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BIA CARVALHO

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Este e-book é uma obra de ficção. Embora possa


ser feita referência a eventos históricos reais ou locais
existentes, os nomes, personagens, lugares e incidentes
são o produto da imaginação da autora ou são usados de
forma fictícia, e qualquer semelhança com pessoas reais,
vivas ou mortas, estabelecimentos comerciais, eventos, ou
localidades é mera coincidência.

Primeira Edição: 2022

Rio de Janeiro – RJ

Capa: Bia Carvalho

Revisão: Sonia Carvalho

Diagramação: Bia Carvalho


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Para Flávia Luz; que Ethan seja um mocinho perfeito para

você. Obrigada pela companhia de sempre!

Dedicado também à minha amiga Mari Sales. Sem ela,

essa série não existiria. Ah, e eu não podia deixar de


colocar um motoqueiro como personagem. Achei
simbólico. Obrigada por tudo.
NOTA DA AUTORA:

Tudo começou com uma longa conversa em março de


2020. Tive a honra de receber D. Mari Sales na minha

casa, e nós ficamos até a madrugada conversando sobre

nossos livros, nossas ideias, planilhas, organização de


lançamentos, histórias engavetadas... Nossa, e o assunto

rende até hoje, porque estamos sempre conversando


sobre esses temas que tanto amamos e que nos movem
todos os dias.

Desde então, a Mari sempre me falava que eu precisava

escrever uma série de irmãos. Uma intuição dela, talvez?


Nunca saberemos... depois eu conto para vocês se deu
tudo certo hahahaha.

Só que eu fiquei com isso na cabeça desde aquela época.


Muito amadureci a respeito do meu posicionamento no

mercado, a forma de me organizar e hoje eu me considero


outra profissional. Tudo tem seu tempo, né? Talvez eu

tenha feito as coisas no momento certo, mas achei

importante vocês entenderem como nasceu a ideia dos


Irmãos Reeves e o quanto essa mulher é uma influência

positiva na minha vida.

Obrigada, amiga. Por tudo.


SUMÁRIO

CAPÍTULO UM

CAPÍTULO DOIS

CAPÍTULO TRÊS

CAPÍTULO QUATRO

CAPÍTULO CINCO

CAPÍTULO SEIS

CAPÍTULO SETE

CAPÍTULO OITO

CAPÍTULO NOVE

CAPÍTULO DEZ

CAPÍTULO ONZE

CAPÍTULO DOZE

CAPÍTULO TREZE

CAPÍTULO QUATORZE

CAPÍTULO QUINZE

CAPÍTULO DEZESSEIS

CAPÍTULO DEZESSETE

CAPÍTULO DEZOITO
CAPÍTULO DEZENOVE

CAPÍTULO VINTE

CAPÍTULO VINTE E UM

CAPÍTULO VINTE E DOIS

CAPÍTULO VINTE E TRÊS

CAPÍTULO VINTE E QUATRO

CAPÍTULO VINTE E CINCO

CAPÍTULO VINTE E SEIS

CAPÍTULO VINTE E SETE

CAPÍTULO VINTE E OITO

CAPÍTULO VINTE E NOVE

CAPÍTULO TRINTA

EPÍLOGO
CAPÍTULO UM

Acendi a luz da imensa sala de reuniões, do último


andar de um dos dois prédios do conglomerado que

ocupávamos na Washington Boulevard, em Los Angeles, e


observei o local vazio. Não era uma surpresa que eu
estivesse ali antes de todos, já que era um pouco

paranoico com pontualidade, e meus irmãos... bem, nem

tanto. Sempre que precisávamos nos reunir daquela forma,


marcava com eles antes. Dizia que era uma maneira de

termos algum tempo para conversar, em meio à nossa

rotina corrida, mas era só uma desculpa e uma esperança


de que Dyllan apareceria. Mas já fazia mais de dois anos, e

eu já deveria ter parado de me iludir.


Ajeitei minhas coisas, das quais iria precisar, e

deixei algumas sobre o espaço ao meu lado, que minha


secretária, ocuparia, então tirei o paletó, pendurei-o

meticulosamente no encosto da cadeira presidencial da

mesa e fui pegar um café.

Eu odiava café de máquina, tanto que em casa eu

fazia o meu em um filtro de pano que comprei no Brasil, em

uma viagem que fiz com Jake para visitar o escritório


administrativo de nossa gravadora por lá, que estava tendo

ótimos números.

Estava preparando um cappucchino, porque era a

única coisa que prestava naquela porcaria, quando ouvi o

barulho dos dois elevadores, quase em uníssono. Girei na


direção deles e vi meu irmão, Jacob, saindo de um deles e

nossa amiga, Rachelle – que era praticamente da família –,

saindo também.

Jake abriu um sorriso enorme ao vê-la e a puxou

para um abraço de urso fraternal, porque ele era assim.

Meu irmão do meio sempre foi melhor em demonstrar afeto


do que eu, tinha um sorriso fácil, um charme natural. Eu
era...

Bem, eu era meio que o chefe da família. Desde que

nossos pais morreram, em um acidente de avião, há doze

anos, como mais velho de nossos três irmãos, abracei a

responsabilidade de cuidar de todos. E meu pai sempre me

disse que manter a família unida era uma missão muito

mais importante do que fazer os negócios prosperarem.


Ele nunca nos negligenciou pelo trabalho, embora tomasse

conta da emissora e da gravadora praticamente sozinho.

Era muito melhor do que eu em muitos sentidos.

Jake passou um braço ao redor do ombro de

Rachelle, tirando, com a outra mão, a bandeja de isopor

que ela carregava, com três copos de café, e os dois


vieram na minha direção.

— Tem um pra mim aí? — Apontei para as bebidas.

Ela ergueu uma sobrancelha, provocadora e tirou

um, entregando-me. Era um café tradicional, sem


frescuras, sem aquele bando de coisa gourmetizada que

tinham inventado nos últimos anos.

— Você é a melhor, Rach — comentei, puxando-a e

dando um beijo no topo de sua cabeça.

— Eu sei disso. E ainda bem que você sabe.

Rindo, nós entramos juntos na sala, e cada um


tomou o seu lugar. Enquanto Jake e Rach organizavam

suas coisas, ligando laptops e deixando papéis e caneta


em seus devidos espaços, fiquei observando-os e não

consegui não me sentir um merda ao olhar para a cadeira


que deveria pertencer ao meu irmão caçula e vê-la vazia.

— Rach — chamei, e ela ergueu os olhos da tela do


notebook para prestar atenção em mim. — Falou com

Dyllan?

— Ah, brother... esse papo de novo? Não falamos

do Dyllan, lembra?
— Que foi, Jake? Saiu com uma fã de Disney essa

semana? — Rachelle perguntou, e meu irmão abriu um


sorriso de canto, que eu imaginava que fosse uma

resposta afirmativa. Só que eu não entendi nada.

Bem... eu também não era o tipo de cara que


assistia Disney para entender.

— Mas, sim, Ethan. Falei. — Ela encolheu um


ombro e suspirou. — Ele nem se dignou a dar uma

resposta que fosse gentil para eu mencionar aqui.

Não que eu pudesse ter alguma esperança, mas era


um tapa na cara. Todas as vezes que fazíamos aquele tipo

de reunião, sobre alguma decisão importante e que


requeria a opinião de todos os acionistas da empresa,
tínhamos aquele vácuo. Dyllan me vendera as dele há um

bom tempo, ele não era mais parte do negócio, mas isso
não queria dizer que não era parte da família.

— Eu deveria dar umas porradas naquele moleque


— Jake vociferou. — Quanto tempo mais vai continuar com
essa merda de birrinha?

— Não é birrinha, ele só está magoado.

— Não sei quanto ele te paga para ser advogada

dele, Rach, mas deve ser uma fortuna. Só assim para


aguentar aquele mala.

Rachelle, de nós, era a única que tinha contato com

Dyllan, o que era de se esperar, já que ela não era nossa


irmã, mas filha do melhor amigo do meu pai, que tinha uma
pequena porcentagem das ações da empresa. Este ainda

estava vivo, mas aposentado, e passara sua parte para a


garota, que se formara em comunicação e acabava

coordenando toda essa parte, tanto da emissora quanto da


gravadora. Ela era muito boa no que fazia.

— A gente pode mudar de assunto? — pedi,


olhando de um para o outro, e ambos concordaram.

Puxei alguns assuntos de trabalho, principalmente o


real motivo daquela reunião. O grupo Reeves

Entertainment estava planejando o lançamento de seu


canal de streaming. Como a empresa fora criada pelo meu
avô, nos anos setenta, começando com uma emissora de
rádio e se modernizando conforme o mercado pedia – e

também depois da entrada do meu pai, que inseriu a


gravadora no negócio –, sempre tentávamos inovar para

nos mantermos relevantes. O que faltava era aquele passo


que estávamos prestes a dar.

Jake era o CEO da Reeves Music, enquanto eu era


o CEO da Reeves Channel. Apesar de serem tratadas

como se fossem duas empresas diferentes, sempre

estávamos presentes nas grandes decisões um do outro,


porque fora um combinado nosso. Eu curtia os pitacos que

ele dava, porque era um cara mais antenado com o

moderno, enquanto eu era mais conservador e tradicional


nos negócios. Nós nos completávamos e ouvíamos.

Éramos mais do que irmãos, mas melhores amigos.

Aos poucos, os funcionários foram chegando e se

reunindo ao redor da imensa mesa de carvalho. Minha

secretária foi a responsável por abrir as cortinas, e eu


agradeci a ela, porque nossa vista, no trigésimo quinto
andar, de um céu azul em meio à primavera, era quase

inspiradora.

Com todos prontos, começamos a debater sobre as


estratégias de lançamento do canal de streaming.

Tínhamos fechado parceria com alguns estúdios e

comprado o direito de alguns bons filmes e séries,


tínhamos as produções do canal, que também entrariam –

tanto antigas quanto mais recentes –, mas queríamos ter

algo feito somente para ser exibido online. Algo que atrairia
a atenção do público o suficiente para que todos ficassem

tentados a assinar e ter o conteúdo exclusivo.

O carro chefe da Reeves Channel sempre foi uma

série de comédia muito popular, que teve dez temporadas.

Uma das protagonistas era a atriz Shantel Warren, que


ganhou o público com sua personagem muito querida e

com sua atuação muito precisa. Todos se surpreenderam

quando, logo depois, ela protagonizou uma produção em


um estilo completamente diferente, também no nosso

canal, mas com uma pegada de investigação, onde ela era

a detetive.
Nosso plano para a primeira série do canal de

streaming era uma mistura das duas coisas que a levaram

ao estrelato: uma série de detetive, mas com toques de


comédia, no melhor estilo Castle, ou Lúcifer, mas sem o

sobrenatural. Algo bem divertido, e a recepção na pesquisa

de mercado que fizemos foi maravilhosa.

Tínhamos muito dinheiro para investir e um roteiro

ótimo nas mãos, do mesmo autor dos outros dois que nos
deram grande retorno. A mesma atriz topara o projeto, e

nós estávamos muito animados.

Ou seja, tínhamos a faca e o queijo na mão. Tudo

parecia extremamente promissor, até nossa gerente de


marketing começar a falar:

— As coisas estão muito boas para o nosso lado,

mas não tanto para o seu, Ethan.

Franzi o cenho, vendo-me confuso. Dei uma olhada

para Rachelle, e, por sua expressão, ela parecia concordar.

— O que houve que eu não estou sabendo?


— Vou dar uma resumida: você tem uma péssima

imagem perante a imprensa. Eles te veem como


rabugento, antipático e antissocial. Na semana passada,

você bateu boca com um paparazzo só porque ele estava

tirando uma foto sua em um restaurante.

— Sim, porque da última vez que isso aconteceu


alegaram que eu estava vivendo um romance com uma

colega de trabalho casada! Foi um caos para ela —

resmunguei.

— Mas nesta você estava sozinho — Rachelle

comentou.

— E eu não quero que fiquem tirando fotos minhas

enquanto estou comendo. Não sou famoso!

— Ah, mas é sim! Como disse a revista daquela

vez? Um dos CEOs solteiros milionários mais cobiçados do


país. Só não entendi por que você ficou em primeiro

quando eu sou claramente mais bonito e charmoso — Jake

brincou, e eu revirei os olhos.


— Porque nenhuma mulher em sã consciência iria

querer se casar com você para ganhar um chifre uma

semana depois da lua de mel — Rach entrou na

brincadeira, e eu não pude conter um riso. — Acho que eu


sou a única mulher solteira em Los Angeles em quem você

nunca deu em cima.

— Claro, você é como uma irmã para mim. E Dyllan

acabaria comigo se... — Todos olharam para Jake de cara


feia, então ele se corrigiu, erguendo as mãos em rendição:

— Ok, não falamos do Dyllan. Vamos continuar com isso.

— Ele se remexeu na cadeira, sentando-se de forma muito

à vontade, esticando-se, entrelaçando as mãos sobre a


barriga, só faltando colocar as pernas longas sobre a

mesa.

— Voltando, então... — Krista, nossa gerente de

marketing, continuou: — Você não atualiza suas mídias


sociais, não participa de eventos... até mesmo os atores

não te acham muito simpático.

— E nem preciso ser. Eu pago a eles.


— Viu? É esse tipo de comentário que te torna o

bicho-papão no meio. Você é o CEO de uma empresa de


entretenimento. Não adianta, querido, precisa aparecer,

especialmente sendo jovem e bonito.

Talvez eu devesse agradecer o elogio, mas nem me

dei ao trabalho.

— E o que a minha aparência tem a ver com isso?


Se sou um homem atraente eu necessariamente preciso

usar a minha imagem?

— Mas não é isso que sempre pensam das

mulheres? — Rachelle comentou, com um sorriso de

canto, enquanto enrolava um de seus cachos no dedo


indicador.

— Eu nunca pensei assim.

— Não importa, Ethan. Você vive de entretenimento.

— Krista fechou a pasta que levava consigo, colocando as


mãos entrelaçadas sobre ela. Seu olhar veio direto no meu,

o que me provava que estava falando sério.


— Ok, e qual você acha que pode ser a solução
para o problema?

Todos ficaram calados, como se Krista estivesse

prestes a anunciar o apocalipse, do qual só eu não sabia.

— Me diz uma coisa, Ethan... o que você pensa

sobre casamento por contrato?

Franzi o cenho, confuso.

— Eu tenho que pensar alguma coisa sobre isso? —

Ela não se dignou a responder, mas continuou olhando

para mim, cheia de expectativa, com os óculos caindo na


ponta do nariz. — Tá, eu já ouvi falar. Em filmes, livros.

Teve um em uma série nossa, não teve?

— Não é uma coisa que acontece só em filmes,


Ethan. Na vida real também.

— Neste século? — Arregalei os olhos, e Rachelle

assentiu.
— Olha, a gente tem uma história de bastidores bem
quente sobre isso, mas não vamos te contar porque não
vem ao caso. Só queremos que saiba que era um cara que

estava com uma enorme polêmica nas costas por um


monte de merdas que fez no show business. Coisas que o
“cancelaram”. — Krista usou os dedos para fazer o sinal de

aspas. — Então ele se casou com uma cantora super


querida pelo povo, com uma imagem ótima, e voilá! O cara
parece que virou o Dalai Lama dessa geração.

— Ok, continuo sem entender o que isso tem a ver

comigo...

— Bem, Ethan, a gente analisou este caso e mais


alguns e pensamos: por que não? — Eu estava
começando a ficar com medo daquele negócio, mas

esperei que Rachelle terminasse seu raciocínio. — Aí


começamos a pensar em nomes de mulheres do meio que
fossem perfeitas para salvar a imagem de qualquer um. Só

que a gente tinha uma vantagem, porque a mais perfeita


possível estava bem ao nosso alcance, e a história poderia

render até mais do que esperávamos a princípio.


Continuei apavorado, mas Krista começou a falar,
como se elas tivessem ensaiado aquela merda que nem
um texto de uma peça.

— Pode pensar que é loucura, e talvez seja... mas

Shantel Warren está solteira. Ela foi casada há algum


tempo, com um empresário bem mais velho, tem dois filhos

e seria uma excelente ideia se você fosse visto com ela.


Mais ainda se acabassem se casando.

— Mas o quê...?

Olhei para meu irmão e para Rachelle, e os dois


pareciam já estarem cientes daquela merda. Jake, com

aquele seu jeitão, ergueu os braços novamente, tirando o


corpo fora.

— Eu falei que ele não ia topar.

— Como assim... topar? Isso é um absurdo! Um

casamento?
— Sim. Seria algo inusitado, romântico e
completamente fora da curva. Shantel é muito boa com

mídias sociais, ela tem mais de cinquenta milhões de


seguidores no Instagram, sem contar no Tik Tok, e a
imagem dela é muito boa com os fãs. Ela poderia te

reconstruir. Podemos trabalhar um novo Ethan Reeves


perante o público, e eu acho que isso ajudaria muito no

nosso lançamento.

Krista continuava falando, falando e falando, mas eu


já não conseguia processar tudo.

O que diabos estava acontecendo ali? O que estava


acontecendo com a minha vida?
CAPÍTULO DOIS

Casamento. Com uma completa desconhecida para

mim. Era isso que estavam me propondo. Se não era a


coisa mais estapafúrdia que eu poderia ouvir, sem dúvidas
o mundo estava acabando, e eu não fazia ideia.

Todos na mesa me olhavam como se esperassem o


pronunciamento oficial de um rei. Ou a decisão do novo

Papa, com direito a fumacinha branca e tudo. Mas eu nem


imaginava o que poderia falar.

Quer dizer... quem é que sabe o que falar em uma


situação como aquela? Se é que alguém já tinha passado
por isso na vida real, porque, na minha opinião, aquele tipo

de coisa só acontecia no cinema ou nos livros.

Eu ainda estava um pouco fora de mim quando uma

das meninas do marketing se colocou ao meu lado, me

mostrando o famoso Instagram de Shantel Warren. Claro


que eu sabia quem ela era. Uma bela loira, um pouco mais

velha do que eu, talvez, com um corpo bonito – do qual ela

usava e abusava nas fotos de biquíni –, e havia algumas


fotos com os filhos também, que foi onde foquei.

Uma menininha loirinha, de olhos azuis, com um

sorriso amplo, cheio de dentinhos de leite, Maria Chiquinha

e uma carinha fofa. No colo de Shantel havia um bebê

gorduchinho, vestido de azul, também loirinho, de mais ou


menos um ano. Quase não consegui conter um sorriso

com o quão adoráveis eles eram.

Havia muitas postagens com mensagens positivas

nas descrições. Posições de yoga, pratos com comidas

coloridas e veganas, paisagens belíssimas, além de

imagens dela nos sets de filmagem e algumas


publicidades. Os comentários eram sempre muito
empolgados; as pessoas pareciam realmente amá-la.

— Não tem chance de uma mulher como ela aceitar

um casamento com um cara como eu — foi o que eu disse,

depois de analisar tudo com calma e pensar que a tal

Shantel deveria ter filas de homens pedindo um minuto de

atenção; coisa que eu não iria fazer.

— Pois é, o caso é que ela já considerou a proposta.


Não pense que tudo é como você vê. Shantel ficou viúva

há pouco tempo, e ela também não é vista há muito tempo

em eventos e em baladas. Com dois filhos pequenos,

dificulta um pouco também. Ela precisa que as crianças

tenham uma figura paterna. Claro que o fato de você ser

milionário deve influenciar e muito.

Uma figura paterna...

Meus olhos recaíram em mais uma foto das


crianças; de Shantel na cama com eles. Era uma publi para
alguma marca de lençóis, mas nem liguei para isso, porque

os dois pequenos capturavam toda a minha atenção.

Uma das coisas ruins de eu ter deixado o tempo

passar e não ter me esforçado um pouco mais para

construir um relacionamento que pudesse levar a algo mais


sério era exatamente esta: não ser pai. Eu e meus irmãos
tivemos um tão bom, que amava tanto a função, que

despertou em mim o desejo de ter meus próprios filhos. Só


que ficava um pouco difícil sem uma mãe e afundado em

trabalho, como eu estava sempre.

Joguei o celular na mesa, começando a balançar a


cabeça e passando a mão pelos meus cabelos castanhos
escuros e curtos.

— Não, gente. Isso é absurdo. Não faz nem sentido.

Parece coisa do século XVIII.

— Na verdade, ainda é uma prática muito comum

nos negócios. Pessoas se casam o tempo todo por


interesses em comum, só que ninguém sabe disso. — Não
era possível que Rachelle, que era como uma irmã para

mim, estivesse concordando com toda aquela palhaçada.

Lancei um olhar para Jake, e lá estava ele: rindo de


mim.

— Foi mal, brother. Isso é ridículo pra caralho. Mas

pode dar certo. A mulher é uma gata, pelo menos.

Metade das coisas que meu irmão falava me dava


vontade de dar um soco na cara dele. Com a outra metade
ele provava que podia ser um sábio quando queria. Ele

obviamente estava certo em um ponto naquela sua fala:


era, de fato, ridículo.

E claro que também estava certo sobre a aparência


da mulher.

Eu não era um canalha como o meu irmão, mas

estava longe de ser um celibatário. Tinha minhas amantes,


ficava com algumas mulheres, mas não com tanta
constância quanto gostaria. Daquela vez já fazia quanto

tempo? Uns três meses?


Mas nós não estávamos falando sobre sexo. Era um
casamento por contrato, pelo amor de Deus! Eu nem sabia
se a mulher iria querer transformar a relação em algo

físico.

Porra, eu nem a conhecia pessoalmente. Ao menos


isso eu poderia fazer, não era? Dar uma chance a mim

mesmo de descobrir quem ela era e quais eram seus


pensamentos a respeito da proposta.

— Olha, eu não estou dizendo que topo, mas acho


que preciso conhecer a tal Shantel pessoalmente primeiro.

Todos pareceram surpresos. Era tão chocante

assim?

Mas fosse como fosse, Krista prometeu que entraria

em contato com a assessoria de Shantel para me passar o


telefone pessoal dela e tudo o mais. Eu não queria que

tivéssemos intermediários. Mesmo que acabássemos


topando um relacionamento puramente de negócios, eu
queria que ao menos fôssemos amigos, que pudéssemos
tomar nossas próprias decisões, sem a interferência de
nossas equipes.

Dispensei a todos, inclusive minha secretária, e


fiquei na sala apenas com Jake e Rachelle. O silêncio era

quebrado apenas pelo tamborilar da caneta da mulher, e


nossos olhares estavam fixos em pontos diferentes da

sala.

Jacob virou sua cadeira para a parede e começou a


tacar uma maldita bolinha antiestresse nela, como se

aquele local fosse uma área de lazer. O barulho dos dois

objetos começou a entrar em desacordo, e as duas batidas

pareceram se enfiar na minha cabeça como o zumbido de


um mosquito inconveniente.

— Dá pra vocês pararem com isso? — falei em um

tom de voz alterado.

— Opa, claro. Estressou aí, bonitão? — Jake se

endireitou, ajeitando a jaqueta de couro. Ele não aceitava


trabalhar de terno e gravata. O máximo que fazia era
colocar um blazer em uma reunião mais formal. No resto

do tempo, ele construía suas próprias regras. Pilotava sua


moto, entrava em suas farras, tinha suas várias mulheres,

fazia piada de tudo, mas era um gênio nos negócios e um

cara com quem qualquer um poderia contar. Às vezes eu


tinha inveja de seu espírito livre, de sua falta de

preocupação com coisas pequenas e com seu jeito de ver

a vida. Tudo seria muito mais simples se fôssemos mais

parecidos.

— Não é para menos, né? — Ergui as sobrancelhas

e respirei profundamente, desafrouxando a gravata ou ela

acabaria me asfixiando.

— Você está mesmo disposto a tentar? Porque eu

jurei que seria um pandemônio só a sugestão do


casamento. Estamos pensando nisso há um tempinho,

mas estávamos morrendo de medo de te contar —

Rachelle falou, o que me lembrou de algo muito


importante.
— Agora que você disse... os dois sabiam e não me

falaram nada? — Jake e Rachelle se entreolharam, com

uma expressão de cúmplices que me deixava ainda mais


estressado. — Achei que éramos um time.

— E nós somos, só que você precisa entender que

eu também estou do lado da Reeves. — Rachelle apontou

para a porta. — Krista está certa. A gente te conhece,

Ethan, as pessoas, não. Na mídia, você é o cara antipático


que briga com paparazzi e chuta cachorrinhos.

— Meu Deus, eu não chuto cachorros. Gosto de

animais! — exclamei horrorizado.

— Foi maneira de dizer. Mas resumindo, é isso.

Você não é bem visto, e isso afeta os negócios.

— As coisas estão indo muito bem até agora.

— Claro que sim, mas vamos entrar em um mundo

mais moderno onde tudo conta, desde o atendimento ao

cliente até a imagem do CEO da empresa. E eu,


sinceramente, acho que a forma como você age tem

relevância.

— E um casamento com uma atriz de sucesso vai


salvar isso? — Eu ainda estava duvidando.

— Bem, ela ajuda ONGs dos cachorrinhos que

acham que você chuta. Faz trabalho voluntário. Esteve na

África em um projeto contra a fome. Tem dois filhos lindos.


É a namoradinha da América. Se ela não melhorar sua

imagem com as pessoas, ninguém mais vai.

Olhei para Jacob, que estava calado, e percebi que

tinha colocado um chiclete na boca e o estava mastigando.

— Concorda com a Rach? Acha que esse


casamento pode ser benéfico?

— Só de você estar cogitando e ouvindo a ideia de

alguém, já acho que aconteceu um milagre. Amém. —

Debochado, ele fez o sinal da cruz. — Mas, sim, acho que


a Rach está certa. Krista também. Só lamento por você,

brother. Casamento é uma parada que me assusta. Ainda


bem que temos alguém da família para se sacrificar pelos

outros. — Levantando-se da cadeira, pegou suas coisas,

juntou-as no braço e passou por mim, dando alguns

tapinhas no meu ombro. — Boa sorte.

Fiquei sozinho com Rachelle na sala, mas ela não


demorou muito a começar a arrumar suas coisas também.

— Não faça nada sem pensar um pouco antes.

Acho que conhecê-la pode ser legal. Tenho certeza de que

vai achá-la ótima. Eu a conheço pessoalmente, e ela é


doce, gentil... — Rach suspirou. — Bem, o casamento não

será comigo, você é que tem que aprovar, mas é isso.

Qualquer coisa me liga.

Ela passou por mim, me deu um beijo no rosto e


saiu.

Passei o resto da droga da tarde pensando naquela

ideia de casamento e quando cheguei em casa, à noite,

continuei pesquisando tudo o que podia encontrar sobre


Shantel Warren.
Vídeos de entrevistas, reels de Instagram,

mensagens, textos, notícias sobre ela, tudo o que eu


conseguia encontrar. Eu me sentia um stalker, o que era

mais do que ridículo, sem dúvidas.

Também fiz uma pesquisa com o meu nome,

tentando entender o que se passava pela cabeça de Krista


e de Rachelle, e fiquei realmente assustado. Não havia

uma única notícia que não fosse horrível.

Será que Shantel tinha feito o mesmo que eu estava

fazendo e buscado coisas sobre mim? Se sim, por que

concordara com a loucura de se casar comigo, ainda mais


tendo dois filhos pequenos?

Eu precisava entender quem era aquela mulher e só

então me decidir. Talvez ela realmente fosse doce e

encantadora como Rachelle dissera, e eu acabasse


gostando da ideia.

Merda... eu estava mesmo cogitando a

possibilidade!
CAPÍTULO TRÊS

— KAYLAAAAAAAAAAAAAA!

Fechei os olhos bem apertados, como se isso


pudesse proteger meus ouvidos do som insuportável que
parecia se propagar através das paredes. Eu já deveria

estar acostumada, depois de cinco anos trabalhando para


a mesma pessoa, que tinha aqueles ataques no mínimo

oito vezes ao dia e que curtia um joguinho de poder só


para se divertir.

Antes de me levantar para atender ao chamado de


Vossa Majestade, dei uma olhada nas crianças, e Emma

também fazia uma careta. O pequeno Owen parara de


brincar, levando o brinquedinho macio à boca desdentada.

Eu sabia que ele ainda não entendia muito bem o que


acontecia, mas, por algum motivo, nunca se sentia bem ao

ouvir a voz da mãe. Não que chorasse nem nada, mas eu

conhecia cada um de seus movimentos e reações, então


podia jurar que compreendia seu desconforto.

— Tia Kaykay, ela ta glitano de novo — Emma

comentou, com os olhinhos arregalados. Era triste pensar


que estava falando da própria mãe daquele jeito.

— É, querida, eu ouvi.

— Ela ta ficanu doida?

— Menina, onde você ouviu isso? — perguntei,

desesperada, levando a mão à boquinha de Emma.

— Você falô no telefone com a tia Maddie.

Mea culpa.

— Falei, falei, mas não se pode repetir. É segredo


de amigas, ok? Tem que ficar entre nós.
Ah, meu Deus! Eu tinha acabado de ensinar à
menina a chamar a própria mãe de doida. Não que fosse

mentira, mas era a mãe dela, né? Pelo amor de Deus!

Emma assentiu, e eu tentei me recompor depois do

susto.

Eu estava sentada no chão, de frente para a

criança, em uma daquelas mesinhas de chá de brinquedo,

na minha melhor performance de dama inglesa. Precisei


me levantar, esforçando-me ao máximo para não esbarrar

no negócio e derrubar toda a arrumação perfeita que

Emma se esforçara para fazer, e respirei fundo ao me

colocar de pé, puxando a blusa para tentar desamassá-la

ao máximo, porque minha chefe odiava quando eu

aparecia na sua frente toda "desajustada” – palavras dela


–, mesmo sabendo que, na maioria das vezes, era uma

consequência de ter passado horas brincando com Owen e

Emma.

— Tia Kaykay vai lá en... — eu ia dizer “enfrentar a

fera”, mas me contive, afinal, não queria falar aquele tipo


de coisa da própria mãe da menina, principalmente porque

Emma era craque em repetir o que dizíamos. — Bem, eu


vou descer e ver o que ela quer. Pode ser uma mocinha

crescida e ficar de olho no seu maninho?

Ela assentiu com veemência, e eu sabia que podia


confiar nela. Era a melhor garotinha do mundo.

Beijei-a no topo da cabeça, fazendo o mesmo com


seu irmão, e saí do quartinho de brincar das crianças,

ouvindo mais um grito estridente pelo meu nome e


seguindo a direção do som insuportável.

Encontrei a digníssima Shantel Warren – minha

chefe –, bela, famosa, a nova namoradinha da América,


em meio a uma montanha de roupas, todas espalhadas
pelo chão e pela cama, jogando-as de um lado para o

outro, com certeza procurando alguma coisa, em um de


seus rompantes de estresse, que eram tão comuns.

Pobre da sua governanta, que teria que organizar


todas aquelas coisas de novo, com todo o cuidado, porque
a víbora ali gostava de tudo do seu jeito, mas nunca

decidia qual era esse jeito, então todos nós sempre


fazíamos algo errado.

Como sua secretária/assistente, eu passava todos

os dias por vários tipos de situações que me faziam querer


cometer um assassinato com requintes de crueldade.
Shantel tinha um prazer quase sexual de humilhar os

outros. Isso, é claro, sempre por trás das câmeras. Na


frente delas, era a pessoa mais doce, fofa, gentil, caridosa

e perfeita possível. Uma Barbie falsa e manipuladora.

E aí você vai me perguntar: por que diabos eu ainda


trabalhava para aquela criatura escrota? A minha resposta

estava no quarto que acabei de deixar. Aquelas crianças


tinham se tornado a minha vida. Eu era a única fonte de
carinho que elas possuíam, então se eu os abandonasse,

eles ficariam nas péssimas mãos da mãe.

— Estou aqui, Shantel, o que você precisa?


Ela se virou para mim, com os olhos irados e
arregalados. Usava apenas um sutiã e calcinha de renda,
em um tom bordô. Eram lindos e de excelente qualidade. A

mulher tinha um corpo perfeito, com barriga chapada de


gominhos, pernas longas e definidas, peitos durinhos –

principalmente depois do silicone – e um bumbum digno de


Jennifer Lopez.

— Onde diabos está o meu vestido vermelho?


Aquele que eu usei na festa da Kylie Jenner no mês

passado?

Tentei me lembrar de toda a sua agenda, já que era


eu que cuidava dela, e não me recordava de nenhum

compromisso para aquela noite. Poderia jurar que ela tinha


pedido uma noite na semana para ficar com as crianças.
Ou seja, seria a minha folga, aliás.

Eu vinha trabalhando de domingo a domingo, em

dupla função. De assistente pessoal acabei me tornando


babá. Elas tinham uma, que fazia todas as tarefas de lhes

dar banho, trocar fraldas, alimentar e o que mais fosse


preciso, mas era comigo que brincavam e ficavam boa
parte do dia. De alguma forma os pequenos tinham se
apegado a mim, tanto que Shantel me deu um aumento e

um quarto em sua casa para que eu pudesse morar, depois


que minha colega de quarto e melhor amiga, Maddison,

perdeu o emprego e precisou voltar para a casa dos pais.

Por um momento até jurei que ela estava fazendo

uma boa ação, já que eu era uma funcionária exemplar –


modéstia à parte –, mas, na verdade, fora só uma forma de

“presentear” as crianças, já que sempre achou que poderia

comprar o amor deles das mais variadas formas. O quarto


de brinquedos de onde saí, por exemplo, era uma prova

disso. Havia de tudo lá dentro, menos o amor de uma mãe.

— Shantel, você me pediu para doar esse vestido

na semana passada, porque ficou com um cara naquela


festa que foi horrível na cama, e você não queria, de forma

alguma, lembrar-se dele. — Parecia um diálogo expositivo,

mas eu realmente precisava explicar as coisas que ela

mesma falava e ordenava. Tinha uma péssima memória –


convenientemente, é claro – e não lembrava nem mesmo
da pilha enorme de roupas que fizera para uma foto do

Instagram, com uma descrição do quanto era importante o


desapego, porque milhares de pessoas passavam

necessidades e precisavam de roupas e alimentos.

Apesar de o vestido vermelho realmente ter sido

doado, a maioria das outras roupas daquela pilha nunca


saíra de seu imenso closet. A foto era uma mentira, como a

maioria das que tirava.

Sua expressão pareceu confusa, mas acabou

assentindo, me dando razão.

— Então me ajuda a escolher alguma coisa aqui.

Comecei a procurar com Shantel, enquanto ela

reclamava que não tinha nenhuma roupa para sair, embora

eu pudesse jurar que ela tinha voltado para casa há

poucos dias com milhares de sacolas de um passeio pelo


shopping que fizera com algumas amigas e que lhe

rendera várias notícias inúteis em sites de fofocas.


Tudo com Shantel era um acontecimento. Se algum

dia eu viesse a público falar sobre quem ela era de

verdade, seria considerada louca e invejosa. Fora o que


restara para sua assistente anterior, que durara menos de

um ano. Infelizmente, na época, eu também duvidei da

mulher, tanto que aceitei o emprego.

— Desculpa perguntar, mas tinha algum

compromisso que me esqueci de anotar ou de te lembrar?

— Não, doida. É o Craig. Preciso me encontrar com


ele uma última vez, para terminar. Você sabe que a minha

relação com ele é mais profunda, né? Estávamos nos

conectando, rolando algo legal... Jurei que íamos ficar pra


valer. Só que aí apareceu a proposta da minha vida!

— Como assim? — perguntei, interessada na

fofoca, enquanto lhe estendia outro vestido vermelho,

super bonito, que poderia substituir o anterior.

— Eu recebi uma proposta para me casar com


Ethan Reeves.
— O dono do Reeves Channel?

— Ele mesmo, em pessoa. Dono do canal, da

gravadora e, em breve, de um streaming. Meu patrão,


praticamente, já que me convidaram para filmar a primeira

série deles por lá. Isso não é excitante? — Ela deu alguns

pulinhos e depois começou a vestir a peça que lhe


entreguei.

— Eu não sabia que vocês se conheciam. Ele não é

meio recluso?

— Não nos conhecemos. Seria um casamento de

negócios, sabe? O pessoal da equipe dele acha que eu


seria uma ótima companhia e muito boa para sua imagem.

Ah, seria... com certeza. Só que o inferno que o

coitado ia passar, meu Deus! Já me compadecia.

— Um casamento de negócios?

— Sim, Kayla! — falou, impaciente, virando-se para

que eu fechasse o zíper do vestido. — Essas coisas são


super comuns no meio do show business. Você acha que

eu me casei com o pai das crianças por amor? Eu tinha

uns dezoito anos, foi ele que investiu dinheiro na minha

carreira.

— Mas agora você não precisa mais disso.

— A gente sempre precisa de mais dinheiro. E estar


casada com o chefe vai me garantir sempre os melhores

papéis. Quem sabe eu não consiga investir naquela

carreira de cantora que sempre quis?

Eu me compadecia também dos ouvidos que iriam


ouvir Shantel cantando, caso ela realmente decidisse

gravar alguma coisa.

— E vamos combinar que o cara é gato, né? Meio

sério, sisudo, mas nada que um jeitinho meigo e um


corpinho sexy não resolvam. Vai que na cama ele se

mostra um espetáculo? Vou tirar a sorte grande!

Por tudo que eu sabia sobre Ethan Reeves, pelas

coisas que falavam dele, seria o match perfeito. Ou os dois


encontrariam suas almas gêmeas ou se matariam em

menos de seis meses.

Mas então uma preocupação surgiu:

— E as crianças?

Shantel demorou um pouco para reagir à pergunta,


quase como se eu tivesse perguntado sobre algo que ela

não entendia. Como se precisasse puxar muito da memória

para se lembrar de seus próprios filhos.

— O que tem eles? Acho que vai ser ótimo, vão ter
uma figura paterna.

Eu não conseguia imaginar Ethan Reeves sendo

uma figura paterna para alguém, mas Shantel também não

era a mãe do ano, então... Pobres crianças. Era por isso


que eu não conseguia me desvencilhar daquele emprego.

Voltei para perto deles, enquanto ela terminava de

se arrumar, mas levei os meninos para se despedirem da

mãe, enquanto ainda estavam acordados. Além de não


ligar para a presença deles, ainda reclamou quando Owen
tentou tocá-la, alegando que era um vestido Gucci. Como

se isso fosse mais importante do que o carinho de seu

filhinho.

Assisti Shantel sair e me voltei para as crianças, que


nunca pareciam ligar quando ela se ausentava. Eu poderia

jurar que Emma até gostava quando a mãe não estava por

perto, mas era em mim que descontava toda necessidade


de afeto e atenção.

Isso não me importava, porque eu a amava como se

fosse minha. Acompanhei cada ano de sua vida de perto, e

nós éramos cúmplices de um milhão de coisas. Assim

como Owen. Só que eles não eram meus. E eu tinha medo


de que Shantel, um dia, me separasse daquelas crianças.
Não só por mim, mas por eles.

Coloquei os dois para dormir, depois de uma sessão

de Encanto – novo vício, que eles assistiam todos os dias


–, e me joguei na cama do meu quarto, ligando para

Maddison, minha melhor amiga.


— A bruxa voou. — Era nosso código para quando
eu ligava para ela sem Shantel estar em casa.

— Que novidade! — Maddie falou com aquela sua


voz impaciente. Era a minha rabugentinha favorita. A

rainha das respostas com um simples joinha no WhatsApp,


ou qualquer coisa monossilábica. Aquela que sempre me
dava os melhores tapas na cara quando eu precisava de

um conselho sincero. Nossa amizade de vinte anos


sobrevivera a tudo, mesmo nós sendo pessoas tão
diferentes.

Era maravilhoso morar com ela, porque cada uma

de nós tinha sua individualidade. Infelizmente acontecera o


que aconteceu, e ela odiara voltar a viver com os pais, por
mais que fossem ótimos.

— E você, claro, ficou de babá, como sempre.

— Amiga, você sabe que eu amo aquelas crianças.


Não me importa em nada cuidar delas.
— Claro que sei, e eles são umas gracinhas. Só
que, por mais que te pague um ótimo salário, a bruxa não
pode sair te colocando pra fazer tudo. Qualquer dia vai te

mandar limpar a privada de ouro dela.

— Maddie! Não é assim! — exclamei, indignada,


mas suspirei e me corrigi: — Tá, claro que é assim. Não a

parte da privada, mas todo o resto.

— Você poderia juntar umas provas do quão merda


ela é, de como cuida mal dos filhos e ganhar uma grana
vendendo a fofoca na internet.

— Claro, porque eu sou exatamente assim. Além do

mais, eu ainda sairia como a vilã. As pessoas amam


aquela mulher.

— Amam, porque ela vende uma imagem irreal.

— Falando em imagem irreal... Você sabia que ela

está pensando em um casamento de conveniência com


Ethan Reeves?
— Quem é esse? — Claro que Maddie não saberia.
Ela não tinha uma célula no corpo que se interessasse por

celebridades, fofocas, nem seguia ninguém que não


fossem seus amigos e familiares no Instagram.

— Você não conhece Dyllan Reeves? Acho que


gosta de algumas músicas dele.

— Ah, gosto. Eles são relacionados?

— Sim, irmãos até onde eu sei. Ethan é o dono do

Reeves Channel e do futuro streaming onde ela vai fazer


aquela série para a qual ta superempolgada. Só que, pelo
que se lê na mídia, ele é um ogro. Vai ser perfeito, né?

— Pobre homem!

— Mas eu acabei de falar que ele é um ogro...

— Pense em Shantel. Na mídia ela é uma princesa,


na vida real é uma cobra. Não se pode acreditar em tudo

que se lê, por isso eu nunca ligo para nada disso.


E não é que Maddison estava certa? Não que

fizesse diferença para mim, mas talvez o tal de Ethan não


fosse assim tão ruim. O importante era que fosse bom para
as crianças, caso Shantel decidisse levar aquela loucura

de casamento por contrato adiante.

Minha preocupação era sempre com as crianças. E


elas nem eram minhas. Infelizmente.
CAPÍTULO QUATRO

Eu estava há uma meia-hora com aquele telefone

na mão, olhando para o WhatsApp, com a tela de Shantel


Warren aberta, tomando coragem para enviar a
mensagem. Já era ridículo que eu não conseguisse me

referir à mulher sem usar seu nome e sobrenome, imagina


todo o resto?

Pensei em ser um pouco mais educado e perguntar


se poderia telefonar para ela, já que fora Krista quem me

passou seu número. Eu nem sabia se Shantel lhe permitira

isso, se fora uma jogada para que eu tomasse uma


iniciativa, então queria primeiro constatar se estávamos na
mesma vibe. Se ela também conhecia toda a estratégia e

realmente estava disposta a seguir em frente.

Comecei a digitar alguma coisa, mas apaguei,

sentindo-me um idiota. Porra, aquilo tudo era

completamente insano. Casar-me com uma atriz com


quem eu nunca sequer havia trocado um oi?

Não que eu trocasse “ois” com muitas pessoas, na

verdade, e eu nem sabia se já tinha sido deselegante com

ela alguma vez, embora não me surpreendesse se sim, já


que era o meu estado comum.

Quase me sobressaltei quando o celular vibrou na

minha mão e me surpreendi quando percebi ser a própria

Shantel que estava me ligando.

— Ethan? — uma voz melosa com uma leve

rouquidão sensual falou do outro lado da linha.

— Sim.
— Oi! Tudo bem? Nossa, parece destino. Eu peguei
o celular para te mandar uma mensagem e vi você

“digitando”. Achei que seria melhor ligar. Quebra um pouco

o gelo, né?

Ok, ela era bem melhor de papo do que eu.

— Ah, bem... eh... claro. — Pigarreei. — Como vai?

Shantel deu uma risadinha.

— Que formal. Mas estou bem, e você?

Formal era a minha principal característica. O que

será que ela esperava? Talvez não tivesse lido nada sobre
mim, não soubesse que eu era... hummm... um pouco

estranho.

— Também estou bem. Estava te enviando uma

mensagem para saber se poderia te ligar.

— Nossa, não precisava disso tudo. Fica à vontade.

Acho que não temos que fingir que não sabemos o que

está acontecendo, né? Sua funcionária tem falado com a


minha empresária, e nós dois somos adultos para

assumirmos o que está rolando.

Ah, que bom que ela era direta, sem rodeios. Eu

nem sabia fazer aquele tipo de coisa e não era o melhor no

quesito socializar. Ou seja, com exceção da minha família,


era difícil imaginar o motivo de alguma pessoa querer estar
perto de mim.

E nem toda família queria, né? Tinha o Dyllan...

— Sim, é bom sermos sinceros um com o outro

sobre isso. Sendo assim, preciso te dizer que ainda não sei
muito bem o que pensar sobre toda a situação, mas queria

marcar alguma coisa para te conhecer. Principalmente com


as crianças. Eles parecem... adoráveis. — Seria um bom
elogio? Mães gostavam que bajulassem suas crias, não

era?

— As crianças? Num primeiro encontro? Tem

certeza? — ela não parecia muito animada, mas, para ser


sincero, eles eram um dos motivos pelos quais eu estava

cogitando mais aquele casamento. Não iria abrir mão.

— Tenho. Acho que vamos ter que apressar um


pouco as coisas, pelo que Krista me falou, então podemos

ver se vamos todos nos dar bem.

Shantel ficou em silêncio do outro lado da linha, o


que eu estranhei, mas esperei. Não tinha mais
absolutamente nada para falar, e eu pensei que poderia se

tornar desconfortável muito rápido. Só que, por sorte, a


mulher se manifestou.

— Tudo bem, se é o que você quer. Vou levar minha

assistente também. Ela é ótima com as crianças, então se


precisarmos de alguns momentos sozinhos, não terei que
me preocupar.

— Claro, como preferir.

Mais alguns instantes de silêncio, e a voz dela veio


manhosa, quase sensual:
— Estou animada, Ethan. Acho que isso pode ser
bom para nós dois.

— Eu espero que sim.

E foi a melhor resposta que eu poderia ter lhe dado.


Sinceramente, ainda não estava convencido de que era

uma boa opção. Estava disposto até a tentar contratar


alguém para trabalhar minha imagem comigo, fazer
terapia, adotar um cachorro – será que Rachelle estava

falando sério quando diziam que eu chutava os pobre


bichinhos? –, passar mais tempo com crianças, fazer um

evento beneficente... Sei lá. Qualquer coisa seria mais


simples do que me casar com uma mulher que eu mal

conhecia.

Só que também seriam formas mais lentas de


chegar a um resultado que eu precisava rápido. Ao menos
era o que todos diziam. Eu poderia adotar um canil inteiro e

abraçar mil crianças, não seria suficiente. As pessoas


tinham suas opiniões enraizadas até alguém muito
influente e de quem elas gostavam falar algo diferente. Eu
precisava de Shantel. Infelizmente.

Ou felizmente. Vai que a mulher acabava salvando,


literalmente, a minha vida.

O encontro ficou marcado para aquela tarde mesmo,


já que era domingo e se tratava de um raro dia em que os

dois estavam de folga. A menina também não tinha aula,

então foi um arranjo perfeito.

De alguma forma, todas as vezes em que eu olhava


para as fotos de Shantel em qualquer mídia social, algo me

chamava muita atenção naquelas crianças. Por mais que

parecessem a família feliz, havia algo em seus olhinhos

que me remetia a algo diferente.

Poderia ser ilusão da minha cabeça, mas queria ver

de perto. Queria entender quais pessoas eu iria receber na

minha casa, desde a mulher até as crianças. A assistente

também, porque com certeza Shantel a levava de um lado


para o outro. Eles mudariam a minha vida, talvez a
colocassem de pernas para o ar, então o mínimo que eu

poderia fazer era ter uma ideia do que estava por vir.

Talvez fosse uma boa ideia levar alguns presentes


para os pequenos, não?

Ok... essa era uma missão para quem eu sabia que

iria fazê-lo muito melhor do que eu. Aproveitando que o

celular se encontrava na minha mão, percebi que meu alvo


estava online e enviei uma mensagem:

ETHAN: Está livre agora?

RACHELLE: Depende. Estou na cama, amando um momento de

preguiça. E mais tarde vou me encontrar com Dyllan. Ele


fez uma música nova e... bem... vc sabe.

Claro... porque ela, de fato, se encontrava com

Dyllan. De alguma forma, ele não se ressentia de Rachelle,


porque ela não tivera poder de decisão, como eu e Jake

tivemos. Aquilo me doía mais do que eu gostava de admitir.

ETHAN: Seria coisa rápida. Preciso comprar uns

presentes, pode ser no shopping. Vou conhecer Shantel e


seus filhos hoje, mais tarde. Acho que não posso aparecer

sem nada, ao menos para as crianças.

RACHELLE: Está querendo comprar os pequenos?

Revirei os olhos, porque não era possível que

ninguém me levasse a sério naquele raio de família.

ETHAN: Não, só quero causar uma boa impressão.


É crime?

RACHELLE: Ei, calma ai, ogro. Não falei que não ia

te ajudar. Porque eu vou. Nos encontramos lá? Assim eu já


vou para o Dyllan direto depois.

Combinamos o horário e o local, e eu comecei a me

arrumar. Encontrei Rachelle no ponto combinado do


shopping, puxei-a para um beijo no topo da cabeça e

começamos a caminhar.

Eu não era um cara de muitas palavras e, para ser

sincero, era muito cansativo estar perto de alguém que


exigia de mim algo que eu não era capaz de dar. Ficar

tentando encontrar assunto, comentar sobre coisas

triviais... não conseguia ser esse tipo de pessoa; com


Rachelle tudo funcionava do meu jeito, embora fosse

extremamente comunicativa. Ela me compreendia, então

só precisava conversar quando havia algo de interessante

a ser comentado.

— Você está mesmo disposto a seguir em frente

com isso? — falou, depois que caminhamos por uns bons


dez minutos. Ainda não me sentia à vontade para falar,

especialmente do assunto que ela acabara de mencionar.

— Pelo que me lembro, você foi uma grande

defensora da ideia.

— Sempre vou defender qualquer coisa que eu ache

que pode te ajudar, porque sei que o trabalho sempre é


sua prioridade. Nesse caso, vai beneficiar demais a

Reeves. Só que não imagino como vai ser com sua vida

pessoal.

— Ela também não está lá essas coisas, né?

— É, não está mesmo... — Lancei um olhar, com

uma sobrancelha erguida, julgando a resposta de Rachelle.

Eu adorava o fato de ela ser bem sincera, mas às vezes

era doloroso. — Só estou falando a verdade, mas você não


precisa, de forma alguma, se sacrificar pela empresa. As

coisas estão indo bem como estão.

Respirei fundo, colocando as mãos nos bolsos,

ainda caminhando.
— Mas talvez esteja na hora de mudar tudo. Dar

uma guinada nas coisas... ter uma família — falei o resto


mais baixo, porque a confissão ainda me constrangia.

— Entendo. E como está se sentindo para esse

encontro?

Bufei, tentando erguer os ombros, embora eles

estivessem tensos como se houvesse uma tonelada sobre


eles.

— Apavorado. Não pela mulher, mas pelas crianças.

Rachelle explodiu em uma gargalhada. John, meu

motorista e segurança, andava conosco, alguns passos

atrás, e isso era uma merda, mas a verdade era que


muitas pessoas conheciam o meu rosto, e eu imaginava

que poderiam ter intenções cruéis. Até mesmo ele olhou

para nós, surpreso com a reação da minha amiga.

— Do que você está rindo? — perguntei, confuso e


curioso.
Ela voltou os olhos, naquele tom de chocolate para
mim, que eram um pouco mais escuros que sua pele

negra, e eu sabia que lá vinha deboche. Ok, estava

acostumado com isso. Rachelle tinha aprendido muitas


coisas com Jacob.

— Um homão desses, de um metro e noventa de

altura, cheio de músculos, com medo de duas coisinhas

pequenas? Vai ser engaçado de ver.

Eu poderia olhá-la com repreensão, mas Rachelle,


sem dúvidas, estava certa. Provavelmente era uma

tempestade em copo d’água. Eram só... crianças. Eu

gostava de crianças. Não sabia se gostavam muito de mim,

porque fazia muito tempo que não tinha contato com uma,
mas podia dar conta, não podia?

— É só que... — Suspirei, cansado. Percebendo


minhas reações, Rachelle parou de andar, na porta da loja

de brinquedos, e nós ficamos frente a frente. Era uma


mulher alta, mas eu ainda era uns vinte centímetros maior.

— Quero fazer a coisa certa. Em todos os âmbitos.


— Taí o seu problema, grandão. Não dá para fazer a
coisa certa sempre. Às vezes temos que fazer a coisa
errada, se for melhor para nós.

Desde quando aquela garota tinha se tornado tão

esperta? Havia uma diferença de onze anos entre nós,


além da altura, e, naquele momento, eu me sentia um
menino pequeno perto dela. Eu sabia me mostrar como um

CEO competente, sabia que era bom no meu trabalho, que


conseguia ser preciso, direto e decidido, mas tinha muitas
inseguranças quando se tratava da minha vida pessoal.

Nunca tive muito tempo para pensar nela, na

verdade, então isso nunca me incomodou. As pessoas


tiravam muitas conclusões sobre mim, e eu simplesmente
permitia, porque era mais fácil. Exatamente como Rachelle

dissera, o meu tamanho enganava. Dos três irmãos, Jacob


era o mais alto, com um metro e noventa e cinco, e eu era
uns três centímetros mais baixo que ele, mas era mais

largo, grandão. Dyllan era pouco mais baixo do que eu


também, e, teoricamente, se nós três caíssemos na

porrada, eu teria vantagens físicas sobre eles, só que eu


sempre fui o apaziguador. Nunca dei motivos para brigas,
porque era mais na minha, mais calado, mais protetor.

Minha aparência me fazia parecer muito mais rude e


intimidador do que gostaria de ser, mas nunca fiz nada

para evitar isso.

Talvez realmente fosse a hora de aceitar que eu


precisava de ajuda. De companhia. De... quem sabe...

amor?

— Nem sempre a gente sabe o que é bom para nós


mesmos, Rach — respondi, passando um braço ao redor
dos ombros dela e a guiando para dentro da loja. —

Espero descobrir.

E eu realmente esperava.
CAPÍTULO CINCO

Com a ajuda de Rachelle, eu consegui resolver a

situação dos presentes em muito menos tempo do que


precisaria para terminar tudo sozinho. Sendo assim, passei
no meu apartamento, troquei de roupa – tentando chegar à

conclusão de como poderia me vestir para um encontro


como aquele, que era meio que relacionado a negócios e

ao mesmo tempo ligado a romance – e parti para o

restaurante onde combinei de me encontrar com Shantel.

Meu motorista estacionou no local aberto designado

a isso e assim que saltei, vi um carro vermelho parando em


uma vaga próxima. Não estava muito interessado em dar

atenção até que ouvi a buzina. Imaginei que pudesse ser


Shantel e fui até lá, porque supus que fosse isso que era

esperado de mim.

Eu nunca sabia o que as pessoas esperavam,

mas... ok... provavelmente seria educado ajudá-la,

especialmente com duas crianças.

Só que assim que me aproximei, eu vi a bela loira

saltando do carro. Seu rosto era conhecido no mundo

inteiro, e eu mesmo já a havia admirado em produções,

tanto cinematográficas quanto em séries de TV. Ela


estrelara duas séries no meu canal, era impossível não

reconhecê-la.

Tinha aquele tipo de beleza que parecia irreal, com

olhos muito grandes azuis, furo no queixo, boca carnuda,

com dentes perfeitos, alta, longilínea, cabelos loiros e


longos. Uma Barbie em todos os sentidos.

Acenou para mim e saltou do carro, do lado do


passageiro, porque obviamente, no volante, deveria estar

um segurança ou motorista. Quando veio em minha


direção, colocou as mãos nos meus ombros, pôs-se na
ponta dos pés e me deu um beijo na boca.

Assim... do nada!

Eu não esperava aquele tipo de contato, então nem

reagi, ao menos não de imediato, o que me fez parecer um

idiota, sem dúvidas. Mas mesmo assim ela entrelaçou o

braço ao meu, olhando de um lado para o outro, como se

procurasse alguém.

— O que foi isso? — perguntei, meio atordoado. Eu

não saía beijando pessoas daquela forma. Era... estranho.

E, pelo amor de Deus, eu gostava de beijar. Muito.

Amava sexo, amava tudo que envolvia o processo de

sedução. Quando estava a fim de alguém, conseguia

deixar de lado todas as minhas barreiras em relação a

convívio com pessoas, porque o prêmio sempre era

valioso. Claro que era mais simples, porque se tratavam de


casos fugazes. Se algum dia me apaixonasse, poderia ser

diferente... talvez.
O problema ali não era o beijo em si, mas o fato de

eu não ter sido sequer comunicado a respeito. Minha ideia


era conhecer a mulher para saber se poderíamos conviver

sem matarmos um ao outro. Eu não esperava ser beijado.

— Por que não vamos entrando? — Sem nem se


dar conta do quanto fiquei incomodado com sua reação,
Shantel começou a tentar me conduzir para o restaurante,

mas finquei meus pés no chão, não me mexendo.

— E as crianças?

— Ah, Kayla pode cuidar delas. Já está


acostumada...

— Quem é Kayla?

— A minha assistente. Não disse que ia trazê-la?

Olhei na direção do carro, do qual estávamos ainda


próximos, mas a alguns metros de distância, e vi a porta se
abrindo. Uma coisinha pequena, de cachinhos loiros saltou

primeiro, parando ao lado, esperando comportadinha.


Usava um vestidinho rosa e uma faixinha na cabeça da

mesma cor, e era tão miudinha que mais parecia uma


boneca. Logo em seguida, A porta do outro lado foi aberta,

e eu vi, por cima do carro, uma mulher bem jovem ficar de


pé, com um bebê no colo.

Ela também era loira, mas os fios eram de um


dourado mais escuro, confundindo-se com um castanho.

Era baixa, pelo que eu podia perceber, e era magra, mas


não como Shantel que fazia o tipo modelo Victoria’s Secret.

A tal Kayla era magra normal. Uma mulher comum.

Mas quando ergueu a cabeça, olhando na nossa


direção, percebi que ela não tinha nada de simplesmente

comum.

Talvez pudesse ser considerada aquela típica garota

da casa ao lado, que cresce com você e vai ficando cada


dia mais bonita. Ou a moça em quem se esbarra em um

mercado, fazendo compras, ou que se conhece na


recepção de um consultório médico. Não era uma beleza

típica de Hollywood, que eu estava tão acostumado a


conhecer. Era o tipo de rosto que te causa paz, de alguma
forma.

Mesmo com o bebê no colo, ela estendeu a mão


para pegar algo dentro do carro e logo vi que se tratava de

uma bolsa pesada, provavelmente com coisas das


crianças. O paspalho do motorista – ou segurança – não

fazia nada para ajudar, porque estava no celular, então


soltei o braço de Shantel e dei uma corridinha na direção
da moça para agir.

Fiquei meio perdido sobre pegar o bebê ou não,

porque não sabia se ele ia com estranhos tão fácil, então


me ofereci para carregar a bolsa, ganhando um sorriso

extremamente doce e um “obrigada”.

Só que a mulher não me deu tanta atenção assim e


se virou para a garotinha, pegando sua mão e
parabenizando-a por ser uma boa menina e não sair

correndo.
Se eu fosse uma criança daquela idade, sabia que
seria apaixonado por aquela mulher, só pelo jeitinho como
ela falava. Não foi difícil ver nos olhos de ambas as

crianças que isso era verdade. Eles a veneravam, então


ganhou alguns pontos comigo.

Estava olhando para a doce assistente de Shantel –

indevidamente, é claro –, reparando no tom verde-claro de

seus olhos, quando senti algo puxando a minha calça.


Quando olhei para baixo, lá estava a bonequinha, me

observando com curiosidade.

— Você é o namolado da mamã?

Meu Deus, o que eu deveria responder?

— Emma! — a tal Kayla repreendeu. — Eu te falei o


caminho todo que não era para perguntar algo assim.

— Mas aí a mamã beijou ele. Eu fiquei côfusa.

Kayla olhou para mim, sem graça, dando de

ombros.
— Ela acabou de aprender essa palavra. Não para

de usar.

— É uma palavra e tanto — comentei. Então me


agachei e tentei falar com a menina equivalendo nossas

alturas ao máximo. — Não, Emma, eu e sua mãe não

somos namorados. Mas somos amigos.

— Ela disse que ia casá com você. Você vai ser


meu papá?

Porra, as coisas estavam ficando complicadas muito

rápido.

Antes que eu pudesse responder, Shantel surgiu,


pegando a menina pelo braço e puxando-a. Não fizera

nada com força, nem fora rude, mas me incomodou.

— Filha, o tio Ethan e a mamãe vieram conversar

coisas de adulto, entende? — Shantel falava com o tom

que se usa para falar com crianças, só que a menina


parecia esperta demais para aquilo. — Mas você não pode
ficar fazendo esse tipo de pergunta, até porque, a mamãe

não falou nada disso para você.

Ficava bem difícil de acreditar, levando em

consideração que a mulher me beijara, em nosso primeiro


encontro, e na frente de sua filha de quatro anos. Então ela

saiu tomando a dianteira com a criança, e eu vi a menina

se encolher um pouco.

— Desculpa, Sr. Reeves. Emma é uma esponjinha.

Ela sai repetindo tudo o que falam, mas é uma garotinha


ótima.

Levantei-me, colocando-me de frente para Kayla,

que fora quem se desculpara.

— Não tem problema. Ela é uma gracinha.

O sorriso da moça se alargou um pouco mais, como


se ela fosse a mãe das crianças.

— Os dois são, não são? Emma é minha

princesinha, e esse pequeno aqui é meu... — Ela se voltou


para o menino, balançando-o e fazendo-o gargalhar, mas

interrompeu-se antes de prosseguir. — Bem, eles não são


meus. Mas o senhor entendeu...

Assenti, estendendo a mão para usar o nó de um

dedo para acariciar o rostinho do menino, enquanto a

sugestão de um sorriso surgia no meu rosto.

— Sim, entendi.

O menino soltou alguns sonzinhos fofos e bateu


palminhas, fazendo-me acreditar que aquelas eram as

crianças mais adoráveis do mundo.

— Como ele se chama?

— Owen.

— Muito prazer, Owen. Você é um garotão e tanto!

— Fiz umas cosquinhas nele, e o menininho riu, abrindo-se


para mim e estendendo os bracinhos na minha direção.

Peguei-o, porque era irresistível, e Kayla tentou tirar

a mochila do meu ombro, mas não deixei.


— Está tudo bem — afirmei, começando a caminhar,

enquanto ela também me acompanhava.

— Você gosta de crianças? — indagou, como se

isso fosse importante para ela.

— Claro. Alguém não gosta?

Kayla respirou fundo, e eu a vi morder o lábio como


se a minha pergunta a deixasse desconfortável. Só que

não consegui ler nas entrelinhas qual era o motivo.

Seguimos, então, para dentro do restaurante, onde

pegamos uma mesa grande. Kayla pediu duas cadeirinhas


de crianças, colocando-se no meio de cada uma, e eu a

ajudei a acomodar os pequenos, enquanto Shantel era

cercada por alguns fãs, com quem tirava fotos e dava

autógrafos.

Ela parecia muito simpática com todos, rindo e

brincando, o que era bom, não? Se eu precisava dela para

melhorar minha imagem com o público, era melhor que

fosse realmente uma pessoa acessível.


Primeiro de tudo, presenteei as crianças com os

brinquedos. Para Emma, uma boneca. Para Owen, um


daqueles bichinhos de morder. Ambos adoraram, e Kayla

fez Emma me agradecer, com toda educação.

Fui pegando o cardápio e começando a lê-lo, só

para ter algo para fazer. Kayla, à minha frente, se ocupava


primeiro das crianças. Emma queria muito uma porção de

batatas fritas, e a assistente tentava convencê-la de uma

forma extremamente paciente de que seria melhor comer

algo mais saudável. Era visível o motivo pelo qual a


menina era tão esperta, porque a moça não subestimava

sua inteligência.

Shantel se sentou ao meu lado, do outro lado da

mesa em relação aos filhos, e ouviu a discussão entre a


criança e sua assistente por alguns instantes, cortando

tudo com um erguer de dedo e uma voz de comando:

— Emma, querida, você sabe que não pode comer

essas porcarias. Deixa que sua mãe vai escolher um prato

bem gostoso para você.


A menininha não respondeu nada, apenas fez uma
carinha que teria me obrigado a ajoelhar aos seus pés e

lhe dado tudo o que me pedisse.

Não que fosse meu direito me intrometer entre a

autoridade de uma mãe e as vontades de sua filha, mas


achei que poderia apaziguar as coisas.

— Shantel, é só um dia. Não vai fazer mal — pedi,

com toda a educação possível, esperando que isso

ajudasse. Olhei para o outro lado da mesa, vendo a


menininha com os olhinhos pidões e as mãozinhas unidas,

como se implorasse. Kayla escondia um sorriso por trás do

cardápio.

— Tá, tudo bem. Mas não pense que vai ser sempre

assim, Ethan Reeves. Não vai sempre me ganhar com


essa cara bonita não, ok? — Shantel falou com certo
charme, mas eu dei uma piscadinha para a criança, que

quase pulou na cadeira.


Ok, a menina eu tinha ganhado e nem fora
calculado. Precisava entender o quanto ainda queria
permanecer naquele jogo para continuar dando alguns

passos, mesmo desajeitados, para conseguir o que queria.

Se é que era o que eu queria mesmo.


CAPÍTULO SEIS

Às vezes era difícil acreditar como Shantel não tinha

ganhado o Oscar ainda. Não que ela fosse uma grande


atriz. Era boa até, embora fosse egocêntrica demais para
assumir que poderia estudar um pouco para ser ainda

melhor. Só que aquela sua performance de doçura e boa


mãe estava um pouco exagerada.

Aparentemente ela queria muito conquistar Ethan


Reeves, porque nunca a tinha visto tão preocupada e

interagindo tanto com os filhos.

Eu sabia muito pouco sobre ele, mas comecei a

pensar que, talvez, Maddie pudesse estar certa. Ethan não


parecia tão assustador e rude como a imprensa o pintava.

Até aquele momento, agira como um cavalheiro, fora


encantador com as crianças e parecia mais tímido do que

sua aparência demonstrava. Havia certo desconforto, que

eu quase conseguia compreender como sendo algo


relacionado a lidar com desconhecidos. Sem contar que

Shantel saíra beijando o cara do nada, o que eu achei

muito, muito constrangedor, levando em consideração que


os dois praticamente não se conheciam.

Olhei para Ethan de soslaio, começando a avaliá-lo

sem que percebesse. Ele era mais bonito do que nas fotos,
porque tinha uma aparência mais máscula. O rosto era

quadrado, com maxilares pronunciados, uma boca


desenhada, um nariz proporcional. A pele era naturalmente

bronzeada, e os cabelos eram castanhos, curtos, bem

penteados e lisos. Era um homem grande em todos os

sentidos, de ombros largos, braços musculosos, pernas

longas e definidas. Era um tipo de beleza marcante.

Homão, sabe?
E seria marido de Shantel. Ou seja, eu não deveria
sequer estar olhando para ele daquele jeito.

Mas algo começou a se passar pela minha cabeça.

Se ele se casasse mesmo com Shantel, se fosse mesmo

tão bom com as crianças quanto demonstrara, talvez elas

se sentissem mais acolhidas. Eu sabia que ele tinha uma

família com irmãos e até uma quase irmã, e que eles eram

unidos – menos o irmão cantor, o tal de Dyllan Reeves, que


parecia ser mais afastado. Quem sabe as crianças não

encontrassem um pouco de amor e carinho além do que eu

reservava pra elas? Quem sabe eu passasse a ser menos

necessária?

Por mais que isso fosse libertador, porque eu

poderia procurar outro emprego, com uma pessoa mais


agradável do que Shantel Warren, ou talvez retomar as

tentativas da carreira de atriz que abandonei, também me

dava uma dorzinha no peito. Se eu não trabalhasse para

ela, será que minha chefe me permitiria ver os meninos?

Uma vez ao mês, que fosse.


Ah, droga... eu não veria Owen crescer. Não

acompanharia o amadurecimento de Emma... Como isso


era doloroso!

Só que, novamente, eu não era mãe deles. Não

poderia desejar coisas que não me pertenciam.

— Garçom, este prato aqui, da sessão de veganos...


posso confiar? Não como carne e nem nada de origem
animal há pelo menos três anos.

— Ué, mamã... — Pronto! Eu sabia que vinha

tragédia por aí.

— Emma, querida... — tentei salvar a situação, mas

aparentemente era tarde demais, porque a menina, quando


queria, não tinha nenhum filtro.

— Eu vi você comê um burgi ontem ixcondida.

Meu. Deus. Do. Céu.

Claro que Shantel voltou seu olhar matador na


minha direção, como se alegasse que a culpa por aquele
comentário fosse minha. Sem dúvidas iria me acusar de

não ter ficado de olho em Emma direito no dia anterior e de


não estar prestando atenção o suficiente na criança

naquele momento para não permitir que revelasse um de


seus segredos.

Mal sabia a mulher que eu estava muito ocupada


analisando o homem com quem iria se casar e lamentando

que acabaria perdendo seus filhos quando pedisse


demissão. Qualquer um que visse nossa situação me diria

que eu era uma invejosa.

Eu não era. A última coisa que queria era a vida de


Shantel.

Nem toda a fama, dinheiro e glamour me fariam


desejar todo o resto, principalmente porque sua carreira

fora pavimentada sobre mentiras, enganação e ilusões. O


fato de ela dizer que era vegana era apenas uma das

coisas que usava não apenas para conquistar o público,


mas também para atrair marcas que se encantavam com

seus discursos cheios de ideais perfeitos e a contratavam


como embaixadora. Shantel ganhava muito dinheiro como
atriz, mas seus trabalhos com publi eram grande parte de
sua renda. E que renda!

— Era hamburguer de soja, Emmaline Marie! — A

forma como ela disse o nome completo da criança


assustou até a mim. Sua expressão raivosa também, mas

esta rapidamente se transfigurou em um sorriso falso: — A


mamãe não come carne, querida. Você está se
confundindo.

Confundindo uma ova. Tudo bem que Emma com

certeza poderia estar falando uma besteira, e Ethan sem


dúvidas cairia na lábia, porque a menina tinha apenas

quatro aninhos, mas eu lhe tinha ensinado o que era um


hamburguer pouco tempo antes. Ela vira e comera um bem
gostoso quando a levei ao McDonald's escondida da mãe,

mas com autorização da nutricionista que acompanhava as


crianças, que sempre dizia que uma vez na semana não

era prejudicial. Só que Shantel se horrorizava com isso.


Acabamos pedindo nossos pratos, e eu fiquei
entretendo os pequenos, enquanto Shantel enchia Ethan
de perguntas. Ele parecia um pouco desajeitado para

conversar com ela, levando em consideração o quanto era


atirada, e eu achei isso quase... fofo.

Aí estava uma palavra completamente aleatória para

ser usada em referência a um homem como ele, mas

combinava, no final das contas.

A comida chegou, e eu ajudei as crianças a

comerem, principalmente Owen, e eu vi mais uma tragédia

sendo anunciada quando Emma pegou um sachê de

ketchup para colocar nas suas batatas. Tentei pegá-lo de


sua mão para abri-lo, mas ela conseguiu, só que o fez

deixando o molho respingar em sua roupinha rosa.

Um silêncio se formou, e eu vi a menina olhando

para a mãe, que parecia completamente impaciente com


seu comportamento. Emma, é claro, começou a chorar.
Aquele era o som mais doloroso para mim; quando

minhas crianças estavam tristes por alguma coisa. Shantel


era mestre em deixá-las naquele estado.

Olhei para Owen e o vi levar um dedo à boquinha,

balbuciando: “Mámá, Mámá”, que era como ele chamava

Emma. Também olhei para Ethan, que parecia ainda mais


perdido.

— Kayla, você pode levar Emmaline ao banheiro

para que ela se recomponha? Leve Owen também e...

— Não, o menino não está chorando. Podemos ficar

com ele. — Ethan se intrometeu, levantando-se e vindo até


o meu lado da mesa, voltando-se para Emma, tirando-a da

cadeira: — Está tudo bem, princesinha. Não tem nada de

mais em se sujar um pouquinho. Sabe que até hoje eu

também não consigo abrir direito esse sachê do ketchup?


— Ele ergueu uma das mãos. — Olha o tamanho disso.

Não consigo ser delicado. Você só precisa de prática. —

Ethan pegou a mãozinha de Emma e a beijou. Ela parecia


muito mais calma.
Duas coisas a serem observadas. A primeira delas:

Deus, ele tinha mãos enormes mesmo. E o “não consigo

ser delicado”... por que será que mexeu comigo de uma


maneira extremamente erótica?

A segunda coisa: Ethan era muito melhor com

crianças do que com adultos. Tanto que Emma

rapidamente parou de chorar, limpando os olhinhos.

Quando foi entregue a mim, para que fôssemos ao


banheiro, apenas respirava fundo, controlando-se.

Chegamos ao luxuoso banheiro do restaurante, e eu

sentei Emma na pia. Estava com a mochila no ombro,

então tirei seu vestidinho e troquei por outro. Também era


rosa, e eu sempre levava algo extra para as crianças,

porque pequenos acidentes podiam acontecer.

— Acho que o tio é legal, né? — Emma comentou

do nada, enquanto eu ajeitava seu cabelinho, que fora

despenteado pelo tirar e colocar do vestido.

— Parece ser. Você gostou dele?


A garotinha deu de ombros.

— Acho que sim. Ele me deu uma boneca.

— Não é por isso que se deve gostar das pessoas,

Emma! Mas se você gostar dele, eu vou gostar também. —


Toquei seu narizinho com carinho, então Emma sorriu. Eu

morreria por aquele sorriso.

Voltamos para a mesa, e eu percebi Shantel

superentediada, porque Ethan estava completamente


focado em dar atenção a Owen. O garotinho ria com uma

sessão de cosquinhas, e eu poderia jurar que se aquele

homem não era um mago com crianças, nenhum outro


poderia ser.

Ele me ajudou a me acomodar, pegando Emma,

colocando-a na cadeirinha e puxando a minha, sendo

cavalheiro até o extremo.

— Nossa, você é ótimo mesmo com crianças —


Shantel comentou, tentando fingir um olhar sonhador.
— Tenho um irmão que é quase dez anos mais novo

do que eu. Sem contar Rachelle, que é uma amiga

próxima, que vivia na nossa casa. Tenho experiência.

— Sim, claro. — Shantel voltou-se para nós,

apontando para algo que estava sobre a mesa: — Emma,


olha como a mamãe pensa sempre em você. Pedi um

pedaço dessa torta maravilhosa de amendoim, já que

estamos no dia do lixo. Tenho até inveja porque não posso


comer. Um dia você vai passar dos trinta também, querida,

e vai entender o cuidado da sua mãe.

— Senhora! — Eu nunca a chamava assim, só em

público. Era uma exigência. E o fiz com um baita


desespero, antes que a menina conseguisse comer. —

Emma é alérgica a amendoins.

Talvez eu devesse ter ficado calada e só dado um

jeito de não permitir que a menina comesse a torta. Eu

poderia jurar que acabaria sendo demitida ali mesmo só


pela forma como minha chefe me olhou. Mais do que isso,

ela parecia pronta para me estrangular.


Foram precisos alguns segundos para que ela se

recompusesse, até que levou uma das mãos à cabeça,


dando um tapinha na testa.

— É uma brincadeira, tolinha. A torta é para você,

Kayla, de surpresa. Claro que eu sei que minha filha é

alérgica a amendoim.

Ah, claro que ela sabia... com certeza.

Sempre que uma coisa dessas acontecia, eu


pensava que um dia as máscaras cairiam. E que Deus me

perdoasse, mas Shantel merecia e muito ser

desmascarada.
CAPÍTULO SETE

Foi uma refeição... estranha.

Ok, eu estava usando muito aquela palavra,


principalmente em relação àquela mulher, mas... o que não
era completamente bizarro em nossa “relação”? Não

tivemos muito tempo para conversar, para ser sincero, e


iria sair daquele restaurante praticamente da mesma forma

como entrei: sem saber quase nada sobre ela. Com uma
exceção – seus filhos eram duas preciosidades.

Eu fiquei apaixonado pela menininha. E o


garotinho... Nossa, a vontade que eu tinha era de levar os

dois para casa. Talvez estivesse mesmo precisando de um


pouco de inocência na minha vida, porque não queria me

separar de nenhum dos dois.

Seria isso suficiente para eu topar um casamento

com a mãe deles?

Paguei a conta e ajudei Kayla com as crianças,


enquanto Shantel lidava com mais alguns fãs. O bebê tinha

dormido, e Emma estava entretida com a bonequinha que

dei para ela, então eu e a moça ficamos praticamente

sozinhos.

— Obrigada por hoje — ela pediu, enquanto ajeitava

o menino nos braços, depois de recusar que eu o

carregasse para ela. — Você conquistou os dois, com

certeza.

— E mereço um agradecimento por isso? —

indaguei, bastante curioso com os acontecimentos daquele

dia. Ainda não sabia como interpretar tudo que se passara,


quais eram os papéis que cada pessoa desempenhava

naquela família, se é que poderia se chamar assim.


— Não é todo mundo que tem paciência.

— Ainda assim... por que é você que está me

agradecendo?

Vi na expressão de Kayla que ela ficou surpresa

com a pergunta. Provavelmente peguei-a desprevenida,

mas era necessário. Se pretendia me unir àquela mulher,

uma ótima ideia era conhecê-la por intermédio de uma

pessoa com quem tinha uma convivência diária. E a forma


como se tratava um funcionário dizia muito sobre alguém.

— Como eu disse antes, amo esses dois. E eles me

amam. É muito importante saber que alguém está disposto

a lhes dar carinho além de mim.

— E da mãe, não é? — foi uma pergunta teste, e eu

a vi engolir em seco.

— Sim. E da mãe.

Kayla ajudou a menina a se levantar da cadeira e

saiu caminhando com os dois, tomando a dianteira para


seguir para o carro.

Assim que me viu sozinho, Shantel pediu licença


para os fãs e mais uma vez tomou o meu braço, colocando

óculos escuros, como se isso fosse deixá-la incógnita.

— Foi legal, né? A gente se conhecer um pouco.

A gente tinha se conhecido? Porque eu ainda não


sabia quase nada sobre ela. Tinha uma impressão de que

também não havia falado o suficiente sobre mim para que


nos considerássemos sequer amigos, quem dirá... noivos.

Meu Deus... isso era ridículo!

— Ah, sim... eu acho.

— Temos que repetir a dose, mas sem as crianças


— ela prosseguiu, sem dar muita atenção ao quão

desconfortável eu estava.

Um vento bateu em seu cabelo, e algumas mechas


vieram até mim, cheirando a morango. Era um aroma
adocicado demais, mas não era ruim. Obrigou-me a fechar
os olhos, mas assim que os abri, uma confusão de flashes

me recebeu, e eu ouvi um milhão de sons embolados.


Pessoas falando, principalmente.

Havia de dez a doze jornalistas do lado de fora do

estacionamento, e todos eles se empurravam para pegar


fotos nossas dos melhores ângulos.

— Espero que não se importe, mas como nós dois


queremos publicidade em nosso relacionamento, mandei

algumas mensagens para amigos repórteres.

Olhei de um lado para o outro, pensando que eu


tinha mesmo me metido em uma enrascada. Ainda não

havia sequer me decidido, porque não tive oportunidade de


conhecer a mulher que poderia vir a ser minha esposa,
caso fôssemos adiante com aquela história. Só que se a

imprensa se metesse no assunto, e eu decidisse recuar,


minha imagem poderia ficar ainda pior. Ou seja, ela estava

forçando uma barra.


— Acho que foi precipitado — falei, tentando manter
a calma.

— Claro que não, querido. Sei muito bem como


manipular o público, e você vai ver: depois do que vou

fazer hoje, mais tarde, o quanto de seguidores ganhará.

Eu não queria seguidores. Não queria a fama que


ela tinha. Só queria continuar honrando o negócio da
minha família.

Porra, eu queria ficar quieto no meu canto. E

poderia continuar sendo o chato antissocial de sempre. Era


só dizer um não. Dizer que fora um engano, que nós nunca

daríamos certo, que eu a faria completamente infeliz.

Só que ouvi uma vozinha por cima de todas as

outras, que não paravam de chamar nossos nomes e pedir


declarações.

— Tio Ethan! — Olhei na direção do sonzinho e vi a


bonequinha inclinada para fora da janela, sob a supervisão

de Kayla, acenando para mim com um sorriso enorme, de


orelha a orelha. — Tchau! Tchau! — E então me mandou
um beijinho.

Acenei para ela também, sabendo que eu seria


vencido muito fácil por causa daquelas crianças.

Então, quando entrei no meu carro, sem dizer a


Shantel o que realmente pensava da história de

casamento, era nelas que estava pensando.

Foi com as crianças em mente, também, que parti

direto para a casa de Jake, sem nem passar em qualquer


outro lugar. Poderia ter ido para Rachelle, que era uma

escolha muito melhor em matéria de conselhos, mas

lembrei que ela dissera que passaria a tarde com Dyllan.

Ou seja... eu estava fodido na mão de Jacob. Mas


não queria ficar sozinho de jeito nenhum.

Anunciei minha chegada no condomínio onde ele

morava e parti para a sua casa, estacionando atrás de sua

moto, uma BMW R 1250 GS Adventure, que era seu xodó.


Fui recebido por ele mesmo, que estava usando

uma calça de moletom, sem camisa. Um copo de tequila


na mão denunciava que estava rolando uma pequena

festinha em sua casa. As duas belas mulheres na piscina,

também.

— Interrompo? — perguntei, percebendo que as


duas moças estavam nuas. Uma negra e uma loira, com

mechas rosa no cabelo, que eu poderia jurar que era uma

das cantoras da nossa gravadora, mas achei melhor fingir


que não estava vendo antes que começasse a falar merda.

— Nada. Se quiser participar, as meninas têm

amigas. Não estou a fim de dividir nenhuma delas. Um

telefonema e resolvemos o problema.

— Não, Jake. Eu vim para conversar. É coisa séria.

Não quero estragar seu clima.

— Que estragar o caralho! Desde quando temos

isso? Espera um segundo. — Ele ergueu um dedo em

riste. Estava um pouco alto, mas não bêbado, se o


conhecia muito bem. Aproximou-se da piscina,

direcionando-se para as meninas: — Queridas, vou

precisar encerrar nossa festinha. Meu irmãozão aqui está


precisando de um pouco de atenção.

— Jake! Não precisa! — alertei.

— Ih, cara, para com isso. Você é meu irmão. É

prioridade sempre.

Sem que eu nem tivesse chance de falar mais

alguma coisa, ele se despediu das moças, que se vestiram

rapidamente, dando um beijo bem demorado, de língua,


em cada uma delas, e eu fui tirando a jaqueta só para ter

algo para fazer e não testemunhar a cena.

Então ele voltou, indo direto ao bar, pegando uma


dose de uísque para mim e me servindo, sem gelo,

exatamente como eu gostava. Entregou-me o copo, e eu

logo dei uma golada, sabendo que precisava muito da

bebida para engolir toda aquela história.


— O que rolou? — Jake perguntou, enquanto

colocava uma camisa.

— Foi meu primeiro encontro com Shantel.

— Ih! A noivinha! E aí? Como foi?

Aproveitando que estava de pé, comecei a andar de


um lado para o outro, enquanto meu irmão se sentava à

minha frente, virando a dose de tequila toda de uma vez.

— Eu não faço ideia. Ela é... diferente do que


imaginei.

— Como diferente? É escrota? Foi arrogante?

— Não, nada disso. Ela saiu me beijando no

primeiro momento em que nos vimos.

— Porra, eu casava!

Revirei os olhos para ele, embora a culpa fosse

minha. Obviamente Jake não era o tipo de pessoa com


quem eu poderia ter aquele tipo de conversa, já que não

levava nada a sério.

Apesar de mais novo, Dyllan sempre foi muito mais

maduro e melhor com conselhos. Mas eu não poderia

recorrer ao meu irmão caçula naquele momento, então o


que eu tinha teria que servir.

— Ela não me parece tão adorável como é na frente

das câmeras. Aconteceram algumas coisas que me

fizeram pensar se é totalmente sincera ou se assume um


personagem.

— Você conseguiu concluir isso com um único

encontro? Não acha que está sendo precipitado?

— Pode ser... — Passei uma das mãos pelo cabelo,

ainda sem conseguir parar de andar. — As crianças, no


entanto, são maravilhosas. Só que, por algum motivo, ela

não me pareceu uma mãe muito devotada.

— Ué, mas se ela levou as crianças, não é um bom

sinal?
— Fui eu que pedi.

— Oh, entendo. — Jacob ficou balançando a cabeça

por um bom tempo, com o olhar perdido. Eu tinha a


impressão de que, com a mente enevoada pelo álcool, ele

não estava completamente focado no meu assunto, mas

ao menos estava tentando.

— A menininha é uma princesinha. O garotinho


também é precioso — falei, sorrindo, e comecei a contar a

Jacob sobre Emma e Owen. A cada coisinha adorável que

adicionava à lista, o sorriso do meu irmão se alargava. Ele,

assim como eu, também adorava crianças.

— Bem me lembro de quando Dyllan era criança. Eu


atazanava o moleque, mas ele era uma gracinha também.

Lembra-se daquela vez em que eu escondi o brinquedo

que ele mais gostava e...

Eu queria muito compartilhar aquelas boas

lembranças, da forma como Jacob conseguia. No fundo,

sabia que ele também sofria por não termos mais a união
de antes; não sermos o trio inseparável dos Reeves, mas
ele levava de um jeito menos despreocupado, como

acontecia com tudo em sua vida. Talvez fosse uma farsa e

seu coração também guardasse essa mácula, embora não


transparecesse, mas para mim era quase impossível. Tanto

que denunciei o que sentia na minha expressão.

— Ok, ok... — Jacob se levantou e foi na direção do

bar, pegando um copo e começando a servir mais uma


dose de uísque, provavelmente para ele mesmo. — Não

falamos do Dyllan. Mas você deveria fazer terapia para

resolver isso.

— Você faz?

— Não, mas eu sou o irmão desgarrado que se

afunda em álcool e sexo inveterado sem compromisso para


curar as mágoas. — Ele ergueu o copo. — Um brinde a
isso. — Jacob virou o copo, assim como fizera com a

tequila, mas não bebera tudo. Fez uma careta ao sentir a


bebida forte e pura descendo por sua garganta.
Ficamos em silêncio por um tempo, e essa foi mais
uma prova de que o assunto de nosso irmão mais novo
ainda era um peso entre nós. Fosse como fosse, eu

precisava conversar, então teria que ser eu a dar


andamento naquele diálogo.

— Ainda assim, pode dar certo, né? Será um


casamento por contrato, podemos estabelecer um tempo.

Dois anos, talvez. Acho que nesse período Shantel já pode


fazer coisas boas para a minha imagem.

— Um divórcio certamente vai deixá-la muito feliz, e


você, alguns milhões mais pobre.

— Posso colocar isso em contrato. Quando encerrar

o casamento, deixo uma quantia generosa estipulada para


ela, mas acrescento uma cláusula de que não pode haver
uma briga por mais dinheiro.

Jake abriu os braços com um sorriso por sob a


barba espessa que cobria seu rosto. Os cabelos, escuros
como os meus, estavam bagunçados, resultado da farra
que deveria estar durando desde a noite anterior. Nós dois
éramos parecidos, mas eu tinha a cor da pele mais
morena, como a do meu pai, enquanto ele era bem

branquinho. Nenhum dos dois tinha os olhos azuis de


nossa mãe, que foram reservados apenas para Dyllan.

— Parece que você tem tudo planejado, brother.

Não precisa de mim para nada. Mas ai de você se sair


daqui agora sem encher a cara comigo, porque eu
dispensei duas gatas para te dar atenção.

Ri, porque Jake podia ser o pior conselheiro do

mundo, mas ele sabia muito bem como animar alguém. E a


ideia de me encher de álcool não era das piores. Eu bem
estava precisando.
CAPÍTULO OITO

Uma playlist selecionada para meus momentos de

trabalho tocava no meu ouvido, com um daqueles fones


bem grandes cobrindo as minhas orelhas. A babá estava
em casa, então eu podia trabalhar em paz. Emma volta e

meia vinha até mim, mostrar algo que tinha feito, e eu


parava para lhe dar atenção, mas a menina era boazinha e

sabia que tia KayKay estava ocupada, mas que seria

compensada depois.

Redigia um post para o blog mega good vibes de

Shantel, onde ela falava sobre sororidade e a importância


de valorizarmos as mulheres que estão ao nosso redor, por

toda a trajetória, pelas guerras que lutávamos todos os


dias e por estarmos conquistando nossos espaços aos

poucos. Eu adorava aquele trabalho, porque não me


importava nem um pouco em criar aqueles artigos, só que

era ridículo que tudo fosse meu e levasse o nome de

Shantel.

E as pessoas, de fato, a seguiam, comentavam.

Algumas de suas – ou minhas – frases viralizavam,

contribuindo ainda mais para a imagem dela de perfeição.

Eu já estava quase colocando um ponto final,


encerrando o texto, pronta para começar a revisá-lo,

quando um som insuportável conseguiu penetrar a paz que

se instalara nos meus ouvidos com a música.

KAAAAAAAAAAAAYYYYYYYYYYYYLAAAAAAAAAAAA!

Não era possível! Ela fazia algum treinamento vocal

para isso. Devia haver uma aula: “como gritar pela sua
assistente, cada vez mais alto e de forma mais estridente”.
Sem dúvidas Shantel ganharia uma estrelinha de aluna
exemplar.

Levantei-me da cadeira, na minha mesa do

escritório, e fui andando calmamente até o quarto dela.

Quando não estava trabalhando em nenhuma produção,

Shantel acordava muito tarde, passava algum tempo na

piscina e saía à noite. Sempre muito discreta, mesmo que

se enfiasse nas baladas mais bagaceiras possíveis, ela


conseguia passar impune, mantendo sua imagem de

perfeição. Se não tivesse dois filhos, todos diriam que ela

era virgem.

A visão que encontrei quando cheguei ao seu quarto

era a mais ridícula possível. A mulher literalmente estava

pulando sobre sua cama, como sempre repreendera Emma


por fazer, com o telefone na mão.

— O que foi?

— Ethan! Jurei que tinha tudo saído completamente

errado naquele almoço, mas acho que a quantidade de


matérias que saíram sobre nós o deixaram um pouco

pressionado, porque ele acabou de me ligar dizendo que


precisamos nos ver para acertarmos como serão as coisas.

Ah, eu não duvidava que a imprensa realmente o

tivesse influenciado. Shantel fez toda a questão de


distribuir a notícia para a maior quantidade possível de
sites de fofoca, e um comentário que não deixava

nenhuma dúvida foi feito no programa matinal de notícias,


durante uma entrevista com ela. A mulher chegou a

mencionar que um anel logo estaria em seu dedo, o que


chocou a todos.

Como o cara poderia recuar daquele ponto? Se a


imagem dele já era péssima, se recusasse a namoradinha

da América não só o público constataria que ele era


completamente louco, como a própria Shantel daria seu

jeitinho de sair como vítima e transformá-lo mais ainda em


um monstro.

— Vamos ter uma reunião amanhã para a


negociação e decidirmos as cláusulas do contrato, então
eu preciso sair com o Craig hoje e terminar tudo. — Ao

dizer isso, ela simplesmente se deixou cair na cama, de


braços abertos, com os olhos fixos no teto.

— Ainda não terminou com ele?

— Não tive coragem. Ele é tãaaaaao gostoso,

Kayla! As coisas que ele faz me deixam doidinha. — Então


ela se virou, como uma adolescente, colocando-se de
bruços e apoiando a cabeça nas mãos, com os cotovelos

afundados no colchão. — Será que o Ethan é bom de


cama também? Porque ele é todo grandão, né? Aff! Só que

é meio... tímido, formal, sei lá. Estou contando com


aqueles braços enormes para me pegarem de jeito.

Pensar em Ethan Reeves sendo bom de cama não


era algo que eu quisesse fazer. Até porque, eu não era

exatamente expert no assunto, mas imaginava que o fato


de ele ser um pouco tímido não influenciava em nada.

Ele tinha um charme. Fora aquelas mãos enormes...

Ah, droga! Eu já estava pensando!


— KAYLA! Presta atenção em mim! — choramingou
daquele jeito mimado que eu odiava. — Estou em um
drama pessoal aqui muito sério.

— Pensei que você já estava decidida a se casar

com o Sr. Reeves.

— É claro que estou. Tem noção do quanto aquele


homem é rico? Muito mais do que o meu ex-marido. Só
que com a vantagem de que eu abriria as pernas para ele

em um piscar de olhos. Meu falecido... que Deus o tenha...


era um pesadelo.

— Ao menos ele te deu as crianças.

— Se forem deles mesmo... — Shantel falou com


uma risadinha. Claro que aquela dúvida sempre existiu, e,

na época, eu trabalhava para ela relativamente há pouco


tempo. Gostava do Sr. Warren, que era sempre gentil

comigo e que amara aquelas crianças como um verdadeiro


pai deveria amar seus filhos. Pena que ele durou pouco
para ver Owen e Emma crescerem. — Mas isso não vem
ao caso. Quero saber como agir. Eu não posso me
despedir de Craig. Seria doloroso demais.

— Acho que você pode conversar com Ethan e ver


como será o relacionamento de vocês; se vão exigir

fidelidade e...

— Nossa, garota, mas não é possível que você

sempre seja tão burra! — alterou-se, e eu só suspirei.

Aquele tipo de ofensa era tão comum no nosso

trabalho que eu nem considerava mais. No início me


magoava, me deixava com dúvidas sobre mim mesma,

mas conforme os anos foram passando, fui trabalhando a

minha autoestima para entender que o problema de

Shantel era com ela mesma, não comigo. Ainda assim, era
triste ver uma mulher que tinha um blog que falava sobre

sororidade tratar outra mulher daquela forma.

— Eu não quero que ele saia trepando com outras

por aí. Imagina se um paparazzo pega? Vou ser a maior


piada de todas!
— Bem, então, se é assim, você precisa terminar

com Craig. — Cruzei os braços, tentando manter a


paciência, como se conversasse com uma criança. Com

Emma era mais fácil.

— Ah, mas eu não quero! — Meu Deus, a mulher

fazia beicinho!

Virou-se novamente de barriga para cima, e eu


continuei lá parada, mesmo sabendo que tinha uma

imensidão de trabalho a fazer, e que se este não fosse

feito, Shantel iria reclamar e gritar e espernear. Só que se


eu saísse dali e a deixasse falando sozinha, a mesma

coisa aconteceria.

Era uma merda precisar ser assalariada. Mas mais

merda ainda era se apegar a duas coisas boas em um

ambiente de trabalho tóxico.

— Eu preciso me encontrar com ele só mais uma

vez. Só mais uma, e aí vou poder me decidir.

— A respeito do casamento?
— Claro que não, sua idiota! — Fechei os olhos,

respirando fundo e quase repetindo como um mantra: “a

sororidade, pelo amor de Deus!”. — Isso já está


sacramentando. Serei a nova Sra. Reeves muito em breve.

Aliás... os irmãos dele são uns gatos também, você já viu?

Aquele Jacob é um cafa, com certeza comeria a mulher do

irmão se eu desse uma chance. — E pela forma como ela


mordeu o lábio inferior, cheia de malícia nas ideias, com

certeza estava pensando em dar várias chances a Jacob

Reeves.

— Ok, mas e Craig?

Ela sacudiu a cabeça, como quem retorna para um


pensamento perdido.

— Sim, claro. Vou me encontrar com ele hoje.

Pretendo passar a noite. Você fica com as crianças.

Não era um pedido e nem uma pergunta. Era uma

ordem, sem nem me perguntar se eu podia ficar.


— Eu vou me encontrar com uma amiga, Shantel.

Você não me avisou que...

— Traga a amiga para cá. Já sei até quem é. A


ruivinha de óculos, não é? As crianças gostam dela

também. Façam o que quiserem, usem a piscina, bebam

vinho, só não deixe Emma comer muitas besteiras. Ela tem


tendência a engordar. Com aquele rosto que tem, pode ser

modelo, mas precisa se cuidar desde cedo.

A criança tinha quatro anos, meu Deus. Por que

Shantel já estava pensando em colocar a menina para

pensar em uma carreira ingrata?

— Nós combinamos de ir ao cinema, já temos até os

ingressos.

— Eu te devolvo o dinheiro. Qual filme é? Eu

consigo uma cópia antecipada para você. Se assistirem na


minha sala de cinema dá na mesma. Dá para as crianças

verem? — Sentindo-me atordoada, apenas assenti. Era um

filme de herói. A classificação não era exatamente para


quatro anos, mas não havia nada de mais que Emma não

pudesse assistir. Ela já tinha visto e ouvido coisas piores

vindas da própria mãe. — Sabe que as crianças sentem

sua falta quando não estou aqui. Para ser sincera, gostam
mais de você do que de mim, e nem sei como, com a

quantidade de presentes que vivo comprando para os dois.

O que mais me restava a não ser a babaca de

sempre e aceitar?

Quando dei por mim, já estava sentada no sofá


enorme da sala de cinema de Shantel – porque ela

realmente tinha conseguido uma cópia do filme em pré-

estreia para eu assistir –, em companhia de Maddison, com


as crianças ao nosso redor, muita pipoca e havia um vinho

no frigobar, gelando, para quando ficássemos sozinhas.

— Não que eu reclame, Kay, porque você sabe que

eu não sou muito sociável e odeio multidões, mas você

precisa parar de dizer sim para você sabe quem... — Olhou


para as crianças, que estavam entretidas juntas, sem

mencionar o nome da mãe delas.


— É difícil dizer não para ela quando há dois fatores

em jogo... — Apontei para as crianças.

Maddison sorriu.

— Eles são irresistíveis mesmo, mas, ainda assim,


você tem uma vida.

— Que vida, Maddie? Eu só trabalho!

— Ao menos você tem um trabalho. — Infelizmente

Maddie estava desempregada há algum tempo, doida para

sair da casa dos pais.

— Quer o meu?

Maddie arregalou os olhos assustada, e Emma

começou a pedir o filme, então achei que estava na hora

de começarmos, senão terminaríamos muito tarde, e eles

tinham hora para dormir.

Era um bom filme pipoca, cheio de cenas de ação,


que deixaram as crianças animadas. Claro que Owen não

entendia o que estava acontecendo, mas ficou ligadão,


batendo palminhas e falando na sua língua de bebê.
Emma, por mais que não conseguisse acompanhar a

história perfeitamente, levantava da poltrona e pulava no

momento em que o herói se safava de algo perigoso.

Ao final, eu e Maddie nos revezamos para colocar


os dois para dormir e descemos para a área externa da

casa, com o vinho, sentando-nos à beira da piscina.

— As pessoas têm sorte, né? — Maddie comentou,

olhando a casa ao redor. — A mulher é uma vaca, mas tem


tudo o que tem.

— Não tem amor. Será que isso vale de alguma

coisa?

— Para ela? De nada. E ainda vai se casar com

outro milionário. Aliás, me conta... o cara é tão ogro mesmo


como dizem?

A imagem de Ethan surgiu na minha cabeça, e tudo


o que eu conseguia lembrar era de suas atitudes adoráveis

com as crianças. Poderia ser uma bobagem da minha


parte, mas meu coração amolecia por qualquer um que
tratasse Owen e Emma bem.

— Não, não acho que seja. Você estava certa,


talvez eu tenha me deixado levar pelas coisas que falam

dele. No fundo, pode ser uma boa pessoa.

— E vai aguentar a cobra?

— Não sabemos, né? Tem muita coisa envolvida


nesse relacionamento. A carreira dele, inclusive.

— O cara é poderoso, não precisava disso. Se é

minimamente legal como você está dizendo que talvez


seja, conseguiria resolver as coisas sozinho.

— Mas demoraria muito mais, né? Eu meio que


entendo o lado dele e não entendo. Até porque, também

estou presa a Shantel há um tempão e não me livro dela


de jeito nenhum.

— Você tem as crianças como desculpa. E, fora


isso, sei que Shantel já fez algumas ameaças bem
escrotas para te manter com ela.

Tinha feito mesmo. Desde sujar meu currículo a


inventar todo tipo de fofocas a meu respeito. Era um
relacionamento extremamente abusivo, e eu sabia que se

quisesse continuar trabalhando no mesmo meio – que era


o que eu amava fazer – precisaria engolir sapos. Eu tinha

muitas cartas na manga e poderia chantageá-la, mas sabia


que era peixe pequeno perto da estrela que Shantel
Warren se tornara.

Respirando fundo, deitei-me no chão onde estava

sentada, deixando as pernas dentro d’água e olhando para


o céu noturno. Eu tinha meus sonhos, mas eles pareciam
tão inalcançáveis quanto aquelas estrelas.

Um dia, quem sabe...?


CAPÍTULO NOVE

Eu queria estar mais animado, de verdade. Não era

exatamente um cara romântico, mas queria muito que


Shantel, de repente, se mostrasse uma mulher incrível,
encantadora, que eu tivesse certeza de que passar com

ela, não apenas os anos que nosso contrato de


relacionamento estipularia, mas, quem sabe, a vida inteira,

pudesse ser uma jornada engrandecedora. Que se não

conseguíssemos nos tornar um casal completamente


apaixonado, que fôssemos pelo menos amigos.

Não era difícil negar que ela era atraente. Isso


qualquer idiota com um pau entre as pernas perceberia. Só

que eu conhecia mulheres lindas. Sexo casual nunca foi


um problema para mim, mesmo com minha imagem

complicada na mídia. Nem todo mundo sabia quem eu era,


muito menos em um primeiro momento, e as pessoas se

davam a chance de me conhecer.

Mas ok... sexo casual era uma coisa, casamento era


outra, completamente diferente.

Só que a verdade era que a cada reunião que eu

tinha com a minha equipe, desde que comecei a sair na

mídia ao lado de Shantel, descobríamos que minha


popularidade vinha crescendo. Eu mal mexia no meu

Instagram antes de tudo começar, e tinha, sei lá, uns

cinquenta mil seguidores. Naquele momento minha conta

subira para setecentas e vinte e cinco mil pessoas me


acompanhando. Isso em menos de um mês. E eu

continuava não postando quase nada.

Se antes muitos dos comentários eram apenas de

pessoas indignadas com algo que acontecera e pelo qual

levei a culpa, passaram a falar muito sobre Shantel: como

eu tinha sorte de estar com uma mulher como ela, de como


ela estava me fazendo bem. A foto que postei de nós dois
juntos – por insistência de Krista – tinha mais de duzentas

mil curtidas e vários comentários elogiando o casal. Era um

mundo completamente estranho para mim.

Naquela tarde, por exemplo, estávamos os dois em

um evento beneficente. Shantel participava de muitos e,

daquela vez, decidiu me levar, porque todos juraram que

seria maravilhoso para a minha imagem.

Esse papo estava começando a me encher o saco.

Ainda assim, respirei fundo, ajeitei o blazer e

continuei andando por todo o espaço do salão chique onde

estava acontecendo o evento, sentindo o braço de Shantel

entrelaçado ao meu.

Ela era ótima socializando. Parava em cada grupo,

cumprimentava, lembrava-se do nome de todos, fazia

perguntas sobre família ou algum assunto, e eu fiquei


impressionado com esses pequenos detalhes.
— Você tem uma ótima memória. É atencioso da

sua parte lembrar-se de tantas coisas. — Talvez fosse isso


que faltava para mim: dar mais atenção às pessoas.

— Eu? — Shantel riu, me surpreendendo. — Ai,

Ethan! Eu poderia até mentir para você e fingir que sim,


que é tudo real, mas vamos nos casar, e eu não vou
conseguir manter a máscara por muito tempo. Isso é tudo

obra de Kayla. Ideia dela, inclusive. Ela é que mantém um


dossiê atualizado de cada pessoa que importa para mim no

mundo em que vivo. Não vou saber sobre a família do


contrarregra, mas quero detalhes sobre um diretor

poderoso que pode me chamar para um próximo filme. Eu


tenho uma assistente competente, embora tenha suas
falhas, só isso.

Uau, que balde de água fria!

Claro que eu deveria levar em consideração o fato

de ela estar sendo sincera, o que era muito importante,


sem dúvidas, mas o problema era que tinha a impressão
de que se Shantel mentia tanto para tantas pessoas,
quanto tempo demoraria para começar também a mentir

para mim?

Continuamos andando, de braços dados, como um


casal, até que um fotógrafo – que eu sabia ser de uma

revista famosa – nos parou, com um sorriso malicioso, de


quem estava doido para pegar algo novo.

— E que tal um beijo do casal?

Eu sabia que, apesar de muita gente estar


incentivando o relacionamento, algumas outras,

provavelmente aquelas que tinham muito tempo livre para


cuidar da vida alheia, estavam reclamando que precisavam

de uma demonstração de afeto maior do que mãos dadas


e nossas aparições públicas juntos para acreditarem no
relacionamento. Até porque era como A Bela e a Fera do

show business.

Minha vontade era mandar todas elas tomarem

naquele lugar, porque, sinceramente, ninguém tinha nada a


ver com a minha vida, só que Shantel estava decidida a
tudo.

Segurou meu rosto com a mão, puxando-o para si e


me beijou. Como na primeira vez, eu também não estava

preparado, muito menos quando a senti usar a língua.

Seria extremamente grosseiro da minha parte


afastá-la, então achei melhor me entregar à situação.

Não era um beijo ruim. Só não...

Bem, talvez fosse um problema meu. A mulher era


linda, beijava bem e eu ia me casar com ela, seria melhor
me acostumar a ter sua boca na minha ou acabaríamos

não tendo uma vida sexual, e as coisas seriam mais


difíceis.

Coloquei as mãos em suas costas, correspondendo

da melhor forma possível, sabendo que fotos estavam


sendo tiradas de todos os ângulos possíveis. Podia jurar
que haveria várias com a minha língua aparecendo, o que

seria completamente humilhante.


Quando Shantel se afastou, percebi que ela estava
com um dos pés levantados, como uma mocinha de filme
antigo. Com certeza algum daqueles fotógrafos tinha

pegado a imagem perfeita de um casal apaixonado,


embora eu não soubesse se sequer chegava perto disso.

Eu não era ator, ela, sim.

— Nossa, e não é que você beija bem? — ela falou,

mas eu nem sabia se era mesmo verdade, porque já


começava a entender que a vida daquela mulher era

permeada por inúmeras mentiras.

— Poderia ter feito melhor, se você não continuasse

me pegando de surpresa — era para ser uma repreensão,


mas ela pareceu encarar diferente.

— Hum, uma promessa, Sr. Reeves. Estou

começando a achar que seria uma boa ideia te levar para a

minha casa hoje e vermos como essa coisa de química vai


funcionar entre nós.
É, talvez fosse uma boa ideia. Se ao menos na

cama encontrássemos compatibilidade, poderia ser mais


fácil. Talvez me desse ao menos algum incentivo a mais

para ter aquela mulher como esposa, além dos benefícios

que vinha me trazendo como profissional.

Ao final do evento, acabei aceitando partir para sua


casa. Ainda não eram nem seis da tarde, e eu logo ouvi

risadas de crianças, quando entramos, e fiquei um pouco

mais animado, com a lembrança de que haveria mais uma


coisa interessante naquele lugar, além da expectativa de

levar Shantel para cama.

Ela agarrou a minha blusa quando voltei meus olhos

na direção das crianças, começando a me puxar para o

segundo andar, e eu a impedi:

— Seus filhos estão em casa — comentei, e ela deu


de ombros.

— E daí? Como você acha que casais que são pais

fazem sexo? A gente só tem que ser discreto. Kayla vai


tomar conta deles direitinho. Além do mais, a casa é

enorme, se eu gemer um pouquinho eles nem vão ouvir.

Ainda assim eu me sentia um pouco constrangido.

Ou talvez o problema não fosse esse, e eu estivesse


apenas arrumando uma desculpa para não acabarmos nos

tornando mais íntimos.

— Eu gostaria de vê-los — afirmei com convicção, o

que a deixou confusa.

— O quê? As crianças? Você está falando sério?

Eles nem precisam saber que eu cheguei. Se souberem


vão ficar me enchendo o saco e...

Shantel interrompeu a si mesma, provavelmente

percebendo a besteira que tinha acabado de começar a


falar, especialmente porque ergui uma sobrancelha, quase

contrariado pelo que a ouvi dizer.

— Seus filhos enchem seu saco? Que coincidência,

porque você está começando a encher o meu! — assim

que terminei de dizer isso, no modo Ethan Reeves de ser


de sempre – o que quase me deu uma sensação

libertadora –, saí de perto dela e fui ver as crianças.

Lá estavam eles, com a assistente de Shantel, em


algum tipo de brincadeira de pique-pega ou algo assim. O

menininho andava com aquela dificuldade típica de um

bebezinho da sua idade, mas ele e a irmã estavam contra


Kayla, que os perseguia bem devagarzinho, para dar

tempo de fugirem. Ela fazia uma péssima imitação de

fantasma, ou qualquer coisa que deveria ser assustadora,

mas só parecia mais e mais adorável.

E linda. Muito linda.

Ela ainda não tinha percebido a minha presença, tão

entretida que estava com as crianças, tanto que veio

correndo na minha direção, com a cabeça voltada para

trás, para olhar para eles. A pequena tragédia foi


anunciada no momento em que percebi que havia um

brinquedo no chão, no qual ela certamente tropeçaria.


Adiantei-me no momento certo, e ela simplesmente

cambaleou, caindo direto nos meus braços.

Amparei-a e a ajudei a se colocar de pé novamente,

mas não tirei o braço de sua cintura, porque ela parecia um

pouco nervosa com a quase queda.

Sua respiração estava ofegante, e eu a senti em


meu rosto, porque os nossos estavam muito, muito

próximos um do outro. Era questão de centímetros para

que nossas bocas se unissem. Isso, é claro, se qualquer


um dos dois se prontificasse a isso.

E por que será que eu tinha muito mais vontade de

beijar aquela garota do que sua chefe, embora soubesse

muito menos sobre ela?

— Me desculpa, Sr. Reeves. E obrigada.

— Não foi culpa sua. Está tudo bem. Se machucou?

— Não. Mas só por causa do senhor — ela

respondeu sorrindo, e eu tive vontade de fazer o mesmo.


Ainda a mantinha em meus braços, sem nem saber

o motivo, até que ela mesma se desvencilhou, e eu me


virei para trás, percebendo que Shantel nos observava,

com os braços cruzados. Não tinha uma expressão muito

satisfeita no rosto.

— O que aconteceu aqui? — perguntou irritada,


como se tivesse algum direito a isso.

Percebi que Kayla começava a gaguejar para

responder, e pela forma como ficara assustada com a

chegada da chefe, dava para ver que a relação delas era

bem ruim. Sendo assim, tomei a dianteira e respondi:

— Ela ia caindo, eu a segurei, só isso. — Embora


não devesse satisfações a ninguém, muito menos antes de

decidirmos os termos do nosso relacionamento, preferi

explicar para não colocar a moça em maus lençóis.

— Hum... Sei... — foi a resposta de Shantel. Ela

ainda não parecia satisfeita, e eu poderia jurar que algum


comentário ácido viria, mas fomos interrompidos pela
vozinha de Emma, que parecia muito assustada.

— Tia KayKay! Tia KayKay!

Então ouvimos o barulho de água.

Quando nos viramos, todos, o pequeno Owen tinha

acabado de cair na piscina. Exatamente na parte mais

funda.

O menininho iria se afogar, e eu precisava impedir.


CAPÍTULO DEZ

Eu nem pensei. No momento em que minha cabeça

conseguiu compreender o que tinha acontecido, e que ouvi


o grito de Kayla ao meu lado, apenas corri em direção à
piscina e me joguei lá dentro.

Nadei até o menino, que já tinha afundado e que


não fazia ideia de como se defender de toda a água, e o

peguei. Com todo o cuidado, emergi segurando-o com um


braço, levando-o até a borda, onde tentei entregá-lo para a

mãe.

— Ai, não! Eu não posso molhar este tecido... é

um...
Kayla nem deixou que a patroa terminasse de falar e

só arrancou o menino dos meus braços, sem se importar


com a roupa que estava vestindo. Ela o apertou contra si,

beijando sua cabecinha e se molhando toda. O chorinho do

bebê, provavelmente porque tinha entrado água em seu


nariz, me deixou com o coração na mão, mas ele estava

bem, isso que importava.

Senti bracinhos envolverem a minha perna e,


quando olhei para baixo, vi a pequena Emma também

chorando.

— Tio Ethan salvô Oên!

Agachei-me, segurando seus bracinhos e a

afastando um pouco. Sequei um de seus olhinhos, e ela

usou uma das mãozinhas para esfregar o outro, soluçando.

— Você está bem, princesinha? Seu maninho está.

— Eu só fiquei com medinho.

Ah, Deus...
Não consegui não agir e puxá-la para mim,
pegando-a no colo. Estava todo molhado, mas ela já se

encharcara quando se grudou à minha perna, então não

faria diferença.

— Fique calma, querida. Está tudo bem.

Voltei-me para Shantel, observando-a. Ela

continuava parada, com uma expressão impassível. Não

se aproximara da filha, de forma alguma, mas observava a


situação com algum tipo de atenção que me deixou

curioso, esperando compreender o que se passava pela

sua cabeça.

— Kayla, pode vir aqui por favor? — ela finalmente

falou, chamando a moça, que continuava afastada, com o

bebezinho agarrado ao seu peito.

A assistente de Shantel obedeceu e, em segundos,

estava parada ao meu lado, com Owen no colo.

— Você deveria estar com as crianças. Se não


estivesse se jogando nos braços dos outros, certamente
teria percebido que Owen estava sem supervisão e

impedido o que poderia ter sido uma tragédia. Se Ethan


não estivesse aqui... — Ela fez uma expressão canastrona

de alívio e gratidão, chegando a levar uma das mãos ao


peito e outra ao meu braço, apertando-o por sob a camisa
branca, que eu usava, molhada. — Obrigada, querido.

Você foi o herói de hoje.

— Kayla não teve culpa — afirmei com convicção.


— Ela estava cuidando muito bem das crianças. Eu a

distraí. Além do mais, éramos três adultos aqui, e nenhum


de nós se deu conta do que acontecia debaixo dos nossos

narizes — respondi com raiva, começando a sentir um


enorme desprezo.

— Mas é trabalho dela e...

— Não é, não! — Kayla se manifestou. — Eu não


sou babá! Já repeti isso um milhão de vezes! — A garota

estava enfurecida. — Cuido dos meninos porque os amo, e


eles me amam, mas não tenho obrigação de ficar vinte e
quatro horas por dia nessa função. E a senhora não vai me
culpar, porque eu morreria por essas crianças. Não vai

mesmo!

Cheia de decisão, Kayla tirou a menina do meu colo,


com a destreza de quem faz isso o tempo todo, mesmo

sendo tão pequena, e saiu caminhando com os dois para


dentro da casa, um em cada braço.

Fiquei observando-a, admirado. O amor que ela


tinha por Emma e Owen era mais do que evidente, mas

gostei também da forma como se impôs.

— Vê se pode? Pago uma fortuna para ela... Você


deve entender muito bem disso, porque somos

empregadores. É difícil achar bons funcionários hoje em


dia! — Completamente alheia ao que tinha acabado de
acontecer com seus filhos, Shantel colocou as duas mãos

nos meus braços e olhou para o meu peito. — E não é que


você é uma visão e tanto molhado desse jeito? O mergulho

que deu foi muito sexy e...


Agarrei-a pelos braços e a afastei de mim,
horrorizado.

— O mergulho sexy foi para salvar o seu filho, que


poderia ter morrido! — indignei-me. — Que tipo de mãe

você é?

Shantel arregalou os olhos, assustada pelo meu


comportamento.

— Ficou tudo bem. Eu só não sou dramática.

Dei um passo para trás.

— Olha, Shantel... eu acho que essa coisa entre nós


não vai dar certo. Acho melhor nem tentarmos.

— Como assim não vai dar certo? Do que você está


falando? Do casamento? É um contrato de negócios!

— Aparentemente você está querendo mais do que

isso.

Ela gargalhou.
— Eu não quero um parceiro romântico para
envelhecer de mãos dadas, só que se vou me casar com
um homem que considero atraente, posso tirar algum

proveito disso. Suspeito que você também tenha alguma


atração por mim.

— Me desculpa, mas para ser sincero, sua

assistente me atrai mais do que você. — Lá estava a

minha cabeça sem filtro falando merdas. Tanto que me


arrependi depois, quando a vi novamente arregalar os

olhos. — Perdão. Não era minha intenção te ofender. Muito

menos colocar a moça na história. Ela nunca se insinuou


nem nada parecido.

— Ah, eu vi muito bem. Ela literalmente se jogou

nos seus braços!

— Foi um acidente. Estávamos longe, e eu consegui

me aproximar a tempo. — Respirei fundo, passando a mão


pelo rosto. — O que estou querendo dizer é que não acho

que possamos levar isso adiante. Foi culpa minha ter

deixado chegar tão longe.


— É, você deixou mesmo. Hoje fomos a um evento

e tiraram fotos nossas nos beijando! Eu sou bem discreta


com meus relacionamentos depois que fiquei viúva, o que

vão falar de mim?

— Você me beijou!

— Porque achei que iríamos estabelecer um

relacionamento. Você não pode fazer isso, Ethan Reeves!


Eu não vou aparecer na mídia como a coitada que levou

um pé na bunda! — ela já estava gritando. Meu Deus,

como eu iria suportar conviver com uma pessoa que perdia


o controle daquela forma? Eu raramente elevava meu tom

de voz com alguém.

— Diga a eles o que quiser. Não me importa.

— Mas e a sua imagem? Sua equipe vai ter um

treco. Você não pode fazer isso! — Shantel estava


alucinada. Agarrou o tecido da minha camisa com os

dedos, ainda com os olhos vidrados, e eu jurei que ela iria

ter um treco ali mesmo.


Gentilmente agarrei seus punhos, afastando-os da

minha camisa, que ainda estava muito molhada, e tentei

contê-la.

— Confio nos meus funcionários e respeito a opinião


deles, mas o CEO ainda sou eu. Minha decisão é a final. E

eu decido que não quero me casar com você. Sinto muito,

Shantel.

Afastei-me da mulher, deixando-a gritando uma

coleção de impropérios, e saí de sua casa. Entrei no meu


carro, mesmo todo molhado, praticamente fugindo de toda

aquela loucura.

Eu deveria imaginar que aquela decisão seria algo

completamente definitivo e que iria acarretar em um milhão


de outras coisas. Minha impulsividade poderia prejudicar

não apenas a minha imagem, mas também todo o novo

empreendimento da minha família. Só que eu não

conseguia me imaginar passando um ano ou dois –


dependendo de como fechássemos o contrato – ao lado de

uma pessoa como ela.


Mesmo com pouquíssimo tempo de convivência,

não foi difícil perceber que era superficial, egoísta,


mentirosa e, o principal, não tinha o menor apego pelos

filhos.

Foi pensando naquelas crianças, portanto, que

entrei no meu apartamento. Como era possível que


Shantel tivesse ficado tão tranquila com a queda de seu

próprio filho em uma piscina funda, sendo que eu tinha

quase perdido a cabeça só de imaginar o garotinho se

afogando? E se ele tivesse batido com a cabeça? Tantas


coisas poderiam ter acontecido.

Por mais que tudo tivesse ficado bem, não era a

reação normal de uma mãe. Kayla tivera um

comportamento muito mais similar ao que eu imaginei que


Shantel deveria ter feito.

Merda! E eu tinha usado o nome da garota na

discussão. Era por esse motivo que sempre achei que era

melhor que me mantivesse afastado das pessoas, porque


eu era craque em dizer e fazer coisas sem pensar e causar
mágoas. Não fora isso que afastara Dyllan de nós? Por

que, então, achei que pudesse ser diferente?

Fui direto para o meu quarto, tentando afastar os

pensamentos, subindo as escadas da cobertura de dois em

dois degraus, enfiando-me na suíte e me despindo, para


entrar no chuveiro.

Liguei a água e a sentir cair sobre o meu corpo,

esperando que lavasse a sensação de derrota, que era a

minha companhia constante.

Casar... que piada! Eu não fora feito para ser o


marido de alguém. Minha sina era ficar sozinho. Talvez, de

fato, fosse melhor assim.


CAPÍTULO ONZE

O som de algo se espatifando no chão foi o que me

acordou. Eu odiava ser acordada no susto, principalmente


quando não sabia do que se tratava.

A casa era bastante segura, em um condomínio

fechado, mas como eu iria saber, né? Por via das dúvidas
estendi a mão para a mesinha de cabeceira ao lado da

minha cama e peguei um vaso que ficava ali de enfeite.


Nunca gostei muito dele, mas Shantel me designou um

quarto de hóspedes que ficava ao lado do das crianças,

para qualquer eventualidade, e nunca me dera o direito de


deixá-lo mais com a minha cara.
Mas não vinha ao caso naquele momento. A

primeira coisa que eu precisava fazer era verificar se as


crianças estavam bem. Para isso, precisava estar armada,

não era? Se tivesse que defendê-las...

Com o vaso em mãos, parti para o quartinho delas,


checando e percebendo que ainda estavam dormindo. Só

que, lá dentro, percebi que o som vinha do cômodo no final

do corredor.

O quarto de Shantel.

Meu Deus... será que alguém tinha invadido a casa

e estava tentando lhe fazer mal?

Um grito foi o que me colocou em ação. Não pensei

nas consequências, apenas corri para lá, com o raio do

vaso como proteção, pronta para defendê-la. Podíamos ter

nossas diferenças, mas eu nunca deixaria um ser humano,

principalmente uma mulher, passar por algo assustador


sem pelo menos tentar fazer alguma coisa.
Abri a porta como uma justiceira pronta para a
guerra, mas encontrei Shantel sozinha, prestes a tacar

mais um de seus bibelôs na parede, em uma onda de fúria

desenfreada.

Ela andava estressada desde o dia anterior, quando

Owen caiu na piscina, mas imaginava que não fora esse o

motivo para seu péssimo humor. Ethan, provavelmente,

tinha mais a ver com isso. Depois de dar banho nas


crianças, jurei que ainda o encontraria ali, e Emma chegou

a perguntar por ele, mas fui avisada de que já tinha ido

embora e que Shantel se trancara no quarto e não queria

ser incomodada por ninguém.

Supus que tinham brigado, mas não quis ficar

pensando muito, porque não era da minha conta.

Mas, naquele momento, a destruição da casa estava

diretamente ligada a mim, porque perturbou o meu sono e

poderia perturbar o das crianças.


— O que está acontecendo? — falei, e ela se voltou

para mim. Quase me sobressaltei ao vê-la.

Os cabelos loiros estavam completamente

desgrenhados, a maquiagem, borrada, e ela ainda parecia

uma boneca, mas uma daquelas de filmes de terror. Uma


Barbie possuída.

— O que está acontecendo? Você ainda tem


coragem de me perguntar isso? Até parece que não sabe,

né? Me fala... dormiu com ele? Foi gostoso?

Franzi o cenho, jurando que aquela mulher estava


drogada.

— Dormi com quem, Shantel? Não estou


entendendo nada.

— Sonsa! Falsa! Você roubou Ethan de mim, não


foi? Como é possível que um homem, em sã consciência,

diga que se sente mais atraído pela minha assistente do


que por mim?
Cheguei a recuar com aquela afirmação. De onde

ela estava tirando aquele tipo de coisa? Como assim Ethan


poderia se sentir mais atraído por mim do que por Shantel

Warren, que era um ícone de beleza, sensualidade e


perfeição? Uma mulher que não apenas era amada por

todos – por mais que esse amor viesse de mentiras –, mas


que também tinha fama, poder e que seria considerada um
troféu para metade dos homens que eu conhecia.

Ela só poderia estar ficando louca.

— O quê? — cheguei a perguntar com a voz

arfante.

— Foi o que ele disse. Onde já se viu?

— Mas isso não faz sentido. A gente mal se

conhece...

— Atração, queridinha. Não estamos falando de


amor. O que também não faz sentido. Olha para mim e
olha para você! — ela deu uma risada cínica. — Seja como
for, a assessoria dele ligou para mim ontem, para avisar
que não vamos mais assinar o contrato.

Ergui as sobrancelhas, surpresa.

— E você acha que isso tem alguma coisa a ver


comigo?

Ela me olhou de cima a baixo, ainda com o sorriso

de desdém.

— É... não deve ter. Ele obviamente falou aquilo só

para me afetar e me humilhar.

Então Ethan tinha mesmo mencionado que sentia


mais atração por mim do que por Shantel? Mas de onde
surgira aquela comparação? Mal conversei com ele, com

exceção do dia do restaurante e no anterior, quando me


segurou, impedindo-me de cair.

E ele me segurara tão firme, ficamos tão próximos...

Mas isso seria suficiente? Eu era uma garota boba e


inocente, com certeza não era difícil permitir que meu
corpo respondesse a qualquer coisa ou que meu coração
se apegasse a alguém facilmente, tudo por causa de
carência. Mas com um homem, especialmente um bem

mais velho do que eu, as coisas eram diferentes.

Sinceramente... eu nem deveria estar pensando


naquele tipo de coisa. Shantel surtada era algo que me

afetaria muito mais. E às crianças.

— Não é o fim do mundo, Shantel. Você pode ter o


homem que quiser com um estalar de dedos — tentei

ajudar, com o coração aberto.

— MAS EU QUERO ETHAN REEVES! — ela

berrou. — Como eu vou encontrar um homem tão

poderoso quanto ele, jovem e bonito? Um homem com


quem eu não sinta vontade de vomitar cada vez que

precisar ir para cama?

— Você tem muito dinheiro. Por que não se casa por

amor? Por que não tenta ser feliz?


Ela respirou profundamente, revirando os olhos

como se eu fosse uma idiota. Poderia jurar que iria dizer


exatamente aquilo para mim, mas vi quando simplesmente

congelou, como se tivesse acabado de pensar em algo, ou

como se minha frase tivesse lhe causado algum efeito.

— É... ser feliz. Casar por amor... — ela balbuciou, e


eu precisei me esforçar para compreender o que estava

dizendo. Ela parecia refletir, ponderando minhas palavras,

balançando a cabeça como uma doida, com o olhar


perdido e vazio fixo em um ponto do chão.

— Está tudo bem? — Estendi a mão para ela, e

Shantel deu um tapa. Não dolorido, apenas um empurrão,

e se afastou.

— Saia daqui, Kayla. Preciso pensar.

Ela nem precisou pedir duas vezes, porque eu


rapidamente saí de seu quarto, percebendo que não tinha

largado o vaso em momento algum.


Passei novamente para ver os meninos e agradeci a

bênção que era a inocência infantil, porque seus soninhos

estavam preservados. Nem a gritaria e nem os objetos


quebrando perturbaram seu descanso.

Voltei para o meu quarto, pousei o vaso sobre o

local de origem e me deitei, sabendo que não seria tão fácil

dormir.

Fiquei me revirando na cama, de um lado para o

outro, pensando na explosão de raiva de Shantel, no que


ela dissera sobre Ethan e no quanto toda aquela história

era louca. Talvez estivesse mesmo na hora de eu seguir a

minha vida e procurar outro emprego. Se conversasse com


ela e lhe dissesse que não precisava me dar referências,

que apenas não me atrapalhasse, já seria ótimo.

As crianças me fariam falta. Imensamente. Só de

pensar nisso, eu já começava a sofrer por antecipação.

Aconcheguei-me na cama, sentindo as lágrimas


virem só com a ideia. Imaginava seus rostinhos quando
nos despedíssemos – isso se Shantel permitisse.

Acabei conseguindo pegar no sono depois de

algumas horas, já bem de madrugada.

Acordei meio sem noção do que estava


acontecendo, sentindo duas mãozinhas amassando

pãozinho na minha barriga.

Abri um sorriso antes mesmo de olhar para ela,

sabendo que era minha garotinha ali.

— Tia KayKay! Tia KayKay!

Apressei-me em abrir os olhos, porque a vozinha de

Emma não parecia serena e tranquila, nem brincalhona

como sempre.

— O que foi, meu docinho? Teve um pesadelo?

— Não, tia. Mamãe foi embola.

Levantei-me de um pulo, colocando-me sentada.


— Como assim ela foi embora? Do que está

falando, Emma?

— Ela disse pra mim que ia embola e que era pra

entregá isso pra você, tia.

A menina apenas me entregou um papel dobrado

que, ironicamente, tinha o cheiro do perfume de Shantel,


além de se tratar de um texto impresso, digitado.

Sentindo-me um pouco atordoada, abri, quase com

medo do que ia ler, mas era necessário. Eu precisava

saber o que estava acontecendo.

Kayla,

É duro, para mim, aceitar isso, mas você estava

certa. Onde é que eu estava com a cabeça para acreditar

que era certo estragar um amor verdadeiro como o meu e


de Craig para me juntar a um homem insensível e que não

me valorizaria como a mulher que sou, como Ethan

Reeves?
Você falou que eu deveria procurar a minha

felicidade, e é o que eu vou fazer. Liguei para Craig e


estamos indo para Vegas, para nos casarmos. Só que

você sabe como são as coisas, né? Vou ter que fazer algo

para que minha imagem seja preservada. Entenda,

querida, não é nada pessoal.

E eu vou te dar uma compensação enorme. Já que

você é tão apaixonada pelas crianças, o que acha de ficar

com elas por um ano, para que eu possa curtir minha vida

com meu futuro marido? Elas vão amar, e eu sei que você
também. Seria como férias. Pode ficar na minha casa, com

todo o conforto e mordomia. Continuarei pagando os

empregados e as babás. Imagino que Ethan vá ficar um


pouco magoado por eu não ter lhe dado nem tempo de

repensar, mas tudo será resolvido, com certeza. No

momento só quero pensar em mim e na minha felicidade.

Obrigada por abrir meus olhos.

Não adianta ligar para o meu celular, porque ficarei

incomunicável por algum tempo, mas já soltei uma notinha


para a imprensa. Deve sair ainda hoje.

Novamente, não é nada pessoal. Mas pense que

estou feliz e que estou te dando muito mais do que poderia

sonhar.

Até breve,

Shantel.

Eu nem sabia como reagir. Não mesmo. Aquela


louca tinha abandonado os filhos. Deixara tudo para trás e,

aparentemente, jogara alguma bomba nas minhas costas

que eu ainda não sabia qual era.

— Tia KayKay... o que a gente vai fazê?

Boa pergunta, Emma.

Boa pergunta.
CAPÍTULO DOZE

O telefone tocando na cabeceira da minha cama foi

o que me acordou naquela manhã. Insistente, quase


estridente e me causando uma imensa dor de cabeça. Eu
tinha que começar a parar de procurar Jacob para falar dos

meus problemas, porque meu irmão resolvia tudo com


uísque, e eu não era tão forte quanto ele para bebidas.

Tateei a superfície de madeira, em busca do maldito


aparelho, e o encontrei vibrando como se fosse a

anunciação do apocalipse. Peguei-o, tentando piscar

algumas vezes para enxergar o que estava escrito na tela,


mas era um número desconhecido, cujo contato não

estava salvo na minha agenda.


Vociferei baixinho, porque eu tinha quase certeza de

que Shantel deveria ter feito alguma merda naquelas


últimas horas e poderia ser um repórter doido para caçar

um furo de reportagem

Eu queria muito recusar, mas não sabia o que era,


então atendi, mas já pronto para defender e atacar.

— Alô? — minha voz soou ainda mais animalesca

do que eu gostaria, principalmente por causa da rouquidão

matinal,

— Sr. Reeves? — uma doce voz familiar me fez

prestar atenção do outro lado da linha. Especialmente

porque a moça parecia um pouco angustiada. Ao fundo,

um chorinho de bebê me trouxe à realidade, tentando

imaginar quem poderia ser. Não era muito difícil. — Aqui é


Kayla. Assistente de Shantel.

Não era possível que aquela mulher tivesse feito a


assistente ligar para mim, só porque eu tinha alguma

simpatia remota pela garota. Será que ela iria tão longe?
— Sim, Kayla, pode dizer.

— Me perdoe por ligar tão cedo... — Nem era tão

cedo assim. Eram umas nove da manhã. — Eu consegui

seu telefone pessoal na agenda da minha chefe.

— Ok, Kayla, não tem problema. O que aconteceu?

— indaguei, tentando manter a calma.

— É que... Shantel foi embora. Ela partiu para

Vegas, para se casar com um cara com quem andava


saindo, e me deixou sozinha com as crianças. Disse que

não vai voltar tão cedo e deixou uma carta. Além disso,

acho que vai aprontar alguma coisa. Estou muito

desesperada, senhor. Não sei o que fazer.

— Ethan, Kayla. Me chame de Ethan — meu

comentário não faria a menor diferença no caso, mas

estava me dando nervoso aquela mulher completamente

atordoada usando de formalidades. — Olha, eu não faço


ideia do que pode estar acontecendo, mas você pode vir

até a minha casa? Vou te passar o endereço e chamar


algumas pessoas. É melhor do que irmos à empresa,

assim teremos privacidade. Você tem alguém com quem


deixar as crianças?

Ela demorou a responder, provavelmente um pouco

fora de si, mas logo retornou.

— A babá não apareceu ainda, mas tenho uma


amiga, acho que ela me ajudaria. Só vou precisar de um
pouco mais de tempo.

— Ótimo. Precisa que mande um carro para te

buscar?

— Não, senhor... quer dizer, Ethan. Shantel deixou

todos os funcionários à nossa disposição, mas posso pegar


um Uber. Não quero usufruir de nada dela.

— Ok. Nos vemos em duas horas. Pode ser?

— Tudo bem, vou só ligar para Maddie e ver se ela


pode ficar com os meninos.

— Se não puder, não tem problema trazê-los.


— Obrigada, Ethan. Estou completamente perdida.

— Seja o que for, vamos resolver — afirmei para

ela, mesmo sem saber se estava falando a verdade,


porque não fazia ideia do tamanho do dano que Shantel

deixara para trás.

Levantei-me da cama, tomei um banho gelado bem


rápido, me vesti e comecei a dar telefonemas. Algumas
pessoas precisavam estar presentes: Jake, Rachelle e

Krista, ao menos. Achei melhor nem fuçar as redes sociais,


porque acabaria perdendo a calma. Sabia, com certeza,

que no momento em que terminei o – se é que poderíamos


chamar assim – noivado com Shantel, ela não deixaria

barato. Aquela mulher tinha um ego infinito, e que pena


que eu deixei as coisas chegarem longe demais.

Duas horas se passaram bem mais rápido do que


eu gostaria, e a primeira pessoa a chegar foi Rachelle. Os

cabelos cacheados tinham sido presos de qualquer jeito


em um rabo de cavalo, e ela estava vestindo uma roupa de

malhar.
— Vim o mais rápido que pude. O que está
acontecendo? — Tive vontade de puxá-la para mim e
abraçá-la, porque sabia que era esse tipo de apoio que

aquela garota era capaz de me oferecer.

Assim como ela, era o meu irmão. Jacob também


apareceu um pouco depois, com uma baita cara de

ressaca, óculos escuros cobrindo as prováveis olheiras, e


ele apenas chegou, entrou e se jogou no meu sofá. Tentei
me aproximar para falar alguma coisa, mas ele apenas

ergueu um dedo em riste, como um aviso. Consegui ver a


sobrancelha arqueada por cima da armação dos óculos, do

tanto que estava contrariado.

A assistente de Shantel foi a próxima a chegar, com


os olhos vermelhos. Rachelle se prontificou a perguntar o
que aconteceu.

— Foi Emma. Ela não queria que eu saísse. Ficou

agarrada a mim, com medo de que eu também fosse


embora.
Merda! O que aquela doida tinha feito? Como podia
ter largado os filhos daquele jeito, sem nem olhar para
trás?

— Enquanto Krista não chega... — Rachelle

começou a falar, interrompendo meus pensamentos. —


Kayla, pode contar para nós o que aconteceu?

Respirando fundo, a moça tentou se acalmar. Ela

parecia estar se controlando por um fio.

— Bem, ontem de noite eu encontrei Shantel no


quarto dela, quebrando tudo. Estava possessa. — Voltou-

se para mim: — Disse que o senhor, bem, você, tinha

terminado tudo; que não iria mais continuar com a

negociação do casamento.

— Eu avisei, Ethan, que a Noiva de Chuck ia

mostrar as garras — foi a primeira coisa que Jacob falou

desde que chegou, e ele já começou muito bem.

— Jake, não interrompa a Kayla — alertei meu


irmão e me virei para a moça: — Por favor, continue:
— Ok! Então eu falei para ela que não ligasse para

isso, que ela era bonita, que poderia se casar com alguém
por amor. Ir em busca da felicidade. Só que acho que ela

interpretou errado, porque foi embora.

— Como assim ela foi embora? — Rachelle

perguntou, surpresa.

— Fez uma mala e partiu para Vegas, para se casar


com Craig Johnson.

— Aquele cantorzinho mequetrefe que quer ser o

Justin Bieber a todo custo? — Jake se meteu novamente.

Kayla assentiu. — Ele tem uns vinte e um anos ou algo


assim.

— É, os dois estão juntos há alguns meses. Mas ela

deixou uma carta... — Kayla estendeu o papel, com uma

mensagem digitada, para mim, e eu comecei a ler todos os


absurdos, mal acreditando que uma mãe tivera coragem de

abandonar seus dois filhos para... se casar. Em Vegas!


Passei a carta de mão em mão, para que todos

estivessem cientes.

— Emma sabe de algo? — Minha primeira

preocupação era a garotinha. Ela, com certeza, estava


completamente abalada pela situação, e eu temia que a

louca da Shantel não tivesse tido o senso de preservar a

cabecinha da filha.

— Shantel se despediu dela. Não sei como, porque

Emma não falou muito. Mas ela é uma menina esperta,


acho que entendeu mais ou menos o que aconteceu.

— Merda! — vociferei, odiando aquela mulher que

um dia cogitei tomar como esposa.

Não consegui dizer mais nada, porque fomos


interrompidos pela chegada de Krista, tão ofegante que

jurei que ela iria ter um ataque cardíaco bem no meio da

minha sala. Era uma mulher com seus cinquenta anos,

cabelos curtos no melhor estilo Meryl Streep, em O Diabo


Veste Prada, só que com fios castanhos, e seus óculos

estavam sempre caídos na ponta do nariz.

— O mundo está pegando fogo, Ethan. Pegando.


Fogo. Eu avisei que ia dar merda. Quando me disse que ia

terminar tudo com Shantel, eu já sabia, mas você é

teimoso. Viu o que fez? — ela estava muito alterada, então


supus que algo tinha saído na Internet.

— O que eu fiz? O que Shantel fez? — indaguei,

preocupado e com medo da resposta.

— Ela fodeu tudo. Disse que terminou com você

porque te pegou no flagra com a assistente dela. Que você


a traiu, que a magoou e que ela estava de coração partido.

Então, hoje de manhã, postou isso. — Krista me mostrou o

celular, com uma foto de Shantel, com um vestido branco

curtíssimo, um buquê de flores na mão, um véu rosa nos


cabelos loiros, comemorando no colo do tal Craig.

— Mas aí ela complicou as coisas para ela também,

não foi? — Rachelle opinou.


Krista ergueu um dedo e o balançou, negando.

— Aquela mulher é uma cobra e um gênio. Vou ler o

textão que ela fez. — Ela abriu a postagem, ajeitou os

óculos no rosto e começou a ler: — Vocês, meus

seguidores queridos, sabem que eu já passei por muitas


coisas na vida. Fiquei viúva, com dois filhos para criar, mas

nunca abaixei a cabeça. E não é um milionário arrogante e

grosseiro que irá mudar isso. Simplesmente segui em


frente. Ou para trás, né? Meu sentimento por esse cara

incrível, que é o Craig Johnson, nunca morreu, mas nós

nos afastamos em nome de nossas carreiras. Só que

ontem, quando meu coração parecia que estava sangrando


de tanta dor, foi ele quem me reergueu e me provou que o

verdadeiro amor vale mais do que qualquer coisa. Então

me lembrei da frase que minha falecida vozinha sempre


dizia, que, acima de tudo, eu deveria tentar ser feliz. E é o

que estou fazendo. Vou ficar um tempo off das redes

sociais, porque quero curtir meu casamento e quero me


desintoxicar de coisas ruins (tipo Ethan Reeves, por
exemplo). Enviem muito amor para este novo casal, porque

nós amamos vocês também!

Um silêncio se formou assim que Krista terminou de


ler a mensagem, que foi quebrado, obviamente, por Jake.

— Puta que pariu! Eu nunca ouvi tanta baboseira

em toda a minha vida. — Levantou-se de súbito,

começando a caminhar direto para o meu bar. — Preciso


de uma bebida.

— Não foi nenhuma avó que disse isso pra ela. Os

únicos parentes que Shantel tem estão escondidos, porque

são pobres, e ela tem vergonha. Nunca os ajudou. A avó

está viva, inclusive — Kayla mencionou, irritada. — Tudo


naquela mulher é falso. Tudo! Não é possível que ela tenha

conseguido colocar o meu nome em uma de suas

mentiras!

Rachelle se aproximou de Kayla, colocando a mão

em seu ombro.
— Calma, nós vamos resolver tudo. — Então olhou
para mim e para Krista: — Nós vamos, não vamos?

Porra, eu não fazia ideia.

— Eu vim o caminho todo para cá pensando. Vamos

ter que reagir. Não podemos simplesmente permitir que a

história dela seja a verdadeira.

— Mas se contarmos o que realmente aconteceu,


que íamos nos casar por contrato, acho que ficará pior

para mim, que já não tenho muitos fãs por aí — concluí.

— Não. Estamos lutando contra uma mentirosa


profissional. Só vamos vencê-la com mais mentiras. E eu

tenho uma em mente.

Todos nós olhamos para Krista com atenção e a


vimos suspirar, provavelmente porque o que estava prestes

a dizer não era exatamente algo que queríamos ouvir.

— Ela inventou uma história sua com Kayla, certo?


Então vamos alimentar isso. Shantel se casou por amor?
Você vai se casar também, Ethan. Vai se casar com a
assistente dela e vamos criar a história mais surpreendente
possível.

— O quê? — eu e Kayla falamos juntos.

Só que não tinha muito que perguntar, porque nós

dois entendemos muito bem o que Krista quisera dizer.

Em meio ao silêncio que se formou, a risada cínica e


debochada do meu irmão, enquanto tomava um gole de
seu uísque, se misturou a um comentário bem pontual:

— Ah, caralho, essa história está ficando cada vez


melhor!

Não para mim, sem dúvidas. E nem para Kayla.


CAPÍTULO TREZE

A impressão que eu tinha era de que continuava

dormindo, antes de Emma me acordar com a notícia de


Shantel ter ido embora, e que quando despertasse, minha
vida estaria completamente igual.

Só que se eu me beliscasse para provar isso, só


conseguiria uma dor no braço, porque lá estava a

realidade. As reviravoltas da vida dignas de um enredo de


Shonda Rhymes.

Estavam cogitando a hipótese de que eu me


casasse com Ethan Reeves.
Eu!

Como era possível que toda aquela treta tivesse se


voltado logo para mim? Eu era só uma garota,

praticamente invisível, que se mantivera no emprego

errado por tempo demais, mas por um bom motivo. Por


que precisava pagar tão caro por isso?

— Nada disso. Nem pensar! Essa história de

casamento tem que ser abolida. Eu não vou mais me casar

com ninguém! — Ethan afirmou com veemência,


começando a caminhar de um lado para o outro,

visivelmente angustiado.

Uma coisa, é claro, era ele se casar com Shantel

Warren; outra, completamente diferente, era se unir a

Kayla Dutton, uma Zé Ninguém, que não lhe proporcionaria


absolutamente nada. Nem mesmo momentos interessantes

na cama, já que eu não tinha absolutamente experiência

nenhuma.

Não que isso viesse ao caso, claro.


— Se você não fizer isso, vai afundar ainda mais a
sua imagem — a mulher, que aparentemente se chamava

Krista, se manifestou com bastante veemência.

— Foda-se a minha imagem! Até agora as coisas

têm ido muito bem mesmo com todos pensando que sou

um filho da puta. E talvez eu seja mesmo. Nem se me

casasse com uma freira mudaria isso. Não consigo sorrir

quando não quero sorrir. Não consigo ser legal com quem
sei que não é legal. Em um dos eventos em que fomos

juntos, Shantel queria que eu cumprimentasse aquele

diretor pedófilo, só porque ela queria ter contatos com ele.

Por mim o cara estaria na cadeia, e a minha vontade de lhe

dar um soco na cara foi tão grande que quase perdi a

cabeça. — Ethan estava alterado, embora não elevasse o


tom de voz. — Eu não sou essa pessoa. Não sou quem

vocês querem me transformar. E não quero ser.

Foi um discurso e tanto, sem dúvidas, que nos

deixou completamente em silêncio.


— Ethan... as coisas não são tão simples assim.

Isso foi só o começo, mas ela já está com muitas, mas


muitas, pessoas do lado dela. Só nessa brincadeira, você

já perdeu quase duzentos mil seguidores. Seu nome está


nos trending topics do Twitter junto à palavra BOICOTE.
Você sabe o que isso pode significar? Não só para a

emissora, mas principalmente para o streaming — Krista


foi falando, e eu comecei a ficar assustada.

— Mas não é possível que as pessoas sejam tão

influenciáveis a este ponto. E elas esquecem. Daqui a


alguns meses isso passa... — Apesar de suas palavras,

era visível o quanto Ethan estava tenso.

— Shantel é muito vingativa. Ela não vai esquecer.

Vai incitar e alimentar a confusão por um bom tempo,


principalmente enquanto der ibope para ela.

— E tem outro fator importante, Ethan: você não vai

poder mantê-la na série nova. Não depois de ela ter feito o


que fez, ou será um atestado de culpa. O quanto isso pode
deixá-la ainda mais furiosa e pronta para criar ainda mais
caos? — Rachelle McGarry foi quem falou daquela vez. Eu

sabia que ela era como uma irmã para os Reeves, embora
sempre tivesse ouvido boatos de que sua relação com

Dyllan Reeves era um pouco mais... especial.

Era uma mulher linda, de fala mansa, pele negra,


com os cabelos enormes e cacheados, volumosos, e seu
olhar era marcante. Havia uma sensualidade natural nela

inteira, em seus movimentos, seu comportamento, sua


beleza. Isso sem contar que estava me dando apoio desde

que cheguei. Já gostava dela.

Jacob Reeves, por outro lado, era um fanfarrão.


Apesar de parecer se divertir com algumas coisas, ele sem

dúvida também estava preocupado com o irmão. Só não se


levava muito a sério.

— Ah, ela vai ficar louca — respondi à moça, com


toda a segurança, porque conhecia Shantel muito bem.

Ethan olhou para mim, com o cenho franzido, como


se me perguntasse se eu estava ou não do lado dele
naquela situação. E eu obviamente não queria me casar,
mas também precisava ser sincera. Estava pouco me
lixando para a minha imagem. Meu instagram tinha pouco

mais de quinze mil seguidores, e só porque a maioria


queria ver fotos dos filhos de Shantel, que eu postava

constantemente.

— Não faça essa cara, menina! — Krista se dirigiu a


mim, e me surpreendi com o quão transparente eu poderia
ser, ou o quão sagaz ela deveria ser para compreender o

que se passava pela minha cabeça. — Não pense que as


coisas serão fáceis para você. Já olhou seu Instagram

hoje?

— Não, ainda não.

Mas imediatamente tirei meu celular do bolso e fui


checá-lo. Eu não postava com muita constância, na
verdade. Antigamente, quando ainda tinha uma esperança

de que conseguiria algo na carreira de atriz, lutava por


engajamento, upava fotos minhas tiradas por Maddie – que

era tão boa fotógrafa quanto possuía uma voz excelente


para cantar –, mas depois de um tempo as coisas foram
perdendo a graça, porque sabia que não tinha nascido
para o estrelato.

Minha sina eram os bastidores e precisava

agradecer por isso, porque ao menos me mantinha perto


das produções – que era o que eu amava – e vivia

Hollywood por intermédio de outra pessoa.

Com todos os olhos sobre mim, abri meu Instagram


e percebi que eu não era mais a desconhecida assistente

de Shantel Warren. Havia mais de um milhão de

seguidores no meu perfil. Mil e setecentas mensagens

privadas, além de várias e várias marcações.

As pessoas estavam me massacrando por tudo que


é lado. Chamavam-me de vadia, de ladra de noivo, pediam

que eu devolvesse os filhos de Shantel, que parasse de

roubar a vida dela, porque eu nunca seria metade do que


ela é. Algumas pessoas, que eu não fazia ideia de quem

eram, ainda diziam que sempre me acharam com cara de


invejosa, sendo que eu dificilmente aparecia em qualquer

coisa que não fossem minhas próprias mídias sociais.

— É, menina. Eu avisei. E você ainda não viu o


Twitter. Melhor nem ver...

— Ah, mas eu quero ver. Precisamos saber tudo

que está acontecendo! — Rachelle se adiantou, tirando o

celular da bolsa e começando a acessá-lo, acomodada no


sofá enorme da sala de Ethan.

Este, por sua vez, arrancou o aparelho que estava

na minha mão com muita facilidade, porque eu havia ficado

praticamente catatônica. Não era possível que aquela


fosse a minha vida.

Percebendo minha reação, vi que alguém se

colocou ao meu lado e uma mão pesada pousou no meu

ombro.

— Você está bem? — Ergui os olhos para me


deparar com Jacob Reeves. Não parecia mais tão

brincalhão como antes, e eu quase tentei pegar em suas


expressões e seu toque algo mais do que um conforto, já

que ele era conhecido por ser extremamente mulherengo,

mas não vi absolutamente nada além de um cara legal


tentando ser legal com uma garota assustada.

— Sim, obrigada.

— Uau! — Rachelle interrompeu meu momento com

Jacob, e todos nós nos voltamos para ela. — Pelo que eu

estou entendendo, Shantel está off das redes, como disse,

mas está fazendo uma confusão enorme mesmo assim. Os


fã-clubes dela estão reagindo muito rápido, tenho certeza

de que tem dedo dela nesse motim todo.

— Sem contar a imprensa. Se formos cavar, vamos

achar até meme de whatsApp sendo espalhado em grupos


de família — Krista falou em uma demonstração de um

humor ácido de péssimo gosto.

— Meu Deus! — Levei as mãos à boca, assustada.

— As crianças! Elas podem sofrer com tudo isso. Emma


principalmente. Na pré-escola... A menina já está

abalada...

Meus olhos se encontraram com os de Ethan, e foi


como se nós nos entendêssemos com pouco. Eu sabia o

que estávamos pensando. Por mais que ele não tivesse

ligação nenhuma com as crianças, elas seriam nossa


prioridade. Ao menos seríamos aliados nisso.

— Mas eu ainda não acho que me casar com Kayla

possa consertar a situação. Pode piorar tudo! — Ethan

falou diretamente para Krista, que se manifestou:

— Não se soubermos fazer. Não se reagirmos com


cuidado, de forma estratégica e pensada. Principalmente

por causa das crianças. Qualquer coisa, neste momento,

pode abalá-las, e nós não queremos isso, de forma

alguma.

— Não, não queremos! — enfatizei, porque minha

preocupação, naquele momento, eram elas. Somente elas.


— Então acho que vocês precisam pensar. — Krista

se virou para Rachelle: — Você se importa de ir comigo até

a minha casa? Se é para criar uma história de amor, Judith

vai nos ajudar.

— Judith é a esposa de Krista, ela é escritora best-


seller de romances. Com certeza é uma adição e tanto à

força tarefa — Rachelle me explicou, como se tentasse me

confortar. Havia um sorriso amarelo em seu rosto, mas ela


ao menos estava se esforçando.

Em comum acordo, as duas saíram, e eu fiquei ali,

entre os dois irmãos Reeves, sentindo-me completamente

perdida.

Foi a voz de Ethan, soando mais gentil e doce do


que eu imaginava que ele poderia conseguir, que me

trouxe de volta.

— Kayla, você não precisa fazer nada que não

queira.
— Mas as coisas estão tomando proporções muito

grandes. Vão afetar as crianças. E a mim também. Eu


nunca vou conseguir outro emprego... Nunca vou... —

Bem, eu ia dizer que nunca iria conseguir algo na carreira

de atriz, mas isso já era um fato consumado há algum

tempo. Ainda mais sendo a tutora das crianças a partir


daquele momento; tudo ficaria ainda mais complicado.

— Em qualquer empresa Reeves você terá um

emprego, querida. Não se preocupe com isso — Jacob

falou com ternura, e eu sorri para ele, agradecida.

— É, mas você há de convir que isso tudo também


pode afetar as empresas Reeves — Ethan soltou, meio

sem pensar.

— Estou tentando confortar a dama aqui, estraga-

prazeres, tenha um pouco de empatia.

— Desculpe, Kayla — Ethan pediu, novamente com

gentileza, e eu continuava me perguntando por que diabos

as pessoas insistiam tanto que ele era grosseiro? — É que


eu estou um pouco atordoado também. Nunca poderia
esperar que de uma única e pequena ação essa

tempestade toda iria acontecer.

— Com a oportunidade certa, eu poderia ter te

avisado. Shantel é egoísta, manipuladora e extremamente


ambiciosa. Ela me humilhou durante todos esses anos em

que trabalhamos juntas, só pelo prazer de humilhar. Nunca

ligou para os filhos, só os teve, provavelmente, para


segurar o marido e garantir a herança milionária que ele

deixou — saí soltando as verdades quase como se uma

chavinha tivesse sido ligada dentro de mim. Fiz isso

encarando o chão, quase envergonhada por meu


comportamento. Nem terminei, mas ergui os olhos e olhei
para os dois irmãos, de cada um dos meus lados, soltando

um suspiro cansado. — Eu acho que eu preciso voltar para


casa. As crianças...

— Eu te levo. Você está nervosa demais para ir

sozinha — Jacob ofereceu, e eu vi Ethan olhar para ele


com repreensão. — Ei, estou oferecendo de coração. Sem
segundas intenções. Ela pode se tornar minha cunhada em
breve e... — Percebendo que deixara o irmão contrariado
novamente, ergueu as mãos em rendição, sorrindo com
ironia. — Ok, foi só uma brincadeirinha. Mas o convite está

de pé.

Não me restou alternativa além de aceitar, porque


estava mesmo nervosa demais para ir sozinha. Quando
estávamos saindo, olhei para Ethan e lhe prometi que iria

pensar. Que iria ao menos dar uma chance à ideia.

Mas não sabia a que conclusão chegaria, porque,


naquele momento, meus pensamentos estavam
completamente bagunçados e caóticos.
CAPÍTULO QUATORZE

Só quando eu já estava lá fora que me dei conta de

que a carona que Jacob me oferecia era em uma moto.

Uma baita moto, diga-se de passagem, só que eu


fiquei olhando para o negócio, e o negócio olhando para

mim – ok, não literalmente –, e nem peguei o capacete


extra que o cara me oferecia.

— A gente vai... eh... nisso aqui?

— Nisso aqui? Querida, isso aqui é uma BMW R

1250 GS Adventure — ele encheu a boca para falar.

— Não faço ideia do que signifique.


— É uma puta moto.

— Ah, eu meio que percebi. Mas nunca andei em


uma, então poderia ser uma bem baratinha e a minha

reação continuaria a mesma. — Dei de ombros, e ele

sorriu.

— Você é uma garota que precisa de emoção,

aparentemente. Vai, sobe aí. Sou um ótimo piloto e vou te

levar em casa em segurança.

Hesitei e teria facilmente dito não em qualquer outro


momento, mas já estava ferrada mesmo, o que perderia se

realizasse uma aventura? As pessoas andavam de moto

todos os dias, não era? Havia acidentes, é claro, mas...

Por pensar demais era que eu estava em situações

tão complicadas. A decisão de subir naquela moto foi

impulsiva, e talvez precisasse começar a agir daquela

forma mais vezes.

Coloquei o capacete, enquanto via Jacob sorrir de

canto e colocar o dele.


— Você vai ter que abraçar a minha cintura, ok? —
ele falou em um tom de voz mais alto, para que eu o

ouvisse mesmo com o capacete.

— Se eu for pega com as mãos em Jacob Reeves, o

que vão falar sobre mim? — tentei brincar, e ele soltou uma

gargalhada.

— É por isso que Jacob Reeves anda de moto, para

que o capacete dificulte a vida dos paparazzi.

Ao dizer isso, ele simplesmente deu a partida, e eu

me agarrei a ele com mais força, apavorada. Fiquei travada

por alguns instantes, mal sentindo que respirava, mas, de

fato, Jacob era bastante consciente, apesar de tudo. Ou,

talvez, estivesse sendo um pouco mais cuidadoso, levando

em consideração que tinha como companhia uma mulher


que nunca andara de moto.

Eu nunca poderia dizer que era uma sensação ruim.


Pelo contrário. Era como voar, uma liberdade que nunca

experimentei na vida. Se fosse um pouco mais louca ou um


pouco mais experiente no assunto, abriria os braços e me

sentiria como em Titanic.

O trajeto foi muito mais tranquilo e menor do que

esperei, e eu liberei a entrada de Jacob no condomínio,

partindo para a casa de Shantel, onde ele parou. Saltamos


da moto e tiramos o capacete, ambos parados diante do
portão.

— Tem certeza de que está tudo bem com você? —

ele perguntou, atencioso.

— Eu acho que sim. Mas ainda nem começamos a


encontrar os problemas, né? Depende de como vamos

fazer para resolver a situação. Se eu topar a ideia do


casamento...

Jacob fez uma careta.

— Cuidado, essa palavra exerce um poder estranho

sobre mim. — Revirei os olhos, mas ele conseguiu me


fazer rir. Então ficou um pouco mais sério, prosseguindo:

— Olha, sei que muitas coisas são ditas sobre Ethan por
aí, mas ele é um cara legal. Muito mais legal do que ele

mesmo se considera, só que também muito solitário. Acho


que...

Jacob ia continuar falando, mas fomos interrompidos

pelo som do portão abrindo. Vi Maddie com Owen no colo


e uma coisinha pequena vindo na minha direção como um
furacãozinho. Agachei-me para recebê-la e a ergui nos

braços, apertando-a forte.

— O que foi, meu amor? Tia KayKay está aqui. Eu


não fui embora.

— Mas a mamã foi.

Voltei-me para Jacob, porque era quem estava mais


próximo de mim, e vi seus ombros largos caindo, além da

expressão penalizada que surgiu em seu rosto. Quem, em


sã consciência, poderia ver uma carinha adorável como
aquela, tão magoadinha, e não sentir o coração apertar?

Ele levou a mão às costas da menininha, afagando-

a, e ela afastou a carinha do meu peito, com a mãozinha


na boca, olhando para ele.

— Quem é você? — perguntou, curiosa.

— Eu sou o Jake. Você é a Emma, não é? Ouvi falar

muito sobre você.

Emma olhou para mim, confusa, porque obviamente


não sabia quem era aquele homem.

— Querida, Jacob é irmão do tio Ethan.

Minha garotinha sem filtro fez uma carinha de mais


confusa ainda.

— Você não é paiecido com o tio Ethan.

— Claro que não. Eu sou muito mais bonito do que


ele — brincou, erguendo as sobrancelhas, uma de cada

vez, de um jeito canastrão, o que fez Emma rir.

O som foi como música para os meus ouvidos,


porque ela parecia tão triste desde aquela manhã caótica

que me dava a impressão de que seu humor não


melhoraria. Mas tinha esperanças de que logo se
recuperaria. Era uma garotinha forte, e a mãe nunca fora
tão presente assim em sua vida. Imaginava que era mais a

dor da rejeição e o medo.

Maddie veio se aproximando de nós, porque certo


garotinho também estava exigindo atenção, chamando

meu apelido com sua vozinha embolada de bebê.

— Eles estavam indóceis, Kay. É impressionante o


quanto essas crianças te amam — minha amiga falou para

mim, e eu coloquei Emma no chão, pegando Owen, mas

não deixando de segurar a mãozinha da menina.

— Olha... e você quem é? — Jacob falou ao meu

lado, cheio de malícia na voz, dando uma boa olhada em


Maddie.

Corada, minha amiga ajeitou os óculos no rosto,

empertigando-se e ficando muito séria.

— Sou Maddison Channing. Melhor amiga da Kayla.


— Prazer. Jacob Reeves. — Ativando o modo

charmoso, Jacob abriu um sorriso daqueles de molhar


calcinhas.

Coitado, ele não sabia com quem estava se

metendo.

— Sei quem você é.

— Ah, uma fã? — ele perguntou, animado.

— Não, nem um pouco. Mas até que gosto do


trabalho do seu irmão. Dyllan Reeves.

— Ihhhh, assunto proibido. Tivemos uma briga com

ele. Não falamos do Dyllan.

— Que nem do Bruno? — Emma se intrometeu na

conversa, fazendo uma referência a Encanto, a animação


da Disney que virara sua favorita nos últimos tempos.

— Isso aí, garota esperta. Que nem o Bruno.


Muito fofinha, Emma começou a cantar baixinho a

música da animação, e Jacob a imitou, pegando-a para

dançar e girando-a, mesmo no meio do condomínio.


Ficamos, eu e Maddie, olhando para os dois. Mesmo a

minha amiga rabugenta nunca poderia negar que a cena

era a coisa mais adorável do mundo. Quando olhei para

ela, no entanto, rapidamente escondeu um sorriso.

— O que foi? Não está achando fofo?

— Com Emma, sim. Mas ele é um safado. Não tem


como aprovar nada do que faz.

— Pelo amor de Deus, Maddie. O cara está fazendo

Emma rir! Depois de tudo pelo que ela passou, não acha

que ele merece um crédito?

— Eu posso valorizar a ação de uma pessoa, mas

continuar tendo meus dois pés atrás com ela. Jacob

Reeves não é o tipo de cara que eu gostaria de ter como

amigo. Você, melhor do que ninguém, sabe que eu tive a


minha cota de homens como ele na vida.
É, eu bem sabia. Ainda assim, achava Jacob

suficientemente simpático para não ter tanto ranço daquela


forma. Só que, sem dúvidas, era uma característica de sua

personalidade sair jogando charme para qualquer coisa

que tivesse curvas femininas.

Fosse como fosse, quando Maddie pegou as


crianças para entrar com elas, e eu vi Emma seguindo-a,

ainda cantando e se remexendo no ritmo da música, não

consegui não sorrir para Jacob.

— Obrigada. Você foi ótimo com ela.

— De nada, querida. Pena que a ruiva não foi com a


minha cara.

— Ela vai com a cara de bem poucas pessoas, na

verdade — falei em um tom de brincadeira, o que o fez rir e

se dirigir à moto, subindo nela e colocando o capacete.

Antes de ir embora, voltou-se mais uma vez para


mim, assumindo o tom sério de antes:
— O que eu estava falando naquela hora é sério.

Ethan é o melhor de nós três, sempre foi. Cuidou de tudo

quando nossos pais morreram, e ele pode cuidar de você e

daquelas crianças também. — Eu ia falar alguma coisa,


mas ele ergueu um dedo, me interrompendo. — As coisas

podem ficar feias. Lido com o público todos os dias e tem

uma galera bem doida usando a internet como escudo. Se


pegarem ódio de você, não serão gentis e podem até ficar

violentos. Escute o que estou dizendo. Não é para te

colocar medo, mas para dizer que se Krista está disposta a

limpar as coisas, que Deus proteja quem se colocar no


caminho dela, porque ela vai consertar tudo. Confie em

nós. Não deixamos as pessoas para trás.

— Só Dyllan, né? — soltei, sem nem pensar, então

corei, envergonhada pelo meu péssimo comportamento. —


Me desculpa. Falei demais...

— Nah, tudo bem. Ethan sofre mais com isso do que

eu, então não repita uma coisa dessas para ele. Mas fique

sabendo que Dyllan se afastou por opção própria. Porque


não foi maduro o suficiente para aceitar uma rejeição.
Assenti, de cabeça baixa, e com aquela explicação

– que ele nem precisava me dar –, Jacob deu a partida e


saiu. Fiquei observando-o e entrei em casa, jogando-me no

sofá, ao lado de Maddie, que tinha colocado as crianças no

tapete, brincando.

— E aí? A coisa é feia? — ela me perguntou. Sabia


que estava falando de Shantel.

— Muito. Se você der uma olhada no meu Instagram

vai ter uma noção do estrago.

— Eles vão te ajudar? Os Reeves, no caso?

Dei de ombros.

— Eles querem criar uma história. Entre mim e

Ethan, já que Shantel criou a dela, dizendo que descobriu


um caso entre nós — falei baixinho, esperando que Emma

não ouvisse o nome da mãe. Para a minha sorte, ela

estava entretida o suficiente.


— Eu vi o post ridículo dela. Mas que história?
Como assim?

Hesitei antes de falar e mordi o lábio, sabendo que

era tudo tão absurdo que uma pessoa como Maddie iria

criticar a ideia até não poder mais.

— Querem manter o casamento. Mas comigo.

— O QUÊ? — Maddison falou muito alto, e eu a


repreendi com um olhar, apontando para as crianças.

Compreendendo, aproximou-se de mim e começou a

sussurrar: — Você? Se casando com Ethan Reeves?

— É. Seria um acordo de negócios, como o que ele

faria com Shantel.

— Nossa, isso não vai ser pior para os dois?

— A assessoria dele garantiu que não. — Remexi-


me no sofá, colocando os pés sobre ele e abraçando os

joelhos.

— Você está cogitando?


— Não sei ainda. Mas pensa, Maddie, que escolhas
eu tenho? Estou morando de favor na casa de uma pessoa
que está fazendo de tudo para destruir a minha vida. Ainda

por cima, sou responsável pelos filhos dela.

— Mas é exatamente isso. Você tem a carta dela.


Pode fodê-la facilmente. A mulher abandonou os filhos.

— Uma carta digitada? Quem ia acreditar em mim?


Só que tendo a assessoria de Ethan do meu lado poderia

ser mais fácil. Eles são mais fortes do que eu sozinha.

— E o preço seria você se casar com um cara que


nem conhece? Olha, Kay, acho que precisa pensar bem
direitinho nisso. Pode ser uma furada.

Eu achava a mesma coisa. Mas precisava levar tudo


em consideração, inclusive a minha segurança. O que
Jacob dissera era real. As pessoas podiam ser cruéis

quando queriam, mas também violentas. Até que ponto eu


estaria protegida sem o respaldo dos Reeves? E as
crianças?
Era nisso que eu tinha que pensar.
CAPÍTULO QUINZE

Eu estava prestes a fazer uma baita de uma merda.

Sabia que, ao sair de casa, na intenção de relaxar um


pouco a cabeça e refletir, algumas escolhas se passariam
pela minha cabeça. Uma delas era a pior de todas, mas é

claro que foi essa que segui.

Rachelle foi quem me passou a informação e

também quem me pediu que não fosse cutucar onça com


vara curta. E eu normalmente acatava os pedidos dela,

mas quando dei a informação ao meu motorista a respeito

de para onde queria ir, meio que minha voz falou no


automático.
Eu poderia ter desfeito a ordem, é claro, e pedido

que ele mudasse o caminho, seguindo para algum outro


bar, para afogar minhas mágoas de outro jeito, mas, não.

Deixei que meu coração comandasse minhas ações ao

invés da razão.

E no momento em que paramos em frente ao local

indicado por Rachelle, não só a voz familiar e

extremamente afinada me fez ficar parado no mesmo lugar,


sentado no banco de trás do carro, contemplando o nada,

como se fosse um menino assustado.

Mas a música...

Eu a conhecia muito bem e sabia que Jacob teria o

mesmo sentimento se estivesse ali ao meu lado.

Era a música dele... Escolhida pela nossa mãe.

Porra, meu coração chegou a errar uma batida no

peito só de ouvir e de pensar na voz dela cantando para


fazê-lo dormir.
Ela nunca fizera distinção entre nenhum de nós. Eu
era o filho mais sério, mais responsável, que se esforçava

absurdamente para não lhe dar trabalho, só porque meu

pai me disse que eu deveria ser o homem da casa, caso

um dia ele faltasse.

Jacob era o charmoso desde pequeno. O menino

que a fazia rir, que lhe presenteava com uma flor arrancada

do jardim de alguém só para se livrar de um sermão. Era o


que chegava mais ralado e machucado, mas que ganhava

qualquer um na lábia.

E tinha Dyllan... ele era o caçula; o menino que

quase morreu, que sofreu por anos com uma doença

grave; então nossa mãe meio que o tomou sob suas asas.

O garoto lindo, de olhos azuis, com rosto de anjo. Eu e


Jake nunca reclamamos por ela dedicar tanto de seu

tempo ao terceiro filho, porque ele era nosso irmãozinho, e

nós o amávamos. Vibramos a cada aniversário, porque era

sinal de que ele estava vencendo.


Até que todos nos tornamos homens. Dyllan sempre

foi gentil, leal, de fala mansa e com a voz de veludo. A voz


herdada da nossa mãe. Ele era um espelho dela, de todas

as formas. E talvez fosse também por isso que o


amávamos tanto.

Só que ele não era mais o menininho frágil a quem


precisávamos proteger. Era um homem feito, de um metro

e oitenta e cinco de altura, saudável, que tinha um sonho.


Um sonho que nós destruímos.

— Senhor? — meu motorista me chamou,

resgatando-me das minhas próprias lembranças. Olhei


para ele, piscando, como se estivesse acordando naquele
momento. — Vai entrar?

Eu deveria ter dito logo que não. O que diabos eu

poderia ter para falar com Dyllan? A gente nem se via há


dois anos. Como chegaria nele? "Oi, irmão, que saudade?"

ou "Ei, cara, como está a vida?". Sem dúvidas estava uma


merda por minha causa.
O bar nem era dos piores. Parecia bem frequentado,

e talvez lhe pagassem um dinheiro decente. Por mais que


sua carreira tivesse sido um fracasso – não por falta de

talento, infelizmente –, ele ainda tinha um sobrenome


poderoso, que sem dúvida lhe abria portas.

De onde eu estava, Dyllan conseguiria me ver.


Então abri o vidro. Dependendo de qual fosse a sua

reação, saltaria e falaria com ele.

— Espere um pouco, John. Só alguns minutos.

O homem assentiu, e nós dois esperamos.

Fiquei ouvindo a música. Era The Guitar Man, da

banda Bread. Combinava tanto com ele, com sua voz, com
seu jeito; com o estilo que ele escolheu seguir, mas dando

um toque diferente, o que, no final das contas, foi seu erro.


As pessoas queriam outro tipo de música. Algo mais
simples, mais comercial. Jacob lhe disse isso, propôs

tantas coisas, mas Dyllan era teimoso.


E eu também, porque continuei ali, até que
finalmente meu irmão se voltou para mim.

A surpresa em seus olhos foi tanta que ele até parou


de cantar. Errou a nota no violão. Gaguejou ao retornar

para a canção. Ou seja, só de me ver, ele perdeu


completamente a compostura.

Se eu tivesse sequer percebido algum resquício de


felicidade em me ver, de vontade de conversar, ou

qualquer sinal que me incentivasse a me aproximar, eu


engoliria o orgulho e iria até ele. Mas aconteceu

completamente o contrário. A contração de sua boca e do


maxilar me mostravam que ainda estava com raiva. A

forma como se voltou para o público novamente, como fez


um acorde mais raivoso no violão e como sua voz parecia
contrariada ao se soltar para entrar novamente no refrão

da música eram provas suficientes de que Dyllan não


gostara da minha presença ali.

No que eu estava pensando?


— John, pode seguir. Não vou entrar — alertei ao
motorista.

— Sim, senhor.

Então demos a partida e saímos do bar. Aos


poucos, conforme íamos nos afastando, a voz de Dyllan foi
se tornando mais e mais distante, quase como uma

analogia ao nosso relacionamento de irmãos. Sentia todas

as nossas lembranças se afogando em uma areia


movediça, da qual seria impossível nos salvar.

E isso era doloroso. Não conseguia pensar no

quanto nossos pais deveriam estar decepcionados comigo,

com o fato de eu não ter cumprido com a minha promessa

de cuidar dos meus irmãos, principalmente de Dyllan.

Eu tinha saído de casa para tentar espairecer, mas

minha péssima escolha me levara a ainda mais depressão.

Se voltasse naquela hora, me afogaria em autopiedade. Se

fosse para um bar, acabaria bêbado, e não era exatamente


o tipo de coisa que gostasse de fazer. Álcool era mais a

praia de Jake, embora ele também não fosse um viciado.

Sendo assim, novamente fiz uma escolha de merda


e pedi a John que me levasse à casa de Shantel. Sabia

que ela não estaria lá e, definitivamente, não era ela que

eu queria ver.

Queria ver as crianças.

Queria ver Kayla.

Se houvesse uma pessoa que poderia me ajudar a

pensar no melhor a ser feito, seria ela. Eu não a conhecia,

não fazia ideia de que tipo de mulher era, mas estava no


mesmo barco que eu. A proposta de Krista precisava de

duas respostas positivas, então achei que, juntos,

conseguiríamos encontrar, ao menos, o início de um

caminho.

Minha entrada foi liberada, e quando estacionamos


na vaga da casa, lá estava ela, abraçando o próprio corpo

e fechando um robe, provavelmente já pronta para se


deitar. Quando chequei meu relógio de pulso, quase me

xinguei. Passava das dez e meia. Definitivamente não era

hora para chegar na casa de alguém.

— Ethan? O que está fazendo aqui? — ela


perguntou, assim que me aproximei.

— Não sei. Acho que não estava muito propenso a

conseguir dormir.

— Somos dois. As crianças deitaram há uma hora.

— Como está Emma?

Ela deu de ombros.

— Ainda está abaladinha, mas tudo aconteceu há

pouco tempo. Acho que com o tempo, vai passar. Shantel


não era exatamente a mãe do ano. Não era muito

presente.

— É, pela atitude que ela tomou, imagino que nunca

tenha sido. — Respirei fundo e coloquei as mãos nos


bolsos. Ainda estávamos parados no mesmo lugar, e eu
comecei a pensar o que diabos estava fazendo ali. Só que

não queria ir embora. — Não sei se foi uma boa ideia vir à
casa dela, aliás, depois de como tudo terminou.

— E por que não? Ela não deixou tudo à minha

disposição? A casa também, se pensarmos bem. Depois

das coisas que me tem feito, o mínimo que posso fazer


para compensar a mim mesma é usufruir. — Ela se virou

de lado e apontou para a porta. — Aliás, Shantel tem uma

excelente adega na casa. Se quiser um vinho...

Pensei um pouco. Ponderei, na verdade. O que eu

tinha dito para aquela louca era verdade: Kayla me atraía


mais do que a mulher que quase se tornou minha noiva. Eu

não sabia o que havia nela, talvez uma doçura e uma

inocência que não costumava encontrar no mundo em que


vivia e trabalhava. Como se restassem poucas garotas

com um brilho nos olhos como o dela. Ou talvez fosse

alguma noção de lealdade que me passava, principalmente


no que dizia respeito àquelas crianças que não lhe

pertenciam, mas por quem tinha tanto amor.


Era perigoso ficar perto dela, conhecê-la mais,

porque duas coisas opostas poderiam acontecer: ou eu me

encantaria mais ainda com ela ou me decepcionaria. Só

que algo me dizia que não aconteceria a segunda opção.

Eu estava precisando de bons momentos naquela


noite. Será que a doce Kayla seria responsável por eles?

— Sim, eu quero. Quero muito.

Ela me convidou para entrar, e eu entrei.

Minha mente começou a martelar que aquilo era o

começo de alguma coisa que eu ainda não sabia o que


era, mas que em breve iria descobrir.
CAPÍTULO DEZESSEIS

Ethan estava sentado no sofá da casa que não era

minha. Tomávamos um vinho que não era meu. Por algum


tempo, ele fora o noivo de outra pessoa. Nem mesmo as
crianças que dormiam nos quartos no segundo andar

pertenciam a mim. Era como viver a vida de outra pessoa.

Eu não era o tipo de garota que passava momentos

descontraídos ao lado de um homem como Ethan Reeves,


o CEO poderoso de uma emissora de TV mundialmente

conhecida. Há anos eu era apenas a assistente invisível de

Shantel Warren, que vivia em sua mansão de favor, que


babava em seus vestidos, que sonhava em ter uma
carreira como a dela e que aproveitava seus filhos por

tabela, quase como se fossem meus.

Eu era uma sombra. Só que, ao sair de cena,

subitamente ela me tornou protagonista de algo. Por mais

que fosse um escândalo, era a primeira vez que as


pessoas estavam descobrindo que eu existia.

Mas por que eu não conseguia me sentir bem?

Como é que alguém conseguia viver de tabloides, com

uma fama construída em cima de polêmicas ou passando a


perna nos outros? Eu não queria ser aquele tipo de

pessoa. Queria as coisas construídas por mim mesma,

com meu esforço, meu mérito.

— No que está pensando? — Como que

corroborando com a minha necessidade de provar que o


momento era real, Ethan perguntou, fazendo-me olhar para

ele.

Estava sentado no canto do sofá, tomando um

espaço considerável dele, porque era um homem grande.


As pernas longas estavam abertas, e eu conseguia ver o
quanto eram torneadas por baixo do jeans preto que

usava. Apesar de estar vestindo uma pulôver grande, de

gola alta, era facilmente perceptível o tamanho de seus

ombros.

Ethan fazia o jeito mais caladão, mais sério, mais

reservado, mas nem por isso menos sexy. Além de bonito,

ele era charmoso, a seu modo.

Sem contar a voz... um timbre forte, poderoso, de

barítono, mas que soava suave quando queria.

Concentra, Kayla! Não fica pensando no homem

que nem uma boboca desse jeito!

— Não é como se a gente não tivesse muitas coisas

para pensar, você não acha?

Ele abriu um sorriso, balançou a cabeça e deu uma

golada no vinho.

— Você está certa. Foi uma pergunta infeliz.


— Não, não pense assim. Fico feliz em saber que

alguém se interessa pelo que eu penso. — Ah, droga,


estava falando de mais. Não tinha bebido tanto vinho assim

para poder usá-lo como desculpa, mas não queria que


Ethan pensasse que eu era uma coitada carente que
precisava de atenção.

— Você tem que levar em consideração que seu

maior contato todos os dias era uma louca egocêntrica que


não prestava atenção nem nos filhos.

— Bom argumento. Mas, para ser sincera, eu nem

sei dizer direito no que estava pensando especificamente.


São muitas coisas. Na confusão toda, no que minha vida
se tornou, nas crianças...

— E no casamento? — ele foi direto.

Uau, ele foi completamente direto. Eu já imaginava,


quando o vi surgir na porta daquela casa, que o assunto

seria mencionado, mas, para ser sincera, pensei que Ethan


fosse usar mais de rodeios ou hesitar um pouco, só que,

aparentemente, ele não era esse tipo de homem.

Então eu precisava honrar sua honestidade comigo


e agir da mesma forma.

— Sim, também estou pensando no casamento. E

você? Pensou?

— É que para mim as coisas são mais fáceis, né?


Eu já ia mesmo me casar com uma quase desconhecida.
Estava disposto a isso. Mas você foi pega de surpresa no

olho do furacão.

— Tem uma grande diferença. Você ia se casar com

Shantel Warren, um ícone de Hollywood. Agora o que te


sobrou... fui eu. — Dei de ombros, sorrindo, demonstrando

que se tratava de uma brincadeira, embora, infelizmente,


minha autoestima não andasse das melhores, porque
minha antiga chefe sempre fizera muita questão de

diminuí-la. E de tanto a gente ouvir que somos


imprestáveis, incompetentes; depois de sermos tão
menosprezadas, não é muito difícil acabarmos acreditando.

Ethan ergueu uma sobrancelha.

— Se Jake estivesse aqui, ele diria que eu me livrei


de me casar com a Noiva de Chuck. — Não consegui

conter uma risada. Era uma imensa falta de respeito, mas


Shantel não merecia nenhuma consideração. — Eu a
conhecia muito pouco e conheço você menos ainda, mas

tenho a impressão de que seria muito difícil ter uma


conversa, como esta aqui, com ela. O assunto sempre

girava e caía no mesmo lugar.

— Nela? — respondi, porque já conhecia muito bem


a peça. — Bem... as pessoas a amam. Ela acha que esse

amor é sincero, mas foi construído em cima de mentiras.

Ethan se remexeu no sofá, com uma expressão

quase divertida.

— Conte-me. O que ela fala que não é real? Estou

muito curioso.
Ergui ambas as sobrancelhas.

— O que ela fala que é real? Acho que é melhor eu


tentar pensar assim, porque a lista é menor. Mas posso
enumerar com: ela não é vegana, ela não se chama

Shantel, mas Mary Jane. Ela voltou da África reclamando


de tudo e falou que da próxima vez iria enviar um cheque

apenas. Odeia animais, tanto que tem alguns casacos de

pele que insiste que são sintéticos, mas eu sei que não
são. Ela odeia ler, mas vive postando fotos com livros. Ela

é racista e homofóbica. Não faz metade da caridade que

divulga... Bem, o que mais...? — Parei para pensar, mas


Ethan ergueu a mão.

— Pelo amor de Deus, chega. Me sinto soterrado

com tanta informação, com tantas mentiras. Era com essa

pessoa que ia me casar?

— Lamento, mas, sim.

— E você ainda me diz que eu faria um negócio pior


me casando com você? Já estou quase te jogando no meu
ombro e te carregando para o altar depois desse

livramento.

Era para ser uma piada, mas eu fiquei um pouco


constrangida. Não estava acostumada a ouvir aquele tipo

de coisa, então, para disfarçar, coloquei uma mecha de

cabelo atrás da orelha e desviei o olhar.

Ethan pareceu perceber, porque mudou


rapidamente de assunto:

— Você ficou trabalhando para ela por muito tempo?

— Desde os dezoito. Hoje tenho vinte e três.

— Uau... você é doze anos mais nova do que eu.

Aquilo nos causou um silêncio um pouco

desconfortável, porque eu entendia o motivo do comentário


dele. A nossa diferença de idade não era absurda, mas

considerável, e se fôssemos nos casar poderia ser um

problema.
— Eu não devo passar de um velho para você — ele

comentou quase tímido, o que eu achei adorável.

A cada instante que ficava ao lado de Ethan mais eu

me perguntava onde estava o homem grosseiro e


insuportável que as pessoas tanto insistiam que ele era.

Com isso em mente, decidi que seria uma boa dúvida a ser

tirada, caso eu realmente concordasse em assinar o

contrato que me ligaria a ele por algum tempo.

— Você não é um velho. É um cara bonito e muito


mais legal do que as pessoas pensam. Por que as coisas

chegaram a esse nível a seu respeito? Por que tem tantos

haters? — perguntei e dei uma golada no vinho, sabendo


que era uma pergunta íntima demais, e eu nem sabia se

podia fazê-la.

— Obrigada pelos elogios, mas eu não sou um cara

legal, Kayla. Sou impaciente, antissocial, não gosto de

festas, de paparazzi na minha cara e não sou divertido. As


pessoas querem ver homens como Jake no poder. Quando

somos razoavelmente jovens, elas se interessam não só


pelo quanto somos bons nos negócios, elas querem saber

de nossas vidas pessoais, com quem estamos namorando,


o que comemos, o que vestimos, para quem damos

atenção. Eu não sou um entertainer, sou o cara que gosta

de ficar atrás da mesa planejando e assinando papéis. E


muitos não aceitam isso, acham que quem recebeu a fama

e o poder de bandeja precisa expor tudo. É como se

devêssemos algo às pessoas por sermos ricos e bem-

sucedidos. Só que eu não devo nada a ninguém e deixo


isso bem claro.

— Entendo.

E eu realmente entendia. Ficava difícil não pensar

no seu lado, depois de uma explicação como aquela,

porque fazia muito sentido.

Criando uma analogia com o que estava


acontecendo com nós dois, de fato as pessoas esperavam

explicações e justificativas, como se lhes devêssemos isso.

Era quase como um preço da vida pública. Só que nem eu


e nem Ethan tínhamos escolhido a fama. Ou melhor, eu
queria ser atriz, sabia muito bem o que teria que enfrentar

caso mergulhasse naquele mundo de cabeça. Mas

enquanto isso não acontecesse, não era justo que

precisasse expor minha vida daquele jeito.

— Shantel fez um estrago, né? Se eu te


conhecesse, teria te avisado. Mas acho que ela piorou tudo

para você — afirmei, penalizada.

— Para nós. — Ficamos em silêncio por alguns

instantes, mas Ethan logo continuou: — Sei que Krista


errou no seu julgamento de Shantel, mas ela vai fazer de

tudo para consertar, especialmente porque, na teoria, o

erro foi dela. Imagino que o casamento possa ajudar a te


proteger dessas pessoas que estão te incomodando.

Eu tinha desativado meu Instagram, mas, de alguma

forma, a imprensa descobrira meu telefone –

provavelmente mais um presentinho que Shantel deixou

para trás –, e eu sabia que isso não ia parar tão cedo.


— Só que tem mais uma coisa que eu acho que

pode ser boa para você. O que acha de eu te ajudar a


adotar Emma e Owen?

— O quê? Como assim? Eles têm mãe! — respondi

em um rompante, porque a ideia nunca tinha passado pela

minha cabeça.

— Uma mãe horrível que os abandonou. Não seria


difícil ganhar a guarda deles em um juiz, especialmente

com a carta que ela te deixou.

— Ela foi esperta o suficiente para me deixar uma

carta digitada. Com certeza pretende dizer que eu forjei.

— Sim, acredito, mas o fato é que ela realmente


abandonou as crianças. Temos provas disso. Você

conseguiria alegar abandono de menor sem dificuldades;

os advogados da Reeves te ajudariam nisso, sendo minha


esposa ou não. Mas imagino que se estivermos juntos,

teríamos mais chances.

— Juntos como um casal, você quer dizer.


— Sim, como um casal. A não ser que você não
tenha interesse em se tornar mãe deles. Ou melhor...

oficialmente. Porque na prática você já é.

Pousei a taça de vinho na mesinha ao lado do sofá,

levantando-me, porque subitamente não conseguia mais


ficar parada, muito menos sentada.

Adotar as crianças? Meu Deus... era uma loucura,

não era? Elas tinham mãe. Tudo bem que era da pior

espécie, mas...

Meu Deus! Meu Deus!

Precisei levar as mãos à cabeça, porque meus

pensamentos começaram a girar de forma vertiginosa ao


ponto de eu não jurar que teria uma crise de ansiedade.

Poderia ser uma insanidade, porque eu não sabia

sequer cuidar direito de mim, mas adoraria que Emma e


Owen fossem meus. Ouvi-los me chamando de mamãe e
poder criá-los como quisesse, permitindo que fossem

crianças normais, que comessem como crianças normais e


que não tivessem seus rostinhos expostos toda semana só
para ganhar ibope... Seria um sonho.

— Você acha possível? — perguntei para Ethan,


com um tom de esperança na minha voz.

Ele também se levantou.

— Não sei. Sinceramente, não sei. Mas podemos

tentar.

Ficamos calados por alguns instantes, até


percebermos o quão próximos estávamos um do outro.

Prendi o ar, dando-me conta de que Ethan estava me


olhando de uma forma tão intensa que era como se me
hipnotizasse. Ele não parecia mais tão tímido e tão

antissocial naquele momento. Parecia um predador pronto


para atacar sua presa.

— Posso fazer uma coisa? Estou um pouco curioso.

— S-sim... eu acho que s-sim — gaguejei, insegura,


principalmente quando ele colocou as duas mãos na minha
cintura, gentilmente, mas com firmeza.

Então me puxou para si, ainda com cuidado, mas de


um jeito que me fez arfar. Não restavam dúvidas do que iria
acontecer em seguida.

Ethan colou seus lábios nos meus, o que não

deveria ter me deixado surpresa, mas deixou. Pensei que


seria apenas isso, até sentir sua língua abrir passagem, e

eu não conseguir resistir.

Ah, droga, também queria beijá-lo. Fazia tanto


tempo que não me sentia desejada por alguém dessa
forma, que não me via apenas como um pedaço de carne

que era a sombra de outra mulher. Então apenas me


entreguei.

Ele foi doce, gentil, mas não restavam dúvidas de

que sabia o que estava fazendo.

Nossa, como sabia.


Seus lábios exploraram os meus de todas as
formas, e ele me apertava contra si, colando nossos

corpos, como se precisasse me sentir. Era uma senhora


pegada, e eu estava ficando quase sem ar.

Uma das suas mãos, então, subiu para a minha


nuca, e seu polegar acariciou o meu rosto, de forma quase

preguiçosa, mas com afeto, o que me desmontou mais


ainda do que a sensualidade do beijo.

Eu estava rendida. Para ser sincera, eu poderia

passar mais uma hora perdida nos lábios de Ethan,


querendo mais. Só que em algum momento ele se afastou,
deixando nós dois encarando um ao outro.

— Por que fez isso? — perguntei, ainda atordoada.

— Estava com o pressentimento de que ia ser bom


— ele respondeu, com um sorriso de canto.

— E foi?

— Melhor do que eu esperava.


— É, para mim também.

Se a ideia de Ethan era me deixar pensando que

nosso tal casamento também poderia ser melhor do que eu


esperava... ele fora muito bem-sucedido em sua tentativa.
Porque eu com certeza iria ficar pensando no beijo por um

bom tempo.
CAPÍTULO DEZESSETE

Uma semana. Foi o tempo que guardei o tal beijo de

Ethan na cabeça. Sete dias em que eu sentia suas mãos


na minha cintura e no meu rosto como um toque fantasma.
Parecia que eu ainda conseguia sentir o cheiro de sua

colônia naquele robe que eu estava usando.

Ou seja, eu era um clichê ambulante.

A garota boba que ficou toda atiçada por um único


beijo de um cara experiente.

E foi mais ou menos isso que Maddie falou pra mim

quando contei para ela. Com palavras um pouco – só um


pouco – mais gentis.

Até demoramos para conseguir conversar, porque


ela estava super ocupada, espalhando currículos, ansiosa

por um emprego, mas conseguimos nos encontrar no

domingo, quase à noite, para comer uma pizza. Na casa de


Shantel, é claro, porque eu ainda não tinha coragem de

deixar as crianças sozinhas depois do trauma. Por mais

que Emma já estivesse superando e parecendo


melhorzinha a cada dia, ainda se agarrava a mim mais do

que o normal, provavelmente com a sensação de que eu

poderia desaparecer.

Naquele momento, por exemplo, deixei Maddie lá

embaixo, enquanto colocava os dois para dormir. Levei


Owen no colo, e Emma veio andando com seus próprios

pezinhos, cansadinha e coçando os olhinhos.

O bebê já estava dormindo profundamente, então só

o coloquei no berço e pude levar a menina para o quartinho

dela, deitando-a na cama e cobrindo-a.


— Tia KayKay, plomete que não vai embola? — era
a mesma coisa que ela perguntava todos os dias, o que me

partia o coração imensamente.

— Não vou, querida.

Só que era uma promessa que eu não sabia se

poderia cumprir, né? Caso a mãe dela retornasse e

tentasse tirá-los de mim, sem permitir que eu os visse, não

conseguiria permanecer na vida daquelas crianças.


Shantel tinha um humor volátil, e se as coisas não dessem

certo com Craig – e tinham muito potencial para não darem

–, ela precisaria descontar em alguém. Por mais que não

amasse os filhos, com certeza os usaria contra mim.

Emma balançou a cabecinha, assentindo, também

como fazia todas as noites. Só que normalmente ela


apenas virava para o lado, dava boa noite e começava a

relaxar para dormir, ainda mais estando com tanto sono

como parecia estar daquela vez.


No entanto, sua atitude pareceu diferente. Seus

olhinhos permaneceram melancólicos, e ela acrescentou,


com uma vozinha desanimada:

— Eu queria que você fosse minha mamã, tia

KayKay. — Minhas sobrancelhas se ergueram, porque


Emma nunca tinha falado nada parecido. Era muito
profundo, já que ela tinha uma mãe. — Eu te amo muito,

muito, muitão.

Suspirando, sentindo o peito doer, inclinei-me e


beijei sua cabecinha, acariciando seu rostinho de boneca.

— Eu também, meu amor. E queria muito que você

fosse minha filhinha. Muito, muito, muitão — imitei seu


jeitinho de falar, com um sorriso, o que a fez sua boquinha
se curvar, deixando-me quase aliviada, embora com um

pouco de preocupação em mente.

A pequena se virou, como fazia sempre, e eu ajeitei

a coberta, prendendo-a do lado de seu corpinho para que


não se soltasse durante a madrugada.
Saí de seu quartinho, deixando a luzinha noturna

acesa e a porta aberta, com a babá eletrônica de Owen na


mão, e voltei para perto de Maddie. Joguei-me no sofá e

bufei bem alto, cruzando os braços contra o peito. Algo


pulsava na minha mente.

— Eu vou me casar com Ethan Reeves.

A afirmação saiu tão súbita, tão do nada, que minha


amiga chegou a engasgar com o pedaço de pizza que

acabara de colocar na boca.

Precisei dar alguns tapinhas em suas costas para


que melhorasse, e, assim que se recuperou, pousou o

prato com o qual estava comendo na mesa de centro e


olhou para mim com os olhos arregalados.

— O que aconteceu nesses dez minutos em que


você levou as crianças para cama? Anunciaram o
Armaggedon?

Respirei fundo, ficando calada por alguns instantes,

hesitando.
— Emma disse que gostaria que eu fosse sua mãe.

— Ah, meu Deus... — O bom de se ter uma amiga

tão antiga e que me compreendia tanto era que eu não


precisava de muitas palavras para que me

compreendesse. — Coitadinha.

— Foi o que eu pensei e que ao mesmo tempo me


assustou. Não quero que Emma inspire piedade de
ninguém. Ela não precisa disso. Não precisa daquela mãe

horrorosa. Daquela mulher que não tem consideração por


ninguém além de si mesma. — Eu mais parecia uma

política sobre um palanque, fazendo um discurso


apaixonado. — Posso dar tudo a ela, e se o que eu

precisar fazer para isso for me casar com Ethan, é o que


farei.

— Você tem certeza disso?

— Tenho. Não é meu sonho de princesa me casar


com um cara que não me ama e que eu não amo, mas
podemos estabelecer um tempo, né? Depois posso seguir
com a minha vida, tendo as crianças como minhas.

— Sim, sim, você pode fazer isso. Ele não disse que
haveria um contrato? Você pode estabelecer os seus

termos.

— Meu Deus, Maddie você está me incentivando.

Logo você?

— Ué, Kay, eu sou sua amiga, se é o que você quer

fazer, não vou te convencer do contrário. Não tem muitos


contras nessa história, ainda mais que o cara te beijou e

você bem gostou. Quem sabe não dá certo?

— É, mas eu não posso pensar nisso. Preciso focar

que será um acordo de negócios. Só isso.

SÓ. ISSO.

SÓ. ISSO.

SÓ. ISSO.
Sim, eu precisava enfiar essa droga na minha

cabeça, por isso fiquei repetindo a porcaria das palavras


como uma oração durante aquela noite e também na

manhã seguinte. Levei Emma para a escola e deixei Owen

com Maddie. A babá vinha aparecendo normalmente,


como Shantel prometera, mas eu não confiava em nada

que viesse daquela mulher, então achei melhor deixar

minha amiga com o menino também.

Também continuei preferindo não usar o motorista,


então fui de Uber e acompanhei a menina até o portão,

vendo-a entrar em segurança no colégio. Em seguida,

voltei caminhando para entrar no carro, que me esperava.

Usava óculos escuros, porque o dia estava

ensolarado, mas mesmo assim vi duas garotas, de uns


quinze anos cada – talvez alunas da escola de Emma, que

abrangia desde a educação fundamental até o Ensino

Médio. Elas começaram a cochichar.

Decidi ignorá-las e seguir meu caminho, até que


uma soltou um: “cobra invejosa”, que eu sabia que era para
mim. Mantive minha postura, voltando ao carro, e ouvi a

voz da outra dizendo: “se acha melhor que a Shantel.

Como pode? Uma coisinha sem graça dessas”.

Minha vontade era mostrar o dedo do meio para


elas, mas achei que isso poderia me causar mais

problemas. Sendo assim, fiz a boba e fugi, entrando no

carro com pressa, mas me condenando por não poder ser

mais incisiva. Só que eu sabia muito bem que minha


imagem já estava mais do que prejudicada. Se houvesse

alguém com uma câmera ali, sem dúvidas eu seria

considerada errada naquela história, mesmo que tivesse


apenas respondido a uma ofensa pessoal.

Praticamente me jogando dentro do carro, solicitei

ao motorista que me levasse à sede da Reeves, e ele deu

a partida imediatamente, provavelmente percebendo o que

havia acontecido. Agradeci mentalmente pela gentileza.

Meu coração batia acelerado no peito, porque eu


estava ali para tomar a decisão definitiva, que iria mudar a

minha vida por completo a partir daquele momento.


Eu ia me casar. Ia tentar adotar duas crianças. Não

sabia qual das duas coisas me deixava mais assustada, e,


ao mesmo tempo, o que também me surpreendia era que

deveria estar mais apavorada do que realmente estava.

Confuso? Um bocado. Mas era como me sentia.

Ao entrar na Reeves, anunciei minha chegada e

disse que queria falar com Ethan. A recepcionista quase riu


da minha cara, porque provavelmente um milhão de

pessoas surgia ali com o mesmo pedido, querendo um

minuto que fosse com o poderosão da TV americana. A

mulher não me reconheceu da confusão com Shantel –


ainda bem.

Infelizmente para ela, como meu nome já estava

cadastrado no prédio, da minha visita anterior, não pude

ser ignorada e precisei ser anunciada, e eu vi sua


expressão se transfigurar em uma enorme surpresa

quando minha entrada foi liberada. Ganhei um crachá, e

ela tentou me indicar para onde ir, mas sorri, com o


máximo de simpatia possível, e peguei o elevador.
Ethan estava do lado de fora de sua sala quando

cheguei ao andar, então abriu a porta para mim e puxou a

cadeira para que me sentasse.

Deu a volta na mesa e se acomodou também.

Estava sem o paletó, só com uma camisa em um tom que


se assemelhava ao pêssego, mas bem clara, e uma

gravata cinza. A epítome da elegância emoldurada em

músculos e uma aparência bruta. Combinação perigosa.

— Estou surpreso com a sua vinda — ele comentou,


recostando-se na cadeira, em uma postura relaxada. Que

bom que um de nós não estava tenso como quem anda

numa corda bamba.

— Uma surpresa ruim?

— Não, nem um pouco. Só estou curioso para saber


o que quer falar comigo.

Ok, Kayla... chegou a hora.


Desde que conversei com Maddie sobre a decisão –

que de início achei que se tratava de um impulso, mas que


continuou fazendo sentido com um pouco mais de reflexão

–, fiquei ensaiando uma forma de conversar com Ethan

sobre isso. De expor minhas ideias, impor minhas vontades

e de... negociar, já que fora esse o termo usado desde o


início.

No entanto, as coisas mudavam um pouco de figura

quando se tratava de fazer acontecer de verdade,

pessoalmente, cara a cara com o homem. O cabideiro com


quem ensaiei não era de carne e osso e, definitivamente,

não era tão atraente.

Todo o discurso que elaborei, baseado no que fiz

para Maddie com a explicação para minha escolha, fora


por água abaixo, e eu decidi ser rápida e certeira:

— Eu aceito me casar com você. — Vi uma

surpresa surgir nos olhos castanhos de Ethan, então

prossegui, antes que perdesse a coragem: — Mas gostaria

de acrescentar meus termos também.


— Claro. É justo.

— Ok... — Respirei fundo, engolindo em seco,

molhando os lábios, cruzando as pernas e entrelaçando as

mãos sobre minha coxa, tudo isso para ganhar tempo. —

Precisamos estabelecer um tempo. Algo como dois anos,


não sei. Mas caso não dê certo... por que vai que dá, né?

Acho que seria legal não ficarmos presos um ao outro para

sempre.

Ethan sorriu.

— Tudo bem, mas contanto que a gente prometa


um para o outro que podemos tentar fazer dar certo. Ao

menos como... amigos.

— Ah, sim. Sem problemas. — Mais uma respirada

profunda. Eu sabia que o ar-condicionado estava ligado,


mas eu começava a sentir um pouco de calor. — Outra

coisa é que precisamos decidir... — Hesitei naquela parte.


Nossa, como eu iria falar aquele tipo de coisa para um
homem que eu mal conhecia? — É que assim, Ethan, eu
sou virgem.

AH. MEU. DEUS.

Por que diabos eu falei isso? Não, não estava no


script. Era só para conversar sobre nosso relacionamento

físico, se haveria um ou não. Só isso. De onde tirei tanta


informação que ele não precisava?

Daquela vez eu o surpreendi um pouco mais do que


com a minha afirmação de que queria me casar. Só que ele

foi cavalheiro e gentil o suficiente para disfarçar.

Remexeu-se na cadeira, assentiu e se aproximou da


mesa, adquirindo uma postura um pouco mais de homem

de negócios. Olhou-me nos olhos com uma profundidade


assustadora.

— Kayla, podemos falar abertamente, não


podemos? — Assenti com veemência demais. Estava

nervosa, nem sabia como agir. — Ótimo. Naquele dia eu te


beijei. Quis beijar. Quero beijar de novo. — Perdi o ar
novamente, não só pelas palavras, mas pela forma intensa
com que foram proferidas. — Você me atrai, só que isso
não quer dizer que eu vá ditar alguma coisa nesse quesito.

Vai ser no seu ritmo. Mas podemos colocar algo em


contrato, se você achar mais seguro.

— Não, não... não vai ser necessário. Mas gostaria

que você colocasse uma coisa importante. Eu não quero


seu dinheiro. Não quero nada para mim. Mas você
pretende adotar as crianças comigo? — era uma pergunta

importante.

— Sim. Pretendo — ele parecia muito seguro, o que


me deixou satisfeita.

— Então eu gostaria de uma segurança para elas.


Não quero nada para mim — repeti, muito convicta.

Ethan franziu o cenho, como se me analisasse.

— Como minha esposa, será seu direito.


— Enquanto eu for sua esposa, tudo bem. Quando
não for mais, não quero receber nada. Não quero acordo,

não vou tirar seu dinheiro com um divórcio. Preciso que


isso fique bem claro, porque não posso estar casada com
alguém que pense que quero extorqui-lo.

— Eu não pensaria isso.

— Você não me conhece, não tem como saber.

Ethan respirou fundo, quase em um suspiro, mas

assentiu, concordando.

— Tudo bem. O que mais?

Deixei meus ombros caírem, porque a próxima parte

era um pouco mais emocional. Eu ia me abrir para ele,


talvez ainda mais do que quando disse que era virgem.

— Também quero que a gente tente ser amigos.


Quero que sejamos parceiros, que você possa confiar em

mim. Que me respeite, me procure quando precisar de


algum conselho ou de um ombro para se lamentar. Quero
que seja bom para as crianças, porque elas precisam

demais de um pai. Eu nunca tive uma família, Ethan, meus


pais morreram muito cedo, e eu fui criada por uma tia. Ela
não era ruim, mas não me dava carinho, e isso para mim

sempre foi importante. Sei que não estaremos nos casando


da forma convencional, mas gostaria que tentássemos ao
máximo chegar perto disso.

Para a minha surpresa, assim que terminei de falar,

Ethan pegou a minha mão e a beijou.

— Acho que finalmente achei a esposa certa — ele


falou com um sorriso e um ar divertido no rosto, o que me
fez relaxar um pouco.

Saí de sua sala me sentindo mais leve, embora

ainda tensa com o que iria acontecer. Ele prometera que


iria conversar com Krista e Rachelle para que

começássemos a preparar as estratégias que


colocaríamos em prática a partir daquele momento, além
da história que iríamos contar.
Tudo seria conversado, e nós faríamos uma reunião
em breve para que eu aprovasse tudo.

Ethan se ofereceu para me acompanhar até lá


embaixo, mas falei que não precisava, porque sabia que

ele era ocupado. Então peguei o elevador, mas quando


saltei dele esbarrei em alguém.

— Ei, Kayla! Está bonita hoje, hein! — Era Jacob.


Ainda bem.

Não sentia nenhuma maldade vinda dele com o

comentário, mas fiz questão de brincar.

— Acho melhor tomar cuidado com o que fala, já


que em breve serei sua nova cunhada.

Ele ficou boquiaberto, com uma expressão

exagerada, mas um sorrisão se formou.

— Isso sim é uma novidade. Estou feliz com isso.


Você é muito melhor do que a Noiva de Chuck. Mas já que
vai ficar fora do mercado, aquela sua amiga...
— Ei, ei, ei! — eu o interrompi. — Já falei que
Maddie não é para o seu bico. — Só que então eu tive uma

ideia. — Mas será que você não poderia fazer um primeiro


favor para sua futura cunhada?

Ele cruzou os braços. Estava com o capacete da


moto em uma das mãos, e por mais que imaginasse que

fora à sede da Reeves Channel para uma reunião com


Ethan ou algo assim, vestia uma roupa completamente
casual, inclusive uma jaqueta de couro.

— Mal entrou para a família e eu já vou ser

chantageado. Pode falar, KayKay, o que você quer?

Sorri ao ouvi-lo usar o apelido que Emma também


usava para mim. Eu já gostava de Jake. E... ok, eu gostava
de Ethan também. Eram pessoas que queria ter em minha

vida e na das crianças.

— Maddie está precisando muito de um emprego.


Não tem como encaixá-la na Reeves?
— Posso pensar em alguma coisa. Não será um
pedido tão difícil de atender.

Quase pulei de alegria. Se fosse para ajudar a

minha amiga, já me sentia feliz em entrar para aquela


família.

Jacob se inclinou, me deu um beijo no rosto e

aproveitou que o elevador ainda estava no andar para


pegá-lo e subir. Quando ele se afastou, fiquei remoendo o
que tinha acabado de pensar: eu ia entrar para aquela

família. Eu seria Kayla Reeves.

Meu Deus...
CAPÍTULO DEZOITO

UM MÊS DEPOIS

Esfregando uma das mãos na outra, eu esperava


em um altar improvisado na casa de Jake, já que eu
morava em uma cobertura, usando um smoking, a entrada

da noiva. Não era um casamento de verdade – ou melhor...


era, mas não no sentido romântico da coisa. Kayla seria

minha esposa por conveniência, e nós assinaríamos um


contrato naquele dia.

Para ser sincero, a ideia seria que fizéssemos uma


reunião mais formal, em uma das salas da Reeves, mas

Rachelle e Krista disseram que precisavam registrar o


momento, então houve uma corrida desesperada para

ajeitar e acertar tudo, para que tivéssemos uma pequena


cerimônia, o mais acolhedora possível.

Pouquíssimas pessoas foram convidadas, apenas

alguns amigos próximos, alguns conhecidos de Kayla, e eu


olhava ao redor do local, jurando que Dyllan ainda iria

aparecer. Mas nem sinal.

Jake, em contrapartida, estava ao meu lado, com

um sorriso de orelha a orelha. Recusara-se a usar um


terno, mas colocara uma camisa social e uma calça jeans

toda cheia de rasgos estilosos, que eu jurava que era o

máximo do conceito dele de “bem-arrumado”. Ah, e estava

descalço, o que eu não entendi muito bem.

— Algum problema com um sapato? — comentei


baixinho, enquanto esperávamos pela entrada de Kayla,

apontando para os pés dele.

— Por que acha que eu cedi a minha casa para a

festa?
— Porque a sua casa já está acostumada a isso?

— A casamentos? — Ele fez o sinal da cruz. —

Deus me livre, claro que não. Mas se vocês estão se

casando na minha casa, eu vou me vestir e me calçar

como eu quiser.

Era justo. O importante era que ele estava ali.

Foram mais alguns instantes, até que uma música

começou a tocar. Não era a Marcha Nupcial, mas algo


mais moderno e romântico, que eu não reconhecia, mas

logo foi esclarecido.

— Tem problema se eu fizer uma leve divulgação da

banda nova que contratei no mês passado? — meu irmão

sussurrou no meu ouvido.

— Tem umas quinze pessoas neste casamento, não

acho que seja uma baita divulgação.

— O CEO do Reeves Channel está presente, vai

que ele se interessa em colocar a música em uma série?


— brincou. Talvez pretendesse continuar falando alguma

coisa, mas logo se virou para a porta da casa, com um


sorriso ainda maior. — Ah, cara, ela ta linda. Pena que é

um casamento, e eu não sou muito fã deles, senão eu diria


que você é um homem de muita sorte.

Nem respondi ao meu irmão, apenas voltei meus


olhos na direção de para onde os dele estavam olhando,

fixos, e a vi.

Não tivemos tempo para um grande vestido de


noiva, mas não havia nada que o sobrenome Reeves não

pudesse resolver, então conseguimos pegar um de nosso


departamento de figurinos, usado em uma série, e
modificar em uma das melhores costureiras de Los

Angeles. Para qualquer um que olhasse, seria como uma


nova peça, completamente adequada ao corpo de Kayla.

Era tomara que caia, com um decote em formato de

coração, que descia em um corpete cheio de pedrarias e


caía em uma saia bem cheia, evidenciando a cintura fina
que ela tinha. Seus seios eram grandes, não havia aquelas
marcas de ossos em seus ombros e os quadris eram

largos. Uma mulher real. Uma mulher... naturalmente linda.

Os cabelos loiros estavam presos em um coque


elaborado, e ela fora maquiada, mas nada exagerado.

Apenas algo nos olhos e nos lábios; tudo destacando suas


características delicadas.

Ela parecia nervosa, mas ao olhar as crianças, que


estavam à sua frente, sorriu. Eles eram o mundo dela.

Como era possível que não fossem seus filhos de


verdade?

Emma parecia uma bonequinha, com um vestidinho

com o qual ela parecia encantada, porque segurava a saia


como uma dama antiga, caminhando com elegância. A
outra mão estava entrelaçada a do irmãozinho, que usava

uma gravata borboleta, com uma camisa branca e calça


preta. Os dois poderiam facilmente estrear um comercial,

não só por serem lindos, mas por serem carismáticos e


espertos.
Kayla continuou caminhando na minha direção e
ergueu os olhos para mim, finalmente. Vi quando respirou
fundo, e eu balancei a cabeça suavemente, tentando lhe

dar confiança, e isso foi suficiente para que ela desse um


passo à frente, depois outro, até estar cada vez mais

próxima.

Maddison pegou as crianças, puxando-as para as


cadeiras improvisadas na frente, e Kayla parou à minha
frente, com uma expressão de expectativa.

Não seria um casamento com padre, mas havia um

juiz de paz pronto para ler algumas palavras, sem contar


que meu advogado estava a postos também, para que

assinássemos o contrato.

Não era só Kayla que estava nervosa, mas eu


também, principalmente quando peguei sua mão, tanto
para ouvir o que era dito quanto, depois, para dizer os

votos. Eu não poderia criar os meus, pessoais, porque mal


conhecia a mulher com quem estava me casando. Ela me

atraía, mas isso não era suficiente para que eu


conseguisse escrever algo sobre sua pessoa, muito menos
sobre meus sentimentos. O mesmo com ela. Sendo assim,
optamos pelo tradicional.

E quando o juiz consentiu o beijo, aproximei-me dela

com cuidado, tomando seu rosto na mão e encostando


nossos lábios. Senti que algumas pessoas estavam tirando

fotos, e eu odiava que fosse por outro propósito além de

registrar o momento. Nosso plano estava traçado, e


precisávamos segui-lo à risca. Tanto que depois da

pequena cerimônia nossa equipe entraria em ação

enviando algumas informações à imprensa, que eu sabia


que sairiam como uma bomba por toda parte.

Além de assinarmos os papéis do casamento,

assinamos também o contrato. Kayla já tinha lido

previamente, mas pedi que desse mais uma olhada,


porque não queria que tivesse nenhuma dúvida. Eu odiava

aquela cláusula de que ela não ficaria com nada quando

nos separássemos, mesmo que fosse uma quantia

estipulada, mas compreendia sua necessidade de não se


sentir vendida. Fosse como fosse, eu não pretendia deixá-
la com uma mão na frente e outra atrás, até porque ela

perderia o emprego, sem dúvidas.

Depois da assinatura do contrato, houve uma salva


de palmas e distribuição de champanhe, e fomos

cumprimentados por todas as poucas pessoas que

estavam presentes. Antes de partirmos para a pequena


festa, que aconteceria dentro da mansão do meu irmão,

Jake subiu em um caixote – literalmente um caixote – para

fazer um discurso.

— Vamos combinar que isso aqui é um


acontecimento, não é, minha gente? Quem diria que nosso

irmão mais velho, o mais rabugento e mais pentelho da

família iria para o altar? E com uma moça tão doce e, com

todo o respeito, linda? — Ele apontou para Kayla,


mandando um beijo para ela, que sorriu ao meu lado,

balançando a cabeça como se estivesse lidando com uma

criança travessa. — Seja como for, te desejo tudo de bom,


brother, mesmo que eu não ache um casamento algo

assim tão bom. — As pessoas ao nosso redor riram. —

Que, no final das contas, essa união traga algo de especial


para vocês dois, e eu confesso que estou feliz pra caralho

de você não ter se casado com a Noiva de Chuck. — Mais

risadas. — Então, eu quero que... — Jake ergueu sua taça,


mas parou de falar, olhando subitamente para a porta, que

fez um barulho, provavelmente sendo aberta pelo

segurança contratado.

Ele não apenas olhou, como ficou completamente

paralisado. Não consegui me conter e fiz o mesmo,


checando o que tinha chamado sua atenção. Só que em

uma reação instintiva, puxei Kayla para mais perto, em

uma atitude de proteção, porque poderia ser Shantel ou


alguma de suas gracinhas. Ninguém sabia do casamento,

mas nada impedia de ela ficar sabendo de alguma forma.

Para a minha surpresa, porém, não se tratava

daquela doida. Era meu irmão. Dyllan. No meu casamento.

A festa inteira – ok, não era tanta gente assim –

parou para observá-lo. A maioria das pessoas que estava


ali, com exceção daquelas que eram da parte de Kayla, o

conheciam. E mesmo quem não era meu amigo devia


saber de quem se tratava, porque meu irmão não tinha um

rosto completamente anônimo.

Dyllan parecia bem deslocado. Uma das mãos no


bolso, outra coçando o cabelo; era um menino

desamparado em uma cova de leões, embora as pessoas

presentes não fossem lhe fazer mal.

Nossa, ele era tão jovem ainda... tinha tanto a


aprender e a amadurecer... Eu só queria poder estar por

perto para cuidar dele, de alguma forma, embora fosse um

homem feito.

— Acho que cheguei atrasado, né? — Ele coçou a


cabeça mais uma vez, enquanto se aproximava. Então se

virou para Kayla, estendendo a mão. — Prazer, eu sou o

Dyllan.

Minha – agora – esposa aceitou o cumprimento e


apertou a mão do meu irmão, com um sorriso.

— Oi, Dyllan, seja bem-vindo. Eu sou a Kayla. Sua...

bem... Sua cunhada. — A doçura na voz dela quase me


desmontou. Sabia de minha relação com Dyllan e queria

fazê-lo se sentir acolhido.

Eu poderia beijá-la naquele exato instante.

Então uma coisinha pequena entrou no meio de nós,

com seu vestido de princesa, olhando para Dyllan com a

cabecinha bem esticada, porque nós éramos muito mais


altos que ela.

— Você é o Dyllan? Do “não falamos do Dyllan”?

Oh-oh...

O clima imediatamente ficou pesado, a casa inteira

em silêncio; parecia que ninguém sequer respirava.

Ergui os olhos para Dyllan, e eu vi que ele não


esperava por aquilo. Mas quem esperaria?

— É, gatinha, sou eu mesmo. Mas acho que, talvez,

eu esteja na festa errada. Felicidades, Ethan.


Ah, merda! Era a primeira aproximação de Dyllan

em dois anos e tudo tinha dado errado. Eu o observei


voltar pelo mesmo lugar de onde veio, saindo porta afora,

enquanto Kayla segurava meu braço e pedia desculpas por

Emma.

Nem a ouvi. Poderia lidar com isso depois, já que


não era sua culpa e nem da criança. Só precisava ir atrás

do meu irmão. Antes que fosse tarde demais novamente.


CAPÍTULO DEZENOVE

Deixando a minha festa de casamento para trás, saí

correndo em direção a Dyllan. Ele não estava muito longe


da casa de Jake quando o encontrei, caminhando até uma
picape, que deveria ser dele. Era um carro não muito novo,

completamente aquém das possibilidades que um Reeves


teria, caso ele perdesse o orgulho e viesse trabalhar

conosco. O violão e o amplificador presos na caçamba

serviam como uma marca registrada.

— Dyllan? — chamei, dando uma corridinha.

Deveria ser bem ridículo, um cara do meu tamanho,


correndo daquele jeito, com uma roupa que o fazia parecer

um pinguim.
Meu irmão não se virou, apenas continuou seguindo

para o carro, até abri-lo. Se permitisse que entrasse e


fosse embora, nunca mais teríamos chance de conversar.

— Para de ser criança, Dyllan. Você veio aqui por

algum motivo.

Para a minha sorte, ele se virou para mim.

— Claro que sim. Vim para o seu casamento, mas já

vi que não sou bem-vindo — disse, com raiva.

— Se não fosse bem-vindo, não teria sido convidado

— também senti a rispidez em minha voz. Não era assim


que eu imaginava nossa primeira conversa depois de um

reencontro. Estava tudo errado. — Mas o que diabos

fizemos de errado, pelo amor de Deus? Foi a fala de uma

criança de quatro anos! Jura que isso te afetou tanto

assim?

— Uma criança de quatro anos, que acabou de


conhecer a família, mas que aparentemente sabe que sou

pessoa malquista. Para quantos outros vocês saem


espalhando que “não falamos do Dyllan”? — ele usou um
tom de voz debochado e cantado, que deveria ser o raio de

música que Emma adorava, mas que até aquele momento

eu desconhecia.

— Foi uma brincadeira de Jake com a menina. Não

tem nada a ver com isso. Sabe que eu fui te ver no

barzinho naquele dia.

— E por que não saltou para falar comigo? Ficou


dentro do seu carro poderoso, com seu motorista

engravatado, só observando o fracasso do seu irmão

caçula. Isso te diverte? — ele cuspia as palavras de tal

forma que eu quase podia sentir a mágoa flutuando entre

nós, palpável e densa.

— De onde você tirou isso? — Franzi o cenho, em


um misto de raiva e confusão. Ele me ofendia daquela

forma. — Não sou o vilão dessa história, Dyllan. Você sabe

disso.
— Não é o vilão, Ethan, nunca disse isso, mas você

me deu um ultimato. Ou a minha carreira ou eu precisaria


seguir meu caminho sozinho. E você sabe o motivo de eu

não poder desistir. — Ele usava um dedo esticado,


apontando para mim, e eu podia ver a dor em seus olhos.
Estavam até marejados, o que era extremamente doloroso

de se ver.

Sim, eu conhecia seus motivos, e eles eram bons


pra caralho. Só que eu não queria que meu irmão

passasse anos e anos perdido em um sonho que só


serviria para decepcioná-lo. Eu convivia com pessoas

suficientes para conhecer talentos tão bons quanto o dele,


mas que simplesmente não estavam no lugar certo e nem
na hora certa, muito menos tinham o estilo de música

certa, que as pessoas queriam ouvir.

Se olhássemos com cuidado para tipos como Craig


Johnson, ele não tinha metade do talento, da beleza e do

carisma do meu irmão. Não tinha nem a porra de um


sobrenome poderoso que o levasse longe. Só que
escolhera o caminho mais fácil – músicas comerciais e
populares, uma dancinha meia-boca, um estilo que fazia

sucesso com as mulheres. Dyllan era o mais bonito de nós


três. Cabelos castanhos-claros, olhos azuis, um rosto

perfeito para Hollywood. Brincávamos sobre isso com ele


desde que nos entendíamos por gente e quando

queríamos animá-lo, quando o medo de perdê-lo para a


doença que o acometeu e que quase levou nossa mãe à
loucura era tanto que precisávamos rir de qualquer coisa.

Eu me lembrava de todas as vezes em que chorava

escondido – porque era o mais velho e precisava também


ser o mais forte –, pedindo a alguma força, que eu nem

sabia qual era, que não tirasse meu irmão de nós. Que eu
seria capaz de qualquer coisa se fosse necessário para
mantê-lo vivo.

E lá estava ele. Um homem feito, de vinte e seis

anos, forte, saudável, mas o destino nos separou do


mesmo jeito.

— Ela não estaria feliz do mesmo jeito, Dyl — disse,

cansado, enfiando minhas mãos no bolso. — Ela não fez


um pedido só a você. Fez um a mim também, assim como
nosso pai, de cuidar dos meus irmãos, e eu estou fazendo
isso. Você não tem noção do quanto essa carreira pode te

destruir se continuar insistindo. Já vi gente se matando


porque não chegou aonde queria.

— E você acha que a escolha que fez, de virar as

costas para mim, não me destruiu também? Você sempre


foi o meu herói, Ethan! Sempre foi o modelo de perfeição
que eu queria seguir.

Não pude deixar de soltar uma risada amargurada.

— Para de bobagem, não sou modelo nenhum a

seguir. Você nunca ia querer ser como eu. Não sei lidar
com pessoas, não tenho filtro quando falo e olha a imagem

que todos têm de mim! Eu precisei assinar um contrato


para me casar! Era isso o que queria para a sua vida? Se
fosse como eu, aí mesmo é que nunca conseguiria vender

sua música.
Eu sabia que nós dois estávamos falando em tons
de voz altos, mas nenhum dos dois parecia se importar. Só
que não demoramos para perceber que não estávamos

mais sozinhos. Logo Jacob e Rachelle surgiram, e ela fez


um sinal e um som pedindo que nos controlássemos.

— Vocês perderam a noção? Foi para isso que veio,

Dyl? Falei tanto que só viesse se fosse para paz e não

para guerra — ela o repreendeu.

— Eu não comecei nada, Rach. Só ia sair na minha

depois de dar os parabéns e conhecer a esposa de Ethan.

— Para de ser covarde, moleque — Jacob

começou, enfurecido. — E mimado também. Não

aconteceu nada de mais lá dentro. Ethan não tem culpa, eu


que evito falar de você e acabei usando a brincadeira com

a menina.

— Por que evita falar de mim, Jake? — Eu senti que

os dois poderiam entrar em conflito em um pulo. Dyllan não


era muito de briga, o que era o contrário de Jacob, que
partia para cima quando achava que estava certo. Havia

anos de ressentimento, e eu sentia que ambos estavam no


limite o suficiente para causar um caos.

— Porque você é um playboyzinho mimado e

mimizento, que acha que sua família só importa se fizer o

que você quer. Que estamos aqui para te servir e bancar


essa carreira falida que só nos deu um puta prejuízo. Se

acha melhor do que os outros, não quer mexer na sua

arte... — Jake ergueu as mãos, fazendo pouco da palavra


“arte”. — Mas não entende que tudo é arte. Não é demérito

nenhum se adequar ao mercado para chegar aonde quer

chegar. Poderia usar essa sua carinha bonita e a porra da

voz de travesseiro para alcançar um puta sucesso, se


quisesse. Sua música é boa, mas não vende. Eu não sou

obrigado a bancar seu orgulho para o resto da vida.

Dyllan nem respondeu, só partiu para cima com um

único soco. Rachelle gritou, assustada, e eu rapidamente


me coloquei na frente dela, protetor. Claro que nenhum dos

dois a machucaria intencionalmente, mas no meio do calor

de uma briga, poderia até sobrar para quem não merecia.


Jake recebeu o soco, e Dyllan estava pronto para

golpear o irmão novamente, mas foi bloqueado e recebeu

um revide. Rapidamente os dois se engalfinharam, quando


Jacob empurrou Dyllan contra a picape, e eu não vi saída a

não ser tentar separá-los.

Consegui tirar Jacob de cima de Dyllan com muito

esforço, e Rachelle aproveitou o espaço para se colocar

entre os dois, com os braços abertos, sabendo que


nenhum deles teria coragem de agir tendo-a como escudo.

— Parem com isso. Onde estão com a cabeça? É o

casamento de Ethan! — ela se alterou, muito contrariada.

Jacob deu um passo para frente, com o dedo

erguido em riste, enquanto limpava a boca, de onde saía


um filete de sangue. com a outra mão.

Vendo a cena, Rachelle entregou um lenço que tirou

da bolsa para Jake.

— Você veio só para isso, né? Só para causar a

discórdia. Se acha o bom garoto, o menino de ouro, mas


no fundo é um merdinha egoísta que é cheio de

autopiedade, mas não percebe que faz os outros sofrerem


também. É por isso que não falamos de você, Dyllan,

porque dói. Dói saber que nosso irmão preferiu se afastar

quando não lhes demos o que queria. O que somos para


você? Só investidores em potencial?

— Claro que não, porra! — Dyllan se alterou, mas

Rachelle o segurou para que não avançasse de novo em

Jacob. Ela era menor que ele, mas se agigantava para

contê-lo enquanto eu fazia o mesmo com meu irmão do


meio.

— Então prova. Faça mais do que vir ao casamento

do seu irmão mais velho querendo atenção e estragar tudo!

— Jogando o lenço que estava em sua mão no chão, com


raiva, voltou-se para mim: — Volte para sua mulher, Ethan.

Ela certamente é mais importante do que o que está

fazendo aqui. — Jacob se afastou, voltando para casa.

Quando ficamos os três sozinhos, Rachelle virou-se


para Dyllan e lhe deu um empurrão.
— Onde você estava com a cabeça?

— Eu? Porra, Rach! Você ouviu as coisas que ele

falou. Não podia deixar que...

— Podia, sim. Dane-se o que Jake pensa. Você

sabe como ele é. — Como se fosse uma mãe arrancando o

filho da rua depois de uma travessura, Rachelle agarrou


Dyllan pela gola da camisa e o arrastou até o carro,

abrindo a porta do passageiro e incitando-o a entrar. — Me

dá a merda da chave, eu vou dirigir e te levar de volta para


casa.

— Rach, não precisa...

— Cala a boca! — ordenou com a autoridade que só

uma amiga com uma intimidade de muitos anos poderia

ter.

Eles continuaram discutindo, até que Dyllan cedeu,

entrou no carro e deixou que Rachelle assumisse o

volante. Ela ainda deu uma última olhada para mim, como
que pedindo desculpas, mas nós sabíamos que não era

culpa dela.

Não era culpa de ninguém, na verdade... era só uma


infelicidade na nossa família.

Ainda estava olhando a picape partir quando senti

uma mão delicada no meu ombro, e eu vi que se tratava de

Kayla. Olhei para ela, que me olhava com uma expressão


tão gentil e tão suave que parecia nem combinar com todo

aquele cenário de briga e de caos.

— Parabéns pela família na qual acabou de entrar

— falei, depois de respirar fundo, com uma expressão de

total derrota.

— Nenhuma família é perfeita. Foi um pouco de

emoção no casamento.

É, ela era uma mulher rara mesmo. No pior dos

cenários, eu até que tinha tido muita sorte.


Peguei, então, a mão dela e a entrelacei na minha,
unindo-nos de uma forma muito mais significativa do que o

contrato que assinamos.

— Vamos ter uma noite especial, o que acha? Não

precisamos fazer absolutamente nada, só fingir que somos


um casal convencional.

Ela sorriu de forma cálida.

— Não quero ser parte de um casal convencional.

Acho que gosto um pouco da bagunça...

Se ela gostava, eu também gostaria. As coisas


tinham começado animadas, sem dúvidas, e a tendência

era piorar, quando saísse na imprensa. Então teríamos


direito a uma noite de paz. Eu proporcionaria isso a ela.
CAPÍTULO VINTE

Precisei fingir muito que o que aconteceu entre os

irmãos Reeves não me assustou. Vi tudo, de longe, não


querendo me intrometer, mas o tipo de briga que
aconteceu era algo muito, muito sério. Ainda não me sentia

íntima o suficiente para perguntar qualquer coisa e


descobrir qual era o motivo de tanta animosidade.

Também fiquei quieta enquanto John, o motorista,


nos levava a algum lugar, que eu não sabia qual era,

porque Ethan parecia muito, muito tenso. Observei-o

afrouxar a gravata borboleta lentamente, até tirá-la por


completo, colocando-a de lado. O cenho franzido era um

grande sinal de que as coisas não estavam nada bem. Só


esperava que se abrisse comigo e que conseguíssemos

conversar, afinal, estávamos casados, não estávamos? Era


para isso que uma união servia, mesmo que fosse um

acordo de negócios.

Eu tinha jurado fidelidade e respeito, o que eu


estava disposta a, de fato, cumprir. Mas mais do que isso,

queria ser uma amiga para Ethan. E provavelmente algo

mais, porque não tinha intenções de me guardar para


sempre.

Sentíamos atração um pelo outro. Estávamos

casados. Eu não ia fingir que meu marido não me

despertava algum tipo de desejo e não queria ser uma

esposa virgem e intocada por muito tempo. Se Ethan me


quisesse naquela noite, eu seria dele.

Estremeci, pensando na possibilidade de fazermos

sexo, sendo que eu era completamente inexperiente, e

Ethan pareceu perceber.


— Desculpa — ele falou pela primeira vez desde
que entramos no carro.

Voltei meus olhos em sua direção, surpresa.

— Você não tem que pedir desculpa.

— Como não? Estraguei nosso casamento.

Não consegui não sorrir.

— Claro que não. A culpa não foi sua. Só...

aconteceu. Se colocarmos na ponta do lápis, a culpa meio

que foi de Emma — falei brincando, com um tom de voz

transigente, lembrando-me da forma como a garotinha deu


um beijo em mim e outro em Ethan, pedindo que a gente

brincasse muito.

Oh, Deus... eu suspeitava que iríamos, de fato,

brincar. Na cama.

Ao menos consegui fazer Ethan sorrir.


— A pobrezinha só falou o que nós repetimos. Foi

errado da nossa parte afastar Dyllan daquela forma. —


Ethan olhou para mim de forma solene. — Quero te contar

tudo com calma sobre nossa briga, mas não hoje, tudo
bem?

— Você não precisa me contar nada que não queira.


Somos casados, não donos um do outro.

Sem que eu esperasse, os olhos de Ethan se

tornaram mais pesados, e uma de suas mãos veio parar no


meu rosto. Inclinou-se, aproximando nossas bocas e

iniciando mais um beijo. Se alguém estivesse contando – e


eu talvez estivesse – aquele fora o nosso terceiro. Claro
que o do casamento fora mais suave, menos intenso, mas

deveria entrar na lista, não?

Daquela vez, porém, até mesmo diferente da


primeira, ele não parecia nem um pouco propenso à

delicadeza. Sua mão rapidamente passeou até a minha


nuca, puxando-me em sua direção, embolando seus dedos
nos meus cabelos e agarrando-os com ímpeto.
A língua me invadiu, tornando-se possessiva, e eu

soltei um suspiro mais alto do que deveria.

Nem percebi seus movimentos, mas a divisória do


carro começou a subir, provavelmente porque Ethan a

acionara, para nos dar um pouco de privacidade.

Surpreendi-me quando, com a força de seus braços,


me puxou para seu colo, colocando-me praticamente
deitada sobre suas pernas. Só que eu mesma me ajeitei,

sentando-me de frente, montada sobre suas coxas, com


uma perna de cada lado, em um movimento ousado.

Naquela posição, Ethan se fartou ainda mais,

usando ambas as mãos para me pegar com força pela


cintura, desenhando com seus dedos o contorno do meu
corpo de cima a baixo, parecendo querer decorar cada

curva.

— A gente devia ir com calma, né? — falei em um

tom de brincadeira, esperando que ele reparasse.


— Devia. Muito. — Só que ele não parou de me
beijar. Continuou e continuou, tornando tudo cada vez mais
insuportavelmente tentador. — Deus, você está tão bonita

neste vestido... — ele sussurrou contra a minha boca,


arfante, enquanto as mãos se colocavam em ambos os

lados do corpete, nas minhas costas, agarrando-os, como


se a vontade fosse de puxá-los e rasgá-los sem o menor
cuidado.

Era um deleite receber um elogio como aquele,

depois de viver tanto tempo na sombra de uma pessoa que


me humilhava e diminuía constantemente. Pensar que um

homem como Ethan me queria e me achava tão bonita me


fazia sentir feminina e mais confiante.

Não que uma mulher precise de um homem para


isso, de forma alguma, mas no meu caso foi como uma

injeção de ânimo.

Uma batidinha no vidro nos fez cair na risada,


porque tínhamos perdido completamente a noção. O carro
estava parado, e talvez já estivesse assim há algum tempo,
por isso saí do colo de Ethan.

Ele abriu o vidro, enquanto eu tentava me arrumar,


porque devia estar um caos, e então saltou, deixando a

porta aberta para mim e oferecendo a mão para me ajudar


a sair do carro também.

Dei-me conta de que estávamos diante de uma linda

casa, menor do que aquela onde aconteceu nossa


cerimônia, mas, ainda assim, uma pequena mansão. Olhei

ao redor e, apesar de ser noite, percebi que estávamos em

um condomínio fechado – e eu nem tinha me dado conta

de que havíamos entrado por algum portão. Tudo parecia


muito discreto e privado.

— Pensei em te levar a um hotel, uma suíte

presidencial, mas achei que nenhum de nós ia querer ser

importunado por fotógrafos e jornalistas. Esta casa é minha


também. Pertenceu aos meus pais e ficou comigo.

Teremos tudo à nossa disposição.


Assenti, balançando a cabeça e afastando-me de

Ethan para olhar ao redor. O lugar era lindo. A vista era


incrível. Quem precisava de hotel cinco estrelas?

— Isto aqui é perfeito — falei, com toda a

sinceridade, e ganhei mais um beijo.

Quando já estava completamente inebriada pelos

lábios de Ethan nos meus, mesmo que de forma suave e


bem mais gentil do que antes, fui pega de surpresa no

momento em que ele me ergueu no colo de súbito.

— Ah, meu Deus! — comentei em meio a risadas

por conta de sua atitude completamente inesperada. —


Nunca pensei que você fosse o tipo de homem tradicional

que acredita nesse negócio de carregar noiva pela soleira

da porta.

— Acho que você ainda tem muito a descobrir sobre


mim, Sra. Reeves.

Sra. Reeves... uau, e não é que soava bem?


Talvez eu tivesse mesmo muito a descobrir sobre

ele e, mais ainda, sobre aquele meu casamento que estava

começando surpreendentemente bem.

Fui levada até o quarto que seria meu e deixada lá,


com as minhas malas, que John ajudara a carregar. Tomei

um banho, tirei a maquiagem, deixei o cabelo solto, caindo

por sobre o ombro e vesti algo confortável. Talvez devesse

tentar um vestido mais sensual ou até uma camisola, mas


queria que Ethan me visse como eu era. Ainda não

conhecíamos tanto um do outro, então eu poderia usar

máscaras e fingir à vontade, mas não era o meu desejo.

Quando cheguei, ele também tinha optado por uma


roupa mais leve, com uma bata branca e uma calça de

moletom, e eu quase perdi o fôlego. Que homem ele era.

Sem tirar nem pôr.

Entregou-me uma taça de vinho, que eu aceitei e

rapidamente bebi. Não era porque eu estava doida de


tesão por ele que não iria ficar nervosa.
Ficamos um pouco em silêncio, ainda em pé,

próximos à mesa de jantar, de onde ele pegou as taças.


Naqueles momentos, ficava muito óbvio que éramos pouco

mais de dois desconhecidos, porque olhávamos de um

lado para o outro, e eu sentia que provavelmente ele


estava como eu: em busca de algo para mencionar que

fizesse algum sentido.

Então nós dois viramos as taças e tivemos a mesma

atitude: simplesmente nos colamos um no outro e caímos

em mais um beijo como o que demos no carro – intenso e


urgente.

Não havia necessidade de muita conversa. Ao

menos não naquele momento. Tínhamos começado uma

coisa no carro que precisava ser terminada. Porque


queríamos que fosse. Teríamos muito tempo para falarmos

e dialogarmos, nos conhecermos e encontrarmos nossas

qualidades e defeitos. Naquele momento, só precisávamos


um do outro.

— Tem certeza? Tem certeza, querida? Podemos...


— Shiuuu! — Calei-o com mais um beijo, e ele

correspondeu enfiando a mão por debaixo da blusa que eu

usava, sentindo a minha pele e deslizando-a até meu seio.

Conseguiu enfiá-la por debaixo do sutiã, e eu arfei quando


encontrou meu mamilo, sensível, e o acariciou.

Eu era virgem, como tinha falado para ele, mas não

era uma freira. Já tinha atingido certos estágios com alguns

rapazes, já tinha me dado orgasmos, só nunca cheguei às


vias de fato, porque nenhum me despertou exatamente o

que Ethan estava me despertando naquele momento.

Algo desenfreado. Louco. Desconhecido.

Assustador. Excitante.

Ele arrancou a minha blusa e me tirou do chão,


colocando-me sentada sobre a mesa. Lá, eu me remexi

para que conseguisse tirar meu short e a calcinha, e não

estávamos nem conseguindo pensar de tão rápido que as

coisas aconteciam. Quando me dei conta, ele já estava


com a cabeça entre as minhas pernas, e eu já começava a

gemer enquanto sua língua me torturava docemente.


Havia uma particularidade em Ethan, porque ele

parecia ser muito fã de toques. Suas mãos não paravam


em minuto algum, e seus dedos fortes pareciam querer

deixar marcas em mim de tanto que ele os afundava em

minha carne, mas sem me machucar.

Ele também parecia inquieto, insaciável, não parava


em um único lugar, tanto que não demorou a arrancar meu

sutiã também e levar a boca a um dos meus mamilos,

explorando o outro com a mão, enquanto me penetrava,

masturbando-me.

Joguei a cabeça para trás, gemendo baixinho. O


homem era um acontecimento, e eu mal conseguia pensar

com tantos estímulos, vindos de tantas formas. Como era

possível que conseguisse brincar com o meu corpo com


tanta facilidade?

Então ele me tirou da mesa e me colocou de pé, de

costas para si, e eu arfei quando empurrou meu torso em

direção à madeira, pensando que ele iria começar a transar

comigo ali mesmo, mas apenas voltou a me masturbar, e


eu gritei alto quando achou perfeitamente o ponto mais
sensível.

Por ainda ser muito inexperiente, eu não conhecia

sensações que certas posições poderiam proporcionar,

então foi revelador a ponto de eu sentir as pernas bambas.


Especialmente quando a boca de Ethan começou a deixar

mordidas sensuais ao longo da minha coluna, além de uma

bem mais intensa na minha bunda.

Ok... era nossa primeira vez, e o homem tinha a


fama de ser frio como gelo, mas eu o estava achando bem

quente e sem nenhum pudor.

Melhor assim.

Acabei gozando ali mesmo, sentindo que poderia ter

despencado no chão, se ele não me segurasse, me girasse


e me colocasse de frente para si, tirando-me do chão e me

colocando entrelaçada à sua cintura, caminhando comigo


até o segundo andar da casa.
Fui colocada no chão, ao lado de uma cama, de pé,
sem nem saber direito se era no meu quarto, no dele, por
qual caminho tínhamos seguido. Tudo que vi e do qual

tomei ciência nos minutos seguintes foi seu peitoral


musculoso despido, porque tirou a bata que escondia
aquilo tudo.

Não consegui conter minhas mãos de passearem

por seu corpo, seus braços, seu peito, e enquanto fazia


isso, ele ia se despindo da calça e da cueca, ficando
completamente nu à minha frente.

Arfei ao olhar para ele e fui imprensada contra a

parede, tomada novamente por um beijo quente, que


deixou rapidamente meu corpo febril, pronto para mais.

Ethan me deitou na cama, e eu vi que pegou uma


camisinha na cabeceira. Ok, aquele era o quarto dele.

— Ainda podemos parar. Temos muito tempo para


fazer isto acontecer.

— Temos, mas eu quero agora.


Ele era meu marido, não era? Então nada mais
certo do que o que estava prestes a acontecer.

Ethan começou a me beijar novamente, mas com


mais delicadeza, enquanto colocava a camisinha. Em

instantes estava dentro de mim, mas não tão fundo. Ele foi
avançando aos poucos, gentil, carinhoso, enquanto nossas

línguas continuavam fazendo amor antes de nós.

Precisei parar de beijá-lo quando a coisa começou a


ficar dolorosa, mas Ethan continuou marcando-me com
seus beijos, por meu rosto, meu pescoço, meu colo.

Chupou cada um dos mamilos, para fazer-me esquecer da


parte ruim, e eu permiti que continuasse, incentivando-o e
chegando a arquear o quadril para que fosse mais fundo

logo, porque sabia que viria uma compensação.

E esta veio, em forma do primeiro gemido, enquanto


ele massageava meu clitóris, conforme ia se
movimentando lentamente, com paciência.
Arqueei mais uma vez o quadril, e ele beijou a
minha testa.

— Calma, coração. Não estamos com pressa,

estamos? Vamos fazer isso direito. Vamos fazer ser bom


para você.

Assenti, balançando a cabeça.

— Olhe para mim. Fique olhando para mim.

Seus olhos estavam tão cálidos, como chocolate

derretido, que eles fizeram a mágica e me permitiram sentir


prazer. Aos poucos, Ethan foi conquistando meu corpo,

ganhando cada pedacinho dele e da minha mente. A cada


estocada ele ia aumentando a intensidade, mas nunca
desviávamos o olhar. Parecia uma forma de conexão maior

do que apenas física.

O primeiro gemido escapou quando eu o ouvi


grunhir também. Nossos corações pareciam acelerados
juntos, e nossas respirações se embolavam como um fio

invisível. Mais uma coisa a nos unir.


Quando gozamos quase juntos, senti que nos

tornamos marido e mulher. Era um contrato ainda, mas


estávamos ligados em corpo e, de alguma forma, em alma
também.
CAPÍTULO VINTE E UM

Eu era uma mulher casada. A ficha meio que caiu

no momento em que pude abandonar a casa de Shantel


para ir morar na cobertura de Ethan.

Não que me devesse explicações, mas ele me

contara que poderia ter escolhido uma casa como a de


Jake, mas achara muito espaço para uma pessoa só, e eu

não poderia concordar mais com isso. Acho que me


sentiria completamente perdida em uma mansão, por mais

funcionários e pessoas para nos ajudar que tivéssemos.

Fosse como fosse, a cobertura era perfeita, muito bem


decorada, moderna, elegante e havia um terraço com
piscina, além de um ambiente maravilhoso no qual eu já

me via relaxando com as crianças.

Pensei um pouco neles, se iriam estranhar o local

novo e consideravelmente menor em relação à casa de

sua mãe, mas eles ficaram à vontade muito mais rápido do


que eu.

O que muito mexeu comigo foi quando Ethan, no

tour pela casa, nos levou ao quartinho das crianças. Ele

explicara que ainda não conseguiria separá-los, porque ele


só tinha dois cômodos livres – um que seria o meu quarto,

inclusive –, mas o que ele fez foi sensacional.

Eu poderia jurar que não houvera tempo suficiente

para uma reforma, mas ele conseguiu o impossível: criou

um ambiente que meio que se dividia, sendo de um lado


todo decorado para uma menina e, o outro, para um

menino. Havia papéis de paredes que se completavam,

uma caminha de princesa e um berço lindo, armários,

estantes, livros, brinquedos, tudo o que duas crianças

como Emma e Owen poderiam sonhar.


Os dois, obviamente, amaram. Emma, com seu
jeitinho carinhoso, deu um abraço em Ethan, agradecendo,

e nós os deixamos lá, brincando com seus novos

brinquedos.

— Acha que eles vão estranhar? Moraram na casa

de Shantel desde que nasceram, não é? — Ethan

perguntou, preocupado.

— Talvez um pouco. Por enquanto é novidade, e


eles amaram o quartinho. Pode ser que daqui a alguns dias

comecem a perceber e compreender que não vão voltar

para lá. — Uma súbita tristeza me dominou. — Ou

melhor... não vão voltar por enquanto, né? Eles ainda são

filhos daquela louca. Não sabemos o que ela vai fazer.

Ethan colocou as mãos nos meus braços e me


girou, colocando-nos frente a frente, olhos nos olhos.

Nossa noite de núpcias fora incrível. Muito mais do


que eu poderia esperar. Fizemos amor várias vezes,

depois da primeira, e foi se tornando cada vez mais


prazeroso. Fazia dois dias, e ele não me havia tocado

novamente. Acho que nenhum dos dois queria dar um


próximo passo, principalmente porque não conversamos

sobre como seria. Na manhã seguinte houve um café da


manhã juntos, e nós funcionávamos bem como amigos,
aparentemente. Talvez fosse imprudente mudar o que

estava dando certo, então ainda me assustava um pouco.


Eu não queria me apaixonar.

— Eles não vão voltar para ela, Kayla — Ethan falou

com tanta convicção que era difícil não me deixar acreditar


em suas palavras.

— Shantel é a mãe. Será que não seria errado


adotá-los? Andei pensando nisso, e minha cabeça não

consegue decidir se vamos fazer algo certo.

— É o que você quer? Ser a mãe das crianças?

Lembrei-me imediatamente da confissão tão

chorosa de Emma no outro dia, de que queria que eu fosse


sua mãe, seguida por um “eu te amo”. Ela dizia isso o
tempo todo, e eu retribuía com o mesmo carinho, mas

daquela vez fora diferente. Era como se, desde que a mãe
partira, ela tivesse uma noção maior de quem deveria ou

não amar; de quem realmente cuidava dela e quem não a


valorizava quanto deveria. Era muito pequenininha, mas

não era boba. Era uma criança esperta e perceptiva, tanto


que não pedira explicação para toda a loucura que
aconteceu.

E também... quem conseguiria entender a razão de

a assistente de sua mãe estar se casando com seu


possível padrasto? As coisas mal faziam sentido em minha

própria cabeça, quanto mais na de Emma.

— Sim, é o que eu quero — respondi com


convicção.

— Então você as terá. A partir de agora, Kayla,


apesar daquela cláusula estúpida que me fez assinar, você

terá tudo o que quiser. O que eu puder te dar, será seu.


Não somente as palavras, mas a forma como Ethan
falou, soava como uma promessa muito tentadora. Eu não
seria louca de dizer que um homem tão poderoso que

falava aquele tipo de coisa não era algo que mexeria com o
meu imaginário. Não só depois de compreender como ele

era experiente, voraz e criativo na cama, mas pensando ao


nível de que, sim, ele teria condições de me dar o mundo,
se eu pedisse.

Mas eu não queria ver as crianças como um objeto

que poderíamos comprar, depois de vê-las em uma vitrine


e achá-las bonitinhas.

— Você tem que querê-las também. Ao menos no

início. Depois, quando nos separarmos, posso...

Ele levou um dedo à minha boca, delicadamente,


pedindo-me para que não prosseguisse.

— Primeiro: ainda não sabemos se vamos mesmo


nos separar. Ou quando vai acontecer. Talvez dê certo.
Não quer levar essa possibilidade em consideração?
— Claro que quero.

— Pois é. Então se você me disser que acha que eu


vou abandonar as crianças em algum momento, vou me
sentir ofendido. Se nos separarmos, daqui a dois anos,

como estipulado no contrato, continuarei sendo o pai delas.


Já estava pronto para isso quando aceitei me casar com

Shantel e estou disposto a manter minha convicção. Além

do mais, se não fosse por elas, acho que minha farsa com
aquela mulher não teria durado nem meio dia. — Não

consegui não rir da forma como ele falou. — Não sei se o

ponto alto daquele nosso encontro foi a Emma acusando


que Shantel não é vegana ou ela não lembrando que a

filha não pode comer amendoim.

Gargalhei ainda mais alto.

— Seria mais engraçado se não fosse trágico.

Imagina aquela mulher levando os filhos em um


restaurante? É estranho ter medo de deixar as crianças

com a própria mãe.


— É exatamente por isso que o certo é tirá-los dela.

Não tem nada a ver com uma vingança boba pelo que ela
fez. Tem a ver com o bem-estar dos dois e com o que

podemos proporcionar. Por mais que nosso casamento

ainda seja um negócio — ele enfatizou o “ainda”, o meu me


levou a respirar bem fundo. Ethan estava mesmo disposto

a mudar as coisas entre nós —, vamos criar um lar para

eles, vamos cuidar, ensinar, amá-los. Sei que minha fama

não é das melhores, mas não sou um monstro.

Meus lábios se curvaram em um sorriso.

— Sei que não é. Longe disso.

Houve uma troca de olhares entre nós, e eu cheguei

a erguer a mão para tocar seu rosto, mas hesitei.

Tínhamos feito amor, ele fora meu primeiro homem, tirara a

minha virgindade, e nós estávamos casados, mas não era


tão simples. Nós nos conhecíamos muito pouco e tudo

acontecera ao contrário em nosso relacionamento. Ainda

precisávamos resolver tantas pendências, descobrir tanto


um sobre o outro... Aff! Era tudo muito confuso.
Percebendo minha hesitação, Ethan se afastou e

abriu a porta do meu quarto, mostrando-o e informando

que eu poderia modificar tudo o que eu quisesse –


completamente diferente do que Shantel fizera.

Ele me apresentara aos dois funcionários que

trabalhavam com ele: John e Lucy. Ele era motorista e

cuidava da parte externa da casa: piscina, jardins e etc.

Era um policial aposentado – apesar de não ter uma


aparência mais velha – e tinha porte de armas, o que

facilitava para a segurança de um homem tão poderoso. Já

Lucy era uma mulher de uns trinta e cinco anos, que


cuidava da cobertura inteira e fazia as refeições. Os dois

eram simpáticos e ficaram doidos nas crianças. Acreditei

que nos daríamos bem.

Depois de instalados, Ethan nos chamou para

relaxarmos na piscina, e foi a alegria das crianças. Deixei-


os um pouco sozinhos, enquanto lia numa espreguiçadeira,

porque queria que construíssem um relacionamento, já que

seriam uma família.


Ethan realmente tinha jeitinho com eles, e eu sabia

que era pelo fato de ter tido muito contato com o irmão
bebê. Ele os fazia rir e ensinou algumas brincadeiras para

as crianças, olhando para mim de soslaio algumas vezes,

quase buscando minha aprovação.

Era engraçado pensar no que ele tinha falado mais


cedo sobre ser um monstro, como as pessoas tanto

insistiam por toda parte. Não poderia haver mentira maior

do que essa. Ethan era inseguro e, provavelmente, tinha

muita dificuldade em confiar nas pessoas, embora, de


alguma forma, tivesse ido com a minha cara. Talvez a briga

com Dyllan e a forma como o público o via e o tratava

tivessem minado sua fé nos outros. Esperava conseguir


fazer alguma diferença em sua vida.

À noite, nós nos reunimos na sala, e Emma pediu

para vermos Encanto, pela milésima vez. Revirei os olhos,

porque até eu já sabia o filme inteiro de cor, mas a


interação dela com Ethan, explicando as coisas – e ele

fingindo que estava completamente interessado –,

acabaram tornando o momento muito significativo.


Owen dormiu no meu colo, na primeira meia-hora,

mas Emma continuou animada, dançando e cantando

junto, até fazendo menção a Dyllan – o que me deixou um

pouco preocupada, mas ele levou numa boa.

A menina só foi se cansar mesmo mais para o final


do filme, quando se acomodou no colo de Ethan, em uma

demonstração de confiança que aqueceu meu coração.

Assim que ela se encostou em seu peito, aninhando a


cabecinha, eu quase me emocionei.

Ethan olhou para mim, meio perdido, e eu apenas

sorri.

— Ela gosta de você.

Ele suspirou e colocou a mão enorme na cabecinha

de Emma, fazendo-lhe cafuné enquanto a criança parecia


ir caindo no sono devagar.

— Gosto muito dela também — foi o que ele disse,

quase surpreso consigo mesmo.


Demos mais alguns minutinhos, até que o filme

terminou, e nos levantamos, levando as crianças conosco.


Ethan, grande como era, carregava Emma como se ela

fosse feita de cristal e da mesma forma a colocou na cama.

Enquanto caminhávamos para nossos quartos, bem

lentamente, parecíamos dois bobos que tinham saído de


um primeiro encontro, sem saber o que dizer. Foi Ethan

que puxou papo, mas foi quase um assunto de elevador.

— Até que o filme é bem bonitinho — falou, sem

graça.

— É lindo. Mas quando se vê pela vigésima vez

meio que perde o “encanto”. — Usei os dedos para imitar o


sinal de aspas por causa do trocadilho.

— Imagino...

Paramos diante da porta do meu quarto, e eu sabia

que era hora de dizer boa noite. Queria muito me convidar


para dormir com ele, ou para que ficasse comigo, mas

ainda me sentia muito envergonhada. Mesmo depois de


tudo que fizemos, ainda havia um pequeno abismo entre
nós.

Acreditava, de verdade, que conseguiríamos

superar essa hesitação, mas precisávamos dar tempo ao

tempo.

— Para um primeiro dia, não foi nada mal, não é? —


ele falou, ainda com aquele jeitinho levemente tímido, que

eu, particularmente, achava adorável.

— Nada mal mesmo. Acho que com as crianças

você ganhou um milhão de pontos.

Ele deu um passo à frente, colocando-se muito

perto.

— E com você? — a voz saiu sussurrada, gentil e


muito sexy.

Precisei respirar fundo, antes que perdesse

completamente a cabeça.
— Você tem ganhado muitos pontos comigo todos
os dias, Ethan.

Era tudo o que eu poderia responder. Ele pareceu


satisfeito com a resposta, encostou os lábios na minha

testa e se afastou.

Ué... nada de beijos alucinantes, toques intensos?


Não ia me levar para a cama?

— Boa noite, Kayla! — foi tudo o que ele disse antes


de entrar em seu próprio quarto.

Por que será que eu tinha uma impressão de que


era tudo parte de uma estratégia muito bem montada para
que eu ficasse confusa e desejando-o ainda mais?

É... Ethan seria um adversário muito interessante

contra o qual jogar.


CAPÍTULO VINTE E DOIS

Desde que Kayla e as crianças foram morar na

minha casa, dois dias atrás, a vontade de sair, até mesmo


para trabalhar – que era algo que eu adorava – começara a
se tornar ainda mais rara do que antes, o que deveria ser

algo a se levar em consideração quando dito a respeito de


um homem completamente antissocial. Seria essa mesmo

a sensação de ter uma família? De ter filhos,

principalmente?

Era algo muito, muito estranho pensar que se eu

passasse apenas oito horas fora de casa, eles fariam


alguma coisa engraçadinha ou descobririam algo novo, e

eu não estaria por perto para ver. O que era absurdo,


levando em consideração que já tinha perdido tempo

suficiente de cada um para não ver os primeiros dentinhos,


primeiros passinhos... Emma então... ela era tão sabida,

tão divertida, e nada fora influência minha.

Eles não eram meus, na verdade, mas a cada


momento que compartilhavam eu queria mais e mais que

fossem. Queria lhes ensinar tantas coisas...

Porra, eu estava me tornando um bobão por aquelas

crianças. As duas conseguiriam facilmente o que


quisessem de mim.

E não era muito diferente com Kayla. Como era

possível que uma mulher fosse tão doce e me trouxesse

tanta sensação de paz? E como era possível que eu não

tivesse a menor noção de que era exatamente isso que eu


precisava até finalmente tê-la?

Foi exatamente por todas essas coisas, pelas boas


companhias que eu tinha em casa, que ir para a empresa,

para ter uma reunião extraordinária, me deixou tão puto.


Eu tinha tirado alguns dias de folga, por causa do
casamento, mas Krista me alertara de que era algo muito

importante; e eu sabia que só podia ter a ver com Shantel,

porque Rachelle também me enviou mensagem dizendo

que eu não deveria me atrasar.

Fiquei afastado das mídias sociais naqueles últimos

dias, mas sabia que minha equipe estava trabalhando

arduamente para conseguir criar uma história romântica o


suficiente para que as pessoas a comprassem e ficassem

do nosso lado.

Para ser sincero, eu estava pouco me fodendo para

tudo. Só queria viver minha vida, continuar meu trabalho,

mas entendia que minha empresa dependia disso. As

pessoas que trabalhavam comigo, principalmente aquelas


que estavam envolvidas no projeto do streaming,

precisavam de seus empregos. Era por elas, e também por

Kayla e pelas crianças, que estava entrando no jogo.

Já reunidos na maior sala da empresa – com Kayla

presente, inclusive –, Krista se levantou, com uma


apresentação pronta, mas levando algum tempo para

começar a falar.

— Estou ficando até nervoso aqui... o que a Noiva

de Chuck aprontou desta vez e o quanto isso vai nos

custar? — Jake perguntou, preocupado.

Krista abriu um sorriso.

— Eu acho que desta vez ela cavou tão bem uma

sepultura, que nem nós mesmos conseguiríamos fazer


melhor.

Fiquei surpreso. Olhei para Kayla e percebi que


estava no mesmo estado que eu.

— Olhem isso. — Ela deu start na apresentação.

Nunca fora muito boa naquele tipo de coisa, mas como era
um pouco mais da antiga, ainda achava que Power Point
era a melhor coisa que inventaram, e ela conseguia fazer

umas coisas bem estranhas no programa, mas a gente se


virava com o que tinha.
Na tela, encontramos um post da conta pessoal e

oficial de Shantel. Tratava-se de um banner todo preto com


uma legenda em branco, como se tivesse sido escrita por

uma máquina de escrever: “VAMOS FALAR SOBRE


INVEJA”.

Senti um calafrio, mas Krista dissera que as coisas


tinham funcionado mais para o nosso lado, não fora?

Precisava confiar nela.

— Shantel postou exatamente este texto no


Instagram dela...

Comecei a ler, e quase tive vontade de tirar Kayla

dali, de tantas ofensas gratuitas que eram jogadas em


cada palavra. Parecia que a máscara havia caído, e a
mulher decidira revelar sua verdadeira faceta. Chamara

Kayla de vadia, acusara-a de sempre ter querido ser ela,


tanto que roubara seu homem, seus filhos e que

provavelmente, em breve, encheria a cabeça de todos com


mentiras.
Claro que ela estava se preparando. Kayla sabia
muitos segredos de Shantel que poderiam destruí-la. A
carta onde ela abandonava os filhos sob os cuidados de

sua assistente para passar férias com o novo marido,


provavelmente, era uma das tais mentiras que ela alegara,

porque fora suficientemente esperta para digitá-la e não


escrevê-la em punho.

Ainda não conseguia enxergar, naquela história


toda, uma vantagem para nós.

— Meu Deus! Como ela tem coragem? — Kayla

parecia verdadeiramente magoada. E com razão.

— Krista, eu realmente não estou entendendo


aonde quer chegar — falei com um pouco mais de decisão.

— Porque se é para ser uma chuva de ofensas gratuitas à


minha esposa, prefiro que pare.

Kayla olhou para mim, com os olhos marejados,


mas gratos, e a minha vontade naquele momento foi tomá-
la nos meus braços e apertá-la contra o peito.
— Calma, Ethan. Temos um motivo — Rachelle
apaziguou as coisas, então eu decidi esperar.

— No dia do casamento, eu e Judith preparamos


todo o storytelling que seria iniciado a partir daquele

momento. Nós precisamos expor um pouco a questão das


crianças, do abandono, e que vocês dois acabaram se

unindo por elas, para que tivessem um lar. Foi uma coisa

emocionante, juro. Lemos o post até para a nossa


governanta, e a mulher chorou! — Krista fez uma pausa

depois da ênfase toda que deu na palavra, como se

estivesse em um palco, tentando entreter a audiência.


Deixamos que prosseguisse: — Então, o que aconteceu foi

que eu acho que algumas pessoas, a partir deste dia,

começaram a ficar um pouco contra Shantel. Tivemos


muitos comentários como estes:

Lá estava mais uma página passada do Power Point

de Krista, com prints de comentários, provavelmente

tirados da minha conta de Instagram e também da de

Kayla.
A maioria deles tinha muito em comum, e as

pessoas pareciam chocadas com o fato de Shantel ter


deixado os filhos para trás. Ela poderia alegar que a carta

fora forjada, mas as crianças tinham realmente ficado. Isso

não podia ser vendido como mentira.

— Então seguimos postando algumas fotos do


casamento. Algumas delas mostravam as crianças

entretidas com vocês dois. Isso, é claro, antes de Dyllan

meio que estragar as coisas. — Todos nós ficamos um


pouco desconfortáveis com a menção ao ocorrido, mas ela

prosseguiu: — No geral conseguimos conquistar algumas

pessoas. Só que o post hoje de Shantel pareceu se virar

um pouco contra ela.

— Como assim? — Kayla perguntou.

— Bem... Ela sempre foi vista como um modelo de


perfeição, né? Pregava sororidade e todo o resto. Então, a

forma como tratou você, as palavras que usou... Tudo isso

repercutiu muito mal. Claro que muita gente ainda a


defendeu, e eu sei que vai demorar para que consigamos

um resultado significativo, mas achamos um começo.

Então Krista mostrou mais prints de comentários,

daquela vez feitos na conta de Shantel. De fato, as


pessoas pareciam confusas com a atitude dela, com a

agressividade, os palavrões e as ofensas. Também

comentaram sobre o que ela tinha a dizer a respeito das

crianças, como as deixara com uma mulher em quem ela


aparentemente não confiava, e era disso para pior.

— Não conseguimos coletar muito mais coisas,

porque depois de três horas de postado, Shantel deletou a

publicação. Então imaginamos que a assessoria dela não


estava envolvida nisso.

Mais um slide passado, e vimos uma foto de Shantel

em uma praia. Uma foto good vibes, mostrando seu belo

corpo, caminhando com a cabeça baixa, em um sinal de

humildade, com o sol se pondo logo atrás, no horizonte. Na


legenda, apenas uma frase: “tempo de refletir”.
— Esta foi a foto que ela postou no lugar. Vejam

mais comentários...

E fomos surpreendidos por mais prints de


questionamentos de pessoas a respeito dos filhos de

Shantel. Outras a chamavam de péssima mãe, de fingida,

falsa, mascarada e até coisas piores.

— Até o momento ela não postou mais nada.


Provavelmente vai dar algum tempo até a poeira baixar,

mas não vamos permitir que isso aconteça — Krista falou,

animada. Ela provavelmente estava se achando a própria

estrategista de guerra com tudo aquilo.

— O que vocês pretendem fazer? — Até mesmo

Jacob, que era o palhaço da turma, estava sério, sem

piadinhas.

— Jacob, não vai ter aquela premiação musical no


final de semana? — Rachelle perguntou, aparentemente

sabendo de tudo.
— Sim, é uma premiação para os destaques do ano

da música, e nós temos cinco artistas da gravadora

concorrendo.

— Ótimo. Vamos colocar Ethan e Kayla na lista VIP,

com você, tudo bem? — Krista indagou.

— Por mim, sim. Mas acho que nosso irmãozinho


caçula vai estar lá, não é Rach?

Aquilo me surpreendeu.

Todos nós olhamos na direção de Rachelle.

— É, sim. Ele vai. Está saindo com a baterista do

Harmony 9 — Rachelle se mostrou desanimada, como


sempre acontecia quando mencionava uma das novas

conquistas de Dyllan.

Que filho da mãe! Harmony 9 era uma banda

formada por cinco meninas, todas super bonitas, que


faziam um som meio Synth-pop dos anos 80, com

influências de The Weeknd, Panic! At the disco, e estavam


indo muito bem. Queríamos muito tê-las contratado para

nossa gravadora, mas uma concorrente as captou primeiro.

Dyllan não era exatamente um pegador como


poderia ser, se quisesse. Só que ele não era o mais

comportado também, e eu nunca entendia o porquê de ele

e Rachelle não ficarem juntos, já que havia um sentimento


entre os dois. Sempre alegaram que não queriam estragar

a amizade, mas algo me dizia que acabariam fazendo isso,

de um jeito ou de outro, caso continuassem se enganando.

— Se vocês se comportarem, meninos, sem caírem

na porrada, as coisas vão dar certo — Krista alertou. —


Precisamos que Kayla apareça em algum evento assim.

Ela é bonita, carismática, simpática e acessível. Queremos

que muitas pessoas tirem fotos com ela, e podemos fazer


acontecer. Também queremos que ela use o vestido mais

bonito possível para que seja comentada em todos os

lugares. Vamos fazer a noite ser inesquecível.

Aquela estratégia era boa, eu sabia disso, mas

custaria muito para Kayla, que não estava acostumada.


Olhei para ela e a vi esfregar uma mão na outra, nervosa,
então coloquei a minha sobre as dela, tentando acalmá-la.

— Se você não quiser, não fazemos isso... — falei,

direcionado a ela, e era verdade. Podíamos conseguir as

coisas de outra forma. E por mais que a nossa equipe


estivesse disposta a ser agressiva, ninguém iria obrigá-la a

algo que não estava com vontade de fazer ou para o qual

estava insegura.

Só que eu a vi empertigar o corpo, o que me encheu


de orgulho, e ela falou por entre os dentes:

— Não! Nós vamos! Aquela doida vai engolir a

língua pelo que falou de mim!

— Ah, cunhadinha! É assim que se faz! — Jake se

animou um pouco mais, e todos nós sorrimos.

Nós realmente tínhamos começado uma guerra,


mas algo me dizia que a minha parceira de crime era muito
mais do que seu jeitinho delicado demonstrava.
Poderíamos vencer, e eu queria muito que isso
acontecesse. Por ela e pelas crianças.
CAPÍTULO VINTE E TRÊS

Está tudo bem. Vai dar tudo certo – era o que eu

repetia para mim, enquanto me olhava no espelho,


observando a arte que a equipe contratada por Ethan fizera
no meu rosto. Eu não fazia o tipo que curtia maquiagem

pesada, e nem era o caso ali, mas o pessoal caprichou,


porque o tipo de evento ao qual iríamos pedia algo um

pouco mais pesado.

O vestido que escolhi, com a ajuda de Rachelle, era

um sonho. Levando em consideração que o conseguimos

aos quarenta e cinco do segundo tempo, ele era tudo o que


eu poderia esperar e ainda mais.
Era preto, tomara que caia, com alguns detalhes em

prateado no busto e caindo pelo corpete, com uma saia


aberta, mas com uma fenda bem grande, que ia da barra

até um pedaço da minha coxa, sendo revelador e sexy na

medida certa.

Meus cabelos estavam mais longos, por conta de

um aplique que fora colocado perfeitamente, em um tom

idêntico, e eles caíam um pouco abaixo do tamanho


original, apenas dando mais volume, e o penteado

escolhido fora inspirado nas belíssimas atrizes dos anos

quarenta.

Eu mal conseguia me reconhecer no espelho, mas,

ao mesmo tempo, era a mesma mulher de sempre ali.


Quando me virei para as crianças, pronta – porque elas

estavam me observando, sentadinhas na cama –, a

carinha de Emma foi tudo o que eu precisava para ganhar

ainda mais confiança. Por mais que soubesse que ela me

acharia linda mesmo se tivesse acabado de tomar um

banho de lama, sua boquinha aberta era sincera demais

para que eu negligenciasse.


— Tia KayKay, você parece uma pincesa. Quelo um
vestido assim!

Aproximei-me dela e dei um beijinho em sua

cabeça. Fiz o mesmo com Owen, que balbuciava algumas

coisas, que eu queria acreditar que eram palavras

próximas de “linda”, enquanto batia palminhas.

— Um dia você vai usar um, e vai ficar ainda mais

linda.

Ela pareceu animada com isso, então a porta se

abriu. Lá estava Maddie, que iria ficar com as crianças. Por

mais que eu confiasse nos funcionários de Ethan, Emma e

Owen ainda não estavam exatamente acostumados com

eles, por isso um rosto conhecido seria mais seguro. Por

mais que não quisesse receber por isso, eu e Ethan


insistimos, e já que estava desempregada, minha amiga

topou receber pelo trabalho de “babá”.

— Pelo amor de Deus, Kayla! O que é isso? Estou

diante de uma diva de Hollywood? — Minha amiga pegou


minhas mãos e me fez girar o corpo, para que visse o

vestido por inteiro, e eu realmente me sentia cada vez mais


bonita. — Aquela Barbie Maluca não vai ter nenhuma

chance.

— De acordo com Jacob, a gente pode chamá-la de


Noiva de Chuck. — Vi que Maddie queria rir, mas ela se
segurou. Por algum motivo, tudo que tinha a ver com Jake

era imediatamente rejeitado por sua alma desconfiada. —


Falando nisso, ele ainda não conversou com você sobre o

emprego?

— Eu recebi alguns e-mails. Ele quer conversar


comigo. Sei que estou precisando, Kay, mas ainda não é
fácil para mim acreditar em um cara como ele. Você sabe

tudo que aconteceu.

— Será trabalho, querida.

— É exatamente esse o problema. Teremos muito

convívio, e ele terá muitas chances de... — Maddie


interrompeu a si mesma, forçando um sorriso no rosto. —
Não é hora de falar isso. É sua noite de brilhar. Seu

homem está esperando lá embaixo e preciso dizer que ele


não está nada mal também.

Ah, eu podia imaginar...

Só que não estava nem perto da realidade.

Eu costumava ver Ethan de terno, desde que

começamos a morar juntos, e o vi de smoking no nosso


casamento, mas estava tão nervosa naquele dia que mal
consegui apreciar toda a visão.

Só que havia uma coisa mais bonita do que um


homem grande e com um corpo perfeito, dentro de um

smoking, com direito a gravata borboleta e tudo, mão nos


bolsos, cabelos bem-penteados: um homem que olhava

para você como se tivesse acabado de encontrar a oitava


maravilha do mundo.

Quando me aproximei, sorrindo, ele deu uma


respirada bem funda, remexeu-se e tentou colocar para
fora alguma coisa mais de uma vez, mas era como se o
gato tivesse comido sua língua.

— Uau... eu não tenho nem palavras.

Sorri, complacente.

— Isso é mais do que suficiente.

Comecei a me afastar, na direção da saída da casa,

no melhor estilo saída triunfal, para parecer super blasé


com o acontecimento, embora minhas pernas estivessem

bambas com seu olhar. No entanto minha estratégia foi por


água abaixo quando tive meu braço firmemente agarrado e
fui puxada na direção de Ethan, de volta, colidindo com seu

peito. Uma mão na minha nuca, uma na altura da curva


das minhas costas com meu bumbum, e eu fui beijada.

Nossa... beijada, não. Eu fui arrebatada.

Inesperadamente.

Fazia alguns dias que Ethan não me tocava. Desde


nossa noite de núpcias, vínhamos dormindo em quartos
separados, e a maior parte do tempo só ficávamos juntos
com as crianças até elas dormirem, depois conversávamos
e, por fim, nos despedíamos na porta do meu quarto, para

onde ele me acompanhava.

O beijo era uma novidade bem-vinda. Não era a


primeira vez que acontecia, porque já tínhamos trocando

alguns maravilhosos, mas daquele jeito, sem que eu

percebesse, sem que eu imaginasse, teve um gosto ainda


melhor.

Ele colocou uma mão delicada no meu rosto, e sua

língua veio como uma carícia gentil, lenta e cadenciada.

Não era um beijo violento para me tirar o ar. Era um


presente. Uma conquista.

Quando Ethan me soltou, eu poderia jurar que

derreteria no chão e sobraria apenas aquele belo vestido

como algo tangível.

— Pronto. Agora nós podemos ir.


Fácil para ele, né? Esperava que estivesse ao

menos um pouquinho tão abalado quanto eu.

Nós nos despedimos das crianças, que eu sabia que


iriam demorar para dormir – pobre Maddie –, e entramos

no carro. Não o de sempre, que já era extremamente

luxuoso, mas uma verdadeira limusine.

Eu já tinha entrado em algumas, por causa do meu


trabalho com Shantel, mas nenhuma delas fora naquele

nível. Levando em consideração que ele não era

extremamente ostentador, embora sua cobertura fosse


luxuosa e opulenta, ainda não tinha muita noção do quão

milionário ele era, mas supunha que era muito.

Ridiculamente rico.

O que me tornava a esposa de um bilionário. Ainda

era um pouco surreal.

Chegamos ao local do evento, e os flashes

começaram a nos receber, tão frenéticos que eu poderia

jurar que acabaria ficando zonza. Vozes chamavam nossos


nomes, pediam declarações e mencionavam Shantel.

Queriam saber sobre as crianças, se era verdade que as

abandonou; queriam saber sobre o casamento, sobre


absolutamente tudo.

Minha vontade era sair dali correndo, voltar para o

carro e pedir que John nos tirasse daquele lugar o mais

rápido possível. Não era difícil compreender o motivo de

Ethan ser tão reservado, porque as pessoas podiam ser


agressivas quando queriam. Elas desejavam saber sobre

nossas vidas, desde as partes mais privadas até aquilo que

nós mesmos divulgávamos. Éramos como produtos.

Shantel sempre gostou de tudo aquilo. Eu, não. Só


que era uma hipocrisia, porque meu sonho desde menina

era ser atriz. Mas mais pela profissão em si do que pelo

que ela proporcionava. A fama insana nunca esteve nas

minhas prioridades.

Fosse como fosse, nós estávamos naquele evento


para causar. Não podíamos passar despercebidos. Era

parte da estratégia.
Ao longe, enxerguei Jacob e Rachelle chegando, de

braços dados. Ambos extremamente elegantes, assim


como eu e Ethan, e a moça, assim que percebeu o que

estava acontecendo, também olhou para mim, dando-me

incentivo.

Então eu decidi que precisava fazer algo, porque


Ethan estava começando a ficar irritado, e eu temia que

acabasse socando um dos papparazzi, o que não seria

nada bom.

— O que temos a dizer é que estamos juntos, não

só como um casal, mas na luta para proteger duas


crianças que não deveriam ter sido inseridas nessa história

toda. Tudo o que eu queria era que eles fossem amados

pela mãe, porque os dois são tão incríveis... — Não havia


uma única linha de falsidade na minha fala, e as lágrimas

que começaram a marejar meus olhos eram

completamente sinceras também. Funguei um pouco e


aceitei um lenço que um dos jornalistas me ofereceu, o que

lhe garantiu um sorriso e um agradecimento.


— O que minha esposa está tentando dizer é que

não estamos preocupados com inveja, com nenhuma

repercussão negativa sobre nós. Nossas prioridades agora

são Emma e Owen — Ethan falou com segurança. Ainda


mantinha aquele jeitão dele meio travado, a voz muito

grossa, a postura rígida, mas me encheu de orgulho por

estar tão controlado.

— Vimos que vocês têm a intenção de entrar na


justiça pela guarda deles — um dos repórteres soltou.

— Não será um caminho fácil, mas faremos tudo o

que for possível para protegê-los e lhes oferecer um lar

seguro. Shantel os deixou com Kayla; e ela pode negar o


quanto quiser, mas nós sabemos a verdade. Se é mentira,

por que as crianças estão conosco? Por que ela não as

levou? — Ethan prosseguiu, ainda muito firme.

— Ela alega que eram apenas férias... — uma

mulher, com um gravador na mão, falou.


— Nós sabemos bem a verdade e temos todos os

empregados da casa de prova, porque eles também foram


avisados. Vamos entrar na justiça e vamos ganhar.

Cansado de toda a baboseira, Ethan entrelaçou o

braço no meu e me puxou delicadamente, fazendo-me

andar pelo tapete vermelho; uma indicação de que não


deveríamos mais dar declaração nenhuma. Foram

instruções de Krista também – “falem apenas o necessário

e se mandem”. Era o que estávamos fazendo.

Logo nos juntamos a Jake e Rachelle, o que me fez

sentir um pouco mais segura. Não que a presença de


Ethan já não ajudasse bastante nisso, especialmente

depois de suas declarações precisas, mas os outros dois

proporcionavam uma leveza ao ambiente e eram parte da


nossa “liga da justiça”, por assim dizer.

— Arrasou, cunhadinha. O choro foi o tempero

principal — Jake comentou, depois de me dar um beijo no

rosto.
— Pior que foi sincero.

— Por isso foi ainda mais significativo. — Ele deu

uma piscadinha para mim, com um sorriso, e nós quatro

entramos na propriedade onde estava acontecendo um

evento.

Eu sabia como funcionava aquele tipo de


premiação. Haveria shows, alguém apresentando e

fazendo gracinhas, o anúncio das categorias, discurso de

vencedores e todo o resto. Seria longa, e eu precisava me


preparar para isso.

Shantel não estava à vista, mas todos nós sabíamos

que ela apareceria, eventualmente, porque, apesar de seu


marido não ter sido indicado para categoria nenhuma, fora

convidado para fazer uma apresentação. O rapaz, de fato,


era talentoso, e eu tinha até pena de onde estava se
metendo.

Antes de tudo começar, fomos conduzidos a uma


recepção elegante, com alguns comes e bebes, e eu logo
peguei uma taça de champanhe, esperando que um pouco
de álcool me acalmasse. Ao perceber minha insegurança,
Ethan colocou a mão no meu braço e sussurrou no meu

ouvido:

— Você foi ótima. Está linda. Não tem


absolutamente nada que temer. Como eu disse lá fora,
estamos juntos.

Sim, nós estávamos. E eu ia confiar nisso.

Bebi mais um gole da champanhe, depois de sorrir

para Ethan, e nós continuamos no nosso canto, com Jacob


e Rachelle de companhia.

Não demoramos para avistar Dyllan em um canto,

com a tal baterista. A tensão nos tomou novamente, e eu vi


os olhos de Rachelle se tornarem um pouco mais
melancólicos. Não havia dúvidas de que ela era

apaixonada pelo cara. E há muito tempo. Como seria viver


algo assim? Amar alguém em silêncio, assistir a pessoa se
envolvendo com outras e não poder fazer nada?
Olhei para Ethan, ao meu lado, começando a
analisar meus sentimentos por ele. Gostava de sua
companhia e vinha me surpreendendo, dia após dia, com o

quão gentil ele poderia ser. Não era exatamente um


homem divertido, bem-humorado, e muitas vezes eu o

sentia sério e muito severo, mas nunca agia assim comigo


ou com as crianças. Pelo contrário.

Tínhamos química, o que fora comprovado na noite


em que fizemos amor e a cada beijo. Antes de sairmos de

casa, a forma como me tocou, me deixou em chamas


muito rápido, e eu podia me perder facilmente com a
maneira como me olhava.

Mas seria paixão? Estaria eu apaixonada por aquele

homem ou seria unicamente uma atração? Não éramos


indiferentes um ao outro, isso eu sabia muito bem. Só
que... como seria com o passar do tempo?

Bem, talvez não fosse hora de pensar naquilo,

porque o primeiro toque, indicando que o evento iria


começar, foi ouvido, e nós quatro nos dirigimos para os
lugares que nos eram reservados.

Quando estávamos nos acomodando, Rachelle, ao

meu lado esquerdo – enquanto Ethan se colocara do meu


direito –, me cutucou, apontando para um local específico.
Lá estava ela. Shantel. Usava um vestido prateado,

bastante revelador, cheio de brilhos e estava mais


bronzeada do que nunca. Bonita, também, eu não podia

negar. Ela se cuidava e tinha um tipo de rosto que não era


fácil de esquecer. Fora feita para Hollywood, para uma
câmera, sem dúvidas. E ela sabia fazer burburinho com

tudo.

Claro que sua chegada foi um acontecimento. Seu


nome estava sendo mencionado por toda parte, das
melhores e das piores formas, mas ela fez questão de ser

notada, chegando quase atrasada, rindo alto ao falar com


alguém, cumprimentando um cantor bem famoso – com
quem eu podia jurar que tinha tido um caso – e... bem...

sendo ela mesma. Ou aquela que fingia ser.


Não consegui não reparar no momento em que

olhou bem na minha direção, antes de se acomodar. Senti


seu olhar mortal recaindo sobre mim, como lâminas
prontas para serem lançadas na minha direção, desejando

me atingir.

Aquela mulher seria uma vilã poderosa na minha


história. Ela não estava nem um pouco satisfeita com a
reviravolta que a pegou de surpresa. Com certeza jurou

que sua assistente mosquinha morta iria aceitar a missão


de cuidar de seus filhos sozinha, enquanto ela se divertia

em lugares bonitos, com seu novo marido.

Mas se eu tinha virado o jogo uma vez, precisava

demonstrar que não tinha medo dela. Então eu apenas


sorri, de canto, provocadora, esperando que ela

entendesse que eu também estava disposta a ser uma


baita de uma adversária.
CAPÍTULO VINTE E QUATRO

Exatamente como eu já sabia, o evento foi longo. O

apresentador daquela noite não era exatamente o mais


divertido, e por mais que fosse um comediante famoso,
com um texto muito bom, parecia estar ali mais por

obrigação do que por querer mesmo. Consegui dar


algumas risadas, mas porque me esforcei muito, enquanto

Ethan, ao meu lado, sustentava a expressão mais

entediada possível, checando seu caríssimo relógio de


pulso de uma em uma hora.

Não precisava ser um gênio para entender que ele


realmente odiava aquele tipo de coisa.
A apresentação do marido de Shantel até que foi

bem legal. Como sempre pensei, o garoto tinha talento,


mas era jovem demais e com certeza não percebia que

estava sendo usado em um jogo cruel. Tanto que cantou a

música inteira olhando para ela e ainda fez uma declaração


de amor bem fofinha. O que não sabíamos era se ele

estava mesmo tão apaixonado quanto dizia estar ou se era

tudo uma estratégia de marketing muito bem montada pela


assessoria dela. Fosse como fosse, o menino era apenas

um peão nas mãos de pessoas muito mais experientes do

que ele, que com certeza estavam lhe prometendo fama e


poder.

Ele foi bastante aplaudido e sua apresentação foi a


última antes do anúncio do intervalo. Ainda bem, porque eu

já estava desesperada para ir ao banheiro.

Anunciei aos meus companheiros daquela noite, e

até jurei que Rachelle iria me acompanhar, mas seu

telefone tocou bem na hora, com Krista lhe chamando para

saber de tudo. Estava assistindo à transmissão ao vivo do

evento e telefonara no timing certinho.


Decidi ir sozinha, de qualquer forma. Ethan queria
me acompanhar, mas achamos que isso poderia dar uma

sensação de posse, porque as pessoas estavam doidas

para inventar qualquer coisa a nosso respeito. Além do

mais, havia câmeras por toda parte naquela noite.

Qualquer coisa que acontecesse seria filmada, não havia

necessidade para medo.

Ou, ao menos, era o que eu pensava.

Minha ida ao banheiro foi tranquila. Consegui

retocar a maquiagem, depois de fazer meu xixi e ainda sair

cumprimentando algumas pessoas que me conheciam da

época em que trabalhava com Shantel. Para a minha sorte

nunca tive problemas com ninguém. Eu sempre era

educada, e alguns já tinham até me dito que me


contratariam se tivessem oportunidade.

Duas mulheres, uma esposa de um empresário

famoso e uma cantora, chegaram a me parar para fazer

algumas perguntas sobre como eu estava, como estavam

as crianças. Ambas conheciam Shantel, e eu sabia que


seriam dois nomes fortes para ficarem do nosso lado. Não

que precisássemos, mas ainda não sabíamos como a


louca iria agir.

Acabei meu papo com a cantora famosa, e esta se

despediu dizendo que poderia contar com ela para o que


precisasse, e eu já estava prestes a retornar para o meu
assento quando uma mão se fechou no meu braço. Com

força, com as unhas pontudas fincando na minha pele ao


ponto de me machucar.

— Você se acha esperta, mas não pense que não

sei muito bem o que está tentando fazer! — ela falava alto,
e eu vi seu nariz e seus olhos muito vermelhos. Sempre
desconfiei que Shantel usava drogas eventualmente, e ela

definitivamente era viciada em algumas pílulas, mas


cocaína? Será que eu estava enganada? Estaria ela muito

mais nervosa e assustada do que queria demonstrar, a


ponto de recorrer às drogas para se sentir melhor?

— O que eu estou tentando fazer, Shantel?


Ela gargalhou. Não demorou muito para algumas

pessoas surgirem. Percebi, pelo rabo de olho, que uma


delas pegou um celular e começou a filmar discretamente.

Poderia ser uma jornalista, mas eu não tinha certeza. Se


fosse, era meu momento. Alucinada como estava, Shantel

não havia percebido ainda que não nos encontrávamos


mais sozinhas.

— Está roubando tudo de mim. Mas sempre foi isso


que você quis, não foi? Começou a trabalhar comigo já

tendo todo o plano em mente! Sua vadia invejosa! — ela


rosnava, não falava.

— Shantel, você abandonou seus filhos! O que eu

poderia fazer? — Eu queria uma confissão, e achava que


ia pegar uma naquele exato momento, era só provocar um
pouco.

— Eram só FÉRIAS! Eu estava magoada, puta por

aquele filho da mãe ter me deixado. Quem ele pensa que


é? Você só tinha que ficar quietinha no seu canto, me

mandando fotos das crianças para eu postar como se eles


estivessem comigo. Era só ser LEAL a mim! Mas só se
aproveitou de tudo, né? Viu a oportunidade e a agarrou,
casando com o cara com quem eu ia me casar e agora

fingindo que é mãe dos meus filhos. Vá viver a sua própria


vida. Isso é tóxico, Kayla!

Mais uma pessoa se aproximou como a outra,

sorrateiramente, então eu decidi que precisava arrancar de


dentro de mim a atriz que sempre quis e estudei para ser,
porque aquele era o momento em que Shantel iria cavar a

própria sepultura.

— E as crianças? O que eu ia EXPLICAR para elas?


Que a mãe saiu de férias com um rapaz e que só queria

vê-las depois de um ano? Que elas eram tão descartáveis


a esse ponto? Eu amo os dois, Shantel, e você sabe que
ficar com eles é um prazer para mim, sempre foi. Nunca

quis roubar seu lugar de mãe.

— E EU NUNCA QUIS SER MÃE! — ela gritou,


ainda completamente alheia ao que acontecia ao redor. —

Só que eles existem, né? E serviram para um propósito,


que era dar um filho para aquele velho nojento, que ele
tanto queria. Agora são pedras no meu sapato.

Nem consegui responder nada. Não precisava atuar


naquele instante, porque as lágrimas foram sinceras. Como

alguém podia pensar tal coisa daquelas crianças


maravilhosas?

— Qualquer um teria sorte de ter filhos como Emma

e Owen. Você deveria se sentir abençoada! — falei por


entredentes, realmente irritada. Eu queria partir para cima

dela por ter coragem de se referir às crianças daquela

forma, mas me controlei. Precisava usar o sangue frio.

— Abençoada? Eu só quero viver a minha vida. Não

sou mais jovem como antes. Não sou jovem como você.
Mas é claro que você ia ver tudo isso como uma

oportunidade. Como não pensei antes? Sou burra! Deixei o

campo todo aberto para você se criar, cadela suja!

Engoli em seco, erguendo a cabeça, altiva, não


sentindo seus xingamentos me afetarem. Eu poderia até
sentir pena se não estivesse tão puta da vida.

— E que papo é esse de adotar meus filhos? Eles

não estão à venda!

— Não queremos comprá-los. Queremos amá-los,

como você nunca amou.

Outra gargalhada.

— Acha que é assim? A justiça nunca vai dar a

guarda para vocês. Eles sempre ficam do lado da mãe.

— Você os abandonou, Shantel. Tenho provas


disso. Pessoas dispostas a testemunhar. Não temos

certeza de nada, mas vamos lutar por eles. Quero que

sintam que há pessoas no mundo que fariam de tudo para


tê-los.

Sua reação me surpreendeu. Muito. Eu não

esperava ser agredida, muito menos com um soco no

rosto. Shantel estava completamente fora de controle, e a

dor que eu senti quando seu punho atingiu minha


bochecha me fez ver estrelas. Eu teria caído no chão,

certamente, se braços fortes não tivessem me pegado

antes.

Demorei um pouco para ter consciência de alguma


coisa, mas quando olhei ao redor, eu estava sendo

amparada por... Dyllan Reeves, o que era uma surpresa e

tanto.

Um homem, provavelmente segurança da festa,

segurava Shantel, antes que viesse novamente para cima


de mim. Ela ainda gritava um monte de coisas, e com

certeza seu comportamento era resultado da droga que

tinha usado, fosse qual fosse.

— Você está bem? — Dyllan, com a voz gentil,


perguntou, ainda me segurando e me ajudando a ficar de

pé sozinha.

— Sim, estou. Tudo bem. — Mas a verdade era que

eu estava um pouco zonza ainda, tanto que mal me dei


conta quando Shantel se soltou do homem e veio na minha

direção.

Dyllan me colocou gentilmente encostada em uma


parede, onde consegui me apoiar o suficiente para não

cair, e ele agarrou a mulher alucinada, mantendo-a contida.

Shantel chegou a tirar os pés do chão, para dificultar que


meu cunhado a segurasse, e isso só ia juntando mais e

mais gente.

As pessoas estavam filmando tudo, tirando fotos e

gravando áudios. Em qualquer outra situação, eu ficaria

morrendo de vergonha de me expor daquela forma, mas


seria para o bem das crianças. Para a nossa vitória. E não

tinha nada a ver com inveja, como ela alegara. Tinha a ver

com justiça. O que era certo e o que era errado.

Novamente alguém se aproximou de mim,


segurando-me quando cambaleei outra vez. Quando ergui

os olhos, lá estava meu marido. Daquela vez ele era o meu

herói que não me deixara cair.


Seu rosto era uma máscara de ódio ao olhar para

Shantel, que passara a ser contida por Jacob também.

— Kayla... você está bem? O que ela fez? — Ele

passou a mão sobre meu lábio, exatamente em uma parte

dolorida, provavelmente inchada.

Vi quando estava prestes a dizer alguma coisa para


a mulher, provavelmente algum insulto, mas coloquei a

mão em seu rosto, meio que pedindo para que se

controlasse.

— Está tudo bem. Melhor do que pensávamos. —


Ele compreendeu o que eu queria dizer, porque

obviamente estava percebendo o descontrole de Shantel e

o fato de todos estarem filmando.

Só que eu ainda estava muito nervosa. Eu não tinha


muita experiência com conflitos daquele tipo, então minhas

pernas ficaram moles, mas Ethan logo me segurou com

mais firmeza, tirando-me do chão em seu colo, arrancando


exclamações de pessoas – principalmente mulheres – ao

redor.

— Está tudo bem, querida, vou te tirar daqui... — ele


falou com tanta doçura, completamente diferente do

homem que todos acreditavam que era, que esperei que

tivessem filmado a cena também.

Ele olhou para Jake, que fez um sinal com a cabeça,


meio que dando a entender que cuidaria das coisas. Então

ouvi um obrigado saindo de sua boca, dirigido a Dyllan,

que só abaixou a cabeça, ainda mantendo o orgulho bobo.

Saímos dali, com Ethan me carregando como uma

noiva na frente de todas aquelas pessoas, em meio aos


burburinhos de todos, parecendo preocupado, atencioso e

protetor, como um marido de verdade.

Bem, ele era, né? Ou não?

Talvez eu estivesse vulnerável demais para ficar


pensando naquele tipo de coisa. Em seus braços,
sentindo-me cuidada, não poderia alimentar ideias como
aquela.

No lugar disso, tentei fazer uma gracinha:

— Os irmãos Reeves unidos em minha defesa? Me

senti lisonjeada.

Percebi quando Ethan engoliu em seco,

desconfortável.

— Apesar de tudo, nunca duvidei que Dyllan era

capaz de algo assim. No fundo, ele ainda é o mesmo

garoto bom que sempre foi, só está cheio de mágoa —


Ethan falou baixinho, melancólico.

Se eu pudesse fazer algo para trazer Dyllan de volta


para ele, eu faria.

— Foi a menina que estava com ele que nos avisou.


Ainda bem que estavam por perto. — Ao dizer isso, ele deu

um beijo na minha testa, e eu me aconcheguei mais ao seu


peito.
— Sim, ainda bem...
CAPÍTULO VINTE E CINCO

Merda, ela estava machucada! E nem adiantava me

dizerem que não era minha culpa, porque eu não


conseguia enfiar isso na porcaria da minha cabeça. Eu me
envolvi com Shantel, criei a confusão toda e...

Bem, mas se isso não tivesse acontecido, nós


nunca teríamos nos conhecido. O que seria igualmente

lamentável, porque...

É, eu estava levemente apegado a ela e as

crianças.

E levemente talvez fosse um pequeno eufemismo.


Kayla pareceu ir melhorando bastante no caminho

para casa, e, por mais calado que eu fosse, tentei manter o


assunto com ela, pedindo que me contasse tudo o que

acontecera, para que a cor fosse voltando ao seu rosto aos

poucos. Insisti que fosse levada a um hospital, mas o que


falou foi:

— Foi só um soco. Quase uma briga de Ensino

Médio. Fiquei mais nervosa do que machucada. Vou


sobreviver.

Decidi acreditar nela. O que me restava?

Quando chegamos em casa, saltando do carro, eu

tirei o paletó e coloquei ao redor de seus ombros, o que a

fez sorrir, e então fomos caminhando lentamente. A

garagem subterrânea do prédio estava gelada, então eu


passei um braço ao redor dos ombros dela, meio que a

amparando e protegendo-a do frio ao mesmo tempo.

Entramos no elevador, e Kayla outra vez sorriu para

mim.
— O que foi?

Ela deu de ombros, parecendo uma garotinha. Era

tão linda que eu mal conseguia parar de olhá-la.

— Você é um cavalheiro.

Fiquei constrangido com o elogio, mas não de um

jeito ruim. Lá estava uma coisa que quase nunca me

diziam. Quase nunca mesmo.

— Isso te surpreende, né?

— Um pouco. Não que eu me deixasse levar pelas

coisas que diziam, de forma alguma, principalmente porque


convivia com alguém que era completamente diferente do

que demonstrava ser.

Balancei a cabeça, concordando com ela. Naquele

quesito, ela, sem dúvidas, tinha convivido com a pior

possível.

Ainda estava pensando em tudo que ocorrera,

quando senti sua mão se fechar ao redor da gola da minha


blusa, e eu fui empurrado em direção à parede do

elevador, com o corpo de Kayla colado ao meu.

— Faça amor comigo esta noite, Ethan — ela pediu

de forma que me surpreendeu. — Faça amor com sua

esposa.

Kayla me pegou completamente de assalto. Já


estávamos casados há algumas semanas, e nossa noite
de núpcias fora incrível. Não só porque fazer amor com ela

tornou-se uma surpresa extremamente excitante e porque


amei cada segundo que desfrutei de seu corpo, mas

porque houve uma conexão entre nós. Houve algo


completamente inesperado, que eu queria sentir
novamente. Queria entender se fora apenas uma leve

magia pela novidade ou se seria sempre daquela maneira.

Há dias eu a desejava. Quando a vi naquele vestido,


tudo que quis foi impedi-la de sair de casa só para levá-la

para cama. Era uma tortura deixá-la na porta de seu quarto


todos os dias, à noite, e não segurá-la contra mim e
implorar que me deixasse estar dentro dela, porque o

desejo que eu sentia era quase doloroso.

Só que eu não podia me aproveitar de sua


fragilidade naquele momento.

— Você está machucada — falei baixinho, levando

os nós dos dedos ao seu rosto. — Não quero te...

Kayla colocou o indicador na minha boca, para me


calar.

— Shhh. Não, não fale isso. Não foi nada. Estou


bem e plenamente consciente de que quero você.

O elevador ia seguindo, enquanto eu e Kayla nos


olhávamos, quase em um jogo. Minha respiração ia se

tornando mais e mais pesada, porque tudo o que eu queria


era rasgar suas roupas e possuí-la ali mesmo. Nunca uma

viagem até o vigésimo oitavo andar parecera tão longa.

No exato instante em que a porta se abriu, algo


animalesco se acendeu dentro de mim, e eu disse em um
tom de ordem:

— Erga o vestido.

Pensei que Kayla ia se constranger, por estarmos

em um local público, mas ela me surpreendeu obedecendo


ao pedido. Então eu a agarrei com um braço, pela cintura,

enganchando o outro sob suas coxas, impulsionando-a


para que saísse do chão.

Carreguei-a para casa naquela posição, e nós rimos


um pouco quando me atrapalhei para abrir a porta. Já era

tarde, e eu suspeitava que as crianças já tinham ido dormir.


Na pior das hipóteses precisaria ser bom em improviso e

inventar algo como “tia KayKay machucou o pé e tio Ethan


a está ajudando a chegar ao quarto”.

Só que tivemos “sorte”, e ninguém surgiu em nosso


caminho, o que me permitiu levá-la para o meu quarto.

Assim que chegamos lá, eu a pousei no chão, tirei


meu blazer que estava em seus ombros e a girei de costas

para mim, para abrir o zíper do vestido, e assim que a peça


caiu no chão, como uma poça negra, tirei seu sutiã
também e empurrei Kayla em direção à parede mais
próxima, deixando-a de frente para ela, com os seios fartos

imprensados contra o concreto.

Fui descendo por seu corpo, deixando beijos em


suas costas, até enganchar dois dedos nas laterais da

calcinha para tirá-la com cuidado, deslizando-a por suas

pernas e deixando-a cair no chão também.

Ainda agachado, usei um dedo para penetrá-la,

girando-o dentro dela para alcançar o ponto que a fazia

gemer deliciosamente. Quando cheguei lá, Kayla arfou, e

eu estoquei com mais força, porque queria uma reação


maior. E a consegui.

Segurando seus quadris, eu a fiz empinar a bunda,

ao mesmo tempo que acrescentava mais um dedo,

sentindo-a mais e mais molhada. Com a pressão que fui


causando, insistente e constante, fui fazendo Kayla ir se

aproximando de um orgasmo, mas eu não queria que

acontecesse daquela forma, então interrompi tudo,


levantando-me e girando-a novamente e colocando-a

frente a frente comigo.

Ela começou a me ajudar a tirar a minha roupa.


Arranquei minha gravata borboleta, mantendo-a na minha

mão, e Kayla foi desabotoando a camisa de um jeito

urgente que me fez sentir um enorme prazer em observá-


la. Parecia concentrada em sua tarefa, mas os dedos

pareciam um pouco atrapalhados, só que decidi não ajudá-

la, porque era ainda mais erótico perceber o quão ansiosa


estava por mim.

Eu mesmo tirei a minha calça, deixando nós dois

completamente nus, um de frente para o outro. Usando a

gravata que ainda estava nas minhas mãos, estiquei-a de

um lado ao outro, e a levei na altura dos seios de Kayla,


arrastando o tecido em seus mamilos, que já estavam

eriçados, fazendo-a arquear a cabeça para trás.

Inclinando-me, substituí a peça pela minha boca,

chupando os dois bicos, um de cada vez, com toda a


vontade. Devorá-la se tornara a minha religião naquele
momento, e por mais que eu quisesse ser cuidadoso,

porque estava machucada – mesmo que insistisse que não

fora nada de mais –, não conseguia me conter.

Tanto que cada um de seus gemidos ia me deixando


mais e mais louco, a ponto de eu rosnar como um animal e

pegá-la no colo em um movimento tão súbito que fez a

própria Kayla se surpreender.

Joguei-a na cama, o que a fez rir, e usei a gravata

para vendar seus olhos.

— Não esperava que Ethan Reeves gostasse de


brincadeiras... um homem tão sério... — ela zombou, e eu

decidi entrar na brincadeira.

— Se não for uma boa menina e continuar com as


zombarias, vai ser punida.

— Hummm, que interessante. Será que temos um

rabugento criativo aqui? — o tom provocador era

proposital, sem dúvidas, e eu não pude deixar de sorrir.


— Ok, já entendi.

Girei-a na cama, colocando-a de barriga para baixo,

abrindo suas pernas e deixando uma delas com o joelho


flexionado, formando um 4. Coloquei algumas almofadas

para deixá-la mais erguida e recomecei a masturbá-la, bem

devagarzinho, estocando sem nenhuma pressa, chegando


no ponto sensível, mas tirando o dedo rapidamente, para

que ela sentisse apenas um gostinho do prazer máximo.

— Que maldade, Ethan! — choramingou como uma

gatinha.

— Estou dando o que você merece...

Investi com um pouco mais de força, chegando mais


fundo, e ela gemeu tão alto que eu poderia jurar que as

crianças iriam ouvir. Tanto que agarrou um travesseiro e

abafou o próximo.

Comecei a ser mais incisivo e a masturbá-la com


mais urgência, até me inclinar e pegar a camisinha na

mesa de cabeceira. Por ela estar vendada, tentei deixar


meus movimentos o mínimo suspeitos e fazer quase nada

de barulho, porque quando a penetrei, com meu pau já no

limite de sua ereção, ela se surpreendeu ao ponto de

parecer perder o ar.

— Te machuquei? — perguntei, preocupado, porque


meu movimento não foi nada delicado.

— Não... não! Por favor, não pare!

Eu nem tinha oferecido para parar, embora

estivesse disposto se ela pedisse, mas já que era o

completo contrário, repeti o movimento uma, duas, três


vezes, fazendo Kayla ser lançada para frente e para trás

na cama, pela força das estocadas e pela posição em que

estava.

Vi suas mãos agarrarem o lençol e ouvi seus gritos


abafados pelo travesseiro, decidindo mudar o jogo antes

que gozasse.

Saí de dentro dela e me sentei, com as costas

apoiadas na cabeceira da cama, deixando-a sem entender


nada. Então a peguei e a coloquei no meu colo, montada

em mim, fazendo com que descesse bem devagar, até


estarmos inteiramente conectados.

Coloquei suas mãos na cabeceira, para que

pudesse se segurar, uma de cada lado da minha cabeça.

— Não solte — ordenei, e ela fez que sim,

assentindo.

Agarrei seus quadris e comecei a movimentá-la com


força. Com selvageria. Sem piedade. Ao mesmo tempo

minha boca tomava um de seus seios, sugando-o, levando-

a ao limite.

Nem nos importávamos mais com os sons que ela


fazia. Na verdade, o meu quarto era um pouco mais

afastado do que o das crianças, e eu sabia que eles não

ouviriam. Esperava, também, que não fossem entender.


Mas até onde eu sabia, Emma e Owen tinham um sono

pesado, o que era uma bênção.


Senti quando Kayla chegou ao orgasmo, porque ela
despencou sobre mim, enquanto eu continuava

movimentando-a. Só que também não demorei a gozar,

porque... Porra! Ela estava deliciosa.

Passei os braços ao redor dela, mantendo-a


daquele jeito por alguns instantes, enquanto nós dois nos

recuperávamos. Depois, deitei-a com cuidado, mantendo-a

contra o meu peito e tirei a venda, encontrando seus olhos


nos meus.

Kayla sorriu.

Um sorriso que passou a valer o mundo inteiro para

mim.

Eu estava apaixonado por ela – a certeza veio como

um furacão e, ao mesmo tempo, como uma brisa deliciosa


e inesperada, sussurrando em meu ouvido para não ter

medo, porque era o certo. E como não seria? Era minha


esposa, não era?
Minha esposa por contrato... Que piada. E lá estava
eu, de quatro por ela. A vida era surpreendente quando
queria ser.
CAPÍTULO VINTE E SEIS

A gargalhada parecia preencher a casa inteira,

mesmo que pertencesse a uma coisinha tão pequena.

— Paia, tio Ethan, paia!!!

Eu sabia que “paia” era sua forma de dizer “para”,


em relação às cosquinhas que eu fazia em sua barriguinha.

Estava começando a compreender perfeitamente seu

vocabulário, mesmo com uma convivência de alguns dias.


O problema – ou a solução – era que Emma era meu

completo oposto. O tanto que eu tinha de calado, ela tinha


de faladeira e comunicativa. Conversávamos bastante

quando eu chegava em casa, e Kayla sempre participava.


Também gostava de conversar com minha esposa.

Na noite anterior, quando terminamos de fazer amor,


passamos a madrugada inteira falando sobre nós mesmos.

Ela falou sobre os pais, que morreram quando ela era bem

nova, que precisou vir para Los Angeles para morar com
uma tia, que não era ruim, mas não era carinhosa; como

conheceu Maddie na escola... falou de seu sonho de ser

atriz. E eu guardei essa informação na cabeça, porque


achei bastante importante.

Eu podia apreciar o silêncio, mas isso me tornava

um bom ouvinte. Ao menos na maioria das vezes.

O dia depois do evento fora bastante tenso.

Passamos horas e horas esperando qualquer notícia de


Krista e Rachelle – que estavam juntas, trabalhando – a

respeito do surto de Shantel. Já tínhamos visto que a

notícia saíra em vários veículos de imprensa, e todos eles

começavam a transformar a namoradinha da América em

vilã de novela mexicana em poucos parágrafos.


O que queríamos era o pronunciamento dela a
respeito de tudo. Jurávamos que seria feito em seu

Instagram, porque era a mídia que mais usava, ou no

Twitter, mas Shantel estava completamente calada.

Além dessa espera, sentia-me ansioso também

porque fiquei o dia inteiro tentando ligar para Dyllan, para

lhe agradecer pelo que fizera por Kayla, mas ele não me

atendeu. Tive uma esperança boba de que o que


acontecera poderia resultar em uma aproximação, mesmo

que lenta, entre nós, mas Jake me falara que assim que os

seguranças do evento cuidaram de Shantel, ele se afastou,

sem nem dizer nada.

Ok, a relação de Dyllan com Jake era muito pior do

que comigo, mas a cada surpresa dessas, minhas


esperanças eram minadas. Seria possível que nunca

conseguíssemos nos acertar?

Pensando nisso, acabei parando de fazer

cosquinhas em Emma. Quando me voltei para ela, porque


tinha parado de gargalhar, vi seus olhinhos azuis voltados

para mim, completamente atentos, observando-me.

— O que foi, princesa? O tio fez algo errado? —

preocupei-me. Eu era grande, bruto, e ela era tão

pequenininha que eu tinha medo de machucá-la.

— Não. O tio é legal. Muito legal.

Era uma frase simples; uma bobagem. Um elogio

que qualquer um consideraria bem medíocre. Só que as


pessoas não me consideravam legal. Era quase impossível

ouvir alguém usando aquele adjetivo para se referir a mim.


E olha que eu já tinha ouvido de tudo. Atraente, bonito e

sexy era o que falavam de mais agradável, e eu até me


sentia lisonjeado, mas ser bonito não me dava nenhum
mérito. Shantel era linda, deslumbrante, e não possuía

nada de bom em seu coração. Eu não queria ser aquele


tipo de pessoa.

Só que a garotinha mais doce e adorável do mundo


acabara de gargalhar por minha causa. Olhava para mim
com carinho, como pouquíssimas pessoas faziam. E, para

completar o pacote, me achava legal. Eu me sentia a porra


de um super-herói.

— Sabe? — ela continuou, baixando a cabeça e

olhando para os dedinhos, mexendo neles, como se


estivesse constrangida pelo que ia falar. — Eu falei pra tia
Kaykay ôto dia que quelia que ela fosse minha mamã. Aí

eu acho que eu quelia que você fosse meu papá. Porque


vocês são casados, né, tio? Aí telia que ser assim. Não é?

— Ela ergueu os olhinhos de novo para mim, e eu quase


me derreti.

Havia certa esperança neles, como se minha

resposta fosse fazer toda a diferença.

E, merda! Eu não era bom com palavras. Como

atender às expectativas daquela coisinha tão preciosa?


Como responder a ela de uma forma que compreendesse

que ela era querida e que qualquer um teria uma imensa


sorte de tê-la como filhinha? Como explicar que eu faria de
tudo para adotá-la, junto com Kayla, para que ela nunca
mais se sentisse rejeitada, como a mãe fizera?

Porque eu sabia que esse era o problema. Aquela


criança maravilhosa fora abandonada pela mãe, e isso era

o que ela entendia: que aquela mulher sem coração não a


quisera mais.

Abri a boca, pronto para responder, mas a própria


Emma me interrompeu, como se mal tivesse acabado de

bagunçar o meu mundo inteiro.

— Tio Ethan! Olha, é a mamã! — Vi que seu


dedinho apontava para a televisão e me dei conta de que

estava certa. Era mesmo Shantel, em um programa


noturno, sensacionalista, da emissora concorrente, pronta

para dar uma entrevista, sem dúvidas bastante polêmica.

Agarrei Emma, aproveitando que Shantel fora

anunciada para o próximo bloco, com anúncios no meio, e


a levei para seu quartinho, quase aflito, não querendo que
a menina assistisse.
— Ethan, o que houve? — Kayla me perguntou, com
os olhos arregalados, assustada. Aparentemente Owen
tinha acabado de dormir.

— Shantel está na TV. — Eu não precisava falar

muitas coisas para que ela compreendesse que aquilo


poderia dar uma merda do caralho.

Virou-se para Emma, então, com o seu jeitinho

paciente e carinhoso, tentando fingir que nada estava


acontecendo.

— Querida, pode fazer um favor para a tia Kaykay?

Owen estava agitado hoje, e eu queria que você fosse a

guardiã dele por alguns instantes, ok? É uma missão

importante.

Emma assentiu e concordou com muita veemência,

e nós dois corremos lá para baixo, para ver o programa.

Ao mesmo tempo, peguei meu telefone, ligando

para Rachelle, que ainda estava na casa de Krista, reunida


com ela e Judith.
— Se prepara, Ethan! — Rach falou, enquanto eu

colocava o telefone no viva-voz. — As coisas estão


fervendo. Estávamos juntando um dossiê para mandar

para vocês, mas a Noiva de Chuck nos surpreendeu.

É, o apelido tinha pegado.

— O que aconteceu? — Kayla perguntou, aflita, e eu

olhei para a televisão, percebendo que ainda estavam


passando os comerciais.

— Tudo a nosso favor! — Krista entrou na linha

também. — A confusão do evento deu uma repercussão

muito negativa para Shantel. As pessoas filmaram tudo.

— Eu vi. Percebi que estavam filmando e tentei

fazê-la agir como a louca que é. Provoquei até que caísse

a máscara.

— Uau, garota, você é demais! — Rachelle

comentou, e eu não poderia concordar mais.


Fiquei olhando para Kayla, por alguns instantes,

sentindo-me um bobo. Ela me contara tudo o que

acontecera no evento, de sua briga com Shantel, mas não


me dissera que fora algo planejado.

Meu Deus, aquela mulher era... incrível!

— Foi um ótimo trabalho, querida, porque deu muito

certo. As pessoas começaram a fuçar a vida toda dela e

fizeram várias threads no Twitter. O povo é muito FBI

quando quer, porque encontraram uma família, no


Alabama, que ela nunca ajudou. Passam necessidades e

tudo. Até a filha do ex-marido se pronunciou, alegando que

Shantel roubou toda a herança, fazendo o pai assinar um


testamento sob chantagem.

— Nem eu sabia de tudo isso — Kayla falou, em

choque.

— Kayla, o que você souber a mais, me passa.

Temos um pessoal que pode jogar para a gente no meio


das fofocas. Ela nunca vai saber que foi você, já que estão
descobrindo de tudo. Já sabem que não é vegana, que não

faz caridade porra nenhuma, que sempre foi negligente


com os filhos e muito mais.

— Mas eu nem me importo se ela descobrir. Depois

do que fez, tenho mais do que direito de espalhar todas as

mentiras.

Paramos de falar de súbito, porque o programa


voltou ao ar. Lá estava Shantel, toda de preto, com uma

cara de luto. Havia olheiras sob seus olhos, além de

lágrimas, que com certeza eram parte de um plano muito

elaborado. Ela era atriz, afinal.

O apresentador fez um resumo bem tendencioso,

em um tom muito dramático, e por alguns instantes eu me

felicitei por não ter aquele tipo de programa sensacionalista

no meu canal. O Reeves Channel era puro entretenimento,


e tentávamos fazer programas de qualidade, sem nada

polêmico. Coisas que a família pudesse assistir junta.


Então Shantel começou a falar um monte de

baboseiras, fazendo-se de vítima. Ela repetia a maioria das

coisas que dissera no seu primeiro post, que deletara,

quando acusara Kayla de ser uma invejosa. Eu realmente


estava com medo de as pessoas acreditarem nela de tão

boa que era sua interpretação.

— Aquela mulher roubou tudo de mim. Eu só quero

meus filhos, e vou fazer de tudo para tê-los de volta — foi a


frase final de seu discurso emocionado – e falso –, mas

havia uma raiva muito latente quando se voltou para a

câmera, de um jeito que apenas uma pessoa que estava

acostumada a ser filmada sabia fazer.

Era como se ela estivesse olhando exatamente para

Kayla, como em uma ameaça. Não consegui não sentir um

calafrio percorrer minha espinha.

— Gente, ela só está se ferrando mais ainda com

isso. As pessoas estão enlouquecidas. Vocês sabem bem


como funciona a cultura do cancelamento. E ela está
sendo cancelada — Rachelle falou, e eu e Kayla nos

entreolhamos.

Nenhum de nós estava feliz ou satisfeito, porque


sabíamos que as coisas não iam acabar bem daquela

maneira. Uma mulher enfurecida podia ser uma adversária

muito perigosa, e ela tivera coragem de partir para cima de


Kayla em um evento, no qual minha esposa afirmara que

ela estava drogada.

O que mais aconteceria dali em diante? O que mais

poderia fazer contra nós e as crianças?


CAPÍTULO VINTE E SETE

As coisas estavam caóticas desde o evento, onde a

verdadeira cara de Shantel foi revelada. Mais ainda depois


que ela apareceu no programa, dando a entrevista mais
tosca do universo.

A mulher entendia alguma coisa de marketing e de


polêmicas; como diabos ela achou, depois de todo mundo

ver o vídeo onde ela literalmente agrediu Kayla, que


conseguiria limpar sua imagem com mais e mais mentiras.

Ninguém acreditava em seu amor pelos filhos, nem em

nenhuma palavra que dizia, porque toda a sua carreira fora


construída em cima de mentiras.
Eu e Kayla fomos chamados por diversos

programas, e os produtores do Reeves Channel queriam


desesperadamente fazer algo conosco, porque eles

sabiam que daria uma audiência incrível. Eu também

sabia. Trabalhava com televisão desde que era menino, via


meu pai fazendo sua mágica, e também compreendia que

polêmicas eram um enorme chamariz, mas queríamos

preservar ao máximo nossa imagem. Já bastava toda a


confusão que fora criada com nossos nomes. Por minha

culpa, é claro, mas ao menos consegui livrar Kayla e as

crianças daquela louca.

Já passava das nove da noite, e eu ainda estava no

escritório, porque com toda a bagunça, acabamos


negligenciando um pouco o assunto do streaming, que,

antes, era nossa principal preocupação. O lançamento

estava chegando, e nós precisávamos definir como ficaria

a questão da nossa primeira série, que seria estrelada pela

Shantel, mas ninguém da Reeves queria vê-la sequer

pintada de ouro.
Cada um de nós tinha uma opinião diferente. Eu
acreditava que precisávamos de um rosto novo para a atriz

e podíamos investir um pouco mais no ator principal;

alguns dos outros diretores criativos afirmavam que

precisavam de uma atriz muito forte para que as pessoas

se esquecessem do rosto de Shantel como a personagem,

porque já tínhamos feito algumas divulgações.

— É exatamente por isso que uma mulher


desconhecida seria algo interessante. Poderíamos alegar

que se trata de uma oportunidade para uma boa atriz

iniciante — insisti.

— Teríamos um enorme trabalho para encontrar

esse rosto. Boas atrizes não dão em árvore — falou uma

das diretoras.

— Não que a Noiva de Chuck fosse uma Elizabeth

Taylor... — Jacob fez uma cara de deboche, na qual era

especialista. Olhamos para ele, surpresos, então

completou: — Ah, gente, ela não é ruim, mas não é digna

de um Oscar, né?
Todos assentiram, porque era verdade.

Então a porta se abriu de forma súbita, e eu já sabia


que era Krista. Ela adorava entradas triunfais,

especialmente nos últimos tempos, em que começara a se

considerar a própria justiceira, salvadora do mundo, com


nosso problema com Shantel.

— Eu tenho a solução perfeita. Ethan, querido, ou


você vai me amar ou odiar. — Ela tinha saído da reunião

sorrateiramente, quando começamos a falar sobre a atriz


principal da série, e eu não entendi, mas lá estava ela

novamente, querendo ser a salvadora da pátria.

Depois de se dirigir diretamente a mim, lançou uma


pasta sobre a mesa, à minha frente, aberta, com uma foto
de Kayla, provavelmente com uns dezoito anos. Seu

cabelo tinha um tom avermelhado, com certeza tingido,


mas caía bem nela, embora eu preferisse o loiro natural.

Era uma daquelas fotos de profile para audições,


com um currículo em anexo, embora não houvesse muitas
coisas além de alguns trabalhos de modelo e pontas muito

pequenas em séries.

Mal terminei de ver o que tinha em mãos, mas o


som da voz da minha esposa chamou a minha atenção e

me fez olhar para a nossa tela, porque Krista acabara de


colocar uma mídia para rodar.

Tratava-se de um vídeo de algum teste de Kayla; eu


não fazia ideia de qual era o papel, mas me remexi na

cadeira, olhando para uma versão bem mais jovem e ainda


mais inocente da mulher por quem eu estava apaixonado.

Linda e delicada, Kayla chamaria a atenção de

qualquer um só por sua aparência e por seu jeitinho doce


de se apresentar. O sorriso enorme, o brilho nos olhos...
Ela com certeza queria muito estar ali, ter aquela

oportunidade. Na época em que estávamos, alguns anos


depois, parecia mais mulher, um pouco mais madura, mas

eu poderia jurar que teria ficado rendido se a tivesse


conhecido antes.
Além disso, assistimos a toda audição, e ela era
boa. Porra, ela era muito boa.

Quando Kayla me contou que era atriz, que tinha


estudado para isso, mesmo durante seu trabalho com

Shantel, e que tentara seguir carreira, não duvidei que


tivesse algum talento, porque sabia que era esforçada o

suficiente para não se lançar naquele mundo sem um


pouco de trabalho duro, mas não me passou pela cabeça
que ela poderia ser incrível.

Todos na sala assistiram ao monólogo que fez, e eu

vi suas expressões se tornando surpresas, quase


embasbacadas. E não era para menos. Como foi que as

pessoas não contrataram aquela menina imediatamente?

Ao final de tudo, Krista começou a aplaudir, sozinha,


como se estivéssemos no teatro. Sua reação passional a
deixou um pouco envergonhada, mas logo se recompôs e

se voltou para nós, desligando o aparelho no controle


remoto.
— Bem, esta foi Kayla Dutton, senhoras e senhores
— ela falou, com uma sobrancelha erguida. Eu, por minha
vez, ainda estava embasbacado o suficiente para não

conseguir dizer nada.

— Puta merda, Ethan. Era isso que você vinha


escondendo em casa? A garota é ótima! — Jacob

comentou. — Onde eu assino o contrato dela? Vão dizer

que é nepotismo? Porque eu estou pouco me fodendo para


isso.

Ignorei o meu irmão – não por querer, é claro – e me

virei para Krista, ainda um pouco confuso.

— De onde saiu isso?

— Achamos nos arquivos aqui da emissora.


Rachelle comentou comigo que Kayla lhe contou que já

tinha feito audições aqui para a emissora, então eu sabia

que encontraria algo. Não precisei fuçar muito. Deixei tudo

separado na minha mesa e aí vocês começaram a falar


sobre a atriz perfeita para a série. — Ela apontou para a

tela, que já estava apagada. — Temos uma.

— O que você acha, Ethan? — Rachelle perguntou,


e eu peguei todos os olhos em mim.

Porra, como eu conseguiria resolver algo naquele

momento, depois de ver a imagem de Kayla naquela tela

enorme, toda vulnerável, dando uma aula de atuação, e


enquanto estava cheio de dúvidas na cabeça?

— Alguém sabe me dizer por que Kayla não foi

contratada depois dessa audição? — perguntei, ainda

indignado.

— Claro que consigo. Eu investiguei tudo, Watson!

— Krista ajeitou os óculos sobre o nariz, muito orgulhosa

de si mesma. — Adivinha quem a sabotou?

— Ah, não vai me dizer que foi a Noiva de Chuck! —

Jacob se intrometeu.
— Mas... como? — questionei, com o cenho

franzido, incomodado ainda mais.

— Ela fez o teste para a série onde Shantel era a

protagonista. Seria para a personagem de Audrey.

Na série, Audrey era uma irmã de Beth, a


personagem de Shantel, e tornou-se uma recorrente da

série. A atriz escalada era boa, mas nem de longe tão

bonita e talentosa quanto Kayla. Até porque a personagem

precisava dar uma dramaticidade à história, porque era


viciada em drogas e chegava para “bagunçar” um pouco a

vida da irmã.

Minha esposa teria roubado a cena.

— Na época Shantel tinha um caso com o diretor da


série. Aquele que não trabalha mais conosco porque

assediou uma maquiadora... — Krista acrescentou, e eu

logo me lembrei do filho da puta.

Ele me rendeu uma notícia bem sensacionalista,

porque eu o soquei uma vez, quando deu em cima de


Rachelle de forma inconveniente, em um dos poucos

eventos aos quais compareci. Anos depois, ele foi


demitido, mas continuava trabalhando em outra emissora

que não se importava tanto com essas coisas quanto a

Reeves.

— Mesmo assim, a moça é ótima. Como não


conseguiu outro papel? — um dos diretores falou,

igualmente incomodado.

— Podemos imaginar o motivo. Ela já trabalhava

para Shantel, então... não sabemos com certeza, mas eu

suspeito que Kayla tenha sido sabotada várias vezes pela


patroa. O que nos dá mais história a ser contada.

— Mas não podemos provar, podemos? Se

começarmos a contar coisas assim, podem achar que tudo

é conspiração da nossa cabeça.

— Eu consigo as provas. Vá conversar com sua

mulher e convencê-la a ser o rosto de que precisamos. E o

talento, claro.
Então foi o que eu fiz.

Cheguei em casa, dei um beijo em Kayla e fui olhar

as crianças, que já tinham dormido àquela hora, o que me

fazia sentir um merda. Se queria ser o pai delas, não

poderia ficar enfurnado na empresa até tarde e não lhes


dar atenção. Eles precisavam de carinho e tudo o que não

tiveram de um pai falecido e de uma mãe negligente.

Emma chegou a abrir os olhinhos sonolentos

quando beijei sua cabecinha, e eu não queria deixá-la


animada demais para despertar.

— Continue dormindo, querida. Só queria te dar um

beijinho para você ter bons sonhos.

— Tudo bem, papá... — ela respondeu no

automático, bêbada de sono, mas meu coração parou.

O mundo inteiro parou, na verdade. Senti uma

dormência tão grande em cada um dos meus membros,

que eu poderia jurar que estava tendo um infarto. Ou um

AVC. Bem, eu não era médico para saber diferenciar.


Claro que ela estava falando porque fora uma

palavra inconsciente, no meio do sono, mas tive a


impressão de que soara verdadeira. E depois do que me

dissera no outro dia, de que gostaria que eu fosse seu

papai, não consegui não manter a ilusão.

Eu me sentia um bobo olhando para Kayla,


buscando orientação, uma bússola, uma aprovação pelo

momento. Qualquer coisa.

— É verdadeiro, Ethan. Sabemos que está

dormindo, mas o sentimento é real.

Eu queria pegar aquela garotinha nos braços e

apertá-la contra mim, prometendo que a protegeria para


sempre.

Enquanto olhava para ela, sem conseguir desviar o

olhar, senti o braço de Kayla ao redor da minha cintura e


sua cabeça se aninhando no meu peito. Dei uma olhadinha

em Owen também, e a sensação de família foi muito forte,

a ponto de eu até esquecer que eles não eram meus. Que


Kayla era minha esposa por contrato; que aquelas crianças
eram de outra pessoa e que não tínhamos nem certeza se

conseguiríamos adotá-las legalmente ou se seriam tiradas

de nós.

Beijando o topo da cabeça de Kayla, eu selei uma


promessa para o universo – embora não acreditasse muito

bem em nada daquilo: eu não deixaria que nenhum deles

fosse levado de mim. Nem a esposa. Nem os filhos. Eles


seriam meus, nem que eu precisasse lutar muito por isso.
CAPÍTULO VINTE E OITO

FAZER UM TESTE PARA UMA SÉRIE DA REEVES

CHANNEL? – sim, em Caps Lock, porque foi um berro nos


meus pensamentos, embora eu não conseguisse sequer
abrir a boca para falar qualquer coisa, porque meu corpo

inteiro paralisou.

Na verdade, era isso que eu estava pensando desde

que Ethan me contou, na noite anterior, depois da linda


cena entre ele e Emma, que o pessoal tinha me cogitado

para o papel principal na série nova. A série que Shantel

iria estrelar.
— Mas... Ethan, eu estou completamente

destreinada! Não faz o menor sentido! — exclamei, em


uma visível perda de controle, enquanto andava de um

lado para o outro, como um leão enjaulado.

— Para a equipe faz todo o sentido. Vimos sua


audição, Kayla, e você é perfeita. Todos ficaram muito

impressionados — Ethan continuava calmo, controlado,

sentado no sofá e bebendo uma dose de uísque.

Como ele conseguia ficar tão tranquilo?

Ah, claro, não era ele que estava recebendo de

bandeja a oportunidade que sempre quis na vida!

— Eu não passei naquele teste por causa da

Shantel... é isso mesmo? É verdade ou você só está me

dizendo isso para que eu não sinta a menor pena de

substituí-la? — falei, levando um dedo à boca e roendo a

pelinha ao redor da unha, de tão nervosa que estava.

— Eu não mentiria para você.


— É, sei que não. — Cruzei os braços contra o
peito, ainda andando de um lado par o outro, tentando

conter a minha raiva. E o meu desespero. E a minha

ansiedade. E...

Argh! Eu estava uma pilha de nervos, pronta para

explodir.

— Bem, talvez isso seja um motivo ainda maior para

eu aceitar, né?

Ethan sorriu e colocou o copo de uísque na mesinha

ao lado do sofá.

— Espero que não. Você é maior do que isso. Tem

que aceitar se quiser aceitar. Shantel não pode comandar

nossas vidas.

Assenti, porque ele tinha razão. Mas, então, um

milhão de outras coisas surgiram na minha cabeça;

pensamentos desconexos, que eu sabia serem absurdos,

mas que precisava colocar para fora.


— Eu vou ter que beijar outro cara, né? Você não se

importa?

O sorriso de Ethan se alargou, então ele esticou a

mão, agarrando meu pulso e me puxando para que eu

caísse em seu colo.

— Claro que eu vou ficar com ciúme, mas é o que


você quer, não é? Vivo no mundo artístico há tempo
suficiente para saber como as coisas funcionam.

De tudo o que ele disse, só uma coisa chamou a

minha atenção a ponto de me fazer erguer uma


sobrancelha, surpresa.

— Você vai ficar com ciúme? — surpreendi-me. —


Sério mesmo?

Ethan apertou-me contra si um pouco mais, e eu


estremeci. Não apenas porque estar nos braços dele me

trazia recordações bastante eróticas, mas era mais do que


isso. Eu gostava. Sentia-me protegida. Querida. Isso era

importante para mim.


— Você é minha esposa — ele enfatizou o pronome,

de uma forma tão possessiva quanto o tipo de palavra


exigia. Quase perdi o ar com a intensidade de seu tom e de

sua certeza.

— Por contrato...

Daquela vez foi Ethan que pareceu surpreso.

— Não acho que seja mais só isso, querida. Acho


que já há mais em nós mesmo antes de assinarmos aquele
contrato. — “Há mais em nós”... E não era o que eu tinha

acabado de pensar? Que o que eu sentia por Ethan não


era mais simplesmente uma atração? Estávamos

conectados. — Estou me apaixonando por você, garota


linda. E um dia, quem sabe, eu terei a chance de ser
retribuído, mas tenha em mente que não vou te deixar

escapar tão fácil.

Meu coração acelerou no peito, e eu quase suspirei

de alívio.

— Não quero que deixe...


Foi tudo o que eu precisei falar para que ele
começasse a me beijar, me pegasse em seus braços e me
levasse para a cama, onde provamos tudo o que tínhamos

acabado de dizer.

Dias depois, quando eu consegui relaxar um pouco


mais com a ideia de fazer uma audição para uma série de

um canal grande, uma super produção, eu...

Ah, meu Deus, quem eu queria enganar? Não se

superava aquele tipo de coisa. Não era algo que saía da


nossa cabeça facilmente.

Ethan me trouxe o texto que eu precisava decorar, e

eu estudei a cena de cabo a rabo, por horas a fio,


chegando a ir deitar muito tarde nos dias seguintes só para

deixar tudo perfeito. Como não era uma cena proibida para
menores, coloquei Emma para me ajudar, nos momentos
em que estávamos juntas, e ela adorou – o que me dizia

que poderíamos ter outra atriz na família no futuro –, mas


era Ethan quem me ajudava mais e mais a passar o texto.
Ele claramente tinha menos talento do que Emma, e
era meio rígido para “atuar”, mas servia, já que eu teria que
contracenar com um homem da produção, porque o ator

que eles acabaram escolhendo ainda estava em


negociação. E se fosse aquele nome mesmo... meu Deus!

O cara era incrível; tinha feito filmes da Marvel e tudo! Eu


ia começar com o pé direito mesmo.

Claro que ser esposa do dono da emissora era o


motivo pelo qual eu estava ali, e isso me preocupava de

tempos em tempos. O meu talento fora levado em

consideração, sem dúvidas, porque não seriam loucos de


colocar uma atriz medíocre na primeira produção original

do canal de streaming. Ainda assim, uma insegurança me

corroía por dentro, com medo de as pessoas comentarem.

Sempre que eu desabafava com Ethan ou Rachelle,


que vinha se tornando uma boa amiga para mim, eles

diziam a mesma coisa: para não me importar com a

opinião das pessoas. Tudo que gerava burburinho, por pior

que fosse, ajudava no marketing. Sem dúvidas, muitos dos


haters iriam assistir à série e quebrariam a cara.
Isso, é claro, se eu fizesse um bom trabalho.

A audição aconteceu uma semana depois de a

notícia ser repassada, e eu já estava exausta de tanto


treinar aquela pequena cena. Ainda haveria um teste de

química, quando o ator terminasse as negociações, mas se

eu fosse realmente bem naquela primeira etapa, o papel


seria meu.

Ethan estava presente, além de Jacob, e os dois me

olharam de forma encorajadora.

Respirei fundo, olhei para o rapaz, que estava

esperando que eu me aprontasse, e começamos a


performar o diálogo. Como a série teria um tom de comédia

com policial, eu faria a detetive mais séria, com um

passado pesado, e o cara precisava ter um bom timing

para as piadas, sem que ficassem pastelão demais. Sem


dúvidas o ator que contracenaria comigo de verdade, pra

valer, me ajudaria ainda mais a construir a personagem,

mas o cara da produção fez um trabalho decente. Talvez


ele tivesse algum treinamento como ator, o que ajudou

bastante.

Tratava-se de uma cena onde a minha personagem

perde a chance de pegar um suspeito porque seu novo


parceiro – levemente fanfarrão, cínico e charmoso – tem

uma “intuição”, e isso gera uma briga. Na verdade, esse

era o título da série: Intuition, porque acabava se tornando

um carma entre os dois; as famosas intuições do mocinho,


que causavam atritos entre ele e a policial racional e

metódica.

Fiquei um pouco preocupada, porque jurava que

não tinha aproveitado por completo minha oportunidade,


mas, ao final, todos estavam sorrindo e aplaudindo.

Olhei para Ethan, e tudo o que eu conseguia

enxergar em seus olhos era orgulho. Isso me acalmou

bastante, ao menos até sair dali e ir para casa.

Eu não conseguia parar de perguntar a ele o que


achava, se ele sabia o que iria acontecer, se eu poderia ter
esperança, se a cena fora decente. Minha vontade de

matá-lo se tornava maior a cada momento, porque eu


poderia jurar que ele sabia de alguma coisa que não

estava me contando, já que teve alguns momentos sozinho

com a produção, onde, provavelmente, discutiram o


resultado da audição.

Ele esperou que chegássemos em casa, sem

expressar nenhuma reação que pudesse me dar uma dica

do que acontecera, e simplesmente foi até o bar.

— Isso é hora para se servir uma dose? Podemos

simplesmente conversar, Ethan Reeves? Vai continuar


calado assim? Se é para me dar uma má notícia, me dê

logo.

Eu já estava no meu limite, quase entrando na

personagem novamente, em sua briga com seu parceiro,


mas fomos interrompidos pela presença das crianças, que

chegaram para nos ver.


Emma equilibrava Owen nos braços com cuidado,

até colocá-lo no chão. Cada um de nós pegou uma das

crianças, saudando-as e recebendo-as com amor. Ethan,

muito mais calmo do que eu, puxou papo com a menina,


permitindo que ela contasse tudo sobre o seu dia,

enquanto eu perdia mais e mais a paciência. Tanto que não

consegui me controlar nem mesmo na presença dos dois.

— Ethan, podemos partir para a parte em que você


fala como foi a minha audição?

— SIM! Conta pra mim! Você rasou, tia Kaykay? —

Emma se empolgou, dando pulinhos.

— Não sei, Emma. Estou esperando seu tio Ethan

me dizer isso — respondi com total indignação, cruzando


os braços e olhando para meu marido com uma

sobrancelha erguida.

— Você pode, por gentileza, ter um pouco de

paciência? Estou pegando taças porque pretendo abrir


uma boa champanhe para comemorar.
Meu coração parou completamente.

— Comemorar??? Comemorar é bom, não é? Por

favor, diga que sim!

Com uma lentidão que estava me irritando cada vez


mais, Ethan colocou as duas taças sobre o balcão do bar

de sua cobertura e veio até mim, colocando as mãos nos

meus braços e me olhando bem fundo nos olhos.

— Sim, querida. É muito bom. Você não só passou


como foi muito elogiada. O papel é seu.

Minha reação foi completamente impulsiva, e eu me

joguei nos braços de Ethan, entrelaçando as pernas em

sua cintura e agarrando seu pescoço. Ele levou um susto,


mas me segurou, o que foi ótimo, senão teríamos caído os

dois no chão.

Emma começou a correr ao nosso redor, levando

Owen pela mãozinha – embora ele não conseguisse


acompanhá-la –, comemorando com a gente.
Dei um beijo em Ethan, de agradecimento, colando
meus lábios aos dele. Desde que ele entrara na minha

vida, muitas coisas loucas tinham acontecido, mas as boas

superavam todas as outras.

Ele já era suficiente para que eu me sentisse uma


mulher de muita sorte.

Quando me colocou gentilmente no chão, senti

Emma puxando meu vestido, querendo atenção.

Nós dois olhamos para ela, que nos olhava de volta,

de forma quase solene.

— Eu posso bebê chumpinha também?

Ah, meu Deus! Chumpinha!

Eu e Ethan caímos na gargalhada e dissemos um


sonoro não para ela, mas não conseguindo não morrer de
amores. Tanto que Ethan a pegou e a abraçou com força,

enchendo-a de beijos, corroborando ainda mais com o que


pensei anteriormente.
Pegando Owen, pra que ele pudesse participar, era
só o que eu conseguia pensar: “sim, eu tinha uma sorte
enorme”.
CAPÍTULO VINTE E NOVE

A notícia caiu como uma bomba em todas as mídias


e veículos de imprensa: “esposa de Ethan Reeves irá

substituir sua ex-noiva em série original de canal de


streaming”.

Eu era a substituta. Mas estava pouco me lixando

para isso.

Tudo era tão legal, exatamente como sonhei, que


Shantel ia ficando mais e mais no passado, especialmente

porque andava extremamente calada, tentando, com muito


desespero, recuperar os fãs que perdeu, sendo fofa e zen

no seu perfil. Só que as pessoas ainda iam lá fazer


comentários grosseiros, acusando-a de todo tipo de coisa.

Nenhuma delas era mentira, mas, ainda assim, as pessoas


não a poupavam.

Bem... problema era dela, né? Foi a pessoa que

cavou a própria sepultura.

A estratégia da equipe de marketing fora lançar um

teaser logo depois do anúncio da minha contratação – e

assim que Chris Jenkins, meu parceiro na série –, porque

queriam que vissem que eu era capaz de interpretar


também, que não era apenas a esposa do dono da

emissora.

Muitas pessoas criticaram a escolha, mas quando

as duas cenas saíram, os comentários todos foram tão

positivos que eu fiquei ainda mais animada.

Foram três meses nesse trabalho inicial, de

preparação desse lançamento, e eu amava cada segundo


no set. Meu parceiro de cena era super gente boa, mesmo

sendo muito famoso, e a gente se deu bem de cara. Sua


esposa apareceu no set algumas vezes, com seu
bebezinho, e ela era um amor também.

A produção super nos incentivava e o diretor era

ótimo, já tendo trabalhando em várias séries que eu

gostava. Resumindo, eu me sentia como se estivesse

sonhando acordada. Se alguém me beliscasse, eu

certamente cairia na real e me veria novamente na casa de

Shantel, aturando os surtos dela, as gritarias e mais


servindo de babá do que de assistente.

Eu tinha virado protagonista da minha própria vida.

E isso não tinha preço.

Meu Instagram não parava de crescer, então

Rachelle me acompanhou a uma sessão de fotos oficial,

porque precisávamos dar uma repaginada para deixar com


uma cara mais profissional. Contratamos uma pessoa para

me ajudar com essas coisas, e eu passei um dia inteiro

fazendo poses, caras e bocas e trocando de roupa, só para

ter conteúdo por um bom tempo.


Eu chegava em casa, à noite, com tantas coisas

para contar a Ethan e às crianças, que parecia outra vida.


Sabia que tudo ia se tornar ainda mais louco quando as

gravações oficiais começassem, mas eu tinha feito um


pedido, na assinatura do contrato, de que não queria
passar muito de certo horário, porque não podia, de forma

alguma, negligenciar os meninos e queria jantar com eles.

No meu primeiro dia de gravações oficiais, eu


estava tão empolgada que me sentia uma criança dando

pulinhos felizes. Ethan, Jacob e Rachelle me


acompanharam, e eu me sentia tão acolhida por eles,

como se realmente fosse parte da família, que isso só


contribuiu para que eu ficasse mais feliz.

Faríamos a gravação de duas cenas comigo


naquele dia, porque ambas eram externas, e uma delas

era bem simples, apenas minha personagem e a de Chris


tendo uma conversa cheia de farpas, próximos ao carro,

depois de saírem de uma loja de conveniência. Em seguida


a mesma loja seria assaltada, e aquele seria o start para a
parceria dos dois, em que precisariam um do outro.
Eu fiquei um pouco nervosa, mas todos foram muito

pacientes, e nós conseguimos gravar a primeira cena em


três takes apenas. Não era tão curta, mas também não era

longa, e já começava na emoção, com uma discussão.


Aliás, elas eram constantes entre os dois personagens, por

isso que a minha química com Chris fora tão testada.

Mas a gente se dava bem.

Assim que fizemos a pausa para nos prepararmos

para a segunda cena, corri para perto dos Reeves,


abraçando Ethan e beijando-o, sentindo-me tão boba ao

fazer isso, mas ele sorria, com os olhos brilhando.

— Cunhadinha, você foi incrível. Será que já pode


me dar um autógrafo? Qualquer dia vai estar tão famosa e
disputada que nem vai querer saber de mim... — Jacob fez

um beicinho, e eu me coloquei na ponta dos pés, dando


um beijo em seu rosto, porque ele era sempre muito fofo

comigo.

— Isso nunca vai acontecer.


Eu ia ficar mais alguns instantes conversando com
Jake e Rachelle, mas Ethan saiu me puxando para o trailer,
que servia como meu camarim, e ele estava tão decidido

que jurei que receberia um sermão ou algo assim. Só que


no momento em que a porta se fechou, fui imprensada nela

e recebi um beijo de tirar o fôlego.

Fiquei um pouco atordoada, porque não entendia


completamente qual era o sentido daquele rompante, mas
jamais iria recusar uma pegada como aquela.

Quando nos afastamos, completamente ofegantes,

não conseguimos parar de olhar um para o outro, e eu


sabia que se permitíssemos acabaríamos indo muito mais

longe. Só que eu tinha trabalho a fazer.

— O que foi isso? — perguntei para ele, sentindo


minha voz sair quase em um sussurro, ansioso e urgente.

Ethan levou as mãos grandes ao meu rosto, e por


mais que ainda estivesse visivelmente cheio de desejo,
havia outros sentimentos em jogo. Ele me olhava com
ternura, o que mexia ainda mais comigo.

— Eu te amo — ele falou com uma convicção quase


assustadora.

Nem eu mesma tinha parado para analisar o que


sentia por ele. Apaixonada já não era suficiente para

descrever, mas a cada dia do nosso casamento

bagunçado, se é que poderíamos chamar assim, eu


começava a me apegar mais e mais. Começava a nutrir a

certeza de que, apesar de termos assinado um contrato de

dois anos, não teríamos prazo de validade. Havia uma

grande chance de aquela loucura dar certo.

Só que eu não esperava que Ethan, que me foi


apresentado como um cara frio e rabugento – sendo que

não era nem um pouco a verdade – fosse tomar a iniciativa

de se confessar e deixar escapar um “eu te amo”.

Aquilo me surpreendeu de tal forma que fiquei sem


palavras por alguns instantes.
— Não precisa dizer o mesmo agora, ok? Se é que

vai dizer um dia, mas saiba que eu te admiro, pela mulher


incrível que você é. Pela mãe maravilhosa que é para

Emma e Owen, e, espero, que um dia seja também para

filhos que eu gostaria de ter contigo. Eu te respeito, te


desejo, tenho sorte de tê-la como esposa, e é isso: eu te

amo.

Ainda segurando o meu rosto, ele me deu outro

beijo e simplesmente se afastou, saindo do meu trailer,


deixando-me sozinha.

Continuei parada onde estava, analisando suas

palavras e me corroendo por dentro por não ter dito que

também o amava. Porque era verdade. Como não amar

um homem que não apenas era maravilhoso para mim,


mas também para as duas crianças que eram o meu

mundo inteiro? Não havia chances de eu passar ilesa a

Ethan Reeves, depois de conhecê-lo bem.

Preparei-me para sair do trailer, ir atrás dele e dizer


o que deveria ter dito de início, mas alguém bateu na porta.
Suspeitando ser alguém da produção, abri, mas fui

empurrada com força para o chão.

Não tinha muita noção do que estava acontecendo,

mas vi que a porta fora fechada novamente e que a pessoa


que me empurrou tirava um boné, deixando cabelos loiros

caírem de forma quase dramática.

O rosto sem os quilos de maquiagem ainda era

bonito, mas bem diferente do que todos estavam

acostumados a ver. Eu já a conhecia daquele jeito, porque


convivemos de tantas formas que qualquer um poderia

jurar que éramos amigas. Mas ela nunca permitiu isso,

porque eu era inferior – em suas palavras.

Naquele momento, porém, eu me sentia assim, de


fato. Porque estava na mira de uma arma.

— Aí está você, como sempre deveria ter estado...

No chão. Só que eu não sou uma covarde. Levante-se,

vadia. Levante-se ou eu vou atirar — ela falou com muita


raiva. Fui tentar me levantar, mas senti uma dor lancinante
no meu tornozelo, que provavelmente tinha sido

prejudicado na queda. — Levante-se, Kayla!

Esforcei-me ao máximo para atender à sua ordem,


apoiando-me na mesa e fazendo careta. Claro que ela

estava percebendo que sentia dor, mas continuou na

mesma posição.

— Alguém vai aparecer aqui, Shantel. Não vai


conseguir sair impune se me machucar.

— Foda-se. Estou cansada de tudo. Esta roupa aí...

— apontou para o figurino, que consistia em uma calça

jeans, uma blusa simples e um blazer. — Tudo isso deveria


ser meu. E Chris Jenkins??? Porra, que sorte. O homem é

um gato, famoso, rico... Você roubou até isso de mim, a

chance de tê-lo como colega. A gente com certeza teria um

caso.

Ela estava louca de pedra. Com certeza tinha

cheirado outra vez, porque estava ainda mais agitada do

que no evento de premiação.


— Chris é casado.

Shantel gargalhou.

— Muita gente é neste meio, tolinha. Acha mesmo

que seu querido Ethan vai ser fiel? Acha que você não vai

cair na tentação uma vez ou outra? Seu jeitinho de boa

moça vai durar muito pouco nessa indústria. — Ela abriu


um sorriso cínico. — Se bem que já está sendo comida

pelo dono da emissora, né? Então pode ser que não

precise de tantos testes do sofá quanto eu precisei.

Como ela sabia que eu e Ethan estávamos mesmo


juntos? Provavelmente tinha nos visto trocando carinhos

antes e depois da gravação.

Eu só precisava ganhar tempo. Precisava dar um

jeito de avisar alguém, de fazer com que Shantel


continuasse ali, falando, até que uma das pessoas da

produção fosse me chamar, por conta do atraso. Mas como

manter o sangue frio? Como conseguir ser racional?


— Já falei, Shantel. Não vai conseguir sair daqui se

me machucar. Tem seguranças no set.

— Quem você acha que me deixou entrar? Tive que


cair de boca em um deles, nem foi muito difícil.

Respirei fundo quando tentei me remexer e senti o

pé latejar. Se estivesse no meu estado normal, poderia

pensar em pular sobre aquela maluca e roubar a arma de


sua mão, mas eu não era uma guerreira, não tinha prática

naquele tipo de coisa. Talvez o destino tivesse me deixado

machucada exatamente para que eu não cometesse

nenhuma loucura.

— Eu confiei em você. Te coloquei dentro da minha


casa. Te deixei perto dos meus filhos...

— Eles nunca foram prioridade para você, Shantel.

— Claro que não! Eu sou minha prioridade. Nunca

ninguém vai vir antes de mim. — Shantel abriu um sorriso


perverso. — Eu te daria essa dica, bonitinha, mas você não
vai durar muito mais tempo para que precise aprender
sobre autoestima.

Vi o momento em que ela puxou o gatilho. Quase

percebi a bala em câmera lenta. Jurava que iria me atingir.

Jurava que aquele era o meu fim.

Fiquei pensando, principalmente, nas crianças.


Porque... eu até concordava com o que Shantel dissera.

Nós tínhamos que nos amar acima de qualquer coisa, mas

não conseguia pensar mais em mim do que nos meus


filhos. E naquele milésimo de segundo, enquanto esperava

a dor, pensei em Emma e Owen como meus.

Eles nunca foram de Shantel. Ambos tinham me


escolhido como sua mãe. E se eu sobrevivesse, honraria

essa escolha.

Só que eu dei muita sorte. Shantel estava mesmo

muito drogada, e ela não tinha uma boa mira, afinal. A bala
pegou pouco acima do meu ombro, quase me atingindo de
raspão. Foi o medo que me fez cair no chão, além da dor
no pé. Por um instante, não soube dizer se tinha sido ferida
ou não, e eu fiquei apavorada.

Tanto que vários sons me cercaram – a porta do


trailer se abrindo, vozes de homens e mulheres, coisas

quebrando – uma baita confusão. Mãos me seguraram,


mas eu demorei para voltar a mim. E a primeira coisa que
vi quando meus olhos – que nem percebi que tinham se

fechado – se abriram foi o rosto do meu marido.

— Kayla! Kayla! Você está bem? Meu amor, você


está bem? — Ele parecia muito desesperado, tocando-me
em todas as partes, procurando algum ferimento.

Não consegui responder de primeira, porque apenas

olhei na direção de Shantel e a vi sendo contida por Jacob,


enquanto outro homem, da produção, segurava a arma que
provavelmente retirara dela. A mulher gritava e

esperneava, mas meu cunhado era forte o suficiente e


chegou a jogá-la no ombro.
— Ethan, a Kayla está bem? — ele perguntou, com
Shantel jogada como um saco de batatas sobre seu ombro,
socando suas costas. — Ai, porra, sua louca!

— ME SOLTA, SEU BRUTAMONTE! ME SOLTA —

ela gritava, mas ele se mantinha firme.

— Estou bem, estou bem... — falei quase sem


fôlego, e ele assentiu, saindo com Shantel, junto ao outro

homem, que segurava a arma com um lenço, prometendo


que a levaria para a segurança.

Outras pessoas continuaram do lado de fora do


trailer, e eu vi Rachelle querendo entrar, mas Ethan fez um

sinal para que ela ficasse onde estava.

— Amor, jura que você está bem? Nós ouvimos um


tiro! — Pobre Ethan, estava desnorteado.

— Ela errou. Só... só meu pé que está machucado

por que eu caí. Mas estou bem... estou bem...


Ethan pegou meu pé na mão e tentou girá-lo, mas
choraminguei de dor.

— Precisamos ir para o hospital, tudo bem? Não

parece grave, mas só precisamos nos certificar.

— Não, mas a filmagem... eu não quero atrapalhar...


eu... — comecei a gaguejar enquanto ele me tirava do
chão como se eu não pesasse absolutamente nada.

— Shantel a atrapalhou, ninguém além dela. Mas

vai ficar tudo bem. Temos tempo. O importante é cuidar de


você.

Assenti, e ele começou a me tirar do trailer,


enquanto as pessoas abriam caminho. Rachelle nos
seguiu, ajudando-o a me levar para o carro, enquanto

Ethan avisava a todos que não fui atingida, que era só um


machucado bobo.

A caminho do hospital, eu estava quase zonza,


depois que a adrenalina caiu. Só que não me sentia tão

fora de mim assim, porque havia uma coisa muito relevante


nos meus pensamentos. Ou, ao menos, foi o que pensei,

naquele meu estado de estranha inconsciência.

Uma coisa que eu não podia deixar para depois.

— Ethan? — chamei, enquanto ele dirigia.

Preocupado e atencioso, ele olhou para mim.

— O que foi, querida? Está bem? — Eu poderia


jurar que ele iria perguntar aquilo um milhão de vezes. Era

sua forma de me mostrar que estava muito preocupado,


por mais que parecesse inconsciente.

— Eu também te amo...

Foi tudo que eu respondi antes de cair na


inconsciência, provavelmente pelo pânico. Mas estava tudo

bem. Ia ficar tudo bem...


CAPÍTULO TRINTA

O susto quase me deu uns cabelos brancos, e olha

que eu me orgulhava de ainda não ter nenhum aos trinta e


cinco anos. Quando ouvimos o tiro, eu e Jacob
simplesmente saímos correndo em direção ao trailer de

Kayla, sem pensar no amanhã, e quando eu vi Shantel,


com uma arma apontada, e a minha esposa no chão, sem

que eu conseguisse ver seu estado.

No final das contas, um tornozelo inchado era nada

perto do que poderia ter acontecido. E ela nem precisou

enfaixar. Dois dias de molho, e ela conseguiria voltar ao


trabalho – ainda bem, porque eu sabia que estava amando

o set, as filmagens e seu novo trabalho.


E eu esperava que a visita indesejada de Shantel

não virasse um trauma.

Tentamos de todas as formas não deixar que as

crianças percebessem que algo diferente havia acontecido,

mas quando nos deitamos, à noite, Kayla se aninhou nos


meus braços, permitindo-se chorar.

— Fiquei com tanto medo... — ela falou baixinho.

Tinha se mantido forte o dia inteiro, tanto no hospital

quanto depois, na polícia, dando seu depoimento. Em casa


também sorrira, jantara e conversara com as crianças,

alegando que se machucara em cena, porque Emma era

muito questionadora, e contara altas histórias sobre a cena

que filmara.

Volta e meia, lançava um olhar para mim, tornando-


nos cúmplices de um sentimento. Lá estava ela,

finalmente, colocando tudo para fora.

— Eu sei, amor. Também fiquei. Pensei que ia te

perder.
A mão de Kayla agarrou o tecido da minha camisa,
e eu senti meu coração se apertar ao ouvir seus soluços.

— Ela queria me matar, Ethan. Como é horrível

descobrir que alguém te odeia tanto a ponto de apertar um

gatilho. Foi por pura sorte que sobrevivi.

— Sim, eu sei. Mas ela está na cadeia agora, e vai

ficar lá por um bom tempo. Temos muitas testemunhas.

Ela ergueu o rosto lindo, olhando nos meus olhos.

— E se não ficar? — Ela parecia apavorada, então

eu limpei uma de suas lágrimas, impedindo que caísse.

— Não vou deixar que saia. E vou cuidar de você.

Ela nunca mais vai chegar perto.

Beijei a testa de Kayla e a apertei mais contra mim,

desejando protegê-la de tudo.

No final das contas, a minha promessa se cumpriu,

mesmo que eu não tivesse nada a ver com isso, porque

Shantel cometeu suicídio, meses depois, quando seu


julgamento teve fim, e ela foi considerada culpada,

condenada a dez anos de prisão.

Ela sabia que sua vida tinha terminado. Que nunca

mais conseguiria fama, nem todas as coisas que realmente

lhe importavam. Até mesmo o marido, o jovem Craig, pediu


o divórcio assim que foi presa, tentando desvencilhar sua
imagem da dela o mais rápido possível.

Mas nossa vida simplesmente continuou. Porque

era assim que tinha que ser.

Toda a primeira temporada da série foi filmada, com


oito episódios, e ainda levaria um tempo para o

lançamento, porque ainda precisava ser editada, produzida


e todo o resto. Ainda assim, o streaming saiu, com nossas
séries antigas, e com alguns filmes que compramos, e

estava indo muito bem.

Ao final de todo o trabalho de filmagem, eu e meu

irmão tivemos uma ideia que poderia ser um tiro no pé,


porque poderíamos nos decepcionar com a resposta do

outro lado, mas era uma última tentativa.

Preferimos, inclusive, fazer uma reunião na casa de


Jake, uma pequena comemoração para Kayla, por seu

desempenho na série, e pedimos que Rachelle


convencesse Dyllan de que queríamos conversar com ele
sobre trabalho, que poderia ser algo de seu interesse.

Ficamos com medo de que não aparecesse, então

teríamos que fazer uma tentativa de levá-lo à empresa,


mas, mesmo com uma hora e meia de atraso, ele chegou.

A primeira a recebê-lo foi Emma. Eu e Kayla

olhamos para ela e a vimos confusa, ao ver meu irmão –


que ela só conhecera na festa de casamento –, e seus
olhinhos se voltaram para mim e para minha mulher, com o

cenho franzido.

— Mas, papá... — Sim, a minha garotinha já me

chamava de papai e também chamava Kayla de mamãe.


Não tínhamos conseguido sua guarda oficial, mas o
advogado estava trabalhando nisso, e eu tinha certeza de
que seria apenas uma questão de tempo. — Eu inda num
intendi. A gente podi falar dele agora?

Não teve jeito, caímos na gargalhada. Quando ela

estava um pouco mais longe, explicamos para Dyllan que


era só uma brincadeira, e ele levou na esportiva,

finalmente, acariciando os cabelos de Emma. Ainda assim,


tanto eu quanto Jake estávamos com medo de que ele
decidisse desaparecer, já que tinha uma alma impulsiva.

Queríamos almoçar primeiro, mas achamos melhor


arrastá-lo para o escritório.

Não era difícil perceber que os dois se entreolhavam

com uma expressão de estranheza, e eu temia que


caíssem de novo na porrada.

— Vocês dois se comportem, ou eu vou deixá-los


aqui, com a porta trancada, para se engalfinharem como

dois animais — adverti, com um dedo em riste.


— Sou uma criança comportada hoje, tio. Estou aqui
para falar de negócios — Jacob disse, então eu me voltei
para Dyllan.

— Ainda não entendi o que querem. Até onde eu

sei, não têm nada para falar comigo sobre negócios.

— Aí é que você está enganado, jovem Jedi. A

gente tem uma proposta.

Dyllan não tinha se sentado – o que, pra mim, era

uma clara evidência de que não se sentia à vontade o


suficiente para isso. Então ele se encostou na mesa e

cruzou os braços, desconfiado.

— Que proposta?

Eu e Jake nos entreolhamos, mas ele se sentou em

sua cadeira presidencial, do outro lado da mesa, colocando


os pés sobre ela, em uma postura muito relaxada, fazendo

um sinal para que eu começasse a falar.

Ótimo, ia sobrar para mim.


— Bem, Dyl... O negócio é que a gente terminou de

filmar uma série...

— É, fiquei sabendo. Meio que só se fala disso, já


que teve todo o rolo do seu casamento e da louca que

atirou em sua esposa. Aliás, que boa troca que você fez,

aparentemente. — Ah, então ele estava aberto a


piadinhas? Bom sinal.

— Falei isso para ele no minuto em que conheci

Kayla. Só não esperava que a outra ia ser tão... — Jake só

girou um dedo do lado da cabeça, fazendo o sinal de


“loucura”, enquanto fazia uma careta, revirando os olhos.

— Enfim... — cortei o assunto, porque obviamente

não queria minha vida amorosa sendo pauta naquele

momento. Já era comentada demais nas redes sociais. Por

isso, prossegui: — Nós precisamos de uma boa música de


abertura para a Intuition, e acreditamos que você poderia

compor algo legal.


— Só que é o seguinte, irmãozinho, a gente pode

achar um meio termo, né? A gente acha suas músicas

excelentes, de verdade, mas tem alguma chance de você


dar só uma roupagem um pouco mais comercial? Algo

menos... progressivo, sei lá. Uma coisa mais...

— Acessível? — complementei, porque Jake

parecia ter perdido a palavra.

Vi que Dyllan estava nos analisando. Era a melhor

proposta que ele ia receber, sem dúvidas. Apesar de tudo,


ele era nosso irmão, e nós queríamos muito que

participasse, de alguma forma, das conquistas da família.

Tive medo real que negasse, que mantivesse o orgulho,


porque queria que as coisas dessem certo.

Eu tinha um bom casamento, estava prestes a

adotar duas crianças maravilhosas, e a vida profissional ia

de vento em popa. Só queria acertar tudo com minha

família. Era o que faltava.


— Ok, eu topo. Posso pensar em algo comercial. Só

preciso de mais detalhes sobre a série, os personagens e


todo o resto.

O alívio quase me deixou tonto. Dyllan estava de

volta para nós. Sabia que ainda haveria um longo caminho

até que pudéssemos ser considerados amigos novamente,


mas eu sabia que era uma tentativa. Era o que meu pai

faria, e eu esperava deixá-lo orgulhoso com minha decisão.

Saímos os três do escritório, e eu me decepcionei

um pouco quando meu irmão caçula apenas almoçou,

ficando calado por boa parte do tempo, e indo embora logo


depois.

Só que Kayla me segurou, puxando-me para um

canto, provavelmente percebendo que eu estava chateado.

Não que tivesse muitos motivos para isso, né?


Porque as coisas saíram melhor do que o esperado. Dyllan

tinha um jeitão todo dele mesmo, e eu nem poderia julgá-

lo, porque a gente era parecido em muitas coisas.


Completamente diferentes de Jake, que era todo sociável e

divertido.

— Correu tudo bem aparentemente, né? Rachelle

me disse que Dyllan aceitou a proposta — minha esposa

falou. Ela tinha alguma coisa na mão, que parecia uma


caixa, mas eu não sabia exatamente o que era.

Dei de ombros para sua pergunta.

— Deu, mas achei que as coisas ficariam mais

próximas entre nós a partir de agora.

— Não é assim que funciona. Acho que é um start.


Vocês vão se curar aos poucos e tudo vai ficar bem.

Ela era tão doce, tão gentil, tão delicada que eu nem

sabia como tive tão sorte. Como era possível que no meio

de tanto caos, de tanta mentira, consegui conhecer a


mulher mais perfeita e rara de todas? Aquela que me

tornava um homem melhor todos os dias?

Acariciei o rosto dela com ternura, e eu a vi sorrir.


— Será que é uma boa hora para te dar um

presente? Nem sei se você vai gostar, na verdade, mas eu


acho que é uma coisa boa... — Kayla parecia tímida ao

falar, o que me deixou curioso.

— É uma ótima hora. Uma hora perfeita, aliás.

Ela me entregou a caixinha, da qual eu desfiz o laço

cuidadosamente e abri. Nem precisei olhar com muito


cuidado para me dar conta do que se tratava: era um

exame de gravidez.

Perdi o ar por alguns instantes e olhei para Kayla

com os olhos arregalados. Já estávamos casados há

alguns meses, e fazíamos sexo regularmente – bem


regularmente, aliás –, já não usávamos mais camisinha e

aquilo deveria ser uma consequência esperada, mas não

me deixava menos surpreso.

E maravilhado.

— Você está...? Está mesmo? É real? — perguntei

que nem um bobo.


— Simmmm! Eu não brincaria com isso. Estava
doida para te contar, porque acho que Emma vai surtar.

— Ah, meu Deus, ela vai. Ela vai! — Peguei Kayla

pela cintura, erguendo-a do chão e girando-a,

comemorando, porque era uma felicidade que nunca senti.


Era uma sensação de plenitude infinita e inexplicável.

Coloquei-a no chão, segurei seu rosto com ambas

as mãos e a beijei.

— Você gostou? Está feliz? — ela perguntou,

insegura.

— Acho que dá para ver pela minha cara que eu

estou radiante, não dá?

Seu sorriso lindo se ampliou.

— É... dá sim. Dá sim.

Eu esperava que desse, porque queria,


sinceramente, que o mundo inteiro soubesse o que eu

estava sentindo naquele momento. O quanto Ethan


Reeves, o ogro mais rabugento do show business, mal
podia parar de sorrir. E eu poderia jurar que riria daquela
forma para sempre.
EPÍLOGO

Finalmente a ruiva estava sozinha.

Depois do anúncio de Kayla, de que estava


esperando um bebê de Ethan, todos nós comemoramos
loucamente, e as crianças ficaram ensandecidas. O

pequenininho provavelmente não entendia nada, mas


imitava tudo o que a irmã fazia. Eles eram muito fofinhos, e

eu curtia ser o “tio Jake”, mas isso não queria dizer que a
palavra pai entrava no meu radar. Ela era tão assustadora

para mim quanto “casamento”.

Fosse como fosse, eu gostava da minha cunhada e

tinha feito uma promessa a ela, meses atrás, que ainda


não tinha cumprido. E ninguém nunca poderia dizer que

Jacob Reeves não cumpria suas promessas para


mulheres, até porque eu dificilmente fazia uma.

O melhor champanhe da adega do meu irmão fora

aberto, e eu estava com duas taças na mão, já que


Maddison – a ruiva –, estava com a dela vazia. Achei que

seria de bom tom não chegar com as mãos abanando,

porque eu sabia que ela não ia muito com a minha cara. O


que era difícil. As mulheres normalmente até que gostavam

dela.

Por causa do temperamento da ruivinha, não foi

uma surpresa quando vi que revirou os olhos para mim, ao

ver que me aproximava.

— O que você quer? — ela tinha uma voz bonita.


Grave, decidida, com um tom rouco. Ela era alta também.

Eu tinha um e noventa e cinco de altura, a mulher com

certeza beirava os um e oitenta. Usava óculos e tinha uns

cabelos lindos em tom de escarlate, lisos, que caíam até os

ombros.
Fora do meu alcance, totalmente. A garota deixara
claro um milhão de vezes que não tinha a menor intenção

de me dar bola. Isso mexia com meu ego, me dava um

gosto de desafio, mas eu não curtia ser o babaca

insistente. Só estava ali por Kayla.

Prometi que daria um emprego a Maddison, mas ela

acabara arrumando um. Não durou muito, pelo que pude

saber, porque era algo temporário, com poucas chances de


efetivação, então eu teria que bancar o cavaleiro andante.

Não que fosse uma má ideia, porque alguns novos

negócios estavam surgindo para mim, e minha secretária –

uma santa, que Deus a abençoasse – não daria conta

sozinha. Precisava de mais alguém para ajudá-la.

— Estou aqui em paz, ruivinha. Pode me dar um


voto de confiança? — falei tão sério que ela até se

surpreendeu.

— Ok, pode falar.


Assenti e lhe estendi o champanhe. Maddison

recusou, então eu o pousei sobre uma mesa próxima.

— Kayla me disse que você está precisando de

trabalho. — Ela ia dizer alguma coisa, mas eu a interrompi.

— Coisa séria, juro. Não vou te assediar, não vou te encher


o saco. Eu realmente preciso de alguém. Não estou
fazendo isso só pela minha cunhada.

Não era inteiramente verdade, porque eu

definitivamente preferia escolher alguém que, no mínimo,


gostasse de mim. Mas era o que tinha, né? Eu podia tentar

usar meu charme e ao menos tentar fazê-la sentir um


pouco menos de ranço, que, aliás, eu nem sabia de onde
vinha.

— Nunca vai dar certo. A gente nem se dá bem! —

ela falou, indignada.

— Você não se dá bem comigo. Nesta guerra, eu

sou a Suíça.

Maddison novamente revirou os olhos.


— Vai, Minha Malvada Favorita. Custa aceitar?

Emprego não está dando em árvore. O salário é bom, o


trabalho é legal... E eu sou um chefe maravilhoso. Tenho

boas referências, se quiser. Nunca dei em cima da minha


secretária.

— Até onde eu sei, ela tem sessenta e seis anos.

— Uma belezura ainda. Belas pernas. E eu sou um


anjo perto dela.

— Cretino! — Eu poderia jurar que ela quase deu

um sorriso. Quase. — Mas ok. Eu realmente estou


precisando...

— Ótimo! A gente vai se dar bem, ruivinha!

— Isso eu não garanto. Se me demitir por


insubordinação, não venha dizer que não te avisei.

— Jamais. Isso é parte do pacote. — Estendi a mão

para ela, esperando que me cumprimentasse. Maddison


hesitou, mas acabou apertando a minha, de forma
profissional. — Estamos acertados, então.

Ela deu de ombros.

— É, acho que sim.

Ok, era um começo...

FIM

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