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Copyright 2023 © Aline Pádua

2° edição – maio 2023

Todo o enredo é de total domínio da autora, sendo todos os direitos

reservados. Proibida qualquer forma de reprodução da obra, sem


autorização prévia e expressa da autora.

Qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência.

Edição: AAA Design


Sumário
 
Nota Importante
Playlist
Sinopse
Prólogo
Capítulo 01
Capítulo 02
Capítulo 03
Capítulo 04
Capítulo 05
Capítulo 06
Bônus
Capítulo 07
Capítulo 08
Capítulo 09
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Parte II
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32
Capítulo 33
Bônus
Capítulo 34
Capítulo 35
Capítulo 36
Capítulo 37
Capítulo 38
Capítulo 39
Capítulo 40
Capítulo 41
Capítulo 42
Capítulo 43
Capítulo 44
Capítulo 45
Capítulo 46
Capítulo 47
Capítulo 48
Capítulo 49
Capítulo 50
Capítulo 51
Epílogo
Agradecimentos
Série Corações Partidos
Redes Sociais
Nota Importante
 

Oi!

Antes de tudo, gostaria de deixar um aviso de que esse livro é um

relançamento. Anteriormente separado em dois volumes, com os


seguintes títulos O que sobrou do meu amor e O que sobrou do nosso

amor. Além de que, esse livro se passa no começo dos anos dois mil,
então terão referências um pouco diferentes das atuais, como músicas

mais antigas e quase nada sobre redes sociais. Acho que me entenderão
no decorrer da história.

E agora, posso dizer que, bom, Levi e Mel finalmente chegaram.

Eles têm a mistura da Aline de 2015, que teve como eles o seu primeiro
livro escrito e o primeiro grande sucesso na amazon no ano de 2016, e a

mistura da Aline de 2023, que ainda adora uma novela mexicana, mas
que não conseguiria enxergar Levi e Melissa como antes.

Espero que seja essa sua primeira ou segunda vez ao lado deles,

que seja para ter um coração quentinho... apesar das lágrimas que possam
surgir no caminho.

Desde já, muito obrigada e boa leitura


 

Com amor,

Aline
 

IMPORTANTE, esse livro trata de assuntos como traição,


acidentes graves, luto, abusos psicológicos e físicos, dependência

emocional, e faz menção a suicídio.


Playlist
 

All of me – John Legend

Apenas mais uma de amor – Lulu Santos

Cartas pra você – Nx Zero

Fifteen – Taylor Swift

I’m not the only one – Sam Smith

Let it go – James Bay

Medo bobo – Maiara e Maraisa

Mercy – Shawn Mendes

Paradise – Coldplay

Part of me – Katy Perry

Say something – A Great Big World feat Christina Aguilera

Scars – James Bay

Someone like you – Adele

Still loving you – Scorpions

Stitches – Shaw Mendes

Take a bow – Rihanna


Thinking of you – Katy Perry

Treat you better- Shawn Mendes

Unfaithful – Rihanna

Let it go – James Bay


Sinopse

Ela, se apaixonou pelo melhor amigo do irmão.

Ele, três anos mais velho e nunca buscou o amor.

Ela, se entrega a ele no aniversário de dezoito anos.

Ele, a abandona sozinha no dia seguinte.

Ela, descobre que está grávida dele.

Ele, a pede em casamento no mesmo momento.

Melissa sempre buscou amor nos olhos verdes de Levi, o que não
imaginou é que encontraria neles o completo oposto: dor e traição.
Prólogo

“E se eu era um pouco de tinta, ela respingou

Sobre um homem maduro e promissor?

E se eu era uma criança, importava

Se você teve que lavar as suas mãos?

Oh, tudo que eu costumava fazer era rezar

Teria, poderia, deveria

Se você nunca tivesse olhado em minha direção”[1]

Melissa
 
Em frente ao espelho, prendo para o lado meus cabelos
encaracolados, deixando meu ombro à mostra. O vestido branco que

mamãe me ajudou a escolher tem o caimento perfeito em meu corpo, e

ressalta ainda mais minha pele negra. Sem querer chamar tanta atenção,
mesmo sendo a festa de comemoração de meus dezoito anos, optei por
uma maquiagem mais leve.

Como nunca havia gostado de ser o centro das atenções, acabei

cedendo ao pedido de meu irmão mais velho, e a comemoração de seus

vinte e um anos será junto a minha. Tenho certeza de que ele será o
destaque da festa, e agradeço imensamente por isso.

A princípio recusei sua proposta, mas ao saber que Levi, seu


melhor amigo, viria, acabei por concordar. Mesmo não querendo, Levi

Gutterman sempre foi meu ponto fraco; e para vê-lo, abri mão da minha

tão sonhada viagem para o Sul do país. Eu poderia viajar em outra data, e

já fazia tanto tempo que eu não o via, que queria pelo menos em uma
noite ser a dona de seus olhos verdes.

Ele nunca foi apenas o melhor amigo do meu irmão, pelo


contrário, sempre senti algo a mais por ele. Não chegamos a ter nenhum

tipo de ligação, nem mesmo de amigos, mesmo assim meu coração batia

mais forte quando eu o via. E isso já se estendia por dois anos. Só posso

torcer para que hoje à noite ele me olhe, para que assim possa lutar pelo

amor que sinto.

— Perdida em pensamentos? — mamãe pergunta ao entrar no

quarto, e eu confirmo com a cabeça.


Ela então passa um colocar lindo e delicado pelo meu pescoço, e

sorrio emocionada. É o colar que ela ganhou de meu falecido avô,

quando ainda era criança.

— Obrigada, mamãe. — Eu a agradeço com um abraço, e logo

vejo lágrimas em seu rosto.

Mamãe veste um tomara que caia de cor azul clara que destaca

sua pele clara, cabelos loiros e olhos azuis. Não tínhamos muito em

comum, pelo menos não fisicamente. Minha maior semelhança, com toda
a certeza, é com as características físicas de meu pai. Os dois formam o

casal mais lindo que já vi, e mesmo depois de todos os anos casados,

apenas via amor nos olhares direcionados de um ao outro. Para mim, eles

são a prova viva de que amor verdadeiro existe, e que pode sim

ultrapassar todos os obstáculos. Um sorriso se abre em meu rosto ao me

lembrar da história deles.

— Qual o motivo da minha princesinha sorrir tão genuinamente?

— mamãe pergunta emocionada.

— Estava apenas me recordando de sua história com papai. —


Respondo sorrindo. Ela me abraça novamente com força e apenas

consigo me aconchegar em seus braços. Me sinto segura neles. — Um

dia quero ter a sorte de um amor tão forte quanto o de vocês. — Digo, e

apenas consigo imaginar olhos verdes me encarando profundamente.


— Tenha a certeza de que terá. — diz sorridente. — Não acredito

que você cresceu tão rápido. Minha princesinha já está completando


dezoito anos.

Tento me controlar, mas lágrimas escorrem e mamãe também

perde o controle. Por fim, somos duas choronas que quase destroem a

própria maquiagem.

— Ele veio? — pergunto e mamãe assente. Ela sabe sobre meus

sentimentos por Levi, e mesmo não gostando muito disso, sempre me

ajudou como pode.

— Você está linda, Mel. Se ele não te notar, será porque não é

mesmo para ser seu. — diz e passa a mão de leve pelo meu rosto. —

Você merece o melhor!

— Obrigada, mamãe. — Eu a abraço novamente. — Obrigada

por tudo.

— Vamos, princesa; senão seu pai é capaz de invadir o quarto a

qualquer momento e te arrastar para sua própria festa. — brinca e eu

sorrio. Sei bem como Matheus Lourenzinni é, e não demoraria muito

para que ele derrubasse a porta do quarto.

Mamãe me ajuda a retocar a maquiagem enquanto descemos as

escadas em direção ao salão de festas. O local que meu irmão escolheu


não é nada menos do que um prédio em frente à praia. Sabia que seria
assim, Daniel sempre amou o luxo, e poder convidar todos os seus

amigos, em sua maioria ricos, segundo ele, merece tal extravagância.

Para mim, tanto o salão de festas quanto os telões espalhados com nossos

nomes neles, são itens totalmente desnecessários.

Mal conheço as pessoas que passam por mim e me parabenizam.

Fico com um sorriso no rosto enquanto ando pela festa e busco ao menos

um dos meus colegas de colégio aqui, porém acabo por não encontrar

quase ninguém em meio ao mar de universitários presente.

As cores e luzes fortes não combinam em nada com minha

personalidade, e me sinto um peixe fora d'água; mas a esperança de

encontrar Levi me faz continuar sorrindo e perambulando pela festa.

— Minha gatinha está perdida? — meu irmão pergunta, me

abraçando, e eu sorrio em sua direção.

— Só não sei o porquê desse exagero todo, Dani! — sussurro em

seu ouvido, e ele me olha com falsa indignação.

— Precisa se divertir, gatinha. — Ele enlaça minha cintura

enquanto me leva até o grande palco onde uma banda toca. — Claro que

sem álcool, e principalmente, sem garotos.


— Não comece com seu ciúme, por favor. — Digo já irritada, e

ele beija de leve minha bochecha.

— Sabe que apenas quero te proteger. — Ele me abraça

ternamente — Te amo, gatinha!

— Também te amo, Dani.

Subimos os degraus até o palco e logo a música para. Pensei em

perguntar sobre Levi para meu irmão, mas previ não ser uma boa hora. E

como imaginei, era a hora do tão esperado “parabéns pra você”.

Enquanto todos os que estão aqui cantam e batem palmas, sorrio

aconchegada nos braços de meu irmão.

Logo que se encerram as felicitações, mesmo sob o olhar matador

de Dani, pego uma taça de champanhe que o garçom serve, e

experimento meu primeiro gole de álcool.

Desço as escadas devagar, e logo vejo que minha taça está vazia.

Como não senti efeito algum sobre mim, e pela bebida ser de fato boa,

acabo tomando mais umas e outras sucessivamente. Uma, duas, três... E

em meio as borbulhas de champanhe em minha língua, avisto em meio à

multidão o que tanto busco.

Ele não está em meio a pista de dança como imaginei, mas em um

canto mais recluso, onde meu irmão também se encontra. Tento fazer
minhas pernas se moverem para mais perto, mas é como se estivessem

presas ao solo. Apenas consigo ficar parada, olhando-o de longe.

Levi é de fato um homem que não passa despercebido a ninguém.

Os cabelos negros parecem ainda mais rebeldes que antes, o bronzeado

de sua pele é ressaltado pela camisa preta, já quase aberta, que usa... E

como se sentisse minha análise, os olhos verdes por quem sou

completamente apaixonada se encontram com o castanho dos meus.

Sorrio em sua direção, já sem saber o que fazer. Ele me olha por

alguns segundos e não esboça nenhuma reação. Ao contrário do que

imaginei, ele simplesmente vira o rosto, sem ao menos me lançar um


sorriso, e praticamente fingindo que eu não existo. O que ele está

fazendo?

Viro-me em direção contrária e caminho até o segundo andar do

salão. Não quero continuar vendo aquela cena, e não sei ao certo quanto

tempo ela ainda irá me atormentar.

— Ei. — Alguém chama e ignoro. — Ei, candy!

— Oi, Pedro. — Digo sem jeito, parando no mesmo instante.

— Fugindo de sua própria festa? — brinca.

— Algo assim. — respondo, forçando um sorriso.

— Conheço algo que pode melhorar seu humor na sua noite.


— O que? — pergunto sem esperanças.

— Vem! — Ele me estende a mão e eu a seguro.

Pedro é um grande amigo do colégio, sempre saímos juntos e

comemos em vários lugares diferentes. Ele sempre gostou de

experimentar coisas novas, saber sobre os novos empreendimentos na

culinária. Não que ele fosse um mestre cuca, pelo contrário, mas mesmo

sendo tão novo, ele já tem uma grande noção de como reger um lugar. E

seu maior sonho é ser dono do Chandel, nosso restaurante favorito no

momento.

— Preparada? — pergunta assim que chegamos próximos a uma

rodinha de pessoas que gritam.

— Vamos beber? — pergunto, e ele me estende um pequeno

copo, sorrindo em minha direção.

— Confie em mim. — Serve o que me explicou que se chama


dose.

— Arriba, abajo, al centro, a dentro... — Eu o olho sem entender

nada e ele gargalha. — Faça como eu.

Repito tudo o que ele diz, e os movimentos com o pequeno copo.

Assim que o líquido desce por minha garganta, eu o sinto queimar.


— E então? — Pedro pergunta alto, fazendo sua voz sobrepor a

música. — Champanhe ou tequila?

— Isso se chama tequila? — pergunto.

— A melhor bebida que já tomei. — diz, virando mais uma dose.

— Tequila. — Finalmente respondo e ele sorri.

Logo me serve mais, e continuamos alguns minutos ali, bebendo.

De repente a música para, e a voz de meu irmão se faz presente:

— Boa noite a todos! Eu gostaria apenas de oferecer essa música

para minha gatinha. Mel, é pra você!

Fico sem entender sua dedicação por alguns segundos, mas assim

que Whisky a Go Go, do Roupa Nova começa a tocar, entendo


completamente. Dani sabe como sou louca sou por essa música, e sem

pensar duas vezes, puxo Pedro em direção a pista de dança.

Envoltos a música, logo sinto o aperto de Pedro em minha cintura

aumentar, e sua respiração próxima a meu rosto. Eu nunca havia beijado

ninguém, pois queria entregar meu primeiro beijo a Levi; mas nesse

momento decido me permitir. Já que Levi claramente não se importa

comigo, é melhor fingir que não me importo também. Pelo menos

durante alguns segundos.


Fecho os olhos e espero a sensação dos lábios de Pedro nos meus,

porém logo sinto meus braços queimarem por um aperto forte, e meu

corpo é praticamente arrastado dali.

Daniel geralmente tem essas crises de ciúmes, mas estranho

mesmo assim. Em meio as luzes que piscam, a escuridão para onde ele

está me levando, além do efeito da bebida em meu organismo, demoro

para raciocinar direito. Quando finalmente paramos, olhos verdes me

encaram furiosos. Abro a boca para xingá-lo, porém apenas sinto seus

lábios cobrindo os meus.

Sinto o gosto forte de bebida em sua língua, e mesmo sem saber

ao certo o que fazer, me envolvo em seu beijo e me entrego a ele. Meu

corpo queima pelo seu toque, e logo sinto-me sendo levantada até

encaixar em sua cintura.

— Não podemos. — Levi diz assim que se afasta. Não sei ao

certo se ele fala para mim ou para si mesmo.

— Sabe que sim. — Digo e mordo seu queixo com leveza.

Não faço a mínima ideia do que estou fazendo, mas cubro sua

boca com a minha, e ele me beija novamente com ardor.

— Vem comigo? — Seus olhos verdes me analisam, e sorrio ao

notar o quanto ele também parece me querer.


Sem conseguir responder devido ao nervosismo que me cerca,

dou-lhe um selinho, que ele entende como resposta. Aos beijos, eu o sigo

por uma escada que nem sabia que existia neste o prédio, e logo entramos

em um quarto escuro.

— Sei que é só uma menina, mas eu não posso mais deixar para

depois. Não mais! — diz em um sussurro, enquanto distribui beijos pelo

meu pescoço.

— Posso ser sua menina. — Digo e sinto seu sorriso em minha

pele.

— Só minha.

Aos poucos sinto minhas veias pulsarem mais fortemente, e além

de meu coração, entrego meu corpo a ele. Não podia ser mais perfeito e

tampouco com outra pessoa. Mesmo sabendo que é imprudente me

entregar a ele dessa forma, eu simplesmente o quero, assim como ele. Por

ora, isso era o suficiente.

***

Sinto minha visão nublada pelas lágrimas que rolam por meu

rosto, e não consigo distinguir ao certo se são de fato duas listrinhas


roxas que aparecem no teste. Respiro fundo uma, duas, três vezes, e

assim consigo focar minha visão. É real, eu realmente estou grávida.

Encolhida no canto do banheiro do meu quarto, choro

compulsivamente. Choro por ter me entregue tão facilmente ao homem

por quem, infelizmente, ainda sou apaixonada... e que simplesmente foi

embora sem dizer mais nada logo depois que lhe entreguei minha

virgindade. Choro por ter apenas dezoito anos, e não ter me prevenido

como deveria depois de nossa noite. Choro por já amar o pequeno ser

dentro de mim, e não saber como serei a mãe que ele ou ela merece.

Ao olhar meu reflexo no espelho, os olhos inchados pelo choro, a

face vermelha e com resquícios de lágrimas, vi uma imagem totalmente

diferente da que tive de mim mesma há cerca de dois meses em meu

aniversário. Mas eu não posso me esconder para sempre aqui, e tenho

que encontrar alguma forma de contar tudo a minha família. E pior, tenho

que contar para Levi.

Horas depois, tomo a coragem necessária e desço as escadas em

busca de mamãe. Eu havia esperado papai e Daniel saírem para cavalgar,

para assim contar primeiramente a ela. Talvez ela me ajudasse a contar a

eles, e soubesse me auxiliar no que fazer.

Como se sentisse minha presença do outro lado do balcão da

cozinha, ela se vira em minha direção, e o sorriso que ostenta morre no


mesmo instante.

— O que houve, Mel? Andou chorando? — pergunta preocupada,

e logo se aproxima de mim.

— Eu... — Não consigo dizer mais nada, e meu choro volta com

força total.

— Está tudo bem, meu amor. — Mamãe me abraça com carinho.

— Me diz, o que houve?

— Estou... — Eu me afasto um pouco de seu aperto, e ela me

encara claramente angustiada. — Estou grávida, mamãe!

— O que? — O grito de Daniel invade o ambiente, e mamãe me

puxa novamente para seus braços. — O que disse, Melissa?

— Daniel! — mamãe o repreende.

— Me diga que isso é uma brincadeira de mau gosto. — Fala,

claramente transtornado, e eu nego com a cabeça.

Papai chega à cozinha, e nos olha sem entender nada.

— O que houve aqui? — pergunta.

— Sua filha de dezoito anos acaba de dizer que está grávida. —

Daniel explode, e solta uma risada gélida.

— Mel. — Papai me chama com calma — Isso é verdade? —

pergunta, e eu assinto, chorando.


Pensei que papai gritaria comigo, ou até mesmo se afastaria,

porém ele simplesmente me abraça com força.

— Quem é o pai? — Daniel pergunta se aproximando, e sinto

apenas medo do olhar que ele direciona para mim. Sei que ele está

decepcionado, e isso me quebra ao meio.

— Levi. — Respondo em um sussurro, e Daniel parece incrédulo.

— Daniel! — papai chama sua atenção, e ele leva as mãos aos

cabelos, transtornado.

Com cuidado Daniel se aproxima de mim, e beija minha testa. Sei

bem o que ele quer dizer com isso, é algo que sempre fez. É um dos

nossos gestos secretos, e esse significa claramente proteção.

Ele sai pela porta sem dizer mais nada, enquanto choro nos braços

de meu pai, que apenas se mostra cuidadoso neste momento. Meu medo

agora não é mais contar a Levi, pois tenho certeza de que meu irmão foi

ao seu encontro. Meu maior medo é o que virá, o que iremos fazer a

partir de agora.
Capítulo 01

“E eu sabia como você tomava seu café

E suas músicas favoritas de cor

Eu li todos os seus livros de autoajuda

Pra você achar que eu era inteligente

Estúpida, emotiva, obsessiva pequena eu

Eu sabia desde o início que seria exatamente assim que você iria embora...”[2]

Melissa
 
Dez anos depois...

 
Acordo com o despertador berrando um sonoro bom dia às sete

da manhã. Olho para o outro lado da cama, e ela está fria e vazia como
sempre; o que comprova que mais uma vez ele dormiu fora de casa.
Respiro fundo e encaro a aliança simples em meu dedo anelar esquerdo.

Hoje completamos uma década de casados, mas assim como todos os

outros aniversários, duvido que ele se lembre.

O pedido de casamento que sucedeu a sua descoberta sobre minha


gravidez, com toda certeza me pegou desprevenida. Mas eu não tinha

mais para onde correr, e não permitiria que meu bebê crescesse sem um

pai por minha culpa. Hoje, olhando para trás, vejo que meu maior erro foi

não ter considerado o simples fato de que para Levi agir como pai, não

precisaríamos nos casar. Porém, ele cometeu o erro de me propor, e eu


cometi um pior ao aceitá-lo.

Nesses dez anos, tudo o que ele fez foi me ignorar, e nunca

esqueceu de deixar bem claro que sou um estorvo em sua vida. Sempre

tento me manter calma, e respiro fundo todas as vezes para simplesmente


não meter a mão em sua cara e ir embora de uma vez dessa mansão

ridiculamente cheia de luxo, porém vazia de amor.

Por que não fiz isso ainda? Porque Levi é um homem esperto, e

arquitetou tudo da forma mais fria. Ele fez com que assinasse

documentos no dia do casamento, sem que eu soubesse ao certo do que

se tratava; além de fazer com que meus pais não tivessem acesso a certos

papéis, mostrando a eles apenas o que era de fato do casamento. Estava


tão alheia a tudo naquele dia, que pouco fiz questão de ler o papel, e

simplesmente confiei nele. O que foi outro erro.

Um dos documentos assegura a Levi a guarda total de nossa filha,

Laura, caso o pedido de divórcio seja feito por mim. Nunca fiz questão

de saber o porquê de ele ter me feito assinar isso, pois não muda o fato de

tudo o que me fez passar. Além do pior dos porquês, que mesmo negando

a mim mesmo todos os dias, ele continua sendo o homem que amo. E no
fundo, tenho alguma esperança de nos tornarmos uma família.

Vou até o banheiro e resolvo tomar uma ducha rápida e bem

quente para começar o dia. Eu não tenho muitos afazeres, meus dias são

praticamente livres quando Laura vai para o colégio. Tudo pelo simples

fato de mais um documento que assinei (novamente sem meu real

consentimento) deixar claro que ao me tornar a Senhora Gutterman, eu

não poderia ir para faculdade, e muito menos trabalhar. Devia ser a

esposa troféu que todo grande empresário como Levi necessita ao seu

lado.

Na verdade, eu odeio tudo isso. Odeio ter que ir a cada festa anual
da empresa, ou qualquer outra comemoração. Odeio encarar mulheres

inteligentes e espertas, que falam sobre suas próprias conquistas,

enquanto eu continuo presa a um homem que não me dá escapatórias.

Sinto falta todos os dias da fazenda onde cresci, de meus pais, de meu
irmão... Dos amigos do colégio que há anos não tenho contato, mas que

gostaria tanto de rever.

Desligo o chuveiro e enrolo-me no roupão de banho. Encaro meu

celular e noto que já está na hora de acordar Laura, pois logo começariam

suas aulas. Coloco um simples vestido, e arrumo a cama praticamente

intocada. Permito uma lágrima cair, pois dói muito estar nesta situação
com ele. Dói demais ver o desprezo em seus olhos quando estamos

sozinhos.

— Seu irmão está voltando hoje. — Levo as mãos ao peito,

assustada, e limpo rapidamente a lágrima em meu rosto.

— Você só pode estar querendo me matar. — Respiro fundo, me

recuperando do susto, e levanto-me sem nem ao menos encará-lo.

— Daniel disse que está te ligando há dias, mas que não obteve

resposta alguma. — diz, e eu olho para meu celular, que não informa

nenhuma chamada perdida.

— Acho que meu celular deve estar com problemas, ou Daniel

ligou errado. — Informo, e finalmente nossos olhares se cruzam.

Levi simplesmente dá de ombros e vai em direção ao grande


espelho ao lado do closet. Ele não dormiu aqui, mas vejo que sua roupa

não é a mesma de ontem. Ele veste um terno azul escuro que modela
perfeitamente seu corpo musculoso e alto, os cabelos negros estão
perfeitamente alinhados. Ele, como sempre, briga com a gravata.

Eu me aproximo cautelosamente, e nossos olhares se encontram

através do reflexo do espelho.

— Hoje é a festa da empresa? — pergunto, e ele apenas assente.

Além de ter de acompanhá-lo, eu devo ao meu irmão estar na

comemoração de sua chegada. Mesmo com tudo o que houve, Daniel

acabou aceitando a contragosto meu casamento, e seguiu em frente com a

ideia de ser sócio de Levi em uma empresa de telecomunicações. Os dois

hoje são nomes de destaque nesse ramo, e eu não poderia estar mais

orgulhosa.

Levi continua mais alguns segundos tentando fazer o nó

corretamente, mas novamente se frustra. Não entendo como um homem

tão inteligente como ele consegue se enrolar com isso. E como sempre,

sem dizer nada, apenas entro em sua frente e começo a de ajeitar sua

gravata. Em alguns segundos faço no nó perfeito, e sorrio por ter

realizado novamente com sucesso.

Assim que termino, passo as mãos leve pelo seu terno e deixo-o

ainda mais impecável. Sinto aquela mesma conexão de anos atrás ao tê-lo
tão perto, assim como me senti em nossa primeira noite juntos. Respiro

fundo, vencida, e me afasto dele, antes que me entregue novamente.

— Melissa. — Eu me viro em sua direção, e seus olhos não

mentem o que de fato quer.

— O que foi, Levi? — pergunto, e ele dá passos em minha

direção.

Tento me mover, porém meus sentimentos conflitantes não

permitem, e apenas continuo parada no mesmo lugar. Quando meu

celular começa a tocar, agradeço mentalmente a seja lá quem for por

quebrar esse momento.

Faz muito tempo que eu não permito que me toque, pois sempre

me sinto vazia após o ato. Prometi a mim mesma que apenas serei dele

novamente quando sentir que ele me ama, mas acho que isso nunca

acontecerá.

Pego meu celular rapidamente e levo até meu ouvido.

— Ignore. — Levi diz em tom de ordem e eu o afasto com as

mãos, já atendendo a ligação.

— Gatinha! — Daniel grita do outro lado da linha, e eu

gargalho.

— Oi gatinho. — Eu o respondo, e Levi bufa em minha frente.


— Atrapalho algo? — pergunta, e eu nego, já saindo do quarto.

— Estou indo acordar sua sobrinha favorita.

— Espero que ela não esteja aprontando muito.

— Bom, ela tem o gênio de Levi. Sabe como é.

— Infelizmente. — Concorda e eu sorrio. — Liguei para te avisar

sobre minha chegada há alguns dias, mas acho que estava discando o

número errado.

— Também acho.

— Mamãe me passou esse número, e bom, finalmente consegui

falar com você. — diz. — Preciso encontrar com você, gatinha. — Sua
voz fica séria de repente.

— Aconteceu algo com você e Júlia? — indago preocupada, e ele


apenas nega. — Então?

— Eu e Júlia não estamos juntos há um tempo, ou melhor, nunca

nem fomos namorados. Mas isso não vem ao caso agora, é sobre outra

coisa que preciso falar com você.

— Está me deixando preocupada, Dani. — Afirmo, nervosa.

— Não fique. Apenas guarde uma dança para mim hoje à noite,

ok?

— Claro. — Respondo, e ele logo se despede.


Entro no quarto de Laura, ainda preocupada com as palavras de

meu irmão. Ele nunca foi de me esconder algo, e poucas vezes brigamos.

Há algo errado, e temo pelo que ele dirá hoje à noite.

Abro as cortinas do quarto, e logo Laura geme insatisfeita pela

claridade.

— Hora de acordar, pequena. — Tiro o edredom de seu rosto, e

ela o puxa com força para cima. — Vamos, tem aula hoje!

— Não, mãe! — responde brava, e fecha os olhos outra vez.

Hora de brincar.

— Você quem pediu. — Eu a pego no colo e a levo até o

banheiro, ligo a ducha e a molho toda.

Ao contrário de seu mau humor inicial, Laura começa a gargalhar

e me puxa para baixo do chuveiro também. Esses momentos ao lado dela

que me fazem sentir um pouco menos de arrependimento por ter me

casado com Levi. Em meio as brincadeiras, tiro sua roupa e começo a

dar-lhe um banho.

— Está toda pingando. — Ela diz e começa a gargalhar.

Começo a lavar seus cabelos cacheados, e sorrio sozinha ao ver o

quão parecido com os meus eles são. Laura é praticamente minha cópia,

se não fossem os olhos verdes como os do pai. Escuto a porta do


banheiro sendo aberta, e Laura continua alheia, cantando uma de suas

músicas favoritas.

— Cadê a minha princesa? — Levi pergunta, e abre o box em

seguida.

Laura solto um gritinho, e logo puxa o seu pequeno roupão

pendurado. Ela se cobre rapidamente, e eu fico sem entender o porquê de

se esconder do pai.

— O que houve, princesa? — pergunta curioso.

Ele sempre é carinhoso e amoroso com ela, e acho que por isso

ela acredita tanto que nós dois vivemos um conto de fadas. Devo admitir

que atuamos bem perto dela. Laura o encara furiosa, enquanto ajudo-a a

arrumar o roupão no corpo.

— Pai, você não pode me ver no banho. — diz, e eu encaro Levi,

assustada com a afirmação. Ele olha para mim buscando alguma

explicação, e eu simplesmente dou de ombros.

— Princesa, quem te disse isso? — Levi pergunta, pegando-a no

colo de surpresa, já a levando para o quarto.

— Tio Dani! Ele disse que nenhum menino pode ver uma menina

no banho. — Ela diz, e eu apenas consigo rir da cara de espanto de Levi.


— Mas o papai não é qualquer menino, filha, ele pode. — Levi

tenta argumentar.

— Não deixa de ser menino, pai! Então não pode! — ela reafirma

enquanto faz sinal de negação com a cabeça.

Já vencido pelo cansaço da minidiscussão, Levi a deixa em cima

da cama, dando-lhe um beijo na testa, e logo em seguida sai do quarto.

Arrumo minha princesa e a deixo pronta para a aula. Chamo Marta,

minha fiel amiga e empregada da casa, e ela leva Laura para tomar o café

da manhã.

Enquanto isso vou ao meu quarto para trocar a roupa molhada.

Encaro o grande espelho, e sorrio ao ver o estado em que Laura

conseguiu me deixar. Meu vestido branco de verão está todo colado ao

corpo, e meu cabelo cacheado está todo bagunçado. Preciso tomar outro

banho antes de descer.

Vou ao closet primeiro e resolvo por um jeans rasgado e all star.

Estou tão focada em achar minha bata cinza que nem percebi sua

aproximação. Quando me dei conta, Levi já estava me puxando pelo

braço de encontro ao seu corpo. Eu o encaro assustada, e antes que eu

possa empurrá-lo para longe, ele toma seus lábios nos meus. Nós não

somos o típico casal de conto de fadas, porém não posso dizer que não há

química em nós. Há, e é explosiva. Porém quando suas mãos apertam


com força minha cintura, percebo a besteira que estou me permitindo.

Não irei ceder mais, não agora.

— Levi. —  Eu o chamo.

— O que? — pergunta, distribuindo beijos quentes em meu

pescoço.

— Não. — Digo e ele parece não ouvir. Então tomo coragem e o

empurro com força.

Ele me olha sem entender, e apenas saio em direção ao banheiro.

Eu me tranco e deixo as lágrimas descerem. Espero alguma batida na

porta ou algo, mas nada acontece. Como eu já suspeitava, realmente não

faço diferença alguma para ele.


Capítulo 02

“Os lábios dela no seu pescoço, eu não posso deixar de ver

Eu odeio que por sua causa eu não posso te amar”[3]

Melissa
 
Depois de mais um banho rápido, desço para comer. Adentrando
a sala de jantar, encontro Laura conversando animadamente com Marta.

Olho ao redor e noto que Levi ainda não desceu, ou talvez já tenha saído.

Torço para que a segunda opção seja a real.

— Mãe.

— O que foi, princesa? — pergunto e sento-me ao seu lado.


— Meu aniversário de dez anos está longe ainda, mas eu já
queria... — ela deixa a frase morrer no ar, e a encaro sem entender.

— Diga. Qual o presente que quer? — indago e seus olhinhos

brilham. Sei bem que ela quer algo quando fala com essa voz mansa.

— Um celular. — Sussurra sem jeito.

— O que? — pergunto, fingindo não entender.

— Mãe, eu quero um... — gagueja um pouco, e eu sorrio de seu

embaraço.

— Laura. — Chamo sua atenção. — Se não disser o que quer, não

posso adivinhar. Talvez queira uma boneca grande, ou melhor, uma

barbie, que tal? — provoco.

— Não. Eu quero um celular. — Pede finalmente em alto e bom

som.

Acaricio de leve seus cabelos e ela me olha esperançosa. Ela já

havia pedido um celular no ano passado, mas Levi acabou seduzindo-a


com uma viagem. Esse ano tenho certeza de que não haverá escapatória.

E também não vejo mal algum nela ter um aparelho, desde que o use nos

horários combinados.

— Princesa, então...
— Já conversamos sobre isso, Laura. — A voz de Levi me corta e

eu o olho com fúria. Eu odeio quando ele me interrompe em frente à

nossa filha. — É muito nova para isso.

— Mas papai, o Rafa ganhou um celular do tio Ric no ano

passado, e ele tem a mesma idade que vou completar. — Ela insiste e

Levi se senta calmamente a mesa, sem sequer olhar para nós.

— Não vou entrar nesse assunto de novo, Laura. Se quiser,

podemos ir a Disney outra vez, e...

— Papai, eu quero um celular. — Ela o corta, já segurando o

choro. Respiro fundo, segurando de leve seu braço.

— Laura. — Ele a repreende duramente.

— Por quê? — ela pergunta.

— Porque eu disse não. — Responde sem a olhar.

Laura levanta da mesa de repente e se vira para sair.

— Filha. — Eu a chamo e Laura simplesmente ignora, indo em

direção a sala de estar.

— Sua mãe está falando com você, Laura! — Levi chama sua

atenção, e Laura para no mesmo instante.

— Eu odeio você. — diz se virando para ele, e corre em direção

as escadas.
Levi e eu nos levantamos no mesmo momento, e antes que ele vá

até ela, coloco-me a sua frente.

— Deixa... eu falo com ela. — Peço, e ele me olha parecendo

perdido.

— Você ouviu o que ela disse? — pergunta dando passos para trás

e passando as mãos nervosamente pelos cabelos. — Ela disse que me

odeia por causa de um maldito celular! — exclama nervoso.

— Levi. — Eu o chamo, e ele simplesmente ignora. — Se


acalme, assim não vai resolver nada.

— É tudo sua culpa! — eu o olho sem entender. — Se não me

contrariasse e não cumprisse todas as vontades dela, eu não seria o vilão.

— Você enlouqueceu? — rebato, incrédula.

— Só posso ter enlouquecido mesmo. — Afirma friamente. —

Para ter pedido uma criança como você em casamento, só podia estar

fora da minha sanidade. — Suas palavras me atingem em cheio.

Com as mãos trêmulas, seguro no encosto de uma das cadeiras, e

logo os nós de meus dedos ficam brancos. A força física que faço é para

que não demonstre o quão fraca sou por ainda deixar que suas palavras

duras me atinjam.
— Então por que ainda insiste nesse casamento? — pergunto em
um tom baixo.

Silêncio é o que obtenho como resposta. Sempre é assim. Ele

despeja mil maldições em cima de mim, e quando falo sobre acabar

nosso casamento, ele simplesmente se cala. Mas a preocupação com

Laura é maior do que mais uma briga sem fim com ele, então

simplesmente saio dali.

Encontro Laura sentada em sua cama, e noto que há uma folha

em suas mãos.

— Princesa. — Chamo baixinho, e seus olhinhos verdes me

encaram com pesar.

— Eu não queria ter dito aquilo, mãe. — Confessa, e lágrimas

descem por sua face.

Sento-me ao seu lado e a abraço com força. Laura nunca foi de

explodir facilmente, sequer responde a mim e Levi; e por isso, nos

surpreendeu tanto o modo como falou com o pai.

— Papai me odeia agora, não é? — pergunta, e eu sorrio.

— Ele jamais faria isso. — Digo, e ela me olha incrédula. — Seu

pai só está triste, Laura... sabe como ele é.

— Eu sei. — Sussurra e pega novamente o papel em mãos.


— O que é isso? — pergunto, curiosa.

— Uma foto. — diz e me entrega a folha.

Olho para a imagem ali impressa e fico perplexa. É uma das

poucas fotos que tenho com Levi, onde estou com a barriga de grávida já

bem evidente, e sorrimos um para o outro. Foi em um dos poucos dias

em que ele me fez sorrir verdadeiramente, e se não fosse Daniel ter tirado

essa foto, acho que nunca mais me lembraria disso.

— Quem te deu essa foto? — pergunto.

Passos nos chamam atenção e olhamos ao mesmo tempo em

direção a porta. Penso que Levi irá entrar aqui e falar com a filha, assim

como sempre faz quando há desentendimentos, mas simplesmente o

vemos passar reto.

— Não se preocupe, princesa. — Ela me encara triste. — Vou

falar com seu pai, tudo bem? Já volto para te levar a escola.

Saio do quarto de Laura, e logo vejo no fim do corredor que a

porta do escritório de Levi está entreaberta. Bato de leve na porta de

madeira.

— Entre. — Ele diz.

— Laura acha que você a odeia. — Digo ao entrar, e ele me

encara perplexo. — Sei que não quer dar um celular a ela por medo de
que ela faça algo errado e tudo mais. Mas sabe como nossa filha é, Levi.

Laura nunca nos deu trabalho algum, e tenho certeza de que merece um

voto de confiança.

— Não preciso que me diga o que fazer sobre minha própria

filha. — Afirma raivoso, e fico sem palavras.

— Nossa filha. — Corrijo-o. — Ou esqueceu que fui eu quem a

carreguei durante nove meses?

— Que seja. — diz e folheia algum dos papéis espalhados pela

mesa.

— Ok. — Digo já vencida. — Aturo você há dez anos, Levi, tudo

porque me fez assinar aqueles malditos papéis. — Ele me encara

boquiaberto. — Pode não se importar comigo e muito menos sentir algo

por mim, mas não trate sua própria filha com indiferença. Ela não é

culpada por seu mau humor, e muito menos por nossa infelicidade.

Saio do escritório sem olhar para trás e pego Laura em seu quarto.

Durante o caminho até o colégio, consigo acalmá-la um pouco, e deixo

claro que logo Levi falará com ela.

Nem que eu tenha que obrigá-lo.

Assim que descemos do carro, esbarramos de cara com seu primo

Rafael, e a cunhada de Levi, Carla.


— Como vai, Mel? — Carla pergunta e me abraça rapidamente.

— Bem, como a vida manda. — Respondo e ela sorri.

— Hoje é a festa em homenagem ao seu irmão, não é? — indaga

e eu assinto. — Então, há dias que Rafael me pede para levá-lo à sua

casa. Sei que geralmente Laura fica com seus pais, mas se quiser,

Ricardo e eu ficaríamos muito felizes por ela dormir em nossa casa.

— Jura? — pergunto surpresa.

— Claro. Assim Rafael e ela poderão brincar, e seus pais ficam

livres para prestigiar seu irmão.

— Por mim não há problema algum. Depende apenas dessa

moleca aqui do lado. — Digo olhando para Laura e Rafael que

conversam animadamente olhando algo no celular dele.

— Lau. — Carla a chama. — Que tal dormir lá em casa hoje?

— Eu posso, mãe? — Assinto. — Mas meu pai, será que deixa?

— pergunta preocupada.

— Já falei com ele, princesa. — Minto. — Se quiser ir, basta

aceitar o convite de sua tia.

— Então eu quero. — diz animada, e eu vou até ela, dando sua

mochila.
— Depois da aula nós iremos para casa e faremos uma pequena

bolsa para você passar a noite nos seus tios, ok?

— Ok, mamãe. — Beija de leve minha bochecha e corre para

dentro dos portões.

— Se comporte, filho. — Carla pede a Rafael, e ele simplesmente

sai andando. Ao contrário de Laura, Rafael nunca foi uma criança fácil.

— Bom, eu tenho que ir, pois ainda tenho que revisar todos os

quadros antes da exposição na galeria. — diz se despedindo, e sigo meu

caminho.

Sentada em meu carro, disco várias vezes o número de Levi para

avisar-lhe sobre onde deixaremos Laura hoje, porém não obtenho

resposta. Eu tenho autoridade como mãe de escolher onde minha filha

pode ficar, ainda mais por ser na casa do irmão dele; porém sei o quão

cauteloso Levi é com a segurança de nossa filha, então nada melhor do

que lhe avisar sobre isso.

Sua chamada está encaminhada para a caixa-postal. Deixe um

recado após o sinal.

Desligo novamente o telefone e decido ir avisá-lo pessoalmente.

O caminho até a empresa leva cerca de meia hora, e torço para que Levi

não esteja em nenhuma reunião quando eu chegar. Mas como meu dia
novamente será livre, totalmente tedioso, não custa muito esperar alguns

minutos.

Ao estacionar o carro à frente do enorme prédio fico bestificada

com a modernidade do local. Há quanto tempo não venho aqui? Três,

cinco, oito meses? Tenho certeza de que modificaram muita coisa na

fachada, pois apenas o L&G destacado em letras grandes e cinzas que

permanece o mesmo.

Vou em direção a enorme recepção no primeiro saguão e sorrio ao

perceber que ainda é a mesma recepcionista que trabalha aqui. Daniel

havia me dito que sempre têm problemas nesse cargo, porém acho que

ele se enganou. Talvez por estar morando fora há tanto tempo tenha se

confundido com as informações que são passadas.

— Bom dia, senhora Gutterman. — Ela me cumprimenta.

— Pode me chamar de Melissa. Confesso que estou um pouco

perdida por aqui, algumas coisas mudaram. — Sorrio sem jeito. — Quero

encontrar o elevador privativo, por favor.

— Ah sim, claro. — Ela chama um homem, que logo se apresenta

como segurança. — Jorge irá levá-la até lá. Tenha um bom dia, senhora...

quer dizer, Melissa.


— Obrigada... — Olho em seu crachá. — Obrigada, Sophie. Um

bom dia para você também.

O grande segurança me leva em direção ao elevador e nem me

dirige uma palavra. Vejo que ele tenta fazer contato com alguém, mas

parece que algo não está certo, pois sua cara de mau apenas piora.

— Algum problema? — pergunto curiosa.

— Nada com que tenha que se preocupar, senhora Gutterman. —

Responde educadamente.

— Obrigada pela ajuda. — Agradeço quando ouço o sinal do

elevador, que finalmente chega ao décimo sexto andar.

Saio do elevador, e logo de cara estranho o repleto silêncio do

ambiente. Sempre pensei que o telefone da secretária de Levi não parasse

de tocar, ainda mais na manhã de uma segunda-feira.

O ambiente é clean, e muito bem decorado. Há uma mesa grande

de vidro que tem uma simples plaquinha chumbo escrito o nome de sua

secretária. Vejo que os papéis em cima da mesa estão praticamente

intocados e penso que talvez ela tenha ido ao banheiro. Contudo, tem

algo estranho aqui.

De repente o silêncio ensurdecedor se desfaz com o som de algo

caindo no chão. Assusto-me na mesma hora, mas me recomponho ao


ouvir a voz de Levi vindo de dentro da sala posicionada em frente à mesa

da secretária.

— Cuidado. — Sua voz parece mais grossa que o normal, e dou

um pulo ao ouvir um grito feminino vindo do mesmo local.

Mas o que?

— Mais! — Ouço uma voz feminina gritar, e minhas mãos

trêmulas seguram a maçaneta da porta da sala. — Isso, Levi!

Lágrimas já descem pelo meu rosto e seguro os soluços que

querem sair. Não pode ser o que estou pensando.

O barulho de algo se chocando com força contra a parede faz com

que meu coração falhe uma batida. Não, Levi, você não faria isso

comigo.

Sem conseguir mais me conter, abro a porta de uma vez, e estaco

com o que vejo.

O homem que amo está com as calças nos joelhos, de costas para

mim, e tem o corpo de uma mulher loira sobre a mesa. Meu marido me

trai em plena luz do dia, em cima da mesa do trabalho.

— Nicole... — ele fala, ainda sem percebe minha presença, e

deixo sem querer um soluço escapar.


Os olhos verdes que tanto sonhei caem sobre mim, sem acreditar.

A loira me olha sobre seu ombro e abre um sorriso satisfeito. E pior eu a

reconheço, é Natalie... ou melhor, Nicole. A mesma mulher com a qual

ele viaja sempre. A mesma mulher com quem ele deve... deve me trair há

tempos.

Levo minhas mãos a boca pela ânsia que toma conta de mim no

momento. Nojo se alastra pelo meu corpo por ter de presenciar uma cena

tão deplorável. E a única coisa que penso é correr para longe.


Capítulo 03

“Pegamos pedras, sem saber o que elas significariam

Algumas para atirar nos outros, outras para fazer um anel de diamante

Você sabe que eu não queria ter que te assombrar

Mas que cena fantasmagórica

Você usa as mesmas joias que eu te dei

Enquanto me enterra”[4]

Melissa
 
— Melissa. — Levi chama, já colocando a calça, e eu

simplesmente saio correndo. Entro no elevador e felizmente as portas se


fecham no mesmo segundo.
A última imagem que tenho é de Levi tentando chegar até mim e
seus gritos ecoam em minha mente. Por que ele veio atrás de mim? Será

que iria usar a típica frase: Não é isso que está pensando?

Solto o ar com força, e meus pulmões parecem rasgados. Encaro

meu reflexo no grande espelho do elevador, e a imagem que vejo faz com
que me sinta ainda pior. Não pelo que sou e muito menos minha

aparência, mas pelo filme que parece se passar em minha mente, sobre o

que senti desde que o vi pela primeira vez.

Tinha quatorze anos quando Daniel ingressou na faculdade. Eu

não tinha mais meu companheiro fiel ao meu lado, mas sabia que era por

uma boa causa. Daniel se dividia entre provas e trabalhos, e claro que
havia um meio tempo para as festas que ele não deixava de participar. O

mais engraçado é que eu não sentia nada além de orgulho pelo meu

irmão, e a cada vez que ele me contava quando seriam suas férias,
contava os dias para que chegasse rápido.

Daniel havia se mudado para o centro da cidade e dividia um

apartamento com um velho amigo do colégio, Levi Gutterman. Há muito

tempo não encontrava esse tal amigo, e pouco tinha em memória sobre

quem se tratava. Pelo que minha mãe me contava, ele havia perdido os

pais quando tinha quinze anos e tinha um irmão mais velho.


E foi em uma das férias de meu irmão, que acabei me

apaixonando por Levi.

Era um dia especial, pois meu irmão veio à fazenda para passar

um mês inteiro conosco. Nada de reclusão no centro, e muito menos em

seu novo apartamento, apenas nossa família. A extensão do telefone do

meu quarto tocou e eu atendi:

— Oi, gatinho.

— Ei, gatinha. Em poucos minutos estarei em casa, ok? — Dani


disse e abri um sorriso. — Diga a mamãe que tenho uma surpresa para

ela.

— Que surpresa? — indaguei, curiosa.

— Vocês verão. Beijos, gatinha.

— Dani. — Eu chamei, mas ele apenas encerrou a ligação.

Espertinho!

Peguei a toalha em cima da cama e fui para o banheiro. Coloquei

meu som no último e deixei a porta do banheiro entreaberta para

conseguir ouvir durante o banho. Quando entrei embaixo da ducha fria,

cantei, feliz.

“Eduardo abriu os olhos, mas não quis se levantar


Ficou deitado e viu que horas eram

Enquanto Mônica tomava um conhaque

No outro canto da cidade

Como eles disseram

Eduardo e Mônica um dia se encontraram sem querer

E conversaram muito mesmo pra tentar se conhecer

Foi um carinha do cursinho do Eduardo que disse

- Tem uma festa legal e a gente quer se divertir

Festa estranha, com gente esquisita

- Eu não estou legal, não aguento mais birita

E a Mônica riu e quis saber um pouco mais

Sobre o boyzinho que tentava impressionar

E o Eduardo, meio tonto, só pensava em ir pra casa

- É quase duas, eu vou me ferrar”

  Saí do box, enrolando-me na toalha, e deixei meus cachos

molhados caírem por minhas costas. A música continuou me embalando,


e de tão animada, saí do banheiro de olhos fechados com a escova de
cabelos nas mãos, fingindo ser um microfone.

“E quem um dia irá dizer que existe razão

Nas coisas feitas pelo coração? E quem irá dizer

Que não existe razão?”[5]

Quando jogo meus cabelos para trás em uma performance um

tanto exagerada, estaquei ao ver olhos verdes profundos me encarando

sem piscar.

— Ah meu Deus! — gritei, jogando a escova em sua cabeça.

— Merda. — Ele grunhiu.

Segurei a toalha com força ao redor do meu corpo e fiquei sem

saber o que fazer. Reparei melhor no homem à minha frente e notei que

seus cabelos eram negros e a pele clara se destacava. Quando ele me

encarou novamente, notei que havia um pequeno corte em sua

sobrancelha.

— Quem é você? — perguntei nervosa, já segurando um

perfume.
— Desculpe, eu com certeza entrei no quarto errado. — Ele

levou as mãos para cima em sinal de rendição. — Sou Levi Gutterman.

— O amigo do Dani? — perguntei incrédula e ele assentiu. —

Nossa, eu...

— Acho que você tem uma boa mira. — Então ele sorriu, e pela

primeira vez vi meu mundo parar por um instante.

— É. — disse, e respirei fundo, para não demonstrar que estava

encantada por ele.

— Eu sinto muito por isso. Vou procurar meu quarto. — disse e

foi em direção a porta.

— Sou Melissa. — falei e ele parou um instante, se virou para

mim e me olhou intensamente antes de falar:

— Eu sei.

O bipe do elevador me faz despertar de pensamentos e limpo com

pressa o rosto. No momento que as portas se abrem, o mesmo segurança

que me levou até o elevador, praticamente me reboca até uma parte

distante da recepção.

— Me solte ou vou gritar. — Peço e ele sequer me olha.

— Sinto muito, senhora Gutterman; estou apenas cumprindo

ordens. — diz.
— De quem? — pergunto, e ele abre uma porta, me induzindo a

entrar.

Quando paro para prestar atenção, reparo que estou em uma sala

de reuniões. Há uma mesa enorme, com certeza com mais de dez lugares,

e noto que apenas um está ocupado.

— Me deixe sair daqui. — Peço, olhando o homem que me

destruiu, de cabeça baixa passando as mãos nos cabelos com força.

— Mel, eu...

— Agora eu sou Mel, Levi? — pergunto frustrada. — Será que

pode parar de me tratar como se ainda fosse uma criança? Pare de querer

mandar em mim! — grito.

— Não posso deixar você sair daqui. — diz.

— Que merda você está falando? — pergunto incrédula.

— Porque se você sair daqui, nunca mais irá me deixar falar.

— Eu nem quero que você fale. — Digo, já cansada. — Essa

droga toda que você vem fazendo com nosso casamento deve ter afetado

seu cérebro, pois eu não vou te deixar falar, nem que me tranque nessa

sala pelo resto dos dias.

— Melissa. — Finalmente ele me olha, e apenas sinto nojo ao

encará-lo de frente.
— Talvez você ainda precise de mim para representar a frente de

todos a empresa hoje à noite. — Digo com raiva, e seus olhos parecem

feridos, mas sei que o que digo mostra a verdade sobre o porquê não me

deixar sair. Ele não quer que os outros saibam sobre o que fez. — Terá de
se contentar em levá-la. Eu não virei, e muito menos ficarei momento

algum ao seu lado.

— Não vou permitir que se afaste. — diz decidido, e se levanta

da cadeira.

— Tente se aproximar para ver se não o acerto com apenas um

chute. — Eu o desafio. — Tenho um irmão mais velho, Levi, e sei bem

me defender. Você não irá me prender a você... não mais.

— O que quer dizer com isso? — pergunta incerto.

— Que acabou, Levi. A Melissa certinha, que aceita tudo de

você, cansou de ser a mulher perfeita enquanto você corre atrás de

qualquer uma que possa te satisfazer. — Acuso, derrotada. — Sabe o

quanto te odeio por tudo isso? Sabe o quanto estou me segurando para

não ir aí e acertar seu rosto? Mas eu não vou fazer isso, porque tenho

nojo... Nojo de tudo em você!

Meu desabafo faz com que meu coração dê pulos no peito e os

machucados, antes cicatrizados, se abram novamente. Uma dor de cabeça


descomunal me atinge, e apenas sei que preciso sair daqui.

Levi me encara por alguns segundos, e como se não acreditasse

em tudo o que disse, me vasculha minuciosamente.

— Você me ama? — pergunta de repente.

Procuro algum resquício de ironia, porém não encontro. Ele só

pode estar louco. Se eu o amo? Como alguém tem coragem de fazer essa

pergunta depois de tudo isso?

— Apenas me diga. — Insiste.

— Não vou dizer nada, Levi. Não quero simplesmente mais olhar

para a sua cara. E que diabos você quer saber de amor agora?

— Eu... — gagueja um pouco, e fico inerte a tudo aquilo. Ele


nunca me pareceu frágil.

— Você não tem direito de perguntar sobre amor, não tem direito

algum! — grito, me lembrando novamente da cena. — Eu quero que abra

essa porcaria de porta e me deixe sair, antes que eu comece a gritar, e

todos do saguão saibam o que houve.

— Apenas me prometa que não irá me deixar. — Pede baixinho,

me deixando atônita. — Se me prometer isso, eu abro a porta.

— Sério? — pergunto duvidosa, e ele assente. — Eu prometo. —

Minto descaradamente, e Levi parece realmente acreditar.


Ele pega o celular e disca um número. Em poucos segundos a

porta é aberta e já me encaminho para fora.

— Podemos conversar mais tarde? — pergunta atrás de mim, e

minha vontade é de acertá-lo em cheio.

Ignoro sua pergunta e saio juntamente com o segurança da

empresa. Entro no meu carro e permito-me respirar leve novamente. Meu

corpo e minha alma parecem sujos e marcados.

Como um homem poder ser tão imprevisível, e ao mesmo tempo

tão asqueroso?

— Por que, Levi? — pergunto para o vazio e o silêncio é minha

resposta.

Respiro fundo uma vez e dou partida logo em seguida. Primeiro:

eu não sei o que fazer. Segundo, tenho certeza de que não dormirei

naquela casa com ele, e muito menos conversaremos.

Preciso falar com minha mãe, mas a covardia me impede. A

derrota de ver o casamento dos sonhos se tornar um pesadelo me faz

querer desistir de tudo. Mas não posso, pois mesmo no meio de tanta

tristeza, eu tenho minha pequena para alegrar meus dias. E ela, eu me

nego a perder.
Estaciono o carro após rodar alguns minutos e entro na primeira

cafeteria que encontro. Sento-me em um canto afastado, e peço apenas

um café amargo.

— "Um café amargo, porquê de doce já me basta a vida." — um

garoto cita ao anotar meu pedido, e eu sorrio mesmo sem querer. Sorrio

pela frase não me representar nem um pouco nesse instante.

Quando o café finalmente chega, tomo o primeiro gole e o líquido

queima minha língua. Talvez eu não devesse ligar para minha mãe e

contar... Mas eu sei que preciso. Preciso dar um jeito em tudo isso, de

uma vez por todas.

Sem querer mais enrolar, pego meu celular e disco seu número.

— Oi, Mel. 

— Oi, mamãe. — Digo, e mal noto a voz embargada que sai. Por

que dói tanto contar a ela?

— O que houve, querida?

— Nem sei nem por onde começar. Está tudo desabando.

— O que foi que Levi fez? — pergunta. — Hoje é o aniversário

de casamento de vocês, não é? Ele se esqueceu novamente?

— Queria eu que esse fosse o problema. — Confesso, já

segurando as lágrimas.
— Mel...

— Eu o vi, mamãe. — Limpo uma lágrima e bebo um gole

generoso de café. — Eu o vi com outra... Em cima da mesa... Na

empresa. — Minha voz falha várias vezes e engulo o choro.

Não vou chorar por ele. Não mais.

— Venha para casa. Passe um tempo conosco. — Sugere. — Sei

que o ama Mel, pois se dói tanto quanto sua voz denuncia, você o ama

muito. Apenas venha para casa que resolveremos tudo.

— Tenho medo. — Confesso.

— Por Laura? — Respondo um sim simples “sim”. — Ele não irá

conseguir tirá-la de você.

— Mas, e os documentos, mamãe? — Suspiro cansada. — Ele

pode tudo com aqueles malditos papéis.

— Vai pedir o divórcio? — pergunta, surpresa.

— Sim. Não posso mais, mamãe... não depois do que vi.

— Conheço alguém que pode ajudar — diz.

— Quem? — pergunto sem entender.

— Um advogado. O melhor do Rio em casos de divórcio.

— Levi tem a advocacia Soares a sua disposição. Não sei se

podemos lutar contra isso. — Confesso derrotada.


— Ele não irá conseguir. Nem que para isso eu tenha que ir

conversar pessoalmente com Caleb.

— Mamãe. — Exclamo, incrédula.

— Onde está a minha garota cheia de sonhos? — ela me corta. —

Quero o seu sorriso de volta, não pedaços de você andando por aí. Estou

aqui por você, e nada irá tirar Laura de nós.

— Tem razão, mamãe. Estou indo para casa. — Digo, e assim nos

despedimos.

Deixo algumas notas em cima da mesa e saio do café. Preciso ir o

mais rápido possível para a mansão de Levi e fazer pelo menos uma

simples mala para Laura. De qualquer forma ela dormirá na casa da tia

hoje, assim não estranhará a situação.

Durante o caminho até a mansão, meu celular toca diversas vezes,

e todas as ligações são de Levi. O que ele quer?

Ao estacionar em frente à mansão, sequer penso em entrar com o

carro. Assim que pego as chaves da casa no porta luvas, encaro o

ambiente que pensei um dia poder chamar de lar. Ledo engano.

Subo as escadas e vou direto ao quarto de Laura. Quando meu

telefone toca novamente, cogito em desligá-lo, mas ao ver que é Levi,


decido por atender. Preciso saber onde ele está, assim saberei se tenho

minutos suficientes para fazer uma mala também.

— Mel. — Sua voz rouca no viva-voz faz meu coração sangrar

novamente, e sei que mais tarde nada me impedirá de chorar por isso.

Por que nosso coração insiste justo naquele que não pode

retribuir?

— Levi.

— Está em casa? — pergunta. Olho ao meu redor e meu

estômago se contrai. Não, realmente não estou na minha casa.

— Não.

— Irá para casa hoje?

— Não. — Respondo a contragosto.

— Ficou monossilábica? — pergunta, nervoso.

— Sim. O que quer de mim, Levi?

— Conversar. — diz. — Preciso lhe confessar algo.

— Teve dez anos para isso, Levi. Além de que, justo hoje

completamos uma década de casados. — Suspiro frustrada. — Por que,

Levi? Por que fez isso comigo?

— Mel...
— Esqueça, é melhor nem saber a resposta. — Fecho uma grande

mala. — Onde está? — pergunto, e após alguns minutos ouço apenas sua

respiração.

Vou até "nosso" quarto e pego a grande mala que ele mesmo usa

para viajar e jogo tudo o que consigo dentro. Choro a cada roupa

amassada e sinto vontade de quebrar esse lugar. Pego o vidro de seu

perfume e arremesso contra o grande espelho, que se parte em infinitos

pedaços.

— Melissa? — praticamente berra.

— Está com ela, não é? Por isso não me diz onde está? —

Silêncio me responde novamente. — Você é patético!

— Mel... — Fecho minha mala de qualquer forma, e ao olhar para

a porta, me deparo com Marta assustada.

— Desculpe por isso, Marta. — Aponto para o espelho. — Você

vem comigo, tudo bem?

— Para onde vão, Melissa? — a voz de Levi de repente volta.

— Não te interessa. — Respiro fundo e desativo o viva voz. —

Quero o divórcio.

— O que? — pergunta incrédulo. — Irá mesmo deixar Laura para

trás?
— Não me faça rir, Levi. Meu advogado entrará em contato com

você. — Digo e já desligo o aparelho.

Marta me ajuda e logo após faz uma mala para si, e mesmo sem

perguntar nada, sei que está perplexa com a situação. Até eu estou.

Após quatorze anos lutando por amor, tudo simplesmente parece

em vão. Como se todas as noites ao seu lado tivessem sido um

desperdício. Como se nada fosse sobrar disso.


Capítulo 04

“E esse é o problema dos casos ilícitos

E de reuniões clandestinas e olhares roubados

Eles se revelam uma única vez

Mas eles mentem e mentem e mentem

Um milhão de pequenas vezes”[6]

Levi
 
Melissa encerra nossa ligação, e eu simplesmente entro em

pânico. Estou escondido em meu antigo apartamento, o que seria simples

de dizer a ela... mas como admitir algo agora? Como posso dizer algo e
ela simplesmente acreditar? Suas palavras frias e sem emoção são a

prova do inevitável. Melissa jamais me perdoará.


Pego a garrafa de uísque e dou um gole generoso. O álcool desce
queimando minha garganta, e meu estômago vazio protesta. Eu não tenho

mais ao que recorrer nesse momento. Não consigo enfrentar quem quer

que seja agora, enquanto a culpa me corrói por dentro, junto ao uísque.

Com o celular em mãos, disco várias vezes seu número, e em


todas elas, vai direto para a caixa postal. Melissa está indo embora de

nossa casa, de minha vida. Choro baixinho agarrado a uma das

lembranças mais fortes que tenho de nós dois, e me permito pela primeira

vez, em dez anos, aceitar o que sinto.

Amar alguém que é proibido de ser amado não é fácil. E tudo

piora quando se envolve uma gravidez inesperada. Fui e continuo sendo


fraco para entender e aceitar o amor. Após a morte de meus pais, esse

sentimento praticamente deixou de existir para mim, e nunca soube como

classificá-lo. De certa forma eu sempre soube o que sinto, pois a culpa


por trair Melissa sempre me perseguiu.

Mas agora, olhando para o porta-retratos em minhas mãos, o

mesmo que contém a foto que Melissa me deu em um dos primeiros

natais que passei com sua família, sei que tudo o que fiz foi em vão.

Lutei anos contra um sentimento inevitável, acreditando que a

mulher certa é aquela que se escolhe para ser sua. Mas hoje, após ver os

seus olhos machucados, soube que cometi o pior erro de minha vida ao
culpá-la por minha própria escolha de casamento, por tê-la feito assinar

todos os documentos que me garantem sua presença ao meu lado.

Mesmo negando a mim mesmo, sei que ela me conquistou desde

o momento que me acertou com sua escova de cabelo. Desde o momento

em que seus olhos castanhos cruzaram com os meus. E hoje, sei que

daria qualquer coisa para voltar no tempo, e não ter cometido tantos erros

com ela. E de alguma forma, ter lhe contado a verdade.

Melissa
 

No caminho até a fazenda, o silêncio reina dentro do carro. Marta

me olha algumas vezes, e simplesmente suspiro fundo. Ela sempre foi

minha fiel escudeira dentro de casa, já havia me pego várias vezes

chorando pelos cantos e mesmo assim jamais me julgou. Por que não

consigo contar a ela sobre Levi?

— Pode perguntar. — Tento quebrar o gelo. Ela me encara sem

jeito, e apenas nega com a cabeça. — Somos amigas, Marta.


— Eu sei, Mel... É que realmente nem sei o que perguntar. —

Confessa.

— Levi me traiu. — Digo rapidamente, e ela me encara

boquiaberta.

— Aquele filho da... — Ela deixa as palavras morrerem no ar e

aperta com força as têmporas.

— Eu o vi. — Respiro fundo. — Na empresa, com ela em cima

da mesa... — Minha língua trava, e só assim percebo que dói demais


admitir isso, como se revivesse a mesma cena milhares e milhares de

vezes.

— Eu sinto muito. — diz.

— Eu também.

Novamente o silêncio se instala, mas dessa vez por minha própria

culpa. Marta me conhece o suficiente para saber que quando estou ferida,

me isolo de tudo ao meu redor. Eu necessito de espaço, ao menos um

pouco. O engraçado é que ao mesmo tempo que Marta é explosiva, é

totalmente complacente. Tenho sorte de ter alguém assim ao meu lado,

que me entenda sem precisar de mais detalhes. Detalhes os quais ainda


não consigo dizer em voz alta.
Após uma hora de estrada, finalmente chegamos à fazenda. O ar
acolhedor que apenas um lar transpassa me faz relaxar, e com isso todo

desespero se apodera de mim, pois eu sei que não tenho como me segurar

aqui. E quando começar a falar com meus pais, simplesmente vou

quebrar.

— Não tenho muito dinheiro, como bem sabe... mas se precisar

de mim, Mel, estarei sempre aqui. — Marta diz assim que estaciono o

carro. Solto o cinto de segurança e a abraço com força.

— Mal sabe o quão importante é para mim. — Abro um sorriso

em meio a algumas lágrimas.

Batidas no vidro no carro nos fazem saltar, e sorrio ao notar que

meu pai nos recebe com seu lindo sorriso. Matheus Lourenzinni não é
apenas meu pai, mas também meu grande herói. Saio do carro, e seus

braços fortes e tão convidativos me recebem com carinho, e deixo tudo

desabar em seu peito.

— Vamos para dentro, minha princesa. — Sussurra em meus

cabelos e beija minha testa em seguida.

Quando abro os olhos e me afasto dele, noto mamãe desfazendo

um singelo abraço em Marta. Ela me olha como sempre, e isso é


suficiente para saber que mesmo após todas as dores de cabeça que lhe

proporcionei, nada mudou.

Sem dizer uma palavra, ela me abraça com carinho e afaga meus

cabelos com cuidado, do mesmo modo como fazia quando era criança.

Deixo-me aconchegar em seu aperto, e finalmente solto um suspiro de

alívio. Agora eu posso respirar.

Ao atravessar a porta de entrada, uma avalanche de memórias


invade minha mente. Minha infância toda passa em um tipo de câmera

lenta, e sorrio por saber que nada no mundo compra os momentos

inesquecíveis que vivi aqui.

— Precisa de algo, Mel? — Marta pergunta, e eu apenas nego. —

Vou para o meu quarto então. Qualquer coisa apenas me chame. — diz e

sobe as escadas em seguida.

— Ela é uma boa moça. — Papai comenta.

— Sim, uma ótima amiga também. — Meus pais me encaram,

esperando algo, e sinto meu peito doer. Não consigo falar sobre o que
houve agora. Só quero fugir por alguns instantes.

— Quer um tempo sozinha, não é? — mamãe pergunta.

— Sou tão óbvia assim? — zombo de mim mesma, e papai abre

um sorriso fraco.
— Essa é a sua casa, Mel; não precisa se sentir incomodada aqui.

Quando quiser conversar, apenas nos chame, ok? — papai diz e assinto

sem jeito. Ele vem até mim e beija minha testa, e em seguida vai em

direção a cozinha.

— Faço as palavras do seu pai as minhas. Tome um banho e dê

um pouco de tempo para si mesma. — Sorri de lado. — Não trouxe

nenhuma roupa?

— Sim, apenas esqueci minha mala no banco de trás. Marta

trouxe uma mala de mão, e a vi saindo com a dela, mas nem me toquei da

minha. — Reviro os olhos de minha falta de atenção.

Quando estamos indo em direção a saída, papai adentra a sala


com minha mala em mãos.

— Vou deixá-la em seu quarto. — Ele sobe as escadas e vou logo

atrás.

Assim que meu pai sai, fecho a porta do quarto atrás de mim e

encaro o ambiente tão familiar. O tema clássico ainda impera, assim

como todo branco espalhado em cada detalhe. Meus pais com certeza não

mexeram em nada daqui, está da mesma forma que deixei há dez anos.

Sento-me na cama e passo as mãos sobre o edredom macio. Penso

no quanto Laura não tem gosto algum parecido com o meu. Enquanto
tudo aqui é simplesmente clean, o quarto de Laura tem todas as sete

cores do arco-íris. Pensar em minha pequena faz meu coração se apertar

ainda mais. Como ela reagirá ao divórcio? Laura é apegada demais ao

pai, e sei que isso a machucará em grande escala. Por esse motivo acabei
deixando que ficasse na casa de seus tios hoje, distraísse sua cabeça e não

soubesse sobre nada ainda.

No caminho para a fazenda, passei na casa de Carla e deixei uma

pequena mala de roupas para Laura passar a noite. Não expliquei nada,

pois a festa da empresa já é motivo suficiente para que Carla não

desconfie de minha atitude. Avisei no colégio que Laura pode ser

liberada a ser levada pela tia, mesmo assim pedi para que Carla

emprestasse seu celular para Laura me ligar assim que saísse. Mesmo

sendo muito cedo, resolvo já ligar meu celular. Coração de mãe se aperta
em qualquer distância.

Eu me surpreendo ao notar que ainda não passa das treze horas, e

ainda mais pela quantidade de ligações perdidas. Todas elas feitas pela

mesma pessoa: Levi. Noto também minha caixa postal lotada e resolvo

simplesmente ignorar. Não foi o que ele fez por dez anos? Nada mais

justo do que o deixar para lá pelo tempo que puder.

Deito-me e fecho os olhos por alguns instantes. Tento me lembrar

de momentos bons, de momentos que ainda possam me prender a Levi. E


com raras exceções, há praticamente nenhum. Esse quarto me lembra

praticamente o nosso começo, onde eu o vi pela primeira vez. Me faz

lembrar de seu pedido inesperado, e no quanto me arrependo de ter dito

sim.

Penso e repenso sobre tudo, e tento esquecer ao mesmo tempo,

porém não consigo. É como se algo em minha mente não permitisse que

as imagens dele com outra mulher desapareçam. Como se elas fossem a

prova de que sempre estive errada sobre ele.

Eu que sempre procurei amor, encontrei apenas desilusão. Tudo

isso pela sorte de me apaixonar pelo homem que jamais compreenderei.

***

— Por que está me pedindo isso? Levi, não precisamos. —

Lágrimas escorriam por minha face, e Levi apenas manteve o rosto

indiferente.

— Precisamos pensar em nosso filho agora, Melissa. Não vou

ficar longe dele. — ele insistiu, convicto.


— Levi...

— Olha, nenhum de nós imaginou que isso um dia poderia

acontecer. Sei que a aliança é simples, e não tem algum tipo de luxo... —

suspirou, frustrado. — Mas posso comprar algum diamante caso queira.

Só quero que se case comigo pelo bem do nosso filho.

— Eu não me importo com joias, Levi. E preciso confessar que a

aliança por mais simples que seja, é perfeita. Mas não sei...

— Case comigo, Melissa! — Fiquei muda e tentei negar, mas

algo me impediu.

Gritei uma, duas, três... Dezenas de vezes, e minha voz não sai.

— Não! — grito alto.

— Ei, psiu. — Sinto meus cabelos sendo acariciados. — Está

tudo bem, gatinha.

— Daniel? — pergunto surpresa.

O sonho que tive pareceu tão real, como se revivesse o dia que
Levi me pediu em casamento... o mesmo no qual ele fez questão de

deixar claro que faria tudo pelo bem do nosso filho.

— Estava tendo um pesadelo? — meu irmão pergunta

preocupado.

— Escutou algo? — pergunto, e ele nega. — Quando chegou?


— Há pouco.

Olho em direção a janela e noto que já escureceu. Quanto tempo

eu dormi?

— Ah droga, preciso ligar agora mesmo pra Carla.

— Calma, gatinha, mamãe já falou com ela. Laura está sã e salva

na casa dos tios. — diz serenamente e me acalmo. Meu irmão me olha

com pesar, e vejo dor em sua face.

— Mamãe te contou? — pergunto.

— Levi veio aqui. — Confessa e fico boquiaberta. Ele nunca

tinha ido atrás de mim, mesmo em todos esses anos. — Isso tudo ter

acontecido foi culpa minha. Não livrei você do cara que dizia ser meu

melhor amigo, para no fim, ter que vê-la sofrer por ele.

— Dani...

— Não adianta dizer que foi sua escolha, eu devia ter impedido

do mesmo jeito. Eu conheço o jeito que Levi é, pois crescemos

praticamente juntos. Sabe que a maioria dos defeitos que temos são

iguais, pelo menos a respeito das mulheres.

— Por isso seu pânico quando soube do pedido de casamento

anos atrás? Suspeitava que ele não pudesse manter uma relação, não é?

— pergunto, derrotada.
— Eu realmente pensei que ele te amava, Mel. Mas esses dias

estão apenas me provando o quanto me enganei sobre várias coisas. —

Ele me encara com pesar.

— Não precisa me olhar desse modo, Dani. De jeito algum eu

quero sua pena. Quero apenas meu irmão ao meu lado, só isso que te

peço.

— Daqui por diante, estarei com você a cada segundo. Assim

como éramos quando crianças. — Ele se deita ao meu lado e ficamos

fitando o teto por um certo tempo.

— Dani. — Eu o chamo, e ele me encara. — Levi veio atrás da

esposa troféu? — pergunto insegura.

— Não dei tempo para que ele sequer abrisse a boca. — diz com

uma falsa calma. — Quando fui ver, ele já estava jogado no chão, e papai

tentando me tirar de cima dele. Já havia cancelado aquela droga de festa.

Minha vontade é de nem voltar para a empresa. — Complementa já

explodindo.

— Eu sinto muito por isso, Dani. Sei que são amigos... quer dizer,

melhores amigos. Não quero...

— Nem termine essa frase, Melissa; se não juro que a próxima

que vai para o chão é você. — Ele me corta.


— Desculpe.

— Não precisa se desculpar, gatinha. — Beija minha testa e me

envolve em um abraço. — Apenas me deixe protegê-la dessa vez.

— Tudo bem. — Deito-me em seu peito.

As lembranças logo me invadem novamente, e a vontade de

chorar é inevitável.

— Não precisa fingir que não dói, Mel. — Noto seus olhos
marejados.

— Alguém já te machucou, Dani? De modo que o mundo chega a

parecer um lugar insuportável? — pergunto, enquanto as lágrimas

embaçam minha visão.

— Que você apenas consegue pensar: e agora? — pergunta e eu

assinto. — Não passei pelo mesmo que você, gatinha... mas uma mulher

já conseguiu me quebrar a ponto de não querer seguir em frente com

nenhuma outra. — Confessa.

— Por que nunca me contou a respeito? — pergunto, e ele

continua em silêncio.

— Não sou um homem romântico, mas por ela eu fui. E as vezes

temos que encarar que o nosso melhor pode não ser o suficiente para
alguém. — Meu coração sangra por ouvi-lo, e mal percebo quando

ambos estamos chorando.

— Ele nunca me amou, não é? — pergunto, e Dani apenas me

encara assustado.

Se meu irmão, que conhece Levi a vida toda, fica sem fala em

frente a uma pergunta tão simples, eu já tenho minha resposta. E por mais

que doesse nunca ter tido seu amor, eu não deixarei que isso me impeça

de querer seguir em frente.

Eu seguirei, sem Levi.


Capítulo 05

“E você sabe muito bem

Que por você, eu me arruinaria

Um milhão de pequenas vezes”[7]

Melissa
 
— Princesa, daqui a pouco vou aí te buscar, tudo bem? — Laura
responde um “sim” triste do outro lado da linha; mas não posso deixá-la

com os tios por mais tempo. — Prometo levá-la para cavalgar. — Ela

logo se anima e desliga o telefone para arrumar sua mala.

— Vai mesmo buscá-la? — Dani pergunta, sentando-se ao meu


lado na mesa da cozinha.
— Sim. — Mordo um pedaço de bolo. — Tenho medo de que
Levi a pegue antes de mim. Sabe que os documentos são claros e...

— Já falei com Caleb. — diz simplesmente.

— O quê? — pergunto assustada.

— Eu sempre ignorei esse fato de Levi tê-la feito assiná-los.

Pensei que ele apenas fez para continuar com você. — diz e retorce o

rosto. — Estou há anos morando no exterior, Mel. Não cuidei como


deveria de você e de Laura, mas ontem à noite liguei para Caleb. —

Encaro-o, assustada. — Caleb sequer sabia da existência dos papéis,

porque na época que Levi os fez, ele estava de férias. Pelo que Caleb me

disse, não vai apoiar Levi.

— O quê? Por quê? — indago incrédula.

— Caleb jamais separaria uma mãe do próprio filho. — Dá de


ombros. — Acredite, tendo Caleb ao seu lado, Levi jamais levará Laura

de você.

— Mamãe conseguiu um horário para hoje, com o tal advogado

Amorim. — Explico. — Não faço a mínima ideia de quem seja, mas

aparentemente, ele obteve sucesso na maioria dos casos.

— Perguntei a Caleb sobre ele. Disse que conhece Amorim há

tempos, que ele até chegou a estagiar na no escritório advocacia dele,


mas como não lida bem com acionistas, então resolveu seguir a carreira

sozinho.

— Espero que ele consiga. — Confesso com tristeza. — Não

posso perdê-la.

— Você não vai.

***

Após o café da manhã, decidi ir à cidade para buscar Laura. Não

consigo parar de temer não a encontrar na casa dos tios.

Pego as chaves do carro e me despeço rapidamente de minha

família. Olho as ligações perdidas em meu celular e noto que há duas de

Lili, minha melhor amiga. Que bela amiga eu sou, não?

Disco seu número, e em poucos minutos, ela já atende:

— Oi, Lili.

— “Oi, Lili'', nada. Como você me liga no meio da madrugada,

conta tudo o que houve, e simplesmente desliga o celular? —


praticamente grita, e sorrio de sua preocupação.

Entretanto, o que ela diz é a verdade. No meio da madrugada,


acordei ao lado de meu irmão e entrei em pânico. Eu não reconhecia meu

antigo quarto, e lembranças de tudo o que houve me vieram

repentinamente. Minha cabeça começou a girar, e apenas pensei em ligar

pra Lili, pois ela sim poderia me entender.

Lilian Oliveiro é seu real nome, Lili para os próximos. Nos

conhecemos há alguns anos no banheiro feminino do colégio de Laura.

Enquanto eu lavava as mãos, durante uma das reuniões de pais,

encontrei-a chorando em um box do banheiro. Desde então não nos

desgrudamos. Lili já era divorciada e pouco contou sobre seu ex-marido,

o qual ela ainda ama. Por motivos que não entendo, os dois haviam se

separado repentinamente. Talvez ela conseguisse me ajudar, mas depois

que contei tudo, fiquei tão apavorada que desliguei o celular.

— Eu sinto muito, Lili. — Ela bufa. — Sabe que te amo, não é?

— Nem tente me chantagear, Melissa! — reclama. — Quero você

e Laura no meu apartamento hoje mesmo, já que agora você realmente


pode.

— Lili. — A repreendo.
Encosto no carro e acabo lembrando as palavras de Levi:
''Enquanto for minha, não tem por que visitar a casa de seus amiguinhos.

Tem uma mansão aqui, traga-os para cá.''

Não foi só estudar e trabalhar que ele me proibiu. Coisas comuns,

como ir visitar minha amiga, era algo impossível. Sei que deveria ter ido

contra, mesmo com os documentos, mas eu simplesmente não conseguia

ir contra ele... As coisas mudaram tão de repente. E foram apenas se

seguindo, e tinham se passado dez anos.

— Melissa. — A voz de Lili me traz para realidade. — Espero

vocês, ok?

— Ok. — Confirmo, e logo nos despedimos.

A casa de Ricardo e Carla não fica muito distante da de Levi, mas

felizmente, fica em outro condomínio. Quase uma hora depois, eu chego

até a casa deles, e me apavoro ao notar que o carro de Levi está

estacionado na frente.

— Droga! — praguejo baixinho e penso rapidamente no que

fazer. Não posso enfrentá-lo, não agora.

Eu pego o celular e disco rapidamente o número de Carla.

— Carla, preciso que traga Laura discretamente até aqui fora. —

Peço antes mesmo dela me cumprimentar. 


— Oi, Melissa, aqui é o Ricardo. — diz sem jeito e fico estática.

Como posso contar ao meu cunhado o que houve?

— Ric, pode chamar Carla para mim? — pergunto, e ele apenas

diz que já volta. — Oi, Mel.

— Carla, desculpe ligar desse jeito, mas preciso que traga Laura

para fora de casa sem que Levi perceba.

— Mas...

— Sei que isso é estranho e não posso contar o porquê. —

Lembro-me no mesmo instante daquela cena lamentável. — Mas

prometo que logo te conto tudo, ou melhor, você ficará sabendo.

— Mel... Ok, vou levá-la aí. — Suspira fundo. — Já estou saindo.

Em poucos minutos vejo Carla saindo com Laura. Saio do carro e

minha filha corre até meus braços no mesmo instante.

— Oi, princesa. — Beijo os seus cabelos e ela entra no carro.

Carla vem com a mala de Laura em mãos e coloca no banco de

trás.

— Agora eu sei que o jeito estranho de Levi tem um motivo além


do que ele nos contou. — diz e assinto sem jeito. — Caso queira

conversar, saiba que estou aqui.

Vou até ela e lhe dou um abraço.


— Obrigada por cuidar de Laura. Leve Rafa qualquer dia até a

fazenda. — Digo.

— Foi algo muito sério? — pergunta, e sei que se refere a Levi.

Respiro fundo e tento não chorar na sua frente. Dói demais ter de

relembrar o que houve.

— Eu... — Olho em direção a porta da frente de sua casa e me

assusto ao notar que Levi saiu. — Preciso ir, me desculpe.

— Melissa! — ele grita, porém, entro no carro e dou partida em

seguida.

Quando estamos há alguns quilômetros longe do condomínio,

consigo ficar calma. Felizmente Levi não me seguiu, o que me mostra

que seu irmão deve tê-lo impedido.

Algumas quadras depois, olho novamente no celular o endereço

que Lili me passou. Por ser perto do colégio de Laura, em poucos

minutos paro em frente ao seu prédio.

— Onde estamos? — Laura finalmente pergunta algo, e fico um

pouco perplexa por só agora ter notado o silêncio dentro do carro.

— Vamos visitar a tia Lili. — Conto e seus olhinhos brilham. —

Está tudo bem, princesa?


Laura sai do carro e faço o mesmo, travando-o em seguida. Ela

vem ao meu lado na calçada até a portaria, e simplesmente, ignora minha

pergunta. Algo está errado.

Após nossa entrada ser liberada, pego Laura no colo e a levo até o

elevador. Finalmente ela expressa algo, e sei o quanto fica brava ao ser

tratada feito um bebê. Mal sabe ela que sempre será uma bebezinha para

mim.

— Mãe, não sou mais bebê. — Reclama, e eu a coloco no chão.

— Pois parece que sim. Eu te fiz uma pergunta e até agora não

me respondeu. — Eu a repreendo, e ela fica sem graça.

Quando finalmente abre a boca para falar algo, o bipe do elevador

soa e as portas se abrem. Pego sua mão, e ainda olhando para o chão,

acabo esbarrando em um corpo.

— Me desculpe. — Digo e encaro a pessoa a minha frente.

Surpresa é a palavra que me define. O homem em minha frente é

loiro, com olhos azuis profundos. A barba rala mostra como o tempo

passou para nós, mas o sorriso enorme é inconfundível.

— Não posso acreditar. — diz e me olha mais surpreso ainda.

— Pedro! — exclamo feliz, e ele me puxa para um abraço

apertado.
— Como vai, candy[8]? — Sorrio ao ouvir meu antigo apelido. 

— Senti falta de ser chamada assim. — Ele sorri, e fico encantada

por sua beleza. Quem diria que ele ficaria tão belo assim?

— E como se chama essa princesa ao seu lado? — pergunta, e

Laura sequer o encara.

— Essa é Laura, minha filha. — Respondo, e ele estende a mão

para ela.

Laura continua imóvel ao meu lado, e fico com vergonha por

minha filha agir de tal modo. Olho-a sem entender e ela apenas se

mantém calada.

— Tudo bem então. — diz e puxa a mão de volta. — Estou

atrasado para o trabalho, mas qualquer dia desses me procure. Sou o

dono do Chandel.

— Está brincando? — pergunto, e ele sorri, negando.

— Conquistei um dos meus maiores sonhos. — Estende um

cartão. — Esperarei sua visita.

— Pode deixar. — Ele acena ao entrar no elevador, e dou um

singelo “tchau” ao ver as portas se fechando.

Como poderia imaginar que um dia o veria outra vez? Acabei até

me esquecendo de perguntar o que ele faz nesse prédio. Será que mora
aqui também?

Deixo a surpresa de reencontrá-lo de lado, e encaro a mocinha

emburrada que me olha brava.

— Qual o problema, Laura? — Ela me olha sem jeito e seus olhos

estão marejados. Agacho-me a sua frente e limpo uma lágrima que desce

por seu rosto. — O que foi, princesa?

— Não quero um novo pai. — diz, e a encaro, incrédula.

— De onde tirou isso? — pergunto e ela olha para o chão. —

Laura. — Insisto.

— Ninguém.

— Laura. — Chamo sua atenção.

— Rafa disse que você não ama mais meu pai, e agora vai

procurar outro para mim. — Confessa e fico perplexa.

— De onde ele tirou um absurdo desses? — pergunto já nervosa.

— Ele ouviu uma conversa do tio Ric com meu pai, que disse que

a senhora não o ama mais. — Ela chora desesperadamente e eu a abraço

com força.

Será que Levi contou a Ricardo sobre o que houve? Será que ele

acredita mesmo que não o amo mais? Tantas perguntas sem resposta

alguma.
— Princesa, eu jamais tirarei seu pai de você. — Respiro fundo.

— Rafael deve ter entendido errado, mas tenha a certeza de que mesmo

que um dia eu não ame mais seu pai, ele jamais deixará de ser o seu

herói.

Minha pequena soluça um pouco, e meu coração se parte ao

mesmo tempo.

Em alguns minutos Laura finalmente se acalma, e fica animada

para conhecer o apartamento de Lili. Assim que tocamos a campainha,

Lili abre a porta, nos encarando com um semblante nada bom.

— Demoraram. — diz antes mesmo de nos abraçar.

— Não reclame. — Entro em seu apartamento, e já noto o quão

colorido é, porém azul claro é a cor que se destaca.

— Eu preparei algo para comermos. Estão com fome, não é? —

pergunta.

— Sim. — Laura responde animada.

— Venham.

Vamos até a cozinha e Lili serve Laura com capricho. Encaro

minha amiga mais de perto e noto as olheiras se destacando na pele clara.

Os cabelos loiros bagunçados parecem sem vida, e seu sorriso para Laura

é obviamente forçado.
— O que houve? — pergunto assim que ela se senta ao meu lado.

— Ele veio aqui. — diz e suspira fundo. — Como eu queria odiá-

lo, Mel.

— Se quiser me contar, sabe que...

— Dói demais falar. Ele veio aqui apenas para me dizer que está

feliz e vai se casar com uma mulher de verdade. — Confessa.

Encaro-a incrédula e ela assente, mexendo sem vontade na

comida em seu prato.

— Eu o odeio sem ao menos saber o nome. — Ela sorri

fracamente. — Quer falar sobre tudo?

— Melhor não, quero apenas esquecê-lo depois disso. — Bebe

um pouco de água. — E você, como está?

— Na mesma. A única coisa que quero é que Levi se torne parte

do meu passado, e nem sequer uma lembrança. — Digo baixinho para


Laura não ouvir.

Encaro minha filha, e os olhinhos verdes me remetem a tudo o

que quero esquecer. Mas como esquecer Levi se tenho uma cópia dele

dentro de casa? Se toda vez que Laura me olhar, lembrarei dos olhos

dele? Terei que buscar um jeito de deletá-lo de minha memória.


Lili me encara como se entendesse o que penso, e simplesmente

sorri sem jeito. Não somos as pessoas mais sortudas no amor, mas espero

que um dia outra pessoa se doe a nós do modo como sempre sonhamos.

Que uma de nós consiga seguir em frente.

Levi
 

Quando acordei nessa manhã — em meio a bebidas e pedaços de


objetos de meu antigo apartamento — não imaginei que encontraria o

motivo de meu sofrimento logo mais. Ao ir à casa do meu irmão, apenas

busquei algum conselho, sem ter que contar em detalhes do que houve.

Sequer podia contar, porque aquilo tudo os envolvia também.

Porém, quando vi Melissa levando Laura de mim, mais uma parte

de meu ser se quebrou. Ela estava realmente me esquecendo, ignorando,

e até mesmo não me amava mais, como tinha dito a Ricardo mais cedo.

— Não tente ir atrás dela. — Carla diz assim que o carro de Mel

parte. — Ela não quer falar com você.


— Ela te contou? — pergunto, e sinto medo de ela ter dito o

nome da mulher.

— Não. — Responde. — Mas não é difícil imaginar o que seja.

— Como assim? — pergunto sem entender.

— Pergunte ao seu irmão. — Dá de ombros. — Ele saberá

responder.

— Carla. — Sigo atrás dela e entro em sua casa. Ela sobe as

escadas, e noto que limpa o rosto antes de chegar até o fim.

O que está havendo?

— Levi. — Meu irmão me chama.

— O que foi, Ric? — Ele me leva até o seu escritório, e fica

apenas encarando o teto por alguns instantes.

— Você a traiu? — pergunta de supetão.

— Eu...

— Apenas responda, não vou julgá-lo. Aliás, não tenho moral

alguma para julgar alguém. — diz e fecha os olhos com força, como se

lembrasse de algo muito ruim.

É estranho ver meu irmão nessa situação, pois há anos não o

encontro de tal maneira, a não ser na data de falecimento de nossos pais.

Ricardo nunca se mostrou um homem sentimental.


Nossa diferença de idade não é grande. Ricardo é apenas três anos

mais velho, mesmo assim sempre cuidou de mim, ainda mais depois do

acidente de nossos pais. E por isso sinto-me ainda pior em ter de

confessar a ele algo assim. Porém, é melhor confessar isso do que a

verdade.

— Sim. — Respondo envergonhado, sentindo nojo de mim

mesmo.

Meu rosto se contrai no mesmo instante e encaro o celular sem

jeito. Há dezenas de mensagens, ligações, e até mesmo recados na caixa

postal... todos de Nicole. Eu me sinto um lixo por decepcionar a pessoa

que praticamente me criou.

— Sua cara me diz tudo. — diz decepcionado. — Irmão, por que

fez isso com Melissa?

— Ric, eu posso...

— Não pode explicar nada, Levi. — Ele me corta. — Com quem

foi se envolver a ponto de fazer uma merda dessas? — pergunta nervoso.

— Um... — Levo as mãos ao rosto, frustrado. — Eu não posso

falar sobre isso. Eu não...

Seguro o que preciso, mesmo que esteja ficando insuportável.

Não posso, depois de tudo que aconteceu, trazer isso à tona ao meu
irmão. Não a ele, a quem eu tentei proteger.

— Espera aí. — Meu irmão me encara incrédulo. — Como ela se

chama? — pergunta.

Engulo em seco.

— Marta. — Respondo o primeiro nome que me vem em mente.

— Sua empregada? — rebate, e fico ainda mais nervoso, mas

tento disfarçar. — Quer dizer que ela estava esse tempo todo debaixo...

— Não, é... é outra Marta. — Corrijo, e engulo em seco. — Ela

não é importante. — Tento sair o mais rápido que posso do assunto.

— Se não fosse, você não estaria aqui, nessa situação, não acha?

Se ele soubesse...

Suspiro fundo, negando com a cabeça.

De repente a porta do escritório se abre e Carla entra, nos olhando

tristemente.

— Amor. — Meu irmão chama, e ela simplesmente ignora.

— Melissa te ama muito, Levi... e sim, eu ouvi a conversa de

vocês dois. Por que faria algo assim? — indaga, como se inconformada.

— Você nunca foi assim.

A sua decepção me acerta em cheio, e seguro as lágrimas que se

formam. Olho para os dois, e penso em Rafael. Penso em tudo o que tive
que fazer até ali, e sei que de uma forma ou de outra, já é tarde demais

para voltar atrás.

— Ela te ama, sempre... Sempre amou. — Carla fala, chegando

mais perto. — Uma traição destrói vidas, Levi.

Seu olhar para no meu, e mal sabe ela no quanto concordo com

isso. O quanto, de alguma forma ou de outra, eu entendo. De relance,

vejo meu irmão, olhando-nos perdido, como se a culpa também o

atormentasse.

— Você é como um irmão para mim, nos conhecemos desde

sempre. E acho que é melhor saber de uma vez. — Fico apenas travado

no lugar, querendo que ela não fale do que tanto lhe dói.

Eu sei o que é. Porém, tento fingir que não. Tento, de alguma

forma, fazer aquele assunto desaparecer.

— O que está havendo? — pergunto.

— Rafael não é meu filho biológico. — Confessa. — Ele é filho

de Ricardo com Nicole, uma ex amiga nossa.

Então crio meu melhor olhar de espanto e surpresa. A verdade é

que eles não têm ideia, e de alguma forma, isso é bom. Nicole vai

permanecer onde ela deve – longe deles.


Capítulo 06

“E eu vejo

O dano permanente que você fez em mim

Nunca mais, eu só queria poder esquecer”[9]

Melissa
 

Depois de passar praticamente o dia todo ao lado de minha


melhor amiga, sinto-me bem melhor a respeito de tudo, tanto porque Lili

sempre consegue me colocar para cima, quanto porque sua presença

sempre me fez sentir importante. E talvez seja meu maior problema, ter
de me sentir importante de alguma forma para as pessoas.

No caminho de volta a fazenda, Laura dorme tranquilamente no

banco de trás e Who Knew embala o momento. Uma playlist um pouco


depressiva demais, porém me faz querer cantar alto, mesmo não
querendo acordar minha pequena.

“Você segurou minha mão, você me mostrou como

Você me prometeu que estaria por perto

Aham

Isso mesmo

Guardei suas palavras e acreditei

Em tudo o que você dizia para mim

Pois é

Isso mesmo

Se alguém dissesse que daqui três anos

Você estaria bem longe

Eu me levantaria e quebraria a cara deles

Pois estariam completamente errados

Eu sabia mais

Pois você disse que seria para sempre

E sempre
Quem diria?

Lembra de quando éramos tão bobos

E tão convencidos e tão legais

Ah não, não, não

Queria poder te tocar novamente

Queria ainda poder te chamar de amigo

Eu faria qualquer coisa...”[10]

— Mamãe.

Abaixo o som, e olho pelo canto de olho para Laura. Ela esfrega

as mãozinhas nos olhos e boceja com gosto.

— Estamos chegando? — pergunta.

— Quase lá, pequena. — Digo ao avistar a entrada da fazenda.

Com a ausência do som, logo ouço meu celular tocar. Espanto-me

ao notar a quantidade de ligações perdidas de minha mãe, além das

inúmeras mensagens.
Resolvo não retornar pois em menos de cinco minutos já estou

estacionando em frente a nossa casa. Como já passa das seis da tarde, o


ar frio do início da noite nos recebe.

— Vem aqui, princesa. — Pego Laura ainda sonolenta no colo e

entro em casa. Um bom momento para lembrar de como era tão mais

fácil, apenas tê-la no meu colo, anos atrás.

Mamãe está sentada no sofá com meu pai ajoelhado a sua frente.

Os dois me encaram espantados quando me veem.

— Só vou levá-la para o meu quarto. — Informo e eles assentem.

Noto que os olhos de mamãe estão vermelhos, e sinto uma pontada ruim

no peito.

Algo está errado.

Assim que acomodo Laura confortavelmente na cama, sigo

rapidamente para o andar debaixo.

Apenas minha mãe está na sala dessa vez, e ela simplesmente me

abraça com força.

— O que está havendo? — pergunto.

— Apenas... Levi está aí. — diz sem jeito. — Daniel está com ele
no celeiro.
— Mas qual o motivo de estar assim, mamãe? — limpo uma
lágrima de seu rosto.

— Não quero que sofra ainda mais, princesa. — Respira fundo.

— Seja lá o que for, não vou mais cair, mamãe. Tenha a certeza

disso.

— Não é por isso, Mel. Apenas quero que vá lá falar com seu

irmão, e se possível escute Levi, ao menos um pouco. Pelo menos

coloque um fim de vez, caso for o que deseja.

— É o que mais quero.

Saio de casa incerta, e lentamente me encaminho até o celeiro. De

longe vejo papai conversando com um senhor próximo à entrada da

fazenda, com certeza algum vendedor.

Quando estou há poucos passos do celeiro, consigo ouvir a voz

alterada de meu irmão.

— Você acha mesmo que vou cair nesse seu papinho de marido

infiel arrependido? Acha mesmo que Melissa vai acreditar nessa merda

toda?

— Ela pode até não acreditar, mas vou fazer com que me ouça.

Você querendo ou não, Daniel, ela é minha mulher. — Levi responde, e

sinto meu estômago embrulhar.


— Por que não conta toda verdade a ela então? De que a trai

desde sempre? — Estaco, e fico apenas ouvindo do lado de fora. —

Conte a ela que sempre teve essa obsessão sem nexo por essa tal Nicole.

— Meu irmão grita. — Acha mesmo que ela vai ser tola de te aceitar de

volta?

Minha cabeça gira, e apenas consigo pensar que tudo parece ainda

mais errado. Então meu irmão sempre soube de tudo?

— De onde tirou isso? — Levi pergunta.

— Eu descobri isso um pouco antes de voltar para o Brasil, e foi

por pura coincidência. Acredite ou não, de alguma forma Melissa

descobriria sua sujeira. — Meu irmão diz, e ao menos sei que ele não me

escondeu nada.

Era sobre isso que ele falaria comigo na noite da festa.

— Eu a amo, Daniel. — Levi diz baixo.

Abraço meu próprio corpo e desço com as costas apoiadas na

parede até o chão.

— Ama tanto que vivia fodendo com Nicole?

Sem conseguir mais apenas escutar, levanto-me e entro de uma

vez no celeiro. Ambos estacam no lugar.


— O que está fazendo aqui, Melissa? — Daniel pergunta. — Eu

pedi para mamãe ligar para você e não te deixar vir para casa.

— Já tenho 28 anos, Daniel. Não tem por que comandar o que

faço ou deixo de fazer.

Encaro o homem que tanto me magoou. Ele está sentado em cima

de um caixote, com a cabeça baixa e as mãos no rosto, como se estivesse

com vergonha.

— Levi. — Chamo-o e ele sequer mexe.

— Melissa, pare com isso. — Daniel tenta me interromper e até

entrar na minha frente.

— Não se meta. — Ordeno e vejo o olhar surpreso do meu irmão.

Passo por ele e encaro quem um dia, eu amei. — Levi, olhe para mim! —

outra ordem.

Os olhos verdes que tanto me encantaram me encaram sem vida,

e noto que há lágrimas não derramadas neles. O que está havendo,

afinal?

— Diga para mim. É verdade? — pergunto.

— Mel...

— Diga de uma vez, Levi. Você sempre me traiu com ela?

— Eu...
Parece travar, e meu coração falha uma batida. Ele então abaixa a

cabeça e acena afirmativamente. Não sei o porquê, mas em algum lugar

em meu ser realmente acreditei que ele não seria capaz disso.

Mas ele foi, ele é.

E pior, eu vi.

Viro-me para sair, e simplesmente começo a correr até meu carro.

Lágrimas banham meu rosto e falta-me ar para respirar. O homem para

quem entreguei tudo não me traiu, apenas. Ele sempre me traiu.

Vasculho o bolso da calça e encontro as chaves do carro. Apenas

consigo pensar em sair de uma vez daqui. Entro no carro, e já coloco a

chave na ignição. Os gritos altos de Levi e Daniel não me impedem.

Pela primeira vez na vida, farei algo por mim mesma.

Saio rápido com o carro e as lágrimas inundam meus olhos. Em

poucos minutos na estrada, pingos de chuva caem sobre meu para-brisa.

Ouço buzinas altas e desvio por um segundo meu olhar para o

retrovisor. Assim que me viro novamente para frente, faróis altos me

cegam. Tento jogar o carro para o outro lado, e só então percebo que

invadi a pista contrária.

Em meio segundo sinto meu corpo sendo elevado com força para

cima e minha cabeça parece ser esmagada. Tento respirar, tento forçar
meus olhos a permanecerem abertos. Em vez disso, mergulho na

escuridão.

Levi
 

Um segundo pode modificar tudo, e mais uma vez, um segundo

destrói minha vida. Vejo o carro de Melissa capotar uma vez e meu

coração falha uma batida.

— Não! — grito o mais alto que posso e encosto o carro de

qualquer maneira.

Corro para fora em meio a chuva, e antes mesmo de chegar até o

carro, vejo seu corpo deitado no frio do asfalto.

A cabeça de Melissa está praticamente em uma poça de sangue, e

não consigo evitar as lágrimas que descem. Penso em tocá-la, porém me

seguro pois sei que não é correto.

Daniel chega ao meu lado em poucos instantes e já encerra

alguma ligação. Com certeza ele chamou a emergência.


Ajoelho-me ao lado dela, e faço algo que há muito tempo não

fazia: rezo. Peço aos céus para que não a tire de mim, que não a tire de

Laura, mesmo que tudo isso tenha sido minha culpa. Que eu seja levado

em seu lugar, então. Ela não pode morrer... Simplesmente, não pode.

— Levi, precisa sair de perto dela. — Simplesmente não consigo

me mover. — Levi.

— Não, por favor. — Encaro Daniel. — Não posso perdê-la.

O mesmo medo que senti quando soube do acidente dos meus

pais se instala em meu peito, como se estivesse vivendo aquele momento

novamente. O pior de tudo, é que quando esse mesmo medo me atingiu

pela primeira vez, perdi meus pais em um único dia.

Não posso perder o amor de minha vida. Não a minha menina.


Bônus
 

Carla
 

— Boa noite, querido. — Beijo com cuidado a testa de Rafael, e

em meio ao sono que já o embala, ele apenas aperta com mais força o
edredom.

Tão lindo.

O dia não foi fácil. Contar toda a verdade para Levi não é algo

que pensei ter de fazer. Ele não merecia saber de toda a sujeira que houve
entre mim, Ricardo e Nicole. Ou tudo o que tive de passar para ter meu

filho.

Vou até meu escritório e analiso novamente as várias telas que

estão prontas. Sempre sonhei em ter uma galeria de arte, e agora ter em

mãos quadros tão maravilhosos de novos artistas é simplesmente minha


realização.

Por que não consigo me sentir completa, então?


Aperto com força o laço de meu robe e sento-me de frente para a
grande janela do escritório, que tem a vista linda do jardim. Uma taça e

uma garrafa de vinho tinto me acompanham, como na maioria de minhas

noites. O momento de sentar, beber, e refletir sobre tudo o que houve, e

questionar-me novamente o porquê de ainda insistir nesse casamento.

— Bebendo novamente? — Derrubo a taça, e ela se espatifa em

mil pedaços. Meu coração está acelerado, e levo a mão no peito devido

ao susto.

— O que faz aqui, Ricardo? — pergunto impaciente.

— Quero conversar com você. — diz e ouço sua respiração

profunda. — Serei rápido, Carla.

— Ok. — Desvio dos cacos de vidro e vou em sua direção.

Assim que saímos do escritório, sinto um pequeno ardido na sola


do pé. Levanto-o, e não me assusto ao notar um pequeno caco ali.

Sempre fui o desastre em pessoa.

— Droga. — Fecho os olhos.

— O que foi? — Ricardo pergunta nervoso, e seguro-me na

primeira coisa que encontro, no caso, seu corpo.

Ele me envolve e respiro fundo. Quanto tempo não nos

aproximamos assim?
— Deixe-me ver. — Mostro-lhe meu pé, e ele retira com cuidado

o caco. — Não olhe! — ordena, e mantenho meus olhos fechados com

força.

Não posso ver meu próprio sangue, pois caso isso aconteça,

desmaio em poucos segundos.

— Segure em meu pescoço. — Faço o que pede, e logo sinto meu

corpo sendo tirado do chão. — Vou te levar para fazer o curativo, ok?

— Ok. — Apenas sussurro e deito minha cabeça em seu ombro.


Seu cheiro não mudou nada, o mesmo perfume que lhe dei em nosso

primeiro aniversário de namoro.

Será que ele ainda é o mesmo? Pois eu nunca mais dei.

Ele me coloca sentada em um colchão, então suspeito que

estejamos em meu quarto. Sinto sua mão em meu pé e prendo o ar. Não

queria ser cuidada por ele. Nunca mais.

— Ai. — Sinto algo envolvendo meu pé.

— Prontinho. — diz, e ouço seu sorriso bem próximo a mim. —

Pode abrir os olhos.

Assim que olho a minha frente, seu rosto é minha única visão. Os

cabelos loiros bagunçados, a barba como sempre por fazer, as linhas de


expressão que ganhou ao longo dos anos, o sorriso fraco que estampa, e
por fim, os olhos. Olhos verdes que tanto me hipnotizaram, e ainda hoje

tem o mesmo efeito.

Penso em tocá-lo, minhas mãos parecem ter vontade própria,

porém me seguro. Lembro-me de nosso filho, de Nicole, da traição... Não

posso.

— Ric, por favor. — Peço quando seus lábios estão próximos aos

meus. Eu o empurro, e ele me encara decepcionado. — Não consigo.

— Carla. — Eu o encaro, me esgueirando até o alto da cama.


Preciso dormir, esquecer de tudo ou ao menos tentar. — Faz tantos anos.

— Noto lágrimas descerem por sua face e quero confortá-lo. Quero dizer

que o amo ainda e que vamos superar tudo. Mas minha voz trava na

garganta... Não sou tão forte.

— Feche a porta ao sair. — Peço, e ele dá de ombros, derrotado.

Quantas vezes ele havia tentado se aproximar? Milhares? Não sei

ao certo, só tenho a certeza de sempre que cedo, acabo me arrependendo.

Talvez o melhor fosse o divórcio, o melhor para todos nós.

— Não vou desistir de nós, Carla; tenha a certeza disso. — diz e

bate com força a porta.

Respiro fundo e caio em lágrimas. Olho para o curativo em meu

pé, e noto o quão cuidadoso ele foi. Por que estragou tudo, Ric?
Deito a cabeça no travesseiro, e revivo tudo o que passamos, de
como sempre que olho para trás, ele está lá. Seja como amigo, namorado,

amante... Sempre sendo meu tudo.

Quem diria que nós não daríamos certo? Justo o casal que todos

juravam que duraria para sempre.

Lembro-me da gestação que passei, da escolha que tive de fazer, e

de como ela desencadeou uma sucessão de desastres. Tudo estaria

perdido se não fosse Rafael. Meu pequeno sempre será o centro de meu

mundo, e mesmo que não o tenha carregado em meu ventre, é como se

tivesse saído de dentro de mim.

Quando o sono já está para me levar, ouço o toque de meu celular.

Acendo o abajur, e estranho ao ler o nome de Levi na tela.

— Levi?

— Preciso de vocês. — Pede urgente, e noto sua voz chorosa. —

Mel, ela... Ela sofreu um acidente e...

— Onde está, Levi? — pergunto, já me levantando. Piso com

força no chão e meu pé protesta, mas ignoro. Vou até o closet, e coloco a

primeira roupa que encontro. — Levi? — insisto.

— Oi, Carla. — Ouço a voz de Daniel.

Quanto tempo não nos falamos?


— Oi, Dani. Por favor, me diga o que houve.

— Mel sofreu um acidente. — Sua voz triste corta meu coração.

— Onde estão? Estou indo para aí! — digo nervosa, e rezo

internamente para que Melissa esteja bem.

— Vou te mandar o endereço por mensagem. — diz temeroso. —

Senti falta da sua voz.

— Dani. — A ligação é desfeita, e sinto-me ainda mais frustrada.

Será que ele nunca me perdoará?

Saio do quarto e vou direto para o de Ricardo. Eu o encontro

sentado na cama, com fotos em mãos. Nossas fotos.

— Ricardo. — Eu o chamo, e ele me olha sem graça. — Melissa

sofreu um acidente. — Digo rapidamente.

— O que? — pergunta, se levantando. O pânico em seu olhar.

— Precisamos ir ao hospital. — Suspiro fundo.

Ricardo se levanta rapidamente e vem até mim. Noto que ele pega

o celular no bolso, e o encara frustrado.

— Descarregado. Levi deve ter me ligado. Merda! — diz

nervoso.

Noto que Daniel me mandou a mensagem, e me viro para sair.


— Daniel me mandou o endereço. Vou ligar para minha mãe,

pedir para que fique com o Rafa agora.

— Por que Daniel está falando com você? — Ricardo pergunta,

mas simplesmente ignoro.

Ligo para minha mãe e ela atende rapidamente, confirmando que

logo estará aqui. Ela mora há duas casas daqui, então não demora muito,

e ela já toca a campainha.

— Obrigada por ficar com o Rafa, mamãe. — sorrio, e ela

assente, beijando meu rosto.

— Mande notícias assim que puder. — Pede e eu concordo,

saindo de casa.

Ricardo me segue, indo pegar o carro. Assim que entramos, ele

arranca com o carro, e o silêncio parece ensurdecedor.

— Se arrepende da escolha que fez, não é? — Ricardo pergunta

de repente, e eu apenas encosto com a cabeça na janela fria do carro.

— Não temos tempo para isso agora, Ricardo.

— Nunca o teremos. — Constata, e assim se cala.

Não quero lembrar de nosso passado, não quero ter de retornar.

Há algo muito mais importante agora, o bem-estar de Melissa. E por isso

apenas me concentro em chegar ainda mais rápido ao hospital. Levi deve


estar destruído com isso, ainda mais pelo medo de perder a mulher que

ama sem ter mostrado quão importante ela é para ele.


Capítulo 07

“Então eu perambulo por essas noites

Eu prefiro me esconder à vista de todos

Minha quarta bebida na minha mão

Estas são orações desesperadas de um homem amaldiçoado”[11]

Levi

 
Toc toc toc...

O único som que escuto desde que cheguei, desde que me sentei

nesse banco frio e duro de hospital, desde o momento que os enfermeiros

nos mandaram esperar.


Imagens do corpo de Melissa caído no chão frio e molhado do
asfalto passam em minha mente. Fecho os olhos com força, e apenas

consigo lembrar com ainda mais nitidez da tristeza em seu olhar quando

confirmei que a traio há muito tempo. Qual é o meu maldito problema?

— Tome, querido. Vai te fazer melhorar. — Carla me entrega um


pequeno copo de café, e apenas assinto.

Viro o líquido aos poucos na boca e sinto minha garganta


queimar. Por mim, nem me alimentaria; mas faço por Carla, pela

paciência que está tendo comigo.

Ricardo está novamente no balcão da recepção tentando

conseguir alguma novidade sobre o estado de Melissa, mas até agora


nada. Horas infernais que não acabam.

Isso me faz lembrar da conversa que tive com Carla e Ricardo, de


toda a verdade que eles despejaram em meu colo. Que eles mal sabiam,

que eu já sabia.

— Na época em que engravidei, a situação do meu casamento

com Ricardo não era das melhores. Vivíamos brigando, e em um desses

dias acabei desmaiando. Descobri que minha gravidez era de risco, que

poderia chegar a hora de escolher entre mim e o bebê. Ricardo se negou

a prometer que escolheria nosso filho, isso quando eu estava com dois
meses de gestação, e aos poucos tudo piorou ainda mais. Pois bem, tudo

pareceu melhor quando uma velha amiga minha, de quando era criança,

apareceu procurando por emprego. Ela estava sozinha, sem família ou

alguém que pudesse ampará-la. Essa amiga é Nicole. — Continuei a

encarando, tentando não demonstrar nada. — Por estar sensível com

tudo, acabei confiando demais nela, e assim ela se aproximou de nós.

Você não a conheceu nesse tempo, nem teve conhecimento de nada, pois
estava fazendo seu intercâmbio no terceiro ano de faculdade, lembra? —

apenas assenti, tentando não pensar tanto. — Enfim, Ricardo, ela e eu

compartilhamos vários momentos juntos. Nosso casamento até melhorou

com isso... Acho que depositei todas minhas frustrações em cima da

amizade com Nicole, e imaginei que ela fazia o mesmo. Enfim, eu não

desconfiei das intenções dela para com Ricardo antes, mas a verdade é

que ela sempre o quis. Ela ligou para Ricardo em uma noite qualquer e

disse que passei mal e que estava na casa dela... A casa que eu a ajudei

a alugar.

— Eu fui feito um patinho caindo na armadilha. — Ricardo a

interrompeu, suspirando fundo. — Quando cheguei na casa de Nicole,

além das bebidas que havia tomado, pois Carla e eu havíamos brigado

novamente pelo mesmo motivo, Nicole me entregou uma água... ela me


drogou. Só lembro de acordar no outro dia sem roupa alguma, e na cama

dela. — Confessou, fechando os olhos com força.

— Ela havia me mandado uma mensagem no mesmo dia para que

fosse até a casa dela porque precisava de mim. Ela queria que eu os

pegasse na cama. — Era palpável a sua dor. — Quando seu irmão

chegou em nossa casa naquele dia, tudo o que ele fez foi chorar. Pediu
perdão várias vezes e fiquei sem entender. No mesmo instante, Daniel,

seu amigo apareceu atrás de um material dele, o qual você tinha deixado

em nossa casa. Enfim, pedi para que ele entrasse, tentei me recompor...

Porém, recebi uma nova mensagem e abri. Era uma mensagem de

Nicole, uma foto... A foto dela e seu irmão. Eu expulsei Ricardo de casa

no mesmo momento, e minhas pernas cederam minutos depois. Daniel foi

quem me socorreu. Os primeiros meses eram primordiais ao bebê, e

quando vi sangue em minhas pernas, soube que o havia perdido. —

Lágrimas desceram por seu rosto, e meu irmão permaneceu apenas

estático. — Foi nesse dia que perdi meu bebê.

— Eu não acredito. — Levei as mãos a cabeça, engolindo em


seco, e torcendo para parecer convincente. — Como tudo isso aconteceu

e eu não fiquei sabendo? Seus pais não ficaram sabendo disso, Carla?

— Meus pais viviam fora do país na época, e mal sabiam direito

de minha gravidez. Quando perdi meu bebê, a única pessoa que permiti
ao meu lado foi Daniel. Não contei a ninguém mais sobre o que
aconteceu. Eu e Daniel nos tornamos amigos, verdadeiros amigos.

Nicole logo soltou a bomba de sua gravidez em meio a uma mensagem, e

ameaçou tirar o bebê caso Ricardo não ficasse com ela. E foi aí que tudo

me desestabilizou... Fiquei um tempo fora do Rio, fui para Salvador e me

permiti sofrer em silêncio. As noites eram piores, e a única pessoa com

quem pude contar foi Dani. Ele sempre esteve lá nesses momentos,

passou praticamente todas as férias dele comigo, enquanto Ricardo

tentava evitar que Nicole fizesse uma besteira.

— Meu Deus! — ainda me enojava, toda aquela história. A forma


como foram usados. Em como Nicole pode pensar tão bem em cada

detalhe.

— Foi então que tive a ideia de enganar Nicole, apenas para ter

meu filho nos braços. — Ricardo falou. — No dia em que Rafael nasceu,

disse a ela que jamais ficaríamos juntos, e ela simplesmente desapareceu

após ter alta. — Foi o dia em que ela me procurou, e por alguns

segundos, senti-me preso as lembranças.

— Eu retornei para o Rio meses depois, logo após ver que além

de me prejudicar, estava fazendo o mesmo com Daniel. Já que ele, após

as férias acabarem, vivia mandando mensagens para mim, preocupado, e

eu sabia que seu rendimento na faculdade não ia bem. Decidi que estava
na hora de enfrentar tudo. Quando cheguei em casa, me surpreendi ao

encontrar Ricardo. Ele me contou que estava indo ao hospital ver o filho,

Rafael, que estava na incubadora, por ser prematuro. Rafael nasceu

quase na mesma época que o bebê que eu perdi nasceria. Ele nasceu com

pouco mais de sete meses. Naquele instante não pensei, apenas fui com
Ricardo até o hospital, e me apaixonei por Rafa assim que pus os olhos

nele. — Ela já estava chorando e aquilo me desesperou. — Era meu

filho, sabe? Mesmo que não o tivesse carregado, ele era meu.

— Eu pedi uma segunda chance, implorei na realidade. Carla

não cedeu, apenas disse que cuidaria de Rafael como se fosse dela. —

Ricardo complementou.

— Daniel não me julgou em momento algum quando contei a ele

sobre minha decisão, pelo contrário, me deu ainda mais apoio. Mas eu

percebi o quanto doía nele toda aquela situação, o quanto estava

machucado me vendo viver ao lado de Ricardo novamente. Então, em um

dia, ele apareceu aqui e se declarou. Ele me pediu em casamento.

— O que? Isso é impossível. Daniel jamais... — eu deveria

ganhar um Oscar, pela forma como conseguia disfarçar, mesmo que tudo

aquilo, já tivesse chegado a mim.

— Ele o fez, tanto que até hoje me odeia pela escolha que fiz. Ele

não entendeu que não podia retribuir o amor que ele sentia, mesmo
querendo mais que tudo o amar, mas infelizmente não escolhemos isso.

Desde então ele nunca mais falou comigo.

— Eu não sei o que dizer. — falei, tentando fugir daquela

conversa.

Eu só queria que acabasse. Eu só queria não levar mais nada a

eles.

Toc, toc, toc...

O mesmo som de saltos me desperta para a realidade novamente.

Encaro o copo de café em minhas mãos, e noto que ainda está na metade.

Não quero beber, apenas quero saber de Melissa.

Encaro todas as pessoas sentadas aqui na sala de espera. Clara e

Matheus se abraçam com força, e sinto um nó no peito ao encará-los.

Mal consigo imaginar o medo que sentem pela filha. Daniel e Lilian

estão de mãos dadas, e ambos parecem derrotados... todos estamos.

Ricardo vem até mim e se senta ao meu lado, então estou cercado

por ele e Carla, e é a única força que tenho. Laura está com a Marta na

fazenda, e felizmente ela se ofereceu para ficar com minha filha, sabendo

que os demais não conseguiriam. Enquanto Melissa não sair daqui, não

tenho condições para encarar minha filha, pois sinto-me culpado por

tudo.
— Se ela... — Travo, e lágrimas descem por meu rosto.

— Ela não vai, querido, ela é forte. — Carla me consola em seu

colo enquanto choro baixinho.

Lembro-me do enterro de meus pais, de como foi difícil dizer

adeus, de como ainda é difícil aceitar. Mesmo após tantos anos, é como

se aqueles dias estivessem vivos na memória.

— Família de Melissa Gutterman? — O médico finalmente

aparece, e limpo as lágrimas rapidamente, me levantando.

— Como minha princesa está, doutor? — Clara pergunta, apoiada

em Matheus, com o rosto inchado e os olhos vermelhos. Estamos

acabados.

— Bom, o quadro dela é estável no momento. — Solto um

suspiro. — Porém ocorreu um imprevisto. Ela entrou em coma.

— E agora, doutor? Quando ela irá voltar? — Clara pergunta em

desespero.

— Bom, ela pode retornar daqui algumas horas, ou dias,

semanas... Não posso dar-lhes uma certeza... há casos que levam anos, ou

simplesmente os pacientes não voltam. — Eu o olho, incrédulo. —

Estamos fazendo todos os exames possíveis, mas ainda não há nada

concreto. Apenas posso dizer que ela sofreu uma lesão no acidente, a
qual ocasionou o coma. Faremos todo o possível para que ela volte,

tenham certeza disso.

Meu mundo para com essa afirmação, e nem presto mais atenção

no que o médico fala. Meu coração parece esmagado e caio de joelhos no

chão. Carla e Ricardo me abraçam, chorando, e tudo ao meu redor

desaparece.

O que farei agora?


Capítulo 08

“Eu ainda estou naquela corda bamba

Ainda estou tentando de tudo para manter você rindo para mim

Eu ainda acredito, mas não sei por quê

Eu nunca fui natural, tudo o que faço é tentar, tentar, tentar

Eu ainda estou naquele trapézio

Ainda estou tentando de tudo para manter você olhando para mim”[12]

Levi
 
Um mês depois...

Os dias nunca pareceram tão desgastantes quanto agora. Olhando

para minha frente, vejo novamente a parede cinza do hospital, e meu


corpo protesta devido a cadeira nada confortável da sala de espera.
Quanto tempo passei sentado aqui?

Encaro meu relógio de pulso, e ele já marca cinco da manhã.

Espero ansioso para que Daniel saia do quarto de Melissa para que eu

possa passar um tempo com ela. Os médicos já haviam dito que mesmo
com a lesão que sofreu, não era para ela estar em coma, então tudo o que

podemos fazer é esperar, que ela irá voltar quando estiver pronta.

Mas quem consegue ficar calmo com essa afirmação? E se

Melissa não voltar? O que eu farei? Como direi isso a nossa filha?

— Levi. — Daniel me chama. — Não faça mais mal a ela.

É o que ele diz, todas as vezes. E em todas elas, eu apenas


assinto. Mal consigo olhar para meu melhor amigo e ser honesto. Dor é

tudo o que consigo sentir.

— Apenas quero ficar ao lado de Melissa. — Peço e ele apenas

sai.

Mesmo a contragosto, a família e amigos de Melissa me deixam

vê-la e passar um tempo com ela. Talvez tenham percebido que mesmo

com tudo, não vou desistir de ficar ao lado dela, e que faria de tudo para

vê-la sorrir novamente.

Mesmo que não fosse para mim.


— Mamãe chegará por volta das dez. Os médicos disseram que é

bom conversar com ela, como já sabe. — Ele suspira fundo, parado atrás

de mim. — Muitos pacientes contam que escutavam tudo o que lhes

diziam enquanto ainda estavam desacordados, e isso os incentivou a

voltar. Não entendo de medicina e muito menos sou religioso, mas tente

trazê-la de volta.

Parece a prece de um irmão desesperado. E por um lado, eu o


compreendo.

Caminho pelo extenso corredor que dá nos quartos, e logo recebo

a identificação de visitante. As enfermeiras e médicos já estão

acostumados com minha presença, pois praticamente estou morando no

hospital. Tivemos de inventar a mentira de uma viagem para Laura,

enquanto ela passa tempo com os tios e avós, pois não consigo voltar

para casa... Não consigo encarar minha filha.

Entro no quarto de Melissa, e a visão de seu corpo faz meu corpo

tremer. Passo de leve a mão por sua face e sinto a quentura de sua pele.

Os hematomas já não estão mais aparentes, e ela parece apenas um anjo


em sono profundo. Meu anjo.

— Volte para mim, minha menina. — Peço, segurando suas mãos.


Como sempre, o único som no quarto é o dos aparelhos. Melissa

continua imóvel. Choro baixinho com a cabeça em seu colo, e peço aos
céus para que a tragam de volta nem que seja para me odiar, nem que seja

para nunca mais ficarmos juntos. Só quero vê-la acordada outra vez.

As horas passam, e na maioria delas conto histórias de minha

infância para Melissa; histórias que nunca havia comentado com


ninguém, pois dói lembrar da infância já que remete imediatamente aos

meus pais. Mas dizer a ela parece algo tão certo, que simplesmente me

vejo despejando meu passado em seu colo.

Encaro novamente o relógio e noto que já são quase dez horas, e

com certeza Clara deve ter chegado para ficar com a filha. Levanto-me

da poltrona e aliso novamente a face da minha esposa, minha menina...

— Eu volto logo. — Dou um beijo em sua testa. — Volte para

mim, minha menina.

Saio do quarto com o coração novamente esmagado e tento me

concentrar em meus passos. Seria tão fácil desabar no meio desse

corredor.

Assim que adentro a sala de espera, como imaginei, Clara e

Matheus estão sentados ali. Os dois me forçam um sorriso, e eu apenas

tento não chorar na frente deles. Nunca me senti tão sozinho como agora.
— Volto as duas, tudo bem? — pergunto ao me aproximar.

Matheus me olha com cara de poucos amigos, e Clara, ao

contrário, pede para conversarmos um minuto.

Enquanto Matheus se encaminha até o quarto de Melissa, sigo

Clara até a lanchonete do hospital. Sento-me a sua frente na pequena

mesa, e ela pede dois cafés.

— Assim como eu, Matheus não aceita muito bem sua presença

ao lado de Melissa. Mas eu vejo que por mais que tenha errado com

minha filha, que nada vai conseguir impedi-lo de vê-la. E apenas ela, vai

ter o poder de te afastar. — Pega um dos copos deixados em nossa mesa.

— Há dias que não o vejo comer, a não ser quando Carla o obriga. Você

toma banho no hotel mais próximo, onde passa a maior parte do seu
tempo, e ainda deve dormir o que? Duas horas? — indaga, e eu apenas

fico em silêncio. — Bom, você não merece minha filha, Levi... mas eu

deixarei que ela decida por si quando acordar.

— Obrigado. — Eu a encaro, envergonhado.

Não tenho palavras para descrever a decepção que vejo em seu

rosto. Além dos pais de Carla, meu segundo apoio sempre foram eles, os

Lourenzinni. Passei várias férias na fazenda, aprendendo mais sobre a

terra, cavalos e tudo mais. Como pude não enxergar que em algum
momento, aquela bomba explodiria e iria magoar a joia mais preciosa de

uma família que sempre cuidou de mim?

— Vou indo. — Sorri fracamente e logo sai.

Levanto-me em seguida e tomo de uma vez o pequeno copo de

café ali deixado. Saio do hospital mesmo contrariado, e vou novamente

até o hotel que acabou se tornando minha casa por esses dias.

Felizmente preciso apenas atravessar a rua para dar de cara com a

grande recepção do hotel, mas o que vejo apenas faz com que sinta

paralisado.

— O que faz aqui? — indago nervoso. — Como me encontrou?

— Bom, não foi tão difícil. As notícias voam, e logo soube sobre

o estado de sua esposa, mas não imaginei que estaria assim. — Aponta-

me de cima embaixo. — Muito menos que o veria acabado dessa

maneira.

— Sabe exatamente que é assim que eu estaria. — Ela apenas

sorri, e tento me manter firme. — O que quer aqui?

— Fui até a sua casa mais cedo e acabei me surpreendendo ao ver


pela janela, Carla e Ricardo lá. — Fico em pânico. — Quantos anos faz

que não os via? Porém, não me surpreenderia que eles tenham remorso

ainda...
— Cale a boca. — Eu a puxo pelo braço e levo até uma parte

mais escondida da recepção. — Não ouse falar da minha família! Nós...

Nós temos um acordo de não se aproximar deles... de maneira alguma. —

Ela sorri de lado, como se fosse apenas divertido.

Nicole é claramente uma pessoa doente, e mesmo com todo o

ódio que sinto, no fundo, a pena é o que se exacerba.

— Eu te amo, Levi. — As suas palavras são tão mentirosas, que

eu apenas a solto e respiro fundo.

— O que realmente quer dessa vez? — pergunto, apenas

derrotado. — O que, Nicole?

— Você. — Responde simplesmente, um sorriso emoldurando

todo seu rosto. — Sabe, quando vi Ricardo, percebi que ele não é mais

tão importante assim... Já você... Nossos anos juntos, o jeito que tanto me

repele, mas não consegue se livrar... — tenta tocar meu rosto, mas seguro

seu braço.

— Sabe muito bem o porquê te aceitei na minha vida.

— Para ficar longe da deles, eu sei. — Aproximou-se ainda mais,

os lábios próximos a minha orelha. — Para não me deixar perto do meu

filho.
— Não fale sobre Rafael. — Minha voz soou baixa e perigosa. —

Fique longe de mim e da minha família, Nicole. — Tento me afastar. —

Eu te entrego o dinheiro que desejar, mas agora...Eu não tenho como

lidar com isso.

— Perdeu o medo de o castelo de vidro de Ricardo e Carla

desmoronar?

— Eu estou quebrado, Nicole. — Respondo cansado, mesmo que

seja claro que ela não entende, mas vejo algo mudar em seu olhar. —

Leve todo o dinheiro que quiser, mas me deixe em paz. Pelo menos

agora.

Ela então me surpreende, dando passos atrás e não dizendo nada.

Fico esperando que ela apenas desapareça, mas nem tudo é como desejo.

— Seu irmão não me quis, Levi, e veja só como ele é feliz hoje.

— Sua voz é baixa e ela para ao meu lado. — Vou apenas esperar você

voltar chorando para o meu colo, quando não tiver mais nada.... Quando

Melissa morrer.

Ela então sai, e seguro-me numa coluna, para não desabar no

chão. Apenas o simplesmente pensamento de Melissa morta... isso me

mata por dentro.


A dor se torna raiva, que toma conta de meu ser e vou em direção

aos elevadores. Preciso de um banho frio para me acalmar, para chorar

por todos os erros. Por que isso tudo? Por que eu? Pela primeira vez,

vejo-me indagando isso.

E de repente, percebo que apenas me acostumei com uma vida de

mentira, já que a verdade, jamais poderia ser minha.

Assim que entro no quarto, arranco minhas roupas com força e

vou direto para debaixo da ducha. A água fria parece lavar muito mais

que meu corpo, pois logo desabo no chão. E sentado no chão frio, choro

feito criança.

Choro por todos os aniversários de nosso casamento que eu sabia,

mas simplesmente ignorei. Choro por todos os dias que encontrei Melissa

linda em casa, e não tive coragem de lhe elogiar. Choro por não ter sido

capaz de me entregar de corpo e alma a uma mulher que sempre me deu

tudo, sem ao menos pensar duas vezes.

— Por quê? — Bato com força a cabeça no azulejo e choro ainda

mais.

Só quero Melissa de volta, mesmo que seja para não ser minha.

 
***

Acordo com o despertador e noto que já são 13:30, e o cansaço

fez com que apagasse de vez em cima da cama. Meu corpo protesta ao

me levantar, mas não ligo, preciso ficar com Melissa.

Coloco uma roupa limpa e arrumo meu cabelo de modo que fique

ao menos apresentável. As olheiras são evidentes, a barba está além de

por fazer, e noto meu corpo mais magro. Só agora vejo o quanto nosso

psicológico pode ferrar nosso físico.

Ao chegar ao hospital, como sempre, as recepcionistas me

saúdam. Quem aqui já não me conhece? Sento-me novamente no mesmo

banco frio e aguardo Clara sair.

Quando o relógio finalmente marca 14:00, Clara e Matheus saem

pelo grande corredor. Estranho ao notar que parecem mais leves e até

mais esperançosos.

— Está tudo bem com ela? — pergunto receoso.

— Ela mexeu os dedos da mão. — Clara conta feliz. — Matheus

pediu para que ela o respondesse de alguma forma, e ela o fez.


Levo as mãos ao rosto, incrédulo, e choro de felicidade. Pode até

ser um pequeno avanço, mas já é muito além do que esperamos por toda

essa semana infernal.

— Meu Deus, eu... — Fico sem palavras enquanto vejo os dois se

abraçarem com tanto carinho e felicidade.

Quem me dera um dia poder ter momentos assim com Melissa.

— Bom, eu vou entrar e... torcer para que ela demonstre mais

alguma coisa. — Confesso esperançoso e ambos assentem. — Até mais.

Pela primeira vez entro no quarto de Melissa com um sorriso no

rosto. Encaro-a ainda mais em expectativa do que antes, pois tenho a

tarde para vê-la fazer algo. Nem que fosse apenas levantar um dedo.

— Por favor minha menina, volte para mim. — Peço, ao beijar

sua testa, e minha resposta, novamente, são os barulhos dos aparelhos. —

Não vou desistir.

Sento-me na poltrona ao lado de sua cama e seguro sua mão

direita com cuidado. Beijo-a várias vezes e rezo baixinho para que Deus

a traga de volta. Temos mais do que esperança agora.

***
 

— Levi... — Uma voz fraca me chama, e forço meus olhos a se

abrirem.

Estaco no lugar ao notar que Melissa está acordada. Ela me

encara confusa e eu fico estático, sem conseguir acreditar que seus olhos

estão abertos.

— Levi? — pergunta confusa, assim que me afasto.

— Eu... — Minhas palavras pairam no ar ao perceber que ela não

me mandou embora e muito menos me afastou. Algo está errado. —

Preciso chamar o médico.

Saio do quarto ainda mais confuso, e ao encontrar seu médico,

conto o que houve. Ele adentra o quarto dela sorridente, e Melissa abre

um sorriso fraco ao recebê-lo.

— Como vai, senhora Gutterman? — pergunta.

— Eu... — Só assim noto sua dificuldade para falar.

— Fique calma, aos poucos irá voltar tudo ao normal — o médico

diz e anota algo em sua caderneta. — Preciso que saia, senhor

Gutterman. Precisamos fazer exames com a sua esposa.


Saio do quarto a contragosto, olhando uma última vez para

Melissa, a qual parece completamente perdida.

Pego meu celular assim que chego na recepção e ligo para todos

que consigo. Informo o que aconteceu e logo todos estão no hospital,

assim como eu, ansiosos para ouvir o que o médico irá dizer.

— Eu disse a você que ela é forte, querido. — Carla diz e me

abraça com carinho, dando-me ainda mais força.

— Família de Melissa Gutterman? — o médico chama. — Por

enquanto posso adiantar para vocês que a paciente não tem nenhum dano

aparente, ao menos fisiológico, por conta do coma; mas teremos que

esperar os resultados de alguns exames para confirmar isso. Ademais, ela

está bem e se recuperando. — Esclarece.

— Podemos vê-la? — Clara pergunta ansiosa, e o médico abre

um sorriso sem dentes.

— Amanhã poderão. Hoje ela passou por vários exames e precisa

descansar. — diz e todos assentimos, claro que um pouco desapontados.

Mesmo assim, pela primeira vez após esse mês infernal, sinto-me

um pouco feliz e com esperança de ver Melissa completamente

recuperada nos próximos dias.

 
 

***

No outro dia, já cedo, estou de volta ao hospital, assim como a

maior parte da família de Melissa. Assim que as visitas são liberadas,

deixo com que eles entrem primeiro, pois eu já a vi por alguns instantes

ontem.

Quando finalmente é minha vez de entrar, fico um pouco receoso,

pois não sei como Melissa reagirá a minha presença. Mas antes de chegar

ao seu quarto, encontro seu médico parado em frente à sua porta.

— Bom dia, senhor Gutterman. — diz e eu o cumprimento. — Já

informei os pais de sua esposa, mas gostaria de conversar com o senhor

também. Bom, o caso de sua esposa é um pouco mais complexo do que

imaginávamos. Felizmente ela está voltando bem e o corpo parece não

ter sofrido nenhum dano grave. O problema consiste que algumas

memórias dela se “perderam”, memórias relativamente recentes. E como

ela mesma disse a mãe mais cedo, ela não sabe como sofreu o acidente.

Aos poucos esperamos que sua memória volte, mas não temos certeza.

Mas caso a memória dela não volte ao longo dos dias, terá que contar aos
poucos a ela tudo o que houve. Por isso ela precisa da família agora, para

auxiliá-la. — Afirma. — Bom, ela está dormindo agora, mas está bem.

Acredite em mim, senhor... ela é um milagre.

O médico se afasta e vou cambaleando para dentro de seu quarto.

Melissa pode não se lembrar de nada do que houve, da causa do

acidente... Muito menos de mim e Nicole. E o pior, não posso contar-lhe

o que houve. Não ainda. As dúvidas que tinha a respeito de Melissa

agora se esvaem. Se pensei que talvez ela me deixaria, agora tenho

certeza.

Eu não estou preparado para perdê-la, e em momento algum

estarei. Olhando seu semblante calmo e terno, sinto-me culpado por ter

feito isso com ela. Se não fossem meus erros, ela não teria que se

recuperar disso, e muito menos perderia memórias. Eu não sei como agir,

apenas espero que quando ela estiver melhor, possa recuperar tudo que

perdeu.
Capítulo 09

“Eu, eu juro que dava para ouvir um grampo de cabelo cair

Exatamente quando eu senti o tempo parar

Vidro estilhaçou no tecido branco

Todo mundo seguiu em frente

Eu, eu fiquei lá...”[13]

Melissa

 
Um mês depois...

— Você poderá ir embora hoje, Mel. — Mamãe diz animada, e

sorrio, cúmplice. 
— Finalmente. Já faz praticamente um mês que estou aqui desde
que acordei e... 

— Está sentindo algo, querida? — pergunta preocupada. 

— Estou bem, mamãe. — Respondo a mesma pergunta pela

milionésima vez.

— Desculpe, princesa.

— Sinto que está escondendo algo de mim. — Ela desvia o olhar,

do mesmo modo que todos fazem quando pergunto algo. — O médico

me disse que não podem me dizer nada ainda pelo meu bem-estar, que

minha memória pode voltar aos poucos, já que simplesmente não consigo

me lembrar do que ocasionou minha lesão e o coma... mas não quero que
haja assim comigo, mamãe. Nunca escondemos nada uma da outra.

— Não posso te dizer, querida. — Suspira. — Quero que se


recupere logo, e tenho certeza de que quando for a hora certa, sua

memória voltará.

Ela toca meu rosto com cuidado, e beijo suas mãos com carinho.

Algo dentro de mim parece inquieto, pois não existe nada pior do que

não saber o que aconteceu. Temo que seja algo muito grave, algo que não

aceite muito bem. O problema é que não tenho uma suspeita qualquer do

que seja.
Meu médico informou durante toda minha recuperação que minha

memória ainda é falha, mas como minha última lembrança é a porta da

sala na empresa de Levi, aos poucos ela pode se expandir até que eu

consiga me lembrar. Ele disse que por via das dúvidas é melhor focar em

minha recuperação, e só depois, caso as lembranças não voltem, meus

familiares me contarão tudo.

— Com licença. — Levanto meu rosto, e me espanto ao ver Levi


entrar com um buquê de rosas vermelhas. — Como vai a nossa menina,

Clara? — Ele vem até mim e beija minha testa com carinho.

Quem é esse homem, e o que fizeram com o meu marido? Ele tem

sido outro desde que acordei, e esteve ao meu lado todos os dias e me

auxiliou como pode. Eu estou completamente perdida com esse novo

tratamento dele para comigo.

— Você me chamou de.... — Minha voz parece travar na

garganta, e quando olho ao meu lado em busca do apoio de minha mãe,

noto que ela não está mais aqui.

— Menina. — Ele diz e sorri levemente. — Minha menina.

Meu coração parece falhar uma batida, e abaixo a cabeça, sem

poder encará-lo. Ele continua estendendo as rosas em minha direção,


porém não consigo. Ele estava me chamando de sua menina, do mesmo

modo de anos atrás, quando fui dele pela primeira vez.

— Melissa. — Insiste. Limpo disfarçadamente uma lágrima que

teimou em descer e o encaro, forçando um sorriso. — Não gostou das

flores? — pergunta, parecendo envergonhado. — Eu posso lhe trazer

outras, de outras espécies, se quiser...

— São minhas favoritas. — Confesso e pego o buquê. Cheiro-as

profundamente e sinto o seu perfume.

— Por que está chorando?

— Eu apenas não consigo acreditar. — Dou de ombros. — Não

sei como agir perto de você agora, desse novo Levi. — Aponto-o de cima

abaixo. — Você nunca...

— Eu quase morri quando senti que tinha te perdido. — Ele me

encara, e noto dor em seu olhar. Em dez anos juntos, eu jamais o vi

demonstrar fragilidade.

— Levi...

— Eu sei que fui o pior marido para você, quer dizer, o pior

homem. — Toca meu rosto com leveza. — Mas eu jamais viveria sem

você. Você é a minha menina, sempre foi.


Seus olhos verdes parecem amedrontados, e as lágrimas descem
pelo meu rosto. Ele as limpa com carinho, e não consigo desviar nossos

olhares.

— Sabe que sempre fui sua, não é? — pergunto sem jeito, e ele

abre um sorriso.

— Nada me faz mais feliz do que ouvir isso.

Penso que ele irá me beijar e já sinto meu corpo formigar por

antecipação. Tudo o que preciso nesse momento é sentir seu toque.

Porém, ele apenas se aproxima de meus cabelos e sussurra:

— Serei o homem que você merece.

Respiro fundo sentindo seu cheiro, e me apego ainda mais as suas

palavras. Depois de anos, ouvir o que sempre esperei é como um bálsamo


para tudo o que me ocorreu ao seu lado. Não entendo ainda o porquê das

ações de Levi, mas se ele diz que percebeu que me perder seria sua

morte, eu não duvidarei

Apenas quero que isso não seja um sonho.

***

 
 

Assim que os portões de nossa casa se levantam, sorrio ao ter a

certeza de que não passarei mais uma noite no hospital. O cuidado que

minha família tem para comigo é maravilhoso, mas ter de encarar aquele

quarto cinza e branco não é algo agradável.

Levi estaciona o carro e sai antes mesmo que eu possa tirar meu

cinto. Ele dá a volta, já abre minha porta, e o tira por mim.

— Sabe que posso fazer isso por mim mesma, não é? — zombo e

ele beija minha testa.

— Quero cuidar de você, minha menina. — Meu coração se

derrete no mesmo instante. — E sabe que ainda precisa de alguns

cuidados.

Saio do carro e ele passa as mãos pela minha cintura.

— Levi, não precisa de tudo isso...

— Sua mãe disse que mais tarde estará aqui. — Ele me corta e eu

bufo. Ele sorri, e antes de entrarmos, ele nos para e coloca as mãos em

cada lado do meu rosto. — Não sabe como é bom te ver bem, te ter aqui
novamente.

— Levi...
— Shiu. — Coloca minha franja atrás da orelha. — Sei que não

se lembra do que lhe disse enquanto estava desacordada. Sei também que

ainda não posso lhe contar o que ocasionou o acidente, e nem quero que

se preocupe com isso. Mas quero que saiba que quando te trouxe para

morar comigo aqui, não foi por acaso.

— Como assim? — pergunto sem entender. Ele parece se perder

nas palavras, e fecha os olhos com força, como se sentisse dor.

— Essa casa foi meu pai quem mandou construir. Ele a desenhou

detalhadamente para minha mãe. — Levo as mãos a boca, assustada, e

ele respira fundo. — Quando houve o acidente, segundo uma amiga de


minha mãe, meu pai estava trazendo-a para cá, para mostrar a ela o

presente.

Seus olhos verdes estão apagados e lágrimas descem pelo seu

rosto. Levi nunca falou comigo abertamente sobre a morte dos pais, e

muito menos sabia que essa casa foi feita por Tuan, seu pai.

— Seu pai era um romântico apaixonado, não é? — pergunto

cautelosa, e Levi abre um sorriso sincero.

— O único homem que vi como ele, foi seu pai. O amor que unia

eles...
— O amor que os une, Levi. — Eu o corto, e ele me encara sem

entender. — Nunca me pediu opinião sobre o que houve, e muito menos

falou comigo sobre isso, mas sabe o que acho? Que o amor deles é tão

forte que não teria como um deles ir sozinho. O amor deles venceu a
morte, e deixou você e Ricardo como frutos dele.

Levi não diz nada, e simplesmente me puxa para um abraço forte,

mas com certo cuidado.

— Como tive tanta sorte de ter encontrado você? — pergunta

baixinho, e sorrio internamente por suas palavras.

Ele desfaz o abraço, porém continua segurando em minha cintura.

O carinho de suas mãos logo sobe até minhas costas, e ele segura minha

nuca em poucos segundos. Encaro-o em expectativa e noto que ele

parece lutar com algo internamente. Eu me aproximo dele e seguro em

seu rosto. Sua barba por fazer me causa arrepios e solto um leve suspiro.

Olho em seus olhos, e ele abaixa a cabeça para me encarar. Tão alto e tão

perfeito.

— Amo a cor dos seus olhos. — Confesso, e ele me puxa ainda

mais contra ele.

Corpos colados e respirações alteradas. Sua boca se abre e fecha

várias vezes. Sem querer mais esperar, eu o puxo em minha direção, e ele
corresponde.

— Mãe! Pai! — Dou um pulo para trás e Laura vem correndo em

nossa direção.

Levi gargalha gostosamente, e antes que ela pule em mim, ele a

pega no ar.

— Vem aqui, princesa. — Eu a abraço com força, e sinto algo

molhar meus ombros.

Encaro-a e choro junto a ela por notar sua preocupação, pela

saudade que sinto de tê-la próxima a mim. Nunca me imaginei por tanto

tempo longe de Laura, sendo que pelo que sei, fiquei um mês em coma; e

isso somado a um mês de recuperação, fizeram com que Laura ficasse

sem mim por dois meses. Para mim, um mês já foi um martírio, mas não

queria que ela ficasse envolta ao meio hospitalar, e muito menos que me

visse ainda debilitada.

— Senti saudades de vocês. Nunca mais viajem por tanto tempo,

por favor. — Pede inocentemente.

Olho para Levi, e ele apenas assente com a cabeça, então

descubro que essa foi a história que inventaram para ela. Ele não havia

me dito sobre isso, apenas contou que preferiram não a levar para o

hospital, para que não ficasse assustada, mas com o tempo, caso eu não
voltasse, eles contariam a verdade pra ela. Contudo, eu os entendo, sei

que pensaram no bem-estar de Laura.

— Prometo que nunca mais levarei sua mãe para viajar por tanto

tempo, princesa. — Ela sorri e meu coração se enche de alegria.

Ali, parados em frente à nossa casa, minha família parece

finalmente completa. Por mais que não entenda o que ocasionou minha

ida ao hospital e o coma, nada mais me interessa agora do que viver esse

momento.

— Vamos entrar? — Levi pergunta e Laura corre para dentro.

Seus olhos me encaram sem jeito, e eu sorrio enquanto caminho

para dentro da casa. O que encontro na sala é o mesmo ambiente, o de

sempre. Marta vem até mim e me abraça com carinho. Já havíamos nos

falado no hospital, mas foi bem rápido. Ela toca de leve meu braço e sai
rapidamente, me deixando sem entender sua reação. Contudo, assim que

volto meu olhar novamente para a porta, encontro Levi me encarando.

Ele não diz nada e eu também não. Sento-me no sofá com Laura

ao meu lado, e fico apenas fingindo por um momento, não entender nada.

Por mais que ele não tenha admitido em voz alta, pela primeira vez na

vida sei que algo mudou. Algo dentro parece liberto.


Capítulo 10

“Todo esse tempo

Nós sempre andamos em uma linha muito frágil

Você sequer me ouviu (você sequer me ouviu)

Você nunca deu um sinal de aviso (eu dei tantos sinais)”[14]

Levi

 
Assisto com um sorriso bobo e de alívio em meu rosto, enquanto

Melissa conversa animadamente com sua melhor amiga, Lilian. Noto que

Clara não consegue parar de sorrir também, vendo a filha interagir tão

bem com todos. Parece que finalmente é real, que conseguimos acreditar
que Melissa venceu essa batalha.
Laura brinca animadamente com o tio, e eu apenas continuo
sentado no sofá. Foi ideia de Clara trazer todos até nossa casa para ver

Melissa, pois assim ela não estranharia a situação. O que me

surpreendeu, pois Clara foi a única pessoa além de Carla e Ricardo, que

me apoiou a trazer Mel para cá.

Eu não estranho, e muito menos ignoro, o modo protetor que

tanto Matheus e Daniel tem para com ela, assim como Lilian e Marta.

Sou culpado de tudo o que houve, não há dúvidas disso. mas agradeço o

fato de Clara me dar esse voto de confiança em cuidar de Melissa, pelo

menos pela última vez.

A campainha toca e me antecipo para abrir a porta. Assim que


abro, Carla me dá um forte abraço, e Rafael gruda minhas pernas.

— Como vai o meu garoto? — pergunto, e ele sorri animado.

— Lau está aí? — pergunta.

— Lá dentro, ela vai gostar de te ver. — Mal termino de dizer e

Rafael corre para dentro da casa.

— Fico feliz que tenha vindo. — Carla me olha com carinho.

— E eu por estar aqui. — diz e passa por mim.

Encaro meu irmão sem jeito, e ele parece simplesmente

envergonhado. Não há palavras que expressem o quanto dói ter essa


barreira entre nós. De certa maneira, sempre existiu uma armadura em

nós, criada após a morte de nossos pais. E recentemente, ela parece estar

se rompendo.

— Oi, irmão. — diz, me cumprimentando. — Como estão as

coisas? — pergunta.

— Por enquanto, tudo bem. — Ele assente e passa por mim.

Vou logo atrás de meu irmão, e vejo Carla abraçar com carinho

Melissa, que retribui da mesma forma. As duas conversam por alguns


segundos, mas logo Carla se afasta para cumprimentar a todos. Ricardo

faz o mesmo, e logo todas as mulheres entram em uma conversa.

Meu irmão se senta ao lado de Matheus e os dois conversam

sobre alguma coisa. Resolvo apenas observar tudo, pois tenho certeza de

que Matheus não quer ouvir minha voz e muito menos meus palpites.

O gritinho animado de Laura e sua risada enchem o local. Sorrio

ao vê-la correr da cozinha até mim, junto ao Rafa. Todos gargalhamos ao

ver Daniel entrar na sala sujo de farinha; ele ainda finge estar bravo.

— Vou pegar vocês dois e não terei misericórdia. — brinca. Laura

e Rafa correm em direção as escadas. — Não nasci para ser pai, tenho

certeza disso agora.

— Você está se saindo super bem. — Carla intervém.


Todos voltam a conversar, porém eu presto atenção na cena.

Daniel parece desconfortável assim que Carla se aproxima dele, porém


não a afasta.

— Estou sujo. — Mostra o rosto.

— Qual é, Dani? Sinto sua falta. — diz e o puxa para um abraço.

— Eu também. — Ele diz baixinho e a aperta com força.

Olho ao redor para ver se Melissa notou a cena, porém ela está

gargalhando junto a Marta, Lilian e Clara. Matheus parece alheio a cena,

mas tenho certeza de que notou algo a mais. Já Ricardo parece destruído.

Sem se fazer de rogado, ele sai da sala de estar e vai em direção a

cozinha. Sem conseguir me conter, vou atrás dele.

Paro no batente da porta e sinto dor ao notar o estado em que meu

irmão se encontra. Ele segura com força a ilha da cozinha, e logo leva

uma das mãos ao rosto. Ricardo sempre foi o tipo de pessoa

impenetrável, nada o abalava desce a morte dos nossos pais. Contudo,

parece que agora nem eu o conheço tão bem.

— Ric. — Ele não se vira, então me aproximo. Toco seus ombros,

segurando com força. — Não fique assim, irmão.

— Eu sei que a feri, sei que não sou o homem certo para ela... e

isso me mata por dentro. — Chora ainda mais.


— Ei, olhe para mim. — Peço, porém ele se mantém imóvel. —
Olhe para mim, irmão.

Ric me olha temeroso, e pela primeira vez na vida, não sou eu o

irmão que sofre. Eu o puxo para um abraço forte, e ele desaba em meu

ombro.

— Levi... Ah meu Deus! O que houve? — A voz de Carla se faz

presente, e meu irmão se afasta rapidamente.

Ele não pensa duas vezes e sai pela porta da cozinha, que dá para

o jardim.

— Carla...

— O que houve com ele, Levi? — pergunta assustada.

— Tem certeza de que precisa fazer essa pergunta? — Eu a

encaro de forma inquisitiva, e ela leva as mãos a boca.

— Eu não entendo. — diz ainda sem acreditar no que viu.

— Meu irmão te ama, Carla, mesmo que não acredite nisso. —

Suspiro fundo. — Ele realmente te ama.

— Eu vou falar com ele. — Antes que possa impedi-la, ela já

passou por mim.

Já confuso por toda essa situação, resolvo então voltar para a sala.

Melissa continua conversando, e eu apenas encosto no batente da porta.


Assisto-a sorrir alegremente e sinto-me leve por alguns instantes.

— Posso falar com você? — Daniel para ao meu lado e eu

assinto.

Subimos as escadas até meu escritório em silêncio, e encontro

Laura e Rafael no meio do caminho.

— Podemos ir ao jardim, pai? — pede animada.

— Assim que sua tia Carla voltar de lá, podem ir. — Digo e

ambos assentem. Não quero que estraguem a conversa de meu irmão.

Quando entramos no escritório, Daniel parece inquieto. Eu o olho

sem entender, então apenas sirvo um copo de uísque.

— Obrigado. — Toma um gole. — Vou ser direto com você; me

conhece bem e sabe que não sou de enrolar.

— Ok.

— Sabe bem que não afastamos Melissa de você pelo bem físico

e psicológico dela. — Assinto. — Mas se eu souber que ela está mal ou

sofrendo debaixo desse teto, eu juro que não pensarei antes de tirá-la

daqui.

— Entendo.

— Estou falando sério, Levi. Se eu tiver alguma ideia de que foi

atrás de Nicole...
— Eu não vou. — Eu o corto. — Posso ter ferrado tudo antes

com Melissa, e mesmo que não acredite, eu a amo.

— Pouco me importo com o que sente ou deixa de sentir.

Enquanto Mel não se lembrar e estiver se recuperando, sei que o melhor

para ela é ficar aqui. Mas sei também que assim que ela se lembrar, ela

irá pedir o divórcio. — Toma o resto do líquido. — Tenho que ir.

Daniel sai sem dizer mais nada e apenas viro meu copo de uísque

de uma vez. Ele ainda não tocou no assunto de seu passado, nem tentou

novamente depois do hospital, mas eu não irei forçá-lo... não quero

sequer pensar nisso.

O líquido queima ao descer, porém pouco me importo. O que me


machuca é saber que tudo o que Daniel disse é a mais pura verdade. Eu

perderei Melissa de qualquer forma.

***

Horas mais tarde, após todos se despedirem, apenas consigo

pensar no quão difícil tudo está sendo para meu irmão. Daniel voltou do
exterior depois de anos, e meu irmão com certeza sente medo de perder

Carla para ele. Não sou ninguém para garantir nada, mas tenho quase

certeza de que Carla jamais o deixará. Que assim como ele, ela o ama.

— Algum problema? — Melissa pergunta ao sair do banheiro, e

eu apenas nego com a cabeça. Não quero omitir nada dela, porém é

preciso.

— Apenas estou pensando o quão linda está nessa camisola. — E

realmente, ela está maravilhosa.

— Obrigada. — diz sem jeito.

Ela vem até mim e deita-se na cama. Eu a puxo para meu peito, e

ela se aninha feito uma gatinha.

— Sabe que sempre sonhei com isso? — pergunta baixinho.

— Eu também, minha menina. — Confesso e beijo sua testa com

carinho.

Seu olhar vem ao meu e suas mãos tocam com delicadeza minha

barba. Logo sua boca está próxima a minha, e sei bem o que ela quer, o

mesmo que eu tanto quero. Desvio de sua boca e beijo com carinho sua

bochecha. Quero tanto beijá-la, amá-la... tanto que chega a doer. Contudo

ainda não posso. Eu me sinto sujo simplesmente por tocá-la. Eu não a

mereço de forma alguma.


— Por que está fugindo de mim? — pergunta, e eu simplesmente

ignoro. — Qual é o problema, Levi? — Ela se afasta do meu corpo, e

logo levanta-se a minha frente.

Ela com certeza está brava.

— Mel...

— Nada de "Mel", Levi. — Ela me corta. — Você me trata pela

primeira vez como sua mulher, mas simplesmente não me toca.

— Mel...

— Eu entendo que as coisas entre nós nunca foram as melhores e

que... faz um bom tempo que não ficamos juntos, mas... — ela limpa uma

lágrima. Não chore, minha menina!

— Eu te quero tanto que chega a doer. — Levanto-me, vou até

ela, e a pego em meus braços.

— Então por que não me tem? — pergunta chorosa, e sinto meu

corpo ferver. Eu a quero tanto.

— Por recomendações médicas, Mel. — Minto.

E mentir de repente é um hábito que apenas gostaria de não ter.

— Um beijo não vai me quebrar, Levi. — Ela me empurra. —

Não minta para mim!


— Não estou mentindo. — Eu a pego pela cintura e coloco com

cuidado na cama.

Meu corpo paira sobre o seu, e minhas mãos descem por seus

braços.

— Levi. — Ela me olha em expectativa.

— Não me faça...

Sem que eu espere, ela me beija. Quando seus lábios tocam os

meus, apenas consigo corresponder.

Beijo-a com todo o amor que sinto, com toda vontade reprimida

que tenho, sentindo a culpa me invadir, e ao mesmo tempo encontrando

finalmente meu lar.

Assim que separamos nossas bocas pela falta de ar, mordo de leve

seu pescoço.

— Você acaba comigo, mulher. — Ela ri lindamente.

— Pensei que fosse sua menina. — Zomba.

— Você é... A mais terrível. — Digo, e dessa vez a beijo.

Sinto que é errado beijá-la dessa forma, sem que ela saiba de

tudo. Mas eu pararei nisso, não deixarei que vá além. Não conseguirei

amá-la sem ter a certeza de que ela me ama também... apesar de toda a

verdade, ou melhor, mentiras que me envolvem. Entretanto, nesse


momento permito-me tê-la próxima a mim, pois não deixarei que ela

acredite que não a desejo, que não a quero... sendo que tudo que sonho é

que ela seja novamente minha.

Que ela possa ser minha.


Capítulo 11

“Querido, quando estou acima das árvores

Eu vejo isso pelo que é

Mas agora meus olhos vazam chuva ácida no travesseiro

Onde você costumava colocar sua cabeça” [15]

Melissa
 

Sinto os raios de sol queimando sobre minha pele e me

espreguiço com vontade. Meu sono estava tão bom, que apenas quero
ficar aqui, dormindo o dia todo.

Quando sinto um peso a mais na cama, forço meus olhos a abrir

pela curiosidade. Surpreendo-me ao ver Levi deitado ao meu lado,


apenas vestido em uma calça de moletom, e com um sorriso sincero no

rosto.
— Boa tarde, minha menina. — diz e beija levemente meus
lábios.

— Boa tarde? — pergunto incrédula e ele assente. — Mas tinha

que levar Laura ao colégio... Espera, você não foi trabalhar?

— Desde que aconteceu o acidente, não vou a empresa. —

Confessa, dando de ombros. — E já deixei Laura no colégio, não se

preocupe com isso.

— Mas...

Deixo minhas palavras morrerem no ar e encaro o homem em

minha frente, sem reconhecê-lo. Eu posso não me lembrar do que houve

pouco antes do acidente, mas o nosso passado é claro para mim.

Levi em momento algum abriu mão de algo na empresa para

simplesmente ficar comigo. Muitas vezes viajou por dias, até mesmo
chegou a ficar meses fora; e simplesmente ligava para falar com Laura.

Muitas vezes chegou tarde de reuniões ou simplesmente não dormia em

casa. Vê-lo falar de modo tão despreocupado sobre a empresa acende

algo dentro de mim, como se eu pudesse e devesse procurar algo em meu

interior.

— Ai! — reclamo ao sentir uma forte pontada na cabeça.

— Tudo bem, Mel? — pergunta preocupado.


— Dor... — Aponto minha cabeça, sem conseguir prosseguir com

a fala.

— Um minuto, amor. — diz e corre para fora do quarto.

Deito minha cabeça no travesseiro e fecho os olhos com força.

Dói, dói muito. Algo que vem acontecendo nos últimos dois dias que se

passaram.

— Aqui, minha menina. — Ele me entrega um comprimido e um

copo d'água. — Tome com cuidado.

— Obrigada. — Digo ao engolir.

Enrolo-me novamente aos lençóis e tento manter meus olhos

abertos.

— Vou levá-la ao hospital...

— O médico disse que isso é normal, Levi. — Passo a mão pelo

seu rosto. — É só mais uma de minhas enxaquecas. Caso piore, prometo

que vamos.

— Ok. — Cede mesmo contrariado.

— Preciso apenas dormir mais um pouco. — Suspiro fundo. —

Desculpe lhe dar trabalho, não quero que largue a empresa e...

— Nada no mundo me tirará do seu lado, nunca mais! — diz

convicto e apenas me calo.


Assim, relaxo meu corpo e fecho os olhos vagarosamente. Não

tenho mais o que argumentar com ele, nem forças para conversar. Sem ao
menos perceber, caio em sono profundo.

Levi
 

Noto a respiração de Mel mais tranquila e seu corpo parece

relaxado em meio ao sono que a embala. Não consigo descrever o pânico


que toma conta de mim quando a vejo com dor. Cada segundo parece que

estou mais próximo de perdê-la.

— Eu te amo, minha menina. — Sussurro em seu ouvido.

Minha covardia ainda não permitiu que declarasse meus

sentimentos em voz alta. Temo que isso possa mudar a perspectiva de

Melissa sobre mim. Quero fazê-la me conhecer, mostrar-lhe quem sou de

verdade... mostrar a ela um lado que ninguém teve, que ninguém além

dela terá.
Deixo-a no quarto e me encaminho até o escritório. Abro o cofre
e retiro de lá os documentos que a prenderam a mim por todo esse tempo.

Uma década a prendendo contra sua vontade, usando Laura como minha

arma para não a perder.

Talvez o Levi de dez anos atrás soubesse, que se em algum

momento, ela soubesse sobre Nicole, mesmo que o mínimo, que ela me

deixaria. E fiz o pior: a prendi.

Começo a reler linha por linha dos papéis e bebo um gole de

uísque a cada cláusula estúpida. Eu a proibi de viver, de fazer suas

próprias escolhas... Tudo pelo medo. Medo de ela descobrir a verdade.

Medo de que a vida a tirasse de mim. Medo de deixá-la viver.

Eu sei que a vida é um sopro, desde o momento em que meus pais


saíram em um dia especial, e nunca mais voltaram. E isso me faz pensar

racionalmente, o que não fiz anos atrás, quando aqueles papéis foram

feitos, de que não há clausula no mundo, que possa protegê-la da vida

real.

A lembrança de sua cabeça em uma poça de sangue me atinge

com força, e minhas pernas fraquejam, fazendo-me sentar-se. Pego meu

celular do outro lado da mesa e disco rapidamente o número de meu

amigo. Eu preciso de um auxílio nesse momento.


— Soares.

— Como vai, florzinha?

— Levi? — pergunta em tom surpreso.

— Pois é, eu mesmo. Como vai, Caleb?

— Bom, no mesmo de sempre. — Faz uma pausa. — Aconteceu

algo? Desculpe, é que faz um tempo que não nos falamos, e estive
viajando muito no último ano.

— Bom, não seria o melhor advogado se não trabalhasse, não é?

— zombo e ouço-o bufar. — Na verdade, liguei porquê...— Tento

continuar, mas as palavras parecem travar em minha língua.

— Por quê? — insiste.

— Há alguns anos pedi para que Herrera fizesse um serviço para

mim, alegando que você sabia do que se tratava. Pedi para que fizesse

alguns documentos que...

— Prenderiam Melissa a você, correto? — pergunta e fico pasmo.

— Como sabe disso?

— A sua sogra falou comigo há algum tempo. Ela me contou

sobre os documentos. Pediu para que eu fosse o advogado de Melissa,

mesmo sabendo que éramos amigos desde a faculdade.


— Então sabe de todas as merdas que estão escritas nesses papéis,

não é? — pergunto nervoso.

— Merdas? Pensei que havia ligado para me persuadir a não

anular os documentos. — diz em tom surpreso.

— Pensou errado, amigo. Quero saber como faço para anulá-los,

hoje mesmo se puder.

— Levi. — Respira fundo. — Liguei para você no mesmo dia que

falei com Clara. Isso foi há um tempinho, mas não obtive resposta

alguma.

— Sinto muito, os últimos tempos não foram os melhores. —

Confesso. — Melissa... — Penso em contar sobre tudo, porém não

consigo. Nem mesmo para uma das pessoas que um dia foi meu melhor

amigo.

— Não precisa dizer nada, Levi. Podemos nos encontrar amanhã

e conversar, o que acha?

Caleb e eu temos a mesma idade. Fizemos cursos completamente

diferentes, e nos conhecemos em uma briga de bar enquanto eu fazia

intercâmbio em Londres, na época da faculdade; nada muito relevante.

Nem de longe imaginei que nos tornaríamos amigos.


Porém, um ano depois, quando voltei ao Brasil, reencontrei Caleb

nos corredores da faculdade. No fim, Daniel, Gustavo, Caleb e eu sempre

saíamos juntos. Contudo, depois da faculdade, muita coisa mudou. Assim

como eu, Caleb se casou cedo e teve de assumir as rédeas de sua família.
Daniel continuava o mesmo de sempre, e Gustavo havia se afastado antes

mesmo do término da graduação.

— Levi?

— Desculpe. — Saio de meus devaneios. — O bar de sempre?

— Ótimo. — diz. — Se quiser mesmo anular os documentos, leve-

os amanhã. Bom, não há problema em rasgá-los... os oficiais estão na

advocacia. Não sei como anda seu casamento e muito o que houve,

mas... — Suspira cansado. — Vá por mim, Levi, essa mulher te ama.

Você tem sorte, amigo.

— Eu sei. — Confesso envergonhado. — Como vai a pequena

Luna?

Caleb começa a contar sobre sua filha e me permito sorrir por

alguns instantes. Falo sobre minha princesinha e vejo que realmente

crescemos. Nossos assuntos já não são mais baseados em mulheres e

notas. Falamos de nossas famílias.

— E Victória? — pergunto curioso.


Antes que ele possa responder, gritos de Melissa me deixam em

alerta.

— Preciso desligar, Melissa acordou e... te explico amanhã. —

Desligo o telefone na mesma hora.

Chego ao nosso quarto correndo, e assim que a vejo sentada na

beira da cama, eu a puxo para meu colo. Analiso seu rosto, tentando

entender suas expressões. Desespero toma conta de mim. Será que...

— O que houve, amor? — pergunto preocupado. — A dor de

cabeça voltou? Vamos ao hospital agora mesmo!

— A dor ainda persiste um pouco, mas não é por isso que te

chamei. — diz cautelosa.

— O que foi, minha menina? — pergunto ansioso. Seus olhos

castanhos me encaram profundamente.

— Levi, por que estou com o nome de Nicole, sua secretária,

gritando em minha mente?


Capítulo 12

“Me diga, quando seu sorriso vencedor

Começou a parecer um sorriso malicioso?

Quando todas as nossas lições começaram a parecer armas

Apontadas para a minha dor mais profunda?” [16]

Melissa
 

Sinto lágrimas correrem pelo rosto e parece que um buraco se

abriu em meu peito. Tento gritar alto, porém minha voz é sufocada. Olho
ao redor e me encontro praticamente sozinha.

Parece um corredor, então o sigo. Quando paro em frente a uma

porta, tento abri-la. Tento empurrá-la com força... algo me diz que tem
algo atrás dela. Quanto mais forço, menos consigo ver. Forço ainda mais,

e um nome surge em minha mente.


Nicole...

Acordo sobressaltada e levo as mãos a minha cabeça. A

enxaqueca parece ter voltado com ainda mais força e tento me localizar.

Estou no meu quarto, em minha cama... Foi apenas um sonho. Um sonho

para lá de estranho. Porém, o nome ainda me atormenta: Nicole. Tento


me lembrar de alguém com esse nome, mas isso apenas piora minha

enxaqueca.

— Levi! — grito repetidas vezes.

Preciso de alguma resposta, o nome só pode remeter a alguma de

minhas lembranças perdidas. Em poucos segundos Levi aparece no

quarto, e não posso deixar de notar seu olhar de desespero.

— O que houve, amor? — pergunta. — A dor de cabeça voltou?

Vamos ao hospital agora mesmo!

— A dor ainda persiste um pouco, mas não é por isso que te

chamei.

— O que foi, minha menina? — pergunta, parecendo ainda mais

preocupado.

Algo então me vem em mente, de que a secretária de Levi tem

esse mesmo nome. Teria algo a ver?


— Levi, por que estou com o nome de Nicole, sua secretária,

gritando em minha mente?

Podia mentir a mim mesma e dizer que não notei nenhuma

diferença em seu semblante, porém Levi parece abalado, assustado, e

ainda mais desesperado. Algo aconteceu, tenho certeza agora; e Nicole

está envolvida.

— Levi. — Chamo sua atenção, e ele finalmente me encara.

— Não posso mentir para você. — diz abaixando a cabeça. —


Mas também não posso lhe contar a verdade.

— Mas...

— Eu espero que se lembre de tudo o que houve, Mel, espero

mesmo. — Suspira cansado. — Só peço para que não se preocupe com

os fragmentos que começarem a surgir em sua mente. O médico disse

que isso é normal, e é sinal de que logo mais se lembrará de tudo.

— Por que não me diz nada sobre ela? — pergunto já temerosa.

— Porque Nicole... — noto que ele mal consegue dizer o nome

dela. —Ela não é só minha secretária, ela é alguém do passado de meu

irmão. — Confessa e me encara. Seus olhos verdes são transparentes, e

consigo ver dor e verdade neles.

Ele não está mentindo, e isso simplesmente me assusta.


— Queria poder lhe contar tudo, mas não posso, Mel. É para seu

próprio bem.

Lágrimas de insatisfação, cansaço e raiva com toda essa situação

descem com força pelo meu rosto. Meus soluços logo se tornam altos, e

choro feito criança.

Levo as mãos ao rosto e tento me controlar, porém ao olhar para

Levi, desabo ainda mais. Assim como eu, ele chora freneticamente.

— Eu sinto muito, minha menina. — Eu o abraço com força. —


Eu sinto tanto por tudo isso.

— Eu sei. — Sussurro em meio as lágrimas, e apenas deixo

minha dor se esvair um pouco.

Antes não tinha noção de nada sobre o que houve. Agora sei que

existe Nicole envolvida em meio a isso, que tem algo a ver com meu

cunhado. Mesmo frustrada, sinto que isso é um sinal. Um sinal de que

tudo voltará para mim.

***

 
Após irmos buscar Laura no colégio, resolvo tomar um banho
relaxante e deixo com que a água me acalme um pouco. Por um instante

não quero me lembrar do nome que veio à minha mente. Apenas quero

esquecer que algo ocorreu e aproveitar os momentos ao lado de minha

família.

Saio do banho enrolada na toalha e o gritinho feliz de Laura faz

com que desvie meu caminho para a janela. Assisto-a brincar

animadamente com meu irmão e sorrio com a cena. Consigo até imaginar

meu irmão e seus filhos, pois só do modo que trata Laura, sei que será

um ótimo pai.

Vou então até o espelho e começo a pentear meus cabelos

enquanto canto uma das músicas pop antigas que adoro: Time after the

time da Cindy Lauper. Canto alto a música e me perco nas batidas que

crio em minha mente. Danço pelo quarto e uso a escova de cabelo como

microfone.

“Se você estiver perdido, você pode procurar

E vai me encontrar, vez após vez

Se você cair, eu vou te segurar

Estarei esperando, vez após vez...”[17]


 

Rodopio uma, duas, três vezes. Na quarta, apenas sinto meu corpo

se chocar com algo.

Abro os olhos e estaco ao notar o olhar encantado de meu marido.

Isso parece um dejavu da primeira vez que nos vimos.

— Dessa vez não vai jogar a escova em mim, certo? — zomba e

eu gargalho.

— Eu deveria. — Eu o desafio.

— Por que, minha menina? — pergunta. Ele enlaça minha cintura

e sorri perto de minha boca. — Por que mereço apanhar agora?

— Por ser tão... — Passo as mãos pelo seu rosto. Os olhos verdes,

meus olhos verdes. — Lindo.

— Linda. — Beija-me com devoção e posse.

Com o simples toque dele, sinto-me mais relaxada, feliz... e pela

primeira vez, amada. Algo está diferente em cada detalhe dele, e isso é

tão excitante quanto assustador.

— Tenho algo para lhe contar. — diz assim que separa nossos
lábios.

— Posso ao menos me vestir antes? — brinco.

— Prefiro você assim. — sorri maliciosamente.


— Então, sobre o que é? — pergunto curiosa.

— Faculdade.

— Como assim? — pergunto sem entender.

— Bom, queria saber se já pensou em fazer algum curso de

graduação. — diz cauteloso.

— É. — gaguejo um pouco. — A muito tempo atrás, sim. —

Confesso, não entendendo o rumo da conversa.

— Eu a inscrevi em um cursinho. — diz baixo e o encaro

incrédula.

— O que? — quase grito.

— Não gostou da novidade? — Desvencilho-me de seus braços e

ando até o outro lado do quarto.

— Está brincando comigo? — pergunto nervosa.

— Não, eu apenas queria fazer uma surpresa, e...

— Você me proibiu de estudar Levi, de trabalhar... — Eu o olho,

incrédula e quase furiosa. — Por que fez minha inscrição em um

cursinho? — minha mente gira e penso em um motivo palpável. De

repente, somos uma bagunça. — Eu não vou deixar com que fique com

Laura! — minha voz soa desesperada.


— Não, Melissa! — diz atordoado. Ele vai até uma pasta que está

em cima da cômoda, e fico ainda mais confusa.

— O que tem aí?

— Tome. — Tira algumas folhas de dentro e me entrega. Começo

a ler o documento, e logo noto ser o mesmo que assinei sem nenhum tipo

de conhecimento há anos. — Rasgue. — diz de repente e fico pasma.

— O que?

— Rasgue. — Dá de ombros. — Quero sua felicidade, Melissa; e

só agora tive coragem de admitir o quão errado venho sendo com você

nos últimos anos. Na verdade, em todos esses anos. — Ele me encara

ansioso. — Rasgue tudo isso, seja livre e realize seus sonhos. Não quero

você presa a mim por conta disso; quero apenas seu amor, Mel.

Fico ainda o encarando, desconfiada e emocionada ao mesmo

tempo. Eu havia passado anos sofrendo por não poder ir a faculdade, ou


no mínimo trabalhar... e de repente Levi se arrepende de tudo e diz para

realizar tal sonho. Isso é tão confuso.

— Você realmente me inscreveu em um cursinho? — pergunto,

ainda sem acreditar.

Esse homem em minha frente faz com que meu coração ao

mesmo tempo desconfie, o ame ainda mais. Levi apenas assente, e então
num ato corajoso, rasgo o documento no meio. Encaro-o e noto que sorri

aliviado, e sem me conter, o abraço com força.

— Não sabe o quanto isso é importante para mim. Não sei o que

mudou entre nós, mas tenha certeza de que nunca pensei que estaríamos

assim. — confesso, e Levi me encara com lágrimas nos olhos.

— Eu...

— Papai! — O gritinho de Laura nos tira de nosso momento, e

fico apenas na expectativa de ouvir as três palavras.

Três palavras que ele nunca me entregou.

— Já volto. — Beija meus lábios e logo sai atrás de nossa filha.

Sento-me na minha cama e só assim noto que continuo de toalha.


Troco-me rapidamente e ajeito meus cabelos em um rabo de cavalo.

Penso e repenso sobre tudo que houve, e tento conter o sorriso

largo em meu rosto. Porém, parece impossível.


Capítulo 13

“Querido, quando estou acima das árvores

Eu vejo isso pelo que é

Mas agora estou no meio disso, todos os anos que dei

É apenas uma merda que estamos dividindo”[18]

Melissa
 

Saio do quarto e vou em direção ao andar debaixo. Assim que

chego à sala, escuto gritos de Laura vindo do jardim. Vou até lá, e a cena
com a qual me deparo faz meu coração se encher de felicidade.

Laura está correndo do pai, enquanto ele a persegue com a

mangueira. Os dois tem uma interação tão grande que sequer consigo
imaginar algum momento que não estiveram assim. Fico algum tempo

parada, apenas absorvendo a imagem deles.


— Gatinha. — Os braços de meu irmão me rodeiam, e viro-me
pra ele. — Como anda se sentindo?

— Estou bem, sinto-me leve como nunca. — Confesso.

— Eu te amo, gatinha. — Viro-me e o abraço. — Não sabe como

senti medo de te perder.

— Também te amo, Dani. — Toco seu rosto e noto seu sorriso

forçado. — Tem algo errado? — pergunto incerta.

— Nada com que deva se preocupar. — Dá de ombros.

Seu celular toca, e assim que ele olha o visor, bufa baixinho.

— Algum problema? — pergunto.

— Apenas a recepcionista que se tornou minha assistente pessoal

mais uma vez me ligando com dúvidas. — diz claramente nervoso.

— Qual o problema? Já que ela é nova no cargo, você não acha

bom ela tirar dúvidas? — parece bem óbvio em minha mente.

— O problema é ela, por ser irritante e... — Ele fica quieto de


repente, e leva as mãos aos cabelos.

— Isso me cheira a paixão. — Brinco, e ele fecha seu semblante.

— Não sonhe tão alto, Melissa.

Só por ter dito meu nome, já sei que é um assunto proibido.

Nunca o vi apaixonado, mas pelo que parece, Dani já sofreu por amor,
tenho certeza.

— Tenho que ir falar com ela. — Revira os olhos. — Volto assim

que der, gatinha.

— Ok, boa sorte! — Ele dá um beijo em minha testa e logo sai.

Sinto realmente cheiro de paixão no ar.

Volto minha atenção novamente para Levi e Laura, e uma lágrima

solitária escorre pelo meu rosto, e lembranças do passado vem com força

a minha mente. Lembro-me de quando a peguei no colo pela primeira


vez, de como Levi ficou emocionado ao ver que a cor dos olhos dela é

idêntica aos dele. De como, mesmo com a gestação difícil, foi mágico

poder vê-la crescer dentro de mim. De que mesmo que Levi fosse meu

amor, Laura se tornou meu mundo quando descobri que a tinha em meu

ventre.

Levi finalmente me vê e sorri em minha direção. Limpo as

lágrimas rapidamente e tento disfarçar.

Ele franze o cenho de repente e eu não entendo. Dou um passo

para frente, porém é em falso, e perco o equilíbrio. Ao mesmo tempo que

tento me segurar, tento entender onde foi parar o outro degrau da escada.

Minhas mãos não alcançam o pequeno corrimão, e meu corpo vai


para frente. Tento amortecer a queda, porém sinto apenas o impacto em
minha cabeça.

— Mãe!

Ouço o grito de Laura e tento dizer algo. Logo seu corpinho está
ao meu redor e sorrio para ela.

— Está tudo bem, pequena. — Passo as mãos por seus cabelos.

— Minha menina, vem cá! — Levi me ajuda a levantar com

cuidado e segura meu rosto com as mãos. — Sente alguma dor? Bateu a

cabeça, não foi? Droga! Rafael quebrou o degrau esses dias, esqueci de te

dizer. Merda, eu...

— Ei, se acalme! — Sorrio fraco. — Não sinto dor alguma, estou

bem.

— Acho melhor irmos ao hospital e...

— Levi Gutterman! — chamo sua atenção, indicando Laura. —

Está assustando nossa filha.

— Ok, eu só...

Os olhinhos de Laura estão arregalados, com certeza se assustou

com minha queda. Sinto um certo incômodo na cabeça, mas resolvo

ignorar.

— Ei, não precisa ficar preocupada. — Falo e ela força um

sorriso. — Por que não vê se tem os ingredientes necessários para seu


lanche favorito na geladeira? Assim, posso fazer para você.

— Eba! — sorri, já mais animada.

— Vá na frente, eu preciso falar com seu pai. — Peço e ela faz


uma careta. — Vai ser rápido, filha. Vai lá! — pisco um olho em sua

direção e ela parece convencida.

Ela então corre para dentro, e nem me dá tempo de pedir para que

tome cuidado.

Viro-me para Levi, e ele me abraça com carinho, como se sua

vida dependesse disso.

— Eu sinto tanto medo. — Sussurra. — Não suportaria perdê-la.

— Levi. — Eu o forço a me olhar. — Não vai me perder. Foi só

um degrau em falso.

Ele desvia o olhar, e tento identificar o que está havendo.

— Eu não te mereço. — diz convicto. — Não mesmo.

— Levi...

— Deixe-me dizer isso. — Suspira fundo. — Eu sei que nunca fui

um bom homem, sei que nunca te tratei como merece. Mas eu era um

tolo, ou melhor, ainda sou. Agora eu sei que nada vale a pena sem você.

Eu amo você, minha menina. E sinto muito por não ter dito isso antes.
Lágrimas vem aos meus olhos e não consigo controlar. Ele disse

mesmo que me ama?

Deus! Ele disse!

— Eu te amo mais do que tudo. Sem você eu jamais conseguiria

seguir em frente. — Seus olhos estão marejados. — Espero que um dia

me perdoe por ter demonstrado o oposto disso.

— Um dia... — Toco seu rosto e seus olhos parecem sofridos. —

Eu estarei aqui para te perdoar, não é o que importa?

Poderia dizer que está tudo bem e que perdoei. Mas ainda há uma

vaga em minha mente, as vezes como um clarão, outras como um beco

escuro. E a verdade é que são tantas novidades sobre Levi, que por

alguns momentos até esqueço em como nosso casamento foi difícil.

Contudo, não posso pensar que essa felicidade não é momentânea. É uma

ilusão que não posso me apegar.

— Obrigado por existir, minha menina.

Ele então toca meu rosto e me aproxima do seu. Seus lábios

descem sobre os meus, num leve toque.

— Eu te amo. — diz novamente e me beija.

Eu me entrego ao beijo como me entreguei há uma década, em

nossa primeira vez. E como sempre, ele me faz esquecer tudo... até a dor
de cabeça que insiste em me incomodar.

Eu ainda o amo.

E agora sei que ele me ama.

E nesses poucos segundos, é o que importa.

***

Mesmo querendo comer em casa, Laura acabou nos convencendo

de jantarmos no shopping.

Assim que chegamos em casa, ela se joga no sofá e começa a

resmungar algo.

— Vem, princesa. — Levi a chama. — Para o quarto!

— Não! — resmunga. — Quero dormir aqui hoje.

— Nada disso! Vamos! — Ele então a pega e joga nos ombros.

Laura está tão cansada que sequer questiona o pai. Sorrio da cena

e vou logo atrás.


Assim que passo pelo quarto de minha princesa, vejo que ela já

"capotou" na cama. Levi beija de leve sua testa, e aproveito para fazer o

mesmo.

— Tive pena de ter que obrigá-la a colocar pijamas. — Ele fala e

eu sorrio.

— Por hoje ela pode. — Brinco.

Ele assente e vamos para nosso quarto. Jogo minha bolsa no chão

e tiro os saltos que já me incomodam. Sinto uma leve tontura, mas

consigo me manter ereta.

— Mel.

— Sim?

— O que acha de tirarmos férias? — Levi pergunta sem jeito.

— Mas eu não iria fazer cursinho? — provoco e seu semblante

cai.

— Ah, certo. Me desculpe... é que faz tanto tempo. Quer dizer,

nunca tiramos férias em família. Viajamos...

— Estou brincando, Levi. — Sorrio. — Gosto da sua ideia de

viagem.

— Sério? — pergunta, aparentemente surpreso.


— Sim. Em alguns meses serão as férias escolares de Laura, não

é? — pergunto e ele concorda. — E bom, não tão cedo poderei voltar a

estudar. Recomendações médicas, se lembra? Sem esforço.

— É verdade. — diz, já mais sorridente. — O que acha de irmos

para o Sul?

— Blumenau? — pergunto animada. Sempre sonhei em conhecer

esse lugar.

— O que quiser. — Ele vem até mim. — Pense com carinho

nisso. Quem sabe até sonhe com nossa viagem. — brinca.

— Ok, pode deixar. — Dou-lhe um beijo casto. — Vou tomar

outro banho.

Eu me afasto dele e entro no banheiro.

Deixo a banheira enchendo, e enquanto tiro minhas roupas, penso

na proposta de Levi e sorrio sozinha. Uma viagem para o sul do Brasil é

algo esplêndido. Mesmo que já tenha visitado outros lugares fora do país,

eu sempre me vi apegada a querer conhecer mais daqui.

Retiro a presilha do cabelo, e assim que encaro meu reflexo no

espelho, sinto uma pontada na cabeça.

— Merda. — Reclamo baixinho.


A passos lentos vou até a banheira, toco a água e noto que já está

quente, então entro nela. Com certeza a água me ajudará a relaxar um

pouco.

Antes de molhar minha outra mão, pego a caixinha de som que

sempre deixo do lado de fora do box, e coloco minha playlist para tocar.

Extreme preenche o ambiente com More than words e deixo meu

corpo ficar imerso por água.

Deito minha cabeça para trás e tento não fechar os olhos. Devido

ao cansaço que sinto, é muito fácil cochilar aqui mesmo. Entretanto,

novamente uma forte dor vem em minha mente e não consigo controlar.

Seguro com força a borda da banheira e tento gritar por Levi, mas nada

sai.

Apago ali mesmo.

***

 
Abro os olhos um pouco incerta e tento focar minha visão. Vejo

que ainda estou dentro da banheira e que sequer Levi veio até mim. A

música que ainda toca é More than words, e como está no fim da música,

percebo que apaguei por pouco tempo.

Levanto-me e me enrolo no roupão. Tento entender o que houve

para que tenha apagado, mas nada vem em mente. Sinto outra dor forte e

fecho os olhos com força. Como se estivesse presa em um sonho, começo


a ouvir a voz de meu irmão.

Mas não é um sonho, são lembranças... minhas lembranças.

— Você acha mesmo que vou cair nesse seu papinho de marido

infiel arrependido? Acha mesmo que Melissa vai acreditar nessa merda

toda?

— Ela pode até não acreditar, mas vou fazer com que me ouça.

Você querendo ou não, Daniel, ela é minha mulher. — Levi responde, e

sinto meu estômago embrulhar.

— Por que não conta toda verdade a ela então? De que a trai

desde sempre? — Estaco, e fico apenas ouvindo do lado de fora. —

Conte a ela que sempre teve essa obsessão sem nexo por essa tal Nicole.

— Meu irmão grita. — Acha mesmo que ela vai ser tola de te aceitar de

volta?
Minha cabeça gira, e apenas consigo pensar que tudo parece

ainda mais errado. Então meu irmão sempre soube de tudo?

— De onde tirou isso? — Levi pergunta.

— Eu descobri isso um pouco antes de voltar para o Brasil, e foi

por pura coincidência. Acredite ou não, de alguma forma Melissa

descobriria sua sujeira. — Meu irmão diz, e ao menos sei que ele não me

escondeu nada.

Era sobre isso que ele falaria comigo na noite da festa.

Seguro com força na parede e tento não perder essas lembranças.

Não, eles não estão falando disso. Só pode ser uma invenção de minha

mente.

— Eu a amo, Daniel. — Levi diz baixo.

Abraço meu próprio corpo e desço com as costas apoiadas na

parede até o chão.

— Ama tanto que vivia fodendo com Nicole?

Abro os olhos no mesmo instante e grito alto como se estivesse

sendo sufocada há poucos minutos.

A porta do banheiro se abre e Levi aparece.

— O que houve, minha menina?


Não consigo raciocinar direito, e tento me controlar, mas minha

mão vai direto para seu rosto, deixando a marca dos meus cinco dedos.

— Eu não sou sua menina. — Falo com ódio. — Eu não me

chamo Nicole!

Seus olhos verdes se arregalam e ele começa a chorar. Eu não

consigo sentir mais nada por ele no momento, apenas nojo.

Levi morreu para mim.


Capítulo 14

“Você é tão mais velho e mais sábio e eu

Eu espero na porta como se eu fosse apenas uma criança

Uso minhas melhores cores para o seu retrato

Arrumo a mesa com as coisas chiques

E observo você tolerar isso...”

Levi

 
Encaro o jardim e penso em como essa viagem será algo bom

para minha família. Lembro-me pouco dos meus pais, mas as palavras

que meu pai me disse quando observámos mamãe correr atrás de Ric

ficaram marcadas em minha memória.


— A mulher da sua vida não vai ser aquela te desestabiliza ou
estabiliza, ela será o meio termo imperfeito. Você ainda é jovem, não

entende muito bem disso, mas um dia a mulher certa vai chegar, e ela vai

olhar para você do mesmo modo que sua mãe me olha. E será ela quem

irá arrumar suas gravatas caso você puxe a mim.

Sei que na época ele me disse isso enquanto divagava sobre seu

relacionamento com mamãe, ele poderia até mesmo achar que eu não

lembraria. Contudo, eu lembro de absolutamente tudo que passei ao lado

deles. E suas palavras apenas me remetem ao remorso agora, por não ter

sido honesto com Melissa... E ter lhe proporcionado apenas o pior de


mim.

De repente ouço o grito alto de Melissa e me apavoro. Corro até a

gaveta do criado mudo e pego a chave extra do banheiro. Assim que o

abro, entro em pânico ao ver Melissa com os olhos fechados, segurando-


se na parede.

— O que houve, minha menina? — pergunto incerto e

preocupado.

Tento me aproximar, mas logo sinto uma grande ardência em meu

rosto. Melissa me encara friamente, e levo as mãos onde seus dedos me

marcaram.
— Eu não sou sua menina. — diz e meu mundo para. — Eu não

me chamo Nicole.

Arregalo os olhos, e sem conseguir me conter, começo a chorar.

Não tenho palavras para dizer nada, e apenas consigo tentar buscar algo

de bom no semblante de Melissa.

— Diz para mim o que aconteceu quando abri aquela maldita

porta da empresa. — Exige em tom baixo, mas vejo suas mãos tremendo.

— Só pode ser a porta da sua sala, pois é a última coisa que me lembro.

Continuo calado e meu choro não cessa. Não consigo admitir isso

em voz alta. Não para ela.

— Você não se lembra? — pergunto em meio a um soluço, e ela

apenas nega com a cabeça.

— Lembrei da sua conversa com meu irmão no celeiro. —

Respira fundo. — É tudo verdade, não é? Por isso ficou tão assustado

quando perguntei sobre Nicole? Você me trai com ela desde sempre? —

Continuo em silêncio, sem saber o que fazer. — Diz para mim. — Exige

novamente, e eu continuo embarbascado com a situação. — É o mínimo


que pode fazer, Levi.

— Mel, eu não posso...


— Você me traiu e agora não pode admitir isso em voz alta? —

pergunta, e sua voz se eleva.

— Por favor, me deixe...

— Se você não me disser, eu vou me lembrar. — Isso me quebra

por inteiro. — E caso isso não aconteça, eu vou procurar por Nicole e...

Caio de joelhos no chão ao ouvi-la falar de tal modo e sua fala

cessa. Não é a Melissa que conheço, não a minha menina. Sua voz é

gélida, e eu sei que mereço isso. Contudo, não posso deixá-la se


aproximar de Nicole. De forma alguma.

— Você me viu com ela. — Confesso entre os soluços e levo as

mãos ao rosto, sentindo nojo de mim mesmo.

— Eu vi você e ela...

— Mel, não...

— Eu os vi transando na sua sala? — pergunta e levanto meu

olhar, para simplesmente encontrá-la encarando a pia. Sequer consigo

negar, mesmo que não fosse exatamente isso. — Eu sempre pensei que

você era demais para mim, Levi. Sempre pensei que nunca seria o

suficiente, e vejo que eu estava certa.

— Não, minha menina, você sempre foi. — Confesso e choro

ainda mais. — Você sempre será.


— Levante daí, Levi. — Pede e se afasta ainda mais de mim. —
Chorar e se ajoelhar não vai adiantar de nada, sabe disso.

— Mas Mel, eu...

— Preciso ficar sozinha. — Pede e passa por mim.

Olho-a ir e desabo ao ouvir a porta de nosso quarto sendo aberta.

Eu esperava qualquer reação dela, menos essa. Aos poucos me

arrasto pela parede e corro para fora do quarto, tentando encontrá-la.

Como já imaginava, ela está no quarto de Laura, abraçada a nossa filha.

Olho pela fresta da porta, e como se sentisse minha presença,

Melissa se vira e me encara. Ela então se levanta e vem até a porta,

fechando-a em minha cara, trancando em seguida.

Encosto-me na porta e desabo novamente.

— Eu te amo, minha menina. — Declaro e deixo as lágrimas


descerem.

Eu a perdi.

Melissa
 

Abraço Laura e deixo as lágrimas caírem, as quais lutei

bravamente para que Levi não visse. Sei que minha primeira reação foi

violenta, mas eu não sou assim, nunca fui. Eu não sou o tipo de pessoa

que explode, apenas consigo analisar tudo e depois agir. Contudo, Levi
parece ter quebrado até isso em mim, pois minha maior vontade era de

acertá-lo a cada segundo que ouvi sua voz.

E ele admitiu o que tanto temia, o que sempre temi. Tento então

me lembrar do que vi quando abri aquela porta, mas como sempre a

escuridão é minha resposta.

Por que não consigo me lembrar?

E mesmo sem querer, consigo imaginar um pouco de como possa

ter sido. Choro ainda mais e tento controlar minha respiração, pois não

quero que ele ouça e saiba que sofro.

Ele sempre me viu sofrer todos os dias em que me negava um

simples carinho nos últimos dez anos de casados, nos momentos em que

fiz jantares e ele nunca apareceu... E até mesmo quando desisti em partes

desse casamento e simplesmente o ignorava. Porém, nunca imaginei que

ele poderia me trair, nunca pensei que seria tão covarde assim.
Ele me prendeu em um casamento onde não tinha como sair sem

perder a guarda de minha própria filha, sem poder estudar e trabalhar.

Para que? Para no fim transar com a mulher que o convinha. Sendo que

me tinha aqui, esperando por ele. Pareço tão anestesiada com essa dor,

que sei que já a sofri antes... Como se fosse apenas um flashback do que

já passei.

Um filme dos últimos dias ao seu lado passa em minha mente, de

como ele agiu do modo como sempre sonhei. Eu me tornei importante

em sua vida, sem ele sequer se importar com a empresa. Ele apoiou meus

sonhos, e ainda queria uma viagem para a cidade que sempre sonhei

conhecer. Agora eu não consigo entender o porquê disso, sendo que tudo

foi mentira, e esses últimos dias foram apenas a ilusão de um homem que

nunca existiu.

Uma ilusão que eu tanto temi.

E em meio ao choro e incredulidade, caio em um sono que me

leva a reviver um passado que me dói demais, mas o qual sempre me

mostrou o quanto errei ao entrar nesse casamento.

Era nosso aniversário de um ano de casados. Preparei o jantar e

pedi para que minha mãe cuidasse de Laura naquela noite. Estava

animada como nunca, mesmo que nos últimos tempos Levi tenha se
mostrado tão distante que sequer me beijava. Mas não era de desistir

fácil, então mostraria a ele que estava tudo bem, que estava aqui por ele.

Como já sabia que seu horário de chegada, tudo estava em

perfeita ordem às oito da noite. Eu me vesti do modo mais belo que pude

e me maquiei de forma que ficasse simples, mas elegante. Eu queria ao

menos seduzir meu marido e mostrar a ele que meu amor valia a pena.

Sentada em frente à mesa posta, esperei por alguns minutos, e de

repente os minutos se tornaram horas... intermináveis horas, para ser

mais clara.

Respirei fundo várias vezes tentando controlar as lágrimas, mas

quando encarei o relógio e vi que eram duas da manhã, senti como se

fosse meu fim. Ele não apareceria. Ele sequer se lembrou, tinha certeza.

Mesmo não querendo demonstrar fraqueza, fiquei ali, sentada,

esperando a porta da frente ser aberta, esperando o mínimo de respeito

dele, que ao menos viesse para casa.

Quando relógio marcou quatro da manhã, finalmente ouvi a

porta sendo destrancada. Encarei meu reflexo no grande espelho da sala

de jantar e senti meu mundo desabar ainda mais. Eu parecia péssima,

assim como realmente estava. Levi entrou a passos incertos e deu uma

breve olhada em minha direção. Sorri amargamente para ele e virei mais

uma taça de vinho, o seu vinho favorito. Quando ele veio se


aproximando, tentei colocar mais na taça, mas o vinho havia acabado, e

eu sequer percebi que bebi a garrafa toda.

— Melissa? — perguntou, incerto. — O que aconteceu aqui?

— Nada com que tenha que se importar, senhor Gutterman. — Ri

sem humor e tentei me levantar, mas foi em vão. Seus braços me ajudam

a ficar de pé. — Agora me diga, como estava com sua amante? —

perguntei, impedindo que as lágrimas descessem.

Eu não deveria falar a respeito disso, mas era a única opção que

me restou. Não queria acreditar que ele seria capaz disso.

— Você bebeu demais, Melissa. — disse nervoso. — Vamos para

o quarto.

Soltei-me dele, e mesmo cambaleando consegui subir as escadas

sozinha. Entrei no quarto de Laura e tranquei a porta, e sequer escutei

Levi me chamar. Sozinha, finalmente me permiti chorar.

Acordo sobressaltada e lágrimas correm por meu rosto, assim

como nas fortes lembranças que tive. Lembro-me agora do quanto me

martirizei na época pensando que ele tinha uma amante... Eu deveria ter

sido mais esperta e o confrontado ainda sã. Mas de nada adiantaria, se

mesmo que esse homem tenha sido o pior para mim, eu ainda o amava.

E nunca pensei que o amor à primeira vista pudesse ser tão cruel.
Capítulo 15

“E eu estava recuperando o fôlego

Olhando por uma janela aberta

Agarrando minha morte

E eu não tinha certeza

Eu tive uma sensação tão peculiar

De que essa dor iria durar para sempre”[19]

Melissa

 
Acordo com o corpo de Laura se mexendo contra o meu. Noto

que ela ainda dorme e saio com cuidado de sua cama. Vou em direção ao

banheiro dela e encaro meu reflexo no espelho.

Estou péssima, se não for algo pior.


Lavo meu rosto e encaro-me novamente. Não que minha
aparência esteja tão acabada, mas é como se pudesse ver meu interior.

Consigo relembrar cada momento ao lado de Levi, ano após ano

esperando pelo amor dele, o qual nunca senti de verdade, a não ser nesses

dias após o acidente.

Dói demais ver que todas as vezes que ele me pediu perdão por

algo, ele não se referiu ao passado, mas sim a traição.

— Como pode alguém pedir perdão depois de dez anos de

traição? — pergunto baixo, e o silêncio é minha resposta.

Eu entendo o lado de minha família nisso tudo, pois com certeza

por recomendações médicas me deixaram morar com Levi, para que não
estranhasse a distância.

Sento-me no chão e fico divagando sobre tudo. Então isso agora


será minha vida?

Mesmo querendo ficar me perguntando e lamentando sobre,

levanto-me e dou um jeito em meus cabelos bagunçados. Saio do

banheiro e encontro Laura na mesma posição, então deixo-a dormir um

pouco mais, já que hoje é sábado.

Assim que saio do quarto dela, assusto-me ao ver Levi dormindo

sentado ao lado da porta dela. O que ele faz aqui?


Por um momento apenas o inspeciono, tentando me enganar de

que ele não me fez isso, de que ele não me traiu. Tento forçar minhas

memórias para ver o que aconteceu assim que abri a maldita porta que

insiste em atormentar meus pensamentos; mas como sempre, apenas

sinto uma dor de cabeça.

— Mel? — Suspiro fundo e o encaro, notando que ele sente dor

ao tentar levantar.

— Laura ainda está dormindo, mas acho que vai querer ir ao


parque como prometeu a ela. — Digo rapidamente. — Vou pegar

algumas coisas e sair.

— Vai para onde? — pergunta incerto.

— Não interessa, Levi. — Respondo e respiro fundo, tentando

manter-me fria. — Cuide de nossa filha, ao menos faça isso.

— Mel, por favor, deixe-me...

— Deixar você se explicar, Levi? — pergunto e sinto as lágrimas

querendo descer. — Só me diga uma coisa, por que brincar comigo? Qual

o motivo de fazer isso?

— Eu vi você no chão molhado do asfalto em uma poça de

sangue. — Admite e lágrimas descem por sua face. — Você ouviu minha
conversa com Daniel e falou comigo, e no mesmo instante correu para o

carro e pegou a estrada em meio a chuva... Eu vi tudo, Melissa!

Fico um pouco em choque, mas logo consigo assimilar algumas

coisas. Foi essa a causa do acidente, eu ter saído dirigindo sem pensar,

após a admissão de traição dele.

— E por isso sentiu culpa? Quis enganar mais uma vez a

boazinha da Melissa até que a memória voltasse? Para quê? Para ir rir

com sua amante e...

— Eu não... Não, Mel! — tenta se aproximar, porém dou passos

para trás. — Eu me arrependi de tudo que escondi, quando você me viu

com... — Ele de repente fica em silêncio.

— Com Nicole? — indago nervosa e com nojo do homem a

minha frente.

Sinto uma forte dor de cabeça e escoro-me na parede para não

cair. Novamente a porta vem em minha mente e finalmente a reconheço

de fato: a porta da sala de Levi.

— Diz para mim, Levi. — Insisto com raiva. — Pelo menos

assuma o que fez. — Exijo.

— Eu não consigo dizer isso. — Ele apenas parece um covarde.


— O que? — olho-o com desprezo. — Conseguiu transar com ela
por dez anos, pelas minhas costas, mas não consegue admitir o que fez

em voz alta? — pergunto em voz baixa, mas sentindo novamente a raiva

me consumir.

Como ele foi capaz disso?

— Eu sei que não te mereço, Melissa. Nunca mereci, na

verdade... mas o modo como agi com você agora, foi a primeira vez na

vida que fui eu mesmo com você, e...

— Me poupe disso, Levi. — Corto-o, enfática. — Quero o

divórcio.

— O que? — pergunta em um sussurro.

Viro-me e sigo para o “nosso” quarto, encontrando a cama


intocada. Vou até o closet e pego uma grande mala, jogando dentro dela

algumas roupas que dão para passar ao menos uma semana fora daqui.

Preciso urgentemente de um lugar para morar, talvez o apartamento que

Daniel me deu há alguns anos, o qual nunca foi usado.

— Melissa, sei que não me quer mais, e eu sequer posso implorar

por uma chance. — diz e continuo de costas, ignorando-o. — Por favor,

apenas espere um pouco antes de contar isso para Laura. Ela pode

estranhar e...
— Eu sei como cuidar da minha filha, Levi. — Viro-me para ele e

encaro-o com nojo. — Se aguentei todos esses anos ao seu lado não foi

por conta do meu amor idiota e infantil por você, mas porque não queria

perdê-la. Mas o que fez... — Balanço a cabeça negativamente. — Não sei

se os papéis que rasguei realmente valem alguma coisa, mas tenha


certeza de que vou procurar o melhor advogado, e não irá sequer pensar

em tirar Laura de mim.

— Eu jamais farei isso, Melissa. Eu te amo. — Confesso e noto

sinceridade em seu olhar, porém meu interior grita em dor. A dor de uma

vida baseada em uma mentira.

A mentira de um casamento com o meu primeiro amor. Apenas...

dor.

— Eu nunca vou acreditar nisso, Levi.

Minhas palavras parecem o atingir como facas. Ele me encara,

perplexo, e apenas continua parado, observando meus passos. Queria

poder dizer que não me importo disso ser verdade, mas no fim sinto-me

ainda mais quebrada com sua aproximação e insistência.

— Pode me deixar a sós? — pergunto e escuto-o suspirar fundo.

— Eu poderia mentir e dizer que não vou lutar por você, mas eu

vou. Se você quer o divórcio, Melissa, eu te darei. — Assusto-me com


sua confissão, mas continuo arrumando as roupas na mala. — Mesmo o

divórcio não irá me impedir de lutar, porque eu te amo, Melissa. Eu te

amo, minha menina.

Com isso ele sai, deixando-me sozinha em meio as roupas.

Mesmo sem querer, desabo novamente. Lágrimas descem por meu rosto

e tento não fraquejar.

Ele está com pena.

Ele não me ama.

Tenho que me convencer disso, pois no fim, essa é a única

verdade.
Capítulo 16

“Mesmo no meu pior dia, será que eu mereci, querido

Todo o inferno que você me fez passar?

Porque eu te amei, juro que te amei

Até o dia da minha morte (...)

E eu posso ir aonde eu quiser

A qualquer lugar que eu quiser, menos para casa”[20]

Levi
 
Dias depois...

Já são nove da noite, e estou completamente sozinho em minha


casa. Os últimos dias foram difíceis, para não dizer insuportáveis. Dei todo
espaço que Melissa precisa para se estabilizar, e prometi a ela que assinarei
o divórcio, por mais não queira. Eu farei tudo o que ela quer.

Eu encontrei Caleb no dia combinado, e contei a ele parte do que


houve, aquilo que consegui admitir. Pedi então para que anulasse de vez
todos os papéis. E assim, Melissa está quase livre de mim... Só não
totalmente pois ainda não deu entrada no divórcio.

Ela resolveu passar o último fim de semana na casa dos pais com
Laura, e não sei ao certo se ela contou a eles de que se lembrou, mas pelas
mensagens que Clara me manda, perguntando sobre o bem-estar dela,
tenho quase certeza de que não... Só ainda não entendi o porquê.

Melissa quis sair de nossa casa logo após voltar da fazenda, mas
com certo cuidado consegui convencê-la de ficar por aqui ao menos
enquanto arruma um lugar para ficar, um local seguro. Ofereci-me para
ajudá-la, porém ela foi irredutível e negou no mesmo instante. E assim
restou-me apenas concordar.

Tentamos não demonstrar por enquanto a Laura o que está


havendo, pois sei que minha filha sofrerá com isso. E é o que mais temo
além de perder Melissa, fazer minha filha sofrer por conta de meus erros.

Surpresa maior foi receber ligação de Ricardo há algumas horas


avisando que Laura irá dormir em sua casa, pois ela tem uma mini viagem
amanhã com o colégio para uma fazenda não muito longe dali, e ele se
ofereceu em levá-la; já que Rafael, mesmo sendo de outro ano, também
vai. Meu irmão disse também que Melissa sabe disso e concordou. Eu
sequer sabia da viagem de minha filha. Não percebi, mas já estou me
tornando um péssimo pai.

Nesse exato momento sinto-me pela primeira vez no lugar de


Melissa. Observei-a bem nos últimos dias. Ela sempre chega por volta das
seis da tarde, ou até mesmo antes. Hoje dei o resto do dia de folga pra
Marta, e após saber que Laura não viria, preparei um jantar para Melissa e
eu, tentando ao menos sentar-me a mesa com ela. Porém, como a vida dá
voltas, aqui estou eu, completamente só. 

Quantas vezes Melissa dever ter passado por isso? Quantas vezes
deve ter notado que cheguei tarde demais, ou simplesmente não cheguei
em casa? Quantas vezes ela deve ter já imaginado eu e uma amante?
Aposto que muitas. E agora, sou eu nessa situação.

Mas e agora? Onde Melissa está? E pior, com quem ela está?

Mesmo sabendo que é errado, pego um copo e encho de uísque,


encarando o jantar que fiz ser deixado de lado. Não a culpo por isso, pois
sei que mereço esse sofrimento. E já que não tenho redenção, e não sei
como buscá-la.

Quem entenderia?

Quem poderia me entender?


O copo não fica vazio em nenhum momento, e quando vejo o
relógio já marca vinte e três horas. Sem pensar muito bem, jogo o copo na
parede e começo a beber direito do bico da garrafa.

A passos tortos, vou até o nosso quarto e pego o álbum de


casamento. Melissa estava tão linda naquele dia. Um sorriso largo
estampado em seu rosto, assim como o meu... Não posso negar mais isso.
Só pelas fotos é nítido que nos amamos... que eu sempre a amei.

Saio andando pela casa com as fotos em uma mão e a bebida em


outra. Quando me toco, já estou no chão da sala, abraçado as fotos,
chorando pelos erros, pelos acertos... Por tudo. Por ter sido um mentiroso
completo sem escrúpulos.

Quando a porta da frente finalmente se abre, apenas vejo de relance


Melissa se aproximar de mim.

— Você bebeu? — pergunta e eu sorrio para ela, vendo o quão


linda está com um simples vestido azul.

— Eu te amo, minha menina. — Apenas digo livremente.

— Levi, por que bebeu assim? — pergunta e noto-a nervosa.

Será que estou tão ruim assim?

— Eu fiz um jantar pra nós. — Confesso, e torço para que não saia
enrolado. Não posso estar tão bêbado.
— Você precisa de um banho e cama. — diz e tenta tocar em mim,
porém não permito.

— Não, minha menina. — Falo e lágrimas correm por minha face.


— Não mereço sua bondade e compaixão. Brigue comigo, Melissa.
Julgue-me como quiser.

— Não sou assim, Levi. Deveria ao menos saber disso. — Tento


me afastar, porém ela não permite. — Anda logo, não posso com seu peso,
sabe disso. Então me ajude!

Mesmo a contragosto deixo com que ela me ajude a ir até o


banheiro. Ela liga a ducha e me encara sem jeito.

— Não faça mais isso. Nossa filha poderia chegar e ver essa cena.
— Apenas assinto, e nem penso em dizer que sei que Laura não virá, para
apenas ficar observando-a.

Essa pequena proximidade com ela é a única coisa que tenho desde
que ela me pediu para sair do closet há quase duas semanas.

— Tente não se machucar. — diz e eu assinto. — A propósito,


preciso falar com você.

Sem dizer mais nada, ela sai. Entro debaixo da ducha fria e o choro
vem com força. Talvez seja a bebida induzindo ainda mais a parte de mim
que sofre por ela. Mas não tenho vergonha, eu sofro pela mulher que
amo... a mulher que não mereço.
Um bom tempo se passa e escuto batidas na porta. Percebo então
que é melhor sair antes que acabe dormindo no chão do box. Enrolo-me
em um roupão e encaro meu péssimo reflexo no espelho. Tento dar um
jeito em meus cabelos, porém estou horrível. E assim mesmo, saio do
banheiro.

Encontro Melissa sentada na cama, encarando algumas fotos


espalhadas pela cama. Ela sequer entrou nesse quarto desde que teve
lembranças, e geralmente dorme no quarto de hóspedes.

— Melhor? — pergunta de repente e me encara. Apenas assinto,


sentindo-me envergonhado. — Eu vou me mudar neste fim de semana. —
Sinto como se o mundo desabasse sobre mim. — Ainda não falei com
Laura a respeito, mas deixe que falarei com ela, ok? — pergunta, e eu
continuo parado, sem reação.

— Prefere falar sozinha com ela? — pergunto e Melissa suspira


fundo.

— Sim, para não a confundir ainda mais. — Dá de ombros e se


levanta. — Tudo bem para você? — pergunta e me encara.

— Como quiser, Melissa. — Respondo derrotado.

Ela então assente e se vira para sair; mas antes que atravesse a
porta, eu digo:

— Eu te amo.
Melissa continua seu caminho e finge não me escutar, assim como
fez nos últimos dias. Eu digo a ela todos os dias que a amo, tentando de
alguma forma mostrar algo, mas no fundo sei que o melhor é demonstrar
isso. Amor não são palavras, são atitudes. E eu preciso fazer algo a
respeito. Preciso que ela me escute. Nem que seja, apenas mais uma vez.
Uma última vez.

***

Quando acordei nessa manhã, jamais pensei que tudo pareceria

ainda pior. Após colocar meu terno e tentar inutilmente arrumar minha
gravata, assim que saí do quarto, vi de relance Melissa seguir para dentro

do quarto com uma mala.

Ela já começaria a mudança hoje mesmo.

Mesmo sentindo-me péssimo, tenho que ir trabalhar e enfrentar o

mundo, já que não sei nem como lutar pela mulher que amo. O dia na
empresa é infernal, e sinto-me perdido sem uma secretária, já que a minha

está de licença maternidade. Nicole, mesmo sendo minha assistente por um


tempo, apenas ficou ali para me infernizar. E desde aquela conversa no
hotel, nunca mais entrou em contato.

O que me assusta, ao mesmo tempo, que me deixa mais livre.

Mesmo a trancos e barrancos, consigo fazer algo em minha sala.


Assino vários papéis e organizo-me como posso nesse dia que parece não

ter fim. Olho em meu celular as horas e noto que já ultrapassei o horário
que geralmente saio daqui, quer dizer, o horário que aderi por agora, já que

antes nunca tive um horário fixo.

Laura está viajando com o colégio, e pelo que consegui conversar

com minha cunhada mais cedo, os alunos foram para uma espécie de
acampamento mirim e voltam amanhã. Não sei nem como Laura não me

disse nada sobre, ou até mesmo Melissa. Acho que devem tê-lo feito,
principalmente Laura, mas como estou alheio a tudo, devo apenas ter

concordado e me esquecido.

Finalmente saio de minha sala e vou em direção ao elevador, que

chega em alguns segundos. Levanto meu olhar assim que as portas se


abrem, e me assusto com a cena que vejo.

Daniel está praticamente se escondendo atrás de uma jovem

morena, a qual se não me engano, é a recepcionista que se tornou sua


assistente pessoal provisória. E pior, ela está corada e com os cabelos
bagunçados. Mas como não tenho um porquê de me intrometer, entro no

elevador e apenas cumprimento-os com a cabeça.

Assim que entro em meu carro, decido por pegar o caminho mais

longo para casa, o qual tem um dos restaurantes que geralmente almoço,
mas que hoje teria de ser meu jantar, já que tenho quase certeza de que

Melissa não aparecerá em casa tão cedo, assim como tem feito todos os
dias.

Estaciono meu carro em frente ao Chandel, o restaurante de um dos

primos de Caleb, Pedro. A comida daqui é excelente, e é um dos poucos


lugares que gosto de vir.

Entro no restaurante já pensando no que comer, e tentando ter fome


para isso. Nos últimos dias não tenho comido corretamente, dando lugar a

bebida em meu organismo.

Vou até o balcão e peço para que guardem uma mesa para mim, já

que resolvo ir ao banheiro antes de comer. Assim que siga para o corredor
dos banheiros, escuto a voz uma voz conhecida e fico incrédulo.

Volto alguns passos e vejo uma porta fechada, escutando

novamente a voz.

Não, eu devo estar pirando!

Fico algum tempo apenas parado, tentando ouvir mais alguma

coisa, porém não escuto nada, e assim constato que estou realmente
enlouquecendo, ouvindo a voz de Melissa em todos os cantos.

Sigo para o banheiro e lavo minhas mãos, passando um pouco de

água no rosto para ficar mais calmo. Quando finalmente me sinto melhor,
saio do banheiro e estaco assim que levanto meu olhar, encontrando a

mulher que amo abraçada a Pedro.

O que?

Lágrimas se formam em meus olhos, mas a raiva é maior e me

cega. Antes mesmo de pensar direito e dos dois me verem, puxo Pedro do
aperto de Melissa e o acerto com força, derrubando-o no chão.

E por um segundo, sequer penso no que realmente estou fazendo.

Quem sou eu? O que me faz ser assim?

— Para, Levi! Por Deus, para! — Escuto os gritos de Melissa, e já

possesso de ódio, paro no mesmo instante de bater. Viro-me para ela e


sinto-me sujo, renegado, com raiva. — O que pensa que está fazendo? —

ela pergunta e tenta ajudar Pedro a se levantar.

Dor toma conta de mim.

— O que você pensa que está fazendo? — pergunto com raiva. —

É minha mulher e fica como? Defendendo seu novo amor?

As palavras saem de minha boca antes mesmo que eu possa

impedi-las. Os olhos magoados de Melissa mostram-me o quão baixo e


idiota fui. Abro a boca para dizer algo, porém sou impedido por um soco

direto em meu rosto.

— Nunca mais! — Pedro grita. — Nunca mais a trate dessa

maneira!

A dor do soco, poderia ser pior, e me enterrar ali mesmo. É tudo o


que consigo pensar, ao processar o que realmente disse.

Apenas observo Melissa abraçada a ele, e o modo como me olha,


com medo, faz com que me sinta um monstro. E no fim, acho que foi isso

que me tornei.

Saio do restaurante e paro na primeira conveniência que encontro,

comprando várias garrafas de uísque. Sem me importar com mais nada,


vou até meu velho apartamento e por lá fico. Abro a primeira garrafa e

sorrio, olhando para todas as outras lacradas.

Será uma longa bebedeira.


Capítulo 17

“Faz muito tempo

E ver a forma do seu nome

Ainda soletra dor

Não foi correta

A forma como tudo aconteceu

Parece que você sabe disso agora”[21]

Melissa

 
— Você está bem? — Pedro pergunta abraçado a mim, e eu

assinto.
— Me desculpe por isso. — Toco seu rosto e me afasto. — Estou
morta de vergonha.

— Esse cara é louco! — ele diz e eu fico ainda mais perdida.

— Acho que precisa de gelo nesse rosto. — Tento brincar e ele

sorri para mim.

Felizmente, ele não me odeia.

— Senhor Soares, eu gostaria de...

Viro-me em direção a voz feminina que se calou e encontro uma

mulher loira de olhos azuis. Encaro Pedro inquisitiva e ele dá de ombros,

confirmando o que já sei. Ela é a mulher pela qual ele me contou ser

apaixonado.

Pedro e eu nos esbarramos de novo quando fui ao apartamento de

Lili, e assim combinamos de nos ver para conversar. Resolvi então vir

hoje ao restaurante, comer algo, mas acabamos conversando dentro de

seu escritório, já que ele está cheio de trabalho.

— Desculpe, eu volto depois. — A mulher diz, e praticamente

corre pra longe de nós.

— Ela não gostou de mim. — Digo e sorrio pra ele, o qual parece

decepcionado.

— É isso que ela sempre faz, foge de mim. — diz frustrado.


— Acho que há mais nessa história do que me contou. — Instigo-

o, e ele me encara envergonhado. — Ok, não vou forçar nada.

— Lola é uma incógnita para mim. Não sei se ela me ama ou

odeia, ou pode até mesmo não sentir nada. — diz.

— Bom, pela reação dela ao me ver com você, tenho quase

certeza de que ela sente algo... e acho que pode ser ao menos paixão. —

Falo e ele abre um pequeno sorriso. O que ele não sabe, e que quase

ninguém de fato imagina, é que eu tenho um feeling sobre esse tipo de


coisa. Mesmo que claramente, nunca tenha funcionado comigo.

— Você acha, candy? — pergunta, já mais animado.

— Conquiste-a, Pedro. — Bato em seu ombro. — Tenho que ir,

tenho que pensar em como falar com Laura amanhã sobre minha

separação com o pai dela, e acho que isso não vai ser fácil.

— Devia pedir a ele para falar com ela juntamente a você. —

Sugere. — Deve ser difícil, Mel.

— Muito.

Logo me despeço de Pedro e vou para casa que será minha

moradia por poucos dias. Começo a arrumar algumas coisas de Laura em

seu quarto, aproveitando que ela está viajando.


Arrumei o apartamento que meu irmão me deu de dezoito anos, o

qual pensei que no fim daria para Laura, mas agora será nossa nova casa.
O lugar está impecável, e por isso não terei que demorar muito para

poder me mudar para lá. Basta agora falar com Laura a respeito. Sei que

ela já notou a minha distância de Levi, mas deve estar imaginando que é

apenas mais uma briga. Espero apenas que ela não sofra tanto com isso,

mesmo sabendo que é inevitável.

Marta deve estar em seu quarto estudando, e nunca me senti tão

só nessa casa. Por mais que tenha tido dias tristes aqui, eu adoro o lugar.

Penso agora sobre o que Levi me contou, da casa ter sido projetado por

seu pai de presente para sua mãe. É uma linda declaração de amor. Quem

me dera um dia ter um amor assim.

Fico pensando a respeito de tudo entre nós, sem conseguir

discernir ainda ao certo como agir. Ainda não falei com o advogado, mas

acho que também não demorarei. Fico questionando a mim mesma se

realmente o amo, se isso que estou sofrendo é por um amor que ainda há

em mim, ou por tudo que sonhei por nós dois.

As horas passam e deixo algumas coisas arrumadas. Sigo para a

cozinha e como apenas um biscoito, sem ter sequer a vontade de fazer

algo para comer.


Sentada na cozinha, começo a repassar várias coisas em minha
mente. Penso nos últimos dias e sei que não estão sendo fáceis. Viver sob

o mesmo teto que Levi faz-me sentir suja, e não consigo não lembrar a

cada segundo da sua traição.

Tentei me lembrar sobre o que vi, sobre tudo que houve, mas a

conversa dele com meu irmão é a única coisa que veio à mente. O resto é

vazio, escuro, e sem nenhum nexo. Há momentos que penso ser melhor

assim, já que não está sendo fácil ao menos imaginar o que aconteceu,

então imagine só me lembrar da cena ao vivo e em cores?

Tomo um remédio para enxaqueca e subo as escadas, indo para o

quarto de hóspedes. Ajeito-me entre a cama e os edredons, pensando em

olhos verdes que tanto me magoaram, mas que ainda me prendem tanto.

— Será que ainda o amo? — pergunto ao quarto vazio.

E com essa pergunta, adormeço.

***

 
Acordo com o toque de meu celular. Meio desorientada. levo

minha mão até a mesa de cabeceira e o pego. Levando-o em seguida a

orelha.

— Alô. — Falo limpando os olhos.

— Bom dia. — Escuto uma voz feminina desconhecida.

— É, bom dia. — Respondo ainda meio perdida, mas já quase

desperta.

Olho meu celular rapidamente e noto que já são oito da manhã.

— Desculpe, mas com quem falo? — pergunto.

—Na realidade, deveria se perguntar sobre quem se casou. — diz

e eu me assusto.

— O que? Do que está falando? — pergunto confusa, e já me

levanto da cama.

Silêncio se faz do outro lado e fico preocupada. Vou até o quarto

de Levi e bato algumas vezes, porém ele não abre. Abro a porta e

encontro o quarto vazio.

— Alô? — insisto. — Ok, eu vou desli...

— Não pense em terminar essa frase, afinal não queremos que a

princesinha de olhos verdes se machuque. — diz e fico estática.


— O que? Do que está falando? Quem é? — pergunto

desesperada.

Desço as escadas correndo e busco Levi pela casa, porém ele não

está.

— Nicole? — arrisco e a pessoa gargalha.

— Não é tão burra como pensei. — Fico completamente sem fala.

— O que quer com minha filha? — pergunto nervosa e procuro

por Marta em seu quarto.

— Primeira coisa, que deve prestar atenção. Não quero nada da

sua filha, quer dizer, quero sim... — diz e paro no mesmo instante. —

Quero Levi.

— Você pode tê-lo, quando quiser. — Rebato. — Já sei que são

amantes e todo o resto, e ele está livre para você.

— Uma pena que não é o que parece... — ouço sua risada. — Por

que não termos uma conversa, cara a cara, boazinha Mel?

Marta sai do seu quarto no mesmo instante e me encara

inquisitiva.

— O que houve, Mel? — ela pergunta, porém, ignoro.

— Nicole, não preciso te encontrar, isso já está mais do que

resolvido.
— Avise então o seu ex-marido de que ele é ex, e é melhor me

encontrar no lugar de sempre, se não... Senão eu sei exatamente onde

encontrar tanto a pequena de olhos verdes, quanto o meu filho.

A ligação é desfeita, e fico em choque.

Filho?

Que filho?

Dito isso, ela desliga. Entro em pânico e tento discar o número de

Levi, o qual infelizmente vai para a caixa postal.

— Mel, o que está havendo? — Marta pergunta perdida e eu

começo a chorar. — Calma!

Escuto a porta da frente sendo aberta e corro para o outro andar. 

Chegando lá, Levi me encara assustado, e eu tento me acalmar para dizer

algo.

— Melissa, o que houve? — pergunta.

— Nicole me ligou. — Digo e ele arregala os olhos. — Ela está

ameaçando Laura e... o filho dela? — pergunto perdida. — Não sei o que

ela quer realmente, mas dê um jeito disso. Eu a quero e qualquer um que

possa machucar minha filha, longe.

Vejo então a expressão dele mudar por completo, enquanto eu

disco o número do celular de Rafael, que atende rapidamente. Graças a


Deus!

— Oi tia.

— Oi pequeno... — tento disfarçar o nervosismo em minha voz.

— Tudo bem com você? E com a Laura?

— Sim, vamos fazer uma atividade na piscina daqui a pouco. —

Fala, e parece completamente alheio a tudo. — A senhora quer falar com

a Lau?

— Sim, por favor.

— Oi, mamãe! — sua voz é como um alívio para a alma. — To

com saudade.

— Eu também, pequena. — Respondo, e vejo de relance Levi


falar algumas coisas no telefone e eu começo a me sentir mal. — Só

liguei para saber se estava tudo bem... Promete me ligar a noite, como

sempre?

— Sempre, mamãe.

— Eu te amo, pequena.

— Eu também. — Ela responde, e desfaz a ligação no celular do

primo.

Meu olhar para em Levi que acaba de tirar o celular da orelha.


— Eles terão a segurança dos Morgan, que protegem os Soares há

anos. — Fala, e assinto. — Fique tranquila, ninguém vai chegar perto da

nossa filha.

— Apenas... — solto o ar com força, derrotada. — Como alguém

pode manipular tão facilmente por uma ligação?

— Eu vou... — vejo-o suspirar fundo. — Vou encontrá-la agora e

resolver isso.

— Apenas a deixe longe da nossa filha. — Olho-o como uma

ordem clara. — O resto, eu não me importo Levi.

— Eu sinto muito por isso. — Sua voz mal sai. — Eu vou

protegê-los, é uma promessa.

Ele então sai, e eu fico ali, tentando conectar os pontos.

Por que ele disse no plural? Por que os proteger?

Senão eu sei exatamente onde encontrar tanto a pequena de olhos

verdes, quanto o meu filho.

Uma pergunta então se instala em minha mente: de que filho

Nicole está falando?

— Marta... — chamo minha amiga, que parece assistir a cena

totalmente confusa. — Já perseguiu alguém na vida?

— Tipo filme?
— Exatamente. — Respondo e ela nega de imediato. — Gostaria?

Então um sorriso se abre em seu rosto.

— Aonde vamos?
Capítulo 18

“Que Deus me abençoe

Eu sinto falta de quem eu costumava ser

O túmulo não fecha

Vitrais manchados em minha mente

Eu me arrependo de você o tempo todo”[22]

Levi
 
Assim que saio de casa com o celular de Melissa, olho para o

número que ligou para ela. Noto que Nicole sequer usou o confidencial,
ela quer realmente ser encontrada.

Respiro duas vezes, antes de ligar para o número.

— Lembrou de mim, querido?


A pergunta de Nicole me faz engolir em seco e apenas saio com o
carro, notando que Isaac Morgan já me encaminhou uma localização.

Nicole está perto... muito perto da minha filha.

Merda!

— Por que ligou para Melissa, Nicole?

— Porque parece ser o único jeito de te encontrar... — sua

resposta é como um tormento. — De todos esses dez anos, nunca


estivemos tão longe um do outro.

— Sabe muito bem o porquê de termos estado perto. — Rebato, e

dirijo o mais rápido que posso, mesmo sabendo que pela mensagem que

chega, os seguranças já estão perto de encontrar Nicole.

— Ainda vivendo do passado, querido?

— Tudo o que você me fez fazer foi viver assim. — respondo,

segurando o ar com força. — O que realmente quer, Nicole?

— Olhos verdes como os seus, contam?

— Fique longe de Laura! — minha voz sai em completo

desespero. — Fiz tudo o que me pediu, então fique longe da minha

família, porra!

— Muito mal-educado para o meu gosto... — ouço-a rir baixinho.

— O que Ricardo pensaria do irmão mais novo assim?


— Fique longe dele.

— Ou o que Rafael pensaria, do tio que fala assim com a mãe

dele?

— Carla é a mãe de Rafael, e nós dois sabemos disso.

— Ele cresceu no meu corpo, Levi. — Sua voz se torna fria. —

Então, eu sempre vou ser a mãe dele, vocês querendo ou não...

— Não me importa o que você acha, Nicole. — Rebato, e

finalmente avisto a entrada da fazenda onde Rafael e Laura estão


passando esse tempo, e não tem ideia do que acontece ao redor. Na

realidade, apenas eu tinha. — Fique longe dele.

— Mas estou tão perto...

— Nicole...

Ouço então o barulho de algo caindo, e quando finalmente desço

do carro, avisto a pequena casa, que fica há alguns metros da colônia de

férias, e vejo os cabelos loiros de Nicole, que está sendo segurada por

Isaac.

Travo quando vejo, que Laura está próxima a cerca que separa a

fazenda da colônia, do restante do local, olhando para a mulher loira a

sua frente, que sorri em sua direção. E minha filha, acaba sorrindo para
ela também.
Fico estático, e vejo o momento que uma das professoras traz

Laura para perto de si, a tira dali, chamando sua atenção por se distanciar.

Quando Isaac desce a pequena estrada de terra, como se abraçado

com Nicole, mas claramente segurando-a contra si, vejo que ele tem uma

arma colocada em sua calça.

— Ela estava armada. — Isaac fala, e eu quase perco o ar. —

Vamos levá-la para longe daqui.

— Sabem que eu posso chamar a polícia e...

— E o que? — É Isaac quem rebate. — Alegar que estava com

porte de arma ilegal, próxima a crianças?

Ela se cala, e vejo-o levá-la consigo, até o carro que finalmente

vejo, preto e com os vidros totalmente escuros também. Ele entrega

Nicole para alguém segurar, a qual parece apenas se deixar ir com a

maré.

Como ela consegue ser assim?

Uma pergunta que eu jamais terei resposta.

— Vamos ficar de olho nela. — Isaac fala, e eu assinto. Ele é da

equipe de segurança que protege a Família dos Soares e outras tão


importantes quanto, há muitos anos. — Mas o ideal, no momento é que

fiquem perto um do outro, sem rotinas novas, para que não se torne fácil.
— Eu... obrigado, Isaac. — Falo, e ele assente.

Volto até meu carro e me encosto contra o mesmo, vendo o deles

sair de perto. O meu pesadelo começou há dez anos, e parece que nunca

terá fim, mesmo agora. Apenas uma pergunta ronda minha mente: como

eu poderia explicar tudo isso a Melissa, se nem mesmo eu, em tanto

tempo, encontrei alguma explicação?

Melissa
 
O fato é: não somos boas perseguidoras.

Ficamos perdidas no meio do caminho, até eu me ligar de que a

estrada pela qual íamos, daria exatamente onde Laura está. Vejo um carro

preto passar por nós, e começo a criar mil teorias em minha mente, que

caem por terra, quando avisto Levi, encostado contra o seu carro.

— Vou parar aqui. — Marta fala, e para próxima a uma árvore.

Olho-a de relance, e suspiro fundo. — O que foi?


— Fico pensando se... — nego com a cabeça. — Isso realmente

importa, sabe?

— Saber o que está acontecendo?

— Estou aqui porque não sei o que esperar de alguém que o

homem que eu amei, passou anos tendo um caso... — assumo, e a dor

passa por cada parte do meu ser. — Ao mesmo tempo que, quando olho

para ele... — levanto o olhar, notando que ele parece perdido em seu
próprio mundo e claramente quebrado. — Ele parece esconder tantas

coisas, Marta.

— Um casamento é feito de verdade e confiança, não é? — sua

pergunta me acerta. — O amor não é tudo, Mel.

— Eu sei. — Solto o ar com força. — Hoje, eu sei.

Saio do carro, e só assim Levi parece notar a presença de outra

pessoa ali.

— Melissa...

— Eu fiquei preocupada, e resolvi te seguir. — Comento, parando

a certa distância dele. — O que está acontecendo?

— Nicole... Nicole estava aqui, perto das crianças e... com uma

arma. — Sua voz soa falha. — Eu não sei como explicar isso, eu sequer

entendo.
Fico refletindo sobre, e de repente, sinto-me dentro de uma

novela mexicana. E o final delas, em sua grande maioria, nunca é o que

espero.

— Como Laura está? — pergunto alarmada.

— Ela está bem, Rafa também... — assinto. — Os Morgan foram

mais rápidos, e levaram ela.

— Então nossa filha está em perigo? — indago, minha voz baixa

e quase trêmula.

— Todos nós estamos, mas principalmente ela. — Fecho os olhos

com força, e seguro-me para não explodir e culpá-lo por isso. — Sei que

a culpa é minha, Melissa.

Abro os olhos, e vejo a forma com os verdes dele estão

completamente apagados.

— Eu deveria proteger Laura, e deveria proteger você..., mas aqui

estamos.

— Não adianta lamentarmos, adianta? — dou de ombros,

tentando não pensar muito e cair em algum jogo. Tudo dentro de mim se

embaralhando. — Como vamos resolver isso?

Ele me encara, como se sem saber o que responder. E por um

segundo, tudo o que consigo sentir por ele é pena. Mesmo que meu
coração ainda lute, por alguma parte que existe da Melissa de dezoito

anos, que se entregou a ele. Eu apenas sinto pena do homem que um dia,

achei que era o amor da minha vida.


Capítulo 19

“Segunda, terceira e centésima chances

Se equilibrando em galhos quebrados

Aqueles olhos somam insultos à ferida”[23]

Levi
 
Semanas depois...

Passo as mãos nos cabelos de minha filha e ela sequer se mexe


em sua cama. Hoje foi sua primeira consulta com o psicólogo, e

felizmente ela parece ter gostado. Um jeito de tentar fazê-la ter a melhor
transição, do que parece inevitável – o fim do meu casamento com
Melissa.

O fim de nós.

— Ela dormiu?

Viro-me em direção a porta e assinto para Melissa, que abre um

pequeno sorriso. Beijo de leve a cabeça de Laura e arrumo as cobertas ao

redor dela, tentando deixá-la mais confortável.

Assim, deixo a luz noturna ligada e saio do quarto. Melissa passa

por mim, entrando no quarto de nossa filha, e novamente vejo o quanto

ela ainda me evita.

Vou para o meu quarto e começo a tirar a camisa, já que tudo que
preciso hoje é um bom banho. Entretanto, mesmo com o fato de estarmos

protegidos, seja de quem for, ainda me sinto em alerta a cada instante, a


cada relatório que Isaac Morgan me entrega.

O mais recente, diz que Nicole foi para fora do país, o que me
traz alívio, ao mesmo tempo que, medo de a qualquer momento, ela

apenas voltar. E se ela voltar? E se ela sempre voltar?

Eu sabia a verdade.

Eu sabia que ela sempre voltava.

Pelo meu irmão. Pela minha cunhada. Pelo meu sobrinho.


Sento-me na cama e levo as mãos à cabeça, sentindo-me perdido

e tentando realinhar minha mente. Lembrar-me, de quando cheguei, e vi

de relance Nicole sendo segurada pelos seguranças, e Laura assistindo a

cena, da piscina que estava... Se Nicole tivesse chegado perto com a arma

que carregava?

Por que ela carregava uma arma?

Perguntas que me rodeiam, mas que sequer as fiz. O medo que eu

sentia por anos, pela minha família, agora em dobro. Pensando que por
mais que eu tentei fazer o correto, no final, todos podem se prejudicar, e

Laura está no meio disso.

Penso em Melissa e em como as coisas têm sido difíceis para ela.

Desde que lhe contei sobre o que vi, sobre o que Nicole carregava. Eu

vejo a forma como ela me culpa silenciosamente, ao mesmo tempo, que

parece ter pena. Ter a mulher que você ama com pena, não é algo que

qualquer um queira. Porém, consigo imaginar que é melhor do que a

indiferença.

Por segurança e próprias recomendações dos Morgan, ela estava


ainda debaixo do mesmo teto que eu. Por Laura – lembro do que ela

disse, quando Isaac falou a respeito.


Contudo, quando ela me disse que ficaria aqui por isso, pensei

por um segundo que poderia tentar conversar com ela a respeito do que
aconteceu; mas até agora, cerca de duas semanas depois, ela não me deu

sequer uma oportunidade. Apenas fala comigo a respeito de Laura e de

repente se afasta.

E não posso culpá-la.

Dez anos sem lhe dar a chance de uma conversa, para querer

cobrar-lhe algum espaço no momento que ela menos me imagina por

perto?

Não tenho ido a empresa, pois Daniel acabou ficando com a

responsabilidade de gerir tudo por lá por enquanto. Mesmo assim ele me

manda os papéis que precisam de minha assinatura e pede para que releia

alguns contratos, mas não tenho feito nada além disso. Cuido de minha

filha, assino papéis, e observo Melissa de longe.

Em nenhum dos dias que se passaram Pedro veio até nossa casa.

Pensei que em algum momento ele apareceria, e até agora temo por isso.

Ainda sequer consegui pedir perdão pelo que disse para ela quando a vi
abraçada a ele. Mesmo assim, ainda me pergunto se eles têm algo ou não

pois a cada dia que passa, por mais que Melissa esteja sob o mesmo teto

que o meu, eu a vejo se distanciar ainda mais.


Porém, não é porque há alguém. A realidade é que pode existir,
mas quem a distanciou fui eu. E não sei se nem mesmo a verdade pode

fazer-lhe dar alguns passos para perto. Apenas consigo imaginá-la, ainda

mais longe.

Batidas na porta me surpreendem.

Levanto-me e vou em direção a ela, abrindo em seguida.

— Oi. — Melissa diz e engulo em seco.

— Oi. Algum problema? — pergunto, estranhando o fato dela vir

até meu quarto.

— Na realidade, quero conversar com você. — diz e eu a encaro

sem entender. — Falei com Carla hoje e ela me falou a respeito de Nicole

ser a mãe biológica de Rafael.  — Suspira fundo. — Não quis perguntar


nada a mais sobre isso para Carla, porque vejo o quanto ela está

sofrendo; mas queria saber se você pode me contar sobre isso.

Encaro-a por alguns segundos e analiso seu semblante. Melissa

não parece mexida com o assunto, e apenas prende os braços ao redor do

corpo como se abraçasse a si mesma. Ela demonstra frieza em suas

palavras, mas sei que há algo que a atormenta.

— É verdade. — é tudo o que consigo dizer, falhando

miseravelmente em me abrir. — Estamos falando da mesma Nicole. —


Assumo, segundos depois.

Noto o quão insegura está a minha frente agora, e ainda mais

nesse quarto, o qual mesmo não nos tendo feito tão feliz, sempre foi

nosso.

Ela então me encara e força um sorriso, esperando alguma atitude

minha. Limpo a garganta e sento-me na poltrona ao lado da cômoda,

encarando-a por alguns segundos. O que eu posso dizer? Por onde devo
começar?

Porém, o toque de um celular em silencia, e fecho a boca que

deveria estar aberta por todo aquele momento.

— Sim, Lili. — Vejo-a sorrir, pela primeira vez, verdadeiramente.

— Pode aparecer quando quiser, sabe disso. — Ela escuta algo e faz uma

careta. — Laura vai amar... e eu também.

Não consigo parar de olhá-la e vejo o quanto ela parece diferente

agora. Em poucos segundos com a amiga ao telefone, parece mais livre,

feliz e calma, do que dez anos ao meu lado.

— Obrigada novamente por ter chamado os Morgan e protegido

Laura. — diz de repente, logo após desligar o telefone, e sua expressão

muda por completo.

— É minha culpa de que Nicole... tenha tentado se aproximar.


— Posso parecer alheia as coisas, mas tem detalhes que não se

encaixam... — falou, e engoli em seco. — Eu fui com Marta, segui você

e sequer o vi se aproximar de Nicole. Como você tem uma amante por

dez anos e não se esforçar nem um pouco? — indaga, como se fosse

simples assim.

— É mais complicado do que parece, eu acho. — Admito, e ela

ainda me encara.

Vejo como sua expressão é triste, pesada e desconfiada. E tudo

que consigo pensar, é que ela merece a parte calma, livre e feliz, nada

diferente disso.

— Não devia sequer estar perguntando, eu sei. — Admite,


olhando-me profundamente. — Mas não quer me contar algo? Nada

mais?

— Por que faz isso? — pergunto e me levanto. — Por que

continua sendo tão doce e boa? — Levo as mãos ao cabelo, já

angustiado. — Não mereço você, Melissa. Nunca mereci, e você

continua...

— Eu sou assim, Levi. — diz e dá de ombros. — Eu confesso que

estou magoada e que a cada dia dói um pouco mais pelo que me fez, mas

eu não posso julgá-lo por nada... não sou ninguém para isso.
— Você é tudo, Melissa. — Confesso nervoso. — Não sabe o que

me causa vê-la falar de repente assim comigo, como se...

— Querendo entender o que houve? — Ela sorri sem vontade. —

Eu guardo minha dor para mim, assim como você. Do mesmo modo que

tranca a dor pela morte de seus pais e se mata por dentro em culpa, eu

tenho meus próprios medos e demônios.

— Isso significa que nunca poderá me perdoar, não é? Que assim

que os Morgan nos disserem que tudo bem morarmos separados, já vai se

mudar? — a minha pergunta mal sai.

— Não posso dizer que sinto muito. — Ela suspira fundo e olha

em direção a porta. — Eu pensei, realmente, que tinha enxergado mais

alguma coisa em toda essa situação. E pode até ter, mas você não vai me

dizer, vai?

Não consigo sequer responder, apenas negando com a cabeça

completamente derrotado.

— Eu te amo. — Confesso baixo, e pela primeira vez vejo-a

falhar um passo. Mesmo assim ela sai do quarto.

Vejo-a então sair, após dar a chance que eu sequer mereço, e

odeio-me ainda mais. Por quê? Por que tem que ser tão difícil assim?
Capítulo 20

“Porque eu te conhecia

Entrando no último trem

Me marcou como uma mancha de sangue, eu

Eu sabia que você

Tentou mudar o final

Peter perdendo Wendy”[24]

Melissa

 
Vejo-os de longe, sorrindo em direção ao moço que lhes vende

ingressos para o filme que Laura tanto pediu para assistir. Analiso a cada

passo de Levi, e como ele parece diferente. Não só a respeito de mim,


mas também com a própria filha.
Ele sempre a tratou da melhor maneira possível, mas antes não
lhe via sorrir tão abertamente, ou até mesmo contar algo de sua infância

para ela. E agora eu o vejo fazer isso sempre, seja no jantar, ou até

mesmo quando saímos com ela para a rua. Mesmo negando, tenho que

admitir que ele me surpreendeu.

Minha família não me julgou, tampouco minhas amigas o

fizeram. Eles entenderam meu lado quando lhes contei a respeito. Só

quero que essa mudança não seja assustadora para Laura, e que ela não

sofra por conta disso, mesmo que pareça inevitável. Sem ela saber que a

cada dia na casa do pai, na verdade, é um dia a menos.

Vejo uma livraria ao meu lado e resolvo entrar, já que os dois


ainda estão enrolando para escolher algo. Assim que adentro a livraria,

sinto-me plenamente em casa, pois amo estar em meio a histórias, finais

felizes, dramas... A realidade é que sempre amei esse mundo, e sempre


sonhei em escrever.

Pego um livro no estante e sorrio ao ver o nome: Uma carta de

amor[25]. Leio a sinopse e sorrio apaixonada, por me lembrar de outras

histórias deste mesmo autor, as quais me fizeram perder o fôlego, assim

como sua recente publicação que fiz questão de comprar e acabei


devorando em poucos dias, acabo procurando mais sobre ele, buscando

algo diferente para agregar em minha extensa lista de leituras.


— Uma bela mulher querendo receber uma carta de amor?

Viro-me para a voz masculina e encontro um homem de terno,

com os cabelos negros bem cortados e olhos cor de mel. Ele sorri de

modo singelo, e sem que eu diga nada, pega o livro de minhas mãos.

— Você não me parece uma mulher que precisa ler esse tipo de

livro. — diz e me devolve. — Deveria ter um homem que lhe enviasse

várias cartas de amor.

— A qual livro pareço ser adepta então? — pergunto curiosa,


abrindo um sorriso para o homem que parece tão empenhado em me

surpreender. Mas ao mesmo tempo ignoro seu segundo comentário.

— Este aqui. — Ele diz após vasculhar a estante, e retira um

livro.

Encaro a obra e vejo que é a minha maior paixão do momento

Querido John, de Nicholas Sparks[26].

— É, realmente acertou. Amo romances de Sparks. — Admito, e


ele abre um largo sorriso, guardando o livro consigo. — Vai comprá-lo?

— pergunto surpresa.

— Acho que posso conseguir aprender muito, já que esse tal

Sparks consegue fazer mulheres suspirarem. — diz sério, e eu o encaro

divertida.
Esse homem realmente existe?

— Bom, as frases dele são realmente encantadoras. Talvez isso te


ajude. — Digo e ele sorri.

— Cite uma. — Pede e me encara em expectativa.

— "Quando eu penso em você e eu e no que compartilhamos, sei

que para os outros seria fácil menosprezar o tempo que passamos juntos

simplesmente como um subproduto dos dias e noites à beira-mar, uma

“aventura” que, a longo prazo, não significa absolutamente nada. É por


isso que não conto às pessoas sobre nós. Eles não iriam entender, e não

sinto necessidades de explicar, simplesmente porque sei em meu coração

como foi real. Quando penso em você, não posso deixar de sorrir,

sabendo que você me completa. Eu te amo, não só agora, mas sempre, e

sonho com o dia em que você vai me abraçar novamente." — cito, e ele

me encara com um brilho no olhar.

— Mãe! — Escuto a voz de Laura e me viro. Vejo-a parada na

entrada da livraria, com Levi ao seu lado.

— Estou indo. — Digo e me viro novamente para o homem ao

meu lado.

— É uma mulher encantadora. — diz e sorri pra mim de um

modo galanteador.
— Foi um prazer conhecê-lo, milorde. — Brinco. — Espero que
consiga arrancar muitos suspiros por aí.

— Espero que um dia possam ser suspiros seus. — diz e fico

estática, completamente sem jeito. Ele está flertando comigo?

— Desculpe, tenho que ir. Até mais! — Saio, mas ainda consigo

ouvi-lo dizer um “Até logo”.

Homem galanteador, e eu sequer sabia o que fazer. Eu também

estava interessada? De repente, tudo parece muito novo.

Passo no caixa o livro que escolhi, e após pagar, encontro Laura e

Levi do lado de fora da livraria.

— Finalmente escolheram o filme? — pergunto.

— Sim, começa daqui alguns minutos. — Laura diz animada e já

coloca as mãos em minha sacola, com certeza querendo ver o que

comprei.

Deixo com que pegue e ela sorri animada ao ver que é um livro.

Ao menos esse gosto ela puxou de mim.

Noto Levi Calado, e ele apenas responde e sorri a algo que Laura

diz. Contudo, não pergunto nada, não quero causar algum

desentendimento e acabar brigando com ele, porém acho estranha sua


súbita mudança. O que entendi nos últimos dias é que indiferença se

torna a melhor arma.

Após entrarmos no cinema, Laura senta-se ao meu lado e

estranho por não querer sentar-se entre mim e o pai; mas ela parece tão

animada com o filme que resolvo nem perguntar. O filme começa, e por

ser um desenho infantil acabo não prestando muita atenção; nunca gostei

muito disso.

O tempo passa e Laura continua compenetrada no filme. Não

ouso olhar para o lado e ver se Levi faz o mesmo, pois seu cheiro me

deixa incomodada por estarmos tão próximos. Mesmo com tudo, ele

ainda mexe comigo.

Encosto minha cabeça na cadeira macia e começo a repassar a

história de Querido John em minha mente. Fico me perguntando até hoje,

me colocando no lugar da personagem principal, Savannah, tentando

entender como ela conseguiu ser tão corajosa e dizer adeus ao homem

que ama, mesmo sabendo que ele a amava também. Isso parece surreal

para mim.

Solto um suspiro fundo e imagino quanto o amor dela e de John é

real, mesmo que seja apenas uma história de ficção. Ele toca o coração

das pessoas... E fico me perguntando se o amor que senti pelo Levi desde

que o vi é tão real quanto esse, se é capaz de superar tudo.


Mesmo sem querer, viro-me para Levi e o encaro, sentindo toda

aquela turbulência dentro de mim novamente, a qual nunca se foi, apesar

de tudo. Noto que ele não é o mesmo homem de antes, sequer se parece

com o homem com quem me casei. Ele parece outro homem, e mesmo

assim ainda acende algo dentro de mim, porém algo diferente; e ainda

não descobri como definir isso.

Continuo o analisando, e logo ele percebe minha inspeção,

encarando-me no mesmo instante.

— Tudo bem, Melissa? — pergunta, e eu apenas consigo focar

em seus olhos.

Assinto para ele, o qual me encara um pouco desconfiado, mas


logo volta sua atenção para o filme. Faça o mesmo, mas ao invés de

voltar a minha divagação sobre Querido John, começo a repensar minha

própria história de “amor”. Sobre como nunca imaginei ter de passar por

tudo isso.

Não tento me lembrar mais sobre o que houve, pois sei que não

adianta. Meu médico disse que é algo que eu poupo de mim, e talvez seja

melhor. Mesmo querendo ver com meus próprios olhos o que aconteceu

tudo o que me esqueci, acabo apenas aceitando, e por enquanto ainda

tenho paz sem essas lembranças.


Capítulo 21

“O vermelho na minha camisa

De quando você derramou vinho em mim

E como o sangue se juntou em minhas bochechas

Tão escarlate, era

A marca que eles viram na minha clavícula

A ferrugem que cresceu entre os telefones

Os lábios que eu costumava chamar de casa

Tão escarlate, era bordô”[27]

Levi
 
Laura sorri para mim e eu forço um sorriso para ela.

— O que foi, pai? — pergunta, deixando-me atônito.


— Só fico feliz que esteja bem, pequena. — Ela se deita na cama
e eu a cubro com o edredom. — Eu sinto muito por tudo. — Falo, e ela

com certeza não entende a causa daquela fala. Mas é o que venho

repetindo, todos os momentos que posso. Como se precisasse disso.

— Vou ficar bem. — diz inocentemente e toca meu rosto. — Você


e mamãe estão brigados, não é? — pergunta, analisando-me.

— Infelizmente sim. — Sou sincero. — Mas não se preocupe


com isso agora.

— Tá bom. — diz e beija meu rosto. — Boa noite, pai. Você é o

melhor! — fala, deixando-me emocionado.

— Boa noite, pequena. — Beijo sua testa, e ela se enrola em meio


ao edredom, fechando seus olhinhos verdes. — Eu te amo. — Sussurro.

Saio do seu quarto com cuidado, tentando não fazer barulho.


Assim que saio no corredor, espero ver Melissa ali, como sempre, me

esperando sair para falar com Laura, porém não a encontro.

Vou em direção ao meu quarto, mas ao ouvir um som um pouco

alto vindo da sala, desço as escadas. Marta não deve estar em casa pois

teve uma viagem com a faculdade, então estranho o fato de apenas poder

ser Melissa fazendo isso.


Quando chego a sala, não encontro nada além da televisão ligada

em um programa de clipes, a qual está realmente muito alta.

— Melissa? — eu a chamo, porém não obtenho resposta. Desligo

a tv e vou em direção a cozinha, pois a luz está acesa.

Encontro Melissa escorada na grande ilha segurando uma taça, ao

lado de uma garrafa de vinho. Encaro-a incrédulo, pois poucas vezes a vi

beber; ainda mais hoje, que tudo parecia estar bem.

— O que aconteceu? — pergunto.

— Você. — Ela sorri forçadamente, bebendo mais um gole da

taça.

— Melissa, você disse a Laura que ia tomar banho e...

— Surpreso por me ver bebendo? — pergunta e balança a cabeça.

— Tenho feito isso há alguns dias, o vinho me acalma um pouco. Você

não o viu porque sou discreta, mas infelizmente quis ouvir música e deve

ter ficado alto demais. — diz rude.

Noto que ela já se enrola um pouco em suas palavras e a encaro

nervoso. Melissa está bêbada.

— Por que fez isso? — pergunto sem entender. — Sabe que

Laura está lá em cima, e sei que não quer mostrar isso a ela.
— Isso o que? — pergunta, já parecendo nervosa. — Que sou

humana? Que não sou a mãe perfeita? Ou melhor, que fui traída pelo
homem que amei? — praticamente grita.

— Melissa! — eu chamo sua atenção. — Me dê essa taça aqui. —

Tento tirar de sua mão, porém ela se afasta, dando passos largos pra

longe de mim.

— Cansei da perfeição, Levi. — diz e passa as mãos pelos

cabelos. — Laura não vai me ver assim, sempre que a põe para dormir,

ela dorme em poucos segundos. Ao menos ela não me virá tão

ridiculamente errada. — Zomba.

— Por favor, me dê a taça. — Insisto.

— Pra quê? — diz e se aproxima de mim, batendo em meu peito.

— Por que você ainda mexe comigo? Por que ainda continua me fazendo

sentir algo por você? — pergunta e bate com ainda mais força. — Eu

quero tanto te odiar, tanto...

Seguro os braços dela e a encaro derrotado.

— Eu te amo, Melissa. — Falo e lágrimas se formam em seus

olhos, as quais logo molham sua face. — Não te quero assim, você não é
assim.
— Sou como? — pergunta e se afasta. — A mulher doce e
boazinha que você trai?

Fico mudo, sem saber o que dizer, e muito menos o que fazer. Ela

tem direito de explodir e me julgar, e pela primeira vez, mesmo sem

entender o porquê, vejo-a agindo de tal modo.

— Você é perfeita. — Sou sincero e ela me encara incrédula,

gargalhando.

— Sou tudo menos isso. — diz e se aproxima de mim, prendendo

os braços ao redor de meu pescoço. — Me beija. — Pede e sinto-me

ainda pior, pois sei que está sob o efeito do álcool.

— Você não quer isso, Mel. — Tiro seus braços com cuidado,

finalmente tirando a taça de sua posse. — Vamos... vou te deixar em seu

quarto para que tome um banho e descanse.

— Viu só! — diz e se afasta, segurando com força as mãos contra

a ilha da cozinha. — Você continua como sempre, me rejeitando.

— Não! — digo de relance e ela me encara. — Eu não posso

fazer isso, pois sei que vai se arrepender.

Ela fica em silêncio por alguns segundos, olhando para o nada,

como se estivesse perdida.

— Tem razão. — diz e suspira fundo. — Foi um erro isso.


— Mel, olha...

— Me deixa sozinha. — diz e faz sinal com as mãos para que eu

saia. — Por favor.

Mesmo sem querer, saio da cozinha; porém fico na sala de estar,

olhando-a de longe. Vejo Melissa pegar a taça e dar um último gole,

virando todo o líquido. Ela então pega a garrafa e despeja todo o resto do

líquido na pia.

— Burra! — Ouço-a dizer baixinho.

Ela então se senta no chão e fica ali, quieta, chorando.

Sinto-me impotente e ao mesmo tempo corajoso. Então, em um

ato inesperado e sem aguentar vê-la sofrer, vou até ela e a abraço, com

todo amor e saudade que sinto.

Melissa soluça em meu peito, fazendo com que chore junto a ela.

— Me perdoe, amor. — Digo e beijo seus cabelos. — Não chora.

— Por que, Levi? — pergunta e se afasta um pouco, encarando-

me como se fosse uma menina com medo. — Por que fez isso comigo?

— Porque fui cego demais. — Sou honesto, e toco seus cabelos e


coloco uma mecha atrás da orelha. Não sabia como entrar realmente no

assunto, e com ela bêbada dessa maneira, torna ainda mais errado. —

Porque não mereço você.


— Dói tanto. — Confessa e limpa algumas lágrimas que descem.

— Dói demais saber o que sei, e mesmo assim ainda... — Ela para de

falar e chora ainda mais.

— Mel... — Fico também sem saber o que dizer diante de sua

aproximação.

— Só por agora, fica comigo. — diz e toca meus lábios com os

dedos trêmulos. — Só hoje.

— Mel, você bebeu e...

— Não passei de duas taças, Levi. — Ela suspira fundo. — Eu

apenas explodi tudo o que guardava, a bebida me ajudou um pouco nisso.

— Você vai me odiar amanhã se te tocar além do que já estou

fazendo. — Digo, e para minha surpresa ela toca meu rosto com as duas

mãos, encarando-me em expectativa.

— Preciso tirar essa dor de dentro de mim. — diz sincera. —

Preciso de você, nem que seja pela última vez.

— Mel...

— Errado. — diz e aproxima seus lábios dos meus.

— Minha menina. — Falo, e sem querer mais pensar, cubro sua

boca com a minha.


Em meio as lágrimas, mágoas, passado, tristeza... a saudade e o

amor se sobressaem. Beijo-a com fome, paixão, desejo, como se fosse

aquela mesma noite há uma década, quando a beijei pela primeira vez.

— Eu te amo. — Falo e beijo seu pescoço. — Amo você, minha

menina.

Melissa nada diz e apenas levanto-me com ela em meu colo,

fazendo com que enlace minha cintura com suas pernas. Subo as escadas

com ela em meus braços, sem conseguir parar de beijá-la, tocá-la... Sem

conseguir acreditar que ela está mesmo aqui, em meus braços.

Entro com ela em nosso quarto, e só paro de beijá-la para colocá-

la deitada na cama. Encaro seu rosto, e noto que ela não chora mais,

apenas me olha do mesmo modo, com paixão.

— Não vamos pensar. — Pede e me puxa pra ela. — Não hoje.

Assinto para ela e tiro minha camisa, subindo sobre seu corpo na
cama. Tiro suas roupas, deixando-a apenas de lingerie embaixo de mim,

beijando assim cada pedacinho de sua pele.

— Linda. — Beijo seu colo. — Perfeita. — Beijo sua boca e

cubro novamente seu corpo.

Toco seu rosto com carinho e a encaro, buscando algo além em

seus olhos castanhos. Melissa não diz nada, apenas reage a cada toque
meu. Eu só espero que isso seja uma prova de que ela... ela ainda me

ama. E com a incerteza de seu amor, livro-me do resto de nossas roupas,

deixando nossos corpos falarem por si.

Quando a tomo para mim novamente, não há mais passado ou

qualquer outra coisa que possa nos impedir. Há apenas eu e Melissa, em

puro prazer, na beira do precipício. E nesse momento eu sei que jamais

poderei viver sem ela, pois ela se entrega a mim da mesma maneira de

antes, de modo selvagem e ao mesmo tempo doce, sendo como sempre, a

minha menina.
Capítulo 22

“Você já ouviu falar sobre a garota que ficou congelada?

O tempo passou para todos, ela não vai perceber

Ela ainda tem vinte e três anos dentro de sua fantasia

Como deveria ser

Você já ouviu falar sobre a garota que vive em uma ilusão?

Términos acontecem todos os dias, não precisa enlouquecer”[28]

Melissa

 
— Não vou permitir que se afaste. — diz decidido, e se levanta da

cadeira.

— Tente se aproximar para ver se não o acerto com apenas um

chute. — Eu o desafio. — Tenho um irmão mais velho, Levi, e sei bem me


defender. Você não irá me prender a você... não mais.

— O que quer dizer com isso? — pergunta incerto.

— Que acabou, Levi. A Melissa certinha, que aceita tudo de você,

cansou de ser a mulher perfeita enquanto você corre atrás de qualquer

uma que possa te satisfazer. — Acuso, derrotada. — Sabe o quanto te

odeio por tudo isso? Sabe o quanto estou me segurando para não ir aí e

acertar seu rosto? Mas eu não vou fazer isso, porque tenho nojo... Nojo
de tudo em você!

Meu desabafo faz com que meu coração dê pulos no peito e os

machucados, antes cicatrizados, se abram novamente. Uma dor de

cabeça descomunal me atinge, e apenas sei que preciso sair daqui.

Levi me encara por alguns segundos, e como se não acreditasse

em tudo o que disse, me vasculha minuciosamente.

— Você me ama? — pergunta de repente.

Acordo sobressaltada, com uma cruel dor de cabeça. Sento-me


rapidamente na cama, sem entender ao certo onde estou, tentando

entender o que é sonho, lembrança ou realidade. Olho para o quarto

escuro e encaro o relógio no criado mundo, sabendo que ainda são quatro

da manhã.
O que vi pareceu tão real que... Só pode ser mais uma lembrança

perdida. Eu senti novamente o nojo por Levi, o mesmo sentimento ruim

daquele instante. Mas agora, notando meu corpo nu apenas enrolado em

um lençol ao lado do homem o qual me causou esse sentimento, vejo que

não existe mais. Ficou para trás.

Ainda confusa, analiso Levi por alguns instantes, o qual dorme

serenamente. Os cabelos negros, já grandes, estão bagunçados por seu


travesseiro. O lençol caído em sua cintura mostra o tórax nu, e um de

seus braços está próximo a mim, como se antes estivesse ao meu redor.

Lembro-me então do que houve na noite passada e não consigo

ao menos me culpar por isso. Seu toque foi algo que necessitava, e de

certa forma, mesmo cedendo ao desejo, acabei me entregando além disso.

Não apenas transamos, fizemos amor, tenho certeza.

O toque suave e ao mesmo selvagem dele, suas palavras de

carinho em meio ao prazer. Levi me fez sentir amada... E pela primeira

vez na vida, senti-me única e especial para ele. Será isso mesmo real?

Como minha dor de cabeça não passa, acabo levantando e decido


tomar um banho para ao menos relaxar. Deixo a banheira encher, e assim

que água está morna, entro nela. Fico submersa por um tempo e sinto-me

um pouco melhor, e assim que preciso de ar, saio debaixo d’água e

encosto a cabeça na beira da banheira.


Passo as mãos por meu corpo, perguntando-me em que momento

parei de me importar com minhas lembranças e passei a prestar atenção


em Levi, nesse novo Levi. Mas como sempre, não obtenho alguma

resposta. Mesmo sem entender, não me sinto suja por ter me entregue a

ele, mas ainda não sei definir ao certo como estou.

Lembro-me do homem que vi na livraria, de como quis que ele


me causasse algo além, que pudesse sentir algo... Porém, meu ser parece

condenado a esse amor por Levi, como se não pudesse esquecê-lo, por

mais que existam outros homens por aí.

Ouço o barulho da porta sendo aberta, e Levi aparece, usando

apenas uma cueca.

— Oi. — diz inseguro. — Tudo bem?

— Sim, só tive uma forte dor de cabeça. — Não minto

completamente, mas não quero falar com ele a respeito da lembrança.

— Arrependida? — pergunta receoso e eu noto seus olhos verdes

frágeis. — Antes de responder, apenas me deixe ficar mais um pouco

contigo, sim? — pede, e sem querer raciocinar apenas assinto.

Ele vem até mim e faz sinal para que vá para frente na banheira.
Passo as mãos por meus cabelos e os coloco para frente. Em pouco

tempo ele entra atrás de mim, e puxa-me de encontro com seu peito.
— Sempre sonhei com isso antes. — Sou sincera, e lágrimas se
formam em meus olhos. — Sempre quis estar assim, em seus braços.

E de repente, tudo isso parece apenas errado.

Os desejos e vontades de uma Melissa que eu sequer pareço

conhecer.

— Eu quero conquistar você, Mel. — Fala e segura com

delicadeza meu rosto, forçando-me a olhá-lo pelo ombro. — Posso não

ser o homem que te merece, mas quero me esforçar, quero me tornar esse

homem. Na realidade, quero provar a você o quanto a amo, o quanto

nada faz sentido sem você.

— Levi, olha...

— Sei que está confusa, ainda mais depois do que fizemos. — Ele
toca de leve meu rosto. — Mas eu te amo, amo muito, mesmo que não

acredite ainda nisso. E quero provar meu amor a você.

— Eu não me arrependo do que fizemos. — Sou sincera. — Eu

apenas estou tentando assimilar tudo que houve, tentando entender o

porquê ajo como ajo, tentando ser madura e encarar que não consegui

perdoá-lo, e mesmo assim me entreguei a você. Eu ainda não sei definir o

que sinto por você.

Sequer sei definir o que realmente sinto.


Levi fica em silêncio, apenas me olhando, como se quisesse

marcar minha presença com ele. Não posso mentir e dizer que o perdoei,

pois mesmo depois do que houve aqui, a dor de sua traição ainda está em

meu peito, me sufocando aos poucos, fazendo-me acreditar que a

qualquer momento se repetirá, impedindo-me de acreditar em seu amor.

Por que a horas atrás, enquanto estava nos braços dele, essa dor

simplesmente desapareceu por alguns instantes?

O prazer pode ser tão enganador assim?

— Só me deixe lutar por você. — Ele respira fundo.

— Levi, não precisamos...

— Eu tenho tanto para te contar. — Meu corpo fica tenso no

mesmo instante, ao mesmo tempo que, tenho a certeza de que não estou

errada de estar desconfiada de mais. Mais por trás de tudo isso. — Eu

queria que fosse simples me abrir e dizer tudo... e ao mesmo tempo,

mesmo que eu diga, eu sinto, que no final, o meu final não será com

você.

Continuo em silêncio, sentindo-me tão quebrada quanto antes.

Percebo agora o domínio que Levi tem sobre mim.... ele consegue me

quebrar e reconstruir em segundos, tornando tudo isso ainda mais


confuso. Como posso deixar um poder desse tamanho nas mãos de outra

pessoa?

— Eu me arrependo do dia no restaurante, amargamente. —

Confessa e ouço sua respiração profunda em meu pescoço. — Fui um

fraco, Melissa. Fui covarde e egoísta por todo tempo que ficamos juntos.

Além do que, mesmo depois de ter errado tanto, eu a machuquei quando

a insultei na frente de todos no restaurante de Pedro.

— Esqueça isso. — Peço, já não querendo mais ouvi-lo, sentindo-

me mal com tudo isso.

— Não consigo. Só quero dizer que sinto muito, pois nunca

pensei aquilo de você. Sei que não é assim, Melissa. E mesmo que
quisesse se envolver com Pedro, é uma mulher livre. — Fico ainda mais

surpresa com suas palavras. — Mas também não vou negar o quanto

doeu ver aquilo, vê-la nos braços dele.

— Às vezes temos que aceitar, Levi. — Sou franca, já um pouco

cabisbaixa após suas confissões, que de certa forma me fizeram acordar

novamente para a realidade. — Talvez o certo seja ficarmos separados, e

seja o melhor pra todos.

— Eu queria poder te pedir outra chance. — Fala e me abraça

com força, protegendo-me em seus braços. Como se essa fosse a última


vez, e realmente, sinto que é. — E não sei se estou agindo certo ou não,

mas não posso me negar de não pedir. Eu... Eu posso conhecer você,

saber de seus gostos, conviver? Não precisamos de nada além, apenas

deixe-me ser seu por enquanto. Se em qualquer momento perceber que


não consegue de fato ser minha, que não me quer, eu prometo me afastar

e te deixar livre.

Penso sobre os prós e contras de seu pedido, mas a segurança que

ainda sinto só por estar próxima a ele fala mais alto. Deixo minhas

incertezas um pouco de lado, e pela primeira vez resolvo me arriscar.

Talvez essa aproximação com ele seja o necessário para entender meus

próprios sentimentos.

E de alguma forma, eu me vejo em um final também, assim como

ele – sem ele.

— Só vamos viver um dia após o outro. — Respiro fundo e o

encaro. — Só isso, Levi.

— É tudo o que preciso, minha menina. — Fala aliviado e

claramente incerto, e puxa-me ainda mais, fazendo com que deite em seu

colo, mexendo em meus cabelos, enquanto a água morna nos faz relaxar.

Fico em silêncio, recebendo seus carinhos. Contudo, de repente,

sua voz rouca e grossa começa a cantar uma música, deixando-me


surpresa. Essas pequenas coisas que ele faz quando se abre, fazem-me

ficar ainda mais perdida. De certa forma, julgando-me por não fugir, ao

mesmo tempo que, julgando-me por não ficar.

“Eu não sou uma pessoa perfeita

Há muitas coisas que eu gostaria de não fazer

Mas eu continuo aprendendo

Eu nunca quis fazer aquelas coisas com você

E então eu tenho que dizer antes de ir

Que eu apenas quero que você saiba

Eu encontrei uma razão para eu

Mudar quem eu costumava ser

Uma razão para começar de novo

E a razão é você

Eu sinto muito ter te magoado

É algo com que devo conviver todos os dias

E toda a dor que eu te fiz passar


Eu gostaria de poder retirá-la completamente

E ser aquele que apanha todas as suas lágrimas

É por isso que eu preciso que você escute

Eu encontrei uma razão para eu

Mudar quem eu costumava ser

Uma razão para começar de novo

E a razão é você”[29]

E ele continua cantando, fazendo-me indagar se tudo o que está

havendo, tem algum sentido. A cada segundo que se passa, apenas sinto,

que é apenas um segundo a menos ao lado dele. Isso é excruciante e

conflitivo.
Capítulo 23

“Disse que estava bem, mas não era verdade

Eu não quero guardar segredos apenas para manter você (...)

E eu gritei por qualquer coisa que valesse a pena

Eu te amo, essa não é a pior coisa que você já ouviu?”[30]

Melissa

 
Não sei em que momento foi que cheguei aqui, mas agora estou
deitada nos braços de Levi, enquanto sua respiração é leve e baixa. Saio

com cuidado de seus braços e encaro o relógio em cima do criado mudo.


Já são seis da manhã, e como Marta está de folga por esses dias devido a
uma viagem com a faculdade, resolvo levantar e ir preparar algo para

comer.
Enrolo-me em um lençol e me levanto, indo em direção ao closet,
para colocar uma roupa. Visto uma simples regata branca e uma calça
jeans de cintura alta, pego sapatilhas azul marinho e coloco. Noto no
canto do closet minha grande mala, ainda feita. Encaro-a e suspiro fundo,

pensando se em algum momento terei que arrumar todas as roupas e


partir.

Saio do closet e arrumo meus cabelos no grande espelho do


quarto, e sinto minha mente escurecer nesse instante. Seguro-me com
força contra o mesmo e tento não cair, e vi em minha mente algo como o

espelho quebrado, e uma raiva grande em meu interior.

— Mel. — Escuto a voz de Levi e seus braços me cercam. —


Tudo bem, minha menina? — pergunta. Abro os olhos, encarando-o em
busca de respostas.

— Eu vi o espelho se quebrando... Pareceu tão real. — digo e ele


arregala os olhos.

— Vem cá. — Fala e senta-se na cama, puxando-me para seu


colo. — Quando cheguei em casa após tudo que aconteceu, depois que

me viu na empresa com Nicole. — diz com pesar, e eu apenas assinto,


sentindo-me vazia. — Assim que cheguei no quarto, vi seu perfume
quebrado no chão e o espelho também. Não sei ao certo o que fez, mas
acho que o quebrou.
— Nossa! — exclamo sem acreditar. Tento lembrar, mas minha

mente brinca comigo.

— Ei. — Toca meu rosto. — Não force, Mel. Tenho certeza de


que vai se lembrar.

Ele pega minha mão esquerda e beija com carinho, fazendo-me


notar a aliança em meu dedo anelar. Eu sequer lembrei dela, mesmo
depois de ter lembrado de algumas coisas.

Como se percebesse meu olhar, ele abre um fraco sorriso.

— Você nunca tirou a aliança. — diz e suspira fundo. — Em


todos os momentos, você esteve com ela... até mesmo quando te vi depois
do acidente no hospital.

— Eu não sei porque, eu não me lembro... Sequer lembrei que a


usava. Acho que me acostumei tanto. — Eu o encaro e noto seus olhos
brilhando, e logo vejo uma lágrima correr por seu rosto.

— Essa era a aliança de minha mãe, ela me deu um dia antes de


sofrer o acidente. Lembro que ela me fez prometer não contar para meu
pai. — Ele sorri fraco, e noto o quanto isso mexe com ele. — Foi como
se ela tivesse sentido que aconteceria. — Mais lágrimas descem por seu
rosto. — Lembro também de meu pai chegando em casa e notando a falta
da aliança na mão dela. Eles discutiram por cinco segundos, e ela o
dobrou, dizendo que tinha mandado gravar algo especial. — ele sorri
largo, como se lembrasse da cena.

— Eles eram ótimos, não é? — pergunto, e Levi assente.

— Claro, eles brigavam as vezes, mas eram por coisas banais.


Como quando meu pai nos permitia tomar sorvete após uma gripe, ou até

mesmo quando desenhávamos na parede e ela sequer se importava, sendo


meu pai a ficar bravo. — Sorrio, imaginando as cenas, e vendo que minha

tristeza acabou evaporando em segundos.

— Obrigada por me fazer sorrir. — Digo, tocando seus lábios


com os dedos.

— É o que mais quero, Mel. — Beija de leve meus lábios e se

levanta comigo. Ele olha em direção ao relógio e me encara animado. —


Vou fazer o café da manhã para nós, já que hoje nossa pequena volta para

o colégio.

— Mas, eu ia...

— Nada de “mas”. Deixe-me mostrar o que sei para vocês. — diz

ainda mais animado, fazendo-me sorrir também.

— Nunca pensei que cozinhasse. — Sou sincera. — Quando


cheguei aqui e vi a mesa posta naquele dia que você bebeu demais,
lembra? — Ele assente, e noto que está um pouco envergonhado. —

Bom, fiquei surpresa.

— Eu, na realidade, aprendi o básico durante a faculdade. — Dá


de ombros. — Espero não desapontar vocês.

Apenas sorrio para ele, que sai do quarto, e ouço seus passos se

afastando. Vou então até o quarto de Laura e encontro-a dormindo


serenamente.

Toco de leve seus cabelos e a chamo, a qual logo abre os lindos


olhos verdes e me fita animada; o que é até estranho, pois Laura odeia

acordar cedo... mas talvez seja pelo fato de sentir falta da rotina no

colégio. Ao menos ela já vai voltar. Rafael pediu para não ir ainda, pois
quer esperar o pai sair do hospital. E por tudo que passou, Carla acatou

seu pedido... nada mais justo para ele agora.

— Bom dia, pequena. — Digo e ela já pula da cama. — Nunca te


vi tão animada assim. — zombo, e ela me encara inquisitiva. Idêntica ao

pai.

— Amo ficar em casa, mãe. — Suspira fundo. — Mas quero rever

meus colegas, aprender...

— Sei disso, filha. — Digo e vou até ela, abraçando-a. — Eu te


amo.
— Também te amo, mamãe.

— Vá tomar um banho para se vestir. — Ela assente, indo para o

banheiro. — E Lau. — Ela se vira pra mim. — Seu pai é quem está
fazendo o café da manhã. — Digo e ela arregala os olhos, fazendo-me

gargalhar.

Minutos depois descemos as escadas. Laura vai na frente, como

sempre com pressa. Escuto um o seu gritinho e apresso os passos,

encontrando-a abraçada ao pai, gargalhando.

— Bom dia novamente. — Levi diz, colocando Laura ao seu lado,

e fazendo um sinal de reverência.

— Bom dia. — Digo estranhando seu ato. — Qual o cardápio de


hoje? — brinco e ele sorri.

— Bom, nossa pequena aprovou. — Dá de ombros. — Venha!

Vou atrás dos dois até a sala de jantar e encontro uma bela mesa
montada. Noto que há pães, ovos mexidos e panquecas.

— É algo simples, mas é o meu melhor. — diz, olhando-me em

expectativa. — Fiz algo para você... sei que adora.

Ele sai, então aproveito e me sento. Laura faz o mesmo, olhando-

me curiosa.
Levi vem com uma caneca grande, e sinto logo o cheiro forte de

chocolate.

— Chocolate quente? — pergunto surpresa.

— Chocolate amargo quente. — Corrige, depositando a caneca a

minha frente. — Sei que o adora, pois sempre faz em dias frios.

— E até mesmo no Natal. — Laura intervém. — Mesmo não

estando frio.

— Laura. — Ela apenas sorri debochada.

— Espero que gostem. — Ele diz e senta-se ao lado de Laura,


encarando-nos animado.

Olho para a mesa a minha frente, minha filha sorrindo de coisas

simples e Levi de modo que nunca vi. Sinto-me estranha por não

conseguir estar feliz com isso. Meus sentimentos conflitam por dentro,

mesmo assim forço um sorriso a ele, por sua dedicação. Mas desde

quando comecei a fazer algo por pena dele?


Capítulo 24

“Eu acordo gritando depois de sonhar

Que um dia vou te ver ir embora

E a vida perderá todo o sentido

(Pela última vez)”[31]

Melissa
 
Encaro pela grande janela da sala de estar, a beleza da fazenda e o
clima ameno. Vim para a casa de meus pais hoje, por saber que minha

mãe não trabalha e pode me ouvir. Mesmo assim, agora que estou aqui,

não sei nem por onde começar a falar.

— Parece inquieta. — Ela diz e eu me viro, vendo-a se sentar

num dos sofás. — Coloquei a lasanha para assar e logo poderemos


comer.

— Obrigada, mãe. — Digo e vou até perto dela, sentando-me

também,

— É sobre Levi, não é? — pergunta, e eu assinto sem jeito, e ao

mesmo tempo envergonhada.

— Como sabe? — rebato.

— Não para de encarar sua mão esquerda e mexe sempre na

aliança. — Comenta, e só assim noto que realmente tenho essa mania. 

— Faz isso quando está nervosa.

— Ele tem sido bom comigo. — Respiro fundo. — Há alguns

dias acabei bebendo um pouco de vinho, e meio que usei isso como
desculpa para enfrentá-lo. Só que nossa proximidade não deu muito

certo, e eu... Bom, eu acabei transando com ele. — Mamãe me olha


surpresa.

— Se arrependeu? — pergunta e eu levo as mãos a cabeça,


negando.

— O problema maior é que não me arrependi do que fiz. Levi me

pediu outra chance e eu acabei cedendo, mas ao mesmo tempo ainda

sinto que há lacunas não preenchidas em mim. Não que sejam as

lembranças ou algo do tipo, mas coisas que preciso saber que


aconteceram, mesmo não me lembrando. — Confesso e mamãe toca

minha mão.

— Vocês já conversaram abertamente sobre tudo? — pergunta e

eu nego.

— Ele diz partes das coisas, e isso já me dói tanto... Não sei como

lidar caso saiba tudo de uma vez...

— Mel, você não pode viver com essa dúvida para sempre. Pelo

que me contou, você está dando uma nova chance para ele, mas eu sei
que está indecisa sobre isso. — Ela respira fundo. — Quando aceitei seu

pai após tudo o que passamos, não foi fácil... Ainda mais quando a ex

dele apareceu na nossa festa de casamento. — Sorrio, lembrando-me de

sua história. — Mas eu apenas pude seguir em frente com ele, quando

senti que era minha escolha, que ele realmente era o meu homem e de

mais ninguém. — diz e sorri. — Eu não sei o que ele sente por você,

filha. Mas eu sei o quanto você sofreu por ele, e não foram poucas vezes.

— Mãe. — Eu a chamo, e ela me encara inquisitiva. — O que eu

te disse? Eu te contei sobre a traição e...

— Você ligou para mim e contou o que viu, disse que queria o

divórcio e eu te mandei ir pra fazenda. Você chegou um tempo depois e


foi para o seu quarto, ficou por lá sozinha e acabou dormindo. Daniel

chegou e foi ficar com você.

Penso sobre suas palavras, mas nada me vem em mente.

— Eu não consigo me lembrar, nada mesmo, mãe. — Digo,

sentindo-me incapaz.

— Sabe que há coisas que vão demorar para voltar, Mel. Não se

cobre tanto. E eu sei que não importa muito o que houve naqueles dias,

mas sim o que Levi fez, ou melhor, quer ouvir ele contar tudo.

— Eu acho que não conseguirei lidar com isso. — Passo as mãos

com força, contra minha calça, e sinto-as suando. — Eu não sei mais o

que sinto! Uma parte de mim não consegue aceitar o que houve, e a outra

está assustada com seu novo jeito, sem saber se é amor ou ilusão no fim.

— Fale com ele e dê um tempo para si mesma. Tente entender o

que sente. — Ela me olha e noto seu semblante leve, como se entendesse

sua situação. — Você passou anos amando um homem que inventou em

sua mente. Por mais que Levi sempre mexesse com você, por tudo que

contou, nunca o conheceu de verdade... Precisa ver se esse homem que

está ao seu lado agora é realmente o que ama, ou se não é apenas uma

ilusão.
Penso sobre suas palavras e elas me tocam de um jeito único. Pela
primeira vez é como se finalmente abrisse os olhos. Parte de mim se nega

a sentir algo por ele, e não é apenas pelo que se passou, mas também por

sua mudança; e ainda mais pelo que está por vir.

Preciso ter uma conversa séria com Levi, saber ao menos sua

história. Preciso tentar entender como o homem amoroso, carinhoso e

dedicado que vive comigo hoje, se escondeu nesses últimos anos. Ou se

ele apenas está vivendo uma ilusão, ou fazendo isso por culpa. Por mais

que sua aproximação e toque me encantem, talvez isso não seja o

suficiente. Talvez nós dois estejamos nos enganando a respeito dos


sentimentos.

Levi

 
Assino alguns papéis e releio alguns relatórios que Daniel

mandou hoje cedo através de sua assistente. Sophie, sua assistente, tem

sido muito prestativa, ajudando-me mesmo não sendo seu trabalho, sendo
que ainda tem que aguentar a ira de Daniel, o qual, por sua sala ficar no

mesmo andar da minha, consigo ouvir e ver muitas vezes gritando com

ela. Não entendi ao certo o porquê de ele estar pior, mas também não há

como perguntar.

Ouço batidas na porta e retiro os óculos de leitura, e limpo de leve

meu rosto.

— Entre. — Digo.

Sophie entra e abre um simples sorriso para mim. Ela parece ser

uma garota doce, não sei como Daniel consegue tratá-la tão mal. Caso

isso continue, mesmo não sendo mais seu amigo, terei que interferir, pois

essa empresa também é minha e não quero nenhum funcionário sendo

maltratado por conta do mau humor do patrão.

— Bom dia, senhor Gutterman. — diz e vem com uma grande

pasta até mim. — O senhor Lourenzinni pediu para que te entregasse.

Precisa de sua revisão e sua preparação para uma nova reunião.

— Certo, pode deixá-las aqui na mesa mesmo, vou olhar agora.


— Digo e ela se aproxima, colocando a pasta sobre a mesa. — E Sophie,

quer dizer... posso chamá-la assim? — pergunto, e ela assente um pouco

sem graça. Sei que não devo me intrometer, mas é fácil ver as enormes

olheiras em seu rosto, e não muito difícil de deduzir que é por culpa de
Daniel. — Gosta de seu emprego com Daniel? — pergunto e ela me

encara inquisitiva.

— É, eu... — ela gagueja um pouco e fica de repente sem fala.

— Senta um pouco. — Peço e ela se senta, olhando-me um pouco

desconfiada. — Olha, poderia mentir e dizer que não escuto os gritos de

Daniel, e fingir que não vejo o modo grosseiro com o qual a trata. — Ela

arregala os olhos e eu lhe dou um sorriso sem dentes. — Eu mal posso

imaginar como ele a tratava antes, ainda mais pelo tempo que apenas

vocês dois ficavam sozinhos nesse andar. Então, tenho uma proposta a te

fazer.

Não sei de onde tirei isso, mas pela cara da mulher a minha
frente, ela parece um pouco aliviada. Talvez esteja realmente a ajudando.

— Que proposta, senhor? — pergunta.

— Bom, eu realmente preciso de uma assistente pessoal e uma

secretária, e vejo que você consegue dar conta tanto dos seus afazeres

com Daniel, além de as vezes me ajudar, mesmo ficando sobrecarregada.

Quero que aceite ser minha assistente a partir de hoje.

Ela me encara assustada, acho que sem saber o que dizer. Encaro-

a em expectativa, e ela abre a boca algumas vezes, mas a fecha

rapidamente.
A porta da minha sala de repente se abre, e um grande sorriso

surge em meus lábios ao ver Melissa. Ela primeiramente me encara e

então seu olhar cai em Sophie. Sinto o medo me invadir e temo pelo

próximo passo dela. Tem sido sempre assim ultimamente, cada santo dia,
com medo de que qualquer erro, deslize ou até mesmo alguma palavra

que possa afastá-la de mim. Não sei como ela se sente vendo-me com

outra mulher nessa mesma sala.

— Desculpe, eu não vi sua secretária, e pensei que não estivesse

ocupado. — Sophie se levanta no mesmo instante. — Olá, Sophie, não é?

— Melissa pergunta, surpreendendo-me. — Ela e Sophie se

cumprimentam amigavelmente, e noto que Melissa não parece tensa. —

Eu me lembro de você quando vim aqui na última vez e... — Melissa

para de falar no mesmo instante, e então entendo qual foi a última vez. O
dia em que ela me flagrou.

— É um prazer revê-la, senhora Gutterman. — Sophie sorri e me

encara. — Posso pensar um pouco sobre a proposta, senhor?

Só assim volto minha atenção a ela.

— Claro, Sophie. — Ela abre um sorriso. — Informe-me sobre

sua decisão mais tarde. Ela logo sai e o silêncio cai sobre mim e Melissa

na sala. — Então, é uma grande surpresa te ver aqui. — Digo, tentando

aliviar a tensão que se instalou de repente.


Melissa sorri fraco e analisa a sala, logo se virando pra mim.

— Fui ver minha mãe hoje cedo. Peguei o novo carro que

comprou e fui até ela. Conversamos sobre várias coisas, e bom, resolvi

enfrentar o que estou passando. — diz e anda pela sala, tocando em

alguns objetos.

— Como assim? — pergunto, ainda sem conseguir levantar da

cadeira, com medo de sua fala.

— Eu antes estava com medo de vir até aqui, nessa empresa, em

sua sala. — Ela dá de ombros e continua de costas para mim, ainda

vasculhando o local. — Mas ao ver essa porta, a qual tanto me atormenta,

não tive nenhuma lembrança ou dor... Simplesmente nada.

— Eu não sei o que dizer.

— Fiquei um pouco aliviada no fim. — Ela então se vira para

mim e me encara cabisbaixa. — Talvez não queira me lembrar do que vi,

mas quero saber tudo, Levi.

— O que? — pergunto enquanto ela vem até mim, e senta-se na

cadeira em frente da mesa.

— Preciso que me conte tudo sobre você, sobre... Nicole. — diz e

fecha os olhos. — Tenho que ser sincera. Eu não te conheço. Você não é

o cara playboy e intocável pelo qual me apaixonei, e muito menos o


babaca pelo qual continuei lutando por amor... Eu sinto que idealizei

algo, e mesmo achando que te amo, não posso mais afirmar isso.

— Espera, você não... — Fico sem fala, levando as mãos à

cabeça. — Não me ama?

— Eu não tenho resposta para isso agora. Sinto que vou quebrar a

qualquer momento, e mesmo estando em seus braços é como se a

qualquer momento você possa estar nos braços de outra. — Ela toca o

cabelo cacheado e aperta um pouco, como se estivesse nervosa, mas noto

sinceridade em seu olhar. — Eu não sei se o que sinto é insegurança de

perder o homem que acho que amo, ou se quero realmente tentar

reconstruir tudo com você.

Calado.

Abalado.

Quebrado.

Sinto-me afundar em minha cadeira, cada terminação de meu

corpo sendo atingida por suas palavras. Suas duras e sinceras palavras.

Ela não confia em mim, e não sabe se quer realmente um dia tentar voltar

a confiar. E tudo que me vem mente, é que o mínimo que posso fazer é

lhe contar a verdade. Toda ela, por mais que isso me mate por dentro.
— Não confia em mim. — Constato, e ela apenas me encara,

dando-me seu consentimento. — Quer que eu te conte tudo? Para saber

se realmente me ama e quer estar comigo?

— Sim. — Responde, encarando-me nos olhos, do modo corajoso

como sempre fez.

— Tudo bem, minha menina. — Digo e coloco os cotovelos em

cima da mesa, curvando minha cabeça pra frente. — Vou te contar tudo o

que quiser saber.


Capítulo 25

“Você era aquele que eu amava

Não preciso de outra metáfora, é simples assim

Uma dobra no tempo como a ruga em seus olhos

É por isso que eles não deveriam matar o personagem principal”[32]

Melissa
 

Encaro as ondas quebrando na praia e suspiro fundo. Faz um bom


tempo que não venho aqui, mesmo morando nessa cidade. Olho por cima

do ombro e vejo Levi caminhando até mim, já sem o paletó, e apenas

vestido com uma calça social azul escuro e sua camisa branca enrolada

até os antebraços. Nos pés ele ainda usa os sapatos sociais, mas parece
não se importar por estar vestido tão atípico na praia.
— Pareço esquisito, não é? — pergunta quando chega mais
próximo e abre um sorriso.

— Bom, você que quis vir até aqui. — Dou de ombros.

Tentei fazer Levi ficar na empresa para conversarmos, mas ele

quis vir até a praia, como se realmente precisasse disso. Não entendi

muito bem, mas acabei acatando sua vontade. Nunca o imaginei assim,

tão solto e livre.

— Eu vinha aqui com meus pais quando era criança. — Ele olha

para algumas grandes pedras. — Ali era o local favorito de minha mãe, e

sempre que venho aqui é como se pudesse senti-la... não sei, isso me dá

forças.

— Quer se sentar lá? — pergunto, vendo seu olhar se perder

diante da visão.

— Tudo bem para você? — pergunta, e eu dou de ombros,

analisando seus sapatos sociais.

— Você é o esquisito aqui. — Zombo e ele sorri, me ajudando a ir

até as pedras, sentando-se numa delas, deixando-me de frente pra ele.

— Há coisas sobre mim que são difíceis de dizer, Melissa.

Principalmente sobre meus pais. Eu nunca falei tão abertamente sobre


eles antes, nem mesmo com Ricardo. Mas eu sei que você merece saber

sobre mim, o que realmente guardo.

Ele me encara um pouco sem jeito e eu assinto, esperando ainda

mais de suas palavras. Ele sabe que não é sobre seus pais que temos que

falar, é algo além disso.

— Conheci Nicole na época da faculdade, na realidade, em uma

das várias festas que ia. Um dia, Carla e Ricardo me reapresentaram a

ela, e até aí, tudo parecia certo. Mas tempos depois, quando fui visitar
meu irmão de surpresa, eu... eu a vi com ele, e ela estava grávida. — Ele

suspira fundo e passa as mãos pelos cabelos. — Eu tentei entender o que

acontecia na época, mas não cheguei a deixar Ricardo saber que eu a vi

com ele. — Assinto, e ele de repente se cala, focando na imensidão do

mar.

Apenas encaro minhas mãos, assimilando suas palavras. Ele

realmente está sendo sincero e não sei se isso será bom ou ruim. Mas

tenho que arriscar, entender o que estou sentindo. Ao menos, o que

realmente está acontecendo e aconteceu com ele, conosco.

— Eu não soube muito bem como entender isso, mas eu ainda

tinha meus estudos fora do país, e bom... Não quis me intrometer. Até

que, Nicole apareceu a minha frente, e contou tudo sobre ela, Ricardo e

Carla. — Fico o olhando um pouco perdida. — É uma história que


pertence a eles, mas a minha parte nisso é que Nicole é a mãe biológica

de Rafael, e tentou usá-lo para prender Ricardo, porém, não deu certo. —
Fico em completo choque. — E quando ela apareceu, despejando tudo

isso, nunca imaginei que eu era o novo alvo dela. — Noto seu olhar

longe dali. — Ela... Ela precisava de dinheiro e eu precisava proteger

minha família. Foi uma troca, de anos, em que ela ficaria longe de Carla

e Ricardo, se eu a pagasse. Até que... Até que dinheiro não foi mais o

suficiente.

Sua voz praticamente quebra.

— Levi, não...

— Um dia antes do seu aniversário de dezoito anos, ela me disse

que queria mais, que me queria... — vejo-o negar com a cabeça. — Eu

sabia que estava preso a ela, de um jeito ou de outro, e eu sabia do que

sentia por você. Mas ainda tinha medo, muito medo de... estragar tudo ou

te trazer para a minha bagunça. Pensei que naquela noite, eu poderia ser

apenas eu, e não... não o Levi que tinha que seguir à risca o que outra

pessoa desejava. E foi com você, que me senti vivo novamente, até que

ela me ligou, e me fez sair de lá para encontrá-la, e contar pela milésima

vez as formas como gostaria de machucar minha família.

De repente, tudo o que eu tinha imaginado cai por terra, e eu fico

pasma, apenas o encarando.


— Ela... Ela...

— Ela não tinha me tocado, ainda. — Vejo-o suspirar fundo e

fico tensa com a forma que disse a última palavra. — Quando Daniel me

contou da sua gravidez, eu estava em meu apartamento estudando para

provas, rezando para não ser Nicole na porta. Foi um choque e ao mesmo

tempo uma realização. — Encaro-o espantada. — Eu sempre sonhei em

ser pai, Mel. Meu sonho sempre foi ser como meu pai, construir algo

como eles tinham. — Senti a dor nas palavras, claramente de saudade. —

E pensei, que levando essa vida de marionete, nunca se realizaria.

— Levi. — Chamo-o, ele me encara e noto seus olhos marejados.

— Acho melhor...

— Eu sempre olhei você de longe. — Ele abre um leve sorriso.


— A garotinha que Daniel sempre fez questão de falar com tanto

orgulho, e eu pensei que seria como uma irmã para mim. — Arregalo os

olhos, absorta com suas palavras. — É sério... quando te conheci eu

ainda tinha o que? Doze anos? Pensei que seria alguém para te proteger

e... — Ele balança a cabeça em negação. — Mas quando te vi, senti algo

a mais, algo que nunca soube explicar até realmente perceber do que se

tratava. Eu vi de longe você crescendo, tornando-se uma mulher; e

quando dei por mim aquele sentimento havia se transformado, tornou-se

desejo, vontade... E na sua festa de dezoito anos não consegui mais


resistir ao fato de que se não fosse ali, nunca mais seria. Mas quando

Daniel me contou da gravidez, eu apenas senti que o certo era me casar

com você por nosso filho, e tentar construir algo ao seu lado...

— Como o seus pais, não é? — Ele assente, parecendo ainda mais

nervoso.

— E eu até me esqueci de Nicole e tudo o que ela exigia. — é

clara a sua indignação. — Mas as coisas saíram do meu controle. Eu me


sentia cada vez mais estranho próximo a você, e os documentos que fiz

foram por medo de poder perder Laura... Claro que não percebi o quanto

também te controlava, mas eu... Eu só conseguia pensar: e se ela

descobrir sobre Nicole e eu perdê-las? — ele limpa uma lágrima que

desce por seu rosto e fico sem entender. — Quando Nicole exigiu mais

recentemente, como o cargo de secretária, tudo piorou. Porque anos atrás

quando ela soube que eu me casaria, ela passou a querer me tocar. Mais e

mais... E sempre teve um limite, de apenas o meu pescoço, ou meus

braços, ou meu abdome, mas... Eu me sentia sujo. E de repente, o meu

casamento com você, e a minha família dos sonhos, se tornou apenas

ofuscada perto da realidade que eu tinha, fora de casa.

— Então tudo aquilo de querer ser como seus pais ficou para trás?

— ele assente, claramente abalado. — Levi, ela... você...


— Nós... Nós nunca realmente transamos, Melissa. — Olho-o

surpresa. — A verdade é que Nicole me tocava, mas nunca deixei que ela

fosse além, ou consegui ir além. Toda vez que ela se aproximava, mesmo

que o mínimo, eu me sentia morto por dentro. E ela acabava desistindo.

— Vejo-o soltar o ar com força. — Então eu apenas pagava mais dinheiro

a ela, para mantê-la longe de Rafael, principalmente, porque ele agora

entende sobre as coisas. Imagine só, uma mulher aparecer e dizer que é

sua mãe? — ele parece realmente poder ver a cena. — Naquele dia, que

você apareceu na empresa, ela tentou me forçar a mais. Ela se sentou na


mesa, me puxou para perto e desabotoou minha calça, eu estava a ponto

de empurrá-la, como sempre, e sair dali, para o mais longe possível. Um

terror tanto físico quanto emocional, porque é como se eu travasse por

alguns segundos e...

Ele então se cala, como se a voz faltasse. E sua dor, se torna a

minha, mesmo que nunca pudesse ser equiparada.

— Ela abusou de você por anos, Levi. — Falo, e ele me encara,

como se surpreso. — Não sei se já percebeu isso, mas é uma vítima.

Homens também são vítimas de abusos, e você... — sinto meus olhos

marejarem. — Você é um.

Ele parece apenas querer fugir do assunto, e é claro que ainda está

assimilando muita coisa.


— E a porta se abriu, e você... — vejo-o levar as mãos ao rosto,

como se precisando se esconder. — Você viu a parte de mim que eu

nunca quis que te encontrasse. — Confessa. — A parte em que eu dormia

fora e sumia por dias, porque me sentia sujo, apenas porque Nicole me
tocava de alguma forma, e eu não conseguia me ver, deixando a pessoa

que eu desejava fazer o mesmo. Porque é como se eu estivesse te traindo,

de alguma forma. E eu...

Vejo-me indo para perto dele e passando um braço ao seu redor.

Por alguns segundos, vejo-o tentar se acalmar, e meu coração se aperta.

Dor é tudo que existe ali.

— Eu tinha uma foto sua, a qual tiramos durante a gravidez de

Laura... Eu sempre a deixei em minha sala para que pudesse olhar pra

você, tentando ter uma parte bonita da vida que eu não podia ter... que eu

não me sentia digno de ter. Um dia Nicole disse que ou eu a tirava, ou ela

rasgaria, e... E eu acabei trazendo a foto para casa e Laura a encontrou.

Eu não tive coragem de pegar de volta, já que ela gostou tanto. —

Confessa, e me recordo do momento em que Laura me mostrou a foto. —

Mas quando você soube, e me considerou um monstro, eu quis gritar e

dizer que... que eu jamais, em momento algum, te trairia. — Confessa, e

seus olhos verdes encontram o castanho dos meus. — Mas eu o fiz, de

certa forma, mentindo e omitindo por todos esses anos... E mesmo que eu
nunca tenha demonstrado direito, eu... eu sempre sonhei com uma vida

ao seu lado. E eu sinto muito por ter...

Levo minhas mãos a sua boca e o calo.

— Eu entendo agora. — Falo, e repenso os detalhes dos dez anos

juntos. — As suas mudanças repentinas de humor, a forma como me

afastava, a maneira como parecia outra pessoa de repente... Eu entendo,

Levi.

— Sei que passou um inferno por tudo isso, e que todos acham

que eu te traí e...

— O que realmente me importa é que tenha sido sincero comigo.

Não o que pensam ou deixam de pensar. É o que nós sabemos que

importa. — Admito, e toco seu rosto, com carinho. O qual, sei que ele

necessita. — E sinto muito por ter que se abrir, e me explicar, sobre algo

que te machuca tanto. Se eu soubesse, não teria pedido isso.

— Eu... Eu te machuquei, Melissa.

— Acho que, é uma história de muitas dores e cicatrizes. — Me

dói apenas olhar para ele, e imaginá-lo preso em tudo isso. — E no meio

disso, você parece perdido e confuso... Acho que nós dois estamos.

— Eu não estou confuso, Melissa. — Fala convicto, tocando de

leve em minhas mãos. — Tenho medo de deixá-la se afastar e te perder,


mas eu sei, lá no fundo que não há como lidar com isso, de uma forma

que faça sentido.

— Preciso de um tempo para poder pensar sobre tudo e reavaliar

meus sentimentos. Acho que nós dois precisamos disso... — Suspiro

fundo, e tento sorrir para ele. — Nós dois temos que buscar nossa cura,

seja do passado ou presente... — digo para tentar ficar ao menos um

pouco longe de seus olhos verdes, que me parecem tão machucados. —

São dez anos, e eu não consigo imaginar o inferno que teve que viver, e

ainda vive nele.

— Melissa.

— Nicole ainda te atormenta, eu sei. — Falo, e ele me encara,

como se tentando negar, mas é a verdade. — Sei que os Morgan a

monitoram agora, mas... Mas e se ela se reaproximar, e se ela te

machucar? — pergunto. — Você apenas explanou sobre ela, porque eu

vi. Senão iria se manter dentro dessa dor, guardando-a para si. Ninguém

tem que carregar todos os pesos do mundo nas costas, Levi.

— Ela só não pode machucar vocês. — Sua convicção me

assusta.

— Ela não pode te machucar também, ou acha que Laura quer ver

o pai assim? Partes do homem que ele é? — pergunto, e vejo-o


claramente sem resposta. — Eu também não te quero assim, Levi. Se

deixando ser julgado, machucado e abusado, em nome do amor pela sua

família.

— Melissa, eu...

— Não. — Corto-o. — Não vai mais aceitar isso. Nem dela, e

nem de ninguém.

— Eu... — ele nega com a cabeça. — Eu não sei como sair disso.

— Bom, o primeiro passo você deu, você falou. — Toco

novamente seu rosto, com todo carinho. — O segundo é procurar ajuda

especializada, Levi.

— Acha que eu sou um caso perdido?

— Acho que você merece viver, o que se permitiu morrer nesses

mais de dez anos. — Ajudo-o a se levantar. — Um passo de cada vez,

tudo bem?

— Nós não... Nós não vamos ficar juntos, não é?

— Eu não tenho uma resposta para isso. — Solto o ar com força.

— Eu quase morri, perdi minhas memórias e... Às vezes, nem sei quem

sou, Levi. Como posso te prometer um amor, se não sei onde está o meu

próprio?

— Acho que eu posso te fazer a mesma pergunta, não é?


Ele então me dá um beijo na testa e se afasta, encarando-me.

Ficamos em silêncio por alguns minutos, apenas ali, nos

encarando. Há tanta coisa a ser dita, ao mesmo tempo que, de repente,

nada mais é preciso. Uma vida inteira não pode ser apagada, mas uma

vida inteira, pode ser refeita?


Capítulo 26

“Eu acho que já vi esse filme antes

E eu não gostei do final

Você não é mais minha terra natal

Então, o que estou defendendo agora?”[33]

Melissa
 
Encaro a comida a minha frente e ela não parece tão chamativa.

Tudo em mim se remexe por dentro, e tudo que menos quero é comer,

mesmo assim dou a primeira garfada.

Não soube para onde ir após me encontrar com Levi na praia, e

em seguida ele tinha uma reunião com os Morgan, sobre Nicole. Tentei

obrigá-lo a me deixar ir com ele, mas ele não permitiu. E tudo fica

girando dentro da minha mente, como se me fazendo sentir a dor, a pena


e a culpa. Sentimentos que deveriam existir sobre a pessoa amada? Sinto-
me confusa e angustiada, sem saber o que pensar ou como agir daqui por

diante.

Aos poucos, enquanto degusto minha comida, penso em tudo que

se passou. Em meus dezoito anos, a gravidez difícil, o casamento


inesperado, a vida a dois que nunca imaginei ter tão cedo... Tudo entre

nós foi assim, de repente.

De repente ele me beijou, de repente transamos, de repente ele me

abandonou, de repente a gravidez, de repente um pedido... De repente a

descoberta de uma traição, de repente um acidente e por fim, a

descoberta de que a vida dele é uma completa mentira.

Porém, e a minha?

E da minha parte, o que sinto?

Será que ainda existe amor depois de tudo isso?

Eu acho bem improvável, já que sequer posso comparar o homem


de hoje com o de antes. Não é possível, em minha mente, amar do

mesmo modo pessoas diferentes. Talvez seja até impossível.

E então? O que fazer? Ficar repensando a vida, forçando algo a

dar certo por desejo ou confusão? Ou simplesmente aceitar que não


posso continuar com isso e preciso de um tempo comigo mesma, dar

meus próprios passos?

Isso é confuso, mas ao mesmo tempo me ajuda a pensar.

— A bela dama novamente. — Ouço uma voz familiar e encaro o

homem em minha frente, abrindo um sorriso desconfiado.

— O cara da livraria. — Deduzo, e ele novamente faz uma

reverência.

No fim acho que ele está mais para palhaço do que galanteador.

— A que devo a honra de uma bela visão nesse dia? — pergunta,

e eu o encaro, inquisitiva.

— Estou apenas comendo. — Digo e ele me encara de modo

diferente. — O que foi? — pergunto.

— Parece ainda mais perdida em pensamentos do que quando a vi

pela primeira vez. — diz e sorri de lado. — E ainda mais bela. — ele

sorri, fazendo-me sorrir também.

— Bom, mais perdida talvez. Sobre ser bela, eu discordo. —

Digo e ele sorri ainda mais largo.

— Mas vejo que não tenho chances com a senhorita. — diz e

aponta para cadeira vazia a minha frente. Assinto, deixando-o sentar-se.


— Obrigado! — diz e continua sorrindo. — Não sou um homem de

enrolações, mas notei o fato da aliança em sua mão esquerda.

— Ah sim. — Encaro minha mão esquerda e assinto. — Eu sou...

E só assim noto que sequer sei o que sou, e pouco sei o que essa

aliança faz em meu dedo.

Por que não a tirei desde que o vi com ela?

Por que não a tirei após lembrar em parte do que houve?

Pode até ter se tornado uma parte de mim, mas será que eu
realmente a quero aqui, em meu dedo, intitulando algo a respeito de mim

que não existe?

— Parece complicado. — O cara diz a minha frente, e eu apenas

assinto, sem saber o que dizer. — Sou Bruno. — diz de repente e dá de

ombros. — Devia ter dito isso há algum tempo.

Sorrio, vendo que a conversa entre nós simplesmente flui.

— Sou Melissa. — Digo e estendo minha mão a ele. Penso que

ele irá apenas pegá-la, porém ele dá um leve beijo em meus dedos.

— Completamente encantado.

— Ainda não sei se seu tom é de deboche ou de galanteio. —

Digo e ele levanta as sobrancelhas, encarando-me de modo surpreso.


— Uma bela observação para uma bela donzela. — Ele se encosta
na cadeira, levando a mão direita ao queixo, tocando-o, como se estivesse

me analisando. — Você não parece só confusa, mas também desconfiada.

— Bom, minha vida não é um livro aberto, mas posso garantir

algo: não tem sido fácil.

— Isso é relativo... quer dizer, eu penso que é relativo.

— Como assim? — pergunto sem entender.

— A vida é difícil para todos, mas nós sempre damos um jeito de

complicá-la ainda mais. Ou seja, no fim, ela se torna complicada, pois

difícil sempre foi, entende? — pergunta, e mesmo um pouco perdida,

consigo entender o que quer dizer. — Por exemplo, por que duas pessoas

que se amam simplesmente não dão certo? — pergunta e sinto meu

coração disparar. — As pessoas complicam os sentimentos, portanto elas

não conseguem ficar juntas. Pode ser uma mistura da falta de confiança

com ciúmes, ou vários outros fatores.

— De onde tirou isso? — pergunto curiosa.

— Da minha própria vida complicada. — Sorri sem jeito. — Mas

no fim, vim conversar com a bela dama e acabei falando mais do que

devo.
— Não, tudo bem. — Abro um pequeno sorriso. — Acho que

certas coisas eu precisava ouvir.

— Complicando sua própria vida? — pergunta e sorri, olhando-

me de forma curiosa.

— Um pouco. — Dou de ombros.

Encaro a comida a minha frente e só assim me lembro dela. O

cara, que agora sei que se chama Bruno, apenas me observa.

Penso em tudo que ele disse e fico em silêncio, tentando entender

meus próprios sentimentos. De certa forma algumas coisas que ele disse

fazem sentido, e para mim fazem além disso. Mas qual a melhor escolha?

Como pensar sobre tudo?

— Eu preciso ir. — Falo de repente, e ele me encara espantado.

— Garçom! — chamo.

— Mas Melissa, eu pensei que estivesse bem e...

— Olha, Bruno. — Digo, e ele me encara de modo decepcionado.

— Minha vida está complicada o suficiente, e não quero te envolver e

acabar complicando a sua também. Desculpe.

O garçom vem até mim e peço para que embrulhe a comida para

viagem, para que assim possa comer mais tarde. De jeito algum

desperdiçarei comida por conta de meus problemas pessoais.


Minutos se passam e o tal Bruno continua sentado à minha frente,

enquanto eu espero o garçom voltar com o que irei levar, porém meu

foco é em outra coisa, ou melhor, pessoa: Levi.

Assim que o garçom volta com um pequeno embrulho em mãos,

eu agradeço e pego a conta com ele. Pago em alguns segundos e já me

levanto.

— Olha, Melissa, eu não quis ser intransigente. Não sei por que,

mas quis me aproximar de você desde que te vi pela primeira vez,

independentemente de sua aliança ou não.

Paro no mesmo lugar por conta de suas palavras. Penso então em

tudo que passei, e no que Levi me contou, e sobre tudo o que ele passou.

— Preciso ir. — Digo, e Bruno me encara sem graça. — Foi bom

conhecê-lo, até mais!

Passo por ele e o escuto responder minha despedida, mas não me

viro, e continuo meu caminho para fora do restaurante. Meu corpo parece

pesado e minha cabeça também. Sinto uma das enxaquecas que ainda me

assombram, e que meu médico disse que podem continuar por um bom

tempo.

Encaro a calçada e vejo um táxi estacionando, e sem pensar muito

entro nele. Meu carro acabou ficando na empresa de Levi, já que ele
decidiu ir à praia e me levou no dele, pensando que voltaríamos para

pegar o meu; porém depois farei isso. E de certa forma, agradeço por

estar no táxi, já que minha cabeça incomoda muito.

As ruas do Rio passam ao meu lado e vejo-as pela janela, porém

sequer consigo focar na cidade. Meus pensamentos estão distantes

enquanto tento controlar essa enxaqueca.

Minutos depois adentro minha casa e ouço barulhos vindos da

cozinha, os quais parecem piorar ainda mais minha dor. Subo as escadas

em busca de meu remédio, para que ao menos isso melhore. Já no quinto

degrau, sinto meu corpo vacilar e me agarro no corrimão. Com muito

esforço consigo chegar no andar de cima, e a passos lentos, segurando-

me na parede, chego até o meu quarto com Levi.

Porém antes que possa entrar, uma lembrança vem com força em

minha mente, fazendo-me fechar os olhos e simplesmente sentir meu

corpo leve.

— Levi. — Tento gritar, mas de repente minha voz some.

Vejo ele, vejo ela, os dois em cima da mesa. A dor dilacera meu

coração como se fosse a resposta para o que preciso. E isso me machuca

demais, saber que preciso parar de lutar contra mim mesma e minha

própria vida.
Abro os olhos com dificuldade e vejo um vislumbre de olhos

verdes. Minha boca parece seca e não consigo mais raciocinar direito.

Meus olhos se fecham novamente e sinto a dor novamente em meu peito.

Minha cabeça parece que vai explodir e com isso, sinto meu corpo se

desligar... perdendo todos meus sentidos.


Capítulo 27

“Talvez fosse ela

Flashes da batalha voltam para mim em um borrão

Todo aquele sangue derramado, trevo carmesim

Uh-huh, doce sonho havia acabado”[34]

Melissa
 

Escuto sons vindos do exterior, mas eles parecem ao mesmo

tempo dentro de minha cabeça. Sinto uma mão quente segurando a minha
e forço meus olhos a se abrirem.

Encaro Levi, que está com a cabeça baixa e com ela em direção a

minha mão, sussurrando algo baixinho, e eu não duvido que não esteja
rezando. Surpreendo-me novamente com ele, mesmo assim, ainda sinto
que esse sonho que tive significa algo, algo que preciso pensar.

— Ei. — Chamo-o com certa dificuldade, e logo ele me encara.

Seu rosto está vermelho, assim como seus olhos, e noto seu

abatimento. Levi parece quebrado.

— Está se sentindo bem, minha menina? — pergunta parecendo

preocupado, e assinto, já não sentindo nenhuma dor.

— Eu desmaiei, não foi? — pergunto e ele assente.

— Fiquei tão preocupado. Eu não sei o que faria caso algo te

acontecesse. — diz e lágrimas correm por seu rosto.

Agora sou eu que me sinto quebrada diante de seu jeito indefeso e

frágil. Eu tenho a certeza agora de que não conheço esse homem, e ele

também não me conhece. Além de que vê-lo assim faz com que sinta

algo que nunca quis: pena.

— Precisamos conversar sobre algo. — Digo e ele me encara


cabisbaixo.

— Eu até imagino o que seja.

Forço um sorriso, lembrando-me do que veio em minha mente

antes de desmaiar. Vi a cena que tanto neguei a mim mesma acontecer,


como se fosse real novamente. Fico me perguntando, e se eu não tivesse

ido até a empresa e o visto?

— Estou confusa, de um modo em que ficarmos juntos não vai

ajudar. — Seus olhos se fecham e ele sequer me encara, acho que sem

saber como agir. — Levi. — Eu o chamo, e ele mostra seus olhos com

um certo pesar. — Eu tenho dúvidas demais sobre o que vivemos, e não

posso mentir e dizer que estou pronta para recomeçar algo que sequer
fomos, me entende? — Ele assente, afastando-se um pouco de mim,

respirando fundo. — Foram dez anos, Levi. Antes, com tudo que houve,

eu não conseguia ver além disso... não consegui entender que nossas

escolhas podem danificar não só a nós como...

— Nossa filha. — Ele complementa, como se finalmente isso

fizesse sentido.

— Duvido que Laura queira viver num lugar onde os pais

praticamente têm medo de errar novamente e a mãe não sabe o que sente.

Isso tanto pode, como já deve estar machucando-a. Não se trata apenas

de nós. Uma vez ficamos juntos achando ser o melhor para ela, mas hoje
eu acho que já somos maduros o suficiente para ver que não é assim. Não

podemos fazê-la viver no meio disso.

— Eu pensei que podia conquistar você. Mesmo com tudo, eu

realmente achei que a chance que me deu e tudo mais seria o suficiente.
— Ele diz, já mais conciso.

— Eu também pensei, mas não estou preparada para isso agora.


— Digo a verdade sobre minha decisão. — E acho que você vai perceber

que também não está. — Ele me encara surpreso. — Para ser quem você

é e não o que querem de você. — Minhas palavras parecem acertá-lo de

fato. — Preciso me concentrar em cuidar de Laura e aceitar o que


passamos... Além de conhecer a mim mesma. E você, se cuidar e se

conhecer.

Sinto sua dor, pois vejo o modo como ele me encara, sem saber o

que fazer ou como agir. Encaro a aliança em minha mão, e pela primeira

vez a tiro. Levi abaixa a cabeça, parecendo destruído.

— Eu quero te devolver, pois sei o quanto é importante para você,

Levi. — Entrego a ele a aliança, o qual se nega por um instante, mas logo

a guarda, encarando-me incrédulo. — Não sei se esse é o fim de tudo que

passamos, mas não posso continuar mentindo para mim, para você e

muito menos para Laura, de que consigo recomeçar agora.

— Eu senti que faria isso cedo ou tarde, pelo modo diferente que
me olha. Não há mais aquele brilho de anos atrás; e acho que não o tinha

há algum tempo. — Ele suspira fundo, forçando um sorriso. — Por mais

quebrado que eu esteja, uma coisa eu tenho certeza... eu te amo, Melissa.

Espero um dia fazê-la acreditar nisso.


Nesse momento tenho mais a certeza de coisas que ainda não
consigo entender e aceitar: o amor de Levi. Mesmo com tudo que passou,

com suas revelações e novas atitudes, ainda não consigo acreditar no que

diz, mesmo querendo. E hoje, não consigo querer mais.

Preciso entender que o amor as vezes não é o suficiente, e como

Savannah do livro de meu livro favorito, ser corajosa o suficiente para

entender isso. Um amor unilateral, uma vez meu e agora dele, não

consegue sustentar uma relação.  Seríamos novamente a realidade de um

casal perdido em meio ao medo de erros, e sem saber como agir.

E se Nicole reaparecer?

E se ela o machucar novamente?

Antes eu sempre soube o que sentia por Levi, um amor puro e

ingênuo, que acreditou um dia poder conquistar esse homem. Mas hoje,

após tudo o que houve, as mágoas, o passado, as lembranças assim como

a culpa e pena, conseguem falar mais alto, o que me prova que não

parece existir o mesmo amor dentro de mim.

Preciso pensar em algo que sobrou desse ingênuo amor para

poder seguir em frente, e tentar ao menos descobrir meu próximo passo,

acabar com todas as dúvidas. Olho para Levi, ainda sentado à minha
frente, mas que logo se levanta e beija minha testa, olhando-me uma

última vez antes de sair.

Nesse quarto vazio, sozinha e em meio a aparelhos do hospital,

sinto um pequeno alívio em meu peito. E pela primeira vez sei que fiz a

escolha correta; notando que o que sobrou do meu amor foram pedaços

de mim mesma, os quais terei que juntar.


 
Parte II
 

"Um relacionamento deve ser construído com verdade. A


verdade, nua e sem retoques, nem sempre é bonita. Tem o lado ruim, tem

a briga, tem a discussão, tem aqueles dias em que parece que vocês estão
completamente fora de sintonia. Tem vezes, inclusive, que a gente se

pergunta o-que-tô-fazendo-com-essa-anta? Tem tudo isso. Tem a raiva,


tem a irritação, tem tudo. A verdade é que existe um lado feio do amor."

Clarisse Correa
Capítulo 28

“Querido leitor, queime todos os arquivos

Abandone todas as suas vidas passadas

E se você não se reconhece

Isso significa que você fez tudo certo”[35]

Melissa
 
Um mês depois...

Dobro as últimas peças de roupa de minha filha e as coloco na

primeira gaveta do guarda-roupa. Finalmente, após horas tentando


organizar tudo, consegui ao menos deixar o novo quarto de Laura em seu

devido modo.
— Precisa de ajuda, mãe? — sorrio ao ouvir sua voz e já me viro.

Laura coloca a mochila em cima de sua cadeira rosa e vem até

mim, dando-me um beijo no rosto.

— Ao menos o seu quarto eu consegui organizar. — Ela sorri,

olhando ao redor. — Mas quero sua ajuda para me ajudar a desembalar

algumas caixas ainda, só que dos meus livros.

— Isso! — diz animada e corre pra fora do quarto, com certeza


indo em direção à sala, onde deixei as últimas caixas.

— A professora disse que as notas de Laura estão boas, não tanto

quanto antes, mas ela continua sendo uma boa aluna. — Olho em direção

a porta e meu irmão sorri pra mim, mas noto o pesar em seu semblante.

— Algo me diz que não é sobre isso que quer falar. Mas antes,

obrigado por ter ido buscá-la hoje, sei que é muito ocupado. — Digo e
viro-me para a cama de Laura, ajeitando a colcha.

— Sabe que para mim é mais do que bom poder estar com ela, já
que fiquei tanto tempo fora... Mas enfim, não é com Laura que estou

preocupado, ou melhor, não só com ela. — diz, fazendo-me virar pra ele.

— Eu só queria saber como está com toda mudança e tudo mais. —

Indaga apreensivo.
— Dani. — Encaro-o com carinho, indo até ele e o abraçando. —

Eu estou bem, juro.

— Tem certeza, gatinha? — pergunta e toca levemente meus

cabelos. — Não vou me perdoar caso deixe que algo a faça sofrer

novamente.

Afasto-me um pouco dele e levanto meu olhar, já que ele é mais

alto que eu.

— Levi um dia foi o meu mundo, Dani, mas hoje não é mais. —
Sou sincera e abro um simples sorriso. — Meu mundo se tornou de Laura

desde que ela nasceu, e serei feliz por mim e por ela agora. Meu

casamento sempre foi de fachada, sabemos disso. O que Levi fez ainda

dói, mas não por algo que sinto, mas porque todo relacionamento por

mais destruidor que seja, deixa marcas.

Meu irmão me olha parecendo surpreso e eu me seguro para não

sorrir de sua falta de jeito.

— Você amadureceu tanto e eu nem vi. Pra mim, sempre será a

menininha de tranças que imitava o miado dos gatos. — brinca e me


puxa para seus braços novamente. — Eu te amo, gatinha. Qualquer coisa

que precisar me diga, estou aqui para vocês.


— Eu sei, gatinho, sempre soube. — Abraço-o de volta, sentindo-

me completamente segura.

Escuto os barulhos da sala, de algo sendo depositado no chão. Sei

que deve ser Laura ainda tirando os livros das várias caixas.

Daniel se afasta e beija minha testa.

— Tenho que ir, mas sabe que se...

— Dani, eu estou bem. Juro! — corto-o e ele sorri sem graça.

Minutos depois, fecho a porta para Daniel, o qual antes de sair,


perguntou novamente se preciso de algo. Essa mudança radical em minha

vida tem sido complicada. Minha família e amigos sempre pensam que

estou quebrada, e até mesmo sofrendo. Não é como se estivesse tudo a

mil maravilhas, mas depois de anos, de uma vida completamente

sufocada, consigo respirar.

Olho para a ampla sala do apartamento, e vejo Laura encostada

no sofá, lendo algum dos livros que deveria guardar. Analiso-a e mesmo

após tudo, noto que ela está sofrendo um pouco, mesmo assim, não nos

julgou. De algum jeito, ela entendeu a situação entre mim e seu pai,

mesmo não sabendo de toda verdade.

Levi e eu assinamos o divórcio há cerca de uma semana, e só

assim, falamos com ela. Tudo entre mim e Levi acabou assim que
assinamos aqueles papéis, mas esse “tudo” tem uma única exceção –
Laura. Ela é uma parte de nós dois, a melhor parte, arrisco dizer. E de

certa forma, a única coisa que me dói, é ver a saudade que ela sente de

estar com o pai todos os dias.

Mas para mim, ela agora sim poderá ser feliz, assim como nós

dois. Sem mentiras, traições, brigas, discussões... E no fim, todos nós

parecemos mais leves. Principalmente eu, que agora sim, consigo me

sentir bem de estar em casa, e finalmente consigo chamar um lugar de lar.

 
 
Capítulo 29

“Porque você não era meu para eu perder

Você não era meu para eu perder, oh

Mas eu consigo nos ver perdidos nas memórias...”[36]

Melissa
 
O tempo passa como se voasse, e nunca pensei que a vida fosse

tão corrida como nos últimos dias. Caminho pelo shopping,

despreocupada, enquanto Lili conta mais uma de suas histórias sobre os

pais solo de seus alunos. Finjo que caio nesse seu papo sobre o interesse
nesses homens, mas no fundo sei que ela sequer os olha.

— Você não está prestando atenção no que estou dizendo. — diz

e eu reviro os olhos, parando em frente a uma vitrine, olhando para os


lindos sapatos de salto vermelhos a mostra. — Hello! — ela passa a mão
a minha frente e eu sorrio de sua insistência.

— Você está tagarelando de novo sobre os pais solo de seus

alunos, e sabemos muito bem que não vai sair com nenhum deles. —

Digo e ela bufa, ao mesmo tempo em que dá de ombros. — Aliás,


Leonardo me mandou uma mensagem e...

— Mel. — Ela diz, com o tom de voz já rude.

— O que? — pergunto, fingindo-me de desentendida. — Ele

apenas ligou para confirmar o dia em que terei de levar alguns outros

papéis que faltaram para ele.

— Mas o divórcio já não está resolvido? — pergunta, e uso minha


melhor máscara de boa moça.

— Ele me disse que precisa da cópia de uns documentos, só para


arquivar. — Minto e ela me encara desconfiada, mas logo sua carranca se

desfaz.

— Ok. — diz por fim, e eu resolvo não prolongar o assunto, já

que isso a incomoda tanto.

— Acho que vou experimentar esses sapatos. — Falo e ela

concorda, praticamente me empurrando para dentro de loja.


É bom estar assim com Lili, ter minha liberdade. Antes viver isso

era algo impossível, e só agora, que me permiti viver, vejo o que perdi.

Poder sair com minhas amigas, ir e vir quando quiser sem ter uma amarra

judicial a alguém, como era nos contratos que Levi me fez assinar, faz-

me ver o quanto a vida em si é leve e plena.

Enquanto aguardo sentada, em frente a um dos provadores, um

vendedor trazer a numeração que uso, Lili pega um vestido azul claro e
corre para o provador. Por mais que minha amiga negue, o amor que

sente pelo ex-marido, está à mostra em tudo nela.

Quando fui à primeira vez em meu advogado – Leonardo

Amorim – por coincidência ou destino, descobri que ele é o ex-marido de

Lili. Como ela nunca me contou abertamente sobre ele, sequer disse o

nome ou mostrou uma foto, descobri por mim mesma, ao ver em cima da

mesa dele um porta-retratos com a foto dos dois e um grande cachorro.

Conversei um pouco com ele sobre o assunto profissional, claro,

mas não consegui segurar minha curiosidade.

— Você tem uma bela família. — Digo e ele me encara perplexo.


— Como se chama sua esposa? — pergunto, instigando-o, porém

Leonardo apenas engole em seco.


— Não sou casado. — Esclarece e toca levemente a mesa. — É

minha ex-esposa e nosso cachorro, Luke.

— Ah, deve ainda amá-la muito, acredito. — Digo e ele se

encosta na cadeira, parecendo completamente desconfortável. — Me

desculpe, não quis ser intransigente.

— Não, é que nunca falo a respeito de Lilian com ninguém. — diz

e arregala os olhos, pois acho que disse o nome dela sem querer.

— Pois é, nem Lilian fala sobre você. — Digo e ele me encara


sem entender. — Sou a melhor amiga dela.

Leonardo pareceu espantado, mas ao contrário do que imaginei

logo ele começou a fazer perguntas sobre ela. E assim, ele acabou

querendo saber muito sobre minha amiga, porém não quis dizer. Mas de

certa forma, ele conseguiu me convencer a tentar ajudá-lo.

— No mundo da lua, Melissa. — Pisco várias vezes e então

encaro Lili a minha frente.

O vestido está com caimento perfeito em seu corpo, e a cor azul

claro, deixa seus olhos também claros, ainda mais destacados.

— Está linda. — Falo e ela sorri, dando uma voltinha.

— Isso tudo para um encontro com Jonas, o pai solteiro de um

aluno. — diz e me espanto.


— Você vai mesmo sair com ele? Quer dizer, vai sair com
alguém? — pergunto animada e ela me olha com deboche.

— Estava tentando te contar isso minutos atrás, mas você não

quis saber. — Dá de ombros e volta correndo para o provador.

O vendedor finalmente aparece e me entrega os sapatos, calço-os

e simplesmente me encanto. Assim que os tiro, sento-me novamente e

aguardo Lili. Penso então no que conversei com Leonardo, e como estou

tentando ajudá-lo sem que ela saiba. Mas vejo agora que isso não é justo,

colocando-me no lugar dela, imaginando caso ela inventasse algo para

que eu me encontre com Levi... Eu não gostaria disso.

Assim que ela sai sorridente do provador, encaro-a sem jeito. Sou

uma péssima amiga.

— Não há documentos para levar para ele. — Sou sincera e Lili

apenas me encara. — Ele pediu para que te levasse até o escritório dele,

ele quer ter uma conversa com você. Eu ia fazer isso, mas vi que não é

certo. Não sei ao certo o que esse cara te fez, e tentar bancar o cupido,

não vai funcionar.

— Eu sabia que estava mentindo assim que abriu a boca para

falar. Você não sabe mentir, Mel! — diz e sorri, assustando-me. Pensei
que ela ficaria brava ou até mesmo magoada, mas Lili apenas meneia a

cabeça.

— Vamos? — pergunta e eu assinto, seguindo-a até o caixa.

Pagamos pelos produtos e logo saímos. Lili fica em silêncio e

sinto-me um pouco desconfortável, sem saber como agir.

— Vem! — diz de repente e segue para a praça de alimentação.

Ela logo escolhe uma mesa, e se senta, faço o mesmo, sem saber

ainda o que dizer.

— O que mais me dói em Leonardo, não é o que motivou nosso

divórcio, ou ter sofrido tanto quando o perdi, mas sim, a indecisão dele

sobre nós dois. Eu ainda não consigo contar o que passamos, porque dói

demais, Mel.

— Lili, não precisa...

— Você disse, ele tem minha foto na mesa dele... Por quê? — ela

coloca os cotovelos na mesa e passa as mãos pelos cabelos. — Por que

ele simplesmente não some da minha vida como sempre promete?

Ela então esconde o próprio rosto e sinto a culpa me invadir. Lili

não está mal por conta do que fiz, ou melhor, o que ia fazer. Mas sim,

pelas atitudes de Leonardo.


— Eu não te culpo por ter escutado ele, de verdade. Você é

romântica, Mel, e acredita em finais felizes. Mas vá por mim, Leonardo

não é o meu. — diz e força um sorriso.

— Me desculpe, eu não queria te deixar assim e...

— Não foi você que me deixou assim, Mel. Foi ele. — Ela toca

minha mão e com a outra, limpa uma lágrima que desce por sua face.

Nesse momento, por mais egoísta que possa parecer, imagino a

mim mesma nesse estado, só que por Levi. Mas logo, esse pensamento

desaparece, pois o que sinto por ele, está longe de ser o mesmo

sentimento que Lili tem por Leonardo, o que a faz sofrer arduamente.

Isso me faz sentir incapaz, pois tudo que quero, é poder ajudar minha
amiga.

***

— Da próxima vez, quero nossa princesa de olhos verdes

conosco. — Lili diz, assim que desce do carro.


— Pode deixar, combinamos algo. — Ela assente e se despede

com um aceno, fechando a porta.

Volto minha atenção para o trânsito e olho rapidamente as horas

em meu relógio. Hoje é um dos dias que tenho praticamente livre, já que

Laura está com o pai e só chega por volta das oito da noite. Como ainda

são cinco da tarde, resolvo ir até o apartamento de Marta, a qual me

mandou uma mensagem cedo dizendo que estaria na faculdade, mas que

de tarde poderia vê-la.

Marta acabou decidindo parar de trabalhar pra Levi, mas eu vi

que minha amiga precisava do dinheiro todo o mês, o qual era destinado

à sua faculdade, e ela não teria condições de pagar o aluguel. Portanto,

como ela se negou a ir morar comigo e Laura, dizendo que era “minha

vida nova” e ela não queria se meter, fiz meu irmão convencê-la de ficar

em um dos vários apartamentos que ele tem, e conseguir para ela um

estágio remunerado.

Marta se negou prontamente a isso quando chegamos com a

proposta, mas meu irmão, com seu jeitinho, disse a ela que era um

investimento, já que ela está estudando na área que ele mais procura, e

ele precisa de pessoal capacitado em sua empresa. Fiquei feliz por ela ter

aceitado, pois assim pode conhecer ainda mais a respeito da profissão

que escolheu.
Agora, vejo que não só minha vida parece diferente, mas de todos

ao meu redor. No fim, mudar significa muito mais que a si mesma, a meu

ver. Aquela velha frase “o mundo muda quando você muda” nunca fez

tanto sentido quanto agora.

Em poucos minutos, estaciono em frente ao prédio de Marta e

mando uma mensagem, já que sequer avisei que vinha e ela pode não

estar. Como se tivesse pressentido, logo uma mensagem dela chega e ela

diz que ficou presa na biblioteca. Marta sendo Marta.

Porém, vejo que não perdi minha viagem, quando avisto uma

barraquinha de cachorro-quente na esquina. Mesmo tendo comido no


shopping, não consigo me negar a comer um desses, sendo que é uma das

minhas comidas favoritas.

Deixo o carro estacionado em um local mais próximo e vou até a

barraquinha. Saio dali feliz, com o cachorro-quente em mãos e muita

maionese, mostarda e catchup no meio. Andando até meu carro, distraio-

me por um instante, com o despertador de meu celular berrando no meio

da rua, e acabo esbarrando em alguém.

Quando percebo que meu cachorro-quente delicioso está agora

esparramado contra a camisa de alguém, não consigo nem me achar

egoísta por estar me importando apenas com minha comida. Parecia tão

bom!
— Mãe! — assusto-me com a voz de minha filha e só assim

encaro o homem a minha frente.

Laura gargalha soltando a mão do pai e eu fico ainda mais sem

jeito ao encarar os olhos verdes divertidos a minha frente.

— Como vai, Melissa? — Levi pergunta e eu apenas me sinto

perdida.

Não ouso olhar ao redor, pois sinto a vergonha praticamente

queimar em meu rosto. Eu sujei toda a camisa dele.

— Desculpe? — pergunto, afastando o cachorro-quente de sua

camisa com cuidado, e ele pega um pano que estava na mão e passa

algumas vezes sobre a enorme mancha de molho e batata palha.

— Está tudo bem. — diz e eu apenas assinto.

— Acho que perdeu sua comida, mãe. — Laura diz e gargalha,

fazendo com que eu a encare, negando com a cabeça, mas sorrindo.

Pego meu cachorro-quente ou o que sobrou dele e embrulho com

o próprio plástico que estava.

— Mãe, quer ir comer com a gente? — Laura pergunta de repente

e eu a encaro sem saber o que fazer.

Volto minha atenção para Levi, o qual dá de ombros e ainda limpa

alguns resquícios de sujeira na camisa.


— Estamos indo comer em uma lanchonete que Laura gosta, fica

dobrando a esquina. — Ele fala e sorri levemente. — Se não estiver

ocupada e...

— Tudo bem. — Respondo, cortando a fala dele, tentando ainda

me recuperar da vergonha que passei.

Enquanto andamos até a tal lanchonete, Laura tagarela com o pai

sobre o jogo de futebol do domingo. Eu sequer faço ideia do que estão

falando e não ouso intrometer. Apenas carrego meu cachorro-quente

embalado, que vou descartar em um lixo correto, e tento pensar em como

foi estranho esbarrar dessa forma neles.

Os últimos tempos, após o divórcio, praticamente não vi Levi. A

não ser nos momentos em que busca Laura e a traz. Não que sinta falta,

por mais estranho que pareça, realmente não sinto, e por isso, é estranho

estar próxima dele.

Sei que ele realmente procurou ajuda, e pelo pouco que ele me

deixou saber, Nicole está fora do país e nunca mais tentou qualquer

contato. É como se todos nós estivéssemos seguindo a vida, ao mesmo

tempo que, vejo que ele ainda parece preso ao medo de ela aparecer. Com

um olhar, o pouco que tenho dele, noto a forma como sempre parece em

alerta.
E os seguranças que nos seguem de forma disfarçada, me

mostram que ele está sempre pensando no bem-estar de todos, menos no

seu. E isso me dói, porque ele é parte da minha história, e queria que tudo

para si estivesse melhorando, como para mim.  

A saudade que pensei que sentiria, foi praticamente dizimada em

poucos segundos, como se dentro de mim, nada mais estivesse abalado

pelo que aconteceu. Olho-o de soslaio e foco em seu olhar, o qual sempre

me encantou, e nesse instante, tenho que admitir que Levi continua um

homem lindo, de tirar o fôlego, porém não mexe mais da mesma forma

comigo. É como se de certa, esteja imune a ele.

Esses sentimentos conflitantes são normais?

A pergunta que se repassava em minha mente, sempre que o via.

— Mãe? — pisco duas vezes e só assim, encontro o olhar de

Laura, a qual me encara inquisitiva.

— O que foi? — pergunto sem entender.

— Nada não. — diz e dá de ombros.

Volto minha atenção pra Levi e ele faz o mesmo, o que me deixa

ainda mais perdida. Será que eles perceberam que estou alheia a toda

conversa?
Mesmo assim, continuo da mesma forma até entrarmos na

lanchonete. Levi nos leva até uma mesa no fundo e assim que eu e Laura

nos sentamos, vai direto para o banheiro, com certeza limpar mais um

pouco a camisa.

— Papai me levou para conhecer o tio Caleb. — Laura conta

animada. — Ele tem uma filha e ela foi superlegal comigo.

— Verdade? — indago curiosa. — Mas mal conhece Caleb e já o

chama de tio? — provoco e ela sorri debochada.

— Ele é muito legal. — Conta sorridente e eu resolvo apenas

escutar suas histórias.

Nunca fui próxima dos amigos de Levi, a não ser claro meu irmão

e Gustavo Di Lucca, um empresário que vivia indo em nossa casa nos

fins de semana para resolverem negócios. Gustavo nunca foi muito

comunicativo, sempre se mostrou um homem fechado, mas na poucas

vezes que nos falamos, foi impecavelmente educado. Já Caleb, só sei de

fato o que a mídia conta ou até mesmo o Google, e as poucas vezes que o

encontrei pessoalmente, foi em eventos que acompanhei Levi.

— Demorei? — Levi pergunta e se senta ao lado de Laura.

— Me desculpe mesmo. — Peço, olhando para sua camisa ainda

um pouco manchada.
— Tudo bem, só lavar que fica nova. — brinca e sorri.

Apenas assinto para ele e me distraio, encarando o simples

cardápio posto na mesa. Enquanto escolhemos nossos pedidos, Laura

continua contando sobre como a casa de Caleb é grande e como a filha

dele – Luna – é legal. Ela com certeza fez uma amiga.

Assim que fazemos os pedidos, resolvo levantar e ir ao banheiro.

Quando adentro o ambiente, solto o ar que sequer senti que segurava. Por

mais que Levi não mexa comigo, há algo que ainda me incomoda, algo

que ainda não sei discernir.

Jogo um pouco de água no rosto e ajeito meus cabelos em um

rabo de cavalo alto. Encaro meu reflexo por alguns instantes e indago a

mim mesma sobre o que está havendo comigo. Essa leveza que sinto

perto dele chega a ser estranha, e eu não consigo entender o que está

havendo.

Talvez por que não existam mais segredos entre nós?

Talvez seja o fato de que ele me conhece como ninguém, e eu o

conheço dessa forma também?

Saio do banheiro e de longe, vejo uma mulher ruiva parada ao

lado de Levi, dando a ele um pequeno cartão. Não é difícil imaginar o

que esteja acontecendo, já que ela sorri da melhor forma pra ele. Levi
parece constrangido e Laura não desvia o olhar deles. Porém, quando

estou próxima a eles, nossa filha me encara com certo alívio.

— Mãe! — Laura praticamente grita.

— Ei. — Digo e sento-me no mesmo lugar de antes. — Não

precisa gritar, princesa.

Laura me encara emburrada e assim que volto meu olhar para

Levi e a mulher, ele parece completamente constrangido e a ruiva me

encara de forma estranha.

— Sua esposa? — ela pergunta e Levi parece em choque, sequer

desvia seu olhar do meu.

Por mais que a situação seja estranha, finalmente entendo o

porquê de ter me separado dele. Não apenas a traição que nunca foi uma

traição, ou todos os anos de um relacionamento que sequer existiu, mas

que algum jeito foi da mesma forma infeliz, e não porque estava confusa

por meu acidente e lembranças... A verdade é que a mistura de tudo isso,

fez com que aquele amor adolescente, a paixão que sentia por ele se

esvaísse... Deixasse de existir aos poucos e eu não notei.

Posso um dia ter amado Levi, mas hoje, olhando-o aqui, a minha

frente, ao lado de outra mulher, isso não me incomoda. E só assim

constato – eu não o amo mais.


Não como no passado.

Não como a Melissa de dezoito anos jurou que faria para sempre.

— Não, sou a ex-esposa. — Respondo simplesmente.

Vejo Levi arregalar os olhos, e me sinto culpada no momento

seguinte. Suspiro fundo, mas não há como fingir ou mentir sobre algo.

Não mais entre nós. Toco a mão de Laura pela mesa e pisco em sua

direção, puxando uma conversa com ela sobre qualquer coisa que a

interesse.

Em poucos segundos a ruiva desparece e o semblante de minha

filha melhora, mesmo assim, entristeço-me ao ver o quão isso a

incomodou. Não quero que ela se iluda sobre uma reconciliação entre

mim e seu pai, essa que no momento, tende a nunca existir. E por mais

que doa, terei de falar sobre isso com ela.


Capítulo 30

“Dez meses sóbria, tenho que admitir

Só porque você está limpa, não significa que não sinta falta

Dez meses mais velha, não vou desistir

Agora que estou limpa, nunca mais vou arriscar”[37]

Melissa
 
Como Laura pareceu um pouco cansada, Levi achou melhor já

deixá-la ir comigo, para que pudesse dormir em casa. Assim que


chegamos perto do carro, Laura dá um forte abraço no pai, e diz algo em

seu ouvido. Acredito que nós dois, podemos ter errado em muita coisa,

mas de todas elas, uma sempre foi a certa: Laura.

— Tchau, pai. — Ela diz e já entra no banco de trás do meu carro.


Bato a porta e dou um simples sorriso para Levi, o qual me encara
de maneira estranha.

— Posso falar com você um segundo? — pergunta e eu assinto.

Olho pela janela do carro e Laura apenas nos observa. Como se

quisesse ver algo além. Realmente, terei de ter uma conversa delicada

com ela.

Levi meneia a cabeça e dá passos até a frente do carro, assim o


sigo e percebo que ela não quer falar na frente de nossa filha.

— Algum problema? — pergunto baixo, já preocupada.

Ele respira fundo e balança a cabeça em negação, como se

tomasse coragem para dizer algo.

— Eu sinto muito pelo que houve. — Fala e passa as mãos

levemente pelos cabelos. — Olha, eu juro que não sabia que aquela

mulher ia vir até mim e... Eu não queria te constranger... Ainda mais

nossa filha estando junto, eu jamais...

Ele continua se embolando nas palavras e sinto-me

desconfortável com sua situação. Claro que o momento foi estranho,

além de que, foram anos ao “lado” desse homem, porém o mais estranho

é não me sentir mal ao ver aquilo.


Encaro-o por alguns segundos, enquanto ele tagarela e continua

passando as mãos pelos cabelos, como sempre faz quando está nervoso.

E pela primeira vez, indago a mim mesma, se conheço realmente o

homem a minha frente. Será que tudo não passou de uma paixão

adolescente pelo melhor amigo do meu irmão, que no fim não é o meu

príncipe encantado?

Mesclo em minha mente o momento em que vi a ruiva próxima a


ele, com o que senti ao pensar que ele me traía. Até hoje, não consegui de

certa forma me lembrar por completo daquilo, mas os flashes que me

vem em mente, ainda machucam. Mas não a mim. Me machucam, ao

imaginá-lo em situações como aquela, se sujeitando a tamanhos abusos,

pelos que ama. Algo que ele nunca mais quis falar sobre, e sendo a única

que sabe, me pesa não poder ajudá-lo. De ele não me permitir.

Tudo parece tão maior que nós, que a cena de uma mulher dando

o cartão a ele, não me machuca. Ou o tempo separados, esteja me

mostrando quem eu sou. A Melissa que eu não pude ser antes, e que

agora, encontrou a liberdade.

Contudo, me dói ver que ele parece não ter encontrado a dele. O

amor pode não estar ali, mas o cuidado, ainda grita dentro de mim.

— Está tudo bem. — Interrompo-o. — De verdade, não se

preocupe com o que houve.


— Está realmente falando sério? — pergunta, porém não me dá

tempo para resposta. — Realmente, não está nada bem. — Fala,


encarando-me de maneira avaliativa.

— Como assim? — pergunto confusa e ele dá de ombros.

— Há coisas que perdemos, mas não conseguimos realmente

admitir, até que a vida nos faça engolir isso à força. — Começa e sorri

sem vontade. — Eu perdi meus pais e demorei anos para admitir a mim

mesmo isso, mesmo com a vida me mostrando a cada segundo... Mas

com você, a vida conseguiu me convencer em poucas horas.

Ele me encara com pesar e fico sem fala. Sem saber o que dizer

ou até mesmo ter o que argumentar. De certa forma, é como se Levi me

conhecesse, ou uma pequena parte de mim. Mas de todo modo, não sou a

Melissa de antes e ele também não é o mesmo.

Apenas lhe dou um sorriso sem dentes, sem saber o que dizer.

— Mãe? — volto meu olhar para o carro e Laura me encara

impaciente.

— Estou indo, pequena. — Digo e viro-me pra Levi, o qual

apenas encara o chão.

— Eu entendo, Melissa. — diz simplesmente e passa por mim.


Ele vai novamente até nossa filha e beija o rosto de Laura, a qual
o abraça pela janela do carro.

— Se cuide, princesa. — Ele fala e ela assente. — Até mais,

Melissa.

Mais uma vez, ele sequer me deixa argumentar ou perguntar

sobre si, e fico estática por alguns segundos, vendo-o ir, deixando-me

ainda mais perdida do que antes. Mas ao entrar no carro e ver um leve

sorriso no rosto de Laura, pergunto-me por que também não estou assim.

Levi
 

Entro em meu carro e praticamente me jogo sobre o banco.

Encosto a cabeça no volante e seguro as lágrimas que querem descer.

Andei um tempo longe, para ser sincero, evitando ficar próximo


de Melissa. Foi o que os médicos que procurei me recomendaram. Como

se eu precisasse, me encontrar, antes de encontrar-me nela. Porém, ao

estar próximo a ela, tê-la assim tão perto, fez algo em mim se acender
novamente. Como se o sentimento de antes não estivesse morto, apenas

adormecido, de forma cautelosa dentro de mim.

As últimas palavras de Melissa comigo no hospital me fizeram

pensar. Sobre nós, nosso casamento, a gravidez de Laura...

Absolutamente tudo. Principalmente, sobre mim. Repensei e pensei sobre

minhas atitudes, e até mesmo sobre os momentos em que estive com

Nicole. Momentos que ainda me atormentam em noites insones, ou em

quando finalmente o sono me encontra. Há mais a dizer, do que pude

confessar a Melissa. O último relatório que chegou dos Morgan, que caiu

como uma bomba em meu colo.

O corpo de Nicole foi encontrado no hotel em que estava há

alguns meses. A perícia foi certa e clara: suicídio.

Como se de repente, dez anos do que fui, sendo desfeitos ali. As

amarras sendo quebradas, e a culpa me assolando. E se ela o fez, por que

eu não a deixei mais se aproximar? E se ela o fez, por minha culpa? E se

ela fez, pela obsessão por meu irmão? E se...

São tantos, e nenhum deles, trazem alguma resposta. Ou alguma

paz. Os medicamentos ou horas na terapia ajudam, mas todo dia, é um

dia para lutar. Tentar entender que meu celular não vai tocar e vai ser a

voz dela do outro lado, dando-me as ordens do que fazer ou não fazer.
Assimilar de que não vou abrir a porta do escritório e seu sorriso frio

estará me esperando.

Levo as mãos a cabeça, tentando me reorganizar, de alguma

maneira. Mas mesmo com tudo, ela era apenas uma mulher, um ser

humano como eu, e não merecia o que houve, por mais que tivesse

errado. Eu também errei e magoei as pessoas que amo, usei pessoas,

omiti e menti em nome do que acho ser o certo, e nem por isso, deixei de

me arrepender. Só consigo pensar que o mesmo poderia ter acontecido

com ela.

Que ela poderia ter alguma chance, em algum momento.

A chance que Melissa sempre me dava, apenas por me deixar


estar perto dela.

O que mais passou por minha cabeça nesses dias, foi se o “amor”

que tanto proferi por Melissa realmente estava dentro de mim. Ela me fez

colocar na balança meu amor e minha culpa. Por vários momentos, sei

que estive confuso e que acabei surtando, até mesmo pressionando

Melissa a respeito de meu desespero após ela saber de Nicole, e por isso,

assinei o divórcio, sem sequer questioná-la.

Ela tem o direito de viver, tudo aquilo que eu a impedi, por

direcionar a ela, todos os medos, que eram colocados sobre mim. Porém,
Melissa quebrou aquela roda, e ela já não girava. E nunca mais o faria. O

sentimento em meu interior grita, pela saudade. Pela dor. Pela vontade de

apenas parar e conversar com ela.

Mesmo que esse amor não seja mais o mesmo, esteja apenas em

auge próximo a ela, sei que não consigo apenas ignorar. Tentarei de

alguma forma, me encontrar. Para então, poder encontrá-la. E quem sabe,

se for para ser, eu a conquiste. Quem sabe, ela possa se apaixonar por

quem eu realmente sou?


Capítulo 31

“Não consigo não pensar em todo o custo

E nas coisas que serão perdidas

Oh, podemos apenas fazer uma pausa?

Para garantir que vamos ficar bem novamente

Seja a geada

Ou a violência dos dias de cão

Estou nas ondas, sendo arremessado

Existe uma linha que eu possa simplesmente cruzar?”[38]

Melissa
 
Chego em casa um pouco cansada, e assim que abro a porta,

Laura praticamente corre para dentro.


— Ei, mocinha. — Grito, porém ela já virou o corredor e duvido
que me ouviu.

Sem querer, derrubo minhas chaves e respiro fundo antes de

agachar para pegá-las. Tem sido aqueles dias em que mesmo não tendo

feito praticamente nada, parecem os piores e mais exaustivos.

Pego as chaves do chão e tranco a porta. Noto que há várias

cartas, com certeza boletos para pagar, espalhadas no chão. Como a


preguiça já está no auge e não quero me agachar novamente, deixo-as ali,

depois, com mais coragem, olharei tudo.

Vou até meu quarto e jogo minha bolsa na poltrona em frente à

minha mesa. Sento-me na cama e respiro fundo, tentando entender o


porquê de estar dessa forma, porém, nada me vem em mente. Sinto meu

celular vibrar em meu bolso, e só me levanto o necessário para tirá-lo.


Encaro a tela e noto que o relatório mensal, das minhas vendas chegaram.

Abro-a e me surpreendo com o bom valor que consegui nesse

mês. Por mais que esteja sempre na mesma faixa de vendas, o que é

muito bom, esse mês foi ainda melhor. Entro então na plataforma online

e vejo que meus livros estão em bons lugares de venda, e não poderia ser

mais grata por isso. Além de que escrever é minha paixão desde sempre,

desde que me casei e não pude sequer chegar perto de uma universidade
e me aprimorar nisso, tenho estudado como posso e me dedicado à

escrita.

Escrevi meus livros com um pseudônimo e recebo o dinheiro que

ganho através de uma antiga conta corrente que tenho, a qual Levi nunca

sequer chegou a saber. Claro, que se ele soubesse antes, me proibiria de

escrever... E isso até me atormenta, em alguns momentos. Coisas que eu

perdi, enquanto ele se perdia. Ou ele não proibiria, quer dizer, não faço
mais ideia sobre. Porém, sempre fui cautelosa quanto a isso, e mesmo

que ele não saiba, nunca usei seu dinheiro para comprar algo para mim

ou para algum gasto pessoal.

Assim como o dinheiro que ele manda todo mês para Laura é

usado exclusivamente com ela. Eu sei que ele quer o melhor para a filha,

e nem de longe, ganho o mesmo que ele. Felizmente, ganho bem e posso

garantir algumas regalias para nós duas.

Não quero ter de depender ainda mais de minha família, pois eles

praticamente mobiliaram o apartamento e fizeram questão de pagar por

tudo, isso já foi muito mais do que suficiente. Tentei impedi-los, mas não
consegui revelar que tenho certa independência com a escrita. Na

realidade, ninguém sabe sobre isso. Porém, estou tentando tomar

coragem para contar.


— Mãe! — viro-me para a porta e Laura adentra o quarto, com

seu tablet em mãos.

Por mais que ainda não fosse um celular e servisse apenas para

jogos, isso a distrai por várias vezes, porém sei que terei de falar a

respeito sobre um celular com Levi, já que é o que Laura realmente quer.

— Oi, pequena. — Digo e ela vem até mim, sentando-se ao meu

lado. — O que foi?

— Você e papai não se amam mais? — pergunta de repente,


fazendo com que um nó se forme em minha garganta.

Eu estava planejando conversar a respeito disso com ela, mas

nunca pensei que em algum momento ela se pronunciaria sobre. E agora,

tudo parece ainda mais confuso.

Sento-me, de frente para ela, enquanto ela apenas me encara em

busca de uma resposta. Respiro fundo e coloco uma mecha de seu cabelo

que cai sobre seu rosto, atrás da orelha.

— Os adultos são complicados, de uma maneira que espero nunca

tenha que viver. Um dia... — travo minha fala, com várias lembranças de

Levi vindo em minha mente. Mas são coisas que não quero dizer a ela,
então respiro fundo, tentando conter as lágrimas. — Eu sinto muito por te

incluir no meio da minha confusão de sentimentos, ou até mesmo te


afastar de certa forma de seu pai. Pois sei que ele é o melhor pai do
mundo.

— Sim, mãe, ele é. — diz convicta, e continua a me encarar.

— Lembra do que te disse sobre o amor? — pergunto e ela

assente. — Amor tem que ser cuidado, vivido e explorado, senão ele se

vai, nem que for aos poucos.

— É como uma rosa, não é? — pergunta e eu assinto. — Mas e se

meu pai te amar, mãe? Ele vai fazer o que?

Fico estática, sem saber o que responder. Como assim “se Levi

me amar?” Ele não me ama, não há razões pra isso. Por mais que ele

tenha sofrido pelo que passamos, sei que a culpa ainda ronda sua mente,

e só isso pode explicar o modo como agiu desde que tudo veio à tona.

Culpa e dor é tudo o que consigo ver entre nós.

Então fico sem palavras, tentando entender como Levi pode me

amar, apesar de tudo. Lembro-me bem de como ele chegou a meu

coração, em como nunca cogitei a possibilidade de estar longe dele.

Eu amava o modo como os olhos verdes se destacam na pele

clara, o modo diferente que ele olha as coisas como se as analisasse a

cada segundo, até mesmo o modo fechado que ele era comigo... Eu

amava cada parte dele. Porém, pensando agora, depois que nos
separamos. Eu amava o que achei que ele era, não por dentro, onde nunca

cheguei a conhecer.

— Seu pai vai ser feliz, filha. Não se preocupe com isso. — Digo,

tentando não a assustar. — Eu sei que nos quer juntos, imagino isso, mas

sei também que não nos quer tristes, e é assim que ficaríamos se

voltássemos a ficar juntos.

Ela meneia a cabeça afirmativamente e não desvia seus lindos


olhinhos verdes de mim, como se conseguisse realmente ler minha alma.

Laura pode ser apenas uma criança, mas em vários momentos, parece ser

muito mais madura que isso. E eu realmente fico sem saber como agir

perto dela por diversas vezes.

— Eu entendo, mãe. — diz e sorri.

— Eu sinto muito, filha. Sinto muito mesmo. — Falo, e lágrimas

descem por minha face.

Eu não queria magoar minha filha, muito menos fazê-la sofrer.

Mas sei que se continuasse a viver com Levi, ela também seria
prejudicada, pois viveria no meio de uma farsa.

— Eu te amo, mãe. — diz e passa as pequenas mãos por meu

rosto, limpando minhas lágrimas.


Puxo-a para um abraço e sinto-me em paz novamente. Se tem

algo que serei eternamente grata a Levi, é por termos nossa filha, ela é a

melhor coisa que me aconteceu.

***

Acordo um pouco incomodada com o calor. Levanto-me meio

perdida e caminho a passos incertos até o quarto de Laura, e felizmente o

ar-condicionado dela eu me lembrei de ligar. Volto então para o corredor

e sigo para a cozinha. Bebo um grande copo d’água e toco minha nuca, a
qual está completamente suada. Isso que dá esquecer de ligar o ar.

Coloco o copo dentro da pia e me viro para ir até o quarto, porém,

algo brilhando no chão próximo a porta, chama minha atenção. Vou até lá

e vejo um envelope verde, o qual aparentemente é fluorescente.

Aproveito e pego todos os envelopes espalhados pelo chão e os junto.

Sento-me no sofá e jogo uma porção de lado, encarando o envelope

colorido e estranho a minha frente. Mas logo vejo que é apenas um


convite de aniversário de um coleguinha de Laura. Bom, eles realmente

se empenharam no convite.

Analiso os outros envelopes e separo os que trazem boletos, ao

meu lado esquerdo. O que sobra, que são apenas dois envelopes, abro por

pura curiosidade. Com certeza são mais convites para Laura. O primeiro

que abro, fico abismada, ao ver que é um convite para um evento de

autores independentes... Fico um pouco sem chão e não sei se pulo, grito

ou piro... Por fim, apenas respiro fundo e resolvo ir para o próximo

envelope.

O envelope é azul marinho e sequer tem um remetente, o que é

estranho. Abro-o e me surpreendo ao ler cada palavra escrita.

"Todo mundo quer acreditar no amor eterno. Ela mesma havia

acreditado, quando tinha 18 anos. Mas sabia que o amor era difícil,

assim como a vida. Sofria reviravoltas impossíveis de serem previstas ou

mesmo entendidas, e deixava um longo rastro de arrependimento pelo

caminho. E, quase sempre, esse arrependimento levava a perguntas do

tipo “E se…” que nunca poderiam ser respondidas."- O melhor de

mim, Nicholas Sparks.

— O que é isso? — pergunto a sala vazia, e como resposta tenho

o silêncio.
Alguém com toda certeza deixou por engano em nossa porta... Só

pode ser.

Encaro o envelope novamente e busco algum erro no destinatário,

porém está aqui, meu endereço. Volto minha atenção ao pequeno bilhete

ou carta, e procuro algo escrito a mais, e felizmente ou infelizmente, não

encontro.

Fico ali sentada, sem saber o que pensar ou como agir. A única

pessoa que passa em minha mente nesse momento é... É Levi. Mas como

e por que ele faria isso? Posso não o conhecer por completo, mas com

toda certeza ele não é um homem romântico... Ou é?

Por mais que fosse me recriminar por isso depois, levanto-me do

sofá com o envelope em mãos, e vou até meu quarto. Pego meu celular

em meu criado mudo, e sem pensar duas vezes, disco seu número.

— Alô. — diz sonolento e fico sem saber o que dizer.

Alguns segundos se passam e fico ainda mais em graça. Não é

ele, não pode ser.

— Melissa? Está tudo bem? Laura está bem? — ele começa a

fazer várias perguntas, o que me deixa ainda mais confusa.

— Está tudo bem sim. — Falo e seguro as lágrimas que querem

descer. — Eu liguei errado, era para Lili.


— Ah sim... Eu...

— Me desculpe, boa noite. — Desligo rapidamente e seguro com

força o celular em mãos.

Eu não quero ouvir que é ele, e muito menos tentar acreditar

nisso. Nada muda o passado e eu ainda não estou preparada para

qualquer outra coisa. Sei que pode ser qualquer pessoa ao enviar isso,

inclusive Bruno, o qual reencontrei essa semana, mas não quero sequer

cogitar tal coisa.

Por mais que não doa ter visto Levi próximo à outra mulher,

ainda dói ter me iludido por tanto tempo com o fato de que seria o amor

da minha vida. No final das contas, não sou mais a mesma mulher, e

infelizmente, seja quem for que me mandou esse bilhete, não conseguiu

me encantar, fez-me ficar ainda mais perdida do que já estou.

Levi
 
Fico alguns segundos olhando para o meu celular, buscando algo

que não consegui entender na voz de Melissa. Ela deve estar confusa

com alguma coisa por ter me ligado assim, talvez... Não seja um tolo

ansioso! Repreendo-me.

Rolo em minha cama e encaro o teto novamente, imaginando

quantas oportunidades perdi em estar nessa mesma cama com ela. Como

sempre, já não aguentando mais me sentir só nesse quarto, saio e vou dar
uma volta no jardim da casa.

Fico repensando em minha mente quantas vezes Melissa também

se sentiu só, mesmo estando casada comigo, mesmo tendo Laura. A

solidão que me abarca nesse momento é a qual só mostra meus erros, os

quais me parecem límpidos neste instante.

Fiz Melissa sofrer muito além das mentiras, mas por não ter sido

homem suficiente de enxergar o que ela realmente merecia. Hoje sei, que

nada do que faça vai mostrar a ela o quanto é importante pra mim, muito

além do nosso passado e ainda mais por um futuro inexistente. Temos um

elo eterno chamado Laura, e me dói saber que é a única coisa que nos

interliga.

Sento-me no chão do jardim e encaro as estrelas, refletindo

comigo mesmo sobre tudo. Sobre minha infância, meus pais, meu irmão,
minha filha... Sobre as pequenas coisas que me fazem bem, fazem-me

feliz.
Capítulo 32

“Isso se tornou algo muito maior

Em algum lugar em meio à névoa, eu senti que havia sido traída

Seu dedo no meu grampo de cabelo me engatilha

Soldado caído naquele chão gelado

Olhou para mim com honra e verdade”[39]

Melissa
 
Tem sido complicado lidar com tudo que sinto, além de que

venho analisando as atitudes de Levi nos últimos dias, tentando ter algum
indício de que é ele que manda os bilhetes. Pois é, são bilhetes, os quais

chegam todos os dias. Porém, ainda não consegui nada a respeito disso, e

no fim, resolvi deixar de lado.


Passo pela recepção da empresa e entro no elevador privativo.
Antes, em alguns momentos, sentia-me mal de vir aqui, mas agora, é

como se finalmente tivesse me livrado um pouco do passado. Nada

melhor que enfrentar os próprios demônios para vencê-los. E alguns, eu

já consegui.

Chego até o andar de meu irmão e caminho até sua sala, porém,

antes que o faça, a porta da sala de Levi se abre e Levi sai dela, com

alguns papéis em mãos e óculos no rosto. Desde quando ele usa óculos?

— Sophie, lembra daqueles papéis que...

Ele continua tagarelando e vai em direção a mesa da assistente de

meu irmão, como está compenetrado nos papéis, sequer me vê e muito


menos percebe que Sophie não está.

— Ela não está. — Digo, e mesmo sem ter intenção, assusto-o.

Os papéis em suas mãos caem no chão e ele me encara

completamente surpreso.

— Desculpe. — Digo e me aproximo dele, ajudando a pegar a

papelada no chão. — Parece um dia cheio.

— Com certeza. — diz e pega os papéis de minha mão, nossos

dedos se tocam e sinto aquele mesmo arrepio de antes.

Algumas coisas nunca mudam.


Seus olhos verdes se focam nos meus e ele abre um leve sorriso.

— Obrigado. — diz e eu assinto.

Ele passa por mim e bate duas vezes na porta da sala de meu

irmão, porém não obtém resposta. Levi me encara sem entender e eu

também fico um pouco confusa, Daniel havia dito que estaria em sua sala

hoje e que poderia me receber a qualquer horário.

— Acho que ele saiu, já que Sophie não está aqui e...

— Quieta, tem alguém na porta...

Assusto-me e Levi também me encara espantado. É a voz de meu

irmão e ele com toda certeza está acompanhado. Não é preciso ligar um

mais um para entender que a mulher na sala com ele é Sophie. Levi dá de

ombros e abre um leve sorriso, algo que nunca havia reparado nele antes.

Ou será que só agora ele o faz?

— Posso te ajudar em algo? — pergunta e dá passos pra longe da

porta, faço o mesmo, pois não quero constranger meu irmão e muito

menos Sophie.

— Na realidade... Ia mesmo te mandar uma mensagem. — Digo,

lembrando-me do aniversário de Laura. — Pensei em fazer uma festa

surpresa pra nossa pequena, e darmos o celular que ela tanto quer.

Levi assente algumas vezes e parece pensar sobre.


— Podemos conversar na minha sala? — pergunta, e noto o tom

de insegurança em sua voz.

— Claro. — Digo e o sigo até lá.

Noto que a sala está completamente mudada, parece até mesmo

ter sido refeita. Porém, está ainda mais linda do que antes, não parece tão

impessoal.

— Laura me ajudou a decorar. — diz e dá de ombros, sorrindo.

— O quadro atrás de você, foi ela que escolheu, no caso, a moldura.

Viro-me e encontro uma foto minha grávida e ele ao meu lado. A

mesma foto a qual Laura dorme abraçada todos os dias. Sinto-me mal ao

vê-lo assim, mas não sei sequer o que dizer pra ele.

— Acho que é a nossa foto mais bonita. — Digo, e sorrio

forçadamente.

Sento-me na cadeira a sua frente, e acho que ele percebe meu

incômodo e apenas foca seu olhar no meu.

— Acha que ela vai gostar do celular? — pergunta, como se não

soubesse o óbvio.

— Precisamos escolher um bom modelo.

— Que tal irmos ver isso hoje? — pergunta de repente, deixando-

me sem entender. — Daniel está ocupado demais, e posso sair pra


vermos o celular, além de planejar a festa pra ela.

— Tem certeza disso? — pergunto, completamente surpresa.

— Claro. — diz e retira os óculos, colocando-os em cima da


grande mesa. — Vou só pegar minhas coisas e podemos ir, ou você tem

algo para fazer e...

— Não, tudo bem. — Digo, levantando-me e esperando ele pegar

sua carteira.

Assim que adentramos o elevador, o clima parece um pouco

incômodo. Não consigo raciocinar direito e me seguro para não perguntar

a ele sobre os bilhetes. Talvez seja melhor nem saber.

— É, então, como estão as coisas no apartamento...

Assim que ele começa a falar, a porta do elevador se abre, e me

espanto novamente nesse dia, Bruno abre um sorriso enorme e vem até

mim, dando beijos em meu rosto.

— Parece que o destino está a meu favor. — diz, como sempre,

galanteador.

Reviro os olhos e não consigo evitar sorrir do modo como fala.

— Como vai, Bruno? — pergunto, e ele sorri.

— Bom, muito bem, mas quero saber se gostou das flores que

enviei para você.


— Flores? — pergunto sem entender.

— Sim. Enviei hoje mais cedo, desculpe por ser tão intrometido,

mas foi seu irmão que me passou o endereço. — diz e eu fico estática.

— Bom, ainda não vi, mas obrigada. — Digo, completamente

sem graça, pois essa situação não parece mesmo a melhor.

Só consigo pensar que Bruno tem meu endereço, ele sabe onde

moro... Então pode ser...

— Anda lendo muito Nicholas Sparks? — pergunto, e ele abre

um sorriso gigante.

— Tudo para conquistar minha donzela.

Gargalho de suas palavras, pois se tem uma coisa que Bruno não

tem é vergonha, e mais precisamente, na cara. Será que ele realmente

mandaria os bilhetes?

Viro meu olhar para Levi, o qual olha fixamente para a porta a

nossa frente.

— Espero que a donzela corresponda. — Digo, fingindo não

entender sua direta.

— Eu também.

— Mas me diga, o que faz aqui e como conseguiu meu endereço

com meu irmão. — Digo, para ver se consigo acabar com minha
curiosidade.

— Bom, prometi que pararia de dar em cima da assistente dele.

— diz, fazendo-me arregalar os olhos. — Brincadeira, mas que ele está a

fim dela, ele está.

Sorrio.

— Sim, é o que acho também. Mas você ainda não respondeu

minha pergunta.

— Oh, me desculpe, minha donzela. — Reviro os olhos

novamente. — Conheço Daniel há alguns anos, precisamente no Canadá,

somos amigos.

— Que mundo pequeno, não? — Levi diz de repente, e sinto-me

intimidada por seu tom de voz, porém Bruno parece não se importar.

— Vim falar com ele a respeito de um investimento, daí, acabei

vendo uma foto sua na mesa dele e bem...

— Entendi. — Falo, sem conseguir acreditar em como esse

mundo realmente é pequeno.

Finalmente o elevador para e saímos.

— Vou buscar o carro. — Levi diz e sai praticamente correndo de

perto de nós.

Eu perdi alguma coisa aqui...


— Bom, tenho que ir. — Bruno finge choro. — Até mais.

— Porém, dessa vez, aguardarei sua ligação. — diz, e fico sem

entender. — Mandei junto com as flores o meu número. E pode deixar

que vou decorar muitas frases de Sparks para te impressionar.

Sorrio e saio de perto dele, sem dizer mais nada. Bruno é uma

figura.

Quando chego até o carro de Levi, entro do lado do passageiro, e

ouço seu suspirar fundo. Ele pega algo no porta luvas, e só quando abre a

caixinha, vejo que é outro óculos.

— Não sabia que usava óculos. — digo, olhando-o colocar.

— Sempre tive alguma dificuldade, mas dificilmente usava. Hoje,

com a idade chegando, não tenho mais como impedir. — diz e sorri de

leve. — Deixo um aqui no carro e outro no escritório, já que sempre

acabo esquecendo de carregar.

Ele sai com o carro, e encosto minha cabeça no banco.

O silêncio se instala entre nós e nunca me senti tão constrangida

quanto agora. Queria perguntar como ele está, como está passando...

como está tudo dentro dele naquele momento. Eu não consigo sequer

imaginar como é, ter uma vida a qual ele levou. E repensar, de repente,

que tudo não é mais assim.


As ruas vão passando e só consigo pensar que mesmo após dez

anos juntos, e após a separação, pela primeira vez estamos um pouco

próximos. Não consigo entender, mas parece que os últimos anos

congelaram, e no fim, sobrou isso de nós.

— Posso ligar o som? — pergunto, tentando amenizar a tensão.

— Claro. — diz e foca sua atenção no trânsito.

Coloco então o som para funcionar, e me encosto na janela do

carro.

Assim que a primeira melodia preenche o carro, encaro-o

assustada.

— Como conhece essa música? — pergunto incrédula. — Quer

dizer, poucas pessoas que eu sei conhecem... Por mais que não seja antiga

e....

— Bom, sempre gostei de rock mais leve. — Ele sorri de minha

surpresa. — E esses caras, realmente são bons.

— Eu sei, eu adoro o som deles. — Digo.

Não consigo resistir e começo a cantar. Essa música com certeza

é uma de minhas favoritas.

“Eu te amo
Eu te amei o tempo todo

E eu sinto sua falta

Estive muito longe há bastante tempo

Eu continuo sonhando

Que você estará comigo e nunca irá embora

Paro de respirar

Se eu não te ver mais”[40]

— Espera um pouco aí. — Levi diz e aperta algo no som, e noto

que a música recomeça. — Para o seu show ser completo. — brinca, e eu

tento não sorrir, porém é inevitável.

Fico envergonhada e não consigo mais cantar, porém logo escuto

a voz de Levi, a qual eu nunca sequer soube que era tão bela.

“Neste momento, neste lugar

Mal utilizado, erros

Muito tempo, muito tarde

Quem era eu para fazer você esperar?


 

Apenas mais uma chance, apenas mais uma respiração

Apenas no caso de restar somente um

Porque você sabe, você sabe, você sabe que

Eu te amo

Eu te amei o tempo todo

E eu sinto sua falta

Estive muito longe há bastante tempo

Eu continuo sonhando

Que você estará comigo e nunca irá embora

Paro de respirar

Se eu não te ver mais” [41]

Ele então me encara, como se esperasse algo, e mesmo com

vergonha, canto junto a ele.

“De joelhos, eu pedirei uma


Última chance para uma última dança

Porque com você, eu resistiria a

Todo o inferno para segurar sua mão

Eu daria tudo, eu daria tudo por nós

Dou qualquer coisa, mas não vou desistir

Porque você sabe, você sabe, você sabe que

Eu te amo

Eu te amei o tempo todo

E eu sinto sua falta

Estive muito longe há bastante tempo...” [42]

Sorrimos de leve ao terminar o refrão, porém algo em seus olhos

parece diferente.

E quando a música acaba, outra se inicia e eu acabo por ficar em

silêncio. Só consigo me perguntar: Quem é esse homem ao meu lado?

 
Levi
 
Suspiro fundo, tentando controlar minhas emoções, após ouvir a

doce voz de Melissa. Por dentro estou me segurando para não gritar, tudo

porque um simples idiota tinha que aparecer. Por que eles sempre

aparecem? Parece até mesmo um dos livros que venho lendo.

Bufo sozinho e ao mesmo tempo disfarço, para que Melissa não

note meus ciúmes. Por mais que queira que ela saiba o que sinto, ainda é

cedo... Muito cedo pra nós. Sei disso.

Tudo que quero é poder gritar que cada maldita letra dessa música

diz justamente o que sinto, de como me sinto ao lado dela. Respiro


fundo, e outra música começa, fazendo com que ela desvie o olhar pra

janela. Tudo o que queria nesse momento é voltar no passado, reaver

cada momento. Ter a oportunidade de ser o homem certo, mas

infelizmente, não posso.

Nem todos nasceram para ser príncipe encantado.

 
Capítulo 33

“E eu gritei por qualquer coisa que valesse a pena

Eu te amo, essa não é a pior coisa que você já ouviu?

Ele olha pra cima, sorrindo como um demônio

E é nova, a forma do seu corpo

É triste, a sensação que eu tenho”[43]

Melissa

 
Andamos lado a lado pelo shopping, mas nenhum de nós diz
nada. O silêncio que está entre nós não atrapalha muito, já que há uma

grande quantidade de pessoas passando, assim, não fica tudo tão

constrangedor.
Por canto de olho às vezes o analiso. Levi parece perdido em seus
próprios pensamentos, enquanto encara algo em seu celular. O que me

faz lembrar de uma coisa, a qual sequer dei importância antes, mas hoje,

tento entender o porquê.

— Levi. — Ele me encara. — Você sabe do meu antigo celular?


O que estava comigo no acidente? — pergunto, e ele apenas nega com a

cabeça.

— Acho que encontraram restos dele, que foram descartados, já

que não tinha mais como ser usado. — Explica e eu assinto.

— Tinha algo lá que eu precisasse saber... Sabe, algo a respeito de

tudo que houve? — pergunto, e ele me encara curioso. — É que tenho


vagas lembranças sobre algo em meu celular, mas não consigo me

lembrar do quê.

Ele para de andar, o que me faz parar também.

— Eu deixei acho que dezenas de mensagens de voz pra você

após o que aconteceu. — diz e noto dor em sua voz. — Não sei se isso é

o que está procurando saber, mas... Bom, é o que sei.

— Tudo bem. — Digo, um pouco aliviada por sua sinceridade. —

Obrigada.
— Estava pesquisando sobre os melhores celulares atuais, e

acabei encontrando o dessa loja. — Ele indica com a cabeça a loja atrás

de mim, então me viro, encontrando uma fachada completamente

moderna. — Quer dar uma olhada? — pergunta.

— Bom, você é bem mais capacitado que eu com isso, então... O

que achar melhor. Eu fico com a parte externa e você com a parte interna,

tudo bem? — pergunto, fazendo-o rir.

— Ok, vamos.

Entramos na loja e fico encantada com a infinidade de modelos

de celulares. Laura com certeza piraria aqui dentro, mas nada melhor que

uma surpresa.

Levi conversa com um vendedor enquanto eu ando pela loja,

desviando um pouco minha atenção dos celulares e encarando a parte de

notebooks. Fico maravilhada ao ver um que sempre quis comprar, que

tem uma tela enorme, o que me ajudaria ainda mais a escrever. O preço é

exorbitante, como já imaginava, mas realmente, acho que vale a pena.

— Gostou de algo? — assusto-me com a voz de Levi próxima a


meu pescoço. — Oh, desculpe. — Ele então sorri.

Sua aproximação mexe comigo, infelizmente não posso negar


isso.
— É... Posso fazer uma pergunta? — pergunto incerta, com um

pouco de vergonha. Nunca consegui falar abertamente de minha


profissão com ninguém, mas como sei que Levi entende dessa área,

talvez ele possa me ajudar.

— Claro, diga. — Responde e eu respiro fundo, encarando o

notebook a minha frente.

— Acha esse notebook uma boa escolha... Quer dizer, algo bom

para quem usa isso para... — travo, não consigo realmente falar sobre

isso. — Esquece, eu...

— Para escrever, certo? — pergunta, surpreendendo-me. Encaro-

o e ele parece envergonhado, mas logo muda seu semblante. — É que

sempre a vi em frente ao computador, presumi que fosse isso.

— Ah, claro. — Digo, ainda confusa com sua avaliação.

Ele prestava atenção em mim? Desde quando?

— Na minha opinião, para escrever, um computador como aquele

ali. — Ele se vira e indica um computador branco do outro lado da loja.

— É o melhor ultimamente no mercado.

— Sério? — pergunto, caminhando até onde está o computador.

De fato, o computador é lindo, e tem uma tela enorme.


— Sim, acho que é um ótimo investimento e... — Ele para de
falar de repente, como se escondesse algo. Levi está estranho. — Quer

colocar junto ao celular? — pergunta.

— Não. — Nego veemente. — Eu mesma vou comprar e...

Espera um pouco, já escolheu o celular? — pergunto surpresa.

— Vem aqui ver.

Ele me leva até um balcão, onde um vendedor sorri

simpaticamente. O celular realmente é lindo, dourado, do jeitinho que

Laura sempre disse que queria.

— Internamente ele é ótimo, o que achou do físico? — Levi

indaga.

— Bom... É perfeito! — digo animada.

— Sua esposa tem bom gosto, senhor. — O vendedor diz, e Levi

arregala os olhos.

Seguro-me para não rir de sua situação, ele tenta dizer algo, mas

nada sai de sua boca meio aberta.

— Não somos casados. — Esclareço e o vendedor pede

desculpas, praticamente vermelho. — Está tudo bem.

— Então, gostariam de mais alguma coisa? — o vendedor

pergunta e eu assinto, levando-o até o computador.


Acertamos o pagamento de tudo, e fico feliz por Levi não insistir

em querer pagar nada a mais do que metade do celular de nossa filha. O

computador e parte do celular ficaram por minha conta, e ele sequer se

opôs. O que realmente me surpreendeu, ele não parece o mesmo de antes.

Saímos da loja com o celular embrulhado em uma sacola, e o

computador pedi para que entregassem amanhã, já que não quero andar

com uma caixa enorme pelo shopping.

— Quer comer algo antes de vermos algo para festa dela? — Levi

pergunta.

Encaro meu relógio e vejo que ainda temos um bom tempo.

— Tudo bem. — Digo, enquanto o sigo.

Ele entra em um restaurante mais afastado da praça de

alimentação, mas não entendo por quê.

— É o meu favorito, se quiser podemos ir a outro lugar.

— Não, por mim está ótimo. Não gosto muito de fast-food.

— Eu também não. — diz sorrindo. — Não sei a quem Laura

puxou essa fascinação por pizza e hambúrguer.

— Isso é verdade. Tenho que dobrá-la sempre, porque senão...

— Ela está cada dia mais esperta e inteligente... Não sei o que

vou fazer mais pra frente. — diz, puxando uma cadeira pra mim, e se
sentando logo à frente.

— Como assim? — pergunto, pegando o cardápio na mesa.

— Os namoradinhos... — diz e faz uma careta.

Gargalho do olhar sofrido que ele dá. Levi está realmente

preocupado com isso.

— Imagina só, Laura é linda. — Ele esconde o rosto nas mãos. —

Terei de ameaçar todos os membros do sexo masculino.

Gargalho ainda mais, vendo-o sofrer por antecipação.

— Ela ainda é nova, Levi. — Digo, após meu riso cessar.

— Mesmo assim. — ele arregala os olhos verdes, fazendo-me rir

novamente. — Mas enfim... Sabe algo de Daniel com Sophie? —

pergunta.

— Por que o interesse? — indago curiosa.

— Bom, é que tive algumas brigas com Daniel recentemente,

pelo modo rude que a trata. Convidei Sophie para trabalhar comigo, mas

ela acabou negando. Acho que ela gosta de seu irmão, já ele não sabe

lidar com ninguém, e ela ainda continua sendo uma ótima funcionária

com ele.

— É complicado, eu acho. — Sou sincera. — Daniel parece ter

sofrido no passado por alguém. — Levi assente e parece nervoso. —


Você sabe algo a respeito disso, não é? — pergunto curiosa.

— Bom, vai ser estranho dizer isso. — Ele respira fundo,

deixando-me nervosa. — Daniel já chegou a pedir Carla em casamento.

— Conta rapidamente.

— O que? — pergunto incrédula.

Meu irmão nunca fez tipo de casar...

— Pois é, nem eu acreditei quando soube. — diz e sorri fraco. —

Mas acho que toda história, só seu irmão para te contar ou Carla.

— Deve ser algo bem pessoal deles. — Complemento,

entendendo o modo cauteloso com que Levi fala.

Não é a história dele para ser contada, entendo isso.

— Sim.

Ele então chama o garçom e fazemos nossos pedidos. Enquanto

aguardamos, o silêncio recai sobre nós novamente. É estranho estar

próxima a ele, ainda mais, porque nunca estivemos assim... Mesmo com

tudo, não me arrependo de estar à frente dele, pois de certa forma, isso

aplaca a curiosidade que meu coração e mente tem sobre tudo a respeito

dele, de mim, do que fomos. Concluo que nunca fomos nós mesmos

antes.
Bônus

Sophie
 

Encaro a tela do computador, enquanto tento controlar a


frustração que sinto. Leio e releio o que está escrito na tela, e tenho

vontade de corrigir o significado de ditador no próprio dicionário. Falta


um dos significados: Daniel Lourenzinni.

Nunca fui de estressar-me ou até mesmo sofrer por algo no

trabalho, mas desde o dia em que fui convocada a ir à sala do meu chefe,

isso mudou. De imediato, pensei ser o senhor Gutterman, porém, assim


que me encaminharam a sala ao lado da dele, e encarei os olhos cor de

mel mais claros que já vi, soube que não era.

Desde minha época de recepcionista, sempre ouvi boatos sobre o


chefe que ficava na filial do exterior e vinha esporadicamente para festas

e reuniões no Brasil. Comentários como: "Ele é lindo", "Ele não presta,

mas tem músculos que valem a pena", e "Ele é o peão mais sexy que já

vi".
Houve um tempo no qual até cheguei a querer saber de quem se
tratava, mas como nunca tive alguma amiga nessa empresa, nenhuma

delas sequer fez questão de me mostrar. Poderia ter pesquisado na

internet sobre ele, mas no fundo, sempre senti que seria demais. Fui

criada em uma ideologia de que não devemos procurar e nem falar sobre
a vida alheia, e assim, contra minha vontade, não procurei.

Na primeira vez que o vi, constatei que todas as coisas que ouvi a

respeito de seu físico eram reais, porém, nada me preparou para quando

ele começasse a falar. Desde então, os gritos, maldições e ironias são

constantes. Daniel Lourenzinni pode até ser lindo por fora, mas é um
verdadeiro monstro por dentro.

— Se eu descontasse de seu salário todos os momentos que te

encontro divagando sentada nessa mesa, tenha certeza de que não

ganharia nada. — Ouço sua voz dura e firme atrás de mim.

Suspiro fundo, fechando de imediato o navegador e pegando as

pastas que ele pediu para que separasse. Assim que me levanto, ele

simplesmente pega as pastas e joga de volta na mesa, encarando-me

como sempre, de modo autoritário.

— Vem. — diz firme e mesmo sem entender, passo por ele,

entrando em sua enorme sala.


Não sei quanto tempo passei divagando comigo mesma sobre

meu chefe, que sequer percebi que ele tinha finalmente voltado do

almoço.

Permaneço em pé, em frente a sua mesa. Encaro meus pés por

alguns instantes, notando que preciso urgentemente comprar um novo par

de saltos, já que estes já mostram seu desgaste. Com certeza, se meu

querido chefe perceber, irá criticar.

— Sente-se.

Mesmo estranhando seu pedido, sento-me e aguardo ele passar

por sua mesa e se sentar a minha frente. Geralmente, o tempo que passo

junto a ele, é entregando os papéis e organizando, nenhuma vez, nesses

meses que se passaram, sentei-me nessa cadeira. Bom, ela é confortável.

— Há quanto tempo está formada, senhorita Moraes? —

pergunta, e o encaro sem entender. 

Ele já leu meu currículo, não?

— Há três anos, senhor. — Digo e ele assente, passando as mãos

pelos cabelos ralos, os quais nunca sei dizer a cor correta, já que com a

luz, ele parece ser um cobre.

Ele de repente se levanta e afrouxa a gravata, sem em nenhum


momento me encarar. Ele vai até um armário ao lado esquerdo da sala e
se apoia, como se estivesse pensando sobre algo sério. Ok, acho que

perdi meu emprego.

— Tenho uma oferta a mais de emprego. — diz, surpreendendo-

me.

Espera aí... A mais?

— Não vou te dizer o porquê, mas apenas saiba que vai ganhar o

mesmo que se fosse uma das economistas da empresa.

O que?

Não, ele está debochando de mim... Só pode ser isso.

Encaro-o, analisando seu semblante que mais parece de tortura.

De repente seus olhos encontram os meus, e tento ao menos ver se é

alguma brincadeira de mau gosto... Mas ele não parece estar brincando,

está completamente sério.  

— Senhor, do que se trata o trabalho? — pergunto, e ele desvia o

olhar, encarando o relógio. 

— Fingir que é minha mulher. — diz, encarando-me novamente.

Fico estática, sem entender mais nada. Como assim sua mulher?

Ele endoideceu!

— Eu acho melhor... — levanto-me da cadeira e me afasto da

mesa, indo em direção a porta.


Nem tenho tempo para pensar e logo meu corpo é virado e
prensado contra a porta.

— Quieta, tem alguém na porta... — diz, praticamente num grito. 

Fico parada, sem saber como reagir. 

Alguns segundos se passam, e escuto passos se afastando... Como

ele sabia que tinha alguém ali fora?

Levanto meu olhar e o encontro divagando, encarando a porta

branca atrás de mim. Não dei muita atenção, mas agora, percebo que sua

mão está em minha cintura, prendendo-me de forma dura.

— Me solte. — Peço, e ele me encara, saindo de perto de mim no

mesmo instante.

Nunca, em nenhum momento em que estivemos próximos, ele me

tocou. A não ser a vez em que teve de tirar uma de "suas mulheres" de

cima de mim.

— Preciso sair, senhor. — Digo já aflita, e ele revira os olhos.

— Não, você não vai. — diz, encarando-me sério, como sempre

faz quando está nervoso.

— Mas...

— Vai conseguir trazer sua mãe do interior e conviver com ela...

Além de comprar uma boa casa para vocês duas.


— O que? — pergunto incrédula. — Como sabe que...

— Sei de tudo, Sophie. — diz convencido.

— Não pode fazer isso! — digo, sem conseguir mais raciocinar

direito.

— Olhe, está me respondendo pela primeira vez... — sorri fraco,

e assim, sinto-me pior. — Não tem mais como fugir, sua mãe já me deu a

benção dela...

Não! Ele não...

— Sim, eu falei com ela. — diz como se fosse a coisa mais

natural do mundo. — Para todos os efeitos você pertence a mim, e deve

agir assim daqui por diante.

— Até quando isso? — pergunto, analisando o sorriso arrogante

em seu rosto.

— Até quando for preciso. — diz, indo até sua mesa e se

sentando. — Agora sente aqui, precisamos conversar os detalhes.

Literalmente, Daniel Lourenzinni é a melhor definição para

ditador. E agora, ele simplesmente é meu homem. Como vou lidar com

isso?
Capítulo 34

“É como esperar por um ônibus que nunca aparece

Você só começa a andar

Eles dizem que se for certo, você vai saber

Cada bar toca a nossa música

Nada nunca pareceu tão errado”[44]

Levi
 
Coloco a última sacola de compras dentro de casa e fecho a porta,

já cansado. Viro-me e encontro a sala de estar repleta de enfeites, além de


coisas que não sei nem dizer o nome, para a festa surpresa de Laura.

Sorrio ao imaginar a felicidade de minha pequena ao ver tudo isso, das

cores que gosta, e das personagens que tanto assiste.


Por um segundo, desvio meu olhar para a parede e novamente a
dor dessa solidão, dessa falta, me atormenta. Por um bom tempo, acabei

sucumbindo à culpa de tudo, tentando sobreviver a cada dia, pois nada

mais fez sentido. Eu não consigo imaginar um dia, onde a dor que tentei

evitar a todos ao meu redor vá passar.

Quando os papéis do divórcio chegaram até mim, meu amigo,

Caleb, os trouxe pessoalmente, já que o advogado de Melissa o contatou.

Naquele momento, não soube discernir o que estava acontecendo, pois a

culpa era meu martírio, e tudo ao meu redor, foi feito no automático.

Caleb ficou ao meu lado, me socorreu naquele momento, mesmo após


anos distantes pelo rumo que nossas vidas tomaram, eu ainda, de certa

forma, tinha meu amigo.

Depois que Melissa realmente saiu de casa, e essa mansão perdeu

o brilho dos olhinhos verdes de minha filha, caí na realidade. De culpa,


passei a sentir pena de mim mesmo. Pois não fui capaz de trazer

felicidade a ninguém, e com toda certeza, meus pais apenas teriam

desgosto do homem que me tornei. Um homem afundado nos próprios

erros e mentiras.

Mas ao menos, longe de mim, minha família parece conseguir

respirar.

Ouço o toque de meu celular e o levo a orelha.


— Pronto.

— Ocupado? — uma pergunta direta, como sempre.

— Não, florzinha. — Zombo e encaro as várias sacolas a minha

frente. — Algumas coisas para guardar, mas diga, o que foi?

— Apenas preciso beber um pouco. — diz e noto seu nervosismo.

Caleb com toda certeza discutiu com a esposa. Esses dois são o

casal mais confuso e estranho que conheço, mesmo assim, tenho a

certeza que ele a ama.

— Ok, te encontro daqui uns quinze minutos no bar de sempre?

— pergunto.

— Não, vou te mandar o endereço por mensagem. — diz

rapidamente. — Até mais tarde.

Ele então desliga, deixando-me completamente confuso. Ok,

Caleb teve uma bela discussão com a esposa.

Começo a levar as sacolas para o antigo quarto de Marta e os

minutos passam rapidamente. Tenho que deixá-las bem escondidas, para

que Laura não desconfie. Melissa queria levar para o seu apartamento,

mas lá seria ainda mais fácil para que nossa filha encontre, portanto,

decidimos por ficar aqui mesmo. Além do seu presente especial, o tão
esperado celular, esse temos que esconder muito bem, pois senão, a

surpresa não será tanta. 

Sinto meu celular vibrar em meu bolso e o pego, vendo uma nova

mensagem de Caleb. Estranho o endereço que ele passa, pois não me

lembro de nenhum barzinho perto dessa região, mas ele deve conhecer

algo. Além de que, para poder esfriar a cabeça, nos últimos tempos,
Caleb tem sido a melhor companhia.

***

— Diz que está de palhaçada com a minha cara? — pergunto

assustado, enquanto Caleb apenas dá de ombros e entrega dois cartões

para uma mulher na porta da boate. — Caleb! — grito, porém ele

continua andando, e logo o som ensurdece meus ouvidos.

Droga!

Ando pelo mar de pessoas dançando, seguindo meu amigo que


vai direto para o bar. Ele pede uma rodada de algo e a bebe sozinha. Fico

ali, parado, sem reação. Caleb endoideceu, só pode.


— Por que me trouxe aqui? — pergunto já nervoso. — Se não
percebeu, não estamos mais na época de faculdade. — Falo, e ele abre

um sorriso debochado. Tiro o pequeno copo de sua mão e ele finalmente

me encara.

— Somos solteiros, Levi. — Fala alto. — Posso ser casado, mas

sabe muito bem de minha situação.

— Caleb... — tento manter a calma. — Sabe que ama Victória,

por mais que o casamento esteja ruim, sabe muito bem do porquê disso.

— Ela tem nojo de mim. — Confessa, pedindo outra bebida, a

qual mal chega e ele já vira. — Estou cansado disso, desse casamento de

fachada. De uma mulher que ama outro homem.

Levo as mãos aos cabelos, tentando não quebrar a cara de meu

amigo. Caleb normalmente não é assim, ou melhor, é o cara mais correto

que conheço. Algo muito sério deve ter acontecido, para que ele fique

assim. Porém, infelizmente, me compadeço da situação dele. Não

consigo imaginar como é ser casado com uma mulher que ama outra

pessoa.

Entediado e perdido, é assim que me sinto ao ver Caleb de tal

modo. Noto uma loira vindo em nossa direção, e logo ela toca o braço de

meu amigo e sorri pra mim, porém ela se concentra apenas nele.
— Sozinho? — pergunta e Caleb vira mais uma dose, assentindo.

A loira tenta beijá-lo, porém ele vira o rosto.

— Não. — diz, fazendo-me soltar o ar que não sabia que

segurava. — Aqui não.

Encaro-o incrédulo, enquanto a loira abre um enorme sorriso.

Tento dizer algo, mas nada sai de minha boca. Encaro o semblante

perdido de Caleb, o modo como não para de beber e fingi ouvir o que a

loira fala.

Olhando-o assim, lembro-me de mim.

Quantas vezes Melissa não deve ter me imaginado fazendo algo

parecido? E vendo meu amigo nesse estado, é como se me olhasse por

um espelho, de tempos atrás, onde era obrigado a ser tocado por outra.

São situações completamente diferentes, mas ainda assim, um gatilho é

acionado em meu interior.

Abro o celular e revejo a mensagem de Isaac, sobre Nicole e que

ela já não estava mais viva. Sinto-me culpado por me sentir aliviado, ao

notar que é real, de que eu nunca mais vou vê-la. O fato de ser uma

vítima, ainda é algo tão estranho para mim. Que muitas vezes, me culpo

por tudo o que aconteceu. Como se... se de alguma forma, eu fosse quem

causou toda a situação.


Você está no controle agora! – repito mentalmente, e tento voltar

a realidade.

Eu sou mais do que a vítima de Nicole. Eu sou... eu. Apenas eu

agora.

Deixo o tempo passar, e enquanto mais Caleb bebe, mais vejo a

loira o olhar impaciente, como se quisesse alguma atitude dele. Vejo que

ele sequer focou nela, e continua bebendo. Só penso em quantas vezes a

bebida foi minha melhor amiga também.

Imagino agora, Victória em casa, que sequer imagina o que ele

faz, ou se imagina, sequer se importa. Já Melissa, eu sei que ela se

importava comigo, sempre se importou. O que me dói ao lembrar que o


brilho em seu olhar era outro, e hoje, já não restou nada.

Peço uma dose de uísque, observando de canto de olho meu

amigo. Bebo a dose rapidamente e chego perto da loira, dando a ela um

fraco sorriso.

— Vai participar também, gato? — pergunta, e eu nego com a

cabeça.

— Vou levar meu marido daqui, ele já brincou muito hoje. —

Minto descaradamente, e ela arregala os olhos, olhando para nós,

incrédula. — Pois é, somos um casal.


— Mas eu jurava que ele fosse o advogado...

— Sim, o tal Soares? — zombo, enquanto tento tirar as doses de

Caleb, que apenas resmunga. — Todo mundo o confunde com o tal. —

Alguém traga o Oscar, por favor. E eu o mereço, já que ela rapidamente

sai.

Só não gargalho da cena, porque terei que levar de alguma forma

um marmanjo de trinta e um anos pra casa, pois ele parece nem conseguir

mais falar corretamente.

— Vamos, Caleb. — Tento incentivá-lo e o puxo pelo braço.

No começo ele se irrita e tenta se soltar, mas logo se cansa e

mesmo contrariado, me acompanha.

— É melhor conseguir andar, sua florzinha de merda. — Xingo,

pagando nossas comandas. — Como você gastou tudo isso, porra?

Caleb apenas continua falando algo que não entendo, que mais

parece uma música. Só consigo pensar se ele faz isso sempre, pois se

fizer... Logo alguém vai reconhecê-lo e daí sim, nem casamento de

fachada ele terá.

Com muito esforço consigo tirá-lo da boate e praticamente o

carrego até a rua. Peço um táxi pelo aplicativo e espero ansioso. Tenho
um homem capaz de derrubar qualquer um, mas que sequer se aguenta

em pé, e ainda terei que deixar em casa. É pra acabar uma coisa dessa.

— Eu tenho carro. — Ele diz de repente meio embolado,

fazendo-me rir.

— Do que adianta se não podemos dirigir? Para de ser besta,

Caleb. Continua quieto que tudo está bem.

— Meu carro, porra! — praticamente grita e eu apenas ignoro

seus xingamentos.

Quando finalmente o táxi chega, pego-o pelo braço e peço pro

motorista do táxi abrir a porta. Jogo-o no banco de trás e me sento ao seu

lado.

— Pronto, agora fica quieto.

— Meu carro. — Insiste, deixando-me ainda mais irritado.

— Me dá seu celular. — Falo nervoso, e como ele não faz nada,

mexo em sua jaqueta e encontro o aparelho. — Por que não veio de táxi

como eu? Eu já sabia que iríamos beber e... Não nesse lugar horrível que

nos trouxe, mas caramba, Caleb.

— Meu carro. — Insiste, e me controlo para não o socar.

O motorista me encara pelo retrovisor e só assim me lembro de

lhe falar o endereço.


Quando finalmente estamos indo em direção à casa de Caleb, ligo

para Joaquim Morgan, o chefe da segurança dos Soares, e pai de Isaac,

que tanto me ajudou, e peço para que pegue o carro da criança birrenta ao

meu lado.

— Depois vai ter que me contar como se enfiou naquela boate e

ainda mais sem segurança, Caleb. — Exclamo nervoso e ele apenas ri de

minha cara, como se eu fosse um palhaço.

Os minutos vão passando e felizmente Caleb vai se acalmando

um pouco. Apenas torço para que ele não durma, porque se não tudo

ficará ainda mais difícil.

Quando finalmente o táxi para a frente da mansão de Caleb, peço

para que o motorista aguarde e saio com Caleb apoiado em meu ombro.

Assusto-me ao ver Joaquim parado a frente do portão, o qual sorri e faz

sinal negativo com a cabeça.

— Sabia que ele estaria nesse estado. — Pega Caleb, o qual o

abraça, como se fosse criança e chora.

Agora me perdi completamente.

— Ele faz isso muitas vezes, geralmente quando Victória o ignora

realmente por completo. — Joaquim diz com pesar e abraça Caleb. —

Tudo bem, garoto.


— Tem certeza de que não precisa de ajuda? — pergunto e

Joaquim nega, dando tapinhas nas costas de meu amigo.

— Vou dar um jeito dela não o ver nesse estado. — Explica e eu

assinto.

— Aqui, o celular dele. — entrego a Joaquim.

Viro-me para sair, mas paro assim que ouço a voz embolada de

Caleb.

— Não... Desista. — Fala de repente, e o encaro sem entender. —

Mel vale... — então sorri, assentindo várias vezes.

— Vamos, garoto. Boa noite, Levi. — Joaquim diz e o leva.

Fico meio surpreso com a fala de Caleb, mesmo que incompleta.

Ando até o táxi e assim que fecho a porta do carro, consigo entender de

certa forma o que ele quis dizer:

"Não desista, Melissa vale a pena."

— Sim. — Digo baixinho e fecho os olhos, buscando certeza em

meu coração. — Ela vale.

Porém, uma pergunta vem em seguida: Eu valho a pena?

Essa a grande questão que me atormenta.


Capítulo 35

“Porque as páginas tinham sido viradas e decisões foram tomadas

Tudo que você perde é um passo que você dá

Então faça pulseiras da amizade, agarre o momento e saboreie

Você não tem motivos para ter medo”[45]

Melissa

 
Fecho com cuidado a porta do quarto de Laura e me encaminho

até o meu. Deito-me na cama e encaro o teto por alguns segundos,

refletindo sobre o dia que passou. Por mais que não tenha planejado nada
disso, é estranho imaginar que um dia ao lado do homem que me magoou

tanto, foi tranquilo. E pior que isso, é saber que nunca tive um dia assim

com ele.
Levi não parece realmente a mesma pessoa de antes. E me
pergunto, do quanto de si, ficou escondido, enquanto era controlado por

outra pessoa. Nós conversamos, comemos, andamos juntos, como algo

natural, não algo mecânico como antes. Pela primeira vez agimos como

humanos perto um do outro, o que parece inconcebível, já que passamos


dez anos casados, morando na mesma casa... E agora, separados,

compartilhamos um momento real juntos.

Encaro o buquê de rosas vermelhas, que deixei jogado no chão de

meu quarto, sem querer entender o porquê de Bruno tê-las enviada. Já

mandei uma mensagem para meu irmão, chamando sua atenção a


respeito disso, já que não é justo ele passar alguma informação pessoal

minha para alguém, mesmo que esse alguém seja seu amigo.

Levo a mão até a mesa de cabeceira e pego de lá mais um

envelope que chegou há poucas horas. Mais um dos envelopes que


chegam todos os dias a uma semana. Respiro fundo e tomo coragem em

abrir, tentando não pirar novamente a respeito disso.

“Na noite passada, ele tinha certeza de que ela estava sentindo a

mesma coisa que ele. Mas, agora… Ele gostaria que eles pudessem

passar a tarde juntos. Ele queria saber quais eram suas preocupações e

tranquilizá-la; queria abraçá-la e beijá-la, e convencê-la de que


encontraria uma maneira de fazer sua relação dar certo, não importava

o quanto isso pudesse ser difícil. Ele queria fazer com que ela ouvisse

suas palavras: que ele não conseguia imaginar uma vida sem ela, que

seus sentimentos eram verdadeiros. Mas, o mais importante, queria

voltar a ter certeza de que ela estava sentindo a mesma coisa que ele." –

O milagre, Nicholas Sparks.

— Levi. — Sussurro para o nada, relendo mais uma vez o bilhete


sem assinatura.

Encaro novamente as rosas jogadas no chão e me levanto. Pego o

bilhete com o cartão de Bruno ali colocado, e comparo com o bilhete que

acabei de ler. Bruno escreveu a mão um simples: Me ligue, donzela.

Além de que está com sua assinatura.

Não há como ele ser o mesmo homem dos bilhetes anônimos.

Releio novamente o mais novo bilhete e respiro fundo, absorvendo as

palavras. Por mais que quisesse lutar contra e jurar que não pode ser

Levi, no fundo, sinto que é ele. Que de alguma forma ele está lutando por
mim.

Mas por quê?

Por que ele faria isso?


A mulher que se insinuou para ele há dias, não me causou coisa

alguma, o que me fez pensar a respeito de meus sentimentos e ter a


certeza de que não sinto nada pelo homem que me divorciei. Contudo, o

homem que me manda bilhetes sem assinatura, que de alguma forma

sabe de meu autor favorito, e faz uso de seus textos, me surpreendeu.

Não por esse gesto delicado, mas por ser um gesto dele. O que deixa

claro que, mesmo que não seja como antes, ele mexe comigo.

Levi nunca fez o estilo de homem que tem que conquistar

algo, ou que luta por algo que não seja o trabalho. Já hoje, a soma do que

vem enviando mais ter largado tudo no trabalho para escolher

pessoalmente comigo algo para Laura, mostra que algo mudou. O

problema é entender, até que ponto houve uma mudança e se isso, de

alguma forma, modifica minha vida.


Capítulo 36

“Que seus sonhos lhe trazer paz na escuridão

Que você sempre subir ao longo da chuva

Que a luz de cima sempre levá-lo para amar

Que você fique nos braços dos anjos”[46]

Levi
 
Seguro as flores em minhas mãos, um pouco sem jeito, sem saber

como enfrentar isso. Há quanto tempo não venho aqui? Há quanto tempo
simplesmente não enfrento essa parte tão dolorosa de minha vida? E ao

mesmo tempo, a parte a qual nunca poderei esquecer.

Caminho em silêncio, vendo aos poucos os raios solares do meio-


dia, chegarem em seu ápice. Do jeito que meu pai disse que mamãe
gostava, o céu azul, com o Sol em seu auge. O completo contrário dele...

— Sua mãe é teimosa, filho. — diz e passa protetor solar em

minhas costas. — Ela quer nos ver queimar nesse sol de 40 graus.

— Pare com isso, Tuan! — mamãe aparece, advertindo-o. — Você

ama praia. Assim como você, né, meu bebê? — ela pergunta e me joga

pra cima, em seu colo.

— Eu gosto, mamãe.

— Eu sei, meu garoto. — diz e toca de leve em meu nariz. — Pare

de ser chato, Tuan. Levi e Ricardo amam tomar sol, assim como a mãe.

— Não sei o que faço com você, mulher. — Papai diz e passa as

mãos pelos cabelos. — Eu amo a noite e você o dia, Lorena. Como


acabamos casados?

— Porque você me ama, tolinho. — diz e beija rapidamente meu

pai.

Uma luz forte bate em meu rosto e volto a realidade, divagando


ainda entre os momentos de meus pais. Como eu pude simplesmente não

viver isso com Melissa?

Aliás, quem fui eu para Melissa?

Paro finalmente de andar, encarando de frente o túmulo dos dois.

Dói ver que após tanto tempo, tudo continua o mesmo aqui.
Lorena Gutterman

&

Tuan Gutterman

Pais, filhos e amigos amados.

Respiro fundo e tento controlar as lágrimas, mas parece

impossível. Coloco as flores sobre o túmulo sem vida e fico divagando

ainda mais. Com a música que mamãe cantava todas as noites antes de
mim e Ricardo dormirmos.

“Uma menina me ensinou

Quase tudo que eu sei

Era quase escravidão

Mas ela me tratava como um rei

Ela fazia muitos planos

Eu só queria estar ali

Sempre ao lado dela

Eu não tinha aonde ir


 

Mas egoísta que eu sou

Me esqueci de ajudar

A ela como ela me ajudou

E não quis me separar

Ela também estava perdida

E por isso se agarrava a mim também

E eu me agarrava a ela

Porque eu não tinha mais ninguém

E eu dizia: Ainda é cedo

Cedo, cedo, cedo, cedo”[47]

— Sabe, mãe. — Digo, enxugando uma lágrima que insiste em

descer. — Eu não sou nem de perto o homem que você esperava, ou

metade do homem que papai foi. Sou só mais um desgarrado, e estou

tentando entender se foi porque quis, ou se realmente sou uma vítima. Eu

machuquei tantas pessoas, até mesmo sua neta... Com o intuito de


protegê-las. Você iria amá-la, sei disso. Laura é razão pela qual continuo
firme, além de... Melissa. Melissa Lourenzinni é a mulher que ganhou

meu coração, mãe. Ela... É como você disse que seria, pai. Ela é diferente

de mim, ao menos hoje eu enxergo isso. Eu ainda não sei ao certo, mas...

Acho que temos gostos musicais parecidos, até mesmo um gosto igual

para filmes. Há tanto nela que eu não descobri durante dez anos de

casados e agora, simplesmente, quero desvendar. Eu descobri que a amo,

amo além do que podia esperar. O amor que eu tanto vi em vocês, mesmo

sendo novo, o amor que eu nunca mais imaginei poder vivenciar. Eu

sinto isso agora, mãe, pai. Eu sinto que posso ser feliz, mesmo após

tantos erros. Eu só queria... Eu só vim aqui pra dizer que os amo,

imensamente. Por mais que esse lugar não seja o melhor pra falar com

vocês, eu sei que em algum lugar, estão me ouvindo. Eu vou esperar por

ela, mãe. Eu vou ser novamente um cara bom... Vou me descobrir como

um, eu acredito. Eu... Eu vou ser.”

Olho para os céus novamente e vejo as nuvens se moverem, o que

por um segundo me faz pensar ser uma resposta. No fundo sei, que não

passa de mais um dia de céu lindo no Rio de Janeiro, mas hoje, em

especial, marca algo em mim. Decidi finalmente, enfrentar o que houve,

entender que meus pais realmente foram, mas que o amor deles não.
Como Melissa me disse uma vez: “Eles se amavam demais para se

separarem aquele instante”.

Hoje, eu finalmente entendo.


Capítulo 37

“Não consigo decidir se é uma escolha

Me deixar levar

Eu ouço o som da minha própria voz

Pedindo para você ficar”[48]

Melissa
 
Beijo de leve o topo da cabeça de Laura, a qual sorri feliz por ir

viajar com os avós. Ela entra no carro e assim meu pai me abraça,
sussurrando em minha orelha:

— Ela não vai desconfiar de nada, prometo. — diz e eu sorrio em

seu pescoço.

Ele se afasta toca em meu rosto e beija de leve minha testa.


— Tenho orgulho de você, minha princesa. — diz,
surpreendendo-me. — Sem perguntas. — Resmunga, como se lesse meus

pensamentos.

Antes que eu possa dizer algo, ele entra no carro. Mamãe acena

para mim do lado passageiro e eu sorrio. Eles são os melhores.

— Comporte-se. — Digo e Laura assente, claramente animada.

— Tchau, mãe.

O carro então sai e eu continuo dando tchau, até que desaparecem

de vista.

Meu celular toca e atendo no mesmo instante:

— E aí, a princesa de olhos verdes já foi?

— Sim, Lili. Vou pegar meu carro e já te encontro aí.

— Certo.

— E Lili... Obrigada por me apoiar.

— Sempre as ordens, madame. — diz e desliga em seguida.

Entro no prédio e vou em direção a minha vaga, pego o carro e já


saio. Reflito sobre as ideias que tivemos a respeito da festa surpresa de

Laura.

Falei com Levi algumas vezes, e por mais que ainda ache

estranha toda a coisa dos bilhetes, notei que ele em momento algum,
deixou algo escapar, portanto, não toquei no assunto.

Nas duas semanas que se passaram, acabamos falando como

sempre de nossa filha, nesse caso, de todos os arranjos para a festa.

Como já tínhamos comprado toda a parte de decoração e o presente,

faltou apenas fecharmos com alguém, a comida da festa.

De imediato, nós dois queríamos organizar tudo, não queríamos

algum organizador ou equipe de festas, e sabíamos que isso daria ainda

mais trabalho, mas valeria a pena. Então, Levi se encarregou de


conseguir uma boa opção de buffet, para que tenhamos comida de

qualidade, e eu fiquei com a parte de encontrar o bolo perfeito. Laura não

é uma criança enjoada em relação a alimentos, e sei bem o quanto ama

apenas chocolate ao leite, por isso, saí em busca de algo que seja de seu

gosto, só que bem-feito.

Tive assim que manter mais contato com Levi do que o habitual,

e felizmente, não foi nada embaraçoso. Apenas tivemos algumas

divergências de onde seria o local da festa, já que ele queria que fosse na

sua casa e eu no apartamento. A princípio neguei de imediato sua


proposta, pois ainda não tinha certeza se queria estar naquela casa

novamente, mas após algumas conversas, percebi que era nossa melhor

opção. Não queremos uma festa grandiosa, porém com a quantidade de

colegas que Laura tem, o único jeito foi aceitar a festa ser na casa de
Levi, já que não caberia nem metade dos colegas de Laura no

apartamento.

Foi difícil contar isso para meus familiares e amigas, mas

felizmente, todos entenderam. Até mesmo meu irmão, que ficou um

pouco chateado no começo, acabou cedendo. Todos eles têm a visão clara

de que Levi é um traidor e que não merece que eu fique próxima a ele.
Porém, a verdade, eu sei. E... E eu sei o quanto ela foi ainda é cara para

ele.

E hoje, enquanto meus pais passam o fim de semana com Laura

em um parque aquático, que é o presente deles para ela, nos organizamos

tudo. Eles voltam na segunda feira, e como queremos que tudo esteja

perfeito, hoje – sexta feira – já começamos a arrumação de tudo.

Como meus pais prometeram fazê-la descansar para estar com

ânimo na festa, iremos fazer tudo para segunda, que é na realidade, a

véspera de seu aniversário, assim ela realmente vai se surpreender. Todos

estão com a ideia de fazer algo impecável para Laura e esperamos que ela

goste.

Estaciono o carro em frente à casa de Levi e não consigo evitar de

respirar fundo. Saio do carro ainda meio relutante, mas continuo com

meus passos até o portão. Logo minha entrada é liberada e me encaminho

pelo lugar que um dia, pensei chamar de lar.


Não, realmente, esse lugar não foi. Mas penso então, sobre os
dias em que minha memória se apagou momentaneamente, sobre como

finalmente tudo aqui ficou belo e me senti bem. Em um momento, talvez

destinado, Levi me fez sorrir verdadeiramente.

Abro a porta da frente com cautela e entro devagar. Levanto meu

olhar e encontro já vários balões amarrados na escada que dá no outro

andar. De canto de olho vejo Marta, a qual sorri animada pra mim.

— Ei, folgada. — Assusto-me com o grito de Lili e dou-lhe um

tapa no braço. — Vamos! Precisamos de ajuda para colocar alguns dos

milhares de balões que compraram.

— Exagerada. — Digo, seguindo-a pela ampla sala.

Assim que estamos perto do sofá, Lili praticamente me puxa para

um canto mais afastado, e logo Marta se aproxima.

— Mas...

— Por que não nos disse que o olimpo estaria aqui hoje? — Lili

pergunta, deixando-me perdida.

— Ao menos um deus do olimpo veio, o outro...

— Ah, fique quieta, Di Lucca não tirou os olhos de você e você

dele... Apenas eu, Levi e o deuso mor, estamos fazendo algo. — Lili

reclama, e Marta revira os olhos, saindo de perto de nós.


— Espera aí... Di Lucca está aqui? — pergunto e Lili apenas

assente e se abana. — Mas quem é o “deuso mor”?

— Quem mais seria? Caleb Soares. — diz e arregala os olhos no

mesmo instante. — Pai Amado, é nesse momento que queria ter algum

problema judicial e precisar desse advogado.

— O que? Como assim? — pergunto, e ela apenas indica com a

cabeça, para o lado direito.

Viro meu olhar e é impossível não me assustar. Há quantos anos

não via Caleb de perto? Cinco? Seis? Bom, eu nunca imaginei que ele

estaria ainda mais...

— Lindo. — Lili diz, suspirando. — Devia ser proibido alguém

ficar tão bom assim em jeans, e ainda mais com uma camisa social preta.

Isso não é justo!

Gargalho alto, sem conseguir me controlar, o que chama atenção

de Caleb para nós, o qual estava concentrado colocando alguns enfeites

perto do hall principal.

— Melissa. — diz, e saio de perto de Lili, indo até ele.

— Quanto tempo, não é? — digo, e o cumprimento com dois

beijos no rosto. — Como estão as coisas? — pergunto e ele sorri de lado,

passando as mãos pelos longos cabelos negros.


Tenho que admitir, ele é um homem de fazer as mulheres ficarem

como Lili está.

— Bom, como sempre. — diz e noto seus olhos azuis um pouco

apagados.

— Soares! — ouço um grito e me assusto, olhando em direção as

escadas. — Ah! Oi, Melissa. — Levi diz, claramente envergonhado.

— Essa florzinha não vive sem mim. — Caleb diz, indo em

direção de Levi, que revira os olhos.

— Florzinha? — pergunto, já com um sorriso no rosto.

— Vai dizer que ele não parece uma? — Caleb brinca e vai até

onde Levi está, o qual lhe dá um soco no ombro. — Não força.

— Não use o apelido que dei a você, babaca. — Levi insiste,

fazendo-me rir.

Sem querer, acabo reparando nele. Os dois realmente deveriam

ser o terror as mulheres na faculdade. Um moreno de olhos azuis, e um

moreno de olhos verdes... Os quais até hoje me deixam perplexa pela

beleza.

Os dois então sobem as escadas juntos e fico aqui, divagando.

— Esse homem acabou com meu raciocínio e pior, com meus

sonhos. — Lili diz, vindo até mim, suspirando. — Lindo, rico, educado,
piadista... O que mais poderia querer?

— E casado. — Complemento e ela bufa.

— Está aí o defeito. Aliás, a esposa dele é linda, parece uma

barbie morena de olhos azuis. Isso realmente não é justo. — diz, saindo

de perto de mim.

— Diz a barbie original. — Zombo e ela ignora, indo em direção

a cozinha.

Já cansada de enrolar, vou atrás dela, para ver como está tudo por

lá, rever se nada está fora do lugar.

Porém, quando estou perto da sala de jantar, Lili invés de

continuar andando, vem dando passos para trás. Ela se vira e faz sinal de

silêncio com o dedo indicador.

— O que? — pergunto baixinho, e ela segura meu braço, indo

para fora da sala de jantar.

— Marta e o outro deus do olimpo. — diz, fazendo-me arregalar

os olhos também.

— Mas Di Lucca sempre ignorou Marta quando veio aqui...

— Mas o quase beijo na cozinha, diz o contrário. — Lili diz,

sorrindo. — Garota de sorte! — resmunga e é minha vez de revirar os

olhos.
Saio de perto dela e vou em direção as escadas, para ver se há

algo que precisa ser mexido nos quartos. Ao chegar no outro andar, é que

percebo que não me senti mal ainda aqui, pelo contrário, é comum. Acho

que a presença de Lili e Marta é fundamental nisso.

Penso nas falas de Lili de minutos atrás, e é impossível não rir.

Sei que realmente, não há como achar os homens dentro dessa casa

lindos. Mas sei que Lili jamais se envolveria, pois, mesmo tendo saído

com um pai de um de seus alunos uma semana atrás, ela não ficou cinco

minutos no encontro pelo que me disse. Lili é uma incógnita.

Ando pelo corredor e escuto alguns barulhos vindo do quarto de


Laura, sigo até lá e me encosto no batente da porta, vendo Levi e Caleb

empenhados em fazer um balão, já cheio de ar e em formato de

unicórnio, parar na cabeceira da cama.

— Precisam de ajuda? — pergunto, e Levi se vira pra mim,

passando a mão pela testa um pouco suada.

— Na verdade, preciso te mostrar uma coisa. — diz e vem em

minha direção.

Dou passagem pra ele, o qual passa por mim e segue em direção

ao escritório. Ele entra e acende as luzes, abrindo os braços e mostrando

um quadro lindo, no qual, há uma montagem de fotos.


— São as várias pessoas que Laura tem presentes em sua vida e...

Bom, as que sei que a amariam muito se estivessem aqui. — Ele força

um sorriso, e assim localizo no grande quadro uma foto de seus pais.

— Você tem os olhos de sua mãe. — Digo, sem querer. Levanto

meu olhar pra ele, o qual felizmente, não parece sentido.

— E a teimosia do meu pai, como ela dizia. — Sorrio.

— Ficou lindo. — Digo, observando todas as fotos, que incluem

os familiares, coleguinhas, professores. — Nem quero imaginar o que

faremos quando ela completar quinze ou dezoito anos. — Sorrio e ele

passa as mãos pelos cabelos.

— Acho que pela primeira vez, Laura vai realmente gostar de um

aniversário e... Queria te agradecer por isso, por ser tão verdadeira. —

Ele diz, e encosta-se contra a mesa. — Se não tivesse me deixado, duvido


que estaríamos tendo esse momento, fazendo algo tão bom para ela...

Mesmo não querendo admitir, de algum jeito estranho, funcionamos

separados. Acho que por ter finalmente aberto os olhos e visto que você é

uma mulher, forte e independente, e que não posso proibir o mundo de

ter isso também.

— Levi...
— Não estou dizendo isso para redimir meus pecados, acredite,

eu sei o quão ruim eles são. E não é tudo o que passei, que apenas você

sabe, que vai justificá-los. Só quero ao menos uma vez, ser tão sincero

quanto você. — diz, deixando-me emocionada, porém me seguro para

não demonstrar. — Você é a melhor pessoa que conheço, Melissa.

Mesmo após tudo o que fiz, você continua aqui. Pode dizer que é por

Laura, e sim, boa parte é, mas uma parte sua é apenas você agindo como

sempre foi... Real e verdadeira.

Reflito sobre suas palavras e vejo que na realidade, estou bem

longe do que Levi diz. Ele talvez não tenha notado, mas estou longe de

ser perfeita, e talvez esse seja o erro dele em enviar os bilhetes. Ele envia

os bilhetes para uma mulher que imagina que sou, algo talvez causado

pela culpa ou até mesmo uma confusão de sentimentos. Bom, nós dois

somos confusos.

— Eu não sou isso, Levi. — Admito, respirando fundo. — Não

sou uma mulher perfeita. Eu sou como você, tenho meus medos e

demônios, e tento superá-los a cada dia. — Sou honesta, sob seu olhar

avaliador.

Como ele sempre faz.

— Sei o que quer dizer, e talvez tenha razão, mas só tenha a

certeza de uma coisa, que não sou um homem romântico, Melissa, nunca
fui. Isso pode parecer óbvio, mas eu não digo que é verdadeira e real por

culpa ou remorso do que passou, mas é o que vejo em você... Talvez você

mesma não saiba, e talvez eu esteja dizendo uma grande besteira.  — Ele

sorri, fazendo-me sorrir também. — Mas de uns tempos pra cá, a única

coisa que sei é que você sempre será parte de mim.

Sorrio de sua fala, pensando sobre tudo que passamos. Que apesar

dos momentos ruins e de toda confusão que sempre esteve ao nosso

redor, e que ainda nos ronda. Ele sempre será parte de mim também. É

inevitável.

Abro a boca pra dizer, mas batidas na porta nos chamam a

atenção.

— Atrapalho? — Caleb pergunta e eu nego com a cabeça, assim


como Levi.

— Vou ajudar as meninas. — Falo e saio do escritório, deixando-

os a sós.

Já no corredor, busco o ar que me falta. E pela primeira vez em

meses, consigo sorrir, do modo leve que sempre esperei fazer novamente.

Só preciso entender o que está acontecendo comigo acerca de Levi.

 
***

Chego finalmente ao meu apartamento, após todo trabalho de

deixar tudo decorado. Ainda temos que buscar a comida um pouco antes

da festa, mas isso ficará para domingo.

Lili vem atrás de mim, assim como Marta, e as duas discutem

como sempre. Elas não têm jeito.

— O que você e Di Lucca fizeram na cozinha, Marta? — Lili

pergunta pela milésima vez, e eu gargalho.

— Vou tomar um banho, apenas não se matem, ok? — digo e as

duas me olham bravas.

Vou até meu quarto e não resisto em sentar à frente de minha

mesa, com o novo computador. Realmente, ele é ótimo. Noto que deixei

várias coisas abertas, até uma página em branco do novo livro que tenho

tentado escrever, mas que simplesmente não flui.

Encaro a tela em branco e apenas uma coisa vem em minha mente

– minha história. Os olhos verdes de Levi, minha paixão por ele, a

gravidez... Eu nunca escrevi a respeito de mim antes, mas agora isso faz
todo sentido. Penso um pouco e escrevo um parágrafo, salvando-o,

deixando para pensar com mais calma a respeito.

Vou para o banheiro e finalmente tomo um bom banho. Penso em

como tudo tem se passado e como a presença de Levi tem se tornado a

cada dia mais agradável. Não que sejamos algo a mais, mas parecesse até

que agimos como amigos, o que felizmente, não é estranho. Saio do

banho enrolada em um roupão e mesmo parecendo um pouco estúpido,

acabo mandando uma mensagem pra ele pelo celular.

Oi.

Acho que foi horrível essa mensagem, mas como já enviei, só

posso esperar sua resposta.

Oi, Melissa. Algum problema?

Inconformada com sua mesma pergunta de sempre, fico sem

saber o que responder. Acho que enrolo tanto que ele mesmo resolve

ligar, o que me deixa um pouco sem graça, pois fui eu que comecei a

conversa sem saber por quê.

— Oi, Melissa. Algum problema? — pergunta assim que atendo,

fazendo-me rir.

— Por que sempre acha que estou com problemas? — pergunto

divertida, porém ele fica em silêncio. — Levi?


— É que não consigo imaginar outro motivo para que fale

comigo, se não for algum problema com Laura. — Responde-me,

deixando-me surpresa.

Ele realmente acha isso?

— Pode ser apenas porque queira falar com você. — Falo, sem

conseguir controlar as palavras em minha boca.

— Eu... Realmente não esperava isso.

— Você também sempre fará parte de mim, Levi. — Confesso,

sem conseguir guardar tudo isso dentro de mim. — Eu apenas precisava

dizer isso e que soubesse disso.

— Fico feliz em ouvir isso, Melissa. — diz e escuto seu sorriso. —

Podemos nos ver amanhã?

— Houve algum problema com as coisas da festa? — pergunto

alarmada.

— Viu, você também sempre acha que estou com problemas. —

Sorrio. — Não, eu só quero te levar em um lugar. — diz, deixando-me

completamente sem graça. — Como amigos, Melissa, eu juro.

— É... — Penso nos prós e contras disso, porém minha

curiosidade por ele, fala mais alto. — Tudo bem.


— Ok, te mando os detalhes por mensagem pode ser? — pergunta

e eu respondo um simples “Sim”. — Boa noite, Melissa.

— Boa noite, Levi.

Desligo, mas continuo com o celular ainda em mãos. Não sei

de onde surgiu essa vontade repentina de falar com ele, ou porque aceitei

sair com ele, sem ao menos perguntar para onde. Mas vou arriscar, quem

sabe assim, entenda finalmente o que sinto a respeito dele.


Capítulo 38

Melissa
 

Coloco um simples jeans e uma bata branca, com sapatilhas

douradas nos pés. Deixo meu cabelo solto, e os cachos, que felizmente

estão hidratados, consegui deixar do jeito que gosto.

Não consegui contar as minhas amigas pra onde vou, ou até

mesmo falei com alguém sobre. De certa forma, sinto-me ainda incerta a

respeito do que estou fazendo, e mesmo sabendo que eles não me


julgariam, resolvi agir por mim mesma, sem dizer nada.

Uma mensagem chega no meu celular e a abro. Levi já está com o


carro parado em frente ao meu prédio. E mesmo sem saber como encarar
isso, sinto-me nervosa. Não por estar saindo com ele, mas porque nunca
saímos para fazer algo que não fosse a respeito de Laura.

Passo um batom nude e o retoco com os dedos, mando uma

mensagem rápida para Levi, contando que estou descendo, e já vou em

busca de minhas chaves. Pego minha bolsa jogada em cima do sofá e


confiro se minha carteira está dentro. Assim que a vejo, suspiro fundo e

vou em direção a porta.

Coloco a chave na fechadura, e de relance, no chão, vejo mais um

envelope. Bom, esse chegou cedo. Coloco-o dentro de minha bolsa e saio

de casa, para que depois possa ler com calma.

Na descida do elevador, vejo as várias fotos que minha mãe


mandou de Laura e eles no parque aquático. Devem estar se divertindo

muito por lá.

Quando finalmente passo pela portaria do prédio, sinto uma leve

brisa tocar meu rosto, assim que me encontro na calçada. Busco Levi

entre os carros parados a frente, mas não o vejo.

Pego meu celular já para mandar uma mensagem pra ele, mas

sinto a presença de alguém atrás de mim. Viro-me e Levi abre um belo

sorriso, deixando-me, não sei por que, constrangida.

— Oi. — Digo, sem saber ao certo como cumprimentá-lo.


— Eu acabei parando o carro mais a frente, por falta de vaga. Aí

resolvi vir te encontrar. — diz, e continua parado, assim como eu, apenas

me olhando. — Ah, desculpe, oi.

Isso é tão estranho.

— Podemos ir? — pergunto, tentando quebrar a tensão.

Ele assim como eu, já começa a andar em direção ao carro e diz

algumas amenidades sobre o clima. Nesse momento sinto que realmente

o assunto entre nós se baseava em Laura, e será um pouco constrangedor


se continuarmos assim.

Assim que me sento no banco passageiro, Levi entra e coloca

uma música para tocar. Ele sai com o carro, e me olha de canto de olho, e

eu apenas o encaro, como quem diz “O que está aprontando?”.

— Tem uma interrogação na sua cara. — diz, fazendo-me rir.

Com certeza tem.

— Só queria saber para onde estamos indo. — Indago curiosa,

notando que não conheço a direção para onde ele está indo.

— É que está tendo um evento de um autor, numa livraria e...

Bom, Victória, a esposa de Caleb, me deu dois convites. — diz,

surpreendendo-me. — Pensei que iria gostar.


— Nossa, eu... — fico sem fala, pois nunca fui em nenhuma

sessão de autógrafos antes. — Eu realmente gostei da ideia.

— Desconfiei disso. — diz, mexendo no som.

O carro para em um sinal vermelho, e Levi me olha, sorrindo de

leve. Um sorriso que só agora noto que ele abre quando me vê, mas que

antes não existia. Mesmo assim, vejo que há algo em Levi que o

machuca, e não é como antes, a respeito da morte de seus pais, parece

algo mais profundo.

— Essa música é baixa, então tenho que aumentar o volume. —

Explica, e finalmente uma melodia se inicia.

“Então, então você acha que consegue distinguir

O céu do inferno?

A alegria da dor?

Você consegue distinguir um campo verde

De um trilho de aço frio?

Um sorriso de uma máscara?

Você acha que consegue distinguir?

 
Será que eles conseguiram fazer você trocar

Os seus heróis por fantasmas?

Cinzas quentes por árvores?

O ar quente por uma brisa fresca?

O bom conforto por mudanças?

Será que você trocou

Um papel de figurante na guerra

Por um papel principal numa cela?

Como eu queria

Como eu queria que você estivesse aqui

Nós somos apenas duas almas perdidas

Nadando em um aquário ano após ano

Correndo sobre o mesmo velho chão

O que nós descobrimos?

Os mesmos velhos medos

Queria que você estivesse aqui”[49]

 
As palavras parecem tocar minha alma. Não sou uma expert em

inglês, mas conheço a música, conheço a letra... Como Levi pode ter um

gosto musical tão parecido com o meu?

Fico em silêncio, só escutando, e sabendo que de certa forma,

essa música define meu momento, ou melhor, nosso momento.

***

Após rodar com o carro vejo que estamos na Barra da Tijuca, fico

um pouco desconfiada a respeito, mas apenas permaneço em silêncio.

Levi estaciona o carro em frente em meio a vários outros e só agora

começo a reconhecer esse local. Saio do carro e logo estou ao lado dele,

tentando compreender do porquê estamos na Bienal do Livro. Ele me

olha em expectativa, e eu então abre um belo sorriso, como se tivesse

satisfeito por me ver sem fala.

— A Bienal? — pergunto incrédula, já que em meio a tudo isso,

ele está simplesmente realizando um de meus sonhos. Ele então confirma


com a cabeça, e vamos andando até a entrada. — Meu Deus, Levi. Eu

nem consigo acreditar.

— Sim, Victória me disse a respeito. — Sorri de lado. — Ela na

realidade me ajudou a escolher nosso destino de hoje.

— Nossa, eu nem tenho o que dizer. — Digo, olhando várias

pessoas que olham os livros.

Os estandes montados, algumas filas se formando... Imagine só

vir nesse lugar como autor?

— A sessão de uma autora famosa será daqui uma meia hora, te

trouxe antes pra ver se quer comprar algum livro dela e...

— Quem? — pergunta entusiasmada, cortando sua fala.

— Meg Cabot[50]. — diz simplesmente e eu arregalo os olhos

entorpecida pela notícia.

— Ah meu Deus! — exclamo animada. — Quero muito, se

soubesse tinha trazido o meu exemplar que tenho em casa. Ou melhor,

todos os livros que tenho dela.

— Mas daí não seria uma surpresa. — Fala tranquilo, e o encaro,

vendo que parece satisfeito. — Gosto de te ver sorrir.

— Obrigada. — Digo. — Mas com certeza tem livros dela pra

vender aqui, só precisamos....


— Nos localizar. — diz, completando minha fala e saímos em

busca do estande onde Meg vai dar a autógrafos.

Assim que conseguimos nossos números para os autógrafos,

compro dois exemplares e entrego um para que Levi pegue o autógrafo

também. É engraçada essa nossa atual situação. Ele me trouxe para uma

parte do meu mundo e simplesmente fica bem fazendo parte dela.

Antes, ele nem de longe teria acertado em um destino como esse.

Levi fica um pouco mais afastado, acho que na área de ficção

científica. Quem diria que ele lê algo assim?

— Ela deve ser muito boa. — Levi diz, após alguns minutos que

estamos ainda na fila.

— Sabe o filme O diário da princesa? — pergunto e ele assente.

— Laura ama esse filme. — diz e dá de ombros.

— Pois é, é baseado na obra da Meg. — Conto animada e ele

sorri de lado. — Você não gosta de romances, não é? — pergunto.

— Bom, na verdade...

Uma pessoa então esbarra nele, o qual sem querer tromba sem

corpo no meu. Minha bolsa cai no chão, e minha carteira, batom, chaves

e o envelope, fazem uma bagunça.

— Droga. — Digo, e começo a pegar as coisas.


Levi me ajuda, mas parece travar quando pega o envelope em

mãos.

— Boleto? — pergunta sorrindo.

— Na verdade não sei. — Minto, encarando-o, buscando alguma

confirmação.

— Certo. — diz e me entrega.

Guardo tudo novamente na bolsa e me concentro então na fila.

Levi não diz mais nada, parece ter ficado incomodado com algo. E só

consigo pensar que é o envelope o causador disso. É, realmente foi bom

ter trazido isso.

Logo me concentro na fila e mesmo com várias pessoas a nossa

frente, não demora muito para nossa vez. A autora abre um singelo

sorriso e eu lhe entrego livro. Ela assina e mesmo sem graça, peço para

Levi tirar uma foto minha com ela.

— Vocês formam um belo casal. — diz em inglês, e tento não

demonstrar a vergonha que se apodera de mim. Fora que o meu inglês se

trava por completo.

— Obrigado. — Levi a responde, e o encaro perplexa. Ele apenas

sorri e dá de ombros, entregando o outro exemplar.


Ele então tenta fugir, mas o obrigo a tirar uma foto com a autora,

que parece encantada com os olhos dele. Mesmo assim, a foto dos dois

fica perfeita.

— Obrigada. — Falo. — E muito sucesso!

A autora sorri e nos entrega brindes, os quais nem sabiam que

teríamos.

Enquanto saímos da fila e caminhamos pelos outros estandes,

começo já a mexer no que ganhamos. Que felizmente, ainda foram dois.

— Acho que não vou ficar com meu brinde. — Levi diz

divertido.

— Claro que não. Não conhece a história... Ah meu Deus! —

digo animada, vendo que é um caderninho de bolso personalizado com a

capa dos livros.

— Vejo que gostou. — Ele diz, rindo de minha animação.

Assim que saímos desse estande, não consigo parar de mexer

tanto em meu brinde quanto no dele, mesmo que sejam iguais.

— Me lembre de dar um abraço em Victória. — Digo, e Levi

sorri animadamente.

— E então? — ele pergunta e levanto meu olhar, vendo-o um

pouco sem jeito. — Quer conhecer algum outro autor ou...


— Ah sim, claro que sim. — Digo e guardo os brindes com

cuidado. — Podemos andar por tudo e...

— O que quiser, Melissa.

— Ok então. — Falo e olho ao redor. — Vamos lá!

***

O saldo desse dia não poderia ser outro que não – felicidade e

esgotamento.

Levi vem até mim e abre a porta do carro.

— Ah, obrigada. — Digo, sem graça com seu gesto cavalheiro.

Ele dá a volta e entra no carro, colocando seu pacote com o livro

que comprou no banco de trás.

— Com fome? — pergunta e eu assinto. — Quer ir a algum lugar

especial?

— Bom... Acho que o restaurante de Pedro é uma boa. — Sugiro,

ainda mexendo no brinde.


Minha vontade é começar a escrever alguma coisa, aqui mesmo,

nesses caderninhos. Mesmo que a maioria dos que compre, deixe agora

lado a lado em minha estante, de enfeite.

— Ok então. — Levi diz e sai com o carro.

Noto, após tirar minha atenção do brinde e colocar a sacola com

os livros no banco de trás, que Levi parece tenso, como não estava antes.

— Algum problema? — pergunto.

— Não, é que nunca mais voltei ao restaurante depois do

desentendimento que tive com Pedro e... Sinto vergonha ao me lembrar

do que disse a você, do que insinuei naquele dia. — diz, claramente

arrependido.

— Está tudo bem, já conversamos a respeito de tantas coisas,

Levi. Não tem que se culpar por isso.

— Acho que vou falar com Pedro de toda forma. Mesmo assim,

me desculpe por ter sido tão imaturo. — diz, e eu sorrio, assentindo.

— Está tudo bem.

Ele apenas continua olhando para frente, dirigindo concentrado.

Mesmo tentando evitar, o analiso. E olhando para nós, um sorriso

involuntário surge em meu rosto.

 
 

***

Encaro o cardápio, um pouco indecisa sobre o que escolher. Em

dúvida se como massa ou peixe.

— Mandou me chamar. — Levanto meu olhar, e encontro Pedro,

o qual me encara divertido. — O cardápio parece um bom

entretenimento.

— Bobo. — Digo, levantando e dando um abraço nele. — Na

realidade, não fui eu que te chamei.

— Então quem foi? Lola foi ao meu escritório e disse que...

— Fui eu. — Levi aparece de repente e Pedro muda

completamente seu semblante. — Quero me desculpar pelo que te disse e

pelo soco. — Levi diz, estendendo a mão para meu amigo, o qual me

encara, como se pedisse ajuda.

Dou de ombros e volto a me sentar, encarando novamente meu

cardápio. Mas de canto de olho, vejo Pedro apertar a mão de Levi e dizer

que está tudo bem. Felizmente, não somos mais crianças.


Levi se senta à minha frente e pega também o cardápio. Encaro

Pedro, que está em pé, e me encara inquisitivo.

— O que foi? — pergunto confusa.

— Só estou tentando entender o porquê de Lola ter dito que você

me chamou e não Levi. — diz, parecendo ainda mais confuso do que eu.

— Olha... Não faço a mínima ideia. — Digo, tentando imaginar

algo que faça sentido.

— Lola é a moça loira que conversei, certo? — Levi pergunta e

nós assentimos. — Ela parece não gostar muito de Melissa.

— Como assim? — perguntamos em uníssono, e acabo sorrindo.

Levi coloca o cardápio da mesa e nos encara.

— Quando cheguei próximo a ela para perguntar sobre Pedro, ela

sorria, mas em poucos segundos seu semblante mudou... E foi bem no

momento que Melissa apareceu atrás de mim. — Esclarece, então encaro

Pedro, o qual passa a mão na nuca e parece nervoso.

— Vou falar com ela. — diz, forçando um sorriso. — Obrigado,

Levi. E por favor, aproveitem a comida.

Sem que possamos dizer algo, Pedro sai de perto de nós e o vejo

desaparecer dentre um corredor.


— Os dois se gostam, e isso é tão óbvio. Porque me dá raiva ver

duas pessoas que se amam e que não ficam juntas de uma vez. — Reflito

alto, e Levi me encara, como se agora, ele me analisasse.

— Eu também, não consigo entender isso.

Sua voz é firme e ele parece querer dizer algo a mais, mas no fim,

acaba chamando o garçom e fazemos nossos pedidos.

Algo fica então de repente, pesado entre nós e o assunto a que

recorremos é Laura, infelizmente, não conseguimos lidar um com o

outro.

***

— Obrigada. — Falo, assim que Levi para o carro em frente ao

meu prédio. — Foi um dia incrível.

— Obrigado você, por aceitar ir, apesar de tudo. — Ele diz, e abre

um fraco sorriso.

— Bom, tenho que ir. — Digo e abro a porta do carro.


Saio e dou um simples tchau, olhando-o pela janela do carro.

— Ei, Melissa.

— Que foi?

— Pode ser você. — diz, sorrindo de lado.

— Como assim? — pergunto, sem entender.

— A autora em uma sessão de autógrafos. — diz, e arregalo os

olhos. Não, ele não...

— Mesmo que não faça diferença, sinto orgulho de ver a mulher

que é, e como tive a sorte de ser casado com você. — continuo perplexa,

sem saber o que fazer. — A propósito, parabéns pelo sucesso!

— Levi, eu...

— Não precisa explicar, Melissa. — Sorri de leve. — Boa noite.

— É... Boa noite.

Ele então dá partida e sai com o carro. Deixando-me perdida na

calçada. Ando até a portaria e continuo sem saber o que pensar ou como

entender, como ele sabe a respeito dos meus livros.

Foi por isso que ele me levou a sessão de autógrafos então?

Mas como ele sabe sobre isso?


Entro no elevador e reflito comigo mesma sobre cada detalhe,

mas não consigo entender. Assim que chego a meu andar, tento me

acalmar e descobrir algo que deixei passar, se acabei falando demais ou

algo que ele possa ter visto, mas nada me vem em mente.

Procuro as chaves na bolsa e ao encontrá-las, encaro o envelope

ainda lacrado.

Abro-o e me deparo novamente, com mais um bilhete sem

assinatura.

"Eu queria poder te dar aquilo que você está procurando, mas

não sei o que é. Há uma parte de você que se mantém fechada para todo

mundo, inclusive para mim. É como se você não estivesse de verdade

comigo. Tem outra pessoa no seu pensamento."- Diário de uma Paixão.


Capítulo 39

“Não sei por que todas as árvores mudam no outono

Mas sei que você não tem medo de nada

Não sei se a casa da Branca de Neve fica perto ou bem longe

Mas sei que hoje tive o melhor dia com você”[51]

Melissa
 
- Aniversário da Laura

Encaro todos os coleguinhas de Laura, os quais estão cercando a


grande mesa de jantar. Levi colocou o painel com as fotos pendurado na

parede, e a frente dele, está à mesa com os doces e o bolo. Olho em


expectativa toda a arrumação que fizemos, enquanto a ansiedade de ver
Laura atravessar a porta principal me corrói.

— Pronta? — Lili pergunta animada, com a câmera em mãos. Ela

pisca pra mim e se posiciona perto da porta, para poder gravar a reação

de Laura.

— Acho que vou ter um infarto. — Levi diz, assustando-me.

Levo a mão ao peito, e respiro irregularmente. — Vejo que não sou só eu.
— Ri e passa por mim, ficando de frente a escada, onde combinamos de

estar.

— Vou ficar perto das luzes, pode deixar que eu acendo. — Marta

diz animada, e se posiciona perto dos interruptores.

— Ok. — Digo a mim mesma, encarando o celular em

expectativa.

Os segundos nunca passaram tão devagar quanto agora.

Olho novamente ao redor e suspiro fundo. Está tudo perfeito!

Vou até Levi e me posiciono ao seu lado. Ele passa a mão

diversas vezes pelo queixo, parecendo até mais nervoso do que eu.

— Ela vai amar. — Digo, tentando tranquilizá-lo. Mas no fim,

acho que digo isso para me tranquilizar também.

Meu celular finalmente vibra e abro a mensagem de minha mãe.


Ela passou pelo portão.

— Ela está chegando! — aviso a todos, os quais fazem sinal de

silêncio com os dedos para a pessoa ao lado.

Não somos em muitos, não exageradamente, no caso dos adultos,

mas realmente, Laura tem muitos colegas.

Ouvimos o barulho na fechadura, e respiro fundo. Olho para o

lado e Levi sorri pra mim, com certeza, quase pirando como eu.

Ok, é agora!
 

Laura Lourenzinni Gutterman


 

Cansada.

Exatamente assim que me sinto.

As boas horas que dormi no hotel com meus avós e no carro,

parecem não ter sido suficientes para tirar o cansaço de toda diversão que

tive. Mas, estou animada para ver meu pai, e contar a ele tudo que fiz.

Pego minha mochila e coloco nas costas, onde levei alguns livros

para ler de noite. Mas com todo agito na piscina com meus avós, não
consegui ler uma página.

— Vai indo, Lau. — Minha avó diz, tirando minha pequena mala
de rodinhas do porta-malas. — Vou pegar um documento aqui para

mostrar a seu pai.

— Ok, vó. — Digo e já passo pelo portão.

Os últimos tempos foram difíceis. Várias coisas que aconteceram,

na realidade, foram mais inusitadas do que difíceis. Meus pais e sua

separação repentina, de que quando analiso, não parece ser tão repentina
assim.

Mas com o suporte que meus pais me dão, mesmo separados,

tudo está encaminhando. Aliás, não tem um momento que me lembro,

onde eles não estiveram. Não sou cega, eu via o modo distante que eles

eram um do outro, mas sempre quis acreditar, que eles na realidade,

viviam um amor proibido, como o de algumas princesas. Mas no fim,

quando me contaram que iriam se separar definitivamente, soube que

apenas criei expectativas em minha cabeça.

Eu não entendo como os adultos pensam, ainda mais porque toda

semana vou ao médico, falar como me sinto e como lido com tudo que

houve, e com tudo que está acontecendo. No começo foi difícil me abrir,

contar tudo o que penso, mas com o tempo, consegui confiar e dizer.
Acho que meu maior sonho é ver meus pais juntos novamente,
mas, sei também, que maior que isso, é poder um dia os ver sorrir com a

mesma intensidade, o que nunca presenciei. Meu pai, por mais que

disfarce, sei que está triste, pois em todas as vezes que comemos juntos,

ele sempre fica encarando a cadeira ao meu lado, a qual minha mãe se

sentava. Já minha mãe, não parece completamente feliz, mas de certa

maneira, está contente, e isso me faz sorrir também. O difícil é não

conseguir ver felicidade na vida dos dois.

Coloco minha chave na fechadura e giro, abrindo a grande porta

de casa. Empurro devagar, levantando meus ombros, que estão doídos


pelo esforço dentro da piscina.

Levanto meu olhar e me assusto com o que vejo.

Surpresa! – é a única coisa que escuto.

Tento então, assimilar as coisas a minha frente. Há balões de festa

enfeitando toda a casa, meus colegas do colégio gritam e cantam

parabéns, junto a meus tios e primo. Vejo as amigas de minha mãe e os

amigos de meu pai, os quais fazem o mesmo. Olho para frente, vendo as

pessoas que mais amo no mundo, lado a lado. Emociono-me, levando as

mãos aos olhos, chorando por ver tudo isso. Que tudo isso é pra mim.
Sinto logo meu pai me pegar no colo, o qual beija meu rosto e

afaga meus cabelos. Minha mãe toca minha bochecha de leve, dizendo

diversas vezes o quanto me ama.

Limpo as lágrimas em meu rosto, e meu pai me coloca no chão

novamente. Encaro-os confusa, assustada e principalmente, surpresa. Eu

jamais esperava por isso. Nunca nem imaginei.

Os “parabéns” acabam e uma música começa a tocar.

— Pessoal! — minha avó diz, chamando atenção de todos. —

Acho que a aniversariante, merece “parabéns” de frente para o bolo lindo

que escolhemos e com direito a pedido.

Sorrio para ela, agradecida imensamente pelo carinho e dedicação

comigo.

Ainda abismada, vou em direção onde um bolo enorme está

colocado. Rafa pisca pra mim, batendo palmas exageradas. Bobo.

Meu pai e minha mãe ficam cada um ao meu lado. E assim,

minha avó puxa novamente o coro de parabéns.

Rio e abraço meus pais a todo o momento. Feliz por esse


momento. Por ver no rosto deles, pela primeira vez, o sorriso que tanto

esperei.
Eu não consigo acreditar, mas eles me deram muito mais que uma

festa surpresa, eles realizaram meu maior sonho.


Capítulo 40

“Só é cruel assim agora

Perdida no labirinto da minha mente

Termina, se liberta, cai a ficha, desmorona

Você quebraria suas costas para me fazer abrir um sorriso”[52]

Melissa

 
Vejo as crianças brincando no jardim, lugar que tivemos que

arrumar de última hora. Meu irmão, felizmente, teve a ideia de alugar


escorredor de ar e pula-pula, o que mesmo com os celulares, as crianças

adoram.

Não tinha sequer pensado nisso, muito menos Levi e nossos

amigos. Mas Daniel, hoje mais cedo, apareceu com Sophie, e nos deu a
ideia. Ele já tinha alugado tudo, na realidade, mas acho que seu orgulho
por ter de vir na casa de Levi, o fez ponderar se viria ou não, porém,

como sempre, meu irmão mostrar ter um grande coração. E assim, deixa

Laura ainda mais feliz.

— Daniel parece apaixonado. — Lili diz, ficando ao meu lado na


varanda, enquanto olhamos as crianças brincando.

Procuro meu irmão, e o encontro encostado em uma árvore,


abraçado com Sophie. Algo que eu nunca esperei ver.

Meus pais estão próximos a eles, e mamãe parece conversar

animada com Sophie, a qual sorri de algo.

— Isso é até estranho. — Digo, olhando para Lili, o qual dá de


ombros. — Nunca imaginei Daniel apaixonado.

— Muito menos eu. — Lili diz e dá um empurrãozinho em mim.

— O que foi? — pergunto sem entender.

— Ali, parados na frente do pula-pula. — diz.

Olho para onde ela diz e vejo Caleb, com a filha agarrada a suas

pernas. Além de Pedro, o qual conversa animado com o primo.

— Não basta ser tudo de bom, ainda é um ótimo pai. — diz,

suspirando. — Fora a genética maravilhosa da família.

— Se controla. — Brinco e ela finge se abanar.


Sinto um toque em meu ombro no mesmo instante, assim me

viro.

— Victória. — Cumprimento a bela morena de olhos azuis, que

sorri, dando dois beijos em meu rosto.

Lili quase cospe o refrigerante que bebia. Seguro a risada, pois se

Victória chegasse um segundo antes...

— A casa está linda. — diz, olhando ao redor e cumprimentando

Lili. — Desculpe pelo atraso, mas tive um imprevisto.

— Tudo bem. — Sorrio. — Laura vai adorar de te ver, ela contou

por horas sobre o dia que foi em sua casa.

— Opa, já vou lá agora então.

Ela então passa por mim, indo até onde está o escorregador. Laura

estava para subir novamente a escadinha do escorregador, mas ao ver

Victória, a abraça no mesmo instante.

É, ela ganhou minha filha.

— Esse casal não deve ter problema algum, são lindos demais pra

isso. — Lili diz, fazendo-me gargalhar.

— Para de ser boba.

Fico assistindo tudo o que acontece a minha volta. Vendo Ricardo

e Carla numa mesa, onde Levi também está sentado. Além de alguns pais
das crianças que vieram. Todos comem algo do buffet ou o bolo.

A ideia de meu irmão de trazer as pessoas para fora, foi ótima,


pois assim as crianças podem se divertir e os adultos aproveitar. Além

dos garçons do buffet que servem todos.

— Espera aí. — Digo, procurando Marta entre as pessoas, a qual

não vejo a bom tempo.

— Marta? — Lili pergunta, como se lesse meus pensamentos. —

Tenho certeza de que se procurarmos pela casa, vamos encontrar ela e Di


Lucca se agarrando.

— Não me tente! — Digo, indicando com a cabeça a casa.

— Vamos lá! — Lili diz animada e vai na frente.

Por mais que possamos atrapalhar o momento deles, melhor que

sejamos nós, do que alguma das crianças.

Chegamos à sala e ainda não vemos nada.

— Tem certeza de que eles entraram? — pergunto e Lili assente.

— Marta disse que ia ao banheiro. Cinco segundos depois, Di

Lucca também entrou. — Explica, então lembro dos banheiros do

primeiro andar.

— Lá em cima. — Digo, e Lili segue na frente.


Subimos sorrindo uma pra outra e tentando não fazer barulho.
Mas quando estamos próximas de pisar no primeiro andar, ouvimos o

barulho de algo batendo com força.

Arregalo os olhos e Lili olha pra trás, do mesmo jeito.

Assim que chegamos ao corredor, a cena que nos aguarda é

cômica.

Marta e Gustavo estão se agarrando, na realidade, ela está

praticamente presa entre ele a parede.

Seguro o riso, assim como Lili, a qual está prestes a atrapalhar.

Porém, a puxo para as escadas.

— Mas...

— Vamos assustá-la. — Digo, pegando o celular e discando o

número de Marta.

O toque do celular dela logo é ouvido e escuto o barulho de um

tapa contra algo.

Arregalo os olhos novamente e seguro a boca de Lili com a mão,

a qual gargalha.

Descemos as escadas rapidamente e vamos para o lado de fora,

antes que um dos dois nos veja.

Marta está lascada.


Ao menos Caleb, dentre os amigos de Levi, conversa, interage e

parece ser um homem completamente sentimental. Já Gustavo... Ele é

conhecido por ser inexpressivo e frio. De todas as vezes que o vi, ele

apenas disse o básico. Mas pelo jeito, entre ele e Marta, há algo diferente.

Desço para o jardim e vou até minha filha, a qual está suando e

vermelha, de tanto brincar.

— Gostando? — pergunto, arrumando sua trança bagunçada.

— Eu estou amando, mãe. — Responde animada. — É o melhor

aniversário de todos!

Ela logo volta para seus colegas e eu fico a assistindo se divertir.

Realmente, ela é meu mundo.

Vou em direção a meus pais, e me sento à mesa com eles. Vejo de

longe, Marta sair de dentro da casa. Lili, que ainda está no mesmo lugar,

não perdoa e começa a gargalhar da cara de nossa amiga.

Marta a olha sem entender, mas Lili diz algo, que faz ela arregalar

os olhos. Marta me olha no mesmo instante e eu apenas pisco, como

quem diz "vimos tudo".

Volto minha atenção para meus pais e vejo que falam sobre sua

viagem para o nordeste. De que minha avó queria muito ter vindo ao
aniversário, mas por conta e sua saúde, não pode. Escuto também sobre

as coisas lindas que eles viram, o que Sophie parece encantada em saber.

— Daniel poderia te levar para ver nossa avó. — Digo, e Sophie

arregala os olhos, porém meu irmão assente, sorrindo pra mim.

Quem é esse homem apaixonado e o que fez com Daniel?

— Dona Dora vai amar conhecê-la. — Meu pai diz, sorrindo para

Sophie, a qual apenas assente.

— Agora preciso perguntar algo. — Digo, lembrando do

combinado que fiz com meu pai quando mais nova. — Lembra do nosso

combinado, pai? — indago e ele gargalha.

— A vontade, filha.

— Do que estão falando? — Daniel pergunta, encarando-nos

curioso.

— Lembra que você sempre espantou todos os meninos de perto

de mim? — pergunto e ele confirma. — Papai prometeu pra mim que

quando você apresentasse uma namorada, eu poderia fazer o mesmo se

não gostasse dela.

Sophie fica vermelha no mesmo instante e eu sorrio, óbvio que

não vou fazer isso. Bom, não com ela.

— Melissa...
— Mas eu gosto da Sophie. — Declaro, e ela suspira fundo,

parecendo realmente abalada com isso. — Mas me diga, quais suas

intenções com meu irmão? — pergunto e meus pais gargalham.

— Melissa! — Daniel diz bravo e eu gargalho. — Está

constrangendo a minha mulher.

Sorrio largamente ao ver que ele a protege. Realmente, não

esperava isso dele. Mas é algo lindo.

Vejo a cumplicidade entre todos aqui, estamos por um bom

motivo juntos, pois todos nós nos importamos com Laura. É só por isso,

por vê-la sorrir, ao mesmo tempo em que nos reunimos, como família,

sinto-me satisfeita.

Olho ao redor, enquanto minha mãe engata em outra conversa

sobre viagens. Meu olhar então estaca, de frente a olhos verdes intensos,

e ele abre um simples sorriso. O seu olhar pode até ser o mesmo, mas a

intensidade é completamente diferente, talvez porque por mais que eu

queira negar, o homem que carrega essa nova intensidade, não é o mesmo

de antes.
Capítulo 41

“A pergunta persistente me manteve acordada

2 da manhã, quem você ama?

Me pergunto até que eu esteja bem acordada

E agora estou andando para lá e para cá

Desejando que você estivesse à minha porta”[53]

Melissa

 
A noite chega e as pessoas, em sua maioria, já foram embora.

Laura já está acabada, assim como Rafael, os quais conversam perto da


escada, com meu irmão e Sophie.

Os amigos de Levi já foram embora, assim como meus pais, que

ainda tinham que voltar para fazenda.


— Ei. — Marta se aproxima e eu a encaro. — Vou pegar uma
carona com Lili pra ir.

— Tudo bem. — Digo e a abraço. — Obrigada por tudo.

— Olhe só, que traição. — Ouvimos a voz de Lili e a puxo pelo

braço, juntando-a a nós.

— Vocês são as melhores, obrigada. — Digo, sorrindo.

— Amo vocês. — Lili diz e se afasta, indo até Laura, a qual a

abraça com carinho também.

— Não quer ir com a gente? — Marta pergunta e eu nego.

— Vou ficar mais um tempinho com Laura.

— Tudo bem. Beijos.

As duas logo se vão e eu vou até onde Laura está. Meu irmão

finalmente se afasta de Sophie, o que não fez em nenhum momento. Ele

então vem até mim e me abraça.

— Eu te amo, gatinha. — Sussurra em meu ouvido. — Não


entendo como pode ser tão compreensiva e doce, mas eu prometo que

estarei ao seu lado, para o que der e vier.

— Dani. — Encaro seu olhar magoado, e sei que não é comigo, e

sim com Levi. Se ele soubesse metade do que o melhor amigo passou,

com certeza, se culparia por julgá-lo agora. — Deveriam conversar, sei


que sentem falta um do outro. — Sugiro, tentando encontrar alguma

abertura.

— Não, Melissa. — Daniel diz um pouco ríspido, e eu apenas

dou de ombros.

Vejo Carla e Ricardo se aproximarem, e eles cumprimentam

Sophie.

— Merda! — meu irmão diz e sinto seu corpo tenso.

— Carla não vai dizer nada a ela, relaxa. — Digo e ele arregala os
olhos, encarando-me incrédula. — Que foi? Sei por cima o que

aconteceu. Confie em mim.

— Ok. — diz por fim, mas seu corpo continua tenso.

Logo Carla e Ricardo, juntamente a Rafael vem até mim, se

despedindo. Meu irmão não me solta, e apenas assente para os dois.

De canto de olho, vejo Sophie assistir a cena de meu irmão, e ela

não parece nem um pouco contente com isso. O que me faz me perguntar

se ela sabe sobre o passado de meu irmão.

— Tenho que ir também, gatinha. — diz e me abraça novamente.

— Espero que minha ajuda tenha sido boa.

— Você nos salvou! — digo e ele sorri. — Obrigada por tudo,


gatinho. Eu te amo. E fico feliz em vê-lo apaixonado.
Diferente do que imaginei, Daniel apenas respira fundo e não diz

nada. Pois é, ele foi fisgado.

Ele e Sophie logo se vão deixando assim, eu e Laura sozinhas na

sala. Vou até minha filha, a qual já boceja cansada.

— Ei, princesa. — Toco de leve seu rostinho. — Quer ir pra

cama?

— Sim, mas mãe... — ela suspira fundo, parecendo tomar

coragem pra dizer algo. — Você vai embora? — pergunta.

— Pensei que iria querer passar a noite com seu pai, então...

— Não pode ficar comigo? — pede, com os olhinhos verdes

esperançosos.

— Filha, eu... — digo, mas repenso sobre tudo.

Não há problema nisso, só vou dormir aqui com Laura e ir

embora pela manhã. Simples assim.

— Vou falar com seu pai, tudo bem? — pergunto e ela assente,

abraçando-me.

— Obrigada por tudo, mãe. Você é a melhor!

— E você é tudo pra mim.

— Pronta pra ver seu presente? — escutamos a pergunta de Levi

e Laura se afasta, olhando-nos sem entender.


— Mais? — pergunta surpresa.

— Claro que sim, princesa. — Levi diz e vai subindo as escadas.

Vou atrás com Laura, a qual me olha a cada segundo.

— Entra aí. — Levi diz, indicando a porta do quarto dela.

Laura abre a porta e já vejo um grande sorriso em seu rosto.

Ela vai até a cama, onde está o balão de unicórnio e a caixa com

seu presente.

— Eu já dispensei o buffet. — Levi diz baixinho, e eu assinto. —

Ela parece encantada só com o embrulho.

Sorrio, concordando com ele.

Vou até Laura e me sento na cama. Enquanto ela de pé,

praticamente destrói o embrulho. Assim que ela vê a caixa do celular, nos

encara parecendo perplexa.

— Meu Deus! — praticamente grita e gargalhamos.

Ela finalmente abre e pega o aparelho em mãos.

— Eu não consigo acreditar. — diz e me abraça no mesmo

instante, e faz o mesmo com o pai. — É lindo... Perfeito!

— É bom tomar cuidado e saber a hora de usar, mocinha. — Levi

diz e afaga os cabelos dela.


— Eu prometo, pai. Vou usar da melhor maneira. — diz animada,

e mexe um pouco no aparelho.

— Bom, acho melhor descansar da festa e depois usar seu

presente, o que acha? — sugiro e felizmente, Laura assente, sem hesitar.

Ela boceja novamente e entrega o celular para o pai, o qual o

guarda novamente na caixa e deixa em cima da poltrona, do outro lado

do quarto.

— Estou com muito sono. — Ela diz e já praticamente se joga na

cama.

— Levi, posso falar com você? — pergunto e ele assente, saindo

do quarto.

Pisco para Laura, que me aguarda em expectativa, como se a

resposta do pai fosse tudo pra ela.

Acho que não tenho mais problemas com essa casa, nem das

lembranças ruins que tenho desse lugar, pois tenho algumas boas

lembranças, as quais me ajudam a esquecer.

Encontro Levi parado a frente de seu quarto.

— Laura pediu para que eu dormisse aqui com ela. — Digo e ele

arregala os olhos. — Sei que pode parecer estranho, mas...


— Melissa, você pode ficar aqui quando quiser. — diz, cortando

minha fala. — Por mim, está mais do que bem você ficar aqui, porque

novamente me sinto bem nessa casa.

Ele diz com pesar e noto que há dor em seus olhos. Levi parece

quebrado, algo que nunca imaginei ver.

— Se precisar de qualquer coisa, pode me chamar. — diz e eu

assinto.

— Você também. — Falo, e vejo-o falhar um passo. — Estou

aqui para te ouvir, sempre que precisar.

Ele passa por mim e entra no quarto de Laura novamente. Ouço-o

dar boa noite a ela e logo sai novamente. Ele sorri e vai para o nosso

antigo quarto.

Eu queria poder dizer algo, ajudá-lo seja lá com o que for que o

atormenta. Porém, ainda não sei lidar com o que sinto próxima a ele.
Capítulo 42

“Ah, ah, estou me apaixonando

Ah, não, estou me apaixonando outra vez

Ah, estou me apaixonando

Achei que o avião estivesse caindo

Como você deu meia-volta?”[54]

Melissa
 

Encaro Laura que dorme tranquilamente ao meu lado, sem ter o


mínimo de noção, da confusão que se apoderou por dentro de mim. Saio

da cama com cuidado, com medo de acordá-la.

Ainda estou com a mesma roupa da festa, e o lado bom de estar

de vestido, é que ele não me atrapalhou nada em ficar na cama. O


problema mesmo é o sono que não vem. Já são três da manhã e nada de
conseguir dormir. Fiquei divagando sobre as personagens do novo livro

que estou escrevendo, sobre a felicidade de Laura, sobre o namoro de

meu irmão e como sempre, sobre Levi.

É fácil negar, dizer que não tenho pensado nele. Porém,


ultimamente, é o que mais tenho feito.

Sentindo minha boca seca, a passos cautelosos saio do quarto de


Laura e vou em direção ao térreo. Desço as escadas, olhando ao redor

pela casa que um dia foi minha também. Lembro-me bem da primeira

vez que estive aqui e como me assustei com tamanha beleza. Tuan, o pai

de Levi, realmente fez cada detalhe para surpreender sua amada.

Vou até a cozinha e abro a geladeira. Como os refrigerantes não

acabaram, tem vários ainda espalhados por ela, escolho um pequeno e


abro para tomar. Um vício que cedo ou tarde quero cortar.

Como sinto o clima mais ameno, resolvo sair um pouco para o

jardim. Caminhar e tentar assim, fazer com que meu sono venha.

Abro a porta que dá direto pra varanda e fico ali, novamente,

encostada na pilastra branca, que parece mais uma entrada do jardim para

a cozinha.
Tudo está silencioso e estaria completamente escuro, se não fosse

pela luz do sensor que se acendeu.

Sento-me em uma das cadeiras acolchoadas que tem aqui e fico

divagando sobre tudo, sobre nada...

Lembro-me de quando me entreguei a Levi novamente, num

momento de incerteza e confusão. Foi diferente de todas as vezes que

estivemos juntos, mesmo assim, não foi o suficiente para seguir em

frente. A única coisa que passou por minha mente, foi que aquilo era
nossa despedida.

Mas doía ver que a cada minuto eu me perguntava: E se eu não

tivesse ido até a empresa justo naquele dia? E se eu nunca tivesse sofrido

o acidente?

É difícil imaginar que o amor que Levi dizia sentir por mim,

quando tentou me reconquistar, é real. Não dava pra entender sua

profundidade ou de onde veio. Em minha mente, era mais algo como sua

culpa por tudo que passou e me fez passar. Vi que o divórcio, seria nossa

melhor saída – e realmente foi.

Encosto a cabeça na cadeira e fecho os olhos. Repassando tudo

que vem acontecendo. Pelos olhares que Levi me dá, sei que ele não

desistiu, e parece que muito menos irá. Porém, até quando?


Eu sei definir um pouco o que sinto por ele, não parece com o

mesmo amor de antes, muito menos com a obsessão que tinha. Sinto-me
encantada em alguns momentos, mesmo querendo retrair isso para dentro

de mim.

— Melissa. — Ouço sua voz me chamar, e abro os olhos, coloco

a latinha de refrigerante vazia, em cima da mesa.

Levi está com uma simples regata e uma calça branca de

moletom. Ele me encara um pouco espantado. Acho que não esperava me

encontrar aqui nesse horário.

— Sem sono. — Explico sua pergunta silenciosa. — E você?

— Bom. — Ele limpa a garganta e desvia o olhar, como se

escondesse algo. — Eu sempre fico aqui fora um tempo, durante a

madrugada.

— Por quê? — pergunto, sem entender.

— É complicado. — diz e passa a mão pela nuca, indo até a

pequena escada que dá para o jardim, e se sentando. — Às vezes, tenho a

impressão de que essa paz que encontrei agora, vai apenas desaparecer e

vou voltar a...

— Tudo o que Nicole te obrigou, te atormenta, certo? — ele

apenas assente e é clara sua dor.  — Houve um tempo, em que também


fiquei aqui fora. — Conto, tentando desviar do assunto que tanto o fere, e
foco em outro. — Eu não conseguia mais entender o que fazíamos juntos,

pois eram raros os momentos que realmente ficamos próximos.  E aqui,

era pra onde eu fugia.

— Passei noites e mais noites em meu antigo apartamento. — Ele

diz, o que faz meu corpo retesar, e lembro de Nicole. — Pensando se eu

deveria me esconder para sempre, pela raiva e nojo que sentia, por me

permitir ser controlado. Por me permitir te machucar, e não enxergasse

outra opção. Não conseguia segurar a barra e fugia. Eu me culpava por

tudo, por medo de não conseguir proteger minha família. Eu realmente


achava que não tinha motivos para ser o príncipe que você tanto queria.

— E toda a superproteção comigo, por medo de me perder em

meio a estar completamente perdido? — pergunto, abrindo os olhos e

vendo que ele esconde o rosto entre suas mãos. Como se não suportasse

falar nisso, mas é necessário, precisamos.

— Eu não sei... Antes de nos separarmos, eu sempre pensei que

foi porque te amava, mas hoje, sei que amor não é isso. — Confessa,

limpando abaixo de seus olhos. — Eu tinha medo de te perder, mas não

por um motivo romântico ou bonito, era o medo da perda em si. Eu não

saberia lidar. Ainda mais que perder você, faria com que perdesse nossa

filha também.
Fico espantada, sem saber o que dizer ou o que pensar.

— Sei que deve se perguntar sobre o meu amor por você, se foi

ou é real. — diz, encarando-me. Seus olhos verdes estão vermelhos e ele

limpa mais uma lágrima que desce. — Eu não fui maduro em momento

algum, nunca discerni o que sentia por você, até... Até você ver o pior em

mim. Ver o seu olhar naquele instante, a sua decepção e o nojo exposto

em sua face, me fez ver que... Eu nunca deveria ter chegado até ali. —

Confessa e eu quebro com ele, sentindo um aperto no peito. — Eu

deveria ter achado uma alternativa. Mas até hoje, não sei qual seria... Não

sei como, mas eu apenas fiquei preso.

— Era um garoto perdido, que tinha tudo e achava que não tinha

nada. — Confessa, e encara o jardim novamente. — Eu sempre

questionei o porquê de ter perdido meus pais tão jovem, mas nunca parei

para questionar, o porquê de não ter aprendido com o que aconteceu.

Hoje, eu me questiono, a cada segundo. E como já te disse antes, você

sempre será uma parte de mim. A mais bela, pra ser completamente

franco. Eu sei que não te mereço, sequer mereço que fale comigo e todas

as vezes que fui até vocês, e você trocava meia dúzia de palavras comigo,

após a separação, eu ficava encantado. Palavras que eu poderia ter tido

antes, e não pude... E eu me culpo por não poder e te condenar a não ter

também. Quando foi comigo ao shopping, conversamos, almoçamos e...


Você estava ali, firme e forte, superando tudo e eu ainda me sentindo

dando um passo para frente, e três para trás por dia. Eu juro que tentei me

manter afastado, tentei reprimir meus sentimentos... Mas foi impossível.

Eu sempre quero estar mais próximo, te ter por perto, nem que seja ao

menos pra te olhar.

Ele então fica em silêncio, e eu quebro novamente, sentindo as

lágrimas descerem por meu rosto.

Nós dois somos quebrados. Por completo.

— Eu não tenho direito de pedir uma chance, Melissa. — diz e se

levanta, descendo os degraus e ficando apenas a penumbra da luz da

varanda. — Mas se um dia, em qualquer momento, precisar de alguém.


Saiba que eu vou estar aqui. Eu vou te esperar o tempo que for, nem que

pra isso, tenha que vê-la se casar, ser feliz com outro cara... Eu espero

outras vidas, Melissa. Não me importo. Pois por você, eu sei que vale a

pena.

Ele então sai, em meio a um fraco sorriso em seu rosto. Andando

em direção a parte da frente do jardim.

Fico aqui, perplexa com suas palavras, enquanto as lágrimas não

param de descer.
Levanto-me, ainda sem saber como agir, e me encosto novamente

na mesma pilastra, a qual foi minha companheira por tantas noites.

Encaro o belo céu, e a lua cheia me presenteia com sua presença.

E isso, me faz sorrir sem querer.

“Então, sinto como se estivesse presenciando um milagre, como,

bem devagar, ela ergue o rosto para a lua. Eu a vejo sorver a imagem da

lua cheia, inundada pelas memórias libertas, não desejando nada além

de fazê-la saber que estou aqui. No entanto, fico onde estou e também

olho para a lua. Por um breve instante, é como se estivéssemos juntos de

novo.”[55]

Essa passagem de Querido John[56] vem em minha mente,

fazendo-me lembrar do quanto o amor deles, mesmo após separados, era

possível ser sentido, e guardado.

Acho que o amor tem seu tempo, assim como qualquer

sentimento. Pensei que nunca iria ter de dar ouvidos ao que minha mãe

sempre diz, que é preciso aprender a amar, mesmo que o sentimento já

exploda em seu peito. E aos poucos, eu espero conseguir.

Desço para o jardim e vou até onde vi Levi desaparecer.

Encontro-o sentado na grama, encarando o céu, com o olhar fixo na lua.

Dessa vez, eu o observo.


Não é o mesmo sentimento de antes, nem de longe. Mas mesmo

que pudesse mentir, não há como esquecer nosso primeiro amor, só se a

vida nos der um novo e mais forte. E só agora, percebo que tenho outro.

Eu me apaixonei por esse homem sentado, perdido tanto em

pensamentos, que sequer percebe minha presença. O qual me fez sorrir

em alguns dias juntos, que cantou comigo no carro, que sorri levemente e

que não tem medo de expor seus sentimentos e passado, por mais que

isso o doa. Mas dessa vez, não vou agir com pressa ou mergulhar de

cabeça, vou com cautela, com cuidado e principalmente, com vontade.

Vontade de ser melhor em dois.

Respiro fundo e tomo coragem. Indo até ele e me sentando ao seu

lado. Ele então percebe minha presença e eu apenas sorrio, tentando

ainda camuflar meus sentimentos, pois querendo ou não, amor não é o

suficiente pra tudo.

Como se pudesse me ler, ele passa seu braço sobre meu ombro e

me puxa de encontro ao seu peito. Respiro fundo, absorvendo seu cheiro,

o calor que seu corpo emana. E pela primeira vez, em meus vinte e oito

anos, sinto-me completa. 

A lua como nossa cúmplice, segurando esse frágil amor com

cuidado, assim como nós dois.


Levi passa as mãos por meu cabelo, parecendo querer constatar

que estou mesmo aqui. E sim, eu estou.

Apesar de tudo, por mais que possamos esperar tantas outras

vidas para estarmos juntos... Eu não quero viver com o velho “e se” em

minha mente. Tentarei, e só assim, vou ver se vale a pena.

Se nós dois, fomos feitos para durar.


Capítulo 43

“Meu amor era tão cruel quanto as cidades em que vivi

Todos pareciam piores à luz

Há tantas linhas que eu cruzei sem perdão

Eu vou te dizer a verdade, mas nunca adeus”[57]

Levi

 
Ela está em meus braços.

Do modo como nunca mais pensei que a teria.

Toco em seus cabelos, sem conseguir acreditar que ela está

mesmo aqui. Que isso é real.

Penso no que me fez sair de dentro de casa novamente, sentar-me

no jardim e olhar para as estrelas. É o mesmo que faço há meses, quando


os pesadelos a respeito de tudo me atormentam.

Lembro-me de todo mal que me aconteceu e do que proporcionei,

de como tentando proteger parte da minha família, quase acabei causando

a morte da mulher que eu amo e mãe da minha filha, e no fim, me senti

acabando com a minha própria. E assim, as imagens do corpo de Melissa,


caído no chão, ensanguentado, vem em minha mente. O pior não são

essas lembranças e saber que foram reais, que eu as causei, mas sim a

continuação do pesadelo... Onde recebo a notícia de que ela faleceu.

Respiro fundo novamente, segurando as lágrimas com força. Não

quero demonstrar o quão quebrado estou. Não quero que Melissa fique

ao meu lado por pena. Mesmo que saiba que ela não me ama, não na
mesma intensidade que transbordo por ela agora, eu quero conquistá-la.

Tê-la aqui, ao meu lado, só deixa claro que estou de algum modo,

conseguindo ao menos sua amizade.

— Não finja que não sente. — Ela pede baixinho, tocando meu

rosto.

Abro meus olhos e absorvo sua imagem, percorrendo cada

pedacinho seu com os olhos, cada pequeno detalhe de sua expressão.

Lembro-me da frase que li ontem, em um dos vários livros que

comprei, os quais ela tanto gostava de ler, de seu autor favorito.


"Enquanto observava seu rosto expressivo, fiquei maravilhado

com o fato de, em algum momento, já ter beijado cada pedacinho dele.

Nunca amei ninguém a não ser você, era o que eu queria dizer."[58]

Realmente, é o que quero dizer.

Sua pele negra, os olhos castanhos, o cabelo encaracolado, o qual


cai sobre seu rosto. Sua expressão de confusão, com o cenho franzido,

como se estivesse fazendo o mesmo. Um pouco daquele mesmo brilho, o

que aquela menina de dezoito anos tinha, quando se entregou a mim pela

primeira vez.

Melissa me deu tudo. Doou-se por inteira, desde sempre. E eu

sempre me mantive a esquiva, escondendo-me.

— Nossos demônios são maiores quando guardamos apenas pra

nós. — diz, e sorri, tocando de leve em meu cabelo. — Um dia, quero

que me conte, tudo o que está passando. Sei que está quebrado, Levi. É
nítido. Esses olhos verdes não os mesmos de antes. Mesmo que nós dois,

como homem e mulher não exista, fale comigo. Não como antes, que eu

te pressionei, mas quando estiver pronto e quiser me contar tudo ou aos

pouquinhos, o que te atormenta.

Tenho tanto para lhe contar.

Tenho tanto para que ela saiba.


Porém, não consigo. Ainda não. Ainda é difícil me abrir, tão

difícil, que todas as sessões com o terapeuta são uma luta.

— Obrigado. — Digo baixinho e não consigo mais segurar o

choro.

Tento tirar meu braço de suas costas, para poder limpar minhas

lágrimas, porém ela as limpa com seus dedos. Olhando-me não com

pena, mas com compaixão.

Porém tento novamente me soltar, pois o choro não cessa. Não


consigo parar, tudo dentro de mim parece querer sair. Dói demais vê-la

assim, com esse olhar em minha direção, como se eu não fosse o homem

que tanto a magoou.

— Não fuja. — diz, e meus olhos continuam conectados nos seus.

— Não de mim, Levi.

— Nicole se... Ela... — a minha voz quase não sai, enquanto

confesso. — Eu me sinto culpado por ela ter feito e...

Vejo a forma como seu olhar muda, e minha boca se fecha. De

todos os cenários que já imaginei em minha vida, nunca pensei, que

estaria novamente, falando do meu maior pesadelo para a mulher que


amo. E que ela, não me olharia com pena ou nojo, mas sim:

compreensão.
Não sei quem se aproximou primeiro, mas logo seus braços me
envolvem e eu a seguro nos meus. Abraçamo-nos e choro tudo que

guardei por tanto tempo. Sinto meus ombros molharem, pois Melissa faz

o mesmo.

Não sei quanto tempo passa, mas apenas fico aqui, com ela junto

a mim. Aproveitando esse momento, como se fossemos parte de um só.

Como se pela primeira vez, eu não tivesse que segurar tudo sozinho.

***

Não sei ao certo em que momento cheguei ao meu quarto e muito


menos como me deitei na cama. Apenas tenho flashes de Melissa se

levantando e me puxando junto a ela. Lembro-me de sua voz baixinha,

dizendo boa noite e as luzes se apagando.

Tudo parece apenas mais uma brincadeira de minha imaginação.

Mas pelo seu cheiro em meu corpo, sei que foi real.

Encaro o relógio ao meu lado, e noto que ainda são seis da

manhã. Forço-me a levantar e vou ao banheiro, lavando meu rosto. Penso


em tomar um banho e trocar de roupa, mas o cheiro de Melissa em minha

pele faz com que deixe isso pra depois. Nesse momento, só quero ter um

pouco dela.

Faço minha higiene pessoal e sigo para o quarto de minha

princesa. Hoje é o dia dela! Nem consigo acreditar que ela está

completando dez anos. E que depois de tanto medo, finalmente, pude lhe

dar o que tanto queria – o seu celular. Algo que antes me atormentava,

por medo de que Nicole a contatasse.

Nicole não está mais no controle – repito internamente.

Vou até o quarto de Laura e abro a porta com cuidado. Encontro-a

acordada, tocando de leve os cabelos da mãe, que dorme serenamente.

Laura então foca seus olhinhos verdes, iguais os meus, em mim,

abrindo um grande sorriso.

— Eu te amo. — Sussurro para ela.

Com cuidado ela se afasta da mãe, sai da cama e vem até mim,

pulando.

— Eu te amo, pai.

— Feliz aniversário, minha princesa. — Digo, abraçado a ela,

com ela em meu colo.


Olho para a mulher adormecida na cama e não consigo parar de

pensar, que tudo que me falta agora, é um dia poder, nem que seja apenas

mais uma vez, chamá-la de minha menina. E em momentos assim, depois

de tanto tempo, apenas me sinto sendo eu mesmo. E por alguns

segundos, isso basta.


Capítulo 44

“Às vezes desistir é a coisa mais forte a se fazer

Às vezes fugir é a coisa mais corajosa a se fazer

Às vezes ir embora é a única escolha

Que irá trazer a coisa certa para você”[59]

 
Meses depois...

Melissa

 
Lili me encara animada, batendo palmas de meu visual. Não sei
por que ela sempre o faz, toda vez que saímos, mas ela sempre dá um

jeito de querer me deixar pra cima.


Ela está belíssima, vestida com um short curto preto e uma blusa
de cetim da mesma cor, mas que tem uma grande fenda nas costas. Por

ainda não saber ao certo como será essa tal “balada” que ela escolheu

para irmos, optei por uma calça jeans de lavagem escura e um cropped

branco de mangas cumpridas. Ambas estamos de salto, no caso, estou


usando os vermelhos, que comprei meses atrás, no dia em que fomos ao

shopping.

— Marta está atrasada. — Lili diz e bufa sozinha. — Aliás, desde

a festa de Laura, ela vive se atrasando para tudo. — Constata e eu

assinto.

— Sabemos que ela está envolvida com Di Lucca, por mais que
negue. — Digo e Lili se senta em minha cama, mexendo no celular.

— Mandei outra mensagem pra ela. — diz e sorri, levantando o


celular em minha direção, claramente, para que eu veja o que mandou.

Porém uma nova mensagem chega e acaba tampando a que ela

enviou para Marta. Noto o nome de quem mandou e apenas olho com

pesar para Lili, a qual me encara sem entender.

— Que foi? — pergunta e traz o celular pra si. — Acha que

peguei pesado dem...


Ela então parece ler a mensagem e respira fundo, fechando os

olhos.

— Lili. — A chamo, porém ela permanece em silêncio. — Por

que não tenta falar com ele? — pergunto, com medo de que isso a

machuque, mas não aguento mais vê-la sofrer por um amor que parece

não ter fim.

— Acredite, já conversamos tantas vezes e sempre chego a

mesma conclusão. — diz, abrindo os olhos, e eu vou até ela, sentando-me


ao seu lado. — Leonardo não sabe como superar o passado, e muito

menos eu sei. Não estamos prontos para isso.

— E vale a pena sofrer assim? Com essa mistura de dor com

amor e...

— Nós não somos você e Levi, Mel. — diz, e eu fico calada, sem

saber o que dizer. — Não estou dizendo por mal, acredite em mim.

Quando me contou que decidiu ir aos poucos com ele, se tornar amiga e

ao mesmo tempo, poder descobrir se essa paixão que sente é o suficiente

para recomeçar, eu nunca a julguei. Pois eu vi, acho que todos nós vimos
como ele mudou. Além do mais, como você mudou. — Ela respira fundo

e segura minha mão. — Vocês têm uma coisa que eu e Leonardo nunca

vamos ter.
— Como assim? — pergunto, já praticamente perdida.

— Esperança. — diz e uma lágrima desce por seu rosto. —


Apesar dos pesares, você e Levi continuam firmes, seja quando saem

juntos, ou quando estão separados. Mostraram a si mesmos que

conseguem viver um sem o outro, mas pelos olhares que trocam, sei que

no fim, vão optar por ficar juntos, porque querem isso. — Ela então sorri
fraco, jogando-se contra o colchão.

Fico em silêncio por alguns instantes, pensando a respeito do que

ela diz. Os últimos meses realmente têm sido assim. Após nossa conversa

franca e a escolha que fiz de me aproximar de Levi, as coisas têm

caminhado bem.

Nós saímos algumas vezes, em alguns lugares diferentes, até

mesmo fomos passear na praia. Não são os típicos programas de casais,

sabemos disso, mas pelo que nosso silêncio diz, somos amigos, nada

além. Eu sinto que meu coração, a cada dia, se rende um pouco mais a

Levi, mas ainda não sei como lidar com isso, até onde posso dar algum

passo.

Eu sei que seu novo eu, lhe custou muito e que ele guarda sua

culpa, mágoa e dor. E por agora, apenas gostaria de que ele pudesse me

ver, como alguém em que pode ser livre, sem esconder nada. Aos

pouquinhos, caminhamos para isso.


E é bom vê-lo livre, ou melhor, saber quem ele é de fato. Eu gosto
dele assim, desse jeitinho. Sinto-me bem, à vontade, animada... Toda vez

que o interfone toca e sei que é ele lá embaixo me esperando, meu

coração acelera e sinto que é a primeira vez que fazemos isso, mesmo

após tantos “encontros”.

Fazemos aos poucos, como pudemos, de forma que Laura não

saiba o que está acontecendo. Combinamos que por enquanto, o melhor é

não a deixar criar esperança a respeito de nada, e apenas deixar as coisas

acontecerem. Então, saímos nas vezes em que Laura passa um tempo

com meus pais, meu irmão ou o seu. Não queremos de jeito algum, com
nossa aproximação, causar algum dano futuro a nossa filha.

— Divagando. — Pisco e encaro Lili, a qual sorri de leve, sequer

parecendo a mesma mulher de segundos atrás.

— Eu queria ser uma amiga melhor, Lili. — Digo e toco sua

perna. — Mas eu quero que saiba, que por mais que você e Leonardo não

tenham a “esperança” de algo, como eu e Levi, vocês têm algum

sentimento, seja qual for. Talvez seja bom descobrir o que os dois sentem

a respeito de tudo. — Ela assente e se senta novamente, dando-me um

abraço.

Logo ela se afasta e praticamente pula da cama.


— Mas hoje é a noite das garotas! — praticamente grita, fazendo-

me gargalhar. — Nossa princesinha está com o tio, e temos a noite toda

para dançar as músicas que amamos. E finalmente, você vai para uma

balada comigo. — diz, animada.

— Eu não consigo te imaginar na época de faculdade. — Falo e

rio, Lili apenas dá de ombros e dá alguns passinhos ridículos com os pés.

— Ok, pé de valsa. — Brinco e ela revira os olhos. — Liga pra Marta, eu

já estou pronta!

Mexo em meus cabelos encaracolados, o qual acabei por cortar

ontem. Estava cansada de me olhar e sempre ver o mesmo, e num ato

inesperado fui ao salão e cortei chanel. A princípio me arrependi, mas

minutos depois, bagunçando meus cachos para cima e vendo o ar mais

jovem que consegui assim, acabei amando.

Eu não apenas me sinto uma nova mulher, é engraçado, pois me

sinto eu mesma pela primeira vez em minha vida.

***

 
— Eu não estava com Gustavo, Lili. — Marta diz, pela milésima

vez e Lili provoca com um simples “ahan”.

— Acho que está na hora de Di Lucca vir pedir permissão pra

mim. — Provoco, entrando na brincadeira.

— Até você? — Marta pergunta incrédula e Lili gargalha.

— Marta, nós não somos cegas. — Digo sorrindo e pisco pra ela.

O táxi finalmente chega ao nosso destino. Pagamos e já

descemos, já vejo uma enorme fila em frente a tal boate.

— Eu não acredito que saí de casa pra ficar em uma fila dessas.

— Marta reclama, e Lili a ignora, indo em direção a uma segurança.

Não sei o que Lili diz, mas logo três pulseiras são dadas a nós.

Entramos rapidamente, sem sequer ter que ir ao fim da fila. Ok, então!

O local está escuro, mas as várias luzes coloridas dispersas, dão

uma certa visibilidade. Seguimos Lili até o que acredito ser o bar, e ela já

se senta de frente ao barman, pedindo uma dose de vodca.

— Como entramos tão rápido? — pergunto curiosa.

— Meu ex-marido tinha muitos amigos ricos, um deles, Gabriel,

se tornou meu amigo também e é o dono disso aqui e muitas outras

boates. — A dose de Lili chega e ela começa a beber. — Gabriel é um


cara legal, é uma das poucas pessoas do mundinho de Leonardo, que

ainda tenho contato.

— Esse lugar é lindo. — Marta elogia. — Agradeça a ele quando

puder.

— Pode deixar. — Lili diz e se concentra em sua bebida.

— Parece um pouco lotado. — Constato, encarando as várias

pessoas na pista de dança, as quais estão em grupinhos grandes, mas que

em sua maioria, dançam em casal.

— Podemos ficar na área vip, que fica lá em cima. — Lili indica

o outro andar. — Temos a visão completa do que acontece aqui embaixo.

— Eu quero dançar. — Marta diz, parecendo mais animada que o

normal. — Moço, três doses de tequila! — ela pede, e logo somos

servidas.

Encaro-as um pouco sem jeito, pois faz muito tempo que não

tomo isso. A última vez foi em meu aniversário de dezoito anos.

— Vai animar, Mel! — Lili diz e pega sua dose, faço o mesmo,

com o limão já em mãos.

Elas me encaram, e penso que irão fazer o mesmo processo que

Pedro me ensinou há anos, mas no fim, elas apenas ficam me olhando em

expectativa.
— Ok. — Digo por fim e viro a dose.

A bebida queima em minha garganta, mas como sempre o gosto

do sal e do limão misturado a ela dá um sabor especial.

— Minha garota! — Lili diz e faz o mesmo que eu, assim como

Marta.

Uma música começa a tocar e eu as encaro no mesmo instante.

— Eu disse que essa balada era a melhor. — Lili diz e bate

palmas. — Eu amo essa música!

Lili então me puxa pelo braço e faz o mesmo com Marta. Vamos

até o meio da pista e nos jogamos. Mesmo sem saber ao certo o que

fazer, deixo-me levar pela música e a letra parece ter sido feita pra esse

momento.

“Estou te dizendo para abrir os meus botões, baby

Mas você continua hesitando

Dizendo o que vai fazer comigo

Mas até agora eu não vi nada (uh)

Estou te dizendo para abrir os meus botões, baby

Mas você continua hesitando


Dizendo o que vai fazer comigo

Mas até agora eu não vi nada (uh)

Típico e dificilmente é do tipo que eu gosto

Eu gosto quando a parte física não me deixa querendo mais

Sou uma garota sexy

Que sabe exatamente como conseguir o que quer

E o que quero é levar isso tudo até você

Comprovar todas as coisas que eu te disse...”[60]

Marta canta próxima a mim a música e logo sinto suas mãos em

minha cintura. Deixo-me levar, cantando junto a ela.

— Droga! — Marta diz de repente, e eu abro os olhos, espantada.

Olho para a mesma direção que ela e encontro Gustavo, parado

entre as pessoas dançando, olhando-a sem sequer piscar. Rio da situação

de minha amiga que logo volta seu olhar pra mim e bufa baixinho.

— Seja sincera comigo, você gosta dele, não é? — pergunto, e ela

dá de ombros.
— É apenas desejo, Mel. Não sou o tipo de mulher que sonha

com vestido branco, declarações de amor e um anel no dedo. —

Confessa, e eu apenas escuto. — Gustavo seria o par perfeito para isso,

se não fosse quem é.

— Como assim? — pergunto sem entender, dançando do mesmo

modo, assim como ela.

— Eu não sei explicar, eu só... Não quero nada sério, mas esse

“nada sério” não será com ele. — diz por fim e eu apenas me calo, sem

querer me intrometer ainda mais em sua vida.

— Onde Lili está? — pergunto.

— Ela disse que iria ao banheiro. — diz e eu busco Lili em algum

canto da pista de dança, mas sei que é impossível encontrá-la, já que são

muitas pessoas.

Olho por cima do ombro de Marta, que parece ter esquecido um

pouco que Gustavo está aqui, e me assusto ao vê-lo vindo até nós.

— Marta. — Chamo e ela parece perdida na nova música que

começou a tocar. — Marta! — digo mais alto e ela arregala os olhos,

encarando-me.

Abro a boca pra dizer algo, porém Gustavo já está atrás dela. Ele

assente para mim, como forma de cumprimento e eu continuo sem saber


o que fazer, e sem sequer dançar mais.

— Oi, Marta.

Fico ainda mais surpresa, por vê-lo falar com ela desse jeito.

Quem é esse cara e o que fez com Gustavo Di Lucca - o homem

impenetrável?

— Di Lucca. — Marta diz com desdém e vejo um simples sorriso

passar pelo rosto dele.

Ok, melhor sair daqui.

— Eu vou atrás da Lili. — Digo rapidamente, e antes que Marta

possa dizer algo, saio praticamente correndo de perto dos dois.

Os dois podem até parecer que não são compatíveis, mas esse

momento, de Gustavo falando assim com ela, eu não vou fingir que não

significa nada. Tem algo sério ali, muito além do desejo que Marta falou.

Passo pelas pessoas e procuro Lili entre elas. O banheiro parece

estar do outro lado da pista, e agora sei que vou ter uma grande

dificuldade de chegar até lá.

Assim que finalmente consigo chegar, ouço alguns cochichos,

como se fossem duas pessoas conversando. Entro no corredor que dá

para os banheiros e dou de cara com Lili, porém, acompanhada de

Leonardo.
Todo mundo resolveu aparecer?

— Olá. — Digo, ignorando a tensão que está entre os dois.

Leonardo se aproxima de mim e me cumprimenta, abrindo um

sorriso sem dentes.

Lili está de braços cruzados, encarando os próprios pés. Isso

parece ainda mais difícil do que eu imaginei.

— Lili. — A chamo e ela me encara, apenas negando com a


cabeça. — Vem comigo.

Ela então assente e Leonardo muda completamente seu

semblante, parecendo cabisbaixo.

Lili entra comigo no banheiro feminino e se escora na pia,

encarando o grande espelho.

— Ele disse que Gabriel sem querer acabou deixando escapar que

eu falei sobre as entradas esses dias, ele tem vindo aqui sempre que abre,

em busca de mim. — diz com pesar. — Eu não sei o que fazer, Mel. Eu

só queria uma noite com as minhas amigas e não o passado para me

atormentar.

— Tem coisas que acontecem em momentos que nem esperamos.

— Digo, tocando seus ombros. — Leonardo está ali fora e confessou que

veio por você. Se está tão confusa, deveria falar com ele em um local
mais calmo. Lembra quando me disse que ele iria se casar? — pergunto e

ela assente. — Pelo jeito ele não se casou e tem algum motivo pra isso.

— Mel, eu não...

— Não se preocupe comigo. — Digo, sorrindo. — Marta já está

com Gustavo pelo jeito, que também resolveu aparecer por aqui e eu,

bom, vou pra casa daqui a pouco.

— Mas Mel, era pra ser nossa noite e...

— Lili. — Chamo sua atenção. — Olha bem pra mim, você me

conhece. Eu não sou a fã número 1 de boates, baladas e essas coisas. Eu

vou sobreviver a isso, acredite. — Brinco, e Lili finalmente abre um

sorriso.

Ela se vira pra mim e me abraça com força.

— Obrigada por tudo, Mel. — diz e eu reviro os olhos. — Não

seja besta!

— Eu te amo, só quero sua felicidade. — Digo e toco seus

cabelos.

Lili finalmente dará um passo em frente de algo que sempre a

deixou mal. Espero apenas, que dessa vez, ela consiga de alguma forma,

se libertar dessa dor.


Capítulo 45

“Nós estávamos no banco de trás

Bêbados de algo mais forte do que as bebidas no bar (...)

Nós éramos uma página nova na mesa

Preenchendo os espaços em branco enquanto avançamos

Como se as luzes da rua apontassem para a ponta de uma flecha

Nos levando para casa”[61]

Melissa

 
Passo novamente pela pista de dança, e vou em direção ao bar.

Peço uma água sem gás e sento-me em um dos bancos, escorando-me


sobre uma parte livre da grande bancada. Há várias pessoas conversando,
casais se conhecendo, e a música, a qual não conheço, até que é boa. É
um lugar divertido, pena não me sentir muito à vontade.

— Eu pensei em te encontrar em vários lugares, mas nunca pensei

que seria aqui. — Assusto-me com sua voz, mas ao mesmo tempo sorrio.

— Eu acho que hoje é o dia das coincidências. — Digo, sem

olhá-lo, ainda de costas para a pista de dança, de frente para o bar,

bebendo minha água.

— Não acredito em coincidências. — diz, e eu me viro pra ele,

seus olhos verdes estão serenos, como nos últimos tempos.

Ele guarda seu sorriso, mas pela sua expressão sei que está feliz

em me ver. Bom, eu também.

— E acredita no que? — pergunto, e ele toca de leve em minha

mão.

Aqueles mesmo arrepio de anos atrás, o que sempre esteve entre

nós, passa por mim. Coisas que parecem que nunca vão mudar.

— Em nós. — diz e finalmente abre um sorriso. — Uma dança?

— pergunta e eu assinto.

Jogo a garrafa vazia no lixo e sigo com ele até uma parte da pista

de dança.
Levi me puxa para perto de seu corpo e eu encaro seus olhos

verdes, os quais parecem ler minha alma. Ele não foi direto em nenhum

momento sobre o que espera de mim, ou sobre o que temos, deixando

assim, mas que evidente, nossa simples amizade. Mas o modo como

falou comigo segundos atrás, deixa algo claro que ele não vai mais

esconder seus sentimentos.

— Essa música não faz meu estilo. — diz, colocando as mãos em


minha cintura e me puxando pra mais perto. — É horrível.

Rio do modo como ele fala e concordo com a cabeça.

— Prefiro mil vezes uma música mais calma. — Digo, já com

uma playlist em mente.

— Eu também. — diz e mesmo com a batida forte da música,

dançamos do nosso jeito calmo, juntos.

Isso é tão certo como respirar.

— Podemos ir dançar em outro lugar. — Sugere, e eu penso nos

prós e contras disso. — Tem um barzinho aqui perto, é bem mais calmo e

confesso que preferia estar lá.

— Eu prefiro. — Digo e indico com a cabeça a direção da saída

da boate.
Vou ao seu lado até sair da pista de dança e peço um segundo.

Pego meu celular para mandar uma mensagem para as meninas, mas logo
vejo que as duas já me mandaram. Marta diz que está com Gustavo e

Lili, que foi realmente conversar com Leonardo. Bom, ao menos não

preciso me preocupar com elas.

Pagamos nossas comandas e saímos de dentro da boate. Levi me


indica com a mão por onde devo ir e a poucos passos, próximo a uma

esquina, há um barzinho.

Entramos e o clima é completamente diferente. Mesmo com o

horário já tarde, há várias pessoas sentadas, conversando. Algumas

bebem outras claramente paqueram, e algumas estão numa pequena pista

de dança mais ao canto.

— Eu não vou dançar ali. — Digo, já com vergonha de me

imaginar dançando a frente de todas essas pessoas. — Não é uma boate

onde ninguém me vê, não tenho coragem.

— Eu te vi o tempo todo lá dentro. — Levi diz, puxando uma

cadeira pra mim e se sentando a minha frente. — Eu tinha saído com


Gustavo, estávamos aqui bebendo, conversando, enfim, à toa. Até que ele

teve a ideia de irmos até lá, pois queria conhecer alguém... Nem eu

entendi direito a ansiedade dele de ir nessa boate.


— Mas pelo jeito, ele acabou preferindo ficar com Marta. —
Digo sorrindo.

— Sim, ele praticamente correu até ela quando a viu. — diz e

passa as mãos pelos cabelos. Um garçom se aproxima e Levi pede uma

garrafa de vinho. — Bom, eu tinha te visto, mas preferi apenas observar

tudo.

— E por que foi até mim no bar? — pergunto, e ele abaixa a

cabeça, sorrindo de leve.

— Eu não consegui me segurar. — Confessa e me encara. — Me

sinto um adolescente de novo. — diz e sorri de si mesmo.

— Não parece um adolescente. — Digo, analisando acho que pela

milésima vez o homem sentado à minha frente.

O garçom chega com a garrafa de vinho e enche duas taças para

nós. Começo a beber e conversamos a respeito de tudo. E de uma coisa

eu tenho absoluta certeza, não somos mais os mesmos.

***
 

 
Acordo e sinto meu corpo pesado. Espreguiço-me na cama e me

assusto assim que minhas mãos tocam em algo. Abro os olhos e encontro

Levi deitado ao meu lado, e minhas mãos estão em contato com seu

corpo.

Ele dorme serenamente, ainda vestido da roupa de ontem. Olho

para mim mesma e vejo que estou com outra roupa, no caso um vestido

branco. Fecho os olhos e tento lembrar o que houve, mas a ressaca desse

dia, só me diz o quanto exagerei na bebida ontem. Pelo jeito, Levi

também o fez, porque ele sequer se mexe.

Fico então olhando cada detalhe dele, cada som que seu corpo faz

a cada inspiração e expiração, o calor que seu corpo emana, mesmo

estando em pouca proximidade. Eu consigo senti-lo, e eu realmente gosto

disso.

Flashes da noite que se passou vem em minha mente, lembrando

de como não conseguia sequer abrir a porta do apartamento e Levi

gargalhava de tudo. Lembro da dor em meu estômago e do momento em


que caí de joelhos ao lado da privada, colocando tudo pra fora.

Realmente, aquele vinho acabou comigo.

Lembro agora de como Levi cuidou de mim. Segurou meus

cabelos, e depois pediu para que eu tomasse um banho para melhorar. Ele
ligou a ducha e logo voltou com o vestido branco e uma lingerie,

deixando-os em cima da bancada da pia.

— Toma um banho, e assim que terminar de se vestir, me chama.

— diz e eu assinto, sendo completamente obediente.

Não sei como, mas consigo tomar um banho rápido, pois a ducha

fria me desperta um pouco. Levi também parece um pouco alterado, mas

acho que nada comparado comigo. Sou fraca demais para bebida.

Assim que me enxugo e me visto, abro a porta e o encontro

parado encostado na parede ao lado. Ele sorri e entra novamente no

banheiro, pegando minha escova de dente e colocando o creme dental. 

— Vai fazer o sabor ruim sair da sua boca. — diz e eu escovo os

dentes, sob sua supervisão.

— Você não parece bêbado. — Digo, já um pouco melhor.

— Eu me animo um pouco após beber, mas depois de um tempo a

bebida não faz muito efeito. — Confessa, dando de ombros.

Logo termino e me deito na cama, apenas sinto algo fino sendo

colocado sobre mim e o colchão ao lado afundando. Respiro fundo e

durmo tranquilamente.

— Está pensando muito. — Escuto sua voz e pisco duas vezes,

antes de voltar minha atenção para ele. — Bom dia. — diz e sorri,
olhando-me divertido.

— Bom dia, e obrigada. — Digo sem jeito, sentindo sua inspeção

sobre mim.

Essas mesmas sensações de antes, só que tão vívidas, tão mais

preciosas e encorajadoras. Eu gosto que ele me olhe, gosto de olhar pra

ele.

Não sei como, mas por um instante é como se fôssemos unidos,

por um milésimo de segundo. Sinto sua mão quente sobre minha face, e

ele a acaricia de leve.

Penso no como nunca imaginei que ele me olharia assim, não é

apenas amor, é paixão, carinho, delicadeza, cuidado... É a fusão de belos

sentimentos, os quais parecem querer explodir de nós.

Deixo-o me tocar, fechando os olhos. Sinto seu rosto ainda mais

próximo que o meu, e tudo que consigo pensar é que preciso dele. Abro
os olhos novamente e ele se levanta um pouco da cama, colocando o

cotovelo contra o colchão, como um apoio. Ele então me encara com

devoção.

— Minha menina. — diz, e sorri levemente, do jeito que me

encanta.
Sem me deixar dizer mais nada, apenas sinto seus lábios sobre os

meus. Seu gosto junto a mim faz com que me sinta única novamente,

algo que não consigo explicar, como se um tsunami de sentimentos me

inundasse. Eu não apenas sinto, eu não apenas o beijo... Eu o tenho. Ele

se entrega a mim pela primeira vez, como se sua vida dependesse disso, e

de certa forma, estamos juntos novamente.


Capítulo 46

“Nós podemos plantar um jardim de memórias

Fazer uma oração solene, colocar uma coroa de flores em meu cabelo

Não há manhã de glória, era guerra, não era justo

E nós nunca voltaremos

Para aquele sangue derramado, trevo carmesim

Uh-huh, o pior havia acabado

Minha mão foi a que você buscou”[62]

Melissa

 
Faço um simples macarrão, enquanto Levi fala sobre tudo o que

ele e Laura fizeram quando estive ausente. Os dois parecem ter se


divertido muito, e de certa forma, é impossível não me imaginar junto a
eles.

— Está quase pronto. — Digo, mexendo no molho e colocando a

tampa na panela.

Abaixo o fogo e resolvo deixar por alguns minutos, para

engrossar um pouco o molho.

— Disse que não precisava cozinhar. — diz, e reviro os olhos.

Ele sorri divertido, sentado no sofá, apenas me olhando. Ele se

ofereceu para me ajudar na cozinha, mas como macarrão é algo tão

simples, acabei recusando.

Escoro-me na bancada, olhando-o de longe. Noto que mesmo


estando mais leve e sorrindo, Levi não parece totalmente à vontade, e

algo ainda o incomoda, é nítido, e minhas suspeitas sobre o que causa


isso são muitas.

— Ei, coloca uma música pra gente. — Peço e ele pega o celular,
procurando algo.

Em poucos segundos uma melodia começa e eu gargalho, sem

acreditar na música que ele escolheu.

— Que foi? — pergunta divertido. — Esqueceu que sou, quer

dizer, era amigo do seu irmão?


Rio um pouco, mas noto como dói para ele falar de meu irmão no

passado. Os dois realmente eram muito unidos, e vejo o como sofrem

longe um do outro.

“Quando eu digo que deixei de te amar

É porque eu te amo

Quando eu digo que não quero mais você

É porque eu te quero

Eu tenho medo de te dar meu coração

E confessar que eu estou em tuas mãos

Mas não posso imaginar

O que vai ser de mim

Se eu te perder um dia

Eu me afasto e me defendo de você

Mas depois me entrego

Faço tipo, falo coisas que eu não sou

Mas depois eu nego

Mas a verdade

É que eu sou louco por você


E tenho medo de pensar em te perder

Eu preciso aceitar que não dá mais

Pra separar as nossas vidas

E nessa loucura de dizer que não te quero

Vou negando as aparências

Disfarçando as evidências

Mas pra que viver fingindo

Se eu não posso enganar meu coração?

Eu sei que te amo!

Chega de mentiras

De negar o meu desejo

Eu te quero mais que tudo

Eu preciso do seu beijo

Eu entrego a minha vida

Pra você fazer o que quiser de mim

Só quero ouvir você dizer que sim![63]

 
 

Ouço a música e volto minha atenção à comida, pensando em

como abordar esse assunto com Levi. Resolvo então me concentrar em

algo bom para comermos, antes que acabe errando no ponto.

Misturo o molho ao macarrão e sirvo dois pratos, do melhor jeito

que consigo. Ele vem até mim, acho que ao perceber que estou

organizando tudo. Coloco os pratos a mesa, que fica ao lado da cozinha,

no espaço da sala, já que é uma cozinha americana. Assim organizo

como posso.

— Onde ficam os copos? — ele pergunta e eu indico o armário.

Ele pega dois e traz até a mesa, colocando-os ao lado dos pratos.

— Bom, não é nenhuma grande arrumação. — Digo, um pouco


sem jeito. — Mas espero que a comida esteja boa.

Ele sorri e puxa a cadeira pra mim.

— Mas o suco...

— Eu pego. — diz e vai até a geladeira, pegando uma caixinha de

suco de maracujá. Ele o deposita em cima da mesa, sentando-se a minha

frente. — Prontinho.

— Obrigada. — Sorrio agradecida. — Bom apetite.


Comemos a princípio em silêncio, mas logo Levi mostra que

realmente gostou da comida, elogiando-me a cada garfada.

— Então... Como Ricardo e Carla estão? — pergunto curiosa,

enquanto ele bebe um pouco do suco.

— Com certeza melhor do que antes. — diz, dando de ombros. —

Soube por cima de que uma ex-colega de Nicole entregou para eles um

diário, e pelo jeito, eles descobriram sobre a morte dela também... — ele
então se cala, sem conseguir disfarçar seu mal-estar.

Realmente, era disso que desconfiava.

— Não consegue falar abertamente sobre Nicole, não é? —

pergunto com cautela e ele se afasta um pouco da mesa, encostando-se

completamente na cadeira.

— Melissa, eu não... — ele respira fundo, como se tentasse se

acalmar. — Podemos falar disso depois de comermos? — pergunta e eu

assinto, notando certo alívio em seu semblante.

Então comemos em silêncio, mas a cada respiração profunda que

Levi dá, sinto que logo ele vai querer correr pra longe desse assunto. Mas

também sei, que não dá pra seguir em frente, se continuarmos presos ao

passado, agindo como se tudo tivesse simplesmente desaparecido ou que

não tenha acontecido.


 

***

— Eu coloco a louça suja na pia, pode deixar. — Ele diz, assim

que terminamos de comer.

Em silêncio vou até o sofá e me sento, colocando as pernas para

cima do estofado, esperando Levi vir até mim.

Rapidamente ele coloca tudo na pia e sai da cozinha, vindo se

sentar ao meu lado, apoiando os cotovelos nas coxas e passando as mãos

pelos cabelos.

— Eu não sei como falar com você sobre isso. — diz, levantando

a cabeça e encarando o teto. — Não sei como falar de um jeito que não

te...

— Me magoe? — pergunto, e ele assente, sem ainda me olhar. —

Você não me traiu, lembra? — indago, e ele assente, mas a culpa ainda é

nítida em seu olhar. — E outra coisa, se eu decidi deixar você entrar em

minha vida novamente, Levi, eu estava disposta a isso, a correr riscos. Eu


sei que tudo o que houve não foi superado, você é a prova de que isso

não aconteceu. E pode levar a vida toda para que aconteça. Ou até mais.

— Eu não quero te magoar de novo, Melissa. Não quero estragar

tudo outra vez e... — Ele se cala e toca seu rosto novamente, escondendo

sua face, como se quisesse camuflar sua dor. — Sempre que penso em

Nicole, penso que vou perder tudo... vou perder quem amo.

— Não precisa me dizer tudo, como te falei naquela noite... Mas

pode ser sincero sobre como está se sentindo. — Olho-o com carinho. —

Não sei se um dia vai se abrir sobre isso com seu irmão e cunhada, nem

mesmo com seus melhores amigos... Mas saiba que eu estou aqui para

isso, para ser aquela que você pode ser apenas você, nada mais.

Ele então respira fundo e se levanta, e como se não soubesse o

que fazer, encosta-se na bancada, sem ainda me olhar.

— O que me leva a sair no jardim todas as noites são os pesadelos

constantes que tenho, na realidade, não dormia tão bem quanto hoje, há

muito tempo. — Confessa. — Eu sonho com o seu acidente, com sua...

— ele respira fundo e noto que segura com força na bancada. — Sua

morte. — diz pesadamente e leva uma mão ao rosto, passando várias

vezes por seu queixo.

— Levi, eu estou aqui. — Digo, levantando-me. — Estou bem.


— Até quando, Melissa? — pergunta, já parecendo nervoso. —

Até quando nossa filha vai ficar bem tendo a mim como pai? Ninguém

que se aproximou de mim saiu ileso.

Ele então se afasta, antes que eu possa tocá-lo.

— Meus pais morreram, meu irmão teve que cuidar de mim e no

fim tenho medo a cada dia de que ela descubra sobre Nicole e eu, e se

culpe. Você quase morreu por minha culpa. — diz rapidamente, andando

até uma parede e de repente, despenca sentado. — E eu... eu sinto, eu

sinto que a matei, Melissa. Eu matei, Nicole. — Confessa e lágrimas

descem por seu rosto. — É uma culpa que eu carrego, todos os dias.
Como se eu tivesse apenas ficado e deixando-a fazer o que quiser, uma

vida seria poupada.

Ele então cai no choro e vou até ele, ajoelhando-me e o puxando

para mim.

Não digo nada, apenas deixo que ele sinta que isso não vai me

afastar dele. Aliás, isso só mostra o quão humano ele é. Estranho seria se

ele não se importasse com tudo que aconteceu, mas a questão é que ele

tem se culpado por tudo, sem conseguir entender que, na realidade, não o

é. Ninguém é.
Por mais que eles tivessem se envolvido, não foi ele quem

apertou o gatilho daquela arma. Não foi ele que fez com que eu perdesse

o controle do carro e muito menos que fez Nicole o escolher como alvo...

Nicole era uma mulher doente, isso nós sabemos, por tudo o que fez

apenas para atingir Ricardo, mas Levi parece não conseguir ver isso, ou

se vê, a culpa não o deixa enxergar com clareza isso.

— Sabe que precisa de ajuda, não é? — pergunto baixinho,

trazendo seu rosto para mim, fazendo-o me olhar. — Precisa entender

que nada disso foi sua culpa, que o passado não pode te atormentar mais.

— Eu estou tendo, estou lutando, mas há dias... há dias que fica

tudo pior. — Admite, e encosto nossas testas. — Eu não mereço a chance

que está me dando, eu não mereço nada disso e... Eu sei que vou falhar,

eu vou te perder. — diz, e sequer reconheço o homem a minha frente.

Ele não está seguro, muito menos sabe o que diz. Ele parece um

menino assustado, que não sabe o que fazer.

— Eu estou aqui, para todos os dias. — Falo, e faço com que me

encare. — Para os bons, para os ruins, para os que parecem impossíveis

de serem vividos...

— Por que faz isso? — pergunta, limpando as lágrimas em seu

rosto. — Por que não me julga ou me abandona? Por que acreditou em


mim tão facilmente? Por que... Por que não tem nojo de mim, por saber

que eu me sujeitei a...

— Você é apenas Levi para mim, o meu Levi. — Seu olhar é de

clara surpresa. — Sabe o que penso sobre tudo o que aconteceu, e isso

não mudou. Nunca vai mudar. Eu respeito sua escolha de guardar tudo

para si, ou melhor, para nós. Mas não vou deixar com que passe mais um

dia, achando que precisa lidar com isso sozinho.

— Eu vou melhorar, eu vou ser o homem que você merece.

Sei que são palavras de um homem quebrado, e me vejo

querendo, colar pedacinho por pedacinho. Se fosse possível, eu o faria.

Mas nesse momento, apenas o trago para perto, mostrando em atitudes,

que ele merece apenas o bom da vida. E parte desse bom, pode ser eu.
Capítulo 47

“Isso não é para o melhor

Minha reputação nunca esteve pior, então

Você deve gostar de mim pelo que eu sou

Nós não podemos fazer

Nenhuma promessa agora, podemos, amor? (...)

Está tudo bem eu ter dito tudo isso?

É normal que você esteja na minha cabeça?

Porque eu sei que é delicado

Está tudo bem eu ter dito tudo isso?

Será que é muito cedo para fazer isto ainda?

Porque eu sei que é delicado”[64]

 
Um mês depois

 
Levi
 
Com o envelope em mãos, sinto meu corpo tremer e o nervosismo

se apodera de mim. Tantas coisas aconteceram e mudaram ao decorrer

desses meses, para ser realista, praticamente um ano se passou após tudo

entre nós ter acabado, e agora, estou aqui, com a esperança de que

Melissa aceite esse meu lado também.

Melissa tem sido muito mais que a mulher que amo, ela tem se

tornado a cada dia mais, o meu tudo, o que só mostra o quanto não me

arrependo de lutar por ela. Posso não ser o melhor homem, e sei disso,

mas a cada sorriso que aparece em seu rosto, sei bem que não conseguiria
ficar sem isso.

— Se acalma. — Digo a mim mesmo, encarando o espelho do

banheiro do apartamento dela.

Desde que nos beijamos e assumimos praticamente nossos

sentimentos, temos nos encontrado aqui quando Laura não está, falado a

respeito de nós, da vida, do mundo... E principalmente, estado juntos.

Mas ainda assim, sei que faltam algumas lacunas para preencher.
Algumas coisas que preciso fazer, sem assustá-la, a respeito de meus

sentimentos que já não consigo conter.

Eu tinha uma ideia diferente quando comecei com isso, mas

agora, como felizmente tudo está caminhando, eu posso fazer disso um

ato romântico, como Melissa merece.

Se tem uma coisa que aprendi com os romances que ela tanto

adora, é que não importa o tempo, lugar, ocorrido, ou a própria vida, o

amor sempre estará em nosso peito, caso ele seja real. E o meu amor por
Melissa, é assim.

Por ela eu aprendi que as coisas não são fáceis, consegui perceber

que tenho sim problemas, e que não conseguiria ir em frente sem uma

ajuda. Ela está aqui, comigo, me dando forças para fazer isso, ser o

homem que ela realmente merece. Não um homem quebrado, mas sim,

um homem que possa se doar por inteiro.

— Ei. — Ouço sua voz através da porta. — Daniel acabou de me

mandar mensagem de que está trazendo Laura.

Sorrio de sua preocupação, pois sei o quanto ela teme que Laura
me veja aqui e interprete algo errado. Contudo, a partir de hoje, quero

poder mostrar a ela que podemos seguir juntos, aos poucos, mas que vou

conquistá-la todos os dias.


Encontro-a sentada em sua cama, mexendo no celular, com uma

expressão feliz no rosto.

— Boas notícias? — pergunto, colocando o bilhete em meu bolso

traseiro da calça.

— Bom, eu... Desde aquele dia que você me levou até a sessão de

autógrafos e deixou claro que sabia sobre minha profissão, não falamos a

respeito disso. Aliás, eu fugi um pouco do assunto. — diz parecendo

envergonhada, e eu assinto.

Realmente, Melissa não me deu brecha alguma para falar sobre,

por mais que conversamos muito nos últimos meses.

— Eu escrevo há muito tempo, mas nunca tive coragem de falar

abertamente sobre isso por “n” motivos. — Ela dá de ombros e vira pra

mim, a tela de seu celular. — Esse meu livro está em primeiro lugar

novamente, e não consigo não compartilhar isso com você. — diz

animada, e eu a abraço.

— Parabéns. — Digo orgulhoso. — Vi que tem muitos leitores e

faz muito sucesso, você merece isso, Melissa.

— Obrigada. — diz, e parece um pouco curiosa. — Mas eu


queria saber como... Como descobriu sobre isso?
— Eu pedi a um amigo, para que visse se o dinheiro que eu
depositava para você todo mês estava sendo utilizado. Estava com medo

de que não quisesse o usar por conta de tudo, e não queria que nada

faltasse a vocês. Como não conversávamos quase nada naquela época,

Issac me ajudou. E foi assim que descobri outra conta em seu nome, além

de que uma grande quantia era depositada todo mês... Bom, no fim, Isaac

chegou até os livros. — Confesso sem jeito, sei que deve parecer um

pouco invasivo ter feito isso.

— Entendi. — diz, encarando-me. — Você me espionou! —

exclama, arregalando os olhos e abrindo a boca em formato de um “O”.

— Eu não...

— Claro que sim, Levi. — diz, sorrindo de mim. — Mas agora


acho que tenho coragem de contar a todos e principalmente, colocar meu

nome nos livros.

— Acho que está mais do que na hora, pra ser sincero. — Digo e

ela assente, encarando o celular novamente.

— Bom, Laura está vindo mesmo, então...

— Eu já estou indo, mulher. — Provoco divertido. — Mas antes

quero te entregar algo.

— Sim, o que? — pergunta e me encara.


Ok, tenha coragem!
 

Melissa
 
É tão natural ter Levi dentro de meu apartamento, aqui comigo,

que sequer estranho o silêncio que às vezes se faz entre nós. Mas foi bom

saber como ele descobriu sobre os livros, e poder falar abertamente sobre

isso, pois aos poucos, quero que todos saibam.

— Então, o que vai me entregar? — pergunto curiosa e Levi

parece que vai ter um colapso nervoso a qualquer momento.

O que ele está aprontando?

— Eu sempre deixei claro que não sou um homem romântico,


Melissa. Também queria deixar claro agora que não sou um homem bom

com palavras, não mesmo. — Ele diz, e suspira fundo, tirando algo do

bolso de sua calça.

Ele então me faz levantar e o encarar de pé. Levi parece incerto

sobre algo, e isso começa a me deixar preocupada.


— Eu não sabia como expressar o que sentia por você. Eu não

fazia ideia de como mostrar que cada parte de mim, ainda queria estar

próxima a você, mesmo que fossem poucos metros. Mas aí, eu encontrei

uma lista jogada no chão do escritório, onde consta o nome de vários

livros que você desejava. A maioria já estava riscada, o que entendi que

queria dizer que já tinha comprado. Então, mesmo sem entender, fui a

uma livraria e comprei todos. E tive momentos, que tudo que queria fazer

era falar com você sobre, pois teríamos algum assunto. No fim, decidi

que parte deles, eu poderia contar a você. — Ele então me mostra o


bilhete que escondia atrás de si, e me entrega cauteloso. — Foram mais

de trezentos bilhetes que deixei debaixo de sua porta, com medo,

indeciso, de que você não entendesse que era eu. — diz e abaixa a

cabeça, encarando seus pés. — Mas eu poderia enviar milhares, e essas

frases nunca serão o suficiente para demonstrar o quanto te amo, Melissa.

— Ele então me encara e lágrimas vêm aos meus olhos. — Esse bilhete,

eu não quero que seja o último, mas que seja o primeiro no qual tenha

certeza, que sou eu o homem que está enviando. Que as palavras aí

citadas, são as mais belas que gostaria de ter capacidade de ter escrito
realmente. E que os bilhetes, desde o início, eram para deixar claro que o

tempo poderia passar, mas eu não iria desistir de você. Por isso os

deixava aqui todos os dias.


Abro o envelope sob seu olhar, já com as mãos trêmulas e

lágrimas descendo por minha face.

"Eu me apaixonei por você, mas, acima de tudo, te conhecer me

fez perceber o que realmente significa amor." Querido John, Nicholas

Sparks.

— É uma frase simples, eu sei. Mas eu não teria outra para

exemplificar o que aconteceu comigo nos últimos tempos, ou melhor,

nesse último ano. Eu te perdi milhares de vezes, e cada parte mentirosa

minha daquela época, foi destruída. Pois depois que nos separamos, eu

pude realmente te conhecer, como deveria ter sido. Você pode me

conhecer de verdade. Eu descobri tantas coisas a respeito de você, a

respeito de mim... Descobri que por mais que nada faça sentido em

minha vida, estar próximo a você me traz sanidade, me traz paz. Eu

posso ter te amado antes, Melissa, mesmo com todos os meus erros, mas

como já tinha dito, era um sentimento egoísta, sem valor. Mas hoje, após

te conhecer, eu sei o que é amor, sei o que é viver isso. E eu quero poder

viver esse sentimento com você. — Ele diz, e eu fico perplexa, sem saber

o que dizer ou como agir.

Como ele tem a capacidade de achar que não é romântico?

— Eu quero te fazer um convite, a data e o horário estão no

bilhete, na realidade, é hoje à noite. — diz e eu sorrio em meio às


lágrimas, por conta de sua ansiedade.

Ele toca meu rosto de leve e as limpa, sorrindo de volta pra mim.

— Quero que hoje, tenhamos oficialmente nosso primeiro

encontro, mesmo que eu já te ame, eu quero te dar boas lembranças de

nós... De mim.  — Ele diz e respira fundo. — Eu sei que posso estar

sendo apressado, mas...

— Não. — Digo, tocando seu rosto. — É o momento certo, a

pessoa certa.

Ele então sorri e me beija, fazendo meu corpo tremer pelo seu

toque, sua proximidade.

— Obrigado, Melissa. — diz, claramente emocionado. — O que

eu queria realmente, era poder te pedir em casamento. — Arregalo os

olhos com sua confissão e ele sorri gostosamente. — Mas eu sei que

ainda é cedo pra isso, por mais que seja o que mais desejo. Portanto, eu

só quero que aceite ser a minha menina.

Sorrio de sua declaração e sinto vontade de esmurrá-lo, gritar que

esse é um dos momentos que nunca vou esquecer.

— Eu acho que sempre fui. — Confesso, encarando seus olhos

lindos olhos verdes. — Mas nada me faria mais feliz do que poder ouvir

você me chamar assim novamente, saber que se importa e que me ama.


— Confesso emocionada. — Se tem algo que aprendi nesses tempos, é

que amor não se explica, apenas se vive. E você é o meu grande amor.

Levi arregala os olhos, completamente surpreso. Como ele pode

não ter visto o amor que também existe em mim?

— Você é o príncipe que tanto esperei, o homem que sempre quis

para amar, e o homem que amo. Nada faz sentido novamente longe de

você. E eu sei, que aos poucos, a cada dia, cada segundo, eu vou estar

ainda mais feliz por ter você. — Digo, colocando meu coração em viva

voz, deixando tudo para trás, no seu devido lugar: no passado.

— Eu te amo tanto, minha menina. — Ele diz, segurando meu

rosto, com lágrimas, acredito que de felicidade, em seu rosto.

— Eu também te amo, mais do que um dia imaginei poder amar

alguém. — Confesso. — Pois por você eu me apaixonei novamente, sem


saber como, mas entendendo o porquê a cada dia que passamos juntos.

Porque de todas as coisas que você me mostrou, uma delas me

conquistou profundamente.

— O que? — ele pergunta num sussurro.

— Você se mostrou pra mim, foi honesto. E assim, ganhou meu

coração novamente.
Ele então sela nossos lábios, como uma promessa precisa ser

selada. Mesmo que não exista certeza alguma nesse mundo, há algo que

posso afirmar – eu fiz a escolha certa.


Capítulo 48

“Dizem que o fim está próximo

Todos estão tramando algo

Eu me peguei correndo para casa, para as suas palavras doces

Lá fora, eles estão se empurrando

Você está na cozinha, cantarolando

Tudo que você pediu de mim foi um doce nada”[65]

Melissa

 
 

— Você é realmente péssimo nisso. — Digo e ele me encara


claramente ofendido. — Não seja bobo, Levi.
—Ah, diz a senhora que sabe perder. — Zomba e joga os dados,
avançando sete casas.

Droga!

Nunca tive muita sorte em bancos imobiliários, e agora que

sempre ganho de Levi, ele conseguiu me ultrapassar.

— Espera um minuto aí. — Falo e leio onde ele parou, rindo alto.

— O que foi agora, Melissa? — pergunta já nervoso.

Esse jogo pode causar sérios problemas. E estamos assim, desde

as semanas que se passaram de sua declaração, sempre discutindo por

conta de um jogo, mas nunca parando de jogar.

— Você vai ter que voltar dez casas. — Digo levando o máximo

que posso meu queixo, demonstrando minha clara superioridade no jogo

e ele bufa, o fazendo.

— Eu já disse que simplesmente odeio esse jogo. — diz e revira

os olhos.

— Você sempre perde, Levi. — Constato o óbvio.

— Na realidade... Te deixo ganhar.  — Diz e pisca pra mim.

Encaro-o incrédula. Não, ele não...

— Levi Gutterman! — praticamente grito e ele apenas continua

com um sorriso cafajeste no rosto.


— Você não ousaria...

— Ah, minha menina. — diz e se aproxima de mim, passando por

cima do tabuleiro e encurralando-me contra o sofá que estou encostada.

Não consigo então pensar em jogo, ou tabuleiro, e muito menos

em casas... Sua respiração próxima a minha faz meu coração acelerar e

todos aqueles sentimentos retornam com força.

Eu amo esse homem, e não sei como estamos conseguindo, mas...

Simplesmente decidimos nos conhecer dessa vez aos poucos, com calma,
sem ultrapassar nada.

— Nada a dizer, senhorita Lourenzinni? — provoca e eu tento

empurrá-lo, mas é em vão.

Sem mais raciocinar, uno nossos lábios e Levi me beija com

fome, saudade... Não que estejamos longe por muito tempo, mas nossos

encontros escondidos de Laura têm que ter certos cuidados.

Ele me puxa pela cintura e logo estou embaixo dele, e seu toque

meigo logo se torna selvagem. Retiro sua camisa e assim que toco sua

pele, todo meu corpo parece tomar uma descarga de adrenalina. Sinto-me

perdida, ofegante, e querendo ainda mais dele. Aliás, tudo dele.

— Mel. — diz e afasta nossos lábios.


Seu olhar recai sobre o meu e eu entendo o porquê de ele ter

parado, de estar assim.

— Eu sei, mas...

— “Mas” nada, Melissa. — diz e praticamente pula de cima de

mim. — Eu te quero mais que tudo, mas dessa vez, quero da maneira

certa. Quero que quando estivermos juntos novamente, que seja pra

sempre.

Vou até ele, tocando de leve em seus cabelos e ele se vira, abrindo
um fraco sorriso.

De certa forma eu o entendo, é como se estivéssemos realmente

recomeçando. Somos pessoas diferentes agora, conhecendo um pouco do

outro a cada dia, a cada momento. O engraçado é que nunca imaginei

ouvir isso de Levi, que ele negaria sexo por ser simplesmente sexo. Ele

quer mais, assim como eu, mas ambos sabemos que não é hora, mesmo

que tudo que queira, é estar em seus braços

— Mas me conte, como vai o novo livro? — ele pergunta e se

senta no sofá.

— Bom, ainda estou no começo, não sei ao certo o que esperar


desse novo casal. — Digo, dando de ombros, sem esperar que ele

aprofunde o assunto.
— Por um acaso tem algum personagem com olhos verdes nesse
livro? — indaga e sorri de lado.

Convencido!

— Não seja tão pretensioso. — Digo, revirando os olhos. — Só

porque temos nos encontrado escondidos de nossa filha, não quer dizer

que vai fazer parte de algum dos meus romances.

Ele me encara, fingindo-se de ofendido e eu dou de ombros, ainda

deitada no tapete, apenas levantando minha cabeça o mínimo para vê-lo.

— Bom, talvez possa convencê-la em fazer algum personagem

inspirado em mim. — diz e se levanta, vindo até mim.

— Ah, é mesmo? — digo e finjo-me de desentendida.

— Digamos, que talvez possa recitar as frases do seu autor

favorito, e fazer você suspirar. — Levanta as sobrancelhas,

completamente convencido e eu lhe acerto um tapa.

— Babaca.

— Hum, ela usa palavras feias. — Zomba e me encara

pretensioso. — Vou usar algumas palavras bonitas então, para poder

corrigir isso.

— Vá em frente, senhor ego.


— “Não sei o que mais posso lhe dizer, a não ser que eu consigo

me imaginar passando o resto da minha vida ao seu lado. Sei que isso

parece uma coisa louca, mas nunca tive tanta certeza a respeito de

alguma coisa em minha vida. E, se você me der uma chance - se você nos

der uma chance -, vou viver o resto da minha vida provando a você que
tomei a decisão certa. Eu amo você. Não somente por ser quem você é,

mas pela maneira que você me faz pensar no que nós podemos ser.”[66]

Suspiro completamente sem jeito, sentindo lágrimas já se

formarem em meus olhos. Como é possível alguém conseguir me

desarmar de tal forma?

— Boa escolha? — pergunta e eu assinto, tocando de leve em seu

rosto.

— Vai decorar mesmo todas as frases bonitas dos livros? —

pergunto e ele meneia com a cabeça.

— Se isso te faz bem, menina, eu sou capaz de tudo. — diz e me

dá um leve selinho. — Aliás, acho que precisamos já marcar nosso

próximo encontro.

— Ah, mas quem disse que vou aceitar sair com você? —

pergunto e ele dá de ombros.


— Digamos que tenho uma leve impressão de que sua resposta

será sim. —  Diz e pisca.

— Ok, diga lá.

— Pensei em irmos à praia. — diz animado.

— E eu pensando que iria me arrastar para uma balada. —

Provoco e ele sorri desdenhoso.

— Ainda vamos em uma, mas quando realmente quisermos não

parar de dançar a noite toda. — diz e toca de leve em meu rosto. — Mas

como não faz muito nosso estilo, pensei em um bom domingo de sol, ao

lado da minha garota.

— Garota? — indago sorrindo e é a vez de ele revirar os olhos.

— Minha menina. — Corrige e sorrio satisfeita.

— Ok, então. Só temos que combinar em um dos dias em que

Laura esteja com meus pais ou com seu irmão. — Digo e ele assente.

— É difícil esconder algo dela, não é? — pergunta de repente e

fico sem entender. — Esses dias, ela me perguntou do porquê ando

sorrindo tanto e cantando pela casa. Fiz minha melhor cara de paisagem e

falei sobre qualquer outra coisa.

— Ela é uma garota esperta. — Comento sorrindo. — Mas sabe

que estamos fazendo o certo não a envolvendo nisso, não é?


— Eu sei, Mel. — diz e pega uma de minhas mãos, beijando de

leve o dorso. — Sei que ainda é um pouco cedo pra isso, e que não temos

certeza de nada. Na realidade, eu me casaria com você agora.

— Vegas, baby? — brinco e ele gargalha.

— Sim, minha menina. Mas o problema é que ainda temos muito

pra saber um do outro.

— O amor nem sempre é tudo. — Constato e ele abre um singelo

sorriso.

— Hoje eu sei que não.

Fico apenas encarando seu belo rosto, pensando em como tudo

entre nós vem acontecendo, em como tudo se transformou. Em poucos

encontros, a proximidade que tenho de Levi se tornou maior do que em

nossos dez anos de casados. As vezes paro e penso, sem conseguir olhar

pra trás e ver o mesmo homem. Eu me apaixonei por esse homem a


minha frente, que está satisfeito, apenas olhando para o teto do meu

apartamento, enquanto falamos sobre coisas simples do dia a dia. Isso me

faz ver, que tudo entre nós finalmente está do jeito certo.
Capítulo 49

“Quero usar suas iniciais em uma corrente no meu pescoço

Corrente no meu pescoço

Não porque ele seja meu dono

Mas porque ele realmente me conhece

O que é mais do que eles podem dizer”[67]

Levi

 
Mais papéis!

Bufo sozinho encarando mais uma pilha de contratos para rever.

Preciso urgentemente de uma assistente! Se não fosse Sophie – a

assistente e namorada de Daniel – eu já teria me perdido faz muito


tempo. Fico apenas adiando a contratação de uma nova, pois sempre me
esqueço ou simplesmente deixo de lado.

Qual o meu maldito problema?

Ouço batidas em minha porta e já levanto as mãos aos céus, com

certeza é Sophie com os papéis que lhe mandei mais cedo para revisar,

eles são de extrema importância no contrato que estou perdido.

— Entre.

Ajeito meus óculos e assusto-me ao ver um pequeno furacão vir

correndo da porta até mim.

— Ora, vejam só! — digo, enquanto Laura se joga pra cima de

mim e a coloco sentado em meu colo. — Animada para a nossa noite de


cinema? — pergunto e ela praticamente grita um “sim”.

— Ela estava impossível. — Melissa diz, vindo com a bolsa de

Laura consigo. — O certo era você ir buscá-la, mas hoje ela quis porque

quis ver o pai e o tio trabalhando.

Sorrio para Melissa, e observo seu lindo rosto, sentindo cada

parte de meu eu reagir ao leve sorriso que ela esboça. Sorrio de volta,

usando todo meu autocontrole para não me levantar e a beijar como

tenho vontade.
— E então? — viro-me para Laura. — Por que quis tanto vir

aqui?

— A professora pediu uma redação a respeito de trabalho. — diz,

me encarando com os olhos verdes iguais aos meus. — Já escrevi sobre

como o trabalho da mamãe é diferente, agora quero escrever sobre o seu,

do tio Dani e da tia Sophie.

— Interessante, em? — digo e ela assente. — Então vamos lá

falar com os seus tios.

Laura nem me dá tempo para dizer nada e já sai de cima de mim,

indo para fora do meu escritório.

— Ela está crescendo. — Melissa constata o óbvio.

Levanto-me da cadeira e resolvo esquecer um pouco o trabalho.

Vou devagar até Melissa e a puxo rapidamente pela cintura.

— Teve um bom dia? — pergunto e ela assente, olhando

rapidamente para fora. — Levi, Laura está...

Escutamos grito de Laura e apenas arqueio a sobrancelha para

Melissa, a qual revira os olhos.

— Apenas um beijo, minha menina. — Digo e ela nega

veemente. —Não nos vemos desde domingo.

— Mas vamos nos ver na sexta. — diz provocativa.


Antes que ela possa pensar, coloco-a atrás da porta e lhe dou um

beijo rápido.

Ao menos pensei que fosse rápido...

— Psiu. — Escuto uma voz feminina e Melissa praticamente pula

dos meus braços.

Olho para o lado e Sophie nos encara sorrindo e dá uma leve

piscadela.

— A mocinha está vindo aí. — diz e então eu volto para minha

mesa. — Trouxe os papéis que pediu.

— Obrigado, Sophie. — Digo e ela continua com um sorriso.

— Oi cunhada linda. — Melissa diz e noto seu rosto um pouco

avermelhado.

— Melhor arrumar esse rosto antes de Daniel entrar. — diz e

Melissa arregala os olhos. — Ele não percebeu nada ainda, mas... Tenho

certeza de que não querem que ele saiba ainda, não é?

— Sim. — Digo sem jeito e ela assente.

— Ele não vai saber por mim, tenham certeza. — diz, e respiro

fundo.

— Obrigado.

— Onde está a minha gatinha?


Daniel logo entra em minha sala e Melissa praticamente se joga
em seus braços, abraçando-o.

Realmente, ela não é boa em disfarçar nada.  Seguro o riso e

Sophie me encara, pelo jeito, fazendo o mesmo.

— Tudo isso é saudade? — Daniel indaga, e logo Laura entra

também em minha sala.

— Mini reunião? — pergunto, e todos me encaram.

— Então pequena, o que quer de nós? — Daniel pergunta, me

ignorando.

Laura começa a contar animada sobre a redação que tem que

fazer e logo Daniel começa a falar para ela a respeito de tudo na empresa.

Acrescento algumas coisas, enquanto eles estão sentados em meu sofá, e


Sophie sentada na cadeira a minha frente. Mas apenas deixo acontecer,

sei que para Daniel, me ter por perto não é algo bom, e por mais que sinta

falta de meu melhor amigo, nada nunca mais será como antes. Há coisas

que apenas não consigo trazer à tona. Não agora.

***

 
 

— Boa noite, minha princesa. — Beijo de leve a testa de Laura e

logo ela se vira, já caindo em sono profundo.

Saio de seu quarto com cuidado e já rumo para o meu. Engraçado

é ver Laura assim tão grande, já uma mocinha. Sempre me pego

pensando em quando ela era apenas um bebê, e como sinto falta disso.

Sinto falta acho que por não ter curtido tanto com Melissa esse momento,
por naquela época não ter dado meu máximo.

Hoje, um dos meus maiores sonhos é me tornar pai novamente,

mas isso ficará para o futuro, e que eu consiga que a mãe continue a ser

Melissa.

Entro em meu quarto e já vou para o banheiro. Cansado de mais

um dia exaustivo de trabalho, mas como tem sido nos últimos tempos,

feliz por ter mais um dia com a certeza de que tenho Melissa. Nada ainda

é definido entre nós, mas em cada momento em que meu olhar para no

seu, ou nas mensagens que trocamos, meu coração se faz calmo,

tranquilo. Melissa apenas traz o melhor de mim, mesmo que pareçamos

nada mais que dois adolescentes “namorando” escondidos.

Tomo um banho caprichado e logo volto para meu quarto,

enrolado com uma toalha na cintura. Ouço o toque do meu celular e o


pego na beira da cama, vendo ser mais uma mensagem de Melissa.

Estou ouvindo uma música.

Sorrio feito um bobo, e sento-me na cama, encarando o celular

feito um idiota. Então isso é amar e ser amado? Sentir-se flutuar a cada

momento?

Algumas de nossas músicas?

Penso que ela vai me mandar outra mensagem, mas de repente ela

liga.

— Pensei que estivesse ouvindo música? — pergunto.

— Bom, apenas queria saber se ela dormiu bem.

— Como um anjo. — Digo e ouço seu suspiro. — O que foi,

Mel? — pergunto sem entender seu jeito.

— É que eu nunca me senti tão ligada a você quanto agora, Levi.

Isso é tão estranho, não acha?

— Acho que finalmente encontramos o caminho certo nesse

amor. — Sou sincero. — Nunca pensei em amar alguém, como eu te amo

hoje.

Ela fica em silêncio e até penso que desligou, mas logo escuto

algo tocando no fundo.

— O que é isso? — pergunto.


— A música que me fez lembrar de você.

“Quando a gente gosta

É claro que a gente cuida

Fala que me ama

Só que é da boca pra fora

Ou você me engana

Ou não está madura

Onde está você agora?

Quando a gente gosta

É claro que a gente cuida

Fala que me ama

Só que é da boca pra fora

Ou você me engana

Ou não está madura

Onde está você agora?”[68]


 

— Queria você aqui, agora. — Digo, com a melodia ainda

abarcando meu ser.

— Eu também. — diz e ouço seu suspiro. — Estou ansiosa para

sexta.

— Eu também, minha menina.

Pouco tempo depois Melissa desligou, e eu fiquei perdido

olhando para o teto de meu quarto. Divaguei sobre várias coisas, dentre

elas, o momento certo para dar o próximo passo.

Será muito precipitado pedi-la para ser minha novamente?

Eu só sei que de alguma forma ou de outra, aquela lenda chinesa,


a qual Melissa me contou a respeito:

“Quando a pessoa é destinada a outra, ambas têm um laço

vermelho que as ligam, no dedo mindinho. O laço pode embaraçar,

emaranhar, mas ele nunca quebra. O laço não é visível a olho nu, mas

está lá desde o momento do nascimento. Quanto mais longo estiver o fio,

mas longe as pessoas estão e mais tristes estarão. Sequer a morte o

rompe, apenas o alarga para se encontrarem em outra vida”.[69]

 
Capítulo 50

“Estou rindo com o meu amor, construindo fortalezas debaixo dos lençóis

Confio nele como um irmão

Sim, você sabe que fiz uma coisa certa

Olhos estrelados iluminando minha noite mais escura”[70]

Melissa
 

— Mãe, não esqueça que...

— Eu sei, Mel. Laura está gripada, e eu vou cuidar muito bem

dela. — diz e ouço sua risada. — Ela ia passar o fim de semana comigo
de todo jeito, não sei por que está se culpando.

Respiro fundo e mudo meu olhar de direção. Vejo então Levi

parado, conversando algo com a moça do quiosque.


— É que as vezes sinto que estou agindo pelas costas de Laura.
— Sou sincera.

— Vocês estão protegendo-a de certa forma, fique tranquila

quanto a isso.

— Mas...

— “Mas” nada, Melissa. Vá se divertir e depois conversamos.

Laura já está dormindo após tomar uma sopa. Me mande mensagem


qualquer coisa.

— Ok, mãe. Eu te amo.

— Também te amo, filha. Beijos.

Desfaço nossa ligação e encaro novamente Levi, o qual parece

indeciso olhando algo sobre o balcão. Desvio o olhar para frente e

encontro o mar, em um belo dia quente do Rio.

Coloco meus pés contra a areia e a sensação da areia quente me

faz suspirar. Faz muito tempo em que não venho a praia, e estar aqui com
Levi, tem sido uma experiência bem diferente.

Ajeito minha saída de praia e volto meu olhar para onde Levi está

parado. Estranho ao ver uma mulher parar ao seu lado, mas continuo

apenas assistindo a cena, sentindo algo dentro de mim se contorcer.

Por que ele não está usando uma camisa? Merda!


Pisco algumas vezes incrédula, vendo-o se afastar da mulher e

abrindo um fraco sorriso. Ele então olha para frente e finalmente pega

dois cocos que alguém deixou sobre o balcão do quiosque.

Ele vem a passos largos até mim e tento controlar o fôlego ao

assisti-lo. Eu entendo por completo o porquê daquela mulher ir até ele,

aliás, ela era linda. Um homem alto, de corpo definido, olhos verdes,

cabelos negros... Levi é a personificação de muitos sonhos femininos.

Sei bem disso porque leio muito sobre homens como ele nos
livros de romance. Não culpo a mulher por tentar, mas algo dentro de

mim realmente se remexeu ao ver a cena.

Lembro bem que isso aconteceu antes. Há o que? Um ano atrás?

Eu sequer liguei, eu simplesmente vi e apaguei a cena da memória. Mas

hoje? Hoje foi completamente diferente.

— Demorei? — ele pergunta e me entrega o coco, olhando-me

com um leve sorriso no rosto.

— Uhum. — Respondo, sem saber expressar ao certo como me

sinto.

— Tudo bem, Mel? — pergunta e me encara um pouco perdido.

Minha vontade é de fazê-lo colocar uma camisa e dar uns bons


tapas nesse rostinho bonito, mas simplesmente fico em silêncio, deixando
os ciúmes me corroerem.

— Você viu aquela mulher chegar em mim, não foi? — ele


pergunta, como se lesse meus pensamentos.

— Eu não, quer dizer...

— Olha, me desculpe por isso. — diz e se senta na cadeira ao

meu lado. — Eu apenas a dispensei, Mel. Eu juro que...

— Mas por que você não está usando uma camisa? — pergunto,

já perdendo o foco de tudo olhando para o seu peitoral exposto.

Será que conhecer alguém é assim?

Uma montanha russa de sentimentos doidos que te faz querer

atacar a pessoa alheia a qualquer instante e em outro momento querer

esganá-la?

— O que? Mas eu pensei que...

— Não estou desconfiando de você. — Digo, já cortando

qualquer pensamento que ele tenha. — Eu só...

— Está com ciúmes? — pergunta e vejo um sorriso cafajeste

despontar em seus lábios.

— Nem pense. — Digo nervosa, já vendo que ele está

maquinando algo em sua mente.

Quem diria? Levi Gutterman, um belo palhaço.


— Há dois guarda-sóis daqui, tem um grupo de caras que
simplesmente não param de olhar pra cá. — diz e o encaro sem entender.

— Tudo que eles estão esperando é que você levante e tire sua saída de

praia. — Arregalo os olhos. — Pois é, e eu estou me segurando para não

ir até eles e quebrar a cara de cada um.

— Você não ousaria. — Digo e ele fica sério.

— Que eles não me testem.

Fico então pensando sobre o que ele diz, e resolvo eu mesma

colocá-lo em teste. Nunca imaginei Levi sentindo ciúmes de mim e muito

menos eu sentindo algo assim por ele, não depois de tudo. Mas agora, só

quero deixar as coisas mais leves... Ou quem sabe, algo mais

interessante.

Não sei o que está acontecendo comigo, se é o sol do Rio ou o

modo como Levi me olha, sério, mas pela primeira vez, vou pagar pra

ver.

— Talvez eu te teste. — Digo, e me levanto.

— Melissa. — diz sério. — Você não...

Nem escuto o resto de sua fala, apenas tiro minha saída de praia,

ficando apenas com um maiô branco com duas fendas nas laterais do

quadril e que se entrelaça em meus seios.


Vou em direção ao mar, sem olhá-lo, mas assim que meus pés

sentem a água fria, sinto mãos fortes rodearem minha cintura.

— Estou pagando meus pecados hoje. — diz e noto seu

semblante sério. — Quem é você e o que fez com Melissa?

Arqueio a sobrancelha e solto-me de suas mãos.

— Talvez essa seja uma parte minha que você ainda não conhece.

— Digo e pisco pra ele.

— E que parte seria? — pergunta e se aproxima, mas noto seu

olhar mudar.

Ele me olha completamente diferente agora. Desejo puro

estampado em sua íris verde.

— A parte que te desestabiliza. — Digo provocativa, mas logo

me calo, vendo-o vir até mim e me puxar pra perto de seu corpo.

— Você me desestabiliza só por respirar, Melissa. — diz e noto

sua voz mais rouca.

O que aconteceu com o dia tranquilo na praia?

Seus lábios se aproximam dos meus e sinto minha respiração


mudar, estou ofegante e sequer me preocupando com as pessoas ao nosso

redor. Aliás, nada mais importa.

— Mas que merda está acontecendo aqui?


Praticamente dou um pulo de susto e Levi pisca algumas vezes,

olhando em direção à voz. Daniel nos olha de cima embaixo, parecendo

incrédulo e vejo raiva estampada em sua face.

— Mas o que estão fazendo? — pergunta e olha de mim para

Levi, o qual permanece com um braço em volta de minha cintura.

— Dani, calma. — Peço e meu irmão sequer me olha.

— Droga! — Sophie diz assim que se aproxima e olha de nós

para Daniel. — Dani, é melhor...

— Não se meta, Sophie. — A corta e é minha vez de ficar

transtornada.

— Por que está tratando-a assim? — pergunto sem conseguir me

conter.

— Por quê? — ele praticamente grita.

— Chega! — Levi diz de repente e noto sua voz tensa, mas ao

mesmo tempo firme. — Elas não têm nada a ver, o seu problema é

comigo, Daniel.

— Vamos conversar. — Daniel diz e olha para Levi com raiva

pura. — Agora!

— Agora nada! — digo nervosa. — Primeiro de tudo, eu não

devo satisfações a você, Daniel, muito menos Levi. Mas nós dois vamos
falar com você a respeito do que aconteceu, porque nós te amamos e

queremos resolver essa situação. — Meu irmão me encara incrédulo. —

Mas hoje não é um dia pra isso. Você vai agora atrás de Sophie e pedir

desculpas por ter sido um babaca, além de curtir o seu dia na praia com a
sua morena. E eu vou curtir o meu dia, ok?

Daniel então parece finalmente despertar de sua raiva e olha para

os lados, e como não encontra Sophie, apenas me olha por um instante e

logo pega o celular, se afastando de nós.

— Sabe que preciso falar com ele sozinho, não é? — Levi

pergunta de repente e eu o encaro.

— Sei, mas aqui não é local certo e muito menos o momento. —

Digo e ele assente.

— Sophie deve estar magoada com ele. — Levi diz inocente e eu

me seguro para não rir. — O que foi?

— Sophie não é do tipo que se magoa, ela é do tipo que faz o

diabo em cima daqueles que a deixam com raiva.

— Então ela vai acabar com Daniel. — Ele constata e eu sorrio.

— Sim, definitivamente. Ela vai.

— Mas onde nós estávamos, senhorita Lourenzinni? — ele

provoca e abre um sorriso convencido.


— Na melhor parte de todas.

— E qual seria? — pergunta e nos leva mais para o fundo da

água.

— O beijo do casal.

— Isso vai virar a cena de um livro seu? — pergunta e eu nego

veemente, mesmo sabendo que não passa de uma grande mentira. —

Ainda vou convencê-la de me colocar em um livro seu.

— Promessas, senhor Gutterman. — Zombo, usando uma das

frases que sempre acabo lendo.

— Realidade, minha menina. — diz e toca meus cabelos, unindo

ainda mais nossos corpos.

Sem aguentar mais o beijo, com toda vontade que venho tendo

desde o último domingo que passamos juntos. Nossos encontros

esporádicos já não são o suficiente para aplacar a saudade que sinto desse

homem. De certa forma, a cada encontro, cada ligação, cada dia mais,

nós nos tornamos mais próximos... E eu sei, que ele é o cara certo dessa

vez.
Capítulo 51

“Eu não quero olhar para mais nada agora que te vi

(Eu não consigo mais desviar o olhar)

Eu não quero pensar em mais nada agora que pensei em você

(As coisas nunca mais serão as mesmas)

Eu tenho dormido há tanto tempo numa noite escura de vinte anos

(Agora, estou totalmente acordada)”[71]

Melissa
 

Levi dirige em silêncio, acho que pelo cansaço que ambos

sentimos, nenhuma palavra foi trocada durante a nossa volta da praia. Ele
entra na garagem de nossa antiga casa, e eu não consigo evitar soltar um

suspiro.
Meus melhores dias nesse lugar foram quando perdi minha
memória, mas desde que começamos as nos encontrar, tem sido um dos

locais que gostamos de ver filmes, já que de certa forma, é uma parte de

Levi. E eu quero conhecer tudo nele.

— Vamos? — ele pergunta e só assim percebo que fiquei parada


ao lado do carro.

Vou atrás dele e logo o ambiente que me acostumei tanto a


chamar de meu aparece, do mesmo modo de antes.

— Não sente nem um pouco de falta de morar aqui, não é? — ele

pergunta de repente e noto um leve sorriso em sua face.

— Bom, é difícil dizer. — Digo e olho ao redor. — Acho que vou


tomar um banho antes, tudo bem?

— Claro, tem toalhas limpas no banheiro do corredor.

Ele vai em direção a cozinha e eu subo as escadas. Logo entro no

banheiro e deposito minha bolsa de praia na bancada. Pego a lingerie


limpa e um vestido branco que separei, pois sabia que nosso dia não

terminaria na praia.

Sorrio sozinha, olhando meu reflexo e vendo o quanto nosso dia

foi perfeito.

— Ah, Levi. — Solto um suspiro.


Tiro minha roupa e abro a ducha, deixando uma água morna cair.

Entro debaixo dela e começo a repassar vários momentos nossos. Não

que Levi seja perfeito, tenho certeza de que não, e isso muda tudo, mas

de todos nossos momentos, eu não consigo parar de suspirar, imaginar

nossa vida juntos... Poderia mentir e dizer que não, mas ter esse momento

como um “namoro” com ele é simplesmente fantástico.

Mesmo que nada entre nós esteja rotulado, eu simplesmente gosto


de como soa tudo que estamos fazendo. Gosto do modo como o pego me

olhando quando acha que não estou vendo. Gosto do modo como nossas

mãos entrelaçadas combinam tanto. Gosto do contraste de nossas peles.

Gosto das várias vezes em que ele cita uma de minhas frases favoritas só

para me ver sorrir. Gosto do carinho com que me toca, do sabor dos seus

beijos. Gosto de seus braços em mim, de como o amor que ele diz sentir

é tão real agora. Gosto de como ele fala abertamente de seus pais, e do

fato de enfrentar tudo fazendo a terapia. Gosto de como dizer que amá-lo

é tão fácil e tão certo.

Termino meu banho e rapidamente me arrumo, estranhando um

pouco o cheiro de meus cabelos já que os shampoo e condicionador nesse


banheiro são masculinos. Levi realmente não pensa nas visitas. Sorrio

desse pensamento.
Arrumo-me rapidamente, deixando meus cachos curtos um pouco

bagunçados, mas gosto de como parecem selvagens dessa forma. Passa


uma loção hidratante, já que passamos a manhã e boa parte da tarde na

praia, e minha pele com certeza precisa de cuidados.

Assim que termino, saio do banheiro e um cheiro bom já me

atinge. Desço as escadas quase de olhos fechados, tentando identificar o


cheiro, e tenho certeza de que é algum tipo de massa.

Meus pés tocam o primeiro piso e então arregalo os olhos, vendo

uma trilha de pétalas que segue em direção à sala de jantar. Sigo-as e

estaco assim que encontro a mesa posta de um jeito magnifico, como se

estivesse em um restaurante fino.

— Melissa. — Ouço a voz de Levi e me viro, vendo-o parado

contra uma das colunas, vestido com uma simples calça de moletom e

uma camisa branca fina.

— O que é isso? — pergunto surpresa.

Ele está completamente despojado enquanto a nossa frente tem

uma mesa fina.

— Uma surpresa. — diz e abre um singelo sorriso. — Queria


fazer uma noite especial.
Vou até ele, e então logo ele me puxa pra perto, deixando minha
cabeça encostada em seu peito.

— Obrigada. — Digo, sentindo seu cheiro característico e sinto

sua mão em meu queixo, tocando-o de leve, fazendo-me olhá-lo.

— Mas antes de comermos, preciso te pedir algo. — diz e segura

minha mão, levando-nos até a sala.

Vejo um violão encostado ao lado do sofá e Levi me deixa

sentada na poltrona, enquanto se ajeita no sofá maior, pegando o violão.

Encaro-o sem entender e ele abre um sorriso, mas noto um leve rubor em

seu rosto.

Ele começa a dedilhar algo no violão e apenas o encaro, já com os

olhos cheios de lágrimas. O que ele está fazendo? 

“Às vezes no silêncio da noite

Eu fico imaginando nós dois

Eu fico ali sonhando acordado

Juntando o antes, o agora e o depois

Por que você me deixa tão solto?

Por que você não cola em mim?


Tô me sentindo muito sozinho

Seu olhar verde encontra o meu e apenas consigo sorrir, vendo-o

cantar perfeitamente a música que me persegue há dias.

Não sou nem quero ser o seu dono

É que um carinho às vezes cai bem

Eu tenho os meus desejos e planos secretos

Só abro pra você mais ninguém

Por que você me esquece e some?

E se eu me interessar por alguém?

E se ela, de repente, me ganha?

Quando a gente gosta

É claro que a gente cuida

Fala que me ama

Só que é da boca pra fora

 
Ou você me engana

Ou não está madura

Onde está você agora?

Quando a gente gosta

É claro que a gente cuida

Fala que me ama

Só que é da boca pra fora

Ou você me engana

Ou não está madura

Onde está você agora?”[72]

Ele então para e apenas consigo colocar as mãos sobre meus

olhos, limpando rapidamente algumas lágrimas. Como chegamos nisso?

— Daniel me ensinou um pouco de violão quando éramos mais

novos. — Esclarece. — Mas... Mel, eu sei que talvez seja cedo, e como

sabemos amor não é tudo em um relacionamento. Há muito mais em

fidelidade, respeito, confiança... — diz e deixa o violão de lado, vindo até


mim. — Eu nunca fiz um pedido como esse, e quando te pedi em

casamento, fiz totalmente errado. Eu não pensei, simplesmente agi

pensando no que era certo. Hoje, além de ser o certo em minha mente, é

o certo em meu coração.

Ele então se ajoelha a minha frente, tirando uma caixinha do seu

bolso.

— Melissa Lourenzinni, aceita namorar comigo? — pergunta e

fico completamente estática.

Ele abre a caixinha e vejo uma delicada aliança prata.

— Deus, Levi. — Exclamo incrédula, e ele continua apenas me

olhando, com lágrimas nos olhos verdes. — Claro que sim.

— Graças a Deus! — diz e se levanta no mesmo instante,

pegando-me no colo.

Ele gira comigo na sala e nos beijamos, selando esse nosso

momento.

— E então? — pergunto, assim que ele me coloca no chão

novamente. — Deixe-me ver essa aliança direito.

Ele então me entrega, e a coloco em meu dedo anelar direito.

— É tão...

— Linda. — diz e noto seus olhos sobre mim.


Encaro então suas mãos e encontro uma aliança grossa em seu

dedo anelar direito.

— E agora? — pergunto e ele sorri. — Digo, sobre nossa filha.

— Bom, senhorita Lourenzinni. — diz e enlaça minha cintura,

levando-me até a sala. — Talvez nossas alianças de namoro tenham que

ficar escondidas por um tempo ou...

Ele então vai até a bancada da cozinha e volta com um fino colar

de prata.

— Ou podemos usá-las de um modo um pouco diferente. — diz e

retira minha aliança, passando ela no colar e assim, colocando-a em meu

pescoço.

Toco de leve a bela aliança e sorrio pra ele.

— Acha que ela não vai desconfiar? — pergunto e ele suspira.

— Laura é esperta, e por isso, teremos que ter cuidado em usar.

— diz e eu assinto.

— Temos que falar com ela, Levi. — Digo, e ele me olha

surpreso. — Não agora, mas em breve.

— Eu sei, minha menina. — diz e toca de leve em meu rosto. —

Apenas estamos dando um passo de cada vez, após tudo, não é?

— Sim, senhor. Um passo de cada vez.


Epílogo

Anos depois...

"Histórias são únicas, assim como as pessoas que as contam, e as

melhores histórias são aquelas cujo final é uma surpresa." - A escolha,


Nicholas Sparks.

O sol adentrava as janelas, queimando de leve a pele negra da


mulher que permanecia em seu sono. Diante dessa cena, dessa mulher,

com o corpo brilhando pelos raios solares, um homem, mantinha um

sorriso simples no rosto, com os olhos verdes brilhando, enquanto


admirava mais um dia... Mais um dia ao lado dela.

Depois de muito tempo e após seus erros, Levi percebeu que a

vida está nas pequenas coisas, nos simples momentos. Assim, ele sempre
fazia isso, acordava antes dela, e ficava ali, sentado em uma poltrona,
observando a mulher que transformou sua vida, contemplando seu corpo
relaxado enquanto suspirava em algum sonho.

Após alguns minutos parado ali, ele se levantou e foi até ela,

beijando de leve sua testa. Afastou-se indo até o banheiro, onde tomou

um banho rápido e colocou apenas uma calça de moletom, para passar o


domingo em casa com os filhos.

Assim que saiu do quarto, escutou barulhos vindos do andar


debaixo da casa, e já desceu mais rápido, imaginado os gêmeos

destruindo algo na cozinha. Levi sorriu, ao encontrar Lorena jogada no

sofá, enquanto Tuan mexia em algo nas panelas. Era engraçado ver o

quanto companheiro os dois eram, nos momentos em que não faziam da


casa um ringue de luta.

— Bom dia, filho. — disse ao se aproximar do filho e pegar uma


garrafa d’água na geladeira.

— E aí, pai? Mamãe ainda está dormindo?

— Sim. — Levi respondeu, e se sentou em frente ao grande

balcão no meio da cozinha. — Por que você e Lorena estão tranquilos

hoje? — indagou divertido.

— Ela está de tpm, e não ouso sequer dizer nada pra contrariá-la.
Levi gargalhou, pois sentia sempre aquilo na pele. Os dois até

pouco tempo repartiam o mesmo teto com mais três mulheres, e sim, elas

comandavam tudo nesses dias. E tudo o que eles podiam fazer era tentar

amenizar a dor delas.

— Laura ligou, disse que está chegando. — Tuan disse, voltando

os olhos verdes para as panelas, onde pelo jeito ele fazia panquecas e

algo mais.

Levi apenas observou tudo ao seu redor, sorrindo, vendo como o


tempo passou. Voltou ao momento em que descobriram sobre a gravidez

de Melissa, há 16 anos, onde apenas tinham a certeza de que se amavam

e enfrentariam o mundo juntos. A notícia veio pra somar mais felicidade

á aquele momento, no qual contaram a Laura que voltariam a ser uma

família e ademais, a família cresceria.

A surpresa com o tempo, de que seriam gêmeos, e dos sexos

deles, deixou tanto Levi quanto Melissa desnorteados. A princípio, eles

gritaram de felicidade, depois choraram pelo mesmo motivo, e após isso,

fizeram amor até suas forças se esgotarem. Se um dia foram infelizes,


eles nunca mais souberam, pois o passado ficou pra trás, bem pra trás.

— Vovô!
Levi despertou de seus pensamentos, ao ouvir o gritinho de mais

uma das mulheres de sua vida, que o deixava completamente bobo.

— Eu nem vi você chegar, pequena. — disse, ao pegar a pequena

Luz no colo, a qual tinha os olhos da mãe, ou seja, os seus olhos também.

— Ela praticamente me obrigou a trazê-la. — Laura disse, vindo

até eles, sorrindo para o pai, e vendo o brilho de felicidade em seu olhar.

Se tem algo que ela sempre seria grata, era pelo caminho que seus

pais a ensinaram a trilhar, mesmo nos piores momentos, e o quanto o


amor pode ser maior, maior que tudo.

— Então quer dizer que Caleb vai querer socar minha cara no

próximo treinamento? — Levi perguntou e Tuan gargalhou, sabendo que

isso aconteceria.

— Bom, essa pequena passou o sábado na casa dele, talvez não

seja tão ruim assim. — Laura disse da boca pra fora, ela sabia o quanto

os dois avós de sua filha eram ciumentos e possessivos. E ao mesmo

tempo, sabia do grande amor que Luz recebia das duas famílias.

— Onde mamãe está? — Lorena entrou na cozinha, com os

cabelos pra lá de revoltados e Laura foi a primeira a gargalhar. — Nem


vem, mana. Eu tô de tpm, me deixa.
— Você sempre é insuportável, tampinha. — Tuan se intrometeu
e a gêmea bufou, já dando meia volta.

— Tia Lore! — a pequena Luz chamou e ela parou no caminho.

— Só essa pequena pra me fazer enfrentar vocês. — Lorena foi

até ela, pegando Luz do colo de Levi, e indo com ela pra sala.

Levi assistiu a cena divertido, enquanto Tuan colocava panquecas

nos pratos.

— Lorena é a pior de todas vocês na tpm. — Levi disse e logo

uma risadinha baixa tomou conta da cozinha.

— Querido, pior que nós três juntas são vocês dois com resfriado.

— Melissa disse, encarando as pessoas mais importantes de sua vida, e

abraçando Laura, enquanto os homens bufaram. — Onde está Felipe? —


perguntou e a filha deu de ombros, revirando os olhos.

— Foi se matar de correr por algum lugar. — disse divertida. —

Não sei como ele aguenta isso.

— Ele é um Soares, mana. — Tuan interveio. — Eles são

estranhos.

— Como se você não gostasse de nenhuma Soares em

particular.... — Laura provocou e Tuan jogou a toalha nela, a qual pegou

algumas balas que estavam no armário atrás dela e acertou nele.


Em meio a essa bagunça, Melissa deu passos certos até o homem

que amava, o qual tinha fios grisalhos já nos cabelos e infelizmente, lhe

davam um ar ainda mais sexy. Ele afastou um pouco a banqueta de perto

do balcão, num convite claro pra ela, a qual não negou, sentando-se em

seu colo.

— Bom dia, amor. — ela disse baixinho, e ele lhe deu um leve

selinho.

— Bom dia, minha menina.

Melissa ficava encantada todos os dias, sem sentir

arrependimento algum, ao ver onde a vida os levou. Ao redor, ela podia

ouvir e ver os filhos brincando, as risadas de sua neta na sala e tudo fazia

ainda mais sentido. Sem arrependimentos por sua escolha, por ter dado

uma oportunidade ao amor que abarcava seu ser, e que felizmente,

quando sentiu novamente, foi verdadeiro e o mais importante, ainda é.

O amor nunca foi um sentimento fácil de entender, e muito menos

de se viver. Houve um tempo em que ela questionou a si mesma, se

realmente valia a pena alguém doar tudo de si em nome desse

sentimento, sem saber o que vem em troca ou muito menos se há algum

retorno.
O que ela, muito menos Levi sabia nessa época, é que o

verdadeiro amor é baseado em cumplicidade, confiança e principalmente,

paciência. O amor não tem pressa e muito menos é usado contra nós, ele

apenas surge, existe, está ao nosso lado a cada dia.

E é assim, com essa ideologia, que seguiram em frente. Pois esse

amor, o que conheceram e sentiram, depois de tantas dificuldades,

mostrou que amar é muito além de estar por perto e dizer palavras

bonitas, amar é mostrar-se presente em todos os momentos e assim, ser

parte de um só coração.

FIM
Nota Importante II
 

Ufa!

Esse livro traz uma carga emocional grande com ele, não é? E

ainda, termina com várias questões. De se um dia as pessoas que Levi e


Melissa tanto amam vão descobrir a verdade. De que se as pessoas que

Levi tanto quis proteger irão saber o que ele fez ou não. O que posso
adiantar a vocês é que sim, e que isso será escrito no livro de Rafael, o

sobrinho de Levi. Espero que queiram saber um cadinho mais, num


futuro, sobre eles.

Como Melissa diz várias vezes: um passo de cada vez. E vai levar

o tempo, para que o universo dos personagens que tanto imagino serem
reais, também acabe por ter esse momento. Então, fiquem ligadinhas que

teremos um desenrolar, e talvez, um olhar diferente de todos sobre o que


aconteceu.
Agradecimentos
 

Esse livro tem um grande significado para mim, principalmente

por ser uma pessoa que geralmente não termina algo que começa, e este
livro foi o primeiro que concluí, sendo um marco de minha realização

pessoal. Vê-lo agora em sua mais nova forma, baseado na mesma trama
original, só que ainda mais elaborado, faz-me sentir orgulhosa de cada

linha escrita.

Quero começar agradecendo a Deus por todas as bênçãos que


têm me proporcionado, pela força no dia a dia, por ter como sempre me

auxiliado nos momentos que pensei em desistir, e me impulsionado nos

momentos de grande vontade. Agradeço a minha família, por desde o


primeiro momento em que citei este livro, terem me apoiado

completamente. Ao meu namorado, a primeira pessoa a saber que


concluí essa obra, por ter toda paciência e me dar todo o apoio. A

Manuele Cruz, que foi mais que uma grande amiga desde que leu pela

primeira vez este romance, por ser sincera, argumentativa, verdadeira...


Por ter me ajudado com todas as dúvidas e imensas mudanças, sem

sequer pensar duas vezes. A Aline Lima, por sempre ouvir tudo que tenho

a dizer, e não importa o horário, estar me ajudando.


E como sempre, para as pessoas as quais não conheço realmente,
mas que estarão para sempre em meu coração: meus leitores. Desde o

primeiro voto até o último capítulo da trama, vocês foram excepcionais.

Não tenho palavras para descrever o quão grata sou por todo suporte

que dão. Sem vocês, nada disso estaria acontecendo.

E nada realmente estaria acontecendo. Esse agradecimento acima,

foi escrito em 2016. Quem diria que sete anos depois, eu estaria aqui,

trazendo uma versão final desse livro? E mais, agradecendo POR

TANTO e POR TUDO que a literatura me proporcionou durante esse

tempo todo. Levi e Melissa foram apenas o começo da minha carreira, e é


algo assustador, assim como, enriquecedor, ver que ainda estou aqui.

Obrigada por me proporcionarem estar aqui. A cada leitura. A cada

mensagem de carinho. A cada comentário. A cada avalição.

Sou eternamente grata por embarcarem comigo em cada nova


jornada.

Com amor (e toda gratidão do universo),

Aline
Série Corações Partidos

 
Aí você vem e me pergunta, e os casais que você citou durante o

livro, onde estão? Bom, e eu te respondo: estão todos já disponíveis aqui


na amazon e têm suas ligações (com exceção da nossa Lili, mas caso a

queiram, não hesitem em pedir). Muita coisa foi modificada em razão de

Melissa e Levi, que tiveram a história com maior mudança de fato, mas
vou deixar os links e sinopses abaixo de cada um deles.

A história de Daniel e Sophie


 

Sinopse

Sophie Moraes é uma mulher com objetivo claro: dar uma vida melhor para a mãe. E isso

inclui ter que aturar um chefe que mal lhe diz obrigado, e que de repente, surge com uma proposta
de relacionamento falso.
Daniel Lourenzinni é um homem conhecido pela frieza e poucas palavras, e sabe que o

melhor caminho para fugir de qualquer sentimento, é demonstrar o oposto. Contudo, não sabe
como agir com sua mais nova assistente.

Ela, acaba aceitando uma proposta de namoro falso com o chefe que claramente a detesta.

Ele, não sabe mais o que fazer para tirar os olhos sinceros da assistente de sua mente.

Tudo o que não esperava, acontece: ela acaba apaixonada pelo homem que só quer usá-la.

Leia aqui
 

A história de Ricardo e Carla


 

Sinopse

Carla encontrou o amor com apenas quatorze anos em Ricardo, o seu vizinho apenas um

ano mais velho. Tudo o que ela não esperava, era que um dia, o garoto que correspondeu o
sentimento, se tornaria o homem que mais a magoaria.

Ela, encontrou o marido na cama com a amiga.

Ele, perdeu a mulher que amava sem saber o que houve naquela noite.

Ela, se tornou mãe à primeira vista quando conheceu o bebê inocente que veio daquela

traição.

Será a mágoa maior do que a verdade e um recomeço?

Leia aqui
A história de Lola e Pedro
 

Sinopse

Lola Gerard é uma mulher que lutou para fugir do estereótipo de perfeição da família, e

se esconde absolutamente de todos.

Pedro Soares é um homem de sorriso fácil e sorriso cafajeste, que levanta suspiros pro

onde passa.

Ela, depois de tanto desacreditar, acaba se entregando a ele.

Ele, chama o nome de outra mulher enquanto dorme ao seu lado.

Tudo o que tentou tanto evitar, acontece: ela acaba machucada pelo homem que não
deveria amar.

Leia aqui
 

A história de Marta e Gustavo


 

Sinopse

“Apenas uma noite e nada mais”

Marta Sousa não queria se envolver. Na verdade, tinha para si que não deveria se
envolver com ele. Mesmo que todo seu corpo gritasse para se aproximar, racionalmente, ela tinha

a certeza de que os olhos quase gelo de Gustavo Di Lucca não poderiam estar presentes nas suas

tórridas noites e, muito menos, no amanhecer do dia seguinte.

Quando o destino continua interferindo e eles sempre acabam a frente um do outro, a

proposta de “Apenas uma noite e nada mais” não parece uma ideia tão terrível assim.

Até que ela descobre que está grávida dele, e o CEO de olhos de gelo está de

casamento marcado com outra.

Leia aqui
Redes Sociais

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Meus outros livros: aqui


 

[1]
Would've, Could've, Should've – Taylor Swift

[2]
Enough For You – Olivia Rodrigo

[3]
Babe – Taylor Swift

[4]
my tears ricochet – Taylor Swift

[5]
Eduardo e Mônica – Legião Urbana

[6]
illicit affairs – Taylor Swift

[7]
illicit affairs – Taylor Swift

[8]
Candy: Doce

[9]
Better Man – Taylor Swift

[10]
Who knew – P!nk

[11]
Dear Reader – Taylor Swift

[12]
mirrorball – Taylor Swift

[13]
right where you left me – Taylor Swift

[14]
exile – Taylor Swift feat Bon Iver

[15]
happiness – Taylor Swift

[16]
happiness – Taylor Swift

[17]
Time After Time – Cindy Lauper

[18]
happiness – Taylor Swift

[19]
evermore – Taylor Swift

[20]
my tears ricochet – Taylor Swift
[21]
closure – Taylor Swift

[22]
Would've, Could've, Should've – Taylor Swift

[23]
exile – Taylor Swift feat Bon Iver

[24]
cardigan – Taylor Swift

[25]
Uma carta de amor é uma obra publicada em 1998, da autoria do romancista Nicholas

Sparks.

[26]
Nicholas Sparks: romancista mundialmente famoso, conhecido por obras como Um
amor para recordar, Diário de uma paixão, Querido John, entre outras.

[27]
Maroon – Taylor Swift

[28]
right where you left me – Taylor Swift

[29]
The reason – Hoobastank

[30]
Cruel Summer – Taylor Swift

[31]
Anti-Hero – Taylor Swift

[32]
Hitts Different – Taylor Swift

[33]
exile – Taylor Swift feat. Bon Iver

[34]
The Great War – Taylor Swift

[35]
Dear Reader – Taylor Swift

[36]
august – Taylor Swift

[37]
Clean – Taylor Swift

[38]
evermore – Taylor Swift

[39]
The Great War – Taylor Swift

[40]
Far Away – Nickelback
[41]
Far Away – Nickelback

[42]
Far Away – Nickelback

[43]
Cruel Summer – Taylor Swift

[44]
Hitts Different – Taylor Swift

[45]
You're On Your Own, Kid - Taylor Swift

[46]
Lullaby For a Soldier (Arms Of The Angels) – Maggie Stiff

[47]
Ainda é Cedo – Legião Urbana

[48]
Treacherous – Taylor Swift

[49]
Wish you were here – Pink Floyd

[50]
Meg Cabot é uma escritora mundialmente famosa por ser autora de mais de 70 livros,

dentre os quais seu maior bestseller é a série de onze volumes O Diário da Princesa.

[51]
The Best Day – Taylor Swift

[52]
Labyrinth – Taylor Swift

[53]
Enchanted – Taylor Swift

[54]
Labyrinth – Taylor Swift

[55]
Passagem do livro Querido John, escrito por Nicholas Sparks.

[56]
Querido John é um livro que foi publicado em 30 de outubro de 2006 pelo escritor

Nicholas Sparks;

[57]
Daylight – Taylor Swift

[58]
Passagem do livro O casamento, escrito por Nicholas Sparks.
[59]
it's time to go – Taylor Swift

[60]
Buttons – The Pussycat Dolls feat Snoop Dog

[61]
Cornelia Street – Taylor Swift

[62]
The Great War – Taylor Swift

[63]
Evidências – Chitãozinho e Xororó

[64]
Delicate – Taylor Swift

[65]
Sweet Nothing – Taylor Swift

[66]
Passagem do livro A escolha, escrito por Nicholas Sparks.

[67]
Call it What You Want – Taylor Swift

[68]
Sozinho – Caetano Veloso

[69]
Lenda Chinesa conhecida como Akai Ito.

[70]
Call it What You Want – Taylor Swift

[71]
Daylight – Taylor Swift

[72]
Sozinho – Caetano Veloso

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