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Copyright © 2022 por Jéssica Larissa


Grávida do amigo do meu pai | 1ª Edição
Todos os direitos | Reservados

Livro digital | Brasil


 
Esta é uma obra de ficção.
Nomes, personagens, lugares e acontecimentos descritos aqui são
produtos da imaginação do autor. Qualquer semelhança com
nomes, datas e acontecimentos reais é mera coincidência.
 
Nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida, distribuída ou
transmitida por qualquer forma ou por qualquer meio, incluindo fotocópia,
gravação ou outros métodos eletrônicos ou mecânicos, sem a prévia
autorização por escrito do escritor, exceto no caso de breves citações
incluídas em revisões críticas e alguns outros usos não-comerciais
permitidos pela lei de direitos autorais.

 
Capa: DESIGNER TTENORIO

Revisão: Isadora
Diagramação: Mellody Ryu

O artigo 184 do Código Penal tipificava como crime, apenado com detenção de 3 (três) meses a 1
(hum) ano, ou multa, a violação de direito de autor que não tivesse como intuito a obtenção de lucro
com a reprodução da obra intelectual protegida.
SINOPSE

 
 
 
Gonçalo Ribeiro era um médico rico e bem-sucedido quando uma tragédia
destruiu a sua vida. Uma perda dolorosa o quebrou de maneira
inimaginável. Meses depois, amargurado e incapaz de continuar exercendo
a profissão, ele abriu mão de tudo o que conquistou para se isolar na antiga
fazenda da família, local onde cresceu. Mas, a vida calma e solitária que ele
tanto desejou estaria longe de existir ao conhecer Celina, a filha jovem e
insolente do seu amigo de infância. Ele deseja e odeia aquela irresistível
garota que o tira do sério.
 
Celina o despreza e anseia por ele na mesma proporção. Porém, a atração
que os domina é tão avassaladora que após uma ardente noite juntos, o
destino poderá trazer consequências irreversíveis em forma de um lindo
bebê.
NOTA DA AUTORA

 
 
Queridas e queridos leitores.
 
A série grávidas por acidente foi planejada há mais de um ano, mas só
agora pude colocar em palavras tudo o que eu sentia dentro do meu coração
com esse primeiro livro.
 
O primeiro livro, Grávida do Melhor Amigo do Meu Pai, é uma história
além de especial. É uma história escrita com meu coração, de mim para
vocês, com o mais especial que há dentro de mim.
 
Eu sou completamente apaixonada por histórias que se passam no interior,
em fazendas, vida no campo. E me sinto mais que feliz por poder concluir
este livro com um quentinho no coração e jogar as palavras no mundo para
que vocês também possam conhecer. Espero do fundo do meu coração que
gostem. Um grande beijo.
 
Com amor, Jéssica Larissa.
 
Instagram: https://www.instagram.com/autorajessicalarissa/
Página no facebook:
https://www.facebook.com/autorajessica.larissa.7
 
Sumário
SINOPSE
NOTA DA AUTORA
PRÓLOGO
CAPÍTULO 01
CAPÍTULO 02
CAPÍTULO 03
CAPÍTULO 04
CAPÍTULO 05
CAPÍTULO 06
CAPÍTULO 07
CAPÍTULO 08
CAPÍTULO 09
CAPÍTULO 10
CAPÍTULO 11
CAPÍTULO 12
CAPÍTULO 13
CAPÍTULO 14
CAPÍTULO 15
CAPÍTULO 16
CAPÍTULO 17
CAPÍTULO 18
CAPÍTULO 19
CAPÍTULO 20
CAPÍTULO 21
CAPÍTULO 22
CAPÍTULO 23
CAPÍTULO 24
CAPÍTULO 25
CAPÍTULO 26
CAPÍTULO 27
CAPÍTULO 28
CAPÍTULO 29
CAPÍTULO 30
EPÍLOGO
Agradecimentos
LEIA TAMBÉM:
SINOPSE
PRÓLOGO
CAPÍTULO 1
CAPÍTULO 2
CAPÍTULO 3
BIOGRAFIA DA AUTORA
PRÓLOGO

 
GONÇALO
 
 
Tranquei os olhos com força e apertei a garrafa fria de uísque contra
meu peito, permitindo que o sono me tomasse. Estava preso no irrealismo
dos sonhos, mas as imagens e as vozes pareciam cada vez mais reais em
minha cabeça, à medida que os minutos passavam.
 
Quanto mais me aprofundava no sono, mais tudo à minha volta se
tornava nítido e começava a fazer sentido. Eu me via dentro do carro, me
aproximando de casa após um longo plantão no hospital. As rajadas do
nascer do sol pintavam o céu com nuances laranjas e amarelas. O vento que
entrava pela janela era frio e fresco. Estava cansado, esgotado na verdade,
havia feito uma delicada cirurgia durante a noite, e o resultado havia sido
um grande sucesso.
 
Apesar da exaustão, meus lábios se curvaram em um sorriso
contente e eu olhei para o banco do carona, observando Laura que estava
vidrada no crepúsculo. Casa! Lar! Aquela sensação de estar no momento
certo, com a pessoa certa, mesmo que nada daquilo fosse de fato real.
 
Ainda assim, podia sentir a brisa em minha pele, o cheiro de Laura
em minhas narinas. Podia observar a forma rebelde de seus cabelos
castanhos voando ao vento. Suspirei quando Laura desviou o olhar na
minha direção e sorriu para mim. Os olhos escuros brilhavam, ainda que
parecerem cansados, exatamente como eu estava.
 
Entrei em nosso condomínio no Ibirapuera e estacionei o carro.
Nosso apartamento tinha uma vista privilegiada para o parque, de forma
que podíamos apreciar o cenário verde e o grande lago. Pude sentir as mãos
pequenas e talentosas de Laura abraçando-me por trás, assim que
adentramos o quarto. Sua cabeça pousou em minhas costas por alguns
segundos, fazendo com que eu sentisse a respiração morna sob o tecido da
camisa. Seu corpo era tão quente, reconfortante, trazia paz ao meu coração
agitado.
 
Juntos, encaramos pela janela de vidro o parque verde e ensolarado
que harmonizava com o lago calmo. Estávamos realizados pela mais nova
conquista. Tínhamos o trabalho que almejamos, um apartamento em um
local renomado em São Paulo. Tínhamos a vida dos sonhos e iríamos nos
casar em breve.
 
— Estou exausta, mas nunca me senti tão feliz. — Sua voz rouca
pelo sono ressoou às minhas costas e eu sorri, ainda olhando pela janela.
 
— É só o começo, meu bem — disse a ela e me movi para ficar ao
seu lado e poder aninhar seu corpo em um abraço lateral.
 
Laura passou as duas mãos em minha cintura e sorriu, escorando
seu peso em mim.
 
— Finalmente a sós — murmurou, fazendo com que eu abaixasse o
olhar para encará-la.
 
Seus olhos sorriam juntos com a boca, apesar das olheiras
profundas por causa das noites maldormidas em que esteve de plantão.
Aquele brilho travesso estava ali, estampando felicidade e sensualidade.
 
— O que está planejando? — murmurei de volta e a coloquei de
frente para mim, suas mãos ainda me abraçando pela cintura, meus dedos
acariciando a pele do seu rosto.
 
— Uma coisinha que você vai gostar… — A língua úmida lambeu
os lábios rosados e ela sorriu. —  Mas, primeiro precisamos de um banho e
um delicioso café da manhã.
 
Sorri quando Laura piscou para mim, demonstrando todas as suas
segundas e terceiras intenções. Segurei seu pequeno queixo e me inclinei
para capturar os lábios doces. Nossas bocas nunca se encontraram, no
entanto.
 
Senti todo meu corpo estremecer à medida que a imagem de Laura
se desfazia como fumaça na minha frente. Pisquei os olhos, desnorteado, a
cabeça doía. Meu peito doía. Não estava pronto para deixá-la ir outra vez e
por isso tranquei as pálpebras com força, buscando uma forma de voltar
àquela cena tão vívida em minha memória. Mas, aquele barulho irritante,
uma espécie de zunido estava ali outra vez, vindo de algum lugar próximo a
mim, fazendo Laura se desmaterializar completamente no ar enquanto me
trazia de volta ao mundo real.
 
Desolado, movimentei o corpo sem conseguir definir exatamente
onde estava. Eu me sentei com uma das mãos enredadas em algum
recipiente frio, a respiração agitada, os nervos aflorados com o barulho
irritante que parava e retomava a todo momento. Com dificuldade, abri os
olhos e a realidade bateu na minha cara, junto com a claridade das lâmpadas
que turvaram minha visão. Ainda estava no apartamento no Ibirapuera,
sentado no sofá da sala de estar com a garrafa de uísque pela metade na
mão.
 
Laura não estava ali. Ela nunca mais estaria…
 
Passei a mão pela barba comprida e desalinhada, suspirando
pesadamente. Deslizei os dedos até os fios de cabelo que precisavam
urgentemente de um corte, algo que eu não estava disposto a fazer tão
cedo. 
 
O zunido voltou com toda sua força, deixando-me ainda mais
impaciente. Esfreguei os olhos e foquei a atenção da direção do som. Era
meu celular tocando em cima da mesinha de centro. Eu me forcei a me
levantar, deixei a bebida de lado e cambaleei para frente. Pus as duas mãos
sobre a mesinha em busca de equilíbrio e tomei um longo suspiro.
 
Peguei o aparelho e vi a foto do meu irmão mais novo na tela em
uma chamada de vídeo.
 
Pensei em recusar como havia feito nas milhares de vezes
anteriores. Estava cansado daquela merda, das pessoas, da vida, de tudo.
Ninguém entendia que eu precisava ficar em paz, aquilo me deixava
extremamente irritado.
 
Em um acesso de ira, atendi e voltei a me sentar no sofá. Já que ele
queria tanto falar comigo, eu falaria, deixaria bem claro que não gostaria de
ser incomodado outra vez, nem por ele, nem por ninguém.
 
— Cara, você está uma merda! — A voz de Manoel ecoou pela sala
silenciosa, e seus olhos fixaram-se em meu rosto.
 
— O que você quer? — questionei, nada amigável, a mandíbula
cerrada. — Já disse que não quero ser incomodado.
 
Manoel suspirou e aproximou o rosto da tela. Era visível a
preocupação em seus olhos, mas eu pouco me importava com aquilo
também.
 
— É a nossa mãe... Ela está há dias sem dormir, preocupada. Você
sumiu, Gonçalo. Não atende nossas ligações, não recebe mais seus amigos
na porta. Essa situação está insustentável, meu irmão.
 
Sentia minhas têmporas latejarem enquanto o ouvia. Minhas mãos
tremiam e eu fechei os punhos com força.
 
— Foi para isso que me ligou? — indaguei, prestes a encerrar a
chamada. — Eu estou bem assim, porque vocês não entendem, porra?
 
Eu me alterei enquanto falava e voltei a raspar a mão na barba.
 
— Deixe o passado no passado, irmão. Não pode viver assim para
sempre, precisa reagir! 
 
Fechei os olhos por alguns segundos, a respiração errática. Há
muito tempo o passado não era mencionado, mesmo que a escuridão na
qual eu vivia não me deixasse esquecer a dor um só dia da minha vida.
Ainda assim, curvei os lábios em um riso amargo, doloroso, e permiti que
meus ombros desabassem.
 
— Adeus, Manoel — disse a ele, sentindo um imenso vazio no
peito. — Por favor, não me procurem mais. Só me deixem em paz, é tudo
que peço.
 
— Não faça isso, irmão, pense em nossa mãe — ele se adiantou em
dizer. Manoel estava aflito, era visível em seu tom de voz e semblante, mas
tentava controlar ao máximo as emoções. — Pense na vida que você tem
pela frente. Por que não passa uma temporada na fazenda? O ar puro do
campo pode te fazer bem e você vai ter tudo o que precisa. Sossego, paz. É
isso que quer, não é?
 
Desliguei a chamada antes que ele dissesse mais alguma coisa que
me tirasse dos trilhos. Eu sabia o quanto estavam preocupados comigo, mas
eu também sabia que não era uma boa companhia para ninguém, nem para
mim mesmo.
 
Manoel estava errado sobre mim, eu não tinha mais uma vida pela
frente. Estava tudo acabado.
 
 
CAPÍTULO 01

 
 
MESES DEPOIS
 
CELINA ABREU
 
Terminei de dobrar as camisas que estavam sobre a cama e troquei
o celular de uma orelha para a outra enquanto falava com minha mãe.
— Querida, não faz sentido você continuar na fazenda dos Ribeiro
com seu pai. Seria melhor se viesse para Corumbá, aqui poderia trabalhar
comigo na loja, conhecer algum rapaz legal.
Pela segunda vez nos últimos cinco minutos, inspirei fundo para
respondê-la. Amava minha mãe, mas sua insistência me sufocava de uma
forma extenuante.
Desde que ela e meu pai se separaram há quatro meses, minha mãe
se mudou para Corumbá com minhas duas irmãs mais novas, e eu decidi
permanecer com meu pai no pequeno vilarejo de Lagoa Comprida, local
onde nasci e me criei. Uma semana depois, nos mudamos de vez para uma
das casas de funcionários da fazenda da família Ribeiro. Meu pai era o
capataz ali desde sempre, e eu me ocupava ajudando na arrumação do
casarão.
— Já tomei minha decisão, mãe. Eu gosto daqui e não me vejo
morando na cidade. Além disso, tem o papai — expliquei a ela e coloquei o
celular no viva voz em cima da cama, para que eu pudesse guardar a pilha
de roupas dobradas no armário de madeira.
Minha mãe suspirou do outro lado da linha. Aquela conversa estava
tomando um rumo exaustivo e ela sabia disso. Era sempre a mesma coisa,
sempre a mesma batida na tecla.
— Eu me preocupo com você, meu amor, com seu bem-estar. Seria
tão mais fácil para você aqui do lado de sua mãe e das suas irmãs. As
meninas sentem tanto sua falta… E os homens daqui são de outro nível.
Revirei os olhos e deixei o serviço que fazia de lado. Sentei-me no
colchão macio pegando o aparelho outra vez.
Também sentia falta da mamãe e das minhas irmãs. Queria abraçá-
las e poder voltar no tempo quando éramos uma família unida e feliz.
No entanto, eu sentia que meu lugar era aqui. Não estava pronta
para ir embora. Tinha meu pai aqui sozinho, os amigos que cresceram
comigo, meu trabalho voluntário nas quintas e sextas na escolinha do
vilarejo.
Além disso, ainda não havia perdoado minha mãe pelo que havia
feito. Eu estava errada, sabia disso, mas não tinha maturidade suficiente
para esquecer a mágoa assim tão fácil e engolir o fato de que ela havia
abandonado meu pai por pura futilidade.
— Como elas estão? — perguntei por minhas irmãs um pouco
chorosa, mudando o rumo da conversa.
— Todas bem. Estão na escola agora.
— Venham me visitar em breve. Não vejo a hora de ver vocês —
pedi com sinceridade.
— Eu também, querida. Eu também.
Suspirando, eu me despedi. Precisava voltar ao trabalho:
— Bom, mãe. Preciso desligar agora, tenho muito serviço para
fazer.
— Tudo bem, filha. A gente se fala em breve.
— Abraços.
Desliguei a chamada após nos despedirmos e voltei minha atenção
para a pilha de roupas que ainda estava sobre a cama para ser dobrada e
guardada. Eram roupas antigas do Gonçalo, de quando o homem ainda
morava na fazenda.
Não entendia o porquê de tamanha insistência de dona Lúcia em
manter o quarto do filho mais velho sempre limpo e arrumado. O homem
nunca pisava os pés por aqui, soube que ele foi embora para São Paulo há
muito tempo e estava sempre ocupado com sua "incrível" profissão como
médico cirurgião para se dar o trabalho de visitar a fazenda. Mas a boa
senhora estava ali, sempre na esperança de que um dia ele voltasse para
casa.
No entanto, Deus era justo, ao contrário desse tal de Gonçalo que eu
ainda nem ao menos conhecia, dona Lúcia tinha um outro filho que morava
no exterior e mesmo assim a visitava constantemente. Manoel era um
encanto de pessoa. Tão bonito quanto gentil, era a alegria de dona Lúcia e
estimado por todos os funcionários da fazenda.
Tomando ânimo, voltei para o meu trabalho e logo finalizei o
serviço. Terminei de guardar as roupas nos armários, tirei a poeira dos
móveis e troquei os lençóis da cama. O quarto de Gonçalo era amplo,
decorado com móveis antigos e escuros de madeira. A cama era larga, com
cabeceira também de madeira envernizada. Era um quarto bonito, mas um
pouco sombrio e sem vida, imagino que devido aos anos sem uso.
Depois de deixar o cômodo impecável, caminhei até as imensas
janelas e as abri para que o ar fresco circulasse no espaço por algumas
horas. A paisagem era magnífica dali do segundo andar, com vista direta
para o pasto verde que se estendia por quilômetros de distância. De onde eu
estava, era possível ver as centenas de cabeças de gado. Os animais
pastavam tranquilos sob o sol da manhã, e o cheiro do campo e capim
fresco era trazido pelo vento até o cômodo.
Sorri admirando a paisagem e me virei para sair do quarto.
Desci as escadas carregando os materiais de limpeza comigo e segui
em direção aos fundos do casarão onde ficava a cozinha e a área de serviço.
Ainda havia muito o que ser feito antes que eu pudesse ir para casa, uma
construção simples, mas aconchegante que ficava há quase um quilômetro
de distância da sede principal. 
Ao passar pela sala de jantar, imaginei ter ouvido um barulho sutil
que vinha do escritório e então diminuí os passos. Os soluços baixos
chegaram até mim, deixando-me alarmada.
Deixei tudo o que trazia comigo no chão, e me apressei até o
cômodo pequeno. A porta estava aberta, então não precisei me preocupar
em bater.
Dona Lúcia estava em pé, em frente a uma estante de livros velhos.
Com a cabeça baixa, ela fitava uma fotografia que segurava nas mãos.
— Dona Lúcia… está tudo bem? — perguntei, um pouco incerta.
Ela limpou os olhos molhados rapidamente e levantou a cabeça na
minha direção. Seu semblante estava tão aflito que meu coração se apertou
dentro do peito. As olheiras profundas eram visíveis abaixo dos olhos
castanhos, a pele clara estava pálida, os cabelos um pouco bagunçados
como se ela tivesse passado a mão pelos fios curtos algumas vezes.
— Entre, querida… — pediu e voltou sua atenção para a fotografia.
Entrei no escritório devagar e encostei a porta com cuidado para
não fazer barulho.
— Posso fazer algo pela senhora?
Dona Lúcia balançou a cabeça em negativa, e limpou uma outra
lágrima que escorreu em seu rosto.
— Olhe para ele… — Ela estendeu o porta-retrato na minha direção
e eu o peguei devagar. — É meu filho mais velho, Gonçalo. Ele é bonito,
não é?
Olhei a imagem de Gonçalo e concordei com um aceno de cabeça.
Sim, ele era bonito. Muito bonito. Seus cabelos eram escuros, a barba
cerrada, os olhos com nuances caramelizadas e musgo esverdeado. Mas ele
possuía um ar misterioso que me deixou momentaneamente arrepiada.
Senti-me totalmente dominada por aquele olhar.
Analisei os traços másculos com cuidado e imaginei que ele teria
por volta dos trinta anos quando a foto foi tirada. As feições eram duras e
embora fosse filho de dona Lúcia, ele não se parecia em nada com ela.
Já tinha visto algumas fotos dele pela casa ao lado do irmão,
Manoel, mas com certeza aquela era a imagem que melhor demonstrava a
fisionomia de seu rosto.
— É por causa dele que a senhora está triste? — perguntei e devolvi
a fotografia.
Dona Lúcia suspirou pesadamente e assentiu.
Naquele momento. eu o odiei. Como um filho poderia ser tão frio e
distante assim? Dona Lúcia não merecia aquela indiferença.
— Aconteceram coisas, minha filha. Coisas que o afastou de mim e
do mundo. É difícil para mim como mãe aceitar.
— Compreendo — respondi, mas não fiz mais nenhuma pergunta.
Ela já estava deprimida o suficiente. — Creio em Deus que tudo se
resolverá — disse, sincera.
A mulher concordou com um aceno e eu me despedi dela para
poder continuar meu serviço. Deixei o material de limpeza no quartinho dos
fundos e retornei até a cozinha.
Encontrei Berenice cortando algumas verduras na pia para o
almoço. O cheiro de piranha sendo assada no forno estava em todo canto,
fazendo meu estômago roncar de fome em antecedência.
— Humm que cheirinho incrível, Berenice — disse a ela e caminhei
até o bebedouro para tomar um copo de água.
— Oi Celina. — A mulher calorosa virou-se na minha direção e
sorriu. Um sorriso tão espontâneo que amenizou em meu peito um
pouquinho do momento tenso que havia passado com dona Lúcia. — Sente-
se um minuto para tomar uma xícara de café — ela ofereceu e eu não me
dei ao trabalho de recusar.
— Obrigada, Berenice, estava mesmo precisando de uma xícara de
café. — Sorri de lado.
Eu me sentei à mesa de madeira da cozinha, coberta com uma
toalha com flores pintadas, e me servi de uma xícara. Enxugando as mãos
no pano de prato, Berenice tirou o avental e se sentou para desfrutar da
bebida quente também.
A gatinha mimosa que estava dormindo em cima do tapete próximo
à pia, se levantou e se espreguiçou toda dengosa. Não demorou muito e ela
já estava miando e se esfregando em meus pés.
Eu me inclinei para o lado e peguei o animalzinho gorducho de
coloração amarela com branco e a coloquei no meu colo. Os olhos verdes
me encararam cheios de charme e elegância quando ela voltou a miar
enquanto eu acariciava seu pelo.
Tomei um gole do café quente e delicioso, voltando a colocar
mimosa no chão. Ela não esperou mais um segundo para correr até sua
ração.
Sorri e voltei a minha atenção para Berenice. Casada com um dos
funcionários da fazenda, o casal tinha dois filhos adultos e viviam ali desde
que me conheço por gente.
Ela parecia contente ao cortar um pedaço de bolo de milho e
empurrar o pratinho na minha direção. Sua pele era morena e suas feições
marcadas pelo tempo, apesar disso, possuía um brilho especial e acolhedor
quase materno. Seu corpo era cheio e os cabelos castanhos salpicados de
fios brancos.
— Obrigada — agradeci, feliz e comi um pedaço. O sabor era
incrível, derretia na boca. 
Enquanto comia, pensei na curta conversa que tive com dona Lúcia,
decidi perguntar a Berenice o que ela sabia sobre o tal Gonçalo.
Tomei outro gole de café e a chamei:
— Berenice? — Ela me encarou rapidamente.
— Sim, criança?
Mordi o lábio inferior, incerta, mas a curiosidade falou mais alto.
— O que aconteceu com o filho mais velho de dona Lúcia? Por que
ele nunca vem aqui? — questionei sem rodeios. — Mais cedo, eu a vi
chorando enquanto segurava uma foto dele. Fiquei de coração partido.
Berenice suspirou com pesar e terminou seu café. Sua expressão se
fechou no mesmo instante, dando indícios que aquela conversa não deixava
a mulher muito contente.
Ela olhou de um lado para outro para constatar que estávamos
sozinhas e se aproximou mais de mim, baixando o tom de voz:
— Aquele malcriado sem coração — enfatizou. — Desde que foi
embora para São Paulo, nunca mais pisou os pés por aqui. Dizia que estava
ocupado demais com os estudos. Depois disso, passou a trabalhar num
renomado hospital da capital e logo se tornou sócio de uma clínica por lá.
Dona Lúcia que ia visitar o ingrato de vez em quando.
Assenti, preocupada, mas algumas coisas não faziam sentido.
— Acho que me recordo das temporadas que ela passava fora,
visitando o filho. Mas não me lembro de vê-la assim tão infeliz desde a
morte do falecido.
— Ahh, minha filha… — começou a mulher com expressão
desgostosa. — Eu não sei bem o que aconteceu há cerca de um ano, só sei
que o senhor Gonçalo viria para fazenda passar a temporada com a noiva,
mas aconteceu uma tragédia por lá e ele se fechou para tudo. Desde então,
não atende mais as ligações e visitas da mãe. Muito menos do irmão
Manoel. Ninguém sabe exatamente o que se passou com ele, a família
coloca tudo debaixo dos panos. Ouvi dizer por aí que agora ele é um bêbado
e só anda largado, mas também não sei se isso é verdade.
Arregalei os olhos, surpresa com sua última revelação, e terminei
meu café. Não fazia ideia de nada daquilo, e minha raiva só aumentava pelo
tal Gonçalo. Nada justificava a forma como ele esmagava os sentimentos da
mãe, se comportando como um animal selvagem.
Só conseguia pensar que se algum dia eu ficasse frente a frente com
aquele ser desprezível, ele ouviria umas poucas e boas por ser tão ingrato.
Eu já odiava Gonçalo Ribeiro e nem ao menos o conhecia.
CAPÍTULO 02

 
 
GONÇALO
 
Terminei de assinar os documentos que me desligavam de uma vez
por todas do hospital, local que exerci minha profissão durante anos e
acabei me tornando sócio. Guilherme, meu ex-sócio e amigo, me encarava
com a expressão consternada e os braços cruzados na frente do corpo.
O homem com cerca de cinquenta anos passou a mão pelos cabelos
grisalhos e se levantou da poltrona em que se encontrava sentado.
Franzindo a testa, ele me encarou:
— Não posso acreditar que esteja fazendo isso, Gonçalo —
comentou com um ar cansado. — Por que não tenta outra vez? Sabe que as
portas do hospital estarão sempre abertas para você.
Balancei a cabeça em negativa e cerrei a mandíbula, incapaz de
prosseguir com aquela conversa. Lembranças agonizantes me atingiram
com força, senti minhas mãos tremerem só em me imaginar trancando em
uma sala de cirurgia para realizar algum procedimento.
— Acabou, Guilherme. Eu já tentei e falhei miseravelmente, sabe
disso — afirmei.
Também me levantei e entreguei os papéis para o advogado que
estava à espera para finalizar os procedimentos do meu desligamento.
Guilherme continuava a me fitar, desolado. Ele sabia que aquela era
minha decisão final, a tampa de aço que eu trancaria tudo e depois jogaria o
cadeado no mar. Era um caminho sem volta, um decreto que colocaria fim
aos meus dias como médico cirurgião e sócio de um hospital de respeito em
São Paulo.
Enquanto o advogado guardava a papelada, suspirei com pesar e
fitei o tapete bege no chão, manchado com marcas de bebida derramada ao
longo dos meses e restos de comida. Algumas garrafas de uísque estavam
vazias empilhadas próximo à poltrona, quase sendo pisoteadas por
Guilherme. Outras se encontravam aos pés do sofá, poucas com uma
pequena quantidade de bebida.
O apartamento estava empoeirado, roupas espalhadas pelo chão,
mas eu pouco me importava com aquela merda. Eu não tinha certeza se
estava vivendo ou apenas sobrevivendo, votaria na segunda opção. Minha
vida havia se transformado em uma verdadeira bagunça, mas nada se
comparava com o vazio e a solidão que eu carregava no peito.
Guilherme observou à sua volta mais uma vez e voltou a me fitar
seriamente, a expressão opaca.
— Me deixe te ajudar, irmão… — Seu olhar refletia o mais puro
pesar, mas eu não precisava da sua pena nem da de ninguém.
Caminhei até a saída do apartamento sem respondê-lo e abri a porta.
Aguardei enquanto os dois homens passavam por mim, para logo em
seguida, fechar a porta com um forte baque, causando um estrondo.
Voltei a desabar no sofá, desnorteado. Aquelas poucas horas, em
que me dei ao luxo de me manter sóbrio, foram como ter uma faca enfiada
no peito a todo momento. As lembranças não me largavam, ficavam
incrustadas na mente como um martírio eterno.
Comecei a gargalhar ali naquela sala vazia. Lembrei-me de quando
tentei retornar ao trabalho no hospital há alguns meses e mal consegui
segurar o bisturi de tanto que tremia. Senti vergonha de mim mesmo. Eu me
perdi dentro da minha própria dor e humilhação, me fechei para o mundo e
impedi a entrada de qualquer pessoa, até mesmo da minha família. 
Eu me recordei da minha mãe e percebi que eu não passava de um
amontoado de lixo. Tinha consciência do quanto ela sofria por minha causa,
mas não tinha forças para consertar as coisas.
Cansado, me levantei e segui até a adega de bebidas. Abri outra
garrafa de uísque e virei o gargalo na boca, sentindo a bebida queimar por
dentro como uma forma de punição. Eu merecia sofrer até não conseguir
mais respirar.
 

 
O mundo girava à minha volta quando saí do apartamento em
algum momento da noite. Fechei a porta, mas não me recordo se tranquei
com a chave. Apenas segui rumo às escadas, já que nem me recordava em
que direção ficava o elevador.
Tropecei antes de alcançar o primeiro degrau, mas usei as mãos
para me firmar na parede. Tinha consciência dos planos que haviam se
formado em minha cabeça embora estivesse quase dopado de álcool. 
Desci até a portaria onde um táxi já me aguardava. Entrei e passei
as coordenadas para o motorista. A partir disso, as coisas aconteceram no
automático.
Passei parte da noite em uma cadeira de espera no aeroporto,
aguardando o voo que sairia de São Paulo rumo a Campo Grande, capital
do Mato Grosso do Sul.
O dia já estava completamente claro quando saí do aeroporto e
terminei o percurso até Corumbá de ônibus. Carregava comigo apenas a
roupa do corpo e a carteira no bolso traseiro da calça jeans, não queria ter
mais contato com nada do que deixei para trás.
As pessoas me olhavam de lado enquanto eu caminhava pelas ruas
de Corumbá. Era uma cidade pequena no interior, não passava dos 112 mil
habitantes.
Muitos ali me conheceram na época da juventude, mas observando
aquele homem estranho e barbudo perambulando pelas ruas, jamais
imaginariam que se tratava de Gonçalo Ribeiro, o filho mais velho de Lúcia
e Joaquim Ribeiro, proprietários de uma das fazendas de gado de corte mais
conhecidas e bem sucedidas da região.
Parei em frente a um bar e me sentei em uma das cadeiras ali. O
álcool já havia se diluído e evaporado do meu sistema, a coragem de
continuar fazendo o que eu estava planejando se transformou em fumaça
também. A dor de cabeça permaneceu, no entanto, parecia que havia uma
escola de samba dentro do meu cérebro.
— O que vai querer, senhor? — Um rapaz jovem e usando avental
para proteger as roupas se aproximou. Ele carregava uma caderneta e uma
caneta nas mãos.
— Um uísque! — Fui direto ao ponto e escorei as costas no encosto
da cadeira.
O rapaz assentiu enquanto anotava o pedido.
— Certo. Trago seu pedido em um minuto. — Virou as costas para
mim e seguiu na direção do balcão do bar.
Em pouco tempo, a bebida estava sobre a mesa na minha frente.
Forte, imponente, destruidora, mas minha melhor amiga nas noites e dias de
solidão.
Virei o copo na boca e tomei todo o líquido em um único gole.
Fechei e abri os olhos, respirando fundo. Deixei o pagamento sobre a mesa
e saí novamente, andando sem rumo pelas ruas de Corumbá.
Já quase no final da tarde, finalmente criei coragem para dar
prosseguimento a toda aquela loucura. Era época de seca na região, e por
isso não haveria inundações nem lamaçais que deixassem as estradas
intransitáveis.
Dentro de um táxi, me aproximei do povoado Lagoa Comprida, um
pequeno vilarejo que ficava a 30 km de Corumbá. A estreita estrada de chão
foi um desafio a ser transcorrido, e pela cara de poucos amigos do taxista,
concluí que o homem não estava nem um pouco contente em colocar seu
tão precioso veículo naquelas terras esburacadas.
O vilarejo continuava exatamente como eu me lembrava. Havia ali
uma pequena igreja, uma escola precisando urgentemente de uma reforma,
um posto de saúde e um armazém, anexado ao que seria a feira local. As
casas não eram próximas umas das outras e não possuíam muros.
Enquanto permanecia acomodado no banco traseiro do carro, notei
que duas crianças brincavam debaixo da sombra de um grande jatobá e
ambas pararam ao mesmo tempo para observar aquele carro desconhecido.
Alguns adultos que circulavam por ali em seus afazeres diários também
pararam para observar.
— Por ali. — Apontei rumo a uma estradinha que passava pelos
fundos do armazém e o taxista seguiu naquela direção.
Um barzinho minúsculo era o último estabelecimento da
comunidade antes de alcançarmos os pastos e as árvores outra vez,
deixando o vilarejo para trás.
Cerca de cinco quilômetros à frente, mostrei um desvio na estrada
ao motorista. Era ali a entrada que dava acesso à fazenda Ribeiro, mas ainda
tínhamos um bom pedaço de terra pela frente.
Em poucos minutos, nos deparamos com o portão imponente de
madeira entalhada. A placa "Fazenda Ribeiro" não deixava dúvidas de que
eu havia chegado ao meu destino.
Desci do carro e fiz o devido pagamento ao motorista. Terminaria o
percurso até o grande casarão a pé.
O sol já estava se pondo no horizonte, mas ainda havia luz
suficiente para que eu pudesse me guiar pelo caminho de terra batida sem
tropeçar nos tocos e árvores. 
O gado pastava nos piquetes cercados ao lado da estrada. Aqui e
acolá, eu ouvia o mugido de uma vaca respondendo ao chamado do seu
bezerro que provavelmente foi apartado da mãe para passar a noite.
O barulho dos grilos e o coaxar dos sapos eram constantes. O vento
era fresco e puro, me trazendo lembranças de um passado distante. Até
mesmo o cheiro do ar ainda era o mesmo de que me lembrava: capim,
animais, conforto.
Inspirei fundo, sentindo-me deslocado como se estivesse invadindo
um espaço que não me pertencia, mas que ao mesmo tempo, eu gostaria que
me pertencesse.
As luzes estavam acesas no casarão de dois andares quando me
aproximei, eram tantas janelas que se perdia de vista.  Apenas o grande
pátio gramado era o que me separava da casa que nasci e me criei e que não
via há tantos anos.
Ouvi os latidos de um cachorro vindos da lateral da casa, mas não
me importei com o alarido do animal. Continuei parado, observando a
fachada antiga, as janelas e a porta principal pintadas de azul escuro, as
áreas que circundavam a casa com inúmeras cadeiras de balanço.
Ouvi movimentos e passos se aproximando de onde eu estava, só
então desviei o olhar da fachada e me concentrei na pessoa que avançava na
minha direção.
— Olá? Quem está aí? — Era a voz de uma mulher… uma voz que
eu me lembraria em qualquer parte do mundo… Berenice.
Fitei a senhora rechonchuda e notei como suas sobrancelhas
estavam franzidas, ela carregava uma expressão desconfiada.
— Posso ajudar em alguma coisa? — perguntou.
— Olá, Berenice. Quanto tempo…
Os olhos da mulher se arregalaram com o reconhecimento da minha
voz e ela colocou as mãos sobre a boca, estática.
Não houve tempo para dizermos nada um ao outro. O silêncio foi
quebrado por outra voz que fez todo o meu corpo tremer de angústia e
emoção, até os ossos.
— Gonçalo? Filho? — A voz de minha mãe saiu trêmula, logo atrás
de Berenice. Sua fisionomia franzina tomou forma à minha frente quando
ela se aproximou, os olhos escuros fixos no meu rosto transbordando de
lágrimas não derramadas. — Oh meu Deus…
Ela correu na minha direção e jogou os braços em meu pescoço, me
apertando contra si. Ouvi seus suspiros de sofrimento e senti o peito apertar
com força. Engoli saliva com dificuldade para aliviar a secura na garganta,
fechei os olhos e escorreguei uma de minhas mãos até sua nuca.
— Filho… oh meu filho. — Ela fungou baixinho em meu peito. —
Eu sinto tanto, querido. Sinto tanto.
— Mãe…
E finalmente pude estreitar minha mãe dentro dos meus braços
como há muito tempo não fazia. Ainda assim, a culpa me martirizava por
dentro por saber que eu era o culpado daquilo, por fazê-la chorar, por feri-la
tanto.  Fui eu o único causador de toda aquela angústia que exalava dela.
CAPÍTULO 03

 
 
GONÇALO
 
Fui guiado por minha mãe em direção à varanda do lado esquerdo
da casa. Entramos por uma porta lateral que dava acesso direto à cozinha e
me sentei à mesa. O cheiro familiar de café fresco inundou meus sentidos,
trazendo lembranças da adolescência e do conforto que aquele aroma trazia.
Minha mãe sentou-se ao meu lado e segurou uma de minhas mãos
entre as suas. Quando a olhei, notei que seus olhos estavam vermelhos pelo
choro, e as marcas das lágrimas marcavam as bochechas enrugadas.
— Não imagina o quanto sonhei com esse momento, filho… meu
Deus, por tudo que é mais sagrado neste mundo, ter você de volta em casa é
como recuperar uma parte de mim que estava faltando.
Estremeci por dentro quando a vi enxugar a face molhada e soluçar
baixinho enquanto falava com a voz entrecortada. Abaixei a cabeça e passei
a fitar o nada na minha frente, não conseguia mais encará-la.
Não havia justificativas para o que fiz ao me afastar da minha
família daquela maneira, muito menos explicações para expressar a ela a
razão pela qual me tornei um lunático bêbado.
— Sinto muito, por tudo… — eu me desculpei em um tom de voz
baixo, quase inaudível, mas ela apenas apertou mais a minha mão entre as
suas.
— Não diga nada, querido. Eu sei… eu entendo… O importante é
que está aqui agora.
Uma de suas mãos deslizou pelo meu rosto e ela acariciou minha
face com ternura, passando os dedos levemente por minha testa,
sobrancelhas e a barba comprida.
— Imagino que esteja faminto, não é? — perguntou
— Sim, estou — confirmei, ainda sem encará-la. Havia tanto a
dizer, mas eu não conseguia, não naquele momento.
Pelo canto do olho, notei quando minha mãe mudou de posição e
deixou o tronco reto, em seguida chamou por Berenice que se ocupava em
mexer alguma coisa nas panelas que estavam no fogão. 
— Berenice, essa noite faremos a refeição na sala de jantar. Temos
muito o que comemorar.
Olhei diretamente para Berenice quando ela assentiu para minha
mãe e depois voltou ao trabalho, mas não sem antes passar um olhar
ressentido na minha direção.
Eu sabia que a mulher estava magoada comigo e não poderia tirar
sua razão. Eu era como um filho para ela quando mais jovem, ainda assim
larguei tudo para trás. Berenice não se ressentia apenas por ela mesma. Ela
se ressentia também por minha mãe, por Manoel, por todos que abandonei.
— Ela vai superar… — Ouvi minha mãe dizer ao meu lado e me
voltei na sua direção. — Ela piscou e abriu um sorriso tímido.
Suspirei baixinho e assenti.
— Espero que sim.
Apesar de tudo, estava grato por nenhuma das duas terem tocado no
assunto ou exigido respostas. No fundo, elas sabiam que o que aconteceu
comigo e Laura foi o motivo de toda aquela decadência.
Jantamos eu e minha mãe, sozinhos na enorme mesa de cedro na
impotente sala de jantar. Berenice preferiu fazer sua refeição na cozinha
para nos deixar a sós, apesar dos protestos de minha mãe.
No final da refeição, me deliciei com uma excelente xícara de café
quente. Nem ao menos me recordava direito de como era bom sentir aquele
sabor característico e tão reconfortante aquecendo meu estômago.
Quando terminamos, Berenice retirou a mesa, se despediu e seguiu
para a sua residência ali perto.
Minha mãe e eu nos sentamos na varanda que ficava nos fundos do
casarão. Inspirei o ar puro, enchendo meus pulmões com o frescor da noite
e permanecemos ali por um tempo, sentados nas velhas e boas cadeiras de
balanço enquanto tínhamos uma visão limitada do pomar que se estendia
adiante na escuridão da noite.
Conversamos um pouco sobre o dia a dia da fazenda e no quanto
Manoel ficaria eufórico quando soubesse que eu estava de volta.
Tentei sorrir diante da empolgação dela, mas nem mesmo isso eu
conseguia.
Eu me sentia melhor ali de alguma forma, mas sofria com a falta do
álcool inundando meus sentidos. Quando eu estava embriagado, eram os
únicos momentos em que a dor que dilacerava meu peito amenizava. Mas
eu me mantive forte e prometi a mim mesmo que permaneceria sóbrio ao
menos naquela noite, não importando o quanto doesse.
Já tarde da noite, minha mãe me acompanhou até o meu antigo
quarto e me surpreendi quando entrei e percebi que o local estava arejado,
bem cuidado e muito limpo. Foi como se o tempo nunca tivesse passado.
— Celina troca os lençóis, tira o pó e organiza suas coisas toda
semana. Ela também abre as janelas para arejar o cômodo uma vez ao dia
— disse minha mãe ao notar meu semblante surpreso.
Não perguntei a ela sobre quem era a mulher que mantinha meu
antigo quarto tão bem cuidado, mas imaginei que seria uma das empregadas
que se ocupavam do casarão durante o dia.
— Acredito que minhas roupas velhas ainda estejam aqui? —
questionei e a minha mãe assentiu enquanto me analisava com o semblante
compreensivo.
— Eu não trouxe nada comigo — concluí.
Ela assentiu silenciosamente, caminhou até os armários de madeira
e abriu as portas. Observei o interior e me lembrei de algumas peças que
gostava de usar antes de ir para São Paulo.
Peguei uma calça de moletom para dormir e notei que as camisas
estavam bem passadas e penduradas em cabides.
— Vou pegar algumas toalhas para você, caso queira tomar um
banho.
Concordei e minha mãe saiu do quarto. Continuei analisando o
cômodo com atenção.
Tudo parecia estar da mesma maneira, mas eu quase podia sentir
um cheiro feminino e suave no ar. Não conseguia explicar com coerência,
não fazia sentido já que não havia ninguém ali antes de entrarmos e o
quarto estava trancado. 
Balancei a cabeça em negativa, concluindo ser o efeito colateral das
poucas horas de sono que tive na noite anterior e deixei a calça sobre a
cama. Logo minha mãe retornou com as toalhas, se despediu para dormir e
eu segui para o banheiro integrado ao quarto.
Quando terminei o banho, me sequei e enrolei a toalha em volta da
cintura. Foi quando notei algo que provavelmente não deveria estar ali, em
cima da pia de mármore.
Aproximei-me e segurei uma delicada pulseira de ouro entre meus
dedos. A peça era tão fina e pequena que a impressão que eu tinha era que
iria se partir a qualquer momento.
Saí do banheiro e deixei a joia na mesinha de cabeceira ao lado da
cama para que eu pudesse entregá-la a minha mãe no dia seguinte.
Deitei-me já vestido, acomodando a cabeça no travesseiro e fechei
os olhos. Novamente aquele cheiro estava ali. Era tão sutil, quase
imperceptível. Ainda assim pairava sobre a fronha macia, entranhando-se
em meus sentidos enquanto o sono me tomava.
 
 
CAPÍTULO 04

 
 
CELINA ABREU
 
Acordei cedo como de costume naquele domingo. Eu me levantei
da cama para preparar e tomar o café da manhã antes de ir à missa,
imaginando que papai já tivesse saído para verificar os animais e fazer uma
vistoria pela fazenda como fazia todos os dias.
Arrumei a cama em tempo recorde, usei o banheiro e desci
rapidamente, sentindo o frescor da manhã pantaneira tomar conta dos meus
pulmões. 
Encontrei meu pai na cozinha passando o café. Aproximei-me e lhe
dei um beijo no rosto.
— Bom dia, pai. Pensei que já tivesse saído — falei enquanto me
afastava e caminhei na direção dos armários para pôr a mesa.
— Bom dia. Acho que dormi demais — disse ele com um sorriso
no rosto.
— Isso é inédito aqui em casa — brinquei, já que ele costumava
sair de casa por volta das cinco horas da manhã todos os dias. Às vezes, às
quatro horas, quando era necessário transferir o gado de uma região para
outra.
Peguei duas xícaras, dois pratos e o bolo de chocolate que havia
feito no dia anterior depois que saí do trabalho, e arrumei tudo sobre a
mesa. Fiz o mesmo com a garrafa de café que papai havia deixado sobre a
pia enquanto ele verificava o arroz carreteiro no fogo para o desjejum.
Comemos em silêncio. Eu me servi de um pedaço de bolo e uma
xícara de café, e papai devorou um belo prato de arroz carreteiro e dois
ovos fritos. Era o que ele costumava comer todas as manhãs para aguentar o
serviço do dia.
Assim que ele saiu, lavei a louça e fiz uma faxina básica na casa.
Com a ausência de minha mãe e irmãs, agora éramos somente nós dois, um
cuidando do outro da melhor maneira possível.
Ao terminar, corri para tomar um banho e me arrumei para ir à
missa no vilarejo.
Coloquei um vestido soltinho de cor vermelha com pequenas
bolinhas brancas. Por cima, pus um casaco jeans e calcei meu par de
sapatilhas mais confortável.
Deixei meus cabelos soltos e alinhei os fios com o auxílio de uma
escova. As mechas escuras batiam no meio das costas em ondas suaves e
pesadas. 
Passei na casa de Berenice, pois costumávamos ir juntas para a
Igreja. Geralmente seu filho mais velho nos dava uma carona. No entanto,
não havia ninguém.
O casarão também estava silencioso, e por isso segui andando
sozinha. Pediria carona a algum conhecido que eu encontrasse pelo
caminho. O vilarejo ficava próximo da fazenda, cerca de cinco ou seis km
de distância, mas era uma distância considerável para uma caminhada.
Não demorou muito e um carro se aproximou de onde eu estava.
Reconheci de imediato um dos peões da fazenda. Era Jorge,
dirigindo uma picape vermelha e caindo aos pedaços.
— Oi Celina, está indo pra missa? — Ele parou do meu lado, tirou
o chapéu para me cumprimentar e eu assenti com um aceno de cabeça. —
Quer uma carona, moça? Também estou indo para o vilarejo.
Jorge era um homem bonito e robusto. De pele morena e ombros
largos, ele arrancava suspiros de quase todas as mulheres da região. No
entanto, o homem não fazia muito o meu tipo. Era sem-vergonha demais
para o meu gosto e vivia de namorico para todos os lados com as moças
dali, por esse motivo eu nunca levava o que ele dizia a sério. Além disso, eu
o via muito mais como irmão ou primo, talvez. Nós nos conhecemos há
muitos anos, desde que ele se mudou para o Pantanal e passou a trabalhar
na fazenda.
— Eu agradeço — concordei e me dirigi para o lado do carona.
Quando entrei, Jorge me encarou sorridente e deu a partida no
carro.
— É bonita demais, Celina. — Ele não perdia uma oportunidade
para me provocar com elogios baratos.
Revirei os olhos e mudei totalmente o assunto:
— Pensei que você e os outros peões estivessem trabalhando com o
gado hoje — comentei.
Observei quando ele passou a marcha e os músculos dos braços
saltaram.
— Vou resolver umas coisas pela cidade e volto logo. — Piscou na
maior cara de pau. 
Desviei minha atenção do homem e passei a observar a estrada à
nossa frente.
Jorge parou o carro algumas vezes para abrir os portões que davam
acesso à fazenda, e logo seguimos o percurso até alcançarmos a estrada.
A partir disso, a viagem foi tranquila e sem mais empecilhos. Jorge
puxou assunto algumas vezes, sempre enfatizando o fato de me achar bonita
e que poderíamos sair juntos qualquer dia. Como sempre, desviei-me de
suas investidas de uma forma leve e descontraída.  Assim que chegamos à
Igreja, eu desci do carro e o agradeci com um sorriso sutil e um aceno.
— Posso levar você de volta para casa se quiser. — Sorriu, um
sorriso tão contagiante que provavelmente derreteu alguns corações ali
perto.
— Não será necessário, eu me viro daqui. — Jorge assentiu com a cabeça,
mas continuou me observando enquanto eu me afastava. Somente quando
alcancei as portas da igreja foi que ouvi o ruído do carro sendo ligado outra
vez.
 
 
Quando a missa chegou ao fim, cumprimentei algumas pessoas da
região e olhei em volta na busca de alguém que trabalhasse na fazenda para
que eu pudesse pegar uma carona e retornar para casa.
Saí da igreja e decidi aguardar logo em frente, esperançosa de que
conseguiria uma carona de volta, do contrário seria uma caminhada e tanto
sob o sol que já estava quente. No entanto, quando coloquei os pés para
fora, meus olhos foram certeiros na picape de cor vermelha que necessitava
urgentemente de uma pintura.
Jorge sorriu e acenou para mim. Logo depois abriu a porta do
carona em um convite silencioso para que eu entrasse.
Um pouco surpresa, eu me aproximei:
— Jorge, eu disse que não precisava esperar por mim. — Arqueei a
sobrancelha tentando me manter séria, mas ele deu de ombros.
Olhei em volta e vi um casal de idosos que trabalhavam na fazenda
cuidando dos jardins. Poderia pegar carona com eles, mas não quis fazer
desfeita da boa vontade de Jorge, então entrei no carro.
— Você é teimoso demais. Eu poderia muito bem voltar para casa
com seu José e dona Rita. — Bufei para parecer irritada, mas falhei
miseravelmente.
— Não seja dramática, Celina. Por você, eu faço tudo, princesa.
Não consegui me conter e sorri baixinho, colocando a mão na boca.
Jorge era um palhaço adorável quando queria.
— É claro que sim, faz tudo por mim e por todas as garotas do
vilarejo.
O homem nem ao menos teve a audácia de negar. Continuou
sorrindo e deu a partida no carro.
— Parte meu coração com essas acusações falsas.
Apenas balancei a cabeça sorrindo e fizemos o restante do percurso
em silêncio.
Por volta das onze horas da manhã, Jorge estacionou o carro em
frente à casa em que morava com papai e eu entrei.
Dessa vez não dei brecha para mais uma de suas investidas.
Simplesmente agradeci a carona, entrei e tranquei a porta.
Ouvi a gargalhada de Jorge antes de ele ir embora. O homem sabia
que não existia a mínima possibilidade de acontecer alguma coisa entre nós
dois, ainda assim se fazia de desentendido. 
Os minutos passaram depressa enquanto eu preparava uma salada
para acompanhar o que sobrou do arroz carreteiro que meu pai fez para o
desjejum.
Temperei um pouco de feijão com óleo e alho, troquei de roupa e
almocei sozinha na mesa da cozinha, com um belo copo de suco de
maracujá para acompanhar a refeição.
Mais tarde naquele dia, já entediada por não ter muito o que fazer,
enviei mensagens para minha mãe e irmãs, mas não obtive respostas, então
imaginei que estivessem aproveitando o domingo fora de casa.
A tarde estava quente e abafada naquele domingo. Apesar das
roupas leves que eu usava em casa, senti o suor molhar meu pescoço e
escorrer pelo decote da blusa fina. 
Papai ainda não havia retornado, mas era comum que ele chegasse
tarde da noite quando acontecia algum imprevisto com os animais ou algum
outro serviço precisava de sua assistência com urgência.
Foi então que decidi ir até o rio tomar um banho fresco. Fazia
tempo que não passava por aquelas bandas. O serviço no casarão tomava
quase todo o meu tempo e meu trabalho voluntário no vilarejo também, e
quando chegava o fim de semana, eu só queria ficar quietinha em casa.
No entanto, com o calor que fazia, me senti como um sorvete
derretido e mais um banho de água fria não iria adiantar muito.
Sem pensar com clareza, corri até a cozinha e enchi uma garrafinha
com água, peguei alguns biscoitos e frutas, coloquei tudo dentro de uma
cestinha de vime.
O rio não ficava tão longe de casa, mas o local que eu gostaria de ir
era entranhado na mata e rodeado de pedras.
Uma hora mais tarde, eu havia chegado ao meu destino. As águas
da cachoeira caíam em cascatas cristalinas. Só em sentir o frescor que vinha
das gotículas de água se quebrando na queda, já me sentia completamente
renovada e pronta para enfrentar o dia seguinte.
Inspecionei o lugar por um tempo, tendo certeza de que eu estava
sozinha. O único barulho audível ali era o da corredeira e as águas se
quebrando contra as pedras.
Deixei a cesta com comida em uma grande rocha, coloquei as
sandálias de lado e desci a encosta, firmando-me nas pedras.
Quando finalmente alcancei o rio, toquei os pés na água fria e meu
coração acelerou de felicidade. Deslizei as mãos até o short jeans e tirei a
peça. Fiz o mesmo com a blusa e o sutiã que usava, ficando apenas de
calcinha.
Eu me espreguicei por alguns segundos, respirei fundo e mergulhei
no rio.
A água fria chocou-se com minha pele quente, e a sensação foi a
mais deliciosa do mundo.
Subi a superfície e voltei a mergulhar mais uma infinidade de vezes.
Sentia-me como uma criança fazendo arte, mas nada no mundo era capaz de
apagar a felicidade e a paz que havia tomado minha alma naquele lugar.
Eu amava ir ali às vezes. Era um lugar calmo, meio que um
esconderijo de criança, onde quase ninguém conhecia ou não tinha interesse
em conhecer.
Depois de mais alguns mergulhos, sentei-me em uma rocha
achatada do outro lado do leito e tirei o excesso de água do cabelo com as
mãos. O vento suave tocou minha pele molhada e me arrepiei de cima a
baixo, cada pelo do meu corpo. Até mesmo o bico dos meus seios ficaram
durinhos por causa do frio.
Firmando-me com as mãos, joguei minha cabeça para trás e fechei
os olhos, de forma que fiquei quase deitada sobre a rocha, com os pés
apoiados na pedra.
Era deliciosa aquela sensação de plenitude e calma. O vento
soprava, os pássaros cantavam na copa das árvores e a cachoeira ressoava
sua melodia. Eu poderia viver ali para sempre.
Vários minutos se passaram até que decidi dar mais um mergulho,
comer alguma coisa e voltar para casa. Logo o sol iria se pôr e não queria
retornar ao anoitecer.
Foi justamente naquele momento que ouvi o barulho de cascos de
um cavalo se aproximando depressa e senti o coração quase sair pela boca.
Levantei-me o mais rápido que podia.
Estava praticamente nua ali, e sozinha. Meu coração parecia que
iria estourar minha caixa torácica com as batidas frenéticas, minhas pernas
tremeram quando me movi para mergulhar no rio e correr até as minhas
roupas. 
Mas era tarde demais...
A única coisa que consegui fazer antes que o pânico travasse
minhas pernas foi cobrir meus seios com o braço direito e levar a mão
esquerda à frente da minha calcinha que se colava a minha virilha.
O homem desconhecido montado em um cavalo preto me encarou
momentaneamente surpreso. Mas logo o choque que estampava seu olhar
deu lugar a algo mais parecido com ira.
Seu rosto tornou-se sombrio e seu olhar revolto analisou cada
centímetro da minha pele que estava exposta. Ele tinha a barba comprida,
salpicada por fios brancos e o mesmo tratamento dava-se ao cabelo que
necessitava urgentemente de um corte.
Senti-me completamente nua diante daquele olhar feroz. Puro terror
inundou meus sentidos, me impedindo de dizer algo ou me movimentar.
Nem ao menos conseguia levar o ar para os meus pulmões como deveria.
— Quem é você? O que faz nas minhas terras? — grunhiu.
Confusão nublou meus pensamentos e eu continuei calada, trêmula
demais para raciocinar com coerência ou abrir a boca.
— Por acaso é muda, garota? — Sua voz vibrou, irritada.
Meus nervos afloraram de raiva e pouco a pouco o raciocínio
pareceu retornar ao seu devido lugar. Pulei no rio cobrindo meu corpo com
a água até o pescoço, embora ainda soubesse que ele poderia ver minha
silhueta desnuda, me senti mais protegida assim.
— Não se atreva! — gritei quando o homem saltou do cavalo e
desceu a ribanceira na direção das minhas roupas. — Fique longe!
Meu apelo em forma de ordem não pareceu surtir nenhum efeito em
seus movimentos, pois no momento seguinte, ele segurava minhas roupas
em suas mãos.
Pisquei algumas vezes quase sem ar, mas o homem simplesmente
fez um pequeno amontoado de roupas enroladas uma na outra e jogou o
bolo de tecido em minha direção.
— Vista-se e vá embora. Não tem autorização para estar aqui! — E
então, da mesma maneira que ele surgiu, o homem montou o cavalo e
desapareceu dentro da mata sem olhar para trás.
Só então consegui inspirar e expirar até sentir que meus batimentos
haviam se acalmado o suficiente para que eu pudesse me vestir e sair dali
com os fragmentos que haviam sobrado da minha dignidade.
CAPÍTULO 05

 
 
GONÇALO
 
Após o almoço, ainda conversei um momento com minha mãe e
Berenice, que havia passado a manhã inteira conosco. Ambas iriam à
igreja naquela manhã, mas como não demonstrei interesse em sair de
casa, decidiram que seria melhor ficarem no casarão e preparar o almoço.
Não discuti sobre o assunto. Queria ficar sozinho, mas não diria
isso a nenhuma das duas. Berenice ainda estava arredia, mas em alguns
momentos percebi que a mulher secou uma lágrima que escorria em seu
rosto, enquanto preparava a refeição com minha mãe em silêncio.
Eu me senti incomodado durante toda a manhã. O ar estava
denso e pesado naquela casa, havia uma certa tensão rondando, embora
ninguém dissesse nada.  
Depois que comemos e encerramos a curta conversa, eu me
tranquei no quarto e tentei dormir um pouco. Ouvi murmúrios das duas
no andar de baixo, mas também não me atentei e nem fiz questão de
saber sobre o que conversavam.
Tranquei os olhos com força e meus pensamentos foram certeiros
em Laura. Inspirei fundo, a dor no peito quase me deixando sem ar.
Queria tentar seguir em frente, mas algo dentro de mim me impedia de
fazer isso. Era como se faltasse a última peça do quebra-cabeça para que
eu finalmente pudesse ser libertado daquele carma que tanto machucava.
Peguei a carteira que havia deixado sobre a mesinha de cabeceira
e notei que a pulseira de ouro ainda estava ali. Havia me esquecido de
entregá-la para minha mãe mais cedo.
Ignorando este fato, abri a carteira e retirei uma pequena
fotografia. Laura sorria na foto usando seu jaleco branco. Em suas mãos,
havia um buquê de rosas vermelhas com um bilhete que eu havia enviado
convidando-a para jantar. Pouco tempo depois que ela recebeu o presente
e o bilhete, recebi sua foto em meu celular. Ela estava tão perfeita que
não resisti e acabei revelando a fotografia para deixar sempre comigo na
carteira. Foi naquele dia que pedi Laura em casamento, após dois anos de
namoro, ela aceitou instantaneamente.
Senti-me como se estivesse à beira de um precipício prestes a
cair enquanto me lembrava de tudo. Segurei a foto com força entre meus
dedos, desnorteado, o desespero vindo à tona, deixando meu corpo
agitado.
Não fazia ideia de quanto tempo havia se passado enquanto
permaneci na cama, olhando para o teto vazio.
Deixei a foto e a carteira sobre a cama e saí do quarto sem rumo.
Eu só precisava me afastar de tudo, tomar um ar, sentir o vento
abraçando meu corpo para eu ter certeza de que ainda estava vivo.
Desci as escadas com certa pressa e segui andando até alcançar a
porta dos fundos. Estava me aproximando da varanda quando ouvi
passadas rápidas às minhas costas, seguidas da voz de minha mãe:
— Filho, vai sair?
Parei no meio do caminho e me virei em sua direção.
Seu olhar estava aflito enquanto me fitava, a testa franzida, as
rugas em seu rosto pareciam ainda mais acentuadas que algumas horas
atrás. Pura preocupação exalava de seu semblante.
Inspirei fundo.
— Pensei em cavalgar um pouco, ir até o rio. — Tentei responder
de maneira despreocupada, sem deixar transparecer todo o turbilhão de
emoções que se emaranhava dentro do meu peito.
Sua expressão tornou-se um pouco mais relaxada e ela deu
alguns passos, se aproximando de onde eu estava.
— Ah sim, claro. — Tentou sorrir, mas ainda era possível
perceber o medo que tomava seu coração. Eu me excomunguei por isso
internamente — Imagino que sente falta de cavalgar. Você amava fazer
isso — comentou.
— Sim, eu sinto falta — disse a ela e tomei seus dedos entre os
meus.
Suas mãos tremiam quando toquei, e aquilo me quebrou um
pouco mais. O receio de que eu fosse embora outra vez deixava minha
mãe completamente fora dos trilhos. E ela estava certa em se sentir tão
apavorada. Eu era uma bomba autodestrutiva que poderia explodir a
qualquer momento.
Aproximei-me mais dela e toquei sua testa com meus lábios.
— Vai ficar tudo bem. Eu volto logo.
Ela assentiu em silêncio e eu me afastei.
Caminhei na direção dos estábulos onde alguns funcionários
escovavam e alimentavam os cavalos.
Ao notar minha presença, um homem jovem e alto se aproximou,
me analisando com cautela e estendeu a mão.
— Olá, sou o Jorge, peão aqui da fazenda. Posso ajudar em algo?
Assenti nada surpreso por ninguém ali me conhecer ou se
lembrar de mim estando com aquela aparência.
— Olá, Jorge — cumprimentei o homem com um aperto de mão
e me apresentei. — Sou Gonçalo Ribeiro.
O reconhecimento do nome fez o homem arregalar os olhos, mas
ele manteve-se firme em sua postura.
— Como vai, senhor? Não sabia que havia retornado à fazenda.
Sempre ouvi falar sobre os filhos de dona Lúcia, mas só conhecia o
Manoel.
Balancei a cabeça em concordância, mas não estendi a conversa.
Pedi que me preparasse um cavalo, pois iria cavalgar um pouco.
O homem assentiu e se afastou por alguns instantes. Logo
retornou guiando um belo cavalo pantaneiro de pelagem preta.
— É o favorito do seu irmão — disse, sorrindo enquanto levava a
mão ao pescoço do animal para acariciar a pelagem.
— Ótimo!
Apesar dos anos distante e muito tempo sem andar a cavalo, não
tive dificuldade para montar o animal.
Cavalguei pelo pasto verde a galope e sem rumo por um tempo.
O cavalo era bem treinado, obedecia aos comandos com facilidade e
destreza. O sol queimava meu rosto naquela tarde quente, o ar
assemelhava-se a uma fornalha quando soprava em minha pele.
Aquela mistura de nostalgia e calor acabou me levando ao rio,
mas naquele local onde os animais bebiam, a água estava barrenta,
imprópria para me refrescar. Ainda assim, permaneci por alguns
instantes.
Guei o cavalo até a margem do rio e afrouxei a rédea para que ele
tivesse liberdade para beber.
Enquanto o animal matava a sede, olhei em volta sentindo-me
um homem diferente. Aquele lugar mexia comigo.
Tive vontade de dedicar meu tempo à fazenda exatamente como
fazia quando era jovem ao lado do meu pai e de Manoel: cultivar a terra,
cuidar do gado, viver.
Notei quando algumas garças que estavam do outro lado da
margem alçaram voo e tomaram o céu azulado. Tuiuiús buscavam seu
alimento nas águas doces com uma enorme despreza.
Em algumas árvores espalhadas pelo pasto logo as minhas costas,
ouvi o grasnar das araras vermelhas. Ver e ouvir toda aquela plenitude à
minha volta foi como sentir que o sangue voltava a correr em minhas
veias.
Inspirei fundo e voltei a guiar o cavalo pela margem do rio em
um trote lento, até alcançar um percurso de vegetação mais fechada. 
Em pouco tempo, estava entranhado na mata, rumo a um lugar
que tanto senti falta. Vinha ali todos os dias na adolescência. Perdi as
contas de quantas vezes fiquei de castigo por desaparecer no meio do dia
ou chegar atrasado para o jantar, simplesmente porque perdia a noção do
tempo quando ia naquele lugar.
A cachoeira de águas frescas e cristalinas estava perto, eu já
podia ouvir o barulho. Diminuí o passo do cavalo um pouco mais,
tomando cuidado para me desviar dos galhos das árvores pelo caminho.
Segui por uma trilha estreita, o chão estava forrado de folhas e
galhos se decompondo, ainda assim, era um caminho trépido por causa
dos pedregulhos.
Apenas algumas árvores e rochas íngremes me impediam de ver
a cascata de água. Apressei o passo do animal até finalmente alcançar a
margem, e só então senti todo o meu corpo congelar.
Havia uma garota nua ali do outro lado da margem do rio. Fiquei
momentaneamente paralisado enquanto a observava tapar os seios com
um braço e levar a outra mão para cobrir a virilha.
Os cabelos longos e negros colavam-se a pele morena, seus olhos
escuros me fitaram tão assustados quanto um animalzinho acuado e
selvagem, sem saber para onde correr.
Ela era tão pequena, linda. O corpo esguio era curvilíneo, os
quadris bem-feitos e arredondados, os seios perfeitos para caberem
dentro das mãos de um homem. Naquele momento, senti cada gota de
sangue esquentar, ferver e borbulhar em minhas artérias.
Fechei a expressão, aturdido com toda aquela mistura de
sensações que me invadiu. Não consegui parar de olhá-la, meu corpo
despertou.
A imagem de Laura veio com força na minha cabeça e eu me
odiei um pouco mais. Senti que traí sua lembrança, enquanto a excitação
incendiava meu corpo como fogo.
Raiva, ira, dor, desejo. Tudo veio à tona à medida que eu
observava aquela garota ali, amedrontada com a minha presença.
Provavelmente achava que eu era uma espécie de maníaco pervertido. 
E eu fui cruel com ela. Não consegui dominar o atordoamento
que me desestabilizou dos pés à cabeça. Queria que aquela desconhecida
saísse dali para nunca mais retornar. Queria esquecer que coloquei os
olhos naquele corpo tão jovem e o quis para mim.
Eu a mandei embora, exigi que saísse das minhas terras, e joguei
suas roupas em sua direção para que se cobrisse o mais rápido possível. 
E da mesma forma que havia chegado até a cachoeira, voltei a montar o
cavalo e coloquei o animal em um trote rápido até que saíssemos da
mata. Depois disso, cavalguei a toda velocidade para retornar à fazenda.
Assim que me aproximei de casa, deixei o cavalo nos estábulos
aos cuidados do peão que o havia selado mais cedo, e saí dali o quanto
antes.
O sol já estava se pondo no horizonte quando me aproximei da
varanda dos fundos. Eu me encontrava um pouco ofegante, o rosto suado,
precisando de um longo banho frio para me estabilizar outra vez.
Mal havia colocado os pés na varanda quando ouvi a voz de
minha mãe conversando com um homem nas proximidades. Eles falavam
sobre o andamento da fazenda, e o homem passava a ela um relatório de
todos os acontecimentos do dia. De repente, reconheci aquela voz e me
senti relaxar um pouco.
Caminhei na direção dos dois que conversavam no pátio ao lado
da casa. O homem já se preparava para partir quando me aproximei e o
chamei pelo nome:
— Joaquim? — chamei, contente demais por vê-lo ali.
Os dois encerraram a conversa e se voltaram para mim.
Minha mãe sorriu e o homem arregalou os olhos escuros.
Surpresa estampando seu semblante.
— Gonçalo? — Ele sorriu, incrédulo, deixando o bigode negro
em evidência, e caminhou rapidamente na minha direção.
Mal consegui respirar quando o homem me abraçou de lado,
apertando o braço direito em volta dos meus ombros.
— Como é bom ver você. Nem acredito que tenha vindo —
comentou, eufórico e voltou a me soltar.
Vi em seu olhar o mesmo brilho de quando éramos crianças e
adolescentes fazendo arte pela fazenda. Joaquim foi meu melhor amigo
na época, e embora eu tenha me afastado por tantos anos, senti naquele
momento que nada havia mudado entre a gente. Os anos passaram, mas a
amizade permaneceu.
— É bom ver você também — concordei.
— Venha, vamos nos sentar um pouco e conversar — convidou,
já seguindo em direção a algumas toras de árvores cortadas em formato
de rodelas grandes, que ficavam debaixo do pequizeiro no quintal.
Olhei para minha mãe que acenou sutilmente para que eu o
seguisse, e assim eu fiz.
Já estava quase que totalmente escuro quando nos sentamos
debaixo da árvore grande e espessa. O barulho dos grilos era incessante,
mas de nada atrapalhava.
Joaquim era um bom homem, responsável e cheio de vida, apesar
de ser alguns poucos anos mais velho que eu.
Conversamos um pouco sobre meu retorno para o Pantanal, mas
não falei sobre Laura e muito menos sobre o que aconteceu em São
Paulo. Não sabia ao certo se algum dia, teria força para fazer isso.
Fiquei surpreso quando Joaquim contou sobre o divórcio há
alguns meses. A mulher e as duas filhas mais novas haviam se mudado
para Corumbá e ele deixou o povoado e passou a morar em uma das
casas de funcionário da fazenda com a filha mais velha, que decidiu ficar
na região.
— Celina é tudo para mim. É esforçada, obediente e cozinha
como ninguém — disse ele, sorridente, todo orgulhoso da filha. — Às
vezes penso que ela deveria sair daqui, conhecer o mundo, mas a menina
gosta mesmo é do interior. Nada faz com que ela mude de ideia.
Escutei cada palavra que ele dizia com atenção, era mais
confortável ouvir do que falar. Em alguns momentos, me vi sorrindo,
coisa que há muito tempo não fazia. Já tarde da noite, nos despedimos e
Joaquim seguiu para sua casa.
Também entrei, pronto para descansar.
Após tomar um banho e jantar, no entanto, quando já estava na
cama, toda aquela angústia do dia retornou à minha cabeça. Era como se
eu pudesse ver os acontecimentos passarem diante dos meus olhos.
Deitei a cabeça sobre o travesseiro e fechei as pálpebras.
Senti meu corpo voltar a ficar tenso à medida que a imagem
daquela garota nua no rio surgia em minha mente, o pau endureceu
dentro da cueca. 
Aqueles olhos assustados, eu jamais conseguiria esquecer, aquela
pele morena parecendo ser tão macia…
Excomunguei-me novamente irritado e me sentei na cama. Fazia
tanto tempo que não tocava em uma mulher, que aquela abstinência já
estava me deixando doido.
Aquela garota deveria ter dezoito ou dezenove anos, era só uma
menina apavorada. Passei a mão pelos cabelos, sentindo as mãos
tremerem, levantei-me e fui atrás de uma bebida para acalmar os nervos.
Encontrei uma garrafa de vodca na adega do meu falecido pai.
Retornei até a cozinha e me sentei em uma cadeira para beber até não
sentir mais nada.
CAPÍTULO 06

 
 
CELINA ABREU
 
 
Cheguei em casa já quase que totalmente escuro. O lugar estava
vazio e as luzes apagadas.  Não havia qualquer sinal de que papai tivesse
retornado. Deixei minhas coisas sobre a mesa da cozinha e corri até a
geladeira para pegar um pouco de água.
Caminhei com tanta pressa de volta para casa, que nem ao menos
lembrei que havia carregado uma garrafinha de água comigo.
Meu coração ainda saltava agitado dentro do peito, sentia-me
envergonhada pela posição em que me encontrei, sendo pega quase que
totalmente nua, tomando banho no rio. E pior, por um homem que eu nunca
tinha visto na vida.
Quem seria aquele desconhecido? Seria algum maluco que
cavalgava sem rumo por aí? As hipóteses eram tantas que eu já estava
confusa. Nada fazia sentido na verdade.
Depois de tomar a água e me acalmar um pouco, repassei todos os
acontecimentos em minha cabeça, dessa vez me dando conta de que o
homem tinha um semblante familiar.
Os olhos dele eram tão expressivos, embora estivessem um pouco
sombreados por causa da copa das árvores. No entanto, o cabelo por cortar
e a barba comprida não revelavam muito do seu rosto. Ele parecia querer se
esconder debaixo de todo aquele cabelo.
Lembrava-me vagamente de sua estatura. Fiquei tão aturdida que
não prestei atenção em muitos detalhes, talvez ele fosse um homem alto,
mas não tinha certeza se era forte. 
E o cavalo. O cavalo era negro, lembrava o animal que Manoel
gostava de montar quando vinha para a Fazenda, mas fora apenas isso que
observei.
Quanto mais eu raciocinava, menos as coisas pareciam se encaixar.
Cansada e faminta, decidi fazer o jantar antes que papai retornasse.
Temperei o feijão, fiz arroz, salada de tomate e um caldinho de piranha.
Quando a refeição estava pronta, tomei meu banho mais rápido que o
costume e jantei na varanda da pequena casinha.
Guardei um pouco por meu pai, mas quando percebi que ele não
chegaria tão cedo, desisti de esperar e fui pra cama. Peguei no sono quase
que instantaneamente.
No outro dia, ao alvorecer, eu já estava de pé.
Papai saiu mais cedo que seu costume habitual. Os únicos vestígios
que indicavam que ele havia estado ali era a garrafa com café sobre a mesa,
e o cheirinho bom de arroz carreteiro que pairava no ar.
Sentei-me para tomar um cafezinho preto antes de começar o dia.
Não sentia fome naquele instante, por isso decidi comer o desjejum
no casarão como sempre fazia nos dias de semana.
Um ventinho frio entrava pela janela da cozinha que estava aberta,
deixando meus pelos dos braços arrepiados. Logo depois, o canto bucólico
de um sabiá ressoou do lado de fora, vindo dos galhos de uma árvore que
ficava perto da janela.
Sorri, feliz. Apesar do infortúnio da tarde anterior, aquela era uma
forma maravilhosa de começar um novo dia.
Depois que terminei o café, corri até meu quarto para trocar de
roupas.
Optei por um short jeans que cobria até a metade das coxas e uma
blusinha solta. Eram confortáveis o suficiente para que eu pudesse realizar
minhas tarefas com facilidade.
Prendi os cabelos em um rabo de cavalo, coloquei um casaco
quente sobre os ombros, peguei meu celular e saí, trancando a porta à
chave.
O orvalho da manhã que salpicava a grama verde molhou minhas
sandálias e pés, mas eu não me importei. Já havia me acostumado àquela
rotina de interior, na qual começamos as tarefas antes mesmo do raiar do
sol.
A movimentação em volta do casarão naquele horário era constante.
Os peões se reuniam para discutir as tarefas do dia junto ao meu pai, o
capataz da fazenda.
Outros trabalhadores andavam de um lado para o outro cuidando
dos cavalos, alguns se ocupavam do restante dos animais, alimentando os
porcos, as galinhas e mudando as ovelhas de piquetes.
A principal renda da fazenda devia-se à criação de gado de corte,
mas dona Lúcia e seu falecido marido sempre fizeram questão de ter uma
vasta opção de espécies domésticas sendo criadas ali.
Jorge sorriu assim que me viu caminhar na direção da sede. Ele
soltou dois cavalos no pasto, saltou a cerca e correu até mim, os cabelos
sendo bagunçados pelo vento.
— Bom dia, anjo. Dormiu bem? — perguntou e passou a caminhar
ao meu lado como se não tivesse mais nada para fazer. Ele arregaçou as
mangas da camisa de trabalho e enfiou as mãos nos bolsos da calça jeans
surrada.
Pelo canto do olho, notei quando papai se virou em nossa direção e
seu olhar nada amigável percorreu Jorge de cima a baixo.
— Bom dia, Jorge. — Sorri. — postergando como sempre, hein? —
brinquei.
— É por uma boa causa. Não poderia deixar de admirar você um
pouco.
Sorrindo, eu apressei o passo, passando na frente do homem.
— Tenha cuidado ou será demitido, peão. Papai está de olho em
você.
Jorge me acompanhou em um segundo, logo depois, olhou na
direção do meu pai.
— Ele vai superar quando você resolver sair comigo.
Balancei a cabeça em negativa e o deixei para trás novamente.
Quando alcancei a varanda e me virei para olhá-lo, Jorge me encarava com
um enorme sorriso no rosto.
— Palhaço — falei baixinho, apenas para que ele ouvisse.
Sem um pingo de vergonha na cara, Jorge fez um símbolo de
coração com as mãos e saiu dali para voltar ao serviço.
Ainda achando graça de toda aquela palhaçada eu entrei na cozinha
e encontrei Berenice preparando o café da manhã.
O cheirinho bom de café fresco estava no ambiente, e embora eu já
tivesse tomado uma xícara em casa, não conseguia dispensar a bebida
saborosa preparada por Berenice.
— Bom dia, Berenice — cumprimentei a mulher e me sentei à mesa
para comer o desjejum.
— Bom dia, querida.
Cortei um bom pedaço de bolo de fubá e coloquei em um prato. Do
outro lado da mesa, Berenice encheu a xícara de café e me entregou. Era o
que ela amava fazer, cozinhar e cuidar bem de quem gostava, ela era uma
mulher maravilhosa, querida por todos ali na fazenda.
No entanto, enquanto ela voltava ao serviço, notei que naquela
manhã Berenice estava mais quieta que o normal, parecia distraída. Não
houve qualquer espécie de conversa entre nós duas.
Lavei o prato e a xícara que eu havia usado e os coloquei para secar
no escorredor de pratos e segui em direção ao quartinho destinado aos
funcionários para deixar meu casaco e pegar um avental.
Foi somente naquele momento que notei que não estava com a
pulseira que ganhei de minha avó paterna em seu leito de morte.  Lembrei-
me que havia deixado a delicada joia no andar de cima, mais precisamente
no quarto de Gonçalo.
A pulseira era bem fininha, porém de ouro maciço. Foi um presente
especial que eu carregava comigo a todo instante. Tinha o costume de tirá-la
sempre que mexia com algum produto de limpeza, e foi o que aconteceu da
última vez que eu havia estado no casarão.
Deixei o casaco em uma prateleira e saí a toda pressa para subir até
o segundo andar.
Encontrei Berenice na sala de jantar colocando a mesa. O café da
manhã seria farto pela quantidade de coisas que vi de soslaio. Estranhei,
pois dona Lúcia nunca fazia suas refeições ali quando estava sozinha.
— Celina, querida, preciso dizer que… — Ouvi a voz de Berenice
às minhas costas, mas a interrompi. Estava aflita e com receio de ter sumido
a pulseira que minha avó me dera.
— Espere só um minuto, Berenice. Já volto.
E então corri até as escadas e subi. Durante o percurso, tomei todo o
cuidado para não acordar dona Lúcia que provavelmente ainda dormia.
Abri a porta do quarto de Gonçalo e entrei.
Como as janelas e cortinas estavam fechadas e ainda era muito
cedo, o quarto estava em completo breu.
Não olhei para nada à minha volta. Simplesmente segui na direção
do banheiro, entrei e acendi as luzes. Fui direto na pia, o local mais lógico
que eu poderia ter deixado a pulseira
Mas a joia não estava ali.
Procurei em cada cantinho do mármore, no chão, dentro dos
armários, no ralo do chuveiro. Nada, o presente de minha avó não estava
em lugar algum.
Com o peito apertado, senti um gosto amargo na boca e um nó se
formou em minha garganta. Precisei fechar os olhos para impedir que uma
lágrima caísse, a aflição me tomou dos pés à cabeça.
Passei a mão pelo pescoço, inspirei e expirei algumas vezes para me
acalmar. Decidi que procuraria pelo quarto, a pulseira tinha de estar em
algum lugar daquele cômodo.
Abri a torneira e levei um pouco de água fria ao meu rosto. Sequei-
me com a toalhinha que nunca era usada e então me virei para sair do
banheiro e continuar a busca no quarto.
Dei de cara com alguém que estava na porta, impedindo a minha
saída.
Um grito de susto escapou da minha boca e eu me afastei um passo
para identificar de quem se tratava.
Quis morrer naquele instante, quando reconheci suas feições. O
homem que eu havia encontrado no rio na tarde anterior estava bem ali na
minha frente com a testa franzida e uma expressão perturbada no rosto.
— Oi…eu… — Tentei falar algo dessa vez, mas a voz novamente
não saiu.
Senti minhas bochechas esquentarem, o ar faltou em meus pulmões.
Aqueles olhos tão expressivos… Uma mistura de caramelo com
nuances verde musgo.
E então tudo fez sentido em minha cabeça.
Gonçalo. Era ele, o filho mais velho de dona Lúcia.
Abaixei o olhar por alguns instantes, analisando o corpo nu da
cintura para cima. Ele era alto como imaginei, mas parecia ter perdido um
pouco de peso.
Ainda assim, era bonito. Um pouco desleixado, mas bonito.
Fiquei mortificada quando notei que ele usava apenas uma cueca
branca. Mas o que mais me abalou foi o volume descomunal que marcava o
tecido. Ele estava excitado.
Subi o olhar morta de vergonha e o encontrei com a mandíbula
cerrada, os olhos vibrando com algo que eu não conseguia identificar. Seria
raiva? Constrangimento? Desejo? Eu não sabia.
— Pelo visto você é expert em invadir propriedades privadas, não
é? — Sua voz saiu ríspida, e de onde eu estava, pude sentir o cheiro do
álcool.
Tremi dos pés até o último fio de cabelo, mas tentei me manter
firme.
— Gonçalo? — Quase gaguejei seu nome, mas por fim consegui
pronunciar sem maiores falhas.
— O próprio! — Seus olhos fizeram uma vistoria minuciosa pelo
meu corpo — E você, quem é? — Voltou a me encarar e fixou o olhar
gelado em meu rosto.
— Eu, eu trabalho aqui… — respondi, trêmula, mas implorei aos
céus para que aquela resposta fosse justificativa suficiente para eu ter
entrado em seu quarto sem bater.
O homem se afastou da porta e caminhou na direção do quarto
escuro.
— Bom, neste caso, você não trabalha mais aqui.
Pisquei os olhos algumas vezes, o cérebro congelado, sem
conseguir compreender o que ele disse.
Dei alguns passos na direção do cômodo, clareado apenas pela
pouca iluminação que vinha do banheiro e o vi vestir uma camisa.
— O que disse? — questionei, quase em pânico, o coração batendo
com força.
Gonçalo se voltou na minha direção, mas embora estivesse com a
camisa tapando o cós da cueca, eu me sentia extremamente constrangida em
estar dentro de um quarto escuro com um homem seminu, principalmente
quando ele era o meu patrão.
— Isso mesmo que você ouviu, garota. Está demitida. A partir de
hoje, não trabalha mais aqui.
 
 
CAPÍTULO 07

 
 
GONÇALO
 
A menina arregalou os olhos à medida que compreendia cada
detalhe das palavras que eu havia acabado de recitar.
Primeiro ela abriu e fechou a boca, o semblante incrédulo; em
seguida, deu um passo na minha direção, como se não soubesse
exatamente como deveria agir.
— Você não pode fazer isso… — protestou, a voz angustiada. —
Não tive a intenção de invadir sua privacidade.
Eu tinha consciência de que realmente não deveria fazer aquilo,
não tinha o direito. Mas quando senti o cheiro de lavanda que emanava
dela, o mesmo aroma gostoso que pensei ter sentido na noite em que
cheguei na fazenda, todo o meu corpo vibrou. Vê-la ali dentro do meu
banheiro com as bochechas coradas ao notar a bela ereção matinal
evidente na minha cueca, cheguei à conclusão que afastá-la da fazenda
seria o melhor para nós dois, o mais sensato. Nada de bom poderia
ocorrer de uma atração como aquela. Eu era um homem experiente, sabia
quando o perigo rondava, e aquela garota era perigosa.
Eu não a conhecia, não sabia realmente nada sobre sua vida.
Seria bem mais fácil assim, cortando o mal pela raiz antes que ele
crescesse. Ela era bonita demais, sedutora demais para que eu me desse
ao luxo de mantê-la por perto, e o pior de tudo era que a garota havia
sido a culpada pela noite que passei em claro.
Tudo que eu menos queria era voltar a me envolver com alguém,
mesmo que fosse apenas sexo. Muito menos com uma menina tão jovem.
Já tinha problemas demais na minha cabeça e em minha vida
para suportar mais um, prova disso era o latejar constante em minhas
têmporas depois de tomar uma quantidade considerável de vodca.
E havia Laura.
— Sinto muito se não esperava ser demitida a essa hora do dia,
garota. — Mantive-me firme na decisão e cruzei os braços na frente do
corpo. — Mas não posso confiar em uma funcionária que invade a
privacidade dos seus patrões dessa maneira!
Por alguns instantes, pensei que ela fosse se derramar em
lágrimas ali na minha frente e implorar pelo seu emprego, mas ao
contrário disso, a garota se aproximou ainda mais de mim, o olhar firme
na minha direção.
— Confiança? Quem é você para falar alguma coisa sobre
confiança? Não se envergonha?
Senti quando meus nervos latejaram diante a sua acusação
descabida. Por um instante, fiquei paralisado ali naquele quarto, fitando
sua expressão atrevida. 
— Do que está falando, menina? Perdeu a noção?
Notei quando ela deu um passo para trás, na direção da porta, os
punhos fechados demonstrando o quanto estava nervosa.
— Basta olhar para a sua mãe, Gonçalo. Não percebe todo o mal
que fez a ela?
Congelei quase que instantaneamente. Ouvir aquelas palavras foi
como levar um soco na cara, e o pior era que eu merecia. Mas, jamais
permitiria que aquela pirralha falasse comigo daquela forma.
— Você sabe a direção da porta e a saída da fazenda, não é? Ou
será necessário que eu te jogue para fora?
Sua respiração estava acelerada quando ela se afastou, o nariz
empinado, toda arrogante, o olhar flamejando de raiva. Ela podia ser
jovem e pequena demais para o meu gosto, mas era atrevida como o
inferno.
— Não será necessário, seu bêbado idiota.
 

CELINA
 
Quando finalmente saí do quarto daquele homem com o coração
a mil, desci as escadas o mais rápido que pude. Minhas pernas tremiam
tanto que temi me desequilibrar e cair, minha visão ficou embaçada pelas
lágrimas não derramadas, não encontrava o ar para respirar.
Encontrei Berenice na cozinha tirando pãezinhos frescos do
forno.
Ao ver minha expressão de desalento, a mulher deixou a forma
sobre o fogão e correu na minha direção.
— O que aconteceu, Celina?
Não consegui mais suportar toda aquela tristeza que havia se
alastrado em meu coração. Nunca havia sido tratada daquela maneira tão
rude e grosseira. Quis gritar com aquele homem arrogante e dizer tudo o
que ele merecia ouvir, mas não tive forças para isso.
Abracei Berenice com toda a força que havia dentro de mim e
chorei em seu ombro, desconsolada.
Chorei pelo emprego que havia perdido, pela pulseirinha
desaparecida, chorei de raiva.
— Ele me demitiu, Berenice. O Gonçalo me mandou embora da
fazenda —disse a ela entre as lágrimas, ao mesmo tempo em que
fungava.
— Meu Jesus Cristo — murmurou, chocada, a voz descrente. —
Não chore, minha querida, dona Lúcia vai resolver isso, fique calma.
Tentei me acalmar e passei a inspirar fundo, mas meus nervos
estavam aflorados demais, o coração acelerado no peito. O que papai
pensaria quando soubesse? Provavelmente morreria de tristeza.
— Eu não sei, Berenice, ele foi tão cruel comigo.
Ouvi seu suspiro pesaroso e Berenice me levou até a mesa.
Puxou uma cadeira para que eu me sentasse e pegou outra para ela
própria.
— Me explique direito o que aconteceu, Celina. Por que ele te
demitiu? Está tudo confuso demais.
Puxei o ar algumas vezes em busca de calma. Berenice se
levantou para pegar um copo com água e logo retornou. Tomei alguns
goles devagar e deixei o copo sobre a mesa.
Minhas mãos ainda tremiam, mas já conseguia ter um maior
controle sobre minhas emoções. Sequei as lágrimas que banhavam meu
rosto com as mãos, e comecei explicar a Berenice o que tinha acontecido.
— No sábado, quando estive aqui, eu limpei o quarto dele,
inclusive o banheiro. Tirei a pulseirinha que minha avó me deu antes de
morrer e deixei sobre a pia, mas foi somente hoje pela manhã que eu
notei que não peguei a pulseira de volta. — Berenice concordou com
aceno de cabeça, provavelmente compreendo por que eu havia subido as
escadas com tanta pressa quando cheguei.
— Quando me lembrei, subi as escadas para pegar a pulseira,
com medo de que ela se perdesse, e entrei no quarto dele sem bater. —
Inspirei fundo — Eu não sabia que ele tinha voltado, Berenice.
A mulher segurou minhas mãos e mais lágrimas rolaram pelas
minhas bochechas.
— Oh, minha criança. Eu até tentei te avisar, mas você estava
com tanta pressa, e nem pensei que iria ao quarto dele naquela hora. —
Suspirou. — Ao menos encontrou sua pulseira?
Neguei com um aceno e abaixei a cabeça. Berenice voltou a me
estreitar dentro dos seus braços.
— Ele me acusou de não ser uma pessoa confiável…— Minha
voz falhou. — Eu só queria sair de lá, o mais rápido possível. — Minha
boca ficou seca e mais lágrimas teimaram em cair, mas engoli o choro —
E agora, o que farei?
Pensei em minha mãe morando em Corumbá, mas não me animei
em ir morar com ela na cidade. Poderia voltar para o vilarejo, mas com o
que eu iria trabalhar? As fazendas eram longe umas das outras e nem
sempre era fácil conseguir algum serviço.
Ela voltou a se afastar e me encarou com a testa franzida.
— Ele estava bêbado, Celina? — perguntou.
Repassei em minha mente os poucos minutos que passei naquele
quarto, lembrando-me do cheiro forte de bebida no hálito de Gonçalo.
— Não sei se estava embriagado, mas com certeza havia bebido.
O cheiro de álcool era forte.
Berenice assentiu abaixando a cabeça. Notei que sua expressão
se tornou arredia, triste.
— Não se preocupe, querida. — Voltou a me encarar. — Vou
falar com dona Lúcia assim que ela descer para tomar café. Tudo vai se
resolver.
Desviei o olhar do seu rosto. Estava incerta de que tudo se
resolveria e Berenice, cheia de astúcia como era, logo notou a dúvida que
havia se formado em minha face.
— O que foi, Celina? Aconteceu mais alguma coisa que você não
me contou? 
Pensei na tarde anterior e nosso infeliz encontro no rio. Mas em
hipótese alguma, diria à Berenice ou a qualquer outra pessoa que
Gonçalo havia me visto tomando banho e nua.
— Eu o chamei de bêbado idiota — disse a ela.
Berenice me fitou por alguns instantes, sem fala, mas logo soltou
um risinho chocado.
— Realmente, você não facilitou muito as coisas, mocinha —
comentou, curvando os lábios em um riso. — Se ocupe dos cômodos
aqui embaixo, filha. Quando terminar, vá para casa. Vou conversar com
dona Lúcia, e assim que terminar meu expediente, eu irei até você.
Concordei e me levantei da cadeira.
— Obrigada, Berenice, não sei o que faria sem você.
A mulher segurou minhas bochechas com os dedos como se eu
fosse uma criança e apertou.
— Berenice… — reclamei, sorrindo e me afastei do seu aperto.
— Vá trabalhar, criança. — Sorriu, dando uma piscadela e
caminhou até o fogão, onde havia deixado os pãezinhos.
Mais calma e com a mente desanuviada, retornei ao trabalho
carregando comigo a certeza de que Gonçalo Ribeiro não merecia um só
segundo do meu descontrole. Ele não merecia nada de mim, nem mesmo
a minha pena. 
CAPÍTULO 08

 
 
GONÇALO
 
Coloquei as mãos em cima da pia de mármore e fechei os dez dedos
sobre a pedra fria, raspando as unhas com força. Os nós dos dedos ficaram
brancos devido à força com que os apertei contra o mármore.
Levantei minha cabeça e encarei meu reflexo no espelho. Eu estava
destruído por dentro e por fora, nem ao menos reconhecia minhas feições.
Segurei a barra da camisa com os dedos e tirei o tecido pela cabeça,
deixando meu abdômen à mostra. Havia perdido peso nos últimos meses.
Meu corpo estava magro, minha pele pálida por causa da bebida e os meses
de reclusão no apartamento.
Olhei para meu rosto coberto com a barba escura salpicada de fios
grisalhos. Os cabelos compridos e desalinhados me davam a aparência de
um sem-teto.
Seu bêbado, idiota.
Não deveria me importar com as palavras proferidas pela garota. 
Mas de uma maneira que não havia explicação, eu me importava. Aquela
frase ficava martelando em minha cabeça sem descanso.
Fechei os olhos com força e voltei a abri-los.
Quem era aquele homem em frente ao espelho? Eu não o conhecia!
De repente, ouvi a porta do quarto sendo aberta e nem precisei virar
a cabeça para saber de quem se tratava.
— Gonçalo? — A voz suave de minha mãe ecoou pelas paredes do
cômodo fechado. — Não vai descer para tomar café?
Seus passos se aproximaram e ela apareceu na porta do banheiro
que eu havia deixado aberta.
Vi seu olhar preocupado pelo reflexo do espelho, e ela analisou as
minhas costas. Era nítida a dor que minha mãe sentia ao me ver ali, naquele
estado caótico, entregue à solidão, ao desespero.
Virei-me na sua direção e ela caminhou até mim, segurou minhas
mãos e as apertou entre as suas.
— Vamos, precisa se alimentar. Depois temos um assunto
importante para tratar.
Escorei o corpo no mármore, abaixei a cabeça e curvei os lábios em
um riso sarcástico, carregado de desânimo. Sentia-me esgotado só de pensar
na conversa que estava por vir.
Ela iria falar sobre a garota, disso eu tinha certeza.
— Não acho que seja prudente que ela continue trabalhando aqui.
Não passa de uma garotinha fútil, irritante e atrevida. — Fui direto ao ponto
que minha mãe queria chegar.
Sua expressão se alarmou, mas ela negou com um aceno de cabeça.
— Está enganado, Gonçalo. Seja lá o que tenha acontecido para
você implicar tanto assim com ela, Celina é uma menina de ouro.
Celina.
O reconhecimento do nome da garota deixou-me alguns segundos
petrificado.
— Então o nome dela é Celina? — perguntei, sério. Só agora me
dando conta de toda a merda que eu havia feito.
— Sim — respondeu minha mãe, convicta. — A filha mais velha de
seu amigo, Joaquim — enfatizou.
Limpei a garganta, incomodado, e me afastei da pia. Voltei a vestir
a camisa, sentindo-me um idiota.
Ainda assim, a vontade de estapear a bunda daquela atrevida não
havia passado, apenas amenizou quando soube que era filha de Joaquim.
— Eu não sabia… — confessei, constrangido, a culpa me
corroendo por dentro.
— Acho que você deve um pedido de desculpas a alguém! —
sugeriu, mas lá no fundo, eu sabia que seu pedido era basicamente uma
ordem.
Neguei com a cabeça e me movimentei para sair do banheiro.
Minha mãe afastou-se da porta, permitindo que eu passasse por ela em
direção ao quarto.
— Não fui eu quem invadiu o quarto dela quase de madrugada, mãe
— justifiquei.
Ouvi seus passos me seguindo e parei onde estava, no meio do
cômodo.
— Ela não sabia que você havia retornado, filho. Além disso,
Berenice me contou que Celina veio até aqui apenas para pegar uma
pulseirinha de herança que havia esquecido na pia do banheiro.
Então a pulseira era dela. As coisas faziam mais sentido ao serem
vistas por aquele ângulo. Não havia motivos para minha mãe deixar algum
objeto pessoal em meu quarto quando ela tinha o seu próprio.
— A pulseira está comigo — confessei. — Pode deixar que eu
mesmo entrego para ela.
Minha mãe soltou um suspiro aliviado às minhas costas e caminhou
até a porta de saída que dava acesso ao corredor.
— Então estamos entendidos sobre a garota? — questionou e me
fitou nos olhos para ter certeza de que eu não seria uma pedra no sapato de
Celina.
— Sim — confirmei. Embora ainda tivesse dúvidas sobre a minha
convivência com Celina.
O fato de ela ser a filha mais velha de Joaquim não mudava os
acontecimentos. Eu a tinha visto nua, eu quis seu corpo para mim. Aquilo
não me orgulhava nem um pouco, principalmente por ela ser tão jovem,
mas eu era um homem que há meses não tocava uma mulher, a necessidade
estava gritando.
Quando minha mãe finalmente saiu, caminhei até a mesinha de
cabeceira e toquei levemente na foto de Laura.
— Porque não consigo seguir em frente, querida? Me diz, por quê?
Meu peito doía, respirar doía. Quis encher a cara outra vez, beber
até não restar mais vestígios de nada em minha cabeça e coração, mas
prometi a mim mesmo que não voltaria a colocar uma gota de álcool na
boca. Faria isso por mim e pela minha mãe.
Deixei o quarto alguns minutos depois.
Minha mãe me aguardava na sala de jantar. A mesa posta para o
café estava farta como na época em que era criança. Havia bolo de fubá,
milho cozido, pão caseiro e frutas. Além de uma boa manteiga da terra,
leite, café e suco.
Comi com vontade como há muito tempo não fazia. Parecia que
tinha um buraco negro no estômago. Quando estava satisfeito, peguei as
chaves da picape com minha mãe e dirigi em direção ao vilarejo.
Quase nada havia mudado ali desde a época em que fui embora. As
mesmas casas, as mesmas construções. Apenas um ou outro imóvel havia
ganhado uma demão nova de tinta.
Estacionei o carro debaixo de uma palmeira e atravessei a única rua
que havia ali no povoado. Entrei na barbearia que estava vazia naquele
horário, e um rapaz jovem e bem magro me cumprimentou.
Franzi a testa ao me lembrar do seu Joca, o dono da barbearia.
Procurei nos arredores mas não o vi em lugar algum.
— Olá. — O homem estendeu a mão em um rápido cumprimento e
eu apertei, em seguida, me mostrou uma cadeira surrada, localizada em um
canto do estabelecimento. — Imagino que tenha sido para isso que o senhor
veio até aqui? — perguntou e pegou algumas tesouras que estavam em cima
do balcão.
— Sim — confirmei.
— Então pode se sentar que já irei lhe atender — disse o rapaz de
maneira casual.
Fiz o que ele pediu e me acomodei na velha cadeira.
Olhei em volta mais uma vez. Pouca coisa havia mudado ali dentro.
O balcão ainda continuava no mesmo lugar, dividindo a barbearia e o bar.
Somente as cores haviam mudado. Um tom de azul celeste tonalizava as
paredes que antes eram amarronzadas.
— Onde está seu Joca, rapaz? — perguntei assim que ele se
aproximou com um borrifador na mão.
— Meu pai faleceu há dois anos, senhor.
Aquela notícia me pegou completamente desprevenido. O tempo
jogava na minha cara a todo momento o quanto ele era implacável. As
pessoas iam e vinham, mas não importava o que acontecesse no meio do
percurso, a vida continuava.
— Eu sinto muito — lamentei.
O rapaz assentiu e falou um pouco sobre a morte do pai. Ouvi tudo
atentamente enquanto ele molhava os fios do meu cabelo com a água do
borrifador.
Expliquei a ele como queria o corte e o que deveria fazer com a
barba.
As mechas grisalhas começaram a cair no chão e em poucos
minutos, foi a vez da barba comprida perder sua identidade. Quando tudo
estava pronto, olhei no espelho e me surpreendi com o resultado. Voltei a
me reconhecer outra vez.
Aquele era o verdadeiro Gonçalo Ribeiro. Um pouco magro
demais, pálido, precisando urgentemente de umas boas horas de sol. Mas
era eu, mesmo que quebrado de diversas mentiras, mesmo fadado à
desgraça, aquele homem era eu. Algum dia, eu me reergueria.
 
 
 
 
 
CAPÍTULO 09

 
 
GONÇALO
 
 
Mais tarde, naquele dia, quando retornei pra fazenda, encontrei
minha mãe que veio ao meu encontro no pátio do casarão. Estacionei o
carro debaixo de um frondoso jatobá e caminhei na direção dela.
Seus olhos brilharam ao me ver. Apressando o passo, me aproximei
de onde ela estava e fui recebido por um abraço apertado, seguido de
carícias no rosto.
— Como você está bonito, filho… — Sorriu ao se afastar, mas logo
percebi que seus olhos transbordavam de lágrimas não derramadas. — Está
maravilhoso.
Uma lágrima escorreu em sua bochecha e eu a sequei com o dedo
polegar.
— Não chore, dona Lúcia — pedi a ela.
— Não imagina… o quanto estou feliz…— confessou com a voz
falha, mas logo tratou de se recompor. — Venha, vamos entrar. Imagino que
esteja faminto.
Assenti, curvando os lábios em um riso contido.
— Pelo visto, seu próximo objetivo será me fazer ganhar alguns
quilos, estou certo? — brinquei.
Minha mãe sorriu e concordou, enquanto passava os braços em
volta do meu tronco.
— Tem toda razão, querido. Esse será meu próximo objetivo.
 

 
Após tomar um banho e jantar, perguntei a minha mãe para que
lado ficava a casinha que Joaquim e sua filha moravam. Peguei a bendita
pulseira que pertencia à garota, guardei no bolso da calça jeans e segui a pé
na direção informada.
A moradia ficava a cerca de 1 km de distância da sede, era
localizada logo após o pomar da fazenda. O único acesso era através de
uma estradinha estreita de terra, rodeada de um lado pelo pasto e do outro,
havia as árvores frutíferas.
Era noite de lua cheia, e por isso o caminho estava bem iluminado,
facilitando a minha busca. O barulho dos grilos era constante à beira da
estrada, o vento soprava fresco, arrepiando os pelos do meu braço.
De repente, o canto fino e lamurioso de um Urutau ecoou pela noite
afora, trazendo consigo as lembranças da época em que vivi ali e costumava
pescar à noitinha com Manoel.
Tantos anos haviam se passado, tantas histórias a serem
compartilhadas. Mas não havia ninguém com quem eu pudesse fazer isso.
Enquanto andava, cheguei à conclusão de que o legado de nossa família
agora pertencia somente a Manoel e seus futuros filhos, caso ele tivesse. Do
contrário, o sobrenome Ribeiro e a herança de nossa família iria conosco
para o túmulo. 
Em alguns minutos, já conseguia ver a luz que vinha da casa.
Continuei em frente, até me aproximar o suficiente.
A moradia era rodeada por uma cerca de arames lisos e postes de
madeira pintados de branco. Algumas trepadeiras cresciam e se alastravam
pelo tronco que sustentava o pequeno portão de madeira.
Abri a o portão e entrei sem fazer barulho.
Atentei-me para o caso de haver cachorros ali, mas não ouvi
nenhum latido ou sinal da presença de caninos. Continuei andando,
observando um pequeno jardim de roseiras amarelas floridas e alguns
pequenos arbustos que não soube identificar a espécie. Subi os degraus da
calçada e alcancei a porta.
Tudo ali estava silencioso, era como se não tivesse ninguém em
casa. A única coisa que indicava a presença de algum morador eram as
luzes ligadas e a janela lateral do lado direito que estava aberta.
Sem protelar, eu bati na porta e aguardei alguns instantes.
Ouvi barulhos sutis vindos lá de dentro, logo depois o som de
passos se aproximou e a luz da frente foi acesa. 
 

CELINA
 
Berenice havia saído há pouco tempo da minha casa, e me deixado
com imenso sentimento de gratidão dentro do peito. Dona Lúcia havia
resolvido tudo e no dia seguinte, eu já poderia voltar ao trabalho sem ter
que me preocupar com aquele babaca do Gonçalo.
Guardei o jantar do papai no forno do fogão e tomei um banho logo
depois.
Eu me enfiei dentro de um short curto de malha e vesti uma
blusinha baby look, soltinha de algodão, sem sutiã por baixo. Já estava me
preparando para dormir quando ouvi uma batida na porta.
Fiquei surpresa pois Berenice havia saído há pouco tempo e eu não
costumava receber visitas àquela hora da noite. Seria alguém em busca de
meu pai para cuidar de alguma emergência?
Deixei os lençóis bagunçados sobre a cama e saí do quarto.
Caminhei a passos rápidos e acendi a luz que iluminava a frente da
casa. Um pouco receosa, encostei o ouvido na porta e perguntei quem
estava do outro lado.
— Celina? — Aquela voz fez com que eu me arrepiasse dos pés até
o último fio de cabelo.
O que aquele homem estava fazendo na minha casa?
Quis gritar para que fosse embora, mas o bom senso falou mais alto
e eu apenas respirei profundamente, afinal, aquela casa era mais dele do que
minha, eu não passava de uma funcionária da fazenda.
Talvez ele tivesse apenas vindo conversar com meu pai. As
possibilidades eram tantas. Abri a porta devagar, inspirando e expirando
para continuar calma. Senti que meus dedos tremiam de nervoso, mas
continuei com a tarefa árdua que era ficar frente a frente com aquele
homem outra vez.
No entanto, eu não estava preparada para a enxurrada de emoções
que me tomaria assim que coloquei os olhos nele.
Gonçalo Ribeiro estava ali, com os cabelos bem cortados e a barba
cerrada, usando uma camisa xadrez com as mangas arregaçadas até o
cotovelo.
Suas feições eram ainda mais marcantes pessoalmente que pela
foto, os traços eram másculos, imponentes. Fiquei ali impressionada com
todo o magnetismo que senti.
O olhar caramelo esverdeado me analisou por alguns segundos e ele
levou a mão ao pescoço. Notei a agitação que tomou conta do seu
semblante, era como se algo o incomodasse, o tirasse dos trilhos.
Eu não conseguia entender por que aquele homem me odiava tanto,
mas vesti minha melhor máscara de indiferença e dei espaço na porta para
que ele entrasse.
— Papai deve estar chegando. Pode se sentar e esperar por ele, se
quiser. — falei mais ríspida do que deveria, apontando na direção do sofá
de três lugares que havia na sala.
Gonçalo olhou em volta, e por um segundo me peguei
envergonhada com toda aquela simplicidade em que eu vivia. A sala de
estar era composta apenas pelo rack com uma tevê e o sofá, a cozinha, que 
se separava da sala apenas por um balcão, era minúscula e possuía
pouquíssimos armários.
O restante da casa era composto por um banheiro, o quarto em que
eu dormia e o de meu pai.
Eu e Gonçalo éramos um verdadeiro contraste. Ele era rico,
enquanto eu, só tinha de fortuna a boa saúde e minha família. Ele conhecia
tudo sobre o mundo, eu não sabia de nada do que acontecia além dos
horizontes da fazenda e do vilarejo, e o mais provável é que ele possuísse o
dobro da minha idade.
— Não vim conversar com seu pai, Celina — disse ele, voltando
sua atenção para mim.
Seu olhar caiu sobre minhas coxas descobertas e eu puxei a blusa
para baixo em uma tentativa falha de me sentir mais composta.
O homem desviou a atenção do meu corpo rapidamente e focou o
olhar em algum ponto do sofá. Gonçalo estava inquieto, era nítido o
desconforto que sentia estando na minha presença.
— Então o que quer? — Fui direta.
— Vim te devolver isso aqui. — Enfiou a mão no bolso da calça
jeans e retirou algo que de imediato não consegui identificar.
Foi somente quando ele estendeu a mão e me entregou o objeto, que
reconheci a pulseirinha que minha avó me deu. Todo meu corpo se acendeu
de felicidade quando peguei aquela delicada joia em meus dedos
— A pulseira de minha avó… — Voltei a fitar seu rosto, cheia de
gratidão. — Eu… obrigada. — Sorri.
Até senti um pouco de remorso por ter sido tão rude com ele
quando chegou, mas me lembrei da maneira com a qual me tratou na
fazenda, meu sorriso se desfez rapidinho em meu rosto.
Gonçalo assentiu com um aceno de cabeça e se virou para a porta.
Não houve um pedido de desculpas da parte dele, nada. Nem
mesmo correspondeu ao meu sorriso de gratidão. O homem parecia uma
pedra de gelo quando simplesmente deu-me as costas e foi embora.
E embora eu não quisesse admitir, toda aquela indiferença dele me
deixou incomodada e algo bem lá no fundo do meu peito doeu.
 
 
 
 
 
CAPÍTULO 10

 
 
GONÇALO
 
 
Os olhos dela não eram pretos como pareceu na cachoeira, e
depois no meu quarto. Era de uma tonalidade amarelada, brilhante, que
roubou todo meu ar assim que ela abriu a porta e eu os vi, emoldurados
pelos cílios longos.
O cheiro de Celina impregnou-se em minhas narinas no momento
que entrei na casa, uma mistura de pele limpa e lavanda que causou uma
combustão em meu corpo. Os cabelos estavam soltos, cobrindo os
ombros estreitos, e pela maneira que ela se vestia, estava pronta para
dormir.
Olhei a garota de cima a baixo, sentindo-me como um pervertido
por querer tocá-la ali, na sala da casa que seu pai, meu amigo.
Ela usava um shortinho curto, deixando as coxas à mostra para a
minha desgraça. A blusa confortável era soltinha, mas agarrava os seios
empinados e cheios.
A garota era perfeita, embora demonstrasse toda sua antipatia por
mim. Eu não poderia tirar sua razão, a tinha tratado de forma rude e
grosseira, quando ela nem sequer tinha culpa de nada. Mas quando a vi
sorrir pela primeira vez, assim que devolvi a pulseira, senti que algo em
meu íntimo se revolveu.
Seu rosto angelical me enfeitiçou, ali, no meio da sala, o corpo
bem-feito se transformou em um martírio a cada segundo que eu a
olhava. Analisei sua boca com cuidado, o volume tentador, a cor
fascinante de um rosa arroxeado. 
Pela primeira vez em mais de um ano, desejei sentir o sabor dos
lábios de uma mulher sobre os meus, desejei segurar Celina pela cintura
e explorar seu corpo com a língua, desejei ver suas coxas abertas
enquanto eu a penetrava, desejei segurar os seios em minhas mãos e
depois colocar cada pedacinho deles na boca.
Senti meu membro pulsar na calça, e não tive alternativa a não ser sair dali,
antes que eu cometesse uma besteira e a beijasse. Eu não sabia que inferno
estava acontecendo comigo, mas não poderia permitir que minha cabeça de
baixo tomasse o rumo da minha vida. Celina não era para mim. Era jovem
demais, proibida. Tinha um mundo inteiro de descobertas pela frente. E eu,
eu era só um homem que levou uma rasteira da vida e não tinha mais pelo
que lutar.

 
Quando cheguei em casa, minha mãe me esperava sentada em
uma cadeira de balanço na varanda. Estava envolvida em uma manta de
algodão para se proteger do vento frio, enquanto bebericava uma xícara
de chá.
Eu me sentei em uma cadeira ao seu lado, e ela me serviu um
pouco do líquido quente e doce, que estava sobre uma mesinha de
madeira. Inspirei fundo e tomei um gole da bebida em silêncio.
Minha cabeça estava uma verdadeira bagunça. Não conseguia
parar de pensar em Celina, mas também não conseguia esquecer Laura, e
a imagem das duas se misturava em minha mente como um vendaval
furioso. 
— Gostaria de falar um pouco sobre ela, filho? —  A voz de
minha mãe me resgatou dos meus devaneios, me fazendo suspirar
baixinho.
Olhei para ela, sentindo uma dor tão grande no peito, que
provavelmente estava estampado em cada detalhe no meu rosto toda a
agonia que eu sentia.
Minha mãe me encarou com pesar. Ela mais do que ninguém
entendia um pouco do que eu vinha passando. Foi difícil demais quando
meu pai morreu, não posso nem imaginar como deve ter sido para ela. 
Lembrar-me daquele dia fatídico é como enfiar uma faca em uma
ferida aberta. Eu não consegui comparecer ao enterro do meu próprio pai.
Havia ficado preso em uma cirurgia delicada no Sul do país, e quando
tudo acabou, já era tarde demais. Aquela havia sido apenas mais uma
parcela das culpas que eu carregava comigo.
E agora, enquanto observava a tristeza nos olhos de minha mãe,
eu sabia que jamais iria me perdoar por não ter estado ao seu lado quando
seu marido partiu.
— Laura estava animada para virmos aqui pra fazenda — falei
baixinho, relembrando os detalhes do que aconteceu. — Ela sempre quis
conhecer o lugar que nasci e a minha família. E só não conseguimos vir
antes por minha causa. Eu só pensava em trabalho, em me tornar perfeito
no que fazia, em ser o melhor na área. — Eu me autocritiquei naquele
momento, a raiva de mim mesmo tomando forma.
Talvez se eu tivesse vindo antes, Laura ainda estivesse viva,
teríamos nos casado. Provavelmente estaria esperando o filho que tanto
queríamos.
Minha mãe estendeu a mão na minha direção e tocou meu braço
levemente. Massageou o local e depois segurou meus dedos em um
aperto firme.
—  Não faça isso com você, querido. Está se culpando pelo que
aconteceu, mas você não teve culpa, Gonçalo. Não poder prever o que o
futuro nos reserva, isso cabe somente a Deus.
Deus… Deus…
Onde Ele estava quando Laura morreu? Onde estava?
Eu buscava respostas, procurava uma justificativa, mas nada era
suficiente.
— Eu morri por dentro quando ela se foi, mãe — confessei,
mesmo que doesse tocar no assunto, minha mãe merecia ouvir aquilo de
mim.
— Eu sei querido. Eu sei… — Sua voz saiu abafada.
— Eu estou perdido agora, não sei como continuar — disse,
pesaroso, um nó se formando na garganta. — Sinto que falhei com todos.
Falhei com Laura, com meu pai, com Manoel e com você também.
Ela se levantou de onde estava e me abraçou pelas costas,
colocando a cabeça colada à minha.
— Eu sou sua mãe, e isso nunca irá mudar, Gonçalo. — Ela
soluçou baixinho e eu tranquei os olhos, a culpa me corroendo. — Não
quero que fique se culpando pelas coisas que aconteceram no passado. O
importante é o agora, filho. Você vai superar isso.
Os minutos passaram enquanto permanecemos ali tentando curar
as feridas um do outro. Quando minha mãe se acalmou, contei a ela
como conheci Laura, como era nossa vida em São Paulo.
Pedi perdão pelo meu pai, ela precisava daquilo como eu
também.  Minha mãe estava disposta a deixar o passado no passado, e eu
respeitaria sua decisão.
Quando fui para a cama naquela noite, tive um sono agitado, com
sonhos tão confusos que me deixaram ainda mais atordoado. Sonhei com
Laura, mas em alguns momentos, era o rosto de Celina que aparecia na
minha frente. Não fazia sentido nada daquilo que estava acontecendo
dentro da minha cabeça, mas, por mais que eu amasse Laura e sofresse
todos os dias com a sua perda, o desejo que passei a sentir por Celina
estava ganhando uma força incontrolável.
CAPÍTULO 11

 
 
GONÇALO
 
 
Os dias passavam lentamente ali naquele pedaço de chão isolado
do restante do mundo. Durante este tempo, conheci o administrador da
fazenda, um homem bem educado e de excelentes recomendações que
vinha ali uma vez na semana.
Com o passar do tempo, comecei a fazer um acompanhamento
mais minucioso das finanças. Passava horas trancado no escritório
buscando entender como tudo funcionava dentro dos negócios da família.
Quando não estava no escritório, passava o tempo na cozinha me
empanturrando com as gostosuras que Berenice preparava ou ajudando
os peões nas labutas do dia a dia com o gado.
Estava ganhando peso rápido. Quando me olhava no espelho,
podia notar as diferenças sutis no rosto. A palidez já não existia, as
olheiras profundas estavam quase imperceptíveis.
Tentava ao máximo não ver Celina pela fazenda, e ela também
parecia querer me evitar a todo custo. No entanto, era difícil não notar
sua presença constante no casarão, principalmente quando eu entrava no
quarto morto de cansaço após um dia exaustivo de trabalho, e encontrava
tudo limpo e organizado. As roupas lavadas e dobradas no armário, os
lençóis da cama trocados, um jarro de água com flores em cima da mesa
de cabeceira.
E quando eu fechava os olhos deitado na cama para descansar,
quase podia ver a garota trabalhando incansavelmente pela casa. Quase
podia sentir o cheiro dela sobre mim, a voz doce em meu ouvido.
Tentei me policiar sobre aquela merda, era absurdo o fato de eu
ficar tão deslumbrado por uma garota que eu mal conhecia, nem sequer
havíamos tido uma conversa decente. A única explicação para todo
aquele meu descontrole era o tempo que havia passado sem fazer sexo. 
O trabalho árduo com o gado impedia que meus pensamentos
voassem tanto, e era por isso que vinha acordando cedo todos os dias,
pegando no batente até não conseguir ficar mais de pé de tão exausto.
As conversas animadas que tinha com Joaquim após o expediente
também ajudavam. Ele era um lembrete constante do porquê eu não
poderia me aproximar de Celina.
Com todo esse emaranhado de tarefas a serem cumpridas, ainda
me designei a função de amansar um belo cavalo pantaneiro que havia
adquirido recentemente, um garanhão de pelagem negra e porte
imponente.
Domar cavalos era algo que eu gostava de fazer na adolescência,
e percebi que nada havia mudado quando montei o animal, e o cavalo
vibrou em uma corrida desenfreada, misturada com coices. A tarefa foi
árdua e dolorosa por umas duas semanas, mas pouco a pouco estava
conseguindo a confiança do animal. Ele já não corria desenfreado quando
era montado e obedecia a alguns dos meus comandos, e até aceitou que
eu colocasse uma manta sobre o lombo da última vez.
Naquela manhã de sábado, era o dia decisivo para eu saber se o
animal já estava apto o suficiente para ser montado por outras pessoas.
Iria fazer o teste com um dos peões que trabalhava na fazenda, e por isso
saí da cama logo cedo.
Comi o desjejum na cozinha mesmo, acompanhado de um bom e
forte café preto. Quando terminei, peguei o chapéu para me proteger do
sol quente que surgiria em algumas horas, e segui na direção dos
estábulos.
O animal já estava preso no redondel quando cheguei, uma
espécie de curral em formato de círculo. O peão que o montaria naquela
manhã, segurava o cabresto preso ao animal, e já estava a postos à minha
espera para começar.
— Preparado, Samuel? — perguntei ao rapaz alto e magro que
faria o teste com o cavalo.
Ele assentiu, e eu tirei o chapéu da cabeça, colocando-o
pendurado na cerca de madeira.
— Mais que preparado, patrão. Vai ser moleza — comentou
cheio de si.
Eu o fitei por alguns instantes de forma desafiadora e o rapaz
sorriu. Era um garoto jovem, mas esforçado, apesar da falta de modéstia.
— Muito bem, veremos então.
Enquanto Samuel se preparava para montar, selei o cavalo e
corrigi todas as fivelas para ter certeza de que seria seguro. De repente,
ouvi alguns risos e conversas que vinham do piquete ao lado do estábulo.
Reconheci a voz de Celina quase que imediatamente. A garota
parecia feliz conversando com alguém, no entanto, não conseguia
identificar o teor da conversa.
Ignorei aquilo por um tempo, embora tenha sentido que meu
sangue esquentava, mas tentei focar no serviço que tinha a fazer. Com
cuidado, o rapaz conseguiu montar o cavalo enquanto eu segurava a
rédea e falava baixinho com o animal.
Entreguei a corda nas mãos do peão e fiquei observando de
longe.
Notei quando Celina apareceu em meu campo de visão com os
cabelos soltos, montada em uma égua branca. Ela usava uma calça de
montaria colada ao corpo curvilíneo, e uma blusa branca que delineava a
cintura fina e os seios lindos.  Ao seu lado estava Jorge, também montado
em um dos cavalos da fazenda. Ele a olhava como se quisesse devorá-la,
e os dois seguiram na direção do pasto livre para cavalgar.
A garota virou-se na direção do peão e falou algo que não
consegui ouvir naquela distância. Os dois sorriam, sem se importar se
estavam sendo observados por alguém.
Desviei minha atenção de ambos, sentindo meu corpo ferver de
ira. Aquilo não era da minha conta. Ela era uma garota livre, poderia
fazer o que bem entendesse da sua vida.
Repeti essa última frase um milhão de vezes na minha cabeça.
Fechei os punhos quando um incômodo idiota me atingiu por
dentro. Quis matar aquele peão quando ela sorriu para ele, e ele a olhou
como se Celina fosse um pedaço de carne suculenta. Irritado comigo
mesmo por me importar, voltei a focar no meu trabalho. Samuel estava se
saindo bem, tinha o pulso firme, sabia como controlar o animal. 
O cavalo se mantinha tranquilo em um trote lento, não dando
qualquer sinal de que iria estourar.
Olhei mais uma vez na direção em que Celina havia ido e meu
sangue ferveu ao imaginar as merdas que aquele rapaz tentaria fazer com
ela. Tentaria beijá-la, tocar seu corpo?
Só de pensar em outro homem tocando Celina com intimidade ou
beijando os lábios que eu tanto queria, senti meu coração disparar dentro
do peito, minha testa suou de raiva, não conseguia pensar racionalmente.
Lutei, ignorei, tentei de todas as formas não dar importância
aquilo. No entanto, fui vencido por algo que nem eu mesmo conseguia
explicar, eu só sabia que precisava acabar com toda aquela palhaçada
antes que fosse tarde demais.
Quis justificar que protegeria a garota em nome da amizade que
tinha com seu pai, mas estava mentindo. Eu iria atrás dela porque era a
merda de um homem egoísta, e se eu não poderia ter aquela garota para
mim, nenhum outro homem poderia. 
 

CELINA
 
O passeio ao lado de Jorge àquela hora da manhã estava sendo
bastante agradável. O homem era engraçado, sabia exatamente como me
fazer sorrir de forma descontraída.
Andar a cavalo era uma das minhas maiores paixões, e foi por
isso que aceitei cavalgar ao lado dele por alguns instantes. Passamos pelo
redondel onde Gonçalo, com Samuel, estava adestrando um garanhão
preto magnífico.
Olhei para ele rapidamente pelo canto do olho, admirada de
como ele havia domado o animal em tão pouco tempo, e segui em frente.
Nas últimas semanas, vinha me mantendo longe da sua vista o
máximo que eu conseguia para evitar problemas. O homem já havia
deixado bem claro toda a antipatia que sentia por mim, e eu não poderia
dizer que o tinha em minha alta estima.
Deixamos os piquetes para trás ao alcançarmos o pasto aberto.
Jorge se aproximou, deixando nossos cavalos bem rentes, em um
trote lento e passou a conversar:
— Eu sabia que algum dia te convenceria a sair comigo. —
Piscou.
Sorri e neguei com a cabeça.
— Isso não é um encontro, Jorge, sabe muito bem que estou
cavalgando com você porque não resisto aos cavalos.
Sorridente, ele respondeu:
— Dá no mesmo, querida. Isso é um encontro para mim.
— Se você gosta tanto de se iludir, então continue pensando isso.
Incitei o cavalo a ir mais depressa, com o auxílio de um chicote
que eu usava para cortar o ar, sem encostar no animal. Jorge logo me
alcançou, e seguimos em um trote rápido pela campina a se perder de
vista. Eu me deliciei com o vento fresco que balançava meus cabelos
àquela hora do dia.
Sorri feliz, me sentindo como um pássaro livre que poderia voar
para onde quisesse. Porém, o tropel de cascos logo atrás me fez diminuir
a velocidade e eu me virei na sela para olhar quem estava às nossas
costas.
Surpresa me atingiu ao notar que Gonçalo se aproximava
velozmente, montado no lombo do cavalo recém-domado. 
Os cabelos, agora mais curtos, eram chicoteados pelo vento, os
olhos esverdeados estavam vidrados na minha direção e exalava uma ira
tão intensa que estremeci.
— Mas que diabos… — Jorge praguejou do meu lado,
provavelmente tão confuso quanto eu estava.
Gonçalo pareou o cavalo ao lado do meu, e sem esperar um único
segundo, segurou as rédeas da égua que eu montava, fazendo o animal
parar, e se virou na direção de Jorge.
— Retorne para a fazenda! — ordenou em um grunhido.
— Patrão, eu só… — Jorge tentou protestar, mas sua fala foi
abafada pela timbre feroz de Gonçalo.
— Agora!
Olhei na direção de Jorge, atordoada, enquanto ele apertava os
flancos do cavalo com as botas e saía a toda velocidade.
Voltei-me para Gonçalo, ainda chocada com todo o
acontecimento que havia presenciado.
— Ficou louco? — berrei fora de mim, o coração quase saindo
pela boca. — O que ele fez para você?
O homem me encarou com a expressão impassível, o olhar
flamejando de raiva.
— Eu não sou louco, Celina, mas você não passa de uma menina
tola e mimada.
Ouvir as ofensas gratuitas que ele proferia foi como receber um
tapa em cada lado do meu rosto. Senti-me ameaçada, diminuída, mais
que isso, senti meus nervos aflorarem como nunca.
— O que você quer de mim, Gonçalo? Por que me odeia tanto?
— rebati, irritada, o corpo tremendo.
O homem soltou as rédeas da égua e segurou o meu braço com
certa força, se aproximando mais.
— Aquele cara só quer se aproveitar de você, por que não
percebe isso? — disse, ríspido — Se não é uma tola como diz, então por
que se arrisca a sair com aquele peão para o meio do mato? Não percebe
que ele falta te engolir com os olhos?
Irritada, arranquei o meu braço do seu aperto e puxei o ar com
força para os pulmões.
—  E daí se ele só quer se aproveitar de mim? Não parou pra
pensar que eu poderia querer o mesmo? — menti, tomada de raiva.
Quem aquele homem pensava que era para se meter daquela
maneira no que eu fazia ou deixar de fazer? 
Gonçalo cerrou a mandíbula com força, visivelmente fora de si.
— Vamos voltar para casa, Celina. — exigiu, a voz tão brutal
quanto um trovão numa noite de tempestade.
— Vá se ferrar — gritei sem um pingo de remorso, a raiva que
sentia daquele homem se intensificando a cada minuto. — Você não é o
meu pai.
Tomei o controle das rédeas e levantei o chicote no ar para fazer
a égua sair a galope. No entanto, algo inesperado aconteceu quando o
cavalo recém-domado de Gonçalo percebeu o movimento do chicote no
ar.
Como uma fera de coração livre, pronta para lutar por sua
liberdade, o animal empinou as patas dianteiras, quase que derrubando
Gonçalo no chão, em seguida, saiu em um galope descontrolado.
Senti o coração parar algumas batidas enquanto observava o
homem lutar com afico para se manter firme sobre o lombo do animal.
Lágrimas de puro desespero surgiram em meus olhos, mas eu não permiti
que elas caíssem.
Incitei a égua para ir atrás dele, a culpa me tomando pela tragédia
que poderia acontecer, afinal o chicote que havia assustado o garanhão
ainda estava em minhas mãos.
Não sei exatamente quantos minutos se passaram enquanto eu
tentava me manter o mais próximo possível para socorrê-lo caso
precisasse, quando finalmente percebi que Gonçalo havia controlado o
animal.
Fui diminuindo o ritmo da égua, pouco a pouco, e deixei o
chicote cair no chão, antes de me aproximar o suficiente. Gonçalo guiou
o cavalo na direção de um jatobá de sombra frondosa, saltou do animal e
amarrou a rédea em um galho grosso.
Fiz o mesmo ao me aproximar com a água. Prendi a corda em um
galho afastado do garanhão, e com as pernas bambas, caminhei na
direção de Gonçalo que estava de costas para mim.
— Você está bem? — perguntei, aflita, a respiração
descompassada.
— Estou bem, Celina. — Virou-se na minha direção, o olhar
inquisidor.
Dei um passo na sua direção, analisando o rosto másculo, com
barba cerrada salpicada de fios brancos, o corpo agora mais robusto, os
ombros largos dentro da camisa de mangas compridas.
— Gonçalo… eu… me desculpe. Poderia ter acontecido uma…
— comecei a me desculpar por ter provocado aquela frenesi no cavalo
que poderia tê-lo matado, porém Gonçalo não permitiu que eu
concluísse.
— Você não teve culpa — Deu mais um passo até mim, ficando a
poucos centímetros de distância. — Não poderia saber que o chicote
assustaria o cavalo.
Sua fala estava mais calma, a expressão menos irritada. No
entanto, o olhar caramelo esverdeado mantinha-se sério, analisando meu
rosto com cuidado.
Senti minhas pernas tremerem como gelatina quando Gonçalo
levantou a mão direita e tocou meu rosto. Acariciou minha pele, prendeu
alguns fios do meu cabelo entre os seus dedos. Em um momento, éramos
pura fúria e tempestade, no outro, eu já não sabia explicar a calmaria e o
magnetismo que havia nos envolvido.
— Está enganada, Celina, eu não odeio você — disse baixinho, a
voz rouca.
De imediato, não consegui compreender o que ele queria dizer,
até sentir sua mão serpentear pelo meu pescoço, e então Gonçalo fitou a
minha boca.
Inexplicavelmente, naquele momento, senti que éramos mais
próximos do que deveríamos, que algo profundo nos ligava um ao outro
de uma maneira surreal.
— Muito pelo contrário… — confessou em um murmúrio,
tirando todo o ar que eu necessitava para respirar.
E eu soube, quando vi Gonçalo inclinar a cabeça na minha
direção, que ele iria me beijar ali, debaixo do grande jatobá, em algum
canto isolado da pastagem da fazenda.
Poderia me esquivar, sair de perto dele e ir embora, mas não
consegui me mover ou eu não queria me mover.
Os lábios dele tocaram os meus em uma carícia suave, como se
tivesse me testando e em nada ele exigia. A carícia em meu pescoço se
intensificou e Gonçalo aproximou o corpo um pouco mais do meu,
deixando-nos conectados.
Deslizei os dedos pelo peito daquele homem que me enfurecia e
ao mesmo tempo, me levava ao céu, com apenas um beijo. Entrelacei as
mãos em sua nuca.
Senti que meu coração iria parar a qualquer instante, e depois ele
acelerou a níveis exorbitantes quando Gonçalo deslizou as mãos pela
minha cintura e me apertou contra si. Senti toda a rigidez do seu pênis
em minha barriga. 
Arfei, completamente tomada pelo receio e o desejo.
A boca ávida aprofundou o beijo com movimentos longos e
provocantes, me deixando tonta de prazer. E então seus lábios exigiram
passagem, provocativos, e eu entreabri os meus para receber aquela
carícia tão tentadora.
A língua de Gonçalo penetrou a minha boca com movimentos
lascivos que em nada deixavam a desejar para a imaginação. Uma louca
sensação percorreu meu corpo, algo diferente de tudo que já senti, me
tomando dos pés à cabeça em ondas deliciosas.
Firmei-me a Gonçalo como se ele fosse o porto seguro que me
impediria de cair.
Ele deu um passo para frente, me guiando na direção da árvore,
até que minhas costas ficaram escoradas no tronco largo. E então
Gonçalo Ribeiro tomou meu rosto entre as mãos e ergueu a cabeça
sutilmente, deixando nós dois face a face, olhar com olhar.
— Você é perfeita — sussurrou.
Senti que eu tremia, o coração desenfreado.
A boca máscula voltou a esmagar a minha em um beijo
profundo, carregado de desejo. A língua dura se enfiou entre os meus
lábios, sugando e provocando. Não consegui mais me conter e gemi
baixinho, tomada pelo deleite que aquele beijo me provocava.
— O que estamos fazendo? — murmurei baixinho e sem rumo
quando a boca morna deixou os meus lábios e alcançou a curva do meu
pescoço.
— Eu não sei… — respondeu, tão desanuviado quanto eu estava.
Gonçalo acariciou a minha pele com a barba e a boca, me
fazendo soltar murmúrios roucos. Beijou e mordiscou o lóbulo da minha
orelha, para então voltar a devorar meus lábios com os seus.
As mãos fortes traçaram uma trilha de carícias pela minha cintura
e subiu, até alcançar a curva dos meus seios. Ele acariciou os dois ao
mesmo tempo, me entorpecendo dentro dos seus braços.
— Gonçalo? — chamei seu nome em um murmúrio, tentando ao
máximo tomar o controle.
— Oi? — respondeu com a voz arfante, a respiração errática.
— Eu ainda odeio você! 
Pela primeira vez em todos aqueles dias, eu o vi sorrir, e Gonçalo
deslizou a boca sobre a minha outra vez. Sugou e mordiscou meu lábio
inferior antes de se afastar.
— Precisamos voltar, Celina, do contrário não conseguirei parar
até estar todo enfiado dentro de você.
 
 
CAPÍTULO 12

 
 
GONÇALO
 
 
Deixei que a garota retornasse primeiro para a fazenda, e fiquei
ali debaixo do jatobá, encostado no tronco da árvore, com o sangue
fervendo nas veias. Meu pau doía de desejo reprimido, as bolas se
contraiam, provavelmente ficariam doloridas no dia seguinte.
Deslizei os dedos pelo volume que marcava a calça e abri o zíper.
Ajeitei o membro de um lado da cueca, pois a posição anterior estava
apertada e incomodando como o inferno.
Ainda podia sentir o cheiro dela sobre mim, o gosto do beijo com
sabor de café, o volume dos seios deliciosos em minhas mãos, a forma
como ela gemeu quando a estreitei dentro dos meus braços e enfiei a
língua em sua boca.
Eu havia me transformado em um lobo faminto e quase perdi o
total controle. Que espécie de amigo eu era quando na primeira
oportunidade beijava e desejava devorar a filha de Joaquim?
— Merda. O que eu fiz? — murmurei para mim mesmo e
tranquei as pálpebras, meu corpo ainda tremendo com vontade de fazer
amor com ela.  — Se controle, Gonçalo. Ela é só uma menina, maldição.
Esperei alguns minutos até que meu corpo se acalmasse um
pouco, e a excitação diminuiu. Voltei a montar o cavalo e o incitei a
andar em um trote lento. A partir daquele momento, passei a chamar o
garanhão de Trovão. Era o nome perfeito para ele, rápido, explosivo e
perigoso.
Cheguei aos estábulos e entreguei o animal aos cuidados de
Samuel. O rapaz me olhou com a testa franzida, o olhar inquisitivo e um
risinho espirituoso de quem havia captado os últimos acontecimentos.
Encarei-o com a expressão fechada, não dando brechas para
qualquer espécie de gracinha, e retornei para o casarão. O sol já estava
alto no céu quando entrei na cozinha. Não havia ninguém ali, a única
coisa que cortava o silêncio era o apito incessante da panela de pressão. 
Tomei um grande copo de água gelada e me sentei à mesa,
pensativo. Aproveitei o minuto de pausa para comer uma maçã. Ouvi
passos rápidos se aproximando e imaginei ser Berenice que retornava à
cozinha para dar continuidade ao almoço.
Continuei comendo tranquilamente, os últimos acontecimentos
haviam me deixado tão faminto quanto um leão.
— Berenice, será que… — Celina entrou na cozinha chamando
por Berenice, mas se calou assim que me avistou ali.
Ela carregava em seus braços pequenos uma montanha de roupas
limpas e secas que havia pego no varal, os cabelos agora estavam presos
em um rabo de cabelo.
Seus bochechas coraram assim que nossos olhares se
encontraram.
— Pensei que Berenice estivesse aqui. Eu… — Olhou para as
roupas, notavelmente nervosa. — Vou deixar isso no seu quarto.
Movimentou-se para sair, mas fui mais rápido e me levantei.
Chamei por Celina:
— Espere! — Caminhei na sua direção, incapaz de desviar o
olhar do seu rosto angelical e suave, o corpo voltando a incendiar na
presença dela, mas me controlei, e parei a alguns centímetros de
distância.
— Sobre hoje lá no pasto…  — Pausei a fala ao sentir a tensão
que exalava do seu corpo. Celina estava arredia, temerosa.
— Não é preciso que diga nada, Gonçalo. — Apressou-se em
falar como se pudesse adivinhar o teor da conversa. Deu um passo para
trás, desviando o olhar do meu. — Eu sei que nada daquilo deveria ter
acontecido. Fique tranquilo.
Apesar de ser o certo a ser feito, ouvir aquelas palavras
proferidas por ela não trouxe a tranquilidade que eu almejava. Ainda
sentia vontade de tomar a garota nos braços, ainda queria sentir o corpo
nu e suado debaixo do meu enquanto eu a fodia.
— Sim, é exatamente isso, Celina. Sou muito amigo do seu pai, e
me sinto culpado pelo inconveniente que aconteceu mais cedo. Fico feliz
que estamos entendidos sobre isso.
Minha voz saiu firme, apesar do tormento que me consumia por
dentro.
— Certo. — Ela assentiu sem me encarar, e segurou as peças de
tecido com mais força entre os braços.
Naquele instante, Berenice entrou na cozinha segurando um cesto
com algumas verduras da horta, parou na porta e olhou de mim para
Celina.
— Algum problema? — questionou com a sobrancelha arqueada,
o olhar questionador. — Filho, não está implicando com a menina de
novo, não é?
A tensão crepitou o ar quando Celina me encarou com o rosto
afogueado de vergonha, e em seguida balançou a cabeça em negativa na
direção de Berenice.  Tentou sorrir.
— Está tudo bem, Berenice. Não se preocupe. —  Olhou para os
lados, como se procurando uma desculpa qualquer que justificasse nós
dois ali, conversando na cozinha. — Só estava vendo se o patrão gostaria
que eu passasse algumas camisas. Com licença.
— Hum.
A mulher não pareceu muito convencida com as explicações de
Celina, no entanto, não disse mais nada.
Olhou na minha direção de soslaio e caminhou até a pia.
Sem esperar mais um segundo, Celina saiu da minha vista.
Inspirei com força e voltei a me sentar na mesa, os nervos
aflorados.
Disse para mim mesmo que havíamos tomado a melhor decisão,
mas ouvir aquilo dos lábios dela me desestabilizou.
Os minutos passaram enquanto permaneci ali, reflexivo. Só então
notei que Berenice me observava com atenção. A mulher caminhou até a
mesa e se sentou ao mesmo tempo em que secava as mãos no avental.
— O que está te incomodando, filho? — perguntou, preocupação
estampada em seu semblante. — Por favor, não diga que está pensando
em voltar para São Paulo?
Berenice me encarou com aquele olhar aflito e eu abaixei a
cabeça. Um sorriso triste surgiu em meus lábios ao constatar o quanto ela
ainda estava ferida por eu ter me isolado sem dar qualquer notícia a
ninguém ali. A mulher partilhava do mesmo medo que a minha mãe,
embora tentasse se manter durona. Mas, conhecendo Berenice como eu a
conhecia, sabia que ela me amava tanto quanto amava seus filhos, e tinha
um coração tão mole quanto manteiga batendo dentro do peito.
— Eu não irei embora, Berenice. — Tentei tranquilizá-la e ergui
o olhar.
A preocupação havia dado lugar a lágrimas não derramadas, mas
o receio continuava ali.
— Por que fez isso, filho? O que aconteceu em São Paulo para
você desaparecer daquela maneira? — questionou.
Surpresa me atingiu ao constatar que Berenice, e provavelmente
todos ali não tinham conhecimento do que havia acontecido com Laura.
— Dona Lúcia nem Manoel disseram nada? — questionei,
estarrecido.
— Não — negou com um aceno de cabeça. — Sua mãe e seu
irmão decidiram não tocar no assunto. Disseram que seria uma decisão
sua compartilhar o que havia acontecido. — Continuou me fitando com
atenção, na espera de uma explicação plausível, após todo aquele tempo.
Inspirei fundo e a fitei intensamente, o peito apertado.
Doía tanto falar sobre Laura. Relembrar tudo era como revolver
uma ferida profunda que lutava para se curar, mas a cura nunca vinha.
Senti que minhas mãos gelaram e um suor frio começou a brotar em
minha testa, tornou-se difícil respirar.
— Laura e eu iríamos nos casar em algumas semanas — comecei
após refletir um pouco, e fiz uma pausa enquanto cruzava os dedos sobre
a mesa.
— Sim. — Berenice assentiu. — Vocês viriam para a fazenda
passar alguns dias conosco, e depois todos nós iríamos para São Paulo,
para o seu casamento.
Balancei a cabeça em concordância, e engoli saliva, buscando
forças do fundo da minha alma para continuar.
— Era uma noite de sexta-feira, e eu havia marcado com Laura
para jantarmos após o fim do meu plantão, em um restaurante próximo
ao hospital que era sócio. — Fechei os olhos, relembrando cada detalhe
do que aconteceu naquela noite, e senti o coração acelerar. — Laura foi
para o restaurante e ficou me aguardando, mas tive um imprevisto com
um paciente e… não consegui… chegar a tempo. — Minha voz começou
a falhar, o suor aumentou.
— Você está tremendo… — Berenice interveio, aflita, e segurou
minha mão com cuidado. — Não precisa continuar se isso te faz tão mal,
filho, me desculpe…
— Não — interrompi Berenice, mesmo sentindo o coração
partido, a ferida sangrando. Ela merecia saber. — Laura decidiu sair do
restaurante e foi andando para o hospital para me encontrar… — A voz
saiu estremecida, todo o meu corpo se agitou. — No caminho, ela foi
abordada por dois homens de moto.
Senti que minha garganta estava mais seca que o normal, e um
bolo incômodo impedia que eu engolisse saliva.
— Oh filho… — Os olhos de Berenice estavam assustados, e sua
expressão aflita demais em antecedência ao que eu diria a seguir.
— Levaram a bolsa de Laura e o anel de noivado que ela
carregava no dedo… foram embora e deixaram minha noiva ali, caída no
chão com dois tiros na cabeça.
Ouvi quando Berenice soluçou baixinho e ela se levantou para
vir até mim. Inclinou-se na minha direção e me abraçou de lado com
força, as lágrimas molhando minha camisa.
— Eu era o único médico cirurgião disponível naquele momento
no hospital — continuei narrando o que havia acontecido, as lembranças
passando em minha cabeça lentamente como um filme que eu daria tudo
para esquecer. 
Eu me vi novamente naquela sala de cirurgia, pronto para realizar
um procedimento de vida ou morte na mulher que eu amava.
Eu fui forte, eu tive fé em Deus, tentei dar o meu melhor.
— Laura teve duas paradas cardíacas e morreu nas minhas mãos,
Berenice, enquanto eu tentava reanimá-la. Eu… eu falhei com ela. Se eu
não tivesse me atrasado… Laura estaria comigo.
— Sinto muito querido, sinto muito… — Seus braços me
apertaram com mais força, e Berenice acariciou meu rosto com uma das
mãos.
— Quando a ficha caiu de que ela havia morrido, eu desabei. Eu
lembro vagamente de ter saído da sala, sem rumo, com as mãos e as
roupas ensopadas com o sangue dela. Eu me sentei no chão do corredor e
enfiei a cabeça entre os braços…  — Berenice estava em silêncio quando
pausei a fala, apenas sentia o líquido salgado que escorria pelas suas
bochechas molharem a gola da minha camisa.  — Às vezes, eu sinto que
ainda estou naquele corredor, afundado em dor. E o pior é que não sei
como sair dali. A culpa me corrói dia após dia. Eu… Nunca irei me
perdoar por ter falhado com Laura duas vezes naquela noite.
 
CAPÍTULO 13

 
 
GONÇALO
 
 
— Oh filho. Eu julguei tanto você… — A mulher se afastou um
pouco e voltou a se sentar em uma cadeira do meu lado, segurando
minhas mãos entre as suas — Quando não veio para o enterro do seu pai
por causa do trabalho, e depois demorou tanto para decidir trazer sua
noiva aqui na fazenda, pensei que não se importasse mais conosco.
Pensei que havia perdido aquele menino lindo e inteligente que vi
crescer.
Acariciei suas mãos calejadas pelo trabalho duro no campo. De
certa forma, eu também era o culpado por tudo aquilo. Minha vida
sempre se resumiu em trabalho e mais trabalho. Só agora eu entendia
como as pessoas à minha volta se sentiam em um segundo plano,
incluindo Laura.
— Aquele menino sonhador se foi, Berenice — expressei
baixinho.  — Ele ficou aqui na fazenda quando eu decidi ir embora para
São Paulo me dedicar à medicina.
Berenice suspirou, mas balançou a cabeça em negativa.
— Não, filho. Aquele garoto ainda vive dentro de você. Eu posso
sentir. — Tentou sorrir, embora ainda chorasse. — Precisa se libertar
desse martírio, só assim vai conseguir seguir em frente. Você não foi o
culpado pela morte dela, Gonçalo. Tenho certeza de que de onde está,
Laura está torcendo para que você seja feliz. Acredite nisso, filho.
Berenice falava com tanta convicção que por um segundo me vi
fadado a acreditar que de alguma maneira, as coisas se resolveriam
algum dia.
— Obrigado! — agradeci, satisfeito, e muito mais leve por ter
desabafado com ela. Sentia como se tivesse tirado um peso gigantesco
das costas.
Durante os minutos seguintes, conversamos sobre a vida, Laura e
a fazenda. Depois, Berenice precisou se ocupar com o almoço.
— Preciso terminar isso aqui ou ninguém come hoje — ela disse,
curvando os lábios em um riso aliviado. — Será que poderia buscar um
pouco de lenha para mim? Para relembrar os velhos tempos — brincou.
Eu me levantei da cadeira, e assenti para ela.
— É claro! — Coloquei o chapéu na cabeça e saí na direção da
porta dos fundos.
A lenha cortada ficava armazenada em uma estrutura de ferro
próximo à porta que dava acesso à cozinha. Peguei as poucas toras que
restavam ali e as coloquei perto do fogão à lenha, que ficava em um
canto, afastado dos armários, para que Berenice pudesse usar.
Retornei ao quintal e decidi encher a estrutura novamente.
O local usado para partir a lenha, ficava a alguns metros da casa,
próximo ao pomar. Peguei uma madeira robusta que estava junto à pilha
e a coloquei sobre um tronco de árvore grosso que havia ali para este fim.
Com o auxílio do machado, cortei a madeira ao meio com machadadas
vigorosas, em seguida, parti cada parte em quatro lascas.
Repeti o processo inúmeras vezes até perceber que era o
suficiente e fui empilhando a lenha na estrutura até que o local estivesse
cheio novamente.
Ao final do trabalho, senti o suor escorrer pela testa e as costas.
O calor era incessante naquela hora do dia.
Tirei a camisa molhada de suor, sequei a testa e coloquei o tecido
sobre à pilha de madeira que havia restado.
Inspirei fundo, estava me preparando para sair dali, lavar o rosto
e as mãos na torneira que ficava perto da varanda da cozinha, quando de
repente tive aquela sensação estranha de quem está sendo observado.
Levantei o olhar para o andar de cima e o que vi me pegou
totalmente desprevenido.
Celina me observava de um dos quartos de visita, provavelmente
havia estado ali durante todo o tempo em que eu partia a lenha. A garota
se assustou quando a olhei e saiu da janela, fechando a cortina em
seguida.
Abaixei a cabeça pensativo, um riso idiota tomou conta dos meus
lábios, relembrando o olhar alarmado da garota na minha direção ao ser
pega em flagrante.
O que ela queria ali? Questionei a mim mesmo. Estaria
gostando da vista?
Após refletir por alguns instantes, decidi que aquilo não passava
de uma bobagem. Era apenas curiosidade de uma garotinha inexperiente,
espiando o patrão.
 

CELINA
 
Encostei as costas na parede com o coração batendo desenfreado
no peito.
Gonçalo havia me pego no flagra, espiando-o enquanto cortava e
empilhava lenha. O que ele pensaria de mim?
Que eu era alguma louca, com certeza.
Estava trocando os lençóis do quarto de visitas naquele horário e
aproveitei para abrir a janela para arejar o cômodo, quando percebi que o
homem iria começar a cortar lenha.
Gonçalo havia passado muito tempo na cidade, mas pelo visto, os
anos distantes não interferiram na sua destreza para trabalhar no campo.
De onde estava, notei o quanto sua pele estava mais bronzeada desde que
chegou. Os braços, mais fortes, o tórax marcando o tecido da camisa.
Ele era tão diferente dos homens que trabalhavam na fazenda, ao
mesmo tempo em que parecia estar entranhado em cada pedaço daquelas
terras.  Eu nunca havia conhecido um homem como ele, com aquele
magnetismo, aquela força.
Disse a mim mesma que precisava sair dali e voltar ao trabalho,
mas eu não conseguia me mover, não conseguia parar de olhá-lo. Eu
estava vidrada em cada passo que ele dava, em cada arremetida do
machado contra a madeira.
Quando ele terminou com a lenha e tirou a camisa para secar o
suor da testa, eu senti que iria desmaiar ali. Meu corpo esquentou, a
temperatura parecia ter subido além do suportável.
Não entendia o que estava acontecendo comigo, mas de repente o
beijo que trocamos mais cedo veio à minha cabeça e senti meus lábios
formigarem querendo mais. Meus seios incharam ao relembrar as mãos
dele apertando minha carne. Meu corpo inteiro entrou em chamas. Eu
ardi por aquele homem, senti a calcinha ficar úmida.
Eu estava querendo desesperadamente ser tocada e acariciada
pelo Gonçalo Ribeiro, meu patrão, o homem que me tirava do sério. 
Ainda com a pele afogueada e o coração descontrolado, eu saí
daquele quarto, repetindo para mim mesma que o que eu havia acabado
de pensar era loucura. Gonçalo e eu éramos como água e óleo, não nos
misturávamos e muito menos fazíamos questão de estarmos na presença
um do outro.
O que aconteceu mais cedo, não passou de um instante de
adrenalina intensa, após ele ter corrido risco de vida em cima daquele
cavalo. Eu precisava colocar um ponto-final naqueles pensamentos
idiotas. Não voltaríamos a nos aproximar outra vez, Gonçalo deixou isso
bem claro na cozinha.
Desci as escadas a toda pressa, e encontrei Berenice preparando a
mesa do almoço. Minha respiração estava errática, mas forcei um risinho
amarelo quando passei por ela e fui até a cozinha em busca de água.
Berenice veio atrás de mim, me observando de perto com aquele
olhar astuto de quem não deixa nada passar despercebido.
— Aconteceu alguma coisa, Celina? — questionou, com as
sobrancelhas franzidas. — Você está suada e mais vermelha que tomate
maduro, menina.
Passei as mãos em meu pescoço e sequei a testa. Inspirei e
expirei para tentar me acalmar.
— Só estou um pouco cansada, Berenice. Não é nada de mais —
justifiquei e tentei sorrir um pouco, mas o riso morreu em meus lábios
quando Gonçalo entrou na cozinha com os cabelos molhados e o corpo
nu da cintura para cima, as gotas de água escorrendo pelo peito à mostra.
Olhei na sua direção, mas desviei o olhar tão rápido como um
raio. No entanto, eu não era a pessoa mais perspicaz do mundo para
esconder minhas emoções, e quando levantei a cabeça na direção de
Berenice, notei que ela me analisava com cuidado.
Naquele momento, eu soube que havia acabado de colocar uma
pulguinha atrás da orelha da mulher. 
— Vá se banhar, filho, o almoço está quase pronto — disse para
Gonçalo.
Quando voltei a olhá-lo, o homem havia acabado de secar um
copo de água gelada. Mal olhou na minha direção antes de sair.
— Me ajude aqui, Celina — Berenice pediu, apontando na
direção da travessa com salada que estava sobre o balcão. — Deixe isto
sobre a mesa de jantar e venha almoçar, filha.
Fiz o que ela pediu, embora sentisse que algo lá dentro do peito
incomodava pela indiferença dele, mal notando minha presença.
Deixei a travessa de porcelana sobre a mesa e retornei à cozinha.
Mas decidi que não iria almoçar ali no casarão, precisava ir para casa
tomar um banho e tentar relaxar um pouco, do contrário iria passar o
restante do dia enfiando o pé na jaca como havia feito em vários
momentos daquela manhã.
CAPÍTULO 14

 
 
CELINA ABREU
 
 
As semanas passaram e minha rotina continuou a mesma.
Acordava cedo para ir à fazenda arrumar e limpar os cômodos, às vezes
almoçava no casarão, em outras ocasiões, preferia ir para casa.
No período da tarde retornava a sede para ajudar Berenice no que
fosse necessário, e à noite jantava com meu pai após ele chegar do
trabalho, isso quando ele resolvia chegar cedo.
Aos domingos, ia à missa com Berenice e dona Lúcia.
Geralmente era o filho mais velho de Berenice que nos levava até o
vilarejo. Às quintas e sextas à tarde, eu lia historinhas para as crianças
que estudavam na única escola de Lagoa Comprida.
Minha relação com Gonçalo permaneceu distante. Eu quase não
o via pela casa, e os momentos que tinha o desprazer de encontrá-lo,
pouco nos falamos.
Ele estava levando a sério a promessa que fez sobre ficarmos
longe um do outro, e eu também não fazia a mínima questão de me
aproximar. Estava tudo caminhando bem assim.
Naquela sexta, enquanto terminava de ler Uma Casa na Grande
Floresta para as crianças da escolinha, observei que o céu estava escuro e
trovoadas relampejavam para todos os lados.
O tempo havia mudado, e aquele era o indício de que uma forte
chuva estava se aproximando. Fechei o livro tão querido por mim, com
coração quentinho dentro do peito ao reler aquela história tão linda.
Olhei para as crianças que estavam sentadas e bem comportadas
no chão, os olhinhos brilhando, encantadas com a história.
— Conta mais, tia Celina. Quero saber tudo sobre Laura e o Jack,
e sua família morando na casinha de troncos na floresta.
Sorri com a empolgação da sonhadora menina, mas eu precisava
ir, do contrário, iria ficar ensopada até a alma.
— Semana que vem, Tereza. Irei contar a história do segundo
livro para vocês, quando Laura e sua família vão morar na pradaria.
— Ohhhh! — As crianças disseram em uníssono, admiradas com
as aventuras da pequena Laura e seu cachorrinho Jack.
Guardei meu material de trabalho em um armário ali na
minúscula sala de aula, incluindo o livro da autora americana Laura
Ingalls. Eu me despedi da professora e das crianças, e segui meu
caminho, carregando apenas uma pequena bolsa com alguns pertences.
Geralmente eu ia a cavalo para o vilarejo, mas como meu pai iria
comprar alguns suprimentos naquela tarde, peguei carona com ele na
velha picape. Ficamos combinados de que ele me buscaria no final da
tarde, porém, tudo indicava que iria chover, por isso decidi não esperar
por ele e fui andando.
Não demorou muito para caírem as primeiras gotas de chuva. Eu
já havia saído do povoado a alguns minutos, e caminhava apressada pela
estrada de chão esburacada, rodeada de pastos e matas.
Os pingos grossos começaram a cair mais depressa, doía na pele.
Cruzei os braços um no outro, pois o vento soprava forte,
trazendo consigo um friozinho intenso.
Apressei o passo, tentando ao máximo fugir da chuva. Contudo,
meus esforços não foram nem de perto suficientes para impedir que o céu
desabasse sobre minha cabeça.
Rapidamente a estrada ficou alagada por densas enxurradas de
água barrenta. O vestido que eu usava colou-se ao meu corpo,
completamente ensopado, meu cabelo se transformou em uma verdadeira
bagunça. 
Continuei andando, tentando tomar cuidado para não escorregar e
cair, ou tropeçar em algum buraco na estrada.
A chuva se intensificou mais, se é que isso fosse possível.
Trovões e relâmpagos cortavam o céu. Ainda era cedo, por volta das
quatro da tarde, mas parecia ser quase noite.
Notei que o farol de um carro se aproximava e caminhei na
direção da cerca para dar passagem.
Reconheci a picape de dona Lúcia, e me senti aliviada
imaginando ser o meu pai. Contudo, ao raciocinar melhor, não fazia
muito sentido ele colocar a picape da patroa na lama quando havia outros
transportes na fazenda disponíveis para os funcionários.
Ainda assim, voltei para a estrada para tentar uma carona de
volta para casa, do contrário o motorista poderia passar direto e não me
veria ali debaixo do aguaceiro.
Apressei o passo, atolando os pés na lama, e sacudi os braços
para ser vista.
O pé direito ficou preso em uma poça, e então puxei com força.
No momento em que consegui desatolar, o esquerdo escorregou para trás
e eu perdi o equilíbrio.  Caí de cara no chão, dentro de um poço
razoavelmente fundo. Fiquei enlameada dos pés até o último fio de
cabelo.
Tentei me levantar, minhas pernas tremiam, as gotas de chuva
não davam trégua em meu rosto. A lama era escorregadia demais para
que eu conseguisse me levantar sem escorregar outra vez.
Senti uma pontada forte no joelho, seguida de uma ardência
latente, mas continuei lutando para sair daquele lamaçal pegajoso no qual
eu havia me enfiado. 
Senti mãos grandes segurarem meus ombros, e então alguém me
ergueu do chão. A voz inconfundível de Gonçalo me fez tremer dos pés à
cabeça.
— Celina… mas que merda você está fazendo? — Nem sequer
tive forças para rebater o comentário idiota proferido por ele. O que
Gonçalo achava? Que eu estava brincando na lama debaixo de toda
aquela chuva? — Venha, vou te levar para casa.
Os braços fortes me firmaram contra seu corpo, pela cintura, e eu
dei um passo trêmulo para longe do poço enlameado. A ardência em
minha pele se intensificou e eu manquei quando coloquei a perna que
provavelmente estava machucada no chão.
Não reclamei, estava envergonhada demais por ser salva daquela
situação justamente por Gonçalo Ribeiro. Ele me guiou por um caminho
mais firme, até alcançarmos a picape que estava estacionada no meio da
estrada.  Abriu a porta que dava acesso ao banco do carona e me ajudou a
subir.
Quando eu já estava acomodada, Gonçalo deu a volta no carro e
se sentou no banco do motorista. O olhar caramelo esverdeado foi
certeiro na minha direção.
— No que estava pensando ao sair nessa chuva? — questionou
rispidamente. O homem estava tão encharcado quanto eu, com exceção
da lama no cabelo.
— Não estava chovendo quando eu saí do vilarejo — justifiquei
sem forças para discutir. Estava trêmula de frio.
Gonçalo suspirou pesadamente e colocou as mãos molhadas no
volante.
— Não viu as nuvens sobre você, Celina? O céu estava quase
desabando sobre nossas cabeças de tão carregado. — Sua voz hostil
causou latejos em minhas têmporas.
— Eu sei me cuidar, Gonçalo. Essa não é a primeira chuvinha
que me pega pelo caminho e nem será a última. Além disso, achei melhor
vir andando que esperar até mais tarde, quando meu pai fosse me buscar.
Irritado, o homem deu a partida na picape, mas parou um
segundo depois na beirada da cerca.
— Você não estava se cuidando quando a encontrei dentro
daquele poço, garota. — Ele me analisou de cima a baixo, o olhar
enraivecido. — Poderia ter se machucado.
— Mas não me machuquei — menti, estava chateada demais
para admitir que meu joelho latejava de dor. Também não tive coragem
para conferir o estrago na frente dele. Quando eu chegasse em casa,
cuidaria disso.
A chuva amenizou um pouco e Gonçalo voltou a dar a partida na
picape. Abracei meu próprio corpo tremendo de frio, fechei e abri os
olhos.
A água e a lama escorriam para todos os lados, mas o que mais
me apavorou foi o líquido denso e quente que fluiu em minha perna
machucada, indicando que o ferimento não era assim tão simples.
Após alguns minutos, o homem saiu da picape para abrir o portão
principal da fazenda e logo retornou. O olhar perspicaz se voltou na
minha direção e Gonçalo estreitou os olhos.
— Está pálida… — comentou enquanto me observava.
— Não é nada. — Virei o rosto para o lado, sentindo-me trêmula.
— O que você estava fazendo na estrada debaixo de todo esse temporal?
— desconversei.
Gonçalo ficou em silêncio por alguns segundos, deu a partida no
carro e seguiu na direção do casarão.
— Fui buscar você, Celina. Seu pai havia comentado que teria
que buscá-la no vilarejo e, como eu estava desocupado, me prontifiquei.
Surpresa me atingiu ao ouvir o que ele dizia e suspirei baixinho.
— Obrigada — agradeci, mas internamente sabia que não
passava de um estorvo para ele. Gonçalo me evitava tanto na fazenda que
eu não sabia mais o que pensar ou esperar. — Não precisava ter se dado
ao trabalho.
O homem não disse mais nada, nem sequer me olhou. Parou a
picape próximo a varanda dos fundos, deu a volta no carro e abriu a porta
do carona.
Só então me toquei de que ele não iria me levar direto para casa.
— Venha, Celina. Precisa se secar ou vai ficar doente —
praticamente ordenou, ali, debaixo da chuva que ainda caía, embora não
tão forte quanto antes.
As gotas de água desciam pelo rosto de barba cerrada e
ensopavam ainda mais a camisa de mangas que ele usava. A lama da
estrada se derretia aos seus pés, sendo levada pela chuva.
— Quero ir para casa, Gonçalo. Posso me trocar por lá mesmo —
falei com convicção.
— Não seja teimosa, Celina. Primeiro se seque, quando a chuva
passar, eu te deixarei em casa. 
Sem nem mesmo esperar por uma resposta, Gonçalo passou o
braço em volta da minha cintura para me erguer do banco do carro. Pelo
visto, paciência também não era um dos seus pontos fortes.
— Cuidado, o meu joelho… — falei, trêmula quando o homem
tocou minha perna para me ajudar a levantar e o processo repuxou a
carne daquela região.
Quase gritei de dor, e levantei um pouco a barra do vestido
enlameado e rasgado para cima.
Havia um corte imenso ali, causado por alguma lasca de madeira
na estrada quando caí.
O sangue escorria pela minha perna, misturando-se a lama.
Gonçalo me encarou friamente, irritação tomando conta do seu
semblante, a mandíbula cerrada. Segurou minha cintura, passou o outro
braço debaixo da minha coxa e me ergueu no ar, firmando meu corpo
contra o peito molhado.
Não disse nada enquanto me levava para dentro, as passadas
firmes.
Berenice e dona Lúcia estavam na cozinha quando ele entrou me
carregando nos braços. Ambas se levantaram ao ver o estado caótico em
que nos encontrávamos. No entanto, vergonha era a única coisa que eu
sentia, mal conseguia respirar ali nos braços dele.
—  Céus… mas o que aconteceu? — Dona Lúcia perguntou e
caminhou até nós, sendo seguida por Berenice.
— Ela está machucada — respondeu e se virou na direção de
Berenice.  — Prepare algo quente para Celina comer, eu vou levá-la ao
andar de cima para se lavar e cuidar do ferimento. — Retornando na
direção da mãe, concluiu: — Arrume roupas secas para ela.
Quis dizer que ele estava exagerando, que não precisava de tudo
aquilo e era só me levar para casa que eu ficaria bem. Contudo, a última
coisa que eu queria era começar uma discussão ali, no meio da cozinha,
tendo dona Lúcia e Berenice como testemunhas.
Gonçalo subiu as escadas em questão de segundos, como se eu
não pesasse nada. Abriu a porta do seu quarto e me carregou para dentro
do cômodo, direto para o banheiro.
CAPÍTULO 15

 
 
CELINA ABREU
 
 
Gonçalo me colocou dentro do box do banheiro, mas não me
soltou. Com uma mão entrelaçada à minha cintura, abriu o chuveiro e
verificou a temperatura, permitindo que o líquido morno escorresse pelo
piso.
— Precisa de ajuda para se despir? — perguntou baixinho, tão
perto.
Balancei a cabeça em negativa, mas não me movimentei para me
despir. Apenas tirei a pequena bolsa que ainda estava pendurada em meu
pescoço, e prendi a alça em um suporte para toalhas. Permanecei parada,
me segurando em seu ombro, sendo tomada pelo calor que emanava do
seu corpo.
— Não é necessário — respondi finalmente, a voz fraca. — Não
precisava ter me trazido aqui Gonçalo, era só me levar para casa e estaria
tudo certo. — Tentei protestar, mas não havia argumentos capazes de
barrar aquele homem.
— Shiii… não diga mais nada. Você está tremendo. — A voz
autoritária tinha dado lugar à sutileza, e eu relaxei um pouco.
Gonçalo me colocou debaixo do chuveiro com roupa e tudo.
Meus pés ficaram completamente enfiados em lama derretida, que se
misturava ao sangue que havia escorrido pela minha perna.
Ardeu ainda mais quando a água quente tocou o ferimento.
— Vou dar uma olhada nisso aqui, fique quieta para não
escorregar.
Meu corpo se arrepiou quando ele se afastou, levando embora o
calor que tanto me confortava. Eu me firmei na parede às minhas costas e
mordi o lábio inferior, tomada de dor.
Gonçalo se ajoelhou à minha frente e ergueu um pouco a barra do
vestido. Inclinou minha perna para a frente, de maneira que a água morna
pudesse varrer a sujeira para longe e inspecionou o machucado com
cuidado.
— É um corte profundo, Celina. Vai precisar de pontos, mas o
sangramento já foi estancado.
Tremi quando ouvi as palavras proferidas por ele. Morria de
medo de agulhas, e jamais, em hipótese alguma, conseguiria ficar quieta
ou sóbria enquanto era costurada.
— Não, isso não, por favor — reclamei, amedrontada e me
movimentei para enfiar o corpo todo debaixo da água quente.
Gonçalo se ergueu novamente e puxou a barra do meu vestido
para cima.
— Me deixe te ajudar com isso. — Fitou meus olhos assustados,
como se me pedisse permissão em silêncio para continuar.
Assenti. Não sabia exatamente o que estava fazendo naquele
momento. Só sentia dor, frio. Desejava desesperadamente ter de volta o
calor de suas mãos sobre mim. O homem tirou o tecido molhado e sujo
pela minha cabeça, mas não desceu o olhar para inspecionar a minha
quase nudez.
No entanto, com a proximidade dos nossos corpos, pude sentir a
tensão que exalava dele. Gonçalo fitou a minha boca e umedeceu os
lábios. Meu coração acelerou diante daquele contato tão íntimo,
estávamos tão próximos um do outro.
Ele inclinou o rosto na minha direção, os olhos focados nos meus
lábios, como se tomado por uma espécie de transe, fascínio. Nossas
bocas se rasparam levemente, mas eu virei a cabeça para o lado, negando
o beijo que ele queria.
Fechei e abri os olhos algumas vezes, o peito subindo e descendo
por causa do ritmo acelerado da minha respiração, o coração batendo tão
forte que quase se sobressaia sobre o barulho do chuveiro ligado.
Olhei na direção dele, e vi algo parecido com dor em seu olhar,
mas Gonçalo não pareceu dar muita importância aquilo.
Limpou a garganta e se afastou um pouco.
— Lave bem o ferimento com sabão. Eu vou me lavar no
banheiro social e pegar um kit de primeiros socorros — A expressão dura
estava de volta em sua face.
Em um segundo, o homem estava no banheiro comigo, me
passando instruções, no outro, a porta batia às suas costas e ouvi seus
passos se afastando rapidamente de onde eu estava.
Levei alguns segundos para me recuperar, por fim decidi acabar
logo com aquilo.
Tirei a calcinha e o sutiã que eu usava, ficando completamente
nua, no banheiro dele. Peguei um vidro de shampoo que encontrei no
suporte e usei para lavar os cabelos sujos de lama.
Quando finalmente terminei o banho, peguei uma das toalhas que
eu mesma havia colocado nos armários do banheiro, e me sequei. Enrolei
o tecido em volta do meu corpo e penteei os cabelos com o auxílio de um
pente que estava sobre a pia, desfazendo os nós mais difíceis com os
dedos.
Saí do banheiro mancando, firmando-me nas paredes para não
me desequilibrar e cair no chão.
Notei que o piso já havia sido limpo por alguém, e sobre a cama
estava uma camisola branca de algodão, que imaginei pertencer à dona
Lúcia.
Segurei a peça muito bem dobrada entre os dedos, abri o tecido e
vesti a camisola pela cabeça. A peça era delicada, macia, e cheirava
maravilhosamente bem a flores do campo.
A barra da camisola bateu abaixo dos meus joelhos, também
ficou um pouco folgada, mas era deliciosamente confortável. Tomada por
uma sensação reconfortante, eu me deitei de um lado da cama e esperei
por ele.
O colchão era tão macio, convidativo. Tive vontade de fechar os
olhos e dormir. Senti o cheiro de Gonçalo no travesseiro e inspirei o
aroma másculo com força. Eu me sentia tonta, inebriada, todos os
sentidos voltados para a intensidade que era aquele homem.
Os minutos passaram e logo ouvi batidas firmes na porta. Meu
coração deu um salto no peito, eu já sabia que era ele, podia sentir. 
— Entre!
A porta foi aberta e um Gonçalo de banho recém tomado entrou
no quarto, carregando uma maleta branca na mão.
— Oi… se sente melhor? — perguntou sem me encarar, e
colocou a maleta sobre a mesinha de cabeceira.
— Sim. Estou bem — confirmei.
Ele vestia uma calça de moletom cinza e uma camiseta preta que
se agarrava aos músculos do corpo.
Tirou algumas coisas do recipiente e se virou na minha direção.
Os olhos esverdeados fizeram uma varredura rápida pelo meu corpo, e
Gonçalo se aproximou de onde eu estava. O colchão afundou quando ele
se sentou ao meu lado.
— Pronta?
Levou as mãos à barra da camisola. Ergueu um pouquinho o
tecido até que o ferimento tivesse descoberto.
— Por favor, diga que não vai me costurar — pedi, trêmula de
medo.
O homem sorriu enquanto analisava o corte com atenção.
— A cicatriz vai ficar feia se não for suturada, Celina —
explicou
— Eu não me importo — retruquei, pouco me importando se
ficaria ou não alguma cicatriz, e que aparência ela teria. 
O homem me encarou por alguns segundos, parecia preocupado,
pensativo.
Ele ergueu um pouco a minha perna, pegou um travesseiro e
colocou debaixo da curvatura do joelho. O calor de suas mãos contra
minha pele me fez estremecer e eu arfei.
— Isso vai arder um pouco — avisou e logo em seguida aplicou
uma solução desinfetante sobre o ferimento.
Ardeu tanto que senti meus olhos marejarem. Mas me mantive
firme, sem me mover do lugar. Qualquer passo em falso na posição em
que me encontrava, iria revelar a ele não somente um joelho machucado,
mas também que eu estava nua por baixo da camisola. Seria humilhação
demais para um único dia.
Gonçalo terminou de limpar o corte, secou o local em volta do
ferimento e aplicou uma espécie de pomada cicatrizante. Finalizou
colocando uma gaze para cobrir o machucado e a prendeu com o auxílio
de esparadrapos.
— Pronto, nada de suturas, Celina, mas de qualquer forma, irei
trocar seu curativo duas vezes ao dia. Ok?
Assenti com a cabeça e ficamos alguns segundos nos olhando.
Parecia que o tempo havia parado, o ar congelado à nossa volta, as vozes
se calaram. Tudo estava silencioso, com exceção do barulho da chuva no
telhado, que havia se intensificado.
Fitei os lábios finos, senti algo se remexer dentro de mim como o
bater de asas de centenas de borboletas. Gonçalo fez o mesmo comigo. O
olhar febril desceu pela minha boca e pescoço, sua expressão tornou-se
feroz, os músculos se retesaram.
Eu não entendia o que acontecia entre nós quando ficávamos tão
próximos um do outro. Nossos cérebros paravam de funcionar, apenas
nossos corpos falavam. E a única coisa que eles queriam naquele
momento era se tocarem.
Gonçalo inclinou o corpo sobre o meu, colocando uma mão em
cada lado do travesseiro que eu usava, a boca morna se aproximou da
minha.
— O que há com você, garota? — murmurou baixinho, a voz
rouca me causando arrepios.
— Eu não sei… — sussurrei de volta e ofereci meus lábios para
ele desavergonhada, embora tremesse.
Gonçalo não esperou um segundo sequer para tomar minha boca
contra sua. A língua dura exigiu passagem e ele a enfiou completamente
entre os meus lábios, causando sensações alucinantes que eu nunca havia
experimentado.
O beijo não começou lento e terno como da primeira vez. Nesse
momento era febril, exigente, libidinoso. Deixou-me completamente sem
fôlego. 
— Quero você toda, Celina — disse roucamente. As mãos ágeis
acariciando meu ombro.
A boca ávida voltou a tomar a minha e nossas línguas se
encontraram em um emaranhado gostoso, lambuzado. Meu corpo
convulsionou com a proximidade tão crua, meu sangue ferveu nas veias
querendo tudo dele.
— Gonçalo… — gemi seu nome sem saber o que fazer ou dizer.
A única coisa que eu tinha certeza naquele momento é que queria sentir
mais. Suas mãos, seus beijos, sua pele.
Ele chupou minha língua com voracidade, me arrancando mais
gemidos. Eu me contorcia debaixo dele, assustada com as sensações
latejantes que me consumia desde os seios até a vagina. 
Todo o meu corpo estremeceu quando Gonçalo afastou o corpo e
inclinou minha perna ferida, tomando cuidado para não machucar o
corte. Afastou a outra com a sua, separando minhas coxas uma da outra.
Ele se posicionou entre as minhas pernas, sem desgrudar nossas
bocas e senti o coração falhar uma batida quando o pênis duro cutucou
minha vulva nua.
— Porra… — ele grunhiu baixinho com a sensação prazerosa
que nos tomou dos pés à cabeça.
Embora estivesse vestido, eu podia sentir o calor que emanava
daquela região, podia sentir a rigidez pulsante. Ele parecia ser tão grosso,
grande, quis segurar aquele pedaço de carne em minhas mãos.
— Não… podemos… — Tentei raciocinar, mas não tinha forças
para afastá-lo. Meu cérebro dizia que era hora de parar com aquilo ou nós
dois estaríamos em apuros. No entanto, meu corpo gritava
desesperadamente querendo mais.
Deslizei a mão em seu peito e o puxei mais para mim, quase
gritando em silêncio para ele não parar. Gonçalo sugou e mordiscou meu
lábio inferior, esmagou minha boca contra a sua, deixou-me em um
completo torpor de prazer. 
Sentia a boca inchada, a vagina molhada, escorregadia. Todo meu
corpo parecia queimar. Gonçalo inclinou o rosto por alguns instantes, me
encarando com o olhar anuviado de desejo, deslizou o dedo em meus
lábios doloridos e voltou a mergulhar a boca na minha.
A mão grande massageou meu ombro e desceu mais, até alcançar
um seio. Puxou a alça da camisola e enfiou a mão dentro do tecido
macio. A palma quente tocou meu mamilo dolorido e inchado, apertou e
amassou, me deixando tonta.
E então, o coração falhou uma batida quando ele deslizou a mão
por baixo da barra da camisola, e senti que estava saindo do torpor da
paixão que havia me tomado. Fui trazida de volta a realidade, a
respiração tão ofegante que pensei por um segundo que iria desmaiar, o
coração palpitando.
Mais uma vez tentei reagir, mas o corpo dele me prendia
gostosamente contra o colchão, a boca libidinosa esmagava a minha sem
pena. Ele era tão quente, másculo.
E então, Gonçalo Ribeiro rolou o corpo para o lado e alcançou o
lóbulo da minha orelha. Mordiscando-o.
— Não tenha medo, Celina. Só vou te dar prazer — sussurrou.
Sem conseguir raciocinar coerentemente, gritei baixinho e tentei
trancar as pernas quando os dedos dele tocaram a minha vagina devagar,
em uma carícia lenta e suave.
— Não, querida. Não… — A língua experiente voltou a invadir a
minha boca, e Gonçalo afastou as minhas coxas outra vez, com as mãos.
Arqueei o corpo, quando o dedo grosso acariciou o meu clitóris
devagar e ele circulou o pequeno nervo.
— Me deixe tocar você… — pediu com a voz suplicante.
Assenti, entregue e afundei a cabeça no travesseiro com os olhos
fechados, a respiração descompassada.
O dedo longo deslizou devagar até a minha entrada, e Gonçalo
enfiou a pontinha, testando meu limite. A boca rude mordendo o meu
queixo, a barba cerrada arrancando arrepios da minha alma.
Voltou a amassar o feixe de nervos entres os dedos, esfregou, me
fez choramingar com o mais cru e puro prazer.
— Já sentiu a boca de um homem na sua boceta, Celina? —
questionou em meu ouvido, a voz assemelhando-se a um grunhido.
Balancei a cabeça em negativa, grogue com o choque que ele
havia acabado de me proporcionar.
— Ótimo! — ditou. — Minha língua será a primeira e a última
que sua boceta irá conhecer.
Arrepios intensos me tomaram, confusão nublou meus
pensamentos. 
— Gonçalo… eu… — Fui interrompida por outro beijo tão
lascivo que perdi o ar. Lábios contra lábios, língua contra língua.
Abri os olhos no momento em que ele inclinou o corpo e afastou
a boca da minha.
Olhei na direção de sua calça e notei uma mancha escura e
disforme em cima do volume do pênis. Só então compreendi que o tecido
estava molhado com minha própria excitação, de quando ele se enfiou
entre as minhas coxas. 
Minhas bochechas esquentaram ainda mais quando Gonçalo
seguiu o rumo do meu olhar, levou a mão até o pênis duro e o segurou,
fechando os olhos. Parecia um louco ali na minha frente, completamente
dominado pela excitação.
Quando voltou a abrir as pálpebras, seu olhar estava escuro, o
desejo fervendo nas íris sombreadas. Ele se posicionou de joelhos entre
as minhas pernas, segurou minhas coxas com cuidado e as inclinou no ar,
me deixando completamente aberta para ele.
— Oh céus… Gonçalo…
Tentei me afastar, tentei lutar contra ele e toda aquela mistura
delirante que me enlouquecia.
O homem grunhiu rouco quando baixou o olhar e viu meu sexo
aberto, todo melado por causa dele.
— Linda demais, maldição — xingou baixinho sem desviar o
olhar.
Puxei o ar com força, completamente fascinada pela reação dele
ao me ver nua.
Gonçalo umedeceu os lábios com a língua, abriu mais as minhas
coxas e enfiou a cabeça entre elas. Senti a respiração morna em meu
clitóris, fechei os olhos, amedrontada, e ao mesmo tempo enlouquecida
com todas aquelas sensações.
Senti o toque da ponta da sua língua em meu clitóris, e então ele
lambeu a minha vulva da entrada melada até o pequeno nervo que
pulsava, excitado e torturado.
Gritei completamente alucinada, levei meu punho à boca e mordi
para abafar os barulhos que eu fazia.
Gonçalo Ribeiro não teve clemência enquanto me devorava. Ele
chupou meu clitóris para dentro da sua boca, mordiscou e chicoteou o
feixe de nervos com a língua.
Senti cada célula do meu ser se sacudir. Convulsionei enquanto
tinha a vagina lambida por ele, ondas de prazer se amontoaram em meu
ventre até começarem a explodir em pequenas faíscas.
Arqueei o corpo, tentei fechar as pernas por causa do prazer
louco que me consumia. Mas Gonçalo não dava trégua. Esfregava meu
clitóris com os dedos, metia a língua em meu canal, lambia todo o meu
sexo de cima a baixo, de um lado para o outro.
Ouvi batidas na porta misturadas ao barulho da chuva, mas
estava entregue demais para me importar. Meus pés começaram a tremer
e os tremores subiram para as pernas.
As ondas em meu ventre se intensificaram e então eu senti que
morreria ali.
Senti meu sexo se contrair, o clitóris pulsava na boca de
Gonçalo.  Não consegui mais me segurar, o clímax me atingiu com força,
meus gemidos aumentaram, gritei de prazer enquanto gozava,
descontrolada.
Gonçalo voltou a cobrir meu corpo com o seu e enfiou a língua
em minha boca para abafar meus gritos e gemidos.
Ouvi outra batida na porta e dessa vez tive certeza de que não
estava sonhando. Eu me assustei e tentei me levantar, mas estava trêmula
demais, as pernas moles, o clitóris ainda pulsando.
O homem me segurou em seus braços e puxou a camisola para
baixo, tapando meu corpo nu.
— Calma, fica tranquila… — sussurrou. — precisamos nos
recompor antes de abrir a porta.
Um pouco mais calma, eu me afastei de Gonçalo e o fitei. O
homem parecia estar sofrendo uma tortura física quando me olhou de
volta, o semblante martirizado, o braço apoiado na cama, a respiração
ofegante. 
Desci meus olhos para seu colo, fiquei ainda mais chocada com o
volume que parecia ainda maior.
— Gonçalo? Celina? — A voz de dona Lúcia ecoou preocupada,
do outro lado da porta, e Gonçalo suspirou sem tirar os olhos do meu
corpo.
— Me dê apenas um minuto, mãe — respondeu, arfante e voltou
a me puxar para ele.
Minha boca foi invadida por sua língua outra vez, e as mãos
calejadas do trabalho no campo envolveram meus seios em um aperto
carregado de promessas silenciosas.
— Isso não termina assim, Celina — sentenciou.
Tremi e ofeguei, enquanto ele se afastava para ir até o banheiro
tentar se recompor.
Quase voltei a desabar no colchão, meus lábios ardiam, o coração
batia descontrolado com a promessa de que Gonçalo Ribeiro me queria
em sua cama.
Eu só não tinha certeza se estava pronta para entregar minha
virgindade nas mãos daquele homem que eu tanto amava odiar.
CAPÍTULO 16

 
 
CELINA ABREU
 
 
Alguns minutos depois, Gonçalo retornou ao quarto vestindo
uma calça escura do mesmo material da anterior.
Eu estava sentada na beirada da cama, aguardando por ele, e da
mesma maneira continuei quando ele caminhou na direção da porta.
Mantinha minhas mãos juntas, estava arteira e inquieta, sentia-me como
uma criança que havia aprontado e foi pega em flagrante.
Dona Lúcia entrou no quarto e encarou o filho brevemente, com
o olhar receoso.
Ela passou por ele em silêncio e caminhou na minha direção. A
face madura me fitou sem jeito e eu quis me esconder debaixo daquela
cama. Era nítido que ela sabia o que eu e Gonçalo estávamos fazendo,
mas era educada demais para tocar no assunto.
— Celina, você está bem, querida? — Ela se aproximou e tocou
minha face, nitidamente preocupada. Não tinha certeza se sua
preocupação se devia ao machucado em meu joelho ou por achar que eu
e seu filho havíamos extrapolado os limites.
Eu quis chorar de vergonha, não consegui encará-la e apenas
assenti suavemente, desviando o olhar. Olhei para Gonçalo pelo canto do
olho, e ele nos encarava, apesar de parecer mais tranquilo do que
deveria. 
— Consegue andar? — a mulher questionou e acariciou meu
ombro com sutileza.
— Sim… acho que sim — respondi com a voz trêmula e me
forcei a olhar para dona Lúcia.
Um sorriso gentil surgiu em seu rosto e ela se afastou um pouco.
— Seu pai está lá embaixo, preocupado com você. Eu informei a
ele que Gonçalo estava fazendo um curativo no seu joelho, e que logo
você iria descer.
Inspirei fundo, temendo não conseguir disfarçar meu nervosismo
o suficiente na frente do meu pai.
— Obrigada por me chamar. Irei estar com ele em um minuto.
Dona Lúcia assentiu e voltou a sair do quarto, trancando a porta
atrás de si. Só então consegui respirar de forma coerente. Inspirei fundo e
me movi para sair da cama e descer as escadas.
— Eu te ajudo, Celina.
Gonçalo se aproximou de onde eu estava e me ajudou a ficar de
pé. Também não conseguia encarar aquele homem, meu corpo ainda
tremia por causa do efeito colateral do que havíamos feito.
— Eu acho que sua mãe sabe exatamente o que fizemos ou quase
fizemos — comentei baixinho, o rosto afogueado de vergonha. — Não
sou muito boa com disfarces.
— Acredito que sim — confirmou sem rodeios e eu fechei os
olhos um pouco nervosa.
— Não se sente envergonhado? — Levantei a cabeça para
encará-lo e encontrei seu olhar perspicaz me analisando com cuidado.
— Do que eu deveria me envergonhar, Celina? Sou um homem
adulto.
Dei um passo na direção da porta enquanto ele me firmava pela
cintura, mas não conseguia encarar as coisas daquela maneira, com tanta
naturalidade.
— Eu não sei, Gonçalo. Só acho que não seja algo tão comum e
normal assim. Bom, ao menos não é para mim. 
Continuei andando até quase alcançar a porta. Então Gonçalo me
parou no caminho e segurou meu rosto levemente, me forçando a encará-
lo.
— Foi bom, não? — perguntou com cautela, a expressão sóbria.
Minhas bochechas coraram e desviei o olhar na direção da sua
boca.
— Sim — admiti.
— Então não tem que se envergonhar de nada, Celina… —
Deslizou a mão que estava em meu queixo até a nuca, e segurou os fios
de cabelo naquela região. Inclinou o rosto e tomou meus lábios entre os
seus por breves segundos.  — Minha mãe é uma mulher madura. Ela
entende perfeitamente o que aconteceu entre nós, não se preocupe.
O homem me guiou pelo longo corredor, e me firmou pela
cintura enquanto descíamos as escadas. Papai estava sentado à mesa de
jantar conversando com dona Lúcia e Berenice. Ao me ver, ele se
levantou e caminhou na minha direção com a expressão aflita. O olhar
afligido percorreu meu corpo, como se para confirmar que eu estava
inteira.
— Não se preocupe, pai, eu estou bem. — Eu me adiantei a dizer
e forcei um sorriso amarelo.
— A patroa disse que você se machucou na estrada. — Desviou a
atenção na direção de Gonçalo que ainda mantinha a mão firme em
minha cintura. — O que aconteceu?
Constrangida, eu me afastei de Gonçalo e me aproximei do meu
pai. 
— Ela caiu na estrada e feriu o joelho em uma lasca de madeira
— Gonçalo explicou sem titubear, e eu o admirei por isso também, pois
não conseguia falar nada com coerência quando estava nervosa.
A expressão no rosto do meu pai se suavizou e ele me trouxe
para seus braços, depositando um beijo em minha testa.
— Graças a Deus que nada grave aconteceu, filha — disse,
aliviado.
Eu assenti e meu pai me ajudou a chegar até a mesa. Puxou uma
cadeira e eu me sentei.
Logo Berenice nos serviu um caldo quente de mandioca que
Gonçalo havia pedido. A refeição era leve e deliciosa e eu aproveitei o
momento para ficar em silêncio, sem correr o risco de me atrapalhar com
as palavras.
Sentia os olhos de Gonçalo sobre mim a cada colherada que eu
enfiava na boca, mas não conseguia encarar o homem de volta. Meu pai,
dona Lúcia e Berenice conversavam sobre a chuva torrencial que ainda
caía lá fora, às vezes tentavam incluir Gonçalo na conversa, porém, ele
estava calado, pensativo. 
Quando terminamos a refeição, meu pai agradeceu pelos
cuidados comigo e segurou minha mão para irmos embora.
No entanto, notei que Gonçalo se movimentou para se aproximar
e dizer algo, mas dona Lúcia interveio antes mesmo que o homem
pudesse dar um passo.
— Por que não fica conosco, Celina? Já está de noite e a chuva
ainda não parou. Você já pegou muita friagem por hoje.
Olhei dela para o meu pai, em seguida na direção de Gonçalo.
O homem assentiu, indicando que eu deveria ficar. Meu coração
acelerou a níveis alarmantes, e eu soube ali que se decidisse dormir no
casarão, terminaria a noite nos braços dele, tendo o corpo devorado pela
sua boca.
Senti o pânico me invadir, cada célula do meu corpo despertou.
Eu me virei para meu pai que aguardava uma resposta, e tomei a
minha decisão.
Ainda não era a hora, eu estava apavorada com a possibilidade de
fazer amor com Gonçalo Ribeiro, principalmente ali, debaixo do mesmo
teto que a mãe dele dormia. 
Eu sabia que as intenções de dona Lúcia eram as melhores
possíveis, mas eu também sabia que Gonçalo iria me atormentar até o
fim, e eu não tinha forças para lutar contra todos os sentimentos que me
invadiam quando ele estava por perto. 
Por fim, respondi:
— Eu agradeço a hospitalidade, dona Lúcia, mas acho que
prefiro ir para casa. — Tentei soar o mais natural possível.
Dona Lúcia assentiu com um sorriso cúmplice no rosto.
— Vá em paz, filha. Pode pegar a semana de folga e cuide direito
desse machucado.
Também sorri agradecida e caminhei junto a meu pai na direção
da porta. No entanto, ouvi passos às minhas costas e a voz de Gonçalo
ressoou, se aproximando:
— Eu levo vocês — disse com uma certa aspereza na voz. —
Quer uma carona para casa, Berenice?
— É claro, filho. Vou pegar minhas coisas.
Satisfeito, meu pai passou a conversar com Gonçalo enquanto eu
me encolhia na porta, tremendo de frio e outras coisinhas.
De vez em quando, eu o olhava, relembrando os beijos que
trocamos, as carícias quentes, sua língua me lambendo lá embaixo. Meus
lábios ainda ardiam, e provavelmente estavam um pouco inchados, mas
ninguém ali pareceu notar ou não fizeram questão de tocar no assunto.
Quando Berenice retornou, entramos na picape que ainda estava
estacionada na varanda dos fundos. Eu e ela nos acomodamos no banco
de trás, enquanto meu pai seguiu na frente com Gonçalo. 
A chuva havia abrandado um pouco, mas ainda era o suficiente
para deixar alguém encharcado se ficasse sem proteção por muito tempo.
Gonçalo deixou Berenice em sua residência primeiro, e retornou para a
casinha em que eu morava.
— Entre, Gonçalo. Ainda é cedo, podemos conversar um pouco
— convidou meu pai todo contente, deixando-me completamente
mortificada.
Gonçalo nem sequer teve a decência de negar o convite.
Saiu do carro e deu a volta na picape, subiu os degraus da
varanda de bom grado.
Quando entramos, eu me sentei no sofá e meu pai seguiu para o
quarto alegando que iria tomar um banho rápido e logo voltaria.
A culpa me corroía por dentro. Meu pai mal imaginava tudo o
que eu havia feito há algum tempo, e agora, ele colocava o homem que
me tirava dos trilhos debaixo do seu próprio teto.
— Porque está fugindo de mim, Celina? — Gonçalo perguntou,
ao se aproximar, e se sentou ao meu lado no sofá.
Minha garganta estava mais seca que o normal quando abri a
boca para responder:
— Não estou — menti… A verdade é que aquela situação estava
saindo dos trilhos, eu já não sabia mais o que pensar. Eu era apenas uma
empregada, e Gonçalo meu patrão. Estava tão confusa. O que as pessoas
pensariam se soubessem? 
E havia o meu pai também.
— Não minta para mim, Celina — exigiu.
— Por favor, me deixe sozinha, Gonçalo — pedi, já no meu
limite.
Com o olhar inquieto, Gonçalo suspirou pesadamente e assentiu.
O homem se levantou do sofá, me olhou uma última vez e saiu
pela porta a fora, deixando-me ali com o corpo trêmulo e o coração
dando marteladas descompassadas dentro do peito.
 
 
CAPÍTULO 17

 
 
GONÇALO
 
 
Cheguei em casa já tarde da noite, após ficar um tempo dentro do
carro, estacionado próximo aos estábulos. Celina estava me levando ao
limite do racional.
Primeiro correspondia aos meus beijos, às minhas carícias, me
desejava da mesma forma que eu a queria, e depois fugia de mim. Ela me
entregava tudo e depois tomava de volta, me levava ao céu e ao inferno
em questão de minutos.
Tentei aceitar que a garota tinha razão em se manter distante.
Aqueles amassos escondidos eram perigosos e envolviam pessoas
demais, começando pelo seu pai que era meu amigo desde a infância.
Mas a verdade é que eu não conseguia me manter longe. A garota
possuía uma sedução natural que me cativava. Quando discutíamos, eu
tinha vontade de arrancar suas roupas e fodê-la até aquela insolência se
desfizesse no ar, e quando nos beijávamos, era quase impossível parar,
ela me oferecia a boca de bom grado e eu tomava tudo.
No entanto, quando Celina se afastava, aquele vazio dentro do
peito, que me jogava dentro de um precipício, retornava com toda a sua
força. A vontade de ceder à bebida outra vez me tomava, as lembranças
de Laura me martirizavam por dentro, me rondavam como um fantasma
destinado a me assombrar pelo resto da vida.
Com a cabeça latejando, deixei os sapatos sujos de lama na
varanda, entrei pela porta dos fundos e caminhei até a cozinha. Encontrei
minha mãe sentada à mesa e agasalhada em uma manta à minha espera.
Ao me ver, ela mudou a postura e limpou a garganta. Parecia
preocupada e ao mesmo tempo reticente em tocar no assunto, que eu já
imaginava o que seria.
— Pensei que já tinha se deitado… — comentei e puxei uma
cadeira para me sentar.
Minha mãe puxou um pouco mais a manta para tapar os ombros
e me encarou por alguns segundos. Era nítido seu desconforto, mas me
mantive paciente e continuei na espera do que ela diria.
— Nem sei por onde começar este assunto… — admitiu e
inspirou mais fundo.
— Apenas diga, dona Lúcia — incitei.
Após alguns minutos, ela começou:
— Você e Celina… vocês fizeram? — Ela não precisou dizer
mais uma única palavra para que eu entendesse exatamente o teor da
pergunta.
Deixei meus ombros desabarem, cansados e respondi seriamente:
— Não. Ainda não — enfatizei, deixando claro que isso iria
acontecer em algum momento.
Sua expressão tornou-se ainda mais aflita, e ela suspirou.
— Ela é tão jovem… — disse baixinho, quase que para si
mesma.
— Eu sei… — confirmei, embora não me orgulhasse disso.
Pela expressão preocupação de minha mãe, soube que ela
imaginava o mesmo que eu, que Celina era jovem demais para mim.
Provavelmente também ponderava minha amizade com Joaquim.
— E quanto a Laura? — perguntou e eu desviei o olhar. —
Espero que você não machuque Celina, Gonçalo, ela não merece sofrer.
Laura… sempre Laura… Era como se minha vida estivesse
sempre em torno de minha noiva morta. Fechei os olhos por alguns
segundos. A dor ainda estava ali, feria tanto. Havia dias em que eu
pensava que não teria forças para me levantar pela manhã. Mas então eu
me lembrava de Celina.
— Um dia eu irei seguir em frente. — Fui sincero e olhei na
direção dela, diretamente em seus olhos.
Minha mãe balançou a cabeça em concordância e de repente
sorriu. Um brilho esperançoso surgiu em seu olhar.
— Celina… meu Deus, como ela é linda. Um amor de menina.
Concordei, embora ainda não soubesse como aquela história terminaria ou
se a garota ao menos me queria.

CELINA
 
A semana seguinte passou tão lentamente, que às vezes eu tinha
dificuldade para conseguir me manter parada por um período maior que
cinco minutos. Meu pai saia cedo para trabalhar como sempre, e
retornava no período da noite.
E eu passava o meu tempo cozinhando ou limpando a casa,
mesmo com o joelho ferido. Não havia mais nada para fazer ou lugares
que eu pudesse ir sem correr o risco de me machucar outra vez.
Às vezes dava uma volta pelo quintal, colhia algumas rosas para
colocar na sala, e alimentava as galinhas. No período da tarde, gostava de
fazer guloseimas para o lanche, depois cozinhava o jantar e lavava a
louça.
No dia seguinte, após eu machucar o joelho, Gonçalo apareceu
pela manhã para trocar o curativo em minha perna e devolver minha
bolsa que continha um pouco de dinheiro e meu celular que nem por
Deus queria mais ligar.
Ele estava calado, no entanto. Passou algumas instruções para
manter a ferida limpa, trocou o curativo e foi embora. Não tocou no
assunto sobre o que fizemos em seu quarto, nem sequer me tomou em
seus braços para um beijo.
No período da tarde, um pouco antes do entardecer, ele veio outra
vez. Repetiu o procedimento e quando terminou, eu o ofereci um pedaço
de bolo que ainda estava morno. Ele comeu em silêncio com uma xícara
de café, se despediu e foi embora.
E assim se sucedeu durante toda a semana. Gonçalo cuidava do
meu machucado pela manhã e à tarde, comia um pedaço de bolo e
retornava para casa. Comecei a me sentir culpada pelo que havia dito a
ele naquela noite de chuva. Eu estava tão assustada e envergonhada com
os acontecimentos que praticamente o mandei embora.
Com o passar dos dias, notei que sentia sua falta mais do que o
normal. Sentia saudades da boca exigente contra a minha, das mãos
grosseiras acariciando meu corpo. Sentia falta até dos momentos em que
brigávamos.
Com um imenso vazio no peito, deixei a xícara de café que
estava tomando sobre a mesa e me levantei da cadeira de madeira.
Caminhei até a janela da cozinha e admirei a vista. Embora não tivesse
chovido mais, as árvores e a grama haviam se renovado, tudo estava
muito mais verde, as folhas brilhantes.
O sol estava quase se pondo no horizonte, mas a pouca luz que
restava me permitia ver os cavalos correndo pelo pasto livremente. As
crinas balançavam com o vento, o relinchar era estridente.
O canto de um sabiá-laranjeira, assemelhando-se a uma flauta,
ressoou pelas árvores ali perto e eu abaixei a cabeça tristemente. Sentia-
me tão sozinha. Abracei meu corpo com os braços, senti o vento soprar
em meu rosto em uma suave carícia, que em nada abrandou a apreensão
que me tomava.
Gonçalo não tinha vindo naquela manhã, e já passava e muito do
horário da tarde que ele costumava chegar. Notei aquela angústia
característica no peito, o coração se apertou. Sentia-me sufocada, sem
saber o que fazer ou para onde seguir.
Logo a noite chegou e com ela a sensação dolorosa da solidão.
Queria voltar ao trabalho o mais rápido possível, e decidi que faria isso
na manhã seguinte, não me importava se ainda estava dentro do prazo de
descanso estipulado por dona Lúcia.
Não sentia fome, e por isso, deixei o jantar do meu pai dentro do
fogão. Tomei um banho rápido e voltei para a sala para ver um pouco de
tevê. Toquei o ferimento em meu joelho de leve, notando o quanto estava
bem cicatrizado. Eu já nem usava mais a gaze para cobrir o corte.
Pensando por aquele lado, era completamente desnecessária a
presença de Gonçalo ali todos os dias. Acabei me sentindo uma idiota
por esperar que ele viesse, quando seus serviços como médico já não
eram necessários.
Tentei me concentrar no noticiário que passava na tevê, mas nada
prendia minha atenção. Comecei a passar os canais para cima e para
baixo, a cabeça voando longe. Quando finalmente estava cansada de
fazer aquilo, deixei a tevê ligada em um canal qualquer e me deitei ali,
pensativa.
Em pouco menos de um minuto, ouvi uma batida na porta e dei
um salto, assustada.
Meu coração acelerou, quase saindo pela boca ao imaginar que
seria ele. As pernas tremeram, a respiração ficou descompassada.
Arrumei o short de dormir em minha cintura, passei os dedos pelos
cabelos e caminhei a passos rápidos até a porta.
Quando a abri, Gonçalo Ribeiro estava do outro lado com a mão
erguida para bater outra vez.
Eu não soube explicar a felicidade que me tomou ao ver aquele
homem ali. Apenas podia sentir as batidas descontroladas do meu
coração, o estremecimento que me tomava de cima para baixo.
— Oi! — Tentei não soar tão empolgada e dei espaço para que
ele entrasse. 
— Oi — respondeu em um murmúrio e deu um passo para o
interior da casa. 
— Pode se sentar, eu vou pegar o material para fazer o curativo
— falei, referindo-me aos suprimentos que o próprio Gonçalo havia
deixado comigo.
Eu me movimentei para sair e ele assentiu, se sentando no sofá.
Corri até o quarto para pegar tudo que ele precisaria. Entrei
rapidamente e me recostei na parede. Fechei os olhos. Gonçalo estava tão
bonito, usando calça jeans e camiseta branca. Os cabelos ainda úmidos
do banho. Senti vontade de beijá-lo quando vi aquele homem ali na
minha frente, o meu corpo inteiro acendeu.
Senti os seios incharem de desejo e o clitóris palpitou, louco para
ser tocado.
Pensei na boca dele me lambendo ali, os dedos longos
acariciando meu sexo, e minhas bochechas aqueceram. Estava arfante,
com vontade de fazer tudo com ele, sem me importar com as
consequências.
Puxei e soltei o ar algumas vezes até sentir que havia me
acalmado. Após alguns instantes, peguei os suprimentos e retornei à sala.
— Como está a dona Lúcia? — perguntei assim que me sentei à
sua frente.
Não conseguia ficar quieta, a cada instante mudava a posição das
mãos do lugar.
— Sentindo sua falta. — O olhar esverdeado me encarou com
seriedade, quando respondeu, e Gonçalo desceu os olhos pelo meu corpo.
Não tive certeza se ele havia respondido pela mãe ou por si mesmo. 
— Eu… acho que irei retornar ao trabalho amanhã. Meu joelho
já está bem melhor.
Quanto mais eu tentava conversar com naturalidade, mais meu
corpo tremia e mais ele parecia distante. Aquela situação estava me
enlouquecendo. Estaria ele me punindo pelo que falei? Gonçalo não
facilitava em nada o meu lado.
— Tem certeza? — questionou e se ajeitou melhor no sofá.
Assenti.
Ergui a perna ferida para que ele olhasse, e Gonçalo segurou meu
tornozelo, apoiando meu pé em cima do sofá à sua frente e me acariciou.
Gemi baixinho com o arrepio que me tomou o corpo, e seus
olhos estreitaram. Cerrou a mandíbula e se aproximou mais, os músculos
retesados.
— Me passe o material — pediu. Notei que sua voz estava
severa, o olhar expressivo na minha direção.
Entreguei a pequena bolsa com os suprimentos, me recostei sobre
as almofadas e inclinei um pouco mais o joelho. Gonçalo começou a
limpar o local, algo que eu mesma poderia fazer sem nenhum empecilho,
nem sequer sentia mais dor no ferimento, a não ser que eu me trombasse
com alguma superfície sólida. 
Ele aplicou a pomada cicatrizante e guardou tudo o que havia
usado. No entanto, a mão direita permaneceu em meu tornozelo, o olhar
expressivo percorreu minha perna nua, até se deparar com a barra do
shortinho de dormir, que naquela posição, provavelmente estava
revelando muito mais do que deveria.
— Por que não veio pela manhã? — puxei conversa, antes que
ele se levantasse e decidisse ir embora.
Gonçalo ergueu o olhar para me fitar e colocou meu pé em cima
da sua coxa. Acariciou meus dedos, subiu e desceu pelo tornozelo. Eu
sentia que perdia mais o ar a cada carícia gostosa.
— Uma das éguas entrou em trabalho de parto pela madrugada,
mas o potro não estava em uma posição favorável para nascer —
explicou, mantendo toda a sua atenção focada no meu rosto. — Passei a
manhã inteira com o seu pai para ajudar o animal a dar à luz. Depois do
meio-dia, fui atrás de um veterinário para fazer um procedimento
cirúrgico. O homem estava atendendo um outro chamado, e só pôde vir
algumas horas depois, por isso me atrasei agora à tarde também.
Assenti, embora pouco tenha prestado atenção ao que Gonçalo
dizia.
Ele continuou falando sobre o potro, disse algo sobre meu pai ter
saído com alguns peões para pesar e buscar uma boiada na fazenda
vizinha, mas meus pensamentos estavam em outro lugar. Desci o olhar
pelo peito forte, marcando a camisa e mordi os lábios.
Desci meus olhos mais um pouco, analisando o corpo de Gonçalo
que havia ganhado peso e músculos naqueles meses. O trabalho árduo no
campo o tinha deixado com a aparência mais rude. A pele estava
bronzeada pelo sol, as mãos calejadas, mas aquilo apenas me atraia mais.
Fitei o volume do pênis por cima da calça e notei que ele estava
duro. Parecia tão grande, grosso. Quis tocar e saber qual seria a sensação
de ter o membro de um homem nas mãos.
— O que você quer, Celina? — Sua voz assemelhou-se a um
grunhido, me tirando daquele transe atordoado.
Voltei a morder os lábios e o fitei, a pele em chamas por ter sido
pega olhando o volume de sua calça. Aquele olhar expressivo, tão
intenso, parecia enxergar o fundo da minha alma. Gonçalo Ribeiro
retirou meu pé de sua coxa e me fez erguer o corpo para eu pisar no chão.
— Diga, Celina, o que você quer? — questionou novamente, mas
permaneceu parado onde estava, não fez nenhuma menção de que iria se
aproximar.
Com o coração acelerado, decidi que deveria ser sincera.
— Gonçalo, eu… me desculpe pelo que eu disse naquela noite…
Eu estava confusa — confessei.
Seu olhar era inquisidor, a expressão austera na minha direção.
— Não está mais confusa?
Eu não sabia o que responder, porque entendia exatamente a que
Gonçalo se referia. O homem queria ter certeza se eu já tinha tomado
uma decisão de ir ou não para cama com ele. Eu o queria, mas ainda
tinha medo.
— Por que esteve tão distante nos últimos dias? — questionei,
virando o jogo para o meu lado.
— Estava te dando o tempo que me pediu. Não queria te
pressionar a nada, Celina — respondeu sem rodeios.
Assenti. Aquilo justificava o porquê ele vinha cuidar do meu
ferimento todos os dias como havia prometido, mas não passava disso.
Ao notar que eu não responderia mais nada, Gonçalo se levantou.
— Preciso ir — proferiu, voltando a descer o olhar afogueado
pelo meu corpo.
Senti meu sangue esquentar quando notei a profundidade do
desejo que Gonçalo sentia por mim. Minhas pernas assemelhavam-se à
gelatina. Ele se virou e seguiu na direção da porta.
Antes de sair, no entanto, eu o chamei:
— Gonçalo…
O homem parou e se virou para mim. Parecia torturado, os
ombros caídos em desânimo.
— Oi…
Caminhei até ele, sem ar, as pernas trêmulas.
Eu me aproximei o máximo que pude, fiquei na ponta dos pés e
toquei sua boca com a minha. Rocei os lábios nos seus levemente, o
medo e o receio me devorando por dentro.
Gonçalo se conteve por um instante, mas então, deslizou os
dedos até a minha nuca e segurou meus cabelos, me puxando para ele
como um animal, prestes a me devorar.  Colocou meu corpo ao seu de
uma maneira tão intensa que perdi o fôlego.
A língua morna e lasciva penetrou minha boca com brusquidão,
as grandes mãos desceram pelo meu corpo até encontrarem minhas
nádegas. Gonçalo encheu as palmas com a carne da minha bunda, me
levou para ele, me fez sentir todo o comprimento do membro duro em
meu ventre.
— Se soubesse tudo que quero fazer com você, Celina, fugiria de
mim — murmurou.
— O que você quer fazer comigo? — perguntei, arfante.
Senti a respiração dele acelerar. Gonçalo traçou beijos pelo meu
rosto e orelha, desceu um pouco mais e começou a mordiscar a curva do
meu pescoço.
— Quero começar te lambendo inteira, menina, até o seu
cuzinho. — Pensei que desmaiaria quando ouvi as depravações
proferidas por ele. — Quero sentir você gozando de novo na minha
boca… foi tão gostoso, Celina. Não consigo esquecer o seu gosto.
— Aiii — gemi baixinho quando ele chupou o lóbulo da minha
orelha e uma mão escorregou entre as minhas coxas.
Gonçalo enfiou uma perna entre as minhas me forçando a lhe dar
espaço, e passou a acariciar minha vagina por cima do tecido do
shortinho de dormir.
— Depois eu quero te deixar toda arreganhada para mim. Quero
olhar você toda, cada detalhe do seu corpo lindo, cada dobrinha da sua
boceta.
Eu estava mortificada com o quanto ele era sujo e depravado.
Mas quanto mais Gonçalo falava, mais eu sentia a umidade em meu sexo
aumentar.
— Vem para o casarão comigo, linda… — pediu quase em uma
súplica. — Seja minha essa noite, Celina.
Meu cérebro dizia não, meu corpo implorava para que eu fosse e
fizesse tudo com ele. Estava em um impasse entre a razão e o desejo.
Mas então, me lembrei de dona Lúcia. Como eu olharia em seu rosto pela
manhã depois de ter passado a noite toda gozando no pau e na boca do
seu filho?
Era vergonha demais para alguém como eu suportar.
— Eu não posso, Gonçalo… sua mãe…
A boca exigente voltou a tomar a minha em um beijo carregado
de urgência.
— Esqueça a minha mãe, Celina — sussurrou e me empurrou
com delicadeza contra o sofá. — Ela já sabe tudo…
Caí sentada contra o estofado e Gonçalo puxou minhas pernas
para a beirada.
Tirei os fios de cabelo que haviam caído em meu rosto, arfante, e
fui tomada pelas mãos ágeis que ergueram minha blusa. Gonçalo segurou
meus seios entre as palmas, apertou minha carne, puxou os bicos.
Choraminguei de susto e prazer. Sentia o corpo inteiro pulsar e
queimar em cada pedaço de pele que ele tocava. Estávamos perdendo o
controle outra vez, o raciocínio parecia se desfazer no ar quando nos
entregávamos aquela paixão proibida e perigosa.
Sua boca percorreu meu pescoço, lambendo e sugando, me
deixando grogue. Os dedos longos invadiram meu short e a calcinha,
empurrando o tecido para o lado.
Senti o polegar roçar meu clitóris de leve. Estremeci e gemi
debaixo dele, me segurando para não gritar. A boca morna alcançou um
seio e ele abocanhou. Sugou o bico, lambeu, mamou em mim como se eu
fosse uma fruta suculenta e depois deu o mesmo tratamento ao outro
seio.
Com as mãos trêmulas, eu escorreguei os dedos pela sua barriga.
Ergui a camisa que ele usava, senti a pele quente e os poucos pelos que
havia naquela região.
Alcancei o cós da sua calça e desci mais, almejando aquele
pedaço de carne dura que despertava a minha curiosidade. Quando senti a
ereção quente sob meus dedos, ofeguei baixinho e acariciei o volume que
ele tinha dentro da calça. Gonçalo gemeu e segurou minha mão, me
impedindo de continuar.
— Aqui não, Celina. — Negou o que eu tanto queria. — Não
podemos continuar fazendo isso, linda. Não aqui…
Senti um líquido quente escorrer em minha vulva, estava tão
escorregadia que chegava a ser vergonhoso. Meu clitóris doía, latejava.
Eu queria ser preenchida por ele.
— Eu quero tocar você…
Gonçalo intensificou as carícias em meu feixe de nervos, como
se para me punir por provocá-lo daquela maneira. Joguei a cabeça para
trás, melada, completamente entregue ao momento enlouquecedor que
nos envolvia. 
— Celina, não… — Sua voz saiu em tom de advertência, mas eu
não estava disposta a facilitar as coisas para ele.
— Por favor… — pedi com a voz rouca, mordendo o lábio
inferior. — Quero conhecer seu corpo, Gonçalo. Quero sentir seu gosto
como você fez comigo.
O homem inspirou fundo e fechou os olhos, a expressão
atormentada, a respiração errática. Ele se inclinou um pouco mais sobre
mim, capturou minha boca com a sua e terminou de arrancar minha
blusa. Deixou meus seios completamente à mostra para ele.
— Você está fodendo a minha cabeça, garota — grunhiu
baixinho, a voz sôfrega. — Vou acabar ficando louco se não foder você.
CAPÍTULO 18

 
 
GONÇALO
 
 
Minhas bolas doíam tamanho era a excitação que eu sentia
enquanto olhava para Celina. A diabinha tinhosa sabia que me tinha nas
mãos naquele momento, e usava isso a seu favor para conseguir o que
queria.
— Vou te dar o que você quer, menina. Mas antes, vai ficar toda
nua para mim — sentenciei em seu ouvido e voltei a esmagar um seio
com a mão.
Eu sabia que deveria parar enquanto havia tempo, mas não
conseguia. Aquela atração louca, aquele desejo insano eram tão fortes
que ultrapassavam minha própria força de vontade.
Ela assentiu com as bochechas coradas, o olhar receoso. Aquela
timidez natural me deixava ainda mais alucinado. Meu pênis pulsava
sempre que Celina mordia o lábio e me encarava gulosa.
Alcancei o queixo pequeno e o mordi, lambi seu pescoço,
deixando a pele morena completamente arrepiada. Deslizei as mãos pelo
corpo esguio, amassando sua carne entre minhas palmas. Deixei Celina
completamente necessitada.
Quando senti que a garota já não suportava toda aquela tortura,
agarrei o cós do short que ela usava e deslizei o tecido pelas suas pernas,
tirando a calcinha no processo. 
Celina arfou e fechou as pernas quando ficou completamente
nua. Colocou a mão na virilha para esconder a boceta melada de mim, e
eu grunhi, o pênis inchando mais, a excitação aumentando.
— Temos um combinado, não? — questionei sem desviar o olhar
do seu corpo, a boca salivando com vontade de sentir o gosto dela.
— Acho que sim… — respondeu, ofegante e eu ergui a cabeça
para fitar seu rosto.
— Afaste a mão, Celina. Me deixe ver você — pedi, grogue de
tesão.
— Gonçalo… — ela gemeu meu nome, não sei bem se iria
protestar, mas não esperei para saber.
Segurei suas coxas e as afastei uma da outra. No entanto, os
dedos atrevidos permaneceram lá, tapando a minha visão do paraíso.
Comecei beijando o interior das coxas macias, mordi e lambi aquela
região até arrancar outro gemido dela.
O cheiro de Celina começou a se entranhar em minhas narinas,
um aroma tão delicioso que seria capaz de me fazer gozar como um
adolescente inexperiente se eu não parasse logo com aquilo. Inspirei
fundo, inalei seu perfume com toda a força que havia em meus pulmões.
Estava completamente enfeitiçado, o pau latejando dentro da calça.
Coloquei minha mão em cima da sua, sobre o seu sexo, e usei
meus dedos para dedilhar os dedos dela no clitóris.
Celina gemeu, ofegou e se contorceu.
— Gonçalo… isso não é justo. Você está vestido, enquanto eu
estou completamente nua — argumentou, lamuriosa, o rosto
transformado pelo prazer. 
Não dei ouvidos aos seus protestos, continuei me aproximando
de onde queria, passei a lamber seus dedos devagar, aproveitando
algumas brechas para deslizar a língua entre os lábios grossos de sua
vagina.
Finalmente ela cedeu. Estava trêmula e suada, sem forças para
lutar. 
Permitiu que a mão caísse ao lado do seu corpo e eu meti a
cabeça entre as suas pernas. Usei os dedos para abrir os pequenos e
grandes lábios, revelando o pequeno feixe de nervos e o líquido de sua
excitação que escorria de sua entrada, melando tudo.
Toquei o clitóris com a ponta da língua e o suguei para dentro da
minha boca. Ela grunhiu, se contorcendo.
Celina era tão linda ali, a boceta roxinha e depilada, o clitóris
inchado cheio de sangue, os grandes lábios fartos. Ela era um verdadeiro
banquete, um convite à perdição, e eu não mediria esforços para devorar
cada pedacinho daquela garota.
Dei uma última lambida nela, saboreando seu gosto, enfiei a
língua o mais profundo que consegui em sua fenda e em seguida me
levantei. Fitei seu olhar alarmado enquanto desafivelava o cinto,
descasava os botões e descia o zíper da calça.
Celina não parou de me olhar, admirada e ao mesmo tempo
receosa. Analisou cada passo que dei ao abaixar o jeans na sua frente
com a cueca e tudo.
O pau saltou para fora, completamente duro e vermelho, as veias
vigorosas e inchadas de tanto tesão reprimido, as bolas pesadas. Eu me
sentei no sofá e desci a calça até o tornozelo, me aconcheguei nas
almofadas, ficando quase deitado e chamei por Celina:
— Faça o que quiser, menina. — Segurei o pênis pela base e o
ofereci a ela.
A menina se aproximou nitidamente nervosa, umedeceu os lábios
com a língua e se sentou ao meu lado.
O olhar desceu para o pau, e Celina engoliu em seco. Estava
alarmada com o meu tamanho e grossura.
— É maior do que eu imaginei que seria — confessou e procurou
o meu olhar.
— Toque. Sinta a textura — exigi, rouco.
Celina fez o que pedi e tocou meu pau com os dedos trêmulos,
testou, experimentou a textura, lambuzou a ponta com o pré-sêmen que
escorria da ponta. Fechei os olhos para não perder o controle enquanto
ela me explorava, e passei a puxar o ar com mais força.
As mãos de Celina eram tão delicadas acariciando a glande
sensível.
— É tão macio… — disse baixinho, curiosa. — Tão grosso.
Os dedos finos acariciaram todo o comprimento de cima para
baixo. Senti quando ela puxou a pele para cima, cobrindo toda a glande,
depois desceu e passou a tocar às bolas com uma das mãos, massageando
devagar. Trinquei os dentes.
Voltei a olhá-la no momento em que Celina levou a mão melada
com meu pré-gozo à boca. E então ela baixou a cabeça sobre o meu colo.
Foi uma das cenas mais deliciosas que já presenciei em toda minha vida.
— Merda, Celina…
Cravei os dedos no estofado, quase rasgando o forro do sofá.
Suei frio quando a língua delicada escorregou para fora de sua boca e
Celina lambeu a cabeça do meu pênis.
Ela me chupou sem jeito. Não sabia exatamente o que fazer. Mas
aquilo não tinha importância, nada se comparava ao prazer que a garota
me proporcionava naquele momento.
— Está difícil aqui, querida. Se você não parar, irei encher essa
boquinha de sêmen — adverti.
A garota chupou e lambeu mais uma vez, me arrancando um
arquejo sôfrego do fundo da garganta. Inclinou o corpo, firmando as
mãos em meus ombros, e passou uma perna em cada lado do meu
quadril.
Nossos sexos se tocaram completamente lambuzados de desejo e
Celina gemeu, jogando o corpo para trás.
Olhei para aquela menina tão jovem, com os hormônios da
juventude explodindo em suas veias e senti que morreria com a paixão
avassaladora que me tomava. Seus cabelos compridos cobriram as costas
arqueadas, os seios estavam inchados e pesados, os bicos duros. Desci o
olhar pelo ventre esguio, a boceta aberta sobre o comprimento do meu
pau. Perdi o total controle que ainda restava em mim.
Celina rebolou devagar em busca de fricção, estava
completamente entregue, toda minha. Não consegui mais suportar.
Arranquei a camisa que ainda usava, pela cabeça, e a puxei para mim.
Prendi Celina contra o meu corpo, pele contra pele, e mergulhei os lábios
na boca macia.
Celina apoiou as mãos em meus ombros e se inclinou um pouco,
gemendo em minha boca. Não pensei, apenas segui meus instintos mais
primitivos quando a firmei pelo quadril.
Senti sua mão segurando o meu pau, e então ela encaixou a
cabeça grossa em sua fenda lambuzada e desceu.
— Celina…  — quase gritei, totalmente sem controle com aquele
encaixe tão apertado. 
— Aii… — gritou rouca, o corpo trêmulo suado e lambuzado em
cima do meu.
Eu a afastei para olhar até que ponto havia ocorrido a penetração
e Celina firmou as mãos em meu peito para fazer o mesmo.
— Não precisa continuar se não quiser… — murmurei, usando
toda a força de vontade que ainda me restava, enquanto a olhava de
cócoras sobre mim, a boceta esticada além do limite com a cabeça do
meu pau toda enfiada dentro dela.
— Eu quero… — respondeu determinada.
Continuei firmando seu quadril com as mãos, até que ela se
acostumasse com a invasão difícil. Após alguns segundos, Celina
inclinou o corpo, quase retirando o pênis por completo do seu canal e
voltou a descer.
Ela soltou um gemido doloroso e eu cravei os dedos em seu
corpo, sentindo a barreira do seu hímen sendo forçada pela glande.
— Tente relaxar, linda. Suba e desça devagar — instruí, arfante.
Minha testa suava de tanto reprimir a vontade de penetrá-la
completamente em uma única estocada.
— É difícil, Gonçalo. Você é tão grosso… — reclamou, dengosa,
mordendo os lábios. 
Enfiei a mão entre os nossos corpos e comecei a massagear o seu
nervo, judiado, para acalmá-la. Celina voltou a descer e a subir devagar,
me engolindo um pouco mais a cada sentada.
Quando ela relaxou e passou a sentir prazer, intensifiquei as
carícias em seu sexo, enquanto falava coisas desconexas, completamente
aturdido.
— Me toma todo, Celina. Engole meu pau com essa boceta
deliciosa.
Senti o corpo dela tremer sobre mim e soube que estava perto. Só
mais um pouquinho e ela iria gozar gostoso.
Celina gemeu, arfou, se contorceu toda, relaxando os músculos
da vagina.
O orgasmo veio forte, suas pernas falharam e ela desceu,
completando a penetração.
— Aiii… céus...
O hímen se rompeu e Celina gritou tomada pelo prazer e a dor de
ter seu sexo penetrado daquela maneira tão crua. 
Eu a abracei e a trouxe para mim, completamente sem fôlego.
Mordi seu queixo sentindo a boceta pulsar em volta do meu pau,
me estrangulando, me levando ao limite do suportável. Inclinei o quadril
para cima e estoquei uma… duas… três vezes. O corpo inteiro
convulsionou quando gozei dentro dela. Dei a Celina até a última gota do
prazer que havia em mim, enchi seu canal com o meu sêmen e depois
desabei.
CAPÍTULO 19

 
 
CELINA ABREU
 
 
Praticamente desabei em cima de Gonçalo depois que cheguei ao
clímax. Encostei o rosto em seu peito, e fiquei ali, quieta, a respiração
ofegante. O único som audível era o barulho dos nossos corações batendo
descompassados.
Sentia minhas pernas bambas, o corpo tremia, não tinha forças
para me movimentar e sair de cima do seu corpo. Minha vagina ardia
devido à penetração difícil, o clitóris latejava, dolorido. Ainda sentia o
membro dele dentro de mim, me preenchendo além do limite, mas não
podíamos ficar ali para sempre. Logo meu pai voltaria para casa e a
última coisa que poderia acontecer seria ele pegar nós dois pelados no
sofá.
— Gonçalo… — chamei seu nome, grogue de cansaço.
— Humm — respondeu, aparentemente tão esgotado quanto eu
estava e deslizou a mão pelos fios do meu cabelo.
Seu toque era gentil, suave. Tive vontade de fechar os olhos e
dormir em seus braços até renovar as forças. No entanto, me contive.
— Precisamos nos recompor. Meu pai não deve demorar a
chegar.
Gonçalo suspirou pesadamente. A menção de meu pai parecia
incomodá-lo.
Eu o entendia, pois me sentia da mesma maneira, como se tivesse
traído alguém que eu amava muito.
— É verdade — concordou. — Está ficando tarde.
Gonçalo se moveu debaixo de mim, e o movimento involuntário
me causou um certo desconforto na vagina, pois ainda estávamos
conectados.
— Espere… não se mova.
Mordi o lábio inferior, dolorida, e forcei minhas pernas e tronco a
trabalharem, para que eu conseguisse me sentar. Coloquei uma perna de
cada lado do corpo de Gonçalo e me inclinei para cima, ficando de
cócoras ao mesmo tempo em que ele me ajudava a me firmar, com as
mãos em meu quadril. 
O pênis semiereto deslizou de dentro de mim e o processo me fez
gemer baixinho devido à ardência. Sêmen misturado com sangue vazou
do meu interior, deixando o pau de Gonçalo completamente melado,
como também todo o meu sexo.
— Que bagunça… — comentei um pouco envergonhada e
levantei o olhar para fitá-lo.
Gonçalo observava tudo com um claro interesse, parecia
fascinado ao me ver naquela posição, completamente lambuzada com os
fluídos dele.
As mãos grandes deslizaram até minhas coxas e ele acariciou
minha pele, em seguida puxou meus quadris de volta para o seu colo,
para que eu pudesse passar a perna para outro lado e colocar os pés no
chão.
Quando finalmente consegui sair de cima dele, senti o torpor da
consciência retornando, minhas bochechas esquentaram e eu quis dar uns
tapas em minha própria bunda depois disso. E se papai tivesse chegado
mais cedo? Eu não queria nem pensar em algo do tipo.
Gonçalo também se levantou, puxou as calças que estavam
arreadas no tornozelo, para cima, mas não cobriu o membro lambuzado.
— Acredito que não dará tempo para um banho… — comentou
fitando a sujeira que havíamos feito em seu colo.
Balancei a cabeça em negativa, me sentindo um pouco
desorientada depois de tudo.
— Acredito que não… — confirmei.
Era como se eu estivesse vivendo em sonhos, não de fato na vida
real.
Também me vesti rapidamente, envergonhada por estar nua na
frente dele. Enfiei as pernas no short de dormir o mais rápido que
consegui e fiz o mesmo com a blusa. Permaneceria vestida até que
pudesse estar longe dos olhos de Gonçalo, protegida por quatro paredes.
— Pode se limpar rapidamente no banheiro — disse a ele, um
pouco receosa em sermos pegos. — Depois preciso que retorne para o
casarão. Seria meio estranho papai voltar para casa e te encontrar aqui a
essa hora da noite. Eu vou dar um jeito aqui na sala.
Gonçalo assentiu e seguiu na direção que eu havia aprontado.
Comecei a arrumar o sofá, alisei o assento com as mãos, peguei
algumas almofadas que estavam espalhadas pelo chão, afofei e organizei
tudo sobre o estofado.
Quando terminei, corri até às janelas e as abri para fazer o ar
circular pela casa e retirar o cheiro de sexo. Gonçalo retornou um minuto
depois com as calças fechadas e a barra da camisa enfiada no cós.
Parecia ainda mais bonito e másculo do que quando chegou.
Quase me desconcentrei enquanto o olhava, admirada pelas sensações
diversas que ele despertava em mim com sua presença marcante.
— Celina, precisamos conversar — disse, sério, e me fitou
preocupado de cima para baixo.
Assenti, embora começasse a tremer de nervosismo e ansiedade,
só de pensar no que ele iria dizer. O homem se aproximou mais e colocou
uma mecha do meu cabelo atrás da orelha, fitando meu rosto.
— Imagino que como era virgem, você não faz uso de
anticoncepcional?
Suor frio me tomou ao constatar exatamente aonde ele queria
chegar. Que eu poderia ficar grávida.
Fechei os olhos e voltei a abri-los, o coração acelerado.
— Não — neguei, a culpa veio com força por ter sido eu quem
começou com aquilo. Foi eu que praticamente pulou no colo dele e
começou a quicar no seu pau, sem me importar com as consequências. 
Olhei para Gonçalo e notei que seu olhar trazia um ar de
remorso. Aquilo doeu em mim, eu não sabia explicar o porquê, afinal se
um bebê surgisse daquele deslize, estaríamos os dois enfiados em
problemas sérios.
— Eu… eu sinto muito… — comecei a me desculpar por ter sido
tão descuidada. Deveria ter me controlado mais, ou ao menos perguntado
se ele tinha camisinha.
— Shiii… ei… — Gonçalo me puxou para ele em um braço
apertado e beijou o topo da minha cabeça. — Não se culpe, menina. Eu
não estou aflito por minha causa, minha única preocupação é com você…
é tão jovem, Celina.
Ouvir aquilo me acalmou um pouco e eu o abracei de volta,
embora ainda tremesse.
— Fomos os dois inconsequentes… — comentou baixinho, como
se divagasse e enfiou o nariz entre os fios do meu cabelo — Tenho mais
de quarenta anos e nunca passei por isso antes — sussurrou. — Perdi
totalmente o controle.
— Se eu não tivesse provocado você, nós… — tentei me
justificar mais uma vez, chocada comigo mesma, com a forma descarada
com que me sentei no seu colo e deslizei no pau de Gonçalo.
O homem tomou meu rosto entre as mãos e beijou minha boca
levemente, interrompendo o que eu dizia. 
— Não pense mais nisso… — murmurou e me fitou nos olhos —
Agora eu preciso que você seja sincera comigo sobre algo.
— O quê? — questionei, aflita.
— Qual é a data da sua menstruação? Seu ciclo é regular?
Pensei por alguns instantes, me situando sobre a data que nos
encontrávamos, e por fim respondi:
— Devo menstruar nos próximos três ou quatro dias. E sim,
minha menstruação é regular.
Gonçalo soltou um longo e aliviado suspiro, se afastando um
pouco.
— Então você não está mais no período fértil. As chances de uma
gestação são mínimas.
Respirei aliviada, mas Gonçalo continuou me encarando
seriamente, o modo adulto responsável ativado. 
— E quanto alguma DST, não se preocupe, querida. Meus
exames são regulares, e já faz um bom tempo que não faço sexo.
Assenti enquanto o fitava, sentindo-me muito mais tranquila
agora. Gonçalo sorriu para mim e voltou a me puxar para ele, me
estreitando dentro de seus braços fortes.
— Quando sua menstruação descer, me avise — pediu em um
sussurro. 
— Certo.
— Tome um banho quente e descanse, e não precisa voltar ao
trabalho amanhã, vai estar bem dolorida quando acordar.
Senti o rubor me tomar, mas confirmei com um aceno de cabeça.
— Está bem.
— Boa noite, Celina…
Os lábios experientes capturaram os meus em um beijo suave,
gostoso. Havia tanto carinho ali, tantas promessas silenciosas que senti
algo dentro de mim se agitar, esperança de algo que eu sequer sabia que
queria.
— Boa noite… — respondi completamente fascinada.
Gonçalo saiu e eu ainda permaneci ali na sala por um tempo,
relembrando tudo que fizemos. O gosto da boca dele ainda estava na
minha, o cheiro do seu corpo entranhado na minha pele.
Senti meu sexo escorregadio quando me movimentei, e segui
para o quarto para me lavar e tirar os vestígios de sangue e esperma do
meu corpo. Quando terminei, retornei ao quarto e me sequei com cuidado
entre as pernas. Vesti uma calça de moletom confortável, uma blusa de
mangas curtas e me deitei, exausta.
Estava quase pegando no sono quando ouvi o trinco da porta
sendo aberto. Os passos do meu pai ecoaram pela sala. Seus passos
seguiram rápidos na direção do meu quarto, e em questão de segundos
ele bateu na minha porta.
— Celina? Filha? — chamou, a voz alarmada.
Eu me levantei em um pulo, o coração batendo forte pelo susto.
Corri até a porta e a abri, temendo que ele tivesse descoberto tudo. Meu
pai estava do outro lado com a expressão abalada, os ombros caídos
derrotados, os olhos marejados.
— Papai… o que aconteceu? — questionei, aturdida, o medo
falando alto.
— A sua mãe, querida. Suas irmãs me ligaram a pouco, a mãe de
vocês sofreu um acidente e está internada em um hospital de Corumbá.
Senti que o chão fugia dos meus pés quando ouvi o que ele dizia.
Coloquei a mão em minha cabeça, completamente desesperada e abracei
meu pai em seguida.
— Oh Deus. Que não seja grave, por favor… — supliquei aos
céus, as lágrimas já se derramando dos meus olhos.
Pensei em minhas irmãs mais novas, ainda menores de idade e
por um segundo, achei que morreria de tanta angústia. Que notícia
terrível para duas garotas terem de suportar.
— Vem, filha, vamos arrumar nossas coisas. Iremos passar na
sede para notificar dona Lúcia, e seguiremos para Corumbá.
Assenti para ele e comecei a me movimentar no automático, o
corpo ainda tremendo pelo medo de perder minha mãe, sem saber em que
estado ela se encontrava, se eu ainda a encontraria viva quando chegasse
a Corumbá.
 
 
 
 
 
 
 
CAPÍTULO 20

 
 
CELINA ABREU
 
 
O hospital em que minha mãe havia sido internada estava
parcialmente vazio naquele horário quando chegamos. Já era bem tarde
da noite quando papai estacionou a picape da fazenda, em frente a
unidade de saúde e corremos direto para a recepção em busca de notícias.
Encontramos minhas irmãs na sala de espera, encostadas em um
canto. Elas estavam sentadas, segurando as mãos uma da outra,
visivelmente abaladas.
— Janaína? Aline? — chamei pelas duas e corri para abraçá-las,
sendo seguida por nosso pai.
As meninas me encontraram no meio do caminho assim que me
viram, e me puxaram para um abraço coletivo, junto com papai. Olhei
para as duas, tão lindas, tão jovens. Aline era a cópia viva da nossa mãe,
a pele negra, os olhos escuros e cabelos cacheados com um volume lindo.
Janaína era mais parecida com o papai. A pele clara, os lábios
mais finos, cabelos longos que batiam abaixo das costas em cachos
grandes e bem definidos. Eu era uma mistura dos dois. Minha pele era
morena, um pouco mais clara que a de minha mãe, os olhos esverdeados
como os do meu pai, os cabelos escuros e levemente ondulados. 
— Filhas, o que aconteceu? Viemos assim que vocês me ligaram
para avisar — meu pai perguntou, com a expressão desolada. — O
acidente com a mãe de vocês é grave? 
Notei que a voz de meu pai tremeu quando fez a última pergunta.
Ele estava arrasado com a possibilidade de algo ruim acontecer com a
mulher com quem foi casado por tantos anos e que era a mãe de suas três
filhas.
Aline, a mais velha, secou as lágrimas que escorriam pelas
bochechas joviais e se prontificou a responder em meio aos soluços:
— Não sabemos, pai. Os médicos estão lá dentro com ela já tem
algum tempo, ainda não nos informaram nada.
— Oh querida, fique calma. Mamãe é forte — tentei consolar
minha irmã, mas estava tão abalada quanto ela.
Em silêncio, nosso pai nos guiou para as cadeiras de espera e eu
me sentei, trêmula, o coração apertado de medo.
— Aline? Janaina? — chamou. —  Sabem dizer como aconteceu
o acidente, filhas? — Por alguns segundos, a voz dele falhou e eu o vi
quase desabar na nossa frente.
Foi difícil para mim presenciar tudo aquilo, um homem tão duro
e destemido quanto Joaquim se segurando para se manter forte na frente
das filhas, enquanto a mulher que ele amava estava em uma cama de
hospital.
Dessa vez foi Janaína que tomou a fala e começou a explicar o
que havia acontecido.
— Mamãe, eu e Aline havíamos acabado de sair de casa para
irmos ao mercado antes que fechasse. Eu fiquei para trás para fechar o
portão e Aline me esperou na calçada. Mamãe seguiu na frente. — A
garota soluçou baixinho, mas continuou narrando os acontecimentos. —
Ela estava atravessando a rua quando um carro, aparentemente
descontrolado, surgiu na esquina e a pegou em cheio.
Fechei os olhos repleta de dor e angústia.
— O motorista não prestou socorro, Celina… — Janaína desabou
em um choro convulsivo que partiu meu coração ao meio.  — Isso é tão
injusto… Agora mamãe está aqui, machucada, e o sujeito andando por aí
como se nada tivesse acontecido.
Eu entendia toda aquela revolta de Janaína, principalmente por
ela ter presenciado tudo. Não era fácil para uma garota de sua idade
entender que o mundo não era um lugar bonito. Coisas ruins aconteciam
o tempo todo, e nem sempre os culpados eram penalizados. A vida era
assim, cheia de altos e baixos, e infelizmente eu não poderia protegê-las
de tudo.
Naquele instante, uma enfermeira surgiu no corredor, e meu pai
se levantou para ir até ela em busca de possíveis informações.
Abracei minhas irmãs e as acalentei baixinho com palavras de
consolo enquanto os dois conversavam. Meu pai informou que voltaria
em um instante com notícias, quando a enfermeira pediu que ele a
seguisse, eu balancei a cabeça em concordância, pegando para mim a
responsabilidade de cuidar de Aline e Janaína.
Os minutos passaram e aquela angústia continuava, o medo
tomando conta. Eu dizia para mim mesma que precisava ser forte por
elas e por papai, mas não sabia ao certo se conseguiria.
Algum tempo depois, nosso pai retornou à sala de espera. Estava
com as mãos nos bolsos da calça, os olhos cheios de lágrimas. Nós três
nos levantamos para encontrá-lo e ele nos estreitou em um abraço
apertado. Beijou a testa de cada uma.
— A mãe de vocês vai ficar bem, meninas — ele disse, e de
repente começou a chorar de alívio. A voz falhou.
Choramos os quatro juntos, o medo dando lugar ao alívio que
veio em uma boa hora, pois já não suportava mais aquele desespero.
— Ela está com a perna engessada agora, pois fraturou
seriamente a tíbia e fíbula. Ela também bateu a cabeça com muita força,
chegou aqui desacordada, mas já está consciente. A pele está bem
machucada, cheia de hematomas e arranhões, mas isso tudo vai passar e
nossa Vera voltará para nós novinha em folha — brincou em meio aos
soluços.
— Já podemos ver a mamãe, papai? — perguntou Aline, agora
muito mais calma.
— Daqui a pouco, querida. Os médicos ainda farão alguns exames na mãe
de vocês, mas logo poderão vê-la.

 
Oito dias após o acidente, eu havia saído do hospital para ir até a
casa em que minha mãe morava para tomar um banho e descansar um
pouco. Depois, eu iria deixar seu quarto limpo e arrumado, pois ela
receberia alta no final do dia.
Eu e meu pai estávamos nos revezando para ficar com ela, mas já
havíamos combinado que ele voltaria para a fazenda no dia seguinte, e eu
ficaria com minha mãe até que ela se recuperasse.
Arrumei minha bolsa no ombro e caminhei pela calçada
movimentada em frente ao hospital para alcançar a faixa de pedestre.
Estava quase chegando quando uma voz marcante e inconfundível
chamou por mim.
Eu me virei na direção do estacionamento, e vi Gonçalo se
aproximar de onde eu estava, a passos rápidos e firmes. Eu estava tão
esgotada e cansada por passar a noite em uma minúscula cadeira de
hospital, que quase chorei quando o vi na minha frente.
Gonçalo não usava as usuais roupas que vestia na fazenda.
Estava elegante, trajando uma camisa branca com blazer escuro. Os
cabelos estavam bem penteados, a barba bem-feita. Um óculos escuro
protegia seus olhos do sol quente.
O homem se aproximou, parecia respirar poder e requinte
enquanto me olhava. Por um instante, a felicidade que senti ao vê-lo, deu
lugar ao receio por eu estar vestida de maneira tão simples.
Quem olhasse para Gonçalo, logo veria o médico bem instruído
que ele era. Mas quem olhasse para mim, deduziria que eu não passava
de uma garotinha simples do interior, usando uma calça jeans surrada e
uma baby look comum, com sandálias rasteiras.
— Oi… — cumprimentei sem jeito, mas fui pega totalmente de
surpresa quando Gonçalo inclinou a cabeça e respondeu ao meu
cumprimento com um beijo na boca, as mãos segurando meu rosto.
— Oi. — Ele se afastou poucos centímetros e colou a testa na
minha. — Senti saudades, menina. Como você está?
Inspirei fundo, inalando o perfume másculo que me levava ao
céu.
— Um pouco cansada, mas estou bem.
— Sinto muito pelo que aconteceu com a sua mãe. Assenti e
coloquei a mão em seu peito, lutei para não desabar de cansaço em seus
braços.
— Ela vai ficar bem, Gonçalo. — Dizer aquilo a ele em voz alta
era reconfortante. — Mas e você, o que faz aqui? — questionei, ainda
surpresa com a presença de Gonçalo ali em Corumbá. Depois que
retornou para a fazenda, foram poucas as vezes que eu o vi sair para
longe dos limites de suas terras.
— Primeiro vamos sair daqui. — Segurou minha mão com a sua
e depositou um beijo em meus dedos.
— Eu estava indo para a casa da minha mãe. Preciso
urgentemente de um banho e um pouco de comida — confessei, exausta.
O mais provável é que eu estava cheia de olheiras abaixo dos olhos.
Gonçalo assentiu para mim e me puxou na direção do
estacionamento.
— Eu levo você. É só me passar as instruções.
Aceitei a carona de bom grado. Sabia que minhas irmãs estariam
na escola naquela hora da manhã, e meu pai ficaria com minha mãe até
ela sair do hospital.
Não entendia bem que espécie de relacionamento era o nosso,
mas senti tanto a falta dele naqueles dias, embora estivesse com a cabeça
cheia de preocupações e o corpo cansado.
Assim que chegamos na casa, Gonçalo estacionou na calçada em
frente ao imóvel e eu entrei. A sala estava uma verdadeira bagunça, pois
minhas irmãs não eram as pessoas mais organizadas do mundo.
Ignorei aquele fato, pouco me importando com o que Gonçalo
pensaria. Eu estava exausta demais para me preocupar naquele momento.
Deixei a bolsa sobre o sofá da sala, e me virei para ele, os olhos quase se
fechando.
— Eu vou tomar um banho e já volto. Fique à vontade. — Tentei
sorrir, mas nem ao menos um sorriso eu conseguia emitir naquele nível
de exaustão.
— Vou esperar por você… — Os olhos que tanto me fascinavam
analisaram o meu corpo por alguns instantes, mas Gonçalo não se
aproximou ou deu algum indício de que tentaria me levar para a cama.
Estava sendo gentil, atencioso, mas manteve a distância e o
respeito que eu precisava.
Saí de sua vista e entrei no banheiro social da casa para me
banhar. Tranquei a porta e comecei a tirar a roupa apressadamente. Sentia
o corpo fadigado, e uma cólica leve despontava no pé da barriga.
Havia uma pequena mancha de sangue no absorvente quando
olhei, da mesma forma que havia acontecido no dia anterior. Estava
bastante aliviada pela menstruação ter decido, mesmo que alguns dias
atrasada. Ainda assim, não deixava de ser estranho o fluxo estar tão
fraco, bem diferente do que costumava ser nos meses anteriores.
Deixando os pensamentos de lado, coloquei as roupas sobre a pia
e entrei no chuveiro quente. Lavei os cabelos e o corpo, sentindo as
forças se renovarem outra vez, mas tomei cuidado para não demorar
tanto. 
Assim que terminei o banho, me sequei e segui para o quarto que
estava dividindo na casa com a Aline.
Vesti uma calcinha confortável e ajustei o absorvente, em
seguida, me enfiei dentro de um vestido fresco e soltinho de malha.
Desembaracei os fios de cabelo com os dedos o mais rápido que
pude, e quando saí do quarto, encontrei Gonçalo sentado no sofá com
uma sacola na mão, sem os óculos de sol no rosto.
— Desculpe a demora. Eu estava tão cansada que nem vi o
tempo passar.
Aproximei-me dele, também me sentei e passei os braços em
volta da sua cintura, a cabeça encostada no peito forte.
— Não tem importância — respondeu baixinho e ergueu a mão
com a sacola. — Eu comprei isso para você comer, na padaria ali do
outro lado da rua. Se não gostar, eu posso pegar outra coisa.
Inspirei fundo, agradecida e me afastei alguns centímetros para
pegar a sacola de suas mãos.
— Ah Gonçalo, obrigada. — Dessa vez eu consegui sorrir, o
estômago roncou de fome. — Seja lá o que você tenha trazido, tenho
certeza de que irei gostar.
Eu abri a sacola para ver o que ele havia. Estava faminta e o
cheiro era tão bom. E de fato, o misto quente que eu mastigava parecia
ser a comida mais deliciosa que eu já havia provado na vida. Comia
como se tivesse passado dias sem tocar nada na boca, e para ser sincera,
eu não vinha me alimentando tão bem nos últimos dias. A comida do
hospital era ruim e a preocupação com os acontecimentos que me tirava a
fome. Quando eu revezava com o meu pai, engolia alguma besteira
rapidinho e descansava um pouco.
— Vou te levar para almoçar depois que você descansar um
pouco. — Gonçalo me apertou mais contra ele, ergueu o meu corpo e me
fez sentar no seu colo.
Terminei de comer o misto e limpei a boca com um guardanapo
de papel.
— Não poderei. Eu preciso arrumar as coisas, minha mãe sairá
hoje do hospital. Além disso, minhas irmãs irão chegar daqui a pouco da
escola.
Gonçalo suspirou e segurou meu queixo levemente, para que eu
pudesse encará-lo.
— Quando volta para a fazenda? — perguntou com uma certa
tensão na voz.
Fechei e abri os olhos ao ouvir aquilo, senti-me triste por ter de
me afastar por um tempo, mas era o certo a se fazer naquele momento.
— Eu não sei. Até minha mãe se recuperar totalmente.
Olhei para Gonçalo e o que vi em seu olhar fez meu coração se
apertar. Desânimo, aflição e angústia estavam estampados em cada
centímetro de sua face.
Mas então o homem sorriu, um sorriso sem vida, carregado de
palavras não ditas.
Eu fitei seus olhos por um momento, quis pedir que ele esperasse
por mim, que eu voltaria para ele, mas não conseguia abrir a boca ou
dizer qualquer coisa. As coisas tinham acontecido de maneira tão rápida,
que eu estava completamente perdida no meio daquele vendaval.
Havíamos feito amor uma vez, mas aquilo não era motivo
suficiente para definir o que havia entre nós dois. Se é que existia algo.
Talvez ele estivesse decepcionado pois não haveria mais sexo, e eu como
a garota ingênua que era, havia interpretado tudo errado.
De repente, o homem enfiou a mão no bolso do blazer e retirou
um celular. Levou o aparelho na minha direção.
— Eu tenho uma reunião com o administrador da fazenda, aqui
em Corumbá, e aproveitei para te trazer isso — revelou, indo direto ao
ponto. — Como o seu não voltou a funcionar, achei que poderia usar este
aqui… e me ligar de vez em quando.
Confesso que me emocionei um pouco quando ouvi suas palavras
e segurei o aparelho nas mãos, mas ao mesmo tempo me senti
decepcionada por ele ter apenas aproveitado a oportunidade da viagem
para me ver.
Olhei o aparelho com cuidado, era um celular de última geração,
novinho, já com capa e película de proteção. Mas, eu não podia aceitar
um presente como aquele. Não fazia parte da minha essência, nem da
maneira com que fui criada. Além disso, Gonçalo não tinha nenhuma
responsabilidade sobre mim, não éramos nada um do outro a não ser
patrão e funcionária. 
— É lindo, Gonçalo. — Coloquei o aparelho de volta em sua
mão e fechei seus dedos com os meus. — Mas eu não posso aceitar.
Eu me levantei do seu colo e peguei as sacolas do lanche que
estavam sobre o sofá. Ele também se levantou e me encarou com a
expressão descrente.
— Celina, aceite. É um presente.
Respirei fundo, tentando não parecer mal-agradecida, não queria
magoá-lo.
— Assim que eu voltar ao trabalho e receber o pagamento do
mês, irei comprar um celular novo. — Forcei um sorriso, mas por dentro
estava aflita.
— Não tem de esperar tanto tempo… Eu estou te dando um,
Celina.
Nervosa, comecei a arrumar a sala, indo e vindo de um lado para
o outro.
— Não é necessário, Gonçalo. Eu agradeço sua boa vontade, mas
eu vou dar um jeito.
Eu me virei na sua direção outra vez, senti o coração esmurrar o
peito com força. Não sabia explicar o que estava acontecendo dentro de
mim, queria ouvir de sua boca que estava com saudades, que eu era dele,
qualquer coisa, mas Gonçalo não disse nada.
— Está sendo orgulhosa e teimosa demais, menina —
argumentou, a expressão fechada.
Talvez eu estivesse sendo mesmo orgulhosa, mas a sensação que
tive quando o olhei outra vez, era que ele estava tentando me
recompensar com presentes por termos feito sexo naquela noite. Talvez a
consciência pesada por ser amigo do meu pai.
— É a minha palavra final. Não posso aceitar seu presente.
Notei quando ele fechou os punhos, visivelmente irritado, a
mandíbula cerrada.
— Então é isso, Celina? — questionou novamente, a voz seca.
Tentei me controlar e não permitir que meu estresse viesse à tona,
embora ele pedisse por uma resposta rude também. Senti as mãos de
Gonçalo segurarem o meu ombro e ele me forçou a olhá-lo.
— Que inferno está acontecendo com você? É só a porra de um
presente, Celina.
Naquele instante tudo fez sentido na minha cabeça, e eu me
afastei de Gonçalo.
A resposta estava bem ali na minha frente. E o aparelho que ele
segurava na mão era exatamente o problema. Eu não queria presentes
caros de Gonçalo, não queria ser recompensada por uma noite de prazer,
ou porque ele sentia culpa pelo que fizemos. Eu só o queria, apenas ele.
Lágrimas teimaram em cair, mas engoli o choro e vesti minha
melhor máscara de indiferença.
— Não quero e não preciso de nada, Gonçalo. Por que é tão
difícil para você entender? — Minha voz estava alterada, a respiração
ofegante.
Ele me encarou, agitado, abriu e fechou a boca. A esperança
surgiu dentro de mim, fiquei quieta, esperei, mas tudo o que ele disse
soou apenas como um ponto-final no que nem havia começado.
— Está bem, Celina. Se é isso que quer, eu irei respeitar sua
decisão.
Assenti, embora sentisse que algo se revolvia dentro de mim,
uma agonia tão grande que se tornou difícil respirar.
— É melhor eu ir, antes que suas irmãs retornem, não é? — Senti
um toque de desdém em sua voz, mas dei pouca importância àquilo.
— Sim! — respondi, convicta.
Gonçalo curvou os lábios em um sorriso, indiferente, frio. Eu
podia sentir a raiva que exalava dele.
— Ok.
No momento em que ele rumou na direção da porta, eu o chamei,
disposta a tirar qualquer culpa que ele ainda carregasse na consciência.
— Gonçalo…
Ele parou no meio do caminho de costas para mim, a mão na
maçaneta da porta.
— Minha menstruação desceu ontem pela manhã.
Notei quando seu corpo estremeceu e ele tencionou os ombros.
Não disse uma única palavra antes de sair.
Quando a porta se fechou às suas costas, eu me sentei no sofá e
abracei o meu corpo. Uma enxurrada de emoções me invadiu e eu permiti
que minha cabeça caísse em cima da almofada completamente desolada.
Senti todo o meu corpo convulsionar quando as lágrimas
começaram a correr pelo meu rosto, o ar parecia faltar dentro de mim.
E então eu chorei por tudo que aconteceu nos últimos dias.
Chorei de tristeza, de cansaço. Chorei porque estava completamente
apaixonada pelo meu patrão, mas sabia que sexo era única coisa que ele
estava disposto a me oferecer, algo que não era suficiente para mim.
CAPÍTULO 21

 
 
GONÇALO
 
 
Saí da casa da mãe de Celina com um gosto amargo na boca, o
peito apertado. Sentia que iria sufocar a qualquer momento, estava sem
rumo.
A garota não mediu esforços para rejeitar a única alternativa que
eu havia encontrado para nos mantermos próximos. Não sei se por
orgulho ou simplesmente porque não me queria por perto. Pensar nisso,
que Celina não me queria, foi como ter uma faca enfiada no peito, e
aquilo doía como o inferno.
O mais difícil, no entanto, foi quando Celina confirmou que sua
menstruação havia descido. Naquele momento, eu soube que nada mais
nos ligava um ao outro, e embora eu devesse estar aliviado, não foi assim
que me senti. 
Entrei na picape e segurei o volante com as duas mãos. Os nós
dos dedos ficaram brancos com a força que eu depositava. Havia passado
oito dias de merda longe dela e a vontade de tê-la comigo apertava meu
peito como uma serpente que sufoca e esmaga sua presa. 
Enquanto estava na fazenda, tentei seguir minha rotina como
sempre fazia, trabalhando com o gado, ajudando os peões nos afazeres do
campo, principalmente agora que Joaquim estava afastado.
Tentei não pensar muito em Celina, mas estava preocupado com
o que havia acontecido com a sua mãe. Também não conseguia tirar da
cabeça a possibilidade de ela engravidar, mas tentei deixar aquilo de
lado. Eu tinha convicção de que as chances eram mínimas, mas o método
da tabelinha não era cem por cento confiável. O certo seria ela ter tomado
a pílula do dia seguinte, mas com toda aquela movimentação com o
acidente da sua mãe, nem sequer nos vimos outra vez.
Imaginei que a menina estivesse cansada, com muita coisa na
cabeça e por isso não havia entrado em contato comigo, mesmo que por
alguns instantes.
Seu pai ligava para a fazenda regularmente para se manter
informado dos últimos acontecimentos, mas pouco falava sobre Celina, a
não ser que ambos estavam se revezando para ficar com a mãe.
Sabia que ela estava sem celular, e este era um dos motivos pelo
qual não conseguia ter contato com a garota sem que seu pai desconfiasse
de algo. Aquela distância, o fato de não poder ir atrás dela ou conversar
sem me preocupar se alguém descobriria, era o que mais me tirava dos
eixos. Precisava acabar com aquilo, e por isso estava disposto a falar com
Joaquim sobre Celina, assim que os dois retornassem à fazenda.
Eu iria pedir a permissão dele para que a garota namorasse
comigo. Já que eu não tinha conseguido segurar o pau dentro das calças,
tentaria ao menos fazer as coisas do jeito certo. Havia uma chance de ela
não aceitar minha proposta, mas eu era um homem adulto, aqueles
encontros às escondidas não combinavam com a minha essência. E
Joaquim tinha o direito de saber por mim.
Queria poder levar a menina para dormir comigo no casarão, sem
me preocupar se seríamos vistos por alguém. Queria poder beijá-la em
qualquer lugar, deixar claro para todos que a garota era minha.
E foi pensando nisso que inventei uma reunião qualquer com o
administrador da fazenda, e marcamos de nos encontrar em Corumbá no
final daquela tarde.
 
Cheguei à cidade por volta das nove horas da manhã, e segui
direto para uma loja de celulares. Comprei um aparelho de última
geração, exatamente o que a atendente havia sugerido.
Depois disso, eu me encaminhei para o hospital onde Joaquim
havia informado que Vera estava internada.
O plano era entrar na unidade de saúde e ficar um tempo com
meu amigo, depois daria um jeito de encontrar Celina, caso ela não
tivesse por lá, e lhe daria o celular. Assim, poderíamos conversar com
privacidade nos momentos em que ela estivesse disponível.
Eu estava louco para estreitar a garota entre meus braços, beijar
aquela boca que me deixava doido, fazer amor com ela outra vez.
Mas também sabia que teria de esperar.
No entanto, tudo que eu havia planejado pareceu ruir no
momento em que saí da casa de sua mãe.
Voltei a ligar a picape e dirigi pelas ruas de Corumbá, com os
nervos aflorados.
Talvez fosse melhor assim, ficarmos longe um do outro, cada um
seguindo a sua vida. Tentei pensar por este lado, mas tudo que meu corpo
gritava, era para retornar até aquela casa e tomar a menina em meus
braços, penetrar sua boceta, beijar sua boca até a garota voltar a pensar
racionalmente.
Irritado, eu pisei o pé no acelerador e dirigi de volta ao hospital.
Apesar de Celina estar torrando o meu juízo, em nada mudava o
fato de que Joaquim precisava do meu apoio.
Eu iria passar um momento com ele e depois da reunião com o
administrador, retornaria para a fazenda. 
Entrei no hospital e fui até a recepção pegar informações sobre
Vera.
 
A moça m e informou que a mulher estava se recuperando bem, e
explicou a direção na qual eu poderia seguir para conseguir conversar
com o marido que a estava acompanhando.
Segui pelo corredor do hospital, até alcançar a ala de internação
da enfermaria.
Por sorte, estava em horário de visita, assim eu poderia passar um
tempo com os dois. Identifiquei o número do quarto que a mulher havia
sido internada, e notei que a porta estava entreaberta.
Segurei a maçaneta e a empurrei devagar, tomando cuidado para
não fazer barulho.
Fiquei estagnado onde estava, surpresa me invadiu quando vi
Joaquim inclinado sobre a ex-esposa, beijando seus lábios. Limpei a
garganta para chamar sua atenção, e o homem se ergueu rapidamente,
virando-se na minha direção.
Os dois me olharam surpresos, então, Joaquim sorriu e segurou a
mão da mulher firmemente.
— Gonçalo… que surpresa boa. Entre!
Dei um passo para o interior do quarto, tranquei a porta às
minhas costas e segui até os dois.
— Como vai, Joaquim? — Apertei a mão do homem, e me virei
para a mulher: — E você, Vera? Fico feliz que esteja se recuperando
rapidamente.
A mulher assentiu, curvando os lábios em um sorriso surpreso e
ao mesmo tempo contente.
— Sim. Hoje mesmo ela receberá alta — disse Joaquim, olhando
para a mulher, com um sorriso bobo estampado na cara.
Aquele ânimo de quando um homem tem um motivo para seguir
lutando, estava de volta em seu semblante. Os olhos de Joaquim
brilhavam quando olhava para a mulher, e embora parecesse acuada, Vera
aparentava estar tão contente quanto o marido.
Observei a mulher rapidamente, notando uma certa similaridade
com Celina. Era uma mulher muito bonita, com a pele em um tom mais
claro de negro. Os cabelos estavam presos no topo de sua cabeça, mas
aparentavam ser cacheados.
Celina era uma mistura perfeita dos dois.
Pensar nela fez meu corpo se agitar, e eu odiei a angústia que
aquilo me causou. No entanto, assumi o controle das minhas emoções e
forcei meus lábios a se curvarem em um sorriso na direção de Joaquim.
— Não sabe o quanto fico aliviado, Joaquim. E feliz por vocês
dois.
O homem assentiu. 
— As meninas ainda não sabem. Vamos conversar com elas aos
poucos sobre nosso retorno. No momento, nossa maior preocupação é a
recuperação de Vera.
— Acho que só conheço uma de suas filhas… — comentei para
Vera, voltando a ficar sério ao ter a cabeça invadida pelo corpo de Celina
em cima do meu. — Mas tenho certeza de que ficarão contentes quando
souberem. Os filhos são sempre mais felizes quando os pais estão juntos.
Joaquim concordou com um aceno, e eu cruzei os braços na
frente do corpo, me sentindo incomodado com o rumo que meus
pensamentos tomavam a cada segundo. 
Olhei para Joaquim e Vera ali, juntos novamente, após meses
separados. Pensei na filha deles outra vez, gemendo em cima de mim,
enquanto eu enfiava a língua em sua boca.
Eu não passava de um monte de merda traidor.
— Nossa filha, Celina, falou sobre você, senhor Gonçalo. — Foi
a vez de Vera falar.
Senti que meus pés perderam o chão quando ouvi o nome dela.
Limpei a garganta, surpreso, mas me mantive quieto, sem dar indícios de
que algo dentro do meu peito havia disparado.
— Espero que ela não tenha aberto a minha cova… — Tentei
descontrair e curvei os lábios em um sorriso.
— Bom… Ela só disse que o filho mais velho de dona Lúcia
havia retornado à fazenda.
Lembrei de nosso início, tão conturbado como estava sendo
agora, e tive certeza de que Celina havia me jogado aos leões enquanto
falava de mim para sua mãe.
O teor daqueles pensamentos me fizeram rir outra vez.
Joaquim levou a mão da esposa aos lábios, sorridente, e
continuamos a conversa sobre a recuperação de Vera e onde iriam morar
a partir disso.
Questionei se retornariam para a fazenda quando ela recebesse
alta, mas recebi um balde de água fria na cara quando Vera confirmou o
que Celina havia dito mais cedo, que ficaria aqui em Corumbá mais um
tempo, até tudo se ajeitar.
 
Quando o horário de visitas chegou ao fim, eu me despedi dos
dois e liguei para o administrador da fazenda, para tentar adiantar a
reunião que faríamos para discutir o aumento das pastagens no próximo
ano, e assim que tudo havia acabado, entrei na picape e rumei na direção
da fazenda.
À medida que o carro tomava distância de Corumbá, aquela
sensação de vazio dentro do peito se tornava ainda mais real, intensa.
Passei a mão no peito algumas vezes para tentar aplacar aquela agonia,
mas nada surtia efeito. Nada adiantava quando o assunto era diluir a
imagem de Celina do meu subconsciente, nada tinha poder suficiente
para apagar o cheiro e o gosto dela da minha boca, e aquilo estava me
deixando louco.
Eu havia me perdido no tempo, nem sequer notei em que
momento aquela transição aconteceu e se entranhou daquela maneira,
quando tudo o que eu respirava era a saudade de Laura.
Agitado demais para continuar na estrada, eu parei no
acostamento e fechei os olhos por alguns segundos.
As imagens de Laura e Celina se misturavam na minha cabeça,
faziam meu coração doer como há muito tempo não sentia. Uma estava
morta, nunca mais voltaria a vê-la pois o destino quis assim, e quanto a
outra, é como se eu a estivesse perdendo também, mas de uma maneira
completamente diferente, e tão igualmente dolorosa. 
Celina não estava sendo forçada a sair da minha vida, a garota
simplesmente não me queria. 
CAPÍTULO 22

 
 
UM MES DEPOIS
 
CELINA ABREU
 
 
— O que aconteceu com "os homens de Corumbá são de outro
nível? " — Fiz um sinal de aspas com os dedos, quando questionei minha
mãe sobre a conversa que tivemos há algum tempo pelo telefone.
Na ocasião, ela havia me pedido para ir morar em Corumbá, e
alegou que os homens da cidade eram mais inteligentes, educados e bem
vestidos que os peões chucros que trabalhavam na fazenda, e que eu,
deveria sair da roça para morar com ela e trabalharmos as duas na loja
que ela prestava serviços.
Na época, minha mãe e meu pai haviam passado por uma
separação recente, e liguei essa separação a esses comentários. Minha
mãe estava chateada, pois papai passava mais tempo cuidando dos
animais que com a gente em casa.
Além disso, ela nunca gostou muito dos afazeres da roça, e tinha
pavor de mosquitos. Dificilmente ia comigo e minhas irmãs tomar banho
de rio. Minha mãe baixou a cabeça, um sorriso receoso tomando seus
lábios.
— Já ouviu aquele ditado que diz assim, nunca cuspa no prato
que comeu? Então, eu cuspi, pisei em cima, me arrependi e agora estou
aqui querendo comer no mesmo prato outra vez, porque nenhum outro no
mundo parece ser o suficiente ou me faz tão bem ou é tão incrível.
Ela voltou a me olhar e meu coração se apertou quando notei as
lágrimas não derramadas.
— Oh querida, venha aqui — chamou.
Eu me aproximei de minha mãe, passei os braços em volta do seu
pescoço e a abracei apertado, sentindo que iria desabar também.
Meus olhos também marejaram e eu funguei baixinho.
— Estou tão feliz que a senhora e meu pai se entenderam, mãe
— expressei, tão aliviada quanto no momento em que ela nos informou
que retornaríamos à fazenda.
— Eu também estou, filha. Eu me arrependo tanto de ter deixado
o seu pai. Sei que ele não é e nunca será um homem perfeito, afinal
somos humanos e todos nós temos defeitos, mas ele é a melhor pessoa
que eu conheci na vida.
Sequei as lágrimas de felicidade que já caíam e rolavam em
abundância pelas minhas bochechas.
— Ele sofreu tanto com a sua partida… — comentei baixinho,
relembrando as noites que vi meu pai passar em claro depois que ela foi
embora. — Ele é um homem calado, mas ama a senhora.
Seus soluços se misturaram aos sorrisos.
— E ama o trabalho, também… — comentou e tomou um
suspiro.
Sorri, sabendo exatamente o que ela queria dizer com aquilo. No
entanto, mamãe estava ciente de que embora meu pai gostasse tanto do
que fazia, o amor que ele sentia por ela e suas filhas era incomparável.
— A senhora entendeu muito bem o que eu quis dizer, mãe… —
Soltei um riso, toda chorosa.
Ela também sorriu e assentiu com um aceno de cabeça.
— Eu sei, minha querida filha… Infelizmente precisei quebrar a
cara para compreender, mas o importante é que tudo se resolveu agora.
Ouvi uma batida na porta, e logo depois meu pai colocou o rosto
para dentro.
— Com licença, garotas…. — disse, sorrindo.
Ver aquela expressão de felicidade no rosto do meu pai fez meu
coração dar um salto dentro do peito. 
— Entre, pai.
Ele entrou devagar, deixando a porta aberta atrás de si, e se
dirigiu para a esposa:
— O pessoal da mudança, chegou. Poderia vir mostrar a eles
onde cada coisa deveria ficar?
Minha mãe assentiu, abrindo um sorriso de orelha a orelha.
— Não vejo a hora de ver todas as coisas organizadas outra vez.
Ela tateou a beirada da cama onde havia deixado a muleta, mas o
objeto escorregou e caiu no chão.
— Deixe que eu pego — Eu me ofereci para pegar a muleta
rapidamente, e por isso me levantei da cama que estava sentada, ao seu
lado, com um movimento rápido demais.
Quando estava de pé e tentei dar um passo, mas senti as vistas
escurecerem e o estômago embrulhou. Tudo à minha volta perdeu o foco
e uma sensação de anuviamento me tomou da cabeça aos pés.
Coloquei a mão na testa completamente zonza. Minhas pernas
falharam, todos os meus membros perderam as forças, e eu soube
naquele instante que perderia a consciência.
Tentei lutar… 
Ouvi vozes agitadas à minha volta, passos ecoaram pelo quarto,
mãos fortes me seguraram pelos ombros, e então tudo se apagou.
 

 
Voltei à consciência algum tempo depois, sentindo as mãos e os
pés sendo massageados. Abri as pálpebras devagar, pisquei algumas
vezes até me acostumar com a claridade que entrava pela janela.
— Filha? Celina… oh meu Deus, querida.
A voz ofegante de minha mãe foi a primeira a penetrar em meus
ouvidos. Olhei em volta, e notei que estava deitada na cama. Minha mãe
estava sentada próximo a mim, segurando minha mão esquerda, e meu
pai segurava a direta do outro lado.
Aline e Jaqueline estavam de pé na minha frente, os olhares
aflitos na minha direção. Eu me movimentei, ainda me sentindo um
pouco zonza, e me firmei no colchão com os cotovelos, para tentar
levantar o tronco da cintura para cima.
— O que aconteceu? — questionei.
As mãos de meu pai me firmaram pelas costas e ele me ajudou a
sentar.
— Você desmaiou, filha. Meu Deus, está pálida.
A preocupação estava estampada em seu semblante, e eu voltei a
fechar os olhos, sentindo o corpo trêmulo.
— Acho que não estou me alimentando muito bem esses dias. —
Liguei aquele mal estar, aos enjoos que vinha sentindo na última semana,
pela manhã.
Meu estômago se revirava sempre que sentia o cheiro de café e
alho, e por isso evitava até mesmo passar muito perto da cozinha.
— Você tem trabalhado tanto, Celina… — Minha mãe passou a
palma da mão em minha testa e arrumou os fios de cabelo que haviam
caído em meu rosto. — Precisa descansar. O último mês foi corrido
demais para você, tendo que tomar conta de tudo e ainda de mim, que
estava doente.
Inspirei e expirei algumas vezes, até me sentir confiante o
suficiente para me sentar direito.
— Talvez seja bom levarmos você ao hospital. Mas antes vou
chamar o Gonçalo para dar uma olhada em você…
— Não… — Quase gritei, interrompendo a fala do meu pai. —
Um pouco mais contida, tentei concluir a frase sem parecer tão
desesperada. — Não… não é necessário incomodar o patrão, papai. Eu já
estou bem.
Tentei sorrir, mas meu corpo tremia tanto. Ouvir o nome dele,
principalmente em um momento com aquele, foi como ter uma injeção
de adrenalina sendo injetada diretamente na veia ligada ao coração.
— Celina, querida… você está tremendo. — Minha mãe
massageou o meu braço e deslizou os dedos até o meu rosto. — Está
suando…
— É o calor e o mal-estar, mãe. — Pausei a fala em busca de
fôlego, Eu precisava me acalmar, precisava seguir a vida mesmo tendo
que conviver próximo a ele.  — Já estou melhor.
Eu me firmei na cama, e devagar consegui me levantar. Pela benção
de Deus, consegui ficar firme em pé, e o mal-estar não retornou a ponto de
me derrubar outra vez.
—Vamos cuidar, gente. Ainda temos muito o que arrumar antes
que essa casa se torne habitável outra vez.
Mostrei meu melhor sorriso para os dois, mesmo que por dentro
achasse que iria morrer de agonia só em imaginar ter de ficar frente a
frente com Gonçalo de novo.
Desviando das caixas da mudança de minha mãe que começavam a
ser empilhadas na sala, eu deixei o lugar. Estava morta de felicidade por
estar de volta à fazenda Ribeiro, mas não gostava nem de imaginar como
seria ver aquele homem outra vez, depois de tudo. 
 

 
No dia seguinte, papai ainda estava em casa quando saí para
voltar aos meus afazeres no casarão. Havíamos passado o restante do dia
e parte da noite arrumando tudo para dormirmos ao menos um pouco
confortáveis.
Agora eu dividia o quarto com minhas duas irmãs. Ficava bem
apertado, pois Aline dormia comigo na cama e Jaqueline estava tendo de
se virar com um colchão de solteiro no chão.
A casa era pequena, mas conseguimos nos acomodar bem. Além
disso, estava em ótimo estado de conservação. Também havia sido
reformada recentemente, bem diferente da casa em que morávamos no
vilarejo, que precisaria de uma mão de tinta, trocar o telhado, consertar o
piso e uma boa e demorada faxina devido ao tempo em que ficou
trancada.
E papai faria exatamente isso nos próximos meses. Iria reformar
a casa do vilarejo, e enquanto isso, ficaríamos todos na fazenda. Sentia
meu corpo cansado, o sono não me largava, ainda assim estava ansiosa
para retornar ao trabalho e conversar com Berenice e dona Lúcia.
Eu sabia que o Gonçalo estaria fora de casa naquele horário. O
homem havia pegado o gosto pelo trabalho no campo, e parecia gostar de
montar o lombo de um cavalo antes do nascer do sol para verificar os
andamentos nos quatro cantos daquela fazenda.
Cheguei ao casarão um pouco mais tarde que o costume.
Ao sentir o cheiro do café recém-passado, tentei ignorar o aroma
forte e enjoativo, e caminhei até Berenice que estava de costas,
cozinhando alguma coisa no fogão.
— Berenice? — chamei por ela e a mulher se virou para mim por
poucos segundos, o olhar surpreso ao me ver.
— Celina? Querida? — Notei quando a mulher desligou o fogo e
se virou totalmente na minha direção, no entanto, o que mais me tirou o
chão, foi perceber seu semblante abatido, as olheiras abaixo dos olhos.
Berenice segurou minhas mãos com as suas, e inspirou fundo.
Era nítido que a mulher tentava se manter forte.
— Como está sua mãe, filha? Fiquei tão feliz quando soube que
vocês retornaram à fazenda. Desculpe não ter passado por lá ontem.
Assenti para ela, a cada segundo mais preocupada com Berenice.
Ela não costumava ficar abatida por qualquer motivo, então logo deduzi
que algo grave havia acontecido.
— Minha mãe está bem… — Curvei os lábios em um sorriso
forçado, embora estivesse a ponto de vomitar por causa do cheiro de
café.
— Como você fez falta por aqui, filha. — A mulher me encarou
com carinho e passou a mão no meu rosto. — Se sente bem, Celina? Está
pálida!
Balancei a cabeça em negativa para não a preocupar ainda mais.
— Imagine. Eu estou bem, é só impressão da senhora.
Suas mãos experientes apertaram as minhas e ela me encarou
com mais afinco.
— Não tente me ludibriar, menina. Sabe muito bem que conheço
uma mentira mal contada de longe.
Suspirei profundamente, derrotada, e me afastei um pouco de
Berenice.
— Venho me sentindo mal há algum tempo. Ontem pela manhã
cheguei a desmaiar, e hoje ainda me sinto meio estranha, mas de verdade,
eu estou bem, Berenice.
— Oh filha. — A mulher suspirou, parecendo aflita, e voltou a
passar a mão em minha testa. — Suas regras estão em dia?
— Sim, claro… — Fui totalmente pega de surpresa com aquela
pergunta sem sentido, mas então algo dentro de mim se revolveu, e
depois o tempo parou à minha volta quando me recordei que estava há
uma semana atrasada da data habitual da menstruação.
— Celina? Celina? — A voz de Berenice me chamou de volta à
realidade e eu encarei a mulher.
— Minha menstruação está em dia, não se preocupe — menti,
não sei se para ela ou para mim mesma. — E a senhora? Por que está tão
abatida?
Usei todo o autocontrole que havia dentro de mim para não me
desesperar e tentei mudar o rumo da conversa. Rezei baixinho para que
as desconfianças de Berenice não fossem verdadeiras, e que o atraso da
minha menstruação significasse apenas estresse.
A mulher baixou o olhar, abalada com a minha pergunta. Puxou o
ar com força.
— É o patrão. Desde ontem cedo ele não sai do quarto. Voltou a
beber. — Fungou baixinho e levou a mão aos olhos para secar as
lágrimas que retornaram, fazendo meu coração disparar, quase saindo
pela boca. — Dona Lúcia está arrasada.
O chão pareceu fugir debaixo dos meus pés naquele instante, e
um nó sufocante se formou em minha garganta. Pensei em ignorar aquela
informação, fazer o meu serviço e voltar para casa.
Pensei em largar tudo ali na fazenda e retornar para Corumbá,
seria uma forma covarde de resolver as coisas, mas talvez assim ninguém
desconfiasse de nada, ninguém jamais ousaria pensar que passei uma
noite de prazer com o dono da fazenda. Eu poderia me relacionar com
alguém antes de confirmar aquelas suspeitas que Berenice havia
entranhado em minha cabeça. 
Mas eu não consegui ir embora, muito menos ignorar que
Gonçalo estava lá em cima, se acabando com uma garrafa de bebida,
enquanto eu sofria por um amor não correspondido, e pior, que
possivelmente estava carregando um filho dele no ventre.
CAPÍTULO 23

 
 
CELINA ABREU
 
 
Rumei na direção das escadas que davam acesso ao andar de
cima do casarão, sem me importar com mais nada, ou se alguém
descobriria meu segredo mais profundo.
Lágrimas de tristeza e choque banhavam o meu rosto e desciam,
molhando a gola da blusa que eu usava. A visão estava turva devido à
umidade em meus olhos, o coração tão acelerado que sentia as batidas
esmurrando meu tórax.
A porta estava trancada quando cheguei, mas isso não foi
empecilho para que eu entrasse. Recorri a chave reserva que ficava em
uma gaveta no escritório da casa.
Abri a porta do quarto de Gonçalo, a todo instante sendo seguida
por Berenice que acompanhava tudo em choque. Antes de entrar no
entanto, pedi a ela para que me aguardasse do lado de fora, entrei no
quarto e tranquei a fechadura na chave. 
O aposento se encontrava em um verdadeiro breu quando me
virei, em busca de Gonçalo. As luzes estavam apagadas, a janela e
cortina fechadas em um emaranhado de amargura e solidão. Até mesmo
o ar parecia mais pesado ali dentro, a tensão que permeava o ambiente
me causou arrepios em todo o corpo. Os únicos indícios de que havia
alguém ali, era o ressoar ofegante da respiração de Gonçalo, e o cheiro
forte da bebida alcoólica.
Todo meu corpo estremeceu quando dei alguns passos para
dentro daquele quarto escuro. O lugar estava frio além do normal.
Primeiro senti medo, receio, temi que Gonçalo fosse me odiar
por invadir sua privacidade daquela forma, mas depois eu senti raiva.
Eu o odiei por estar fazendo aquilo de novo. Dona Lúcia não
merecia… Eu não merecia… Inspirei fundo, e tomei coragem para seguir
em frente.
A passos lentos e pesados, como se um grande peso tivesse
tomado conta das minhas costas, eu caminhei até a janela. Abri tudo de
uma vez, permitindo que a claridade e o calor dos raios do sol junto ao
frescor da manhã penetrasse em cada pequeno pedaço daquelas paredes.
— Laura? Querida? — Uma angústia me tomou de cima para
baixo quando ouvi o nome de outra mulher saindo dos lábios dele.
Eu me virei para a cama e me deparei com Gonçalo olhando na
minha direção. Seu olhar estava vazio, sem vida, a expressão desolada.
Era como se ele não estivesse de fato ali, apenas seu corpo permanecia
sentado naquela cama.
Laura? Quem era Laura?
Meus olhos passaram pela cama desfeita e pousaram em uma
pequena foto que estava próxima a perna dele. Com os dedos trêmulos,
eu dei alguns passos até a cama, inclinei o meu corpo e peguei a
fotografia.
Uma mulher linda, de jaleco branco sorria para a foto. Seus
cabelos eram castanhos, os olhos escuros brilhavam de felicidade. O
nariz era pequeno e arrebitado e em suas mãos, havia um magnífico
buquê de rosas vermelhas.
Meu coração pareceu se partir em centenas de partículas quando
finalmente compreendi. Gonçalo Ribeiro amava outra mulher. Seria por
isso que ele bebia daquela forma? O que teria acontecido?
As respostas para todas as minhas perguntas estavam todas ali na
minha frente, mas era tão doloroso compreender e aceitar. Eu o odiei um
pouco mais por ter despertado tudo aquilo dentro de mim, por ter me
tocado daquela maneira tão intensa e por ter feito que eu o amasse. Eu o
odiei por ter me engravidado.
A realidade de tudo bateu na minha cara com tanta força que dei
um passo para trás, cambaleante, buscando o ar para respirar. Gonçalo
virou a garrafa na boca e voltou a me encarar, limpando a barba suja de
bebida com as costas das mãos.
— É você mesmo… Laura? Está realmente aqui comigo? — Sua
voz saiu arrastada, carregada de lamento, embora falhasse por causa do
álcool...
Eu não o respondi. Não tinha forças para isso. Estava abalada
demais para continuar ali. No entanto, quando ouvi mais passos se
aproximando do quarto, e a voz chorosa de dona Lúcia ressoou pelo
corredor, eu tirei forças do fundo da minha alma para tentar reagir à
situação, mesmo que por dentro estivesse destroçada.
— Oi… — eu disse, enquanto engolia o choro.
Voltei a me aproximar de Gonçalo e o observei com cuidado.
As olheiras eram profundas, abaixo dos seus olhos, e as íris
esverdeadas haviam tomado um tom cinzento, tamanha era a dor que ele
sentia.
— Obrigada por ter vindo… Eu estou tão confuso — lamentou-
se e passou os dedos pela cabeça, bagunçando os fios de cabelo grisalhos.
— Estou aqui… — Tentei ser forte, por mim e por ele, apesar de
tudo.
Toquei seu ombro devagar, e Gonçalo estremeceu ao meu toque,
mas continuou quieto, o olhar desfocado no vazio à minha frente.
— Ela me deixou, Laura… E eu não sei o que fazer… Estou me
sentindo…
As coisas que ele dizia em nada faziam sentido, mas o que eu
podia esperar de um homem que nem sequer sabia com quem estava
conversando de tão dopado? 
Ainda assim, as dúvidas não me largavam.
Quem era ela, a quem ele se referia? Eu não compreendia.
— Ninguém deixou você… está tudo bem.
Consegui tirar a garrafa de bebida das mãos de Gonçalo devagar,
e deixei o recipiente no chão, em um canto afastado dos pés dele para que
não caísse e quebrasse.
Quando me levantei para pegar as outras garrafas que estavam
em cima da mesinha de cabeceira, Gonçalo segurou o meu braço e olhou
fixamente em meu rosto.
— Não vá… fique comigo… Não posso perder você outra vez.
— Seus dedos deslizaram pelo meu braço e ele segurou minha mão.
Senti que morria um pouco mais a cada frase proferida por ele,
pensando que eu era a outra.
— Não vai me perder.
E eu não havia mentido. Embora amasse outra mulher, Gonçalo
jamais iria me perder porque eu não tinha para onde fugir. Tudo indicava
que nossos destinos estariam entrelaçados para sempre e apesar de não
estarmos juntos, aquele possível bebê era o elo que nos manteria ligados.
— Não faça como ela, Laura… — Ele fechou os olhos, e se
recostou sobre os travesseiros, ainda com a mão apertada sobre a minha.
— Me ajude a arrancar essa angústia… do peito.
— O que quer que eu faça? — perguntei, chorando baixinho e
tentando ser forte.
— Me abrace… por favor me abrace… Até essa dor aqui dentro
passar.
 

 
Cheguei em casa uma hora depois, incapaz de conseguir
permanecer por mais tempo ali no casarão. Gonçalo havia dormido
quando saí, embora o sono estivesse agitado e ele continuasse
sussurrando o nome de Laura.
Deixei seu quarto com cuidado, temendo que ele voltasse a
acordar, e carreguei comigo todas as garrafas de bebida. Dona Lúcia e
Berenice estavam no corredor quando abri a porta e coloquei os pés para
fora.
Ambas me olharam com apreensão, mas eu as informei que ele
havia pegado no sono. Entreguei as bebidas À Berenice, e não tocamos
mais no assunto, nenhuma das duas fez perguntas ou me pressionou a
explicar o que havia acontecido. Mas, eu sabia que logo a verdade viria à
tona e eu teria que lidar com as consequências de tudo.
Berenice estava desconfiada da minha possível gestação, e dona
Lúcia sabia da proximidade que tive com Gonçalo. Uma conversa de
amigas entre as duas e era só juntar os pontos que o quebra-cabeça se
resolveria fácil, fácil. 
Fui direto para o quarto que minha mãe dividia com meu pai. O
meu estava cheio demais para que eu pudesse ter o mínimo de
privacidade, e naquele momento a única coisa que eu precisava era
colocar os pensamentos no lugar.
Eu me deitei na cama, de lado, descansando a cabeça sobre o
travesseiro macio e sequei os vestígios de lágrimas que haviam em meus
olhos.
Inspirei e expirei algumas vezes, permiti que meus pensamentos
voassem por um tempo, e então voltei a pensar racionalmente.
A primeira coisa seria conversar com a minha mãe. Ela iria
entender minha aflição e poderia me aconselhar melhor. Aquele era um
momento no qual teria de contar com alguém maduro para tentar resolver
as coisas, do contrário, eu iria pirar com tantos problemas na cabeça, sem
saber para onde ir ou por onde começar.
Não demorou muito para minha mãe bater na porta e entrar no
quarto sutilmente. Ela estava na sala quando eu retornei para casa bem
antes do meu horário, provavelmente havia deduzido que algo grave
tinha acontecido, mas preferiu me dar alguns minutos de privacidade.
— Celina? —  Caminhou até a cama e se sentou ao meu lado. Os
dedos foram certeiros nas mechas de cabelo que se agarravam às minhas
bochechas. — Como posso te ajudar, minha filha?
Minha mãe parecia adivinhar o turbilhão de coisas que eu estava
sentindo naquele momento, e eu agradeci tanto a Deus por isso. Sentia-
me tão abalada com tudo que estava acontecendo que não tinha certeza se
aguentaria ser julgada por alguém da minha família, muito menos por
ela.
— Pode me aconselhar, mãe? — questionei em um murmúrio,
nem sequer me movi de onde estava.
— Você sabe que sim. Pode contar comigo para tudo.
Suas carícias continuaram em minha testa e eu fechei os olhos
por alguns instantes.
— Minha menstruação está atrasada… — Senti os dedos de
minha mãe estremecerem, mas ela continuou o que estava fazendo. — Eu
estive com um homem na noite do seu acidente. Foi a minha primeira
vez.
O silêncio reinou no quarto por alguns instantes, a tensão que
estava dentro de mim aumentou a níveis astronômicos, mas então, minha
mãe tomou a fala para si:
— Realmente é possível que esteja… que esteja grávida? —
questionou, a voz falhando.
— Talvez sim — respondi com convicção. — Estou sentindo
enjoos há alguns dias, e teve o desmaio ontem.
Eu me movi e me virei na direção dela. Os olhos escuros me
encararam preocupados, no entanto, carinhosos. Os dedos finos
continuaram a secar as lágrimas que desciam pelas minhas bochechas sem
que eu percebesse.
— Quem é ele?
Fechei e abri os olhos algumas vezes, o coração doendo, batendo
descompassado. Contudo, não era o momento de falar sobre isso,
primeiro eu iria confirmar aquelas suspeitas.
— Não quero falar sobre ele agora. — Fui firme em minha
decisão, pois sabia que quando a verdade viesse à tona, tudo se tornaria
ainda mais complicado.
Eu temia a reação do meu pai, não sabia se ele conseguiria
entender o fato de eu estar esperando um filho, mas não ter um
compromisso com o pai da criança.
— Tudo bem… não precisa falar nada agora. — Suas mãos
firmes seguraram as minhas e minha mãe beijou os nós dos meus dedos.
— Mais tarde vamos conversar com seu pai para que ele nos leve a
Corumbá. Lá você fará um teste de gravidez, e se for confirmado…
Enfim, tudo se ajeitará, filha. Uma coisa de cada vez.
CAPÍTULO 24

 
 
GONÇALO
 
 
Senti que a cabeça iria se partir ao meio quando abri os olhos assim
que acordei. Levei a mão para proteger os olhos da claridade que entrava
pela janela e forcei o corpo a se levantar. Havia tido um sono agitado, com
sonhos confusos. Às vezes, eu ouvia a voz de Celina ecoando dentro da
minha cabeça, em outros momentos, enxergava Laura na minha frente.
Com a mão direita recostada no colchão, eu me firmei na cama e
fiquei alguns minutos parado, pensativo. Levei a mão direita ao meu rosto e
deslizei os dedos da barba ao meu pescoço dolorido.
Eu estava destruído, por dentro e por fora, sentia isso em cada
pequena célula que havia dentro de mim. A cabeça doía como nunca, a
garganta estava seca, precisando com urgência de um pouco de água fresca.
E por dentro… Tudo estava vazio também. Não havia restado
vestígios do que eu costumava ser, eu só sentia um buraco negro me
consumindo, me puxando de volta ao abismo no qual eu havia lutado tanto
para sair.
Fechei e abri os olhos, tentei me lembrar de tudo que havia
acontecido. As imagens eram disformes em minha mente, as vozes se
misturavam, não sabia definir direito o que era ilusão e o que era realidade.
Apenas me recordava vagamente de que havia começado a beber
em algum momento pela manhã. O aniversário de trinta e cinco anos de
Laura havia chegado, e com a data, veio também a tristeza e a culpa por
tudo o que aconteceu.
A dor era excruciante dentro do peito, não passava nunca. Eu
fechava os olhos e ouvia meu subconsciente repetir incontáveis vezes que
eu era o culpado pela morte de Laura, que eu havia destruído sua vida e a
minha quando assinei sua sentença de morte, e por isso merecia aquele
sofrimento até o fim.
E então havia Celina. A garota havia sido a dona dos meus
pensamentos durante todo aquele último mês. Não passava um único dia
sem que eu não me recordasse do riso doce e a língua afiada que eram sua
marca registrada. Um contraste enlouquecedor, capaz de levar qualquer
homem ao delírio, dividido entre a paixão e a ira que ela despertava.
Não restava dúvidas, eu estava completamente louco por Celina.
Tão apaixonado, a ponto de ignorar o fato de ter mais que o dobro de sua
idade, de ser o amigo de uma vida inteira do seu pai. E aquela fusão de
sentimentos conflitantes, a culpa pela morte de Laura, o amor que passei a
sentir por Celina e o fato de a garota não sentir o mesmo por mim, mesmo
depois de ter sido minha, foi o estopim para me fazer desabar outra vez.
Era como se eu não fosse merecedor de ter a garota dentro dos
meus braços. Eu não tinha o direito de tocar sua pele com minhas mãos
corrompidas, muito menos manchar seu corpo tão jovem com o meu tão
quebrado, carregado de pecados. 
Ainda grogue, eu me levantei da cama e segui, me firmando nas
paredes na direção do banheiro. Eu me olhei no espelho enquanto apoiava
as mãos na pia de mármore e me senti estremecer da cabeça aos pés ao me
deparar com a minha aparência miserável.
Estava pálido por causa do álcool e as horas que passei sem me
alimentar, os olhos vermelhos, rodeados de olheiras escuras, o cabelo uma
bagunça de merda. Aparentava estar dez anos mais velho.
Fechei os olhos, e flashes do que havia acontecido surgiram na
minha cabeça tão conturbados quanto um vendaval furioso. Eu ouvi a voz
de Celina falando comigo, me recordei do seu rosto lindo… Ela chorava…
Eu não entendia o porquê. Mas, na minha ilusão de bêbado, Celina não era
exatamente Celina, e sim, Laura. E nenhuma das duas estava ali de fato.
As vozes e imagens disformes não passavam de alucinações
causadas pelo álcool que havia inundado meu sistema. Coloquei dois dedos
na testa, buscando entender que inferno havia acontecido e o que eu havia
feito. Nada de fato fazia sentido.
Cansado de tudo aquilo, tirei minhas roupas amarrotadas e entrei
debaixo do chuveiro. Eu me banhei com a água fria até sentir que as forças
se renovaram pouco a pouco. Minutos depois, enrolei uma toalha na cintura
e saí, ainda cambaleante. Eu havia me transformado em um emaranhado
ambulante. 
No entanto, assim que coloquei os pés de volta no quarto, fui
totalmente pego de surpresa e uma sensação prazerosa me tomou da cabeça
aos pés. Manoel estava ali parado, de frente para a janela aberta, admirando
a paisagem alaranjada do fim do dia, que vinha junto ao pôr do sol. 
Dei alguns passos na sua direção, tomado pela nostalgia de vê-lo
naquele quarto, exatamente como fazia quando éramos adolescentes. Ao
notar minha presença às suas costas, meu irmão se virou para mim e sorriu
de orelha a orelha.
Ele ainda era o mesmo. As mesmas feições, o mesmo cabelo, o
mesmo sorriso. Só que agora tudo mais intenso, maduro. O tempo fez bem
a Manoel de uma maneira extraordinária. Sem dizer uma única palavra, ele
abriu os braços e caminhou na minha direção.
— Manoel? — sussurrei seu nome, incrédulo. Mal podia acreditar
que ele estivesse de fato ali.
— Olá irmão. — Manoel não esperou um único segundo para me
abraçar apertado, como se quisesse recuperar, em apenas um minuto, os
anos e anos que passamos separados. — Senti sua falta demais, cara.
Meus lábios se curvaram automaticamente em um riso contido e eu
bati em suas costas de leve. Aquela sensação de paz me invadiu ao sentir a
presença do meu irmão, comigo, aquela sensação de que eu não estaria e
nem me sentiria só outra vez, mesmo rodeado de pessoas.
— É difícil acreditar que esteja realmente aqui — comentei,
totalmente cético. — Quando chegou?
O homem se afastou um pouco mais para me analisar de cima para
baixo, e arqueou uma sobrancelha, um sorriso travesso nos lábios.
— Cheguei há pouco tempo. Fiquei um pouco com nossa mãe e
resolvi subir para ver você. Espero que não se importe de eu ter entrado. —
Deu de ombros, despreocupado, exatamente como ele costumava fazer. — 
Eu bati, mas como ninguém me atendeu e a porta estava destrancada, eu
entrei.
— Não faria muita diferença, não é? Você entraria de qualquer
maneira… — brinquei.
Manoel assentiu sorridente e voltou a me analisar.
— Está bonitão, irmão, sarado. Andou colocando a mão na massa
por aqui? — Bateu em meu bíceps com certa força e se afastou alguns
centímetros, enquanto eu massageava o local.
— Sim, eu andei pegando pesado por aqui. Ao contrário de outro
irmão que nunca dá as caras.
Manoel gargalhou quando me referi a ele como o ausente da nossa
família, e passou a mão em meus ombros. Contudo, nós dois sabíamos que
era eu, o filho desertor, a ovelha negra que tentava se concertar depois de
tudo. 
— Como estão as coisas, Gonçalo? — Manoel passou a me encarar
seriamente dessa vez.
Baixei a cabeça, sentindo-me um merda por ter tido uma recaída e
por ter permitido que a dor me dominasse como em tantos outros
momentos.
Pensei na minha garota, o coração se apertou mais. Tínhamos tanto
o que conversar. Apesar das semanas em que passamos longe um do outro,
eu não desistiria dela tão fácil assim, estava decidido a ir atrás de Celina
novamente.
— Não tão bem quanto eu gostaria, mas eu supero. — Ergui a
cabeça para fitar Manoel, e curvei os lábios em um riso forçado. 
— Isso vai passar, irmão… — Seu toque firme em meu ombro me
confortou um pouco.
— Sim, vai passar. Eu sei que vai — confirmei, convicto. Tendo a
certeza de que jamais iria me permitir passar por aquilo de novo. 
Manoel assentiu, a aflição deixando suas feições. 
— Sinto muito não ter vindo antes, acabei ficando preso no trabalho
— justificou-se, mas não era necessário. Eu sabia que por minha causa,
Manoel faria tudo, até o impossível.
— Está aqui agora, irmão. É o que importa — concordou, sorrindo.
E eu sorri de volta, apesar dos latejos constantes na cabeça.
— Preciso me trocar agora, se não se importa.
Indiquei na direção da porta para que meu irmão mais novo saísse e
me desse um pouco de privacidade, mas ele simplesmente cruzou os braços
e continuou onde estava.
— Fique à vontade — disse, sem se importar. — Não pretendo
arredar os pés daqui até que você esteja pronto.
Pirralho miserável.
Gargalhei baixinho, lembranças da época em que éramos jovens
retornando com força. Manoel não mudou em nada a personalidade
zombeteiro. Continuava teimoso e chato pra caralho, mas muito brincalhão
também, descontraído.
— Se você insiste tanto… — Também não fiz nenhum caso.
Deixei a toalha sobre a cama e fui até os armários em busca de uma
roupa mais apresentável. Optei por uma calça jeans e uma camisa de
mangas curtas, confortável.
Quando estava terminando de ajeitar o cabelo, Manoel se
aproximou e parou a mais ou menos a um metro de distância, às minhas
costas. Meu irmão estava calado e pensativo quando me virei, algo bem
incomum quando o assunto era ele.
Notei a tensão em seu olhar, à medida que ele me analisava, como
se quisesse falar algo mas ainda buscasse a coragem necessária.
— Diga, Manoel — eu o incitei. Não havia motivos para protelar
àquela altura do campeonato. 
Ele desviou o olhar e enfiou as mãos nos bolsos da calça.
— Nossa mãe me falou sobre ela. Celina. — Voltou a me encarar,
buscando em meus olhos a resposta para seu comentário. — Disse que é
uma garota responsável e muito bonita. — Ele esperou que eu falasse
alguma coisa.
Inspirei fundo, pego de surpresa com o teor da conversa. Era típico
da minha mãe comentar com os mais próximos os assuntos que a deixava
feliz, e pelo visto, falar sobre Celina para Manoel era sua alegria da vez.  
Assentindo, curvei os lábios brevemente e balancei a cabeça de um
lado a outro. Não dava para continuar indiferente quando se tratava dela.
— Sim. Ela é linda — concordei, sorrindo. — E muito tinhosa
também.
Manoel pareceu relaxar diante da minha resposta.
— E como vocês estão? — questionou, enquanto ele se sentava na
cama.
Suspirei fundo. A situação era tão complicada que às vezes eu não
sabia direito o que pensar, muito menos o que responder quando o assunto
vinha à tona.
— Não estamos juntos, se é o que você quer saber. Tivemos uma
discussão da última vez que nos vimos — expliquei por alto, mas Manoel
continuou em silêncio, aguardando para que eu continuasse. — Ela está em
Corumbá agora. Irei procurá-la em breve.
Os olhos de Manoel se arregalaram, surpresos, e ele cruzou as duas
mãos na frente do corpo.
— Então você não sabe? — questionou de repente, me fazendo
arquear a sobrancelha, confuso.
— O que eu não sei?
Manoel voltou a se levantar, nitidamente incomodado com o rumo
da conversa, me encarou e desviou o olhar algumas vezes, me levando à
beira do nervosismo.
— O que eu não sei, Manoel? — insisti, os nervos aflorando no
corpo
— A Celina… ela já retornou de Corumbá. Nossa mãe disse que ela
esteve aqui com você pela manhã — admitiu.
Senti que todo o sangue fugia do meu corpo quando ouvi aquilo. O
coração quase parou de bombear quando imaginei Celina presenciando a
minha decadência.
— Merda! Merda!
Passei a mão em meus cabelos, bagunçando os fios novamente e
olhei na direção de Manoel, quase que implorando internamente para que
ele dissesse que estava brincando. Quando Manoel continuou sério e não
fez nenhuma menção de desmentir coisa alguma, eu soltei o ar que estava
preso nos pulmões e levei a mão ao pescoço, tenso.
— Eu vou até ela… Preciso explicar algumas coisas, irmão. —
Mais flashes vieram à minha cabeça e eu inspirei fundo, sentindo o corpo
estremecer.  — Acho que falei besteira. — concluí, confuso, a apreensão
me tomando.
Apenas me recordava de chamar o nome de Laura constantemente,
era a única coisa que eu conseguia distinguir como real. E se Celina de fato
presenciou aquilo, a verdade é que ela estaria me odiando agora, e com
razão. 
 
 
CAPÍTULO 25

 
 
CELINA ABREU
 
 
Retornei de Corumbá por volta das quatro da tarde após receber o
resultado do teste de gravidez. Papai estacionou a picape em frente a nossa
casa e entramos os três em silêncio: Eu, ele e a minha mãe.
Eu ainda sentia o corpo tremer de susto, o coração apertado por
tudo que havia escutado da boca de Gonçalo. Não tinha mais lágrimas para
chorar, não restava mais o que fazer. Não havia mais dúvidas.
Eu iria ter um bebê dele, estava grávida de Gonçalo Ribeiro e, mal
conseguia erguer os olhos para encarar o meu pai.
Minha mãe havia dito a ele o que estava acontecendo assim que
chegamos à clínica. Foi um dos piores momentos da minha vida, ter os
olhos decepcionados e aflitos do meu pai sobre mim, enquanto eu carregava
a culpa de tudo aquilo, por fazê-los sofrerem.
Ainda não tínhamos tido a oportunidade de conversarmos sobre o
assunto. Não revelei a nenhum dos dois quem era o pai do bebê, e não sabia
se teria coragem de revelar tão cedo. Certamente, eu seria o assunto da
fazenda e de todos os moradores do vilarejo pelos próximos meses.
A vida era assim no interior, ainda mais num lugar como aquele,
distante de tudo, onde uma moça grávida antes do casamento era motivo de
alarme para toda a população, mas uma moça grávida, sem revelar quem
era o papai do bebê, era quase o fim do mundo.
Deixei minha bolsa sobre o sofá e minha mãe segurou em meu
braço, me guiando com cuidado para que eu não tropeçasse em nada.
Estava totalmente aérea, fora de mim. Já amava demais aquela criança, mas
sabia que daquele dia em diante nada seria fácil.
Contudo, havia decidido que depois de me acalmar, iria procurar
Gonçalo e falar sobre o bebê. Apesar da mágoa que eu carregava em meu
coração, ele era o pai e tinha o direito de saber.
— Se sente bem, filha? — perguntou minha mãe enquanto me
ajudava a me sentar na cama.
— Sim. Estou bem — confirmei baixinho e recostei a cabeça no
travesseiro.
Meu pai se sentou ao meu lado, as mãos grandes procuraram as
minhas e ele fitou meu rosto com a expressão arrasada, o olhar agitado.
— Não pensei que passaria por isso tão cedo — comentou com
pesar, e eu fechei os olhos, envergonhada. Tentei puxar minha mão da sua,
mas meu pai não permitiu.
Inspirei fundo e voltei a abrir os olhos, trêmula demais, perdida
demais.
— Não estou te julgando, minha filha — disse, quase em um
murmúrio. — Por favor, não pense isso de mim — pediu.
Assenti após alguns instantes, sentindo que o coração retornava ao
seu ritmo.
— Eu só não esperava que seria avô tão jovem. — Ele tentou sorrir,
mas logo seu riso deu lugar a lágrimas não derramadas. — Você sempre foi
tão responsável.
Os segundos passaram sem que eu conseguisse formular uma
resposta. Não tinha muito o que ser dito, o passado era impossível de ser
mudado. Meu bebê estava ali em meu ventre, crescendo dia após dia,
usando meu corpo para o seu desenvolvimento, e em poucos meses, ele
nasceria.
— Eu sinto muito… pai. — Foi a única coisa que consegui dizer, a
voz falha.
Meu pai secou as lágrimas que caíam dos seus olhos, e continuou
massageando minha mão por alguns minutos, em silêncio. Por fim, a
quietude que havia tomado conta do quarto, foi quebrada quando ele voltou
a falar:
— Devo presumir que você ama o pai da criança? — questionou,
fazendo meu coração se agitar no peito.
Eu não precisava pensar muito para saber a resposta para aquela
pergunta. Sim, eu amava Gonçalo Ribeiro, amava tanto que pensei que
morreria quando soube que seu coração pertencia a outra mulher.
— Sim, pai. Eu amo o pai do bebê — admiti.
Ouvi seu suspiro pesaroso, e meu pai se levantou do meu lado na
cama, soltando minha mão.
— É o suficiente, querida. Vai ficar tudo bem. Tente descansar um
pouco.
Minha mãe tomou o lugar que meu pai havia ocupado, e ajeitou os
fios do meu cabelo atrás da orelha. Tentou sorrir, mas estava preocupada
demais, dava para notar a aflição no fundo dos seus olhos.
— Durma, Celina. Vai se sentir melhor quando acordar.
 

GONÇALO
 
Desci as escadas sendo seguido por Manoel, e encontrei minha mãe
e Berenice conversando na sala de estar. Ambas me encararam, aflitas, mas
nada disseram. Também não busquei entender o teor da conversa.
Eu só precisava encontrar Celina, explicar que Laura havia sido
uma pessoa muito importante do meu passado, mas que não estava mais
entre nós. Quase ninguém ali na fazenda sabia o que havia acontecido. Não
tive coragem sequer de falar para Joaquim quando cheguei. Os meses foram
passando, o tempo não deu trégua, e não tocamos no assunto. Aquele
provavelmente foi o maior dos meus erros.
Guardei para mim tanta dor, tanta angústia e desespero, que aquilo
consumiu a minha alma, me destruiu como um veneno que corrói tudo por
dentro.
— Gonçalo? — Manoel chamou por mim, me fazendo diminuir o
passo. — Quer que eu vá com você?
Balancei a cabeça em negativa, mas não o encarei. Continuei
andando.
— Não será necessário — respondi, antes de sair da sua vista.
Os passos de Manoel pararam no meio do caminho, e eu segui em
direção ao meu destino, disposto a tudo para que Celina me aceitasse de
volta. Passei pela cozinha e segui em frente, até alcançar a porta dos fundos.
Foi então, quando estava alcançando a varanda, que eu vi Joaquim
se aproximando da casa.
Algo dentro de mim palpitou, senti que alguma coisa estava fora
dos trilhos, não consegui mais me movimentar. Estagnei onde estava,
sentindo as batidas frenéticas dentro do meu peito. A respiração falhou.
Joaquim se aproximou de onde eu estava, me encarou por poucos
instantes, abriu e fechou a boca algumas vezes. Estava nitidamente abalado,
mas não encontrava as palavras certas para dizer. 
Algo grave havia acontecido, eu podia sentir em seu olhar.
— Aconteceu alguma coisa com ela? Com Celina? — Puxei o ar
com força para os meus pulmões, pouco me importando se ele descobriria
tudo.
Joaquim fitou o meu rosto e eu notei uma mistura de sentimentos
conflitantes estampados em seu semblante: raiva, dor, aflição. Estava tudo
ali. 
O homem esfregou as mãos, desviando o olhar, passou a mão pelo
cabelo. Por fim, voltou a me encarar outra vez.
— Eu poderia matar você, com minhas próprias mãos, Gonçalo —
sentenciou, a voz ofegante.
Fechei os olhos, compreendo tudo, e permiti que meus ombros
caíssem, derrotados.  Joaquim havia descoberto o que aconteceu entre mim
e sua filha, provavelmente me odiava agora com toda a força que havia
dentro de si. Contudo, eu estava pronto para assumir até a última gota das
consequências por ter tocado nela. 
— Como soube? Ela te contou? — questionei em um murmúrio.
O olhar inquisidor me analisou por alguns instantes e ele voltou sua
atenção para o pomar à frente, evitando me encarar por mais tempo.
— Ela não precisou me dizer nada. — Suspirou. — Eu já havia
notado os olhares diferentes que vocês trocavam ou o quanto Celina ficava
nervosa quando alguém tocava em seu nome… Eu conheço minha filha,
Gonçalo, como conheço a palma da minha mão.
— Entendo…
Contudo, as coisas ainda não faziam sentido. Se Joaquim já sabia
sobre mim e Celina ou desconfiava, por que só agora veio me procurar para
falar do assunto?
— Por que só agora está falando comigo? Estivemos trabalhando
juntos tantas vezes nas últimas semanas, em nenhum momento você deu
indícios de que desconfiava de algo.
O homem ficou em silêncio por um tempo, fitando o vazio.
Caminhou até a calçada da varanda e se sentou.
Fiz o mesmo que ele. Forcei o meu corpo a sair do lugar e pulei no
chão para que pudesse me sentar na calçada ao seu lado. Cruzei as mãos na
frente do corpo e aguardei em silêncio.
— Minha Celina… está grávida… minha querida Celina vai ter um
filho teu. — Senti que meu coração parou naquele instante.
Um calafrio me tomou de cima abaixo, não conseguia mais respirar.
Permaneci quieto onde estava, tentando digerir o que Joaquim havia
acabado de dizer. O corpo inteiro tremia.
Celina estava… grávida.
Tentei dizer algo, mas meu cérebro não estava funcionando com
coerência, então me calei.
Fechei os olhos, busquei mais ar. Nem todo o oxigênio do mundo
parecia ser suficiente para fazer meus pulmões funcionarem corretamente.
Meu corpo estava paralisado, completamente tomado pelo choque.
— Vai assumir a responsabilidade, Gonçalo? — Joaquim indagou,
dessa vez se virando para mim.
Seu semblante estava angustiado, o olhar acusador na minha
direção.
— Sim. É claro que sim… — respondi depois de um tempo, a
cabeça voltando a funcionar. — Farei o que for preciso — concluí.
Joaquim se levantou de onde estava e eu fiz o mesmo.
Meus pensamentos voaram até Celina, e eu imaginei aquela garota
tão linda sorrindo para mim, colocando a mão sobre o ventre avantajado.
Senti medo de que tudo aquilo não fosse real, rezei aos céus baixinho para
que no fim, tudo desse certo.
Eu me amaldiçoei internamente por ter feito aquilo com Celina, por
ter colocado um bebê em seu ventre enquanto a garota era ainda tão jovem,
mas que Deus me perdoasse, não era culpa o que eu estava sentindo.
— Vai se casar com ela? — perguntou seriamente, focado em cada
gesto que eu dava.
Baixei a cabeça, o coração martelando com força. Sorri, as emoções
descontroladas.
— Se ela aceitar se casar comigo, então sim. Celina será minha
esposa em breve.
Joaquim assentiu, o alívio tomando conta do seu semblante.
— Ela está descansando agora. Mas você tem a minha permissão
para vê-la mais tarde.
Concordei, embora a única coisa que desejasse fazer naquele
instante era correr até ela, beijar sua boca e descer as mãos até o ventre, ter
certeza de que nosso filho estaria ali.
— Joaquim? — eu o chamei assim que o homem se virou para
retornar para sua casa. 
Voltou a me encarar seriamente.
— Sim?
Tomei fôlego, e disse:
— Pode me odiar para sempre pelo que eu irei dizer… mas eu não
me arrependo de nada.
Ele não me respondeu, simplesmente deu-me as costas e foi
embora.
Eu fiquei ali onde estava, completamente aturdido, sentindo o roçar
do vento do final da tarde no rosto. Pensei em Laura, pedi desculpas
baixinho pelo que aconteceu a ela, mas era hora de a vida seguir seu curso,
havia chegado o momento de eu me libertar de tudo, me perdoar.
Senti que estava tendo uma segunda chance para continuar vivendo,
aquele bebê era a prova de que o amor que passei a sentir por Celina era
forte demais para ser parado. Era o meu recomeço, era o início de uma
história única.
Minhas pernas falharam, e eu caí de joelhos no chão, ofegante, o
coração a mil. Senti um frio incomum na pele e levei os dedos ao meu
rosto, estava molhado. E em meio aquele emaranhado de sentimentos, eu
soube que me apaixonei por Celina desde o início, eu só me neguei a
aceitar.
CAPÍTULO 26

 
 
CELINA ABREU
 
 
Quando voltei a sair do quarto dos meus pais, já era totalmente
noite. Minha mãe estava na cozinha preparando o jantar, e meu pai assistia
ao noticiário na tevê.  Tomei um copo de água e peguei uma maçã na
fruteira para acalmar meu estômago que estava roncando de fome.
Eu me sentei à mesa para comer, e minha mãe deixou o que estava
fazendo de lado, pegou as muletas que estavam encostadas na pia próximo a
ela e veio até mim.
Também se sentou.
— Se sente melhor? — perguntou, preocupada.
Assenti, embora a cabeça doesse um pouco e sentia meus olhos
arderem como se tivessem cheios de areia, além do aparente inchaço.
— Estou bem, mãe, só sinto um pouco de dor de cabeça.
— Tome um banho quente, filha. Estou preparando uma comida
boa para a gente jantar. Logo você estará ótima.
Ela retornou à pia, e voltou a cortar banana da terra para fritar.
O cheiro do caribéu, uma espécie de guisado feito com carne,
mandioca e bastante tempero, subiu no ar quando minha mãe ergueu a
tampa da panela. O aroma era tão bom que dei graças aos céus por não
sentir o estômago se revirar, estava faminta demais para ter que dispensar
aquela comida preparada com tanto capricho pelas mãos de minha mãe.
Terminei de comer a maçã e fui até o quarto que estava dividindo
com minhas irmãs mais novas. Aline e Janaína conversavam banalidades,
mas não parei para prestar atenção. Peguei uma toalha, uma muda de roupas
e segui direto para o banheiro.
Depois que terminei, usando um vestido soltinho e confortável,
retornei ao quarto para pentear os cabelos e passar hidratante na pele. As
meninas continuavam a conversa animada, falando sobre os garotos do
colégio como se eu nem ao menos estivesse ali.
Olhei em volta, sentindo-me um pouco sufocada pela falta de
espaço.
Era quase impossível circular pelo quarto sem precisar saltar um
colchão ou me trombar com algum móvel. Não havia espaço para o bebê ali
quando nascesse. Nem sequer tinha lugar para colocar as roupinhas, fraldas
e brinquedos, muito menos um berço, por menor que fosse.
Terminei de escovar os cabelos e fechei os olhos, tentando não me
preocupar com aquilo, não ainda. Arrumei minhas coisas no lugar e saí do
quarto, trancando a porta às minhas costas.
Apesar dos pesares, minha mãe tinha toda a razão. Eu já me sentia
bem melhor depois de um banho quente e revigorante. A cabeça já não doía
a ponto de incomodar e os olhos haviam desinchado mais.
Quando cheguei à cozinha, minha mãe estava colocando a mesa do
jantar. Contudo, foi seu olhar confuso para mim, em seguida na direção da
sala que me fez ligar as antenas da desconfiança, e eu me virei para onde
meu pai estava.
O coração quase saiu pela boca quando notei a presença de
Gonçalo, sentado no sofá ao lado do meu pai. Os olhos esverdeados
estavam fixos em mim, as mãos cruzadas na frente do corpo.
O homem se levantou de repente quando eu o olhei de volta,
completamente paralisada. Ele me fitou de cima para baixo e seu olhar se
fixou em um ponto específico do meu corpo. Precisei baixar a cabeça para
seguir sua análise, e então compreendi que Gonçalo Ribeiro examinava o
meu ventre com a máxima atenção que havia dentro de si.
Quando voltou a erguer a cabeça, ele sorriu para mim, parecia
fascinado.
E então minha ficha caiu por terra.
Ele sabia do bebê… Mas como?
Olhei para meu pai que continuava atento ao noticiário, sem se
importar com a nossa presença. Em dias normais, ele estaria conversando
com Gonçalo sobre a fazenda ou qualquer outro assunto de homens. Mas
naquele momento, tudo estava muito claro para mim.
Meu pai havia dito tudo a ele, era o mais lógico, e o pior é que eu
não fazia ideia em que momento ele soube do que havia acontecido entre
mim e Gonçalo. Será que eu era assim tão transparente?
Completamente mortificada, eu o chamei:
— Pai? — Inspirei o ar com força, tentei não parecer uma garotinha
assustada, pronta para fugir no primeiro sinal de perigo.
Meu pai ergueu o olhar sério, olhou de mim para Gonçalo e voltou
sua atenção para a tela da tevê. Gonçalo deu alguns passos na minha
direção, o olhar se desviando do meu rosto até o meu ventre a todo instante.
— Podemos conversar um momento?
Eu queria fugir dele, fingir que nem sequer o conhecia, mas aquele
não era o caminho. Tudo tinha que ser posto em pratos limpos, tudo tinha
que ser resolvido, pois agora não éramos dois, e sim três. O momento da
verdade havia chegado.
— Eu vou pegar um casaco — informei e não esperei por uma
resposta.
Um minuto depois, retornei para a sala bem agasalhada em uma
blusa de frio de lã. Segui diretamente para a porta sem encarar o homem
que havia me engravidado. Pelo barulho das passadas às minhas costas, eu
soube que ele estava me seguindo porta afora.
A noite estava fria e enevoada, sem nenhum resquício da lua no
céu. O vento gélido tocou minhas bochechas e eu me senti estremecer em
contraste com o banho quente que havia tomado há pouco tempo.
Eu me vi andando naquela escuridão, fazendo o percurso que nos
levaria até os estábulos.
Primeiro porque imaginei que seria um local distante o suficiente de
ouvidos e olhos curiosos para se ter uma conversa como aquela, e depois
porque estava necessitada de uma cobertura sobre minha cabeça para
aplacar o frio.
Gonçalo não disse nada enquanto caminhávamos pela noite sem
estrelas. 
Sentia-me como se estivesse vivendo um pesadelo, no qual fazia de
tudo para acordar mas não tinha sucesso. A cada passada, sentia a
respiração ofegante, o coração acelerado demais. Eu nem sabia com que
coragem olharia na cara de Gonçalo ou da minha família outra vez agora
que todos tinham conhecimento sobre tudo.
— Celina… — ele chamou às minhas costas. — Espere.
Senti seu corpo se aproximando do meu e a mão grande tocou a
minha, me fazendo parar no meio do caminho. Foi somente quando me
virei que senti a umidade que deslizava pelas minhas bochechas, o corpo
tremendo tanto que ainda não compreendia como estava conseguindo
permanecer de pé.
Contudo, ainda tive forças para puxar minha mão e me soltar,
queria ficar o mais distante possível dele.
— Por favor, não… não encoste em mim Gonçalo — pedi,
suplicante.
Gonçalo se aproximou outra vez, mas não voltou a me tocar.
— Por que está fazendo isso, Celina, fugindo de mim dessa
maneira? — perguntou com certa tensão na voz.
— Será que podemos chegar até os estábulos? Eu estou com frio.
— Apesar do inevitável, tentei adiar aquela conversa o máximo que pude.
Ouvi seu suspiro cansado, mas voltei a andar na direção dos
estábulos.
Quando chegamos, Gonçalo acendeu a luz do quartinho onde eram
guardadas as ferramentas e os arreios, e deixou a porta aberta para que a
claridade iluminasse a varanda onde eu estava. Ouvi cascos de cavalo
baterem contra o piso. Os animais relincharam e se agitaram um pouco
devido à iluminação, mas logo tudo voltou ao normal.
Olhei em volta, procurando alguma coisa com que me distrair.
Havia mantas e cabrestos pendurados na varanda, como também
alguns fardos de feno fresco que foram colocados ali recentemente. O vento
ainda soprava com força, chacoalhando meus cabelos de um lado para
outro. Abracei o meu corpo e aguardei para ouvir o que ele tinha para dizer.
— É melhor entrar no estábulo ou se sentar no feno. A proteção
contra o frio é pouca aqui fora, principalmente se você continuar em pé.
— Estou bem assim — respondi secamente.
O homem suspirou com pesar, e se colocou à minha frente. O olhar
abatido me analisou lentamente e ele abaixou a cabeça, fitando o chão.
Encarei Gonçalo como há muito tempo não fazia, e senti o corpo
agitado com aquela proximidade. Ele estava tão bonito usando calça jeans e
camisa de mangas compridas, os cabelos bem arrumados, a pele em seu tom
natural, tão diferente do que eu havia presenciado pela manhã.
Estávamos ao mesmo tempo tão perto um do outro e tão longe.
— Sinto muito pelo que você ouviu mais cedo, Celina — começou
—, naquela ocasião eu não estava lúcido, nem sequer me recordo direito do
que dizia.
Assenti para ele, embora minha única vontade naquele instante era
estapeá-lo até aquela dor que eu sentia passar.
— Laura… ela…
— Não quero ouvir nada sobre a outra mulher, Gonçalo — eu o
interrompi, irritada. — Deveria ter falado que amava outra antes de fazer
isso comigo…
Levei a mão ao meu ventre, sem desviar o olhar do seu rosto e senti
um aperto doloroso no estômago.  As lágrimas teimavam em cair, mas eu
não permiti que viessem. Seria humilhação demais parecer tão fraca na
frente de Gonçalo Ribeiro.
— Como você pôde? — Minha voz estava alterada quando saiu. —
Eu confiei em você… eu… nunca havia estado com outro homem, te dei
tudo e você me enganou.
— Celina… precisa me escutar…
— Não… não, Gonçalo, por favor… — Eu dei um passo para trás,
cambaleando, e me firmei na parede.
— Eu entendo que esteja chateada… Você é jovem demais, tem
toda uma vida pela frente, mas não há como mudar o passado… querida.
Um riso desdenhoso surgiu em meus lábios e o encarei, ferida, tudo
dentro de mim doía. Queria que Gonçalo sofresse, queria fazê-lo sentir tudo
o que eu sentia.
— Eu não me arrependo pelo bebê, Gonçalo — falei com firmeza,
fitando seus olhos — Eu me arrependo pelo pai dele — menti
Seu semblante se transformou quando ouviu minhas palavras. As
íris tornaram-se mais escuras e Gonçalo cerrou o maxilar. Dei um passo
para trás quando seu olhar desolado me encarou, mas eu não estava disposta
a facilitar nada para ele.
— Por Deus, não repita isso… — Deu um passo em minha direção
e eu me afastei mais até me chocar contra a parede. — Me xingue, Celina,
diga que me odeia, grite, mas não repita o que acabou de dizer.
Sua mão alcançou o meu queixo e Gonçalo me forçou a encará-lo, o
toque vibrante causando arrepios em minha pele.
— Eu te odeio… — gritei fora de mim. — Eu odeio você por amar
outra mulher. Eu te odeio por ser amigo do meu pai. Por ter me tocado…
por me fazer sentir…
Gonçalo suspirou profundamente e me puxou para ele, os braços
fortes prendendo o meu corpo contra o seu em um abraço tão firme que era
quase impossível me mover.
— Me solte… — Ofeguei fracamente, estava sem forças, ainda
assim tentei ao máximo me libertar. — Me solte…
— Sim, faça isso. Coloque tudo para fora…
Eu lutei, fiz de tudo para sair dos seus braços.
Gonçalo não se moveu um único centímetro.
— Por que me magoa tanto, Gonçalo, por quê? — Esmurrei o seu
peito, tomada pela angústia que me consumia de dentro para fora.
Senti suas mãos firmarem meu pescoço contra o seu peito, e logo
ele depositou um beijo suave no topo da minha cabeça.
— Eu não tenho outra mulher, menina — falou em um sussurro
decidido. — Você é a única. E você é minha.
Como eu queria que tudo aquilo que ele dizia fosse real, mas não
era. Eu estava lá pela manhã, eu ouvi o que ele dizia.
— Você chamava por ela, Gonçalo. Dizia para a Laura não deixar
você como a outra havia feito. Não tente mentir para mim.
Finalmente consegui me soltar e me desvencilhar dos seus braços.
O frio era intenso dentro do meu corpo, tanto quanto sentia na pele, longe
do calor que emanava dele. Eu me abracei tentando aplacar as tremuras que
haviam me tomado e virei-lhe as costas.
Não conseguia mais encarar seu rosto sem desabar.
— Eu errei, Celina, por nunca ter te contado o que aconteceu em
meu passado. Eu fui orgulhoso, me deixei cair em um abismo profundo e
não tive forças, nem queria sair.
Continuei em silêncio, esperando, rezando baixinho para que no fim
de tudo, ainda restasse alguma coisa intacta dentro de mim.
— Laura era minha noiva. — Fechei os olhos, sentindo como se
pequenas agulhas me espetassem a alma. — Ela está morta!
Meu ar faltou quando ouvi o que Gonçalo havia dito.
De onde eu estava, podia ouvir sua rápida respiração.
— Eu carreguei por mais de um ano a culpa de sua morte. Eu me
fechei para o mundo, Celina, me fechei para a minha própria família.
Abandonei a minha carreira. Eu não fiz isso porque gostava de fazer as
pessoas sofrerem, eu fiz isso porque abrir os olhos pela manhã era doloroso
demais. Não queria que ninguém carregasse esse fardo comigo. A
responsabilidade era somente minha, eu era o único que teria de lidar com
as consequências de tudo.
— O que… aconteceu? — perguntei com a voz irregular após
alguns segundos.
E então Gonçalo contou tudo. Relatou os detalhes do jantar em que
não compareceu, do assalto seguido dos tiros e o atendimento no hospital. E
por fim, a morte de Laura em suas mãos. Não queria pensar na dimensão da
dor que ele sentiu durante todos aqueles meses.
Eu solucei baixinho quando me coloquei em seu lugar, tendo de
suportar a dor e a culpa por sua morte e ainda continuar vivendo. Eu não
suportaria.
— Quando eu vi você nua no rio, foi a primeira vez em todos esses
meses que senti meu corpo despertar… Eu senti que estava vivo. Notei que
ainda respirava, que tinha um coração batendo dentro do peito.
Eu não sabia o que dizer para ele, não sabia como reagir depois de
tudo. Ainda estava magoada, havia muito a ser esclarecido, no entanto,
Gonçalo tinha o direito de sofrer pela noiva morta, por mais que saber disso
fosse doloroso para mim.
— Gonçalo… eu…
— Me deixe terminar, Celina.
Assenti com um aceno sutil de cabeça.
— Eu fui um escroto com você no começo… — Ouvi seu riso
baixinho, sofrido. — Mas era porque eu não queria aceitar que aquela
garota da língua afiada estava mexendo comigo.
Aí Deus… como eu havia odiado aquele homem.
— Mas quando eu via você conversando com os peões, faltava
morrer de ciúmes. Queria me aproximar, tocar, ouvir sua risada, sentir seu
gosto. Mas sabia que você preferia estar com o diabo do que comigo.
Lembrei-me do dia em que estava cavalgando com Jorge de manhã
cedinho, e Gonçalo surgiu do nada, tão bravo quanto um touro enraivecido.
Foi a primeira vez que nos beijamos. Aquele beijo havia sido o estopim
para bagunçar definitivamente a minha cabeça.
Eu voltei a me virar para ele, e Gonçalo se aproximou de mim,
tocou meu rosto levemente.
— E havia o seu pai… — Seus dedos deslizaram pelo meu queixo e
ele ergueu o meu rosto. — Eu nunca pensei que uma garota da sua idade se
interessaria por mim dessa maneira. Sua testa se aproximou da minha, eu
senti sua respiração em meu rosto. — Tenho quarenta e três anos, Celina,
sou quase um velho caduco se comparado a você…
Solucei baixinho, tudo dentro de mim se transformou em um
tornado de emoções.
— Mas você foi além, me deu tudo. Devolveu minha vontade de
viver.
— É tudo tão confuso… — comentei, um pouco mais controlada.
— Lá em Corumbá… você foi embora e…
Minha voz foi abafada pela boca exigente que escorregou pela
minha em uma carícia lenta.
— Eu pensei que você não me queria — admitiu. — Você rejeitou a
única maneira que eu havia encontrado para nos comunicarmos sem que seu
pai desconfiasse.
Eu me afastei dele, finalmente compreendendo um pouco do mal-
entendido que aconteceu naquele dia.
— Quem era a mulher a quem você se referiu hoje pela manhã
enquanto achava que falava com Laura?
Eu fitei o seu olhar, buscando nele a verdade que me resgataria do
martírio que tanto me machucava.
— Você! — Sua resposta foi precisa, convicta, deixou minhas
pernas bambas.
Eu me recompus um pouco, e tentei explicar da melhor maneira o
meu lado da moeda.
— Não aceitei o celular porque tive a impressão de estar sendo
recompensada com presentes caros por algumas horas de sexo.
— Eu jamais faria isso, meu amor. 
Senti o ar faltar em meus pulmões quando meu cérebro processou o
que ele havia acabado de dizer. Eu queria tanto acreditar, tanto…
— Eu fui o homem mais feliz da Terra quando seu pai me falou da
sua gravidez. — Gonçalo sorriu, nitidamente emocionado e passou a mão
em minha cintura, me puxando para ele. — Eu não fazia a mínima ideia de
que ele sabia sobre nós.
Também sorri, um riso contido, misturado a lágrimas e um
pouquinho de receio.
Ainda me sentia magoada, ferida demais por Gonçalo não ter me
dito a verdade sobre seu passado, por não ter confiado em mim. Contudo,
eu sentia que a partir dali, algum dia eu conseguiria juntar novamente as mil
partes do meu coração.
— Eu soube agora à noite, quando eu te vi na sala e você fitou
minha barriga. Pensei que fosse morrer naquele instante.
— Oh Celina… — O homem me abraçou apertado e eu fechei os
olhos, sentindo seu cheiro másculo que tanto me enlouquecia.
Sua mão deslizou pela minha barriga suavemente, me causando
arrepios, e ele acariciou meu ventre ainda estreito.
— Meu Deus… — clamou baixinho, a voz falha. — Meu Deus,
obrigado. Obrigado, minha pequena.
As lágrimas pareciam uma cachoeira em minhas bochechas quando
ele se ajoelhou na minha frente e levantou a barra do meu vestido. Eu sabia
exatamente o que Gonçalo iria fazer, mas não tive coragem de pará-lo.
Suas mãos ergueram meu vestido até o meu estômago, me deixando
vestida apenas com uma calcinha branca que se assemelhava a um
shortinho. Os lábios dele se aproximaram da minha barriga, distribuindo
beijos suaves, enquanto uma mão me firmava pelas coxas e a outra
segurava a barra do vestido no lugar.
Definitivamente aquela seria uma lembrança eterna na minha
cabeça. Ver o homem que eu amava completamente rendido pelo bebê que
estava crescendo dentro de mim. Seus dedos fizeram uma trilha suave em
meu ventre, e ele sorriu outra vez, depositando um beijo demorado,
encostando a testa onde nosso filho crescia.
Os minutos passaram enquanto ficamos ali naquela posição
incomum. Eu nem sequer notava mais o frio que cortava minha pele.
Instantes depois, ele subiu o olhar para o meu, e Gonçalo enganchou os
dedos no cós da minha calcinha.
Senti o coração parar, meu corpo aqueceu instantaneamente, a
respiração ofegou.
— Me deixe amar você… — pediu com o olhar suplicante e puxou
o elástico para baixo, só um pouco.
Fechei os olhos dominada pelo momento e levei as mãos ao vestido
para manter o tecido erguido.
— Sim… — concordei toda trêmula, a voz ofegante.
Eu me firmei na parede às minhas costas quando Gonçalo deslizou
a calcinha pelas minhas pernas e a tirou, ainda ajoelhado à minha frente.
Senti o vento frio lambendo meu clitóris, mas logo a friagem foi
tomada pelo calor de sua respiração em minha virilha.
— Afaste as pernas para mim, amor. — Sua voz estava rouca,
aveludada, me deixando completamente arrepiada.
Fiz o que Gonçalo pediu e afastei as coxas um pouco uma da outra,
oferecendo a ele minha vagina nua.
— Você é tão deliciosa aqui.
Senti o toque da língua dura no montículo de nervos e mordi os
lábios para não gemer.
Gonçalo enfiou a língua entre as minhas pernas, provando meu
gosto, e depois varreu minha entrada com uma lambida generosa da vulva
ao clitóris.
— Aiii... — Não consegui me segurar e soltei um gemido
lamurioso, as pernas falharam.
Senti seu aperto firme em minhas coxas, me abrindo mais para ele,
e inclinei as pernas para baixo, ficando levemente agachada, com as costas
firmes na parede.
Senti outra lambida me varrer debaixo para cima, a língua quente
buscando a entrada do meu sexo.
— Gonçalo… — eu o chamei, completamente trêmula de saudades,
desejo, vontade de ser dele.
Larguei a barra do meu vestido e agarrei seus cabelos.
O tecido voltou a cobrir tudo, tapando sua cabeça que estava entre
as minhas pernas, mas ele não pareceu se importar, continuou me provando
como se eu fosse sua comida favorita, até que senti a umidade do desejo
escorrer pelos grandes lábios da vagina.
E então ele se ergueu e voltou a ficar de pé, de frente para mim.
Quando me olhou, os olhos faiscavam de tesão reprimido, os lábios
brilhando por causa da umidade do meu sexo.
Gonçalo segurou minha mão e a levou até o enorme volume que
marcava sua calça. Fechou meus dedos com os seus sobre o pênis duro.
— Veja o que você faz comigo. — A boca severa buscou a minha, e
Gonçalo tomou meus lábios nos seus em um beijo ardente e profundo.
A língua lambuzada com minha própria excitação exigiu passagem,
e ele a enfiou em minha boca, me fazendo sentir meu gosto. Prazer me
consumiu, cada célula do meu corpo vibrou com aquela mistura depravada
e deliciosa.
Continuei massageando seu pau por cima do jeans, sentindo o
tamanho, os latejos, até que suas mãos foram certeiras no zíper e botões da
calça. O pênis de Gonçalo saltou para fora e eu segurei aquele pedaço de
carne dura e quente nas mãos.
— Tome o que é seu, Celina — murmurou em meus lábios. —
Segure… assim… maldição.
Ouvi xingamentos saírem de sua boca quando deslizei os dedos até
a cabeça melada e a apertei. Ele puxou a respiração com força e passou a
distribuir beijos molhados pelo meu pescoço. A barba cerrada me levou à
beira do delírio.
— Passe as mãos em meu pescoço e segure firme.
Assenti com um aceno, estava entorpecida demais para conseguir
falar. Fiz exatamente o que ele ordenou. Gonçalo deslizou as mãos pelos
meus quadris, amassou as bandas da minha bunda e me ergueu do chão, me
firmando pelas coxas abertas.
— Cruze as pernas nos meus quadris, querida.
Meu corpo obedecia aos seus comandos por vontade própria. 
Nossas bocas voltaram a se encontrar, ardentes, sedentas uma da
outra, e Gonçalo deslizou uma das mãos entre nossos corpos para direcionar
o seu pênis em minha entrada.  A cabeça grossa do seu pau cutucou em
minha fenda escorregadia e ele encaixou nossos sexos, mas não penetrou.
— Estou faminto por você, menina. Louco para me enfiar todo na
sua boceta.
— Então me toma, Gonçalo — murmurei rouca.
Pouco a pouco, ele afrouxou o aperto em minhas coxas e permitiu
que meu corpo deslizasse para baixo, no seu pênis duro.
A cabeça larga exigiu passagem em meu canal, e eu gemi baixinho
quando senti minha vagina ceder, se abrindo para que ele entrasse.
— Vai engolir meu pau todo, Celina, não vou deixar nenhum
centímetro do lado de fora — sentenciou.
Cravei as unhas em seus ombros e gritei alucinada quando ele
entrou mais um pouco.
Senti minha vagina sendo alargada além do limite, quase como na
primeira vez. A penetração estava difícil mesmo eu estando toda melada.
Doeu, pensei que não conseguiria, mas Gonçalo estava determinado a
cumprir a sentença que havia me dado.
Mordi os lábios com força, ofegante. Gemi.
Os braços fortes me apertaram contra ele, minhas costas foram
pressionadas contra a parede, e então Gonçalo impulsionou o quadril,
completando a penetração em minha vagina.  Gritei outra vez, alucinada
pela ardência e o prazer de ser completamente preenchida por ele.  Eu me
sentia esticada, tomada em todos os lugares. Fiquei completamente
empalada em seu pau.  
— Céus… — reclamei, chorosa, o sexo latejando em volta do pênis
dele, nossos corpos ofegantes.
— Deliciosa demais… Fico doido quando você grita assim, com
meu pau todo enfiado.
Senti que suas mãos me acariciavam em todos os lugares por cima
do vestido. Os seios, a bunda, meus quadris, não restou nenhum pedaço do
meu corpo sem conhecer a força daquelas mãos experientes.
Quando eu voltei a relaxar, Gonçalo me desencostou da parede e
me carregou para dentro do estábulo sem desconectar nossos corpos. Meu
corpo caiu sobre um amontoado de feno que estava empilhado ali dentro, e
ele segurou minhas coxas com firmeza. Inclinou as duas, me deixando
completamente arreganhada para ele, retirou o pau do meu canal e voltou a
enfiar devagar. 
Mordi o punho para impedir que alguém ouvisse meus gritos
enquanto era devorada por ele e senti os testículos pesados baterem no meu
ânus. Os olhos dele estavam vidrados entre as minhas pernas escancaradas e
Gonçalo levou uma mão ao meu clitóris. Apertou o nervo judiado e prendeu
o montículo entre os dedos.
Choraminguei baixinho, completamente dominada. Gonçalo era
implacável em me fazer tremer a cada arremetida firme e vigorosa. Ele se
enfiava todo em mim, até o punho, e depois saia lentamente, ocasionando
arrepios por todo o meu corpo.
Ondas do mais puro êxtase começaram a se formar em meu ventre,
o suor brotou em nossas testas. O feno cedeu um pouco quando Gonçalo
montou em mim e procurou meus lábios, o pau entrando mais fundo.
Nossas bocas resfolegaram uma na outra, todo o meu corpo
tremendo.
Ondas deliciosas tomaram o meu ventre e sua boca tomou a minha
outra vez quando gritos escaparam da minha garganta junto com um gozo
melado e alucinante.
Gonçalo deslizou a boca pelo meu queixo, arranhando a pele
sensível com a barba cerrada, ergueu uma das minhas coxas para
aprofundar a penetração e meteu, uma… duas… três vezes. Senti seu corpo
vibrar sobre mim, o pau pulsou dentro do meu corpo e o líquido quente
encheu o meu canal até transbordar.
Nossas bocas voltaram a se encontrar, dessa vez com um beijo
calmo, gostoso, até sentir que nossos corpos haviam se acalmado. Sêmen
vazou da minha vagina quando ele saiu de dentro de mim. Tudo em mim
ficou melado.
Sua respiração estava ofegante, mas notei que um sorriso de
satisfação estampava seu rosto quando abri os olhos. Gonçalo também me
fitou, o semblante relaxado.
Desceu o olhar entre os nossos corpos até se deparar com minhas
pernas abertas, toda lambuzada com os fluídos dele, deslizou um dedo em
meu sexo e espalhou seu sêmen entre as minhas dobras, me marcando com
sua masculinidade, dizendo para mim em silêncio que eu pertencia apenas a
ele.
CAPÍTULO 27

 
 
CELINA ABREU
 
 
— Precisamos começar a fazer isso em uma cama — murmurou,
rindo. — Não sei se minhas costas vão aguentar esse tranco por muito
tempo.
 
Sorri e tentei fechei as pernas, embora seu corpo forte entre as
minhas coxas me impedisse de concluir o processo.  A razão foi retornando
ao meu subconsciente pouco a pouco. Olhei para Gonçalo todo desgrenhado
em cima de mim, os cabelos bagunçados, a camisa amarrotada, o olhar
apaixonado na minha direção.
 
Rubor me tomou dos pés à cabeça, mas isso não me impediu de
descer o olhar para o meio de suas pernas. Suas calças estavam descidas até
metade das coxas musculosas. O pênis semiereto pesava sobre a minha
virilha, completamente lambuzado com nossos líquidos.
 
Gonçalo seguiu meu olhar e levou a mão ao pau. Movimentou o
membro, dando batidinhas em cima do meu clitóris. Fez movimentos de vai
e vem, revelando e tapando a glande com a pele até que o membro voltou a
endurecer.
 
Fiquei completamente fascinada, vendo aquela força máscula, o
quanto ele exalava virilidade, fazendo a excitação voltar a crescer dentro de
mim.
 
— Você sangrou um pouquinho — comentou, ainda manuseando o
pau em meu sexo, amassando meu clitóris com a glande escorregadia. — É
normal que isso aconteça nas próximas relações depois de perder a
virgindade.
 
Assenti para ele, apesar de prestar pouca atenção no que dizia, já
que meu corpo estava mais concentrado nos movimentos deliciosos entre as
minhas coxas. De repente, ele parou o que fazia e ergueu o corpo, deixando-
me necessitada por mais.
 
— Gonçalo… — protestei, querendo que ele me penetrasse
novamente, mas Gonçalo apenas sorriu.
 
— Agora não, Celina. — O olhar afogueado desceu pelo meu corpo
cansado e voltou a se concentrar no meu sexo. — Vou te levar para o
casarão e cuidar de você.
 
Pisquei os olhos, um pouco confusa, até conseguir processar o que
ele havia acabado de dizer. Firmei-me no feno para conseguir me sentar e
fiquei de pé.
 
— Não, não… — contestei sua afirmação ao me imaginar dando de
cara com dona Lúcia.
 
Passei a mão pelos cabelos e retirei alguns fiapos de feno que
haviam grudado entre os fios.
 
Meu vestido havia se transformado em um amontoado de bagunça,
completamente amassado, com capim caindo para todos os lados. Gonçalo
subiu a calça e fechou o zíper, se recompondo. Ele voltou a me olhar com
interesse, os lábios curvados em um riso contido.
 
— Está com vergonha da minha mãe? Ela não vai saber. 
 
Assenti para ele, nem um pouco disposta a mudar de ideia, muito
menos em arriscar.
 
— Não posso. Não estou preparada para passar a noite com um
homem enquanto todos na casa sabem o que estaremos fazendo.
 
Gonçalo suspirou, nitidamente cansado e se aproximou de mim
novamente. Suas mãos seguraram as minhas e ele beijou o topo dos meus
dedos com calma.
 
— Precisamos conversar, Celina. Não há tempo para deixar nada
para depois.
 
— Não podemos fazer isso aqui? — Olhei em volta, só agora me
dando conta de que havíamos tido plateia durante o sexo.
 
Os cavalos estavam silenciosos nas baias, com exceção de um ou
outro relincho de vez em quando. Ele balançou a cabeça em negativa,
seguindo o ritmo do meu olhar. Gonçalo levou as mãos à camisa e começou
a descasar os botões, a atenção voltando a se fixar no meu rosto.
 
— Gonçalo… por favor… — Coloquei a mão na testa nervosa, mas
sabia que o homem tinha razão.
 
Ainda tínhamos muito o que conversar, mas minha casa estava
cheia demais para que isso acontecesse por lá. Aqui nos estábulos, não era o
local mais adequado para discutir o futuro da nossa relação e do nosso bebê,
então acabei tendo de concordar com ele.
 
— Tudo bem… — Assenti. — Mas vamos apenas conversar, e eu
irei pra minha casa antes de o sol nascer.
 
Gonçalo sorriu, porém não disse mais nada a respeito.
 
— Preciso que se sente no feno, Celina. Vou limpar você. — pediu
enquanto terminava de tirar a camisa, revelando o peito forte, salpicados
com poucos fios de pelos negros. 
 
Fiz o que o homem pediu e mordi os lábios quando ele afastou
minhas coxas uma da outra. Era constrangedor estar totalmente nua e com
as pernas abertas enquanto ele limpava a bagunça que fizemos, contudo, era
melhor passar por aquilo do que sair andando por aí com o esperma dele
escorrendo entre as coxas. 
 
Quando terminou, Gonçalo embolou a camisa de mangas em um
amontoado disforme e me ajudou a ficar de pé. Encontrei minha calcinha
caída no chão, na porta do estábulo. Recuperei o pedaço de pano enquanto
Gonçalo apagava as luzes, e saímos dali, seguindo direto para o casarão.
 
As lâmpadas estavam apagadas e a casa silenciosa quando
chegamos, mas a porta dos fundos se encontrava destrancada. Entramos
devagar para não fazer barulho e subimos as escadas na direção do seu
quarto.
 
Minutos mais tarde, eu e Gonçalo estávamos de banho tomado,
sentados na cama. Ele usava uma cueca boxer preta, e eu uma de suas
camisas sociais de mangas compridas que cobriam até a metade das minhas
coxas.
 
O homem me fitou por alguns instantes e colocou uma mecha do
meu cabelo atrás da orelha.
 
— Está com fome? — perguntou com o semblante pacífico, a voz
calma.
 
Assenti, embora comer era a última coisa que eu desejasse fazer
naquele momento. Sentia-me nervosa, ansiosa. Queria acabar logo com as
dúvidas que restavam, discutir sobre o bebê, como faríamos a partir dali.
 
— Vou buscar algo para você, não pode ficar muito tempo sem
comer.
 
Gonçalo se movimentou para sair da cama, mas eu o parei,
colocando a mão em seu ombro.
 
— Espere! — pedi, decidida. — Eu não sei se consigo comer agora,
estou um pouco nervosa. Será que podemos discutir logo como tudo será a
partir de agora? Sei que ainda está cedo, que temos tempo para falar sobre
isso, mas não conseguirei dormir à noite até ter certeza de que tudo está
resolvido.
 
Gonçalo concordou com um aceno e me puxou para o seu colo. Eu
me encaixei sobre ele, colocando uma perna em cada lado do seu corpo, de
frente um para o outro. As mãos experientes seguraram meu rosto e
Gonçalo tomou a minha boca em um beijo rápido, suave, apenas um roçar
de bocas que tanto se queriam.
 
— Eu quero que você se case comigo, Celina.
 
Fechei os olhos completamente paralisada, o coração disparou. Eu
inclinei o corpo para trás, buscando os olhos de Gonçalo, e ele me encarou
de volta, sério, a expressão decidida.
 
— Não pode estar falando sério… Nós nem sequer namoramos…
não nos conhecemos o suficiente.
 
Tentei me afastar dele e sair do seu colo para raciocinar
coerentemente, mas suas mãos grandes seguraram meus quadris no lugar.
 
— A gente namora enquanto chega a data marcada. Vamos nos
conhecendo melhor, você pode se mudar para o casarão, pode ficar em um
dos quartos de hóspedes se não se sentir à vontade para dividir a cama
comigo.
 
Inspirei e expirei várias vezes, o corpo trêmulo. Pensei em tudo que
passamos, nos mal-entendidos, as palavras duras que dissemos um ao outro.
Eu amava Gonçalo Ribeiro, amava muito, mas ainda não estava cem por
cento pronta para dizer o sim definitivo.
 
Ainda tinha muito o que digerir, precisava perdoá-lo primeiro por
não ter confiado em mim para se abrir. Eu precisava ter a certeza dentro de
mim, de que me casar com ele era realmente o que eu queria para a vida.
 
— Eu não posso aceitar… — eu disse baixinho, a voz um pouco
embargada, e o fitei nos olhos.
 
— Celina… — Seu semblante havia se transformado pela dor que
minhas palavras causaram.
 
— Eu não estou pronta. — Fui sincera com ele, deixei claro os
receios que sentia dentro do coração. — Antes de tudo, preciso passar a
confiar em você, Gonçalo. — Suspirei. — O que fizemos no estábulo, foi…
maravilhoso, mas isso não muda o fato do quanto me senti traída e
magoada. Eu preciso digerir tudo.
 
Ele fechou os olhos por alguns instantes e beijou o topo da minha
cabeça. Seus braços me estreitaram ansiosos, trêmulos. Éramos uma
combinação distorcida de duas pessoas que se gostavam, mas que
precisavam curar as feridas um do outro antes de se prenderem para sempre.
 
— Eu amo você, minha menina — declarou em um murmúrio
sofrido. — Vou esperar por você o tempo que for preciso.
 
Minha voz morreu dentro da garganta, lágrimas transbordaram
pelos meus olhos e eu busquei a sua boca com a minha.
 
— Eu também amo você… — respondi, arfante, o peito doendo, o
corpo necessitado.
 
Ficamos ali, resfolegando na boca um do outro, o corpo tão colado
que não sabia definir onde o meu começava e o dele terminava. Minutos
depois, Gonçalo me deitou sobre os lençóis e virou o meu corpo de barriga
para baixo.
 
A camisa que eu usava foi erguida até acima da cintura, e senti suas
mãos passearem por toda minha pele descoberta.  Não dissemos mais nada
um ao outro, apenas deixamos nossos corpos tomarem o controle do que
sentíamos.
 
A língua morna passou a me lamber do jeito que ele sabia que eu
gostava. Gonçalo não mediu esforços para me agradar, não restou uma
única parte de mim sem receber a devida atenção de sua boca.
 
As bandas da minha bunda foram abertas por suas grandes mãos, e
ele me lambeu por trás, da vulva até o ânus, fazendo cada pelinho que
existia em mim se arrepiar, querendo tudo dele, todo o prazer que ele estava
disposto a me oferecer.
 
CAPÍTULO 28

 
 
GONÇALO
 
 
Mais uma vez o desejo dos nossos corpos falou mais alto e
acabamos enroscados na cama, pele contra pele, boca contra boca. Meu
pênis ainda estava enterrado dentro dela, meu corpo em êxtase por causa do
orgasmo delicioso.
 
Celina me encarava toda suada, o rosto afogueado, a respiração
ofegante. Seus lábios estavam inchados e vermelhos por causa dos meus
beijos, um contraste lindo com o cabelo bagunçado e os olhos sonolentos de
cansaço. No entanto, aquele incômodo característico martelava dentro do
meu peito por causa da rejeição, mas eu sabia que em algum momento ela
iria ceder e Celina se tornaria minha esposa.
 
— Gonçalo… e se alguém nos ouviu? — ela perguntou, aturdida e
afastou o corpo.
 
Meu pênis deslizou para fora, e eu gemi baixinho, querendo me
enterrar outra vez em seu interior. Mas a garota precisava descansar e comer
um pouco antes de dormir. Não faria bem para ela e o bebê passarem tanto
tempo desprovidos de uma boa comida e uma bela noite de sono.
 
— Ninguém nos ouviu… — menti e deslizei os dedos em seu
queixo pequeno.
 
Eu tinha minhas dúvidas sobre termos passado despercebido. Celina
gemia e gritava debaixo de mim, enquanto recebia meu pau todo em sua
boceta. Era algo característico dela, não conseguia controlar os anseios do
seu corpo. Eu amava aquilo, ficava louco quando ela gritava, mas era quase
impossível abafar os barulhos que ela fazia apenas com beijos.
 
— Tem certeza? — sussurrou e se sentou na cama, puxando o
lençol para cobrir o corpo nu.
 
— Aham… — Tentei não parecer tão cara de pau por mentir
daquela maneira, mas eu sabia que Celina seria capaz de ir embora àquela
hora da noite se imaginasse algo do tipo, que minha mãe ouviu seus
gritinhos de prazer.
 
— Bom… — Ela inspirou fundo e voltou a me encarar. Desceu o
olhar pelo meu corpo sem roupas e voltou a erguer a cabeça, sorrindo
envergonhada. — Por Deus, Gonçalo. Coloque uma roupa.
 
Também sorri, fitando as bochechas vermelhas.
 
— Tem medo de não resistir a mim? — brinquei com ela e fiquei de
joelhos na sua frente. Segurei meu pau pela base e estimulei o membro sem
um pingo de vergonha na cara, com movimentos de vai e vem com a mão.
 
— Talvez… — Mordeu os lábios já inchados, os olhos curiosos
presos no movimento que eu fazia.
 
Inferno. Senti o membro voltando a ficar inchado outra vez,
enchendo-se de sangue diante do olhar desejoso dela. Celina não sabia
brincar, já chegava me matando.
 
— Celina… — Fechei os olhos, tomado pela luxúria e voltei a abri-
los. — Você vai me matar assim.
 
Ela sorriu e eu me aproximei do seu corpo, a segurei pela cintura e
trouxe a menina para mim. Beijei sua boca rapidamente, e logo em seguida
enrolei o lençol em volta do seu corpo para protegê-la de mim mesmo.
 
— Vista alguma coisa, garota, do contrário passarei a noite toda
fodendo você.
 
Ela se levantou da cama em busca da camisa que eu havia jogado
no chão. Se limpou rapidamente com uma toalha e vestiu a blusa por cima
da cabeça.
 
Fiz o mesmo, mas o pau continuou duro dentro da cueca, sob os
olhos curiosos de Celina. Coloquei o lençol em cima do meu colo e me
deitei relaxado sobre os travesseiros.
 
— Venha cá, menina — eu a chamei, indicando meu peito para que
ela encostasse a cabeça.
 
Quando a garota se deitou de lado com a cabeça apoiada em meu
peito, eu a abracei, estreitando o corpo pequeno dentro dos meus braços.
 
— O que você vai fazer de agora em diante? — Sua voz doce ecoou
pelo quarto.— Vai continuar aqui na fazenda ou retomará sua carreira?
 
Pensei por alguns instantes, formulando com cuidado a melhor
resposta para dar a ela. Por fim, respondi:
 
— Estou trabalhando para assumir a administração total da fazenda
em breve, Celina. Não pretendo arredar os pés daqui. Minha profissão como
médico ficou no passado.
 
Seus dedos finos deslizaram pela minha pele, e ela suspirou
baixinho.
 
— Está gostando de ficar aqui? Trabalhar no campo?
 
Sorri, um sorriso leve, aliviado.
 
— Sim. Eu amo tudo isso, meu amor… e você?
 
Ela levantou a cabeça para me encarar e seus lábios lindos se
curvaram.
 
— Não me vejo morando em outro lugar, a não ser aqui —
confessou, sorrindo. — Quero que nosso filho ou filha cresça aqui na
fazenda.
 
Assenti para ela e voltei a fitar o teto.
 
— Sei que o que vou dizer agora não fará nenhuma diferença para
você em relação a mim, mas quero que saiba, quero que conheça seu futuro
marido como é o seu direito.
 
— Certo — concordou e voltou a recostar a cabeça no meu peito, as
mãos deslizando em minha pele.
 
— Sou um homem muito rico, Celina. Possuo investimentos pelo
país, e muito dinheiro em contas bancárias. Eu era sócio de um hospital em
São Paulo, possuía apartamentos alugados na capital, além do meu próprio.
Mas eu me desfiz de tudo.
 
Relembrar tudo aquilo trazia lembranças tristes, mas era algo que
eu conseguia encarar como uma fase humana. Todos passariam pela perda
um dia.
 
— Gonçalo… eu… eu não sei o que dizer. Sinto muito pelo que
aconteceu, imagino que tenha deixado tudo para trás após a morte dela… da
Laura.
 
Puxei o ar com força e assenti.
 
— Sim. Mas isso não tem importância agora. Na verdade, estou
aliviado por saber que tudo foi resolvido. — Procurei sua pequena mão com
a minha e apertei. — Quero me dedicar à fazenda agora, e aos negócios da
família. Quero cuidar do nosso bebê, Celina. De você. Quero que saiba que
nunca faltará nada a vocês dois, muito menos o meu amor. E quando nos
casarmos, será um casamento com comunhão total de bens.
 
A garota se ergueu de onde estava, ficando sentada de lado.
 
Aquele olhar magnífico, rodeado de longos cílios negros me
encarou, preocupado.
 
— Eu… eu não quero o seu dinheiro — enfatizou.
 
Eu a puxei para mim e beijei o topo da sua cabeça.
 
— Não se preocupe com isso agora…
 
Eu a acalmei com beijos, sabia que Celina era orgulhosa, e não
queria discutir sobre o assunto naquele momento. Contudo, não havia mais
volta. Ela tinha meu bebê no ventre, carregaria o meu nome quando fosse
minha esposa.
 
O dinheiro era apenas uma consequência de tudo o que ela merecia
sendo a minha mulher.
CAPÍTULO 29

 
 
CELINA ABREU
 
 
Eu me despertei no dia seguinte sentindo o corpo revigorado como
há muito tempo não me sentia. Espreguicei-me naquela cama macia e
espaçosa, ainda buscando forças para conseguir abrir os olhos e me
levantar.
 
Estranhei o fato de o quarto estar tão silencioso e imaginei que
minha irmãs já tivessem saído para tomar café ou fazer alguma coisa fora
de casa. Rolei de um lado para o outro agarrada ao travesseiro e me aninhei
mais ao lençol quentinho e cheiroso.
 
Ouvi o barulho dos passarinhos pela janela, sorri para mim mesma.
Sentia-me tão bem e nem sequer recordava o motivo, com exceção de um
leve ardor entre as pernas. Abri os olhos lentamente e me deparei com o
breu do quarto. Estava tudo escuro.
 
Esfreguei os olhos para tentar me sintonizar, e foi então que a
realidade dos fatos bateu. Eu não estava em casa, muito menos no quarto
que dividia com minhas irmãs. Eu havia passado a noite nos braços do
Gonçalo em seus aposentos no casarão.
 
Com o coração quase saindo pela boca, eu saltei da cama em um
movimento rápido e corri até às cortinas que impediam qualquer luz de
adentrarem o quarto. Parei por alguns segundos e rezei baixinho, pedindo
aos céus para que ainda estivesse tudo escuro lá fora, contudo, ao abrir as
cortinas e a janela, me deparei com o sol já alto no céu e os peões
trabalhando incansavelmente com o gado.
 
Os trabalhos na fazenda estavam a todo vapor. Senti meu coração
parar algumas batidas quando compreendi que teria de descer as escadas e
muito provavelmente encontraria dona Lúcia na sala ou na cozinha com
Berenice.
 
Levei a mão a minha testa, quase chorando de desespero pelo que
eu teria de enfrentar.
 
Olhei à minha volta, não havia qualquer sinal de Gonçalo no quarto,
o homem havia desaparecido como fumaça e nem sequer me acordou. Eu
iria matá-lo assim que o visse. Aquele cretino de uma figa.
 
Desci o olhar pelo meu corpo, notando que ainda usava a camisa
dele. Recordei-me que havia deixado o vestido no banheiro, mas a calcinha
havia tomado chá de sumiço, não encontrei a peça em lugar algum.
 
Arranquei a camisa de Gonçalo do meu corpo e coloquei meu
vestido, tomando cuidado para retirar pequenos pedaços de feno que se
grudaram ao tecido. Quando terminei, penteei os cabelos bagunçados com
os dedos, deixando os fios o mais apresentável possível. Lavei o rosto e
enxaguei a boca como deu, em seguida arrumei a cama, exatamente como
eu fazia todos os dias.
 
Tomando coragem, puxei o ar com força para os pulmões e decidi
que precisaria descer. Torci internamente para que não houvesse ninguém à
vista, assim, se eu conseguisse passar despercebida, correria direto para
casa e nunca mais pisaria os pés ali outra vez.
 
Abri a porta do quarto de Gonçalo e espiei o corredor. Estava tudo
vazio e silencioso. Esperei alguns instantes, atenta a qualquer barulho de
passos. Nada! Eu saí devagar e encostei a porta com o máximo de cuidado
para não fazer ruídos.
 
Desci as escadas na ponta dos pés, a respiração ofegante pelo medo
de ser pega em flagrante tentando fugir sem ser notada. A sala de estar
também estava vazia, e não parecia haver ninguém no escritório, muito
menos na sala de jantar.
 
Um pouco mais tranquila, eu me aproximei da cozinha e esperei.
 
Nada, o único barulho audível ali dentro era o apito da panela de
pressão no fogo.
 
Imaginei que Berenice estivesse na horta colhendo verduras para o
almoço, e que dona Lúcia tivesse saído para o vilarejo ou até mesmo para
Corumbá. Provavelmente havia saído com Gonçalo ainda muito cedo e por
este motivo o homem não me acordou. Apenas isso explicava a ausência
das duas mulheres na casa.
 
Um pouco mais tranquila, determinei que sairia o mais rápido
possível.
 
De fato, a cozinha estava completamente vazia quando passei pelo
cômodo e segui diretamente para a porta dos fundos que dava acesso à
varanda. Ouvia o barulho dos peões labutando com o gado no curral, mas
isso não tinha importância. Nenhum deles imaginaria que eu havia passado
a noite ali.
 
Abri a porta dos fundos e saí o mais rápido que pude, voltando a
fechá-la às minhas costas.  Contudo, aquele foi exatamente o meu erro.
 
Três cabeças se viraram na minha direção, e eu congelei encostada
à porta, quando reconheci as feições inconfundíveis de Manoel. O homem
sorriu ao me ver e acenou brevemente com a cabeça. Voltei os olhos para
dona Lúcia e Berenice que também me olhavam com atenção.
 
Dona Lúcia abriu o mais radiante dos sorrisos e seu olhar foi
certeiro em meu ventre.
 
Eu senti que morreria ali naquele momento, sem ar ou de ataque
cardíaco. A única coisa que me impediu de desmaiar foi sentir os braços
firmes de dona Lúcia me envolvendo em um abraço apertado, carregado de
carinho.
 
— Meu Deus, minha filha. Como eu estou feliz.
 
Eu nem precisei perguntar o porquê ela estava tão feliz. Já estava
bem óbvio que Gonçalo havia espalhado a notícia para todos, inclusive para
o irmão que eu nem imaginava que se encontrava na fazenda.
 
Olhei para Berenice que também me encarou sorridente, e notei
quando a mulher secou uma lágrima que rolou pelo seu rosto.
 
— Eu… eu também — tentei responder, embora minha voz tenha
saído tão falha que não tive certeza se dona Lúcia havia compreendido.
 
A mulher se afastou brevemente e me analisou com cuidado, os
olhos brilhando de felicidade.
 
— Está se sentindo bem? Não tá tendo enjoos?
 
Demorei um pouco para compreender o que ela quis dizer, tão
nervosa eu estava. Balancei a cabeça em negativa, embora me sentisse um
pouco zonza.
 
— A senhora está assustando a Celina, mãe. Veja, ela está pálida.
 
Engoli a saliva que havia acumulado na boca e puxei o ar com mais
força. Eu me sentia apavorada, talvez pela mistura de tudo. No entanto,
inspirei fundo e busquei me acalmar. Não esperava encontrar dona Lúcia lá
fora, muito menos o irmão mais novo de Gonçalo.
 
Estava completamente tomada pela vergonha.
 
Berenice também se aproximou de onde eu estava e segurou uma de
minhas mãos. Um largo sorriso no rosto.
 
— Você está trêmula, minha filha. Respire fundo, não se
envergonhe. Está entre a sua família aqui.
 
Fechei e abri os olhos, respirei. Berenice tinha razão, não havia
motivos para eu ficar tão nervosa. Aqueles eram o irmão e a mãe do meu
futuro marido, avó e tio do bebê que eu carregava no ventre.
 
Dona Lúcia também me fitava emocionada, aguardando que eu
dissesse alguma coisa. Às suas costas, eu via os movimentos de Manoel.
Um pouco mais relaxada, eu curvei os lábios em um riso contido e levei a
mão ao ventre.
 
— Foi uma surpresa e tanto — falei, olhando para dona Lúcia.
 
A boa senhora sorriu de orelha a orelha, e as mãos trêmulas se
aproximaram da minha barriga.
 
— Posso? — perguntou com expectativa, ansiosa.
 
— Claro — respondi, mais confiante e voltei a sorrir, o medo dando
lugar a emoção de ter aquele momento único com dona Lúcia.
 
— Eu nunca vi Gonçalo tão feliz como hoje no café da manhã. —
Seus dedos tocaram minha barriga levemente e ela sorriu emocionada,
lágrimas enchendo seus olhos. — Obrigada querida… obrigada por resgatar
meu filho do abismo que ele estava vivendo.
 
Olhei para Berenice e a mulher acenou para mim, como se dissesse
em silêncio que compartilhava dos mesmos sentimentos que dona Lúcia.
Voltei a encarar minha futura sogra, a voz embargada.
 
— Eu amo o seu filho — admiti. Não havia motivos para negar o
que sentia. Em breve, em um futuro bem próximo, eu seria a mulher dele.
 
— Eu sei… — Seus dedos acariciaram meu rosto e dona Lúcia
sorriu outra vez.
 
— A propósito, onde ele está?
 
Quando a senhora se afastou para o lado e apontou na direção do
curral, foi que notei o reboliço dos peões com as cabeças de gado. Os
homens estavam vacinando os animais, e imaginei que seria aquele o
motivo pelo qual dona Lúcia, Berenice e Manoel estavam na varanda. Os
três haviam ido até ali para observar o manejo.
 
Identifiquei Gonçalo dentro de uma das divisórias do curral, em pé,
próximo a uma vaca que estava imobilizada no tronco de contenção. Ele
manipulou a pistola com precisão e inseriu a agulha no pescoço do animal
de maneira rápida.
 
A vaca foi libertada logo depois para o pasto, e uma outra foi
guiada por um dos peões até o tronco. Mais uma vez Gonçalo repetiu o
processo de imunização.
 
— Eu vou até ele — informei a dona Lúcia e ela assentiu-me, ainda
sorridente.
 
Caminhei a passos rápidos na direção do curral e me aproximei da
construção de madeira que havia sido pintada recentemente. Jorge logo
notou a minha presença e veio até mim, com seu costumeiro sorriso
enviesado.
 
— Olá! — cumprimentou e escorou um dos pés entre as toras de
madeira que formavam a estrutura.
 
— Olá… — Também sorri levemente, mas não lhe dei muita
atenção.
 
Não conseguia parar de admirar o pai do meu bebê enquanto ele
colocava a mão na massa e trabalhava duro, cuidando pessoalmente dos
negócios da fazenda ao lado dos seus peões.
Gonçalo estava mais másculo do que nunca, usando uma calça
jeans desbotada e uma camisa de mangas compridas com detalhes xadrez.
 
As botas de trabalho eram o toque final na produção de fazendeiro
responsável.
 
— Pelo visto, eu fiquei para escanteio, não é? — A voz dramática
de Jorge me despertou do meu transe momentâneo e eu me voltei para ele.
 
Seu olhar também estava fixo em Gonçalo.
 
Jorge voltou a me encarar e fitou o chão. Um riso contido tomando
conta do seu semblante.
 
Também sorri, o rubor me tomando dos pés à cabeça.
 
— Sim. Eu acho que sim — respondi um pouco sem jeito, mas
Jorge balançou a cabeça em concordância e voltou a me encarar.
 
— Desejo que seja feliz, Celina. Muito feliz. — Notei um pouco de
tristeza nas íris escuras, mas logo ele tratou de sorrir.  — O patrão está
vindo… — informou e indicou na direção em que Gonçalo estava
trabalhando com um aceno de cabeça. — Se cuide.
 
E então ele se foi. Virou-me as costas e retornou ao seu trabalho. Eu
me virei na direção de Gonçalo e notei que ele se aproximava com um
sorriso no rosto. Saltou algumas divisões do curral e por fim conseguiu me
alcançar do lado de fora da construção.
 
Seu rosto e pescoço pingavam suor quando se aproximou, a roupa
estava empoeirada, a pele vermelha devido ao sol. Ainda assim, era o
homem mais bonito e mais atraente que eu já tinha visto em toda a minha
vida.
 
— Oii… — ele disse enquanto levava a mão à minha cintura. —
Dormiu bem, amor?
 
Os lábios rudes tocaram os meus levemente em uma carícia suave,
sem se importar que estávamos sendo alvo dos olhares de todos os
funcionários daquela fazenda.
 
— Sim… — respondi um pouco anuviada pela sua proximidade. —
Mas eu quero matar você, Gonçalo Ribeiro. Quase desmaiei quando
encontrei sua mãe e Manoel na varanda sem aviso prévio.
 
Gonçalo sorriu, um sorriso tão contagiante e feliz que fez meu
coração vibrar.
 
E então ele voltou a encostar a boca na minha, dessa vez a língua
exigente pedindo passagem. E eu não pensei duas vezes antes de passar as
mãos pelo seu pescoço e corresponder ao beijo marcante e apaixonado que
ele me proporcionava.  
 
 

4 MESES DEPOIS
 
CELINA
 
Olhei minha fisionomia no espelho mais um milhão de vezes para
ter certeza de que estava tudo ok com o vestido de noiva que eu usava.
Abanei os olhos para impedir que as lágrimas não derramadas manchasse a
maquiagem e puxei o ar com força para os pulmões.
 
Os hormônios da gravidez estavam me deixando à beira de um
colapso nervoso.
 
Havia momentos em que eu sorria como uma boba ou chorava por
nenhum motivo aparente. E havia momentos como aquele, que eu não
conseguia controlar a emoção que sentia em saber que em poucos instantes
estaria ligada a um homem para sempre pelos laços do matrimônio.
 
Senti a bebê mexer em meu ventre e um largo sorriso me tomou,
junto a mais lágrimas de felicidade. Coloquei a mão sobre a barriga, agora
já avantajada e fechei os olhos, relembrando cada momento.
 
Com dezesseis semanas de gestação, descobrimos que teríamos
uma linda menininha. Não foi difícil escolher o nome da nossa pequena
preciosa. Gonçalo sugeriu que ela se chamasse Helena, e eu amei logo de
cara. Era o nome perfeito para uma bebê tão querida e esperada por todos,
pois era forte, elegante e, ao mesmo tempo, delicado.
 
Uma semana depois, eu aceitei o pedido de casamento de Gonçalo.
Contudo, continuamos morando em casas separadas até então, ele no
casarão e eu com meus pais. Agora, enquanto aguardava o momento para
subir ao altar, sentia meus nervos aflorados, a respiração arfante. Até
mesmo Helena parecia mais agitada do que o normal em meu ventre, dando
chutinhos tumultuados um atrás do outro.
 
— Calma, pequena. — Acariciei minha barriga levemente e sorri
quando ela voltou a chutar. — Logo seremos nós três juntos, filha. Eu, você
e o papai.
 
Fiquei de lado, em frente ao espelho, e admirei o quanto minha
barriga havia crescido durante os últimos meses. Gonçalo havia expressado
seu desejo para que eu não escondesse a barriga no dia do nosso casamento,
e eu havia cumprido sua vontade com orgulho. 
 
Usava um vestido que seguia justo no corpo, e as saias se abriam
apenas um pouco da cintura para baixo, deixando em evidência a minha
barriga de cinco meses de gestação. Na parte de cima, os detalhes eram
trabalhados em tule e bordado artesanal que dava um toque único e especial
à peça. Mangas finíssimas de tule cobriam os meus braços até o cotovelo.
 
Minutos depois, ouvi batidas na porta e autorizei a entrada. Meu pai
colocou a cabeça para dentro do cômodo e sorriu ao me ver ali vestida de
noiva.
 
— Está maravilhosa, minha filha. Exatamente como um dia eu
sonhei que te veria.
 
Deu alguns passos para o interior do quarto e segurou minhas mãos
trêmulas com as suas.
 
— Está pronta? — perguntou. Emoção transformando seu
semblante.
 
— Sim, pai. Eu estou pronta.
 
Voltei a abanar os olhos, tentando ao máximo me segurar ao menos
até o fim da cerimônia.
 
— Então vamos, não quero que se atrase num dia tão importante.
 
Sorri, recordando-me que o charme principal de um casamento era
exatamente o atraso da noiva. No entanto, eu poderia dizer que naquele
momento concordava com o meu pai. Não queria me atrasar, estava nervosa
demais para adiar aquele momento por mais tempo que o necessário. De
braços dados, meu pai me guiou para fora do casarão e me levou até o local
que aconteceria a cerimônia.
 
Todos os nossos amigos, parentes e vizinhos estavam presentes. O
jardim estava mais encantador do que nunca, todo decorado com laços de
tecido branco. Inspirei fundo sentindo a emoção me tomar quando a marcha
nupcial começou, e meus pés tocaram o tapete verde musgo que me levaria
para os braços de Gonçalo.
 
Olhei para a frente e meu coração falhou uma batida quando me
deparei com o olhar marcante do meu noivo na minha direção. Seus olhos
brilhantes varreram o meu corpo, se deparando um pouco mais no ventre
em evidência.
 
Sorriu todo bobo e voltou a me fitar. Em seu rosto, havia uma
promessa silenciosa da vida que teríamos pela frente, da história que
construiríamos juntos. Em seu olhar, eu vislumbrei o amor que ele sentia
por mim e nossa filha, e não tive mais dúvidas de que ser dele era o que eu
queria até o fim. Para sempre.
CAPÍTULO 30

 
 
CELINA ABREU
 
 
— Venha aqui, menina — Gonçalo disse, ao se abaixar para me
pegar no colo. Ele me levantou como se fosse uma pluma e envolvi seu
pescoço com as mãos, sentindo a maciez de seus fios atrás da nuca. Eu me
deixei ficar junto de seu corpo forte, aspirando seu cheiro viril que me
fascinava.
Ele estava tão lindo de terno. Era mágica a sensação de saber que eu
agora era esposa daquele homem.
— Então quer dizer que meu marido é um homem de tradições, do
tipo que carrega a noiva no colo na noite de núpcias? — provoquei,
sorrindo, maravilhada com aquele gesto de romantismo.
Um lento sorriso se curvou nos lábios de Gonçalo e seus olhos se
tornaram mais escuros e densos.
— Gosto da sensação de carregar minha mulher para que ela sinta
que é minha, só minha... — sussurrou entre meus lábios, aproximando-se de
meu rosto e encostando a boca na minha.
Meu corpo e meu coração se agitavam. Éramos agora marido e
mulher.
Gonçalo me firmou em seus braços e atravessou a porta do quarto
que agora era nosso, dando um jeito de fechá-la com os pés. Deixei-me
levar por aquela névoa sensual e romântica que nos tomava, adorando a
sensação de estar sob o seu domínio.
Gonçalo me depositou na cama com delicadeza, e ficamos de
joelhos em cima do colchão, olhando-nos intensamente, com nossas
respirações entrecortadas sob as luzes dos abajures que tremeluziam no
quarto.
Os olhos escurecidos de desejo deslizaram do meu rosto para meu
corpo, seu olhar pousando no meu busto que subia e descia com a
expectativa de ser tomada por ele. Seria a primeira vez sendo sua esposa.
Não sabia por que era diferente, mas era. A emoção do compromisso e o
desejo de eterno nos rodeava.
Sentia que estava derretendo com o modo intenso e possessivo com
que ele me fitava.
Gonçalo levou sua mão grande e quente até meu o rosto, ainda com
seu olhar penetrante sobre mim. Seus dedos deslizaram com suavidade pela
linha do meu maxilar.
— Você é a coisa mais linda que já vi em minha vida, Celina... nada
é mais lindo que você vestida de noiva.
Uma emoção intensa cintilava em seus olhos.
Gonçalo então tocou com possessividade minha barriga, o que me
fez fechar os olhos por um instante, deleitando-me com a sensação.
— Nada é mais perfeito que a minha mulher vestida de noiva e
carregando o meu bebê...   Agora você é minha, querida, minha para sempre
— disse com a voz rouca. Sua respiração quente e entrecortada brincava
com a minha pele, fazendo-a arder.
Sentia-me em chamas, cheia de um desejo intenso que me tomava
por inteiro.
Quando tornei a olhá-lo, tudo o que conseguia fazer era pedir em
silêncio para que me fizesse sua.
— Por favor, Gonçalo, me beije…— pedi, arfante.
Gemi torturada quando senti seus braços me tomando com todo o
vigor da posse masculina. Entrelacei meus braços em seu pescoço, sentindo
Gonçalo pressionar seu corpo no meu.
Os lábios possessivos colaram-se aos meus como um pedido
urgente. Gonçalo forçou minha boca a se abrir, e me deliciei com sua língua
acariciando a minha em um ir e vir ardente. A palma quente de sua mão foi
deslizando devagar por minhas costas, arrepiando-me, e senti que ele abria
com perícia os botões de meu vestido de noiva.
Estremeci em seus lábios quando senti o contorno quente e rijo de
sua ereção, roçando em meu ventre. Eu me deixei levar pela sensação
deliciosa do seu toque poderoso e de sua boca cobrindo a minha, enquanto
movia meus dedos nervosamente, fazendo-o tirar seu paletó.
— Quero te ver toda nua, amor... Toda aberta para mim... —
murmurou em meus lábios.
— Preciso de você, Gonçalo... quero você... — sussurrei, rendida.
Lentamente fomos tirando nossas roupas, na ânsia de ficarmos pele
com pele, cada vez mais próximos. Saboreei a sensação dos ombros largos
em minhas mãos, as costas fortes, seu cheiro másculo delicioso e seus
gemidos guturais enquanto o acariciava.
Quando senti o ar frio da noite roçar em minha pele nua, abracei-o
com força. Minha respiração estava acelerada, meu ventre quente. De
repente as mãos de Gonçalo se enrolaram em meus cabelos sensualmente,
num puxão firme que me fez encará-lo, cheia de fome e desejo.
O olhar escuro procurou o meu, enquanto sua mão livre apertou
minhas nádegas com força.
— Vou meter em você bem gostoso, amor...  Quero te dar tudo o
que você quiser — falou com a voz baixa e grave, ao mesmo tempo em que
seu olhar se arrastava, insinuante, por meu corpo.
— Quero tudo o que você quiser me dar... — balbuciei num
gemido, descendo meu olhar para seu pau rijo e vermelho.
Ele estava muito excitado, a respiração arfante.
Fiquei tonta de desejo com a visão tão crua, sentindo a umidade e o
calor aumentarem entre minhas pernas. Ainda segurando meus cabelos,
meu marido curvou seu rosto para alcançar o lugar onde pulsava meu
pescoço. Lambeu e mordeu, me fazendo gritar.
Sua barba passou a roçar a pele sensível de meu colo e Gonçalo me
levou para si, para sua rigidez pulsante. Deitou-me na cama, seu corpo
caindo sobre o meu, me prendendo em uma deliciosa prisão.
Olhou-me com aqueles olhos lindos, intensos e emitiu um grunhido
suave do fundo de sua garganta antes de voltar a me beijar, enlouquecido.
Seus lábios se arrastaram para meus seios e começou a beijar e a
chupar os bicos.  Arqueei meu corpo para ele, me ofereci descaradamente.
Suas mãos percorreram sinuosamente por minha pele, enquanto a língua
dura rodeava meus mamilos sensíveis, sugando, lambendo, me fazendo
arfar.
Ofegante, agarrei seus cabelos com força, puxando-os, estimulando
meu marido a continuar a sucção deliciosa que estava me deixando
completamente melada. Gonçalo usou suas coxas musculosas para abrir as
minhas, e pesou entre minhas pernas, o que me fez choramingar.
Com as mãos firmes, ele trouxe meu quadril para junto do seu.
Ficamos por alguns instantes saboreando o prazer do encaixe
perfeito, seus olhos nos meus, sua boca na minha, seu peso me fazendo
sentir que eu pertencia a ele. Todo o seu corpo estava colado em mim. Seu
membro grosso e pulsante repousava em minha barriga.
Gonçalo se posicionou um pouco de lado e passou a tocar a palma
da mão em meu ventre com uma carícia suave. Helena mexeu sob seu toque
e meu marido sorriu, maravilhado com a sensação.
Seus dedos foram deslizando devagar em minha pele, desceram um
pouco até se deparar com minha virilha. E então ele tocou o nervo sensível
que pulsava entre as minhas pernas. Rodeou meu clitóris com a ponta do
dedo e eu mordi os lábios com certa força.
Fechei os olhos completamente trêmula. Gemi, arfei e cravei
minhas unhas nos lençóis da cama. O dedo experiente apertou o minúsculo
pedaço de carne, esfregando-o e me fazendo ver estrelas.
— Estou louco pra me enterrar dentro de você, menina... —
murmurou em um gemido rouco e continuou a me torturar.
Então senti seu dedo longo entrar suavemente em meu interior.
Mordi meus lábios, ansiosa para senti-lo dentro de mim, possuindo-me por
completo.
Num gesto desesperado, agarrei sua grossa ereção e senti seu pênis
muito quente e pulsante em minha mão.
— Assim vai me deixar louco, Celina... — Gonçalo grunhiu de
olhos fechados, enquanto eu o masturbava lentamente.
— Quero você dentro de mim, amor... — pedi, a voz agoniada pelo
tesão.
Percebi que Gonçalo estava no seu limite. Sua mandíbula estava
cada vez mais trancada, sua respiração pesada, seu pênis muito quente e
duro em minha mão, latejando.
Gonçalo se moveu e eu não tive escolha a não ser soltar aquele
pedaço de carne.  Em um rápido movimento, voltou a me cobrir e se
posicionou, abrindo bem minhas pernas. Grunhiu roucamente mais uma vez
quando montou em mim e eu agarrei minhas coxas para mantê-las abertas.
Seu olhar estava muito estreitado agora.
E então segurou a cabeça do membro rijo e deslizou a glande para
cima e para baixo na minha entrada melada, o que me fez choramingar,
deliciada. Observei, tonta de tesão, como seu maxilar se trincava enquanto
ele melava seu membro na minha vagina, brincando com os grandes e
pequenos lábios, friccionando a cabeça lambuzada no meu clitóris que
pulsava.
Era delicioso. E eu queria mais.
— Por favor... — pedi, choramingando.
Precisava sentir seu pênis em meu interior.
Sem esperar mais um segundo, Gonçalo introduziu devagar sua
ereção poderosa dentro de mim. Abri mais as pernas, sentindo a deliciosa e
quente invasão. Arquejando, abandonei minhas coxas e enchi minhas mãos
com os fios de seus cabelos. Seu pênis entrava escorregadio, preenchendo-
me completamente e me fazendo arquear o corpo cada vez mais para
recebê-lo todo.
—  Ah, Gonçalo... — gritei, mordiscando o lábio, sentindo-o
começar a se mover em meu interior, para dentro e para fora, torturando-me
de prazer com os movimentos firmes.
Aprisionei-o com minhas pernas, entrelaçando seus quadris,
enquanto Gonçalo intensificava as investidas, ritmicamente, o pau muito
duro e latejante dentro de mim. Suspirava junto de Gonçalo, nossas
respirações pesadas, nossos corpos suados. Mexia-me com ele, facilitando a
penetração, desejando que ele me tomasse cada vez com mais força.
Observava sua testa franzida, a boca levemente entreaberta, sua
respiração ofegante, até que ele passou a me beijar, enroscando a língua
com a minha, fazendo-me pegar fogo.
Eu estava ardendo por inteiro, muito molhada, muito quente.
Seus movimentos se tornaram mais fortes, seus gemidos mais
dolorosos, mais profundos, junto aos meus. Sentia todo meu corpo vibrar,
todo meu sexo flamejar.
Sem conseguir mais suportar, senti a primeira fisgada do orgasmo
que se aproximava, e meu sexo se contraiu ao redor do seu eixo, prendendo
o pau de Gonçalo em meu interior. Quase gritei quando senti o gozo intenso
me atravessando, fazendo meu clitóris pulsar várias vezes, palpitando com
o prazer delirante.
— Celina... eu... eu não vou mais suportar — Gonçalo murmurou
fora de si.
Observei-o jogar a cabeça para trás, o rosto contorcido pelo prazer.
Ele estava tremendo. O orgasmo estava fazendo com que ele perdesse o
controle.
Seu sexo começou a pulsar loucamente com o meu, enquanto ele se
derramava dentro de mim. Eu também parecia estar totalmente sem
controle, totalmente à sua mercê. Totalmente sua, em seus braços.
Eu tinha certeza de que era ali onde eu queria ficar para sempre:
com ele.
Gonçalo me beijou, parecendo tão enlouquecido de paixão quanto
eu, ao mesmo tempo em que nossas respirações se acalmavam. Depois nos
abraçamos, deixando nossos corpos relaxarem, unidos.
Tinha sido intenso, maravilhoso. Um prazer sem igual.
Depois, descansei em seu peitoral largo, sentindo-me
completamente amada, protegida, feliz, sentindo sua mão acariciar meu
ventre com ternura.
— Amo você, menina. Amo demais — ele disse, após depositar um
beijo em minha testa.
Ergui meu olhar para ele, e o vi com um sorriso largo, muito doce.
Levantei minha mão e acariciei sua barba.
— Também amo você, Gonçalo. Amo muito... — disse, antes de
grudar meus lábios nos dele.
 
 
 
EPÍLOGO

 
 
MESES DEPOIS
 
GONÇALO
 
 
Terminava de resolver algumas questões pendentes no escritório,
quando ouvi os barulhinhos irritados de Helena no carrinho, acabando de
acordar.
 
A bebê havia dormido em meus braços dez minutos antes, e por
isso pedi a Celina para colocar nossa filha no carrinho e deixá-la comigo no
escrito enquanto ela se ocupava na cozinha com minha mãe, Berenice e
Vera.
 
Eu me levantei da cadeira para pegá-la do carrinho e sorri todo
bobo quando vi a garotinha espernear as perninhas, fazendo carinha de
choro. Ao notar minha presença, esticou os bracinhos para que eu a pegasse
e os gritinhos se transformaram em uma lamúria de bebê, ansiosa.
 
— Oi, papai… — Peguei aquele pedacinho de gente com o maior
cuidado do mundo, e Helena parou de reclamar instantaneamente quando eu
firmei a bebê no meu ombro.
 
Ela parecia uma bonequinha de tão linda, vestida com um
vestidinho rosa florido, uma minúscula chuchinha prendendo os fios de
cabelo escuro no topo da cabeça, e um par de meias decoradas com renda,
também rosa.
 
Andei com ela até a janela, coloquei um braço atrás de suas costas e
a segurei com o outro, de forma que ela ficasse na vertical para observar
melhor as coisas. Mostrei à Helena os cavalos no pasto verde, e seus
olhinhos ficaram vidrados nos animais pastando. Fez barulhinhos com a
boca e abanou os bracinhos, toda alegre.
 
Aos cinco meses de idade, minha bebê era forte e saudável, tão
gordinha e fofa quanto uma bolinha. As bochechas eram gorduchas, o
corpinho cheio de dobrinhas. Era a mascote da fazenda, paparicada até
pelos peões quando eles a viam. E era também o clone mirim da minha
mulher.
 
A garotinha não havia herdado quase nada da minha fisionomia,
talvez as unhas dos pés.
 
Sua pele era semelhante a de Celina, os cabelos lisos e cheios, os
olhos com o mesmo tom dourado brilhante. Eu definitivamente era o
homem mais ferrado da face da Terra e o mais feliz também.
 
— Viu, filha, o cavalo? Logo, logo você terá o seu. O que acha?
 
Sorri abertamente quando Helena deu pulinhos nos meus braços e
me respondeu com sua linguagem típica de bebê.
 
— Será uma amazona e tanto, como a sua mãe, não é?
 
Ficamos ali por mais alguns instantes, Helena toda alegre vendo os
cavalos e eu admirando a bela vista que era aquela fazenda e os animais. Eu
amava tudo ali, cada pedacinho daquelas terras. Era relaxante demais
acordar pela manhã ao lado de Celina, me levantar e caminhar até a janela
para observar o pasto verde, as árvores espalhadas em todos os lugares.
 
O barulho dos pássaros cantando pela manhã era um espetáculo à
parte. E quando eu descia, o cheiro de café recém-passado despertava todos
os meus sentidos.
 
Enchi os pulmões com o ar puro e decidi sair dali para ir até a
cozinha em busca de um petisco e roubar um beijo da minha mulher.
Helena começou a reclamar nos meus braços enquanto andava com ela,
então precisei mudar o percurso quando notei que sua fralda estava cheia de
xixi.
 
Subi as escadas e segui até o quarto da bebê que ficava ao lado do
meu e de Celina. Troquei sua fralda rapidamente, já havia pegado o jeito, e
retornei para o andar de baixo. Encontrei minha garota arrumando a mesa
para o almoço de domingo. Ela cantarolava baixinho enquanto colocava os
pratos e os talheres sobre a mesa.
 
Sorriu enquanto eu me aproximava com nossa filha nos braços, mas
continuou o que estava fazendo. Eu firmei Helena em meu peito, e deslizei
a mão livre pela cintura de Celina, trazendo a para mim
 
— Gonçalo… — ela protestou, sorridente, mas eu não lhe dei
ouvidos.
 
Inclinei o corpo para deixar um beijo gostoso em seu pescoço e
minha mão deslizou até o traseiro delicioso que estava coberto por uma
calça jeans, enchi minha mão com sua carne macia.
 
— Gonçalo… para com isso… — Celina sorriu outra vez, tentando
me empurrar, mas por fim desistiu.
 
— Não sei por que você ainda tenta fugir de mim — eu brinquei
com ela e me afastei um pouco para ajustar a posição da bebê.
 
Helena começou a se agitar outra vez, choramingando, nervosa e
estendeu os bracinhos na direção da mãe. Celina pegou a menina no colo e
a estreitou com cuidado, apertando o corpinho gorducho contra si.
 
Eu não sabia se algum dia iria me acostumar com aquela cena.
Sentia o coração aflorado sempre que Celina segurava nossa filha nos
braços, dava banho e colocava a bebê para mamar. A interação das duas
fazia meu peito inchar de orgulho, de uma maneira tão intensa que era
impossível não sorrir e inspirar fundo. 
 
— Está com fome, mamãe? — Os olhinhos da bebê brilharam,
sendo paparicada pela mãe.
 
Helena respondeu com gritinhos nervosos que arrancaram sorrisos
de mim e de sua mãe.
 
Eu puxei uma cadeira para que Celina pudesse se sentar e a ajudei a
libertar o seio da blusa com decote em V. O peito cheio de leite saltou para
fora e eu também me sentei para observar aquele momento incrível.
 
Helena começou a mamar toda gulosa, colocando a mãozinha sobre
o seio de Celina. Minha mulher levantou o olhar para me encarar, com o
riso de orelha a orelha.
 
— Não sei quem essa menina puxou com toda essa fome — ela
brincou.
 
Arqueei uma das sobrancelhas, contestando Celina em silêncio.
 
Seu sorriso se ampliou e as bochechas coraram, deixando a garota
ainda mais bonita, se é que isso fosse possível.
 
— Você é a pessoa mais gulosa que eu conheço, Celina —
comentei, com segundas intenções. — Adora tomar leitinho diretamente da
fonte — provoquei e pisquei para ela.
 
— Gonçalo… — ela me censurou e olhou em volta para ter certeza
de que estávamos sozinhos.
 
O sorriso travesso que ela deu na minha direção me fez vibrar por
dentro. Eu tive vontade de devorar aquela boca que tanto me enlouquecia,
mas me controlei. Mais tarde, Celina me pagaria por todas aquelas
provocações com juros e correções.
 
Quando a bebê estava satisfeita, eu a peguei de volta e Celina
retornou ao que estava fazendo. O almoço aconteceu de forma pacífica em
meio a conversas e risos. Toda a família estava presente, com exceção de
Manoel, que precisou retornar ao trabalho.
 
Mais tarde naquele dia, Joaquim, Vera e minhas cunhadas se
despediram e retornaram para a casa que haviam reformado no vilarejo.
Berenice também foi para sua residência junto ao marido e aos filhos.
 
Ficamos apenas eu, Celina, minha mãe e nossa filha.
 
Sentamo-nos na sala de estar e a minha mulher colocou a bebê para
mamar enquanto eu e a minha mãe observávamos as duas. Helena acabou
dormindo, mas quando Celina fez menção de subir para colocar a menina
do berço, eu a parei no meio do caminho e pedi para que minha mãe
cuidasse de nossa filha por alguns instantes.
 
— Quero te mostrar uma coisa, Celina… — eu disse assim que ela
me acompanhou pela porta dos fundos.
 
Seu olhar foi direto para o meio das minhas pernas, provocativo. 
 
— O que você quer me mostrar? — Celina mordiscou o lábio
inferior, e eu sorri, já começando a ficar excitado com as insinuações dela,
no entanto, me controlei.
 
— Não é o que você está pensando, menina. Mas posso te mostrar o
que você quer depois, se é o que tanto deseja.
 
— Eu adoraria — respondeu, sorridente e correu na minha frente
toda arteira.
 
Senti a rigidez se formando dentro da calça e apressei o passo para
acompanhar minha mulher que rebolava na minha frente, me levando ao
limite com suas provocações descaradas.
 
Havia pedido a um dos funcionários para selar a égua branca que
Celina gostava de montar e o garanhão negro que adestrei e coloquei o
nome de Trovão. Ao ver que eu seguia na direção dos cavalos, que estavam
amarrados debaixo de um jatobá, Celina arqueou as sobrancelhas, mas não
contestou.
 
— Para onde vamos? — perguntou, curiosa.
 
— Logo você saberá… — respondi com um sorriso.
 
Em silêncio, montamos os cavalos e eu segui na frente, guiando o
animal para o pasto aberto.
 
Cavalgamos em um trote rápido por alguns minutos, até que parei
em uma clareira plana rodeada de árvores grandes. O espaço era amplo, não
muito longe do casarão. Ali perto, passava uma das curvas do rio que
alimentava as terras da fazenda.
 
Celina me fitou confusa e olhou em volta.
 
— O que acha desse lugar? — perguntei, ao me aproximar da égua
que ela guiava.
 
Segurei a rédea do animal com força e aproximei os cavalos o
máximo que consegui.
 
— É muito bonito, é aberto e verde, bem perto do rio. Mas por que
exatamente estamos aqui?
 
Eu sorri para ela e olhei em volta, o coração dando batidas
frenéticas no peito ao imaginar que ficaria ali a nossa casa.
 
— Vamos construir aqui, amor. Uma casa enorme só para nós três,
no meio do pasto rodeado de árvores, próximo às águas do rio.
 
Celina colocou a mão sobre a boca, nitidamente emocionada e
olhou ao seu redor, provavelmente imaginando como seria passar a viver
ali, em uma casa aconchegante construída à nossa maneira, com varandas
amplas e muitas cadeiras de balanço.
 
— Meu Deus. Vai ser perfeito. — Sua voz embargou, e ela secou
uma lágrima que escorreu pela bochecha.
 
Contudo, o sorriso que ela deu na minha direção roubou todo o meu
ar.
 
— Eu amei muito, Gonçalo — confessou em meio a emoção. —
Obrigada amor…
 
Toquei seu rosto de leve, almejando aquela boca macia sobre a
minha. Meu corpo aqueceu querendo Celina, querendo estar dentro dela,
sentindo toda a força da paixão que nos consumia.
 
— Venha. Vamos para o rio. Agora eu vou te mostrar aquela outra
coisinha.
 
Ela assentiu, sorridente, os lábios deliciosos sendo castigados pelos
dentes. Meu pau inchou mais um pouco e eu coloquei o cavalo em
disparada, ansiando em acabar com aquele tormento.  Parei a poucos metros
da margem do rio e Celina chegou logo atrás de mim.
 
Desci do cavalo e amarrei as rédeas de Trovão e da égua que Celina
montava em uma das árvores que rodeavam o leito. As águas corriam
calmas naquele trecho em específico, tão cristalinas quanto a luz do dia.
 
Segurei a mão da minha mulher e caminhei com ela até a margem.
 
Eu a observei com atenção quando Celina começou a tirar as
roupas, o olhar provocante preso ao meu. Gemi rouco a cada peça de tecido
que ela atirava sobre o tronco das árvores.
 
Quando estava completamente nua, o corpo lindo banhado pela luz
do sol da tarde, eu desci o olhar pelos seios pesados, cheios de leite e senti
meus dedos tremerem com vontade de tocar os dois, amassar aquela carne
deliciosa e tenra entre minhas mãos.
 
Continuei explorando seu corpo com os olhos. Celina havia
ganhado um pouco de peso após a gravidez, estava mais madura, as curvas
acentuadas. Meu pau doía, estava difícil respirar, mas não conseguia parar
de admirar aquela mulher que tanto me enlouquecia.
 
Desci o olhar para o interior de suas pernas, me deparando com o
triângulo da sua boceta.
 
Minha boca salivou com vontade de deslizar a língua naquela
discreta fenda formada pelos grandes lábios, até finalmente escancarar as
coxas de Celina e poder me deleitar com a abertura melada e o clitóris
inchado. 
 
Em poucos segundos, eu me livrei de tudo que usava.
 
Caminhei até Celina com o membro totalmente duro, e segurei sua
mão, andei com ela para dentro das águas frias do rio. Eu a abracei assim
que nossos corpos ficaram submersos na água até o tórax.
 
Trouxe a minha mulher para mim, busquei sua boca com a minha.
 
— Eu não me canso de admirar você… — murmurei em seus
lábios, ardendo de desejo. — Não consigo parar de pensar que vou colocar
você deitada em cima da minha camisa, que abrirei suas coxas e te deixarei
toda aberta para mim, e que depois irei enfiar meu pau todo nessa sua
boceta deliciosa.
 
Celina arfou em meus lábios, deslizou a mão em minha barriga e
segurou meu membro com força, fazendo movimentos de vai e vem. Os
dedos pequenos não se fechavam em volta da minha circunferência.
 
— Não vejo a hora de você cumprir essa promessa.
 
Eu a beijei outra vez e Celina se agarrou a mim como se eu fosse o
porto seguro que a manteria sempre erguida e a impediria de cair. Nossos
corações se aceleraram pela proximidade tão crua dos nossos corpos
colados, nossas respirações se descompassaram.
 
Tranquei os olhos com força e encostei a testa na dela, seu toque se
tornou sutil e suas mãos escorregaram para as minhas costas, meus ombros.
 
E ali, naquele rio de águas transparentes, nós selamos a promessa
que fizemos um ao outro no dia do nosso casamento. Eu era dela, e Celina
era minha. Nossos destinos haviam se entrelaçado no dia em que retornei
para estas terras, não havia escapatória. Nosso sangue estaria para sempre
correndo nas veias da nossa filha e nas próximas gerações que viessem.
 
Estaríamos sempre vivos no amor um do outro.

 
Fim
Agradecimentos

 
 
Agradeço ao bom Deus pela dádiva de poder colocar meus pensamentos nas
páginas de um livro.
 
Agradeço a cada um de vocês que contribuiu e torceu para que este
lançamento acontecesse, sou tão grata que não tenho palavras.
 
Meu muito obrigada à Christine King que está sempre ao meu lado, me
incentivando, dando ideias. Obrigada às minhas betas maravilhosas Raquel
Tavares e Brena Camargo, à minha diagramadora Mônica, à minha revisora
Isadora, minhas assessoras Grazi e Carlinha.
 
Obrigada meu querido esposo por aturar meus surtos e à minha pequena
filha, que embora seja tão pequena, compreende o trabalho da sua mamãe.
 
Obrigada leitores, amigos, parceiros. Amo todos vocês.
 
 
 
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SINOPSE
 
 
Obcecado por vingança.
Essa é a frase que melhor define Dener Daniel Kraven. Ele
foi forjado pela dor de seu passado e tem no tempo o seu melhor
amigo.
Daniel sente que já não tem alma. Sua vida foi destruída
duas vezes a sangue frio e ele planeja revidar, pacientemente, a
morte da mulher que amava, assassinada pelo chefe de uma grande
máfia de Nova York.
Ele tem sede de sangue e poder, escolhendo como
instrumento da sua vingança a frágil herdeira da máfia Laccount,
Lexie, obrigando-a a um casamento por contrato.
Para Lexie, o terror que já era sua vida iria piorar ainda mais
ao ter de se casar forçada com Dener. Ela prefere a morte a entregar
seu corpo àquele homem cruel, embora seus olhos tempestuosos e
jeito quente como o inferno a façam arder toda vez que se cruzam.
Num jogo arriscado e perigoso, em que a obsessão e o
desejo andam lado a lado, será o amor selado por um contrato de
vingança?

 
PRÓLOGO

 
Doze anos antes
 
DENER
 
Caminhava a passos rápidos pela rua escura do Brooklyn,
camuflando-me em meio às sombras das casas e prédios antigos daquela
parte do distrito. Uma névoa fina cobria o lugar, dificultando a minha
visão em uma longa distância. Um vento frio soprava suavemente,
fazendo-me encolher os ombros e me agasalhar dentro do moletom
escuro.
Ajeitei o capuz em minha cabeça e apressei os passos, ouvindo o
barulho de cacos de vidro se quebrando debaixo dos meus pés. Entrei em
um beco pacato, com poucas luzes, distante o suficiente do centro de
Nova York. Adrienne havia escolhido aquele lugar justamente por isso:
era o local perfeito para os nossos encontros às escondidas, longe dos
olhares suspeitos e curiosos e, principalmente, longe dos olhos de Hector,
chefe de uma das maiores máfias de Nova York, o homem que ela
odiava, mas que fora obrigada a se casar.
Eu tinha consciência do quanto era perigoso encontrá-la.
Envolver-me com a mulher de um poderoso mafioso era o mesmo que
assinar a minha sentença de morte. Porém, não conseguia me manter
longe. Adrienne, apesar dos anos a mais que eu, era dona de uma beleza
extraordinária, única. Eu a amava ferozmente e a mínima possibilidade
de perdê-la fazia meu peito sangrar. Aquilo doía como o inferno.
Eu não tinha mais nada a perder. Minha família estava morta, a
máfia Ivanov fora desmembrada. Minha vida era o caos. Sem
perspectivas, restara apenas o meu amor por Adrienne, e para ficar com
ela, eu estava disposto a correr todos os riscos.
Respirei fundo e parei em frente ao hall de entrada do prédio
antigo com azulejos marrons decorando a fachada. Enfiei as mãos no
bolso da calça jeans, apertando a chave do apartamento alugado e entrei.
Segui rumo às escadas de madeira que começaram a ranger com o peso
do meu corpo a cada passada.
Era um prédio frio, mal iluminado e pouco movimentado. Os
poucos moradores não eram os tipos de pessoas mais amigáveis ou
confiáveis devido à vida clandestina que levavam, mas, ainda assim,
preferi subir as escadas que pegar o elevador, para evitar o máximo
possível ser visto por alguém.
Após deixar a escadaria no terceiro andar, caminhei pelo corredor
de paredes amareladas, até deparar-me com a porta do pequeno
apartamento em que eu me encontrava uma vez por semana com
Adrienne.
 
O local estava no breu quando entrei, e um leve odor de poeira e
infiltração exalava dos móveis velhos e das paredes manchadas. 
Tateei a parede fria até encontrar o interruptor que ligava a luz da
sala, encostei a porta como sempre fazia ao esperar por ela, e quase corri
para o único quarto que havia ali.
Estava ansioso para abraçá-la outra vez, sentir seu cheiro. Minhas
mãos formigavam pelo desejo de explorar o corpo magro e a pele
levemente bronzeada e, principalmente, estava disposto a convencê-la a
ir embora comigo. Deixaríamos Nova York, a máfia e tudo de ruim que
havíamos vivido. Começaríamos do zero, uma vida nova em um outro
lugar.
Enquanto eu mergulhava em pensamentos e planos, coloquei a
arma que estava no cós da minha calça em cima da mesinha de cabeceira,
retirei os lençóis empoeirados da cama e os sacudi. Deixei-os em um
canto nos pés da cama e limpei o colchão o máximo que pude.
Não demorou muito e ouvi os passos rápidos de Adrienne vindo
na direção do quarto. Ela apareceu na porta, ainda coberta com a capa
preta que cobria seus cabelos e corpo, e caminhou na minha direção.
— Deni... — A voz suave e sussurrada penetrou os meus
ouvidos. Eu sorri e a observei retirar o capuz da sua cabeça. Os olhos
azuis brilhantes me fitaram.
— Adrienne… — Sentindo meu corpo quente de saudades,
caminhei até ela e a envolvi em meus braços. — Como senti sua falta.
Ela afundou o rosto no meu peito e passou as mãos em volta da
minha cintura, abraçando-me apertado. Afaguei os cabelos loiros com
cuidado e toquei o seu queixo, fazendo com que ela erguesse o rosto.
Afastei os nossos corpos por tempo suficiente para me inclinar e tomar os
seus lábios em um beijo ardente.
— Está tão linda… — murmurei entre seus lábios e com muito
pesar afastei a boca da sua.
Linda e minha. Suspirei, feliz.
Adrienne sorriu, mantendo a cabeça erguida e o olhar límpido,
fixo no meu. Levou as mãos até o laço que fixava a capa em seus ombros
e desfez o nó, relevando o vestido vermelho que usava. 
— Me beije, Deni. Me faça sentir que sou sua esta noite. Apenas
sua...
A súplica que captei em suas palavras, fez o meu sorriso se
desvanecer. Vi dor ali, uma mistura de tristeza e angústia, algo que
contradizia com a sua natureza alegre.
 
Precisávamos ir embora logo, era a única coisa em que eu
conseguia pensar naquele momento. Eu sentia que tinha algo fora dos
trilhos e quanto mais tempo Adrienne passasse casada com aquele
demônio, maiores eram as chances de sermos descobertos.
— O que aconteceu? — questionei, aflito e segurei seu rosto
entre as minhas mãos enquanto me inclinava na sua direção para observar
o seu rosto com precisão. — Me diga, meu amor.
Adrienne desviou o olhar do meu e suspirou.
— Não aconteceu nada. Eu só… preciso sentir você... por favor.
— Adrienne… — Tentei questioná-la mais uma vez, mas ela me
garantiu que conversaríamos depois, então decidi não a pressionar mais.
— Hoje eu não quero pensar em mais nada. Quero que seja
apenas eu e você. Pode fazer isso por mim?
Arqueei a sobrancelha, incerto, mas acabei concordando com um
aceno de cabeça.
Deslizei os meus dedos lentamente pelo seu braço, sentindo sua
pele quente e segurei a mão de Adrienne. Puxei-a na direção da cama.
— Se é o que deseja, então é o que irei te dar, minha linda.
Ouvi uma risada gostosa escapando da sua garganta e aquele som
delicioso me fez sorrir também. Aquela era a minha Adrienne, a mulher
que fazia o resto do mundo perder o sentido para mim ao sorrir.
Sentei-me na beirada da cama, deixando meus pés apoiados no
chão e a trouxe para o meu colo. Ergui seu vestido o suficiente para que
ela pudesse se sentar com as pernas abertas, de frente para mim. Sentia-
me vivo quando Adrienne estava comigo, era como se uma parte da vida
que perdi, depois que minha família morreu, voltasse para mim na forma
desenfreada das batidas do meu coração.
— Não sabe o quanto esperei por esta noite — sussurrou,
passando a mão em meu peito.
— Nem eu! Estou ficando louco sem poder vê-la todos os dias…
— Minha voz saiu rouca, murmurada.
Mordisquei o lóbulo da sua orelha e, com cuidado, deslizei
minhas mãos pelas coxas bem desenhadas. Adrienne gemeu, apertando
os dedos no meu ombro e procurou a minha boca. Nosso beijo começou
lento, apenas um leve roçar dos nossos lábios, mas em questão de
segundos eu já estava devorando sua boca, sugando e lambendo a língua
ávida.
Enquanto a beijava, tentei retirar seu vestido por cima da sua
cabeça, mas Adrienne me impediu, segurando a minha mão.
— Agora não, Deni — pediu, um pouco aflita, mas logo depois
sorriu e fez charme. — Não seja tão impaciente, serei sua a noite toda.
Senti seu corpo estremecer ao falar, uma reação contrária ao que
ela queria transparecer com o sorriso sexy no rosto.
— Faz muitos dias que não toco você, querida. Estou sofrendo —
argumentei.
— Eu… — Sua voz falhou e seu olhar refletiu dúvida. Naquele
momento, senti mais uma vez que havia algo errado. Um arrepio
incômodo passou por minha espinha e eu suspirei. — Quero que me
tome assim, Deni. Com roupas. Por favor…
Adrienne acariciou o meu rosto e voltou a tocar os meus lábios
com os seus, distraindo-me, usando a língua sedutora para me fazer
perder a sanidade.
Levei a boca até o seu pescoço, beijando e mordiscando a pele
sensível e voltei a capturar seus lábios, ao mesmo tempo em que minhas
mãos exploravam o seu corpo macio.
— Eu preciso entrar em você — murmurei sem ar
O olhar vibrante encontrou o meu, repleto de luxúria. Um sorriso
lascivo surgiu em seus lábios.
— Eu quero você, Deni. Agora! — balbuciou roucamente.
Eu sabia que deveria respirar fundo e amá-la lentamente, deveria
explorar e beijar o seu corpo com cuidado, mas a necessidade que eu
sentia, estava ardendo por dentro. Tudo em mim queimava, ansiando em
me fundir a ela. Naquela noite, eu iria amar Adrienne por horas, iria
explorar e lamber cada pedacinho do seu corpo, mas naquele momento,
eu precisava estar dentro dela, queria sentir o corpo receptivo se abrindo
para receber o meu.
Em questão de segundos, retirei o moletom e a camisa que me
cobria e ajudei Adrienne a ficar de pé, para que eu pudesse libertar minha
ereção que pulsava dolorosamente dentro da calça. Enquanto ela firmava
os braços no meu ombro, coloquei sua calcinha de lado, segurei firme em
seu quadril e entrei nela devagar, tão devagar que precisei fechar os olhos
para não perder o controle.
Deliciei-me com seus murmúrios, carregados de luxúria e paixão.
Abracei a cintura de Adrienne, colando os nossos corpos, lambi e beijei
os seus lábios ao mesmo tempo em que me impulsionava eu seu interior.
Movido pelo desejo, levantei-me, ainda dentro dela, me inclinei
sobre a cama e deitei Adrienne de costas. Terminei de retirar as minhas
roupas  e continuei penetrando-a.
Assim que Adrienne chegou ao ápice, levantei o meu rosto e fitei
sua face linda. Sorri admirando os lábios inchados e o rosto corado por
causa do gozo.
Em uma mistura de desejo ardente e loucura, segurei a barra do
seu vestido e o retirei por cima da sua cabeça. Fitando seus olhos,
abracei-a e intensifiquei as investidas, até sentir o clímax me tomar.
Derramei-me dentro dela, gemendo, cravando as unhas no colchão.
Assim que os espasmos diminuíram, eu sorri. Acariciei o seu
rosto levemente, vendo-a fechar os olhos para receber a minha carícia e
então me retirei de dentro dela. Desci o meu olhar para analisar o corpo
perfeito de Adrienne e foi então que senti meu coração parar. Meus olhos
se arregalaram, incrédulos, o ar faltou em meus pulmões e o choque me
arrebatou quando compreendi o porquê ela estava agindo de forma tão
estranha. Seu corpo estava repleto de marcas roxas e azuis espalhadas
pelo seu abdômen, barriga e coxas. Paralisei, amaldiçoando-me por não
ter percebido antes que ela estava machucada. Naquele momento, senti a
fúria me invadir com tanta força que meu corpo tremeu. Eu iria matá-lo.
— Eu irei matá-lo, Adrienne!
Levantei-me tomado pelo ódio. Peguei a cueca jogada sobre a
cama e me vesti rapidamente, disposto a ir atrás daquele maldito. Hector
iria pagar por tê-la machucado daquela maneira, eu me certificaria disso.
— Deni, não. — Adrienne saiu da cama e correu até mim,
passando as mãos pela minha cintura. — Por favor, não faça isso.
Ela levantou o olhar e meu estômago se revirou de raiva ao ver as
lágrimas grossas começando a banhar o seu rosto. Respirei fundo
tentando controlar a minha fúria, mas cada machucado que eu detectava
em seu corpo, me enlouquecia mais.
— Ele machucou você, querida… — falei, revoltado, levando a
mão até os seus cabelos para consolá-la.
— Ele é muito poderoso, não pode confrontá-lo — argumentou
ela entre os soluços.
— Como não percebi isso?
Eu queria me socar até arrancar sangue. Não poderia me perdoar
por querê-la daquela maneira insana enquanto Adrienne estava repleta de
ferimentos no corpo.
— Eu precisava sentir você dentro de mim, Deni. Queria me
sentir amada, importante. Por isso não te disse nada.
Outro soluço escapou da sua garganta e eu a trouxe para um
abraço apertado.
— Por que ele fez isso? — perguntei em um murmúrio, sentindo
minha garganta seca. Meus olhos ardiam.
— Eu me recusei a ir para a cama com ele… — Meu corpo
estremeceu e a bile subiu só em imaginar Adrienne na cama com aquele
maldito. — Hector teve uma filha do primeiro casamento, mas agora ele
quer um filho. Um herdeiro…
Uma imagem da garotinha, filha de Hector, passou por minha
cabeça. Lembrei-me de tê-la visto algumas vezes de longe, ao lado de
Adrienne.
— Maldito! — rosnei fora de mim e a apertei mais contra o meu
corpo. — Ele te… forçou?
Fechei os meus olhos temendo não suportar quando ouvisse a
resposta dela, minha mente parecia um vendaval.
— Eu não quero falar sobre isso... — respondeu com a voz
entrecortada, angustiada.
Minhas suspeitas se confirmaram e o chão pareceu abrir debaixo
dos meus pés. Mas, eu tinha que ser forte, Adrienne precisava da minha
força e do meu amor. Eu a faria saber o quanto era amada, nunca mais
permitiria que Hector a machucasse.
— Ele irá pagar por isso, querida. Eu prometo! — Suspirei
pesadamente e a afastei, disposto a dar prosseguimento ao meu plano
imediatamente. — Vista-se, nós vamos embora. Não posso permitir que
volte para aquela casa.
Com os olhos arregalados, Adrienne deu um passo para trás
negando com a cabeça.
— Não… Deni… o Hector nunca irá me deixar ir. Ele matará a
nós dois.
Vi medo no seu olhar e eu sabia que ela tinha razão. Aquele
maldito nunca a deixaria em paz enquanto fosse vivo. Ele era conhecido
como um carrasco no mundo do crime organizado. Era cruel, temido. Um
verdadeiro monstro. Mas eu não desistiria sem tentar.
— Eu prefiro morrer a permitir que ele te machuque outra vez!
— bradei, irritado e passei a mão por meus cabelos curtos.
Adrienne se assustou com o tom alterado da minha voz, mesmo
que a minha raiva não fosse direcionada a ela, e mais lágrimas marcaram
as suas bochechas. Eu não conseguia controlar a fúria que havia tomado
conta do meu corpo só em pensar em tudo o que ela sofreu nas mãos
daquele homem.
Determinado, passei por ela apressadamente e caminhei na
direção da cama para pegar as roupas e terminar de me vestir. Havia
fechado o zíper da calça quando senti as mãos frias de Adrienne em
minha barriga, e então ela me abraçou por trás. Seus braços e ombros
tremiam, eu podia sentir.
 
Fechei os meus olhos e tomei fôlego, sentindo meu peito
apertado e o gosto amargo do medo em minha boca. Medo de perdê-la. A
dúvida sobre o que o destino havia nos reservado estava me
massacrando.
— Deni, eu preciso te dizer algo. — Fungou.
Por um momento, temi em ouvir o que ela tinha a dizer mas,
ainda assim, tomei coragem, virei-me e fitei o seu rosto.
Adrienne levantou a mão e tocou a minha face lisa, acariciando a
minha pele com ternura. Era como se ela quisesse guardar as minhas
feições em sua memória.
— Meu amor... eu estou esperando um filho. — Sua voz falhou e
eu prendi o fôlego, processando a informação. — É por isso que não
posso ir com você. Não poderei arriscar a vida do nosso bebê, Hector
matará a nós três.
Uma lágrima dolorosa cortou a minha face quando finalmente
compreendi o que tudo aquilo significava.
— Oh Deus… não… não…— A realidade dos fatos bateu na
minha cara como um soco pesado.
Eu iria ser pai. Eu teria um filho com Adrienne.
E na mesma proporção que meu coração bombardeou o meu
peito, emocionado, também senti-me morrer um pouco mais, por saber
que não poderia ter nenhum dos dois ao meu lado.
Os segundos passaram lentamente, eu lutava para não
desmoronar. Minhas pernas fraquejaram e eu caí de joelhos na frente de
Adrienne, a visão turva pelo choque.
Eu iria perdê-los, era o preço que eu pagaria por me certificar que
nosso filho ficasse em segurança. Hector não machucaria Adrienne
sabendo que ela teria uma criança e eu me certificaria que ele nunca
descobrisse a verdade. Naquele instante, eu me dei conta que o que tive
com Adrienne estava chegando ao fim.
Doía…
Levantei o olhar para fitá-la e segurei suas mãos, enquanto
engolia a saliva com dificuldade. Os olhos dela brilhavam por causa das
lágrimas e um bolo amargo havia se formado em minha garganta.
Tentei dizer algo, confortá-la de alguma maneira, mas minha voz
não saía. Sentia-me impotente, preso em uma bola de arames farpados
que me feria, os espinhos afiados não permitiam que eu me libertasse.
Por que, Deus?
Agarrei-me a ela e encostei a cabeça em seu ventre, sentindo sua
pele nua e fria sob o meu toque. Permanecemos assim, parados e em
silêncio. O único som ali presente era o barulho das nossas respirações
ofegantes e os soluços de Adrienne.
Não sei exatamente quanto tempo havia se passado, havíamos
nos perdido nos minutos e segundos agonizantes em uma maneira tão
profunda que mal notei o barulho de passos na direção do quarto.
Levantei a cabeça, recobrando a minha consciência e foi quando o
verdadeiro inferno começou.
A porta foi arrombada sem nenhuma pena. Os pedaços de
madeira pairaram no meio do quarto, me fazendo dar um salto apressado
para me colocar de pé e poder agir.
Em um instante, éramos eu e Adrienne dentro do quarto, no
outro, o lugar estava repleto de homens bem-vestidos e armados até os
dentes.
Coloquei Adrienne às minhas costas para proteger a sua nudez ou
qualquer chance que tivessem para machucá-la e fiz sinal para que ela se
cobrisse com o lençol que eu havia deixado aos pés da cama. Fitei a arma
sobre a mesa de cabeceira, a alguns metros de distância e fiz um cálculo
mental sobre os riscos de correr até lá. O mais provável é que eu seria
morto no meio do processo se decidisse por isso.
Deixei meus ombros caírem ao perceber que não havia
escapatória, quem quer que fossem aquelas pessoas, tinham a mim e a
Adrienne sob suas miras.
— Quem são vocês? — perguntei, aturdido. Lá no fundo eu já
imaginava a merda que estava acontecendo.
— Afaste-se da minha esposa, bastardo!
Os homens que bloqueavam a porta saíram do caminho e deram
espaço para que Hector entrasse. Adrienne estremeceu e a ouvi engolir o
soluço, quase que prendendo a respiração. O maldito a aterrorizava.
Para a minha surpresa, ele sorria. Seu olhar escuro refletia
desprezo, frieza, mas não vi vestígios de raiva. Na verdade, ele parecia
mais tranquilo que o normal para um homem que acabara de encontrar a
esposa nos braços de outro. Aquele olhar maligno fez todos os pelos do
meu corpo se eriçarem e eu temi por Adrienne.
— Hector… — Adrienne sussurrou o nome dele com a voz
entrecortada e se agarrou mais às minhas costas —, por favor, deixe-nos
em paz!
Dando um passo à frente, Hector entregou o cigarro que estava
em sua mão para o capanga à sua esquerda, ajeitou o colarinho do terno
cinza e sorriu abertamente. 
— Não está feliz em me ver, meu amor? — questionou, cínico,
fitando em um ponto específico atrás de mim. — Você me magoa falando
dessa forma.
A hostilidade em sua voz era quase palpável, fazendo meu
estômago embrulhar. Eu quis socá-lo e certamente era o que eu teria feito
se não fosse o mesmo que cometer um suicídio.
— Venha até mim, Adrienne! — ordenou e eu senti meu peito
gelar.
— Não! — neguei e coloquei os dois braços em minhas costas
para segurá-la no lugar. — Ela não vai a lugar nenhum com você!
— Não? Tem certeza? — enfatizou, curvando os lábios em um
riso debochado.
Com apenas um aceno de mão, Hector sinalizou para que seus
capangas dessem mais um passo e apontassem as armas na nossa direção,
destravando-as em sintonia.
Prendi o ar.
— Achou mesmo que eu não descobriria, querida esposa? Como
pôde me trair assim? — questionou, colocando a mão no peito e fingindo
sentir uma dor que não existia.
Fechei os punhos, sentindo a raiva me possuir e cerrei a
mandíbula com tanta força que meus dentes rangeram.
— Ela não ama você, Hector! Entenda isso!
Hector desviou a sua atenção de Adrienne e focou seu olhar ao
meu. O homem sorriu novamente, dessa vez, o riso debochado
transformou-se em uma gargalhada que se espalhou pelo cômodo.
— E quem falou em amor, moleque? Não sabe que eu a comprei?
Eu paguei uma fortuna por ela. — Colocou os braços atrás das costas, em
uma postura relaxada e deu um passo à frente. — Ela é minha
propriedade.
Todo o meu corpo se retraiu, não porque eu não soubesse daquele
fato, que Adrienne havia sido forçada pelo pai a se unir a Hector em troca
de poder, mas, sim, porque a dor de saber que ela nunca seria minha me
fez querer gritar.
— Deni, eu preciso ir com ele — ela sussurrou, afastando o
corpo do meu, derrotada. Porém, eu a segurei com mais força, mesmo
sabendo que não havia uma alternativa.
— Eu sinto muito... — concluiu baixinho entre um soluço,
apenas para que eu ouvisse.
— Adrienne… — murmurei o nome dela, quase que implorando
para não se afastar de mim, enquanto eu mantinha o olhar cravado em
Hector e seus homens.
— Por favor, Deni. Me solte!
Ela puxou a mão trêmula, deu alguns passos para o lado e
caminhou devagar na direção de Hector, agarrada ao lençol que aquecia e
protegia o seu corpo dos olhares.
Permaneci parado, com as mãos atadas, observando seus passos
lentos até chegar a ele. Pedi aos céus em silêncio para que ela ficasse
bem. Para que nosso filho ficasse bem.
— Vamos, Hector… — Ela ergueu a mão e tocou o ombro dele,
sem encará-lo. — Eu sou sua, eu sempre serei — disse, a voz tomada
pela angústia que ela tentava desesperadamente disfarçar.
Hector segurou sua mão, levando-a aos lábios e sorriu friamente.
Meu estômago pulsou em ira e nojo e então, ele estapeou o rosto de
Adrienne com um golpe rápido, fazendo-a cair no chão.
— Nããooo! Malditooo! — berrei e me movi para alcançá-los,
tomado pelo ódio, cego pela fúria que explodiu em meu peito. Eu iria
matar aquele desgraçado, iria despedaçá-lo com minhas próprias mãos.
O tempo pareceu parar à medida que avancei na direção de
Hector, disposto a tudo. Eu pouco me importava com o que aconteceria
comigo, sem ela, tudo perdia o sentido. O raciocínio havia sumido da
minha mente.
Ele estava perto, encarava-me com um brilho divertido no olhar e
permanecia despreocupado enquanto Adrienne fungava no chão. Eu já
podia sentir as minhas mãos apertando o seu pescoço, sufocando-o.
Preparei-me para o embate, movido pelo instinto de proteger a
mulher que eu amava, regado pelo desejo de acabar com todo aquele
sofrimento e tirá-la dali em segurança…
Mas eu nunca o alcancei.
Meu corpo foi puxado e imobilizado rapidamente. Nem ao
menos tive a oportunidade de lutar antes que minha cabeça batesse no
chão com força. Meus ouvidos zuniram e pequenos glóbulos negros
tomaram conta da minha visão, me impedindo de ver os homens com
clareza.
Mãos fortes e ásperas seguraram-me no piso frio, esmagando o
meu rosto, e um chute dilacerante acertou as minhas costelas.
O ar faltou em meus pulmões e a ardência do golpe me fez
grunhir. Era sufocante.
Ainda me movi, tentando forçar o meu corpo a se levantar e
continuar lutando, mas fui nocauteado, pisoteado e massacrado em todos
os lugares.
Senti o líquido quente de aroma metálico escorrendo pelo meu
nariz, pingando no piso. Minha boca latejou e as paredes do quarto
giraram quando os homens me forçaram a ficar de joelhos. Prenderam os
meus braços às minhas costas e seguraram a minha cabeça de forma que
não tive alternativa a não ser focar a minha atenção em Hector e
Adrienne.
 
Ela já não estava mais no chão. O maldito a tinha presa entre os
braços, as mãos nojentas passeando por seu corpo, entre os vãos do
lençol.
A bile subiu e eu precisei lutar com todas as minhas forças para
não vomitar diante da cena nauseante.
Respirar doía. Viver doía.
Estava quase desfalecendo quando senti fortes punhaladas em
minhas costas, braços e costelas. Retorci o corpo e gritei, levado pela dor
alucinante dos cortes.
Sentia o sangue escorrendo pelo meu corpo, queimava, mas eu
me negava a perder a lucidez. Lutei, fiz de tudo para suportar a dor e
manter-me consciente, mesmo ao sentir a pele do meu rosto queimar
como brasa no momento em que uma lâmina afiada deslizou pela minha
carne, rasgando o maxilar.
Com desprezo, Hector fitou-me uma última vez, provavelmente
imaginando o lixo que eu era. Um ser que ninguém sentiria falta se
morresse.
— Deveria saber que ninguém toca no que é meu, moleque!
E ao mesmo tempo em que seus homens firmavam a minha
cabeça, forçando-me a prestar atenção em todos os seus passos, Hector
pegou uma lâmina dentro do bolso do paletó e passou no pescoço de
Adrienne, rasgando-o, dilacerando a pele macia que há poucos instantes
eu havia beijado.
Então eles me soltaram. Caí com o rosto no chão, sem forças. A
visão embaçada, tomada pelos hematomas, o peito dilacerado.
Minha mente transformou-se em breu, meu corpo começou a
perder os sentidos. Mas antes de tudo, antes que tudo se apagasse, a
lembrança de uma garotinha de cabelos escuros veio à minha mente.
Ela sorria, parecia feliz enquanto corria para os braços do pai.
Lexie. Ela se chamava Lexie.
Eu me vingaria.
CAPÍTULO 1

 
Dias atuais
 
LEXIE
 
Dentro do campus da Universidade, caminho devagar pelo
corredor movimentado, segurando as flores com delicadeza em minhas
mãos. Eu ganhei lírios, doces e encantadores lírios brancos, e não poderia
estar mais feliz.
Levo as flores ao meu nariz e inspiro o aroma suave enquanto
coloco uma mecha de cabelo atrás da minha orelha. Suspiro. Meu
coração bate acelerado no peito e um sorriso apaixonado estampa o meu
rosto.
Apresso o passo na direção das escadas que levam para o pátio,
tomando todo o cuidado para não esbarrar nas pessoas que circulam por
ali e possivelmente estragar as flores. Seria um pecado se isso
acontecesse, elas são tão lindas...
Ao colocar os pés na grama, olho mais adiante e o vejo. Matt está
escorado no tronco do antigo carvalho, atrás de uma linha de pilares
gigantes, à minha espera. As covinhas em suas bochechas surgem quando
ele sorri para mim e o vento balança seus cabelos escuros de um lado a
outro, deixando-o mais bonito do que deveria.
Sorrio de volta, dou um aceno discreto e caminho com pressa em
sua direção.
— Oi… — digo sorridente, assim que me aproximo.
— Oi, lindinha. — Matt passa a mão em minha cintura e me
puxa para si. — Gostou das flores?
Os olhos verdes sorriem com seus lábios. Eles têm um brilho tão
intenso que me faz perder o fôlego.
— Eu amei, Matt, obrigada.
Os lábios finos encostam nos meus, depositando um selinho
suave.
— Você merece o mundo, lindinha.
Meu coração palpita de felicidade ao saber que sou querida por
alguém, mas ao mesmo tempo, sinto meu sorriso morrer ao lembrar-me
que devo voltar para casa. Para aquele inferno que chamo de lar.
— E então, gostaria de sair um pouco? Que tal darmos uma volta
pelo Central Park? — pergunta, ainda sorridente.
 
Seu sorriso vívido, sempre estampado no rosto é o que mais me
fascina.
— Sua companhia me faz tão bem, Lexie. — Pisca.
Gargalho e sinto minhas bochechas corarem por causa do flerte
descarado. Mas, me identifico com cada uma de suas palavras. O mundo
deixa de ser preto e branco e torna-se colorido quando estou com ele.
Matt segura a minha mão e entrelaça os meus dedos aos seus,
porém, por mais que eu queira ir com ele a todos os lugares, eu não
posso.
— Eu não posso, Matt. Você sabe. — Suspiro cansada. Sinto-me
como um pássaro que deseja sobrevoar o mundo, mas que está preso
dentro de uma gaiola de ouro.
Sua expressão muda de sorridente para sério em milésimos de
segundos.
— Sim. Eu sei — concorda, desanimado. — Mas não queria que
fosse assim, Lexie. Você não pode ser praticamente uma prisioneira do
seu pai pelo resto da vida.
Retiro minha mão da sua e dou um passo para o lado, evitando
cruzar meu olhar com o dele.
Não. Eu não queria que as coisas fossem assim, queria ser livre
para ir aonde quisesse sem maiores preocupações. Queria poder sorrir e
viver de verdade, não apenas existir. Porém todas essas possibilidades
foram tiradas de mim no momento em que nasci. No momento em que
abri os meus olhos pela primeira vez como filha de Hector.
— Matt, eu preciso ir — desconverso e volto a olhá-lo. — O
motorista deve estar me esperando e eu não posso me atrasar para o
jantar com o papai.
— Tudo bem, lindinha — ele concorda, mas percebo o quanto
essa situação o incomoda.
Matt aproxima o rosto do meu e volta a me beijar suavemente,
apenas breves e doces segundos.
— Te vejo amanhã? — pergunto, esperançosa quando ele dá um
passo para trás e eu ajeito a mochila no meu ombro.
— Eu te vejo amanhã, Lexie — responde, sorrindo. Sua mão
desliza pelo meu rosto e acaricia o queixo. — Te ligo mais tarde, tudo
bem?
— Combinado.
Não consigo disfarçar a felicidade que me toma em imaginar
falar com ele mais tarde e vê-lo no dia seguinte. Dou alguns passos para
trás, ainda olhando-o. Abro um sorriso e me viro, sigo na direção da rua
onde o motorista e alguns seguranças me aguardam.
 
Enquanto caminho, recordo o momento em que bateram na porta
da sala de aula e pediram para me chamar. Era um entregador com um
maravilhoso buquê de lírios brancos e um cartão do Matt.
Ao retornar para a minha mesa, todos na sala me encararam
curiosos, alguns tinham um risinho animado e cúmplice no rosto; outros
um olhar debochado. Ignorei a todos e me sentei, colocando as flores
sobre a mesa, ansiosa para ler o cartão.
Ah Matt.
Mordo o meu lábio ao lembrar-me dos nossos poucos momentos
juntos. Com um pequeno cálculo mental, chego à conclusão de que
foram os melhores e mais reconfortantes que já tive em minha vida.
Conheci-o há alguns meses, quando comia sozinha no refeitório
da universidade. Eu estava triste, machucada. Meu rosto doía por causa
do tapa que havia ganhado do meu pai por desafiá-lo. Também não tinha
amigos, meu pai não permitia que eu recebesse ninguém em casa, muito
menos que saísse com alguém, então eu evitava me aproximar das
pessoas na universidade, pois sabia que no fim alguém poderia sair
machucado.
Naquele dia, Matt sentou-se ao meu lado, com seu riso
espontâneo e conversa animada. A princípio, eu o evitei de todas as
formas possíveis, mas ele foi insistente, mas nos tornamos amigos e
passamos a fazer as refeições juntos. Em algumas semanas, tivemos
nosso primeiro beijo no pátio.
— Boa tarde, senhorita. — A voz do motorista me traz de volta
para o presente e eu deixo meus ombros caírem, frustrada.
O homem de cabelos grisalhos, usando terno escuro impecável,
está de pé, segurando a porta para que eu entre no banco traseiro do SUV
preto. Ele me encara sério, em seguida, olha para as flores em minha
mão.
O ar falta e todo o sangue parece ser drenado do meu corpo. Eu
me esqueci completamente do buquê. Deveria tê-lo colocado na mochila,
mesmo que amassasse um pouco, mas estava tão entretida pensando em
Matt que esqueci.
— Boa tarde… John. — gaguejo.
Desvio o olhar, sabendo que não há como fugir das suas
suspeitas. Entro no carro e ajusto o cinto de segurança. O vento frio do
ar-condicionado me faz estremecer um pouco, contrastando com o calor
escaldante do lado de fora.
Vejo quando ele acena de forma sutil na direção do SUV com os
seguranças, estacionado há alguns metros de distância. Dá a volta e entra
no banco do motorista.
 
— Pronta? — pergunta e me olha pelo retrovisor.
— Sim — confirmo.
Aproveito o momento para colocar os lírios na mochila o mais
rápido que consigo. Com as mãos trêmulas, fecho o zíper e levanto o
olhar para encarar o motorista pelo reflexo do espelho.
— John… eu… por favor, não diga para o papai — peço, quase
que implorando.
O carro entra em movimento, mas eu continuo apreensiva por
uma resposta, até que ele confirma com um aceno de cabeça sutil.
Respiro aliviada, pois sei que ele não dirá nada a meu pai sobre
as flores que ganhei, graças a Deus, tenho os meus motivos para confiar
em sua palavra.
Conheço John desde que eu era uma garotinha. Ele já foi
cúmplice de inúmeras travessuras desde a minha adolescência. Tenho-o
como alguém da família e seu respeito e consideração por mim são
recíprocos.
— Obrigada… — sussurro.
Os minutos passam lentamente enquanto o carro se locomove
pelas ruas movimentadas de Nova York.
Olho pela janela, percebendo que logo o sol irá se pôr e que
algumas pessoas aproveitam os últimos raios do dia para se exercitar ou
passear pelas praças e parques. Algo que nunca terei. Não sem meia
dúzia de capangas do meu pai às minhas costas.
Meia hora depois, antes de passar pelo portão principal que dá
acesso à mansão, John para o carro e pigarreia, chamando a minha
atenção:
— Tenha cuidado, Lexie. — Sua voz soa sussurrada e
preocupada. — Não queira provocar o seu pai, criança. Ele não é alguém
que possa ser desafiado.
Sinto-me estremecer por causa do tom das suas palavras e engulo
a saliva com dificuldade.
— Ele não vai descobrir, John! São somente algumas flores —
afirmo. Mas lá no fundo, não sinto tanta firmeza e nem creio nisso com
tanta veracidade. Meu peito se aperta.
Pelo reflexo do retrovisor, vejo o olhar escuro de John em minha
direção. Sua testa enrugada expressa uma mistura de desaprovação e
tristeza. Ele balança a cabeça em negativa e dá a partida no carro,
passando pelos portões.
Desço do carro e sigo pelo caminho de pedras que leva até a
entrada da mansão de estilo georgiano. É um casarão antigo e cinzento,
rodeado por enormes palmeiras, grama e arbustos. Está na minha família
há gerações e é um dos principais orgulhos do meu pai.
Passo pelo hall, aliviada por não encontrar ninguém, e sigo a
passos rápidos, direto para a imponente escadaria de mármore.
Meu coração bate forte assim que entro no meu quarto e fecho a
porta às minhas costas. Corro até a cama para retirar as flores da mochila
e as coloco dentro do closet. Mais tarde, providenciarei um jarro com
água, agora preciso tomar banho e me aprontar para o jantar. Papai vira
uma fera se me atraso.
Retiro a camiseta de mangas e a calça jeans o mais rápido que
consigo, descarto-as no cesto de roupas e corro para o chuveiro.
Em alguns minutos, estou pronta, usando um vestido de seda
verde, batendo na altura dos meus joelhos. Fina e elegante, exatamente
como ele ordena que eu me vista, diferente do jeans habitual que gosto de
usar.
Mordisco os meus lábios ao encarar o reflexo do meu rosto no
espelho. Há olheiras debaixo dos meus olhos, mas eu pouco me importo.
Arrumo os meus cabelos, repartindo-os ao meio e me viro para
sair. Estou quase alcançando a porta quando ouço uma leve batida. Abro-
a e dou de cara com John.
— O chefe a espera no escritório dele, Lexie. — Ele hesita,
dando um passo para o lado, percebo que está agitado.
— O que aconteceu? Pensei que iríamos jantar agora —
questiono, confusa. Meu pai nunca me permite entrar em seu escritório.
— São assuntos da Famiglia. Apresse-se — responde com
firmeza, mas seu olhar não nega que algo grave está acontecendo.
Engulo em seco e minhas pernas começam a tremer pensando
que receberei outro castigo, mas algumas coisas não fazem sentido
algum.
Assuntos da Famiglia? Eu nunca me interessei pelos assuntos do
meu pai, e ele jamais fez questão que eu me metesse em seus negócios.
Segundo ele, meu único dever é ficar calada e obedecer, sem perguntas.
Caminho atrás de John, sentindo o meu corpo perder as forças a
cada passada. O pavor me consome e meu coração acelera de forma
excruciante.
Posso ouvir as batidas descompassadas quando chego em frente
ao escritório. Com cuidado, respiro fundo e bato na porta.
— Entre! — A voz dele é fria. Causa um nó doloroso em meu
estômago.
Entro, dando o meu melhor para manter a postura séria e
confiante que ele exige.
John permanece do lado de fora enquanto fecho a porta e dou
mais um passo na direção do meu pai.
Seu olhar gelado está pousado em mim e um sorriso presunçoso
estampa os seus lábios. As mãos cruzadas em cima da enorme mesa de
madeira, dão-lhe um ar autoritário e perturbador. Estremeço.
Sento-me em uma das poltronas de frente para ele e passo a mão
na barra do vestido para enxugar a umidade do suor. Preciso esconder o
meu nervosismo a todo custo, papai não tolera demonstração de fraqueza.
— Algumas organizações de Chicago estão se aproximando de
forma muito perigosa do nosso território, querida — diz, fitando-me com
seu olhar penetrante.
Continuo calada e espero que ele continue. Mesmo que a
confusão e as dúvidas estejam povoando a minha cabeça, não sou capaz
de interrompê-lo.
— Por muitos anos, tivemos o poder absoluto aqui em Nova
York e até mesmo em Las Vegas e outros estados, mas estamos perdendo
forças. Precisamos de novos aliados poderosos para proteger nosso
conglomerado e é por isso que você está aqui.
Papai se levanta e dá a volta na mesa. Vira-se, colocando as mãos
atrás das costas, algo costumeiro para ele, e passa a analisar os livros das
estantes enquanto fala.
— Acabo de ter uma reunião com o Chefe da máfia Underworld
e seu Consigliere. Chegamos a um acordo e alegro-me em poder dizer
que consegui algo útil para você fazer. — Sinto uma pontada em meu
peito quando ele joga tais palavras no ar. Meu pai nunca fez questão em
esconder o quanto se envergonha de mim.
Com as mãos trêmulas, puxo o ar para os meus pulmões e forço-
me a impedir que uma lágrima caia.
— Sabe que não é uma mulher bonita, Lexie. É gorda,
desajeitada, bem diferente do que foi a sua mãe. Então, seja uma boa
menina e não faça nenhuma burrice ou pessoas que você se importa
sofrerão as consequências. — Fecho os meus olhos, fungando, sentindo
dificuldade em engolir a saliva. Parece que Hector tem prazer em me
humilhar.
— A partir de amanhã, sua faculdade está suspensa e você ficará
reclusa em seu quarto até a próxima semana.
O tempo para à minha volta e analiso cada uma das suas palavras
por partes.
— O quê…? — murmuro, incrédula. — Papai, o senhor
prometeu que eu poderia frequentar a universidade. Eu não entendo… —
Minha voz falha e eu não consigo concluir a frase.
Quando completei dezoito anos, fiz um acordo com o meu pai.
Pedi-lhe para que eu pudesse ter uma vida normal na faculdade de artes
visuais, sem ter que me preocupar com dezenas de capangas em meu
encalço lá dentro. Entre os muros, seria apenas eu, Lexie. Em troca, eu
me comportaria, seria a filha obediente e submissa do poderoso mafioso,
Hector.
Meu pai vira-se, cravando os olhos em meu rosto e sorri.
— Criança tola. A faculdade era apenas uma distração para te
manter entretida, longe de problemas.
Sinto como se acabasse de receber uma bofetada em meu rosto, o
ar falta em meus pulmões.
— Como… pôde? — Minha voz sai ofegante. Falha. — Eu sou
sua filha…
— Simples, querida. A partir de hoje, você pertence ao seu futuro
marido. O meu mais novo aliado. Não é maravilhoso, Lexie?
Uma lágrima desliza pelo meu rosto e eu levo a mão à minha
garganta, sentindo-me sufocar, enquanto ele me observa com desprezo.
— Você irá se casar com Daniel Kraven, o chefe da Underworld.
O jantar de noivado acontecerá semana que vem e eu ordeno que se
prepare para tal ocasião.
— Papai, por favor… — Penso em Matt e no quanto ficará
arrasado quando descobrir que fui prometida a outro homem.
— A decisão está tomada, Lexie! Você é a filha de um Don e me
deve respeito.
Meu próprio pai… me vendeu.
Eu agora pertenço ao meu futuro marido…
Como dói.
Ele me fita uma última vez, irredutível em sua decisão e aponta
na direção da porta.
Saio do seu espaço, firmando-me na parede para não cair no
chão, o peito doendo tanto que temo não suportar. Sinto como se
estivesse dentro de uma bolha, nada mais tem importância a minha volta.
Nada mais faz sentido.
Acabou. O futuro que sonhei para mim foi destruído.
Fui jogada nos braços de um homem que não conheço, mas que
agora é dono de todos os meus desejos e vontades. É o dono da minha
vida.
CAPÍTULO 2

 
DENER
 
Ando pelo caminho de pedras amareladas da residência de
Hector, na companhia de George Siegel, o Consigliere da Underworld e
mais dois dos meus homens.
Está feito! O acordo de casamento foi firmado e em uma semana
acontecerá o jantar de noivado. Em pouco tempo, serei o marido de sua
preciosa filha e então darei a cartada final. Destruirei tudo que é
importante para Hector Laccount. Seu poder, seu respeito dentro da máfia
e sua amada filha…
Passo pelas árvores e arbustos que decoram a área da piscina e
entro no banco traseiro do Chrysler preto. George senta-se do meu lado e
os dois guarda-costas entram no SUV, estacionado logo adiante.
Em poucos segundos, o motorista coloca o carro em movimento
e seguimos para a saída.
— Acha mesmo que ele não desconfia de nada? — George
questiona enquanto pega um charuto no bolso de dentro do paletó.
O homem de cabelos grisalhos, com cerca de cinquenta anos,
ajeita o terno cinza no corpo e pega um isqueiro no bolso da calça para
acender o charuto.
— Não. Ele não desconfia — repondo, convicto e escoro o meu
braço no encosto do banco do carro, relaxado. — Hector realmente acha
que me matou naquela noite. Do contrário, eu teria visto algum indício de
surpresa ou vacilo em seus olhos.
Com a mesma confiança com a qual o respondo, pego o celular e
ligo para o chefe da segurança que está à espreita do outro lado da rua,
próximo à mansão, com meia dúzia de homens. Confirmo que tudo saiu
conforme o esperado e ordeno para que sigam na minha frente.
— Ele é perspicaz, Dener. Mais cedo ou mais tarde. Hector
descobrirá quem é você. — afirma e sopra uma baforada de fumaça pela
janela.
— E eu estarei esperando este momento de braços abertos. Mas,
até lá, terei conseguido tudo que quero.
Sorvo ar para meus pulmões e sorrio ao me lembrar da expressão
confiante e firme no rosto do homem que por tantos anos odiei. Hector
acha que está firmando uma aliança de poder e um escudo impenetrável.
De uma certa forma, sim, mas até certo ponto. Ele só não imagina que
quando chegar o momento oportuno, os mesmos aliados que o protegem,
se virarão contra ele, e então todo o seu território passará a ser meu.
— Está arriscando muito. — Ele balança a cabeça em negativa.
George nunca concordou com meus planos sobre Hector, mas eu sou
impassível em minha decisão. — Você já tem tudo, Dener, por que pôr a
máfia e tudo que conquistou em risco por causa de uma vingança? Já se
passaram doze anos.
— Cuidado como fala comigo, George — advirto, frio.
— É o meu braço direito e um dos homens que mais confio, mas
não se meta em meus assuntos pessoais.
George assente e suspira, acenando com a cabeça.
— Não tocarei mais no assunto, Dener. Mas, e quanto à garota?
Você nem ao menos quis conhecê-la. Não se importa com sua aparência?
— Na verdade, não! — respondo, indiferente. — Não dou a
mínima para como ela se aparenta, desde que possa gerar o meu herdeiro.
Até porque, depois que meu filho nascer, já não me interessa o que
acontecerá com ela.
— Certo! — O homem volta sua atenção para seu charuto e eu
permaneço em silêncio por mais alguns minutos.
Flashes da garotinha de longos cabelos escuros passam por
minha cabeça. Não a vi desde que desapareci por mais de uma década.
Agora é uma mulher crescida, que segundo o seu pai, acabara de
completar dezenove anos.
Trinco os dentes, nervoso, ao lembrar-me com exatidão das
palavras do homem sobre a filha. De acordo com Hector, Lexie é uma
jovem obediente, discreta e submissa. Nunca teve qualquer envolvimento
emocional e físico com outro homem e é perfeita para ser a esposa de um
poderoso mafioso.
Maldito bajulador de merda!
Enquanto ouvia seu relato, não conseguia parar de pensar no
quanto eu a faria sofrer, apenas para atingi-lo.
— Vá direto para a mansão, Ethan — ordeno ao motorista e me
ajeito no banco. Minha testa sua pela raiva que sinto daquele homem e
cravo os dedos no estofado, tentando ao máximo controlar meu
temperamento explosivo e a minha sede de sangue.
 

Já é noite. Lá fora o vento sopra a copa das árvores de um lado


para o outro, montando um cenário acolhedor repleto de sombras. É
exatamente como vivi durante todos esses anos. Um homem fadado à
solidão, sobrevivendo em seu mundo sombrio.
Levo o copo de uísque à boca e tomo um gole generoso. O
líquido amargo queima a minha garganta, porém apenas me faz querer
mais e mais, como um ciclo vicioso.
Afasto-me da janela e fecho o vidro, caminho a passos lentos na
direção do banheiro e paro de frente para o espelho. Deixo o copo sobre a
pia de mármore e após lavar e secar as mãos, levo-as até meus olhos para
tirar as lentes escuras.
Analiso o meu reflexo no espelho e devo admitir que quase sofri
uma metamorfose nos últimos anos, nem mesmo eu me reconheço mais.
As mudanças em minha fisionomia são drásticas, é quase impossível que
Hector me reconheça.
Meus traços joviais endureceram. Não sou mais um rapaz de
vinte e poucos anos. Agora sou um homem maduro, no auge do poder.
Toco o meu queixo, passando os dedos pelos fios loiros da barba
que agora é proeminente, mas ainda consigo sentir a cicatriz que
desfigura a minha pele e nunca me deixa esquecer meu propósito.
As tatuagens que se destacam pelo meu corpo, também são
consequências do que aconteceu naquela noite. Eu as fiz para camuflar as
diversas cicatrizes dos cortes.
Afasto-me e retiro a toalha em volta da minha cintura. Entro
debaixo do chuveiro e permito que a água quente leve embora um pouco
dos meus tormentos diários.
Lexie…
Penso na mulher que em breve estará em minha cama e não
tenho o menor interesse em vê-la, até que chegue o dia do maldito
noivado.
Já se passaram doze longos anos, mas ainda me recordo da
última vez que a vi, depois que saí do hospital.
Era noite, estava frio como nunca. Meu corpo tremia e os
ferimentos dolorosos me martirizavam. Andava sem rumo pelas ruas do
Brooklyn, o peito sufocado, a dor da perda me engolindo.
Não me lembro ao certo por quantas horas andei, até que em um
ato de desespero, roubei um carro, peguei uma arma no pequeno
apartamento que eu morava e segui até a mansão de Hector. Fiquei à
espreita nas sombras das árvores, na rua, imaginando as diversas
maneiras que o mataria. Mas, era impossível passar por seus capangas e
chegar até ele.
Horas após horas, escondi-me e o vigiei obsessivamente. Porém,
o esforço foi compensado quando consegui passar pela segurança dos
muros e me vi a alguns metros de distância da janela do quarto da
garotinha.
Chovia forte. Os relâmpagos pintavam o céu escuro, ajudando-
me a passar despercebido.
E lá estava ela, em pé, próxima à janela, abraçando um urso
marrom com os cabelos compridos sendo balançados pelo vento. Estava
cabisbaixa, como se chorasse baixinho, olhando as gotas d’água caírem
no chão.
Ainda agora, ao fechar os olhos, posso descrever com detalhes o
terror e o susto que vi em seu olhar quando uma forte trovoada a assustou
e a luz do relâmpago permitiu que ela me visse.
Seu grito de horror foi abafado por suas pequenas mãos, mas,
ainda assim, mirei a arma e a destravei para atirar. A pequena Lexie
estava na minha mira. Apenas um tiro e tudo se acabaria. Eu vingaria a
morte de Adrienne e do meu filho… Mas não consegui apertar o gatilho.
Nem a morte daquela garotinha seria suficiente para aplacar toda a
agonia que eu estava sentindo. Nada era suficiente…
Naquele momento, eu soube que para dar a Hector o fim que ele
merecia, eu teria que me tornar tão poderoso quanto ele. Teria que ser
cauteloso… frio… e principalmente paciente.
De volta dos meus devaneios, levo a mão às minhas costas,
próximo ao ombro e fecho os olhos ao sentir a região áspera. A cicatriz
de um tiro marca a minha pele e a minha alma como uma tatuagem.
Agora Lexie é uma mulher, e eu tenho em mãos o poder da máfia
Underworld, uma gigantesca organização que comanda quase todo o
território americano e que possui aliados em várias partes do mundo. Não
terei pena de ninguém.
Posso imaginar o quanto se tornou mimada e fria, tão traiçoeira
quanto o pai. Será que ela sabe o preço que paguei por ela? Com certeza
sabe! O fruto não costuma cair longe da árvore. Neste momento, os dois
devem estar se vangloriando, fazendo planos de como irão gastar os
milhões de dólares inclusos no acordo.
Pobre Lexie. Não sabe o inferno que viverá em minhas mãos.
Termino o banho e sigo pelado até o closet, deixando um rastro
de água pelo piso. Meu sangue ferve e minha cabeça lateja por causa do
estresse a que venho me obrigando a suportar dia após dia.
 
Hoje eu preciso me distrair, e nada é mais bem-vindo do que uma
boa corrida e muito sexo.
Visto-me com uma calça jeans e jaqueta de couro preta, deixando
o zíper da jaqueta aberto. Volto a pôr as lentes de contato e pego a chave
da Ferrari que comprei essa semana.
Ando até o cofre de segurança, coloco a combinação e entro. Há
uma infinidade de armamentos e munições aqui. Escolho uma pistola de
calibre 9, uma arma discreta e letal, confiro a munição e a coloco na
lateral do cós da calça de forma que fique camuflada pela barra da
jaqueta.
Desço as imensas escadarias e sigo até a garagem da mansão,
entro no carro e arranco na direção da rua. Oito dos meus melhores
homens me seguem dentro dos SUVs escuros.
House of the Rising Sun toca alto enquanto piso com tudo no
acelerador, indo na direção do local que costumo frequentar. O vento
chicoteia o meu rosto, mas o som do motor rugindo faz a adrenalina
borbulhar pelo meu corpo em pequenas doses.
Quando estou próximo da pista, onde acontecem as corridas,
diminuo o volume do som e desacelero para que meus guarda-costas
possam me acompanhar. Os SUVs não são páreos para a Ferrari e eu não
posso me dar ao luxo de comparecer desprotegido em uma corrida
clandestina. Há chefes de gangues e inimigos por lá que adorariam me
ver debaixo de sete palmos.
Assim que os seguranças me alcançam, dirijo até o local e
estaciono no meio da pista, chamando a atenção de todos ali. Saio da
Ferrari e os seguranças me acompanham. Eles formam um paredão
altamente armado em minha volta.
O cheiro de álcool e cigarro toma o ar, misturando-se com o odor
de sexo. Há uma verdadeira multidão aqui, apesar de a área ser distante o
suficiente de ambientes residenciais. É um local afastado do centro de
Nova York, possui prédios e galpões abandonados e que são utilizados
para abrigar o que de mais sórdido pode acontecer no submundo do
crime organizado. Rola de tudo aqui: drogas, corridas clandestinas,
prostituição...
Algumas pessoas, eu conheço; outras não, mas nada disso tem
importância agora. As corridas são apenas um hobby, algo que uso como
distração de vez em quando, para sentir que ainda estou vivo.
Vadias quase nuas rebolam ao lado dos carros que estão na linha
de partida, no ritmo da música alta. Os seios estão quase explodindo
dentro dos sutiãs pequenos, da mesma forma que as calcinhas minúsculas
estão enfiadas em seus traseiros, me excitando, trazendo à tona o pior que
há em mim. O ambiente é sujo e indecente, exatamente como eu sou.
Caminho até o grupo de apostadores que estão reunidos ao lado
da pista. Permito que a pistola fique à mostra enquanto os cumprimento e
começo com um pequeno lance de duzentos mil dólares.
Um dos meus capangas coloca a mala com o dinheiro no chão,
no centro do círculo de homens e a abre, revelando o amontoado de
cédulas.
Roger, o dono da gangue que comanda este território, me olha,
incerto. Ele não é muito confiável, mas há um acordo de boa convivência
entre nós. O homem sabe que onde passo, deixo lucros e mortes na
mesma proporção então, não é uma boa ideia me ter como inimigo.
— Duzentos mil dólares, irmão? — Ele sorri e dá um passo
adiante. — Aquele é o seu novo carro? — pergunta, apontando na
direção da Ferrari estacionada a alguns metros.
— Posso melhorar o lance se desejar! — Cruzo os braços e sorrio
de lado, debochado, demonstrando que não estou para brincadeiras.
Não tenho medo de apostar e sei que não irei perder.
— Sempre tão aberto a negócios, Daniel.
O homem alto de frios olhos escuros, analisa as opções olhando
de mim para o carro e então concorda.
— Feito! — diz, estendendo a mão. — Duzentos mil dólares e
algumas mulheres, parceiro. As vadias são um agrado para firmar o
nosso acordo.
Seu sorriso se amplia. O homem abre os braços e acena, sem
deixar de me encarar. Em alguns instantes, cinco belas mulheres
caminham em sua direção e sorriem para mim, mordiscando os lábios.
— Pode escolher. Será bem atendido até chegar o momento da
nossa aposta.
Assinto e analiso as mulheres cuidadosamente.
— Quero as duas loiras! — indico enquanto admiro os lábios
carnudos de uma e corro os olhos pela boceta suculenta que marca a
calcinha da outra. Meu pau lateja, louco para ser libertado.
— Cuidem do bem-estar do nosso convidado, garotas. Ele tem
uma longa corrida pela frente e precisa estar relaxado. 
Fito-o e sorrio de lado, imaginando o quanto toda essa bajulação
é tediosa. Roger não passa de mais um puxa-saco de merda, penso.
No entanto, eu nunca dispenso uma boa foda!
Sexo é como uma válvula de escape para os meus demônios e,
para esquentar a noite, nada melhor que um gostoso boquete ao ar livre.
Analiso os corpos das mulheres e gosto do que vejo, apesar de
não fazerem tanto o meu estilo. São magras demais para o meu gosto,
mas os belos pares de seios compensam o resto.
Indico para que me sigam e entro em um beco mal iluminado. 
— Tirem a roupa! — exijo, ao mesmo tempo em que pego a
pistola, mantendo-me atento.
Gosto de tê-las vulneráveis, completamente nuas e expostas sob
o meu domínio.
As putas não medem esforços para fazerem o que digo e ficam
nuas, jogando as minúsculas peças de roupas no chão. Sem se
importarem com as pessoas que passam pela rua, elas se abaixam na
minha frente e começam a acariciar o meu corpo, passando as mãos pelo
meu abdômen e virilha.
Encosto-me nas paredes do antigo edifício e aceno para que a
loira de cabelo mais curto fique de pé ao meu lado.
— Se incline para a frente e abra bem as pernas, vadia. Quero ver
sua boceta arreganhada para mim.
— Sim, senhor… — responde com a voz rouca.
Firmando-se na parede, ela faz o que digo. Empina a bunda em
minha direção e abre as pernas, permitindo que eu veja cada detalhe da
boceta avermelhada. 
Acerto seu traseiro com um tapa e acaricio o local, em seguida,
deslizo minha mão pelas dobras da sua boceta e penetro dois dedos em
seu canal, fazendo-a grunhir.
A mulher de joelhos à minha frente, desce a minha calça com a
cueca e segura o meu pau. O caralho pulsa vibrante e cheio de veias
vigorosas.
Ouço uma exclamação sair da sua boca e sei que ela está
impressionada com o tamanho e grossura. Sempre causo esse efeito nas
mulheres.
— Engole todo, até chegar à sua garganta — ordeno, impaciente.
Ela me toma em sua boca e eu sinto a língua ávida percorrer o
meu comprimento. Grunho, me deliciando com o prazer passageiro que
me invade.
Usando a mão que segura a arma, agarro algumas mexas de
cabelo da sua nuca e forço o meu pau em sua boca. Fodo seus lábios sem
pena, fazendo a mulher se engasgar e seus olhos lacrimejarem.
Afasto-a por alguns segundos, para que tome ar e volto a meter.
Ao mesmo tempo, retiro os dedos lambuzados da boceta da outra e os
enfio no cuzinho.
Fodo as duas, metendo o pau na boca de uma e enfiando os dedos
na bunda da outra, fazendo a tensão se diluir em meu corpo, esquecendo
momentaneamente quem sou e a maldição que tenho que carregar por
cada maldito dia da minha vida.
CAPÍTULO 3

 
LEXIE
 
Sozinha em meu quarto, sento-me desolada na cama com meus
braços cruzados na frente do corpo.
O que irei fazer? É tudo em que consigo pensar enquanto a
agitação me consome. Sinto-me fraca e impotente diante de tal situação.
Não vejo outra saída a não ser seguir as ordens do meu pai e me casar
com este tal de Daniel. Porém, casar-me com alguém que não seja Matt é
o mesmo que me jogar de um abismo profundo do qual sei que nunca
sairei. Não viva.
Meu corpo treme de forma descontrolada, meu coração palpita
forte. Levo as mãos à minha cabeça e entrelaço os dedos nos fios do meu
cabelo, buscando a todo custo diminuir a agonia e o incômodo que se
formou em minha garganta.
Meus olhos ardem por causa do choro que reprimo com tanto
afinco. Quero gritar, desesperada, mas até mesmo nisso Hector me
controla. Ele seria capaz de me punir severamente se me flagrasse
chorando ou fazendo algum alvoroço como tenho vontade de fazer agora.
Ele me chamaria de fraca, inútil e depois me deixaria com alguns
hematomas no corpo.
Oh meu Deus…
Desço a mão até o meu peito e esfrego, como se este simples
gesto pudesse aliviar a dor que estou sentindo. Não sou religiosa, fui
poucas vezes à Igreja, se bem me recordo, ainda quando Adrieene estava
viva, mas no momento desesperador em que me encontro, agarro-me a
tudo e torço para que os últimos vestígios da minha fé me salvem desse
destino cruel de alguma forma.
Pensar em minha mãe faz o meu peito se abrir em carne viva. Eu
era tão pequena quando ela morreu, as lembranças das suas feições há
tempos dissiparam-se da minha memória. 
A vontade de chorar vem forte. Já não consigo impedir que mais
lágrimas caiam e banhem o meu rosto. Sinto que vou explodir.
Levanto-me, me esforçando ao máximo para vencer a tremura
que atinge o meu corpo e caminho até a janela do quarto.
Abro as cortinas e os vidros e inspiro o ar que adentra o
ambiente. A brisa me conforta um pouco ao roçar em meu rosto e ao
fazer as lágrimas secarem.
Lá fora está um verdadeiro breu.
A noite sem luar engole todas as formas e cores, prendendo-as
em sua escuridão. De certa forma, sinto-me igual. Presa em um mundo
de sombras do qual nunca poderei sair.
Enquanto sinto o vento me abraçar, os flashes de um sonho, de
uma lembrança vêm a minha mente e eu fecho os olhos.
Passo os dedos pelo batente da janela e levanto o olhar para
encarar a escuridão. As imagens confusas passam por minha mente como
o estalar de um raio. No meu sonho, eu estava exatamente aqui na minha
janela. Eu chorava, não me lembro direito, mas acho que papai havia me
deixado de castigo por eu ter me sujado no jardim.
Por muito tempo, tive medo dos olhos daquele homem. Eles
eram tão expressivos, endemoniados e frios como gelo. É apenas disso
que me lembro… aqueles olhos gelados, fitando-me com amargura,
como se eu fosse a semente do mal aqui na terra, então todas as imagens
se dissolvem e misturam-se com as outras...
Cansada, suspiro e volto a fechar a janela.
É uma noite quente, o ar está seco e abafado, deixando-me ainda
mais sem ânimo.
Caminho até o closet e apenas encaro as roupas tristemente,
desejando com todas as minhas forças ter nascido em outra época e em
outra família.
Passam-se alguns segundos enquanto permaneço em pé,
pensando no futuro aterrorizante que me espera ao invés de trocar a
roupa. A dor pelo preço que terei que pagar é tão forte que não consigo
pensar coerentemente. Meu coração dói. Minha alma dói.
Serei obrigada a abrir mão dos meus sonhos para servir ao meu
futuro marido. Pensar nele faz todos os meus músculos enrijecerem e eu
estremeço.
Seria este homem um velho asqueroso? Deus... O pânico me
toma. Hector nem sequer teve a decência de me falar sobre ele.
Estou tão absorta em pensamentos que me assusto quando ouço
uma batida na porta.
Rapidamente saio do closet e arrumo o vestido, pensando que
possa ser o meu pai. No entanto, este pensamento se desfaz, pois sei que
ele não seria tão cavalheiro assim em bater, ao invés disso, entraria em
meu quarto sem se importar com nada, como sempre fez.
Levo as mãos às minhas bochechas e seco as lágrimas que
escorrem com abundância, em seguida abro a porta.
Abigail, a governanta da mansão e o mais próximo que tenho de
uma mãe, me fita com o olhar preocupado e olhos vermelhos, como se
tivesse andado chorando. John está logo atrás dela.
— Minha criança… — A mulher de cabelos grisalhos, presos em
um coque elegante no alto da cabeça, entra no quarto e me puxa para os
seus braços. — Eu sinto tanto…
— Abby… — murmuro o apelido que estou familiarizada a
chamá-la e fungo baixinho dentro do seu abraço, lutando para não
desmoronar.
Apesar da pose rígida, autoritária, e na maior parte das vezes
séria, Abby é uma mulher boa e de coração mole. Cuida de mim desde
que nasci. Nas poucas lembranças que tenho com minha mãe ou
Adrienne, Abby sempre estava ao meu lado, zelando todos os meus
passos.
— Por que eu, Abby? Por que ele fez isso comigo?
— São os negócios do seu pai, querida… E infelizmente dessa
vez você estava nos planos dele e da Famiglia.
Outro soluço me toma e eu caminho na direção da cama, ainda
envolvida pelos braços maternos de Abby.
Sentamo-nos e ela segura a minha mão, mas antes de dizer
qualquer coisa para mim, vira-se na direção de John que nos observa da
porta, atento.
Só agora percebo que ele segura uma bandeja nas mãos.
— Pode deixar a comida na mesa de cabeceira, John — pede e
olha-me.
Suas mãos gentis seguram o meu rosto com ternura e ela deposita
um beijo em minha testa.
— Você precisa ser forte, Lexie. Não tente desafiar o seu pai,
menina. Ele é perigoso. Tenho medo de que a machuque mais.
— Eu não sei o que fazer. — Aperto sua mão tremulamente. —
Eu sei que Hector nunca me amou, mas nunca imaginei que ele pudesse
fazer isso comigo. Ele me vendeu, Abby.
A mulher não nega o quanto está aflita. Sombras arroxeadas
destacam-se debaixo dos seus olhos, intensificando as linhas de
expressão causada pelos anos. Até mesmo o vestido elegante e
minimamente passado que ela usa não consegue disfarçar seu ar de
cansaço e desânimo.
— Eu sempre estarei do seu lado, filha — diz com o olhar
marejado. — Não importa para onde aquele homem irá levá-la. Eu irei
com você.
Engulo o soluço e a observo com afeição. Meu peito aperta-se ao
me lembrar das ameaças do meu pai. Eu não tenho outra escolha a não
ser fazer tudo o que ele me ordena, ou então Hector irá machucar todas as
pessoas que amo, começando por Abby.
— Obrigada...— murmuro.
— Abigail, se apresse. Sabe que o chefe deu ordens explícitas
para ninguém incomodar a menina — diz John, parecendo aflito. Seu
olhar não nega o quanto essa situação o incomoda.
Olho para o homem parado ao lado da mesinha de cabeceira e de
repente tenho a ideia de perguntar sobre o meu futuro marido. Talvez se
eu tiver sorte, ele o conheça.
Abigail levanta-se e eu também me coloco de pé. Ainda
segurando a minha mão, ela diz:
— Lexie, descanse, querida. Tente comer e dormir um pouco,
amanhã você estará melhor.
Desvio minha atenção de John que se encaminha para a porta e
assinto para a mulher na minha frente, em seguida, dou alguns passos na
direção da porta e chamo por ele:
— John, espere.
O homem para a poucos metros de distância de onde estou e vira-
se.
— Não podemos ficar mais, menina. Se seu pai souber que
estivemos aqui te incomodando, as coisas poderão ficar feias para o
nosso lado.
— Eu sei… eu sei… e desculpe por isso. — Respiro fundo.
Sinto minhas pernas fraquejarem enquanto ando lentamente em
sua direção, mas eu preciso saber:
— O meu… futuro marido. Você o conhece?
Por um instante, percebo quando John arregala os olhos, ficando
ligeiramente pálido. Olha-me fixamente, como se procurasse as palavras
certas a me dizer. O pânico me invade e eu engulo saliva com
dificuldade.
Sim, John o conhece, percebo não por causa da forma que ele
hesita em dizer algo, mas pela apreensão que vejo em seu semblante,
agora tenho certeza que meu futuro marido não é a pessoa mais gentil do
mundo.
— Por favor, me fale sobre ele… por favor, John.
— Lexie, querida, não se torture com isso agora — pede Abigail,
e coloca a mão em meu ombro.
Balanço a cabeça em negativo e continuo com o olhar fixo em
John, aguardando uma resposta.
— Ninguém sabe muito sobre ele, Lexie, apenas que é um
homem poderoso, dono de todo o território da costa novaiorquina e de
grande parte dos territórios da Filadélfia, Las Vegas, Chicago e
Washington. Ele é conhecido no submundo do crime como o próprio
diabo. Todos, sem exceção, o respeitam e o temem.
A bile sobe em minha garganta ao imaginar a espécie de monstro
com quem irei me casar. O pavor me toma.
— John… —  Abigail tenta intervir na conversa, mas John a
impede.
— Ela precisa saber, Abigail… — diz ele, sem desviar o olhar de
mim. — Ele é perigoso, Lexie. Mata sem nenhuma piedade ou
misericórdia. Tem aliados em todas as partes do mundo, incluindo dentro
da casa branca e no FBI. — Cada palavra dita parece abrir um buraco no
meu peito. — Fugir dele é quase impossível, criança… Tome cuidado,
muito cuidado.
Assinto, tendo a certeza de que agora, mais do que nunca, o meu
destino está traçado. Eu fui amarrada e embalada para presente para ser o
brinquedo de um homem sem escrúpulos e perigoso.
— Onde está... meu pai? — pergunto uma última vez. A voz
falha, a respiração irregular.
— Ele saiu e não deve voltar esta noite.
John desvia o olhar, visivelmente agitado e vira as costas, saindo
do quarto. Abigail se despede de mim e sai também, fechando a porta
atrás de si.
Respira, Lexie, seja forte. Repito as palavras de Abigail na minha
mente, me recusando a derramar mais lágrimas.
Sigo até o closet, pego um pijama qualquer e me troco. Retorno
para a cama e olho para a bandeja em cima da mesinha. Retiro a tampa,
deparando-me com uma vasta variedade de comida, mas não sinto fome.
Na verdade, a simples ideia de colocar algo na boca faz meu estômago se
revirar.
Deito-me, me agasalhando debaixo dos lençóis e meus
pensamentos voam até Matt.
Deus, como irei dizer tudo o que aconteceu a ele? Matt irá me
odiar quando souber que irei me casar com outro.
Como se adivinhasse o que se passa na minha cabeça, meu
celular toca e vejo seu número na tela. Não salvei seu contato por medo
de que meu pai descobrisse, mas tenho o seu número gravado em minha
memória.
Corro até o banheiro e tranco a porta para evitar que alguém me
escute do corredor. Recosto-me na pia e atendo. Quando ouço sua voz
macia, é como sentir a paz retornando para o meu corpo.
— Matt… — sussurro, desolada, mas busco disfarçar a
apreensão em minha voz.
— Oi, lindinha. Como você está?
— Estou bem — minto. — Senti a sua falta.
— E eu a sua. — A menção de que ele também sentiu a minha
falta me faz sorrir bobamente. Mas meu sorriso logo se desfaz ao me dar
conta que os nossos momentos estão com os dias contados.
— Queria estar com você agora — diz ele, fazendo meu peito
doer.
— Eu também, Matt. É tudo o que mais quero… — sussurro,
mais para mim do que para ele.
Permanecemos assim, conversando baixinho enquanto eu encaro
o meu reflexo no espelho.
Matt diz coisas engraçadas, me distrai com sua conversa gostosa
e descontraída.
Ele brinca falando bobagens em meu ouvido ao mesmo tempo
em que eu analiso o meu rosto no espelho, me sinto morrer a cada
segundo que se passa.
Feia, gorda, desajeitada…  As palavras de meu pai não saem da
minha cabeça.
Mas Matt não enxerga apenas a minha aparência estranha, ele
enxerga o que está dentro do meu coração, fazendo as minhas forças se
renovarem.
Respirando fundo, reflito:
Eu irei me casar com outro. Eu irei ser prisioneira de outro…
Mas, e se a gente sair uma única vez? Seria tão bom se eu pudesse ter
uma noite minha, apenas minha.
— Matt… — interrompo-o. Meu coração está acelerado, contudo
a decisão já está tomada.
— Sim, meu amor, o que foi?
— E se sairmos hoje? Eu posso dar um jeito de sair escondida.
Meu pai não está em casa, eu acho que consigo…
— Ah Lexie, seria maravilhoso, lindinha.
Sorrio, satisfeita com a possibilidade de vê-lo, apesar de saber
que não poderei ir além dos beijos. Hector mataria quem eu amo se
qualquer atitude minha arruinasse esse maldito casamento.
— Eu quero viver, Matt. Quero correr na rua e sentir o ar batendo
no meu rosto.
— E o que você tem em mente, Lexie?
Penso por alguns instantes, mas a verdade é que não sei dizer o
que estou sentindo. A única coisa que quero é me sentir livre por uma
noite. Quero fazer algo que possa ser lembrado em cada dia da minha
vida.
— Eu não sei, Matt. Só quero sentir que estou viva. Quero me
aventurar… sem regras.
Matt suspira e diz:
— Eu posso te dar tudo isso, meu amor. Confia em mim?
— Sim. Me surpreenda… — peço, esperançosa.
— Eu acho que tenho o lugar perfeito para irmos. Você poderá
extravasar todo este senso de aventura. — Sua risada gostosa me faz
sorrir também.
Passo o meu endereço a ele e indico um ponto longe da mansão
para que eu possa encontrá-lo. Despedimo-nos e eu começo a traçar um
plano para passar despercebida pelos homens do meu pai.
Para começar, precisarei aguardar a troca de turnos que deve
ocorrer em alguns minutos. Lá fora está repleto de câmeras por todos os
lugares, mas se eu for rápida, posso ter a sorte de sair sem ser notada.
Visto uma calça jeans, tênis e camiseta de manga curta. Pego um
moletom preto e me cubro, colocando o capuz na cabeça.
Devagar, caminho até a porta e ouço os movimentos dos
seguranças no corredor. Imagino ser John e algum outro homem.
Não tenho alternativa, a não ser sair pela janela. É a opção mais
segura.
John é atento, mas se eu for silenciosa o suficiente, poderei
escapar sem grandes problemas, ainda mais agora que ele está focado na
troca de guardas. Provavelmente está passando instruções pelo rádio.
Os homens da patrulha são turrões, mas conhecendo-os como eu
conheço, sei que estarão atentos a movimentos vindos de fora. Eles estão
sempre prontos para um possível ataque, mas dificilmente para uma fuga,
muito menos a minha. Com a troca do turno se aproximando, terei
poucos minutos sem que haja um brutamontes de olho na minha janela.
Enquanto os minutos passam, arrumo alguns travesseiros debaixo
do edredom para o caso de alguém decidir entrar no quarto, apago todas
as luzes e caminho até a janela. Confiro o horário no visor do celular e o
guardo dentro do sutiã.
— Está na hora… — murmuro, nervosa e sento-me no batente.
Com o auxílio dos galhos das árvores próximos à janela, consigo
descer pela sacada, tomando cuidado para não fazer ruídos e chamar a
atenção dos capangas de Hector. A outra possibilidade é que eu venha a
cair e me estatele no chão.
Quando piso na grama, escondo-me atrás dos troncos das árvores
e torço para que ninguém esteja vigiando as câmeras de segurança no
momento. Prometo a mim mesma que ficarei fora apenas algumas horas.
Estarei de volta antes que alguém perceba a minha ausência.
Andando abaixada por entre os arbustos decorativos, caminho o
mais rápido que consigo até a lateral da cerca viva que rodeia a mansão.
Encolho-me atrás do tronco de uma árvore e prendo a respiração quando
ouço vozes na direção do jardim, a alguns metros de distância de onde
estou.
Aguardo por alguns minutos e então o silêncio reina outra vez,
me fazendo soltar o ar aliviada.
Salto a cerca e corro rapidamente até o local que combinei com
Matt. A palma da minha mão arde por causa de um pequeno arranhão,
mas isso não tem importância agora.
Estou ofegante ao chegar no ponto marcado e avisto o carro dele.
Matt abre a porta do passageiro assim que me aproximo e eu entro.
 
— Oii — digo, ofegante. O coração quase saindo pela boca
devido à pequena corrida e ao medo de ser pega.
— Oi, lindinha. — Ele sorri e inclina o corpo. Os lábios macios
se encontram com os meus por breves segundos e eu fecho os olhos.
— Como conseguiu sair tão facilmente? — pergunta roucamente.
Gargalho convencida e ao mesmo tempo trêmula, e conto a ele
todos os detalhes da minha fuga regada a um punhado de sorte.
Matt ouve tudo atento e roça os meus lábios com os seus mais
uma vez, de leve.
— Estou orgulhoso, Lexie. — Seus olhos brilham e meu sorriso
amplia-se.
— Para onde vamos? — pergunto, curiosa.
— Vamos nos aventurar como você sugeriu ao telefone. O que
acha?
— Acho que é uma excelente ideia — respondo, animada.
— E depois eu irei beijar muito você. — Ele pisca, me fazendo
corar. Mas o sorriso continua presente em meu rosto. — Iremos
conversar e então te trarei de volta ou podemos ir para a minha casa.
Meu coração acelera, dando batidas frenéticas ao imaginar o que
ele quer dizer com a sugestão de irmos para a sua casa. Abro a boca
algumas vezes para respondê-lo e dizer que não posso, mas minha voz
simplesmente não sai.
Matt sorri de lado e dá a partida no carro tomando velocidade,
mas vez ou outra dirige o seu olhar para mim.
— Não precisa ficar envergonhada, Lexie — tranquiliza-me. —
Uma coisa de cada vez. Primeiro vamos conversar e nos divertir um
pouco.
Mordo os meus lábios, envergonhada, sabendo que sou quase um
livro aberto e ele pode ler tudo o que se passa em minha cabeça.
Assinto e foco o meu olhar na rua, em pouco tempo, começamos
uma conversa agradável.
Matt fala um pouco sobre si e a família. Diz que veio para Nova
York há alguns meses para ingressar na faculdade, mas que deixou pai e
irmãos em Chicago.
A conversa flui e aproveitamos o trajeto para nos conhecermos
mais. Sinto-me orgulhosa em saber o quanto ele é forte e ajudou o pai a
criar seus irmãos depois que sua mãe morreu de câncer.
Algum tempo depois, chegamos a um local afastado do centro.
Matt explica que é um lugar utilizado para a disputa de corridas
clandestinas e acha que irei gostar. Diz que combina com meu senso de
aventura e foi a primeira coisa que veio em sua mente quando eu disse
que queria me aventurar sem regras. Ele estaciona a alguns metros de
distância do aglomerado de pessoas e vira-se na minha direção.
— Podemos ir para outro lugar se você não gostar, Lexie — diz,
segurando minha mão.
Mordisco o lábio um pouco receosa, mas decido que será uma
experiência interessante. Afinal, quando poderei ter outra oportunidade
como esta?
— Não… — murmuro e o fito com ternura. — Eu quero estar
aqui com você. Sem regras, lembra?
Ele assente.
Ao descer do carro e sinto o vento balançar os meus cabelos,
abro os braços e rodopio no meio da rua, gargalhando.
Matt segura-me pela cintura e continua a me rodar no ar, me
arrancando mais algumas gargalhadas, me fazendo sentir tão viva como
nunca estive.
Como é bom ser livre.
— Já vai acontecer o primeiro racha. Vamos? — diz, assim que
me coloca no chão e aponta na direção de alguns prédios à frente, onde o
número de pessoas está mais concentrado. — Se eu tiver sorte, posso
tentar uma aposta também. Amaria ver você torcendo por mim, lindinha.
— Vamos…  — respondo, animada. 
Ele segura em minha mão e corremos rumo à pista onde
acontecerá as corridas.
Passamos por becos mal iluminados, procuro ignorar as mulheres
que circulam quase nuas pelo local. O cheiro de bebida e cigarro é forte,
mas nem isso é capaz de tirar o sorriso estampado em meu rosto.
Logo à frente, consigo ouvir o ronco do motor dos carros e
apresso o passo.
Estou tão feliz e concentrada em chegar até a pista que mal
percebo o homem enorme que sai do beco bem no instante que passo.
O choque (ou a trombada) é inevitável e faz com que eu largue a
mão de Matt, cambaleando para trás e caindo sentada no chão.
Oh céus…
Ofegante, retiro os cabelos que caíram em meu rosto e olho para
cima. Minhas nádegas doem, mas este é o menor dos meus problemas
agora.
Uma grande mão está estendida na minha direção e a sombra do
homem paira bem à minha frente, onipotente e intimidade. Estremeço ao
sentir um arrepio em meu corpo e prendo o ar, envergonhada pelo tombo.
— Cuidado por onde anda, pequenina. — Sua voz calma e
aveludada entranha-se em meus ouvidos. — Segure a minha mão.
Olho mais uma vez para a mão estendida na minha frente, mas a
ignoro. Continuo subindo o olhar, sentindo-me embaraçada por ficar tão
impressionada com os músculos de suas pernas e pelo fato de o zíper de
sua calça estar aberto.
Ele usa uma jaqueta de couro, mas o abdômen bronzeado e
definido está à mostra. Seu tamanho é impressionante… posso dizer que
é o maior e mais musculoso homem que já vi em toda a minha vida.
Trêmula, fito a sua face e quase perco o ar ao ver o rosto sério e
brutal, coberto pela barba loira proeminente. O olhar escuro está fixo no
meu, tão penetrante como se olhasse o fundo da minha alma, dando-lhe
uma onda de perigo.
Céus… céus...
Seus cabelos estão bagunçados e seu corpo suado, como se ele
tivesse acabado de exercer um grande esforço físico.
Chocada, vejo seus lábios se curvarem em um sorriso sórdido e
ele leva as mãos até o cós da calça para fechar o zíper. Involuntariamente,
meus olhos acompanham cada detalhe dos seus movimentos e sinto
minha face corar, notando o volume que se formou naquela região.
O homem tem um ar ousado, misterioso, exalando sexualidade, o
que me deixa momentaneamente aterrorizada. Quero desmaiar e fingir
que isso não passa de um pesadelo, mas não consigo me mover, tudo em
mim está congelado, mesmo quando o meu sexto sentido grita para que
eu me mova e corra o mais rápido possível, até estar longe o bastante do
olhar animalesco deste homem.
BIOGRAFIA DA AUTORA
 
 

JÉSSICA LARISSA é uma escritora baiana, fascinada pela


literatura, principalmente pelos gêneros de romance hot e dark, aos
quais tem dedicado sua escrita. Mãe e esposa, atualmente cursa
Engenharia Civil e fez da escrita um estilo de vida. Publicou alguns
de seus romances de forma tradicional por editora, e em
plataformas on-line, ultrapassando a marca de mais de 50 milhões
de leituras.
 
Instagram: https://www.instagram.com/autorajessicalarissa/
Página no facebook:
https://www.facebook.com/autorajessica.larissa.7
 

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