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AF OLIVEIRA

TODOS OS DIREITOS RESERVADOS

Copyright© ANDREIA OLIVEIRA

Este e-book é uma obra de ficção. Embora possa ser feita referência a eventos
históricos reais ou locais existentes, os nomes, personagens, lugares e incidentes são o
produto da imaginação da autora ou são usados de forma fictícia, e qualquer
semelhança com pessoas reais, vivas ou mortas, estabelecimentos comerciais, eventos,
ou localidades é mera coincidência.

CAPA: Y3Y ASSESSORIA LITERÁRIA

DIAGRAMAÇÃO: Y3Y ASSESSORIA LITERÁRIA

ASSESSORIA DE MARKETING: Y3Y ASSESSORIA LITERÁRIA

REVISÃO: SONIA CARVALHO

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SUMÁRIO

PRÓLOGO

CAPÍTULO UM

CAPÍTULO DOIS

CAPÍTULO TRÊS

CAPÍTULO QUATRO

CAPÍTULO CINCO

CAPÍTULO SEIS

CAPÍTULO SETE

CAPÍTULO OITO

CAPÍTULO NOVE

CAPÍTULO DEZ

CAPÍTULO ONZE

CAPÍTULO DOZE
CAPÍTULO TREZE

CAPÍTULO QUATORZE

CAPÍTULO QUINZE

CAPÍTULO DEZESSEIS

CAPÍTULO DEZESSETE

CAPÍTULO DEZOITO

CAPÍTULO DEZENOVE

CAPÍTULO VINTE

CAPÍTULO VINTE E UM

CAPÍTULO VINTE E DOIS

CAPÍTULO VINTE E TRÊS

CAPÍTULO VINTE E QUATRO

CAPÍTULO VINTE E CINCO

CAPÍTULO VINTE E SEIS


EPÍLOGO I

EPÍLOGO II
PRÓLOGO

Eu ouvia o som de aplausos, dos gritos e meu nome sendo ovacionado pela
plateia. Tudo aquilo me maravilhava e me assustava ao mesmo tempo. O bebê no meu
colo também parecia um pouco confuso, mas morrendo de saudade de mim, assim como
eu estava dele.

Para todos os lados em que eu olhava, as pessoas estavam pulando e

comemorando, até mais do que eu, enquanto pedaços de papel laminado colorido caíam
sobre a minha cabeça, e luzes quase cegavam meus olhos. We are the champions, do
Queen tocava ao fundo, como o hino da minha vitória.

Eu provavelmente ainda não tinha muita noção do quê tudo aquilo significava,
até porque eu estava há dois meses confinado numa casa sem contato com o mundo
exterior, longe do meu filho, mas ter todas aquelas pessoas torcendo por mim... deveria
ser um bom sinal, não? Inclusive, elas tinham sido as responsáveis por eu estar ali,
como o grande vencedor de O PODEROSO CEO, o reality show criado para escolher o
novo CEO da Antura, a própria emissora de TV que o transmitia, uma vez que seu dono
falecera sem herdeiros.

Tratava-se de uma espécie de Sílvio Santos, muito querido por todos, que

começara como auxiliar de serviços gerais em uma rádio e conseguira prosperar ao


ponto de ter uma emissora de sucesso. A terceira maior do país, segundo pesquisas.

Eu era formado em Rádio e TV, e sempre sonhei em trabalhar nela. Aliás, boa
parte das pessoas que estudavam comigo tinham esse sonho. E eu não apenas tinha

conquistado uma posição na empresa, como passaria a ser dono dela.

Era inacreditável.

As coisas continuavam acontecendo ao meu redor, quando vi minha mãe


correndo em minha direção e se jogando contra mim. Rodeei-a com o braço livre,
enquanto meu bebê parecia feliz ao ver a avó, quase pulando no meu colo.

— Ah, meu filho... — D. Glória choramingou, emocionada, e meu coração se


inflou no peito. Fora por ela. Sempre seria por ela. E por Caio, meu garotinho também,
é claro. Eu faria qualquer coisa por eles dois.

Pensar que a partir daquele momento eu seria capaz de dar uma vida melhor
para a minha mãe, depois de ela ter ralado por anos e anos para me proporcionar
estudo, casa, sustento – já que o vagabundo do meu pai nos abandonou quando eu era
um molequinho do tamanho de Caio – e para me tornar um homem digno, era o meu
maior prêmio.
Eu sabia que muitas coisas tinham contribuído para a minha vitória,

especialmente ao ver tantas mulheres na plateia. Muitas delas faziam elogios à minha

aparência, e – modéstia à parte – sempre fiz sucesso com elas. Não era à toa que tinha
me tornado pai solteiro, mas não teria chegado tão longe sem todos os meus

conhecimentos e sem meu talento. O público votava, mas eram os jurados dentro do
programa que escolhiam quem queriam que ficasse e quem fosse para o “paredão”. Por
isso, minha educação, custeada pelas mãos daquela mulher pequena que me abraçava,
fora primordial.

— Obrigado, mãe. Obrigado. — Beijei-lhe o topo da cabeça, antes de


gentilmente a afastarem de mim.

Ela pegou o bebê do meu colo, e um homem com o microfone – o apresentador,


que era um ex-ator bem famoso, que acabara naquela profissão, surgira, começando a
me entrevistar.

Porra, eu nem sabia o que dizer. Meu coração estava disparado, e meus

pensamentos pareciam as vozes de um estádio inteiro cantando mil músicas diferentes.


Como encontraria coerência para explicar minhas sensações, se nem eu mesmo
conseguia entendê-las?

Mas assim seria a minha vida dali em diante, não? Meu rosto seria conhecido,
as pessoas saberiam quem eu era.

Um milionário... dono de uma emissora de TV. Um CEO.


Meu Deus... que loucura!

Uma loucura boa, é claro. Pela qual lutei por muito tempo. Se a realidade
espelhasse os sonhos, as coisas começariam a dar certo, e a sorte apenas sorriria para

mim.

Ao menos era o que eu pensava.

Será que eu tinha me enganado tanto assim?


CAPÍTULO UM

Eu podia jurar que estava tendo uma crise de ansiedade. Muitos diriam que o
motivo era bobo, mas eu não era muito boa com mudanças. E eu estava prestes a passar
por uma enorme.

Há três anos, eu trabalhava na Emissora Antura como recepcionista. Eu era


apenas uma das garotas que ficavam no andar térreo do prédio da empresa, sorrindo,

fazendo crachás e anunciando chegada de visitantes. Um trabalho entediante, mecânico,


com um salário ok, mas em um lugar legal, com um pessoal gente boa e – embora isso
não me enchesse os olhos – no qual eu tinha a oportunidade de interagir – mesmo bem
pouquinho – com algumas celebridades do país.

Então eu tive a péssima ideia de me candidatar para a vaga de secretária


executiva do futuro CEO da Antura, que seria escolhido através de um reality show. Foi
por influência dos meus pais, que sempre acharam que eu tinha toda a capacidade de
algo melhor, com um salário que me permitiria não apenas ajudar em casa – já que as
coisas eram bem apertadas, levando em consideração a condição do meu irmão –, mas
também tentar começar uma faculdade, que era o meu maior sonho.

E eu seria capaz de sacrificar qualquer coisa pela minha família. Eles eram meu

porto seguro, minha base. Meus pais eram dois guerreiros que trabalhavam como
loucos para dar o possível e o impossível para seus filhos. Mesmo não tendo condições
excepcionais, eles criaram um filho autista com todas as dificuldades, e meu irmão era
um homem saudável, doce, mesmo com suas imensas limitações.

Contra todas as probabilidades, eu fui a escolhida dentre várias candidatas. A


equipe de RH alegou que eu era uma decisão acertada, porque já me conheciam, era de
confiança e tinha o necessário para a função. Havia meninas formadas, com diploma,
mas eles optaram por mim. Se isso não era uma puta responsabilidade, eu não sabia
mais o que poderia ser.

O problema maior era que ser a secretária do novo CEO da Antura implicava
em muitas coisas. A primeira de todas e que mais me assustava era pensar que, se eu

fosse mal na função, se não desse conta, perderia um emprego que já estava garantido.
Claro que poderia pedir minha posição como recepcionista de volta, mas dificilmente
eles me dariam. Em segundo lugar: a minha antiga supervisora era uma pessoa ótima de
se trabalhar, e fora a minha primeira chefe, a não ser as famílias para as quais trabalhei
como babá, desde a adolescência, mas isso não contava. E se o tal Stefan Canejo fosse
um escroto?

Tinha lido algumas coisas sobre ele e tudo o que vi não era muito favorável.
Além de o cara ser super jovem, ele era um galinha. Eu odiaria trabalhar para alguém
que tentaria me assediar. Se isso acontecesse, pediria demissão imediatamente.

Mas havia um terceiro motivo para a minha ansiedade estar nas alturas: cada
passo de Stefan Canejo seria documentado. Haveria outra espécie de programa, na

própria emissora, só sobre a vida dele dentro da empresa, que contaria sua trajetória lá
dentro e o mostraria adaptando-se à sua nova vida de milionário.

Isso fora decidido pelo alto escalão da Antura quando se depararam com um
vencedor do programa que rendia notícias. O cara era lindo, pai solteiro e tinha uma

vida humilde. Ou seja... quase uma história de Cinderela às avessas – um prato cheio
para um conto de fadas. Obviamente isso seria explorado até a última gota.

Haveria câmeras o tempo todo no escritório, prontas para pegar toda e qualquer
alteração que renderia uma cena interessante para o programa. Um dos motivos pelos
quais eu fui escolhida, também – ao menos pelo que fora dito pelos corredores da
empresa – era que me achavam uma mulher bonita.

Eu não me achava feia. Naquele momento, olhando no espelho do banheiro onde


estava trancada, tentando me recompor, via uma garota de vinte e dois anos, com os
cabelos loiros soltos, caindo até pouco abaixo dos ombros, olhos azuis – herança do
meu avô, que era polonês –, óculos, que eu até considerava charmosos. Não era
baixinha, mas também não era alta, e eu sabia que tinha um corpo bonito, com curvas.
Usava roupas de brechó, porque não tinha condições de comprar nada caro, mas me
vestia bem. Naquela manhã tinha pegado um dos meus vestidos mais bonitos, um azul
no tom dos meus olhos, que eu sabia que combinava comigo. Ele tinha manguinhas ¾ e
delineava meu corpo, por ser colado, mas era discreto.
Ok, eu sabia que era bonita, mas não era a beleza convencional para uma

emissora se interessar em me filmar para me tornar famosa. Nem sabia se estava

preparada para ser reconhecida na rua e...

Ah, meu Deus! Será que isso aconteceria? Claro que eu seria uma coadjuvante
na vida de Stefan Canejo, mas eu apareceria uma vez ou outra, né?

Por que não tinha pensado nisso antes?

Minhas mãos começaram a ficar dormentes, e um calor subiu pela minha


espinha, chegando ao meu pescoço e começando a queimar. Eu tinha crises de
ansiedade e já conhecia os sintomas. A tremedeira, o coração acelerado, a falta de ar.
Nada disso era novo para mim, mas naquele momento estava muito forte.

Tentei me recuperar, porque precisava ir para a minha mesa, para estar a postos
quando o Sr. Canejo chegasse, mas sabia que haveria câmera filmando tudo,
principalmente a sua entrada triunfal.

Fiz alguns exercícios de respiração, molhei um pouco o pescoço e fui me


sentindo mais calma.

Eu podia dar conta. Se tinham me escolhido era porque eu merecia e porque


tinha competência suficiente. A aparência era um plus, mas não era a única coisa que eu
tinha de bom.

Sentindo-me um pouco melhor, ajeitei meu vestido e me preparei para sair do


banheiro.
Ao levar a mão à maçaneta da porta e destrancá-la, não consegui virar a chave.

Estava emperrada.

— Ah, merda! Não, não! — Lá estava o desespero começando a voltar.

E o desespero nos levava a fazer coisas completamente fora da casinha.

Comecei a chutar a porta como louca, enquanto tentava mover a maçaneta e a


chave, como se isso fosse ajudar em algo. Conforme o desespero ia chegando mais e

mais, tudo no que eu pensava era em sair dali, portanto, imaginei que alguém passaria e
me tiraria dali a qualquer momento.

— Ei, alguém me ajuda? Fiquei trancada! — elevei o tom de voz, na esperança


de ser ouvida, mas me lembrei de que estávamos no andar da presidência, que não era
muito frequentado. Com sorte, alguma pessoa da limpeza poderia passar e ouvir minhas
súplicas, embora eu suspeitasse que já deveria estar tudo pronto desde cedo, para a
chegada de Stefan.

Ou seja, eu poderia ficar por um bom tempo ali. E isso não era nada bom
agradável, porque havia uma veia bem claustrofóbica dentro de mim. Estar em um lugar
sem janelas me dava a sensação de sufocamento. Não era um banheiro pequeno, mas
isso não queria dizer que não me fazia sentir presa.

Por sorte, alguém pareceu surgir...

— Oi... calma... Eu te ouvi. Vou tentar te tirar daí... — Era uma voz masculina.
Imaginei que pudesse ser um dos rapazes da segurança, ou, como pensei a princípio, da
limpeza. Como ambos eram serviços terceirizados, sempre surgia alguém novo para
substituir uma pessoa da equipe, que era grande.

O prédio da emissora tinha vinte andares, e cada um era preenchido por um

setor. Ou seja, havia muitos funcionários envolvidos, e por mais que conhecesse a
maioria de vista, principalmente por trabalhar na recepção, era difícil reconhecer vozes
ou me lembrar de todos os nomes.

— Obrigada — foi tudo o que consegui dizer. — Eu estou um pouco nervosa.

Um pouco era apelido. Eu já estava em total pânico.

— Como é seu nome? — a pessoa perguntou, com uma voz calma. Ainda bem
que alguém sabia reagir em situações de estresse.

Eu ouvi a pergunta, mas não consegui fazer minha mente processar uma
resposta. Minha respiração estava ofegante, e eu sentia que acabaria despencando a

qualquer momento, porque minhas pernas mais pareciam geleia.

— Moça, qual o seu nome?

Foi então que percebi que precisava reagir.

— Eveline. Me desculpa, é que eu estou muito nervosa. Muito. Acho que estou
tendo um ataque de pânico.

E estava mesmo. Pontinhos prateados surgiam na minha visão, e eu começava a


suar frio. Parecia haver um caroço na minha garganta. Respirar era um suplício.

— Ah, porra! — a pessoa do outro lado xingou, e eu ouvi sons de baques na


madeira da porta, como se estivesse sendo chutada. — Você aguenta se eu for chamar

alguém? Alguma pessoa que possa ter ferramentas para abrir?

— Não! — respondi no impulso. — Não me deixa sozinha, por favor!

— Ok, tudo bem, tudo bem. Estou aqui. Não vou a lugar algum.

Só que ele ficou em silêncio. Provavelmente estava pensando no que fazer,


porque ainda conseguia ouvir alguns sons.

Sua companhia me trazia algum alívio, mas não o suficiente para eu me sentir
fisicamente melhor. Sentei-me no vaso, abaixando o tampo, porque não conseguia mais
ficar de pé, mas tinha certeza que acabaria desmaiando.

Não que eu quisesse que a pessoa que estava do outro lado entendesse isso, mas

foi mais forte do que eu:

— Acho que eu vou desmaiar... — falei, sem nem saber se seria audível.

Mas foi...

— Não... não... calma. Calma. Eu vou arrombar.

Arrombar? O quê? Do que ele estava falando? Eu nem conseguia compreender.


Minha mente já estava intoxicada por adrenalina e medo ao ponto de nada mais fazer
sentido.

— Você está perto da porta?

— Não. Estou sentada no vaso. — Ótima informação, Eveline! Na minha mente


grogue, só pensei no cara me imaginando com as calças arriadas, fazendo xixi ou pior.

— Beleza. Continua aí. Vamos resolver o problema, querida. Fica calma, ok?

Querida...

Era um termo tão íntimo, mas, ao mesmo tempo, pela forma como o cara falou
me fez sentir... querida. Por falta de palavra melhor.

Foi dito de um jeito doce, calmante, e eu agradeci mentalmente ao gentil


desconhecido por estar levando a situação de um jeito sério, entendendo que uma crise
de pânico não era frescura. Fosse ele quem fosse, eu queria abraçá-lo.

Talvez fizesse isso quando saísse dali.

Se tivesse condições para isso.

Fechei os olhos por alguns segundos, porque a falta de ar começava a me deixar


completamente zonza, e quase perdi a consciência. Voltei a mim no momento em que um
baque muito alto me despertou, mas mesmo assim continuei onde estava.
Senti braços fortes me rodearem e me levantarem do local onde estava sentada,

colocando-me de pé, e alguns tapinhas delicados foram dados no meu rosto.

— Ei, querida... pronto. Está tudo bem. Está tudo bem.

A voz gentil novamente. Eu estava praticamente jogada nos braços do


desconhecido, que sustentava o meu peso praticamente todo.

Eu queria saber quem ele era. Quem era o meu herói, literalmente.

Quando abri os olhos, a primeira coisa que vi foi um sorriso. De canto,


provocador, divertido, embora houvesse algo de tenso também, como o restinho de
adrenalina depois de uma situação complicada, mas onde correu tudo bem.

— Ah, você está voltando... muito prazer, Eveline. Eu sou o Stefan.

O quê?

Stefan...? Mas este não era o nome do...

Ah, meu Deus!

Foi então que eu realmente abri os olhos e observei o rosto à minha frente. O
novo rosto de um milhão de dólares que estampava milhares de cartazes pela empresa,
que não saía dos sites de notícias e fofocas e que estava marcado em outdoors... o rosto
atraente do meu novo chefe.
Enquanto eu chegava à terrível conclusão, flashes começaram a surgir, além de

uma luz que quase me cegou. Estávamos sendo filmados.

Claro que minha primeira cena naquele reality show, do qual eu nem sabia se

queria fazer parte, seria quase desfalecida, em um banheiro, com a porta arrombada,
nos braços do homem que seria o meu chefe.

Ponto para mim!


CAPÍTULO DOIS

Eram muitas informações para um dia só.

Primeiro de tudo, tive que bancar o herói e me deparo com a donzela em perigo
mais bonita que poderia surgir no meu caminho. Isso seria incrível, se não houvesse
uma fila de câmeras atrás de nós, prontas para registrar o momento. Claro que eles iam
querer transmitir o início da minha jornada como CEO da Antura com um ato como

aquele. Era quase uma cena das novelas que passavam na emissora, com o gostinho de
ser parte da realidade.

A garota, em contrapartida, não pareceu curtir muito a ideia de como seria sua
primeira aparição em rede nacional. E quem poderia culpá-la?

O cara da câmera e o diretor do programa se aproximaram de nós, pedindo que


mantivéssemos a constrangedora posição, de eu a segurando, exatamente como
aconteceria em um filme ou uma novela; nem se preocupando com o estado da moça.
— Você está bem? — perguntei baixinho para ela, mesmo sabendo que os

microfones captariam tudo e que não era a minha intenção.

— Estou. Você já pode me soltar... — Ela tinha ouvido a ordem do diretor do

programa, mas eu vi uma carranca se formar em seu rosto bonito. Eveline, como ela
dissera que se chamava, não estava gostando nada de ser filmada daquele jeito. Mas ela
concordara com isso, não?

Provavelmente era alguma das funcionárias antigas da empresa, de algum setor

que curtia bastidores e que não queria a fama. Que nem precisaria tê-la, já que as
pessoas que me rondariam é que seriam mais expostas.

Que azar para ela.

— Já pegamos o take, pessoal. Maravilhoso! Vai ser um início incrível! —


alguém falou ao nosso redor, e a equipe se dispersou, deixando-nos sozinhos.

Finalmente soltei a moça. Já deveria ter feito isso antes, mas fiquei um pouco
paralisado com a situação. Não tinha a ver com o pedido de um take perfeito, porque eu
estava pouco me lixando para isso, embora tivesse concordado em participar, por um
ano, daquela palhaçada toda para garantir minha posição na Antura.

Seria só um ano mostrando a minha cara na TV. Li e reli o contrato e só o


assinei porque havia uma cláusula de que eu precisaria assistir todos os episódios antes
de irem ao ar e aprová-los por escrito. Se alguém veiculasse algo que eu não desejava,
a produtora que estava em parceria conosco seria processada.
Eveline se afastou, como se eu tivesse uma doença contagiosa, arrumou seu

bonito vestido azul, que combinava imensamente com a cor de seus olhos, ajeitou seu

óculos, e respirou fundo. Seu rosto estava um pouco corado, e não parecia ser de
maquiagem. Ela estava inquieta o suficiente para parecer um pouco nervosa, mas...

novamente... eu não poderia julgá-la.

— Perdão, Sr. Canejo. Estou envergonhada pelo que aconteceu — ela começou
a falar, quase em um sussurro.

— Não é culpa sua — foi tudo o que eu consegui dizer, antes que ela fizesse um
estranho meneio de cabeça e se afastasse, quase apressada demais, fugindo.

Apesar de tudo, ela deixou um sorriso no meu rosto, e um cheiro suave de


lavanda na minha pele, depois de segurá-la.

Esperava reencontrá-la pelos corredores da empresa em algum momento.

Ou melhor não. Eu não costumava resistir a mulheres bonitas, ainda mais com
aquele jeitinho atrapalhado. E dentro da empresa não seria uma boa ideia eu sair
pegando as funcionárias. Seria um péssimo começo, especialmente com tudo sendo
documentado.

Saí daquele banheiro, olhando para a porta destruída e pensando que eu


realmente tivera um excelente começo na Antura.

O resto do dia foi permeado por câmeras na minha cara, enquanto eu era
apresentado às pessoas, tentando ser o mais simpático possível. Queria que gostassem
de mim, que me vissem como um líder e não como um patrão. Já tive chefes que
infernizaram a minha vida e não queria repetir seus comportamentos.

Fui levado à minha sala, e fiquei maravilhado com o lugar que se tornaria

praticamente a minha casa, porque eu passaria boa parte do meu dia ali dentro. De
acordo com as pessoas que me guiavam, eu poderia contratar um arquiteto para deixá-
lo mais à minha cara, com uma decoração mais jovem, já que a sala tinha uma vibe
mais antiga, como o antigo e falecido dono gostava.

Muitas coisas foram ditas, e eu sentia minha cabeça girar com tantas
informações. Também falaram bastante sobre as gravações, que poderíamos ter uma
espécie de script, caso os produtores achassem importante para manter a audiência. Eu
não sabia se conseguiria interpretar um personagem, mas estava no contrato que assinei.
E não deveria ser algo tão complicado, levando em consideração que a compensação
seria imensa.

A vida confortável que eu daria ao meu bebê e à minha mãe valiam qualquer

sacrifício.

Fui finalmente deixado na minha sala, com a informação de que minha


secretária já deveria estar ali, mas que iam procurá-la e enviá-la imediatamente.

Enquanto a esperava, fui começando a me familiarizar com o espaço, tocando


nas coisas, como se eu precisasse transformá-las em minhas. A maior das conquistas,
na minha opinião, era imaginar que a Antura era minha e que eu poderia passá-la a Caio
um dia, se ele quisesse. Diferente de como meu pai fizera, eu teria uma herança para
ele, algo que lhe daria uma segurança, que ele não precisaria passar por dificuldades,
principalmente porque não tinha mãe.

Minha história com a mãe de Caio foi muito complicada. Nós tivemos uma

noite, eu a engravidei e tirei o bebê dela, porque era uma irresponsável, que chegou a
deixar meu menino sozinho em casa para ir comprar cerveja, mesmo ele tendo três
meses de idade.

Pouco antes de eu entrar no programa, ela tinha morrido em um acidente, o que

achei verdadeiramente trágico. Exatamente por isso, saber que meu filho nunca
precisaria recorrer à família dela, que nem sabia que ele existia, me deixava com a
consciência limpa.

Ainda estava passeando pela sala quando ouvi alguém bater à porta. Imaginando
que deveria ser a minha secretária, disse:

— Pode entrar.

Não me foi dito o nome da moça, e eu nem sabia quantos anos tinha, como era
sua aparência. Estava de costas quando a ouvi entrando, sapatos de saltos batendo
contra o piso da minha sala.

Quando me virei, lá estava ela...

Não pude conter um sorriso ao ver a linda e tímida loirinha, de quem fui o
“herói” naquela manhã, parada de cabeça baixa, com as mãos entrelaçadas nas costas,
provavelmente morrendo de vergonha.
Então Eveline era minha secretária? Eles tinham escolhido uma moça muito

bonita. Fiquei pensando se não seria proposital, afinal, quase tudo a partir daquele

momento seria praticamente ensaiado.

Queria muito me manter composto, mas a situação era engraçada por si só, mas
ela tornava tudo ainda mais, por seu jeitinho.

Coloquei ambas as mãos nos bolsos e comecei a rir.

— Pode rir. Seu reality show começou como uma comédia. Se quiser que eu
faça um stand up, posso começar. — As coisas ficavam cada vez melhores: a garota
falava o que pensava, não tinha filtro. Eu gostava disso. — Perdão. Não leve em
consideração essa insolência. Aliás... não leve nada em consideração. Não é o meu
melhor dia.

— Imagino que o melhor, então, será excepcional — respondi, ainda sem


conseguir conter o riso.

A bela mulher à minha frente finalmente ergueu o rosto, voltando os expressivos


olhos azuis, por trás dos óculos, em minha direção, com nenhuma simpatia, e ainda
cruzou os braços.

— O senhor está se divertindo, não é?

— Como há muito tempo não me divirto. Mas não fique constrangida, porque já
gostei de você, Eveline — enfatizei o nome dela, para que percebesse que eu lembrava.
E olha que eu não costumava me lembrar de muitos dos nomes das mulheres que

literalmente caíam nos meus braços.

— Que bom, senhor. — Senti um toque de ironia em sua fala, então achei

melhor começarmos a realmente acertarmos as coisas.

— Bem, antes de mais nada: você está melhor?

— Estou. Juntou o nervosismo do meu primeiro dia na função com um pouco de

claustrofobia. Mas nada foi pior do que aquelas câmeras na minha cara.

— Mas você sabia que seria assim desde o início, não?

— Até sabia, mas suspeitei que, sendo sua secretária, ficaria mais nos
bastidores. Teoricamente não seria minha função ser uma das protagonistas.

— Se não fosse para você aparecer constantemente, imagino que não teriam
escolhido uma mulher tão bonita. Infelizmente a indústria da TV ainda se preocupa

demais com isso.

Foi um elogio simples, e eu suspeitei que ela deveria receber vários, porque, de
fato, era uma garota bastante atraente. Para a minha surpresa, Eveline corou.

— Seja como for, podemos tentar conversar com os produtores e reduzir sua
participação, se for o que você quiser.

Seus olhos se abriram bastante e pareceram quase esperançosos.


— É possível? Nossa, eu adoraria.

Aquilo me deixou bastante intrigado. Eu sabia que tinha acontecido uma seleção
bem criteriosa para a minha nova secretária, o que eu teria sido contra, se pudesse

opinar em algo. A secretária do Sr. Antura era uma senhora de quase setenta anos, que o
acompanhara por muitos anos, e eu não me importaria em ter alguém como ela, porque,
por mais mulherengo que fosse, secretária precisava ser um terreno proibido. Só que,
como em muitas outras coisas por questões contratuais, por um ano eu não teria muito a

opinar na empresa, seria mais um rosto. Eu poderia dar as minhas ideias, mas elas
teriam que ser aprovadas. Assinaria documentos, seria o nome principal da empresa,
mas só depois de um ano ela seria minha realmente, quando terminasse também o
reality show.

Obviamente as partes em que mostravam que eu não mandava em nada não


seriam televisionadas.

Mas o que me deixava surpreso em Eveline era o fato de ela não querer a

exposição. Poderia jurar que todas as garotas que tinham se inscrito para o processo
seletivo estariam mais do que ansiosas para se tornarem famosas e ainda ganharem um
bom salário por isso.

Eu precisava entender o motivo, porque aquela mulher ia trabalhar comigo, não


ia? Conhecê-la fazia parte do negócio.

— Você não quer a fama? — Ela balançou a cabeça, em negativa. — Por quê?
Por que aceitou o emprego, então?
— Porque eu tenho uma família que precisa da minha ajuda — foi a resposta

que ela me deu.

Ok, nós tínhamos algo em comum. E, provavelmente, isso me fez gostar dela

mais ainda.
CAPÍTULO TRÊS

Eu normalmente não gostava de pisar na minha casa com aquele péssimo humor.
Meus pais já carregavam pesos demais em suas costas para ainda terem que lidar
comigo. Então eu somente dei uma bufada bem profunda, enquanto os ouvia na cozinha
conversando, movimentei meus ombros para relaxá-los, pendurei a bolsa no cabideiro
ao lado da porta, arregacei as mangas do casaquinho que usava e parti para perto da
minha família.

Olhar para eles sempre me fazia sorrir. Apesar de todos os problemas, éramos
um grupo cheio de harmonia, e o amor dos meus pais florescia de tal forma que
contaminava todos ao redor. Mesmo com quase trinta anos de casados, ainda eram
apaixonados um pelo outro, e desde pequena eu sempre sonhei com um amor assim, que
pudesse ser notado a quilômetros de distância, mesmo por pessoas que mal nos
conheciam. Um sentimento que ficava escrito em seus olhos, fazendo-os brilhar mais do
que o normal sempre que estavam juntos. Os dois adoravam os filhos, mas o que
compartilhavam era especial à sua forma; como se tivessem um universo onde eu e meu
irmão estávamos incluídos e outro onde só havia eles dois.

Isso era lindo.

— Oi, filha! — minha mãe exclamou, reparando na minha chegada. Seu sorriso
se encheu de amor também, e minha semelhança com ela era comentada por todos. Aos
cinquenta e cinco anos, ela parecia ter vinte a menos, e sempre atribuí isso ao seu jeito
doce e sua forma positiva de ver a vida. — Você chegou! Que bom... vou colocar a
lasanha no forno, então.

Depois de deixar um beijo na cabeça do meu irmão, que estava completamente


focado em uma garrafa pet que tinha nas mãos – ele era fissurado nelas –, acomodei-me
em um dos banquinhos altos de frente para o balcão, sentindo meu estômago roncar.
Depois da emoção que vivi de manhã, mal consegui almoçar direito. Estava cheia de
fome, e a lasanha da minha mãe era imbatível.

— Como foi o dia, ursinha? — Não importava quantos anos eu tivesse, seguia

com a impressão de que meu pai me chamaria daquela forma para sempre. — Correu
tudo bem na nova posição?

Se havia corrido tudo bem? Ah, que pergunta ótima!

— Acho que vocês vão ver esta noite. Até porque toda e qualquer coisa que
acontecer naquela empresa vai ser televisionada.

— E você vai aparecer? — minha mãe perguntou, empolgada.


— Infelizmente, sim. — A fome era tanta que eu roubei uma uva do cacho que

estava dentro de uma tigela, sobre a bancada.

— Ai! Vou ligar para as minhas amigas! — Ela bateu palmas, empolgada como

uma garotinha.

— Não, pelo amor de Deus! — alterei o tom de voz, em total desespero, e meus
pais se voltaram para mim, quase assustados pela minha reação. Meu irmão,
provavelmente, teria feito o mesmo, se não vivesse em seu mundinho azul. — Vocês

vão entender quando virem. Por favor, só não avisem a ninguém.

— É um pouco complicado, querida. As pessoas sabem que você é a secretária


de Stefan Canejo e que o programa começa hoje. Provavelmente já vão assistir, porque
o reality que ele ganhou foi um sucesso, todo mundo torceu por ele. Não vai ser um
desastre de audiência, pelo contrário.

— Sei disso — concordei com meu pai, afundando ambas as mãos no rosto.

— O que aconteceu, Eveline? Ele fez algo que te magoou? Foi grosseiro em
frente às câmeras? — o paizão protetor tomou forma e perguntou com autoridade. Meu
pai era um cara grandão, calvo, com uma barriguinha começando a tomar forma, mas
impunha um medo quando queria. Sabia que seria capaz de dar umas porradas em
alguém por causa dos filhos. — Sabe que se for esse o caso, eu mesmo vou me
certificar de que entenda que não pode te tratar assim. Não é porque é um riquinho
que...
— Não, pai — eu o interrompi, porque não queria que ficasse estressado. Sua

pressão ficava alta com facilidade. — Stefan não foi grosseiro, pelo contrário. Ele

parece bem gentil. — Gentil até demais. O cara tinha arrombado uma porta por mim. E
eles veriam exatamente isso na televisão.

O país inteiro veria.

— E ele é bonitão daquele jeito pessoalmente? — Minha mãe se apoiou no


balcão, com uma carinha sonhadora que era adorável, colocando a mão sob o queixo.

Não pude deixar de rir, especialmente pela forma como meu pai olhou para ela,
fingindo ciúme.

— Sim, mãe. Ele é mais bonito ainda. — Não pude deixar de falar a verdade.
Seria completamente ridículo eu dizer que um homem daqueles não era lindo, porque
era mais do que óbvio para qualquer um que o visse.

— Uau! Que tentação.

Meu pai repreendeu minha mãe pelo comentário, mas logo já estavam rindo e
comentando sobre outras coisas.

Nós jantamos à mesa como sempre, porque era uma tradição da qual minha mãe
não abria mão. Nosso apartamento era pequeno, as contas sempre eram pagas com
muito esforço, especialmente porque os gastos com meu irmão era bem altos, mas
éramos felizes. As coisas iam melhorar muito com meu salário crescendo, mas nosso
sonho era termos, um dia, uma condição de fazer tratamentos mais elaborados para
Nando – meu maninho. E, claro, a minha faculdade.

Eram mais ou menos nove e meia quando nos sentamos para assistir ao
programa, que se chamava O REINADO DE CANEJO. Era nesses momentos que eu

pensava o que as pessoas das equipes criativas faziam que não conseguiam pensar em
nada melhor do que essas coisas sem graça.

Mas, obviamente, eu era apenas a secretária. O que eu sabia sobre marketing?

Meus pais estavam muito empolgados, falando sem parar, até o momento em que
a abertura do programa iniciou. Ela era tão cafona quanto o título, e fazia vários closes
de Stefan em várias expressões, sem que ele olhasse para a câmera.

Ele era extremamente fotogênico. O sorriso poderia facilmente estampar um


comercial de pasta de dentes e os olhos... eles eram de um azul- escuro, quase cinza, e
expressivos também. Os cabelos eram castanhos, espetados, e havia uma barba no
mesmo tom, que não era muito espessa nem muito rala, mas bem aparada, daquele tipo

de homens que sabiam se cuidar.

Era alto. Mais de um e noventa, sem dúvidas, e havia músculos nos braços e
nos ombros largos. Cintura estreita, pescoço forte... ou seja: um espécime daqueles que
encontramos em Hollywood, não à nossa frente, como nosso chefe.

— Ai, vai começar! Vai começar! — minha mãe estava extremamente excitada,
quase pulando no sofá como uma criancinha esperando Papai Noel, no Natal. — Nossa,
como ele é lindo! — complementou quando um close de Stefan surgiu, com ele sentado
atrás da mesa da sala da presidência, em um terno extremamente bem-cortado,

parecendo uma versão mais jovem de um presidente dos Estados Unidos.

Ele fez um breve discurso sobre a alegria de poder contribuir para uma

emissora que ele assistia desde pequeno, que queria ser um amigo para seus
funcionários e que esperava que as pessoas o recebessem em suas casas todas as
noites, acompanhando a evolução de um garoto que veio do nada para se tornar um
CEO.

Falou muito mais coisas, na verdade, mas aquele era um resumo suficiente. Ao
final, revirei os olhos quando Stefan deu uma piscadinha charmosa que provavelmente
fez muitas mulheres suspirarem do outro lado da tela.

O episódio foi correndo muito bem, com certeza de uma forma não linear.
Alguns funcionários da empresa foram entrevistados, dizendo o que esperavam de
Stefan, e eu me dei conta de que, apesar de ser sua secretária, o mesmo não foi feito
comigo. Estranhei, até, mas quase comecei a ficar feliz de que, com sorte, o take feito

no banheiro tivesse ficado péssimo e não pudessem usar.

Só que eu não era tão sortuda assim, principalmente porque minha participação
naquele programa foi deixada para o final, o que era bem pior, porque nada pior viria
depois, para que eu fosse esquecida.

A cena foi toda filmada como se fosse uma parte de um filme de comédia
romântica dos mais bregas, com direito a close e câmera lenta no momento em que
Stefan me segurou em seus braços, e nós nos olhamos nos olhos pela primeira vez.
Era estranho rever uma cena que você tinha guardada na memória por outro

ângulo, como uma expectadora. No momento em que aconteceu, eu tinha a visão

distorcida e meio grogue de alguém que estava prestes a entrar em colapso, mas, para
ser sincera, se fossem outras duas pessoas ali, eu teria começado a shippar o casal

imediatamente – até porque eu era uma romântica incorrigível quando queria ser.

A forma como Stefan, o suposto herói, arrombou a porta era sexy demais para o
meu próprio bem, e como ele me pegou, com braços fortes e seguros... tudo isso fez

meu estômago se revirar de uma forma estranha. Mas a maneira como nos olhamos...
Por mais que na realidade, eu mal estivesse pensando, que nada, na minha mente,
naquele instante, tivesse qualquer conexão com romance, para quem nos assistia, a
intensidade que emanara de nós dois poderia ser quase palpável.

Foi quase como assistir a um casal nascendo de um jeitinho clichê.

Esperava que fosse apenas uma impressão minha, mas não demorei a entender
que isso seria uma ilusão.

— Uau... Por que não nos contou que isso aconteceu? — Minha mãe estava
boquiaberta. Até meu pai. Os dois tinham os olhos fixos na televisão, quase
hipnotizados. — Deus, como vocês são lindos juntos.

Juntos? Lindos? Como assim?

Quando olhei para a tela novamente, havia uma montagem, exatamente como se
fosse uma capa de filme, com a imagem de mim nos braços de Stefan; um cenário cheio
de corações e um título: "um clichê de chefe e secretária... será?".

Meu Deus! Não... de onde tinha vindo isso?

Em minutos, meu celular começou a vibrar incessantemente. Liberei a tela e


achei várias mensagens de amigos, amigas e colegas de trabalho. Todos eles queriam
saber o que tinha acontecido entre mim e Stefan Canejo. A maioria dissera que estava
nos shippando loucamente.

Como assim, gente? Onde eu tinha me metido?


CAPÍTULO QUATRO

Eu estava completamente decidido a não assistir meu próprio programa. Já tinha


assistido à versão prévia e com certeza ficaria sabendo de tudo pelos colegas de
trabalho e provavelmente pela minha mãe também. Esta ficou com os olhos grudados na
TV desde o primeiro momento, pronta para comentar com todas as amigas do grupo da
hidroginástica. Ela também participava de um do nosso condomínio, mas em breve nos
mudaríamos para uma casa que eu também ganhei com a vitória do programa. Uma

mansão.

Estava animadíssima, com pipoca no colo, e ficou mais do que indignada por eu
não demonstrar a mesma animação que ela; então eu apenas terminei de jantar, beijei-a
no alto da cabeça, peguei Caio e fui para o quarto dele.

Brinquei com meu bebê, que desde que retornei de dois meses de ausência,
confinado no programa, parecia ainda mais grudado a mim. Durante todo o período de
separação, tive medo que meu garotinho se esquecesse de mim; mas, no final das
contas, ele não só se lembrava quanto demonstrara tanto amor que eu até me surpreendi.

Só que, como pai solteiro de primeira viagem, não tinha noção do quanto dois meses
poderiam mudá-lo.

Segurando-o por debaixo dos bracinhos e colocando-o de pé sobre minhas


coxas, tentei observá-lo com mais calma. Tantas coisas aconteceram naqueles últimos
dias, com assinatura de contratos, reuniões e tarefas, que não tinha conseguido passar
um momento como aquele, entre pai e filho, só nós, no silêncio de um quarto, para que

eu pudesse realmente matar a saudade como mais gostava.

Era doloroso pensar que tinha perdido tanto tempo, que ele parecesse tão maior
e que tivesse aprendido tantas coisinhas que perdi. Isso me causou um mal-estar
repentino, algo que fez meu coração se revirar no peito.

Não era o fim do mundo, porque estávamos ali, novamente juntos, e eu queria e
podia compensar aquele tempo. Eu não o tinha perdido. Meu garotinho era meu, e nós
nunca nos separaríamos – ao menos até que ele tivesse idade suficiente para seguir sua

vida, é claro. Ainda assim, não me impedia de me sentir culpado.

Só que essa culpa meio que se esvaía quando eu me dava conta de que tudo o
que havia feito fora por ele e para ele. Claro que meu filho teria plena capacidade de
conquistar as coisas por si mesmo, mas saber que eu poderia lhe deixar algo, que ele
teria por onde começar, deixava minha consciência mais tranquila.

— Ei, amorzão... — falei para ele, olhando em seus olhinhos castanhos,


percebendo que seu cabelinho da mesma cor, bem lisinho, estava um pouco maior
também. — Você sabe que seu papai está sempre aqui, né? Que sempre vou te proteger,
cuidar de você e te dar tudo o que eu puder dar.

Ele abriu um sorrisão sem dentes e soltou alguns sonzinhos animados, batendo

palminhas.

Como ele era lindo... Fora inesperado, uma surpresa, mas trouxera muita luz à
minha vida. No início surtei com a ideia de ser pai, e jurei que seria algo que me
impediria de viver como estava acostumado, sem muitas responsabilidades, em um

emprego que me pagava um salário ok, saindo com uma mulher diferente a cada
semana, mas Caio me mudara.

Ok, eu ainda saía com mulheres diferentes, mas minhas motivações mudaram
completamente. Eu não me contentava mais com pouco. Eu queria tudo. Não por
ambição, mas por desejar um futuro, algo que nunca planejei, porque sempre vivi o
hoje, o agora.

Tinha planos de ficar um pouco mais de tempo com Caio, mas ouvi minha mãe
chamar lá da sala.

Com meu bebê no colo, corri para atender ao seu chamado, passando pelas
caixas de mudança que estavam instaladas em cada canto do nosso pequeno
apartamento de dois quartos, do qual em breve sairíamos.

— Quem é essa garota? — Apontou para a televisão, e eu demorei um pouco de


tempo para entender o que estava sendo transmitido.
Era a minha cena no banheiro com Eveline, mas ela fora totalmente moldada

para parecer parte de um filme de romance, e não uma situação de caos.

Eu tinha assistido ao episódio que seria o primeiro daquela série. Consistia

basicamente em entrevistas comigo e com alguns funcionários da empresa, dizendo o


que esperávamos daquela nova etapa. Fora gravado há alguns dias, e eu realmente não
esperava que uma situação daquela mesma manhã fosse ao ar.

— Nossa, Stefan, ela é linda. E como vocês combinam juntos.

Ok, essa era a verdade: minha mãe era louca para que eu encontrasse o que ela
chamava de “boa moça” e me estabilizasse em um relacionamento. Seu sonho era que a
mulher que eu escolhesse para ser minha fosse não apenas uma boa esposa – no caso de
um casamento –, mas uma boa mãe para Caio.

Eu, por minha vez, não pensava em me casar, ao menos tão cedo, mas adoraria
que Caio tivesse uma figura materna, embora sua avó fosse mais do que maravilhosa.

Só que eu não queria que minha mãe começasse a alimentar ilusões sobre um
romance entre mim e minha secretária.

Tarde demais, aparentemente.

— Essa é Eveline, mãe. Ela é só a minha secretária.

— Sei... — Ela deu uma risadinha de quem sabe tudo. — Eu era secretária do
seu pai, sabia?
Não, eu não sabia, porque minha mãe dificilmente falava sobre seu

relacionamento com meu pai.

— Não importa, mãe. Não tem nada a ver. Eu só ajudei a moça.

— Uma moça muito bonita.

— E minha secretária — repeti, com mais ênfase, esperando que fosse


suficiente para que compreendesse que Eveline era terreno proibido para mim.

Ela só resmungou, como se aquilo não tivesse a menor importância.

Mas tinha. Eu estava começando naquela empresa, e não só como um


funcionário. Ela era minha. Se havia uma coisa que eu não queria estragar era aquela
conquista, porque significaria muito para a minha família.

Fosse como fosse, fui dormir naquela noite com as imagens na cabeça. Com
alguns medos também. Revi a cena no youtube e percebi que ela estava viralizando, que

as pessoas a tinham compartilhado e estavam nos chamando de “casal”.

Eu mal conhecia a garota, meu Deus! De onde as pessoas estavam tirando


aquela história?

Cheguei na empresa, no dia seguinte, e Eveline já estava em sua mesa. No


momento em que lhe dei bom dia, sentindo que haveria um desconforto entre nós, ela
retribuiu e rapidamente se levantou, esticando-se quase como uma tábua de tão tensa
que parecia.
— Senhor, podemos conversar? — perguntou, cheia de formalidade.

Não consegui não sorrir, por mais que fosse um sorriso quase constrangido.

— Não precisa me chamar de senhor.

— Acho que na atual situação, é melhor mantermos esse tipo de tratamento,


porque as pessoas vão começar a confundir.

Elas provavelmente já estavam confundindo. As mensagens que recebi naquela


manhã, as menções no Instagram, Twitter e em todas as mídias sociais possíveis me
diziam isso. Só que preferi não falar nada e apenas apontar minha sala para que Eveline
pudesse falar o que tinha para falar.

Abri a porta para ela, e nós entramos.

Pousei minha pasta sobre a mesa e me virei para Eveline, vendo que ela estava
andando sem parar.

— Sei que talvez eu não tenha o direito de falar assim, mas, por favor, me
perdoe. Preciso saber... Como o senhor permitiu que a cena entre nós fosse transmitida
daquela forma? — o tom de acusação soou em alto e bom som.

— Eu não permiti nada.

Isso pareceu deixá-la confusa ao ponto de franzir o cenho por baixo do óculos.
— Como assim? Eles não te mostraram antes o que iria ao ar?

— Mostraram o episódio inteiro, mas não aquela cena.

— Pensei que houvesse alguma cláusula no seu contrato que proibisse a


emissora de veicular qualquer coisa que não fosse do seu agrado.

— Eu também.

Os olhos azuis de Eveline estavam arregalados. Ela estava claramente irritada


pelo que acontecera.

— Aquela produtora merece ser processada! — ela falou mais alto do que
deveria, e nós dois olhamos para fora da janela, sabendo que poderia haver alguém
com uma câmera a qualquer momento, em qualquer lugar, pronto para filmar os
momentos mais constrangedores.

— Vou tomar as providências. Fazer com que não se repita.

Eveline voltou a andar como uma leoa enjaulada, com ambas as mãos na cintura
fina.

— Agora já foi, né? Tarde demais. Será que tem como ajeitar o problema?
Porque as minhas amigas todas estão shippando a gente. Já temos um nome de casal!
Steline! STELINE! Vê se pode! Que coisa mais brega!

A forma como ela estava falando era tão engraçada que eu queria rir, mas me
segurei, porque sabia que ia ficar irada.

— Vamos resolver isso... Não se preocupe. Nós...

Fomos interrompidos por um bater na porta. A pessoa sequer esperou que eu


autorizasse sua entrada, ela apenas enfiou a cabeça por uma fresta, e eu vi a produtora
da série surgir. Tratava-se de uma bela mulher negra de uns quarenta anos, algo como
Viola Davis, com um enorme sorriso. Sentia que era um pouco manipuladora e
conseguia o que queria com sua expressão simpática.

— Ah, vocês dois! Que bom que os encontrei juntos. Venham à sala de reunião,
estamos conversando algumas coisas sobre o andamento do programa... — ela disse
com a autoridade que apenas uma pessoa com muito poder poderia emanar.

— Deise... — este era o nome dela, aliás. — Sobre que tipo de coisas vamos
conversar? — Assumi também minha autoridade, cruzando os braços contra o peito,
mantendo-me muito sério. Eu era o dono daquela porcaria, não era? Isso deveria valer

de alguma coisa.

— Do sucesso do programa e do casal!

— Que casal? Não somos um casal! — Eveline saiu falando, quase em


desespero.

Nossa, era tão ruim para ela a ideia de ter um relacionamento comigo? As
mulheres, normalmente, não tinham aquela reação.
— Então... é sobre isso que precisamos conversar. Temos uma proposta para

você, menina. Acho que vai achar bem interessante.

Olhei para o rosto de Eveline e a percebi assustada.

Pobre garota, ela tinha um jeitinho tão inocente que eu tinha a impressão de que
eles iam tentar devorá-la. Mas se dependesse de mim, eu não ia deixar.
CAPÍTULO CINCO

Fomos levados para a sala de reuniões, e eu me senti levemente intimidada,


porque boa parte do alto escalão da emissora estava presente. Pessoas que
provavelmente nem sabiam o meu nome, embora passassem por mim todos os dias – e
algumas até me dessem bom dia.

Dei uma leve tropeçada em algo – ou talvez nos meus próprios pés –, porque

não conseguia não dar umas mancadas quando me sentia extremamente nervosa. Stefan,
ao meu lado, segurou meu braço, para me firmar, e eu quase lhe agradeci, mas esse
pequeno gesto fez alguns sorrisos se abrirem na sala.

As pessoas estavam olhando fixamente para nós, e eu podia ver os cifrões em


seus olhos. O que raios estava acontecendo? Onde me meti?

Ele puxou a cadeira para mim, o que, em uma situação normal, eu poderia achar
completamente gentil, mas só consegui olhar para as pessoas observando cada um de
nossos movimentos, até quando eu novamente me desequilibrei, porque minha mente
estava acelerada.

Engoli em seco quando um dos diretores falou:

— Ela realmente é perfeita.

Como assim eu era perfeita? Para quê?

— Bem, Stefan e Eveline, precisamos conversar, porque algo aconteceu ontem

que gerou uma possível mudança no nosso cronograma — Deise Macedo começou a
falar. Ela era a produtora do programa de Stefan, uma das funcionárias mais antipáticas
da empresa inteira com as recepcionistas, mas que vivia sorrindo para os poderosos.
Era mais falsa que uma nota de três reais, mas fora a responsável pela criação de
vários sucessos de audiência, então era muito respeitada lá dentro.

Stefan se remexeu na cadeira, e sua expressão não parecia nada leve. Ele
parecia bem tenso, aliás.

— Posso começar falando, então? — ele usou de um tom de autoridade que não
parecia comum à sua pessoa. Na verdade, nem esperou que alguém respondesse e
começou a falar: — Não gostei de não ter recebido o episódio final que foi ao ar
ontem. Está em contrato que preciso dar meu consentimento por escrito. Sou o CEO
desta empresa agora, se for ludibriado novamente, não vou ter compaixão se precisar
tomar medidas drásticas.

Uau... Fiquei surpresa com a atitude de Stefan. Ele não me parecia um tirano
que saía despedindo pessoas daquela forma. Só que, naquele caso, tinha direito,
levando em consideração que realmente tentaram enganá-lo da pior forma possível.

— Stefan, compreendo sua frustração, mas foi uma decisão de última hora.
Deixe-me explicar o que aconteceu e qual ideia tivemos...

— Vou deixá-la explicar, mas informo que, a partir de hoje, eu só vou assinar
pelos episódios que estiverem fechados. Caso seja veiculado algo fora do que eu
concordei, você será a responsável Deise.

Novamente sua fala me surpreendeu, mas o alvo de sua ira nem se abalou.

— Bem... o que acontece é que fizemos uma pesquisa com alguns


telespectadores da emissora, e a verdade é que temos uma programação bem família.
Sabemos que a maioria dos jovens está na Internet e que quem ainda assiste televisão
são pessoas mais velhas. Muitos estão preocupados que um CEO que não tem nem
trinta anos, ainda mais com sua reputação, possa surgir com ideias muito
revolucionárias e que comprometam o estilo que estamos acostumados a apresentar.

— Eu nem posso fazer isso, não é mesmo? Só daqui a um ano terei total
autonomia para dar minhas próprias ideias. — Mais uma surpresa. O que aquilo queria
dizer?

— Sim, mas foi o combinado desde o início — ela retrucou, como se não
estivesse falando com seu próprio chefe, mas com um subordinado. Aquela mulher era
um pouco abusada, se é que eu poderia pensar de tal forma. — Seja como for, as
pessoas não podem ter essa noção, e nós nos surpreendemos com a repercussão da cena
entre vocês dois.

— Ele só estava me ajudando — falei baixinho, sentindo-me ainda deslocada


em toda aquela confusão.

Deise pegou alguns papéis sobre a mesa, ajeitou os óculos na ponta do nariz e
começou a ler:

— Heróico. Romântico. Sexy. Intenso. Cavalheiresco... Esses são alguns dos

comentários que passaram a atribuir a Stefan desde ontem à noite. As pessoas estão
apaixonadas, mas não só por ele. Por vocês dois.

— Por nós dois? — Stefan espelhava a minha confusão.

Tudo aquilo era muito, muito louco.

Deise começou a caminhar pela sala, como se estivesse pronta para iniciar uma
palestra.

Talvez realmente estivesse.

— As pessoas estão ávidas por romance. Até mesmo os filmes perderam a


magia de sempre ter um casal. As mulheres são sempre empoderadas, o que é muito
bom, sem dúvidas, mas a questão da donzela em perigo, do herói no melhor estilo dos
romances clichês, está em falta. Pessoas gostam de casais. Muito mais do que de
homens solteiros e cafajestes.
Dei uma olhada para Stefan novamente, e eu o vi erguer uma sobrancelha.

Provavelmente ela o havia ofendido, mas como emendou uma fala na outra, não houve

tempo para retrucar.

— O que estamos propondo é que Eveline também assine um contrato conosco


para ter um papel de mais protagonismo na série.

— Achei que se tratava de um reality show — enfatizei a palavra, desejando


que ela entendesse exatamente ao quê eu me referia.

Deise e a grande maioria dos outros riram, como se eu fosse uma criancinha
tola, que não sabia de nada do mundo.

— Todos os reality shows têm algum script, querida — outro dos produtores
falou, e eu novamente me senti tratada como alguém muito inocente.

— Imagine o que seria da audiência se as pessoas seguissem seus instintos?

Muitas vezes poderia acontecer algo bombástico, e até mesmo problemático, mas, no
geral, poderia ser um verdadeiro tédio. — Deise fez uma pausa. — O que estamos
propondo é tornarmos o programa um verdadeiro hit. E queremos que você, Eveline,
faça parte dele. Sabemos que sua família precisa de dinheiro, que você tem um irmão
que necessita de cuidados especiais. Sem dúvidas nossa proposta faria muita diferença
na sua vida.

Deise empurrou um papel na minha direção, e eu fiquei um pouco perdida,


olhando para ela, para Stefan, para as outras pessoas e novamente para o papel.
Finalmente consegui focar minha atenção no que estava escrito: era uma

proposta de salário, dentro de um contrato confidencial – que continha um milhão de

cláusulas que me proibiam de falar qualquer coisa a respeito do que aconteceria dentro
da empresa, especialmente em relação ao programa, para qualquer pessoa, até mesmo

minha família, sob a ameaça de processo.

O valor era absurdo. Muito mais do que sonhei ganhar em um ano de trabalho; e
isso por mês. Era extremamente tentador, sem dúvidas.

— Sei que pode parecer estranho para você, mas a verdade é que seria como
um trabalho de atriz.

— Com a diferença que eu não posso contar para as pessoas que estarei
representando um papel, né? — respondi em um tom de voz baixo, quase constrangido.
Eu não era ninguém ali dentro, sem dúvidas, mas aparentemente passaria a ter alguma
importância, se estavam me oferecendo tanto dinheiro.

— Só por um tempo. O contrato será de um ano. — Não deixei passar


despercebido que ela usou o verbo no futuro, não em uma forma condicional. Ela
realmente tinha plena certeza de que eu deveria aceitar aquele dinheiro. — Tudo o que
vocês precisarão fazer é fingir estarem em um relacionamento. Algo que surgirá e
crescerá aos olhos do público. Um daqueles romances que eles acompanharão aos
poucos, como uma novela.

Hesitante, comecei a pensar. Eu poderia dizer não e manter a minha honra,


alegando que jamais me venderia, mas não conseguia parar de pensar em Fernando, no
quanto aquele dinheiro todo ajudaria a facilitar sua vida em milhares de formas
diferentes. E ainda tinha a questão da minha faculdade. Com aquele salário

astronômico, eu teria condições de estudar e ainda de economizar para dar uma casa
própria para os meus pais, já que morávamos de aluguel.

— Preciso de alguns minutos com Eveline antes de qualquer coisa — Stefan


falou, antes que eu pudesse continuar a ler o contrato.

Claro, ele era a outra parte da situação. Também precisava dar o seu parecer.

Ele puxou novamente a cadeira para mim e me conduziu a uma sala ao lado. Eu
nem sabia direito a quem pertencia, mas estava vazia, e aparentemente teríamos alguma
privacidade ali dentro.

— Você está cogitando aceitar? — ele perguntou, e eu tentei encontrar alguma


acusação em seu tom, porque eu obviamente estava constrangida por sequer achar a
proposta minimamente considerável.

— Não sei. É muito dinheiro. — Pronto! Era a frase mais ridícula que eu
poderia usar, que me faria, sem dúvidas, parecer uma mercenária.

Só que Stefan me surpreendeu:

— Qual é o problema do seu irmão? — Havia uma nota de condescendência em


sua voz, e eu ergui meus olhos para ele, que me observava com atenção, com os braços
cruzados.
— Ele é autista. Eu faria qualquer coisa por ele — achei importante

acrescentar, porque precisava que entendesse que meu interesse pelo dinheiro tinha, ao

menos, uma causa nobre.

Stefan assentiu.

— Imagino que para você não seja interessante, né? Você ganhou aquele
dinheiro todo com o prêmio do programa e ainda é dono disso tudo aqui. Não precisa
se prestar a esse papel. Não vou ficar chateada caso me diga que é um absurdo e que

você não quer fazer isso — desandei a falar, sentindo-me um pouco ansiosa.

— Seria bom para o programa, né? Pelo que eles disseram.

— Mas não vai fazer diferença para você. Tem uma escolha.

— Você também.

— A gente sempre tem escolha, só que lidar com as consequências dela pode

ser muito assustador. Se eu não aceitar e algo acontecer que eu precise muito do
dinheiro para ajudar minha família, pode passar o tempo que for, aquele maldito
contrato sempre vai me voltar à lembrança — falei em tom de confissão.

Imitando o movimento de antes, Stefan mais uma vez balançou a cabeça.

— Entendo. — Ele descruzou os braços e colocou as mãos nos bolsos. —


Vamos fazer o seguinte? Vou te deixar alguns minutos aqui sozinha e vou voltar para a
sala. A decisão está em suas mãos. Não vou me negar a participar da atuação caso você
tope. Só por um ano, não será um problema. — Stefan deu de ombros e abriu um
sorriso charmoso, que deveria ser sua marca registrada; sua maior arma para conquistar

todas as mulheres que paravam em sua cama.

Fazendo o que prometeu, ele saiu da sala e me deixou sozinha.

Tudo o que me restou fazer foi me jogar em uma cadeira e enfiar o rosto nas
mãos, pensando pela milésima vez: onde eu tinha me metido?
CAPÍTULO S EIS

Não era a forma mais elegante de se sentar diante de vários de seus


funcionários, mas eu simplesmente me joguei na cadeira, sentindo-me frustrado e mais
incomodado do que imaginei que estaria com aquela falta de poder, embora eu fosse o
mais novo dono da porcaria da emissora.

Olhava as pessoas ao redor e não sentia como se me respeitassem como patrão;

não sentia que tinha qualquer poder naquela empresa, nem mesmo para defender uma
garota que parecia mais assustada com toda a situação do que eu gostaria que ficasse.

— E então? Acha que ela vai aceitar? — Deise, afoita, começou a perguntar,
mal me dando tempo para respirar.

— Mal conheço a garota. Não faço ideia de como ela pensa — não queria soar
grosseiro, mas foi quase impulsiva a minha resposta.

Aparentemente aquela mulher não se abalava com nada.


— Bem, pensei que pudesse opinar. Até onde sei, você é um grande conhecedor

de mulheres, não é? — Ergui meus olhos para ela, com o cenho franzido, e a vi com os

braços cruzados, como se fosse uma mãe tentando tirar satisfação de um filho rebelde.
— Aliás, é importante que alinhemos nossos pensamentos de que, se Eveline aceitar o

contrato e você também, o que continuo achando a melhor opção para todos, vai
precisar se manter fiel a ela. Não seria nada bom que fosse flagrado com outra mulher
durante o ano em que vamos construir seu romance.

— Um relacionamento falso... — corrigi. — Não será um romance. Como eu


disse, mal conheço a garota. Até outro dia ela seria apenas a minha secretária.

— Mas a guinada foi sensacional. Vai ser muito fácil vender a ideia. Todos
amam um clichê: a menina bonita, meio desastrada, meio nerd, que conquista o coração
de seu chefe milionário...

— Seria lindo, se não fosse uma mentira — usei de ironia.

— A televisão é feita de mentiras, Stefan! Bem-vindo a ela. — Depois de dizer


isso, Deise saiu da sala, mas não demorou a voltar, com um copo de café.

Sua impaciência estava clara, e ela cochichava com uma de suas funcionárias
alto o suficiente para que eu pudesse ouvir. Falavam de Eveline, comentando o quanto
ela era burra por já não ter assinado logo aquele contrato, que certamente seria a
melhor e única oportunidade de sua vida.

Ainda ouvi a mais jovem dizer que se Eveline não topasse, que ela se
ofereceria no lugar, porque eu era gato demais.

Revirei os olhos, cansado daquele blá, blá, blá. Não era possível que as
pessoas não tivessem respeito pelos sentimentos de uma garota que caíra de paraquedas

naquela história toda. Eu entrei em um reality show por minha própria escolha, já
sabendo o que poderia acontecer se fosse o vencedor. A moça fez uma entrevista para
ser promovida dentro da empresa, imaginando que teria o papel apenas de secretária.
Em nenhum momento a enganaram quanto a questão das filmagens, é claro, mas tornar-

se par romântico de um cara que ela mal conhecia... isso era algo completamente
diferente.

A porta da sala se abriu de súbito, e Eveline entrou como um furacão. Daquela


vez não tropeçou e não demonstrou a vibe “desastrada” que lhe queriam atribuir. Só
que se olhassem perfeitamente para o seu rosto bonito, por trás dos óculos, veriam que
seus olhos azuis estavam vermelhos.

Ela tinha chorado. E isso me incomodou demais.

Sem dizer nada, aproximou-se do local da mesa onde estivera sentada


anteriormente, e o papel e caneta que deveriam usar seguiam na mesma posição que
deixara. Eveline simplesmente inclinou-se, de uma forma surpreendentemente graciosa,
pegou a caneta, assinou a última via e rubricou as outras, colocando a caneta novamente
sobre o papel.

— Estou dentro. Ainda acho uma loucura, mas preciso do dinheiro. Só peço,
por favor, que nunca veiculem nada que possa ser desrespeitoso à minha imagem e à
minha família. — Depois de dizer isso, ela olhou diretamente para mim, como se
estivesse confiando que eu seria o responsável por ajudá-la com aquele detalhe.

Então saiu da sala, como se tivesse sido dispensada. Pelo que podia entender,

não estava muito bem emocionalmente.

Não era como se eu não a compreendesse. Também me senti um pouco vendido


quando concordei com aquela história absurda de reality show e de ser o protagonista
de algo tão fora da minha zona de conforto.

— Garota maluca! — Deise comentou, e os outros iniciaram uma conversa


paralela, sobre os índices de audiência do primeiro episódio e o que poderia ser feito a
partir daquele momento, que Eveline concordara em participar.

Só que eu não achava Eveline maluca. Eu me identificava com ela: alguém que
seria capaz de fazer coisas que não queria para cuidar e proteger aqueles a quem
amava.

Pensando nisso, e mesmo sabendo que eu precisava participar da reunião,


levantei-me, sem explicar para ninguém, e fui atrás da garota. Ela era minha secretária,
não era? Sentia como se fosse minha responsabilidade ajudá-la.

Encontrei-a já em sua mesa de trabalho, mas vi quando começou a limpar os


olhos, do choro. Observei-a de longe por alguns instantes, porque não achava justo
constrangê-la de ser pega por seu próprio chefe naquela situação.

Quando se empertigou e começou a trabalhar, remexendo em gavetas e ligando o


computador, coloquei-me ao seu lado, de pé. Ao me ver ali, remexeu-se na cadeira
com pressa, derrubando no chão um porta-lápis, fazendo canetas se espalharem por

sobre o carpete.

— Me desculpa... eu estou um pouco nervosa — assumiu, e eu me agachei para


ajudá-la a recolher as coisas.

— É compreensível — respondi, enquanto estávamos frente a frente, agachados


no chão, trabalhando rapidamente para pegarmos o que havia caído.

Coloquei as canetas sobre a mesa, e ela as guardou dentro do porta-lápis,


organizadamente, deixando-me esperando.

Só então se voltou para mim:

— Precisa de alguma coisa? Posso te ajudar? — voltou ao modo profissional.

— Só queria saber se você estava bem. Pela forma como saiu da sala, fiquei um

pouco preocupado.

— Ficou? — Ela parecia realmente surpresa. Então ajeitou o cabelo, colocando


uma mecha atrás da orelha. Eram de um dourado bonito, realmente pareciam fios de
ouro. Não sabia se eram naturais, mas pareciam. Ela não tinha descendência brasileira,
isso era certo. — Mas eu estou bem. Obrigada. Só é uma mudança grande, mas acho
que vou me acostumar rápido, não é? — Um sorriso sem graça surgiu em seu rosto. —
O dinheiro vai ajudar. Não sou mercenária nem nada, mas quem não gosta, né?
— Claro. Quem não gosta?

Apesar de tentarmos um clima um pouco mais leve, por mais falso que pudesse
parecer, Eveline abaixou a cabeça, mudando completamente a vibe. Quando novamente

ergueu os olhos, eles tinham uma expressão quase sofrida.

— Não parece que estou me vendendo? Não demorei nem uma hora para
assinar aquele contrato. A decisão deveria ser um pouco mais difícil de ser tomada,
não? Eu deveria me valorizar um pouco mais.

Ela estava se culpando. Sim, nós tínhamos mais em comum do que eu poderia
imaginar.

— Quando a gente faz algo por uma boa causa, temos que sentir orgulho de nós
mesmos. A sua causa é muito nobre.

Eveline sorriu de forma bem mais natural e verdadeira. Senti que ia falar

alguma coisa, mas quando nos demos conta, já havia gente filmando a nossa conversa.

Tanto eu quanto Eveline ficamos um pouco decepcionados, e provavelmente


quem quer que estivesse filmando gravou essa reação, porque era perceptível em nós
dois. Nossos ombros caíram, os rostos se tornaram mais impassíveis, e não havia mais
sorrisos.

Só que nós dois assinamos e concordamos com aquela palhaçada, não é


mesmo? Nós dois precisávamos interpretar aqueles papéis para proteger e cuidar de
quem amávamos.
Falei com ela que a causa era nobre, e realmente era, mas não deixava de ser

um sacrifício muito estranho.

A partir dali, muitas coisas poderiam acontecer, e eu só esperava que nenhum

de nós dois se arrependesse no final das contas.


CAPÍTULO S ETE

Cheguei em casa, pouco mais das sete da noite, sentindo-me cansado como se
tivesse corrido uma maratona. Tudo o que eu queria era tomar um banho, comer a
comidinha caseira da minha mãe, me jogar no sofá com a TV ligada e ficar com meu
bebê.

Só que aquela vida simples que eu tinha antes, não existia mais.

Assim que passei pela porta do apartamento, percebi que tudo estava um caos.
Havia umas cinco pessoas lá dentro, remexendo em tudo, embrulhando coisas em papel,
enrolando pertences em plástico-bolha, fechando e abrindo caixas, ou seja, a
preparação para a mudança.

Minha mãe parecia uma barata tonta, tentando ajudar – porque ela obviamente
não conseguia ficar parada –, enquanto uma moça de uns vinte anos segurava Caio no
colo.
Cutuquei D. Glória e a puxei para um canto, apontando para a garota:

— Quem é aquela? — Apesar de tudo, Caio parecia bem entretido, embora meu
filho fosse o tipo de criança que não estranhava muitas pessoas. Ele era extremamente

sociável.

— Ah, é a Carla, babá.

— Babá? — fiquei confuso.

— Sim, contratada pela emissora. É uma boa moça, tem boas referências. Achei
muito atencioso da parte deles. Também chegaram alguns presentes para Caio, mas já
está tudo guardado. Vou deixar para entregar só na casa nova, ou ele vai monopolizar e
não vai deixar encaixotar.

Minha mãe se afastou, para dar algumas orientações a um dos rapazes, e eu fui
deixado no canto para onde a levei, observando minha casa ser revirada.

No momento em que me aproximei para pegar meu filho, a suposta babá me


abriu um sorriso, entregou-me meu bebê, agradeceu e simplesmente colocou a bolsa no
ombro para ir embora. Tudo como se tivesse sido previamente estabelecido e ensaiado.

Meu Deus... será que eu estava ficando louco?

Com Caio no colo, que parecia desesperado por atenção, aproximei-me da


minha mãe novamente, e lá estava ela com um sorriso no rosto, parecendo adorar cada
segundo de sua “brincadeira”.
— Você precisa de ajuda? — perguntei baixinho, esperando que ninguém

ouvisse.

— Não, filho, imagina. Não estou fazendo nada, só supervisionando — ela

falou isso com tanto orgulho que não consegui não rir. Dei um beijo em sua cabeça e
sinalizei que iria subir com Caio.

E foi o que fiz. Levei meu bebê para o meu quarto e me joguei na cama com ele,
deitando-o e enchendo-o de cosquinhas, porque amava o som de sua risada. Levantei

sua blusinha e enchei sua barriguinha de beijos, e ele agarrou a minha barba, como
sempre adorava fazer, divertindo-se.

Parei um pouco, olhando-o nos olhinhos, com um meio sorriso bobo no rosto e
respirando fundo.

Foi inevitável pensar em Eveline e em suas reações, no quanto de incômodo ela


demonstrava em fazer algo que ia contra seus princípios. Assim como eu, ela tinha algo

a lhe incentivar. Um irmão especial. Eu tinha um bebezinho. Meu amor por Caio era tão
grande que eu sabia que tudo e qualquer coisa ainda seria pouco para explicar até onde
iria por ele; e então eu imaginei que só alguém com um sentimento igualmente forte por
sua família teria o mesmo tipo de atitude que eu.

Era interessante conhecer uma pessoa e já entender que ela deveria ser bastante
leal àqueles que faziam parte de sua vida. Àqueles que eram os donos de seu coração.

Caio acalmou um pouquinho, especialmente quando lhe entreguei um de seus


brinquedos que, por acaso, estava sobre a minha mesinha de cabeceira. Aproveitei para

pegar também o meu notebook, deitando-me com ele sobre a minha barriga, iniciando-o

e abrindo o Google imediatamente.

Comecei a fazer algumas pesquisas com o meu nome e de Eveline, até mesmo
com aquela baboseira de “nome de casal” que nos inventaram. Era impressionante a
quantidade de memes que criaram sobre nós e quantas vezes aquela imagem dela nos
meus braços fora compartilhada. Exatamente como Deise dissera, aquele romance

poderia mesmo render uma enorme audiência, e o público ficaria muito decepcionado
caso terminássemos separados.

Apesar de tudo, eu tinha estudado Rádio e TV, mas fiz muitas matérias de
publicidade. Sabia o quanto era importante agradar e encantar seu cliente. No caso da
Antura, os telespectadores tinham sempre razão, e eram eles que precisavam ficar
satisfeitos.

Parei minha atenção em uma foto de Eveline. Clicando nela, fui guiado ao seu

Instagram.

Não postava com constância, aparentemente, mas havia algumas selfies, fotos
com família e algumas imagens de livros, o que me dizia que gostava muito de ler, os
mais diversos gêneros – ok, eu também gostava, o que já era mais uma coisa que
tínhamos em comum.

Deparei-me com uma foto de biquíni, em uma praia, onde ela estava sem
óculos, com um pôr do sol logo atrás, andando de costas para o mar. O sorriso era
imenso, completamente diferente dos desanimados que dirigira a mim.

Seria muito, mas muito cafajeste da minha parte ficar olhando para seu corpo,
mas era impossível não perceber o quanto aquela garota era linda. Seios pequenos,

cintura fina, barriga plana, pernas torneadas... O tipo de mulher que sempre me chamou
a atenção, com a diferença de que ela nunca fez nada para isso.

— Uau! — uma voz feminina me arrancou dos meus pensamentos, e eu quase me


sobressaltei. Era minha mãe. — Ela é mesmo muito linda.

Revirei os olhos.

— Claro que você assistiu ao episódio. É uma das pessoas que está shippando
o casalzinho? — enfatizei a palavra, exatamente como Eveline tinha feito mais cedo.

Com aquele jeitinho paciente, quase lento, que a maioria das mães têm, D.
Glória sentou-se à minha frente e tocou o pezinho de Caio, começando a massageá-lo

quase que imperceptivelmente.

— Eu quero o que é melhor para você, filho. Sei que o que aconteceu naquele
episódio foi só um acidente e que nenhum de vocês dois parecia encantado um com o
outro como as pessoas estão tentando vender. Mas já imagino que a emissora vá
explorar isso ao máximo. — Minha mãe fez uma pausa, esperando uma resposta, mas eu
não podia lhe dar. — Também imagino que isso seja confidencial. Tudo bem, não vou
perguntar mais. — Ela ergueu as mãos, em rendição. Que bom que compreendia. — Só
não quero que você seja infeliz. De resto, torço pelo que for melhor.
Dei outra olhada para a foto de Eveline e vi seu sorriso.

— Parece ser uma boa garota.

— E você é o melhor garoto do mundo. — Então ela se virou para Caio: — Ou


o segundo melhor...

Meu sorriso se alargou.

— Só porque ele ainda não te dá muitos cabelos brancos. Deixa crescer e ficar
bonitão que nem o pai...

Minha mãe levou a mão ao peito, fingindo um infarto, e nós dois rimos. Para ser
sincero, nunca fui tão rebelde quanto sempre fingia. Sempre fui estudioso, nunca lhe
envergonhei de forma alguma, nunca bebi exageradamente; meu problema eram as
mulheres, mas até mesmo com isso sempre fui discreto. Claro que tive um filho, sendo
ainda solteiro, mas estava disposto a cuidar dele sozinho, até mesmo buscar um

apartamento só para nós, mas minha mãe insistiu em nos ajudar. Principalmente porque
ficou apaixonada pela ideia de ser avó no momento em que lhe contei que Caio existia.

Por falar em minha fama de mulherengo, meu celular tocou, e o nome de


RAÍSSA apareceu na tela.

Eu não fazia ideia de quem era. Decidi rejeitar a ligação. Não ia interromper a
conversa com a minha mãe para falar com uma garota.

— Vai perder uma oportunidade, garanhão? — Minha mãe sempre levou na


esportiva o fato de eu gostar de galinhar um pouco. O que dizia constantemente era que
o dia em que eu encontrasse uma mulher que valesse a pena, eu teria que sossegar e

perceber antes que fosse tarde demais.

Dei de ombros, mas nem tive muito tempo para responder, porque logo chegou
uma mensagem da tal Raíssa: “Oi, gato. A fim de um chopp? Estou perto da sua casa,
posso te pegar”.

Eu realmente não me lembrava dela, mas abri a foto do Whatsapp e a imagem

de uma morena, em uma balada, depois numa cama de motel, e uma noite regada a
muito sexo, me surgiu à mente. Devia fazer um bom tempo que não nos víamos, porque
nossa última conversa datava de um ano e meio atrás, antes do programa e de Caio.

Não me surpreendia que ex-amantes ressurgissem das cinzas. Depois que saí do
programa recebi muitas mensagens por IG, Facebook e milhares delas tinham propostas
obscenas e até meio doidas, de casamento. A maioria era de mulheres que eu nem
conhecia, mas algumas vinham de outras com quem saí no passado. Quem tinha meu

WhatsApp fora rápida em relembrar que existia, mas algumas, como Raíssa, tentavam
abordagens mais discretas.

Se uma coisa que a vitória do programa me fez perceber era o quanto as


pessoas eram interesseiras. E o quanto o que você tem pode te tornar inseguro a
respeito de quem você é, de quem realmente está ao seu lado por amor e quem está por
interesse.

Talvez fosse um livramento ou um filtro que eu não conseguiria fazer sem esse
empurrãozinho. Ou talvez fosse o prelúdio de uma vida de dúvidas, muito solitária e
vazia.

Ao menos eu tinha minha mãe e meu filho no meio daquele caos todo.

Desligando o celular, coloquei-o sobre a mesinha, assim como fiz com o


notebook.

— Vou. O pessoal lá embaixo já terminou?

— Sim, mas a casa está um caos; caixas por toda parte. Nem sei o que vamos
comer, porque acho que não temos pratos e nem talheres disponíveis.

— Ótimo. Vou tomar um banho, a senhora coloca uma roupa bem bonita,
prepara o Caio, e vamos jantar.

Minha mãe ficou animada, e eu fiquei feliz por poder proporcionar certas coisas
para ela. Claro que cada saída comigo se tornava complicada, porque passei a ter um

rosto conhecido e havia seguranças na nossa cola – contratados pela emissora –, mas
foi a vida que eu escolhi, não foi? E eu esperava que ela me desse muito em troca.
CAPÍTULO OITO

Eu tinha me tornado refém de uma câmera, coisa que sempre odiei. E não só
isso. Sempre que eu chegava ao escritório, a primeira coisa que precisava fazer era
passar por uma sessão de maquiagem que durava mais de meia-hora, simplesmente
porque os produtores do programa alegavam que a que eu fazia em casa, antes de sair,
não era boa o suficiente e não valorizava meus olhos.

Isso ao mesmo tempo em que diziam que eu tinha uma figura muito boa para a
televisão. Era uma confusão de altos e baixos na minha autoestima, com a qual eu nem
sabia se conseguia lidar.

Então eu voltava para a minha base de trabalho toda cheia de reboco na cara,
sem me sentir como eu mesma, recebia meu script do dia para lê-lo e praticamente não
fazia nada que exigia a função de uma secretária, já que Stefan, aparentemente, também
não iria, tão cedo, mandar naquele negócio, como provavelmente acreditara que iria
acontecer.
Aliás, provavelmente você deve estar se perguntando: mas um script em um

reality show? Pois é. Não que houvesse falas ou qualquer coisa que precisássemos

decorar, mas se tratava de um compilado de tópicos com sugestões de cenas que


precisávamos meio que interpretar, como se tivessem acontecido naturalmente.

Nunca fui atriz e nem nunca quis ser, mas a verdade era que havia uma direção
que nos ajudava a construir a cena de uma forma que realmente parecia real.

Eram coisas bobas. Na maioria das vezes, eu precisava bancar o estereótipo da

secretária desastrada – o que basicamente eu era, mas nem tanto –, porque as pessoas
pareciam curtir isso, se identificar ou sei lá o que passava pelas mentes dos
telespectadores shippadores de plantão. No final das contas, eu só queria o meu
dinheiro.

Meus pais estavam caindo na farsa, e isso era o que mais me doía. Não poder
contar para eles que não havia nada de amoroso em minha relação com Stefan, por mais
que eles parecessem estar gostando da ideia. Minha mãe, principalmente, que sempre

dizia que o que faltava para mim era um pouco de romance.

Eu não concordava, mas já começava a imaginar o que aconteceria quando as


coisas se tornassem mais intensas, porque sabia que era isso o que a produção estava
planejando.

Só não esperava que fosse acontecer tão cedo.

Naquele dia, depois de passar pela tortuosa sessão de cabelo e maquiagem,


sentei-me à minha mesa, liguei meu computador e logo abri o e-mail, sabendo que

haveria alguma mensagem de Deise com o que eles esperavam para aquele dia. Já era

assim há pouco mais de uma semana, então já sabia como agir. A primeira coisa que eu
precisava sempre fazer era ler o script.

Com seu jeito manipulador, a mulher tentara, com um jogo de cintura


impressionante, dizer que, depois de uma reunião que durou muitas horas, a equipe
decidiu que era hora de eu e Stefan darmos um passo a mais em nosso relacionamento,

porque o público estava implorando por isso.

Lendo e relendo a mensagem, comecei a me perguntar se as pessoas realmente


acreditavam nas coisas que assistiam e que eram vendidas como programas da vida
real, porque, para mim, mais estava parecendo uma novela com um roteiro bem sem
noção e um casal completamente sem química.

Ou será que tínhamos? O que todas aquelas pessoas viam em nós que eu
simplesmente não conseguia enxergar?

— Ei... bom dia! — Sobressaltei-me ao ouvir a voz, reconhecendo-a como


sendo de Stefan. — Desculpa, te assustei?

A proximidade dele sempre me assustava, de alguma forma. Se fosse


simplesmente o meu chefe, como qualquer outro, eu não teria problema nenhum em
lidar com ele. Acabaria considerando-o um cara divertido, simpático, bom de se
trabalhar – bonito demais para o meu próprio bem, é claro, mas alguém com quem eu
conseguiria conviver sem corar cada vez que chegava perto. Só que dadas as
circunstâncias peculiares de nosso relacionamento, mal conseguia conversar com
Stefan sem parecer uma tonta.

— Não, tudo bem. Eu que estava distraída. O senhor precisa de alguma coisa?

Stefan deu uma risadinha.

— Não tínhamos combinado que você me chamaria apenas de Stefan?

— Mas isso foi em frente às câmeras. Não sei se posso estender a oferta para o
trabalho na vida real.

Ele colocou as mãos nos bolsos e deu de ombros.

— Até onde um começa e o outro termina?

Era uma boa pergunta. Eu realmente não fazia ideia.

— Mas você pode me chamar pelo nome, sem problema. — Assenti,


concordando. — O que queria te perguntar é se você já deu uma olhada no roteiro de
hoje.

— Não no anexo. Só li o e-mail de Deise. Por quê?

— Dá uma olhada.

Comecei a ficar nervosa imediatamente, porque pela expressão de Stefan,


certamente não era algo confortável ou agradável.

O que teríamos para aquele dia seria uma cena tão clichê que qualquer escritor
de novela já havia usado. Principalmente as mexicanas.

O cenário seria o almoxarifado, onde eu precisaria buscar alguma coisa para o


meu trabalho. Stefan entraria lá, e eu estaria sobre uma escada ou uma cadeira para
buscar um objeto no alto de uma prateleira. Como a boa desastrada que era, eu deveria
me desequilibrar, e ele me pegaria, como o herói que fora no primeiro dia.

— Isso é ridículo! — comentei, meio que sem ter muita noção de que estava
falando com meu chefe.

— Que bom que não sou o único que concorda com isso. — Stefan deu um
passo à frente e apontou para o meu computador. — Tudo bem para você? Se for um
pouco demais, podemos...

— Um pouco demais? É a coisa mais exagerada que já vi na vida! — exaltei-


me. Respirando fundo, tentei me recompor, porque eu também estava soando muito
exagerada.

A verdade era que tudo aquilo parecia me sufocar. Eu não era uma atriz, não era
uma boa mentirosa. Não conseguia sequer entender como as pessoas acreditavam em
qualquer coisa que eu dizia naquele programa, porque tudo soava tão falso... Minhas
expressões, minhas reações. Eu não sabia fingir que estava a fim de Stefan. O cara era
lindo, gentil e, em uma situação diferente, eu poderia, sim, me interessar por ele, mas
não era o caso.

— Nada faz sentido nessa cena — respondi, finalmente, com alguma coerência,
e Stefan balançou a cabeça, parecendo concordar.

— Ah, que bom que vocês estão conversando sobre as filmagens de hoje.

Lá estava Deise, interrompendo nossa conversa. Era quase surpreendente que


não houvesse ninguém com uma câmera, já que eu e Stefan praticamente não

conseguíamos ficar um ao lado do outro sem que um monte de pessoas nos rondasse
para pegar qualquer coisa que pudesse ser interessante para os espectadores.

— Mas me diga, Eveline... por que você acha que não faz sentido? — Deise
cruzou os braços e me olhou como se estivesse falando com uma garotinha pequena,
teimosa e travessa.

Dei uma olhada para Stefan, e ele me incentivou. Então, falei:

— O que um CEO faria em um almoxarifado? Chefões não fazem esse tipo de


coisa.

A mulher revirou os olhos.

— Não precisa fazer sentido, menina. Além do mais, podemos sugerir que ele
foi lá atrás de você. Não vamos colocá-lo para te agarrar à força, porque não queremos
passar esse tipo de imagem e...
— E eu também não concordaria com isso! — Stefan se intrometeu, o que fez

com que ganhasse alguns pontos comigo pela forma enfática com que defendeu seus

princípios.

— Claro, claro... — Mais uma revirada de olhos. Eu tinha a impressão de que


Deise não tinha a menor paciência conosco. — Além do seu senso de verossimilhança,
Eveline, algum de vocês dois tem objeção para que a cena aconteça?

Teoricamente eu não tinha. Não era nada que fosse comprometer minha

dignidade ou envergonhar minha conduta, mas algo me passou pela cabeça.

— E se ele me deixar cair?

Aquela foi a vez de Stefan dar uma risada.

— Eu não vou te deixar cair — falou com muita segurança, o que me fez erguer
uma sobrancelha.

— Você não pode prever isso. E se acontecer algum acidente?

— Não vai. Se esse é seu único empecilho para a cena, fique tranquila.

Ah, meu Deus... por que será que algo me dizia que as coisas dariam todas
erradas?

Só que quando dei por mim, já estava sobre a pequena escadinha de três
degraus, com as pernas trêmulas. Se a câmera captasse os pequenos detalhes, não seria
difícil de acreditar que eu realmente tinha caído, levando em consideração que não

havia estabilidade nenhuma nos meus pés e joelhos.

Stefan entrou falando alguma coisa, e eu só repeti a cena de mais cedo, quando

fingi ter levado um susto com sua chegada “abrupta”. Não era necessário muito texto
nem muito improviso. Eu só esperava ser o mais graciosa possível quando literalmente
me joguei do degrau onde estava, fingindo um desequilíbrio primeiro, para dar tempo
do meu próprio chefe me pegar.

Ao menos ele era bom em cumprir promessas, porque quando me dei conta,
braços firmes e fortes me seguraram, sem permitirem que eu caísse no chão.

Algo aconteceu naquele momento. Não saberia dizer o que houve, mas nossos
olhares se encontraram, como se nada mais houvesse ao nosso redor, principalmente as
câmeras. Era difícil saber se Stefan estava interpretando um papel, e eu me perguntava
se algum dia eu conseguiria diferenciar isso.

Quando me colocou no chão, nós nos afastamos, constrangidos, e ambos


olhamos para o chão.

— Nossa, foi perfeito! — Deise exclamou, animada. — Uau! Uau! Quem não
estava torcendo por vocês a partir de agora vai torcer, sem dúvidas. Vou correr para
colocar essa cena no episódio de amanhã!

E ela saiu, levando toda a equipe, deixando-nos sozinhos, ainda fitando o chão,
como se olhar um para o outro fosse algo doloroso.
Constrangedor, talvez...

E provavelmente ficaria cada dia mais.


CAPÍTULO NOVE

Mas que merda tinha acabado de acontecer ali?

Filmamos a cena que nos mandaram reproduzir, e ok... estava pronto. Era para
ser constrangedor, engraçado e talvez até irritante, porque estávamos sendo
manipulados como marionetes, mas no final das contas foi... peculiar.

Eu deveria ter colocado a garota no chão mais rapidamente, só que a forma

como me olhou quando eu a peguei e o cheiro dela me causaram uma sensação que eu
não esperava. Atração? Sem dúvidas. Ela era linda, fazia completamente o meu tipo,
embora eu nunca tivesse dado tanta atenção às mulheres com jeitinho mais doce e nerd
– porque sempre achei que eram as que acabariam mexendo comigo de alguma forma,
por não quererem o mesmo que eu.

Apesar de ser mulherengo – o que nunca neguei – eu era um cara que sabia que
poderia se apaixonar fácil. Eu não tinha a necessidade desesperadora de ficar com um
milhão de mulheres, mas fazia isso para não me apegar. Se isso acontecesse, morria de
medo de ter o coração partido. Vi como minha mãe ficou quando meu pai a abandonou,
e isso nunca saiu da minha cabeça. O medo de ser rejeitado, de amar sem ser

correspondido, de sofrer... talvez eu fosse apenas um covarde, mas enquanto esses

sentimentos ficassem em segundo plano para mim, eu sentia que estaria seguro.

Não tinha nada a ver com o que acontecera com Eveline, de forma alguma. Nós
estávamos apenas encenando um momento romântico que não era real. Tratava-se de
uma ilusão que criamos para que outras pessoas acreditassem e se apaixonassem por

nós. Era um contrato muito infame, sem dúvidas, mas algo aconteceu.

E eu não fui o único a sentir.

— Tudo bem com você? — tive que perguntar, porque o silêncio que se formou,
depois que a equipe saiu, foi mais do que desconfortável. Ele parecia gritar, era mais
intenso do que se estivéssemos conversando há horas.

— Sim. Tudo bem. — Mas não parecia.

— Olha, Eveline, se você não quiser que essa cena seja veiculada, a gente
pode...

— Não — ela me interrompeu, mas não com veemência. Era fácil perceber que
estava incomodada, mas que precisava agir como estava agindo. — Não tem nada de
errado com a cena.

— Então o que é? Você não parece bem.


— Eu? — Eveline finalmente ergueu os olhos, e eles pareciam tão inocentes e

desamparados que eu cheguei a me sentir um filho da puta por não insistir para que ela

caísse fora daquela história. — Não. Está tudo bem. Só acho que podemos voltar ao
trabalho, não?

Respirei fundo. Apesar de não sermos exatamente amigos, éramos meio que
cúmplices naquela merda toda. Passávamos pelas mesmas coisas e tínhamos motivos
nobres para fazermos o que estávamos fazendo.

Só que se ela não queria falar e não queria continuar ali, quem seria eu para
insistir?

— Claro — foi minha resposta. Então eu me adiantei, para abrir a porta para
ela, e me dei conta, ao girar a maçaneta, que estava trancada.

Comecei a puxá-la, tentando me manter o máximo discreto possível, porque


sabia que Eveline poderia se assustar.

Só que não levou muito tempo para ela entender que havia algo de errado.

— O que foi? — perguntou, já intrigada.

Eu tinha uma leve desconfiança de que aquilo não fora um acidente. E esse
sentimento só aumentou quando olhei ao redor, antes de responder à pergunta de
Eveline, deparando-me com uma câmera estrategicamente posicionada, exatamente
como aquelas que deveriam haver em um Big Brother da vida. Eles estavam realmente
filmando tudo.
Decidi não avisar Eveline, com medo de que ela literalmente surtasse, mas não

permitiria que aquelas cenas fossem ao ar.

— Está trancada? — Ok, tarde demais, porque ela realmente parecia prestes a

surtar. Assenti, e a garota literalmente me empurrou, começando a forçar a maçaneta no


total desespero. — Mas não é possível. O que acontece com as portas desta empresa?

Aproximei-me de Eveline, colocando as mãos sobre a dela, tentando acalmá-la.

— Não vai adiantar. Acho que não emperrou desta vez.

Ela arregalou os olhos.

— Acha que fomos trancados aqui? — Novamente balancei a cabeça,


respondendo-a afirmativamente. — De propósito? — a voz de Eveline se alterou, e eu
mais uma vez afirmei. — Mas o que esse povo tem na cabeça? Eu sou claustrofóbica...

Queria dizer para ela que eles estavam pouco se lixando com sua condição, que

tudo o que queriam era algo que repetisse a primeira cena que nos levou até ali.
Queriam explorar nossas imagens da forma mais desrespeitosa possível para que os
espectadores se apaixonassem por um romance que nem existia.

Eu poderia lhe dizer tudo isso, mas só de olhar para Eveline já conseguia
perceber que o nervosismo começara a cobrar seu preço.

Levei a mão ao seu ombro, tocando-a, mas ela deu um sobressalto, e eu vi seus
olhos arregalados e vidrados. Senti quando estremeceu, e quando deslizei os dedos
para seu braço, percebi que estava gelada.

— Calma, Eveline. Está tudo bem. Vamos sair daqui — usei de uma voz
reconfortante. — Você não está sozinha.

— Não consegue arrombar a porta de novo? Desculpa por pedir, mas é que eu
realmente fico um pouco assustada nessas situações.

Um pouco? Ela estava completamente em pânico.

— Não posso arrombar, porque essa porta abre para dentro. E ela é pesada, de
ferro. Daquela vez foi meio que um impulso, porque você parecia muito nervosa.

— Eu estou nervosa agora — ela falou baixinho, e eu a vi esfregar uma mão na


outra, até que os nós dos dedos ficaram completamente brancos.

Era doloroso vê-la tão tensa, e eu comecei a ficar com uma imensa raiva de
quem quer que tivesse feito o que fizera. Não que duvidasse que a ideia fosse de Deise,

e ela certamente iria me ouvir.

Ouvi Eveline respirando bem fundo, como se estivesse sufocando, e me virei


para ela, para tentar ajudá-la. Quando a olhei, vi seu rosto bonito completamente
pálido, e ela estava curvada, com as mãos nos joelhos, visivelmente abalada.

Toquei-a novamente no ombro, afastando alguns fios de cabelos loiros que


caíam em seus olhos, tentando ser terno, mas respeitoso. Não queria me aproveitar da
situação, afinal, a moça estava completamente fora de si.
— O que posso fazer por você? — indaguei com calma, esperando que uma voz

mais suave a deixasse um pouco menos desesperada.

— Eu só quero sair daqui. Desculpa por estar tornando a situação ainda pior

para você, mas eu realmente não fico bem com a ideia de estar presa, trancada...

— Você não precisa se desculpar. Só estou preocupado. De verdade.

Seus olhos novamente se voltaram para mim, e era impressionante o quanto

aquela garota conseguia demonstrar o que se passava em seu coração com seu
semblante. Ela estava apavorada, agradecida, tentando acalmar a si mesma, tentando se
manter firme, provavelmente porque estava ao lado de seu chefe... tudo junto, como fios
embolados que não conseguem se soltar.

Só que se nós dois ficássemos parados ali, seria mais difícil sairmos.
Precisávamos fazer alguma coisa.

Dei alguns socos na porta, esperando que nos ouvissem. Eu sabia que havia
pessoas do outro lado, nos ouvindo, em um nível de fofoca muito sombrio e de mau
gosto. Não era uma piada.

— Dá para parar com a palhaçada? A moça está passando mal aqui dentro.

Dei uma olhada para Eveline, e ela parecia ainda pior do que antes. Estava
apoiada em uma parede, ainda respirando com dificuldade, chegando a cambalear.

Soquei a porta com mais força, chegando a chutá-la também, urrando:


— Abram essa porra dessa porta! Agora!

Não tive muito mais tempo para fazer nada, porque mais uma vez Eveline
cambaleou, e eu corri para ampará-la. Era a segunda vez naquele dia que caía nos meus

braços, mas daquela estava completamente inconsciente.

Foram precisos alguns segundos apenas para que a porta fosse aberta. Com
certeza tinham visto a cena pela câmera instalada, o que me dizia que estavam nos
espionando e gravando tudo desde o início.

Peguei Eveline no colo, tirando-a de dentro daquela pequena sala.

A primeira pessoa com quem me deparei foi Deise, que sorria de orelha a
orelha. Como era possível que estivesse tão contente enquanto eu carregava uma moça
desmaiada?

— Vocês dois juntos são muito melhores do que qualquer script — ela

comentou, começando a me seguir.

— Não admito que nada do que aconteceu lá dentro, enquanto estávamos


trancados, vá ao ar, Deise. Não vou assinar autorizando essa merda.

— Não faça isso. Ficou maravilhoso!

Mesmo com Eveline nos braços, e com todos olhando para nós, virei-me para
ela, chocado com a quantidade de besteira que podia sair de sua boca.
— Como pode dizer que isso é maravilhoso? — Usei a cabeça para apontar

para a mulher no meu colo, enquanto a ajeitava nos braços. Ela era bem leve, mas eu

estava nervoso, irritado, e ela estava realmente lânguida. — É loucura. Isso já está
chegando em um nível inaceitável. Vou levá-la para a minha sala, mas assim que estiver

tudo resolvido, vamos fazer uma reunião.

Continuei marchando, chegando à minha sala. Algumas pessoas vieram me


ajudar, para abrir a porta, e uma das meninas, que era mais próxima de Eveline, levou

álcool para fazê-la despertar. A senhora da copa segurava um copo d'água, que eu
mesmo levei à sua boca, uma vez que suas mãos estavam muito trêmulas.

Minha atenção estava toda focada na mulher, mas em um dado momento, voltei
meus olhos para a parede de vidro da minha sala e vi que Deise estava lá, nos
espreitando, e ela não parecia muito satisfeita.

Aquela mulher me causaria problemas, sem dúvidas.


CAPÍTULO DEZ

Fora uma semana inusitada. Agitada, cansativa, e eu estava exausta. Muitas


emoções para poucos dias, e tudo o que eu queria era ir para casa naquela sexta-feira.
Por isso, resmunguei quando recebi uma mensagem de Paloma, uma das minhas
melhores amigas, lembrando-me de que o horário de sua despedida de solteira tinha
mudado para uma hora mais tarde, porque ela iria se atrasar.

Droga! Eu não me lembrava disso. Estava marcado há um tempão, tínhamos

grupo no WhatsApp para conversarmos e resolvermos horário e o que faríamos, mas


fiquei tão absorvida com as coisas do trabalho nos últimos tempos, com a ideia absurda
do reality show, que nem lembrei que o dia tinha chegado.

Fazia algum tempo que eu não saía, que vivia de casa para o trabalho e do
trabalho para casa. Depois que assinei o maldito contrato "especial" com a emissora,
um motorista me buscava e me levava em casa, e eu não saí em nenhum fim de semana,
porque sempre fiz o tipo mais quieta e nada baladeira.
O programa era transmitido uma vez por semana, e três episódios já tinham sido

exibidos. O primeiro fora o dito cujo, com a fatídica cena do banheiro, que mudara

completamente minha vida. O segundo e o terceiro foram construindo o tal


relacionamento com Stefan, enquanto mostravam um crescimento dele na empresa que

não existia. Tudo era uma mentira. Chegava a ser ridículo pensar que as pessoas
realmente acreditavam que todas aquelas coisas eram reais. Inclusive meus pais.

Obviamente, minhas amigas também estavam caindo como peixinhos na ilusão,

porque apesar de não ser a noiva, eu logo me tornei o assunto da noite.

Éramos em um grupo de cinco – contando comigo –, e todas estavam muito mais


animadas do que eu. Paloma chegou com um véu cor de rosa na cabeça, e todas
pedimos uma rodada de tequila. Eu não estava com muito estômago para beber, mas não
queria deixar aquele momento especial para a minha amiga passar em branco. Viramos
o copinho de uma vez, mas eu logo avisei que pararia por ali.

— Ah, como assim, Line? Já??? O coraçãozinho apaixonado está te deixando

tão embriagada que nem precisa ficar bêbada? — Ana, outra das minhas amigas,
comentou.

Eu queria muito dizer a ela que o coraçãozinho não estava apaixonado. Que
tudo aquilo não passava de uma farsa, que eu era apenas a secretária e que mal
conhecia Stefan. Que o achava um cara legal, mas que não poderia gostar dele daquele
jeito; que nenhum romance de verdade, como o que a emissora estava querendo vender,
poderia começar da forma como todos acreditavam que tinha começado.
Mas eu não podia. Estava em contrato. Por mais que confiasse nas minhas

amigas, se alguma delas, algum dia, contasse para alguém, que contasse para alguém, a

notícia poderia ser vendida à imprensa, e eu teria que pagar uma multa astronômica.
Um dinheiro que eu nunca teria.

— Não, só estou meio cansada hoje. Acho que se eu beber, com certeza vou
ficar cheia de dor de cabeça. Não quero estragar sua festa, Loma.

— Você nunca estragaria, miga. Até porque estamos muito ansiosos para saber

todas aquelas fofocas sobre o bonitão do Stefan Canejo — Paloma falou.

— Aliás, espero que eles passem o programa aqui no bar, porque eu estou
doida para ver o que vai acontecer! — Carla, outra das minhas amigas, falou, animada.

— Você podia adiantar um pouco para nós, né? Vai ter beijo? — Daniela, mais
uma das garotas, perguntou, e eu arregalei os olhos.

— Beijo? Não! Como assim…? A gente mal se conhece direito e... — Percebi a
besteira que falei quando todas elas começaram a olhar para mim com o cenho
franzido, confusas.

Porque para qualquer um que assistisse ao programa, aquela afirmação de que


não nos conhecíamos seria completamente infundada. Parecíamos muito íntimos, ou ao
menos era assim que a edição fazia parecer. Sempre me pegavam rindo com Stefan,
conversando e sozinhos em sua sala. Naquela uma hora de programa, eu parecia ser a
pessoa mais próxima a ele na empresa, porque era assim que faziam parecer, mesmo
que nosso tempo de convivência fosse muito curto.

— Não tente esconder nada de nós, Line! A gente está vendo... vocês dois estão
se entendendo, não estão? Como ele é... conta para nós! — Paloma pediu, com seu

jeitinho convincente, e ela chegou a apoiar o cotovelo na mesa, para segurar o queixo.

Assim que fez isso, todas as meninas a imitaram, com olhinhos brilhantes em
minha direção, como crianças pedindo um doce à mãe.

Como eu poderia lhes negar algo? Ainda mais que não era uma pergunta que eu
não pudesse responder, né?

— Bem... Stefan é... — hesitei um pouco, tentando encontrar a palavra. — Ele é


muito simpático.

Minhas amigas fizeram uma careta indignada.

— Simpático? Pelo amor de Deus, Eveline! — Daniela exclamou. — Que

brochante. Conta mais. Fala sobre ele... o cara é famoso, gato, e você trabalha com ele
todos os dias. A gente tem curiosidade.

— Ah, ele é gentil também. — Novamente, elas não pareceram muito


entusiasmadas. Precisava ser mais específica, por isso, comecei a tentar pensar em
Stefan e o que poderia falar sobre ele. — É inteligente. Talentoso. Divertido. Bem-
humorado. Parece ser um bom pai. É humilde. Trata todos os funcionários bem. Sempre
que o ouço falar com a mãe, ele parece extremamente carinhoso com ela. É bem
cheiroso também...
Dei-me conta de que comecei a falar em um tom um pouco sonhador. Não

olhava mais para as minhas amigas, mas para cima, como se estivesse buscando em

minhas memórias mais coisas para falar sobre Stefan. A imagem dele se formou na
minha cabeça, e eu fui pensando em tudo o que tinha descoberto sobre ele naqueles dias

de convivência, quase um mês. Era bem verdade que sabíamos muito pouco um do
outro, se fôssemos pensar em informações mais pessoais, mas eu já tinha reparado em
seu jeito e poderia falar com propriedade que era o melhor chefe que eu poderia ter.
Além disso, parecia ser um bom homem.

Quando olhei para minhas amigas, elas todas sorriam, encantadas.

— Ah, Line, você está mesmo apaixonada! — Olívia, a que estivera calada até
aquele momento, finalmente se manifestou.

— Eu? — Nossa, o pessoal realmente comprava a ideia que qualquer um


vendesse com um pouco mais de veemência.

Talvez eu estivesse um pouco impressionada com Stefan. Talvez eu pudesse


sentir alguma coceirinha em relação a ele, por conta das trocas de olhares que
aconteceram mais de uma vez. Talvez ele fosse mais do que eu esperava.

Eram muitos talvezes, mas nenhum deles dava qualquer certeza de que o que eu
sentia tinha a ver com paixão. Atração? Poderia ser. O cara era lindo, qualquer mulher
ficaria atiçada só de olhar para ele. Mesmo uma virgem como eu. Além do mais, todos
estavam montando um circo completo para sugerir um clima de romance. Por mais que
eu não assistisse aos programas, porque não queria ser contaminada, era difícil não me
intrigar com o que as pessoas poderiam estar vendo em nós que eu simplesmente não
enxergava.

— Ai, vai começar! — Paloma anunciou, apontando para a televisão.

Sabendo que seria o episódio do almoxarifado, decidi pedir mais uma tequila.
Só mais uma.

Tudo teve início com a vinheta do programa, e logo surgiu uma imagem de

Stefan de braços cruzados, de pé, na sala de reuniões, analisando um projeto que eu


sabia que não lhe pertencia. Eu estava presente na ocasião e logo que terminamos de
gravar, um dos diretores lhe disse que no episódio seguinte, poderia ser algo criado por
ele. Isso o deixou extremamente animado, como se fosse um garotinho.

Tal expressão acabou refletindo na próxima cena do reality que foi exatamente
comigo. Ele tinha acabado de me contar um pouco de sua ideia, para um formato de
programa interativo, com o foco em games – que era um segmento que estava crescendo

muito no mercado –, e nós dois sorrimos um para o outro, na copa, enquanto tomávamos
café.

Claro que o momento foi filmado, mas o assunto foi tirado de contexto, porque
logo em seguida, Stefan começou a me contar algo que seu filho tinha feito na noite
anterior. Uma gracinha, algo fofo, que me deixou verdadeiramente encantada,
principalmente porque não sabia que estavam nos filmando.

Todo o take se tornou extremamente natural, mas poderia facilmente se passar


por dois amigos conversando, ou, no caso, um chefe e uma secretária que tinham um

relacionamento um pouco mais amigável um com o outro, mas a edição fizera parecer o

nascimento de um amor, com uma música de fundo, closes nos nossos olhos e sorrisos,
além de uma insinuação de linguagem corporal que não era exatamente a correta.

Ainda depois disso, o apresentador, que funcionava como um narrador, decidiu


falar um pouco de nós, pedindo para que o público torcesse para que o romance se
desenvolvesse.

Foi para os comerciais, e as meninas ao meu redor não pararam de comentar.


Comecei realmente a ficar um pouco constrangida, e poderia jurar que estava corada ao
ponto de explodir.

— Meninas, eu vou ao banheiro rapidinho... — anunciei, e elas, que já estavam


um pouco mais altas, vaiaram.

— Seja rápida mesmo. Queremos ver o resto do programa com você — Carla

falou, pouco antes de virar o resto da bebida, e eu logo saí da mesa, querendo me enfiar
no primeiro buraco que aparecesse.

Quase corri para o banheiro, de cabeça baixa, esperando que ninguém me visse,
feliz por chegar à porta incógnita.

Tentei demorar lá ao máximo, tirando os óculos e lavando o rosto, sem nem me


importar com a maquiagem, querendo apenas relaxar um pouco. Estava muito
estressada naqueles dias, muito tensa, e eu precisava pensar que aquele era o meu
momento de diversão, com minhas amigas, onde eu deveria esquecer os problemas.

Qual era o problema de eu estar aparecendo na televisão? Que todos pensassem


que eu era a sortuda que fisgara o coração de Stefan Canejo!

Ergui meus olhos para o espelho, tentando ver no reflexo uma mulher um pouco
mais confiante. Empertiguei os ombros, ajeitei o vestido, penteei um pouco o cabelo e
retoquei o batom. Era hora de deixar os problemas de lado.

No momento em que passei pela porta, não abaixei a cabeça e até pensei em
passar no bar para pegar mais alguma bebida, só havia eu e uma moça aguardando que
eu liberasse o banheiro. Imediatamente percebi que tinha cometido um grande erro,
porque fui reconhecida.

— Ai, meu Deus! Você é a Eveline! A secretária do Stefan Canejo! — ela não
maneirou o tom de voz e ainda apontou para a TV, onde exatamente a cena onde eu caía
nos braços de Stefan era transmitida.

A vergonha que comecei a sentir percorreu minha espinha como um arrepio


nada bem-vindo. Fiquei olhando de um lado para o outro, e as pessoas viravam seus
pescoços na minha direção, buscando verificar se era verdade. Quando percebiam que
sim, aproximavam-se. Muitas tiravam fotos e pediam selfies, mesmo estando em frente
a um banheiro de bar, deixando-me um pouco nervosa.

Aos poucos, uma pequena multidão se formou ao meu redor, e eu juro que tentei
sorrir e ser solícita, mas não era uma celebridade. Nunca tive a intenção de ser, na
verdade. Transformaram-me quase em uma atriz da noite para o dia, e minha intenção

sempre foi apenas ganhar o suficiente para dar uma vida boa aos meus pais e ao meu

irmão.

Eu simplesmente não sabia o que fazer. Provavelmente percebendo isso, senti


uma mão puxar o meu braço e vi Paloma começando a me puxar, enquanto minhas
outras amigas abriam caminho por entre as pessoas, para que eu pudesse passar.

Entramos no carro em que todas fomos para o bar, e a conversa paralela entre

elas pareceu abafada, porque ainda não conseguia acreditar no que tinha acontecido.

No final das contas, combinamos de partir para a casa de Carla, que era a
maior, onde pediríamos mais bebidas e encerraríamos a noite. Dormiríamos lá também,
o que eu achei bem melhor.

— Você está bem, Line? — Paloma, que estava dirigindo, perguntou a mim, que
estava bem no meio de Ana e Carla, no banco de trás, no carro.

— Estou, só não queria estragar a sua noite — respondi, triste.

— Estragar? Foi divertidíssimo. Mas queremos todas saber os detalhes daquela


cena lá do almoxarifado. Que pegada foi aquela? Eu sou a noiva, mas você estará na
berlinda esta noite...

Ah, eu não duvidava disso nem por um minuto.


CAPÍTULO ONZE

Eu era o feliz proprietário de uma enorme mansão em São Conrado. Havia um


funcionário para cada coisa. Seguranças, uma cozinheira, uma governanta, além da babá
de Caio – de quem meu filho realmente gostava.

Minha mãe parecia uma criança que ganhou o melhor brinquedo no Natal. Por
mais que soubesse que ela continuaria feliz em nosso apartamentinho de dois quartos,

aquela casa enorme, linda e luxuosa, era um sonho para nós dois. Não porque
quiséssemos ostentação, mas porque sabíamos que era o início de uma vida sem
privações, sem que nenhum dos dois precisasse se preocupar em como pagaríamos os
boletos no mês seguinte. Meu filho teria as melhores escolas, poderia ter um futuro.
Além do mais, nada mudaria entre nós. Ainda seríamos a família feliz de sempre, só
que ricos.

Que sorte a nossa!

Eu já estava pronto para o trabalho naquela segunda-feira, depois de um final de


semana todo dedicado à mudança. Por mais que uma equipe super competente tivesse
nos ajudado com tudo, e praticamente não tivéssemos feito nada, o ato em si era

cansativo. Tivemos um decorador durante algum tempo trabalhando em tudo o que


minha mãe queria, e as coisas ficaram do jeitinho que imaginamos. Havia uma enorme
piscina no quintal, brinquedos para Caio, uma cozinha planejada, uma sala de visitas,
um espaço para que eu pudesse malhar, um escritório, além de um jardim com

churrasqueira, e uma área de descanso na qual eu já me imaginava com um livro, nas


noites de folga, uma cervejinha na mão, sentindo a brisa da noite me acariciando e

acalmando o estresse.

Fiz questão de dar a papinha matinal de Caio, porque não queria que outra
pessoa assumisse todas as responsabilidades pelo meu filho. Eu podia ter condição de
ter um milhão de empregados, mas não queria perder as melhores partes de ser pai.

Fiz um vídeo de Caio comendo e fazendo gracinha, e, sem nem pensar no que
fazia, mandei para Eveline. Era a primeira vez que fazia isso, porque sempre lhe
contava das peripécias do meu bebê, mas nunca mostrei nada além da foto que ficava

na minha mesa de trabalho e das muitas que ela já deveria ter visto internet afora.

De alguma forma, quis que ela fizesse parte daquele momento, porque sempre
prestava muita atenção quando lhe contava algo sobre o menino. Na verdade, era
basicamente o único assunto que lhe deixava bastante à vontade ao meu lado. Isso ou
trabalho, embora com Caio houvesse sorrisos e comentários mais soltos.

E eu gostava de seus sorrisos.


O pensamento me surgiu na mente pouco depois de mandar o vídeo e receber

um "Ownnn" dela, com um emoji de coração.

Era uma garota legal – algo que eu não podia negar. Mas era só isso.

Isso e a história absurda que criaram para nós e que, aparentemente, tinha
fisgado milhões de espectadores para o reality show que eu jurei que ninguém iria
assistir. Que ironia!

Despedi-me da minha mãe, de Caio e dos funcionários, e saí, com meu


motorista particular, o que ainda era muito louco e irreal. Parti para a empresa e segui
direto para a sala de reuniões, porque foi a instrução que recebi por mensagem no meu
WhatsApp.

Sentia-me muito animado. Na semana passada a diretoria informara que tinha


interesse em conhecer pelo menos um dos projetos que eu havia desenvolvido, que
poderíamos conversar sobre eles na reunião de segunda-feira. Preparei-me para isso

durante todo o final de semana, não apenas emocionalmente, mas também com slides e
com algum material que poderia agradar ao pessoal.

Muitos poderiam me invejar não apenas por estar ganhando tanto dinheiro, mas
exatamente por não precisar fazer nada. Durante aquele primeiro ano, eu poderia
simplesmente abusar da minha sorte, aproveitar a grana e simplesmente ir trabalhar
para participar do reality. Só que não era o que eu queria. Ficar sentado atrás de uma
cadeira, apenas posando de poderoso chefão – embora eu tivesse feito parte de um
programa com esse nome –, não era exatamente a minha meta de vida. Queria produzir,
queria colocar a mão na massa. E eu esperava que me dessem a oportunidade de provar
o meu valor.

Eveline já estava presente na sala, sentada na cadeira à direita da cabeceira da

mesa, que era onde eu me posicionava naquelas reuniões; onde eu fazia papel de CEO
de alguma coisa, embora não passasse de uma estátua de mármore que assinava papéis
e interpretava um papel.

— Bem, já que estamos começando essa reunião, eu queria saber se posso abri-

la apresentando o projeto sobre o qual conversamos na semana passada. Vocês


disseram que tinham interesse em ouvir mais e...

— Não hoje, Stefan. Temos que conversar sobre o sucesso absoluto do episódio
de sexta passada do reality show. Não apenas tivemos um recorde de espectadores no
horário como também ganhamos milhares de novos assinantes no streaming da
emissora, o que não acontecia, nessa quantidade, há muito tempo — um dos diretores
começou a praticamente dissertar. Eu deveria estar feliz, não deveria? A emissora

estava indo bem; aquilo ali era meu patrimônio.

— Eu não vou levar mais do que dez minutos para apresentar isso aqui —
respondi, começando a ficar nervoso.

— Mas não é o momento. Temos muito a conversar sobre o programa —


daquela vez foi Deise quem falou.

Sempre Deise. A mulher mais irritante que eu poderia ter conhecido na minha
vida.

— A minha ideia pode ser realmente lucrativa para vocês. Há muitos programas
com formatos antigos na emissora; precisamos trazer os jovens de volta e...

— Stefan! — o diretor me interrompeu, parecendo muito contrariado. —


Lembre-se de que assinou um contrato. Se começar a querer burlá-lo, vamos precisar
rever a situação. Sabe que podemos, durante esse primeiro ano, a qualquer momento
revogar nossa decisão de colocá-lo nesta cadeira. Imagino que o vice-campeão do

programa tenha muito interesse em ocupar seu lugar.

Eu estava prestes a mandar todos eles se foderem. Em um rompante de raiva,


poderia ter colocado tudo a perder. Tudo pelo que lutei. Só que uma mão delicada
pousou sobre a minha, que estava sobre a coxa, e eu percebi que se tratava de Eveline,
tentando me acalmar.

Era algo singelo, um toque sutil, mas conseguiu me acalmar. Olhei em sua

direção e percebi que me olhava de volta, com uma expressão serena, e eu aquiesci.
Quando me dei conta, já estava respirando fundo, lutando contra a minha própria raiva.

Como era possível que tentassem me controlar daquela forma? Eu não era uma
marionete. Não era um babaca que eles iriam manipular como um fantoche.

Só que eles realmente me tinham nas mãos. Eu não poderia pagar a multa que
me cobrariam caso burlasse as regras. E também não queria ser substituído. Por mais
que doesse no meu orgulho, precisava aguentar um ano. Trezentos e sessenta e cinco
dias. Eu poderia empurrar aquele tempo com a barriga em nome do que poderia vir. E

valeria a pena.

Precisava valer.

Sem nem perceber, segurei a mão de Eveline, sentindo como se precisasse de


seu apoio para continuar naquela reunião, na qual eu sabia que já iria me estressar.

Eles falaram, falaram e falaram, e sinceramente eu não conseguia prestar

atenção em absolutamente nada. Estavam cogitando separar mais um horário na


programação para o programa, porque acreditavam que seria uma forma de atraírem
mais anunciantes e mais telespectadores. Também pensaram em colocar cenas extras
para quem assinasse o serviço de streaming. Ou seja, eles iam explorar ao máximo
minha história com Eveline, que era uma mentira.

Saí daquela sala sentindo a cabeça latejar. Fui andando pelos corredores da
empresa, seguindo para o andar da presidência, que eu dividia apenas com Eveline e as

infames câmeras que nos seguiam para todos os lugares. Muitas foram instaladas, em
corredores, em minha sala, de frente para a mesa dela, e eu sentia que éramos
observados o tempo todo. Mas era o combinado, não? Sempre soube desde o início e
não poderia reclamar.

No elevador, sozinhos, ouvi a voz de Eveline:

— Você está bem?

Relutei um pouco antes de responder. Eu sabia que iriam nos filmar, que
ouviriam o que eu estava prestes a dizer, mas eles queriam a verdade, não queriam? Era
o que teriam.

— Provavelmente eu não posso ficar puto com algo que é totalmente culpa

minha. Assinei por essa merda. Concordei em ser uma marionete, só que...

— A gente não precisa se fingir de feliz só porque tomou uma decisão em nome
do bem-estar de outras pessoas. Não dá para ser altruísta o tempo todo.

Sua voz soou tão suave e delicada que chegou a provocar arrepios nos meus
braços e um calafrio que percorreu minha espinha inteira. Voltei meus olhos na direção
dela e voltei a me dar conta do quanto ela realmente era bonita.

Não que isso tivesse me passado despercebido em algum momento, mas havia
algo de peculiar em descobrir novas características em uma mesma pessoa todos os
dias. Sempre achei interessante que mesmo depois de tanto tempo de convivência a
gente ainda conseguisse se surpreender com alguém que sempre esteve ao nosso lado,

para o bem ou para o mal. Mas havia algo de muito mágico na ideia de perceber
diversas nuances diferentes em uma mesma pessoa enquanto você começava a conhecê-
la.

Naquele dia, naquele momento, eu percebi duas coisas em Eveline: uma delas
era que poderia contar com ela. Claro que fora um exemplo de situação muito pontual,
mas a forma como me confortou em um momento em que precisei, como esteve ao meu
lado, como compreendeu o quanto era importante para mim que houvesse alguém ali
para me fornecer um apoio, um ombro amigo, me fez compreender que aquela moça era
muito mais do que apenas um rosto bonito. Ela se importava. E isso precisava ser
levado em consideração.

A segunda coisa que consegui perceber em Eveline era que apesar de sua pouca

idade, era uma garota muito madura. Suas escolhas, a forma como protegia a quem
amava, seus princípios, seu modo de trabalhar e até mesmo o pouco interesse que tinha
na fama que o programa estava lhe proporcionando, também me intrigavam.

Ela poderia estar amando aquele circo. Sem dúvidas lhe renderia frutos

incríveis. Seu próprio Instagram – sim, eu havia checado novamente – estava cheio de
novos seguidores. Ainda assim, não postara nenhuma foto nova, e isso não parecia lhe
importar nem um pouco.

Quem era aquela garota, afinal?

Saímos do elevador, e a frase de Eveline continuou pairando na minha cabeça.


Ela me seguiu até a minha sala, e ainda bem por isso, porque não estava com a menor

vontade de ficar sozinho.

Sentei-me na minha cadeira – ou simplesmente me joguei nela – e apontei para a


outra, à minha frente, como se convidasse Eveline para ficar ali por mais algum tempo.
Eu não queria que ela fosse embora.

— Você acha que eu estou fazendo tudo errado? Que estou agindo como um
bobo, que deveria lutar mais pelas coisas? Eu sinto que sim, que vou acabar sendo
enrolado e enganado para o resto da vida.
— Acho que você está fazendo o que pode fazer. Tem um limite de batalhas que

a gente pode ganhar, Stefan. Você ao menos tem tentado, tem se colocado na frente

delas, só que sabe usar bem o escudo e recuar a espada quando precisa fazer isso. Em
nome de outras pessoas, em nome do que você acredita.

— Você entende, não entende? É pelo meu filho. Quero que ele tenha um futuro,
e essa aqui é uma porra de uma oportunidade que eu não posso perder. Ele nasceu no
meio de um caos; de um relacionamento errado, com um pai que mal o merecia. Preciso

ser o melhor possível para ele. Se tiver que engolir sapos para isso, é o que farei...

Eveline me surpreendeu com um sorriso e colocando sua mão sobre a minha.


Era a primeira vez que ela parecia bem mais solta, como se realmente fôssemos
amigos.

— Se tem uma coisa que eu já percebi ao seu respeito é que você não é um mau
pai. É ótimo. O amor que tem pelo seu filho brilha nos seus olhos de um jeito que
qualquer um ao seu redor pode perceber. E você vai se sair bem.

Abri um sorriso também.

— Que bom que alguém acredita em mim.

— Eu acredito.

Sem nem pensar no que fazia, peguei a mão que estava sobre a minha, pousada
gentilmente, levei-a à boca e a beijei.
— Obrigado.

Quando ergui os olhos, novamente nos perdemos em um momento meio que


nosso, mas Eveline o interrompeu, levantando-se, corada e tímida.

— Você precisa de alguma coisa? — perguntou, ajeitando a saia.

Que você fique aqui mais um pouco? – era o que eu queria responder, mas não o
que deveria.

— Não, Eveline, pode ir.

E então ela foi, passando pela porta, mas eu não consegui não segui-la com os
olhos e me perguntar novamente: quem diabos era aquela garota?
CAPÍTULO DOZE

De algum jeito que eu não saberia explicar como, a emissora conseguiu colocar
as cenas de minha conversa privada e íntima com Stefan, em sua sala, onde ele beijou
minha mão de forma tão inocente e amigável, no episódio daquela sexta-feira,
distorcendo toda a realidade e editando as partes que queriam manter em segredo.
Claro que não iam querer que os espectadores entendessem o quão frustrado e chateado
Stefan estava por sua condição dentro da empresa.

Eu dificilmente assistia aos episódios, mas acabei ficando ao lado dos meus
pais naquela noite, assistindo o que eu sentia como sendo extremamente constrangedor.
Meus pais tinham desistido de me fazer perguntas, porque já tinham percebido que eu
ficava muito sem graça de falar qualquer coisa sobre Stefan. Mal sabiam eles que era
porque eu odiava mentir e odiava que estivessem sendo enganados e eu não pudesse
fazer nada a respeito.

Só que por mais que eu fosse a protagonista daquela história que vinha sendo
contada, o mesmo que acontecera no primeiro episódio se repetira: observar a mim e a

Stefan de fora, como uma não participante da cena, fazia com que a percepção fosse

completamente diferente. Até mesmo eu seria convencida de que um amor estava


nascendo ali.

Sem dúvidas era o trabalho de uma equipe competente, que sabia exatamente
onde e como encaixar os takes para que contassem uma narrativa que lhes interessava
muito mais do que a verdade.

Mas qual era a verdade, afinal? Éramos apenas chefe e secretária que
lentamente estavam se tornando amigos, que se aproximaram por terem sentimentos
muito similares a respeito do que estavam fazendo. Que odiavam enganar a quem
amavam, mas que precisavam daquela mentira para oferecer uma vida melhor à família.

Além de tudo, o estereótipo da secretária desastrada, nerd e fofa continuava


sendo jogado sobre mim, o que parecia garantir mais e mais surtos do público. Meu
Instagram estava uma loucura. Eu ganhava milhares de seguidores todos os dias, e isso

era mais assustador do que qualquer coisa. Algumas marcas começavam a entrar em
contato comigo para fazerem publi, inclusive uma de óculos, porque eles eram a minha
marca registrada.

Aquele mundo começou a me deixar muito intrigada. Eu poderia ganhar várias


coisas de graça e ainda receber dinheiro para usá-las. Os valores eram bons, e eu
imaginava que conforme minha popularidade fosse crescendo, eles aumentariam.

Algumas agências também começaram a me contactar para me oferecerem


agenciamento. Prometiam cuidar da minha imagem, das minhas redes sociais e me
ajudar a escolherem meus "jobs", que era como chamavam, para que eu atrelasse meu

nome apenas a marcas que valessem a pena.

Era muita coisa para pensar, na verdade. Sentia como se o tempo estivesse se
encolhendo cada dia mais, embora eu possuísse muito dentro da empresa, já que o meu
papel lá, aparentemente, era apenas ser bonita e seguir o script. Não muito diferente do
de Stefan, que se sentia ainda mais frustrado do que eu.

Passamos a conversar muito. Como não havia muito a fazer, ele sempre me
chamava à sua sala para desabafar ou para simplesmente passar o tempo. Em uma tarde
chegamos a jogar cartas, e, em outra, xadrez. Ou seja, qualquer um que conhecesse a
verdadeira história por trás do que eu fazia, morreria de inveja, porque um salário bem
gordo estava caindo na minha conta todos os meses, e eu nem precisava trabalhar para
isso. Eu poderia ganhar muito mais dinheiro, se quisesse, mas ainda não estava pronta
para dar mais esse passo, como "influencer" – que era como estavam querendo me
chamar.

A amizade com Stefan vinha se tornando confortável para mim. A gente se dava
bem, e as cenas do início de um romance começavam a parecer mais naturais. Não que
estivéssemos nos apaixonando de verdade, é claro, mas...

Bem, eu simplesmente não sabia o que estava acontecendo entre nós.

Às vezes eu o pegava olhando para mim de um jeito que poderia fazer minhas
pernas derreterem. E às vezes eu mesma me via olhando para ele e dando-me conta de
cada um de seus traços perfeitos, das curvas de seus ombros largos, lembrando-me da
forma como seus braços me seguraram nas vezes em que precisou fazer isso. Em como

parecia preocupado quando despertei do desmaio no almoxarifado... Também me


surpreendia a forma como ele lentamente se mostrava ser um cara muito melhor do que

imaginei a princípio. Só ainda não entendia o que todas essas percepções queriam
dizer.

Eu não era mais imune a ele, isso era uma certeza. A forma como reagia à sua

proximidade mudara, mas eu preferia não parar para tentar entender, porque tinha
medo.

Só que talvez precisasse acelerar esse processo – ou refreá-lo, na verdade –,


porque a emissora tinha decidido que estava na hora de um beijo acontecer.

O e-mail que recebi com essa instrução quase me deixou tonta. Se não estivesse
sentada na minha cadeira, teria simplesmente caído no chão, de pernas bambas.

Respirei fundo... bem fundo... e contei até dez antes que a ansiedade me
dominasse.

Quando comecei a me sentir mais calma, tentei obrigar minha cabeça a pensar
que era apenas um beijo. Atores e atrizes faziam isso o tempo todo, certo?

Ok, eu não era uma atriz. Nem sabia como era a tal técnica que sempre
alegavam ser usada no cinema e nas novelas. Meu conhecimento sobre isso era zero. E
também não era como se eu tivesse beijado várias pessoas na minha vida.
Eu preenchia os dedos de uma única mão ao contar quantos rapazes tinham me

beijado na vida inteira. Alguns foram bons, outros nem tanto. No saldo, eu tinha mais

beijos negativos do que positivos, ou seja, estava em um meio termo. E definitivamente


nunca havia beijado alguém experiente como Stefan – levando em consideração a fama

de mulherengo que ele tinha.

Ou melhor... eu achava que ele era experiente, né? Mas só poderia ter certeza
se, de fato, o beijasse.

Senti um arrepio só de pensar. Imagens muito pouco prudentes surgiram em


minha mente: Stefan envolvendo minha cintura com seu braço, puxando-me para si,
tomando minha boca e...

— Eveline? — Eu estava de olhos fechados quando ouvi a voz dele. Soando da


porta de sua sala, não tão perto que pudesse parecer um sussurro, mas, de alguma
forma, sua voz sempre conseguia me provocar algum tipo de calmaria, como se eu
estivesse tocando em um tecido de veludo. Provavelmente isso acontecia porque eu a

ligava ao primeiro momento em que nos conhecemos, onde ele me tranquilizou em uma
situação na qual eu estava muito assustada.

— Sim? — respondi, depois de me esforçar para me recompor. Por mais que


ele provavelmente não tivesse nenhum poder de ler mentes, é claro, temia que estivesse
escrito em meus olhos o tipo de coisa na qual eu estava pensando.

— Você pode vir à minha sala, por favor?


Assentindo, eu me levantei e fiz o que pediu.

Assim que fechou a porta, colocou-se à minha frente, e eu fiquei um pouco


surpresa. Estava bem próximo, mas não o suficiente para que eu recuasse em um

rompante de confusão. Era uma distância segura.

— Já leu o e-mail de hoje? — perguntou, e eu podia perceber que estava se


esforçando para se mostrar calmo, embora também estivesse nervoso. Não tanto quanto
eu, provavelmente, mas o suficiente para ser perceptível.

— Li — foi minha única resposta, porque não era como se eu quisesse dissertar
sobre aquilo.

Stefan colocou as mãos na cintura e balançou a cabeça em afirmativa, mas ele o


fez por tempo demais – outro sinal de nervosismo.

— O que achou?

O que eu tinha achado? Como poderia explicar para ele que eu tive reações
extremamente dúbias a respeito da ideia de beijá-lo? Por mais que estivesse um pouco
desconfortável com o fato de que teria que fazer uma coisa que, para mim, era tão
íntima em frente a câmeras, eu queria...

Era a primeira vez que admitia para mim mesma, mas desejava ser beijada por
Stefan.

Mas era só isso. Uma curiosidade. Um desejo. Não chegava a ser um sentimento
mais profundo. Ele era um homem bonito, atraente... só isso.

Ao menos era o que minha mente ficava repetindo sem parar.

— Tem chance de recusarmos? — perguntei, e ele pareceu um pouco


desanimado.

— Você quer recusar?

Ah, droga! Ele pareceu quase ofendido.

— Não é isso... é que... — Comecei a me movimentar, porque ficar parada


estava começando a me deixar ainda mais nervosa.

Andando de um lado para o outro, comecei a pensar em qual seria a melhor


resposta para lhe dar, sem deixar totalmente claro que eu não queria, em hipótese
alguma, recusar.

— Eu não sou exatamente o tipo de mulher que gostaria de beijar alguém pela
primeira vez em frente a uma câmera.

— Eu também não gostaria que nosso primeiro beijo fosse dessa forma.

O jeito como ele falou "primeiro beijo"... Cheguei a franzir o cenho e olhar para
ele para tentar interpretar qual era sua intenção com aquela frase.

Se eu quisesse muito me iludir, acreditaria que ele já pensava naquilo; que


aquele maldito e-mail da produção não fora o estopim para que imaginasse um beijo
comigo. Além disso "nosso primeiro beijo", com o pronome possessivo e tudo, soava

tão íntimo e quase romântico, como se fosse uma certeza de que haveria um primeiro e
que ele não seria o único.

Então Stefan deu mais alguns passos para a frente. Diferente da primeira vez,
quando simplesmente se colocou a uma distância quase segura, não havia mais nada
disso naquele instante. Nossos rostos ficaram muito próximos. Uma das mãos foi parar

em um dos meus braços, esfregando-o delicadamente, causando uma fricção que gerou
um arrepio e um suspiro, que eu tentei muito esconder, mas que foi mais forte.

— Você quer que esse beijo aconteça, Eveline? Que seja só entre nós? Porque
eu quero.

— Tipo um ensaio? — perguntei com a voz um pouco embargada, depois de


engolir em seco.

Stefan sorriu, enquanto sua mão se erguia para o meu rosto e o acariciava com
os nós dos dedos.

— Isso, tipo um ensaio.

Poderia ser, certo? Talvez fosse melhor do que simplesmente deixar que a
direção do programa comandasse todas as coisas. Que a primeira vez que chegaríamos
a um contato tão íntimo fosse filmada e levada a público, para que milhões de pessoas
pudessem ver.
E se o beijo fosse horrível? Se a gente simplesmente não se encaixasse? Seria

mesmo melhor experimentar...

Mas uma coisa me veio à mente.

— Tem uma câmera aqui na sala, não tem? E se eles usarem essa para o
programa? — perguntei, mas a resposta de Stefan foi simplesmente apontar para o local
onde a câmera em sua sala ficava e me mostrar que ela tinha sido coberta com um pano
preto. Um lenço, talvez, mas não importava.

Estávamos completamente incógnitos ali dentro. Até mesmo as cortinas da sala


estavam fechadas.

Mais um passo à frente, e o braço que eu tanto vislumbrei, minutos antes,


enlaçando a minha cintura, foi exatamente parar lá. Da forma como imaginei.

Ele inclinou o rosto, deixando nossas bocas próximas demais.

— Posso? — daquela vez foi um sussurro. Rouco, suave e muito gentil.

Eu só balancei a cabeça...

E então senti seus lábios nos meus. Começou como algo delicado, um contato
simples, um contato inocente. Sua mão grande segurando meu rosto em concha, a outra
nas minhas costas.

Pensei que ele fosse se restringir àquilo, tanto que cheguei a suspirar de
surpresa quando sua língua invadiu a minha boca, reivindicando e exigindo,

encontrando a minha e ditando o ritmo, assumindo o controle.

Eu tinha enumerado meus beijos como ruins e bons, porque eu jurava que não

existia outra classificação. Só que em uma escala, eu poderia colocar “beijo de Stefan”
em um patamar bem mais elevado. Poderia ser uma categoria só para ele, porque eu
poderia jurar que nenhum outro homem beijava daquele jeito.

Ele sabia alternar momentos mais lentos e suaves com pequenas tempestades

que misturavam movimentos intensos com suspiros, arfares e leves grunhidos de


desejo. Isso sem contar a forma como suas mãos se movimentavam, sem invadirem
nenhum espaço que pudesse ser considerado como ousado demais, mas apertando,
pegando e puxando, de um jeito que fazia com que eu pudesse jurar que ele mal sabia o
que fazer com elas, porque queria me tocar em todas as partes.

Por Deus... eu queria que ele me tocasse. Por inteiro.

Era a primeira vez que eu desejava alguém dessa forma.

Quando o beijo terminou, nós nos afastamos, mas continuamos próximos o


suficiente para que nossos olhares se perdessem um no outro, para que respirássemos
profundamente, na mesma cadência, como se aquele primeiro contato tivesse
aproximado não apenas nossos corpos, mas nossas almas também.

— Agora acho que estamos prontos, não estamos? — Stefan disse, sorrindo, e
eu concordei, mas não sabia se estava falando a verdade.
Eu não estava pronta. Mas não tinha nada a ver com o programa em si. Não

estava pronta para lidar com o que estava acontecendo dentro de mim. Com o que ainda

poderia acontecer.

Com a forma como meus sentimentos poderiam se transformar de uma hora para
a outra. Como eu tinha a impressão de que aquele era o prelúdio de um possível e
enorme problema.

Um problema que eu desejava. Muito.


CAPÍTULO TREZE

Apesar de nossa vida, aparentemente, ter virado um compilado de scripts,


algumas coisas aconteciam de forma bastante inesperada.

Eu definitivamente não estava preparado para aquele beijo.

No momento em que ela saiu da minha sala, que sua presença deixou de
praticamente intoxicar o ar, pude finalmente respirar e me dar conta de que... uau! O

que tinha acabado de acontecer?

Não podia mais negar que eu estava extremamente atraído por ela. Não apenas
porque era uma mulher bonita, o que era bastante óbvio para quem quer que a olhasse
pela primeira vez, mas havia mil outros motivos que me fizeram enxergá-la de verdade.
Não apenas como um rosto e um corpo que fariam um homem de sangue quente perder a
cabeça muito fácil, mas como uma boa garota, com um coração grande e uma enorme
vontade de fazer a coisa certa.
O tipo de pessoa que a gente quer ter perto de nós quando começamos a

amadurecer e entender que precisamos de orientação. Que é muito melhor termos ao

lado alguém que vai nos ensinar, acrescentar e se doar como exemplo do que
mergulharmos em relacionamentos que prometem diversão, caos e experiências

intensas. Esses podem nos causar um prazer imediato, algo que nos deixa sem ar, mas
não são feitos para durar. São bons para algumas noites, para uma fase de transição.

E eu tinha passado por ela. Conheci e levei inúmeras mulheres para cama, que

me encheram de tesão, que me proporcionaram noites incríveis, mas que passaram pela
minha vida sem que eu sequer lembrasse seus nomes.

Ok, ok... eu não estava dizendo que queria viver um "felizes para sempre" com
Eveline. Só que...

Porra, antes do beijo eu só via nela a calmaria. A mulher generosa, inteligente,


divertida e boa ouvinte que sabia aconselhar quando necessário. Alguém que poderia
se tornar uma boa amiga no meio de um monte de gente que passaria a me rondar só

pelo que eu tinha e não por quem eu era.

Depois do beijo eu entendi que Eveline não era só delicadeza e suavidade. Ela
era também um furacão. Só que um furacão seguro, no qual a gente tinha vontade de se
jogar de cabeça, sem ter medo de ser pego no redemoinho.

De alguma forma, eu tinha a impressão de que se eu me deixasse perder em


Eveline, acabaria finalmente me encontrando.
Eu só começava a me perguntar se era isso mesmo que eu queria. Porque se

fosse, não hesitaria em me esforçar para conquistá-la.

Fosse como fosse, o beijo oficial – o que iria para o ar de verdade – demorou

um pouco a acontecer. Apesar de o e-mail ter chegado em uma segunda, foi só na quinta
que nos preparamos para ele acontecer.

Algumas coisas aconteceram de última hora na emissora, e a maioria delas


exigiu muitas reuniões, reestruturação de programação, e eu até tive a oportunidade de

participar da maioria das decisões – não tão ativamente quanto eu gostaria, mas dando
algumas poucas opiniões que até foram levadas em consideração.

Estava me contentando com migalhas, mas era ao que eu podia me agarrar.

Quando chegou o dia da cena, que aparentemente era tão esperada pelos
espectadores, porque Deise não parava de falar dela nem por um minuto, o ambiente
todo era muito constrangedor. Havia um script todo formado. Pela milésima vez

Eveline precisava tropeçar ou ser desastrada com algo, e isso nos deixaria muito
próximos, o que me faria beijá-la em um rompante.

Sim, havia um roteiro até mesmo para as preliminares do beijo. Ridículo.


Patético.

Só que eu estava mais do que cansado de ver Eveline sendo feita de boba diante
das telas. Tudo bem que as pessoas a adoravam, mas com exceção da cena que fora
transmitida de ela me dando um bom conselho, naquela única vez, era sempre vista
como a mocinha desajeitada, o que ela definitivamente não era.

Ok, era desastradinha, mas talvez isso fosse parte de seu charme.

Começamos a nos movimentar pela minha sala, organizando-a, como se eu


finalmente tivesse tomado a decisão de me inteirar de alguns documentos que o Sr.
Antura deixara desorganizados, então eu decidi bancar o desastrado no lugar dela,
esbarrando e quase a derrubando. No momento em que a amparei para que não caísse,
segurei-a com mais ímpeto nos braços, aproximando nossos rostos.

A cena precisava parecer real, não precisava? Eveline estava claramente


nervosa – o que contribuiu para parecer que ela simplesmente não esperava que eu a
segurasse daquela forma. Ao menos eu esperava que a audiência pensasse isso.

O beijo veio em seguida, e eu fiz de tudo para que acontecesse como o


primeiro, não porque queria convencer alguém do outro lado da tela, mas porque só o
ato de encostar meus lábios nos de Eveline já acionou aquele desejo que senti na vez

anterior, como se eu simplesmente não pudesse evitar deixar as coisas mais intensas.

Mesmo cercado de câmeras e de pessoas, não consegui não perceber que foi
ainda melhor do que o primeiro. Era como se mesmo depois de pouquíssimas
oportunidades tínhamos conseguido nos conectar e encontrar nosso ritmo. Consegui
fixar minha consciência tão profundamente no gosto dela e nas sensações do beijo, que
quase consegui esquecer as circunstâncias que nos rondavam, ao ponto de eu segurá-la
com ainda mais força, de deslizar minha boca por seu maxilar, deixando-a descer por
seu pescoço, simplesmente porque queria mais.
Queria sentir coisas novas, explorar mais, conhecer mais. E Eveline também

não pareceu disposta a me deter, tanto que chegou a suspirar quando eu a empurrei em

direção à parede mais próxima, encurralando-a e fazendo-a arfar.

Eu não podia parar. Não queria. Sentia meu corpo inteiro gritando, pedindo,
implorando, para que eu continuasse beijando aquela garota até que nós dois caíssemos
exaustos no chão daquela sala.

Nunca foi assim. Perdi as contas de quantas mulheres tive daquela forma nos

meus braços, de quantas tive na cama, mas eu poderia jurar que não houve momento em
que simplesmente desejei jogar tudo para o alto e me lançar de cabeça.

— Corta! — alguém gritou em meio à sala, quebrando o clima, mas mesmo


assim não consegui parar.

Segurava seu rosto com as duas mãos e mordia seu lábio inferior, sugando-o,
lambendo-o, e retornando aos movimentos de antes. Era o céu e o inferno ao mesmo

tempo.

— Meu Deus, vocês são ótimos. Como já falei, mal precisamos de script.
Continuem filmando, vamos captar tudo que pudermos.

Foi Deise quem finalmente me fez voltar à realidade, que me arrancou de um


universo onde eu estava perfeitamente imerso para me devolver ao fato de que a garota
que eu estava beijando era minha secretária e que tudo aquilo fora criado como um
espetáculo. Eu nem sabia se ela realmente queria me beijar, embora suas reações não
fossem interpretação.

Só que não importava quem estivesse ao nosso redor, eu precisava que ela
soubesse de uma única coisa:

— Não consigo parar de pensar em você — falei olhando em seus olhos, com
as mãos ainda em seu rosto, esperando que ela acreditasse em cada palavra.

— Ah, perfeito! Perfeito! A mulherada vai ficar louca! — Mais uma vez Deise

interrompeu nosso momento. E, daquela, Eveline pigarreou e voltou os olhos para o


chão, o que me fez recuar.

Merda! Aquelas pessoas conseguiam estragar tudo. Absolutamente tudo!

— Perfeito, meninos. Podem se recompor aí, depois desse beijão, para


pensarmos em mais alguma coisa. Vão almoçar, sei lá...

A equipe foi saindo da sala lentamente, levando seu equipamento, até que nos

deixaram finalmente sozinhos, depois que fecharam a porta.

Eveline mordeu o lábio inferior, visivelmente constrangida, e tudo o que eu


queria era tomá-lo entre os meus dentes e continuar de onde tínhamos parado. Só que
precisava lhe dar um tempo, não queria que as coisas acontecessem naquela
velocidade; que a primeira vez que eu me envolvia daquela forma com uma mulher
fosse arruinada porque eu simplesmente não sabia desacelerar.

— Você se saiu bem para quem não é um ator. A frase final foi em um timing
perfeito — ela comentou, tentando parecer casual, mas eu conseguia ver em seus olhos
que estava tão abalada quanto eu. — Bem, se precisar de mim, sabe onde me encontrar.

Ela escapou de perto de mim, começando a se dirigir à porta da sala, mas eu

não podia simplesmente permitir que saísse com aquela impressão, de que fora tudo
parte de uma mentira, de uma ilusão.

Não deixando que se afastasse muito, segurei seu braço, puxando-a de volta e
fazendo-a girar para que olhasse para mim. Não a trouxe para tão perto, porque temia

agarrá-la novamente, em um ato de descontrole, mas a deixei a uma distância razoável.

— Eu não estava encenando quando disse aquilo. Nem quando te beijei. Foi
tudo verdade.

Eveline pareceu se surpreender com a minha afirmação, porque seus lábios –


seus maravilhosos lábios, que eu tinha acabado de beijar intensamente e que estavam
levemente inchados – se entreabriram, e ela chegou a respirar fundo.

Que bom que eu a tinha deixado um pouco desconcertada, porque era assim que
estava me sentindo há alguns dias, desde que passei a perceber o estrago que ela
começara a causar na minha cabeça.

Só que, de alguma forma, eu não me sentia assustado. Começava a acreditar que


ela poderia ser a melhor coisa que acontecera na minha vida; algo que iria, de fato, me
proporcionar uma paz em meio ao caos. Uma paz que eu não fazia ideia que estava
buscando.
CAPÍTULO QUATORZE

Eu não estava encenando quando disse aquilo. Nem quando te beijei. Foi tudo
verdade.

Essa foi a frase que me acompanhou por dias e dias. Ela me assombrou quando
eu estava acordada, foi protagonista dos meus sonhos, e eu sabia que iria perdurar na
minha mente por muito tempo, até que eu compreendesse o que Stefan queria dizer com

isso.

Ok, eu não era idiota e não ia me fazer de tonta. O conceito eu compreendi. Ele
quis me dizer que o beijo fora pra valer e que ele realmente não conseguia parar de
pensar em mim. Só que o que aonde isso ia nos levar era outra história.

Naquela noite, aliás, a cena do beijo seria transmitida. Milhões de espectadores


por todo o país me veriam com a língua dentro da boca de um cara. Tudo bem que era
um cara muito, muito gato, que beijava incrivelmente bem – aliás... meu Deus, como
Stefan beijava bem –, mas era um pouco estranho, principalmente por saber que meus
pais assistiriam.

Desde que cheguei do trabalho, fiquei zanzando pela casa, tentando pensar se
deveria ou não falar antes, para ninguém ser pego de surpresa. Durante o jantar, remexi

a comida inteira antes de conseguir começar a comer, mas, ainda bem, meu irmão
estava animado e risonho, então isso deixou meus pais atentos a ele o suficiente para
não prestarem muita atenção em mim.

Só que quando minha mãe me pediu para fazer pipoca, e meu pai surgiu na

cozinha pouco depois para pegar uma cerveja, e nós sorrimos um para o outro, daquele
jeito sem graça que se faz quando não se tem o que dizer, comecei a ensaiar um texto
enorme na minha cabeça.

Eu era uma mulher adulta e não devia explicações aos meus pais sobre nada – e
eles dificilmente me pediam –, mas era uma coisa completamente diferente aparecer
dando um puta beijaço em um homem, em rede nacional, e simplesmente fingir que
estava tudo bem.

— Pai... — chamei, com a maior vergonha do mundo, sem nenhum texto


ensaiado. — Eu queria te falar uma coisa, mas estou meio sem jeito.

— Que isso, ursinha? Desde quando? Sabe que pode me falar tudo. — Ele
parou, com o braço segurando a porta da geladeira, apoiado, olhando para mim.

— Sei disso, mas é que é delicado. Esta noite, no episódio do programa,


acabaram filmando um beijo meu e de Stefan.
O sorriso que meu pai abriu me deixou surpresa.

— A sua mãe vai ficar muito feliz com isso.

Quase revirei os olhos.

— Ela, eu sei. Mas e você? Não foi exatamente um selinho, sabe? Foi um beijo
de verdade.

Meu pai pegou sua cerveja, fechou a geladeira e veio em minha direção,
colocando a mão no meu ombro.

— Não é fácil, para nenhum homem, ver sua garotinha tornando-se mulher e
adulta. Mas o que importa é saber se você gosta desse rapaz.

Seria muito difícil, quando tudo aquilo começou, responder àquela pergunta ao
meu pai, porque eu odiava mentir para eles. Nunca me deram motivos para que eu
precisasse fazer isso, então minha criação foi muito baseada na honestidade e na

amizade. Olhar em seus olhos e dizer que estava apaixonada por Stefan, enquanto tudo
o que acontecia comigo era a vontade de ganhar meu salário no final do mês, me faria
muito mal.

Só que as coisas tinham mudado. Não era mais apenas uma mentira. Não
saberia explicar exatamente o que estava acontecendo, mas eu começava a sentir algo
especial por Stefan. Portanto tudo o que eu lhe diria seria verdade.

— Gosto dele. Ainda estou confusa, mas foi acontecendo...


Os olhos de águia do meu pai se fixaram nos meus, e ele pareceu estudá-los.

— Conheço a minha ursinha, sabe? Desde o dia em que você nasceu, e eu te


peguei nos meus braços, com a carinha toda vermelha de tanto berrar, jurei para mim

mesmo que você nunca iria chorar daquela forma porque alguma outra pessoa te
magoou. E eu normalmente cumpro minhas promessas, especialmente quando tem a ver
com a minha filha. — Ele fez uma pausa, e o estalo da latinha sendo aberta preencheu o
silêncio. — No início dessa coisa toda eu meio que duvidei da história que estavam

inventando, mas você confirmou agora, e eu posso ver a verdade nos seus olhos. Você
realmente gosta do tal do Stefan. Só precisamos saber se é recíproco. E eu quero
conhecê-lo.

— Mas, pai...

— Não tem mas, Eveline. Se alguém está beijando minha ursinha em rede
nacional, vai precisar conversar um pouco comigo.

Levei a mão ao rosto no momento em que meu pai me deixou sozinha na


cozinha, depois de sua frase de efeito. No que eu tinha me metido?

Juntei-me a eles, minutos depois, quando a pipoca já estava pronta, e precisei


suportar todo o episódio sem muito conteúdo que eles levaram ao ar. Na verdade, eu
quase não aparecia nele, porque eu sabia que a ideia era deixar o povo sedento pelo
“romance”, só porque haveria um beijo no final.

Quando aconteceu, minha mãe deu um gritinho animado, como se nem fosse a
filha dela praticamente sendo devorada e imprensada em uma parede pelo próprio

chefe.

Voltei meus olhos para o meu pai, e ele estava assistindo atento também.

— Você podia, pelo menos, fechar os olhos, né, pai? — Sem nem perceber, eu
me encolhi no sofá, agarrando os joelhos e quase enterrando a cabeça neles.

— Não. Quero ver a reação dele depois. Assim que se analisa o que um homem

sente.

Então eu tive que suportar toda a tortura de assistir ao meu próprio beijo com
Stefan enquanto meus pais faziam o mesmo. Ninguém podia negar que a gente era sexy
juntos.

Muito... Pelo amor de Deus...

Ao fim, tive que ouvir mais uma vez a frase que fez meu coração explodir.

Então meu pai se virou para mim com um sorriso enorme:

— Ok, ele gosta de você. Dá para ver nos olhos do garoto. Isso é bom.

Meu pai estava cheio das frases de efeito naquela noite, tanto que se levantou
para pegar mais uma cerveja, deixando-me com aquele pensamento: Stefan realmente
gostava de mim?

Ótimo! Mais um pensamento para me perseguir por dias. Além, é claro, da


minha mãe comentando do beijo de seis em seis horas, como se fosse posologia de um

remédio. Isso e meu pai lembrando que queria um encontro com o “rapazinho” –

palavras dele.

Aliás, esse seu pedido ficou tanto na minha cabeça que quando Stefan me
chamou em sua sala na segunda-feira, assim que cheguei, puxei esse assunto, só porque
não sabia como agir depois de tantas pessoas terem visto nosso beijo e comentado
sobre ele em todas as mídias sociais possíveis.

— Meu pai quer te conhecer — saí falando do nada, como se fosse realmente a
mocinha desastrada e meio sem jeito que estava tanto me fazendo ser diante das
pessoas e atrás da tela.

Com um sorriso divertido, Stefan ergueu uma sobrancelha, por cima daqueles
olhos azuis, que tinham um brilho maroto, como se ele fosse um menino grande.

Isso era encantador.

Cruzando os braços, seu sorriso se alargou:

— Sério?

— Bem... ele acha que estamos apaixonados, que é real. Não posso contar a
verdade, então...

O olhar despreocupado se converteu em algo mais sensual, intenso, e a cor de


seus olhos chegou a se tornar mais obscura. Um desejo que eu poderia jurar que nunca
ninguém sentiu por mim. Ao menos não que eu tivesse percebido.

— Que pena que é mentira, né? — foi um tom provocador, mas por que ele
estaria falando daquele jeito? — Mas eu não me importo. Vou gostar, até. Só que

podemos fazer um jantar na minha casa. Queria que você conhecesse Caio.

Mal tive tempo de processar sua resposta a respeito de seu bebê e o fato de ele
querer que eu o conhecesse, porque Deise surgiu como um furacão, abrindo a porta sem
pedir permissão para entrar.

— Essa ideia é maravilhosa! Vamos filmar na sua casa, Stefan! O pessoal vai
amar! O que acham?

Eu e Stefan nos entreolhamos, sabendo que a gente poderia negar, mas que ela
insistiria até cansar. Até que eu mesma acabasse cedendo, já que meu parceiro naquele
“crime” parecia sempre deixar que eu tomasse as rédeas, embora ele fosse o chefe, e
eu, a subordinada.

Mas minha mãe iria amar aparecer no programa. Eu tinha certeza disso.

Droga, as coisas estavam ficando cada vez mais complicadas...


CAPÍTULO QUINZE

Deixa eu resumir: sabe aquele nervosismo que você sente quando está prestes a
conhecer a família do seu namorado, porque quer muito ser aceita? E quando essa
tensão é multiplicada pelo fato de que as duas famílias irão se conhecer ao mesmo
tempo, e você morre de medo que sua mãe – que está mais empolgada do que o normal
– comece a falar coisas constrangedoras sobre você? Para completar... imagine que seu
namorado tem um bebezinho, pelo qual ele é louco de amor, e há uma grande chance de

essa criança simplesmente te odiar.

A minha situação seria essa. Já não seria algo exatamente confortável, mas some
a isso o fato de que o namorado em questão era de mentira e as pessoas que estariam
conosco – basicamente aquelas que mais amávamos na vida – não sabiam disso. Eles
realmente acreditavam que estávamos apaixonados, principalmente porque ambas as
famílias tinham visto o beijo extremamente intenso que trocamos.

Se nada disso fosse suficiente, ainda tinha o problema de que seríamos


cercados por câmeras.

Ou seja... a noite tinha tudo para ser um sucesso – só que não.

Algumas coisas me surpreenderam, ao menos de início. O fato de Stefan morar


em uma mansão digna de uma estrela de Hollywood não deveria ser assim tão
surpreendente, mas eu convivia com ele em um nível diário, e o cara era tão simples,
tão gente como a gente, que ficava muito difícil se lembrar disso. Claro que fora uma
mudança recente, e que eu praticamente participei desse processo, porque já

trabalhávamos juntos, mas eu realmente não esperava entrar em um lugar como aquele.

Apesar de todo o luxo, fomos recebidos com carinho, e meus olhos rapidamente
caíram no garotinho no colo de Stefan, que ria e jogava a cabecinha para trás, enquanto
o pai fazia gracinhas.

Fiquei parada por um tempo, olhando para os dois, e poderia jurar que se não
tinha certeza que estava apaixonada, aquele pequeno instante seria um verdadeiro game

over para mim. A interação dos dois era apaixonante, era algo tão doce e delicado, que
merecia ser filmado.

Pouco tinha aparecido do Stefan com seu filho no programa, além de um


momento inicial, onde o garotinho foi apresentado, mas era importante que as pessoas o
vissem como o pai dedicado que era. Que soubessem que ele daria um braço – ou
talvez até mesmo os dois – para ver aquele garotinho feliz. Para que tivesse a melhor
educação, a melhor vida possível. E não havia dúvidas de que eles eram loucos um
pelo outro.
— Bem-vindos! Estamos muito felizes de termos vocês aqui — a mãe de Stefan,

que se chamava Glória, pelo que ele me falou, se aproximou com um sorriso de orelha

a orelha. Era uma mulher bonita, com cabelos castanhos abaixo dos ombros e os
mesmos olhos do filho.

Aproximei-me dela e entreguei um buquê que havia comprado no caminho para


lá, porque não queria chegar de mãos abanando. Meu pai entregou um vinho a Stefan, e
todas as apresentações foram feitas.

Minha mãe rapidamente pediu para pegar Caio, porque era a louca dos bebês, e
eu fiquei observando as coisas ao meu redor. Não era só com o bebê que Stefan era
ótimo. Seu jeitinho com meu irmão aqueceu meu coração. Foi mais uma cena que eu
fiquei observando de longe, ao menos até o olhar do homem que estava começando a
ganhar meu coração me encontrar e se fixar em mim.

Deixando nossos pais conversando entre si e Fernando confortavelmente


sentado, de frente para a televisão – que mais parecia um telão de cinema –, que era

algo que ele adorava, Stefan veio em minha direção, colocando-se à minha frente.

— Você está linda.

Mais uma coisa que me surpreendeu. Normalmente eu me arrumava muito mais


para trabalhar, principalmente a partir do momento em que começaram a me encher de
maquiagem para aparecer nas câmeras. Naquela noite, tudo o que eu usava era uma
calça jeans, uma camiseta com uma estampa de Star Wars, meus óculos, cabelos soltos
e uma maquiagem leve.
— Obrigada, mas acho que você já me viu mais bonita do que isso — brinquei,

constrangida com o elogio, colocando uma mecha de cabelo atrás da orelha.

— Sempre que eu olho, você parece mais bonita do que antes.

Por que ele estava fazendo aquilo? Por que estava falando aquele tipo de coisa?
Se não era verdade, qual seria o motivo?

Lembrei-me do que meu pai me disse sobre Stefan realmente gostar de mim, que

estava escrito em seus olhos, mas vindo de um cara que mesmo antes de ser rico
sempre teve a mulher que quis, ficava um pouco difícil dar um voto de confiança.

Eu não queria ser a desmancha-prazeres caso algo realmente estivesse


acontecendo entre nós, não queria ser aquela que iria duvidar de tudo e diminuir seu
valor. Ok, eu era bonita, não tinha dúvidas disso; também não me achava a pior pessoa
do mundo, um cara poderia se interessar por mim àquele ponto. Só que tudo entre nós
era muito complicado por dois fatores:

Um deles era que eu não teria como adivinhar se tinham combinado algo nos
bastidores com Stefan para que ele me iludisse também, assim como estavam iludindo
os espectadores. Ele poderia estar sendo pago para me seduzir e me fazer acreditar que
tudo o que dizia e o que estava começando a acontecer entre nós nas telas era real.

Outro motivo era que ele também poderia ser inocente em toda aquela história,
mas estar se deixando levar pelo clima que o programa criara. Nós dois, aliás. Para
qualquer um que nos assistisse, realmente haveria uma influência da história criada. Eu
mesma não sabia se o que estava sentindo era real ou se um produto da imaginação que

fora estimulada pela edição competente de vídeos, que manipulavam opiniões

facilmente.

Fosse como fosse, apenas abri um sorriso, tentando entrar no clima.

— Você também não é de se jogar fora, sabe? — decidi-me por uma abordagem
mais bem-humorada, até porque eu queria uma noite especial. Fosse real ou ilusão,
seria um momento em que eu tentaria acreditar que havia algo de relevante entre nós.

Poderia lidar com as consequências depois.

A equipe chegou antes do jantar e tudo foi bem tranquilo, embora eu tivesse
ficado nervosa. Nossas mães pareciam muito mais à vontade com a câmera do que eu e
Stefan, embora lidássemos com elas todos os dias, e as duas se deram bem de cara.
Meu pai ficou um pouco mais destacado, perto do meu irmão, mas também pareceu
gostar de Stefan, principalmente quando descobriram que torciam para o mesmo time e

que ambos eram fanáticos por futebol.

Caio foi a estrela da noite, e no primeiro momento em que o peguei nos meus
braços, algo se derreteu no meu coração. Sempre gostei de crianças, mas nunca tive
contato com muitas, ainda mais tão bebezinhas. A maioria das minhas amigas ainda não
era mãe, então não tive muitas oportunidades de conviver com uma coisinha pequena
como aquela.

Só que Caio não era apenas lindo como o pai, embora não tivesse os olhinhos
azuis, mas castanhos – que deveriam parecer com os da mãe –, era uma criança

literalmente apaixonante. Ia com todos com o mesmo entusiasmo, adorava fazer

gracinhas e era carinhoso. Stefan me contara que ele havia aprendido a dar beijinhos há
pouco tempo, então ele me encheu de alguns, todos babados e deliciosos. Enchi seu

rostinho com alguns também, manchando-o de batom, e decidi que não queria mais
soltá-lo.

Passei boa parte da visita com ele, e isso foi extremamente explorado pela

equipe de filmagem. Provavelmente seria um episódio muito visto e que agradaria às


pessoas, porque teria muito conteúdo. Pegaram depoimento dos nossos pais a respeito
do "relacionamento", e todos os três realmente acreditavam que eu e Stefan tínhamos
começado a namorar, embora não houvesse nada.

Pedi encarecidamente que não explorassem a imagem do meu irmão como um


coitadinho ou um inválido, e as pessoas foram bem respeitosas, usando-o apenas como
mais um personagem, sendo mencionado nos depoimentos. Vi quando pegaram um take
dele interagindo com Caio, enquanto este estava no meu colo, o que me deixou

emocionada. Fernando era um dos amores da minha vida, e ele não merecia ser visto
pelas pessoas como um incapaz completo. Era inteligente ao seu modo e um guerreiro.
Isso era o que precisavam entender.

A equipe de filmagem foi embora razoavelmente cedo, o que achei até de bom-
gosto da parte deles, e foi um pouco depois de Caio ter dormido sereno no meu colo. O
que, obviamente, foi filmado. Já podia imaginar a cena sendo veiculada com a
entonação que eles queriam que fosse recebida pelo público: que a criança tinha se
apaixonado tanto por mim que se entregou aos meus braços sem restrições. Só que eu
tinha a impressão de que ele era assim com todo mundo.

Entreguei Caio para a minha suposta sogra, depois que todos saíram, para que
ela o colocasse para dormir, o que me deu a sensação de que meus braços estavam

vazios demais sem ele. Quando ela voltou, eu estava no banheiro da sala – ou lavabo,
no caso – e sem querer, por detrás da porta, consegui ouvi-la falando. Logo entendi que
estava conversando com Stefan.

— Essa menina vale ouro, meu filho. Se você magoá-la, vou esquecer que é um

homem feito e vou te dar uma surra de cinto. — Ela certamente estava brincando,
porque pude ouvir a gargalhada de Stefan mesmo através da porta.

Eu deveria sair dali e revelar minha presença, antes que me sentisse como uma
gatuna ouvindo a conversa alheia. Só que tive a impressão de que seria pior ainda, que
todos ficariam extremamente constrangidos.

E eu queria ouvir...

— Não vou magoar ninguém, mãe. Gosto dela, de verdade.

Ainda poderia ser mentira, né? Assim como eu, ele não podia contar à mãe
sobre a farsa.

Mas... droga! Eu queria acreditar. Sua voz parecia tão sincera. Seus olhares
para mim sempre se mostravam cada vez mais desejosos. Que situação mais
complicada.
— Espero que sim. Não se deixa uma mulher como ela passar. Muitas pessoas

entram na nossa vida, mas poucas são as que valem a pena serem fisgadas para que

fiquem. Agarre-a e não a deixe escapar.

Aparentemente os dois saíram andando, e eu não consegui ouvir mais nada.

Merda! Eu queria tanto saber o que Stefan iria dizer!

Quando saí do banheiro, minutos depois, passei pela mãe dele, que me

informou, como ninguém quer nada, que seu filho estava no jardim me esperando.

Isso me surpreendeu, mas ela se juntou aos meus pais, na sala de estar, com
taças de vinho, e eu vi que aquele assunto ainda iria render. Mas Stefan queria ficar
sozinho comigo... Sem câmeras por perto – ao menos até onde sabíamos.

Segui para o lindíssimo jardim da casa, encontrando meu falso namorado


sentado em uma espreguiçadeira de frente para a piscina, sozinho, observando o céu

noturno. Havia duas taças de vinho sobre uma mesinha, que não ficava entre as
cadeiras, e eu imaginei que seria uma para cada um de nós.

Tínhamos ido para sua casa com o motorista que fora enviado para nós, e assim
iríamos voltar, então não tinha problema que todos bebêssemos álcool.

Sentei-me ao lado de Stefan, e ele sorriu ao me ver ali. Era um baita sorriso. Do
tipo que é capaz de fazer uma mulher tirar a calcinha em dois minutos.

Pois é... corria o risco de eu ser a próxima, sem nem saber se era certo ou
errado. Mas eu estava pronta para me jogar de cabeça, porque, aparentemente, meu
coração não estava me dando nenhuma alternativa.
CAPÍTULO DEZES S EIS

Eu não menti quando disse que ela parecia cada vez mais bonita; que a cada vez
que eu olhava para ela, tinha a sensação de que meus olhos viam algo diferente, que
enxergavam detalhes novos.

Era a primeira vez que eu a via sob o luar. Claro que havia algumas luzes no
jardim, principalmente as que vinham da piscina, mas a luz prateada que caía do céu

incidia sobre seus cabelos dourados, e ela parecia algo celestial. Mesmo vestida de
jeans e camiseta, com o rosto quase limpo, sem a maquiagem pesada que lhe faziam
todos os dias, eu a considerava mais alcançável, mais natural.

Mulheres como Eveline não precisavam de artifícios para ficarem ainda mais
bonitas. Na verdade, todo aquele ar de falsidade, de um rosto preparado para as
câmeras, de figurino, como se estivéssemos apresentando um espetáculo, não
combinava com ela. Eu gostava de vê-la daquele jeitinho.

Aceitou a taça que lhe ofereci, e eu ergui a minha, propondo um brinde.


— Ao quê vamos brindar? — perguntou, um pouco tensa. Eu a sentia assim

perto de mim, o que me fazia acreditar que realmente era inocente e inexperiente como

imaginei desde o princípio. Seu rosto branquinho corado me falava exatamente isso.

— Ao que quisermos. Para o bem ou para o mal, estamos protagonizando um


programa de sucesso... — Ela assentiu, com os olhos voltados para o chão, parecendo
um pouco decepcionada. — Mas há mais coisas a brindar, você não acha? Nossas
famílias se deram super bem. Meu filho te adorou.

O sorriso de Eveline se abriu ainda mais no momento em que meu bebê foi
mencionado.

— Nossa, Stefan, ele é maravilhoso! — exclamou com tanta veemência que era
impossível não acreditar que tinha realmente se apaixonado por Caio. Não que meu
filho não fosse, de fato, encantador, mas gostava de saber que ela tinha se empolgado
tanto. — É espertinho, carinhoso, engraçado. Você tem toda razão de morrer de orgulho
dele.

— Eu sentiria o mesmo orgulho se ele não fosse metade do que é, mas confesso
que tive muita sorte.

— Você nunca me contou a história da mãe dele. É algo que te incomoda?

Dei de ombros.

— Não me incomoda. Lamento mais por pensar que Caio um dia vai precisar
saber de tudo isso.
Stefan começou a me contar sobre a mãe do bebê e a forma como a criança foi

tratada por dela, como ele lutou para conquistar a guarda e, depois, como a mulher

acabou morrendo por uma fatalidade. Realmente não era uma história feliz para ser
contada a um garotinho.

— Há mentiras que são piedosas. Omissões também. Você não tem necessidade
de falar tudo para ele. Pode contar algumas partes. A mãe dele morreu, o que já não é
legal de se descobrir, mas você pode dizer que foi uma boa pessoa e que o amou. Que

ele veio para você depois que ela se foi.

— Sim, às vezes eu penso nisso. Mas em outros momentos imagino que eu


gostaria de saber da verdade, se fosse comigo. Vai que ele descobre algum dia? Ela era
uma modelo, essa notícia saiu em alguns sites de fofocas. Pode cair no colo dele, e eu
vou sair como o mentiroso.

— Imagino que ele vá entender. Vocês dois têm uma relação muito bonita desde
agora, e isso provavelmente não vai mudar. Serão bons amigos, posso prever isso.

Como aquela mulher conseguia me fazer sorrir tão fácil? Não era a primeira vez
que abria a boca para me dar um bom conselho, para me dizer algo que confortava o
meu coração. A ideia de Caio descobrir sobre sua mãe sempre me atormentou. Claro
que o que dissera não fora nada novo que nunca passara pela minha cabeça, mas nunca
me abri com minha mãe sobre aquela preocupação, porque acabaria se tornando um
motivo de estresse para ela também, e ter alguém de fora me dizendo algo tão bom de
se ouvir era um alívio.
Vi Eveline deixar a taça de vinho na mesinha ao lado de sua cadeira, então fiz o

mesmo com a minha, que também possuía uma mesa logo ao lado. Alguns centímetros

separavam minha espreguiçadeira da dela, mas não havia nada em meio a nós.

Ela se recostou, deitando-se, tirando os sapatos e cruzando um tornozelo sobre


o outro, parecendo relaxar. Não a imitei, continuei sentado, porque era uma forma
melhor de observá-la.

— Você tem uma casa e tanto aqui. Digna de uma celebridade — ela comentou.

— Nunca quis ser uma. Também nunca almejei morar em um lugar tão grande.
Sempre pensei em ter bastante grana, por causa de trabalho duro, mas em meus sonhos
eu não via uma mansão desse jeito. Queria algo um pouco mais intimista.

— Entendo. A casa é linda, não me leve a mal, mas acho que para uma família
pequena deve ser um pouco intimidador, né? Faço mais o tipo que gosta de um cantinho
aconchegante.

— Exatamente. É mais uma coisa na qual somos parecidos.

Ela voltou o rosto na minha direção, com uma das sobrancelhas erguidas,
surpresa.

— Você nos acha parecidos?

— Em mil coisas. Você tem um amor muito grande pela sua família, assim como
eu, e está disposta a se sacrificar por eles ao máximo. — Fiz uma pausa, antes de
continuar: — Apesar de ter assinado aquela porcaria de contrato, também não está
contente com a exposição, e eu sei que muitas mulheres adorariam estar no seu lugar.

Sua sobrancelha se ergueu ainda mais.

— Ah, claro... fingindo serem suas namoradas e tendo a atenção do poderoso e


lindo Stefan Canejo, não é? — Revirou os olhos.

— Bem, você realmente me acha lindo?

— De toda a frase que eu falei, essa foi a única palavra que você processou?

— Não. Poderoso também. — Imitei-a com o erguer de sobrancelha, mas em


uma expressão canastrona, o que a fez rir. Ou melhor, gargalhar.

Um som maravilhoso, que se infiltrou nos meus ouvidos como uma melodia que
não apenas me contagiou, mas que me encheu de certezas de que eu queria aquela
gargalhada na minha vida.

Na verdade, se eu fizesse um retrospecto dos últimos dias e, principalmente,


daquela noite, perceberia que eu queria muitas coisas dela e com ela. Queria seus
olhares ternos, seus bons conselhos, sua bondade, e a queria perto do meu filho, porque
até mesmo ele a adorara. E como não poderia? Ela era adorável.

O que eu falei para ela sobre sermos parecidos era real. Em muitas coisas, a
teoria de que os opostos se atraíam era algo relevante, mas, no geral, ter alguém ao seu
lado que corroborava com suas crenças, com seus objetivos e que dava valor ao que
realmente era importante, era algo a ser levado em consideração.

Mais do que isso, era o que eu queria. Nunca me envolvi em relacionamentos


porque nunca encontrei alguém que realmente me despertasse o desejo de me

comprometer.

Eveline era diferente. Ela era única. E como minha mãe dissera, era o tipo de
mulher que não poderia deixar escapar.

Sem nem hesitar e sabendo que eu deveria dar alguns passos para que ela
entendesse que não precisávamos de câmeras, coloquei a mão por baixo da cadeira
onde ela estava deitada e a puxei, para que ficássemos mais perto. Ela se surpreendeu
com a minha atitude, chegando a arfar pelo choque, mas eu queria que o que havia entre
nós não fosse apenas parte de um roteiro.

As espreguiçadeiras onde estávamos deitados não tinham braços, por isso mais
parecia que estávamos deitados em uma cama de casal. Não era a mais confortável

possível, mas estávamos lado a lado, perto o suficiente para que eu pudesse me virar só
para acariciar seu rosto.

Depois de respirar fundo, Eveline também se virou, e nós ficamos frente a


frente, sob um céu pipocado de pequenos pontos prateados.

Em silêncio, ficamos olhando um para o outro, e eu sabia que meus olhos


expressavam tudo o que se passava dentro de mim naquele momento. O sentimento
principal, sem dúvidas, era paz.
— Tem muita coisa acontecendo, não é? Parece que nós atraímos uma imensa

bagunça, e ela se espalhou ao nosso redor — falei bem baixinho, e Eveline balançou a

cabeça, respondendo. — Mas eu nunca gostei de calmaria.

— Eu gosto. Sempre gostei. — Uau. Foi o fora mais simpático que eu poderia
receber. Só não esperava que Eveline fosse me cortar daquela forma.

Cheguei a recolher um pouco a mão, mas ela me segurou, impedindo-me de


chegar mais longe. Então, acrescentou:

— Sempre gostei... até agora.

Um sorriso retornou ao meu rosto, e eu me inclinei, aproximando meus lábios


dos de Eveline, começando a explorá-los bem devagar, sem pressa, porque apesar de
tudo ao nosso redor ser puro caos, nós dois podíamos desacelerar e seguirmos um
ritmo só nosso.

Quando minha língua invadiu sua boca, puxei seu corpo para mim, colando-o ao
meu, sentindo o calor que ela emanava. Sentindo o quão certo era tê-la ali, comigo.

Quando nos afastamos, sorrindo um para o outro, com as testas coladas, o fato
de eu estar apaixonado por Eveline era uma certeza que só se tornava mais e mais forte.
CAPÍTULO DEZES S ETE

O sucesso do episódio onde nossas famílias se conheceram foi estrondoso. Na


verdade, era difícil saber se tinha a ver com o fato de ter sido o seguinte ao beijo, o que
gerou novos fãs e espectadores, ou se tinha mesmo a ver com minha conexão com Caio,
que era uma das coisas mais comentadas em todas as mídias sociais. E por falar nisso,
meu Instagram ganhava novos seguidores a cada hora. Eu tinha chegado ao meu
primeiro milhão, o que era quase irreal.

E-mails com propostas de trabalho a respeito de parcerias com marcas


chegavam sem parar, e, em uma conversa com Stefan, enquanto comíamos comida
chinesa em sua sala, ele disse que iria me ajudar com isso, já que não tínhamos nada
para fazer durante o dia. Infelizmente a emissora continuava ignorando suas sugestões e
apenas usando nossas imagens.

Poderíamos nos importar com isso e fazer algum drama, mas passávamos
nossas manhãs e tardes juntos, conversando, rindo e jogando cartas. Falávamos sobre
tudo, comíamos o que queríamos – tudo pago pela emissora – e apenas evitávamos nos

tocar ou nos beijar enquanto estávamos no prédio da empresa, porque não queríamos
que se aproveitassem de momentos que deveriam ser só nossos.

Isso era deixado para algumas noites, quando eu ia para a sua casa e
passávamos momentos maravilhosos com Caio. Eu amava o fato de ele parecer
realmente gostar de mim e ficar feliz com a minha presença. Glória também.

O enorme quintal era o nosso local favorito. Tínhamos evoluído daquela

primeira noite em que nos beijamos ali, porque usávamos apenas uma espreguiçadeira,
onde ficávamos conversando por muito tempo e nos beijando mais ainda.

As coisas entre nós eram simples. Funcionavam. E eu não conseguia pensar que
se não fosse aquele programa estúpido não estaríamos ali, juntos, nos conhecendo e
tentando construir um relacionamento que eu sentia que poderia, de fato, dar certo.

Eu queria que desse certo. Estava apaixonada, e por mais que nenhum de nós

dois tivesse assumido um sentimento dessa forma, pequenos detalhes eram suficientes.

Sim, as coisas estavam indo muito bem. Muito mais do que eu poderia imaginar.

Ainda assim, não esperava que depois de três meses de programa, as ideias da
produção chegariam tão longe.

— Casamento? — eu e Stefan falamos juntos, em uma das reuniões de segunda-


feira, assustados com aquela ideia absurda.
— Não precisam chegar tão longe! Seria um noivado, apenas. — Deise falou,

com aquele seu jeito estranho de nos olhar como se fôssemos duas crianças tolas e com

as quais ela não tinha nenhuma paciência.

— Ainda assim. É uma coisa muito radical. Nossas famílias não vão poder
saber que é um noivado de mentira! — comecei a falar, quase em desespero, porque eu
não queria enganar minha mãe naquele nível. Não queria que ela pensasse que sua
única filha mulher iria se casar, sendo que eu mal sabia se o meu relacionamento com

Stefan poderia ser considerado um namoro.

Exatamente como fiz dias atrás, Stefan colocou a mão sobre a minha, por
debaixo da mesa, tentando me confortar. Respirei fundo, tentando me concentrar apenas
no contato e me sentindo acalmar, embora a ideia ainda girasse na minha cabeça como
parecendo extremamente absurda.

— Sobre a sua família... — Deise começou, tirando um papel de dentro de um


envelope pardo. Outro contrato, provavelmente. — Acredito que esteja na hora de você

receber um aumento. Temos uma sugestão aqui, mas podemos negociar, se for preciso.

Mais uma vez ela empurrou o documento na minha direção, e eu o li


rapidamente, percebendo o adendo – eles estavam me oferecendo o dobro de dinheiro.
O dobro!

Olhei para Stefan, que estava ao meu lado, lendo junto a mim tudo o que estava
escrito ali. Ainda bem por isso, porque ele poderia me confirmar se eu não estava
ficando louca.
— Acho que vou ter que pedir a vocês o mesmo que pedi da outra vez. Preciso

de um tempo com Eveline para discutirmos. É algo muito maior do que esperávamos no

início — Stefan falou, com aquela sua voz de autoridade que me fazia acreditar que ele
realmente seria um bom chefe um dia.

A equipe concordou em nos liberar da reunião por algum tempo, e nós partimos
para a sala ao lado, exatamente como na outra vez, a portas fechadas.

— Casamento, Stefan! — exclamei, para iniciar nossa conversa.

— Noivado, na verdade — ele me corrigiu, erguendo um dedo, e parecia muito


mais leve do que deveria estar. Era como se a ideia de pedir uma garota que mal
conhecia em casamento não fosse assim tão absurda.

— Stefan! Você realmente não entendeu, né? Eles querem que a gente forje um
noivado. Que a gente finja que vai se casar! Casar! — alterei o tom de voz,
gesticulando como louca, porque simplesmente não conseguia entender como poderia

estar tão calmo.

Era um resquício de um sorriso que eu via em seu rosto? Mas no que diabos ele
estava pensando?

— Você acha que faz diferença mesmo? Depois de tudo o que aconteceu desde o
início? As coisas podem ter começado de um jeito estranho, mas, no final das contas,
estamos juntos, não estamos?

Abri a boca para falar alguma coisa, mas ela continuou aberta, sem que nenhum
som fosse emitido.

— Nós estamos... juntos? — Sim, eu sabia que era uma pergunta idiota, mas
aquela resposta era importante para mim.

— Ué, se você disser que não, eu vou me sentir um pouco mal — ele ainda
falou em um tom de brincadeira, porque assim era Stefan. Ele sempre levava as coisas
para um lado mais lúdico. — Porque todos aqueles beijos maravilhosos que trocamos
esses últimos dias me fizeram pensar que estávamos namorando.

Junto à minha boca aberta, meus olhos se arregalaram.

— É que... Bem... você deve ter beijado um milhão de mulheres na vida e não
namorou todas elas.

— Um milhão? — Stefan levou a mão ao peito, fingindo choque. — Nossa, essa


é a minha fama? Eu certamente nunca contei, mas acho que estou bem longe desse

número. E não importa quantas mulheres beijei. Importa que a única que eu quero é
você.

Aquele era o dia oficial de deixar Eveline – eu, no caso – chocada, porque eu
realmente não esperava que Stefan fosse dizer algo naquele nível.

Ele deu um passo na minha direção, colocando um braço ao redor da minha


cintura tão devagar, como se estivesse testando minhas respostas a ele, depois da
conversa.
— Estamos juntos nessa, linda. Se você não quiser que a gente caia em mais

essa farsa, podemos negar. Você comanda o jogo. Mas eu vi a oferta que te fizeram, e eu

sei o quanto ajudaria a sua família.

Se eu assinasse mais aquele contrato, Stefan não ganharia nada mais por isso.
Ele estaria se comprometendo com uma mulher, perante todo o país – saindo do
mercado dos solteiros, no caso –, só para que eu ganhasse dinheiro suficiente para
ajudar minha família.

Claro que depois de um ano, nós simplesmente poderíamos nos separar, cada
um seguir o seu caminho e...

Meu coração subitamente disparou de uma forma nada agradável. Eu não queria
pensar nisso de “cada um seguir seu caminho”. Era doloroso pensar em não ter mais
Stefan na minha vida, até mesmo como amigo. Gostava de seus beijos e sabia que
estava mais do que rendida, desejando-o cada dia mais, mas não era apenas isso. Caso
as coisas não evoluíssem e nos despedíssemos depois de um ano, eu sofreria.

Era tarde para voltar atrás.

— Então, o que você acha? Se você topar, eu topo — perguntou, levando as


mãos aos meus braços e acariciando-os gentilmente.

O que mais me restava?

Pelo amor de Deus, era muito dinheiro. E não era como se eu estivesse
cometendo um crime. No final das contas, como Stefan dissera, nós realmente
estávamos juntos, a mentira nem era tão grande assim.

Eu só não esperava me sentir tão mexida ao ver Stefan se ajoelhar à minha


frente, em sua sala, perguntando se eu queria me tornar sua esposa. Tão lindo, tão

convincente, tão encantador. Havia inúmeras câmeras ao nosso redor, eu sabia que era
um texto ensaiado, um anel comprado pela emissora, mas eu era uma romântica, e
estava mesmo apaixonada.

Quando o anel foi parar no meu dedo, e Stefan me puxou para um beijo, foi

difícil não acreditar que era realidade, por mais cedo e louco que pudesse ser.

Um calafrio percorreu minha espinha no momento em que pensei que já estava


afundada por completo na areia movediça que não haveria chances de me salvar, caso o
barco virasse e me deixasse naufragando.

Mas talvez as coisas terminassem bem... não é?


CAPÍTULO DEZOITO

O pedido de casamento foi um sucesso estrondoso. As pessoas não pararam de


comentar um só minuto; e o vídeo que saiu no canal do Youtube da emissora, com o
corte da cena, já tinha mais de cinco milhões de visualizações em duas semanas.

Passamos a ser lucrativos não apenas como dois indivíduos, mas como um
casal. Começamos a ser chamados para comerciais de TV, para sermos embaixadores

de marcas, e eu sabia que mesmo se eu fosse demitido da emissora naquele primeiro


ano – a partir de treze meses ela seria efetivamente minha, e ninguém poderia me tirar
as ações majoritárias –, eu ainda teria uma grande fonte de renda. Meu rosto e o de
Eveline passaram a ser sinônimos de sucesso, e ela até passou a se divertir com isso,
especialmente quando começou a ganhar infinitos presentes para serem apresentados
em seu Instagram ou coisas para ela usar no programa.

Aos poucos ela foi resolvendo os problemas de sua família. Seu irmão ganhou
uma cuidadora; alguém totalmente treinado para lidar com uma pessoa com suas
limitações. Eles mudaram de casa, para uma própria, e eu ficava comovido em ver que

tudo o que ela queria, de fato, era dar uma vida melhor àqueles a quem amava. Isso só
foi aumentando minha admiração e o que eu sentia.

E eu sentia muitas coisas por ela. Cada dia mais.

Amava o jeito como ela interagia com meu filho. Como era respeitosa e
carinhosa com a minha mãe. Como era adorável com os funcionários da minha casa.
Como começara a se soltar mais com o público, que literalmente beijava o chão que ela

pisava. Como era incrível como mulher em todos os sentidos.

Eu nunca me cansava de beijá-la, e nunca a pressionei para algo mais do que


isso, mas estávamos juntos – contando desde o primeiro beijo que não fora ensaiado ou
parte de um script – há seis meses. Meu corpo não conseguia suportar mais um único
minuto sem estar dentro dela. Queria, precisava, desejava, e pela primeira vez decidi
me fazer entender.

Dificilmente ficávamos sozinhos em casa, mas pedi que minha mãe dispensasse
os funcionários e levasse Caio consigo, para um hotel, onde passariam a noite. Preparei
um jantar eu mesmo e decidi criar o momento mais romântico possível, com direito a
velas, flores e música. Ela estava linda, sorridente, e eu amava conversar, mas no
momento em que se levantou, pronta para lavar a louça – já que éramos só nós naquela
noite – fui atrás dela e a agarrei, sem muita explicação.

Tirando-a do chão, coloquei-a sobre o balcão ao lado da pia, o que arrancou


uma exclamação de surpresa de sua boca, que estava coberta pela minha.
Aprofundei o beijo, devorando-a como se precisasse de seus lábios tanto

quanto precisava de ar. Ainda hesitante, abri os primeiros botões da camisa que ela

usara para trabalhar – porque fomos direto da empresa para minha casa – e enfiei a
mão por dentro de seu sutiã.

Era a primeira vez que a tocava de forma mais ousada, e eu quase grunhi
quando senti a maciez de seu seio na ponta dos meus dedos. Ela gemeu baixinho quando
comecei a massagear um mamilo, mostrando-me que era sensível e que estava

gostando.

Sendo assim, nada iria me parar naquele instante.

Com um pouco mais de ímpeto, girei o mesmo bico entre dois dedos, puxando-o
e friccionando-o, enquanto descia minha boca por seu pescoço.

Sentia-me frenético. Era a primeira vez que eu ficava sem sexo por tanto tempo
e... porra! Nunca desejei uma mulher como desejava Eveline. Provavelmente tinha a

ver com o fato de gostar tanto dela, de não ser algo apenas casual, como sempre foi
para mim.

— Você é tão deliciosa, Eveline. Tão perfeita. Eu quero te lamber dos pés à
cabeça. Te beijar, sem deixar um único pedaço do seu corpo de fora. Quero que goze na
minha boca — sussurrei em seu ouvido, mas peguei seu rosto com as duas mãos e a
olhei nos olhos.

Por um minuto me preocupei, porque vi seus olhos um pouco assustados.


Delicadamente, tirei seus óculos, dei-lhe outro beijo rápido e me afastei.

— O que foi, querida? Aconteceu alguma coisa? Falei algo errado?

Ela estremeceu, e eu realmente a senti muito nervosa.

— É que... eu não sou experiente. Eu nunca...

Demorou um pouco para cair a minha ficha, mas quando aconteceu, tentei

disfarçar minha surpresa – ou o meu choque, que seria uma palavra muito mais
adequada –, porque não queria deixá-la ainda mais constrangida.

— Eu não sabia — respondi, acariciando seu rosto e tentando não mudar em


nada com ela. — Podemos parar, linda. Tem que ser quando e como você quiser.

— Sei disso. Por isso que quero que seja com você. Quero que seja agora —
ela falou muito séria, muito solene. — Eu estou, sim, um pouco nervosa, mas sempre
vou ficar. Você sabe que eu sofro de ansiedade, e os grandes eventos me deixam um

pouco apreensiva. — Ela revirou os olhos para si mesma. — Não sei se posso chamar
a perda da virgindade como um grande evento. Ou talvez seja, mas... — Suspirou. —
Nossa, estou falando sem parar.

— Gosto de te ouvir.

— Mas não em um momento como esse, né? — Eveline colocou as duas mãos
nos meus ombros. — Não mude seus planos, Stefan. Como eu disse, você foi a pessoa
que eu escolhi. Pode ser agora ou daqui a meses, mas eu prefiro que seja agora, porque
eu quero. Porque não consigo pensar em nada coerente desde que você me falou que
quer me beijar inteira — brincou, e eu não pude conter um sorriso.

— Também falei que quero que você goze na minha boca — repeti em um tom

provocador, e ela corou.

Deus... eu amava aquela mulher.

Porra...

Era isso. Eu realmente a amava.

A constatação me fez reagir como ela reagira minutos atrás: paralisando e


estremecendo. Seria a primeira vez que faria sexo. Para mim, seria a primeira vez que
eu faria amor.

— Não faço ideia de qual seja a sensação. Se você não for assim tão
experiente, como eu imagino que seja, tem altas vantagens comigo, porque não tenho

com o que comparar... — Lá estava ela me provocando também. Minha gargalhada


explodiu por todo o cômodo.

— Isso é um desafio, senhorita?

Eveline ergueu uma sobrancelha.

— Talvez seja.
Em um rompante, tirei-a de onde estava, jogando-a no meu ombro. Eveline

começou a rir, e eu fiz a maior cena de homem das cavernas, enquanto a carregava para

o meu quarto e a jogava na cama.

Só que quando a vi, deitada sobre meus lençóis brancos, com os cabelos
dourados espalhados, a face corada, e a blusa quase aberta, com o sutiã branco de
renda aparecendo, não consegui continuar a brincadeira.

Aquilo era sério para mim. Ela estava me entregando sua virgindade. Escolhera

a mim para ser seu primeiro homem.

A mulher que eu amava nunca pertencera a mais ninguém. Era só minha...

Não que fizesse alguma diferença, porque seria maravilhoso de todos os jeitos,
mas a sensação de saber que eu nunca faria nada para magoá-la e de que tomaria o
máximo de cuidado para que não fosse tão doloroso me deixava aliviado. Se eu
soubesse que qualquer homem que a tocara não tivera o nível de delicadeza que ela

merecia, eu ficaria muito, muito puto.

Desci a boca até o primeiro botão que ainda estava aberto e o puxei entre os
dentes, arrebentando-o.

Claro que ela tinha que fazer alguma gracinha a respeito.

— A empresa que me contratou para usar essa camisa vai ficar muito feliz.

— Você se importa? — Desci um pouco mais e imitei o gesto, destruindo o


botão seguinte.

— Não, é sexy.

Contive uma risada.

— Então ótimo. Eu te dou outra. Te dou várias. Um dia ainda vamos fazer sexo
com você coberta de diamantes.

— Quando você falou que ia me fazer gozar com sua boca, não pensei que era
com palavras, chefinho...

Não consegui me segurar. Ela era maravilhosa. Eu amava aquele seu jeitinho
natural de ser, as coisas que dizia, como agia. Voltei à sua boca e roubei um beijo,
interrompendo quaisquer planos que eu pudesse ter, ao menos em um primeiro
momento. Beijá-la lentamente – bem lentamente – era mais importante.

Eu sabia que ela estava pouco se lixando para diamantes, que seu comentário

fora puramente divertido e malicioso, e por isso era tão incrível.

Tudo a respeito de Eveline era incrível.

E eu precisava que ela soubesse disso.

Afastei-me um pouco, interrompendo o beijo, e olhei profundamente em seus


olhos.
— Se eu disser que te amo, você vai acreditar em mim?

Consegui mais uma vez chocá-la. Talvez mais do que quando disse que queria
fazê-la gozar sem saber que era virgem.

Por alguns instantes, ficou completamente calada, olhando para mim como se
algo a tivesse congelado. Esperei seu tempo, até que respirou fundo, quase em um
suspiro, e seus olhos se derreteram.

— Vai ser sincero?

— Provavelmente uma das coisas mais sinceras que eu já disse na vida. E eu


nunca fui um mentiroso.

Eveline sorriu.

— Então eu vou acreditar em tudo que você disser, Stefan. Você tem meu
coração nas suas mãos.

Com essa resposta, eu a beijei novamente e voltei à minha tarefa de antes.

Abrindo toda a blusa, fiz o mesmo com seu sutiã, de fecho frontal, e levei a
boca a um dos mamilos, enquanto estimulava o outro com os dedos. Fui deixando-a
mais excitada, ouvindo-a gemer baixinho, ainda contida.

Quando usei a outra mão para invadir sua saia e afastar sua calcinha, encontrei-
a molhada. Combinei os estímulos, encontrando os ritmos e começando a aprender o
que ela mais gostava. Eveline era receptiva e não demorei a descobrir que podia se

soltar bastante quando era excitada da forma correta.

Mas eu era um homem que cumpria promessas, por isso, ergui sua saia,

arranquei sua calcinha e me empenhei em lhe dar um orgasmo com minha boca e minha
língua.

Não importava que ela nunca tivesse experimentado aquele tipo de coisa. Tudo
o que eu queria era que tivesse uma primeira vez inesquecível. Que gritasse o meu

nome, que me implorasse por mais, que me desse o que eu queria dela: que se rendesse
completamente ao prazer.

— Stefan! — ela gemeu o meu nome, quase em um choramingo, mas eu não


parei. Sabia que não demoraria a gozar, porque sentia seu corpo se contraindo e se
preparando para a explosão que eu sabia que estava prestes a vir.

Intensifiquei os movimentos, chupando-a com mais força, agarrando-a pelos

quadris e movimentando-a também, para que o contato fosse ainda maior.

Ela gemeu bem alto, quase um grito, quando atingiu o clímax, e isso me deixou
louco.

Assim como fiz com sua calcinha, arranquei sua roupa por inteiro, enquanto ela
se recuperava, porque a queria nua. Queria olhá-la e ver o homem de sorte que eu era.

Despi-me também, peguei uma camisinha, coloquei-a e me deitei por sobre


Eveline, olhando-a nos olhos. Suas mãos delicadas me tocaram, sentindo-me aos
poucos, conhecendo-me, tomando seu tempo para isso. Em instantes, estávamos os dois
sentindo um ao outro com os dedos, em um ritmo lento, quase como se estivéssemos

seguindo os sons de uma melodia.

— Eu também te amo, Stefan. Eu também te amo.

Foi ouvindo isso que eu a penetrei. Precisei me conter ao máximo, porque eu


queria ir muito mais fundo, muito mais forte, mais rápido, porque a sensação de estar
dentro dela era sublime. Era tudo o que eu sempre desejei, mas não fazia a menor ideia.

Eu sabia que ela estava sentindo dor, mas aguentou firme, e então conseguimos
encontrar um ritmo, assim que percebi que relaxou, e eu fui investindo com muito
cuidado, já tendo completa certeza de que ficaria viciado.

Enquanto a amava, tomei sua boca em mais um beijo, combinando a cadência


das estocadas com o movimento da minha língua.

Em uma delas, mais funda e mais certeira, Eveline soltou um delicioso gemido.

Imitei o que fiz anteriormente, uma, duas, três vezes. Sentia que ia se tornando
mais escorregadia, o que me fez sorrir.

Era maravilhoso. Não havia nada que eu pudesse comparar à sensação de fazer
amor com um sentimento envolvido. Não havia comparação.

Enquanto chegava ao orgasmo, pouco depois dela, comecei a pensar que, talvez,
aquele anel em seu dedo não fosse assim tão absurdo. Que quando tudo aquilo
terminasse, eu renovaria o pedido, e eu a tornaria minha esposa. A mentira se
transformaria em total realidade, porque não conseguia imaginar nada que pudesse me

fazer mais feliz.


CAPÍTULO DEZENOVE

Tentei me girar na cama, mas um braço musculoso estava ao redor da minha


cintura, praticamente me imobilizando. Ao perceber que eu me remexia, o tal braço me
puxou com mais força, e minha bunda rapidamente entrou em contato com algo grande.
Bem grande. E ereto.

Nossa... àquela hora da manhã?

Eu era bem inexperiente nesse tipo de coisa, mas tínhamos feito sexo umas três
vezes antes de dormir, e eu estava um pouco dolorida. Para ele, aparentemente, o jogo
poderia continuar facilmente.

Comecei a sentir beijos no meu pescoço, e eu fui ficando arrepiada facilmente


ao ponto de estremecer.

— Bom dia, princesa — a voz rouca matinal de Stefan era uma coisa a ser
levada em consideração. Era bem erótica.
Deus, eu poderia ficar molhada só de ouvi-lo falar. E aparentemente ele gostava

de falar umas sacanagens, porque durante os outros dois sexos, enquanto encontrávamos

nosso ritmo, o que saiu de sua boca poderia me deixar corada em qualquer outra
situação.

— Vou te falar uma coisa bem erótica, se prepare... — Ah, meu Deus. O que
vinha por aí? — Estou com fome.

Explodi em uma gargalhada, porque não pude me conter.

Eu não era a pessoa mais mal-humorada pela manhã, mas acordar ao lado de um
bom piadista me fazia querer ter muitos dias assim com ele. O que era um pouco
perigoso.

Stefan dissera que me amava no dia anterior. Vi sinceridade em seus olhos, e eu


não poderia dizer que era uma enorme surpresa, se analisasse com calma a evolução do
nosso relacionamento. Só que, ainda assim, ouvi-lo falar com todas as letras tinha um

efeito diferente. Especialmente enquanto eu me entregava pela primeira vez.

Não importava o que iria acontecer conosco dali em diante, eu nunca me


arrependeria. Foi a melhor decisão que tomei.

— O que acha de sairmos para tomarmos café em um lugar especial. Levamos


Caio e depois fazemos algo com ele.

Não pude deixar de sorrir.


— Adorei a ideia. Só que, não sei se você esqueceu, mas destruiu minha blusa

ontem.

Stefan me girou, colocando-me de barriga para cima e pairando sobre mim,

deixando nossos rostos muito próximos.

— Eu com certeza não me esqueci disso e nem de todo o resto. — Inclinou-se


para me beijar, e obviamente isso nos levou a muito mais.

Só que ele parecia ter tudo sob controle, porque pegou uma roupa emprestada
de sua mãe para mim, alegando que ela não se importaria. Não tínhamos corpos muito
diferentes, ela era apenas um pouco mais curvilínea do que eu, e encontrou um vestido
de quando era alguns anos mais nova e que não lhe cabia mais. Ficou quase perfeito,
um pouco mais largo na cintura do que deveria, mas um cinto – que também me foi
emprestado – resolveu o problema.

Saímos, cercados de seguranças, o que ainda era um pouco estranho, mas fazia

parte de quem tínhamos nos tornado. O bom era que Caio não percebia nada disso e
parecia extremamente animado, falando as palavrinhas que tinha aprendido naquele
meio tempo, sendo a criança fofa que sempre era.

Chegamos em uma confeitaria na Zona Sul da cidade, que estava um pouco


vazia pelo horário e por ser um sábado, e Stefan pegou uma quantia insana para
reservá-la só para nós. Achei uma extravagância um pouco grande, mas se era o que ele
queria, quem seria eu para julgá-lo?
Sentamo-nos em uma mesa mais aos fundos, para que não pudessem nos ver da

janela, mas um dos nossos seguranças ficou de olho na porta, porque uma pequena

aglomeração começava a se formar, provavelmente esperando que saíssemos.

Isso me deixou assustada, e eu quase podia sentir a crise de ansiedade surgindo,


mas a mão de Stefan pousou sobre a minha, enquanto a gentil garçonete nos servia café,
e eu olhei para ele.

— Relaxa. Está tudo bem. — Ele já conhecia meus rompantes e sempre sabia

lidar bem com eles.

— É que em algum momento vamos ter que sair, né? Aquela gente toda lá fora...
— Olhei de novo pela janela.

— Os seguranças vão dar um jeito para nós. Ainda vamos demorar um pouco;
eles vão se cansar.

Duvidava muito disso. Eu e Stefan éramos uma febre que não tinha passado.
Pensávamos que seria apenas no início do programa, mas conforme a equipe de
produção percebia que esse fascínio poderia acabar, criavam mais uma cena
apaixonante que trazia todo mundo de volta ao ship. Éramos um clichê ambulante, e as
pessoas amavam isso. Ver-nos ali, com o bebê, tomando café juntos, sem câmeras,
comprovando que realmente estávamos juntos, era, sem dúvidas, um deleite para
aquelas pessoas.

Eu poderia jurar que havia jornalistas também, à espreita, só aguardando para


tirar a foto exclusiva que lhes renderia uma boa matéria em um daqueles sites de fofoca

que eu nunca lia, mas que minha mãe adorava.

Fosse como fosse, eu queria e precisava focar a minha atenção no homem e no

bebê lindos que eram minhas companhias.

Em sua cadeirinha mais alta, Caio batia as mãozinhas na mesa, animado e


reclamando – em sua língua de bebê e de uma maneira bem simpática – de "ome", que
era fome, é claro. Então o pai passava a mão na barriga, ensinando-o qual era o gesto

para aquela sensação, e o pequeno o imitava, colocando a línguinha para fora e


gargalhando depois quando Stefan batia palmas orgulhoso por ele aprender tão bem as
coisas.

Era um deleite olhar para os dois, e um sentimento de que eu queria que ambos
fossem meus me fez respirar um pouco mais fundo e suspirar, sonhadora. Será que
poderíamos, um dia, nos tornar uma família?

Uau... era um pensamento poderoso. Ousado. Mas eu os amava. Pai e filho. E


uma garota poderia sonhar, não poderia? Havia um anel no meu dedo, que significava
um compromisso sério, mas infelizmente ele era uma mentira.

Isso me deixou um pouco melancólica, mas como Stefan era muito perceptivo,
lutei para mudar a expressão, e Caio corroborou com isso quando estendeu a mãozinha,
envolvendo-a em um dos meus dedos.

— Tiaine, tiamo — ele chamou.


Olhei para Stefan, surpresa.

— O que você disse, meu amor? — perguntei só para ter certeza.

— Tiamo.

Tiaine era como ele me chamava; uma mistura de Tia Line, que era como ele foi
ensinado que era meu nome. Tiamo ele vivia dizendo para o pai e para a avó, porque
também fora ensinado que isso era dito quando a gente gostava muito de uma pessoa.

Eu sabia que tinha sido Glória que o fizera aprender aquelas coisas, mas nunca pensei
que fosse usar a palavrinha tão poderosa comigo.

Segurei aquela mãozinha preciosa e levei-a à boca.

— Eu também te amo, pequeno. Amo muito.

Meus olhos logo ficaram cheios de lágrimas, e quando olhei para Stefan de
novo, ele também estava emocionado. Tudo parecia corroborar para que meu

pensamento anterior, sobre um dia sermos uma família, se tornasse mais e mais forte.

Só que nosso momento especial foi interrompido quando ouvimos alguém


pigarrear. Ergui meus olhos e vi uma mulher lindíssima, um pouco mais velha do que
eu, talvez, com os cabelos bem escuros, um corpo de matar e olhos claros.

— Oi, Stefan. Lembra-se de mim? A Raíssa.

Ergui as sobrancelhas, surpresa pelo fato de a moça simplesmente ignorar


minha presença ali. Não era como se ela não soubesse quem eu era. Naquele momento,

em meio a uma pequena crise de ciúme, agradeci ao fato de meu romance com Stefan

ser público.

Só que isso não pareceu desanimá-la, porque a posição com que parou, de
frente para Stefan, com o decote bem na cara dele, fez com que eu entendesse que ela
estava pouco se lixando para a minha presença ali.

— Desculpa, não me lembro de você — Stefan falou bem sério, quase irritado.

— Você quer um autógrafo meu e de Eveline, é isso? Pena que Caio ainda não sabe
escrever, né?

Precisei morder os lábios para conter o riso. Eu era super a favor da


sororidade, gostava do pensamento de que mulheres deveriam ficar do lado de
mulheres, mas aquela garota conseguiu me irritar.

— Ah... — Ela finalmente olhou na minha direção, com um ar de nojo. — Bem,

eu imagino que esse seu relacionamento seja midiático, né? Vocês não estão juntos de
verdade, estão?

Ok, ela estava realmente passando dos limites.

— Claro que estamos. — Stefan segurou minha mão por cima da mesa. — Você
está vendo alguma câmera aqui?

A tal Raíssa olhou ao seu redor, e eu jurei que ela iria se tocar, mas o que Stefan
dissera não pareceu minimizar sua força de vontade.
— Pelo amor de Deus, Stefan, você é um dos maiores galinhas que eu conheço.

Todas as minhas amigas já ficaram com você...

— Como eu disse, eu nem me lembro de você. Também não me lembro das suas

amigas. — Ele estava ficando puto.

— Claro que não lembra, exatamente porque você comia e nunca ligava no dia
seguinte. Vai mesmo tentar me fazer acreditar que caiu de quatro por essa garota? Ela
nem faz o seu tipo.

Stefan se remexeu na cadeira, cruzando os braços e se recostando. Seu cenho


franzido indicava que não estava gostando nada da atitude da garota.

— Acho bem ousado da sua parte tentar ditar qual é o meu tipo ou não, sendo
que realmente mal nos conhecemos. Mas isso não importa. Como entrou aqui? — Lá
estava aquela autoridade que ele sempre demonstrava quando queria impor algum
respeito.

— Sou dona. Por isso que é um pouco impossível comprar essa ideia que não
se lembre de mim. Não acredito em coincidências. Quando saímos, eu te falei que era
dona deste lugar.

Olhei para Stefan, surpresa. Eu continuava calada como uma boba, com a mão
de seu filho entrelaçada a minha. Queria dizer algo, me meter na conversa, mas não
achava que me cabia aquele papel. Desejava que ele mesmo resolvesse a situação,
porque queria saber como iria conduzi-la.
— Foi tão irrelevante tudo o que me disse que eu realmente não me lembrei. —

Uau. Que resposta. — Você está me obrigando a fazer muitas coisas que eu odeio... é...

como é mesmo o seu nome?

— Raíssa — eu respondi, com o maior tom de desdém possível.

— Ah, isso. Obrigada, querida. Raíssa. — Stefan começou a pegar a carteira no


bolso, jogando algumas notas sobre a mesa. Provavelmente uma quantia muito maior do
que precisaríamos pagar por aquela consumação. Levantando-se, ele pegou o bebê da

cadeirinha, que pareceu um pouco confuso, e eu comecei a me levantar também. — Eu


odeio ser grosseiro com as pessoas, a não ser com quem merece. Mas odeio mais ainda
ser interrompido quando estou em um momento especial com a minha mulher e meu
filho.

Minha mulher. Novamente... uau.

Vi a garota engolir em seco, mas Stefan pegou a minha mão, segurando Caio

com um dos braços, e foi me puxando para a porta, fazendo um sinal com a cabeça para
o segurança que estava lá dentro.

Senti uma mão no meu ombro e rapidamente me desvencilhei, mas olhei na


direção de Raíssa, que parecia espumar de ódio.

— Quando aquele programa idiota acabar, esse cara aí vai voltar a pular de
cama em cama. Ou então vai te encher de chifres. Ele não é o tipo de homem que para
com uma mulher só.
Meu coração se afundou no peito só pela hipótese. Eu sabia que não era real.

Sabia que fora verdade quando ele dissera que me amava. Mas o que aconteceria, de

fato, quando não fosse mais necessário fingir para uma câmera? Quando eu tivesse que
tirar aquele anel do dedo? Mesmo que continuássemos juntos, ainda era muito cedo

para um noivado, não era?

Muitas coisas se passaram pela minha cabeça em um único segundo, mas decidi
agir com superioridade e sorrir. Ergui minha mão com o anel, que não era aquela que

Stefan estava segurando e encarei a moça com ironia.

— Ainda assim, eu sou a noiva dele oficial. A noiva que todos adoram. Você
vai continuar sendo a figurante de uma história. Eu sou a protagonista.

Stefan sorriu, parecendo aprovar a resposta, e a porta foi aberta para que
pudéssemos sair.

A multidão lá fora começou a gritar, e ele precisou soltar a minha mão para

segurar Caio com os dois braços. Um dos seguranças se encarregou de me proteger por
todo o caminho até o carro, e nós entramos, mas a loucura me deixou um pouco
abalada.

As pessoas gritaram nossos nomes e quase uivaram, ao ponto de fazer o bebê


chorar. Stefan precisou acalmar Caio, conforme o carro entrava em movimento, e eu
fiquei um pouco parada, absorvendo tudo.

A fama era corrosiva. Nunca a desejei, mas já conseguia perceber por que
muitas pessoas se destruíam ao tê-la. Ficava pensando naquelas meninas e meninos que

começavam a vida tendo o rosto exposto desde muito pequenos, que cresciam em meio

àquele caos. Eu não conseguiria. Já estava suficientemente cansada e não vivia tal
situação há mais do que alguns meses.

— Para onde, senhor? — o motorista perguntou, e Stefan olhou para mim.

Eu sabia que, assim como eu, ele estava chateado. Não tínhamos conseguido
sequer comer, Caio estava estressado e todo o passeio fora arruinado.

Seria sempre assim? Onde tínhamos nos metido?

— Você quer fazer alguma coisa? — ele perguntou para mim. Parecia quase
esperançoso de que eu dissesse sim, porque meu humor tinha visivelmente se tornado
sombrio.

E eu queria dizer algo animador, mas uma enxaqueca começava a se formar, e

tudo o que desejava era o colo dos meus pais para conversar um pouco.

— Você pode me deixar na minha casa?

Isso realmente o frustrou, mas sem pestanejar respondeu que sim e deu as
instruções para o motorista.

Talvez eu já estivesse arrependida da minha decisão, mas só estava assustada.


Precisava de um pouquinho de paz, da minha cama, das minhas coisas e da normalidade
da minha antiga vida – se é que eu teria isso de volta algum dia.
Eu só esperava que isso não formasse uma barreira entre nós.
CAPÍTULO VINTE

Mas que merda de final de semana péssimo! Fiz altos planos para passar dias
de folga, tranquilos e em família com Eveline, mas tudo deu errado. E eu nem poderia
culpá-la, porque, em seu lugar, também odiaria ouvir as coisas que ouviu, vindas
daquela garota que parecia ter sido colocada ali só para criar o caos.

A casa enorme onde eu agora morava ficou extremamente vazia sem ela. Até

mesmo Caio sentiu sua ausência, porque ficou bastante amuadinho.

Era o primeiro final de semana que passávamos separados desde que


começamos a namorar. Normalmente ficávamos em casa mesmo, aproveitando todas as
opções da mansão, e deveríamos ter feito isso novamente. Não dava mais para fingir
que éramos meros desconhecidos. Não poderíamos mais ter uma vida comum, e isso
começou a me deixar puto.

Quando participei daquela merda de reality show que me garantiu a Antura, não
pensei que tantas pessoas o assistiriam. Também não achei que o programa com meu
dia a dia na emissora fosse se tornar o sucesso que se tornou, mas eu sabia que devia
isso ao meu romance com Eveline. E isso me deixava ainda mais chateado, porque fui

eu que a puxei, inconscientemente, para aquela loucura.

Só que até aí tudo bem... Se fosse só isso, poderia ter sido relevado. O
problema maior foram as palavras que a tal Raíssa falou sobre eu ser um galinha, um
cafajeste – embora eu não concordasse muito com esse adjetivo, já que nunca fiz
promessas e nunca foi minha intenção magoar ninguém, apenas viver minha vida de

solteiro. Senti nos olhinhos de Eveline que a possibilidade de ela ser apenas
passageira, de eu enjoar e de abandoná-la depois que o contrato do reality show
terminasse, a atingiu. E, novamente, eu não a julgava.

Ainda assim... não era possível que não tivesse ouvido quando disse que a
amava. Com exceção do meu filho e da minha mãe, nunca falei aquelas palavras para
ninguém. Eu não amava muitas pessoas, não saía desperdiçando meu amor com quem
não o merecia. Só que eu era leal a esse grupo seleto que se infiltrava no meu coração
de verdade.

E Eveline fincara sua bandeirinha bem no meio dele, tomando posse de tudo.

Nós até nos falamos no resto do sábado e no domingo, mas ela alegou que não
estava se sentindo muito bem; que chegara uma crise de enxaqueca, e eu decidi deixá-la
em paz. Se queria ficar quietinha, com seus pensamentos, tinha esse direito.

No entanto, na segunda-feira de manhã, aproveitei que a empresa estava vazia e


coloquei o pano preto novamente na câmera, porque queria que nossa conversa fosse
realmente privada. Não poderia fazer nada com os áudios, mas sem uma imagem
decente, a emissora não teria como veicular. Eu sabia disso, porque eles tinham dito

exatamente a mesma coisa durante nosso primeiro beijo.

Chamei Eveline, e ela entrou, vindo em minha direção para um beijo. Menos
mal. Só que eu vi algumas olheiras sob seus olhos, já que ela não tinha sido maquiada
ainda, o que me preocupou.

— Acha que podemos conversar, antes de você ir se preparar? — perguntei, e

ela assentiu. — O que aconteceu no final de semana?

Ela deu de ombros, mas lá estava o constrangimento.

— Eu fiquei com enxaqueca. Te disse, não disse?

— Sim, mas não foi só isso. Você ficou magoada. Mas o que foi que mais te
magoou?

Eveline me deu as costas, cruzou os braços contra o peito e começou a andar um


pouco ao redor da sala. Eu poderia pressioná-la a falar, não deixar que demorasse
muito, principalmente porque não tínhamos muito tempo, mas achei melhor lhe
conceder algum tempo.

Ouvi quando respirou fundo, preparando-se.

— Foram muitas coisas, Stefan. Na verdade, nada me magoou, eu só quis pensar


um pouco — havia tanto desânimo em sua voz que eu cheguei a ficar preocupado.
Preocupou-me a ideia de que ela poderia simplesmente desistir de tudo. Ou que

os acontecimentos de sábado a tivessem assustado de tal forma que ela decidiria se

afastar um pouco. Nosso contrato não permitiria que desfizéssemos o romance diante
das câmeras, mas era fora delas que eu mais amava sua companhia, porque éramos

verdadeiros; não tínhamos nenhum script. Em nossa vida privada, éramos reais, não
uma fantasia criada por um roteiro brega e muitas vezes sem sentido.

Cruzei os braços contra o peito, em uma atitude defensiva, já esperando para

levar a porrada.

— No que você pensou? — perguntei depois de engolir em seco.

— Em tudo... — Ela descruzou os braços e os abriu, ainda inquieta, andando


sem parar. — No quanto minha vida mudou...

— E você acha que ela só mudou para pior?

— Não foi o que eu disse. — Virou-se na minha direção. Então seus ombros
caíram, denotando frustração. — Só é complicado...

— O que é complicado, Eveline, pelo amor de Deus? — lá se foi minha


paciência, e eu decidi não deixar mais a conversa correr no ritmo dela. Iria insistir, se
fosse preciso, porque não queria que demorasse a dar o golpe, se é que ele viria
mesmo.

— É complicado, Stefan! — ela se alterou. — É muito difícil viver dentro da


minha cabeça. Eu acredito em você. Sei que me ama, como me falou. Mas vem uma
vozinha maligna que fica me pedindo para ir com calma, para dar alguns passos para
trás, antes que eu me machuque de verdade.

— Eu não vou te machucar! — afirmei com veemência, desejando com todas as

minhas forças que acreditasse em mim.

— EU SEI! — Eveline continuou no mesmo tom. — Droga, Stefan, eu sei! Só


que não é uma coisa que consiga controlar. Você é o primeiro cara com quem tenho um
relacionamento sério, não tenho experiência nenhuma com isso.

— Também nunca tive. Nunca quis ter. Se estou com você é porque realmente
quero estar.

Vi lágrimas se formarem em seus olhos, e isso partiu o meu coração. Porra, a


última coisa que eu queria no mundo era deixar aquela mulher infeliz.

— Eu sou boba, Stefan. Não é que aquela mulher, a tal de Raíssa, tenha

conseguido me afetar, juro. É que fiquei pensando em todas as coisas, na forma como
começamos e no que tudo isso se transformou. Parece uma loucura... E se fomos
influenciados pelo programa também? Se todas aquelas pessoas se apaixonaram por
nós, será que não é uma ilusão nas nossas cabeças também? — Ela fez uma pausa. Eu
poderia dizer alguma coisa, mas sabia que queria continuar, então, apenas deixei. —
Você diz que nunca se apaixonou antes; sabe que nunca quis um compromisso, que tinha
a mulher que quisesse nas mãos. Com a fama, poderia ter ainda mais. E se esse amor
que você sente por mim for só influenciado pelo roteiro que nos deram?
Fiquei olhando para Eveline, observando-a enquanto falava e não parava de se

mexer. Fazia sentido o que ela estava dizendo. Se todas aquelas pessoas que gritavam

nossos nomes, que nos seguiam, que comentavam nossas fotos e que pareciam ser tão
viciadas na nossa história, tinham se apaixonado por nós daquela maneira, por que o

mesmo não tinha acontecido conosco?

A direção do programa fazia de tudo para que parecêssemos sexies,


apaixonados e românticos. A edição pegava nossos melhores ângulos, e tudo o que

fazíamos era programado para encantarmos o público. Éramos charmosos juntos,


perfeitos e tínhamos uma química absurda. Dentro e fora da tela, aliás. E isso poderia
influenciar, não poderia?

Porra, eu a tinha pedido em casamento. Ela carregava um anel em seu dedo,


indicando que era minha noiva. Uma noiva de mentira, mas eu cheguei a pensar que
queria que fosse de verdade.

O quanto de tudo isso era real e o quanto era ilusão?

Fiquei matutando isso na minha mente por alguns minutos, mas logo balancei a
cabeça, afastando esses pensamentos.

Era absurdo. Eu não era assim tão suscetível. E sabia que Eveline também não.
Via em seus olhos o quanto amava a mim e ao meu bebê; vi esse amor nascer aos
poucos e não na velocidade com que as coisas aconteceram no programa. Éramos duas
pessoas diferentes na vida real. Duas pessoas que se apaixonaram de uma maneira
diferente.
Só que eu precisava convencê-la disso.

Então me aproximei de súbito, tomando seu rosto em minhas mãos, fazendo-a


olhar nos meus olhos.

— Eu te amo, garota. AMO. Não estou me iludindo por causa de um programa,


não estou me deixando levar por um roteiro. Foi o meu coração que se encantou por
você. Foi você que me ganhou, não a Eveline que eles construíram no programa, porque
são duas pessoas diferentes. Você não é a garota desastrada, bobinha e inocente que

eles criaram; é linda, doce, tem uma língua afiada quando quer, tem um senso de humor
apurado, sabe aconselhar, é madura e cuida daqueles que ama. Foi por essa mulher que
eu me apaixonei. Não por uma ilusão.

As lágrimas se avolumaram mais e mais nos olhos de Eveline, e eu a vi


balançar a cabeça, assentindo. Será que eu tinha conseguido convencê-la?

Meu Deus... um medo absurdo de perdê-la começou a me deixar zonzo. Uma

confusão de desespero com uma ânsia de segurá-la contra mim e não permitir que se
afastasse contribuiu para que eu ficasse quase sem ar.

Então Eveline se colocou na ponta dos pés, e seus lábios tocaram os meus
suavemente. Tão doces que eu poderia me perder neles por horas, sem pensar no mundo
ao nosso redor.

— Eu também te amo. E sei que não é ilusão.

Era tudo o que eu precisava ouvir.


Sem hesitar, empurrei-a até a parede, erguendo-a pelas coxas e devorando-a em

um beijo que eu sabia que nos levaria mais longe.

— Fetiche de transar com a secretária na sala do escritório, chefinho?

Fora ela quem dissera, não fora? Meus desejos seriam concedidos, então...
CAPÍTULO VINTE E UM

Contra uma parede. Foi assim que eu fui beijada, e quando a mão de Stefan foi
parar na minha saia, erguendo-a ao máximo para conseguir chegar ao meio das minhas
pernas, afastando a calcinha, perdi completamente a cabeça.

Ele tinha mesmo levado a sério o que eu disse sobre fetiche. Pensei que seria
apenas uma brincadeira, que logo seria colocada no chão, depois de apenas um beijo

arrebatador, e que logo riríamos da insinuação e voltaríamos ao trabalho. As


declarações que fizemos, a forma como demonstramos nossos sentimentos, já eram
suficientes para que meu dia ganhasse novas cores.

Só que eu não poderia negar que ser muito bem comida, daquele jeito, e me
deixar levar por um orgasmo para voltar ao trabalho com mais disposição, não era uma
ideia nada ruim.

— E a câmera? — perguntei só por precaução.


— Coberta — ele falou com a voz arfante, enquanto encontrava minha entrada e

a penetrava com um dedo, fazendo-me gemer baixinho.

— Você já estava cheio de maldade no coração, é? — provoquei.

— Jamais, moça. Eu sou um cavalheiro — ao dizer isso, ele estocou com mais
força, e eu mordi o lábio para não gemer mais alto. — O fato de eu ter uma camisinha
no bolso é só coincidência.

Quase gargalhei, mas fui impedida por mais um dedo que me invadiu causando
uma fricção mais intensa, que me obrigou a fincar as unhas nos ombros musculosos de
Stefan.

Ele não estava me poupando. Não importava que estivéssemos em um local


público, onde as pessoas poderiam nos ouvir, parecia que Stefan tinha tornado aquilo
um desafio pessoal, e eu também. Sua fala seguinte só confirmou minhas suspeitas.

— A empresa está quase vazia. Estamos em um andar que é só nosso. Vai


mesmo conseguir ficar sem gemer mais alto, querida? — a voz mais sexy possível falou
para mim, rouca, pesada, grave, e eu entendi que Stefan não era o tipo de homem que
aceitava perder, porque ele iria lutar até o fim.

Só que ele ganharia uma adversária à altura.

— Vou. Você não vai conseguir me fazer perder o controle.

— Isso é o que vamos ver...


Mantendo-me na posição em que estávamos, com as pernas entrelaçadas em sua

cintura, Stefan me levou até sua cadeira enorme, presidencial, e me sentou nela,

erguendo ainda mais a minha saia, arrancando a minha calcinha, e pousando cada uma
das minhas pernas nos braços do móvel, puxando-me para a borda. Eu estava

completamente aberta para ele no momento em que se ajoelhou e levou a boca até o
local onde eu já estava completamente molhada.

Eu mal sabia onde me agarrar; se nos cabelos de Stefan, se nos braços da

poltrona, se na ponta da mesa, onde eu alcançava... Tudo o que sabia era que meus
dedos estavam brancos e duros de tanta força que eu fazia. Meus dentes estavam
trincados, meus maxilares, contraídos... Os dedos dos meus pés se tornaram garras
dentro do sapato.

Fechei os olhos, controlando minha respiração, mas... PORRA! Ele era bom
demais naquilo. E mesmo que eu não tivesse nada para comparar, era difícil não
imaginar que nem todos os homens tinham tanta habilidade. Que nem todas as mulheres
tinham tanta sorte.

Sua língua perversa me lambia em todos os lugares certos, e ele chupava e


sugava, esfregando meu clitóris com o polegar ao mesmo tempo.

Quando cheguei ao orgasmo, foi impossível não soltar um gemido, mesmo que
não fosse tão alto quanto poderia ter sido se estivéssemos em um quarto privado, só
nós, sem a possibilidade de alguém chegar e nos ver. Ou pior: de sermos filmados.

Claro que a emissora não transmitiria algo assim, especialmente em horário


nobre, mas quem poderia controlar o que iria para o canal de streaming? Mas a câmera
estava coberta. Eu precisava pensar nisso.

Assim que gozei, fui tirada de cima da cadeira e levada de volta à parede. A

saia ainda estava ao redor da minha cintura, minha calcinha seguia no chão, e eu apenas
ajudei Stefan a tirar a calça, encaixar a camisinha, e fui virada de costas. Meus quadris
foram empinados por suas mãos firmes, e ele me penetrou com facilidade, porque eu
ainda estava molhada de antes.

No momento em que se sentiu dentro de mim, Stefan soltou um grunhido e


literalmente agarrou minhas mãos, prendendo-as à parede, como se não quisesse que eu
me movesse um único centímetro. Ele ficou completamente parado, como se precisasse
de um momento para se recompor, só que aquilo era uma provocação mútua, então eu
empinei um pouco mais o quadril, colocando-me na ponta dos pés, remexendo-me bem
devagar e contraindo meus músculos que o cercavam, quase sugando-o.

Eu poderia não ser uma amante experiente, mas era uma leitora voraz de

romances hot. Algumas coisas que eram descritas eu poderia fazer, ao menos como
experimento.

Deu certo. Stefan reagiu exatamente da forma como eu queria, rosnando como
um animal, e isso o incitou a estocar com força, mais fundo, completamente diferente da
forma delicada como fez amor comigo na primeira vez.

Mais duas estocadas, e eu também gemi. Tudo naquele momento era muito
erótico, e ficou ainda mais quando Stefan puxou um móvel que estava próximo a nós –
uma espécie de cômoda com um gaveteiro –, saiu rapidamente de dentro de mim e me
colocou sobre. Ajoelhada.

— Espalme as duas mãos na parede e mantenha os quadris empinados.

Obedeci, e ele novamente me penetrou, mais uma vez indo fundo e com força,
passando um braço ao redor da minha cintura e deixando outro em um dos lados do meu
quadril só para me movimentar. Tanto os movimentos de estocada quando a forma como
ele puxava e empurrava meu corpo, indo e voltando, entrando e saindo, estavam

destruindo meu discernimento.

Eu poderia facilmente me esquecer de onde estava, e eu provavelmente fiz


alguns sons realmente entusiasmados, o que parecia deixá-lo ainda mais excitado.

Pegando-me de novo, Stefan virou-me de frente e voltou a me imprensar na


parede, de costas para ela, literalmente me fodendo daquela forma, usando a força de
seus braços para me movimentar e me impulsionar.

Não demorei para gozar, porque... pelo amor de Deus. Nunca poderia imaginar
que havia tantas maneiras de fazer com que o sexo se tornasse tão incrível. Suspeitava
que havia muitas mais, sem dúvidas, e queria que Stefan me mostrasse todas elas.

Ele também chegou ao clímax alguns instantes depois, e eu desabei em seus


braços, esperando que conseguisse me sustentar daquela forma, mas ele me segurou
com firmeza e me levou até sua cadeira, sentando-se e me mantendo em seu colo,
montada.
Ficamos em silêncio por alguns instantes, recuperando-nos, mas ele não parecia

pronto para encerrar a rodada.

— Eu quero você o tempo todo. Seria capaz de te foder o dia inteiro, Eveline,

sem parar. Nunca desejei uma mulher dessa forma. Nunca cheguei nem perto.

Tirei meus óculos e olhei em seus olhos, ainda sentindo o contato da minha
fenda molhada contra seu pau, já sem a camisinha, que ele tirou enquanto estávamos
calados, e com um único movimento inocente, que fiz mais uma vez como um

experimento, eu o senti começar a enrijecer.

Stefan agarrou meu cabelo, e eu tentei me inclinar para beijá-lo, mas ele me
manteve afastada, e seu olhar era tão intenso e sexy, quase selvagem, que eu me
perguntei como era possível duvidar de suas palavras de antes. Não que tivesse
acontecido isso, mas sua expressão me dizia em todas as letras que ele estava
desesperado ainda por mim.

Para uma mulher, isso concedia uma autoestima enorme. Eu me sentia feminina,
poderosa, dona de mim mesma. Sempre guardei o sexo para alguém que me fizesse
sentir especial. E lá estava. Eu não poderia me sentir melhor do que naquele momento.

Mantendo-me ainda afastada, ele olhou para a minha boca e ameaçou tomá-la
em um beijo, mas novamente não o consumou. Para puni-lo, remexi-me mais uma vez, o
que o fez sorrir de forma perversa.

— Não se mexa. Estou apreciando você. — Só que eu não obedeci. Conforme


seu pau ficava mais e mais duro, queria aproveitar a sensação e brincar com ele.

Tanto que me endireitei em seu colo, dando espaço para que eu pudesse usar a
mão, acariciando-o. Também não era experiente naquele quesito, mas poderia me guiar

por instinto, não poderia?

Só que Stefan, aparentemente, estava realmente no comando, porque me


surpreendeu arrancando sua gravata do colarinho, usando-a para amarrar meus braços
para trás, o que me deixou boquiaberta.

— Alguma objeção? — indagou, embora já estivesse encerrando o nó. Balancei


a cabeça em negativa, só que ele não estava interessado em algo inocente. A outra ponta
da gravata foi parar no pé da mesa, mantendo-me refém, e ele puxou a cadeira mais
para trás, esticando o tecido e me deixando com os movimentos bem restritos.

Remexendo-se, tirou outra camisinha do bolso e a colocou em seu pau, que já


estava pronto para outra, mas antes usou os dedos em mim, preparando-me. Só que eu

já estava mais do que molhada com todo o clima que se formara.

Quando me sentiu ainda mais pronta, ele me segurou pelas coxas e me


posicionou perfeitamente, deixando que eu descesse por toda a sua extensão, até que eu
gemi mais alto no instante em que me tocou tão fundo que eu não conseguia discernir o
quão unidos estávamos.

Para me silenciar, ele pegou minha boca, devorando-me com sua língua e com
aqueles lábios que tinham sido feitos para beijar, provavelmente, e nós começamos a
nos movimentar juntos. Era uma posição diferente para mim, mas Stefan me mantinha

em equilíbrio, por causa dos meus braços presos, e eu arqueei a cabeça para trás,

respirando, suspirando e choramingando, tentando manter o tom baixo da voz, para que
ninguém nos ouvisse.

Ele desceu a cabeça para o meu colo, afastando um pouco o tecido da minha
blusa, conseguindo tomar um mamilo na boca, o que ele chupou e mordeu sem piedade,
e eu jurei que não conseguiria prender o grito que estava prestes a passar pela minha

garganta. Só que fui mais forte e o transformei em um gemido baixinho, que era o que eu
podia fazer naquele momento.

Stefan demorou um pouco mais para gozar daquela vez, provavelmente porque
tinha se aliviado na primeira, mas eu fui rápido, como um furacão, desabando sobre
ele.

Fui desamarrada, e ele continuou em um ritmo mais lento, delicioso,


remexendo-se sob mim, até que consegui me recuperar e voltamos ao frenético.

Comecei a quicar sobre ele, aprendendo mais ou menos como a coisa funcionava, e lá
fomos nós de novo, perdidos na espiral de prazer, encontrando o orgasmo quase juntos,
ofegantes, saciados e gargalhando logo depois, porque nos sentíamos duas crianças
fazendo travessuras onde não deveriam.

E era mais ou menos isso.

Nossa, como eu estava feliz... parecia até irreal. Eu só queria que tudo desse
certo dali em diante.
CAPÍTULO VINTE E DOIS

Uma música animada tocava, vinda das caixas de som, escolhida por Eveline,
de sua playlist. Com Caio no colo, ela dançava pela casa, segurando a mãozinha do
meu filho, colocando-o para rodopiar, e ele gargalhava aos gritos, parecendo mais feliz
do que nunca.

Com um copo de uísque na mão, eu os observava, sorrindo. Como eu poderia

imaginar, mesmo nos meus devaneios mais ousados, que encontraria uma mulher não
apenas linda, com quem tinha uma química absurda, mas que também adorava o meu
filho – sentimento que era recíproco. Eveline era absolutamente tudo o que eu poderia
sonhar, ainda melhor do que suspeitei que um dia teria.

Apesar de ser, de fato, um mulherengo, queria ter uma família. Não esperava
galinhar para o resto da vida, passando de cama em cama, sem me prender a alguém.
Não esperava terminar meus dias sozinho, vendo Caio sair de casa para viver sua vida,
sem ter uma boa mulher, que seria minha companheira e que estaria ao meu lado nos
bons e maus momentos. Porra, eu queria até ter mais filhos. Queria ter uma menininha

um dia, se Deus me abençoasse com uma. Queria tudo... não apenas a casa bonita que
eu já tinha. Queria cachorro, gato, papagaio... o que eu pudesse possuir.

Queria ter uma história bonita para contar para meus netos um dia. E eu tinha
conseguido uma.

Era um conto de fadas um pouco confuso, com suas falhas e com momentos em
que me questionei se estava fazendo a coisa certa, mas se todos os caminhos, por mais

tortuosos que fossem, me levassem a Eveline, eu poderia me considerar o cara mais


sortudo do mundo.

— Papa, papa... — Com a mãozinha estendida, Caio me chamou para perto


deles, então eu pousei o copo na mesinha ao meu lado, e fui até os meus amores. Para
completar o time das pessoas mais importantes da minha vida, só faltava a minha mãe,
mas ela estava namorando um dos vizinhos do condomínio, e fora até a casa dele para
jantar, como vinha fazendo em muitas noites pela semana.

Era um viúvo gente boa, e eu estava incentivando o romance, mas não queria
imaginar o que ela poderia estar fazendo lá com ele. Preferia acreditar que estavam
realmente apenas comendo, embora muitas vezes, principalmente quando eu estava com
Eveline, ela nem retornasse.

Doce ilusão...

Dancei um pouco com aqueles três, ao som da música animada e antiga, um rock
no melhor estilo Elvis, tentando meus melhores passos, embora eu não fosse exatamente

um pé de valsa. Mexia os braços desordenadamente, rebolava e fazia caretas, tocava

uma guitarra imaginária... todos os tipos de gracinhas, só porque Caio parecia estar
adorando cada segundo.

Eveline também. E se aqueles dois estavam sorrindo, meu dia estava mais do
que completo.

Ou a noite, claro.

Quando uma música um pouco mais lenta começou a tocar, peguei meu bebê,
beijei sua cabecinha, e o coloquei no cercadinho, tomando minha linda mulher nos
braços, começando a dançar com ela ao som de uma balada antiga e romântica.

Ela sorriu para mim, e eu beijei a mão que segurei na minha, encaixando-a bem
perto, com nossos corpos colados, e dei uma piscadinha para Caio, que continuou nos
olhando, ainda gargalhando, principalmente quando girei Eveline e inclinei seu corpo

para trás, fazendo-a rir.

Puxando-a de volta, beijei seus lábios rapidamente e deixei escapar o


pensamento que surgiu de forma súbita, mas que fez todo o sentido quando se instalou
na minha mente:

— Vem morar comigo.

Eveline parou de dançar e chegou a pisar no meu pé, docemente desastrada, e


eu a segurei para que não se desequilibrasse, tamanho foi o seu susto.
— Assim? Do nada? — sua voz subiu uma oitava, e ela endireitou os óculos no

rosto.

— Não é do nada. Já dissemos que nos amamos. Nós nos damos bem, estamos

há algum tempo juntos... Não é tão surpreendente assim.

Ela saiu dos meus braços, e eu podia ver a total confusão em seu rosto.
Desconcertada, levou a mão à cabeça, começando a andar de um lado para o outro. A
música ainda tocava, tornando a cena até mais tragicômica.

— É uma mudança drástica, Stefan. O que sua mãe iria achar?

— Minha mãe praticamente nem mora mais aqui, e você tem passado muitas
noites comigo. Além do mais, ela te adora, tenho certeza de que vai amar.

Entrelaçando dedos das duas mãos e ainda andando como uma baratinha tonta,
ela continuou inquieta, até que me aproximei, segurando seus braços e girando-a para

mim.

— Você não precisa me responder agora, linda. É uma decisão grande,


realmente.

— Para nós dois.

— Mas eu estou completamente certo do que quero. Desejo ter você aqui todos
os dias, acordando comigo, dormindo comigo. Só de pensar em passar mais noites
assim... Rindo, brincando e vendo você e Caio interagindo dessa forma... Nossa, estou
sonhando com isso.

Eveline ergueu os olhos azuis na minha direção, cada vez mais surpresa. Seria
possível que realmente duvidasse que eu estava falando sério?

Bem... quem poderia julgá-la? Eu não era exatamente um exemplo de homem


que qualquer mãe sonharia em ter como genro, embora minha sogra até que gostasse
bastante de mim. Só que ela provavelmente enxergava o quanto eu era doido por sua
filha. Assim como meu sogro. Eveline não duvidava e não demonstrava inseguranças,

mas o encontro com a tal de Raíssa não foi exatamente uma boa contribuição.

Ainda assim, eu vi um sorriso nascer bem devagar em seu rosto, até se tornar
algo radiante.

— Acho que pode dar certo, né?

Tomei seu rosto entre as mãos e beijei sua boca delicadamente.

— Não tenha pressa. O convite está feito, e eu estou ansioso em ter você
comigo. Mas quero que tenha a certeza. Se quiser, pode vir passar uma temporada e a
gente vê como as coisas funcionam.

— Tudo bem — ela respondeu baixinho, enchendo meu coração de esperança.

— Pode ser um experimento, né? Vai que dá certo, você curte e...

— Não, Stefan — interrompeu-me. — Estou concordando em vir em definitivo.


Ah... uau! Daquela vez ela conseguiu me surpreender.

Fiquei parado que nem um bobo, olhando para ela, com as sobrancelhas
erguidas, meio que sem saber o que fazer. Ela tinha mesmo acabado de aceitar morar

comigo? Era real a ideia de que teríamos momentos como aquele sem que tivéssemos
que ficar pensando na hora em que iria embora?

Fiquei tão feliz só de pensar que dei um passo gigantesco na direção dela,
segurando-a pela cintura e a erguendo do chão, começando a girá-la como se fosse uma

comemoração por algo muito extraordinário.

Para mim era... Quando pensei que teria tanta vontade de me unir a uma mulher
daquela forma?

Eveline deu um gritinho, enquanto eu a girava, e Caio bateu palminhas com sua
deliciosa gargalhada. Ele também estava animado por nós.

Pousando minha mulher no chão, mas mantendo um braço ao redor de sua


cintura, peguei Caio com o outro e começamos os três a dançar, conforme outra música
animada nos serviu de trilha sonora.

Colocamos o bebê para dormir e descemos para a sala, para assistirmos ao


maldito episódio do nosso reality show. Certamente não era nosso programa favorito,
mas ele servira para alguma coisa: para nos juntar.

Fizemos pipoca e nos acomodamos, assistindo ao jornal que estava quase


terminando.
— Para você nem tem graça, né? Já assistiu — ela comentou, pouco depois de

engolir o que levou à boca.

— Quando assisto pela primeira vez é com olhar profissional. Não posso ficar

olhando suas curvas com mais atenção.

Levei um tapa no ombro.

— Você tem todas elas ao vivo, não precisa olhar pela televisão.

— Nunca é suficiente. — Inclinei para beijá-la e nos preparamos para o início.

O programa foi seguindo sem nenhum incidente, com algumas coisas um pouco
mais sem graça acontecendo. Para ser muito sincero, quando assisti ao piloto, pelo qual
assinei, dando aval para que fosse transmitido, não vi nada muito bombástico que
pudesse deixar as pessoas ansiosas pela sexta-feira seguinte, quando o próximo seria
exibido.

Mas não demorei a entender qual era a cena bombástica que separaram para
aquele dia.

Quando cobri uma das câmeras, acreditei fielmente que era a única instalada no
meu escritório, principalmente porque eu e Eveline éramos os portadores das chaves.
Só que nossa discussão começou a acontecer. Em rede nacional.

Eveline ficou tensa imediatamente, e eu não sabia se era pela ideia de ter nossa
vida pessoal exposta daquela maneira ou se pelo que poderia vir a seguir.
Só que não era possível que...

Tolo eu era. Claro que era possível.

Como se tratava de uma emissora aberta, eles não puderam exibir as cenas
completamente explícitas que vivemos dentro daquela sala, mas a pegação inicial e a
insinuação foram diretas ao ponto. Além disso, sons de nós dois gemendo e grunhindo,
as frases eróticas que falei para ela, os sons de nossos corpos colidindo... Tudo foi ao
ar.

Voltei-me para Eveline, e ela estava mortificada. O rosto corado, a expressão


chocada, os olhos vidrados na TV.

— Você sabia disso? — Quase não ouvi sua voz, porque soou frágil, quebrada.
Partiu o meu coração.

— Claro que não! — respondi em desespero.

— Mas você assina todos os episódios. Não podem ir ao ar sem sua


autorização — ela afirmou sem emoção, como se fosse um robô, mas uma lágrima
escapou de seus olhos.

— Não foi o que aconteceu no primeiro, e você sabe disso. — Ela se levantou
do sofá em um rompante. Vi quando pegou sua bolsa sobre a mesa, pronta para ir
embora. Corri em sua direção, segurando-a pelo braço. — Pelo amor de Deus, Eveline!
Não vai me dizer que está duvidando de mim...
— Não sei... Eu só estou um pouco confusa. — Passou a mão pelos cabelos

dourados. — Preciso ir para casa. Falar com meus pais.

— Você é adulta!

Ela finalmente olhou para mim com os olhos em fúria.

— Claro que sou, mas nem por isso gostaria que eles precisassem ouvir a filha
gemendo e transando com o chefe em rede nacional — praticamente rosnou e se

desvencilhou da minha mão. — Só me deixa ir. Eu só...

Eveline respirou fundo e simplesmente começou a andar, deixando a casa.

Hesitei um pouco, ponderando se o certo seria ir atrás dela ou lhe dar o espaço
que precisava?

Porra... O que deveria fazer?


CAPÍTULO VINTE E TRÊS

Minha cabeça começou a girar, e eu fui perdendo o ar, como se respirar se


tornasse mais difícil sem Eveline por perto.

Claro que eu precisava ir atrás dela! Que pergunta idiota! Eu não poderia deixar
a mulher da minha vida escapar daquela forma. Se permitisse que fosse para casa sem
conversarmos antes, ela iria remoer os pensamentos por horas, e aquela seria mais uma

pedra em nossos sapatos.

Só que antes de mais nada, eu precisava alertar alguém sobre Caio. Não
poderia deixá-lo sozinho. Àquela hora, a governanta já estava deitada e seria maldade
chamá-la. Eu não iria interromper minha mãe de jeito nenhum. O que me restou foi ligar
para a guarita dos seguranças e perguntar se algum deles tinha experiência com bebês.
Um deles se prontificou, dizendo que era pai de três. Achei suficiente.

O cara chegou em tempo recorde, e eu pedi apenas que ficasse de olho, porque
a criança estava dormindo, e ele pareceu curtir a ideia de cuidar de um bebezinho,
chegando a sorrir ao olhar para Caio.

Era a minha melhor opção. Eu já tinha perdido tempo demais.

Para a minha sorte, meu condomínio era enorme, então eu aproveitei para
também entrar em contato com a guarita lá da frente, para que não permitissem que
Eveline saísse. Era a atitude mais babaca e abusiva da minha parte, sem dúvidas, mas
precisava que ela pelo menos me esperasse.

Consegui encontrá-la lá na frente, com os braços cruzados e indignada,


observando-me enquanto eu corria em sua direção, sob alguns pingos de uma chuva
fraca que caía, descalço, em um nível de desespero que há muito tempo eu não sentia.

— Vai me manter aqui à força? É isso mesmo? — ela estava completamente


irritada. — Só falta me jogar no ombro e me levar de volta.

— Não é uma má ideia — respondi, quase irritado, mas me controlando porque

ela não merecia isso. Ela arregalou os olhos e deu um passo para trás.

O porteiro precisou abrir o portão para que um morador saísse – um que ficou
olhando para nós, obviamente reconhecendo-nos do programa que acabara de ser
transmitido –, Eveline tentou sair. Chegou a passar pelo portão e avançar um pouco,
mas eu fui atrás e a segurei.

— Vamos lá, amor... Volte para casa, para conversarmos. Você sabe que eu não
seria capaz de deixar que aquelas cenas passassem na televisão, em rede nacional. Não
faria isso com você e nem comigo. Acha que eu gostaria que minha mãe visse?
Eveline revirou os olhos.

— Eu não disse que não acredito em você, Stefan. Falei que precisava de um
tempo. Que precisava falar com a minha família.

— Mas por que eu sinto que está se afastando de mim? Que é por isso que está
indo embora? Precisamos resolver a situação como um casal normal!

— Não somos um casal normal, Stefan! Não enquanto aquele programa existir e

coisas assim acontecerem. — Seus olhos se tornaram mais suplicantes: — Só quero


falar com meus pais...

— Eu quero falar com eles também! — exclamei, quase a interrompendo,


porque não podia me dar por vencido. — Fiz uma promessa aos dois e a mim mesmo
de que não te magoaria, e não quero que pensem que eu seria capaz de usar a sua
imagem daquela forma. Só que não quero que volte sozinha, porque está nervosa.
Podemos ligar para eles, fazer uma video-chamada, o que for. Resolveremos esse

problema juntos. Não vou te deixar enfrentar a situação sozinha.

Os ombros de Eveline caíram em uma respiração profunda, mas ela pareceu


aquiescer. Abriu a boca para falar alguma coisa, mas duas pessoas vieram em nossa
direção. Pareciam duas meninas de uns dezoito ou dezenove anos, e não pareciam
completamente sóbrias, especialmente quando uma delas deu um grito estridente de:

— STELINE!

Aquele diabo daquele nome brega. Obviamente eram fãs.


Não era o momento certo para isso. Estávamos tendo uma discussão e

queríamos privacidade. Queríamos simplesmente ser um casal normal, resolvendo um

problema – que não era exatamente cotidiano, mas que merecia uma argumentação
saudável e em paz –, mas não tínhamos uma vida normal. Nada nunca seria normal entre

nós, e eu entendia o ponto de Eveline ao dizer isso. Entendia sua frustração, mas ainda
não podia desistir. Não quando eu finalmente tinha me apaixonado por alguém daquela
forma.

Ao menos era isso que eu queria, só que o universo não permitiu, porque mais
pessoas começaram a se reunir ao nosso redor, do lado de fora do condomínio,
formando uma pequena multidão de gritos e câmeras apontadas, além de choro e “eu te
amos”.

Eveline começou a ficar assustada – eu conseguia ver em seu rosto e já


reconhecer os sinais. Tinha que conversar com ela e convencê-la a procurar ajuda,
porque ela claramente tinha um transtorno de ansiedade que precisava ser
acompanhado, mas naquele momento eu só precisava tirá-la dali.

Peguei sua mão e comecei a puxá-la para dentro do condomínio, onde


conseguiríamos nos safar daquela gente toda, mas a ouvi gritar. Quando olhei em sua
direção, um homem a havia agarrado pela mão e a puxado na direção contrária, também
bêbado. Pelos sons ao redor, eu podia ouvir que estava rolando uma festa não muito
longe. Provavelmente boa parte daquela gente vinha de lá.

— Aqueles gemidinhos todos, hein? Quero alguns para mim. Posso fazer
melhor, hein! — o cara falou, segurando os dois braços de Eveline, e eu comecei a
enxergar pontos pretos de ódio diante da minha visão.

Agarrei-a por cima do cotovelo e a puxei, partindo para cima do babaca bêbado
e socando-o bem no meio da cara. Ele cambaleou, e eu vi várias câmeras apontadas

para nós, com certeza filmando o que estava acontecendo. Provavelmente tirariam tudo
de contexto, e eu ainda seria o vilão da situação, porque era isso o que a mídia gostava,
mas não importava. O que eu queria era tirar Eveline dali.

Segurei-a contra mim, quase servindo de escudo, e fui tentando pedir às pessoas

que se afastassem, que fossem compreensivas. Algumas até atendiam aos pedidos,
principalmente percebendo que Eveline estava muito assustada, mas outras mal se
importavam e só continuavam bloqueando nosso caminho, desesperadas por um
autógrafo e uma foto.

— Amor, vem comigo — sussurrei para ela, em um pedido, porque sabia que
ela não queria voltar para a minha casa, mas naquele momento era a melhor escolha.

Eu a vi assentir, mas mais pessoas nos rondaram, e outra a agarrou, puxando-a e


chegando a rasgar a manga de sua camisa, o que a fez sobressaltar. Outra das meninas
bêbadas agarrou seu cabelo, puxando-o, e isso deixou Eveline completamente parada,
congelada no mesmo lugar, obrigando-me a agir.

Tirei-a do chão nos meus braços, passando por entre aquelas pessoas,
empurrando-as com meus ombros, só esperando não machucar ninguém, e saí
carregando-a e finalmente entrando no condomínio.
Poderia soltá-la, mas a sentia ainda trêmula e assustada. Ela não lidava tão bem

com a fama... ou melhor... talvez as pessoas não lidassem bem com isso. Uma coisa era

ser famoso e conhecido, outra completamente diferente era ter pessoas nos idolatrando
ao ponto de quererem, de fato, nos tirar um pedaço.

Aquelas pessoas tinham agido como animais.

— O que foi isso? — Eveline perguntou com a voz trêmula, agarrando-se aos
meus ombros.

— Pessoas descontroladas. Aquele cara te machucou? — Aquela era uma das


minhas preocupações. Eu sabia que não tivera tempo de feri-la fisicamente, mas o cara
a ofendera, e eu sabia que Eveline tinha seus princípios muito arraigados. Meu papel
era protegê-la, sem dúvidas, e eu me sentia um fracasso por ter deixado a situação
chegar àquela forma.

— Não, estou bem. Pode me colocar no chão.

Já estávamos no meio do caminho, então eu delicadamente a coloquei de pé,


tirando minha jaqueta para colocar ao redor de seus ombros, cobrindo principalmente a
parte de seu braço que estava exposta, mas a abraçando e conduzindo-a para casa.

— Sei que você não queria ficar na minha casa, e eu posso te levar para a sua
depois, mas foi a única forma que encontrei de nos livrar daquelas pessoas.

Eveline sorriu, meio débil, mas era uma vitória.


— Com certeza você vai virar notícia de novo, Superman. Deu um soco no

vilão e ainda salvou a mocinha, tirando-a do tumulto em seu colo. Mais algumas fãs

surgirão, certeza.

Era bom ver que estava tirando sarro da situação, mesmo com o que tinha
acontecido. Claro que ainda estava nervosa, trêmula, mas era forte e sobrevivia a fortes
emoções da melhor maneira possível.

— Acha mesmo que isso vai acontecer? As pessoas não reagem bem à

violência às vezes — tentei continuar a conversa, enquanto a guiava até a casa, sob a
chuva fininha, esperando que isso fosse deixando-a cada vez mais calma.

— Mulheres adoram homens protetores que seriam capazes de brigar por elas.
Eu sou uma das de sorte, sem dúvidas.

Isso me fez quase suspirar. Que bom que pensava isso.

— Você sabe que eu não faria nada para te magoar, não sabe? Que eu fiquei tão
surpreso com aquela cena quanto você.

Ela assentiu, balançando a cabeça com veemência.

— Mas algo tem que ser feito, Stefan. As pessoas estão nos usando como bem
entendem. Usando nossa imagem. Você viu o que aquele cara falou para mim. Eles nos
expuseram ao limite.

— Sei disso. Vou convocar uma reunião na segunda. Quero toda a diretoria
presente. Vou demitir Deise.

— Será que foi ela?

— Provavelmente, sim. Mas se mais alguém foi conivente vai aprender da pior
forma. Eu posso não ter voz ativa em mil coisas ali dentro, mas está em contrato que se
algo for contra meus princípios ou o planejado, eu tenho o direito de demitir quem eu
quiser. Vai ter que ser assim.

Seria minha primeira vez fazendo isso. Provavelmente não seria a melhor
sensação de todas, mas era o certo a fazer, antes que uma catástrofe acontecesse.
CAPÍTULO VINTE E QUATRO

Eu não era do tipo que curtia entradas triunfais, mas foi como me senti,
adentrando a sala de reuniões da Antura, de mãos dadas com Stefan, como se fôssemos
uma corrente de elos inquebráveis.

E provavelmente nós éramos mesmo.

Ele puxou a cadeira para mim, para que eu pudesse me sentar, e fez o mesmo ao

meu lado. Era bem cedo, e nenhuma daquelas pessoas estava feliz em ter sido
convocada para uma reunião extraordinária, mas era mais que necessário. Eu sentia
Stefan espumando. Senti que mal pregou o olhou à noite, rolando na cama ao meu lado,
e levantando-se muito cedo.

Passou algum tempo com Caio, provavelmente para se desestressar, mas logo
que chegamos ao prédio da empresa, senti até mesmo em sua linguagem corporal o
quanto poderia explodir a qualquer momento.
— Espero que tenha um motivo muito bom para essa reunião, Stefan. Hoje é

aniversário da minha filha caçula, queria tomar café da manhã com ela. Minha esposa

está irritadíssima com a minha ausência — um dos diretores falou.

Era o tipo de audácia que tinham. E minha impressão era de que aquilo
terminaria naquele dia.

— Tenho um ótimo motivo. Andei relendo o contrato que assinei na noite


anterior. Passei umas horas bem agradáveis. É uma leitura elucidadora — Stefan

começou a usar de seu cinismo, o que eu normalmente achava bastante charmoso, só


que ele também podia ser bastante cruel naquele modo sem filtro.

Enquanto parecia cada vez mais puto, começou a folhear a papelada do


contrato.

— Claro que eu li na primeira vez e mostrei a um advogado, mas achei que


deveria trazer para que vocês se lembrassem de algumas coisas das quais talvez não

lembrem. — Uma pausa. Ele pareceu achar a parte do contrato que estava procurando.
— Aqui. Cláusula 12. Eu vou resumir para vocês em termos mais simples, porque
talvez nem todos tenham o conhecimento suficiente para compreender em juridiquês,
mas basicamente não tenho autonomia para muitas coisas, mas posso demitir um
funcionário, caso ele cometa algum desrespeito dentro da empresa à minha pessoa, e se
for colocado em votação e a maioria concorde. Creio que devem estar compreendendo
onde quero chegar.

Inconscientemente voltei meu olhar na direção de Deise, esperando ver alguma


reação e percebi quando engoliu em seco e se remexeu na cadeira. Ela sabia que tinha
feito merda.

Stefan também se virou para ela.

— Antes de mais nada, eu queria uma explicação, se é que existe alguma, para
seu comportamento, Deise. O seu e, obviamente, o de todas as pessoas que
compactuaram com o vexame que foi o episódio de ontem.

Ela não respondeu nada em um primeiro momento, mas outro dos diretores se
manifestou:

— Como assim? Você não deu autorização para que tudo aquilo fosse
transmitido? — ele parecia verdadeiramente chocado.

— Obviamente, não — respondeu, sem muita paciência, e novamente olhou


para a mulher, que continuava em silêncio. — E então, Deise... o que tem a dizer?

— O que querem que eu diga? — indagou, claramente na defensiva. — Foi um


marco na emissora. Um recorde de audiência que não é alcançado há muitos anos.

— À custa de quê? — eu me manifestei, porque não conseguia ficar calada.

Apesar de ter conversado com meus pais no dia anterior, pouco depois do
incidente no condomínio de Stefan, e de tudo ter ficado bem, eu sabia que fora um
motivo de constrangimento para os dois. Seus amigos costumavam assistir ao programa,
e por mais que fossem pais modernos, liberais, e que eu fosse adulta, com idade
suficiente para fazer sexo e tomar as rédeas da minha vida, não era meu sonho de
princesa me tornar praticamente uma atriz para filmes adultos.

Por mais que meu corpo não tivesse sido exposto ou que nenhuma cena explícita

tivesse ido para o ar, pouco ficou para a imaginação.

— Você deveria me agradecer, garota! — ela vociferou, irritada. — Era uma


recepcionistazinha que não tinha onde cair morta. Veja onde chegou. Não só tem fama e
um belo de um salário, mas também tem seguidores, as empresas estão correndo atrás

de você como loucas para parcerias.

— Como se ter fama e dinheiro fosse tudo o que importa — comentei mais uma
vez.

— E não é? — gritou. — O que mais você quer? É jovem, bonita, está enchendo
a conta bancária, as pessoas te amam e ainda ganhou, de verdade, o coração de um
CEO milionário. O QUE MAIS VOCÊ QUER? — repetiu, descontrolada, chegando a

me causar um sobressalto.

Lá estava em seus olhos: a inveja. Eu não conhecia a história de Deise, mas


poderia jurar que ela tentara ser famosa na frente das câmeras, mas encontrara seu
verdadeiro talento como produtora. Porque ela, de fato, era talentosa. Chegara muito
longe e poderia ter muito mais se não usasse as pessoas.

Queria conseguir sentir pena, mas não era tão boba assim. A mulher estava
alteradíssima e me menosprezara depois de ter usado minha imagem sem minha
autorização.

— Não admito que fale com ela assim! — Stefan me defendeu, e ele estava
muito irado, tanto que sua voz soou como um rosnado.

— O que você quer, garoto? Me demitir? — Deise se levantou em um rompante.


— Vai mesmo ter coragem? Eu sou a responsável por todo o sucesso do seu programa.
Tudo o que vocês estão construindo vem das minhas mãos! — Ela estendeu as mãos,
com as palmas para cima, como se quisesse realmente mostrar que as usara para o

nosso bem.

— Deise, você está muito alterada — a coordenadora de projetos disse, com


um tom apaziguador, mas Deise nem olhou para ela.

— Vocês dois não seriam nada sem mim. Nada! É uma ingratidão sem fim. —
Dramática, jogou-se na cadeira, levando a mão à cabeça com certeza tentando ganhar a
simpatia dos outros.

Eu e Stefan nos entreolhamos, e eu temia que sua obstinação murchasse, mas ele
parecia mais decidido do que nunca.

— Você nos envergonhou, Deise. Agiu pelas minhas costas e provavelmente


pelas costas de muitas pessoas aqui dentro. — Stefan apontou para as pessoas ao redor
da mesa, e eu sentia como se estivesse na corte de Rei Arthur, em meio à távola
redonda, esperando por uma sentença. — Estou pondo sua demissão em votação. E
espero que antes de tomarem suas decisões pensem que daqui a alguns meses, eu terei
autonomia para muito mais coisas do que tenho hoje em dia. Não é uma ameaça, mas

entendam que eu serei o chefe de vocês e que fui completamente desrespeitado. Não

quero ter uma pessoa trabalhando comigo que tem a coragem de passar por cima das
minhas decisões e, mais do que isso, que não tem respeito sequer a um contrato que

assinou.

Era um discurso e tanto, e eu podia ver a altivez com que Stefan estava falando.
Ele queria mostrar sua superioridade, e era a hora certa para isso, de fato.

Vi quando as pessoas se entreolharam. Eu queria também dar o meu voto, mas


sabia que era uma decisão da diretoria. Apesar de ser uma protagonista naquele
programa, para a empresa, eu ainda era apenas a secretária de Stefan. O que não me
preocupava. Dependendo de como se saísse aquela reunião, não importaria a minha
vontade.

Só que as pessoas começaram a votar. Todos, sem exceção, disseram que não
queriam que Deise continuasse na Antura. Com certeza não era uma situação fácil,

porque a mulher era muito talentosa, só que isso não era a única coisa que importava.
Lealdade e compromisso também eram importantes. Como poderiam confiar em alguém
que era capaz de passar a perna em qualquer um – inclusive seu próprio chefe – para
conseguir o que queria.

E ela queria notoriedade.

Ao final da discussão, fora unânime: Deise estava fora.


A reação dela fora levantar-se novamente, de um pulo, chegando a derrubar a

cadeira para trás.

— Vocês ficaram loucos! Vão destruir o programa! Não vão conseguir sem

mim! — seus berros me obrigaram a fechar os olhos, antes que minha cabeça
explodisse.

— Ninguém é insubstituível. Vá até sua sala e pegue suas coisas — Stefan


falou, mais uma vez em uma voz de comando, e a mulher fez uma varredura da sala

inteira, esperando apoio de alguém. Mas todos estavam contra, ela não tinha aliados.

— Vão se arrepender!

Com isso, ela saiu batendo porta.

Stefan fez um pequeno discurso, agradecendo a atitude dos diretores e


explicando que precisavam de alguém novo, mas em quem pudessem confiar.

Ao final de tudo, voltamos para nosso andar.

Nenhum de nós disse nada, e por mais que houvesse algumas pessoas no
elevador, o silêncio foi ensurdecedor.

Quando estávamos quase no andar da presidência, Stefan virou para mim e


pediu que eu subisse sozinha, porque ele precisava passar no RH e conversar com a
coordenadora para explicar o que tinha acontecido. Queria fazê-lo pessoalmente, e eu
compreendi. Apesar de saber usar de sua autoridade e de uma postura mais arrogante
para comandar, ele também era muito humano. O que Deise fizera conosco era
imperdoável, mas eu sabia que ele não gostava da situação.

Dei-lhe um beijo e o vi saltar do elevador, deixando-me para seguir até o

último andar.

Depois de ouvir a sineta do elevador, as portas se abriram, e eu segui até a


minha estação de trabalho, pronta para me sentar, ligar o computador e checar e-mails.
Precisava ocupar minha cabeça com alguma coisa, antes que a expressão de Deise me

assombrasse pelo resto do dia.

Mas mal consegui me sentar e senti algo afiado me cutucar na altura da cintura.

Prendi o ar e ouvi a voz familiar bem atrás de mim:

— Vocês acham que podem se virar sem mim, não é? Será que Stefan vai gostar
de ficar sem você? Provavelmente não...

Agarrando-me pelos cabelos, ela me arrastou até a sala dele, provavelmente


para esperá-lo. Eu só não fazia ideia de quais eram seus planos e o que aconteceria
comigo dali em diante.
CAPÍTULO VINTE E CINCO

Merda! Que dia de merda!

Eu odiava aquele tipo de coisa. Odiava ter que me cobrir com uma máscara de
um CEO autoritário e manipular as pessoas. Porque foi isso o que eu fiz. Estava certo?
Claro que estava. Mas, ainda assim, não era agradável.

Aquela não era a vida que sonhei para mim quando me visualizei como

"poderoso chefão" – em uma alusão bem ridícula ao nome do programa que me lançou
onde eu estava. Queria ser gentil, firme quando necessário, mas minha intenção era que
meus funcionários pudessem me ver como um companheiro de trabalho, um líder, e não
como um tirano.

Só que eu não poderia prever que chegaríamos àquele ponto.

Deise, desde o início, me pareceu uma pessoa capaz de puxar o tapete de


qualquer um, caso necessário. Ela era bem obcecada pelo trabalho, pelo que pude
perceber em nosso pequeno tempo de convivência, mas eu não sabia nada sobre sua
vida pessoal, apenas o que as pessoas falavam, embora eu não desse muita atenção a

fofocas. Sabia que ela não era casada, não tinha filhos e, aparentemente, sua vida

inteira era o trabalho.

Eu tinha destruído sua vida inteira...

Isso começou a me incomodar, mas não por arrependimento. Por medo. A forma
como ela soou ameaçadora antes de sair da sala, principalmente ao se dirigir a Eveline,

me provocou um calafrio.

Às vezes eu me sentia um burro completo ou talvez um ingênuo. Como permiti


que simplesmente se movimentasse pela empresa sem a companhia de um segurança?
Cheguei a pensar nisso, mas supus que fosse um constrangimento para ela, que
trabalhara na Antura por tanto tempo. Provavelmente os funcionários não
compreenderiam e...

Ah, porra! Eram apenas desculpas esfarrapadas para um erro de uma enorme
magnitude.

Apressado, parei diante do elevador para ir direto à sala dela. Não queria
chamar a segurança para não criar um alarde com algo que poderia ser só uma intuição
errada da minha parte. Eu mesmo poderia lidar com uma mulher irritada. Talvez
conseguíssemos conversar, e ela saísse da empresa com a dignidade que lhe cabia.

O elevador estava demorando para chegar, então eu decidi ir de escada. O


andar do RH era o quinto, e aquele onde Deise trabalhava era um abaixo do meu, ou

seja, o décimo primeiro.

Fui subindo as escadas de dois em dois degraus, com a pressa característica de

quem está em desespero. Mas isso talvez nem fosse necessário, porque eu só estava
preocupado, provavelmente à toa. Queria apenas chegar e ver Deise arrumando suas
coisas, como fora o combinado. Nem me importava em ouvir alguns desaforos, só
queria...

Merda, eu estava preocupado com Eveline. Por que será que algo me dizia que
Deise poderia ter dado a louca e feito algo? Intuição, talvez? Eu não era um homem
assim tão intuitivo. Não costumava acertar em meus presságios, que eram até bem
raros.

Só que no momento em que cheguei à sua sala e a vi trancada e enxerguei que


estava vazia através do vidro que servia de parede, quase senti minhas pernas bambas.

Poderia não ser nada, né? Poderia ter ido ao banheiro. Quem sabe não estivesse
até chorando – o que seria completamente surpreendente, mas possível. Não? No fundo
de toda aquela carcaça durona e da aparência de "nada me abala", Deise poderia ter um
coração humano e sentir as porradas como todo mundo.

E ela trabalhava na Antura há muitos anos. Era cria da casa; crescera por seu
próprio esforço, embora isso não me comovesse. O que fez foi imperdoável.

Novamente com aquele leve resquício de desespero, subi mais um andar,


usando as escadas, e parti em busca de Eveline.

Sua mesa estava vazia, embora sua bolsa estivesse sobre ela. Computador
desligado.

Dei uma olhada na minha própria sala e vi as cortinas fechadas. Eu me


lembrava perfeitamente de tê-las deixado abertas. Mas poderia estar enganado, não
poderia?

Tirei o molho de chaves do meu bolso e tentei abrir a porta, mas nem precisei
girar a fechadura. Não estava trancada.

Eveline tinha a chave. Poderia ser ela... Tinha que ser ela.

Senti minha mão tremer no momento em que abri a porta. No momento em que
vi o que havia lá dentro, meu corpo inteiro se arrepiou.

Eveline estava sentada na cadeira da presidência, com os dois punhos

amarrados nos braços do móvel, uma mordaça na boca. Havia um hematoma em seu
rosto, o que me fez acreditar que tinha sido agredida.

Ao lado dela, Deise. O rosto vermelho, em fúria. Os cabelos desgrenhados, fora


do coque no qual sempre os mantinha. Na mão, segurava um canivete, apontando-o para
o pescoço de Eveline.

— Não pense nem por um momento que eu não seria capaz de matar essa garota,
porque eu seria. — Para me provar isso, ela fez um pequeno corte na pele do ombro
alvo de Eveline. Foi algo completamente superficial, mas sua intenção, provavelmente,
era provar que o negócio era bastante afiado e que faria um estrago.

Um filete de sangue carmesim começou a escapar da pequena ferida, e o leve

gemido de dor que Eveline soltou fez meu coração se despedaçar.

— Solte-a, Deise. Ela não tem nada a ver com isso. Seu problema é comigo.

— Ela tem tudo a ver com isso. TUDO! Essa garota fez a sua cabeça, Stefan.

Era um cara ambicioso quando essa porra toda começou. Quando entrou em "O
Poderoso Chefão", eu manipulei tudo para que você ganhasse. Não foi à toa. Era
porque eu sabia que jovem e com a fama que você tinha, toparia tudo para alcançar
todos os seus objetivos.

— Nem tudo — dei ênfase na última palavra, esperando que compreendesse


que nem todas as pessoas tinham poucos escrúpulos como ela.

Enquanto isso, minha maior preocupação era Eveline. Ela estava muito nervosa,
e eu podia ver seus olhos marejados, assustados.

Caralho! Não havia sensação mais horrorosa do que ver sua mulher em perigo,
presa, acuada, e não poder fazer absolutamente nada.

— Isso é o que você pensa, garoto. Todo mundo tem um preço. Se não tivesse a
influência de uma garotinha que se acha a Madre Teresa de Calcutá, você estaria nas
minhas mãos. Devíamos ter contratado uma secretária que fosse mais ambiciosa
também e tido a ideia do romance; ou alguém que pudéssemos chantagear de alguma
forma. — Então ela abriu um sorriso diabólico e voltou os olhos vidrados para mim. —
Mas eu posso chantagear você.

— Onde está querendo chegar? — Tentei dar um passo à frente, esperando

surpreendê-la de alguma forma. Era só uma mulher, eu era bem maior do que ela e
poderia imobilizá-la sem dificuldades. Só que ela provavelmente percebeu minhas
intenções, porque logo encostou a lâmina no pescoço de Eveline, que pareceu prender o
ar por trás da mordaça, em desespero.

— Bem longe, querido. Eu não sou burra. Não tenho a posição que tenho hoje
em dia nesta empresa à toa. Sou esperta, muito mais do que você pensa que é. Quando
joguei aquele episódio no ar, sabia que você ficaria irritadinho, mas também sabia que
seria uma bomba. Jurei que toda a emissora ficaria do meu lado, mas até que você fez
uma boa jogada dizendo que eles te deveriam obediência no futuro. — Mantendo o
canivete apontado para Eveline com uma das mãos, com a outra ela ergueu um papel
que estava em cima da minha mesa. — Eu fiz um novo contrato, que você terá que
assinar ou sua linda noivinha vai morrer aqui e agora.

— Você é louca. Se matar Eveline dentro deste prédio, eles nunca te deixarão
sair impune. Tem câmeras por todos os lados. Você mesma as instalou — minha voz
começou a soar um pouco mais urgente.

— Eu as desativei antes da reunião. Mas mesmo que eu saia daqui presa,


algemada, não vai fazer diferença para mim. Minha carreira está arruinada!

Meu Deus! Como alguém podia pensar que era melhor ir para a cadeia do que
ser demitido? O quanto era possível que a vida de alguém fosse apenas o trabalho? Que
não houvesse mais nenhuma razão para que aquela mulher desejasse continuar em

liberdade.

— Você pode conseguir emprego onde quiser, Deise. Eu não vou te demitir por
justa causa. Sabe que deve ter as portas abertas em qualquer lugar e...

— EU QUERO A ANTURA! Não transei com aquele velho asqueroso por anos
e anos para nada! Eu deveria ser a CEO dessa porra inteira! Mas ele era um crápula

misógeno que não acreditava que mulheres poderiam comandar o império que ele criou
do nada — Deise estava descontrolada, ao ponto de forçar um pouco mais o canivete
na garganta de Eveline. Tive medo que em um daqueles rompantes, ela acabasse
machucando-a ainda mais.

— Ok, ok, Deise! O que você quer? O que eu tenho que assinar? — Claro que
eu não iria ceder sem sequer tentar, mas precisava mantê-la falando. Precisava ganhar
tempo para que, com sorte, conseguíssemos chamar a atenção de alguém. Quem sabe

algum diretor ou funcionário apareciam ali? Ela estava gritando, provavelmente fora de
si, e alguém, sem dúvidas, iria ouvir.

— É simples, garoto. Um contrato onde você me mantém no jogo e me dá plenos


poderes para dirigir o reality do jeito que eu quiser. Podemos encontrar outra pessoa
para substituir Eveline.

— Isso não vai dar certo. O pessoal assiste ao programa por nossa causa. Vão
odiar se eu trocá-la por outra. Sabe disso — tentei barganhar.
Ela pareceu pensar. Com certeza não estava juntando coisa com coisa e tinha

ideias desesperadas.

— Eu a farei assinar também. Farei um contrato para nossa bonitinha aqui ou eu

vou atrás da família dela. O irmãozinho, né? É vulnerável. Ou a mãe... tão doce...

Apavorada e raivosa, Eveline se remexeu na cadeira à menção de sua família.


Fiz um sinal para que se acalmasse. Não conseguiríamos resolver nada com ela
provocando Deise e se colocando mais em perigo.

— Ok, Deise, eu assino. Mas se machucar Eveline, se encostar um dedo nela,


não vou fazer nada, e você simplesmente vai presa. Solte-a.

— Não. Assine primeiro. — Com a mão livre, ela pegou uma caneta e a
estendeu para mim.

Lancei um olhar para Eveline que demonstrava o quanto eu não sabia o que

fazer; o quanto queria tirá-la dali, mas simplesmente não sabia como. Não conseguia
pensar em uma forma de agir sem colocá-la ainda mais em risco.

Então eu peguei a caneta.

Eveline murmurou algo por trás da mordaça que me pareceu um “não”. Ela era
forte, corajosa, e eu a amava ainda mais por isso. E por amá-la, seria capaz de
qualquer coisa para tirá-la daquela situação.

Respirando fundo, assinei. Só que havia um espaço para Deise assinar logo
abaixo também. Foi quando me surgiu a ideia.

Estendi a caneta para ela, sabendo que estava completamente desnorteada. Não
era uma criminosa experiente, sem dúvidas.

Eu só teria uma chance. E precisava aproveitá-la.


CAPÍTULO VINTE E S EIS

Eu observava tudo, sentindo-me completamente aérea. Sentia o pânico


crescendo dentro de mim, mas tentei controlá-lo ao máximo, embora fosse difícil
estando na situação em que eu me encontrava.

Não queria que Stefan cedesse aos caprichos daquela louca, mas também não
queria morrer, é claro. Antes de ser amordaçada, gritei para que alguém me ouvisse,

mas foi em vão. Não fazia nem ideia de como Stefan chegara ali. Talvez nossa ligação
fosse realmente forte o suficiente para que conseguíssemos compreender quando
precisávamos um do outro.

Quando vi que a assinatura dele já estava no tal contrato, meu coração quase
saiu pela boca – talvez não tivesse saído, de fato, só porque havia algo a cobri-la. Era
tarde demais. Deise havia conseguido o que queria. Ela continuaria a nos infernizar e
faria isso com toda a autonomia. Se me quisesse nua em um dos programas, ela poderia
exigir. Ou seja... estávamos em suas mãos.
Mas o olhar de soslaio que Stefan me dirigiu quando terminou de assinar e

passou a caneta para ela me fez acreditar que ele tinha algo em mente.

Deise pareceu um pouco perdida sobre o que fazer, e por um momento jurei que

não ia dar aquele mole. Só que Stefan estava preparado.

— Se você não assinar, não vai valer de nada. Sabe disso. Ainda mais sem
minha firma reconhecida.

Ela riu.

— Tenho meus contatos para conseguir essas coisas. Já disse que não cheguei
onde cheguei sem suar um pouco.

— Então vá... Só nos deixe em paz. Já tem o que quer — Stefan falou, e Deise
sorriu com malícia.

— Claro que vou, mas vou deixar um presentinho para vocês...

Mal tive tempo de tentar começar a pensar no que poderia ser, quando tive uma
das minhas mãos agarradas. Em uma velocidade impressionante, ela subiu um pouco a
amarra que me prendia, girou meu pulso para cima e fez um corte, bem na minha veia.

Gritei de dor por trás da mordaça, e ouvi, por sobre o zumbido do meu ouvido,
a voz de Stefan chamando meu nome, apavorado.

Enquanto isso, a louca saiu correndo.


Ok, eu estava sangrando muito. Muito mesmo. E não teria como estancar com a

outra mão presa, mas também não poderíamos deixar aquela doida escapar com o

documento.

Quando vi que Stefan vinha na minha direção, gritei para que a pegasse, mesmo
com a voz abafada, esperando que ele compreendesse.

Ele ficou em dúvida por um segundo, mas antes que Deise pudesse cruzar a
porta de saída da sala, ele pulou sobre ela, agarrando-a e lançando-a no chão sem

dificuldades por causa de seu tamanho.

— Desgraçado! Filho da puta! Infeliz! — Ela se debateu como uma leoa, mas
rapidamente foi desarmada. Stefan jogou o canivete longe.

Deitando-a de costas no chão, ele montou sobre ela, prendendo seus braços ao
chão com os joelhos. Ela continuava gritando como uma louca, e eu ouvi algumas
pessoas se aproximando, porque as vozes do lado de fora começavam a se avolumar.

Stefan arrancou sua gravata para amarrar os braços de Deise para trás, e eu
estava aguentando firme, mesmo com o sangue saindo em profusão do meu braço ferido.
Fora um corte profundo, e eu comecei a me sentir um pouco zonza, principalmente
porque não tinha o estômago muito forte para aquele tipo de coisas.

As pessoas foram chegando, e uma das diretoras se aproximou de mim,


apavorada. Foi a primeira a pegar algo para estancar meu sangue, mas não me dei muito
conta do que acontecia, porque minha consciência já não estava tão forte.
Dei uma apagada breve, mas quando despertei estava nos braços de Stefan, e

ele andava apressado, vociferando como um louco, recusando ajuda e sussurrando para

mim que ia ficar tudo bem.

Claro que ia ficar tudo bem.

Não ia?

***

Não sei por quanto tempo fiquei apagada, mas acordei em um hospital, sentindo
cheiro de éter e com algo preso no braço que foi ferido. Uma bandagem,
provavelmente.

Abri meus olhos, e a primeira coisa que vi foi Stefan, que parecia um vigilante
à cabeceira da cama, tanto que correu para mim em um sobressalto, colocando-se ao
meu lado e pegando a outra mão, que não estava machucada.

— Meu amor... como você está? Como está se sentindo? — Beijou os nós dos
meus dedos várias vezes, o que quase me fez sorrir.

— Um pouco fraca, meio zonza, mas bem.

Ele suspirou aliviado.

— Graças a Deus...
— O que aconteceu com Deise? — perguntei, curiosa.

— A segurança do prédio chegou logo depois, e ela foi presa.

Assenti, um pouco melancólica. Não era uma sensação boa pensar que uma
pessoa em quem confiamos por um tempo, que convivera conosco, que trabalhara do
nosso lado por meses, era capaz de tamanhas atrocidades. Eu não tinha uma dúvida
sequer de que ela tinha reais intenções de me matar, se fosse necessário. Que
machucaria qualquer um para convencer Stefan de assinar aquele contrato. Ate Caio...

se tivesse a chance.

Meu Deus... isso me fez estremecer.

Segurando meus braços, como se eu estivesse dando sinais de que iria entrar em
convulsão – sim, Stefan sabia ser exagerado quando queria –, ele olhou nos meus olhos,
como se pudesse me examinar como um médico.

— Você está bem mesmo? Quer que eu chame um médico ou uma enfermeira?

Não consegui conter um sorriso.

— Fica tranquilo. Está tudo bem. Só foi um momento tenso. Estou me


recuperando emocionalmente também.

Stefan balançou a cabeça, concordando comigo, mas estava claramente abalado.


Voltou a beijar meus dedos, mas seus olhos recaíram no anel de nosso noivado falso, e
ele começou a girá-lo, perdido em seus pensamentos.
— O que foi, Stefan? Você parece estranho.

Então seus olhos azuis se voltaram para os meus, e ele abriu um sorriso
desanimado.

— Não é nada, amor. Só fiquei preocupado. Poderia ter te perdido...

— Mas não perdeu.

— Eu sei. Ainda assim, a sensação é horrível. Não só por saber que aquela
mulher poderia ter feito qualquer coisa, mas porque eu não pude te ajudar. Ver você
ferida e ter que escolher entre ir atrás dela... Eu não deveria ter te ouvido. Deveria ter
ficado com você.

Apertei sua mão na minha.

— Claro que não. Se ela ficasse livre, nunca teríamos paz. Estaríamos presos.
O que mais poderia inventar com aquele documento que você nem teve tempo de ler...

Mais uma vez Stefan abaixou a cabeça.

— Eu li depois, enquanto te esperava acordar. Ela exigia que eu renunciasse


depois de um ano, que entregasse a ela a Antura. Mas que mesmo assim estaríamos
disponíveis para uma renovação de contrato do reality.

— E o que ela não faria para que assinássemos essa renovação? Do que seria
capaz? Poderia chegar a Caio! — Stefan sabia que eu estava certa. Ele demonstrou em
sua expressão que também temia a mesma coisa. — Ficou tudo bem, amor. Agora as

coisas serão do nosso jeito.

E realmente passaram a ser.

Fui liberada logo do hospital e voltei para casa. Depois de alguns poucos dias
de molho, onde fui mimada por minha família, a de Stefan e os funcionários da casa,
que eram todos muito gentis, voltei à empresa, e a reunião que fizemos com as pessoas
foi completamente diferente das outras. Stefan teve voz ativa, e eu e ele, juntos, fomos

os responsáveis pela contratação da nova produtora do reality – que infelizmente não


poderia ser encerrado. Nós até tentamos negociar essa parte, mas todos os diretores
concordaram que seria burrice eliminar um programa que tinha se tornado um dos
carros chefes da emissora.

Com a nova produtora, que era responsável por vários trabalhos em emissoras
não apenas nacionais, conseguimos redesenhar o reality e fazer mudanças que
acreditamos serem muito boas para a continuidade da história que estava sendo

contada.

Por incrível que pudesse parecer, uma das câmeras que a própria Deise instalou
escondida na sala de Stefan, a que fora responsável por captar o áudio e as imagens que
não queríamos que fossem veiculadas de nossos momentos íntimos, ficou ativa durante
todo o que poderíamos chamar de sequestro, e toda a tensão foi filmada. Por mais que
não quiséssemos expor nossas vidas daquela forma, muito menos os instantes terríveis
que passamos, seria uma explicação plausível para a retirada de Deise e a prisão dela,
que foi noticiada por todo o país.
No final das contas, o episódio em que a cena de ação foi transmitida tornou-se

mais um sucesso, e todos ficaram do nosso lado, principalmente quando a nova fase de

O REINADO DE CANEJO foi iniciada.

Os episódios ganharam um tom de mais bom gosto e não recebíamos mais


roteiro. Levando em consideração que éramos um casal de verdade, muitas coisas
engraçadas, fofas e relevantes aconteciam no dia a dia da empresa, e até autorizamos
algumas externas, na casa de Stefan, com Caio, porque tudo sempre era aprovado antes

de ir ao ar. De verdade. Sem surpresas.

No último episódio, que encerraria de verdade o reality, depois de um ano


inteiro no ar, assistimos todos juntos na empresa, e comemoramos com champanhe o
sucesso. Stefan já tinha mil ideias para novos formatos de programas, e todos foram
super bem recebidos. Ele era extremamente talentoso, e eu acabei me tornando mais do
que apenas sua secretária – e sua noiva – ganhei um cargo na área de produção também,
porque todos concordaram que eu tinha boas ideias.

Depois da pequena comemoração na empresa, partimos para a mansão – onde


eu já morava há alguns meses. Infelizmente Caio já estava dormindo, e como Glória
tinha se mudado para a casa de seu namorado pouco depois de eu ter ido para lá –
embora sempre jantássemos juntos –, ficamos completamente sozinhos.

Só que eu conhecia bem o meu homem; sabia que estava aprontando alguma.

Fui levada para o jardim, com o pedido de que mantivesse os olhos fechados.
Obedeci, entusiasmada, com grandes expectativas.
Quando Stefan pediu que eu abrisse os olhos, havia uma tenda armada sobre a

grama, um pouco afastada da piscina, e flores enfeitavam todo o espaço, além de luzes,

um pano fofo no chão e uma cesta com vinho, frutas e outras guloseimas.

Eu estava de costas para ele enquanto olhava para aquilo tudo, mas quando me
virei, vi meu doce Stefan ajoelhado, segurando um anel na mão.

— Stefan... o que...?

— O que você acha que é isso? — perguntou com um daqueles sorrisos que
eram capazes de derreter qualquer coração e qualquer calcinha.

— Um pedido de casamento? Mas você já me fez um, não fez? — falei com a
voz embargada, sentindo-me uma boba.

— Aquele não valeu. E eu não queria que o nosso, de verdade, fosse feito de
frente para as câmeras. Tinha que ser algo só nosso. Vai que você diz não? — brincou.

— Você sabe que eu nunca...

— Shhh — ele me interrompeu. — Não me dá spoiler. Deixa eu fazer o pedido


primeiro...

— Tá! — Comecei a chorar, rindo e estendendo a mão, que ele me pediu.

Delicadamente, Stefan retirou o primeiro anel de noivado e o guardou em seu


bolso.
— Este aqui fui eu mesmo que escolhi, para você. — Ele ergueu um pouco a

caixinha, com o lindo anel que havia lá dentro. — A pedra tem a cor dos seus olhos, e

eu amo os seus olhos... Amo você inteira. Amo estar com você. Ser seu companheiro,
seu namorado, seu amante... Assim como você é para mim. Se me der a chance de viver

todos os dias ao seu lado, é como vai ser. Porque eu quero que nossa história seja para
sempre. Por isso, Eveline Tamar, aceita se casar comigo?

Eu poderia fazer um suspense, fingir estar pensando, tentar deixá-lo nervoso,

mas ele sabia. Nós dois sabíamos que não havia outra resposta possível para aquela
pergunta.

— Claro que sim — respondi com a voz embargada.

Visivelmente emocionado, assim como eu, ele colocou o anel delicadamente no


meu dedo. Levantando-se, puxou-me para seus braços e me girou no ar, exatamente
como tinha feito quando concordei que morássemos juntos.

Eu poderia jurar que o condomínio inteiro conseguia ouvir os sons de nossas


gargalhadas, e tudo o que eu queria era que continuássemos assim, para sempre.
EPÍLOGO I

Dizem que apressado come cru e quente, mas não foi exatamente uma
preocupação minha quando decidi que queria me casar com aquela mulher o mais
rápido possível. Não importava se não teríamos uma cerimônia enorme, que não seria
um casamento digno de duas celebridades – o que, infelizmente, éramos –, tudo o que
queríamos éramos nos tornar marido e mulher. Eveline concordava em gênero, número
e grau com a decisão, então nossa ideia era organizar tudo o mais rápido possível.

Só que fomos convencidos, pela Antura, a transmitir o casamento na emissora.

Em qualquer circunstância, poderíamos ter negado, porque se tratava de um


momento especial para nós dois, que queríamos compartilhar apenas com quem
amávamos. Mas as pessoas eram muito carinhosas conosco. O público nos amava.
Apesar de alguns incidentes exagerados, onde esse amor era exacerbado ao ponto de
parecer assustador, em um geral o carinho era muito gostoso. E elas pediram muito que
pudessem participar de alguma forma, logo que o casamento foi anunciado.
Com a condição de que tudo seria exatamente como nós queríamos, topamos. E

no final das contas, a Antura criou uma cerimônia pequena, discreta, singela, mas

belíssima e inesquecível.

Já fazia alguns meses que o reality tinha terminado e não esperávamos uma
audiência tão alta, mas os números foram muito maiores do que sequer poderíamos
sonhar.

E a minha garota estava mais linda do que um sonho.

Ela vinha de braço dado com o pai, que estava visivelmente emocionado, e eu
não sabia se olhava para minha noiva ou para meu filho, que seguia na frente, andando
com as perninhas curtas incertas, carregando as alianças numa cestinha.

Será que existia um homem com mais sorte do que eu?

Olhando ao meu redor, vendo nossos amigos e nossas famílias – minha mãe e

seu namorado, a mãe de Eveline, Fernando –, naquele momento eu tinha certeza que
poderiam haver muitos homens afortunados, sem dúvidas, mas eu me sentia o dono do
mundo. E estava pouco me lixando para o quanto de dinheiro ou poder eu tinha, ou que
uma emissora de TV, que era uma das principais do país, estivesse sob o meu comando.
Isso era irrelevante.

Quando o padre nos declarou marido e mulher, e eu beijei Eveline como minha
esposa pela primeira vez, aquele momento selou tudo.

A minha família era o que mais importava.


EPÍLOGO II

QUATRO ANOS DEPOIS

O barrigão de seis meses não me permitia apreciar minha aparência no vestido


maravilhoso que escolhi para aquela noite, mas dei uma voltinha ao redor do espelho,
sentindo que tinha feito o melhor que poderia fazer.

— Mamãe, você ta linda — Caio falou, e eu olhei para ele por cima do ombro,

com um sorriso. Estava sentadinho no meio da cama, cuidando de sua irmãzinha de dois
anos, a pequena Paloma.

Caio era um garotinho doce e muito protetor. A transição para que me chamasse
de mãe foi muito natural, e nem eu nem Stefan forçamos nada. Ele me considerava
assim, e eu o considerava como meu também.

— Inda, mamã — Paloma, com sua vozinha estridente, bateu palminhas e


sorriu, meio desdentada.
Como eu amava aqueles dois.

E amaria meu novo garotinho também, que estava a caminho.

Aproximei-me dos dois e os beijei nas cabecinhas, jogando-os na cama e


fazendo cócegas, o que lhes arrancou muitas gargalhadas.

Uma batida na porta trouxe Stefan para nós. Ele não demorou a entrar na
brincadeira, mas paramos quase que imediatamente, porque não queríamos desarrumar

muito as crianças.

Quando conseguiu olhar para mim de verdade, seus olhos brilharam:

— Uau! Você está maravilhosa! — exclamou, deixando um beijo na minha boca,


que arrancou risadinhas das crianças.

Ele também estava de tirar o fôlego com um smoking feito sob medida, que caía
perfeitamente em seu corpo alto, deixando os ombros largos em evidência.

De braços dados e segurando nossos filhos, saímos do quarto e partimos para o


carro, que nos esperava na porta do hotel. Nossas famílias nos encontrariam no local
do evento, embora estivéssemos hospedados no mesmo lugar, e todos não paravam de
nos mandar mensagens sobre o quanto estavam empolgados e felizes.

Nós também estávamos. Juntos, eu e Stefan, tínhamos passado a assinar várias


criações próprias na emissora, especialmente seriados. O canal de streaming crescia
com produções próprias, desde que assumimos novas funções lá dentro, mas daquela
vez era algo especial. Aventuramo-nos a escrever um roteiro e produzir um seriado que
acreditamos que tinha muito potencial. Era uma história original, escrita por nós, do

início ao fim.

Passamos horas de nossos dias, na sala de Stefan, criando cada trama, cada
reviravolta, construindo os personagens, e foi algo extremamente divertido. Era uma
série de suspense, no melhor estilo Agatha Christie, e foi um sucesso. Ao ponto de que
estávamos presentes naquele evento para sermos premiados internacionalmente, já que

a série fora traduzida e legendada para vários idiomas no canal de streaming.

Era uma realização que nunca sonhamos. Era um deleite criarmos juntos
daquela forma. Não apenas nosso amor estava dando frutos, na forma da nossa família,
mas tínhamos algo mais que compartilhávamos.

Subimos ao palco juntos, para recebermos o prêmio, e eu falei brevemente


sobre o quanto estava emocionada, mas Stefan também quis dizer algumas palavras:

— Não vou me alongar muito, mas queria apenas dizer que este prêmio vai para
todas as pessoas que têm um sonho. Pessoas que juram que não vão conseguir realizá-
lo, porque não nasceram em berço de ouro ou que não terão condições. Meu conselho
é: lutem sempre, nunca desistam. Façam sacrifícios, porque pelos motivos certos, eles
valem a pena. — Meu marido olhou para mim, com um sorriso de canto charmoso,
relembrando a conversa que tivemos no início, quando estávamos nos conhecendo.

Agradecemos a todos e descemos do palco, sendo recepcionados por nossas


famílias com um enorme abraço.
Por fim, eu e Stefan nos entreolhamos, cúmplices, nos entendendo em apenas

uma expressão, um gesto.

Provavelmente aquele era o sentido da vida: ter as pessoas que amávamos por

perto e construirmos algo que nos fazia felizes. Era tudo o que eu poderia querer e
pedir. Tinha todos os meus sonhos realizados, mas sabia que muitos ainda estavam por
vir.

FIM

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