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Este e-book é uma obra de ficção. Embora possa


ser feita referência a eventos históricos reais ou locais
existentes, os nomes, personagens, lugares e incidentes
são o produto da imaginação da autora ou são usados de
forma fictícia, e qualquer semelhança com pessoas reais,
vivas ou mortas, estabelecimentos comerciais, eventos, ou
localidades é mera coincidência.

Primeira Edição: 2023


Rio de Janeiro – RJ
 
Capa: HB Editorial
Revisão: Sonia Carvalho
Diagramação: Independente
Assessorias Literárias: Fox e Safada Leitora
Assessoria de Comunicação e Conteúdo: Laura Brand
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DEDICATÓRIA

Para a querida Mikaely Martins. Espero que Hector te conquiste

a cada página

A todas as madrastas que estiverem lendo este livro. Inspirada


na querida Madá, espero que seus enteados saibam o

quão maravilhosas vocês são.

 
PLAYLIST:

Se quiser conhecer a playlist de Ele Me Disse Não, confira

no Spotify:
SUMÁRIO

PRÓLOGO

CAPÍTULO UM

CAPÍTULO DOIS

CAPÍTULO TRÊS

CAPÍTULO QUATRO

CAPÍTULO CINCO

CAPÍTULO SEIS

CAPÍTULO SETE

CAPÍTULO OITO

CAPÍTULO NOVE

CAPÍTULO DEZ

CAPÍTULO ONZE

CAPÍTULO DOZE

CAPÍTULO TREZE

CAPÍTULO QUATORZE

CAPÍTULO QUINZE

CAPÍTULO DEZESSEIS

CAPÍTULO DEZESSETE
CAPÍTULO DEZOITO

CAPÍTULO DEZENOVE

CAPÍTULO VINTE

CAPÍTULO VINTE E UM

CAPÍTULO VINTE E DOIS

CAPÍTULO VINTE E TRÊS

CAPÍTULO VINTE E QUATRO

CAPÍTULO VINTE E CINCO

CAPÍTULO VINTE E SEIS

CAPÍTULO VINTE E SETE

CAPÍTULO VINTE E OITO

CAPÍTULO VINTE E NOVE

CAPÍTULO TRINTA

EPÍLOGO

 
 
PRÓLOGO

Você não me pediu, mas eu vou começar a te contar a


minha história com um conselho. Não sou exatamente bom
neles. Minha noiva é.

Ou ex-noiva...

Ou quase isso.

Bem, que seja...! É aí que a gente vai chegar, em


algum momento. Por enquanto, só acredita que eu sei do que
estou falando.

Eis uma verdade irrevogável sobre a vida: não importa


o quanto você acha que está com ela ganha, vai acontecer um
momento crucial durante o curso natural das coisas em que
você vai pensar “mas como diabos eu vim parar aqui?”.

Não importa se você acha que nasceu com a bunda


virada para a lua, só porque tem mais dinheiro do que poderia
gastar em cem anos; que tem uma coleção de carros que
daria inveja a qualquer dono de concessionária; ganhou o
título de empresário mais sexy do país – não muito relevante,
mas até interessante se isso fizesse qualquer diferença para
mim –; que tem sorte no jogo e no amor, porque está prestes a
se casar com a garota da sua vida.

Pois é, eu era esse cara.

Nada disso vai ter qualquer serventia quando você se


pegar deitado em uma cama, olhando para o teto e se
achando o maior merda do universo. E, confia em mim, essa
hora vai chegar.

Minha intenção não é te desanimar, mas te deixar


avisado. Eu não estava, por isso fui pego de surpresa, como
quem tenta surfar uma onda com uma prancha quebrada e
acaba sendo empurrado de volta à praia, com a boca para
baixo, comendo areia e todo ralado.

Eu devia ter entendido que algo de muito errado iria


acontecer quando acordei com uma puta dor de cabeça,
exatamente na manhã do meu casamento, com o sol entrando
pela janela sem ser convidado, porque simplesmente me
esqueci de fechar as cortinas de tão bêbado que cheguei da
minha despedida de solteiro.

Eu nunca ficava de ressaca. Claro que alguma coisa


não se encaixava.

Poderia ter me dado conta disso, mas o corpo que


estava ao meu lado ganhou uma voz, e eu ouvi um “merda”
sendo praguejado baixinho.

Apressada, a mulher começou a se levantar, mas, em


uma atitude involuntária, puxei-a para mim de novo, beijando
seu ombro nu, desejando ficar mais algum tempo ali, deitado
com ela, de preguiça, até que a dor de cabeça passasse.

— Hector, me solta. A gente não pode ser pego juntos!


— ela resmungou, tentando se desvencilhar, mas eu a agarrei
com mais força, girando-a com facilidade e me colocando
sobre ela, prendendo seus punhos contra o colchão.

— O que vão fazer se nos pegarem? Cancelar o


casamento?

— Para com isso... eu... — Ela estava rindo, o que


sempre me fazia ganhar o dia.

Por alguns instantes, esqueci-me por completo da dor


de cabeça e da leve azia que sentia. Apenas me inclinei e
comecei a espalhar vários beijos por seu rosto, descendo pelo
pescoço e chegando a um de seus mamilos, exposto. Ainda
estávamos nus, e eu tinha a esperança de conseguir fazer
amor com ela uma última vez, antes da cerimônia.

Ela arfou quando segurei um dos bicos de seu seio


entre os dentes, mordiscando-o, incapaz de resistir.

— Hector, para...! — ela dizia, mas seu corpo


arqueava na cama, pedindo mais.
— Tem certeza? Porque eu posso fazer uma coisa
muito, muito legal bem aqui... — Desci a língua pelo vão entre
seus seios, deslizando a boca por sua barriga, pronto para
mergulhar entre suas coxas, mas antes que pudesse chegar
lá, ela usou suas pernas longas e torneadas para me empurrar
e pular da cama, agarrando suas roupas pelo caminho.

— Eu estou atrasada.

Suspirei, colocando os dois braços atrás da cabeça e


virando-me de barriga para cima, com a porra do pau duro.

Era difícil não olhar para ela e não me apaixonar de


novo, um pouquinho mais, mesmo com os cabelos longos,
castanhos e ondulados todos bagunçados, a maquiagem do
dia anterior meio borrada, enquanto pulava para vestir a saia,
depois de já ter colocado a calcinha e o sutiã.

— Não encontro a minha blusa. Sabe onde a deixei?

Decidi me levantar para ajudá-la, indo exatamente até


o abajur do quarto e capturando uma camiseta perdida, que
estava embolada na lâmpada, escondida pela cúpula enorme.

— Onde eu a deixei, né? Fui eu que tirei — brinquei.

— Ah, que bom que você se lembra... Temos uma


esperança de um de nós não estar completamente de ressaca
hoje.

Ela colocou a blusa pelos ombros, e eu aproveitei para


puxá-la para mim, ajudando-a a fechar os botões.
— Não me lembro de muitas coisas de ontem à noite,
mas sei muito bem o que vou fazer hoje.

Ela deixou os ombros caírem, e eu vi um sorriso surgir


novamente naquele rosto lindo, mas que parecia tão tenso.
Sendo assim, acrescentei:

— Sei que as coisas não vão acontecer exatamente


como queríamos, mas ela vai estar aqui, com você, no seu
coração. E vai melhorar. Quando isso acontecer, vamos fazer
outra festa para ela participar e reclamar do buffet, porque
faria muito melhor.

Jordana respirou fundo, assentindo e passando a mão


pelos cabelos. Então se inclinou para a frente, colocando-se
na ponta dos pés e me beijando.

— Obrigada. Vou me acalmar.

— Claro que vai, Lois Lane. Não há nada no mundo


que te abale.

Revirando os olhos para o apelido, como sempre fazia,


Jordana se afastou novamente, pegando o resto de suas
coisas que ficaram espalhadas pelo chão do quarto.

Aproveitei e coloquei minha cueca, porque também


precisava me arrumar para sair e começar o meu dia.

Já vestido, recebi mais um beijo dela, que tinha tudo


para ser rápido, só um selinho, mas a puxei de volta,
colocando a mão na sua nuca e a pegando de verdade,
exatamente como eu gostava.

E ela também.

Fiz com que minha língua abrisse seus lábios,


invadindo sua boca devagar. Gostava de começar lento,
pegando-a forte pela cintura, porque ela sempre se
desmanchava desse jeito. Uma mão em seu rosto o acariciava
com o polegar, enquanto o beijo ia se intensificando.

Se continuássemos daquele jeito, eu não demoraria


para levá-la para cama novamente, mas sabia que ela estava
com o dia cheio. 

Por isso – e só por isso – me afastei.

— Agora sim eu te deixo ir.

Ela respirou fundo, abalada com o beijo. Era assim


que eu gostava de tê-la.

— Tá ok, Superman. Nos vemos daqui a pouco. Serei


a de branco no altar. — Com uma piscadinha, ela saiu do
quarto, fechando a porta e lançando um sorriso por cima do
ombro.

Mal sabia eu que aquele era o último beijo. O último


sorriso.

Ainda tinha o cheiro dela no quarto quando o meu


celular tocou. E eu atendi sorrindo, como um babaca, porque
não fazia ideia do quão violenta seria a rasteira que estava
prestes a tomar.

— Hector Novaes? — Era uma voz levemente familiar


do outro lado da linha, mas não o suficiente para que eu a
reconhecesse. Um homem.

Se possuía o meu número particular, poderia ser algo


importante.

Mas no dia do meu casamento?

— Sim, pois não? Quem está falando?

— Provavelmente você não se lembra do meu nome,


mas eu me lembro do seu. Nunca vou esquecer, aliás, porque
foi você que destruiu a minha vida.

Fiquei alguns instantes em silêncio, meio atordoado,


sem entender absolutamente nada.

— Olha, eu acho que você ligou para a pessoa errada.


— O que não era muito possível já que ele falou meu nome e
meu sobrenome.

— Não. Estou falando com o homem certo. Esperei


muito tempo por isso, então, se desligar, vai se arrepender.
Assim como vai se arrepender se levar esse casamento
adiante. A gente tem muito o que conversar.

Conforme a ligação foi avançando, o desconhecido do


outro lado da linha capturou toda a minha atenção.
O meu destino inteiro estava nas mãos dele naquele
momento, sem que eu nem soubesse direito o que estava
acontecendo.
CAPÍTULO UM

Tudo o que eu sabia naquele momento era que


precisava me sentar. E não tinha nada a ver com nervosismos,
pernas bambas, insegurança. Eu não era esse tipo de mulher.
Ou ao menos sempre pensei que não fosse. Mas o tipo de
vida que eu levava fazia com que me esforçasse para ter o
controle de absolutamente tudo.

A festa de casamento, ser o centro das atenções,


temer que algo desse errado? Nada disso me preocupava. Eu
tinha plena convicção de que tudo seria impecável, porque eu
tinha o noivo perfeito, a melhor organizadora de festas – que
por acaso era minha melhor amiga – e o meu vestido caía no
meu corpo, esculpindo-o e lhe dando curvas que eu nem sabia
que tinha.

A maquiagem, o cabelo... não havia nada fora do


lugar. O problema? A ressaca.

Droga! Eu e Hector não deveríamos ter bebido tanto


na noite anterior.
Jogada no sofá, com muito menos glamour do que
uma noiva deveria demonstrar, peguei o celular e mandei uma
mensagem para ele:

JORDANA:

Estou arruinada.

Acho que nossa noite de núpcias vai ser a pior da


história.

Mandei um emoji fofo, esperando que ele estivesse


em melhor estado do que eu.

Não fiquei muito preocupada por ele não ter


respondido na mesma hora, embora fosse um cara super
metódico com essas coisas, mas provavelmente também
estava sofrendo do mesmo mal que eu.

Não deixei o celular de lado, porém, porque havia uma


missão muito especial que eu precisava cumprir antes de me
preparar para sair daquele quarto e ir encontrar Hector, para
deixar de ser uma noiva e me tornar uma esposa.

Acabei me levantando novamente, depois de bufar de


maneira nada elegante, e me coloquei de frente para o
espelho, tirando uma foto de corpo inteiro. Coloquei uma das
mãos na cintura e abri um sorriso, porque por mais que a
ausência da pessoa mais importante da minha vida fosse algo
que não permitia que meu casamento fosse tão perfeito
quanto eu queria, estava realmente feliz.

E como não estaria? Eu amava Hector desde que


tinha dezoito anos, quando nos conhecemos na faculdade –
eu fazendo jornalismo, e ele, arquitetura. Com vinte e três,
sentia-me mais do que pronta para dar aquele passo e
começar uma nova vida ao seu lado.

Enviei a foto para Célia, a cuidadora da minha avó,


com quem eu mantinha contato diário. D. Zulmira não sabia
mexer em celulares, aos seus oitenta anos, mas eu conseguia
conversar com ela pelo celular da moça que contratamos para
ficar com ela, já que vovó não quis vir morar conosco e sair da
cidade que sempre amou; da casa que compartilhou com meu
avô por cinquenta e seis anos de casados.

Ele tinha morrido há três, mas eu sabia que ela nunca


mais fora a mesma depois de sua partida. Sua saúde também
não, e o coração dava sinais de que poderia não durar mais
tanto tempo.

Ela dizia que era porque estava partido. Que vovô


levara um pedaço dele quando fora para o céu.

Isso sempre me fez pensar sobre qual era o preço de


amar. Se a gente perdia mesmo um pedaço de si quando
alguém nos abandonava – fosse para a morte ou por vontade
própria. Se a alma da gente realmente adoecia a ponto de
afetar o corpo. Se era tão devastador que perdíamos a
vontade de continuar, como eu sabia que vovó tinha perdido.

Afastei os pensamentos. Não era dia de pensar


naquele tipo de coisa, porque eu e Hector éramos jovens e
tínhamos muito tempo de vida juntos.

Era o dia do meu casamento, afinal.

O dia mais feliz da minha vida.

O telefone tocou logo depois, e eu ouvi a voz de vovó


do outro lado da linha, soando meio emocionada.

— Ah, filhinha. Filhinha linda. Você está a cara da sua


mãe quando se casou! — ela saiu falando, meio confusa,
como sempre ficava quando precisávamos conversar pelo
celular.

Ela era minha avó materna, mas sempre amou meu


pai como um filho, então ele ainda cuidava dela. Aquele era,
sem dúvidas, o melhor elogio que poderia me dar.

— Obrigada, vó. — Eu não podia chorar. A


maquiagem era à prova d’água, é claro; a melhor do mercado,
mas não queria aparecer no altar com meus olhos todos
vermelhos.

— O vestido dela era um pouco mais decente, né?


Mas está linda. Não vou ser a chata. Não hoje.

Tive que dar uma risada. Eu sabia que D. Zulmira iria


reclamar, porque meu vestido de noiva era tomara que caia e
tinha aquele formato sereia. Para ela, o correto era a noiva
casar toda coberta. E virgem.

Nenhuma das duas coisas se aplicava a mim.

Ao menos eu tinha perdido a virgindade com o homem


que seria meu marido. Isto ela aprovaria.

— Queria que estivesse aqui, vovó. — Prometi a mim


mesma que não diria aquele tipo de coisa, porque sabia que
ela também estava sofrendo. Só que as palavras saíram sem
que eu me desse conta. Novamente: agir sem pensar não era
algo que eu fizesse com constância, mas naquele dia minhas
emoções estavam à flor da pele.

— Eu também queria estar, meu amor. Mas logo você


estará aqui com Hector, e vamos ver as fotos, os vídeos, vai
ser maravilhoso.

Respirei fundo, tentando me proteger do choro. Tudo


daria certo.

A ligação foi interrompida por uma batida na porta.


Minha melhor amiga, Adriane, estava lá, com seu headset,
prancheta e o tubinho preto elegante, acompanhada do meu
pai, levando-o para me buscar para irmos ao altar.

Meu pai sorriu ao me ver, deu um beijo na minha testa,


e ficou me olhando por alguns instantes, meio bobo,
nostálgico.
— Já sei... estou parecida com a mamãe. Mandei uma
foto para a vovó, e ela falou.

— Está sim, querida. Linda. E eu estou muito feliz que


tenha escolhido um ótimo rapaz para se casar. Sei que ele vai
te fazer feliz.

— Ele vai...

Aquela certeza me acompanhou desde o primeiro


momento em que conheci Hector e que tudo se encaixou. Sua
personalidade com a minha, seus planos, seus desejos, a
forma como sempre me apoiou em tudo, como me enaltecia
e...

Ai, Deus! Os beijos. Os toques. O sexo incrível. A


gente tinha muita química. Mas isso eu não precisava
compartilhar com o meu pai.

— Pronta? — ele perguntou, esticando o braço para


mim.

Entrelacei o meu ao dele, toda empertigada.

— Nasci pronta.

Nós saímos juntos do quarto, indo em direção à área


externa da nossa casa, onde a cerimônia e a festa
aconteceriam.

Enquanto caminhávamos, eu só conseguia pensar em


duas coisas, enquanto um sorriso enorme se formava no meu
rosto, conforme eu até esquecia os efeitos da ressaca.
Era o dia do meu casamento.

O dia mais feliz da minha vida.

Fui repetindo isso até chegarmos no ponto onde


precisaríamos parar, para que a música começasse a tocar e
fizéssemos a entrada triunfal.

Era o dia do meu casamento.

O dia mais feliz da minha vida.

(Novamente...)

Pena que eu não sabia que não seria bem assim.

As pessoas pareciam igualmente felizes. Conforme eu


ia caminhando, passo após passo, sorrindo, segurando o meu
buquê da forma como fui ensinada a fazer, na lateral do corpo
para que meu vestido não fosse coberto por ele, fui
reconhecendo rostos, mas o que eu mais queria ver era o de
Hector.

Lá estava ele parado no altar, com seu smoking bem


cortado, lindo, alto, com aquele corpo que me fazia derreter só
de olhar. Eu era uma mulher alta, embora bem esguia, mas ele
sempre tinha um jeito de me fazer sentir pequena, delicada.
Protetor.

Sempre muito protetor.

Sorri para ele, mas percebi que havia algo de errado.


Seus olhos não me encaravam. Estavam voltados para o
chão, fixos, e ele não parecia nada feliz. Completamente
diferente de como parecera horas atrás, quando acordamos
juntos.

Meu pai me entregou a ele, e nem mesmo a isso


reagiu de forma normal. Nem pegou minha mão, não me deu
um beijo, não agiu como o cara apaixonado que eu conhecia,
que estava super ansioso para que aquele momento
chegasse.

— Hector, aconteceu alguma coisa? — indaguei,


inclinando-me em sua direção, sussurrando em seu ouvido.

Ele não disse nada. Não só não disse como pareceu


se empertigar um pouco mais, retesando os ombros. Havia
algo a incomodá-lo. Não era possível que só eu estivesse
percebendo.

Deixei que as coisas fluíssem, embora tivesse


começado a me sentir uma pilha de nervos.

Irônico, né? Porque eu estava, até aquele momento,


me sentindo a noiva mais confiante e tranquila do mundo.

O padre disse suas palavras, e nós chegamos na


parte dos votos. Eu comecei, ainda desconcertada porque
Hector simplesmente não olhava para mim.

Ele. Não. Olhava. Para. Mim!

Fui falando de forma mecânica, pensando que tudo


aquilo ficaria gravado em um vídeo que seria exibido para a
minha avó, para nossos futuros filhos, que reveríamos por
anos e anos. Tudo o que eu sempre lembraria seria daquele
momento desconfortável em que eu deixava escapar palavras
que deveriam ter um sentido enorme para mim, por serem
para o homem que eu amava, mas que simplesmente
pareciam escritas para outra pessoa.

Então chegou a vez dele...

— Hector Novaes, aceita Jordana Lopes como sua


legítima esposa? — a pergunta chegou a me fazer estremecer.

Se em algum momento da minha vida eu sequer


cogitasse que teria medo da resposta do meu noivo sobre
aceitar ou não se casar comigo, qualquer um diria que eu
estava louca. Hector me amava, me venerava, e fora ele que
insistira em que uníssemos nossas vidas. Não que eu não
quisesse, mas por mim podíamos esperar um pouco, até que
eu estivesse mais firme na carreira.

Estávamos diante do altar por uma escolha dele.


Naquela mesma manhã tudo estivera ok; Hector parecera
muito seguro e ainda feliz com a decisão. Então não havia
chances de ele dizer não.

Havia?

— Hec? Amor...? — chamei baixinho, porque já fazia


algum tempo que ele estava calado. Pensando.

Até que ele os ergueu, mas não foi para mim. Foi para
as cadeiras, onde as pessoas estavam sentadas.
Também olhei na minha direção, vi alguns rostos
conhecidos, outros desconhecidos, porque sabia que meu pai
tinha convidado algumas pessoas; Hector tinha amigos que
levaram companhias, mas não consegui enxergar nada de
errado.

Ele, por outro lado, parecia apavorado.

Quando ergueu os olhos na minha direção, vi que


estava chorando.

— Eu te amo, Jo. Amo mesmo.

Arregalei os olhos, sentindo meu coração parar.

— Hector, o que você vai fazer? — perguntei por entre


os dentes, apavorada.

— Não posso aceitar me casar com você. Não posso...


Me desculpa.

Sem dizer mais nada, sem qualquer explicação, ele


soltou minha mão e saiu a passos apressados, passando por
todo o mesmo tapete vermelho pelo qual eu segui minutos
antes, de braços dados com o meu pai.

Ouvi os sons de exclamações surpresas, enquanto me


virava para ver Hector se afastando.

Fiquei parada, imóvel, sem entender o que tinha


acontecido.

A única coisa que retornava à minha mente era:


Aquele era o dia do meu casamento.

O mais feliz da minha vida.

O noivo perfeito.

Mas ele me disse não.

Eu tinha sido abandonada no altar.


CAPÍTULO DOIS

— Eu sempre disse que não confiava em homens


ruivos — a voz de Madalena, minha madrasta, soou pouco
acima de mim. Eu estava deitada no sofá da casa, com a
cabeça no colo dela, enquanto ela acariciava meus cabelos.

— Hector não é ruivo — falei em um fio de voz,


chorosa. — O cabelo dele é loiro acobreado.

— Bem, se fosse o nome de uma tinta da Wellaton,


estaria na prateleira dos ruivos.

— Isso não vem ao caso, Madá. Ele me abandonou no


altar. Não importa se é ruivo, negro, loiro, se tem a pele azul.
Eu estou me sentindo um lixo. Foca nisso, por favor.

Eu amava Madalena. De verdade. Meu pai só se


casou novamente quase dez anos depois de a minha mãe ter
morrido, mas escondeu seu relacionamento por um tempo,
acreditando que eu não aprovaria. Só que ele não poderia
estar mais errado. Não só fiquei feliz por ter seguido em frente,
mas porque adorei o fato de ter escolhido uma mulher tão
diferente dele.

Madá era alegre, um pouquinho alienada e a imagem


perfeita do que se poderia imaginar de uma perua. Não de um
jeito pejorativo, no entanto.

Seus cabelos loiros estavam sempre armados, ela


abusava das estampas animal print, usava saltos imensos e
tinha um Lulu da Pomerânia que dizia que era meu meio-
irmão. O bichinho latia e tremia o tempo todo, mas era uma
fofura.

De qualquer forma, ela tinha uma tendência a divagar


um pouco e muitas vezes perder o foco quando levava o
assunto para algum caminho que era mais a cara dela.

Tipo o cabelo de Hector quando claramente não era


algo relevante no momento.

— Aquele imbecil. Filho da puta! — Enquanto minha


madrasta tentava me consolar da melhor forma possível, meu
pai só conseguia andar de um lado para o outro, irado. —
Envergonhou nossa família na frente de mais de trezentas
pessoas! Como pôde?

— É esta a sua preocupação, pai? — perguntei,


também ficando irritada e me levantando do colo de Madalena,
colocando-me sentada no sofá.

Ao ver o movimento, o pequeno Brioche – sim, o Lulu


da Pomerânia – começou a latir. Não que fosse uma novidade,
porque ele fazia isso o tempo todo, mas fiz um sinal para que
parasse, porque naquele momento minha cabeça poderia
explodir com o mais suave ruído.

Ele era bem obediente, tanto que parou diante de mim,


sentado, com o rabinho balançando de um lado para o outro.

— Não, Jordana. Só que é uma coisa a se levar em


consideração também. E não só isso... sua avó. Como acha
que ela vai reagir? Sabe que adora Hector.

É, tinha a minha avó.

Fiquei me sentindo uma egoísta por não ter pensado


nela em nenhum momento, mas imergi no meu estado de
completa inércia de tal forma que mal consegui raciocinar.

Desde o instante em que Hector desapareceu de


nossas vistas, tudo se tornou um pesadelo. Precisei me apoiar
na mesa improvisada para o padre – que era da igreja
brasileira, por isso pudera realizar a cerimônia na nossa casa
– antes que cambaleasse e caísse.

Bem, o meu mundo inteiro já estava caindo, não


estava? Era normal que eu o acompanhasse.

Todos pareciam chocados, porque, é claro, sabiam


que Hector e eu éramos muito apaixonados. A festa estava
cheia de jornalistas, já que eu era uma; e por mais que a
grande maioria fosse composta por meus amigos, outros eram
pessoas que tinham menos consideração, e eu podia ver seus
celulares apontados, tirando fotos, prontos para usar a notícia
contra mim.

Vi Adriane e meu pai vindo correndo na minha direção,


e cada um pegou em um dos meus braços, me ajudando a
sair dali. Fui levada para a sala, e as portas da casa foram
trancadas. Ninguém entrava e nem saía.

Pouco tempo depois Madalena veio ficar comigo,


enquanto os convidados eram levados a se retirarem aos
poucos.

E lá estávamos nós.

— Ah, não podemos contar para a Zuzu, de jeito


nenhum! — Madalena opinou.

— E como vamos fazer com a viagem? — Estava


programado que todos nós visitaríamos minha avó dali a mais
ou menos quatro meses.

— Podemos inventar uma desculpa, querido. Hector


trabalha muito, tem a empresa. É só dizer que aconteceu
alguma coisa. Ou até lá podemos pensar...

— Ela vai descobrir — interrompi minha madrasta,


com um tom de voz derrotado, colocando ambas as mãos no
assento do sofá e inclinando meu corpo para frente.

— Não sabemos, Jo. Sabe que ela não é muito de


jornais.
Madalena estava certa. Vovó não andava com a vista
muito boa, então ela evitava ler ao máximo. Gostava de
assistir TV, mas filmes e séries, e era sempre Célia que
colocava nos canais de streaming para que pudesse escolher.

É, talvez houvesse uma forma de esconder da minha


avó, ao menos por enquanto. Ela realmente iria ficar muito mal
se soubesse a verdade, não apenas pela história do abandono
no altar, mas porque sabia o quanto eu amava Hector.

Foi pensando em tudo isso que uma imensa tristeza


me abateu e me fez levantar, caminhando em direção à
parede de vidro da casa, abrindo a cortina para olhar lá fora.

Adriane e seus funcionários estavam trabalhando,


junto com os empregados da casa, para recolher todos os
resquícios da festa. Não só da cerimônia, que fora uma
catástrofe, mas também da recepção que aconteceria depois.
Será que eles achavam que assim eu me sentiria menos pior?
Ou que se não visse as flores, a ornamentação, as toalhas
delicadas e os arranjos de mesa, acabaria esquecendo?

Era impossível esquecer. A rejeição. A sensação de


que não era tão amada quanto pensei que fosse.

Que era descartável.

Cruzei os braços contra o peito e suspirei, exausta.

— Não faça isso, querida. Não fique olhando —


Madalena pediu, com compaixão.
Odiava que sentissem pena de mim. Odiava de
verdade. Só que ela não fazia por mal, por isso a raiva nunca
poderia ser dirigida à minha madrasta.

— É bom. Torna a coisa mais real.

Eu não tinha sequer me dado ao direito de chorar.


Para ser sincera, só comecei a sair do período de negação
depois de tomar um banho, mais tarde, e de me sentar de
frente à penteadeira do meu quarto e me olhar no espelho.

Havia malas minhas por toda parte, porque na


segunda-feira eu faria minha mudança para a casa que Hector
comprara para nós – uma linda mansão no Joá, em um
condomínio com praia particular. Um sonho.

Lembrava-me perfeitamente do dia em que ele me


levou para conhecê-la, e mais ainda a forma como fizemos
amor contra uma das paredes que permaneciam cheirando a
tinta.

Eu ainda tinha a camisa preta que usara e que ficara


toda manchada.

Aqueles momentos não mais me pertenciam.

Tentando me manter firme, estiquei a mão e peguei


um lenço umedecido, pensando que era irônico que a única
coisa que tivesse restado impecável fosse a minha
maquiagem. Nem mesmo depois do banho ela saíra.
Comecei a arrancar aquelas coisas da cara, em um
acesso de ódio. Deveria usar um demaquilante, mas era como
se quisesse me torturar.

Conforme fui fazendo os movimentos, meus olhos


foram se enchendo de lágrimas, até que um choro compulsivo
me tomou.

Eu não tinha mais o homem que amava.

Só que naquele momento, esta pessoa não existia


mais. Até porque, a partir daquele dia, não havia mais amor no
meu coração por Hector Novaes.

Eu o odiava.

Ou ao menos precisava odiar. E me esforçaria para


isso.
CAPÍTULO TRÊS

TRÊS MESES DEPOIS

Arranquei a folha do caderno com certa violência,


amassei-a até virar uma bola e lancei-a no cesto de lixo,
acertando-o com um arremesso preciso, quase como se fosse
um astro do basquete. Ela quicou em outras que já estavam lá
dentro, preenchendo o negócio até a boca, e foi parar no chão.

Eu teria acertado, se aquele não fosse possivelmente o


quadragésimo papel que amassava e descartava naquela
manhã.

Quase conseguia ouvir a voz de Jordana reclamando,


dizendo que as árvores estavam sofrendo e chorando pela
minha atitude.

Só que fazia três meses que eu sequer ouvia a voz dela.


Não tinha se tornado mais fácil. Nem tão cedo isso
aconteceria.

Tentei afastar o pensamento, porque precisava focar no


trabalho. Estava fazendo uma lista de coisas que precisariam
ser conversadas na reunião de mais tarde. Eu era um pouco
metódico com aquelas coisas e levemente analógico. Já tinha
tentado Excel, Notion, Trello e todos os aplicativos possíveis
para fazer anotações, mas ainda preferia papel e caneta. Eu
tinha um caderno que me acompanhava para todos os lados,
sem o qual eu não vivia. Sempre que um terminava, já
comprava outro, porque minha vida profissional inteira ficava
anotada ali.

Eu os datava na capa e os mantinha arquivados em um


armário na minha sala na empresa. Minha memória era boa o
suficiente para que lembrasse exatamente em qual deveria
procurar quando precisava de alguma informação.

O mundo digital facilitaria a minha vida? Sim, claro, mas


certamente eu não me dava tão bem com ela.

Jordana costumava dizer que eu era um homem à moda


antiga em todos os sentidos. Tanto nesse aspecto quanto ao
lidar com ela. Cavalheiro, gostava de dar flores, de abrir
portas, puxar cadeiras e de cuidar dela.

É, eu gostava muito de tudo isso.

E foi por querer cuidar dela que tudo desandou.

Dava para perceber que eu pensava em Jordana a cada


dez minutos da minha vida, né? Mas como poderia evitar se
ela estava em absolutamente tudo?

Foram cinco anos juntos, vividos intensamente. Nós nos


víamos todos os dias na faculdade e depois, quando nos
formamos, ficamos noivos, então também dávamos um jeito
de nos encontrarmos constantemente. Eu morria de saudade
e sempre encontrava uma maneira de buscá-la no trabalho, de
lhe oferecer carona, de aparecer em sua casa de surpresa, de
inventar mil coisas para fazer só para poder estar com ela.

Chegava a me fazer rir de forma sarcástica o fato de ter


sido eu a estragar tudo.

Tentei mais uma vez voltar ao trabalho. Daquela ia dar


certo. Não era possível. Já passava das onze da manhã e eu
não podia perder muito mais tempo em uma tarefa tão
simples, porque ainda tinha muito a fazer antes da reunião.

Comer, por exemplo.

Eu estava até indo bem, mantendo cinquenta por cento


da minha concentração, até que alguém bateu na porta.

— Hector? — Era a minha secretária. Dei um soco na


mesa, por puro reflexo, porque não era uma boa ideia me
interromper naquele momento, sendo que eu já estava no meu
limite. Não funcionava muito bem daquele jeito, e...

Eu já tinha dito que era um pouco metódico?

A pobre Fernanda, minha secretária, não tinha a menor


culpa do meu humor, tanto que quando percebi que ela se
sobressaltou com a minha reação, ergui a mesma mão com a
qual bati na mesa com uma expressão constrangida.

— Desculpa. Estou em um dia péssimo hoje.

— E quando não está? Faz um tempinho que não te vejo


bem de verdade...

Fernanda tinha intimidade para falar esse tipo de coisa.


Ela fora secretária do meu pai por um tempo, até ele falecer e
eu herdar seu lugar.

A minha família era dona de uma das maiores empresas


de arquitetura do país. Fazíamos projetos para mansões,
complexos de condomínios, lojas famosas e celebridades.
Éramos o nome mais poderoso dentro do ramo, e eu amava o
que fazia.

Nos últimos três meses, porém, as coisas perderam o


sabor. Até o trabalho que sempre foi algo que me deixou
animado acabou se tornando cansativo e sem graça.

— Bem... tem uma ligação para você. É o Victor.

Rapidamente o assunto começou a me interessar.

Victor era o detetive que eu tinha contratado para caçar o


homem que destruiu a minha vida. Pelas coisas que ele me
dissera naquele fatídico dia, fomos unindo peças do quebra-
cabeça e chegamos a um nome, uma identidade.

Estava apenas aguardando a notícia, e tinha a impressão


de que ela havia chegado.
— Passe a ligação, Nanda, por favor — pedi, quase com
desespero.

Ela assentiu e saiu da minha sala, transferindo a


chamada.

Assim que o telefone tocou na minha mesa, peguei-o com


pressa e o levei ao ouvido.

— Me dê uma boa notícia, cara, por favor.

Ele deu uma risadinha do outro lado da linha.

— Ele está na cadeia, Hector. Acabou.

Minhas mãos começaram a tremer aos poucos. Primeiro


eram apenas espasmos, e depois eu precisei cerrar o punho
para não perder o controle.

Não havia nada na minha vida que eu quisesse tanto


quanto ouvir aquelas palavras.

Ou melhor... havia, sim: o que fiz logo em seguida, depois


que encerramos a ligação e que Victor me passou todas as
informações; depois de ele me contar como aquele milagre
tinha acontecido.

Passei por Fernanda, avisando que precisaria sair. Não


importava que eu tivesse compromissos, que minha agenda
estivesse lotada o dia inteiro, o que eu queria era sair dali e
procurar Jordana. Tínhamos uma conversa atrasada em três
meses.
E, meu Deus, como eu precisava vê-la de novo.

Saí correndo pela empresa, ganhando olhares curiosos


das pessoas ao meu redor. Minhas pernas não pareciam
velozes o suficiente, o elevador demorou muito mais a chegar
do que o normal, e o trânsito resolvera ficar complicado àquela
hora. Eram como pequenos obstáculos que eu precisava
ultrapassar para chegar até ela.

Eu sabia que ela estava na redação. Jordana trabalhava


em um site grande, voltado para o público feminino. Uma
espécie de Cosmopolitan digital. Ela odiava o que fazia,
porque queria estar na área de jornalismo investigativo ou,
pelo menos, coletando depoimentos de mulheres que faziam a
diferença, contando histórias que precisavam ser contadas,
mas fora alocada no setor de conselhos amorosos.

E não tinha nada a ver com sua competência. Tinha a ver


com politicagem e com coisas que sempre a deixaram muito
irada.

Assim que cheguei lá, os olhares na minha direção


geraram cochichos, e eu não precisava ser um gênio para
saber do que estavam falando. A notícia sobre a “fuga do
noivo” – como chamaram – foi veiculada em vários sites de
fofoca, e até sites concorrentes colocaram nosso casamento
fracassado como principal manchete na época.

Eu tinha muitas, muitas explicações a dar, mas tive meus


bons motivos. Nunca contei para ninguém, além de Victor,
sobre o que realmente acontecera, porque as ameaças foram
fortes o suficiente para que eu temesse as consequências.

Aproximei-me da garota da recepção, esperando que


anunciasse a minha chegada. Claro que ela me conhecia. Eu
costumava ir muito à Belle, Belle – nome da empresa onde
Jordana trabalhava –, então meu nome já estava cadastrado,
eu tinha livre acesso a todas essas coisas. Normalmente nem
precisava parar ali. Só cumprimentava as pessoas da
recepção e seguia adiante, com meu próprio crachá. Eu ainda
o tinha, aliás. Só que não me achava no direito de subir sem
me anunciar e pedir autorização.

— Oi! Pode avisar à Jordana que eu estou aqui? —


indaguei com toda a humildade, mas a primeira resposta que
recebi foi um erguer de sobrancelha com uma enorme má
vontade.

— Tem que ser muito cara de pau para aparecer depois


do que fez — a garota falou, cruzando os braços contra o peito
e nem se mexendo para anunciar nada. — Você não tem
cadastro mais aqui, Sr. Novaes. Precisa fazer tudo de novo.

— Como assim não tenho mais cadastro?

— Ele sumiu, sabe?

— Foi uma pane no sistema?

— Não. Só o seu sumiu.


E eu ainda era inocente de pensar que poderia ser
alguma falha. Elas me deletaram, é claro. Não que não
merecesse.

— Olha, eu realmente quero falar com a Jordana. Pode


avisar que...

Como se fosse uma armadilha do destino, ouvi o som do


elevador se abrindo, interrompendo a minha frase.

No mesmo instante, eu soube que era ela.

Poderia ser qualquer pessoa. A empresa, sem dúvidas,


possuía uns cem funcionários, e estava próximo da hora do
almoço. Eram inúmeras possibilidades, mas eu sempre soube
que havia certo magnetismo entre nós. Como se um se
atraísse para o outro incansavelmente.

Fora assim que nos conhecemos, por causa de um


esbarrão. Ambos atrasados para a aula, em uma enorme
coincidência. Um ou dois minutos de diferença, não teria
acontecido.

E então passamos a nos encontrar das formas mais


inusitadas: em festas às quais eu não queria ir de jeito
nenhum, mas acabei comparecendo de última hora; em aulas
que apareciam na minha grade meio que sem querer. Era
como se o universo quisesse que acabássemos nos
apaixonando.

Naquele momento, parecia querer o reencontro. Mesmo


que nas piores circunstâncias.
— O que você está fazendo aqui? — ela exclamou, e eu
vi seu rosto ficar vermelho.

Nada, absolutamente nada mudara dentro de mim em


relação a Jordana. Eu ainda a achava a garota mais bonita de
todas. Era apaixonado pelos cabelos longos e ondulados,
castanhos, amava o rosto branquinho, os enormes olhos
amendoados, a boca desenhada. Tanto que engoli em seco,
meio que me condenando por não ter me preparado para o
momento.

Como pude acreditar que reencontrá-la seria simples?


Que eu só chegaria, olharia para ela e me manteria no
controle? Ela sempre me deixou rendido. Naquele momento
seria capaz de me colocar de joelhos, mesmo na frente de
outras pessoas a quem pouco conhecia.

— Eu queria conversar com você. Em particular... — falei


baixinho, quase em contraste com a altura de sua voz.

Jordana não era mulher de escândalos, mas a surpresa


sem dúvidas mexeu com ela.

— Em que mundo você acha que poderia ser uma boa


ideia eu e você conversarmos? Não temos mais nada para
falar.

— Jordana, por favor...

— Não, não tem nada disso. Tentei falar com você meses
atrás, para... entender. Você disse que não podia, que em
algum momento conversaríamos sobre, e eu avisei. Avisei que
se não fosse naquele momento, nunca mais falaria comigo.

Era verdade, mas não exatamente assim como ela estava


contando. Eu disse que não podia contar o que tinha
acontecido, porque era uma forma de protegê-la. Só que,
claro, ela não pareceu acreditar muito nessa parte.

— Sai daqui, Hector! — ela gritou novamente. — Sai da


minha frente, eu não quero te ver nem pintado!

Havia duas pessoas do lado dela, e eu conhecia a


ambas. Eram dois colegas de trabalho – um cara e uma
menina. Já tínhamos saído com eles algumas vezes.

A garota colocou os braços ao redor de Jordana, tentando


acalmá-la, porque ela claramente estava perdendo o controle.
A última coisa que eu queria no mundo era causar ainda mais
transtorno, mas não podia deixar de finalmente lhe contar o
que me fizera desistir do nosso casamento.

— Jo... — eu suspirei seu nome, franzindo o cenho,


sentindo meu peito se apertar.

Eu não podia desistir dela. Não podia aceitar que, depois


de lutar tanto para ter aquela chance de falar o que
acontecera, a separação seria definitiva.

— Cara, vai embora. Ouviu o que ela disse... — O amigo


de Jordana se colocou à minha frente, como se precisasse
defendê-la de mim.
Em que momento eu tinha virado uma ameaça?

Em que momento o meu desejo de protegê-la tinha se


voltado contra mim?

Os dois guiaram Jordana de volta para o elevador, que


ainda estava no andar, quase amparando-a, e as portas se
fecharam, com os olhos dela cravados nos meus.

Ela estava chorando.

Claro que estava. Eu tinha feito com que chorasse antes,


e provavelmente muitas vezes nos últimos meses.

Eu também chorei, mas talvez merecesse, porque sabia


algo que ela não sabia.

Parado no meio do hall da empresa, com vários olhares


focados em mim, eu fiquei pensando que o que fora estragado
não tinha conserto.

Eu realmente a tinha perdido para sempre.


CAPÍTULO QUATRO

UM MÊS DEPOIS

Ele me prometeu o para sempre, Bella

Então terminou comigo, me trocou por outra

O que eu faço para esquecê-lo?

Revirei os olhos. Se estivesse na frente daquela moça,


que assinava como “Lu Sofredora”, eu ergueria a mão e lhe
pediria um high five, com direito a falar um “toca aqui,
parceira”.

Por que os homens eram tão babacas?

Bufei, estressada, porque aquele era o décimo e-mail


que eu abria, do formulário do site da Belle, Belle, na minha
incrível função como Conselheira Amorosa.
Jornalista formada, pós-graduanda em Jornalismo
Investigativo, ansiosíssima para cobrir histórias de crimes
federais ou de mortes inexplicáveis, mas tudo o que me restou
foi aquele cargo.

Eu nem podia reclamar muito. Saí da faculdade com o


emprego garantido, e o salário era excelente. Tão bom a ponto
de eu ir empurrando com a barriga. O site me ofereceu o
pagamento da pós, e eu nem precisava muito disso, porque
minha família não era exatamente necessitada, mas achei que
a ideia era que investissem em mim.

Fui totalmente iludida.

Aliás, isso parecia ter se tornado recorrente na minha


vida. O noivo, o emprego... O que mais?

Abrindo a embalagem de uma bala e colocando-a na


boca – bem amarga, tal qual o meu coração –, estalei os
dedos e preparei uma resposta para a pobre colega que
precisava de uma ajuda profissional.

Talvez fosse melhor ela consultar uma terapeuta? Sim.


Mas as pessoas preferiam pedir conselhos amorosos a uma
desconhecida, então quem seria eu para julgar?

Mal sabiam elas que eu era a pior pessoa no mundo


para falar de amor.

A noiva abandonada no altar... Patético.

Pensando nisso, coloquei outra bala sobre a língua.


Também reli a mensagem dela, para poder responder
com mais propriedade, e fiquei pensando se o problema de
Hector não fora outra mulher. Mas fazia quatro meses desde
aquilo que eu chamava de “incidente trágico”, e por mais que
eu investigasse – jamais usaria o termo stalkear – suas redes
sociais nunca o vi com alguém.

Imaginava que se tivesse me trocado, deveria ser algo


sério, né? Se fosse passageiro ele não teria causado todo
aquele transtorno.

Mas eu tinha que parar de projetar minha imagem na


daquelas pessoas que mandavam mensagens para a Belle,
Belle. De tentar encontrar a minha história em meio aos
relatos dos outros. Eu não era como elas, mas não as julgava.

Meu coração se enchia de compaixão, principalmente


depois de passar por algo parecido.

Só que isso não mudava uma brincadeira que eu


experimentava sempre, só para tentar tornar o trabalho que eu
odiava um pouco mais divertido.

As respostas da Bella Conselheira – o mais brega dos


nomes – deveriam ser fofas, gentis, sempre motivadoras. E eu
seguia a cartilha certinha. Só que antes da oficial, eu sempre
escrevia algo completamente diferente.

Querida Lu Sofredora,
Por acaso você sabe algum lugar que ele frequenta
com a nova namorada? Se sim, coloca uma roupa bem linda e
passa lá. Garanto que você vai arrumar um boy para beijar na
boca na frente dele e deixá-lo com ciúmes.

Pensa que é reparação histórica. Ele merece por ser


um cachorro com você.

Beijos da Bella.

O conselho era até legal, mas não a proposta do site.


O que eu deveria dizer era que a tal Lu deveria buscar o amor
próprio, encontrar em si mesma algo que mostrasse que a
vida iria lhe revelar um novo caminho.

Ou seja, eu poderia copiar qualquer texto de um livro


de conhecimento pessoal que serviria perfeitamente.

Eu realmente odiava aquele emprego.

Apoiando um cotovelo sobre a mesa e cobrindo o


rosto com ambas as mãos, ouvi meu celular tocando. O nome
do meu pai piscou na tela, e eu suspirei um pouco antes de
atender. Já sabia sobre o que ele ia querer falar, e
sinceramente não era um assunto para o qual estivesse
preparada.

Foram quatro meses adiando a conversa, mas


naquela noite a gente teria que resolver como tudo ficaria,
porque a viagem estava chegando. Precisávamos conversar
com minha avó.

— Oi, pai — atendi, bastante desanimada.

— Oi, querida. Tudo certo para hoje à noite?

— É, né? — Prendi o celular entre o meu ombro e a


minha orelha, só para abrir mais uma embalagem da balinha
azeda que estava adoçando o meu dia e mascarando a minha
ansiedade.

— Você sabe que não tem o que fazer. Não podemos


deixar de ir ver sua avó.

— E eu nem quero isso. Estou com saudade dela.

— Todos nós estamos. Talvez seja divertido. Você está


precisando espairecer.

— Claro, claro. Mas hoje à noite estarei aí.

— Ótimo. Te esperamos.

Desliguei e mergulhei a cabeça nos meus braços, que


cruzei sobre a mesa. Eu estava cansada. Muito cansada. Era
até injusto pensar isso, porque não era como se eu tivesse um
trabalho braçal ou que a minha vida fosse uma tragédia
mexicana.

Eu tinha perdido a minha mãe ainda criança, e isso era


uma dor que nunca iria ser curada, mas o meu noivo ter me
abandonado no altar? Pfttt... eu deveria tirar de letra.
Fora noticiado na imprensa, porque infelizmente o tal
noivo era um dos homens mais ricos do país? Sim.

Eu tive que encarar os olhares das pessoas me


julgando, porque obviamente a culpa não poderia ser daquele
varão abençoado, lindo, milionário e com o corpo de um
Deus? Sim.

Eu tinha perdido não só o homem com quem ia me


casar, mas também o meu melhor amigo? Sim.

Mas quem ligava?

Eu tinha que erguer a cabeça a valorizar o que tinha,


que era muito.

(Sim, esse era o tipo de resposta que precisava dar às


pessoas que me mandavam mensagens todos os dias).

Respirando fundo mais uma vez, ergui a cabeça,


passando a mão nos olhos, que estavam até ardendo das
lágrimas que segurei pela milésima vez nos últimos meses.

Quando os abri novamente, eles caíram


imediatamente sobre a tela do notebook que eu usava no
trabalho. Precisei piscá-los, porque por um momento jurei que
o que estava vendo era uma ilusão.

Mais uma, né?

Só que uma muito, muito ruim.


Nos movimentos que fiz, acabei enviando o e-mail
sem querer. Aquele, com a resposta toda errada para a leitora.

O conselho que eu adoraria dar para uma pessoa na


situação em que ela estava, mas que me renderia um baita
esporro da minha chefe. Com certeza a leitora iria odiar e dizer
que não era o que ela queria ouvir – ou ler, no caso –, já que
buscara um tipo muito específico de aconselhamento.

As pessoas que escreviam para a Bella, Bella já


estavam acostumadas com o tom quase de coach dos textos
que recebiam. Não era para ser uma central de
empoderamento – o que seria muito melhor, convenhamos.

Mas o pior de tudo era que quando eu enviava a


resposta, ela não somente ia para a pessoa, mas era
publicada no site imediatamente. Ou seja, era tarde demais
para voltar atrás.

Excelente, Jordana. Perdeu o noivo e não vai demorar


para perder o emprego também!

Sem dúvidas aquele não era o meu ano.


CAPÍTULO CINCO

Com uma taça de vinho na mão – que mais parecia


um balde – permaneci na mesa depois de jantar com minha
família. Não comi muito, na verdade, porque sentia o meu
estômago um pouco frágil, provavelmente pelo nervosismo do
que iria acontecer depois.

Uma bobeira, né? A gente só ia conversar com a


minha avó. Teríamos que dizer a ela que Hector não iria na
viagem e explicar o motivo, mas poderia só ser uma passada
de assunto rápida, com a mesma relevância que eu daria ao
tópico: “vó, preciso levar casaco? Está fazendo frio por aí?”.

Só de pensar, o gole na bebida ficou


consideravelmente maior.

Meu pai já estava fazendo a chamada, com o


notebook à sua frente. Madalena segurava Brioche no colo,
porque minha avó era doida no bichinho. Ela balançava as
patinhas dele, chamando-a de “bisa”, e eu queria que essa
interação durasse a noite toda, ao ponto da minha avó ficar
cansada, e a gente poder dizer que se esqueceu de
mencionar sobre Hector.

Mas eu não tive essa sorte.

— Estou muito animada para a viagem. Nem acredito


que só faltam três dias — vovó falou. — Estou com saudade
de vocês. Jojô está aí com vocês?

Era a hora da minha entrada...

Levantei-me, deixando o vinho sobre a mesa, e me


coloquei atrás da cadeira do meu pai, do outro lado de
Madalena, abrindo o sorriso mais falso que eu poderia ensaiar
para uma situação como aquela.

— Oi, vovó.

— Oi, querida. Cadê o Hector?

Aquele era o momento complicado. O momento que


eu queria evitar a todo custo. Só que não dava para fazer isso.
Minha avó nem merecia.

— Então, vó... — comecei a falar, com uma expressão


de constrangimento. E de pena. Tudo misturado.

— Ah, não. Não vai me dizer que vocês brigaram! —


ela foi falando, me interrompendo, e eu a vi levar a mão ao
peito, com a respiração ofegante. — Seja o que for, vocês
precisam superar. São o casal perfeito. Meu Deus, aquele
menino é de ouro!
— Eu também sou! — exclamei, indignada.

— Sim, claro que é. Mas ele é como um neto para


mim. Por favor, querida... vocês brigaram? Se sim, me conte,
mas... — Vovó interrompeu a si mesma, ainda com a mão no
peito, começando a chorar.

Os médicos diziam que não era uma boa ideia deixá-la


ter emoções fortes, porque a qualquer momento o coração
poderia se tornar uma bomba relógio. Colocaram alguns
steints, e uma artéria fora cauterizada, mas fora por muito
pouco que não a perdemos. A partir daquele momento, ela se
tornara de cristal para nós.

— Jordana... — meu pai deixou escapar, em um


sussurro, com um tom de repreensão.

Eu sabia o que ele queria dizer. Queria me alertar para


tomar cuidado com a forma como iria lhe contar.

Mas como partir seu coração daquele jeito? Como


contar a ela algo que eu sabia que iria lhe fazer sofrer?

Será que não daria para esconder a verdade só mais


um pouquinho?

— Tá tudo bem entre nós, vó. Só que ele está pegado


de trabalho e eu acho que não vai poder ir.

Ela pareceu aliviada. Aí então esse alívio se tornou


indignação.
— Pois ele que dê um jeito. Não, não, não. Nada
disso. Aquele safado prometeu que viria, tinha até tirado férias
para isso. Sabe lá Deus quando vou poder viajar de novo, e
não quero ficar tanto tempo sem ver meu neto.

— Eu não acho que eu possa...

— Claro que pode, Jojô. Ele é doido por você. E vai


ficar aqui por um mês, como vou separar um casal recém-
casado? Não, nem pensar. Se não trouxer o rapaz, vou aí
buscá-lo.

Eu conhecia D. Zulmira. Sabia que não era um blefe.


Ela iria dar um jeito de aparecer no Rio de Janeiro, mesmo
contra as indicações do médico, e eu a colocaria em risco.

Não eu exatamente, mas a minha situação.

— Tudo bem, vó. Eu vou levar Hector.

Tanto meu pai quanto Madalena me olharam com uma


expressão apavorada, e assim que encerramos a chamada de
vídeo – que, claro, fora monitorada por Célia, já que vovó não
sabia mexer nessas coisas –, o notebook foi fechado, e eu
senti que até Brioche me lançou um olhar acusatório, como se
eu estivesse doida.

— Jo, querida... você está bem? — Madalena


perguntou, com seu jeitinho sempre quase sutil. A cara dela e
a forma como tocou meu ombro faziam com que eu me
sentisse como uma pessoa desequilibrada com quem ela
precisava ser transigente por pura compaixão.
— Sim, na medida do possível.

— Você se lembra do que aconteceu no casamento,


né? — Ela foi me guiando e puxando uma cadeira para que eu
me sentasse. — Precisa de um remedinho? Minha
neurologista me receitou um ótimo, que me acalma. É tarja
preta, mas só unzinho não...

— Madalena! — meu pai a interrompeu, erguendo


uma sobrancelha para mim. — Explique-se, Jordana. O que
pretende fazer?

Dei de ombros, passando uma das mãos pelo cabelo,


respirando fundo.

— Vou ter que conversar com Hector. Ver se a gente


consegue... fingir.

Eu não acreditava que eu estava falando aquilo. Não


depois de tudo pelo que passei.

— Fingir o quê, Jordana? — meu pai indagou,


parecendo muito, muito sério.

— Que nós nos casamos.

— O quê? — Madalena gritou, com sua voz, que já era


estridente, subindo uma oitava, e até mesmo Brioche, que
estava no colo dela, deu uma latidinha.

— É... isso mesmo. Vovó parece não saber o que


aconteceu. Até agora Célia conseguiu mantê-la alheia à
situação. Por que não podemos continuar fazendo isso? Se
estivermos lá aí mesmo é que ela não vai caçar notícias. Sem
contar que as fofocas já morreram. O pior já passou.

Tanto o meu pai quanto a minha madrasta ficaram me


olhando por um tempo, meio chocados.

— Você faria isso? — Madalena perguntou.

— Pela vovó? Faria qualquer coisa. Engolir o meu


orgulho seria um preço muito pequeno a pagar para mantê-la
viva e bem.

Em um rompante, meu pai se levantou da cadeira,


fazendo Madalena dar alguns pulinhos, com uma das
mãozinhas erguidas, para sair de seu caminho, ainda com
Brioche no colo.

— Não é uma boa ideia. Não posso nem ver aquele


cara depois do que fez com você. Se tiver que passar dias na
mesma casa...

Sorri, porque gostava do jeitão protetor do meu pai.


Ele sempre fora assim comigo, me tratando como sua
menininha de ouro. Só que depois que perdemos minha mãe,
esse sentimento pareceu ficar um pouco mais latente, e eu
precisava admitir que tive problemas quando mais novinha.

Era raro conseguir sair com amigas, dormir fora, e


namorar? Nunca. Fui a última das meninas da minha classe a
dar o primeiro beijo, e mesmo assim foi com um menino da
escola, durante o horário do recreio, porque fora isso eu não
conseguia socializar.
Não conseguia culpá-lo. Compreendia o desespero e o
medo de perder a quem amava, sem contar que ele fizera a
promessa à minha mãe de que cuidaria de mim em sua
ausência e que nunca permitiria que algo me acontecesse.

Ele levava essa promessa muito a sério.

Com Hector, tudo foi diferente. Apesar de também ter


havido desconfiança no início, meu pai gostou dele. Demorou
a assumir, mas era difícil não se encantar pelo jeito
descontraído, pela inteligência e o charme do meu ex-noivo.

Só de pensar...

Respira, Jordana, respira. Lembra que o cara é um


babaca, não pensa no quanto você era louca por ele.

Os dois acabaram se tornando bons amigos,


principalmente quando se sentavam para conversar de
negócios. Claro que o império que Hector tinha não se
comparava ao negócio do meu pai – embora fosse um bem-
sucedido dono de uma empresa de contabilidade –, mas era o
passatempo deles. Eu chamava de “os momentos dos meus
meninos”. Alguns genros e sogros conversam sobre futebol.
Aqueles dois eram muito workaholics para isso.

Levantei-me também e me enfiei nos braços do meu


pai, que rapidamente me enlaçou. Encostei a cabeça em seu
peito, terna.

— Você é um cara controlado. Vai dar tudo certo. Mas


quando sairmos de lá, depois de um mês, o soco vai ser bem
dado, e eu quero estar por perto para testemunhar.

— Não! Sou contra violência extrema assim. Minha


professora de Yoga diz que quando se usa de força bruta
contra outra pessoa mais indefesa, nunca encontramos o
nirvana nem nossa paz interior.

— Definitivamente Hector não é uma pessoa indefesa


— afirmei com convicção.

Nunca que aquele homem enorme, com um metro e


oitenta de altura e mais músculos do que um ator da Marvel,
poderia ser considerado mais fraco que o meu pai, que até era
um cara em forma para a idade, mas esguio e uns dez
centímetros mais baixo.

— Não mesmo. Ele é um homão, com todo o respeito


e... — Madalena falou, mas se interrompeu, olhando para o
meu pai: — Você também é, querido. Mas o que eu quis dizer
é que a gente pode fazer algo melhor. Colocar um belo laxante
na bebida dele quando voltarmos para o Rio. É uma vingança
mais sutil.

Eu estava me sentindo uma merda. A possibilidade de


ter que me reaproximar de Hector me preocupava, porque eu
sabia que meus sentimentos por ele não tinham simplesmente
desaparecido. Nem os físicos e nem o amor. A saudade... a
falta... Sendo assim, era, de fato, um sacrifício, mas iria valer a
pena.
Naquele momento, mesmo com algumas
preocupações na cabeça, sobre como seria aquela
aproximação – e, claro, a possibilidade de ele se recusar,
embora amasse minha avó como se fosse dele –, eu gargalhei
com a fala de Madalena, principalmente porque ela realmente
parecia muito convicta, muito séria, e muito elevada de que
era uma opção melhor do que um soco.

Sem nem saber, ela tinha salvado a noite.


CAPÍTULO SEIS

Eu tinha acabado de tomar banho quando a


campainha tocou. Estava com uma porra de uma toalha
enrolada na cintura, com gotas de água espalhadas por todo o
meu peito e o cabelo pingando.

Morava em uma cobertura cinematográfica, em um


bairro bem nobre, e dificilmente alguém tinha autorização de
subir sem que fosse anunciado primeiro. E eu não me
lembrava de ter deixado qualquer nome na portaria, com
exceção de um. Mas é claro que não seria ela...

— Um minuto! — exclamei, enquanto me apressava


em vestir uma calça. Ao menos isso.

Daria uma olhada no olho mágico, pediria mais alguns


instantes e colocaria uma camisa. Se fosse algum amigo, o
que provavelmente faria sentido, por ser conhecido dos
seguranças, nem precisaria correr. Ninguém ia morrer se me
visse com o peito nu.
Fui me apressando pela casa, descendo as escadas, e
dei uma topada ao terminar os degraus, praguejando e quase
soltando um rosnado por isso.

Não costumava ser um cara tão estressado; mas isso


tinha mudado. Qualquer coisa me deixava bem no limite do
aceitável, e por mais que me esforçasse pra caralho para não
descontar em ninguém, às vezes eu saía um pouco da linha.
Tanto que tinha me tornado mais quieto, recluso e mais
solitário.

Não gostava do meu novo eu.

Não gostava de quem eu era sem Jordana.

E foi por estar pensando nela – como se pudesse ser


diferente em algum momento – que fiquei ainda mais surpreso
ao verificar quem estava lá fora e me deparar com seu rosto.

Parecia tensa, mordendo o lábio inferior, inquieta.


Poderia ter lhe pedido um momento, como imaginei fazer com
qualquer outra pessoa, mas fiquei tão afobado que só
destranquei a porta e a abri, colocando-me de frente para ela.

Abri a boca para dizer alguma coisa, cheguei a


prender o ar para colocar força no som, mas apenas soltei um
suspiro e deixei os ombros caírem.

Meu coração acelerou dentro do peito, ganhando vida


como há muito tempo não acontecia. Era até bom ter uma
prova de que ele estava vivo, sobrevivendo mesmo depois de
todas as merdas que aconteceram. Não tinha virado pedra,
como jurei que iria acontecer.

Aparentemente só Jordana tinha esse poder.

Porra, como eu era apaixonado por ela. Não importava


quanto tempo se passasse; quanto tempo ficássemos
separados, Jordana ainda seria a mulher da minha vida.

— Você tem um tempo para conversarmos? — ela


falou, toda indiferente, erguendo a cabeça.

Naquele momento, meu coração parou mais uma vez.


Tive a completa certeza de que conseguiria finalmente me
explicar. Não sabia se Jordana iria concordar que meus
argumentos eram bons o suficiente, mas eu precisava tirar
aquilo da minha cabeça. Precisava que ela soubesse, porque
tinha o direito de entender que o problema não era ela.

Nunca seria.

— Você vai querer entrar? — indaguei com uma


sobrancelha erguida, em um tom provocador.

Ela despertava isso em mim. Costumava ser um cara


mais leve, mais brincalhão, e sentia falta disso. Só que não
tinha mais o direito de falar com ela como se fôssemos
íntimos. A partir do momento em que a magoei, era como se
tivéssemos nos tornado dois estranhos.

— Não quero. Preciso. Contanto que você ponha uma


camisa.
Cruzei os braços contra o peito, não deixando de
perceber que seus olhos recaíram exatamente neles.

— Não é como se você não tivesse me visto assim


antes.

— Não é como se eu pudesse fazer algo a respeito.

— Você pode.

Ela abriu um sorriso e passou por mim, com aquele


seu andar seguro, fazendo os saltos baterem no piso da minha
sala.

— Esta é mais uma coisa que eu não quero. Já vou


ser obrigada a ter essa conversa desagradável com você.
Mais do que isso, só se eu fosse louca.

Decidi aproveitar que ela tinha entrado, então fechei a


porta e peguei uma camisa que estava dobrada sobre minha
mesa de jantar. A moça que trabalhava durante o dia no meu
apartamento, fazendo os serviços domésticos, deixara várias
roupas lavadas e penduradas, então eu as tirei e as empilhei
para guardá-las.

Poderia deixar que ela faria isso por mim no dia


seguinte, mas já estavam secas e não me custava nada.

Abri os braços e dei um sorriso de canto, quase


provocador.

— Satisfeita?
— Um pouco melhor. De qualquer forma, ainda quero
explicar o que vim falar o mais rápido possível e ir embora.

Apoiei meu corpo na beirada da mesa de jantar,


esperando que Jordana começasse a falar. Ela não parecia
saber como.

Eu a conhecia. Foram cinco anos juntos. Cada


movimento, cada um de seus humores... ela sempre foi um
livro aberto.

— Quais são as chances de a gente fingir que ainda


está junto? — Outra coisa que sempre foi uma característica
dela, que eu conhecia muito bem: Jordana nunca foi de
rodeios.

Franzi o cenho, confuso.

— Perdão... o quê?

— Fingir. Da mesma forma como você fingiu que me


amava todos os nossos cinco anos.

— Eu não...

— Sem conversas sobre passado — ela afirmou,


erguendo uma das mãos, não me deixando terminar de falar.
— A história é que minha avó não sabe ainda sobre você ter
me abandonado no altar.

Aquela expressão era horrível. Era real, porque fora


exatamente isso que acontecera, mas odiava pensar nisso.
Todas as vezes que me lembrava do que fui obrigado a fazer,
a vontade que eu tinha era de arruinar o meu réu primário e
cometer um assassinato. A vítima seria bem específica.

— Sabe que estou prestes a viajar para visitá-la, mas


ela insiste que você vá. Só que só de imaginar que
poderíamos estar brigados, quase passou mal. Não posso
arriscar. Sei que é uma situação complicada, talvez você já
esteja com alguém e...

— É claro que não estou — respondi convicto.

— Bem, não seria um problema meu, né? Não somos


mais nada um do outro... — Ela encolheu os ombros, também
cruzando os braços. Estava se esforçando muito para parecer
indiferente. Ao menos se eu a conhecia tão bem quanto
pensava conhecer o que queria esconder era um profundo
ressentimento. — Seja como for; se ainda estiver livre, porque
sei que ia tirar férias, e se puder me fazer esse favor,
agradeço. Acho que tem uma dívida comigo.

— Não só por ter uma dívida com você, mas porque


amo a sua avó. Não precisa nem pedir duas vezes.

Eu não poderia negar que estava enxergando tudo


aquilo como uma enorme oportunidade. Se eu e Jordana
passássemos mesmo um mês juntos, eu encontraria uma
forma de fazê-la entender o que tinha acontecido. Nem que
precisasse encurralá-la em algum lugar e obrigá-la a me ouvir.

— Ótimo. Vou mandar informações por e-mail.


Obrigada pelo seu tempo.
A frieza dela chegava a doer nos meus ossos. Mal me
olhava, e quando o fazia eu sentia uma raiva que parecia que
nunca mais iria se dissipar entre nós. Não importava o que eu
fizesse.

Tanto que a reação que tive quando a vi ir embora,


passar por mim e andar na direção da porta foi segurá-la. Não
fazia o menor sentido, porque ela não dera qualquer indício de
que aceitava que eu a tocasse, muito pelo contrário, mas não
havia chances de eu não agir com impulsividade quando
estava tão desesperado. Teria um bom tempo para tentar
reconquistar sua confiança e a oportunidade de conversarmos,
mas ali eu estava cometendo um grande erro.

Minha mão se fechou sobre seu cotovelo, puxando-a e


fazendo-a girar na minha direção.

— Jordana? Por favor... — comecei a falar, com os


olhos suplicantes.

— Não ouse — ela quase cuspiu as palavras,


enquanto desvencilhava o braço. — Você não tem noção do
quanto eu te odeio. Do quanto me magoou. O quanto eu sofri.

— Eu sei, Jo. Acredite em mim, meus motivos são


bons!

— Não existe opção de bons motivos para você ter me


abandonado no altar! — ela gritou cada palavra, cada letra. —
Já repassei na minha cabeça vários e vários cenários, e
nenhum deles faz qualquer sentido. Sempre fui boa para você.
Sou leal, sou companheira, sou interessante, modéstia à
parte. Terminar comigo era uma coisa, mas da forma como
foi?

— Jordana... por favor, só me deixe contar o que


aconteceu...

— Não! Sabe por quê? Porque se o motivo for merda,


eu vou ficar me sentindo pior. Prefiro não saber e continuar te
odiando, mas com um fundo de esperança de que a história
era boa o suficiente.

— Eu recebi um telefonema e...

— Cala a boca! Falei que não quero te ouvir. Não me


faça me arrepender de ter vindo aqui. Foi pela minha avó. Se
não fosse por ela, acredite, a gente nunca mais ia se falar.
Espero, sinceramente, que esse mês passe muito rápido.

Eu ia esticar a mão de novo para tocá-la, mas Jordana


deu um tapa nela.

— E não ouse me tocar. Não ouse fazer qualquer


coisa sem o meu consentimento. Acabou, Hector. Agora vai
ser só teatro, vamos só fingir um relacionamento, e o mais
afastados possível.

Ela saiu marchando, abrindo a porta e fechando-a em


um baque.

Quando me vi sozinho, passei a mão pelos cabelos,


tentando respirar, mas não encontrando ar.
O que eu tinha feito?

E o que podia fazer para resolver aquilo?

Jordana teria que me ouvir, mas já nem acreditava que


fosse aceitar a explicação da forma como eu gostaria.

Só que eu não podia aceitar que tinha acabado. Não ia


me dar por vencido de jeito nenhum.
CAPÍTULO SETE

Arrumar a mala era um termo muito gentil para o ato


de pegar as roupas no meu closet, enrolá-las em uma bola
desorganizada e jogá-las de qualquer jeito na bagagem, que
era bem mais parecido com o que eu estava realizando
naquele momento.

Era como se eu estivesse com raiva da viagem. Para


ser sincera, estava mesmo. o que era muito irônico, se
pensasse que passei meses e meses desejando-a, não só
para ver minha avó como também para sair um pouco do Rio
de Janeiro e espairecer.

Eu não ia tirar férias cem por cento do trabalho,


porque precisaria continuar em home office, mas de acordo
com a minha chefe, poderia pegar mais leve. Poderia passar
horas na varanda da casa, observando a vista bonita da
propriedade onde vovó morava, a qual sempre amei quando
era criança.
Só que eu teria que fazer tudo isso sabendo que
Hector estaria na mesma casa, respirando o mesmo ar que
eu.

O ódio se tornou ainda maior depois da minha visita.


Não só porque eu queria odiá-lo, mas também porque era
ridículo sentir que ainda provocava reações indevidas em mim.

Mas eu precisava focar que seria uma sensação


normal em qualquer circunstância, até porque... ele tinha um
corpo...

Que Deus me perdoasse, mas mesmo com raiva eu


ainda tinha vontade de lamber um por um aqueles malditos
gominhos do abdômen do sujeito.

Pensando nisso, joguei uma das roupas dentro da


mala com mais raiva ainda e soltei um resmungo que chegou
a arranhar a minha garganta.

— Tá tudo bem aí? — Madalena surgiu, colocando a


cabeça pela frestinha da porta, com muita cautela.

— Depende. Defina "bem".

Com um suspiro indulgente, minha madrasta entrou e


arrancou a roupa que eu tinha acabado de pegar, da minha
mão, e a dobrou com todo o capricho e cuidado, levando-a até
a mala, fazendo uma careta horrorizada para a confusão que
eu tinha construído lá dentro.

— Amada! Pelo amor de Deus! Deixa eu te ajudar...


— Não quero te dar trabalho.

— Jamais. Enquanto isso a gente vai conversando...


— Ela se sentou na minha cama, tirando tudo de dentro da
mala e começando a dobrar as roupas para mim. Uma santa.
— Ainda não me disse como foi a conversa com Hector, só sei
que ele topou. É por isso que está tão estressada?

Bufei. O nome maldito tinha esse poder sobre mim.

— Sim e não. O fato de ele topar deveria me deixar


mais tranquila, né? Mas no fundo eu queria que dissesse não.

— Imagino o motivo. Você tem medo de ficar muito


perto dele, né?

Lancei um olhar para Madalena, porque ela pegou


direitinho na ferida.

Fiquei em silêncio por alguns breves instantes, mas


respirei fundo, jogando-me na cama ao lado dela. Não
adiantava mentir para alguém que me conhecia tão bem. Sem
contar que nem era muito difícil de imaginar, né?

— Odeio me sentir assim, mas gosto dele. Gosto de


quem ele era, ao menos. De quem me fez acreditar que era.
Sem contar que... Deus, Madá, ele é lindo. Impossível não me
sentir atraída de novo.

— São os ruivos, querida. São terríveis — ela falou


com muita naturalidade, um tom até nostálgico.
— Hector não é... — interrompi minha própria fala,
porque, novamente, aquela discussão não era relevante.
Ainda assim, tentei mudar de assunto: — Você sempre fala
isso. Teve algum ruivo na sua vida?

— Não como namorado, mas fui apaixonada por um


no colégio. Sem contar que eu assisto aquela série. Outlander,
sabe? Sou apaixonada pelo menino, e ele é ruivo. Ainda não
conheci um que não fosse muito, muito charmoso e sedutor.

Ela falava de um jeito muito engraçado, e eu fiquei


feliz por ela estar sempre por perto, sempre me fazendo rir.

Peguei a mão dela, que não parava de trabalhar nas


minhas coisas, e isso chamou sua atenção o suficiente para
que me olhasse, surpresa.

— Obrigada. Por ser maravilhosa como você é.

Madalena claramente ficou emocionada, a ponto de


seus olhinhos marejarem.

— Não é muito difícil com uma enteada como você.

Foi um momento bem emotivo. Perdemos alguns


instantes sorrindo uma para a outra, e Madalena até levou a
mão ao meu rosto, como uma mãe faria.

Ela não gostava muito que eu mencionasse isso, não


só porque sempre disse que não queria tirar o lugar de
ninguém, mas também porque era muito jovem para ser mãe
de uma moça de vinte e três, embora... tecnicamente... ela
tivesse, sim, idade para isso. Ainda assim, ela sabia quais
eram os meus sentimentos.

Fomos interrompidas pelo som do meu celular. Era


pouco mais de oito da noite, mas o toque era o mesmo que eu
usava para a minha chefe, então não havia dúvidas de quem
poderia estar me procurando.

O problema era achar o aparelho em meio à pilha de


roupas que formamos sobre a cama.

Madalena me ajudou a procurar, e quando o encontrei,


eu já estava descabelada e meio doida.

Levei-o à orelha, afobada:

— Kelly? Oi! — saudei, tentando me recuperar.

— Desculpa estar te ligando a essa hora, Jo, mas


como a gente vai demorar a se ver e é uma coisa importante,
precisei te interromper. Dá para falar? Não vou tomar muito do
seu tempo.

— Claro, pode falar.

Fiquei imediatamente tensa. Três dias atrás tinha


acontecido aquele incidente do e-mail, e até então nada
acontecera. Eu sabia que podia demorar até as pessoas
verem que sua resposta tinha sido postada no site, e também
que os comentários para elas eram lidos pela equipe com um
pouco de atraso, porque o volume era insano.

Com certeza era sobre isso que ela queria conversar.


— Percebi que você deu uma resposta um pouco
diferente para uma leitora recentemente... — Pronto. Eu ia ser
demitida. Por telefone, ou pior: ela deixaria no ar que haveria
uma conversa quando eu retornasse da viagem, e eu passaria
um mês inteiro me revirando de ansiedade e medo. — A
leitora respondeu e também tivemos um recorde de
comentários.

— Kels, me desculpa. Eu juro que foi sem querer.


Digitei sem pensar e nem ia enviar, mas acabei encostando no
comando do teclado e foi. Juro que posso compensar de
alguma forma... — Era péssimo precisar mendigar por um
emprego que eu não gostava. Claro que eu poderia encontrar
outro sem pressa, já que não passava nem um pouco de
dificuldade e ainda vivia com o meu pai, que tinha bastante
dinheiro, mas queria fazer uma carreira na Belle, Belle. Eu
certamente conseguiria acrescentar algo à equipe de
jornalismo. A revista podia ter suas sessões mais bobinhas,
mas era referência em reportagens sobre mulheres em vários
nichos e temas. E o pessoal era maravilhoso.

— Calma, mulher! — Ela riu ao fundo. — Estou te


ligando porque os comentários foram todos positivos. O
pessoal amou essa nova abordagem mais empoderada. A
leitora que pediu o conselho, inclusive, disse que seguiu,
arrumou um boy naquela noite e que vai sair de novo com ele
no final de semana. Pensei que você sabia disso.

Fiquei paralisada e cheguei a olhar para Madalena,


que estava alheia à conversa, mas olhando para mim, com
certeza preocupada com a forma como eu estava falando.

— J-jura? — gaguejei.

— Juro! Sei que não vamos ter tempo de fazer uma


reunião para falarmos sobre, mas a gente pode aderir a esse
tipo de texto? Você chamou atenção de um pessoal da chefia,
porque há muito tempo não temos uma resposta tão positiva
de tanta gente. Acho que se ficarmos assim por um tempo, eu
posso conseguir falar de você para outros setores. É o que
você quer, não é?

— Nossa, é o que eu quero muito — falei quase como


uma criança que acabou de vislumbrar a possibilidade de
ganhar um presente de Natal que esperava há um bom tempo.

— Então temos um caminho. Sabe que eu gosto


demais de você e vou lamentar te perder no setor, mas
entendo que é talentosa e precisa voar. Espero de coração
que dê certo.

— Eu também, Kels. Muito.

Toda a minha raiva se dissipou em poucos segundos,


e quando desliguei o telefone, eu estava sorrindo de orelha a
orelha. Nem parecia que no dia seguinte iria viajar e passar
tempo com meu ex-noivo a quem eu deveria fazer um esforço
enorme para odiar.

— Boas notícias? — Madalena perguntou, sendo


contaminada pelo meu sorriso.
— Finalmente! As melhores possíveis.

Puxei minha madrasta para um abraço de urso, o que


a fez soltar um gritinho surpreso, mas em meio a uma
gargalhada.

Ao menos uma coisa boa em meio ao caos. Eu iria


viajar até mais leve.
CAPÍTULO OITO

Saltei do carro, na garagem da casa de Jordana, e


fiquei observando a movimentação. Não ousaria me
intrometer, ainda mais porque Madalena estava muito
concentrada dando indicações ao motorista da família sobre
como colocar suas infinitas malas no bagageiro. Ela os
direcionava como uma profissional, dando ordens com seu
jeitinho doce, segurando um Brioche que não parava de
tremer – como sempre – em seu colo.

Sempre falei que o bichinho tinha ansiedade, mas


ninguém nunca me ouviu.

Parei do lado de fora, apoiando-me no meu carro e


cruzando os braços contra o peito, sem tirar os óculos escuros
do rosto. Enquanto isso, contava as malas da mulher, me
perguntando se ela estava de mudança para Paris ou se era
mesmo só uma viagem de um mês para uma cidade próxima.

Mas era impossível não amar aquela mulher,


principalmente por seu jeitinho peculiar de ser.
Fausto, pai de Jordana, surgiu poucos minutos depois
de eu ter entrado. Com uma camisa polo e uma bermuda
cáqui, ele era o típico empresário bem-sucedido, e eu gostava
dele, assim como de sua esposa. Só que ele sempre fez o
jeitão mais sério, mais maduro, tanto que era difícil entender
como seu casamento dava tão certo.

Ele desceu as escadas da frente da casa, e eu percebi


que me viu. Lançou um olhar bem antipático na minha direção,
mas já estava preparado para isso. Não era como se a família
fosse me receber de braços abertos, com exceção da D.
Zulmira, que estava completamente alheia à verdade.

Fausto primeiro parou do lado da esposa, abrindo um


sorriso caloroso para ela, falando algo ao seu ouvido que a fez
rir. Também coçou a cabeça do cachorrinho – que se eu bem
me lembrava, ele não queria, mas por quem acabou
apaixonado no final das contas.

É, eles funcionavam. Definitivamente.

Depois da interação com a esposa, ele veio até mim.


Costumávamos ter uma relação excelente, mas não era difícil
entender que tinha me tornado persona non grata para ele
também.

— Não concordo muito com essa decisão da Jordana,


mas você a conhece bem. Sabe que é difícil tirar alguma coisa
da cabeça dela.
— Eu bem sei como é — tentei usar de um pouco de
descontração no meu tom, mas a reação do meu ex-sogro foi
colocar uma carranca ainda maior no rosto.

— Não pense que estamos do seu lado. A minha


vontade era te dar um bom soco, mas não vou fazer isso,
porque vamos à casa de uma pessoa que eu considero muito.
Espero que tenhamos paz ao redor dela.

— Teremos, se depender de mim... senhor. — Fazia


um bom tempo que não tinha mais esse tipo de formalidade
com Fausto, mas achei que caberia, já que eu não era mais da
família.

Fausto continuou olhando para mim por um tempo,


meio que me estudando. Mantive os olhos nos dele, como se
fôssemos adversários; algo que eu não queria de jeito
nenhum. Mas não era uma escolha, o pior já tinha sido feito.

Em seguida, enquanto ainda estávamos nos olhando,


vi Jordana também se aproximando. Com um short jeans e
uma camiseta, ela parecia muito mais despojada,
principalmente com os cabelos presos em um rabo de cavalo,
com algumas mechas soltas e espalhadas pelo rosto.
Diferente da madrasta, carregava sua própria mala, então eu
me apressei em me aproximar e tirá-la de sua mão,
começando a me dirigir ao meu carro.

— O que você pensa que está fazendo? — ela soltou,


nem um pouco satisfeita.
— Ué, vou levar sua mala para o meu carro.

— Ficou louco? Eu não vou com você. Nem sei,


sinceramente, o que veio fazer aqui. Podia ter ido direto.

Revirei os olhos, mas em um misto de emoções.


Primeiro de tudo, eu não deveria ser sarcástico com ela,
embora fosse parte do meu humor natural, mas precisava ser
paciente, para tentar ganhar espaço e confiança novamente.
Em segundo lugar, a ideia de estar perto dela fazia com que
eu me sentisse de novo um garoto de vinte anos, que se
deparou com a menina mais linda que já tinha visto na vida e
jurou que iria conquistá-la.

Nunca deixei de dar o valor que Jordana merecia, mas


ao perdê-la, percebi que poderia ter feito ainda mais. Era o
que eu pretendia, até que tivéssemos oportunidade de
conversar.

— Precisamos fingir, não é? Se estivéssemos juntos,


você iria comigo, no meu carro.

Percebi que abriu a boca linda para protestar, mas


interrompeu a si mesma antes de continuar. Ela sabia que eu
estava certo. E claro que tinha total intenção de mantê-la perto
de mim o máximo de tempo que conseguisse, no entanto,
naquela discussão, eu só queria sair vencedor porque
realmente fazia muito mais sentido.

— Você vai se aproveitar dessa situação do início ao


fim, não vai?
Eu devia responder que não, bancar o bonzinho ou o
cavalheiro, mas não queria mentir para ela. De forma alguma.
Sem contar que uma das coisas que a conquistou no passado
foi exatamente o meu jeito mais cínico.

— Pode apostar que sim.

Bufando, Jordana saiu marchando, passando pelo


meu lado e me dando um encontrão que era claramente
proposital. Deixou a mala na minha mão e passou para o
carro, abrindo a porta e entrando, batendo-a com força.

Ela devia achar que estava me deixando puto com


aquele seu comportamento pirracento, mas na verdade eu
achava tudo o que ela estava fazendo uma gracinha.

Aprontamos as coisas, e eu percebi que Fausto não


gostou muito da ideia de eu levar sua filha no meu carro, mas,
exatamente como ele dissera, Jordana tinha suas opiniões
próprias e ai de quem discordasse dela.

Claro que a viagem seria o mais desconfortável


possível. Pensei em colocar uma música para descontrair e
optei por uma banda que costumávamos ouvir enquanto
estávamos juntos. Imediatamente Jordana estendeu a mão e
trocou.

— Pensei que você gostasse dessa música —


comentei.

— Não gosto mais — respondeu assertiva.


— Desde quando?

Ela olhou para mim com um olhar enviesado,


claramente impaciente.

— O que você acha?

Claro que eu não respondi. Mas odiava a ideia de


ficarmos em silêncio por todo o caminho. Não só porque eu
não estava acostumado a ficar assim do lado de Jordana, mas
também porque havia tanta coisa que eu queria lhe dizer... se
não brigasse pelo que queria, ficaríamos para sempre naquela
mesma situação.

— Como você tem estado? — tentei.

— Ah, não. Não faça isso. A gente não vai conversar.


Até porque eu sei que se te der corda, você vai tentar puxar o
assunto proibido comigo.

— Assunto proibido?

— É. Você sabe qual é. Inclusive acho melhor deixar


isso estabelecido entre nós. Vamos ser obrigados a conversar,
a interagir, mas eu não quero uma única palavra sobre o dia
do casamento.

— O que você falou para a sua vó sobre as fotos e as


filmagens? Ao menos isso eu preciso saber para não contar
uma história diferente.

— Falei que a empresa não nos entregou.


— Mas já se passaram meses.

— Por isso eu disse que vamos processá-los. —


Jordana fez uma pausa, respirando profundamente. — Olha,
eu não sou uma mentirosa como você. Acho que sabe disso.
Mas pela minha avó sou capaz de tudo, até de aturar a sua
presença.

— Eu não sou um mentiroso, Jordana — afirmei com


muita convicção. Podia ser acusado de qualquer coisa, menos
de mentir. Muito menos sobre amá-la.

— Tá vendo? Por isso eu não quero conversar com


você, porque vai acabar me irritando, e vou me arrepender
amargamente da decisão que tomei de ir em frente com essa
farsa.

Ela colocou os óculos escuros e se virou na direção da


janela, começando a observar a paisagem lá fora. Foi a minha
deixa para desistir de tentar uma conversa.

Não era uma viagem exatamente longa, mas


pegaríamos pelo menos umas duas horas de estrada. Eu
costumava gostar de dirigir, tanto que dificilmente pedia que
Jordana assumisse o volante quando estávamos juntos, por
mais que ela fosse uma excelente motorista também. Só que
era um pouco diferente quando se tinha uma pessoa animada
ao lado. Estar com alguém que não queria nem um pouco a
nossa companhia era bastante perturbador. Tanto que aquelas
duas horas mais pareceram uma eternidade.
Quando chegamos, porém, imediatamente percebi que
fora uma boa ideia topar aquela loucura. Não só porque eu
queria estar perto de Jordana, mas também porque amava
dona Zulmira. Se as coisas entre mim e sua neta não se
resolvessem – algo que eu nem queria pensar que pudesse
acontecer – queria pelo menos olhar para o rostinho dela uma
última vez e dizer que era a avó que nunca tive.

O dia estava ensolarado em Porto Vermelho, a cidade


litorânea para onde viajamos, e o local era bonito demais.
Vizinha de Búzios e Cabo Frio, tratava-se de um ponto um
pouco menos turístico, por ser repleta de mansões e refúgio
dos muito ricos. Eu mesmo sempre planejei comprar uma casa
por lá, porque desde que comecei a namorar Jordana me
apaixonei pelo lugar. Sem contar que sabia que ela gostaria de
estar perto da avó.

Os portões da casa de dona Zulmira foram abertos, e


eu entrei com o carro parando na garagem. Fausto parou o
dele logo ao meu lado, por onde Madalena saltou, tirando o
cachorrinho do banco traseiro. Brioche foi colocado no chão e
já começou a correr pela casa, provavelmente querendo fazer
suas necessidades depois de uma viagem longa.

Enxerguei dona Zulmira vindo em nossa direção,


acompanhada por sua fiel escudeira, Célia, e meu coração se
encheu de amor. Ela lançou um olhar de esguelha para mim,
com um sorrisinho de canto, tão fofa que eu seria capaz de
apertá-la.
Falou primeiro com o genro, depois com Madalena e
veio para nós. Suas exclamações ao reencontrar a neta foram
de pura emoção, porque eu sabia que não se viam há um bom
tempo. Ficaram bons minutos nos braços uma da outra, e me
senti tocado. Sabia que o amor que sentiam era forte o
suficiente para que mesmo a distância as mantivesse muito
conectadas, e eu não queria interferir.

Ainda assim, ela veio na minha direção, logo em


seguida, lançando-se nos meus braços. Ela era pequenininha,
e eu sempre a tirava do chão, o que eu sabia que adorava. Fiz
com todo o cuidado do mundo, porque sua saúde passara a
ser frágil, mas mesmo assim ela deu uma gargalhada
deliciosa.

— Meu menino lindo, que saudade!

Coloquei-a no chão e olhei de soslaio para Jordana,


que tinha cruzado os braços e feito uma careta.

— Veja só se tem cabimento: sua esposa me disse


que você não ia vir. Sabe que eu ia te buscar lá no Rio e te
traria a bengaladas.

Esposa.

Foi a primeira vez que ouvi a palavra sendo referida a


Jordana para mim. Àquela altura, ela já deveria ser mesmo
minha mulher, merecer o título.

Fui obrigado a mais uma vez olhar para ela, mas não
vi mais a expressão provocadora de antes. Aquilo a
entristeceu. Isso acabou comigo.

Provavelmente Dona Zulmira iria perceber a forma


como nos comportamos depois de seu comentário, mas
Fausto veio em auxílio, colocando o braço ao redor da
senhorinha, fingindo um sorriso.

— É, mas nosso garotão aqui acabou topando, né?


Acho que era o mínimo que podia fazer... — Meu ex-sogro deu
um tapa no meu ombro bem forte. Não me machucou, mas
senti o toque. Ele não ia pegar leve comigo em nenhum dia.

— Como assim? — dona Zulmira perguntou, mas


Fausto começou a conduzi-la para dentro da casa, mudando o
assunto.

Madalena e Célia os seguiram, de braços dados,


conversando animadas, e eu e Jordana ficamos para trás. Fiz
um gesto para que passasse na minha frente, tentando ser um
cavalheiro, mas percebi que dona Zulmira ficou olhando para
nós, por cima do ombro, então estiquei a mão e agarrei a dela,
em um impulso.

Jordana parou, poucos passos diante de mim,


parecendo um pouco surpresa pela minha atitude. Só que ela
não podia dizer nada, levando em consideração que
estávamos próximos à pessoa que precisávamos enganar.

Baixou os olhos, voltando-os direto para nossas mãos


entrelaçadas. Eu não sabia se ela conseguia perceber a
eletricidade vibrando entre nossas peles. Sempre fora assim.
Desde o primeiro beijo, desde o primeiro contato. Havia algo
muito magnético na forma como nossos corpos se
reconheciam, desde a ponta dos dedos até a forma como eles
se encaixavam sem esforço.

Não havia como negar que o que sentíamos um pelo


outro não tinha desaparecido naqueles meses em que ficamos
separados.

E eu ia provar isso a ela nos próximos dias.


CAPÍTULO NOVE

Dava para sentir o desconforto como se fosse mais


uma pessoa à mesa. Só minha avó não percebia, porque não
parava de rir e sorrir, radiante por ter a família por perto.

Era isso que eu queria. O fato de precisar estar ao


lado de Hector à mesa, de sentir sua proximidade, seu cheiro
e o toque ocasional de seus ombros largos que mal pareciam
caber no espaço que fora designado a ele, se tornava quase
irrelevante ao ver minha avó feliz. O sacrifício – uau, que
dramático – se tornava menos... sacrificante, na falta de uma
palavra melhor.

— Meninos, vocês não contaram como foi a lua de


mel. Sem detalhes sórdidos, por favor, mas a viagem? Vocês
foram para onde mesmo?

— Cancún — respondi, mas Hector falou ao mesmo


tempo que eu:

— Dubai.
Nós dois nos entreolhamos, e meus olhos se
arregalaram, assustada com o quanto a primeira interação já
tinha dado errado.

A verdade era que Hector tinha planejado uma viagem


para um lugar misterioso, para o qual nós iríamos em um
avião fretado por ele. Era uma brincadeira entre nós, porque
ele sabia que eu gostava de ser surpreendida.

Naquele momento, fiquei curiosa para saber se aquele


era mesmo o destino secreto que tivera em mente, ou se
apenas jogara qualquer resposta, como eu fiz, só para a
minha avó não ficar curiosa.

Teria ele planejado mesmo alguma coisa ou sua ideia


de fugir do próprio casamento já vinha de antes, ao ponto de
nem deixar nada acertado?

Todos os olhos se voltaram para nós, com a mesma


apreensão. Menos vovó, ela estava confusa.

— Nós fomos aos dois lugares, mas Cancún não foi


lua de mel, amor — Hector falou, vindo em defesa de nossas
respostas improporcionais, colocando um pouco de ênfase na
última palavra, de propósito, só para me provocar. O sorrisinho
em seu rosto era irritante. Eu costumava adorar aquele seu
jeitinho no passado, mas naquele momento me dava vontade
de aceitar a ideia de Madalena e colocar um belo laxante em
sua bebida só para vê-lo desesperado. — Cancún nós fomos
passar o feriado. Foram só quatro dias.
Não tínhamos passado feriado nenhum em Cancún.
Viajamos bastante em nosso tempo juntos, até porque Hector
gostava de esbanjar sua fortuna comigo, mas nem chegamos
a ir ao México.

No nosso primeiro encontro, eu fiquei extremamente


deslumbrada – como a garota de dezoito anos que era –,
porque me levou para jantar em um restaurante caríssimo que
ele conseguira reservar só para nós.

Na primeira vez em que fizemos amor, ele fretou um


helicóptero e me levou para Angra dos Reis, para uma casa
em uma ilha maravilhosa. Eu me lembrava muito bem da
forma como tirou minha virgindade, gentil e delicado, mas me
fazendo jurar que eu tinha muita sorte de ele ser o primeiro,
porque... meu Deus. Foi bom. Muito bom.

Nos nossos cinco anos de relacionamento, muitas


foram as vezes em que Hector me surpreendeu com
presentes extravagantes ou passeios inusitados. Ele era o
típico mocinho de livro milionário, mas com a vantagem de ser
pé no chão e nada arrogante.

Mentira... ele tinha certa petulância, mas de um jeito


charmoso. Sem se achar o dono do mundo, mas com aquela
noção de que era poderoso.

— É, acho que eu estou ficando maluca. Só pode —


respondi com um jeito levemente irônico, com os olhos presos
a ele, desdenhosa. — Mas Dubai foi ótimo, vovó. — Voltei-me
na direção dela, pegando o meu copo e dando um gole,
agradecendo por ser um suco e não vinho. Se fosse álcool, eu
acabaria completamente bêbada.

— Como foi? Sempre quis conhecer lugares


diferentes.

Ah, meu Deus! Minha avó com certeza queria me


matar.

Mais uma vez, porém, Hector veio em minha defesa,


contando várias histórias de Dubai. Inclusive sobre alguns
lugares onde ocorreram coisas engraçadas.

Mas era um mentiroso mesmo. Contava detalhes


sobre restaurantes, sobre pontos turísticos e sobre a cidade
em si. Sobre a modernidade, as luzes, as pessoas e a cultura
completamente diferente. Mentia como se estivesse
escrevendo um livro a respeito de uma história que nunca
existira.

Para ser honesta, ele não mencionou a minha


presença nenhuma vez, só contou de um jeito mais genérico,
como se fosse algo de nós dois. Fui assentindo, ouvindo-o
falar, enquanto tentava continuar a comer, embora meu
estômago estivesse meio revirado.

Mas eu não estava preparada para o pior, é claro.

Assim que terminamos de almoçar, em meio a todo o


constrangimento da situação, nós nos levantamos para
vermos nossos quartos, para os quais um dos empregados da
minha avó levara nossas malas. Era o Seu Julio, que
funcionava como um faz tudo da casa. Era jardineiro,
eletricista, bombeiro, cuidava da pintura, da manutenção e
ainda ajudava em serviços mais braçais. Uma aquisição
maravilhosa, especialmente porque era casado com Célia,
outra pessoa em quem confiávamos de olhos fechados.

Passamos pelo cômodo onde ficariam meu pai e


Madá, então chegamos ao meu. O mesmo onde sempre dormi
quando visitava minha avó. Jurei que faríamos como sempre,
porque lá, na casa dela, enquanto não fôssemos casados, eu
e Hector não compartilhávamos a mesma cama. Sendo assim,
ele ficava com outro quarto.

Jurei que ia continuar assim, mas vi que as coisas dele


também estavam junto às minhas.

— O que é isso? — Apontei para nossas malas, em


um canto.

— Sua avó mandou colocar vocês dois no mesmo


quarto — Célia comentou comigo, porque fora quem nos
guiara. Hector não estava no momento, porque alegou ter algo
para resolver da empresa e ficou lá embaixo, falando ao
telefone.

Aproveitando que eu e Célia estávamos sozinhas, e


que ela sabia de tudo, joguei-me na cama, deixando meus
ombros caírem, suspirando.

— Isso vai dar muito errado. Vovó vai descobrir —


falei, meio que divagando.
Célia se aproximou, coçando a sobrancelha, em uma
expressão de quem ia dar um conselho, mas tomando todo o
cuidado para não ser dolorosamente honesta.

Ela podia ser, se quisesse. Primeiro porque eu


imaginava tudo o que ela ia dizer, mas, mais do que isso,
porque tinha um espaço muito especial na nossa família.

— Eu fiz tudo o que pude para esconder dela.


Monitorei o que assistia, o que lia, mas nem foi tão difícil,
porque sua avó anda bem seletiva sobre o que quer saber,
principalmente de notícias.

— Fiquei surpresa por ela não querer ver coisas sobre


o casamento...

— Eu falei que vocês não abriram espaço para a


imprensa.

— Mas eu sou jornalista. Isso meio que não tem muito


cabimento.

— Ah, mas ela não entende. Eu disse que vocês


queriam algo íntimo, sem fotógrafos e sem alarde. Não sei se
ela tem muita noção do quão famoso Hector é como
empresário, porque sempre esteve aqui, não tem tanto acesso
à mídia. Ela sabe que ele é rico, mas não muito mais do que
isso.

— Ele é imensamente rico. Indecentemente, aliás.

Célia riu.
— Sabemos disso, mas ela, não. Ou sabe, mas não
entende o quanto isso pode impactar na vida pública de
alguém. Seja como for, consegui contornar a situação, mas
não sei como vai ser com vocês aqui. Hector até que está
disfarçando bem, mas dá para ver na sua cara o quanto está
ressentida.

— E não é para menos.

— Não, de forma alguma. Tem toda razão. Mas já


passou pela sua cabeça que, de repente, ele possa ter tido um
motivo?

Cheguei a me levantar de um rompante, irritada.

— Ah, não, Célia! Você também não. Pelo amor de


Deus. Todo mundo já me falou isso.

— Porque não tem cabimento, Jo. Até hoje dá para ver


nos olhos dele o quanto ele te ama. Hector sempre foi louco
por você. Os dois sempre foram um pelo outro, aliás.

Errada ela não estava. Era visível o quanto nos


dávamos bem. O quanto éramos compatíveis. Até mesmo na
época da faculdade éramos invejados por isso. Tão jovens e já
tínhamos encontrado os amores de nossas vidas. Algo muito
raro.

Superestimei minha sorte.

— Célia, por favor, não vamos falar sobre isso, tudo


bem? Ainda me dói. — Tanto que eu estava prestes a chorar,
mas não ousei. Não na frente de outras pessoas.

Este, talvez, fosse um dos meus defeitos. Algo que eu


precisava cuidar na terapia, sem dúvidas, mas demonstrar
minhas emoções mais extremas era um tabu. Com Hector
nunca foi, mas ele sempre despertou um lado muito visceral
em mim. Sempre me deu a segurança que eu precisava para
me soltar. A única outra pessoa que era capaz disso era a
minha avó. Ou seja, perdi cinquenta por cento do meu apoio.
Ou quase cem, levando em consideração que em um dos
momentos mais difíceis da minha vida não tive nenhum dos
dois para me confortar. Um porque fora o causador da merda
toda; e outro, porque não sabia a verdade.

— Claro, querida, desculpa.

— Não precisa se desculpar. Eu...

Nem tinha percebido que a porta estava fechada, só


quando uma batida me fez parar de falar imediatamente.

Dois toc.

Uma pausa.

Três toc.

O nosso código especial. Tínhamos desde muito


novinhos, principalmente para quando passávamos noites ali,
na casa da minha avó ou na casa do meu pai, e ele queria se
esgueirar para o meu quarto. Também servia para quando eu
passava na empresa dele, depois do meu trabalho, e queria
entrar em sua sala, já que tinha livre acesso desde sempre.

Era uma coisa boba, quase infantil, mas meu peito


chegou a apertar.

Cheguei a sentir um calafrio e meu lábio inferior tremer


com a saudade de quando as coisas eram mais simples. De
quando eu podia simplesmente sorrir e me jogar em seus
braços sempre que tentava entrar sorrateiro em qualquer
lugar. Da mesma forma como fizera com o meu coração, do
qual fora conquistando seu espaço lentamente, mas de forma
definitiva.

— Posso entrar? Me disseram que eu vou ficar aqui...


— Ele colocou a cabeça por entre a fresta, olhando para mim
como se pedisse desculpa.

Por aquele incidente, ele não tinha nada que se


desculpar. Ou talvez tivesse.

Para mim, Hector tinha se tornado culpado por


absolutamente tudo. Se eu pegasse... sei lá... catapora,
colocaria a merda da culpa nele. Se houvesse um apocalipse,
sem dúvida ele poderia ser responsabilizado.

— Claro. Eu tenho que ver se os outros precisam de


alguma coisa. — Célia se levantou e foi se dirigindo à porta.
Antes de sair, porém, voltou-se para nós. — Vocês vão ficar
bem, né? Não vou precisar chamar os bombeiros para
apagarem um incêndio, certo?
Eu não tinha muita certeza de como responder a ela,
mas balancei a cabeça, assentindo.

Só então ela saiu. E fechou a porta de novo.

Lá estava eu sozinha mais uma vez com Hector, sem


fazer a menor ideia de como iria sobreviver àquele próximo
mês sem surtar. Ou sem fazer uma besteira, fosse ela qual
fosse.
CAPÍTULO DEZ

Eu podia lidar com Jordana furiosa. Por mais que


sempre tivesse sido uma versão dela que atiçava todos os
meus instintos, era preferível vê-la daquela forma a como a
encontrei no momento em que entrei no quarto.

Mesmo quando era muito jovem, Jordana sempre me


pareceu invencível. Ligada no 220, com suas ideias
grandiosas, metas ousadas e objetivos muito bem-
estabelecidos, eu me lembrava de descobrir que estava
apaixonado por ela em um dia em que, deitados na cama da
minha casa, eu me peguei observando-a hipnotizado,
enquanto falava de um projeto que ia apresentar na faculdade.

Na teoria, as coisas poderiam ser mais simples, e ela


apenas criar uma matéria investigativa de um caso fictício,
mas Jordana, não satisfeita, inventou fonte por fonte, criou
entrevistas com personagens, montou todo um dossiê e
preparou uma matéria final baseada em todos esses artigos
inventados por ela mesma. Tão genial que o professor criou
sua prova de conclusão da matéria em cima desse trabalho de
Jordana – o que deixou alguns colegas muito irritados.

A partir deste momento veio o apelido que lhe dei, de


Lois Lane, mas também desabrocharam meus sentimentos
por ela. Tínhamos uns três meses de namoro, mas eu disse
que a amava.

A resposta dela: "me diz isso de novo daqui a uns dois


meses, porque ainda não vou acreditar".

Tudo com ela era desse jeito. Diziam que eu podia


controlar muitas coisas com o meu dinheiro, e talvez por isso
tivesse ficado de quatro por aquela mulher; porque ela era
indomável.

— Não faça isso — foi o alerta que me deu, no


momento em que ficamos sozinhos.

— Isso o quê?

— Usar o nosso código para bater na porta.

— Desculpa. — Baixei um pouco a cabeça, cruzando


os braços nas costas. — Não foi intencional. Eu só... Só bati.
Foi inconsciente.

Jordana assentiu, levantando-se e começando a se


mexer pelo quarto.

— Eu posso inventar uma história para sua avó. De


repente dizer que vou precisar trabalhar e me hospedar em
um hotel — comecei a falar, odiando cada uma das minhas
palavras. Claro que eu queria ficar ali, porque teria mais
chances de conviver com ela. Senti uma satisfação enorme
quando fui avisado de que iríamos compartilhar o mesmo
quarto. Ainda assim, por mais que fosse algo que eu queria
muito, não poderia forçá-la.

— E mentir mais ainda para ela? Aliás, você se saiu


muito bem falando sobre Dubai. Quando digo que é um
mentiroso profissional...

— Neste caso, não menti. Tudo que contei para ela


aconteceu, só que quando eu tinha dezesseis anos e viajei
com meus pais para lá. A última viagem antes de eles
morrerem. Minhas lembranças dela são muito vívidas por isso.

Jordana sabia de muitas coisas, principalmente que


meus pais me levaram a vários lugares do mundo. Perdi,
inclusive, um ano de aulas porque eles decidiram transgredir a
lei e passar doze meses sabáticos fazendo uma volta ao
mundo. Era como se imaginassem que iriam morrer jovens;
como se tivessem noção de que deixariam o filho e
precisavam passar o máximo de tempo com ele.

Não me arrependia. Precisei me esforçar para


recuperar o tempo perdido, mas tinha lembranças
maravilhosas dos dois. A empresa fora bem cuidada pelos
funcionários, meu pai conseguira fazer o que era preciso fazer
de qualquer parte do mundo, e eu acabei entrando na
faculdade um ano depois, conhecendo Jordana.

Só vantagens.
— Sinto muito. Não queria...

— Não peça desculpas, Jordana. Por nada. Só estava


te informando que não foi uma mentira. Ou talvez tenha sido,
porque nem sei se todos aqueles lugares de quando fui ainda
existem.

Ela balançou a cabeça, compreendendo, mas se


afastou um pouco mais, arrumando a desculpa de começar a
organizar suas coisas. Tanto que se agachou e foi mexer na
mala.

— Eu só queria dizer que posso dormir no chão. Não


tem problema.

— Claro que você vai dormir no chão.

Eu poderia ter rido da forma como ela falou, mas fiquei


calado. Também continuei parado, apenas olhando enquanto
pegava uma pilha de roupas muito bem dobradas de dentro da
mala e as empilhava no braço para colocá-las no armário.

— Madalena fez sua mala de novo? — tentei brincar.


Assim como a batida na porta, foi algo completamente
instintivo.

Pela cara com que ela me olhou, foi um erro


gravíssimo.

Aproximei-me para ajudá-la, mas Jordana se esforçou


para se levantar sozinha. O movimento, no entanto, a fez se
desequilibrar, parecendo um pouco tonta. As roupas em seus
braços caíram no chão, e eu me apressei em segurá-la,
amparando-a nos braços e recebendo-a antes que
despencasse.

— Ei, o que foi? Você está bem? — perguntei


apreensivo, mas ainda a sentia lânguida. Tanto que a peguei
no colo e a levei até a cama, colocando-a deitada com cuidado
e percebendo o quanto estava pálida. — Jo? O que foi, amor?
O que você tem?

Encostei os nós dos dedos no seu rosto, afastando


mechas de cabelo e acariciando-a, tentando fazê-la voltar a si.

Ela se virou de lado, aconchegando-se na cama,


resmungando, ainda me deixando preocupado. Tanto que me
aproximei um pouco mais, tentando ouvir o que dizia.

— Não me chame de amor.

Mais uma vez, eu poderia ter rido se a situação não


fosse tão preocupante.

— Só me diz como você está, por favor.

— Fiquei tonta. Nada além disso.

— Quase desmaiou. Ou desmaiou... não sei dizer. E


está um pouco gelada.

— Minha pressão, com certeza. Não comi muito, com


a viagem e todo o resto.
Abri a boca para fazer um comentário, a respeito de
alimentação, porque Jordana sempre foi um pouco negligente
com isso, mas outra coisa me veio à mente.

Era uma possibilidade remota, porque eu sabia que


tomava anticoncepcional desde que começamos a ter uma
vida sexual, mas havia chances de essas coisas falharem, né?
Na época da organização do casamento, ela comentara que
esquecera algumas vezes, por causa do estresse e da
ansiedade.

Não podia ser... podia?

— Jo, você acha que pode... Que pode estar grávida?

Ela se virou de supetão para mim, com os olhos


arregalados.

— Não! — soltou com uma baita convicção, mas não


demorei a perceber que seu corpo se retesou. Ela se colocou
sentada na cama, e eu até tentei segurá-la, mas se
desvencilhou e se pôs de pé, em um rompante. Fui atrás dela,
já meio traumatizado com a cena que tinha acontecido
momentos antes. — Eu não... — interrompeu a si mesma, mas
sua expressão estava pensativa. Quase como se fizesse
contas. — Eu não sei...

Confesso que eu também fiquei quase tonto com a


simples possibilidade. Era a pior hora possível para isso
acontecer, porque não estávamos juntos, e eu não queria que
um bebê pudesse ser parte da minha artimanha em
reconquistá-la. Não queria que, de repente, Jordana se
sentisse obrigada a reconsiderar nosso relacionamento por
causa disso.

Se quisesse voltar para mim, que fosse por causa de


nossos sentimentos.

Ainda assim... uau. Um filho.

Um filho com a mulher que eu amava.

Seria... incrível.

Claro que já tinha pensado em ser pai, principalmente


quando a pedi em casamento. Tive uma família maravilhosa, e
depois de perdê-los, criar a minha própria se tornou um sonho,
especialmente quando conheci a pessoa com quem queria
compartilhar o meu futuro.

Mas não podia deixar transparecer naquele momento,


porque Jordana me odiaria ainda mais.

— Jo, se você estiver esperando um filho meu,


precisamos confirmar...

Ok, eu tinha cometido mais um erro. Ao menos a julgar


pela cara que ela fez, não gostara nem um pouco do que eu
disse.

— Seu ego realmente é muito grande se pensa que a


única possibilidade é de o filho ser seu. Caso realmente haja
um bebê em jogo.
Veio como um soco no meio do meu estômago.

Ela tinha mesmo ficado com alguém? Durante aqueles


meses em que nos mantivemos separados, será que
conhecera algum cara que a seduzira? Será que se
apaixonara?

Eu não saberia, né? Por mais que tivesse ficado de


olho em suas redes sociais, porque simplesmente não
conseguia me desvencilhar dela. Não era uma questão de
controle, mas era apenas um jeito de eu vê-la, de olhar para
ela. Algo meio masoquista, talvez? Porque era doloroso
imaginar que não podia tê-la, que ela não era mais minha.
Apesar disso, não conseguia me afastar totalmente.

Mas ela poderia ter conhecido outras pessoas e não


exposto o relacionamento. Poderia estar até namorando sem
que ninguém soubesse.

Eu não queria nem pensar nisso.

— Seja como for, você precisa saber. Se quiser,


posso... te acompanhar, sei lá...

— Não, Hector. Vamos acabar com esse assunto. Eu


só passei mal, não foi nada de mais.

Ela simplesmente saiu marchando até a porta, saindo


e fechando-a, mas claramente estava atordoada por algo. Era
uma possibilidade, e eu não conseguiria deixar de pensar
nisso em um único momento a partir dali.
CAPÍTULO ONZE

Estou grávida de um cara que não me dá a mínima.

A gente transou algumas vezes, e ele nunca mais me


procurou, não atendeu às minhas ligações.

O que eu faço? Conto a verdade para ele, exijo os direitos ou


tento curtir a produção independente?

Era impressionante como em meio às mensagens que


precisava responder, para as leitoras da Belle, Belle, eu
sempre acabava encontrando uma pessoa em uma situação
semelhante à minha. Talvez essa fosse uma forma de o
universo me lembrar de que não estava sozinha no mundo. De
que, em algum lugar – talvez até muito próximo – alguma
pessoa também estava passando por uma situação parecida,
ou até pior.
Deitada na cama, com o notebook no colo, tentava
adiantar algumas coisas de trabalho do dia seguinte, porque
queria sair e comprar o maldito teste de farmácia. Planejava
fazê-lo fora da casa da minha avó, porque não queria nem
sonhar em ser pega no flagra por alguém.

E também não queria que Hector estivesse comigo.


Não quando sabia que ele me encheria de perguntas, e muito
menos depois de ver a cara cheia de esperança dele quando
cogitamos a possibilidade.

Sempre achei que Hector seria um pai incrível, pela


forma como ele normalmente tratava crianças ao nosso redor.
Filhos de amigos, de funcionários ou pequenos que
esbarravam em nós no meio da rua. Meninos e meninas
ficavam fascinados pelo jeitinho dele de brincar, e ele
claramente levava muito jeito para isso.

Só de pensar, meu peito apertou – como vinha


acontecendo constantemente nos últimos tempos.

Eu poderia dar um milhão de respostas profundas para


a leitora que enviou o pedido de conselho, mas a retórica
precisava ser outra. Era o que Kelly queria e era o que o
nosso público pedia também.

Querida leitora,

Você não precisa de homem nenhum para ser uma


mãe maravilhosa.
Ainda assim, ele precisa saber, porque seu bebê vai
precisar de um suporte financeiro. Se você achar que não
precisa de nada desse embuste que não soube te valorizar,
segue em frente.

Tenho certeza de que aquele safado vai, um dia, olhar


para trás e perceber o mulherão que perdeu e, claro, o filho
incrível que vai nascer.

Boa sorte com sua gravidez e não se esquece de fazer


todos os exames, hein!

Beijos,

Belle.

Sorri ao clicar no enviar, depois de revisar a gramática.


Comecei a perceber que eu vinha curtindo um pouco mais o
trabalho. Era completamente diferente humanizar as respostas
e cuidar mais do jeitinho com que me endereçava às leitoras.

Não que fosse o trabalho dos meus sonhos. Ainda


não. Mas se eu precisasse ficar mais um tempo naquele tipo
de serviço, que ao menos eu conseguisse encontrar o conforto
de estar aconselhando bem as pessoas em suas jornadas
complicadas.

Estava me preparando para pegar o próximo, quando


a maldita batida na porta soou.

Dois toc.
Uma pausa.

Três toc.

Filho da mãe!

— Estou entrando — ele avisou. E o que me deixava


ainda mais estressada com ele era o fato de ser fofo. Já tinha
me visto nua mais vezes do que poderíamos contar, mas
tomara o cuidado para não invadir o espaço.

O quarto também seria dele durante o próximo mês,


afinal.

— Pode entrar.

Ele veio, me cumprimentou com a cabeça e começou


a pegar suas coisas, parecendo querer não ser notado, e se
enfiou na suíte. Ouvi o chuveiro sendo aberto logo depois e
fiquei lutando para não imaginar Hector tomando banho, nu,
em toda sua glória e beleza masculina...

Merda!

Sacudi a cabeça, tentando voltar ao trabalho,


principalmente porque meu pensamento sempre viajava longe,
lembrando o fato de que naquela suíte havia também uma
banheira.

Tivemos excelentes momentos em chuveiros e na


banheira da cobertura dele.
Momentos que nem com muito esforço eu consegui
apagar da minha mente. Muitos deles ainda viviam nas minhas
fantasias e eram protagonistas dos meus pensamentos
quando eu precisava de algum tipo de libertação (se é que
você me entende).

Tentei retomar o trabalho, mas a concentração tinha


ido para o espaço. Havia muitas coisas acontecendo, e
nenhuma delas era simples.

Ter que conviver forçadamente com o homem que


partiu meu coração já não era exatamente o mesmo que férias
para a Disney; mas ter a desconfiança de que estava grávida
dele era pior ainda.

Quando tive a ideia daquela farsa absurda, foi pela


minha avó. Fiquei mentalizando que seriam apenas trinta dias
e que, depois disso, nós nunca mais precisaríamos nos ver.
Que cada um iria para o seu lado, e por mais que a ideia de
ver Hector com uma mulher diferente, de saber que em algum
momento ele iria seguir a vida e constituir uma família, fosse
muito dolorosa, eu precisava aceitar.

Só que as coisas mudariam se houvesse mesmo um


bebê dentro de mim.

E eu sabia que havia. Sentia, como qualquer mãe


deve saber dessas coisas. Mas não apenas por um instinto
materno; o meu corpo também dava sinais. Eu estava com a
menstruação atrasada há umas duas semanas, mas com toda
a loucura nem percebi. Os meus seios estavam um pouco
doloridos, mas também não dei muita atenção. Sem contar
que vinha me sentindo mais cansada.

Não cheguei a ter enjoos, mas sabia que muitas


mulheres nem passavam por esse sintoma.

Instintivamente, levei uma das mãos à barriga,


parando com ela lá e nem ligando mais para o notebook.

Quão complicada seria a vinda daquele bebê ao


mundo? Ainda assim... por que eu sentia algo tão intenso
dentro do meu peito ao imaginar a ideia de ser mãe? De ter
um serzinho a quem eu poderia amar mais do que a minha
própria vida?

— Jo... — A voz de Hector me tirou do meu transe,


fazendo com que eu não só erguesse a cabeça como também
tirasse rapidamente a mão do ventre.

— O que foi?

Ele não me respondeu, apenas veio na minha direção,


sentando-se na cama, sem que eu lhe desse sequer
permissão. Pegou o notebook do meu colo e o colocou
cuidadosamente de lado, sobre a mesinha de cabeceira.

Então levou a mão à minha barriga.

O toque quase me fez queimar.

— Você acha possível? — Ele nem precisava de


grandes explicações. — O bebê...
Eu não deveria ter mantido meu olhar fixo no dele
daquele jeito. Não deveria me entregar ao momento, porque
era emocional demais. Os olhos de Hector pareciam derreter,
ao mesmo tempo em que se mostrava em pura expectativa de
que eu lhe desse uma resposta que queria ouvir.

Eu poderia mentir, mas não queria. Não quando tinha


a ver com algo tão sério.

— É possível.

Ficamos em silêncio, e ele continuou a manter a mão


sobre meu ventre, mas não a movimentou. Parecia se segurar,
talvez, porque imaginou que eu não fosse me sentir
confortável com o toque indo mais longe do que já fora.

E estava certo. Se me acariciasse, eu perderia um


pouco o rumo.

— Quero que saiba que estarei cem por cento nisso


com você, ok? Não precisa ter medo.

— Eu já estou com medo.

— Eu também. Mas vai dar certo. Vamos fazer dar


certo.

— Não vou voltar para você, Hector.

Ele baixou os olhos, decepcionado. Mas o que


esperava, pelo amor de Deus? Eu não conseguia entendê-lo.
Se ainda me queria, se me amava, por que fizera o que fez?
A ideia de que houvera outra mulher não saía da
minha cabeça. Ou de que ele sentira algum tipo de
insegurança. Nada justificava, porém, o fato de não ter
conversado comigo.

— Não estou pedindo isso, Jo, por mais que seja o


que eu quero. Quero você e o bebê, mas não vou te
pressionar. Só não vai poder me tirar dessa equação. Não vou
permitir.

Não que isso se passasse pela minha cabeça, mas


decidi tentar provocar uma reação. Decidi brincar com fogo,
porque queria entender algo sobre Hector, sobre um homem
que eu sentia como se não conhecesse. Por mais que
parecesse o mesmo, ele tomara uma atitude que definira meu
futuro sem levar em consideração minhas vontades ou o que
aconteceria com o meu coração.

— E se eu decidir não te incluir?

— Então eu vou ter que usar dos meus recursos para


lutar por isso.

Claro. O homem poderoso. O homem que só


precisava estalar os dedos para ter o que quisesse. Que
poderia contratar advogados que amassariam os meus como
quem pisa em uma lata no meio da rua.

— Recado dado, Hector. — Comecei a me


movimentar, tirando a mão dele da minha barriga e me
aconchegando na cama. — Acho que é hora de dormirmos.
Não vi a reação dele, porque voltei o rosto para outro
lado, mas percebi que se levantou da cama com um suspiro,
até porque o colchão se movimentou.

Ouvi alguns sons que interpretei como sendo dele


preparando sua cama no chão. Ele abriu o armário, porque a
porta rangeu, um tecido foi afofado e ele bateu em um
travesseiro. Eu estava ligada em tudo, até no fato de que se
remexeu de um lado para o outro.

Provavelmente não estava nem um pouco acostumado


com o desconforto, levando em consideração que sempre
dormira em camas muito confortáveis. Deveria ser algo até
engraçado se as coisas fossem simples.

Se simplesmente tudo não tivesse virado


completamente do avesso.
CAPÍTULO DOZE

Eu simplesmente precisei sair da casa no dia seguinte.


Não só porque queria ir à farmácia para comprar um exame
sem que ninguém soubesse, mas também porque a presença
de Hector parecia me sufocar.

Ele não era um homem que passasse despercebido.


Até quando me levantei, mais cedo do que de costume, só
porque não consegui dormir a noite inteira, e entrei no
banheiro, o pequeno cômodo parecia envolvido pelo cheiro
dele até nas paredes. E isso porque tinha tomado banho há
horas.

Fiz tudo com o máximo de silêncio e saí de casa,


pegando o carro da minha avó – que sempre ficava à nossa
disposição, quando íamos para a casa dela – para ir ao centro
da cidade.

À hora que eu saí, a farmácia ainda não estava aberta,


mas aproveitei para me sentar na areia, na praia,
contemplando o sol nascendo devagarzinho no horizonte.
Enquanto fazia isso, ouvindo o som do mar, levei mais uma
vez a mão à minha barriga, ainda imperceptível. Naquele
momento, sem ninguém a me olhar; sem ninguém prestar
atenção a mim, pude tentar sentir pela primeira vez qual seria
a emoção, caso o resultado do exame fosse positivo.

Deixei que um sorriso se desenhasse no meu rosto,


permitindo que meu coração se acostumasse com o misto de
emoções. Não era só felicidade, é claro. O medo, exatamente
como falei para Hector, era mais forte. Mas eu sabia que as
coisas iriam se acertar. Ele dissera que estaria cem por cento
em seu papel de pai, e não duvidei disso.

Talvez fosse uma tola por confiar, porque também jurei


que ele seria cem por cento um marido...

Ainda estava pensando nisso, quando uma voz


familiar interrompeu meus pensamentos:

— Jordana? — No momento em que ouvi, precisei


levar a mão aos olhos, para erguê-los na direção da pessoa
que me chamava.

Tudo o que vi foi um corpo bem sarado e bronzeado. E


suado também. O cara era alto, e usava apenas uma bermuda
por cima de pernas torneadas. Fui erguendo um pouco mais
os olhos e reconheci um rosto.

Não era qualquer rosto. Era o meu ex-namorado,


Thomas Kazui; o que veio antes de Hector. Durou pouco
tempo, e eu tinha só uns dezesseis anos, mas foi meu
primeiro amor.

Eu que terminei com ele, porque era de Porto


Vermelho, e nenhum de nós tínhamos maturidade para um
namoro à distância. Principalmente ele, que não conseguia se
manter fiel, saindo com várias meninas sempre que eu voltava
para o Rio de Janeiro.

Mas éramos maduros àquela altura, né? Podíamos ser


amigos.

Sem contar que ele era lindo. Tinha uma beleza que
misturava os traços de sua mãe japonesa com o pai brasileiro.
Parecia mais maduro, mais homem do que antes, e eu tentei
sorrir, porque, afinal, era uma pessoa do meu passado.

Mais um homem que tinha partido o meu coração. Eu


poderia dizer que tinha um dedo podre? Já que tive cem por
cento de “desaproveitamento”?

— Ei! Thomas, né? — falei em um tom como se não


me lembrasse de seu nome. Claro que eu ia me fazer de
difícil.

Levantei-me da areia, limpando-a do meu short jeans,


e abrindo um sorriso.

— Eu te daria um abraço, mas estou todo suado... —


ele afirmou, com um sorriso tímido, passando a mão pelo
cabelo preto superliso, que caía em sua testa. — Uau! Você
está... incrível.
— Obrigada. Você está muito bem também.

— Veio visitar sua avó?

— Sim. Ela me cobra se eu demoro a aparecer.

— Claro, tem que cobrar mesmo.

Que desconfortável! A gente ficou olhando um para o


outro, e senti que deveria ser a hora de nos despedirmos, mas
eu não queria ainda sair da praia – ao menos não enquanto
fosse a hora de partir para a farmácia –, então ele, que parecia
estar dando uma corrida matinal, é que tinha que seguir seu
rumo.

— Como ela está? Sua avó, no caso — ele insistiu.

— Bem. Cuidando do coração, não pode viajar, mas


está como sempre. Uma força da natureza.

Ele sorriu.

— Dona Zulmira sempre foi assim. — Ele fez uma


pausa, e pela expressão em seu rosto, não demorei a saber
que o assunto maldito seria mencionado. — E você? Soube o
que aconteceu com o casamento. Está tudo bem?

Eu odiava inspirar pena nas pessoas. Odiava que me


vissem como uma coitadinha. A pobre moça que não
conseguira segurar o homão que Hector era. Que fora trocada,
que fora abandonada. Muitos eram os termos usados.
Ninguém, no entanto, além do noivo fujão, sabia da verdade.
— Também estou bem — tentei ser econômica na
resposta, e a expressão séria que eu desenhei no meu rosto
era para ser um alerta de que ele estava entrando em local
proibido.

— Você merecia mais do que isso — ele disse, ainda


não desistindo.

— Isso vindo do homem que me traiu várias vezes.

— Poxa, Jo... eu era um menino. Não sabia o que


estava fazendo. Hoje me arrependo. Você foi a melhor garota
que passou pela minha vida. Será que a gente podia... de
repente... tomar um café juntos? Combinar alguma coisa
enquanto você estiver em Porto?

Você foi a melhor garota que passou pela minha vida.


E Hector não dissera a mesma coisa? Qual era o meu
problema, afinal? Os caras só me davam valor depois que
perdiam.

— Não vai dar. Estou com Hector aqui.

Isso pareceu chocá-lo.

— Com o mesmo Hector?

— Não conheço nenhum outro — eu respondi com um


sorriso cínico.

Talvez eu estivesse um pouco amarga, mas havia algo


em Thomas que ainda não me inspirava confiança.
— Por quê? Você ainda está com ele? Estão juntos?

— Não, mas minha avó não sabe. E nem pode saber.


Por favor, eu sei que ela não sai de casa, mas caso, em algum
momento, a encontre, não conte. Espero que ela descubra o
quanto antes, mas quero contar com cuidado.

Ele ergueu uma sobrancelha, e eu temi que fosse me


dar um daqueles conselhos de que a mentira nunca é uma
boa escolha, ou que ela poderia descobrir e seria muito pior.
Eu já sabia disso tudo, mas não estava a fim de ouvir.
Principalmente quando tinha a impressão de que estava
fazendo muitas e muitas coisas erradas na minha vida.

Era como se tudo estivesse do avesso.

— Não vou contar, pode ficar tranquila. Mas se


precisar de qualquer coisa... Célia tem meu telefone. Ela se
consulta comigo.

— Ah, você se tornou mesmo médico? — Ele já dizia


isso na época em que namorávamos. Tinha grandes planos,
grandes objetivos.

— Sim — respondeu com um sorriso orgulhoso. —


Agora só falta sair da cidade. Estou na coordenação de
cardiologia do hospital geral daqui. — Do qual o pai dele era o
dono, aliás.

— Parabéns. Era o seu sonho.


— Você se tornou jornalista, né? — Ele stalkeava a
minha vida, aparentemente.

— Sim. — Não exatamente do jeito que eu queria,


mas isso eu não lhe diria.

Mais um pouco de silêncio desconfortável. Cruzei os


braços contra o peito, observando-o enquanto ele também me
observava. Cheguei a erguer uma sobrancelha, meio que o
incentivando a dizer mais alguma coisa. Porque se não tinha
mais nada a falar, não era melhor cada um seguir seu
caminho?

Só que Thomas não parecia muito inclinado a isso,


então eu mesma me agachei, para pegar minhas coisas, e me
aprontar para pegar meu rumo. Queria ficar por ali mais um
tempo, mas aparentemente ele estava disposto a não se tocar.

— Foi bom te ver, Tom. Qualquer dia aparece lá em


casa. Minha avó vai gostar de te ver.

Era um convite puramente por educação, embora a


parte da minha avó não fosse mentira. Na verdade, dona
Zulmira gostava de todo mundo, e a mãe de Thomas era uma
pessoa bem legal. As duas costumavam ser amigas.

Fui me afastando, sem lhe dar chance de resposta, o


que eu esperei que fosse uma boa indicação do quanto eu não
queria, de fato, que fizesse visitas. Não com Hector lá em
casa.

Seria... desconfortável.
Só que Thomas falou, a plenos pulmões, para que eu
ouvisse:

— Talvez eu vá mesmo, nem que seja para mostrar


para aquele cara o que ele perdeu.

Ah, droga! Por que as coisas estavam acontecendo


como se eu estivesse em uma novela mexicana?

Continuei andando, segurando meus chinelos na mão,


e me sentindo uma fugitiva.

Para a minha sorte, encontrei uma farmácia abrindo,


do outro lado da calçada da praia, e fiquei do lado de fora,
esperando o rapaz terminar sua rotina de rolar a porta de ferro
e fazer o que tinha que fazer, para entrar e comprar meu teste.
Ele até me atendeu antes, com uma enorme gentileza, quando
eu informei que era um pouco urgente.

Temendo que Thomas aparecesse do mais absoluto


nada, enfiei o negócio na bolsa e me meti no carro, partindo
para casa.

As pessoas estavam começando a acordar, mas eu fui


direto para o banheiro da piscina, trancando a porta, querendo
ter aquele momento completamente sozinha.

Seriam, sem dúvidas, os momentos mais longos da


minha vida; uma espera para descobrir o óbvio: eu estava
grávida do homem que tanto me magoara e que mais deveria
odiar.
CAPÍTULO TREZE

Quando acordei e não encontrei Jordana na cama,


isso não me deixou surpreso. Percebi que ela dormiu muito
mal à noite, e até ouvi quando se levantou, bem cedo. Eu
poderia ter comentado alguma coisa, mas imaginei que a
deixaria um pouco desconfortável. Era melhor que tivesse seu
tempo sozinha.

Só que quando vi que tinha saído e que estava


demorando para voltar, comecei a ficar preocupado.

Não tirei meus olhos do celular, do relógio e da janela,


tanto que respirei aliviado quando a vi entrar de carro,
estacionar e voar para o banheiro externo.

Eu sabia o que ela ia fazer. Ainda assim, decidi


esperar.

Quando voltou, entrou na casa, correndo, e subiu as


escadas sem falar com ninguém, nem comigo e nem com
Célia, que estava lá embaixo arrumando alguma coisa de
dona Zulmira. Os outros não tinham acordado ainda.

Célia olhou para mim de soslaio, mas eu fiz um sinal


para ela, avisando que iria seguir Jordana para entender o que
tinha acontecido.

Conforme subia os degraus para chegar ao quarto


onde dormíamos, sentia a ansiedade me consumir como se
houvesse uma força dentro de mim drenando minhas
energias. Eu estava prestes a descobrir se seria pai. Prestes a
saber se a mulher que eu amava esperava um filho meu.

Entrei no quarto e a encontrei sentada no meio da


cama, com os joelhos flexionados, abraçada a eles, com os
olhos fechados. Teria recebido um sim ou não como resposta?

— Eu sabia que você viria atrás de mim — falou, mas


sem olhar na minha direção.

— Seria difícil não vir. Eu imagino o que aconteceu.

— Lendo mentes agora? — ela respondeu com


grosseria, mas pareceu se arrepender um pouco, tanto que
revirou os olhos e cedeu, colocando a mão no bolso e
estendendo o bastãozinho do resultado do exame. — É
positivo, caso você não saiba. Eu não sabia. Tive que ler na
embalagem.

Peguei o pequeno objeto na mão e ergui uma


sobrancelha para ela, quase não concebendo a ideia de que
aquela era a notícia mais relevante da minha vida.
Olhei para os dois tracinhos, meio que tentando
interpretar, por mais que ela já tivesse me dito qual era o
veredicto. Tentando pensar que aquelas duas frágeis linhas
escreviam a minha história a partir dali.

Fiquei prestando atenção a cada uma delas, temendo


que desaparecessem, que fosse só uma ilusão.

— O que vamos fazer agora, Hector? — ela indagou


com um tom de voz derrotado.

Olhei para ela, porque não era possível que


estivéssemos em vibes completamente diferentes a respeito
daquela descoberta.

— Você está infeliz com isso? — preocupei-me.

Ela hesitou, remexendo-se sobre a cama, sem olhar


para mim.

— Não. Deveria estar, né? Vai ser um rebuliço, vai ser


complicado, vai ser problemático.

— Vai ser incrível.

Ela voltou a olhar para mim, e eu podia sentir uma


centelha de esperança em seus olhos castanhos.

— Vamos dar um jeito, Lois Lane — afirmei com


convicção, e ela assentiu, parecendo confiar, embora
claramente não fosse fácil.
Não era para mim também, para ser sincero. Quando
pensava em ser pai, por mais que só conseguisse imaginar
em ter Jordana como a mãe, nunca cogitei uma situação como
aquela.

Também não consegui parar de pensar nos motivos


que me obrigaram a cancelar o casamento daquele jeito,
agradecendo pelo pior ter sido resolvido. Como eu poderia ter
um filho naquelas condições? Com alguém ameaçando
colocá-los em perigo?

Mas esse não era o problema no momento, ainda


bem.

— Podemos guardar segredo por um tempinho? Ainda


não sei como lidar com a situação, e não sei como vai ser
quando minha família souber.

— Sua avó vai amar — tentei descontrair um pouco,


mas ainda estava tão atordoado que provavelmente não era a
melhor escolha.

— Ela vai amar uma mentira. Vai achar que seremos a


família perfeita.

E poderíamos ser, se ela só me ouvisse.

Achei melhor manter essa resposta só para mim,


porque não queria abusar da minha sorte.

Também não ia dizer a ela que eu via aquele bebê


como uma segunda chance. Era uma forma muito cafajeste de
ver as coisas, porque eu sabia que tudo iria mudar muito mais
para Jordana do que para mim. Seu corpo, sua carreira, seus
hormônios, e claro que, por mais que eu estivesse disposto a
ser o melhor pai possível, o bebê sempre dependia mais da
mãe.

Eu definitivamente não queria usar a criança como um


meio para atingi-la, para reconquistá-la, mas faria de tudo para
que entendesse que queria as duas. Ou dois.

Tanto que mexi alguns pauzinhos naquela mesma


tarde e, no dia seguinte, por volta das oito da manhã recebi a
resposta que esperava, o que me fez descer à cozinha,
aproveitando que Jordana continuara na cama até um pouco
mais tarde, preparando uma bandeja.

Levei lá para cima, servindo o café para ela na cama.

Isso a deixou um pouco atordoada, surpresa, a ponto


de demorar a começar a comer.

— Espero que não se importe, mas eu consegui


marcar uma consulta para hoje; um encaixe. Às onze da
manhã.

— Aqui? Em Porto Vermelho? — assenti. — Como


assim? Como conseguiu?

— Busquei no Google.

— Mas conseguiu tão rápido? Como se fosse uma


emergência?
— Nada que o dinheiro não possa comprar.

Ela revirou os olhos, e eu dei de ombros, enquanto


pegava um morango da sua bandeja e o levava à boca.

— Você quer ir? Acho que seria uma boa verificar


como estão as coisas, mas se preferir esperar para voltar ao
Rio e consultar sua médica...

— Não, eu já ia procurar algo por aqui. Obrigada.

Foi uma das nossas primeiras tréguas naquele


período. Não podia me encher de esperanças por algo tão
banal, mas...

Merda, eu estava, de fato, colocando muitas


esperanças naquele bebê. Não só porque a ideia de ser pai
estava começando a se tornar mais e mais maravilhosa, hora
após hora, mas porque ele acendia uma luz em meio a uma
escuridão. Nem que significasse que Jordana continuaria na
minha vida, mesmo que não me aceitasse, embora eu não
conseguisse conceber essa ideia.

Assim que terminou de comer, ela entrou em um


banho e vestiu uma roupa para que saíssemos. Não dissemos
a ninguém da casa para onde iríamos, o que fez Fausto e
Madalena nos olharem com curiosidade. Quando
chegássemos, teríamos que inventar alguma desculpa, mas
poderíamos pensar em algo ao longo do caminho.

— Você já chegou a pensar na situação com cuidado?


— foi ela que começou a falar, subitamente, em um tom de
voz baixinho.

Não era uma característica de Jordana ser discreta, se


prender daquela forma. Ela estava confusa, perturbada, e eu
até me sentia culpado por isso, embora a responsabilidade de
uma gravidez fosse dos dois. Mas as coisas seriam muito
diferentes se estivéssemos casados.

— Não. Claro que não. Acho que não seria nem


possível — fui sincero. — Não consigo imaginar um pai ou
uma mãe que sejam capazes de absorver a ideia de um bebê
no segundo dia em que têm a certeza.

— Eu não consigo parar de pensar.

— Bem, isso eu também. Gosto da ideia. Estou feliz.


Não tenha dúvidas disso.

Ela assentiu e abriu um sorriso, levando a mão à


barriga.

— Acha que é muito absurdo que tenha tantas coisas


mais importantes para pensar, mas que a primeira que tenha
vindo à minha mente seja qual nome vamos dar?

Não pude deixar de sorrir.

— Não acho nada absurdo. Você pensou em algum?

— Talvez, se for uma menina, podemos dar o nome da


minha mãe? — O nome da mãe dela era Paula, o que eu
achava muito bonito.
— Sim, eu gostaria.

— Se for um menino, pode ser o nome do seu pai.

O meu pai se chamava Otávio. Eu também gostaria


disso.

Por mais que não tivesse o direito, estendi a mão e


peguei a dela, que estava sobre a coxa, tentando ao máximo
não fazer outro tipo de contato. Levei-a à boca, deixando um
beijo nos nós dos seus dedos, e isso a fez engolir em seco.

Era o tipo de desconforto que eu queria causar, porque


fazia com que ela se sentisse novamente atraída por mim.

Ou talvez isso só fosse acontecer em meus sonhos.

— Obrigado. São dois nomes lindos, e eu ficaria


honrado.

Ouvi Jordana soltando um suspiro, e então ela


arrancou sua mão da minha e voltou o rosto na direção da
janela, em uma mensagem muito clara de que continuaria
fazendo qualquer coisa para me evitar.

Em algum momento suas barreiras seriam rompidas, e


eu conseguiria alcançá-la. Era o que eu acreditava.

Foram mais alguns minutos até chegarmos à clínica,


onde entramos e não esperamos quase nada para sermos
atendidos.
Uma enfermeira nos guiou à sala, onde Jordana foi
colocada. A médica surgiu pouco tempo depois e começou a
ultrassonografia, dando-nos algumas informações.
Aparentemente ela estava entrando já na décima terceira
semana de gestação, o que configurava uns quatro meses,
pelas informações recebidas. Jordana ainda não tinha nenhum
traço de barriga e menstruara até o mês anterior, o que a
médica informou como sendo normal em alguns casos.

Pelo que ela podia ver, nosso bebê era completamente


normal, e pudemos ouvir os batimentos cardíacos, o que me
pegou com força.

Senti meus olhos marejados, um nó na garganta,


porque nós tínhamos descoberto no dia anterior, com certeza,
e eu tive que absorver a notícia, assim como Jordana, mas já
estávamos até ouvindo a maior evidência de que nosso filho
ou filha existia.

A prova de que ele era real.

Peguei a mão de Jordana novamente, quando percebi


que também estava chorando. Daquela vez, porém, ela
mesma entrelaçou nossos dedos, e tivemos um momento.

Por alguns instantes, eu a tive próxima de mim


novamente. Não fisicamente, mas nossas almas se
encontraram e se aceitaram, o que tornou tudo ainda mais
intenso.
— É uma menina, papai e mamãe. Vocês vão ter uma
menininha — a médica soltou enquanto ainda estávamos nos
recuperando das batidas do coração, e foi então que eu
desabei.

Eu teria uma menininha.

Meu Deus... que loucura. Mas que loucura


maravilhosa.
CAPÍTULO QUATORZE

Guardar segredos era algo que provavelmente estava


implícito no contrato de quando você se torna um empresário.
O que eu mais fazia na vida era reter informações, tanto de
funcionários, quanto de parceiros, quanto de pessoas no geral
da empresa e até do público. Quando captavamos um projeto
grandioso, por mais que a vontade fosse alardear para todo
mundo, provando como a empresa era foda, era necessário
ter calma e fazer as coisas com estratégia.

Não querendo usar minha filhinha para aquela


analogia, a situação era muito parecida. Por mais que
quisesse sair falando para todo mundo que ia ser pai,
precisávamos manter a existência de Paula só entre nós.

Mas eu estava me sentindo como uma bomba relógio.

Outro dia vi Jordana subir em uma cadeira para pegar


alguma coisa em um armário alto, e eu quase gritei para que
tomasse cuidado com o bebê. Tanto que cheguei a correr até
ela e tirá-la de lá de cima, agarrando-a pelas coxas e
colocando-a no chão, antes que um acidente acontecesse.

Eu me sentia superprotetor com as duas, e isso era


uma coisa que Jordana nunca gostou. Ou ao menos dizia que
não gostava, exatamente por ser tão independente.

Sem contar que ela nadava todos os dias de manhã,


e, em algum momento, alguém repararia em um volume em
sua barriga. Ainda estava bem lisa, mas, por saber que estava
grávida, eu conseguia ver perfeitamente uma ondulação quase
imperceptível próxima ao umbigo. E por mais que o corpo de
Jordana fosse algo a ser levado em consideração, porque
definitivamente merecia ser contemplado, eu não conseguia
prestar atenção em mais nada além daquele pontinho
minúsculo que provava que em breve ela me daria uma filha.

Porra, eu estava todo bobo com isso.

Tão bobo que queria ser o primeiro a comprar alguma


coisa para nossa Paulinha.

Saí de manhã de casa, passei no pequeno shopping


de Praia Vermelha e fiz uma compra em uma loja de bebês.
Pedi para a vendedora embrulhar bem bonito, e ela colocou
em uma caixa em um lindo tom de verde- pastel, com um laço
dourado, além de uma bolsa de papel da mesma cor.

Voltei para casa todo feliz, deixando o presente no


carro, porque achava que era o local onde não encontrariam.
Minha ideia era almoçar e depois convencer Jordana a ir até lá
comigo para que pudéssemos vê-lo, juntos, sem que os outros
pudessem testemunhar.

Se conseguisse convidá-la para almoçarmos fora, só


nós dois, em um restaurante seria melhor ainda.

No entanto, essa ideia foi por água abaixo quando


entrei em casa e vi que não estávamos sozinhos. Havia uma
visita na sala.

Tratava-se de um cara mais ou menos da minha


idade, de boa aparência.

Boa demais, para ser sincero.

Ele tinha traços asiáticos, um sorriso largo e estava


todo vestido de branco.

Se eu não estava enganado, ele era um ex-namorado


de Jordana. Ao menos eu me lembrava de uma história de um
cara que a magoou por causa de uma traição, mas por quem
ela foi apaixonadinha quando adolescente. Eu me lembrava de
ter visto fotos deles junto a amigos, e ele era, de fato,
descendente de japoneses.

Impossível me enganar.

— Ah, Hector, querido! Que bom que chegou. Não sei


se vocês se conhecem, mas este é Thomas. Ou Dr. Thomas,
né? Porque é um médico! — dona Zulmira saiu falando, com
seu jeitinho simpático, e a forma como deu ênfase à profissão
do sujeito não me passou despercebida.
Era impressionante o fascínio de idosos por médicos.

Aproximei-me do cara, que se levantou para me


receber. Nenhum de nós dois parecia muito disposto a ser
simpático um com o outro, o que me levou a crer que ele
estava ciente de toda a situação.

Estendi a mão, de forma cordial, e nós nos


cumprimentamos, mas mantendo olho no olho. Era uma briga
idiota de egos, mas eu não demorei a entender que ele estava
ali para roubar a minha mulher de mim.

O que era ridículo, já que Jordana não era mais minha.


Só que eu planejava que voltasse a ser. Especialmente com a
minha filha na barriga.

Lancei um olhar para Jordana, e ela estava um pouco


tensa. Visivelmente apreensiva.

— Encontrei a Jo na praia há uns dias. Foi assim que


fiquei sabendo que estariam aqui — ele explicou,
provavelmente para mim.

— Coincidência, não? — respondi, irônico, cruzando


os braços contra o peito fingindo um sorriso amarelo. — E
você a reconheceu, mesmo depois de tantos anos?

— Impossível. Ela continua linda como quando tinha


dezesseis. Não mudou nada. Os anos só acentuaram sua
beleza.

Todas as mulheres no local deram uma suspirada.


Babaca.

Assenti, sem saber direito o que dizer, e me sentei ao


lado dela, até porque, para todos os efeitos, era minha noiva.
Precisávamos continuar fingindo para dona Zulmira.

Para provocar, me inclinei e dei um beijo em seu rosto,


colocando o braço ao redor de seu ombro.

Jordana claramente não gostou e se inclinou na minha


direção, falando:

— Não se aproveite da situação! — ela quase rosnou.

— Mas você sabe que eu não sou o tipo de homem


que perde uma oportunidade.

Jordana revirou os olhos e se movimentou no sofá,


voltando-se na direção da conversa do Doutor Maravilha com
dona Zulmira e os outros.

— Não tem medo que ele fale alguma coisa para a sua
avó? — perguntei, preocupado.

— Pedi que não fizesse isso.

— Confia nele?

— Nem um pouco.

É, eu também não. Ao menos concordávamos em


alguma coisa.
Mas eu precisava dar a mão à palmatória de que ele
estava até se comportando bem, com exceção dos olhares
que lançava para Jordana. O problema era que a família toda
gostava dele, e quem sabia o que eu tinha feito a ela,
provavelmente até estava torcendo para que se entendessem.

Isso estava acabando comigo.

E quando ele a fez gargalhar, em certo momento do


almoço, eu pirei.

— Você se lembra, Jo? Daquela vez em que fomos à


festa na casa da Marcinha, e você quis provar cerveja? — ele
perguntou, o que a fez rir muito, quase cuspindo o suco que
bebia. Claramente era uma recordação boa dos dois.

— Meu Deus... foi a pior forma de começar. A cerveja


era de péssima qualidade e estava quente. Cuspi tudo no pai
da Marcinha.

— E o pior: ele estava chegando, sem saber que a


filha tinha dado uma festa. Depois eles fizeram a gente limpar
tudo.

Os dois gargalharam e trocaram olhares cúmplices.


Para nós, a situação não era assim tão engraçada, mas tinha
algum peso emocional para Thomas e Jordana.

Eu me senti muito imaturo naquele momento, porque


foi como se fosse excluído. Jordana não me conhecera
quando criança, e eu sempre soube que ela tivera um
passado. Levando em consideração que perdera sua
virgindade comigo, e que quase nunca falara sobre o outro
único namorado que tivera, não cheguei a levar muito em
consideração a relação deles, até porque não parecera ter
qualquer importância. Mais ainda porque a traíra e fora algo
que sempre considerei como sendo bem um amor infantil.

Só que o cara estava ali, em carne e osso, e as


imagens deles dois foram sendo construídas na minha cabeça
como uma história relevante. Não fui o único na vida daquela
mulher maravilhosa, e qualquer um que tivesse a sorte de
conhecê-la e encontrá-la ficaria babando como o Doutor
Maravilha ali. Eu não era o raríssimo contemplado com seus
sorrisos e poderia não ser o único a colocar as mãos nela,
caso as coisas não dessem certo entre nós. Caso eu não
conseguisse reconquistá-la.

Era uma bobeira, mas, naquele momento, senti como


se sobrasse. Comecei a ficar irritado e propenso a falar
alguma besteira. Algo possessivo e que só iria servir para me
deixar fazer papel de idiota.

Temendo minhas próprias reações, eu me levantei,


pedindo licença depois de almoçar e subi para pegar meu
notebook. Quisera tomar um banho também, depois de ter
chegado do shopping, mas não consegui, então entrei no
quarto, fechando a porta e fazendo o que tinha que fazer.

Quando desci, percebi que todos tinham ido lá para


fora, e eu vi uma bola voando. Estavam fazendo o pobre do
Brioche de bobo, deixando-o no meio de uma rodinha,
enquanto o incentivavam a ir de um lado para o outro. O
bichinho latia e abanava o rabinho, animadíssimo por estar
recebendo atenção.

Queria até me juntar à brincadeira, mas novamente


senti como se não fizesse parte da cena. Como se precisasse
ser só um expectador.

Dona Zulmira, que era a única que também estava


apenas assistindo, assim que me viu, veio caminhando para o
meu lado. Levantei-me rapidamente e fui ajudá-la, pegando
seu braço e colocando-a sentada, com o máximo de gentileza
possível.

— Está com ciúme, querido? — foi a primeira coisa


que ela perguntou, sem rodeios.

Eu não deveria ficar surpreso, conhecendo aquela


senhorinha como conhecia. Se algo se passava por sua
cabeça, ela iria colocar para fora. Provavelmente seus quase
oitenta anos de vida tinham lhe tirado o filtro e lhe garantido
uma maturidade que fazia com que não se importasse em
nada com o que pensavam sobre suas opiniões.

Sem contar que eu não conseguiria mentir para ela


mais do que já estava fazendo.

— Um pouco. Eles têm uma história juntos.

— Não mais do que vocês. Estão casados, querido.


Jordana é uma garota leal.
Aí estava o problema. Nós nunca fomos casados. Ela
tinha o direito de ficar com quem quisesse, por mais que só a
ideia me corroesse por dentro.

— Sem contar que minha garota te ama. O jeito como


vocês se olham quando acham que o outro não está olhando.
É pura paixão. Faz tempo, sabe? Mas eu ainda sei
reconhecer.

Queria pensar um pouco a respeito disso, porque


sabia que dona Zulmira conhecia a neta muito bem. Saber que
ficava me olhando, assim como eu olhava para ela, como se
as luzes entre nós ainda não tivessem se apagado, era uma
esperança que eu não sabia se queria alimentar.

Ou queria. Era uma incógnita.

Antes que eu pudesse falar alguma coisa, vi quando a


bola foi jogada pelo Doutor Maravilha, na direção de Jordana,
mas ele o fez com força, obrigando-a a correr.

Ela normalmente não era desastrada, mas vi o


problema acontecer antes do previsto, então já me levantei.
Seu chinelo ficou preso em uma parte da grama, então ela
cambaleou uma, duas vezes, e iria ao chão, se eu não tivesse
sido rápido o suficiente para ampará-la nos braços,
desesperado, temendo que pudesse ter caído no chão.

— Jo, pelo amor de Deus, cuidado com o bebê! —


falei sem pensar, no impulso, enquanto ainda a segurava
contra mim.
Continuei sem perceber o que tinha feito, no momento
em que a peguei no colo e comecei a levá-la para a sala,
depois de ter percebido uma careta de dor, provavelmente
vinda de seu tornozelo.

Só quando a sentei no sofá e a acomodei foi que


percebi os olhares sobre nós.

Ok, o bebê não era mais um segredo. Eu tinha


estragado tudo.

Mais uma vez.


CAPÍTULO QUINZE

Primeira informação: não havia nada de errado com o


meu tornozelo, e olha que nós tínhamos um médico em casa,
que me examinou. Talvez se Hector não tivesse bancado o
herói e corrido até mim no momento certo, eu poderia estar
machucada, mas deu tudo certo. Estava um pouquinho
inchado, mas sem hematomas visíveis. Fora só a pancada,
em breve estaria sem nenhuma dor.

Segunda informação: todo mundo estava olhando para


nós como se tivéssemos acabado de dizer que alienígenas
existiam. Ou qualquer coisa assim.

Um lado meu poderia dizer que eu estava chateada


por Hector ter revelado a verdade daquele jeito, mas, ao
mesmo tempo, sabia que não fora por mal. Mais do que isso:
talvez estivesse até um pouco aliviada por ter arrancado o
band-aid sem que eu tivesse que pensar em uma forma
menos problemática de revelar.
Teria que haver todo um contexto, toda uma
preparação. Da forma como aconteceu, ao menos eu não
precisei do estresse.

Meu pai e Madá nos observavam, meio que esperando


uma explicação. Thomas ficou se sentindo claramente
deslocado. Vovó tinha um sorriso no rosto e só esperou que o
médico desse seu parecer para vir até mim e me dar um
abraço, puxando Hector junto, espremendo-nos como se fosse
um urso.

— Meu Deus, que felicidade! Um neném! Um


bisnetinho! — ela começou a entoar, conosco ainda em seus
braços.

Eu e Hector olhamos um para o outro, e ele murmurou


um “me desculpa” que quase me deixou com pena.

Quase. Também não precisávamos exagerar, né? O


cara ainda tinha feito muita merda, e eu não estava disposta a
perdoá-lo por isso.

Quando ela finalmente nos afastou, meu pai e Madá


também vieram nos cumprimentar. Papai olhou para Hector
como se estivesse pronto para fuzilá-lo. Como se eu tivesse
dezoito anos, e ele tivesse me engravidado ainda adolescente.

Ou seja, o clima ficou muito, muito estranho. Na


verdade, o que as pessoas achavam espelhava também a
minha opinião sobre aquela bebezinha: ela seria muito bem-
vinda, por mim e por todos, mas sem dúvidas as
circunstâncias de sua chegada poderiam ser melhores.

Vovó era a única perdida em uma bruma de euforia e


não estava nem um pouco preocupada com o que acontecia à
sua volta.

— Mas como isso aconteceu? — Madá, com Brioche


no colo, perguntou. Ela provavelmente estava tão atordoada
com tudo que nem percebeu o que falava.

— Ora, Madalena... imagino que você saiba o que é


necessário para se conceber uma criança — vovó respondeu,
o que deixou Madá um pouco constrangida.

E, não, a relação das duas não era ruim. Apesar de


ela ter substituído sua filha na vida de Fausto, vovó, assim
como todos nós, amava Madalena. Ficara feliz quando meu
pai encontrara outra pessoa e se apaixonou pelo jeitinho da
minha madrasta – como não poderia ser diferente, já que ela
era, de fato, encantadora.

— Mas é que... é que... — Madalena ficou um pouco


perdida em como encontrar uma explicação para sua
pergunta, então eu fui em seu auxílio.

— Acho que o que a Madalena está querendo saber é


como aconteceu, se eu tomo anticoncepcional. — Agradecida,
ela balançou a cabeça várias vezes, sorrindo para mim. —
Pelo tempo, eu estou quase de quatro meses, então foi
durante a preparação para o casamento. Estava tão nervosa
com tudo que esqueci o remédio algumas vezes.

— Ah, querida... — Daquela vez foi Célia quem se


manifestou, com um tom de voz penalizado.

— Mas o que deu em vocês? É uma ótima notícia. Por


que está todo mundo com essa cara de enterro?

Se vovó ao menos soubesse...

— Não é nada, vó. É que eu ainda não me sentia


pronta. Mas estou feliz, de verdade — respondi com um
sorriso, levando a mão à barriga, acariciando-a.

— Tem que estar. Já que está de quatro meses,


conseguiram ver o sexo?

Lancei um olhar para Hector, que estava parado, de


pé, próximo a mim, como um guardião. Os braços cruzados
contra o peito, a cabeça erguida, muito sério. Realmente, eu
tinha a impressão de que desde que descobrira que ia ser pai,
o homem decidira se tornar um guarda-costas, porque ele
parecia me vigiar a cada momento, atento o tempo inteiro.

O que era desconcertante. A versão protetora e terna


de Hector sempre me desmontava.

— É menina, dona Zulmira — foi Hector quem


respondeu. Então se colocou do meu lado, posicionando a
mão no meu ombro.
Eu não deveria deixar, mas estávamos criando uma
farsa para a minha avó, né? Não era mais só o casamento,
mas também precisávamos fingir que seríamos a família feliz.

— Inclusive, vovó... a gente queria pedir permissão


para dar o nome da minha mãe para ela. Paula.

Todos ficaram em silêncio. A primeira pessoa para


quem olhei foi para Madalena. Lamentei não ter conversado
com ela antes, porque por mais que respeitasse a minha mãe
e que não tivesse nenhum problema com sua memória, seria
uma constante lembrança.

Ainda assim, eu conhecia Madá o suficiente para


saber que ela não se importaria. Tanto que abriu um sorriso.

— É um lindo nome, querida — respondeu,


visivelmente emocionada.

Meu pai veio até mim, dando um beijo na minha


cabeça, e vovó se debulhou em lágrimas, novamente nos
abraçando.

O pobre do Thomas ficou esquecido num canto, até


que me viu sozinha, logo depois que eu fui ao banheiro. Vi
quando se aproximou, e por um momento cheguei a pensar
em me afastar com um sorriso amarelo e um meneio de
cabeça, mas fiquei ainda mais sem graça em fazer isso.

— Eu já vou. Acho que fiquei sobrando um pouco... —


Dei de ombros, e ninguém poderia negar que ele era
charmoso. Com as mãos nos bolsos, aquele cabelo perfeito
caindo nos olhos, as duas coisas lhe davam um ar de menino
desamparado.

Mas um menino bem mimado.

— Não, que isso. Todo mundo adorou sua visita —


respondi tentando ser simpática.

Em qualquer outra situação eu realmente seria. Não


era por causa de uma traição do passado que trataria o cara
mal, até porque a gente não era nem maior de idade quando
aconteceu. Só que eu tinha muitas coisas na minha cabeça
naquele momento para lidar. Não era a presença de um ex
que iria tirar o meu foco de todo o resto.

— Hector, não.

— Bem, ele não tem que adorar. A dona da casa é a


minha avó.

Thomas assentiu, mas não parecia muito satisfeito.


Tanto que deu um passo na minha direção, diminuindo a
distância entre nós.

— Não volte com ele, Jo — pediu. — Você não


precisa. Sei que pode pensar que agora que vão ter um filho é
melhor unir a família, mas não vai estar sozinha. Eu posso
ficar com você. Posso assumir a criança.

Nós estávamos parados no corredor, e ele deu mais


um passo à frente, quase me encurralando contra a parede.
Meus olhos se arregalaram, assustados, porque eu realmente
não esperava aquele comportamento.

Ouvi um baque, de alguém saindo por alguma das


portas ao redor, o que me fez sobressaltar. Logo entendi de
quem se tratava:

— Mas que merda é essa?

Claro que era Hector, e ele veio na nossa direção,


levando a mão ao braço de Thomas e o arrancando de perto
de mim.

— Ninguém vai assumir a minha filha. No que está


pensando, seu babaca? — ele vociferou. Era uns cinco
centímetros mais alto do que Thomas, e estava se
avolumando diante dele, como se pudesse agredi-lo a
qualquer momento.

Só que o outro rapaz não se acovardou. Empertigou-


se e ergueu a cabeça, encarando meu ex.

— Você é que foi um babaca com ela. Perdeu, Hector.


Deixa a Jordana seguir a vida e ser amada por um homem de
verdade.

Hector virou a cabeça para o lado para dar uma


risadinha cheia de sarcasmo.

— E esse homem seria você?

— Com certeza.
Ah, que ótimo. Ele nem estava disposto a levar as
minhas opiniões em consideração. Eu poderia ficar com o cara
que quisesse, mas Thomas obviamente já tinha decidido que
seria ele.

— Vai ter que brigar muito por isso, parceiro, porque


ninguém vai roubar o que é meu! — Hector falou por entre os
dentes, e eu cheguei a sentir medo do que poderia fazer, por
mais que o conhecesse e soubesse que era controlado e
pacífico.

— Você já a perdeu! — Thomas exclamou com


veemência. — Fez a pior coisa que poderia ter feito. Ela não te
quer mais.

— Isso quem tem que decidir é Jordana. E você não


vai se intrometer na nossa vida. Suma daqui antes que eu te
dê uma porra de um soco na cara por ser abusado pra
caralho.

— Nossa vida? — Thomas novamente riu. — Vocês


não têm mais uma vida juntos. Isso aqui é tudo fachada. Está
vivendo de migalhas de uma mulher que não é mais sua.

Quando dei por mim, tudo aconteceu muito rápido:


Hector partiu para cima de Thomas, derrubando-o no chão e
quase o socando no rosto. Teria feito isso, sem nenhuma
dificuldade, por causa de seu tamanho, mas eu tentei impedi-
lo.
— Não, Hector! Não faz isso! — Além de ter falado,
corri para segurá-lo. Era um perigo, porque ele estava muito
alterado, e por mais que soubesse que não iria me machucar,
acidentes poderiam acontecer.

Era uma demonstração de ciúme muito desnecessária,


mas Thomas pegara pesado com o que falara sobre assumir a
minha filha. Não era para Hector ter ouvido. Poderia ser muito
pior.

Thomas estava derrubado no chão quando comecei a


empurrar Hector para trás, mesmo que fosse quase impossível
eu conseguir até com muito esforço.

— Para com essa palhaçada! Imagina se minha avó


vê? — falei para ele, colocando-me à sua frente.

Ele estava tão transtornado que nem me olhava.

Hector não costumava ser um cara passional em


relação a violência; era muito difícil atingir algum limite para
que explodisse daquele jeito, mas talvez já estivesse muito à
flor da pele.

— Ele passou dos limites, Jo. Assumir minha filha?


Que tipo de homem fala isso pelas costas de outro? Eu existo.
Serei um pai presente, não importa se você voltar ou não para
mim. Isso é um absurdo!

Ele tinha razão. Hector poderia ter me magoado, mas


eu não duvidava nem um pouco sobre seu empenho em
assumir nossa filha.
— Ninguém vai assumir sua filha! Você é o pai —
tentei reafirmar, colocando a mão na minha barriga, quase
como se quisesse proteger o bebê.

Não precisava ser assim, porque ninguém iria fazer


mal a Paula.

— Mas não merece — Thomas ainda ousou falar. O


que diabos ele estava querendo? Que Hector o matasse?

Fui obrigada a fechar os braços ao redor da cintura de


Hector, na absurda esperança de que conseguisse segurá-lo,
porque ele iria mais uma vez voar em Thomas.

— Seu filho da puta! — ele vociferou.

— Thomas, só vai embora! Agora!

Eu esperava que minha família não ouvisse nada da


confusão. Eles estavam lá fora, provavelmente conversando
com as vozes altas, o que achei uma bênção.

Thomas jogou o cabelo liso para trás, empertigou-se e


se afastou.

— Tudo bem. Ainda assim, o que você precisar, é só


me ligar. Mesmo que seja para um ombro amigo.

Os dois ainda trocaram olhares, mas o médico


finalmente saiu de perto de nós, e eu me vi obrigada a acalmar
Hector.
— Me desculpa, Jordana. Me desculpa... eu não
queria... — ele falou visivelmente transtornado.

— Nada aconteceu. Mas não precisava esse alarde


todo.

— Como não? Você viu o que aquele sujeito falou. Se


fosse com você? Se fosse outra mulher querendo tomar o seu
lugar na vida da nossa filha? Como se sentiria?

Nem consegui responder. A ideia de ser mãe ainda era


muito recente na minha cabeça, mas pensar em ter os meus
direitos roubados era insuportável. Ninguém iria tirar a minha
filha de mim.

Não precisei de muito esforço para compreender o


desespero de Hector. Eu me sentiria da mesma forma.

Naquele momento, senti uma trégua entre nós. Não


consegui sentir ódio por ele, só tristeza, porque as coisas
podiam ser diferentes entre nós. Ele não precisava passar por
aquilo, mas, afinal de contas, merecia.

Enquanto um cansaço fora do comum tomava o meu


corpo, uma espécie de dormência de fadiga, pensava que
muito fora perdido e que era triste que não pudéssemos voltar
no tempo.

— Eu te entendo, Hector, mas passou, ok?

— Não passou. Foi... doloroso.


Abri um sorriso vingativo, que ele não demorou a
entender.

— Que bom. Agora você se sente um pouco como me


senti. E ainda não chega nem perto, pode acreditar.

Com isso, dei alguns tapinhas no ombro dele, saindo


de perto antes que falasse mais alguma merda.

Eu não sentia que nossas pendências estavam quites.


E também não me sentia bem em ver Hector sofrer, por mais
que soubesse que ele merecia.

Só queria que as coisas fossem diferentes.


CAPÍTULO DEZESSEIS

Cansei de ser jogada de lado, Belle.

O cara por quem eu sou apaixonada não me dá a mesma


condição que eu dou para ele.

Nunca me liga depois de uma noite, sou sempre eu que


procuro.

O que eu faço para esse boy me dar valor?

Demorei uma meia-hora para ler a mensagem toda, só


porque cochilei umas três vezes entre cada frase. E não era
culpa da leitora, não. O problema era que eu estava mesmo
com muito sono.

Depois que Thomas foi embora, ainda ficamos


conversando sobre o bebê durante um bom tempo. Depois
que meu pai e Madá compreenderam que, apesar da confusão
toda eu estava feliz com a notícia, também se permitiram
curtir.

Então, já eram onze e meia da noite, eu não tinha


batido metade da minha meta do dia de trabalho – que
precisava entregar para a Belle, Belle até meia-noite – mas
ainda insistia.

Não era uma imposição. Se eu acumulasse as


restantes para o dia seguinte, ninguém iria me passar um
sermão e nem correria riscos de ser mandada embora. Nem
mesmo de perder a minha chance da possível realocação para
um setor do meu interesse. O problema era que eu queria
provar para Kelly que poderia fazer home-office mais vezes,
enquanto trabalhasse com as respostas às mensagens da
Belle, Belle. Grávida, principalmente, e depois com a neném,
seria uma opção muito boa.

Na verdade, havia muito em jogo. E mesmo que,


naquele momento, eu pudesse ter deixado o notebook de lado
para ir dormir, usei de toda a minha teimosia e continuei na
sala, até pegar no sono no sofá.

No terceiro cochilo, senti quase como se estivesse


dopada, mas de exaustão mesmo. Tanto que até percebi
quando alguém começou a tirar o notebook do meu colo, mas
mais ainda quando fui tirada do sofá como uma criança que
adormece vendo filme com a família e o pai a leva para a
cama depois.
Só que não era meu pai. Eu conhecia aqueles braços
fortes que me erguiam como se eu não pesasse
absolutamente nada.

Eu me remexi neles, resmungando um pouco,


encostando a cabeça em um peito maciço.

— Shhh, continue a dormir, amor. Vou te colocar na


cama.

Por que diabos aquilo soou tão erótico?

Por que diabos a voz dele sempre tinha um poder, que


quando penetrava meus ouvidos me fazia sentir como se eu
estivesse ouvindo um sussurro sensual, mesmo que não
houvesse nenhuma conotação neste sentido?

— Eu não quero dormir sem tomar um banho —


afirmei, mas para ser sincera eu não estava conseguindo nem
manter o olho aberto.

— Não acho que esteja em condições para isso, Lois


Lane.

Meu Deus, a colônia dele... Me remetia a tantas coisas


boas. A momentos em que eu fui tão feliz...

Sem contar que eu estava acostumada a ter aquele


cheiro impregnado em mim o tempo todo. Em minhas roupas,
nos meus cabelos, nas minhas mãos. Tanto que quando
terminamos, eu mandei todas as minhas coisas para a
lavanderia, inclusive as roupas de cama. Não queria sequer as
lembranças na minha máquina de lavar.

O problema era que ele ainda tinha o mesmo cheiro. A


sensação de estar em seus braços ainda era a mesma de
antes. Só que era mais insuportável, porque fazia meses que
Hector não me tocava, e eu estava desesperada de saudade.

— Me dá um banho? — perguntei, ainda meio grogue,


e Hector chegou a parar de andar, já dentro do quarto, depois
de cruzar a porta.

— O quê?

— É. Você já fez isso antes...

— Mas antes era diferente, Jo.

— Você não quer? — Minha expressão era de quase


súplica. Era muita humilhação, mas, naquele momento, pelo
jeito como meu corpo reagia à proximidade, eu nem queria
saber. Tudo o que precisava era dele colocando as mãos em
mim.

Deviam ser os hormônios da gravidez.

— Daria tudo que eu tenho para que você fosse minha


de novo, Jo.

— Tudo o que você tem? É muita coisa, sabia? — Se


eu não estivesse grávida, qualquer um pensaria que estava
bêbada.
Ele soltou uma risadinha. Muito sexy, por sinal.
Recomeçou a andar, seguindo a direção do banheiro, do qual
ele abriu a porta com o pé.

— Sei disso. Mas eu daria. Só que não para uma noite


só. Para que você voltasse para mim.

Não queria ouvir aquelas coisas. Não queria sequer


tentar pensar como seria caso ele, de fato, recebesse essa
chance. Se por um impulso de momento eu decidisse voltar
atrás e repensar, mesmo com tudo o que tinha acontecido.

Ao menos, naquele instante, iria focar meus


pensamentos na banheira.

Hector me colocou sentada no vaso, sobre o tampo


fechado, e começou a se mexer para enchê-la. Mesclou a
temperatura da água, colocou os sais de banho, e o cheiro
que preencheu o cômodo era relaxante, de lavanda. Suave.
Hipnótico.

Voltou para perto de mim, ajoelhando-se à minha


frente e tirando o par de meias que eu usava, depois de puxar
meu pé e colocá-lo em seu colo.

Seus olhos estavam fixos nos meus, e isso foi me


fazendo despertar um pouco mais.

Era a hora certa de mandá-lo embora e de tomar meu


banho sozinha. Não havia mais a desculpa de que eu estava
pouco consciente por culpa do sono. Não podia culpar minha
mente enevoada. Era pura e simples química. A magia que
sempre existiu entre nós.

Ergui os braços, dando a entender que queria que ele


tirasse a minha blusa também.

— Jordana... — disse o meu nome muito sério, quase


como um rosnado, em um tom de repreensão.

Sempre gostei de lhe provocar, mas, no final das


contas, a gente tinha um desfecho muito certeiro para aqueles
embates. Seria interessante ver até onde iríamos naquele
momento.

— Só tira. Não é como se você não tivesse visto o que


tem embaixo.

Senti os maxilares de Hector travados, e o seu pomo


de Adão pronunciado subiu e desceu.

Ele tirou minha camisa, mas eu estava de sutiã por


baixo. Uma peça sem bojo, de seda, que deixava o meu
mamilo bem marcado. Especialmente porque ele estava duro
como pedra.

Eu mesma arranquei o short, ficando só de calcinha, e


ele se esforçou muito – mas muito mesmo – para não tirar os
olhos dos meus.

Levantei-me de onde estava sentada e entrei na


banheira, tirando o sutiã e a calcinha, ficando completamente
nua. Vi Hector se movimentar, erguendo-se em toda sua altura
imponente, mantendo-se parado no mesmo lugar.

— Você vai me torturar dessa forma, Jordana. É essa


a sua intenção?

— Talvez seja. Não acha que merece? — perguntei,


levando uma das mãos a cada um dos meus seios,
massageando-os delicadamente.

Ele já não conseguia mais manter o controle, tanto que


minha nudez começou a ser contemplada como se eu fosse
algo que ele queria devorar.

— Acho que mereço qualquer punição que queira me


dar. Mas nunca fui de me contentar com pouco. Sou um
homem determinado. Você sabe disso.

— Sempre foi. Sempre achei essa uma das suas


características mais atraentes. — Perdi o fôlego quando eu
mesma belisquei meu mamilo. — Estou tão sensível, Hector.
Acho que você me faria gozar rapidinho.

Ele realmente estava atordoado, fora de si. Passou a


mão pelos cabelos acobreados, e eu podia ouvir o som de sua
respiração mesmo com a pequena distância que colocamos
entre nós.

— E depois, Jo?

— Sem pensar no depois.


— Não posso. Não quando tem a ver com você. Se te
tocar agora, eu vou enlouquecer — suas palavras soavam
como ordens. Ele sempre foi um tipo de homem controlador, e
eu gostava demais desse seu jeito, principalmente na cama.

— E se for a sua oportunidade? Não desperdice.

Eu sabia que, mais uma vez, era uma provocação. Um


lapso por causa do tesão que sentia. Hormônios, momento,
saudade... fosse o que fosse. Seria um deslize, algo pelo qual
me arrependeria na manhã seguinte, sem dúvidas, mas
naquela noite eu queria sentir outra vez.

Hector não hesitou mais. Com seus passos decididos,


ele se sentou na beirada da banheira, pegando algo na
pequena prateleira que havia logo acima dela.

— Feche os olhos, amor — ele pediu, tentando soar


sutil, mas intenso. Estava realmente no limite.

Quando obedeci, senti o toque de uma textura macia


nos bicos dos meus seios, que eu tinha estimulado antes. Era
uma esponja, aparentemente, e eu comecei a sentir que o
jogo poderia virar rapidamente, com ele me torturando ao
invés do contrário.

Olho por olho, certo?

Ele foi deslizando o objeto tão devagar, para cima e


para baixo, que eu precisei arquear minha coluna, dando a
entender que queria mais.
E... por Deus... eu realmente queria.

Quando me dei conta, senti a mão dele buscando o


meio das minhas pernas, encontrando o clitóris, que pareceu
pegar fogo no momento em que foi tocado. Ele o segurou
entre dois dedos, massageando-o e brincando, a ponto de eu
sentir que poderia explodir.

— Hector... — sussurrei o nome dele, inclinando a


cabeça para trás, abrindo a boca para arfar com um pouco
mais de intensidade quando ele combinou os movimentos da
esponja com seus dedos. — Você é tão gostoso... — saiu sem
querer, mas era verdade, infelizmente.

— Estava sentindo falta de te ver assim...

— Assim como?

— Se desmanchando ao meu toque. — Ele enterrou


um dedo na minha fenda, enquanto falava, chegando bem
fundo, o que me fez gemer. — Também estava com saudade
desse som.

Hector investiu com mais força, enquanto se inclinava


na minha direção, trocando a esponja por sua outra mão,
girando o mamilo e puxando-o com força.

— Me faz gozar, Hector. Por favor.

Senti sua língua quente no meu pescoço, descendo


em um ponto sensível atrás da minha orelha, que ele
encontrou alguns anos atrás. Era complicado tentar resistir a
um homem que conhecia o meu corpo tão bem; que tinha
todas as façanhas para me dar prazer.

— Na próxima vez, se me der mais uma oportunidade


dessas, eu vou te chupar de novo. Estou com saudade do seu
gosto também — sussurrou no meu ouvido, enquanto
estocava com dois dedos no lugar de um só. Gemi mais alto,
porque também me lembrava do quão bom era o sexo oral
que ele me fazia. — Mas eu vou te chupar tanto, tanto, que
você vai implorar para eu parar, mas não vou parar.

— Não? — gemi.

— Não. Só vou parar quando você tiver gozado tantas


vezes que mal vai conseguir se manter consciente.

Então isso foi a minha ruína. Claro que sendo fodida


por seus dedos daquele jeito e ouvindo aquelas promessas
seria impossível ficar indiferente.

Agarrei ambas as bordas da banheira, sentindo o


orgasmo vir com força.

Fazia tempo... e eu nunca tinha ficado tantos meses


sem sexo depois que perdi a virgindade.

Eu não queria nem imaginar como deveria estar a


situação de Hector, mas ele bem que merecia. Não era porque
conseguia me fazer gozar como um profissional ou que eu
estava carregando seu filho que iria esquecer o que tinha feito
para me magoar.
Pedi um orgasmo, ele me deu um excelente, mas era
o que teríamos.

Tanto que não exigiu mais nada. Terminou de passar a


esponja no meu corpo sensível, bem gentilmente, enquanto eu
me sentia mais aliviada.

Se soltou alguns palavrões, por pura frustração, o


problema era dele.

Era bom para ver o que tinha perdido.


CAPÍTULO DEZESSETE

Um resmungo quase fofo foi a primeira coisa que ouvi,


enquanto pousava a bandeja sobre a mesinha de cabeceira e
abria um sorriso ao olhá-la, de soslaio, se remexendo na
cama.

Precisava manter em mente que a noite anterior não


deveria significar nada. Ela tinha desejos, como qualquer
pessoa, e eu estava lá, à disposição. Ainda assim...

Como tirar da cabeça o rosto dela corado depois de


gozar? A forma como me pediu, como implorou? Eu queria
mais.

Não só fazer amor, embora – puta que pariu – ela tenha


me levado ao limite, ao ponto de eu precisar me enfiar no
chuveiro, assim que a coloquei na cama, já que adormeceu na
banheira alguns minutos depois de ser saciada.

O problema era que com Jordana eu queria muito mais


do que somente sexo. Mas sabia que eram passos lentos, que
precisava ter paciência. Que precisava refazer nosso
relacionamento como se fosse uma colcha de retalhos;
pedaço por pedaço.

— Eu estava dormindo, e esse cheiro de café veio me


perturbar — ela falou, da cama, em um tom preguiçoso. —
Maldito.

— Engraçado... não foi assim que você me chamou na


noite passada.

Jordana girou na cama, colocando-se de barriga para


cima e erguendo o corpo, olhando para mim com indignação.

— Não vai usar isso contra mim!

— Não, não vou — respondi com um sorriso, cheio de


ingulgência. — Me desculpa por ter te acordado.

— Que horas são?

— Pouco mais de dez.

Ela ficou boquiaberta, e começou a se mover para se


levantar da cama. Segurei-a por um tempo.

— Ei, calma. Por que a pressa?

— Ontem não terminei de fazer o que eu precisava do


trabalho. Tenho um milhão de mensagens para responder.
Desde quando eu acordo assim tão tarde?

— Desde que tem um bebê dentro de você — respondi


com paciência, ainda segurando-a.
O meu toque em seus braços pareceu finalmente
chamar sua atenção, porque ela voltou os olhos na direção de
uma das minhas mãos, e eu senti sua respiração se
transformar.

Eu podia entendê-la. Para mim, aquela vibração nunca


mudara, mas depois da noite anterior, quando tive o direito de
senti-la mais uma vez, a tensão se tornou insuportável.

Tanto que me afastei um pouco, soltando-a, porque não


queria cometer nenhuma atitude precipitada.

Ao lado da bandeja, eu deixei a sacola da loja à qual


tinha ido no dia anterior, com o primeiro presentinho para
Paula. Peguei-a, então, e a estendi a Jordana, que já se
preparava novamente para se levantar.

— Pode segurar mais alguns minutinhos? Queria te


entregar isso aqui.

— O que é isso?

— Vai saber se abrir.

Colocando a sacola sobre a cama e tirando a caixa de


lá, Jordana pareceu ansiosa para descobrir o que era o
presente, porque fez tudo muito rápido. Atrapalhou-se um
pouco para desamarrar o laço, então eu a ajudei, e nós,
juntos, conseguimos tirar a tampa também.

Foquei minha atenção no rosto dela, esperando pela


reação, e por alguns instantes me condenei, com medo de ter
feito algo errado. Jordana paralisou por uns segundos,
observando a roupinha sem nem tocá-la. Mas logo levou uma
das mãos à boca, e eu vi os olhos castanhos que eu tanto
amava ficarem marejados.

— Ah, meu Deus! — foi sua primeira exclamação.

Não falei nada, apenas continuei observando-a,


desejando cada migalha.

Com todo o cuidado, como se lidasse com uma peça de


cristal, ela coletou a roupinha de dentro da caixa, pegando-a
com ambas as mãos.

Tratava-se de um body em um tom de off-white, com o


desenho de uma girafinha no peito. Havia laços e babados nas
manguinhas e onde colocaríamos as perninhas. Era delicado e
muito fofo. Pequenininho, como nossa filha seria ao nascer.

— Meu Deus... — ela repetiu. — É tão real.

— É, Lois Lane. É muito real — afirmei, sentindo-me


balançado.

Não. Balançado era um eufemismo. Eu estava atingido,


derrubado, como se um trator tivesse passado por cima de
mim, me levando, sem que eu conseguisse anotar a placa.

Era o sentimento mais avassalador que já tinha nascido


no meu coração.

Jordana começou a rir em meio às lágrimas.


— É tão lindo. Ela vai ficar tão bonitinha nele. —
Lançou um olhar para mim, e eu me desmontei mais ainda. —
Obrigada. Eu amei.

Sorri, abaixando a cabeça, porque estava


desacostumado com sua ternura. Uma coisa era vê-la se
entregar como na noite anterior, mas o carinho era o que eu
queria no final das contas.

Deixei-a sozinha, depois do momento emocional, para


que pudesse se trocar e fazer suas coisas para descer e
começar a trabalhar, e a primeira pessoa que encontrei à
mesa foi Fausto.

Ainda não tínhamos ficado sozinhos desde que tudo


acontecera, e eu imaginava que só não havia aparecido na
minha casa, depois do incidente – era melhor chamar assim,
provavelmente –, porque Jordana o impedira. Se eu fosse pai
de uma garota maravilhosa e um desgraçado a magoasse
como eu tinha feito, sem dúvidas iria querer esfolá-lo vivo.

Paula ainda nem tinha nascido, mas só de pensar na


possibilidade de alguém partir seu coração, já me sentia
pronto para qualquer coisa.

Fausto se remexeu à mesa, ajeitando o guardanapo de


pano em seu colo. Ele se servia de uma torrada com geleia, e
eu apenas me sentei à sua frente. Não podia evitá-lo, até
porque não era um garoto para fazer isso. Se tinha intenções
de ficar com Jordana de novo, precisava enfrentá-lo e
reconquistar sua confiança também. Não só por ele ser pai da
mulher que eu amava, mas também porque o considerava um
amigo.

Tantas coisas aquele filho da puta me fez perder...

— Acho bom que estejamos só nós dois aqui embaixo,


porque está mais do que na hora de termos uma conversa
civilizada. Agora mais do que nunca, já que, aparentemente,
vai estar mais presente nas nossas vidas por um tempo.

— Não só por um tempo, senhor. Minha filha é para


sempre — disse, com convicção, nem tentando me servir de
nada, porque não achei que seria de bom tom fazer isso,
enquanto a conversa era tão séria.

— Ou até você abandoná-la como fez com Jordana.

Precisei engolir aquela resposta como se fosse uma lixa


arranhando minha garganta.

— Senhor, sei que é difícil acreditar nisso, mas eu juro


que tive bons motivos. E o maior deles incluía a segurança de
Jordana.

Ele franziu o cenho, lançando um olhar fixo para mim.

— Está querendo me dizer que minha filha, grávida,


está em perigo?

— Não mais. Era algo do meu passado que voltou para


me atormentar, mas já foi resolvido — confessei a ele mais do
que tinha dito a qualquer outra pessoa, além de meu detetive.
— Uma mulher?

— Não. Não há mulher nenhuma na minha vida há um


bom tempo. Desde que conheci Jordana, não houve outra. É
algo a ver com os negócios.

Isto era algo que ele compreendia, tanto que assentiu,


embora ainda parecesse um pouco perdido.

— Sempre tive minhas dúvidas a respeito do que


poderia ter acontecido. Você nunca me pareceu um cafajeste,
e eu costumo ter bom faro para as pessoas.

— Poderia lhe contar, senhor, mas acho que devo a


explicação primeiro a Jordana. Não gostaria que alguém
soubesse antes dela. Eu sentiria como se a estivesse
enganando.

— Mas por que não lhe contou ainda?

— Porque ela simplesmente não deixou. Acha que vai


se decepcionar com a verdade.

— Bem típico daquela coisinha teimosa — Fausto falou,


com um sorriso nostálgico. Ele era doido pela filha. — Seja
como for, Hector, apesar de tudo, eu gosto de você. Acho que
se o que está dizendo é verdade, que houve um bom motivo,
vou ficar do seu lado e tentar ajudar. Mas te juro pela minha
vida que se magoar minha filha de novo, vai se arrepender.

— Não vou. Nem ela e nem a neném.


Quase como se fosse um sinal de que deveríamos
encerrar o assunto, Madalena chegou, com Brioche no colo e
se juntou a nós. Mesmo que não tivesse feito parte daquela
conversa, eu sempre a senti um pouco mais aberta a mim,
desde que chegamos, como se também não acreditasse que
eu poderia ter feito mal a Jordana deliberadamente.

Esperava que fosse apenas uma questão de tempo até


que todo mundo soubesse a verdade. Principalmente quem
mais importava.
CAPÍTULO DEZOITO

Fui cair na asneira de me olhar no espelho, antes de


descer para tomar café da manhã com a minha família, e o
que vi não me passou despercebido.

Eu estava com cara de mulher que fora bem fodida no


dia anterior. Com a diferença de que o homem em questão
não precisara nem chegar cem por cento aos finalmente para
me dar um orgasmo digno de Oscar.

Fazia tempo que não me sentia tão corada, com a pele


tão bonita, e até meus cabelos, que eu tinha acabado de
secar, pareciam mais brilhosos e caindo até minha cintura de
um jeito perfeito.

Precisava colocar na minha cabeça que era coisa da


gravidez. Não tinha nada a ver com Hector.

Ou melhor... até tinha, né?

Maldito!
O pior de tudo era que eu ainda teria que encontrá-lo
todos os dias até que a viagem terminasse.

Como iria ser forte depois da merda que fiz na noite


anterior?

Respirando fundo, saí do quarto, passando pelo


corredor para chegar às escadas e descer. Não tinha outro
jeito, né? Precisava encarar a situação.

A porta do quarto da minha avó estava aberta, e eu ouvi


uma movimentação lá dentro. Jurei que seria a última a
aparecer à mesa, mas pelo que podia entender nem ela e nem
Célia tinham descido.

— Lá em cima, Célia. Na outra prateleira. Eu que estou


velha e você que está ficando surda? — minha avó falava em
um tom de brincadeira. Ela nunca trataria uma pessoa, mesmo
sua funcionária, com menos do que respeito. Além de as duas
serem grandes amigas.

— A senhora acha que eu tenho idade para subir em


uma cadeira? Não vou alcançar aquilo lá.

Bem, elas provavelmente precisavam de ajuda.

— Ei! — Dei uma batidinha na porta, colocando a


cabeça por entre a fresta. — Precisam de ajuda aí?

— Ah, que ótimo! A cavalaria chegou, mas é uma


grávida. Não dá para a gente pedir ajuda a ela! — vovó
resmungou.
— Por que não? — Fui entrando no quarto e vendo que
as duas estavam diante do armário, paradas.

— Sua avó quer pegar aquela caixa ali. — Célia


apontou para o objeto do qual estava falando, na última
prateleira. — Só que nenhuma de nós duas pode subir na
cadeira.

— Eu posso. É só me segurarem direitinho. Não vai


demorar nada.

Antes que elas pudessem negar, eu fui tomando a


dianteira.

— Meu Deus, se Hector vê isso — minha avó


comentou.

— Ele não tem que mandar em nada. Eu que decido as


coisas que posso ou não fazer.

Sabendo qual era a caixa, fui direto nela, segurando-a


com as duas mãos, puxando-a e descendo da cadeira sem
nenhum incidente.

Era pesada, então eu me agachei, colocando-a no


chão, porque estava um pouco empoeirada.

— Pode abrir, querida. Era para você mesma que eu


estava querendo pegar — vovó informou, e eu fiz o que ela
pediu.

Por ironia, era a segunda caixa que eu abria naquele


dia. Só que se a primeira continha um bebê, aquela me
surpreendeu, porque encontrei um vestido de noiva.

Sem sequer tocá-lo, dei uma olhada na direção da


minha avó, confusa.

— Por que isso, vovó?

— Ah, filha, sabe o que é? Até hoje estou


chateadíssima que não tenho as fotos e o vídeo do seu
casamento. Já que você e Hector estão aqui, pensei em fazer
uma brincadeira. Ainda tenho o meu vestido de noiva, e eu sei
que ele vai ficar lindo em você...

— O quê? — quase gritei, mal acreditando que ela


poderia mesmo estar sugerindo algo daquele tipo.

— Você faria isso pela sua avó, querida? É uma


bobeira, mas para mim vai ter um enorme significado.

Troquei olhares com Célia, meio que em desespero.

— Dona Zulmira, acho que não é uma boa ideia. A


menina já se casou — Célia tentou me ajudar.

— Por isso mesmo. Se já casou uma vez, pode casar


outra.  Além do mais, pode até ter a desculpa para mais uma
noite de núpcias. — Vovó fez uma expressão maliciosa. — Sei
que vocês dois não precisam de incentivo, porque são jovens,
bonitos e se olham como se quisessem arrancar a roupa um
do outro o tempo todo.

— Vó!
— Ué, eu não sou cega. E também não deixo de ver
que o seu marido é uma delícia, com todo o respeito. No
nosso tempo, seu avô também era um homem e tanto. Mas
acho aquele tom ruivo do cabelo do Hector um charme.

— Hector não é ruivo.

— Claro que é. E não importa. O que eu quero saber é:


você vai fazer isso pela sua avó? — Os olhinhos dela
brilhavam enquanto esperava pela minha resposta.

Com que cara eu iria dizer a ela que não, depois de ter
ido tão longe para fazê-la feliz?

Pelo amor de Deus! Eu tinha passado por cima de todo


o meu ranço por Hector e viajado com ele até aquela casa.
Estávamos fingindo que continuávamos juntos e o pior: deixei
que me tocasse na noite anterior.

Tá que isso não tinha absolutamente nada a ver com a


mentira, porque não havia necessidade de chegarmos tão
longe, mas não teria acontecido se eu estivesse quietinha em
casa ou se tivesse ido para Porto Vermelho sozinha.

A culpa, como sempre, era de Hector.

— Vou, vó. Claro que vou.

Toda feliz, vovó desceu comigo, com Célia ao nosso


lado, segurando o vestido nos braços. Eu não podia negar que
ele era lindo. Não estava sequer amarelado, porque fora
guardado com cuidado. Era completamente diferente do que
usei para o meu casamento, mas, ainda assim, deslumbrante.

— Teremos um casamento nesta casa! — vovó


exclamou toda feliz, erguendo os braços, chegando na sala,
onde estavam os outros. Brioche veio correndo, latindo e
tremendo como sempre, como se entendesse que era uma
péssima ideia e avisando.

— Como assim? — meu pai perguntou, também meio


perdido com as loucuras de vovó.

— Eu sou um gênio. Achei meu vestido de noiva e pedi


que Jordana o vestisse. Vamos fazer uma cena perfeita de
casamento aqui em casa. Podemos até chamar alguém para
interpretar o padre.

Todo mundo olhou para mim, mas eu me voltei para


Hector. Claro que ele estava com aquele sorriso ridiculamente
sexy e cínico no rosto.

— Vamos ter festa? — Madá começou a bater palmas.


Eu não sabia se ela estava mesmo animada ou se era só uma
mentirinha.

— A melhor. Certeza que a comida vai estar melhor que


a do casamento real. O meu buffet não tinha comparação.

A mesma coisa que Hector falou que ela diria, pouco


antes do nosso casamento.
Aquilo começou a fazer meu peito se apertar, e eu teria
focado um pouco mais no quanto era doloroso pensar que
aquela brincadeirinha seria o meu primeiro casamento de
verdade que daria certo, mas Hector veio para o meu lado,
colocando o braço ao redor do meu ombro.

— Tá tudo bem?

Como ele conseguia perceber? Enquanto todos tinham


se reunido para falar sobre a tal festa que aconteceria, tudo o
que eu queria era desaparecer.

— Não, Hector. Claro que não — falei baixinho, só para


que ele ouvisse. — Isso é uma loucura.

— Você concordou?

— Pela minha avó? Tive que concordar. O que eu diria?


Não, não quero isso, porque fui abandonada no altar e vai me
dar um baita gatilho.

Hector suspirou do meu lado e então se virou,


segurando meus braços e me colocando de frente para ele.

— Se você ao menos me deixar explicar...

— Não importa. Pode ter sido o Papa que te pediu para


fazer o que fez, não vai mudar. Haveria outro jeito. Não é
possível que não tivesse como falar comigo antes e me avisar,
ao menos para que eu não fosse até lá. Poderíamos fingir que
tínhamos fugido juntos, sei lá.

— Não, amor. Não dava... Eu juro.


Lá estava aquele olhar apaixonado que seria capaz de
derreter uma geleira. Ou talvez fosse isso que eu queria
enxergar, porque, no fundo, ainda era uma iludida em relação
a Hector.

Mesmo depois de tudo o que aconteceu, ainda queria


acreditar que ele me amava e que partira o meu coração por
um motivo muito absurdo.

Eu poderia deixá-lo explicar, mas tinha plena certeza de


que iria me decepcionar ainda mais. E se isso acontecesse, eu
ficaria destruída.

Ou mais do que já estava.

Desvencilhei-me de seus braços e me afastei.

— Gente, desculpa, eu estou com um pouco de dor de


cabeça, tá? Vou deitar.

— Precisa de alguma coisa, Jo? — Madalena


perguntou, cheia de compaixão. Provavelmente tinha
entendido que as coisas estavam indo longe demais.

— Não, Madá, obrigada.

Depois de dizer isso, olhei de soslaio novamente para


Hector, desejando que mais uma vez ele entendesse o quanto
tinha me ferido.

Não era uma questão de drama e nem de querer me


fazer de vítima. Era o quanto ele precisava compreender o
motivo por eu não aceitá-lo de volta. Por mais que tivesse –
literalmente – aberto as pernas para ele e deixado que fosse
até longe demais, eu precisava proteger meu coração.

E ainda tinha a minha filha também. Nós duas


precisávamos de alguém que realmente cuidasse de nós, e eu
não sabia se Hector poderia ser essa pessoa.

Sendo assim, me afastar era a melhor escolha. Em


todos os sentidos.

Só que... será que eu iria conseguir?


CAPÍTULO DEZENOVE

Sabe quando você tenta encher um copo que já está


transbordando? Era assim que eu me sentia quanto à situação
com a família de Jordana. Se mexêssemos um pouquinho
mais na merda, ele ia feder consideravelmente.

Eu os amava. Amava dona Zulmira como se fosse


minha própria avó. Queria conceder todos os seus desejos,
assim como Jordana. O problema era que aquilo ia longe
demais. Para nós dois.

Imaginava que seria um gatilho imenso para ela, mas


para mim também não era tão simples.

Aquele dia ainda estava muito vívido na minha cabeça.


Ainda me lembrava perfeitamente dela vindo na minha
direção, mais linda do que seria possível, caminhando
devagar, com um sorriso enorme.

Sorriso esse que eu espelharia se não tivesse


recebido aquela ligação.
Conforme ela foi se aproximando, eu só pensava que
deveria mandar tudo para o espaço, dizer sim àquele padre,
jogá-la no meu ombro e sair dali em fuga, nós dois, para outro
país, outro lugar. Só que tudo passou como um borrão na
minha cabeça, e eu agi como achei prudente. Para protegê-la.

Faria tudo de novo? Se fosse para salvar sua vida?


Sim... eu faria.

E eu nem sabia que àquela altura ela já estava


esperando uma filha minha. Se soubesse, seria capaz de
muito mais. Mesmo que isso significasse que nós dois
sofreríamos no final das contas. Porque a segurança dela era
mais importante.

Eu não tinha levado um smoking na mala, é claro. Não


tinha a menor pretensão de me casar durante minha viagem a
Porto Vermelho. Consegui me virar com um paletó, que
deixava sempre pendurado no banco traseiro do carro, e
consegui uma gravata emprestada com Fausto.

Terminei de me arrumar e fiquei me olhando no


espelho, tentando entender se me parecia com um noivo,
mesmo de longe.

Talvez, comigo mesmo, no dia do meu próprio


casamento, eu até parecesse. Com aquela cara de
melancolia...

Jordana fora se arrumar no quarto da avó, e eu queria


saber como ela estava. As coisas foram resolvidas na pressa,
e fora naquela mesma manhã que dona Zulmira encontrara o
vestido e que propusera a festa. O resto da família e os
empregados estava se empenhando em criar algum tipo de
ambiente, sem contar que a cozinha se tornara um rebuliço.

A última vez em que nos falamos fora quando ela saíra


fugida, magoada e nem um pouco contente. Claro que não
estaria muito melhor àquela altura, mas antes de entrarmos na
brincadeira nada divertida, queria vê-la.

Bati na porta, e ela falou um “pode entrar”, o que me


permitiu que eu percebesse o quanto estava chateada.

Assim que abri e entrei, senti que não estava


preparado para a visão que me recebeu.

Eu já tinha vivido a experiência de olhar para Jordana


e vê-la usando um vestido de noiva. Naquele dia, ela se
produzira especialmente para a ocasião, fizera o cabelo, usara
mais maquiagem, e, sem dúvidas, estava maravilhosa.

Ali, com o vestido de dona Zulmira, que era mais


simples, e nada similar ao que Jordana escolhera para si, por
ter uma saia mais aberta, um corpete mais de princesa e uma
manga romântica, ela continuava a noiva mais linda que eu já
tinha visto.

Os cabelos caíam pelas costas, com ondas nas


pontas, e ela colocara uma um adorno dourado na cabeça,
que fora o que conseguiram para ela em cima da hora.
Logo se percebia que não estava cem por cento
pronta, porque uma parte do vestido estava aberta.

— Aproveita que entrou e pode me ajudar a fechar? —


Apontou para o zíper do corpete, que eu tinha percebido que
estava aberto.

Não consegui falar absolutamente nada, apenas me


aproximei, em silêncio, olhando para ela com reverência.

Não havia sutiã por baixo do vestido, até porque ele


tinha o corpete que firmava os seios. Toda a extensão da
lateral do corpo de Jordana estava à mostra, e por mais que
eu a tivesse visto nua na noite anterior, parecia ainda mais
sexy daquela forma.

Como se houvesse uma barreira entre nós. Como se


fosse proibido olhar para partes de seu corpo.

E, de fato, era. Ela não era mais minha.

Queria apenas fechar o vestido, como qualquer outra


pessoa faria, mas assim que me coloquei atrás dela, eu a senti
ofegar. Deixei que um dos meus dedos deslizasse pela pele
exposta, enquanto minha boca se aproximava e muito de sua
nuca. Do pedaço de ombro que não fora coberto pelo vestido.

O zíper emperrou um pouco, por ser um vestido


antigo, então eu coloquei a mão em sua barriga, puxando-a
contra mim para ajudar. Foi um movimento instintivo, mas as
costas dela colaram no meu peito. Seu bumbum encostou
direto no meu pau, e este reagiu de imediato, crescendo e
ficando mais rígido.

— Não se aproveite — ela falou baixinho, em uma voz


arfante.

— Não. Só estou te ajudando — respondi no mesmo


tom, deixando que a mão a pressionasse um pouco mais.

Com essa pequena ajuda, o zíper subiu mais fácil,


mas ainda um pouco duro, o que me rendeu um pensamento
bem perverso.

— Se eu tivesse que tirar esse vestido, precisaria


rasgá-lo. Arrancaria ele de você em dois tempos...

Desci um pouco o rosto, quase encostando os lábios


em sua pele.

Quase.

Faltaram poucos milímetros para que eu conseguisse


beijá-la, mas não ousei. Não enquanto ela não me desse
permissão, como fizera na noite anterior. E mesmo assim, não
encostei minha boca nem em seu corpo e nem em seus
lábios.

Porra, eu estava desesperado para beijá-la. Dos pés à


cabeça.

— Não, Hector. Não faz isso. — Jordana me


interrompeu, e eu imediatamente me afastei.
Já tinha feito o que ela me pedira para fazer, não havia
sentido em continuar torturando a nós dois daquele jeito.

Assim que dei alguns passos para trás, ela se virou,


ficando de frente.

— Você está bem? — perguntei. — Com tudo isso, no


caso.

— Tenho que estar. Minha avó não pode desconfiar. E


já estamos fazendo coisa pior.

Assenti, estendendo o braço para ela, que hesitou.

— Que curioso, né? — soltou, meio que em um


comentário que parecia quase automático, como se estivesse
pensando alto. — Da outra vez você não me viu vestida de
noiva antes de eu chegar ao altar, e mesmo assim tivemos
azar.

Ela tinha esse poder: cada uma de suas palavras


podia funcionar como um punhal que acertava bem fundo o
meu coração.

Mas o que eu poderia querer? Jordana merecia


colocar para fora cada uma de suas mágoas contra mim.

Tanto que eu não me surpreenderia caso me desse


um belo de um não no altar. Mesmo que fosse algo
improvisado; uma brincadeira.

Só que ela não fez isso.


Seu Júlio fez o papel de padre, e ele improvisou uma
cerimônia até bem bonita. Durante todo o momento, Jordana
manteve a cabeça baixa, triste, pensativa. Não consegui tirar
os olhos dela. Não conseguia parar de pensar que eu fui o
culpado por ela não poder sorrir ao pensar em um casamento
comigo.

— Hector? Pode beijar a noiva — o nosso “padre”


improvisado falou, e eu fiquei parado.

Meu olhar estava fixo em Jordana, esperando o que


quer que ela dissesse.

Estávamos em uma situação complicada, porque se


negássemos, seria muito estranho e constrangedor. Dona
Zulmira estava ali, muito empolgada, e ela certamente não
entenderia o porquê de não nos beijarmos.

Tanto que foi a primeira a incentivar:

— Vamos, meninos. Não fiquem constrangidos!

Com um meneio de cabeça, Jordana me deu a


permissão, então me aproximei dela, colocando um braço ao
redor de sua cintura e puxando-a para mim. A outra mão foi
parar em seu rosto, segurando-o, e eu voltei meus olhos para
sua boca pouco antes de tocá-la com a minha.

Eu poderia só lhe dar um selinho, simples, mas ela


mesma abriu a boca, como se me convidasse. O que eu
poderia fazer?
Não consegui resistir e acabei deixando que minha
língua pedisse passagem, enquanto minha mão deslizava
para sua nuca, pressionando-a ali. Suspirei e a ouvi gemer
baixinho quando fui mais fundo, exigindo mais e lhe dando
mais também.

Suguei seu lábio inferior e o peguei entre os dentes,


então recomecei o ciclo todo de novo, inclinando a cabeça
para outro lado e a segurando com a mesma firmeza de antes.

Ouvimos palmas ao nosso redor, além de um gritinho


– que só podia pertencer à vovó mais doidinha de todas –,
mas nem mesmo isso nos impediu.

Cheguei a inclinar o corpo de Jordana para trás,


enquanto minha mão se embolava em seus cabelos, e o outro
braço a pegou com força. Mais força.

Deus, eu seria capaz de jogá-la contra a parede mais


próxima ali mesmo e tirar sua roupa. Arrancar aquela merda
daquele vestido, como falei que faria, e lhe dar outro orgasmo,
como fiz na noite anterior.

Só que nós nos afastamos antes que as coisas


ficassem mais insuportáveis, e tudo o que nos restou foi olhar
um para o outro.

Não havia como negar. Nós ainda nos encaixávamos


perfeitamente, em todos os sentidos.

E eu sabia que isso nunca mudaria.


CAPÍTULO VINTE

Minha cabeça estava zonza. E eu nem podia beber


para colocar a culpa no álcool. Sentia como se todo aquele
dia, desde a noite anterior, tivesse cobrado seu preço.

Sem contar, é claro, o cansaço da gravidez. Era como


se aquela pequena coisinha que vivia dentro de mim estivesse
sugando todas as minhas energias. Mas eu já era doida por
ela.

Enquanto as pessoas ainda festejavam lá dentro, fui


para a varanda, sentando-me no guarda-corpo, encostada na
coluna. A casa de vovó tinha uma arquitetura clássica, que
muitas vezes lembrava construções gregas.

Era uma propriedade antiga, com pelo menos uns cem


anos de existência, mas era muito bem cuidada e eu sabia
que era uma das mais valiosas da cidade. Desde pequena
sempre gostei de ir para lá, e ficar ali sentada, naquela
varanda, com a linda vista do jardim da vovó, sempre foi um
momento especial; um daqueles em que eu apenas existia,
tentando não pensar muito na vida, só ouvindo os sons que
me rodeavam: um grilo, a brisa do vento, ou até a chuva
quando esta acontecia.

Naquele ponto onde eu estava, as plantas trepadeiras


do quarto de vovó caíam por entre as colunas de sua sacada,
deixando galhinhos pendurados e espaçados. Ergui a mão
para brincar com um, empurrando-o de um lado para o outro
com um dos meus dedos. Era uma coisa boba de se fazer,
mas aquele movimento ritmado fez com que eu prestasse
atenção em algo além dos meus próprios pensamentos.

Ainda usando o vestido da minha avó, coloquei os pés


sobre o local onde estava sentada, abraçando os joelhos. O
meu sapato era lindo, emprestado de Madalena, e eu meio
que fiquei observando-o, quase como se quisesse prestar
atenção em qualquer coisa além do quão cansada e miserável
me sentia. Só tentando não me perder na minha própria
melancolia.

Não demorei entender que não ficaria sozinha por


muito tempo. Claro que Hector apareceria para me procurar.

Ele não falou nada a princípio. Apenas se sentou do


outro lado, encostando-se na outra coluna, ficando de frente
para mim. Com uma perna flexionada, jogou um braço por
cima do joelho, tentando parecer confortável, embora
claramente nenhum de nós dois se sentisse assim.

— Alguma vez você pensa em como poderia ter sido?


— Eu sabia que ia me condenar por aquela pergunta, mas era
algo que me incomodava. Não ter a menor noção do que se
passava pela cabeça de Hector a respeito de nós dois era
muito mais insuportável do que a sensação de estar deixando
de lado o meu orgulho.

— Do que você está falando?

— Do nosso casamento. O durante, o depois, como


estaríamos agora...

— Sério que você está querendo saber o que eu acho


sobre isso?

Dei de ombros, me sentindo novamente muito


cansada. Eu realmente não sabia o que queria. Hector me
deixava profundamente confusa.

— É, eu quero.

— Tem muita coisa que eu preciso te contar e você


não deixa.

— Então só responde a minha pergunta.

Hector se remexeu de sua posição, e eu vi que seu


semblante se tornou mais sério. Ele franziu o cenho,
pensativo, quase contrariado.

— Eu não tenho a menor dúvida de que seria


maravilhoso. Acredita em mim quando eu digo, Jordana, que
não te abandonei naquele altar por opção minha. Se tivesse
seguido com o nosso casamento, você seria machucada —
ele soltou mesmo sem a minha autorização.
Só que atiçou a minha curiosidade.

— Machucada?

— Tinha uma pessoa. Alguém que não gosta de mim.


Ele ia...

Hector ia continuar falando, mas fomos interrompidos


pela chegada da minha avó. Ela ria alto e trazia uma taça de
vinho em uma das mãos.

— Ah, os meus pombinhos estão aqui! — ela


comentou, colocando-se perto da gente, vindo em nossa
direção apoiada em sua bengala.

Eu e Hector ficamos nos entreolhando por um tempo,


em silêncio.

— Ouvi vocês falando sobre uma pessoa que queria


machucar Jordana? É verdade isso?

Eu podia perceber que aquela possibilidade deixava a


minha avó um pouco agitada.

— Não, vovó. Hector estava me contando sobre uma


notícia que leu — respondi, olhando para ele de soslaio,
esperando que entendesse o recado. Não poderíamos
conversar sobre aquele tipo de coisa com minha avó por perto.

— Ah, bom! Que susto. — Ela se sentou entre nós,


devolvendo o Sorriso ao rosto, parecendo aliviada. — Foi um
festão, né? Para quem improvisou em cima da hora, eu até
que ainda dou um caldo fazendo essas coisas, né?
Não pudemos deixar de rir. Minha avó sempre foi
festeira, principalmente porque antes de conhecer meu avô ela
era dona de um pequeno buffet. Foi assim que eles se
conheceram, aliás. Uma história digna de livro, já que ele era
milionário e se apaixonou à primeira vista.

— Sim, vó, você é maravilhosa — respondi com


indulgência, quase me esquecendo da conversa anterior com
Hector. Claro que esquecer era uma palavra muito forte; o que
ele dissera ficaria girando na minha cabeça por umas boas
horas, mas dar atenção à minha avó foi um pouco mais
importante. nunca me passava despercebido o fato de ela
sempre parecer cada dia mais frágil. O medo de perdê-la era
imenso.

— Sabe o que precisamos fazer para este aqui ser o


melhor casamento de vocês?

Bem, para mim já era, né? Até porque o noivo não


tinha fugido antes de dizer o sim.

— O quê, vovó?

— Fotos! — Ela se levantou de um pulo, parecendo ter


uns vinte anos a menos com aquela agilidade, e sacou o
celular do bolso de sua calça elegante. — Vamos fazer uma
pose bem bonita com esse cenário. Jordana, querida, por que
não se senta no colo de Hector?

Hector deu uma olhada para mim, e eu também olhei


para ele, meio perdida. Seria uma posição bem íntima, é claro,
e levando em consideração que nós estávamos no limite da
sanidade em relação ao tesão que sentíamos um pelo outro,
aquilo poderia não ser uma boa ideia.

— Não fiquem tímidos. Vamos lá, vamos lá.

Claro que a gente se mexeu para acatar o seu pedido.


Eu me levantei, ajeitando o vestido, e Hector se virou para
ficar na posição correta para que eu pudesse me sentar sobre
sua perna. Tentei fazê-lo da forma mais sutil possível, mas ele
não se conteve ao enlaçar minha cintura com seu braço
possessivo.

Perdi o ar imediatamente.

— Lindos! Vocês sabem que formam um casal


perfeito, né? — ela falou, toda feliz, enquanto se esforçava
para manter a mão firme, para tirar a foto.

Vi que seu dedinho frenético apertou o botão várias


vezes, enquanto sorria.

Claro que ela não estava percebendo o que tinha


causado. Embora não fosse culpa dela. Desde que nos
encontramos lá em cima e que Hector me ajudou a colocar o
vestido, meu corpo estava gritando, pedindo mais do que
tivemos na noite anterior.

Eu tinha prometido a mim mesma que iria resistir, mas


já não tinha tanta certeza.
A respiração de Hector tocava o meu pescoço, e eu
inclinei a cabeça para o lado, séria, encostando o rosto em
seu nariz. Ele fechou os olhos e inspirou, como se quisesse
absorver o meu cheiro. Também fechei os olhos e senti seus
dedos me pressionando um pouco mais.

Estávamos pegando fogo.

— Agora que tal uma foto bem bonita, conceitual?

— Onde aprendeu esse termo, dona Zuzu? — Hector


brincou, rindo e usando um tom carinhoso.

— Eu vi em um filme. Mas vamos, vamos. Levanta daí,


garota assanhada! — Ela estava se divertindo. Saí com pressa
do colo de Hector, esperando de pé, para que nossa fotógrafa
oficial nos desse os direcionamentos. — O que acham de
vocês se sentarem um de costas para o outro, apoiados?

Testei a posição para saber se era o que minha avó


queria, e senti meu corpo se encaixar perfeitamente no de
Hector. Acomodei-me em suas costas largas, sentindo-me
confortável e segura, como sempre acontecia quando me via
em seus braços. Sempre que precisava de colo e de um
refúgio, era nele que me apoiava. Naquele corpo grande que
sempre me recebia e me acolhia.

— Perfeitos! — ela exclamou, sem nem perceber o


que acontecia. Que as duas pessoas à sua frente estavam
completamente quebradas.
Era essa a certeza que eu tinha ao olhar para Hector,
e as coisas começaram a fazer um pouco de sentido. Por mais
que não tivesse a explicação completa, era fácil entender que
algo acontecera.

Algo importante.

Algo suficientemente relevante para que um homem


que sem dúvidas me amava ter decidido acabar com tudo. Em
um estalar de dedos.

Ele tomou uma decisão que fez nosso castelo ruir


como se fosse feito de areia. E se tinha uma coisa que eu
sempre tive certeza era de que nosso relacionamento era bem
concreto.

Sentindo-o atrás de mim, cálido e muito real, estendi a


mão e peguei a dele, do outro lado, para que minha avó não
visse. Parecíamos duas crianças se reconectando, mas com
medo que fossem pegas no flagra.

Por cima do ombro, eu o ouvi dizer:

— Eu te amo, Lois Lane. Sempre amei e sempre vou


amar.

Que Deus me ajudasse, porque acreditei em suas


palavras. Tanto que precisei me levantar, pedindo licença,
assim que minha avó se deu por satisfeita, e me afastar, para
pensar o que poderia fazer dali em diante.
CAPÍTULO VINTE E UM

Desde que cheguei no quarto, não a encontrei, porque


estava trancada no banheiro. Demorei ainda uns trinta minutos
para subir, tentando dar uma boa explicação, e as pessoas me
olharam com mistos de emoções conflitantes, porque, é claro,
eu era o vilão da história. Fausto e Madá, principalmente,
perceberam que Jordana saiu da festa do jeito que saiu
porque funcionou como uma péssima lembrança para ela.

Queria conversar, terminar o assunto que iniciamos lá


fora, nem que eu precisasse segurá-la contra a vontade lá em
cima.

Porra, quase consegui falar o que quis desde o início.


Ainda assim, joguei uma parte da verdade e senti que a atingiu
de alguma forma.

Provavelmente eu estava sendo repetitivo, mas só


queria uma oportunidade. Uma única.
Sentei-me na cama, tentando ouvir algum som
indicando que ela estivesse bem lá dentro. Só que eu não
queria invadir sua privacidade, batendo ou pedindo que saísse
para que conversássemos.

Abri as pernas e apoiei os cotovelos nos joelhos,


depois apoiei a cabeça nas mãos, passando os dedos pelos
cabelos e respirando fundo. Esfreguei os olhos, ficando por
um tempo com eles fechados.

Ouvi o som da porta do banheiro se abrindo, mas não


ergui a cabeça para olhá-la. Quando o fiz, eu a vi vestindo um
robe de seda, em um tom de pêssego – uma cor que sempre
achei linda em contraste com a sua pele.

Aproximou-se de mim, com os cabelos soltos sobre os


ombros, caindo em cascata, algumas mechas rebeldes
espalhadas.

— Desamarra para mim — ela pediu, apontando para


a faixa da peça de roupa, de um jeito tão sensual, quase
arfante, que eu precisei puxar o ar bem lá do fundo do peito.

— Jo... Não faz isso. Se é para me torturar, faz de


outra forma.

— Só atende o meu pedido.

O que eu poderia fazer além de agir como ela queria?


Não importava se seria até doloroso, como fora na outra noite
em que me pediu para tocá-la, mas não pude ir mais longe. No
entanto, se Jordana quisesse que eu lhe desse prazer, mesmo
que não recebesse retribuição, ela o teria.

Desatei o nó com bastante calma. Sem tirar os olhos


dos dela.

Não consegui resistir, porém, em olhar conforme o


tecido macio deslizava pelos seus ombros, deixando-a
completamente nua.

Cada curva, cada pedaço de sua pele... era como se


ela tivesse sido feita para mim. Eu era louco por ela.

— Ainda se lembra de tudo, Hec? Como era...?


Porque sempre fomos bons nisso, né?

— Sim, amor. Eu conheço seu corpo até de olhos


vendados.

Assim que eu disse isso, ela ergueu uma sobrancelha,


provocadora. Pegou a faixa do robe que eu desamarrei, se
inclinou e, de fato, cobriu meus olhos com ela, deixando-me
na escuridão.

— Prove.

Ela não precisava falar duas vezes para eu


compreender o que queria dizer.

— Total liberdade? Posso fazer o que eu quiser?

— Absolutamente tudo.
Meu coração até acelerou, e eu precisei, outra vez,
respirar fundo para que os batimentos ficassem mais
controlados.

Sem enxergar, eu precisava me guiar pelos meus


outros sentidos. Tirei, primeiro, a minha camisa, porque por
mais que não estivesse nem um pouco quente naquela noite,
o quarto subitamente ficou abafado.

Senti as mãos de Jordana me tocando, passeando


pelo meu peito e caindo pelos meus braços, delineando-os
com as pontas dos dedos e suas palmas.

— Amo o seu corpo. Sempre amei.

— E eu o seu.

Ouvi uma risadinha.

— Mais uma vez: prove.

Ela estava brincando com fogo.

Segurei seus quadris e a fiz dar alguns passos para


trás. Saí da cama e me ajoelhei à sua frente, tateando-a para
encontrar exatamente os pontos que queria atingir. Desci a
mão pelo contorno da cintura, não deixando de buscar a
elevação quase inexistente que provava que nosso bebê
estava ali dentro. Era uma ondulação imperceptível, mas, para
mim que, de fato, a conhecia por inteiro, fazia alguma
diferença.
Beijei o ponto suave, como em reverência, mas logo
desci, encontrando seu clitóris e abrindo os lábios de sua
boceta, deslizando o dedo de um lado para o outro, usando a
pontinha da unha nas regiões mais sensíveis, mas de um jeito
bem delicado, para que ela sentisse apenas a fricção e não
dor.

Segurando uma de suas coxas, coloquei-a sobre o


meu ombro e espalmei sua bunda, as duas ancas, para
equilibrá-la, mergulhando a boca entre suas pernas. Ela
estava próxima à parede também, poderia se segurar caso as
coisas ficassem intensas – o que com certeza ficariam.

— Estou faminto por você, Jordana. Como falei da


outra vez, eu vou te chupar até você não aguentar mais.

Porra, era exatamente o que eu queria: bebê-la por


inteiro. Me embebedar. Me fartar até não poder mais.

O primeiro gemido que Jordana soltou, quando


aprofundei minha boca e usei a língua bem fundo na sua
boceta, sugando e lambendo, me deixou zonzo. Quando sua
mão se embolou no meu cabelo e a outra afundou no meu
ombro, com unhas afiadas, e jurei que ela iria me levar à
ruína.

Com uma das mãos, toquei seu clitóris, enquanto a


chupava, sentindo-a ficar um pouco instável. Querendo firmá-
la e não a deixar cair, peguei-a com mais vontade pela bunda,
puxando-a ainda mais para mim, conseguindo afundar um
pouco mais e extrair mais do que, para mim, era a perfeição.
E, sim, eu ainda sabia como lhe dar prazer. Sabia
como ela gostava.

Fiquei brincando com seu clitóris e usando a língua,


intercalando, e penetrei dois dedos dentro dela, deslizando-os
para bem fundo, tocando-a como eu já sabia que a fazia
gemer. Deixando-os em gancho, buscando o exato ponto em
que eu sabia que ela ficava toda sensível.

Assim que o encontrei, eu a senti se fechar ao redor


dos meus dedos, contraindo os músculos, como se pedisse
mais.

Comecei a intensificar as estocadas, enquanto


combinava o ritmo da minha língua também, para que a
cadência fosse a mesma. Os gemidos foram ficando mais
altos também, embora ela claramente estivesse se contendo,
porque estávamos na casa de sua avó.

— Porra, Hector! Eu vou gozar... Meu Deus... — Sorri


enquanto ainda a masturbava e a chupava, sentindo-a se
desmanchar.

Arranquei a venda dos olhos, jogando-a no chão, e


agarrando Jordana daquele jeito mesmo, levantando-me com
ela e a lançando na cama.

Observei-a deitada sobre a colcha clara da cama, com


as mãos ao lado da cabeça, os cabelos todos espalhados e as
faces coradas depois do orgasmo. Cheia de expectativa.
Cheia de desejo.
Sem tirar os olhos dela, me despi, deixando a calça
cair no chão, junto à cueca, e então escalei a cama,
colocando-me sobre ela e buscando sua boca imediatamente.

Agarrei seus punhos, onde estavam, prendendo-os ao


colchão, fazendo meu pau rígido buscar sua entrada. Deslizei
para dentro dela, ainda encarando-a fixamente.

Queria dizer alguma coisa. Queria que ela entendesse


o significado daquele momento, porque não era apenas sexo
para mim. Tinha quase certeza de que não o era para ela
também, mas precisava externar em palavras.

Só que um sentimento avassalador quase me engoliu.

Foi como uma monstruosa onda que tomou


proporções gigantescas e poderia ter me feito desmoronar.

Segurei-me por um fio e fiquei calado. Arremeti com


força, fazendo Jordana arquear o corpo, recebendo-me e
soltando um gemido baixinho, enquanto fechava os olhos.

— Olhe para mim — ordenei em uma voz de


comando.

Ela não me devia obediência, de jeito nenhum, mas


atendeu. Abriu os olhos enormes e os voltou para mim,
enquanto eu investia, primeiro devagar, mas aumentando o
ritmo.

Eu me sentia envolvido por ela, e a sensação era


como se eu me encontrasse novamente.
Abaixei a cabeça e encostei testa com testa em meio a
mais uma estocada que me fez grunhir. Ela ergueu um pouco
os quadris, e eu entendi que podia ir mais fundo.

— Quer ser fodida, amor? É isso? — sussurrei,


sentindo que minha respiração tocava seu rosto, com a
intensidade do meu arfar.

— Quero. Por favor.

Soltei-a finalmente e me ergui um pouco na cama,


ficando sentado sobre minhas panturrilhas. Peguei suas
pernas e as coloquei nos meus ombros, arremetendo
novamente, indo ainda mais fundo naquela posição.

— Hector! — ela exclamou mais alto, quase em um


grito, o que a fez arregalar os olhos, por se lembrar onde
estávamos.

Com certa brutalidade, levei uma das mãos à sua


boca, cobrindo-a, abafando seus gemidos. Amava ouvi-los,
mas a casa inteira não precisava ser brindada com os sons do
nosso sexo.

Daquele jeito, portanto, continuei estocando. E mais e


mais e mais. Nossos corpos se chocavam, e eu podia sentir
minha testa ficando úmida de suor. Segurei mais uma vez a
popa da sua bunda, içando-a do colchão, o que me fez ir até o
limite. Batia conta sua boceta o mais profundo que era
possível, e ela parecia estar prestes a gozar de novo.
Sentindo isso, permiti que me libertasse também,
jorrando dentro dela. Pensando que fora em um momento
como aquele que concebemos nossa filha.

Nosso destino ainda era uma incógnita, mas eu não


poderia permitir que nós dois perdêssemos o que tínhamos.
Era raro, especial, único, singular.

Quando nos olhamos nos olhos, comigo ainda dentro


dela, eu soube que Jordana estava pensando a mesma coisa.
Eu só precisava encontrar uma forma de convencê-la de que
realmente a amava e que tudo ficaria bem.
CAPÍTULO VINTE E DOIS

Eu ouvi os sons lá fora antes de qualquer coisa.


Despertei no susto, como quem sabe que algo de errado está
acontecendo.

Fiz todo esforço para não acordar Jordana, tirando o


braço de debaixo do corpo dela, afastando-me com cuidado e
pegando uma bermuda e uma camisa para vestir.

Saí do quarto e vi a luz acesa. Algo tinha acontecido


com dona Zulmira, eu tinha toda certeza disso.

Fui correndo para lá e vi todo mundo muito agitado.


Madalena, que era a mais próxima da porta, apoiada no
batente, foi a primeira a perceber a minha presença.
Aproximei-me, esperando entender o que tinha acontecido,
porque Fausto e Célia estavam ao redor da mulher mais velha,
segurando sua mão, enquanto ela parecia mais pálida do que
nunca.
— O que aconteceu? — perguntei, realmente
preocupado.

— Ai, eu não sei direito. Célia veio nos chamar, porque


a Zuzu estava se sentindo estranha depois da festa. Disse que
ela teve uma vertigem e quase caiu. Parece que a pressão
baixou muito também. — Seus olhos marejaram. — Estou
nervosa.

Passei um dos braços ao redor de seus ombros,


puxando-a para mim, tentando lhe passar algum conforto.
Beijei o topo de sua cabeça, e ela se aninhou, chorosa.

— E a Jo? — indagou, contra o meu peito.

— Ficou dormindo. Não sei o que faço. Não sei se


devo chamá-la.

— Também não sei, querido. Com o bebê... Mas se a


gente não falar com ela, talvez fique chateada...

— Não, não, não! — dona Zulmira usou de suas


poucas forças para falar. — Nada de falar com Jordana. É seu
papel, Hector, segurá-la aqui.

— Vou levá-la ao hospital — Fausto começou a falar


—, assim que tivermos notícias você fala com Jordana.
Enquanto não soubermos do que se trata, ela não precisa
saber.

Aquilo não era uma boa ideia, e ao mesmo tempo era.


Não queria mais manter segredos de Jordana, mas imaginava
que saber sobre algum possível problema de saúde da avó iria
abalá-la. Ainda mais depois de tudo o que ela tinha feito para
proteger dona Zulmira.

Ajudei Fausto, carregando a idosinha até o carro dele,


e Madalena seguiu junto, com Célia, me deixando sozinho
com Jordana. Fiquei observando-os partir e voltei para o
quarto, satisfeito por ela ainda estar dormindo, inconsciente de
toda a confusão.

Fiquei mais satisfeito ainda quando ela sem querer se


aninhou nos meus braços. Claro que foi uma reação instintiva,
talvez uma memória involuntária que surgiu, porque aquela
era a nossa rotina antes do término, mas apenas a recebi,
beijando o topo de sua cabeça e esperando que tudo ficasse
bem para que ela não precisasse sofrer um estresse.

Passei a noite em claro, esperando notícias, e Fausto


não deixava de me informar nada, mas até aquele momento,
apenas exames estavam sendo feitos, e dona Zulmira fora
internada, em observação.

Acabei cochilando um pouco, depois que amanheceu,


e perdi o momento em que Jordana se levantou. Quando fui
atrás dela, eu a vi andando de um lado para o outro na sala,
com Brioche latindo em seu encalço, provavelmente com
saudade de Madalena. Ela aparentemente o tinha alimentado
e lhe dado água.

— O que aconteceu com todo mundo? — ela


perguntou, e eu tive algum tempo, durante as horas em que
fiquei me revirando na cama, para pensar um pouco sobre o
que lhe dizer.

— Sua avó tinha uns exames marcados. Ela não te


falou? Comentou comigo anteontem — lá estava eu mentindo
novamente. E pela forma como Jordana olhou para mim, com
uma sobrancelha erguida, ela não estava comprando aquela
história de forma alguma.

— E aí todos foram com ela?

— Não. Seu pai e Madalena foram fazer outra coisa.


Ela foi só com Célia.

Aquilo pareceu fazer um pouco mais de sentindo em


sua cabeça, mas, conhecendo-a como conhecia, imaginava
que iria ficar desconfiada por um bom tempo. Principalmente
conforme fui me afastando para falar no telefone com Fausto,
tentando receber notícias.

Pelo que conseguiram apurar, dona Zulmira tivera


apenas uma indisposição por conta de algo que comeu e que
afetou seu fígado. Uma espécie de intoxicação alimentar, que
a deixara com a pressão baixa, calafrios e com o corpo
dolorido. Só que, como ela era uma paciente de alto risco,
precisaria passar ao menos vinte e quatro horas no hospital,
talvez um pouquinho mais, para enfrentar a fase mais aguda
da condição sob observação.

O nervosismo e a fraqueza poderiam deixá-la um


pouco agitada, e os médicos temiam que isso afetasse o seu
coração.

Acreditei que era a hora certa de contar a Jordana, já


que as notícias eram boas.

Quando me virei para sair do quarto, onde me enfiei


para conversar com meu ex-sogro, lá estava ela. De braços
cruzados, apoiada na parede, me observando com uma
sobrancelha arqueada.

— Que história é essa da minha avó estar no hospital?


— indagou muito séria, já compreendendo tudo. — Virou
passatempo seu me enganar agora?

— Jo, não é isso. Foi uma decisão da família. Você


está grávida.

— Isso não quer dizer que eu esteja doente —


respondeu com decisão. — Me fala... o que ela tem? E se
demorar muito a me dizer, aí sim vou me sentir mal.

— Não é grave. Foi uma indisposição alimentar.

— E por que, então, ela não vai voltar para casa? —


Fiquei observando-a atento, com medo de suas reações. Só
de olhá-la, eu conseguia ver o corpo todo tenso, contraído.

— Jo... — Fui me aproximando, estendendo a mão. —


De verdade, ela está bem. Vão deixá-la lá porque é uma
paciente com histórico de risco. É para ficar bem cuidada.

— Se é assim, então, eu posso ir vê-la? — indagou,


ainda desconfiada.
— Sim, amor. Pode. Vou te levar.

O ideal era que ela ficasse em casa, que se


contentasse em esperar notícias por lá mesmo, mas tinha
certeza de que sendo quem era, a mulher mais determinada
que já conheci, isso seria impossível. Segurá-la quando era a
avó que estava em jogo? Só se eu a prendesse contra sua
vontade. E isso eu não faria, sem dúvidas.

Ela se aprontou em tempo recorde e saímos de casa,


partindo para o hospital. Era horário de visita, então casou que
pudemos subir para vê-la, só deixando que Fausto e
Madalena descessem para o quarto não ficar cheio de gente.

A aparência dela estava muito melhor do que na noite


anterior, e eu comecei a agradecer por não termos contado
nada para Jordana antes. Seu rostinho já estava corado, e
pegamos bem a hora de uma refeição.

— Essa comida é uma droga. Jantei como uma rainha


ontem, e olha o que estão me dando hoje, minha filha... — foi
a primeira coisa que ela falou quando chegamos, o que
provava que estava bem, na medida do possível.

Claro que ia reclamar da comida...

— Jantou como uma rainha, mas passou mal — Célia


comentou. Estava sentada em um canto do quarto, com duas
agulhas de tricô e um paninho.

Jordana riu com o comentário da avó, enquanto


tentava esconder as lágrimas. Aproximou-se da cama e deu
um beijo na cabeça dela, tirando a bandeja da frente, porque
ela tinha terminado.

— Para de nos dar susto, vó, pelo amor de Deus —


ela falou, puxando uma cadeira e se sentando bem do lado
dela, segurando a mão de dona Zulmira.

— Ah, nem era para você estar aqui. Tinha que se


cuidar, ficar descansadinha com o seu homem.

Jordana lançou um olhar para mim, e eu não consegui


compreender de início, mas havia algum tipo de sentimento
diferente nascendo ali. Arrependimento, talvez?

— Vovó, eu acho que não fomos sinceros com você


desde o início... O fato de você estar no hospital acho que me
facilita a vida para te dar a notícia. Sei que está bem cuidada
e...

— Jordana, minha querida... — ela a interrompeu.


Ainda bem, porque eu não achava uma boa ideia. Só que
entendia muito bem o que se passava pela cabeça dela.

Eu podia imaginar que Jordana temera perder a avó e


achava que era justo contar a verdade, já que levara mais um
susto. Era como se a sensação de estar enganando a
idosinha, naquela situação, fosse ainda mais problemático.

— Vocês acham que eu sou burra? Acham que não


sabia o que tinha acontecido desde o início?
Todos nós nos entreolhamos. Tanto eu e Jordana
quanto Célia, que parecia igualmente surpresa.

— Você... sabia? — eu fui o primeiro a perguntar,


porque as duas mulheres pareciam completamente
paralisadas.

— É claro. Acham que eu não sei o que se passa com


minha única neta?

— Então por que não disse nada, vó?

— Porque não queria entrar nesse assunto com você.


Sabia que ainda estava abalada, ou ao menos imaginei que
sim. E, de alguma forma, sempre tive a certeza de que Hector
não te abandonaria no altar sem um bom motivo.

Ao menos alguém acreditara em mim desde o início.

— Nem sei o que dizer... — Jordana praticamente se


jogou contra o encosto da cadeira, como se tivesse se dado
por vencida.

— Não diga nada. Só quero que entendam que amo


os dois juntos e fiz algumas coisas das quais não me orgulho
para uni-los novamente.

Tudo começou a se encaixar: a encenação do


casamento, um só quarto para nós dois, a forma como ela
sempre parecia estar de olho para que agíssemos como um
casal... Não pude deixar de sorrir. Zulmira era uma
estrategista, e sem querer acabou sendo minha aliada.
Ainda não sabia se seu plano tinha dado certo, até
porque eu e Jordana fizemos amor na noite anterior, mas ela
não demonstrou nenhum sinal de que as coisas seriam
resolvidas entre nós. Eu ainda não tinha certeza de nada.

— Seja o que for que os separou, sei que não é mais


forte do que o que sentem. — Eu e Jordana nos entreolhamos
novamente, e eu cheguei a sentir o peito pesar com aquelas
palavras. Porque eu acreditava muito nelas. Mas também
precisei levar em consideração a minha consciência e a
certeza de que seria capaz de tudo para protegê-la. — Tenho
certeza de que vai dar tudo certo, de uma forma ou de outra.
No meu tempo, o amor, quando se quebrava, a gente dava um
jeito de consertar. Não era como hoje que temos a opção de
separar ou de tentar de novo com outra pessoa. Quando nos
uníamos a alguém era para o resto da vida.

— Nem sempre o amor é para sempre, vó.

— Sei que não, querida. E fico feliz que algumas


pessoas possam se livrar de outras, que são ruins para elas.
Mas quando o amor é de verdade, ele é bom. Faz bem. E a
confiança é importante.

— Eu fui abandonada no altar, vó! Não tem como


confiar desse jeito! — Jordana disse, e o gosto de ouvi-la
falando isso era sempre amargo.

— Novamente: tenho certeza de que ele tem uma boa


explicação. Se estiver errada quanto a isso, eu mesma vou dar
uma bela lição nele.
Abri um sorriso novamente, completamente
apaixonado por aquela senhorinha, e depois percebi que
Jordana estava me olhando, atentamente. Não sabia o que se
passava por sua cabeça, mas queria que lesse em meus olhos
o quanto as palavras de sua avó eram sinceras.

Eu já tinha repetido aquilo mil vezes, mas seria capaz


de fazê-lo mil mais.

Eu a amava, seria capaz de tudo por ela. Até mesmo


de perdê-la.

Isso deveria significar alguma coisa, quando tivesse a


chance de lhe contar o que realmente acontecera. E eu
esperava que fosse logo.
CAPÍTULO VINTE E TRÊS

Voltamos para casa quando já passava das dez da


noite. Eu não queria deixar minha avó lá, mas meu pai e
Madalena chegaram, podendo render Célia também, que
retornou conosco.

Subi para o quarto quase me arrastando, agarrando o


corrimão, mas não era um cansaço físico exatamente; era pelo
estresse. Pela ideia de que em um único segundo, um estalar
de dedos, algo muito ruim pode acontecer e fazer tudo mudar.

Entramos no quarto, e eu fui direto para o chuveiro,


tomar um banho. Hector fez o mesmo, usando outro banheiro,
no corredor.

Enquanto esperava que ele voltasse, penteando meus


cabelos que nem cheguei a lavar, fiquei pensando em toda a
loucura que tínhamos feito e no quanto era óbvio que minha
avó não ficaria por tanto tempo sem saber a verdade. Eu
apenas me iludi, acreditando que poderia enganá-la, mas no
primeiro momento em que tive o gosto amargo do medo da
perda, o que quis fazer foi contar a verdade.

A mentira nunca foi algo que me caísse bem. Mas


mais ainda, pensar que havia uma coisinha dentro da minha
barriga – à qual levei a mão no exato momento em que pensei
nisso tudo – que precisava que eu lhe ensinasse valores, que
lhe desse exemplos de certo e errado, me fazia acreditar que
eu tinha escolhido um jeito muito errado de lidar com uma das
pessoas que eu mais amava no mundo.

Por mais frágil que ela estivesse, merecia respeito.

Eu me sentia um lixo.

E fiquei me sentindo mais ainda quando Hector entrou


no quarto e começou a arrumar suas coisas.

Por alguns instantes fiquei calada, apenas


observando-o, meio paralisada. Ele também não dizia nada,
mas eu podia ver em seu rosto uma enorme tristeza, como se
algo tivesse se quebrado.

Não que eu soubesse seu motivo, mas me sentia da


mesma forma.

— O que você está fazendo? — perguntei, finalmente,


enquanto ele tirava uma camisa de um cabide e a colocava
dentro da mala.

— Arrumando minhas coisas. Suponho que agora que


sua avó sabe de tudo, vai querer que eu vá embora, não é? —
Hector não me encarava. Apenas continuava seus
movimentos. De início ele parecia um pouco mais cuidadoso,
até que algo pareceu explodir, e eu o vi jogando uma peça de
roupa dentro da mala com mais raiva. — Quer saber de uma
coisa, Jo? Você está sendo covarde.

Arregalei os olhos, surpresa e indignada com aquela


afirmação e mais ainda com a expressão irritada que ele
demonstrou.

— O quê?

— É isso mesmo! — Ele jogou outra camisa lá dentro


e veio na minha direção. — A mentira, a forma como tentou
armar a história... desde o início não deixou de me amar. Você
me queria por perto. Queria me manter amarrado a você, mas
ao mesmo tempo não deixa que me explique. Agora que servi
seu propósito, é melhor eu ir embora, porque me machuca
estar perto e saber que não vou te ter de volta.

Havia uma quantidade enorme de emoções em suas


palavras, mas isso não era uma novidade, porque Hector
nunca foi um homem de esconder o que sentia – um dos
motivos pelos quais eu me apaixonei por ele.

— O que quer de mim, Hector? Que eu me jogue nos


seus braços depois da forma como me magoou? Preciso de
um tempo. Estou até considerando mais do que achei que
fosse capaz. Para mim, eu nunca mais ia precisar sequer falar
com você.
Ele deu um passo à frente. Depois da noite anterior,
pela forma como acabei em seus braços mais uma vez, se
tornara ainda mais difícil resistir à proximidade. Menos ainda
quando passou o braço ao redor da minha cintura, puxando-
me para si. Colidi com seu peito maciço, colocando as mãos
entre nós, espalmadas sobre o tecido de sua camisa de
algodão, um pouco atordoada pelo movimento e pela forma
como ele me segurava contra si.

— Mas você ia conseguir? Se mantendo longe é fácil,


né? Só que quando estamos juntos, as coisas são diferentes...
— Seus olhos estavam completamente focados na minha
boca, e eu podia sentir a calidez de sua respiração contra o
meu rosto.

Colocou uma das mãos no meu rosto, em concha, e


eu só fechei os olhos. Queria resistir, porque tínhamos muitas
conversas pendentes, mas era impossível. Exatamente como
ele dissera, quando estávamos tão perto, daquele jeito, a
química era inegável.

— Mas não pode ser assim.

— Não é a gente que escolhe, Jordana. Tem a ver


com o que o corpo e o coração querem. Não estamos no
comando deles.

Aquele braço que me segurava se tornou ainda mais


possessivo, dominando-me e me deixando quase lânguida.
— Você me quer, não quer? — Hector sussurrou,
aproximando o rosto do meu, deixando nossas bocas tão
próximas que eu nem sabia como não estavam se tocando.

— Quero, mas...

Ele nem me deixou argumentar. Provavelmente


também tinha muito a dizer, mas estava jogando baixo. Àquela
altura era tudo ou nada. De fato, a partir do momento em que
minha avó já sabia da verdade, ele poderia apenas ir embora
e nós teríamos que seguir, cada um para o seu lado.

Minha respiração começou a ofegar com aquele


pensamento. Tendo Hector daquele jeito, tão perto e me
segurando contra si, com minhas mãos em seu peito e sua
boca contra a minha – porque ele simplesmente a tomou para
si com aquele jeito voraz que me deixava louca –, eu não
podia sequer imaginar como seria uma vida sem ele.

Depois de ter passado aqueles dias ao seu lado, de ter


descoberto uma gravidez... tudo mudara.

Hector subiu seus braços e me envolveu como um


urso, prendendo os meus contra o corpo, deixando minhas
mãos imobilizadas entre nossos peitos. Se eu tentasse me
desvencilhar ele me soltaria, mas a sensação que tive era que
faria qualquer coisa para me manter consigo naquele
momento.

Deixei apenas que fizesse o que sabia fazer de


melhor. Beijando, Hector era um demônio, principalmente
quando queria seduzir. Ele começava lento, explorando todos
os meus sentidos devagar, mas aos poucos ia intensificando
as investidas de sua língua, transformando-me em algo
inanimado, pronto para atender à todas as suas vontades.

Ele entrelaçou os dedos às minhas costas, quase me


deixando sem ar com a forma como me apertava, tornando-
me sua refém em todos os sentidos. Era muito mais forte do
que eu, e isso sempre ficava evidente quando me pegava
daquele jeito.

Nós nos tornamos uma confusão de línguas ávidas,


mas ele me girou, colocando-me de costas para si, tirando
minha camiseta e abrindo meu sutiã em um segundo. Usando
um de seus braços, me envolveu mais uma vez, segurando-
me imóvel, por debaixo dos meus seios, empinando-os e
usando a mão livre para brincar com os mamilos.

Ele segurou um dos dois com força, puxando-o e


girando-o com vontade. Empurrando-me com brutalidade,
guiou-nos até o espelho do quarto e agarrou meus cabelos
com a mão cujo braço antes me prendia e me obrigou a olhar
pelo espelho.

— Você vai gozar se olhando no espelho, para que eu


te prove que nunca ninguém vai te fazer sentir assim.

Ousei baixar os olhos, mas ele novamente puxou meu


cabelo e me dominou novamente.
— Tire o short — assumiu um tom de comando, e eu
sabia que aquilo seria minha ruína.

— Vai ter que se esforçar um pouco mais... —


provoquei, aproveitando que ele estava olhando para mim
através do espelho e podia ver meu sorriso malicioso.

Soltei uma exclamação de surpresa quando fui tirada


do chão sem o menor esforço, mesmo que ele estivesse
usando apenas um braço e levada em direção à penteadeira
cujo espelho estava sendo usado para tornar as coisas mais
eróticas.

Fui colocada contra ela, de barriga para baixo, com a


bunda empinada para ele, os pés no chão. Apesar de ser um
movimento bruto, senti que Hector me posicionou com todo o
cuidado, por causa do bebê. Cuidadoso mesmo em momentos
em que o tesão falava mais alto.

Levei uma palmada na bunda, o que me obrigou a dar


um gritinho, e ele mesmo começou a arrancar meu short,
cheio de brutalidade.

Havia dois detalhes na penteadeira que faziam duas


colunas se erguerem, mas laterais, formando um entalhe
bonito dourado, meio antigo. Hector agarrou minhas duas
mãos e as colocou sobre esses detalhes, fazendo meus dedos
se agarrarem a eles.

— Se segure. Não vou ser delicado. — Assim que


disse isso, senti seu dedo me penetrando com força,
encontrando direto o ponto sensível dentro de mim. — E não
tire a porra dos olhos do espelho, Jordana. É uma ordem.

Novamente provocando, eu os fechei, mas ele era


implacável e estocou com dois dedos várias vezes, fazendo-
me gemer, tirando-os logo em seguida, deixando-me desejosa
e sem seu toque. Também não deixei de receber um tapa na
bunda, um pouco mais forte do que o outro, mas com a
medida certa.

Eu gostava disso. Ele sabia.

Aproveitou que não estava me tocando para se despir


também. Ele o fez devagar, revelando seu corpo que sempre
era um deleite de se olhar. Daquela vez não fiz questão de
parar de olhar para o reflexo.

— Vou te deixar sem gozar, é isso que quer?

— Não — arfei quando novamente se ocupou dos


meus seios, com os dedos, brincando com eles
preguiçosamente, beijando meus ombros e mordendo-os.

Empinei um pouco mais a bunda, encostando-a em


seu pau, que já estava duro. Grande.

Agarrou meus quadris com força, e eu o senti dentro


de mim, alargando-me com seu tamanho, estocando de uma
só vez, sem que eu esperasse.

Pensei que ia continuar me masturbando, mas ele foi


bem-vindo, porque eu estava desejando cada centímetro
daquele pau dentro de mim.

Ele investiu umas três vezes, com muita, muita força,


ao ponto de eu ter certeza de que ficaria marcada por dentro.
Gemi, quase sentindo minha voz desaparecer quando desejei
pedir mais. Porque não importava a intensidade, eu sempre
estava pronta para receber e ser fodida com gosto.

Antes que eu pudesse gemer mais uma vez, ele saiu


de dentro de mim, levando a mão ao meu clitóris, torturando-
me e me fazendo remexer pela ausência, embora ainda me
tocasse.

— Não pare.

— Não é você que está no comando agora. Continue


observando.

Pelo espelho, eu podia vê-lo pegando duas cadeiras


com assento acolchoado e colocando de ambos os lados,
erguendo-me e ajeitando-me para que ficasse com os joelhos
apoiados. Um em cada.

— Mantenha os olhos no espelho, as mãos na


penteadeira.

Daquela vez eu queria obedecer, porque no momento


em que ele se ajoelhou e se colocou no meio das minhas
pernas para me chupar, daquele jeito, a forma como abri a
boca para gemer e o jeito como meu rosto se iluminou com o
quanto era delicioso ser chupada, era, de fato, imperdível.
Além de beijar muito bem, Hector era mestre no sexo
oral, e eu me senti queimar com a forma como sugava, lambia
e usava sua língua para me enlouquecer.

Suas investidas molhadas e quentes, contra a minha


boceta que latejava de desejo, eram impiedosas. Ele parecia
querer me beber de cima a baixo, e eu não sabia como iria
continuar me mantendo na posição em que estava, firmando
minhas pernas e meus joelhos daquele jeito.

Não foi difícil gozar, por todo o conjunto de coisas, e a


sensação foi tão avassaladora, que eu ouvi o gemido e nem
reconheci como meu. Arfava e buscava o ar como louca,
agarrando a penteadeira e abaixando a cabeça, porque já não
conseguia mais fazer diferente. Então ele me tirou daquela
posição, pegando-me em seu colo e me levando para a cama.

Pôs-se sobre mim e nem me deixou me recuperar do


primeiro orgasmo. Ainda estava em transe com a explosão
que acontecera no meu corpo quando o senti novamente se
encaixando, buscando se acomodar dentro de mim.

Inclinou-se e pegou mais uma vez a minha boca,


enquanto ainda se movimentava devagar, e eu me sentia toda
sensível, toda pronta, molhada e excitada. Completamente
rendida.

— Entende por que você é minha? — ele disse em um


quase rosnado, afastando a boca da minha e deslizando
beijos de língua pelo meu maxilar e meu pescoço.
— Hector... — gemi seu nome, quando chegou ao bico
do meu seio, chupando-o enquanto estocava.

— Minha. De mais ninguém. Minha mulher, mãe da


minha filha. O amor da minha vida. — Ele também estava
ofegante. Falava cada frase em meio a beijos pelo meu corpo
e a investidas fortes. — Nunca, Jordana. Nunca vai ser
venerada desse jeito por ninguém, porque fomos feitos um
para o outro.

Ele estava certo, e enquanto eu chegava a mais um


orgasmo, isso foi se tornando mais e mais certo no meu
coração. Quando ele também gozou, pouco depois, nossos
olhares eram a resposta que eu precisava.

Hector era meu. Eu era dele. E assim seria.


CAPÍTULO VINTE E QUATRO

Eu não estava preparado para mais emoções naquele


dia, mas quando o telefone tocou e eu vi que se tratava de
Victor, meu detetive, precisei de alguns instantes antes de
atendê-lo, já sabendo que não poderia ser uma boa notícia.

Afastei-me da cama, deixando Jordana dormindo,


mais uma vez agradecendo por ela não ter acordado. Com
certeza com a gravidez seu sono se tornara mais pesado,
ainda mais que estava exausta quando adormeceu nos meus
braços.

Entrei no banheiro para atender à ligação, já me


sentindo tenso ao ouvir a voz de Victor.

— Hector, desculpa ligar a essa hora, mas imaginei


que você ia querer saber...

— O que aconteceu? — indaguei aflito, já pronto para


o pior.
— Ele escapou. Houve uma confusão quando foi
transferido da delegacia para a penitenciária. Todos os
prisioneiros e os policiais que estavam junto foram
assassinados.

Eu nem sabia o que dizer. Não sabia como agir.


Aquela ligação de Victor, com aquela notícia, desde o início
sempre fez parte dos meus piores pesadelos. Temia o
momento em que o homem que destruiu a minha vida
pudesse voltar e tirar, novamente, minhas chances com
Jordana.

Porque eu não poderia continuar brincando de casinha


com ela enquanto houvesse a ameaça.

— Estamos investigando, Hector. Não vamos deixar


esse cara solto.

— Até lá, Vic... o que vamos fazer? Eu preciso me


afastar dela. Se ele chegar até mim...

— Não faça nada precipitado, por favor. Sei o quanto


você ama essa mulher.

— Amo. — Abri a porta do banheiro e dei uma olhada


para a cama, porque precisava olhar para Jordana. — Só
Deus sabe o quanto. Mas por amá-la tanto que eu preciso
protegê-la.

Eu precisava ir embora. Deixá-la novamente seria a


coisa mais dolorosa que teria que fazer, principalmente depois
de já ter sentido o gosto horrível de não tê-la comigo, de
passar os dias sentindo sua ausência e me torturando porque
a escolha foi minha. Por mais que eu soubesse que tinha sido
uma escolha certa.

E eu teria que decidir novamente, por algo que


facilmente me destruiria. Precisava partir e mais uma vez
quebrar o coração da melhor mulher que eu poderia encontrar
em toda a minha vida.

Esperando que ela não me ouvisse, desliguei o


telefone com Victor, sem lhe dar muitos detalhes do que iria
fazer, e avisando que telefonaria novamente quando estivesse
na estrada.

Por causa do meu rompante de antes, eu já estava


com muitas coisas na mala, então havia só duas camisas
penduradas e algumas coisas de higiene para serem
arrumadas. Seria simples, se eu não estivesse completamente
nervoso e propenso a ser desastrado.

Acabei tropeçando em algo que estava no chão, e


deixei o desodorante que tinha em mãos cair no piso, fazendo
muito mais barulho do deveria.

Claro que Jordana acordou.

— Hec? — Ouvi sua voz, e a luz do abajur foi acesa.


Ela parecia um pouco sobressaltada, e eu fui pego no flagra.
— Você... você ia embora? Mesmo depois do que aconteceu?

Eu poderia mentir e dizer que o sexo não dizia nada;


que já tínhamos feito antes, no dia anterior, e não significara
que Jordana iria me aceitar de volta. Só que eu não seria
canalha a esse ponto. Não colocaria a culpa nela quando
claramente era a minha chance de explicar tudo.

Daquela vez ela precisaria me ouvir.

— Aconteceu uma coisa...

Ela se remexeu na cama, colocando-se sentada.

— Você ia pelo menos me acordar para me avisar, ou


ia sair na calada da noite como um ladrão? — quase cuspiu as
palavras, cheia de ódio.

— Jordana, se você finalmente me ouvir, eu posso te


explicar.

— Não, não quero explicação! — Vi quando pulou da


cama, usando apenas uma camisa minha no corpo, que
colocara logo depois de fazermos amor. — Estou de saco
cheio de sempre ser abandonada por você. Não é possível
que tenha acontecido algo assim tão sério.

— Aconteceu, porra! É isso que estou tentando te


falar. Tem uma pessoa que ameaçou sua vida. Eu recebi uma
ligação horas antes do casamento. Um cara que eu sei que é
capaz de te machucar. Ele queria que eu desistisse de me
casar com você, que me afastasse. Eu duvidei, relutei, e ele
apareceu na merda do casamento, disfarçado de jornalista.
Quando você estava prestes a entrar no altar, vi que estava
armado — saí falando como um louco, sem pausas, porque
temia que me interrompesse novamente.
Vi que Jordana deu uma bambeada, talvez
acreditando nas minhas palavras, mas ainda deixando seu
ceticismo imperar. Como a boa jornalista que era, não iria me
deixar sair impune sem um bom interrogatório.

— E você quer que eu acredite que de mil coisas que


ele poderia pedir, sendo que está ameaçando um homem
milionário, o interesse do sujeito é em machucar sua noiva
para destruir seu relacionamento? O que ganharia com isso?

Jordana não iria acreditar. Meu Deus... eu queria


sacudi-la. Estava tão apavorado, tão irritado...

— Por que eu mentiria sobre isso?

— Porque você quer uma desculpa para agir como um


babaca! — ela gritou, gesticulando. — Se isso é verdade,
como, então, decidiu vir comigo para cá? Se é perigoso, por
que se aproximou? E ainda envolveu minha família!

— O cara tinha sido preso. Acabei de receber uma


ligação dizendo que fugiu da cadeia. Está à solta. — Fiz uma
pausa, passando a mão pelos cabelos. — Precisa acreditar
em mim, Jordana! Nunca faria nada que não fosse para o seu
bem. Se me afastei, foi para te proteger! — eu também elevei
o tom de voz. — Agora mais ainda... — Apontei para a barriga,
como se mencionasse nossa filha.

Vi algo em sua expressão mudar, levando a mão ao


mesmo local para o qual apontei.
— Acha que... Acha mesmo que isso é real? Que ele
pode tentar algo contra mim, sendo que estou grávida?

— Ele não pode nem sonhar com a sua gravidez.


Seria um desastre. Mas, sim, querida. Eu acho que pode. Não
teria feito o que fiz se não acreditasse; se não o visse sentado
naquela merda de cadeira, me olhando no altar, tocando a
própria arma. Eu poderia ter pagado para ver, mas não
brincaria com a sua vida.

Eu tinha ainda muito a explicar a Jordana, e esperava


ter essa chance, mas acabei me aproximando ao perceber
que estava ficando pálida. Tanto que quando cambaleou,
muito nervosa, consegui segurá-la, impedindo que caísse.

Peguei-a no colo e a levei para a cama, deitando-a lá.

— Amor, você está bem? Quer que te leve ao


hospital? — Imediatamente me peguei aflito. Era esse tipo de
coisa que sempre quis evitar.

— Estou bem. Foi só o susto.

Sentei-me ao lado dela e peguei sua mão, beijando-a.

— Antes de mais nada, preciso que saiba que eu te


amo. Eu realmente te amo, Jordana. Não é da boca para fora.
— Ela ficou me olhando atentamente, chegando a piscar
várias vezes, surpresa. — Você acredita, não acredita?

— Eu... eu estou confusa. Nunca pensei que... — Ela


afastou o olhar de mim, desviando-o para o lado. Segurei seu
queixo, fazendo-a olhar nos meus olhos. — Acredito que você
me ama, Hector, mas tudo isso é tão... Como aconteceu? Por
que ele tem tanto ódio?

Suspirei e me sentei ao lado dela, esticando as


pernas, tentando ficar em uma posição mais confortável para
que conversássemos.

— Foi um funcionário. Eu precisei demiti-lo da


empresa, por justa causa, ele não recebeu nada. Mas apontou
uma faca para uma das meninas da recepção. Pelo que
entendi vinha assediando a menina há um tempo, então
chegou ao extremo. — Olhei para Jordana e a vi boquiaberta.
— Chamei a polícia, e nós prestamos queixa. Ajudei a moça,
porque sei como são as coisas com mulheres por causa de
crimes desse tipo. Ainda mais que ela saiu com ele uma vez,
mesmo sendo casado.

— Ela seria julgada.

— Sim, e ninguém viu a faca. Quando cheguei, na


hora, pegando no flagra, ele não estava mais armado.
Também não dava para ver pelas câmeras da empresa,
porque ele ficou bem na frente, mas pela reação da menina
não havia dúvidas, era muito genuíno... E eu preferi acreditar
nela, já que a polícia não fez nada.

— Você fez o certo.

— Sei que sim.


— Por que nunca me contou desse incidente? Já
estávamos juntos?

— Já. Isso tem alguns meses. Só que você estava


nervosa com o infarto da sua avó e com os preparativos para
o casamento, achei melhor deixar para te contar depois. Só
que acabou passando batido. Até que ele voltou com aquele
telefonema.

— Tanto tempo depois?

— Provavelmente já tinha tudo planejado em mente. O


casamento dele acabou com o que aconteceu, porque a
mulher descobriu.

— Ele não era violento com ela?

— Não sabemos. Ele claramente tem algum tipo de


psicopatia, só que a esposa não prestou queixa nem nada. Na
época fez algumas ameaças, mas a mim, não a você. —
Enquanto contava a história me sentia um idiota por não ter
levado nada daquilo mais a sério antes. Poderia ter alertado
Jordana e colocado seguranças para segui-la.

Mas o que aconteceria se a ameaça viesse de


qualquer forma, antes do casamento? Provavelmente eu teria
a mesma atitude. Por mais difícil que fosse.

— Então ele me telefonou e me descreveu exatamente


a roupa com a qual saiu da minha casa no dia do casamento,
de manhã. — Isso pareceu deixá-la nervosa novamente, então
fiz uma pausa, checando-a e segurando sua mão. — Foi
quando eu entendi que era sério. Ainda estava perdido quando
subi naquele altar, Jo. Não sabia o que fazer, porque não
conseguia imaginar minha vida sem você, muito menos te
abandonar em meio à cerimônia. Então eu o vi e não pude
arriscar.

— Mas foi o que aconteceu.

— Foi, e eu me arrependo disso, mas nunca de ter


tentado te proteger.

Jordana estava assustada, e se tinha uma coisa que


me preocupava era isso. Ela não era o tipo de mulher que
sentia medo, era intrépida, corajosa, audaciosa. Queria
desbravar o mundo com sua profissão, se ao menos alguém a
deixasse fazer isso. Só que, naquele momento, eu soube que
a ideia de ter alguém ameaçando sua vida e de nossa neném
fora forte demais para ela.

— O que vamos fazer agora, Hec? — ao perguntar


isso, ela se aconchegou em mim, buscando conforto nos meus
braços.

— Eu não sei, amor. Não sei.

Beijei o topo de sua cabeça, esperando que


conseguíssemos encontrar a resposta. A última coisa que eu
queria era me afastar dela, mas, novamente, não hesitaria. Só
que Jordana finalmente sabia a verdade, e eu esperava que
tomasse também uma decisão.
Ao menos eu não me sentia mais tão sozinho em meio
àquela confusão toda.

Juntos encontraríamos uma forma. Nem que eu


tivesse outra vez que dizer adeus.
CAPÍTULO VINTE E CINCO

As coisas foram se encaixando na minha mente como


peças em um quebra-cabeça. A explicação era absurda
demais, mas, em um nível muito estranho, fazia sentido. Só
algo daquela magnitude para nos separar.

Aninhada nos braços de Hector, eu tinha toda a


certeza de que absolutamente nada seria capaz de estragar
aquilo que tínhamos, a não ser... bem, um doido lunático que
queria se vingar.

Se não parecia uma história muito louca de uma


novela ou um livro, eu não sabia mais o que seria.

Fiquei pensando no que poderia acontecer, no tipo de


honra que Hector possuía e que sem dúvidas poderia fazê-lo
me deixar de novo. Pela expressão em seu rosto, pela forma
como estava refletindo, com o cenho franzido de forma
bastante severa, não era difícil imaginar que estava
planejando ir aos extremos para me manter segura.
Eu não ia suportar perdê-lo outra vez.

— Hec... — chamei baixinho, em um tom de voz quase


sussurrado, suplicante. — Não me deixa. Não faz isso outra
vez.

Sob a escuridão do quarto, senti seus braços fortes


me apertarem mais contra si, criando um quase casulo que
sempre me proporcionava um alívio que era indescritível.

— Não posso ficar se isso for te trouxer perigo — ele


respondeu tão baixinho quanto, com um tom de voz que não
tinha a menor intenção de ser sensual, mas que soou assim.
Além de terno.

Aquela mistura que sempre me deixou completamente


apaixonada por ele.

— Você pode me proteger — respondi, tentando soar


divertida, mesmo em meio à melancolia do momento.

Ele deu uma risadinha.

— Faria qualquer coisa para isso. Mas estamos


lidando com uma pessoa louca. Não posso te prender vinte e
quatro horas por dia em uma redoma.

— E se ficarmos juntos como clandestinos? Ninguém


precisa saber.

— Como assim?
Apoiei-me no cotovelo para poder erguer o tronco e
olhar para Hector. Por mais que estivesse escuro, e eu não
conseguisse ver muita coisa, era uma forma de ele entender
que eu estava colocando toda a minha atenção na conversa.

— Enquanto esse cara não é pego, podemos ficar


juntos, mas sem estarmos exatamente juntos, entende?
Encontros clandestinos, calculados, para que não descubram.

— E a gravidez?

— Vou disfarçando o quanto der. Já estou de quatro


meses e a barriga quase não aparece. Uma blusa larga vai
resolver.

Hector se levantou da cama, acendendo a luz do


abajur, colocando-se de pé.

— Jo, isso é imprudente.

— Então vai dizer que prefere ficar longe de mim? E


quando a neném nascer? Vai me abandonar grávida? Vai fingir
que não é pai? Como vamos fazer? — alterei-me.

— Não, porra! Claro que não! — Hector também


reagiu de forma incisiva.

— Não pode me afastar, não é mais uma opção. Não


enquanto estou carregando sua filha na minha barriga. Não vai
embora, não vai me abandonar, Hector! — Também me
levantei, com o tom de voz mais alto. Não aguentava mais
brigar, estava cansada, queria só um pouco de paz.
Ele se aproximou, segurando meus dois braços.
Nossos olhos se fixaram, era como se estivéssemos presos
naquele magnetismo que sempre nos mantinha reféns um do
outro.

— Para de dizer essas coisas! Eu não vou fazer isso.

— Depois de ter me deixado no altar com a maior cara


de idiota na frente de um monte de gente, não duvido de mais
nada. — Eu já estava provocando, porque queria uma reação.
Uma resposta. Uma prova.

— Agora você já sabe o motivo.

— Mas o motivo continua sendo o mesmo. E pior


ainda, porque um bebê é um ser frágil e muito mais fácil de ser
atingido.

— Eu não vou abandonar nenhuma de vocês.

Ainda na esperança de arrancar mais dele do que


apenas uma promessa frágil, tentei me desvencilhar de suas
mãos, mas ele apenas me segurou com mais força, usando os
braços para me enlaçar como se fosse uma corrente.

Com uma das mãos na minha nuca, ele se inclinou e


me pegou em um daqueles beijos ferozes, do qual tentei me
soltar, mas Hector não permitiu.

Aprofundou-o, me agarrando e me puxando para si de


um jeito que eu quase cheguei a cambalear, só que seus
braços estavam ali para me segurar com a firmeza de sempre.
Quando tropecei em algo no chão, ele me ergueu, mantendo-
me assim, e eu pude colocar as mãos em seus cabelos,
embolando os dedos nos fios macios.

— Não vou te deixar, Jo — ele quase rosnou. — Não


consigo, não posso mais. Mas se alguém te machucar... eu
não vou me perdoar.

— Não vai. Só fica comigo e vamos resolver tudo.

Ainda me mantendo fora do chão, Hector encerrou o


beijo e me olhou, muito sério. Sob a luz frágil daquele quarto,
ele parecia ainda mais bonito. Sem camisa, com a barba por
fazer, o rosto talhado como se fosse de mármore. Os cabelos
acobreados reluzindo.

— Essa sua ideia... de ficarmos na clandestinidade. O


que sugere?

Finalmente fui colocada no chão e dei um passo para


trás, porque não conseguia pensar direito estando tão perto.

— Fingir que não estamos juntos e continuar nos


falando. Podemos marcar lugares para nos vermos. Quase
como amantes.

— Mas aí eu não vou nas consultas. Não vou


participar da gravidez.

— Podemos resolver isso também. Se ficarmos juntos,


vamos resolver absolutamente tudo.
Eu queria acreditar no que estava dizendo, porque
precisava dar certo. Era um risco, e não éramos mais apenas
nós dois. Só que entre escolher deixar minha filha sem o pai,
perder o homem que eu amava, e viver com uma incerteza, a
decisão não era difícil.

— O primeiro passo é que vou precisar ir embora —


Hector disse, e eu quase refutei, mas ele ergueu uma das
mãos. — Amor, pensa na sua avó. Além do mais, se vamos
fingir que estamos separados, eu ficar aqui não é uma boa
ideia.

Aquilo me fez murchar, mas eu compreendia. Não


poderíamos seguir com a mentira se ele ficasse por perto por
muito tempo, especialmente com a minha família. Ninguém
acreditaria.

Isso também me fez estremecer. O quão apavorada eu


não ficava pensando que poderia haver alguém querendo o
meu mal desse jeito?

Ainda assim, estava pronta para enfrentar o que


viesse.

Ninguém iria estragar minha felicidade daquele jeito;


eu não ia permitir.
CAPÍTULO VINTE E SEIS

Eu sei que ele me ama, Belle.

Ele diz isso e prova o tempo inteiro, mas nunca tem tempo para
mim.

Estamos afastados há umas duas semanas e só trocamos


mensagens.

Será que eu devo terminar? Sinto falta dele.

Beijos, M.

Minha vontade era responder: eu te entendo, amiga.


Também estou há duas semanas sem ver o meu homem. E
doía. Porra, como doía.
A gente conversava dia e noite, trocávamos
mensagens, telefonávamos um para o outro, mas a angústia
de não estar do lado dele era enorme. Ainda assim, eu
preferia isso a terminarmos de vez.

Suspirando, como uma boba, estalei os dedos e


preparei a resposta.

Querida M.,

Dá um ultimato a ele. Fala a verdade, seja honesta.


Ou, melhor ainda, causa um ciuminho básico. Faz ele ter
medo do que pode estar perdendo.

Conforme a reação que ele tiver, você vai saber o que


o cara sente.

Confia em mim, nem sempre é por mal.

A gente sempre prefere pensar em mil hipóteses ao


invés de só chegar e falar a verdade.

Diálogo sempre é a melhor opção.

Com amor,

Belle.

 
Achei a resposta até fofa. Nos últimos dias, já que meu
coração estava de novo apaixonado e feliz, apesar dos
pesares e do medo, eu vinha trabalhando tão animada que
voltei a dar respostas mais positivas às pessoas, por mais que
tivesse deixado de lado o tom meio motivacional e mantido o
jeitinho mais realista de falar.

A coluna vinha sendo muito elogiada e pelo que Kelly


me dissera os acessos duplicaram no último mês, o que
chamou a atenção de novos patrocinadores. Eu tinha até
mesmo recebido uma proposta para participar de um podcast
com o intuito de apresentar a identidade da Querida Belle para
todo mundo.

Em um primeiro momento eu neguei. Ainda não sabia


se queria ser associada a esse trabalho. Por mais que não me
sentisse envergonhada, porque era algo digno e que eu
começava até a gostar de fazer, meus objetivos eram outros
dentro do jornalismo.

Pensando nisso novamente, nessa minha pequena


frustração, acariciei minha barriga, sentindo uma pequena
movimentação lá dentro.

Estaria minha Paulinha chutando? Será que já era


tempo de sentir isso?

Eu ia fazer cinco meses de gestação, e a barriguinha


dera alguns sinais. Pontudinha, redondinha, dura, e ainda
disfarçável na roupa. Meus seios estavam também mais
pesados, preenchendo muito bem o decote.
Eu vivia mandando fotos para Hector, e a gente
acabava falando coisas bem eróticas ao telefone, o que
sempre me fazia dormir cheia de tesão e sendo obrigada a me
tocar, ouvindo aquela voz deliciosa dele me dizendo o quanto
adoraria me fazer gozar das formas mais criativas possíveis.

Os hormônios da gravidez não ajudavam em nada.

Encerrei meu expediente por aquele dia e desci para


ficar um pouco com a minha família, já que seria o nosso
último dia com vovó. Minhas malas já estavam prontas, e eu
só precisava guardar itens muito pessoais, o que faria naquela
noite mesmo.

Estavam todos sentados na varanda da casa, com


Brioche dormindo aos pés de Madalena, e eu fiquei alguns
minutinhos olhando para as pessoas que eu amava, me
perguntando se estaria os colocando em perigo. Se me
recusasse a desistir de Hector, será que aquele louco teria
coragem de fazer algo contra minha família?

Para ser sincera, ainda não sabíamos absolutamente


nada sobre ele. De acordo com o detetive contratado por
Hector, ele não fizera nenhum movimento suspeito, mas
também ainda estava foragido – o que era mais perigoso
ainda. Se nos pegasse desprevenidos, o que poderia fazer?

Mas não era hora de pensar em tal coisa.

Sentei-me no sofá, perto da minha avó, e o


cachorrinho veio até mim, pulando ao meu lado, colocando-se
entre mim e a mulher mais velha, como se quisesse
companhia. Ao menos daquele jeito ele parecia um pouco
mais sereno e menos assustado.

— Hector vai mesmo mandar o motorista para te


buscar amanhã? — vovó perguntou, porque foi algo que contei
a eles dias antes.

Paranoico com a minha segurança, Hector decidira


que enviaria não apenas um motorista, mas um homem
treinado como segurança para dirigir e me levar de volta para
o Rio. Essa parte a minha família não sabia, aliás.

Decidimos não contar a eles sobre o problema das


ameaças, porque sabia que eles ficariam apavorados.
Especialmente minha avó não poderia receber aquele tipo de
má notícia. Qualquer deslize, e ela poderia voltar ao hospital,
que era o que eu mais temia.

Inventamos uma desculpa para que Hector precisasse


voltar antes do previsto e combinamos que assim que o
homem fosse pego, meu pai e Madalena saberiam a verdade;
o motivo pelo qual ele me abandonara no altar. Com minha
avó, poderíamos contar alguma outra história.

Até lá, continuaríamos com o segredo.

— Vai. Acho que ele está preocupado em não ficar


confortável nós três no mesmo carro e mais o Brioche — era o
discurso que concordamos em manter.

— Bobagem. O meu carro é enorme.


— Ah, mas deixa ele, amor. O rapaz quer mimar nossa
Jo. Ela merece — Madalena falou dando uma piscadinha para
mim. — Aliás, querida, já pensou que a neném pode nascer
ruivinha?

Revirei os olhos com um sorriso.

— Impossível, porque Hector não é ruivo...

— Mesmo que não fosse, embora ele seja... — vovó


também insistia nisso. — É uma possibilidade. Já imaginaram
que criança linda vai ser? Com os pais que tem.

— Disso eu não tenho dúvidas. Ela vai ser


maravilhosa — respondi, passando a mão na barriga de novo.
— Está agitada hoje. Acho que vai começar a chutar com
força muito em breve.

— Sério? Posso sentir? — Meu pai se animou, e eu


assenti.

Ele se levantou e veio na minha direção, ajoelhando-


se à minha frente e colocando a mão na minha barriga.

Ficamos algum tempo assim, esperando o primeiro


sinal de Paula, e ela até demorou demais. Brioche ergueu a
cabecinha, curioso, até que a neném fez seu primeiro
movimento.

— Ah, meu Deus! — meu pai exclamou, emocionado.


— É minha netinha! — Madalena também veio para perto de
nós, agachando-se ao lado do marido e colocando um braço
ao redor dele. — Você não sabe, Jo, o quanto esse momento
é especial para mim.

— Para todos nós — vovó corrigiu.

Olhei para aquelas pessoas, sentindo uma lágrima


intrusa surgir no canto do meu olho.

Tudo parecia acontecer do avesso. Desde que Hector


me deixara no altar, sem nenhuma explicação, foi como se um
furacão tivesse passado pela minha vida, bagunçando tudo. A
rejeição, as mudanças no meu trabalho, reaprender a viver
sem ele por alguns meses, a mentira à minha avó, a viagem, a
gravidez e então a revelação do perigo. Talvez eu precisasse
de algum tempo para descansar de tudo aquilo antes de
absorver toda a loucura, até porque eu não conseguia
encontrar um tempo sem que os pensamentos acelerados
tomassem conta da minha cabeça de forma desordenada,
mas aquele momento fez diferença.

O sol começava a se pôr no horizonte, e o clima


estava agradável. Havia cheiro de comida gostosa vindo da
cozinha, e o amor que sentíamos um pelos outros era quase
palpável. Um cachorrinho fofo se aconchegara e ressoava
baixinho, um neném ia se formando dentro de mim, e eu me
sentia pulsando de vida.

A única coisa que estragava a perfeição era a


ausência de Hector. Eu a sentia quase como se pudesse tocá-
la. Queria tê-lo conosco, compartilhando aquelas horas
preguiçosas, porque ele era parte da família também. Não só
como pai da minha filha, mas porque o considerava assim há
muito tempo.

O hiato em nosso relacionamento não mudou isso,


principalmente por saber a verdade.

A única coisa que eu podia pedir era que aquelas


provações terminassem logo para que pudéssemos ficar
juntos. Como a família que viríamos a ser muito em breve.

Ficamos acordados até vovó também ir se recolher, e


eu me joguei na cama, exausta como em todas as noites, mas
ansiosa pela ligação de Hector.

Nós nos falamos por pouco mais de dez minutos, por


vídeo, e ele me desejou uma boa viagem. Estava mais corrido
do que o normal, e nem falamos sacanagens um para o outro.

Isso me deixou com a pulga atrás da orelha, mas


precisava acreditar no homem. Ainda nem sabia quando
conseguiria vê-lo, e talvez essa incerteza e a saudade
estivessem mexendo com a minha cabeça.

Ele sempre me mandava as conversas com o detetive,


informações sobre o tal louco – que se chamava Manuel
Cordeiro – e me mantinha inteirada a respeito das coisas. Era
como se temesse que eu fosse duvidar da sua história, mas
isso não iria acontecer. Confiança precisava ser a base do
nosso relacionamento, e isso eu levaria para a vida.

Na manhã seguinte, o motorista – e segurança –


enviado por Hector chegara pontualmente às sete, e ele
ajudara não só a mim com as malas, mas também meu pai e
minha madrasta. Fiquei algum tempo me despedindo de vovó
e chorando, sensível, ao vê-la também comovida e triste com
nossa partida.

— Nós vamos nos ver logo, vovó. Não vou demorar a


voltar — prometi, e ela colocou a mão na minha barriga.

— Assim que puder trazer essa coisinha para mim, por


favor, eu quero conhecê-la.

— E vai. Ela vai amar a bisa.

— E eu vou amá-la com todo o meu coração. —


Colocando ambas as mãos no meu rosto, vovó me puxou para
me beijar na testa, e eu precisei de todo esforço para me
afastar.

Entrei no carro chorando, mas conformada, porque


sabia que ela estaria bem, nas boas mãos de Célia e dos
outros empregados, além de Thomas, que por mais que fosse
aquele rancinho que era, tinha prometido ficar de olho em
vovó. E ele era um bom médico.

— Senhorita? — o motorista chamou a minha atenção,


e eu ergui os olhos, observando-o pelo espelho retrovisor. —
Meu patrão pediu que ligasse assim que entrasse no carro.

Arqueei as sobrancelhas, surpresa. Ele não tinha


quase falado comigo no dia anterior, mas queria dizer algo
com tanta urgência que não poderia esperar nem um
segundo?
Telefonei, um pouco contrariada, mas curiosa para
saber o que queria. Enquanto isso, o motorista deu a partida.

— Oi, Lois Lane. Preparada para uma aventura? —


ele perguntou, com uma voz animada do outro lado da linha.

— Do que você está falando?

— Está sendo sequestrada neste momento. O


motorista que enviei foi instruído a te levar para Angra, a uma
ilha privativa, onde vamos passar alguns dias. Só eu e você.

— É sério isso? — indaguei, sentindo meu coração


acelerar.

— Bem, na verdade, seremos eu, você e nossa filha.


— Ele fez uma pausa, suspirando do outro lado da linha: —
Estou com saudade, amor.

Oh, Deus, eu também estava. Desesperadamente.

Comecei a me sentir feliz de repente.

— Então eu vou te ver? — Minutos atrás eu nem sabia


quando isso iria acontecer. Se ele estivesse me enganando,
eu iria matá-lo.

— Sim, e em grande estilo.

— Mas não é perigoso?

— Não. Não do jeito como vou fazer. Estará


completamente segura. Já estou aqui na ilha, e fiz todo um
esquema para que não saibam meu paradeiro. Você vai
chegar depois de mim e sair antes, e vamos combinar tudo
sobre o que vamos falar às pessoas. Além do mais, Victor está
de olho. Temos até uma pista. Pode não dar em nada, mas é
uma esperança.

— Tudo bem. Vou seguir todas as instruções. Estou


ansiosa!

— Também, querida. Até mais.

Aquela ligação foi como um bálsamo para mim.

Levei a mão à barriga, meio sonhadora, sussurrando


para que só minha neném ouvisse:

— Vamos ver o papai, filha. Vamos ver o papai.

Sorrindo, dei uma olhada para a paisagem através da


janela, começando a contar os minutos a partir daquele
instante.
CAPÍTULO VINTE E SETE

Eu parecia um garoto ansioso, de quinze anos,


esperando a menina por quem era apaixonado chegar na
escola. A sensação era mais ou menos essa, mas com
cenários diferentes.

Não havia acesso por carro para a ilha, então eu


enviei um helicóptero para buscar Jordana onde o carro a
deixara, e estava esperando do lado de dentro da casa, atrás
das paredes de vidro, com as mãos nos bolsos da calça.

Fiquei observando o negócio descer do céu, fazendo a


típica barulheira de sempre, e saí da propriedade, caminhando
em direção a ela, ajudando-a a descer. Para a minha surpresa,
Jordana se jogou nos meus braços, e eu a recebi com um
sorriso de orelha a orelha, quase aliviado por tê-la comigo
novamente.

Mal cumprimentei os pilotos ou o segurança que foram


com ela. Havia uma casa nos fundos da ilha, onde um dos
homens ficaria hospedado, para nos proteger, mas a casa
seria só nossa.

Foram nos deixando sozinhos, com o mar à nossa


frente, e eu tomei os lábios de Jordana, segurando-a no colo
daquele jeito, tendo seus braços ao redor dos meus ombros.

Deveria ser só um beijo de boas-vindas, mas fazia


dias que não nos víamos, e eu não era de ferro. A boca de
Jordana era sempre um bom lugar para me perder, por isso,
em meio àquele cenário paradisíaco, com o vento batendo nos
cabelos dela e bagunçando-os, beijei-a, beijei-a e beijei,
querendo que o tempo parasse só para nós.

— Me leva para a cama, Hec. Agora. Por favor... agora


— Jordana quase implorou, e se eu já não estivesse
completamente desesperado por ela, naquele momento, meu
controle teria caído por terra.

Saí levando-a pelo caminho até a porta, que foi aberta


com o pé, em um chute bruto que a fez bater contra o vidro.
Era um vidro seguro, bem grosso, então não causou nenhum
dano.

Queria atender ao seu pedido, de levá-la para o


segundo andar da casa e jogá-la na cama enorme que havia
por lá, mas não fui capaz. Não quando precisava estar dentro
dela naquele mesmo instante. Sem mais um único segundo de
espera.
Coloquei-a sobre a mesa de jantar, puxando-a para a
beirada, arrancando seu short e a calcinha, enquanto ela ia
tirando a minha blusa. Abri meu zíper, baixando a calça e a
penetrando sem aviso e sem preparação, suspirando ao senti-
la molhada ao meu redor, sem muito esforço.

Inclinei a cabeça, tirando sua blusa e abrindo seu


sutiã, abocanhando um de seus seios, chupando o mamilo
com força, enquanto estocava.

— Ah, meu Deus — Jordana gemeu, inclinando a


cabeça para trás, e eu fui firme em colocar um braço atrás de
suas costas para segurá-la. O outro foi parar em sua coxa,
erguendo-a um pouco para que se acomodasse na minha
cintura, no meu quadril, para que eu pudesse ir mais fundo.

Puxei o mamilo entre os lábios, segurando-a com tanta


força que quase a icei da mesa. Eu podia ver a elevação em
seu ventre, anunciando e não me deixando esquecer que
nossa filha estava ali e que precisava ser cuidadoso, mas o
desejo era insuportável.

Como eu podia ficar longe daquela mulher? Passei


meses afastado, sim, mas daquela vez era diferente. Nós
estávamos juntos, mas não podíamos ficar. Era uma loucura.
Como suportar?

Não queria terminar aquela rodada de sexo, então me


enterrei um pouco mais fundo nela, movimentando-me com
força. Gritou meu nome com ferocidade, e eu a senti se
preparar para o orgasmo.
— Tão gostosa. Puta que pariu! Tão gostosa... —
precisei murmurar, enquanto Jordana gozava deliciosamente,
melando todo o meu pau, fazendo-me deslizar mais rápido
ainda, entrando e saindo dela.

Quando terminou, peguei-a novamente, segurando-a


entrelaçada à minha cintura e finalmente a carreguei pelas
escadas, levando-a à cama.

Jogando-a sobre ela, sentindo-a já saciada, decidi


tomar meu tempo para venerá-la como merecia.

Voltei aos seios, mas com muito mais calma,


lambendo-os aos poucos, com a pontinha da língua, enquanto
girava o outro entre os dedos. Jordana reagiu da forma mais
intensa possível, arqueando o corpo todo, como se o
entregasse a mim por inteiro, para o que eu quisesse fazer.

Busquei o meio de suas pernas com o dedo, roçando-


o seu clitóris, mas desejando a parte molhada e escorregadia.
Eu podia sentir suas coxas também úmidas, porque
provavelmente sua excitação escorrera pelas pernas quando a
peguei de cima da mesa.

Era a prova do quanto ela estava tão cheia de tesão


quanto eu.

— Você quer o meu dedo bem fundo? — perguntei,


com a voz rouca, espalhando beijos por seu colo.

— Não. Quero seu pau.


— Agora você vai ter que se contentar em ser fodida
assim. Quero que goze na minha mão. E depois na minha
boca. Antes de eu meter de novo.

Ela soltou um gemido e levantou o quadril quando


cumpri minha promessa e a penetrei com dois dedos,
enquanto o polegar ainda brincava com seu clitóris.

— Você sabe que eu não vou te deixar em paz, né,


Lois Lane? Dias e dias me deixaram louco — fui falando e
estocando. Nunca a masturbei com tanta força. Nunca com
tanta intensidade.

Acelerei ainda mais os movimentos, principalmente


quando ela começou a soltar gritinhos de puro prazer. Seu
corpo começou a se contrair, e eu a vi fechar os dedos em
garras no lençol da cama. Fui deslizando a boca por sua
barriga, perdendo alguns longos minutos no vale arredondado,
que anunciava a gravidez.

Para mim, o corpo de Jordana era perfeito. A epítome


da feminilidade, com suas curvas, seus músculos atléticos,
seios pequenos, quadris estreitos e as pernas longas. Minhas
mãos grandes conseguiam pegá-la em todos os lugares,
encaixando-se em vãos e partes mais macias. Eu conseguia
moldá-la, girá-la e manipulá-la com facilidade em meus
braços, e isso sempre foi um fator que contribuiu e muito para
nossa química na cama.

Naquele momento, porém, ao ver seu corpo se


modificando por estar gerando nossa filha, eu tinha a completa
certeza de que não houve nenhum momento em nossos anos
de relacionamento em que eu senti mais tesão por ela ou que
a considerei mais linda.

— Eu te amo. Eu te amo — sussurrei, intercalando


palavras com beijos. A cada pausa, a estocada com o dedo
era mais forte.

Jordana deu mais um grito, gemendo meu nome de


um jeito que quase fez minha cabeça girar.

Porra, eu precisava resistir, porque queria fazê-la


gozar mais vezes, antes de eu mesmo chegar ao meu
orgasmo, mas como resistir? Ela estava corada de prazer e
fazendo aqueles sons eróticos… Tudo o que eu queria era
estar dentro dela e me enterrar em seu corpo tão fundo que
não saberiam onde eu começava e onde ela terminava.

Jordana gozou com força, mas não consegui nem lhe


dar tempo para se recuperar, porque continuei remexendo em
seu clitóris, massageando-o entre meus dedos ávidos.

— Agora você vai gozar na minha boca — anunciei,


enquanto descia por seu corpo, deixando uma mordidinha em
uma de suas coxas, deixando uma trilha dos meus dentes,
que eu arrastava por sua pele, até chegar na carne quente e
muito molhada de sua boceta.

— Hector, eu não… eu não posso mais. Só me foda.


Não posso mais…
— Claro que pode, meu amor. É o que você vai ter
hoje.

Não a deixei dar muito palpite, porque precisava


daquele momento com ela. Precisava de cada gota de seus
orgasmos para sentir que ela ainda era minha.

Nossa decisão de nos mantermos afastados


fisicamente estava cobrando seu preço. Sem dúvidas era
melhor tê-la, de alguma forma, do que nos separarmos de vez,
mas nem por isso era simples.

Afastei ambos os seus lados com as mãos, usando a


língua para lambê-la de cima a baixo. Beijava-a como se
estivesse beijando sua boca, extraindo cada gosto, cada
sabor, chupando e sugando, indo o mais fundo que conseguia,
tentando não enlouquecer com os gemidos altos e ávidos.

Não parei. Nem mesmo ao ouvi-la implorar para que a


comesse.

E, por Deus, eu queria muito. Não iria suportar muito


tempo sem estar dentro dela, mas queria aguentar ao máximo.
Queria que, quando começássemos a fazer amor, ela já
estivesse tão saciada, tão molhada, que eu poderia fazê-lo
com tanta força que nenhum de nós dois conseguiria sequer
se mexer quando nos saciássemos por inteiro.

Jordana já estava tão sensível que levou pouquíssimo


tempo para gozar.

— Por favor, Hec. Por favor.


Bem, eu também não era de ferro.

Minha mulher estava implorando para ser comida, e eu


não podia lhe negar absolutamente nada.

Colocando o braço sob suas costas, girei a nós dois,


colocando-a por cima de mim. Não queria que meu corpo
pesado pressionasse sua barriga, então, com as mãos em
seus quadris, posicionei-a no local certo, encaixando-a e
deslizando facilmente, chegando a suspirar aliviado quando eu
a senti por inteiro.

— Cavalga para mim, amor. Rebola bem gostoso no


meu pau.

Ela assumiu o ritmo, e eu levei as mãos aos seus


seios. Antes eles cabiam perfeitamente nas minhas mãos,
chegando a sobrar. Com a gravidez, eles preenchiam muito
mais espaço, e eu os apertei com cuidado.

— Estão doloridos? — perguntei, preocupado.

— Não. Só sensíveis.

— Bom saber.

Segurando Jordana com um braço, arrastei-nos até a


cabeceira da cama, colocando-me sentado, de forma a poder
levar os mamilos à boca. Primeiro um, depois o outro.

Tudo o que eu sabia era que ela estava linda e que eu


estava ansioso para que meu bebê chegasse.
Ela arqueou a cabeça para trás, abrindo a boca para
gemer. Seu rebolado se tornou mais intenso, à medida que
íamos encontrando nossa própria cadência, e, naquela
posição, eu conseguia movimentá-la também, para não deixar
todo o trabalho em suas mãos.

Busquei sua boca, e nós nos perdemos em um beijo


um pouco descoordenado, mas delicioso. Uma das minhas
mãos se embolou em seu cabelo, enquanto a outra continuava
manipulando-a para que continuasse os movimentos.

Senti o orgasmo chegando de um jeito feroz, e pela


quantidade de gemidos e gritinhos que Jordana deixava
escapar, ela também não iria demorar.

Percebendo isso, também comecei a me libertar, e nós


dois gozamos juntos, em sincronia, em uma harmonia perfeita
de dois corpos de duas pessoas que se amavam e que
finalmente tinham encontrado um caminho.
CAPÍTULO VINTE E OITO

Éramos só nós, a areia nos meus pés, o vento gostoso


nos meus cabelos e o sol no céu. Estava quase se pondo, e
eu o observava de onde estava, sob um guarda-sol enorme,
deitada em uma espreguiçadeira, acariciando minha barriga.

Uma vida difícil, sem dúvidas.

Respirei fundo, fechando os olhos e absorvendo o


momento. O quanto caminhamos até chegar ali. O quanto
nossos corações precisaram ser destruídos só para que nos
reencontrássemos.

Ainda não era o nosso final feliz. Por mais que


estivéssemos tentando, por mais que fosse o melhor que
poderíamos pedir, dada a situação, não viveríamos em paz até
que aquele louco fosse pego e fosse arrancado de nossas
vidas.

Encostei a cabeça, tentando fechar os olhos e afastar


esses pensamentos. Odiava que eles surgissem o tempo todo,
enquanto Hector claramente me levara para aquele lugar para
que desfrutássemos de alguns bons momentos.

Por falar nele, o próprio surgiu minutos depois,


enquanto eu ainda estava tentando me livrar daqueles
fantasmas.

— Tão concentrada minha Lois Lane. Está tentando


encontrar uma nova forma de dominar o mundo? — ele
brincou, pousando a bandeja que trazia nas mãos, e eu dei
uma risadinha.

— Quem me dera. Só estou tentando relaxar mesmo.


— Hector pousou o que trazia sobre a mesinha ao meu lado,
arrumando tudo o que havia sobre ela. — O que diriam as
revistas sobre Hector Novaes, o renomado CEO da
arquitetura, que prepara lanchinhos para uma garota?

— Veja bem, não é qualquer garota. É a minha garota.

— Ah, e o que ela é sua?

Em um rompante fofo, Hector me ergueu da cadeira


onde eu estava deitada, para poder tomar o meu lugar e me
deixar aconchegada em seu peito.

— Para mim, ela ainda é minha noiva — ele disse, de


um jeito suplicante.

— Nada disso. Exijo um novo pedido de casamento.


Aquele ficou para trás. Perdeu a validade.
Ele deu uma risada gostosa, lançando a cabeça para
trás.

— Farei outro. Digno da minha princesa.

Ouvindo-o falar daquele jeito, deitei-me contra seu


peito, aninhada, com a falsa sensação de que estava segura,
porque era assim que Hector sempre me fazia sentir. Cheguei
até a soltar um suspiro.

— O que foi, amor? O que está passando por essa


sua cabecinha? — ele perguntou, carinhoso e terno como
sempre.

O conjunto de tudo quase me levou às lágrimas


novamente. Eu já tinha perdido as contas de quantas vezes
acabei chorando nos últimos tempos, pensando em todas as
coisas pelas quais tínhamos que passar. Só que ao tê-lo ali,
daquele jeito, e sabendo o tipo de homem que ele era, meu
coração ficou muito pequeno no peito.

Eu já o tinha perdido uma vez. Aquela pessoa que


tanto nos queria mal conseguira nos destruir da forma mais
cruel possível, e se não fosse o amor que eu sentia pela
minha avó e o quanto queria que ela fosse protegida de más
notícias, nós nunca mais teríamos ficado juntos.

Ou talvez sim, levando em consideração a existência


da nossa bebê.

E era isso que me fazia ter mais ainda a certeza de


que não importavam que tentassem nos derrubar, era o
destino que nos queria juntos. Porque tudo conspirou desde o
início para que acabássemos novamente nos braços um do
outro.

— Jo? O que foi? — ele insistiu.

— Você ainda pergunta? Não é como se estivéssemos


vivendo um conto de fadas, né?

— Não, amor. Sei que não. Mas a última coisa que eu


queria enquanto estamos aqui é que você acabe triste.

— Estou tentando esquecer, ao menos por esses dias,


mas sei que eles não vão durar para sempre. E quando
tivermos que ir embora? Quanto tempo mais vamos passar
separados?

Daquela vez foi Hector quem suspirou e se remexeu,


mudando-me de posição e me colocando sentada entre suas
pernas, com as costas apoiadas em eu seu peito.

— Vamos dar um jeito. Isso não vai durar para


sempre.

— Mas até quando? Mal começamos, e eu já não


aguento pensar em sair daqui para não ter a menor noção de
quando vou te ver de novo... — Eu me sentia uma estraga
prazeres arruinando um momento que deveria ser doce e
especial. Só que de todas as pessoas com quem eu poderia
conversar, ele era o único que entendia pelo que eu vinha
passando, porque estava vivendo o mesmo.
— Não demos um jeito agora? Nunca vou deixar que
seja por muito tempo. Sem contar que Victor tem algumas
pistas.

— Esse seu detetive também, hein! Parece que não


está se esforçando o suficiente. — Cruzei os braços como
uma garotinha mimada, chegando a fazer beicinho, certa de
que minha opinião era totalmente baseada em convicções
parciais.

E isso porque eu era jornalista. Não deveria agir dessa


forma.

Claro que Hector riu.

— Ele é muito bom, amor. Só que, infelizmente,


estamos lidando com uma pessoa bem esperta. Alguém com
um enorme rancor, capaz de tudo. A investigação não é
simples, mas vai dar certo. Logo teremos esse filho da puta
atrás das grades de novo, mas desta vez para valer.

Era o que eu esperava.

Sabia que não ia conseguir parar de pensar, que o


medo que eu sentia não ia me permitir mudar o foco, mas
tínhamos pouco tempo juntos. Seria só aquela noite e o dia
seguinte – pelo que Hector me dissera –, então eu precisava
parar com as lamentações e buscar ser mais feliz.

Pensando nisso, levantei-me de onde estava sentada


e me coloquei de pé. Desamarrei o laço do roupão, deixando-o
cair na areia, afastando-me de Hector, mas olhando-o por
cima do ombro com um olhar bem malicioso.

— Sabe que em todos os nossos anos de


relacionamento, você nunca fez amor comigo no mar? —
lancei a indireta, já sabendo que Hector não demoraria a agir.

Com a mesma malícia nos olhos, ele se levantou


também, tirando a camisa e deixando-a embolada à minha
peça de roupa.

Era sempre um deleite vê-lo com o peitoral despido,


então eu fui andando de costas, só para contemplá-lo.

— Se é o que você quer, por que está fugindo de mim,


Lois Lane? — brincou, chegando a morder o lábio inferior,
visivelmente cheio de tesão.

— Porque vai ser divertido...

Ah, e realmente foi.

Hector não precisou fazer muito esforço para me


pegar, mas eu saí correndo pela areia, com ele atrás de mim.
Sempre que se aproximava, eu lhe dava um olé, virando em
outra direção, mas ele era bem mais rápido e conseguiu me
agarrar pela cintura, tirando-me do chão e me levando assim
para a água.

Estava em uma temperatura muito agradável, mas


ficou mais cálida, quase fervendo, quando fui parar com as
pernas entrelaçadas à sua cintura, e com ele dentro de mim.
Nem mesmo daquele jeito, com o mar ao nosso redor,
ele teve piedade e só investiu com força. Não havia ninguém
ao nosso redor, então eu pude me soltar, gemendo alto e me
desfazendo em seus braços, em mais um orgasmo delicioso.

Jurei que a partir daquele momento não mais


reclamaria e nem ficaria pensando no amanhã. Era como
Hector dissera, a gente ia dar um jeito. Já tínhamos passado
por coisa pior, não tínhamos?

Era entardecer quando eu entrei para tomar um


banho, e ele depois fez o mesmo. Fui lá para fora, para
observar o mergulho do sol no horizonte, respirando fundo e
deixando que o cheiro de maresia me invadisse,
proporcionando aquela sensação de liberdade e de
proximidade com a natureza.

Foi um barulho o que me interrompeu. Algo abafado,


que eu não sabia exatamente o que era, mas que foi o
suficiente para chamar minha atenção.

Fiquei paralisada por um tempo, olhando para a


direção do som, meio que sem saber o que fazer.
Provavelmente não era nada. Talvez eu estivesse tão
assustada com a possibilidade de haver um louco capaz de
nos fazer mal à solta, que nem conseguia pensar que poderia
se tratar apenas de um barulho normal. Alguma coisa caindo;
qualquer coisa. Estávamos em uma ilha, e o segurança
contratado por Hector poderia estar fazendo alguma coisa na
casinha em anexo.
Ele era discreto, e eu sabia que estava ali mais para o
caso de precisarmos do que para vigiar.

Foi então que me dei conta de que era de lá mesmo


que o barulho saía.

Levantei-me finalmente, pronta para me aproximar e


verificar se estava tudo bem. Ainda assim, fui passo a passo,
bem devagarzinho, começando a pensar se não seria uma
ideia melhor entrar na casa e esperar por Hector. Ou até
chamá-lo.

Sim... provavelmente seria.

Eu não precisava deixá-lo assustado, de forma


alguma. Só entraria e ficaria segura em nosso quarto,
esperando que terminasse seu banho para voltarmos juntos à
praia. A expectativa era que cozinhássemos o jantar juntos e
que comêssemos lá fora, na mesinha, observando o mar e a
noite cair.

Seria maravilhoso, não seria? Eu não tinha nada a


temer.

Ou ao menos foi o que tentei dizer a mim mesma,


pouco antes de uma mão enluvada cobrir a minha boca e um
corpo masculino me agarrar por trás.

— Agora seremos você e eu, bonitinha. Vamos dar


uma volta de barco...
CAPÍTULO VINTE E NOVE

Soltei um grunhido por detrás da mão que me calava,


tentando encontrar forças suficientes para me soltar dos
braços daquele que me arrastava para o outro lado da casa,
por fora. A propriedade era cercada de mar, porque ficava no
centro da ilha, e provavelmente o barco em questão, para
onde ele disse que eu seria levada, ficava na outra
extremidade.

Tentei me debater e dificultar as coisas para ele ao


máximo. Ergui os joelhos, balançando os pés, lutando, não só
para me soltar, mas também para fazer barulho, na esperança
de que Hector me ouvisse.

— Uma gatinha lutadora, né? Não é de se admirar que


seja o amor da vida do todo-poderoso. Se é que ele ama
mesmo alguém, né?

Continuei brigando, sabendo que aquilo poderia


significar a minha vida. Se o desgraçado me tirasse dali e me
levasse consigo, não fazia ideia do que faria.
Claro que eu não queria morrer. Mais do que isso, faria
o que estivesse ao meu alcance para proteger minha bebê –
essa era a minha prioridade. Só que havia coisas terríveis que
poderiam acontecer além da morte.

Se o filho da puta me tocasse...

Minhas pernas eram meu único meio de defesa, então


as balancei como louca, dando um coice e, felizmente,
acertando-o bem onde eu sabia que doía mais.

— Filha da puta! — urrou, e eu fui jogada na areia, que


era fofa, mas não sabia se o suficiente para proteger meu
bebê. Para tentar minimizar o impacto, eu me movimentei,
tentando cair de pé, mas isso só serviu para que eu me
desequilibrasse ainda mais, embora tivesse amortecido a
queda.

Senti meu tornozelo latejar e demorei a conseguir me


levantar. Quando o fiz, caí de novo, sentindo uma dor que
percorreu toda a extensão da minha perna esquerda.

— HECTOR! — gritei, apavorada, esperando que isso


fosse mais eficaz do que tentar correr, do jeito que estava. O
problema foi que o pânico e a dor não permitiram que minha
voz saísse alta o suficiente, quanto seria necessário.

Ainda assim, não esperei para contar com a sorte e


me levantei, da forma como dava, cambaleando e caindo de
novo.
Levei a mão à barriga, como se aquele gesto pudesse
me fazer proteger minha filha.

Eu queria chegar à casa, me trancar lá dentro, mas a


distância, que em qualquer outra situação seria muito menor,
parecia uma longa eternidade.

No meio do caminho, fui pega outra vez pelas mãos do


meu possível sequestrador, e ele me girou, colocando-se
sobre mim, prendendo meus pulsos contra a areia. Senti os
grãozinhos duros esfolarem minha pele, mas a dor não era
maior do que a que eu sentia no tornozelo, então foi simples
de suportar.

— Eu deveria te dar uma surra, mas vou respeitar sua


condição. — Então ele sabia que eu estava grávida. Não sabia
se isso era melhor ou pior.

— Por favor... — Eu odiava implorar. Não o faria por


nada, a não ser se isso significasse salvar a minha bebê. Se
minha súplica pudesse fazê-lo ter algum lapso de consciência
e me deixar em paz, ou ao menos ter um pouco mais de
cuidado, eu seria capaz de tudo.

Mas ele não seria assim tão generoso.

Vi quando pegou uma corda dentro de seu bolso e me


girou de costas, amarrando meus punhos, deixando-me
indefesa. Aproveitei a deixa para gritar mais uma vez. Ainda
sentia a dor me consumindo, mas era a minha vida que estava
em jogo.
— HECTOR, SOCORRO! — berrei duas palavras,
sentindo a segunda sair com um pouco mais de som.

— Filha da puta! — o cara rosnou, e eu senti um pano


sendo colocado na minha boca, abafando meus gritos.

Se Hector não tivesse me ouvido, não haveria mais


salvação. Eu seria levada dali, completamente vulnerável, e
ele não me encontraria mais. Isso, se não fosse jogada no mar
ou qualquer coisa assim.

O homem me colocou em seu ombro, marchando em


direção ao barco ancorado à praia. Era uma lancha bem
pequena, que apenas serviria para nos tirar dali.

Eu só precisava contar com a sorte...

Usando uma toalha para secar o cabelo, vestindo


apenas uma calça, saí do banheiro, abrindo finalmente a porta
que estava trancada. Foram necessários apenas dois passos
para que eu ouvisse a voz de Jordana gritando.

“Hector. Socorro”

Juro que eu nem pensei. Não fazia ideia de qual


poderia ser o motivo para o seu desespero – porque eu podia
sentir no seu tom de voz a angústia –, mas apenas saí
correndo, jogando a toalha de qualquer jeito no chão e voando
pelas escadas.

Pelo vidro de uma das paredes dos fundos da casa,


enxerguei alguém de costas, carregando-a no ombro em
direção a uma lancha.

Eu não precisava ir muito longe para saber de quem


se tratava. O problema era tentar imaginar como nos
encontrara ali e como burlara a segurança.

Onde estava John, o homem que contratei para nos


proteger?

Não tinha muito tempo a perder, por isso apenas abri a


gaveta do rack, onde deixei uma das duas armas que levei,
empunhando-a e partindo para o lado de fora. Nem me
preocupei em colocar uma camisa, porque salvar Jordana – e
a minha filha – era mais importante.

— Larga a minha mulher, seu desgraçado! — gritei,


correndo na direção dele, vendo-o colocá-la dentro do barco.

Continuei avançando, acelerando meus passos ao


máximo para chegar até eles antes de o barco partir. Antes de
ele conseguir assumir a direção, levando-o para longe.

Queria atirar, mas havia muito em questão. Se o tiro


acertasse o barco – o que era mais provável, na posição em
que eu estava –, poderia causar algum dano e ele afundar
com Jordana dentro.
O problema foi que o filho da puta também estava
armado. E ele apontou o revólver exatamente para a cabeça
dela.

— Parado aí — ele falou para mim.

Fiz o que mandou, mas continuei com a arma


apontada. Tentei analisar a situação com racionalidade, por
mais que meu coração, completamente acelerado no peito,
não permitisse que minha mente funcionasse do jeito que
precisava que funcionasse.

Só que consegui perceber que Cordeiro, o causador


de todas as merdas da minha vida nos últimos tempo, estava
muito nervoso. Desesperado, talvez. Sequestrar Jordana,
talvez, fosse uma jogada arriscada, como um movimento
impulsivo. Parte de uma vingança, talvez? Um acerto de
contas? Uma chantagem?

Será que esperava ganhar algo? Pedir dinheiro? Até


porque ele achava que eu lhe devia algo.

O problema era que, na minha cabeça, suas intenções


eram muito, muito piores.

— Se tivesse seguido o meu conselho de se afastar da


noivinha, ela não se machucaria. Acha que eu estava de
brincadeira quando disse que vou matá-la?

— Não, não acho. Mas Jordana é inocente. Não tem


nada a ver com o que aconteceu entre nós. Me diga o que
quer para soltá-la.
— Teve a sua chance...

Eu estava tão próximo... Era uma questão de apenas


alguns metros. Se conseguisse ganhar tempo...

Conseguia ver o rosto de Jordana de onde eu estava.


Tentei olhar para ela, para lhe passar um pouco de segurança
ou para que nos comunicássemos. Ela estava muito séria.
Assustada, sem dúvidas, mas compenetrada, como se
estivesse armando algum plano.

Por alguns instantes, Manuel se virou de costas para


ela, ainda armado, voltando-se na direção do painel da lancha
para começar a pilotá-la. Lentamente vi Jordana começando a
se levantar. Queria fazer algum sinal para que ficasse quieta,
para que não se colocasse em risco, mas não queria alertar o
filho da puta.

Ela foi se apoiando no que podia, pondo-se de pé e se


aproximando o mais silenciosamente possível de seu
sequestrador. Era uma porra de uma mulher corajosa, mas
não deixava de ser uma atitude imprudente.

Quando me dei conta do que pretendia fazer, fiquei


ainda mais apavorado. Jordana jogou seu corpo contra o de
Manuel, e ela deu uma imensa sorte, porque a primeira coisa
que aconteceu foi que ele derrubou a arma. Não consegui ver
exatamente o que acontecia, porque as paredes da lancha me
impediam, mas imaginava que ela chutara o revólver para
longe.
— Sua puta! — Manuel urrou, quase em um rosnado.

Com ainda mais esforço, foi empurrando o filho da


puta, com toda a sua força. Ele estava próximo à beirada, mas
não iria cair se eu não entrasse no jogo também.

— Abaixe-se, Jordana! — gritei para ela, que se jogou


no chão logo em seguida, permitindo que eu atirasse.

Puxei o gatilho, temendo o pior. Minha pontaria era


muito boa, mas qualquer coisa poderia acontecer. Estava
contando com o fato de que Manuel visivelmente não parecia
estar em sua total consciência. Só por ter aparecido ali,
sozinho, com uma lancha que provavelmente era alugada,
chegando ao ponto de tentar sequestrar Jordana, não era
difícil pensar que ultrapassara seus próprios limites.

Se é que ele tinha algum.

O tiro pegou no ombro, porque Manuel se mexeu, mas


o impacto foi suficiente para que ele despencasse para fora do
barco, na água.

Era questão de tempo até que voltasse, então eu saí


correndo, entrando na lancha, pulando a murada e me
aproximando de Jordana.

— Você está bem? Amor... amor, você está bem? —


perguntei no desespero, tirando a mordaça de sua boca.

— Sim, estou. Estou... Acho que sim. — Ela parecia


um pouco atordoada, mas não era para menos.
Também me apressei em desamarrar a corda que
prendia seus punhos, mas estavam muito bem presos, o que
nos me fez demorar um pouco mais. Sem contar que eu
estava nervoso, e por mais que tentasse manter a calma,
minhas mãos tremiam.

Quando consegui, Jordana ainda me ajudou,


remexendo-os, e eu odiei o fato de tanto eles quanto suas
mãos estarem bem esfolados. Os joelhos também, e ela
gemeu de dor quando se apoiou no tornozelo, o que me fez
pensar que estava mais machucada do que parecia.

— Vamos sair daqui — falei para ela, segurando-a


contra mim para ampará-la, mas precisamos parar quando
Manuel surgiu, escalando a lancha e entrando nela. Sua
camisa branca permitia que eu visse que havia uma mancha
de sangue na altura do ombro, exatamente onde o atingi, mas
um pouco fora lavado pela água.

— Você não pode ser feliz! — foi a primeira coisa que


ele falou ao pisar no chão na lancha, em um grunhido,
enquanto pingava água por todos os lados. — Destruiu a
minha vida! Tirou tudo o que eu tinha!

Seu rosto estava marcado por uma expressão de dor,


mas ao mesmo tempo uma imensa raiva. Ele mesmo buscara
a própria tragédia, mas não conseguia enxergar. Culpava a
mim, e sempre culparia. Eu precisava dar um fim naquilo.

O problema era que nenhum de nós esperava que ele


retornasse, ao menos não tão rápido. Isso o fez agir, voando
em cima de mim, e eu consegui agarrá-lo e lançá-lo no chão.

Eu tinha pousado a arma sobre uma superfície de


madeira para desamarrar Jordana, mas ela ainda estava ao
meu alcance. Só que o filho da puta estava machucado e
desarmado, e tudo o que eu queria era lhe enfiar uns belos
socos.

Montei sobre seus quadris e fechei o punho com


vontade, golpeando-o no rosto várias vezes.

Por mais que eu soubesse a extensão da minha força,


dificilmente precisava usá-la contra alguém. Não gostava de
violência, mas se alguém tentava fazer mal à minha mulher e
à minha filha – embora esta nem tivesse nascido ainda – eu
não ia reagir com passividade.

Perdi a cabeça, enfiando porrada no desgraçado,


mesmo sabendo que ele já estava inconsciente.

— Hector! — Jordana chamou, provavelmente para


me tirar do transe, e eu me levantei, ofegante pela raiva, ainda
olhando o corpo estirado no chão.

Olhei de soslaio para ela, percebendo que estava com


a arma na mão. Peguei-a e apontei na direção da cabeça do
filho da puta.

— Você vai... — ela não conseguiu terminar a frase.

Não respondi com palavras. Apenas apertei o gatilho.


Não, eu não ia deixar aquele desgraçado vivo. Não ia
passar de novo pelo desespero de ele fugir da cadeia e ir atrás
da minha mulher e da minha filha.

Iria conviver para o resto da vida com a lembrança da


vida tirada, mas queria acreditar que se tratara de legítima
defesa.

— Hec... — Jordana se aproximou de mim e se jogou


nos meus braços. Segurei-a contra o meu peito, me sentindo
mal por estar tocando nela depois de ter ceifado uma vida.

Engoli em seco, porque ela deveria ser a minha


preocupação no momento.

— Você está bem? — perguntei, beijando sua testa e


tentando encostar seu rosto no meu peito, girando-a para que
não visse a cena horrível do homem morto.

— Estou. Só mancando um pouco. Na hora que o


empurrei, o sangue quente me deixou agir, mas depois a dor
voltou. Vou ficar bem. E você?

Lancei um olhar doloroso para o homem caído no


chão, sem vida.

— Se você está bem, eu também estou.

E era mesmo isso. Eu faria qualquer coisa por ela.

A partir daquele momento, estávamos livres. O preço


era alto, mas Jordana estaria segura.
Ninguém mais iria lhe fazer mal.
CAPÍTULO TRINTA

O pesadelo ficou para trás, e nós pudemos voltar à


vida normal. A história foi noticiada por todos os cantos, já que
tivemos que chamar a polícia até a ilha, e acabamos achando
melhor envolver a imprensa. Hector era uma figura pública,
então era melhor que todos soubessem por ele mesmo, sua
versão dos fatos. Caso caísse nas mãos de alguém, sem
contexto, seria desastroso.

Foi uma forma de podermos explicar também que


Manuel vinha assediando Hector há um tempo, com ameaças
contra a minha vida, e que fora por isso que nosso casamento
não acontecera. Ou seja, de vilão por ter abandonado a
mulher no altar, ele se tornou o herói protetor que sacrifica
seus próprios sentimentos pela vida da mulher amada.

Mas tudo bem, ele realmente merecia. Suas intenções


foram heroicas desde o início. Deveria ter vindo a mim e
conversado, explicado os motivos, e teríamos tentado resolver
juntos, mas de certa forma ele tentara, eu que não quis ouvi-
lo, jurando que se trataria de uma desculpa esfarrapada.

E, no final das contas, era uma coisa bem absurda,


que nunca se passaria pela minha cabeça.

Só que isso não importava. Estávamos juntos de novo,


e eu estava muito, muito feliz.

Por mais que meu barrigão de gestação estivesse


pesado, que meus pés estivessem inchados e que eu me
sentisse mais cansada do que jamais me senti na vida, não
havia nada a reclamar.

Oficialmente me mudei para a casa de Hector, onde o


quartinho da nossa filhinha já tinha sido montado – e mais
pareciam os aposentos de uma princesa de conto de fadas –,
e eu me virava trabalhando de home office, sentada na cama,
em repouso. De acordo com minha médica, Paulinha poderia
nascer a qualquer momento, porque eu já estava completando
quarenta semanas de gestação.

Exatamente por isso, nós dois decidimos ficar mais em


casa, e até Hector passara a trabalhar remotamente para me
assistir caso qualquer coisa acontecesse.

Com o notebook sobre um suporte que ele comprara


para mim, já que tinha se tornado impossível apoiá-lo no meu
colo, tentei focar no meu trabalho, enquanto comia uvinhas
docinhas.
Paula se remexeu dentro de mim, e eu passei a mão
pela barriga, sorrindo.

— Tá gostosa, né, filha? Quero nem pensar o que


você vai fazer quando provar as coisas gostosas do mundo.
Mas aos pouquinhos, né? No início, só a mamãe vai te
alimentar.

Eu estava ansiosa por aquilo. Por amamentar, por


cuidar, por amar. Até pelas partes menos agradáveis: fraldas,
choros, madrugadas insones. Nada disso iria minimizar o
quanto queria ter minha neném nos meus braços. Hector
estava igualmente animado, e eu sabia que seríamos ótimos
pais.

Já nem me importava tanto que eu não conseguisse


mudar de setor na carreira. Mesmo que eu ficasse fazendo o
que estava fazendo para a vida inteira, valeria a pena, porque
eu teria minha compensação quando chegasse em casa.

E, para ser sincera, eu estava começando até a gostar


de conversar com as meninas e a lhes dar conselhos sinceros.
Algumas voltavam e mandavam mensagens bem mais
esperançosas, dizendo que ou tinham superado o coração
partido e estavam recomeçando ou conseguiram encontrar um
equilíbrio em seus relacionamentos.

Tanto que naquela manhã, abri o e-mail da Belle com


um sorriso no rosto. Ansiosa para encontrar as próximas
mensagens.
A primeira delas, que abri, fora enviada há pouco mais
de vinte minutos. Quem seria a sortuda em ser a primeira do
dia a ter seu conselho enviado?

Querida Belle,

Não sou uma das suas eventuais leitoras, mas


acompanho o trabalho. Sei que por trás dessa tela, que está
agora lendo esta mensagem, há uma mulher fantástica,
dedicada, linda e que será uma mãe incrível.

Eu sou um homem de muita sorte, sabe?

Vi o desabrochar dessa mulher, que foi se


transformando de uma menina incrível a uma pessoa
coerente, gentil e cheia de sonhos. Alguns deles ainda não
construídos totalmente, mas será apenas uma questão de
tempo. E tempo você terá de sobra, porque ao lado do homem
que te ama, ele fará tudo para te proteger e para te mimar
para que sua vida seja tranquila, feliz e longa.

Se depender desse homem, estará sempre segura.


Ele é capaz de absolutamente qualquer coisa por você.

Mas o que eu venho fazer aqui é pedir um conselho:


eu quero muito me casar com a mulher que eu amo. Só que fiz
uma besteira na nossa primeira cerimônia e a abandonei no
altar. As coisas estavam meio caóticas no momento, e eu fui
levado a fazer isso para protegê-la. Caso você saiba uma boa
forma de fazer um pedido para que ela me aceite de novo, por
favor, me envie. Não tenho limites para até onde poderia ir só
para que ela me dissesse sim.

Ah, e antes que eu me esqueça – embora seja


impossível –, vamos ter um bebê. Diga se eu não sou o
homem de mais sorte do mundo?

Obrigada, Belle.

Com amor, H.

Não era possível que ele tivesse feito aquilo.

Na metade da mensagem eu já estava com os olhos


cheios de lágrimas, precisando piscá-los a todo momento para
que as lágrimas não os embaçassem e eu não conseguisse
terminar de ler as palavras.

Claro que eu imaginava que em algum momento


acabaríamos querendo retornar ao altar, para tentar de novo,
com a certeza de que daquela vez tudo daria certo. Mas eu
não esperava que acontecesse dessa maneira, muito menos
que ele usaria um meio de comunicação tão peculiar para me
dar o recado.

Pensei se valeria a pena digitar a mensagem, com


uma resposta, porque eu queria aquele pedido de qualquer
jeito. Não importava como aconteceria. Só queria que fosse
logo. Estava ansiosa para lhe dizer sim.
Só que desisti na mesma hora, até porque a
mensagem não era para ser publicada, e eu não podia
responder direto para a pessoa, então me levantei. Pronta
para ir falar com ele, me jogar em seus braços e dizer sim sem
nem esperar pelo pedido feito pessoalmente.

Deixei o suporte do notebook de lado, nem sabendo


se voltaria para o trabalho, porque queria dar atenção ao meu
homem, e fui partindo para o escritório, onde ele estava.

No meio do lance de escadas, uma sensação me fez


parar. Assim como certa umidade entre as minhas pernas.

Olhei para o chão e percebi uma pequena pocinha.

A bolsa tinha estourado.

— Hector! — gritei, incapaz de me mexer. Não havia


dor, ao menos não naquele momento, mas era como se o meu
corpo tivesse paralisado. Como se eu tivesse desaprendido a
andar.

Pela forma como ele apareceu correndo, cheguei a


ficar até um pouco constrangida pelo grito. A gente tinha
lembranças ruins o suficiente para que eu sentisse que Hector,
às vezes, ainda acordava à noite com pesadelos e tinha um
senso de proteção aguçado além do normal por mim.

Não eram coisas normais de um casal. Eram sinais de


que a mente dele não superara cem por cento o que
acontecera na ilha. Para isso, ao menos, ele estava fazendo
terapia. Não tinha muito tempo que começara, mas eu sabia
que era apenas uma questão de tempo para que tudo se
resolvesse.

— O que houve? Você está bem? — ele veio


perguntando, enquanto subia as escadas de dois em dois.

— A bolsa... estourou.

Hector arregalou os olhos, e eu jurei que ele iria cair


duro ali mesmo, no degrau, e que ia sair rolando de lá de
cima, então teríamos os dois que ir ao hospital. Mas segurou-
se no corrimão e se manteve firme.

Baixou a cabeça e viu a água escorrendo, o que


claramente evidenciava o que falei.

Em um rompante, ele logo subiu até mim e me pegou


no colo com aquela destreza de sempre, mesmo que eu
estivesse uns nove quilos mais pesada.

— Hector! Eu posso andar. Não precisa...

— Claro que precisa. Estamos em uma escada. Você


está em trabalho de parto! — exclamou, levando-me até o sofá
e me sentando lá. Depois de me deixar acomodada, agachou-
se à minha frente. — Aliás, como está se sentindo?
Contrações? Fica calma, tá? Vai dar tudo certo.

Não pude deixar de rir. Ele estava ofegante até.

— Eu estou calma, amor. Você que está nervoso.


— Eu? Estou ótimo. Completamente. — Levantou-se,
girando ao redor de si mesmo, quase como um cachorro
procurando o próprio rabo, e passou as mãos pelos cabelos,
deixando-as na cabeça, parecendo perdido. — O que faço
agora?

Sorrindo, cheia de indulgência, coloquei as mãos nos


ombros de Hector, olhando em seus olhos com amor.

— Faça o seguinte: suba e pegue a bolsa que já


deixamos preparada. Então partimos para a maternidade.
Depois, você precisa ligar para o meu pai. Ele mesmo vai
avisar minha avó. Tudo bem?

Ele balançou a cabeça com muita ênfase, mas


continuou parado, olhando para o nada. Só depois de alguns
instantes voltou a si e assentiu novamente, partindo a toda
velocidade para o quarto.

Parando no meio da escada, ele olhou para mim,


sorrindo como um bobo.

— Nossa filha vai nascer — afirmou como se fosse


uma novidade, mas bobo de um jeito tão adorável que eu
cheguei a me emocionar.

Só então me lembrei do e-mail, e queria


desesperadamente dizer alguma coisa, avisar que estava feliz,
que aceitaria o que quer que ele pedisse, da forma como ele
pedisse, mas não caberia naquele momento. Paulinha era a
estrela do dia. Ela deveria ser mais relevante do que qualquer
coisa.

— Vai, amor. Logo ela estará com a gente.

Isso pareceu ser um grande incentivo, porque ele saiu


apressado, para fazer o que precisava ser feito. Em sua
ausência, a primeira contração veio. Não era tão forte, mas um
sinal de que as coisas iriam acontecer em breve.

Tudo, em seguida, aconteceu como um flash. Logo eu


estava no carro, e depois na maternidade, sendo levada de
cadeira de rodas, com contrações bem mais constantes, até
um dos quartos.

Fui instalada, e Hector avisou ao meu pai, enquanto a


enfermeira conversava comigo e me dava todas as instruções,
além de me acalmar, porque, sim, eu finalmente comecei a
ficar nervosa.

Era real. Paulinha estava chegando.

Foram ainda algumas horas de espera, e em certo


momento a dor realmente exigiu o melhor de mim. Eu queria
parto normal, fora um combinado desde sempre, e
aparentemente estava tudo bem com o bebê. Fora o
sofrimento normal de qualquer mulher, as coisas estavam
acontecendo dentro dos conformes.

Quando a médica decidiu que era a hora, ouvi vozes


me pedindo para empurrar. Eu jurei que não saberia como
fazer isso, mas foi muito instintivo.
Era da natureza.

Poderia jurar que nem me lembrei da dor no momento


em que ouvi o chorinho da minha filha, anunciando que
chegara ao mundo. Chorei junto, e Hector também, segurando
minha mão com força – exatamente como ficara durante todo
o processo, me dando força e me incentivando, dizendo que
me amava.

Quando ela veio para os nossos braços, choramos


mais ainda e sorrimos, certos de que aquela coisinha tão
pequena se tornaria o nosso mundo inteiro dali em diante.

— Obrigado — Hector sussurrou, beijando minha testa


suada mais uma vez.

Naquele momento não importou dor, nosso passado,


muito menos as lembranças ruins. Aquela era minha família, e
eu queria aos dois mais do que queria respirar.

— Aceito me casar com você, senhor H. Aceito de


qualquer jeito. Não importa como você irá pedir — falei, por
entre o choro, com Paulinha nos braços.

— Farei um pedido decente, mas considere-se minha


noiva outra vez.

— Talvez eu nunca tenha deixado de ser.

— Nunca, amor. Nunca.

Ele me deu um beijo, e nós continuamos a rir e chorar,


emocionados com nossa pequena.
Era como se nossa verdadeira história de amor
começasse realmente ali.
EPÍLOGO

TRÊS ANOS DEPOIS

— Eu sempre falei que Hector era ruivo, não falei? —


Madalena comentou, enquanto me observava pentear o
cabelo de Paula.

De fato, nossa filhinha nascera com as lindas


madeixas de um loiro acobreado mais escuro que o do pai.
Era mais para o vermelho, o que a tornava ruiva, sem dúvidas.

— Isso não quer dizer nada... — respondi, já sabendo


que ela estava certa, mas querendo manter minha dignidade.

— Madá tem razão, filha. Sempre disse a mesma


coisa — vovó afirmou, fazendo seu crochê, sentada ao nosso
lado.

Eu estava prendendo o cabelo de Paula em um rabo


de cavalo, para que ela pudesse brincar com Brioche, que
começara a correr pela casa da minha avó, e a criança ficara
atiçada para fazer o mesmo. Naquele momento, o cachorrinho
esperava sua amiga com muita ansiedade, parado diante de
nós, tremendo como sempre.

— Rápido, mamãe! — Paula falou com sua vozinha


deliciosa de criança, dando alguns pulinhos, contente.

— Se você não sossegar, não vou conseguir terminar


— falei em tom de brincadeira e a puxei para mim, abraçando-
a e enchendo-a de beijinhos. Ela era irresistível,
principalmente quando gargalhava do jeito que gargalhou. —
Vai lá, coisinha. Vai lá.

Dei um tapinha em seu bumbum, mandando-a correr,


e foi o que ela fez, puxando Brioche consigo.

As três mulheres ficaram olhando para ela, e eu


acariciei minha barriga, de seis meses, ansiosa para receber o
meu garotinho. Nosso Pedro iria chegar em breve e seria
muito bem-recebido.

Assim como Paula, ele surgira em um acidente, bem


quando eu, Madalena e Kelly – minha ex-chefe – estávamos
começando a engrenar com nosso site. Depois que a Belle,
Belle se mostrou bastante ultrapassada, não querendo aceitar
nossas ideias, nós nos reunimos e decidimos criar o nosso
próprio negócio.

Kelly tinha bons contatos no meio, e aos poucos fomos


montando uma equipe. Papai e Hector ajudaram
financeiramente falando, e as coisas estavam indo muito bem.

Havia uma sessão de moda, a parte jornalística com


reportagens a respeito de mulheres nos mais variados
assuntos, uma sessão mais jovem, além de também contar
com a parte das mensagens e respostas, mas colocamos uma
psicóloga para isso, e ela realmente ajudava pessoas que
necessitavam.

Enquanto eu fiquei responsável pela parte de


jornalismo investigativo – embora não perigoso – Madá
cuidava da área de Casa, com decoração, ideias de
artesanato e de atividades para mulheres um pouco mais
maduras. Minha amiga e ex-chefe trabalhava na parte
comercial, com contatos para publicidade, patrocínios e
anúncios. Minha melhor amiga, Adriane, tinha uma sessão
especial só sobre eventos – principalmente casamentos –, que
era muito acessada por noivas que precisavam de um
direcionamento. Além de um pouco do marketing. Tínhamos
uma designer e uma social media, além de alguém que
revisava os textos antes de irem para o ar.

Estávamos começando a contratar outras pessoas aos


poucos, porque íamos fazer um ano. As coisas vinham
melhorando exponencialmente bem. Eu tinha certeza de que
teríamos sucesso.

O nome do site era Type. Achamos simples, direto e


estava dando certo.
Depois do nascimento de Paula, Hector realmente me
pediu em casamento, com toda a pompa possível, naquela
casa onde estávamos, com toda a minha família presente. O
casamento aconteceu pouco tempo depois, mas em uma
cerimônia muito íntima, algo só entre nós, não porque eu
duvidasse de Hector, mas porque achei que combinaria mais
com nosso momento.

Fora ali mesmo, naquela casa, e eu fiquei olhando


para o local onde trocamos alianças, por onde nossa filha
corria com o cachorro, sorrindo como uma boba.

— Nostalgia, querida? — minha avó perguntou, me


arrancando dos meus pensamentos. Madalena tinha se
levantado para pegar algo para beber, e nós duas ficamos
sozinhas. Já estava anoitecendo, e o céu começava a
lentamente se pintar das cores da noite. Primeiro de um
púrpura vivo, mas logo chegaria o negro infinito.

— Como não? Sabe que amo a sua casa. Alguns dos


melhores momentos da minha vida foram passados aqui.

— Eu também sinto. Tenho saudade da sua mãe —


ela falou isso olhando para Paula. — Ela estaria muito feliz por
você. Pela família que está construindo.

— Eu tenho. Tudo pelo que passamos, chegarmos até


aqui é um milagre.

— O amor é um milagre, querida — ela falou


sabiamente e suspirou. Provavelmente sentia muita saudade
do meu avô também, mas não iria mencionar. Apenas apontou
em alguma direção. — Milagre também é a beleza daquele
seu homem ali. Olha que pecado ele sozinho.

— Se eu for até ele quem vai ficar sozinha é você.

— Que nada. Daqui a pouco Célia vem para cá. Ela


não aguenta muito tempo. Tem muitas fofocas de celebridades
para me contar, mesmo que eu não conheça metade dos
nomes que menciona.

Dei uma risadinha e assenti, levantando-me. Assim


como fora na gravidez de Paula, minha barriga não estava
muito grande. Ela passara a crescer depois, mais ou menos
àquela altura.

— Vou lá, então...

— Isso. Aproveita. Quando Pedro nascer, vocês já


sabem como vai ser.

Claro que eu sabia. A versão bebezinha de Paula


ainda era recente demais para que eu me esquecesse que os
três primeiros meses eram bem complicados. Deliciosos, mas
era pouco sono, pouca paz, muito caos. Por mais que Hector
tivesse contratado uma babá, a gente preferiu fazer a parte
mais pesada do trabalho, porque queríamos curtir nossa
neném.

Seria a mesma coisa daquela vez.


Fui andando na direção do meu marido. Ele estava de
costas para onde cheguei, sentado no guarda-corpo, perto de
uma das colunas, com um copo de suco na mão, olhando para
o céu, que lentamente escurecia.

Sobressaltou-se quando me sentei atrás dele e me


aconcheguei contra suas costas, só que logo me reconheceu
sem nem precisar olhar por cima do ombro.

— Oi, Lois Lane — ele sussurrou baixinho.

— Oi, Superman — respondi, e ao mesmo tempo,


como se fosse um movimento ensaiado, estendemos as mãos,
tocando-nos, entrelaçando os dedos, ainda de costas um para
o outro, ambos olhando para um lado, mas vendo o mesmo
céu.

Um céu que eu tinha a impressão de que era nosso e


cujas estrelas nos observavam, contando nossa história e a
abençoando, lá de cima, prometendo um amor inigualável e
invencível.

FIM

 
 

 
 

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