra o batente da porta enquanto sua boca buscava
a minha possessivamente.
Não o correspondi, virando o rosto.
— Por favor, Sara!
— Você não tem o direito de chegar aqui e achar que é meu dono. —
Ramon respirou fundo e me soltou em seguida, se afastando. — Não é um papel
que define o que você representa na minha vida.
— Você é minha vida.
— Nunca fui. Se realmente eu fosse, teria me levado com você. Teria
dado um jeito de voltar e me tirar. Eu nunca te odiei pelo fato da traição, mas te
odiei por ter me feito te amar e depois me abandonar.
Ramon ficou em silêncio e se afastou indo na direção do seu carro, mas
antes de entrar nele olhou novamente na minha direção.
— Será que algum dia você vai me perdoar?
— Não sei... — respondi baixo. Se ele escutou eu não sei, mas talvez um
dia eu abrisse de novo meu coração e o deixasse entrar. Não agora!
Capítulo 35

Não poderia ter tido noite melhor.


Estava eufórico. Há muito tempo não me sentia feliz.
Poder estar perto da minha mãe novamente era algo que jamais cogitei.
Achei que nunca mais os veria, mas percebi que minha vida poderia mudar e
voltar a ser o que era antes.
Eu poderia tê-las de novo por perto.
Ao volante, dirigindo de volta para casa cantei feliz, sentindo saudades
do acampamento, do tempo em que tudo era simples, sem complicações. Eu
ainda me sentia como meu povo.
Por anos reprimi esse desejo de voltar a ser quem eu era, mas hoje vi que
minha punição estava quase ao fim. Apenas me ressentia que tantos precisaram
sofrer porque eu quis fazer tudo do meu jeito.
Meus pais, minha família e principalmente Sara não precisavam ter
passado por tanto sofrimento. E mesmo querendo minha vida de volta precisaria
ir aos poucos, sem pressionar minha linda ciganinha.
Sara era mesmo incrível, uma caixinha de surpresas.
Jurava que estava escondendo de mim que havia se casado de novo, mas
não, era minha mãe. Jamais imaginei que elas estariam juntas e que Sara abriu
mão de tantas coisas para estar ao lado dela, cuidando e zelando como uma filha.
Saber de tais coisas ao mesmo tempo me deixava tranquilo e feliz, me
fazia ver o quanto fui um fodido desgraçado. Era para ter um filho de quase 6
anos com Sara.
Fui tão egoísta e orgulhoso.
— Estão me esperando?
Assim que entrei em casa vi Alina e Túlio sentados no primeiro degrau
da escada olhando para a porta.
— Sim, papai. Você disse que me levaria para brincar — respondeu e
deixou seu lugar, vindo correndo me abraçar.
Abaixei e retribui o gesto, olhando por cima da sua cabeça para sua mãe,
que havia levantado e me encarava com raiva.
— Me perdoa filhão, mas o papai foi ver sua avó, minha mãe — informei
enquanto devolvia o olhar de ódio para ela.
— Pronto, seu pai chegou e agora podemos dormir, meu querido.
Ressentida ela bateu as mãos e se aproximou puxando meu filho pelo
braço, separando-o de mim ao levá-lo para o andar de cima.
Para mim tanto faz se iria querer falar comigo. Estava puto com ela e
talvez fosse melhor assim. Ainda estava engasgado com o fato dela ter omitido
sobre a ligação, ter agido nas minhas costas e ter ido falar com Sara, como se os
prejudicados fôssemos nós.
Não admitiria que Alina fizesse o que bem entendesse e afetasse não só
minha mãe, mas Sara.
Subi para meu quarto e fui direto para o banho. Não perdi tempo caso ela
voltasse para me questionar e começasse a discutir novamente. Queria apenas
deitar e pensar no quanto eu estava feliz por reencontrar minha mãe e saber que
ela e Sara estavam tão alcançáveis novamente.
Sem exigir nada eu provaria para Sara que ela ainda poderia me amar de
novo e sermos felizes.
Prometi a mim, que custe o que custar eu tentaria conquistá-la novamente.
Se o destino as trouxe exatamente para onde eu estava é porque ele me
devolveria minha vida de antes.
E eu queria muito. Ou melhor, lutaria com todas as armas para que
acontecesse.

Durante algumas semanas fui todos os dias visitar minha mãe. E quando
não estava de plantão no hospital passava boa parte do tempo com elas. Sara
aceitou melhor, já não estava tão reticente, porém adotei uma nova estratégia.
Não ficaria forçando a conversa ou mesmo me aproximaria dela, como desejava.
Pedi que me deixasse ajudar como médico, tomando algumas condutas
que achava melhor.
“— Não quero interferir em como cuida, mas posso ajudar se precisar.
Queria muito poder te ajudar, aliviar um pouco, pelo menos para não se
sobrecarregar mais — disse para Sara em uma das nossas conversas sobre o
estado de saúde da minha mãe.”
Era pouco, mas já era um começo.
— Não vejo problema algum — ela me respondeu quando comentei o
que o cardiologista havia me dito na consulta de hoje à tarde.
— Ele disse que seria muito bom se repetíssemos alguns exames.
— Tudo bem. Só me avise com antecedência, quero ir junto desta vez.
— Pode deixar. Vou ver e te falo.
Eu e Sara estávamos mais abertos. Ainda tinha uma barreira entre nós,
porém estávamos nos dando bem. Conversávamos coisas aleatórias, nada o que
remetesse a nossa vida passada. Apenas fiquei a par de algumas coisas que
aconteceram no acampamento.
— Ramon, por que não fica para o jantar? — Minha mãe surgiu na
cozinha de banho tomado. Sara a ensinou a realizar algumas atividades sozinhas.
O que achei maravilhoso.
— Mas é que... — fui responder, mas ela não permitiu.
— Sei que Sara não vai se importar.
Olhei para a mesa antes de confirmar e vi que tinha um prato a mais,
como se ela tivesse certeza de que eu iria ficar.
— Tudo bem — respondi e olhei em seguida para Sara —, posso?
— Sim. — Foi o primeiro sorriso que a vi dar desde quando nos
reencontramos.
Para quem esperou sete anos não custava esperar que as coisas fossem se
encaixando e melhorando, e tinha a certeza que faltava pouco para começarmos a
nos dar bem e sei que assim que eu me mudasse, o que seria na próxima semana,
as coisas melhorariam.
A situação entre mim e Alina estava insustentável, discutimos mais vezes
e o fato de ela manipular Túlio contra Sara foi o limite.
Há três dias fui chamado na escola pela coordenadora para me contarem
sobre o episódio que ocorreu. Túlio começou a ofender a professora dizendo que
estava roubando o pai e vi o quanto foi constrangedor para Sara ter que explicar
nossa situação à coordenadora da escola, ainda mais por falarmos que ainda
somos casados.
Sei que isso gerou o afastamento dela da escola deixando-a bem
chateada, me deixando ainda pior. Por isso tomei a decisão de sair de casa e
morar em outro lugar.
Comuniquei para Alina o que iria fazer ontem à noite. Informei que
compartilharíamos a guarda do nosso filho e que uma vez por semana pegaria ele
e a cada 15 dias, nos fins de semana ele passaria comigo. Deixei claro que
ajudaria financeiramente e que nada faltaria para ele. Mas que não dava mais
para ficarmos sobre o mesmo teto. Que as atitudes dela tinham me forçado a
tomar essa decisão.
Discutimos e foi quando descobri que Alina não só tentou prejudicar
Sara na escola, mas influenciou Sandy contra ela também. A mãe do amigo de
Túlio não só a ofendeu, mas criou fofocas e mentiras.
Queria agir e fazer algo contra, mas Sara me pediu que não fizesse nada.
Apenas achava que seria melhor assim, alegando que minha mãe neste momento
estava precisando mais dela.
Sei que estava apenas criando uma desculpa para se esconder e não
concordei. Prometi ajudá-la em todos os sentidos, mas Sara não aceitou,
principalmente quando me ofereci para ajudar com as contas da casa. Ela me
disse que meu pai havia deixado um bom dinheiro e que isso era a menor das
preocupações dela.
Contudo eu estaria por perto sempre.
— Semana que vem me mudarei. Achei uma casa menor a dois
quarteirões daqui — Sara foi a primeira a se manifestar tentando disfarçar o
sorriso ao virar o rosto.
— Nossa! Mas você não mora tão longe assim — disse Sara e minha mãe
sorriu, procurando por minha mão sobre a mesa.
— Estou muito feliz, meu filho.
— Quero ficar mais perto de vocês duas para caso precisem de alguma
coisa — disse sem deixar de encarar e fixar meus olhos nos de Sara que os
mantinha em mim também.
Tínhamos parado com as brigas ao longo dos dias, como no início,
estávamos novamente nos adaptando um ao outro.
— Já tem me ajudado bastante. — Sara sorriu e voltou a comer,
desviando seu olhar para seu prato.
— Só estou tentando fazer o melhor para remediar o tempo que passou,
Sara.
— Somos gratas, meu filho, e não sabe o quanto estou feliz tendo-o por
perto sempre, acho que não conseguirei viver longe novamente.
— Não ficarei longe mais, mãe. Prometo! — Segurei em sua mão que
estava na minha e a levei até os meus lábios, selando o dorso em respeito.
Terminamos de comer e ficamos ainda mais um pouco conversando. Sara
pediu que ajudasse minha mãe enquanto terminava de organizar as louças do
jantar. Quando voltei a encontrei com algumas contas sobre a mesa.
Não me aproximei e encostei na parede, fiquei admirando-a e desejando-
a como nunca deixei de desejá-la.
Tão linda, assim como no dia em que a conheci sem as roupas alegres, ou
saias e vestidos. Usava uma calça jeans apertada que fazia jus ao seu corpo,
ainda cheio de curvas perfeitas. Observei os detalhes, memorizando o quanto
estava distraída com a caneta prendendo os cabelos longos no alto da cabeça.
— Você ainda é a mais linda de todas as mulheres que já vi. — Acho que
a assustei, pois ela olhou por cima dos ombros na minha direção.
— Não o vi parado aí. — Ela começou a arrumar as coisas, guardando.
— Te atrapalhei?
— Não, eu já tinha terminado — disse ao se levantar juntando tudo para
guardar e quando foi passar por mim não permiti e me mantive com o corpo,
trancando metade da entrada para o cômodo que ficava entre a cozinha e a sala.
Sara ficou diante de mim erguendo seu olhar e foi nesse momento que
resolvi deixar o tempo fazer seu papel. E tudo foi muito rápido ao puxá-la pela
cintura trazendo de encontro a mim, ficando com meus lábios quase nos seus.
Ela não resistiu.
Sara olhou para nossas bocas e em seguida para mim.
— Eu ainda te amo — disse e não esperei por uma reação ou resposta
verbal e sem pedir escorreguei uma mão por sua nunca e segurei, travando-a
para não escapar da minha boca na sua. Movimentei meus lábios esfomeados
enquanto os seus estavam entreabertos. Com minha língua busquei a sua e tive
sua resposta ao deixar cair de suas mãos o que estava segurando para poder me
abraçar.
Empurrei até a parede e continuei a beijá-la como se fosse nossa
primeira vez, matando a saudade.
— Eu vou sempre te amar — disse contra seus lábios, antes de deslizar
os meus úmidos sobre sua pele, descendo do queixo para a base da sua garganta.
Ela arfou e jogou um pouco sua cabeça para trás, me dando livre acesso.
Minha língua lambeu todo seu pescoço, indo até seu queixo para então voltar
para sua boca.
Eu queria mordê-la, saciar esse desespero de tê-la novamente, mas fui
calmo aproveitando cada momento.
Enquanto ainda nos beijávamos, desci minhas mãos para a base de sua
bunda e a ergui no meu colo.
Respondendo ao que eu queria, suas pernas rodearam minha cintura,
cruzando seus calcanhares no meio das minhas costas.
— Não podemos — Sara sussurrou negando quando comecei carregá-la
escada acima, levando-a para seu quarto. Já conhecia a disposição dos cômodos
e não tivemos problemas nenhum para chegar até lá.
— Me diz que não é um sonho, que você é real como sempre foi — pedi
quando deitei seu corpo sobre a sua cama e o cobri com o meu.
— Não é um sonho, apenas anos depois de onde paramos — Sara
respondeu e em seguida me ofereceu seus lábios enquanto suas mãos alcançavam
os botões da minha camisa e os abria.
Ela queria tanto quanto eu.
Não foi preciso falas e questionamentos, nossos corpos falavam e
comandavam nossa vontade e desejo.
Sara ainda era minha e eu dela.
Nossas mãos trocaram nosso contato por nossas roupas, um retirando a
roupa do outro. Eu ainda tinha tanta coisa para dizer a ela, porém se eu
começasse talvez a afastaria novamente e preferi viver esse momento a saber o
que aconteceria depois.
Sem falar nada, a despi e contemplei mais uma vez o corpo que aplacou
várias vezes o meu desejo e depois de muito tempo seria ele novamente a saciá-
lo.
Nus, deitamo-nos em sua cama de solteiro, estreita para meu tamanho,
ficando de frente um para o outro e estava sendo a tradução perfeita do
sentimento irrefreável que sentíamos.
— Eu ainda te amo também — Sara confessou e selou meus lábios,
jogando uma de suas pernas por cima do meu quadril.
Ela havia abaixado a guarda e não sei por qual motivo, mas não queria
saber o que era, e sim que eu a amaria como sempre amei de corpo e alma.
— Eu não vou mentir e dizer que nunca chorei por sua causa, mas o choro
acabou. — Não entendi o que ela quis dizer e na penumbra do quarto me
aconcheguei um pouco sobre seu corpo e deixei que minha boca se apossasse da
sua lentamente, deixando minha pele encostada na sua, sentindo como era boa
essa sensação.
Seu corpo ainda era da mesma forma como me lembrava, das curvas, dos
pequenos seios, da cintura fina e da pele sedosa.
Deslizei minha mão até seu peito enquanto nossas bocas estavam
ocupadas uma com a outra, apalpei sentindo todo o contorno dele. Sara ainda
inibida, me acariciava raspando sua unha delicadamente na minha nuca.
Sei que precisávamos ir com calma, mas estava tão desesperado que
antes que Sara pudesse se arrepender, me mandando ir embora, me posicionei
entre suas pernas e fiquei ainda ajoelhado, olhando para ela, com meu pau ereto,
tocando a entrada da sua boceta encharcada.
— Amanhã não vai me expulsar e se arrepender?
— Não, eu não vou te afastar, a não ser que você não queria cumprir o
nosso destino. — Sorri e abaixei a cabeça, sorvendo de sua boca mais uma vez.
Tudo tão deliciosamente no automático, levei uma mão entre nós e
posicionei meu falo excitado e o forcei para entrar todo dentro dela, mas fui
lentamente, absorvendo de olhos fechados a sensação de senti-la tão apertada e
quente, tão única e maravilhosamente como sempre foi.
Não encontrei seu olhar, seus olhos pesados estavam fechados e sei que
poderia estar sendo desconfortável, afinal, Sara não teve outro homem além de
mim.
Lentamente, me movimentei e tive sua aprovação na forma de gemido
quando me aprofundei mais fundo dentro dela. Sua vagina me abraçava, me
apertando e totalmente diferente do que pensei que seria, me movimentei
lentamente sentindo cada pedaço meu entrar molhado dentro do seu corpo quente.
Achei que brigaríamos antes de estar em uma cama e a maneira como me
correspondeu, tão diferente, me pegou desprevenido.
— Eu o amo Ramon e assim como sua tia me disse, que logo acabaria
toda dor e você entraria na minha vida novamente, subiria os degraus até mim, eu
me dou novamente para você pela força do destino — sua confissão era parte do
que precisava saber e entendi palavra por palavra.
Eu ainda era o destino dela e ela o meu.
Abaixei a boca e olhando-a nos olhos pedi para que sua boca estivesse
na minha e eu pudesse provar que eu estava de volta.
Foi lento e calmo, um reconhecimento de tudo que vivemos. Movendo-
me, introduzindo lentamente comecei a acelerar o ritmo, raspando pele com pele,
escutando o barulho dos nossos corpos em atrito e quando senti Sara tremer sob
mim e enroscar meu cabelo em seus dedos, a apertei já desesperado para me
derramar todo. Dei as últimas investidas antes de sentir todo meu corpo
reverberar, extasiado junto com o seu, gozando e me derramando todo, sentindo a
intensidade desse momento.
Jamais esperei que fosse ser tão simples, inesquecível. Eu e Sara
novamente estávamos juntos. Deitei-me sobre seu corpo ainda nos beijando de
forma lenta e saciada, matando a saudade do tempo perdido.
A noite foi curta para o tanto que nos amamos. Falávamos entre sussurros
e olhares cúmplices. Eu realmente me sentia em um sonho ao tê-la adormecida
em meus braços. Tudo isso era o reflexo do meu desejo e amor. O perfume que
sentia de flores dos seus cabelos era a prova que precisava para saber que foi
tão real.
Já era dia quando Sara acordou e eu não havia pregado os olhos, foi
maravilhoso passar a noite ao seu lado. Eu já não me lembrava de ter me
sentindo tão bem assim depois que fui embora. Sara era a minha metade e eu
tinha certeza que uma nova fase estava começando.
— Bom dia — sua voz fina e rouca alcançou meus ouvidos e pude sentir
o carinho nos gestos das suas mãos me acariciando.
— Bom dia! — disse encontrando seus olhos voltados para cima na
direção dos meus.
Sara era o amor de uma vida toda e estar juntos assim foi tão revigorante.
Hoje sentia que meu mundo e os ventos da minha sorte voltavam assoprar
em minha direção novamente.
— Como tudo ficará? — ainda com a voz sonolenta me perguntou.
— Logo será como deveria ter sido — respondi, ajeitando a mecha do
seu cabelo que caía sobre seu rosto.
A apertei, começando a temer que ao soltá-la tudo teria sido apenas um
sonho.
— Eu nunca deixei de te amar. E vou resolver as coisas em relação
somente ao Túlio e poderemos ficar juntos como deveria sempre ter sido.
Infelizmente não seria simples, Alina já mostrou que estava mexendo no
psicológico do meu filho. Quando comuniquei a Túlio que ele conheceria sua
avó, o menino simplesmente negou e se trancou no quarto, tentei por dias
melhorar essa situação dando-lhe mais atenção, porém a mãe continuava a
alimentar a ideia de que eu o abandonaria, mas eu não poderia me esconder
contra as artimanhas dela.
Uma vez me tiraram Sara, mas agora nem meu filho conseguiria isso.
Capítulo 36

Nessas últimas semanas o que menos consegui sentir em relação ao


Ramon foi raiva ou ódio. Não tive ressentimentos, era como se estivesse
permitindo que fosse embora todas as más lembranças.
Pensava somente nas profecias do meu destino.
“O protetor e a princesa”
Ele havia mudado. Não forçou nada comigo.
Ramon como sempre se mostrou um excelente filho.
Transgredir uma regra não quer dizer nada. Ele sempre foi um bom filho,
carinhoso e atencioso, e não havia mudado em nada.
O que por parte fez com que eu repensasse em tudo o que estava
acontecendo agora e esquecesse o passado.
Ramon não só se mostrou presente como me defendeu diante da
coordenação da escola, quando seu filho havia me atacado. Mas sei que quem
deveria estar por trás, manipulando o menino, seria a gadjín e Túlio não tinha
culpa de nada.
O menino gritava deixando todos os demais alunos assustados, me
acusando de ter roubado seu pai. Ramon e Alina foram chamados para uma
reunião e tivemos toda nossa situação exposta. Porém mesmo deixando claro
minha inocência a escola preferiu me afastar, visto que algumas mães
reclamaram de mim também.
Sei que tudo foi um complô arquitetado pela mãe do filho dele e não me
importei.
Depois de tudo que aconteceu com nós dois, aprendi a encarar as
dificuldades de outro jeito e esperar que a tempestade passasse para depois
pensar no que fazer.
O importante era que não só Constância estava feliz com a presença dele
todos os dias, mas eu também, mesmo não demonstrando.
Eu o queria mais que tudo, porém não daria o primeiro passo e não me fiz
de difícil quando me beijou na noite passada e acabamos fazendo amor em
silêncio, deixando nossos corpos e sentimentos falarem tudo que precisávamos.
E agora senti-lo pela manhã me trazia um misto de felicidade, de saudade
e aquela coisa gostosa de estar apaixonada.
Tanto tempo sem seu corpo, já havia me esquecido como éramos bons em
dar prazer um para o outro.
Começamos a conversar como as coisas seriam entre nós.
Eu o amava e disse isso algumas vezes durante a noite, quando estava em
mim.
Tive medo de tudo não passar de uma fantasia minha.
— Sabe que precisará de uma cama maior, mesmo sendo maravilhoso
dormir com você tão perto de mim — Ramon disse após quase cairmos.
— Vamos esperar até tudo se resolver Ramon. Ainda não sabemos como
tudo vai ficar — disse com um pouco de receio.
— Sara, você não entendeu? Eu não sairei mais do seu lado. Estou pouco
ligando se fui banido ou não, eu cometi o erro de não bater o pé e tê-la levado
comigo daquela vez. Mas pode ter certeza que ninguém vai tirar você de mim
agora — sua voz era controlada e firme, mas ainda assim eu estava receosa e
com medo.
Não sei se aguentaria novamente ser deixada para trás por ele. Ainda
tinha minhas dúvidas se realmente tudo aconteceria como estava escrito aos
ventos.
— Não pense você que eu deixei de te amar, disse isso várias vezes
durante a noite Sara, não quero saber se fui banido o que me importa é você.
Você, minha mãe e meu filho são a três pessoas mais importantes na minha vida e
não vou deixar nenhuma dos três para trás.
— Não é por isso. É que...
Ramon não deixou que terminasse de falar e me colocou embaixo do seu
corpo, me prendendo, deixando sua boca caminhar por caminhos de beijos até a
minha e apossar dela com avidez, me tragando e me deixando irracional ao sentir
sua pele no calor das minhas mãos.
Seu olhar intenso no meu era a resposta de que todo o choro não existiria
mais. Eu só esperava que ele se posicionasse primeiro para tirar a incerteza que
eu tinha se realmente as palavras de sua tia seriam reais algum dia.
Posicionou entre minhas pernas, abrindo-as com seu quadril, os meses
que vivemos juntos foram dessa maneira, um apetite insaciável pelas manhãs e
eu o queria, já que há muito não me sentia viva e tão mulher.
Ramon não pedia por nada, simplesmente chegava e me tomava, há dias
deixei de relutar e agora me tomando por completo eu me entregava.
Meu cigano lindo que eu agora contemplava sendo novamente meu
marido se unia a mim por corpos.
Senti quando se introduziu dentro de mim lentamente fechando os olhos
gemendo e responsiva fiz igual ao ser preenchida, o vai e vem de seu quadril,
entrando e saindo era alucinante e ao mesmo tempo sua boca sugava a minha
para dentro, sensualmente testando meus limites. Estava travada com seu peso e
minhas pernas ao redor de seu quadril, que sacolejava para frente e para trás me
tomando novamente como sua.
Seus sussurros e seu toque me diziam o quanto tudo era real e envolta ao
que eu sentia por estar com Ramon eu me larguei no redemoinho de sensações
que me tragavam junto com seus movimentos.
— Se entregue a mim, minha vida — ao me chamar assim senti que era
tão mútuo que acabamos gozando juntos e mesmo ainda deitada sobre seu peito
após ficarmos em silêncio, terminando de sentir tudo que vivemos ali, eu me
peguei pensando que ainda tínhamos coisas das quais precisávamos resolver.
Sei que nas últimas semanas tudo havia mudado e ontem mesmo eu não
conseguiria resisti-lo assim que me puxou para dentro dos seus braços.
Ramon acariciou meus cabelos me apertando mais junto de seu corpo.
— O que está pensando? Não vai me dizer que está arrependida, pois
sabe o quanto eu a desejo e ainda mais por saber que para sempre será minha. —
Fechei os olhos concordando em pensamento no que dizia, porém sei que ainda
havia muita coisa a ser resolvida. Simplesmente não nos falamos e já fomos
diretos para uma cama, deixando extravasar todo o sentimento e desejo contido
por anos. No entanto, a vida não funciona só por atração e a nossa era bem
complicada.
Pela tradição, Ramon não pode voltar ao nosso povo como se nada
tivesse acontecido, ao ver de todos ele me abandonou, o que complica um pouco
as coisas entre nós.
Aprendi amar a nossa tradição nesses anos que vivi com o nosso povo.
Uma tradição que ainda é levada tão à risca devido à evolução do mundo. E me
juntar com Ramon significa que eu também estaria banida com ele. Mas preferia
viver uma vida sem poder voltar ao meu povo a não estar ao seu lado.
Ramon sempre foi parte da minha vida. Porém me senti insegura,
deixando tudo de bom que estava sentindo sendo tomado pelo medo.
Precisava respirar.
Levantei e antes selei seus lábios.
— Aonde vai? — Ramon me perguntou tentando me segurar.
— Vou me trocar, preciso arrumar o café de sua mãe — não disse muito e
fui em direção à cômoda no canto do quarto, abri uma das gavetas e retirei um
dos vestidos e me troquei, assim que terminasse o café eu voltaria e tomaria um
banho, mas no momento eu precisava de um pouco de espaço.
O que Nazira me disse cumpriu fielmente. Sei que o tempo do meu choro
estava preste a terminar e que Ramon estaria comigo. Mas uma vez ele mudou
nosso destino, será mesmo que não mudaria pela segunda vez?
Depois de me vestir, o deixei no quarto e fui para a cozinha.
Estava esperando o momento exato que viria me questionar e não
demorou muito quando senti sua presença atrás de mim, me abraçando pela
cintura enquanto eu estava colocando a chaleira de água no fogão para preparar o
café.
— Eu te entendo Sara e não vou te exigir nada, nenhuma resposta agora,
mas eu quero ficar. Será que poderia deixar?
Respirei fundo segurando em sua mão fechada, me contendo.
— Ramon, um dia sua tia disse que meu tempo de choro chegaria ao fim,
só tenho muito medo de que eu enfrente todos e você simplesmente resolva
mudar novamente o nosso destino. — Virei para observar seus olhos e buscar
por respostas.
— Sara, não posso prometer que nunca vamos discutir, mas posso te
garantir que a amo e no que estiver ao meu alcance eu vou fazer por você. —
Tentei sorrir, mas meu nervosismo não me deixava. Eram tantas coisas a se
pensar. Tinha o filho, nosso povo e tudo que passamos.
— E Túlio? — perguntei, mais cedo ou mais tarde esse seria um assunto
no qual precisaríamos falar.
— O que tem ele? Não acho que Túlio decida minha vida. Ele foi uma
consequência sobre eu não ter sido responsável, eu o amo e ele sem dúvidas foi
a força que encontrei para sobreviver sem você, mas não é ele que vai decidir o
que quero. Nos casamos, juramos nosso sangue e nos unimos, somos um só, foi e
vai ser assim — Ramon concluiu incisivo e possessivamente sua mão deslizou
na base da minha nuca e me puxou, levando meu rosto para perto do seu.
Curvando-se, alcançou minha boca e a possuiu, mas fomos logo interrompidos
pela voz da sua mãe me chamando.
O deixei ali na cozinha e fui buscar por ela no topo da escada e ajudá-la
a descer.
— Bom dia, minha filha.
— Bom dia! Como dormiu? — perguntei enquanto descíamos as escadas
com cuidado, ela segurando no corrimão, eu ao seu lado, amparando a cada
degrau e no pé da escada me esperando estava Ramon.
Sorrindo ao saber que não estávamos mais sozinhas, me encheu de
esperança para enfrentar e seguir meu destino, pois se ele já havia sido traçado
certamente tudo estaria preparado para nós.
— Ramon? — Constância perguntou quando seu filho a ajudou a terminar
de descer o último degrau.
— Sim mãe, sou eu.
— Veio cedo hoje? — Nos olhamos antes de que respondesse à pergunta
dela.
— Na verdade, eu não fui embora — gesticulei os lábios pedindo que
não falasse nada ainda, mas foi em vão —, Sara me deixou ficar essa noite e
ainda não sabemos se as outras, seria bom, assim eu me mudaria de uma vez para
cá.
— Ah, vocês dois se acertaram?!
Foi retórica a entonação da sua fala e não adiantou meu olhar implorando
para que ainda não falasse nada.
— Ninguém foge do destino — ela completou.
Já não adiantaria contradizer quando minha sogra perguntou se realmente
eu o deixei dormir aqui em casa e eu fiquei sem saber o que responder. Ela
sorriu sabendo que sim e que isso significava que parcialmente havíamos
voltado.

Ramon tomou o café conosco e foi embora, ele precisava ir para o seu
plantão e ficamos de conversar melhor mais tarde. O esperaria para o jantar e
provavelmente para dormir comigo.
Ainda pela manhã levei Constância para tomar um pouco de sol e
estávamos conversando quando ela pediu minha atenção.
— Sara, sabe que nós duas somos consideradas renegadas por nosso
povo, então, não prive você e a meu filho de viverem esse reencontro. Ele disse
que a ama muito, sei que deve estar com medo, mas não deixe que isso impeça o
destino de cumprir seu ciclo.
Assenti e não disse nada, eu nunca quis tanto uma coisa como queria
minha vida de volta, aquela que vivi por poucos meses ao lado de Ramon.
Sei que não seria a mesma coisa, mas estaríamos juntos. Por isso falaria
com ele sobre minha decisão mais tarde. Pediria que se mudasse para cá e que
retomássemos nossa vida.
— Ainda vamos conversar, precisamos deixar tudo esclarecido —
justifiquei.
— Não sabe o quanto estou feliz, por vocês. Você o ama e ele também a
ama. E logo vão ter os próprios filhos.
Sei que Constância não disse por mal, mas me senti estranha.
Após o último aborto a médica me disse que minhas possibilidades de
engravidar eram baixas. Por isso nunca mais fiquei pensando em como seria ser
mãe.
— Vamos entrar, precisamos preparar o almoço — falei no intuito de não
continuar com essa conversa.
Estava ajudando-a se levantar quando escutei e vi Alina invadir meu
jardim aos berros.
— Você, sua ciganinha nojenta, está tirando e roubando a minha família.
E você vai pagar caro por tudo que está acontecendo. — O tom da sua voz era
agressivo e descontrolado.
— Quem é essa que está falando? — Constância perguntou olhando para
o rumo oposto de onde a gadjín estava.
— É uma pessoa que não conhecemos — menti, ignorando a presença
dela para evitarmos um desgaste à saúde emocional de minha sogra.
— Você está feliz por fazer meu filho sofrer com você roubando o pai
dele? — Alina insistiu e acabei parando a pedido de Constância.
— É a gadjín?
— Sim, mas vamos entrar. — Tentei continuar ignorando, mas Alina não
satisfeita se aproximou e me empurrou, não só me derrubando, mas também a
mãe de Ramon, que se desiquilibrou.
Agora ela havia passado dos limites.
Tentei me levantar o mais depressa possível para ajudar Constância,
porém quando me coloquei ao seu lado vi que havia batido a cabeça próximo ao
primeiro degrau, na entrada da casa e estava desacordada.
Desesperada, sem pensar em Alina, tentei acordar Constância, chamando
pelo seu nome enquanto dava leves batidinhas em seu rosto.
— Constância fala comigo — pedi desesperada.
Mas nada de ela responder.
— Sua desgraçada... — fui repreender o que Alina tinha feito, mas ela já
estava entrando no carro e saindo de lá.
Desesperada gritei por socorro enquanto tentava acordar Constância.
Demorou, mas apareceram alguns vizinhos, inclusive Sandy, para me
ajudar.
Chamaram a emergência, que não demorou muito.
— Quer que eu vá junto? — Sandy se ofereceu, mas neguei.
Minha sogra era minha responsabilidade. Era eu quem deveria
acompanhá-la.
Não demorou muito e a equipe de socorrista chegou, colocando
Constância desacordada sobre uma maca. A acompanhei e fui sentada ao seu
lado.
— O que aconteceu e como ela caiu? — não consegui responder. —
Senhora?
Balancei a cabeça percebendo que o médico que prestava os primeiros
socorros falava comigo.
— Desculpa, senhor. Poderia repetir a pergunta? — pedi.
Ele repetiu e eu contei como havia acontecido.
— Estávamos indo para dentro da casa quando fui empurrada por uma
mulher, uma doida que apareceu em meu jardim, desiquilibramos e caímos, ela
bateu a cabeça no degrau.
— Hum... — ele resmungou e desviou seu olhara para minha sogra.
— Doutor, só não me diga que ela vai morrer? — o contexto da pergunta
foi tão pesado que não consegui lidar com meus sentimentos e acabei chorando
na frente do médico.
— Senhora, eu não posso lhe garantir nada, mas faremos o que estiver ao
nosso alcance, agora como não foi um acidente precisaremos informar a polícia.
Conhece a mulher que as empurrou? — afirmei com a cabeça.
Não pouparia dizer quem foi e muito menos seus motivos. Alina havia
ultrapassado os limites.
— A senhora se machucou também.
— Não, eu estou bem.
— Não foi uma pergunta. Seu cotovelo está sangrando — fui informada e
olhei para conferir o local.
— Mas estou bem mesmo. — Olhei para Constância, notando apenas o
movimento lento de sua respiração.
— Fica calma. — Comecei a chorar, sentindo o quanto estava me doendo
saber que poderia perdê-la.
— O senhor poderia me dizer por cima o que aconteceu com ela? E me
desculpe doutor, mas não perguntei seu nome estou muito nervosa, ela é minha
sogra e é deficiente visual — justifiquei minha desatenção.
— Sem exames não podemos fazer nenhuma conclusão, senhora. E me
chamo Nolan. — Sorriu por cima dos ombros enquanto retirava o termômetro
olhando-o e anotando em uma prancheta em seu colo. — Qual seu nome? Preciso
anotar aqui.
— Sara Rosberg — o respondi enquanto anotava mais dados,
preenchendo a ficha.
— Mencionou que o filho da paciente é médico.
— Sim, ele se chama Ramon.
— No caso, seu esposo? — Balancei a cabeça confirmando, eu mesma
tinha minhas dúvidas se de fato éramos realmente marido e mulher. Nossa
história no momento estava um pouco complicada.
— Não conheço, só conheço um e o sobrenome dele é Moriáh. — Na
capital haviam vários hospitais e mesmo com tanta proximidade com Ramon eu
não me preocupei muito com esses detalhes de perguntar o nome do hospital
onde trabalhava. Ainda era tudo muito recente, tinham poucas semanas que o
havia aceitado e nem 24h que o deixei voltar para mim.
Capítulo 37

Deixei a casa de Sara pela manhã, pois precisava trabalhar, mas minha
vontade era de ficar ali o dia todo com ela. Me sentia flutuar emocionalmente e
já contava as horas para voltar e vê-la à noite.
Não sei como aconteceu tudo, foi uma entrega por inteiro de ambas as
partes, tanto minha quanto dela.
Linda, desejável e ainda minha esposa.
Assim que fechei a porta, quando fui até em casa para me trocar, vi Alina
deixando o cômodo da cozinha até a entrada.
Ela parou e me encarou com raiva.
— Imagino que passou a noite com a ciganinha?!
Minha paciência estava no limite com ela. Já não a aguentava mais. Eram
tantas cobranças das quais nunca prometi nada, que minha paciência havia se
esgotado.
Alina conseguiu colocar Túlio contra mim e esse foi o real motivo para
tomar minha decisão. Saíria de casa ainda hoje.
A situação entre nós dois estava insustentável, ela conseguiu que o
menino recusasse a conhecer minha mãe quando mencionei que o levaria para
ver a avó.
Minha mãe pediu e não negaria isso, até porque eu sonhava com esse dia
e sei o quanto ela ficaria feliz.
— Não é da sua conta Alina, se eu estava com minha esposa só cabe a
mim — respondi com rispidez.
Para me provocar ela jogou o pano que estava na mão em mim.
— Você é um desgraçado, olha o que está fazendo com meu filho.
— Eu? Quem está manipulando o garoto é você. Sempre soube que não
ficaríamos para o resto de nossas vidas juntos. E se realmente quer saber... eu
quero Sara de todas as formas, não deixarei ninguém ficar no meu caminho e se
acha que me chantageando em relação ao meu filho vai conseguir algo, não se
engane, Túlio logo vai ver que eu o amo e compreenderá a história toda. Então
deixa de ser ridícula.
— Você está acabando com a minha vida! — disse Alina aos choros se
vitimizando.
— Não fiz nada, tivemos um acordo de criar nosso filho juntos, mas não
como homem e mulher, coloca na sua cabeça que eu amava e amo a Sara. —
Quando vi já estávamos próximo, nos enfrentando e com as vozes alteradas.
— E você está abandonando esse acordo por causa da ciganinha nojenta.
— Eu já disse que não quero que fale assim dela.
— Ela é uma nojenta e está acabando com nossa família.
— Meu filho sempre vai ser minha família. Eu não quero nada com você.
— Você quer aqueles que te expulsaram, sua queridinha esposa te virou
as costas, enquanto eu estava lá por você. Você é um egoísta desgraçado, Ramon.
— Alina cuspiu em meu rosto, agindo como uma doida.
Sem retrucar, limpei a saliva do meu rosto com as costas da mão.
— VOCÊS DOIS PODERIAM PARAR DE DISCUTIR?! — Túlio gritou,
surgindo ao nosso lado.
— Filho! — Fui para seu lado, mas ele foi mais rápido ao abrir a portar
e sair em direção à rua.
Desesperado saí atrás chamando seu nome em voz alta, pedindo para que
parrasse.
Mas da porta de casa à calçada eram poucos metros e quando vi Túlio
estava correndo na direção da rua para atravessá-la sem olhar.
Não consegui chegar a tempo e quando vi o carro freava sem êxito,
atingindo-o e jogando-o mais à frente.
Alina atrás de mim gritou e eu levei as mãos na cabeça gritando,
correndo para junto do seu corpo caído no chão.
O condutor do carro saiu e foi até nós desesperado pedindo perdão.
Sei que ele não teve culpa, mas no momento eu não tinha forças para
dizer que o entendia.
— Túlio, garotão? Responde! — Peguei-o no colo e ele estava
desacordado.
— Vou chamar a ambulância! — O condutor que atropelou Túlio tentava
ajudar de algum jeito. Mas não seria necessário.
— Não — disse em voz alta. — Apenas me leve para um hospital.
Sei que não seria a conduta correta, o certo era esperarmos uma
ambulância, no entanto, eu tinha pressa.
Ajeitei melhor o menino em meus braços e entrei no seu carro.
Enquanto Alina gritava e dizia que eu era o culpado a ignorei. O
importante era salvar meu filho.
— JÁ CHEGA, ALINA! — gritei assustando-a quando entrou no carro
também ainda me acusando de ser o culpado se caso o nosso filho morresse.
— Para qual hospital quer ir? — pedi para nos levar para o mesmo em
que eu trabalhava.
Foi a maior correria de médicos e amigos meus. Colegas de trabalho se
movimentavam para salvar meu filho e graças a Sarah Kalíh não foi nada demais,
o carro estava em velocidade baixa e foi só uma concussão.
Túlio acordou depois de uma hora na emergência sorrindo, como se nada
tivesse acontecido. Eles o transferiram para um dos quartos ficando em
observação.
Eu e Alina não nos falamos, estava farto de discutir com ela.
Combinamos de nos revezar. Assim eu não precisaria ficar o tempo todo com ela
me acusando.
Na parte da tarde ela foi para casa. Precisava pegar algumas coisas para
Túlio e também trazer o carro.
— Pai! — Túlio me chamou ao acordar.
— Sim, filhão!? — Aproximei de sua cama mais tranquilo por saber que
tudo ficaria bem.
— Cadê a mamãe? — Respirei fundo querendo dizer: “Ela até que enfim
me deu um pouco de paz.”, mas jamais falaria isso ao menino.
— Ela foi em casa pegar algumas coisas para você — respondi. —
Filho, o que fez hoje foi perigoso.
— Vocês dois só brigam, eu não gosto. — Eu até entendia que para ele
deveria ser difícil, mas Alina era impulsiva e me tirava do sério. Ultimamente só
de ouvir sua voz já me irritava.
— Eu sei meu querido, mas sua mãe não é fácil.
— Você vai mesmo nos deixar? Ela disse que a Tia Sara veio para te
roubar de mim.
Balancei a cabeça pensando no quanto ela tinha envenenado o menino
com seus absurdos.
— Jamais vou te abandonar, só não vou morar mais na mesma casa, e
você poderá ficar vários dias comigo. Sara não está me roubando de você, antes
de saber que você tinha nascido eu me casei com ela, mas depois que sair daqui
quero contar a história de nosso povo e levar você para conhecer sua avó, sei
que não quer, mas vai gostar tanto dela.
— Papai, não vai embora. — Seus olhos já estavam brilhando querendo
chorar, para tranquilizá-lo cheguei perto e beijei sua testa.
— Não vou, só vou estar em outra casa. Agora durma e descanse mais um
pouco — tentei acalmar o menino, pelo visto o estrago psicológico que sua mãe
fez foi pior do que pensei.
Já era fim de tarde quando uma das enfermeiras ficou com Túlio me
permitindo ir comer algo. Estava estranhando Alina até agora não ter voltado,
segundo o médico que estava cuidando dele, o manteria em observação por mais
24h e teríamos que dormir o hospital.
Porém fui pego de surpresa ao ver Sara sentada em um dos bancos com a
cabeça pendida pra baixo com os cotovelos no joelho.
Por que ela estava aqui?
Fui em sua direção após cumprimentar um colega que passou por mim
— Sara! — chamei por seu nome e quando olhou para cima encontrei
olhos vermelhos e inchados de chorar, me deixando preocupado.
— Ramon!
— O que aconteceu? — perguntei preocupado e me abaixei, ficando na
sua altura.
Sara chorou e ao me levantar a puxei junto, envolvendo-a enquanto
soluçava sem me responder.
— Minha vida, o que aconteceu? — esperei se acalmar e refiz a
pergunta.
— Constância caiu e bateu a cabeça. Está aí dentro já faz uma hora. —
Olhei para onde Sara havia apontado com a cabeça e vi que minha mãe estava na
UTI.
Um frio me percorreu e me senti mais tenso ainda.
Se já não fosse o bastante o susto com Túlio, agora minha mãe.
— Como assim?
— Ela caiu e bateu a cabeça — Sara mal conseguia responder.
Vendo seu estado não quis preocupá-la mais.
— Calma. Vou ver o que está acontecendo — tentei acalmá-la e antes de
soltá-la selei seus lábios.
— Olha só! O que estão fazendo aqui assim?
Alina parou logo atrás de mim e perguntou ressentida. Como se eu e Sara
estivéssemos fazendo algo de errado. Porém sem esperar, Sara se soltou e
avançou na direção dela, agarrando em seu cabelo, puxando-a na direção do
chão.
— Sua louca, você matou Constância e eu vou te matar agora — Sara
gritou. E como não consegui entrar no meio para apartar, agarrei a cintura de
Sara e a puxei, mas sem êxito.
Ela agarrou com tanta força que quando consegui que soltasse Alina,
Alina se levantou e veio para cima de Sara.
— Sara, por favor se acalme. — Já a tinha visto no auge do seu
nervosismo, entretanto o que disse me deixou intrigado. Por isso pedi que
parasse.
— Essa desgraçada precisa morrer, sua mãe está aqui por causa dela —
Sara me empurrou nervosa enquanto falava alto e gesticulava.
A equipe de enfermagem ali por perto veio intervir, separando as duas.
— Assassina! Essa louca me empurrou e caímos eu e sua mãe. Eu vou
matar ela se acontecer algo com Constância.
Não poderia ser verdade o que ela estava dizendo. Alina era impulsiva,
mas não a ponto de atacá-las.
Ou era...
Olhei para a mãe do meu filho, buscando realmente saber o que
aconteceu, mas ao vê-la chorando e negando em silêncio tive certeza de Sara
falava a verdade.
— Está maluca? — perguntei ao soltar Sara e me posicionar à sua frente.
Se eu já estava com raiva dela, Alina não fazia sequer ideia do que
queria fazer nesse momento.
— A minha mãe? — a questionei e fui encurtando o espaço entre nós dois
aumentando o tom de voz. — Some da minha frente antes que faça qualquer
loucura.
Estava por um triz para cometer um atentado contra ela. Fiquei cego e
com muita raiva, mesmo ainda não sabendo de tudo ao certo.
— Calma, Ramon! — Nolan, um outro médico e amigo se aproximou me
empurrando, me levando para longe de Alina.
— Sara! — chamei, procurando-a pelos cantos e a achei junto de uma
enfermeira que estava ajudando-a a se sentar, acalmando-a.
Desvencilhei-me de Nolan e evitei olhar para onde Alina estava.
— Eu estou aqui e fica tranquila que tudo vai se resolver — afirmei.
— Ela me empurrou e eu não pude fazer nada — Sara se justificava em
meio ao choro.
— Você não tem culpa, me deixa ficar a par do que aconteceu aí venho e
falo com você.
Agora eu precisava manter a calma. Por mais que eu quisesse estrangular
Alina não seria uma boa hora para brigar.
A prioridade era saber como minha mãe estava.
Antes de me afastar beijei sua testa e fui atrás de informações.
Aproveitando minha posição médica iria entrar na UTI e ver o real estado de
dona Constância, mas parei antes de prosseguir vendo que Nolan poderia saber
de algo.
— Nolan, minha mãe está na UTI e preciso de informações.
— Eu só a trouxe, hoje estava de plantão na ambulância e estão fazendo
os exames, mas acho que ela sofreu um traumatismo crânio no ato da queda.
Fechei os olhos puxando o ar com dificuldade. Sentindo meu peito
contrair, pois toda a situação clínica de minha mãe passou pela minha cabeça e
eu como médico, acima de tudo, não poderia ignorar o quão grave era seu
estado.
Ela já não era uma paciente comum.
— Mas fica calmo, vai dar tudo certo, vou pedir para avisarem aos
colegas que é sua mãe e que está aqui fora para assim que puderem te avisar.
Seria bom se não entrasse lá. — Segurei em seu ombro e apalpei agradecido.
Ele tinha razão, era melhor eu ficar aqui com Sara, porém meu olhar foi
na direção de Alina. A cínica ainda continuava por perto e ligando o foda-se fui
até ela e segurei em seu braço, arrastando-a para longe dali em seguida.
Quando entramos em outro corredor a soltei de uma vez.
— Você está louca, Alina? Como assim? Foi até a casa de Sara de novo e
a atacou. Olha o que você fez. Acabou atingindo minha mãe!
— Me perdoa Ramon, não quis machucar sua mãe, era para ter sido só a
sua ciganinha. — Aproximei fechando os punhos, apertando-os com raiva.
— Você está fazendo isso para me deixar com mais ódio de você. Mais
cedo foi Túlio, agora minha mãe. Sabia que ela é cega? Que está gravemente
ferida por sua causa?
Alina negou com a cabeça e diante da gravidade do que cometeu abaixou
a cabeça e começou a chorar.
— É, eu imaginei que me responderia que não. Dessa vez ultrapassou
seus limites e eu não quero te ver na minha frente. Some daqui, hoje fica com
Túlio e amanhã mesmo eu vou sair de casa, não quero mais. E não ouse colocar
meu filho contra mim. Cansei... Eu não sou e não quero nada com você, entenda
isso! O nosso único elo sempre foi o menino — tentei me controlar, mas ela
atacar minha mãe foi o estopim.
— Ramon, por favor, me perdoa... — não deixei que terminasse e retirei
suas mãos quando tentou me segurar.
— Não. Por sua causa minha mãe pode morrer e isso eu não vou perdoar.
— A deixei sozinha, dando-lhe as costas e retornei para perto de Sara, avistando
Nolan falando com ela.
— O que está acontecendo? — Mesmo com toda a situação complicada
não me senti confortável quando o vi tocar em seu braço consolando-a.
Hoje era dia, parecia que tudo estava indo contra de novo.
— Falei com Sara, Ramon. Que sua mãe teve um traumatismo crânio
assim como eu suspeitava e ficará sedada para ser avaliada neurologicamente até
o inchaço sumir. Já entraram com algumas medicações.
Entendi e compreendi que tomaram a conduta mais correta, o problema
agora era a mistura de sentimentos entre ódio, desespero, ansiedade, dor e ciúme
que estava sentindo.
Nolan continuou a afagar os ombros de Sara ao vê-la chorando.
Possessivamente a puxei e a abracei.
Nolan entendeu minha atitude e sorriu ao se afastar.
— Preciso voltar para a emergência e Ramon, daqui a pouco vão deixar
Sara entrar para vê-la.
— Obrigado.
Capítulo 38

Não sei como me descontrolei a ponto de avançar para cima de Alina


bem no meio do corredor. Sei que não justifica, mas meu ódio me cegou quando
a vi ali. Se Constância corria o risco de morrer era por causa dela e por tudo que
fez.
Minha vontade era de tirar todos os cabelos da sua cabeça com minha
mão e se não fosse por Ramon e os outros apartarem eu tinha feito exatamente
como pensei.
Deixaram que eu entrasse por cinco minutos para ver minha sogra e por
causa da influência e por Ramon ser médico acabei ficando um pouco mais.
Ela ficaria bem.
Quando saí o encontrei próximo de algumas enfermeiras e não me contive
ao me jogar em seus braços e chorar com medo de que Constância morresse.
— Minha mãe é forte! — ele tentou me animar.
— Estou com tanto medo — revelei.
— Não fique. Vamos para casa descansar. Ela vai precisar muito de você
assim que for para o quarto.
Sem forças para teimar e não sair dali enquanto não falasse com sua mãe,
me deixei ser vencida, concordando ir embora.
Ramon chamou um táxi e dentro dele após um tempo em silêncio
começamos a conversar e fiquei ainda mais preocupada quando me contou sobre
Túlio. Independente do que aconteceu eu gostava muito do seu filho. E sei que
estava agindo como qualquer outra criança que estava com medo de perder o pai.
— Túlio vai ficar bem?
— Graças a Sarah Kalí ele vai sim. E minha mãe também — ele concluiu
e fui até em casa com a cabeça deitada no seu ombro em silêncio.
Ao entrar olhei para todos os cantos e me senti triste e meio perdida
quando percebi que ele não ficaria comigo.
Sei que estava tão reticente para deixá-lo entrar na minha vida, porém no
hospital me senti tão protegida por ele que já não queria que fosse embora.
— Não vai ficar? — perguntei baixo, apertando a chave contra meus
dedos.
— É isso que você quer? Hoje não foi um dia fácil.
— Eu quero, não quero ficar sozinha.
— Faz assim, vou buscar uma troca de roupa e o carro, como Túlio foi
atropelado consegui trocar meu plantão de hoje para amanhã. Daqui a pouco
estou de volta. — Sem que eu esperasse Ramon encurvou-se e selou meus lábios.
— Trarei algo para comermos.
Fui para meu quarto e em seguida tomei um banho até Ramon chegar. Ele
não demorou muito, mas enquanto não chegava comecei a repensar se eu estava
agindo conforme tinha que ser em relação a nós.
Que destino louco é esse que se mostra tão revirado dessa maneira?
Quando Ramon voltou tocou a campainha.
Eu sabia que era ele e por isso fui correndo abrir.
Ele carregava uma pequena mala de mão e alguns pacotes pardos nos
braços. Estava de cabelos soltos e molhados, vestindo uma camiseta e calça
jeans, simples, porém irresistível e lindo como eu sempre o via. A forma como
eu o olhava fez com que sorrisse aquele sorriso pretencioso que só ele fazia.
— Como sempre, o cheiro de flores, sinto tanta falta e já havia me
esquecido do quanto ele era bom.
Aproximou-se sem me pedir e ofereceu sua boca e impensadamente me vi
beijando-o, recebendo-o completamente de volta para minha vida.
— Eu te amo! — Afastei sorrindo, me sentindo confortável com ele ali na
minha frente, mesmo que eu ainda sentisse em algumas vezes como se fôssemos
estranhos.
— Vem, entra. — Dei espaço para que entrasse em casa e ainda sem
saber muito que fazer esperei que ele tivesse uma atitude primeiro. Estava bem
deslocada, tudo era novo, mesmo com uma história em comum eu me sentia
diferente e sem atitudes.
— Sei que o momento não é para isso, mas Sara eu preciso de você. —
Deixando as malas no chão ao entrar e fechar as portas nas suas costas, me puxou
possessivamente com uma das mãos e eu fui sem resistir, deixando meus lábios
serem aprisionados.
Era tão rápido e automático a forma como eu me deixava ser levada por
ele.
Rodopiamos e fiquei de costas na porta sendo prensada contra ela pelo
seu corpo. Sua boca não se mantinha na minha, ela escorregava trilhando
caminhos por todo meu pescoço. Me segurei firme, apertando seus ombros
quando deixou uma de suas coxas entre minhas pernas, roçando minha boceta.
Suspirei sentindo a pressão da musculosa perna se esfregando, me
excitando a ponto de me levar a ser irracional ao deslizar minhas mãos até a
base da sua camiseta e puxá-la. Ramon facilitou erguendo os braços permitindo
que eu empurrasse o tecido de algodão para cima até passá-la totalmente por sua
cabeça. Em seguida a joguei no chão, não deixando de oferecer meus lábios para
que ele fizesse o que bem entendesse de mim.
Ele me ergueu segurando na base das minhas nádegas e eu o enlacei com
as pernas em sua cintura. Sem que eu indicasse para onde ir me levou para o
andar de cima e adentrou meu quarto indo em direção a minha cama. Após me
deitar com cuidado sobre o colchão, tirou minha roupa e ficou me encarando.
Nossos olhares falavam mais uma vez por si só.
Eu o amava e não precisava dizer nada do quanto isso me preenchia
novamente e me fazia sentir uma nova mulher.
— Sara, nada que possam fazer ou acontecer me afastará daqui. Eu quero
e vou ficar. Desta vez se eu tiver que ir, você vai junto comigo. É meu caminho
traçado, meu destino confirmado e o amor marcado em mim. — Após sua
declaração, me sentei na cama e o busquei com os braços, mantendo meu olhar
preso na intensidade da escuridão do brilho dos seus, agarrei em seu pescoço e o
trouxe tornando a me soltar de costas na cama sob seu corpo.
— Aonde for eu estarei ao seu lado, ainda o amo como o amei na nossa
primeira noite e mesmo depois de tudo contínuo te amando com tudo que há em
mim. — Ramon me calou movendo seus lábios em um beijo esfomeado e quente,
aquecendo não só minha boca, mas cada fração do meu corpo, inclusive minha
boceta, que ardia e encharcava com sua presença.
Ainda de calcinha, ousadamente me esfreguei contra sua pelve e sua
ereção evidente.
— Sou toda sua e sempre serei. Preciso tanto de você, é o que necessito
para estar viva. — Seu calor era brasa viva e me ascendia, me devolvendo a
vontade de viver.
Ramon se livrou da calça, impacientemente da minha calcinha e logo me
penetrou, fechando os olhos, expressando em sua face o desejo evidente.
Também fechei os meus recebendo-o, engolindo até o talo, sentindo o quanto eu
precisava dele dentro de mim constantemente.
Hoje no hospital eu senti que poderia perdê-lo mais uma vez e cheguei a
cogitar que o destino brigava comigo, mas não... ele estava li ao meu lado, tão
real e presente, me fazendo sua como sempre fui.
Suas investidas eram calmas.
— Depois desse inferno quero te levar sempre para o paraíso. — Tomei
a inciativa e o beijei quando tudo era tão presente e depois de descer ao inferno
ele me levou ao paraíso, cumprindo sua promessa quando ainda éramos noivo.
Estar com Ramon era essa constante emoção de subida e descida, porém
as vezes quando me mostrava o paraíso era a confirmação de que o inferno não
resistiria e seria assim, eu nos manteria em nosso paraíso particular.
Nossos gemidos eram contra boca com boca. Insaciáveis e suados nossos
corpos se colavam no vai e vem, entrando e saindo. Éramos intensos, nos
tocávamos necessitados e doentes, buscando a cura um no outro. Arquejei e tirei
a bunda da cama quando senti meu ventre todo se contrair, apertando seu pau
com minha vulva pulsando, sentindo-o rasgar-me. A espiral de emoções tomou
poderosamente todo meu corpo, se dobrando em gozo. Logo em seguida, sem
demora, Ramon bombeou se derramando entre seus urros e mordidas em meu
ombro.
— Se isso não é o paraíso eu desconheço qualquer lugar mais
maravilhoso que é estar em você. — Ramon sorriu ao se recompor depois que
gozou. Suas coxas vigorosas ainda pressionavam contra as minhas abertas.
Lentamente, se afastou e desajeitadamente me aconcheguei, deixando
pouco espaço para deitar ao meu lado.
— Vem morar comigo, vamos voltar ser como marido e mulher? —
perguntou com o rosto voltado para o teto e os braços embaixo da cabeça, e
nessa posição fiquei de lado, deixando uma das minhas pernas sobre suas coxas
e minha cabeça em seu peito. Ainda suada, sentindo seu cheiro viril que tanto
amava.
Sua pergunta não me pegou desprevenida, eu o queria e ansiei para que
nunca tivéssemos nos separado, mesmo sentindo tanta raiva da forma como tudo
ficou mal resolvido, mas eu precisava esquecer de uma vez por todas que tudo
passou e que não somos pessoas normais, somo ciganos e vivemos intensamente.
— Não acha que ainda é cedo? — Mesmo diante da vontade de dizer sim
eu precisava mostrar que ainda tínhamos coisas a serem resolvidas.
— Diz isso por causa de Túlio? — Ramon tirou um dos braços de trás da
cabeça e repousou em meu corpo.
— Não só por isso, faz dois dias que estamos assim, mas tem muita coisa
que precisa ser falada e feita. Sua mãe está no hospital, seu filho também, o fato
de que eu não posso mais te dar um filho e por sentir falta do acampamento.
Aprendi amar o nosso povo e nossa cultura e assim que souberem sobre você
serei banida junto. — Senti que Ramon ficou tenso com o que acabei de falar.
— Túlio eu não posso mudar, ele é meu filho e vai continuar sendo, agora
se for por causa de Alina é simples, eu não tenho nada com ela; minha mãe vai se
recuperar bem e poderemos viver nós 4, quanto a me dar um filho, se tiver você
para mim já basta e se o problema for viver longe da nossa cultura podemos ter
um lugar só para nós e eu não vou deixá-la mais, independentemente de quais
sejam suas exigências, morrerei antes que isso aconteça.
Sorri e sei que mesmo com receio eu seria feliz por estar com Ramon.
Vivi por ele e o esperei para que meu destino se cumprisse.
— Eu a amo, é tão intenso e profundo, marcado com fogo no meu coração
e se tiver você ao meu lado não preciso de mais nada. Minha vida só não foi
completamente insignificante porque tinha meu filho, mas sempre foi incompleta.
Você é minha alma gêmea, já estava escrito desde o seu nascimento. Eu só quero
que agora quando nos reencontramos que seja duradouro. Quero morrer velhinho
segurando sua mão.
— Ramon, você é meu destino e quero estar ao seu lado, mas ainda tenho
muito medo. — Sua mão segurou possessivamente meu rosto erguendo-o para
ficar em contato com o seu olhar.
— Já está decidido, vou viver aqui até minha mãe sair dessa e veremos o
que vamos fazer, mas preciso fazer algo antes.
— O quê? — perguntei curiosa.
— Amanhã compro uma cama maior. Por mais que eu goste de ficar tão
perto de você, me recuso a dormir quase caindo para fora.

Os dias estavam perfeitos. Túlio saiu na manhã seguinte e Ramon, na


minha frente, antes de assumir o plantão, comunicou a Alina que estava saindo de
casa naquele mesmo dia. Pedi a ele que ainda não contasse que estávamos
morando juntos novamente. Queria esperar até tudo estar normalizando para que
seu filho ficasse sabendo também. Mas Ramon me pegou de surpresa naquela
manhã ao trazer Túlio em uma cadeira de rodas onde eu estava.
De início fiquei assustada, mas acabei me reestabelecendo com o
menino, que no fim me abraçou e eu prometi que jamais tomaria seu pai.
Constância estava evoluindo bem seu quadro, em cinco dias desligaram a
sedação e ansiosamente aguardamos sua boa progressão. Depois de mais alguns
dias foi transferida para o quarto.
Eu e Ramon todos os dias dormíamos um no braço do outro, nossa
entrega era tão cumplice que se tornava diferente e mais firme. Dormimos na
minha cama de solteiro por mais três dias até termos um tempo de sair e comprar
uma maior, e mesmo com espaço suficiente na cama de casal ainda ficávamos
agarrados um no braço do outro ao dormir.
Eu decidi que não voltaria para a escola quando me chamaram de volta e
conversamos muito sobre nosso futuro. Ramon ainda ficaria com o emprego no
hospital, mas eu ficaria em casa e cuidaria de tudo e só nos separamos esses dias
para eu poder cuidar da minha sogra no hospital.
Foram mais dez dias até ter alta e assim que deixamos o hospital
contamos a ela que Ramon estava morando conosco. No fim de tarde enquanto eu
a colocava sentada na sala e ajudava com o chá, ouvi ele me chamar ao bater à
porta da entrada, sinalizando que estava chegando, e quando olhei por cima de
minha sogra o vi segurando a mão do filho.
Sorri, pois sabia o quanto isso era importante para eles.
Túlio nos emocionou quando segurou a mão de minha sogra e conduziu
ela pelo seu rosto mostrando no tato como ele era e fez questão de contar como
estava o dia e da forma como o sorriso de sua avó era lindo. A delicadeza como
o menino conduziu a situação nos emocionou e Constância ainda um pouco
debilitada se controlou.
Alina surtou quando fomos levar Túlio de volta, o menino fez questão que
eu fosse, foi constrangedor e tentamos não nos importar com as atitudes
histéricas dela. Depois da ameaça de Ramon ela não ousou chegar próximo da
minha casa.
E já era tarde quando subi para dormir e encontrei meu quarto, agora meu
e de Ramon, com a iluminação fraca e percebi que estava dormindo. Terminei de
passar o creme nas mãos e fui para a cama vestindo uma camisola minúscula.
Subi nela, ficando ao seu lado, e me debrucei um pouco selando seus
lábios, mas fui pega de surpresa quando o lindo cigano arrogante alargou os
lábios e me prendeu com seus braços.
— Achei que estava dormindo — disse sorrindo, roçando minha boca na
sua.
— Imagina se eu dormiria sem poder estar dentro de você ainda hoje.
A intensidade sexual era uma das coisas que eu ansiava o dia inteiro
quando o pegava olhando para mim e sorrindo sensualmente, perverso com seus
olhos, fazendo promessas.
Sempre fazíamos amor antes de dormir e dormíamos nus, enroscados.
Desde que tudo aconteceu se passaram mais de um mês e a cada dia eu o
amava mais e agora traçávamos planos para conseguirmos um local grande para
começarmos o nosso acampamento. Queríamos algo que tivesse um lago igual ao
nosso para montar nossa tenda próximo como no passado.
Não tivemos só dias felizes, também tivemos que enfrentar o irmão mais
velho de Ramon, hoje responsável pelo assentamento de seu falecido pai. Ele,
mesmo se impondo, aceitou que sua mãe ficasse conosco, mas se viu diante de
ser um líder ou deixar que o sangue falasse mais alto. Não nos importamos
quando disse que infelizmente não voltaria na decisão passada do pai de nos
aceitar de volta.
Devido a isso, passei a me chamar Sara Moriáh, a esposa do cigano
arrogante, transgressor dos costumes, mas que sempre seria o “protetor da
princesa”. Depois que o irmão foi embora, passados alguns dias, recebi uma
ligação estranha e sem falar seu nome começou a dizer coisas das quais ainda
seriam uma nova incógnita.
“O fruto ainda há de brotar, o destino cumpriu e puniu, agora ele
descansa sabendo que ainda é o senhor de todos os caminhos...”
Era Nazira ao telefone e ao reconhecer sua voz me senti confiante em
saber que as cartas não mentiam e que novamente os bons ventos sopravam na
minha vida. Ramon me perguntou quem era e eu sorrindo balancei a cabeça ao
colocar o telefone na base.
— Não vai acreditar! Sua tia Nazira — respondi feliz.
— O que ela disse? — perguntou curioso.
— Que agora tudo vai ficar bem. — Fui ao seu encontro e me joguei em
seus braços, sentindo-me mais que feliz, em êxtase.
O destino marcou nosso amor e o tempo se fez dono dele, hoje eu tinha
certeza da minha felicidade ser ao lado de Ramon, meu protetor.
Epílogo

Dois anos depois...


Dia 25

Sara estava linda vestida de vermelho, os excomungados de nosso povo


se reuniram em volta da fogueira conosco e o bandolim, que discordava as notas.
Minha esposa dançava lindamente em devoção a Sarah Kalí.
Quando tia Nazira ligou há um ano estávamos desesperançosos, Sara
sofreu mais um aborto e isso a arrasou de tal maneira que disse a ela que eu não
queria saber de filhos. A sua tristeza me desolou e eu a amava tanto para vê-la
mal assim.
Túlio estava conosco havia um ano, desde que achamos um terreno
grande e Sara vendeu a casa para comprá-lo, e logo depois de Alina se casar e
querer morar em outra cidade, nos deixando em paz e ficando bem longe. Tentei
reproduzir nossa cabana como era quando nos casamos. E hoje tínhamos nosso
povo novamente junto de nós. Os banidos. Montamos nosso assentamento
próximo à cidade e ainda fazia os plantões no hospital, Sara lecionaria para
nossas crianças e assim que alguns investimentos que fiz dessem certo eu viveria
exclusivamente nossa vida de nômade. Minha família era completa, minha mãe
ainda vivia e estava mais saudável, era como se estarmos juntos fosse seu novo
fôlego de vida e ainda mais agora com a chegada da sua neta.
Tia Nazira garantiu a Sara que o fruto ainda brotaria e hoje estava aqui
com minha pequena em meus braços, eu olhava sua mãe, minha deliciosa
princesa, dançar em reverência a nossa protetora e saudar seu banho. Hoje
demos seu nome e foi até agora a emoção mais linda que vivi, quando joguei
delicadamente as moedas de ouro pelo seu corpo e Sara sussurrou seu nome:
— Esperança! — disse ela —, assim como um dia minha mãe me chamou
e contou como me chamava, hoje dou seu nome de Esperança, só eu e seu pai
saberemos e quando se casar lhe contarei, chamaremos aos ventos você de Jade,
a preciosa.
Não teria nome mais perfeito para nossa filha chamar e Sara era a mãe
mais linda que já vi, a minha esposa, a minha protegida e escolhida, o meu
destino.
— Ramirez, meu compadre quero firmar um compromisso. — Já havia
bebido tanta proská que estava exalando minha felicidade a todos os cantos.
— Fale compadre. — O outro homem, membro de nosso assentamento,
me abraçava com um dos braços no meu ombro e sua mão esticando ao outro.
— Você tem um filho e eu uma filha que tal...
— Ramon, não — Sara apareceu balançando a cabeça —, a menina vai
ser livre e escolher. Não formaremos um compromisso, deixe-a ser dona dos
seus próprios ventos, assim como queríamos. E não tenha medo, seu destino é ser
uma grande mulher, filha de um grande homem, assim será cumprido.
Sorri me soltando do abraço de Ramirez e segurei Sara pelas mãos,
ajoelhando em seguida aos seus pés.
— Eu a amo, minha princesa e deixaremos nossa Jade ser guiada por seu
destino.
Não nos beijamos ali na frente de todos, mas depois no silêncio e na
penumbra de nossa cabana, deitados na cama, nos amamos, nos tocamos sendo
intensos, não só em sentimentos, mas na forma como éramos um do outro.
Uma vez foi o destino e para sempre seria ele.
Somos filhos dos ventos e o destino nossa estrada.
Queria muito agradecer a tantas pessoas que fico até com medo de
esquecer alguém. Mas primeiramente queria muito ser grata por tudo que Deus
permite em minha vida. Também tenho imensa gratidão pelas minhas lindas
leitoras, pelas minhas betas leitoras, minhas parceiras e minhas assessoras.
Queria muito agradecer a Érica Gedião, que foi uma pessoa muito
importante para a pesquisa deste livro.
Muito obrigada por tudo. Por cada um que passa por essa história e sente
a grande emoção que senti.
Um forte abraço para vocês, até a próxima!
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[1] Sarah Kalí padroeira e protetora do povo cigano.
[2] Como os ciganos chamam as mulheres não ciganas.
[3] Gadjín: Mulher no dialeto cigano.
[4] Gadjon: Homem no dialeto cigano.
[5] Gadjíns lúmia: Significa mulheres vádias no dialeto ROM.
[6] Idioma nativo dos ciganos.
[7] Proská: Bebida típica da cultura cigana.

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