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PRÍNCIPE DE GELO

Copyright © 2021 Natália Dias

Essa é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e acontecimentos descritos aqui são
produtos da imaginação do autor. Qualquer semelhança com nomes, datas e acontecimentos reais é
mera coincidência.

Capa: DTTENORIO
Revisão: Victoria Gomes e Natália Dias
Diagramação: Victoria Gomes

Todos os direitos reservados. É proibido o armazenamento e/ou reprodução de qualquer parte


dessa obra, através de quaisquer meios, sem a autorização da autora. Ressalva para trechos curtos
usados como citações em divulgações e resenhas, com autoria devidamente identificada. A violação
dos direitos autorais é crime estabelecido pela lei no. 9.610/98 e punido pelo artigo 184 do código
penal.
ÍNDICE
ÍNDICE
Nota da autora
capítulo um
capítulo dois
capítulo três
capítulo quatro
capítulo cinco
capítulo seis
capítulo sete
capítulo oito
capítulo nove
capítulo dez
capítulo onze
capítulo doze
capítulo treze
capítulo quatorze
capítulo quinze
capítulo dezesseis
capítulo dezessete
capítulo dezoito
capítulo dezenove
capítulo vinte
capítulo vinte e um
capítulo vinte e dois
capítulo vinte e três
capítulo vinte e quatro
capítulo vinte e cinco
capítulo vinte e seis
capítulo vinte e sete
capítulo vinte e oito
capítulo vinte e nove
capítulo trinta
epílogo
EM BREVE: PRÍNCIPE DA HONRA
LEIA TAMBÉM: PRÍNCIPE DA MENTIRA
Sobre a autora
Nota da autora

Gostaria de te dar as boas-vindas à realeza! Nas próximas páginas, vocês vão conhecer um
pouco mais do que acontece pelos corredores do castelo que abriga os Herdeiros de Delway, dessa
vez na companhia de Richard Thompson, nosso futuro rei.

Algumas informações importantes antes de você começar a leitura: Príncipe de gelo é o


segundo livro da série Herdeiros de Delway, escrita em parceria com a autora Victoria Gomes, que
vai trazer um livro para cada um dos príncipes de Delway: Stephen, Richard e Theodore Thompson.
O primeiro livro da série — Príncipe da mentira, protagonizando Stephen — já está no ar e pode ser
encontrado clicando aqui. Não se preocupe: cada livro pode ser lido individualmente e na ordem que
preferir. Os três irmãos têm uma relação muito próxima de amizade e lealdade, então vão aparecer
com frequência na história um do outro — e tomamos cuidado para evitar spoilers dos outros livros.

Delway, assim como todas as outras monarquias que aparecem ao longo da série, é um país
fictício, criado para essa série. As tradições, costumes e arranjos também foram criados para as
histórias e são explicados ao longo dos capítulos.

Muito obrigada pela leitura! Se possível, lembre de avaliar o livro quando terminar; ajuda
muito na divulgação e a alcançar mais corações prontos para se apaixonarem por homens literários
que infelizmente não existem no mundo real. Entre em contato pelas redes sociais e nos conte o que
estão achando da história! A minha principal é o Instagram, mas podem me encontrar no Facebook e
Tiktok também.

Prepare a sua coroa e vestido de baile, e venha mergulhar nos segredos e intrigas da família
real de Delway!
capítulo um

O atraso de vinte minutos do monarca de um dos países aliados resultou em vinte minutos de
atraso no jantar com a minha família. Enquanto desço as escadas em direção ao grande salão de
jantar, olho no relógio de pulso, agoniado com o tic tac do ponteiro que parece zombar de mim.

Assim que adentro o cômodo, o sorrisinho zombeteiro do meu irmão Stephen, o filho do meio
da família real Thompson, me atinge pelo meu atraso. Eu nunca me atraso.

— Ora, ora, se não as coisas não estão mesmo mudadas nessa família — ele zomba, mesmo
que a expressão da nossa mãe, Beatrice Thompson, seja de repreensão ao encará-lo.

Como sempre é, não caio na sua provocação e cumprimento a todos com uma reverência
rápida antes de me sentar ao lado do nosso pai, Arthuro Thompson, o até então rei de Delway. Pelo
menos de nome, já que há bons anos venho desempenhando a sua função. Ele cuida das assinaturas,
eu cuido do trabalho árduo e das burocracias. Como um treino para o futuro próximo, ele disse
quando sugeriu que eu passasse a tomar conta de tudo antes de ser coroado de fato. Mas sei que
nosso pai só está cansado.

Ele assumiu o trono muito cedo e pouco aproveitou do seu casamento e dos seus filhos. As
viagens que Arthuro e Beatrice Thompson tanto amam só estão sendo feitas agora. De certa forma,
me sinto honrado pela confiança que eles depositam em mim.

— Tudo bem, filho? Você parece cansado — meu pai comenta, inclinando a cabeça de leve em
minha direção para que Beatrice não nos repreenda por conversar à mesa.

Faz algum tempo que ela deixou de ser tão rígida com essas regras, afinal não tem como
controlar crianças por muito tempo, mas é difícil se desfazer de costumes rígidos, então nós ainda
estamos nos acostumando à nossa nova rotina.

— Estou bem, pai. Só tive um dia cheio.

— Se você estiver sobrecarregado demais, eu posso tomar o controle novamente. Você sabe
que não precisa pegar uma responsabilidade dessas tão cedo — fala, esticando a mão para apertar a
minha por cima da mesa.

— O senhor sabe que esse é o meu sonho. Eu nasci para isso. Não estou sobrecarregado.
Ele sorri orgulhoso e acena em concordância.

Distraio-me por alguns segundos quando mamãe autoriza que o jantar seja servido, agora que
cheguei. Escuto a barulheira incomum enquanto as comidas são servidas e preciso assumir que gosto
de como as coisas estão funcionando depois que Stephen se casou.

O casamento foi inesperado, porque de acordo com as tradições, eu, como irmão mais velho e
futuro rei, deveria ser o primeiro a me casar para poder assumir o trono que meus pais estão doidos
para abdicarem. Mas, contrariando todas as expectativas, Stephen se casou em uma união por
conveniência com a princesa de um dos países com quem tínhamos uma amizade e aliança. A chegada
das minhas sobrinhas só serviu para alegrar o castelo, que sempre foi tão silencioso.

— Você está triste, titio rei? É por que vai ficar velho? Não fica assim, ser adulto é muito
legal. — Blair Thompson-Alton, minha sobrinha mais velha, uma garotinha muito esperta de sete
anos, faz todos rirem à mesa, inclusive eu.

— Não estou triste. Só estou um pouquinho cansado. E como a mocinha sabe que ser adulto é
legal?

— É o que dizem. — A pequena dá de ombros e logo se desinteressa pelo assunto,


embarcando em uma conversa com a bebê ao seu lado. Quer dizer, em um monólogo, porque Valerie,
a minha sobrinha mais nova, está começando a soltar as primeiras palavrinhas agora.

Vejo a expressão de preocupação no rosto de todos ao me fitarem e imagino que minha face
deve estar estampando todo o cansaço do dia. Da semana. Mas já estou acostumado a lidar com
todos os membros dessa família, e eles estão acostumados que dificilmente vou assumir alguma
fraqueza, então nunca insistem.

Felizmente para mim, não menti para meu pai quando disse que é meu sonho de vida assumir o
trono. Vale a pena todo o cansaço. Acho que me preparo para isso desde os meus dez anos, quando vi
meu pai comandar o país inteiro de forma justa, ajudando quem precisava, sendo firme onde
requeria. Ele sempre foi meu exemplo. Mesmo que isso drene todas as minhas energias, foi para isso
que estudei e me dediquei a minha vida inteira: para me tornar um rei como Arthuro foi.

A ansiedade pela coroação me corrói, mas não tenho muito tempo para pensar nisso. Sei que
antes vou precisar encontrar uma esposa, alguma princesa que se encaixe no perfil de rainha. Ainda
não tenho nenhuma em mente, mas sei que minha mãe já deve ter dezenas de princesas na sua lista.

Não me importo em obedecer às tradições; na verdade, acredito fielmente que nosso país só
chegou onde está pelo fato de as seguirmos. Foram poucas as exceções que resultaram em coisas
boas, uma delas foi a confusão em que Stephen nos meteu com seu casamento.

Faço minha refeição em silêncio, observando a dinâmica de cada um à mesa. Stephen e


Louise, sua esposa, não param de trocar olhares apaixonados e toques despretensiosos. Nossa mãe
não para de babar em Valerie, com pouco mais de um ano de idade agora. Theodore, meu irmão
caçula e general do exército, calado até então, observa a tudo com a sobrancelha arqueada e o
sorriso zombeteiro.

— Por favor, Richard, quando você se casar, não fique como esses dois aqui — Theo pirraça
Stephen, que só não o bate como costumava fazer quando éramos pequenos porque ele tenta fingir
seriedade durante o jantar pelo menos.

— Diga isso depois que você se casar. E espero que você não suporte ficar sem a sua esposa
da mesma forma que eu.

Louise sorri para ele e toca seu rosto com carinho.

É estranho observar como esses dois parecem ser um só na maior parte do tempo. O amor
deles sobreviveu a poucas e boas.

Sinceramente, não me imagino em um relacionamento assim. Sim, vou me casar com alguma
princesa algum dia, mas será mera conveniência. Não me imagino marido de alguém, porém sei que
farei o necessário para que a minha coroação seja possível. E se para assumir a coroa, preciso disso,
então me caso sem questionar.

Só que a certeza de que não encontrarei o amor da minha vida assim vem forte, pois um raio
não cai duas vezes no mesmo lugar, muito menos três. Meus pais se amam de forma devota, Stephen e
Louise se completam como ninguém. Isso não vai acontecer comigo. E não procuro por isso. Estou
bem com o comando do meu país, não tenho nem tempo para relacionamentos sérios. Mesmo que eu
admire o amor dos meus pais e do meu irmão, o sentimento não é a minha prioridade.

Nós terminamos de comer em uma bagunça agradável. Nosso irmão do meio conta sobre mais
um dia no orfanato, o local preferido da sua vida inteira, com o sorriso habitual no rosto sempre que
fala das crianças que ajuda. Louise colabora com as histórias, porque depois que se casaram, eles se
engajaram ainda mais com os trabalhos filantrópicos.

Preciso agradecer à minha cunhada por ter assumido essa parte de decidir sobre os eventos.
Mesmo que nós não façamos tudo, porque somos cercados de gente dispostas a fazerem o que for
preciso, em qualquer situação, nós temos em comum o fato de gostarmos de nos envolver diretamente
naquilo que nascemos para fazer. Eu, em encontros diretos, viagens, congressos, eventos políticos;
Stephen nas instituições em que ajudamos, em visitas semanais, levando mantimentos, e Theodore no
exército, treinando os soldados, viajando para ajudar países aliados quando solicitado. E agora
Louise, que está cuidando da organização de todos os eventos. Menos uma coisa para eu me
preocupar. Deixei tudo em suas mãos, e nas do meu irmão quando decide se envolver.

— Richard, posso ajustar uns detalhes com você sobre o seu aniversário depois? — Falando
nela, minha cunhada fala depois que terminam a história da apresentação que fizeram no orfanato.

— Claro. — Aceno sucinto, e Louise faz o mesmo.

Quando os funcionários do castelo recolhem os pratos, nós nos levantamos e cada um vai para
os seus aposentos. O único que fica ao meu lado é Theodore, que me acompanha na minha caminhada
em direção ao andar superior, onde fica meu quarto.

— Você está bem mesmo?

Viro-me de lado para mirar o caçula, as tatuagens em excesso de fora da camisa social branca
que usa, o cabelo quase raspado, os olhos azuis brilhantes demais.

— Está. Por que não estaria?

— Você está mais cansado do que o normal. Seus exames estão em dia? — fala, e solto uma
risada baixa.

Theo às vezes é paranoico com a proteção da nossa família e faz de tudo para que cada
membro fique bem, mesmo que signifique ficar de olho em cada aspecto da nossa vida.

— Não vou morrer agora, irmão. Estou bem. Amanhã estarei novo.

— Diga isso depois que essa expressão de quase morte sair do seu rosto.

— Quando ficou tão dramático? — pergunto, com a sobrancelha arqueada, encarando a


expressão de verdadeira preocupação.

Theodore para na minha frente, impedindo minha passagem, e coloca a mão na minha nuca. Sei
que, quando é assim, é porque atingiu seu limite de preocupação, então tento o tranquilizar.

— Está tudo bem.

— Você tem essa pose de dono do mundo que não se abala com nada, mas aqui dentro, para a
sua família, você é apenas o Richard filho, irmão, tio, o que for — fala, encostando a testa na minha.
— Você não precisa carregar o mundo sozinho.

Dou um tapa no seu ombro e o tranquilizo mais uma vez de que tudo está bem. E está mesmo.

Ele acena, mesmo contrariado, e me distraio quando meu celular começa a vibrar no bolso da
calça social. Despeço-me de Theo com um boa-noite e dou atenção à minha agenda programada para
o dia seguinte. Mal o dia se encerrou e já tenho ideia de tudo o que me espera amanhã.

Subo as escadas até o andar superior, confirmando todos os compromissos para que possam
aparecer na minha agenda.

Assim que chego ao quarto, me livro de toda a roupa social que faz parte de mim no meu dia a
dia e vou até a sala de banho. Fico em frente ao espelho por alguns segundos para ver o que tanto
pareceu assustar a minha família e noto as olheiras escuras embaixo dos olhos castanhos. Apesar da
boa aparência, do cabelo bem cortado, da barba feita e do terno impecável, estou mesmo um caco.
Isso porque dormi pouco mais do que quatro horas na noite passada, porque tive que me encontrar
com um embaixador do outro lado do país.

Tomo um banho demorado, mas saio dos meus poucos minutos de descanso com mais
notificações vindas do meu celular. Enrolo apenas uma toalha na cintura e volto para o quarto, vendo
mais compromissos sendo inseridos pela assistente que cuida exclusivamente da minha agenda.
Suspiro e aperto os olhos ao ver que as seis horas que eu ia dormir se transformaram em quatro,
porque uma coletiva de imprensa foi inserida para bem cedo.

Apesar de todo o cansaço, me sinto realizado por estar vivendo tudo o que sempre desejei.

E esse é só o começo do meu reinado.


capítulo dois

Cada músculo do meu corpo dói pelo dia intenso de treino e pelas quedas que levei por estar
desconcentrada demais. Eu me senti como se estivesse começando a treinar agora, quando na
verdade faço isso desde os meus dez anos de idade.

Acontece que agora tenho todos os motivos do mundo para ficar nervosa e ansiosa. Vou dançar
para a família real! Isso é tão surreal que espero que a qualquer momento eu vá acordar e descobrir
que tudo não passou de um sonho. Enquanto folheio o livro que estou lendo, faço uma careta quando
fico em uma posição desconfortável na cama pequena demais em que durmo. Estou esperando o
remédio fazer efeito. Não aguentei seguir o treino até mais tarde, o que só aumenta meu desespero,
porque falta menos de uma semana para a apresentação.

A patinação de gelo é a minha vida há muito tempo, e eu queria poder viver disso. Viajar pelo
mundo me apresentando seria a realização de um sonho, mas é apenas isso mesmo: um sonho bem
distante. Primeiro porque não tenho dinheiro para isso, segundo porque tenho uma família que conta
com os meus dois trabalhos para o sustento da nossa casa. Com minha mãe doente agora, meus dois
irmãos para ajudar a cuidar e um pai que não esperou nem um dia depois do sufoco para desaparecer
no mundo, não tem muito espaço para sonhar.

Então, a oportunidade de dançar para a família real veio em uma boa hora, porque além dos
motivos óbvios, o dinheiro vai servir para segurar as pontas por muito tempo. Vou poder ficar um
tempo sem trabalhar aos finais de semana para poder cuidar dos meus irmãos.

As crianças do local em que eu dou aula, no orfanato, também estão radiantes pela
apresentação. Tenho ensaio com eles todos os dias, e ainda fico até depois do horário deles para
dançar sozinha, porque a coreografia que preparei exige muito de mim. Preciso impressionar. Quem
sabe não me chamam para apresentações futuras? A família Thompson me ajuda tanto e nem sabe,
porque são eles que fornecem um valor mensal para que as crianças tenham entretenimento além das
outras necessidades básicas, então a diretora não hesitou em me contratar.

Escuto uma batida na porta e autorizo a entrada. Vejo a carinha de Hillary, minha irmã de dez
anos, aparecer pela fresta pequena que ela abre e a chamo para entrar.

— O que faz acordada a essa hora, meu amor?


Mesmo com dor nos músculos, quase me espremo na parede para que ela consiga se deitar
comigo na cama de solteiro.

— Não consigo dormir — diz com a voz manhosa e se aconchega no meu corpo. — E você?

— Estava lendo um pouquinho para o sono vir.

Minha irmãzinha se encaixa no meu corpo, de costas para mim, e acaricio os cabelos muito
loiros como os meus. Os olhos claros também são idênticos. Eu, ela e Owen puxamos nosso pai,
infelizmente. É doloroso demais lembrar que o homem que devia ser o nosso alicerce não passa de
um covarde que fugiu na primeira dificuldade, que abandonou sua família para criar outra mais fácil.
Nunca vou perdoá-lo.

— A mamãe brincou com a gente hoje — Hillary fala animada, apesar do sono que consigo
ver que está segurando. — Fazia tempo que ela não fazia isso.

— Ela vai ficar bem, você vai ver. Logo vai poder brincar com vocês todos os dias.

Há alguns meses, nossa mãe, Marie, descobriu que estava com Linfoma de Hodgkin, um câncer
no sistema imunológico. Ainda bem que descobriu no primeiro estágio, bem no início. Isso
possibilitou que começasse os tratamentos cedo. Infelizmente, ela perdeu o emprego que tinha em um
restaurante da cidade quando começou a faltar demais graças aos sintomas do tratamento agressivo
da quimioterapia. As coisas pioraram drasticamente depois que o homem que eu devia chamar de pai
nos abandonou, deixando a casa sem nenhuma renda e eu, com apenas vinte e três anos, recém-
formada e sem emprego, tendo que me virar para conseguir sustentar minha família.

A situação, obviamente, deixou minha mãe em um estado depressivo, porque além de estar
passando por um tratamento difícil, perdeu muita coisa depois disso. Ela está em remissão, mas
ainda precisa de remédios muito caros, que são quase cinquenta por cento dos gastos que nós temos,
por isso, qualquer dinheiro extra que entra ajuda. Além de dar aula no orfanato, eu faço
apresentações na cidade quando sou chamada e trabalho de babá nos finais de semana que minha mãe
fica melhor.

— Dormiu? — pergunto baixinho, ainda alisando os fios lisos de Hillary.

Quando não responde, eu saio de forma desajeitada da cama e a pego no colo com dificuldade,
porque além da dor que sinto, minha irmã cresceu demais. Levo-a para o quarto que divide com
Owen, nosso irmão caçula de apenas quatro anos, e a coloco na sua cama. Assim que a embrulho,
vou até a porta e escuto a voz baixinha do meu irmão me chamando.
— Heather?

— Oi, meu amor — sussurro, aproximando-me da sua cama. Agacho para ficar da altura do
seu rosto.

— Eu posso ir na sua apresentação? Sempre quis ver o rei de perto.

Sorrio para ele com carinho e acaricio os cabelos longos que caem na testa. Beijo ali e aceno,
com a certeza de que sempre farei de tudo para que não falte nada para eles.

— Eu posso tentar. Não sei se eles vão liberar muita gente, mas qualquer coisa, deixo vocês
passarem com meus alunos. — Pisco para ele e faço cócegas nas suas costelas, mas paro quando
começa a rir alto e coloco o indicador na boca, apontando para Hillary, que dorme serena. — Durma
bem.

Levanto-me e saio do quarto deles, apenas encostando a porta porque os dois não gostam da
escuridão total e sempre acordam no meio da noite se ficam no escuro.

Aproveito que estou no corredor dos quartos e abro a porta da minha mãe devagar, vendo-a
deitada na cama de casal. Os fios castanhos caíram completamente, mas já estão nascendo de novo.
Os médicos falaram que ela ainda não está curada, porque corre o risco de a doença voltar, mas eu
me apego à esperança de que tudo vai ficar bem a partir de agora. Ela foi forte e resistiu a todo o
tratamento, então sei que vai ser apenas mais um desafio na nossa vida.

— Heather? — Escuto sua voz quando estou quase fechando a porta.

— Oi, mamãe. Está precisando de alguma coisa? — pergunto, aproximando-me da sua cama
rapidamente.

Ela remexe e se senta, acendendo o abajur de cima da mesa de cabeceira.

— Estava esperando você chegar, não te ouvi. Vem cá, filha.

Quando ela bate no colchão, eu me aproximo e me sento ao seu lado. Ajudo-a a se ajeitar na
cabeceira mesmo que ela pareça bem e disposta hoje.

— Como a senhora está?

A senhora Marie Stafford, a mulher mais forte que conheço, faz um gesto com a mão para
mudar de assunto.

— Não vamos falar sobre mim hoje. Como você está?


Ela segura minhas mãos nas suas, e eu solto um suspiro. Inconscientemente, meus olhos se
enchem de lágrimas quando minha mãe me puxa para o seu colo.

— Estou uma pilha de nervos — confesso em um fio de voz, colocando para fora pela
primeira vez o desespero que estou sentindo. — E se eu cair no meio de todas aquelas pessoas
importantes? Essa pode ser a chance da minha vida de…

A frase morre, porque me dou conta de que, mesmo que seja uma grande apresentação e me
abra portas, eu jamais poderia deixar tudo. Seria muito infeliz por deixar minha família.

— De fazer o que você ama longe daqui? — mamãe completa com a voz fraca, as mãos
acariciando meus cabelos. — Gostaria que você pudesse realizar todos os seus sonhos, querida.
Acho que devia. Já estou melhor, em breve vou poder arrumar um emprego, contratar alguém para
cuidar dos meninos. Nada disso que faz é a sua obrigação.

— Eu sei que não, não faço por ser. Vocês são a minha família.

Marie fica em silêncio por muito tempo, um confortável que temos desde sempre. Ela sempre
foi uma excelente mãe para nós três. Incentivadora, animada, motivadora. Meu coração se enche de
esperança quando vejo relances de quem costumava ser, mas se esvazia um pouquinho assim que vêm
os dias difíceis.

— Eu vou melhorar, meu amor. Vou fazer isso só para que você não perca mais nada.

Não sei se diz isso achando que já estou dormindo ou se sabe que estou acordada, mas seguro
sua outra mão e a aperto.

Ela vai melhorar. Sei que vai.

Antes mesmo que amanheça, pego meus patins e a minha bolsa com as roupas que treino e
ando em direção ao estúdio de patinação. É o único dessa região, então costuma ficar cheio se vou
mais tarde. É o mesmo em que treino as crianças, por isso tenho acesso gratuito ao lugar. Isso me
ajuda muito, porque seria impossível treinar se eu fosse pagar a hora no rinque. Pego o metrô e,
cerca de vinte minutos, chego ao local. Ainda está vazio, como sempre é pelo horário. Cumprimento
o senhor simpático que abre, em uma rotina diária que ele está acostumado.

Quando troco de roupa e calço os patins, me aqueço dando voltas pela pista, apenas para
acostumar meu corpo. As dores melhoraram, então vou poder me dedicar algumas horas antes de as
crianças chegarem no ônibus que as traz para cá.

Nas competições de gelo têm uma modalidade exclusivas das mulheres, chamadas ladies’
singles skating, e é nessa que me encaixo mesmo que eu não compita. Já tentei treinar com um par,
mas nunca encontrei alguém que se encaixasse comigo, que desse um match na dança, então sigo
dançando sozinha. Eu mesma monto as minhas coreografias e treino até a exaustão.

Depois que me aqueço, faço uma sequência de saltos que venho treinando há um bom tempo.
Pouquíssimas pessoas conseguem realizar o triple axel, que é basicamente dar três saltos no ar e
depois aterrissar no rinque sem cair. Isso significa muitas quedas e dores, mas não desisto. Queria
poder realizar o passo no dia da apresentação para a família real, mas não sou corajosa o suficiente
para arriscar, não quando eu não consigo nem no treino.

Tenho orgulho de ter me especializado em patinação de gelo em uma das melhores


universidades de Delway, depois de me formar em dança, quando as coisas eram mais fáceis e
pareciam que me trariam um futuro promissor. Sempre costumava pensar que parecia bom demais
para ser verdade eu estar fazendo o que sempre amei. Realmente, a vida me provou que era bom
demais e que eu comemorei cedo.

— Merda — xingo depois de mais uma queda.

O nervosismo me desconcentra e só consigo fazer dois giros no ar antes de cair no rinque.

Treino mais algumas horas, dando sequência à coreografia que preparei para a apresentação
real. Quando as crianças chegam, escuto os quinze gritos se aproximando de mim e em seguida sinto
os bracinhos ao redor da minha cintura e pernas.

— Vocês estão animados pelo visto. Gosto assim — brinco, abraçando cada um como posso.
— Estão preparados para continuarem com a coreografia?

Como eles ainda não têm muita prática, montei uma coreografia simples inicial com eles e a
outra metade com uma apresentação solo minha. Enquanto se arrumam e guardam as coisas, eu
preparo a música e os aguardo.

As quinze crianças se posicionam no rinque e aguardam pelo comando. Quando começo a


relembrar o passo e eles fazem tudo sem errar nenhuma vez, meu sorriso se abre de orgulho por saber
que, mesmo que minimamente, levo um pouco de alegria e esperança para essas crianças enquanto
esperam um lar.

Assim que a parte delas da coreografia se encerra, eu bato palmas e gargalho de orgulho,
recebendo gritinhos animados em troca.

— Crianças, vocês vão encantar a família real!

E, sem saber, eles me dão muita esperança e alegria também.


capítulo três

Com a idade, vem o aumento da ansiedade para a coroação. É tudo o que consigo pensar nos
últimos tempos. Agora mesmo, me distraio da conversa com os convidados do meu aniversário de
trinta e cinco anos, organizado por Louise. O evento saiu em todos os jornais do país, como se fosse
algo incrível e surpreendente, mas é assim todos os anos. Sempre meu rosto estampado com
expectativa de quando será a minha coroação.

Não é surpresa para ninguém que meu pai não ficaria no trono até o seu falecimento, a
população está ciente desde sempre que eu iria assumir quando ele se cansasse demais das
responsabilidades, então acho que estão tão ansiosos quanto eu.

Cumprimento um dos amigos da família, que me dá tapas nas costas e puxa meu saco. O salão
de festas está cheio, então uso isso de desculpa para me afastar e transitar entre os convidados.

Vejo Stephen e Louise em um canto, trocando sussurros ao pé do ouvido, os cabelos ruivos da


minha cunhada escondendo o que quer que meu irmão esteja falando. Theo dança com uma das
convidadas, o sorriso no rosto de quem faz o que for preciso para se adaptar ao ambiente em que
está. Mais distante, Blair dança devagar com Valerie. A pequena mal começou a andar e já é guiada
para lá e para cá pela irmã mais velha. Meus pais estão em uma dança lenta no centro da pista de
dança, e só eu sigo na tarefa difícil de conversar amenidades.

Sou muito bom em passar horas e horas em reuniões discutindo política, mas péssimo em
trocar cinco minutos de uma conversa normal.

Várias convidadas me chamam para uma dança, mas eu dispenso de forma educada, porque
mesmo que tenha tido aulas durante a minha adolescência, não é algo que eu saia fazendo por aí.

A essa altura, não preciso dizer que não sou muito bom em interações normais.

— Filho… — Sinto a mão da minha mãe no meu ombro, depois que fico sozinho por alguns
segundos. — Está gostando da festa?

— Preferia comemorar somente em família, mas aprecio o esforço da Louise. A decoração


ficou incrível.

Minha mãe olha ao redor do salão junto comigo, onde blocos de gelo estão em todo lugar
possível que Louise encontrou para colocá-los. Para simbolizar a chegada do inverno, segundo minha
cunhada, mas sei que isso tem o dedo de Stephen e Theo, que insistem em me chamar de príncipe de
gelo. Só porque não sou extrovertido como eles não quer dizer que meu coração seja gelado, só não
faz parte de quem eu sou me abrir para qualquer um. Não faz parte de mim deixar qualquer um entrar
na minha vida.

— Onde estão Stephen e Louise?

— A senhora não vai querer saber o que eles aprontam por aí — respondo e vejo o sorriso
dela crescer, ao contrário de todas as expectativas.

Não demora a meu pai se aproximar e me entregar uma taça de champanhe, que aceito de bom
grado. Não costumo beber, nem mesmo em eventos como esse, mas faço uma exceção pela ocasião.

— Como está o acordo de paz com os Nixon? — papai pergunta, e abro a boca para
responder, mas minha mãe ergue o dedo para me calar.

— Hoje meu filho mais velho, que era meu bebê um dia desses, está fazendo trinta e cinco
anos. Vocês não vão discutir política. Vem, você vai dançar com a sua mãe.

— Mãe… — protesto, e Beatrice faz aquela cara que torna impossível negar algo.

Olho para meu pai em busca de ajuda, mas ele dá de ombros e se afasta. Governar um país é
fácil em vista de enfrentar uma mãe furiosa.

Cedo ao seu pedido e me curvo para ela em sinal de respeito, segurando sua mão em seguida
para a dança. Imediatamente, os convidados aplaudem e se afastam para nos dar espaço. Ótimo, o
tipo de atenção que consegui evitar até agora.

Seguro com delicadeza nas suas costas e a guio em uma dança lenta pelo salão.

— Eu costumava me derreter quando vocês três dançavam coreografados. Você era o que mais
gostava — minha mãe fala, a mão apoiada no meu ombro e o sorriso grande no rosto.

Os olhos azuis demais são quentes, acolhedores, mas demonstram uma força que sempre
apreciei nela e no meu pai.

— Eu gostava.

— Uma pena que quando crescem, vocês não obedecem aos pais mais, senão eu ia obrigar os
três a continuarem — brinca, e eu abro um sorriso curto. Ela dança o tempo inteiro sorrindo. —
Quando você vai começar a procurar por uma esposa? Tenho uma lista. Sei que você disse que quer
estudar as melhores opções, mas posso te fornecer algumas.

— Tenho outras prioridades por agora, mas em breve, mãe. Não se preocupe que logo vocês
vão poder viajar o mundo.

— Não estamos te apressando, longe de mim! — Faz uma expressão maliciosa que me lembra
a de Stephen quando diz algo oposto ao que quer dizer. — Estou orgulhosa de você e de quem se
tornou. Sempre soube que seria um bom governante.

Suas palavras me emocionam, mesmo que por fora a expressão fique impassível. Aperto-a a
mim e beijo sua testa assim que a música acaba. Nós nos curvamos em direção aos convidados, e não
demora que a senhora Beatrice Thompson volte para os braços do meu pai.

Converso com mais algumas pessoas antes de ver Stephen e Louise de volta, junto com Theo,
que parece surpreso com algo que ouviu. Eu me aproximo deles e olho para os três com uma
expressão interrogativa.

— Você vai ser tio de novo, meu irmão. — É meu irmão do meio quem diz, tirando-me da
preocupação de estar acontecendo algo de errado.

Fico verdadeiramente feliz pelos dois e sei que não vai demorar muito para este castelo estar
lotado de crianças dele e de Louise.

— Você merece toda a felicidade do mundo — respondo sincero.

Nós somos interrompidos por uma voz no microfone, anunciando alguma apresentação. Olho
para Louise sem entender, porque não estava sabendo disso, e ela apenas sorri. Os convidados são
guiados até outra área do castelo, onde vejo que foi montado um rinque enorme de patinação.

O lugar acomoda confortavelmente todo mundo mesmo a pista ocupando boa parte da sala. Os
membros da família Thompson são orientados a se sentarem, e fico em uma poltrona ao lado de
Stephen e de Theo. As luzes são ajustadas, e vejo uma fila de crianças entrar ali. Em seguida, uma
mulher aparece logo atrás.

Com uma roupa azul brilhosa, ela sorri para as crianças e se posiciona no meio do rinque. Os
cabelos loiros estão presos em um coque no topo da cabeça e o sorriso nervoso nunca sai do seu
rosto. Quando a música começa, ela dança em sincronia com as crianças. A forma como a mulher se
move a faz parecer uma pluma.
Eu costumava patinar quando mais novo, mas nunca tive muito sucesso nisso.

Ela faz parecer tão simples pela forma como se entrega à coreografia. Em determinado
momento, as crianças se afastam e a mulher se torna o centro da apresentação. Linda…

Seus olhos se fecham durante a coreografia e só se abrem quando precisa executar o próximo
salto. Depois das piruetas no ar, a mulher aterrissa na pista e patina de costas, as mãos no ar como
um pássaro e a perna esquerda erguida. E o sorriso. Brilhante e arrebatador, que me faz focar nela em
cada mínimo movimento.

Escuto Stephen e Theo rindo de algo que falaram, mas não presto atenção em mais nada.
Apenas nela.

A apresentação acaba rápido demais, porque eu poderia vê-la dançar assim por horas. Ela se
junta com as crianças e faz uma reverência em direção à onde está minha família.

E então, os olhos azuis vêm até os meus. Eu me levanto, mas logo a responsável pela
organização da festa os guia até a saída. Seus olhos ainda estão presos aos meus enquanto ela se
afasta. Quando olha para trás, dou um passo em sua direção, curioso. Intrigado.

Antes que consiga controlar ou pensar demais no que estou fazendo, sigo na direção por onde
ela sumiu. Só paro quando encontro um dos seguranças protegendo uma das alas do castelo.

— Onde a patinadora está alocada? — pergunto, sem tirar os olhos do corredor por onde ela
sumiu.

— Na ala esquerda, Vossa Alteza. Junto com todos os organizadores.

Aceno em concordância e sigo na direção que ele disse. Não tem ninguém aqui com exceção
dos seguranças, que estão em cada canto do castelo. Assim que chego, escuto vozes.

— Você viu o tanto de medalha que ele tem? Eu quero ser igual! — É uma voz infantil de um
menino quem grita.

— Shh, Owen, vai que não pode fazer barulho aqui.

— Eu queria tanto poder conversar com eles. Deve ser tão legal. — Agora é uma menina quem
fala.

— Mas não pode, Hillary. Vocês nem podiam estar aqui. Eu tive que mentir e…

Quando os escuto se aproximando, viro o corredor e dou de cara com a patinadora. Eu quase
sorrio da expressão engraçada com que ela me olha, como se tivesse visto um fantasma.

— Vossa Alteza, o senhor não devia estar aqui.

Rapidamente vários dos seguranças se aproximam, assustando a mulher e as crianças ainda


mais.

— Não tem problema — falo para ele, sem ter um mínimo de prudência.

Não é seguro que pessoas transitem no castelo e muito menos que eu interaja com elas, mas a
mulher parece indefesa. E estou curioso para falar com ela.

— Vossa Alteza — ela gagueja, ainda com os olhos saltando do rosto, enquanto se curva e
protege as duas crianças com os braços ao mesmo tempo.

Faço um sinal para que os seguranças continuem a sua vigia, e eles se afastam, mas sei que
estão de olho mesmo assim, porque é o trabalho deles manter cada membro da família em segurança.

— Uau! Você é mesmo grandão de perto! — o menininho exclama, e eu sorrio para ele.

— Você provavelmente vai ficar bastante alto também quando ficar mais velho.

Meus olhos se voltam para a mulher, que está vermelha da cabeça ao pescoço.

— Eu… Me desculpe por… Eu não devia ter os trazido. Estou encrencada?

— Por que não devia? — questiono, olhando o subir e descer do seu peito, acelerado de
nervosismo.

— Eles são meus irmãos, não estão na apresentação, mas eles queriam conhecer aqui. Queriam
conhecer você. Quer dizer, a Vossa Alteza. Eu… sinto muito — diz apressada, e tenho vontade de
segurar seus ombros e pedir que respire fundo e se acalme.

— Não está encrencada, está tudo bem.

A menina ao seu lado parece paralisada também, e noto que os três são muito parecidos. Todos
são loiros de olhos azuis expressivos demais.

— A sua apresentação foi linda — falo o que quis falar para ela desde que a vi dançando. —
Fazia anos que eu não via algo que me tirasse de órbita.

— Oh, jura?
Ela abre aquele sorriso novamente, o responsável por desestabilizar até o mais centrado dos
homens. Como eu.

— Como é seu nome?

— Heather. Heather Stafford. Fico muito lisonjeada que tenha gostado. A dança é a minha vida
— sussurra contagiante, e eu aceno.

Observo-a com tanto afinco, em busca de mais sorrisos, mais gestos delicados como o que ela
faz de nervosismo, percebo eu. Seu rosto cora novamente com a minha indiscrição, até que caio de
volta para a realidade quando a organizadora do evento aparece com as outras crianças. Elas soltam
gritinhos e passam por mim acenando, guiados pela mulher.

— Com licença, Vossa Alteza. Eu preciso os acompanhar.

Heather se curva novamente em reverência e, quando volta à sua posição, os olhos vêm aos
meus de novo. Ela segura os irmãos pelas mãos, mas me assusto quando o menininho sai correndo e
gruda nas minhas pernas.

— Owen! — Heather chama, mas eu a tranquilizo erguendo a mão. — Me desculpa. Ele não
entende.

— Não tem problemas.

Afago as costas do garotinho e bagunço os cabelos grandes, recebendo um sorrisinho alegre


em troca. Recebo outro da garotinha, com os dentinhos da frente faltando. Sorrio abertamente para
eles também, acenando um tchau quando se apressam para acompanhar a fila de crianças.

Acompanho Heather com os olhos, a última da fila.

Espero, e ela se vira para mim uma última vez antes de sumir de vista.

Questiono-me o motivo de tamanha curiosidade, mas sei que a cena dela dançando não vai sair
da minha cabeça tão fácil.

Heather…
capítulo quatro

Eu conversei com o príncipe.

O príncipe Richard, futuro rei de Delway, esteve cara a cara comigo. Falou comigo! Deus… A
cada vez que repito a cena na minha cabeça, me sinto mais tonta por não ter dito nada inteligente,
nada impressionável. A única chance que tive de falar mais sobre a minha patinação foi perdida
porque não consegui articular mais do que duas frases inteiras.

Mas me dê um desconto. Richard Thompson é desconcertante. E muito bonito. Muito, muito


mesmo. A beleza é comum; olhos e cabelos castanhos, pele clara levemente bronzeada, alto demais.
Mas algo na sua postura, na forma como fala, se move e olha para as pessoas o torna um ímã que
suga a nossa atenção. É impossível desviar a atenção dele. Eu senti meu estômago cheio de
borboletas pela forma como ele me encarou assim que terminei a dança. Imaginei que tivesse sido
coisa da minha cabeça, afinal, o que o futuro rei do país ia fazer olhando com encanto para mim?
Mas depois, quando me flagrou falando besteira, descobri que estava certa.

O rei me elogiou!

Estou nas nuvens. Fui trabalhar o dia de hoje com um sorriso bobo no rosto, cheia de orgulho
das crianças e de mim mesma pela apresentação linda que fizemos. Não quis arriscar o passo triple
axel que estava treinando com medo de fazer feio justamente na apresentação mais importante da
minha vida, mas isso não tirou a beleza de nada.

Chego em casa com as bochechas doendo de tanto sorrir, doida para contar para a minha mãe
como as coisas foram. Mesmo que eu tenha certeza de que meus irmãos fizeram isso muito bem.

— Mãe? — chamo quando escuto um barulho vindo da cozinha. — Hills? Owen?

— Aqui! — Hillary grita e deixo a bolsa em cima do sofá enquanto sigo as vozes que vêm da
cozinha.

Meus olhos se arregalam quando vejo que minha mãe está cozinhando. O cabelo rente à cabeça
está sem o lenço dessa vez, mas Marie não parece incomodada com isso. Pelo contrário, seu sorriso
está espelhando o meu.

— Mamãe, a senhora não devia estar em pé assim. Senta — digo, aproximando-me com medo
de que ela fique fraca e caia a qualquer momento.

— Estou bem. Quis adiantar o jantar. Você sempre chega cansada.

— Não precisa se esforçar. Deixa comigo agora, que eu sirvo pelo menos.

Mesmo contrariada, ela me deixa terminar de arrumar a mesa do jantar. Mal começo e meus
irmãos começam a tagarelar novamente sobre ontem. Pelo visto não foi só para mim que a noite foi
inesquecível.

— Mamãe, ele é tão bonito! — Hillary conta, e sacudo a cabeça com um sorrisinho depois de
lavar as mãos e começar a colocar os pratos em cima da mesa de madeira.

— Me conta, filha. Me dê a sua versão sobre como foi ontem. Seus irmãos me deram bastante
detalhes já, mas quero ouvir de você.

Solto um suspiro sonhador e prendo o lábio entre os dentes para controlar meu lado tiete.
Narro passo a passo do dia de ontem, desde quando chegamos ao castelo e fomos revistados dos pés
à cabeça até o encontro com Richard. Minha mãe ouve tudo atentamente enquanto nos sirvo e falo ao
mesmo tempo. Os três começam a comer, e eu sigo no meu monólogo empolgado.

— Pelo visto foi bom. Não acredito que vocês conheceram o futuro rei.

— Nem eu! Ele é tão… — falo e não consigo segurar o suspiro desta vez. — Encantador. E
humilde. Que outra pessoa ia se aproximar tanto assim de gente que não conhece? A gente podia ser
perigoso, mas ele afastou os seguranças para falar com a gente! E o Owen ainda abraçou as pernas
dele!

Meu irmão caçula ri animado, e nós o acompanhamos na risada contagiante.

É como estar vivendo em um universo paralelo, só assim é explicável o fato de tudo isso ter
acontecido. Depois que encerramos a apresentação, a organizadora do evento disse que a própria
princesa Louise que nos escolheu para nos apresentarmos no aniversário do Richard. Fiquei ainda
mais honrada, porque eu a admiro demais pelos trabalhos que vem fazendo junto ao seu marido.
Nunca dei muita bola para o que dizem sobre eles na mídia, porque odeio julgar sem conhecer a
pessoa de fato. Para mim, enquanto se prove o contrário, são apenas especulações.

— Será que eles te chamam de novo? — mamãe pergunta depois que Owen termina de contar
com risadinhas sobre o episódio do abraço nas pernas e de como o príncipe reagiu.

— Eu não sei. Mas já estou muito feliz por tudo o que aconteceu. Foi um sonho.
Nós terminamos o almoço em uma conversa animada, como há muito tempo não tínhamos.
Além da noite de ontem, ainda temos a alegria de termos nossa mãe sentada à mesa com a gente. Ela
ainda se sente muito cansada pelo tratamento agressivo, mas agora é só seguir com as medicações e
voltar ao hospital anualmente para acompanhar se o câncer não vai regressar.

Quando terminamos de comer a sobremesa, eu tomo a frente para lavar a louça com Hillary me
ajudando e praticamente obrigo dona Marie a ir se deitar. Ela está melhorando, mas não pode abusar.
Tem que voltar às suas atividades aos poucos.

Vejo a alegria no rosto da minha irmãzinha também, porque mesmo pequenos, eles sentem a
dificuldade que passamos e a ausência do homem que doou os espermas para que a gente nascesse.

Mas não quero pensar nele hoje. Nada vai estragar meu dia.

Volto para a sala e me sento ao lado da minha mãe, muito feliz por vê-la sorrindo depois de
tudo. Ela sempre nos incentivou em tudo o que nós quiséssemos fazer. Quando falei que queria fazer
minha faculdade de dança, Marie foi a primeira a dizer que eu devia tentar. Na época, eu já fazia
aulas no rinque onde treino hoje, quando tínhamos condições para isso.

— A Phoebe veio aqui hoje, perguntar como tinha sido. Ela está animada. Vai lá contar para
ela — mamãe fala depois que os ânimos de todo mundo se acalmam.

— Depois eu vou. Ela vai querer me arrastar para comemorar.

Faço uma careta, e minha mãe ri, sacudindo a cabeça de leve.

— E desde quando é ruim sair para se divertir? Você nunca sai, Heather. Faz mal ficar
trancafiada em casa. Você tem só vinte e três anos, meu amor. Não se esqueça disso.

— Eu sei, dona Marie — brinco e suspiro, porque ela tem razão. Vai me fazer bem ir até a
casa da Phoebe.

Ela é minha vizinha e amiga. Nós estudamos juntas na escola e somos amigas desde então.
Phoebe trabalha como redatora em uma empresa, mas faz teletrabalho, isso é de grande ajuda para
minha família porque sempre que preciso, ela se dispõe a cuidar dos meninos. Ou os leva e busca na
escola. Um anjo na Terra.

Corro até o banheiro e tomo um banho rápido, ansiosa para ter alguém para externar todos os
pensamentos secretos que estou tendo com o príncipe. Apenas uma paixonite platônica e impossível,
mas que é gostosa de sonhar. E não é como se fosse crime fechar os olhos e imaginar que sou uma
princesa vivendo um conto de fadas ao lado daquele homem.

— Mãe, estou indo! — grito depois de descer as escadas, já com uma roupa simples de ficar
em casa, para Phoebe não inventar de me arrastar para lugar nenhum.

Escuto mamãe e as crianças dizendo que estão vendo um filme e saio, dando poucos passos em
direção à casa de Phoebe. Mal chamo e ela vem, os cabelos castanhos e longos soltos, quase batendo
na cintura, os olhos pretos me fitando com empolgação.

— Já estava indo na sua casa! De novo. Vem, me conta tudo!

Ela me arrasta para dentro e praticamente me joga no sofá quando entramos na sala simples e
toda colorida. Faço um suspense, porque sei que ela odeia.

— Vai, Heather! Já não me basta a frustração de não ter tido mídia no aniversário dele, não me
torture mais.

Solto uma gargalhada e pego a almofada dela, escondendo meu rosto e dando um gritinho fino.

— Eu conversei com o futuro rei! Ele elogiou a minha apresentação pessoalmente, Phoebe!

— Naaão! — Os olhos escuros se arregalam, da mesma forma que os meus quando vi o


homem em pessoa. — Como assim? Preciso pegar hora para falar com você agora? Me dá um
autógrafo? Você vai ficar famosa.

— Deixa de ser boba.

Nós rimos, e eu passo bons minutos contando tudo de novo. Sem me cansar. Minha amiga solta
suspiros e gritinhos nas partes mais interessantes. Imita meu gesto quando digo que ele estava me
olhando quando me virei.

— Meu Deus, um clássico das plataformas de streaming. Se tivesse a possibilidade de existir


um romance aí como nos filmes, eu ia ser amiga que incentiva você a cometer as loucuras.

— Ai, é impossível.

Suspiro e me jogo nas costas do sofá, um biquinho triste por saber que o primeiro homem que
eu me aproximei assim, que mexeu com alguma coisa dentro de mim, é distante demais da minha
realidade.

— Mas não é impossível você encontrar com ele. Várias vezes têm eventos que eles ficam
perto do público. Sem falar que ele pode te chamar para se apresentar de novo!
Se eu me considero uma pessoa sonhadora, Phoebe ultrapassa até mesmo os meus limites.

— Não acho que vá. Ele deve ser simpático com todo mundo. Mas, Phoebe, o príncipe é…

— Gostoso?

Rio alto e nego com a cabeça, mesmo que seja. Só que não é isso o que tenho em mente. Não
consigo explicar o magnetismo que vem dele. Acho que ninguém entenderia e me achariam uma
deslumbrada.

— Você não completou — Phoebe pontua após perceber o meu silêncio, e tudo o que faço é
dar de ombros.

— Inalcançável.

Minha amiga não parece se abalar com o meu momento introspectivo, pois logo liga sua
televisão e decide que a nossa programação de hoje é ver as entrevistas frequentes que Richard dá.
Sempre sério, não tem um momento sequer que ele fuja de assuntos políticos para falar da sua vida
pessoal. Ainda assim, mesmo sem entender nada do que diz, eu assisto a tudo com Phoebe só para
apreciar a beleza dele.

— Será que eles dão escapadinhas por aí? — ela pergunta depois de pausar o vídeo que
estava passando. — A gente não sabe como é a vida deles, mas eu duvido que se casem virgem. Será
que se envolvem somente com a realeza?

— Eu não sei. Stephen já foi gravado algumas vezes com mulheres variadas por aí. Theo
poucas vezes. Mas Richard… Nunca vi nada.

— Certeza que é o pior de todos — fala rindo. — Os quietinhos e mais sérios são os piores. E
os mais safados na cama. Vai por mim.

Sinto meu rosto esquentar, mas disfarço com uma risada. Não tenho como afirmar nada disso.
Entre minha formação, o cuidado com meus irmãos e agora com minha mãe, nunca tive tempo para
me preocupar com isso. Preciso lidar com o choque de qualquer pessoa que descobre que nunca tive
um relacionamento sério, que sou virgem aos vinte e três anos. Não que isso seja da conta de
ninguém, e não é algo que me envergonhe também. Não vou forçar uma situação porque acredito que
tudo acontece no tempo certo.

— Como sua mãe está?

Agradeço a mudança brusca de assunto e conto as boas novidades para ela.


É importante ter pessoas incríveis ao nosso lado nos momentos difíceis, e Phoebe com certeza
é uma delas. Espero um dia poder retribuir tudo o que ela faz pela minha família.

Distraio-me bons minutos de conversa com minha amiga, mas, sem que eu possa controlar, o
príncipe volta à minha cabeça. Não sei se pela imagem dele congelada na tela ou pelas lembranças
frescas na minha memória. O que sei é que vai demorar para eu superar o evento e para que ele saia
da minha mente.

Richard…
capítulo cinco

Sentados no sofá de uma das salas de descanso, meus irmãos não fazem jus à idade que têm e
se dão socos no ar, sem realmente se acertarem, depois de Stephen ter dito a Theo que, apesar de não
treinar como ele, tem o condicionamento físico perfeito. Como eles chegaram a essa discussão, eu
não tenho a mínima ideia. Sei que sacudo a cabeça, descrente em como eles conseguem ter um milhão
de responsabilidades e, ainda assim, agirem como se tivessem dez anos de idade.

— Eu poderia facilmente derrotar você. Só não faço isso porque não tenho calças como essa
— Steph provoca, e eu aperto os olhos, prendendo a risada.

— Vocês conseguem agir de acordo com a idade? — digo finalmente, depois que eles seguem
com as provocações descabidas.

— Antes isso a ser assim, com essas rugas na testa o tempo inteiro. Theo é paranoico, mas
pelo menos sabe relaxar.

— Paranoico é o meu…

— Ei, eu estou tentando trabalhar aqui — interrompo sua fala, antes que piore a pirraça.

Aponto para o computador à minha frente, onde está aberto um arquivo com um discurso que
preciso fazer. A assessora que montou me envia para que eu faça alterações e só preciso aprovar e
editar, caso haja necessidade. Mas está difícil me concentrar, porque meus irmãos são dois
pentelhos. Podia ir para meu escritório, silencioso, isolado, mas escuro demais. E sem essa vista
fantástica que a sala de descanso tem para a janela. Mas Stephen e Theodore fazem um bom papel em
tentar me fazer desgrudar um pouco das responsabilidades.

— Você precisa relaxar, Richard. Se enfartar de estresse, o que adianta ter se preparado a vida
inteira para isso? — Steph fala, parando atrás da minha cadeira e apertando meu ombro. — Se você
morrer, o país vai ficar na minha mão. Pensa bem.

Theodore solta uma risada, e eu sacudo a cabeça, rindo também.

— Só preciso terminar isso aqui até às… — Ergo a manga da camisa social para poder ver o
relógio. — Tenho cinco minutos. Fiquem quietos e depois a gente conversa sobre relaxar. Vocês não
têm nada melhor para fazer?
Ignoro o falatório deles e finalizo o arquivo, salvando a versão final do discurso. Quando
volto a me concentrar nos dois que seguem conversando, agora largados no sofá, como se a vida
fosse flores e não tivessem mesmo nada para fazer, a fala de Stephen me chama a atenção.

— Preciso ir daqui a pouco para uma apresentação das crianças no rinque de patinação.
Louise se encantou por elas e quer incluir isso em todos os outros orfanatos.

— Onde é? — pergunto, e meu irmão me olha, com a cabeça inclinada para o lado em
desentendimento pela minha interrupção abrupta no assunto dos dois. — O rinque. Onde é?

— No município de Delborne.

— As crianças são as mesmas que vieram aqui no meu aniversário? — questiono e noto que
cometi o erro de demonstrar interesse em algo que não deveria.

Stephen e Theodore se entreolham e abrem o mesmo sorriso debochado. Eles me amolaram a


semana inteira em relação à dança e à Heather. Tive que aturar piadinhas de que me apaixonei à
primeira vista pela patinadora, que quebrei meu coração de gelo e fiquei babando na mulher. Não dei
importância, porque sei que se rebater só piora.

— Você não nos engana, Richard. Sim, são as mesmas. A professora também — Theo é quem
responde, jogando as sobrancelhas para cima em uma provocação.

Desligo a mente por muitos minutos, enquanto os dois seguem me alfinetando e usando de toda
a lista de apelidos que me deram durante toda a vida. Esconder minha mente em uma bolha, isolando-
a do mundo, foi um mecanismo que aperfeiçoei ao longo dos anos para que nada externo me
atingisse. Funciona muito bem. Sigo olhando com a expressão séria para a pessoa por fora, mas, por
dentro, minha mente segue focada em coisas importantes.

— Acabaram? — questiono quando os escuto rindo alto.

— Qual o motivo das gargalhadas?

Agradeço a interrupção de Louise, que entra na sala de descanso e logo se ajeita no colo do
meu irmão. A mão dele imediatamente vai até a barriga dela, que não tem nem sinal de gravidez
ainda.

— Richard está apaixonado por uma plebeia. O amor impossível do século. Já vejo as
manchetes.

— A patinadora? — pergunta curiosa.


Acho que agradeci cedo demais a sua chegada. Eu me esqueci por um momento que Stephen
encontrou a sua alma gêmea. Agora que sua vida voltou para os trilhos, Louise se transformou em
uma mulher completamente diferente da que chegou aqui no castelo. Muito mais leve, sorridente,
disposta.

— Por que você não vem também, Richard? Eles já estão esperando a gente. Aposto que vai
ser bom para você aparecer assim, visitando as crianças pela primeira vez — minha cunhada propõe,
e Theo gargalha, fazendo nós três olharmos para ele pelo rompante sem sentido.

— Perdão, mas é mais fácil o mundo congelar do que Richard deixar suas reuniões
entediantes.

Arqueio a sobrancelha para ele e tiro o celular do bolso da calça social. Vejo minha agenda,
notando que tenho apenas um compromisso com a chefe de gabinete de imprensa, mas isso pode ser
adiado para daqui a algumas horas.

— Eu vou — falo, levantando-me do sofá.

Três pares de olhos surpresos me encaram, os donos com as bocas abertas como se eu tivesse
contado a maior novidade do século. Olho para o relógio e faço um sinal para que se levantem,
agilizando a saída imprevista.

— Se eu não tivesse treinamento agora, não ia perder a chance de ver esse momento —
Theodore provoca, mas o ignoro.

Acompanho Louise e Stephen, que seguem surpresos com a minha ida. Não é costume que eu
visite as instituições que ajudamos, pois meu irmão sempre se disponibilizou a cuidar disso. Mas
agora… Tenho as minhas motivações.

Sim, elas têm a ver com Heather. Mais do que quero assumir. Mas sendo sincero comigo
mesmo, pensei nela pelo menos uma vez todos os dias, principalmente na hora de dormir, quando
minha mente finalmente relaxava. Era o sorriso dela quem aparecia na minha cabeça no primeiro
segundo de descanso que eu tinha.

Não estou apaixonado como meus irmãos insistem tanto em provocar, mas a sua dança marcou
algo dentro de mim. Preciso vê-la dançar de novo.

Seguimos em direção à saída do palácio e precisamos de esforços de seguranças, porque


minha saída não estava prevista. Theodore faz questão de orientá-los, mesmo que os homens sejam
muito bons no que fazem, voltando ao modo sério e paranoico de sempre.
Nós vamos em carros diferentes e, quanto mais nos aproximamos do lugar, vejo as expressões
surpresas da população ao ver os carros reais em um desfile pelas ruas. Vejo crianças correndo atrás
dos veículos e acenando. Assim que chegamos, observo o ginásio recém-reformado. Espero que toda
a segurança se posicione do lado de fora e logo abrem a porta para que eu desça.

— Príncipe Richard! Príncipe Richard! O que te traz aqui? — Escuto uma voz questionar, mas
não posso responder, porque sou guiado para o interior do ginásio antes disso.

Assim que ficamos longe do tumulto, Stephen e Louise ficam ao meu lado.

— Sempre venho e nunca é esse alvoroço todo. Só a Vossa Majestade aparecer e todo mundo
enlouquece. Claramente a população tem seu príncipe preferido — zomba, fazendo-me rir.

Escuto o barulho das crianças ao nos verem e me aproximo devagar, meus olhos
instintivamente procurando por ela.

Então, eu a vejo. Não preciso me aproximar muito para reconhecê-la. Os olhos vêm aos meus,
daquele jeito instigante e curioso que se torna impossível desviar.

Vejo Heather ajeitar a própria roupa e praticamente se esconder atrás de uma das crianças.

— Bom dia, crianças! — Stephen diz, aproximando-se rapidamente e se agachando.

Todas as crianças o abraçam pelo pescoço e o fazem cair no meio do rinque de patinação.
Observo a interação dele com os pequenos, tendo a certeza de que meu irmão nasceu para isso. Seus
filhos serão pessoas de sorte por tê-lo como pai.

— Hoje vim visitar vocês aqui, o que acham? — Meu irmão segue em uma conversa animada
com os pequenos, e Louise se junta a ele, também envolvida com eles.

Eu foco em Heather.

— Vossa Alteza — ela cumprimenta com uma reverência; primeiro Stephen, ainda caído,
depois Louise, que sorri abertamente para ela.

Quando olha para mim, vejo os dedos torcendo o tecido da roupa que usa, muito mais discreta
e desgastada do que a que usou na apresentação há uma semana.

— Vossa Alteza Real. — Ela se aproxima de mim e se curva em cima dos patins. — Não sabia
que vocês viriam. Não preparei nada para os receber. Sinto muito pela desorganização.

— Não se preocupe. Não precisa de nada.


Desvio os olhos dos dela quando vejo que fica constrangida. Preciso parar de olhá-la assim.
Estudo o ginásio simples, sem muita iluminação, apesar de bem conservado. Mas pelo visto, a
reforma só foi feita do lado de fora porque existe muita coisa que precisa ser mexida.

— Então é aqui que você ensaia? — pergunto, voltando meu olhar para Heather, que acena e
sorri.

— Sim, todos os dias.

Ela está nervosa. Mais uma vez, seu peito sobe e desce rapidamente. E de novo tenho vontade
de me aproximar para que ela se acalme, mas não posso fazer isso aqui.

— Senhorita Stafford, não é? — Escuto a voz de Louise se aproximando, e os olhos de


Heather brilham.

— Sim, Vossa Alteza.

— Oh, por favor, só Louise. Espero que a gente não tenha atrapalhado nada. Todos nós
ficamos muito encantados com a sua apresentação. Não é, Richard?

Encaro minha cunhada e apenas aceno em concordância, meu olhar voltando para Heather em
seguida.

— Eu fico muito feliz. É uma honra para mim escutar isso.

— Você compete?

Louise começa uma conversa interessada com Heather, e eu fico como espectador das duas,
fitando a patinadora em cada gesto seu. Em determinado momento, sinto os olhos de Stephen em mim
e vejo o sorrisinho zombeteiro, que faço questão de ignorar. Quando se levanta assim que as crianças
dispersam, aproveitando a distração da professora para patinarem sozinhos, meu irmão se aproxima
de nós.

— Por mim, a gente contrata você em todas as apresentações. Inclusive, vamos ter um baile de
inverno em breve. Se não for em cima da hora, você poderia se apresentar?

— Eu? Claro! Tenho várias coreografias prontas. Eu posso sim! — Heather se agita e parece
constrangida. — Me desculpa, é que isso é… surreal.

— E você é nossa convidada para o baile também — Steph continua falando, e eu olho para
ele, pensando que meu irmão só pode ter enlouquecido.
— Convidada? Ah, eu não posso aceitar. Não me encaixo nesses ambientes. Não é apropriado.

Stephen bufa à menção da palavra, e Louise ri, segurando as mãos da mulher. Os olhos de
Heather quase saltam com o gesto, mas minha cunhada não parece nem notar.

— Por favor, nós fazemos questão.

Os dois perderam a cabeça, só pode. O baile de inverno é um evento grande, comemorado por
toda a realeza. É transmitido na televisão, mas nunca foi aberto ao público. Somente os parentes e
figuras políticas são convidados, mas eu devia não me chocar mais com as quebras de protocolos
cometidas por Stephen e Louise.

— Eu não sei… — Heather diz e me encara, como se esperasse um reforço vindo de mim
também.

E provando que não estou no meu juízo perfeito, eu surpreendo a mim mesmo compactuando
com a loucura da minha família. Não sei se conseguiria desconvidá-la de qualquer forma. Não seria
muito educado da minha parte. Mesmo sabendo a confusão que isso pode gerar, concordo e dou a
confirmação que Heather parece precisar.

— Você será muito bem-vinda, Heather.

Os olhos azuis brilham ainda mais, e o sorriso reaparece, maior ainda dessa vez. Ela acena em
concordância e arruma o cabelo de constrangimento, mesmo que esteja perfeitamente no lugar.

— Você poderia dançar para a gente mais uma vez? É tão lindo de ver! Estamos apaixonados.
— Louise se anima, sorrindo gentilmente para Heather.

— Claro!

Ela entra no clima de empolgação da minha cunhada, e Stephen chama as crianças para
liberarem o rinque de patinação. Nós nos sentamos no banco de madeira disposto ali, e percebo que
o lugar está mesmo precisando de uma reforma por dentro. Os bancos são muito desconfortáveis, e a
pintura está descascando.

Volto a me concentrar em Heather, que programa algo em uma mesa de equipamentos. Logo
uma música começa a tocar nos alto-falantes do ginásio, e ela se posiciona no centro da pista. Com
apenas uma perna só, ela gira várias vezes antes de começar a apresentação.

Heather dança como se tivesse nascido em cima dos patins. A expectativa pelos próximos
movimentos nos mantém presos a ela. É hipnotizante.
Imaginei que o sentimento bom que ela me despertou no dia do meu aniversário fosse passar
quando eu a visse dançar novamente, mas não passa. Pelo contrário, ele só se intensifica conforme
ela se move, graciosa e precisa.

Assim que encerra a apresentação, patina até perto de nós, a respiração acelerada, o rosto
vermelho e o sorriso aberto.

— É incrível — Stephen fala, e Louise concorda. — A partir de hoje, você é a nossa


patinadora oficial de eventos. Acho, inclusive, que você devia dar aula para o futuro rei.

— Eu… — Ela me olha e desvia nervosa. — Imagina. Não sou capaz disso.

— Richard costumava…

— Stephen, tenho certeza de que a senhorita Stafford tem muito o que fazer agora — corto, e
ele prende uma risada, sabendo que estava perto de conseguir me desestabilizar e me fazer me irritar
com ele.

Vejo que Heather prende uma risadinha também, mas logo sou distraído pelo meu celular
tocando, avisando-me que preciso sair agora ou senão me atrasarei para o meu próximo
compromisso.

— Preciso ir — falo e tenho a impressão de ver decepção passar pelos olhos da patinadora.
— Nos vemos no baile, Heather.

Ela acena devagar e faz uma reverência. Meu corpo reage ao simples gesto de forma
inesperada desta vez, seja pelo arfar dela, pelos lábios entreabertos ou pela forma como seus olhos
se fixam no meu corpo por alguns segundos.

Despeço-me deles e das crianças e os deixo ali, porque sei que não têm hora para voltarem.
Afasto-me e, antes que passe pela porta, viro-me para eles novamente.

Para Heather, que segue me olhando com a expressão curiosa que só termina de aumentar a
minha própria curiosidade em relação a ela.

Isso não pode mesmo dar certo.


capítulo seis

Comunicado oficial: eu fui convidada para o baile de inverno da realeza! Agora realmente
estou considerando seguir o conselho da minha amiga Phoebe e passar a distribuir autógrafos por aí,
porque não apenas fui convidada, mas fui pela própria família real em peso. Já posso morrer em paz,
porque tive uma conversa com três dos membros. E eu estava certa, eles são fantásticos!

Quando você os vê de longe, sequer imagina o quanto são humildes e simpáticos. Claro que
eles estão sempre sorridentes para a mídia, mas é o papel deles ser cordial com o público também.
Só que nunca, jamais, nem nos meus melhores sonhos, imaginava que isso pudesse acontecer.

Estou ansiosa, mas tentando me controlar porque algo pode dar errado até lá. Posso morrer do
coração de tanto nervoso, por exemplo.

E mais surtos. Eu vou dançar no baile de inverno! Desta vez em uma coreografia solo, o que só
me deixa mais nervosa, porque não vou ter a companhia e a empolgação das crianças para me
distrair e me impedir de colapsar.

— Heather! Estão batendo no portão. Acho que é a Phoebe para o jantar!

Levanto-me da cama correndo depois de ter sido interrompida pela voz da minha mãe na sala
enquanto sonhava acordada. Corro até o portão ao ouvir as palmas do lado de fora da casa. Estranho
ao ver que não é minha amiga ali. Ela ficou de jantar aqui hoje porque falei que só contaria a
novidade para ela pessoalmente. Quem está no portão é um senhor sorridente, com aquelas roupas de
motorista. Arregalo os olhos quando vejo o carro preto estacionado em frente à minha casa e ando
até lá.

— Pois não?

— Entrega para a senhorita Stafford — ele fala com a voz rouca pela idade avançada.

— Para mim? Mas…

Ele me entrega duas caixas empilhadas e se afasta com um aceno, sem que eu possa questionar
se está no endereço certo. O homem some no carro, e eu fico parada em frente ao portão, com as
caixas nas mãos, tentando entender se essa vida é mesmo minha.

— Me diz que o carro que saiu daqui não era um da realeza! — Assusto-me quando Phoebe
chega ao meu lado, silenciosa como um gatuno.

— Ai, Phoebe, você me mata, garota. Eu não sei. Vou descobrir agora. Entra.

Faço um sinal para ela fechar o portão e entro de volta para casa com Phoebe no meu encalço,
o rosto redondo xeretando as caixas nas minhas mãos. E ela não é a única curiosa, porque mal cruzo
a sala e três pares de olhos curiosos me enchem de pergunta do que é, de quem é.

— Eu não sei.

Sento-me no espaço pequeno do sofá depois que Hillary se afasta e começo a abrir o primeiro
laço azul. Essa caixa está mais pesada, e isso só aumenta a minha curiosidade. Quando puxo a tampa,
os murmúrios de surpresa saem de uma vez.

— Meu Deus… — sussurro ao ver o conteúdo.

Com os dedos trêmulos, pego os patins mais bonitos que já vi na vida. Brancos e azuis,
novinhos, brilhosos e com o melhor material. Um que nunca vi e pensei em ter porque devem custar a
minha casa. E não acaba por aí. No cantinho da caixa, está um figurino muito brilhoso, também azul.
É um collant com a saia acoplada.

— Tem cartão! — Phoebe exclama, puxando o envelope preto e me entregando.

Abro com cuidado para não rasgar, com meu corpo já me antecipando de quem se trata. A
primeira coisa que me chama a atenção é o selo vermelho com o carimbo da família Thompson.

— O futuro rei te mandou um presente — mamãe sussurra ao meu lado, enquanto tenho
praticamente que aguentar o peso de quatro pessoas em cima de mim, curiosas para lerem o
conteúdo.

— “Para dar sorte na sua apresentação. Espero que não se ofenda com os presentes” — leio a
nota sucinta, com uma caligrafia bonita que não sei se é dele.

O rei perderia tempo me escrevendo um bilhete? A pergunta some da minha mente ao mesmo
tempo em que olho para o conteúdo da caixa. Se o Richard se deu ao trabalho de me mandar um
figurino de patinação, ele também mandaria um bilhete.

— Eu vou precisar mesmo pedir autógrafos daqui um dia! — Phoebe zomba, passando os
dedos com cuidado pelas pedras grudadas no collant.

— Abre a outra, vai! — Hillary incentiva, tirando a primeira caixa de cima de mim e
colocando no canto do sofá.

Curiosa, abro mais rápido, doida para saber o que mais ele me mandou. E a surpresa é ainda
maior. Eu me levanto ao ver que se trata de um vestido de festa, longo e com a saia redonda, iguais
aos das princesas dos contos de fadas.

— Uau! — Minha irmã se manifesta quando coloco a peça em frente ao meu corpo.

— É tão lindo que eu nem tenho palavras — mamãe diz, tampando a boca com um choro
preso.

— Tudo bem. Agora me explica… O que eu perdi? — Phoebe questiona, e é minha irmã quem
começa o discurso desenfreada de dias atrás, quando recebi o convite.

Minha mãe entra na conversa, e Owen se distrai ao ver que se tratava de vestido. Aproveito
que as três estão ocupadas com os relatos da minha vida e pego o outro cartão que está na caixa do
vestido. Afasto-me delas depois de guardar a peça com muito cuidado na embalagem, com o cartão
em mãos para ler o que está escrito sozinha.

A caligrafia é a mesma, e faz meu coração bobo e deslumbrado se acelerar um pouquinho.

— “Espero que goste de azul, senhorita Stafford. Por favor, se pensou em recusar os presentes,
não o faça. Use-os no baile” — leio baixinho, só para mim, e aperto o cartão na boca para prender o
sorriso.

— Heather, ainda tem sapatos. Venha cá me contar em detalhes o que você fez para conquistar
o rei — Phoebe me chama, e eu aterrisso, aproximando-me delas novamente para contar tudo.

Não me canso de falar para eles os detalhes. É como se eu precisasse relembrá-los para ter
certeza de que aconteceram de verdade.

Mas agora, com tudo isso que vem acontecendo, a única coisa que tenho certeza é que tenho
um baile para ir.
Os dias demoraram a passar. Talvez pela minha ansiedade em excesso. Mas finalmente
chegou! Estou me sentindo deslocada aqui, parada com o vestido protegido por uma capa, minhas
roupas na bolsa, com vergonha por ter um motorista para abrir a porta para mim, porque da entrada
do portão até o castelo tem uma boa distância.

Agradeço ao senhor que abre a porta e vejo que cheguei cedo, porque tem pouca gente aqui.
Sou conduzida junto com outras pessoas, que imagino que também vão trabalhar no evento. O
caminho é o mesmo da outra vez, em direção a uma das alas do lugar imenso. Como a primeira vez,
não consigo deixar de olhar para o nível de riqueza daqui. É até estranho pensar que poucas pessoas
têm tanto dinheiro quando uma boa parte da população vive de forma simples. No país não tem
miséria, porque a família Thompson faz um trabalho muito bom na distribuição de renda no país, mas
nada se compara a isso aqui.

— Heather Stafford? — a mulher que imagino que organize todos os eventos, Helen, me
chama.

— Sou eu.

— Por aqui, por favor. — Surpresa, sigo-a para outro cômodo, diferente do lugar em que o
restante vai. — A Sua Alteza Real Louise me pediu para deixar esse espaço para você. Se precisar
de algo até a apresentação, não hesite em chamar. Com licença. Volto na hora da apresentação, vai
ser a abertura do evento.

Tão rápido quanto veio, Helen vai embora, deixando-me aqui deslumbrada e cheia de dúvidas.

Meu Deus… É um quarto muito chique, muito grande e muito da realeza. Com a mão na boca,
tiro o celular do bolso e bato várias fotos para mostrar para minha família e Phoebe. Jogo-me na
cama e sorrio. Aqui não é uma suíte normal, é quase um apartamento inteiro em um quarto.

Ando até o closet vazio, mas com espaço disponível para colocar muita roupa. Analiso o lugar
todo, até a sala de banho, onde vejo uma banheira que ocupa boa parte do cômodo.

— Como é difícil ser rico — falo sozinha ao me aproximar.

Saio do meu deslumbre e me visto, porque preciso me maquiar e fazer meu penteado ainda.
Para variar, estou nervosa, porque agora não é apenas um aniversário. Agora é o baile mais
comentado do ano pela população. É assistido por todo o mundo por ser transmitido.

Visto o figurino que ganhei e me sinto incrível nele. Meus olhos se destacam muito e pretendo
realçá-los ainda mais com a maquiagem. Quando o coque está bem preso no topo da cabeça, passo
para o rosto, com cuidado para não cair nada no collant.

Estou me arrumando em um quarto do castelo! Com um espelho de fora a fora.

Cerca de uma hora depois, estou pronta, sentindo-me muito bonita. Só faltam os patins, mas
isso só coloco quando estiver na pista.

Escuto uma batida na porta e corro para abrir.

— Senhorita Stafford, pronta?

Aceno em concordância e a sigo, pegando os patins. Ela não vai até o mesmo salão de antes.
Nós seguimos até um jardim, e finalmente vejo a decoração incrível. Se no aniversário do Richard
isso aqui estava bonito, agora está deslumbrante.

— Uau…

Flores de todas as cores rodeiam o lugar, dando vida em cada mesa disposta ao longo do
jardim coberto.

— Você vai poder colocar seus patins ali — Helen aponta, explicando como vai funcionar.
Serão várias apresentações, pelo que eu entendi. Músicos, dançarinos, cantores, até uma orquestra
sinfônica.

Distraio-me do que a organizadora está falando, observando a tudo atenta. Não tenho acesso
aos convidados ainda por onde a gente passa, mas meus olhos procuram mesmo assim.

— Pronto, chegamos. Pode calçar os patins se quiser — diz simpática e me sento, sentindo o
conforto.

Treinei com eles nos últimos dias, para saber se não ia estranhar, mas pelo contrário. São
confortáveis e macios, e é como se eu dançasse com eles a minha vida inteira. Preciso agradecer a
Richard pelos presentes.

Esforço-me para prestar atenção no restante da fala de Helen e finalmente me posiciono na


entrada do rinque. Controlo a respiração e passo a coreografia na mente. As luzes escurecem e escuto
o barulho do lugar montado para o baile silenciar imediatamente.

Preparei uma coreografia diferente dessa vez, então já autorizo a música de onde estou e já
patino até o centro da pista realizando um combo de triple flip com triple toe. Exploro todo o rinque
e gracejo com os convidados, que sorriem para mim. Rodo toda pista de patinação, cumprimentando
todos com um sorriso no rosto e realizando passos mais simples.

Faço uma reverência quando me posiciono em frente aos membros da família real.

E então, meu coração erra uma batida ao ver a forma como Richard me olha.

Sorrio para ele e volto para o centro do rinque, porque não posso deixar que me desconcentre.
Eu me dediquei à coreografia para fazer bonito, e vou fazer.

Como sempre é, dou melhor de mim para os convidados e me esqueço de tudo. Pelo menos é o
que eu digo para mim mesma, porque minha mente está o tempo inteiro me lembrando de que estou
dançando para ele. Somente para ele.
capítulo sete

Minha família está em uma roda de conversa com alguns parentes distantes, enquanto me
distraio por alguns segundos do debate sobre tempos antigos e tradições. Nem mesmo quando trocam
o assunto para um político, do meu agrado, consigo me concentrar no que dizem.

Faz alguns minutos que a apresentação acabou e Heather sumiu em direção aos aposentos que
minha cunhada fez questão de preparar para ela aqui no castelo. Estou curioso para vê-la vestida na
roupa que pedi que fizessem para ela. Não foi difícil conseguir suas medidas, assim como não foi
Theo descobrir sobre toda a vida dela depois que Stephen e Louise passaram os últimos dias
atormentando o meu juízo dizendo que eu estava interessado nela. Meu irmão fez um relatório
completo, e não solicitado, da vida de Heather e da sua família para saber se era seguro trazê-la para
o castelo. Parece que não encontrou nada, porque não me contou nada e não demorou para se juntar
ao clube do tormento.

Pedi para a equipe que cuida das roupas dos eventos para providenciar todos os presentes e
entregar no endereço dela. Ainda não tive a chance de conversar com ela para saber se se ofendeu
com meu gesto, porque eu mal a conheço. Heather pode interpretar errado minhas intenções. Apenas
não queria que gastasse demais com o evento.

— Você olhar para a escada a cada minuto não vai fazer com que ela desça mais rápido. —
Theo para ao meu lado, com uma taça de champanhe na mão e um sorriso debochado no rosto. —
Está mesmo interessado nela, não é?

— Estou curioso — confesso, sem deixar de olhar para as escadas por onde deve descer. —
Eu acho que ela deve estar assustada com tudo isso.

— E quem não estaria? — pergunta, dando de ombros. — É como um cordeiro ser jogado no
meio da cova dos leões. Ela provavelmente deve ter fugido.

— Você acha?

Viro-me para meu irmão, vendo-o prender o riso. Eu entendo que eles estejam tripudiando e
aproveitando do meu interesse, porque isso nunca aconteceu. Tenho minhas relações casuais, porque
sou um ser humano com necessidade, mas como em tudo na minha vida, há discrição. Tudo o que sai
na mídia são apenas boatos, porque nunca faço alarde sobre nada, nunca me exponho mais do que o
necessário. Nem mesmo a minha família me questiona, e fico feliz que respeitem pelo menos isso. Só
que respeitar não significa que deixam de lado as provocações. Isso nunca.

— Não sei se vale você seguir com isso, Richard. A nossa vida não é muito propícia a esse
tipo de relação, você sabe.

— Quem disse que eu estou pensando em relação? — rebato, pegando uma taça de vinho de
um dos garçons nos serve. — Só porque vocês não perdem a chance de estamparem as revistas de
fofoca com mulheres diferentes, não significa que eu seja igual.

— Ei, foram poucas vezes! — protesta, abrindo um sorrisinho de lado que diz que não se
importa de fato com isso.

Desisto de esperar que Heather desça, realmente acreditando que ela fugiu de susto. De fato,
existem poucas pessoas fora da realeza que fazem parte do baile anual. O clima é, no mínimo,
intimidante para quem não está acostumado a tudo isso. Uma parte de mim se decepciona com isso,
mas volto a me concentrar na conversa com Theodore, que muda para temas neutros e menos
invasivos do que a minha vida pessoal.

— Você vai gostar de ver isso. — Louise se aproxima cantarolando, animada como uma
criança, indicando algum ponto atrás de mim.

Quando me viro, eu a vejo, descendo as escadas. Seus olhos assustados estudam todo o
interior do salão. Não são só os nossos olhares que vão para ela.

— Isso está tão a cara da Cinderela. Tão romântico — Louise fala, suspirando em seguida.

Entrego a taça de vinho nas mãos da primeira pessoa que passa perto de mim, sem reparar
quem é, e me aproximo da ponta da escada ao ver que Heather está nervosa. Estico a mão para ela,
que me encara assustada, olhando ao redor. Sei que os olhares e as câmeras estão apontados para nós
dois, afinal, nunca me viram com absolutamente ninguém em lugar nenhum. Não vão perder a chance
de gravarem e fotografarem a primeira vez que isso acontece.

— Vem — digo para ela, que segura o vestido e termina de descer a escada devagar, sem tirar
os olhos dos meus.

Quando se aproxima de mim, segura as minhas mãos, e sinto o suor e o tremor nelas.

— Você não precisa — Heather sussurra. — Eu sou completamente desajeitada para isso. E
você vai chamar a atenção, vai ser visto comigo e… Eu vou ser vista contigo. Isso está muito
estranho.

— Você não quer ser vista comigo? — brinco, mas sério, e vejo seus olhos azuis ficarem ainda
maiores.

— Oh, não é isso. Eu ofendi você? Digo, ofendi a Vossa Alteza. Jesus. Me perdoe.

— Estou brincando, Heather.

— Ah…

Ela abre um sorriso nervoso, e eu a puxo para o centro do salão, levando-a em direção ao meu
irmão e à minha cunhada, porque sei que eles vão fazer um bom papel em acalmá-la.

— Está todo mundo olhando para mim. Isso é muito constrangedor. Eu não devia ter me
atrasado.

Contrariando o bom senso e fazendo o que gostaria de ter feito desde a primeira vez em que a
vi, faço-a parar e seguro seus ombros com delicadeza. Heather arregala os olhos ainda mais pelo
gesto, e encaro-os.

— Respira fundo. Se acalma. Está tudo bem. Você está aqui como nossa convidada, para se
divertir. Não pense nos demais convidados.

— Eu… Tudo bem.

Assim de perto, consigo ver cada detalhe do seu rosto. Uma cicatriz pequena perto da boca, as
pintinhas perto da sobrancelha, mesmo que disfarçadas por maquiagem, uma manchinha preta dentro
do olho esquerdo.

Termino o resto do caminho até meu irmão e minha cunhada e vejo que Stephen também se
juntou a eles. Quando os três abrem sorrisos grandes demais, seguro-me para não revirar os olhos.
Eles podiam ser menos óbvios.

— Heather… — Louise segura nas mãos da patinadora. — Você está tão linda. E a sua
apresentação foi desconcertante, como sempre.

— Obrigada, Vossa Alteza.

— Só Louise, por favor.

Heather acena, ainda desconcertada, o olhar percorrendo o salão de forma disfarçada, mas
ninguém mais está prestando atenção em nós. Pelo menos não de forma tão indiscreta como antes.
Existe um limite para curiosidade, e sei que as pessoas aqui pelo menos disfarçam muito bem para
parecerem educadas como foram criadas para serem.

— Como é a sua vida quando você não está arrebatando corações de príncipes, Heather?

— Stephen, se contenha — repreendo, e meu irmão me olha com curiosidade e malícia.

Eu nunca reajo às suas provocações, então isso é um prato cheio para ele seguir me
atormentando até o fim da minha vida.

— Dou aulas para as crianças e treino o resto do dia. Faço apresentações esporádicas como
essas. No resto do tempo, cuido da minha mãe e dos meus irmãos — ela esclarece, sem deixar
transparecer se entendeu as intenções na fala de Stephen.

— O que a sua mãe tem? — pergunto com curiosidade, observando Theo, que provavelmente
se contém para despejar tudo o que já sabe.

Heather entristece por alguns segundos antes de fazer um resumo sobre a mãe. Espanto-me em
como ela parece ter passado por muitos problemas nos últimos meses e, ainda assim, mantém o
sorriso e o brilho nos olhos. Observo sua narrativa passar de triste para esperançosa ao falar que a
mãe está em remissão.

— Nós estamos otimistas de que vai dar tudo certo — finaliza o discurso. — E eu falei
demais, não é? Me desculpa. Costumo falar demais.

— Não tem problema, eu perguntei. Fico feliz pela recuperação da sua mãe.

Stephen volta a ficar sério, expressando toda a empatia que existe nele. Sei que, apesar de
toda a implicância comigo, cada palavra do que ele diz é sincera. Meu irmão é a pessoa mais humana
que eu conheço, e faria qualquer coisa por qualquer pessoa que cruzasse o seu caminho, sem olhar a
quem.

— Obrigada, Vossa Alteza.

— Stephen, por favor. De todos, eu sou o mais indicado para você quebrar os protocolos —
ele fala, piscando para Heather antes de pedir licença a nós, segurar pela cintura de Louise e arrastar
para pista da dança aos beijos, comprovando o que acabou de dizer.

Theodore logo dá um jeito de se afastar de nós dois também, como um adolescente aprontando
um plano descarado demais.
— Aqui está tão lindo — Heather fala quando ficamos a sós. — O jardim está ainda mais
incrível. Esse lugar é surreal.

— Você quer ir lá? — pergunto, indicando com a cabeça o local que foi usado apenas para a
apresentação dela.

Ela acena fraco, e aproveito que está andando distraída, olhando para todos os lugares, exceto
para mim, e estudo-a no vestido. Os cabelos estão soltos, e é a única coisa que a diferencia das
princesas que estão aqui. Exceto, claro, Louise, que depois que se casou com meu irmão passou a
não seguir mais todos os protocolos. O que me enlouquece.

Os cachos de Heather caem pelo decote tentador do vestido longo, azul e cheio de brilhos. A
pele no busto está vermelha, arrepiada. Desvio o olhar quando se torna difícil demais manter os
olhos em lugares decorosos.

Guio-a até o jardim, onde nenhum convidado mais se encontra. O inverno está se iniciando,
então o frio está começando aos poucos. Ainda não está insuportável ficar aqui, mas vejo que
Heather se protege, esquentando as mãos nos braços.

— Muito frio?

— Não, não. Eu gosto da sensação do vento batendo na minha pele — afirma sorrindo. —
Obrigada pelo convite de vocês. Isso aqui é um sonho. Dançar em um evento como esse, poder
conversar com vocês pessoalmente.

Levo-a até a área do jardim em que nunca venho. Raramente tenho tempo de apreciar as
plantas queridas da minha mãe. O lugar é imenso. Heather me acompanha em uma caminhada
silenciosa e reconfortante. É difícil eu me sentir confortável assim, e ter alguém para respeitar o
silêncio que gosto.

Pela primeira vez, sou eu quem estou curioso.

— Você falou da sua mãe, dos seus irmãos, mas não falou sobre o seu pai — comento e a vejo
se retrair. — Desculpa se fui indelicado.

— Ele construiu outra família mais fácil, com uma esposa saudável.

O tom amargo não combina com ela, e percebo que não é um assunto do qual goste de falar.

— Sinto muito.
Heather acena e fica pensativa enquanto caminhamos pelos labirintos do jardim. Não reparo
em muita coisa durante a caminhada além dela, da forma como se anda, como respira acelerado me
demostrando que está nervosa.

Só paramos quando chegamos a um banco que dá acesso ao outro jardim. Faço um sinal para
que ela se sente, e Heather o faz.

— Faz anos que não venho aqui — falo, olhando ao redor.

— Na sua própria casa? — brinca, sorrindo. — Onde você morou esse tempo todo, Vossa
Alteza?

Os lábios rosados dizendo sussurrando as duas palavrinhas são os suficientes para esquentar
meu corpo. Gostaria de pedir para que ela me chamasse de Richard, mas aprecio a forma como as
palavras saem vindas dela.

— No jardim — respondo.

— Minha mãe costuma dizer que as pessoas só apreciam e valorizam o que não estão ao seu
alcance. Você tem tudo, então é normal que vire algo que não te surpreenda.

Um vento sacode os seus cabelos conforme ela fala, e só consigo pensar em como está ainda
mais linda. Aproximo-me dela no banco e tiro a mecha que grudou na sua boca com o vento. Vejo o
pulsar na sua garganta e percorro o dedo ali com delicadeza. A respiração de Heather fica ainda mais
acelerada, e ela fecha os olhos.

— Vossa Alteza — sussurra, abrindo-os novamente para me encarar.

— Não me chama assim, porque já não estou sendo muito eu mesmo no momento. Você é…

Não completo. Não posso dizer o que minha mente pensa sem assustá-la.

— Eu também não.

Percorro meu polegar pelo lábio inferior, e Heather suspira. Mantenho um pouco da sanidade,
porque sei que o que eu fizer aqui terá consequências no futuro. Tudo o que faço tem.

Ao invés de seguir para o caminho que meu corpo grita, beijo sua testa, e Heather suspira de
novo.

Aperto os olhos e me afasto devagar, segurando seu rosto com uma mão.
Não vou a atrair ainda mais para isso, mesmo que seja tudo o que eu mais quero no momento.
capítulo oito

Meu rosto está em todos os tabloides de Delway. Eu falei Delway? Do mundo! Não sei se me
sinto lisonjeada por ser o centro das atenções do mundo todo como a primeira mulher que despertou
a atenção do futuro rei do país ou se me sinto desesperada por ter minha vida invadida assim.

Ao ir ao baile, e principalmente em direção a Richard na escada uma semana atrás, não


imaginei que as coisas iam tomar proporções tão grandes. Ele só me ajudou a descer as escadas, pelo
amor de Deus. Não é como se tivesse me beijado ou algo assim. Eu queria que tivesse feito? Queria
sim. Mas não aconteceu nada disso. Nada além de uma caminhada muito agradável no jardim e uma
conversa.

Muita conversa. Quer dizer, eu mais monopolizei a conversa inteira com a minha vida, mas
não pareci incomodá-lo nadinha. Richard é um excelente ouvinte.

O tempo inteiro seus olhos estavam nos meus, escutando e perguntando sobre tudo, como se eu
fosse um mistério que ele tem o prazer de desvendar. Eu me senti lisonjeada e feliz pela atenção, não
vou negar. Monopolizar o tempo de um homem importante como ele, quando ele provavelmente devia
estar dando atenção a todos no baile, foi algo que mexeu com meu ego. Ele foi ferido quando Richard
se afastou ao invés de me beijar? Foi. Mas eu entendo.

Um relacionamento entre um príncipe e uma plebeia só acontece em filmes, porque na


realidade é um pouco mais difícil do que isso. A não ser que o membro da família real esteja
disposto a renunciar ao título e viver por aí pelo mundo, como aconteceu com certo príncipe aí, não
vejo isso acontecendo. Então, para que alimentar algo que nunca vai dar certo? Não tem sentido. E,
caramba, ele é o rei! Ele pode ter a princesa mais linda que quiser, não imagino que vá nem mesmo
arriscar se envolver comigo.

É triste a vida dos pobres mortais.

Mas voltando aos tabloides, pelo menos saí bonita nas fotos. Minha irmã imprimiu uma delas
no caminho da escola, e é para isso que estou olhando agora, sonhadora como uma garotinha,
alisando o Richard da foto como se fosse um tesouro perdido.

Na imagem, estamos eu e ele descendo das escadas, nossos olhares se cruzando como se
fôssemos um casal apaixonado. Antes fosse, só saí nos jornais à toa. O bom é que não sabem da
minha vida. Como sou uma simples professora de patinação e nunca apareci na mídia, minha
identidade está protegida. Pelo menos por enquanto. Não sei até quando isso vai durar.

As pessoas quando querem descobrir segredos vão longe. Sei que, um dia, vão associar a
minha imagem como patinadora do baile de inverno com a minha de simulação de princesa da Disney
depois. Até lá, provavelmente já terei perdido a graça. Espero.

Minha família e Phoebe estão mais entusiasmados com isso do que eu. Estou muito interessada
no que a mídia não viu, no meu momento, mesmo que mínimo, de intimidade com Richard. Ele não
fala muito, percebi. Gostaria de ter ouvido histórias sobre sua vida, sobre o que ele é, do que ele
gosta, mas me contentei pelo pouco que recebi. Eu não devia nem estar nem ali naquele baile, muito
menos vestida como uma princesa e escondida nos jardins roubando a atenção do futuro rei.

Borboletas reaparecem no meu estômago quando relembro do seu tom de voz rouco ao segurar
meu rosto e me dizer para não o chamar de “Vossa Alteza”. Não entendi nada, porque estava ocupada
demais deslumbrada com o toque quente da sua mão na minha pele, com o arrepio que os dedos me
causaram.

— Deus, eu não posso mais pensar nisso.

— Em quê? — Dou um salto na cama quando escuto a voz da minha mãe, parada na soleira da
porta com um sorrisinho no rosto. — Deixa eu adivinhar, no príncipe?

— É — concordo, porque nunca tive segredos com a minha mãe.

Ela se aproxima da cama e faz um gesto para que eu me aperte no canto para que se sente.
Passa o braço pelo meu ombro e me puxa para mais perto.

— Me permite te dar um conselho?

— Por favor, estou precisando — digo rindo.

— Não deixe que isso se torne mais, meu amor. — Meu coração murcha um pouco, mesmo que
seja exatamente o que estou dizendo para mim desde que o vi pela primeira vez. — Sei que é difícil,
mas ele é… o futuro rei. É literalmente o homem mais poderoso do país. Não que você não seja
capaz de despertar o interesse de um homem como ele, porque como pessoa que te criou, te digo que
você é a mais maravilhosa do mundo. Mas…

— Ele é impossível, eu sei — respondo baixinho, encostando minha cabeça no seu ombro.
Fecho os olhos e sinto seu cheiro de baunilha que vem do seu creme de pele que usa há muitos anos.
— Sim. E não vai demorar para ele se casar com uma princesa. Você sabe que mesmo que
neguem, todos esses casamentos vêm de acordo. Não tem espaço para o amor nisso. Não quero que
se machuque.

— Eu sei, mamãe. Mas obrigada por se preocupar. Não estou apaixonada nem nada do tipo. É
só… gostosa a sensação, sabe? Ele é um homem e tanto, mas sei que não é para mim.

A cada palavra, uma parte do meu coração fica mais triste. Não estou mesmo apaixonada, mas
não posso negar que gostaria de poder conhecê-lo melhor para estar. Felizmente, sou uma pessoa
realista e sei o meu lugar.

Mesmo se Richard quisesse, eu jamais poderia ter uma relação normal com ele. Seria apenas
uma casualidade e, se isso acontecesse, aí sim as coisas ficariam complicadas. Porque tenho certeza
de que não precisaria de muito para me apaixonar por ele, para entregar tudo o que nunca entreguei a
ninguém.

— Agora acabou. Vida que segue e pé no chão — falo com convicção, esperando que meu
cérebro absorva. — Vamos parar de falar de mim. Como a senhora passou? Notei que esteve muito
animadinha essa semana.

Eu me afasto para olhar para ela e seguro sua mão, sorrindo de orgulho pela força que ela tem.
Sei que ainda sente dor e cansaço, mais do que realmente demonstra, mas Marie é sinônimo de força
e é um exemplo para qualquer pessoa. Ela está se esforçando para retornar ao que era, a mãe
presente, dedicada, amorosa. Não vai demorar, tenho certeza.

— Estou me sentindo melhor. Essa semana consegui cuidar dos meninos. Em breve vou voltar
a ser a Marie de antes. Sinto que falhei com vocês.

— Mãe… Como pode dizer algo assim? — Aperto suas mãos, sentindo meus olhos se
encherem de lágrimas. — Você sempre foi e sempre vai ser meu modelo de vida, de quem eu quero
ser para minha família. Você não falhou em nada, porque nada do que aconteceu foi escolha sua. Não
quero esses pensamentos, mocinha.

— Quando você se tornou esse mulherão? — pergunta rindo, também contendo as lágrimas, e
me puxa para um abraço. — Você costumava ser minha garotinha. Agora é uma mulher responsável,
dedicada e muito amorosa. Um dia, você vai fazer a diferença no mundo, como já faz para nossas
vidas.

Eu deixo as lágrimas que estava prendendo caírem e a aperto, grata demais por poder tê-la
aqui pertinho de mim quando fiquei a um passo de perdê-la para sempre. Não ia suportar.

— Agora vamos falar de coisas boas. Me conta direito isso de estarem reformando o ginásio.
Você reclamava que faltavam algumas coisas.

Empolgo-me quando me recorda disso, porque cheguei no dia seguinte ao baile para ensaiar e
a surpresa foi grande ao saber que o lugar já estava sendo reformado. E as coisas estão indo rápidas
demais. Minha mente já fez suposições de quem está por trás disso, mas seu Jonas, o responsável
pelos cuidados do local, não soube me confirmar minhas suspeitas.

Conto para mamãe que os funcionários estão trabalhando a todo o vapor para não prejudicar
muito quem usa e, em uma semana, já está com uma cara nova. Mais iluminado, toda a arquibancada
trocada e pintada. Essa rapidez toda só pode ser patrocinada por alguém com muito dinheiro, e para
um gesto assim vir sem ter algo em troca, sei que a família Thompson está envolvida. O lugar vai
ficar fechado por um tempo, então estou indo ao orfanato ensinar dança enquanto isso. Só para que
não sintam falta do lazer. A mudança de ares também vai fazer bem a eles.

— Que bom que as coisas estão dando certo, meu amor. Tenho certeza de que a apresentação
no baile vai te abrir muitas portas. O mundo todo te viu dançar. Você estava perfeita.

Ela me puxa para beijar minha testa e desliza o polegar de leve pela minha bochecha.

— Vou te deixar descansar, e vou descansar também. Aproveitar que os meninos dormiram.

Aceno para ela e a ajudo a se levantar. Acompanho-a até a porta do seu quarto e me despeço
com um tchau. Volto para meu quarto e guardo a impressão colorida minha e de Richard na gaveta.
Pego meu celular em cima da cabeceira e rio dos duzentos links de sites diferentes que Phoebe me
mandou. Ela está mais do que empenhada em fazer de mim uma rainha, a iludida. Minha amiga é
fantasiosa demais e disse que ele está hipnotizado por mim só pelo jeito que me olha.

Estranho ao ver que tem uma notificação de uma mensagem de um número que não conheço.

Preciso discutir alguns assuntos com você. Está tarde agora?

Vejo que é de vinte minutos atrás e abro. Meu coração retumba quando vejo o emblema RT na
imagem. Richard Thompson. Como assim o futuro rei tem WhatsApp? Rio do meu pensamento como
uma boba. Em que mundo estou? É claro que tem.
Agora? Depende do lugar. Não sei se consigo pegar transporte essa hora

Mordo a pontinha da unha de ansiedade enquanto espero a resposta. O que ele poderia querer
comigo depois de toda a confusão que levei para sua vida antes discreta?

A resposta vem rápida e sucinta como sempre.

Em alguns minutos, um dos carros vai te buscar aí, já está a caminho. Leroy vai te trazer até mim,
se você concordar.

Tudo bem

Respondo com os dedos trêmulos de nervosismo e me levanto da cama de uma vez para me
arrumar. Troco o pijama surrado que estou vestindo por um conjunto confortável e quente. Coloco
outro casaco grosso por cima, porque o inverno não demorou para mostrar a que veio. Aqui dentro
tem aquecedor, mas sei que lá fora está maltratando. Prendo meus cabelos em um rabo de cavalo.

Mando uma mensagem para o celular da minha mãe para avisar. Se estiver acordada, ela vai
ver. Se não, não corre o risco de eu acordá-la. Aviso Phoebe também, para o caso de eu precisar dela
para alguma emergência. Acho que serão poucos minutos de conversa, mas nunca se sabe.

Saio devagar para não acordar ninguém e espero no portão. Quando o carro preto estaciona ali
em frente, agradeço por não ter demorado ou eu teria congelado. Tranco o portão e agradeço quando
o senhor desce somente para abrir a porta para eu entrar.

— Muito obrigada — agradeço de novo quando ele volta a se sentar atrás do volante e liga o
aquecedor do carro.

Esqueci minhas luvas, então arrasto uma palma na outra para tentar esquentar. Eu me aproveito
disso para não pensar demais em onde ele está me levando.

Não é para o castelo, porque o caminho é diferente.


Depois de alguns minutos que pareceram horas, o homem estaciona e me entrega um cartão.

— A senhorita pode subir direto para o quarto desse número, não precisa se anunciar na
recepção.

Demoro a entender que aqui é o hotel mais caro do país e agradeço, seguindo as suas
instruções. Tento me esconder no meu casaco enquanto sigo as placas do elevador. A subida é rápida
apesar de ser um prédio de muitos andares. Ele está me esperando na suíte, obviamente.

Eu sinto que estou burlando muitas regras por estar aqui, mas não consigo resistir. A
curiosidade é maior para saber o que ele quer comigo.

Ao ficar em frente ao número que está no cartão, eu bato, mesmo que conseguisse abrir com
ele. Não demora para a porta se abrir e eu dar de cara com Richard, pela primeira vez livre do terno.

— Entre, por favor.

Passo por ele com dificuldade e olho ao redor do quarto de hotel. Minhas pernas tremem, e
sinto que vou fazer xixi de nervosismo. Seria lindo isso acontecendo na frente dele.

— Vossa Alteza, o que deseja comigo?

— Richard. — Ele aperta o ossinho do nariz, como se estivesse com dor de cabeça. — Me
chame só de Richard. É melhor.

Aceno devagar, mesmo que não me sinta muito confortável com isso. Só o chamo pelo nome
em meus pensamentos.

— Preciso conversar com você sobre a bagunça em que te coloquei. Sinto muito por isso.
Podemos?

Ele aponta para a mesa disposta no quarto do hotel. Meus olhos batem na cama grande, e
minha mente se atreve a pensar em algo que nunca cogitou.

Jesus… Estar perto demais desse homem está mesmo afetando meu juízo. E o que será dele
estando no mesmo quarto que ele, só nós dois?
capítulo nove

Minha vida mudou drasticamente na última semana. Para quem só aparecia nos holofotes pelos
meus feitos políticos, foi um prato cheio para a mídia me ver na companhia de uma mulher. Não
fizemos nada de mais, mas isso não significa nada. Para eles, é o suficiente somente alguma foto
minimamente perto, uma conversa com sorrisos.

Eu imaginei que isso fosse acontecer, só não consegui me importar o suficiente para me afastar
de Heather na hora. Mas agora que tudo explodiu, me arrependo. Não por ter me aproximado dela ou
por ter virado fofoca de jornalzinho pelo país, afinal, estou acostumado com crises. Estou mais do
que acostumado a ter que contornar uma situação que não estava prevista. Fiz muito isso com a vida
pessoal da minha família nos últimos tempos. Arrependo-me por ter a arrastado para isso. Sei que
sua vida nunca mais será a mesma, mesmo que eu nunca mais a veja depois de hoje. E me preocupa
que isso possa prejudicá-la de alguma forma.

Agora, observo Heather sentada à mesa, os dedos pressionados com força na xícara de
chocolate quente que pedi que servissem para ela. Ao ver as pontas dos seus dedos roxas de frio,
retiro minhas luvas e me aproximo dela, sentando-me na cadeira à sua frente.

— Posso? — pergunto, pedindo sua mão.

— Não precisa! Eu vou me aquecer em um instante. Você também vai sentir frio.

— Faço questão. — Encaro os olhos brilhantes, e ela cede, acenando em concordância e me


entregando a mão.

Deslizo as luvas devagar, sentindo a palma gelada e trêmula. Logo o aquecedor vai conseguir
esquentá-la, mas enquanto isso, preciso evitar causar mais danos nela e na sua vida. Já a arrastei aqui
tarde da noite, por ser o único horário disponível no dia, não preciso causar mais nada de ruim a ela.

— Melhor?

Ela acena, e ainda demoro a me afastar da sua mão pequena. Heather se concentra no meu
toque com os olhos fixos, a respiração voltando a acelerar como no dia do baile, em que quase a
beijei.

— Queria te pedir desculpas por toda a confusão. Você deve ter visto os jornais. Espero que
não tenha prejudicado você.

— Não prejudicou. — Nega com a cabeça, aproveitando que soltei sua mão para voltar a
segurar a xícara. — Eles não sabem quem eu sou. Imagino que não vão descobrir. Tudo o que têm é a
minha imagem.

Não digo a ela que é questão de tempo para investigarem. Isso se já não descobriram. Deixo
que tenha pelo menos mais esse momento de tranquilidade.

— Se você precisar de alguma coisa, se isso te prejudicar de alguma forma, me avise.

— Obrigada, Vossa Alteza.

Aperto os lábios, porque minha mente condicionou essas duas palavrinhas a pensamentos
inoportunos e sem sentido. É um simples tratamento, as pessoas me chamam assim todos os dias.
Como isso pode me afetar tanto? Sempre me orgulhei da minha racionalidade e frieza para lidar com
as coisas, mas agora estou questionando meus atos relacionados à Heather.

— E você? Como está com tudo isso? — Heather pergunta, e inclino a cabeça em um
questionamento mudo. — Você nunca apareceu em lugar nenhum por esses assuntos pessoais. Imagino
que não deve estar muito contente.

Fico surpreso por pensar em mim em um momento como esse. Sorrio fraco para ela e volto a
segurar a sua mão.

— Estou bem, Heather. Obrigado pela preocupação, mas isso faz mais parte do meu trabalho
do que você imagina.

— Mas não com você. Nunca te vi ligado a esse tipo de fofoca. Sinto muito se ter sido
associado a mim causou algum problema.

Não consigo evitar pensar em como a admiro por parecer estar muito mais preocupada com as
implicações que isso traria para a minha vida do que para a própria. Tenho certeza de que qualquer
pessoa estaria pensando no próprio umbigo ou até mesmo tentando tirar proveito disso. Já aconteceu
muito com algumas mulheres com quem me envolvi, que não demoraram para saírem espalhando aos
quatro ventos que se relacionaram comigo. Mas a descrição é uma bênção e sem provas não há
verdade. Como não sou envolvido com esse tipo de fofoca, desacreditaram todas as informações.

Gosto de pensar que Heather é diferente.

— Você tem razão. Mas não se preocupe com isso. Não ligo de aparecer com você —
respondo tardiamente, e ela acena, prendendo um sorriso pequeno com os dentes.

Quando termina de tomar seu chocolate quente, afasta a xícara e agradece a bebida. Seguro-a
pela mão e a faço sentar na cama para poder ficar mais perto dela. Não quero que ela vá agora.
Gosto da sua companhia, da fala apressada para externar tudo o que ronda sua cabeça de uma vez, da
leveza nova que consegue trazer na minha vida por me falar de assuntos comuns, de problemas
normais do dia a dia de qualquer pessoa que não seja da realeza.

Não vi a hora passar no dia do baile, e aquele foi, de longe, o melhor evento do qual
participei. Minha família me olhou em choque quando retornei à área da festa com Heather ao meu
lado e um sorriso no rosto. Não questionaram a minha falta de hospitalidade em deixar os
convidados e sumir para o jardim. Mas sei que estão curiosos pela forma como venho agindo.

— Minha vida é complicada, Heather. Não gosto de enganar e de prejudicar ninguém, então
vou ser sincero com você de que não queria te arrastar para isso. Mas pode acontecer se você for
vista comigo.

— Eu sei — sussurra, o olhar passando pela minha boca por alguns segundos. — Também sei
que… isso não acontecerá mais, não é? Eu mal estou sabendo lidar com você aqui, falando comigo.
Sou uma mulher normal, comum, sem nada a agregar a você. Sei que não existe interesse da sua parte
e…

Solto uma risada baixa pela ingenuidade e seguro seu rosto com uma mão, o que a cala
imediatamente. Faço círculos na sua bochecha com a ponta do polegar, sentindo a pele macia e o
cheiro gostoso com a proximidade.

— Não seja ingênua a esse ponto, Heather. A minha razão me diz que não é correto me
aproximar de você, não por você ser comum, normal, como diz, porque você é tudo, menos isso. Mas
porque tenho obrigações com o trono. Por outro lado…

Ela entreabre os lábios quando os percorro com o dedo com devassidão, quase como um gesto
erótico. Heather volta a olhar para a minha boca com desejo, e me aproximo. A razão sendo deixada
de lado a cada segundo que fico na sua presença. A frase que não completei é que por outro lado,
existe o desejo que cresce em mim por ela.

Contrariando tudo, meu corpo só segue se aproximando do seu. Meu rosto fica a centímetros
da boca que respira forte contra a minha.

— Vossa Alteza…
— Achei que tivesse sido claro quando disse para não me chamar assim — sussurro na sua
boca e enfio minha mão por dentro do seu cabelo. — Você quer me tirar o juízo de propósito?

— Não. Eu só não… entendi o motivo. Não estou sendo respeitosa?

A expressão inocente me desarma, mesmo que Heather esteja praticamente implorando para
que eu a beije com seus gestos. O modo como os olhos ingênuos me encaram me diz muito sobre ela.

— Você me chamar assim me deixa excitado, Heather — digo sincero, como sempre sou em
tudo o que envolve a minha vida. Gosto de coisas bem resolvidas, às claras.

— Oh, eu… não sei mesmo como responder a isso.

Vejo a sua pele ficando ainda mais vermelha de constrangimento e desço a mão pela parte
descoberta do seu pescoço, porque todo o resto está protegido por um casaco grosso de frio.

— Não precisa responder. Só preciso que saiba que você mexe comigo e que não estou sendo
muito racional agora.

Encaro os olhos confusos, curiosos e igualmente excitados por um longo tempo, apreciando
demais só estar assim com ela.

— Gosto de você assim — assume também, deslizando a língua pelos lábios. — Também não
estou sendo muito eu mesma nos últimos dias. Minha vida é muito diferente da sua, mas não consigo
deixar de pensar coisas.

— Que coisas, Heather? — pergunto, aproximando meu rosto do seu. — Coisas como seria
beijar a minha boca? Como seria ter cada centímetro do seu corpo colado ao meu? Como você se
encantou por mim tão rápido?

Externo meus próprios pensamentos, e Heather acena devagar, os olhos indo para os meus
lábios. Acabo com a nossa própria tortura e toco sua boca com a minha. Começa apenas com um
roçar, que aumenta o meu desejo quando ela estremece. Dou selinhos lentos, sentindo o gosto doce do
chocolate. Combina com ela. Mordo o lábio inferior, e Heather arfa, sem ter ideia das reações que as
suas causam em mim.

Ela se aproxima mais de mim, o corpo arrastando para o lado no colchão. Quando me afasto,
seus olhos expressivos me pedem por mais sem que Heather precise dizer mais nada.

E dou o que ela quer. Seguro sua nuca e a puxo para mim, realizando uma das muitas fantasias
que tive com ela nos últimos dias. Sinto seu peito encostando no meu e tomo-a mais voraz dessa vez.
Minha língua invade a sua boca com fome e um desejo cru que nunca havia sentido antes. Uma falta
de controle que me desestabiliza, porque não estou pensando mais.

Todos os meus atos sempre são friamente calculados, pensando em todas as possíveis
consequências. Menos quando estou com ela.

— Posso? — pergunto contra sua boca, afastando-me de leve, segurando o prendedor que
amarra seu cabelo no topo da cabeça.

— Pode.

Solto seus cabelos, que caem cheirosos em uma cascata loira ao redor do seu pescoço. Puxo-
os de leve pela sua nuca e volto a devorar os lábios chamativos que me tentam desde a primeira vez.
Só os solto quando o desejo de sentir mais partes dela na minha boca me domina.

Afasto-me, e Heather fica fora de órbita por alguns segundos, os olhos fechados e os lábios
ainda esticados em um bico. Sorrio de leve antes de me inclinar para dar um beijo na curva do seu
pescoço. Ela geme e estremece novamente, puxando meus cabelos. Desço o casaco apenas o
suficiente para expor o osso da clavícula, estudando suas reações.

— Isso é tão gostoso — ela sussurra, perdida nos próprios pensamentos.

Sigo pela trilha tentadora de pele que está exposta, querendo mais. Minhas mãos vão até a
barra do casaco, tirando-o pela sua cabeça. Ela parece retomar a consciência assim que a peça sai
do seu corpo, porque a timidez volta ao seu rosto.

— Você me olha de um jeito tão intimidador — fala baixinho, esticando a mão para acariciar
meu rosto. O gesto me surpreende, e seguro-a, cobrindo a sua com a minha.

— Isso assusta você?

— Não. Só me sinto exposta, de um jeito bom. Fez sentido? — Os olhos estão alarmados e
brilhantes.

Aceno em concordância e puxo seu rosto de volta para mim. Os lábios vermelhos e inchados
dos meus beijos me chamam. Desço as mãos devagar pelo seu pescoço, pelos seus braços e paro na
altura do seio, esperando permissão para continuar. Quando se inclina mais para frente, empurrando-
os nas minhas mãos, encho as palmas com os dois, apertando os bicos em seguida.

Heather geme muito baixo, como se estivesse controlando os sons. Aperto os mamilos com
mais força por cima da camiseta fina. Minhas mãos vão até a barra da peça para tirá-la, mas Heather
se afasta, os olhos arregalados de puro pavor. Retiro minhas mãos imediatamente, e ela esconde o
rosto no meu ombro.

— Desculpe. Estou com medo.

— De mim? — Busco seu queixo com a mão e a faço olhar para mim. — Eu jamais faria mal a
você.

— Não de você. Não! Por favor, não pense como uma ofensa. É que tenho medo de quem me
transformo perto de você, das coisas que me faz sentir. E eu nunca fiz isso antes.

Franzo a testa, esperando que se explique. Heather solta um gemido e faz uma careta, tentando
esconder o rosto no meu ombro novamente, mas não deixo, querendo que olhe para mim.

— Eu nunca fiz sexo antes.

Tudo bem. Isso foi inesperado. De todas as coisas imprevisíveis que vêm dela, essa foi uma
das mais inesperadas de todas. Heather é linda, jovem, encantadora e sexy. É difícil pensar que nunca
foi tocada antes.

— Tem algum motivo especial para isso? Me perdoe se fui invasivo demais.

— Não precisa se desculpar. — Ela abaixa a cabeça, mexendo nas unhas com concentração.
— E não tem motivo. Entre cuidar de dois irmãos e da minha mãe, não tive muito tempo para isso. E,
durante a faculdade, nunca me senti muito segura de que era certo.

— Tudo bem. Você está certa de fazer no seu tempo. Não precisa se preocupar com isso.

Toco sua bochecha vermelha com carinho, e ela sorri.

Não tinha parado para pensar na diferença de idade que nós temos. Heather é apenas uma
jovem de vinte e três anos que está começando a sua vida ainda. Por um momento, me esqueci que
não estamos na mesma página em muitos sentidos. Mais do que consigo contar.

— Você quer que eu te deixe em casa? — pergunto a ela, para que se sinta segura de que
jamais vou ultrapassar limites aqui.

Mas ao contrário do que pensei, ela abaixa a cabeça sem graça e pisca várias vezes. Noto os
olhos ficando marejados, mas Heather suspira. Não demoro a entender o que pareceu.

— Não estou te mandando embora. — Ergo seu rosto para mim novamente. — Só quero que
saiba que pode ir, se quiser. Gosto da sua companhia, mas não quero te forçar a nada. Nem intimidar
você.

— Tudo bem. Eu não vou atrapalhar nada? Imagino que deva estar muito ocupado.

Eu tenho muitas coisas para fazer amanhã bem cedo, mas não quero que Heather vá agora.
Então, pela primeira vez em muito tempo, sigo os conselhos dos meus irmãos e me permito relaxar
um pouco depois de um dia cansativo. Aproveito a leveza que Heather me traz sem pensar em mais
nada.
capítulo dez

Heather Stafford, a garota que roubou a atenção do futuro rei, é uma patinadora de gelo.

Essa é legenda de vários perfis de fofoca no Instagram. Minha conta privada tem mais de dois
milhões de solicitações para seguir, só das últimas horas. Pessoas de vários países estão vendo
minha foto dançando, com Richard me olhando. Conseguiram captar o olhar que me desestabiliza em
uma imagem. É avassaladora a forma como ele me encara dançando. Mas esse não é o problema, a
questão é que minha vida não está normal.

Há poucos dias, eu era apenas uma patinadora preocupada com a mãe e com os irmãos, mas do
dia para a noite, sou a patinadora que conquistou o rei. Pelo amor de Deus, ele só me ajudou a descer
a escada. Quer dizer, agora ele me beijou, mas naquele momento, foi apenas isso e uma conversa. Do
jeito que as pessoas estão dizendo, parece que o homem me pediu em casamento.

— Eu disse que você ia me dar um autógrafo! Não vai demorar para precisar se mudar daqui
— Phoebe diz, quicando em cima do meu colchão depois de eu ler a legenda.

— No que eu fui me meter, Phebs? Sou apenas eu. Não tem nada de interessante na minha vida
para eles ficarem falando de mim assim.

— Não tem? Você beijou o homem mais importante do país! — ela exclama, e eu tampo sua
boca, com medo de a minha mãe ouvir.

Não contei para ela ainda tudo o que aconteceu a dias atrás, do meu encontro clandestino no
meio da noite com Richard. Não quero que ela se preocupe e não estou me reconhecendo
ultimamente. Não sou de agir de forma inconsequente e impensada, e isso é tudo o que estou fazendo
com ele agora.

É tão difícil me manter distante daquele toque quente. É tão impossível não pensar a todo
momento no seu beijo, na forma como ele me tocou tão íntima, tão gostosa. Foi o máximo de
intimidade que tive com alguém e fiquei com medo de as coisas irem rápido demais graças à
intensidade de tudo o que eu estava sentindo. Meu corpo quase entrou em combustão com suas
carícias. Ele tocou meus seios!
Abro outro perfil, com novas legendas aparecendo.

Mais uma interesseira ou o futuro rei está vivendo um amor proibido?

Gemo de frustração porque não é apenas curiosidade, são muitas notícias maldosas também.
As pessoas dizendo que sou uma caça-riqueza e dei um jeito de me aproximar dele. Um absurdo!

— Não sei o que acha que vai acontecer, Heather, mas sua vida não vai ser a mesma. Pelo
menos não agora. Uma hora vão esquecer, mas pelas próximas semanas o mundo vai estar de olho em
você.

— Eu não queria isso. Só queria…

— Dar?

Rio alto sem conseguir me conter e jogo meu travesseiro na sua cabeça, fazendo-a rir alto
também. Somos interrompidas por um furacão mirim que invade meu quarto sem pedir licença.

— Eu ganhei presente! Eu ganhei presente! A mamãe falou que é do rei!

Em seguida, Owen sai do meu quarto, e eu olho para Phoebe. Nosso olhar significativo faz
com que nos levantemos de uma vez.

Nós corremos até a sala, onde mamãe está com as mesmas embalagens em que vieram meu
vestido e minha roupa de patinação. Nas mãos da minha mãe, está um terno infantil cheio de
medalhas que se assemelham às da roupa que Richard estava vestindo no dia em que nos
conhecemos.

— Muitas medalhas! Uau! — Owen exclama, doido para vestir a roupa.

— Ele me mandou um vestido de princesa também! — Hillary comemora, girando com a peça
rosa ao redor do corpo.

— O que é isso, Heather? — mamãe pergunta, com os olhos espantados, segurando um papel
nas mãos.

Sem entender nada, tão perdida e surpresa como ela pela chuva de presentes, eu me aproximo
e pego o papel que ela estica. Sento-me no sofá para não cair no chão pelo susto ao ver um cheque
com muitos zeros, mais do que consigo contar. O brasão real está estampado ali, e fico sem saber o
que dizer. O que é isso?

— O que é isso? — devolvo a pergunta à minha mãe.

— Eu não tenho ideia. Acabou de chegar. Achei que fosse mais coisa para você, mas o
motorista perguntou por mim. E agora isso.

Ao invés de ficar feliz com tudo, um gosto amargo aparece na minha boca porque me lembro
das legendas dizendo que estou atrás do dinheiro de Richard. Será que ele pensa a mesma coisa?
Será que por isso sumiu nos últimos dias e não deu o menor sinal de vida? Fingiu que nada do que
passamos até agora existiu e está comprando meu silêncio com presentes? Não posso admitir isso.

Irada como nunca estive, com o cheque em mãos, vou até o meu quarto somente para pegar
minha bolsa e saio de casa em disparada. Minha família e Phoebe me chamam, mas não paro para
escutar. Tenho um destino em mente. Vou fazer uma confusão em frente ao castelo até que me deixem
falar com o futuro rei.

Pego um táxi, que me deixa a alguns metros do portão, porque não pode se aproximar demais.
Vejo a guarda de fora a fora do lugar enquanto pago e desço do veículo. Aperto o cheque nas mãos
para me dar coragem. Assim que fico em frente ao portão, de frente para o guarda principal, falo:

— Eu preciso falar com o príncipe Richard — falo, e o homem olha para o outro que está do
seu lado.

— Senhorita, não podemos autorizar a entrada de ninguém.

— Fala com ele e diga que Heather Stafford está aqui para falar com ele — digo, munida de
uma coragem que desconheço de onde veio. Da raiva, talvez. Só senti algo assim uma vez e foi
quando meu pai nos deixou.

Não gosto que questionem quem eu sou, a minha criação. Nunca precisei de ninguém além de
mim mesma para batalhar pelo que quis. E não é agora que vou começar.

— Ele não está, senhorita. E não é assim que as coisas funcionam.

— Mas eu preciso falar com ele! — protesto, e o homem segue inabalado. Pelo menos tem a
decência de parecer mexido com meu pedido.

Imediatamente, me arrependo, porque na pressa de confrontar Richard, não me agasalhei


direito e sinto meu corpo protestando. Ainda assim, fico parada tentando argumentar com o guarda
para que me deixe entrar.

— A senhorita vai adoecer, é melhor ir.

— Eu vou esperar. Se eu morrer, vai se sentir culpado — dramatizo e espirro, esfregando as


mãos umas nas outras para aquecê-las.

Vou fazer mais dez minutos de drama antes de desistir e ir embora. Fico andando de um lado
para o outro e tento ver se consigo falar com Richard pelo celular, mas não tenho resposta. Os
guardas me afastam de leve quando carros pretos aparecem um atrás do outro.

Consigo me aproximar de um deles para tentar enxergar quem está ali, mas logo sou afastada
por um dos seguranças, que me segura pelo braço.

— Me solta! Eu não vou assassinar ninguém, por Deus!

Ele não me solta, e puxo meu braço, vendo a marca roxa que fica ali. Solto um grito de dor e
vejo os carros entrando pelo portão. De repente, um deles para, e meu coração salta ao ver Richard
saindo dali.

— Alteza, não é seguro. Ela está tentando… — O futuro rei ergue a mão para o homem, que se
cala imediatamente.

— Heather? O que está fazendo aqui sem agasalho?

Ele retira o paletó que está usando e coloca ao redor do meu corpo. Vou para protestar, mas o
calor é bem-vindo, então fico quietinha.

— Vem. Você vai perder as mãos se ficar aqui fora.

Deixo-me ser guiada para dentro do carro quente graças ao aquecedor e faço uma cara feia
para o homem que machucou meu braço, como uma criança pirracenta.

— Você está bem? — Richard pergunta preocupado, examinando meu rosto gelado.

Aceno em concordância porque não consigo falar. Estou mais preocupada em tentar esquentar
meu corpo. Assim que chegamos em frente ao castelo, Richard autoriza que os homens desçam, e
ficamos só nós dois ali no carro.

— Quando se esquentar um pouco, a gente desce.

Ele segura minhas mãos e de novo me entrega suas luvas. As outras ainda estão guardadas na
minha casa, porque as levei depois que ele insistiu para que eu ficasse com elas.

— Podemos? — pergunta alguns minutos depois, e eu concordo com a cabeça, deixando-o me


guiar para dentro do castelo.

Os seguranças parecem a ponto de ter um enfarto, consigo notar pelas feições de preocupação.
Sei que é por Richard colocar uma estranha dentro da casa da realeza. Não consigo deixar de
admirar o lugar, porque não conheci essa área. Provavelmente porque a parte do castelo onde se
realizam os eventos deve ficar bem longe dos aposentos deles. Encaro o teto alto e elegante, as
escadas de rico. Tudo aqui é grande e sofisticado demais.

— Por favor… — Richard me guia até um elevador que nos leva até um corredor com muitas
portas.

Sigo-o calada, segurando a raiva para depois. Não posso fazer um show aqui no meio do
castelo, mas estou com raiva. Estou chateada e vou deixar claro.

Assim que cruzamos uma espécie de escritório, Richard fecha a porta e pede que eu me sente
em um dos sofás que têm ali.

— Aceita alguma coisa para beber?

— Não, obrigada.

Ele se afasta e só o ouço mexer em um armário, que imagino ser de bebidas pelo tilintar dos
vidros. Espero-o voltar para perto de mim. Richard me estende o copo e vou para recusar
novamente.

— Vai esquentar você.

— Obrigada. — Pego com as mãos trêmulas de frio, mesmo com as luvas dele, e viro o
líquido de uma vez, sentindo-o queimar minha garganta.

Faço uma careta e noto preocupação nos olhos castanhos incisivos.

— O que traz você aqui com tanta pressa que nem se agasalhou?

Tiro o cheque da minha bolsa e jogo em sua direção. Richard pega o papel e franze a testa.

— Do que se trata isso? — pergunto séria. — Quero que saiba que não sei se você escolheu
acreditar do que leu, mas nem eu e nem a minha família somos interesseiros.
— Heather…

— Não é porque eu deixei que você me beijasse que estou querendo o seu dinheiro. Isso é
ofensivo — expresso toda a minha indignação, sem me deixar abalar pela expressão severa que cruza
seu rosto.

— Não coloque palavras na minha boca e significados equivocados nos meus atos, Heather —
diz bravo, mas sem mudar a expressão.

Agora entendo finalmente o título de príncipe de gelo que tanto o chamam. Ele consegue dar
um sermão sem alterar a expressão ou o tom de voz.

— O que se trata isso então?

— É o pagamento pelas suas apresentações — fala, e eu nego com a cabeça.

— Eu já recebi por isso. Sem falar que esse valor aqui não condiz com meu pagamento.

— Tudo bem, considere uma indenização por tudo o que estão dizendo sobre você por aí —
responde impaciente.

Ele provavelmente não deve estar acostumado com uma louca invadindo a sua casa e o
acusando de nada. Sei que cruzei muitos limites aqui e que poderia ser julgada até judicialmente por
isso. Não é porque o vi poucas vezes que tenho o direito de acusá-lo dessa forma. Mas a raiva me
cegou.

— Não quero o seu dinheiro. Obrigada pelos presentes. Não tenho coragem de devolver o que
deu aos meus irmãos porque eles ficaram muito felizes, mas não preciso do seu dinheiro.

— Heather… — Richard se arrasta pelo sofá para ficar ao meu lado. — Não quis ofender
você. E não foi por nada que saiu na mídia. Suas apresentações valem muito mais do que esse valor,
e agora que o ginásio está sendo reformado, não sei se você continua recebendo. Fica.

— Você não entende! Para você, é muito fácil oferecer uma quantia absurda dessa a quem não
conhece. Mas isso é muito dinheiro para mim. Minha família é simples, anônima, mas nunca pedimos
nada de ninguém. E eu não quero ser envolvida nisso, então, por favor, não insista.

Levanto-me do sofá de uma vez para me distanciar dele, porque não consigo pensar quando
seu corpo está perto do meu. O que está acontecendo comigo?

— Tudo bem. Não vou insistir. Se mudar de ideia, ele é seu.


Richard guarda o papel no bolso interno do paletó e aproveita para pegar o celular que vibra.
Ele pede licença para atender, e concordo com a cabeça, afastando-me para dar privacidade a ele.
Richard parece nervoso com o que escuta do outro lado da linha. Seus dedos apertam as têmporas, e
sua voz muda.

Ainda espero, mas começo a me sentir desconfortável conforme os minutos passam. Não sei se
pelas memórias frescas na minha cabeça ou se pelas notificações de marcações no Instagram que
seguem chegando.

Ela está interessada no dinheiro ou nos poucos segundos de fama?

Pesco um dos comentários de uma das publicações e saio do escritório sem me despedir de
Richard.

Mamãe tem razão, aqui não é o meu lugar, e eu preciso ficar muito longe disso tudo antes que
me machuque mais.
capítulo onze

Precisei viajar com urgência para outro país em uma conferência da ONU para se discutir as
consequências do aquecimento global. Cerca de duzentas pessoas estavam reunidas no plenário para
debater soluções para reduzir os gases que provocam o efeito estufa.

É cansativo e gratificante ao mesmo tempo poder transmitir para o mundo os avanços que
Delway tem em relação a isso. Todos os olhos estavam em mim na hora de discursar. Fui como
príncipe do nosso país, representando meu pai, que está cheio de orgulho de mim pelas minhas
palavras e por transmitir, modéstia parte, tão bem o nosso posicionamento. Não preciso dizer que
meu rosto está estampado em todas as manchetes do nosso país com orgulho. Sinto-me bem por ser
querido pelo povo, porque tudo o que fazemos é pelo bem-estar da população. Sem a satisfação e o
apoio deles, nada disso faria sentido. Mas é cansativo.

Estou morto depois de chegar de um voo longo e ter ido direto para uma reunião no gabinete
ainda. Sinto que poderia dormir por horas. Parece que estava viajando por semanas, mas na verdade
só se passaram alguns dias.

Assim que finalmente tenho a chance de descansar, encosto a cabeça no travesseiro e me


lembro de Heather. Ela era toda a leveza que eu precisava agora, mas não me agrada a forma como
eu a tratei da última vez que a vi aqui no castelo.

Não imaginei que fosse se ofender com o dinheiro oferecido, achei que ficaria feliz. Pelas
histórias que me contou da sua família, sei que ela trabalha muito para conseguir ajudá-los. Só queria
diminuir um pouco do seu sofrimento e dar conforto a ela. O dinheiro que dei não é metade do que
ela merece, do que sua apresentação vale, mas eu devia saber que Heather é mesmo única e diferente
do resto do mundo.

Gosto que seja assim.

Infelizmente, o cheque está abandonado na gaveta do meu escritório, e eu estou me sentindo


culpado. Culpado por ter oferecido dinheiro a ela, por ter visto tarde demais que ela foi embora
depois do meu longo telefonema, por não ter tido tempo de ir atrás dela. Mandei uma mensagem me
desculpando, mas Heather apenas me deu uma resposta sucinta e bastante direta, dando a entender
que o que aconteceu entre nós foi um erro. Um que não vai se repetir.
Eu não poderia pensar mais diferente dela. Apesar de todos os motivos para ficar longe dela,
para não aprofundar mais em uma relação impossível de ter um futuro, não é isso o que quero. Quero
desfrutar de pequenos momentos que ela queira me oferecer. Quero continuar conhecendo sobre a
patinadora arrebatadora que me conquistou de primeira.

Tomando coragem, mesmo que devesse dormir para descansar, pego meu celular que fica ao
meu lado na cama e mando uma mensagem para ela.

Sinto muito por não ter entrado em contato para pedir desculpas antes. Sinto muito, Heather. Não
foi minha intenção ofender você.

Não espero que ela responda, porque está tarde. Na verdade, torço para que a mensagem não a
acorde. Suspiro, abalado por isso estar aparecendo tanto na minha cabeça. Não deveria. Não
poderia. Não é algo que eu consiga explicar o motivo. Só parece gostoso demais imaginar sua
presença perto de mim.

Meu celular vibra e o pego rapidamente. Sorrio ao ver a foto de Heather na notificação de
mensagens.

Tudo bem. Me perdoa se eu ultrapassei limites. Não quis ser desrespeitosa. Não fui, não é?

Insatisfeito por não ver suas reações ou pelo menos ouvir a fala desenfreada, ignoro o assunto
momentaneamente e respondo:

Posso ligar para você?

Você quer me ligar? De vídeo? Eu não estou arrumada.

Solto um riso baixo e disco a chamada de voz. O celular toca muito, e quase desligo achando
que não vai me atender, mas escuto a voz trêmula do outro lado, sussurrando o Vossa Alteza que não
tem o efeito contrário do que sempre me causa. Até mesmo a sua voz pelo telefone me aquece por
dentro.

— Isso é estranho.

— Por quê? — pergunto, fechando os olhos para conseguir formar uma imagem mental dela.

— Você é o rei. Quer dizer, vai ser. E me ligou no WhatsApp.

— Não sou o rei com você. Não agora. Esquece por um momento disso. Finja que eu sou um…
amigo. Fale comigo como falaria com qualquer pessoa da sua vida, Heather.

Ela ri do outro lado e desejo novamente ver seu rosto se transformando em uma caretinha
bonita. Não preciso pedir de novo para Heather começar a falar sobre como seus irmãos não querem
tirar os presentes que mandei. A sua raiva parece ter diminuído um pouco e fico feliz por isso.

Sinto a tensão e a pressão sofrida no dia se esvair do meu corpo e um sorriso bobo aparecer.
Presto atenção em cada fala sua, em como seu timbre muda quando fala da família com um amor
gritante. Assim como da Phoebe, sua melhor amiga.

É fácil esquecer que preciso começar a ir atrás de uma esposa o mais rápido possível para que
eu possa assumir o trono. É fácil me esquecer até mesmo de quem eu sou, como pedi a ela que
fizesse.

— Estou entediando você. Ficou calado. Você dormiu?

— Você nunca me entedia, Heather. Só gosto de ouvir — digo sincero, e ela fica calada do
outro lado da linha.

Imagino o pescoço e o rosto vermelhos de vergonha, a boca entreaberta em um bico de


surpresa, os dedos inquietos procurando um destino para tentar acalmar o nervosismo.

— Me conta sobre você também — ela fala depois de alguns segundos calada.

— Minha vida sim é entediante.

Heather gargalha, mas se contém em seguida, mantendo o tom de riso na voz ao me provocar
que minha vida pode ser tudo, menos entediante.

Sem querer desligar para prolongar a ligação, falo um pouco sobre a última semana no
congresso e descubro que além de boa falante, Heather também é uma boa ouvinte. Quando me
lembro de que não estou conversando com meus irmãos e que provavelmente ela não entende metade
dos termos burocráticos que falei, é a minha vez de interromper o meu monólogo.

— Aposto que eu sim estou entediando você.

— Na verdade, você acreditaria se eu te dissesse que gosto de ouvir sua voz? — Ajeito-me
na cama ao receber uma resposta corajosa e que mexe ainda mais com as reações do meu corpo. —
Mas devo confessar que não entendo muito disso. Vi o seu discurso na televisão, foi bem
inspirador. Você é muito bom no que faz.

Sorrio abertamente pelo elogio e agradeço com sinceridade. Nós ficamos um tempo em
silêncio, e fico apenas ouvindo a sua respiração do outro lado da linha.

— Espero que eu não esteja tomando o seu tempo. Não quero atrapalhar você — Heather
fala baixo quando cogito que dormiu.

— Não está. Na verdade, eu quem te liguei tarde. Me desculpa se acordei você.

— Não acordou. Eu estava… pensando. — Quando pergunto em que, querendo ouvir mais
antes de precisar desligar, ela fica em silêncio por um tempo. — Hum… Em você, sendo sincera.

Quero perguntar se ela pensa nas mesmas coisas que eu. Se imagina o sabor da minha boca
como imagino o da dela, se consegue praticamente sentir o formigamento nos lábios quando fecha os
olhos. Se lembra do meu cheiro como me lembro do dela, se se questiona todos os dias o motivo de
ter se encantado por mim tão rápido. Mas não o faço. Não porque não queira saber, mas porque sei
que, se souber desses detalhes, vai ser ainda mais difícil continuar com uma relação segura com
Heather.

— Coisas boas, eu espero — brinco, e ela ri baixinho.

— Estava pensando sobre como você deve ser quando está fora do seu papel. Como seriam
as coisas se você não fosse você. Ou se eu não fosse eu.

— E qual foi a conclusão?

— Nenhuma, na verdade. Não consigo me imaginar no seu mundo, nem você no meu, no
meio dos meros plebeus — fala rindo, mas um riso fraco e sem graça.

Quase sem esperança.

Não gosto de pensar nisso. Não gosto de viver no mundo das suposições. Costumo ser prático
e conviver com o que está ao meu alcance, com o possível. Mas é inevitável que um cenário se forme
na minha mente ao pensar em como as coisas seriam diferentes. Gosto do cenário, mas não me apego
a ele porque está longe da minha realidade.

— Desculpa. Não quis causar desconforto — Heather se desculpa do outro lado da linha, e
trato logo de tranquilizá-la. — A gente está conversando há três horas. Não quero desligar, mas
preciso ir. Amanhã eu trabalho cedo.

Afasto o celular do ouvido para conferir as horas e vejo que voaram. A madrugada zomba de
mim e o lembrete do despertador para dali a três horas quase ri da minha cara. Mas, por hoje, não me
importo porque sei que o meu sono vai ser muito mais tranquilo depois que eu me despedir de
Heather. Não saber como ela estava e nem ter tempo para vê-la estava tirando o meu juízo e me
fazendo criar um milhão de cenários na minha cabeça.

— Obrigado pela conversa, Heather. É sempre uma honra para mim conversar com você.

— A honra é minha, Vossa Alteza. — Escuto o tom de provocação na sua voz e sorrio ao
imaginar que têm mais versões de Heather que ainda não conheço. Que ninguém conhece.

Desligo a ligação após desejar um boa-noite e me sinto estranho. Não sou acostumado a
ligações no meio da noite. Minha vida se resume a chamadas de negócios e conferências, apenas
trabalho. Nada muito emocionante, apesar de ser o que tenho talento para fazer. Então essa conversa
com a Heather me surpreendeu de forma positiva, porque nem vi o tempo passar e poderia passar
muito mais horas conversando com ela.

Sinto-me como um adolescente descobrindo o que é paquerar pela primeira vez, descobrindo
que é possível encontrar alegria fora das minhas obrigações.

Quando acordo, é em um sobressalto porque meu sono foi calmo, como previ. Dormi sem ver
e só acordei porque o celular estava na minha mão, provavelmente do mesmo jeito que dormi.

Levanto-me de pronto para não correr o risco de me atrasar para o café da manhã em família
que minha mãe exige pelo menos uma vez na semana. Por ela, todos os dias seriam assim, mas nossos
horários se chocam na maioria das vezes e as responsabilidades, infelizmente, sempre pesam mais do
que as reuniões familiares.

Assim que estou composto, desço em direção à sala de refeições e vejo que sou o primeiro a
chegar. Não demora para meus pais virem, seguidos de Theodore. Como sempre, os últimos são
Stephen e Louise, que agora usam Blair e Valerie como desculpa para atrasos. Tenho certeza de que
somente por isso minha mãe releva.

— Perdão a todos — Louise diz, pelo menos tendo a decência de parecer constrangida.

Ela toca o ventre liso enquanto anda até a mesa para se sentar, em uma mania que as grávidas
parecem ter desde sempre.

— Bom dia, família — Stephen nos cumprimenta com o sorriso aberto de sempre. — Irmão,
você está precisando dormir — completa quando passa por mim, apertando meu ombro em uma
careta preocupada.

— Stephen está certo, filho. Nunca te vi tão cansado. Não dá para ficar até tarde trabalhando
quando você acorda tão cedo — minha mãe repreende, e sei reconhecer que agora não é a rainha de
Delway quem fala, é apenas Beatrice Thompson.

— Não estava trabalhando até tarde, não se preocupe. Tinha outros assuntos para resolver e
acabei dormindo pouco. Por que vocês estão tão preocupados com meu sono ultimamente? —
questiono com curiosidade.

— A gente tem medo de você surtar — Theodore fala, os olhos azuis focados no meu rosto
com tanta concentração que parece estar pensando em uma tática para derrotar os inimigos. —
Quantos compromissos seguidos você está tendo por dia, sem parar? Nem papai era assim.

Antes mesmo que termine, sei que esse café da manhã é uma espécie de intervenção. Entendo a
preocupação de todos, porque se fosse com eles, eu estaria da mesma forma. Mas é necessário que
eu me dedique assim agora. Quero fazer tudo certo enquanto tenho a oportunidade.

— Tira um tempo para você, filho. Uma semana que seja. Eu cuido de tudo — papai fala, e
franzo a testa. — Aproveite enquanto pode, porque depois que for coroado, não vai poder. Tire um
tempo para escolher sua esposa.

Concordo com a cabeça, porque sei que estou em minoria aqui. E, além disso, meu pai é
teimoso como eu. Se acha que está me fazendo mal, ele não vai medir esforços para não me
sobrecarregar. Abraço a folga de alguns dias com um nome em mente: Heather.
capítulo doze

O tempo esfriou ainda mais desde que o inverno começou de verdade. Agora é impossível sair
de casa sem estar toda agasalhada e, hoje, precisei liberar as crianças mais cedo porque alguns
transportes públicos vão parar com medo de nevasca. Estou saindo do estúdio para correr em
direção à estação de metrô quando vejo o carro preto parado perto do rinque recém-reformado.
Foram poucos dias de trabalho da equipe da construtora. Nem sabia que dava para deixar um lugar
assim em tão pouco tempo, mas Richard conseguiu. Claro que sim.

Vejo o motorista sair do carro e gesticular para que eu me aproxime. Olho para os lados,
vendo se não tem ninguém por perto, e me aproximo com o coração retumbando, porque sei quem
está ali. Os veículos da realeza são reconhecíveis de longe e a única pessoa que poderia estar aqui
seria ele.

— Obrigada — agradeço ao senhor que abre a porta de trás para que eu entre. — Vossa Al…

— Por favor, me chame de Richard. Lembra?

— Tudo bem. É um pouco difícil para mim, mas prometo que vou tentar… — falo, feliz por
vê-lo ali depois da forma como as coisas terminaram da última vez que nos vimos.

Eu não estava no meu juízo perfeito e agi com raiva, mas não sou assim. Sou pacífica e é muito
difícil algo me deixar com raiva por muito tempo. Sempre tento entender o lado das pessoas, e a
raiva só permanece se eu vir que não tem motivos para as ações. Como o meu progenitor que
abandonou a própria família, por exemplo.

Mas entendi Richard depois de um tempo. Não tinha motivo para tanta raiva, afinal, a reforma
do ginásio só me comprovou que tem muito mais altruísmo nele do que imaginei. Não significa que
vou aceitar o cheque, mas entendi o porquê achou que precisava me dar.

— O que faz aqui? — pergunto curiosa.

— Eu ia ver sua aula, mas vi as crianças saindo e decidi esperar por você.

Sorrio abertamente por ele ter se deslocado de onde quer que estivesse para vir ver a minha
apresentação. Uma pena que não pôde, porque gosto de me apresentar para ele. Ninguém nunca me
olha com tanto fascínio assim. Sinto-me linda e motivada quando Richard me assiste.
— Precisa ir para casa agora? Quero conversar um pouco com você, se não se importar — ele
pergunta, com a expressão séria que sempre está em seu rosto.

Ele é muito bonito, meu Deus. Se com o terno já parece um deus grego, com roupas de frio
pretas, elegantes e chiques, Richard consegue ficar ainda mais.

— Eu posso. Como não dei aula, me sobra um tempo antes.

Ele acena em concordância e autoriza o motorista a dar partida no veículo. Observo as


pessoas se virando para continuarem trabalhando mesmo no frio. Estamos acostumados a ele, mas é
sempre difícil para se acostumar quando chega.

— Ainda está com frio?

— Ah não. Estou bem. Obrigada.

Não sei me portar ao seu lado ainda, mas Richard tenta me deixar mais confortável. Pareceu
tão mais fácil interagir com ele ontem pelo telefone, talvez por não ter os olhos intensos sobre mim
assim. Mas me senti mais eu. Senti que podia falar normalmente com ele sem parecer atrapalhada
demais.

A viagem até o mesmo hotel que vim vê-lo bem meio da noite dura rápido, mas dessa vez não
entramos pela entrada principal. O carro para em um estacionamento onde só tem a gente. O
motorista dá a volta e abre a porta de Richard, que vem fazer o mesmo comigo.

Meu rosto fica quente de vergonha pelo gesto, e o homem sorri fraco para mim, indicando para
eu andar. Ele tem um estacionamento e um elevador privativo. Isso é surreal.

Sinto meu corpo tremer e não é de frio, é pela lembrança da última vez que estive aqui. Os
beijos intensos, seu toque no meu corpo, seus olhares desejosos em mim não saíram da minha mente.

— Não precisa ficar nervosa, Heather. — Escuto a voz baixa dele ao meu lado enquanto abre
a porta do quarto e aceno em concordância.

O lugar está quente quando entramos, preparado para sua chegada. Fico no canto, retraída ao
vê-lo se desfazer da roupa de frio e ficar apenas com uma camisa social preta por baixo. Eu
permaneço como estou, tentando me proteger de mim mesma e dos meus pensamentos.

— Fique à vontade. Quer beber alguma coisa?

— Não, obrigada.
Eu me sento na cama quando ele aponta para lá e estalo os dedos enquanto o observo se
aproximar de mim. Richard se senta ao meu lado e me observa, fazendo meu corpo tremer de
nervosismo.

— Você vai ficar com calor daqui alguns minutos.

Não digo que já estou e nem é pelo aquecedor do quarto. Apenas digo que estou bem e
Richard não insiste.

Minha respiração se acelera quando ele afasta a minha franja que cai pela lateral do meu
rosto, saindo do penteado que faço para patinar. Os dedos ainda estão gelados e me fazem arrepiar.

Cedo demais, Richard se afasta, mas as reações que me causou ainda ficam aqui.

— Preciso te contar algo — ele diz, e me arrumo na cama para ficar de frente para ele. Tento
saber o nível de preocupação que preciso ter, mas a expressão dele não me diz como se sente. Não
consigo estudá-lo. — Você já sabe que em breve vou assumir a coroa. Meu pai não vê a hora de isso
acontecer.

— E você não quer? — pergunto curiosa, porque ele não me fala muito sobre isso.

— Eu quero. Na verdade, é o sonho de uma vida. O problema é que só pode acontecer quando
eu me casar com alguém da realeza.

— Oh…

Então é verdade o que dizem de a maioria dos casamentos serem por conveniência. Era de se
esperar, porque se parar para pensar bem, é impossível que a alma gêmea de todo mundo da realeza
esteja na própria realeza. As opções são muito limitadas.

— Você vai se casar então? — questiono com a voz baixa, tentando deixar a tristeza que não
devia sentir de fora.

— Sim, não agora, mas eventualmente.

Então Richard me chamou aqui para dizer que seja lá o que estamos fazendo vai acabar. Tudo
bem, não sei se fico feliz ou triste por ele ter essa consideração por mim. Podia ter dito por telefone.
A gente nem tem nada. Ele nem precisava se sentir obrigado a me informar isso.

— Espero que encontre o que você procura.

Richard estuda as minhas reações e acena. Volta a se aproximar e puxa meu queixo para que eu
olhe de novo.

— Sei que não é justo eu me envolver com você, Heather. Tenho obrigações que não posso
lutar contra. Mesmo que goste muito da sua companhia, não posso te deixar no escuro ou mentir para
você.

— Obrigada pela consideração. Não precisava. Eu não esperava que você se casasse comigo,
nem nada do tipo.

Sonhar não paga, então claro que sonhei com isso muitas vezes depois do beijo. Apesar do
pensamento adolescente, sou uma adulta com pé no chão e com noção da realidade. Seria burrice
esperar algo que sei que Richard não poderia me oferecer mesmo se quisesse.

Conheço pouco das tradições do nosso país, mas sei que uma delas é que nunca pode haver
casamento com alguém de fora da realeza. Relacionamentos esporádicos acontecem, obviamente,
porque eles se divertem antes de chegarem o momento de criar responsabilidades com um país, mas
no final das contas, quem pega o sobrenome é sempre algum igual. Como aconteceu com Louise. Não
sei se o relacionamento deles começou sem amor, mas que é inegável o sentimento que existe entre
ela e seu marido agora, isso é. Então, não. Não esperava que Richard me pedisse em casamento em
algum momento.

Infelizmente, não controlo como me entristeço com isso.

— Queria tanto que as coisas fossem diferentes, Heather.

— Eu também — assumo, mas sorrio fraco para que ele não se martirize. — Foi muito gentil
da sua parte me contar isso. Você não tinha obrigação.

— Não quero esconder nada de você. Quero poder continuar conversando com você, se não
for um problema.

— Como amigos? — questiono com curiosidade ao me lembrar do que ele sugeriu ontem à
noite no telefone. — Não acho que eu consiga.

— Por quê?

Abaixo a cabeça para esconder o constrangimento que sinto.

— Você pode ser sincera comigo.

— Não ia conseguir ser sua amiga depois de ter… beijado você — falo baixinho, retribuindo
a sinceridade que ele me ofereceu. — Você não é o tipo de homem que alguém consegue ser só
amiga, Richard.

— Não fala isso, Heather. Eu estava determinado antes de ver você. O que quer que eu faça?

— Eu não sei — sussurro, criando coragem para encarar as íris castanhas que me fitam com
tamanha intensidade. — Se eu responder agora, sem pensar em nada, vou dizer que quero que você
me beije até que eu esqueça o porquê de você não poder me beijar.

Solto um gritinho fino quando as duas mãos dele vêm para minha cintura e me puxam para o
seu colo. Uma delas solta meu cabelo com pressa e se enfia no meio dos meus fios antes de Richard
invadir minha boca de uma vez, só que desta vez ele não começa lento. Seu beijo é bruto, intenso e
gostoso logo de cara, exatamente como ele.

Pela posição, sinto a protuberância no meio das minhas pernas e me assusto, mas não me
afasto porque é gostoso. Quando me mexo, sinto um prazer que nunca senti antes e volto a repetir o
gesto.

— Heather — sussurra na minha boca depois que se afasta. — Você não pode se mexer assim
e esperar que eu mantenha a minha sanidade.

— Desculpa.

Sinto meu rosto vermelho de vergonha. Em seguida, seu dedo desliza pela minha bochecha e
Richard volta a me beijar. Esqueço-me de qualquer constrangimento que já tenha sentido na vida.
Esqueço-me tudo quando sua boca está na minha. Eu já tinha beijado antes. Muito até. Mas nunca foi
assim. Nunca nada foi tão arrebatador na minha vida.

— O que vamos fazer, Heather? — pergunta se afastando da minha boca novamente para
deslizar os lábios pela minha bochecha. Ele sobe de leve e morde o lóbulo da minha orelha. Eu arfo.
— Depois de um discurso de que não queria te magoar, você acabou sentada no meu pau. Me diga o
que fazer. Me diz o que você quer.

— Queria poder conhecer você. E flertar. E beijar você sempre que eu quisesse — admito
para ele, sincera e deslumbrada pelas suas carícias.

Richard afunda os dedos na minha cintura após minha fala e inspira o cheiro do meu pescoço.

— Você quer isso mesmo depois do que eu te disse? — pergunta e volta a me olhar.

Aceno fraco, porque a ideia de que daqui um tempo ele vai encontrar a sua esposa não me tira
a vontade de ter mais dele na minha vida. Quero saber histórias dele, quero conhecer o homem por
trás da posição que ocupa. Quero mais das suas carícias. Quero conhecer meu próprio corpo e as
reações possíveis com Richard. Quero viver tudo isso com ele mesmo que eu saiba que será
temporário.

— Eu tenho medo de machucar você. Você é tão… incrível. Não quero ferir você, Heather.

— Como posso sair ferida de uma coisa que me faz tão bem? — Fecho os olhos quando sinto
suas mãos massageando meus ombros por cima da roupa grossa. — Como isso pode ser errado se é
tão gostoso? A não ser que você não queira.

— Quero isso desde que vi você dançar pela primeira vez.

Sorrio fraco e arfo quando sinto as mãos entrando pelas várias camadas grossas de roupa. Ele
acaricia minha cintura e sobe as palmas de leve pela minha pele.

— Tem certeza disso? — pergunta quando começo a abrir meu casaco, querendo mais do
contato com ele.

— Nunca tive tanta certeza na minha vida.

Desfaço-me das peças de roupas pesadas com seu olhar em cima de mim. Richard deixa que
tome meu tempo tirando uma a uma até ficar apenas com uma camiseta fina. Meus mamilos estão
marcados no tecido, porque não estou usando sutiã. A roupa que uso para treinar não precisa e já
prefiro ir sem para adiantar a troca de vestimentas.

Espero atentamente pela sua reação, mas Richard não me toca como da outra vez. Sei que está
se contendo porque ele foi muito mais intenso da primeira vez, quando não sabia que eu era virgem.
Mas não reclamo, porque o cuidado que tem comigo me conforta e me deixa segura.

Por hoje, vou me satisfazer com seus beijos gostosos e com seu corpo tão perto assim do meu.
capítulo treze

Não estou acostumado ao ócio.

Não imaginei que meu pai estivesse falando sério ao me informar que ia assumir tudo por uma
semana para que eu pudesse descansar, mas estava. Isso incluiu me excluir de todas as reuniões, com
direito a portas fechadas para que eu não decidisse aparecer no escritório.

Ando pelo castelo, sem saber o que fazer agora que fui destronado antes mesmo de ser
coroado. Deixo-me ser guiado pelo barulho vindo do jardim principal e sorrio ao ver Louise
brincando com Blair e Valerie. A pequena vem dando passos incertos quando me vê, e me agacho
para pegá-la no colo quando acelera a corridinha com um gritinho.

— Oi, Valerie. Fico assustado com o quanto você está crescendo rápido, pequena — falo,
aproximando-me de Louise. — Como elas estão?

— Bem demais.

Estranho o sumiço de Blair e não demoro a entender o motivo de ela ter corrido para longe.
Vejo um cachorro peludo a seguindo e logo Valerie mexe o corpinho para descer, pronta para entrar
na brincadeira com a irmã.

— Bem, como pode ver.

— Titio rei! Por que você está aqui na casa? Você nunca fica aqui. — Louise ri da careta que
eu faço, porque aparentemente estava exagerando mesmo no trabalho, já que até uma criança
percebeu a minha ausência.

— Estou de folga forçada. E o que estão fazendo aqui fora com esse frio?

— O novo membro da família precisava fazer xixi. E Blair é muito boa em me convencer a
fazer suas vontades — Louise fala, olhando para a pequena distraída com o cachorro e com a bebê
que a segue para todos os lados.

— Ela é boa em fazer qualquer um fazer as suas vontades — corrijo, sorrindo para ela. —
Cadê Stephen e Theodore?

— Em algum lugar do castelo, se provocando.


Ela diz em tom de brincadeira, mas tenho certeza de que é verdade. Não é incomum que isso
aconteça. Quem vê de fora, nem imagina que nós somos uma família como qualquer outra, com
problemas, discussões e irmãos imaturos.

— E você não devia estar procurando uma esposa ou algo do tipo? — Louise pergunta, com a
sobrancelha arqueada e um sorriso arteiro no rosto.

— Eu devia.

— Mas não vai? — completa, parecendo saber o que se passa na minha mente.

— Mas não quero.

Louise me escrutina em busca de reações que não forneço. Sou muito bom em mascarar o que
estou pensando e sentindo de qualquer um. É útil nos negócios.

— Não vou perguntar o motivo, porque já imagino. Espero que as coisas deem certo, Richard.

— Eu também, Louise. Eu também.

Não tenho tempo de pensar demais nisso, porque logo meus irmãos aparecem. De longe
consigo ver que Stephen provoca Theo, como sempre é. Quando se aproximam, eles me encaram
como se eu fosse um alienígena, mas em seguida abrem um sorriso de orelha a orelha.

— O rei está entediado? — Steph pergunta depois de se aproximar de Louise com um beijo e
se abaixar para beijar seu ventre. Não demora para Blair e Valerie se aproximarem para abraçarem
as pernas do pai.

— Mais do que você imagina.

— Ótimo. Vamos praticar esgrima, como nos velhos tempos — Theo diz, e Stephen se anima.

— Por que vocês gostam de perder? — provoco, e ambos me olham de um jeito desafiador.

— Não estamos falando de dança, Richard — Theodore pirraça, e eu o sigo em direção à sala
de lutas, dando um tapa na cabeça dele.

Faz muito tempo que não piso ali. Além de Theodore, não acho que a sala seja usada por mais
alguém. Mas costumava ser o lugar em que mais ficávamos quando éramos mais novos. Tudo na
nossa vida era competição naquela época. Entre os dois ainda é assim, mas eu amadureci. Pelo
menos achava que sim até entrar no lugar e sentir o lado competitivo aflorar.
— Não se esqueça de que agora não vamos mais pegar leve por você ser o caçula da mamãe,
Theo. Aqui é de igual para igual.

Meu irmão faz um gesto obsceno para nós dois com o dedo, e eu e Stephen gargalhamos
enquanto nos vestimos com a roupa de esgrima. Após colocar o colete protetor, as luvas e a máscara
de metal, Theodore entra no modo soldado.

— Vocês dois primeiro. Eu derroto os dois em seguida, de olhos fechados — provoca com um
tom zombeteiro.

— Tudo bem, Theo. Mas fica ali no canto para não se machucar — Stephen implica, usando a
frase que nossa mãe falava para ele quando era pequeno demais para entrar na luta.

Agora, não aparentamos a diferença de idade que temos, principalmente entre mim e Theo, que
dá uns oito anos, mas na época, eu com meus vinte anos não podia competir de igual para igual com
meu caçula de doze. Nem mesmo Steph, com seus dezesseis, se sentia bem em lutar com nosso irmão
caçula.

Theodore nos odeia até hoje pelas vezes que ficou de fora de coisas divertidas e ainda teve
que aguentar as nossas provocações. Isso faz parte do lado ruim de ter irmãos. Eles vão fazer da sua
vida um inferno sempre que podem, pelo menos no quesito tirar o seu juízo.

— Quinze pontos? — pergunto, e Stephen acena em concordância antes de abaixar a máscara.

Theo se afasta, e eu e Stephen pegamos o florete antes de começar. Em um ato inesperado e


rápido demais, consigo acertar meu irmão na coxa. Ele me xinga, e eu rio, afastando-me quando tenta
devolver o golpe. Eu o bloqueio com o florete e abaixo o meu corpo, acertando-o novamente na
barriga.

Steph fica puto e consegue igualar os pontos, mas ainda assim, perde quando a competição
termina. Theodore ri da cara do nosso irmão, que fica ainda mais puto por perder. Ele se afasta para
tomar o lugar de Theo, e nosso irmão caçula se prepara para competir.

Não é à toa que ele comanda nosso exército, porque é muito bom em qualquer luta corporal,
esporte e competição. Acho que as provocações minhas e de Stephen serviram para aflorar o lado
competitivo de Theodore. Não tenho chances com ele, que vence a disputa muito fácil.

Sinto o suor escorrendo pela minha testa e a respiração ofegante quando tiro a máscara de
proteção e cumprimento o caçula.
— Mandou bem.

— Vai para o cantinho da vergonha no lugar no nosso irmão, Richard — provoca, e solto uma
gargalhada, sem cair na pilha que eles colocam.

Stephen se anima para competir com Theodore, mas ele não tem chance nenhuma. Só não
desiste. Quando desvia de um golpe, é acertado por outro.

— Finge que o florete é a responsabilidade do nosso país que você foge, Steph. Desvie dele.

Nosso caçula gargalha pela minha piada, e Stephen consegue acertá-lo pelo momento de
distração. Não adianta muito, porque Theo vence da mesma forma.

No final, estamos os três suados e rindo. Fazia muito tempo que não tinha um momento assim,
tanto que não consigo me lembrar da última vez que aconteceu.

— É bom te ver ter um tempo para nós, irmão. — Stephen espelha meus pensamentos e se
aproxima, bagunçando meus cabelos como se eu fosse um garotinho.

Enquanto tiramos a roupa de esgrima, mamãe aparece na porta e nos olha com um sorrisinho
bobo.

— Quando Louise me disse que estavam aqui, não acreditei. Isso significa que tenho chance de
ver um número de dança também?

— Sem chance! — Theo e Stephen respondem juntos, e eu sacudo a cabeça.

— Richard pode ajudar com isso, mamãe.

Steph aproveita para trazer o assunto que estava demorando para mencionar. Sei que a frase
tem uma implicância disfarçada porque conheço Stephen desde que nasci. Um assunto chamado
Heather que estou tentando não sufocar e não me aproximar demais, porque sei que vai ser tarde
demais se ela se infiltrar nas minhas veias. Tentei não pensar nela hoje, mas obviamente alguém tinha
que atrapalhar e sabotar minha mente.

— É, querido? O que ele quer dizer com isso?

— Não sabia, mamãe? Logo ele vai ser especialista em patinação de gelo. O esporte certinho
para ele. — Theo entra na provocação, e eu ameaço os dois com o olhar.

Beatrice Thompson me olha com a testa franzida, sem entender nada. Apenas nego com a
cabeça, sem dar importância, mas ela fica com a expressão curiosa no rosto mesmo assim. Se
entende depois, não sei dizer, mas não comenta nada enquanto saímos dali. Cada um vai para seus
aposentos, somente minha mãe que vai atrás das netas.

Tomo um banho rápido e tento não seguir o que minha mente e o meu corpo querem, mas é
impossível lutar contra os dois. Contra o corpo sempre consegui, mas com a minha cabeça? É
impossível.

Pego meu celular e mando uma mensagem para Heather perguntando se está ocupada. A
resposta me tira uma risada.

É impressão minha ou está muito ocioso ultimamente, Richard?

Outro não demora a chegar.

Não estou. O que tem em mente?

Vou te buscar onde você está para te levar em um lugar para almoçar e passar o dia. Pode ser?

Vou dar um jeito.

Heather me manda um endereço, e imagino ser o da sua casa. Visto uma roupa e me preparo
para sair. Separo apenas um carro, mesmo que os seguranças protestem de que não é seguro. Não
quero chamar atenção ao ir à casa de Heather. A imprensa finalmente a esqueceu por enquanto, não
quero que volte a ser alardeada e bombardeada com reportagens maldosas.

Sua casa é longe do castelo, então demora cerca de quarenta minutos para o motorista
estacionar em frente ao seu portão. Observo a residência simples, mas não tenho tempo de olhar
muito porque assim que paramos, Heather entra no banco de trás sem dar tempo de Javier abrir a
porta para ela.

— Oi, Javier! — cumprimenta o homem com um sorriso, e ele a responde da mesma forma. —
Richard…

— Olá, Heather. — Inclino-me para ela e beijo a sua bochecha de forma demorada, vendo a
pele ficar vermelha enquanto me afasto. — Podemos ir?

— Para onde vamos?

— É uma surpresa.

Ela acena em concordância e passa o caminho inteiro olhando pela janela, tentando adivinhar
para onde estamos indo. Ela nunca vai acertar.

Quando Javier dirige pela estrada isolada e exclusiva da minha família, Heather franze a testa
em confusão. O caminho até lá demora alguns minutos, e autorizo o motorista a ir embora e só voltar
quando solicitado.

— Nós vamos ficar assim sozinhos? Sem os seus guardas te protegendo. Coragem, Richard. E
se eu fosse uma maluca? — Heather brinca, e gosto desse lado dela.

Gosto que esteja se soltando comigo com muita facilidade. Eu também me sinto outra pessoa
quando estou perto dela.

Eu indico que entre no chalé da minha família, com uma vista incrível para o lago. Os olhos de
Heather brilham de empolgação ao ver o lugar, e ela anda por todos os cômodos para ver tudo.

— Que lugar perfeito!

— É mesmo. A gente quase não tem tempo de usar mais, quem vem aqui mais é o pessoal da
manutenção.

— É um desperdício. Fico feliz que tenha me trazido. O que tem para fazer aqui? — ela
pergunta, dando uma volta no próprio corpo buscando por algo.

Eu me aproximo dela e a puxo pela cintura.

— Tem beijar você, por exemplo — falo baixo, tocando os lábios dos quais já estava com
saudade.

— É um bom plano.

Sorrio fraco antes de sentir a textura macia da sua boca. Heather suspira, e seguro seu rosto
para aprofundar o beijo. Prendo-a contra a mesa da sala de estar e não desgrudo a minha boca da sua
até estarmos ofegantes.

Quero mais dela. Muito mais. Mas não quero ir rápido e desrespeitar o seu tempo. É gostoso
ainda assim apenas a beijar. Foi o que fizemos ontem todo o tempo em que estivemos presos no
quarto de hotel. Nós nos beijamos muito, descobrindo cada canto e sensação nova que aparecia.

— O que você quer fazer? — pergunto para ela, dando beijos lentos na sua boca.

— Huuum. No momento, comer. Me prometeram um almoço.

Afasto-me rindo, e ela me dá um selinho risonho.

— Temos um problema que não parei para pensar. Eu não sei cozinhar.

Heather gargalha e franze o cenho em seguida.

— Então temos uma solução, bonitão. Porque eu sei. Mas vou querer algo em troca depois.

— Bonitão? — pergunto surpreso, e ela cora, mas não desfaz a expressão. — O que você quer
em troca?

— Mais beijos desse. Muitos beijos.

— Onde você quiser, Heather — provoco, e ela cora de novo, fazendo-me amar a coloração
avermelhada ainda mais.

O dia de hoje vai ser uma fuga da realidade. Meu medo é que eu não queira voltar para ela
nunca mais.
capítulo quatorze

Sinto o olhar de Richard nas minhas costas enquanto me viro na cozinha com os ingredientes
que têm na geladeira. Não sei os gostos dele, mas imagino que sejam refinados. Sei cozinhar bem, só
que infelizmente nada do que ele deve estar acostumado a comer. Como Richard me pediu para tratá-
lo como um homem normal, ele vai ter que se contentar com o que tenho para oferecer. As batatas
estão assando, a carne está no fogo e estou cortando as verduras.

— Você quer me ajudar? — pergunto ao ver o olhar curioso do homem.

— Eu?

— Você. Aposto que nunca pegou em uma faca antes, Vossa Alteza — digo, sem conseguir
deixar de usar o título em uma provocação.

Richard sorri fraco e se levanta, indo lavar as mãos na pia atrás de mim antes de se aproximar
por trás. Ele fica nas minhas costas, com um dedo de distância entre nós porque sinto o seu calor
grudado à minha pele.

— O que faço?

— Você… pode cortar o tomate — gaguejo, perdendo a pose confiante com o contato tão
íntimo, e sei que era esse o seu objetivo.

É gostoso estar com ele. Tenho ficado nas nuvens somente nessa etapa de saber mais sobre
Richard. Descobri que ele é muito mais do que me mostra, mas tenho paciência de que vou ganhar
sua confiança aos poucos. Pelo menos espero conseguir até tudo isso acabar e ele precisar lidar com
suas obrigações.

— Assim? — Ele pega a faca da minha mão e imita os movimentos que eu estava fazendo.

Aceno em concordância, e ele finalmente me liberta da prisão que fez com os braços, rindo
quando solto um suspiro de protesto pela quebra de calor. Contrariando tudo que pensei, é simples
estar com ele. É fácil. E gostoso. Richard me escuta, ri das minhas besteiras e mergulha os olhos
intensos nos meus quando quer me desvendar.

Assim que todas as verduras estão cortadas, termino de preparar o nosso almoço e desligo o
forno e a carne no fogo.
— Eu te sirvo.

— Richard, não precisa — protesto, porque não me sinto muito confortável com isso.

— Faço questão. Você cozinhou, nada mais justo que eu te sirva.

Ele me lança um olhar que fica impossível argumentar e indica que eu me sente à mesa.
Observo-o perdido no cômodo que tenho certeza de que não é nada familiar para ele, abrindo todas
as portas em busca dos pratos e talheres. Prendo o riso com o jeito desastrado, feliz por descobrir
um defeito dele. Richard precisa ficar longe da cozinha. Espero com paciência enquanto nos serve
quando finalmente encontra o que precisa.

— Obrigada — digo risonha, e ele se senta à minha frente.

— O cheiro está incrível. Nunca comi algo tão cheiroso assim.

— Obrigada pelo elogio, mas eu duvido. Espero que goste do sabor também. É uma receita da
minha mãe.

Fico olhando para ele dando a primeira garfada e fechando os olhos. Ele come mais algumas
vezes antes de limpar os lábios com o guardanapo de pano que pegou.

— Incrível. Muito bom.

Como também e vejo que ele não é muito de conversar à mesa, então aproveito da sua
companhia em silêncio. Minha família costuma ser barulhenta até quando está comendo,
principalmente os meninos, mas essa nova mudança não é desagradável.

— Deliciosa, Heather.

Abro um sorriso de alegria por ele ter gostado e tiro os pratos sob protestos dele. Arrumo tudo
na máquina de lavar e organizo como posso antes de voltar para onde Richard está.

— Você é teimosa — constata, com um sorriso de lado.

— Culpada.

— Quer ver o lago? Nessa época é impossível nadar, mas ainda é uma visão e tanto.

Concordo com um aceno, e ele ergue um dedo para que eu espere. Quando volta, Richard
carrega uma coberta e mais um casaco nos braços. Cobre meus ombros para que eu termine de
colocar a peça, e sinto seu cheiro na roupa. O gesto traz borboletas na minha barriga e só consigo
sorrir em agradecimento.

— Vamos? — Olho para a mão que ele estica e a seguro, sendo guiada para os fundos da casa,
onde um imenso lago se estende.

— Uau…

— Daqui uns dias, tudo isso vai estar coberto de gelo, o lago, os pinheiros, o deck. Gosto
muito dessa estação.

Ele me leva até a ponta do deck de madeira e me ajuda a sentar na ponta. Cobre minhas pernas
com a coberta quentinha que trouxe, e nós aproveitamos o silêncio. Não tem um mísero barulho aqui,
e me traz uma paz incrível.

Fecho os olhos e sinto a brisa gelada quase congelar o meu nariz, mas não me importo. Eu me
aconchego em Richard, sentado ao meu lado, e ele parece surpreso pelo gesto, mas logo me abriga no
seu peito e alisa os meus cabelos.

— Me conta sobre suas histórias nessa casa — peço baixinho, aproveitando o subir e descer
do seu peito, as batidas aceleradas do seu coração.

— Era meu lugar preferido e dos meus irmãos. A gente implorava para nossos pais para nos
trazerem aqui. Nem sempre era possível, porque meu pai estava ocupado o tempo inteiro, mas eles
faziam o possível.

— Ocupado como você? — pergunto, erguendo o rosto para olhar para o seu, e ele acena
devagar.

— Um pouco menos atarefado que eu, eu diria.

— E o que vocês faziam aqui?

Richard começa uma descrição nostálgica da sua infância e adolescência, das brincadeiras no
lago, nas fogueiras no deck, no chocolate quente em frente à lareira acesa, nos filmes de Natal
assistidos na véspera do feriado. Consigo visualizar todos eles se divertindo enquanto o homem
conta as histórias. Entendo o sentimento de nostalgia por momentos assim, pois eu mesma tenho os
meus. A diferença é que eu me lembro de todos com uma amargura ao imaginar que nossa família foi
desintegrada pelo homem que jurei que seria para sempre o meu super-herói.

— Soa incrível — falo baixo, com um tom de tristeza na voz.


— Que foi? Entristeci você?

Seco uma lágrima rapidamente, mas Richard vê e puxa meu rosto para o seu. Ele me pergunta
o que houve novamente, e me abro como não costumo fazer. Não gosto de relembrar, porque é algo
que não superei. Uma dor que nunca vai embora. Dói ainda mais porque o homem sempre foi um
excelente pai e marido e, de repente, vi todas as nossas vidas mudarem. A visão que tinha dele se
esvaiu completamente.

Enquanto conto para Richard, ele segura meu queixo, prendendo meus olhos aos seus e
limpando as lágrimas que escorrem pelas minhas bochechas.

— Você nunca falou com ele desde que foi embora? — pergunta com curiosidade.

— Ele tentou, mas eu não quis contato. Nunca aceitei o que fez com a minha mãe. Que tipo de
amor é esse, em que você não pensa um segundo antes de abandonar a pessoa? — desabafo com
incredulidade. — Onde se encaixam os votos matrimoniais de na saúde e na doença?

— Talvez tenha uma explicação… Você nunca quis ouvi-lo.

Afasto-me de Richard quando parece tentar defendê-lo, mas ele me puxa de volta para seu
peito, lendo meus pensamentos.

— Não estou o defendendo. Só acho que faria bem a você resolver isso, se te incomoda tanto.

— Não quero — falo, teimosa. — Vamos mudar de assunto? Não quero manchar suas
lembranças boas com as minhas mágoas.

Ele concorda e suspira, voltando a narrar mais histórias que me distraem. Eu poderia ficar
com ele por horas ali, mas o frio aumenta e somos obrigados a entrar de volta para a casa. Mal
pisamos em casa e ouvimos o celular dele vibrando em cima da mesa em que almoçamos. O homem
pede licença e atende à ligação com os olhos revirados.

— Theodore — fala o nome do irmão. — Estou bem. Sim, estou. Porque não tinha
necessidade.

Ele vai falando conforme é interrogado do outro lado da linha e suspira impaciente. Dou
privacidade a ele e ando até a sala de estar, vendo que apesar de grande, luxuosa e impessoal, a casa
de campo me traz um conforto e um gostinho de lar. Sento-me no tapete macio e uso a coberta que
trouxe para dentro para cobrir minhas pernas. Richard se junta a mim minutos depois.

— Está tudo bem? — questiono, e ele acena, mas vejo que ficou mais sério. — Mesmo? Você
pode me dizer a verdade.

Ele suspira e se senta ao meu lado no tapete, as costas apoiadas no sofá, imitando a minha
posição.

— Theo está puto porque vim sem seguranças e acha… perigoso o que estou fazendo.

— Oh, você fala se envolver comigo? Por quê? Eu nunca prejudicaria você de forma nenhuma.

— Eu sei. Ele sabe também, mas você sabe… Tem as implicações — diz, e novamente meu
coração se parte ao me lembrar de que isso aqui tem um prazo de validade.

Masoquista ou não, meu coração sempre insiste em ignorar esse detalhe importante.

— Se você quiser, a gente pode ir.

Richard nega rapidamente com a cabeça, e sua expressão fica mais leve.

— Ainda estou te devendo muitos beijos — sussurra contra minha boca antes de me dar um
selinho rápido. — Você aceita um vinho para se esquentar?

— Por favor — sussurro, encantada pelo beijo ainda, de olhos fechados, e Richard se afasta
para ir buscar.

Ele já volta com as duas taças cheias e me entrega uma. Não sou acostumada a beber, mas
gosto de experimentar coisas novas. O líquido me esquenta quase imediatamente, não sei se é isso
mesmo ou se é Richard, que se aproxima de mim e fica me olhando.

— Você é linda, Heather. E inteligente, encantadora, engraçada. Como você nunca teve
ninguém na sua vida?

— Ninguém tem bom gosto, eu acho — brinco para disfarçar o nervosismo, e Richard sorri,
afastando meu cabelo de lado para beijar meu pescoço.

Estremeço da cabeça aos pés e sinto uma pontada na minha intimidade. É sempre assim com o
menor dos toques dele. Seguro seu cabelo para mantê-lo ali, e ele fica explorando cada cantinho
exposto de pele durante muito tempo.

— Quero fazer uma coisa. Se eu soar ofensivo, me desculpe. Não estou apressando nada —
sussurra no meu ouvido, e abro os olhos, focando no rosto abalado que vejo à minha frente. —
Queria fazer você gozar para mim.
Abandono o vinho na mesinha e tusso um pouco, com vergonha. Meu corpo grita que sim,
dizendo que ele quer isso e muito mais.

— Fala para mim se fui rápido demais. Não fuja de mim.

— Não foi. Eu só não estou acostumada a isso. Você é tão direto e intenso, que na maioria das
vezes me assusta — confesso baixinho e volto para meu lugar ao seu lado.

Richard também abandona a taça dele e segura meu rosto com a mão.

— Não precisa ficar com vergonha ou assustada, Heather. É algo natural. E não precisa dizer
que quer se não quiser, pode ser sincera comigo. Sempre.

Aceno devagar e lambo os lábios.

— Eu quero.

— Você já gozou alguma vez, Heather? — pergunta, e controlo meu corpo para não ficar com
vergonha de novo e fugir. Aceno devagar. — Como? Conta para mim.

— Isso é embaraçoso. — Escondo meu rosto no seu pescoço, e ele acaricia meus cabelos.

— Como, Heather? Não vou julgar você. Me diz.

— Com meus dedos — confesso baixinho, porque é assim que venho sobrevivendo desde que
descobri a masturbação.

— É uma cena bonita de imaginar.

Ele beija meu queixo, e eu arfo, sentindo-me mais calma quando sua boca toma a minha.
Richard só se levanta para acender a lareira elétrica. Observo o fogo queimar por uns instantes antes
de o homem voltar para mim. Ele volta a me beijar, e sinto os dedos abrindo os botões da minha
calça. Tremo de novo de excitação, e Richard para, interpretando minha reação errado. Encorajo-o,
voltando a beijá-lo, ansiosa para sentir seus dedos onde já está úmido.

Não aguento e gemo assim que eles entram pela minha calcinha e me acariciam.

— Se pedir, eu paro.

— Tudo bem — sussurro.

Salto de susto quando um dedo me penetra devagar e sai em seguida, indo para o clitóris,
espalhando minha lubrificação devagar por toda a minha intimidade. Richard põe mais dedos e abre
mais as minhas pernas para melhorar a fricção.

— Abre mais para mim, Heather. Deixa eu ver você gozar gostoso na minha mão.

Sem tirar os olhos de mim, da forma mais gostosa, erótica e constrangedora da minha vida,
Richard percorre meu nervo quente e molhado com habilidade, estimulando as áreas que me fazem
tremer.

É muito rápido. Não precisa de muito para eu abrir mais as pernas quando o orgasmo me
atinge em cheio. Fecho os olhos, e o homem segura a minha cabeça, apoiando-a no seu ombro quando
meu corpo ameaça cair pelo tremor que o perpassa.

— Linda. Você é linda, Heather. — Aumenta a intensidade dos movimentos, prolongando o


clímax com o tom da sua voz.

As mãos só saem de dentro da minha calcinha quando ofego.

— Da próxima vez, se você quiser, vai ser com a minha boca — Richard sussurra safado na
minha orelha, e eu sorrio, sentindo-me confortável apesar da situação.

Ele fecha a minha calça em seguida e me puxa para seu corpo de novo. É um lugar novo e,
ainda assim, confortável como um lar.
capítulo quinze

Não lembro a última vez que passei mais de uma hora sem olhar para o meu celular, muito
menos com ele desligado. Mas é assim que está depois de mais de duas ligações de Theodore.
Mandei uma mensagem mandando-o cuidar da própria vida e um áudio anexado com uma foto depois
que pediu para ver se eu não fui sequestrado. E desliguei. Permanece assim desde que estou aqui com
Heather, e isso já faz boas horas.

Não quero sair daqui. Quero permanecer sentindo o cheiro dos cabelos que acaricio porque
ela cochilou no meio do filme que estávamos vendo. Fico vendo o romance adolescente, sorrindo
pelo absurdo da situação.

Se me perguntarem, a folga foi bem dada e quero passar cada segundo dela com Heather.
Infelizmente, está tarde e não sei se ela tem algum compromisso ou se pode ficar aqui. Quero que
fique. Meu pau quer desesperadamente que fique e durma comigo, mas entendo se não quiser. Ela
cora somente por ouvir o que digo, imagina se souber o que passa na minha mente toda vez que me
olha.

Não estou acostumado a informar o que estou fazendo na hora do sexo, mas sinto que preciso
pedir autorização para não a assustar. Cada toque mais ousado parece constrangê-la a ponto de
desmaiar, mas ela se entrega a todos eles.

— Heather… — chamo baixinho, deslizando a ponta do dedo pela bochecha. — Está pronta
para ir? Heather…

Ela acorda a coisinha mais graciosa, esfregando o olho e se levantando do meu colo de uma
vez.

— Dormi no meio do filme! Isso nunca acontece, juro.

— Tudo bem. Você falou enquanto dormia e disse que é porque minha companhia é enfadonha
— implico, com a expressão séria, e ela arregala os olhos.

— Mentira! Sua companhia é incrível! — Solto uma risada pela fala e pela expressão
assustada, e ela me bate no estômago. — Desculpa!

— Sabia que é crime agredir o futuro rei? — brinco, puxando-a para meu colo e prendendo
seus punhos atrás das suas costas.

— Aqui você não é o rei, você mesmo disse. Já desassociei as duas versões. Já era.

— Ah, é? E quais são as duas? — questiono com curiosidade.

— Como Vossa Alteza Real, você é sério, sisudo, sucinto e direto. Nada de sorrisinhos,
apenas acenos polidos. Como um… príncipe de gelo! — Cutuco suas costelas, e ela ri, tentando me
afastar. Eu paro para que continue a falar. — E o Richard gente como a gente é apenas um homem
apaixonado pela família, pelo frio, por lugares isolados, filmes de adolescente e que gosta de boas
companhias. E você sorri para mim. Muito.

Sorrio abertamente pela análise que fez nos poucos dias em que vem convivendo comigo. É
uma boa forma de me avaliar. Normalmente não tenho muito da segunda versão de mim mesmo. Meu
dia é corrido demais para ela aparecer. E acho que agora, com Heather, é a primeira vez que
acontece.

— Acertei? — pergunta quando fico em silêncio, analisando-a.

— Pode dizer que sim.

Puxo seu rosto para um beijo rápido e coloco as mechas que caem no seu rosto para trás.

— Você precisa ir? Te tirei da sua casa sem saber se podia se ausentar assim.

— Ah, eu avisei para a minha mãe e Phoebe ficarem de olho nos meninos. Mas se você quer ir,
a gente pode ir. Não quero atrapalhar.

Nego com a cabeça e dedilho sua clavícula exposta com a ponta dos dedos. Estudo suas
reações. Heather inclina a cabeça para o lado e acompanha o deslizar com atenção.

— Eu não quero e nem preciso ir. Se quiser ficar, a gente fica. Se quiser ir, a gente vai.

— Quero ficar — confessa baixinho, engolindo em seco.

Meu corpo entende a frase como outra coisa, e meu pau pulsa embaixo dela. Heather sente de
novo e morde o lábio.

— A gente vai… passar a noite aqui? — questiona com os olhos claros arregalados e
temerosos em minha direção.

— Só se você quiser, Heather. Você quem manda.


Ela acena e se aconchega contra meu corpo, ficando toda desconfortável pela posição. Não me
diz se quer dormir ou não, o que me mata em expectativa. Só de ela ficar aqui já serve para testar
todo o meu autocontrole. Essas horas todas foram um sufoco para manter meu pau adormecido. Não
consegui, porque Heather parece ter gostado na nova posição de ficar sentada nele.

— Se a gente vai dormir aqui, você pode me emprestar uma roupa sua? Não trouxe nada.

— Claro — murmuro rouco, com a confirmação que recebo e por imaginá-la com as minhas
roupas.

Não sei se ela não percebe a dimensão das coisas que fala ou se faz de propósito, mas não
importa. Serve para me atiçar de qualquer forma.

— Vem, vou te mostrar as coisas.

Levanto-me com ela e a coloco no chão. Guio-a até as suítes e deixo que fique com a principal
porque é mais confortável. Mostro onde ficam minhas camisas sociais e falo que pode escolher
qualquer uma que servir. São grandes o suficientes para cobrirem quase todo seu corpo, tenho
certeza. Mostro os kits de higiene e o banheiro logo em seguida.

— Vou tomar um banho também. Fique à vontade.

Ela acena olhando ao redor, e aperto o nariz assim que saio dali, pensando que a noite vai ser
muito, muito longa.

Assim que saio do banho, coloco uma camiseta e uma bermuda roubadas do quarto de Stephen,
sentindo-me esquisito com elas. Não são roupas que estou acostumado a usar nem mesmo em casa.
Mas acho que o momento pede.

Quando volto para a sala de estar, escuto Heather já na cozinha e me aproximo, encontrando-a
coçando a cabeça, de costas para mim, concentrada em algo. Não chamo a sua atenção porque meus
olhos se perdem nas suas pernas grandes e torneadas pela dança expostas. Ela está descalça e
procurando algo na geladeira.

— Vejo que a roupa serviu — digo, pigarreando porque a fala sai desejosa demais.

Heather se vira de uma vez pelo susto, mas logo a expressão some e é substituída por uma
risonha ao me ver tão informal.

— O look fica bem em você.


— Me sinto esquisito. — Eu me aproximo dela do outro lado do balcão. — Já está com fome?
Vou te ajudar dessa vez.

— Estou. Fiz pouco almoço porque não sabia que a gente ia ficar tudo isso. E não sei se você
come a mesma comida duas vezes no dia.

— Nunca comi, mas não teria problema.

Ela acena e volta a se concentrar na geladeira, procurando os ingredientes ali. Com o gesto, a
bunda se empina e revela a calcinha pequena toda para mim.

— Heather… — aviso, porque ela parece confortável demais para ter notado. — Não que eu
esteja reclamando, mas está mostrando mais do que você gostaria de me mostrar.

Rapidamente, ela volta para a posição normal e fica encostada na geladeira, tampando a
bunda.

Eu me aproximo dela, com a visão na minha mente, e ergo seus braços no eletrodoméstico,
deixando-a à minha mercê.

— Você torna tudo tão difícil. O que eu faço com a minha vontade de foder você com essa
bunda assim para cima, Heather? — pergunto, roçando meus lábios nos seus.

— Eu… não sabia que vocês podiam falar tanta besteira assim. — Sua fala me tira uma risada
alta. — E sobre o que você fazer, eu não sei. Você quer me mostrar como faz?

Rosno no seu pescoço, que arrepia na hora, e beijo a pele quente. Agradeço a temperatura
gostosa da cabana permitir que ela ande quase seminua para mim.

— Não me tenta. Não me provoca. Sou delicado, respeitoso, carinhoso com você fora da
cama, Heather. — Seguro seu queixo para que me olhe. — Mas nela, posso não conseguir ser tudo
isso. E você precisa que eu seja.

— Eu não preciso — fala, e olho para ela. — Quer dizer, você não vai me machucar, não é?

— Nunca.

— Então eu quero… — diz para mim, e procuro por incertezas no seu rosto.

Quando não encontro, entrelaço suas pernas na minha cintura e a seguro pela bunda. Levo
Heather em direção à minha suíte e a coloco com cuidado na cama. Sigo buscando que mude de
ideia.
Ela só parece curiosa.

Tiro a camiseta de qualquer jeito e a jogo de lado antes de sumir na cama. Arrasto Heather
mais para cima pela cintura com facilidade e não me demoro, porque passei o dia inteiro imaginando
o gosto da sua boceta. Ela arfa e estremece quando levanto a ponta da camisa social branca que
escolheu.

— Oh, meu Deus. — Esconde o rosto nas mãos quando cheiro a virilha gostosa.

— Olha para mim, Heather.

Com relutância, ela tira a mão do rosto vermelho e me encara quando afasto a calcinha para o
lado e lambo a boceta de cima a baixo. Quando o tecido atrapalha que eu alcance cada canto, tiro-o e
jogo junto com a camiseta de Stephen.

Seguro as coxas de Heather bem abertas quando ameaça fechá-las.

— Sem vergonha. Não vou machucar você. Só quero seu prazer.

Ela acena e me deixa arreganhá-la. Cheiro mais uma vez e chupo o clitóris molhado e inchado.
Gemo contra a boceta gostosa e chupo, enfio dois dedos com cuidado e lambo os grandes lábios.
Exploro muito antes e voltar a dar atenção ao nervo, porque sei que ela não vai durar muito.
Comprovando a minha teoria, assim que sugo o clitóris, Heather ergue o corpo e involuntariamente
tenta se afastar. Puxo-a de volta para minha boca e acelero as lambidas, fazendo-a gemer baixinho,
constrangida.

Quando termino e ela amolece, morde os lábios, a visão mais linda do mundo com os cabelos
espalhados na minha cama, o rosto e a boca vermelhos.

— Gostoso?

Ela acena fraquinho e sorrio.

— Quer ir até o final?

— Quero — fala decidida, e toco seu rosto com a ponta dos dedos.

Levanto-me para pegar as camisinhas no banheiro da suíte e me demoro abrindo os botões da


minha camisa no seu corpo. Heather se contém para não se cobrir, eu sei disso. Mas ela não o faz.

Toco os seios pequenos e durinhos com a mão cheia e os esmago. Ela fecha os olhos e
entreabre os lábios. Acaricio os mamilos até que fique excitada e pronta para mim novamente.
Quando desço até a boceta e a sinto molhada, me afasto para tirar a bermuda e a boxer e colocar uma
camisinha. Faço tudo olhando para Heather, que encara meu pau com os olhos curiosos.

— Tem certeza?

— Tenho. Eu quero você — murmura baixo, ainda olhando para meu membro duro e dolorido
pelas horas de ereções não saciadas.

Posiciono-me entre suas pernas e empurro devagar, sentindo-a travar embaixo de mim.

— Relaxa para mim. Não trava, senão te machuca.

Toco os seios e empurro. Inclino-me para beijar seus lábios e empurro mais um pouco.
Intercalo o vai e vem lento e torturante com carícias que aprendi que ela gosta.

— Vou colocar um pouco mais. Se você não conseguir, me para. — Fecho os olhos e gemo
quando sinto a cavidade quente esmagando meu pau. Desliza mais fácil porque Heather está molhada.
— Agora vai doer um pouco. Arranha minhas costas quando doer.

Fico em cima dela, falando contra sua boca. Ela me olha, e vejo toda a confiança que deposita
em mim ao acenar. Quando saio e entro novamente, ultrapassando a barreira dolorida, sinto as unhas
me arranhando com força e não controlo o gemido de tesão que sinto.

— Eu odeio que isso te machuque. Sinto muito.

— Não sinta — ela sussurra com um gemido.

Aperto o bico dos seios para que Heather volte a sentir prazer e me mexo devagar, analisando
suas expressões.

— Muito ruim? — pergunto baixinho, e ela nega.

— Diferente, esquisito, mas nada com você me parece ruim.

Sorrio e beijo os lábios quentes. Nós ficamos nessas estocadas de leve porque não quero que
ela fique ainda mais dolorida. Não me incomoda, porque sinto cada parte dela em mim e meus lábios
doem de tanto que a beijo. Aperto todo seu corpo com a minha mão, a palma deslizando por cada
centímetro de pele que encontro.

— Seu toque é tão gostoso. Só isso me deixa excitada.

— Fico feliz em saber. Você acha que consegue gozar para mim assim? Estou quase gozando
para você, Heather. Você é tão gostosa.

Chupo seu pescoço e continuo metendo devagar.

— Eu não sei se consigo.

— Tenta para mim, linda. Foca no prazer, no meu toque — sussurro, controlando meu próprio
gozo. — Me sente em você, entrando gostoso, chegando tão fundo na sua boceta gostosa.

Ela acena e permaneço assim devagar. Estimulo seu clitóris com cuidado, e Heather se
contorce. Quando me mexo mais um pouco, ela fecha os olhos e sinto-a me apertar ainda mais.
Acelero o ritmo e meto mais forte, fazendo-a gemer mais alto. Acompanho-a no clímax e aperto seu
seio com força.

Assim que abre os olhos, Heather sorri docemente para mim, e eu beijo sua testa antes de
desabar ao seu lado.

Está aí mais uma versão minha até então desconhecida, a delicada e cuidadosa. Nunca precisei
assim, e fico feliz de Heather ter sido a primeira a descobrir mais um lado meu.
capítulo dezesseis

Se antes não conseguia tirar Richard da minha cabeça, agora não imagino que vá conseguir
mesmo. Não depois de ser tratada de forma tão atenciosa, delicada e crua. Nas muitas vezes que
imaginei a minha primeira vez, fui bem fantasiosa. Imaginei velas acesas, pétalas de rosas,
champanhe, mas quando chegava na hora de pensar no ato, tudo o que pensava era em como iria doer.
No final das contas, só bastou um homem carinhoso e seus toques para me deixar sorrindo feito uma
boba.

Estou cansada porque mal dormi à noite. Richard não deixou. Não que eu esteja reclamando de
acordar com seus beijos no meu pescoço, com a chupada no lóbulo da minha orelha, com as mãos
passeando pela minha cintura nua para me acordar. Nós fizemos amor devagar mais duas vezes. Foi
ainda mais ardido do que as primeiras vezes, porque ainda não estou acostumada, mas Richard foi
tão paciente, tão… príncipe.

E como estou nas alturas, isso influenciou na minha patinação. Penso a todo momento nele
enquanto deslizo no rinque. Agora mais agasalhada pelo tempo frio demais, executo os passos mais
difíceis com sucesso e comemoro, sozinha na pista de gelo. O lugar está vazio. Gosto quando está
assim, porque tenho mais espaço e liberdade para treinar.

Assim que executo a sequência de movimentos para finalizar a coreografia, escuto aplausos de
fora da pista. Franzo o cenho porque não tinha escutado ninguém.

— Belíssima! — Uma mulher alta, elegante e bem vestida me aplaude com um sorriso no
rosto. Eu me aproximo dela, curiosa com a presença.

— Muito obrigada.

— Desculpa invadir seu espaço assim, não quis interromper a sequência belíssima que estava
fazendo. Meu nome é Fleur. — Aperto a mão que ela estica com desconfiança, afinal não a conheço e
não sei o que quer comigo. — Foi difícil achar você. Quando a vi dançando no baile, imaginei que
fosse de uma companhia de sucesso. Jamais imaginaria que você é uma artista independente.

Vou para me afastar porque penso que é mais uma das jornalistas que apareceram desde a
minha aparição ao lado de Richard. Poucos me acharam, felizmente, e imagino que ele tem a ver com
isso. Ele me perguntou se as pessoas estavam me deixando em paz e só aí me atentei de que minha
vida podia estar muito pior do que agora.

— Não se preocupe. Não estou aqui para saber se existe romance ou não. Estou interessada na
sua dança. Sou da França e tenho uma companhia. Pequena ainda, mas promissora. Todos os meus
patinadores começaram igual a você. Gostaria de você no meu time.

— Eu? Mas por quê?

— Você é talentosa. O que vi aqui agora só me confirma que não foi só sua beleza que
despertou a atenção do rei — ela fala e pisca para mim, tirando um cartão da bolsa. — Vou ficar em
Delway até sábado. Se tiver interesse em ouvir mais, só me ligar que vou até você.

Aceno em concordância com o cartão na mão. A mulher sai de forma discreta, exatamente
como entrou, e fico pensativa. Imaginei que dançar no baile de inverno podia chamar a atenção de
gente importante, que eu seria notada finalmente, mas agora que aconteceu, estou surpresa e chocada.
Entre tantos dançarinos maravilhosos e com muito mais técnica que eu, foi por mim que se
interessaram. Patino para fora do rinque e guardo o cartão na bolsa antes de voltar a treinar. Não
demora muito para sentir a presença de alguém no rinque novamente. Meus olhos se arregalam de
surpresa ao ver Richard com toda a sua elegância caminhar em direção à beira.

— Não para. Continua dançando. Não existe momento em que você está mais linda do que na
pista de patinação.

— Às suas ordens, Vossa Alteza. — Sorrio para ele e me curvo em uma reverência de
provocação.

Ele sorri para mim e toma um gole de um dos cafés que segura nas mãos. Danço para Richard.
Dessa vez, somos somente eu e ele, como sempre imaginei nas vezes que viu minha apresentação.

Faço uma coreografia com menos acrobacias e mais sexy para que me expresse como ele me
faz me sentir quando me olha desse jeito. Encerro cansada e arfante, mas com um sorriso no rosto.
Aproximo-me dele, que me estica o outro copo.

— Obrigada. A que devo a honra?

— Precisava ver você — diz com um tom sério que me deixa intrigada, mas logo é esquecido
quando segura na minha cintura e me puxa para si. — Tive horas de você na noite passada e não
pareceram suficiente. Você consegue explicar o que está acontecendo comigo, senhorita Stafford?

Rio baixinho, e ele beija minha testa, indicando que eu beba meu café. O líquido me aquece
imediatamente e o tomo em goladas. Richard se livra dos nossos copos e volta a colar meu peito ao
seu.

— Eu fiquei curiosa com uma coisa.

— Com o quê? — pergunta, colocando meu cabelo para trás.

— Seu irmão disse que você queria uma professora. Já quis aprender patinação?

Ele nega rapidamente com a cabeça, e eu murcho. Seria divertido poder ensiná-lo. Considero-
me muito didática. As crianças adoram minhas aulas, e eu amo estar com elas.

— Quando nós éramos pequenos, nossa mãe colocou a gente para fazer tudo; lutas, aulas de
canto, de dança, de tiro, de arco e flecha, de leitura, de patinação. Meus irmãos me atormentam até
hoje, porque eu gostava em particular de patinar. Nunca fui muito bom, mas gostava.

— Eu posso ensinar você. Vejo que gosta até hoje.

— Ah, não. Se naquela época eu era ruim, agora então… Estou enferrujado — justifica,
negando com a cabeça e erguendo as mãos em frente ao corpo.

— Isso porque você nunca aprendeu com a melhor. Me deixa tentar. Você está aqui, eu estou
aqui. Por favor. — Junto as mãos em frente ao queixo e faço uma expressão de chantagem. Funciona,
porque Richard bufa e acena.

Empolgo-me e vou até o depósito onde ficam uns patins perdidos. Procuro os números
maiores, pensando que devem servir nele. Quando volto, o homem está sentado em um dos bancos
trocados do ginásio. Aqui ficou muito lindo depois da reforma, parece outro lugar. Vejo que Richard
olha para tudo atentamente.

— Trouxe esse tamanho. Espero que sirva.

Ele faz uma careta ao ver o estado dos patins, e eu gargalho, pedindo que acelere. É o máximo
ver um homem tão poderoso e importante se submetendo a várias coisas para se adaptar ao meu
mundo. Vejo que ele tenta não ligar, mas a mudança de realidade deve ser brusca. Se é para mim, que
estou do outro lado, conhecendo o lado bom de ser rico, imagino para ele.

— Pronto? — pergunto depois que calça os patins que parecem ter servido.

— Provavelmente não.

Estico as mãos para Richard, que as segura para ficar de pé. Patino de costas para saber o
nível de conhecimento que tem, e ele parece saber se manter de pé pelo menos. E com elegância. Não
acho que tenha nada que faça que não seja de forma tão charmosa, tão cheio de postura.

— Muito bem. Agora vou soltar você e ver o que consegue fazer.

Richard concorda, e eu solto as mãos enluvadas. Seguro uma risada ao ver o homem deslizar
devagar demais, o corpo travado para não cair. Eu ensino crianças, não posso ser antiprofissional
agora.

— Você está indo bem.

— Se por bem você quer dizer não caindo, então sim. Estou bem — ele resmunga, e desta vez
não prendo o riso pela versão rabugenta dele.

— Você precisa relaxar mais. Ignore que está em cima dos patins e solta o corpo.

Fico na sua frente e fecho os olhos, realizando movimentos leves, sacudindo os ombros
devagar, apenas sentindo.

— Eu prefiro somente observar você.

— Negativo. Faz o que pedi. Relaxa os ombros. — Aproximo-me dele e massageio a região
tensionada, com o olhar dele em mim. — Isso. Muito bem. Agora desliza um pouco mais rápido
assim, lembrando de relaxar os ombros. É tudo sobre leveza.

Sigo acompanhando seus movimentos andando de costas na pista, de frente pra ele. Richard
chacoalha os ombros e solta o ar, andando um pouco melhor.

— Está ótimo. Agora relaxa as pernas. Não as deixe tão travadas assim, porque você se sente
mais seguro, mas as chances de cair são maiores.

Quando permanece travado, eu me aproximo para fazer o exercício que faço com meus alunos.
Estico as mãos para cima para que Richard encaixe as suas nas minhas em um passo de dança.

— Fecha os olhos. — Ele arqueia a sobrancelha em descrença. — Confia em mim.

— Não acredito que estou mesmo fazendo isso — reclama novamente, mas me obedece. Isso
me tira um sorriso.

— Se concentra na minha voz. Nesse momento, você está no chão, dançando valsa.

Executo os passos, guiando-o pelo rinque, e sorrio quando ele mesmo aumenta a velocidade,
girando-me em um círculo pequeno.

— Muito bem, Richard. Só sinta.

Acompanho o maxilar travado, que se afrouxa conforme a gente fica em uma dança lenta. Os
olhos dele permanecem fechados, enquanto eu oriento.

— Abra seus olhos agora.

Assim que faz, as íris intensas me atingem, e Richard nos para. Assusto-me quando os lábios
sugam os meus com fome e um desejo cru. Cedo ao seu charme e jogo meus braços ao redor do seu
pescoço, retribuindo o beijo.

Parece que nunca estou satisfeita da sua boca na minha. Sempre quero mais. Agora, quero mais
de tudo.

— Você está dolorida ainda? — pergunta depois de se afastar, segurando meu queixo.

— Sim. Parece que treinei por horas e horas. Minhas coxas estão doloridas — sussurro com
vergonha.

— Ótimo. Quero que se lembre do meu corpo no seu.

— Como se fosse algo que eu pudesse me esquecer — confesso baixinho, sendo atingida pelas
íris castanhas intensas. — Você é inesquecível, Richard.

Ele parece gostar da minha declaração, pois pressiona as mãos na minha cintura com força.
Gemo na sua boca, e Richard me aperta mais.

— Quero mais de você, Heather. Quero me afundar em você de novo, e de novo. Só consigo
pensar nisso desde ontem.

— Eu também.

Encosto minha testa na sua e sinto a respiração gelada pelo frio do ginásio atingir meu rosto.
Richard beija cada canto da minha face, e fecho os olhos, sorrindo fraco para ele.

Ele é carinhoso e delicado, de um jeito que nunca imaginaria. Acho que ninguém imagina.
Gosto de pensar que sou eu a despertar isso nele. Resumindo: gosto de me iludir.

Quando os pensamentos dele com outras mulheres começam a aparecer, eu os bloqueio e me


concentro nas carícias do homem à minha frente.
— Eu tenho uma novidade! Esqueci.

— Me conta — fala, segurando meu queixo para meus olhos se fixarem nos seus. Ele gosta
disso.

— Antes de você chegar, a dona de uma companhia de patinação veio aqui. Ela disse que me
quer trabalhando com ela! — digo animada, e Richard arregala os olhos.

— Isso não me surpreende, Heather. Você é muito talentosa. Não tem um olhar que não fique
hipnotizado pela sua apresentação. E então? Como funciona? Você vai aceitar?

— Não sei — digo baixo. — Agora não é o momento. Tenho minha mãe, meus irmãos e… Não
sei.

E tenho você.

As palavras quase saíram, iludidas, porque não o tenho. Nem nunca terei. Já me conformei com
isso, mas como disse a ele, sou uma adulta que toma as próprias decisões. Prefiro viver isso o que
estamos vivendo a me arrepender de nunca ter me arriscado. E, Deus, como tem valido a pena até
agora.

Richard me enlouquece. Física e emocionalmente, ele está em cada parte de mim.

— Pensa direito. É um sonho seu, não é? Você merece viver.

Aceno em concordância, indecisa como nunca. Preciso mesmo pensar, porque ao mesmo tempo
que quero ir com todo meu coração, preciso manter o pé no chão de que não posso largar tudo o que
amo para viajar por aí pelo mundo.

Vai ser uma batalha difícil entre coração versus coração. Se fosse entre coração e razão, seria
muito mais fácil. Mas tem muita coisa em jogo aqui e não sei se estou disposta a abrir mão de tudo
isso por mais essa aventura.
capítulo dezessete

Lutando com Theodore, tiro toda a pressão dos meus ombros e atinjo as luvas que ele
posiciona em frente ao meu rosto. Ele parece sentir que tem algo me incomodando, porque não força
uma conversa e nem me pirraça como sei que gostaria. Ou talvez porque ele ainda esteja puto comigo
pela forma irresponsável como venho agindo. Sei disso. Saídas apressadas sem segurança, sem suas
estratégias de proteção. Indo a lugares sem avisá-lo onde estou. Não duvido que a essa altura meu
irmão mais novo tenha colocado um chip em mim enquanto dormia para controlar meus passos. Posso
estar perto de comandar o país, mas quem cuida da nossa segurança, sem nem pensar em hierarquia, é
Theo.

— Vai me falar o que está te deixando assim ou vou precisar ficar aqui até amanhã de manhã?
— ele pergunta quando apoio as mãos nos joelhos, pelo cansaço das horas de esforço físico.

— Não tem nada.

— E eu sou a Bela Adormecida. Não fode, Richard. Você está feliz demais com seu descanso
forçado, nem questionou o papai. Some praticamente todos os dias e só volta à noite, ou no dia
seguinte. Se recusa a ir com segurança. Tem a ver com a patinadora?

Tiro uma das luvas de boxe e passo a mão na testa suada, inspirando fundo para controlar a
respiração e desacelerar meu corpo. Theo me olha, esperando. Ele não vai desistir, sei disso. Não
duvido que já saiba de tudo e queira ouvir da minha boca. Consigo visualizar meu irmão colocando
alguém para me seguir só para ver o que estou escondendo.

— Sim, é a Heather. Não quero alardear nada.

— Eu sei que não. Tive que passar horas para conseguir sumir com os rastros dela. Então, por
que se arriscar agora se encontrando com ela ainda? — Ele também se livra das luvas, mas sem tirar
os olhos de mim. Minha expressão não diz nada, porque a mantenho neutra.

— Porque gosto de sair com ela. Ela é… tão diferente dessa loucura toda.

— Richard, Richard… Você está mesmo apaixonado por ela? Você sabe que isso é pior, não
sabe? — Theo se aproxima de mim e aperta meu ombro com força, tomando a minha atenção. — Ela
vai se machucar. E, pelo visto, você também. Nunca te vi assim.
— Eu sei. Só me preocupo por ela. Se o preço de sofrer depois me permitir continuar vivendo
isso, que seja.

Seus olhos se arregalam ainda mais de surpresa, e bato no seu rosto com leveza,
tranquilizando-o.

O dia hoje está um inferno. Eu devia estar com Heather, porque tinha a intenção de levá-la para
jantar. Mas, infelizmente, meus pais solicitaram a minha presença para uma reunião. E já sei do que
se trata. É exatamente por isso que estou acabando com todo a pressão que já sinto agora, porque sei
que vai vir muito mais.

Eu preciso escolher minha esposa. Devia estar tirando esses dias para isso, mas não tenho
como estar mais desanimado com o assunto.

Despeço-me de Theo e tomo um banho, vestindo uma roupa formal antes de ir ao encontro dos
meus pais, que me esperam na sala de visitas. Sei que eles não queriam estar me pressionando, mas
os dois têm pessoas em cima para que a tradição seja seguida. Muita gente não está satisfeita de eu
estar agindo como um rei sem nem ter me casado, sem nem ter sido coroado.

Anuncio-me quando entro, e mamãe se ergue do sofá para me dar um abraço e um beijo
carinhoso na bochecha.

— Você parece melhor. Está com um rosto mais felizinho.

Imagino mesmo que esteja, pelos motivos errados, mas estou. Heather é a responsável por
isso.

— Estou bem, mãe.

Dou um beijo na sua testa e um abraço no meu pai, que parece ter sugado todos os trabalhos
para si novamente. Isso está estampado na sua expressão cansada.

— Como o senhor está?

— Bem, só tinha me esquecido que não tenho mais idade para isso — resmunga, e eu sorrio,
feliz por ajudá-lo a finalmente descansar e aproveitar sua vida de casado com mamãe.

— Que bom que você tem a mim, então.

Ele acena devagar e faz um gesto para que eu me sente. Minha mãe se senta ao meu lado e
segura minha mão, abrindo um sorriso simpático. Os olhos azuis vibrantes estão cheios de
preocupação, como sempre é.

— Querido, precisamos que você tenha certeza do que quer. Sei que você sempre sonhou em
ser rei, mas não precisa ser agora — minha mãe diz, e estranho sua fala agora.

Eles nunca questionaram nada. Pelo contrário, sempre abraçaram a ideia quando sugeri que
estava pronto para assumir o comando do nosso país.

— Por que isso agora? — questiono.

— Nós estamos sentindo que você está hesitando. É pela esposa? Sabemos que nunca foi seu
sonho se casar, mas nunca foi um problema antes.

— Não estou hesitando — falo firme e oculto propositalmente a outra parte.

Não quero me casar. Estou disposto a isso para cumprir com as minhas obrigações, sei que
preciso, mas não quero. Não mais.

— Seus irmãos estavam comentando… — papai começa, e eu suspiro, sem realmente me


surpreender que os dois tenham dado uma de fofoqueiros.

Eu me levanto e passo as mãos no cabelo, preocupado de que meu lado emocional esteja se
sobressaindo e ocultando a minha racionalidade. Nunca hesitei. Nunca sequer cogitei fugir do
casamento por conveniência que seria necessário, mas Heather mudou tudo. E ao mesmo tempo que
fico feliz por ter a oportunidade de estar com ela apesar disso tudo, pela primeira vez eu queria
poder ter os dois. Queria poder ter o país que eu amo, o trono que é meu direito, e ter Heather. E
construir uma relação gostosa, de desvendá-la dia após dia, de ter pelo menos uma chance de um
futuro. De tentar ter algo mais.

— Eu me preparo para isso desde sempre, para vocês dizerem que talvez eu não esteja pronto
por provocações dos dois? — falo, olhando incrédulo para ambos.

— Não é isso, meu amor. — Beatrice Thompson se levanta também e passa as palmas das
mãos pelos meus braços. — Nós confiamos cem por cento em você. Só não queremos que você
assuma responsabilidades tão novo. Sabemos as consequências disso para o seu pai. Ele teve
pouquíssimo tempo para a família enquanto estava comandando o país. Você está preparado para
isso?

Ao pensar em construir uma família com uma princesa de um país qualquer que nem mesmo sei
quem é ainda, não fico mais feliz. Na verdade, fico levemente desesperado.
Pela primeira vez, eu hesito. Mas não demonstro. Fecho a cara e mantenho a expressão neutra.

— Estou pronto.

Meus pais acenam, sem de fato parecerem acreditar em mim. Talvez porque as palavras foram
vazias. Se estou pronto para assumir tudo que envolve nosso país mesmo que signifique não dormir?
Sim, nasci para isso. Se estou pronto para construir uma relação estranha com uma desconhecida, me
casar e ter herdeiros com ela? Não mesmo. Não acho que em algum momento estarei depois dos
últimos dias em que vivenciei o significado de despreocupação, leveza, carinho e cuidado.

Não depois que vivenciei Heather.

Mas a responsabilidade não é algo do que consiga me livrar assim, por melhor que seja o
motivo. Por isso fui sincero com a patinadora desde o início, porque não queria ser um filho da puta
e ocultar algo tão importante dela. Ela sabe que minha atenção está centrada nela agora, mas que, em
breve, não estará mais. Não por querer, de novo dizendo.

— Tudo bem. Se sente aqui então, querido. Já que você enrolou para avaliar as suas opções,
fiz isso por você — mamãe fala, batendo a mão no sofá para que eu me sente.

Com um amargor na boca e um coração esmagado, eu obedeço. São cinco moças muito bonitas,
com um currículo muito extenso de qualidades e habilidades. Todas são princesas de países amigos.
Todas, independentemente da minha escolha, vão agregar e muito para nossa família em termos
políticos. Assim como nós vamos agregar ao país deles.

Pego o tablet da mão da minha mãe e vou passando as fotos, com notícias sobre elas nos
jornais, além de toda a ficha. Theo não brinca mais em serviço. Depois que Louise apareceu nas
nossas vidas, ele tem ficado ainda mais surtado com quem entra para a nossa família. Ainda mais
agora, que a princesa escolhida virará a rainha de Delway.

— Posso deixar isso na sua mão, mamãe?

— Você não quer escolher? — ela pergunta surpresa.

— Confio no seu instinto para escolher a melhor opção.

Aperto sua mão e sorrio fraco para ela, que olha para meu pai com um olhar significativo
demais, que deixa claro o quanto acha que perdi a cabeça. Mas não consigo fazer isso agora. Não me
importa, na verdade. Eles vão saber qual é a melhor opção para o país, e minha opinião não vai
adiantar nada.
— Se não se importam, eu preciso ir agora.

Faço uma reverência rápida e saio dali precisando de um ar puro. Saio do castelo mesmo que
a neve esteja começando a cair. Não vai demorar para o chão todo ser preenchido. Costumo gostar
dessa estação, agora ainda mais pelas lembranças que ela sempre vai trazer para minha mente. Visto
as luvas que estão dentro dos bolsos do casaco preto e ando em direção ao jardim. Vejo que a
maioria das plantas sobrevivem ao tempo frio. Como se fossem imunes ao coração gelado.
Sabotando a mim mesmo, meu cérebro faz uma associação fora de hora com Heather. Ela é imune à
carcaça gelada que existe em mim. Ela raramente se mostra com Heather. É como se tivesse
penetrado com muita facilidade a camada fria. Sento-me no banco onde nós conversamos de verdade,
mais do que alguns segundos de cumprimentos, e me lembro do sorriso espontâneo.

Tiro o celular do bolso e vejo a data rindo de mim. Meu tempo de folga está acabando, assim
como a minha relação com Heather. Pensando nisso, digito uma mensagem.

Quero te ver.

Estou começando a pensar que essa profissão de rei é melhor do que a minha. Não tenho esse
tempo livre todo

Rio da provocação e espero pela resposta que sei que vem. Ela chega.

Quero ver você também. Preciso contar o que aconteceu!

Digito uma mensagem rápida e me levanto para ir buscá-la e levá-la para nosso refúgio. Mas
estranho quando encontro Stephen no caminho para a saída do jardim.

— Imaginei que fosse miragem quando te vi entrar aqui — ele diz, abrindo o sorriso
zombeteiro de lado. — O rei Richard andando pelo jardim. Você deve estar mesmo sem ter o que
fazer.

— Agora não, Stephen — digo mal-humorado pelo fofoqueiro ter plantado a semente da
desconfiança na cabeça dos nossos pais.

— Eu sei o que está acontecendo. — Meu irmão fica na minha frente quando tento desviar dele
para sair dali. Não falo nada, permaneço olhando para ele com uma expressão fria. — Você está se
apaixonando e puto da vida porque isso não estava planejado. E porque não vai para frente, porque
sempre segue pelo caminho responsável. Acertei?

— Não viaja.

— É viagem mesmo, Richard, ou você está mentindo para si mesmo? — Steph segura minha
nuca e me faz olhar para ele. — Você sabe que odeio a palavra apropriado, mas vocês parecem
seguir isso à risca. Mas até quando vale a pena arriscar a sua felicidade em nome de tradições
antiquadas?

— Falou a pessoa que se casou com quem viu uma vez.

Ele dá de ombros, sem dar importância.

— Eu não estava apaixonado por ninguém, não abri mão de nada para me casar com Louise —
fala, sério como raramente o vejo. — Você não está sendo você. E disso eu entendo. Então, se gosta
minimamente que seja dela, se consegue visualizar um futuro, esqueça o apropriado e vá pelo seu
coração.

Stephen dá um tapa no meu ombro antes de ir embora e me deixar aqui cheio de mais dúvidas e
mais angústias.
capítulo dezoito

Estou terminando de me arrumar para mais uma saída no meio do dia para me encontrar com
Richard, quando escuto uma batida na porta. Vejo a cabeça da minha mãe aparecer no vão que abriu,
pedindo autorização para entrar.

— Quanto cheiro — ela fala, fungando o ar porque acabei de passar perfume. — Quando a
senhorita vai conversar comigo sobre o que está acontecendo? Sei que é maior de idade e não me
deve mais satisfações, mas sinto saudade da minha Heather que me conta tudo.

Desvio o olhar com vergonha, porque ela está certa. Tenho agido como uma criminosa nessa
semana, saindo no meio do dia, ou da noite, desviando do assunto quando ela me pergunta onde estou
indo, o que estou fazendo, evitando estar perto dela porque Marie me conhece bem demais. Mas
estou com vergonha dela.

— Mamãe, não fala assim — digo, virando-me para ela.

Minha mãe se aproxima de mim, parada em frente ao espelho. Ela abre a porta do meu guarda-
roupa e pega o cachecol e minhas luvas azuis.

— Assim fica bonito. Acho que o rei gosta dessas cores. — Arregalo os olhos de surpresa, e
ela sorri para mim, acariciando minha cabeça. — Sou sua mãe, snowflake. Acha que não percebi
como ficou desde que o viu pela primeira vez?

Abaixo a cabeça de constrangimento, e minha mãe a ergue para que a olhe.

— Não fique assim.

— Me desculpa. Eu não segui o seu conselho — peço, mordendo os lábios. — Não penso
muito quando se trata dele. Ele mexe tanto comigo, mãe. E o pior é que sei que vou terminar
magoada, mas não consigo evitar.

Ela me puxa para um abraço apertado, que trato logo de retribuir. O sentimento de tê-la aqui
para me aconselhar é tão bom que quase me esqueço da minha tristeza. Abro um sorriso fraco, ainda
a apertando nos meus braços.

— Estou tão feliz por a senhora estar aqui, por estar bem nesses dias.
— Eu também, meu amor. E é por isso que preciso que tire essa aflição que está no seu
coração. Não quero que deixe de me contar as coisas com medo da minha reação. Nem sempre vou
apoiar tudo, mas não vou julgar você.

Aceno em concordância e me afasto, puxando-a para a cama. Conto tudo que ocultei dela
desde o início. Sem ocultar nenhuma parte. Claro que não sou muito descritiva nos acontecimentos da
minha primeira vez, mas conto todas as sensações que Richard causou em mim. Mamãe me escuta
com um sorrisinho no rosto, apertando minhas mãos. Deixo a parte triste para o final, em que digo
que ele vai ter uma esposa em breve. Sei que minha mãe não apoia meu envolvimento com ele porque
sabe que nunca me entreguei a ninguém assim e, se fiz, é porque existe mais do que apenas um desejo
envolvido. Gosto de Richard. Ainda não consigo definir se estou apaixonada, mas não está muito
longe. Como não me apaixonar?

— Já disse o que eu acho. Ele parece ser uma boa pessoa, mas vocês têm vidas diferentes. O
príncipe não pode abrir mão das suas responsabilidades.

— Eu sei. Mas nunca vivi nada parecido. Acha que eu devia me privar de viver isso pensando
em um prazo de validade? A vida não é tão curta?

— Você falou como o seu pai agora — mamãe diz, e eu fecho a cara e faço uma careta à
menção do homem.

— Não me compare a ele. Não tenho nada dele além da minha aparência.

— Filha…

— Preciso ir, mamãe. Richard já deve estar me esperando. Vai ficar bem? Qualquer coisa me
liga que venho correndo — corto o que quer que vá dizer, porque sei que ela faz parte do time que o
defende com afinco.

Um dos defeitos do amor é que ele deixa as pessoas cegas. Muitas vezes, elas dizem e agem
como se o outro fosse um anjo, um ser de outro mundo que nunca erra. Sei que ainda existem
sentimentos da minha mãe em relação a ele, afinal faz pouco tempo. Diferente do projeto de homem,
ela não consegue apagar o amor que sentia em um piscar de olhos.

Despeço-me dela com um beijo na cabeça ainda sem muitos cabelos e vou até o portão.
Demora poucos segundos para o carro da família real parar em frente à minha casa. Entro
rapidamente e sorrio ao ver o homem no banco de trás.

Ele pede para Javier seguir depois que cumprimento os dois, e sorrio ao reconhecer o caminho
da casa de campo.

— Você está linda — Richard elogia, e coloco uma mecha de cabelo para trás da orelha.

— Obrigada. Você não está mal. Apesar de que…

Eu me atrevo a me aproximar e a tirar o cachecol preto que está envolto no seu pescoço.
Troco-o pelo meu azul chamativo.

— Pronto. Agora sim com um pouco mais de cor.

Ele abaixa a cabeça para olhar para o acessório e faz uma careta antes de me puxar para o seu
lado e colocar meu cinto.

— As lembranças do seu cheiro estão me deixando louco — sussurra no meu ouvido, e fico
vermelha, olhando assustada para Javier dirigindo concentrado.

— Richard, se contenha.

— Não estou com vontade de me conter hoje, Heather. Só consigo pensar nas coisas que não te
mostrei ainda. — Segue com a voz baixa e provocativa, e meu corpo esquenta. Não é de vergonha
dessa vez.

Fico quieta porque fico constrangida com a presença do homem logo à nossa frente. Como a
primeira vez, depois que nós chegamos, Richard libera Javier. Quando me guia até o interior da casa
de campo, fico surpresa ao ver o lugar todo enfeitado com flores e velas por cada canto do lugar.
Como se Richard tivesse lido meus pensamentos sonhadores. Vejo a mesa em que comemos da última
vez cheia de velas e mais flores.

— Gostou?

— Richard, por que fez tudo isso? Está lindo, mas não precisava — sussurro, andando pelo
caminho das pétalas.

— Gostaria que sua primeira vez tivesse sido assim, mas como não foi nada planejado…

Eu faço um biquinho de choro e quebro a distância entre ele, apertando-o com força. Richard
retribui meu afago sem hesitar como fazia no início e cheira meu cabelo.

— Vamos comer. Hoje você não vai precisar cozinhar.

Vejo que tem duas bandejas separadas. Ele as pega e as coloca na mesa. Sorrio abertamente,
mas de novo sinto Richard mais sério e mais calado do que o normal. Ele tem uns momentos de
introspecção em que gostaria de saber o que se passa na sua cabeça, mas não quero forçar a barra
com ele.

— E então, o que queria me contar? — pergunta, tomando um gole de vinho após engolir um
pedaço do bife delicioso que nos foi servido.

— Ah, esqueci!

Depois que Richard foi embora do rinque ontem, pensei muito e decidi pelo menos ouvir o que
Fleur tinha para me dizer. Sabe quando tudo parece bom demais para ser verdade? É assim que me
sinto desde que passei a analisar sua proposta. No início, as apresentações serão pelos vários
estados de Delway mesmo. Depois que a companhia rodar o país inteiro é que eles vão as levar para
fora do país. Algumas já estão marcadas, inclusive. Fiquei muito animada, devo confessar. Conversei
com minha mãe no mesmo dia que Fleur me propôs que eu a procurasse. A senhora Marie, claro, não
hesitou em me incentivar. Contagiada com sua empolgação, fui lá para ouvir a mulher. Isso só serviu
para me balançar, mas fiquei animada ao assistir vídeo deles na internet. As apresentações são
incríveis, tudo tão profissional. Seria uma ótima oportunidade para a minha carreira, se é que posso
chamar assim.

Depois que termino de narrar tudo para Richard, ele segura minha mão e a aperta.

— Isso é incrível, Heather. Acho que você devia mesmo ir. Se disse que sua mãe está melhor e
que tem Phoebe para te ajudar, não vejo motivo para não ir pelo menos nas apresentações aqui em
Delway mesmo.

Aceno em concordância porque ele não deixa de ter razão. Nós ficaríamos pouco tempo em
cada lugar, seria apenas uma cidade por final de semana, daria para conciliar com tudo, porque não
trabalho aos sábados e domingos. Daria certo. Mas e depois? E se se tornasse impossível abandonar
a companhia? E quando eles começarem a ir para longe?

— Vou pensar. Agora me conta, por que está sério?

Richard me olha sem entender, e solto um suspiro. Estou começando a saber sobre suas
reações.

— Você está mais sério hoje. Me conta o que houve.

Ele fica me olhando por longos segundos, e não sei o que está pensando, mas como sempre, me
deixa desconcertada.
— Não tive uma conversa muito agradável com meus pais hoje. Eles me mostraram uma lista
de possíveis esposas.

— Ah… — Eu murcho toda, porque pensei que a gente ia ter mais tempo. — Você já escolheu?

— Meus pais vão fazer isso por mim.

Ainda não consigo acreditar que existam casamentos assim agora. Faz sentido gente rica só se
relacionar com pessoas da mesma classe social. Mas, na minha mente, não faz sentido que as coisas
não aconteçam naturalmente. E é estranho pensar que o príncipe Stephen e a princesa Louise
começaram uma relação assim. Eles são tão lindos juntos.

Meu coração está apertado, mas não demonstro isso para Richard.

— Você vai ser um rei maravilhoso, Richard.

— Obrigado. Eu espero que sim.

Ele aperta as minhas mãos e me puxa para seu colo. Fico aconchegada a ele assim, segurando
o choro ao pensar que pode ser a última vez que vou ficar desta forma com ele.

Ergo o olhar para encará-lo e vejo o mesmo sentimento de tristeza que deve estar nos meus
olhos nos de Richard. Ele acaricia meu rosto com carinho e me puxa para um beijo lento. Dou vários
selinhos na sua boca, e Richard aprofunda a carícia. Aperta minha cintura com força e abre minhas
pernas para que eu me sente de frente para ele. A boca vem voraz no meu pescoço, enquanto ele tira
minhas camadas de roupa com um desespero cru que espelha o meu. Richard geme na minha boca, só
parando de me beijar para que as peças passem pela minha cabeça. Quando estou nua da cintura para
cima, ele me ergue e me segura pela bunda. Ele me leva até o mesmo quarto da última vez e não tem
nenhuma delicadeza desta vez. O homem se livra das minhas botas e da minha calça. As mãos tocam
cada parte de pele minha com uma brutalidade que arrepia meu corpo inteiro. A palma vem para
frente da minha calcinha, em uma massagem gostosa no meu clitóris por cima do tecido.

— Nunca vou me acostumar com a sua expressão de prazer, Heather. Nunca vou me esquecer
dela.

— Eu também nunca vou me esquecer de você, Richard.

Ele tira a minha calcinha e beija meu pescoço, desce pelos meus seios, lambendo-os devagar.
Vai para a minha barriga, e eu ergo meu corpo, pedindo por mais.

Quando a boca toca meu clitóris, o gemido sai alto enquanto me contorço. A língua quente me
açoita, precisa e determinada a me levar ao clímax. Ele controla as minhas pernas quando ameaço as
fechar e me chupa. Sinto minhas vistas escuras e meus dedos dos pés tremerem. Gozo chamando o
nome dele, sentindo as mãos fortes nas minhas coxas.

Fico olhando para o teto, recuperando-me do orgasmo intenso. Escuto Richard se livrar das
próprias roupas e me ergo nos cotovelos para olhar para ele. A beleza crua me arrebata e quase
choro pelo nosso tempo curto.

— Eu preciso de você, Heather.

Puxo sua cabeça em minha direção e o beijo. Richard se afasta apenas para se proteger.

— Como você está? — A mão espalma a minha boceta molhada, espalhando meu líquido ainda
mais. Ele enfia dois dedos em mim e me massageia internamente.

— Já estou bem.

Richard só tem tempo de acenar antes de segurar o pau e estocar em mim de uma vez. Minhas
unhas afundam nas suas costas, e meu corpo se ergue. Ele segura meus cabelos para me puxar para
sua boca e segue metendo fundo.

— Quero comer você de quatro. Desde que vi você com essa bunda gostosa erguida, não penso
em outra coisa.

Meu rosto cora, e ele me move feito uma boneca para me colocar na posição que deseja. Ele
me invade de uma vez, bruto, duro. Estranho a posição porque o sinto todo dentro de mim, gostoso e
dolorido.

As mãos apertam minha bunda com força enquanto mete sem cessar. Meus cabelos sofrem pela
intensidade de Richard, porque não demora para o homem puxá-los para trás.

Ele se curva sobre mim e massageia meu clitóris, a respiração acelerada no meu ouvido.

— Goza para mim, Heather.

Richard se afasta e continua esfregando meu nervo com pressa. Quando gemo, sinto minha
intimidade apertando o pau dentro de mim. Ele geme no meu ouvido, alto e descontrolado de uma
forma que nunca vi antes. A velocidade aumenta e meu corpo é jogado para frente com rapidez
enquanto estoca. Ele goza gemendo para mim e me espera finalizar antes de tirar seu membro.

Respirando fundo, me aconchego no seu peito quando se levanta para descartar o preservativo.
Ele beija minha testa e me puxa perto. Não fala nada, e sei que está perdido nos próprios
pensamentos. Deixo-o assim porque estou imersa nos meus próprios.

Penso que apesar de saber que isso aconteceria, não estava preparada para a despedida.
capítulo dezenove

Tenho uma noiva. Lauren Hampton, de Stanley, um país vizinho e muito promissor. Os ideais e
as tradições são parecidos com os de Delway, com economia que cresce de forma surpreendente.
Não sei a aparência dela, porque não me interessei em olhar depois que meus pais informaram que
seria a escolhida. Ótima para nosso país, indiferente para mim.

Autorizei que meus pais cuidassem de tudo, como fizeram com Stephen. Theo também está
ajudando antes de firmarmos o acordo de casamento, fazendo a sua parte de investigar a vida de
todos os membros da família antes de nos unirmos. Não descobriu nada que pudesse prejudicar nosso
país ou a relação amigável que sempre tivemos com os Hampton.

Falta muito pouco para que a minha coroação se concretize e, pela primeira vez em anos,
penso nisso com um pesar. Mas prefiro afastar esses pensamentos. O meu querer não vai fazer
diferença em nada nessa relação política e, quanto menos eu pensar nisso, melhor.

— Richard? — Escuto meu nome sendo chamado, depois de ter desligado a minha mente do
falatório dos meus irmãos. Ergo o olhar e encontro os dos dois, preocupados. — Você não está
querendo matar a gente.

— Não estava ouvindo — afirmo sério, os dedos massageando as têmporas cansadas.

Minha folga acabou. Meu pai está dividindo obrigações comigo até que eu me case, mas voltei
a ter a maioria das responsabilidades de antes. Com isso, todo o sossego e relaxamento que estava
sentindo foi embora. Meus pensamentos estão longe e, com uma frequência que me irrita, eu me pego
distraído e sonhador, imaginando um futuro que não está ao meu alcance.

— Você não está no seu juízo perfeito — fala Theodore, sentando-se em cima da minha mesa e
me encarando. — O que está acontecendo, irmão?

— Ele está apaixonado — Stephen responde, e eu suspiro alto.

— Não começa. Não estou com clima para provocações hoje.

— Não estou provocando. Não dessa vez. — Olho-o sério e vejo que ele também está. —
Você não é o mesmo desde o seu aniversário. Sendo irresponsável, tirando tempo para descanso,
suspirando pelos cantos, escapando no meio do dia para viver seu amor proibido. Você só precisa
assumir para si mesmo.

— Ele não pode. Não vai adiantar. — Theo nega com a cabeça, encarando-me com atenção.

— Vai adiantar, sim. Quanto mais cedo ele assumir, mais rápido ele cancela essa palhaçada
toda.

— Cancelar? E não assumir o que ele deseja desde que nasceu?

Os dois começam uma discussão fervorosa sobre a minha vida, mas minha mente só se
concentra em trechos pequenos. O que não vai adiantar é ficar discutindo um futuro que já está
traçado. Eu sabia que isso ia acontecer, sabia que esse momento chegaria. Eu me preparei para ele,
então só preciso assumir meus compromissos. E fim.

Como todo mundo decidiu ter pressa para a coroação, o jantar de noivado já foi marcado para
hoje. É por isso que Stephen parece ter tirado o dia para tentar me convencer de que não devo fazer
isso, de que devo seguir meu coração e não me casar por conveniência e sim por amor. Já Theo
parece disposto a fazer com que as tradições sejam seguidas. Eu vou ser feliz com ela, como ele
mesmo diz. Meu irmão é pragmático quando se trata do nosso país. Eu sou também, e é isso o que
está me forçando a seguir adiante com tudo isso.

Heather foi uma parte curta e ainda assim intensa da minha vida que nunca vou me esquecer,
disso tenho certeza. Mas nós nos envolvemos nisso sabendo o fim que teríamos.

— Chega de discussão. Eu gostaria de ficar sozinho por algum tempo antes do jantar, se não se
importam.

Os dois parecem chocados com meu pedido, as expressões nos rostos não disfarçam isso, mas
não estou mesmo no clima de debater isso agora. Parecendo sentir a urgência no meu tom de voz, eles
acenam em concordância. Antes disso, porém, Stephen se aproxima de mim e aperta meu ombro.

— Nas vésperas do meu noivado, eu estava tão desesperado quanto você. Lembro de me dizer
que estava ali para o que eu precisar. Saiba que é recíproco. Se precisar de um jeito de fugir, de
sumir com alguém, de sequestrar a patinadora e morar em uma casa de campo, eu faço, irmão. Devo
muito da minha vida pelas suas concessões. Você merece ser feliz também.

Bato de leve meu rosto em um gesto de agradecimento e meu irmão se afasta. Sei que o
próximo é Theo, porque mesmo defendendo nosso país como pode, a prioridade é sempre nossa
família. Sempre.
— Eu também te apoio no que precisar, meu irmão. Você vai fazer o que achar que é certo. Se
tiver consequências, a gente resolve do jeito de sempre: juntos.

Aceno em um agradecimento e me emociono, porque não importa o que aconteça, nós sempre
estaremos ali um pelo outro. Perto ou longe, o amor que sentimos, o cuidado que temos, nunca vai
deixar de existir.

Eles se despedem de mim com um aceno e saem. Sentado à mesa do escritório, analiso papéis
da economia de Stanley, notando que felizmente vai valer a pena a união.

Respiro fundo e aperto a cabeça nas mãos conforme as horas passam. Falta pouco para que a
família de Lauren chegue. Antes disso, eu preciso ouvir a voz dela mais uma vez. A última. Preciso
me despedir do tom doce e animado mesmo que eu tenha ficado com ela o dia anterior todo.

Coloco o celular na orelha e me encosto na cadeira.

— Richard? Eu estava mesmo pensando em você. Tenho uma novidade! Aceitei trabalhar na
companhia. Nós vamos para o interior do país já no final de semana! — Sorrio pelo tom animado,
deixando que cada sentimento bom que vem dela me preencha, como sempre é mesmo que esteja
distante de mim.

— Isso é incrível, Heather. Fez bem em aceitar. Mais pessoas merecem ver o seu talento. Fico
muito feliz.

— Obrigada. Ai, isso tudo é um sonho.

Aperto os olhos e fico em silêncio por alguns segundos, ouvindo-a contar sobre como vai se
programar para passar o final de semana fora e não deixar sua mãe e irmãos sem cuidados. Aperto os
olhos, contendo o engasgo que aparece na garganta ao saber que nunca mais vou ouvir o som da sua
voz.

— Richard? Está tudo bem?

— Estou, sim. Só…

Suspiro alto, sem coragem de dizer a ela que, cedo demais, meus pais escolheram uma
pretendente e eu já vou noivar com ela hoje mesmo. Mas estamos sendo sinceros um com o outro
desde sempre, e preciso dizer que a noite de ontem em forma de despedida foi mesmo uma.

— Fala comigo. Não gosto de você assim.


— Eu sinto muito, Heather. Por ter me aproximado de você para em seguida ir embora. Fui um
egoísta por ter tomado tudo de você e agora… Eu preciso ir.

— Richard… — Sua voz fica mais tristonha. — Eu escolhi estar com você. Não trocaria
nossos dias por nada. Já falei que não me arrependo. Não se arrependa também, por favor. Você
foi… a melhor coisa que aconteceu comigo. Não se arrependa do que a gente viveu.

— Não vou. Nunca.

Ela suspira do outro lado da linha. Fico em silêncio, confortando-me com a sua respiração
lenta.

— Meu jantar de noivado é daqui algumas horas, Heather. Estou procurando algum motivo
para dizer que não vou me casar. Sempre fui tão racional e agora… A razão é a última coisa na minha
cabeça.

Heather fica em silêncio, e escuto o fungado. Odeio ser eu a causar as lágrimas.

— Ser rei é o seu sonho, lembra? — pergunta baixinho depois de parecer controlar o choro.
— Vá ser o melhor governante que esse país já viu.

— Heather…

— É o certo, Richard. Te desejo toda a felicidade do mundo.

Encaro o lustre alto acima da minha cabeça, piscando várias vezes para conter lágrimas que
nunca achei que choraria. Aperto os lábios e aceno em concordância.

— Seja feliz, Heather.

— Você também, Vossa Alteza.

Sorrio e, inevitavelmente, uma lágrima escorre pelo meu rosto. Seco-a com rapidez, e a
ligação do outro lado fica muda. Ela desligou. Solto o celular em cima da mesa e afundo a cabeça
nas mãos, com a sensação de sufocamento entalada na minha garganta.

Quando escuto uma batida na porta, seco meu rosto e vejo meu pai aparecer ali. Ele me olha
contrariado por alguns segundos antes de se aproximar.

— Tudo bem, filho?

— Ótimo.
Levanto-me e ando de costas em direção ao armário de bebidas para evitar que ele me encare.
Sinto Arthuro se aproximar de mim e colocar uma mão no meu ombro. Ele tenta me virar e me
mantenho parado, evitando que veja os olhos que estão vermelhos.

Eu não choro. Nunca. Nunca tive motivos para isso depois de adulto. Mas agora…

— Olhe para mim, filho. — Meu pai segura meu rosto e consegue me virar. — Um bom homem
nunca se envergonha de demonstrar o que sente e de usar do conforto de um familiar para se consolar.
Não tenha vergonha de chorar na frente do seu pai.

— Não estou chorando.

Ele ri baixo e acena em concordância, não acreditando nem por um segundo nas minhas
palavras.

— Agora você vai se sentar comigo naquele sofá e me contar o que mudou nas últimas
semanas.

Contrariado, eu o sigo depois de encher um copo de uísque e virar a bebida de uma vez. Não
bebo, odeio o gosto do álcool, mas sinto que vou precisar disso. Quando me aproximo do meu pai,
ele coloca a mão na minha perna e a aperta para me incentivar. Eu suspiro, cansado.

— Meu problema não é em assumir a coroa — falo, olhando para minhas próprias mãos. —
Meu problema é com o casamento.

— Você não é obrigado a se casar com ela, você sabe. Tem uma infinidade de princesas que
você poderia…

— E eu nunca vou querer nenhuma delas — corto sua fala, negando com a cabeça.

— Meu filho, como você pode saber? Às vezes, a paixão e o amor estão nos lugares que você
menos imagina.

— Eu sei… — sussurro, com lembranças de Heather invadindo minha mente, uma a uma.

A forma deslumbrante como ela dança em cima dos patins, o olhar doce, o sorriso aberto que
dá sempre que algo a surpreende, a maneira como se encaixa nos meus braços, como seu corpo se
molda ao meu, o olhar cheio de significados, o jeito como articula com as mãos sem parar enquanto
fala. A forma como ela faz eu me sentir. Como foi gostoso sentir seu coração batendo contra o meu,
na mesma velocidade, em sincronia, mesmo que nossos mundos não sejam do mesmo jeito.
— Eu me apaixonei por uma plebeia — confesso para o meu pai, que arregala os olhos de
surpresa. — E princesa nenhuma chega aos pés dela. Por isso sei que, independentemente da esposa
que vocês me arrumem, jamais vou me apaixonar por ela.

— Filho…

Escondo o rosto de novo nas palmas das mãos e o esfrego com força. Meu pragmatismo todo
foi para bem longe, trazendo uma série de questionamentos e dúvidas que me perturbam diariamente.

— Eu sei, pai. Um relacionamento assim é impossível, já estou ciente.

Eu suspiro fundo e me levanto, a fim de me preparar para o jantar de noivado. Não quero
remoer Heather. Não consigo fazer isso sem ter vontade de correr em sua direção e nunca mais soltá-
la.

— Preciso me preparar.

— Espera, meu filho. — Eu paro e me viro para ele. — Stephen é o coração da família, Theo é
a força e você sempre foi a razão. Mas nem sempre precisa ser assim. Às vezes, você só precisa
seguir seu coração.

Depois que diz isso, ele sai do escritório e me deixa parado ali.

Apesar das suas palavras, eu me arrumo para o jantar e desço as escadas. Pela primeira vez,
sou o último a chegar. Meus familiares já estão ali para receber os Hampton. Minha mãe tenta conter
Blair para que a garotinha não corra ao redor da mesa do jantar.

Posiciono-me ao lado de Stephen e olho em direção à porta. Assim que a família esperada
chega e vejo Lauren, meu corpo congela por inteiro. Mais uma vez, vou precisar proteger meu
coração e me transformar no próprio príncipe do gelo pelo resto da noite para não me magoar. Pelo
resto da minha vida vai ser assim.
capítulo vinte

O único impulso para que eu saia da cama é porque hoje vou com a companhia para a minha
primeira apresentação. Estou nervosa porque as coisas estão acontecendo rápido demais. De uma
vida conturbada e cheia de tristeza, para uma cheia de alegrias e momentos de intensidade.

Uma parte do meu coração está sangrando muito, dolorida, quase me impedindo de seguir em
frente como sempre faço, mas a outra, a que carrego em mim desde que eu era uma garotinha, está
vibrando por dentro por estar vivendo o sonho dela.

É pensando nessa pequena garota que suspiro fundo e me levanto. Por isso e pelo furacão
Phoebe invadindo meu quarto. Ao me ver de pé de pijama, ela coloca a mão na cintura em um
protesto que sei que vai vir, mas que não quero ouvir agora. Não agora.

— Achei que eu ia ter que te arrastar pelo cabelo. Você nem me inventa de desistir do seu
sonho.

— Não vou — falo triste, fungando.

— Heather, eu sei que você está triste, com a cabeça confusa e com o coração sangrando, mas
nem sempre a vida é justa. A gente sabe que coisas como o rei largar tudo por amor só acontece em
filmes.

Aceno em concordância porque se eu falar, o choro vai escorrer pelo meu rosto e nunca mais
vai parar. Está sendo assim na última semana. Não há nada e nem ninguém que consiga me fazer parar
a enxurrada que desce sempre que me lembro dele, da última vez que ouvi sua voz uma semana atrás,
dizendo que estava ficando noivo. Foi ali que senti meu coração quebrando.

Eu não vou poder compartilhar mais momentos com ele, ouvir sobre sua vida ou sobre como
sempre sonhou em ser o rei do nosso país. Não vou ver mais a expressão intensa sempre que me olha
ou ouvir o tom amável quando fala dos irmãos, mesmo que seja dizendo o quanto são difíceis. Foram
muitas conversas trocadas ao longo dos nossos dias. Conversas só nossas, não compartilhadas com o
mundo, livres de todo o julgamento que teríamos se nosso romance fosse assumido para o mundo.
Livre de toda a dor de ter que fingir que um sentimento que começou tão rápido e intenso não existe.
Porque é impossível de ser vivido. Dói saber que a primeira vez que me apaixonei foi por um homem
que jamais poderá ser meu.
— Vamos. Você tem um ônibus para pegar. Não vou deixar se apresentar com essa cara
inchada.

Ela me aperta forte e seca minhas lágrimas. Compartilhei tudo com minha amiga, cada
momento, cada entrega, só deixando de fora nossos momentos íntimos que quero guardar só para
mim. Mas ela ouviu tudo com muita empatia e um sorriso fraco no rosto. Não me julgou por me meter
em uma relação com prazo de validade. Phoebe jamais faria isso. Mas ela não ia me incentivar a
continuar em algo que me faria sofrer também, por isso coloca o pé no chão por nós duas e tenta me
colocar no eixo.

Solto-me do seu abraço quando Owen entra correndo no meu quarto, empolgado com alguma
coisa que logo descubro o que é. Minha mãe e irmã aparecem carregando uma bandeja de café da
manhã recheada.

— Comida para o nosso orgulho! — mamãe cantarola animada, feliz da vida pelo momento
que estou vivendo.

— Mamãe, não precisava…

Quando Phoebe a ajuda com a bandeja e a coloca em cima da minha cama, eu abraço a mulher
que daria o mundo pela minha felicidade, que jamais me abandonaria mesmo que sua vida
dependesse disso.

— Eu te amo muito. Isso é graças à senhora.

— Não, snowflake. Isso é graças a você, ao seu esforço e ao seu talento — fala, emocionada e
com a voz embargada pelas lágrimas. A senhora Marie me afasta para secar meu rosto. — O mundo é
seu até quando você o quiser. Se um dia mudar de ideia, sempre vai ter a gente.

Aceno e a abraço de novo, apertado. Ainda estou preocupada em viajar por três dias e a deixar
sozinha, mas Phoebe prometeu que vai cuidar deles enquanto estou fora. E confio nela para isso. É
uma pena que eles não vão poder ir desta vez, porque foi tudo muito corrido e não quero que minha
mãe se esforce muito em um ônibus, mas torço para que tenha outras chances de eles me verem
dançar profissionalmente.

— Se cuida, viu.

— Pode deixar. Agora toma o seu café de campeã antes que se atrase.

— Heather? O príncipe Richard vai ver você dançar de novo? — meu irmãozinho ingênuo
pergunta, e eu me agacho para bagunçar mais os cabelos longos e já bagunçados.

— Não vai, meu amor. Agora ele tem muitas ocupações — digo com o coração apertado. —
Ele precisa cuidar do país, lembra?

Ele acena e abraça o meu pescoço. Beijo sua bochecha e logo o pequeno se afasta com minha
mãe, que abre um sorriso tristonho para mim. Trato logo de segurar a tristeza dentro de mim para não
a preocupar.

— Traz um presente para mim de lá? — Hillary pergunta, e sorrio, acenando em concordância.

— Claro.

Abraço-a e dou um beijo na sua testa antes de ela sair do meu quarto e me deixar sozinha com
Phoebe. Minha amiga me ajuda a conferir se estou levando tudo o que preciso para me apresentar.
Após fechar a caixa dos meus patins, toco-o com a ponta dos dedos ao me lembrar do presente que
tem me dado sorte desde então.

Respiro fundo e sigo a minha vida, mesmo que tenha certeza de que nada vai preencher o oco
que ficou no meu peito. Nem mesmo a patinação.

Quando pego o ônibus, horas depois, consigo me entusiasmar um pouco com a animação das
pessoas da companhia. Não tive muito tempo para conhecê-los porque o convite de Fleur pelo visto
não foi planejado. Eles me receberam muito bem nos ensaios. Como não me encaixei com o ritmo
deles ainda, vou ter apenas alguns minutos de apresentação solo nas primeiras vezes. Isso se eu não
ficar nervosa demais, cometer algum erro e ela me expulsar antes mesmo que eu chegue na segunda.
A cidade em que vamos fica muito longe e nunca a visitei. É uma cidade turística e parece que o
show vai estar lotado. Nós chegamos bem cedo para ensaiarmos no palco. É surreal estar aqui em um
lugar tão grande como esse, que em breve vai estar lotado de gente.

— Já pensou em dançar com um par? — Escuto uma voz atrás de mim enquanto me alongo na
pista. — Sou o Derek. Você não deve lembrar do nome de todo mundo ainda.
— Prazer, Derek. Já pensei, mas não deu certo com meus pares.

— Sei como é. Se quiser, podemos tentar qualquer dia desses. — Ele pisca para mim e se
afasta tão rápido quanto chegou, deixando-me confusa.

Não perco muito tempo nisso e foco em ensaiar os passos da apresentação.

Minha mente se desliga de tudo pelos segundos em que estou ensaiando, mas o nervosismo
volta quando chega a hora da apresentação. Os patinadores parecem já estar acostumados com tudo,
porque não têm a expressão desesperada que eu tenho.

— Você vai se sair bem, Heather — Fleur fala ao me ver olhando no espelho, pensando em
desistir e sair correndo daqui. — Dance com o amor que eu vi naquela pista e tudo vai dar certo.

Sorrio e agradeço a ela, sendo sucinta com as palavras porque vou vomitar se falar demais. Eu
já me apresentei para a família real, sendo transmitida para o mundo. Consigo fazer isso também.

— Você é capaz. Você consegue — sussurro palavras motivacionais para mim mesma antes de
nos chamarem.

Escuto aplausos e alguém falando no microfone, mas minha mente funciona no automático de
nervosismo. Assisti à apresentação da equipe, chocada em como eles são sincronizados ao
deslizarem. Perto deles, sou apenas uma aprendiz de garagem. Aperto meu estômago que dói de
nervosismo quando vejo que está chegando a minha hora de dançar. Fleur acena para mim com
confiança, e eu respiro fundo.

Assim que deslizo para entrar no rinque de gelo, escuto os aplausos. Respiro fundo antes de
começar a executar meus movimentos, mas meu coração se acalma mesmo quando fecho os olhos e
imagino que é para ele quem estou dançando.

A coreografia sai com mais intensidade do que o planejado e, no final, termino com lágrimas
nos olhos de tristeza e de emoção. A equipe fica ao meu lado, fazendo uma reverência em direção ao
público, e eu choro, saindo correndo para o camarim.

Tudo vem tão intenso que não consigo segurar mais as lágrimas. Como se eu não tivesse
chorado a semana toda.

Alegria, realização, raiva. Decepção. Esperança. São tantos sentimentos que parece ser
impossível fazer outra coisa senão chorar.

Quando me recomponho, escuto uma batidinha no camarim e autorizo a entrada, tentando me


recompor, mas é tarde. Minha maquiagem está borrada.

Viro-me no espelho de uma vez, achando que estou vendo uma miragem.

— O que você está fazendo aqui?

— Filha…

Seco as lágrimas com força do rosto, a raiva sobressaindo todos os outros sentimentos desta
vez.

— Não me chame assim.

— Heather… — A tristeza que cruza seu rosto não me amolece. Nunca vai amolecer. — Vi que
você ia se apresentar na cidade e quis passar para te ver dançar. Tinha me esquecido do quanto era
bonito.

— Não devia ter vindo. Não teria se esquecido se não tivesse abandonado a sua família.

Travo o maxilar com tanta força que dói. Mordo minhas bochechas para não jorrar mais
lágrimas de mágoa, de decepção. Deus, quando minha vida se tornou tão movimentada? Eu
costumava ser apenas uma filha dedicada que torcia fervorosamente pela recuperação da mãe.
Quando foi que tudo virou de cabeça para baixo?

— Você sabe que não foi assim, Heather.

— Não foi, Bruce? Não foi? Onde você estava quando eu faltava minhas aulas para estar com
a minha mãe na quimioterapia? Onde você estava quando eu levava os meninos para a escola e
tentava ocultar deles que talvez nós dois ficaríamos órfãos, porque a nossa mãe ia morrer e o nosso
pai simplesmente nos abandonou? Onde você estava, Bruce? Me diga! Onde você estava quando eu
estava dando um duro danado em vários trabalhos para colocar comida na casa que você jurou estar
sempre?

Ele tem a decência de parecer constrangido. Não me serve de nada, contudo. Não sinto pena,
não sinto remorso pelas palavras duras. Só sinto um alívio por poder despejar isso depois de tanto
tempo ignorando sua presença. São muitas mágoas em relação a ele que nunca serão possíveis de
serem perdoadas. Não quando, depois de tudo, eu tentei entendê-lo e descobri que ele estava
afastado porque a sua nova namorada não gostava da presença dos seus filhos. A nova namorada que
não devia existir, porque ele mal esperou os cabelos da minha mãe caírem para pular fora e
abandonar toda a responsabilidade.
Não faria nada diferente. Pela minha mãe. Por ela, eu passaria tudo de novo. Todo o sufoco no
hospital, todas as noites mal dormidas e os choros que tive que chorar sozinha durante a madrugada
ao vê-la tão debilitada. Não por ele.

— Você não tem uma resposta, não é? — digo amarga, mal o enxergando através das lágrimas.
— Pois eu digo para você. Você estava construindo uma família nova, uma menos sofrida e mais
fácil, não é? Avisa para sua nova esposa que dou um spoiler: você vai fugir na primeira
oportunidade.

— Não distorça como as coisas aconteceram. Eu e a sua mãe não estávamos dando certo. E eu
tentei ficar presente na vida de vocês, mas você não quis a minha presença.

— Não distorcer. — Solto uma risada baixa, sem humor, bagunçando os cabelos. — Uma
semana antes de tudo desandar, você estava fazendo planos de comprar uma casa nova. Como não
estavam se dando bem? Eu vi a forma como você a olhava, mas o seu amor não foi o suficiente,
porque você é um covarde.

— Heather…

— Não. Não me venha com tom de repreensão. Você perdeu esse direito. Um dia, Owen e
Hillary vão ser grandes para entender a dimensão do que você fez. Se eles quiserem sua presença,
não sou ninguém para obrigá-los a fazer o que eu quero. Mas de mim, você não chega perto.

— Não faz isso, filha. Estou tentando. Não sou um homem santo, mas amo vocês mais do que
tudo no mundo.

Queria que as lágrimas dele me comovessem e fossem o suficientes para me fazer perdoá-lo.
As coisas seriam mais fáceis, tenho certeza. Mas não são. Ele teve muito tempo para voltar atrás e se
arrepender. É tarde demais.

Não digo que nunca o perdoarei, mas, hoje, Bruce não vai receber o meu perdão.

— Por favor, vá embora. Não estraga um dos momentos mais importantes da minha vida —
sussurro mais calma, porque os patinadores começam a entrar no camarim compartilhado.

Ao ouvir a movimentação, ele acena e sai, deixando-me com um sorriso falso que uso para
disfarçar e fingir que o choro é de emoção para o resto da equipe. Enquanto eles me parabenizam
pela minha primeira apresentação, sorrio e agradeço.

Torço para que as coisas melhorem um dia, porque agora só carrego no meu peito
desesperança e despedidas.
capítulo vinte e um

Minha futura esposa parece uma boneca engessada. Discreta, sucinta com as palavras, séria e
responsável, como a minha versão feminina. Isso devia ser um bom sinal, porque significa que tem
muitas coisas parecidas comigo e com o meu jeito de pensar. E eu descobri que temos mesmo, ou ela
é muito boa em saber exatamente o que dizer para tentar me agradar. Ela é completamente diferente
da versão de esposa que criei na minha cabeça. Ou talvez seja diferente da definição de mulher
perfeita que adquiri há pouco tempo. Definição de Heather.

Os Hampton estão aqui desde o jantar de noivado, pouco mais de uma semana atrás. Eles
gostaram da hospitalidade da nossa família e do clima frio de Delway, mas sei que a insistência da
minha mãe para que ficassem foi para que eu conhecesse melhor a mulher com quem vou me casar.

Estou tentando ser um bom governante e pensar na parte política, mas não está dando. A cada
dia que passo na companhia deles, mais entediado eu fico. Isso vindo de uma pessoa que está
diariamente em reuniões políticas, o que para muitos é considerado chato.

Não é nada pessoal com Lauren. Ela deve ser a esposa perfeita para alguém por aí, mas para
mim… Talvez, se eu não tivesse conhecido a mulher que nunca saiu dos meus pensamentos desde que
a vi pela primeira vez, as coisas seriam diferentes. Não que eu fosse me apaixonar por Lauren, mas
estaria menos arredio. Menos irritado.

— Nós podemos dar uma volta pela propriedade, Lauren?

Ela acena séria, sem dar nem um sorriso sequer desde que chegou aqui. Seus pais não são dos
mais tradicionais, então eles não se preocupam muito com onde a filha deles está metida durante suas
ausências. Desde que, no final, ela vá parar ao meu lado no trono. A aliança é ainda mais vantajosa
para eles do que para nós. Filha mais nova de duas irmãs, Lauren nunca se tornaria a rainha do seu
país. Mas agora vai ser do nosso, em um casamento cheio de vantagens e com direito a um trono. É
uma aliança muito importante e eterna. Foi essa a desculpa que usei para gastarmos o tempo
necessário para planejarmos a cerimônia. Tudo precisa ser perfeito, porque o mundo todo verá a
união do novo rei de Delway com a princesa de Stanley. A minha coroação será no mesmo dia que o
casamento, pelo menos um conforto estou tendo nisso tudo. Está perto.

Perdido em pensamentos, ando devagar para que Lauren me acompanhe em direção aos bancos
espalhados ao redor do jardim. Ela pede para se sentar em um deles porque está cansada, e eu aceno
em concordância.

— Lauren, preciso ser sincero com você — falo, colocando para fora a conversa que tentei ter
muitas vezes, mas sempre fomos interrompidos por alguém. — Uma das minhas principais
qualidades é a minha sinceridade e não posso agir diferente com você, mesmo que a gente mal se
conheça.

A mulher acena, os olhos pretos me encarando com curiosidade. Os cabelos da mesma cor
estão caindo pelos ombros, lisos e longos. Ela é a imagem perfeita para estar nas capas das revistas,
mas me dói saber que não é ela quem devia estar nelas. Se a minha vida fosse normal, como de
qualquer pessoa do nosso país, não seria Lauren quem estaria nelas.

— Por favor, diga o que está incomodando, Vossa Alteza. — Minha mente insiste em se
lembrar do som da voz da Heather dizendo as duas palavrinhas que mexiam com todo meu corpo.
Com Lauren, nada acontece.

— Sou apaixonado por outra mulher. — Os olhos se arregalam de surpresa, mas logo relaxam.
Rápido demais, em um entendimento que me deixa curioso.

— Tudo bem. Eu não me incomodo com o passado. Todos nós temos um.

— Você também é apaixonada por alguém — afirmo, porque sua expressão é límpida demais e
ela mal consegue disfarçar. Uma coisa que nos diferencia.

— Sim, mas meus pais jamais aprovariam. Não é como se a gente tivesse muita escolha, não
é?

Sinto pena da mulher, mais do que sinto de mim mesmo. Nós dois nos casaremos sem amor, em
uma união eterna por conveniência, mas eu estarei aqui, fazendo o que gosto, perto da minha família.
Ela vai ter que passar tudo isso longe dos familiares, sozinha em um castelo novo, tendo perdido um
amor.

— A pessoa que você gosta não é da realeza?

Lauren nega com a cabeça e abaixa os olhos para fitar as próprias mãos, apoiadas no colo.

— Ele é meu motorista. Nós estamos nos envolvendo há muito tempo. Não sei qual seria a
reação dos meus pais se descobrissem.

— Você ainda se encontra com ele?


Lauren dá de ombros e, pela primeira vez desde que chegou, a postura polida a abandona.

— Não mais. Nós tivemos a nossa despedida. Eu vou morar aqui, não vamos nos ver mais.

— Tudo bem.

— Vou cumprir com todas as minhas obrigações, Vossa Alteza. Estudei muito a minha vida
inteira sobre como me tornar uma boa rainha.

Mais semelhanças aparecem entre nós, e mais eu sinto empatia pela mulher. O casamento vai
dar certo, afinal de contas. A diferença entre Lauren e eu é que ela vem conseguindo disfarçar muito
bem a falta de alegria que o casamento vai nos causar. Já eu, não sei se consegui essa proeza. Venho
estado mais rabugento e recluso nos últimos dias. Só encontrei com os visitantes algumas vez e não
troquei mais do que algumas palavras com eles. Meus pais e irmãos justificaram minhas ausências
dizendo que sou um homem ocupado. Parte é verdade, mas a outra parte é apenas enrolação. Fugi
deles porque não queria aceitar a realidade de que logo vou ser um homem casado. Não adiantou. Os
pensamentos seguiram martelando na minha cabeça, a conversa com meu pai e com Stephen me
impulsionando a cometer uma loucura. Mas segui até o final com o planejado.

— E a sua paixão? — pergunta Lauren após alguns segundos de silêncio.

— Ela merece mais do que toda essa confusão toda.

— E existe algo melhor do que uma coroa para oferecer para alguém? — pergunta, e
reconheço a ironia na sua voz.

— Ela não é do tipo que se interessa por isso. Acho que fica mais feliz se você oferecer um
picolé para seus irmãos, um almoço inesperado, flores. Ela é, e merece, muito mais.

Lauren acena e fica perdida nos próprios pensamentos, encarando os jardins à nossa frente.

Eu procurei notícias da minha patinadora. Ela fez uma apresentação. Queria ter podido estar lá
para aplaudi-la de pé. Gostaria de saber se estava nervosa ou excitada, dando saltos de alegria. Ou
se está se sentindo triste por não podermos mais nos ver. Gosto de pensar que ela vai ter a vida que
merece, realizando todos seus sonhos. É o que me consola; saber que Heather é forte e batalhadora
demais, que vai ficar bem. A garota tão nova já superou tantas coisas que eu, com a minha vidinha
perfeita e cheia de privilégios, nem sonhei em passar. Eu a admiro tanto. Queria ter dito isso a ela
enquanto havia tempo. Queria poder ter dito que eu me apaixonei por ela, que ela conseguiu me fazer
sonhar com uma vida comum ao seu lado. Que ela foi a única pessoa que me fez sequer pensar em
desistir da coroa que tanto almejei. Por ela.
— Tenho um pequeno acordo para fazer com você, Lauren.

Ela me olha com confusão, mas aceita, disposta a ouvir o que tenho a dizer.

Não é nada pensado demais. Nem deve ser incomum de acontecer. Só quero poder não me
envolver emocionalmente. Quero poder me casar, fazer pose para o resto do mundo, mas aqui, em
casa, Lauren será apenas uma relação política. Sem expectativas, sem aproximações desnecessárias,
sem fingimento.

A princesa parece aliviada quando proponho isso a ela, e acena em concordância, apertando
minha mão em um sinal de acordo.

— Você se considera uma pessoa corajosa, Richard? — ela pergunta depois que nos afastamos
e seguimos olhando para o nada, em um silêncio desconfortável.

— Sim. É preciso ter coragem para comandar um país.

— Eu me considerava uma pessoa corajosa também, mas descobri que sou fraca — ela
sussurra contemplando o chão branco pela neve que caiu e cobriu uma parte do jardim. — Gostaria
de ter coragem para abrir mão disso tudo e ficar com o homem que eu amo. Mas sempre fica a
dúvida, e se não der certo?

Olho de lado para a mulher, que esconde mais sofrimento do que imaginei, do que deixa
transparecer.

Não digo nada. Não tenho o que dizer. Ela suspira, e logo vejo Theodore se aproximando de
nós, a postura altiva e séria que assume sempre que está em público ou ao redor de pessoas que mal
conhece.

— Vossa Alteza… — Lauren se ergue e o cumprimenta. — Vou deixar vocês dois sozinhos.

Meu irmão a agradece com um acenar de cabeça e uma reverência respeitosa. Nós esperamos
que ela tome uma distância segura. Theodore se senta ao meu lado no banco e suspira.

— Fico feliz que esteja tentando conhecer sua esposa.

— Não estou — respondo sucinto.

Theo passa a mão pelo pescoço, em um gesto pensativo de quem não sabe o que fazer comigo.

— Você está mesmo apaixonado pela patinadora, não está?


— Heather — corrijo no automático. — É, eu estou.

— E o que você vai fazer?

— Nada. Eu a envolvi nisso mais do que deveria. Ela é nova, tem um mundo de sonhos, de
chances de sucesso. Vai ficar tudo bem com ela — falo, inclinando meu corpo para frente do banco,
os dedos apertando as têmporas.

Meu corpo grita pela minha patinadora. É como se tudo meu protestasse pela sua ausência.
Minha mente, meu coração, meu corpo como um todo.

— Eu sempre admirei você, sabe? Meu irmão mais velho que sempre me passava segurança e
confiança em tudo que ia fazer. Isso nunca mudou. Sempre confio que você vai fazer o certo, Richard.
Mesmo que inclua não seguir as tradições.

Levanto meu olhar para ele e arqueio a sobrancelha, sem acreditar que justamente Theodore ia
me incentivar a cometer loucuras.

— E cadê o discurso de que não é seguro?

— Eu cuido da segurança, você cuida do seu coração. Não é como se essa família nunca
tivesse quebrado umas tradições antes. Veja Stephen e Louise.

Sorrio fraco ao me lembrar de como os dois quase nos enlouqueceram, mas passo. Não queria
alimentar esperanças inválidas, mas é inevitável.

Ao me ver perdido em meus pensamentos, Theodore dá tapinhas nas minhas costas e volta
para dentro do castelo.

Está frio aqui fora. Meu corpo está protegido do tempo, mas ainda tremo. Mas não me importo.
Quero ficar longe um pouco, não estou a fim de forçar uma socialização agora.

Tiro meu celular do bolso e abro o aplicativo de mensagem, vendo que Heather está on-line.
Meu coração salta somente com esse contato. Foi o mais perto que estive dela na última semana.
Começo a digitar uma mensagem, para perguntar como foi a apresentação, saber como ela estar, mas
depois que digito tudo, apago.

Não é saudável, nem para mim e nem para ela. Alimentar conversa com a mulher que estou
apaixonado também não seria muito justo com Lauren. Mesmo que não tenhamos nada, que nunca
vamos tem, eu devo respeito a ela.
Saio da sua conversa e, ao invés disso, opto por ver vídeos da sua apresentação. Digito seu
nome e vários vídeos aparecem, o principal e o mais assistido é o do baile de inverno. Mas o que
clico é o último postado, da sua apresentação em outro estado. Vejo a coreografia da equipe, que tem
todos os nomes escritos na descrição do vídeo. Os patinadores são profissionais e cheios das
técnicas, mas para mim, é Heather quem se destaca. Sorrio quando ela desliza até o centro do rinque,
claramente nervosa. Os patins que dei foram substituídos por uns brancos, da mesma cor dos outros
membros da equipe. O rabo de cavalo loiro está no topo da cabeça, as roupas são verdes e brilhosas.
A imagem da perfeição, como sempre. Quando faz uma pequena reverência para o público, imagino
que está dançando apenas para mim. O tempo paralisa por alguns minutos enquanto a vejo dançar, e
sei que o mundo inteiro vai ser dela se ela quiser. Gostaria de ser eu a dá-lo aos seus pés como
merece, mas Heather é do tipo que conquista as coisas sozinha.

E esse foi um dos motivos que me fez descobrir que a amo. Pauso o vídeo quando o sentimento
se firma de vez dentro de mim. Não é uma simples paixão. O que eu sinto por Heather é amor.
Rápido ou não, certo ou não. Eu amo aquela mulher. E não sei até quando vou conseguir lutar contra
cada parte de mim que deseja largar tudo para ficar com ela.
capítulo vinte e dois

Se eu achei que minha vida estava difícil antes, piorou. Sempre pode piorar. Mas não tenho do
que reclamar porque com as coisas complicadas, vieram as bênçãos também. A minha apresentação
foi uma delas. Depois de passado o momento de emoção, consegui assimilar que meu sonho de
dançar profissionalmente por fim está em andamento. O primeiro passo foi dado, e eu não estou nem
acreditando ainda. A Fleur disse que o nosso próximo número vai ser aqui mesmo em Delborne, na
praça central do evento. Ainda não sei a data, mas estou empolgada e me dedicando cada vez mais
aos ensaios. A equipe é toda daqui, o que facilita muito para treinar todo mundo junto. Agora mesmo
estou indo de metrô até o rinque. Eles não ensaiam no mesmo que até então eu usava, então preciso
me deslocar cerca de quarenta minutos para chegar até lá. Mas vale tanto a pena.

— Ei, você não é essa garota? — Um senhor bem velhinho se senta ao meu lado e aponta para
o jornal que segura, onde minha foto está ao lado da de Richard com uma legenda “A plebeia foi
trocada?”.

— Não, senhor. Deve estar me confundindo — minto e coloco o fone de ouvido para que não
me perturbe.

Já não me basta eu mesma ler as notícias que saíram desde o noivado de Richard, não preciso
ser parada para ter isso jogado na minha cara.

A noiva dele é linda. E pensar nisso me faz ter ânsia de vômito e tremedeira. Saber que o
único homem por quem nutri sentimentos não pode ficar comigo dói. E nem é por falta de paixão. De
amor. É porque sou apenas uma plebeia que ainda está lutando para construir a própria vida. Richard
já tem a dele traçada há anos. Não seria nem mesmo justo que bagunçasse tudo isso por uma mulher.
Ainda mais por mim.

Perco-me na música clássica que toca nos meus ouvidos, a canção que Fleur costuma gostar de
ensaiar. Fecho os olhos e visualizo a coreografia inteira. Está sendo difícil para mim o fato de ter que
seguir as coordenadas de alguém. Sempre dancei sozinha, não estou a acostumada a ninguém me
dando ordens do que fazer. Mas ainda estou em adaptação. Não posso me irritar logo agora que
comecei.

Quando chega a minha estação, escuto as pessoas cochichando, provavelmente me


reconhecendo das notícias que voltaram a aparecer depois que tudo da minha vida foi investigado.
Desço com pressa e caminho em direção ao rinque. Percebo que várias pessoas me notam e não estou
acostumada a isso.

— Você é a princesa?

Assusto-me quando quase tropeço, distraída, ao sentir uma mãozinha puxando o meu casaco.
Vejo sua mãe dar passos apressados em minha direção, constrangida pela invasão da pequena.

— Oi, pequenina. — Eu me agacho para ficar da altura dela, que deve ter uns sete anos de
idade. — Não sou princesa. Mas você se parece muito com uma.

— Me desculpa. Ela cismou com a patinadora que está aparecendo todos os dias nas redes
sociais.

— Ah, é? — pergunto curiosa, sem querer me revelar, mas querendo saber do motivo da cisma
da pequena.

— Ela sonha em patinar e em ser princesa. Quando viu alguém que podia ser os dois, Anne
ficou a ponto de enlouquecer.

Sorrio abertamente e toco a bochecha da garotinha.

— Eu não sou princesa, Anne, mas sou patinadora.

— Então você é a Heather? — É a mãe dela quem pergunta, os olhos arregalados de surpresa.
Aceno em concordância, tímida, sem querer mentir porque a menininha me olha com esperança. —
Ai, Deus. Posso tirar uma foto? Eu acho que você e o príncipe ficam lindos juntos. Você seria uma
ótima rainha. Dá um pouco de esperança para a gente, sabe? De ter alguém como nós no poder pela
primeira vez, que entenda diretamente as nossas necessidades.

Aceno com empatia, porque a entendo. A família Thompson é muito amada pelo país inteiro,
mas ainda falta muita coisa a ser feita. Nada é perfeito, afinal. Eles estão com frequência pensando
nas necessidades da população, mas sempre tem algo que fica de fora, que podia ser melhor.
Infelizmente, não posso iludir a mulher de que isso vai ser mudado.

Tiro uma foto com a mulher e me despeço dela e de Anne, retribuindo o abraço gostoso que
ela me deu no pescoço. Não posso me atrasar, então acelero o passo e logo chego ao rinque. Esse é
maior e usado apenas por profissionais, por isso só tive acesso a ele agora. Eu me sinto na própria
apresentação sempre que piso aqui.

— Heather, que bom que você chegou! Fleur me passou uma coreografia em dupla para treinar
com você. — Derek se aproxima, simpático como sempre, os olhos brilhando para mim.

Ele me puxa pela mão, mal me dando tempo de cumprimentar os outros patinadores. Apenas
aceno sem graça para todos e me deixo ser guiada. Derek tem demonstrado um interesse a mais do
que o comum. Não quero dar esperanças falsas a ninguém e muito menos misturar as coisas.

Aceito que me guie e apenas calço os meus patins, com os olhos do homem me encarando
enquanto o faço.

— Pronta? — Aceno fraco, e ele ergue as mãos para mim.

Bloqueio as imagens que aparecem de Richard na minha mente, da vez em que eu tentei dar a
confiança necessária para ele patinar. Habilidade ele tem, só faltava um incentivo. Gostaria de ter
tido tempo para fazê-lo patinar de verdade, quem sabe até coreografar comigo um dia. Bloqueio tudo
porque me dói muito ainda. Sempre vai doer, independentemente da felicidade que esteja no meu
coração.

O ensaio com Derek em dupla não dá certo. Como imaginei, nós dois não conseguimos uma
sincronia na patinação. Ele parece desistir de tentar me fazer seguir sua coreografia, porque logo
sugere que ensaiemos com os demais membros.

Quando o ensaio termina, estou reunindo minhas coisas, quando sinto a presença de alguém
atrás de mim.

— Olá. Heather Stafford?

— Sim, eu mesma. — A mulher abre um sorriso genuíno para mim, e estica a mão em um
cumprimento.

— Sarah Miller. Sou jornalista esportiva. Vim da Austrália para cobrir uma série de eventos
que está acontecendo no seu país. Se importa de me dar uma entrevista?

Mordo os lábios, receosa, com medo de que ela não pergunte apenas sobre a minha profissão e
vá para áreas pessoais da minha vida. Parecendo prever a minha hesitação, a mulher continua:

— Não precisa se preocupar. São apenas perguntas profissionais.

— Tudo bem.

A mulher simpática, persuasiva e muito profissional facilmente me conquista e me faz


conversar com ela por horas. Trocamos número de telefone e combinamos de ela ver alguma
apresentação minha no período em que estiver cobrindo o evento em Delway.

Saio do rinque já tarde e, assim que chego em casa, vejo que meus irmãos já estão dormindo
porque está tudo silencioso.

— Mamãe? — chamo ao ver a luz da sala acesa e a encontro sentada no sofá, com as pernas
puxadas para o corpo.

— Oi, meu amor.

Aproximo-me mais e vejo que Marie vê fotos antigas da nossa família feliz que foi
desmanchada. Ela olha para tudo com lágrimas nos olhos, e eu amaldiçoo esse sentimento
complicado que é o amor. Ao mesmo tempo em que nos nutre com algo gostoso de sentir, também
pode nos matar. Mesmo depois de tudo o que meu pai fez com ela, com a nossa família, minha mãe
ainda é apaixonada por ele. Sei que, se um dia Bruce quisesse voltar, ela ia aceitar sem problemas
nenhum. Como se nada tivesse acontecido. Eu a entendo, afinal é difícil superar um amor de anos,
mas é revoltante que ela sofra por quem não merece.

— O que acha que faz uma pessoa deixar de amar a outra? — ela pergunta, olhando para a foto
do seu casamento.

— Ou a pessoa nunca amou de verdade ou o sentimento era fraco demais — confesso baixo e
suspiro.

Não contei para ela que encontrei com Bruce na apresentação que fiz antes. Não queria que ela
brigasse comigo por não ter aceitado ter tido uma conversa com ele e queria evitar mais sofrimento,
para mim e para ela. Mas sei que não é certo que eu esconda algo assim da pessoa que faz de tudo
para minha felicidade.

— Mãe, o Bruce foi na minha apresentação — falo baixo, e ela tira os olhos úmidos do álbum
de fotos no mesmo instante. — Ele queria se explicar, contar mais das suas mentiras, e eu… coloquei
um por cento da minha mágoa para fora.

— O que ele disse?

Conto dos nossos poucos minutos de conversa, torcendo para que ela não tente me convencer
de que é meu pai, de que preciso pelo menos conversar com ele, como já fez muito durante o nosso
período difícil em que ele não estava lá. Mas, contrariando o que eu pensava, minha mãe apenas me
abraça forte e acolhe as minhas lágrimas e a minha dor. Ela não me julga por não conseguir perdoá-lo
e isso só faz com que a admiração que sinto por Marie aumente. Mesmo não concordando comigo,
ela me abraça e me apoia.

— Sinto muito que tenha passado por isso, Heather. É minha culpa que…

Eu me afasto de uma vez e nego com a cabeça.

— Não continue a frase. Não é justo com a senhora, por favor. Nada do que ele fez é sua
culpa. Nunca vai ser. Mãe, por favor, o homem nos abandonou quando mais precisávamos. Preciso
que a senhora entenda isso e pare de achar que ele tem salvação. Não tem.

— Eu sei, meu amor. Sei que não tem. Mas passei tanto tempo me iludindo de que ele ia se
arrepender e voltar, que é difícil sair da fase de negação.

É a minha vez de chorar, as duas chorando como há muito tempo não fazíamos.

— Acho que nós todos devíamos fazer terapia. É difícil para os meninos também, eles só não
demonstram. E, se ele tentar se aproximar dos dois também, sei que eles vão o receber como se nada
tivesse acontecido.

Ela concorda com a cabeça e seguro seu rosto com minhas mãos.

— A senhora é a pessoa mais forte do mundo, a mais admirável. Quando eu tiver meus filhos,
espero ser um terço de tudo o que você é.

Beijo a cabeça quase careca, os poucos fios nascendo mais a cada tempo que passa. Não vai
demorar para os cabelos voltarem a crescer como eram.

Minha mãe está muito melhor do que antes. Agora já consegue fazer pequenas coisas que
gostava sem se cansar demais. Quando cansa, ela faz uma pausa para o descanso. Mas os enjoos e os
tremores diminuíram, e cada dia a gente fica mais esperançoso de que os tempos ruins vão ficar para
sempre no passado.

— Agora me conta — começa, secando o rosto molhado de lágrimas. — Como está esse
coraçãozinho? Imaginei que você estaria mais feliz por estar realizando seu sonho.

— Eu também. E estou feliz, muito. É incrível estar ali, mas…

— Está incompleto?

Aceno enquanto ela ajeita as mechas soltas dos meus cabelos para trás da orelha. Não preciso
dizer o motivo, porque ela sabe. Não preciso, mas digo porque minha mãe é a melhor pessoa para
conversar qualquer coisa para desabafar. Ela te ouve do começo ao fim e não te julga.
— Eu me apaixonei por ele.

— Sinto muito, snowflake. Vocês são muito bonitos juntos. Fico triste que a política parece
prevalecer em tudo — ela fala suspirando e acariciando meus cabelos.

— Eu não o culpo, sabe? Não é certo abrir mão do país, do sonho da sua vida, para viver algo
que podia nem dar certo. Nem sei se isso é possível. Mas…

— Mas…

— Apesar de não ser certo, não consigo deixar de pensar que ele podia me escolher, que ele
podia, sei lá, dar um jeito como rei e tentar. O que a gente sente é tão forte, mãe. — Eu me lembro de
todos os momentos desde que ele me olhou pela primeira vez. Lembro de todas as reações do meu
corpo com cada toque, palavra, mensagem. Não vale a pena lutar por algo tão bonito? — É como se
o mundo congelasse. É como se só eu ganhasse a versão de homem apaixonado, fascinado. Eu me
torturei vendo fotos dele com a sua futura esposa, e ele está… frio. O famoso príncipe de gelo.

— Ele gosta de você, tenho certeza. Mas imagino como deve ser complicado lidar com isso.
Acredito que vai dar certo no final, filha. Se tiver que ser, será.

Concordo com a cabeça e me aconchego nos seus braços acolhedores. Acredito na minha mãe.
E a esperança no meu coração parece não morrer nunca. Assim como sei que, mesmo que não
fiquemos juntos, o amor que sinto por Richard nunca vai acabar.
capítulo vinte e três

Eu tentei. Foram três meses de uma luta árdua contra tudo o que eu sentia, tentando fazer o que
é certo e não o que eu queria. Um bom governante precisa agir pelo bem do povo, afinal. Mas e se eu
não tiver feliz com o que faço, como vou estar disposto a fazer o meu trabalho e levar qualidade de
vida para as outras pessoas? Foram muitos dias tentando, em uma relação amigável e distante com
Lauren. Sua família me cobrando que os preparativos do casamento começassem, e eu usando como
desculpa o fato de que queria conhecê-la melhor.

Durante três meses, agi como um covarde, fingindo que tudo ficaria bem. Fingindo que a
mulher que eu amo não está fincada no meu coração, fingindo que consigo ser feliz sem ela. Não
consigo. Foram muitos erros cometidos durante a sua ausência porque não estou bem sem ela. Eu
preciso de Heather. Acompanhar suas apresentações e seu sucesso ao longo dos meses não foi o
suficiente para saber mais dela. Preciso tê-la ao meu lado.

E é exatamente por isso que estou esperando Stephen chegar para mais um jantar em família,
porque preciso que as pessoas que mais amo no mundo estejam cientes da minha decisão. Estejam
cientes das consequências que teremos daqui para frente. Não foi uma decisão tomada por impulso,
não passei meses para assumir para mim mesmo o que estava sentindo, só demorei para prever todas
as consequências e para lidar com elas antes mesmo de a minha decisão ser tomada.

— Boa noite! — Nem ligo mais para os atrasos do meu irmão, acho que todo mundo se
acostumou a eles, depois de tanto tempo.

Com Valerie no colo, ele guia Louise até a mesa. Minha cunhada está com a barriga redonda
finalmente apontando, com a gravidez já bem avançada. Ela nos cumprimenta e, sorridente como
nunca a vi, se senta ao lado do marido. Nós todos estamos curiosos para saber o sexo do bebê, mas
eles não querem saber antes do nascimento, então ainda temos poucos meses de curiosidade.

Espero que a comida seja servida e que as conversas paralelas comecem antes de comunicar a
todos.

— Preciso falar com vocês — falo, e não demora para todos se calarem e me olharem.

Meus irmãos sorriem para mim, provavelmente já conscientes do que vou dizer. Meus pais me
olham com curiosidade, e até mesmo minhas sobrinhas me olham, sem deixarem de comer.
— Vocês sabem que sempre respeitei as nossas tradições, a nossa história, a nossa família.
Ainda respeito, mas não posso deixar que isso atrapalhe a minha felicidade.

O reconhecimento do que estou falando atinge quase todos os rostos, exceto o da minha mãe.
Não conversei com ela sobre isso, porque não sabia sua reação.

— Do que está falando, querido? — ela pergunta, os olhos azuis pequenos de confusão.

— Não vou me casar. Não mais com Lauren, pelo menos.

Stephen solta uma risada e bate palmas de aprovação, fazendo as filhas se juntarem a ele na
farra, sem nem entenderem muito bem o motivo pelo qual estão comemorando. Abro um sorriso fraco
pela algazarra de Steph, mas é sempre válida para quebrar os momentos de tensão.

— Como assim, meu filho? O que aconteceu para tomar essa decisão de última hora? Ela fez
algo? — Beatrice Thompson questiona, as feições em puro choque.

Sinto que não fui justo com ela por nada ter dito tudo o que estava passando, mas não queria
ver a decepção nos seus olhos. Nossa matriarca sempre foi a mais conservadora de todos nós, a que
mais insistia para mantermos as tradições. Não quis que ela me visse como um péssimo futuro
governante por não querer mais as mesmas coisas que antes. Não como prioridade pelo menos.

Quero ser rei ainda, mas só quero se for para ter a mulher que eu amo ao meu lado.

— Não foi de última hora, mãe. Eu sinto muito por te chocar assim, mas estou apaixonado há
muito tempo. Estou apaixonado e disposto a fazer o que for preciso para me casar com Heather.

— Heather… Tudo bem. De que país ela é?

Vejo Stephen apertando os lábios para conter um riso, tendo as reações mais impróprias nos
piores momentos.

— Do nosso. Ela não é da realeza.

A verdade assenta no rosto da minha mãe, e ela olha para todos ao redor, com chateação
estampada no olhar.

— Com licença, eu preciso de ar.

Ela se afasta da mesa, deixando todos aqui chocados. Meu pai ameaça se levantar, mas eu
estico a mão para dizer que eu vou. Sigo mamãe pelo caminho que sei que vai tomar, em direção aos
jardins do castelo. Vejo-a passar as mãos pelos braços mesmo que a primavera tenha chegado quente.
— Mãe…

Ela não se vira para me olhar, e eu me aproximo para ficar de frente para ela. Vejo os olhos
marejados, mas as lágrimas não caem.

— Sinto muito se decepcionei você.

— Não decepcionou — ela nega, e fico confuso. — Só tenho meus momentos de chateação por
coisas bobas, querido. Por que todos eles sabiam que meu filho estava apaixonado e eu não?

Esqueço-me da política, de todo o resto, e ajo como apenas Richard filho. Eu me aproximo
dela e a abraço.

— Porque de todos, você é a que mais tenho medo de decepcionar. E sei que você é a que
mais poderia sofrer.

— Por que sou mulher e sensível? — Ela se afasta com o cenho franzido, e nego com a
cabeça.

— Porque você é mãe.

Beatrice Thompson suspira e se afasta do meu abraço para secar abaixo dos olhos, as lágrimas
não derramadas.

— Tudo bem. Me conta tudo, Richard. Exatamente por ser sua mãe que estou magoada por só
agora saber que meu filho está apaixonado.

Os olhos são doces, e sorrio. Conto a ela sobre Heather, sobre tudo o que vivemos até tudo
acabar. Sobre como lutei e tentei fazer o certo, mas sobre como meu coração sempre pendeu para
longe das tradições.

Ela escuta com um sorrisinho e segura meu rosto, abaixando-me para que eu fique da sua
altura.

— E o que você está fazendo aqui ainda? — Arqueio a sobrancelha, sem entender. — Vai atrás
dela.

— Agora?

— É. Você disse que já conversou com Lauren sobre o término e, como te conheço bem, nada
vai te fazer mudar de ideia. Vai atrás dela.
Eu abraço a mulher maravilhosa que me criou e beijo o topo da sua cabeça antes de sair dali
com o coração agitado. Contato Javier e logo o homem se prepara para me levar para sair. No
caminho até a casa de Heather, recebo uma mensagem.

Se eu já não esperasse por isso, podia chutar o seu traseiro irresponsável por sair sem segurança.
Encontre a sua felicidade, irmão

Sorrio ao ver que é de Theo. Não respondo porque meu corpo está tenso de nervosismo.
Nunca me senti assim antes, tão agitado. A distância até a casa dela parece ser ainda mais longe.
Quando chego, eu mesmo desço ao ver que a rua está deserta. Estou me arriscando aqui, mas não me
importo. Eu preciso vê-la. Não é ela quem aparece, é a mulher que imagino ser sua mãe.

— Príncipe Richard? — Os olhos se arregalam, e ela ameaça fazer uma reverência.

— Por favor, não se curve. Não quero que se sinta mal. Está tudo bem?

— Sim, sim. — A mulher ainda está atônita, sem acreditar. — Veio ver a Heather? Ela está no
ensaio ainda.

— No mesmo lugar se sempre?

— Não. Ela ensaia junto com a companhia no rinque profissional da cidade.

Sorrio em agradecimento e aceno para a mulher, dizendo que em breve a conhecerei melhor.
Se tudo der certo. Não sei como está a vida de Heather agora, mas a possibilidade de ela não me
querer mais existe. Estou disposto a pagar para ver.

Quando volto para o carro após me despedir da mãe de Heather, dou o endereço para Javier,
que dirige rápido, parecendo sentir a minha urgência. Ele estaciona em um lugar discreto, onde
disfarça o carro da família, e eu espero. Não quero atrapalhar seu ensaio e nem chamar a atenção
demais procurando por ela assim. Não logo agora que Heather finalmente começou a aparecer na
mídia pelo seu talento, e não mais por estar associada a mim. Estou cheio de orgulho dela.

Olho pela janela algumas pessoas começarem a sair do rinque, animadas e rindo alto.

Então, eu a vejo, segurando a bolsa com os patins ao lado do corpo. Ela não está sozinha. Vejo
que um rapaz alto está ao seu lado, gargalhando de algo que Heather falou. Reconheço o jeito como
ele a olha, e um amargo sobe pela minha garganta.

Abro a porta do carro, e Javier tenta me impedir de aparecer, porque não é seguro. Eu me
aproximo de Heather, e é o rapaz quem me vê primeiro, porque os olhos se arregalam.

— Vossa Alteza — ele me cumprimenta se curvando, e eu apenas aceno, meus olhos fitando-o
com um sentimento novo de ciúmes que aparece em mim. Não tenho esse direito, mas isso não me
impede de sentir.

— Heather — cumprimento a mulher que me encara sem saber como reagir.

— Richard.

Ela se despede do garoto quando ele parece sem graça demais no meio de nós dois. Faz uma
reverência novamente e se afasta, sem dizer mais nada.

— O que você está fazendo aqui, Richard? Não é seguro aparecer aqui. Cadê os seus
seguranças? E se…

Seguro seu rosto, e ela prende a respiração, calando imediatamente o que ia dizer.

— Aquele garoto é seu namorado?

— Derek? Não, eu não tenho nenhum — ela sussurra confusa, os olhos claros mais lindos que
já vi ainda maiores pelo choque.

— Ótimo.

Eu a puxo pela nuca e beijo com toda a saudade que senti durante todo esse tempo longe dela.
Heather fica em choque por poucos segundos até largar a bolsa que carrega no chão e retribuir meu
beijo. Eu a puxo para meu colo, e suas pernas se enroscam na minha cintura. O resto do mundo não
importa, porque o meu está bem aqui nos meus braços. Ela geme quando chupo seus lábios e os
mordo.

— Richard, espera…

Eu me afasto e a solto no chão. Heather passa as mãos pelos cabelos em uma confusão e tampa
a própria boca.

— Você está noivo, aparece assim depois de meses sem me falar nada e… A gente não devia.

— Não estou mais.


Sorrio fraco para ela, querendo puxá-la de volta para mim, nos meus braços, de onde nunca
devia ter saído. Mas respeito seu espaço e a sua confusão. Eu que fui afobado e fugi do planejado
por não aguentar mais não sentir sua boca na minha.

— Mas… Por que não? Não estou entendendo nada, Richard.

— Eu vou te explicar tudo. Não agora. Por favor, me deixa só matar um pouco da saudade que
estou de você — imploro, esticando a mão para puxar a sua. Heather a pega sem hesitar e sorri.

Eu a abraço e grudo seu corpo ao meu, como se pudéssemos nos fundir. Não me importo que
estejamos em frente ao rinque, em público. Não está cheio, são apenas algumas pessoas cochichando
sobre nós. Nada me importa.

— Eu estava morrendo sem você, minha patinadora. Meu lugar é ao seu lado.

— Richard — sussurra meu nome emocionada e ergue o rosto para encarar o meu. — Eu
também estava morrendo de saudade. Eu…

Ela umedece os lábios e não termina a frase. Sorrio para ela, confirmando o que já sei mesmo
que não tenha coragem de me dizer ainda. Beijo a boca que me chama e aspiro seu cheiro dos seus
cabelos em um abraço apertado.

— Eu queria que você fosse na minha próxima apresentação na semana que vem.

— Eu vou. Eu prometo.

Heather sorri abertamente para mim, e quase salta de empolgação. Dou uma risada alta e a
aperto novamente. Descubro que a saudade que estava era ainda maior do que imaginei.

— Quero você na minha vida para sempre, minha patinadora.

Heather solta uma risada de alegria e se encaixa no meu corpo como uma parte que faltava de
mim.

Agora sim sinto que consigo encarar o resto do mundo.


capítulo vinte e quatro

Hoje será uma das minhas principais apresentações. Além do fato de ser a última antes de a
companhia começar a viajar por outros países, Richard virá para me ver. Estou nervosa, porque a sua
aparição vai causar o maior tumulto, mas estou ansiosa demais e feliz por ele ter me procurado. Os
últimos meses foram difíceis nesse sentido, porque o sentimento por ele não chegou nem perto de
diminuir, mas não tinha nada que eu podia fazer para mudar. Ele fez a sua escolha. Pelo menos
achava que tinha feito até ele decidir aparecer no rinque e me beijar como se só existisse eu no
mundo.

Foi como se todos os planetas tivessem se alinhado ali, naquele exato momento.

O amor que reprimi nos últimos meses desabrochou de uma vez somente por sentir seus lábios
nos meus. Senti uma vontade imensa de chorar, mas não entendi o que estava acontecendo. Na
verdade, ainda estou no escuro. Richard me mandou algumas mensagens rápidas no decorrer da
semana, mas parece que está passando por alguns problemas. Eu o deixei quieto para que resolvesse
sua vida. Sei que o que quer que tenha acontecido, não vai ser fácil. Se ele cancelou o noivado com a
princesa, até mesmo eu tenho noção de que as coisas não vão terminar bem. Alguma consequência
isso vai ter.

— Nervosa, Heather? — pergunta Fleur, enquanto encaro o público através da cortina. As


pessoas ainda estão chegando. Até minha família e Phoebe vieram para ver o espetáculo se
despedindo do nosso país.

— Demais. Estou para enfartar. — Toco meu coração acelerado e nervoso. Preciso respirar
fundo várias vezes para que meu corpo pare de tremer.

— Compreensível. Imagino que seja por aquela cadeira em especial que você guardou ali.

Ela aponta para a primeira fila, onde fiz questão que fosse reservada para ele. Sorrio para
Fleur, que aperta meus ombros e me abraça rapidamente antes de ser chamada. A mulher é um doce
de pessoa. Deu uma chance a mim mesmo sem a minha experiência. No início, fiquei desconfiada que
tinha algum interesse por trás disso, porque as coisas não costumam ser fáceis para ninguém, mas ela
só parece ter gostado do meu trabalho mesmo. Ela se tornou uma boa amiga e companheira nesses
meses.
Observo a plateia por mais alguns minutos antes de me juntar às demais pessoas da equipe.
Aproximo-me deles e fico sorrindo ao ouvir a empolgação de todos com as próximas apresentações
que virão, fora de Delway.

— Está animada para sua última apresentação antes de sair do país, Heather? — Derek
pergunta, um pouco mais retraído do que de costume. Ele não se aproximou mais de mim nos últimos
dias, não da mesma forma que antes pelo menos.

— Sim, estou nervosa.

Todos tentam me acalmar, sem saber que o meu nervosismo maior é pelo que a minha vida vai
se transformar daqui para frente.

Nós nos aquecemos em grupo, comigo sorrindo e comemorando com eles, sentindo-me mais
animada. Eu me acostumei a patinar em conjunto, mas parece que é a minha primeira apresentação
agora.

— Cinco minutos, pessoal. Estamos animados? — Fleur pergunta, o sorriso aberto e o sotaque
francês acentuado pela empolgação que escorre da voz.

— Sim!

Nós desejamos boa sorte a todos, e confiro se está tudo bem com meus patins. Fazemos a fila
em frente à entrada do rinque e cumprimentamos o público. Fico magoada ao ver que Richard ainda
não chegou, porque a cadeira reservada permanece vazia. Mas ele deve se atrasar um pouco, afinal, a
vida conturbada e cheia do homem abre muitas brechas para atraso. Ele vai vir, sei que vai. Richard
me prometeu, e sei que ele jamais descumpre uma promessa.

A apresentação em grupo começa, e me concentro nos movimentos. Observo os sorrisos


abertos de todos os membros da companhia e, inconscientemente, o meu se abre também. A
apresentação em conjunto dura cerca de vinte minutos. Quando chega a hora do meu solo, meu
sorriso morre ao notar que a cadeira segue vazia. Respiro fundo para controlar a respiração e manter
a calma. Não posso vacilar agora, minha equipe precisa de mim.

Desligo a mente, fecho os olhos e começo a coreografia solo. Faço o melhor que posso, mas é
uma das primeiras vezes que termino uma apresentação com a sensação de que não dei tudo de mim.
Com o sentimento de que não dancei com todo o amor que eu tenho dentro de mim. Ao abrir os olhos
e encarar a cadeira vazia, o choro ameaça vir, mas foco na minha família, algumas fileiras atrás,
sorrindo e assobiando. A companhia se aproxima, e nós fazemos uma reverência para o público antes
de nos afastarmos para o camarim.

— Você foi incrível, Heather — Derek elogia, e abro um sorriso fraco, sem mostrar os dentes.

— Nós fomos.

Distraio-me das conversas animadas e faço toda a força do mundo para não chorar. Só saio
dos meus pensamentos quando escuto o nome de Richard na televisão ligada.

Na imagem, ele está com a noiva, saindo de algum lugar. A apresentadora fala sobre como são
um casal bonito e como têm muitas coisas em comum. Reproduzem também imagens de horas antes,
onde conseguiram filmá-los em um restaurante de um hotel. Richard segura nas mãos dela, e a mulher
sorri, encarando-o.

Meu coração se parte ainda mais, e saio dali sem ver mais nada. Então ele mentiu para mim
dizendo que tinha terminado o noivado? Sobre o que mais mentiu? Claramente que viria me ver. Se
ele ainda está com a princesa Lauren, não tem mesmo motivos para vir aqui. Saio do camarim e ando
pelos corredores do ginásio, indo à procura da minha família e de Phoebe. Eles quem me encontram,
e as expressões de deleite se transformam em preocupação quando não me contenho e desabo no
choro.

— Oh, meu amor. Eu sinto muito — mamãe me consola, acariciando as minhas costas, sem que
eu precise dizer o motivo do meu choro.

— Por que eu tive que me apaixonar por alguém impossível, mãe? Estou tão cansada de tudo
ser tão difícil, de precisar me esconder. Eu não aguento mais.

Logo sinto Phoebe e meus irmãos me abraçando também, apertado. Meu choro diminui aos
poucos com o amor que recebo deles. Eles são a minha força.

— Não chora, Heather. Você estava tão linda — Hillary diz com um biquinho, e eu me agacho
para a abraçar. Puxo Owen também, que solta uma risadinha e logo se aconchega a nós duas.

— Obrigada, meus amores.

Hillary seca meu rosto, e abro um sorriso pequeno para eles. Nós vamos em direção ao carro
da minha amiga. Eu tento não me deixar abalar com o baque que recebi, mas é difícil. Sorrio para
tranquilizá-los, mas a minha mente está longe. Está no homem que segue conquistando e machucando
meu coração aos poucos. Prefiro uma vida de solidão a acreditar em falsas promessas. Quando tudo
estava voltando aos eixos, ele reaparece e me toma para si como se não tivesse sumido por três
meses, concentrado no seu noivado e no trono que precisa assumir em breve. Estava disposta a
deixar tudo para trás se fosse para viver o romance com o homem que amo, mas aí ele vem e me
mostra que fui tola por acreditar que tudo daria certo.

A viagem de algumas horas até a minha casa é feita em silêncio. As crianças dormem, e eu
finjo que estou dormindo para não precisar conversar. No momento, só desejo meu travesseiro e a
minha cama para chorar até não ter mais lágrimas no meu organismo. E então, eu vou ficar bem de
novo e não vou deixar que mais nada tire a minha alegria de viver.

— Heather? Chegamos, filha. — Escuto a voz da minha mãe me chamando e a sua mão me
sacudindo, deixando-me consciente de que acabei pegando no sono de verdade. Desço do carro meio
grogue e me despeço da minha amiga com um agradecimento. Ando morta de cansaço até meu quarto.
Dou boa-noite para a minha mãe e os meninos, todo mundo meio sonolento. Só tenho tempo de jogar
os patins que estavam na minha mão de lado antes desabar na cama, o cansaço vencendo a tristeza. E
eu agradeço por isso, mesmo sabendo que, pela manhã, o segundo sentimento vai cobrar seu preço.

Eu sei que vou sentir muita saudade de trabalhar com as crianças do orfanato quando a
companhia precisar entrar em turnê. Vou ganhar muito mais dançando profissionalmente, mas não é
sobre dinheiro. É sobre todos os sorrisos que coloquei nos rostinhos à minha frente, sobre como
levei esperança usando a patinação a cada um dos pequenos. Sobre como eles foram importantes na
minha própria vida. Ainda são. Acho que sempre vai ser uma parte essencial de quem eu sou.

— Vocês estão prontos para fazerem a coreografia mais linda que já fizeram?

— Siiim, miss Stafford — eles gritam em coro, e eu bato palmas, sorrindo e ignorando a
minha tristeza temporariamente para dar alegria a eles.

Ensino a coreografia nova que preparei. Os pequenos se animam ainda mais ao verem que
aumentei o nível de dificuldade. Várias vezes reclamam que não são bebês e que eu coloco
movimentos fácies para eles. Não tenho culpa se são muito bons no que fazem e evoluem depressa
demais.
— Vamos de novo. Ergam os pés até o alto.

Sigo deslizando pelo rinque enquanto os oriento, um a um, paciente quando se dispersam e
começam a fazer gracinhas.

— Concentração, meninos. Se concentrem no movimento.

Eles conseguem me trazer a alegria que estava procurando, mas logo a tristeza assume de vez
assim que me despeço dos rostinhos contentes. Reúno minha bolsa e pego meu celular, vendo as
várias ligações perdidas de Richard.

Hoje, horas depois de ter quebrado uma promessa, ele me procura como se fosse o dono do
mundo. Quando seu rosto aparece na tela mais uma vez, rejeito a ligação. Vejo que mandou algumas
mensagens também, perguntando-me se posso me encontrar com ele no hotel de sempre.

Não, não posso. Cansei de ser um romance proibido e escondido do resto do mundo. Não fui
educada para ser amante de ninguém, nem para que ninguém fizesse o que quiser comigo. Nem
mesmo o rei do país vai me usar e achar que pode me magoar e exigir coisas.

Não respondo e desligo o celular antes de jogá-lo na bolsa e sair do ginásio.

Não hoje, Richard. Hoje vou fazer o que eu quiser. E meu último desejo agora é vê-lo. Estou
cansada de ser trocada e preterida na minha vida. Primeiro meu pai, agora ele. Chega.

Que fique com a lição de que nem tudo é como ele quer, nem tudo é na sua hora. Não sei se
vou voltar a vê-lo, mas, se eu quiser, vai ser no meu tempo.
capítulo vinte e cinco

Eu já esperava por esse inferno, esperava que seria cansativo encerrar um casamento político
assim, só não pensava que seria tão mais difícil por não ter Heather já ao meu lado.

E ela está me ignorando.

Sei que deve estar chateada por eu não ter comparecido à sua apresentação. Não foi justo com
ela, e eu prometi que iria. Estava indo, mas o pai de Lauren decidiu que seria uma boa ideia ameaçar
a minha família e o meu país. A filha aceitou o cancelamento com alegria. Nós criamos uma boa
relação de conhecidos de forma sincera, mas assim como eu, acho que ela ficou cheia de esperanças
com o rompimento. É mais uma chance de viver o seu amor, afinal.

Tive mais uma conversa com Lauren, para confirmar que ela sabia as consequências do
rompimento. Principalmente as que teríamos que arcar vindas de seu pai. Eu já sabia que elas viriam,
me preparei para isso. Só não imaginei que o homem fosse se esquecer da aliança entre os países e
ameaçar declarar guerra a Delway, por uma coisa dessas. Tive que acalmar seus ânimos porque a
própria filha não teve coragem de dizer que também estava de acordo com o término. Para ele, ela
estava sendo dispensada às vésperas do casamento. Até convencer o homem de que estávamos em
comum acordo e que eu não estava humilhando sua família e seu país, muita confusão já havia sido
feita. Carl Hampton espalhou para a mídia que eu ia me casar com uma plebeia, que ia colocar nosso
país — e os demais aliados — em ameaça por colocar qualquer uma no trono. Nas palavras dele.

Tivemos uma discussão árdua antes de os ânimos serem acalmados. Pelo menos o suficiente
para colocar o mínimo de juízo na cabeça do homem. Mas não confio nele e em suas ações, por isso
não saí nos últimos dias para garantir que nada de ruim acontecesse com ninguém que eu amo.

Falando ao telefone, sentado em frente à televisão, a imagem de Heather aparece na tela com a
legenda “Rainha plebeia? Uma dádiva ou uma ameaça ao país?”. Aperto o ossinho do nariz enquanto
converso com o gabinete de imprensa para que eles controlem o que vaza sobre ela. Várias imagens
dela foram feitas durante a saída dos rinques de patinação. Ela parece assustada, e tudo que quero
fazer é sair daqui e abraçá-la para protegê-la de todos os males. Não quero deixar que nada de ruim
aconteça a ela, muito menos por minha causa.

Ela só precisa me atender.


Estou estressado porque sei que está desligando o telefone de propósito. As mensagens do
aplicativo chegam, mas não obtenho resposta em nenhuma delas.

Theo se senta ao meu lado no sofá e mantém os olhos fixos na televisão também até que eu
encerre minha ligação.

— Está tudo bem. Fiz umas ligações, buscando apoio de outros aliados. Em breve, a
população vai acabar com o choque. Não pode culpá-los por ficarem surpresos e com medo. Isso
nunca aconteceu antes — ele fala, e eu me tranquilizo.

— Obrigado, irmão. Nós vamos precisar de todo o apoio possível.

— Eu sei.

Suspiro e abaixo a cabeça, enfiando os dedos pelos cabelos. Meu rosto só se ergue quando
voltam a falar de Heather em outro canal.

Só queria que tudo isso se resolvesse para que pudesse ter minha patinadora de volta, para que
eu pudesse ir até ela e implorar que me perdoasse por ter quebrado minha promessa. Só queria que
as coisas fossem mais fáceis para que ela pudesse ser feliz ao meu lado, se essa for a sua escolha.
Não a culpo se desistir de mim graças à burocracia que é a minha vida.

— Vai atrás dela. Você está aqui trancafiado tentando fazer um trabalho que é meu há dias. Se
você a perder, de que adianta? — Theo aperta minhas costas, e nego com a cabeça.

— E se ela não quiser me ver?

— Richard Brian Thompson, o futuro rei de Delway, um dos melhores reis que esse país vai
ter, com medo de uma pequena patinadora? O amor chegou mesmo para você, meu irmão.

Ele ri e me faz abrir um sorriso fraco também.

— Ela vai te ouvir. Você só precisa abrir o seu coração e dizer as coisas. Nem todo mundo te
conhece como nós, às vezes você precisa dizer que ama.

Encaro-o em busca de mais brincadeiras, mas Theodore está sério. E certo. Em nenhum
momento disse a Heather como me sentia. Mesmo que ela saiba e sinta, algumas coisas precisam ser
ouvidas.

Ergo-me de uma vez do sofá e suspiro fundo. Theo se levanta também, e eu olho para ele antes
de me aproximar para abraçá-lo.
— Eu te amo, irmão. — Seguro seu rosto e apoio minha testa na sua. — Obrigado por tudo o
que está fazendo.

Ele parece surpreso, mas logo acena e sorri para mim.

— Eu também te amo. E faria qualquer coisa para proteger você e a nossa família. Isso inclui
Heather também.

Sorrio emocionado antes de me afastar. Dou alguns passos até minha mesa e abro a gaveta,
tirando de lá o que estou querendo tirar há dias. Há meses. Despeço-me de Theo e me desculpo por
ter nos metido nessa confusão. A culpa existe, mas o arrependimento não.

— Vai com os seguranças! Você vai precisar! — ele grita assim que saio pela porta, e os aviso
para que se preparem. Não quero preocupá-lo mais do que já está.

Chegando na entrada do castelo, já encontro quatro carros posicionados para me escoltar.


Listo todos os lugares onde Heather pode estar e tento falar com ela de novo, mas de novo não me
atende.

Jogo o celular no banco do carro, desesperado com a possibilidade de que ela não me perdoe.
Nem quando nosso país quase entrou em guerra fiquei tão nervoso assim.

Quando chegamos em frente ao rinque, sou escoltado até a entrada porque parece que as
pessoas já esperavam minha vinda. Ou talvez estejam aqui por Heather.

— Príncipe Richard, é verdade que você vai se casar com uma plebeia? Não acha perigoso
colocar qualquer uma no trono? — um jornalista pergunta.

Travo meu maxilar e, se fosse antes, seguiria meu caminho sem responder ninguém, mas não
posso deixar que Heather seja vista dessa forma pela mídia.

— Heather não é qualquer uma. Demonstre algum respeito pela futura rainha.

As perguntas e os gritos aumentam. Vejo algumas faixas de apoio à Heather, erguidos pela
população. Consigo entrar no rinque depois de muito sacrifício. Ele está fechado para que a mídia
não invada. Lá embaixo, vejo a minha patinadora sentada no banco, as mãos escondidas no rosto.

— Fiquem aqui — digo para a guarda que está me protegendo, e os homens me obedecem.

Vou até a minha mulher, preocupado de que esteja ferida, assustada ou com muita raiva.

Sento-me ao seu lado no banco, e ela se levanta de uma vez, sobressaltada.


— O que… O que você está fazendo aqui, Richard?

— Se você não me atende, eu venho até você — respondo, os dedos formigando para tocá-la.

— Hoje você vem até mim?

Ela se ergue e patina até a saída da pista de gelo. Eu a acompanho sair irada em direção ao
vestiário, sem nem mesmo olhar para trás.

— Heather… — Fico na sua frente quando a alcanço. — Me escuta. Quero pedir perdão pela
minha falha. Não foi por falta de querer, mas não tive opção. Nós fomos ameaçados, e eu tive que
resolver tudo antes que o país explodisse.

Vejo seu rosto ceder um pouco, mas ainda há raiva ali. Nunca a tinha visto assim, e meu juízo
não está bem porque eu a acho incrivelmente linda assim, toda brava.

— Não foi o que apareceu nos jornais, Richard. — Ela passa as mãos com força pelos
cabelos. — Como você acha que me senti? Que me sinto todos os dias vendo você, noivo de outra
pessoa? Vendo você virando as costas para mim para prometer se casar com outra? Eu precisei
guardar toda a minha dor porque não tinha nada que eu pudesse fazer.

— Eu sei, meu amor. Eu sei.

Heather estremece. Não sei se pelo nome ou se por eu não me aguentar e me aproximar. Seguro
sua nuca com as duas mãos e roço meus lábios nos seus, sem realmente a beijar.

— Me perdoa. Odeio te arrastar para essa confusão, mas isso é quem eu sou. Não posso mudar
o fato de que o país precisa de mim. Vai precisar futuramente também.

— Eu sei. — Ela tenta tirar minhas mãos da sua nuca, mas pressiono sua testa na minha.

— Não me afasta, por favor. Me deixa cuidar de você, proteger você. Me desculpa pela minha
falha. Sinto muito que tenha acontecido.

— Desculpas não resolvem nada, Richard — Heather sussurra e tenta se afastar de novo.
Deixo que faça desta vez, odiando que queira estar longe de mim. — Eu quero um relacionamento
normal, em que a pessoa esteja ali para mim, que me deixe estar ali para ela. Não quero mídia me
ofendendo por isso.

— Eu sei. Também sinto que isso esteja acontecendo, mas quero ficar com você, Heather.
Cansei de me esconder, quero você ao meu lado.
Ela enxuga as lágrimas do rosto e funga, negando com a cabeça.

— O que precisa que eu faça? — pergunto, aproximando-me devagar, tentando respeitar o


espaço que ela me dá. Heather não me afasta e me olha incerta. — Eu faço tudo.

— Você ainda está noivo?

— Não, meu amor. Não menti para você. A imagem que ronda a televisão foi de quando tentei
fazer com que ela tivesse coragem de lidar com os pais também.

— Não me chame assim, Richard. — Heather fecha os olhos, e estico as mãos para tocar seus
lábios. Ela treme novamente, e eu a abraço.

Ela não me afasta de novo, mas o choro a toma de uma vez.

— Quis tantas vezes que você estivesse ao meu lado — choraminga fungando.

— Estou aqui agora. Para sempre.

— Não me faça promessas vazias, Richard.

Afasto-me dela e seguro seus ombros para beijar sua testa. Estico a mão para o bolso do meu
paletó e pego a caixinha que está na minha família há séculos.

— Este anel tem mais de mil anos na família Thompson. Estava com a minha mãe antes de ela
me entregar para que eu entregasse para a futura rainha, se ela parar de ser teimosa e me quiser,
claro.

Os olhos azuis estão arregalados e aumentam de tamanho quando me curvo a ela, quando me
ajoelho em frente à minha patinadora.

— Por tradição, um rei nunca deve se ajoelhar para ninguém, mas o que é mais uma quebra de
tradição para fazer o pedido direito?

— O que está fazendo, Richard? Você é louco.

— Estou lutando pelo amor da minha vida, Heather. Eu te amo. Sinto uma energia vinda de
você desde a primeira vez, algo que nos liga. Não sei se acredita em almas gêmeas, mas tenho
certeza de que você é a minha. Me perdoe por ter te magoado, não prometo que não vai mais
acontecer. Só preciso que esteja comigo para que eu possa pedir perdão de joelhos por ter errado.

— Você é maluco — ela sussurra de novo, com as mãos na boca.


— Casa comigo, Heather? Casa comigo e mande as tradições para longe. Me ajude a seguir o
meu coração e me casar com a mulher que nunca saiu dele.

— Mas… e a população? E a guerra?

— Não pensa nisso. Só siga seu coração.

Ela seca as lágrimas e se ajoelha à minha frente.

— Eu estou assustada, Richard. Mas aceito. Aceito porque sei que você vai me proteger.

— Sempre, minha patinadora.

Suspiro de alívio e encaixo o anel no seu dedo antes de puxá-la para mim. Nossos corpos
caem no chão, mas não me importo.

— Ainda estou brava.

— Eu sei. Sei como te amolecer rapidinho.

Ela cora e sorri para mim antes de eu puxar sua boca para a minha, querendo desesperada
compensar todos os meses que fiquei sem beijá-la.

Preciso de muitos anos pela frente para isso.


capítulo vinte e seis

Richard me trouxe para o castelo.

Estou um misto de nervosismo com felicidade porque ele disse que vai me apresentar sua
família. Se isso já é algo para se ter medo normalmente, imagina conhecer a família real toda de uma
vez. Ele me trouxe para um jantar e quis até convidar a minha família, mas minha mãe ia me matar se
eu a contasse assim, de última hora, sem tempo de ela se arrumar para isso. Então deixamos o jantar
com eles para depois. Até porque eu preciso assimilar tudo isso.

Em pé, enquanto uma mulher tira medidas do meu corpo, controlo-me para não comer as unhas.

— Que bom que você chegou. A princesa Louise não nos deixa ajudá-la a se vestir — uma das
mulheres fala, animada.

— Não deixa?

— Não. Ela e o príncipe Stephen não são muito tradicionais. Eles se completam — continua,
abrindo um sorriso doce enquanto segue me rodeando com fitas. — Prontinho. Até à noite nós vamos
ter feito o seu vestido para o jantar.

— Muito obrigada.

Ela reúne suas coisas e anda até a porta, mas volta antes que saia. Aperta a minha mão e sorri
de forma doce. Os olhos claros, o rostinho redondo e o cabelo cheio servem para me acalmar.

— Vai ficar tudo bem. Sei que deve estar nervosa, mas os Thompson são uns amores. Você vai
se esquecer até quem eles são.

— Ai, obrigada. Eu precisava ouvir isso.

Não me contenho e abraço a senhora com força. Ela sorri e alisa meus cabelos antes de sair de
vez.

Não demoro a ouvir uma batida na porta. Meu coração se acelera pensando que pode ser
Richard para me acalmar dessa loucura, mas não é. O rosto bonito de Louise aparece na porta, e eu
fico feliz ao vê-la. A barriga grande entra primeiro, e a princesa faz uma careta antes de se aproximar
devagar.
— Eu tinha me esquecido de como uma barriga dessas pesava — fala com um sorriso
brilhante. — Como você está, Heather? Imaginei que estivesse assustada e vim oferecer um ombro
amigo, de mulher para mulher.

— É muito gentil da sua parte, Alteza. — Ela me olha com os olhos semicerrados, e me
corrijo: — Louise, é muito gentil. Você pode me ajudar?

— Claro! Gosto de ser útil. Me diga, o que precisa?

— Eu não sei como me comportar durante esse jantar. Sabe, é a primeira vez que janto com a
família real — falo, fazendo uma careta brincalhona, e ela sorri alto para mim.

Descubro que Louise é ainda mais admirável do que eu pensei quando perde muito tempo da
sua vida me explicando códigos de etiqueta. Ela diz que não é fã deles e que quebra a maior parte,
mas existem alguns difíceis de serem quebrados. Quero saber todos porque não posso decepcionar
ou envergonhar Richard.

Depois de me prometer um livro com tudo isso e me falar sobre o essencial para hoje, Louise
se aproxima de mim e passa as mãos pelos meus braços.

— Entendo que deva estar assustada. Eu mesma fiquei e estava acostumada a tudo isso. Não
vou mentir para você, vai ser difícil. Mas acho que Richard vai valer a pena, no final das contas.

— Ele vai.

— E acho que você vai poder contar com ele para tudo. A maior prova de amor ele está te
dando, arriscando o futuro dele como rei.

Surpreendo-me com sua fala, porque não sabia disso. Ainda não tive tempo de conversar com
Richard direito, e isso está me deixando angustiada. Quero saber o que está acontecendo com ele.
Não posso deixar de jeito nenhum que desista do seu sonho para se casar comigo. Eu o amo demais
para isso.

— Obrigada, Louise. Por tudo.

— Não me agradeça. Estou aqui para ajudar. Em qualquer coisa — fala sorrindo, e se
aproxima para me abraçar, mas a barriga de grávida atrapalha o processo, o que nos faz rir.

Fico mais calma ao saber que as pessoas daqui, tanto os funcionários quanto a família, são
muito simpáticas e amáveis. Meu medo sempre é lidar com gente hostil, mas não acho que exista
alguém assim aqui. Sento-me na cama do quarto que é usado apenas para tirar medidas. Chique
demais. Eu e a minha família viveríamos só nele tranquilamente. Fico sem saber o que fazer e pego
meu celular para contar as novidades para mamãe e para Phoebe. Não tenho tempo de ligar porque
escuto mais uma batida na porta.

— Pode entrar.

Desta vez, é ele.

O homem responsável por virar minha vida de cabeça para baixo. Não posso culpá-lo, porque
sei que eu mudei a dele muito mais. E nem sei se foi para melhor a uma altura dessas.

— Está tudo certo? Vim ver se você está bem e te mostrar os seus aposentos.

— Os meus… aposentos? — pergunto com curiosidade. — Eu vou morar aqui?

— Você não quer?

Richard se senta ao meu lado na cama, preocupado. Eu me viro para ele, nervosa. Quero estar
com ele, mais perto, todos os dias. Mas isso é certo? E se ele se prejudicar ainda mais com isso?
Quando não respondo rápido, Richard segura meu rosto e me enche de beijos.

— Não quero ficar longe de você, nem te deixar exposta. Nossos rostos juntos estão nos
jornais do mundo inteiro. Eles conseguiram imagens nossas no dia em que nos beijamos em frente ao
rinque de patinação, e a minha declaração sobre você ser a futura rainha causou um caos no país.

Suspiro e aceno em concordância, ainda muito tensa sobre tudo isso. Sinto que vou desmaiar a
qualquer momento quando pensar nas minhas reais obrigações daqui para frente.

— Se você não quiser, a gente dá um jeito, meu amor. Não quero forçar você a nada, só quero
a sua segurança. Se quiser, a gente traz a sua família também, a sua amiga. Eles podem morar aqui no
castelo.

— Jura? — Sorrio abertamente de alegria, e Richard sorri de volta, acenando em


concordância.

Eu me jogo em cima do seu colo e dou vários beijos no seu rosto. Pairo minha boca sobre a
sua e respiro fundo.

— Estou te devendo uma coisa — sussurro constrangida. — Não consegui dizer muito ontem,
porque você tem que dar um crédito de que seu pedido de casamento foi inesperado.

— Eu gosto de surpreender.
— Notei. — Rio baixinho e fecho os olhos quando seu nariz cheira meu pescoço. — Eu amo
você, Richard Brian Thompson. Amo pelo homem que você é. Inclusive, passei a amar exatamente
quando me esqueci quem você é. Amo quem é comigo, como fala da sua família, como me trata e
trata as outras pessoas. Você tinha tudo para ser o pior dos homens, e se tornou o melhor do mundo
para mim. Eu te amo tanto. Quando te vi pela primeira vez, achei que a energia que senti fosse coisa
da minha cabeça. Mas aí você apareceu de novo, e essa conexão nunca mais foi embora.

Ele sorri para mim afetado e me aperta contra seu corpo, suas mãos esmagando todos os
cantos das minhas costas. Quando as mãos entram por dentro do vestido que estou usando, tremo de
excitação e encosto a testa no seu ombro.

— Quer conhecer seus aposentos?

— Agora não. No momento, quero seu corpo dentro do meu — falo corajosa, e os olhos
castanhos me fitam com desejo.

— Seu desejo é uma ordem, Vossa Majestade.

— Eu não sou rainha — murmuro, desconcentrada pelo seu toque, meu corpo se esfregando ao
seu pedindo por mais.

— Para mim, você sempre vai ser.

Ele se levanta comigo encaixada no seu colo somente para trancar o quarto em que estamos.
Quando me joga na cama, solto um gritinho e logo a boca para evitar ser ouvida.

— Você pode gritar, Heather. Primeiro porque não dá para ser ouvido de lá de fora, segundo
porque agora isso aqui também é seu.

Mordo o lábio e me concentro nos seus gestos. Richard se livra do cinto da calça social, em
seguida dos sapatos e da calça. Só depois se desfaz do paletó, gravata e da camisa. Ele anda sempre
tão lindo, gostoso e elegante que abala todas as minhas estruturas.

Já me sinto úmida antes mesmo de ele me tocar.

— Se eu assustar você, me para, mas quero muito fazer tudo o que eu quiser com você.

— Faz.

Quando fica somente de boxer, se aproxima da cama e suspira fundo, os olhos seguindo o
caminho das suas mãos. Ele massageia meus pés, minhas pernas e sobe, desviando de propósito da
minha boceta. Resmungo, e Richard ri baixo.

Livra-se no meu vestido por cima da minha cabeça e faz uma expressão de safado ao me ver
somente de calcinha.

— Tudo isso vai ser meu? Para sempre?

— Sempre foi só seu — sussurro, sentindo-me desejada demais.

Foram muitos meses sem o seu toque, sentindo saudade da intimidade que estávamos
construindo fisicamente. As mãos de Richard não perdoam nenhum lugar. Nem a boca. Ele beija todo
centímetro de pele exposta, sem pressa alguma, e mais eu me contorço e me molho mais. Parece ser
isso o que deseja, porque geme assim que a boca chega na minha boceta.

— Minha gostosa… Você vai gozar para mim rapidinho, não vai?

— Vou. Por favor…

— Implora, Heather. Implora para mim enquanto mato a saudade dessa boceta gostosa.

Ele bate no meu clitóris, e eu gemo mais alto, tanto pelas palavras sujas, nada apropriadas a
um rei, quanto pelo gesto. A boca volta para o nervo e basta apenas uma chupada para que eu goze.
Só abro os olhos quando a última gota de prazer sai do meu corpo. Richard paira sobre mim, os
olhos me encarando com muito amor.

— Eu te amo, Vossa Alteza — sussurro para ele, que rosna e me aperta.

— Sabe quantas vezes te imaginei me chamando assim enquanto meu pau estava dentro de
você, Heather?

Nego devagar com a cabeça, os lábios presos entre os dentes. Richard se livra da cueca e se
senta na cama, puxando meu corpo para cima do seu, de frente para ele.

— Agora você vai montar no meu pau e gemer isso bem gostoso enquanto goza.

Richard só me ergue o suficiente para se encaixar em mim, e o membro me invade de uma vez,
fazendo-me gemer alto e encostar o rosto no seu pescoço. Ajuda-me com os movimentos de sobe e
desce. Quando faço um giro com os quadris, perdida com meu próprio prazer, Richard geme mais
alto. Repito os movimentos enquanto ele chupa meus seios com força, as mãos cravadas na minha
bunda para me guiar.

— Vou meter tão gostoso de todos os jeitos que você não sai daqui hoje, Heather. Senta mais
rápido.

— Sim, Vossa Alteza — provoco, amando ter descoberto o que isso causa nele.

A mão vem ao meu pescoço, bruta e excitante, só deixando frouxo o suficiente para que eu
respire enquanto ele mete mais fundo e mais rápido.

— Fala, Heather. Fala mais.

— Goza para mim, Vossa Alteza. Eu amo ver você se entregando para mim.

Os olhos brilham de excitação, e ele mete mais fundo. As mãos apertam meus seios com força,
os mamilos sendo pressionados pelas pontas dos dedos. Rebolo em círculos enquanto Richard estoca
com mais força, mais rápido. Sinto cada centímetro do seu comprimento e a grossura do pau apertada
contra minha boceta. Caio para frente, e sua mão volta ao meu pescoço.

— Isso, minha patinadora. Aperta o pau do seu homem gostosinho. Ah, Heather…

Gozo fácil com a voz rouca de tesão no meu ouvido e ainda tenho forças para me mexer mais
um pouco para que Richard goze também. Ele geme alto e mete mais, deixando-me dolorida e
fazendo meu corpo saciado arrepiar da cabeça aos pés.

— Isso, Vossa Alteza — gemo para ele, que me aperta mais e mete mais uma vez antes de
finalizar seu orgasmo.

Fica parado alguns segundos, respirando pesado contra meu corpo.

— Quando você ficou tão desavergonhada assim, Heather? — pergunta com um sorrisinho
bobo no rosto.

— Aprendi com o melhor.

— Como consegui viver esse tempo todo sem sentir isso? — Richard me encara de um jeito
apaixonado, tocando meu rosto com as pontas dos dedos. — É como se eu estivesse esperando você
aparecer.

— É porque quando você tinha doze anos, eu ainda estava nascendo.

Ele ri alto e me aperta com força. Em seguida, segura meu rosto entre as mãos e me beija de
forma apaixonada.

— As coisas não vão ser fáceis daqui para frente, Heather. As consequências do que eu fiz vão
durar muito tempo ainda, estou ciente disso. Mas preciso de você ao meu lado. Se eu tiver você
comigo, tudo fica completo.

— Vou estar. Obrigada por não desistir da gente.

Richard me beija devagar, sem pressa alguma. Sei que antes do jantar, nós não vamos
conseguir desgrudar um do outro. Nem eu quero. Quero ficar aqui, no conforto dos braços do homem
que eu amo, aproveitando os momentos de amor e prazer antes de termos que enfrentar a crise juntos.
Parte do nervosismo foi embora, porque agora somos eu e ele contra o resto do mundo.
capítulo vinte e sete

É difícil largar de Heather quando precisamos nos preparar para o jantar. Deixo que fique em
outro quarto para que fique mais à vontade, mas não quero ficar longe dela por mais tempo. Quero
Heather dormindo comigo ao meu lado todos os dias. Quero colocar um anel de casamento no seu
dedo o mais rápido possível e fazê-la minha esposa. O que sinto por aquela mulher não dá para ser
descrito. É um sentimento tão profundo que o simples abraço dela me acalma como um medicamento.
Seu sorriso me desestabiliza, seu toque me enlouquece. É tão natural estar com ela como se tivesse
nascido para estar comigo, perto de mim desde sempre.

Enquanto me arrumo, ajeitando a gravata no pescoço, escuto batidas na porta do meu quarto e
autorizo a entrada. Vejo meus irmãos ali, ambos com sorrisos abertos no rosto. Estranho ao ver os
dois de ternos, as tatuagens de Theo mal cobertas pelo colarinho da camisa.

— O mundo está mesmo mudando. Stephen de terno? — provoco, sorrindo para os dois
através do espelho.

— Para você ver como quero a sua felicidade hoje. Estou até seguindo as vestimentas que
você gosta. Tudo pela sua alegria.

Meu irmão se aproxima de mim e dá um tapa amigável no meu ombro, apertando-o em um


gesto que diz muito mais do que as palavras que não saem. Theodore se aproxima de mim também,
do meu outro lado, e faz o mesmo.

— Estamos muito felizes por você, Majestade — provoca com um tom doce. — Sempre
achamos que você não tinha um coração e ficamos contentes por descobrir que não só tem um, como
ele é gigante.

Apenas solto uma risada, sabendo que tudo isso não passa de uma provocação fraternal. Eu
daria minha vida pelos dois, sem nem pensar duas vezes. E sei que eles fariam o mesmo por mim.
Por qualquer membro dessa família, mesmo que chegue da maneira mais inesperada. Sei que todos
eles vão abraçar Heather como parte dos Thompson de cara. Tenho orgulho de ser um e espero
perpetuar as qualidades de todos nas próximas gerações.

— Está pronto para apresentar sua noiva?

— Mais do que pronto. Ela já está pronta? — pergunto, terminando de deixar o terno
impecável para a minha mulher.

A gravata foi um presente inesperado de Louise, para combinar com algo. Não sou acostumado
a usar cores claras, então o azul-gelo me causa estranhamento, mas tudo por Heather. Sei que ela
gosta da cor, assim como gosto quando ela usa.

— Ainda não. Vamos recebê-la na sala de jantar, como uma legítima princesa.

Coloco meu relógio de pulso e acompanho meus irmãos em direção à saída do quarto. Theo se
afasta para uma ligação, e me preocupo. Sei que compliquei muito a sua vida nos últimos dias. Assim
que termina, ele volta a se juntar a nós.

— Como estão as coisas? — questiono, mas ele nega com a cabeça e faz um zíper na boca.

— Você não vai se preocupar com isso agora. Eu disse que vou cuidar de tudo, e vou.

Confirmo com a cabeça e agradeço-o mais uma vez. Nós encontramos com Blair no meio do
corredor em frente à sala de jantar, e logo a pequena gruda no pai. Meu irmão tem o dom da
paternidade, e não duvido que mal Louise ganhe o bebê e logo outro chegue.

— Titio rei, estou doida para conhecer a sua mulher! A mamãe disse que ela é muuuuito linda
— a pequena fala, ficando ao meu lado.

— Tão linda quanto você — confirmo, e o sorrisinho banguela se abre antes de ela sair
correndo sacudindo os cabelos cacheados de um lado para o outro.

Meus pais já estão à mesa, preparados para receber Heather. Nós três nos curvamos em uma
reverência, desnecessária porque estamos no conforto da casa, mas que nunca perdemos costume por
respeito aos dois.

— Filho, você está lindo! — Mamãe me abraça com força e toca meu rosto, com lágrimas nos
olhos. — Estamos curiosos para receber Heather.

Meu pai se aproxima, com Valerie no colo, e me dá um abraço de lado. A criança no seu colo
estica os braços para mim, e eu a pego, apertando-a em um abraço. Louise aparece alguns minutos
depois, reclamando da bexiga e dizendo que Heather já está vindo.

Minha patinadora deve estar nervosa. Quem não estaria? Olho o relógio de pulso várias vezes,
mesmo que não tenha passado um minuto ainda desde a informação da minha cunhada de que ela
estava vindo.
Valerie é tirada do meu colo pelo outro tio babão, e eu protesto junto com a pequena. Mas logo
Theo a distrai e a garotinha cada dia mais esperta e falante começa a gargalhar.

Quando um dos nossos funcionários aparece, sorrindo abertamente e falando com alguém, sei
que é Heather se aproximando. Meu coração acelera ao vê-la em um vestido azul da mesma cor da
minha gravata. Os cabelos estão presos em um penteado que me faz querer bagunçá-los. Seu sorriso é
nervoso. Não hesito em ir até lá, quebrando mais protocolos. Ergo a mão para Heather e a beijo.

Os olhos claros me encaram em agradecimento, com um amor tão grande que tremula meu
corpo.

— Você está perfeita, minha patinadora.

— Você também, Vossa Alteza. — Ela se curva rapidamente, um sorrisinho provocativo no


rosto. Eu me aproximo dela e beijo seu rosto.

— Ainda preciso ouvir essas palavras com você ajoelhada à minha frente e com meu pau na
sua boca, meu amor.

Vejo o seu rosto corar inteiro, porque meus familiares estão apenas nos esperando. Eu a guio
pela sala de jantar, apresentando-a à minha família como sei que é acostumada. Nada de protocolos,
porque quero que Heather se sinta à vontade. Ainda assim, ela se inclina para cumprimentar todos
eles.

— Acho que somos nós quem precisamos reverenciar você agora, futura rainha — Steph diz
sorridente para Heather, e ela dá uma risada nervosa.

— Por favor, não faça isso, eu vou morrer de vergonha.

Quando nos aproximamos dos meus pais, sinto seu corpo trêmulo e aperto seu braço para
tranquilizá-la.

— Pai, mãe, essa é a Heather. Heather, meus pais, Arthuro e Beatrice Thompson.

Minha patinadora vai para se curvar, mas os braços da minha mãe a impedem de fazê-lo. Ela a
abraça, e Heather me olha com desespero antes de retribuir.

— É um prazer conhecer vocês dois. Richard me falou tão bem dos dois que sempre senti
como se já os conhecesse.

Meu pai também a abraça com carinho, e ela sorri abertamente, muito mais relaxada.
— Querida, você é linda. Queria que tivesse trazido a sua família para jantar conosco. Eles
são muito bem-vindos aqui.

— Obrigada, Vossa Majestade. Eles precisam de um tempo para se acostumar. Acho que até eu
preciso.

Minha mãe toca a bochecha de Heather com carinho e sorri de forma amável.

— Já comece me chamando de Beatrice. Nós seremos uma família em breve.

Seu olhar busca o meu, e paro de babar em Heather por alguns segundos para abraçar minha
mãe e beijar sua testa. Passadas as apresentações, as comidas são servidas. Louise cuidou de que o
cardápio não fosse nada extravagante demais, com medo de que Heather não gostasse.

Minha patinadora parece à vontade, apesar de ainda nervosa. Blair a toma para si em um papo
animado, já querendo saber se pode fazer aulas de patinação também. Ela lida muito bem com
crianças, e sorrio de orgulho da minha mulher.

— Agora conta para gente, Heather — Theodore começa, e sei que vem mais uma de suas
provocações. — Como conseguiu quebrar as camadas de gelo do coração do nosso príncipe?

Reviro os olhos para ele, e todos à mesa sorriem. Heather segura minha mão em cima da mesa
e a aperta.

— Comigo, elas nunca existiram.

— Ai, vocês são tão lindos. — Louise disse com a voz embargada pelo choro. — Me
desculpem, os hormônios estão me matando.

Steph a abraça de lado e beija sua cabeça, a mão indo direto para sua barriga.

Eu aperto a mão de Heather de volta e a puxo para dar um beijo rápido nos seus dedos.

— Heather, nos conte mais sobre a sua família — papai fala, atento à mulher ao meu lado.

Ela fala sobre sua mãe e o processo difícil que passou na luta contra o câncer. Passa longos
minutos em um monólogo animado sobre sua infância, seus irmãos e sobre a mãe. Quando se refere
ao pai, é rápido e logo muda de assunto. Minha família ouve a tudo com interesse genuíno, curiosos
sobre a mulher que fará parte das nossas vidas permanentemente a partir de agora.

— Desculpa se te ofende, querida, mas e o seu pai? — mamãe pergunta, e volto a apertar a
mão de Heather.
— Nós temos uma história… complicada. Quando minha mãe ficou doente, ele foi embora e
deixou os filhos sem amparo. Não me dou bem com ele.

— Sinto muito, querida. Imagino que não deva ser fácil.

— Não é — ela afirma, o rosto coberto de uma tristeza que gostaria que não fizesse parte da
sua vida. — Mas minha mãe vale por dois. Ela é incrível.

Vejo o sorriso no rosto da minha mãe e sei que não preciso fazer nada para que gostem de
Heather. Ela consegue fazer isso sozinha. O amor pela família, o respeito aos valores e o apego à
mãe fazem as duas muito parecidas.

O jantar é alegre e calmo. Todos perguntam coisas à Heather, e ela responde sempre com um
sorriso aberto no rosto. Agradeço por Theodore não resolver dizer que já sabe da maior parte
daquilo tudo porque fez um dossiê quando me aproximei dela. Não quero espantar Heather.

Assim que comemos, me levanto da cadeira e ergo a mão para que a minha patinadora a pegue.

— Vamos dar uma volta no jardim?

— Claro! Eu amei aquele lugar.

— Preciso te mostrar as flores novas que chegaram qualquer dia desses. Louise me ajudou a
escolher. — Mamãe sorri para as duas, e a agradeço com o olhar por tratar minha noiva como parte
da família desde já.

Sei que não é fácil para eles, que provavelmente devem estar preocupados com a quebra de
protocolos, mas sei também que eles jamais colocariam isso como prioridade em relação à nossa
felicidade.

Levo Heather até o jardim segurando seu braço e sinto minha patinadora mais calma.

— O que achou deles?

— Eles são fantásticos! Nunca pensei que eles fossem tão gentis e cordiais com uma simples
plebeia — ela fala sonhadora, e eu sorrio.

— Você não é uma simples plebeia. Não se refira a si mesma assim.

Ela faz uma careta, mas acena em concordância. Levo Heather até o mesmo lugar onde nós
conversamos pela primeira vez, onde comecei a me apaixonar por ela de verdade.
— Parece que passou tanto tempo desde que vim aqui.

— Parece. Você imaginou que um dia se casaria comigo? — pergunto, sentando-a no meu colo
quando me sento no banco.

— Nem nos meus sonhos. — Ela ri baixinho e beija meu pescoço. Heather fica em silêncio
por alguns minutos, e fico apenas sentindo sua respiração contra meu corpo. — Meu pai foi na minha
primeira apresentação.

Afasto-a de leve e seguro seu rosto. É o único momento em que a vejo tomada de tristeza.

— E como foi?

— Você me acha uma pessoa ruim por não conseguir o perdoar? — pergunta baixinho, e
respiro fundo. Beijo sua testa e penso.

— Eu acho que a mágoa só faz mal para você. E não gosto de viver com arrependimentos. A
vida é curta demais.

Ela fica quieta antes de me contar como foi o encontro. Quando começa a chorar, colocando
para fora todas as mágoas que segura há anos, aperto o corpo pequeno contra o meu, acariciando as
costas para que chore o quanto for preciso.

— Nunca quero que meus filhos se sintam abandonados como me senti. Ninguém devia sentir
isso.

— Eles não vão.

Beijo sua testa e sonho com um futuro não muito distante, com várias crianças parecidas com
Heather correndo pelo castelo. Nunca sonhei em ser pai, mas descobri que foi porque nunca tinha
chegado nem perto de desejar alguém a ponto de imaginar toda a minha vida ao lado dela. Até
Heather aparecer.

— Se um dia você mudar de ideia, eu te levo até ele.

— Obrigada.

Ela ergue o rosto e beijo seu nariz antes de beijar os lábios. Aspiro seu cheiro antes de
aprofundar a carícia, que não demora para se transformar em desejo. Completamente justificável,
pelos longos meses que passamos longe um do outro.

— Eu quero você — ela sussurra contra meus lábios.


Às pressas, dou um jeito de abaixar a calça social junto com a cueca, espalhar o vestido de
Heather ao redor de nós dois e afastar a sua calcinha antes de penetrá-la.

— Nós não usamos camisinha mais cedo — fala, parando de se mover ao redor de mim. Os
olhos azuis se assustam, e só agora isso passa pela minha mente.

— Isso é um problema para você? A gente para.

— É que eu não… tomo nada — diz constrangida. — Se eu engravidar…

Toco seu rosto com carinho e fecho os olhos quando sinto a boceta me esmagando.

— Me desculpa por ter esquecido. Foi a última coisa que passou pela minha cabeça. Não ligo
de ser pai de um filho seu agora, Heather. Se você achar que é cedo, a gente pode ir lá para dentro.

Ela sorri com os olhos cheios de lágrimas.

— Eu sempre quis ser mãe e imaginei que seria com o meu primeiro homem, o amor da minha
vida. Fiz bem em esperar por você.

Ela se mexe e me aperta de novo, fazendo-me gemer mais alto e procurar algum pedaço de
pele seu para apertar. Gosto de sentir cada canto dela na minha mão, como se quisesse sentir que ela
é mesmo real e não uma alucinação perfeita que minha mente criou.

Nós nos amamos devagar, como se estivéssemos na privacidade do nosso quarto. Heather me
cavalga em um sobe e desce lento até que nós dois gozemos juntos. Ela joga os braços ao redor do
meu pescoço, e eu beijo seu ombro.

— Eu te amo, minha rainha. Esse é só o início da nossa vida a dois.

Agora sim, o meu mundo está completo como deve ser.


capítulo vinte e oito

As coisas se acalmaram mais. Quando Richard apareceu na sua primeira entrevista ao meu
lado, com um discurso bonito e político sobre como jamais deixaria que nada atrapalhasse o amor e
o cuidado com o povo, diminuíram os falatórios sobre nós dois. Temos até apoiadores. Muitos países
nos apoiaram e levantaram a bandeira de defesa a Richard. A maior parte da população de Delway
foi conquistada também. Apenas uma parte ainda reluta em aceitar o casamento entre um membro da
monarquia e uma plebeia. Mas gosto de pensar que vou ter bastante tempo para mostrar que não sou
apenas um rostinho bonito, que posso ajudá-lo a pensar como uma pessoa comum, que sabe as reais
necessidades do povo. Não quero ser uma rainha de enfeite. Ainda estou me acostumando ao título,
mesmo que nosso casamento ainda esteja perto de acontecer. Daqui alguns minutos, para ser mais
exata.

Nós não esperamos muito para que acontecesse. Foram apenas três meses de preparação.
Seriam dois, mas Louise fez questão de participar de tudo com muito ânimo. E tivemos uma pequena
aparição antes da hora do príncipe James, o primeiro netinho da família Thompson. Agora com um
mês, o pequeno segue para cima e para baixo, sendo disputado pelos tios, irmãs e avós.

Muita coisa mudou desde que comecei a morar no castelo. Foi um momento difícil de
adaptação, afinal são padrões de vida completamente diferentes.

Minha família também veio morar no castelo, em um andar destinado somente a eles. Nem
preciso dizer que meus irmãos se acostumaram rapidamente ao conforto e à paparicação de todo
mundo. Minha mãe ainda está em fase de adaptação, como eu, mas está feliz da vida. Ela aprendeu
várias coisas com a rainha, como a bordar, algo que sempre teve vontade, mas nunca tempo para
fazer. É até surreal ver as duas conversando sobre costura e bordado como se fossem amigas de eras.

Minha guerreira está cada dia mais saudável e agora muito bem atendida por médicos
famosos, que a acompanham desde que ela chegou ao castelo. Os cabelos já preenchem a cabeça
toda, ainda bem curtos, mas o suficiente para fazê-la sorrir ao hidratar os fios. Ela está muito mais
feliz e menos abatida que há alguns meses. Minha amiga foi convidada para morar aqui por Richard,
mas ela não aceitou, alegando que não tem talento para holofotes. Eu gostaria que ela tivesse vindo,
mas entendo seu receio. É difícil ter câmeras o tempo inteiro onde quer que você vá.

Demorei a me acostumar e tive que parar de dar aulas no rinque. Richard mandou fazer uma
pista de gelo em uma das áreas do castelo, e agora as crianças são trazidas para cá. Ele se sentiu
mais seguro que eu não saísse, pelo menos por agora, em que as coisas ainda estão no auge. Tive que
abandonar a companhia, porque não estou em condições de viajar por aí. Richard insistiu para que eu
não desistisse dos meus sonhos, que ele ia dar um jeito de eu me apresentar, mas eu quem quis sair.
Pelo menos agora, minhas prioridades são outras.

Como o bebê secreto que cresce na minha barriga. Além de mim, ninguém sabe. Não é como
se eu e Richard não esperássemos, afinal, nós não nos prevenimos mais desde que viramos um casal
de verdade. Mas fiquei surpresa ao saber que aconteceu tão rápido, não deu nem tempo de esperar o
casamento e a coroação.

— Preparada? — Louise pergunta, sorrindo enquanto amamenta James e observa a costureira


arrumando os últimos detalhes do meu vestido.

A peça é longa e tradicional, desenhada pela mesma estilista famosa e renomada que fez o
vestido de Louise. É lindo.

Analiso a barriga de forma inconsciente por cima do tecido e não me reconheço.

— Uma legítima rainha — a mulher que se tornou a minha irmã mais velha fala emocionada.
— Fico tão feliz por ter você aqui. A gente tem tanta coisa para pensar ainda!

— Também estou muito feliz.

Ela aperta a minha mão, e logo sou guiada pelo castelo para sairmos no retiro em direção à
igreja principal de Delway. Há pessoas além dos portões, gritando e levantando cartazes. Gostaria
de ir com Richard até lá para que ele me passasse segurança, mas sei que os protocolos exigem que
os futuros reis do país vão sozinhos em cada carro. Ele já foi, no desfile pelo centro da cidade até a
igreja.

Meu corpo treme, e olho para minha mãe, com um lenço enfeitando a cabeça e combinando
com o vestido. Ela pisca para mim e vai no carro de trás. Tenho pessoas para me ajudar em cada
passo que dou e não estou acostumada a isso, mas fico feliz que me ajudem porque ainda estou me
acostumando às tradições. Estudei muito para não fazer feio no casamento, mesmo Richard dizendo
que eu não precisaria me preocupar com nada disso. Como se fosse possível, além de me casar,
ainda vou ser coroada hoje. Pelo amor de Deus! Alguém vai ter coragem de colocar uma coroa na
cabeça de alguém que mal sabe as leis do país? Não dá. Vou seguir estudando sempre para que eu
seja uma boa esposa, governante e, em breve, mãe. Estou doida para contar para Richard de uma vez.
Fiz os exames sozinha, com apenas Javier me levando escondida por aí. Cobrei discrição dele para
fingir não ver como ele olha para minha mãe.

Passo o caminho todo tentando pensar que em breve vou me tornar a rainha do país, pensando
nas coisas mais aleatórias possíveis enquanto sorrio e aceno. As pessoas gritam meu nome, e seguro
a emoção por saber que depois de tudo, as coisas estão se acertando. Theo com certeza merece todo
o crédito por tudo, e serei sempre grata a ele, que me acolheu como um irmão faria. Todos eles
acolheram a mim e a minha família como parte da deles. Nunca vou conseguir compensar todo o
amor que me dão desde já, desde antes mesmo de eu virar rainha.

Quando o caminho até a igreja termina, aceno enquanto desço do carro, sendo guiada por um
dos membros da guarda. Sei que a família Thompson já está lá, assim como a minha família.

Escuto a marcha nupcial enquanto aceno para a população e ando até a entrada da igreja
imensa. Mal consigo ver o altar de onde estou. Só quando começo a me movimentar, o buquê nas
mãos e a cabeça erguida, é que o vejo. O homem da minha vida não está sério como antes, pelo
contrário, os olhos estão cheios de lágrimas não derramadas, que caem assim que sorrio para ele.
Lindo demais vestido na roupa especial vermelha com preto para a cerimônia de coroação, seguida
ao casamento, meu príncipe de gelo não segura a emoção. Assim como não seguro a minha.

Vejo minha mãe na fileira da frente, sentada ao lado do meu pai e dos meus irmãos. Sim, eu o
convidei para o meu casamento. As palavras de Richard sobre arrependimento ainda estão na minha
mente, e tenho medo de, em um futuro distante, me arrepender de coisas que não fiz. Então, eu o
chamei. Não digo que vou perdoá-lo, pelo menos não agora, não antes de ele mostrar que merece o
perdão. Mas um passo de cada vez, igual aos que dou em direção ao meu futuro marido.

A cerimônia de casamento é longa e cheia de ritos, que felizmente consegui memorizar para
não fazer feio. Mas estou mais concentrada no fato de que, daqui para frente, a felicidade vai estar
sempre conosco. As dificuldades virão, tenho certeza, mas nós vamos passar por tudo isso juntos,
como a gente vem fazendo desde o início.

Minha bochecha dói de tanto que sorrio, e seguro o choro. Quando chega finalmente a hora do
“sim”, não aguento mais segurar. Richard estica o dedo para secar minhas lágrimas, e beijo sua mão.

— Príncipe Richard Brian Thompson, em nome do poder a mim concedido, você promete
honrar seu povo, a sua futura rainha, seguindo as tradições e os costumes? — o padre pergunta, e eu
estremeço.

— Sim, prometo.
— E aceita Heather Charlton Stafford como sua legítima esposa, prometendo assumir todo
compromisso com ela, seu país e suas tradições?

— Aceito.

Richard está seguro, e tento falar na minha vez com toda a confiança que ele me passa. Ele está
arriscando muito mais do que eu nisso tudo, e sei que essa foi a maior prova de amor que já me deu.

— Eu os considero marido e mulher. Pode beijar a noiva.

Richard me puxa pela cintura e me beija amorosamente, segurando meu rosto e beijando a
minha testa em seguida. Escutamos os aplausos da igreja lotada e sorrimos para os milhares de
flashes que pipocam em nosso rosto.

Aperto a mão de Richard enquanto preparam o altar para a coroação. O hino começa a tocar e
nós ficamos de joelhos para uma breve oração. Duas cadeiras vermelhas são colocadas lado a lado
para que nos sentemos. Sinto Richard nervoso ao meu lado. Seus pais sorriem de orgulho do filho
mais velho, e tenho vontade de confortá-lo como fez comigo tantas vezes, mas sigo a cerimônia.

Assim como o casamento, é longa e cansativa, mas estou imensamente feliz por finalmente
Richard está realizando seu sonho. Quando o manto dourado e vermelho é colocado ao redor do seu
corpo, observo-o se ajoelhar novamente para receber a coroa. Seguro o choro, porque ele está tão
lindo ali.

— Deus proteja o rei.

A igreja inteira repete as palavras do arcebispo, e finalmente a coroa é colocada na cabeça de


Richard. Depois de todo o rito do rei, me guiam até a estrutura colocada para eu me ajoelhar ao seu
lado. Sorrio para ele, faço compromissos de honrar o país e as tradições — o que é uma ironia, se
parar para pensar que eu sou a quebra de uma —, e a coroa também é colocada em cima da minha
cabeça. Sinto todo o peso não só do objeto, mas de toda a responsabilidade que vem com ela.

Richard me ajuda a me levantar segurando a minha mão, e nós nos viramos para nossos
familiares.

— Eu vos apresento Richard Brian Thompson, rei de Delway, e a sua rainha, Heather Charlton
Stafford Thompson. Deus salve o rei e a rainha!

Emocionada, uma lágrima escorre pelo meu rosto enquanto somos guiados até a parte superior
da igreja, onde teremos uma visão de toda a população esperando para nos receber. Richard não
solta minha mão durante nenhum segundo enquanto subimos até lá. Cumprimento uma série de
pessoas importantes que ainda não gravei quem são.

— Pronta para ser mostrada ao mundo, minha rainha? — Richard pergunta, beijando minha
bochecha.

— Se for ao seu lado, estou pronta para tudo, Vossa Majestade.

Ele sorri para mim e me apresenta ao público, fazendo-me aparecer no topo da igreja, toda a
população lá embaixo gritando e aplaudindo.

É um momento importante para Richard e até mesmo para mim. Sei que vai ser ainda mais
quando meu marido descobrir que, além de rei, ele também vai ser papai.
capítulo vinte e nove

Mesmo cansados, eu e Heather aproveitamos a nossa festa de casamento e a nossa coroação.


Claro, depois de passar o resto do dia assinando documentos políticos e tirando fotos em família
para eternizar o momento. Vejo o cansaço na expressão da minha esposa e não vejo a hora de
estarmos somente nós dois.

Mas, agora, aproveito seu corpo colado ao meu na nossa dança. A primeira mulher além da
minha mãe que eu guio em uma dança durante uma festa, a minha esposa.

— Feliz?

— Radiante — ela responde, encostando a cabeça no meu ombro.

— Está preparada para a nossa apresentação?

— Na verdade, tenho uma coisa para contar para você. Me acompanha, Vossa Majestade?

Ela sorri para mim e toco a bochecha antes de puxar seu queixo para beijá-la. Sou guiado para
fora do salão de festas, onde as pessoas estão distraídas na própria conversa.

Heather me guia até o rinque de gelo que mandei construírem no castelo. Quero que minha
rainha se sinta em casa e que fique segura para isso. Não gosto nem de pensar nela correndo perigo
por aí.

Quando tranca as portas da pista, eu sorrio maliciosamente e me aproximo dela como um


predador, beijando seu pescoço.

— Para de ser safado, não trouxe você aqui para isso.

— Ah, não? Uma pena. Achei que você fosse antecipar nossa lua de mel — digo contra sua
boca, imprensando-a na porta, esfregando meu pau na frente do seu corpo.

— Depois que eu te contar, quem sabe.

Heather se afasta de mim fazendo charme, e solto uma risada para ela, seguindo-a pela pista de
gelo. Observo-a levemente triste enquanto a rodeia com cuidado para não pisar no gelo. O lugar está
frio pela temperatura que necessita para manter o gelo intacto. Mesmo que minha esposa esteja
acostumada a isso, tiro o meu paletó e passo ao redor dos seus ombros.
— Obrigada.

— Por que está tão contemplativa? — pergunto baixinho, segurando sua cintura para que se
encaixe a mim.

Heather fica de frente para mim, sorrindo de forma amável, os olhos enchendo de lágrimas.

— Vou precisar me afastar dos rinques por um tempo.

— Eu disse que você não precisa, meu amor. Se quiser, a gente dá um jeito de você viajar —
reafirmo a minha ideia de antes, quando Heather disse que abriria mão da companhia por não se
encaixar com seus planos atuais.

— Não é por isso, meu amor. Não se preocupe. É por motivos de saúde.

Franzo a testa, sem entender, preocupado que ela esteja doente. Penso na senhora Marie, a mãe
de Heather, e tenho medo de que o câncer que teve seja hereditário. Meu coração acelera de
nervosismo.

— Calma, não é coisa ruim. Só preciso tomar conta da pequena vidinha que está crescendo
aqui.

Ela pega minha mão e a guia até sua barriga, por cima do vestido elegante que usa. Meus olhos
se arregalam, e eu paraliso.

— Um bebê? Nosso bebê?

Minha esposa morde os lábios e acena, as lágrimas de emoção caindo dos seus olhos. Eu caio
de joelhos à sua frente, com os olhos igualmente marejados de emoção. Lágrimas caem livres quando
aproximo a boca da barriga ainda lisa e converso com o bebê que cresce ali.

Meu bebê. Meu amado filho ou minha amada filha.

— Há quanto tempo você sabe? — pergunto, sem conseguir tirar os olhos do seu ventre.

— Alguns dias. Quis fazer uma surpresa para você.

Eu me ergo e a beijo com todo o amor que agora vai se multiplicar, porque vou amá-la por
dois. Já esperava que acontecesse em breve, porque nós decidimos não nos prevenir e esperar que as
coisas acontecessem naturalmente. Só não estava preparado para ser agora. Eu acabei de ganhar o
maior tesouro da minha vida que é a minha esposa e ainda ganho um bebê junto.
Se um dia alguém me dissesse que eu teria um casamento feliz e realizado como esse, eu diria
que era mentira. Estava pronto para me envolver em um por conveniência, pois, na época, tudo o que
importava era a realização do meu sonho de ser rei. Agora, isso ficou para segundo plano. Minha
esposa e meu bebê vêm em primeiro lugar. Todas as minhas decisões serão tomadas pensando
primeiramente no bem-estar deles.

— Vou ser pai. Não estou acreditando.

Aliso a barriga com delicadeza, com medo de machucar. Heather acena e coloca as mãos em
cima da minha.

— Um maravilhoso, posso apostar.

— Eu espero que sim.

Fico mais um tempo paparicando a barriga da minha esposa antes de baterem na porta do
rinque. Vou até lá depois de deixar Heather sentada, agora ainda mais preocupado com a sua
segurança. Vou trancar a porta do rinque para que ela não invente de se arriscar na pista de gelo.

Assim que abro, dou de cara com Louise e Stephen parados com uma expressão de malícia,
que some logo que me veem com o rosto coberto de lágrimas.

— Tudo bem? — meu irmão pergunta, e eu aceno. — Viemos ver se estão prontos para a
apresentação, mas agora fiquei preocupado.

— Felizmente, ela vai ter que ser cancelada. Minha esposa está impossibilitada.

Deixo que os dois entrem, e minha cunhada corre logo em direção à Heather, preocupada.
Observo as duas com Stephen ao meu lado, e logo Theo e a minha família se juntam a nós dois.

— O que está acontecendo, meu filho? — meu pai questiona, tocando meu ombro enquanto
aponta para Louise e Heather abraçadas.

— O senhor vai ser avô. De novo.

Esquecendo todas as regras de etiquetas, mamãe grita e corre para me abraçar apertado,
fazendo-me rir alto. Meus irmãos sorriem para mim e me esmagam em um sanduíche. Meu pai fica
por último, segurando meu rosto, enquanto mamãe, as crianças e meus irmãos vão abraçar Heather.
James provavelmente está em algum canto mais quente do castelo, dormindo e sendo cuidado por
uma das babás. Louise e Stephen gostam de cuidar eles mesmo das crianças, mas a família está
aumentando, e eles estão trabalhando com afinco nas novas construções filantrópicas. Então, mesmo
contra a vontade deles, contrataram duas babás para ajudarem. Ainda mais agora com James recém-
nascido.

Começo a fazer planos para o futuro, de como eu e Heather faremos.

— Fico feliz ao ver que dois dos meus filhos tiraram a sorte grande e encontraram as mulheres
de suas vidas. Só falta Theo.

— Do jeito que ele é, vai espantar a coitada com as paranoias de investigar até a primeira
geração delas — brinco, rindo para o homem que esmaga Heather em um abraço.

— Você está feliz? — papai me pergunta, segurando meu rosto e me encarando da forma doce
que a minha família tem de ver a vida.

— Mais do que eu posso sonhar. Agora, finalmente, posso dizer que sou um homem que tem
tudo.

Arthuro Thompson acena em concordância, e nós dois nos aproximamos do restante da família.
Meus irmãos já brigam entre si, disputando quem vai ser o tio preferido, enquanto minha esposa só ri
e defende os dois de forma igual.

— Se comportem perto do nosso bebê — falo, sentando-me ao lado de Heather e tocando a


barriga. Beijo seus lábios de leve e mantenho a mão ali, enquanto minha família faz planos para o
nascimento do novo bebê real, o meu primeiro herdeiro que vai crescer em uma família cheia de
amor.

— A gente precisa marcar uma coletiva de imprensa já! Para anunciar vocês como rei e a
rainha, e a chegada do bebê! — Louise se anima, agitada como nunca quando devia estar
descansando ainda do resguardo. — Nossos bebês vão ser priminhos bem próximos. Será que vão
ser amigos igual a gente?

— Espero que sim — Heather confirma, sorrindo para minha cunhada.

— Nós precisamos marcar também um dia para vermos o enxoval e arrumar o quarto!

— Ei, calma, Louise. Respira. Minha esposa está cansada agora. Se eu soubesse antes que ela
estava grávida, não teria deixado que ela fizesse tanto esforço. Inclusive, você ficou muito tempo de
pé, sem se alimentar. Vou pedir que preparem algo para você comer e levem no nosso quarto. Vamos?

— Mas é a nossa festa! — Heather protesta. — Eu nem contei para a mamãe ainda.
— Tudo bem. Você conta para sua família, e a gente vai.

Ela se ergue animada e bate palmas de alegria, fazendo-me sorrir porque, mesmo que agora
seja minha rainha, sempre a verei como a minha patinadora. Como a plebeia linda, cativante e sexy
que me fisgou com uma dança. Com um olhar. Torço para que ela mantenha sua essência doce e
animada quando nossas obrigações como reis começarem, porque não quero nunca que ela se apague
por tradições. Quero a minha Heather, do jeitinho que eu a conheci.

Saio com a minha família de volta para a festa e aproveito para me despedir dos convidados
antes de me aproximar da mãe e dos irmãos de Heather. A senhora me abraça apertado, com os olhos
cheios de lágrimas, e agradece por ter levado felicidade para a vida da filha. Ficamos em uma
conversa animada, com foco no futuro bebê, até que o pai de Heather se aproxima. Ao vê-lo, ela fica
séria. Ele se aproxima sem graça, com as mãos nos bolsos da calça social. Agora vejo mais de perto
quem minha patinadora puxou. Owen e Hillary se aproximam dele, mas minha esposa fica afastada,
olhando a interação dos três.

— Obrigado pelo convite, filha. Vossa Majestade, foi um prazer conhecê-lo. Desejo toda a
felicidade do mundo para vocês.

Ele parece arrependido, mas minha esposa teimosa ainda se mantém firme.

— Obrigado, senhor Stafford. Parabéns pela filha maravilhosa que o senhor tem.

Ele sorri orgulhoso e olha para a filha com admiração. Acena para a ex-esposa, para Heather e
abraça os pequenos antes de se despedir.

— Bruce — Heather chama quando ele está de virando. — Você vai ser avô, caso se interesse
em saber. Eu aviso quando descobrirmos o sexo do bebê.

Os olhos do homem se enchem de lágrimas, e ele acena, virando-se e saindo antes que uma
delas caia. Puxo minha esposa pela cintura e beijo sua testa.

— Pronta para descansar, minha rainha?

— Mais do que nunca. Meus pés estão me matando — ela reclama e se despede da mãe com
muitos abraços. Despede-se de uma infinidade de pessoas na festa, cansada demais, mas sempre com
o sorriso simpático no rosto. Eu a guio para nosso andar, e usamos o elevador, porque sem condições
de usar as escadas a partir de agora.

Abro a porta do nosso quarto, que vem sendo nosso desde que se mudou, mas agora todas as
suas coisas estão arrumadas aqui e o aposento está todo enfeitado. Como na nossa segunda noite de
amor na cabana.

— Richard, quanta perfeição.

Eu beijo seu ombro por trás e apoio as mãos na sua barriga. Heather suspira, estremecendo
sempre, não importa quantas vezes nós façamos sexo.

— Para a minha rainha. Gostou?

— Amei.

Levo-a até nossa cama e me ajoelho à sua frente para tirar seus sapatos.

— Para um rei, você fica bastante de joelhos, Majestade — provoca risonha, e mordo seu pé.

— Somente para você, minha rainha.

Tiro sua roupa com cuidado, solto os cabelos e a levo para a sala de banho. Ligo a banheira e
espero encher com minha esposa sendo aquecida pelos jatos de água. Livro-me da roupa com ela me
olhando com desejo, os lábios presos entre os dentes.

— É agora que você cumpre a sua promessa e coloca seu cetro real na minha humilde boca?
— brinca, e eu gargalho enquanto entro na banheira, puxando seus pés para meu colo.

Massageio-os devagar, e minha esposa geme de prazer. Beijo-os antes de me aproximar e


massagear as pernas. Em seguida, coloco-a de costas para meu peito e massageio os ombros,
beijando o pescoço que arrepia.

— Não sabia que tinha tantos talentos ocultos assim.

— Você ainda não viu nada — falo no seu ouvido, e ela ri baixo.

Encosta o corpo completamente no meu, e ficamos nos curtindo durante todo o banho. Não
tenho a intenção de transar com minha esposa hoje, mesmo que seja nosso primeiro dia de casados.
Vamos ter a vida toda para isso, e consigo sentir o cansaço pelas tensões do seu corpo. E isso só se
confirma quando ela dorme depois que lavo seu corpo inteiro, deitada na banheira ainda. Sorrio para
o nada e beijo sua testa com carinho, apertando a minha rainha.

É gostosa a sensação de seu mundo inteiro estar protegido nos seus braços, sob seus cuidados.
Para sempre.
capítulo trinta

Minha barriga está pesada, e sigo trabalhando como nunca, mesmo que meu marido não esteja
nada feliz com isso. Acho que fiz com que aparecesse uns bons fios brancos nos cabelos dele só de
preocupação comigo. Mas é por uma boa causa. Depois da gravidez, fiquei impedida de trabalhar
patinando para não ter o risco de acidentar na pista de gelo. Outra professora assumiu o meu lugar no
orfanato para que as crianças não ficassem sem aula, e estou trabalhando com Stephen e com Louise
nas instituições de caridade. E, conforme eu havia previsto, consigo detectar muito melhor as coisas
que precisam de melhorias por ter vindo de uma família comum. Também estou ajudando Richard a
implementar projetos de lazer para crianças, jovens e adultos, para diminuir as chances de eles se
desviarem para caminhos mais difíceis. Tem dado muito certo até aqui, e estou empolgada, mas sei
que agora preciso realmente desacelerar porque estou perto de ganhar o bebê. Fizemos como Louise
e não quisemos saber o sexo até a hora do nascimento.

Sento-me no sofá, largada para descansar minhas costas cansadas. Tive que sair fugida,
aproveitando que Richard tinha uma reunião.

— Você está a grávida mais linda do mundo! — Assusto-me com Phoebe chegando na sala de
estar e tento me levantar, mas minha amiga me impede ao ver que estou com dificuldade. — Não faça
esforço.

Minha amiga se aproxima de mim e para com a mão na barriga gigante. Respiro com
dificuldade porque a essa altura, o bebê já não tem mais espaço para mexer e preenche cada lugar de
mim. Consigo senti-lo até nas minhas costelas.

— Oi, tia. — Ela mal liga para mim e já começa o diálogo com o bebê. — Estou com muita
curiosidade para saber se teremos um príncipe ou uma princesinha.

— E a mamãe não vê a hora de você sair das minhas costelas, meu amor — brinco,
acariciando os lugares onde sinto o bebê.

Ia dizer o pequeno, mas ele já está enorme dentro de mim e sei que vai puxar a altura do papai.

— E como estão os preparativos para o nascimento?

— Richard falta morrer toda vez que precisa sair, com medo de voltar e ele não estar aqui.
Nós decidimos pelo parto humanitário. Estou tão nervosa.
— Vai dar certo.

Nós ficamos conversando, até que Richard entra de uma vez, os passos apressados e a
expressão tensa no rosto sério. Sei que vem briga por aí mais tarde. Ele só vai se conter pela
presença de Phoebe aqui.

— Você vai me enlouquecer, Heather. — Ou talvez ele não se contenha. — Você sai pedindo
que a guarda não me conte para onde vai e ainda se desvia do caminho para visitar uma família de
doentes no meio de um lugar sem sinal. Você quer me enfartar?

— Oi, meu amor — digo docilmente, para ver se ele se acalma.

Meu marido cumprimenta Phoebe com um beijo no rosto e se senta perto de nós no sofá. Ela
solta uma risada baixa, que tentou reprimir. Richard esquece a bronca e beija minha boca, pousando
a mão na minha barriga com carinho.

— Oi, meu amor.

— Parou a bronca? — digo, sorrindo para ele enquanto seguro seu rosto.

— É o meu momento de retirada. Vou procurar Owen e Hillary, porque estou com saudades
deles. — Phoebe se despede de nós dois com beijinhos no ar e sai da sala de estar.

Richard finalmente aprofunda o beijo que queria me dar, um que demonstra toda a
preocupação que estava sentindo.

— Me desculpa, meu amor. Foi uma emergência — falo, batendo os cílios para ele, que revira
os olhos e sorri.

— Já pensou se você tem nosso bebê hoje? No meio da rua? Como eu fico, Heather?

— Não vou fazer mais. Não briga comigo. Estou passando por um momento difícil aqui
carregando um bebê de quatro quilos, sem mal conseguir transar com meu marido e sentindo pés nas
minhas costelas.

Sua expressão séria de rei de gelo se amansa na hora e se transforma em uma empática.
Richard tem sido um lorde na minha vida. Ele faz tudo o que tiver que fazer para que eu não ande se
precisar. Serve tudo na minha mão, me carrega no colo até para o banho, massageia minhas costas e
pés doloridos e aguenta todos os meus hormônios bagunçados.

— Vamos descansar — ele diz, puxando meus pés para cima do sofá e me deitando.
— Ainda está de dia! Você não devia estar governando um país?

— Minha prioridade agora é a minha função de pai. Coloquei gente para resolver coisas
chatas para mim, só lido com o essencial até nosso bebê nascer.

Ele se deita ao meu lado e acaricia meus braços, a mão nunca saindo da minha barriga. Para
mim, esse é o sinônimo de felicidade. Eu e Richard deitados em silêncio ou em uma conversa a
sussurros discutindo nosso futuro como pais.

— Sonhei que vai ser uma menina. Será que é verdade? — pergunto, colocando minha mão
junto da sua.

— Eu adoraria. As mulheres da minha vida.

Sorrio fraco, visualizando a cena do meu marido segurando um pacotinho cheio de cabelos no
colo. É uma boa visão. Estou quase dormindo com as carícias dele nas minhas costas, quando sinto a
dor no pé da minha barriga.

— Ai, ai.

— O que foi, meu amor?

— Uma dor no pé da minha barriga, mas já passou. — Faço uma careta, e Richard me olha
com preocupação, tocando onde disse que doía.

Bons minutos depois, a dor volta. Inclino-me de leve e sinto o líquido molhando o sofá,
descendo pelas minhas pernas.

— Amor… — sussurro, olhando para baixo.

— Eu vi. Vou ligar para a médica.

Pela primeira vez, vejo Richard andando de um lado para o outro sem saber o que fazer. Ele
manda mensagem para alguém, e logo todo mundo aparece na sala de estar, tentando me ajudar em
alguma coisa.

A dor vai e volta, e em alguns momentos consigo me concentrar no que estão dizendo ao meu
redor.

— O que a gente faz? — Theo pergunta, tão desesperado quanto Richard. — Louise devia ter
nos preparado para isso, mas segue desesperador.
— Deixem eles sozinhos. Heather precisa de calma.

Meu marido volta para o meu lado e me guia até a sala de banho, onde deixamos tudo pronto
para o parto, em uma cadeira de rodas, consolando-me a todo momento, dizendo que eu me acalme.
Ele consegue trazer um pouco de paz para mim até a médica chegar. Ela me acompanhou durante toda
a gravidez e já se familiarizou com o ambiente do parto.

— Nosso bebê real está pronto para nascer, papais. Estão prontos?

Nós dois acenamos, ambos nervosos. Richard ajuda a tirar a minha roupa e a me deitar na
banheira enorme. Ele se troca e fica de sunga, entrando atrás de mim. O calor nas minhas costas é
reconfortante, porque a dor começa a ficar insuportável. Sinto as mãos massageando os lugares
indicados pela médica, que me ensina movimentos e respirações.

— Está doendo muito. Eu não vou conseguir.

— Você vai, meu amor. Você é a mulher mais forte que conheço. Já passou por tanta coisa —
Richard me consola, apertando os dedos no meu cóccix. Faço uma careta de dor e alívio ao mesmo
tempo e aceno.

— A dilatação está ótima, Heather. Mais um pouco e vou orientar você a como fazer força,
tudo bem?

Concordo com ela, e meu marido segue sussurrando consolos na minha orelha enquanto choro
de dor.

— Eu te amo tanto.

Aperto sua mão com força, e Richard nem reclama. A médica fica nos orientando e conferindo
a dilatação, que aumenta consideravelmente.

— Está na hora. Vamos lá? Empurra com força umas três vezes e para para descansar.

— Ok.

Faço força e sinto meu corpo cansado, mas não desisto. Repito mais duas vezes como ela me
orientou.

— Isso, mamãe. Estou perto de nascer. — Ela incentiva, e uso do apoio dos dois e espero que
autorize a fazer mais. — Mais uma vez, Heather.

Quando empurro com toda a garra que há em mim, sinto um alívio ao ouvir o chorinho que
vem.

— Muito bem, meu amor.

Richard me consola, e meu olhar só busca o nosso bebê que foi captado pela médica na água.

— Vossas Majestades, eu apresento a vocês o bebê real, o príncipe Richard Stafford


Thompson II.

Meu marido chora feito um menino, a emoção mal contida quando a médica o coloca no meu
colo. É a primeira vez em que o vejo chorar desse jeito, tão abertamente.

— Oi, meu amor. — Seguro nosso pacotinho de amor e os olhos azuis como os meus se abrem.
— Seja bem-vindo às nossas vidas, meu príncipe.

— Obrigado — Richard sussurra na minha orelha enquanto acaricia os cabelos do nosso


menino, castanhos como os dele.

Como Richard diz, é gostosa a sensação de ter o mundo em nossos braços. Tenho certeza de
que esse é apenas o início da nossa família, da nossa felicidade eterna.
epílogo

Um ano depois

Procuro por Heather pelo castelo inteiro, com meu filho nos meus braços, soltando as
primeiras palavrinhas que aprendeu. Cheiro o pescoço do nosso menino, e ele gargalha. Quando nós
entramos no rinque, encontramos a mãe dele, minha doce esposa, em cima dos patins, na cena mais
icônica que eu poderia encontrar. Ela tenta dar aula para todos os membros da casa, incluindo meus
pais. Escuto apenas as risadas de Stephen, zombando de todos pela falta de talento. Paro com
Richard II, e ele aponta para a mãe, choramingando um “mamã” dengoso.

Minha esposa se aproxima, em cima dos patins, os cabelos mais curtos soltos.

— Oi, meus amores. — Ela me cumprimenta com um beijo sorridente e pega nosso pequeno
do meu colo. — Me dê a honra de uma dança, meu amor?

— Claro, Vossa Majestade.

Como sempre acontece, babo nela deslizando pela pista de gelo com nosso pequeno
gargalhando. Ele ama os momentos com a mãe, e tenho certeza de que vai aprender a patinar antes
mesmo de andar. Eu calço os patins localizados no armário no canto e ando até onde minha família
está tentando se levantar do chão, todos rindo feito palhaços. Treinei durante todo esse tempo com
Heather. De fato, ela é uma boa professora. Quando nosso filho é tirado do seu colo por Stephen,
minha esposa se aproxima de mim e me cumprimenta em uma dança que ensaiamos.

Eu sou o primeiro par que deu match, como Heather diz. Minha rainha consegue se soltar a
ponto de deixar que eu a conduza pela pista de gelo. Testo uns passos mais arriscados, mas nada
igual a Heather que tem anos e anos de experiência. Nossos familiares param de tentar ficar de pé e
nos observam. Seguro-a pela cintura e a giro no ar antes de aterrissá-la no gelo. Heather sorri para
mim e desliza de costas, com uma perna erguida no ar, girando ao redor do meu corpo.

— Amostrada — provoco, sorrindo para ela.

— Tudo para você, Vossa Majestade.

Ela se curva, e ergo-a pelo queixo para beijar seu queixo e a sua boca. Nossos familiares nos
aplaudem, e nos aproximamos deles, com meu braço ao redor da cintura de Heather.

— Quem diria que você ia conseguir destravar o príncipe de gelo, cunhada? — Stephen
zomba, e eu rio, dando uma volta para pegá-lo pelo pescoço. Aperto-o de leve, e meu irmão tenta se
livrar, rindo. Ele consegue me derrubar no chão e cai em cima de mim, fingindo me dar socos. Logo
as crianças se jogam no chão e começam a abrir e fechar os braços no gelo.

— Vem, mamãe! — Blair grita, chamando por Louise.

— Desde quando essa família ficou tão Stephenizada? — Theodore zomba, e recebe uma
rasteira do meu irmão.

Nós caímos um em cima do outro, e só me afasto quando o celular do caçula toca no seu bolso.
Ele se afasta de nós para atender.

— Theodore Thompson falando.

A expressão dele fica séria quando se senta na pista. Seus olhos buscam os meus e desviam
rapidamente. Ele tira os patins com o celular no ouvido antes de se levantar e sair do rinque.

Eu o observo e vou atrás dele quando vejo que demora. Livro-me dos patins e calço os
sapatos antes de sair dali, deixando minha família alheia a tudo.

— Não o incomode. Deixa que eu cuido disso. Pelo menos por agora. Tudo bem. Me avisa.

Quando está se virando para voltar para a pista de gelo, ele me encontra.

— O que está acontecendo, Theo?

— Nada, irmão. Vá cuidar da sua família — fala, e eu o paro.

— Me conta. Você está há tempo demais cuidando disso sozinho e me deixando no escuro. O
que está acontecendo?

Theodore suspira alto e passa a mão na cabeça agora com os fios bem mais curtos.

— Algumas complicações com pessoas que nos deram apoio durante o seu casamento. Como
todos os seres humanos são, nada vem de graça. Mas repito: vou resolver isso.

— Se precisar da minha ajuda, me peça, Theo. Não quero você virando uma nova versão
minha.

Ele acena e me abraça de lado antes de sumir pelo castelo, a mão coçando a cabeça com
impaciência. Quando some pelo corredor, fico dividido entre ir até ele para ajudá-lo e voltar para
minha família.

Como há muito tempo, minha prioridade vem sendo sempre a minha família. Com o resto, eu
lido depois.
EM BREVE: PRÍNCIPE DA HONRA

A história de Theodore Thompson chega em breve na Amazon. Que tal dar uma espiada no que
vem por aí?

SINOPSE:

Theodore Thompson nunca recusa um desafio. General do exército de Delway, o mais novo
dos príncipes dedica sua vida à proteção da sua família. E se mantê-los seguros significa que ele vai
precisar se casar com uma mulher que não conhece para firmar alianças militares, está pronto para
cumprir sua obrigação.

Mas isso não significa que confie nela, nem que está disposto a fazer concessões quando
descobre que sua futura esposa tem outros planos.

Madelaine Denver não está disposta a aceitar esse acordo pacificamente. Se o general quer
levá-la com ele para longe do seu país e da sua coroa, terá que fazer isso à força. E se para isso for
preciso fazer da vida dele um verdadeiro inferno no processo, assim será.

Entre desconfianças e uma disputa acalorada por poder, Madelaine está disposta a começar
uma guerra, e guerra é a especialidade de Theodore. Mas quando o fogo que existe entre os dois
deixa o campo de batalha, o príncipe da honra descobre que precisa lidar com um inimigo muito mais
perigoso e sedutor dessa vez. Um que não joga pelas mesmas regras que ele.

CAPÍTULO UM – THEODORE

É cansativo não poder confiar em ninguém.


É cansativo tratar cada aliado político como um inimigo em potencial, porque lealdade é um
conceito há muito esquecido e a palavra de alguém não vale mais nada. Acordos assinados não
valem mais nada, muito menos a suposta honra de um governante.

Meus irmãos sempre me chamaram de paranoico quanto a isso. A atividade preferida de


Stephen é pegar no meu pé com meu excesso de zelo e desconfiança constantes. Richard, o mais
velho e rei de Delway, entende minha preocupação, já que, de nós três, é o que mais lida com
politicagem, mas até mesmo ele teve certeza de que eu estava exagerando algumas vezes.

Adivinha só? Eu não estava.

Os filhos da puta que apareceram quando estávamos mais vulneráveis, jurando aliança e
apoio, agora estão prontos para fazer demandas. É claro que estão. Nada vem de graça quando o
assunto é poder.

— De novo! — grito, mãos atrás das costas, olhos ferozes e atentos sobre os soldados que
repetem a sequência de golpes na aula de artes marciais.

Ninguém se atreve a reclamar de cansaço, mesmo que eu saiba em que estou exigindo muito
mais deles hoje do que o normal. É o que acontece quando estou puto desse jeito. Não demoro a
perceber que apenas assistir ao treinamento não vai ajudar a acalmar minha agitação. Mantenho os
olhos atentos sobre eles enquanto enrosco ataduras nos nós dos dedos, sabendo que estão nervosos
com a minha presença nem tão rotineira assim.

Nervosismo esse que aumenta quando percebem que estou entrando no tatame também.

— Não precisam parar — aviso, transitando entre as pessoas que depositam aqui cada gota de
energia que têm para oferecer.

Conserto algumas posturas, corrijo golpes feitos errados, dou mais meia dúzia de instruções.
Quando a minha proximidade deixa de ser um problema e todo mundo está concentrado de novo no
que deve fazer, começo a treinar também. Não demora para alguns soldados se animarem com a
perspectiva rara de treinar comigo, e é um ótimo lembrete de que é aqui que me sinto em casa.

Muito do meu trabalho é burocrático agora, cuido de estratégias militares, coordeno equipes.
Gosto da possibilidade de manter olhos atentos sobre a minha família e garantir que estão bem, mas
sinto falta de estar aqui com mais frequência. Suado, com a pele quente, a ansiedade e preocupações
diminuindo conforme meus batimentos cardíacos aumentam.

Desvio de alguns socos, esquivo de chutes precisos, mas, eventualmente, um me acerta. A dor
irradia pela minha mandíbula onde Brian me acertou, e estou sorrindo quando volto a olhar para ele.
Meu segundo em comando sorri também, uma expressão provocativa no rosto ao indicar com as mãos
para que eu pare de enrolar.

A luta se torna entretenimento para os outros soldados, que deixam seus próprios treinamentos
de lado e passam a nos assistir com entusiasmo. Brian desvia da maior parte dos golpes que desfiro,
quase me acerta alguns outros, mas, no fim, o resultado é o previsto e ele termina com as costas no
tatame, o peito subindo e descendo em uma respiração ofegante depois que o derrubo com um gemido
doloroso.

— Estão liberados — instruo para os demais enquanto estico a mão para ajudar Brian a se
levantar.

Ele aperta meu ombro e solta uma risada baixa quando está de pé.

— Eles vão falar disso a semana toda, você sabe — diz divertido, afastando-se de mim em
busca de água.

Arranco a camiseta suada pela cabeça, livro-me das ataduras das mãos.

— Da próxima vez, não cai com tanta facilidade e isso não vai ser um problema.

Brian me mostra o dedo do meio, balançando a cabeça. Sem se virar para mim, mexendo em
alguma coisa dentro da sua mochila, ele pergunta:

— Você vai me dizer qual o problema agora? Vai fizer para alguém, aliás? Nem o rei sabe o
que anda acontecendo com você ultimamente.

Encaro suas costas, considerando o que dizer. Sua postura é firme, rígida como a minha. A
pele escura está coberta de suor, os ombros estão tensos. Brian trabalha comigo há tempo o suficiente
para saber que alguma coisa não está certa. Não consigo explicar uma situação que ainda não
compreendo. Estou em um campo minado, tomando cuidado com meus passos.

— Ainda não sei — ofereço por fim. — Richard e eu vamos nos encontrar com o rei de
Devondale em algumas horas.

Isso chama a sua atenção. Brian me olha por cima do ombro, erguendo uma sobrancelha.

— O rei em pessoa? — pergunta devagar. Limito-me a erguer as sobrancelhas em uma


concordância contrariada. — O que esse filho da puta quer?
Rio pelo nariz, jogando os olhos ao teto.

— É exatamente isso que quero descobrir.

Brian estreita os olhos e não precisa dizer nada. Estamos na mesma página quanto a Elijah
Denver: ele não confia no homem, eu confio menos ainda.

Meus irmãos fizeram um ótimo trabalho em transgredir todas as regras e tradições nos últimos
anos. Stephen cumpriu o acordo político feito por nossos pais e se casou com Louise, é verdade, mas
nos colocou em uma situação delicada com suas transgressões depois disso. E Richard… O maior
defensor das tradições seculares da nossa família chocou a todos nós quando recusou o seu próprio
casamento político e fez de uma plebeia a rainha de Delway. Heather arrebatou seu coração de tal
forma que o rígido rei foi contra tudo o que acreditava até então, por ela.

Louise e Heather trouxeram luz para a vida dos meus irmãos, e eu mataria pela felicidade
deles. Do mesmo jeito que eu faria qualquer coisa para proteger minhas cunhadas e sobrinhos. Mas
não vou negar que ambos os casamentos trouxeram tensão política para o país. Stephen ultrapassou
alguns limites que os mais conservadores acharam inaceitáveis, e Richard cementou o rebuliço ao
trazer Heather para o trono.

Foi quando sua competência como regente começou a ser questionada. Muitos antigos aliados
questionaram como poderiam confiar em um governante que não seguia as regras do próprio país. O
mais frio e prático dos homens foi chamado de fraco e passional em mídia internacional. E um
governante fraco representa um país fraco. Um país fraco se torna vulnerável.

É o meu trabalho impedir que isso aconteça.

Não demorou para que outros líderes mundiais emitissem suas opiniões sobre o assunto — a
favor ou contra, todos tiveram algo a dizer. A balança pendeu para o nosso lado, no fim, quando a
maioria dos nossos parceiros comerciais decidiu que não podiam se importar menos com o
relacionamento de Richard desde que pudessem continuar tendo todas as vantagens que alianças
conosco proporcionam.

É aí que Elijah Denver entra.

O rei de Devondale nunca foi minha pessoa preferida, mas Richard não quis quebrar mais essa
tradição. São poucas as monarquias restantes, e meu irmão segue à risca o código moral de apoio
mútuo. Então, aceitou a aliança oferecida. Aceitou o anúncio público de apoio militar, de vantagens
comerciais; aceitou os aliados que vieram a tiracolo.
E agora Denver quer alguma coisa em retorno.

O que, eu ainda não sei. Mas vou descobrir em breve.

***

Richard está nervoso. Meu irmão tenta disfarçar, mas as rugas que se formam em sua testa não
abrem espaço para dúvida. De pé ao seu lado com os braços cruzados, assisto enquanto tamborila na
mesa, confere a hora no relógio de pulso, se remexe na cadeira. Elijah está atrasado, e duvido que
seja acidental.

Quando o homem finalmente chega, acompanhado dos seus próprios guardas, tem um sorriso
grande no rosto, como se estivesse se encontrando com um grande amigo.

— Richard! — diz, abrindo os braços para um abraço que não vai receber. Não acho que
estivesse esperando um, de qualquer forma, porque logo se senta na cadeira no lado oposto à mesa,
cruzando os dedos sobre o colo. — Theodore — estende o cumprimento a mim com um aceno de
cabeça.

Percorro os olhos pelo seu rosto, tentando desvendar na expressão despreocupada o que ele
quer. As rugas da idade começam a aparecer pela pele escura, os olhos experientes podem até estar
recobertos de tranquilidade, mas não escondem o brilho malicioso.

— Fez boa viagem? — Richard pergunta assim que o homem parece confortável no lugar.

— Ótima, Majestade — responde, levando a mão ao peito em uma reverência que parece
irônica demais e me faz estreitar os olhos. — Sei que você é um homem muito ocupado, então irei
direto ao assunto.

Richard assente, cruzando os dedos sobre a mesa, e espera.

— Como sabe, Devondale prestou apoio em um momento difícil, e é de meu interesse que esse
continue sendo o caso. Seria uma pena terminarmos em lados opostos de uma briga — começa, e
arrumo a postura, jogando os ombros para trás, tenso. Não gosto de onde isso está indo, da ameaça
velada na frase simples.

— E o que faria com que a situação mudasse, Denver? — meu irmão pergunta, a voz seca
indicando que também pescou o que ele quis insinuar nas entrelinhas.

— Tudo o que peço é reciprocidade — responde. — Apesar de estarem com a reputação


balançada pelos últimos eventos, sua família tem um histórico impecável, seu país é próspero. É de
meu interesse que essa aliança se amplie.

Seus olhos vêm até mim, e um arrepio me corta a coluna. Sei para onde essa conversa está se
encaminhando.

— Se o que você está pedindo são mais vantagens comerciais, nós podemos…

— Estou pensando em uma aliança permanente — Elijah interrompe meu irmão, o olhar ainda
sobre mim.

Trinco os dentes, respiro fundo.

— Casamento — ofereço, cuspindo a palavra como uma praga.

O sorriso do velho aumenta e ele anui.

— Se não estou enganado, Theodore está prestes a fazer trinta anos e sei que não vai demorar
muito para que seja a vez dele de encontrar uma esposa. Gostaria que fosse Madelaine a ocupar esse
cargo — diz de uma vez, encerrando os rodeios.

Solto uma risada seca, a atenção presa a Elijah. Não preciso olhar para Richard para que sinta
o olhar dele sobre mim. Meu irmão não diz nada pelo que parece uma eternidade inteira, mas sei que
não é. É possível que apenas alguns segundos tenham se passado, mas é tempo o suficiente para que
eu construa todos os cenários possíveis em minha mente. Não gosto de nenhum deles.

Quando finalmente fala alguma coisa, seu tom é profissional e político.

— Madelaine Denver é a sua filha mais velha, a primeira na linha do trono — Richard diz, a
pergunta embutida no tom. Vasculho a memória em busca de imagens da mulher em questão, mas não
encontro. Tenho os nomes decorados, os títulos, o histórico, mas raramente perco tempo decorando
rostos. Desejo que tivesse procurado pelo da mulher agora; odeio me sentir no escuro. — Você está
pedindo que eu entregue meu general para se tornar príncipe consorte de outro país.

Elijah estala a língua, movendo a mão em um gesto impaciente e irritadiço.

— Por favor, não. Madelaine não vai assumir o trono, nunca foi uma possibilidade. — Elijah
ameniza suas feições, deixando crescer no rosto uma expressão amorosa ao falar da filha, que não
tenho certeza de que é verdadeira. — Tudo o que quero é uma vida segura e confortável para ela. O
que sei que ela terá aqui.

Outro momento de silêncio tenso cresce pela sala. Denver alterna o olhar entre meu irmão e eu
e, seja lá o que vê nos nossos rostos impassíveis, é o suficiente para que dê o assunto por encerrado.

— Vou deixar que pensem no assunto. Não é realmente um grande feito, se formos honestos.
Theodore está fadado a um casamento por conveniência de qualquer forma, não estou sugerindo nada
que não fosse ser feito em algum momento — declara, levantando-se da cadeira. Coloca de novo
aquele sorriso falso nos lábios, a mão indo ao peito. — As portas da minha casa estão abertas
quando tomarem uma decisão.

Richard apenas acena em despedida e espera que o homem saia do escritório, acompanhado
dos seus guardas, para que respire de novo. Um palavrão escapa da boca do meu irmão assim que a
porta de fecha e nos deixa sozinhos aqui.

— Não era isso que eu estava esperando — diz baixo, esfregando o rosto. — Por que eu tive a
impressão de que não é uma sugestão que pode ser negada?

— Porque não pode — respondo, recostando na parede. — Não pacificamente.

— Filho da puta — Richard murmura, largando o peso do corpo nas costas da cadeira. — Não
confio nele. Não confio de colocar alguém da sua família dentro da nossa casa.

Assinto em concordância, os lábios pressionados em uma linha reta.

A porta se abre em súbito de novo, e dessa vez é Stephen que entra. Com o sorriso arteiro de
sempre, os cabelos castanho-claros caindo pela testa, ele traz uma lufada de leveza ao cômodo
apenas por se aproximar.

— O que ele queria? — pergunta, jogando-se na cadeira em que Elijah estava.

— Theodore — Richard responde.

— Ele queria… o Theo? — Stephen pergunta, olhando de mim para Richard.

— Você não precisa aceitar — Richard diz para mim ao invés de responder Stephen, e isso é o
suficiente para chamar minha atenção. Olho para ele, as sobrancelhas franzidas.

Na minha frente, não é o meu rei falando, é o meu irmão. Reconheço a mudança sutil no seu
rosto, a preocupação no olhar. É um cuidado fraternal, um que não é lógico nem racional. O rei sabe
que preciso, sim, aceitar. Faz pouco mais de dois anos que escapamos de uma ameaça de guerra, não
é hora de enfrentar outra. Mas meu irmão me oferece a chance de fuga.

Por mais que eu adore poder encher a boca para dizer que avisei, essa não é uma situação em
que estou feliz por estar certo. Meus homens estão prontos, se for preciso. Meu exército é bem
treinado e eu nunca fugi de uma boa briga, mas o que está em risco agora é muito mais do que apenas
uma aliança política.

— Eu preciso.

É da felicidade dos meus irmãos que estamos falando. A tranquilidade dos seus casamentos.
Posso oferecer a eles paz de espírito, encerrar essa instabilidade de uma vez. Tirar dos seus ombros
o peso e a culpa pelas consequências que vieram por seguirem seus corações, por buscarem sua
felicidade pessoal acima da obrigação. E por eles, eu faço qualquer coisa.

Até ir para a cama com o inimigo.

EM BREVE. Para mais informações, acompanhe atualizações pelas redes sociais


LEIA TAMBÉM: PRÍNCIPE DA MENTIRA

Enquanto o terceiro livro dos Herdeiros de Delway não chega, que tal conhecer o começo do
relacionamento de Stephen e Louise? Príncipe da mentira já está disponível na Amazon.

Leia Príncipe da mentira

SINOPSE:

UM ROMANCE CONTEMPORÂNEO E POR CONVENIÊNCIA ENTRE MEMBROS DA


REALEZA

Stephen Thompson está acostumado a uma vida sem grandes emoções. Filho do meio da
família real de Delway, não precisa se preparar para assumir o trono como seu irmão mais velho e
nem se preocupar em comandar o exército como o caçula. Aos trinta anos, ocupa seus dias com
trabalhos em instituições de caridade. Então, quando seus pais o avisam que precisa honrar um
acordo e se casar com a herdeira de um país aliado, ele não acha que tem nada a perder.

Louise Alton se sente uma farsa. Criada para ser doce e casta, entregue para ser a mãe dos
herdeiros de um completo desconhecido, ela sabe que precisa manter seu novo marido longe dos seus
segredos e do seu coração machucado. Mas a princesa não demora a descobrir que não é a única a
ter um passado que pode dar um rumo diferente ao seu casamento.

Stephen não imaginou que teria seu primeiro herdeiro dessa forma e não esperava se ver preso
em uma rede de mentiras que colocam o país em risco. Agora, precisa se tornar o príncipe da mentira
para proteger a sua família.

ESTE LIVRO NÃO É RECOMENDADO PARA MENORES DE 18 ANOS.


*

Capítulo um – Stephen

Ver o sorriso das crianças é, sem dúvidas, a melhor parte da minha semana. As
expressões radiantes sempre que eu apareço, seja pela sacola cheia de presentes fora de hora ou
apenas pela minha presença, me enchem de um amor que nunca pensei que fosse sentir.

— Stephen! Stephen! Você foi atingido! — grita Thomas, um garotinho ruivo de


aproximadamente sete anos, apontando uma das arminhas de brinquedo na minha direção.

— Oh, nobre cavaleiro, eu imploro por sua clemência! — Entrando na brincadeira, me curvo
para ele e escuto sua risadinha, fazendo-me rir também.

— Eu te perdoo e não te atinjo mais, mas só porque você é um príncipe de verdade. A tia
Dolores disse que a gente não pode falar besteira para você.

— Thomas! — A mulher aparece, com os lábios e mãos tremendo como sempre, nervosa
simplesmente com a minha presença aqui, mesmo que este lugar seja parte da minha rotina semanal.
Já faz bons anos que visito o orfanato, mas parece que ela nunca se acostuma à minha presença.

De todos os trabalhos filantrópicos que faço, estar com as crianças é o meu preferido.

— Não precisa brigar com ele, senhora Dolores. Nós estamos brincando.

— Vossa Alteza, não queremos incomodá-lo.

Não tenho tempo de responder mais uma vez que não é incômodo nenhum, que não venho aqui
por obrigação como todos parecem pensar, como a maioria dos membros da família real de Delway
parece fazer. Não que minha família seja mesquinha ou contra atos de caridade, prefiro pensar que
cada um tem uma habilidade, uma vocação. Não consigo imaginar Theo, líder do nosso exército, e
Richard, futuro rei, que lida com todos os assuntos burocráticos, meus queridos e atarefados irmãos,
tirando várias horas do dia para brincar com crianças.

— Príncipe Stephen, eu posso ser a sua princesa? — Escuto uma voz fina atrás de mim e me
viro, ainda com os joelhos no chão depois de ter sido supostamente atingido pela arma de brinquedo
de Thomas.
— Oh, senhorita Blair, se você fosse um pouco mais velha, seria uma honra. Mas que tal um
príncipe da sua idade?

A expressão murcha no seu rostinho, e meu coração se parte, porque odeio ser o causador
dela. Observo a garotinha linda de cabelos crespos, armados, traços marcantes de uma legítima
princesa. Levanto-me apenas para mexer em uma das sacolas que trouxe e tiro uma coroa dali.
Aproximo-me dela e me agacho novamente. A expressão triste some, dando lugar a uma de
curiosidade que me faz sorrir na mesma hora.

— Mas se tem uma coisa que aprendi é que existem princesas por aí que não precisam de
príncipes.

Coloco o objeto de plástico com pedras rosa que imitam joias na sua cabeça, e as mãos
pequenas a seguram, trêmulas.

— Eu não preciso de um príncipe mesmo para ser uma princesa? É verdade?

— Verdade. Palavra real — respondo, tocando a bochecha negra e gorda, que logo se estica
pelo sorriso arrebatador que a toma.

Quando chega a hora de me despedir de todas elas, como sempre é, meu coração se aperta um
pouco. Era para ser um trabalho de uma vez na semana, mas várias vezes apareço com uma desculpa
nova de que preciso checar se as crianças estão precisando de mais alguma coisa.

O orfanato é muito mais cheio de crianças do que eu gostaria, então, meu trabalho é garantir
que não falte nada material para nenhuma delas, que elas se sintam queridas e amadas até que
apareça alguém para adotá-las.

Saio dali e cerca de dez seguranças imediatamente me rodeiam, fazendo um círculo de


proteção enquanto volto para o carro. Durante o caminho até o castelo, gasto bons minutos olhando
para a janela, vendo os campos muito verdes, as casas rústicas, as vilas mais humildes.

Quanto mais me aproximo do meu destino, menos habitações vejo, porque minha família mora
mais afastada do restante da população. Para proteção, segundo Theodore, meu irmão caçula. Só me
resta aceitar, porque não há nada que eu possa fazer para lidar com seu jeito superprotetor, e às vezes
até paranoico. Ele é o mais novo, mas facilmente parece que é o mais velho de nós dois. Poderia
dizer de nós três, mas ninguém consegue ultrapassar o nível de maturidade e cuidado com a família
de Richard, nosso irmão mais velho, futuro rei de Delway assim que nossos pais decidirem que
chegou a hora de abdicarem do trono para descansarem.
Quando o motorista estaciona em frente ao castelo, logo um dos funcionários aparece para
abrir a porta do carro.

— Gerald, como estamos? — cumprimento o senhor que parece um Papai Noel com um
tapinha nas costas, e ele se inclina de um jeito respeitoso, mesmo que com dificuldade devido à
barriga protuberante.

— Vossa Alteza…

— Ah, os costumes, Gerald. Você nunca vai os perder, não é?

Sacudindo a cabeça por ninguém me ouvir e me chamar pelo nome, subo as escadas da entrada
do palácio correndo. Não tenho nem o direito de abrir a porta, porque até isso fazem por mim. A vida
em um castelo às vezes pode ser entediante quando se tem pessoas dispostas a limparem até a sua
bunda — e nem estou sendo exagerado, existe mesmo essa possibilidade.

— Darla… — Aceno para uma das arrumadeiras, que se curva e acena antes de sair. —
Margareth, linda como sempre.

Cumprimento vários funcionários pelo caminho e encontro Richard saindo de um dos


escritórios no andar de cima. Com a cara enfiada em uns papéis, a expressão concentrada, a ruguinha
acentuada no meio da testa.

Observo-o de longe, contando os segundos até seus olhos irem para o relógio de pulso. Sorrio
sozinho quando, menos de dois segundos depois, o tique se concretiza. Parece que meu irmão está
sempre atrasado para algum compromisso, sempre preocupado, tenso, sério. Nós dois não
poderíamos ser mais diferentes nesse aspecto.

Enquanto me aproximo devagar, sem que ele tenha me notado, vejo-o perder a compostura
enquanto lê o que quer que tenha escrito ali. Não o agrada. A mão vai até os cabelos castanhos muito
bem arrumados, iguais aos meus. Iguais aos de Theo também. Nós somos bem parecidos, se não pela
cor dos olhos, que variam entre o de Theodore em um tom escuro de azul, os castanhos de Richard e
os meus, que são um meio-termo.

— Você ainda vai envelhecer mais uns dez anos em uma semana se seguir enrugando o rosto
assim — falo alto, esperando assustá-lo, mas ele nem se abala quando ergue o olhar para mim.

— Onde você estava? Nós temos um jantar com nossos pais em menos de dez minutos. Você
nem está pronto — resmunga, olhando-me de cima a baixo com a expressão carrancuda e julgadora.
— E desde quando eu preciso colocar um terno para comer com nossos pais? — ironizo,
olhando para suas roupas bem passadas, como se estivesse pronto para participar de um dos muitos
bailes que temos. — Não estou apresentável para jantar com o futuro rei de Delway, Vossa
Majestade?

Rio debochado, sem realmente esperar que meu irmão se estresse e rebata. Ele é contido e
sério demais para isso. Não teria pessoa melhor para assumir o trono do nosso país do que Richard.

Abraço-o pelo ombro, sacudindo-o de leve para que relaxe, enquanto andamos em direção à
sala de jantar. Eu queria tomar um banho antes, mas prefiro ficar assim a cometer o crime de me
atrasar.

Não é apenas meu irmão mais velho que é rígido com horários, toda a família é. Bem, exceto
eu. Prova disso é encontrar os três membros restantes já sentados à mesa, esperando. Assim que
entramos, Richard se aproxima da nossa mãe, Beatrice Thompson, e se inclina, dando um beijo na
sua mão em seguida. Faz o mesmo com Arthuro, nosso querido pai. Repito seu gesto e recebo a
expressão doce dos dois de volta. Rígidos como governantes do país, amorosos como pais, eles são
ótimos.

— Por que não me espanta que você esteja todo sujo, querido? — mamãe repreende em um
tom amável demais, que engana qualquer desavisado que pode pensar que por trás do sorriso doce
tem uma mulher fraca. Beatrice Thompson é a mulher mais forte e admirável que eu conheço.

— Não duvido que estivesse rolando com os cavalos ou no meio da plantação — alfineta
Theo, sentado à esquerda da nossa mãe.

— Eu estava com as crianças, alguém tem que fazer alguma coisa divertida nessa família —
brinco, sentando-me ao lado de Richard.

Não consigo deixar de notar a troca de olhares entre meus pais, discreta, mas preocupante.

Nos meus trinta anos de vida, nunca tive muitas responsabilidades sérias com a realeza.
Eventos ali, meus trabalhos filantrópicos, jantares beneficentes acolá, nada de mais. Gosto de
socializar. Mas nunca tive que me importar em lidar com questões diplomáticas, guerras, proteção do
nome da família, caos, tretas com outros países, nada tedioso. E meus pais tentaram muito fazer com
que eu me envolvesse mais, mas sinceramente, a ideia de passar um dia inteiro discutindo política me
faz querer me jogar do alto da torre.

Depois que o jantar é servido, minha família come em silêncio. “Não é de bom tom conversar
enquanto se come, querido.” Consigo ouvir várias versões da minha mãe ao longo dos anos me
repreendendo. “Um príncipe não conversa quando é a hora de comer”. Então, é por isso que estranho
quando meu pai começa a falar, soltando um pigarro, a primeira fala hesitante que já presenciei vinda
dele. Ele é o rei, afinal. Hesitação não faz parte do seu vocabulário. Até hoje.

— Steph… — ele começa após dar um gole longo no vinho. Seu olhar vai em direção à minha
mãe e, apesar da expressão de repreensão dela, ele continua: — Nós tivemos uma mudança de
planos.

Olho para meus irmãos, e eles parecem tão surpresos quanto eu pelo momento. Ambos largam
os talheres e limpam a boca com o guardanapo, parando qualquer movimento, os olhos focados no
nosso pai.

— Sim? — digo, esperando que continue.

— Você sabe que nosso país tem boas amizades. Nós construímos laços fortes e vantajosos
durante todos esses anos. E queremos continuar construindo. Você sabe que a família de Priestdale
tem uma filha.

Aceno, aguardando que ele siga falando, mas Arthuro Thompson decide que é uma boa hora
para quase me causar um ataque e dá um gole de vinho.

— Louise Alton é uma jovem muito bela, e seus pais estão muito felizes por ela fazer parte da
família.

— E por que estão falando comigo? O primeiro casamento não deve ser o do Richard? Afinal,
o futuro rei é ele — rebato, as sobrancelhas franzidas pela dúvida.

— Eles não acham que ela está preparada para ser rainha, mas ficaram mais do que felizes em
casá-la com você.

Para a loucura da minha mãe, Theo se engasga com a água e, em um gesto nada principesco, o
líquido salta de leve da sua boca, enquanto uma tosse misturada a uma risada sai.

— Theodore Thompson! — minha mãe briga, olhando-o feio.

— Me perdoe, mãe. Mas isso foi… inesperado. Stephen tem a maturidade de um garoto. Como
espera que seja o primeiro a se tornar o marido de alguém?

Boquiaberto, fico sem reação. Olho para Richard, que observa nossos pais com o mesmo
choque que eu. Mas ele não ousa questionar.
— Isso é mesmo necessário, pai? E Theo? Já que ele se acha tão apto assim, por que a jovem
não se casa com ele? E por que eles apareceram com essa ideia assim, do nada?

— Ei! Tenho coisas mais relevantes para me preocupar.

Nossos pais suspiram ao mesmo tempo, em uma sincronia bonita de se observar, construída ao
longo dos anos. Não é incomum que casamentos por amizade aconteçam entre os países aliados na
monarquia. Eu sabia que em algum momento isso aconteceria. Não só comigo, mas com meus irmãos
também. Só não imaginava que fosse ser tão depressa.

— Sinto muito, filho. Sei que não estava preparado agora, mas nós temos deveres — papai
fala, e eu aceno em concordância. — Não sabemos os motivos deles. Apesar de ser uma proposta
inesperada, não podemos negar que será um bom casamento.

— Tudo bem. Eu me caso com ela.

Voltamos a comer em silêncio e, pela primeira vez em muito tempo, o peso da coroa real cai
sobre mim, porque sei que minha vida jamais será a mesma depois que eu me casar. Mais
responsabilidades com dois países diferentes virão, e eu estou muito longe de estar preparado para
isso.

Leia Príncipe da mentira


Sobre a autora

Natália Dias é uma brasiliense de vinte e seis anos que sempre foi apaixonada por livros
desde os cinco anos de idade. É formada em Letras – Português do Brasil como Segunda Língua pela

Universidade de Brasília, escritora, revisora e amante de romances.

Ela descobriu na escrita uma forma, ainda que pequena, de aquecer o coração dos leitores e de
buscar a representatividade e a leveza que tanto ama na leitura. Nas poucas horas vagas que tem, se
diverte ouvindo música, vendo série e pensando em enredos para os próximos livros.

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