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1ª.

Edição
2024
Copyright © Mari Sales

Todos os direitos reservados.


Criado no Brasil.

Edição Digital: Criativa TI


Esta é uma obra de ficção. Seu intuito é entreter as pessoas. Nomes, personagens,
lugares e acontecimentos descritos são produtos da imaginação da autora. Qualquer semelhança
com nomes, datas e acontecimentos reais é mera coincidência.

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qualquer parte dessa obra, através de quaisquer meios – tangíveis ou intangíveis – sem o
consentimento escrito da autora.

Criado no Brasil. A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na lei n°.
9.610/98 e punido pelo artigo 184 do Código Penal.
Sumário
Dedicatória
Sinopse
Prólogo
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32
Epílogo
Agradecimentos
Sobre a Autora
Outras Obras
Dedicatória
Para a querida leitora Regina Fabbris, seu apoio e indicações nas redes sociais fazem
a diferença na minha jornada literária.
Sinopse
Ismael Ferri foi criado com pulso de ferro pelo pai para ser o herdeiro dos negócios
lícitos e ilícitos que ele comandava. Arrogante e estrategista, os únicos que conseguiam ver além
da sua fachada grosseira eram os amigos Garanhões.
Até que Regina Alves entrou em seu caminho. Ela evitava os homens e queria ser livre.
Como punição por não aceitar o acordo de casamento por obrigação, Regina foi colocada junto
com cavalos de um leilão. Isso a levou diretamente para os braços do maior rival do seu
pretendente.
Foi duro para Ismael não ficar mexido com a garota desacordada e frágil no trailer,
quatorze anos mais jovem. Mais difícil ainda não abrir seu coração, quando ela parecia se
encaixar perfeitamente no seu mundo.
Por Regina, Ismael começaria uma guerra.

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Prólogo
Ismael Ferri
Anos antes...

Por mais empenho que eu tivesse, era impossível seguir todas as regras do meu pai. Eu
queria herdar o império, o poder e o respeito que todos tinham por Norival Ferri. Parte da minha
vida precisava ser escondida, como o gosto por filmes de super-heróis e a natação.
Se eu queria ser o próximo mandante de Riveraluz, teria que fazer tudo o que era
esperado de mim.
Por isso, quando minha amizade com Estevão, Thiago e Saul foi considerada
insignificante, a primeira coisa que pensei, era que sucumbiria. Não dava, eles eram os únicos
que me faziam sentir menos solitário. Com eles ao meu lado, minhas explosões de raiva tinham
diminuído e eu não precisava esfolar meus punhos no saco de areia.
Mesmo sendo adolescente, eu aprendi com o melhor a ser visionário. Meu pai era um
empresário que ampliava sua fortuna com lavagem de dinheiro, revertendo parte desse
rendimento em obras para a cidade. Creches, escolas, praças e hospitais, a maioria dos projetos
tinham o envolvimento da Ferri, a empresa do dele.
Conversei com os pais dos meus amigos e encontrei uma oportunidade de negócio. Saul
pretendia fazer veterinária, para expandir o rancho do pai e cuidar não só do cavalo dos outros,
mas os próprios. Tinha a intenção de comprar a fazenda do lado para criar áreas de treinamento,
o garoto era apaixonado pela vida no mato. Com isso, comprar e vender cavalos poderia ser um
canal para que mais dinheiro entrasse na Ferri.
Com Estevão foi mais fácil, o maior escritório de advocacia da cidade era da família
dele. Meu pai tinha assessoria jurídica, mas não uma que nos ajudaria a ampliar os negócios,
mantendo o dinheiro sujo, limpo. Com contatos em todas as esferas do Governo, uniríamos
forças.
A mãe de Thiago foi mais difícil de lidar. Jovem viúva e de pulso firme, ela assumiu o
posto duplo parental, além da Construtora Alencar-Sares. De uma família tradicional e criação
retrógrada, a negociação demorou alguns dias, até que finalmente cedesse a parceria com a Ferri.
Quando coloquei projetos sociais e festas de doações no contrato, ela finalmente cedeu.
Antes que meu pai pudesse reforçar que meus amigos não serviam para o meu futuro,
apresentei as parcerias e ganhei o direito de aproveitar minha adolescência com os únicos que eu
confiava. Se fosse analisar bem, eram eles que me aturavam.
Pavio curto, rabugento e sempre com uma piada maliciosa na ponta da língua, poucos
ficavam ao meu lado. As garotas só vinham atrás de mim, porque sabiam que eu beijava bem pra
caralho. Nenhuma permanecia o suficiente para conversar ou ouvir as besteiras que eu gostava
de jogar para fora.
Eu sabia que era um garoto fodido que sentia falta da mãe que o abandonou. A raiva
vinha de não saber seu paradeiro e do quanto meu pai não se importava com sua ausência. Cada
evento na escola que falava sobre aquela mulher, eu fervia ainda mais.
Tendo a garantia que eu não perderia meus amigos, eu aproveitei muitas festas, além de
promover outras, bem particulares e ousadas. Em uma delas, Saul apareceu com a caminhonete
de um dos peões do rancho para nos buscar, de madrugada. Enquanto ele dirigia, eu tomava um
gole de cerveja ao lado do galã, Thiago. Por estar sempre alinhado e falar bem, todas as meninas
queriam estar perto dele. Às vezes, ele nos escolhia e deixava para beijar na boca um outro dia.
— O que você acha que ele está aprontando? — meu amigo perguntou, pegando a
garrafa da Kroz Beer da minha mão e tomando um gole. — Se a polícia nos pegar...
— Greco & Advogados Associados resolve o problema. — Olhei por cima do ombro,
Saul dirigia e Estevão estava do lado. Não cabiam os quatro na cabine, por isso estávamos na
carroceria. — Deve ser algo sobre o leilão que o pai dele participou.
— Você é foda, cara. — Tomou mais um gole da bebida e me entregou a garrafa. —
Nunca achei que minha mãe fosse aceitar sua proposta. Não sei como eu pego mais garotas do
que você.
— Sou seletivo — esnobei e ele riu. — Nem todas têm o perfil de puta que eu sempre
quis beijar.
— Ah, claro. Esqueci que você não perde a chance de falar algumas merdas. — Deu um
soco leve na minha barriga e pegou a garrafa de volta. — Nem todas as mulheres são iguais.
— Quem te ouve falar assim, acha que você está pronto para aceitar o casamento dos
sonhos que sua mãe planejou.
— Nem me lembre — resmungou e peguei a cerveja, tomando um grande gole. — É só
uma fase. Eu não deveria ter contado sobre eu ter transado com Elisa, agora ela acha que fomos
feitos um para o outro.
— Nós somos seus amigos, não sua mãe — rebati, incomodado com a abertura de
diálogo que ele tinha com ela, algo que eu nunca teria, nem mesmo com meu pai.
— Eu sei, estou aprendendo. É um hábito antigo.
A caminhonete reduziu, inclinei minha cabeça para fora da carroceria e olhei para a
frente, a porteira estava próxima. Antes mesmo de parar, pulei com a garrafa na mão, corri até a
porteira e empurrei a madeira, sentindo o cheio de mato, bosta e ar do campo.
Não era meu local favorito, mas servia de refúgio, quando eu queria cansar o corpo e a
mente. Aos fins de semana, eu quase sempre estava por perto, ajudando os peões e participando
dos churrascos de noite.
Para me sacanear, Saul acelerou a caminhonete e me deixou para trás. Eu só não o
chamava de filho da puta, porque sua mãe era uma das poucas mulheres que eu respeitava.
Generosa e doce, ela sempre mandava biscoitos de nata pelo meu amigo, para mim. A sensação
de receber o presente era um misto de raiva e calmaria, uma estranha conseguia me atingir,
mesmo eu fazendo de tudo para que ela não gostasse de mim.
Sem pressa, tomei a cerveja, fechei a porteira e caminhei na direção dos estábulos, onde
a caminhonete tinha parado. Eu ainda não sabia montar direito, andar a cavalo era para quem
tinha dinheiro e, no momento, meu pai era o dono de Riveraluz, não eu.
O vento soprou, um pouco da maresia tocou minha pele e fechei os olhos por alguns
passos. Por mais que não gostasse de nadar no mar, ele me trazia uma paz diferenciada. Aquela
calmaria fazia com que meus objetivos ficassem claros, meu coração desacelerasse e a sensação,
que tudo ficaria bem, me enchesse de esperança.
Assim que coloquei meu pé dentro da parte coberta das baias, música baixa e risos me
conduziram até a parte final. Segui lentamente, encarando os cavalos presos e pensando que,
pelo menos, eu tinha parte da minha liberdade, enquanto eles só podiam fazer o que lhe
impunham.

“Porque tudo que eu queria era um lugar para chamar de meu lar
Para abrigar-me quando estou lá e sentir minha falta quando eu me for
Tudo o que eu queria era um lugar para chamar de meu
Onde as estrelas podem dançar e o sol ainda brilhar e as tempestades sentem-se livres
para vaguear”
Shinedown – All I Ever Wanted

Uma grande placa de madeira talhada “Escritório dos Garanhões” me chamou atenção e
parei, para admirá-la.
Um sorriso suave surgiu e Estevão se aproximou pulando, colocando um braço no meu
pescoço, animado.
— É nosso, irmão. — Apontou para o lado, quatro bancos rústicos de madeira e couro
estavam alinhados. Dois deles estavam ocupados por Saul e Thiago, pareciam reis. — O pai de
Saul mandou fazer para termos nosso espaço. — Indicou o outro lado, com uma televisão,
geladeira com bebidas e uma pia. — Em breve, vai fazer uma churrasqueira, fechar no vidro e
abrir uma porta do outro lado.
— Seja bonzinho e não assuste as meninas, Galego. — Thiago se levantou e tirou a
garrafa vazia da minha mão. — No próximo fim de semana, teremos a primeira reunião dos
garanhões e quero me dar bem no fim dela.
— Precisamos de uma pauta. — Saul também ficou de pé, abriu a geladeira e tirou
quatro longnecks, distribuindo-as para brindarmos, os reis garanhões daquele estábulo. — As
primeiras de muitas.
— As primeiras de muitas!
Capítulo 1
Ismael Ferri
Com o braço apoiado no encosto central entre os bancos, observei a estrada e as
fazendas ao redor, como se fosse a primeira vez. Estando no banco de passageiro, era possível
esquecer a preocupação com buracos ou pedras, eu poderia admirar a beleza da área rural.
Tanto tempo se passou desde aquele dia, que Saul apresentou o nosso canto especial, o
famoso Escritório dos Garanhões. Fizemos tantas festas e atormentamos alguns cavalos no
processo, todos queriam participar das nossas reuniões. O pequeno espaço logo virou um
ambiente maior, climatizado e tecnológico, era o nosso refúgio.
Depois da faculdade e com a dedicação ao trabalho, diminuímos o tempo disperso e
ocioso. Mesmo Saul, que morava naquele lugar, era o que menos aparecia, por conta das
incansáveis horas com a reprodução animal. Se os leilões davam muito dinheiro para a sua
família, o que ele fazia dava mais ainda.
Sendo os mais ricos da cidade e mandantes de quase tudo o que acontecia em Riveraluz,
estávamos confortáveis. Assumi a Ferri há dois anos, quando meu pai teve um infarto e precisou
diminuir o ritmo. Finalmente, ele aceitou que eu conduzisse e confiou na educação que me deu.
Sempre fiz o que ele esperava de mim e deixava escondida a parte que não lhe agradava.
Peguei o celular, conferi as mensagens e deixei uma no nosso grupo. Era madrugada e
assim que alguém acordasse, responderia.

Ismael>> Cheguei do leilão. Vou guardar os cavalos e dormir pelo rancho. Vamos
queimar uma carne no Escritório amanhã?
Thiago>> Sem chance, tenho um almoço marcado. Pode ser semana que vem.
Saul>> Não rola pra mim, mas pode usar o espaço, Galego. O Escritório é seu
também.
Ismael>> O que fazem acordados de madrugada?
Thiago>> Sexo.
Saul>> Estou de olho em uma égua com cólica. Até resolver, não posso sair daqui.
Ismael>> Estrela de novo?
Saul>> Sim. É muito perigoso, pode até matar. Mas eu apareço para comer uma
picanha no meio da tarde, chame Estevão.
Thiago>> Nem adianta falar com o Puto, ele ainda está viajando.

Deixei as mensagens de lado e tirei o cinto de segurança, a porteira estava próxima. Se


eu não me antecipasse no movimento, sabia que o peão que dirigia iria fazer antes de mim.
Por mais que eu estivesse de terno, sapato lustrado e tivesse uma aparência de riquinho
mimado, eu fui criado nos dois mundos, sabia lidar com sujeira e trabalho braçal.
— Eu abro — falei, colocando minha mão na maçaneta da porta.
Assim que o carro parou, saí e empurrei a madeira, era a mesma de anos atrás. Era
possível trocar por uma mais moderna e automática, mas seu Jerônimo e dona Nancy eram
tradicionais demais, deixavam a tecnologia para o nosso escritório.
Observei o automóvel puxando um grande trailer passar e fechei a porteira. O mais
adequado seria usar uma caminhonete, mas eu era teimoso e queria uma desculpa para trocar de
carro todo ano, por conta do esforço que eles faziam ao puxar os cavalos dos leilões.
Naquele dia, foram quatro garanhões. O dinheiro da compra vinha atrelado a um
esquema ilícito, para executar parte do projeto que envolvia o hospital do câncer. Sujava as
mãos, para proporcionar apoio à população e, assim, ter o respeito deles. Dona Márcia, mãe de
Thiago, estava em polvorosa para iniciar o projeto, tendo sua construtora como chefe de
operações.
Voltei para dentro do carro, o peão andou devagar até chegar na entrada do estábulo.
— Estarei no Escritório. Avise quando terminar. — Acenei e caminhei para dentro, o
cheiro forte de cavalo e umidade não me incomodou. De certa forma, era o sinal que eu estava
livre de ser o homem que meu pai esperava.
Cheguei na porta de vidro, abri o Escritório e acendi as luzes. Peguei o controle da
televisão, buscando um dos filmes proibidos e deixei passando, eu já tinha visto Homem de
Ferro, da Marvel, incontáveis vezes.
Abri a geladeira, ia pegar uma Kroz Beer para tomar antes de dormir e passos rápidos se
aproximaram. Devolvi a garrafa e virei para a porta que estava aberta, era o peão.
— Senhor! Caralho, vem aqui, senhor! — Seu olhar apavorado acionou todos os alertas
contra inimigos que eu tinha.
Com a vinda dos Servantes para Riveraluz, era impossível andar desarmado ou relaxado
pela cidade, porque eles queriam atrapalhar nossa vida. Ou melhor, estavam dispostos a
conquistar nossa cidade, em vez de ficarem quietos em Camonelis.
Tirei minha Glock do coldre de cintura, posicionei a arma apontada para baixo e corri
sorrateiro atrás do peão. Ele acenava para algo no fundo do trailer, olhei para dentro e congelei,
tinha um corpo, encolhido em posição fetal, entre o feno da lateral mais afastada da porta.
— O que é isso? — perguntei, apenas para confirmar.
— Eu... eu acho que é alguém morto — ele gaguejou. Gomes era um bom funcionário,
meu e de Saul, mas de coração mole. Ele lidava melhor com os animais do que com gente.
Guardei minha pistola, entrei no ambiente com cheiro forte de bosta e identifiquei o
cabelo comprido. Puta que pariu, havia o corpo de uma mulher em meio aos meus cavalos.
Servantes foi meu primeiro pensamento, aqueles filhos da puta queriam nos dar trabalho, para
desviar nossa atenção.
O delegado Tibúrcio iria me encher o saco por ter mais esse trabalho a ser encoberto.
Ele era um dos que faziam vista grossa, porque contribuíamos para a ordem, mas sua paciência
estava acabando.
Quando estava bem próximo, coloquei um joelho no chão e apoiei meu antebraço nele.
Com a mão livre, afastei o cabelo e encontrei um rosto pálido, frio e com alguns roxos ao redor
do olho. Caralho, ela não deveria ter mais do que vinte anos, alguém estava querendo sumir com
uma mulher e feminicídio era a última coisa que eu queria no meu currículo.
Por mais que ainda tivesse minhas questões e desordens com as mulheres, eu tinha
amadurecido o suficiente para aceitar o irremediável. Eu não tinha mãe, não teria esposa ou
filhas, mas poderia colecionar fodas.
Toquei o pescoço da jovem, observando o contorno do seu nariz e a delicadeza dos seus
lábios. Tinha um corte no canto, o desgraçado que tocou nela estava disposto a ceifar sua vida.
Agredir o mais fraco era um limite que eu não ultrapassava, ela não parecia ter força o suficiente
para reagir à agressão.
Senti a pulsação e um pouco de calor na sua pele, ela precisava de cuidados antes de
saber quem era ou o que eu faria, para não respingar na Ferri.
Sacudi levemente o ombro dela, mas não houve reação. Virei seu corpo para ficar de
barriga para cima e identifiquei o uniforme da equipe do leilão. Um segundo depois, a imagem
dela sorridente, acompanhando um dos cavalos que eu arrematei, veio à minha mente. Ela não
estava machucada naquele momento, muito menos parecia incomodada com o trabalho, pelo
contrário, recordava que o brilho em seus olhos tinha me chamado atenção.
Descartei a análise, porque eu não me encantava pelas mulheres, apenas os negócios.
Pelo visto, o destino queria que eu a encarasse um pouco mais.
— Tá vivo? — o peão perguntou, ainda assustado.
— Acho que sim. — Coloquei meu antebraço debaixo do pescoço dela, o outro braço
nas suas pernas e nos levantei. Ela estava mole, pesada e embrulhou meu estômago ver a
extensão dos machucados na face. Virei-me e Gomes recuou, assombrado. — Desengate o
trailer, busque Adriana ou qualquer outra enfermeira que ela indique para cuidar dela.
— Jesus, é uma menina — sussurrou quando passei por ele.
— Sim.
— Quem será que fez isso?
— Traga Adriana, Gomes — ordenei, seco e o homem finalmente se movimentou.
Ajeitei a mulher nos meus braços enquanto caminhava até a casa principal do rancho.
Eu tinha um quarto disponível, que raramente usava, por me ajeitar em qualquer canto do
Escritório dos Garanhões. Com acesso pela área lateral, tive sorte da porta não estar trancada.
Coloquei-a no colchão de casal, sem me importar com o quanto ela iria sujar a roupa de
cama de dona Nancy. Se fosse um homem, talvez eu o jogasse debaixo da ducha gelada, porque
aquele apagão deveria ter vindo com o excesso de bebida alcóolica.
Mirei seu rosto novamente, por mais tempo que o necessário. Não me lembrava se em
algum momento vi uma mulher tão fragilizada e inocente. Afastei os fios que estavam colados na
sua testa, por conta de um arranhado e me aprumei, longe dela.
A raiva que eu tinha dentro de mim estava controlada, ou pelo menos deveria, mas vê-la
mexeu comigo de um jeito completamente diferente. Eu tinha comprado cavalos, mas alguém
decidiu que dentro do pacote vinha de brinde uma mulher.
Capítulo 2
Ismael Ferri
Eu não sabia explicar o motivo de ter encharcado a toalha de rosto do banheiro,
molhado e limpado o rosto dela. Tirei a bota, deixando-a com o vestido até os joelhos bem
alinhado ao corpo. Não tinha hematomas onde eu consegui enxergar, mas em um dos braços,
parecia que tinha sido picada por algo, talvez uma agulha com sedação.
A aparência dela tinha melhorado com o pouco que limpei, o que achei que era roxo, na
verdade, tinha mais de sujeira do que agressão. Mas o machucado nos lábios ainda brilhava
vermelho, fervilhando meu sangue, para punir o idiota que tinha encostado um dedo nela.
Convenci-me que aquele sentimento tinha a ver com proteger a empresa e a cidade, não
um interesse próprio, movido por uma emoção que nunca senti.
A luz do quarto foi acesa, olhei na direção da porta, a enfermeira Adriana tinha chegado,
com sua roupa habitual de hospital.
— Acabei de sair do meu plantão. Oi, Ismael. — Gentil e sorridente, ela se aproximou
com uma maleta e revelou Gomes atrás. Dispensei-o com o olhar e dei espaço para que ela
atendesse a desconhecida. — Meu Deus, o que aconteceu aqui?
— Espero descobrir quando ela acordar. — Larguei a toalha em cima da pia do banheiro
e apoiei meu ombro no portal, que ficava aos pés da cama. Daquele ponto, eu tinha uma visão
privilegiada do atendimento improvisado. — Desculpe por incomodar, dona Adriana.
— Foi providencial, faz tempo que não vejo minha filha. Ela só pensa em trabalhar e
nesses bichos. — Ela sorriu, mas logo ficou séria, olhando para a paciente. — Conte-me o que
você sabe.
— Eu ainda não...
— Ismael, não sou da polícia e já curei mais feridas de você e seus amigos do que posso
imaginar. Tive apenas uma filha, mas cuido de todos que vêm até a mim como se fossem irmãos
dela. — Exalou com força, pausando meu discurso evasivo. — Se pediu minha ajuda, é porque
confia em mim.
— Tudo bem, dona Adriana. Só não queria te envolver com minhas coisas.
— Deveria ter pensado nisso muitos anos atrás. — Tirou o aparelho de pressão da
maleta e ajeitou-o no braço dela. — O pulso dela está bem fraco. Sabe se ingeriu algo?
— Talvez injetável, no outro braço. — Apontei, tomando fôlego para contar o que eu
sabia enquanto ela conferia minha informação. — Estava em um leilão, trouxe os cavalos que
comprei e ela estava junto no trailer.
— Que perigo! Será que algum animal pisou nela?
— Só se for na parte coberta. O machucado na sua boca tem muito de punho. — Cruzei
os braços, escondendo minha indignação e vontade de socar algo.
— Sim, isso parece uma lesão causada por músculo tensionado enquanto aplicam a
injeção. — Ela ficou em silêncio e terminou de aferir a pressão. — Nove por seis, eu acho
melhor levá-la para o pronto atendimento, Ismael. Fazer um exame de imagem, de sangue...
— E dizer o quê? — Ergui a sobrancelha, na minha voz, tinha um traço de chateação. —
Delegado Tibúrcio está de saco cheio dos rolos que surgiram nos últimos dias. Mais essa,
agressão contra mulher, ele não ficará calado.
— Ela está sem uma bolsa ou carteira. — Conferiu o corpo dela, sem expor nada.
Colocou um clipe na ponta do dedo e observou o pequeno visor que aparecia. — Pelo menos, a
saturação está boa. Pode ser apenas um sono profundo, ou uma concussão. Não consigo saber
apenas de olhar, mas minha experiência diz que ela tem algo. Você sabe há quanto tempo a moça
está desacordada?
— Duas horas de viagem da fazenda próximo a Camonelis.
— Eu ouvi falar sobre a rivalidade dos Ferri com Servantes. — Sua preocupação não
mudou minha postura. — Não é mais uma briga de faculdade, Ismael. Pessoas inocentes podem
se machucar.
— Apenas quem entrar no caminho. — Engoli em seco, observando a moça
desacordada. — Tem mais alguma coisa que você possa fazer?
— Esperar. — Guardou suas coisas dentro da maleta e ficou na minha frente. — Ela
está suja e sei que limpou o rosto, mas não a toque novamente até que acorde. A percepção de
pacientes desacordados é diferente, qualquer movimento pode ser processado em seu cérebro
como um ato invasivo, ainda mais com ela nessas condições.
— Tudo bem. — Acenei com a cabeça, ela tocou meu antebraço enroscado no outro, na
minha frente.
— Você precisa dormir. Se cuide, para conseguir ajudar essa pobre menina. Algo me
diz que ela não deveria estar aqui e as pessoas que a querem, vão exigi-la de volta.
— Eu fiz uma compra, ela veio no pacote. — Sorri, brincalhão e ela revirou os olhos,
percebendo minha piada fora de hora. — Dona Adriana, obrigado. Quanto foi?
— Não precisa me pagar, se me oferecer uma carona de volta para casa, quando
amanhecer. — Deu um beijo no meu rosto e se afastou, apagando a luz ao chegar na porta.
— Eu faria isso mesmo te pagando.
— Qualquer coisa, estarei com Éve. Boa noite.
Tirei meu paletó, a gravata, o cinto, os sapatos e usei o banheiro, aquela madrugada
seria longa. Pendurei tudo no suporte ao lado da porta, puxei algumas almofadas do guarda-
roupa e joguei-as no chão, ao lado da cabeceira da cama.
Peguei o celular e voltei para as mensagens, ninguém mais tinha se pronunciado. Sentei-
me no chão, apoiando minhas costas naquele amontoado macio e fiz uma pequena busca nas
redes sociais do leilão que participei, de pessoas que eu vi que estavam no local e tentei achar
algo que indicasse a presença da mulher desacordada.
Apoiei meu braço dobrado em cima do colchão, ao lado dela e meu olhar tinha
dificuldade de desviar a atenção. Daquela vez, reparei na sobrancelha, na pele e as bochechas.
Mesmo com a luz apagada, a iluminação do lado de fora da casa clareava o suficiente para que
eu a observasse com mais intensidade.
Ia esticar o braço, para tocar seu cabelo e lembrei-me da orientação de Adriana. Nunca
tocaria indevidamente uma mulher, mais ainda naquele estado. Eu só queria garantir sua
segurança e que estivesse viva, para que voltasse de onde nunca deveria ter saído.
Não me envolvia com o tráfico de pessoas, mas sabia que existia e como funcionava. A
enfermeira tinha razão, aquilo parecia muito um equívoco e eu recebi o brinde errado. Eu não era
o único que participava dos leilões para encobertar algo ou vincular a outro projeto. Estava difícil
acreditar que a própria funcionária do lugar tinha sofrido as consequências.
Voltei à minha pesquisa nas redes sociais, daquela vez, com o braço recolhido para não
a tocar. Naveguei de uma pessoa para outra, através de marcações e uma delas, encontrei uma
foto antiga da participante do leilão com Heitor Servantes. Não havia maiores detalhes, mas pela
proximidade dele com a mulher que eu estava analisando, com certeza ele tinha algum
envolvimento mais profundo.
Merda, se eles estavam envolvidos com aquilo, teríamos grandes problemas. Não só
com minha raiva querendo se transformar em vingança, mas também para colocar aqueles
arrogantes idiotas nos lugares deles.
Em Riveraluz, quem mandava eram os Ferri e seus associados. Nenhum outro faria mais
ou melhor do que nós, que continuassem em Camonelis ou iríamos incomodá-los em suas casas
também.
Sabendo que teríamos que lidar com alguma burocracia jurídica, busquei o contato do
Puto e liguei, não me importando com o horário impróprio. Ele saberia que era urgente e a gente
sempre se apoiava.
— Merda, Galego. Qual o problema? — resmungou, sonolento.
— Acabei de voltar de um leilão com três cavalos e uma mulher inconsciente — falei
brando, sabendo que não acordaria a desconhecida.
— O quê? — Despertou, para meu apreço em resolver o assunto rapidamente. — Você
comprou uma mulher?
— Não, mas de qualquer forma que eu explique a situação, vai parecer que sim. Você
está viajando?
— Sim, mas pelo visto, vou ter que voltar mais cedo.
— Por favor. É o tempo dela acordar e eu saber mais informações sobre o que está
acontecendo. Mas...
— Tem dedo dos Servantes — murmurou, sinistro.
— Bem provável.
— Você está no rancho?
— Sim, eu te espero aqui.
— Avise todos, precisamos estar unidos. A guerra começou, irmão.
— Espero que não — rebati, sem força e ouvi o sinal da chamada encerrada.
Eu realmente desejava que não tivesse que lidar com um rival de verdade. Havia muita
raiva guardada e, com um motivo daquele, eu estava pronto para deixar que ela transbordasse.
Capítulo 3
Ismael Ferri
Ouvi um gemido, bem longe, quase inalcançável. Demorei para perceber que estava
dormindo, mas quando despertei, levantei-me do chão apressadamente e coloquei a mão na
minha pistola, que estava na cintura.
O quarto estava mais iluminado, tinha amanhecido e as frestas da janela brilhavam.
Virei-me para a cama, a mulher se remexia no colchão, o vestido tinha se embolado no corpo e
revelava mais do que eu gostaria de estar olhando.
Virou-se de lado ainda gemendo, a calcinha de renda preta, enfiada na bunda, parecia
uma fotografia tatuada na minha mente. Precisei de alguns segundos para congelar o sangue nas
minhas veias e me aproximar, colocando um joelho no colchão e me inclinando para conferir
seus sinais.
Meu corpo fez uma sombra no seu rosto, os olhos se abriram, arregalados e as mãos
abertas me estapearam.
— Não! Para, me solta! — berrou, conseguindo arranhar minha bochecha. Recuei para
próximo da porta, abri uma fresta e esperei que ela se acalmasse, ao perceber que não era uma
prisioneira.
Ela se sentou na cama e recuou, empurrando a colcha com os pés e me encarando
assombrada. Abraçou as pernas dobradas contra o corpo, como um bicho do mato que tinha sido
tirado do seu habitat natural. A respiração estava acelerada e os olhos bem abertos externavam
seu desequilíbrio.
Preparei-me para vê-la sair correndo do quarto. Pelo menos, ela tinha recuperado as
forças e não era mais uma mulher indefesa e subjugada, sem poder se defender.
Toquei meu rosto onde ardia, olhei para os meus dedos e sorri, ardiloso, encarando a
onça brava. Mudei minha postura alerta para relaxada, empurrei a porta para se abrir por
completo e fiz um movimento de mão, convidando-a para sair.
Aguardei. Se possível, ela se arrastou ainda mais para trás, colada na parede, indicando
que não iria passar por mim, estava mais para amedrontada que agressiva.
Guardei a arma, cruzei os braços na minha frente e inclinei a cabeça, ficando sério e
começando o assunto que me desagradava.
— Quem é você? — perguntei, seco.
— O que você fez comigo? — Olhou para os lados. — Onde estou?
— Primeiro as damas. — Soltei meus braços e dei um passo para a frente, ela se
levantou, desequilibrou e caiu no colchão, depois rolou e foi para o chão. — Merda, se acalme,
mulher!
— Não toque em mim! — berrou, indo para o banheiro e fechando a porta com força.
Não tinha trava e nem forçaria a entrada, que ela se acalmasse para termos uma conversa
civilizada.
— Ismael? É você? — a voz de dona Nancy chegou e saí do quarto, apoiando minhas
mãos no beiral de dentro. Ela parou na minha frente com uma bandeja nas mãos, tinha café e
biscoitos de nata. — Eu vi seu carro perto do estábulo, achei que estaria com fome.
— Bom dia. — Peguei a bandeja com uma das mãos e fiquei no mesmo lugar. —
Obrigado.
— Ouvi uma voz. — Ela tentou olhar por cima do meu ombro e forcei o sorriso. — Está
tudo bem?
— Mais ou menos. Saul apareceu ou ainda está cuidando da Estrela?
— Voltou e já foi, esse menino vai ficar doente se não dormir direito. — Apontou o
dedo para mim. — Você também.
— Eu estava dormindo até alguns minutos atrás — tentei me defender com sarcasmo,
ela recuou um passo.
— Se precisar de mais para a sua companhia, tem na cozinha. — Ela acenou, olhando
além de mim e me virei, a desconhecida estava parada na porta, descabelada, mas inteira. — Olá,
eu sou Nancy. Muito prazer.
— Regina — murmurou, também acenando, no automático. Ao perceber que estava
interagindo com quem ela deveria achar que era o inimigo, aprumou-se e voltou para dentro do
banheiro.
— Ela parece machucada — sussurrou. — Dona Adriana está na Éve, se precisar de
algo.
— Passou por aqui antes de ir até ela. — Entrei no quarto e implorei com o olhar para a
mãe do meu amigo se afastar. Ainda bem que ela entendia todos os sinais que eu passava, porque
sorriu e andou para longe. — Obrigado!
Encostei a porta, deixei a bandeja em cima da cama e tentei arrumar a colcha. Sem
sucesso, puxei tudo e empurrei para o canto, também recolhi os travesseiros que estavam no chão
e os juntei no mesmo lugar que ela tinha se refugiado.
— Eu não vou te machucar, moça — soei alto e severo, perdendo a paciência de lidar
com aquela situação. — Tem café e biscoito de nata, se estiver com fome.
— Quem é você? — Ela abriu a porta e, novamente, não me deu nenhuma informação,
exigiu.
— Aquele que te comprou. — Estava irritado e me virei em sua direção. — Sua vez de
compartilhar algo, Regina.
— Eu não estou à venda.
— Mas foi colocada dentro do trailer com os cavalos que levei do leilão que você
estava. Quem você incomodou ou o que te fez virar um alvo de alguém tão perverso?
— Era meu primeiro emprego. — Tampou o rosto com as mãos e gemeu. — Eu só
queria viver a minha vida.
— O que isso quer dizer? — Cruzei os braços e ela me encarou, com os olhos cheios de
lágrimas. Em vez de se lamentar, o ódio cresceu e me reconheci em sua postura ofensiva. — Não
adianta descontar em mim.
— Quero voltar para a minha casa.
— Antes, preciso que você me conte o que aconteceu.
— Eu não sei! — Jogou os braços para o ar e fez uma careta. Cambaleou e, por reflexo,
segurei em seu braço, para que não caísse. Ela estava mais quente e minha palma formigava em
contato com sua pele.
Regina deveria ter sentido a mesma coisa que eu, porque respirou fundo, encarou nossa
conexão e depois meu rosto. Observá-la de olhos abertos era muito mais prazeroso do que de
olhos fechados, indefesa.
Quem era ela? Será que já a tinha visto em outro lugar que não fosse no leilão?
— Sinto muito — sussurrou.
— O que disse? — Pisquei os olhos, aturdido. Soltei-a e dei passos para trás, porque
ninguém se desculpava comigo de verdade, apenas por obrigação.
— Seu rosto, eu te machuquei.
— Você deve ter achado que eu era a mesma pessoa que te nocauteou. Era um homem?
— Aprovei sua abertura para buscar mais informações.
— Não lembro. — Sentou-se na cama e olhou para a bandeja próxima.
— Quem poderia querer te vender? — Peguei um dos biscoitos e ofereci outro para ela,
que segurou, mas não comeu. Coloquei um na boca e mastiguei, esperando sua resposta. — De
onde você vem?
— Acabei de entrar na faculdade, em Camonelis. Fujo dos problemas, mas eles parecem
colar em mim, como chiclete. — Ela, finalmente, comeu um dos biscoitos e fechou os olhos,
apreciando com um gemido baixinho. Não sabia de onde tinha vindo aquela excitação, controlei
meu corpo de reagir como um adolescente. — Você é uma pessoa boa?
— Não — respondi, sincero. — Isso não quer dizer que não iria te ajudar.
— Mas eu sou! — Colocou a mão no peito, novamente emocionada, mas permeada de
raiva. — Lutei para ir contra a natureza da minha mãe, que só pensa em dinheiro, luxo e vida
social. Eu quero ser diferente!
— Você acha que ela mandou fazer isso com você?
— Barbara Alves é ardilosa, espero que ela não tenha colocado a vida da própria filha
em risco. — Suspirou, pegando outro biscoito. Eu já tinha ouvido aquele nome, mas não estava
me recordando de onde. — Será que valho tão pouco?
— Se o preço que paguei pelos garanhões incluía você, então sim, você vale muito —
tentei soar engraçado, mas teve efeito contrário. — Quem é seu pai?
— Um vagabundo qualquer que não tem dinheiro suficiente para agradar à minha mãe.
— Levantou-se, ajeitando a barra do vestido e olhando para os pés. — Posso ir embora?
— Se quiser arriscar, eu providencio uma carona até sua cidade. — Peguei a caneca de
café e entreguei a ela, que aceitou sem desconfiança, como o biscoito. — Mas se tudo o que me
disse é verdade e entendi nas entrelinhas o que está tentando me esconder, sua vida pode estar
correndo perigo. Então, quanto mais informações você tiver para me dar, melhor vou conseguir
te ajudar.
— E o que você ganha fazendo tudo isso?
— É sempre bom ter alguém de Camonelis devendo um favor para os Ferri.
Reconhecimento passou pelo seu semblante e, finalmente, descobri algo que importava.
Ela sabia quem era minha família e o poder que tinha. Precisava saber se jogava contra mim ou
fazia parte dos que não se envolviam.
Capítulo 4
Regina Alves
Finalmente lembrei o motivo daquele rosto ser tão familiar. Ele era Ismael Ferri, um dos
baderneiros adorados por todos da cidade. Rico e arrogante, a fama dele era forte na escola,
mesmo tendo se formado há tanto tempo.
Ninguém mexia com os garanhões de Riveraluz. Na primeira oportunidade que eu tive
de sair daquela cidade, fui morar em uma pensão ao lado da universidade de Camonelis. Seria
um caminho lindo e solitário, se minha mãe acreditasse que eu tinha fugido dela e de seus planos
de um casamento arranjado.
Dona Barbara Alves fantasiou que eu tinha ido para a cidade vizinha, para estar mais
próxima do meu prometido. Na verdade, eu nem sabia quem era ou onde morava, assim que
minha mãe comentou que tinha arranjado o partido perfeito para mim, fiz minhas malas e fui
embora.
Consegui um emprego, fugi das ligações maternas e estava frequentando a primeira
semana de faculdade. Estava tudo perfeito, o primeiro evento que eu iria participar no leilão me
renderia um bom dinheiro extra. Então, o idiota que minha mãe fez acordo estava lá,
reivindicando posse sobre a minha pessoa. Eu era apenas minha, não economizei nas palavras de
desprezo e ganhei um apagão, não lembrava como eu tinha ganhado o machucado nos lábios, a
dor e a sujeira no meu corpo.
Queria odiar minha mãe e ter forças para jogar minha raiva na sua cara, mas eu só
conseguia pensar no idiota do meu pai, que a abandonou comigo recém-nascida. Ela tinha seus
motivos e dentro de mim havia uma grande vontade de retribuir aquele esforço. Sabia, inclusive,
que ela precisou se prostituir, para pagar o colégio caro que frequentei.
Carregava um peso que aquele mauricinho arrogante não deveria imaginar como era.
Nenhum homem entenderia, afinal, não tinha a obrigação de assumir um filho.
Mas eu não poderia negar seu olhar intenso, beleza rústica e perigosa. O ar de desafio,
me convidando a debater cada fala, era quase irresistível. Se eu não me sentisse tão vulnerável e
assustada, eu não baixaria a guarda como naquele momento.
Tinha que voltar para casa e achar outro lugar para morar. Para isso, teria que garantir
minha integridade física, já que a psicológica não estava bem há muito tempo.
— Dever um favor? — perguntei, a garganta seca implorava por água, mas teria que
servir o café que ele me ofereceu. Parecia um homem agradável e educado, mas eu não
subestimaria aquele tipo novamente. — Se eu estiver te atrapalhando, é só me deixar ir embora.
— Tchau. — Estendeu o braço em direção à porta encostada, desafiando-me a dar meu
grito de independência. Babaca, eu nem sabia onde eu estava. — Mudou de ideia?
— Fácil me mandar embora, eu nem sei onde estou ou como vou voltar para casa. —
Tomei um pouco de café e suspirei, o sabor era maravilhoso.
— O que você lembra do leilão? — Ele se sentou na cama e puxou os sapatos para
calçar. — Algum namorado ou...
— Nada! — rosnei, porque não sabia quem realmente era o figurão, apenas que tinha
feito um acordo com a minha mãe.
— Você prefere manter os problemas com você, tudo bem. — Levantou-se e abriu a
calça, despudorado. Ajeitou a camisa para dentro, erguendo a sobrancelha por conta da minha
reação. — Estamos no Rancho Três Conte, em Riveraluz. Se você estiver se sentindo bem, posso
te levar para a rodoviária ou a casa de alguém.
— Vai... — Perdi a fala, a sensação de abandono pesava no meu peito como uma
bigorna de desenho. Meus olhos se encheram de lágrimas, a raiva tinha se transformado em
desespero. Pensei na minha mãe, no abraço dela, mas também nas promessas feitas a um homem
com quem eu não queria me casar.
Ismael soltou o ar com força, veio na minha direção e achei que me daria conforto, mas
desviou a direção para atrás de mim, pegou a gravata, o paletó e voltou para a bandeja na cama.
— Quer ficar? — questionou, em dúvida.
Eu não queria nada além do que voltar no tempo e mudar a forma que conversei com o
idiota que deveria ter me despachado, como uma lição. Aquela senhora que vi mais cedo, tão
simpática e acolhedora, poderia me dar um pouco de segurança em vez desse insensível.
— Eu... posso falar com a moça que veio mais cedo?
— Nancy? — Ele abriu a porta do quarto, realmente me dispensando, como se eu não
fosse uma mulher machucada e sensível. — Preferia não envolver ninguém, Regina. Enquanto
você esconder o que sabe, vou me resguardar para não prejudicar aqueles com quem me importo.
Deus, por que o senso de proteção daquele homem me atraía tanto? Sabia do quanto ele
era perigoso, que se comportava como o dono da cidade, mas sua forma de agir, mesmo contra
mim, me fez querer estar na lista de pessoas por quem ele tinha estima.
— Vamos fazer o seguinte? — Deu passos largos até mim, segurou meu rosto com as
mãos e queimou minhas bochechas de um jeito que nenhum outro fez. Ismael deve ter percebido
o ato íntimo, hesitou, mas não se mexeu, continuou me hipnotizando com seus olhos claros e
feições rígidas. — Tome um banho, descanse e coma os biscoitos. Daqui a algumas horas eu
volto com o almoço e podemos ter um papo reto, sem meias palavras. Se quiser minha ajuda, terá
que falar comigo.
— Mas vou dever um favor — rebati, no automático. Eu não suportava carregar mais
um peso.
— Se não pagar o preço, minha ajuda não terá valor e o que vier depois poderá ser fatal.
— Soltou-me, exalando com força e saindo do quarto. — Não é uma prisioneira, mas se sair,
esteja ciente das consequências. — Olhou-me por cima do ombro. — Eu protejo todos que
moram aqui.
Ele se foi, eu andei até a porta e o observei caminhar até um automóvel. Entrou,
demorou para dar partida e sabia que estava me encarando tanto quanto eu estava fazendo.
Qual era a história por trás da reputação de Ismael Ferri?
Tomei mais um gole de café, toquei minha bochecha e o carro se foi. Percebi, ao ver o
automóvel levantando poeira ao longe, que eu tinha dado algo desconhecido para ele e nem
percebi. Confiança? Esperança?
Que não fosse minha dignidade, porque essa, eu acreditava ter perdido antes de ser
agredida.
Fechei a porta e acendi a luz, o jeito era me dar um momento para refletir os últimos
acontecimentos. Terminei de beber, comi todos os biscoitos de nata e fiz como ele orientou,
tomei banho e lavei qualquer vestígio do que eu passei. O cheiro do sabonete e o xampu
proporcionava aconchego, nunca imaginei que um aroma poderia ser tão poderoso.
Enrolada na toalha bege e surrada, fui até o guarda-roupa e encontrei camisas xadrez,
jeans surrados, cuecas boxers e shorts. Olhei para a roupa empilhada no chão do banheiro e para
o que estava disponível e me rendi ao diferente.
Coloquei uma calça jeans, envolvi-a com o cinto gigantesco e amarrei a camisa xadrez
na cintura. Aquela tinha sido a roupa mais feia que experimentei, mas a mais confortável. Dobrei
a barra da calça, recolhi o amontoado em cima da cama e equilibrei a bandeja na outra. Por mais
que não quisesse envolver aquelas pessoas no meu problema – que não achava que era tão
grande –, arranjaria uma desculpa para, pelo menos, ter um pouco mais de acolhimento.
Saí do quarto e dei a volta na casa pela área, era uma enorme construção térrea. Segui na
direção que eu achava ser o fundo, onde teria a área de serviço ou a cozinha.
Seguindo o contorno, encontrei dona Nancy com outra mulher, dialogando com alegria.
Assim que me viu, veio apressada em minha direção, recolhendo a coberta e lençóis.
— Pode deixar, Regina. — Sorrindo, ela convidou com a cabeça. — Como você está?
— Bem. Obrigada pelo café, não queria incomodar.
— Imagina. Se é convidada de Ismael, é nossa também. — Ela passou pela outra
senhora, que me encarava atenta.
— Que bom que está de pé. Sou Adriana, enfermeira, eu te examinei assim que chegou.
— Ah! — Fiquei sem jeito, porque isso indicava que Ismael estava preocupado com
minha integridade física, além de saber a minha versão da história.
— Posso conferir seus sinais vitais? — Ela indicou uma direção e fiquei sem saber o
que fazer. — Ou apenas conversar. — Sorriu, carinhosa. — Está tudo bem recusar e se preservar,
também.
— Vou poder comer mais biscoitos de nata?
— Com certeza.
Ela colocou a mão nas minhas costas e me conduziu até uma porta, era uma grande
cozinha rústica cheirosa que encheu minha boca de saliva. Dona Nancy apareceu e tirou a
bandeja da minha mão, animada.
Não sabia dizer se era o momento ou o clima daquele lugar, mas as duas conseguiram
me fazer sentir parte de algo como nunca aconteceu comigo. Aquele, sim era um lar.
Capítulo 5
Ismael Ferri
Para lidar com toda aquela situação, eu precisava de mais algumas horas de sono. Não
tinha sido a primeira vez que eu dormia pouco e em um local inadequado, como foi o chão do
quarto. Além do mais, eu estava preocupado pra caralho com uma desconhecida.
Voltei para meu apartamento bem cedo, descartei minha roupa em um canto do quarto e
me joguei apenas de cueca na cama. Mesmo com o pouco de luz, eu consegui apagar em poucos
minutos. Regina estava em um local seguro, o Rancho Três Conte protegeria a mulher enquanto
eu não soubesse o que fazer. Na verdade, necessitava compreender qual era minha motivação
para manter a desconhecida por perto, em vez de ter mandado Gomes despachá-la na rodoviária.
Acordei com meu celular tocando, nem lembrava onde tinha deixado. Arrastei-me pelo
colchão, depois em direção ao som, até o achar no meio das minhas roupas descartadas.
Conferi quem era no visor, antes de atender e voltar para o meu descanso e o atender.
— Fala, Puto — resmunguei, fechando os olhos e pensando que, o próximo a me ligar,
seria meu pai.
— Estou na sua sala. Cadê você?
— Dormindo, o que você também deveria estar fazendo.
— Só para avisar, seu pai está de mau humor.
— Quando ele não está? — Suspirei. — Falou com ele sobre o pacote extra que veio no
leilão?
— Achei melhor conversar com você antes. Sabe como é, nossos velhos tendem a entrar
em pânico por pouca coisa.
— Tráfico de mulheres é sério, Estevão.
— Ela disse mais alguma coisa? — seu tom mudou de divertido para firme.
— O suficiente para que indique que tem muita coisa a esconder. — Sentei-me,
despertando. — Não quero levar um problema para Saul, mas se tiver Servantes no meio, eu não
vou facilitar para eles.
— Já acionou Tibúrcio?
— Só se, realmente, for necessário. Ele ainda está puto por conta da última ocorrência
que ele me ajudou.
— Ele precisa de um churrasco com os garanhões para relaxar um pouco. — Voltou
com seu jeito descontraído, raramente alguém tirava o advogado do sério. — Vai vir me ver ou
terei que marcar hora, Galego?
— Eu te encontro de tarde, vou até o rancho saber mais do pacote.
— Ela não tem nome?
— Regina.
— Se Rê não quiser falar muita coisa, traga-a para cidade, eu faço o serviço persuasivo.
— Tchau, Puto — resmunguei, com raiva de imaginar que não tiraria nada além do que
já sabia daquela garota.
Coloquei o celular para despertar, vesti um short de academia e fui para o quarto ao lado
do meu. Uma pequena academia improvisada, que me ajudava a esgotar energia quando
necessário ou dar a animação suficiente para começar o dia.
Liguei a caixa de som que já tinha uma playlist em sua memória, coloquei os tênis
próprios para a corrida e subi na esteira. No ritmo da batida da música, eu comecei caminhando e
logo mudei para corrida, acelerando minha respiração e batimentos cardíacos. Em minha mente,
a imagem de Regina desacordada e suja alimentava um sentimento que eu não sabia que tinha.
Por que eu queria protegê-la? Iria arriscar a integridade daqueles com quem eu mais me
importava para isso. Minha mente dizia que estava errado, mas um outro lado se gabava que eu
conseguiria fazer as duas coisas ao mesmo tempo.

“Vou levar outro golpe para a espinha dorsal


Estou pegando o calor como uma bomba atômica
Sem tempo no relógio, é um tiro de sangue
Três dois um
Você me deixou injetado de sangue”
Sam Tinnesz – Bloodshot

Fiz dez quilômetros antes de Liliana aparecer na porta, com seu olhar aflito que a tirava
de posto de faxineira para tia preocupada. Ela sabia o quanto não levava suas broncas em
consideração, mas nem por isso ela deixava de falar.
— Bom dia, Ismael. Quer café da manhã ou que prepare um almoço rápido?
— Estou saindo, vou comer na rua. — Parei o equipamento e fui para o banco de
supino.
— Vou deixar uma lasanha assada na geladeira, só esquentar quando voltar. — Ela saiu
e levantei os oitenta quilos em cada lado da barra. Segundos depois, a senhora apareceu com uma
garrafa de água bem cheia. — Não se esqueça de hidratar.
— Obrigado — murmurei, ofegante, focado no exercício.
Desde que comprei aquele apartamento, Liliana estava comigo. Indicação da babá que
ajudou meu pai a me criar, ela era uma mulher de cinquenta anos, que perdeu os filhos e o
marido de forma trágica. Achei que ela seria um grande problema, por estar sempre triste e
deprimida, mas desde o primeiro momento, se mostrou proativa.
Tentava pegar no meu pé sobre bebidas, pouco sono e a alimentação. De tanto que eu a
ignorei – não por maldade, mas porque eu fazia o que queria –, ela encontrou outra forma de me
cuidar, deixando comida pronta e outras pequenas coisas, que sempre me ajudavam.
Bebi um gole de água, fiz mais um pouco de exercício e fui para o banho gelado,
completamente disposto para o que o dia me reservava.
Dispensei o paletó e a gravata no meu traje social, conferi meu celular e agradeci que
não tinha nenhuma chamada do meu pai. Ele era o primeiro a reclamar quando eu não era um
dos primeiros a chegar na empresa. Todavia, eu vinha de um leilão e costumava tirar a manhã de
folga, porque voltava de madrugada ou no primeiro horário da manhã.
Tomei o resto da água da garrafa, deixei-a na cozinha e me despedi de Liliana com um
meio sorriso. Enquanto a preocupação com Regina estivesse presente, eu não conseguiria
relaxar.
Deixei meu apartamento, desci de elevador até o estacionamento subterrâneo, peguei
meu carro e voltei para o rancho. Acelerei um pouco além do necessário, porque tinha pressa em
resolver aquela questão. Nunca iria assumir que estava interessado em vê-la novamente e saber
mais sobre ela, não era pessoal.
Parei na porteira, entrei no rancho e estacionei próximo à entrada da cozinha. Assim que
saí do meu automóvel, ouvi as vozes das mulheres, além dos risos. Identifiquei Adriana entre
elas e planejei uma bronca para Gomes, que deveria tê-la levado para a cidade como eu tinha
ordenado.
Quando entrei, interrompi a animação delas. Sentada à grande mesa de madeira, Regina
abaixou a cabeça, escondendo o rosto, culpada. Adriana e duas mulheres que trabalhavam com
Nancy, com os biscoitos caseiros, estavam mexendo com a massa enquanto a dona da casa usava
a pia.
— Ele chegou e ainda nem começamos o almoço! — A mãe de Saul largou tudo,
enxugou as mãos em um pano de prato e se aproximou de mim. — Pensei que voltaria mais
tarde.
— Vou comer depois, dona Nancy, obrigado. — Olhei para a enfermeira, que esticava a
massa com um olhar divertido em minha direção. — Já que Gomes não te levou para a cidade,
quer uma carona?
— Não, Ismael. Estou muito bem passando meu dia de folga com essas senhoritas
formosas. — As duas mulheres riram e Regina ergueu a cabeça, colocando a mão na boca para
abafar o sorriso. — Fazia tempo que não me divertia tanto. Éveny também deveria estar aqui, ela
também é jovem.
— Aqui, leve um pouco dos biscoitos. — Nancy abriu um armário, tirou um saco
transparente com pequenos quadrados de farinha e nata, depois me entregou. — E traga Regina
com você sempre que quiser.
— Ela não é visita — fui seco, porque não queria ninguém imaginando o que não
existia.
— Acho que eu devo ir, muito obrigada. — Regina se levantou, despediu-se das
mulheres e veio até mim, que tinha saído da cozinha. Ela estava com roupas improvisadas, não
lhe davam o ar elegante como o vestido, mas ainda a deixavam atraente.
O que aquela mulher tinha? Porra, nem dava para culpar a falta de sono, eu estava bem-
disposto.
— Sei que falou para não vir até elas, mas... — murmurou e andei até meu carro.
— Pegue suas coisas, nós vamos conversando no caminho até o seu destino.
Na verdade, eu queria levá-la para meu apartamento, para comermos a lasanha feita por
Liliana, mas eu a empurrava para a direção contrária. Ela era uma desconhecida, não dava para
ter intimidade com quem eu não sabia o sobrenome.
Aquela era a razão falando, mas meu coração tinha outros planos.
Capítulo 6
Regina Alves
Aquele homem conseguia destruir qualquer vestígio de alegria com apenas uma frase.
Eu não era visita, mas estava me sentindo e tudo o que desejava era ter chegado ao Rancho Três
Conte por outras vias.
Dona Nancy era um doce, a enfermeira Adriana me fez rir até a barriga doer, com suas
histórias no hospital. Maria e Joaquina, as mulheres que faziam os doces para comercializar,
compartilharam histórias sobre a última feira que estiveram. Todas maravilhosas, me trataram
como amiga e não uma estranha com uma mãe sem noção.
Peguei minha roupa e sandálias, deveria ir até o carro daquele insensível, mas voltei
para a cozinha, para me despedir das mulheres.
— Muito obrigada. — Abracei cada uma delas, recebendo um pouco de carinho com o
cheiro caseiro e beijos calorosos. Quando cheguei em Nancy, tentei não me emocionar, ainda
mais quando ela se demorou com os braços ao meu redor.
— Veja além do muro que ele coloca ao redor de si mesmo. — Ela me afastou e
segurou meu rosto com as mãos, como Ismael fez no quarto. — Não existe ninguém com
coração mais leal que Ismael.
— Ele deixou bem claro que protege aqueles que são importantes, vocês. — Forcei o
sorriso e ela inclinou a cabeça levemente para o lado.
— Desenvolva um pouco mais esse pensamento. — Entregou-me um saquinho com
seus biscoitos de nata maravilhosos. — Você é sempre bem-vinda, com ou sem Ismael.
Saí da cozinha, puxando a calça para cima, por ser grande demais para o meu corpo. Dei
pulinhos para não sujar o pé, abri a porta da frente do automóvel e me sentei, desengonçada.
— Ops. — Embolei o que tinha em mãos, fechei a porta e coloquei o cinto, exalando
com força. — Desculpe por isso, eu...
— Nome completo? — Acelerou o carro que já estava ligado e pressionei os lábios, para
não rebater com algo impertinente.
— É um interrogatório?
— Responda as perguntas, ou a considerarei uma inimiga.
— Regina Alves — apressei-me em responder no mesmo tom cortante. Uma ideia
surgiu e continuei: — Pode me deixar na delegacia? Eu...
— Não. — Ele parou em frente à porteira e saiu, impedindo meu contra-argumento.
Deveria jogar dardos de fogo com meu olhar para o idiota com roupa social, mas
admirei o quanto ele ficava bonito com apenas aquelas peças. Ele parecia tão fora de contexto
naquele rancho, combinaria mais com uma empresa cheia de ar-condicionado do que o mato.
Ele voltou, passou pela porteira e voltou para fechar. Seria mais fácil se eu fizesse tudo
aquilo, mas pelo visto, ele queria se manter no controle enquanto mostrava seu poder.
— Você me falou que não sou prisioneira. Então, eu quero ir até a delegacia relatar o
que me aconteceu.
— Sabe quem te agrediu? Qual foi a pessoa que te vendeu como um animal? — Como
não respondi, por estar atordoada por aqueles questionamentos, ele voltou a dirigir e me olhou de
canto. — Eu e o rancho seremos as únicas referências e tenho mais o que fazer do que prestar
depoimento para o delegado Tibúrcio. — Suspirou. — Não quero te impedir de fazer nada,
apenas entender a situação atual. Quer voltar para Camonelis?
— E se isso me acontecer novamente? — Abracei meu vestido embolado, junto com o
saquinho de biscoitos de dona Nancy. — O homem acha que eu devo me casar, mas eu não
quero.
— Fale com sua mãe e resolva esse conflito. Senão, você terá que lutar.
— Minha única chance de revidar seria na delegacia, mas você não me deixa ir.
— Vai denunciar sua mãe ou vai falar que acordou ao lado de Ismael Ferri? — Virou o
rosto para me encarar por segundos demais, ele era um homem poderoso que faria qualquer coisa
para que eu não o prejudicasse. Então, me lembrava das mulheres do rancho e o quanto havia de
bondade nelas. — Foi o que pensei.
— Eu não... — parei de falar, porque uma música encheu o carro e o motorista parou no
meio da estrada para atender uma ligação.
— Estou a caminho — nem cumprimentou, conseguiu ser mais seco do que estava
sendo comigo. — Resolvendo um inconveniente. Chego em quinze minutos.
— Se eu sou um inconveniente, você é um pé no saco — rebati, ofendida por aquele
tratamento.
Ele voltou a dirigir, acelerando muito mais do que estava fazendo antes. Dei um gritinho
assustado, ele ligou o som e não continuou com a conversa. Ao chegar na estrada asfaltada, foi
ainda mais veloz, meu cérebro derreteu e não consegui pensar mais nada a não ser “que ele não
bata em ninguém”.

“Este é o sentimento
Eu não posso acreditar
Meu coração está sangrando
Agora eu sou perigoso
Alimentando o fogo
Mais alto e mais alto
Levantando-se, levantando-se
Agora eu sou perigoso”
The EverLove – I’m Dangerous

Eu concordava com a música, ele era perigoso demais. Com ou sem barreiras
emocionais, eu não queria testar se ele era uma ameaça ou apenas não levava jeito de protetor. Se
não fosse pelas mulheres do rancho, eu não lhe daria um voto de confiança.
Era minha única chance.
Passamos por sinais vermelhos, o trânsito das avenidas que passamos estavam calmas e
chegamos em um estacionamento subterrâneo, de um dos prédios comerciais mais elegantes de
Riveraluz.
Nasci e cresci naquela cidade, estava há poucas semanas longe, mas pareciam apenas
horas. Assim que ele parou, desligou o carro e saiu, eu fiz o mesmo, largando minhas coisas e
segurando a calça.
— Hey! Espera! — Corri até ele, que xingou baixo, virou-se para mim e envolveu seu
braço na minha cintura, me levantando como se eu não pesasse nada. — O que...
— Está descalça e eu preciso chegar até uma reunião antes de voltarmos a conversar.
Não sabia se abraçava seu pescoço ou deixava como estava, meu corpo estava firme,
colado com o dele. Puxei a calça para não escorregar ainda mais, ele parou em frente ao
elevador, chamou-o e me ajeitou ao redor dele.
Ficamos cara a cara, um dedo de distância do seu nariz para o meu. Ele tinha um cheiro
fresco, olhar intenso e o calor que qualquer mulher ansiaria sentir, se fosse para começarmos a
pegação.
Mas ele era apenas o idiota que me chamou de inconveniente.
O elevador chegou, colocou-me dentro e se afastou, pelo visto, não precisaria mais me
carregar. Nunca assumiria que aquele contato tinha sido interessante, até porque, homens
perderam espaço na minha vida no momento em que meu pai abandonou minha mãe comigo
bebê.
Chegamos ao vigésimo quinto andar, o piso era acarpetado e tinha um grande balcão de
recepção. Atrás, uma parede transparente, estávamos muito alto e deveria ser a primeira vez que
tinha chegado tão longe.
Involuntariamente, peguei no braço de Ismael quando ele passou pelas recepcionistas,
que nos cumprimentaram com surpresa. Meu rosto esquentou de vergonha, caminhamos por um
corredor e ele abriu a porta. Antes que eu entrasse e conferisse o cômodo, um olhar conhecido
chegou até mim.
O homem estava sentado na sala de reunião do outro lado, e se levantou assim que me
viu. Eu o reconheci do leilão, porque eu conseguia sentir à distância a maldade dentro dele.
Aquele tinha sido o homem que minha mãe escolheu para me casar. Nunca!
— Por favor — implorei, apertando o braço de Ismael e esquecendo qualquer antipatia
que eu tive dele. — Foi aquele homem que me machucou. Eu não quero ficar com ele.
Para meu desespero, Ismael me colocou para dentro da sala que ele tinha aberto a porta,
posicionou o indicador em seus lábios e me disse o suficiente com o olhar: fique quieta e não
saia daqui.
Quando ele fechou a porta, a solidão que tanto me acolhia, naquele momento, parecia
um monstro prestes a me devorar. Olhei ao redor, encontrei um canto escondido ao lado de uma
estante e me encolhi no chão, orando para que eu pudesse passar despercebida.
Ou que Ismael Ferri me salvasse.
Capítulo 7
Ismael Ferri
Desde quando eu me comovia com o pedido desesperado de alguém? Homem ou
mulher, dificilmente alguém atravessava meu muro de indiferença. Nem Saul, Thiago ou Estevão
conseguiam minha empatia, mas Regina Alves sim.
Entrei na sala de reunião munido com todas as minhas armas. O homem que estava de
pé e encarava além de mim com puro ódio, era Heitor Servantes, o rival que estava pisando
enchendo o meu saco.
Meu pai estava sentado conversando com outro homem, um tom mais tranquilo e
formal, indicando que Norival Ferri estava negociando com o pior dos empresários, totalmente
em desacordo com nossos objetivos.
— Pronto, aqui está ele. — Meu pai se levantou e colocou a mão no meu ombro,
encarando de mim para Heitor.
O outro deveria ter quase quarenta anos, possuía alguns cabelos brancos e cultivou
muitos desafetos com sua postura rígida. Servantes não negociavam, eles exigiam e
massacravam quem ficava em seu caminho. Só não fez isso comigo e meus amigos, porque a
cidade era nossa e a lealdade das pessoas era alimentada há anos.
O que queriam em Riveraluz? A diferença da minha cidade para a dele, era que
tínhamos acesso ao mar. Em todo o resto éramos compatíveis, até as feiras agropecuárias eram as
mesmas, diferenciando apenas nas datas.
— Agora que confirmei o que precisava, a conversa será rápida. — Heitor deu a volta
na mesa para ficar bem próximo de nós. — Você está com algo que é meu. Quero de volta.
— Seu? — debochei, erguendo uma sobrancelha e o provocando.
— Fácil de resolver, se aceitar a nossa condição — meu pai interpôs, alimentando meu
ódio ao não continuar a discussão com aquele idiota. — Ismael dará o que você precisa, desde
que se afaste de Riveraluz.
— Por dois anos. — O outro elevou o queixo, arrogante. — Sabemos que em algum
momento, será necessário compartilhar o acesso do porto. Tem espaço para todo mundo nesse
ramo.
— Ou você pode continuar em Camonelis e evitar se decepcionar. Não tem nada para
você aqui — meu tom saiu ríspido demais, demonstrar emoção, mesmo raiva, era dar munição
para o inimigo.
— Ismael — meu pai chamou minha atenção e ignorei, porque meu foco era apenas um,
irritar Heitor Servantes.
— Eu paguei caro por aquela égua — o idiota rosnou. — Não vou embora sem ela.
— Quem?
— Exatamente, quem? — reforcei a pergunta do meu pai, exercitando meu cinismo,
aprendido com o melhor dos advogados, meu amigo Estevão Greco. — Estive em um leilão e
não peguei nada além do que EU comprei.
— Você não a comprou. — Seu semblante se tornou sombrio. — Sei o quanto os Ferri
têm regras, tráfico de pessoas está fora dos limites.
— O que está acontecendo? Chega! — Norival se colocou entre mim e Heitor,
conseguindo puxar minha atenção para ele. — Devolva qualquer merda que eles querem e
encerre esse assunto. — A verdadeira face do meu pai foi revelada, ele não ficava em segundo
plano, dominava tudo. — Vão bagunçar a cidade de vocês.
— Se eu sair daqui sem...
— Faça suas orações, por não estar saindo daqui com a ajuda da minha nove milímetros.
— Meu pai me puxou para sair da sala de reuniões, acenou para os seguranças e não desviei o
olhar de Heitor.
— Eu precisava de um incentivo, agora tenho muitos motivos. — O rival também saiu
da sala e ajeitou o paletó, dando tapinhas nos antebraços, nos menosprezando. — Se encostar um
dedo nela, todos pagarão caro. Eu a quero de volta, intocada.
— Às vezes eu me esqueço que homens como você precisam pagar para transar,
nenhuma mulher faria de graça.
Ele tentou avançar em mim para bater, o segurança o segurou junto do homem que o
acompanhava. Meu pai também me segurou e me arrastou para a sua sala.
Até que o lixo fosse colocado para fora, eu não saí do corredor.
— Não deixe ninguém subir nesse andar — ordenei para o segurança que voltava. Ele
acenou e finalmente entrei na sala do meu pai.
— Que porra está acontecendo? — o berro que deu não me assustou, mas sua mão
empurrando tudo o que estava na mesa para o chão, sim. Cruzei os braços e esperei que ele
tivesse o chilique dele, eu já estava acostumado e, quando criança, eu tinha sentido o peso do seu
punho no meu corpo. — Desgraçado!
— Eu cuido disso — declarei, tenso.
— Cuida porra nenhuma! — Veio em minha direção, possesso e me preparei para o
murro que nunca viria. Era um reflexo que não perdi, mesmo depois de conseguir me defender e
meu pai nunca mais me tocar com agressividade. Norival apontou para o lado e bufou. — Ele
está chamando para a guerra. Deixou de ser comercial para se tornar um banho de sangue. Eu
vou matar aquele filho da puta.
— Se acalme, ou terá outro infarto. Prefiro que você esteja vivo quando o desgraçado
tropeçar na própria armadilha. — Suspirei, ele se afastou, ainda irritado.
— Do que ele está falando? Que caralho de égua é essa?
— Quando cheguei do leilão, havia uma mulher no trailer junto com os cavalos que
comprei.
— Uma mulher? — Fez uma careta, enojado. — Que porra, Ismael, entregue a
vagabunda para ele. Poderíamos ter dois anos de paz com essa simples ação.
— Achei que tráfico de pessoas não estava na especificação de atividade econômica da
Ferri.
— Você comprou a porra da mulher? — Ele voltou a ficar de frente para mim, puto.
— Não, mas...
— Um brinde do caralho, que você devolve para o dono e resolve a porra de uma
guerra. — Afastou-se, passando as mãos no cabelo. — Eu não acredito que está agindo como um
adolescente mimado, disputando quem vai tirar a virgindade da caloura dos peitos pequenos.
— Por que se preocupar, se essa merda é minha para resolver? — minha vez de
explodir. Ele ficou atrás da mesa e coloquei minhas mãos na superfície, para o enfrentar
enquanto se sentava, largado. — Comprei a porra da mulher para mim. Seja qual for o interesse
dos Servantes com ela, terão que desistir, ou quem irá deixar um rastro de sangue por onde passa
serei eu.
— Te falta brio para cumprir essa promessa, meu filho. — Odiava o quanto ele
menosprezava minha força de vontade, só porque eu nunca tinha ceifado uma vida. Tendo o
delegado Tibúrcio como aliado, a justiça poderia ser feita adequadamente. — Você vai marcar
uma reunião e entregar essa égua para eles.
— Farei do meu jeito. — Ergui o indicador, quando ele abriu a boca para rebater. — Se
não der certo, colocarei o rabo entre as pernas e farei tudo o que mandar.
— Há muito tempo você deixou de me obedecer, filho da puta — murmurou,
provocador e mais calmo. Ele adorava chamar minha mãe de todos os nomes feios que existiam.
— Porque do meu jeito está sendo mais efetivo. — Sorri com escárnio e dei passos para
trás, arrogante. — Descanse, pai, seu coração não é mais forte como antes. Já falei para o senhor
deixar o Servantes por minha conta, não lide mais com eles.
— Eu ainda estou vivo e que eu me lembre, o CEO da Ferri continua sendo Norival
Ferri.
— E o segundo no comando é Ismael Ferri. Eu aprendi com o melhor, deveria confiar.
— Abri a porta e o enfrentei, de longe. Para alguns, aquela conversa seria estranha e
problemática, para mim, era apenas o normal há muito tempo. — Quando tiver mais
informações, eu te atualizo. Enquanto isso, sugiro que não receba ninguém a mando dos
Servantes.
— Você não manda em mim.
— Por isso ofereço um conselho.
— O inferno está cheio deles.
Revirei os olhos, saí da sala e fui para a minha, o mundo parecia apoiado nos meus
ombros de tão tensos. Quando abri a porta e não encontrei Regina, meu coração parou por um
segundo e o ar não entrou nos meus pulmões, Heitor não poderia tê-la roubado de mim, debaixo
do meu nariz.
— Regina? — chamei, nervoso e ela surgiu de um canto, me fazendo exalar com força,
aliviado como se eu tivesse recuperado algo muito importante.
Mas era apenas a mulher que, com pouco tempo, estava transformando todas as minhas
certezas em dúvidas.
Capítulo 8
Regina Alves
Tentei sorrir para acalmar o homem que parecia ter encontrado algo precioso que tinha
sido perdido. Aproximei-me dele, que colocou as mãos nos meus ombros e fixou seu olhar no
meu.
Havia tantas histórias naquele pequeno gesto. Mesmo sem palavras, eu compreendia o
quanto de preocupação que o rondava, principalmente aquelas que não tinham solução, ainda
assim, precisávamos lidar com elas.
— Por que sua mãe te vendeu para o pior homem da região? — ele me perguntou, sem o
tom de julgamento ou frieza de antes.
— Eu não acho que ela fez isso, do jeito que você está falando. — Cruzei os braços e
ele desviou de mim, indo até sua mesa.
Tinha dado uma breve olhada ao redor, tirando aquela parede com a estante de livros,
não havia mais nada nas outras. Ao fundo, vidro do chão ao teto lhe dava uma vista privilegiada
da cidade.
Fui até seu lado, encarando com admiração aquela paisagem enquanto o homem se
sentava e ligava o notebook. Apoiei minha bunda na borda da mesa, não era para ser um ato de
paquera, mas percebi tarde demais, com ele encarando a calça caindo pelos meus quadris.
Logo subiu o olhar para o meu rosto, sentou-se com as costas na cadeira e relaxou os
antebraços no apoio. Identifiquei que esperava algo, até perceber que não lhe dei muita coisa
sobre minha história.
— Minha mãe sempre fez muitos sacrifícios para me criar. Principalmente para pagar
meu ensino médio, ela não disse com essas palavras, mas acho que... acabou por...
— Ela se prostituiu — concluiu o que eu não queria assumir.
— Mais ou menos. — Remexi os braços e os mantive cruzados, para me proteger. —
Quando falei que iria fazer faculdade e retribuir o que ela investiu em mim, falou que tinha tudo
acertado. Eu teria o marido perfeito e nós duas nos tornaríamos rainhas.
— Ou seja, Heitor se cansou de comer a mãe, agora quer foder com a filha.
— Você coloca de um jeito tão cruel.
— Real, Regina. Pare de ficar na negação e aceite que sua mãe achou uma oportunidade
de ganhar dinheiro com sexo. Virgens como você, valem muito mais.
— Como assim? — Precisei recuar, bati minhas costas na parede de vidro e me assustei,
achando que iria quebrar e eu, cair. Voltei com tudo, tropecei no pé de Ismael e caí no colo dele.
Poderia ser engraçado, se eu não estivesse morrendo de vergonha. Sentada desajeitada
em seu colo, remexi, ele tentou me ajudar a levantar e viramos um bolo de braços e corpo.
Quando meu pé achou o chão, consegui me levantar e dei a volta na mesa, jogando-me
na cadeira em frente a ele. Ismael olhou para todos os lados, remexeu-se no acento e trouxe a
cadeira para a frente.
— Ismael, você acha que minha mãe me vendeu para um pervertido que quer dormir
com uma virgem? — sussurrei, por achar vergonhosa demais aquela pergunta.
— Se for contra a sua vontade, melhor ainda — falou como eu, sombrio.
— Minha mãe poderia até me sugerir isso, mas ela não faria se eu não quisesse. —
Olhei para o teto, buscando força. — Eu saí de casa para dar menos trabalho para ela. Sei dos
sacrifícios e...
— Qual outro trabalho que sua mãe tinha?
— Ela já fez de tudo, faxineira, caixa de supermercado, garçonete... — Tampei o rosto
com as mãos e suspirei. — Não pode ser.
— Bem, verdade ou não, Heitor Servantes veio te buscar.
— Não! — Espalmei a mesa e arregalei os olhos. — Por favor, não me entregue. Eu vou
dar um jeito...
— Você está vendo o idiota aqui? — questionou, irritado. — A questão é, Regina, que
você deveria ter sido entregue para o estábulo dos Servantes, mas veio até mim.
— Fala como se eu fosse uma mercadoria.
— É assim que eles te veem.
— E você? — Levantei-me, inclinando meu corpo para a frente. — Já que fui vendida,
então eu me tornei sua propriedade?
— Como te dizer, sem te ofender e todas as outras mulheres, que é melhor ser minha do
que de qualquer outro que está nesse mundo? — Fechou os olhos e apertou entre eles, parecia
exausto e conseguiu me convencer daquele absurdo. — É temporário, Regina. Para qualquer um
que queira saber, eu te comprei.
— Você me comprou.
— Sim, eu comprei uma mulher. Logo para mim, que nunca me faltou companhia. —
Começou a rir e eu fiquei com raiva. — Desculpe, Regina. Eu só estou pensando na reação dos
meus amigos.
— Vai tomar no cu! — xinguei, com os olhos marejados. Ele estava fazendo piada de
algo sério. Para ele poderia ser fácil, vivia nesse mundo e descartava mulheres como fazia com
os copos de plástico.
Era por essas e outras que não julgava a minha mãe. Se ela conseguia manipular os
homens com sexo, que os trouxas caíssem em sua lábia. Infelizmente, eu não tinha a mesma
malícia que ela. Travada e medrosa, eu mal beijei garotos no ensino médio, imagine transar com
um velho como aquele.
Erguendo a calça para não cair, fui para o canto que eu estava antes dele chegar. Iria me
acalmar antes de encontrar uma forma de sair de perto dele, falar com a polícia e retomar a
minha vida.
— Espere, Regina. — Ainda havia sorriso em seu tom. Não percebi sua aproximação.
Antes de chegar ao meu destino, seus braços me rodearam e ele me puxou para um abraço. — Eu
te ajudarei, vou resolver tudo isso.
Na verdade, parecia que queria me conter, porque eu estava mais de costas do que de
frente. Quando sua mão tocou minha cabeça, eu me rendi, virei-me para envolver sua cintura e o
apertar.
Senti seu cheiro mais uma vez, o calor do seu corpo no meu e o quanto aquela
aproximação me proporcionava proteção. Eu não confiava nos homens, nenhum deles deveria ter
um pedaço de mim, mas era difícil repudiar a única pessoa que parecia disposta a fazer algo.
— Como pretende me ajudar? — perguntei, baixinho.
— Tenho algo em mente. — Sua mão deslizou pelas minhas costas em um afago
tranquilizante. — Preciso que confie em mim e faça tudo o que eu pedir. Você será a desculpa
perfeita para colocar Servantes no lugar dele.
— Vai me usar? — Afastei-me dele, mais calma. Cruzei os braços e fechei a cara, bem
irritada.
— Não vou te amarrar a uma cama, nem te levarei a uma orgia. — Ergueu as
sobrancelhas, persuasivo. — Talvez eu precise que você me acompanhe a um ou outro
compromisso. No mais, ficará no meu apartamento até acharmos um local seguro para você
morar e retomar sua rotina.
— Eu moro em Camonelis. Comecei a faculdade e tenho o emprego no leilão. Não
posso apenas sumir.
— Enquanto Heitor Servantes estiver de olho em você, Riveraluz é a única cidade
segura para você ficar. Todo o resto, deverá ser colocado em espera ou alterado para cá.
— Minha mãe mora aqui. Eu a amo, mas preciso manter distância.
— Eu entendo. — Sorriu, apaziguador e voltou para a sua cadeira atrás da mesa. —
Realmente, eu sei como se sente. Por isso eu acho que não será um grande problema se passar
alguns dias comigo.
— Se não tem outro jeito, tudo bem. — Voltei para perto dele e me sentei na cadeira da
frente. — Será que consigo recuperar as coisas que perdi no leilão, antes de ser apagada?
— Vou tentar. — Ele digitou algumas coisas no teclado.
Por mais que eu buscasse olhar para outra direção, era aquele perfil e toda a sua
imponência que chamava minha atenção. Ele era sério, seco e soava insensível, mas quando
confrontado, ele conseguia pôr para fora seu lado protetor e suave.
Como Nancy falou, ele tinha um coração muito bem escondido por barreiras
emocionais. Não muito diferente de mim, que tentava se afastar para não machucar quem amava.
Devo ter ficado muito tempo o analisando, porque ele parou um segundo e me encarou.
— Está com fome? — questionou.
— Não muita.
— Gosta de lasanha?
— Sim — soei entusiasmada demais.
— Perfeito. Preciso fazer algo aqui, depois vamos para meu apartamento. Liliana deixou
tudo pronto.
Tentava não pensar que poderia ser a esposa daquele homem. Pelo menos, eu pararia de
fantasiar, porque se tinha um homem mais proibido, era o compromissado.
Capítulo 9
Regina Alves
Não deveria me surpreender que o apartamento dele ficava em um dos prédios mais
cobiçados de Riveraluz. Por Ismael Ferri ser seco e direto, não parecia um homem que esbanjava
suas posses. Nem o carro que ele usava era extravagante, a sujeira da estrada de chão lhe
concedia um ar rústico e confiante, algo com o que nunca tive contato.
Ao entrar no seu lar, senti-me acolhida de imediato. Havia um sofá tão confortável na
sala, a mesa de jantar redonda me dava a sensação de terem acontecido muitas reuniões
divertidas, entre pessoas queridas.
Ele tinha comentado algo dos amigos, o dono do rancho deveria ser um deles. Como eu
nunca tive muitas pessoas ao meu redor e a única em quem eu confiava era minha mãe, eu não
cultivei amizades. Aquele foi o momento mais solitário da minha vida, ao perceber que meu jeito
reservado me levou a ser sequestrada e dada para um desconhecido.
— Tem banheiro ali. — Ele apontou para uma porta. — Você pode ficar no quarto ao
lado. Não sei se gosta de fazer exercícios, na frente tem alguns aparelhos.
— Nós vamos conseguir recuperar minhas coisas? — Fiquei na frente dele, abraçada ao
vestido que estava usando. Puxei para cima a calça que escorregava pelos meus quadris e ele
ergueu as sobrancelhas, reconhecendo minha necessidade não dita. — Eu preciso...
— Vou falar com Liliana sobre roupas e outras coisas. Hoje e amanhã, com certeza, não
sairemos da cidade. Vou precisar de reforço armado para ir até Camonelis.
— Tipo, arma de fogo? — Abri a boca em choque.
— Sim, Regina. Não temos a intenção de matar ninguém, mas nos defender. Eu tenho
bom senso, mas sei que os Servantes não têm. — Ele entrou na cozinha e o acompanhei. — Vou
esquentar a lasanha e fazer algumas ligações. Você pode deixar o vestido na área de serviço e...
— Olhou ao redor com a mão na geladeira. Parou em mim, muitos segundos passaram enquanto
a gente tentava adivinhar o que o outro desejava.
— Obrigada. — Sorri, um tanto tímida. — Você se importa se eu tirar a calça e deixar a
camisa como vestido? — Minhas bochechas esquentaram. Minha irritação pela roupa inadequada
era maior que minha vergonha.
— Claro, sem problema. Sinta-se em casa.
Não chegaria a esse ponto, mas tentaria não ficar desconfortável para nenhum de nós.
Atravessei a cozinha, cheguei na área de serviço e coloquei minha roupa no tanque. Soltei a
camisa que estava amarrada na cintura, abotoei tudo e usei o cinto da calça para envolver minha
cintura, livrando-me da parte de baixo.
Minhas pernas estavam expostas demais. Por mais que a camisa tivesse o mesmo
cumprimento do vestido, dava uma sensação mais sensual do que casual. Caramba, a última
coisa que eu queria era seduzir o homem que tinha me comprado – ou pelo menos deveria
considerá-lo dessa forma.
Depois de quase tomar banho enquanto tentava tirar toda a sujeira do vestido, torci e
pendurei no varal de teto, deixando a calça jeans dobrada no canto, depois eu iria verificar o uso
da máquina.
Voltei para a cozinha e não o encontrei. Segui para a sala, a mesa redonda estava posta
com dois pratos e a lasanha no centro. Sentei-me para conter o nervosismo que estava em mim.
Meu pé se mexia e minhas mãos não paravam quietas, tocando o talher e ajeitando a camisa, que
tinha subido para o meio das coxas.
— Pronto. — Ele apareceu, vindo do corredor. Relaxado, sentou-se ao meu lado e me
serviu, como se fosse algo natural entre nós.
Deveria ter agido de maneira estranha, porque ele colocou uma garfada na boca e
congelou, parecia me ver pela primeira vez. Empurrei o cabelo atrás da orelha, comecei a comer
com a cabeça baixa e meu olhar focado na comida.
— Você disse que estava fazendo faculdade? — ele puxou assunto e agradeci, porque
meu estômago estava se revirando de nervoso.
— Sim, matemática.
— Interessante.
Tive que erguer meu olhar, para saber se estava sendo sincero ou debochado.
Realmente, seu olhar era de surpresa, cabia a mim esclarecer a verdade. Eu não tinha uma veia
racional para lidar com os números.
— Por mais que não tenha vocação para ensinar ou habilidade para lidar com os
números, foi a escolha mais assertiva para o momento. — Dei de ombros. — Ainda estou me
descobrindo.
— Quantos anos?
— Dezoito. E você?
— Trinta e dois. — Balançou a cabeça, concordando com algo não dito. — Você ainda
tem muita coisa para viver antes de decidir qual será sua profissão.
— Deveria, se não tivesse uma mãe maluca e um homem perigoso atrás de mim. —
Mexi na comida, amuada com aquela conversa. — Com tudo isso que está acontecendo, pode ser
que eu pare de desperdiçar meu tempo com decisões improvisadas.
— Você sempre morou em Camonelis?
— Não, minha mãe mora aqui. Eu fui para a cidade vizinha para me manter longe do
seu jeito espalhafatoso. — Revirei os olhos e coloquei comida na boca. — O destino tem um
jeito irônico de mostrar que fizemos escolhas erradas.
— Como é que é? — Franziu o cenho e continuou comendo. — Não me diga que você
está se culpando por tudo o que aconteceu.
— Eu não quis seguir os passos da minha mãe e deu nisso.
— Está falando que se prostituir é o mais certo a se fazer?
Parei, respirei profundamente e fiz uma careta, retomando a conversa do início e
percebendo a besteira que estava falando. Caramba, eu não conseguia pensar direito, não estava
usando minhas roupas e parecia que nem casa eu teria mais, já que eu voltaria para Camonelis
apenas para buscar minhas coisas.
Fiquei em silêncio e voltei a comer, apressadamente. Assim que terminei, levantei-me
com o prato na mão e o deixei na pia. O mais adequado seria lavar a louça, mas eu precisava de
um momento solitário.
Passei por Ismael, que não me chamou ou quis saber o que causou minha tristeza. Fui
até o quarto que ele indicou, tinha uma cama de solteiro, deitei-me nela e fechei os olhos,
implorando para que tudo não passasse de um pesadelo.
Senti as lágrimas escorrendo, mas o choro não veio, estava preso na garganta. Não
estranhei quando Ismael se sentou no colchão e colocou a mão quente e pesada na minha cintura,
meu desespero era tanto, que eu quase me joguei em seus braços pedindo colo. Que confusão, ele
era um desconhecido, não meu amigo. Nunca tive um, inclusive, por estar sempre associando os
homens ao meu pai.
Pela primeira vez, eu não triangulava os meus sentimentos, Ismael conseguir se
aproximar sendo apenas ele.
— Sei que é difícil, que tem coisas que viram o fim do mundo, mas vai passar. Não
posso prometer a solução do que realmente te incomoda, mas te darei minha palavra, que estando
comigo, ninguém te fará mal.
— Tudo bem, obrigada — murmurei, chorosa.
Aquela mão pesou ainda mais no meu corpo, seus dedos pareciam apertar minha carne,
extraindo não só minha essência, como também liquidando com meus medos.
— Eu... eu não sou a pessoa adequada para dar conselho — seu tom de confissão me fez
virar e o encarar, sua mão deslizou para a minha barriga, próximo do cinto que prendia a camisa.
— Sou o último dos meus amigos a ser apontado como cavalheiro. Então, só... aguente firme, até
eu terminar com os Servantes. Meu apartamento é o local mais seguro que você terá, com
televisão, notebook e os aparelhos de academia.
— Sei que sou apenas uma desculpa para você conseguir o que quer. — Sentei-me,
dobrando as pernas para o lado e apoiando uma das mãos na sua coxa. Estávamos quase da
mesma altura, tão próximo e atraente, que todo o meu corpo reagiu, como nunca aconteceu. —
Talvez eu fique mais vezes triste ou me sentindo deslocada, mas não é sua culpa. Obrigada por
me oferecer um lugar seguro para estar, no meio dessa confusão. Como você deduziu, sou
virgem e não tenho a menor vontade de me relacionar com um homem. Só quero poder me
descobrir.
Inclinei-me o suficiente para beijar sua bochecha um pouco mais demorado que o
normal, para demonstrar o tamanho do meu afeto por aquele gesto. Voltei a me deitar de costas
para ele, senão eu faria muito mais. Precisei puxar a camisa pra baixo e fechar os olhos com
força, meu coração estava acelerado, prestes a pular pela boca.
Ele exalou com força e se levantou, eu não me importaria de tê-lo daquele jeito por mais
alguns minutos. Mas era isso, eu precisava de ajuda, ele me ofereceu em troca de poder seguir
com a antiga rivalidade.
Nem percebi que dormi, a exaustão era da alma. Quando acordei, era noite e eu estava
sozinha no apartamento. O jeito era explorar o local e assistir alguma coisa enquanto o anfitrião
não aparecia.
Capítulo 10
Ismael Ferri
Com uma longnek a tira colo e o olhar na tevê, eu não prestava atenção no que estava na
tela, minha mente estava longe, mais precisamente, na garota deitada no meu quarto de hóspedes.
Escorreguei um pouco mais na cadeira de madeira, meus braços estavam no apoio e a
respiração permaneceu lenta. Eu não queria estar pensando em Regina daquela forma, mas
quando ela disse que queria se descobrir, colocando a intimidade com um homem como barreira,
eu me senti desafiado.
Por que eu estava tão incomodado? Tinha muitos contatos que poderiam atender minha
necessidade; se ansiava por provar minha virilidade, eu não precisava convencer aquela jovem de
dezoito anos.
Caralho, ela era quatorze anos mais jovem, não combinava em nada comigo. Por mais
que ela fosse uma sobrevivente e estava lidando melhor do que o esperado com a agressão
sofrida, Regina Alves ainda era apenas uma garota.
Não, ela era uma mulher. Poderia ser inexperiente e não perceber meu olhar malicioso
por seu corpo – que era inevitável –, mas respondia por seus atos, era maior de idade e linda
naturalmente.
Um beijo no rosto nunca mexeu comigo, nem mesmo quando era adolescente. Precisei
me afastar rapidamente, senão pularia em cima dela, para exigir que aqueles lábios se
encostassem nos meus.
— Tomando uma e nem é fim de semana? — Saul abriu a porta de vidro e entrou,
trazendo não só o cheiro das baias dos cavalos, como o próprio odor de suor dele.
— Você fede. — Enruguei o nariz e tomei um gole da Kroz Beer. — Ainda cuidando da
Estrela?
— Resolveu. Meu problema de hoje foi outro, acabei no meio do curral com os
novilhos. Só coisas leves. — Ele tirou uma garrafa de água da geladeira e se sentou no banco
alto, no balcão da churrasqueira. — Quer queimar uma carne?
— De boa. A conversa seria rápida, se todos chegassem no horário marcado.
— É sobre a garota que estava com você de manhã? Minha mãe comentou sobre o
quanto ela era perfeita para você.
— Se der corda para dona Nancy, ela vai me enforcar em um casamento. — Bufei,
achando graça, ao mesmo tempo que fiquei preocupado. — Regina foi marcada por Heitor
Servantes.
— Que merda. Como ela veio parar aqui?
— No trailer. — Virei meu rosto, Estevão e Thiago apareceram pelo corredor. Pelo
menos, o advogado e o executivo mauricinho chegaram ao mesmo tempo. — Atrapalhei o
momento das senhoras? — zombei quando os dois entraram.
— Não sabia que você estava conferindo meus horários. Quer anotar meus
compromissos também, secretária? — Thiago entrou na brincadeira, aproximou-se com a mão no
ar e bati minha palma na dele. — Que cara de acabado, Galego.
— A novinha está te dando canseira? — Estevão também me cumprimentou e o encarei
sério demais, alimentando as ideias sacanas que sempre rondavam sua mente. — Hum, pelo mau
humor, deve ter te deixado com bolas azuis.
— Ela só tem dezoito anos, Puto.
— Já pode mudar o tipo de boneca que ela brinca. — Piscou um olho e se acomodou ao
lado de Saul. A cara dele se transformou e ele se afastou, sentando-se na cadeira do meu lado. —
Você cheira a merda, Bretão.
— Cheiro de macho é assim. — Saul começou a rir, eu o acompanhei. — Da próxima
vez, vou passar perfume para te recepcionar e não incomodar seu olfato delicado.
— WD40[1]?
Thiago pegou uma longneck rindo alto e eu relaxei, aquela era a minha normalidade,
estar no Escritório dos Garanhões era ter uma única certeza, diversão. Antes de tomar o primeiro
gole, o mauricinho de terno e gravata tocou a sua garrafa na minha e se sentou em uma das duas
cadeiras de madeiras vagas.
— O que era tão urgente? — O mais centrado de nós quatro tomou mais um gole da sua
cerveja e apoiou os antebraços nas coxas.
— Tem mulher na área — Estevão se intrometeu.
— Cala a boca. — Terminei minha Kroz Beer e me levantei, para jogar o casco no lixo
de reciclado. — Eu comprei uma mulher.
— Não, você comprou cavalos e junto deles, veio de brinde uma humana. — O
advogado se recostou na cadeira e sorriu, cínico. — Ela ainda está por aqui?
— Vai me deixar falar ou quer tomar a frente e resolver tudo? — Coloquei as mãos na
cintura, perdendo o humor com meu amigo.
— Sabe que eu faço o serviço melhor do que você.
— Como assim? — Thiago me encarou e colocou a mão na frente de Estevão, para que
não respondesse. — Seu pai está mudando de ramo e se afundando ainda mais?
— Não. — Voltei a me sentar e encarei os três. — A mãe dela deve ser uma das
mulheres que frequentam as surubas promovidas pelos Servantes. Vendeu a própria filha, que
tinha mudado de cidade, para fugir desse tipo de vida.
— Puta merda, se for Heitor Servantes, ele vai querer a garota de volta — Saul deduziu
o óbvio e concordei com a cabeça.
— Sim, ele esteve na Ferri hoje mais cedo, viu Regina e declarou guerra. O idiota fará
de tudo para a ter de volta, ou seja, todos nós precisamos ficar alertas.
— Iremos antecipar o plano que ainda precisava de alguns meses para ser amadurecido.
— O advogado parou de brincar e se ajeitou na cadeira. — Há um tempo estamos vendo o
movimento dos Servantes na nossa cidade, comprando alguns estabelecimentos e fidelizando
outros. Seu pai deixou de agradar ao prefeito e está atrapalhando a nossa vida.
— Até as licenças de algumas obras estão sendo seguradas por conta disso — Thiago
complementou, tranquilo. — Mas não tem nada que minha mãe não resolva, ela sempre se virou,
com o apoio da Ferri ou não.
— Independente até demais, por isso que ela está solteira até hoje — o amigo mais
brincalhão murmurou.
— Não vem ao caso, Puto. — Thiago virou sua longneck na boca. — Galego precisa
contar qual é o plano.
— Primeiro, proteção. Precisamos acionar alguma empresa de confiança para fazer a
guarda das nossas famílias, principalmente no rancho.
— São três estábulos e dois currais, além das casas ao redor. Como vai manter seguro
tudo isso? — Saul questionou, preocupado.
— Não me importo com o custo, ninguém vai se ferir. — Olhei para os outros dois. —
Precisamos tirar essa gente da cidade, não tem espaço para eles. Lembram do que aconteceu com
Maristela?
— Eles acham que podem controlar a vida das pessoas e forçar mulheres a se
restituírem. — Saul suspirou. — Por mais que não tenhamos cara de anjo, estar do nosso lado é
um pouco melhor do que se sujar por completo.
— Servantes compraram imóveis no bairro Terenos, tem uma construtora de olho neles
para construir um edifício de luxo. — Thiago pegou o celular, deveria estar pesquisando sobre
algo. — Se conseguirmos alcançar quem falta, iremos impedir que façam algo deles na nossa
área.
— Também podemos incomodá-los em Camonelis. — Estevão esfregou as mãos, seu
semblante conspiratório me animava, porque ele lutava bem, com o apoio das leis. — Não irá
resolver nada, mas com certeza ajudará a perder o foco.
— Eu acho que consigo o contato de uma empresa de segurança privada. Minha mãe já
precisou, uma vez, para a viagem internacional. — Thiago continuou mexendo no celular.
— Você pode deixar a garota aqui, minha mãe gostou dela. — Saul deu de ombros e
neguei com a cabeça. — Eu consigo controlar dona Nancy.
— Prefiro meu apartamento, ninguém chega no meu andar sem a senha do elevador. É o
local mais seguro e não vou ficar preocupado colocando outras pessoas em perigo.
— Ou, é apenas uma desculpa para estragar a encomenda do Servantes. Gosto disso. —
Puto se levantou. — Fiquei motivado para tomar uma com vocês.
— Não, você está dirigindo, eu sou o único a beber. — Thiago colocou o tornozelo em
cima da coxa, despreocupado. — Você sabe que isso não será suficiente, Heitor é capaz de matar
para alcançar um objetivo.
— Se ele tentar, será uma boa desculpa para eu revidar e tirar o pó da minha pistola. —
Cruzei os braços e fiquei no meio deles. — Obrigado, irmãos. Espero que essa situação passe
logo.
— Enquanto isso, relaxe e curta o processo. — Estevão apertou meu ombro, sorrindo
com arrogância. — Essa é sua chance de agir como o super-herói que você tanto gosta de assistir
e não assume.
Capítulo 11
Regina Alves
Escutei um barulho de porta sendo aberta e mutei a tevê. Passos cautelosos soaram, eu
aguardei alguém aparecer na porta da sala de televisão e rapidamente aconteceu.
Ismael apoiou o ombro e a cabeça no portal, me encarando com nostalgia. Digitalizou
meu corpo, eu tinha encontrado uma grande camiseta branca com o símbolo do Rancho Três
Conte na frente. Deduzi que ele não se importaria, uma vez que não era de trabalho. Também
coloquei um short com cordão, lavei minha calcinha enquanto tomava um banho antes de dormir.
— Oi. — Apontei para mim. — Espero que não se importe.
— Tudo bem — resmungou, saindo daquela posição e vindo até o sofá, se jogando ao
meu lado, bem diferente do reservado que ele se mostrou em primeiro momento. — O que você
está assistindo?
— Isso é cerveja? — Inspirei profundamente, próximo dele, que se inclinou na minha
direção, sorrindo. — Você está bêbado, Ismael.
— Levemente embriagado — assumiu, tirando o controle da minha mão e voltando o
som da tevê. — Eu precisava relaxar, tomei umas no rancho.
— Tudo bem, desde que não dirigisse. — Cruzei os braços, preocupada com ele, mesmo
sem ter o direito – ou intimidade – para isso.
— Eu faço tanta coisa errada, que isso é o menor dos meus pecados, Regina. — Pegou
uma almofada da parte traseira do sofá, colocou no meu colo e recostou sua cabeça nela. Ergueu
as pernas e se livrou dos sapatos, ambos cobertos de terra, espalhando sujeira pelo chão. — Mas,
entre mim e Servantes, com certeza eu sou o mais bonzinho.
— Conseguiu relaxar? — Descruzei meus braços e encarei-o naquela posição. O que eu
deveria fazer? Por que estava me sentindo tão bem com sua cabeça em meu colo?
— Um pouco — murmurou, olhando para a tela que brilhava cenas aleatórias.
— Eu não conhecia esse filme.
— É uma série, parece que estreou ontem no streaming. — Meu coração começou a
acelerar, ele bocejou, abraçando minha perna dobrada com a almofadinha. — Você gosta de série
policial?
— Depende do mistério envolvido. — Esticou o braço e colocou o dedo na minha boca,
me surpreendendo. — Silêncio, quero prestar atenção.
Sem reação e por estar bem descansada do sono da tarde, acatei sua ordem. Minhas
mãos, curiosas, foram para seu cabelo e o acariciei, sentindo a maciez nos meus dedos e o quanto
era sedoso na minha palma.
Fui e voltei, sentindo seu couro cabeludo e o quanto ele parecia jovem naquela posição.
Se nossos caminhos não tivessem se cruzado daquela forma inusitada, talvez eu conseguisse o
ver como um amigo.
— Normalmente, eu não pergunto. — Ele se virou de barriga para cima e segurou meu
pescoço com a mão na nuca. — Mas eu acho que preciso, por conta da nossa situação.
— O quê? — sussurrei.
— Posso te beijar?
Não respondi com palavras, inclinei-me para a frente e o peso da sua mão em mim foi
ficando cada vez maior. Assim que meus lábios encontraram os dele, senti o álcool, a doçura e,
também, um calor que se espalhou pelo meu ventre.
Ele abriu a boca e separou meus lábios com a língua, invadindo e dominando, querendo
mais do que apenas um leve toque. A sensação era diferente, com sabor de proibido e liberdade.
Perdi o fôlego e me afastei, eu não queria estar me sentindo daquela forma, aquele homem era
confiável apenas para me manter longe de alguém pior do que ele.
Ismael Ferri nunca negou que era um homem mau. Por que estava me entregando de
bom grado para o vilão?
Fiquei de pé, assustada e Ismael tampou seus olhos com o antebraço. Gemeu e ajeitou a
calça, por mais escura que a sala estivesse, o brilho da tela iluminava o suficiente do volume que
estava em sua virilha.
Um aperto no peito me fez recuar, era medo e também algo desconhecido, que não
parecia meu. Por que o beijei? E naquele momento, por que o estava rejeitando?
— Não queria te incomodar, Regina. — Continuou na mesma posição. — Pode ficar
tranquila, não acontecerá mais nada.
— Eu... você... Será que eu posso usar o computador e tentar falar com a minha mãe?
— Claro, vou trazer o notebook para você.
Ele se levantou com um pulo e saiu da sala. Corri para a parede, acendi a luz e voltei
para o canto que eu estava sentada. O formigamento nas minhas extremidades retornou, mãos e
pés estavam sensíveis.
Cruzei e descruzei as pernas, ficar sem calcinha com um short solto aumentava ainda
mais a sensação de... tesão. Caramba, seria isso? Por que estava acompanhada do temor de ser
violada?
Ismael voltou com o aparelho eletrônico em cima de um suporte de madeira, nem me
olhou nos olhos, deixou-me sozinha para lidar com minhas coisas. A ameaça que eu achava que
existia, nada mais era, que minha própria crença de não querer ter nada a ver com os homens.
Aquele era diferente.
Mesmo sendo muito tarde, eu conseguiria falar com a minha mãe. Busquei o contato
dela no meu e-mail, descobri uma forma de ligar sem precisar de um celular e usei um aplicativo
para fazer a chamada.
No terceiro toque, ela atendeu e sua voz saiu pelos alto-falantes do notebook.
— Alô?
— Mãe, sou eu — falei baixo e envergonhada. Mesmo sabendo que ela tinha feito tudo
aquilo comigo, eu não conseguia ficar chateada a ponto de cortar relações para sempre.
— Regina? — seu tom mudou para severo. — Onde você está? Por que não respondeu
minhas mensagens?
— Eu já tinha dito que não queria me casar, que iria pagar tudo de volta para você. —
Fiz bico, mesmo sabendo que ela não veria. — Não estou ligando para isso, apenas para dizer
que estou bem.
— Heitor te achou?
— Sim, e não foi legal.
— Nunca é, Regina. Que homem é bom o suficiente para conversar ou ter um
momento? Tudo é um meio para um fim. Deixe-o achar que está dominando e na vantagem,
pegue o dinheiro e arranje outro trouxa.
— Nunca fui assim, mãe. Nem quero discutir isso, estou exausta. Liguei apenas para
dizer que estou bem, para não se preocupar.
— Que bom, minha filha. Cuide de você, das suas coisas e não deixe ninguém te
derrubar. Agrade Heitor e logo conseguirá a brecha para sair sem ser vista. Você é boa em fugir.
— E você?
— Minha parte está sendo muito bem gasta, aproveite a sua.
Ela encerrou a ligação e precisei de muitos minutos remoendo sua última fala. Se a parte
que ela citou tiver a ver com o dinheiro que recebeu ao me vender, eu deveria vê-la como a pior
das mulheres. Mas, como todas as vezes, eu tampava o sol com a peneira e deixava de lado.
Minha única família, não dava para descartar facilmente.
Olhei notícias, depois pesquisei o nome de Ismael e vi muitas fotos dele e outros
rapazes, em vários eventos e bares da cidade. Encontrei uma imagem com ele e outros três, em
cima a placa escrita Escritório dos Garanhões.
Sorridentes e bonitos, os quatro tinham uma aura que me fazia desejar fazer parte.
Seriam eles os amigos que Ismael comentou? O de chapéu poderia ser o filho de dona Nancy, o
olhar era bem parecido com o dela.
Depois de tanto olhar fotos, saí da sala com o notebook, para devolver ao seu dono.
Procurei por todo o apartamento e me restou o quarto, que tinha a porta entreaberta.
Ele estava jogado na cama de bruços, apenas de cueca. Suas costas com músculos bem
definidos chamaram minha atenção, até as pernas eram bem torneadas.
Deixei o dispositivo eletrônico na cômoda próximo da porta, puxei o edredom do canto
e o cobri. Em um movimento ousado, alisei o cabelo dele, sentindo mais uma vez aquela textura
sedosa na palma.
Seus lábios me convidaram para serem beijados, mas me contive, eu não estava no seu
apartamento para viver uma história de amor. Não tinha sido feita para aquilo, eu precisava
pensar apenas em mim.
Voltei para a sala, continuei a assistir a série e dormi no sofá.
Nem vi que horas eram, apenas que abri os olhos assim que o sol iluminou o ambiente.
Virei-me de barriga para cima, esticando meu corpo e sentindo as dores por ter ficado em uma
posição incômoda.
O que faria? Como seria? Aquela era minha nova realidade, um dia de cada vez.
Capítulo 12
Regina Alves
Levantei-me disposta, fui para a cozinha e me assustei com a presença de uma senhora.
Ela também não esperava me ver, ficamos alguns segundos nos encarando antes de rirmos sem
graça.
— Oi, eu sou a Regina. — Coloquei as mãos para trás, minhas bochechas esquentaram
de vergonha.
— Liliana. — Ela veio até mim, apertou meus braços e me deu um beijo em cada
bochecha. Bem, pelo visto ela não era a esposa, estava mais para mãe ou tia. — Está com fome,
querida? Você parece um pouco perdida.
— Não quero atrapalhar.
— Imagina, é meu serviço. Você gosta de café? Chá?
— Eu posso...
— Comigo por perto, ninguém mexe nessa cozinha! — Colocou as mãos na cintura e
ficou séria, aquela bronca soava como uma brincadeira, mas levei a sério, para meu coração.
Abri e fechei a boca, assustada, meus olhos se encheram de lágrimas sem motivo algum. — Oh,
querida, está sensível. O que aconteceu?
Antes que eu pudesse mudar de ideia, fui até ela, que me recebeu de braços abertos e me
aconchegou – igual ou mais do que Nancy. Aquela era a sensação materna, que eu tive quando
criança e perdi quando entrei na adolescência. Nunca imaginei que eu sentia falta, que era
importante.
Quando será que minha mãe mudou comigo? Por quê?
Chorei nos braços dela, sentindo-me confortável o suficiente para abrir meu coração.
— Eu nunca pensei que minha mãe poderia fazer isso comigo. Fez um acordo com um
desconhecido, mesmo eu tendo saído da casa dela, para viver minha própria vida. — Afastei-me
para a encarar, ela limpou minhas lágrimas, preocupada. — Sei os sacrifícios que ela fez para eu
ter uma boa educação, comida e uma casa. Até eu viver com meu próprio dinheiro, não tinha
noção de como é difícil. Oh, Deus, eu estava disposta a devolver tudo o que ela me deu.
— Mas, querida, você nunca vai conseguir retribuir o que ela fez com você desse jeito.
— Puxou-me para um abraço e acariciou minhas costas. Eu deveria estar com um nível de
carência muito alto para procurar consolo em uma pessoa que tinha acabado de conhecer. — Por
mais que seus pais falem o contrário, a recompensa para o que foi dado por eles é você seguir sua
vida.
— Mas eu estava fazendo! — resmunguei.
— Pensando em devolver tudo, com o objetivo errado. — Ela me soltou, ajeitou meu
cabelo com as mãos e me olhou da cabeça aos pés. — Agora, só me esclareça uma coisa. Quem é
esse homem com quem sua mãe fez um acordo? Ismael?
— Bom dia. — O dono da casa apareceu, vestido formalmente e com um olhar sombrio.
Dona Liliana passou por mim e foi até ele, confrontá-lo como fez comigo minutos antes.
— Você não acha que passou dos limites ao fazer um acordo com a mãe da menina,
contra a vontade dela?
— Oh, não! Ele está me ajudando. — Corri para ficar entre eles, protegendo Ismael das
acusações daquela senhora.
Com uma das mãos no meu quadril, ele me colocou ao seu lado sem perceber que me
incendiou por dentro. Olhou da mulher para mim e suspirou confuso, com certeza estava de
ressaca.
— Primeiro, eu sempre sou culpado de tudo, até disso, ninguém precisa me defender.
Mas — ergueu o dedo — em minha defesa, nesse caso em específico, eu preciso de um pouco de
café forte antes de ouvir o discurso das moças.
— Vou passar — dona Liliana não parecia contente e eu me sentia culpada. Caramba,
que confusão eu estava fazendo.
— Oi, bom dia — cumprimentei-o, que passou por mim, abriu a geladeira e tomou uma
garrafa de água em alguns goles. Encarei a senhora, que não parava de lhe dirigir olhares
ameaçadores. — É sério, dona Liliana. Ismael poderia ter me devolvido para o tal Servantes, mas
está me protegendo. Ele não fez nada de errado, não o trate assim.
— Eu te beijei — ele murmurou e deixou a garrafa dentro da pia.
— Corrigindo, você perguntou se podia, eu que tomei a iniciativa. — Estava me
sentindo tão confiante, então os dois me encararam intensamente e eu só queria um buraco para
me enfiar. — Enfim, eu acho melhor voltar a dormir.
— Providencie roupas, calcinhas. — Olhou para minhas pernas e negou com a cabeça,
afugentando pensamentos. — E o que mais ela precisar. — Então, saiu da cozinha.
— Ainda não passei seu café! — Liliana reclamou.
— Volto para o almoço — gritou de longe, ouvi a porta bater, indicando que ele tinha
saído do apartamento.
— Não o culpe, sério. Ismael me ajudou desde o início, diferente do outro, que me
acertou um soco no queixo, que mal lembro o que aconteceu antes. — Apontei para meu lábio,
que já estava cicatrizando e desinchou, porque eu tinha colocado gelo. — O beijo não era para
ter acontecido, ele voltou embriagado e foi fofo.
— Tenho muitos adjetivos para Ismael Ferri, esse é um que não está na lista. — Ela
suspirou para retomar o controle emocional e sorriu, mais tranquila. — Agora eu entendi suas
roupas, você não tem nenhuma.
— Apenas o vestido pendurado na área de serviço e a calcinha no banheiro. — Fiz uma
careta quando ela franziu o cenho. — Eu estou um pouco deslocada, sinto muito se estou agindo
de forma indevida. Mas aprendo rápido, você me diz o que fazer e como, eu farei.
— Menina, aquele vestido precisa ficar de molho, ainda tem muita sujeira. — Fez um
movimento com a mão, me chamando para outro abraço e fui. — Não se preocupe, eu te ensino
o que precisar. Tão novinha e educada, você tem tudo o que precisa aí com você, o resto, você
agrega. Nada é perdido, tudo pode ser reciclado, até mesmo as nossas experiências de vida.
— Obrigada. Espero que ele não fique bravo comigo também, por ter te contado o que
está acontecendo na minha vida.
— Menina, se ele reclamar, o que vai acontecer? — Ergueu a sobrancelha, mas não
esperava resposta, porque era uma pergunta retórica. — Da mesma forma que eu digo o que
quero, sabendo que ele vai ignorar metade das coisas que eu falo, aprenda isso, você não precisa
levar tudo como uma ordem.
— Você tem razão. — Sorri e ela retribuiu. — Posso te ajudar a passar o café?
— Não. — Apontou para a porta. — Vá para a sala ou o quarto, quando seu café da
manhã estiver pronto, eu te chamo.
— Eu... — Fechei a boca, porque ela ficou séria e me assustou. — Sim, senhora.
— Muito bem. — Sorriu, orgulhosa. — Qual seu tamanho para roupas? Vou pedir para
a sobrinha da minha vizinha trazer algumas, ela é sacoleira e tem de tudo.
— Não sei por que Ismael disse isso, eu não tenho como pagar.
— Nem eu, mas o dono desse apartamento mandou, eu faço e uso o cartão que ele me
deu para atender todos os seus pedidos.
— Fácil assim?
— Não se engane, ele sabe tudo e quando mudo de opinião no meio do caminho e não o
informo, exige explicação.
— Uau, nunca pensei que poderia existir algo como isso. Sempre tive o dinheiro bem
contado. — Fiz uma careta e ela me empurrou para fora da cozinha. — Gostei muito de você,
Liliana.
— Espero que fique por aqui tempo suficiente para a mudança acontecer.
— Ismael vai trocar de apartamento?
— Estou falando de outra, muito mais importante.
Confusa com aquela declaração, olhei ao redor e decidi retornar para a sala de televisão.
Precisava encontrar algo para fazer, nem que fosse caminhar naquela esteira do outro cômodo,
senão iria surtar com o tédio.
Em vez de escolher uma série para ver, escolhi o aplicativo de música e encontrei as
playlists de Ismael Ferri. Fui surpreendida com várias delas, os nomes eram palavras que
causavam um rebuliço no meu estômago.
Razão.
Saco cheio.
Tesão.
Escolhi randômico, para me surpreender e uma batida de rock soou. Deitei-me no chão,
olhei para o teto e deixei minha imaginação ir longe. E se eu tivesse continuado com o beijo?
Então, imaginei suas mãos pelo meu corpo, depois me jogando de lado e me rejeitando.

“Você quer me odiar


Eu não sou o inimigo
Você me culpa
Mas eu sigo minha integridade
Você tenta me mudar
Não vai me derrubar”
Bury The Darkness – Break Me

Caramba, eu precisava afastar aquele tipo de sensação, senão não sairia do lugar. Minha
mãe tentou me manipular, eu não precisava ficar refém das escolhas dela, seguiria as minhas.
Capítulo 13
Ismael Ferri
Esperar não era o meu forte. Com uma mente agitada e inquietação acumulada, minha
perna sacudia e as mãos se fechavam com força em meu colo. Na recepção da Hold Consultoria
e Segurança, eu seria chamado assim que De Paula terminasse uma reunião. Por conta do meu
sobrenome, não dava para falar com nenhum agente normal, tinha que ser o dono.
Por mais que eu lutasse contra a sensação do beijo de Regina, ele estava presente na
reação do meu corpo e nas imagens formadas em minha mente. Se ela não interrompesse, eu iria
ultrapassar um limite que não almejava. Não dava para me relacionar com a mulher que estava
destinada a ir embora quando tudo terminasse. Era apenas um meio para um fim, ela tinha muita
inocência para meu lado perverso.
Regina não estava pronta para me conhecer entre quatro paredes, eu era despudorado
demais para as santinhas. Por isso que aprendi a me relacionar com as mais experientes e que
eram tão desprendidas quanto eu, a luxúria era garantida, e ninguém levava o coração para a
cama.
A única promessa que eu fazia era uma noite inesquecível. Sem telefones ou um
segundo encontro, era prático para ambas as partes. Mas com Regina, morando no meu
apartamento, eu teria fácil acesso ao seu corpo e não me faria de regrado, tomaria todos os dias.
O que isso dizia sobre mim? Ela iria se apaixonar e eu não conseguiria lidar com as cobranças
que viriam depois.
Levantei-me assim que vi um movimento de pessoas saindo da empresa. Um homem de
terno, postura firme e olhar potente veio até mim, com a mão estendida em minha direção.
— Muito prazer, sou De Paula.
— Olá, Ismael Ferri. — Cumprimentei-o com a mesma força que ele imprimia no
aperto.
— Vamos para a minha sala, por favor.
Acompanhei-o para dentro, seguimos por um corredor, depois descemos um andar de
escada e continuamos caminhando. Havia portas e números em cima delas, nenhuma outra
identificação.
Ele abiu a última antes de virarmos para outro corredor, havia uma mesa de reunião no
centro, cadeiras de couro ao redor e um homem forte e sisudo de pé no canto, com as mãos nos
quadris.
— Esse é Zander, um dos líderes da Hold. — De Paula apontou para que me sentasse e
ele fez o mesmo. — Então, você tem um pedido especial.
— Sim. Preciso de uma equipe com seguranças dedicados para guardarem um rancho,
empresas e residências. Somos quatro famílias.
— Qual a ameaça?
— Sei que não preciso contar uma história que vocês já conhecem. Se estão em
Riveraluz, sabem que a Ferri e as empresas associadas garantem o bom funcionamento da
cidade. Há alguns meses, Servantes estão comprando território, para disputar o poder.
— O único que deveria ter o poder para comandar e proteger a cidade era o Prefeito. —
O homem relaxou na cadeira e manteve o olhar firme para mim. — Não gostamos de criminosos,
sejam os cruéis ou os de colarinho branco.
O tal Zander cruzou os braços, expondo seus músculos para me intimidar, mas só me
irritou. Voltei minha atenção para o dono, que me aguardava rebater.
— Poderia listar todas as ações em benefício da cidade, mas vocês veriam apenas a
forma como isso foi feito. Foda-se, De Paula. Não estou aqui para vocês apoiarem minha
empresa ou se tornarem uma associada dela, preciso de proteção, porque eu não estou sozinho,
tenho amigos e os parentes deles envolvidos. Servantes agrediu uma mulher, ela foi colocada
dentro de um trailer com cavalos e, sorte ou azar, parou nas minhas mãos. Seria fácil devolvê-la
para o inimigo e evitar o confronto, mas eu quero expulsar essas pessoas da cidade, porque não
há nada de bom vindo deles. — Coloquei o indicador em cima da mesa, para salientar a próxima
declaração: — Ferri pode ser um problema para as leis e os bons costumes, mas Servantes fará
muito pior e sem oportunidade de diálogo.
— Isso quer dizer que você está disposto a conversar?
— Sempre estive. Isso não quer dizer que irei atender todos os pedidos. — Minha vez
de relaxar na cadeira e olhar de um para o outro. — Sei que Riveraluz pode não ser a cidade da
vida de vocês, a Hold aqui é apenas uma filial. Mas para mim, ela é tudo. Preciso do serviço de
vocês, trazer uma concorrência vai nos criar problemas desnecessários.
— Estou de acordo, se mantiver a palavra do diálogo. — Ele se inclinou para a frente,
mais tranquilo. — Não somos a polícia, mas gostamos de trabalhar dentro da lei.
— Tenho certeza de que muitos dos equipamentos que vocês têm não foram aprovados
ou catalogados pelo Governo. — Bufei, negando com a cabeça. — Eu assumo meu lado ruim,
por mais que eu seja o mais bonzinho dos vilões.
— Isso é o que vamos descobrir. — Ele se levantou e estendeu a mão para
cumprimentar, eu a apertei, esperando que dissesse mais alguma coisa. — Os detalhes da missão
você verá com Zander. Quando terminarmos o serviço, vou cobrar esse diálogo.
— De acordo.
— Vejo que está armado. — O segurança se aproximou e De Paula saiu da sala. — Por
um acaso você sabe usar a pistola sem machucar um inocente?
— Se tivesse um estande de tiro, eu mostraria o que sei fazer — provoquei-o, sorrindo
com deboche.
— Ter boa mira não te garante uma boa execução quando estiver sob ataque. — Ele foi
para a porta e fez uma indicação com a cabeça para o seguir. — Temos um local de treino,
vamos ver o que você sabe, antes de voltar a conversar sobre os outros a serem protegidos.
— Todos sabem manejar uma arma, trava de segurança e mira, apenas eu ando armado.
— Desconfiado demais? — Foi a vez dele sorrir cheio de sarcasmo.
Saímos da sala e ele me levou para outra direção, mais corredores e portas. Não
aparentava, mas a Hold era grande demais, do lado de fora parecia apenas um escritório normal.
— Sou o único que lida com os verdadeiros bandidos, diretamente. Mas nunca precisei
usá-la, apenas ameaçar.
— Nunca matou ninguém — deduziu e concordei com a cabeça.
Ele abriu uma porta, sons de tiros ecoaram pelo local e sorri ao ver os alvos no fundo.
Fazia tempo que não praticava, era sempre bom apertar o gatilho e descarregar a frustração, bem
parecido com o exercício físico ao extremo.
Zander parou em uma das cabines, eu tirei a arma e ele pediu para que eu a manuseasse.
Para minha irritação, o segurança corrigiu desde a minha empunhadura, até a forma de
engatilhar. Ele queria mostrar que sabia mais e antes que eu caísse em sua armadilha – de me
tirar do sério –, aceitei sua instrução e aprendi.
Quando mirei e acertei todos os tiros no centro, tanto minha raiva, quanto a implicação
de Zander tinham ido embora. Um entendimento silencioso surgiu entre nós e, finalmente, nos
cumprimentamos como iguais.
— Oferecemos treinamento para os segurados, se for do seu interesse. Não deixaremos
de fazer nossa parte, mas é sempre bom saber se defender, como é o seu caso.
— Minha arma é para proteção, nunca ataque. Vou deixar essa parte com vocês, no
momento de revidar, porque Servantes não perdoa.
— Conheço a reputação e alguma das histórias sobre prostituição. — Suspirou,
incomodado. — Que bom que veio até nós. Teremos muito para contribuir mutuamente.
— Quando vocês começam? E os valores?
— Venha comigo até o administrativo, parte disso é com eles. — Guardei minha arma,
ele me acompanhou e estabelecemos o primeiro movimento para ter todos assistidos.
Teria um gasto inicial com equipamentos de vigilância, avisei meus amigos por
mensagem de texto no grupo que compartilhávamos, que iríamos fazer o treinamento com o
pessoal Hold e a parte do valor que cada um contribuiria. Por mais que eu tivesse começado a
guerra, aquela era uma briga que envolvia a todos.
Meu pai me ligou durante os últimos momentos de negociação, mas não o atendi. Iria
para meu apartamento, almoçar, depois lidaria com ele e suas exigências. Eu estava no comando,
por mais que ainda fosse o nome dele nos documentos da Ferri.
Quando cheguei no meu apartamento, o cheiro de comida fez meu estômago revirar de
fome. Bife acebolado e cobertura de bolo, por mais que os dois não combinassem, comer um,
depois o outro de sobremesa ajudaria o meu humor a melhorar.
Pelo menos eu achava que era isso que iria acontecer.
Capítulo 14
Regina Alves
Com a toalha de mesa nas mãos, fui até a sala e dei de cara com Ismael. Ele me encarou
tão surpreso quanto eu, porque não tinha ouvido o barulho da porta.
— Você está com roupas femininas — comentou, olhando-me da cabeça aos pés.
— E de calcinha — comentei, tão natural, que só notei minha gafe depois das palavras
saírem. Abaixei a cabeça e ajeitei o pano em cima da superfície, ele não precisava daquela
informação. — Liliana providenciou as roupas, obrigada. Se tiver algo que eu possa fazer para
retribuir...
— Nada a ser feito, eu cuido de tudo. — Ele entrou na cozinha e o acompanhei. —
Quanto tempo mais para o almoço?
— Vinte minutos — a ajudante do lar respondeu.
— Vou correr um pouco, então.
— Por quê? — Fui atrás dele, que me ignorou. Segui-o para o quarto, Ismael abriu o
guarda-roupa e começou a se despir, sem pudor, como se eu não estivesse observando tudo. —
Eu volto depois — murmurei, envergonhada.
Corri para a cozinha, peguei os pratos, talheres e copos, para colocar na mesa. Minhas
bochechas coradas deveriam ter me denunciado, porque dona Liliana sorria contida.
— O quê? — resmunguei e ela riu. — Eu só falo besteira.
— Está nervosa perto dele, é normal. Ismael não dá abertura para qualquer um. Fique
tranquila.
— Eu tento, mas parece que estou atrapalhando. Queria ajudar!
— Já está fazendo. — Apontou para o balcão. — Termine de enfeitar o bolo de cenoura,
é o preferido dele.
Fiz como orientou, nós tínhamos conversado a manhã inteira. Contei sobre minha vida,
a infância, meus conflitos com minha mãe enquanto Liliana me dava conselhos e fazia meu
coração se aquecer pelas palavras compreensivas que compartilhava comigo.
Aquela mulher era incrível, um grande presente em forma de pessoa.
A moça que vendia roupas em domicílio nos divertiu com muitas histórias. Ela tinha
todos os tipos de peças, escolhi três vestidos e um conjunto de jeans e camiseta. Nenhuma
lingerie era básica, mas consegui shortinhos de renda confortáveis. A roupa de dormir, eu
continuaria com aquela blusa e short de Ismael, não queria dar mais despesas.
Tudo parecia simples e fácil de lidar, até o momento que eu fechava os olhos e lembrava
que estava naquele lugar, porque minha mãe me vendeu. Tentava não pensar daquela forma, eu
ainda achava que poderia ser um equívoco, não a realidade.
Terminei de enfeitar o bolo, a comida ficou pronta e a mesa estava posta. Fui até o
cômodo, que era uma pequena academia, chamar Ismael. Em vez de abrir a boca para falar, eu
fiquei naquela posição, para o admirar.
Parecia um vídeo de rede social, ele corria na esteira, sem camisa e um short curto,
todos os músculos estavam brilhando de suor. Dificilmente eu me excitava ao ver um homem,
mesmo ele estando nu ou em um momento íntimo, mas Ismael Ferri, fazendo exercícios, era
incrível.
O arrepio que começou da perna e chegou no meu couro cabeludo me despertou.
Abracei-me para dispersar aquela sensação, fechei a boca e o olhar dele veio até mim.
— Está pronto? — questionou, ofegante e sem parar a atividade.
— Si-sim. — Conferi-o novamente, porque estava difícil desviar o olhar.
Mesmo com a pausa dele, pulando da esteira e vindo na minha direção, eu ainda não saí
daquela posição parada na porta. Ismael apoiou o antebraço no batente, inclinou sua cabeça para
baixo e, finalmente, percebi o quanto ele era alto, largo e forte. Eu era apenas um pequeno
pedaço de mulher, suspirando pelo pacote completo à minha frente.
— Eu acho que você está com fome.
— Por quê? — Engoli em seco e ele riu.
— Porque me olha como se eu fosse a carne mais suculenta.
— E o suor me lembra o tempero. — Pressionei os lábios, para não falar mais nenhuma
besteira. Seus dedos tocaram meu queixo e o levantou, nossas bocas estavam bem próximas. —
Vai me beijar de novo? — sussurrei.
— Você quer? — Ele mexeu a cabeça, fingindo me beijar e se afastou, sorrindo com
safadeza ao ver a decepção no meu olhar. — Ou quer minha boca em outra parte do seu corpo?
— Outra parte? — Perdi o fôlego, tentando imaginar o que ele falava, mas demorei
demais para chegar na cena, ele passou por mim rindo e eu fiquei parecendo uma boba
apaixonada.
Fechei o olho, gemi e encostei a cabeça no mesmo lugar que ele tinha se apoiado. Seu
cheiro ainda estava no ar e a música, que antes tinha sido ignorada, naquele momento, foi meu
único consolo.

“Eu mantenho meus olhos baixos


Perseguindo sombras
Movendo-se através do escuro
Porque há um incêndio
Isso continua subindo
Queimando através do meu coração
O que quer que eu faça, não vou olhar para trás
Eu vou me levantar das cinzas”
Natalie Rimes, Seibold – This Is How All Goes Down

O melhor que eu fazia era estar do lado de Liliana. Mais seguro e menos tentador. Por
mais que Ismael estivesse me ajudando, nada o impedia de brincar com meus sentimentos. Para
homens como ele, uma noite e nada mais era o normal. Eu nunca tinha me apaixonado e nem
queria. Sentia, no fundo da alma, que eu seria largada e teria um filho sozinha, como aconteceu
com minha mãe.
Voltei para a sala de jantar e sentei-me do lado oposto que o anfitrião se sentaria.
Obriguei a ajudante do lar a se sentar ao meu lado, para não ter oportunidade de mudança de
lugar. Por mais que ela falasse que nunca fazia uma refeição junto do patrão, eu não achava esse
conceito adequado, éramos todos iguais.
Minutos depois, Ismael apareceu de banho tomado e traje formal, ele era lindo sem
camisa e de terno. Se achou estranho como fiz, não demonstrou, acomodou-se na mesa e se
serviu, sem conversar com ninguém.
Caramba, era sempre assim?
— Como foi no trabalho? — perguntei, colocando uma garfada na boca e esperando
Ismael responder. Ele não parecia conectado, olhava para a frente e mastigava, ignorando nós
duas. Virei-me para Liliana, que franzia a testa, preocupada. — Ele é sempre assim?
— Converso apenas o necessário — resmungou, finalmente me dando atenção.
— Mas no rancho, você falou comigo. Aqui também, em outros momentos. Qual o
problema?
— Falei apenas o que importa.
— Tem alguma novidade sobre o tal Heitor? — fui para o assunto do momento, para
não desperdiçar sua saliva.
— Não.
— Há algo que eu possa fazer para ajudar?
— Não.
— Quando poderei pegar minhas coisas em Camonelis?
— Meu Deus, eu só quero comer! — Ele soltou os talheres e me encarou, a mão de dona
Liliana apertou minha coxa, para me dar apoio. Eu queria chorar, mas engoli meu orgulho e
empinei o nariz.
— Sinto muito por atrapalhar sua rotina, mas quem me colocou aqui dentro foi você. Eu
só queria um pouco de informação.
— Quando eu tiver e se for pertinente, compartilharei. No momento, você ficará aqui
dentro e esperará meu comando.
Ah, ele não tinha dito aquilo.
Levantei-me, soltando raios flamejantes pelos olhos, dei a volta e fui para a porta de
entrada do apartamento.
— Regina! — a voz brava dele não me parou, eu saí e apertei o botão do elevador, mas
ele estava no térreo e demoraria para chegar no andar. — Pare de agir como criança birrenta e
volte aqui.
— Não — respondi, no mesmo tom que ele tinha feito na mesa. Seu ódio combinava
com o meu, enquanto era ele quem falava, tudo bem. Ao receber o troco na mesma moeda,
estava incomodando.
— Entra! — ordenou, apontando para dentro do apartamento.
— Enfie seu orgulho nesse buraco. Pra mim, já chega!
Encontrei a porta da escada de emergência e, mesmo descalça, comecei a descer os
degraus.
— Regina!
— Não — rebati, irônica e acelerando meus passos.
Depois do segundo andar descido, ele conseguiu me alcançar, passou na minha frente
em uma das viradas e me pressionou contra a parede. Ismael respirava ofegante e eu estava
pronta para lhe ensinar que não precisava ser um saco de pancadas verbal.
— Quer me tirar do sério, é isso? — apesar do tom rosnado, seu olhar era diferente,
cheio de desejo.
— Se estou incomodando, me deixe ir. Fodida completa e fodida e meia, dá na mesma.
— Pelo menos, antes de foder, eu dou um beijo.
Inclinou a cabeça e me beijou, muito mais forte e intenso que a primeira vez. Abracei
seu pescoço quando me pressionou contra a parede, ódio e tesão se mesclavam e tornavam o
momento ainda mais excitante.
Capítulo 15
Regina Alves
Sua boca me possuía, a língua explorava e me incitava a continuar com o contato. Sentia
meu corpo se encaixando perfeitamente ao dele, um de seus braços envolveu minha cintura,
pressionando tanto nossos corpos, que não dava para ver onde eu começava e ele terminava.
Eu não queria assumir, mas ele mexia comigo. O primeiro e talvez o único que me fez
ter vontade de fazer mais do que trocar beijos e farpas. Nenhum contato físico anterior me
incendiava como Ismael fazia. Seria sensato parar e fugir, mas eu estava curiosa em saber o que
mais ele podia fazer além de me beijar.
Busquei por ar, virando o rosto. Ele deixou beijos pela bochecha, foi para o pescoço e
sugou a pele próxima do ombro, na intensidade perfeita para me excitar.
— Oh! — Arfei, esfregando-me na sua frente, inclinando meu quadril em direção ao
dele. Senti o volume da sua calça pressionar meu ventre, eu precisava dele um pouco mais para
baixo, então fiquei na ponta dos pés.
— Sim, você quer. — Mordiscou meu lóbulo e depois lambeu a lateral do pescoço. —
Sua boca, seu corpo...
— Eu...
— Acabou a negação? — Parou o que fazia para me encarar, eu respirava
descompassada. — Quer que eu continue?
— Me beija — pedi, sussurrando. Ele colocou sua boca na minha orelha e desceu a mão
da cintura para a bunda, esfregando seu quadril no meu.
— Queria fazer outra coisa. — Voltou a me beijar, muito mais obsceno e lento,
inflamando minha pele e desligando minha razão. — Porra — rosnou baixo —, só de te imaginar
nua debaixo de mim, meu pau fica ainda mais duro.
Um barulho ecoou na escadaria e a bolha de luxúria foi estourada. Pisquei várias vezes
até me recompor, com dor no coração – e nas minhas partes íntimas. Eu precisava de pressão
naquele lugar, mas não seria em um local como aquele.
Ismael pareceu recobrar a razão, porque deu um passo para trás, ajeitou o paletó e olhou
para o teto, tomando fôlego. Na virilha, ainda tinha um volume chamativo, eu nunca tinha visto
um pênis ao vivo, mas estava muito interessada em ver o daquele homem.
— Eu tenho quatorze anos a mais do que você — seu tom parecia justificar a
interrupção.
— Sim — murmurei. Ele pegou no meu pulso e me puxou para subir os degraus. O
barulho que nos interrompeu tinha desaparecido.
— Por mais que você esteja sob os meus cuidados, eu não posso me aproveitar da sua
ingenuidade, devo te respeitar.
— Sim.
— Mas eu quero te beijar de novo, Regina. — Ele me parou e desceu um degrau, nós
ficamos quase da mesma altura. Suas mãos foram para meus quadris e apertaram, seus lábios
estavam convidativos e eu também queria ser beijada. Por ele. — Se eu não conseguir parar de
fazer isso, vou ter que arranjar outro lugar para que você fique.
Inclinei a cabeça e o beijei, ele me abraçou e não se conteve com a mão nas minhas
laterais, se afundando na minha bunda, seguindo entre minhas pernas. Oscilei, por conta do
contato inusitado, mas não parei de beijá-lo, eu queria aquilo. Com ele.
Segurei-me em seus ombros, pronta para explorar seu corpo também, mas uma música
conhecida soou. Ele gemeu e parou de me beijar, apoiando a testa no meu ombro, frustrado. A
mão boba subiu pelas minhas costas, parou na minha nuca e a apertou. Voltou a me beijar,
apenas para provocar, mordicando meu lábio inferior sem tirar o olhar do meu.
Possessivo.
— Nós não terminamos. — Ele voltou a subir os degraus, segurou no meu pulso com
uma das mãos enquanto a outra tirava o celular do bolso. — Estou almoçando, chego na empresa
daqui a pouco. — Bufou. — Virou especialista em ritmo respiratório? Estarei aí o mais rápido
que posso, pai.
Encerrou a ligação, chegamos no último andar e ele me puxou para o hall. Ao entrar em
seu apartamento, ele me encarou por alguns segundos. Ismael não queria me forçar, mas também
não se rastejaria para me fazer ficar.
Eu fechei a porta, dando a informação que ele precisava, aquela era a minha decisão.
Dona Liliana não estava mais sentada à mesa, nem fui chamá-la, deveria ter concluído a refeição
enquanto estávamos namorando.
Caramba, será que Ismael Ferri tinha interesse em me conhecer a ponto de iniciarmos
um relacionamento sério?
Voltamos para a mesa, terminamos a refeição em silêncio e ele foi para o quarto, me
deixando nervosa com a falta de toques ou palavras de conforto. Fui atrás dele, encontrei-o no
banheiro do quarto principal, escovando os dentes. Assim que saiu, esbarrou comigo no caminho
e sorriu.
— Você já vai? — Cruzei os braços, incomodada de interrogá-lo ao mesmo tempo que
queria iniciar uma nova discussão petulante.
Com destreza, ele se inclinou, agachou e segurou-me pelas coxas. Antes que eu pudesse
cair de costas, ele deu passos largos e me jogou na cama, quiquei no colchão e ele subiu em cima
de mim.
Meu coração errou uma batida, ele se encaixou entre minhas pernas e esfregou seu
quadril no meu.
— Enquanto eu estiver trabalhando, você pode pesquisar no computador o que podemos
fazer além de beijar na boca. — Roubou-me um selinho, o hálito mentolado me fez buscar mais,
enfiei a língua em sua boca e o beijei como na escadaria. — Regina — o tom de alerta me
excitou.
— Eu acho que a gente pode continuar beijando, em todas as posições.
O homem se levantou, achei que iria sair da cama, mas colocou os joelhos ao redor das
minhas coxas, virou-me de bruços com um impulso da sua mão e apoiou seu corpo nas minhas
costas.
Prendeu meus cabelos nos seus dedos e ergueu minha cabeça, colando sua bochecha na
minha.
— Nem todas as posições são para beijar, Regina. — Investiu com o quadril na minha
bunda e ofeguei. — Caralho, mulher, se eu não for embora, vou arrancar sua roupa e trepar como
se eu estivesse há meses sem uma boceta.
Nem tive tempo para responder ou ficar chocada com sua declaração, ele se afastou e
saiu do quarto enquanto eu me transformava em uma massa mole de emoções.
O que estava acontecendo comigo?
Com as pernas bambas, arrastei-me para fora da cama, fui até a sala de jantar e Liliana
retirava a louça da mesa. Ela me encarou preocupada e eu dei de ombros, não sabia explicar,
apenas sentir.
— Tome cuidado, Regina, você está entrando em um mundo perigoso.
— Eu sei. — Ajudei-a com o resto da louça e fomos para a cozinha.
— Você está fragilizada e se apegando à primeira demonstração de afeto. Não dá para
buscar no outro o que a gente não tem. — Ela colocou os pratos e talheres na pia e tocou meu
coração. — A companhia de um homem não vai tampar o buraco que existe em seu coração. Só
você pode resolver isso.
— Ele está só me usando? — perguntei, lembrando-me da minha mãe e todos os
motivos que eu consegui usar, até antes daquele momento, para não ter envolvimento com os
homens.
— Ismael não teve o melhor dos exemplos. Ele é fechado e não vai compartilhar sua
vida. Se quisermos ter algo dele, teremos que nos moldar.
— Como você faz? — questionei, com despeito e ela sorriu sem se ofender.
— Sim. Eu não tenho mais nada a perder e Ismael apareceu na minha vida no momento
que achei que poderia fazer do meu jeito. Sem saber, as complexidades dele me ajudaram a ficar
sã. — Sua mão foi para a minha bochecha. — Você é jovem e tem muita coisa para
experimentar, não se limite no seu salvador. Logo você voltará para a faculdade, fará as pazes
com sua mãe e terá outros pretendentes para explorar essa sensação de frio na barriga e
admiração.
— Você acha que ele não é o certo para mim?
— A pergunta ideal nesse momento seria: vou dar conta de lidar com as consequências
dos meus atos? — Ela se virou para a pia e deixei o que tinha em mãos com ela.
— Precisa de ajuda?
— Vá descansar. Daqui a pouco sua roupa está toda limpa, eu levo para você.
Cheia de perguntas sem respostas, fui até o quarto de Ismael, peguei o notebook que
estava desbloqueado e segui minha intuição. Pesquisei sobre o Grupo Servantes, a empresa Ferri
e todos os associados.
No início da noite, eu estava sabendo mais coisas do que gostaria, a ilusão tinha dado
lugar para a realidade. Ricos, poderosos e cobiçados, nenhum daqueles homens iriam olhar para
uma mulher como eu. Precisava me afastar, porque eu sabia que, assim que Ismael chegasse, eu
não resistiria a ter mais um dos seus beijos.
Capítulo 16
Regina Alves
Ele não voltou para o apartamento naquela noite. De manhã, Liliana me falou que meu
protetor teve que acompanhar o pai no hospital, por conta da pressão alta. Ficaria ao lado do seu
único parente, que já tinha infartado uma vez e a saúde estava fragilizada. Impossível não ficar
triste por ele, Ismael carregava mais tensões emocionais do que demonstrava.
Não conseguia imaginar como eu me sentiria se minha mãe ficasse tão mal. A aflição
me dominou, troquei a interação com Liliana pelo computador, sentada no sofá da sala.
Continuei as pesquisas sobre os donos de Riveraluz, pensando em fazer contato com minha única
família, novamente.
Encontrei o aplicativo para fazer a ligação, coloquei o número da minha mãe, chamou e
ninguém respondeu. Insisti outras três vezes, sem sucesso, eu só conseguia pensar no pior. Tentei
uma última vez, fazendo uma oração silenciosa, a voz dela ecoou no cômodo depois de vários
toques.
— Oi — disse, sonolenta.
— Mãe, sou eu. Você está bem? — perguntei, sem esconder minha preocupação.
— Caramba, Regina, onde você se meteu? — resmungou e um farfalhar de tecido
encheu meus ouvidos. — Heitor está furioso e me culpando por você não ter cumprido sua parte
no acordo!
— Mãe, eu não vou ficar com esse homem. Por que não me consultou antes? Não
importa mais, desfaça esse negócio, sou maior de idade e respondo por mim.
— E você acha que isso tinha sido combinado desde quando? Pare de fugir, seu destino
é ser como eu. Aprenda, desde cedo, a manipular os homens.
— Me escuta, mãe! Eu não quero isso.
— Você que não está me ouvindo, precisa cumprir sua parte nessa merda, ou nós duas
estaremos fodidas. Está me entendendo? Fo-di-das!
— Então, cancela! — Joguei os braços para o ar. — Mãe, eu não sei ser como você. Não
quero me vender e ser maliciosa, só quero uma vida normal.
— Se não fossem os meus acordos, você nunca teria se formado no ensino médio. Se eu
não tivesse vendido meu corpo, nem comida teríamos em casa. Então, você finalmente diz que
quer retribuir. Aceite, lembra? Te coloquei no meio e não pode recuar. Não tem como, Regina!
Cansei de te proteger, é sua vez de fazer algo por mim.
— Não vou me prostituir — rosnei, com as lágrimas nos olhos. — Eu te agradeço
muito, mãe, mas...
— Já vai chorar? Meu Deus, tem que virar o disco, menina. — Soltou o ar com força,
irritada, nem parecia mãe, mas uma chefe. — Vamos fazer o seguinte, volte para casa e
conversamos. Enquanto você estiver enfiada em algum buraco, nenhuma de nós duas teremos
paz.
— Eu vou ver.
— Não, você virá — ordenou e funguei, para evitar chorar. — E se não vier, economize
nas lágrimas para o meu funeral. Porque é só isso que me resta se não fizer sua parte nesse
acordo, um caixão.
— Mãe! — gritei e ela encerrou a ligação.
Raiva e culpa me impediam de xingar ou fazer mais do que respirar descompassada, ela
tinha a própria razão, mas eu não poderia ficar refém de algo que não concordei.
E se eu tinha entendido direito, ela me entregou para Heitor Servantes antes mesmo dos
meus dezoito anos. Se eu não tivesse saído de casa, como teria sido a minha vida?
Passei outros dois dias naquela melancolia, pensando no que deveria fazer e como agir.
A ausência de Ismael me deu muito para pensar, não só na minha vida, como na dele. Caramba,
ele era muito parecido comigo, por ter apenas o pai como família, uma única pessoa a se apoiar.
A diferença eram os amigos, eu não tinha ninguém para me apoiar, sempre fui sozinha.
Deitei-me na cama de Ismael naquela noite, já que ele estava ocupado com o pai
hospitalizado, eu me contentaria com seu cheiro no travesseiro. Meu nível de carência foi
elevado ao extremo, nem mesmo Liliana conseguiu me animar com suas histórias de família.
Na televisão, a playlist “Silêncio” tocava e a única coisa que não tinha nela, eram
músicas silenciosas.
“Eu esperei toda a minha vida pela chamada silenciosa
Oh, ele encontra todos nós
Não há mais choro para o último a cair
Oh, ele encontra todos nós
Devagar
Começando a acordar
E se apenas
Nós poderíamos escapar deste lugar”
Keith Wallen – It Finds Us All

Olhava para a janela fechada apenas no vidro, o céu estava bem estrelado e eu
imaginava Ismael chegando no quarto, me vendo apenas de camisa e calcinha deitada no
colchão, abraçada ao seu travesseiro.
Se ele fizesse como na minha imaginação, iria tirar a roupa, ficar apenas de cueca e me
encararia por alguns segundos, daquele jeito intenso que ele me desarmava por completo.
Alinhado às minhas costas, envolveria meu corpo e me manteria protegida em seus
braços. Mesmo que ele estivesse cheio de problemas, haveria espaço para cuidar dos meus, um
verdadeiro herói.
Lembrei-me do banho que ele deveria tomar antes de dormir e ignorei que Ismael
deveria estar há dias sem uma ducha decente. Não importava no momento, na minha fantasia, ele
estava cheiroso e limpo, como das outras vezes que compartilhamos um momento íntimo.
Suas mãos não iriam parar quietas, subindo e descendo na minha barriga, por dentro da
minha blusa. Chegariam próximo do meu seio e demorariam o suficiente para eu me sentir
segura, então o permitiria continuar.
A mão estaria quente e proporcionaria sensações incríveis. Mesmo que estivesse
acontecendo apenas na minha imaginação, meu corpo reagiu como se fosse real, esquentando do
meu núcleo até as extremidades, fortemente.
Suspirei, colocando uma das mãos entre minhas coxas, apertando-as e sentindo uma
vontade incontrolável de me tocar naquele lugar. Eu tinha me podado tanto no quesito
sexualidade, temendo que os homens fossem me atacar, que acabei envolvida na minha própria
armadilha.
Ainda de olhos fechados, meus dedos subiram até a virilha, me dedilharam e
rapidamente visualizei Ismael fazendo aquilo comigo. Com a respiração aceleração, ouvia a
música, me tocava e sentia seu corpo atrás de mim, dominador. Seu calor me inflamava, a
vontade de senti-lo por completo, dentro de mim, chegou ao ápice.
E se fôssemos além? Se Ismael tivesse confessado seus sentimentos, que ficou tanto
tempo longe, que percebeu que nossa união precisaria acontecer, era um sentimento
incontrolável. Faria promessas, iria me proteger como fazia com seus amigos. Ele não esconderia
que estava feliz por eu ter chegado em sua vida, e não se sentiria tão só, porque além do seu pai,
eu também poderia ser sua família.
Ah, como eu queria ter alguém que me desse a segurança de nunca estar sozinha!
Seríamos diferentes, por mais rápido que nosso amor tivesse acontecido, era profundo o
suficiente para durar para sempre.
Poderia ser meu príncipe? Ou apenas um homem disposto a me dar o mundo, pagar
minhas dívidas e compensar minhas falhas. Ele me ensinaria a ser forte, eu seria uma mulher
feliz ao seu lado e o passado se tornaria história, para contar para os nossos filhos. Nossa família.
Não limitei minha imaginação, por mais surreal que fosse. Éramos apenas eu e meus
pensamentos, não me julgaria por estar fantasiando em meio à luxúria.
Abri a boca em um gemido mudo, era tudo tão real. Esfreguei aquele ponto mais
sensível e saliente entre minhas pernas, meu corpo estremeceu e uma avalanche de calmaria me
dominou. Sorri, tão relaxada e entregue, que nem percebi a sombra na porta do quarto.
Sabia que meus pensamentos tinham se tornado sonhos irreais, minha inocência chegava
naquele nível, mas se dissiparia quando eu abrisse meus olhos para a realidade. Ismael Ferri não
era tão perfeito, as pessoas não se conectavam tão perfeitamente. As histórias românticas não
começavam com uma mulher dentro de um trailer de cavalos.
Mas, por alguns segundos, eu poderia sentir que era verdade e ninguém me julgaria.
Lembrava-me da música silenciando, alguém andando no quarto e o barulho do
chuveiro embalando minha viagem mental. Entre o sono e a lucidez, senti o colchão se afundar
ao meu lado, distante. Depois, se aproximou, tocou meu quadril como fez daquela vez no quarto
de hóspedes e desapareceu.
Como na minha fantasia, em algum momento da madrugada, fui envolvida por braços
fortes, pele quente e conforto. Era a perfeição, um porto seguro em meio à tempestade
descontrolada que minha vida se tornava.
— Que bom que você está aqui — ouvi Ismael sussurrando, parecia tão longe, ou em
um sonho.
Eu só queria dizer que também estava contente de poder estar com ele. Se minha mãe
tivesse negociado com aquele homem, quem sabe, eu concordaria com sua exigência e não me
importaria de me entregar. Mas eu não podia negar que, só estava sendo daquele jeito, porque era
a primeira vez que eu fazia algo por mim.
Sozinha.
Eu precisava achar a força dentro de mim e preencher o espaço, não dava para colocar
minha vida na mão de outra pessoa como esteve com minha mãe, o controle tinha que voltar para
as minhas mãos. Por completo!
Então, estando no comando do meu destino, eu poderia compartilhar momentos como
aquele que imaginei. E eu queria experimentar com Ismael.
Capítulo 17
Regina Alves
De todos os dias solitária por conta da ausência de Ismael, aquele foi o primeiro que me
senti bem. Espantei a preguiça fazendo uma caminhada na esteira, tomei um banho gelado e
encontrei Liliana mexendo no quarto de hóspedes.
— Bom dia, Lili — cumprimentei, sorrindo amplamente.
— Sabia que acordaria melhor. — Ela fechou a gaveta e veio até mim, beijando meu
rosto. — Bom dia, Rê. Quer escolher o cardápio do almoço?
— Bolinho de arroz frito? — Fiz bico, divertida por escolher um petisco em vez de
refeição completa.
— Posso fazer e complementar com carne assada. Ismael voltará para o almoço.
— Oh, ele te ligou? Como está o pai?
— Não, ele voltou para dormir e saiu logo cedo. — Passou por mim, indo para a
cozinha e me deixou confusa. — O pai segue internado, teve outro infarto na madrugada e não
apresenta melhoras.
— Espera, não entendi. — Parei ao lado dela, que secava a louça no escorredor ao lado
da pia. — Ele estava aqui?
— Sim, vocês dormiram juntos. — Ela franziu o cenho e eu abri a boca. — Você não
percebeu? Bebeu alguma das bebidas da dispensa? Fez algo que não se lembra?
— Achei que era sonho. — Coloquei a mão na testa e esfreguei a região, por sentir uma
dor aguda. Fui para a geladeira, pegar uma garrafa de água e tomei todo o conteúdo.
— Regina?
— Só um minuto.
— Está tudo bem?
— Sim, sim. — Era uma mentira, porque eu não sabia qual parte da minha fantasia era
real.
Precisava focar na sensação, verdade ou ilusão, eu gostei e me senti acolhida nos braços
dele. Não houve nada além de duas pessoas dormindo, conforto compartilhado. Era surpresa, não
violação que fez meu coração acelerar ao perceber que parte foi real, até porque, eu estava em
sua cama, mostrando-me disponível. Duvidava que teria a mesma recepção se estivesse na sala
ou no outro quarto.
Por fim, eu me sentia bem, poderia sair do fundo do poço que eu tinha me colocado para
retribuir a ajuda que estava tendo daquele homem corajoso.
— Então, o pai de Ismael vai morrer? — Mordi a língua por reconhecer a
insensibilidade não intencional.
— Onde há vida, há esperança. — Seu olhar não refletia o otimismo de suas palavras.
— Ismael parece forte, mas sei que está abalado. Muita coisa acontecendo ao mesmo tempo e
exigindo sua atenção.
— Será que eu devo ir embora? — questionei, pensando em aliviar o fardo do homem
que eu estava aprendendo a gostar.
— Acho que você é um ponto de alívio, não peso. — Ela alisou meu braço, carinhosa.
— Oficiais de justiça apareceram na empresa, por conta de um contrato suspeito com o Governo.
Eu não entendi direito, foi isso que abalou seu Norival Ferri. Deve ter algo na internet, você
consegue consultar?
— Sim.
Corri para o quarto, olhei para a cama e não resisti em imaginar nós dois dormindo de
conchinha. “Que bom que você está aqui”, foi isso que ele disse, não tinha sido minha
imaginação.
Se ele estava sendo meu terreno seguro, não custava nada eu ser o dele. Eu não
pretendia voltar para a casa da minha mãe e, enquanto meu futuro fosse incerto, poderia
experimentar caminhos não tão coerentes.
Levei o notebook para a cozinha, apoiei-o na parte livre do balcão e fiz a pesquisa com
o nome de Norival Ferri. A primeira manchete me fez engolir em seco. “Empresário é acusado
de fazer parte de esquema de desvio de dinheiro em contrato com o Município”. Sabia que ele
não era uma pessoa que seguia todas as regras, a questão era que ele tinha sido pego e nenhum
fim justificava o meio.
Também tinha uma matéria sobre a internação do CEO da empresa de investimentos e
agronegócio Ferri, o estado de saúde do homem era grave.
Mostrei para Liliana, conversamos sobre o assunto e a manhã passou rapidamente. Entre
minha preocupação com Ismael e meus próprios problemas, a porta do apartamento fez barulho e
corri para encontrá-lo.
Parei meus passos ao ver que ele não estava sozinho. Também com roupas formais, o
homem que o acompanhava se diferenciava de Ismael no sorriso cínico que me ofereceu.
— Você deve ser Regina. — Ele avançou e estendeu a mão. Olhei de um para o outro,
Ismael revirou os olhos e passou por nós.
— Não dê em cima dela, Puto — resmungou, passando por mim, afagando meu ombro
com carinho e indo para dentro. Eu queria lhe dar um abraço, mas minha mãe estava grudada
com aquele outro.
— Muito prazer. Sou o melhor amigo, Estevão. — Voltei minha atenção para o
estranho. — Para os íntimos, Puto. — Piscou um olho e me puxou para ficar debaixo do seu
braço, ao seu lado. — Nosso amigo está precisando de muito carinho. Posso contar com você
para isso?
— Que... o que... por quê? — gaguejei e ele riu, entrando na cozinha comigo. — Você
viu o pai dele?
— Sim, o velho está péssimo. — Ele me soltou e foi cumprimentar dona Liliana, que
sorriu com conhecimento. — Olá, mulher das mãos maravilhosas.
— Muito ocupado para não vir me ver? — Liliana o puxou para um abraço. — Me
conte as novidades. Como estão seus pais? Já se casou?
— Eu não serei o primeiro amarrado da turma, tenho uma reputação a preservar. —
Retornou para o meu lado, apoiando o braço no meu ombro, como se fosse um amigo de
infância.
— Você é um dos amigos de Ismael, do Escritório dos Garanhões — soltei meu
pensamento em voz alta, Estevão riu. — Quero dizer, eu vi uma foto de vocês na internet.
— Exatamente, moça. E sendo o mais puto dos quatro, não dá para me apaixonar por
uma jovem inocente jogada no trailer dos cavalos. — Virei meu rosto na sua direção, ele falava
sério, mas o tom brincalhão continuava no olhar. — Prefiro te proporcionar uma noite
inesquecível a uma vida sem graça ao meu lado.
— Sai — Ismael ordenou, empurrando o amigo para se afastar e me puxando para o seu
lado. — Ignore o advogado. Ele não sabe o que é limite, por mais que tenha as leis para se
manter na linha.
— Você está bem? — Coloquei a palma no seu peito e senti o ritmo do seu coração. O
homem me encarou sereno, mas havia aquela pitada triste que poucas pessoas conseguiam
enxergar. Reconheci, porque solitários se comunicavam muito melhor sem palavras.
— Sim, nada fora do planejado. — Virou-se para Liliana e o olhar atento do convidado
estava na minha interação com Ismael. — Você adiciona mais um prato na mesa? Estaremos na
sala.
— Eu preferia uma cama, mas aceitarei sua proposta, porque envolve a comida mais
maravilhosa do mundo — Estevão resmungou e saiu da cozinha.
— Li as notícias sobre a empresa Ferri — comentei quando ele me conduziu para a sala.
— Como te disse, tudo como o planejado. Enquanto as pessoas estão preocupadas com
um escândalo envolvendo políticos, poderemos lidar com os Servantes sem a atenção da mídia.
— Você criou uma situação comprometedora de propósito? — questionei, chocada.
— Não, Estevão fez, ele é o estrategista. — Entramos na sala e o advogado estava
esparramado no sofá. — Precisamos terminar aquela papelada.
— Relaxa um pouco, Galego. Você precisa descansar, não tem mais dezoito anos. —
Ele ajeitou uma das pernas, Ismael se sentou no canto liberado do sofá e busquei um espaço para
me acomodar.
Sentei-me no apoio lateral, automaticamente fui circulada pelo braço musculoso dele. A
cabeça se apoiou no meu colo e seus olhos se fecharam. Toquei seu cabelo e fiz carinho, parecia
tão natural nossa aproximação.
Percebendo que estava sendo observada, olhei para o outro lado, Estevão erguia uma
sobrancelha enigmática e sorria, mas não disse nada e, por isso, continuei com o cafuné.
— Com essa papelada pronta, pego a assinatura do velho e resolvemos metade dos
problemas. Tem Regina também, ela precisa ir até a casa dela em Camonelis.
— Eu posso esperar — rebati, ele abriu os olhos e me encarou.
— Já te enrolei demais. Tem o segurança da Hold, ele pode te acompanhar.
— Também posso, não estou envolvido em escândalos. Sou apenas um advogado
excêntrico que gosta de curtir a vida.
— Você não. — Ismael voltou a fechar os olhos e suspirou. — Eu vou com Regina e o
segurança, a atenção está toda com meu pai.
— Eu sinto muito — murmurei, porque a possibilidade de perder a única família doía
até em mim.
— Ele só colheu o que plantou. — Pegou minha mão e a colocou de volta na cabeça,
nem tinha percebido que parei de fazer o cafuné – ou que ele estava gostando. — E estou no
mesmo caminho, preciso mudar essa merda.
— Já está, Galego. — Estevão se inclinou para pegar o controle da televisão, colocou
um filme qualquer e repetiu as palavras: — Já está mudando.
Eu não sabia a história completa, mas percebi que meu envolvimento com o herdeiro da
Ferri fazia parte daquela transformação desejada.
Capítulo 18
Regina Alves
Eu não sabia o que esperar daquele almoço. Por mais confortável que eu estivesse me
sentindo ao lado de Ismael, ainda havia muita coisa não esclarecida. Nomear o que tínhamos me
ajudaria a não criar fantasias e achar que eu poderia ser tão importante para ele quanto estava
sendo para mim.
Foi incrível rir e saber um pouco das histórias dos amigos Garanhões. Quem conviveu
com eles na época do colégio e faculdade os chamavam assim, por conta das festas que
participavam e a constante atenção que eles chamavam onde passavam.
Tudo o que li na internet tinha sido confirmado com algumas resenhas feitas por
Estevão. O advogado tinha cafajeste brilhando em neon na testa, o tipo de homem que eu fugiria,
mas ele me conquistou por seu companheirismo com Ismael, em um momento tão difícil. Como
amigo, ele seria o mais leal.
De tarde, fui surpreendida com o convite para ir até Camonelis buscar minhas coisas. A
sensação de retroagir estava me consumindo, eu voltaria a ficar debaixo da asa da minha mãe.
Os homens não me deram a oportunidade de pensar direito, me apresentaram um
segurança e me conduziram até a caminhonete que faria a minha mudança. Mal sabiam eles que
eu não tinha nada além de roupas e algumas caixas.
Sentada no meio, com Ismael de um lado e Estevão do outro, eu tentava me distrair
olhando para o segurança que dirigia. O braço do primeiro se estendeu pelo encosto atrás de mim
e me arrastei discretamente para perto do homem que mais me interessava.
Um movimento suave da caminhonete gerou um empurrão abrupto de Estevão em mim.
Praticamente caí no colo de Ismael, que empurrou o amigo para longe enquanto ele ria.
— Não estamos no ensino médio, Puto. — Ismael me puxou para perto e me envolveu
com seu braço.
— Continua precisando de um empurrão para assumir o que quer. Eu não me importo de
ser o cupido. — Estevão pegou o celular e se esticou entre os bancos da frente. — Ativa o
bluetooth, chefe.
— Você está bem? — ouvi a pergunta sendo feita bem próximo do meu ouvido. Meu
rosto esquentou, era bom tê-lo ao meu lado, mesmo que isso gerasse um rebuliço no meu
estômago.
— Nervosa. — Dei de ombros e o encarei. — Preocupada com você e seu pai. Queria
poder fazer algo.
— Já está fazendo. — Beijou minha testa e me apertou.
O amigo começou a cantar e, segundos depois, a música soou na caminhonete. Comecei
a rir pelo tanto que o outro se remexia para demonstrar o quanto gostava da música, até que
Ismael se contagiou e começou a cantar. A distração foi bem-vinda, até eu relaxei com a
performance dos dois.

“Vou dizer que sinto muito


Ore para que meu Deus ele
Não vai fazer amanhã o mesmo
Acordar de um pesadelo
E é apenas um sonho
Caminhando para casa no escuro
Alguém está me seguindo
Estou trancando a porta
Mas não pode virar a chave
Eu não aguento mais
Queria não saber que sabemos gritar
Once Monsters – Scream

Não parei de sorrir até chegar na cidade, uma viagem de poucas horas. Paramos em um
posto de gasolina na entrada de Camonelis, usei o banheiro, tomei água e quando voltei para o
carro, Ismael me esperava do lado de fora, segurando um bombom.
— Acho que não vai dar tempo de comer nada. Pensei que poderia querer. — Na minha
mente, aquela frase foi processada simplesmente com: pensei em você.
— Obrigada. — Peguei o embrulho metálico e admirei-o, como um tesouro. — Meu
preferido.
— Não precisa dizer nada para me agradar, Regina.
— Acredite, estou sendo mais sincera do que nunca. — Encarei-o com ternura, meu
corpo reagiu àquele pequeno gesto e seu sorriso singelo, mas intenso.
Ismael Ferri tinha um coração de ouro coberto de espinhos, para ninguém o machucar.
Do lado da porta da caminhonete, segurando o pequeno presente, fiquei na ponta dos pés, abracei
seu pescoço e uni nossos lábios. O certo seria um beijo no rosto, mas eu não queria ficar na zona
amiga, eu precisava avançar um pouco mais.
Ele nos virou, pressionou meu corpo contra a lataria e me beijou, forte e profundo,
usando a língua para me envolver com seu sabor. Suas intenções não estavam claras, parecia
querer me devorar ao mesmo tempo que se controlava. Eu me sentia como uma boneca de
porcelana, sendo cuidada e protegida com mais cuidado do que deveria.
— Eu não me importaria de ficar olhando, voyeurismo é meu forte, mas acho que vocês
não querem ficar na cidade mais do que necessário. — Estevão quebrou o clima, mas eu ainda
fervia pelo homem que me roubou o fôlego.
— Já está liberado? — Ismael perguntou, abrindo a porta do passageiro e me ajudando a
entrar.
— Sim, alguém do leilão vai nos receber. — O amigo deu a volta na caminhonete e
entrou do meu lado. — Você mexeu com gente problemática, mocinha. Precisa aguçar seu sexto
sentido.
— Não entendi. Eu saí de casa para fugir dos problemas.
— E se meteu em piores. Tem pessoal do Servantes infiltrado no leilão, eu já liguei para
Saul verificar os cavalos, não duvido que algum deles tenha problemas.
— Eu acho que não, porque no trailer tinha algo importante. — Ismael voltou a me
rodear com seu braço e o automóvel avançou. Fiquei feliz por ele não ter me chamado de brinde
ou pacote, tinha evoluído. — Mas o seguro morreu de velho.
— Sim. E para não expor Regina, eu vou pegar as coisas dela no leilão, como
representante legal. Farei a rescisão do contrato e encerrarei o vínculo dela. Tudo bem
arquitetado.
— Muito obrigada — falei, olhando para o advogado que não perdia a oportunidade de
dizer algo com duplo sentido. O que ele estava disposto a fazer por mim era grandioso.
— Poderia listar um monte de coisas que você poderia fazer para me agradecer. —
Sorriu, safado e Ismael xingou baixo, fazendo o outro rir. — Está reclamando do quê? Eu não
disse em quem ela faria.
— Essas piadinhas ainda vão te fazer levar um murro na cara — Ismael retrucou, seco.
— Não vou poder te defender, o advogado é você.
— Será divertido, no mínimo. — Ele se ajeitou no assento e arrumou o paletó. — As
pessoas me odeiam, porque é impossível não gostar de mim, por mais motivos que tenham para
implicar com meu jeito.
— Você tem razão — concordei e recebi um apertão do homem que me protegia.
Revirei os olhos para ele, não adiantava esconder a verdade. Dei de ombros quando ele
continuou com a implicância, no fundo, eu gostei dele, mas de um jeito amigável. — Seus
comentários despertam emoções, nunca será monótono ao seu lado.
— Não se iluda, ele é um filho da puta desapegado. — Foi engraçado ver Ismael
tentando me convencer que o amigo não era interessante.
— E você é diferente? — Aninhei-me ainda mais próxima de Ismael, que me encarou e
não disse nada. O outro se manteve em calado, o carro diminuiu a velocidade e perdi de observar
o caminho que estávamos passando.
A caminhonete parou, Estevão desceu e aguardamos seu retorno em silêncio. Ismael
aproveitou para olhar para o celular, consegui espiar a tela e ver que algumas mensagens tinham
a ver com o estado de saúde do pai.
Mudou rapidamente de foco, abriu a caixa de entrada dos e-mails e encaminhou alguns.
Naquele momento percebi o quanto nossos mundos eram diferentes, eu pensava em faculdade e
trabalhos enquanto Ismael era um executivo no ápice da sua carreira.
— Senhor, a pensão está liberada também. — O segurança se virou no banco para nos
encarar. — A dona juntou os pertences e aguarda a retirada.
— Invadiram o meu quarto? — questionei, indignada. — Eu paguei três meses
adiantado, como assim ela se desfez do que é meu?
— Podemos pedir o reembolso, mas não compensa brigar, Regina. Não temos domínio
aqui, apenas troca de favores. Você estará mais segura no meu apartamento.
— Vou morar de favor com você até quando? — Coloquei a mão na testa, irritada pelas
palavras ingratas que soltei. O braço de Ismael se afastou de mim e suspirei, caramba, tinha saído
errado. — Não dá para ser um peso na vida da pessoa que me ajudou a fugir de uma obrigação
ilícita.
— Greco está voltando, vamos fazer o próximo movimento rápido. — O segurança
apontou para o painel, era Estevão caminhando de volta, apressado.
Ele se acomodou ao meu lado, jogou um saco transparente no meu colo e percebi que
não tinha mais bolsa, apenas a carteira, batom, celular e outros itens pessoais, como um
absorvente.
Controlei a respiração, segurei minhas coisas e olhei para a frente, ignorando o clima
tenso que tinha ficado entre nós. Ao mesmo tempo que eu ansiava por algo duradouro, sabia que
eu nunca teria, a vida não funcionava com emoções instantâneas.
Eu precisava proteger meu coração, ele estava pronto para pular no precipício da paixão
sem considerar os riscos.
Capítulo 19
Ismael Ferri
O caos não deveria me deixar desconfortável. Acostumado a lidar com muitos
acontecimentos ao mesmo tempo, aquele era meu estilo de vida. Mas havia uma variável nova.
Normalmente, eu não me preocupava com as companhias da noite, elas eram apenas passageiras
e descartáveis.
Não era o caso de Regina.
Meu senso protetor se estendeu a ela assim que encontrei informações suspeitas de que
meu pai estivesse dialogando com os Servantes. A negociação tinha surgido da mãe de Regina,
mas a vinda dela para o meu trailer não tinha sido ao acaso. Meu pai deveria ter achado que eu o
acionaria para lidar com a mulher, mas eu nunca ultrapassaria aquele limite.
Vidas humanas não eram como dinheiro, não dava para manipular friamente sem perder
a essência. Eu não era um homem correto e que seguia todas as leis, minha motivação era sempre
o fim dos meus atos: ajudar a cidade.
Meu pai dizia que os filmes de super-heróis que eu assistia estragavam minha noção de
mundo. Por mais que fosse ficção, o básico era real, principalmente os vilões.
Odiaria ter que enterrar meu pai sem saber a verdade. Por mais que estivesse claro e
Estevão tenha me mostrado o caminho racional do que estava escrito em alguns e-mails
auditados da Ferri, eu não queria acreditar que meu próprio pai estava corrompido o suficiente
para desfazer todo o meu trabalho de amenizar a ilicitude da empresa.
Desde adolescente eu pensava em herdar o poder da Ferri, para cuidar da cidade e ser
respeitado, com o mínimo de jogo político. Pelo visto, era apenas uma ilusão e evitar as
consequências cruéis me fariam sujar as mãos.
Achei que Regina pudesse ser meu único elo com a justiça dentro de mim. Iria proteger
aquela garota, mostrar um mundo novo e lhe dar novas oportunidades. Mas eu a estava usando
como tábua de salvação, seu beijo e carícias poderiam ser genuínos, mas meus objetivos não.
Ela não era um projeto de caridade, a pessoa que se envolvesse com Regina deveria ser
muito mais honrada do que eu. A questão era, só de pensar em outro homem se aproximando,
mesmo meu melhor amigo Estevão, eu ficava cego e só pensava em mostrar a ela que eu valia a
pena.
Que confusão do caralho!
Na caminhonete, voltando para Riveraluz, ela tinha os olhos fechados e a cabeça
apoiada no encosto de um jeito que parecia incômodo. Demorei para trazê-la até meu peito,
envolvê-la em meus braços e esquecer que Estevão estava acompanhando tudo.
Regina suspirou e eu pude relaxar, pelo menos, o contato físico entre nós permanecia
como um bálsamo, era melhor do que o relaxante muscular que eu tomava para dormir feito
pedra. Eu não estava disposto a interromper aquele tipo de aproximação, porque me fazia bem de
um jeito que até esquecia que meu pai estava entre a vida e a morte.
Ela era um pedaço de calmaria no meio do caos.
Três caixas e uma mala estavam na carroceria, era tudo o que tinha na pensão. Regina
não disse muita coisa, mas estava nítido em seu olhar a decepção, além do temor pelo
desconhecido.
Aprendi a conviver com Liliana e seu jeito invasivo, não seria diferente com Regina.
Para espantar as mulheres do meu convívio, estava atraindo tantas quanto eu tinha de amigos.
— Vai precisar de mim amanhã? — Estevão perguntou, o sol estava se pondo e ele
tinha os olhos fechados. Sem os sorrisos e olhares cínicos, até parecia um homem normal. —
Terei uma audiência cedo, mas depois do almoço, estou liberado.
— Fica tranquilo, você já fez muito nesses dias. — Estendi meu punho fechado para ele
bater e nos encaramos. — Obrigado.
— Você faria o mesmo por mim, Galego. — Sorriu e voltou para a posição tranquila de
antes. — Estamos juntos nessa. E não se preocupe com a assinatura do seu pai, pense na saúde
dele primeiro.
— Ainda não sei o que penso sobre isso.
— Nós sabemos que nem sempre tomamos a melhor das decisões, quando o assunto
coloca em risco nossa família. Pense nisso.
Olhei para Regina, dormindo tranquilamente no meu peito e percebi que agiria de forma
inconsequente por causa dela. Tinha feito, inclusive, ao ir até Camonelis com apenas um
segurança da Hold.
Será que meu pai estava fazendo algo para proteger alguém? Dificilmente pensaria em
mim, por mais que eu fosse sua única família. Norival gostava de me colocar em perigo, porque
sabia o quanto eu conseguia resistir.
Teria que auditar novamente seus e-mails, tinha algo faltando na conversa dele com
Servantes.
Chegamos em meu apartamento, Estevão e o segurança ajudaram a subir as coisas
enquanto eu segurava ao meu lado uma Regina sonolenta. Subimos em silêncio, ela se afastou de
mim para ir ao banheiro e ajeitei tudo no quarto de hóspedes, por mais que eu não quisesse que
ela ficasse naquele lugar.
Dei espaço para ela, tomei banho e vesti uma roupa confortável, para ficar em casa ou
dormir. Quando ela foi para a cozinha beber água, eu estava na sala, apenas esperando que viesse
até mim ou iniciasse uma conversa.
Nada. Aquela mulher foi para o quarto sem falar comigo, como se não tivéssemos nada.
E tinha? Indignado, fui até ela pisando firme, bati na porta apenas para anunciar que estava
entrando e a abri. Regina estava olhando um caderno, mas logo o fechou, quando eu interrompi
seu momento.
Seus olhos estavam marejados e, caralho, eu esqueci o que estava me incomodando só
queria resolver o problema dela.
— Tudo bem? — perguntei, suave. — Quer algo para comer?
— Não. — Deu de ombros e deixou o caderno de lado. — Desculpe, estou amuada por
todo o contexto, não tem nada com você. — Seu olhar finalmente encontrou o meu. — E você,
como está?
— Já vai dormir? — A resposta da sua pergunta dependeria de como passaríamos a
noite.
— Sim. Nada melhor do que um novo dia para melhorar o humor. — Forçou o sorriso e
continuou sentada na cama, pernas dobradas. Droga, teria que ser mais direto.
— Vai ficar aí?
— Ah? — Ficou confusa e olhou para o chão. — Esse é o lugar que você me ofereceu
para ficar. Mas, se precisa...
— Ontem você não dormiu nesse quarto. — Cruzei os braços, controlando minha
vontade de colocá-la no meu ombro e a carregar para a minha cama.
— Desculpe por invadir seu espaço. Eu só estava me sentindo solitária — sussurrou a
última frase, as bochechas esquentaram e tudo o que eu queria ouvir ainda não tinha sido dito –
nem precisava.
— Já resolveu essa questão? — Ergui a sobrancelha e ela me encarou novamente, sem o
choro contido, tinha esperança na sua feição. — Quero dizer... não quer testar mais uma vez?
— Dormir na sua cama?
— Sim. Comigo. No meu colchão. — Quando percebi hesitação, complementei a pior
das frases, mas necessárias: — Não farei nada que você não queira.
— Meu receio é exatamente esse, eu quero tudo. — Ela se levantou, ajeitou a camiseta
que ainda era a minha emprestada e suspirou, sem graça.
— Desculpe pressionar, acho que... — Dei um passo para trás, ela reagiu e passou por
mim, apressada.
— Eu vou. Eu quero. — Entrou no meu quarto, subiu na cama e me esperou fazer o
mesmo. — Posso escolher um filme?
Parecia que eu tinha voltado para os meus vinte e poucos anos, que convidava as garotas
da minha idade para ver um filme em casa, mas na verdade, era a desculpa perfeita para trocar
muitos beijos e, quando tinha sorte, sexo. Depois da faculdade, transar se tornou mais simples e
direto, as mulheres também se interessavam em relacionamentos superficiais, ficava bom para
ambas as partes.
Com Regina, eu regressei no tempo e me sentia um jovem cheio de recursos. A
responsabilidade me fez amadurecer muito novo, estava tendo a oportunidade de aproveitar a
vida novamente.
— Eu gosto de filme de ação — comentei, dando uma entonação diferente para a última
palavra, porque ela também significava filmes com sexo. Fui até o quarto, fechei a porta e me
joguei na cama ao seu lado, ela tinha o travesseiro em cima do colo.
— Pode ser aquele da origem? — Ela se esticou, pegou o controle e entrou no aplicativo
de streaming, escolhendo exatamente um dos que mais gostava, “Eternos”, da Marvel. — Eu já
vi, mas não entendi muita coisa.
— Vou tentar ajudar. — Ajeitei os travesseiros, afastei o edredom e ela se aninhou ao
meu lado, quando me deitei com o braço dobrado. Logo a envolvi, senti-me quente e confortável,
a posição mais perfeita nos últimos tempos. — Você sabe que tem muitas referências nesse
filme, por isso a compreensão vem com a identificação deles.
— Me conte todos — murmurou, com a palma aberta no meu peito, em cima do meu
coração.
Eu queria revelar muito mais do que os segredos de um filme para ela.
Capítulo 20
Regina Alves
O dia poderia ter sido um fiasco no final, mas foi apenas o começo das sensações mais
intensas. Ismael pediu que eu dormisse na sua cama – com ele – e eu mergulhei, novamente, na
fantasia de que poderíamos ser um casal e vivermos felizes para sempre, apesar de como tudo
começou.
No meio do filme que assistíamos, relaxei tanto, que dormi. Ismael era quente, protetor
e me transmitia a confiança necessária para me entregar de corpo e alma.
Ele não iria falhar comigo, como minha mãe fez. Por mais que eu soubesse dos
sacrifícios feitos por ela, doía saber que eu era apenas uma mercadoria a ser negociada.
Antes de estar ali, ao olhar para as mensagens do celular, quando o conectei para
carregar, eu só queria ter um pouco de boas lembranças da minha mãe. Peguei meu diário e li
algumas passagens, eu sempre idolatrei minha mãe e não percebia que ela era apenas uma grande
manipuladora.
De madrugada, acordei emaranhada em Ismael. Pernas e braços se mesclavam, eu
queria voltar a dormir e relaxar naquele novo refúgio, mas não conseguia. Minha mente estava
indo e voltando para a realidade cruel que me aguardava.
— Regina? — Ismael sussurrou rouco.
— Oi, acho que te acordei — falei, também baixo.
Ele se remexeu e, em vez de me soltar, veio para cima de mim. Acomodou-se entre
minhas pernas, sua ereção se esfregou em mim e suspirei.
Seu rosto estava escondido no meu pescoço e apenas parte do seu peso estava em mim,
um dos seus braços o apoiava para não me esmagar. Relembrei o tesão da outra noite, o quanto
pensar nele me fazia esquentar por dentro e por fora e suspirei.
— Me beija? — pedi, incerta.
Ele atendeu ao meu pedido com mais confiança do que o esperado. Não era mais
recatado ou experimental, Ismael sabia o que estava fazendo ao inclinar a cabeça, me beijar com
devoção enquanto esfregava todo o seu corpo no meu. Eu não estava de short, a camisola
improvisada subiu até meu quadril facilmente, expondo a calcinha de renda em forma de short.
Interrompeu o momento só para tirar a própria camiseta pela nuca, ficando com seu
tórax livre para que eu explorasse. Enquanto o beijava com o mesmo fervor, minhas mãos
deslizaram pelos seus músculos dos braços, depois os ombros e desceram pela frente. Cada
ondulação e rigidez era uma explosão de sensações que passavam da ponta dos meus dedos e
chegavam ao meu núcleo.
Como se não fosse suficiente, seu quadril se esfregava e pressionava no meu, tocando o
ponto certo e me incitando a buscar além do que eu conhecia.
— Gostoso assim? — perguntou, se esfregando e me encarando. Com a boca aberta,
concordei com a cabeça, sem conseguir falar. — Posso te mostrar algo mais forte? Preciso que
você responda com palavras, Regina.
— Si-sim — gemi, sem ter noção do que tinha autorizado a ser feito em mim. O que
importava era que toda essa esfregação estava muito boa. — Oh!
Ele nos virou na cama, depois sentou e me ajeitou em seu colo. Empurrou meu cabelo
para trás, prendeu-o com uma das mãos firme e mordiscou meu pescoço.
— Continue o que eu estava fazendo — ordenou, empurrando meu corpo para a frente
com impulsos, colocando ainda mais fogo no meu ventre. — Isso, pode rebolar, fazer o que
quiser em mim.
Ainda tímida, fui devagar, testando as sensações e esperando que a vergonha fosse
embora. Sua mão deslizou pelas minhas costas, por dentro da camiseta e a sensação me fez
querer ficar nua na parte de cima como ele estava.
Assim que parou de chupar meu pescoço, peguei na barra da camiseta e a puxei para
cima. Tomei sua boca assim que meu corpo se arrepiou pela brisa fria que nos cercava.
Rapidamente voltei a pegar fogo, pele contra pele, minha vagina coberta se esfregando no seu
pau sob a cueca.
Uma das suas mãos veio até meu seio e apertou-o, precisei de fôlego para lidar com a
sensação e joguei minha cabeça para trás. Ele usou como abertura para descer beijos pelo meu
pescoço, até o bico sensível.
Mordicou e sugou, usando a língua de uma forma que me levou à loucura. Rebolei ainda
mais rápido, precisando prolongar aquela sensação ao máximo. Era intenso, meu corpo
estremecia e não havia barreiras entre nós, parecíamos conectados profundamente.
Sua boca liberou um seio e foi para o outro, com mais força e me levando ao ápice.
Gemendo alto, meu quadril não parou seus movimentos enquanto eu não estivesse exausta.
Mesmo depois da onda de prazer que me atingiu, o suficiente tinha sido substituído pela
insatisfação, eu queria mais.
Ousada como nunca tinha sido, minhas mãos foram para sua cueca e a baixaram,
libertando sua ereção.
— Não precisamos ir além. Eu tinha em mente...
— Você não quer? — Tirei minha atenção do seu membro apenas o suficiente para
demonstrar o quanto eu queria aquilo. — Ou já fez tudo?
— Posso resolver no banho, eu só queria te fazer sentir bem.
— Eu me senti desejada, especial. — Meus dedos circularam seu pênis e ele gemeu. —
Espero te fazer sentir igual.
— Mais? — Soltou um riso, tenso e orgulhoso. — Ah, Regina, você sempre foi
diferente de todas.
— Você é meu único.
Saí do seu colo, apenas para tirar a calcinha do meu corpo. Deveria tê-lo chocado o
suficiente, porque observou e não reagiu. Voltei para o seu colo um tanto tensa, mas necessitada.
Tudo em mim vibrava positivo, confirmando que eu deveria seguir em frente.
Ele seria o meu primeiro, talvez o único. Talvez eu não tivesse uma segunda chance
para me entregar daquela forma.
Coloquei-me em cima da sua ereção e não deslizou como imaginei, foi estranho. Ele nos
mudou de posição novamente, ficando por cima e posicionando seu polegar no meu clitóris
sensível.
— Relaxe, não precisa doer. — Beijou-me com carinho, lento e preguiçoso. Suspirei me
livrando da tensão, ele ia e voltava com o quadril, me preenchendo aos poucos, sem dor ou
pressão. — Oh! — Foi a vez dele gemer e perder o controle, acelerando as investidas e me
fazendo entender o que ele tinha prometido no início.
Forte.
Ardeu um pouco, menos que um incômodo, que logo virou prazer em meio a nossos
corpos em ritmos sincronizados. O beijo ficou mais apaixonado, seu dedo entre nós perdia a
força e pressionava, conseguindo a intensidade ideal para uma nova onda de prazer.
Meus gemidos ficaram mais agudos, os de Ismael soaram mais graves, tudo acontecia
ao mesmo tempo. O arrepio veio acompanhando de um tremor prazeroso, ele também não parrou
de investir, até perder as forças e deixar todo o seu peso em mim.
Contraí meus músculos, por conta de uma forte necessidade de o manter preso, mesmo
sabendo que seria impossível. Ele gemeu, não sabia dizer se de apresso ou sensibilidade. Eu o
sentia por fora e por dentro, uma conexão que me privei, por não achar ninguém digno.
Ismael Ferri era aquele que mudou meus conceitos e me fez enxergar o homem de uma
forma diferente.
Inspirei lentamente e soltei, sem pressa. Alisei suas costas, ele deixou vários beijos pelo
meu ombro, pescoço e alcançou meu rosto, por fim, a boca. Perfeito, não tinha outra palavra para
descrever.
— Você está bem? — Ele ergueu seu tronco e logo se afastou, transformando o espaço
entre nós em saudade. — Porra! — xingou baixo e se levantou. — Eu... nós... vem, precisamos
de um banho.
Não tinha entendido aquela última reação, mas como ainda estava me encarando e me
chamando para junto, aceitei seu convite e saí da cama com ele. Quando senti o líquido viscoso
entre minhas pernas, entendi toda a questão.
Parei um segundo para o encarar, ele segurava a minha mão e tinha o cenho franzido,
preocupado. Logo suavizou e sorriu, um peso nas minhas costas tinha ido embora.
— Eu acho que precisamos...
— É madrugada, a gente resolve isso depois do café da manhã. Tudo bem? —
Continuou me puxando para o banheiro e concordei com a cabeça. — Foi maravilhoso, Regina.
— Sim. — Soltei um riso tímido, ele ligou o chuveiro e nos puxou para debaixo da
ducha morna, na temperatura perfeita.
Sua boca se voltou para a minha e antes de realmente nos limpar, ficamos nos beijando
como se não houvesse tempo ou espaço, éramos apenas nós dois e o que sentíamos um pelo
outro.
Aquela madrugada poderia ter durado para sempre, mas eu não era tão sortuda.
Capítulo 21
Regina Alves
Difícil abandonar o conto de fadas, quando ele é o único que parece ajudar na sanidade
mental. Se não fosse Ismael, talvez eu tivesse juntado minhas coisas e ido até minha mãe,
aceitado meu destino no acordo de casamento que ela tinha feito.
Eu não queria deixar minha bolha mágica e romântica, tinha sido minha primeira vez e
não estava mais com medo de assumir o quanto gostava daquele homem, quatorze anos mais
velho do que eu. Verbalizar meus sentimentos seria outro passo, mas em meus pensamentos,
entreguei-me a todas as fantasias, das mais inocentes às mais apaixonantes.
Aos poucos, a realidade foi tomando conta e percebi que o calor que eu sentia era
apenas do edredom, não do corpo de Ismael Ferri. Rolei na cama, ela estava vazia, teria que ir
atrás daquele que me proporcionava bons momentos.
Vestindo apenas a camiseta dele, saí do quarto e me assustei ao dar de cara com Liliana.
O momento constrangedor me fez abaixar a cabeça e me sentir culpada, estava doida para me
esconder em algum canto.
— Acordou tarde. Quer café da manhã ou vai esperar o almoço? — Não havia
julgamento no seu tom, por isso fui até ela e lhe dei um abraço como cumprimento. Ela riu um
pouco e bateu nas minhas costas, como consolo, ainda bem que não ficaria estranho entre nós. —
Está tudo bem, menina. Você não precisa se sentir assim depois de... ter dormido com Ismael.
— Eu sei. Acho. — Queria dizer que tinha sido a minha primeira vez, contar para
alguém, mas me afastei e forcei o sorriso. — Vou esperar o almoço, para acompanhar Ismael.
— Ele disse que não volta hoje, algo aconteceu no Rancho Três Conte. — Franziu o
cenho, preocupada com minha reação triste. — Vai ficar tudo bem, ele tem os amigos como
apoio.
— E ainda precisa lidar com o pai e o tal Servantes, por minha causa. — Alisei meu
cabelo e passei por ela, indo para a cozinha. Queria ser útil e ajudar em algo, mas no momento,
mesmo que não quisessem, eu tinha me tornado um peso.
Eu não ficaria sentada esperando as coisas acontecerem, iria ser proativa.
Liliana cuidou do apartamento enquanto eu fazia as minhas coisas. Comi um cacho de
uvas para forrar o estômago, troquei de roupa para uma adequada para estar no rancho e conferi
meu celular. Iria me recolher no quarto de visitas, mas a vontade era de continuar na cama do
homem que entrou no meu coração.
Ainda não tinha respondido as mensagens da minha mãe e nem pretendia. O grupo da
faculdade e de promoções que eu participava, apenas apaguei as mensagens para liberar espaço
no aparelho.
Fiz uma busca rápida no site do hospital da cidade, encontrei a enfermeira Adriana e um
número para contato. Liguei para ela, mas a pessoa que atendeu não foi simpática e nem se
esforçou em verificar se ela estava por perto para me atender.
Droga! Respirei fundo várias vezes, relembrando meu momento naquele lugar e me
lembrei dos biscoitos de nata. Arregalei os olhos, remexi nas minhas caixas, nas gavetas que
tinha minhas coisas e encontrei o pequeno papelzinho com a marca de dona Nancy e um telefone
para encomendar aquela guloseima.
Digitei o número e chamei, com as mãos suando pelo nervosismo, porque estava mais
próximo de dar certo do que as outras tentativas.
— Alô — uma mulher atendeu e meu coração deu um salto, ao reconhecer a voz de
quem eu queria falar.
— Oi, dona Nancy. É a Regina.
— Regina? — Pausou alguns segundos e o ar de reconhecimento veio. — Ah, a moça
do Ismael, certo?
— Isso mesmo. — Soltei um riso sem graça. — Tudo bem com você? Ouvi falar sobre
um contratempo.
— Sim, sim. Tivemos um susto, mas já está tudo certo.
— O que aconteceu?
— Coisa do rancho, Ismael saberá explicar melhor para você do que eu. — Percebi que
ela não queria dizer e não pressionei. O que eu desejava era fazer algo, não espicular sem
objetivo. — E você, como está?
— Confesso que queria fazer algo para ajudar, dona Nancy. — Tomei fôlego para
confessar meus sentimentos. — Ismael é muito respeitoso e tem um coração de ouro. Está
fazendo tanto por mim e, com o pai hospitalizado e a situação com vocês, eu só queria contribuir,
ele não merece tanto peso nas suas costas. E não tenho muito para oferecer que não sejam
minhas mãos e determinação. Se me ensinar, eu aprendo rápido e não vou reclamar, mesmo que
seja para me sujar.
— Nossa! — Ela riu, havia um tom de alívio na sua voz. — Eu não esperava por isso.
Será que estamos falando do mesmo Ismael?
— A senhora disse que ele era bom e comprovei.
— Costumo falar assim, porque ninguém enxerga através da casca grossa dele, mesmo
depois que eu dê um empurrão. Enfim, não importa. — Ela não disse mais nada, mas parecia se
movimentar do outro lado da linha. — Sei que os rapazes estão aqui no rancho, vou fazer um
almoço tardio para eles. O que acha de vir, me ajudar com a comida e a sobremesa? Assim não
tiro uma das minhas ajudantes com os biscoitos de nata, temos uma grande entrega para hoje.
— Estou pronta. — Levantei-me, animada. — Eu só não sei como chegar até aí, dona
Nancy. Me passa o endereço? Vou pedir um carro.
— Não precisa, Éve está na cidade fazendo um serviço, ela te busca e as duas vêm
juntas para o rancho.
— Se não for dar trabalho...
— Traga uma muda de roupa e disposição, porque fazer comida para essa tropa, é
sempre uma aventura.
— Perfeito, farei isso e também levarei para Ismael, se ele precisar. Toalhas também?
— Aquele quarto que você ficou é dele, quando vem para o trabalho no rancho. Tem
tudo o que vocês precisam, só não suas roupas. Mas traga algo dele, mostrará o afeto que ele
precisa.
— Obrigada, dona Nancy. Qual o telefone da Éve?
— Pode deixar que eu ligo. Você está no apartamento do Ismael?
— Sim.
— Ótimo, Éveny sabe onde é. Já fica na portaria, ela tem uma picape verde velha, mas
conservada.
— Beleza, já estou colocando tudo em uma sacola.
— Ficarei te esperando.
Encerrei a ligação, fazendo movimentos rápidos. Mesmo que fosse intrometida demais,
entrei no quarto de Ismael, peguei uma muda de roupa casual e coloquei dentro da sacola, que
substituí por uma mochila que encontrei no guarda-roupa dele.
Juntei tudo, fui para a cozinha avisar Liliana. Tão animada que estava, nem perguntei a
opinião dela sobre minha ousadia.
— Vou até o Rancho Três Conte, ajudar dona Nancy.
— Oh! — Ela parou de mexer em alguns sacos de comida em cima do balcão. — Então,
nem deixarei comida pronta. Bem provável que vocês fiquem por lá até mais tarde.
— Tudo bem se eu for? — questionei, porque precisava de aprovação para o que fazia.
Insegurança ou ilusão, ainda não sabia o que me governava.
— Claro. Eu mesma queria ir com você, mas tenho outros compromissos de tarde. — A
senhora veio até mim, abraçou-me com carinho e beijou minha bochecha. — Cuide dele, Regina.
Aquele menino se faz de forte, ignora o que não sabe lidar, mas no fundo, sei que está sofrendo,
precisando de alguém para o confortar, mesmo que ele diga que não quer nada.
— Eu vou. — Enchi-me de esperança, porque parecia uma missão importante e era
aquilo que eu precisava para não me sentir um peso.
— Como você vai até lá?
— Uma funcionária do Rancho que vai vir me pegar. O nome dela é Éve.
— Ah, sim, a filha de Adriana. Boa moça, mas muito brava. — Soltou um riso baixo. —
Não leve para o pessoal se ela te der bronca também. No fundo, Éve é um amor.
— Tudo bem. — Beijei a bochecha dela e saí do apartamento dando pulinhos.
Desci de elevador, cheguei na portaria e nem precisei esperar, a tal picape verde estava
na frente, com uma mulher ao volante. Acenei para o porteiro, abaixei meu tronco e encarei a
motorista.
— Éveny?
— A única. Você deve ser Regina, a corajosa.
— Ou apenas ansiosa. — Abri a porta do passageiro, era cabine simples e me acomodei
no assento. — Muito prazer e obrigada por me buscar.
— Eu preferia ficar mais tempo na cidade e longe de idiotas, mas não posso ter tudo na
vida. — Ela acelerou e sorriu, mas não parecia feliz. — Então, como conheceu Ismael?
Não sabia se contava a verdade ou ignorava, por isso escolhi o meio termo.
Capítulo 22
Regina Alves
Quando chegamos na estrada de chão para o rancho, eu e Éve estávamos rindo de
histórias do colégio. Eu sempre fui a excluída e tímida, ela era a rebelde encrenqueira, que era
ignorada pela maioria. As situações constrangedoras eram as mesmas, com a diferença que eu
fazia sem querer e ela era de propósito.
— Não sei como você não foi expulsa do colégio — comentei ao ouvir o relato sobre
colocar um pote de tinta fechado na mochila de um colega de sala, estragando todo o material
que tinha dentro. Em sua defesa, ele tinha colado chiclete no seu cabelo no dia anterior.
— Tentaram, mas minha mãe sempre foi conhecida em Riveraluz. Eu dramatizava e
comentava sobre não ter pai, tudo voltava ao normal. — Ela sorria, diabólica. — Sofri, mas eles
me acompanharam.
— Também não tenho um pai, não sei quem é. — Fiquei encantada com mais uma
semelhança entre nós.
— Ah, não. O meu faleceu quando eu tinha cinco anos. — Seu humor mudou para
nostálgico e suspirou. — Ele também era enfermeiro e foi socorrer um amigo no bar. Acabou
envolvido em um tiroteio.
— Nossa!
— Por isso eu moro no meio do mato e o único ser humano que preciso lidar é Jeronimo
Conte. — Esticou o braço e tocou minha perna. — Não leve para o lado pessoal, eu já tive minha
cota de idiotas na vida. Prefiro os cachorros e os gatos, assim não causo problema e ninguém me
perturba. — Revirou os olhos e parou o carro em frente à porteira. — Bem, alguns.
— Pode deixar que eu abro. — Saí da picape antes que ela me impedisse, empurrei o
portão de madeira e depois o fechei, quando a picape passou.
Dei uma boa olhada ao redor, sentindo o cheiro da natureza e do quanto aquele lugar era
especial. Apesar de não me sentir tão atraída em morar entre mato e animais, como Éveny, eu
visualizava um futuro comigo tendo dias de descanso ali.
Impossível não pensar em Ismael e no quanto estava animada em lhe dar um pouco de
carinho naquele momento. Fiquei na dúvida se ele me recepcionaria bem ou iria me enxotar, por
estar invadindo seu espaço.
Voltei para o automóvel, Éve dirigiu até mais para a frente, em uma pequena casa ao
fundo da principal, não tinha reparado antes. Longe o bastante para dar privacidade, mas também
perto, que era possível ir a pé.
— Acabei te fazendo andar um pouco mais. — Ela fez uma careta ao sair do automóvel.
Abriu a lona da carroceria da picape, tinha compras de mercado. — Bem, foi um prazer te
conhecer, Regina.
— Eu te ajudo. — Fui para o seu lado e esperei a autorização.
— Não seja muito educada — resmungou, mas tinha indícios de ser apenas uma
brincadeira. — Em algum momento, vou te dar uma patada e irá se decepcionar comigo.
— Vou arriscar. — Peguei algumas sacolas, ela sorriu e fomos para dentro. Era uma
casa simples, mas com uma aura de lar, que quase me joguei no sofá por conta das almofadas ao
redor.
Coloquei tudo ao lado da pia e me surpreendi que tinha confundido os gatos com aquela
fronha felpuda.
— Você tem cinco gatos? — perguntei, surpresa.
— Pode me chamar da tia do gato, eu não me importo. Eles estão sempre por perto e
nunca me enganaram, estão comigo por causa da comida. — Saiu novamente e a acompanhei,
pegando o resto das compras.
— Nunca tive um, acho fofo. — Voltamos para dentro, um branquinho com manchas
pretas e marrom se aproximou, miando. — Oi — murmurei para ele.
— Luna é a mais carente. — Éve me entregou um pote com ração e o chacoalhou, a gata
miou. — E pidona. Assim que você encher o potinho dela, terá todo o seu amor.
— Ela já tem o meu. — Fui até um cantinho, com um potinho vazio e o enchi. A gata
me acompanhou, arrebitou o bumbum e o rabo para mim, eu alisei suas costas e ela arreganhou
ainda mais. Tive que rir, era muito diferente ver aquilo. — Gostou do meu carinho, foi?
— É uma oferecida, mesmo castrada. — Éve começou a guardar os mantimentos e me
lembrei da comida com dona Nancy. Nem deu tempo para eu ficar chocada com o jeito que ela
falou do animal.
— Preciso ir. — Entreguei o pote e sorri para a mulher solitária. — Muito obrigada.
— A picape está aberta, só pegar suas coisas. — Enrugou o nariz. — E desculpe, mais
uma vez por não ter parado antes, foquei tanto em chegar em casa para guardar as compras que
me esqueci de você.
— Imagina, você é muito querida. — Dei um passo para fora da casa e voltei, animada.
— Vai ter um almoço coletivo, não sei onde será, mas foi para isso que vim. Tenho certeza de
que você será bem-vinda.
— Não me leve a mal, mas ficar perto do seu garanhão e os amigos é a última coisa que
farei hoje. Só aturo Saul, porque é filho dos meus patrões.
— Nossa. — Fiquei chocada e abaixei a cabeça, saindo da casa. Realmente, não tinha
sido por falta de aviso, a moça era rabugenta.
Tudo bem que Ismael também não foi fácil de lidar em um primeiro momento, as
pessoas mais difíceis eram aquelas que precisavam de mais carinho. Como, se não deixavam
ninguém se aproximar?
Ainda bem que Ismael estava sendo diferente comigo, esperava que não mudasse, ou
quem iria ficar arisca, era eu mesma.
Peguei minha bolsa na picape, caminhei apressada até a casa principal e dei a volta, até
chegar na porta da cozinha, que ficava aos fundos. Dona Nancy estava com as duas mulheres da
outra vez, mesmo tendo sido um breve momento, eu me sentia em casa.
— Olá! — anunciei minha chegada, a dona da casa veio em minha direção, animada.
— Ah, que maravilha. — Tirou a bolsa da minha mão e me entregou um pano de prato.
— Vamos, temos muito o que fazer. Lave as mãos e eu guardo sua bagagem.
— Obrigada, dona Nancy. — Olhei pela janela e na porta que dava para o corredor, eu
queria informações sobre Ismael, sem expor minha ansiedade.
— Os rapazes estão com o gado — Maria, a mais jovem das duas, contou em tom suave.
— Derrubaram a cerca, tiraram os brincos de alguns bois e queimaram o pasto. Isso não se faz
com um animal.
— Saul tem sorte de ter amigos como eles. Assim que ele fez a ligação, os três vieram
ajudar. Nem esperou seu Jeronimo acionar os peões das fazendas vizinhas — Joaquina
complementou e meu coração se encheu de admiração por eles. Éveny estava errada sobre os
quatro, ou algo aconteceu que ela tenha ficado tão chateada.
— Pronto. — Nancy voltou para a cozinha. — Vamos começar a descascar as
mandiocas, a carne já está na panela. Farei vaca atolada, a favorita de Saul.
— Confesso que nunca fiz — confessei, indo para a pia e lavando as mãos, como ela
tinha me pedido e não tinha feito ainda. — Você pode fazer uma para eu aprender?
— Quantas vezes precisar. — A senhora querida me deu um sorriso e entregou uma faca
enorme. — Tome cuidado.
— Pode deixar.
— Vou usar a mesa lá da frente, que caberão todos. Chegou mais gente para o reparo da
cerca, eles estarão famintos quando terminarem.
— Os bois estão bem? Teve prejuízo? — perguntei, genuinamente preocupada com tudo
o que eles estavam passando.
— Todos estão vivos, isso que importa. — Com uma mandioca na mão, dona Nancy
desceu uma faca na raiz com um golpe e fez um movimento para o lado, depois da lâmina cortar
a casca. — Aos poucos você encontrará a força suficiente, nem muito fundo, nem raso. Depois
de fazer isso com alguns, lava, pica e coloca nessa panela de pressão. Vai precisar encher duas
dessas.
— Combinado. — Fui até a grande cesta com mandioca e tirei uma para mim. Tendo
informações de Ismael, minha língua coçou para saber mais da moça dos gatos. — Éve é bem
reclusa, né? — comentei, despretensiosa e as duas mulheres gargalharam, largando a massa dos
biscoitos de nata, em cima da mesa.
— Parem com isso — Nancy ralhou, mas também riu com meu comentário. — Éveny
tem bom coração.
— Percebi. Ela prefere os gatos a ficar perto dos Garanhões.
As duas voltaram a rir e dona Nancy encontrou outro assunto para falar do que comentar
o motivo dela ser daquele jeito tão arredia. Enfim, talvez fosse história para outro momento,
porque eu estava aprendendo a cozinhar, algo que minha mãe nunca tinha feito comigo.
E eu estava amando fazer parte daquele rancho.
Capítulo 23
Regina Alves
Depois de duas horas trabalhando com dona Nancy, eu estava exausta, mas feliz.
Também tinha fome, mas belisquei alguns biscoitos para enganar meu estômago.
Peguei a travessa com a salada mais bonita que já vi, além de colorida e fui levar na
mesa de fora. O pessoal estava para vir, Saul tinha avisado a mãe que eles haviam terminado e
estavam se limpando.
Confortável e realizada, tinha me esquecido de como poderia ser ao encontrar com
Ismael. Assim que contornei a área de fora da casa, para chegar na mesa, os homens estavam se
aproximando.
Parei por alguns segundos e depois continuei a avançar, porque Ismael finalmente me
viu e seu olhar surpreso quase me fez surtar. Minhas bochechas esquentaram de imediato,
relembrando o que tínhamos feito de madrugada.
— Olha quem apareceu! — Um deles tirou o chapéu da cabeça e me cumprimentou. —
Você deve ser a famosa Regina.
— Cala a boca, Bretão — Ismael resmungou, passou por todos e veio ao meu lado,
enquanto eu me esticava para colocar a travessa de salada em cima da mesa. — Oi —
cumprimentou, baixo.
Não sabia como lidar com aquela versão de Ismael, com calça jeans, camisa xadrez e
boné. Além do sorriso tímido, havia um receio dele se aproximar de mim. Sempre formal e no
controle, era a minha vez de tomar a frente daquela aproximação.
Com as mãos livres, virei-me de frente a ele e toquei seu braço. Morrendo de vergonha,
por ter o olhar de muitas pessoas em nós, fiquei na ponta dos pés e beijei sua bochecha.
— Oi. Espero que não se importe de eu ter vindo. Eu só queria ajudar — revelei
próximo do seu ouvido e me afastei, encontrando o olhar divertido do advogado, que tinha
conhecido antes. — Está quase tudo pronto. Já volto.
— Eu não ganho beijo também? — Estevão perguntou e nem respondi, por causa da
vergonha. Os outros começaram a rir e incitar Ismael, que estava me acompanhando para a
cozinha.
— Hey! — Ele me segurou pelo antebraço e me encarou com a testa franzida e olhar
sério. — Por que fez isso?
— Eu... pensei... — Umedeci os lábios, eu não sabia o que responder. — Sinto muito,
não quero atrapalhar.
— Como assim? — Sua mão deslizou pelo meu braço e subiu para a minha nuca. —
Depois do que fizemos, você me cumprimenta com um beijo no rosto? Então, aparece aqui e...
Rapidamente entendi sua indignação. Não o deixei terminar de falar, pulei em seu
pescoço e beijei sua boca. A mão firme na nuca continuou, a outra rodeou minha cintura e seus
lábios apertaram os meus, necessitados. Eu tinha achado que ele estava bravo pela minha
presença, mas exigia minha demonstração de afeto mesmo estando com tanta gente ao redor.
— Depois vocês namoram, vamos almoçar. — A voz de dona Nancy me assustou, pulei
para longe de Ismael, que pegou na minha mão, tranquilo. Ela carregava duas jarras enormes de
suco de laranja natural. — Não tem mais nada para pegar.
Soltei um riso nervoso, troquei um olhar com Ismael e fomos para a mesa, com todos.
Sentei-me no último canto do banco, protegida pelo empresário que estava disfarçado de
cowboy.
Eles comentavam sobre o trabalho, como a cerca estava quando a encontraram e o
trabalho que deu para juntar o gado. O pasto queimado já fora tratado, por isso o ar não tinha
cheiro de cinzas. Arriscaria dizer que o tal Bretão fosse Saul, o único que tinha a cara de homem
da zona rural, com a pele manchada pelo sol.
Depois de um tempo, enquanto comíamos, as conversas foram dispersando. Ismael
apertava meu joelho, tocava minha mão por debaixo da mesa, mas não me encarou. Fiquei quieta
a todo momento, observar aquela interação estava sendo grandiosa para mim.
Esperança brilhava no meu peito. Nunca imaginei que fosse possível ter amigos ou
colegas de trabalho que eram como família.
— Galego, você está bem? — Um homem alto, com barba bem-feita e cabelo alinhado
nos encarava. — Parece que surgiram covinhas na sua bochecha. Isso é um sorriso?
— Vai se ferrar, Nobre. — Ismael colocou a mão debaixo da mesa e apertou minha coxa
um pouco forte, acabei sentido mais intensidade do que deveria e prendi a respiração. — Esse é
Thiago, o bom moço e terror das mães casamenteiras. Ele fala de mim, porque não consegue
enxergar o próprio rabo.
— E eu ainda me iludo que serei padrinho do seu casamento — Estevão debochou e os
homens riram. — Acho que mudamos a ordem do primeiro a ser amarrado. Já estão
encomendando os bebês?
Comecei a tossir enquanto ria, eu estava me divertindo, apesar do momento
constrangedor. Ismael resmungou algo que não consegui ouvir, fazendo os homens rirem ainda
mais.
— Não perturbem nossa visita. — Nancy fez cara de brava para os rapazes. Saul
levantou as mãos, em rendição. — Vocês precisam maneirar na brincadeira. Querem viver
solteiros para sempre?
— Proposta aceita, dona Nancy — Estevão brincou. E Thiago apontou o dedo para ele.
— Nem vem, esse futuro é só meu.
— Passaram dos trinta, mas parecem ter dezesseis ainda. — A senhora me encarou
preocupada e eu sorri, para mostrar que estava tudo bem com tudo aquilo.
— Nossa especialidade é espantar as interesseiras. — Estevão se inclinou na mesa para
me encarar e ergui as sobrancelhas, surpresa. — Para ficar ao nosso lado, tem que nos amar de
verdade.
— Falam isso, como se eu fosse a primeira namorada a vir aqui — comentei, tão
inocente e querendo participar do entrosamento deles, que não pensei no peso daquelas palavras.
— Namorada? — Thiago falou alto e todos pararam de conversar para olhar para mim.
— Como assim está namorando e nem convocou uma reunião oficial no Escritório? —
Saul colocou lenha na fogueira, vários comentários surgiram, outros riam e eu tentei me esconder
pressionando meu rosto no braço de Ismael.
— Você não estava lá? — Estevão disse sério. Um braço me envolveu e tentei não
surtar mais do que o necessário, já que Ismael estava me dando apoio em vez de fugir daqueles
questionamentos. — Como vocês acham que ele conseguiria uma namorada? Ele comprou!
— Ismael comprou uma mulher? — alguém soltou e os rapazes riram alto.
— Pensei que esse rostinho bonito e humor sarcástico conseguiria candidatas
interessadas em casamento — outro comentou, debochando ainda mais. O corpo ao meu lado
estava vibrando e quando olhei para cima, Ismael tentava segurar o riso.
— Mulher nenhuma quer virar empregada de um mal-humorado como Galego. —
Estevão olhou de mim para Ismael. — Por que está fazendo essa cara feia para mim? Só falo
verdades.
— Como disse para Éveny? — Thiago se envolveu e muitos pararam de rir. — Ela
nunca mais apareceu depois do seu comentário espirituoso.
— Sem educação, sobrou até para mim. — Saul tomou um gole de suco, já tinha
terminado a comida. Ele olhou para a mãe, que o julgava com o olhar. — Eu não falei aquilo, até
tentei me desculpar, mas o Puto consegue foder com tudo.
— Ela fica enfurnada em uma casa cheia de gatos, você queria que eu falasse o quê? —
Estevão não parecia preocupado, continuava sorrindo com cinismo. — Que era uma moça social
e cheia de pretendentes ao seu redor?
— Ah, então você é culpado dela ser bruta? — soltei, novamente, outra coisa que não
deveria estar dizendo tão abertamente.
— Conheceu o desafeto favorito dele? — Ismael me perguntou, divertido. — Faça
amizade com ela e preparem uma vingança, será divertido de assistir.
— Se precisar de ideia, eu topo — Thiago disse animado.
— Esse é meu charme, eu tenho o poder de mudar as pessoas — o advogado nem se
abalava com as ameaças.
— Menos a mim. — Saul bateu nas costas do amigo, que começou a tossir, deveria ter
sido forte demais, para a alegria dos outros dois. — Ninguém me tira dos cavalos.
— Eu ainda acho que uma dessas éguas é uma mulher disfarçada — outro comentou e o
foco mudou para como estavam os equinos.
Suspirei, recostando minha cabeça no peito de Ismael e sentindo seu coração acelerado
como o meu.
— Obrigado — ele murmurou antes de beijar minha cabeça e continuar a interação com
seus amigos. O braço ao redor do meu corpo nunca se afastou. Dona Nancy olhava para nós de
um jeito tão aprovador, que eu só desejava que minha vida continuasse daquele jeito.
Era bom fazer parte de algo muito maior que nós mesmos.
Capítulo 24
Regina Alves
Nem vi quando escureceu. Depois do almoço e as conversas, um dos funcionários
apareceu com um violão e começou a tocar músicas que não faziam parte do meu cotidiano.
Quase todas eu não conhecia e nem me importava, porque Ismael apareceu com uma rede,
pendurou-a em um canto e me colocou entre suas pernas.
Com as costas apoiadas na sua frente, ouvi e saboreei um pouco mais do que nunca tive
na vida. Amigos e leveza, parecia que eu sempre vivi sob pressão com minha mãe. Era algo
constante para fazer ou estar na escola, quase nunca eu tinha contato com as pessoas, para
compartilhar um momento.
Mesmo que eles não disseram, eu me sentia parte daquela irmandade. Ismael não
confirmou o namoro que eu soltei como indireta, nem me impediu de conversar. O silêncio
também não foi constrangedor, porque sua mão estava sempre em uma parte do meu corpo e,
naquele momento, descansava em minha barriga.
Vez ou outra ele cantava algum trecho da música, mas do que já tinha ouvido dele, não
era seu estilo. Apesar daquela divergência, entre os amigos e funcionários do rancho, ele
pertencia àquele lugar, com aquelas pessoas, mesmo sendo tão diferente.
— Você se importa de irmos também? — Ismael murmurou em meu ouvido, quando
alguns começaram a se despedir.
— Trouxe uma muda de roupa para nós. — Virei-me para o encarar, ele parecia
exausto. — Está tudo bem?
— Deixe aqui, outro dia voltamos. Eu prefiro estar na cidade caso alguém do hospital
ligue.
— Ah, claro! — Saí da rede apressada e Ismael me acompanhou.
Estevão era o que estava mais próximo, tinham bebido e sorria de forma insolente para
uma direção, mas não tinha ninguém. Assim que nos movimentamos, ele se levantou e nos
abraçou, envolvendo um braço em cada um.
— Eu amo vocês — soou tão bêbado que acabei rindo.
— Vá tomar um banho antes de dormir, você está fedendo. — Ismael afastou o amigo
de nós, que cambaleou e não caiu.
— É cheiro de dinheiro. — Bateu no peito com a mão aberta. — Vou largar o Direito e
virar um fazendeiro.
— Isso se chama tempo à toa. — Saul se aproximou e pegou o amigo pela nuca. — Já
deu a hora de todo mundo, amanhã é um novo dia.
— Ela não vai te perdoar se você ficar ainda mais rico, não é essa a questão. — Thiago
tocou o punho fechado com Estevão e Saul, antes deles continuarem a se afastar. — Seria melhor
ele rastejar na lama.
— Puto não está pronto para essa vida, Nobre. — Os dois bateram os punhos e ganhei
um beijo no rosto dele.
— E você está? — o amigo rebateu e ambos me encararam.
— De onde vêm esses apelidos? — Fugi daquele escrutínio. — Galego, Puto, Nobre e
Bretão. Como aconteceu?
— E nem é por conta da origem dele, foi uma discussão acalorada com o professor de
história no colégio. — Thiago acenou e se afastou. — Os outros, ele te conta no caminho. Para
vocês terem algo para conversar em vez de fazer outra coisa.
— Vai tarde — Ismael se despediu, fingindo irritação.
Eu estava achando o máximo, não conseguia enxergar malícia naquelas conversas. A
linguagem do amor daqueles Garanhões, com certeza, era a provocação.
— Preciso me despedir de dona Nancy.
— Ela deve ter ido para dentro, depois a gente volta. — Com um braço no meu lado, ele
me guiou na direção dos carros. Acenei em despedida para os três, com o coração apertado de
não ver a mulher que me acolheu. — Eu amei — precisei confessar, quando estávamos afastados
de todos.
Quando chegamos no carro dele, pressionou-me contra a lataria e tomou minha boca,
lento e apressado, suave e bruto, do jeito que só ele conseguia me incendiar. Se algum dia eu
tinha dificuldade de me aproximar de rapazes, acabou por completo ao me relacionar com Ismael
Ferri.
Suas mãos foram para meus quadris e seguiram para a bunda, apertando-a enquanto
esfregava sua pélvis em mim. Eu aproveitei para apertar sua nuca, já que o boné continuava na
cabeça, mas com a aba virada para trás.
— Tem muita gente por aqui ainda, não sejam pegos — ouvi a voz de Saul, os passos
soavam próximo a nós e precisamos parar o que estávamos fazendo, para não ultrapassar limites.
Eu ri tímida e Ismael só sorria, tendo a lua como iluminação, para meu apresso.
Voltamos a nos beijar, Ismael segurou na minha coxa, desceu por trás até o joelho e ergueu
minha perna, gerando atrito na parte que mais queria atenção.
— Como você está? — perguntou entre os beijos.
— Bem — respondi o óbvio.
— Quero dizer — ele segurou meu rosto e respirou rapidamente —, foi sua primeira
vez, certo?
— Sim.
— Não está doendo? — Olhou para baixo, depois para mim e entendi sua pergunta. Ele
queria fazer novamente? Já?
— Pouco. Mas consigo suportar, se fizermos igual.
— Ah, não, eu quero fazer de outro jeito. — Sorriu de lado, aquecendo meu corpo por
inteiro. — Quer tentar?
— Sim. — Olhei ao redor, um tanto receosa. — Aqui?
— Será no carro, mas em outro lugar. — Ele me puxou ao redor do automóvel e abriu a
porta. — Você é maluca, garota.
— E o que isso diz de você? — rebati, atrevida.
— Que vou me formar em Psicologia, só para te ver a cada crise.
Fechou a porta, deu a volta e se acomodou no banco do motorista. Ligou o som do carro
e percebi o suspiro aliviado quando a batida de rock começou a soar.

“Então me leve até o rio e conserte minha alma


Minha fé está quebrada e eu só quero deixá-la ir
E tudo dentro de mim está dizendo não, não, não
Ninguém não, ninguém
Pode me tirar das sombras e restaurar minha visão
Porque eu sou um homem morto andando e estou questionando a luz
E ninguém não, ninguém não, ninguém
Está vindo para mim agora”
Mitchel Dae – Down To The River

Ele acelerou, colocou uma das mãos bem próximo da minha virilha e fechei as pernas
com força, para o sentir ainda mais intimamente. A porteira estava aberta, Ismael continuou
seguindo, fez um caminho diferente e parou o carro em um local bem escuro.
Desligou o motor, apagou as luzes e afastou o banco, abrindo a calça e segurando seu
membro. Encarou-me preocupado, mas não parou de se tocar, ele estava cheio de tesão e eu
comecei a ficar na mesma intensidade dele.
— Você foi perfeita, Regina. E... eu sempre quis foder bruto e sujo depois de um dia
desse no rancho. Mas sei que...
— É só tirar a calça? — Não sabia o que ele iria falar e nem queria ouvir todos os
argumentos contrários para o que ele desejava.
Bastou um aceno concordando para que eu tirasse meus tênis sujos, desfiz o botão e
zíper do jeans, tirei-o junto com a calcinha e fui para o seu colo, de frente.
Meu coração estava para pular do peito, eu não sabia de onde vinha tanta confiança ou
submissão ao seu pedido, eu só queria que ele se sentisse incrível como eu estava.
Se era sujeira, o perigo ou situação em geral, não importava, eu também queria tudo o
que ele pudesse oferecer.
Com as mãos em seus ombros, encarei-o na noite e seu olhar brilhava para mim. Se eu
fosse metade do que ele estava demonstrando, nada poderia me abalar, nunca mais.
— Veja como fica. — Ele me ajudou a subir um pouco e encaixou sua ereção na minha
entrada. — Aproveite o suficiente, porque eu vou gozar a qualquer minuto.
— Quer ir devagar?
— Quero do seu agrado. — Fui descendo, ardeu, então subi. Fiz o movimento
novamente, apreciando a fricção e me sentindo cada vez mais excitada. — Gostosa pra caralho,
Regina! — Apertou minha coxa, deslizou e bateu na minha bunda. Eu contraí meus músculos,
ele gemeu. — Oh, porra!
Entendi como o agradava a ambos, subi e desci, cavalguei em seu colo, até sentir o
prazer se formando de dentro para fora. Sua mão veio entre nós, o polegar esfregou meu clitóris
e beijei sua boca, tão sensual que me ajudou a ficar ainda mais excitada.
O barulho de carro se aproximando me assustou, ele não me deixou parar e a adrenalina
que o conduzia chegou até mim.
— Continue. Fode gostoso comigo. Isso! — sua voz ficou mais grave, eu senti o
impulso do orgasmo e assim que o carro passou, não havia luz em nossa direção, apenas para a
traseira do automóvel que estávamos.
Um impulso a mais foi o suficiente para eu gemer algo, ele arfar e se entregar ao clímax.
Ele beijou mais forte, eu retribuí, até meus lábios ficarem doloridos de tanta pressão.
Seu abraço me confortou, apertei seu pescoço com meus braços e ficamos naquela
posição por um tempo. Ele era meu, por aqueles minutos juntos, eu poderia sonhar que éramos
namorados curtindo uma aventura.
— Vamos continuar na minha cama, depois de um banho? — sugeriu Ismael, me
ajudando a ir para o meu banco. Abriu o porta-luvas e me entregou lenços para me limpar.
— Eu topo — respondi, empolgada para que o clima de paixão não acabasse tão cedo.
Nem sempre tudo acontecia como planejávamos.
Capítulo 25
Ismael Ferri
Meu celular tocou e eu não queria sair da posição que eu estava. Com Regina em meus
braços, ambos nus, aquele tinha se tornado meu local preferido.
Quando o toque insistiu, achei que poderia acordar a mulher que tinha transformado
meu mundo. A naturalidade como ela invadia meu espaço e se mesclava à minha rotina era
incrível. Achei que em algum momento, por conta do gênio dos meus amigos, ela iria reclamar
ou se afastar, como outras fizeram. Mas não, ela parecia em casa.
Arrastei-me para longe dela e da cama, fui até minhas roupas descartadas perto do
banheiro e peguei meu celular. Era o telefone do médico que estava atendendo meu pai, meu
estômago pesou e eu não sabia se iria escutar uma notícia boa ou ruim.
Estava tudo indo tão bem, mesmo com a ação dos Servantes no rancho. A segurança
contratada da Hold conseguiu evitar o pior e nos chamou, nós estávamos vulneráveis.
— Alô — atendi, tentando me despertar ao esfregar o rosto com a mão.
— Ismael? Desculpe o horário, falo aqui do hospital em que seu pai está internado.
— Sim, Doutor. Alguma novidade?
— É possível vir agora?
— Claro, só vou colocar uma roupa. Ele morreu?
— Tiramos o tubo e ele está acordado. — A informação que ele deu me fez exalar de
alívio. — Ainda está em uma situação delicada, quando estiver aqui, explicarei melhor.
— Tudo bem, chegarei o mais rápido que puder.
Eu me sentia com oito anos, quando acompanhei meu pai pela primeira vez no hospital.
Era um exame de rotina, mas nada além de tragédias passavam pela minha cabeça, além do
cenário de estar sozinho no mundo.
Por mais que ele fosse rígido e frio, aprendi a ser forte com ele. Ainda tinha muita coisa
para vivermos juntos, principalmente com as novas informações que encontramos em seu e-mail.
Se ele iria fazer uma aliança com os Servantes ou era apenas uma armadilha, eu tinha
que saber.
— Ismael? — Regina estava sentada na cama, ajeitando o cabelo, quando me virei. —
Aconteceu alguma coisa no rancho?
— Não, no hospital. Vou ver meu pai, pode voltar a dormir. — A vontade era de pedir
que viesse comigo. Estevão era um bom amigo e me deu apoio nos últimos dias, mas o que tive
naquela noite era tudo o que mais ansiava.
— Eu posso ir com você, se...
— Sim! — respondi, rápido demais.
Abri o guarda-roupa e ela se apressou para o outro cômodo, suas roupas estavam no
quarto de visitas. Era cedo demais para morarmos sob o mesmo teto, mais ainda dividirmos um
quarto, mas lá estava eu, pensando em namoro e casamento.
Deveria ter enlouquecido ou ficado mole demais. Sendo homem, exigiam de mim uma
postura de força e insensibilidade. E eu gostava de tê-la em todos os momentos, ninguém
conseguia me alcançar.
Ao lado de Regina, eu me sentia seguro o suficiente de agir apenas com meus instintos.
Antes de mim, ela já estava pronta e ao meu lado. Usei o banheiro, coloquei minha
roupa social habitual, sem gravata e saímos do meu apartamento de mãos dadas.
Com meu carro sujo da viagem até o rancho, fomos até o hospital em um silêncio
confortável e parei no estacionamento ao lado do prédio. Meu pai estava em um dos leitos de
UTI, segui o mesmo caminho que tinha feito antes.
Na primeira recepção, já me indicaram outro andar, ele estava em um quarto individual.
Encontrei o médico na recepção daquela ala e seu olhar me dizia tudo: apesar da boa notícia, não
havia esperança.
— Bom dia. Você quer ver seu pai primeiro? — O Doutor fez uma indicação para me
levar e neguei com a cabeça. — Vá, pelo menos alguns minutos.
— Vem, Ismael. — Regina me puxou, mesmo que eu continuasse negando. Aquele
médico queria que eu fizesse o quê? Por que não me contava o que estava realmente
acontecendo?
Quando entrei no quarto, o cheiro me embrulhou o estômago. O homem que parecia ter
envelhecido dez anos em apenas alguns dias virou a cabeça ao perceber a movimentação. Aquele
olhar de nojo era conhecido por mim, ele fazia isso para todas as mulheres com quem eu me
relacionava, mesmo sendo poucos dias ou apenas uma noite.
Regina não precisava daquilo e eu não sentia necessidade de ter a aprovação dele para
estar com ela. Era a minha vida e meu único ponto de alívio, Norival Ferri não tinha o direito de
me tirar aquilo.
— Você me espera na recepção? — pedi em forma de pergunta, para soar agradável.
Beijei sua testa e ela soltou minha mão, fechando a porta quando saiu.
Aproximei-me da cama, vendo o homem mais forte do mundo definhando. Ninguém
poderia abalar meu pai, apenas o próprio coração judiado.
— Oi, pai. Que susto o senhor deu, novamente. — Coloquei a mão próximo do seu
ombro, eu queria tocá-lo, mas parecia tão errado.
— Quem... é ela? — perguntou, fraco e encarando a porta como se fosse uma ameaça. O
melhor seria ignorar a pergunta ou mentir, mas a necessidade rebelde se sobrepôs a tudo.
— Minha namorada. Quando sair daqui eu te apresento.
— Eu te criei melhor que isso — as palavras saíam bem baixas, apesar do desprezo e
ódio.
— Depois conversamos. Você melhorou e espero que volte para casa.
— Nenhuma mulher é boa para você. — Ele parecia não ter me escutado e virou a
cabeça, encarando o teto. — Aquela filha da puta está te deixando fraco. Menino não chora.
— Pai? — Engoli em seco, sentindo suas palavras como uma confissão.
— Mostrei que mulher chora com surra, não homem. Você tinha que ser forte como eu.
— O que está dizendo? — Tentei entrar no seu campo de visão, mas ele parecia vidrado
em algo, talvez relembrando de alguma coisa. Se o pouco que compartilhou fosse verdade e eu
tivesse entendido direito, meu pai batia na minha mãe e isso era o suficiente para ela ter nos
abandonado.
— Como vou trabalhar com um menino que chora por tudo? — Ele respirou fundo e os
bipes do aparelho pareciam aumentar. — Caiu, levanta. Não gostou, grite, mas nunca chore.
Seus comandos, que há muito não ouvia, estavam tendo efeito contrário. Tudo isso ele
fez comigo, cansei de ouvir o quanto ninguém era suficiente, que chorar era sinônimo de
fraqueza e que um homem de verdade batia antes de conversar. Que meus super-heróis eram
fracos ao fazer justiça e não buscar a riqueza pessoal, que todo esforço deveria ser recompensado
de forma egoísta.
Ele fechou os olhos e soltou um longo suspiro, a porta do quarto se abriu e o médico
apareceu. Com semblante pesaroso, conferiu os aparelhos, deu um tapinha leve nas minhas
costas e me encarou.
— Quer ficar aqui ou esperar lá fora?
— Por quê? — Franzi o cenho, eu não estava entendendo o médico.
— Pode durar alguns minutos ou dias. Ele está em processo de morte.
— Como assim? — Eu estava alterado e o médico não mudou de postura. — Acabei de
conversar com ele!
— Sim, ele também falou comigo. Os últimos exames não foram bons e exigiu que
tirássemos o suporte por aparelhos. O caso dele é complexo e...
— Não! — Coloquei as mãos no colchão e encarei meu pai, que parecia dormindo e não
falecido. — Como assim você me fala que espancava minha mãe e não vai terminar de contar
essa merda?
— Tenha calma, Ismael. Ele perdeu a noção de tempo ou realidade, pode ser uma
memória ou algo que viu na televisão.
— Era muito real. — Encarei o médico, depois meu pai e resolvi usar pela última vez
seu ensinamento, ser forte. — Vou te passar o telefone do meu advogado, ele resolverá toda a
papelada.
— Converse com sua namorada, tome uma água e depois volte.
A tranquilidade na voz daquele homem me irritou. Saí do quarto pisando firme, cheguei
na recepção e Regina se levantou, os olhos arregalados ao me ver.
Desmoronei quando ela correu para os meus braços e me apertou. Uma mescla de raiva
e indignação me dominou, ela era tudo o que eu não deveria ter. Precisava me afastar ao mesmo
tempo que apenas o pensamento de não a ter por perto, com seu jeito doce e sorriso acolhedor, eu
estava prestes a surtar.
Eu tinha que ser forte de um jeito diferente. Sem fugir ou descartar, tinha que enfrentar
meus demônios de frente. O choro foi mudo, as lágrimas foram engolidas e o soluço era apenas
uma tentativa de controlar a respiração que queria desregular.
Centramento!
— Vamos esperar. — Sentei-me no primeiro banco e Regina ficou ao meu lado, sem
silêncio, mas dizendo muito ao me obedecer sem um comentário contrário.
Ela era a única aliada naquela batalha.
Capítulo 26
Regina Alves
Os dias passaram rápido demais e nublados, tanto pelo clima como pela emoção. Nunca
tinha ido a um velório, sempre fomos eu e minha mãe. Estar ao lado de Ismael, que enterrava seu
único parente vivo, me fez pensar em tudo o que eu estava descartando para ficar com ele.
Precisava agregar. Não dava para trocar um pelo outro, eu tinha que fazer os dois
mundos coexistirem. Estava na mesma cidade que ela, conversar e ter uma relação saudável era
possível, só dependia de mim.
Antes de qualquer atitude, eu iria ficar com Ismael. A casca grossa daquele homem o
fez voltar ao trabalho no outro dia. Nem teve tempo para sentir o luto, ele estava fugindo ou com
raiva. Comigo, pelo menos, ele sempre era carinhoso e gentil, só deixou de sorrir, o que era
compreensivo, nem eu mesma conseguia me permitir um minuto de felicidade em meio à tristeza
daquela ruptura.
Nos dias que passaram, eu fiquei no apartamento, buscando coisas para fazer. Ajudei
dona Liliana, que estava preocupada com Ismael como se fosse mãe. No almoço, nós três
conversávamos sobre as notícias veiculadas na internet e deixamos o assunto da empresa Ferri
para outro momento, ou até que ele comentasse algo.
As noites eram dos abraços. Não tinha clima para o romance, mas abria brecha para o
carinho desinteressado. Era bom estar com ele e esperava que Ismael sentisse o mesmo com
minha presença.
Mas viver daquele jeito era aceitar que não havia perspectiva, tínhamos chegado em um
ponto que não ia para a frente, nem retrocedia. O limbo. Eu queria minha autonomia de volta,
fazer faculdade e trabalhar, ter algo que fosse meu. O medo me impedia de agir, mas não de
pensar sobre o assunto.
Em um dos almoços de rotina, sentados à mesa apenas nós dois, encontrei uma abertura
e perguntei uma das coisas que estava entalada na minha garganta:
— Tem notícias dos Servantes? — Não queria pressionar, mas se aquele homem não
iria mais perturbar, eu poderia me libertar do medo.
— Aumentei a segurança e eles recuaram. Estou juntando alguns e-mails para os
confrontar e encerrar esse assunto. — Seu olhar frio no meu me causou um arrepio e não era de
um jeito bom. — Era isso que você queria saber ou tem mais outra coisa?
— Eu não quero pressionar. — Abaixei a cabeça, para tomar fôlego.
— Você não precisa agir como se eu fosse o carrasco — saiu duro e levantei meu olhar,
confusa. — Está ruim ficar comigo? É isso? Tirando o Servantes do caminho, você pode voltar à
sua vida. Estou no caminho, aguente mais um pouco e não serei um empecilho.
— Não deduza o que você não sabe. — Fiquei chateada e ajeitei minha postura, para
não desmoronar em pranto. — Só fiz uma pergunta, porque quero ajudar mais do que ficar no
apartamento colaborando com Liliana. Eu fazia faculdade antes de tudo isso acontecer, tinha um
emprego e...
— Entendi. — Sorriu e não havia felicidade, mas sarcasmo malicioso, um que nunca me
foi oferecido, até aquele momento. — Talvez te falte sexo, não transamos há um bom tempo.
— Ou tenho demais, que é a esperança. Era para ter sido uma conversa e você jogou
essa merda em mim. É só para isso que sirvo? O que eu te fiz para ser tão cruel?
Seu olhar vacilou e meu peito doeu. O idiota iria manter a postura, achando que ficar
forte no momento em que deveria abrir o coração era a escolha certa.
Reconheci suas armaduras emocionais, também o homem ferido que tinha dentro delas.
Mas eu não era um saco de pancadas e nem queria ser um peso. Amei estar com ele em todos os
momentos, mas eu não era um animal de estimação que só cumpria ordens e abanava o rabo
quando o dono chegasse.
— Regina... — Ele esfregou o rosto com uma das mãos quando se deu conta da tensão e
me levantei da mesa, forçando o sorriso.
— Tudo bem, Ismael. Você tem o direito de estar amargo e ser rude, está de luto. Posso
estar com você, como companheira e não saco de pancadas. Fiz apenas uma pergunta e você
jogou todas as suas dúvidas na minha cara como se fossem certezas.
— Vai me dizer que não se sente presa aqui dentro? — Ele ficou de pé e abriu os
braços. — Eu vejo o que você pesquisa no computador, está buscando faculdades e moradias...
— Está invadindo minha privacidade! — Recuei um passo, indignada.
— O notebook é meu. — Enfrentou-me, tão injustamente, que não consegui controlar o
choro. — Ah, sim, eu deveria prever.
— Que eu amo você? — Segurei-me no encosto da cadeira e apertei, para não socar a
cara dele. Meu rosto tinha sido banhado pelas lágrimas, que de tanto segurar, escorreram em
cascatas. — Que em algum momento eu ia querer fazer algo por mim e somar na sua vida em
vez de ser apenas um corpo quente para dormir à noite? Namorados não são assim.
— E você sabe como é um relacionamento? — Movimentou o dedo, dele para mim,
várias vezes. — O que você acha que temos? Você é apenas uma mercadoria para o Servantes.
Eu te salvei e estou tentando te proteger, porra!
— Por que não disse tudo isso antes? Que apesar de estamos convivendo, de termos
passado por muitas coisas juntos, não era nada pessoal ou íntimo, apenas uma fase. — Pressionei
os lábios, para não dizer novamente que o amava. Ele nem se importou com a minha declaração,
muito menos retribuiu.
— Fase? Caralho, mulher, você é a única que me fez agir diferente! Eu... — Colocou as
mãos na cabeça e suspirou. — Porra, Regina. Saiu errado. Me desculpa, eu estou falando um
monte de merda. Estou parecendo meu pai.
— E o que você queria, realmente, me dizer?
O silêncio me incomodou, ele não sabia e nem eu estava disposta a pressioná-lo. Fomos
rápido demais nos acontecimentos, pulamos etapas e não fortalecemos o que havia de mais
importante em um relacionamento: confiança.
Não conseguíamos nos encarar, apesar de estarmos olhando um para o outro. Distantes,
emocionalmente, era o nosso diagnóstico.
— Precisamos esfriar a cabeça — por fim, ele declarou.
— Também acho. — Concordei com a cabeça e limpei as lágrimas do meu rosto. — Eu
vou dar um jeito, juntar minhas coisas e ir para a minha mãe.
— O quê? — Ele mudou, a frieza deu lugar ao desespero, ele veio para perto e eu
recuei. Isso o machucou, mas também a mim, que o encarava como ameaça. — Regina, eu nunca
te faria mal.
— Que bom. Então, eu vou e continuaremos nos falando, como um casal normal. Se é
que você ainda quer esse tipo de coisa comigo.
Ele foi até a parede do outro lado, espalmou a superfície acima da cabeça e respirou
fundo várias vezes. Se era raiva contida ou sofrimento, não estava dando para reconhecer.
— Meu Deus, Regina, eu falei muita merda.
— Que bom, assim a gente sabe o que cada um sente. — Cruzei os braços e não me
permiti chorar mais. — Eu gosto de você, Ismael, mas não dou conta de viver para você.
Também tenho meus sonhos e objetivos, quero compartilhar com você, não ficar no escuro e
esperar que você faça tudo por mim.
— Claro, você está certa. — Ele se virou e me encarou com todo o seu pesar. Quase
desmoronei e fui o abraçar, para dizer que estava tudo bem entre nós, mas era impossível
consolar alguém se eu mesma não estava bem, por isso permaneci onde estava. — Desculpe.
Vamos recomeçar.
— Exatamente. Eu na minha casa, você na sua e fim de semana, será maravilhoso estar
com você aqui ou com seus amigos.
— Claro. — Ele soltou um riso nervoso e esfregou o olho. — Ainda tem que jogar na
minha cara — murmurou para si, mas eu tomei para mim.
— Eu não estou fazendo isso! — soltei, irritada.
— Tudo bem, ok! — Ergueu as mãos em rendição. — Faça o que você precisa fazer e...
eu te ligo depois.
— Certo.
— Errado, mas é o que eu mereço. — Ele saiu rapidamente do apartamento, fugindo de
mim ou de continuar aquela discussão. O que queria dizer com tudo aquilo?
Não importava, eu tinha que seguir meu caminho. Sozinha.
Dona Liliana apareceu preocupada e não resisti, corri para os seus braços e chorei. Por
mais que não tenhamos terminado e nem definido o que tínhamos, algo entre nós mudou e
poderia ter nos estragado para sempre.
— Por quê? Tenho vontade de pedir para voltar e esquecer essa discussão —
choraminguei nos braços daquela mulher que tinha se tornado tão especial.
— Você não disse nada de errado, Regina. Madura demais para a sua idade e para
reconhecer que não se faz um relacionamento sem equilíbrio. Compartilhar sonhos, não impor
vontades. Você está certa, em tudo.
— Eu sei, mas... — Afastei meu rosto para a encarar. — E se ele nunca mais me ligar?
E se o tal Servantes aparecer e me sequestrar de verdade?
— Faça o que deveria ter sido feito desde o início, vá até uma delegacia e conte tudo.
— Ismael será um dos suspeitos e... eu não quero.
— Então, lide com as consequências. Isso não quer dizer que doerá menos. Escolhas
não são certas ou erradas, atendem necessidades. Qual a sua?
No momento, era receber o abraço reconfortante de Liliana antes de enfrentar minha
mãe.
Capítulo 27
Ismael Ferri
Eu não queria estar naquele lugar, muito menos olhando para coisas que me
machucavam mais do que eu já me sentia. Caralho, eu briguei com a única pessoa que se doou
para mim de corpo e alma, naqueles dias tão sombrios.
Em um primeiro momento, eu a salvei e protegi. Não era mais uma conveniência,
Regina tinha se tornado meu mundo em pouco tempo. Então, por causa do meu medo de perdê-
la, eu a sentia escorrer pelas minhas mãos.
Quem queria ligações e distância quando se tinha a intensidade que vivemos? Para a
puta que pariu com relacionamentos padrões, eu nunca fui normal para ter uma mulher ao meu
lado no mesmo patamar.
Sentado na cadeira que foi do meu pai, no computador dele, eu navegava em arquivos e
recordações que nunca me foram permitidos o acesso. A realidade de Norival Ferri não era a
mesma que ele me mostrava. Forte e inabalável, tinha um grande arsenal de textos não enviados
e fotos de uma mulher que, mesmo que ninguém me contasse, eu sabia que era a minha mãe.
Tudo o que ele disse antes de morrer era a verdade. Em seus relatos pessoais, pedidos de
desculpas e outros desabafos de raiva, havia indícios de que ele agredia minha mãe. E o que eu
fiz com Regina? A mesma coisa. Mesmo não sendo a força física, as acusações em palavras
acessavam o mesmo buraco que existia na minha alma.
Nunca pensei que sofreria daquele jeito, ainda mais por uma mulher. Eu não a queria
longe, não sabia se teria força para me rastejar por mensagens ou ligações, para ter o seu perdão.
Meu celular tocou e o número de Estevão brilhou na tela. Não queria falar com
ninguém, sabia o que aconteceria e cuspiria alguma merda para outra pessoa que eu me
importava.
Ignorei a ligação e o aparelho voltou a tocar, ele não iria desistir e sabia que apareceria
na minha sala se não o atendesse. Merda de advogado insistente, preferia lidar com a praticidade
de Thiago a encarar o bom senso de Estevão.
— Sim, estou ocupado — atendi, seco.
— Meu ovo. — Soltou um riso descontraído. — Quero saber se já decidiu o que vai
fazer com essas informações sobre sua mãe.
— Eu não sei se ela é.
— Claro que sabe. Seu pai não guardou tudo isso de foto e textos para uma amiga de
colégio que nunca beijou na boca. Desde que descobriu, você está me enrolando.
— Mais alguma coisa? Eu preciso voltar a algo importante aqui.
— Vai transar, Ismael. Você tem uma garota inteligente, simpática e especial do seu
lado. Segue a vida e pare de agir como um idiota.
— Caralho, isso soa horrível. — Bati minha testa no teclado, eu tinha dito algo como
aquilo para Regina e já sabia o quanto fora péssimo. Ouvindo meu amigo dizer, piorava a
situação. — Por que você acha que humor tem a ver com a falta de sexo?
— Ah, temos algo importante aí. Então, ela não quis mais? Você a procurou, pelo
menos? Sabe que mulher precisa de uma preliminar antes de tudo.
— Eu não preciso de conselhos sobre o assunto. — Apoiei meu cotovelo na mesa e
minha cabeça na mão, sentia-me exausto, como no dia do velório do meu pai. Já se passaram
quantos dias? Quando foi mesmo que tudo aconteceu? Cliquei com o mouse no canto inferior e
olhei para o calendário, eu estava me sentindo perdido. — Fiz merda, Estevão.
— É só tomar banho que você fica livre dessa sujeira. Ou você pode me dar carta branca
para encontrar sua mãe, com o pessoal da Hold.
— Por que tudo precisa acontecer ao mesmo tempo? Meu pai, Regina, agora a minha
mãe...
— Por isso nós temos amigos e delegamos funções. Ou você não aprendeu nada na
faculdade?
— Uma merda, eu só aprendi na porrada, com meu pai.
— Se isso fosse verdade, você não visitaria o escritório para assistir seus filmes de
super-heróis. Ou vai me dizer que aprendeu com Norival Ferri a ser um bom moço e sonhar com
um mundo melhor?
Eu não sabia explicar de onde veio a emoção, apenas abaixei a cabeça e respirei com
dificuldade. Caralho, aquilo não poderia ser choro, eu era um homem! Fraco, covarde e
descartável, nunca seria digno de comandar a Ferri como o CEO que meu pai foi.
— Galego, respira — Estevão murmurou, tão suave, que precisei conferir no celular se
ainda estava na chamada, porque não parecia ele. — É a primeira vez que você vê, com seus
próprios olhos, uma perda. Mas bem antes, você já tinha perdido a sua mãe. Agora, você tem a
chance de reverter uma dessas situações.
— Sim, pode fazer — cedi, tirando um peso dos meus ombros. — Não sei o que farei
quando a encontrar, mas...
— Que bom que você topou. Sou tão eficiente que já tenho todas as informações em
mãos. Impresso ou digital?
— Idiota. — Tive que rir, porque ele estava se divertindo com minha inocência. Claro
que Estevão tinha descoberto tudo, só não queria esfregar na minha cara que estava me
atropelando. Mas ele era meu amigo, o irmão que a vida me deu, uma conexão que ninguém
conseguiria romper. — Segure um pouco, eu preciso resolver as coisas com Regina primeiro.
— Que nos leva a outro assunto, Servantes. Tanto sua mãe quanto Regina estão ligadas
a ele. Então, acho melhor resolver esse conflito primeiro, para seguir tranquilo com sua amada.
— Como assim? — Ajeitei-me na cadeira, em alerta. — O que você quer dizer? De
onde tirou essa informação?
— Você vem até o meu escritório ou prefere que eu leve tudo para você?
— Que merda, Puto, seja objetivo e fale o que é necessário! Não dá para desenrolar essa
merda como se fosse um livro.
— Vai querer que eu conte que sua mãe também morreu, mas você tem uma irmã de
dezessete anos, que talvez precise da nossa ajuda? Ela mora no território dos Servantes, quem
paga o aluguel da casa que ela mora com outra família, é o próprio Heitor.
— Hã?
— Você quem pediu, eu poderia ter introduzido com um pouco de vaselina, mas gosta
de selvagem e foi no cuspe. É o que é, Galego.
— Merda! — Eu não tinha palavras para externar o que eu estava sentindo. O pingo de
esperança se foi, eu também não tinha uma mãe. — Ela morreu? Quando? Mas...
— Não é algo para ser sucinto ou apresentar em gráfico de barras. Tenho os relatórios e
algumas fotos. Avise sua mulher sobre o que está acontecendo e a proteja. Diálogos evitam
guerras, irmão.
— Regina quer viver a vida dela, Estevão. Eu a prendi no meu apartamento, fui egoísta,
não posso impedir que ela vá.
— Puta que pariu! Homem apaixonado é um porre, você consegue ser o pior de todos.
— Eu te disse, fiz merda, cara.
— Desfaz, porra! Seu apartamento é seguro. Os Servantes estão calmos, porque a Hold
está por perto. Qualquer deslize pode se transformar em pesadelo. — Ele tomou fôlego, estava
enérgico. — Cara, eles têm um puteiro que fazem leilão de virgens. Tem noção? O nome da sua
irmã está na lista para o evento da semana que vem. Não dá para brincar com o assunto.
— Entregue isso para a polícia. — Fechei minhas mãos com força, querendo socar algo,
de preferência, a cara de Heitor Servantes.
— Está encaminhado, mas ainda faltam muitas provas para agirem. Não se esqueça da
reputação e boas ações que aquela família faz em Camoleis. Da mesma forma que ninguém de
Riveraluz vai contra o que a Ferri executa, é igual na cidade deles. Para nós, ele é vilão, mas
muitos o veem como salvador.
— Verdade. — Levantei-me para andar de um lado para o outro na sala. — E o que
você sugere?
— Primeiro, alinhar as informações. Vou levar tudo o que tenho sobre sua mãe. Você,
traga as coisas do seu pai e Regina. Se ela é sua mulher, tem que fazer parte. Agregue pessoas,
não as separe.
Eu queria que ela fosse. Caramba, eu estava me corroendo por dentro por causa de tudo
o que disse para ela. Mas não dava para deduzir ou esperar que ela me perdoasse, eu iria protegê-
la de longe.
— Ismael? — Estevão exigiu uma resposta.
— Preciso dar espaço para Regina por enquanto.
— Antes ou depois que ela for sequestrada novamente por esse filho da puta? Para com
isso! Depois você pede desculpa.
— Exatamente isso que estou fazendo, tentando me redimir. Vou avisar a equipe de
segurança, um deles vai ficar de olho nela. — Eu suspirei e Estevão fez o mesmo.
— Conta a real, Galego. Ela terminou com você?
— Não, apenas pediu para começarmos como um casal normal, cada um na sua casa,
ligações e mensagens de texto. Eu estava pronto para falar merda novamente e ela veio com esse
tipo de pedido coerente.
— É foda reconhecer que está errado.
— Mais ainda quando está atrelado ao medo e insegurança do caralho.
— Se é isso que você quer fazer, tudo bem. Para quem não tinha mulher nenhuma na
vida, agora tem a namorada e uma irmã perdida. Estou te esperando.
Capítulo 28
Regina Alves
Não tive coragem de pegar tudo e ir embora. Deixei parte das minhas coisas, apenas
para ter um pretexto para voltar e falar com Ismael, com outro clima e mais intimidade.
Meu peito doía e meu olho estava inchado de tanto que chorei com Liliana. Depois, fiz
apenas uma mala, chamei um motorista de aplicativo e ensaiei uma mensagem de texto para o
dono do apartamento. Não consegui, acabei deixando um bilhete em cima do seu travesseiro.
“Sinto muito, sou grata”, era pouco, mas o suficiente para representar o que eu sentia.
Fui até a portaria, entrei no carro e segui para a casa da minha mãe. Não avisei que
estava chegando, com medo da nossa conversa me desestimular. Minha intenção era ficar apenas
alguns dias, até encontrar um novo lugar para morar, além de procurar por um emprego.
A cidade passando pela minha janela e a música que tocava no carro me deixava ainda
mais emotiva, a última coisa que eu queria era buscar consolo na minha mãe. Ela conseguia se
aproveitar das minhas inseguranças para conseguir o que queria. Da última vez que ela me viu
sofrendo, fez eu me sentir culpada por ela ter se sacrificado para pagar meus estudos.
Eu não queria vender meu corpo em troca de algo. Aquela conexão era especial demais
para ser comercializada, eu queria ter por amor, como estava sendo com Ismael.
Será que ele realmente irá me ligar ou vai seguir a vida, com uma mulher mais
sofisticada do que eu? Madura? Talvez a nossa idade realmente não combinasse, estávamos em
fases diferentes da vida. Eu estava me descobrindo enquanto ele já sabia o que era e o que queria
da vida.
O carro parou em frente à minha antiga casa – naquelas circunstâncias, apenas da minha
mãe. Recusava pensar que também era minha, eu estava em dívida com dona Bárbara, não
merecia herdar nada. Peguei a bagagem no porta-malas e apertei a campainha. Nada.
O portão vazado e janelas abertas, era fácil perceber que tinha alguém em casa – ou
foram descuidados. Depois da terceira tentativa, ela apareceu na porta, surpresa.
— O que está fazendo? — perguntou e eu recebi como se não fosse bem-vinda.
— Oi, mãe. Posso ficar aqui?
— Claro, filha, essa casa é sua também. — Ela voltou para dentro, pegou a chave e veio
abrir o pequeno portão. Por mais que sorrisse, eu reconhecia o desconforto. — Vá para o seu
quarto e se tranque lá, tudo bem? Preciso de uma hora.
— Certo. — Fiz uma careta, porque ela estava com um cliente. Isso acontecia com tanta
frequência, dela pedir que me trancasse no quarto e assistisse a um filme com volume alto.
Nunca deduzi que ela trazia os homens para dentro, mais um motivo para não ficar por ali – mas
eu não tinha outro lugar.
Apesar do vestido florido e cabelo alinhado, ela estava disfarçando a insatisfação
daquele trabalho. Entramos na casa, eu me enfiei no meu quarto rapidamente e tranquei a porta,
sem lhe dizer mais nada.
Sem televisão ou cama, apenas um colchão, a cômoda e outras coisas empilhadas. Ali
tinha se transformado em um depósito e eu era só mais uma mercadoria tirada do caminho.
Por que não estava surpresa com aquilo?
Para evitar qualquer barulho que me deixaria ainda mais desconfortável, coloquei os
fones de ouvido, busquei uma playlist e ouvi as músicas que me lembravam Ismael. Queria
enviar uma mensagem, contar o que eu estava sentindo, mas ele tinha um fardo muito grande
para carregar, não precisava do meu.

“Não olhe agora


Eu fiz uma bagunça fora de mim
Abri um sorriso
Com medo de ter quebrado outra coisa”
Autumn Kings – One Last Breath

Deitei-me no colchão e fiquei olhando para o teto, esperando que eu pudesse falar com
minha mãe depois do seu trabalho. Era difícil não julgar, ela poderia ter encontrado outra forma
de ganhar dinheiro ou me colocado em um colégio público. Com o meu conhecimento adquirido,
eu sabia que poderia ser diferente, mas naquela época, eu estava cega, era apenas uma menina
esperando a condução da mãe.
Batidas fortes soaram na porta, depois de um tempão refletindo e ouvindo música.
Interrompi o áudio, tirei os fones e fui abri-la, minha mãe estava de banho tomado e com outra
roupa.
— Está com fome? Pensei em pedir sushi.
— O que você achar melhor, não quero incomodar, mãe. Realmente, é apenas
provisório.
— Sim, eu entendo. Finalmente você percebeu que eu só quero o seu bem. Tudo o que
faço, é por você.
— Não precisa mais, mãe. — Forcei o sorriso e fomos para a sala. — Vou te ajudar a
pagar as contas e vou estudar.
— Pra quê, menina? — Ela riu alto. — Tem um homem rico atrás de você, tem que
aproveitar a vida de madame.
Acomodei-me no sofá e sua declaração me confundiu. Será que ela estava falando de
Ismael? Tudo bem que ele parecia confortável financeiramente, mas eu saí debaixo do teto dele,
justamente porque não queria toda aquela monotonia. Eu tinha meus próprios sonhos para serem
idealizados e vividos.
Como sempre, minha mãe compartilhou fofocas do mundo dos famosos e eu
acompanhei com o que sabia. Era nosso lugar confortável, comentar da vida dos outros e poucas
vezes da nossa. Consegui rir e relaxar, ela fez o pedido da comida e jantamos em paz.
Ela era imperfeita e eu tinha muitos motivos para não estar por perto, mas ainda
continuava sendo a minha mãe, estava viva e não me fazia sentir sozinha no mundo.
Quando ela dormiu, por eu estar bem descansada, eu aproveitei para vasculhar a casa,
em busca de informações sobre o meu pai. Por mais que nunca me importei e preferia não
importunar minha mãe com aquele questionamento, eu tinha mudado.
No armário da sala e no quarto, não tinha nada de diferente. Eu poderia ter sido apenas a
consequência de um momento, sem compromisso duradouro.
Voltei para o meu canto improvisado, deitada no colchão no chão, eu fazia pesquisas na
internet. Estava ficando perita, de tanto que busquei informações naqueles últimos dias.
Eu sempre buscava com pistas, mas nunca tinha colocado o nome da minha mãe na
pesquisa. Assim que os resultados apareceram, eu deixei o celular de lado e fechei os olhos,
orando para que as imagens saíssem da minha mente.
A pose sensual, com uma lingerie que não deixava nada para a imaginação, era a
primeira que anunciava uma boate – ou puteiro. Caramba, eu não teria estômago ou psicológico
para ver minha mãe daquele jeito.
Tão preocupada com minhas emoções, eu não percebi o barulho antes que fosse tarde
demais. Assim que arregalei meus olhos, três corpos grandes cobertos de um traje preto
avançaram em mim.
Nem tive tempo para gritar, a mão tampou minha boca, meus tornozelos e pulsos foram
presos com algo que fazia minha pele doer.
Tentei me remexer, mas fui levantada e os três me tiraram da casa, sem que minha mãe
reagisse. Eu não queria pensar que ela tinha permitido aquilo; busquei refúgio e me coloquei à
mercê do predador?
Colocaram um pano tampando meu nariz e a cada lufada de ar que eu inspirava, eu me
sentia mais tonta. Era doce e me deixava cada vez mais letárgica.
— Pegue o resto das coisas — uma voz masculina desconhecida falou. — Faça parecer
que ela foi embora sem se despedir.
— Positivo — outro respondeu.
Antes que eu conseguisse prestar mais atenção em tudo o que acontecia ao meu redor, a
escuridão me tomou assim que meu corpo encontrou uma superfície dura. Era o chão ou dentro
do carro?
Descobriria o que realmente tinha acontecido quando eu despertasse.
Capítulo 29
Ismael Ferri
Abri a porta do Escritório dos Garanhões, acendi as luzes, liguei a tevê e fui para o
freezer, pegar uma cerveja para entorpecer aquela dor. Porra, parecia pior do que ter perdido meu
pai. Não era possível solucionar a morte, mas a ausência da minha mulher, era tudo culpa minha.
Saber que eu voltaria para casa e não teria Regina estava mexendo comigo de um jeito
diferente.
Combinei com Estevão e os outros para nos encontrarmos ali e termos um momento de
paz longe da cidade. Era uma forma de protelar o inevitável, eu era o único da minha família,
estava sozinho e sempre seria.
Abri minha bebida, tomei um gole e quase cuspi quando senti o sabor diferente. Conferi
o rótulo e gemi, irritado. Puta que pariu, era sem álcool. Quem tinha sido o idiota que colocou a
bebida errada no nosso escritório?
Tirei o celular do bolso, conferi as mensagens e não tinha nenhuma de Regina. Fiquei na
dúvida se a chamava, não queria pressioná-la, eu já tinha estragado muito.
Levantei-me para olhar dentro do freezer e buscar outra bebida, eram todas cervejas sem
álcool, de uma marca diferente, mas o rótulo parecido. Puta merda, eu teria que desabafar com
meus amigos sem ajuda líquida.
Saul apareceu de cabelo molhado e roupa limpa, ou seja, tinha terminado o trabalho.
Tocamos as mãos em cumprimento e ficamos nos encarando, eu não sabia como começar a falar.
— Como está indo sem seu pai? — ele finalmente perguntou e exalei com força,
aliviado, porque aquele assunto estava sendo mais fácil de comentar que Regina.
— Estranho. Complicado. — Voltei a me sentar na cadeira, ele estava acomodado na do
lado. — Parece que ele ainda está vivo, que um dia irá aparecer na empresa e brigar comigo, por
estar mexendo nas coisas dele.
— Você sempre foi o mais corajoso de nós, Galego. — Apertou meu ombro, em
conforto. — Do jeito que seu pai te criou, você deveria odiar o mundo e a todos, mas é só
caladão.
— Eu ainda tenho raiva de muita coisa. — Tomei um gole da cerveja genérica e fiz uma
careta. Ela descia amarga e sem graça, como estava dentro do meu peito. — Quem foi o esperto
que comprou essa bebida politicamente correta?
— Esperta. — Saul olhou para o teto e respirou fundo. — Meu pai pediu para Éveny
levar um documento para o Puto antes de comprar os suprimentos do rancho. — Indicou o
freezer com a palma para cima. — Esse é o resultado de um tesão enrustido do caralho. Se pelo
menos me ouvisse...
— Não têm nada a ver com falta de sexo, as atitudes de Éveny, Bretão.
— Estou falando do nosso amigo. — Olhamos de um para o outro, céticos. — Ele
provoca a funcionária do rancho e todos nós pagamos. Até bronca da minha mãe eu levei e não
fiz nada.
— Assim como ela, você prefere os animais.
— Por isso que meus amigos são garanhões. — Segurou o sorriso. — Sem mudar de
assunto, Galego. Estevão disse que tinha informações importantes sobre sua família e os
Servantes. O que está acontecendo?
— Também não sei, pedi que falasse para todos juntos. Eu não conseguiria contar
depois. Meu pai foi um filho da puta abusador. — Tomei mais da bebida e fugi do escrutínio do
meu amigo. — No notebook dele tinha fotos e textos sobre o que ele fazia com a minha mãe.
Também confessou alguma merda no hospital, que não lembro, apenas tenho raiva. Estou muito
puto.
— Esse sou eu. — Estevão entrou no escritório junto de Thiago, nem tinha ouvido a
aproximação dos dois. Com uma maleta na mão, ele puxou uma das cadeiras de madeira para
ficar na nossa frente. — Boa noite, senhores.
— Por favor, tem um presente para você lá no freezer. — Ergui minha cerveja, ele
negou com a cabeça, mas Nobre correu para pegar uma.
— Espera, essa aqui é sem álcool. Que merda é essa?
— Dessa vez, vocês terão que explicar a piada, porque não entendi. — Estevão tirou o
notebook da pasta e esperou que eu ou Saul falássemos.
— Não vou tomar suco de cevada, prefiro água. — Thiago puxou outra cadeira e se
sentou com uma garrafa transparente. — Também quero saber qual foi a da cerveja.
— História para outro momento. — Saul cortou e se inclinou para a frente, apoiando os
antebraços nos joelhos. — O que você achou, Puto?
— Eu não fiz nada, apenas deleguei trabalhos e tenho o resultado em mãos. — O
advogado ergueu as sobrancelhas e virou o notebook em nossa direção. — Norival era casado
formalmente com Vivian e nunca se separaram. Iniciei o inventário e precisei acionar um
investigador para encontrar algumas coisas.
— Ou seja, você nunca precisou da minha autorização para mexer no meu passado —
atestei, seco.
— Fui cordial, querido amigo projeto de mafioso. — Sorriu com cinismo e me mantive
sério. — Falei com Zander, da Hold e ele me ajudou a encontrar o suficiente para reagirmos
contra os Servantes.
— Vai nos dizer que a mãe de Ismael é parente daquele babaca? — Thiago aproximou
seu rosto da tela, para ver o que tinha escrito. — Isso é uma certidão de nascimento?
— Exatamente, Heitor Servantes tem a tutela dela.
— Por quê? — Saul fechou a cara, nunca tinha visto o veterinário tão sombrio. — Cara,
nada de bom vem daquele povo. Eu só consigo pensar em prostituição. Ela é menor de idade.
— O pessoal da Hold foi mais além e descobriu que o nome dela está para leilão de
virgindade em um desses lugares. — Estevão me encarou e o clima tinha ficado tenso demais
para continuar. — Eu não sei vocês, mas se é família, precisamos proteger.
— A menina foi criada longe e pode ser tão problemática quanto o tutor — Thiago
tomou um gole da água, ele nem precisava dizer para que eu percebesse que tinha descido como
areia pela sua garganta.
— Meu pai era um marido bosta — confessei. — A idade dela bate com a época que
minha mãe foi embora. Eu não lembro, mas sei que ele batia nela.
— Então, ela abandonou vocês, para proteger o bebê que ela estava gestando. Faz
sentido. — Nobre cruzou as pernas e suspirou. — Que merda, cara. Será que vocês têm o mesmo
pai?
— Eu acho que sim, por conta do que li dos desabafos de Norival. — O advogado virou
o notebook para ele e mexeu no teclado. — Mas é minha intuição falando, não há nada concreto.
Independente disso, acho que seria interessante visitar a garota e contar a nossa versão da
história.
— Isso explicaria a briga do seu pai com os Servantes. — Saul colocou a mão no
queixo, reflexivo. — Norival brigou com Vivian, que conseguiu refúgio com Heitor. Ele se
sentiu traído, não acreditou que a filha era dele e a rivalidade começou.
— Cara, vocês falam como se eles tivessem empatia. Isso não existe, não daquele lado
da cidade. — Thiago negou com a cabeça. — Ela pode ter sido sequestrada.
— Meu pai também não era bom — meu tom irritado alertou os três.
— Mas nós somos. — Estevão mostrou o notebook novamente. — Na medida do
possível, fazemos um pouco diferente. Eu acho que poderíamos visitar a irmã, para falar da
herança e saber um pouco mais desse passado obscuro.
— Eu topo! — Saul bateu nas coxas, enérgico. — Se conseguimos proteger Regina
desses merdas, conseguiremos fazer com a irmã de Ismael.
— Onde está ela, falando nisso? — Thiago olhou ao redor. — Com dona Nancy?
— Fiz merda. — Virei a garrafa na boca e não tinha mais cerveja para tomar. — Porra!
— resmunguei.
— Não comece, Galego. Você não combina com sofrência, nem gosta desse tipo de
música. — Puto fechou o notebook e revirou os olhos.
— O que aconteceu? — Saul se virou na cadeira para me encarar. — Merda do tipo...
você bateu nela?
— O quê? NÃO! — Levantei-me, descompassado. — Apesar de como aconteceu, eu
não sou meu pai!
— Mas falou um monte de besteira machista, ela saiu do apartamento e Galego está sem
o cobertor de orelha. — Não tinha hora pior para Puto brincar com algo sério.
Saí do escritório pisando firme, mas a vontade era de chutar alguma coisa ou quebrar as
madeiras que estavam ao redor. Os cavalos não tinham culpa e qualquer atitude agressiva era
reprimida, porque me colocava no mesmo lugar que meu pai estava.
Meu discurso era para não me envolver romanticamente com ninguém. Naquele
momento mudou, eu não queria ser o vilão da história de nenhuma mulher, fosse Regina ou
minha irmã.
Meu celular tocou quando fui para o campo aberto em frente do estábulo. O número era
do segurança da Hold que estava de olho em Regina.
— Alô — atendi, aflito e não querendo pensar no pior.
— Senhor, há um movimento estranho dentro da residência e preciso de autorização
para seguir o automóvel, caso ele saia da garagem.
— Como assim?
— Merda, eles estão saindo. Rápido, senhor, eu posso seguir?
— Sim.
Nem consegui continuar, porque a ligação foi encerrada e meu coração acelerado não
me permitia dizer o que eu queria. O que estava acontecendo? Será que Regina estava em
perigo? A culpa seria toda minha e por mais que não a tivesse agredido fisicamente, eu facilitei
qualquer incidente que acontecesse a ela.
— Esfria a cabeça, cara. — Saul apareceu e neguei com um aceno.
— Não dá. Minha mulher... eu... — Respirei fundo, para não xingar
desnecessariamente. — Algo está acontecendo, eu sinto. Vou perder outra pessoa importante na
minha vida.
— Então, evite o conflito. — Bateu de mão aberta no meu braço com força. — Não há
merda que a gente faça que não dê para limpar. Rasteje e faça o melhor, mas não fique parado
esperando o perdão cair no seu colo. Vamos até ela.
— Vocês receberam a notificação da Hold? — Estevão levantou o celular enquanto se
aproximava, Thiago vinha logo atrás. — Precisamos ficar alerta, estamos sob ameaça.
Conferi meu aparelho, encarei Saul e depois meus amigos. Eu não estava armado, nem
tinha feito o treinamento sugerido pela Hold, mas como meu amigo falou, não esperaria sentado,
eu agiria.
— Eu vou atrás de Regina. Estando bem ou em perigo, eu preciso me desculpar com
ela.
— Nós vamos junto. — Nobre apontou para a caminhonete de Saul. — Eu dirijo, vocês
descobrem a direção.
Movimentando rápido, liguei para o segurança enquanto me acomodava dentro do carro
com meus amigos. Ainda não tinha confirmação, mas se Regina tivesse saído da casa da mãe, ela
estava indo para o outro lado da cidade.
Eu visitaria os dois lugares, com sangue nos olhos e determinação para provar que eu
valia a pena.
Capítulo 30
Ismael Ferri
Toquei a campainha pela terceira vez, até que uma cabeça apareceu na janela. Aquela
era a mãe de Regina e, por mais que fosse alguém importante na vida dela, como meu pai era
para mim, estava difícil manter o desprezo controlado.
— Regina está? — gritei, sem me preocupar que era tarde demais para visitas.
— Quem é você? — Ela abriu uma fresta do vidro para falar comigo. — Por que está
atrás da minha filha?
— Preciso falar com ela. Onde está Regina? — exigi, segurando a grade do portão com
mais força do que o necessário.
Meus amigos ficaram na caminhonete, mas estavam alerta para qualquer sinal que eu
desse. A mulher desapareceu da janela e eu olhei para cima, pensando em pular o muro e agir
como um bandido que invadia casas.
Pulei muitos muros quando adolescente e não me importaria de fazer naquele momento,
em busca da minha mulher.
Caralho, eu tinha alguém. Ela era minha e eu ansiava ser dela.
— Regina! — ouvi a mulher chamar com urgência do lado de dentro e sacudi o portão.
Porra, custava abrir para eu ajudar? — Filha, cadê você?
— O que está acontecendo? — Saul perguntou ao longe e não respondi, precisava da
mulher para confirmar o que eu já sabia.
— Meu Deus, essa ingrata foi embora de novo! — Barbara voltou para a janela, irritada.
— Perdeu seu tempo, rapaz. Ela foi embora.
— Não, foi sequestrada e a culpa é toda sua. — Apontei o dedo para ela, intimidador e
corri para a caminhonete, sentando-me no banco e batendo no ombro do motorista. — Segue, ela
não está ali.
— Zander me mandou a outra localização. — Estevão apoiava o celular no painel do
carro, com um mapa. — Ele disse que vai deslocar uma equipe para nos acompanhar.
— Eu que fecho o negócio e você que tem intimidade com os seguranças? — reclamei,
porque meu ego estava ferido e meu pulmão parecia apertado no peito, estava difícil de respirar.
— Pensei que já tinha aceitado que eu sou o mais persuasivo de nós quatro. — Olhou do
banco da frente e sorriu. — Relaxe, Galego, nós vamos achar sua mulher.
— Por favor, não se case. Faça um teste drive primeiro — Nobre bateu na minha perna
de leve, ao meu lado.
— Ele já fez, Regina foi embora — Saul soltou, virando o volante. Estevão começou a
rir e levou um soco do amigo. — Ismael se arrependeu, está arrastando o cu no caco de vidro
para a ter de volta.
— “Esse coração idiota, parece que gosta, de me fazer sofrer” — Thiago cantarolou a
música de Jads e Jadson, conseguindo me relaxar com a zoação. — Quer minha playlist
romântica para fazer uma serenata?
— Vai se ferrar — resmunguei e respirei fundo, várias vezes. — Vocês acham que ela
foi embora por vontade própria, então?
— Algo como isso — Puto soltou ao mesmo tempo que os outros falaram:
— Não!
— Eu já vi o Galego lutando. — O advogado olhou para nós. — Ele vai passar por cima
de qualquer um como um trator. Vamos manter a paz interior do rapaz.
— Está chegando? — Coloquei meu corpo entre os bancos da frente, encarei o caminho
traçado na tela do celular que estava no painel e resmunguei. — Acelera essa joça, Bretão!
Estevão bateu três vezes na porta e fez barulho de beijo, como fazíamos para incentivar
o cavalo a correr. Novamente, ele conseguiu que eu risse, aliviando a tensão e o medo que estava
sentindo.
— Você está mais para Exterminador do Futuro que Capitão América, mas o importante
é que o objetivo permanece o mesmo, lutar e proteger. — Nobre balançou as pernas, nervoso e
segurou no encosto do banco da frente. Era a vez dele ficar pilhado, a tensão estava palpável no
automóvel.
Meu celular tocou, era o segurança da Hold e atendi o mais rápido que pude.
— Estou chegando — soltei, ofegante.
— Não vai dar para esperar, Ismael. Regina foi identificada, ela foi carregada para
dentro do galpão e estava desacordada. Estacionem uma quadra antes. Iremos invadir.
— Espere, eu vou...
— Vai nos atrapalhar sem treinamento ou armas — rosnou. — Esse é o nosso trabalho,
senhor.
— Que se foda, eu não vou esperar. — Encerrei a ligação e encarei meus amigos
enquanto dobrava as mangas da minha camisa – o paletó já tinha sido retirado. — Regina foi
sequestrada. Rápido, Saul!
— Estou chegando! — gritou, acelerando.
Assim que a caminhonete parou, eu pulei e identifiquei o galpão que estava sendo
invadido. Tinha um corpo caído na calçada, eu continuei correndo e ouvi passos atrás de mim,
meus amigos.
Disparos soaram, eu encontrei a porta aberta e continuei minha incursão. Mesmo
estando escuro, era possível identificar alguns contornos de divisórias e pessoas caídas no chão.
Do meu lado direito, um vulto se aproximou e me derrubou no chão. Nem pensei,
apenas reagi, mudando minha posição debaixo dele, para ficar em cima e esmurrei a cara do
agressor. Assim que parou de revidar, eu me levantei e procurei a direção.
— Ali! — alguém disse com urgência.
Fui em direção a voz, passei por uma porta, depois outra e encontrei um homem de
preto carregando em seus braços um corpo frágil. Regina!
Praticamente tomei-a para mim, o homem tirou o capuz que usava e identifiquei o
segurança da Hold que estava de olho nela, Jacob.
— Vamos para o hospital, não sabemos o que deram para ela. — Ele colocou a mão nas
minhas costas e me conduziu para fora. — O pessoal vai terminar e limpar, não parece ter muita
coisa aqui.
— Quem fez isso?
— Ainda vamos descobrir.
— E a polícia?
— Nós somos a ordem no momento, então, faça o que digo.
Corri com Regina desacordada em meus braços pela rua até chegar na caminhonete. A
vizinhança parecia inexistente, apesar das construções. Não tive tempo de analisar o contexto
inteiro, eu precisava chegar a um pronto atendimento para cuidar dela.
Thiago abriu a porta, ajudou-me a entrar e o segurança subiu na carroceria, batendo
suave na lateral quando as portas se fecharam. Finalmente encarei-a em meus braços, tão
inocente e rendida. Por minha causa, tudo aquilo tinha acontecido.
Alisei o cabelo, coloquei o ouvido para escutar sua respiração e beijei sua testa. Como
há muito não fazia, eu orei. Dona Nancy tinha sido a única a me ensinar a rezar e usaria tudo o
que tinha ao meu alcance para que ela ficasse bem.
— O coração dela bate, vai ficar tudo bem. — Thiago segurava o pulso dela e encarava
o relógio. — Você gosta mesmo dela, Galego.
— Sei que foi rápido...
— Foi com emoção, isso que importa. — Puto colocou a cabeça entre os bancos e nos
encarou, preocupado. — Eu preencho o cadastro dela na recepção, você só entra e busca
atendimento.
— Obrigado — olhei para cada um, por segundos significativos.
— Como te disse, não se case — Thiago resmungou.
— Medo da mamãe te obrigar a se casar também? — Estevão brincou e ganhou o dedo
médio como resposta, fazendo todos nós rirmos.
— Você vai primeiro do que eu, Puto. Grave minhas palavras.
— Não antes de te ver rastejando em uma festa de noivado.
Eles começaram a zoar um com o outro e eu continuei cuidando de Regina em meus
braços. Será que ela me perdoaria? Caramba, eu só precisava de uma chance para provar que eu
iria ouvir seus planos para o futuro, porque eu queria fazer parte deles.
Chegamos no hospital minutos depois, os rapazes junto com o segurança da Hold
falaram na recepção enquanto eu acompanhei o primeiro atendimento de Regina, tentando
responder as perguntas que faziam.
Até que me avisaram que ela tinha sinais vitais estáveis, que iriam colocá-la em um
quarto para os próximos procedimentos e eu precisava aguardar na recepção. Esperar, mais uma
vez.
Desolado, fui até os meus amigos e me distraí com suas brincadeiras fora de tempo.
Jacob ficou conosco, em um canto, sem se envolver, mas estava de olho e preocupado.
A solução não viria facilmente, depois que Regina acordasse, tínhamos uma longa
jornada para me desculpar, encontrar minha irmã e parar os Servantes.
Capítulo 31
Regina Alves
Meus olhos estavam pesados quando eu tentei abri-los. Uma pessoa de branco apareceu
no meu campo de visão e percebi que estava em um quarto de hospital – ou no céu. Percebendo o
quanto eu tinha sido pretensiosa em achar que minha alma teria aquele presente, aceitei a
realidade de ser um profissional de saúde ali.
— Tudo bem? — ela perguntou, conferindo o soro e fazendo uma anotação em uma
prancheta. — Eu sou a enfermeira Cissa. Como se sente?
— Dói — resmunguei, sentindo a boca seca e meu corpo inteiro sensível.
— Dá para aguentar ou você prefere uma medicação? — Ela me encarou, suave e
acolhedora. — Você acabou de despertar, se eu te der algo para aliviar o que está sentindo, talvez
apague novamente. — Indicou com o queixo para além de mim. — Tem uma turma festeira na
recepção esperando para te ver.
— Eu apaguei?
— Sim, você chegou desacordada.
— Não lembro.
— Não se cobre tanto, aos poucos tudo vai clareando. — Acariciou meu braço e
suspirei. — Então? Vai querer mais um remedinho?
— Água.
— Tudo bem, mas só um pouco, para não estressar seu estômago. — Ela foi para o
outro lado do quarto. — Lento e suave, não precisa se apressar. — Ela colocou uma colher de
água em meus lábios e apreciei o quanto era bom aquele líquido. — Quer receber suas visitas?
Atendimento psicológico? Um delegado? — Piscou um olho quando franzi o cenho. — Se ele
for um namorado abusivo, estamos aqui para o impedir também.
— Ismael está aqui? — Sorri, involuntariamente.
— Não lembro o nome, mas vou trazer para você. Tem certeza?
— Sim. Deixe que entre, por favor.
— Sério, nós podemos te proteger.
— Não dele, não precisa. — Suspirei, sem força para implorar.
— Tudo bem. Já volto. — A mulher saiu e eu esperei, olhando para o teto e depois para
o monitor cardíaco, meu coração acelerou. Lembrava-me da nossa discussão, não acreditava que
ele tinha vindo atrás de mim apesar do que dissemos um para o outro.
As lembranças do que aconteceu voltaram com tudo na minha mente. Eu estava na
minha mãe quando fui levada e cheirei algo doce, que me fez perder a consciência. Quem tinha
feito aquilo? Pensar que Ismael estava envolvido naquilo me fazia chorar, porque não havia
ninguém para me proteger, de verdade.
— Regina? — a voz dele me chamando incentivou minhas lágrimas a caírem. — Hey!
— Ele se aproximou rapidamente, tocou meu rosto com tanto carinho e alisou meu cabelo, que
era impossível de vê-lo como suspeito. Seu olhar terno e preocupado me emocionava ainda mais.
— Está tudo bem, você está segura agora.
— O que aconteceu? — murmurei, aflita. Sua mão foi para a minha e apenas esse
singelo toque me relaxou. Fechei os olhos, forçando meus dedos na sua palma, em busca de
aumentar ainda mais aquele contato. — Homens encapuzados me pegaram dentro de casa.
— Não temos provas ainda, mas tudo indica que são homens de Heitor Servantes.
Quando você foi embora, eu pedi para um dos seguranças te acompanhar de longe. Descobri
segredos do meu pai, ligações com aquelas pessoas e eu não poderia te deixar desprotegida. Mas
não foi o suficiente. — Ele inclinou sua cabeça e tocou sua testa na minha, eu preferia os lábios
nos meus, mas não pressionaria. Talvez ele se sentisse culpado, não queria ter nada mais comigo.
— Nunca senti tanto medo, Regina.
— Sinto muito, eu não imaginava...
— Me dá mais uma chance? — Ele ergueu o tronco e seu olhar encontrou o meu com
aquela intensidade da primeira vez que nos encontramos. — Sei que não é momento de falar
sobre isso, mas estou sofrendo pra caralho de não saber se posso te tocar ou te proteger como eu
quero. Assumo o discurso insensível e prometo não fazer novamente. É novidade para mim,
estou aprendendo a ter cuidado tanto quanto você teve comigo.
— Ismael...
— Não deveria te pressionar, mas tenho que dizer agora o que realmente estava na ponta
da minha língua. Quero conhecer seus sonhos, para poder ter uma chance de viver todos eles ao
seu lado.
— Eu te amo — murmurei e ele finalmente fez o que eu queria, beijou minha boca com
suavidade. Seus lábios estavam frios, mas era o calor suficiente para dar alívio para a minha
alma.
— Eu... — Ele se afastou, encabulado. Como era possível um homem como aquele se
sentir daquele jeito? — Nunca ouvi isso de ninguém, Regina. Nem sei se posso te dizer.
Caramba, eu nem deveria estar te pedindo nada, não sou digno.
— Também quero uma chance para te mostrar que é possível ser digno. — Usei o
cotovelo para me sentar, ele me ajudou e não soltou do meu antebraço. Puxei-o para um abraço,
a dor no corpo tinha sido curada, a presença dele ao meu lado acalmou qualquer sensação ruim.
Em seus braços, eu sentia que era meu lugar. Nunca deveria ter me afastado, iria
aprender a conversar sobre minhas inseguranças sem fugir.
— Os seus exames deram positivo para um sedativo. — Ele se afastou e manteve as
mãos nas minhas coxas. — Está com indício de anemia e pediram para refazer outros exames de
rotina. Também recomendaram a visita a um psicológico, por conta do acontecimento
inesperado.
Toquei suas mãos, ele as virou e nossos dedos se entrelaçaram. Então era isso? Ismael
iria cuidar de mim e minha vira seria junto dele para sempre?
Meu polegar acariciou os nós dos dedos machucados, depois levantei o olhar para
encontrar o dele apreensivo. Ele até poderia não saber amar, mas estava reagindo como alguém
que se preocupava muito com outra pessoa. Poderia exigir distância ou independência, mas seria
em outro momento, quando eu fosse realizar algo por mim. Aquele instante era nosso.
— Está com fome? Precisa de algo?
— Queria voltar para casa — confessei, sentindo minhas bochechas arderem. Bastou um
acontecimento intenso para que toda a discussão que tivemos fosse ignorada com sucesso.
— Ah... — Ele ficou chocado e meu coração acelerou, nós não estávamos pensando da
mesma forma. — Posso te sugerir algo mais seguro? Não acho que sua mãe ou o bairro que ela
mora seja adequado. Servantes ainda é um problema.
— Como assim? — Repassei sua fala novamente na minha cabeça antes que ele
respondesse. — Eu queria voltar para o apartamento. Quero dizer, sua casa. Sei que pedi
distância e recomeçar, mas já entendi, esse é o nosso jeito.
— Eu que entendi errado, Regina. Sim, casa. — Ele voltou a me abraçar e beijou minha
testa, mais uma vez. Sua respiração suave combinou com a minha, finalmente tínhamos nos
alinhado. — Você pode fazer o que quiser e vou ajudar no que precisar, até mesmo se preferir
morar em outro lugar.
— Ou você poderia me pedir em namoro — confessei divertida e ele se afastou. Minhas
sobrancelhas se levantaram ao me sentir mais leve, ao me permitir sorrir.
— Vamos morar juntos, acho que é muito mais do que isso. — Soltou o ar com força e
olhou para a porta, fugindo da responsabilidade de definir nosso relacionamento. — Os rapazes
queriam te cumprimentar antes de irem embora. Passamos a madrugada esperando que
acordasse.
— Que horas são?
— Quase meio-dia. — Tocou meu rosto e deitei a cabeça na sua palma. — Ou podemos
ficar só nós dois, foda-se o resto do mundo.
— Eles também foram me socorrer?
— Sim. Você é família agora, faz parte das pessoas importantes.
— Então, deixe os Garanhões entrarem.
— Não gostei da pluralidade dessa frase. — Fingiu ficar bravo e soltei um riso, ao
perceber a direção do seu pensamento. — Só tem um garanhão na sua vida, os outros são
amigos.
— Até parece que eles iriam querer alguém como eu.
— Continue pensando assim, facilita para mim. — Deu-me um selinho e saiu do quarto,
voltando rapidamente com os três.
— É daqui para a Igreja, Galego. Já está com o vestido branco para o casamento. —
Estevão foi o primeiro a se aproximar e beijou meu rosto. — Que bom que se recuperou, Rê.
— Obrigada por terem me resgatado. — Olhei para Thiago e Saul, ambos mais
reservados e sorrindo para mim a distância. — Eu não sei o que esse homem viu em mim.
— Pode ter sido o acordo que sua mãe fez. — Ismael veio para o meu lado e me abraçou
lateralmente, apoiando seu quadril na cama. — E tem meu pai. Iremos a fundo em tudo, não
ficaremos sem respostas.
— O que está fazendo? — perguntei para Estevão, que mirava a câmera do celular para
mim e Ismael.
— Registrando o momento. Pode fazer o pedido agora, do jeito que combinamos.
— Ignore, Regina. — Saul empurrou o amigo para a porta, ele saiu rindo. — Quando
quiser, venha para o rancho, minha mãe ficará feliz em te ver recuperada.
— Eu aceito, obrigada.
— Tchau! — Thiago acenou em despedida e fiquei sozinha com Ismael novamente.
Com seu olhar no meu, sorriso e segurança, talvez não fosse difícil lidar com essa nova
etapa da minha vida.
Capítulo 32
Regina Alves
Semanas depois...

Segurei a travessa no meu colo ao chacoalhar no carro. Estávamos indo para o Rancho
Três Conte, era a primeira vez que iríamos como um casal, depois do meu sequestro.
Encarei o perfil de Ismael dirigindo com um sorriso suave e ombros relaxados, ele
parecia tão diferente quanto eu. A preocupação com a nossa segurança ainda existia, Servantes
continuava sendo um inimigo que deveria ser evitado. A empresa Ferri recebeu várias
notificações extrajudiciais para a execução de promessas comerciais feitas por Norival Ferri,
Ismael e Estevão estavam bolando uma estratégia para resolver de forma amigável.
O próximo leilão de bovinos e equinos nas proximidades de Camonelis estava para
acontecer. Esse era um dos vários investimentos que a Ferri fazia, em parceria com o Rancho e a
empresa de Thiago. Enquanto o relacionamento entre esses gigantes estivesse estremecido, todos
estavam em perigo.
A Hold Consultoria e Segurança continuava nos protegendo, conheci Zander, Jacob e os
outros funcionários quando visitei a empresa alguns dias depois da minha alta no hospital.
Aprendi a atirar, tive lições de defesa pessoal e agendei outras visitas, para aperfeiçoar minhas
habilidades de proteção.
Aquele tinha sido um dos vários momentos que compartilhamos, a partir de uma decisão
tomada em conjunto. Ao voltar do hospital e dormir na mesma cama que Ismael, acordamos para
fazer amor e, depois, passamos a manhã deitados e conversando.
Ele abriu o coração e contou sobre a falta que sentia da mãe, que mesmo sabendo que o
pai era o vilão da história dela, não conseguia o odiar. Eu também compartilhei a preocupação
com minha mãe e, diferente de antes, não iria atrás dela, queria encontrar uma forma de ajudá-la
de longe.
Depois que eu soube mais do homem forte e destemido que me protegia e ele ficou
sabendo mais das minhas motivações, chegamos ao ponto que nos levaria em uma direção em
comum. Eu amava Ismael e estava disposta a construir uma vida junto com ele, desde que eu
tivesse autonomia e contribuísse com o relacionamento, seja com a organização da casa ou
trabalhando.
Pelo olhar descontente que ele tinha me dado, acreditei que entraríamos em um
empasse. Quando ele discursou sobre sermos pessoas diferentes e estarmos em momentos da
vida um tanto distintas, acreditei que a ruptura aconteceria definitivamente.
A questão era, ele tinha muita coisa material para me oferecer e estava disposto a
receber o pagamento em sentimentos. Desprovido de emoções mais profundas e significativas,
por mais que Ismael tivesse os amigos do Escritório dos Garanhões, apenas comigo ele se
conectou o suficiente para ceder. Ao meu lado, ele sentia que poderia ser apenas Ismael, um
homem ambicioso, que gostava de estar no poder e de se divertir no rancho. Naquele momento,
ele queria fazer tudo aquilo comigo ao seu lado.
Estávamos criando um vínculo forte e de grande dependência. Poderia ser imatura o
suficiente para aceitar aquele relacionamento, mas também tinha a autonomia para me entregar.
Ele queria aprender a falar aquela palavra tão difícil, que ele nunca ouviu de ninguém. E
se eu pudesse fazer isso para ele, então eu estaria equilibrando a balança da faculdade que ele
pagaria, além da segurança e a casa. Aquele era um acordo que poderia ser alterado assim que
uma das partes se sentisse em desvantagem.
Plena, aquela era a descrição perfeita de como eu me sentia.
— O que foi? — ele perguntou, tirando-me das lembranças dos últimos dias. Fiquei
encarando-o demais, soltei um riso nervoso e foquei na travessa, eu tinha feito uma mousse de
maracujá para a sobremesa. A mão de Ismael veio até meu joelho e apertou, transformando
minha nostalgia em paixão. — Quer fazer algo diferente depois daqui?
— Você sabe que nem precisa convidar. Sendo com você, eu vou em todas. — Mordi o
lábio inferior. — O que tem em mente?
— Sexo. — Remexeu-se no banco, ajeitando a virilha. — E ainda dizem que casados
não transam. Que mentira do caralho.
— Quando o marido sabe agradar, impossível fugir de atender as suas necessidades,
porque elas são as minhas também.
— Vamos largar tudo e voltar para a cama?
— Não. Precisamos comemorar minha recuperação, algo que já fizemos apenas nós
dois.
— Insuficiente, Regina Alves.
— Concordo. — Inclinei minha cabeça no seu ombro. — Quando voltarmos, vou
precisar de um banho caprichado para tirar a sujeira do rancho. Posso contar com você, Ismael
Ferri?
— Se eu puder usar minha língua em vez da bucha, perfeito.
O carro reduziu, ele deu seta e saiu da rodovia, para seguir pela estrada de chão.
Estávamos próximos do rancho, a saudade retornou com força e mudou o foco das emoções. A
grandiosidade de estar na vida de Ismael incluía outras três famílias incríveis. Para alguns seria
um peso, talvez não combinasse com o temperamento dos outros, mas para mim foi simples. Eles
amavam meu homem, era suficiente para que eu também os amasse, como meus amigos.
Chegamos na porteira, tirei o cinto de segurança e deixei a travessa no banco, para a
abrir. O carro passou e uma música começou a tocar do lado de dentro.
Assim que abri a porta do automóvel, ele tinha a mão estendida entre nós, com algo
brilhante na palma. Perdi o fôlego ao perceber que se tratava de um anel delicado, com uma
pedra na ponta.

“Caro astrônomo, você pode me ensinar a ler as estrelas?


Esses padrões que deciframos, deixamos à deriva e partimos até agora
Até aqui
Toda minha vida eu pedi por um milagre (sempre agindo tão cínico)
Para ver um lugar que eu nunca vi
Isso não seria mágico? (minha alma é insaciável)”
Valiant Hearts – Dear Astronomer

— Isso... o anel...
— Namoro, noivado, casamento... chame do que quiser, Regina, quero que seja a minha
mulher. Você foi a única e sempre será.
Peguei a travessa para poder me sentar e fechar a porta. Fiquei um tempo encarando-o,
depois o anel e percebi que tinha algo escrito na parte interna. Deixei as coisas no meu colo,
peguei aquela representação preciosa da nossa união e li as palavras “eu te amo”.
Pegou o pequeno objeto das minhas mãos, encaixou-o no meu dedo anelar e beijou, tão
cavalheiro como sempre foi, apenas comigo.
— Eu...
— O segundo passo, Ismael. — Também beijei suas mãos e me inclinei para lhe dar um
selinho. — Hoje, eu falo que te amo e você me responde com um lindo anel que traduz esse
sentimento. Está bom para mim.
— Que bom, porque senão, eu teria que contratar um cantor para te fazer serenata e
cantar uma música romântica — soltou, zombeteiro.
— Por favor, não! — Comecei a rir e ele voltou a dirigir, chegando rapidamente na
frente da casa principal.
— Eu levo o doce para a cozinha, você segue para o Escritório.
— Tem mais alguma surpresa?
Não me respondeu e nem esperei que falasse mais. Entreguei-lhe a travessa e saí do
carro dando pulinhos. Entrei no estábulo, observei os cavalos antes de chegar ao Escritório dos
Garanhões. Saul, Thiago e Estevão já estavam presentes, com suas cervejas em mãos e cheiro de
carne assando no ar.
— Bem-vinda, corajosa! — O advogado foi o primeiro a me receber, com um abraço de
urso e beijo estalado no rosto. — Você sabe que não se casou só com Ismael. Tem que abrir
espaço para mais três Garanhões.
— Essa declaração é errada em tantas maneiras, Puto. — Thiago me tirou de perto do
amigo e me cumprimentou mais cordial, com um sorriso e toque nas costas. — Pode rebater
nossas provocações o quanto quiser, ninguém vai se ofender.
— Cão que late não morde — comentei na inocência, para dizer que não me ofendia
com as promessas de brincadeira, mas como sempre soou pior do que o esperado.
Os três vaiaram e se divertiram, zombando do amigo. Saul ficou próximo e beijou
minha bochecha sem permanecer muito perto, estava cuidando da churrasqueira.
— Você é a melhor, Regina — o veterinário murmurou.
— O que está acontecendo? — Ismael apareceu e cumprimentou os amigos com um
toque de mãos forte.
— Sua mulher mastigou e cuspiu Estevão, foi lindo. — Thiago piscou para mim e se
sentou relaxado na cadeira de madeira.
— Eu só não executo minhas promessas, porque mulher de amigo meu, pra mim, é igual
mãe: intocável.
— Você criou essa regra antes ou depois de levar Marina para a sua cama? — Ismael se
sentou em outra cadeira de madeira e me puxou para o colo, abraçando minha cintura.
— Quem é ela? — eu quis saber.
— Ela nunca foi namorada de ninguém. Na verdade, passou o rodo em quase todos nós.
— Estevão se sentou no banco alto próximo da churrasqueira. — Faltou você, Bretão.
— Quem disse que eu não fiquei com ela? — Cruzou os braços e tentou não sorrir, os
amigos soltaram exclamações chocadas. — A Noitada Sertaneja daquele ano foi intensa. E,
falando nela, precisamos decidir quando será.
— Mudando de assunto, você está aprendendo. — Estevão ficou sério. — Antes de
celebrar alguma coisa, temos que nos organizar para o próximo leilão. Eu acho que mais um de
nós tem que ir, Ismael sozinho não rola.
— Posso ir também. — Levantei a mão com o anel, todos focaram no dedo. — Estou
aprendendo defesa pessoal e...
— O que é isso? — Thiago, que estava do nosso lado, pegou no meu pulso e encarou o
brilhante. — Puta que pariu, Galego, você vai se casar!
— Calma... — Meu rosto esquentou e o advogado se aproximou, para conferir também.
— É apenas a oficialização de que moramos juntos e nos amamos.
— “E quem te viu, se visse hoje não acreditaria, que o cachaceiro virou homem de
família”. — Thiago se levantou cantando a música do Gusttavo Lima e os outros acompanharam.
Fiquei de pé com Ismael atrás de mim, ele me virou para ficarmos de frente e nos
beijamos, ao som da vibração dos amigos, aprovando aquela mudança de sentimento.
— Você é minha — Ismael murmurou contra meus lábios antes de acompanhar a
animação dos amigos.
Enquanto isso, eu acompanhava tudo, participava e conquistava uma nova família.
Epílogo
Regina Alves
Semanas depois...

Saí da loja de roupas ERW com um vestido elegante na sacola. Ismael estava do meu
lado, com o braço ao meu redor e um dos seguranças da Hold nos acompanhava de longe.
Eu estava pronta e animada para ir com os rapazes ao leilão. Planejamos aquele
momento para encontrarmos algum associado do Servantes que estivesse disposto a estar do
nosso lado.
Iniciei a faculdade de administração à distância, porque eu não queria ter que me
preocupar com deslocamento ou proteção extra. Ia com Ismael para o serviço e usava a sala dele
como meu local de estudos.
Mesclamos nossa vida pessoal e profissional de um jeito que estava mais do que
perfeito. Quase tudo, porque não fui ao retorno do médico depois da internação, nem fiz os
exames. Ismael me cobrou algumas vezes, mas parou, ao ver que eu estava bem e Liliana estava
cuidando da nossa alimentação, por conta daquele indício de anemia.
Havia algo de diferente e eu não queria assumir. Mas, na iminência de me colocar em
risco com aquela dúvida que tinha no peito, eu estava fraquejando.
— Podemos passar em uma drogaria? — perguntei baixinho, Ismael se inclinou para me
ouvir.
— Claro. Está tudo bem?
— Acho que sim — respondi, sem ser convincente.
— Eu não queria te pressionar, Regina, mas não foi ao médico depois daquele dia. Você
precisava refazer os exames. — Ele parou e tirou a sacola da minha mão. — Tem medo de
agulha? Se precisar, eu vou com você na psicóloga, você não tem que fazer tudo sozinha.
— Acho... acho que estou grávida — falei tão baixo que ele não entendeu. Pressionei os
lábios e tentei não chorar, não dava para eu agir como uma jovem inconsequente para sempre. —
Ismael...
— Vamos à drogaria, e depois, consultaremos o médico. O leilão é amanhã e se você
não está bem, podemos mudar os planos.
— Eu queria ajudar.
— E está, Regina. Mas não ao preço da sua saúde. — Colocou uma das mãos nas
minhas costas e me conduziu pelo shopping. — Sei que a questão da sua mãe continua pendente,
como a ameaça de um novo sequestro. Mas eu estou aqui e temos recursos suficientes para
passarmos por isso sem tantas consequências negativas. Você é minha mulher, não te quero ver
assim.
— Por quê?
— Porque eu te amo e me incomoda pra caralho te ver sofrendo.
Parei meus passos e ele também, as palavras saíram com tanta naturalidade, que nem ele
percebeu. Pisquei uma vez, lentamente e exalei com força, buscando motivação para repetir o
que estava acontecendo comigo.
Um bebê mudaria a vida de nós dois.
— Você falou — sussurrei e ele sorriu ao entender o que eu queria dizer. — Eu também
te amo.
— Te amo. — Ele me puxou para um abraço e me apertou. — Nossa, só saiu. Eu venho
ensaiando na minha mente desde o dia que te dei o anel.
— E ficará cada vez mais fácil. — Eu me afastei e mordi o lábio, por nervosismo. —
Ismael.
— Sim, pode falar.
— Você ouviu o que eu disse antes?
— Que quer ajudar, fazer parte, eu entendo...
— Não é isso. — Engoli em seco. — Minha menstruação está atrasada.
— Ah, sim, a drogaria. — Abraçou-me de lado e retomou a condução. — Você pode
colocar suas coisas na lista de compras de Liliana, se não precisa de receita médica.
— Você não entendeu, Ismael. Se ela não veio, eu não preciso de absorvente, mas de
um teste de... gravidez.
Ele não disse nada e estava com medo de olhar para cima. Eu era muito jovem, mas
nosso relacionamento começou intenso demais para uma vida compartilhada sem fortes
emoções.
Entramos na drogaria, ele solicitou o teste no balcão e pediu licença para usar o
banheiro do lugar. Paramos em frente à porta, eu finalmente consegui o encarar e ele sorriu,
diferente e sereno.
— Eu vou pagar enquanto você faz xixi nesse palitinho. Não importa o resultado,
Regina, o que eu sinto por você continua o mesmo. — Respiramos fundo, em sincronia. — Eu te
amo — soltou pausadamente, ainda tinha dificuldade, mas estava fluindo e isso me confortava.
— E se eu estiver grávida?
— Deixaremos para ir ao médico amanhã, porque quero comemorar na cama, trepando
muito. Topa?
— Você sabe que eu aceito tudo. — Pulei no seu pescoço aliviada pela sua reação
positiva, beijei sua boca com pressa e ganhei força para fazer o exame.
Quando os dois riscos rosa apareceram, indicando que eu estava grávida, aceitei em meu
coração mais uma cláusula no nosso contrato de união. Iríamos formar uma família só nossa.
Agradecimentos
Os garanhões chegaram! Galego, Puto, Nobre e Bretão estavam na gaveta e 2024 foi o
ano escolhido para expor ao mundo. As mocinhas são homenagens para as minhas leitoras e a
ambientação tem um pedaço da minha vivência com o haras da família do marido.
Essa história só foi possível ser escrita porque eu tenho Fabricio, Amanda e Daniel ao
meu lado. Família, presente de Deus, a cura da minha alma. Nós somos a continuidade.
Eu escolhi minhas parceiras de trabalho! As Elementas e as autoras do
DesafioMariSales, gratidão pelas trocas diárias, juntas somos mais fortes e vamos mais longe.
Sônia Carvalho, gratidão pelo carinho e parceria no processo editorial do meu livro.
Minhas leitoras também fazem parte da minha inspiração e motivação, seja lendo,
curtindo um post na rede social ou de longe, enviando boas energias. Gratidão por cada incentivo
e mensagem de carinho, tudo chega em meu coração. Quero, em especial, agradecer as leitoras
que estão no grupo de WhatsApp, por ler e apoiar todos os lançamentos: Alcione , Luciana
Moura , Cristina Tiemi , Agda, Juliana Lelis , Tatiane Nascimento , Giane Silveira, Gardênia
Feitosa, Nedja Mendes , Elisangela , Carla Staub , Lidiane Franciosi , Enaê Ezequiel , Adriana
Garcia , Jessyka Monyka , Mariana Telles , Sandra Fontana Aragão , Leidiana , Thaty , Andréia ,
Alecsandra , Fran Barbosa , Bells , Suelen , Éveny Alves , Gabriela Santos , Dreyd Maria ,
Cilene , Cíntia , Juliane , Zaine , Carol , Andrômeda ( Mª Cristina) , Ilza Mendes , Roberta de
Aguiar , Regina Fabbris , Érica Siqueira , Patrícia Dutra , Rosiane Ferreira , Carina Timm , Ivana
Sandes, Silvana Brito , Bruna Correia , Aline Gomes , Rusiely , Camila Malvessi , Beatriz Soares
, Fátima Aguiar , Ticyanne Macêdo , Amélia Luize , Aline Braga , Gilcélia Martins , Livia
Guanabara e Daniela Sousa.
Com Amor, Respeito e Gratidão.
Mari Sales.
Sobre a Autora
Mari Sales é autora de romances com mais de 50 e-books best-sellers e mais de 100 publicações, na Amazon. Uma cuiabana
importada para Campo Grande-MS, trabalhou mais de 14 anos como Analista de Sistema, resgatando uma antiga paixão nos
últimos anos de TI: os livros. Em junho de 2016, publicou o primeiro e-book intitulado "Completa: O Nascimento de uma Mãe" e
trocou escrever linhas de código por histórias de romances clichês inusitados, em 2018. Conhecida pelos dedos ágeis e a
disposição para incentivar as amigas, em 2019 criou o projeto DesafioMariSales, possui mais de 22 títulos em versão física pelo
Grupo Editorial Portal, 5 títulos em audiolivro e continua pronta para novos desafios.

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