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Intervenção Psicopedagógica

na Aprendizagem da
Matemática
Prof ª. Dr ª. Nelma Sgarbosa Roman de Araujo
Prof a. Me. Lussuede Luciana de Sousa Ferro
2021 by Editora Edufatecie
Copyright do Texto C 2021 Os autores
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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação - CIP

F395i Ferro, Lussuede Luciana de Sousa


Intervenção Psicopedagógica na Aprendizagem da
Matemática / Lussuede Luciana de Sousa Ferro, Nelma
Sgarbosa Roman de Araujo. Paranavaí: EduFatecie, 2021.
125 p. : il. Color.

1. Psicologia educacional. 2. Jogos no ensino de matemática.


3. Discalculia. I. Araujo, Nelma Sgarbosa Roman de. II. Centro
Universitário UniFatecie. III. Núcleo de Educação a Distância. IV.
Título.

CDD : 23 ed. 370.15


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AUTORA

Profª. Drª. Nelma Sgarbosa Roman de Araujo

● Doutora em Educação para a Ciência e a Matemática pela Universidade Estadual


de Maringá (UEM).
● Mestre em Educação para a Ciência e a Matemática pela Universidade Estadual
de Maringá (UEM).
● Especialista em Educação Especial: visão integradora pela Faculdade Estadual
de Educação Ciências e Letras de Paranavaí (FAFIPA), hoje Universidade Estadual do
Paraná (UNESPAR).
● Especialista em Administração, Supervisão e Orientação Escolar.
● Licenciada em Pedagogia pela Faculdade Educacional da Lapa (FAEL).
● Habilitação em Matemática pela Faculdade Estadual de Educação Ciências e
Letras de Paranavaí (FAFIPA).
● Licenciada em Ciências de 1º Grau pela Faculdade Estadual de Educação Ciên-
cias e Letras de Paranavaí (FAFIPA).
● Docente, pesquisadora, membro do núcleo docente estruturante do curso de
Pedagogia (UniFatecie).
● Membro do Conselho Editorial da EduFatecie (UniFatecie).
● Vice-Coordenadora Geral dos Programas de Ensino, Pesquisa e Extensão
(CONPEx/UniFatecie)
● Coordenadora do Programa de Ensino-PIE/UniFatecie.
● Orientadora de Trabalhos de Conclusão de cursos a nível de Pós-Graduação,
Graduação e de Projetos de Iniciação Científica.
● Membro do GT Matemática na Educação Infantil e nos Anos Iniciais do Ensino
Fundamental da SBEM-PR (Sociedade Brasileira de Educação Matemática).
● Docente do Quadro Próprio do Magistério da Rede Estadual de Educação do
Paraná, atuando na Escola Fernanda Preisler Aquino - Ed. Inf. e Ens. Fund. na Modalidade
Educação Especial de Diamante do Norte (APAE).
● Assessora pedagógica, ministrante de cursos, minicursos e palestras.

Ampla experiência na área de Educação, Educação Matemática, Formação de


professores, Representações Sociais, Ensino de Matemática e de Ciências, Educação
Especial (Deficiência Intelectual), Educação de Jovens e Adultos e Gestão Escolar.

ORCID: https://orcid.org/0000-0003-0213-8276
CV: http://lattes.cnpq.br/9100194702432442
Profª. Me. Lussuede Luciana de Sousa Ferro

● Doutoranda em Educação pela Universidade Estadual de Maringá (UEM).


● Mestre em Educação, com pesquisa na organização do ensino de matemática,
pela Universidade Estadual de Maringá (UEM).
● Especialista em Teoria Histórico-Cultural nos estudos acerca do processo de
desenvolvimento humano.
● Especialista em Psicopedagogia Clínica e Institucional.
● Licenciada em Pedagogia pela Universidade do Oeste Paulista.
● Membro do Grupo de Pesquisa e Ensino “Trabalho Educativo e Escolarização”
(GENTEE-UEM).
● Membro da Oficina Pedagógica de Matemática (OPM/UEM).
● Membro do Grupo de Pesquisa “Estudos das Teorias e Práticas Pedagógicas na
Perspectiva Crítica da Educação Escolar” (GTPEC-Unespar/Pvai).
● Membro do Grupo de Estudos e Pesquisa sobre atividade de ensino (GEPAE/UEM).
● Orientadora de Trabalhos de Conclusão de cursos a nível Graduação.
● Docente do ensino superior, atualmente na Universidade Estadual de Maringá e
Universidade Estadual do Paraná - Campus de Paranavaí.
● Ministrante de cursos, minicursos e palestras com ênfase no desenvolvimento
humano, formação de professores, organização do ensino, trabalho educativo e o processo
de ensino e aprendizagem na educação infantil e anos iniciais.

ORCID: https://orcid.org/0000-0002-4807-3642
CV: http://lattes.cnpq.br/2991516738579826
APRESENTAÇÃO DO MATERIAL

A matemática é considerada por muitos como “um bicho de sete-cabeças”. Será mesmo? É
isso que, juntos, iremos descobrir e aprender em nossos estudos, pois ensinar matemática
é uma tarefa que se tornou desafiadora para muitos professores do ensino básico.
Pensando nisso, organizamos esse material com uma proposta de estudo que considera
a linguagem matemática como um bem cultural que traz em si consubstanciada, toda a
síntese humana produzida e materializada nos instrumentos e signos.
Nessa perspectiva, consideramos que a apropriação desses instrumentos e signos pre-
sentes nos conhecimentos matemáticos, potencializam as formas mais avançadas do
pensamento humano nas suas relações com os diferentes fenômenos no mundo. Dessa
forma, defendemos a ideia da matemática como um instrumento do pensamento.
A aprendizagem dos conhecimentos matemáticos ocorre em diferentes situações do coti-
diano, pois é uma linguagem inerente à vida humana. No entanto, somente em situações de
ensino sistematicamente organizadas, é possível desenvolver as formas mais complexas
do pensamento, logo, na escola.
Porém, algumas crianças, adolescentes e adultos apresentam dificuldades para se apro-
priarem dos conceitos matemáticos, representadas em alguns casos por transtornos ou
distúrbios de aprendizagem, entre eles, a discalculia e a acalculia. Alunos com dificuldades
de aprendizagem não aprendem matemática pelos caminhos tradicionais que comumente
se ensina nas escolas, o que demanda reorganização da prática pedagógica.
Assim, objetivamos com esse material de estudo, como educadoras que somos, oferecer
aos psicopedagogos e professores, apoio teórico metodológico para um ensino de mate-
mática que considere o aluno em suas múltiplas determinações, isto é, enquanto um ser
físico, biológico, psíquico e social.
Para isso, na Unidade I discutiremos o processo histórico de produção da matemática para
compreender como ocorre a apropriação dessa linguagem como ferramenta do pensamento.
Na sequência, refletiremos na Unidade II a respeito das dificuldades de aprendizagem e
suas concepções; a importância de identificar as causas e as consequências que essas
dificuldades de aprendizagem podem gerar na vida das crianças, adolescentes e adultos,
em especial os transtornos ou distúrbios denominados de discalculia e acalculia.
Na Unidade III trataremos das definições de discalculia e acalculia, suas especificidades,
sinais e sintomas que podem acometer as pessoas com dificuldades para aprender mate-
mática. A partir dessa compreensão, teceremos considerações acerca das intervenções
psicopedagógicas e desenvolvimento dos discalcúlicos e acalcúlicos.
Nesse percurso, na Unidade IV apontaremos encaminhamentos de investigação que con-
tribuem na identificação e compreensão dos casos de alunos que têm dificuldades com a
matemática no ambiente escolar; e orientaremos intervenções pedagógicas nesse ambiente
e no convívio familiar.
Também, nessa unidade, desvelaremos o jogo e as ferramentas tecnológicas, como uma
das possibilidades de organização do trabalho educativo em sala de aula e recurso didático
que contribui no processo de ensino e aprendizagem dos alunos com dificuldades para
aprender matemática.
Esperamos que as discussões, encaminhamentos e sugestões, presentes neste material
de estudo, contribuam efetivamente no processo de formação profissional, que visa o de-
senvolvimento das potencialidades máximas de todos os alunos.
Desejamos bons estudos e excelentes sínteses!

Profa. Me. Luciana e


Profa. Dra. Nelma
SUMÁRIO

UNIDADE I....................................................................................................... 4
Contextualizando a Matemática

UNIDADE II.................................................................................................... 28
Dificuldades de Aprendizagem da Matemática

UNIDADE III................................................................................................... 51
Acalculia e Discalculia

UNIDADE IV................................................................................................... 72
Intervenções Psicopedagógicas
UNIDADE I
Contextualizando a Matemática
Profa. Me. Lussuede Luciana de Sousa Ferro
Profa. Dra. Nelma Sgarbosa Roman de Araujo

Plano de Estudo:
● O surgimento da linguagem matemática como produção humana
● A formação do pensamento matemático no processo de ensino e
aprendizagem escolar
● Aprender matemática não é um bicho de sete cabeças

Objetivos da Aprendizagem:
● Conceituar e contextualizar as necessidades históricas que motivaram
a produção da matemática pela humanidade e sua função social.
● Compreender como ocorre o processo de apropriação dos conceitos matemáticos
e suas implicações na formação da consciência humana.
● Estabelecer a importância da matemática no processo de ensino e
aprendizagem escolar como uma ferramenta do pensamento.

4
INTRODUÇÃO

Nesta unidade apresentamos alguns aspectos importantes do percurso histórico do


surgimento da linguagem matemática como produção humana, ou seja, não nascemos saben-
do matemática, mas a aprendemos de acordo com as nossas condições objetivas de vida.
Para compreender esse trajeto de construção dos conhecimentos matemáticos,
verificaremos como ocorreu o desenvolvimento do pensamento matemático, desde as re-
motas necessidades humanas na organização do cotidiano, às diversas formas de registro
desse pensamento, como, por exemplo, os sinais gráficos.
Isso se faz necessário para compreender como ocorre o processo de apropriação
dos conceitos matemáticos, para além do ato mecânico de calcular e escrever os números,
considerando que essa linguagem é carregada de sentido, significado, conteúdo, pensa-
mento e tem uma função social.
Assim, você poderá entender melhor os aspectos que interferem no processo de
aprendizagem dos conhecimentos matemáticos pelos sujeitos, para que estes se tornem
capazes de se apropriarem dos conteúdos científicos que estão implícitos e explícitos na
matemática, tão temida por muitos.
Ao compreender como ocorre o processo de formação do pensamento matemático e
as implicações das ações didáticas escolares para a sua constituição, você conseguirá ainda
refletir o papel do psicopedagogo e as intervenções psicopedagógicas como ferramentas
que contribuem efetivamente na superação do fracasso escolar de crianças, adolescentes
e adultos que não alcançaram o pleno desenvolvimento nessa área do conhecimento.

UNIDADE I Contextualizando a Matemática 5


1. O SURGIMENTO DA LINGUAGEM MATEMÁTICA COMO PRODUÇÃO HUMANA

O que vem à sua mente quando pensa na palavra matemática? Para a maioria
das pessoas a matemática está relacionada a números ou registros de cálculos e fórmulas
complexas que podem preencher páginas escritas para alcançar o resultado que, muitas
vezes, não é exato, mas relativo ou proporcional.
No Dicionário Etimológico (2021), a palavra matemática deriva do grego “matema-
thike”, que significa a arte ou técnica de explicar os números e as formas geométricas. Já
em Houaiss e Villar (2009, p. 492), os autores afirmam que matemática é a “ciência que
estuda objetos abstratos (números, figuras e funções) e as relações existentes entre eles”.
A partir desses conceitos gerais, percebemos que os números fazem parte da
matemática, sendo esta compreendida como ciência ou como instrumento utilizado para
quantificar algo ou medir as diferentes situações do nosso dia a dia.
Você sabia que foram séculos de descobertas para a construção desses conceitos?
Tais conceitos foram sendo constituídos por homens que passaram a sua vida
[...] criando meios para suprir suas necessidades básicas, que vão desde a
sua sobrevivência aos modos mais avançados de organização laboral. Isso
significa que foram muitos anos de transformação social para que a ideia de
matemática, compreendida hoje cientificamente, superasse o plano empírico
para o abstrato, isto é, nos primórdios, a matemática se assentava nas expe-
riências do cotidiano das civilizações, as quais motivaram os povos a produzir
uma linguagem que pudesse comunicar sobre a quantificação das coisas, do
espaço e das formas (FERRO, 2016, p. 19).

UNIDADE I Contextualizando a Matemática 6


Ifrah (1981) postula que as ideias matemáticas não nascem com os homens, mas
neles são constituídas no decorrer da história do desenvolvimento das sociedades, ou seja,
a linguagem matemática que hoje conhecemos, percorreu diferentes caminhos até alcançar
os avanços mais complexos do pensamento matemático nos homens.
De acordo com o autor, em relação ao conhecimento dos números, existe um marco
“zero”, pois, no passado, a relação do ser humano com os números era direta, ou seja, os
números eram apenas sentido e levou séculos na história dos homens vivendo em sociedade
para se tornarem uma faculdade abstrata de contar como parte da inteligência humana.
Nessa direção, Leontiev (1972, p. 284) explica:
Cada geração começa, portanto, a sua vida num mundo de objetos e de fe-
nômenos criados pelas gerações precedentes. Ela apropria-se das riquezas
deste mundo participando no trabalho, na produção e nas diversas formas de
atividade social e desenvolvendo assim as aptidões especificamente huma-
nas que se cristalizaram, encarnaram nesse mundo.

Isso nos mostra que a produção dos conhecimentos matemáticos não segue uma
ordem cronológica de acontecimentos dos fatos e descobertas, mas se faz no decorrer do
desenvolvimento histórico e social dos homens. Assim como outros conhecimentos implí-
citos nas mais diversas ciências, os conceitos matemáticos se constituem por avanços e
recuos em diferentes condições de vida dos homens. E quais foram estas condições que
resultou no aparecimento dos primeiros vestígios da matemática?
Não pretendemos aqui discorrer, na íntegra, todos os fatos ou conceitos matemá-
ticos produzidos, mas aqueles que revelam as necessidades que motivaram os homens
a criarem formas cada vez mais elaboradas para entenderem os mistérios da natureza e
fazer dela sua aliada para resolver os problemas da vida cotidiana.
Sautoy (2013) relata que a matemática surgiu a partir das necessidades de os
homens controlarem os fenômenos da natureza, compreendendo as sequências e os pa-
drões que formam o mundo natural, como, por exemplo: por que o dia vira noite? Por que
uns dias são quentes e outros frios? Por que os animais migram de uma região a outra?
Foram essas e tantas outras constantes transformações (visíveis ou não aos olhos), das
paisagens e de outros fenômenos da natureza, que fez a humanidade buscar meios de
compreender o mundo à sua volta.
No ano 6.000 a.C., quando o homem deixa de ser nômade e passa a fixar-se em
uma região, precisa produzir parte do seu próprio alimento, então, surge a necessidade do
grupo desenvolver técnicas de agricultura, obrigando-o a entender os padrões da natureza
e criar meios de organizar a vida coletiva. Para isso, tiveram que encontrar formas de
medir os espaços (moradia e plantação), controlar os estoques da colheita, fazer trocas etc.
(SAUTOY, 2013).

UNIDADE I Contextualizando a Matemática 7


Foi a partir desses conceitos básicos de espaço e quantidade que os homens primi-
tivos começaram a desenvolver as noções de distância entre ele e sua presa ou predador;
ao perceber as vantagens e desvantagens numérica do seu bando em relação a outros para
lutar ou não por território; decidir se deveria correr ou parar para abater a refeição e matar
a fome; reconhecer se tinha pouco, muito ou nada de alguma coisa. Assim, a humanidade
buscou formas de compreender os padrões circundantes e começou a organizar a vida
diária, contando e ordenando o mundo a partir de um novo universo matemático, até então
desconhecido (SAUTOY, 2013).
Vejam que contar não era mais suficiente, era preciso criar padrões de medidas e,
por isso, inicialmente o corpo foi o principal instrumento de medidas, como exemplo, um
palmo (largura da mão) e um cúbito (comprimento do cotovelo até as pontas dos dedos).
Essa relação direta e sensitiva da humanidade com a matemática, teria permane-
cido assim se o ser humano não tivesse recorrido às abstrações dos fenômenos naturais
ao comparar, decompor, agrupar objetos como pedras, gravetos, conchas, nós em cordas,
bastões e os dedos das mãos (IFRAH, 1981).
Com isso, os homens foram percebendo o mundo e desenvolvendo formas de
controlar a natureza. Agrupar coisas utilizando as mãos pode ter sido a primeira estratégia
que encontraram para o controle de quantidades. Ao usar os dedos das mãos, o homem
primitivo representava coleções que continham até dez elementos.
[...] combinando dedos das mãos e dos pés pode-se ir até vinte. Quando os
dedos humanos eram inadequados, podiam ser usados montes de pedras
para representar uma correspondência com elementos de outro conjunto.
Quando o homem primitivo usava tal método de representação, ele frequen-
temente amontoava as pedras em grupos de cinco, pois os quíntuplos lhe
eram familiares por observação da mão e pé humanos (BOYER; MERZBA-
CH, 2012, p. 24).

Podemos dizer que, até hoje, fazemos uso desse modelo de contagem que her-
damos culturalmente de nossos antepassados. Nas mais diferentes ações do nosso dia a
dia, utilizamos os dedos para realizarmos cálculos simples ou agruparmos coisas, como,
por exemplo, os ovos em dúzias no supermercado ou geladeira; as pilhas em duplas, trios
ou quartetos para o uso de controles remotos; par de brincos para ordenar as orelhas;
sete dias para marcar a semana; e tantas outras possibilidades de contagem nos dedos e
agrupamentos de objetos, pessoas, animais ou situações.
Percebam que, no passado, os diversos recursos materiais utilizados pelos ho-
mens se tornaram representações numéricas, mas eles ainda tinham o desafio de criar
uma forma de escrever as quantidades, pois agrupar coisas por meio desses instrumentos
de contagem não garantia o arquivo das informações e a precisão dos cálculos. Dessa
forma, o controle de quantidades se transformou em símbolos numéricos e conquistaram
notoriedade nas sociedades modernas.

UNIDADE I Contextualizando a Matemática 8


Com as transformações das sociedades, as necessidades emergentes de
contagem, para resolver os problemas de transações comerciais, que en-
volvem troca, compra e venda, de medição e cálculos mais complexos para
as construções civis, impõem, às civilizações, encontrarem um modo mais
rápido e eficaz de estabelecer alguns princípios de economia que se diferen-
ciavam entre as diversas culturas e regiões. Ainda carregamos as marcas de
nossos antepassados nas mais variadas formas de empregar a matemática,
tanto nas situações imediatas quanto nas mediatizadas no espaço escolar,
porém, humanizada, ou seja, cada vez mais carregada de sentido (FERRO,
2016, p. 24).

Importante compreender que foi a partir da necessidade de controlar diferentes


quantidades e representá-las, de um modo mais rápido e preciso, que surgiu o sistema de
numeração que hoje conhecemos. Concordamos com Ferro (2016, p. 26) quando afirma que,
para compreendermos o conceito de número e ensinarmos matemática, precisamos seguir
[...] para além do uso dos símbolos, sua identificação ou recitação, pois se
faz necessário internalizar para que eles foram criados, tomar consciência da
realidade subjetiva de modo a orientar o próprio comportamento por meio de
uma linguagem que não é inata ao homem, mas emergida das tensões cria-
das entre eles. Podemos dizer que a linguagem matemática foi se desnatu-
ralizando à medida que suas leis gerais foram organizadas e sistematizadas
em espaços planejados para esse fim; ganhou maior notoriedade quando
deixou de ser apenas um instrumento de contagem e passou a ser entendida
como uma ferramenta capaz de transmitir ideias que têm, em seu conteúdo,
as possibilidades de transformação da realidade.

Foi nesse percurso que os números passaram a ser representados como hoje conhe-
cemos, e avançaram “[...] para a criação das palavras numéricas, termos, conceitos e ideias
matemáticas que estão presentes no cotidiano dos indivíduos, muitas vezes sem que eles
próprios percebam a linguagem matemática em seu vocabulário” (FERRO, 2016, p. 30).
A Figura 1 representa a evolução dos registros numéricos na história humana,
signos que herdamos de nossos antepassados e utilizamos para materializar a forma como
controlamos as diferentes grandezas.

FIGURA 1 - EVOLUÇÃO DO REGISTRO DA NUMERAÇÃO

Fonte: IMENES, 2009.

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Ao analisarmos o processo de desenvolvimento dos conhecimentos matemáticos,
compreendemos que para nos apropriarmos desses conhecimentos, precisamos ter acesso
aos bens culturais. Mas como isso acontece? Por meio da apropriação dos instrumentos
(ferramentas externas: os objetos e o seu uso) e dos signos (ferramentas internas: lin-
guagem; a forma como expressamos o pensamento) materializados na vida objetiva de
cada sociedade e em diferentes contextos. E o que isso significa? Que são as mediações
histórico-sociais que conduzem o processo de formação do pensamento matemático nas
pessoas, o qual perpassa do empírico para o abstrato se as aprendizagens forem orienta-
das para esse fim.
Com isso queremos dizer que ninguém nasce sabendo matemática, mas pode
aprender se a forma de ensinar os seus conceitos forem carregados de sentido e significado,
tanto para aqueles que ensinam (professores), quanto para aqueles que aprendem (alunos).
E mais do que isso, se considera, no processo de ensino e aprendizagem, os mo-
tivos que impulsionam o sujeito a buscar, nas formas humanas já desenvolvidas, os meios
para resolver as diferentes situações problemas do cotidiano. Quais são esses meios para
se apropriar da linguagem matemática? Os instrumentos e signos que a representam e
orientam os processos de formação do pensamento matemático.

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2. A FORMAÇÃO DO PENSAMENTO MATEMÁTICO NO PROCESSO DE
ENSINO E APRENDIZAGEM ESCOLAR

Quando propomos o pensamento em processos de ensino e aprendizagem dos


conceitos matemáticos, não nos referimos à matemática com fim em si mesma, ou seja,
aquela que é utilitária e ensinada de pais para filhos. O ensino da matemática que aqui ana-
lisamos é aquele fundamentado nos conhecimentos científicos e pautado na perspectiva
histórico-social de desenvolvimento da espécie humana.
Esse tipo de conhecimento pode ser apreendido somente na escola e sob ensino
sistematicamente organizado pelo professor. Isso porque é no interior das apropriações
dos conceitos matemáticos que estão as necessidades que motivam o sujeito a aprender;
que a cultura humana é incorporada e transformada em instrumentos do pensamento e
externalizada em ações mais elaboradas, com linguagem cada vez mais aprimorada.
Ao nos apropriarmos do conhecimento científico não significa que as aprendizagens
que adquirimos no cotidiano estão descartadas, muito pelo contrário, o que aprendemos de
modo assistemático é superado na escola (ou pelo menos deveria ser) pela incorporação
dos modos mais sofisticados de nos relacionarmos com os diferentes fenômenos e, entre
eles, os conceitos matemáticos.
Por exemplo, muitas pessoas aprenderam que comer manga e tomar leite era uma
péssima ideia, podendo até levar à morte. Anos mais tarde, aprendemos nas aulas de ciências
que a combinação desses dois alimentos resulta em uma deliciosa vitamina nutritiva e saudável.

UNIDADE I Contextualizando a Matemática 11


Os ensinamentos que adquirimos no senso comum são ressignificados e ganham
novos sentidos quando apreendidos a partir de estudos e pesquisas científicas. Esses
estudos desmistificam aquilo que, por anos, passou como verdade de geração em geração
nos diferentes grupos sociais.
Aqui está a importância de conhecer ou relembrar alguns aspectos do surgimento da
linguagem matemática como produção humana, pois é na história da matemática que encontra-
mos os indícios de como essa linguagem transformou o pensamento humano, ao mesmo tempo
em que esse pensamento transformado, possibilitou aos homens criarem e aperfeiçoarem as
formas de controle das diferentes quantidades, grandezas e formas no mundo.
Talvez você esteja se perguntando: em que momento da vida essas apropriações dos
conceitos matemáticos acontecem? Desde o nascimento! Para se ensinar matemática, deve-
mos compreender como a espécie humana aprende e se desenvolve (bases filogenéticas),
conforme apresentado no tópico anterior, e como é o percurso de aprendizagem e desenvolvi-
mento de cada sujeito dessa espécie (bases ontogenéticas), o que veremos a seguir.
É na infância que se iniciam os estudos ontogenéticos da apropriação da linguagem
matemática (e de qualquer outro conhecimento), pois o percurso histórico de anos que a huma-
nidade realizou para produzir e aperfeiçoar a linguagem matemática é o mesmo que a criança
fará, porém, em menos tempo, pois ela se apropriará da síntese de tudo que foi produzido.
Bem, mas isso não quer dizer que essa aprendizagem já está dada ou é inerente à
criança. Lembre-se que, sob os princípios da formação de homem enquanto um processo
histórico e social, devemos compreender a criança em suas múltiplas determinações, ou
seja, enquanto um ser físico, psíquico, biológico e social. Sobre isso, Saviani (2013, p.
252-256; p. 258, grifos do autor) nos revela quatro a priori do desenvolvimento humano:
[...] a realidade física do educando [...] a priori físico da estrutura do homem
[...] Eis porque o primeiro ato educativo da mãe e dos outros adultos que con-
vivem com a criança desde o nascimento consiste em cuidar para que seu
corpo se desenvolva sem distorções, evitando-se a incidência de eventuais
acidentes que possam provocar lesões com sequelas irreversíveis. [...] Daí a
importância da biologia para a educação. Mas todo funcionamento representa
um desgaste de energias que precisa ser compensado; o organismo humano
compensa este desgaste pela alimentação. Contudo, o bom funcionamento
dos órgãos não depende apenas do equilíbrio entre desgaste e absorção de
energias; depende também dos hábitos de higiene física e alimentar. Quais
as condições de alimentação e hábitos de higiene da criança? [...] além disso,
ela tem um mundo interior e que esse mundo é constituído de modo comple-
xo. A vida, nesse mundo interior, manifesta-se em vários níveis. Além disso,
existem fenômenos patológicos que afetam essa vida interior. Isso mostra
que a priori psicológico também se situa no quadro da corporeidade. [...]
Daí a importância da interação emocional entre criança e os adultos para o
seu desenvolvimento psíquico. [...] Essa criança [...] vive num meio artificial,
construído pelo homem [...] é um ser totalmente determinado, limitado, preso;
em suma, é um ser situado [...] Esse contexto espaço-temporal revela a exis-
tência do a priori cultural da estrutura do homem.

UNIDADE I Contextualizando a Matemática 12


Esses aspectos apresentados por Saviani (2013), formam o homem em sua empi-
ria, ou seja, revela as condições objetivas de vida das crianças e de todas as pessoas. O
autor está nos dizendo que, muitas vezes, as condições físicas, biológicas, psicológicas e
sociais da criança podem dificultar as aprendizagens dela e os avanços esperados no seu
desenvolvimento, mas nunca impedir que os saltos qualitativos sejam efetivados.
Essa constatação fica evidente quando Saviani (2013) ressalta que a educação es-
colar é condição para promover os saltos qualitativos esperados no processo de formação
da consciência dos homens e torná-los verdadeiramente parte do gênero humano. Para se
ter o êxito nas ações educativas escolares é imprescindível determinar: quem é a criança?
Quem ela deverá vir a ser? Qual lugar ela ocupa? O que ela precisa para aprender? Por
que precisa aprender? Como ela aprende?
Agora vamos pensar esses princípios no ensino de matemática. Para saber quem
é a criança, precisamos considerá-la como um ser integral e quais as necessidades que a
motivam aprender em cada período do seu desenvolvimento. O lugar que ela ocupa, será
revelado pelas condições de vida que a constitui.
Ao olharmos para essa criança como um ser concreto em uma realidade concreta,
começamos a reconhecer o que ela já sabe sobre a matemática, em suas formas de agir,
pensar e falar. Com isso, caminhamos na direção do seu devir, ou seja, organizamos o
ensino de matemática de modo que a criança alcance o desenvolvimento máximo das
suas funções psíquicas superiores de sensação, percepção, atenção, memória, linguagem,
pensamento, imaginação, emoção e sentimento.
Dessa forma, a matemática contribui efetivamente naquilo que a criança deverá vir
a ser: uma pessoa capaz de transformar a realidade circundante por meio do conhecimento,
ou seja, a aprendizagem dos conceitos matemáticos promove o pensamento abstrato.
A partir dessas constatações, é possível definirmos o que a criança precisa apren-
der; quais conteúdos e conceitos da linguagem matemática são necessários para ampliar
e aprofundar os conhecimentos daquela e por que esses conhecimentos são importantes;
quais avanços serão promovidos nas aprendizagens da criança. Agora, como fazer para ela
aprender depende da forma como o ensino será organizado na escola.
A chave que pode esclarecer essa relação entre sujeito, conteúdo e forma, encon-
tra-se nas manifestações da linguagem matemática pela criança, nos conteúdos a serem
ensinados e processos didáticos do professor. Quando essas relações caminham de modo
interdependente, a matemática se torna uma linguagem capaz de superar as bases senso-
riais, que se apresentam no início da formação dessas crianças e avançam para os modos
mais complexos do pensamento, quando elas são inseridas na escola.

UNIDADE I Contextualizando a Matemática 13


E como isso funciona para as crianças que apresentam dificuldades com a mate-
mática ou distúrbios de aprendizagem nessa área do conhecimento? Como já mencionado
em alguns parágrafos anteriores, ao olharmos a criança como um ser concreto em uma
realidade concreta, começamos a reconhecer o que ela já sabe sobre a matemática. Mas e
se a criança não aprendeu nem os conceitos básicos de matemática? É exatamente desse
ponto que devemos partir, utilizando estratégias de ensino específicas para ela aprender.
É comum ouvirmos de muitos pais e professores que a criança não sabe “nada” de
matemática. Será mesmo? Você concorda com isso? Com base nos estudos e pesquisas
realizados até o momento, não concordamos, pois se o sujeito aprende desde o nascimento
(como vimos anteriormente), então, ao ser inserida na escola, a criança traz consigo uma
carga de conhecimentos adquiridos nas condições sócio-históricas que constituem o seu
desenvolvimento. Para fortalecer essa ideia, corrobora Vigotski (2006, p. 109, grifo do au-
tor), afirmando que a educação escolar não começa do zero, pois “[...] toda aprendizagem
da criança na escola tem uma pré-história”.
Com base nessa afirmação, podemos questionar: qual a pré-história das aprendi-
zagens dessa criança, adolescente ou adulto com dificuldade para aprender matemática?
Quais intervenções são possíveis para reverter este quadro de fracasso escolar ou de
aprendizagem?
Para responder a essas e tantas outras questões que podem surgir, reiteramos
que o psicopedagogo deve compreender quem é esse sujeito que chegou até ele com um
histórico de fracasso escolar ou de aprendizagem? Quem ele deverá vir a ser diante da
realidade que se apresenta, ou seja, que metas serão propostas para serem alcançadas?
Qual lugar esse sujeito ocupa, isto é, qual o nível de aprendizagem que ele alcançou no
percurso do seu processo de desenvolvimento? O que isso implica na sua participação
efetiva na família, na escola, no grupo de amigos e outros espaços sociais? O que precisa
aprender para avançar? Quais mudanças qualitativas esses avanços representam? Como
organizarei as intervenções psicopedagógicas para que esse sujeito alcance os objetivos
propostos e consiga se relacionar com o mundo ao seu redor de forma mais significativa?
O fracasso escolar na aprendizagem dos conceitos matemáticos nem sempre é de
causa patológica ou transtornos funcionais, mas causado por uma organização do ensino
que desconsidera a criança, suas condições de vida e, principalmente, as necessidades
que a motivam a aprender. Por isso, no processo de organização das intervenções psi-
copedagógicas, devemos considerar a escola como espaço sistematizado de ensino e o
professor como mediador nesse processo de apropriação da linguagem matemática.

UNIDADE I Contextualizando a Matemática 14


Ao compreendermos a função social da matemática, o lugar que ocupa na socie-
dade e os fatores que a permeiam, fica clara a necessidade de um profissional, como o
psicopedagogo, que busca identificar e intervir nos fatores que influenciam no processo
dessa aprendizagem nas relações sociais e culturais.
Nesse sentido, a atuação psicopedagógica precisa resgatar, no processo de apren-
dizagem da criança, o desenvolvimento das funções psicológicas superiores, por meio da
aquisição dos instrumentos e dos signos presentes na linguagem matemática. Dessa forma,
cabe ao psicopedagogo, entender como ocorre esse processo, para possibilitar ao sujeito
o reconhecimento da própria função desses signos em sua vida.

UNIDADE I Contextualizando a Matemática 15


3. APRENDER MATEMÁTICA NÃO É UM BICHO DE SETE CABEÇAS

Você saberia dizer quantos adultos carregam as consequências de uma matemáti-


ca que era ensinada na força do grito e não do pensamento? Provavelmente centenas ou
milhares deles. Muitas pessoas, quando crianças ou adolescentes, ouviram de seus pais e
professores (e talvez muitos ainda ouvem) frases do tipo “Você é burro(a), por isso nunca
aprende”, “Desse jeito você vai reprovar!”, “Esse(a) aí não sabe nem onde está o nariz, vai
saber quanto é dois mais dois?”.
Essas e tantas outras expressões, que fazem da matemática um bicho de sete
cabeças e os sujeitos culpados pelo seu fracasso, revelam a falsa ideia de que apren-
der matemática só é possível para “pessoas muito inteligentes”. Ideia reforçada quando
observamos os cursos de licenciaturas em matemática com dois ou três acadêmicos(as)
chegando à tão sonhada formatura.
Por que tantos desistem pelo caminho? Não se trata de inteligência, mas das con-
dições externas e internas do sujeito para aprender. Esta é a razão que deve mobilizar o
professor a ensinar os conceitos matemáticos às crianças, de forma que esses tenham
sentido para elas. Então, também é fundamental que o docente se aproprie desse conheci-
mento, compreendendo as bases teóricas em que as situações de ensino estão pautadas
e os elementos constituintes dos conteúdos a serem ensinados. Carvalho et al. (2008, p.
72) afirmam que o

UNIDADE I Contextualizando a Matemática 16


[...] ensino de matemática é o momento estratégico fundamental, ao qual o
professor proporcionará à criança o desenvolvimento da base sobre a qual
ela (a criança) irá consolidar a compreensão dos conceitos mais complexos.
Se essa “base” for construída a partir da lembrança de algo temeroso, difícil,
mecânico, que comporta uma grande quantidade de exercícios repetitivos,
sem uma relação com a realidade, com seus sentidos, observações e, sem
suscitar um significado; então isso a levará a uma indisponibilidade, hostilida-
de e ansiedade em relação afetiva ao aprendizado desta disciplina. A criança
- convencida de sua incapacidade, pois acredita ser a matemática algo inato
e para poucos – romperá com este conhecimento. Daí a importância de uma
proposta pedagógica que contemple a construção histórica dos conhecimen-
tos matemáticos, como a questão dos sentidos, que levaram a percepção,
significação (conceito/abstração), criação e re-criação do mundo.

Para transformarmos as cicatrizes do fracasso em possibilidades de aprendizagem,


precisamos dar um novo sentido ao espaço do aprender, denominado escola. Contudo,
sabemos que nesse ambiente ainda se reproduz conhecimentos fragmentados e isolados
de seu contexto social e cultural, os quais culminam em diagnósticos de dificuldades de
aprendizagem, conduzindo crianças e adolescentes a consultórios psicopedagógicos, mui-
tas vezes, com resultados clínicos equivocados.
Quando pensamos em uma ação intencional e promotora das aprendizagens que
desenvolvem, direcionamos nosso olhar para o trabalho psicopedagógico atrelado ao pen-
samento de resgate da totalidade do aluno,
[...] fragmentada não porque considera partes de ou elementos simples dessa
realidade, mas porque os toma (partes ou elementos) em si mesmos. Frag-
mentada porque pretende apreender o aluno a partir de sua comunidade,
mas faz dessa comunidade uma ilha, isolada de todo o corpo de relações em
que se organiza a existência humana. Assim, ilhada do todo, não apenas dei-
xa de apreender a realidade da comunidade, como também, não apreende
a realidade do aluno, dado que ambos só adquirem realidade num contexto
muito mais universal [...] (KLEIN, 2008, p. 56).

Essa discussão traz, ao trabalho psicopedagógico, contribuições relevantes, pois,


tanto no trabalho preventivo como educativo, o psicopedagogo recorre a outras áreas do
conhecimento para intervir e promover a aprendizagem.
No processo de aprendizagem da criança, é importante que os profissionais envol-
vidos, como o professor, a equipe pedagógica e o psicopedagogo, considerem o tempo que
a criança passa com outros grupos sociais e a relação sensitiva que ela estabelece com
os objetos antes de estar na escola. Porém, isso não garante que a criança se aproprie
da essência dos conceitos, é preciso organizar ações de ensino e de aprendizagem e/ou
intervenções psicopedagógicas que coloquem a criança em movimento do pensamento.
Vigotski (2000, p. 337) considera que “a aprendizagem ocorre em todas as fases do
desenvolvimento da criança mas, em cada faixa etária ela tem não só formas específicas
mas uma relação totalmente original com o desenvolvimento”. Portanto, as ações pedagó-
gicas devem ser planejadas considerando o período de desenvolvimento da criança e os
motivos que nela potencializam o desejo de querer aprender.

UNIDADE I Contextualizando a Matemática 17


Isso não envolve somente contagens e cálculos ou registros escritos, mas ações
em que a criança no jogo, na brincadeira, manuseando objetos, tecnologias e demais
ferramentas externas, possa comparar, selecionar, ordenar, sequenciar, agrupar, medir
e, assim, perceber os elementos que compõem o conceito de um determinado objeto de
estudo, como os conhecimentos matemáticos.
Por meio da medição, por exemplo, Moura et al. (2017) asseguram que a criança
pode expressar numericamente a qualidade de um objeto ou fenômeno, seguindo três
etapas importantes: a primeira etapa consiste em identificar a grandeza1, ou seja, quali-
dade do objeto ou fenômeno que se pretende medir. Na segunda etapa, a criança precisa
encontrar um outro objeto, ou fenômeno, que apresente a mesma grandeza e ela possa
fazer a comparação. Isso significa que os objetos ou situações precisam apresentar varia-
ções da mesma grandeza para que sejam mensurados (comprimento com comprimento,
capacidade com capacidade etc.). E, por último, a terceira etapa consiste em estabelecer o
resultado dessa comparação numericamente.
Observem que a medição é sempre relativa. “Isso fica visível, por exemplo, quando
comparamos na fila a altura das crianças. Uma criança é alta ou baixa em relação a que ou
a quem?” (MOURA et al., 2017, p. 6). Entretanto, é comum na escola proposições didáticas
envolvendo situações de medidas em que as crianças utilizam instrumentos como régua,
balança e fita métrica, possibilitando-lhes conferir graus de intensidade de uma determinada
grandeza àquilo que está sendo medido.
Somente o uso dessas ferramentas dispensa a criança “[...] da necessidade da
comparação direta entre objetos e isso pode causar a impressão falsa de que a qualidade
(grandeza) está no objeto em si, quando na verdade ela só existe na relação com outros
objetos ou fenômenos” (MOURA et al., 2017, p. 5).
A literatura infantil O frio pode ser quente? (MASUR, 2009) contempla essa nature-
za relativa que há no movimento de medição das diferentes grandezas, ao contemplar as
ações dos personagens e as possíveis grandezas envolvidas. Nessa história, as situações
de tempo e espaço apresentadas trazem a necessidade de atribuir àquilo que está sendo
mensurado graus de intensidade de uma determinada grandeza.

1 As grandezas podem ser de naturezas discretas e contínuas. As grandezas de natureza discretas


são aquelas em que a medida obtida é sempre um número natural como, por exemplo, em uma fila há 5
alunos ou um casal tem 3 filhos. As medidas de natureza contínuas, são aquelas em que os elementos a
serem mensurados requerem instrumentos de medidas como colheres, baldes, copos, termômetro etc.; são
aquelas em que a medida obtida é um número que pode não ser natural, como, por exemplo, a temperatura
registrada num termômetro ser de 36,5°C.

UNIDADE I Contextualizando a Matemática 18


A seguir, vamos analisar uma das situações que consta na história, que foi extraída
dos arquivos pessoais de uma das autoras:

FIGURA 2 - COMPARAÇÃO DE GRANDEZAS

Fonte: Masur (2009).

Quando você olha para esta imagem, o que primeiro chama a sua atenção? As
ilustrações ou a escrita? Geralmente, as ilustrações são os primeiros elementos que nos
saltam aos olhos e, depois, a escrita. Nesta situação, ambas são importantes para com-
preendermos por que o comprido pode ser curto e o pouco pode ser muito” (MASUR, 2009,
p. 2), e em qual situação isso pode acontecer.
Nesse caso, a situação é um jogo de futebol e a primeira relação de grandeza a
ser analisada é o tamanho do goleiro: ele é uma pessoa curta ou comprida, alta ou baixa?
Para você definir se o goleiro é uma pessoa comprida ou curta, alta ou baixa, precisará
identificar: em relação a que está estabelecendo essa comparação?
No exemplo do livro, podemos dizer que o goleiro é curto em relação à distância
da bola, o que dificultou impedi-la de entrar no gol e o time adversário marcar um ponto no
placar. Para determinar se a quantidade um é pouco ou muito, depende do que estamos
estabelecendo como objeto de comparação, em uma partida de futebol o placar 1 X 0 é o
suficiente para a vitória.
Exemplos como esses, revelam que no movimento de formação do pensamento
matemático, a criança irá identificar semelhanças e diferenças, estabelecer comparações e
relações com outras vivências, ou seja, as evocações daquilo que ela perceber e se atentar,
caminhará para ações integradas do pensamento e abstrações cada vez mais elaboradas.

UNIDADE I Contextualizando a Matemática 19


Para a criança prestar atenção e se manter atenta, é necessário que o seu campo
perceptual esteja operando intensamente para ativar as suas funções mnêmicas, importante
condição para aprender os conteúdos de matemática e de outras ciências. Quando o professor
insere a criança em uma situação de jogo da memória, por exemplo, é preciso que ele chame a
sua atenção para alguns pontos importantes, desde a organização das peças do jogo.
Se a criança colocar as peças do jogo da memória de forma aleatória na mesa ou
no chão, ficará mais difícil encontrar os pares, considerando que as peças estarão espa-
lhadas sem lugares definidos e marcados. Mas, se diferente disso, a criança organizá-las
em linhas e colunas, terá maior chance de memorizar onde estão as peças que são iguais,
pois poderá marcar visualmente e memorizar em qual linha e coluna tal peça se encontra.
Essas estratégias não surgem na criança, tampouco as relações de grandezas
serão estabelecidas por ela própria. Para isso, a criança precisa ser colocada em situação
de ensino no jogo, na brincadeira ou diferentes situações de ensino, que exija dela o plane-
jamento de suas ações e de diferentes estratégias para alcançar os objetivos propostos. Ao
reproduzir os movimentos de produção da matemática de nossos antepassados, a criança
internalizará os meios que a ela possibilitam pensar matematicamente o mundo.
Em outra situação de aprendizagem desenvolvida para crianças do primeiro ano
do ensino fundamental, também podemos perceber as relações de grandezas. Esta ação
didática foi produzida por professores e graduandos do curso de pedagogia, que realizam
estudos no grupo de pesquisa “Oficina Pedagógica de Matemática” (do qual uma das au-
toras faz parte), em uma universidade pública localizada no interior do Estado do Paraná.
As ações didáticas desenvolvidas na OPM2 demandam muito estudo e horas de
planejamento, produção e experimentos com as crianças na escola de educação infantil
e ensino fundamental. Alguns professores e gestores da rede básica de ensino também
participam do grupo e desse movimento, trazendo para o grupo as suas inquietações e
desenvolvendo, na sala de aula, as tarefas propostas e sistematicamente organizadas no
coletivo.

2 Oficina Pedagógica de Matemática (OPM) da Universidade Estadual de Maringá formada por


professores universitários e da rede básica de ensino, alunos graduandos, mestrandos e doutorandos. O
grupo realiza estudos, pesquisas e processos formativos (ensino) sobre temas relacionados à análise, à
organização do trabalho educativo e aos processos de estudos e aprendizagens na escola, em especial
o ensino de matemática.. Fundamenta-se na Teoria Histórico-Cultural, bem como em sua matriz teórica -
o Materialismo Histórico Dialético, por compreender, especialmente, pelos estudos de Vigotski (e seus
seguidores), que uma correta organização da aprendizagem matemática na escola, implica em um processo
de desenvolvimento necessário à formação cultural e humana dos sujeitos. A articulação teórico-prática se
consolida com a atuação conjunta do Grupo de Pesquisa e Ensino em exercício em salas de aula, efetivando
atividades pedagógicas com os escolares em um processo contínuo de pesquisa, ensino e avaliação.

UNIDADE I Contextualizando a Matemática 20


No exemplo a seguir, denominou-se o jogo criado de “Jogo das bolinhas”. Para este
jogo foram utilizados os recursos: bolinhas de diferentes tamanhos, cores, pesos e texturas;
uma caixa de sapato com furos na tampa de tamanhos grande, pequeno e médio; varetas
de hashi.

FIGURA 3 - JOGO DAS BOLINHAS

Fonte: acervo das autoras (2018).

Após a definição das regras, estabeleceu-se como objetivo geral do jogo: retirar o
maior número de bolinhas da caixa com as varetas. Para esta tarefa, as crianças deveriam
utilizar as varetas de hashi (com ou sem apoio do elástico). A seguir o quadro de regras do
jogo em detalhes, organizado pelos pesquisadores.

Quadro 1 - Regras do jogo das bolinhas

1) Decidindo quem inicia o jogo: cada jogador escolhe uma bola da caixa e pesa na
balança, inicia o jogo quem tiver a bola mais pesada ou mais leve. Variação: de olhos
vendados, cada jogador escolhe uma bola, inicia o jogo quem tiver a bola maior ou
menor;
2) O jogador, com ajuda dos pegadores, deve retirar as bolinhas da caixa pelos furos
superiores;
3) Em cada rodada, o jogador terá quatro chances para jogar e, a cada jogada, a
bolinha escolhida deve ser retirada por um dos furos superiores da caixa.
4) O vencedor será aquele que conseguir o total de bolinhas mais pesadas ou mais
leves (dependendo do critério estabelecido pelo professor ou pelos jogadores).
Fonte: Elaborado pelos pesquisadores da OPM (2020).

UNIDADE I Contextualizando a Matemática 21


Ao final de três rodadas, o vencedor será aquele que retirar da caixa a maior quan-
tidade de bolinhas. Porém, coloca-se um problema: como descobrir quem capturou mais
bolinhas sem contá-las?
Nesse momento do jogo, a atenção das crianças está voltada mais para ação do
controle de quantidades que a grandeza massa, sendo que o seu objetivo é capturar a
maior quantidade possível de bolinhas para vencer. Mas isso não a isenta, por exemplo,
da preocupação de escolher por qual furo deve passar a bolinha ao retirá-la da caixa, pois
o tamanho desta deve ser proporcional ao diâmetro do furo, para que consiga retirar mais
bolinhas que o(s) outro(s) jogador(es). Com isso, as problematizações devem criar as ne-
cessidades que motivam os professores a ensinar e os alunos a aprender, ou seja, para os
sujeitos estarem em atividade necessidades e motivos devem coincidir (LEONTIEV, 1972).

FIGURA 4 - CRIANÇAS EM SITUAÇÃO APRENDIZAGEM NO JOGO

Fonte: acervo das autoras (2018).

A provocação nos alunos de definir o ganhador sem contar as bolinhas capturadas,


impulsiona-as a pensar em estratégias de controle quantitativo não convencionais, como
estabelecer a relação biunívoca entre as quantidades de bolinhas capturadas pelos jogado-
res, conforme faziam os homens para controlarem as quantidades de ovelhas no passado.
Dessa forma, a situação desencadeadora da atividade contempla “[...] a essência do con-
ceito em seu movimento de produção histórica e uma situação-problema que desencadeia
a necessidade de apropriação do conceito pela criança” (MORAES, 2010, p. 104).
Como proposta para ampliação do jogo, sugere-se aos professores o uso de di-
ferentes formas e tamanhos dos recipientes para depositar as bolinhas retiradas da caixa
e, assim, trabalhar com os alunos o conceito de cheio, vazio, muito, pouco, capacidade

UNIDADE I Contextualizando a Matemática 22


e proporcionalidade. Recipiente de qualidades alto e estreito pode caber menos bolinhas
que recipientes de qualidade baixo e largo, ou vice-versa, isso depende da capacidade
de armazenamento interna dos recipientes e da qualidade das bolinhas que neles forem
guardadas, pois bolinhas grandes ocupam mais espaço que bolinhas pequenas, conforme
problematização progressiva proposta pelo jogo, essa é uma síntese que o jogo permite.
Isso orientou os pesquisadores a pensar em diferentes estratégias para jogar, com
formas diversas de problematização e uso dos recursos presentes no jogo. Pensou-se
em diferentes variações (as quais podem ser ampliadas e modificadas de acordo com a
demanda e a realidade circundante) que se ordenam do menor para o maior grau de difi-
culdade, possibilitando ao professor atuar na zona de desenvolvimento próximo dos alunos
(momentos de aprendizagem que eles ainda precisam de auxílio do par mais desenvolvido
para conseguir realizar essas ações), a fim de que se torne o nível de desenvolvimento real,
quando o aluno executa as ações sem ajuda do outro (VIGOTSKI, 2000).

SAIBA MAIS

Os instrumentos que as primeiras civilizações utilizavam para controlar as diferentes


quantidades, revelam a relação biunívoca existente entre os elementos de dois conjun-
tos distintos, mas ainda sem consciência pelo homem desse processo. Isso significa
que a qualidade daquilo que conta e está sendo contado não coincide. Por exemplo:
colocar uma pedra ou concha para cada animal ou pessoa, mostra que a comparação
está na quantidade dos objetos e não em sua natureza. Aqui estão as primeiras ideias
de unidade, dezena e centena empregadas no ábaco, uma das primeiras calculadoras
inventadas pelo homem, atualmente utilizada como um recurso didático nas escolas
para ensinar às crianças o conceito de valor posicional.

Fonte: Ferro (2016).

REFLITA

“Com os símbolos numéricos 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, e 0 é possível escrever qualquer


quantidade, “cada algarismo corresponde a um conceito [...] a imagem gráfica e o som
desses símbolos não possuem em si o conceito, apenas o representam”.

Fonte: Centurión (2002, p. 36, grifo do autor).

UNIDADE I Contextualizando a Matemática 23


CONSIDERAÇÕES FINAIS

No decorrer desta unidade foram apontados os princípios para a organização do


ensino de matemática, os quais foram desenvolvidos coletivamente no grupo de estudos
e pesquisa que uma das autoras desse texto, junto a outros colegas realizaram na Oficina
Pedagógica de Matemática (OPM), em uma universidade pública localizada no interior do
Estado do Paraná.
Os estudos realizados são fundamentados em pesquisas e estudiosos que explicam
o desenvolvimento humano como sendo histórico e social, conforme anunciado algumas
vezes no decorrer do texto.
A seguir, apresentamos uma síntese dos estudos, em seis princípios que podem
contribuir na organização do ensino de matemática na escola:
a. os recursos metodológicos devem contextualizar o trabalho pedagógico e servir
como instrumento para movimentação do pensamento da criança, de modo que ela perpas-
se de um nível ao outro do seu desenvolvimento;
b. o professor deve problematizar e orientar as manifestações da linguagem ma-
temática das crianças, assim como deve provocar e direcionar, nestas manifestações, as
expressões do pensamento delas no movimento de controle quantitativo;
c. forma e conteúdo estabelecem relação de interdependência, logo, quem é a
criança? Quem ela deverá vir a ser? Qual lugar ela ocupa? O que ela precisa para apren-
der? Por que precisa aprender? Como ela aprende? São questões que caminham lado a
lado na elaboração das aulas.
d. considerar as manifestações matemáticas da criança é desvelar a lógica do seu
pensamento e o direcionamento que o professor deve dar ao ensino dos conteúdos em
determinado período do desenvolvimento do sujeito;
e. colocar as crianças em atividade é condição para o seu desenvolvimento;
f. movimentar o pensamento da criança para as direções que rumam à formação
de suas funções psicológicas superiores, é premissa para a formação do pensamento
matemático.

UNIDADE I Contextualizando a Matemática 24


A partir desses princípios, fica evidente que as tarefas organizadas pelo professor
precisam coincidir com o sentido para que foram criadas, caso contrário, as ações das
crianças, no decorrer da resolução da tarefa, ficarão restritas em reproduções mecânicas
nos movimentos motores de levantar e abaixar as peças do jogo da memória, no exemplo
utilizado anteriormente.
Reiteramos que o ensino da matemática não se resume apenas em contagens de
objetos e registros dos símbolos numéricos para representar aquilo que se conta. Ensinar
matemática consiste em organizar situações pedagógicas em que as crianças tenham a
necessidade de pensar o movimento do controle de quantidades, grandezas e formas.
Planejar as aulas, disponibilizar os materiais didáticos, propor jogos com regras ou
brincadeiras, aplicar a tarefa e/ou sistematizar situações de ensino envolvendo números e
seus registros são insuficientes para garantir a aprendizagem matemática.
É preciso articular sujeito, conteúdo e forma que intervenham direta ou indiretamen-
te no processo de desenvolvimento das crianças, de modo que elas estejam em constante
movimento no interior da atividade que as motivam aprender.
Quando o professor direciona as expressões do pensamento da criança para ações
mais organizadas, no movimento de controle das quantidades, grandezas e formas, promo-
ve nelas os avanços no processo de formação das funções psíquicas superiores.

UNIDADE I Contextualizando a Matemática 25


LEITURA COMPLEMENTAR

CEDRO, W. L.; MORAES, S. P. G. de.; ROSA, J. E. da. A atividade de ensino e o


desenvolvimento do pensamento teórico em matemática. Ciência & Educação, v. 16, n.
2, p. 427-445, 2010. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/ciedu/v16n2/v16n2a11.pdf.
Acesso em: 13 mar. 2021.

UNIDADE I Contextualizando a Matemática 26


MATERIAL COMPLEMENTAR

LIVRO
Título: Educação matemática nos anos iniciais do ensino funda-
mental: princípios e práticas pedagógicas.
Autor: Vanessa Dias Moretti e Neusa Maria Marques de Souza
Editora: Cortez
Sinopse: O ensino de Matemática nos anos iniciais do Ensino
Fundamental consiste em um frequente desafio para professores,
do mesmo modo que o ensino da língua materna. Com base nes-
sa realidade, as autoras elaboram a presente obra, cujo objetivo
principal é oferecer a professores e educadores dos três primeiros
anos do Ensino Fundamental respaldo teórico e metodológico para
um ensino da Matemática que seja incentivador de aprendizagem
e possibilite às crianças o desenvolvimento do pensamento teórico
sobre os conceitos e as noções referentes a essa disciplina.

FILME/VÍDEO
Título: Gênio Indomável
Ano: 1997
Sinopse: Will é um rapaz brilhante e tem um grande talento para a
matemática, mas trabalha como faxineiro em uma famosa univer-
sidade. O psicólogo Sean Maguire o ajuda a formar sua identidade
e lidar com as emoções, direcionando-o na vida.

UNIDADE I Contextualizando a Matemática 27


UNIDADE II
Dificuldades de Aprendizagem da
Matemática
Profa. Me. Lussuede Luciana de Sousa Ferro
Profa. Dra. Nelma Sgarbosa Roman de Araujo

Plano de Estudo:
● Dificuldades de aprendizagem e suas concepções
● As dificuldades de aprendizagem e o ensino de matemática
● A organização do ensino de matemática: variáveis que afetam a aprendizagem

Objetivos da Aprendizagem:
● Conceituar as dificuldades de aprendizagem e suas
concepções no decorrer da história humana.
● Compreender o percurso de aprendizagem da linguagem matemática
pelas crianças e o seu processo de apropriação.
● Estabelecer a importância de identificar as causas e trabalhar com as consequências
das dificuldades de aprendizagem na vida das crianças.
● Compreender a linguagem matemática como uma
ferramenta do pensamento.

28
INTRODUÇÃO

Nesta unidade as discussões abarcam os estudos sobre dificuldades de aprendiza-


gem no percurso da história humana.
Nesse trajeto, verificaremos a influência organicista na visão das dificuldades que
muitas crianças têm para aprender e, consequentemente, na concepção de aprendizagem
e desenvolvimento escolar. Essa concepção tende a fortalecer a ideia de que a aprendiza-
gem está vinculada a aptidões puramente biológicas.
Para tanto, refletiremos sobre os conceitos de normalidade e maturidade relaciona-
do à criança, definindo e pontuando como este conceito está vinculado à necessidade de
adaptação das crianças, jovens e adultos ao meio circundante.
Por isso, a importância de compreendermos a educação e o processo de escolariza-
ção da criança como historicamente constituído e socialmente determinado das diferentes
ciências e, entre elas, a matemática.
Por fim, analisaremos o contexto em que surgem as preocupações e os primeiros
estudos sobre as dificuldades de aprendizagem. Isso, para compreendermos de forma
contextualizada o percurso de aprendizagem das crianças, identificarmos e trabalharmos
com as consequências que essas dificuldades podem acarretar na vida delas no contexto
escolar e fora dele.
Nesse contexto, traremos à tona que a aprendizagem sistematicamente organiza-
da, é essencial para o desenvolvimento das potencialidades máximas do pensamento de
todas as crianças, inclusive aquelas que apresentam dificuldade para aprender determina-
dos conteúdos como a leitura, escrita, resoluções de problemas, cálculos e tantos outros
envolvidos no processo de escolarização.
A partir desse cenário, traremos a organização do ensino de matemática como
sendo uma importante via de acesso para a superação das dificuldades relacionadas à
apropriação da linguagem matemática ou para a busca de novos sentidos para a apropria-
ção dos conceitos matemáticos.

UNIDADE II
I Dificuldades
Contextualizando
de Aprendizagem
a Matemáticada Matemática 29
1. DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM E SUAS CONCEPÇÕES

Assim como as influências socioeconômicas afetaram as transformações no con-


ceito de infância, o mesmo processo deve ser aplicado no que tange às dificuldades de
aprendizagem, pois as questões acerca da aprendizagem só tiveram evidência frente às
novas exigências da sociedade capitalista, em razão do perfil de sujeito necessário para
suprir a demanda de mão de obra por um lado, e a de investimento social na prole da classe
burguesa (POSTMAN, 1999).
As rápidas transformações do mundo do trabalho e o seu processo de tecnização
foram determinantes no destaque dado ao não aprender. A psicologia fortaleceu esse con-
texto, dando ênfase no fracasso escolar, justificando-o nos estudos métricos da inteligência
iniciados por Binet¹ .
Para Bossa (2008), as dificuldades de aprendizagem são um sintoma social, pois
estas são a base para discussão do que se tornou usual ser nomeado como fracasso
escolar. O fracasso na escolarização se impõe de forma alarmante e persistente, uma vez
que o sistema escolar brasileiro ampliou significativamente o número de vagas, mas não
conseguiu implementar ações que tornassem a escolarização eficiente e, consequente-
mente, não garantiu o cumprimento de seu objetivo básico, qual seja: acesso à cidadania.

1 Alfred Binet foi um psicólogo francês que contribuiu com suas pesquisas no campo da psicometria ao
criar o primeiro teste bem-sucedido de inteligência, a Escala Binet-Simon, que serviu de base para vários dos
atuais testes de QI que hoje conhecemos.

UNIDADE II
I Dificuldades
Contextualizando
de Aprendizagem
a Matemáticada Matemática 30
Para Cordié (1996), os problemas de aprendizagem surgiram com a instauração
da escolaridade obrigatória no fim do século XIX. Assim como as exigências da sociedade
moderna causam os distúrbios, a expressão do mal-estar das pessoas visivelmente impres-
sa na linguagem de uma época em que o poder do dinheiro e o sucesso social são valores
predominantes, também contribui para as diferentes dificuldades no processo de ensino e
aprendizagem escolar.
Nesse contexto, a escola surgiu com a proposta de disciplinar e melhorar as condições
de vida na sociedade moderna e acabou, na contemporaneidade, por ocupar o papel de repeti-
ção da marginalização ao reputar o insucesso acadêmico a milhares de crianças e jovens.
Com isso, a escola fortalece a divisão de classes e dissemina os sentimentos de
não pertencimento e merecimento disseminados pela classe dominante. De acordo com
Cordie (1996), Jules Ferry (1832 - 1893), então ministro da educação na França, estabe-
leceu a instrução laica e obrigatória em 1880, a qual tinha como objetivo superar a divisão
de classes sociais e permitir que as crianças pobres tivessem acesso à educação formal.
Entretanto, esse acesso ficou restrito ao que se convencionou chamar de primário,
pois este era o suficiente para que os menos abastados conseguissem manusear as má-
quinas cada vez mais frequentes nas fábricas.
No Brasil, o conhecimento é tido como fonte de poder social, logo, a educação é
realizada de modo a privilegiar alguns e discriminar muitos, gerando o fracasso escolar. A
condição de não alfabetizado ou não letrado nem sempre foi vista como um problema social
ou clínico, pois as pessoas que não tivessem instrução formal poderiam exercer diversos
ofícios que precediam desse atributo.
Com o ritmo acelerado das mudanças do modo de produção, essa concepção
mudou de forma drástica a partir do final do século XIX e continua em ritmo acelerado. A
escolarização passou a ser entendida como fundamental para a execução de atividades,
inclusive artesanais, pois os artesãos precisavam aprender como gerenciar uma loja antes
de abrir seu negócio, por exemplo.
Assim, o desemprego passou a ser justificado pela dificuldade de se empregar pes-
soas que não fossem escolarizadas, pois os valores essenciais de vida são considerados
todos aqueles relacionados ao sucesso financeiro: dinheiro, posses de bens materiais e o
poder que representam socialmente esses bens.
Dessa forma, o fracasso escolar se tornou sinônimo de fracasso na vida (CORDIE,
1996). No âmbito escolar e de investigação das dificuldades de aprendizagem, o conceito
e definições sofreram a influência do grande desenvolvimento das ciências médicas e bio-
lógicas, principalmente da psiquiatria, ocorrido entre os séculos XVIII e XIX.

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a Matemáticada Matemática 31
Estudos de neurologia, neurofisiologia e neuropsiquiatria, realizados em labora-
tórios anexos às instituições asilares, como os hospícios, passam a se referenciar aos
internos como anormais. Essa ideia adentrou as instituições escolares: os alunos que não
acompanhavam a turma eram vistos como anormais e a justificativa de seu fracasso era
reputada a alguma causa orgânica (SCOZ, 2013). Mas afinal, o que é ser normal?
Segundo o dicionário Houaiss (2009), normal significa aquilo que é usual, natural;
o que não é diferente, ou seja, aquilo que é igual à maioria que está ao seu redor, não se
destaca; algo comum. Para discutirmos o conceito de normalidade, requer refletirmos aos
preceitos cotidianos sobre o que é ou não esperado da criança em desenvolvimento.
De acordo com Drouet (1997), a normalidade está relacionada ao padrão de com-
portamento esperado para uma determinada população, baseado na maior incidência deste
padrão, ou seja, varia de acordo com a história do grupo, pois, o que hoje é considerado
normal pode não ter sido no passado e vice-versa.
Dentro de uma mesma sociedade esse comportamento ainda sofre variações,
quando se considera grupos diferentes: de idade, sexo, status social, família, cultura, raça e
religião. Para a psicopatologia, ser “normal” remete à saúde integralmente orgânica, física,
psíquica e social.
Como podemos perceber, ao conceituarmos a palavra “normal”, precisamos con-
siderar as questões éticas, sociais, culturais, econômicas e políticas, pois somos seres
sociais, formados social, cultural e historicamente. Nesse contexto, consideramos, em
Saviani (1995), que não nascemos humanos, mas nos tornamos humanos por meio das
relações sociais, logo, a potencialidade do outro é trabalhada e valorizada pelo seu igual,
por aquele que é mais experiente.
Nessa perspectiva de normalidade, pautada no aprender para se desenvolver, é
perigoso pontuar que uma criança não está dentro do padrão de normalidade, pois se
não a considerarmos em suas múltiplas determinações, podemos reforçar a concepção
patologizante, impedindo o outro – no caso a criança – de ter acesso pleno.
Se não tivermos clara compreensão do processo de desenvolvimento e aprendiza-
gem humana, corremos o risco de “rotular” a criança, de julgar sua dificuldade em aprender
de forma descontextualizada, ou seja, perderemos a compreensão global para além da
responsabilidade individual da criança. Quando olhamos para a criança em sua totalidade,
compreendemos que os indivíduos aprendem de forma singular e não homogênea.
É nesse contexto que surgiram disciplinas específicas para o cuidado com a
criança, como a Psicologia da Aprendizagem e, nesta área, subáreas de estudos como a

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Psicopedagogia, que tem como um dos pilares o trato direto de crianças e adolescentes
que apresentam dificuldades significativas em seu processo de aprendizagem. Dessa
subárea, temos os estudos acerca das dificuldades de aprendizagem, dos transtornos de
aprendizagem; sintomas e intervenções escolares rumo ao desenvolvimento.
Ciasca (2003) pontua que os primeiros relatos médicos acerca da questão das difi-
culdades datam de 1917 na literatura inglesa, sendo formulada por Glasgow como cegueira
congênita das palavras. Em 1925, Samuel Orton descreveu um quadro que identificava pro-
blemas de leitura e escrita, principalmente na caligrafia, o qual nomeou como estrefossimbolia
(transtorno para a leitura a escrita) para distorções, substituições e escrita especular.
Strauss e Lehtinen (1947) são os autores que introduziram o termo Lesão Cerebral
Mínima ou Síndrome de Strauss para qualificar crianças que apresentassem quaisquer
alterações relacionadas ao ato de aprender. Entretanto, o termo lesão passou a ser questio-
nado, pois muitas crianças não apresentavam lesão aparente no Sistema Nervoso Central.
Por esse motivo, Denhoff passou a defender que, não havendo evidência de lesão
orgânica, o nome correto seria Disfunção Cerebral Mínima, caracterizada por “distúrbio hiper-
cinético do impulso”, abarcando os seguintes sintomas: “agitação, hiperatividade, diminuição
progressiva da atenção, concentração escassa, distração, irritabilidade” (CIASCA, 2003, p. 23).
Esse conceito das dificuldades de aprendizagem das crianças chegou ao Brasil
em 1960 com maior aceitação pelos professores e pelos pais, uma vez que esta era tida
como neurológica. Esse entendimento, por um lado, serviu para melhorar o acolhimento da
criança, mas, por outro, favoreceu o desinvestimento educacional por parte dos educadores
e reforçou o tratamento medicamentoso.
Em 1988, a Organização Americana National Joint Committee of Learning Disabilities
(Comitê Conjunto Nacional de Deficiências de Aprendizagem) definiu as dificuldades de
aprendizagem como um termo geral que se direciona a um grupo de diferentes desordens
manifestadas por dificuldades significativas na aquisição e utilização da compreensão da
audição, da fala, da leitura, da escrita e também do raciocínio matemático (FONSECA, 1995).
As definições apresentadas até aqui consideram as dificuldades de aprendizagem
como tendo causas intrínsecas às crianças e de ordem neurológica. Na atualidade, os
avanços nos estudos chegaram à compreensão que as dificuldades de aprendizagem
podem ter causas diversas de ordem extrínseca (causas ambientais), intrínseca (causas
neuropsicológicas) e interativa (causas relacionadas às extrínsecas e intrínsecas).
Quando as causas das dificuldades são extrínsecas, advêm do contexto social, cul-
tural, familiar ou pedagógico ao qual a criança está inserida. Os sintomas mais frequentes
nestes casos são fracasso na aprendizagem, inadaptação escolar, desinteresse, comporta-
mento hiperativo ou hipoativo.

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Dificuldades de aprendizagem na perspectiva intrínseca, podem decorrer de dano
cerebral, alterações nos processos maturativos, inabilidade psicolinguística, inabilidade no
processo de informação. Atraso percepto-motor (motor e cognitivo), dificuldades globais na
aprendizagem, alterações nos processos de codificação e decodificação linguística (disfasia)
e demais dificuldades seletivas, como a dislexia, disgrafia, disortografia, discalculia e acal-
culia, são os sintomas que mais acometem as crianças que apresentam essas dificuldades.
Na perspectiva interativa, as causas podem estar, em boa parte, relacionadas tanto às
questões intrínsecas quanto às extrínsecas. Quando essas características do desenvolvimento
são pontuais, ficam inseridas no padrão de normalidade e dificuldades que, aos poucos, se
resolvem. Todavia, quando a situação é constante, certamente algo errado está ocorrendo.
As desordens no ato de aprender específicas do indivíduo são determinadas por
problemas no funcionamento do Sistema Nervoso Central. Essas desordens são de origem
neurológica denominadas de Transtornos de Aprendizagem e compreendem uma inabilida-
de específica em leitura, escrita ou matemática, em crianças que, geralmente, apresentam
inteligência média ou acima da média; adequado aparato sensorial e condições sociais,
mas têm um desempenho significativamente abaixo do esperado para seu nível de desen-
volvimento, escolaridade e capacidade intelectual (MORI, 2016).
A autora revela que além das dificuldades específicas na aprendizagem, os transtor-
nos ou distúrbios de aprendizagem são acompanhados de manifestações comportamentais,
ressaltando que a expressão transtorno da aprendizagem deve ser restrita às perturbações
específicas resultantes de alterações no sistema nervoso central.
De acordo com Mori (2016), os alunos com Transtorno de Aprendizagem não são
considerados parte do público-alvo da política nacional de educação inclusiva. Dificilmente
eles têm acesso a salas de recursos e/ou atendimentos educacionais especializados dentro
das escolas regulares.
Entretanto, no Paraná, o atendimento educacional especializado inclui quadros
de origem neurológica, os quais são denominados Transtornos Funcionais Específicos e
abrangem: Distúrbios de aprendizagem (Dislexia, Disortografia, Disgrafia e Discalculia) e
Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH). O DSM-5-Manual Diagnóstico e
Estatístico de Transtornos Mentais (AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 2014) e o
CID-10 (Classificação de Transtornos Mentais e de Comportamento), são as duas classifi-
cações mais utilizadas na saúde e educação (OMS, 1997).
No DSM-5 consta como Transtorno de Aprendizagem Específico aquele que apre-
senta prejuízo na leitura, em matemática e escrita. Os casos podem ser classificados em
leve, moderado ou grave (AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 2014).

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No CID-10 denomina-se Transtornos Específicos do Desenvolvimento das Habili-
dades Escolares aqueles que apresentam transtorno específico da leitura, da soletração, da
habilidade em aritmética e misto de habilidades escolares e transtornos não especificados
do desenvolvimento das habilidades escolares (OMS, 1997).
Segundo Fonseca (1995), a discussão sobre a etiologia das dificuldades de apren-
dizagem norteia a prática educativa, bem como o atendimento dirigido à criança que não
aprende como as demais. Psicólogos, fonoaudiólogos e pedagogos tendem a analisar os
casos pela perspectiva interativa, ou seja, dirigem o olhar para diferentes fatores de ordem
psicológica, pedagógica, sociológica e linguística. Já os pediatras e neurologistas tendem a
analisar principalmente pelos aspectos orgânicos. Por isso, a avaliação e o trabalho devem
ser multidisciplinares.
Mori (2016) ressalta que a investigação de um quadro de transtorno é uma tarefa
complexa e, por isso, exige equipe multidisciplinar e compreensão do processo de alfa-
betização da pessoa avaliada. A análise cuidadosa do desenvolvimento, do processo de
aprendizagem e das produções escolares fornecerão os indicadores para diferenciação
entre problemas/dificuldades de aprendizagem e transtornos de aprendizagem e encami-
nhamentos necessários.
A identificação precoce e as devidas intervenções amenizam o impacto da disfunção
na funcionalidade do indivíduo. Todavia, o fechamento do diagnóstico só é possível após os
primeiros anos escolares e de o indivíduo ter passado pelo processo de alfabetização. Se
o indivíduo não passou pelo processo, como afirmar que ele tem transtornos? A pergunta
parece óbvia, mas não é incomum crianças com 6, 7 ou 8 anos assim diagnosticadas.
Por outro lado, diagnósticos tardios podem ser muito prejudiciais, causando problemas
comportamentais, baixa autoestima e evasão escolar (MORI, 2016).
Nessa direção, devemos pensar que o termo desenvolvimento é muito mais amplo
que saúde física, pois define o processo organizado e contínuo que promove o desenvol-
vimento da própria vida, no ato da concepção, e abrange todas as transformações que
ocorrem no organismo e na personalidade das pessoas.
Isso significa considerarmos os aspectos biológicos e os comportamentos mais
sofisticados, decorrentes do crescimento e amadurecimento físico e dos estímulos am-
bientais. Porém, como vimos anteriormente, os primeiros estudos acerca da infância foram
concebidos a partir de um olhar evolucionista na lógica de periodização do ciclo da vida e
de se ater ao que é esperado de cada faixa etária. Essa concepção ofereceu base para a
construção das teorias inatistas-maturacionistas (FONTANA; CRUZ, 1997).

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A abordagem inatista-maturacionista de desenvolvimento parte do pressuposto que
os fatores hereditários ou de maturação são mais significativos para o desenvolvimento da
criança, para determinar suas capacidades, do que os aspectos relacionados à aprendiza-
gem e experiência. O que podemos entender por hereditariedade e maturação?
Na perspectiva inatista-maturacionista, Fontana e Cruz (1997) explicam heredita-
riedade como sendo o conjunto de qualidades ou características que são determinadas
na criança desde o nascimento, como: cor dos olhos, cor da pele, formato da orelha, tipo
sanguíneo etc. Já maturação, são os padrões de mudanças que todos os sujeitos de uma
espécie vivenciam em idades aproximadas, como a transformação do corpo, o crescimento
de órgãos e o domínio do corpo.
De acordo com a abordagem inatista-maturacionista, todo comportamento e desen-
volvimento é considerado normal ou não quando apresentado pela maioria das crianças.
Esse desenvolvimento e comportamento, determinados biologicamente, foram considera-
dos para todas as crianças independente da sua cultura e da sua classe social.
Sob essa perspectiva teórica (inatista-maturacionista), tanto a cor dos olhos quan-
to as características individuais e inteligência seriam herdadas biologicamente dos pais.
Então, desde o nascimento a criança já estaria determinada a ser ou não apta a executar
determinadas atividades, não sendo influenciadas pela aprendizagem ou pelas experiên-
cias vividas socialmente.
Compreender o desenvolvimento pelas vias biológicas influenciou o processo de
ensino e aprendizagem escolar pautado na ideia de que a aprendizagem dependeria do de-
senvolvimento da criança, ou seja, não se deveria adiantar determinados conhecimentos para
ela, pois não estaria apta a aprender em razão de sua imaturidade biológica para assimilar.
Por isso, na escola e em outras situações sociais, é comum ouvirmos “Filho de
peixe, peixinho é”; “Ele(a) é tão inteligente como o pai/a mãe”; “Fulano(a) ainda não tem
maturidade para aprender”; ou ainda “Ele(a) herdou o dom da mãe/do pai para cozinhar”.
Dessa forma, a aprendizagem é que depende do desenvolvimento. O que a criança
é capaz de aprender ou não depende do seu nível de maturação, de sua inteligência. Essa
visão inatista-maturacionista permeou os primeiros questionamentos sobre os problemas
de aprendizagem, explicados apenas por meios dos testes psicométricos.
Como já apresentado, Alfred Binet (1857-1911) foi o primeiro profissional a sistema-
tizar um modo de avaliar o Coeficiente Intelectual das crianças (QI), em especial da criança
deficiente, com o objetivo de averiguar o nível de inteligência e, assim, auxiliar os profissionais
da educação a elaborarem um plano de escolarização adequado ao perfil da criança.

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Para Binet as capacidades que compõem a inteligência, ou seja, atenção, julga-
mento, compreensão e raciocínio, não eram aprendidas e, sim, determinadas pela herança
genética da criança. A escala de inteligência elaborada por Binet foi amplamente utilizada
como respaldo para determinar os aptos e os não aptos à aprendizagem. Todavia, surgiram
outras correntes que ampliaram o conhecimento e os critérios de análise sobre o processo de
desenvolvimento e aprendizagem.
As novas correntes filosóficas destacam que o processo de desenvolvimento humano
necessita ser observado a partir de algumas vertentes, sendo elas: a biológica, psicológica,
histórica, social e a cultural. Dentre as teorias psicológicas que problematizam esses aspec-
tos, ressaltamos o posicionamento da teoria histórico-cultural, ao afirmar que a criança nasce
em um mundo humano e não em um mundo natural. Corroborando Vigotski (2000), Fontana
e Cruz (1997, p. 57) explicam:
[...] desde o nascimento, a criança está em constante interação com os adul-
tos, que compartilham com ela seus modos de viver, de fazer as coisas, de
dizer e de pensar, integrando-a aos significados que foram sendo produzidos
e acumulados historicamente. As atividades que ela realiza, interpretadas
pelos adultos, adquirem significado no sistema de comportamento social do
grupo a que pertence.

Podemos afirmar, então, que a criança não se adapta ao meio, ela o internaliza, o
modifica e o estrutura; transformando-se de ser biológico em social. Ao falar em processo
de aprendizagem e desenvolvimento, Vigotski (2000) destaca a importância do processo de
escolarização na vida da criança, pois o contato sistematizado e intenso delas com sistemas
organizados de conhecimentos, fornecem instrumentos para elaborar e mediatizar seu pro-
cesso de desenvolvimento.
Sob o olhar da abordagem histórico-cultural, a concepção de maturidade é ampliada,
transpondo as bases biológicas ao compreendê-la como o esforço para se conseguir atingir
algo, impulsionado pelo processo de mudança pelo qual passa o indivíduo.
Nesse sentido, maturação não significa “estar pronto para”, mas sim uma condição
pela qual passamos durante nosso desenvolvimento na busca para se tornar verdadeiramen-
te parte do gênero humano. Mas se maturidade não tem a ver com processos puramente
biológicos, poderíamos ensinar uma criança de quatro anos de idade a ler sem problema
algum? Por que existem crianças que apresentam dificuldades de se apropriarem dos conhe-
cimentos matemáticos?
Tais questões são pertinentes e serão respondidas no decorrer dos estudos de diver-
sas formas. Neste momento buscamos refletir a afirmação amplamente difundida no âmbito
escolar de que a não aprendizagem esperada da criança é decorrente de sua imaturidade
biológica, pois ainda não estaria preparada para aprender os conteúdos escolares.

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Contrário a essa ideia, Vigotski (2000) defende que uma criança imatura correspon-
de àquela que precisa do auxílio de um par educativo mais desenvolvido que ela, para que
consiga na relação de superação e incorporação, internalizar a lógica intrínseca ao processo
em questão, de tal modo que consiga realizar a atividade sem auxílio posterior.
Em termos conceituais, estamos falando da zona de desenvolvimento próximo. O
que significa isso? Vigotski (2000) ao trabalhar com a área de desenvolvimento humano,
denomina duas grandes áreas de desenvolvimento: zona de desenvolvimento próximo (tudo
aquilo que a criança não consegue realizar sem as intervenções de um par mais experiente
ou de um adulto) e zona de desenvolvimento atual (todas coisas que a criança consegue
realizar sozinha, sem a intervenção de um par mais desenvolvido que ela (uma criança mais
velha ou um adulto).
[...] o desenvolvimento atual de uma criança é aquele que pode ser verificado
através de testes nos quais a criança resolve problemas de forma indepen-
dente, autônoma. Já a zona de desenvolvimento próximo abarca tudo aquilo
que a criança não faz sozinha, mas consegue fazer imitando o adulto [...]
(VIGOTSKI, 1993, p. 238-246).

O papel da escola como via de formação é fundamental nesse processo, pois coloca
a criança sob o olhar de incompletude a ser preenchido pela educação. Com isso, o não
aprender ganha destaque e passa a não ser mais analisado somente pela perspectiva orga-
nicista. Por isso a necessidade de discutirmos os conceitos de normalidade e de maturidade,
para desmistificarmos a cultura enraizada até hoje, de que o não aprender é unicamente de
responsabilidade da criança.
Ao refletirmos a evolução histórica sob essas duas áreas de desenvolvimento huma-
no (inatista-maturacionista e histórico-crítica), podemos entender melhor as teorias acerca do
desenvolvimento e posicionar adequadamente o papel do aparato biológico no processo de
aprendizagem e nas possíveis intercorrências que podem advir dessa influência, mas não
como causa única das etiologias do não aprender.
Apesar de estarmos enfatizando o período da infância para problematizar a questão
da maturidade e aprendizagem, cabe ressaltar que esses processos não ocorrem somente
nesta etapa da vida.
Dar ênfase à infância justifica-se, pois é nesse período que se encontra a gênese do
desenvolvimento humano, ou seja, a infância representa o centro da pré-história do desenvol-
vimento cultural, devido ao processo de internalização dos instrumentos e dos signos.

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2. AS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM E O ENSINO DE MATEMÁTICA

A capacidade que o homem desenvolveu de transmitir conhecimento, permitiu sua so-


brevivência como espécie, dando-lhe supremacia na escala evolutiva. Como vimos na Unidade
I, nos primórdios da civilização, esse conhecimento foi transmitido de geração em geração por
uma linguagem que misturava sons e gestos, de forma que cada povo codificou os sons da sua
língua para reproduzi-los, os quais, gradativamente foram progredindo para a escrita atual.
Outras mudanças também ocorreram, como o ambiente que sofreu alterações radi-
cais, obrigando o ser humano a encontrar outras fontes de alimentação, considerando que
a caça ficará escassa. Daí surgiu a agricultura e, com ela, a sedentarização, a organização
social em cidades e o acúmulo de riquezas.
No princípio, a matemática era utilizada de modo sensitivo, como extensão do próprio
corpo, mas, logo, o homem começou a usá-la com finalidade de controle de quantidades
mais precisas, progredindo para as relações comerciais. Com isso, a humanidade passou a
propagar suas ideias matemáticas para além do tempo e do espaço, construindo informações
que se manteriam inalteradas por séculos, sendo pronunciadas a grandes distâncias.
Dessa forma, o papel social da linguagem matemática sofreu alterações no mesmo
decurso que aconteceu a evolução de uma civilização sempre mais organizada. Como visto
em alguns aspectos na história da matemática, os primeiros registros escritos foram pobres
de informação, imediatos e práticos, relatando apenas acontecimentos do cotidiano.

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Assim como a história do desenvolvimento das sociedades, vimos que a matemática
percorreu diferentes caminhos até chegar aos nossos dias e sua principal finalidade é esta-
belecer um sistema convencional e que, por meio dele, os membros de um grupo possam
controlar as diferentes grandezas de forma precisa e duradoura.
Ao buscarmos elementos para a compreensão da função social da matemática, com-
preendemos que o desenvolvimento das ações por parte de cada sujeito ocorre mediante a
apropriação dos bens culturais historicamente constituídos e socialmente determinados.
Existe, assim, na trajetória do desenvolvimento da humanidade a necessidade de
intercâmbio entre os indivíduos durante o trabalho; se por um lado essa atividade teve seu
início com a utilização dos instrumentos para transformar a natureza e atender às necessida-
des básicas de sobrevivência, por outro, com ela foi preciso criar um sistema de controle de
quantidades, grandezas e formas que revelasse a matemática como um produto social; um
meio de interação com o mundo e resultado das relações humanas.
Nesse processo de compreensão, Vigotski (1998) tem como premissa que o apren-
dizado e o desenvolvimento fazem parte da vida da criança desde seu nascimento, pois os
considera inter-relacionados. Assim, o aprendizado escolar é aquele que depende direta-
mente do desenvolvimento das funções psíquicas, como a memória, a atenção voluntária, a
abstração, a imaginação, que, de acordo com Vigotski (1998), são os processos psicológicos
superiores de origem sociocultural, enquanto os processos elementares são de origem bio-
lógica, os quais, por meio dos signos, transformam-se em funções superiores. Para o autor,
[...] as principais fases formais que percorre a personalidade da criança em
sua formação estão diretamente ligadas ao grau de desenvolvimento de seu
pensamento, já que, do sistema de cognição em que se realize toda a expe-
riência interna e externa da criança, dependerá o aparelho psíquico que a
divida, análise, conecte e elabore [...] (VIGOTSKI, 1998, p. 76).

Com base nesse pressuposto teórico, entende-se que, com o desenvolvimento das
funções psíquicas superiores, a criança avança concomitantemente em seu desenvolvimen-
to, ou seja, por meio das interações sociais, da relação com o outro e da apropriação da
matéria (conceitos, signos, elementos mediadores...) desenvolve-se as funções complexas
do pensamento.
Desta forma, podemos dizer que o processo de construção das ideias matemáticas é
mediado por estes signos transmitidos socialmente e, como vivemos numa sociedade letrada,
a criança tem contato com esse sistema desde muito cedo. Com isso, compreendemos que,
para a criança se apropriar dos conceitos matemáticos, é necessário que ela seja ensinada e,
nesse processo de aquisição, implica uma necessidade, um motivo, um desejo de apropria-
ção desses conhecimentos.

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Pensando na escola como sendo o espaço sistematizado de ensino e no professor,
como aquele que internalizado os instrumentos e signos que medeiam com os alunos, a
elaboração de intervenção pedagógica, deve compreender e organizar o processo de ensino
de matemática em interação com criança, de forma que ela seja motivada a aprender.
O ensino da matemática deve ser uma prática significativa que vai além de um ensino
ou uma técnica e, como tal, deve constituir-se como ações significativas do pensamento, in-
serido também numa situação com significado e não apenas manipular objetos com números
ou repetir sequencialmente os números impressos na parede das salas dezenas de vezes.
Nessa perspectiva, os instrumentos e signos são mutuamente ligados e funda-
mentais no desenvolvimento cultural do indivíduo. Enquanto os instrumentos influenciam
externamente a ação do homem sobre os objetos, os signos orientam internamente o
controle do próprio indivíduo.
Tanto os instrumentos quanto os signos ampliam a capacidade humana de interagir
com a natureza e, ao interagir, o homem modifica a natureza ao mesmo tempo em que modifica
a si mesmo e é nessa interação que se desenvolveu a linguagem matemática, como um signo
que permite às pessoas agirem umas com as outras num processo dialético de transformação.

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3. A ORGANIZAÇÃO DO ENSINO DE MATEMÁTICA: VARIÁVEIS QUE AFETAM
A APRENDIZAGEM

Compreendemos que as dificuldades de aprendizagem estão relacionadas com pro-


blemas patológicos, psicológicos, afetivos, sociais, culturais e, também, com a organização
do ensino. Por isso, é importante questionar: como a escola tem organizado o ensino frente
às demandas de crianças com dificuldade de aprendizagem?
Não basta o aluno frequentar a escola, é preciso adquirir plenamente os conceitos
científicos, para que as suas funções psicológicas superiores sejam desenvolvidas. As dificul-
dades de aprendizagem não podem ser ignoradas, tampouco devemos negar as limitações,
sejam elas físicas, sensoriais, neurológicas ou mentais, mas buscar possibilidades de ensino
para uma aprendizagem significativa.
Muitos professores não estão capacitados para atender a grande demanda de
crianças com dificuldades e necessidades especiais de aprendizagem. Em sala de aula, o
professor não encontrará uma turma homogênea, em que todos aprendem igualmente, mas
crianças concretas com realidade de vida também concreta, ou seja, faz-se necessário olhar
para a criança em suas múltiplas determinações.
O processo de aprendizagem e desenvolvimento acontece antes de as crianças irem
à escola, pois se inicia logo após o nascimento com a sua inserção na cultura humana e a
cultura nela internalizada por meio da apropriação dos instrumentos e dos signos. Dessa
forma, a criança vai aprendendo a ser como os humanos de sua espécie; ela se humaniza.

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Ao ingressar na escola, as aprendizagens, denominadas de senso comum, que a
criança traz consigo são superadas por modos cada vez mais complexos do pensamento
pela aquisição dos conhecimentos científicos. De acordo com Sforni (2004, p. 11),
A regularidade do processo de aprendizagem e a singularidade do desenvol-
vimento do aluno revelam a complexidade do ato de ensinar. Diante disso, é
possível afirmar que há indicadores relevantes que orientam a tomada de deci-
sões no ensino, mas não há modelos. Na organização da atividade educativa é
fundamental ter clareza quanto à sua intencionalidade e aos instrumentos ade-
quados ao alcance dos objetivos, mas garantindo flexibilidade suficiente para
permitir mudanças de rumos conforme as necessidades surgidas na interação
entre alunos e professores e o novo objeto de aprendizagem.

A influência da perspectiva inatista-maturacionista nas escolas tende a padronizar


passos para o ensino da matemática. De acordo com esta teoria, cada criança tem o seu ritmo
e este deve ser respeitado, já que cada uma constrói suas hipóteses de resoluções para as di-
ferentes situações problemas, conforme interage com o objeto do conhecimento: a matemática.
Porém, apesar de as crianças frequentarem a escola por mais tempo, muitos estão
chegando ao final do quinto ano sem dominar os conhecimentos básicos para se expressarem
mediante a linguagem matemática, conforme têm evidenciado os resultados das avaliações
governamentais, como a Prova Brasil.
Compreendemos, em Vigotski (2000), que o bom ensino é aquele que promove o
desenvolvimento psíquico, que se adianta ao desenvolvimento, ou seja, “[...] uma correta or-
ganização de aprendizagem da criança conduz ao desenvolvimento mental [...]” (KOSTIUK,
2005, p. 40).
Desta forma, entendemos que, se o ensino escolar for desenvolvido e organizado
com atividades sistematizadas e de qualidade, este promove o desenvolvimento das capaci-
dades intelectuais da criança, bem como
[...] a escola, possibilitando o contato sistemático e intenso dos indivíduos
com os sistemas organizados de conhecimento e fornecendo a eles instru-
mentos para elaborá-los, mediatiza seu processo de desenvolvimento [...]
(FONTANA, 1997, p. 66).

Também é essa a compreensão de Saviani, para ele o trabalho educativo é “[...] o


ato de produzir, direta e intencionalmente, em cada indivíduo singular, a humanidade que é
produzida histórica e coletivamente pelo conjunto dos homens [...]” (SAVIANI, 1991, p. 21).
E completa que a escola deve ser “[...] um espaço organizado de forma sistemática com o
objetivo de possibilitar o acesso à cultura erudita [...]” (SAVIANI, 1985, p. 27-28).
Para Saviani (1985), a transmissão do conhecimento científico é o ponto primordial
do ensino escolar, ou seja, a escola é o espaço que promove intencionalmente a transmissão
do conhecimento científico, de forma sistematicamente organizada. Em matemática, o acesso
a esse conhecimento ocorre à medida em que se domina a linguagem na qual grande parte
dele está sistematizado: o controle quantitativo das diferentes grandezas.

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Contextualizando
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Partindo dessa premissa, entendemos que a promoção do desenvolvimento depen-
de “do que se adquire e de como se adquire” (KOSTIUK, 2005, p. 48). Ou seja, depende do
conteúdo adquirido e como ele é adquirido. Segundo Kostiuk (2005, p. 50), o domínio de um
objeto de estudo “perfeitamente determinado” não garante a promoção do desenvolvimento
real, é pelo desenvolvimento do pensamento da criança que isso ocorre, ou seja, da capaci-
dade de ela “analisar e generalizar os fenômenos da realidade, de raciocinar corretamente”.
É necessário
[...] desenvolver “no todo” as faculdades mentais. Se se pretende alcançar
esta meta, tem de se encontrar uma solução satisfatória para os problemas
do ensino. O desenvolvimento do pensamento lógico é um dos fatores mais
importantes do sucesso escolar. Todavia, isto não significa que qualquer en-
sino contribua para garantir esse desenvolvimento [...].

Pensando de acordo com essa perspectiva, o ensino não pode restringir-se apenas
à transmissão dos conhecimentos, mas organizar-se de forma a favorecer o desenvolvimento
de todas as características psíquicas, por meio de métodos que desenvolva o pensamento
e os demais processos mentais, uma vez que, “o domínio do material escolar” é o início do
processo de desenvolvimento. Para Vigotski (1993, p. 244-245)
[...] quando observamos o curso de desenvolvimento da criança durante a
idade escolar e no curso de sua instrução, vemos que na realidade qualquer
matéria exige da criança mais do que esta pode dar nesse momento, isto é,
que esta realiza na escola uma atividade que lhe obriga a superar-se. Isto se
refere sempre à instrução escolar sadia (VIGOTSKI, 1993, p. 244-245).

Com isso, percebemos “[...] que o que provoca o desenvolvimento da criança é o fato
desse conteúdo da aprendizagem exigir dela, criança, a utilização de capacidades que ainda
não estão formadas, que estão na zona de desenvolvimento próximo [...]” (DUARTE, 1996,
p. 97), pois se o professor fosse trabalhar com a criança apenas aquilo que ela já sabe e não
apresentar exigências que ela não consegue executar sozinha, a aprendizagem decorrente
dessa prática se limitaria ao nível de desenvolvimento atual.
O que podemos observar é que o ensino escolar sistematizado, planejado e orga-
nizado desempenha um papel fundamental na aquisição dos conhecimentos e desenvolvi-
mento da criança acerca das diferentes ciências e, entre elas, a matemática. Por isso, não
podemos esperar que as funções psíquicas da criança, com dificuldade de aprendizagem ou
não, amadureçam para que ela aprenda os conceitos matemáticos, pois
[...] o que a criança é capaz de fazer hoje em colaboração será capaz de
fazê-lo por si mesma amanhã. Por isso, parece verossímil que a instrução e
o desenvolvimento na escola guardem a mesma relação que a zona de de-
senvolvimento próximo e o nível de desenvolvimento atual. Na idade infantil,
somente é boa a instrução que vá avante do desenvolvimento e arrasta a
este último. Porém, à criança unicamente se pode ensinar o que é capaz de
aprender [...] (VIGOTSKI, 1993, p. 241 - 242).

UNIDADE II
I Dificuldades
Contextualizando
de Aprendizagem
a Matemáticada Matemática 44
Desta forma, a educação não “espera” pelo amadurecimento das funções psíquicas
do sujeito, mas estimula e orienta o seu desenvolvimento, transformando a “[...] prática social
global não de forma imediata, mas sim pela mediação da transformação dos sujeitos da prá-
tica social [...]” (SAVIANI, 1989, p. 82) ou ainda, como afirma Leontiev (1972), para a criança
se humanizar, necessita apropriar-se dos resultados que foram produzidos e elaborados pela
humanidade, isto é, apropriar-se, por meio da educação, da cultura produzida socialmente
dando continuidade ao processo histórico. Para Leontiev (1972, p. 273), “[...] o movimento
da história só é possível com a transmissão, às novas gerações, das aquisições da cultura
humana, isto é, com a educação [...]”.
Com essa discussão, entendemos que o professor tem a tarefa de ensinar à criança
aquilo que ela ainda não é capaz de aprender sozinha, ele assume o papel de mediador dos
conteúdos científicos e faz a intervenção na formação dos processos psicológicos superiores,
dirigindo o desenvolvimento psíquico do indivíduo.
[...] a mediação realizada pelo professor entre o aluno e a cultura apresenta
especificidades, ou seja, a educação formal é qualitativamente diferente por
ter como finalidade específica propiciar a apropriação de instrumentos cultu-
rais básicos que permitam elaboração de entendimento da realidade social e
promoção do desenvolvimento individual. Assim, a atividade do professor é
um conjunto de ações intencionais, conscientes, dirigidas para um fim espe-
cífico [...] (BASSO, 1998, p. 3).

Para a efetivação dessa prática, se faz necessário que o professor seja um profissio-
nal, também, cientificamente instruído, ou seja, que ele domine seu objeto de estudo, o qual
deve estar enraizado na ciência. Somente nessa perspectiva é que ocorrerá a apropriação
do conhecimento científico por parte do aluno de maneira sistemática, dando continuidade ao
processo histórico de produção e transmissão cultural.
Podemos considerar que tão importante quanto o domínio da contagem de coisas e
escrita dos números, é a compreensão da finalidade social dessa linguagem numa sociedade
letrada. Nesse sentido, pensar em uma aquisição dos conceitos matemáticos que permita
ao homem colocar-se como interlocutor consciente no âmbito social, significa trazer para o
contexto da prática pedagógica escolar, necessidades e motivos que mobilizem as crianças
a buscarem formas de controlar as quantidades, grandezas e formas, assim como fizeram os
nossos antepassados.
Assim, é fundamental que as tarefas escolares, envolvendo os conhecimentos ma-
temáticos, façam sentido para a criança e para o professor e, para isso, é preciso que elas
estejam inseridas em situações de controle quantitativo.

UNIDADE II
I Dificuldades
Contextualizando
de Aprendizagem
a Matemáticada Matemática 45
SAIBA MAIS

De acordo com Smith e Strick (2012), o estresse emocional pode comprometer o pro-
cesso de ensino e aprendizagem da criança. A ansiedade decorrente da mudança de
residência, atritos familiares ou doenças podem trazer prejuízos aos avanços cognitivos
da criança e, com o tempo, interferir de modo negativo em sua disposição para os estu-
dos e aquisição de confiança em si mesma, aspectos também importantes para apren-
der na escola.

REFLITA

“A escola [...] deve tratar o ser humano em toda sua dimensão, tendo como foco o indiví-
duo, rompendo com uma visão reducionista de aprendizagem, DA [dificuldade de apren-
dizagem] e inteligência. Além disso, não se pode ter uma visão que enfatiza a responsa-
bilidade do sucesso da aprendizagem sobre a criança, ou sobre o professor. Pode ser
que a responsabilidade do insucesso da aprendizagem seja de todo um sistema edu-
cacional e nessa dura realidade o professor torna-se o grande vilão da aprendizagem”

(BARBOSA, 2015, p. 29).

UNIDADE II
I Dificuldades
Contextualizando
de Aprendizagem
a Matemáticada Matemática 46
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em nosso trajeto de estudos nesta unidade, vimos como a área médica se sobrepôs
às demais, justificando quaisquer distúrbios de aprendizagem em questões orgânicas, e
como algumas correntes da psicologia problematizaram aspectos ambientais que influen-
ciam no processo de aprendizagem, justificando o desempenho acadêmico dos alunos com
dificuldades de aprender.
É importante compreender, de forma contextualizada, o que são dificuldades,
problemas, transtornos ou distúrbios de aprendizagem justamente para rompermos com
abordagens que culpabilizam exclusivamente a criança por suas dificuldades. A partir da
perspectiva neuropsicológica, os problemas de aprendizagem devem ser pensados de
forma sistêmica, ou seja, concebidos de forma sistematizada e avaliada por métodos cien-
tíficos válidos, abordando três dimensões: a causa, o processo e o sintoma.
Ao avaliarmos as causas, determinamos os fatores que podem estar mobilizando a
não aprendizagem da criança, tendo por origem questões ambientais, neurológicas ou am-
bas. O processo implica a maneira pela qual vamos avaliar as funções mentais superiores,
bem como as estruturas sensoriais e os aspectos ambientais. Por fim, o sintoma remete à
expressão do não aprender em cada sujeito, manifestas no ambiente escolar.
Nesse percurso, analisar globalmente o desenvolvimento e aprendizagem humana,
permite-nos:
a. compreender que os indivíduos aprendem de forma singular e não homogênea;
b. valorizar a criança enquanto um ser capaz de aprender e lidar com questões
referentes ao seu aprendizado.
c. respeitar ao outro, naquilo que tange a sua totalidade enquanto ser humano no mundo.
d. garantir à criança o direito ao melhor tratamento de saúde possível, através de
métodos não invasivos visando oferecer assistência integral, inclusive serviços médicos,
sociais e psicológicos.
e. direcionar e orientar a criança com dificuldade de aprendizagem, estabelecendo
os parâmetros para o início de seu tratamento e direcionamento da aprendizagem rumo ao
desenvolvimento.

UNIDADE II
I Dificuldades
Contextualizando
de Aprendizagem
a Matemáticada Matemática 47
Diante desse contexto, a aprendizagem é essencial para o desenvolvimento das
potencialidades de cada ser humano. Algumas crianças, mesmo não apresentando com-
prometimento no aparato biológico, nas condições ambientais, nos aspectos psicológicos e
sociais, enfrentam entraves para aprender.
A complexidade dos obstáculos para aprender e os recursos e estratégias peda-
gógicas para ensinar, demandam cuidado ético, formação, compromisso e envolvimento
dos profissionais que trabalham com crianças, adolescentes e adultos com transtornos de
aprendizagem.

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LEITURA COMPLEMENTAR

FERRARI, Rafael Cesar. Compreensão das dificuldades de aprendizagem escolar


na perspectiva da teoria histórico cultural: outra possibilidade de análise desse fenômeno.
XI Congresso Nacional. EDUCERE. Pontifícia Universidade Católica do Paraná, 2013.

Disponível em: https://educere.bruc.com.br/CD2013/pdf/15131_7055.pdf.


Acesso em: 23 mar. 2021.

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a Matemáticada Matemática 49
MATERIAL COMPLEMENTAR

LIVRO
Título: Dificuldades de Aprendizagem de A a Z: guia completo para
pais e educadores.
Autor: Corinne Smith e Lisa Strick
Editora: Artmed
Sinopse: Importantes estudos sobre as dificuldades de apren-
dizagem foram feitos na década de 90, mas grande parte das
informações demorou para chegar ao grande público. Finalmente,
´Dificuldades de Aprendizagem de A a Z´ traz o que há de melhor
na pesquisa e na experiência educacional recentes para pais, pro-
fessores e todos aqueles que são responsáveis por crianças com
problemas de aprendizagem. Com entusiasmo e paixão, Corinne
Smith e Lisa Strick oferecem um guia abrangente para as causas,
identificação e tratamento das dificuldades de aprendizagem. Você
irá aprender como estes pequenos distúrbios podem ter impacto
significativo.

FILME/VÍDEO
Título: O contador
Ano: 2016
Sinopse: O personagem Christian Wolff é diagnosticado com
autismo na infância e sua maior dificuldade é socializar. Ele tam-
bém possui uma grande habilidade com números e, ao crescer,
torna-se um respeitado contador. Um dia Wolff descobre que uma
empresa está envolvida em uma fraude de milhões de dólares a
partir dos livros contábeis, colocando a sua vida e a de sua colega
de trabalho em risco.

UNIDADE II
I Dificuldades
Contextualizando
de Aprendizagem
a Matemáticada Matemática 50
UNIDADE III
Acalculia e Discalculia
Profa. Me. Lussuede Luciana de Sousa Ferro
Profa. Dra. Nelma Sgarbosa Roman de Araujo

Plano de Estudo:
● Acalculia e discalculia: algumas considerações
● Discalculia: concepção; sintomas e possíveis causas
● Acalculia: concepção, sintomas e causas

Objetivos da Aprendizagem:
● Definir acalculia e discalculia diferenciando suas especificidades.
● Identificar os sinais e sintomas que acometem as pessoas com acalculia ou discalculia.
● Compreender o que causa a discalculia e a acalculia para a organização de
intervenções psicopedagógicas e desenvolvimento dos discalcúlicos e acalcúlicos.

51
INTRODUÇÃO

O foco desta unidade é o estudo acerca dos distúrbios ou transtornos de aprendi-


zagem em matemática denominados discalculia e acalculia. Para isso, faz-se importante
reiteramos que a matemática é uma das ferramentas do pensamento que contribuem efeti-
vamente no desenvolvimento das funções psíquicas superiores, conforme estudamos nas
unidades anteriores.
As operações matemáticas exigem dos sujeitos ações complexas do pensamento
para o controle das diferentes quantidades, grandezas e formas. Por isso, é importante
identificarmos e compreendermos os obstáculos que podem dificultar ou impedir a apro-
priação dos conhecimentos matemáticos, como a discalculia e a acalculia.
Mesmo sendo um assunto relevante, ainda temos poucas pesquisas na área,
dessa forma, as discussões aqui proferidas buscam contribuir com o trabalho psicopeda-
gógico desenvolvido nas escolas ou em atendimento clínico, de modo que as intervenções
realizadas promovam o sucesso dos estudantes nos processos de ensino e aprendizagem.
Dessa forma, primeiro tecemos algumas considerações a respeito das concepções
que discutem a discalculia e a acalculia, que podem resultar de aspectos neurológicos e
não neurológicos.
Em seguida, definimos o termo discalculia e, depois, destacamos os sintomas mais
frequentes e as possíveis causas que acometem crianças, adolescentes e adultos com
esse transtorno.
Na sequência, discutimos a definição de acalculia, bem como evidenciamos as
suas causas e sintomas, ressaltando as semelhanças com a discalculia, mas principalmen-
te, aquilo que as diferem que se pauta nas causas que originam o transtorno. Por fim, nas
considerações finais elencamos os aspectos mais relevantes abordados no percurso de
estudos desenvolvidos.

UNIDADE III Acalculia e Discalculia 52


1. ACALCULIA E DISCALCULIA: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

Há diferentes transtornos funcionais específicos que são ou não de ordem neuro-


lógica. Entre esses transtornos ou distúrbios, temos aqueles que resultam em dificuldades
na apropriação dos conhecimentos matemáticos, como já estudamos nas Unidades I e II
Bastos (2016) aponta que não há um termo universal para denominar as pessoas
que têm dificuldade com as aprendizagens em matemática e, mesmo a literatura apresen-
tando diversas nomenclaturas e caminhos para o diagnóstico, não existem testes universais
para o cumprimento desta tarefa.
A seguir, podemos ver a classificação que Bastos (2016) organizou para apresentar
as dificuldades em matemática, especificamente no que se refere à discalculia e à acalculia.

FIGURA 1 - CLASSIFICAÇÃO DAS DIFICULDADES DE MATEMÁTICA

Fonte: Bastos (2016).

UNIDADE III Acalculia e Discalculia 53


A partir das ideias de Bastos (2016), verificamos que as causas das dificuldades
com as aprendizagens matemáticas podem ser de ordem neurológica ou não neurológica.
As causas de ordem neurológica são denominadas de distúrbio primário, caracterizado
pelo transtorno funcional específico acalculia ou discalculia, e pelo distúrbio secundário,
caracterizado por comorbidades que acompanham crianças, adolescentes ou adultos que
têm discalculia ou acalculia (discalcúlicos ou acalcúlicos).
Já as dificuldades matemáticas advindas de causas não neurológicas correspon-
dem aos fatores relacionados à organização do ensino escolar, de ordem sociais ou até
mesmo à ansiedade matemática.
Frente a essas considerações gerais, um dos maiores desafios enfrentados pelos
professores e psicopedagogos está em promover a aprendizagem dos conhecimentos
matemáticos pelos estudantes que têm dificuldade para se relacionar com os fenômenos
da área de matemática.
Nesses casos, constatamos que as crianças e adolescentes que têm pouca ou
nenhuma motivação para aprender os conceitos matemáticos acabam fracassando em
suas aprendizagens escolares e desenvolvimento de suas atividades no cotidiano.
Da mesma forma, muitos docentes, com pouco ou nenhum conhecimento acerca
das dificuldades de aprendizagem, não criam expectativas em relação a esses alunos, não
encontrando motivos para desenvolverem ações de ensino que, de fato, desenvolvam as
potencialidades máximas do pensamento dos estudantes, reforçando, assim, as chances
de eles fracassarem na escola (MACHADO, 2014).
Por isso, no trabalho psicopedagógico com estudantes que têm discalculia e
acalculia precisamos considerar todos os aspectos que envolvem o processo de formação
nas ações de ensino e de aprendizagem na escola, o contexto histórico e social de vida
deles e demais fatores biológicos, físicos e psíquicos que podem ser obstáculos para o seu
desenvolvimento.

UNIDADE III Acalculia e Discalculia 54


2. DISCALCULIA: CONCEPÇÃO

De acordo com o dicionário etimológico, a palavra discalculia se remete a dis (não)


mais o termo calculia (calcular), que significa não fazer cálculos. Também conhecida como
transtorno da matemática, a discalculia caracteriza as pessoas que apresentam fatores
sociais, emocionais e sensoriais adequados, mas que não conseguem adquirir proficiência
em matemática.
Os dois principais manuais médicos internacionais de diagnósticos (DSM-V e CID-
10) trazem conceitos de discalculia. No DSM-V (APA, 2014, p. 67) o termo é conceituado
como sendo o Transtorno Específico da Aprendizagem com prejuízo na Matemática que
envolve senso numérico, a memorização de fatos aritméticos, precisão ou fluência de cál-
culo e precisão no raciocínio matemático.
Discalculia é um termo alternativo usado em referência a um padrão de di-
ficuldades caracterizado por problemas no processamento de informações
numéricas, aprendizagem de fatos aritméticos e realização de cálculos pre-
cisos ou fluentes. Se o termo discalculia for usado para especificar esse pa-
drão particular de dificuldades matemáticas, é importante também especificar
quaisquer dificuldades adicionais que estejam presentes, tais como dificul-
dades no raciocínio matemático ou na precisão na leitura de palavras (APA,
2014, p. 67).

O CID 10 (OMS, 1993, p. 366 ) descreve discalculia como sendo o


transtorno que implica uma alteração específica de habilidade em aritmética,
não atribuível exclusivamente a um retardo mental global ou à escolarização
inadequada. O déficit concerne ao domínio de habilidades computacionais
básicas de adição, subtração, multiplicação e divisão mais do que as habili-
dades matemáticas abstratas envolvidas na álgebra, trigonometria, geome-
tria ou cálculo.

UNIDADE III Acalculia e Discalculia 55


É possível encontrarmos diferentes nomes para a discalculia como deficiência
de aprendizagem em matemática ou desordem matemática, como denominam alguns
médicos pediatras ou neurologistas. Podemos ainda ouvir alguns profissionais ou pessoas
no cotidiano denominar discalculia como sendo dislexia matemática, o que não é correto,
pois discalculia e dislexia não são a mesma coisa.
Dessa forma, compreendemos a discalculia como sendo uma deficiência específica
de aprendizagem dos conceitos matemáticos; trata-se de um distúrbio de aprendizagem
que prejudica a habilidade cognitiva das crianças na execução de cálculos matemáticos.
Importante sabermos que essa não é uma dificuldade que acontece somente com
as tarefas matemáticas desenvolvidas na escola, mas também com as tarefas do cotidiano.
Por isso, a discalculia torna difícil para as crianças realizar tarefas relacionadas aos conhe-
cimentos matemáticos.
Na escola, crianças com discalculia têm dificuldade para compreender os números,
usar símbolos numéricos ou as funções necessárias para a aprendizagem da matemática;
não compreendem conceitos relacionados a quantidades, maior ou menor; têm dificuldades
na relação número e quantidade ou símbolo, por exemplo, entender que o número 5 é o
mesmo que a palavra cinco, importantes aprendizagens que dão sentido aos números.
Além disso, crianças discalcúlicas apresentam dificuldades, por exemplo, com
horas, com a sequência e pontuação de um jogo, lembrar fatos matemáticos, conceitos,
regras, fórmulas etc. Podem até compreender a lógica que envolve a linguagem matemáti-
ca, porém, não sabem como ou quando devem utilizar as ferramentas externas e internas
do pensamento na resolução dos problemas matemáticos. Exemplo disso é a dificuldade
em manter os números em mente na resolução de problemas envolvendo várias etapas e
cálculos numéricos.
Ainda são restritas as pesquisas referentes aos transtornos funcionais específicos
relacionados à matemáticos, em especial a discalculia e acalculia, a qual discutiremos mais
adiante. Uma das hipóteses para esta problemática é a dificuldade de domínio dos comple-
xos conceitos no estudo da matemática (MUSSOLIN; MEIJIAS; NOEL, 2010).
O que estamos dizendo é que há poucas produções científicas a respeito das di-
ficuldades de aprendizagens da matemática, voltadas para os aspectos pedagógicos. Os
estudos são, em sua maioria, centrados nas áreas das ciências biológicas e médicas como
a Neurociência e a Psiquiatria.

UNIDADE III Acalculia e Discalculia 56


Em 1920, o neurologista Salomon Henschen utilizou, pela primeira vez, o termo
discalculia para caracterizar uma síndrome naqueles que apresentam dificuldades para
calcular. De acordo com a Associação Americana de Psiquiatria, a causa da discalculia não
se configura por lesão cerebral, e sim por um problema caracterizado pela má formação
neurológica; uma desordem na estrutura da maturação das funções mentais matemáticas,
contudo, sem manifestar uma desordem nas demais funções psíquicas generalizadas
(GARCIA, 1998).
Há estudos epidemiológicos realizados em diferentes países, como Israel, Alema-
nha, Estados Unidos e Índia, que apontam que 5% a 7% dos estudantes são acometidos
pelos transtornos de aprendizagem em matemática, sendo 1% de manifestação pura
(somente a discalculia ou acalculia) e 25% dos casos apresentam comorbidades, ou seja,
outros transtornos como o Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade ou a Dislexia.
Entre os estudantes brasileiros, nos últimos anos, houve uma queda significativa no
desempenho em Matemática no ranking mundial de educação. No Programa Internacional
de Avaliação de Alunos (PISA), o Brasil ocupava a 58ª posição no ranking da matemática,
em 2013, e, 66ª, em 2016. De acordo com a Organização para a Cooperação e Desenvol-
vimento Econômico (2016, p. 139),
A matriz de matemática do PISA define o domínio dessa área cognitiva e
descreve uma abordagem para avaliar o letramento matemático de jovens de
15 anos. Isto é, o PISA analisa até que ponto estudantes dessa idade sabem
lidar adequadamente com a matemática ao serem confrontados com certos
problemas e situações, a maioria apresentada em contextos do mundo real.

O levantamento de dados realizado nos Estados Unidos, também aponta que 5% a


8% dos estudantes nesse país têm o distúrbio, isto é, em uma sala de aula com 30 alunos, 2
ou 3 são discalcúlicos (CAMPOS, 2014). Para melhor compreendermos essa problemática,
buscamos apoio em Kosc (1974), Farrel (2008) e Campos (2014).
Kosc (1974) apresenta seis tipos de discalculia:
a) Discalculia Verbal: dificuldade para nomear quantidades, números, termos,
símbolos e estabelecer relações entre eles.
b) Discalculia Practognóstica: dificuldade para enumerar, comparar e manipular
objetos manipuláveis ou não.
c) Discalculia Léxica: dificuldade para ler símbolos matemáticos.
d) Discalculia Gráfica: dificuldade para escrever símbolos matemáticos.
e) Discalculia Ideognóstica: dificuldade para realizar operações mentais e com-
preender os conceitos matemáticos.
f) Discalculia Operacional: dificuldade para executar operações e cálculos numé-
ricos.

UNIDADE III Acalculia e Discalculia 57


Farrell (2008) amplia as definições básicas de discalculia acrescentando ainda os tipos:
a) Discalculia Espacial: dificuldade para avaliar e organizar os movimentos viso
espacial;
b) Anaritmetria: fazer confusões entre as operações escritas como adição, subtra-
ção, divisão e multiplicação.

Contribuindo com as definições, Campos (2014) divide a Discalculia em três classes:


a) Natural: dificuldade para compreender o raciocínio matemático.
b) Verdadeira: dificuldade para evoluir nos processos que envolvem o raciocínio
lógico-matemático, mesmo sob diferentes intervenções pedagógicas.
c) Secundária: quando a discalculia vem acompanhada de outras comorbidades,
como a dislexia, conforme já apontamos anteriormente.

Com isso, percebemos que a discalculia é uma condição que afeta a capacidade
de os sujeitos adquirirem os conhecimentos matemáticos. Por isso, os estudantes discalcú-
licos podem apresentar dificuldades para compreender os diferentes conceitos numéricos
ou realizarem cálculos mentais simples, ou aprenderem sobre os fatos e os procedimentos
matemáticos.
Nesse caso, mesmo que a criança produza uma resposta correta ou use um método
assertivo na resolução dos problemas, realiza tais ações de forma mecânica, sem sentido
e significado das razões pelas quais são executadas (FARREL, 2008).
Estudos da área em neurociência explicam como o cérebro se organiza durante a
aprendizagem. Com os avanços tecnológicos, é possível verificar por meio de neuroimagem,
como funciona o processo de aprendizagem no Sistema Nervoso Central (SNC - formado
por cérebro e suas respectivas funções sistêmicas), ou seja, o que acontece nas áreas do
cérebro quando estas são ativadas na realização de tarefas matemáticas.
Segundo Dehaene (1997, p. 61), é no lobo parietal que ocorre o processamento
numérico, por isso a insuficiência de neurônios, produzidos nessa área, comprometem a
apropriação da
Habilidade para representar e manipular magnitudes numéricas não verbais
em uma linha numérica mental, orientada espacialmente, que está relaciona-
da à habilidade de rapidamente compreender, aproximar e manipular quan-
tidades numéricas. O senso numérico seria um sistema central dos números
que se ligaria às representações numéricas visuais e verbais para consolidar
um alto nível de desempenho aritmético.

UNIDADE III Acalculia e Discalculia 58


Bridi Filho et al. (2016, p. 258) contribui ao ressaltar que para executar cálculos
e resolver situações problemas, é indispensável os mecanismos mentais como o “pro-
cessamento verbal ou gráfico de informação; percepção, reconhecimento e produção de
números; representação número símbolo; discriminação viso espacial; memória de curto
prazo; raciocínio sintático e atenção.”
Com isso, podemos afirmar, em Bridi Filho (et al., 2016), que a ação de calcular
é uma atividade mental complexa que, a partir das áreas corticais pré-frontais, ocorre nas
áreas parietais inferiores, conforme mostra a Figura 2.

FIGURA 2 - ÁREAS CEREBRAIS

Fonte: Pimentel e Lara (2017).

O lobo parietal é a área cerebral responsável pelo domínio de quantidades, pelas


funções espaciais e verbais; da atenção para estabelecer as relações do controle quantitati-
vo; para resolver as operações envolvendo quantidades, grandezas, proporções e números.
Nas pessoas que não têm discalculia, esta área é ativada sempre que elas se colocam em
situações que exigem delas operações do pensamento matemático.
Além da neuroimagem, há outros instrumentos que auxiliam na avaliação das
aprendizagens matemáticas, de modo a verificar quais dificuldades a criança pode apre-
sentar nessa área do conhecimento. Dentre esses instrumentos temos a Escala Wechsler
de Inteligências para crianças (WISC-IV), o Teste de Desempenho Escolar (TDE), o qual
avalia os conhecimentos adquiridos do 1º ao 6º ano. Vale ressaltar que é difícil encontrar
testes psicométricos que auxiliam especificamente no processo avaliativo para o diagnós-
tico da discalculia.

UNIDADE III Acalculia e Discalculia 59


Como podemos observar, a ampla definição e características que caracterizam a
discalculia pode dificultar, mas não impossibilitar, o diagnóstico desse transtorno. Frente a
esse cenário, consideramos que é necessário aprofundar as pesquisas e estudos acerca
da discalculia e, assim, aprofundar os conhecimentos na área, desvelar ferramentas para
os diagnósticos e ampliar as intervenções nos processos de ensino e aprendizagem escolar
e acompanhamento clínico.
Por isso, é importante compreendermos que para diagnosticar e intervir, com as
crianças que têm discalculia, é preciso uma equipe multidisciplinar que analisa todos os
fatores envolvidos nos processos multideterminados na formação humana delas como
sujeitos historicamente constituídos.

2.1 Discalculia: Sintomas e Possíveis Causas

FIGURA 3 - CÉREBRO DE UM DISCALCÚLICO CONFUSO SOBRE NÚMEROS

Os sintomas da discalculia podem ser diferentes entre as crianças e adolescentes


e desde a educação infantil é possível perceber alguns sinais, porém, a confirmação do
transtorno poderá ser realizada a partir do Ensino Fundamental, momento em que se exige
ações mais complexas do pensamento.
Com base nos estudos de Díaz (2011), Campos (2014) e Bastos (2016), organiza-
mos um quadro com os sintomas mais frequentes da discalculia nas diferentes etapas de
ensino escolar.

UNIDADE III Acalculia e Discalculia 60


QUADRO 1 - SINTOMAS MAIS FREQUENTES DA DISCALCULIA

Etapa de ensino Sintomas: dificuldade para


- aprender a contar e sequenciar os núme-
ros na fala e na escrita;
- identificar e reconhecer padrões, como
maior e menor, mais alto/baixo, mais curto/
Educação Infantil comprido, mais fino/grosso etc.;
- reconhecer os símbolos numéricos e seus
significados;
- compreender o que se conta e por que
contamos.
- aprender cálculos matemáticos básicos,
como 2 + 2 = 4;
- memorizar os numerais;
- identificar os símbolos matemáticos de
mais (+), menos (-), igual (=), divisão (:),
multiplicação (x), maior (>), menor (<) etc.,
assim como usá-los corretamente;
- compreender as palavras relacionadas à
linguagem matemática como maior e menor,
igual e diferente;
Ensino Fundamental - realizar representações visuais e espaciais
de números como, por exemplo, linhas nu-
méricas;
- registrar números como 107, 1007 e 1070
e outros como 5, 55, 555, pois os confunde.
- sequenciar os números como 13, 14, 15.
- escrever nos espaços entre as linhas do
caderno;
- reconhecer direita e esquerda;
- realizar cálculos de multiplicação, por
exemplo, usando o primeiro número da
direita do multiplicador, entre outros;
- estabelecer correspondências biunívocas.

UNIDADE III Acalculia e Discalculia 61


Os mesmos sintomas apresentados no En-
sino Fundamental podem estar presentes no
Ensino Médio acrescidos de outros como:
- usar apenas os dedos para contar em vez
de usar estratégias mais avançadas, como
os cálculos mentais ou fórmulas matemáti-
cas;
- compreender o enunciado;
Ensino Médio - compreender a relação entre o enunciado
e a pergunta do problema;
- realizar os mecanismos operacionais nas
resoluções dos problemas;
- entender valores e escrever números cla-
ramente ou colocá-los na ordem correta;
- compreender frações e medidas;
- acompanhar a pontuação em jogos espor-
tivos.
- aplicar os conhecimentos matemáticos no
uso de dinheiro, incluindo a realização de
estimativas do custo total de uma compra,
por exemplo, ou fazer mudanças exatas por
meio de dicas e estratégias diversas;
- compreender as informações representa-
das em gráficos ou planilhas.
Ensino Superior e vida adulta
- medir objetos e outras grandezas como
ingredientes em uma receita de bolo ou
quantidade de líquidos em uma garrafa; o
tamanho entre duas mesas ou a distância
entre determinados trajetos;
- resolver o mesmo problema utilizando
diferentes abordagens matemáticas.

Fonte: Díaz (2011), Campos (2014) e Bastos (2016).

A discalculia pode gerar outros desafios em mais áreas do desenvolvimento como,


por exemplo, afetar as interações sociais e a organização do tempo e do espaço, assim
como causar dificuldades nos movimentos psicomotores e perceptivo-táteis. Campos
(2014) afirma que a discalculia não é agravada com o passar dos anos, mas pode trazer
prejuízos à criança como o abandono escolar, baixa autoestima, sentimento de fracasso,
incapacidade para aprender e ansiedade.

UNIDADE III Acalculia e Discalculia 62


Alguns estudos defendem que baixos níveis de desempenho em Matemá-
tica estão diretamente relacionados a altos níveis de ansiedade diante de
situações que envolvem o estudo ou aplicação da Matemática. No entanto,
essa afirmação não pode ser vista como uma explicação causal de baixos
desempenhos em Matemática, e nem é possível inferir que sempre haja cor-
relação entre alta ansiedade e baixo desempenho em Matemática (FASSIS;
MENDES; CARMO, 2014, p. 49).

Isso porque alguns estudantes podem apresentar excelentes notas nas avaliações
escolares, mas porque estudam sob controle e pressão coercitiva, portanto, estudam para
evitar o contato com situações aversivas em casa ou na escola relacionadas à aprendiza-
gem matemática. De acordo com Fassis, Mendes e Carmo (2014, p. 48),
A ansiedade matemática se configura por três componentes emocionais, um
contexto específico e três parâmetros delimitadores. Em relação aos três
componentes emocionais específicos, destacam: (a) reações fisiológicas
sentidas e relatadas como desagradáveis, tais como: taquicardia; sudore-
se; extremidades frias; gastralgias, cefaleias, náuseas; (b) reações de fuga
e esquiva [...] Como exemplo de fuga, tem-se: resolver rapidamente a prova
de Matemática; sair da sala quando o professor o requisita para ir ao quadro
negro, etc. No caso da esquiva, alguns exemplos são: faltar à aula de mate-
mática; adoecer no dia da prova ou no dia anterior à prova; (c) reações cog-
nitivas específicas, em forma de atribuições negativas à Matemática (regras)
e/ou autoatribuições negativas em relação ao desempenho em Matemática
(autorregras). Quanto ao contexto específico, tipicamente as reações emo-
cionais aqui descritas ocorrem em situações nas quais se faz necessária a
apresentação de habilidades matemáticas, seja em sala de aula ou em ou-
tras situações em que essa demanda se faz presente. Essas situações são
relatadas, por estudantes e outros indivíduos, como altamente aversivas. Os
três parâmetros definidores se referem a: (a) alta frequência de emissão das
respostas emocionais, desde as fisiológicas até as comportamentais e cog-
nitivas; (b) alta intensidade na emissão das respostas emocionais; gerando,
como consequência, (c) dificuldades acentuadas na aprendizagem da mate-
mática e na aplicação de conceitos e habilidades matemáticas no dia a dia.

Reiteramos que outros transtornos podem acompanhar os discalcúlicos, conforme


apresentamos no Quadro 1, ou seja, sinais de TDAH, por exemplo, são confundidos com
os sintomas de discalculia. Do mesmo modo, também é importante considerarmos que
não existem discalcúlicos iguais, pois cada um apresenta dificuldades específicas. Além
disso, é importante ressaltar que crianças, adolescentes e adultos com discalculia têm
bom desenvolvimento em outras áreas do conhecimento, o que a neurociência chama de
“inteligência normal”.
De acordo com os pesquisadores citados a seguir, não se sabe exatamente as
causas da discalculia, mas é possível identificar alguns fatores que a caracterizam como
sendo de causa:
a) genética: a herança genética pode impactar no processo de apropriação dos
conceitos matemáticos pela criança e tende a ocorrer em famílias em que há casos de
discalculia nos parentes próximos como o pai. Para Garcia (1998), apesar das explicações

UNIDADE III Acalculia e Discalculia 63


e estudos significativos que mostram antecedentes familiares de discalcúlicos, não há
comprovação de que a determinação genética é responsável pelo transtorno da discalculia.
b) desenvolvimento cerebral: há estudos de imagem cerebral que mostram algumas
diferenças funcionais e estruturais cerebrais entre os discalcúlicos. Tais diferenças se apre-
sentam na área da superfície, espessura e volume de certas áreas do cérebro. Do mesmo
modo, também há diferenças na atividade dessas áreas associadas ao processamento
numérico e matemático que envolvem a memorização e o planejamento (FARREL, 2008).
c) ambiental: segundo Shalev (2004), a discalculia está associada à síndrome do
alcoolismo fetal. O nascimento prematuro e de baixo peso de um bebê e o abuso de drogas
e bebidas alcoólicas na gestão podem influenciar na discalculia. Nessa condição, muitas
crianças nascem com a área do lobo parietal subdesenvolvida, afetando as aprendizagens
matemáticas quando essas crianças estiverem na idade escolar.

Consideramos ainda, no fator ambiental, que uma organização do ensino escolar
que não corrobora para as aprendizagens dos conceitos matemáticos pelas crianças na
escola pode dificultar a apropriação desses conhecimentos. As análises desses fatores,
numa perspectiva histórica e cultural, traz à tona que as dificuldades de aprendizagem –
entre elas, a discalculia – pode ser causada por obstáculos dados diante de suas condições
objetivas de vida.
Para Ferrari (2013, p. 24172-24173),
[...] se as dificuldades de aprendizagem são dadas por obstáculos/barreiras,
podemos entender que elas são externas ao sujeito, com isso identificamos
que a dificuldade/barreira não está centrada no aluno, não é responsabili-
dade do aluno o ‘não aprender’. Reconhecendo esse fato nos deparamos,
então, com uma contradição, se as dificuldades de aprendizagem são de
natureza externa ao sujeito, porque o grande número de encaminhamentos
e diagnósticos de crianças com dificuldades de aprendizagem culpabilizam a
própria criança pelo seu fracasso escolar?

Essa questão, levantada por Ferrari (2013), também nos inquieta, pois as concep-
ções que explicam as causas da discalculia, com base no biológico, traz o funcionamento
do sistema nervoso central como responsável pelas condições da aprendizagem ou não
das crianças.
Esse fenômeno, compreendido como causa biologizante, concentra as dificulda-
des com a matemática como sendo da própria criança, ou seja, nela estão “[...] as razões
orgânicas para o fenômeno do não aprender” (FERRARI, 2013, p. 24174). Dessa forma,
percebemos a naturalização das manifestações

UNIDADE III Acalculia e Discalculia 64


[...] que supostamente são encontradas nos sujeitos que apresentam dificul-
dades de aprendizagem e com isso desencadeia-se um processo de culpa-
bilização e patologização do sujeito, como se o seu organismo tivesse algo
que não funcionasse adequadamente, fato que justificaria a sua não apren-
dizagem, sem sequer questionar as condições de aprendizagem a que esse
sujeito foi submetido na escola, por exemplo.

Vigotski (2003) discorda dessa forma naturalizante de compreender a questão, pois


o processo de formação humana ocorre a partir das objetivações históricas constituídas no
interior das relações sociais de uma determinada sociedade. Diante disso, a aprendizagem
e o desenvolvimento ocorrem por meio da internalização dos instrumentos e signos produ-
zidos na história; se consolidam quando as aprendizagens da criança perpassam de um
processo interpessoal para intrapessoal.
Ao compreendermos o desenvolvimento das crianças como um ser integral, as-
sumimos que há uma articulação entre os fatores biológico, social, cultural e histórico no
processo de ensino e aprendizagem; defendemos que para superar as dificuldades de
aprendizagem matemática não podemos concordar que a causa da discalculia é exclu-
sivamente um processo maturacional ou de caráter organicista. Ao contrário dessa ideia,
corroboramos que a discalculia é um fenômeno que ocorre na complexa relação e sistêmica
entre as diferentes dimensões que constituem a vida de cada ser humano.
Por isso, a compreensão das dificuldades de aprendizagem escolar, entre elas a
discalculia, não pode ser universalizada, pois há um conjunto de fatores que se diferem
em cada criança, adolescente ou adulto. A dificuldade para aprender os conhecimentos
especificamente escolar, pode significar para esses sujeitos uma dificuldade encontrada
por eles em para dominar um sistema de conceitos científicos estabelecidos pelos padrões
da escola (MARTÍNEZ; ROSSATO, 2011).
Quando não há deficiência nas funções biológicas, porém a organização sub-
jetiva do estudante, constituída na dinâmica das relações sociais da sua vida,
incluindo as relações escolares, ao ser confrontado com o processo de ensi-
no, não expressa condições favoráveis para dominar um sistema de concei-
tos científicos dentro do tempo e dos padrões determinados pela instituição
escolar (FERRARI, 2013, p. 24178-24179).

Para compreendermos o processo de aprendizado nessa perspectiva, é fundamen-


tal que as apropriações dos conceitos matemáticos ocorram na relação entre os instrumen-
tos materiais e simbólicos internalizados pelo professor e que são mediados por ele com as
aprendizagens das crianças. Assim, rompemos com a ideia de individualização e patologi-
zação das dificuldades de aprendizagem centrada na criança e que a responsabiliza pelo
seu fracasso escolar, e concentramos nossos esforços essencialmente na concretude da
apropriação das aprendizagens em matemática nos modos sistematizados e organizados
na prática pedagógica docente (FERRARI, 2013).

UNIDADE III Acalculia e Discalculia 65


3. ACALCULIA: CONCEPÇÃO, SINTOMAS E CAUSAS

Segundo Bastos (2008, p. 67), o termo acalculia “foi introduzido por Henschen em
1925, significando a perda da capacidade de executar cálculos e desenvolver o raciocínio
aritmético”. Para Bernardi (2006, p. 18), as acalculias “[...] são alterações intrínsecas ao ser
humano, causadas por disfunção no sistema nervoso central”. Portanto, as acalculias se
manifestam após lesão cerebral; ocorrem depois que as cognitivas já estão consolidadas.
De acordo com Campos (2014), a acalculia é a incapacidade de o sujeito realizar
operações matemáticas desde as mais rudimentares. A diferença entre discalculia e acalcu-
lia está na causa. Enquanto a discalculia é explicada por diferentes fatores externos e inter-
nos, a acalculia é causada por lesões no córtex cerebral devido a traumas cranioencefálicos
sofridos por acidentes, processos infecciosos, acidente vascular cerebral (AVC) ou outras
doenças que comprometem as funções cerebrais, ocasionando a perda das aprendizagens
matemáticas adquiridas.
A perda dessas aprendizagens pode ocorrer em níveis variados na realização de
operações matemáticas, por isso, “as acalculias são alterações intrínsecas ao ser humano,
causadas por disfunção no sistema nervoso central” (BERNARDI, 2006, p. 18).
Campos (2014) enfatiza que a acalculia pode se manifestar de três maneiras:
a) afásica: incapacidade de compreender os numerais e os símbolos numéricos
como linguagem como, por exemplo, dificuldade para nomear as pessoas e os
objetos;

UNIDADE III Acalculia e Discalculia 66


b) visuo-espacial: dificuldade para compreender os números, a sequência numé-
rica, o valor posicional dos números; as relações espaciais e temporais;
c) anaritmética: incapacidade de reconhecer o valor de um número e sua catego-
ria numérica em unidade, dezena, centena, milhar etc.

Como podemos perceber, discalculia e acalculia apresentam significados seme-


lhantes e, o que as distinguem, não são as suas características ou significado, mas as
causas de suas origens.
Como já discutimos anteriormente, a discalculia e acalculia vão além dos problemas
relacionados com as aprendizagens matemáticas, pois desencadeiam outros problemas
psicossociais. Os acalcúlicos sofrem uma desestruturação em toda a sua vida, as quais
acarretam prejuízos sociais, emocionais e psicológicos.
Para diagnosticar a acalculia é preciso um conjunto de dados que se forma a partir
das características e dos sintomas apresentados, do histórico de vida do sujeito; do resul-
tado de exames físico, realizados por imagens e complementares, como os laboratoriais.
A partir dessa coleta de dados realizada de forma multidisciplinar, os profissionais
envolvidos nesse processo planejam as intervenções e fazem um prognóstico, ou seja,
estabelecem possíveis previsões de evolução do quadro apresentado pela criança, adoles-
cente ou adulto.
O diagnóstico precoce da discalculia ou acalculia possibilita intervenções mais pre-
cisas, porém, a falta dele não deve impedir que as intervenções sejam realizadas desde as
primeiras percepções das dificuldades com as aprendizagens dos conceitos matemáticos.

UNIDADE III Acalculia e Discalculia 67


SAIBA MAIS

Na Educação infantil é possível perceber alguns sinais da discalculia. Exemplo disso é


quando a criança não estabelece ou o faz de forma equivocada, as relações matemá-
ticas em situações que envolvem a ideia de igual e diferente, pequeno e grande. Mas
CUIDADO! Nesse período do desenvolvimento infantil ainda é precoce um diagnóstico
preciso. Somente por volta e a partir dos 7 ou 8 anos de idade, quando se exige da
criança operações matemáticas mais complexas do pensamento, com a introdução, por
exemplo, dos símbolos específicos e das operações básicas matemáticas, que os sinto-
mas se tornam mais evidentes.

Fonte: as autoras.

REFLITA

É importante compreender que a aprendizagem dos conceitos matemáticos não ocorre


apenas por meio dos processos biológicos e genéticos, mas na e por meio das inte-
rações sociais que ampliam as ferramentas operacionais e funcionais organizadas no
contexto educacional, tornando a aprendizagem significativa para quem ensina e para
quem aprende

(CAMPOS, 2014).

UNIDADE III Acalculia e Discalculia 68


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os estudos realizados foram importantes para distinguirmos os transtornos ou


distúrbios denominados discalculia e acalculia, bem como os sintomas e as causas de sua
origem que podem ser de ordem neurológica ou não neurológica.
As causas não neurológicas abarcam os fatores de condições concretas de vida dos
sujeitos, em especial a organização do ensino escolar. Já as causas de origem neurológica,
caracterizam-se por lesões cranianas, AVCs, infecções e demais doenças.
Nesse percurso, constatamos que as pesquisas e estudos desenvolvidos sobre o
tema ainda são restritos e apontam limitações em suas concepções, pois, em sua maioria,
estão centrados em ideias biologizantes ou patológicas do desenvolvimento.
Isso justifica algumas divergências entre os autores quanto à clareza das definições
das características específicas e das intervenções psicopedagógicas, as quais possibilitam
o diagnóstico efetivo e a sistematização de propostas pedagógicas eficazes no processo de
desenvolvimento dos discalcúlicos e acalcúlicos.
Essa realidade revelou a necessidade de maior estudo e pesquisas sobre os trans-
tornos relacionados à matemática para a consolidação de uma investigação e intervenção
multidisciplinar que considere os sujeitos como um ser integral, desafio que lançamos a
você, futuro(a) psicopedagogo(a).
Diante dessas afirmações, consideramos que as intervenções psicopedagógicas
contribuem de modo positivo para os avanços e desempenho dos estudantes em suas
aprendizagens dos conhecimentos matemáticos.
Assim, é preciso tomarmos uma direção em meio aos diferentes debates e criarmos
uma diversidade de intervenções psicopedagógicos que apontem para a superação dos
obstáculos que dificultam o desenvolvimento da linguagem matemática. Essas e outras
discussões serão proferidas na Unidade IV.

UNIDADE III Acalculia e Discalculia 69


LEITURA COMPLEMENTAR

KRANZ, Cláudia Rosana; HEALY, Lulu. Pesquisas sobre discalculia no Brasil: uma
reflexão a partir da perspectiva histórico-cultural. Ampliação de pesquisa realizada em 2011
e publicada no International Journal for Studies in Mathematics Education, v5 (2), 2012,
sob o título Focusing on dyscalculia: contributions from a historical-cultural lens. Disponível
em: http://www.matematicainclusiva.net.br/pdf/PESQUISAS%20SOBRE%20DISCALCU-
LIA%20NO%20BRASIL.pdf. Acesso em: 05 abr. 2021.

UNIDADE III Acalculia e Discalculia 70


MATERIAL COMPLEMENTAR

LIVRO
Título: Discalculia: o que é? Como intervir?
Autor: Jussara Bernardi
Editora: Paco Editorial
Sinopse: A obra descreve as definições de discalculia sob a ótica
de diferentes autores, buscando instrumentalizar o educador que
atua em sala de aula ou em espaços alternativos de aprendiza-
gem. Enumera determinadas características manifestadas pelos
estudantes discalcúlicos e apresenta sugestões de jogos e ativida-
des lúdicas que possibilitem a elevação dos níveis de autoestima
e autoimagem e o desenvolvimento das capacidades matemáticas
em alunos com o problema.

FILME/VÍDEO
Título: Não sei fazer isso, mas sei fazer aquilo
Ano: 2012
Sinopse: O documentário de curta metragem Não sei fazer isso,
mas sei fazer aquilo, produzido pela HBO, traz o relato emocionan-
te de crianças que possuem Transtornos de Aprendizagem, como
a dislexia, discalculia, disgrafia, déficit de atenção e desordem no
processamento auditivo. Apresenta-nos ainda o impacto destas di-
ficuldades nas habilidades escolares das crianças, assim como em
sua autoestima e autoconfiança. Destaca também como os pais e
professores possuem papel fundamental no desenvolvimento des-
tas crianças, quando conseguem compreender suas dificuldades
e estimular a expressão de seus sentimentos e o desenvolvimento
de habilidades que possuem.

UNIDADE III Acalculia e Discalculia 71


UNIDADE IV
Intervenções Psicopedagógicas
Profa. Me. Lussuede Luciana de Sousa Ferro
Profa. Dra. Nelma Sgarbosa Roman de Araujo

Plano de Estudo:
● Intervenções no Processo de Aprendizagem da Matemática no Espaço Escolar
● O Uso de Jogos nas Ações Interventivas Escolares
● Recurso Tecnológico a favor da Aprendizagem: Jogos Virtuais
● A Escolha do Jogo como Recurso Pedagógico

Objetivos da Aprendizagem:
● Identificar, compreender e organizar possibilidades de investigação
da discalculia e/ou da acalculia no ambiente escolar.
● Reconhecer as possibilidades de organização de estratégias didáticas para o ensino
dos conhecimentos matemáticos na escola, bem como para as
intervenções psicopedagógicas.
● Compreender o jogo e as ferramentas tecnológicas como recursos didáticos que
contribuem no processo de ensino e aprendizagem dos alunos
com dificuldades para aprender matemática.

72
INTRODUÇÃO

Estamos chegando ao final dos nossos estudos! Porém, esperamos que você
continue trilhando os caminhos da pesquisa para ampliar e aprofundar os conhecimentos
adquiridos acerca das dificuldades de aprendizagem em matemática e os processos inter-
ventivos no trabalho escolar.
Sabemos que os desafios continuarão diante das diferentes dificuldades que se
apresentam nas salas de aula e, nesse caso especificamente, àqueles relacionados aos
conteúdos de matemática como, por exemplo, interpretar os enunciados envolvendo as
situações problemas e resolvê-las de forma consciente.
Nas Unidades anteriores, estudamos sobre o processo histórico de produção da
matemática como ferramenta do pensamento (Unidade I); os obstáculos que a criança
poderá encontrar para se apropriar dos conceitos matemáticos na escola (Unidade II); os
transtornos ou distúrbios da discalculia ou acalculia como um desses entraves que pode
dificultar o processo de ensino e aprendizagem dos alunos nas diferentes etapas do desen-
volvimento escolar (Unidade III).
Dessa forma, constatamos que a discalculia ou acalculia, assim como outros trans-
tornos e distúrbios, não tem como causa somente um fator, mas são multideterminados
pelas condições de vida dos sujeitos na relação com o mundo.
Seguindo esse percurso, nessa unidade primeiro discutiremos sobre os processos
interventivos, bem como algumas propostas e encaminhamentos de intervenções que po-
dem ser realizados com a criança ou adolescente discalcúlico ou acalcúlico. Assim, preten-
demos desvelar possibilidades de organização da prática pedagógica que instrumentalize
o professor em seu trabalho, de modo a garantir a todos os alunos, a aprendizagem e o
desenvolvimento em suas máximas potencialidades.
Para isso, primeiro discutimos no campo psicopedagógico os processos inter-
ventivos no espaço escolar; depois apresentamos sugestões de jogos como recursos de
trabalho pedagógico no ensino de matemática e, por fim, outras possibilidades tecnológicas
que poderão ser utilizadas nas ações de ensino a serem sistematizadas pelo professor.

UNIDADE IV Intervenções Psicopedagógicas 73


1. INTERVENÇÕES NO PROCESSO DE APRENDIZAGEM DA MATEMÁTICA NO
ESPAÇO ESCOLAR

Como já vimos, algumas das dificuldades de aprendizagem em matemática, que se


revelam no interior da escola, podem ser resultado de distúrbios ou transtornos. No entanto,
não se pode desconsiderar que uma parcela das dificuldades na aprendizagem também
são consequência do modo como as políticas públicas direcionam o sistema educacional,
como a implementação, por exemplo, de novos currículos e diretrizes que são impostas aos
alunos no decorrer do seu processo de ensino e aprendizagem.
Essas propostas governamentais que, geralmente, não são pensadas por profis-
sionais da educação, desconsideram o aluno em suas múltiplas determinações, que, frente
às suas condições objetivas de vida, não consegue aprender pelas vias mecanicistas e
pragmáticas de ensino.
Além dessas duas possíveis causas das dificuldades de aprendizagem em ma-
temática escolar, também constata-se que nem sempre são utilizadas as melhores meto-
dologias, estratégias e/ou intervenções que auxiliam os alunos no processo de ensino e
aprendizagem durante as aulas.
Desse modo, é comum queixas de pais e professores de alunos com sentimento
de incapacidade e desmotivados pela dificuldade de aprender o que é ensinado na escola,
nesse estudo, os conteúdos matemáticos. Essa condição pode conduzir o aluno à repetên-
cia, desistência ou a anos seguidos de estudos forçados e sem sentido.

UNIDADE IV Intervenções Psicopedagógicas 74


Com isso, o psicopedagogo escolar tem o desafio de criar condições para a boa
aprendizagem, aquela que antecede ao desenvolvimento (VIGOTSKI, 2000).
Desse modo, justifica-se estudarmos alguns dos transtornos ou distúrbios que
podem dificultar a aprendizagem dos alunos em matemática (discalculia e acalculia), bem
como identificar, compreender e organizar possibilidades de investigação destes transtor-
nos no ambiente escolar, reconhecendo as possibilidades de organização de estratégias
didáticas para o ensino dos conhecimentos matemáticos a estes alunos com dificuldade,
bem como aos demais alunos.
No caso da discalculia e acalculia, quais são as possíveis intervenções no espaço
escolar? Em que o trabalho psicopedagógico escolar pode contribuir nesse processo?
Desde os primeiros sinais de dificuldade com os conceitos matemáticos apre-
sentados pela criança, os quais podem aparecer já na educação infantil, o professor e/
ou psicopedagogo na escola devem buscar estratégias de ensino, independente se há
diagnóstico ou não.
Sabemos da complexidade do diagnóstico, especialmente em discalculia, por
isso, cabe à equipe multidisciplinar fazê-lo. Nesse processo, não é papel do professor ou
da equipe pedagógica, incluindo o psicopedagogo, nomear as dificuldades apresentadas
pela criança, mas é papel desses profissionais observar, analisar, intervir e acompanhar
o percurso de ensino e aprendizagem dela, de modo a contribuir com a investigação e
desenvolvimento pedagógico no espaço escolar.
Constatada a dificuldade, quanto antes iniciarem as intervenções psicopedagógicas
na escola, mais rápido o aluno amenizará ou solucionará suas dificuldades de aprendiza-
gem, demonstrando resultados significativos na aprendizagem em matemática.

1.1 O processo de Investigação na Escola

FIGURA 1 - OBSERVAÇÃO COMO PRIMEIRA INTERVENÇÃO

UNIDADE IV Intervenções Psicopedagógicas 75


Diante da queixa dos pais ou professores da dificuldade que o aluno apresenta, a
primeira ação interventiva é a observação. Observando-o nos diferentes espaços da escola
e nas mais variadas ações de ensino e aprendizagem, é possível compreender melhor a
criança, adolescente ou adulto em suas dificuldades, mas também em suas aprendizagens.
Para a observação, o psicopedagogo escolar pode organizar, junto com o professor,
um roteiro investigativo (fichas ou tabelas) com os aspectos a serem observados. A partir
dessa observação, podemos verificar se o aluno compreende o que está sendo abordado
em sala de aula, especialmente nas situações em que há intervenção do professor para
constatar se:
a) estabelece relação entre as diferentes grandezas;
b) resolve cálculos envolvendo a ideia de adição, subtração, multiplicação e divisão;
c) apresenta alteração no comportamento como ritmo lento na execução das ta-
refas de matemática, timidez, medo de errar, apatia ou demasiada vivacidade, respostas
monossílabas na fala e na escrita, recusa de se expor em grupo como, por exemplo, re-
solver questões na lousa ou responder questionamentos no grupo e tantos outros sinais,
conforme descritos na Unidade III.

O percurso investigativo deve ser construído de acordo com o período de desenvol-
vimento do aluno, os conteúdos trabalhados, o contexto histórico e social em que ele está
inserido e da instituição escolar, ou seja, deve revelar as condições objetivas dos sujeitos e
dos espaços envolvidos na tríade sujeito-conteúdo-forma.
De acordo com Sánchez-Cano et al. (2008, p. 330), “as tabelas permitem registrar
o nível de aprendizagem em matemática dos alunos de forma individualizada e, ao mesmo
tempo, fazer um acompanhamento detalhado daqueles com dificuldades de aprendizagem
nessa área”.
A seguir, com base em nossos estudos e outros materiais de arquivo pessoal de
uma das autoras, segue o exemplo de tabela que construímos para investigar as aprendi-
zagens em matemática na educação infantil e no ensino fundamental.

UNIDADE IV Intervenções Psicopedagógicas 76


QUADRO 1 - ROTEIRO INVESTIGATIVO DAS APRENDIZAGENS EM MATEMÁTICA

Instituição de ensino:
Professor(a):
Aluno(a):
DN: Idade: Série/Ano: Nº de repetência:
Pai:
Mãe:
a. Queixa Principal (o professor relata os fa-
tores observados que têm contribuído para
as dificuldades do aluno em matemática).

b. Descreva as estratégias utilizadas para


sanar as dificuldades acadêmicas e defasa-
gens encontradas (o professor relata as
intervenções que já tem realizado em sala
de aula, assim como o coordenador peda-
gógico, o psicopedagogo etc.).

EDUCAÇÃO INFANTIL
Aspectos a serem observados Registro das observações
1. Cita características dos objetos (cor, ta-
manho, espessura etc.)
2. Agrupa objetos por semelhanças.
3. Classifica objetos seguindo alguma quali-
dade proposta.
4. Compara objetos por semelhanças e/ou
diferenças.
5. Sabe diferenciar grande/pequeno, muito/
pouco, um, longo/curto, grosso/fino etc.).
6. Identifica dentro/fora, em cima/embaixo,
em frente/atrás, de um lado e do outro etc.).
7. Conta até quanto em ordem.
8. Reconhece figuras geométricas.
9. Relaciona número a quantidade.
10. Faz seriações e sequências seguindo
critérios propostos.
11. Compara quantidades (a mais, a menos,
igual etc.).
12. Resolve situações problemas conven-
cionais ou não (com desenhos, numerais,
oralmente etc.).

UNIDADE IV Intervenções Psicopedagógicas 77


13. Em situação de manipulação de objetos
consegue adicionar, subtrair, dividir, juntar.
14. Participa de jogos e brincadeiras empre-
gando ações coerentes ao que se pede.
15. Faz registros escritos envolvendo as
ideias matemáticas.
16. Faz inversão na escrita dos numerais?
17. Sabe diferenciar ontem, hoje, amanhã,
dia, noite, tarde, manhã etc.
ENSINO FUNDAMENTAL
Números e operações
1. Lê, escreve números naturais, ordena e
relaciona à quantidade
2. Faz seriação numérica, contagem de 1
em 1, de 2 em 2 etc.
3. Tem ideia de antecessor/ sucessor, par/
ímpar, igualdade/ desigualdade, ordem
crescente/ decrescente.
4. Realiza operações de adição e subtração,
com reservas e recursos.
5. Realiza operações de divisão e multipli-
cação simples e complexas.
6. Faz cálculo mental.
7. Compreende enunciados, elabora e
resolve situações problemas, utilizando
diferentes processos.
8. Interpreta dados apresentados por meio
de tabelas e gráficos.
9. Constrói gráficos e tabelas a partir de
informações coletadas.
10. Produz textos escritos, para comunicar
a interpretação dos gráficos e tabelas.
11. Interpreta e constrói média aritmética.
12.Compreende e utiliza as regras do
S.N.D. para leitura, escrita, comparação e
ordenação de números naturais.
13. Compreende, lê e representa número
racional na forma decimal.
14. Compreende o significado de fração.
15. Representa frações de diferentes modos
(lendo, escrevendo, desenhando).
16. Relaciona porcentagem com número
decimal e com a escrita fracionária.

UNIDADE IV Intervenções Psicopedagógicas 78


17. Efetua as quatro operações envolvendo
números naturais.
18. Faz cálculos e subtração de números
racionais.
19. Elabora e resolve situações-problema
envolvendo números naturais e racionais.
20. Faz cálculo simples de porcentagem.
Grandezas e medidas
1. Compreende e utiliza o sistema monetário
brasileiro em situações problemas.
2. Reconhece e descreve as formas geomé-
tricas (círculo, quadrado, triângulo, retângu-
lo).
3. Interpreta e utiliza o calendário anual (dia
da semana, dia do mês, meses do ano, ano
e estações do ano).
4. Lê horas no relógio de ponteiros e no
relógio digital.
5. Reconhece semelhanças e diferenças
entre os objetos.
6. Reconhece e utiliza as unidades de me-
dida (metro/ centímetro/ quilômetro, grama/
miligrama/ quilograma, litro/ mililitro etc.).
7. Tem noção de conceitos básicos (grande/
pequeno, maior/ menor, igual/diferente,
grosso/fino, alto/baixo, em cima/embaixo,
dentro/fora, curto/comprido, perto/longe,
frente/atrás).
8. Faz cálculo de perímetro e área (sem uso
de fórmulas).
9. Consegue diferenciar perímetro de área.
Espaço e Forma
1. Descreve, interpreta e representa a posi-
ção de uma pessoa ou objeto no espaço, de
diferentes pontos de referência.
2. Reconhece semelhanças e diferenças
entre poliedros (prismas, pirâmides e ou-
tros) e identifica as faces, arestas e vértices.
3. Classifica polígonos em quadriláteros,
triângulos e outros.
4. Representa por desenhos as figuras
planas.
5. Faz composição de figuras tridimensio-
nais.

UNIDADE IV Intervenções Psicopedagógicas 79


6. Classifica figuras planas em polígonos e
não-polígonos.
Outras questões que podem ser abordadas no cotidiano de sala de aula
1. Qual dia da semana vem antes de se-
gunda-feira? Depois de quinta-feira? Entre
sábado e segunda-feira?
2. Em que mês do ano comemoramos a
Páscoa, Natal, Dia das Crianças, Natal, Ano
Novo etc.
3. Eduardo tinha horário marcado no
dentista às 11:00 horas. Ela chegou lá às
11:30 horas. Eduardo estava adiantado ou
atrasado?
4. Quantos meses tem um ano? Quais os
dias da semana em ordem?
5. O que você fazia quando era pequeno.
6. O que você vai fazer/quer ser no futuro
(quando você crescer)?
7. Você estuda na escola de manhã, à tarde
ou à noite?

Fonte: as autoras.

O roteiro pode ainda conter outros aspectos investigativos do aluno, como o rela-
cionamento com os professores e colegas, se sabe esperar a vez de falar, realiza as tarefas
de casa e entrega nos prazos determinados, é apático ou inquieto, respeita regras, cons-
ciência corporal, organização de ideias, concentra-se na execução das tarefas escolares,
necessita de ajuda constante para executá-las, apresenta coordenação motora ampla e
fina adequadas, escreve de forma legível e outros aspectos relevantes do desenvolvimento
a serem considerados na investigação das aprendizagens matemáticas.
A partir dos dados levantados é possível traçar metas de aprendizagem ao aluno
e estratégias de ensino que demandam, muitas vezes, reorganização dos conteúdos, do
cotidiano escolar e especialmente da forma didática de ensinar os conteúdos e conceitos
selecionados para cada caso que se apresenta.
Isso porque cada aluno tem uma condição objetiva de vida que permeia a sua
relação com os diferentes fenômenos e, entre eles, os conceitos matemáticos. Por isso, é
importante solicitar a presença dos responsáveis pelo aluno na escola, para investigar a
vida cotidiana dele no convívio familiar e em outros espaços sociais.

UNIDADE IV Intervenções Psicopedagógicas 80


Inicialmente, o atendimento aos responsáveis pode acontecer no percurso de
investigação para compor o roteiro investigatório e, depois de um tempo de intervenções,
para discutir os avanços alcançados ou não. Em qualquer um desses momentos, o psico-
pedagogo pode orientar as ações do professor e/ou do coordenador pedagógico e, junto
com eles:

a) organizar uma pauta de discussão e registros que materializem as ações de


aprendizagem em matemática pelo aluno em caderno de tarefas, trabalhos em grupo ou
até mesmo fotos dele em atividades coletivas ou individuais, realizadas em diferentes situa-
ções e/ou espaços da escola. Isso contribui para a objetividade e foco do encontro com os
responsáveis, que deve ser pautado nos aspectos pedagógicos, conforme segue.
b) focar e ressaltar as questões pedagógicas em matemática do aluno e outras
que apontem a dificuldade com os cálculos; apontar os conceitos que ele já aprendeu,
aqueles que estão em processo de aprendizagem e em outros que ele precisa aprender,
mas ainda não alcançou. Não é papel do professor, psicopedagogo, diretor ou coordenador
pedagógico emitir diagnósticos ou levantar suspeitas a respeito. Primeiro porque o diag-
nóstico é realizado de modo multidisciplinar e envolve diferentes profissionais e a escola
contribui efetivamente nesse processo com os dados levantados no roteiro investigativo e
produções de relatórios. Segundo, porque essa atitude é reprovada pelo código de ética da
psicopedagogia em seu artigo 1º, Parágrafo 1:
[...] a intervenção psicopedagógica é sempre da ordem do conhecimento,
relacionada com a aprendizagem, considerando o caráter indissociável entre
os processos de aprendizagem e as suas dificuldades (ABPp, 1995/96).

Mesmo sendo o código de ética direcionado aos profissionais da psicopedagogia,


cabe ao psicopedagogo direcionar as orientações a esse respeito na escola aos demais
envolvidos no processo de ensino e aprendizagem dos alunos. Além da ética quanto aos
processos interventivos, outras condutas são imprescindíveis, como: não expor o caso
do aluno em questão em salas de professores e outros ambientes coletivos; não tecer
comentários sobre o caso, o aluno e os responsáveis por ele em redes sociais ou com
outros colegas da escola que não fazem parte do contexto; ao discutir o caso com os
profissionais envolvidos, não usar termos pejorativos ou comentários que denigrem o aluno
e/ou menosprezam ou ridicularizam as dificuldades que ele apresenta. O profissionalismo,
a conduta ética, a responsabilidade e o compromisso com a educação desse aluno devem
ser assumidos e conduzidos com respeito e seriedade.

UNIDADE IV Intervenções Psicopedagógicas 81


c) iniciar o diálogo com os responsáveis: primeiro apontando as aprendizagens
adquiridas pelo aluno; depois aquelas que estão em processo de aquisição e, por fim, as
dificuldades que ele apresenta para aprender e em quais situações mais específicas isso
acontece. Por isso a importância da investigação e constatações dos processos de ensino
e aprendizagem do aluno, pois assim as discussões com os responsáveis se fundamentam
na relação entre teoria e prática. Sobre isso, reiteramos a importância de os professores
também dominarem os conhecimentos acerca do processo de desenvolvimento humano,
infantil e as formas de ensino dos conteúdos, o que demanda capacitações docentes e
muito estudo. Assim, as intervenções e condutas éticas se pautam na cientificidade e não
em achismos ou discursos do senso comum.
d) orientar os responsáveis quanto à execução das tarefas que o aluno realiza
em casa e outras sugestões de como a família pode contribuir no processo de desenvol-
vimento dele. Lembramos que os responsáveis não devem assumir o papel de ensinar,
que é da escola, mas são eles que podem organizar o ambiente de estudo do aluno em
casa e acompanhá-lo nesse processo como: ter os materiais necessários, um lugar longe
de barulhos para fazer as tarefas, determinar horário para a sua execução etc. Claro que
estamos falando daquilo que é ideal, mas sabemos que, no mundo real, isso não acontece
com a maioria dos alunos das escolas públicas brasileiras. Muitos deles moram em um
cômodo, onde todos se aglomeram, chegam em casa à noite, mal têm o que comer e os
responsáveis nem sempre são alfabetizados e, quando são, não dispõem de conhecimento
suficiente para auxiliar o filho(a), neto(a), enteado(a), sobrinho(a), irmão(ã) em suas tarefas
matemáticas e outras atividades. Então, o que fazer?
É preciso constatar as condições, avaliar a situação e planejar as orientações aos
responsáveis. Por isso, nem sempre isso será possível no primeiro encontro ou viável soli-
citar algumas contribuições. Às vezes, as orientações se limitam em ter uma caixa ou pote
para guardar os materiais enviados pela escola e/ou verificar se a tarefa foi realizada.
e) organizar as intervenções de acordo com as constatações das condições obje-
tivas de vida do aluno, utilizando diferentes ferramentas de ensino, de modo que aluno e
professor estejam em movimento do pensamento.
f) avaliar continuamente as propostas interventivas para reorganização da prática
pedagógica, tanto para fazer retomadas quanto para promover avanços no processo de
ensino e aprendizagem.
g) encaminhar o aluno para outros profissionais (psicólogo, psicopedagogo, neu-
rologista, fonoaudiólogo, terapeuta ocupacional, psicomotricista etc.), junto aos responsá-

UNIDADE IV Intervenções Psicopedagógicas 82


veis legais, caso não se observe avanços significativos na aprendizagem, mesmo com
as intervenções realizadas. Se o aluno já estiver em acompanhamento ou depois de um
tempo de ter iniciado, é importante verificar a possibilidade de o profissional ir até a escola
para discutir o caso ou enviar relatórios ou pareceres à instituição. Da mesma forma, a
escola também deve encaminhar relatórios com foco no desenvolvimento pedagógico do
aluno, sem expressar confirmações ou sugestões diagnósticas. O relatório escolar deve ser
detalhado e rico em informações, conforme dados coletados na investigação, a qual deve
ser contínua, uma vez que esperamos que a aprendizagem do discalcúlico ou acalcúlico se
apresente em movimento e não de forma estática, linear ou estagnada.
Além desses encaminhamentos mais gerais que contribuem com o entendimento,
investigação e intervenção dos processos de ensino e aprendizagem dos alunos discalcú-
licos ou acalcúlicos, outras ações poderão ser desenvolvidas, conforme o contexto da
realidade circundante, e poderão direcionar a organização de um plano de ação para cada
caso de dificuldade na escola, para além da discalculia e da acalculia.
O ideal é que a organização e execução do plano de ação sejam colaborativas
(envolvendo os responsáveis, os professores, o coordenador pedagógico e demais pro-
fissionais), ou seja, sistematizadas pensando o aluno no coletivo. Isso porque muitos
profissionais tendem a pensar o plano de ação sob o olhar clínico, forma equivocada de
encaminhamento, pois na escola o aluno não estará sozinho, mas imerso e envolvido em
ações coletivas e espaços coletivos.
Por isso, mesmo que o aluno seja acompanhado individualmente em alguns mo-
mentos na escola, devemos saber que o professor não é psicopedagogo ou profissional da
área da saúde, logo, as intervenções na escola são especificamente pedagógicas.
Fazer o prognóstico do aluno que tem discalculia ou acalculia depende do grau de
deficiência e da severidade do transtorno ou distúrbio, do tempo de início do tratamento
e da contribuição dos responsáveis e envolvidos no tratamento. Não existe cura para a
discalculia e nem medicamento, salvo se vier acompanhada de comorbidades, como, por
exemplo, o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade.
Porém, quanto mais cedo iniciarmos as intervenções com o aluno, mais signifi-
cativos poderão ser os resultados. Para isso, não precisamos esperar pelo diagnóstico,
pois independente se a discalculia ou acalculia for confirmada, o aluno apresenta uma
dificuldade e, para superá-la, necessitará de modos mais assertivos nos encaminhamentos
e ensino dos conceitos implícitos e explícitos nos conteúdos matemáticos.

UNIDADE IV Intervenções Psicopedagógicas 83


Com isso, estamos dizendo que nem todos os alunos que apresentam dificuldades
para aprender matemática têm discalculia ou acalculia, assim como nem todos os discalcú-
licos e acalcúlicos têm dificuldades com atividades do cotidiano ou em situações de jogos
ou brincadeiras, por exemplo.

1.2 Orientações ao Professor Diante do Diagnóstico de Discalculia ou Acalculia

FIGURA 2 - INTERVENÇÕES JUNTO AO ALUNO COM TRANSTORNO DE APRENDIZAGEM

Frente ao diagnóstico de discalculia ou acalculia, algumas ações interventivas con-


tribuem com o processo de ensino e aprendizagem do aluno discalcúlico ou acalcúlico. Do
mesmo modo, há outras ações que, além de não contribuirem com os avanços pedagógi-
cos, podem comprometer ou agravar ainda mais as dificuldades para aprender matemática.
A seguir, amparadas nos estudos de Bacelar (2017), organizamos uma tabela com
algumas intervenções pedagógicas que o psicopedagogo escolar pode conduzir no trabalho
com os professores:

UNIDADE IV Intervenções Psicopedagógicas 84


QUADRO 2 - ORIENTAÇÕES AO PROFESSOR DIANTE DOS CASOS DE

DISCALCULIA E ACALCULIA

Ações que contribuem com o Ações que não contribuem com o


desenvolvimento desenvolvimento
1. Dizer sempre ao aluno que está ali para 1. Ignorar o aluno com dificuldades.
ajudá-lo em que precisar.
2. Permitir o uso de calculadora e tabela 2. Demonstrar impaciência com dificuldade
tabuada. expressa pelo aluno.
3. Adotar o uso de caderno quadriculado. 3. Interromper o aluno várias vezes ou
mesmo tentar adivinhar o que ele quer dizer
completando a sua fala.
4. Usar situações da vida cotidiana nas 4. Corrigir o aluno frequentemente diante da
situações problema. turma, expondo as dificuldades.
5. Iniciar cada período da aula com o resu- 5. Forçar o aluno a fazer as tarefas quando
mo da sessão anterior e uma visão geral estiver nervoso por não ter conseguido.
dos novos temas.
6. Escrever no quadro o tema a aprender, os 6. Fazer correções no caderno com cores
passos ou procedimentos a serem seguidos chamativas e mais de uma cor.
e que o aluno deverá tomar nota.
7. Sugerir guias de tarefas ou de conceitos 7. Passar exercícios repetitivos e cumulati-
matemáticos para que o aluno saiba encarar vos.
e monitorizar adequadamente os erros.
8. Usar códigos visuais, diagramas, cones, 8. Propor somente registros escritos nas
sublinhados, esquemas, o que ajuda na tarefas em matemática.
concentração e manutenção da atenção
nos expoentes, variáveis, símbolos de
operações etc.; auxiliando ainda na com-
preensão, aprendizagem e generalização
dos conceitos.
9. Elaborar a avaliação (prova): a) com 9. Planejar avaliações com muitas tarefas
questões claras e diretas; b) com o número para cumprir.
mínimo de questões; c) sem limite de tem-
po para realizá-la; d) permitir que um tutor
acompanhe o aluno na realização da prova,
para certificar se ele entendeu o enunciado
das questões.
10. Estabelecer critérios em que o aluno 10. Organizar somente avaliações escritas.
poderá realizar a prova oral, desenvolvendo
as expressões mentalmente e ditando para
que as transcreva.
11. Incentivar a visualização do problema, 11. Impedir que os registros dos cálculos
com desenhos e depois internamente. sejam representados por meio de desenhos
e imagens.

UNIDADE IV Intervenções Psicopedagógicas 85


12. Organizar jogos na sala, pois estes 12. Fazer uso de jogos sem selecionar com
consistem numa boa opção para ajudar na antecedência e planejar de antemão as
visualização de seriação e classificação; ações a serem desenvolvidas.
nas habilidades psicomotoras, espaciais e
na contagem.
13. Permitir o uso do computador, espe- 13. Impedir o uso de materiais variáveis nas
cialmente porque existem muitos sites com resoluções das situações problema.
jogos educativos que propiciam a noção de
espaço e forma, como o Tangam e outros
que reforçam a compreensão dos conceitos
matemáticos.
14. Prestar a atenção no processo utiliza- 14. Deixar de acompanhar atentamente os
do pelo aluno, verificando o percurso do avanços do aluno ou ressaltar apenas as
pensamento desenvolvido na resolução dificuldades.
do problema e valorizar as aprendizagens
alcançadas.
15. Moderar a quantidade das tarefas envia- 15. Enviar muitas tarefas para casa ou
das para casa. tarefas que impossibilitam ou dificultam a
resolução destas sem acompanhamento do
professor.
16. Utilizar materiais manipuláveis nas aulas 16. Propor situações matemáticas comple-
(garrafas pet, palitos, pedrinhas, blocos lógi- xas ao nível de desenvolvimento do aluno,
cos, material dourado, fitas coloridas etc.). induzindo-o frequentemente ao fracasso.

17. Organizar situações problema que mo- 17. Organizar situações problema aquém
tivam nos alunos o desejo de querer apren- do que o aluno é capaz de realizar, travando
der e que envolvam diferentes ações como, os seus avanços, pois ensinar aquilo que
por exemplo, classificar objetos do cotidiano ele não tem condições de aprender, é tão
em conjuntos; roupas que abotoam, objetos prejudicial quanto ensinar aquilo que ele já
que possuem simetria, calçados com cadar- sabe fazer sozinho (VIGOTSKI, 2000).
ço ou sem, objetos que carrega na mochila,
objetos que se usa na mesa nas refeições
etc.
18. Trabalhar jogos que explorem as rela- 18. Trabalhar jogos apenas como distração
ções numéricas e geométricas (grande/ e não ferramenta que movimenta o pensa-
pequeno; grosso/fino; largo/estreito; alto/ mento.
baixo etc.
19. Saber que para o discalcúlico ou 19. Utilizar a mesma estratégia ou encami-
acalcúlico, nada é óbvio, como pode ser nhamentos que para os outros alunos que
para alguns outros alunos que não têm não têm dificuldades com os conteúdos de
discalculia ou acalculia. matemática.
20. Promover situações de ensino em que 20. Desenvolver estratégias de ensino
discalcúlicos e acalcúlicos estabeleçam apenas individuais ou formar grupos de
relações de aprendizagem com seus pares trabalho entre os alunos com dificuldade em
mais desenvolvidos. aprender matemática como os discalcúlicos
e acalcúlicos.
Fonte: Bacelar (2017).

UNIDADE IV Intervenções Psicopedagógicas 86


1.3 Orientações de Aprendizagem no Convívio Familiar

FIGURA 3 - APRENDIZAGEM E DIVERSÃO EM FAMÍLIA

Os momentos de lazer e situações do cotidiano revelam ser enriquecedores de


possibilidades interventivas espontâneas (não organizadas pelo professor) que podem ser
realizadas com apoio dos familiares ou ainda nas relações estabelecidas com os pares
de mesma idade, como: jogar videogame ou jogos no computador (os jogos apresentam
fases e desafios a serem superados), brincar de casinha ou jogar bola (envolve a noções
espaciais, contagem, organização de objetos e demais situações da vida adulta).
Organizamos algumas situações que não interferem na rotina de trabalho e outras
tarefas a serem cumpridas por todos em casa, permitindo e incentivando que a criança
ou adolescente faça parte das tarefas a serem executadas no convívio familiar. Vejamos
algumas delas:
1. Preparação dos alimentos: ler e seguir a receita do prato a ser preparado;
separar e medir os ingredientes utilizados; separar em porções ou outras quan-
tidades depois de pronto etc.
2. Compras no supermercado: fazer uma lista de compras por categoria de
produtos (higiene, limpeza, frutas, grãos, enlatados etc.) e suas quantidades;
escolher os produtos pelo menor valor; dividir a responsabilidade de busca pelo
produto no supermercado; calcular, comparar e diferenciar valores dos produtos
(com e sem calculadora) etc. Exemplo: perguntar “qual detergente devemos
comprar para economizar, o que custa 1,50 ou o que custa 1,80?”

UNIDADE IV Intervenções Psicopedagógicas 87


3. Controle de tempo: controlar o tempo de cozimento de algum alimento, elabo-
rar uma tabela com as tarefas da semana e horários que devem ser cumpridos,
minutos ou horas de dedicação aos estudos e ao lazer; usar o relógio, calendário
ou celular para agendar consultas e outras tarefas.
4. Brincadeiras de contagem: no percurso da casa ao supermercado, por exem-
plo, para cada fusca azul encontrado ou outra cor e qualquer carro, marca-se
um ponto. Ganha quem somar dez pontos primeiro.
5. Distribuição ou agrupamento de objetos: separar copos, facas, garfos ou
colheres na mesa de acordo com a quantidade de pessoas; separar e dobrar as
roupas do varal de acordo com a pessoa que faz uso das peças; arrumar as rou-
pas na gaveta, armários ou caixas por peça (camisetas, bermudas, meia etc.),
cores ou estação do ano (verão e inverno); dividir o bolo em tantos pedaços etc.

Tanto na escola quanto em casa, é importante incentivar a realização de tarefas


que a criança ou adolescente consegue fazer sem ou com o mínimo de ajuda. A partir de
suas conquistas, acrescentar novas tarefas, ampliar e aprofundar o grau de complexidade.
Ações como essas podem contribuir na redução da ansiedade, melhoram a autoes-
tima, assegurando para a criança e o adolescente em casa e ao aluno na escola, que ele é
capaz de aprender, mas nem sempre pelos mesmos caminhos que seus colegas.

UNIDADE IV Intervenções Psicopedagógicas 88


2. O USO DE JOGOS NAS AÇÕES INTERVENTIVAS ESCOLARES

Os jogos são importantes recursos que promovem o desenvolvimento do raciocínio


lógico, das relações com o outro e, principalmente, possibilitam ao aluno a aprendizagem
dos diferentes conceitos matemáticos, como uma atividade prática intencional e transfor-
madora e não apenas como simples passatempo (ARRAIS, 2018).
Ao concebermos o jogo como recurso para a formação do pensamento matemá-
tico, defendemos que, no movimento do jogo, o professor coloca os alunos em atividade
do pensamento, quando eles desenvolvem ações de comparação, classificação, seriação,
análise, agrupamento, distribuição, síntese e generalização.
Pensando nisso, entre os mais diversos jogos existentes, selecionamos alguns
apresentados por Silva (2008), Barreto (2012), Smole (2000) e Moretti e Souza (2015), os
quais podem ajudar no ensino de matemática com todos os alunos, entre eles, aqueles que
têm discalculia ou acalculia, pois promovem o desenvolvimento das funções psicológicas
superiores de percepção, sensação, atenção, memória, pensamento, imaginação, lingua-
gem, emoção e sentimento.

2.1. Jogo dos palitos: composto por um tabuleiro e dezesseis palitos, esse jogo
foi pensado para um jogador. O objetivo desse jogo é formar 3 quadrados, movimentando
apenas 4 palitos. Inicialmente, o jogador forma 5 quadrados utilizando os 16 palitos, con-
forme mostra a imagem. Depois, poderá movimentar somente quatro palitos para atingir o
objetivo. Os movimentos a serem realizados estão representados na imagem.

UNIDADE IV Intervenções Psicopedagógicas 89


FIGURA 4 - JOGO DE PALITOS

Fonte: Silva (2008, p. 33).

2.2. Tangram: esse jogo possui sete peças, entre elas um quadrado, um para-
lelogramo e cinco triângulos; e ainda uma cartela com diferentes figuras. Apesar de ser
indicado para um jogador, também pode ser desenvolvido por dois participantes, de modo
que ambos pensem em estratégias para alcançar o objetivo que consiste em formar um
quadrado com todas as peças.
Outro objetivo do jogo é utilizar as peças para formar as diferentes figuras pro-
postas nas cartelas (ou outras milhares que podem ser criadas), mas sem sobrepô-las,
ou seja, o(s) o aluno(s) poderão criar figuras inéditas, estimulando o desenvolvimento da
imaginação, do pensamento, da linguagem, da percepção, da atenção e outras funções
psíquicas superiores importantes nas aprendizagens matemáticas.

FIGURA 5 - TANGRAM

Fonte: Silva (2008, p. 34).

FIGURA 6 - CARTELA COM FIGURAS

Fonte: Adaptado do Site Pinterest.

UNIDADE IV Intervenções Psicopedagógicas 90


2.3. Jogo de portas: esse jogo inclui um tabuleiro, no qual tem o desenho da planta
de uma casa com várias portas e também foi desenvolvido para jogar individualmente. O
objetivo do jogo consiste em passar por todas as portas da casa, mas atravessando-as ape-
nas uma vez. Não é permitido atravessar as paredes e o percurso pode ser feito utilizando
um lápis. A dica é planejar o percurso a partir de um cômodo que tenha o número ímpar
de portas.

FIGURA 7 - JOGO DE PORTAS

Fonte: Silva (2008, p. 38)

2.4. Botões matemáticos: Barreto (2012, p. 47) explica que esse jogo promo-
ve o desenvolvimento da “[...] habilidade de compreensão de sistema de numeração, a
coordenação motora e orientação espacial”. O professor solicita determinada quantidade e
cores de botões aos alunos, como, por exemplo, 15 botões verdes, uma dezena de botões
amarelos, meia dúzia de botões azuis, duas dúzias de botões divididas em 4 partes de
cores diferentes ou determinada quantidade dividida em 50% de uma cor e 50% de outra.
Aqui, além de trabalhar as quantidades e suas diferentes possibilidades de formação, o
professor também utiliza importantes termos matemáticos para orientar as ações.

FIGURA 8 - BOTÕES COLORIDOS

Fonte: https://www.elo7.com.br/botoes-coloridos-para-roupas-e-artesanato-p/dp/EFEC13

UNIDADE IV Intervenções Psicopedagógicas 91


2.5. Matix: jogo composto por um tabuleiro quadriculado e 36 peças, conforme
mostra a Figura 9.

FIGURA 9 - MATERIAL – JOGO MATIX

Fonte: as autoras.

Esse jogo implica na participação de dois jogadores e têm como objetivo alcançar
o maior número de pontos. Para isso, os jogadores posicionam as trinta e cinco peças e o
curinga no tabuleiro, todas com as faces para cima. O jogador que começar a jogar, esco-
lhe se retira as peças posicionadas nas colunas (posição vertical) ou nas linhas (posição
horizontal) e, na primeira jogada, retira o curinga e uma peça que esteja na mesma linha ou
coluna (conforme a opção escolhida).
Na sequência, cada jogador, na sua vez, retira uma peça da coluna ou da linha da
qual foi retirada a última ficha. O jogo termina quando não tiver mais peças nas colunas
ou nas linhas e vence quem conseguir a maior soma dos números contidos nas peças,
lembrando que aqueles com sinais de adição (+) são somados e, aqueles com sinais de
subtração (–) são diminuídos no processo de contagem dos pontos.
Geralmente, os alunos tendem a escolher primeiro as peças com valor maior, mas
depois percebem (com as intervenções do professor) que é preciso criar estratégias para
conseguir o maior número de pontos e obstáculos para dificultar as jogadas do oponente.

FIGURA 10: JOGO MATIX

Fonte: Simque Brinquedos Educativos.

UNIDADE IV Intervenções Psicopedagógicas 92


Matix é um jogo que promove o desenvolvimento do pensamento matemático; o
processo de generalização da linguagem matemática; o desenvolvimento do raciocínio e do
pensamento lógico, pois o aluno terá que interpretar as informações, buscar as soluções,
levantar hipóteses, coordenar diferentes pontos de vista e criar estratégias de jogo.

2.6. A batalha: para jogar precisa das cartas de baralho de Às a 10 (ou confeccio-
nadas) e duplas de jogadores ou pequenos grupos. O objetivo é conquistar mais cartas.
As cartas são distribuídas entre os jogadores, uma para cada jogador em cada rodada. O
jogador que tirar a carta mais alta deve pegar todas as outras cartas do oponente para si.
Assim, essas ações se repetem em todas as jogadas até que todas as cartas já tenham
sido distribuídas. Se os jogadores retirarem cartas iguais, devem desempatar com a maior
carta a ser retirada na sequência.

FIGURA 11 - CARTAS DE BARALHO

Fonte: Pixabay

2.7. Jogo das sete cobras: nesse jogo utilizamos dois lápis, papel e dois dados.
Na folha de papel o aluno registra os numerais de 2 a 12. Cada jogador, na sua vez de jogar,
soma as quantidades sorteadas nos dados e marca um X no numeral que representa o
resultado. Se a soma das quantidades sorteadas tiver como resultado 7, o jogador desenha
uma cobra. Ganha quem marcar todos os números primeiro com o menor número de cobras
desenhadas.

UNIDADE IV Intervenções Psicopedagógicas 93


FIGURA 12 - JOGO DAS SETE COBRAS

Fonte: as autoras.

2.8. Jogo do detetive: esse jogo pode ser realizado em dois grupos e os materiais
utilizados são: dois jogos completos de blocos lógicos e um anteparo para esconder uma
das peças do grupo oponente. Cada equipe fica com um jogo de blocos lógicos e o jogo
poderá ser desenvolvido em quatro níveis:
a) nível 1: a equipe 1 escolhe uma peça e a esconde atrás do anteparo, enquanto a
equipe 2 organiza as peças dos blocos a sua frente e discute as estratégias que utilizarão,
por meio de perguntas, para descobrir qual peça a equipe oponente está escondendo. As
respostas da equipe 1 devem se limitar a SIM ou NÃO. Pode-se fazer quantas perguntas
necessárias, exemplo: é azul? Se a equipe 1 responder SIM, a equipe 2 mantém a peça,
mas, se a resposta for NÃO, a peça deve ser descartada. E assim segue até que a equipe
dois descubra a peça, invertendo as posições das equipes. Uma variante do jogo é marcar
o número de perguntas que cada equipe faz e ganha jogo quem fizer o menor número de
perguntas, mas, se chutar e errar, perde o jogo ou passa vez (SMOLE, 2000).
b) nível 2: os alunos podem olhar as peças do conjunto, mas não podem manipulá-
-las para descobrir qual é a peça escondida.
c) nível 3: os alunos devem descobrir qual é a peça escondida sem olhar para o
conjunto de blocos que dispõe na equipe.
d) nível 4: uma equipe esconde simultaneamente duas ou três peças, enquanto a
outra equipe deve descobrir quais são as peças ao mesmo tempo.

FIGURA 13 - JOGO DO DETETIVE - BLOCOS LÓGICOS

Fonte: Mundo Pedagógico

UNIDADE IV Intervenções Psicopedagógicas 94


2.9. Jogo nunca dez com material dourado: os materiais utilizados são dois
dados e um kit do material dourado. Para jogar é necessário de dois a quatro jogadores.
Com o objetivo de trabalhar trocas e agrupamentos na base dez, o material
dourado é disposto no centro da roda. Cada jogador joga o dado e retira a
quantidade de cubinhos equivalentes ao valor obtido. A cada dez cubinhos,
é feita a troca por barrinha. Vence o jogador que realizar primeiro a troca de
dez barrinhas por uma placa, representando a centena (MORETTI; SOUZA,
2015, p. 100-101).

FIGURA 14 - MATERIAL - JOGO NUNCA DEZ

Fonte: EMEBE José “Bepe” Módolo

Uma variação do jogo é a utilização do ábaco ou fichas. Nessas versões, Moretti e


Souza (2015, p. 101 - 102) explicam:
O ideal é que cada aluno tenha um ábaco aberto. Também é possível criar um
ábaco por meio da movimentação de fichas ou tampinhas em colunas verti-
cais construídas no chão ou na carteira com fitas adesivas. [...] Cada jogador
joga o dado e coloca na primeira coluna à direita a quantidade de argolas
equivalente ao valor obtido. A cada dez argolas, é feita a troca por uma argola
na coluna imediatamente à esquerda. Vence o jogador que fizer primeiro a
troca de dez argolas na haste das dezenas por uma argola, representando a
centena.

FIGURA 15 - JOGO NUNCA DEZ COM ÁBACO E FICHAS

Fonte: Saber Matemática

UNIDADE IV Intervenções Psicopedagógicas 95


FIGURA 16 - JOGO NUNCA DEZ COM FICHAS

Fonte: Moretti e Souza (2015, p. 101).

O professor pode pedir aos alunos para registrarem os pontos obtidos em cada
rodada. Para isso, os alunos podem utilizar o Quadro Valor de Lugar (QVL) como apoio,
pois o material dourado contempla o agrupamento e a troca, mas não o valor posicional dos
números.

FIGURA 17 - QUADRO VALOR POSICIONAL

Fonte: Slideplayer.

2.10. Fecha caixa com cartas: Nesse jogo, Moretti e Souza (2015) explicam que
os jogadores (de dois a cinco participantes) precisam de cartas numeradas de 1 a 9 e dois
dados. O objetivo consiste em desenvolver o cálculo mental e as primeiras ideias de adição.
Para jogar, as cartas devem ser colocadas sobre a mesa com os números à mostra. O
primeiro jogador lança os dados e soma os resultados das quantidades que aparecerem.

UNIDADE IV Intervenções Psicopedagógicas 96


Depois, o jogador deve virar as cartas cuja soma seja igual ao valor da soma dos
resultados. Exemplo: se a soma das quantidades tiradas nos dados for 6, o jogador pode
virar as cartas: 4 e 2; 3 e 3; 5 e 1 etc. Assim,
O jogador repete esse procedimento de jogar e virar as cartas enquanto for
possível virá-las com a soma do resultado dos dados. Quando tiver virado as
cartas 7, 8 e 9, ele passa a jogar com apenas um dado. Quando não houver
mais cartas com o valor obtido nos dados, soma os valores das cartas que
ainda não foram viradas e anota o resultado. O próximo jogador prepara no-
vamente as cartas viradas para cima e joga com as mesmas regras. Ao final,
vence quem tiver feito a menor quantidade de pontos (MORETTI; SOUZA,
2015, p. 104-105).

No movimento do jogo, é importante que os professores utilizem corretamente os


termos ao se referir aos nomes dos objetos e situações relacionadas aos conhecimentos
matemáticos. Por isso, é fundamental que o professor organize situações de ensino em que
os alunos se relacionem ativamente com os conceitos matemáticos.
No caso dos jogos que apresentamos anteriormente, as intervenções realizadas
pelo professor, no momento do jogo, devem ser intencionais e antecipadamente planejadas
com objetivos claros e definidos. Não basta apenas jogar, o aluno precisa saber por que
está jogando, qual o sentido do jogo; quais necessidades geram nele o desejo de jogar.
A seguir, trataremos de possibilidades de jogos virtuais como um recurso tecnoló-
gico que também pode ser utilizado a favor dos alunos que apresentam dificuldades para
aprender matemática.

UNIDADE IV Intervenções Psicopedagógicas 97


3. JOGOS VIRTUAIS: RECURSO TECNOLÓGICO A FAVOR DA APRENDIZAGEM

É notório o crescente avanço das novas tecnologias pelo mundo como ferramenta
no processo de ensino e aprendizagem. Essa realidade se amplia no contexto histórico atual
de pandemia da Covid-19 que estamos vivendo, que já impactou o processo de estudos de
cerca de 91% do total de alunos espalhados pelo mundo, segundo dados divulgados em
2020 pela Organização das Nações Unidas para a Educação (SAE DIGITAL, 2020).
Nesse cenário, não podemos ignorar que o uso das tecnologias é recorrente entre
professores e alunos na organização do ensino remoto emergencial e outras atividades e
eventos pedagógicos como lives, seminários, congressos e encontros formativos docentes.
Diante disso, percebemos que as ferramentas tecnológicas e os modos de usá-las, tornou-
-se forçosamente uma necessidade social que invadiu os processos educativos.
Por isso, precisamos usar conscientemente as tecnologias e fazer delas ferramen-
tas que possibilitam o acesso ao conhecimento científico e não à informação passageira
e esvaziada de sentido e significado; à aprendizagem de conceitos e não de notícias do
senso comum e aos processos de apropriação da cultura humana e não apenas como
passatempo e distração.
Pensando na tecnologia como prática pedagógica e, nessa discussão, como fer-
ramenta que possibilita instrumentalizar o professor para trabalhar com os alunos que têm
dificuldades com a matemática, os jogos virtuais devem ser explorados de forma contextua-
lizada, planejada e sistematicamente organizada para o ensino de matemática.

UNIDADE IV Intervenções Psicopedagógicas 98


Na sequência, apresentamos 12 jogos virtuais extraídos dos sites Escola Games¹ ,
Zuzubalândia² e Racha Cuca³ , os quais podem contribuir no processo de ensino e apren-
dizagem dos alunos de educação infantil ao 5º ano. Nesses sites há diferentes jogos que
o professor deve selecionar de acordo com o nível de aprendizagem e/ou dificuldade e
interesse do aluno, pois em cada período do desenvolvimento há necessidades específicas
que motivam e orientam as aprendizagens das crianças, adolescentes e adultos.
O critério que utilizamos para escolher os jogos virtuais nesse estudo: aqueles que
têm recursos e ferramentas para o desenvolvimento do pensamento e que estimulam a
aprendizagem dos conceitos, termos e diferentes conhecimentos da linguagem matemáti-
ca. Portanto, cabe ao psicopedagogo e ao professor analisar qual(is) dos jogos poderá ser
destinado a qual aluno, a qual dificuldade por ele apresentada e período de desenvolvimen-
to que se encontra.

3.1 Tabuada do Dino

FIGURA 18 - JOGO TABUADA DO DINO

Fonte: Escola games.

O jogo envolve as quatro operações e tem dois níveis de dificuldades que objetivam
ao aluno memorizar a tabuada, exercitar o cálculo mental, resolver problemas matemáticos
e estabelecer relação entre as operações.

1 Disponível em: http://www.escolagames.com.br/jogos/. Acesso em: 11 abr. 2021.


2 Disponível em: https://zuzubalandia.com.br/jogos.html. Acesso em: 11 abr. 2021.
3 Disponível em: https://rachacuca.com.br/jogos/. Acesso em: 11 abr. 2021.

UNIDADE IV Intervenções Psicopedagógicas 99


3.2 Completando os números

FIGURA 19 - JOGO COMPLETANDO OS NÚMEROS

Fonte: Escola Games.

Completando os números é um jogo que trabalha com a sequência numérica e


a ideia de sucessor e antecessor. Tem como objetivo o aluno reconhecer os números,
identificar regularidades na sequência numérica para nomear, ler, escrever e ordenar os
números naturais.

3.3 O castelo do rei

FIGURA 20 - JOGO O CASTELO DO REI

Fonte: Escola Games.

UNIDADE IV Intervenções Psicopedagógicas 100


Esse é um jogo de quebra-cabeça com nove cenários que trazem a opção de o
aluno jogar em nível mais difícil. Tem como objetivos estimular a memória visual, as funções
psíquicas de atenção, concentração e o raciocínio lógico. Além disso, possibilita analisar
figuras e ampliar as noções de composição e decomposição a partir da fragmentação de
uma imagem; perceber as diferentes posições de figuras fragmentadas de uma imagem;
ampliar a percepção visual por meio da observação, comparação, análise e síntese, aspec-
tos tão importantes do desenvolvimento para as aprendizagens em matemática e de outros
conhecimentos.

3.4 Zoo Louco

FIGURA 21 - JOGO ZOO LOUCO

Fonte: Escola Games.

O jogo explora a contagem e a sequência numérica, semelhanças e diferenças entre


as espécies animais que aparecem, trazendo a ideia de agrupamento pelas características
que os compõem. Tem como objetivo o aluno: identificar, recitar e memorizar a sequência
numérica de zero a nove; adquirir ideia de quantidade; realizar a contagem oral e a grafia
dos numerais. Depois do jogo, o professor pode explorar com o aluno as quantidades que
aparecem e as relações biunívocas.

UNIDADE IV Intervenções Psicopedagógicas 101


3.5 Labirinto Polar

FIGURA 22 - JOGO LABIRINTO POLAR

Fonte: Escola Games.

Labirinto Polar é um jogo que apresenta três níveis de dificuldade e marcação


de tempo para o aluno fazer o percurso no labirinto, trabalhando agilidade motora e de
pensamento. Tem como objetivo estimular o raciocínio lógico e estratégico; noção espacial
(lateralidade, localização e direção); coordenação motora fina, atenção e concentração

3.6 Memória animal

FIGURA 23 - JOGO MEMÓRIA ANIMAL

Fonte: Escola Games.

UNIDADE IV Intervenções Psicopedagógicas 102


Aqui temos um jogo da memória que estimula a concentração dos alunos. Trabalha
os conceitos de matemática, mas também integra outras áreas científicas, como de ciências,
geografia e história. Na área da matemática, tem como objetivo identificar semelhanças e
contrastes por meio da análise visual (tamanho, forma, cor) entre os animais; desenvolver
estratégias de análise para comparar os animais e diferenciar um dos outros; estimular o
desenvolvimento da memória e a concentração no processo de identificação e comparação
entre as imagens dos animais; descrever as características referentes a tamanho, forma,
cor, fase da vida, local onde se desenvolvem etc., de acordo com cada texto apresentado
no jogo.

3.7 Sete erros

FIGURA 24 - JOGO DOS SETE ERROS

Fonte: Zuzubalândia

Nesse jogo o aluno deve comparar duas imagens, aparentemente iguais, e encon-
trar sete diferenças entre elas. Essa situação de jogo desenvolve as ações de comparação,
percepção de semelhanças e diferenças; de análise das relações espaciais entre os objetos;
da memória de curto prazo e do pensamento abstrato.

UNIDADE IV Intervenções Psicopedagógicas 103


3.8 Fuja da Garfídea

FIGURA 25 - JOGO FUJA DA GARFÍDEA

Fonte: Zuzubalândia

Aqui o aluno deverá movimentar a abelha Zuzu e pegar as balas de mel espalhadas
pelo labirinto, sem ser pego pela aranha Garfídea. Assim como no jogo Labirinto Polar,
tem como objetivo estimular o raciocínio lógico e estratégico; noção espacial (lateralidade,
localização e direção); coordenação motora fina, atenção e concentração.

3.9 Dominó

FIGURA 26 - JOGO DE DOMINÓ

Fonte: Racha Cuca.

UNIDADE IV Intervenções Psicopedagógicas 104


Esse jogo de dominó traz para o aluno escolher os níveis de dificuldade fácil, médio
ou difícil e as variações para jogar:
a) clássico: nesta variação, caso o jogador não tenha uma peça para jogar, deve-se
comprar peças até conseguir jogar ou até terminar as peças disponíveis para compra;
b) bloqueio: não há compra de peças nesta variação, mas o jogador passa a vez
quando não tiver peça para jogar. Ganha o jogador que terminar as suas peças primeiro ou
que tiver menos pontos, caso todos os jogadores fiquem bloqueados;
c) ponta de 5: o jogador marca pontos caso a soma do valor das peças das pontas
seja um múltiplo de cinco.

3.10 Tangram

FIGURA 27 - JOGO DO TANGRAM

Fonte: Racha Cuca.

UNIDADE IV Intervenções Psicopedagógicas 105


Na versão virtual, usando as sete peças do Tangram, o aluno deve formar os que-
bra-cabeças da cartela, conforme mostra a Figura 27. Como podemos ver, as figuras podem
ser pessoas, animais, objetos e outros símbolos. Para iniciar a montagem das figuras em
quebra-cabeça, o aluno deve clicar em uma das imagens da cartela de sua escolha.
Na sequência, clicar em uma peça por vez que aparece nas laterais da imagem
escolhida, arrastá-la e encaixá-la dentro da imagem em branco, na posição considerada
correta. As peças podem ser giradas (conforme indicação de setas), retiradas e colocadas
quantas vezes o aluno achar necessário. Nessa versão virtual, estimula a percepção, aten-
ção, coordenação motora fina, noção espacial e lateralidade.

3.11 Jogo da velha

FIGURA 28 - JOGO DA VELHA

Fonte: Racha Cuca.

Nessa versão virtual do jogo da velha, o aluno posiciona as figuras de círculos


numa mesma linha, coluna ou diagonal para ganhar. A pontuação será determinada após
20 rodadas consecutivas. Esse jogo contribui no desenvolvimento do raciocínio lógico, do
planejamento de estratégia, na resolução de problemas, na previsão do movimento do
adversário e na formação de sequência.

UNIDADE IV Intervenções Psicopedagógicas 106


3.12 O lobo e a ovelha

FIGURA 29 - JOGO O LOBO E A OVELHA

Fonte: Racha Cuca.

Nesse jogo, o objetivo é atravessar de um lado ao outro do rio, o lobo, a ovelha e o


repolho dentro do barco, de modo que todos cheguem bem ao seu destino. Porém, o barco
do camponês leva apenas um item de cada vez, além do próprio camponês. Para cumprir
essa tarefa, o aluno deve ficar atento às seguintes regras: a) o lobo devora a ovelha se os
dois ficarem sozinhos; b) a ovelha come o repolho se ficar sozinha com ele.
O jogo estimula o desenvolvimento principalmente da atenção, raciocínio lógico e
planejamento de estratégias. Relacionados a este jogo temos ainda os jogos: Ponte escura,
Missionários e canibais e Pinguins numa fria.

UNIDADE IV Intervenções Psicopedagógicas 107


3.13 Batalha Naval

FIGURA 30 - JOGO BATALHA NAVAL

Fonte: Racha Cuca.

Esse jogo traz a opção de jogar com um colega ou com o próprio computador. O
objetivo é afundar as embarcações do adversário. Para isso, primeiro o aluno deve pla-
nejar as estratégias que utilizará para posicionar os seus navios em diferentes direções e
dificultar ser encontrado pelo adversário. Essas ações são importantes para a formação do
pensamento lógico matemático.

UNIDADE IV Intervenções Psicopedagógicas 108


3.14 2048

FIGURA 31 - JOGO 2048

Fonte: Racha Cuca.

O objetivo do jogo é juntar os blocos numéricos e formar a quantidade 2048. Para


isso, o aluno deve analisar as jogadas e raciocinar logicamente para movimentar os blocos
para cima, para baixo, para a direita ou esquerda e atingir o objetivo, antes de ficar sem
movimentos. As habilidades de raciocínio para atingir a meta, exigem do aluno atenção,
concentração e criação de estratégias para resolver o problema.

3.15 Robox

FIGURA 32 - JOGO DO ROBOX

Fonte: Racha Cuca.

UNIDADE IV Intervenções Psicopedagógicas 109


Nesse jogo o aluno precisa movimentar um robô para cima, para baixo, para es-
querda ou direita e empurrar as caixas até os lugares marcados por um círculo amarelo.
A partir desse jogo, o professor trabalha com o aluno a atenção, concentração, noções
espaciais, organização do pensamento e os termos matemáticos que expressam as ações
do pensamento.

UNIDADE IV Intervenções Psicopedagógicas 110


4. A ESCOLHA DO JOGO COMO RECURSO PEDAGÓGICO

Vimos anteriormente que são muitas as possibilidades de jogos que podem ser
desenvolvidos em sala de aula, bem como uma ampla variedade de jogos virtuais que
podem ser utilizados como ferramenta pedagógica no ensino da matemática.
Ressaltamos que, antes de apresentar qualquer jogo e jogar com o aluno, em
especial aqueles que têm discalculia ou acalculia, precisamos saber se, além de o jogo
escolhido criar um ambiente de socialização, divertimento e interação com os pares mais
desenvolvidos, também promove a aprendizagem dos conceitos matemáticos e outros
conhecimentos que mobilizam a linguagem e o pensamento matemático.
Por isso, ao planejarmos a prática pedagógica por meio de jogo devemos:
a) fazer um levantamento dos jogos existentes;
b) analisar todas as possibilidades e recursos dos quais o jogo dispõe;
c) jogar antecipadamente (sem os alunos) para entender a dinâmica do jogo, sua
finalidade e dificuldades;
d) identificar quais conceitos matemáticos estão presentes no jogo;
e) identificar quais ações operacionais (comparação, classificação, análise, gene-
ralização etc.) são propostas no jogo;
f) reconhecer quais funções mentais (sensação, percepção, atenção, memória,
linguagem, pensamento, emoção e sentimento) o jogo desenvolve.

UNIDADE IV Intervenções Psicopedagógicas 111


Isso porque nem todo jogo coloca alunos e professores em movimento do pensa-
mento, apenas cumprem o papel de passatempo, o que pode ser feito em outros momentos
e espaços sociais que fazem parte da vida do aluno. A escola é o lugar mister para aprender
os conhecimentos científicos, logo, é nesse espaço que os jogos e qualquer outro recurso
pedagógico deve ser sistematicamente planejado e conscientemente trabalho entre os
professores e os alunos.
Assim, por meio dos jogos, o professor pode investigar, intervir e avaliar o processo
de ensino e aprendizagem dos alunos com dificuldades para aprender, desde que se colo-
que como sujeito partícipe e orientador desse processo, direcionando-os para modos cada
vez mais elaborados de se relacionarem com os diferentes fenômenos no mundo, entre
eles, a matemática.

SAIBA MAIS

De acordo com os dados apresentados em 2019 pelo Sistema de Avaliação da Educa-


ção Básica (Saeb), do Ministério da Educação (MEC), os alunos do ensino médio das
escolas públicas brasileiras estão saindo desta etapa de ensino, sabendo 0,7 percentual
menos conhecimento matemático que aqueles formados há 10 anos. Esse índice se
agrava quando a comparação considera raça e o nível socioeconômico dos alunos. Nas
escolas com alunos de menor renda, somente 3,1% aprenderam os conteúdos necessá-
rios de matemática no 3º ano do ensino médio e, onde estão os alunos de maior renda,
o aprendizado adequado chegou a 63,6% do total de alunos. Em relação à raça, entre
os alunos que se declaram pretos, apenas 4,1% aprenderam os conteúdos matemáticos
esperados para série, assim como aprenderam 5,7 dos declarados pardos e 16% dos
considerados brancos

Fonte: Oliveira (2019).

UNIDADE IV Intervenções Psicopedagógicas 112


REFLITA

De um modo geral, muitas propostas formativas no âmbito da licenciatura perdem a


sua eficácia porque não promovem mudanças efetivas no conhecimento matemático do
professor. Então, de que adianta pedir ao professor que reorganize a sua prática peda-
gógica em matemática se a perspectiva de conhecimento que ele tem nessa área está
fundamentada em uma visão pragmática, utilitarista e reducionista da matemática?

Fonte: Cedro e Moura (2017).

UNIDADE IV Intervenções Psicopedagógicas 113


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Chegamos ao fim de nossas discussões, mas não dos estudos em busca de am-
pliação e aprofundamentos das aprendizagens adquiridas até aqui.
Ao estudarmos sobre a importância do processo investigativo na escola dos alunos
que apresentam dificuldades para aprender os conceitos matemáticos, presentes nos mais
variados conteúdos dessa área do conhecimento, vimos que é preciso ter ética, responsabi-
lidade, compromisso e comprometimento com o percurso de estudos dos alunos enquanto
um sujeito integral.
Nesse percurso, aprendemos que nem todo aluno que tem dificuldade para apren-
der matemática é discalcúlico ou acalcúlico, assim como nem todo discalcúlico ou acalcúlico
tem dificuldade de lidar com as tarefas cotidianas que envolvem a linguagem matemática.
Diante disso, refletimos sobre as possibilidades de orientações para o professor, o
qual assume o papel de mediador consciente das aprendizagens que promovem o desen-
volvimento de todos os alunos, inclusive àqueles que têm discalculia ou acalculia.
Também discutimos sobre algumas ações interventivas que podem contribuir para
a participação dos responsáveis no processo de desenvolvimento dos alunos no convívio
familiar e situações do cotidiano, em que a linguagem está presente para resolver as mais
variadas situações problema da vida diária.
São nessas situações escolares e cotidianas que podemos potencializar a formação
e o desenvolvimento das funções psíquicas superiores, desde que as ações interventivas
nesses espaços façam sentido para o aluno, professores e seus familiares.
Assim, apresentamos os jogos e as ferramentas tecnológicas como importantes
recursos pedagógicos que contribuem no processo de ensino e aprendizagem dos alunos
com dificuldades para aprender matemática.
Para finalizar, esperamos que as discussões, encaminhamentos e sugestões
possam, de fato, contribuir com uma prática pedagógica significativa para o professor e
enriquecedora de aprendizagem e desenvolvimento para os alunos.

UNIDADE IV Intervenções Psicopedagógicas 114


LEITURA COMPLEMENTAR

BOROWSKY, H. G. A Atividade Orientadora de Ensino como princípio do Clube


de Matemática: caminhos para a formação docente. Obutchénie: Revista de Didática e
Psicologia Pedagógica, Uberlândia, MG, v.4, n. 2, p. 509-533, maio/ago, 2020. Disponível
em: http://200.19.146.79/index.php/Obutchenie/article/view/57503/30024. Acesso em: 9
abr. 2021.

UNIDADE IV Intervenções Psicopedagógicas 115


MATERIAL COMPLEMENTAR

LIVRO
Título: Educação matemática nos anos iniciais do Ensino Funda-
mental: princípios e práticas pedagógicas
Autoras: Vanessa Dias Moretti e Neusa Maria Marques de Souza
Editora: Cortez
Sinopse: Com base nessa realidade, as autoras elaboram a
presente obra, cujo objetivo principal é oferecer a professores
e educadores dos três primeiros anos do Ensino Fundamental
respaldo teórico e metodológico para um ensino da Matemática
que seja incentivador de aprendizagem e possibilite às crianças o
desenvolvimento do pensamento teórico sobre os conceitos e as
noções referentes a essa disciplina.

FILME/VÍDEO
Título: O homem que viu o infinito
Ano: 2016
Sinopse: Esse filme conta a história real de Srinivasa Aiyangar
Ramanujan (1887-1920), um dos maiores gênios e mais influentes
matemáticos do século XX. De origem humilde e sem formação
acadêmica, ele contribuiu para a matemática com diversos traba-
lhos. Entre eles, estão a teoria dos números e séries infinitas.

UNIDADE IV Intervenções Psicopedagógicas 116


AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION - APA. Manual diagnóstico e
estatístico de transtornos mentais: DSM-5. Porto Alegre: Artmed, 2014.
Disponível em: http://www.niip.com.br/wp-content/uploads/2018/06/Manual-
Diagnosico-e-Estatistico-de-Transtornos-Mentais-DSM-5-1-pdf.pdf. Acesso em:
22 mar 2021

ARRAIS, L. F. L. Vamos jogar? Jogo, princípios e possibilidades para o ensino


de matemática. Curitiba: Appris, 2018.

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CONCLUSÃO GERAL

Que maratona de estudos, hein? Afinal, não existe apropriação do conhecimento


científico sem a exigência de leituras, interpretações e produções de sínteses que revelam
as aprendizagens adquiridas.
Nessa corrida rumo à apropriação do conhecimento acerca das dificuldades de
aprendizagem e dos processos de aprendizagem e desenvolvimento dos alunos que
enfrentam diferentes obstáculos para aprender os conceitos matemáticos, passamos por
quatro importantes momentos de discussão, denominados de Unidades.
A seguir, percorreremos cada uma delas para relembrarmos os pontos que sintetizam
as ideias principais de nossas discussões, as quais foram carregadas de conceitos, reflexões,
explicações, sugestões, desafios, caminhos e possibilidades de uma matemática que traz
em si consubstanciada, as formas mais elaboradas do ato de pensar e agir sobre e com os
diferentes fenômenos no mundo. Então, vamos lá!
Na Unidade I, revelamos alguns aspectos relevantes do surgimento da linguagem
matemática na história humana, como ferramenta do pensamento dos homens no controle
das diferentes quantidades, grandezas e formas. Essas discussões foram importantes
para compreendermos o ensino de matemática para além da memorização e incansáveis
contagens ordenadas dos numerais, ações ainda comuns em muitas instituições de en-
sino. Ainda nessa unidade, mostramos o trabalho do psicopedagogo e as intervenções
psicopedagógicas, como importantes ações que contribuem efetivamente na superação do
fracasso escolar de crianças e adolescentes, que não alcançaram o pleno desenvolvimento
da linguagem matemática.
Por isso, na Unidade II, trouxemos à tona que a organização do ensino de matemá-
tica é condição de acesso aos conhecimentos e superação das dificuldades relacionadas à
apropriação da linguagem matemática ou busca por novos sentidos e significados, desde
que a prática pedagógica seja conscientemente organizada e considere o sujeito em suas
múltiplas determinações.
Nesse cenário, na Unidade III, ressaltamos a criança, o jovem ou o adolescente
que tem o transtorno ou distúrbio de discalculia ou de acalculia. Nesse trajeto, aprendemos
sobre os sinais e sintomas, diferenças e semelhanças entre os dois distúrbios ou transtor-

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nos e, o mais importante, compreendemos que nem sempre os estudantes que apresentam
dificuldade para aprender matemática tem discalculia ou acalculia, assim como nem todo
discalcúlico ou acalcúlico tem dificuldade com outras áreas do conhecimento ou situações
do cotidiano que envolvem os conceitos matemáticos.
A partir dessas discussões, na Unidade IV, apresentamos como pode ser realizado
o processo de investigação na escola para constatar a discalculia e acalculia e, juntos,
aprendemos que a causa pode envolver fatores multideterminados pelas condições de
vida dos estudantes. Também aprendemos como ocorrem os processos de investigação e
intervenções na escola e no ambiente familiar. Apresentamos o jogo como um dos recursos
que pode ser utilizado no ensino de matemática, além das versões virtuais que estimulam
por meio das novas tecnologias, ferramentas muito utilizadas na sociedade contemporânea
entre as crianças e adolescentes.
Para ilustrar as possibilidades de uso do jogo nos processos interventivos, ainda na
Unidade IV, selecionamos uma variedade de jogos que podem ser trabalhados em grupos
ou individualmente na sala de aula, no laboratório de informática, nas aulas de contraturno
ou outros espaços de ensino e aprendizagem.
Assim, chegamos até aqui e esperamos que você, assim como nós, tenha muitas
respostas acompanhadas de dezenas de perguntas, pois são as nossas e a suas inquieta-
ções que nos mobilizam a ressignificar o trabalho educativo, em especial o ensino de ma-
temática, por meio do conhecimento produzido historicamente e determinado socialmente.
Como pudemos ver, a maratona continua, mas, agora, com um jeito novo ou dife-
rente de caminhar, ou seja, com maior direcionamento na identificação das causas e con-
sequências dos transtornos ou distúrbios de aprendizagem da matemática, bem como nas
intervenções pedagógicas possíveis de serem realizadas nos ambientes escolar e familiar.

Abraço fraterno!
Profa. Me. Luciana e
Profa. Dra. Nelma

125
+55 (44) 3045 9898
Rua Getúlio Vargas, 333 - Centro
CEP 87.702-200 - Paranavaí - PR
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