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Três testes.
Três testes que estou pedindo aos céus que resultem em negativo.
— Só por que você tem dinheiro, acha que pode passar por cima das
pessoas? — Ele se vira em minha direção.
— Quem disse que estou passando por cima de alguém?
***
Minhas mãos tremem ao erguer o teste de gravidez.
— Obrigada, Lisa!
Dou um abraço nela, procurando coragem para contar essa bomba
ao pai da criança.
Liam é gerente de um dos melhores hotéis de Nova Iorque. Ele é um
homem sedutor que não mede esforços para levar suas funcionárias para a
cama e as descarta depois de alguns dias. Eu sempre soube disso e, por esse
motivo, tentei ao máximo me manter longe dele, mas ele foi insistente e
depois de uma noite, passamos a ter encontros esporádicos. Um deslize
resultou nesse filho que estou esperando agora.
— Pode entrar.
Abro a porta e entro, fechando-a logo me seguida. Liam ergue a
cabeça e me encara, mas logo volta a prestar atenção no que está fazendo.
— Liam...
— O que você quer, Samia? Não tenho tempo para brincadeiras
agora.
— Preciso conversar com você — falo.
— Se não for nada urgente, podemos conversar depois. O dono do
hotel está aqui e preciso preparar alguns documentos para ele ver.
— É um assunto de vida ou morte — falo.
— Que tipo de assunto de vida ou morte você teria para tratar
comigo, Samia? A não ser que você queira falar que está completamente
apaixonada por mim, eu não sei no que posso te ajudar.
— Eu estou grávida, Liam — falo de uma vez, chamando sua
atenção, e ele me encara, sério.
Samia
Liam me encara por alguns segundos, sem saber o que dizer. Sinto
meu coração martelar contra o meu peito, minhas mãos suam e minhas
pernas parecem que vão perder a força a qualquer momento.
— Liam...
— Meus parabéns — diz, sorrindo e se levantando. — Dizem por aí
que filhos são bênçãos em nossas vidas, não é mesmo? Fico imensamente
feliz por você, Samia.
Pisco várias vezes e ele se aproxima de mim.
— Esse filho é seu — falo e ele nega.
— Não, esse filho não é meu.
— Como?
— Esse filho não é meu, Samia — repete, dessa vez com uma voz
um pouco mais grave. Sinto as lágrimas se acumularem em meus olhos. —
Nós tivemos apenas alguns encontros esporádicos e em todos eles nós
usamos preservativos. Acha mesmo que eu vou acreditar que esse filho é
meu?
Solto uma risada de incredulidade.
— Esse é filho é seu sim e você sabe muito bem disso! Sabe muito
bem que teve uma vez que não nos protegemos!
— Você está mentindo — diz, sem nenhum traço de humor em sua
voz. — Eu não vou cair no golpe da barriga, Samia. Você é uma mulher
muito bonita e devo admitir que tem uma beleza rara, mas eu não sou burro
para cair no seu golpe.
Sinto as lágrimas caírem pelo meu rosto.
— Golpe? Acha mesmo que eu queria ficar grávida? — grito. —
Acha mesmo que eu queria ter esse bebê?
— Golpe ou não, acho que deve procurar o pai verdadeiro dessa
criança ao invés de gastar saliva comigo.
Ele se vira e eu parto para cima dele, batendo em suas costas. Liam
se vira e segura meus pulsos com força.
— O que pensa que está fazendo? — pergunta, aproximando o rosto
do meu.
— Você não pode simplesmente me deixar sozinha com esse bebê.
Você tem tanta responsabilidade com ele quanto eu!
— Acha mesmo que eu quero assumir esse filho, Samia? —
pergunta, sussurrando, a voz sombria, causando arrepios por toda a minha
pele. — Acha mesmo que eu vou parar a minha vida agora para cuidar de
um bebê? Pare e analise a porra da situação. Acha mesmo que eu vou sair
contando ao mundo que uma camareira vai ser mãe de um filho meu?
— Eu não tenho condições de criar esse bebê sozinha — sussurro,
desesperada.
— Então tire — diz tranquilamente, e me solta.
O encaro aterrorizada.
— Você está pedindo para que eu... que eu... — Não consigo nem
verbalizar o que ele quer dizer.
— Exatamente! Eu posso te indicar a melhor clínica para isso.
Garanto que você não vai sofrer nada. Será rápido e indolor.
Levo a mão até meu ventre, como se esse gesto pudesse proteger o
bebê do que ele está propondo.
— Você é um monstro, Liam — sussurro.
— Alguém precisa ser o prático da situação, Samia. Se não é você,
sou eu. Você tem exatamente duas opções: abortar esse bebê ou criá-lo
sozinha, porque eu nunca vou assumir essa criança.
As palavras dele soam como um golpe em meu estômago. Sinto
uma dor aguda no meu ventre e coloco a mão, me abaixando de dor.
— Não adianta tentar me convencer com um teatrinho, Samia.
Agora, se você puder, saia da minha sala.
A dor que sinto agora é tão intensa que não consigo me mover,
muito menos falar algo. Tudo que consigo fazer é permanecer quieta, como
se isso fosse fazer a dor diminuir.
— Já chega, Samia. Não tenho tempo para suas brincadeiras.
Ouço seus paços se aproximando de mim e ele segura meu braço
com força, me obrigando a ficar de pé.
— Ai, ai! — grito.
A porta se abre de uma vez e o Liam me solta, me fazendo cair de
joelhos no chão. Coloco os braços em volta de mim e me abaixo, sentindo
meu ventre doer.
— O que está acontecendo aqui? — Ouço uma voz grave dizer, mas
não consigo me levantar para ver o que está acontecendo.
— Mohammed, eu não esperava sua visita agora. Eu estava apenas
conversando com a Samia, nada de relevante e...
— Conversando? — O homem diz e consigo perceber o sarcasmo
em sua voz.
— Sim, ela está apenas...
As vozes começam a ficar distantes, a dor parece diminuir e então
tudo some.
Mohammed
No instante que a mulher cai desmaiada no chão, Liam arregala os
olhos, mas permanece parado no lugar. Corro para perto da moça e me
abaixo para pegá-la no colo. Quando seu rosto se vira em minha direção,
vejo que é a mesma mulher que discutiu comigo na farmácia mais cedo.
Seguro seu pulso e vejo que ela está gelada e seus batimentos estão
descontrolados.
Isso não é bom.
Me levanto com ela no colo e sigo para fora do escritório.
— Mohammed, isso deve ser algum truque dessa mulher. É claro
que ela não está desmaiada de verdade e...
— Cale a porra da boca, Liam — falo. — Quando eu voltar iremos
conversar.
A secretária do Liam arregala os olhos ao me ver com a mulher no
colo.
— Mohammed, o que aconteceu? — Mason, meu secretário, se
aproxima de mim.
— Para o carro. Temos que levá-la pra o hospital imediatamente! —
falo, e ele assente, já indo na minha frente para chamar o elevador.
Demoramos cerca de vinte minutos para chegar ao hospital mais
próximo. Assim que chegamos e me perguntam o motivo dela ter
desmaiado, paro um pouco para tentar me lembrar da conversa que ouvi
antes de entrar no escritório.
— Gravidez — informo, e eles a pegam do meu colo, colocando-a
na maca e levando-a para fazer os exames necessários.
Coloco uma mão na cintura e a outra eu passo no cabelo, penteando
os fios para trás.
— O que aconteceu? — Mason pergunta.
— Fui conversar com o Liam e ouvi a discussão dele com ela. Ela
está grávida dele e ele deu duas opções para ela: ou ela aborta ou cria o
bebê sozinha, pois ele não vai mover um dedo para ajudá-la.
— Então as denúncias são verdadeiras? — pergunta, e eu assinto.
Vim para o principal hotel de Nova Iorque para averiguar algumas
acusações que chegaram até mim sobre o gerente do hotel estar tendo casos
com várias camareiras e usando as dependências do hotel para seus
encontros amorosos. Quando fui até sua sala mais cedo, não imaginei que
fosse ouvir sua conversa com uma das camareiras justamente sobre isso,
muito menos que ele mandaria a mulher abortar o próprio filho.
— Acha que ela vai ficar bem? — Mason pergunta, e eu solto um
suspiro.
— Espero que sim. A última coisa que eu preciso é que ela faça
alguma denúncia que coloque o nome do hotel no prejuízo.
— Ela nasceu na Turquia — Mason diz, e o encaro.
— Como assim?
— Ela se chama Samia Aksoy. Começou a trabalhar como
camareira no hotel há uns seis meses, mora sozinha e tem 27 anos.
— Interessante — falo.
— Ela veio para Nova Iorque muito pequena, perdeu os pais aos 17
anos de idade e desde então tem se virado sozinha. Trabalhou em vários
lugares e se mudou muitas vezes.
— Você buscou todas essas informações sobre ela? — pergunto,
arqueando a sobrancelha.
— Sim.
— Você deve ser o pai do bebê! — Uma enfermeira aparece na
minha frente.
— Como?
— A sua namorada está bem. Você a trouxe rapidamente para o
pronto-socorro e conseguimos fazer o que estava ao nosso alcance. Ela e o
bebê estão bem, mas recomendo que, nessas próximas semanas, ela evite
trabalhar ou fazer qualquer movimento brusco para não ocorrer o risco de
ter um deslocamento da placenta.
— É...
— Vem, vou te levar até ela!
Ela se vira antes que eu possa dizer que não sou o pai desse bebê.
Olho para o Mason, que apenas indica que eu siga a senhora. Sem saber o
que fazer, vou atrás da enfermeira.
— Como ela está? — pergunto assim que entramos no quarto.
— Dormindo como um bebê. Demos a ela um remédio para aliviar a
dor e ela vai descansar por algumas horas. Quando ela acordar, podemos
liberá-la.
— Eu não sou...
— Bom, vou deixar vocês dois sozinhos. Qualquer coisa basta me
chamar.
Ela deixa o quarto e fecha a porta. Engulo em seco e me viro para a
mulher que esbarrou comigo duas vezes no mesmo dia.
Me aproximo da cama e consigo contemplar seu rosto com mais
calma agora. Igual pela manhã, seus cabelos estão soltos, os cachos estão
espalhados pelo travesseiro e parecem extremamente sedosos. Seu rosto
está tranquilo e ela dorme de maneira serena, como se não tivesse acabado
de ouvir do pai da criança que está esperando que abortasse.
Em um impulso, ergo a mão e traço o contorno de seu rosto. Sua
pele é macia e quente ao meu toque. Ela não esboça nenhuma reação.
Meu celular apita e eu me afasto dela. Pego o aparelho e confiro a
mensagem que chegou. É do meu pai, cobrando minha volta para a Turquia
o mais rápido possível. Bloqueio a tela e fecho os olhos. Passaram-se três
meses desde que deixei tudo apenas para não me casar com a Ayla e entrar
em um matrimônio fadado ao fracasso.
Agora meu tempo está acabando e eu não faço a mínima ideia de
como chegar à Turquia sem ir direto para o altar. Direciono meu olhar para
a mulher na cama e a voz do Mason vem à minha cabeça.
Ela veio para Nova Iorque muito pequena, perdeu os pais aos 17
anos de idade e desde então tem se virado sozinha. Trabalhou em vários
lugares e se mudou muitas vezes.
Em seguida, o que o Liam disse também vem à tona.
... abortar esse bebê ou criá-lo sozinha, porque eu nunca vou
assumir essa criança.
Viro-me para deixar o quarto em que a Samia está e encontro o
Mason me esperando do lado de fora.
— Seu pai acabou de...
— Eu sei, pode preparar as coisas, nós vamos voltar para a Turquia
— aviso.
— Se voltar, terá que se casar — ele diz e eu assinto.
— Eu vou me casar, Mason.
Meu secretário me encara, perplexo.
— Como?
— Eu vou me casar, mas não com a Ayla.
— E vai se casar com quem então?
Sorrio de lado e aponto para o quarto de onde acabei de sair.
— Irei me casar com a Samia.
Samia
Abro os olhos e os fechos novamente por causa da claridade do
local que estou. Assim que me acostumo com a luz, torno a abri-los e viro o
rosto para o lado, conseguindo identificar que estou em um hospital. Minha
veia tem um acesso para soro e eu estou vestida com as roupas do hospital.
Tento me sentar na cama, mas uma dor no meu ventre me faz gemer
baixinho. Coloco a mão em minha barriga e sinto meus olhos se enxerem de
lágrimas.
Será que eu perdi meu bebê?
É a pergunta que me atinge em cheio.
A porta do quarto se abre e uma senhora entra, com uma bandeja.
— Você acordou, querida! Que bom!
Ela se posiciona ao meu lado e começa a se preparar para tirar o
acesso do meu braço.
— Meu bebê... — É tudo que eu consigo falar.
— Está tudo bem, menina! Foi apenas um susto, mas deve tomar
cuidado a partir de agora. Evite esforço e trabalho pesado. Não queremos
complicações futuras, certo? — Solto uma respiração aliviada e encosto a
cabeça no travesseiro.
Meu bebê está bem, graças a Deus ele está bem.
— Seu marido ficou extremamente preocupado também. Passou a
noite aqui com você, mas teve que sair pela manhã. Disse que voltaria antes
de você receber alta.
Marido?
— Como?
— Que homem bonito, com todo o respeito, é claro! Não me lembro
de ter visto um homem tão bonito quanto ele em toda a minha vida. Já vi
muitos homens bonitos antes, mas ele parece superar a todos.
— Eu não sei...
A porta se abre e vejo um homem parado ali. Ele está usando um
sobretudo preto, os cabelos lisos estão penteados para trás e os olhos são
completamente hipnotizantes e misteriosos. Ele entra no quarto a passos
largos e para ao lado da minha cama. Ergo os olhos para ele, tentando
compreender quem ele é.
— Acordou, querida? — Sua voz é grave, intensa e arrepia minha
pele por completo.
— Já terminei aqui, vou deixá-los a sós.
O homem assente e a enfermeira deixa o quarto, fechando a porta.
Me viro para o homem.
— Quem é você?
Ele caminha até o sofá que tem no quarto e se senta, cruzando as
pernas e me olhando atentamente.
— Mohammed Yilmaz — diz, pausadamente. Quando me dou conta
de quem ele é, arregalo os olhos.
— Você é o dono do hotel — sussurro, e ele assente.
— Exato.
— Como... — Então me lembro. Na farmácia, o homem que
esbarrou comigo quando fui comprar os testes de gravidez, era ele. — Na
farmácia era você também.
Ele apenas assente e eu pisco, tentando entender o que está
acontecendo.
Mohammed se levanta novamente e começa a andar de um lado para
o outro do quarto.
— O Liam foi demitido — diz.
— Demitido?
— Sim, vim para o hotel de Nova Iorque apenas para verificar
algumas denúncias que surgiram sobre a conduta do gerente do hotel.
Acabei ouvindo sua conversa com ele e consegui as provas que precisava
para demiti-lo por justa causa, além de pegar algumas imagens da câmera
de segurança para usar caso ele tentasse alguma gracinha.
Baixo a cabeça e aperto as mãos, eu não posso fazer muito esforço
por cauda da gravidez, provavelmente serei demitida. O Liam não vai
querer me ver nem pintada de ouro e provavelmente vai me mandar tirar
essa criança. Por mais que as coisas estejam difíceis, eu jamais teria
coragem de abortar meu filho.
— Sei que você está grávida — Mohammed diz, e eu ergo os olhos
para ele.
— Um erro infeliz — falo e sorrio tristemente. — Quem poderia
imaginar que eu ficaria grávida daquele traste e que ele iria pedir para eu
abortar a criança? Agora eu não posso trabalhar, porque preciso ficar de
repouso. Provavelmente perderei o emprego e ainda corro o risco do Liam
vir atrás de mim e me culpar por ter perdido o emprego. — Balanço a
cabeça em negação e me viro para meu chefe. — Me desculpe por falar
tudo isso, você não tem nada a ver com minha vida. Agradeço por ter me
trazido para o hospital e por ter cuidado de mim. Eu vou pagar todas as
despesas e...
— Samia — chama meu nome e eu o encaro.
— Sim?
— Eu tenho uma proposta para você.
— Proposta? Que proposta?
— Eu quero...
A porta se abre e eu desvio o olhar para a entrada, vendo Lisa correr
em minha direção.
— Samia, meu Deus! — Ela me abraça. — Eu vou matar aquele
filho da puta do Liam! Vou cortar ele em pedacinhos e ele vai aprender a
não mexer com minhas amigas.
— Estou bem, Lisa — falo.
— Eu sei que está, mas aquele desgraçado... Meu Deus! — Ela se
afasta e segura meu rosto, beijando minha testa. — Se acontecesse alguma
coisa com você ou com essa criança, eu não me perdoaria.
— Não aconteceu nada.
— Fui eu quem disse para você ir atrás dele.
— Está tudo bem, Lisa. Ele já foi até demitido — falo, e ela assente.
— Uau! Eu nunca fui com a cara do Mohammed. Ele parece ser um
monstro só de ouvir as outras pessoas falando dele...
— Lisa...
— Mas ele foi extremamente foda demitindo aquele canalha e ainda
por justa causa...
— Lisa... — Olho para o Mohammed e, pela sua expressão, parece
não estar gostando de jeito nenhum da faladeira da Lisa.
— Ele subiu um pouco no meu conceito, mas não podemos dizer
que é grande coisa, já que...
— Lisa! — grito, e ela me olha assustada.
— O quê? — Aponto para o lado e ela se dá conta de que não
estamos sozinhas no quarto. — Puta merda!
— Irei deixar as duas conversarem — ele diz. Sério e sem um traço
de um humor em sua voz, se vira em minha direção. — Samia, nós não
terminamos nossa conversa, estarei esperando do lado de fora.
Ele se vira e deixa o quarto. Quando a porta se fecha, consigo
respirar aliviada.
— O que o Mohammed está fazendo aqui? — pergunta, com os
olhos arregalados.
— Foi ele quem me trouxe para o hospital ontem à noite. Se não
fosse por ele, eu teria perdido esse bebê — falo.
— Uau! Por essa eu não esperava.
— E você falando mal dele! — digo, dando um tapa em seu braço.
— Tudo o que eu disse é verdade, tá bom? — Encosto a cabeça no
travesseiro e minha amiga segura minha mão. — O que você vai fazer?
— Não sei, não faço a mínima ideia. Acho que cheguei a um ponto
da minha vida em que não sei que direção tomar, muito menos o que vai
acontecer daqui pra frente.
— Sabe que sempre vai poder contar comigo, né? Vou ser a melhor
tia que esse bebê vai ter.
Aperto sua mão e assinto.
— Com certeza, você vai ser a melhor tia. Não tenho dúvidas disso!
— Eu só vim ver como você estava. Preciso voltar para o hotel. —
Assinto. — Quando ele disser o que quer, você me conta.
— Não deve ser nada demais, Lisa. Apenas quer listar alguma das
muitas maneiras que posso pagar esse hospital.
— Não sei. Mohammed tem cara quem deixaria esse tipo de assunto
para o secretário — diz pensativa, mas logo suspira. — Vou indo, qualquer
coisa me liga.
Assinto e ela beija meu rosto. Assim que deixa o quarto, me
pergunto o que diabos o dono do melhor hotel de Nova Iorque teria para
conversar comigo, uma simples camareira.
**
Por sorte, a Lisa deixou uma bolsa com roupas minhas aqui. Depois
que minha amiga saiu, esperei o Mohammed por mais vinte minutos, mas
ele não voltou e eu acabei dormindo. Acordei na hora do almoço, com a
enfermeira dizendo que a médica liberou minha alta, mas que eu precisava
fazer alguns exames para começar a acompanhar a gravidez. Ela me passou
a lista e disse que todos faziam aqui.
O tempo está fechado hoje e dou graças a Deus que o inverno está
acabando. Odeio essa estação com todas as minhas forças. Visto a calça, a
blusa de frio e o casaco grosso. Em seguida, coloco as botas e o gorro.
A porta se abre e o Mohammed entra, com sua postura impecável
que grita a todos que ele não se abala com nada.
— Desculpe a demora — diz e me entrega um copo de chocolate
quente.
— Obrigada? — O agradecimento sai em forma de pergunta
enquanto pego o copo de sua mão. Tomo um gole e fecho os olhos assim
que o sabor doce invade a minha língua. Uma delícia.
— Samia, precisamos conversar.
— Olha, eu sei que a despesa desse hospital é extremamente alta.
Não vou conseguir pagar tudo de uma vez, mas você pode descontar do
meu salário até que eu consiga pagar tudo...
— Não é sobre isso que quero conversar com você, Samia — diz já
impaciente.
— Não?
— Não.
— É sobre o que então?
— Tenho uma proposta para te fazer.
— Que proposta? — pergunto temerosa.
— Casamento — diz, me fazendo arregalar os olhos. — Você e eu
vamos nos casar.
Samia
A palavra “casamento” parece ecoar em minha mente como um
disco arranhando. Preciso me sentar na cama para conseguir entender o que
ele me disse.
— Casar? — pergunto.
— Sim, casar — diz naturalmente.
— Você é maluco ou algo do tipo? Nós mal nos conhecemos! Como
você pode me propor casamento desse jeito? E se você for um psicopata? E
se eu for uma psicopata?
— Isso eu sei que você não é. Fiz questão de pesquisar tudo sobre
você. Sei que nasceu na Turquia, veio para Nova Iorque ainda pequena,
perdeu os pais aos 17 anos, está a seis meses trabalhando como camareira
no hotel e agora está grávida e não sabe como vai cuidar desse bebê.
— Meu Deus, você é um psicopata! — falo, colocando a mão na
boca, assustada.
— Eu tenho uma proposta de casamento para você.
— Quem faz proposta de casamento hoje em dia? Isso só acontece
em livros!
Mohammed se aproxima de mim e inclino o corpo para trás.
— Não estamos em um livro, Samia. Estou sendo claro com você.
— E eu estou sendo ainda mais clara! Como me casar com você vai
resolver meus problemas?
— Assinaremos um contrato em que devemos permanecer casados
por um ano. Eu te darei toda a assistência que você precisa durante a
gravidez, absolutamente tudo. Assumirei a paternidade da criança, darei
meu nome a ela e garantirei que ela tenha uma educação primordial.
— Não entendo. Por que tudo isso? Por que eu?
— Você é a pessoa perfeita para isso, Samia — diz.
Nego com a cabeça e tento falar algo, mas não consigo raciocinar
direito.
— Por que precisa se casar?
— Preciso voltar para a Turquia em uma semana. Meus pais acham
que, assim que eu voltar, irei me casar com a Ayla. Ela é filha de um dos
maiores influenciadores políticos do país. Nossa união em matrimônio não
apenas beneficiaria nossa família financeiramente, como abriria várias
portas para a expansão dos negócios. No entanto, não quero me casar com
ela e apenas uma recusa da minha parte não está fazendo o efeito que quero.
— E onde eu entro nessa história?
Ele sorri de lado.
É a primeira vez que eu o vejo sorrir.
— Você só precisa interpretar o papel da noiva/esposa apaixonada,
feliz e que está grávida de um filho meu.
— Isso é loucura.
— Meu pai não vai se opor se conseguirmos convencê-lo de que
estamos perdidamente apaixonados e que quero me casar com você o mais
rápido possível. O bebê que você está esperando seria um bônus para fazê-
lo voltar atrás na ideia do casamento.
— Pelo jeito, você bolou um plano muito rápido. Nem imaginou que
eu possa negar o pedido? — questiono perplexa.
— É uma proposta muito boa para ser recusada, Samia.
— É uma loucura! E se descobrirem?
— Não correremos risco se você fingir estar completamente
apaixonada por mim.
Me afasto dele e passo as mãos em meus cabelos, amarrando-os em
um coque alto.
— Você sabe o quão maluco é chegar para uma completa
desconhecida e oferecer um contrato de casamento para ela?
— Se a situação não fosse desesperadora, eu não estaria fazendo
isso. Não será nenhum sacrifício para você, Samia. Basta seguir o que está
no contrato durante um ano e pronto, você estará livre e com uma segurança
financeira para a criança.
— Você tem noção do que está me pedindo? — pergunto pela
segunda vez. — Você quer assumir um filho que não é seu, dar o seu nome
a ele e garantir que ele tenha tudo do bom e do melhor? Meu filho vai ser o
herdeiro de tudo que você tem!
— Samia, eu gostaria que você não se preocupasse com isso agora.
Eu só preciso saber se você aceita se casar comigo.
— Mohammed — falo seu nome e me aproximo dele. — Aprecio
muito tudo que fez por mim, quando me trouxe até aqui, quando demitiu o
Liam, o hospital e tudo mais, mas não posso aceitar isso. Tenho certeza de
que quando você chegar no hotel e refletir sobre o dia de hoje, vai perceber
o quão absurda é essa proposta que me fez. Com licença.
Pego minha bolsa e passo por ele, mas paro ao sentir sua mão se
fechar em meu braço.
— Meu número pessoal está no seu celular. Sugiro que pense na
minha proposta. Te darei três dias para analisar os prós e contras desse
casamento e, se até lá você se mantiver firme em sua decisão, não irei mais
incomodá-la, mas apenas pense.
— Eu... — Fecho os olhos e solto o ar. — Irei pensar. Agora, com
licença.
Ele solta meu braço e eu deixo o quarto.
Assim que saio na rua, o frio me pega de surpresa. Passo os braços
em volta de mim mesma e sinalizo para chamar um táxi. Entro no veículo e
passo meu endereço ao motorista. Só então a ficha do que acabou de
acontecer.
— Meu Deus, eu fui pedida em casamento por um completo
estranho — sussurro.
Mohammed
— Acha que ela vai aceitar? — Mason pergunta e eu solto um
suspiro, bebendo de uma vez a dose de uísque.
— Ela vai aceitar. A proposta a pegou desprevenida e ela precisa
pensar.
— Até eu acho isso loucura — ele murmura.
— Não tenho outra saída, Mason. Passei três meses fora da Turquia
para fugir desse matrimônio e agora recebi uma intimação do meu pai para
voltar. Se eu voltar, com toda a certeza serei obrigado a me casar com a
Ayla e eu não quero isso.
— E por isso a melhor solução é se casar com outra mulher,
completamente desconhecida?
— A melhor solução para fugir de um casamento arranjado é me
casar por amor.
— Mas você não a ama — aponta.
— É por isso que temos que fingir que estamos completamente
apaixonados — falo.
— Não tem medo?
— Medo de quê? — pergunto, me servindo de outra dose de uísque.
— De se apaixonar por ela! Afinal de contas, ela é linda.
Sorrio de lado e bebo a outra dose.
— Ela é linda, isso é um fato. Mas não corro o risco de me
apaixonar por ela, fique tranquilo.
— Quem garante isso? — pergunta.
— Eu irei garantir, e o contrato também.
— A forma como você brinca com o destino é fora do normal! Em
algum momento você vai cair do cavalo — diz, e eu nego.
— Sou um homem de 34 anos, Mason. Se em todo esse tempo eu
nunca me apaixonei, não será um casamento de fachada que fará isso
acontecer.
Meu amigo sorri de lado e apenas assente, mas pela cara dele sei
que está esperando que eu caia do cavalo, mas isso não vai acontecer, pode
ter certeza disso.
**
Devo dizer que o Liam deixou uma puta bagunça nos arquivos de
administração para que eu arrumasse. Eu preciso contratar um novo
administrador urgente para a filial de Nova Iorque. Não posso ir embora e
deixar essa bagunça sem uma pessoa de confiança para lidar com tudo isso.
— Sr. Mohammed, aqui estão alguns currículos para serem
analisados. — Mary, antiga secretária do Liam, deixa algumas pastas em
cima da mesa e eu apenas assinto, enquanto mexo no computador.
— Obrigada, irei analisar todos — digo.
Segundos depois, ouço o barulho da porta se fechando.
Tiro os óculos de grau e respiro fundo. Parece que o antigo gerente
não apenas usufruía dos benefícios do hotel, como também estava
extraviando verbas sem saber que em algum momento seria descoberto.
— Eu vou colocar esse filho da puta na cadeia — falo, enquanto
faço a análise dos livros-caixa e vejo um desfalque de cerca de duzentos mil
dólares.
Meu celular começa a tocar e eu vejo o nome da minha irmã na tela.
Opto por deixar tocar e não atender, mas percebo que será a quinta vez que
faço isso hoje. Fico de pé e pego o celular, caminhando até a janela da sala.
— Eda...
— Mohammed, estou desde cedo querendo falar com você. Por que
não me atendeu?
— Desculpa, Eda! Estou resolvendo algumas pendências que
surgiram de última hora na filial de Nova Iorque.
— Vai mesmo voltar? — pergunta.
— Sim, na próxima semana.
— Sabe que se voltar vai ter que se casar com a Ayla, não é?
Aquela mulher não vai desistir até colocar uma aliança em seu dedo.
— Não vou me casar com a Ayla, Eda. Você sabe disso.
— E pretende fazer o que para persuadir nosso pai? Porque ele está
irredutível quanto esse assunto.
— Não se preocupe com isso. Eu já sei o que vou fazer e tenho tudo
planejado.
— Por que tenho a impressão de que você vai chegar com uma
bomba quando voltar para a Turquia?
— É bom que nosso pai esteja com os exames do coração em dia,
pois não me responsabilizo por nada que acontecer durante a minha volta.
— Mohammed, o que você está tramando?
— Não se preocupe, irmãzinha, eu sei cuidar de mim mesmo.
— Mohammed...
— Amo você, Eda. Estou com saudades, nos vemos na próxima
semana.
Desligo antes que ela possa falar qualquer outra coisa. Olho para o
céu azul de Nova Iorque. Apesar do frio, estamos sendo contemplados com
algumas horas de sol. Nada que seja suficiente para sentir calor, apenas
alguns minutos de vitamina D.
Amanhã é o dia da decisão final da Samia e espero que ela aceite a
minha proposta. Afinal de contas, nós dois só temos a ganhar com isso.
Samia
— Isso é loucura! — falo pela décima vez para a Lisa.
— Loucura ou não, é o que pode te salvar nesse momento — minha
amiga diz.
— Salvar? Lisa, tem ideia do que é isso? Um casamento falso! Um
casamento sem amor! Que tipo de homem faz essa proposta?
Me sento no sofá e passo as mãos nos cabelos. Durante os últimos
dias essa proposta vem atormentando minha cabeça e se eu não resolver
logo esse assunto, ficarei maluca.
— Nós sabemos que você quer um casamento de conto de fadas,
Samia — Luke se manifesta pela primeira vez. — Mas na situação atual,
acredito que você não tenha para onde correr.
— Como eu vou explicar para o meu filho que a mãe dele aceitou se
casar por meio de um contrato para não ter que deixá-lo passar
necessidade? — pergunto, sentindo as lágrimas começarem a se formar.
Malditos hormônios da gravidez, que me deixam mais emotiva do
que de costume!
— Você não vai contar isso assim que ele nascer, isso ainda vai
demorar anos! Até lá muita coisa pode acontecer, Samia — Lisa diz.
— Como o que, por exemplo?
— Você e o Mohammed se apaixonarem. — Ela sorri para mim,
como se fosse a coisa mais natural do mundo.
Tenho que soltar uma risada, completamente fria.
— Isso nunca vai acontecer, Lisa! Eu jamais vou me apaixonar por
aquele homem arrogante e babaca que acha que só porque é rico tem direito
de se meter na vida dos outros da maneira que achar melhor.
— Não podemos dizer “dessa água nunca beberei” — Luke reflete.
— E se, por um acaso, vocês se apaixonarem realmente?
— Pode anotar no seu caderninho: eu nunca vou me apaixonar por
aquele homem!
— Isso significa que você vai aceitar a proposta e se casar com ele?
— Lisa pergunta, esperançosa.
— Não! Gente, é um casamento por contrato, onde preciso conviver
com pessoas que eu não conheço e preciso fingir estar apaixonada por um
homem que eu vi apenas umas três vezes. Acham mesmo que isso vai dar
certo?
— Acho que, em primeiro lugar, você deve pensar nessa criança.
Vamos ser coerentes, Samia! Você não pode trabalhar agora, por ordens
médicas. O dono do local que você está morando já te deu uns dois avisos
de despejo, as contas estão super atrasadas e... — Lisa para de falar e segura
minha mão. — Amiga, por mais que o Luke e eu queiramos te ajudar, você
ainda vai passar necessidade.
— Eu não quero ter que chegar ao ponto de me casar com um
homem que eu não conheço por essa criança — sussurro.
— Pensa direitinho, Samia. — Luke segura minha outra mão. — Às
vezes algumas oportunidades vêm disfarçadas de outras e a gente precisa
aceitá-las, mesmo quando não queremos isso de jeito nenhum.
Puxo minhas mãos e seco as lágrimas em meu rosto.
— Foi muito bom conversar com vocês, mas eu preciso ir para casa.
Estou cansada.
— Eu chamo um táxi — Lisa fala e eu nego.
— Não precisa! Eu vou caminhando mesmo.
— Samia...
— Sério, Luke! Preciso pensar um pouco e refrescar a mente. Andar
vai me ajudar com isso.
— Tem certeza? — pergunta.
— Claro, não se preocupem. Assim que eu chegar em casa mando
mensagem para vocês!
Eles se entreolham, mas acabam assentindo. Dou um abraço em
cada um e deixo o apartamento da Lisa.
O frio ainda está grande, mas estou bem agasalhada. Minha casa não
é longe da casa da Lisa, então andar não vai me matar.
Ajeito o cachecol em volta do meu pescoço e sigo pelas ruas
geladas. Coloco as mãos dentro do bolso do casaco e, pela décima vez,
começo a pensar em todos os prós e contras a respeito desse casamento.
Quanto mais eu penso nesse acordo absurdo, mais certeza eu tenho
de que aceitar isso vai me limitar em vários aspectos. Fico pensando no que
meus pais diriam se estivessem vivos e chego à conclusão de que, com toda
a certeza, eles diriam que estou cometendo a maior burrada de toda a minha
vida.
Um contrato, um casamento com prazo de validade de um ano e
ainda fingir estar apaixonada por um homem que eu não conheço, é
loucura.
Isso nunca vai dar certo!
Posso ter todos os defeitos do mundo, mas sempre sonhei em me
casar por amor, em construir minha família com um homem que eu
conhecesse, confiasse e que realmente não medisse esforços para ficar
comigo. Agora me encontro em uma sinuca de bico, porque esse filho se
tornou uma das coisas mais importantes para mim e por ele eu faria
qualquer coisa... mas será que eu sou capaz de me casar com um homem
que não conheço por causa dele?
Respiro fundo e começo a andar mais rápido. Os dias no inverno são
mais curtos e o sol hoje não nos deu o privilégio da sua presença no céu
hoje.
— Samia! — A voz me faz parar na hora e, lentamente, me viro na
direção em que ela veio.
Sinto um arrepio percorrer meu corpo no instante em que vejo o
Liam parado atrás de mim. Seu olhar é gélido e sua expressão nada
amigável.
— Liam — sussurro seu nome, mas tenho certeza de que ele não
ouviu.
Ele dá três passos em minha direção e eu dou dois para trás. Seu
sorriso de lado parece sem vida. Ele olha para os lados e percebo que
estamos praticamente sozinhos.
— Achei que não fosse te encontrar — ele diz.
— O que você quer comigo?
— Por sua culpa eu perdi o meu emprego. — Dá um passo em
minha direção.
— Minha culpa?
— Por sua culpa aquele imprestável do Mohammed abriu um
processo contra mim e eu posso ser preso. — Outro passo.
— Eu não fiz nada disso. Isso tudo é culpa do que você fez com
várias outras funcionárias.
— Se você não tivesse entrado no meu escritório naquele dia e
inventado essa história de bebê, eu ainda estaria com meu emprego.
Coloco as mãos na barriga, como se isso pudesse proteger meu filho
desse homem.
— Você está louco, Liam! Eu não fiz nada.
— Você acabou com a minha vida, Samia! E eu vou acabar com a
sua.
Ele avança em minha direção e suas mãos se fecham em meu
pescoço, apertando. Seguro em suas mãos para tentar tirá-lo de cima de
mim, mas ele é muito mais forte do que eu. Sinto o ar faltar e arregalo os
olhos. Meus pulmões começam a queimar e eu tento bater nele para que me
solte.
— Liam... — Seu nome sai como um sussurro, conforme vou
perdendo as forças. Minha visão começa a ficar turva e eu começo a perder
os sentidos.
— Solta ela, seu desgraçado!
O aperto em volta do pescoço se vai e eu caio sentada no chão,
tossindo e respirando com dificuldade. Olho para cima e vejo um homem
com o semblante fechado, partindo para cima do Liam. Nesse momento
algumas pessoas começam a aparecer para separar a briga, pois o homem
começa a socar a cara do Liam e não parece que vai parar tão cedo.
Uma moça vem me ajudar a ficar de pé.
— Moça, você está bem? — pergunta, preocupada e eu assinto,
voltando meus olhos para os homens que separam a briga. O rosto do Liam
está sagrando e ele parece puto, olhando para o homem que acabou de bater
nele.
Ele ainda está de costas para mim e não consegui ver quem era
quando ele chegou.
— Se você se aproximar dela novamente, eu te garanto que vou te
mandar direto para o cemitério. — A voz grave, o jeito que ele falou... Não
pode ser!
Ele se vira em minha direção antes que eu possa concluir meu
pensamento.
Mohammed caminha em minha direção e segura meu rosto entre as
mãos, erguendo-o delicadamente e abaixando o cachecol.
— Não vai ficar marcas — diz. Seus olhos se prendem aos meus e
eu respiro fundo. — Você está bem?
Assinto, sem saber como responder. Mohammed se vira para a
mulher que me ajudou.
— Obrigada.
— Não precisa agradecer. — Ela sorri para mim e se afasta.
Mohammed segura minha mão e me puxa para que eu comece a
andar. Ainda não sei como reagir ou me afastar dele, então apenas deixo
que ele me conduza. Ele me guia até um carro preto, abre a porta de trás
para mim e eu entro, com ele logo atrás de mim.
O carro começa a se movimentar.
— Para onde estamos indo? — pergunto.
— Hotel.
— Quero ir para minha casa.
— A sua casa não parece ser um local seguro, ainda mais se o Liam
sabe onde você mora.
— Por que está tão preocupado comigo?
— Vamos nos casar, é normal isso.
— Não, não vamos nos casar.
Ele se vira em minha direção e inclina o rosto para perto do meu.
— Hoje é o dia da sua decisão final. Acredite em mim, Samia,
quando digo que esse acordo vai beneficiar muito mais a você do que a
mim.
— Você pode encontrar tantas mulheres para esse acordo! Por que
eu?
— Porque você é a pessoa certa para isso, Samia. Eu só preciso de
um sim seu, apenas isso e eu te prometo que o Liam não vai encostar um
dedo em você, que essa criança vai ter tudo do bom e do melhor e que você
vai ser tratada como uma verdadeira princesa.
Ele parece estar falando tão sério!
Um frio se instala em minha barriga e eu fecho os olhos por alguns
segundos. Talvez eu estivesse cometendo a maior burrada de toda a minha
vida, mas os prós desse acordo estão pesando mais que os contras e, pelo
meu filho, eu sou capaz de fazer qualquer coisa. Até me casar com um
homem que eu não conheço.
— Mohammed — chamo e puxo o ar com força, assentindo em
seguida. — Eu aceito me casar com você.
Ele assente, mas não dá nem um sorriso. Apenas volta a se encostar-
se ao banco e fala algo para o motorista, mas minha mente está tão
atordoada com tudo que não consigo processar mais nada.
Um acordo, um casamento falso, um ano. Apenas isso, depois
minha vida volta ao normal.
Isso tem que dar certo!
Samia
**
Aprendi a cozinha desde cedo, afinal, sempre gostei de ficar sozinho
e de preparar minhas próprias coisas. Não cozinho mais por falta de tempo
mesmo, mas é algo que gosto de fazer quando quero pensar e espairecer a
mente.
Analisando tudo que temos nos armários, decido fazer um macarrão
pra nós. Acredito que a Sâmia deva estar com saudades de uma comida
mais ocidental.
Uma vez tive a oportunidade de aprender uma receita de um
macarrão um pouco diferente do convencional com um chef italiano de
grande prestígio. Apesar de não me lembrar com exatidão da maneira que
ele preparou o prato, acho que consigo reproduzir pelo menos o molho que
ele fez.
Depois de colocar o macarrão para cozinhar e cortar todos os
ingredientes necessários começo a fazer o molho.
— Que cheiro bom!
Olho para trás e sorrio ao ver a Samia entrando na cozinha. Ela está
usando uma calça de moletom e uma camiseta. Desço um pouco os olhos e
sorrio ao perceber que sua barriga está um pouco maior.
— O sabor está mil vezes melhor que o cheiro! — falo e ela sorri,
sentando-se na cadeira.
Termino de montar o prato sob sua supervisão e organizo a mesa,
colocando dois pratos e duas taças. Coloco a travessa com o macarrão na
mesa e observo Sâmia fechar os olhos ao apreciar o cheiro da comida.
— Uau! Se o cheiro está tão convidativo, imagina o sabor! — fala
ao abrir os olhos.
— Agora você acredita nos meus dotes culinários? — pergunto,
servindo suco para nós dois.
— Só darei esse veredito após comer — diz, e eu sorrio.
Sirvo ela primeiro e a observo enquanto ela enrola o macarrão no
garfo e o leva até a boca. Enquanto mastiga, Samia fecha os olhos e uma
expressão de satisfação toma conta de seu rosto.
— Então? — pergunto, esperançoso.
— Perfeito! Meu Deus! — diz, comendo mais, e eu sorrio,
começando a me servir.
— Eu sabia que você iria gostar.
— Acho que nunca comi um macarrão tão gostoso em toda a minha
vida. O que é esse molho?
— Segredo do chefe — falo e pisco um olho para ela.
— Meu Deus, agora você vai se achar pelo resto da vida — fala.
— Existe algum problema em você me elogiar? — Arqueio uma
sobrancelha.
— Pense comigo, Mohammed, você já é rico, inteligente, herdeiro
de uma rede de hotéis mundialmente conhecida, bonito, fala não sei quantos
idiomas...
— Você me acha bonito? — pergunto, interrompendo-a.
— Como?
— Você me acha bonito? — repito a pergunta e ela me encara,
piscando algumas vezes.
— Eu disse isso?
— Sim, você disse.
— Não me lembro. — Samia se faz de desentendida.
— Claro que não se lembra.
— Está vendo por que não pode receber um elogio? Seu ego infla!
— Mas se tudo que você diz é verdade, por que não posso achar isso
bom?
— Vamos comer, Mohammed!
Sorrio e volto a comer com ela.
O que diabos essa mulher tem que consegue me fazer sorrir em
diversos momentos do meu dia?
Terminamos de jantar e a Samia se levanta, tirando as coisas de
cima da mesa.
— O que está fazendo? — pergunto.
— Você cozinhou, eu vou lavar.
— Nada disso! — Me levanto e tiro a louça de suas mãos.
— Por que não?
— Você está grávida! — falo o óbvio e ela revira os olhos.
— Grávida, não doente! Posso muito bem fazer as coisas.
— Samia, pode deixar que eu cuido das louças...
— Nada disso!
Ela se aproxima da pia e eu vou atrás dela, prendendo-a entre meus
braços.
— O que você... — Ela se vira em minha direção, o que nos deixa a
centímetros de distância.
Observo Samia engolir em seco, e eu faço o mesmo. Lentamente,
ergo a mão direita e tiro uma mecha de cabelo está em seu rosto, colocando-
a atrás da orelha. Sinto seu corpo estremecer com meu toque, e meu coração
acelera por causa isso.
— O que está fazendo? — Sua voz sai como um sussurro.
— Não faço à mínima ideia, mas parece que meu corpo ganha
vontade própria quando estou perto de você.
— Não podemos fazer isso... — Ela abaixa o olhar, e eu desço a
mão até seu queixo, erguendo-o em seguida.
Seus olhos encaram os meus e, por um instante, me perco neles.
— Acho que posso me arrepender do próximo passo — sussurro,
descendo os olhos para seus lábios.
— Não faça nada do que possa se arrepender depois — pede.
Ergo os olhos para os dela e não consigo mais me controlar. Seguro
seu rosto entre minhas mãos e tomo seus lábios em um beijo urgente. Samia
imediatamente corresponde, suas mãos sobem pelos meus braços, indo para
os meus ombros e, em seguida, para meu pescoço. Desço as mãos para sua
cintura e puxo seu corpo para perto do meu.
Samia solta um gemido rouco em minha boca, e eu aperto sua
cintura, aprofundando ainda mais nosso beijo. Nossas línguas parecem
insaciáveis uma pela outra, nossos lábios foram feitos um para outro, e eu
nasci para ter essa mulher em meus braços. Essa é a única constatação que
vem à minha cabeça enquanto a beijo.
Ergo seu corpo e a coloco sentada no balcão da pia. Suas pernas se
abrem, e eu fico entre elas.
Diminuo a velocidade do beijo e mordo seu lábio inferior, chupo sua
língua e desço beijos pelo seu queixo, até chegar em seu pescoço. Sua
respiração acelera, e suas mãos me apertam.
— Mohammed... — sussurra meu nome, e eu ergo o rosto para olhá-
la. Seus lábios estão vermelhos e inchados.
— Samia... — Seu nome parece ser afrodisíaco. Fecho os olhos e
aperto sua cintura, trazendo-a para mais perto de mim.
A vejo fechar os olhos e respirar fundo.
— Não podemos... — ela sussurra, e eu afundo meu rosto em seu
pescoço, aspirando seu cheiro e me perdendo nela.
— O que nos impede? — falo em seu ouvido.
— Tudo. Nós prometemos que isso seria apenas um acordo...
Beijo a pele do seu pescoço, esfregando minha barba na pele
sensível.
— Que se dane o contrato, o acordo. Eu preciso de você nesse
momento, Sâmia... — Olho dentro de seus olhos, e ela me encara
completamente perdida. Consigo ver a batalha interna que está sendo
travada dentro dela.
— Mohammed, deixe-me pensar. Eu não quero fazer nada que vá
me deixar arrependida depois, e você também não deve fazer isso.
— Acha que eu vou me arrepender?
— Acho que você está tomando uma atitude movida pelo desejo.
Fecho os olhos e respiro fundo, assentindo. Me afasto dela e ela
desce do balcão.
— Você tem o tempo que quiser para pensar — falo e ela assente,
mas não diz nada, apenas passa por mim.
Em um reflexo seguro seu braço, e ela me encara.
— O que foi?
— Não quero que pense que seja apenas pelo desejo.
Solto seu braço e saio da cozinha, subindo para o meu quarto em
seguida. Assim que entro e fecho a porta, me controlo para não voltar e
beijá-la novamente.
Essa noite será vencida à base de um banho gelado e trabalho.
Samia
— Como é? — Lisa grita do outro lado da linha.
— Lisa, fala baixo! — peço, desesperada.
— Falar baixo depois de você me contar tudo isso? Impossível! —
Fecho os olhos e solto um som de lamento. — Por que essa cara?
— Não era para isso estar acontecendo!
— Eu sei que não, mas aconteceu, e aí? Vai fugir dele até o
contrato terminar?
— Eu tenho medo, Lisa!
— Medo de que?
— Lisa, você não faz ideia de como as coisas são aqui. O
Mohammed é praticamente endeusado. Ele é referência em todo o país, a
família dele é uma das mais ricas de Istambul, você acha mesma que ele
quer algo comigo?
— Ele não é Liam, amiga.
— Eu sei que não, mas se eu me envolver com ele, a queda vai ser
mil vezes maior. Nosso relacionamento é baseado em um acordo
milionário!
— Acho que vocês não contavam que poderiam se interessar um
pelo outro — analisa.
— Eu já me sinto mal por estar mentido para a família dele, agora
me envolver com ele, isso ultrapassa todos os limites que foram colocados.
— Acho que você deveria dar uma chance — fala.
— Como?
— Dá uma chance, amiga. Você não disse para ele que iria pensar
por que tem medo de fazer algo e se arrepender depois?
— Sim.
— E se você se arrepender de não ter ficado com ele? Vocês moram
juntos, a cada dia que se passa vai ser mais difícil resistir ao desejo que
sentem um pelo outro.
Mordo o lábio inferior e solto uma espécie de grunhido.
— E se não der certo?
— Se não der certo, bola pra frente. Quando esse contrato acabar,
você pega seu bebê, suas coisas e finge que ele nunca existiu na sua vida.
— Eu preciso...
— Pensar, eu sei. Mas cuidado para não pensar demais e esquecer
que a vida também precisa ser vivida.
Assinto para ela. A campainha do apartamento toca e eu desvio o
olhar do celular.
— Preciso atender. Depois nos falamos.
— Me ligue depois de tomar uma decisão! Beijos, te amo.
— Também te amo. Beijos.
Encerro a chamada e me levanto do sofá. Abro a porta da sala e
sorrio ao ver a Eda.
— Eda, não esperava você aqui! — falo, abraçando-a.
— Estava passando aqui perto e resolvi fazer uma visitinha.
Minha cunhada entra no meu apartamento.
— Quer comer algo?
— Não, não! Vim apenas ver como você está!
— Estou bem e você?
— Bem — ela hesita um pouco ao responder eu franzo o cenho.
— Tem certeza?
Eda solta um suspiro e se joga no meu sofá.
— Eu queria que existisse algum remédio que me fizesse esquecer
alguém — murmura.
Se esse remédio existisse, eu seria a primeira pessoa a comprá-lo.
— O que houve?
— Você sabe que eu gosto do Mason, certo?
— Sempre suspeitei, mas não quis perguntar.
— Pois é. Eu sou apaixonada por aquele idiota desde que ele
começou a trabalhar para o Mohammed.
— E ele?
— É aí que está o problema! — diz, com raiva. — Ele diz que não
gosta de mim, mas suas atitudes são completamente contraditórias!
— Já tiveram algo?
— Já, mas ele terminou comigo porque disse que não seria bom
misturar as coisas. E que eu estava confundindo os sentimentos e...
**
O voo durou menos de uma hora e meia, bem mais rápido do que
imaginei que seria. Mohammed continuou sem trocar uma palavra comigo.
Confesso que estou começando a ficar incomodada com isso.
Pegamos um táxi e seguimos para o hotel em que ficaremos
hospedados. Sim, é um hotel da rede que Yilmaz. É exatamente por isso que
viemos para cá. Mohammed tem alguns negócios para tratar aqui sobre o
hotel.
Desde que conheci o Mohammed ele tem falado mais em inglês,
mas desde que chegamos aqui ele praticamente só tem falado em turco. Ele
conversou em turco com o motorista do táxi, com a recepcionista do hotel e
com algumas pessoas que ele encontrou pelo caminho.
Pelo tempo que estou aqui na Turquia, eu também já deveria estar
falando, mas não pratiquei o suficiente. Então consigo entender apenas
algumas palavras, mas não consigo falar nada.
Entramos no quarto e eu tiro o sobretudo que estou usando.
Mohammed tira o terno e se senta no sofá, já começando a mexer no tablet.
Solto um suspiro alto e ele me encara.
— O que foi?
— Você está me ignorando há dias.
— Impressão sua — diz, voltando a olhar para o tablet.
— Impressão minha? Você não tem nem olhado pra mim nos
últimos dias! Aconteceu alguma coisa? Eu fiz algo que desagradou você?
Mohammed coloca o tablet em cima do sofá e fica de pé.
— Você acha que é fácil para mim?
— O que não é fácil?
— Você acha que é fácil ficar perto de você e fingir que ainda estou
agindo sobre a influência de um maldito contrato?
— Você quem propôs o contrato! — grito.
— Porque eu não imaginava que fosse me apaixonar por você,
droga! — ele diz e eu fico paralisada por alguns segundos.
Meu coração acelera dentro o meu peito e eu abro a boca para tentar
falar algo, mas nada sai. A voz dele ecoa na minha mente o tempo todo. Seu
olhar está preso em mim, esperando uma resposta para o que ele acabou de
dizer, mas eu não consigo verbalizar nada nesse momento.
— É por isso que eu não queria falar nada — ele diz, sentando-se
novamente. — Porque eu sabia que você ficaria calada.
— Eu não sei o que dizer — sussurro.
— É tão simples, basta dizer sim ou não. Essa espera tem me
matado, Samia. Eu tenho ficado louco, porque, ao mesmo tempo em que
para a sociedade você seja minha, nós dois sabemos que isso não é verdade.
— Você não consegue pensar no meu lado também? Do medo que
eu sinto...
— Medo de quê? — Ele se levanta e vem em minha direção.
— De me machucar, de você se cansar de mim, de ver que não
passou apenas de uma aventura, de que...
— Hey! — Ele segura meu rosto entre suas mãos. — Isso nunca vai
acontecer.
— Como pode me garantir isso? — pergunto.
— Eu nunca brincaria com seus sentimentos, Samia. Eu não teria
essa capacidade. Você se tornou a pessoa mais importante para mim nos
últimos dias. Eu seria um louco se pensasse em machucasse você. Tudo que
eu mais desejo agora é saber se esses sentimentos são recíprocos, ou se
estou sozinho nessa.
Encaro seus olhos. Meu coração está batendo fortemente contra meu
peito e a ansiedade pela minha própria resposta toma conta de mim, me
deixando com um frio na barriga, como se eu estivesse prestes a pular de
um lugar muito alto.
— Você não está sozinho — sussurro. — Talvez eu esteja me
apaixonando por você e não tenha coragem de admitir.
— Você está falando sério? — ele pergunta e eu assinto.
— Acho que nunca falei tão sério em toda a minha vida.
Mohammed encosta a testa na minha. Fecho os olhos e sinto meu
corpo relaxar aos poucos.
— O que você acabou de dizer muda completamente o curso das
coisas.
— Eu sei.
— Está mesmo disposta a tornar tudo isso verdade?
Abro os olhos, encarando os dele.
— E o contrato?
— Que se dane o contrato. Eu não quero viver a minha vida, viver a
nossa vida em torno dele.
Sorrio diante disso e ele sorri junto.
— Isso é loucura — sussurro.
— A maior loucura que já cometi na minha vida, mas não vou me
arrepender.
— Como sabe?
— Você está comigo, Samia. Com você eu não tenho motivos para
me arrepender de nada.
Ergo os pés e fecho o espaço entre nós, o beijando e pegando-o de
surpresa. Mohammed solta meu rosto e segura minha cintura, me puxando
para si e me beijando de volta. Nossos lábios entram em uma sincronia
perfeita. Levo minhas mãos até seu pescoço e acaricio sua nuca.
Mohammed se afasta e me dá mais um selinho, depois outro, e
outro, e outro, e eu sorrio.
— Eu te prometo, Samia, que eu nunca vou deixar você se
arrepender de ter escolhido ficar comigo.
— Eu acredito em você, Mohammed.
Ele sorri e volta a me beijar.
É a partir desse momento, nosso relacionamento, que era uma
mentira, se torna a melhor verdade de nossas vidas.
Samia
A experiência de ver um local com os próprios olhos e de ver uma
fotografia é completamente diferente. A Capadócia é ainda mais
deslumbrante vista pessoalmente. Apesar de ter um clima meio seco, tem
suas peculiaridades. Afinal de contas, a formação da cidade é o resultado de
erupções vulcânicas e erosões, então ela possui várias cavernas - tanto
naturais quanto artificiais -, e vários museus que contam a história da região
e a importância dela para estudiosos.
Li em certo documentário que a paisagem lembra muito o solo
lunar, por causa de todas as interferências climáticas pelas quais ela passou.
Mohammed segura minha mão e me ajuda a subir alguns degraus
para chegarmos ao restaurante onde vamos almoçar. Algumas das cavernas
da região são habitáveis e servem como ponto turístico, e é onde optamos
por almoçar hoje.
— O que você quer comer? — pergunta, enquanto olho o cardápio e
eu apenas passo os olhos nas opções de comida.
— Não sei. Não gostei muito dos nomes dos alimentos daqui —
sussurro e o vejo sorrir.
— São um pouco diferentes, mas garanto que são uma delícia.
— Me sugira um, então — falo e ele assente.
Mohammed chama o garçom e faz o pedido, falando em turco.
— Ainda não consegui me acostumar com a língua daqui — falo
quando ficamos sozinhos.
— Você não está treinando a fala, por isso — explica e eu assinto.
— Ainda prefiro ficar no inglês.
Mohammed sorri e fica brincando com minha mão.
— O que vocês pretendem fazer aqui? — pergunto.
— Queremos ampliar a área do hotel. Não é algo fácil. Construir
aqui já não foi fácil, ampliar então...
— Por que querem ampliar?
— Capadócia é uma região extremamente turística e recebe em
torno de 25 milhões de turistas por ano.
Arregalo os olhos.
— Tudo isso?
— Sim, tudo isso. Com a expansão do hotel, poderíamos ganhar
ainda mais. Por isso, preciso avaliar todos os prós e contras antes de dizer
se vale a pena ou não.
— Entendi...
Nossas bebidas chegam e agradecemos. Experimento o suco e sorrio
para Mohammed.
— Muito bom.
— Sabia que iria gostar.
Essa versão do Mohammed é completamente diferente de todas as
que eu já vi. É incrível ver como ele está diferente comigo. É impossível
não me sentir uma adolescente de 16 anos tendo experiências românticas
com seu primeiro namorado.
Nossa viagem tem duração de 15 dias, ou seja, tempo demais para
turistarmos pela região. Se antes eu não estava animada, por causa da
situação com o Mohammed, agora estou mais do que tudo! Pronta para
conhecer todos os lugares e fazer boas recordações daqui.
**
Após o nosso almoço, fomos andar um pouco. Comprei algumas
coisinhas, como roupas e alguns produtos de pele. Mohammed aproveitava
cada momento para tirar fotos minhas e me deixar sem graça.
Compramos algumas coisas dessas barraquinhas que ficam nas ruas
e ri muito do Mohammed experimentou uma espécie de doce apimentado.
Decidimos voltar para o hotel no fim da tarde. Afinal, estou cansada
e não posso me esforçar muito por causa do bebê e também por conta da
viagem. Só quero deitar na minha cama e dormir.
— Eu preciso responder alguns e-mails e confirmar algumas
reuniões para amanhã — Mohammed diz assim que entramos no quarto.
— Sem problemas. Vou tomar um banho antes de pedirmos o jantar.
Ele assente e caminha para a varanda, enquanto eu vou para o
banheiro. Assim que fecho a porta e me encaro no espelho, não consigo
esconder o sorriso que nasce em meus lábios.
Talvez eu possa estar cometendo a maior burrice da minha vida?
Sim, mas não quero ter arrependimentos lá na frente, como não ter dado
ouvido ao meu coração.
Tiro minhas roupas e entro direto debaixo do chuveiro. Deixo a água
morna cair sobre minha pele levando embora todo o cansaço, além de me
deixar mais relaxada.
Termino meu banho e visto um top e uma calça branca. Pego meu
creme e volto para o quarto.
— Mohammed? — chamo, mas ele não responde.
Olho na varanda e vejo que está vazia também. Dou de ombros e me
sento na cama. Ele deve ter ido resolver alguma coisa.
Passo creme na minha barriga e começo a massageá-la lentamente.
— Oi, meu filho! Hoje foi um dia bem cansativo para a mamãe.
Andamos bastante, mas acho que você gostou, porque não reclamou em
momento nenhum. Até das comidas você gostou.
Sorrio enquanto minha pele absorve o creme.
— A cada dia que passa, fico mais ansiosa para a sua chegada. Fico
imaginando se você é menininho ou menininha, mas independente do que
você for, eu vou te amar de qualquer forma. Quando voltarmos pra casa,
prometo já começar a cuidar do seu enxoval. Quero preparar um quartinho
lindo para você e estar pronta para te receber com todo amor e carinho que
você merece.
— Eu nunca pensei que uma cena assim seria tão linda.
Olho para trás e vejo o Mohammed. Sorrio para ele.
— Não ouvi você chegar.
— Não quis interromper você — fala ele.
Noto que ele olha para minha barriga.
— Quer chegar mais perto? — pergunto.
— Posso?
— Claro que pode!
Mohammed sobe na cama e me surpreendo quando ele se posiciona
atrás de mim, me deixando entre suas pernas.
— Posso segurar?
— Pode — respondendo em um sussurro e fecho os olhos quando
suas mãos se apoiam em minha barriga.
Solto uma respiração profunda quando ele começa a massagear a
região. Aproveito o momento e me encosto em seu peito, curtindo o
momento.
— Você estava conversando com ele? — pergunta, chocado.
— Estava. A médica disse que é bom para ele conhecer minha voz,
principalmente nesses momentos de autocuidado.
— Posso tentar?
— Claro.
— Como você o chama?
— De vários jeitos. Bebê, meu filho, apesar de não sabermos o sexo
ainda.
— Ok... — Sinto o Mohammed tomar uma respiração profunda e
voltar a massagear minha barriga. — Oi, meu filho...
Meus olhos se encheram de lágrimas no mesmo instante. Esse bebê
não é filho do Mohammed e vê-lo chamá-lo de meu filho me deixou
emocionada.
— Eu não sei direito o que falar — continua, me fazendo sorrir
agora. — Mas estou ansioso pela sua chegada. Eu estava um pouco ausente,
mas pode ter certeza de que vou vir conversar com você todos os dias e vou
cuidar muito bem da sua mãe enquanto você não chega. Eu posso não ser o
seu pai de verdade, mas serei o melhor pai que você vai ter. Eu te prometo.
Sinto as lágrimas escorrem pelo meu rosto e fecho os olhos. Eu
nunca pensei que durante a gravidez esse momento seria tão importante,
muito menos tão especial.
— Está chorando? — ele pergunta.
— Eu não estava preparada para isso — sussurro, ergo uma mão
para secar minhas lágrimas e paro no meio do caminho ao sentir um chute
na minha barriga.
— O que foi isso? — ele pergunta, pois suas mãos ainda estão
espalmadas na região do meu ventre.
— Um chute — sussurro, incrédula. — Ele chutou!
Começo a sorrir quando sinto mais outro.
— É a primeira vez que isso acontece? — pergunta, maravilhado, e
eu assinto.
— Sim! Meu Deus!
— Sabe de uma coisa, Samia?
— O quê?
— Estou descobrindo que você me deu o melhor presente que uma
pessoa poderia receber — fala, sorrindo, e eu mordo o lábio inferior,
sorrindo em seguida.
— Você está dando algo que eu jamais teria coragem de pedir —
falo.
— O quê?
— Um pai pro meu filho.
Viro o rosto para encará-lo e ele ergue uma mão para secar minhas
lágrimas.
— Eu vou ser o melhor pai que esse bebê poderia ter. Eu te prometo.
Assinto e ele se aproxima para beijar minha testa. Fecho os olhos e
solto um suspiro.
Quando descobri a gravidez pensei que passaria todos os momentos
sozinha, mas o destino colocou o Mohammed em minha vida de um forma
meio peculiar, mas que tem feito ele se tornar importante para mim e para
meu filho. Esse momento que fiz tantas vezes sozinha acabou de ganhar um
novo significado. A presença do Mohammed em minha vida ganhou um
novo significado. Como dizem por aí, pai não é quem faz, é quem cria.
**
— Samia... Samia... — Ouço uma voz me chamar de longe e franzo
o cenho, abrindo os olhos em seguida.
— O que foi? — pergunto, vendo Mohammed completamente
arrumado. — Aconteceu alguma coisa?
Já me sento na cama, preocupada.
— Não, não aconteceu nada. Quero te levar a um lugar.
Olho na direção da janela e volto a encará-lo.
— Que lugar é esse que precisamos ir de madrugada? — Estou
confusa e talvez seja o sono.
— É surpresa, mas prometo que você vai amar.
Assinto e me espreguiço, levantando em seguida. Me arrumo em
cerca de quinze minutos, prendo meu cabelo em um rabo de cavalo e visto
uma roupa mais confortável, junto com um sobretudo.
— Café? — pergunta, com uma xícara na mão.
— Obrigada!
Pego a xícara e tomo um gole, encarando-o.
— Para onde vamos?
— Surpresa — torna a dizer e eu reviro os olhos. — Vamos!
Ele entrelaça nossos dedos e seguimos para fora do quarto.
Ainda é de madrugada quando deixamos o hotel. Fiz questão de
olhar a hora quando passamos pela recepção e não eram nem cinco da
manhã. Me pergunto que lugar é esse que requer que estejamos lá de
madrugada.
Andamos de carro cerca de vinte minutos e, assim que Mohammed
para o carro, eu sei o que vamos fazer.
— Não acredito! — sussurro, vendo vários balões parados.
— Assistir o amanhecer na Capadócia é uma das experiências mais
lindas que se pode viver. Assistir de balão torna o momento inesquecível.
Me viro para ele e seguro seu rosto, me aproximando dele.
— Você é incrível, Mohammed! — falo e beijo seus lábios
rapidamente, fazendo-o sorrir.
Mohammed desce do carro e abre a porta para mim. O vento está
frio, mas acho que minha animação não está me deixando sentir frio. Sigo
Mohammed e o vejo conversar com um homem. Em seguida, ele me chama
com um sinal e eu vou até ele.
— Essa é a minha esposa, Samia.
— Como vai, senhora? — cumprimenta em inglês e eu sorrio.
— Vou bem, obrigada! E você?
— Muito bem! É a primeira vez que viaja de balão?
— Sim!
— Está nervosa?
— Um pouco!
— Não se preocupe, é super seguro. Vamos colocar o equipamento.
Ele me ajuda a vestir o equipamento e a subir no balão. Mohammed
vem em seguida.
Quando tudo está pronto, já vejo que o céu começa a ganhar cores
em tons laranja, o que indica que o sol está prestes a nascer. Mohammed
segura minha mão quando o balão começa a subir.
Os primeiros raios solares começam a despontar no céu quando já
estamos no alto e sim, é uma das visões mais lindas que eu já vi na minha
vida. Os braços do Mohammed passam em minha cintura e apoio o corpo
no dele, sorrindo em seguida.
— O que está achando? — pergunta, sussurrando.
— Perfeito — falo.
— Quero passar todos os meus amanheceres com você, Samia.
Me afasto dele e me viro em sua direção.
— Você tem certeza do que está dizendo?
— Absoluta! Eu não quero ficar longe de você por nenhum
momento. Tudo que eu quero é estar ao seu lado, assistindo todos os
nasceres do sol com você em meus braços.
Sorrio e as lágrimas caem dos meus olhos sem aviso prévio.
— Nós vamos assistir todos os amanheceres juntos.
Ele me beija.
Não tem para onde fugir, estou completamente apaixonada por esse
homem.
Mohammed
ALGUNS DIAS DEPOIS
3 MESES DEPOIS
CAPADÓCIA
FIM
Quero agradecer primeira a Deus, por ter me sustentando até aqui e
por não ter me deixado desistir do meu sonho!
Quero agradecer a Ana Caroline, que sempre esteve ao meu lado,
desde o início, me apoiando e me ajudando, amiga esse lançamento não
estaria acontecendo se não fosse você, obrigada!
Amberly, obrigada por ter surtado comigo e com esse livro do início
ao fim.
Minhas leitoras queridas, obrigada por não desistirem de mim, vocês
são mais que especiais em minha vida, saibam disso!
Amo vocês e se preparem, vamos nos ver muito mais em 2023!
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Deus em árabe