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Este e-book é uma obra de ficção. Embora possa ser feita referência a eventos
históricos reais ou locais existentes, os nomes, personagens, lugares e incidentes são o
produto da imaginação da autora ou são usados de forma fictícia, e qualquer
semelhança com pessoas reais, vivas ou mortas, estabelecimentos comerciais, eventos,
ou localidades é mera coincidência.
PRÓLOGO
CAPÍTULO UM
CAPÍTULO DOIS
CAPÍTULO TRÊS
CAPÍTULO QUATRO
CAPÍTULO CINCO
CAPÍTULO SEIS
CAPÍTULO SETE
CAPÍTULO OITO
CAPÍTULO NOVE
CAPÍTULO DEZ
CAPÍTULO ONZE
CAPÍTULO DOZE
CAPÍTULO TREZE
CAPÍTULO QUATORZE
CAPÍTULO QUINZE
CAPÍTULO DEZESSEIS
CAPÍTULO DEZESSETE
CAPÍTULO DEZOITO
CAPÍTULO DEZENOVE
CAPÍTULO VINTE
CAPÍTULO VINTE E UM
EPÍLOGO II
PRÓLOGO
Eu ouvia o som de aplausos, dos gritos e meu nome sendo ovacionado pela
plateia. Tudo aquilo me maravilhava e me assustava ao mesmo tempo. O bebê no meu
colo também parecia um pouco confuso, mas morrendo de saudade de mim, assim como
eu estava dele.
comemorando, até mais do que eu, enquanto pedaços de papel laminado colorido caíam
sobre a minha cabeça, e luzes quase cegavam meus olhos. We are the champions, do
Queen tocava ao fundo, como o hino da minha vitória.
Eu provavelmente ainda não tinha muita noção do quê tudo aquilo significava,
até porque eu estava há dois meses confinado numa casa sem contato com o mundo
exterior, longe do meu filho, mas ter todas aquelas pessoas torcendo por mim... deveria
ser um bom sinal, não? Inclusive, elas tinham sido as responsáveis por eu estar ali,
como o grande vencedor de O PODEROSO CEO, o reality show criado para escolher o
novo CEO da Antura, a própria emissora de TV que o transmitia, uma vez que seu dono
falecera sem herdeiros.
Tratava-se de uma espécie de Sílvio Santos, muito querido por todos, que
Eu era formado em Rádio e TV, e sempre sonhei em trabalhar nela. Aliás, boa
parte das pessoas que estudavam comigo tinham esse sonho. E eu não apenas tinha
Era inacreditável.
Pensar que a partir daquele momento eu seria capaz de dar uma vida melhor
para a minha mãe, depois de ela ter ralado por anos e anos para me proporcionar
estudo, casa, sustento – já que o vagabundo do meu pai nos abandonou quando eu era
um molequinho do tamanho de Caio – e para me tornar um homem digno, era o meu
maior prêmio.
Eu sabia que muitas coisas tinham contribuído para a minha vitória,
especialmente ao ver tantas mulheres na plateia. Muitas delas faziam elogios à minha
aparência, e – modéstia à parte – sempre fiz sucesso com elas. Não era à toa que tinha
me tornado pai solteiro, mas não teria chegado tão longe sem todos os meus
conhecimentos e sem meu talento. O público votava, mas eram os jurados dentro do
programa que escolhiam quem queriam que ficasse e quem fosse para o “paredão”. Por
isso, minha educação, custeada pelas mãos daquela mulher pequena que me abraçava,
fora primordial.
Porra, eu nem sabia o que dizer. Meu coração estava disparado, e meus
Mas assim seria a minha vida dali em diante, não? Meu rosto seria conhecido,
as pessoas saberiam quem eu era.
Uma loucura boa, é claro. Pela qual lutei por muito tempo. Se a realidade
espelhasse os sonhos, as coisas começariam a dar certo, e a sorte apenas sorriria para
mim.
Eu podia jurar que estava tendo uma crise de ansiedade. Muitos diriam que o
motivo era bobo, mas eu não era muito boa com mudanças. E eu estava prestes a passar
por uma enorme.
E eu seria capaz de sacrificar qualquer coisa pela minha família. Eles eram meu
porto seguro, minha base. Meus pais eram dois guerreiros que trabalhavam como
loucos para dar o possível e o impossível para seus filhos. Mesmo não tendo condições
excepcionais, eles criaram um filho autista com todas as dificuldades, e meu irmão era
um homem saudável, doce, mesmo com suas imensas limitações.
O problema maior era que ser a secretária do novo CEO da Antura implicava
em muitas coisas. A primeira de todas e que mais me assustava era pensar que, se eu
fosse mal na função, se não desse conta, perderia um emprego que já estava garantido.
Claro que poderia pedir minha posição como recepcionista de volta, mas dificilmente
eles me dariam. Em segundo lugar: a minha antiga supervisora era uma pessoa ótima de
se trabalhar, e fora a minha primeira chefe, a não ser as famílias para as quais trabalhei
como babá, desde a adolescência, mas isso não contava. E se o tal Stefan Canejo fosse
um escroto?
Tinha lido algumas coisas sobre ele e tudo o que vi não era muito favorável.
Além de o cara ser super jovem, ele era um galinha. Eu odiaria trabalhar para alguém
que tentaria me assediar. Se isso acontecesse, pediria demissão imediatamente.
Mas havia um terceiro motivo para a minha ansiedade estar nas alturas: cada
passo de Stefan Canejo seria documentado. Haveria outra espécie de programa, na
própria emissora, só sobre a vida dele dentro da empresa, que contaria sua trajetória lá
dentro e o mostraria adaptando-se à sua nova vida de milionário.
Isso fora decidido pelo alto escalão da Antura quando se depararam com um
vencedor do programa que rendia notícias. O cara era lindo, pai solteiro e tinha uma
vida humilde. Ou seja... quase uma história de Cinderela às avessas – um prato cheio
para um conto de fadas. Obviamente isso seria explorado até a última gota.
Haveria câmeras o tempo todo no escritório, prontas para pegar toda e qualquer
alteração que renderia uma cena interessante para o programa. Um dos motivos pelos
quais eu fui escolhida, também – ao menos pelo que fora dito pelos corredores da
empresa – era que me achavam uma mulher bonita.
Ah, meu Deus! Será que isso aconteceria? Claro que eu seria uma coadjuvante
na vida de Stefan Canejo, mas eu apareceria uma vez ou outra, né?
Tentei me recuperar, porque precisava ir para a minha mesa, para estar a postos
quando o Sr. Canejo chegasse, mas sabia que haveria câmera filmando tudo,
principalmente a sua entrada triunfal.
Estava emperrada.
mais, tudo no que eu pensava era em sair dali, portanto, imaginei que alguém passaria e
me tiraria dali a qualquer momento.
Ou seja, eu poderia ficar por um bom tempo ali. E isso não era nada bom
agradável, porque havia uma veia bem claustrofóbica dentro de mim. Estar em um lugar
sem janelas me dava a sensação de sufocamento. Não era um banheiro pequeno, mas
isso não queria dizer que não me fazia sentir presa.
— Oi... calma... Eu te ouvi. Vou tentar te tirar daí... — Era uma voz masculina.
Imaginei que pudesse ser um dos rapazes da segurança, ou, como pensei a princípio, da
limpeza. Como ambos eram serviços terceirizados, sempre surgia alguém novo para
substituir uma pessoa da equipe, que era grande.
setor. Ou seja, havia muitos funcionários envolvidos, e por mais que conhecesse a
maioria de vista, principalmente por trabalhar na recepção, era difícil reconhecer vozes
ou me lembrar de todos os nomes.
— Como é seu nome? — a pessoa perguntou, com uma voz calma. Ainda bem
que alguém sabia reagir em situações de estresse.
Eu ouvi a pergunta, mas não consegui fazer minha mente processar uma
resposta. Minha respiração estava ofegante, e eu sentia que acabaria despencando a
— Eveline. Me desculpa, é que eu estou muito nervosa. Muito. Acho que estou
tendo um ataque de pânico.
— Ok, tudo bem, tudo bem. Estou aqui. Não vou a lugar algum.
Sua companhia me trazia algum alívio, mas não o suficiente para eu me sentir
fisicamente melhor. Sentei-me no vaso, abaixando o tampo, porque não conseguia mais
ficar de pé, mas tinha certeza que acabaria desmaiando.
Não que eu quisesse que a pessoa que estava do outro lado entendesse isso, mas
— Acho que eu vou desmaiar... — falei, sem nem saber se seria audível.
Mas foi...
— Beleza. Continua aí. Vamos resolver o problema, querida. Fica calma, ok?
Querida...
Era um termo tão íntimo, mas, ao mesmo tempo, pela forma como o cara falou
me fez sentir... querida. Por falta de palavra melhor.
Eu queria saber quem ele era. Quem era o meu herói, literalmente.
O quê?
Foi então que eu realmente abri os olhos e observei o rosto à minha frente. O
novo rosto de um milhão de dólares que estampava milhares de cartazes pela empresa,
que não saía dos sites de notícias e fofocas e que estava marcado em outdoors... o rosto
atraente do meu novo chefe.
Enquanto eu chegava à terrível conclusão, flashes começaram a surgir, além de
Claro que minha primeira cena naquele reality show, do qual eu nem sabia se
queria fazer parte, seria quase desfalecida, em um banheiro, com a porta arrombada,
nos braços do homem que seria o meu chefe.
Primeiro de tudo, tive que bancar o herói e me deparo com a donzela em perigo
mais bonita que poderia surgir no meu caminho. Isso seria incrível, se não houvesse
uma fila de câmeras atrás de nós, prontas para registrar o momento. Claro que eles iam
querer transmitir o início da minha jornada como CEO da Antura com um ato como
aquele. Era quase uma cena das novelas que passavam na emissora, com o gostinho de
ser parte da realidade.
A garota, em contrapartida, não pareceu curtir muito a ideia de como seria sua
primeira aparição em rede nacional. E quem poderia culpá-la?
programa, mas eu vi uma carranca se formar em seu rosto bonito. Eveline, como ela
dissera que se chamava, não estava gostando nada de ser filmada daquele jeito. Mas ela
concordara com isso, não?
que curtia bastidores e que não queria a fama. Que nem precisaria tê-la, já que as
pessoas que me rondariam é que seriam mais expostas.
Finalmente soltei a moça. Já deveria ter feito isso antes, mas fiquei um pouco
paralisado com a situação. Não tinha a ver com o pedido de um take perfeito, porque eu
estava pouco me lixando para isso, embora tivesse concordado em participar, por um
ano, daquela palhaçada toda para garantir minha posição na Antura.
bonito vestido azul, que combinava imensamente com a cor de seus olhos, ajeitou seu
óculos, e respirou fundo. Seu rosto estava um pouco corado, e não parecia ser de
maquiagem. Ela estava inquieta o suficiente para parecer um pouco nervosa, mas...
— Perdão, Sr. Canejo. Estou envergonhada pelo que aconteceu — ela começou
a falar, quase em um sussurro.
— Não é culpa sua — foi tudo o que eu consegui dizer, antes que ela fizesse um
estranho meneio de cabeça e se afastasse, quase apressada demais, fugindo.
Ou melhor não. Eu não costumava resistir a mulheres bonitas, ainda mais com
aquele jeitinho atrapalhado. E dentro da empresa não seria uma boa ideia eu sair
pegando as funcionárias. Seria um péssimo começo, especialmente com tudo sendo
documentado.
O resto do dia foi permeado por câmeras na minha cara, enquanto eu era
apresentado às pessoas, tentando ser o mais simpático possível. Queria que gostassem
de mim, que me vissem como um líder e não como um patrão. Já tive chefes que
infernizaram a minha vida e não queria repetir seus comportamentos.
Fui levado à minha sala, e fiquei maravilhado com o lugar que se tornaria
praticamente a minha casa, porque eu passaria boa parte do meu dia ali dentro. De
acordo com as pessoas que me guiavam, eu poderia contratar um arquiteto para deixá-
lo mais à minha cara, com uma decoração mais jovem, já que a sala tinha uma vibe
mais antiga, como o antigo e falecido dono gostava.
Muitas coisas foram ditas, e eu sentia minha cabeça girar com tantas
informações. Também falaram bastante sobre as gravações, que poderíamos ter uma
espécie de script, caso os produtores achassem importante para manter a audiência. Eu
não sabia se conseguiria interpretar um personagem, mas estava no contrato que assinei.
E não deveria ser algo tão complicado, levando em consideração que a compensação
seria imensa.
A vida confortável que eu daria ao meu bebê e à minha mãe valiam qualquer
sacrifício.
Minha história com a mãe de Caio foi muito complicada. Nós tivemos uma
noite, eu a engravidei e tirei o bebê dela, porque era uma irresponsável, que chegou a
deixar meu menino sozinho em casa para ir comprar cerveja, mesmo ele tendo três
meses de idade.
achei verdadeiramente trágico. Exatamente por isso, saber que meu filho nunca
precisaria recorrer à família dela, que nem sabia que ele existia, me deixava com a
consciência limpa.
Ainda estava passeando pela sala quando ouvi alguém bater à porta. Imaginando
que deveria ser a minha secretária, disse:
— Pode entrar.
Não me foi dito o nome da moça, e eu nem sabia quantos anos tinha, como era
sua aparência. Estava de costas quando a ouvi entrando, sapatos de saltos batendo
contra o piso da minha sala.
Não pude conter um sorriso ao ver a linda e tímida loirinha, de quem fui o
“herói” naquela manhã, parada de cabeça baixa, com as mãos entrelaçadas nas costas,
provavelmente morrendo de vergonha.
Então Eveline era minha secretária? Eles tinham escolhido uma moça muito
bonita. Fiquei pensando se não seria proposital, afinal, quase tudo a partir daquele
Queria muito me manter composto, mas a situação era engraçada por si só, mas
ela tornava tudo ainda mais, por seu jeitinho.
— Pode rir. Seu reality show começou como uma comédia. Se quiser que eu
faça um stand up, posso começar. — As coisas ficavam cada vez melhores: a garota
falava o que pensava, não tinha filtro. Eu gostava disso. — Perdão. Não leve em
consideração essa insolência. Aliás... não leve nada em consideração. Não é o meu
melhor dia.
— Como há muito tempo não me divirto. Mas não fique constrangida, porque já
gostei de você, Eveline — enfatizei o nome dela, para que percebesse que eu lembrava.
E olha que eu não costumava me lembrar de muitos dos nomes das mulheres que
— Que bom, senhor. — Senti um toque de ironia em sua fala, então achei
claustrofobia. Mas nada foi pior do que aquelas câmeras na minha cara.
— Até sabia, mas suspeitei que, sendo sua secretária, ficaria mais nos
bastidores. Teoricamente não seria minha função ser uma das protagonistas.
— Se não fosse para você aparecer constantemente, imagino que não teriam
escolhido uma mulher tão bonita. Infelizmente a indústria da TV ainda se preocupa
Foi um elogio simples, e eu suspeitei que ela deveria receber vários, porque, de
fato, era uma garota bastante atraente. Para a minha surpresa, Eveline corou.
— Seja como for, podemos tentar conversar com os produtores e reduzir sua
participação, se for o que você quiser.
Aquilo me deixou bastante intrigado. Eu sabia que tinha acontecido uma seleção
bem criteriosa para a minha nova secretária, o que eu teria sido contra, se pudesse
opinar em algo. A secretária do Sr. Antura era uma senhora de quase setenta anos, que o
acompanhara por muitos anos, e eu não me importaria em ter alguém como ela, porque,
por mais mulherengo que fosse, secretária precisava ser um terreno proibido. Só que,
como em muitas outras coisas por questões contratuais, por um ano eu não teria muito a
opinar na empresa, seria mais um rosto. Eu poderia dar as minhas ideias, mas elas
teriam que ser aprovadas. Assinaria documentos, seria o nome principal da empresa,
mas só depois de um ano ela seria minha realmente, quando terminasse também o
reality show.
Mas o que me deixava surpreso em Eveline era o fato de ela não querer a
exposição. Poderia jurar que todas as garotas que tinham se inscrito para o processo
seletivo estariam mais do que ansiosas para se tornarem famosas e ainda ganharem um
bom salário por isso.
— Você não quer a fama? — Ela balançou a cabeça, em negativa. — Por quê?
Por que aceitou o emprego, então?
— Porque eu tenho uma família que precisa da minha ajuda — foi a resposta
Ok, nós tínhamos algo em comum. E, provavelmente, isso me fez gostar dela
mais ainda.
CAPÍTULO TRÊS
Eu normalmente não gostava de pisar na minha casa com aquele péssimo humor.
Meus pais já carregavam pesos demais em suas costas para ainda terem que lidar
comigo. Então eu somente dei uma bufada bem profunda, enquanto os ouvia na cozinha
conversando, movimentei meus ombros para relaxá-los, pendurei a bolsa no cabideiro
ao lado da porta, arregacei as mangas do casaquinho que usava e parti para perto da
minha família.
Olhar para eles sempre me fazia sorrir. Apesar de todos os problemas, éramos
um grupo cheio de harmonia, e o amor dos meus pais florescia de tal forma que
contaminava todos ao redor. Mesmo com quase trinta anos de casados, ainda eram
apaixonados um pelo outro, e desde pequena eu sempre sonhei com um amor assim, que
pudesse ser notado a quilômetros de distância, mesmo por pessoas que mal nos
conheciam. Um sentimento que ficava escrito em seus olhos, fazendo-os brilhar mais do
que o normal sempre que estavam juntos. Os dois adoravam os filhos, mas o que
compartilhavam era especial à sua forma; como se tivessem um universo onde eu e meu
irmão estávamos incluídos e outro onde só havia eles dois.
— Oi, filha! — minha mãe exclamou, reparando na minha chegada. Seu sorriso
se encheu de amor também, e minha semelhança com ela era comentada por todos. Aos
cinquenta e cinco anos, ela parecia ter vinte a menos, e sempre atribuí isso ao seu jeito
doce e sua forma positiva de ver a vida. — Você chegou! Que bom... vou colocar a
lasanha no forno, então.
— Como foi o dia, ursinha? — Não importava quantos anos eu tivesse, seguia
com a impressão de que meu pai me chamaria daquela forma para sempre. — Correu
tudo bem na nova posição?
— Acho que vocês vão ver esta noite. Até porque toda e qualquer coisa que
acontecer naquela empresa vai ser televisionada.
— Ai! Vou ligar para as minhas amigas! — Ela bateu palmas, empolgada como
uma garotinha.
— Não, pelo amor de Deus! — alterei o tom de voz, em total desespero, e meus
pais se voltaram para mim, quase assustados pela minha reação. Meu irmão,
provavelmente, teria feito o mesmo, se não vivesse em seu mundinho azul. — Vocês
— Sei disso — concordei com meu pai, afundando ambas as mãos no rosto.
— O que aconteceu, Eveline? Ele fez algo que te magoou? Foi grosseiro em
frente às câmeras? — o paizão protetor tomou forma e perguntou com autoridade. Meu
pai era um cara grandão, calvo, com uma barriguinha começando a tomar forma, mas
impunha um medo quando queria. Sabia que seria capaz de dar umas porradas em
alguém por causa dos filhos. — Sabe que se for esse o caso, eu mesmo vou me
certificar de que entenda que não pode te tratar assim. Não é porque é um riquinho
que...
— Não, pai — eu o interrompi, porque não queria que ficasse estressado. Sua
pressão ficava alta com facilidade. — Stefan não foi grosseiro, pelo contrário. Ele
parece bem gentil. — Gentil até demais. O cara tinha arrombado uma porta por mim. E
eles veriam exatamente isso na televisão.
Não pude deixar de rir, especialmente pela forma como meu pai olhou para ela,
fingindo ciúme.
— Sim, mãe. Ele é mais bonito ainda. — Não pude deixar de falar a verdade.
Seria completamente ridículo eu dizer que um homem daqueles não era lindo, porque
era mais do que óbvio para qualquer um que o visse.
Meu pai repreendeu minha mãe pelo comentário, mas logo já estavam rindo e
comentando sobre outras coisas.
Nós jantamos à mesa como sempre, porque era uma tradição da qual minha mãe
não abria mão. Nosso apartamento era pequeno, as contas sempre eram pagas com
muito esforço, especialmente porque os gastos com meu irmão era bem altos, mas
éramos felizes. As coisas iam melhorar muito com meu salário crescendo, mas nosso
sonho era termos, um dia, uma condição de fazer tratamentos mais elaborados para
Nando – meu maninho. E, claro, a minha faculdade.
Eram mais ou menos nove e meia quando nos sentamos para assistir ao
programa, que se chamava O REINADO DE CANEJO. Era nesses momentos que eu
pensava o que as pessoas das equipes criativas faziam que não conseguiam pensar em
nada melhor do que essas coisas sem graça.
Meus pais estavam muito empolgados, falando sem parar, até o momento em que
a abertura do programa iniciou. Ela era tão cafona quanto o título, e fazia vários closes
de Stefan em várias expressões, sem que ele olhasse para a câmera.
Era alto. Mais de um e noventa, sem dúvidas, e havia músculos nos braços e
nos ombros largos. Cintura estreita, pescoço forte... ou seja: um espécime daqueles que
encontramos em Hollywood, não à nossa frente, como nosso chefe.
— Ai, vai começar! Vai começar! — minha mãe estava extremamente excitada,
quase pulando no sofá como uma criancinha esperando Papai Noel, no Natal. — Nossa,
como ele é lindo! — complementou quando um close de Stefan surgiu, com ele sentado
atrás da mesa da sala da presidência, em um terno extremamente bem-cortado,
Ele fez um breve discurso sobre a alegria de poder contribuir para uma
emissora que ele assistia desde pequeno, que queria ser um amigo para seus
funcionários e que esperava que as pessoas o recebessem em suas casas todas as
noites, acompanhando a evolução de um garoto que veio do nada para se tornar um
CEO.
Falou muito mais coisas, na verdade, mas aquele era um resumo suficiente. Ao
final, revirei os olhos quando Stefan deu uma piscadinha charmosa que provavelmente
fez muitas mulheres suspirarem do outro lado da tela.
O episódio foi correndo muito bem, com certeza de uma forma não linear.
Alguns funcionários da empresa foram entrevistados, dizendo o que esperavam de
Stefan, e eu me dei conta de que, apesar de ser sua secretária, o mesmo não foi feito
comigo. Estranhei, até, mas quase comecei a ficar feliz de que, com sorte, o take feito
Só que eu não era tão sortuda assim, principalmente porque minha participação
naquele programa foi deixada para o final, o que era bem pior, porque nada pior viria
depois, para que eu fosse esquecida.
A cena foi toda filmada como se fosse uma parte de um filme de comédia
romântica dos mais bregas, com direito a close e câmera lenta no momento em que
Stefan me segurou em seus braços, e nós nos olhamos nos olhos pela primeira vez.
Era estranho rever uma cena que você tinha guardada na memória por outro
distorcida e meio grogue de alguém que estava prestes a entrar em colapso, mas, para
ser sincera, se fossem outras duas pessoas ali, eu teria começado a shippar o casal
imediatamente – até porque eu era uma romântica incorrigível quando queria ser.
A forma como Stefan, o suposto herói, arrombou a porta era sexy demais para o
meu próprio bem, e como ele me pegou, com braços fortes e seguros... tudo isso fez
meu estômago se revirar de uma forma estranha. Mas a maneira como nos olhamos...
Por mais que na realidade, eu mal estivesse pensando, que nada, na minha mente,
naquele instante, tivesse qualquer conexão com romance, para quem nos assistia, a
intensidade que emanara de nós dois poderia ser quase palpável.
Esperava que fosse apenas uma impressão minha, mas não demorei a entender
que isso seria uma ilusão.
— Uau... Por que não nos contou que isso aconteceu? — Minha mãe estava
boquiaberta. Até meu pai. Os dois tinham os olhos fixos na televisão, quase
hipnotizados. — Deus, como vocês são lindos juntos.
Quando olhei para a tela novamente, havia uma montagem, exatamente como se
fosse uma capa de filme, com a imagem de mim nos braços de Stefan; um cenário cheio
de corações e um título: "um clichê de chefe e secretária... será?".
mansão.
Estava animadíssima, com pipoca no colo, e ficou mais do que indignada por eu
não demonstrar a mesma animação que ela; então eu apenas terminei de jantar, beijei-a
no alto da cabeça, peguei Caio e fui para o quarto dele.
Brinquei com meu bebê, que desde que retornei de dois meses de ausência,
confinado no programa, parecia ainda mais grudado a mim. Durante todo o período de
separação, tive medo que meu garotinho se esquecesse de mim; mas, no final das
contas, ele não só se lembrava quanto demonstrara tanto amor que eu até me surpreendi.
Só que, como pai solteiro de primeira viagem, não tinha noção do quanto dois meses
poderiam mudá-lo.
Era doloroso pensar que tinha perdido tanto tempo, que ele parecesse tão maior
e que tivesse aprendido tantas coisinhas que perdi. Isso me causou um mal-estar
repentino, algo que fez meu coração se revirar no peito.
Não era o fim do mundo, porque estávamos ali, novamente juntos, e eu queria e
podia compensar aquele tempo. Eu não o tinha perdido. Meu garotinho era meu, e nós
nunca nos separaríamos – ao menos até que ele tivesse idade suficiente para seguir sua
Só que essa culpa meio que se esvaía quando eu me dava conta de que tudo o
que havia feito fora por ele e para ele. Claro que meu filho teria plena capacidade de
conquistar as coisas por si mesmo, mas saber que eu poderia lhe deixar algo, que ele
teria por onde começar, deixava minha consciência mais tranquila.
Ele abriu um sorrisão sem dentes e soltou alguns sonzinhos animados, batendo
palminhas.
Como ele era lindo... Fora inesperado, uma surpresa, mas trouxera muita luz à
minha vida. No início surtei com a ideia de ser pai, e jurei que seria algo que me
impediria de viver como estava acostumado, sem muitas responsabilidades, em um
emprego que me pagava um salário ok, saindo com uma mulher diferente a cada
semana, mas Caio me mudara.
Ok, eu ainda saía com mulheres diferentes, mas minhas motivações mudaram
completamente. Eu não me contentava mais com pouco. Eu queria tudo. Não por
ambição, mas por desejar um futuro, algo que nunca planejei, porque sempre vivi o
hoje, o agora.
Tinha planos de ficar um pouco mais de tempo com Caio, mas ouvi minha mãe
chamar lá da sala.
Com meu bebê no colo, corri para atender ao seu chamado, passando pelas
caixas de mudança que estavam instaladas em cada canto do nosso pequeno
apartamento de dois quartos, do qual em breve sairíamos.
Ok, essa era a verdade: minha mãe era louca para que eu encontrasse o que ela
chamava de “boa moça” e me estabilizasse em um relacionamento. Seu sonho era que a
mulher que eu escolhesse para ser minha fosse não apenas uma boa esposa – no caso de
um casamento –, mas uma boa mãe para Caio.
Eu, por minha vez, não pensava em me casar, ao menos tão cedo, mas adoraria
que Caio tivesse uma figura materna, embora sua avó fosse mais do que maravilhosa.
Só que eu não queria que minha mãe começasse a alimentar ilusões sobre um
romance entre mim e minha secretária.
— Sei... — Ela deu uma risadinha de quem sabe tudo. — Eu era secretária do
seu pai, sabia?
Não, eu não sabia, porque minha mãe dificilmente falava sobre seu
Fosse como fosse, fui dormir naquela noite com as imagens na cabeça. Com
alguns medos também. Revi a cena no youtube e percebi que ela estava viralizando, que
Não consegui não sorrir, por mais que fosse um sorriso quase constrangido.
Pousei minha pasta sobre a mesa e me virei para Eveline, vendo que ela estava
andando sem parar.
— Sei que talvez eu não tenha o direito de falar assim, mas, por favor, me
perdoe. Preciso saber... Como o senhor permitiu que a cena entre nós fosse transmitida
daquela forma? — o tom de acusação soou em alto e bom som.
Isso pareceu deixá-la confusa ao ponto de franzir o cenho por baixo do óculos.
— Como assim? Eles não te mostraram antes o que iria ao ar?
— Eu também.
— Aquela produtora merece ser processada! — ela falou mais alto do que
deveria, e nós dois olhamos para fora da janela, sabendo que poderia haver alguém
com uma câmera a qualquer momento, em qualquer lugar, pronto para filmar os
momentos mais constrangedores.
Eveline voltou a andar como uma leoa enjaulada, com ambas as mãos na cintura
fina.
— Agora já foi, né? Tarde demais. Será que tem como ajeitar o problema?
Porque as minhas amigas todas estão shippando a gente. Já temos um nome de casal!
Steline! STELINE! Vê se pode! Que coisa mais brega!
A forma como ela estava falando era tão engraçada que eu queria rir, mas me
segurei, porque sabia que ia ficar irada.
— Ah, vocês dois! Que bom que os encontrei juntos. Venham à sala de reunião,
estamos conversando algumas coisas sobre o andamento do programa... — ela disse
com a autoridade que apenas uma pessoa com muito poder poderia emanar.
— Deise... — este era o nome dela, aliás. — Sobre que tipo de coisas vamos
conversar? — Assumi também minha autoridade, cruzando os braços contra o peito,
mantendo-me muito sério. Eu era o dono daquela porcaria, não era? Isso deveria valer
de alguma coisa.
Nossa, era tão ruim para ela a ideia de ter um relacionamento comigo? As
mulheres, normalmente, não tinham aquela reação.
— Então... é sobre isso que precisamos conversar. Temos uma proposta para
Pobre garota, ela tinha um jeitinho tão inocente que eu tinha a impressão de que
eles iam tentar devorá-la. Mas se dependesse de mim, eu não ia deixar.
CAPÍTULO CINCO
Dei uma leve tropeçada em algo – ou talvez nos meus próprios pés –, porque
não conseguia não dar umas mancadas quando me sentia extremamente nervosa. Stefan,
ao meu lado, segurou meu braço, para me firmar, e eu quase lhe agradeci, mas esse
pequeno gesto fez alguns sorrisos se abrirem na sala.
Ele puxou a cadeira para mim, o que, em uma situação normal, eu poderia achar
completamente gentil, mas só consegui olhar para as pessoas observando cada um de
nossos movimentos, até quando eu novamente me desequilibrei, porque minha mente
estava acelerada.
que gerou uma possível mudança no nosso cronograma — Deise Macedo começou a
falar. Ela era a produtora do programa de Stefan, uma das funcionárias mais antipáticas
da empresa inteira com as recepcionistas, mas que vivia sorrindo para os poderosos.
Era mais falsa que uma nota de três reais, mas fora a responsável pela criação de
vários sucessos de audiência, então era muito respeitada lá dentro.
Stefan se remexeu na cadeira, e sua expressão não parecia nada leve. Ele
parecia bem tenso, aliás.
— Posso começar falando, então? — ele usou de um tom de autoridade que não
parecia comum à sua pessoa. Na verdade, nem esperou que alguém respondesse e
começou a falar: — Não gostei de não ter recebido o episódio final que foi ao ar
ontem. Está em contrato que preciso dar meu consentimento por escrito. Sou o CEO
desta empresa agora, se for ludibriado novamente, não vou ter compaixão se precisar
tomar medidas drásticas.
Uau... Fiquei surpresa com a atitude de Stefan. Ele não me parecia um tirano
que saía despedindo pessoas daquela forma. Só que, naquele caso, tinha direito,
levando em consideração que realmente tentaram enganá-lo da pior forma possível.
— Stefan, compreendo sua frustração, mas foi uma decisão de última hora.
Deixe-me explicar o que aconteceu e qual ideia tivemos...
— Vou deixá-la explicar, mas informo que, a partir de hoje, eu só vou assinar
pelos episódios que estiverem fechados. Caso seja veiculado algo fora do que eu
concordei, você será a responsável Deise.
Novamente sua fala me surpreendeu, mas o alvo de sua ira nem se abalou.
— Eu nem posso fazer isso, não é mesmo? Só daqui a um ano terei total
autonomia para dar minhas próprias ideias. — Mais uma surpresa. O que aquilo queria
dizer?
— Sim, mas foi o combinado desde o início — ela retrucou, como se não
estivesse falando com seu próprio chefe, mas com um subordinado. Aquela mulher era
um pouco abusada, se é que eu poderia pensar de tal forma. — Seja como for, as
pessoas não podem ter essa noção, e nós nos surpreendemos com a repercussão da cena
entre vocês dois.
Deise pegou alguns papéis sobre a mesa, ajeitou os óculos na ponta do nariz e
começou a ler:
comentários que passaram a atribuir a Stefan desde ontem à noite. As pessoas estão
apaixonadas, mas não só por ele. Por vocês dois.
Deise começou a caminhar pela sala, como se estivesse pronta para iniciar uma
palestra.
Provavelmente ela o havia ofendido, mas como emendou uma fala na outra, não houve
Deise e a grande maioria dos outros riram, como se eu fosse uma criancinha
tola, que não sabia de nada do mundo.
— Todos os reality shows têm algum script, querida — outro dos produtores
falou, e eu novamente me senti tratada como alguém muito inocente.
Muitas vezes poderia acontecer algo bombástico, e até mesmo problemático, mas, no
geral, poderia ser um verdadeiro tédio. — Deise fez uma pausa. — O que estamos
propondo é tornarmos o programa um verdadeiro hit. E queremos que você, Eveline,
faça parte dele. Sabemos que sua família precisa de dinheiro, que você tem um irmão
que necessita de cuidados especiais. Sem dúvidas nossa proposta faria muita diferença
na sua vida.
cláusulas que me proibiam de falar qualquer coisa a respeito do que aconteceria dentro
da empresa, especialmente em relação ao programa, para qualquer pessoa, até mesmo
O valor era absurdo. Muito mais do que sonhei ganhar em um ano de trabalho; e
isso por mês. Era extremamente tentador, sem dúvidas.
— Sei que pode parecer estranho para você, mas a verdade é que seria como
um trabalho de atriz.
— Com a diferença que eu não posso contar para as pessoas que estarei
representando um papel, né? — respondi em um tom de voz baixo, quase constrangido.
Eu não era ninguém ali dentro, sem dúvidas, mas aparentemente passaria a ter alguma
importância, se estavam me oferecendo tanto dinheiro.
astronômico, eu teria condições de estudar e ainda de economizar para dar uma casa
própria para os meus pais, já que morávamos de aluguel.
Claro, ele era a outra parte da situação. Também precisava dar o seu parecer.
Ele puxou novamente a cadeira para mim e me conduziu a uma sala ao lado. Eu
nem sabia direito a quem pertencia, mas estava vazia, e aparentemente teríamos alguma
privacidade ali dentro.
— Não sei. É muito dinheiro. — Pronto! Era a frase mais ridícula que eu
poderia usar, que me faria, sem dúvidas, parecer uma mercenária.
acrescentar, porque precisava que entendesse que meu interesse pelo dinheiro tinha, ao
Stefan assentiu.
— Imagino que para você não seja interessante, né? Você ganhou aquele
dinheiro todo com o prêmio do programa e ainda é dono disso tudo aqui. Não precisa
se prestar a esse papel. Não vou ficar chateada caso me diga que é um absurdo e que
você não quer fazer isso — desandei a falar, sentindo-me um pouco ansiosa.
— Mas não vai fazer diferença para você. Tem uma escolha.
— Você também.
— A gente sempre tem escolha, só que lidar com as consequências dela pode
ser muito assustador. Se eu não aceitar e algo acontecer que eu precise muito do
dinheiro para ajudar minha família, pode passar o tempo que for, aquele maldito
contrato sempre vai me voltar à lembrança — falei em tom de confissão.
Tudo o que me restou fazer foi me jogar em uma cadeira e enfiar o rosto nas
mãos, pensando pela milésima vez: onde eu tinha me metido?
CAPÍTULO S EIS
não sentia que tinha qualquer poder naquela empresa, nem mesmo para defender uma
garota que parecia mais assustada com toda a situação do que eu gostaria que ficasse.
— E então? Acha que ela vai aceitar? — Deise, afoita, começou a perguntar,
mal me dando tempo para respirar.
— Mal conheço a garota. Não faço ideia de como ela pensa — não queria soar
grosseiro, mas foi quase impulsiva a minha resposta.
de mulheres, não é? — Ergui meus olhos para ela, com o cenho franzido, e a vi com os
braços cruzados, como se fosse uma mãe tentando tirar satisfação de um filho rebelde.
— Aliás, é importante que alinhemos nossos pensamentos de que, se Eveline aceitar o
contrato e você também, o que continuo achando a melhor opção para todos, vai
precisar se manter fiel a ela. Não seria nada bom que fosse flagrado com outra mulher
durante o ano em que vamos construir seu romance.
— Mas a guinada foi sensacional. Vai ser muito fácil vender a ideia. Todos
amam um clichê: a menina bonita, meio desastrada, meio nerd, que conquista o coração
de seu chefe milionário...
Sua impaciência estava clara, e ela cochichava com uma de suas funcionárias
alto o suficiente para que eu pudesse ouvir. Falavam de Eveline, comentando o quanto
ela era burra por já não ter assinado logo aquele contrato, que certamente seria a
melhor e única oportunidade de sua vida.
Ainda ouvi a mais jovem dizer que se Eveline não topasse, que ela se
ofereceria no lugar, porque eu era gato demais.
Revirei os olhos, cansado daquele blá, blá, blá. Não era possível que as
pessoas não tivessem respeito pelos sentimentos de uma garota que caíra de paraquedas
naquela história toda. Eu entrei em um reality show por minha própria escolha, já
sabendo o que poderia acontecer se fosse o vencedor. A moça fez uma entrevista para
ser promovida dentro da empresa, imaginando que teria o papel apenas de secretária.
Em nenhum momento a enganaram quanto a questão das filmagens, é claro, mas tornar-
se par romântico de um cara que ela mal conhecia... isso era algo completamente
diferente.
— Estou dentro. Ainda acho uma loucura, mas preciso do dinheiro. Só peço,
por favor, que nunca veiculem nada que possa ser desrespeitoso à minha imagem e à
minha família. — Depois de dizer isso, ela olhou diretamente para mim, como se
estivesse confiando que eu seria o responsável por ajudá-la com aquele detalhe.
Então saiu da sala, como se tivesse sido dispensada. Pelo que podia entender,
Só que eu não achava Eveline maluca. Eu me identificava com ela: alguém que
seria capaz de fazer coisas que não queria para cuidar e proteger aqueles a quem
amava.
sobre o carpete.
— Só queria saber se você estava bem. Pela forma como saiu da sala, fiquei um
pouco preocupado.
Apesar de tentarmos um clima um pouco mais leve, por mais falso que pudesse
parecer, Eveline abaixou a cabeça, mudando completamente a vibe. Quando novamente
— Não parece que estou me vendendo? Não demorei nem uma hora para
assinar aquele contrato. A decisão deveria ser um pouco mais difícil de ser tomada,
não? Eu deveria me valorizar um pouco mais.
Ela estava se culpando. Sim, nós tínhamos mais em comum do que eu poderia
imaginar.
— Quando a gente faz algo por uma boa causa, temos que sentir orgulho de nós
mesmos. A sua causa é muito nobre.
Eveline sorriu de forma bem mais natural e verdadeira. Senti que ia falar
alguma coisa, mas quando nos demos conta, já havia gente filmando a nossa conversa.
Cheguei em casa, pouco mais das sete da noite, sentindo-me cansado como se
tivesse corrido uma maratona. Tudo o que eu queria era tomar um banho, comer a
comidinha caseira da minha mãe, me jogar no sofá com a TV ligada e ficar com meu
bebê.
Só que aquela vida simples que eu tinha antes, não existia mais.
Assim que passei pela porta do apartamento, percebi que tudo estava um caos.
Havia umas cinco pessoas lá dentro, remexendo em tudo, embrulhando coisas em papel,
enrolando pertences em plástico-bolha, fechando e abrindo caixas, ou seja, a
preparação para a mudança.
Minha mãe parecia uma barata tonta, tentando ajudar – porque ela obviamente
não conseguia ficar parada –, enquanto uma moça de uns vinte anos segurava Caio no
colo.
Cutuquei D. Glória e a puxei para um canto, apontando para a garota:
— Quem é aquela? — Apesar de tudo, Caio parecia bem entretido, embora meu
filho fosse o tipo de criança que não estranhava muitas pessoas. Ele era extremamente
sociável.
— Sim, contratada pela emissora. É uma boa moça, tem boas referências. Achei
muito atencioso da parte deles. Também chegaram alguns presentes para Caio, mas já
está tudo guardado. Vou deixar para entregar só na casa nova, ou ele vai monopolizar e
não vai deixar encaixotar.
Minha mãe se afastou, para dar algumas orientações a um dos rapazes, e eu fui
deixado no canto para onde a levei, observando minha casa ser revirada.
ouvisse.
falou isso com tanto orgulho que não consegui não rir. Dei um beijo em sua cabeça e
sinalizei que iria subir com Caio.
E foi o que fiz. Levei meu bebê para o meu quarto e me joguei na cama com ele,
deitando-o e enchendo-o de cosquinhas, porque amava o som de sua risada. Levantei
sua blusinha e enchei sua barriguinha de beijos, e ele agarrou a minha barba, como
sempre adorava fazer, divertindo-se.
Parei um pouco, olhando-o nos olhinhos, com um meio sorriso bobo no rosto e
respirando fundo.
a lhe incentivar. Um irmão especial. Eu tinha um bebezinho. Meu amor por Caio era tão
grande que eu sabia que tudo e qualquer coisa ainda seria pouco para explicar até onde
iria por ele; e então eu imaginei que só alguém com um sentimento igualmente forte por
sua família teria o mesmo tipo de atitude que eu.
Era interessante conhecer uma pessoa e já entender que ela deveria ser bastante
leal àqueles que faziam parte de sua vida. Àqueles que eram os donos de seu coração.
pegar também o meu notebook, deitando-me com ele sobre a minha barriga, iniciando-o
Comecei a fazer algumas pesquisas com o meu nome e de Eveline, até mesmo
com aquela baboseira de “nome de casal” que nos inventaram. Era impressionante a
quantidade de memes que criaram sobre nós e quantas vezes aquela imagem dela nos
meus braços fora compartilhada. Exatamente como Deise dissera, aquele romance
poderia mesmo render uma enorme audiência, e o público ficaria muito decepcionado
caso terminássemos separados.
Apesar de tudo, eu tinha estudado Rádio e TV, mas fiz muitas matérias de
publicidade. Sabia o quanto era importante agradar e encantar seu cliente. No caso da
Antura, os telespectadores tinham sempre razão, e eram eles que precisavam ficar
satisfeitos.
Parei minha atenção em uma foto de Eveline. Clicando nela, fui guiado ao seu
Instagram.
Não postava com constância, aparentemente, mas havia algumas selfies, fotos
com família e algumas imagens de livros, o que me dizia que gostava muito de ler, os
mais diversos gêneros – ok, eu também gostava, o que já era mais uma coisa que
tínhamos em comum.
Deparei-me com uma foto de biquíni, em uma praia, onde ela estava sem
óculos, com um pôr do sol logo atrás, andando de costas para o mar. O sorriso era
imenso, completamente diferente dos desanimados que dirigira a mim.
Seria muito, mas muito cafajeste da minha parte ficar olhando para seu corpo,
mas era impossível não perceber o quanto aquela garota era linda. Seios pequenos,
cintura fina, barriga plana, pernas torneadas... O tipo de mulher que sempre me chamou
a atenção, com a diferença de que ela nunca fez nada para isso.
Revirei os olhos.
— Claro que você assistiu ao episódio. É uma das pessoas que está shippando
o casalzinho? — enfatizei a palavra, exatamente como Eveline tinha feito mais cedo.
Com aquele jeitinho paciente, quase lento, que a maioria das mães têm, D.
Glória sentou-se à minha frente e tocou o pezinho de Caio, começando a massageá-lo
— Eu quero o que é melhor para você, filho. Sei que o que aconteceu naquele
episódio foi só um acidente e que nenhum de vocês dois parecia encantado um com o
outro como as pessoas estão tentando vender. Mas já imagino que a emissora vá
explorar isso ao máximo. — Minha mãe fez uma pausa, esperando uma resposta, mas eu
não podia lhe dar. — Também imagino que isso seja confidencial. Tudo bem, não vou
perguntar mais. — Ela ergueu as mãos, em rendição. Que bom que compreendia. — Só
não quero que você seja infeliz. De resto, torço pelo que for melhor.
Dei outra olhada para a foto de Eveline e vi seu sorriso.
— Só porque ele ainda não te dá muitos cabelos brancos. Deixa crescer e ficar
bonitão que nem o pai...
Minha mãe levou a mão ao peito, fingindo um infarto, e nós dois rimos. Para ser
sincero, nunca fui tão rebelde quanto sempre fingia. Sempre fui estudioso, nunca lhe
envergonhei de forma alguma, nunca bebi exageradamente; meu problema eram as
mulheres, mas até mesmo com isso sempre fui discreto. Claro que tive um filho, sendo
ainda solteiro, mas estava disposto a cuidar dele sozinho, até mesmo buscar um
apartamento só para nós, mas minha mãe insistiu em nos ajudar. Principalmente porque
ficou apaixonada pela ideia de ser avó no momento em que lhe contei que Caio existia.
Eu não fazia ideia de quem era. Decidi rejeitar a ligação. Não ia interromper a
conversa com a minha mãe para falar com uma garota.
Dei de ombros, mas nem tive muito tempo para responder, porque logo chegou
uma mensagem da tal Raíssa: “Oi, gato. A fim de um chopp? Estou perto da sua casa,
posso te pegar”.
de uma morena, em uma balada, depois numa cama de motel, e uma noite regada a
muito sexo, me surgiu à mente. Devia fazer um bom tempo que não nos víamos, porque
nossa última conversa datava de um ano e meio atrás, antes do programa e de Caio.
Não me surpreendia que ex-amantes ressurgissem das cinzas. Depois que saí do
programa recebi muitas mensagens por IG, Facebook e milhares delas tinham propostas
obscenas e até meio doidas, de casamento. A maioria era de mulheres que eu nem
conhecia, mas algumas vinham de outras com quem saí no passado. Quem tinha meu
WhatsApp fora rápida em relembrar que existia, mas algumas, como Raíssa, tentavam
abordagens mais discretas.
Talvez fosse um livramento ou um filtro que eu não conseguiria fazer sem esse
empurrãozinho. Ou talvez fosse o prelúdio de uma vida de dúvidas, muito solitária e
vazia.
Ao menos eu tinha minha mãe e meu filho no meio daquele caos todo.
— Sim, mas a casa está um caos; caixas por toda parte. Nem sei o que vamos
comer, porque acho que não temos pratos e nem talheres disponíveis.
— Ótimo. Vou tomar um banho, a senhora coloca uma roupa bem bonita,
prepara o Caio, e vamos jantar.
Minha mãe ficou animada, e eu fiquei feliz por poder proporcionar certas coisas
para ela. Claro que cada saída comigo se tornava complicada, porque passei a ter um
rosto conhecido e havia seguranças na nossa cola – contratados pela emissora –, mas
foi a vida que eu escolhi, não foi? E eu esperava que ela me desse muito em troca.
CAPÍTULO OITO
Eu tinha me tornado refém de uma câmera, coisa que sempre odiei. E não só
isso. Sempre que eu chegava ao escritório, a primeira coisa que precisava fazer era
passar por uma sessão de maquiagem que durava mais de meia-hora, simplesmente
porque os produtores do programa alegavam que a que eu fazia em casa, antes de sair,
não era boa o suficiente e não valorizava meus olhos.
Isso ao mesmo tempo em que diziam que eu tinha uma figura muito boa para a
televisão. Era uma confusão de altos e baixos na minha autoestima, com a qual eu nem
sabia se conseguia lidar.
Então eu voltava para a minha base de trabalho toda cheia de reboco na cara,
sem me sentir como eu mesma, recebia meu script do dia para lê-lo e praticamente não
fazia nada que exigia a função de uma secretária, já que Stefan, aparentemente, também
não iria, tão cedo, mandar naquele negócio, como provavelmente acreditara que iria
acontecer.
Aliás, provavelmente você deve estar se perguntando: mas um script em um
reality show? Pois é. Não que houvesse falas ou qualquer coisa que precisássemos
Nunca fui atriz e nem nunca quis ser, mas a verdade era que havia uma direção
que nos ajudava a construir a cena de uma forma que realmente parecia real.
secretária desastrada – o que basicamente eu era, mas nem tanto –, porque as pessoas
pareciam curtir isso, se identificar ou sei lá o que passava pelas mentes dos
telespectadores shippadores de plantão. No final das contas, eu só queria o meu
dinheiro.
Meus pais estavam caindo na farsa, e isso era o que mais me doía. Não poder
contar para eles que não havia nada de amoroso em minha relação com Stefan, por mais
que eles parecessem estar gostando da ideia. Minha mãe, principalmente, que sempre
haveria alguma mensagem de Deise com o que eles esperavam para aquele dia. Já era
assim há pouco mais de uma semana, então já sabia como agir. A primeira coisa que eu
precisava sempre fazer era ler o script.
Ou será que tínhamos? O que todas aquelas pessoas viam em nós que eu
simplesmente não conseguia enxergar?
— Não, tudo bem. Eu que estava distraída. O senhor precisa de alguma coisa?
— Mas isso foi em frente às câmeras. Não sei se posso estender a oferta para o
trabalho na vida real.
— Dá uma olhada.
O que teríamos para aquele dia seria uma cena tão clichê que qualquer escritor
de novela já havia usado. Principalmente as mexicanas.
— Isso é ridículo! — comentei, meio que sem ter muita noção de que estava
falando com meu chefe.
— Que bom que não sou o único que concorda com isso. — Stefan deu um
passo à frente e apontou para o meu computador. — Tudo bem para você? Se for um
pouco demais, podemos...
A verdade era que tudo aquilo parecia me sufocar. Eu não era uma atriz, não era
uma boa mentirosa. Não conseguia sequer entender como as pessoas acreditavam em
qualquer coisa que eu dizia naquele programa, porque tudo soava tão falso... Minhas
expressões, minhas reações. Eu não sabia fingir que estava a fim de Stefan. O cara era
lindo, gentil e, em uma situação diferente, eu poderia, sim, me interessar por ele, mas
não era o caso.
— Nada faz sentido nessa cena — respondi, finalmente, com alguma coerência,
e Stefan balançou a cabeça, parecendo concordar.
— Ah, que bom que vocês estão conversando sobre as filmagens de hoje.
conseguíamos ficar um ao lado do outro sem que um monte de pessoas nos rondasse
para pegar qualquer coisa que pudesse ser interessante para os espectadores.
— Mas me diga, Eveline... por que você acha que não faz sentido? — Deise
cruzou os braços e me olhou como se estivesse falando com uma garotinha pequena,
teimosa e travessa.
— Não precisa fazer sentido, menina. Além do mais, podemos sugerir que ele
foi lá atrás de você. Não vamos colocá-lo para te agarrar à força, porque não queremos
passar esse tipo de imagem e...
— E eu também não concordaria com isso! — Stefan se intrometeu, o que fez
com que ganhasse alguns pontos comigo pela forma enfática com que defendeu seus
princípios.
Teoricamente eu não tinha. Não era nada que fosse comprometer minha
— Eu não vou te deixar cair — falou com muita segurança, o que me fez erguer
uma sobrancelha.
— Não vai. Se esse é seu único empecilho para a cena, fique tranquila.
Ah, meu Deus... por que será que algo me dizia que as coisas dariam todas
erradas?
Só que quando dei por mim, já estava sobre a pequena escadinha de três
degraus, com as pernas trêmulas. Se a câmera captasse os pequenos detalhes, não seria
difícil de acreditar que eu realmente tinha caído, levando em consideração que não
Stefan entrou falando alguma coisa, e eu só repeti a cena de mais cedo, quando
fingi ter levado um susto com sua chegada “abrupta”. Não era necessário muito texto
nem muito improviso. Eu só esperava ser o mais graciosa possível quando literalmente
me joguei do degrau onde estava, fingindo um desequilíbrio primeiro, para dar tempo
do meu próprio chefe me pegar.
Ao menos ele era bom em cumprir promessas, porque quando me dei conta,
braços firmes e fortes me seguraram, sem permitirem que eu caísse no chão.
Algo aconteceu naquele momento. Não saberia dizer o que houve, mas nossos
olhares se encontraram, como se nada mais houvesse ao nosso redor, principalmente as
câmeras. Era difícil saber se Stefan estava interpretando um papel, e eu me perguntava
se algum dia eu conseguiria diferenciar isso.
— Nossa, foi perfeito! — Deise exclamou, animada. — Uau! Uau! Quem não
estava torcendo por vocês a partir de agora vai torcer, sem dúvidas. Vou correr para
colocar essa cena no episódio de amanhã!
E ela saiu, levando toda a equipe, deixando-nos sozinhos, ainda fitando o chão,
como se olhar um para o outro fosse algo doloroso.
Constrangedor, talvez...
Filmamos a cena que nos mandaram reproduzir, e ok... estava pronto. Era para
ser constrangedor, engraçado e talvez até irritante, porque estávamos sendo
manipulados como marionetes, mas no final das contas foi... peculiar.
como me olhou quando eu a peguei e o cheiro dela me causaram uma sensação que eu
não esperava. Atração? Sem dúvidas. Ela era linda, fazia completamente o meu tipo,
embora eu nunca tivesse dado tanta atenção às mulheres com jeitinho mais doce e nerd
– porque sempre achei que eram as que acabariam mexendo comigo de alguma forma,
por não quererem o mesmo que eu.
Apesar de ser mulherengo – o que nunca neguei – eu era um cara que sabia que
poderia se apaixonar fácil. Eu não tinha a necessidade desesperadora de ficar com um
milhão de mulheres, mas fazia isso para não me apegar. Se isso acontecesse, morria de
medo de ter o coração partido. Vi como minha mãe ficou quando meu pai a abandonou,
e isso nunca saiu da minha cabeça. O medo de ser rejeitado, de amar sem ser
sentimentos ficassem em segundo plano para mim, eu sentia que estaria seguro.
Não tinha nada a ver com o que acontecera com Eveline, de forma alguma. Nós
estávamos apenas encenando um momento romântico que não era real. Tratava-se de
uma ilusão que criamos para que outras pessoas acreditassem e se apaixonassem por
nós. Era um contrato muito infame, sem dúvidas, mas algo aconteceu.
— Tudo bem com você? — tive que perguntar, porque o silêncio que se formou,
depois que a equipe saiu, foi mais do que desconfortável. Ele parecia gritar, era mais
intenso do que se estivéssemos conversando há horas.
— Olha, Eveline, se você não quiser que essa cena seja veiculada, a gente
pode...
— Não — ela me interrompeu, mas não com veemência. Era fácil perceber que
estava incomodada, mas que precisava agir como estava agindo. — Não tem nada de
errado com a cena.
desamparados que eu cheguei a me sentir um filho da puta por não insistir para que ela
caísse fora daquela história. — Não. Está tudo bem. Só acho que podemos voltar ao
trabalho, não?
Respirei fundo. Apesar de não sermos exatamente amigos, éramos meio que
cúmplices naquela merda toda. Passávamos pelas mesmas coisas e tínhamos motivos
nobres para fazermos o que estávamos fazendo.
Só que se ela não queria falar e não queria continuar ali, quem seria eu para
insistir?
— Claro — foi minha resposta. Então eu me adiantei, para abrir a porta para
ela, e me dei conta, ao girar a maçaneta, que estava trancada.
Só que não levou muito tempo para ela entender que havia algo de errado.
Eu tinha uma leve desconfiança de que aquilo não fora um acidente. E esse
sentimento só aumentou quando olhei ao redor, antes de responder à pergunta de
Eveline, deparando-me com uma câmera estrategicamente posicionada, exatamente
como aquelas que deveriam haver em um Big Brother da vida. Eles estavam realmente
filmando tudo.
Decidi não avisar Eveline, com medo de que ela literalmente surtasse, mas não
— Está trancada? — Ok, tarde demais, porque ela realmente parecia prestes a
Queria dizer para ela que eles estavam pouco se lixando com sua condição, que
tudo o que queriam era algo que repetisse a primeira cena que nos levou até ali.
Queriam explorar nossas imagens da forma mais desrespeitosa possível para que os
espectadores se apaixonassem por um romance que nem existia.
Eu poderia lhe dizer tudo isso, mas só de olhar para Eveline já conseguia
perceber que o nervosismo começara a cobrar seu preço.
Levei a mão ao seu ombro, tocando-a, mas ela deu um sobressalto, e eu vi seus
olhos arregalados e vidrados. Senti quando estremeceu, e quando deslizei os dedos
para seu braço, percebi que estava gelada.
— Calma, Eveline. Está tudo bem. Vamos sair daqui — usei de uma voz
reconfortante. — Você não está sozinha.
— Não consegue arrombar a porta de novo? Desculpa por pedir, mas é que eu
realmente fico um pouco assustada nessas situações.
— Não posso arrombar, porque essa porta abre para dentro. E ela é pesada, de
ferro. Daquela vez foi meio que um impulso, porque você parecia muito nervosa.
Era doloroso vê-la tão tensa, e eu comecei a ficar com uma imensa raiva de
quem quer que tivesse feito o que fizera. Não que duvidasse que a ideia fosse de Deise,
— Eu só quero sair daqui. Desculpa por estar tornando a situação ainda pior
para você, mas eu realmente não fico bem com a ideia de estar presa, trancada...
aquela garota conseguia demonstrar o que se passava em seu coração com seu
semblante. Ela estava apavorada, agradecida, tentando acalmar a si mesma, tentando se
manter firme, provavelmente porque estava ao lado de seu chefe... tudo junto, como fios
embolados que não conseguem se soltar.
Só que se nós dois ficássemos parados ali, seria mais difícil sairmos.
Precisávamos fazer alguma coisa.
Dei alguns socos na porta, esperando que nos ouvissem. Eu sabia que havia
pessoas do outro lado, nos ouvindo, em um nível de fofoca muito sombrio e de mau
gosto. Não era uma piada.
— Dá para parar com a palhaçada? A moça está passando mal aqui dentro.
Dei uma olhada para Eveline, e ela parecia ainda pior do que antes. Estava
apoiada em uma parede, ainda respirando com dificuldade, chegando a cambalear.
Não tive muito mais tempo para fazer nada, porque mais uma vez Eveline
cambaleou, e eu corri para ampará-la. Era a segunda vez naquele dia que caía nos meus
Foram precisos alguns segundos apenas para que a porta fosse aberta. Com
certeza tinham visto a cena pela câmera instalada, o que me dizia que estavam nos
espionando e gravando tudo desde o início.
A primeira pessoa com quem me deparei foi Deise, que sorria de orelha a
orelha. Como era possível que estivesse tão contente enquanto eu carregava uma moça
desmaiada?
— Vocês dois juntos são muito melhores do que qualquer script — ela
Mesmo com Eveline nos braços, e com todos olhando para nós, virei-me para
ela, chocado com a quantidade de besteira que podia sair de sua boca.
— Como pode dizer que isso é maravilhoso? — Usei a cabeça para apontar
para a mulher no meu colo, enquanto a ajeitava nos braços. Ela era bem leve, mas eu
estava nervoso, irritado, e ela estava realmente lânguida. — É loucura. Isso já está
chegando em um nível inaceitável. Vou levá-la para a minha sala, mas assim que estiver
álcool para fazê-la despertar. A senhora da copa segurava um copo d'água, que eu
mesmo levei à sua boca, uma vez que suas mãos estavam muito trêmulas.
Minha atenção estava toda focada na mulher, mas em um dado momento, voltei
meus olhos para a parede de vidro da minha sala e vi que Deise estava lá, nos
espreitando, e ela não parecia muito satisfeita.
Fazia algum tempo que eu não saía, que vivia de casa para o trabalho e do
trabalho para casa. Depois que assinei o maldito contrato "especial" com a emissora,
um motorista me buscava e me levava em casa, e eu não saí em nenhum fim de semana,
porque sempre fiz o tipo mais quieta e nada baladeira.
O programa era transmitido uma vez por semana, e três episódios já tinham sido
exibidos. O primeiro fora o dito cujo, com a fatídica cena do banheiro, que mudara
não existia. Tudo era uma mentira. Chegava a ser ridículo pensar que as pessoas
realmente acreditavam que todas aquelas coisas eram reais. Inclusive meus pais.
tão embriagada que nem precisa ficar bêbada? — Ana, outra das minhas amigas,
comentou.
Eu queria muito dizer a ela que o coraçãozinho não estava apaixonado. Que
tudo aquilo não passava de uma farsa, que eu era apenas a secretária e que mal
conhecia Stefan. Que o achava um cara legal, mas que não poderia gostar dele daquele
jeito; que nenhum romance de verdade, como o que a emissora estava querendo vender,
poderia começar da forma como todos acreditavam que tinha começado.
Mas eu não podia. Estava em contrato. Por mais que confiasse nas minhas
amigas, se alguma delas, algum dia, contasse para alguém, que contasse para alguém, a
notícia poderia ser vendida à imprensa, e eu teria que pagar uma multa astronômica.
Um dinheiro que eu nunca teria.
— Não, só estou meio cansada hoje. Acho que se eu beber, com certeza vou
ficar cheia de dor de cabeça. Não quero estragar sua festa, Loma.
— Você nunca estragaria, miga. Até porque estamos muito ansiosos para saber
— Aliás, espero que eles passem o programa aqui no bar, porque eu estou
doida para ver o que vai acontecer! — Carla, outra das minhas amigas, falou, animada.
— Você podia adiantar um pouco para nós, né? Vai ter beijo? — Daniela, mais
uma das garotas, perguntou, e eu arregalei os olhos.
— Beijo? Não! Como assim…? A gente mal se conhece direito e... — Percebi a
besteira que falei quando todas elas começaram a olhar para mim com o cenho
franzido, confusas.
— Não tente esconder nada de nós, Line! A gente está vendo... vocês dois estão
se entendendo, não estão? Como ele é... conta para nós! — Paloma pediu, com seu
jeitinho convincente, e ela chegou a apoiar o cotovelo na mesa, para segurar o queixo.
Assim que fez isso, todas as meninas a imitaram, com olhinhos brilhantes em
minha direção, como crianças pedindo um doce à mãe.
Como eu poderia lhes negar algo? Ainda mais que não era uma pergunta que eu
não pudesse responder, né?
brochante. Conta mais. Fala sobre ele... o cara é famoso, gato, e você trabalha com ele
todos os dias. A gente tem curiosidade.
olhava mais para as minhas amigas, mas para cima, como se estivesse buscando em
minhas memórias mais coisas para falar sobre Stefan. A imagem dele se formou na
minha cabeça, e eu fui pensando em tudo o que tinha descoberto sobre ele naqueles dias
de convivência, quase um mês. Era bem verdade que sabíamos muito pouco um do
outro, se fôssemos pensar em informações mais pessoais, mas eu já tinha reparado em
seu jeito e poderia falar com propriedade que era o melhor chefe que eu poderia ter.
Além disso, parecia ser um bom homem.
— Ah, Line, você está mesmo apaixonada! — Olívia, a que estivera calada até
aquele momento, finalmente se manifestou.
Eram muitos talvezes, mas nenhum deles dava qualquer certeza de que o que eu
sentia tinha a ver com paixão. Atração? Poderia ser. O cara era lindo, qualquer mulher
ficaria atiçada só de olhar para ele. Mesmo uma virgem como eu. Além do mais, todos
estavam montando um circo completo para sugerir um clima de romance. Por mais que
eu não assistisse aos programas, porque não queria ser contaminada, era difícil não me
intrigar com o que as pessoas poderiam estar vendo em nós que eu simplesmente não
enxergava.
Sabendo que seria o episódio do almoxarifado, decidi pedir mais uma tequila.
Só mais uma.
Tudo teve início com a vinheta do programa, e logo surgiu uma imagem de
Tal expressão acabou refletindo na próxima cena do reality que foi exatamente
comigo. Ele tinha acabado de me contar um pouco de sua ideia, para um formato de
programa interativo, com o foco em games – que era um segmento que estava crescendo
muito no mercado –, e nós dois sorrimos um para o outro, na copa, enquanto tomávamos
café.
Claro que o momento foi filmado, mas o assunto foi tirado de contexto, porque
logo em seguida, Stefan começou a me contar algo que seu filho tinha feito na noite
anterior. Uma gracinha, algo fofo, que me deixou verdadeiramente encantada,
principalmente porque não sabia que estavam nos filmando.
relacionamento um pouco mais amigável um com o outro, mas a edição fizera parecer o
nascimento de um amor, com uma música de fundo, closes nos nossos olhos e sorrisos,
além de uma insinuação de linguagem corporal que não era exatamente a correta.
— Seja rápida mesmo. Queremos ver o resto do programa com você — Carla
falou, pouco antes de virar o resto da bebida, e eu logo saí da mesa, querendo me enfiar
no primeiro buraco que aparecesse.
Quase corri para o banheiro, de cabeça baixa, esperando que ninguém me visse,
feliz por chegar à porta incógnita.
Ergui meus olhos para o espelho, tentando ver no reflexo uma mulher um pouco
mais confiante. Empertiguei os ombros, ajeitei o vestido, penteei um pouco o cabelo e
retoquei o batom. Era hora de deixar os problemas de lado.
No momento em que passei pela porta, não abaixei a cabeça e até pensei em
passar no bar para pegar mais alguma bebida, só havia eu e uma moça aguardando que
eu liberasse o banheiro. Imediatamente percebi que tinha cometido um grande erro,
porque fui reconhecida.
— Ai, meu Deus! Você é a Eveline! A secretária do Stefan Canejo! — ela não
maneirou o tom de voz e ainda apontou para a TV, onde exatamente a cena onde eu caía
nos braços de Stefan era transmitida.
Aos poucos, uma pequena multidão se formou ao meu redor, e eu juro que tentei
sorrir e ser solícita, mas não era uma celebridade. Nunca tive a intenção de ser, na
verdade. Transformaram-me quase em uma atriz da noite para o dia, e minha intenção
sempre foi apenas ganhar o suficiente para dar uma vida boa aos meus pais e ao meu
irmão.
Entramos no carro em que todas fomos para o bar, e a conversa paralela entre
elas pareceu abafada, porque ainda não conseguia acreditar no que tinha acontecido.
No final das contas, combinamos de partir para a casa de Carla, que era a
maior, onde pediríamos mais bebidas e encerraríamos a noite. Dormiríamos lá também,
o que eu achei bem melhor.
— Você está bem, Line? — Paloma, que estava dirigindo, perguntou a mim, que
estava bem no meio de Ana e Carla, no banco de trás, no carro.
Minha mãe parecia uma criança que ganhou o melhor brinquedo no Natal. Por
mais que soubesse que ela continuaria feliz em nosso apartamentinho de dois quartos,
aquela casa enorme, linda e luxuosa, era um sonho para nós dois. Não porque
quiséssemos ostentação, mas porque sabíamos que era o início de uma vida sem
privações, sem que nenhum dos dois precisasse se preocupar em como pagaríamos os
boletos no mês seguinte. Meu filho teria as melhores escolas, poderia ter um futuro.
Além do mais, nada mudaria entre nós. Ainda seríamos a família feliz de sempre, só
que ricos.
acalmando o estresse.
Fiz questão de dar a papinha matinal de Caio, porque não queria que outra
pessoa assumisse todas as responsabilidades pelo meu filho. Eu podia ter condição de
ter um milhão de empregados, mas não queria perder as melhores partes de ser pai.
Fiz um vídeo de Caio comendo e fazendo gracinha, e, sem nem pensar no que
fazia, mandei para Eveline. Era a primeira vez que fazia isso, porque sempre lhe
contava das peripécias do meu bebê, mas nunca mostrei nada além da foto que ficava
na minha mesa de trabalho e das muitas que ela já deveria ter visto internet afora.
De alguma forma, quis que ela fizesse parte daquele momento, porque sempre
prestava muita atenção quando lhe contava algo sobre o menino. Na verdade, era
basicamente o único assunto que lhe deixava bastante à vontade ao meu lado. Isso ou
trabalho, embora com Caio houvesse sorrisos e comentários mais soltos.
Era uma garota legal – algo que eu não podia negar. Mas era só isso.
Isso e a história absurda que criaram para nós e que, aparentemente, tinha
fisgado milhões de espectadores para o reality show que eu jurei que ninguém iria
assistir. Que ironia!
durante todo o final de semana, não apenas emocionalmente, mas também com slides e
com algum material que poderia agradar ao pessoal.
Muitos poderiam me invejar não apenas por estar ganhando tanto dinheiro, mas
exatamente por não precisar fazer nada. Durante aquele primeiro ano, eu poderia
simplesmente abusar da minha sorte, aproveitar a grana e simplesmente ir trabalhar
para participar do reality. Só que não era o que eu queria. Ficar sentado atrás de uma
cadeira, apenas posando de poderoso chefão – embora eu tivesse feito parte de um
programa com esse nome –, não era exatamente a minha meta de vida. Queria produzir,
queria colocar a mão na massa. E eu esperava que me dessem a oportunidade de provar
o meu valor.
mesa, que era onde eu me posicionava naquelas reuniões; onde eu fazia papel de CEO
de alguma coisa, embora não passasse de uma estátua de mármore que assinava papéis
e interpretava um papel.
— Bem, já que estamos começando essa reunião, eu queria saber se posso abri-
— Não hoje, Stefan. Temos que conversar sobre o sucesso absoluto do episódio
de sexta passada do reality show. Não apenas tivemos um recorde de espectadores no
horário como também ganhamos milhares de novos assinantes no streaming da
emissora, o que não acontecia, nessa quantidade, há muito tempo — um dos diretores
começou a praticamente dissertar. Eu deveria estar feliz, não deveria? A emissora
— Eu não vou levar mais do que dez minutos para apresentar isso aqui —
respondi, começando a ficar nervoso.
Sempre Deise. A mulher mais irritante que eu poderia ter conhecido na minha
vida.
— A minha ideia pode ser realmente lucrativa para vocês. Há muitos programas
com formatos antigos na emissora; precisamos trazer os jovens de volta e...
Era algo singelo, um toque sutil, mas conseguiu me acalmar. Olhei em sua
direção e percebi que me olhava de volta, com uma expressão serena, e eu aquiesci.
Quando me dei conta, já estava respirando fundo, lutando contra a minha própria raiva.
Como era possível que tentassem me controlar daquela forma? Eu não era uma
marionete. Não era um babaca que eles iriam manipular como um fantoche.
Só que eles realmente me tinham nas mãos. Eu não poderia pagar a multa que
me cobrariam caso burlasse as regras. E também não queria ser substituído. Por mais
que doesse no meu orgulho, precisava aguentar um ano. Trezentos e sessenta e cinco
dias. Eu poderia empurrar aquele tempo com a barriga em nome do que poderia vir. E
valeria a pena.
Precisava valer.
Saí daquela sala sentindo a cabeça latejar. Fui andando pelos corredores da
empresa, seguindo para o andar da presidência, que eu dividia apenas com Eveline e as
infames câmeras que nos seguiam para todos os lugares. Muitas foram instaladas, em
corredores, em minha sala, de frente para a mesa dela, e eu sentia que éramos
observados o tempo todo. Mas era o combinado, não? Sempre soube desde o início e
não poderia reclamar.
Relutei um pouco antes de responder. Eu sabia que iriam nos filmar, que
ouviriam o que eu estava prestes a dizer, mas eles queriam a verdade, não queriam? Era
o que teriam.
— Provavelmente eu não posso ficar puto com algo que é totalmente culpa
minha. Assinei por essa merda. Concordei em ser uma marionete, só que...
— A gente não precisa se fingir de feliz só porque tomou uma decisão em nome
do bem-estar de outras pessoas. Não dá para ser altruísta o tempo todo.
Sua voz soou tão suave e delicada que chegou a provocar arrepios nos meus
braços e um calafrio que percorreu minha espinha inteira. Voltei meus olhos na direção
dela e voltei a me dar conta do quanto ela realmente era bonita.
Não que isso tivesse me passado despercebido em algum momento, mas havia
algo de peculiar em descobrir novas características em uma mesma pessoa todos os
dias. Sempre achei interessante que mesmo depois de tanto tempo de convivência a
gente ainda conseguisse se surpreender com alguém que sempre esteve ao nosso lado,
para o bem ou para o mal. Mas havia algo de muito mágico na ideia de perceber
diversas nuances diferentes em uma mesma pessoa enquanto você começava a conhecê-
la.
Naquele dia, naquele momento, eu percebi duas coisas em Eveline: uma delas
era que poderia contar com ela. Claro que fora um exemplo de situação muito pontual,
mas a forma como me confortou em um momento em que precisei, como esteve ao meu
lado, como compreendeu o quanto era importante para mim que houvesse alguém ali
para me fornecer um apoio, um ombro amigo, me fez compreender que aquela moça era
muito mais do que apenas um rosto bonito. Ela se importava. E isso precisava ser
levado em consideração.
A segunda coisa que consegui perceber em Eveline era que apesar de sua pouca
idade, era uma garota muito madura. Suas escolhas, a forma como protegia a quem
amava, seus princípios, seu modo de trabalhar e até mesmo o pouco interesse que tinha
na fama que o programa estava lhe proporcionando, também me intrigavam.
Ela poderia estar amando aquele circo. Sem dúvidas lhe renderia frutos
incríveis. Seu próprio Instagram – sim, eu havia checado novamente – estava cheio de
novos seguidores. Ainda assim, não postara nenhuma foto nova, e isso não parecia lhe
importar nem um pouco.
— Você acha que eu estou fazendo tudo errado? Que estou agindo como um
bobo, que deveria lutar mais pelas coisas? Eu sinto que sim, que vou acabar sendo
enrolado e enganado para o resto da vida.
— Acho que você está fazendo o que pode fazer. Tem um limite de batalhas que
a gente pode ganhar, Stefan. Você ao menos tem tentado, tem se colocado na frente
delas, só que sabe usar bem o escudo e recuar a espada quando precisa fazer isso. Em
nome de outras pessoas, em nome do que você acredita.
— Você entende, não entende? É pelo meu filho. Quero que ele tenha um futuro,
e essa aqui é uma porra de uma oportunidade que eu não posso perder. Ele nasceu no
meio de um caos; de um relacionamento errado, com um pai que mal o merecia. Preciso
ser o melhor possível para ele. Se tiver que engolir sapos para isso, é o que farei...
— Se tem uma coisa que eu já percebi ao seu respeito é que você não é um mau
pai. É ótimo. O amor que tem pelo seu filho brilha nos seus olhos de um jeito que
qualquer um ao seu redor pode perceber. E você vai se sair bem.
— Eu acredito.
Sem nem pensar no que fazia, peguei a mão que estava sobre a minha, pousada
gentilmente, levei-a à boca e a beijei.
— Obrigado.
Que você fique aqui mais um pouco? – era o que eu queria responder, mas não o
que deveria.
E então ela foi, passando pela porta, mas eu não consegui não segui-la com os
olhos e me perguntar novamente: quem diabos era aquela garota?
CAPÍTULO DOZE
De algum jeito que eu não saberia explicar como, a emissora conseguiu colocar
as cenas de minha conversa privada e íntima com Stefan, em sua sala, onde ele beijou
minha mão de forma tão inocente e amigável, no episódio daquela sexta-feira,
distorcendo toda a realidade e editando as partes que queriam manter em segredo.
Claro que não iam querer que os espectadores entendessem o quão frustrado e chateado
Stefan estava por sua condição dentro da empresa.
Eu dificilmente assistia aos episódios, mas acabei ficando ao lado dos meus
pais naquela noite, assistindo o que eu sentia como sendo extremamente constrangedor.
Meus pais tinham desistido de me fazer perguntas, porque já tinham percebido que eu
ficava muito sem graça de falar qualquer coisa sobre Stefan. Mal sabiam eles que era
porque eu odiava mentir e odiava que estivessem sendo enganados e eu não pudesse
fazer nada a respeito.
Só que por mais que eu fosse a protagonista daquela história que vinha sendo
contada, o mesmo que acontecera no primeiro episódio se repetira: observar a mim e a
Stefan de fora, como uma não participante da cena, fazia com que a percepção fosse
Sem dúvidas era o trabalho de uma equipe competente, que sabia exatamente
onde e como encaixar os takes para que contassem uma narrativa que lhes interessava
muito mais do que a verdade.
Mas qual era a verdade, afinal? Éramos apenas chefe e secretária que
lentamente estavam se tornando amigos, que se aproximaram por terem sentimentos
muito similares a respeito do que estavam fazendo. Que odiavam enganar a quem
amavam, mas que precisavam daquela mentira para oferecer uma vida melhor à família.
era mais assustador do que qualquer coisa. Algumas marcas começavam a entrar em
contato comigo para fazerem publi, inclusive uma de óculos, porque eles eram a minha
marca registrada.
Era muita coisa para pensar, na verdade. Sentia como se o tempo estivesse se
encolhendo cada dia mais, embora eu possuísse muito dentro da empresa, já que o meu
papel lá, aparentemente, era apenas ser bonita e seguir o script. Não muito diferente do
de Stefan, que se sentia ainda mais frustrado do que eu.
Passamos a conversar muito. Como não havia muito a fazer, ele sempre me
chamava à sua sala para desabafar ou para simplesmente passar o tempo. Em uma tarde
chegamos a jogar cartas, e, em outra, xadrez. Ou seja, qualquer um que conhecesse a
verdadeira história por trás do que eu fazia, morreria de inveja, porque um salário bem
gordo estava caindo na minha conta todos os meses, e eu nem precisava trabalhar para
isso. Eu poderia ganhar muito mais dinheiro, se quisesse, mas ainda não estava pronta
para dar mais esse passo, como "influencer" – que era como estavam querendo me
chamar.
A amizade com Stefan vinha se tornando confortável para mim. A gente se dava
bem, e as cenas do início de um romance começavam a parecer mais naturais. Não que
estivéssemos nos apaixonando de verdade, é claro, mas...
Às vezes eu o pegava olhando para mim de um jeito que poderia fazer minhas
pernas derreterem. E às vezes eu mesma me via olhando para ele e dando-me conta de
cada um de seus traços perfeitos, das curvas de seus ombros largos, lembrando-me da
forma como seus braços me seguraram nas vezes em que precisou fazer isso. Em como
imaginei a princípio. Só ainda não entendia o que todas essas percepções queriam
dizer.
Eu não era mais imune a ele, isso era uma certeza. A forma como reagia à sua
proximidade mudara, mas eu preferia não parar para tentar entender, porque tinha
medo.
O e-mail que recebi com essa instrução quase me deixou tonta. Se não estivesse
sentada na minha cadeira, teria simplesmente caído no chão, de pernas bambas.
Respirei fundo... bem fundo... e contei até dez antes que a ansiedade me
dominasse.
Quando comecei a me sentir mais calma, tentei obrigar minha cabeça a pensar
que era apenas um beijo. Atores e atrizes faziam isso o tempo todo, certo?
Ok, eu não era uma atriz. Nem sabia como era a tal técnica que sempre
alegavam ser usada no cinema e nas novelas. Meu conhecimento sobre isso era zero. E
também não era como se eu tivesse beijado várias pessoas na minha vida.
Eu preenchia os dedos de uma única mão ao contar quantos rapazes tinham me
beijado na vida inteira. Alguns foram bons, outros nem tanto. No saldo, eu tinha mais
Ou melhor... eu achava que ele era experiente, né? Mas só poderia ter certeza
se, de fato, o beijasse.
ligava ao primeiro momento em que nos conhecemos, onde ele me tranquilizou em uma
situação na qual eu estava muito assustada.
— Li — foi minha única resposta, porque não era como se eu quisesse dissertar
sobre aquilo.
— O que achou?
O que eu tinha achado? Como poderia explicar para ele que eu tive reações
extremamente dúbias a respeito da ideia de beijá-lo? Por mais que estivesse um pouco
desconfortável com o fato de que teria que fazer uma coisa que, para mim, era tão
íntima em frente a câmeras, eu queria...
Era a primeira vez que admitia para mim mesma, mas desejava ser beijada por
Stefan.
Mas era só isso. Uma curiosidade. Um desejo. Não chegava a ser um sentimento
mais profundo. Ele era um homem bonito, atraente... só isso.
— Eu não sou exatamente o tipo de mulher que gostaria de beijar alguém pela
primeira vez em frente a uma câmera.
— Eu também não gostaria que nosso primeiro beijo fosse dessa forma.
O jeito como ele falou "primeiro beijo"... Cheguei a franzir o cenho e olhar para
ele para tentar interpretar qual era sua intenção com aquela frase.
tão íntimo e quase romântico, como se fosse uma certeza de que haveria um primeiro e
que ele não seria o único.
Então Stefan deu mais alguns passos para a frente. Diferente da primeira vez,
quando simplesmente se colocou a uma distância quase segura, não havia mais nada
disso naquele instante. Nossos rostos ficaram muito próximos. Uma das mãos foi parar
em um dos meus braços, esfregando-o delicadamente, causando uma fricção que gerou
um arrepio e um suspiro, que eu tentei muito esconder, mas que foi mais forte.
— Você quer que esse beijo aconteça, Eveline? Que seja só entre nós? Porque
eu quero.
Stefan sorriu, enquanto sua mão se erguia para o meu rosto e o acariciava com
os nós dos dedos.
Poderia ser, certo? Talvez fosse melhor do que simplesmente deixar que a
direção do programa comandasse todas as coisas. Que a primeira vez que chegaríamos
a um contato tão íntimo fosse filmada e levada a público, para que milhões de pessoas
pudessem ver.
E se o beijo fosse horrível? Se a gente simplesmente não se encaixasse? Seria
— Tem uma câmera aqui na sala, não tem? E se eles usarem essa para o
programa? — perguntei, mas a resposta de Stefan foi simplesmente apontar para o local
onde a câmera em sua sala ficava e me mostrar que ela tinha sido coberta com um pano
preto. Um lenço, talvez, mas não importava.
Eu só balancei a cabeça...
E então senti seus lábios nos meus. Começou como algo delicado, um contato
simples, um contato inocente. Sua mão grande segurando meu rosto em concha, a outra
nas minhas costas.
Pensei que ele fosse se restringir àquilo, tanto que cheguei a suspirar de
surpresa quando sua língua invadiu a minha boca, reivindicando e exigindo,
Eu tinha enumerado meus beijos como ruins e bons, porque eu jurava que não
existia outra classificação. Só que em uma escala, eu poderia colocar “beijo de Stefan”
em um patamar bem mais elevado. Poderia ser uma categoria só para ele, porque eu
poderia jurar que nenhum outro homem beijava daquele jeito.
Ele sabia alternar momentos mais lentos e suaves com pequenas tempestades
— Agora acho que estamos prontos, não estamos? — Stefan disse, sorrindo, e
eu concordei, mas não sabia se estava falando a verdade.
Eu não estava pronta. Mas não tinha nada a ver com o programa em si. Não
estava pronta para lidar com o que estava acontecendo dentro de mim. Com o que ainda
poderia acontecer.
Com a forma como meus sentimentos poderiam se transformar de uma hora para
a outra. Como eu tinha a impressão de que aquele era o prelúdio de um possível e
enorme problema.
No momento em que ela saiu da minha sala, que sua presença deixou de
praticamente intoxicar o ar, pude finalmente respirar e me dar conta de que... uau! O
Não podia mais negar que eu estava extremamente atraído por ela. Não apenas
porque era uma mulher bonita, o que era bastante óbvio para quem quer que a olhasse
pela primeira vez, mas havia mil outros motivos que me fizeram enxergá-la de verdade.
Não apenas como um rosto e um corpo que fariam um homem de sangue quente perder a
cabeça muito fácil, mas como uma boa garota, com um coração grande e uma enorme
vontade de fazer a coisa certa.
O tipo de pessoa que a gente quer ter perto de nós quando começamos a
lado alguém que vai nos ensinar, acrescentar e se doar como exemplo do que
mergulharmos em relacionamentos que prometem diversão, caos e experiências
intensas. Esses podem nos causar um prazer imediato, algo que nos deixa sem ar, mas
não são feitos para durar. São bons para algumas noites, para uma fase de transição.
E eu tinha passado por ela. Conheci e levei inúmeras mulheres para cama, que
me encheram de tesão, que me proporcionaram noites incríveis, mas que passaram pela
minha vida sem que eu sequer lembrasse seus nomes.
Ok, ok... eu não estava dizendo que queria viver um "felizes para sempre" com
Eveline. Só que...
Depois do beijo eu entendi que Eveline não era só delicadeza e suavidade. Ela
era também um furacão. Só que um furacão seguro, no qual a gente tinha vontade de se
jogar de cabeça, sem ter medo de ser pego no redemoinho.
Fosse como fosse, o beijo oficial – o que iria para o ar de verdade – demorou
um pouco a acontecer. Apesar de o e-mail ter chegado em uma segunda, foi só na quinta
que nos preparamos para ele acontecer.
participar da maioria das decisões – não tão ativamente quanto eu gostaria, mas dando
algumas poucas opiniões que até foram levadas em consideração.
Quando chegou o dia da cena, que aparentemente era tão esperada pelos
espectadores, porque Deise não parava de falar dela nem por um minuto, o ambiente
todo era muito constrangedor. Havia um script todo formado. Pela milésima vez
Eveline precisava tropeçar ou ser desastrada com algo, e isso nos deixaria muito
próximos, o que me faria beijá-la em um rompante.
Só que eu estava mais do que cansado de ver Eveline sendo feita de boba diante
das telas. Tudo bem que as pessoas a adoravam, mas com exceção da cena que fora
transmitida de ela me dando um bom conselho, naquela única vez, era sempre vista
como a mocinha desajeitada, o que ela definitivamente não era.
Ok, era desastradinha, mas talvez isso fosse parte de seu charme.
anterior, como se eu simplesmente não pudesse evitar deixar as coisas mais intensas.
Mesmo cercado de câmeras e de pessoas, não consegui não perceber que foi
ainda melhor do que o primeiro. Era como se mesmo depois de pouquíssimas
oportunidades tínhamos conseguido nos conectar e encontrar nosso ritmo. Consegui
fixar minha consciência tão profundamente no gosto dela e nas sensações do beijo, que
quase consegui esquecer as circunstâncias que nos rondavam, ao ponto de eu segurá-la
com ainda mais força, de deslizar minha boca por seu maxilar, deixando-a descer por
seu pescoço, simplesmente porque queria mais.
Queria sentir coisas novas, explorar mais, conhecer mais. E Eveline também
não pareceu disposta a me deter, tanto que chegou a suspirar quando eu a empurrei em
Eu não podia parar. Não queria. Sentia meu corpo inteiro gritando, pedindo,
implorando, para que eu continuasse beijando aquela garota até que nós dois caíssemos
exaustos no chão daquela sala.
Nunca foi assim. Perdi as contas de quantas mulheres tive daquela forma nos
meus braços, de quantas tive na cama, mas eu poderia jurar que não houve momento em
que simplesmente desejei jogar tudo para o alto e me lançar de cabeça.
Segurava seu rosto com as duas mãos e mordia seu lábio inferior, sugando-o,
lambendo-o, e retornando aos movimentos de antes. Era o céu e o inferno ao mesmo
tempo.
— Meu Deus, vocês são ótimos. Como já falei, mal precisamos de script.
Continuem filmando, vamos captar tudo que pudermos.
Só que não importava quem estivesse ao nosso redor, eu precisava que ela
soubesse de uma única coisa:
— Não consigo parar de pensar em você — falei olhando em seus olhos, com
as mãos ainda em seu rosto, esperando que ela acreditasse em cada palavra.
— Ah, perfeito! Perfeito! A mulherada vai ficar louca! — Mais uma vez Deise
A equipe foi saindo da sala lentamente, levando seu equipamento, até que nos
— Você se saiu bem para quem não é um ator. A frase final foi em um timing
perfeito — ela comentou, tentando parecer casual, mas eu conseguia ver em seus olhos
que estava tão abalada quanto eu. — Bem, se precisar de mim, sabe onde me encontrar.
não podia simplesmente permitir que saísse com aquela impressão, de que fora tudo
parte de uma mentira, de uma ilusão.
Não deixando que se afastasse muito, segurei seu braço, puxando-a de volta e
fazendo-a girar para que olhasse para mim. Não a trouxe para tão perto, porque temia
— Eu não estava encenando quando disse aquilo. Nem quando te beijei. Foi
tudo verdade.
Que bom que eu a tinha deixado um pouco desconcertada, porque era assim que
estava me sentindo há alguns dias, desde que passei a perceber o estrago que ela
começara a causar na minha cabeça.
Eu não estava encenando quando disse aquilo. Nem quando te beijei. Foi tudo
verdade.
Essa foi a frase que me acompanhou por dias e dias. Ela me assombrou quando
eu estava acordada, foi protagonista dos meus sonhos, e eu sabia que iria perdurar na
minha mente por muito tempo, até que eu compreendesse o que Stefan queria dizer com
isso.
Ok, eu não era idiota e não ia me fazer de tonta. O conceito eu compreendi. Ele
quis me dizer que o beijo fora pra valer e que ele realmente não conseguia parar de
pensar em mim. Só que o que aonde isso ia nos levar era outra história.
Desde que cheguei do trabalho, fiquei zanzando pela casa, tentando pensar se
deveria ou não falar antes, para ninguém ser pego de surpresa. Durante o jantar, remexi
a comida inteira antes de conseguir começar a comer, mas, ainda bem, meu irmão
estava animado e risonho, então isso deixou meus pais atentos a ele o suficiente para
não prestarem muita atenção em mim.
Só que quando minha mãe me pediu para fazer pipoca, e meu pai surgiu na
cozinha pouco depois para pegar uma cerveja, e nós sorrimos um para o outro, daquele
jeito sem graça que se faz quando não se tem o que dizer, comecei a ensaiar um texto
enorme na minha cabeça.
Eu era uma mulher adulta e não devia explicações aos meus pais sobre nada – e
eles dificilmente me pediam –, mas era uma coisa completamente diferente aparecer
dando um puta beijaço em um homem, em rede nacional, e simplesmente fingir que
estava tudo bem.
— Que isso, ursinha? Desde quando? Sabe que pode me falar tudo. — Ele
parou, com o braço segurando a porta da geladeira, apoiado, olhando para mim.
— Ela, eu sei. Mas e você? Não foi exatamente um selinho, sabe? Foi um beijo
de verdade.
Meu pai pegou sua cerveja, fechou a geladeira e veio em minha direção,
colocando a mão no meu ombro.
— Não é fácil, para nenhum homem, ver sua garotinha tornando-se mulher e
adulta. Mas o que importa é saber se você gosta desse rapaz.
Seria muito difícil, quando tudo aquilo começou, responder àquela pergunta ao
meu pai, porque eu odiava mentir para eles. Nunca me deram motivos para que eu
precisasse fazer isso, então minha criação foi muito baseada na honestidade e na
amizade. Olhar em seus olhos e dizer que estava apaixonada por Stefan, enquanto tudo
o que acontecia comigo era a vontade de ganhar meu salário no final do mês, me faria
muito mal.
Só que as coisas tinham mudado. Não era mais apenas uma mentira. Não
saberia explicar exatamente o que estava acontecendo, mas eu começava a sentir algo
especial por Stefan. Portanto tudo o que eu lhe diria seria verdade.
mesmo que você nunca iria chorar daquela forma porque alguma outra pessoa te
magoou. E eu normalmente cumpro minhas promessas, especialmente quando tem a ver
com a minha filha. — Ele fez uma pausa, e o estalo da latinha sendo aberta preencheu o
silêncio. — No início dessa coisa toda eu meio que duvidei da história que estavam
inventando, mas você confirmou agora, e eu posso ver a verdade nos seus olhos. Você
realmente gosta do tal do Stefan. Só precisamos saber se é recíproco. E eu quero
conhecê-lo.
— Mas, pai...
— Não tem mas, Eveline. Se alguém está beijando minha ursinha em rede
nacional, vai precisar conversar um pouco comigo.
Quando aconteceu, minha mãe deu um gritinho animado, como se nem fosse a
filha dela praticamente sendo devorada e imprensada em uma parede pelo próprio
chefe.
Voltei meus olhos para o meu pai, e ele estava assistindo atento também.
— Você podia, pelo menos, fechar os olhos, né, pai? — Sem nem perceber, eu
me encolhi no sofá, agarrando os joelhos e quase enterrando a cabeça neles.
— Não. Quero ver a reação dele depois. Assim que se analisa o que um homem
sente.
Então eu tive que suportar toda a tortura de assistir ao meu próprio beijo com
Stefan enquanto meus pais faziam o mesmo. Ninguém podia negar que a gente era sexy
juntos.
Ao fim, tive que ouvir mais uma vez a frase que fez meu coração explodir.
— Ok, ele gosta de você. Dá para ver nos olhos do garoto. Isso é bom.
Meu pai estava cheio das frases de efeito naquela noite, tanto que se levantou
para pegar mais uma cerveja, deixando-me com aquele pensamento: Stefan realmente
gostava de mim?
remédio. Isso e meu pai lembrando que queria um encontro com o “rapazinho” –
palavras dele.
Aliás, esse seu pedido ficou tanto na minha cabeça que quando Stefan me
chamou em sua sala na segunda-feira, assim que cheguei, puxei esse assunto, só porque
não sabia como agir depois de tantas pessoas terem visto nosso beijo e comentado
sobre ele em todas as mídias sociais possíveis.
— Meu pai quer te conhecer — saí falando do nada, como se fosse realmente a
mocinha desastrada e meio sem jeito que estava tanto me fazendo ser diante das
pessoas e atrás da tela.
Com um sorriso divertido, Stefan ergueu uma sobrancelha, por cima daqueles
olhos azuis, que tinham um brilho maroto, como se ele fosse um menino grande.
— Sério?
— Bem... ele acha que estamos apaixonados, que é real. Não posso contar a
verdade, então...
— Que pena que é mentira, né? — foi um tom provocador, mas por que ele
estaria falando daquele jeito? — Mas eu não me importo. Vou gostar, até. Só que
podemos fazer um jantar na minha casa. Queria que você conhecesse Caio.
Mal tive tempo de processar sua resposta a respeito de seu bebê e o fato de ele
querer que eu o conhecesse, porque Deise surgiu como um furacão, abrindo a porta sem
pedir permissão para entrar.
— Essa ideia é maravilhosa! Vamos filmar na sua casa, Stefan! O pessoal vai
amar! O que acham?
Eu e Stefan nos entreolhamos, sabendo que a gente poderia negar, mas que ela
insistiria até cansar. Até que eu mesma acabasse cedendo, já que meu parceiro naquele
“crime” parecia sempre deixar que eu tomasse as rédeas, embora ele fosse o chefe, e
eu, a subordinada.
Mas minha mãe iria amar aparecer no programa. Eu tinha certeza disso.
Deixa eu resumir: sabe aquele nervosismo que você sente quando está prestes a
conhecer a família do seu namorado, porque quer muito ser aceita? E quando essa
tensão é multiplicada pelo fato de que as duas famílias irão se conhecer ao mesmo
tempo, e você morre de medo que sua mãe – que está mais empolgada do que o normal
– comece a falar coisas constrangedoras sobre você? Para completar... imagine que seu
namorado tem um bebezinho, pelo qual ele é louco de amor, e há uma grande chance de
A minha situação seria essa. Já não seria algo exatamente confortável, mas some
a isso o fato de que o namorado em questão era de mentira e as pessoas que estariam
conosco – basicamente aquelas que mais amávamos na vida – não sabiam disso. Eles
realmente acreditavam que estávamos apaixonados, principalmente porque ambas as
famílias tinham visto o beijo extremamente intenso que trocamos.
trabalhávamos juntos, mas eu realmente não esperava entrar em um lugar como aquele.
Apesar de todo o luxo, fomos recebidos com carinho, e meus olhos rapidamente
caíram no garotinho no colo de Stefan, que ria e jogava a cabecinha para trás, enquanto
o pai fazia gracinhas.
Fiquei parada por um tempo, olhando para os dois, e poderia jurar que se não
tinha certeza que estava apaixonada, aquele pequeno instante seria um verdadeiro game
over para mim. A interação dos dois era apaixonante, era algo tão doce e delicado, que
merecia ser filmado.
que se chamava Glória, pelo que ele me falou, se aproximou com um sorriso de orelha
a orelha. Era uma mulher bonita, com cabelos castanhos abaixo dos ombros e os
mesmos olhos do filho.
Minha mãe rapidamente pediu para pegar Caio, porque era a louca dos bebês, e
eu fiquei observando as coisas ao meu redor. Não era só com o bebê que Stefan era
ótimo. Seu jeitinho com meu irmão aqueceu meu coração. Foi mais uma cena que eu
fiquei observando de longe, ao menos até o olhar do homem que estava começando a
ganhar meu coração me encontrar e se fixar em mim.
algo que ele adorava, Stefan veio em minha direção, colocando-se à minha frente.
Por que ele estava fazendo aquilo? Por que estava falando aquele tipo de coisa?
Se não era verdade, qual seria o motivo?
Lembrei-me do que meu pai me disse sobre Stefan realmente gostar de mim, que
estava escrito em seus olhos, mas vindo de um cara que mesmo antes de ser rico
sempre teve a mulher que quis, ficava um pouco difícil dar um voto de confiança.
Um deles era que eu não teria como adivinhar se tinham combinado algo nos
bastidores com Stefan para que ele me iludisse também, assim como estavam iludindo
os espectadores. Ele poderia estar sendo pago para me seduzir e me fazer acreditar que
tudo o que dizia e o que estava começando a acontecer entre nós nas telas era real.
Outro motivo era que ele também poderia ser inocente em toda aquela história,
mas estar se deixando levar pelo clima que o programa criara. Nós dois, aliás. Para
qualquer um que nos assistisse, realmente haveria uma influência da história criada. Eu
mesma não sabia se o que estava sentindo era real ou se um produto da imaginação que
facilmente.
— Você também não é de se jogar fora, sabe? — decidi-me por uma abordagem
mais bem-humorada, até porque eu queria uma noite especial. Fosse real ou ilusão,
seria um momento em que eu tentaria acreditar que havia algo de relevante entre nós.
A equipe chegou antes do jantar e tudo foi bem tranquilo, embora eu tivesse
ficado nervosa. Nossas mães pareciam muito mais à vontade com a câmera do que eu e
Stefan, embora lidássemos com elas todos os dias, e as duas se deram bem de cara.
Meu pai ficou um pouco mais destacado, perto do meu irmão, mas também pareceu
gostar de Stefan, principalmente quando descobriram que torciam para o mesmo time e
Caio foi a estrela da noite, e no primeiro momento em que o peguei nos meus
braços, algo se derreteu no meu coração. Sempre gostei de crianças, mas nunca tive
contato com muitas, ainda mais tão bebezinhas. A maioria das minhas amigas ainda não
era mãe, então não tive muitas oportunidades de conviver com uma coisinha pequena
como aquela.
Só que Caio não era apenas lindo como o pai, embora não tivesse os olhinhos
azuis, mas castanhos – que deveriam parecer com os da mãe –, era uma criança
gracinhas e era carinhoso. Stefan me contara que ele havia aprendido a dar beijinhos há
pouco tempo, então ele me encheu de alguns, todos babados e deliciosos. Enchi seu
rostinho com alguns também, manchando-o de batom, e decidi que não queria mais
soltá-lo.
Passei boa parte da visita com ele, e isso foi extremamente explorado pela
emocionada. Fernando era um dos amores da minha vida, e ele não merecia ser visto
pelas pessoas como um incapaz completo. Era inteligente ao seu modo e um guerreiro.
Isso era o que precisavam entender.
A equipe de filmagem foi embora razoavelmente cedo, o que achei até de bom-
gosto da parte deles, e foi um pouco depois de Caio ter dormido sereno no meu colo. O
que, obviamente, foi filmado. Já podia imaginar a cena sendo veiculada com a
entonação que eles queriam que fosse recebida pelo público: que a criança tinha se
apaixonado tanto por mim que se entregou aos meus braços sem restrições. Só que eu
tinha a impressão de que ele era assim com todo mundo.
Entreguei Caio para a minha suposta sogra, depois que todos saíram, para que
ela o colocasse para dormir, o que me deu a sensação de que meus braços estavam
vazios demais sem ele. Quando ela voltou, eu estava no banheiro da sala – ou lavabo,
no caso – e sem querer, por detrás da porta, consegui ouvi-la falando. Logo entendi que
estava conversando com Stefan.
— Essa menina vale ouro, meu filho. Se você magoá-la, vou esquecer que é um
homem feito e vou te dar uma surra de cinto. — Ela certamente estava brincando,
porque pude ouvir a gargalhada de Stefan mesmo através da porta.
Eu deveria sair dali e revelar minha presença, antes que me sentisse como uma
gatuna ouvindo a conversa alheia. Só que tive a impressão de que seria pior ainda, que
todos ficariam extremamente constrangidos.
E eu queria ouvir...
Ainda poderia ser mentira, né? Assim como eu, ele não podia contar à mãe
sobre a farsa.
Mas... droga! Eu queria acreditar. Sua voz parecia tão sincera. Seus olhares
para mim sempre se mostravam cada vez mais desejosos. Que situação mais
complicada.
— Espero que sim. Não se deixa uma mulher como ela passar. Muitas pessoas
entram na nossa vida, mas poucas são as que valem a pena serem fisgadas para que
Quando saí do banheiro, minutos depois, passei pela mãe dele, que me
informou, como ninguém quer nada, que seu filho estava no jardim me esperando.
Isso me surpreendeu, mas ela se juntou aos meus pais, na sala de estar, com
taças de vinho, e eu vi que aquele assunto ainda iria render. Mas Stefan queria ficar
sozinho comigo... Sem câmeras por perto – ao menos até onde sabíamos.
noturno. Havia duas taças de vinho sobre uma mesinha, que não ficava entre as
cadeiras, e eu imaginei que seria uma para cada um de nós.
Tínhamos ido para sua casa com o motorista que fora enviado para nós, e assim
iríamos voltar, então não tinha problema que todos bebêssemos álcool.
Sentei-me ao lado de Stefan, e ele sorriu ao me ver ali. Era um baita sorriso. Do
tipo que é capaz de fazer uma mulher tirar a calcinha em dois minutos.
Pois é... corria o risco de eu ser a próxima, sem nem saber se era certo ou
errado. Mas eu estava pronta para me jogar de cabeça, porque, aparentemente, meu
coração não estava me dando nenhuma alternativa.
CAPÍTULO DEZES S EIS
Eu não menti quando disse que ela parecia cada vez mais bonita; que a cada vez
que eu olhava para ela, tinha a sensação de que meus olhos viam algo diferente, que
enxergavam detalhes novos.
Era a primeira vez que eu a via sob o luar. Claro que havia algumas luzes no
jardim, principalmente as que vinham da piscina, mas a luz prateada que caía do céu
incidia sobre seus cabelos dourados, e ela parecia algo celestial. Mesmo vestida de
jeans e camiseta, com o rosto quase limpo, sem a maquiagem pesada que lhe faziam
todos os dias, eu a considerava mais alcançável, mais natural.
Mulheres como Eveline não precisavam de artifícios para ficarem ainda mais
bonitas. Na verdade, todo aquele ar de falsidade, de um rosto preparado para as
câmeras, de figurino, como se estivéssemos apresentando um espetáculo, não
combinava com ela. Eu gostava de vê-la daquele jeitinho.
perto de mim, o que me fazia acreditar que realmente era inocente e inexperiente como
imaginei desde o princípio. Seu rosto branquinho corado me falava exatamente isso.
O sorriso de Eveline se abriu ainda mais no momento em que meu bebê foi
mencionado.
— Nossa, Stefan, ele é maravilhoso! — exclamou com tanta veemência que era
impossível não acreditar que tinha realmente se apaixonado por Caio. Não que meu
filho não fosse, de fato, encantador, mas gostava de saber que ela tinha se empolgado
tanto. — É espertinho, carinhoso, engraçado. Você tem toda razão de morrer de orgulho
dele.
— Eu sentiria o mesmo orgulho se ele não fosse metade do que é, mas confesso
que tive muita sorte.
Dei de ombros.
— Não me incomoda. Lamento mais por pensar que Caio um dia vai precisar
saber de tudo isso.
Stefan começou a me contar sobre a mãe do bebê e a forma como a criança foi
tratada por dela, como ele lutou para conquistar a guarda e, depois, como a mulher
acabou morrendo por uma fatalidade. Realmente não era uma história feliz para ser
contada a um garotinho.
— Há mentiras que são piedosas. Omissões também. Você não tem necessidade
de falar tudo para ele. Pode contar algumas partes. A mãe dele morreu, o que já não é
legal de se descobrir, mas você pode dizer que foi uma boa pessoa e que o amou. Que
— Imagino que ele vá entender. Vocês dois têm uma relação muito bonita desde
agora, e isso provavelmente não vai mudar. Serão bons amigos, posso prever isso.
Como aquela mulher conseguia me fazer sorrir tão fácil? Não era a primeira vez
que abria a boca para me dar um bom conselho, para me dizer algo que confortava o
meu coração. A ideia de Caio descobrir sobre sua mãe sempre me atormentou. Claro
que o que dissera não fora nada novo que nunca passara pela minha cabeça, mas nunca
me abri com minha mãe sobre aquela preocupação, porque acabaria se tornando um
motivo de estresse para ela também, e ter alguém de fora me dizendo algo tão bom de
se ouvir era um alívio.
Vi Eveline deixar a taça de vinho na mesinha ao lado de sua cadeira, então fiz o
mesmo com a minha, que também possuía uma mesa logo ao lado. Alguns centímetros
separavam minha espreguiçadeira da dela, mas não havia nada em meio a nós.
— Você tem uma casa e tanto aqui. Digna de uma celebridade — ela comentou.
— Nunca quis ser uma. Também nunca almejei morar em um lugar tão grande.
Sempre pensei em ter bastante grana, por causa de trabalho duro, mas em meus sonhos
eu não via uma mansão desse jeito. Queria algo um pouco mais intimista.
— Entendo. A casa é linda, não me leve a mal, mas acho que para uma família
pequena deve ser um pouco intimidador, né? Faço mais o tipo que gosta de um cantinho
aconchegante.
Ela voltou o rosto na minha direção, com uma das sobrancelhas erguidas,
surpresa.
— Em mil coisas. Você tem um amor muito grande pela sua família, assim como
eu, e está disposta a se sacrificar por eles ao máximo. — Fiz uma pausa, antes de
continuar: — Apesar de ter assinado aquela porcaria de contrato, também não está
contente com a exposição, e eu sei que muitas mulheres adorariam estar no seu lugar.
— De toda a frase que eu falei, essa foi a única palavra que você processou?
Um som maravilhoso, que se infiltrou nos meus ouvidos como uma melodia que
não apenas me contagiou, mas que me encheu de certezas de que eu queria aquela
gargalhada na minha vida.
O que eu falei para ela sobre sermos parecidos era real. Em muitas coisas, a
teoria de que os opostos se atraíam era algo relevante, mas, no geral, ter alguém ao seu
lado que corroborava com suas crenças, com seus objetivos e que dava valor ao que
realmente era importante, era algo a ser levado em consideração.
comprometer.
Eveline era diferente. Ela era única. E como minha mãe dissera, era o tipo de
mulher que não poderia deixar escapar.
Sem nem hesitar e sabendo que eu deveria dar alguns passos para que ela
entendesse que não precisávamos de câmeras, coloquei a mão por baixo da cadeira
onde ela estava deitada e a puxei, para que ficássemos mais perto. Ela se surpreendeu
com a minha atitude, chegando a arfar pelo choque, mas eu queria que o que havia entre
nós não fosse apenas parte de um roteiro.
As espreguiçadeiras onde estávamos deitados não tinham braços, por isso mais
parecia que estávamos deitados em uma cama de casal. Não era a mais confortável
possível, mas estávamos lado a lado, perto o suficiente para que eu pudesse me virar só
para acariciar seu rosto.
bagunça, e ela se espalhou ao nosso redor — falei bem baixinho, e Eveline balançou a
— Eu gosto. Sempre gostei. — Uau. Foi o fora mais simpático que eu poderia
receber. Só não esperava que Eveline fosse me cortar daquela forma.
Quando minha língua invadiu sua boca, puxei seu corpo para mim, colando-o ao
meu, sentindo o calor que ela emanava. Sentindo o quão certo era tê-la ali, comigo.
Quando nos afastamos, sorrindo um para o outro, com as testas coladas, o fato
de eu estar apaixonado por Eveline era uma certeza que só se tornava mais e mais forte.
CAPÍTULO DEZES S ETE
Poderíamos nos importar com isso e fazer algum drama, mas passávamos
nossas manhãs e tardes juntos, conversando, rindo e jogando cartas. Falávamos sobre
tudo, comíamos o que queríamos – tudo pago pela emissora – e apenas evitávamos nos
tocar ou nos beijar enquanto estávamos no prédio da empresa, porque não queríamos
que se aproveitassem de momentos que deveriam ser só nossos.
Isso era deixado para algumas noites, quando eu ia para a sua casa e
passávamos momentos maravilhosos com Caio. Eu amava o fato de ele parecer
realmente gostar de mim e ficar feliz com a minha presença. Glória também.
primeira noite em que nos beijamos ali, porque usávamos apenas uma espreguiçadeira,
onde ficávamos conversando por muito tempo e nos beijando mais ainda.
As coisas entre nós eram simples. Funcionavam. E eu não conseguia pensar que
se não fosse aquele programa estúpido não estaríamos ali, juntos, nos conhecendo e
tentando construir um relacionamento que eu sentia que poderia, de fato, dar certo.
Eu queria que desse certo. Estava apaixonada, e por mais que nenhum de nós
dois tivesse assumido um sentimento dessa forma, pequenos detalhes eram suficientes.
Sim, as coisas estavam indo muito bem. Muito mais do que eu poderia imaginar.
Ainda assim, não esperava que depois de três meses de programa, as ideias da
produção chegariam tão longe.
com aquele seu jeito estranho de nos olhar como se fôssemos duas crianças tolas e com
— Ainda assim. É uma coisa muito radical. Nossas famílias não vão poder
saber que é um noivado de mentira! — comecei a falar, quase em desespero, porque eu
não queria enganar minha mãe naquele nível. Não queria que ela pensasse que sua
única filha mulher iria se casar, sendo que eu mal sabia se o meu relacionamento com
Exatamente como fiz dias atrás, Stefan colocou a mão sobre a minha, por
debaixo da mesa, tentando me confortar. Respirei fundo, tentando me concentrar apenas
no contato e me sentindo acalmar, embora a ideia ainda girasse na minha cabeça como
parecendo extremamente absurda.
receber um aumento. Temos uma sugestão aqui, mas podemos negociar, se for preciso.
Olhei para Stefan, que estava ao meu lado, lendo junto a mim tudo o que estava
escrito ali. Ainda bem por isso, porque ele poderia me confirmar se eu não estava
ficando louca.
— Acho que vou ter que pedir a vocês o mesmo que pedi da outra vez. Preciso
de um tempo com Eveline para discutirmos. É algo muito maior do que esperávamos no
início — Stefan falou, com aquela sua voz de autoridade que me fazia acreditar que ele
realmente seria um bom chefe um dia.
A equipe concordou em nos liberar da reunião por algum tempo, e nós partimos
para a sala ao lado, exatamente como na outra vez, a portas fechadas.
— Stefan! Você realmente não entendeu, né? Eles querem que a gente forje um
noivado. Que a gente finja que vai se casar! Casar! — alterei o tom de voz,
gesticulando como louca, porque simplesmente não conseguia entender como poderia
Era um resquício de um sorriso que eu via em seu rosto? Mas no que diabos ele
estava pensando?
— Você acha que faz diferença mesmo? Depois de tudo o que aconteceu desde o
início? As coisas podem ter começado de um jeito estranho, mas, no final das contas,
estamos juntos, não estamos?
Abri a boca para falar alguma coisa, mas ela continuou aberta, sem que nenhum
som fosse emitido.
— Nós estamos... juntos? — Sim, eu sabia que era uma pergunta idiota, mas
aquela resposta era importante para mim.
— Ué, se você disser que não, eu vou me sentir um pouco mal — ele ainda
falou em um tom de brincadeira, porque assim era Stefan. Ele sempre levava as coisas
para um lado mais lúdico. — Porque todos aqueles beijos maravilhosos que trocamos
esses últimos dias me fizeram pensar que estávamos namorando.
— É que... Bem... você deve ter beijado um milhão de mulheres na vida e não
namorou todas elas.
número. E não importa quantas mulheres beijei. Importa que a única que eu quero é
você.
Aquele era o dia oficial de deixar Eveline – eu, no caso – chocada, porque eu
realmente não esperava que Stefan fosse dizer algo naquele nível.
essa farsa, podemos negar. Você comanda o jogo. Mas eu vi a oferta que te fizeram, e eu
Se eu assinasse mais aquele contrato, Stefan não ganharia nada mais por isso.
Ele estaria se comprometendo com uma mulher, perante todo o país – saindo do
mercado dos solteiros, no caso –, só para que eu ganhasse dinheiro suficiente para
ajudar minha família.
Claro que depois de um ano, nós simplesmente poderíamos nos separar, cada
um seguir o seu caminho e...
Meu coração subitamente disparou de uma forma nada agradável. Eu não queria
pensar nisso de “cada um seguir seu caminho”. Era doloroso pensar em não ter mais
Stefan na minha vida, até mesmo como amigo. Gostava de seus beijos e sabia que
estava mais do que rendida, desejando-o cada dia mais, mas não era apenas isso. Caso
as coisas não evoluíssem e nos despedíssemos depois de um ano, eu sofreria.
Pelo amor de Deus, era muito dinheiro. E não era como se eu estivesse
cometendo um crime. No final das contas, como Stefan dissera, nós realmente
estávamos juntos, a mentira nem era tão grande assim.
convincente, tão encantador. Havia inúmeras câmeras ao nosso redor, eu sabia que era
um texto ensaiado, um anel comprado pela emissora, mas eu era uma romântica, e
estava mesmo apaixonada.
Quando o anel foi parar no meu dedo, e Stefan me puxou para um beijo, foi
difícil não acreditar que era realidade, por mais cedo e louco que pudesse ser.
Passamos a ser lucrativos não apenas como dois indivíduos, mas como um
casal. Começamos a ser chamados para comerciais de TV, para sermos embaixadores
Aos poucos ela foi resolvendo os problemas de sua família. Seu irmão ganhou
uma cuidadora; alguém totalmente treinado para lidar com uma pessoa com suas
limitações. Eles mudaram de casa, para uma própria, e eu ficava comovido em ver que
tudo o que ela queria, de fato, era dar uma vida melhor àqueles a quem amava. Isso só
foi aumentando minha admiração e o que eu sentia.
Amava o jeito como ela interagia com meu filho. Como era respeitosa e
carinhosa com a minha mãe. Como era adorável com os funcionários da minha casa.
Como começara a se soltar mais com o público, que literalmente beijava o chão que ela
Dificilmente ficávamos sozinhos em casa, mas pedi que minha mãe dispensasse
os funcionários e levasse Caio consigo, para um hotel, onde passariam a noite. Preparei
um jantar eu mesmo e decidi criar o momento mais romântico possível, com direito a
velas, flores e música. Ela estava linda, sorridente, e eu amava conversar, mas no
momento em que se levantou, pronta para lavar a louça – já que éramos só nós naquela
noite – fui atrás dela e a agarrei, sem muita explicação.
quanto precisava de ar. Ainda hesitante, abri os primeiros botões da camisa que ela
usara para trabalhar – porque fomos direto da empresa para minha casa – e enfiei a
mão por dentro de seu sutiã.
Era a primeira vez que a tocava de forma mais ousada, e eu quase grunhi
quando senti a maciez de seu seio na ponta dos meus dedos. Ela gemeu baixinho quando
comecei a massagear um mamilo, mostrando-me que era sensível e que estava
gostando.
Com um pouco mais de ímpeto, girei o mesmo bico entre dois dedos, puxando-o
e friccionando-o, enquanto descia minha boca por seu pescoço.
Sentia-me frenético. Era a primeira vez que eu ficava sem sexo por tanto tempo
e... porra! Nunca desejei uma mulher como desejava Eveline. Provavelmente tinha a
ver com o fato de gostar tanto dela, de não ser algo apenas casual, como sempre foi
para mim.
— Você é tão deliciosa, Eveline. Tão perfeita. Eu quero te lamber dos pés à
cabeça. Te beijar, sem deixar um único pedaço do seu corpo de fora. Quero que goze na
minha boca — sussurrei em seu ouvido, mas peguei seu rosto com as duas mãos e a
olhei nos olhos.
Demorou um pouco para cair a minha ficha, mas quando aconteceu, tentei
disfarçar minha surpresa – ou o meu choque, que seria uma palavra muito mais
adequada –, porque não queria deixá-la ainda mais constrangida.
— Sei disso. Por isso que quero que seja com você. Quero que seja agora —
ela falou muito séria, muito solene. — Eu estou, sim, um pouco nervosa, mas sempre
vou ficar. Você sabe que eu sofro de ansiedade, e os grandes eventos me deixam um
pouco apreensiva. — Ela revirou os olhos para si mesma. — Não sei se posso chamar
a perda da virgindade como um grande evento. Ou talvez seja, mas... — Suspirou. —
Nossa, estou falando sem parar.
— Gosto de te ouvir.
— Mas não em um momento como esse, né? — Eveline colocou as duas mãos
nos meus ombros. — Não mude seus planos, Stefan. Como eu disse, você foi a pessoa
que eu escolhi. Pode ser agora ou daqui a meses, mas eu prefiro que seja agora, porque
eu quero. Porque não consigo pensar em nada coerente desde que você me falou que
quer me beijar inteira — brincou, e eu não pude conter um sorriso.
— Também falei que quero que você goze na minha boca — repeti em um tom
Porra...
— Não faço ideia de qual seja a sensação. Se você não for assim tão
experiente, como eu imagino que seja, tem altas vantagens comigo, porque não tenho
— Talvez seja.
Em um rompante, tirei-a de onde estava, jogando-a no meu ombro. Eveline
começou a rir, e eu fiz a maior cena de homem das cavernas, enquanto a carregava para
Só que quando a vi, deitada sobre meus lençóis brancos, com os cabelos
dourados espalhados, a face corada, e a blusa quase aberta, com o sutiã branco de
renda aparecendo, não consegui continuar a brincadeira.
Aquilo era sério para mim. Ela estava me entregando sua virgindade. Escolhera
Não que fizesse alguma diferença, porque seria maravilhoso de todos os jeitos,
mas a sensação de saber que eu nunca faria nada para magoá-la e de que tomaria o
máximo de cuidado para que não fosse tão doloroso me deixava aliviado. Se eu
soubesse que qualquer homem que a tocara não tivera o nível de delicadeza que ela
Desci a boca até o primeiro botão que ainda estava aberto e o puxei entre os
dentes, arrebentando-o.
— A empresa que me contratou para usar essa camisa vai ficar muito feliz.
— Não, é sexy.
— Então ótimo. Eu te dou outra. Te dou várias. Um dia ainda vamos fazer sexo
com você coberta de diamantes.
— Quando você falou que ia me fazer gozar com sua boca, não pensei que era
com palavras, chefinho...
Não consegui me segurar. Ela era maravilhosa. Eu amava aquele seu jeitinho
natural de ser, as coisas que dizia, como agia. Voltei à sua boca e roubei um beijo,
interrompendo quaisquer planos que eu pudesse ter, ao menos em um primeiro
momento. Beijá-la lentamente – bem lentamente – era mais importante.
Eu sabia que ela estava pouco se lixando para diamantes, que seu comentário
Consegui mais uma vez chocá-la. Talvez mais do que quando disse que queria
fazê-la gozar sem saber que era virgem.
Por alguns instantes, ficou completamente calada, olhando para mim como se
algo a tivesse congelado. Esperei seu tempo, até que respirou fundo, quase em um
suspiro, e seus olhos se derreteram.
Eveline sorriu.
— Então eu vou acreditar em tudo que você disser, Stefan. Você tem meu
coração nas suas mãos.
Abrindo toda a blusa, fiz o mesmo com seu sutiã, de fecho frontal, e levei a
boca a um dos mamilos, enquanto estimulava o outro com os dedos. Fui deixando-a
mais excitada, ouvindo-a gemer baixinho, ainda contida.
Quando usei a outra mão para invadir sua saia e afastar sua calcinha, encontrei-
a molhada. Combinei os estímulos, encontrando os ritmos e começando a aprender o
que ela mais gostava. Eveline era receptiva e não demorei a descobrir que podia se
Mas eu era um homem que cumpria promessas, por isso, ergui sua saia,
arranquei sua calcinha e me empenhei em lhe dar um orgasmo com minha boca e minha
língua.
Não importava que ela nunca tivesse experimentado aquele tipo de coisa. Tudo
o que eu queria era que tivesse uma primeira vez inesquecível. Que gritasse o meu
nome, que me implorasse por mais, que me desse o que eu queria dela: que se rendesse
completamente ao prazer.
Ela gemeu bem alto, quase um grito, quando atingiu o clímax, e isso me deixou
louco.
Assim como fiz com sua calcinha, arranquei sua roupa por inteiro, enquanto ela
se recuperava, porque a queria nua. Queria olhá-la e ver o homem de sorte que eu era.
Eu sabia que ela estava sentindo dor, mas aguentou firme, e então conseguimos
encontrar um ritmo, assim que percebi que relaxou, e eu fui investindo com muito
cuidado, já tendo completa certeza de que ficaria viciado.
Em uma delas, mais funda e mais certeira, Eveline soltou um delicioso gemido.
Imitei o que fiz anteriormente, uma, duas, três vezes. Sentia que ia se tornando
mais escorregadia, o que me fez sorrir.
Era maravilhoso. Não havia nada que eu pudesse comparar à sensação de fazer
amor com um sentimento envolvido. Não havia comparação.
Enquanto chegava ao orgasmo, pouco depois dela, comecei a pensar que, talvez,
aquele anel em seu dedo não fosse assim tão absurdo. Que quando tudo aquilo
terminasse, eu renovaria o pedido, e eu a tornaria minha esposa. A mentira se
transformaria em total realidade, porque não conseguia imaginar nada que pudesse me
Eu era bem inexperiente nesse tipo de coisa, mas tínhamos feito sexo umas três
vezes antes de dormir, e eu estava um pouco dolorida. Para ele, aparentemente, o jogo
poderia continuar facilmente.
— Bom dia, princesa — a voz rouca matinal de Stefan era uma coisa a ser
levada em consideração. Era bem erótica.
Deus, eu poderia ficar molhada só de ouvi-lo falar. E aparentemente ele gostava
de falar umas sacanagens, porque durante os outros dois sexos, enquanto encontrávamos
nosso ritmo, o que saiu de sua boca poderia me deixar corada em qualquer outra
situação.
— Vou te falar uma coisa bem erótica, se prepare... — Ah, meu Deus. O que
vinha por aí? — Estou com fome.
Eu não era a pessoa mais mal-humorada pela manhã, mas acordar ao lado de um
bom piadista me fazia querer ter muitos dias assim com ele. O que era um pouco
perigoso.
ontem.
Só que ele parecia ter tudo sob controle, porque pegou uma roupa emprestada
de sua mãe para mim, alegando que ela não se importaria. Não tínhamos corpos muito
diferentes, ela era apenas um pouco mais curvilínea do que eu, e encontrou um vestido
de quando era alguns anos mais nova e que não lhe cabia mais. Ficou quase perfeito,
um pouco mais largo na cintura do que deveria, mas um cinto – que também me foi
emprestado – resolveu o problema.
Saímos, cercados de seguranças, o que ainda era um pouco estranho, mas fazia
parte de quem tínhamos nos tornado. O bom era que Caio não percebia nada disso e
parecia extremamente animado, falando as palavrinhas que tinha aprendido naquele
meio tempo, sendo a criança fofa que sempre era.
janela, mas um dos nossos seguranças ficou de olho na porta, porque uma pequena
— Relaxa. Está tudo bem. — Ele já conhecia meus rompantes e sempre sabia
— É que em algum momento vamos ter que sair, né? Aquela gente toda lá fora...
— Olhei de novo pela janela.
— Os seguranças vão dar um jeito para nós. Ainda vamos demorar um pouco;
eles vão se cansar.
Duvidava muito disso. Eu e Stefan éramos uma febre que não tinha passado.
Pensávamos que seria apenas no início do programa, mas conforme a equipe de
produção percebia que esse fascínio poderia acabar, criavam mais uma cena
apaixonante que trazia todo mundo de volta ao ship. Éramos um clichê ambulante, e as
pessoas amavam isso. Ver-nos ali, com o bebê, tomando café juntos, sem câmeras,
comprovando que realmente estávamos juntos, era, sem dúvidas, um deleite para
aquelas pessoas.
Era um deleite olhar para os dois, e um sentimento de que eu queria que ambos
fossem meus me fez respirar um pouco mais fundo e suspirar, sonhadora. Será que
poderíamos, um dia, nos tornar uma família?
Isso me deixou um pouco melancólica, mas como Stefan era muito perceptivo,
lutei para mudar a expressão, e Caio corroborou com isso quando estendeu a mãozinha,
envolvendo-a em um dos meus dedos.
— Tiamo.
Tiaine era como ele me chamava; uma mistura de Tia Line, que era como ele foi
ensinado que era meu nome. Tiamo ele vivia dizendo para o pai e para a avó, porque
também fora ensinado que isso era dito quando a gente gostava muito de uma pessoa.
Eu sabia que tinha sido Glória que o fizera aprender aquelas coisas, mas nunca pensei
que fosse usar a palavrinha tão poderosa comigo.
Meus olhos logo ficaram cheios de lágrimas, e quando olhei para Stefan de
novo, ele também estava emocionado. Tudo parecia corroborar para que meu
pensamento anterior, sobre um dia sermos uma família, se tornasse mais e mais forte.
em meio a uma pequena crise de ciúme, agradeci ao fato de meu romance com Stefan
ser público.
Só que isso não pareceu desanimá-la, porque a posição com que parou, de
frente para Stefan, com o decote bem na cara dele, fez com que eu entendesse que ela
estava pouco se lixando para a minha presença ali.
— Desculpa, não me lembro de você — Stefan falou bem sério, quase irritado.
— Você quer um autógrafo meu e de Eveline, é isso? Pena que Caio ainda não sabe
escrever, né?
eu imagino que esse seu relacionamento seja midiático, né? Vocês não estão juntos de
verdade, estão?
— Claro que estamos. — Stefan segurou minha mão por cima da mesa. — Você
está vendo alguma câmera aqui?
A tal Raíssa olhou ao seu redor, e eu jurei que ela iria se tocar, mas o que Stefan
dissera não pareceu minimizar sua força de vontade.
— Pelo amor de Deus, Stefan, você é um dos maiores galinhas que eu conheço.
— Como eu disse, eu nem me lembro de você. Também não me lembro das suas
— Claro que não lembra, exatamente porque você comia e nunca ligava no dia
seguinte. Vai mesmo tentar me fazer acreditar que caiu de quatro por essa garota? Ela
nem faz o seu tipo.
— Acho bem ousado da sua parte tentar ditar qual é o meu tipo ou não, sendo
que realmente mal nos conhecemos. Mas isso não importa. Como entrou aqui? — Lá
estava aquela autoridade que ele sempre demonstrava quando queria impor algum
respeito.
— Sou dona. Por isso que é um pouco impossível comprar essa ideia que não
se lembre de mim. Não acredito em coincidências. Quando saímos, eu te falei que era
dona deste lugar.
Olhei para Stefan, surpresa. Eu continuava calada como uma boba, com a mão
de seu filho entrelaçada a minha. Queria dizer algo, me meter na conversa, mas não
achava que me cabia aquele papel. Desejava que ele mesmo resolvesse a situação,
porque queria saber como iria conduzi-la.
— Foi tão irrelevante tudo o que me disse que eu realmente não me lembrei. —
Uau. Que resposta. — Você está me obrigando a fazer muitas coisas que eu odeio... é...
Vi a garota engolir em seco, mas Stefan pegou a minha mão, segurando Caio
com um dos braços, e foi me puxando para a porta, fazendo um sinal com a cabeça para
o segurança que estava lá dentro.
— Quando aquele programa idiota acabar, esse cara aí vai voltar a pular de
cama em cama. Ou então vai te encher de chifres. Ele não é o tipo de homem que para
com uma mulher só.
Meu coração se afundou no peito só pela hipótese. Eu sabia que não era real.
Sabia que fora verdade quando ele dissera que me amava. Mas o que aconteceria, de
fato, quando não fosse mais necessário fingir para uma câmera? Quando eu tivesse que
tirar aquele anel do dedo? Mesmo que continuássemos juntos, ainda era muito cedo
Muitas coisas se passaram pela minha cabeça em um único segundo, mas decidi
agir com superioridade e sorrir. Ergui minha mão com o anel, que não era aquela que
— Ainda assim, eu sou a noiva dele oficial. A noiva que todos adoram. Você
vai continuar sendo a figurante de uma história. Eu sou a protagonista.
Stefan sorriu, parecendo aprovar a resposta, e a porta foi aberta para que
pudéssemos sair.
A multidão lá fora começou a gritar, e ele precisou soltar a minha mão para
segurar Caio com os dois braços. Um dos seguranças se encarregou de me proteger por
todo o caminho até o carro, e nós entramos, mas a loucura me deixou um pouco
abalada.
A fama era corrosiva. Nunca a desejei, mas já conseguia perceber por que
muitas pessoas se destruíam ao tê-la. Ficava pensando naquelas meninas e meninos que
começavam a vida tendo o rosto exposto desde muito pequenos, que cresciam em meio
àquele caos. Eu não conseguiria. Já estava suficientemente cansada e não vivia tal
situação há mais do que alguns meses.
Eu sabia que, assim como eu, ele estava chateado. Não tínhamos conseguido
sequer comer, Caio estava estressado e todo o passeio fora arruinado.
— Você quer fazer alguma coisa? — ele perguntou para mim. Parecia quase
esperançoso de que eu dissesse sim, porque meu humor tinha visivelmente se tornado
sombrio.
tudo o que desejava era o colo dos meus pais para conversar um pouco.
Isso realmente o frustrou, mas sem pestanejar respondeu que sim e deu as
instruções para o motorista.
Mas que merda de final de semana péssimo! Fiz altos planos para passar dias
de folga, tranquilos e em família com Eveline, mas tudo deu errado. E eu nem poderia
culpá-la, porque, em seu lugar, também odiaria ouvir as coisas que ouviu, vindas
daquela garota que parecia ter sido colocada ali só para criar o caos.
A casa enorme onde eu agora morava ficou extremamente vazia sem ela. Até
Quando participei daquela merda de reality show que me garantiu a Antura, não
pensei que tantas pessoas o assistiriam. Também não achei que o programa com meu
dia a dia na emissora fosse se tornar o sucesso que se tornou, mas eu sabia que devia
isso ao meu romance com Eveline. E isso me deixava ainda mais chateado, porque fui
Só que até aí tudo bem... Se fosse só isso, poderia ter sido relevado. O
problema maior foram as palavras que a tal Raíssa falou sobre eu ser um galinha, um
cafajeste – embora eu não concordasse muito com esse adjetivo, já que nunca fiz
promessas e nunca foi minha intenção magoar ninguém, apenas viver minha vida de
solteiro. Senti nos olhinhos de Eveline que a possibilidade de ela ser apenas
passageira, de eu enjoar e de abandoná-la depois que o contrato do reality show
terminasse, a atingiu. E, novamente, eu não a julgava.
Ainda assim... não era possível que não tivesse ouvido quando disse que a
amava. Com exceção do meu filho e da minha mãe, nunca falei aquelas palavras para
ninguém. Eu não amava muitas pessoas, não saía desperdiçando meu amor com quem
não o merecia. Só que eu era leal a esse grupo seleto que se infiltrava no meu coração
de verdade.
E Eveline fincara sua bandeirinha bem no meio dele, tomando posse de tudo.
Nós até nos falamos no resto do sábado e no domingo, mas ela alegou que não
estava se sentindo muito bem; que chegara uma crise de enxaqueca, e eu decidi deixá-la
em paz. Se queria ficar quietinha, com seus pensamentos, tinha esse direito.
Chamei Eveline, e ela entrou, vindo em minha direção para um beijo. Menos
mal. Só que eu vi algumas olheiras sob seus olhos, já que ela não tinha sido maquiada
ainda, o que me preocupou.
— Sim, mas não foi só isso. Você ficou magoada. Mas o que foi que mais te
magoou?
afastar um pouco. Nosso contrato não permitiria que desfizéssemos o romance diante
das câmeras, mas era fora delas que eu mais amava sua companhia, porque éramos
verdadeiros; não tínhamos nenhum script. Em nossa vida privada, éramos reais, não
uma fantasia criada por um roteiro brega e muitas vezes sem sentido.
levar a porrada.
— Não foi o que eu disse. — Virou-se na minha direção. Então seus ombros
caíram, denotando frustração. — Só é complicado...
— Também nunca tive. Nunca quis ter. Se estou com você é porque realmente
quero estar.
— Eu sou boba, Stefan. Não é que aquela mulher, a tal de Raíssa, tenha
conseguido me afetar, juro. É que fiquei pensando em todas as coisas, na forma como
começamos e no que tudo isso se transformou. Parece uma loucura... E se fomos
influenciados pelo programa também? Se todas aquelas pessoas se apaixonaram por
nós, será que não é uma ilusão nas nossas cabeças também? — Ela fez uma pausa. Eu
poderia dizer alguma coisa, mas sabia que queria continuar, então, apenas deixei. —
Você diz que nunca se apaixonou antes; sabe que nunca quis um compromisso, que tinha
a mulher que quisesse nas mãos. Com a fama, poderia ter ainda mais. E se esse amor
que você sente por mim for só influenciado pelo roteiro que nos deram?
Fiquei olhando para Eveline, observando-a enquanto falava e não parava de se
mexer. Fazia sentido o que ela estava dizendo. Se todas aquelas pessoas que gritavam
nossos nomes, que nos seguiam, que comentavam nossas fotos e que pareciam ser tão
viciadas na nossa história, tinham se apaixonado por nós daquela maneira, por que o
Fiquei matutando isso na minha mente por alguns minutos, mas logo balancei a
cabeça, afastando esses pensamentos.
Era absurdo. Eu não era assim tão suscetível. E sabia que Eveline também não.
Via em seus olhos o quanto amava a mim e ao meu bebê; vi esse amor nascer aos
poucos e não na velocidade com que as coisas aconteceram no programa. Éramos duas
pessoas diferentes na vida real. Duas pessoas que se apaixonaram de uma maneira
diferente.
Só que eu precisava convencê-la disso.
eles criaram; é linda, doce, tem uma língua afiada quando quer, tem um senso de humor
apurado, sabe aconselhar, é madura e cuida daqueles que ama. Foi por essa mulher que
eu me apaixonei. Não por uma ilusão.
confusão de desespero com uma ânsia de segurá-la contra mim e não permitir que se
afastasse contribuiu para que eu ficasse quase sem ar.
Então Eveline se colocou na ponta dos pés, e seus lábios tocaram os meus
suavemente. Tão doces que eu poderia me perder neles por horas, sem pensar no mundo
ao nosso redor.
Fora ela quem dissera, não fora? Meus desejos seriam concedidos, então...
CAPÍTULO VINTE E UM
Contra uma parede. Foi assim que eu fui beijada, e quando a mão de Stefan foi
parar na minha saia, erguendo-a ao máximo para conseguir chegar ao meio das minhas
pernas, afastando a calcinha, perdi completamente a cabeça.
Ele tinha mesmo levado a sério o que eu disse sobre fetiche. Pensei que seria
apenas uma brincadeira, que logo seria colocada no chão, depois de apenas um beijo
Só que eu não poderia negar que ser muito bem comida, daquele jeito, e me
deixar levar por um orgasmo para voltar ao trabalho com mais disposição, não era uma
ideia nada ruim.
— Jamais, moça. Eu sou um cavalheiro — ao dizer isso, ele estocou com mais
força, e eu mordi o lábio para não gemer mais alto. — O fato de eu ter uma camisinha
no bolso é só coincidência.
Quase gargalhei, mas fui impedida por mais um dedo que me invadiu causando
uma fricção mais intensa, que me obrigou a fincar as unhas nos ombros musculosos de
Stefan.
cintura, Stefan me levou até sua cadeira enorme, presidencial, e me sentou nela,
erguendo ainda mais a minha saia, arrancando a minha calcinha, e pousando cada uma
das minhas pernas nos braços do móvel, puxando-me para a borda. Eu estava
completamente aberta para ele no momento em que se ajoelhou e levou a boca até o
local onde eu já estava completamente molhada.
poltrona, se na ponta da mesa, onde eu alcançava... Tudo o que sabia era que meus
dedos estavam brancos e duros de tanta força que eu fazia. Meus dentes estavam
trincados, meus maxilares, contraídos... Os dedos dos meus pés se tornaram garras
dentro do sapato.
Fechei os olhos, controlando minha respiração, mas... PORRA! Ele era bom
demais naquilo. E mesmo que eu não tivesse nada para comparar, era difícil não
imaginar que nem todos os homens tinham tanta habilidade. Que nem todas as mulheres
tinham tanta sorte.
Quando cheguei ao orgasmo, foi impossível não soltar um gemido, mesmo que
não fosse tão alto quanto poderia ter sido se estivéssemos em um quarto privado, só
nós, sem a possibilidade de alguém chegar e nos ver. Ou pior: de sermos filmados.
Assim que gozei, fui tirada de cima da cadeira e levada de volta à parede. A
saia ainda estava ao redor da minha cintura, minha calcinha seguia no chão, e eu apenas
ajudei Stefan a tirar a calça, encaixar a camisinha, e fui virada de costas. Meus quadris
foram empinados por suas mãos firmes, e ele me penetrou com facilidade, porque eu
ainda estava molhada de antes.
Eu poderia não ser uma amante experiente, mas era uma leitora voraz de
romances hot. Algumas coisas que eram descritas eu poderia fazer, ao menos como
experimento.
Deu certo. Stefan reagiu exatamente da forma como eu queria, rosnando como
um animal, e isso o incitou a estocar com força, mais fundo, completamente diferente da
forma delicada como fez amor comigo na primeira vez.
Mais duas estocadas, e eu também gemi. Tudo naquele momento era muito
erótico, e ficou ainda mais quando Stefan puxou um móvel que estava próximo a nós –
uma espécie de cômoda com um gaveteiro –, saiu rapidamente de dentro de mim e me
colocou sobre. Ajoelhada.
Obedeci, e ele novamente me penetrou, mais uma vez indo fundo e com força,
passando um braço ao redor da minha cintura e deixando outro em um dos lados do meu
quadril só para me movimentar. Tanto os movimentos de estocada quando a forma como
ele puxava e empurrava meu corpo, indo e voltando, entrando e saindo, estavam
Não demorei para gozar, porque... pelo amor de Deus. Nunca poderia imaginar
que havia tantas maneiras de fazer com que o sexo se tornasse tão incrível. Suspeitava
que havia muitas mais, sem dúvidas, e queria que Stefan me mostrasse todas elas.
— Eu quero você o tempo todo. Seria capaz de te foder o dia inteiro, Eveline,
sem parar. Nunca desejei uma mulher dessa forma. Nunca cheguei nem perto.
Tirei meus óculos e olhei em seus olhos, ainda sentindo o contato da minha
fenda molhada contra seu pau, já sem a camisinha, que ele tirou enquanto estávamos
calados, e com um único movimento inocente, que fiz mais uma vez como um
Stefan agarrou meu cabelo, e eu tentei me inclinar para beijá-lo, mas ele me
manteve afastada, e seu olhar era tão intenso e sexy, quase selvagem, que eu me
perguntei como era possível duvidar de suas palavras de antes. Não que tivesse
acontecido isso, mas sua expressão me dizia em todas as letras que ele estava
desesperado ainda por mim.
Para uma mulher, isso concedia uma autoestima enorme. Eu me sentia feminina,
poderosa, dona de mim mesma. Sempre guardei o sexo para alguém que me fizesse
sentir especial. E lá estava. Eu não poderia me sentir melhor do que naquele momento.
Mantendo-me ainda afastada, ele olhou para a minha boca e ameaçou tomá-la
em um beijo, mas novamente não o consumou. Para puni-lo, remexi-me mais uma vez, o
que o fez sorrir de forma perversa.
Tanto que me endireitei em seu colo, dando espaço para que eu pudesse usar a
mão, acariciando-o. Também não era experiente naquele quesito, mas poderia me guiar
Para me silenciar, ele pegou minha boca, devorando-me com sua língua e com
aqueles lábios que tinham sido feitos para beijar, provavelmente, e nós começamos a
nos movimentar juntos. Era uma posição diferente para mim, mas Stefan me mantinha
em equilíbrio, por causa dos meus braços presos, e eu arqueei a cabeça para trás,
respirando, suspirando e choramingando, tentando manter o tom baixo da voz, para que
ninguém nos ouvisse.
Ele desceu a cabeça para o meu colo, afastando um pouco o tecido da minha
blusa, conseguindo tomar um mamilo na boca, o que ele chupou e mordeu sem piedade,
e eu jurei que não conseguiria prender o grito que estava prestes a passar pela minha
garganta. Só que fui mais forte e o transformei em um gemido baixinho, que era o que eu
podia fazer naquele momento.
Stefan demorou um pouco mais para gozar daquela vez, provavelmente porque
tinha se aliviado na primeira, mas eu fui rápido, como um furacão, desabando sobre
ele.
Comecei a quicar sobre ele, aprendendo mais ou menos como a coisa funcionava, e lá
fomos nós de novo, perdidos na espiral de prazer, encontrando o orgasmo quase juntos,
ofegantes, saciados e gargalhando logo depois, porque nos sentíamos duas crianças
fazendo travessuras onde não deveriam.
Nossa, como eu estava feliz... parecia até irreal. Eu só queria que tudo desse
certo dali em diante.
CAPÍTULO VINTE E DOIS
Uma música animada tocava, vinda das caixas de som, escolhida por Eveline,
de sua playlist. Com Caio no colo, ela dançava pela casa, segurando a mãozinha do
meu filho, colocando-o para rodopiar, e ele gargalhava aos gritos, parecendo mais feliz
do que nunca.
imaginar, mesmo nos meus devaneios mais ousados, que encontraria uma mulher não
apenas linda, com quem tinha uma química absurda, mas que também adorava o meu
filho – sentimento que era recíproco. Eveline era absolutamente tudo o que eu poderia
sonhar, ainda melhor do que suspeitei que um dia teria.
Apesar de ser, de fato, um mulherengo, queria ter uma família. Não esperava
galinhar para o resto da vida, passando de cama em cama, sem me prender a alguém.
Não esperava terminar meus dias sozinho, vendo Caio sair de casa para viver sua vida,
sem ter uma boa mulher, que seria minha companheira e que estaria ao meu lado nos
bons e maus momentos. Porra, eu queria até ter mais filhos. Queria ter uma menininha
um dia, se Deus me abençoasse com uma. Queria tudo... não apenas a casa bonita que
eu já tinha. Queria cachorro, gato, papagaio... o que eu pudesse possuir.
Queria ter uma história bonita para contar para meus netos um dia. E eu tinha
conseguido uma.
Era um conto de fadas um pouco confuso, com suas falhas e com momentos em
que me questionei se estava fazendo a coisa certa, mas se todos os caminhos, por mais
Era um viúvo gente boa, e eu estava incentivando o romance, mas não queria
imaginar o que ela poderia estar fazendo lá com ele. Preferia acreditar que estavam
realmente apenas comendo, embora muitas vezes, principalmente quando eu estava com
Eveline, ela nem retornasse.
Doce ilusão...
Dancei um pouco com aqueles três, ao som da música animada e antiga, um rock
no melhor estilo Elvis, tentando meus melhores passos, embora eu não fosse exatamente
uma guitarra imaginária... todos os tipos de gracinhas, só porque Caio parecia estar
adorando cada segundo.
Eveline também. E se aqueles dois estavam sorrindo, meu dia estava mais do
que completo.
Ou a noite, claro.
Quando uma música um pouco mais lenta começou a tocar, peguei meu bebê,
beijei sua cabecinha, e o coloquei no cercadinho, tomando minha linda mulher nos
braços, começando a dançar com ela ao som de uma balada antiga e romântica.
Ela sorriu para mim, e eu beijei a mão que segurei na minha, encaixando-a bem
perto, com nossos corpos colados, e dei uma piscadinha para Caio, que continuou nos
olhando, ainda gargalhando, principalmente quando girei Eveline e inclinei seu corpo
rosto.
— Não é do nada. Já dissemos que nos amamos. Nós nos damos bem, estamos
Ela saiu dos meus braços, e eu podia ver a total confusão em seu rosto.
Desconcertada, levou a mão à cabeça, começando a andar de um lado para o outro. A
música ainda tocava, tornando a cena até mais tragicômica.
— Minha mãe praticamente nem mora mais aqui, e você tem passado muitas
noites comigo. Além do mais, ela te adora, tenho certeza de que vai amar.
Entrelaçando dedos das duas mãos e ainda andando como uma baratinha tonta,
ela continuou inquieta, até que me aproximei, segurando seus braços e girando-a para
mim.
— Mas eu estou completamente certo do que quero. Desejo ter você aqui todos
os dias, acordando comigo, dormindo comigo. Só de pensar em passar mais noites
assim... Rindo, brincando e vendo você e Caio interagindo dessa forma... Nossa, estou
sonhando com isso.
Eveline ergueu os olhos azuis na minha direção, cada vez mais surpresa. Seria
possível que realmente duvidasse que eu estava falando sério?
mas o encontro com a tal de Raíssa não foi exatamente uma boa contribuição.
Ainda assim, eu vi um sorriso nascer bem devagar em seu rosto, até se tornar
algo radiante.
— Não tenha pressa. O convite está feito, e eu estou ansioso em ter você
comigo. Mas quero que tenha a certeza. Se quiser, pode vir passar uma temporada e a
gente vê como as coisas funcionam.
— Pode ser um experimento, né? Vai que dá certo, você curte e...
Fiquei parado que nem um bobo, olhando para ela, com as sobrancelhas
erguidas, meio que sem saber o que fazer. Ela tinha mesmo acabado de aceitar morar
comigo? Era real a ideia de que teríamos momentos como aquele sem que tivéssemos
que ficar pensando na hora em que iria embora?
Fiquei tão feliz só de pensar que dei um passo gigantesco na direção dela,
segurando-a pela cintura e a erguendo do chão, começando a girá-la como se fosse uma
Para mim era... Quando pensei que teria tanta vontade de me unir a uma mulher
daquela forma?
Eveline deu um gritinho, enquanto eu a girava, e Caio bateu palminhas com sua
deliciosa gargalhada. Ele também estava animado por nós.
— Quando assisto pela primeira vez é com olhar profissional. Não posso ficar
— Você tem todas elas ao vivo, não precisa olhar pela televisão.
O programa foi seguindo sem nenhum incidente, com algumas coisas um pouco
mais sem graça acontecendo. Para ser muito sincero, quando assisti ao piloto, pelo qual
assinei, dando aval para que fosse transmitido, não vi nada muito bombástico que
pudesse deixar as pessoas ansiosas pela sexta-feira seguinte, quando o próximo seria
exibido.
Mas não demorei a entender qual era a cena bombástica que separaram para
aquele dia.
Quando cobri uma das câmeras, acreditei fielmente que era a única instalada no
meu escritório, principalmente porque eu e Eveline éramos os portadores das chaves.
Só que nossa discussão começou a acontecer. Em rede nacional.
Eveline ficou tensa imediatamente, e eu não sabia se era pela ideia de ter nossa
vida pessoal exposta daquela maneira ou se pelo que poderia vir a seguir.
Só que não era possível que...
Como se tratava de uma emissora aberta, eles não puderam exibir as cenas
completamente explícitas que vivemos dentro daquela sala, mas a pegação inicial e a
insinuação foram diretas ao ponto. Além disso, sons de nós dois gemendo e grunhindo,
as frases eróticas que falei para ela, os sons de nossos corpos colidindo... Tudo foi ao
ar.
— Você sabia disso? — Quase não ouvi sua voz, porque soou frágil, quebrada.
Partiu o meu coração.
— Não foi o que aconteceu no primeiro, e você sabe disso. — Ela se levantou
do sofá em um rompante. Vi quando pegou sua bolsa sobre a mesa, pronta para ir
embora. Corri em sua direção, segurando-a pelo braço. — Pelo amor de Deus, Eveline!
Não vai me dizer que está duvidando de mim...
— Não sei... Eu só estou um pouco confusa. — Passou a mão pelos cabelos
— Você é adulta!
— Claro que sou, mas nem por isso gostaria que eles precisassem ouvir a filha
gemendo e transando com o chefe em rede nacional — praticamente rosnou e se
Hesitei um pouco, ponderando se o certo seria ir atrás dela ou lhe dar o espaço
que precisava?
Claro que eu precisava ir atrás dela! Que pergunta idiota! Eu não poderia deixar
a mulher da minha vida escapar daquela forma. Se permitisse que fosse para casa sem
conversarmos antes, ela iria remoer os pensamentos por horas, e aquela seria mais uma
Só que antes de mais nada, eu precisava alertar alguém sobre Caio. Não
poderia deixá-lo sozinho. Àquela hora, a governanta já estava deitada e seria maldade
chamá-la. Eu não iria interromper minha mãe de jeito nenhum. O que me restou foi ligar
para a guarita dos seguranças e perguntar se algum deles tinha experiência com bebês.
Um deles se prontificou, dizendo que era pai de três. Achei suficiente.
O cara chegou em tempo recorde, e eu pedi apenas que ficasse de olho, porque
a criança estava dormindo, e ele pareceu curtir a ideia de cuidar de um bebezinho,
chegando a sorrir ao olhar para Caio.
Para a minha sorte, meu condomínio era enorme, então eu aproveitei para
também entrar em contato com a guarita lá da frente, para que não permitissem que
Eveline saísse. Era a atitude mais babaca e abusiva da minha parte, sem dúvidas, mas
precisava que ela pelo menos me esperasse.
ela não merecia isso. Ela arregalou os olhos e deu um passo para trás.
O porteiro precisou abrir o portão para que um morador saísse – um que ficou
olhando para nós, obviamente reconhecendo-nos do programa que acabara de ser
transmitido –, Eveline tentou sair. Chegou a passar pelo portão e avançar um pouco,
mas eu fui atrás e a segurei.
— Vamos lá, amor... Volte para casa, para conversarmos. Você sabe que eu não
seria capaz de deixar que aquelas cenas passassem na televisão, em rede nacional. Não
faria isso com você e nem comigo. Acha que eu gostaria que minha mãe visse?
Eveline revirou os olhos.
— Eu não disse que não acredito em você, Stefan. Falei que precisava de um
tempo. Que precisava falar com a minha família.
— Mas por que eu sinto que está se afastando de mim? Que é por isso que está
indo embora? Precisamos resolver a situação como um casal normal!
— Não somos um casal normal, Stefan! Não enquanto aquele programa existir e
— STELINE!
problema – que não era exatamente cotidiano, mas que merecia uma argumentação
saudável e em paz –, mas não tínhamos uma vida normal. Nada nunca seria normal entre
nós, e eu entendia o ponto de Eveline ao dizer isso. Entendia sua frustração, mas ainda
não podia desistir. Não quando eu finalmente tinha me apaixonado por alguém daquela
forma.
Ao menos era isso que eu queria, só que o universo não permitiu, porque mais
pessoas começaram a se reunir ao nosso redor, do lado de fora do condomínio,
formando uma pequena multidão de gritos e câmeras apontadas, além de choro e “eu te
amos”.
— Aqueles gemidinhos todos, hein? Quero alguns para mim. Posso fazer
melhor, hein! — o cara falou, segurando os dois braços de Eveline, e eu comecei a
enxergar pontos pretos de ódio diante da minha visão.
Agarrei-a por cima do cotovelo e a puxei, partindo para cima do babaca bêbado
e socando-o bem no meio da cara. Ele cambaleou, e eu vi várias câmeras apontadas
para nós, com certeza filmando o que estava acontecendo. Provavelmente tirariam tudo
de contexto, e eu ainda seria o vilão da situação, porque era isso o que a mídia gostava,
mas não importava. O que eu queria era tirar Eveline dali.
Segurei-a contra mim, quase servindo de escudo, e fui tentando pedir às pessoas
que se afastassem, que fossem compreensivas. Algumas até atendiam aos pedidos,
principalmente percebendo que Eveline estava muito assustada, mas outras mal se
importavam e só continuavam bloqueando nosso caminho, desesperadas por um
autógrafo e uma foto.
— Amor, vem comigo — sussurrei para ela, em um pedido, porque sabia que
ela não queria voltar para a minha casa, mas naquele momento era a melhor escolha.
Tirei-a do chão nos meus braços, passando por entre aquelas pessoas,
empurrando-as com meus ombros, só esperando não machucar ninguém, e saí
carregando-a e finalmente entrando no condomínio.
Poderia soltá-la, mas a sentia ainda trêmula e assustada. Ela não lidava tão bem
com a fama... ou melhor... talvez as pessoas não lidassem bem com isso. Uma coisa era
ser famoso e conhecido, outra completamente diferente era ter pessoas nos idolatrando
ao ponto de quererem, de fato, nos tirar um pedaço.
— O que foi isso? — Eveline perguntou com a voz trêmula, agarrando-se aos
meus ombros.
— Sei que você não queria ficar na minha casa, e eu posso te levar para a sua
depois, mas foi a única forma que encontrei de nos livrar daquelas pessoas.
vilão e ainda salvou a mocinha, tirando-a do tumulto em seu colo. Mais algumas fãs
surgirão, certeza.
Era bom ver que estava tirando sarro da situação, mesmo com o que tinha
acontecido. Claro que ainda estava nervosa, trêmula, mas era forte e sobrevivia a fortes
emoções da melhor maneira possível.
— Acha mesmo que isso vai acontecer? As pessoas não reagem bem à
violência às vezes — tentei continuar a conversa, enquanto a guiava até a casa, sob a
chuva fininha, esperando que isso fosse deixando-a cada vez mais calma.
— Mulheres adoram homens protetores que seriam capazes de brigar por elas.
Eu sou uma das de sorte, sem dúvidas.
— Você sabe que eu não faria nada para te magoar, não sabe? Que eu fiquei tão
surpreso com aquela cena quanto você.
— Mas algo tem que ser feito, Stefan. As pessoas estão nos usando como bem
entendem. Usando nossa imagem. Você viu o que aquele cara falou para mim. Eles nos
expuseram ao limite.
— Sei disso. Vou convocar uma reunião na segunda. Quero toda a diretoria
presente. Vou demitir Deise.
— Provavelmente, sim. Mas se mais alguém foi conivente vai aprender da pior
forma. Eu posso não ter voz ativa em mil coisas ali dentro, mas está em contrato que se
algo for contra meus princípios ou o planejado, eu tenho o direito de demitir quem eu
quiser. Vai ter que ser assim.
Seria minha primeira vez fazendo isso. Provavelmente não seria a melhor
sensação de todas, mas era o certo a fazer, antes que uma catástrofe acontecesse.
CAPÍTULO VINTE E QUATRO
Eu não era do tipo que curtia entradas triunfais, mas foi como me senti,
adentrando a sala de reuniões da Antura, de mãos dadas com Stefan, como se fôssemos
uma corrente de elos inquebráveis.
Ele puxou a cadeira para mim, para que eu pudesse me sentar, e fez o mesmo ao
meu lado. Era bem cedo, e nenhuma daquelas pessoas estava feliz em ter sido
convocada para uma reunião extraordinária, mas era mais que necessário. Eu sentia
Stefan espumando. Senti que mal pregou o olhou à noite, rolando na cama ao meu lado,
e levantando-se muito cedo.
Passou algum tempo com Caio, provavelmente para se desestressar, mas logo
que chegamos ao prédio da empresa, senti até mesmo em sua linguagem corporal o
quanto poderia explodir a qualquer momento.
— Espero que tenha um motivo muito bom para essa reunião, Stefan. Hoje é
aniversário da minha filha caçula, queria tomar café da manhã com ela. Minha esposa
Era o tipo de audácia que tinham. E minha impressão era de que aquilo
terminaria naquele dia.
lembrem. — Uma pausa. Ele pareceu achar a parte do contrato que estava procurando.
— Aqui. Cláusula 12. Eu vou resumir para vocês em termos mais simples, porque
talvez nem todos tenham o conhecimento suficiente para compreender em juridiquês,
mas basicamente não tenho autonomia para muitas coisas, mas posso demitir um
funcionário, caso ele cometa algum desrespeito dentro da empresa à minha pessoa, e se
for colocado em votação e a maioria concorde. Creio que devem estar compreendendo
onde quero chegar.
— Antes de mais nada, eu queria uma explicação, se é que existe alguma, para
seu comportamento, Deise. O seu e, obviamente, o de todas as pessoas que
compactuaram com o vexame que foi o episódio de ontem.
Ela não respondeu nada em um primeiro momento, mas outro dos diretores se
manifestou:
— Como assim? Você não deu autorização para que tudo aquilo fosse
transmitido? — ele parecia verdadeiramente chocado.
Apesar de ter conversado com meus pais no dia anterior, pouco depois do
incidente no condomínio de Stefan, e de tudo ter ficado bem, eu sabia que fora um
motivo de constrangimento para os dois. Seus amigos costumavam assistir ao programa,
e por mais que fossem pais modernos, liberais, e que eu fosse adulta, com idade
suficiente para fazer sexo e tomar as rédeas da minha vida, não era meu sonho de
princesa me tornar praticamente uma atriz para filmes adultos.
Por mais que meu corpo não tivesse sido exposto ou que nenhuma cena explícita
— Como se ter fama e dinheiro fosse tudo o que importa — comentei mais uma
vez.
— E não é? — gritou. — O que mais você quer? É jovem, bonita, está enchendo
a conta bancária, as pessoas te amam e ainda ganhou, de verdade, o coração de um
CEO milionário. O QUE MAIS VOCÊ QUER? — repetiu, descontrolada, chegando a
me causar um sobressalto.
Queria conseguir sentir pena, mas não era tão boba assim. A mulher estava
alteradíssima e me menosprezara depois de ter usado minha imagem sem minha
autorização.
— Não admito que fale com ela assim! — Stefan me defendeu, e ele estava
muito irado, tanto que sua voz soou como um rosnado.
nosso bem.
— Vocês dois não seriam nada sem mim. Nada! É uma ingratidão sem fim. —
Dramática, jogou-se na cadeira, levando a mão à cabeça com certeza tentando ganhar a
simpatia dos outros.
Eu e Stefan nos entreolhamos, e eu temia que sua obstinação murchasse, mas ele
parecia mais decidido do que nunca.
entendam que eu serei o chefe de vocês e que fui completamente desrespeitado. Não
quero ter uma pessoa trabalhando comigo que tem a coragem de passar por cima das
minhas decisões e, mais do que isso, que não tem respeito sequer a um contrato que
assinou.
Era um discurso e tanto, e eu podia ver a altivez com que Stefan estava falando.
Ele queria mostrar sua superioridade, e era a hora certa para isso, de fato.
Só que as pessoas começaram a votar. Todos, sem exceção, disseram que não
queriam que Deise continuasse na Antura. Com certeza não era uma situação fácil,
porque a mulher era muito talentosa, só que isso não era a única coisa que importava.
Lealdade e compromisso também eram importantes. Como poderiam confiar em alguém
que era capaz de passar a perna em qualquer um – inclusive seu próprio chefe – para
conseguir o que queria.
— Vocês ficaram loucos! Vão destruir o programa! Não vão conseguir sem
mim! — seus berros me obrigaram a fechar os olhos, antes que minha cabeça
explodisse.
inteira, esperando apoio de alguém. Mas todos estavam contra, ela não tinha aliados.
— Vão se arrepender!
Nenhum de nós disse nada, e por mais que houvesse algumas pessoas no
elevador, o silêncio foi ensurdecedor.
último andar.
Mas mal consegui me sentar e senti algo afiado me cutucar na altura da cintura.
— Vocês acham que podem se virar sem mim, não é? Será que Stefan vai gostar
de ficar sem você? Provavelmente não...
Eu odiava aquele tipo de coisa. Odiava ter que me cobrir com uma máscara de
um CEO autoritário e manipular as pessoas. Porque foi isso o que eu fiz. Estava certo?
Claro que estava. Mas, ainda assim, não era agradável.
Aquela não era a vida que sonhei para mim quando me visualizei como
"poderoso chefão" – em uma alusão bem ridícula ao nome do programa que me lançou
onde eu estava. Queria ser gentil, firme quando necessário, mas minha intenção era que
meus funcionários pudessem me ver como um companheiro de trabalho, um líder, e não
como um tirano.
fofocas. Sabia que ela não era casada, não tinha filhos e, aparentemente, sua vida
Isso começou a me incomodar, mas não por arrependimento. Por medo. A forma
como ela soou ameaçadora antes de sair da sala, principalmente ao se dirigir a Eveline,
me provocou um calafrio.
Ah, porra! Eram apenas desculpas esfarrapadas para um erro de uma enorme
magnitude.
Apressado, parei diante do elevador para ir direto à sala dela. Não queria
chamar a segurança para não criar um alarde com algo que poderia ser só uma intuição
errada da minha parte. Eu mesmo poderia lidar com uma mulher irritada. Talvez
conseguíssemos conversar, e ela saísse da empresa com a dignidade que lhe cabia.
quem está em desespero. Mas isso talvez nem fosse necessário, porque eu só estava
preocupado, provavelmente à toa. Queria apenas chegar e ver Deise arrumando suas
coisas, como fora o combinado. Nem me importava em ouvir alguns desaforos, só
queria...
Merda, eu estava preocupado com Eveline. Por que será que algo me dizia que
Deise poderia ter dado a louca e feito algo? Intuição, talvez? Eu não era um homem
assim tão intuitivo. Não costumava acertar em meus presságios, que eram até bem
raros.
Poderia não ser nada, né? Poderia ter ido ao banheiro. Quem sabe não estivesse
até chorando – o que seria completamente surpreendente, mas possível. Não? No fundo
de toda aquela carcaça durona e da aparência de "nada me abala", Deise poderia ter um
coração humano e sentir as porradas como todo mundo.
E ela trabalhava na Antura há muitos anos. Era cria da casa; crescera por seu
próprio esforço, embora isso não me comovesse. O que fez foi imperdoável.
Sua mesa estava vazia, embora sua bolsa estivesse sobre ela. Computador
desligado.
Tirei o molho de chaves do meu bolso e tentei abrir a porta, mas nem precisei
girar a fechadura. Não estava trancada.
Eveline tinha a chave. Poderia ser ela... Tinha que ser ela.
Senti minha mão tremer no momento em que abri a porta. No momento em que
vi o que havia lá dentro, meu corpo inteiro se arrepiou.
amarrados nos braços do móvel, uma mordaça na boca. Havia um hematoma em seu
rosto, o que me fez acreditar que tinha sido agredida.
— Não pense nem por um momento que eu não seria capaz de matar essa garota,
porque eu seria. — Para me provar isso, ela fez um pequeno corte na pele do ombro
alvo de Eveline. Foi algo completamente superficial, mas sua intenção, provavelmente,
era provar que o negócio era bastante afiado e que faria um estrago.
— Solte-a, Deise. Ela não tem nada a ver com isso. Seu problema é comigo.
— Ela tem tudo a ver com isso. TUDO! Essa garota fez a sua cabeça, Stefan.
Era um cara ambicioso quando essa porra toda começou. Quando entrou em "O
Poderoso Chefão", eu manipulei tudo para que você ganhasse. Não foi à toa. Era
porque eu sabia que jovem e com a fama que você tinha, toparia tudo para alcançar
todos os seus objetivos.
Enquanto isso, minha maior preocupação era Eveline. Ela estava muito nervosa,
e eu podia ver seus olhos marejados, assustados.
Caralho! Não havia sensação mais horrorosa do que ver sua mulher em perigo,
presa, acuada, e não poder fazer absolutamente nada.
— Isso é o que você pensa, garoto. Todo mundo tem um preço. Se não tivesse a
influência de uma garotinha que se acha a Madre Teresa de Calcutá, você estaria nas
minhas mãos. Devíamos ter contratado uma secretária que fosse mais ambiciosa
também e tido a ideia do romance; ou alguém que pudéssemos chantagear de alguma
forma. — Então ela abriu um sorriso diabólico e voltou os olhos vidrados para mim. —
Mas eu posso chantagear você.
surpreendê-la de alguma forma. Era só uma mulher, eu era bem maior do que ela e
poderia imobilizá-la sem dificuldades. Só que ela provavelmente percebeu minhas
intenções, porque logo encostou a lâmina no pescoço de Eveline, que pareceu prender o
ar por trás da mordaça, em desespero.
— Bem longe, querido. Eu não sou burra. Não tenho a posição que tenho hoje
em dia nesta empresa à toa. Sou esperta, muito mais do que você pensa que é. Quando
joguei aquele episódio no ar, sabia que você ficaria irritadinho, mas também sabia que
seria uma bomba. Jurei que toda a emissora ficaria do meu lado, mas até que você fez
uma boa jogada dizendo que eles te deveriam obediência no futuro. — Mantendo o
canivete apontado para Eveline com uma das mãos, com a outra ela ergueu um papel
que estava em cima da minha mesa. — Eu fiz um novo contrato, que você terá que
assinar ou sua linda noivinha vai morrer aqui e agora.
— Você é louca. Se matar Eveline dentro deste prédio, eles nunca te deixarão
sair impune. Tem câmeras por todos os lados. Você mesma as instalou — minha voz
começou a soar um pouco mais urgente.
Meu Deus! Como alguém podia pensar que era melhor ir para a cadeia do que
ser demitido? O quanto era possível que a vida de alguém fosse apenas o trabalho? Que
não houvesse mais nenhuma razão para que aquela mulher desejasse continuar em
liberdade.
— Você pode conseguir emprego onde quiser, Deise. Eu não vou te demitir por
justa causa. Sabe que deve ter as portas abertas em qualquer lugar e...
— EU QUERO A ANTURA! Não transei com aquele velho asqueroso por anos
e anos para nada! Eu deveria ser a CEO dessa porra inteira! Mas ele era um crápula
misógeno que não acreditava que mulheres poderiam comandar o império que ele criou
do nada — Deise estava descontrolada, ao ponto de forçar um pouco mais o canivete
na garganta de Eveline. Tive medo que em um daqueles rompantes, ela acabasse
machucando-a ainda mais.
— Ok, ok, Deise! O que você quer? O que eu tenho que assinar? — Claro que
eu não iria ceder sem sequer tentar, mas precisava mantê-la falando. Precisava ganhar
tempo para que, com sorte, conseguíssemos chamar a atenção de alguém. Quem sabe
algum diretor ou funcionário apareciam ali? Ela estava gritando, provavelmente fora de
si, e alguém, sem dúvidas, iria ouvir.
— Isso não vai dar certo. O pessoal assiste ao programa por nossa causa. Vão
odiar se eu trocá-la por outra. Sabe disso — tentei barganhar.
Ela pareceu pensar. Com certeza não estava juntando coisa com coisa e tinha
ideias desesperadas.
vou atrás da família dela. O irmãozinho, né? É vulnerável. Ou a mãe... tão doce...
— Não. Assine primeiro. — Com a mão livre, ela pegou uma caneta e a
estendeu para mim.
Lancei um olhar para Eveline que demonstrava o quanto eu não sabia o que
fazer; o quanto queria tirá-la dali, mas simplesmente não sabia como. Não conseguia
pensar em uma forma de agir sem colocá-la ainda mais em risco.
Eveline murmurou algo por trás da mordaça que me pareceu um “não”. Ela era
forte, corajosa, e eu a amava ainda mais por isso. E por amá-la, seria capaz de
qualquer coisa para tirá-la daquela situação.
Respirando fundo, assinei. Só que havia um espaço para Deise assinar logo
abaixo também. Foi quando me surgiu a ideia.
Estendi a caneta para ela, sabendo que estava completamente desnorteada. Não
era uma criminosa experiente, sem dúvidas.
Não queria que Stefan cedesse aos caprichos daquela louca, mas também não
queria morrer, é claro. Antes de ser amordaçada, gritei para que alguém me ouvisse,
mas foi em vão. Não fazia nem ideia de como Stefan chegara ali. Talvez nossa ligação
fosse realmente forte o suficiente para que conseguíssemos compreender quando
precisávamos um do outro.
Quando vi que a assinatura dele já estava no tal contrato, meu coração quase
saiu pela boca – talvez não tivesse saído, de fato, só porque havia algo a cobri-la. Era
tarde demais. Deise havia conseguido o que queria. Ela continuaria a nos infernizar e
faria isso com toda a autonomia. Se me quisesse nua em um dos programas, ela poderia
exigir. Ou seja... estávamos em suas mãos.
Mas o olhar de soslaio que Stefan me dirigiu quando terminou de assinar e
passou a caneta para ela me fez acreditar que ele tinha algo em mente.
Deise pareceu um pouco perdida sobre o que fazer, e por um momento jurei que
— Se você não assinar, não vai valer de nada. Sabe disso. Ainda mais sem
minha firma reconhecida.
Ela riu.
— Tenho meus contatos para conseguir essas coisas. Já disse que não cheguei
onde cheguei sem suar um pouco.
— Então vá... Só nos deixe em paz. Já tem o que quer — Stefan falou, e Deise
sorriu com malícia.
Mal tive tempo de tentar começar a pensar no que poderia ser, quando tive uma
das minhas mãos agarradas. Em uma velocidade impressionante, ela subiu um pouco a
amarra que me prendia, girou meu pulso para cima e fez um corte, bem na minha veia.
Gritei de dor por trás da mordaça, e ouvi, por sobre o zumbido do meu ouvido,
a voz de Stefan chamando meu nome, apavorado.
outra mão presa, mas também não poderíamos deixar aquela doida escapar com o
documento.
Quando vi que Stefan vinha na minha direção, gritei para que a pegasse, mesmo
com a voz abafada, esperando que ele compreendesse.
Ele ficou em dúvida por um segundo, mas antes que Deise pudesse cruzar a
porta de saída da sala, ele pulou sobre ela, agarrando-a e lançando-a no chão sem
— Desgraçado! Filho da puta! Infeliz! — Ela se debateu como uma leoa, mas
rapidamente foi desarmada. Stefan jogou o canivete longe.
Deitando-a de costas no chão, ele montou sobre ela, prendendo seus braços ao
chão com os joelhos. Ela continuava gritando como uma louca, e eu ouvi algumas
pessoas se aproximando, porque as vozes do lado de fora começavam a se avolumar.
Stefan arrancou sua gravata para amarrar os braços de Deise para trás, e eu
estava aguentando firme, mesmo com o sangue saindo em profusão do meu braço ferido.
Fora um corte profundo, e eu comecei a me sentir um pouco zonza, principalmente
porque não tinha o estômago muito forte para aquele tipo de coisas.
ele andava apressado, vociferando como um louco, recusando ajuda e sussurrando para
Não ia?
***
Não sei por quanto tempo fiquei apagada, mas acordei em um hospital, sentindo
cheiro de éter e com algo preso no braço que foi ferido. Uma bandagem,
provavelmente.
Abri meus olhos, e a primeira coisa que vi foi Stefan, que parecia um vigilante
à cabeceira da cama, tanto que correu para mim em um sobressalto, colocando-se ao
meu lado e pegando a outra mão, que não estava machucada.
— Meu amor... como você está? Como está se sentindo? — Beijou os nós dos
meus dedos várias vezes, o que quase me fez sorrir.
— Graças a Deus...
— O que aconteceu com Deise? — perguntei, curiosa.
Assenti, um pouco melancólica. Não era uma sensação boa pensar que uma
pessoa em quem confiamos por um tempo, que convivera conosco, que trabalhara do
nosso lado por meses, era capaz de tamanhas atrocidades. Eu não tinha uma dúvida
sequer de que ela tinha reais intenções de me matar, se fosse necessário. Que
machucaria qualquer um para convencer Stefan de assinar aquele contrato. Ate Caio...
se tivesse a chance.
Segurando meus braços, como se eu estivesse dando sinais de que iria entrar em
convulsão – sim, Stefan sabia ser exagerado quando queria –, ele olhou nos meus olhos,
como se pudesse me examinar como um médico.
— Você está bem mesmo? Quer que eu chame um médico ou uma enfermeira?
Então seus olhos azuis se voltaram para os meus, e ele abriu um sorriso
desanimado.
— Eu sei. Ainda assim, a sensação é horrível. Não só por saber que aquela
mulher poderia ter feito qualquer coisa, mas porque eu não pude te ajudar. Ver você
ferida e ter que escolher entre ir atrás dela... Eu não deveria ter te ouvido. Deveria ter
ficado com você.
— Claro que não. Se ela ficasse livre, nunca teríamos paz. Estaríamos presos.
O que mais poderia inventar com aquele documento que você nem teve tempo de ler...
— E o que ela não faria para que assinássemos essa renovação? Do que seria
capaz? Poderia chegar a Caio! — Stefan sabia que eu estava certa. Ele demonstrou em
sua expressão que também temia a mesma coisa. — Ficou tudo bem, amor. Agora as
Fui liberada logo do hospital e voltei para casa. Depois de alguns poucos dias
de molho, onde fui mimada por minha família, a de Stefan e os funcionários da casa,
que eram todos muito gentis, voltei à empresa, e a reunião que fizemos com as pessoas
foi completamente diferente das outras. Stefan teve voz ativa, e eu e ele, juntos, fomos
Com a nova produtora, que era responsável por vários trabalhos em emissoras
não apenas nacionais, conseguimos redesenhar o reality e fazer mudanças que
acreditamos serem muito boas para a continuidade da história que estava sendo
contada.
Por incrível que pudesse parecer, uma das câmeras que a própria Deise instalou
escondida na sala de Stefan, a que fora responsável por captar o áudio e as imagens que
não queríamos que fossem veiculadas de nossos momentos íntimos, ficou ativa durante
todo o que poderíamos chamar de sequestro, e toda a tensão foi filmada. Por mais que
não quiséssemos expor nossas vidas daquela forma, muito menos os instantes terríveis
que passamos, seria uma explicação plausível para a retirada de Deise e a prisão dela,
que foi noticiada por todo o país.
No final das contas, o episódio em que a cena de ação foi transmitida tornou-se
mais um sucesso, e todos ficaram do nosso lado, principalmente quando a nova fase de
Só que eu conhecia bem o meu homem; sabia que estava aprontando alguma.
Fui levada para o jardim, com o pedido de que mantivesse os olhos fechados.
Obedeci, entusiasmada, com grandes expectativas.
Quando Stefan pediu que eu abrisse os olhos, havia uma tenda armada sobre a
grama, um pouco afastada da piscina, e flores enfeitavam todo o espaço, além de luzes,
um pano fofo no chão e uma cesta com vinho, frutas e outras guloseimas.
Eu estava de costas para ele enquanto olhava para aquilo tudo, mas quando me
virei, vi meu doce Stefan ajoelhado, segurando um anel na mão.
— Stefan... o que...?
— O que você acha que é isso? — perguntou com um daqueles sorrisos que
eram capazes de derreter qualquer coração e qualquer calcinha.
— Um pedido de casamento? Mas você já me fez um, não fez? — falei com a
voz embargada, sentindo-me uma boba.
— Aquele não valeu. E eu não queria que o nosso, de verdade, fosse feito de
frente para as câmeras. Tinha que ser algo só nosso. Vai que você diz não? — brincou.
caixinha, com o lindo anel que havia lá dentro. — A pedra tem a cor dos seus olhos, e
eu amo os seus olhos... Amo você inteira. Amo estar com você. Ser seu companheiro,
seu namorado, seu amante... Assim como você é para mim. Se me der a chance de viver
todos os dias ao seu lado, é como vai ser. Porque eu quero que nossa história seja para
sempre. Por isso, Eveline Tamar, aceita se casar comigo?
mas ele sabia. Nós dois sabíamos que não havia outra resposta possível para aquela
pergunta.
Dizem que apressado come cru e quente, mas não foi exatamente uma
preocupação minha quando decidi que queria me casar com aquela mulher o mais
rápido possível. Não importava se não teríamos uma cerimônia enorme, que não seria
um casamento digno de duas celebridades – o que, infelizmente, éramos –, tudo o que
queríamos éramos nos tornar marido e mulher. Eveline concordava em gênero, número
e grau com a decisão, então nossa ideia era organizar tudo o mais rápido possível.
no final das contas, a Antura criou uma cerimônia pequena, discreta, singela, mas
belíssima e inesquecível.
Já fazia alguns meses que o reality tinha terminado e não esperávamos uma
audiência tão alta, mas os números foram muito maiores do que sequer poderíamos
sonhar.
Ela vinha de braço dado com o pai, que estava visivelmente emocionado, e eu
não sabia se olhava para minha noiva ou para meu filho, que seguia na frente, andando
com as perninhas curtas incertas, carregando as alianças numa cestinha.
Olhando ao meu redor, vendo nossos amigos e nossas famílias – minha mãe e
seu namorado, a mãe de Eveline, Fernando –, naquele momento eu tinha certeza que
poderiam haver muitos homens afortunados, sem dúvidas, mas eu me sentia o dono do
mundo. E estava pouco me lixando para o quanto de dinheiro ou poder eu tinha, ou que
uma emissora de TV, que era uma das principais do país, estivesse sob o meu comando.
Isso era irrelevante.
Quando o padre nos declarou marido e mulher, e eu beijei Eveline como minha
esposa pela primeira vez, aquele momento selou tudo.
— Mamãe, você ta linda — Caio falou, e eu olhei para ele por cima do ombro,
com um sorriso. Estava sentadinho no meio da cama, cuidando de sua irmãzinha de dois
anos, a pequena Paloma.
Caio era um garotinho doce e muito protetor. A transição para que me chamasse
de mãe foi muito natural, e nem eu nem Stefan forçamos nada. Ele me considerava
assim, e eu o considerava como meu também.
Uma batida na porta trouxe Stefan para nós. Ele não demorou a entrar na
brincadeira, mas paramos quase que imediatamente, porque não queríamos desarrumar
muito as crianças.
Ele também estava de tirar o fôlego com um smoking feito sob medida, que caía
perfeitamente em seu corpo alto, deixando os ombros largos em evidência.
início ao fim.
Passamos horas de nossos dias, na sala de Stefan, criando cada trama, cada
reviravolta, construindo os personagens, e foi algo extremamente divertido. Era uma
série de suspense, no melhor estilo Agatha Christie, e foi um sucesso. Ao ponto de que
estávamos presentes naquele evento para sermos premiados internacionalmente, já que
Era uma realização que nunca sonhamos. Era um deleite criarmos juntos
daquela forma. Não apenas nosso amor estava dando frutos, na forma da nossa família,
mas tínhamos algo mais que compartilhávamos.
— Não vou me alongar muito, mas queria apenas dizer que este prêmio vai para
todas as pessoas que têm um sonho. Pessoas que juram que não vão conseguir realizá-
lo, porque não nasceram em berço de ouro ou que não terão condições. Meu conselho
é: lutem sempre, nunca desistam. Façam sacrifícios, porque pelos motivos certos, eles
valem a pena. — Meu marido olhou para mim, com um sorriso de canto charmoso,
relembrando a conversa que tivemos no início, quando estávamos nos conhecendo.
Provavelmente aquele era o sentido da vida: ter as pessoas que amávamos por
perto e construirmos algo que nos fazia felizes. Era tudo o que eu poderia querer e
pedir. Tinha todos os meus sonhos realizados, mas sabia que muitos ainda estavam por
vir.
FIM