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Essa é uma obra de ficção. Os nomes, personagens, lugares e acontecimentos descritos na obra
são produtos da imaginação da autora. Qualquer semelhança com nomes e acontecimentos reais é
mera coincidência.
É proibida a reprodução total e parcial desta obra de qualquer forma ou quaisquer meios
eletrônicos, mecânico e processo xerográfico, sem a permissão da autora. (Lei 9.610/98).
O artigo 184 do Código Penal tipifica como crime, apenado com detenção de 3 (três) meses a 1
(um) ano, ou multa, a violação de direito de autor.
Revisão e Copidesque:
@gramaticalizandoassessoria
Diagramação:
@laradesigneditorial
Capa:
@softcheli
Quero gritar o mais alto possível, até meus pulmões arderem, para
que toda a vizinhança acorde, sentindo na pele pelo menos um terço do meu
desespero, mas isso não acontece. Só consigo ficar pasma com a presença
desse homem. Quase não enxergo seu rosto diante da escuridão presente no
quarto. Porém, a pele pálida ganha fácil destaque. Posso até arremetê-lo a um
fantasma, trazendo uma crença esperançosa de quem ainda estaria dormindo.
— Os seus olhos são lindos. — Sua voz grave faz cada extremidade
do meu ser tremer. O invasor inclina-se para a frente, enquanto estou
petrificada. — É bem melhor te ver de perto.
Reprimo o pavor que me consome quando, num movimento rápido, ele
finca a faca na cama, no meio de minhas pernas. O desespero se torna ainda
pior com o meu cabelo sendo puxado para trás. Posso sentir sua respiração
quente contra o meu pescoço.
— Fiquei fantasiando como seria lhe ter implorando pela sua vida,
com sua vozinha doce pedindo por piedade. — O puxão se torna ainda mais
forte.
— Por favor! — digo em meio às lágrimas. Só consigo pensar que a
qualquer momento ele pode cravar a faca em minha garganta. — Leve o que
quiser... Eu... Eu posso mostrar onde meus pais guardam o dinheiro... Por
favor, só não faça nada comigo.
Pouso as mãos trêmulas no seu braço, num esforço de fazê-lo diminuir
o aperto. Sua risada macabra ecoa pelo quarto, como se fosse divertido ver
minha tentativa de mantê-lo longe.
— Vou soltar o seu cabelo quando eu quiser. — Não consigo ver os
seus movimentos, contudo, o escuto arrancar a faca da cama e colocar a ponta
afiada contra o meu pescoço.
— Só me deixe ir, por favor — peço novamente num murmúrio. Meus
pensamentos são um verdadeiro turbilhão, indo de chutá-lo e poder correr
para fora de casa a agarrar no seu moletom preto e continuar me humilhando
por piedade.
— O que teria de divertido nisso? Ainda vai ser uma longa noite.
Ele vai me matar, só está brincando comigo antes de enterrar essa faca
em mim. Não posso aceitar isso, não vou permitir que minha vida tenha esse
fim tão repentino. Consigo sentir cada batimento cardíaco, o suor que
percorre minha pele, acompanhado do nervosismo quando decido agir.
Não lembro o momento exato em que o soco, só vejo o corpo do
lunático caindo para trás. Não perco tempo e salto da cama, correndo para
fora do quarto.
— Você tá fodida! — O grito se prolifera, ampliando o medo que já
sinto. Meu quarto fica no final do corredor, que é relativamente extenso, então
preciso controlar meu nervosismo ou, pelo menos, tentar.
Chego perto das escadas e escuto os seus passos se aproximarem cada
vez mais. Não quero olhar para trás, será o meu fim. Consigo prever todo o
cenário. Ele só precisa puxar meu cabelo e cortar o meu pescoço. Tal
pensamento se repete sem parar.
As lágrimas embaçam a minha visão. Raciocinar que um homem
invadiu o meu quarto e seus passos largos estão atrás de mim, com a ideia
dele acabar me alcançando e desferindo um golpe fatal na minha garganta, faz
com que eu desfoque quando desço a escadaria, pisando de mau jeito num dos
degraus.
Tento me proteger contra o impacto de cair rolando, mas parece inútil,
assim como minha tentativa falha de fugir.
Perco o foco por completo, estou tonta demais. O gosto metálico do
sangue se faz presente no meu paladar e respiro com dificuldade. A sensação
é de ter um peso sobre mim. Movo a minha mão e me arrependo na hora, pela
dor agoniante instalada numa ação tão básica.
— Hum... — Sua imagem está completamente borrada. — Não faça
essa cara, docinho. — Agacha-se. Sua mão toca minha bochecha, tirando uma
mecha de cabelo da frente. Mexo o pescoço para escapar do toque e a dor me
pune com qualquer movimento, parecendo se intensificar. — Nós dois
sabíamos que você não iria escapar. — A voz está longe, como se estivesse
afundada no som abafado, abrangendo uma escuridão, roubando espaço.
Capítulo 3
Por que ele insiste em conversar? Passamos horas nos fitando. Vejo a
boca dele se mover, disseminando palavras, almejando desenvolver uma
conversa comigo.
Fico quieta.
Não tenho o que dizer.
Quando ele sai do quarto, desabo num choro com lágrimas grossas e
soluços que me fazem apertar o couro cabelo, com fios sendo soltos nas
mãos. Meus dedos dos pés entortam e a falta de ar parece um aviso de que
posso morrer.
Sou refém de uma ansiedade que toma meus sentimentos e os limita,
chegando num nível que não detenho algum tipo de autocontrole. Boto as
pernas encostadas no peito e me abraço com minha extensão inteira trêmula.
Puxo e solto o ar, com medo de ser um último suspiro.
Eu não quero morrer.
Capítulo 4 – Parte 3
Faltam alguns dias para completar um mês da minha vida nessa casa.
Tenho contado os dias desde da minha primeira noite aqui, tentando ter esse
controle pequeno da situação, mesmo sem possuir total certeza. Logo, é o fim
do verão e a volta às aulas. O tempo passou e só consigo pensar que
apodrecerei aqui.
Os dias têm se resumido a River trazer no quarto minhas refeições e
remédios para dor. Um ponto positivo de toda essa situação catastrófica foi
que meus ferimentos melhoraram, praticamente não sinto mais dor, porém
finjo que ainda estou mal, penso que isso ajuda a fazê-lo baixar a guarda.
Apesar de odiar essa tortura diária, já estou quase habituada a esses
dias repetitivos, menos com os gritos, que não ocorrem todas as noites. Eles
são perturbadores e, às vezes, vêm de vozes masculinas, em outras femininas,
fundindo-se com uma música que passa a tocar com o propósito de abafar.
Isso não adianta, parece piorar. As vozes cantam em coro, junto aos gritos
agudos. A mesma música de sonoridade antiga é reproduzida por horas, até
que os berros cessem, e concluo que aquelas pessoas estão mortas. Sinto
medo de ser a sanidade me abandonando, sendo tudo loucura da minha
cabeça.
A porta é destrancada, mas não fico tão temerosa, pois já sei quem vai
passar por ela. Acostumar-se é uma merda. Não quero normalizar, mas parece
inevitável.
— Não perderemos mais tempo aqui. — Posso vê-lo entrar segurando
uma venda e cordas. — Estenda seus pulsos e tornozelos.
Sempre que descubro uma abertura para raciocinar melhor, ele
resolve me desestabilizar novamente. Assim que toca minha mão, fujo do
contato, recuo e bato as costas contra a parede, prefiro ser engolida pelo
concreto.
— Eu não vou te machucar. — Minha bochecha é acariciada. A mão
tocando minha feição tortura pessoas, ocasiona os sons agitados que têm
assombrado meus sonhos. — Agora, me obedeça.
Sinto cada extremidade do meu ser enrijecer quando ele diz “me
obedeça”. Sua voz sai mais ameaçadora que o normal, então prefiro não
arriscar. Embora esteja vendada, a respiração de River indica sua
aproximação. Ele ergue meu corpo, nunca esboçando dificuldade de me
sustentar.
— Não se preocupe, irei te soltar logo.
Descemos as escadas e a curiosidade é despertada. Quero ver o que
tem ao redor. Consequentemente, sou atingida pelo cheiro podre de morte,
que exala, e tento controlar a ânsia de vômito, afundando meu nariz no ombro
dele.
— Pode me agradecer depois, por não te fazer descer.
Aquele cheiro horrível finalmente some e o aroma é substituído pelo
ar puro que eu tanto sinto falta. Não existem dúvidas que River cumprirá com
seu aviso de sairmos da cidade. Não posso nem correr, graças às amarras
apertadas, que prendem minha circulação.
— É crucial que você se comporte no carro. — A voz, antes neutra,
acende-se num tom grave e sombrio, causando um calafrio. Tenho o queixo
apertado pela mão áspera. — Tente algo e eu garanto que vai se arrepender.
— Engulo em seco perante a ameaça. Ele muda de comportamento com
naturalidade quando contrariado.
Não posso deixar suas palavras me abalarem, porque esse é o
objetivo dele. Agarrarei a primeira oportunidade que tiver e vou correr até
meus pés sangrarem.
Capítulo 6
Nas tardes que Greta não leu, ela especulou sobre estar num limbo,
com idas e vindas de dias idênticos, portanto, fazer algo além do habitual,
provocou uma inquietação descontada nas unhas, que acabaram roídas. Em
ocasiões assim, sua consciência tendia a fazê-la contabilizar quantos dias
estava ali, num método para não enlouquecer. Manteve a contagem nos
primeiros dias, desistindo num sopro com o fracasso em desvirtuar-se de
River. Sofria pelo descaso, tirando as irrisórias horas dormidas, apostando
na investida de aguardá-lo, pretendendo melhorar o humor aborrecido. Por
acaso, você é a porra de uma cadela? Parece que está esperando o dono.
Sentiu-se insignificante e riu largamente, com este a abandonando na sala,
subindo para o segundo andar, enquanto ela não soube o momento exato que
desmoronou em lágrimas.
— Que merda, Greta! — Bateu com os punhos na mesa, arrastando a
abóbora para si. — Nunca esculpiu uma abóbora? Os olhos estão tortos.
Outubro.
River entregou o mês, sem esforço em esconder, diluindo a sensação
de existir nessa realidade por anos, proveniente da intensidade arrancando a
compreensão das coisas, sendo pessimista ao pensar no amanhã, estipulando
o prazo de sua disposição em levantar, ao invés da fraqueza governá-la,
aspirando o fim. O fim da vida ou somente o fim do dia.
— Na minha escola, em outubro, praticamente todos os alunos só
falam das fantasias que planejam usar, que são sempre bem elaboradas. —
Escolheu desconversar, engolindo o choro que ardia na garganta. Engolir as
ofensas era mais cômodo que enfrentá-las. — Ficaria surpreso com o
entusiasmo do conselho estudantil na divulgação da festa anual.
— E você se identifica? — O tom era neutro, causando alívio na
questionada.
— Fiz parte do conselho, não posso dizer que é o meu evento
favorito, mas gostava de decorar o ginásio — esclareceu. — Além das
fantasias, todos costumam ir à festa de Halloween do Will. Ele é capitão do
time de futebol, acho que da última vez a polícia apareceu lá pela lotação.
— Do jeito que fala, sei que não chegou a ir.
— Nunca tive muita vontade, mas esse seria o meu último ano, então...
— A frase se perdeu, assim como ela. Nem tinha motivo para falar aquilo, a
escola e seu último ano foram desfeitos por River.
Não disfarçou a decepção. Encolheu os ombros, se curvando,
abaixando a cabeça e encarando as palmas das mãos, ruminando quando jurou
ir para a festa com Nathan. Temos que escolher fantasias combinando, será
uma noite importante, a noite que Greta Lowel irá numa festa! Lembrava da
voz dele ser um dos seus sons preferidos. Ele a entendia tanto ao ponto de
assustá-la. Na época que mais se sentiu entrelaçada, fora quando ele lhe
revelou ser bissexual, um passo importante na autoaceitação, já que Nathan
enfrentava uma luta diária, especialmente integrado na cidade pequena, onde
todos fofocavam e olhavam de queixo erguido. O rótulo sobre ser “gay” já o
assolava pela suposta falta de “masculinidade”. Mesmo nas redes sociais, ele
recebia uma descrença dos amigos virtuais, que não validavam a
bissexualidade, argumentando que ela servia de passagem para se assumir
gay depois.
Nathan chorou, incerto de relatar uma coisa íntima e lidar com a
rejeição em seguida. De maneira oposta, ele foi acolhido pela amiga. Nem
precisou receber uma resposta sonora, bastava envolvê-lo num abraço, tudo
relacionado a esse assunto o sensibilizava, entretanto, um peso se desfez por
finalmente falar em alto e bom som. Eu não sei como o restante das pessoas
verão, mas eu tenho muito orgulho, sabe? Retribuiu o abraço, deitando seu
rosto na curva do pescoço. Greta encheu o peito para contar sobre Albert,
confiante da privacidade e proteção gerada embaixo da arquibancada na
quadra de basquete. Ainda assim, guardou o impulso, pois aquele instante lhe
pertencia, merecendo celebrar entre eles, nem que saíssem para comer na
lanchonete. Eu te amo, Greta. Ela também o amava, amava tanto que doía.
Com o tempo, ciúmes foi um tópico incômodo que surgiu na amizade
da dupla, e nunca teve capacidade em erradicá-lo. Seu amigo era como ela no
começo do ensino médio, ficavam reclusos no mundo deles, com os sonhos
deles e suas ambições, que programaram para estarem sincronizadas. O nosso
recomeço! Recebeu um rascunho da ilustração que fez na aula de química e
aquilo a encantou. Parece perfeito, elogiou, baixinho, evitando que a
professora os pegasse cochichando. No entanto, o ruivo caminhou na frente,
com a expansão das amizades, tendo breves relacionamentos, havendo
cuidado redobrado com garotos, decidindo terminar rapidamente, receoso
dos familiares descobrirem.
Greta condenava as lembranças sendo formadas com outras pessoas.
Nas pausas dos estudos, festas e preparação para a faculdade, discussões
acaloradas explodiram, e depreciava qualquer pessoa que interagisse e
destoava-se dela. Qual o seu problema, hein? Todos escutaram os seus
gritos pelo celular, nem pude disfarçar, fiquei muito constrangido. Nathan
constantemente dividia o tempo colocando-a num pedestal, mas nada parecia
satisfazê-la, ela só ficava calma quando a festa terminava.
Reprisaram as mesmas discussões, com desabafos dele sobre o poder
que ela exercia, o deixando tão mal por coisas que não estavam erradas. Seu
nome brilhava no visor do celular e o corpo gelava, prevendo todo desgaste
mental vindo naquela chamada. Os conselhos giravam em torno do
afastamento, a proposta era efetuada e a menor argumentava com choro. Nada
lhe feria mais do que observá-la de olhos inchados, prejudicando sua fala nos
soluços, a interrompendo, cedendo sempre, aspirando ainda crer nela
melhorando.
Desistiu de insistir no assunto, a escola virou um sinônimo direto para
recordar da amizade já desgastada. River dava de ombros na introspecção,
indo na cozinha checar a torta no forno; Greta aproveitou para puxar sua
abóbora novamente, entretanto, os olhos saltaram na faca pontuda ao lado,
com acesso livre e direto.
Só pega a faca, pega a porra da faca!
As mãos suaram pelo pensamento. Tinha certeza que o homem na
cozinha não perdoaria uma atitude dessas, fazendo questão em impedi-la de
continuar respirando.
— Está tudo bem? — Reprimiu um grito quando o viu se apoiar nas
costas da cadeira, por cima de si, inclinando o rosto até estar ao seu lado.
Bem é uma palavra irreconhecível quando se embarcava direto para o
meio agitado da mente.
— Sei que não é fácil ficar trancada aqui — a postura mudou,
despejando zelo, norteando-a para trocarem de posições e acomodá-la em seu
colo — e nem lidar comigo, mas você tem sido perfeita, princesinha.
O reconhecimento pôs os segundos anteriores, prestes a ameaçá-lo
com uma faca, numa profunda culpa que machucava, atormentando-a na
hipótese de quase traí-lo.
— Eu faço o que for preciso por você! — O empenho de reafirmar
sua entrega era notório.
— Faz mesmo? — A resposta chegou num aceno de cabeça, e ela
percebeu a mudança, mas, ainda assim, falhava ao tentar interpretá-lo. —
Você é preciosa, Greta. Sinceramente, não existem mulheres boas que sejam
comparáveis contigo, querida.
Ele a beijou e ela entendeu o significado dessa ação.
A afeição vinha de pretexto direto ao sexo, às vezes, tendo que forçar
um consentimento com River, caso contrário, receberia o mesmo descaso
frequente. E o que fazer nesses momentos? Greta apenas usufruía da afeição
temporária, dançando com a incerteza num ritmo lento, tirando peças,
desejando mantê-las grudadas nela.
— Olhe pra mim — mandou, segurando-a pela garganta,
interrompendo a movimentação. — Você me pertence, ouviu? — Gostava de
inseri-la como uma posse.
Ela aceitava, desesperada em prolongar qualquer tipo de afeto, pois o
suposto homem devoto, retornando a segurar seus quadris, tornava-se
agressivo verbalmente, quando encostado sem autorização, mudando toda a
dinâmica estabelecida nos últimos meses num piscar de olhos, e nada disso a
surpreendia.