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Copyright © 2022 J.

Marquesi
1ª Edição

Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e acontecimentos descritos


são produtos de imaginação do autor. Qualquer semelhança com nomes, datas e
acontecimentos reais é mera coincidência.

Revisão: Analine Borges Cirne


Capa e diagramação: Layce Design
Imagem: Homem: neonshot, AdobeStock
Mulher: Fxquadro, AdobeStock

Todos os direitos reservados.


São proibidos o armazenamento e/ou a reprodução de qualquer parte esta obra, através
de quais meios – tangíveis ou intangíveis – sem o consentimento escrito do autor.
A violação dos direitos autorais é crime estabelecido pela lei nº. 9610/98 e punido
pelo artigo 184 do código penal.

Edição digital | Criado no Brasil


Playlist
Prólogo
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Epílogo
Bônus
Sobre a autora
Outras obras
Contato
Notas
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20 anos antes.

Enquanto o temporal caía, tudo o que eu pensava ali, ensopado de


lágrimas e chuvas, era no futuro. Minha mãe segurava firme minha mão,
tentando parecer mais forte do que era, talvez por mim ou por ela mesma.
Respirei fundo para me conter a fim de mostrar que estava bem, mas o bolo
em minha garganta e o aperto em meu peito me impediram.
Tudo o que eu pensava era que nunca mais iria vê-lo!
Não seria fácil dali por diante, ele era nosso refúgio, nosso porto-
seguro, a quem recorríamos sempre que precisávamos de bons conselhos,
boas risadas e aventuras. Meus olhos se ergueram brevemente, verificando o
estado de cada pessoa ali presente. A maioria não representava nada para
mim, apenas rostos conhecidos que via, vez ou outra, em algum evento.
Este também não deixa de ser um!
— Michael? — A voz de mamãe despertou-me do torpor da dor, e a
encarei. — O padre quer que você diga umas palavras.
Engoli em seco e, completamente molhado por não ter ficado debaixo
do guarda-chuva, caminhei até onde o religioso estava.
— Tudo bem, filho? — o homem perguntou quando me aproximei
Minha vontade era de rir sarcasticamente, afinal, quem estaria bem
passando por um momento como aquele? Não, eu não estou bem e, talvez,
nunca ficarei!, minha consciência gritava.
Porém, minha voz respondeu:
— Estou, sim, padre. — Aprumei meu corpo, relanceei os olhos para
o céu e fiz algo que ele sempre disse que eu fazia bem: discursos. — Quem
pode prever o futuro? Certamente nenhum de nós consegue antever o dia de
sua morte, embora saibamos que, invariavelmente, ela chegará. Não há como
correr, não há barganha, não importa o saldo de sua conta bancária ou mesmo
sua influência neste mundo. Então, o que resta? Viver. — Vi dezenas de
rostos assentindo, mas não foquei em nenhum deles. — Esse era o lema do
homem de quem herdei não só o nome, como também o fascínio pelos
números. Há quem diga que sou um prodígio, no entanto sei que não sou
nada se comparado a ele. Dominar as ciências exatas era apenas um pedaço
de todas as aptidões de Michael Griffin. Ele vencia facilmente a falácia de
que um bom empresário é duro como aço e leva seus negócios com punhos
de ferro. — Sorri com a memória reconfortante dos Natais em que ele se
vestia de Papai Noel para alegrar os filhos de seus funcionários. — Ele era o
contrário disso. Quem o conheceu bem sabia que prezava não só seu próprio
conforto, mas também o das pessoas com que se relacionava, inclusive seus
funcionários. Quantas vezes o ouvimos dizer que a empresa não era um local
de trabalho, mas como um lar, e que cada pessoa ali importava? Vocês
podem estar pensando agora: Michael Griffin era um homem exigente, em
contrapartida. Sim, ele era. Assim como todo bom líder, ele sabia reconhecer,
mas, acima de tudo, sabia comandar. — Tentei em vão prender um soluço. —
Minha família quis um enterro pequeno, privado, com apenas amigos
chegados, por isso estamos aqui. Só que eu sei que, neste momento, lá fora,
ao portão, há centenas de pessoas, como funcionários, repórteres,
admiradores e alguns curiosos, tentando acompanhar um pouco da despedida
desse homem tão especial. — Olhei para o caixão ricamente ornamentado
com flores, com uma camisa do Chicago Bears assinada por Matt Hester e
uma do Chicago Bulls assinada por Jordan. Suspirei. — Eu perco parte de
mim nesta tarde. Ao mesmo tempo, sei que muito seu ficou em mim, por isso
sou grato pelo privilégio de ter convivido 13 anos contigo, vovô!
Coloquei minha mão direita sobre o caixão e, de olhos fechados, fiz
uma prece para que, de onde ele estivesse, nunca me deixasse esquecer tudo o
que aprendi, a ser um homem tão forte como ele foi e, principalmente, a
ajudar meus tios e primos a tocar o negócio da família, um dos seus maiores
orgulhos. Não esperávamos perdê-lo tão cedo, porém seu coração decidiu ir.
Uma confusão se formou de repente a alguns metros da sepultura,
fazendo com que todos olhassem para lá. Vi meus dois tios se aproximarem
de uma mulher com pressa e, junto aos seguranças que estavam no entorno
do enterro, levá-la para longe.
Olhei para mamãe, e ela parecia estar em choque. Aproximei-me dela
e peguei sua mão, porém nem mesmo assim conseguiu deixar de olhar a cena
que se desenrolava.
Mesmo de onde estava, podia ouvir os gritos da mulher, seu choro, a
força que fazia para se aproximar, assim como a postura tensa de meu tio
mais velho e o nervosismo do outro.
— Mãe, quem é ela? — perguntei baixinho. — Mãe?
Havia muito eu já tinha atingido sua altura, por isso olhava para ela
cara a cara e a vi empalidecer. Agi rápido e a amparei com meus braços
quando cambaleou, o que me deixou ainda mais angustiado, porque, se havia
uma mulher forte neste mundo, certamente era minha mãe.
O burburinho dos presentes chegou aos meus ouvidos, mas, pelo que
percebi, todos se faziam a mesma pergunta que eu. Havia um ar de surpresa e
curiosidade, e o reverendo precisou clarear a garganta várias vezes para
retomar a cerimônia fúnebre.
Minutos depois, meus tios retornaram, mudos, com o semblante
fechado e assim ficaram até o fim, quando o corpo sem vida de vovô desceu à
sepultura, a terra foi jogada sobre ele, e a grama, replantada.
Voltei no mesmo carro que minha mãe, segurando sua mão fria e
trêmula. Ela não derramou uma só lágrima por seu pai, mas eu não esperava
o contrário. A vida a tinha endurecido demais e, apesar de saber o quanto ela
me amava, sabia que fui parte desse endurecimento.
Chegamos à mansão da família Griffin, lar do meu avô e onde eu
tinha morado a vida toda. Os empregados estavam na porta, aguardando os
convidados para o almoço.
Sinceramente, eu não queria de forma alguma recepcionar ninguém.
Queria apenas meu quarto, meus CDs e ficar encolhido pensando no que iria
fazer dali para frente. A empresa estava segura, meus tios e minha mãe a
geriam com excelência e, um dia, eu iria fazer parte da diretoria, como era a
vontade de vovô, mas, naquele momento, queria apenas vivenciar o luto e dor
da perda do homem que foi muito mais do que meu avô: era o pai que não
tive, o amigo de todas as horas, meu ídolo.
— Michael! — Amanda Griffin, minha prima de 16 anos,
cumprimentou-me. — Fez um belo discurso, como sempre...
— Você sabe o que aconteceu no final da cerimônia, Mandy? —
Interrompi-a, pois a cena da mulher sendo arrastada não saía da minha mente.
Amanda olhou para todos os lados, como se quisesse se certificar de
que não havia nenhum adulto por perto.
— Era a vovó Daisy. — Arregalei os olhos e neguei. — Era, sim!
— A vovó Daisy está morta! — frisei, caso ela não se lembrasse.
— Morta para o vovô, mas continua bem viva, como vimos. — Ela se
aproximou de mim para segredar: — Foi um susto, mamãe disse no carro.
Ninguém a via há quase trinta anos, quando abandou o vovô e os filhos e foi
morar na Europa com outro homem.
Mais uma vez neguei.
— Você está inventando histórias, como sempre faz!
— Não desta vez. — Deu de ombros. — Talvez, se você olhar os
documentos de vovô, descubra que ele era divorciado, não viúvo. Eu mesma
só soube há pouco tempo, ouvindo uma conversa entre meu pai e tio Patrick.
— Riu. — Você sabe que adoro ouvir atrás das portas! É de onde tiro ideias
para minhas histórias!
Pela primeira vez, não tive o que dizer. Achava que sabia tudo sobre a
vida do vovô, que não tínhamos segredos um para o outro. Olhei de relance
para minha mãe, entendendo por que estava tão abalada. Se era verdade tudo
o que Amanda me disse, mamãe fora abandonada com meses de vida e nunca
conhecera a mulher que a trouxe ao mundo. Ainda assim, a havia
reconhecido.
Minha família tem segredos!, constatei, ainda sem saber o que pensar.
O que será mais que eu não sei?
Chicago, tempos atuais

O jubileu de ouro da empresa alterou toda a dinâmica do escritório, e,


por causa dele, acabei ficando sem minha assistente, a senhora Robinson, e
consequentemente perdido em relação aos compromissos do dia, já que não
lembrava a maldita senha do sistema interno para poder consultar minha
agenda.
Mandei outra mensagem para Beth Robinson, só que novamente não
houve retorno. Respirei fundo, levantei-me e fui até o aparador de bebidas
para me servir de uma dose do uísque que ficava ali apenas para visitantes.
Normalmente eu não era tão irascível. O problema foi que dormi mal
no dia anterior, não fui ao treino de manhã e só consegui tomar uma xícara
pequena de café – em casa, porque no escritório não achei uma gota sequer
pronta.
E tudo isso para quê? Para ficar mais de 20 minutos lutando contra o
sistema sem conseguir, ao menos, descobrir o que tinha marcado para fazer
naquele dia.
Porra!
Virei a bebida, deixando o copo em cima do vidro lustroso do
aparador, e saí da sala aborrecido, tentando encontrar quem quer que fosse
para me auxiliar com o maldito sistema.
Meu telefone vibrou, de repente, no bolso da calça, e, na esperança vã
de ser minha assistente, peguei-o com uma exagerada pressa que o levou ao
chão. O barulho da tela se partindo me irritou ainda mais, pois tinha acabado
de comprar o maldito aparelho e ainda não tido tempo de colocar nenhum
tipo de proteção.
Mais alguns dólares para a maçãzinha!, pensei desanimado, tentando
não cortar a ponta dos dedos enquanto mexia na tela para conferir de quem
era a mensagem.

“Bom dia, seu puto! Vai me deixar esperando mesmo?”

A mensagem de meu melhor amigo e consultor jurídico da empresa


me causou alívio e frustração ao mesmo tempo.

“Estou sem agenda. Você é meu compromisso de agora?”

Esperei parado no corredor, deserto sem a correria diária da senhora


Robinson, enquanto ele digitava a resposta.

“Infelizmente foi o único horário que consegui. Eu queria ter


continuado na cama, bem tranquilo, com Ivy, mas tive que madrugar
para ver essa sua cara feia.”

Ri, pela primeira vez desde que o sol nascera, ao ler a mensagem.
Qualquer um poderia achar que Ivy era uma mulher gostosa com quem
Robert estava saindo, mas era só sua gata persa, gorda e muito mimada.
Robert Clark Junior e eu éramos amigos de infância. Seu pai foi um
dos grandes parceiros de meu avô, auxiliando-o em todas as questões
jurídicas, tanto de ordem profissional quanto pessoais. Havia alguns anos, o
velho Clark se aposentara e deixara a firma nas mãos do prodigioso aluno de
Harvard, que desistiu de um escritório em Nova Iorque para seguir ali,
levando o legado dos Clarks.
Fui até a sala que ele usava toda vez que estava a serviço da agência,
bati à porta antes de entrar e o encontrei debruçado sobre o computador. Ele
fez um aceno com a mão, indicando que eu devia me sentar quieto, pois
estava concentrado em algo.
— Espero que essas rugas em sua testa não signifiquem que temos
problemas iminentes — debochei ao me sentar. — Você é o único
profissional que eu desejo que continue subutilizado, porque assim evito dor
de cabeça.
Ele bufou e tirou os olhos da tela.
— Você demorou a aparecer, e resolvi dar andamento a uns processos
de outros clientes. — Sua explicação me causou risos, pois sabia bem que ele
mesmo não advogava, só dava consultorias. — Tem um advogado novo no
escritório, e ainda não sei se ele está no nível que requeremos, por isso passei
alguns desafios para testá-lo.
— E?
Robert riu.
— Ele é esperto, mas ainda não me convenceu.
— Bom, o melhor agora é você deixar sua implicância de lado e
começar a explicar o porquê desta reunião se já estivemos juntos revendo
contratos na semana passada.
Meu amigo ficou sério e suspirou, e senti meu corpo todo ficar tenso.
— Vim a pedido de sua mãe. — Robert parecia estar tão
desconfortável quanto eu. — Michelle me procurou na semana passada para
falar sobre Justin Willi...
— Pode parar. — Interrompi-o e me coloquei de pé. — Virou garoto
de recados da minha mãe agora?
— Não virei nem quero ser, mas como dizer não a ela? Sua mãe é a
pessoa mais doce que já conheci. Eu me sentiria mal se negasse. — Deu de
ombros. — Pensei em falar contigo aqui, na empresa, para evitar danos
físicos...
Balancei a cabeça.
— Não quero falar desse homem nem aqui nem em qualquer outro
local. Fim de assunto!
Preparei-me para sair da sala, mas não tive a chance de evitar ouvir o
que não queria.
— É o seu pai, Michael.
Travei os dentes.
— Foda-se quem ele é, não significa nada para mim e não deveria
significar nada para ela também!
Bati a porta e voltei pelos corredores, passando por vários
funcionários sem ao menos vê-los.
Entrei na minha sala, que antes era de meu avô, fundador da MSG
Trade havia 50 anos, que fez, de uma pequena agência de investimentos, uma
gigante no mercado, respeitada internacionalmente e detentora de uma das
maiores cartelas de investidores dos Estados Unidos.
Eles são minha família, os Griffins, meu avô, meus tios e minha mãe,
e não reconheço qualquer outra pessoa além deles!
Meu celular vibrou várias vezes no bolso, mas eu não tinha a mínima
vontade de verificar de quem eram as mensagens. Robert me conhecia bem,
sabia que ali, no trabalho, eu nunca me alteraria mais do que o normal, por
isso armou para mim aquela armadilha. Em qualquer outro lugar, eu teria
reagido muito pior, mas ali tentava manter a calma e não me descontrolar,
afinal, lidava com milhões de dólares todos os dias, não poderia demonstrar
fraqueza diante das pessoas que trabalhavam comigo.
Fechei os olhos e respirei fundo, engolindo toda a raiva que apenas o
nome do homem me causava. Não sabia mais o que fazer para afastá-lo de
nossas vidas e deixar claro que não era bem-vindo. Fazia anos que ele vinha
tentando contato comigo e, poucos meses atrás, tinha convencido minha mãe
a recebê-lo para uma conversa. Depois disso, ela começou a me pressionar
para ouvi-lo e, o pior de tudo, perdoá-lo.
Como se houvesse algo para perdoar!, pensei irritado.
Justin Williams não significava nada para mim! Até meus 13 anos de
idade, eu nem sabia seu nome e não sentia a menor falta de uma figura
paterna, afinal, tinha meu avô. Depois que vovô morreu, minha mãe achou
que deveria me contar por que eu não tinha um pai como minhas primas e
amigos.
— Mãe, eu não sinto falta, não me importo, juro! — Tentei convencê-
la, na época, que não era necessário falar de seu passado.
— Não é sobre você sentir falta, porque sei que qualquer coisa que te
disser não vai preenchê-la, mas acho que você tem direito de saber, ao
menos, quem é ele!
Tentei negar muitas vezes, porque, na verdade, nunca tinha feito
diferença alguma para mim. Nunca me sentira menos amado ou querido por
não ter um nome nos meus documentos, e pensar que ela achava que eu tinha
um “vazio” era algo tão inconcebível que não sabia como demonstrar que ele
não existia.
Deixei que me contasse, e isso só causou um ferimento que eu não
tinha antes. Não por mim, mas por ela, por perceber o quanto sofrera e
imaginar se, ao me olhar, ela se lembrava do homem que a abandonara.
Mamãe tinha só 17 anos quando nasci, era uma menina inocente e
inteligente que caiu na lábia do popular esportista mais velho do colégio.
Quando se descobriu grávida, contou a ele, mas o garoto a mandou abortar,
pois já havia sido admitido em uma universidade com renome em promover
jogadores para a liga nacional de beisebol.
Ela estava com quatro meses de gestação quando ele se mudou, por
anos não entrando em contato. Meu avô nunca soube quem era o homem que
engravidou a filha, mas isso também não fez nenhuma diferença para ele.
Acolheu mamãe e depois a mim e nunca deixou que ninguém nos fizesse
mal.
Quando descobri toda essa história, parte do meu mundo caiu, pois
Williams era um dos meus jogadores de beisebol favoritos, apesar de jogar
pelos Dodgers[1], e eu ser torcedor dos Cubs[2]. Saber que ele nunca entrara
em contato conosco para saber notícias me deixou perplexo e decepcionado
com ele como pessoa, o que afetou minha admiração pelo profissional.
Depois disso, aconteceram tantas situações ruins, e todas ressaltaram
que eu estava extremamente iludido acerca do amor e de como as pessoas o
viam. A forma carinhosa e protegida com que fui criado por minha mãe,
meus tios e, principalmente, meu avô não me preparou para descobrir o
mundo, pois eu achava que todos eram boas pessoas, inocentes e verdadeiros.
Que grande merda!
Parei de pensar em Justin Williams e em toda merda de passado e
decidi me concentrar no futuro. A MSG estava prestes a completar 50 anos,
com uma reputação sólida, um passado confiável e um presente moderno.
Acompanhamos todas as mudanças ocorridas no mundo dos negócios, bem
como nos adaptamos às novas tendências de investimentos. Tínhamos uma
gama de variedades que atendiam desde o mais cauteloso ao mais ousado
investidor. Apostávamos tanto na consolidada bolsa de valores quanto nas
criptomoedas.
Assumi o cargo de CEO da MSG depois do falecimento inesperado de
tio Mark, quatro anos antes. Ele teve um derrame e ficou dias internado até
constatarem sua morte. O natural seria meu outro tio, Matthew, assumir a
direção da empresa, contudo nossos acionistas recusaram sua indicação e me
recomendaram ao cargo, alegando que era necessário alguém mais jovem no
comando.
É claro que isso causou uma situação ruim entre mim e meu tio,
principalmente porque aceitei de pronto, afinal, trabalhava fazia anos com tio
Mark, sendo o segundo no comando, mas não durou muito, porque logo ele
decidiu se aposentar e usufruir de sua parte nos dividendos da empresa
viajando pelo mundo. Matthew passou um ano inteiro fora e, quando voltou,
foi para ser sepultado ao lado de seu pai e de seu irmão mais velho.
Eu era o último Griffin do sexo masculino vivo e o único a tocar os
negócios iniciados tanto tempo atrás por um homem que usou o pouco
dinheiro que tinha investido para abrir sua própria agência.
Eu sou um Griffin!, pensei orgulhoso.
Novamente o vibrar do telefone no meu bolso me distraiu dos
pensamentos e, dessa vez, resolvi atender.
— Oi, Martha — cumprimentei a governanta de minha mãe,
pensando que era mais um convite para almoçar na mansão, coisa que tinha
recusado desde que começaram as armadilhas para que eu me encontrasse
“casualmente” com Justin Williams. — Não vou conseguir ir al...
— Michael... — Sua voz anasalada e trêmula me fez ficar gelado. —
Ainda bem que consegui falar contigo!
— O que aconteceu, Martha? Mamãe está...
— Acabaram de levá-la para o hospital. — Martha não conseguiu
conter um soluço. — Ela passou mal...
— Qual hospital? — perguntei, já andando rápido pelo corredor e
rezando mentalmente para que nada de ruim tivesse acontecido.
Martha disse o nome do hospital, e, assim que cheguei à garagem do
prédio, entrei no carro e saí apressado, cantando pneus. Não conseguia
raciocinar normalmente, e nem mesmo todos os exercícios para a manutenção
da calma me ajudaram.
O temor se instalou no meu corpo de tal maneira que sentia as mãos
duras e frias, mesmo sendo um dia quente e úmido de verão. Dirigi feito um
louco pelas ruas da cidade, amaldiçoando o trânsito pesado e a distância entre
o centro de Chicago e o hospital para onde ela fora levada.
Parei de qualquer maneira em uma das entradas de emergência do
hospital e joguei as chaves do carro para um manobrista, correndo para a
recepção.
— Michelle Griffin... — mal conseguia falar quando me coloquei
diante da recepcionista.
Ela arregalou os olhos ao me reconhecer – provavelmente de alguma
revista de fofoca que adorava me fotografar quando eu estava em algum
evento – antes de verificar em seu computador.
— Ela foi levada para a sala de ressuscitação e...
Segurei com força o balcão.
— Como?
A mulher me deu um sorriso triste.
— Está aqui que ela deu entrada com parada cardíaca, então os
médicos...
Não ouvi mais nada depois disso, concentrado demais em duas
palavras que me arrepiaram da cabeça aos pés. Tinha perdido meu avô e tio
Matthew por causa de ataques cardíacos, além do derrame vascular cerebral
que vitimou tio Mark. Minha mãe sabia que era cardiopata havia muitos anos
e sempre tomava todos os cuidados, além de ir ao cardiologista regularmente,
então, como aquilo podia ter acontecido?
— Senhor, posso ajudá-lo em algo mais?
Neguei com a cabeça e fechei os olhos, fazendo uma prece
desesperada.
Minha mãe é tudo o que eu tenho! Não posso perdê-la!
— Saiu o resultado da biópsia da massa no pescoço de sua mãe. — A
voz calma do meu pai ao telefone não conseguia acalmar meus batimentos
cardíacos, porque eu sabia que ele sempre fora assim, mesmo nos momentos
mais desesperadores, sempre se mantinha sereno. — É câncer de esôfago,
filha.
Fechei os olhos, e uma lágrima escorreu por minha bochecha.
— Vou voltar para casa, pai.
— Não! — ele respondeu rapidamente. — Sua mãe não iria querer
que você interrompesse os estudos logo agora, que já está prestes a se formar.
Solucei.
— Mas quero estar aí com vocês! Preciso estar ao lado de mamãe e
apoiá-la...
— Ela sabe que você a apoia, Rory, mas ficaria muito triste se você
deixasse os estudos. Sabe o quanto vê-la formada é importante para Vera.
— Eu sei — balbuciei desanimada, sentindo o coração apertado ao
pensar em mamãe. — Vocês já conversaram com o médico?
Pelo longo suspiro que meu pai deu, já imaginei que não estava me
contando a história toda. Sequei os olhos com cuidado para não borrar a
maquiagem, pois ainda tinha que voltar para meu trabalho e não queria
problemas.
Mas como ficar bem depois dessa notícia?
Acomodei-me melhor sobre as caixas do depósito e esperei as más
notícias.
— Ela terá que operar para tirar a massa o mais rápido possível e
depois fazer os tratamentos de radioterapia e quimioterapia se forem
necessários.
Coloquei a mão sobre a boca para me impedir de soluçar alto. Meu
peito tremeu com o choro contido, e minha garganta doeu como se estivesse
sendo esmagada. Engoli em seco, tentando voltar a respirar.
— O seguro que vocês têm consegue cobrir tudo isso? — perguntei,
com medo da resposta.
— Ainda não sei, filha. Eu tive alguns problemas no ano passado e
acabei deixando de pagar...
Levantei-me diante da notícia.
— Vocês estão sem o seguro de saúde? Mas como fizeram para...
— Eu mexi no que restava da sua poupança... — confessou com voz
triste. — Eu sei que deveria ter conversado com você antes e...
— Pai, o dinheiro era seu, e, mesmo se não fosse, você fez o certo! —
tentei consolá-lo. — Graças a Deus eu consegui uma bolsa e não precisei usar
a poupança toda, apenas para me manter aqui em Chicago nos primeiros
meses.
Ele concordou, e eu pensei em todo o esforço que os dois, papai e
mamãe, fizeram a vida toda para que eu pudesse ir para a universidade. Ele
era um professor de artes, e ela, uma educadora infantil. Ambos não
ganhavam muito, mas sempre conseguiram economizar para minha poupança
de estudos.
Nunca me faltou nada, nem amor nem dinheiro, e acho até que fui
mimada demais pelos dois. Talvez por ter sido um “presente inesperado”,
como me chamavam, pois ambos já não esperavam conseguir um filho
quando fui concebida. Estavam casados havia mais de 20 anos, mamãe
contava com 45, e papai, com 48 anos quando vim ao mundo.
Sempre fui tratada como uma princesa, mas sempre lhes obedeci e
orgulhei. Era uma ótima aluna, além de fazer muitos trabalhos voluntários e
ajudá-los a ganhar um dinheiro extra vendendo os produtos caseiros que
mamãe fazia. Foi uma festa quando consegui entrar para a Universidade de
Chicago a fim de cursar Inglês e Literatura, com bolsa integral, e, ao mesmo
tempo, fiquei triste por deixá-los no interior, na pequena e charmosa cidade
onde nasci: Mount Carroll.
— ...ainda vou ver o que pode ser feito. Enquanto isso, vamos para
Dixon, ficar com sua tia Wanda.
— Dixon? — Meu coração se apertou, pois sabia que nenhum dos
dois gostava de ficar na casa de parentes. Eu gostaria muito de tê-los comigo,
mas, em uma cidade como Chicago, a hospedagem e todo o tratamento
seriam uma fortuna, e eu já me preocupava com o dinheiro que necessitariam
para a cirurgia e o tratamento. — E onde ela fará a cirurgia?
— Ainda não sabemos. — Papai soluçou, e não me contive mais,
chorando com ele. — Wanda quer nos ajudar, mas acho que nenhum de nós
consegue juntar o dinheiro necessário...
— Eu vou ajudar, pai! — prometi, mesmo sem saber o que poderia
fazer. — Vou conversar com amigos, abrir uma vaquinha na internet,
qualquer coisa.
— Obrigado, filha. — Ele respirou fundo audivelmente e clareou a
garganta. — Preciso voltar para perto dela agora, deve estar acordando do
cochilo.
Despedimo-nos, mas ainda fiquei algum tempo no depósito, com a
cara inchada de chorar, tentando achar soluções para ajudar minha mãe.
A última vez que a tinha visto foi no Natal, pouco mais de seis meses
antes. Achei-a fraca, magrinha, e ela me relatou constantes problemas de
garganta, além de uma rouquidão estranha que alegou ter sido dos anos em
que, infelizmente, fumou. Achei estranho, pois havia parado antes de eu
nascer, não fazia sentido dar aquele pigarro mais de duas décadas depois.
Ao longo dos meses, começaram as dificuldades para falar, comer e,
até mesmo, respirar. Foi então que encontraram uma massa pressionando o
esôfago e a traqueia.
Meses e meses indo a consultas, por isso mesmo nunca desconfiei que
estivessem sem seguro saúde.
E agora?
— Ei, você está bem?
Ergui o olhar e vi minha amiga, colega de trabalho e de apartamento,
olhando-me assustada. Fiz que não com a cabeça, e Carly me abraçou
apertado, deixando que eu desse vazão às lágrimas que tentava aprisionar.
Contei a ela tudo o que estava acontecendo, desesperada por seus
conselhos, mas tudo o que minha amiga fez foi me confortar.
— Vamos dar um jeito! — dizia alisando minhas costas.
Ela me ajudou a ir até o banheiro, onde lavei o rosto e tentei ficar
apresentável para voltar ao trabalho. Mais do que nunca, precisava do
dinheiro do salário e das comissões de venda, não podia fazer nada que
colocasse em risco o pouco que ganhava.
— Se pudesse, arranjaria outro emprego — contei, voltando para o
meio das prateleiras repletas de livros. — Se eu pegar menos matérias no
próximo semestre, talvez consiga...
— Como, Rory? Já fazemos o último horário aqui, e, mesmo que
consiga outro, como vai ter tempo para se preparar para os exames?
Dei de ombros.
— Talvez só deva desistir de me formar. — Sorri triste. — Mamãe
desistiria de qualquer coisa por mim; por que não posso fazer o mesmo por
ela?
Carly não disse mais nada, mas eu podia ouvir seus pensamentos,
porque eram os meus, só não queria admitir minha total incapacidade de
ajudar a mulher que eu mais amava nesse mundo. Eu sabia que, ainda que
conseguisse arranjar 10 empregos, não iria ter dinheiro suficiente.
— Vamos pensar com calma, sim? Quando chegarmos em casa,
poderemos pensar em todas as opções. — Ela apontou uma moça muito bem-
vestida entrando na livraria. — Enquanto isso, vá ganhar comissões!
Concordei e me apressei a atender a mulher, torcendo para que fosse
uma ávida leitora e que levasse livros suficientes para que eu tivesse alguma
esperança de ajudar minha mãe a se salvar.

Mais tarde, naquele dia, depois de ter tomado banho e deixado todas
as lágrimas caírem, comi um sanduíche feito por Carly e me sentei ao seu
lado no tapete da sala, aproveitando que nossa outra amiga e dona do
apartamento onde morávamos ainda não havia chegado com sua energia alta
e animação constante.
— Podemos tentar a vaquinha, já deu certo algumas vezes. — Carly
mostrou alguns exemplos. — A gente divulga na universidade e pode pedir a
Aimée que divulgue também nos eventos e...
— Divulgar o quê?
Carly e eu olhamos para trás, na direção da porta, de onde a bela e
esfuziante Aimée fez a pergunta.
Respirei fundo enquanto ela tirava os sapatos e comecei:
— Lembra que te disse que mamãe estava doente? — Ela assentiu e
se jogou no sofá à nossa frente. — É câncer, e ela precisará fazer cirurgia e
tratamento.
Seu semblante, sempre alegre, ficou pesado, ela se arrastou até a
ponta do sofá e se esticou para pegar minha mão.
— Sinto muito, Rory! O que está pensando em fazer?
— Eu queria ficar com eles, mas não quero deixar mamãe triste por
eu ter deixado a universidade.
Ela concordou.
— Eles precisam de dinheiro para o tratamento — Carly resumiu a
história.
Aimée franziu a testa sem entender.
— Achei que tivessem seguro...
— Eu também. — Balancei a cabeça desolada. — Papai parou de
pagar porque ficou caro demais.
— Puta merda! — Aimée se juntou a nós duas no tapete e olhou para
a tela do computador de Carly. — Vaquinha?
— Estamos pensando em como fazer para levantar o dinheiro —
expliquei. — Eles não têm, e eu não ganho o suficiente para ajudar.
— Posso abrir mão do aluguel do quarto — ofereceu, mas neguei,
pois sabia que, mesmo que o apartamento fosse próprio, as despesas dele
eram enormes.
Morávamos em uma área boa, nobre, perto da universidade e do
shopping onde trabalhávamos, na parte sul de Chicago. O apartamento era
grande, assim como suas despesas, por isso mesmo ela resolveu alugar os
dois quartos que não usava.
Primeiro, Aimée conheceu a Carly em um evento no café em que
minha amiga trabalhava na época. Como precisavam de mais alguém para
rachar as despesas, fui chamada para ficar no outro quarto. Carly me indicou,
pois éramos colegas nas aulas de computação. Fui morar com elas e, quando
abriu uma vaga na livraria, retribuí a indicação do apartamento,
recomendando-a para o emprego.
Éramos um trio interessante, diferentes em tudo, mas nos dávamos
muito bem. Aprendi a me vestir melhor com a promoter Aimée e a mexer no
computador com a futura programadora Carly. Em troca, ensinei as duas a
gostarem dos clássicos literários.
— Sabe a quantia necessária para fazer a operação? — Carly me
perguntou de repente.
— Ainda não, mas deve ser enorme. — Gemi de frustração. — Estou
com medo de não conseguir juntar algum dinheiro a tempo, e a situação
piorar.
As duas me abraçaram, mas logo Aimée se levantou, foi até a cozinha
e voltou com uma garrafa de vinho e três taças.
— Eu sempre digo que, para problemas que ainda não podemos
resolver, nada melhor que um bom vinho para clarear a mente.
— Não acho que...
— Não é hora de achar. — Ela interrompeu Carly, enquanto servia a
bebida. — É hora de relaxar. Nada de bom sai de uma cabeça conturbada.
Concordei com ela, pois estava desde mais cedo com uma angústia no
peito que me impedia de pensar coerentemente. Não tinha costume de beber,
e vinho geralmente me dava sono, então achei que seria uma boa ideia
entorpecer meus sentidos para poder conseguir descansar e pensar melhor no
outro dia.
A primeira taça foi praticamente virada, o que arrancou muitas risadas
de Aimée. Bebi mais devagar a segunda, já me sentindo zonza e, quando fui
reabastecer, descobri que as duas já haviam bebido todo o vinho.
— Eu queria mais! — reclamei.
— Não! É melhor ficar só assim, altinha. Não queremos ter que
segurar sua cabeça no vaso a noite inteira — Aimée respondeu com um
sorriso.
Meus olhos se encheram d’água de repente, e comecei a chorar feito
um bebê. Soluçava dentro de um abraço apertado de Carly, enquanto Aimée
alisava minhas costas.
— Imagino o que está sentido, Rory, mas, acredite em mim, para tudo
há uma solução.
Neguei, ainda sem olhá-la.
— Não posso sequer pensar em perder minha mãe. — Solucei
novamente. — Sei que deveria ser mais forte e confiante, mas me sinto
impotente.
— Eu sei — Aimée disse baixinho enquanto continuava a esfregar
minhas costas. — Perdi meus pais muito nova, tinha apenas 17 anos quando
eles morreram.
Olhei para ela, pois nunca tinha falado sobre sua vida, e eu não
imaginava que ela já não tinha os pais.
— Eu não fazia ideia. — Carly pôs meus pensamentos em palavras.
Aimée deu de ombros.
— Não gosto muito de falar sobre essa época. — Ela brincou com a
borda de sua taça. — Fiquei órfã, sozinha, sem dinheiro e lugar para morar.
Arregalei os olhos, e Carly tomou a mão dela, apertando-a em
conforto.
— Seus pais não te deixaram nada? — perguntou.
— Não, eles tinham pouco dinheiro e muitas dívidas. Eram
trabalhadores, e tínhamos uma vida confortável, mas, quando morreram em
um acidente, o dinheiro do seguro só deu para cobrir suas dívidas, e acabei
perdendo a casa porque não tinha como pagar a hipoteca. — Aimée manteve
os olhos baixos ao contar, como se sentisse culpada. — Fiquei alguns meses
em um abrigo, mas, assim que completei 18 anos, fui liberada para trabalhar.
Encontrei emprego em um café que ficava em um prédio de escritórios no
Centro. O dinheiro era pouco, e tudo o que ganhava, usava para pagar um
quartinho em Washington Park e pagar o transporte até meu trabalho. — Meu
coração se apertou ao imaginar uma garota sozinha em um dos bairros mais
perigosos da cidade. — Fiquei assim por um ano inteiro, até que um velho
advogado que tinha uma firma no prédio me fez uma proposta. — Sorriu
triste, e eu estremeci. — Já não era virgem, pois tive um namorado no
colégio, porém foi horrível e vi que não podia fazer aquilo de novo, e, quando
me recusei a um novo “encontro”, ele deu um jeito para que eu perdesse o
emprego.
— Que grande filho da puta! — Carly exclamou revoltada.
— É a vida, infelizmente.
— E o que você fez? — inquiri, pois, se algo assim tivesse acontecido
comigo, não sabia se daria conta de superar como ela.
— Morei na rua e em alguns abrigos por uns dias, até que consegui
um novo emprego, como garçonete de um bufê. Não posso negar que minha
aparência ajudava, além de eu ter concluído o ensino médio.
— Foi aí que você começou a trabalhar com eventos?
— Não, Carly, eu mal ganhava para me sustentar, pois só recebia
quando havia eventos, não tinha um salário. Mas, sim, foi lá que me
apaixonei por essa área de organizar festas. — Sorriu, mas ainda não com a
alegria de sempre. — Minha vida mudou depois que trabalhei em um evento
pequeno de uma clínica de reprodução assistida. — Suspirou. — Eu li todo o
material deles e descobri sobre as agências de mães substitutas.
— Barriga de aluguel? — Carly perguntou assustada.
Aimée concordou.
— Me inscrevi, passei na triagem e, pouco tempo depois, estava
firmando contrato com um casal cuja mulher não podia gerar. — Fiquei muda
diante do que ela me dizia, pois nunca poderia imaginar que Aimée já
pudesse ter estado grávida. — Não conheci o casal, nem soube seus nomes,
tudo foi feito com a intermediação da agência, mas conheci sua história, e
isso me ajudou a entender que, mais do que ganhar o dinheiro, eu estava
ajudando-os a realizar um sonho.
— E você conseguiu? — indaguei baixinho. — Dar o bebê?
— O bebê não era meu, apenas emprestei meu corpo para gerar o
filho deles. A agência foi maravilhosa! Tive acompanhamento psicológico,
além de uma cuidadora que esteve comigo do primeiro dia ao parto.
— Sempre ouvi falar, mas nunca conheci ninguém que havia feito. —
Carly realmente estava curiosa.
— É mais comum do que a gente pensa. Eu fiz uma vez só, mas
conheci mulheres que haviam gerado mais de uma. O dinheiro é ótimo, mas,
no meu caso, tudo o que envolveu a situação me ajudou. Consegui um
apartamento para morar, e todas as minhas despesas foram pagas pelo casal,
como alimentação e assistência médica, e, depois do parto, eles depositaram o
dinheiro. Dei entrada neste apartamento e montei meu serviço de bufê.
— Sempre achei que você vinha de uma família rica — comentei.
— Não. Acho que, de nós três, eu era a mais ferrada.
— E o bebê, Aimée? — Carly quis saber.
Ela sorriu.
— Nasceu bem, saudável. Optei por não o ver nem saber o sexo. Fiz
isso para me proteger, sabe? Porque, por mais que você saiba que não é seu,
seu corpo e os hormônios não sabem. — Concordei. — Doei meu leite para
ele durante um tempo e tive notícias por um ano inteiro de que estava bem,
seguro e amado.
— Que bom! — Minha amiga pareceu mais tranquila.
— Eu sei que, por ter dinheiro envolvido no meio, muitas pessoas
acham esquisito, mas, depois que você entende a situação e percebe que, se
não existissem pessoas dispostas a gerar para outras, muitos casais, héteros e
homoafetivos, não conseguiriam ter um filho biológico. Foi uma ajuda
mútua, não vejo como “compra”, como muitos falam, porque tenho certeza
de que, para o casal, aquela criança não tem preço.
Conversamos sobre o assunto por muito tempo mais, porém as
perguntas ficaram a cargo de Carly, pois tudo o que eu conseguia pensar era
se teria a coragem e a força emocional de Aimée.
Mais tarde, na minha cama, não consegui dormir, mesmo ainda
sentindo o torpor causado pelas duas taças de vinho. Sentei-me e peguei o
celular, abri a página de pesquisa e fiz a busca sobre o assunto que estava
martelando minha mente e impedindo-me de pegar no sono.
Escutar o bip-bip do aparelho era como ter a esperança renovada, ao
mesmo tempo em que parecia ser uma contagem regressiva. Estava havia dias
no hospital e ao lado do leito de minha mãe, esperando sua melhora, durante
os horários de visitação.
Michelle Griffin foi submetida a uma cirurgia de emergência e teve
instaladas em seu peito duas pontes de safena. Os médicos abriram o peito
dela, retiraram a safena da perna e tentaram, dentro do possível, reestabelecer
seu coração.
Agora é esperar!, foi o que o cirurgião responsável me disse assim
que ela foi transferida para a UTI. Continuava sedada e estava sendo
monitorada 24 horas. Os prognósticos eram bons, mas o susto ainda não tinha
passado.
Chorei feito um menino quando ela entrou no centro cirúrgico. Não
pude vê-la antes e temia não conseguir vê-la depois. Quando se perde muitas
pessoas da família pelo mesmo problema de saúde, a descrença em uma
melhora se instala como uma sentença da morte.
Tudo o que eu pensava era que, se a perdesse, perderia tudo! Minha
mãe era a única referência positiva de amor que me restava, meu único
motivo para ainda ter fé em pessoas boas e honestas. Sem ela, eu estaria só e
vazio, sem ninguém para amar.
Ainda tinha minhas duas primas, mas, desde que seus pais se
separaram, anos antes, perdemos a proximidade. Louise, a mais velha, filha
de tio Mark, foi viver com a mãe em Londres e lá se casou. Amanda, filha de
tio Matthew, mudou-se para a Califórnia fazia 10 anos, depois de ter se
casado com um produtor de cinema.
Mandy e eu ainda mantínhamos contato por telefone e mensagens,
porém era esporádico, geralmente em datas comemorativas, pois minha mãe
era sua madrinha. Talvez por isso, logo que soube do ataque cardíaco, ela
entrou em contato comigo.
— Como você está? — foi sua primeira pergunta.
— Estou bem, tentando ficar confiante sobre a recuperação dela —
respondi, tentando parecer melhor do que estava na realidade.
— Eu sei o quanto vocês dois são ligados, Michael, e imagino que
esteja sendo difícil aguentar tudo sozinho, por isso conversei com Joshua, e
vamos para Chicago...
— Não, Mandy! — Interrompi sua fala. — Você acabou de ter um
bebê; uma viagem até aqui será desconfortável para vocês.
— Michael, eu gostaria de estar aí... — Ela não completou a frase,
mas entendi o que quis dizer. — Tia Shelly é muito querida para mim.
— Ela sabe disso, não se preocupe.
Ouvi quando ela soluçou.
— Vai me manter informada sobre o estado dela?
Concordei, então, em mandar o boletim diário a ela sobre a saúde de
minha mãe. Foi bom saber que havia alguém do que restou da família
preocupado com ela, além dos amigos que diariamente buscavam notícias
sobre sua recuperação.
Uma enfermeira se aproximou de mim e informou que o tempo de
visita havia acabado. Aproximei-me de minha mãe e falei baixinho para que,
se pudesse ouvir, soubesse que eu voltaria no outro dia e que gostaria de vê-la
melhor.
Assim que saí da unidade de terapia intensiva, encontrei-me com
Robert.
— Como ela está hoje?
— Segundo os médicos, bem, mas ainda não tiraram a sedação —
expliquei enquanto saíamos do hospital. — O perigo ainda não passou.
— Mas vai passar! — Ele bateu nas minhas costas. — Shelly vai se
recuperar e voltar a ser a mesma pessoa incrível que sempre foi.
Apenas balancei a cabeça, desejando que ele tivesse razão.
Desde que a operação fora concluída e que minha mãe tinha sido
encaminhada para a UTI, voltei a trabalhar. O jubileu de ouro foi adiado, mas
todas as atividades da empresa permaneceram normais, com mudanças
apenas na minha rotina.
Em vez de acordar e ir direto para o Centro da cidade, seguia primeiro
para o hospital, passando uma hora ao lado de minha mãe e depois, sim, ia
para a empresa. No final do dia, a mesma coisa, antes de ir para casa –
milagrosamente no mesmo horário dos funcionários –, ficava mais algum
tempo na UTI conversando com ela.
Toda e qualquer outra atividade que tinha – encontros, festas, treino,
reuniões – foi cancelada enquanto ela não se recuperasse e estivesse fora de
risco.
— Não queria falar nada, mas sua aparência está péssima! — Robert
comentou sentado no banco do carona enquanto eu dirigia. — Entendo o
momento que está passando, mas você ainda é o CEO de uma das maiores
agências de investimento deste país. Faça, ao menos, a barba.
Neguei.
— Sinceramente, não estou me importando com isso. — Fui sincero
ao responder. — Sei que não combina comigo, que sou vaidoso e nunca
escondi isso, mas... — Suspirei. — Eu não imagino minha vida sem ela! —
desabafei. — Vou ficar sozinho caso ela...
— Ela não vai! — disse com uma certeza que me deu inveja. — E
você não vai estar sozinho, tem amigos. — Concordei com ele, embora
soubesse que não era o mesmo. Mamãe era praticamente a única família que
me restara. — E Justin...
O olhar que lhe dei o fez calar-se antes que perguntasse sobre o
canalha do meu pai biológico. O homem, que queria tanto se redimir, não
apareceu um só dia para saber da mulher com quem teve um filho, nem
sequer mandou uma mensagem ou telefonema.
— Minha mãe é a única família que tenho, ainda que o homem cujo
DNA carrego esteja vivo.
Ele balançou a cabeça assentindo e não disse mais nenhuma palavra
até chegarmos à empresa.
Já era tarde quando cheguei em casa, mas não ao meu apartamento em
Lincoln Park[3], e sim à antiga mansão de vovô em Gold Coast[4], um dos
bairros que conservam mais residências históricas de Chicago. A casa sempre
me evocava muitas lembranças, e mamãe preservou cada uma das coisas que
meu avô amava.
As paredes, com seus painéis e guarnições de madeira nobre, o piso
de carvalho de tábuas largas, além, é claro, do tradicional revestimento de
mármore branco e preto na cozinha; as obras de arte, que ele começou a
colecionar assim que sua agência obteve lucro; as esculturas, tapeçarias e
tantas coisas que tornavam a casa única.
Entretanto, nada mais me fazia ter tantas lembranças dentro daquela
mansão de tijolos vermelhos do que seu cheiro. Era incrível como eu
conseguia ainda, mesmo depois de 20 anos, sentir o cheiro da colônia de meu
avô. Era como se ele ainda estivesse por ali, sentado em seu escritório ou na
varanda dos fundos.
Depois de sua morte, uma parte do brilho daquela casa se foi, e, caso
minha mãe não retornasse, ele se apagaria para sempre.
— Senhor Michael, posso ajudá-lo?
Andrews, tão antigo quanto eu naquela casa, apareceu no hall de
entrada.
— Não, obrigado. Só vim... — Não encontrei palavras para explicar,
mas ele balançou a cabeça como se entendesse.
— A senhora Griffin ficará bem, senhor, e viverá muitos anos ainda
para ver seu sonho realizado.
Franzi a testa, sem entender.
— Qual era o grande sonho de minha mãe, Andrews?
Ele ficou constrangido, mas continuou com as costas eretas.
— Ser avó, senhor. — Ele sorriu diante do meu espanto. — A senhora
Griffin sempre disse que não queria estar velha demais para ver seus netos
crescerem, para brincar com eles e ver esta casa cheia de risadas de novo.
Estremeci ante a cena, sem poder acreditar no que estava ouvindo.
Minha mãe nunca falara nada sobre netos, mas vez ou outra jogava alguma
indireta sobre eu sossegar com alguém e me casar. Sua candidata preferida
era Lane Johnson, filha de um grande amigo da família, o senador
Christopher Johnson.
Lane morava em Nova Iorque havia pelo menos uns cinco anos, onde
seguia sua carreira de influenciadora digital de moda e estilo de vida.
Formada em jornalismo, ela encontrou nas mídias sociais uma forma de
exercer sua profissão e ainda viver do jeito que sempre gostara, sob um
grande holofote.
Tinha dezenas de milhões de seguidores, era considerada uma
celebridade e frequentadora das melhores festas das personalidades mais
exclusivas do país e internacionais. Apesar de não entender muito bem do
mundo dela, eu a admirava pelo que conseguira construir e tudo o que
conquistara.
Sempre fomos amigos e, quando ela estava na cidade visitando seus
familiares, saíamos juntos, assim como ela me socorria toda vez que eu
precisava de acompanhante para um evento mais sofisticado ou algum em
que não tinha a quem levar.
Obviamente que não ficávamos somente na amizade!
Lane, além de uma companhia agradável, trepava muito bem, e nós
dois nos beneficiávamos dessa convivência, afinal, tanto ela quanto eu
sabíamos que era somente sexo e lidávamos muito bem com isso. Logo que
ela voltava para Nova Iorque, seguia sua vida, não me ligava ou procurava
saber o que eu estava fazendo, muito menos falava sobre os flagras que a
imprensa me dava com outras mulheres, assim como eu não me importava
quando a via viajando com algum homem ou saindo para jantares e festas.
Apesar de já ter explicado muitas vezes para minha mãe o tipo de
arranjo que Lane e eu tínhamos, ela ainda insistia que, um dia, eu iria
perceber o quanto gostava dela e me casaria.
— Só espero que não perceba isso muito tarde, Michael. —
Costumava encerrar nossas discussões com essa frase, o que me fazia rir. —
Eu quero te ver feliz.
— Eu sou feliz, mãe! — Beijava-a. — Não acho que precise me
apaixonar para estar feliz.
Ela balançava os ombros.
— Talvez não precise mesmo, mas só vai saber se experimentar.
Eu ria, mas por dentro não achava graça. Já havia experimentado
gostar de uma mulher, nem sabia se estava apaixonado, mas achei que ela
valia a pena.
— Netos? — pronunciei a palavra em voz alta, ainda parado no hall
da mansão com Andrews me olhando.
Ele não disse mais nada, apenas ficou parado, encarando-me como
quem sabia de muitas coisas, mas não iria contar. Respirei fundo e sorri.
— Acho que ela vai ter que viver mais uns anos para realizar esse
sonho!
— É o que espero, senhor! Que ela viva muito para poder ver outra
criança crescendo nesta casa.
Engoli em seco, porque não me passava pela cabeça a ideia de ter um
filho, porque, primeiro, eu necessitava de uma mulher para ser a mãe dele e,
segundo, geralmente isso requeria aliança, um padre e uma vida em comum.
Não, de jeito algum!
Subi as escadas que levavam direto para os quartos e entrei no de meu
avô, que, mesmo depois de todos aqueles anos, ainda estava como o havia
deixado antes de sua morte.
Em cima da cornija da lareira, esculpida em mármore, havia muitos
porta-retratos da família. Michael Stanley Griffin era um homem apaixonado
por seus filhos e netos e fazia questão de estar sempre cercado por eles fosse
pessoalmente ou através das fotografias.
Sorri diante das imagens de meus tios, minha mãe e meus primos. As
minhas fotos eram de quando ainda era um rapaz, um adolescente, pois não
mudaram e nem adicionaram nenhuma fotografia, atualizando-as para os dias
atuais.
De repente, a foto principal, a maior, situada no centro da cornija, fez-
me prender o fôlego. Peguei o porta-retratos e olhei com carinho para meu
avô, ainda jovem, segurando no colo minha mãe, que contava com uns dois
anos de idade, e com meus tios sentados a seus pés.
Um homem sozinho criando seus três filhos era uma coisa que devia
chocar na época. Ele não era muito de falar sobre como fizera para conciliar
os cuidados com as crianças e o trabalho, mas eu avaliava que não tinha sido
fácil.
Ele não voltou a se casar. Mesmo depois de divorciado, eu nunca
soube de nenhum envolvimento seu com mulher alguma, embora não
duvidasse que ele tivesse tido seus casos às escondidas. Era um homem
completamente dedicado à família e ao negócio que construíra para ela.
Um homem sem esposa, mas que criou seus filhos com tamanha
primazia que nenhum deles sentia falta de uma mãe. Mais uma referência de
amor incondicional, verdadeiro, em que eu acreditava.
Minha mãe quer netos!, pensei, olhando a foto e pensando que, se
meu avô conseguira, eu também poderia.
— Michael Griffin... — chamei-me em voz alta, tentando deter meus
pensamentos, contudo não pude contê-los. Fechei os olhos, fiz uma prece e,
em seguida, uma promessa.
E que Deus me ajudasse, porque, mesmo com medo, queria muito
cumpri-la!
Minhas mãos frias eram sinônimo de que eu estava mais nervosa do
que aparentava, embora seguisse sentada na cadeira com as costas eretas e o
queixo levantado.
É seu único recurso, Rory!
— Ainda podemos nos levantar e ir embora... — Aimée falou
baixinho.
— Não, eu vou fazer isso.
Ouvi seu suspiro longo e imaginei o que estava pensando, afinal,
quando lhe contei o que pensava fazer para ajudar meus pais a conseguirem o
dinheiro astronômico para a cirurgia e o tratamento pós-cirúrgico, ela tentou
me demover da ideia de qualquer maneira.
— Eu acho que você não tem o perfil certo para isso. Não contei
minha história para incentivá-la. Não me arrependo do que fiz, mas não voltei
a fazer, mesmo diante de uma oferta enorme de dinheiro.
Concordei com ela.
— Você fez porque estava desesperada. — Ela balançou a cabeça. —
Assim como estou agora.
— Rory, é diferente! Eu já era muito mais endurecida
emocionalmente que você, apesar de ser mais nova. Sabia que daria conta de
não me apegar àquela criança, mesmo assim foi difícil. Eu chorava cada vez
que meu leite vazava, imaginando se o bebê não estava com fome, mesmo
que, racionalmente, eu soubesse que estava bem-cuidado. Nosso corpo é
programado para cuidar, para se importar. Às vezes essa programação falha,
mas não é comum.
— Eu sei. — Chorei sem fazer barulho algum, apenas deixando que a
lágrimas caíssem. — Mas preciso fazer! Quanto mais tempo demorar para
mamãe se operar, pior ela ficará. E eu não me perdoaria se algo acontecesse a
ela por eu nem mesmo tentar.
Foi então que Aimée entendeu que eu estava convencida e que não
mudaria de ideia, com ou sem seu apoio.
— O que Carly acha disso?
— Não falei com ela ainda.
— E Jack?
Dei de ombros.
— Não temos nada um com o outro, estávamos apenas conversando.
Ele é boa gente, me trata bem, mas... — Suspirei. — Melhor deixar como
está.
Não era hora de eu pensar no barman de onde íamos toda sexta-feira
após sair da livraria. Trocávamos algumas palavras, ele demonstrou seu
interesse por mim – o que me lisonjeou, pois era um homem muito charmoso
–, e minhas amigas ficaram animadas, incentivando-me a sair com ele.
Eu até queria, não podia negar. Jack, além de agradável e bonito, era
muito engraçado e estava sempre me fazendo rir. Só que nunca nos
encontramos fora do bar, pois nossos horários não eram compatíveis.
— Você vai gostar de Ayleen — Aimée voltou a falar e me fez deixar
nossa conversa de dias antes de lado. — Ela me ajudou muitos anos atrás, e
tenho certeza de que irá ajudá-la também.
Ela mal acabou de falar, e uma senhora sorridente e com o rosto sem
uma ruga sequer entrou na sala e se sentou à mesa conosco.
— Aimée, que bom vê-la novamente! — cumprimentou minha amiga.
— Aquele último evento que organizou para nós estava memorável, até
indicamos seus serviços para outros colegas.
— Eu sei e agradeço muito, Ayleen. — O jeito cativante de Aimée era
algo que me deixava admirada. Ela conseguia se relacionar com qualquer tipo
de pessoa e sempre com um sorriso e com palavras gentis. — Deixe-me
apresentá-la a uma amiga, Aurora Ryan.
Estendi a mão para saudá-la e sorri.
— Pode me chamar de Rory, por favor.
— É um prazer conhecê-la, Rory! Ascendência irlandesa como eu?
— Acho que sim. Meu pai nunca soube muito bem a origem de sua
família.
Ela sorriu e apontou meus cabelos ruivos e os olhos verdes.
— Seus traços não negam. — Concordei. — Em que posso ajudá-las?
— Eu contei a ela que gerei uma criança intermediada por vocês a um
casal que não podia engravidar — Aimée começou a explicar. — Falei sobre
o acordo e mais ou menos como funciona e...
— Eu decidi me candidatar. — Terminei a frase.
— Entendo. — Ayleen continuou séria. — Posso perguntar por quê?
— Motivos financeiros. — Foi tudo o que eu disse.
Ela trocou olhares com Aimée, então pegou alguns papéis.
— Vamos precisar de uma série de exames e, depois disso, faremos
uma entrevista, e você passará por nossa psicóloga. — Concordei. — Temos
que garantir sua saúde, não só física, mas emocional. — Entregou-me um
formulário. — Preencha com atenção todos os campos, por favor.
Antes de dar o primeiro passo, tirei uma última dúvida:
— Se eu for aprovada, quanto tempo para que consigam um contrato
para mim?
Ela sorriu.
— Somos rápidos, não se preocupe.
Olhei nervosa para Aimée e comecei a responder cada uma das quase
cem perguntas que esquadrinhavam a minha vida. Depois fui encaminhada
para uma sala de exames laboratoriais, onde colheram vários e vários tubos
de sangue.
Descobri que a agência possuía uma clínica integrada e que tudo era
feito por eles, sem outros envolvidos. Suas dependências suntuosas não
escondiam o tipo de clientes que a mantinha, pessoas ricas que podiam pagar
uma assistência de excelência.
— Assim que saírem os resultados, entraremos em contato para
informar a data da entrevista — Ayleen informou antes de irmos embora.
— E o contrato?
— No mesmo dia, caso seja aprovada. Depois disso, vamos em busca
de alguém da nossa lista de clientes à espera.
— Obrigada por tudo!
Ela tocou meu braço.
— Vai dar tudo certo, não se preocupe!
No retorno para o apartamento, Aimée e eu voltamos mudas dentro do
táxi. O clima era estranho, apesar do dia bonito e da música animada que saía
do aparelho de som. Internamente, eu só rezava para que desse tempo e que
eu pudesse dizer ao papai para acertar tudo da cirurgia e dar o cheque que o
hospital pedira como garantia, pois teria como cobri-lo.
Fui direto ao meu quarto assim que chegamos e troquei a roupa que
usava pelo uniforme da livraria, pois ainda teria que trabalhar. Por sorte,
havia conseguido a reunião na agência no horário da aula, que conseguiria
repor mais tarde, e não do trabalho, pois perderia o dinheiro do dia que tinha
faltado.
Uma batida à porta me fez desacelerar a correria de me aprontar e
congelar ao ver Carly na entrada do quarto.
— Diz para mim que você não levou essa ideia absurda à frente!
Fechei os olhos, imaginando que Aimée tinha-lhe contado.
— Ainda não fui aprovada pela agência — respondi sem olhá-la.
Ela xingou.
— Eu deveria surrar a Aimée por tê-la levado! Rory, isso não é para
você!
Tentei não me irritar ao perceber o quanto elas me achavam fraca,
frágil, quando, na verdade, eu seria capaz de qualquer coisa para salvar quem
eu amava.
— Já está decidido, Carly.
— Não me contou porque sabia que eu tentaria tirar essa ideia da sua
cabeça, não foi? — Não precisei responder. — Eu iria mesmo! — Ela se
aproximou de mim. — Nós podemos achar outro jeito e...
— Não tem outro jeito! — gritei. — Qualquer outro jeito vai demorar
demais, e isso pode ser pior para ela, não entende? — Comecei a soluçar. —
É a minha mãe doente, Carly, deixe-me fazer o que posso para ajudá-la a
ficar boa de novo!
— Só temo que, ao tentar ajudá-la, você se prejudique.
Sorri triste.
— Ela faria o mesmo por mim, assumiria qualquer risco, eu sei. Por
que não posso fazer o mesmo?
Foi então que ela me puxou para um abraço, e eu soube que, apesar de
não concordar, iria me apoiar.
— Estaremos juntas nessa! Aconteça o que acontecer, estaremos ao
seu lado.
— Obrigada! — Sequei o rosto e me afastei. — Precisamos ir, não
posso perder nem um dólar desse salário!
Ela riu e concordou como se eu estivesse brincando, mas era a pura
verdade. Enquanto não tivesse um contrato de gestação assinado, eu não
poderia desperdiçar um centavo sequer.
Por favor, que eu seja aprovada!

— Olá, gatinha da livraria! — Nem precisei me virar para saber quem


chegava às minhas costas na loja, pois a única pessoa que me chamava dessa
forma era Jack Miller.
— Oi, Jack! Que surpresa você por aqui!
Ele me piscou.
— Se a gatinha não vai até o bar, o gatão aqui vem até a livraria! —
Riu de si mesmo. — Não a vejo há algumas semanas.
— Eu sei, as coisas se complicaram um pouco, e não tive mais tempo
de curtir uma happy hour.
Ele balançou a cabeça me recriminando.
— Sempre temos que achar tempo para a diversão.
Minha supervisora passou me olhando, e rapidamente peguei um livro
da prateleira, fingindo estar mostrando-o.
— Não posso conversar aqui. — Vi um cliente entrar e uma das
meninas ir atendê-lo. — Estou no horário de trabalho.
— Eu sei, eu sei. Estava andando pelo shopping e resolvi passar aqui.
— Ele se aproximou mais e falou baixinho: — Por que não me dá seu
telefone? Assim podemos conversar sem...
Outro cliente entrou, e não consegui mais prestar atenção às palavras
dele.
— Eu realmente preciso atender. — Fiz sinal com a cabeça para o
homem, que vagava entre as prateleiras. — Nos falamos depois, ok?
Afastei-me dele e me apresentei ao potencial cliente, disponibilizando
minha ajuda para o que estivesse procurando. Não vi Jack ir embora e
lamentei não ter conseguido dar-lhe atenção, contudo, além de não querer pôr
em risco meu trabalho conversando na hora do expediente, também não podia
me dar ao luxo de perder uma venda.
O homem que atendi era indeciso, mas daqueles que não sabem o que
levar, por isso levam tudo, e fiquei bem animada com sua compra. Além de
dois livros técnicos, comprou um de ficção que estava altamente na moda no
momento e que, por isso mesmo, era uma fortuna.
A agência ainda não tinha retornado, os dias estavam passando, e eu,
ficando cada vez mais desesperada. Carly resolveu fazer a vaquinha pela
internet, e alguns colegas de aulas ajudaram com o que puderam, mas não
conseguimos chegar nem a 1% do valor da cirurgia. Reduzi minhas despesas
ao máximo e, em vez de almoçar na universidade, comecei a levar frutas. Só
comia algo salgado à noite, caso minhas amigas fizessem e me oferecessem.
Não contei a elas que tinha reduzido minhas refeições a uma maçã por dia.
Cancelei a conta do meu telefone, por isso mesmo só conseguia falar
com quem quer que fosse via internet em locais que tinham wi-fi liberado.
Deixei de andar de táxi ou Uber e voltei a andar de metrô, mesmo nos
horários de pico. Estava fazendo tudo o que podia, inclusive coloquei dois
livros clássicos ingleses antigos que tinha para vender em um site de usados.
Ganhei os dois dos meus pais em meu aniversário de 18 anos, quando
consegui a bolsa em Chicago.
Vai dar tudo certo, são só livros!, pensava a cada vez que conferia se
alguém estava interessado.
Sabia que tudo o que estava fazendo era como uma gota em um
enorme oceano, mas me sentiria mal se não o fizesse. A cada vez que
pensava em ter sido reprovada pela agência, buscava novas alternativas, e
cada uma delas me deixava ainda mais nervosa.
Precisava de muito dinheiro e em pouco tempo. Como não estava
disposta a cometer um crime, não tinha nada para hipotecar ou empenhar,
nenhuma garantia para um empréstimo, o que me restava era meu corpo.
Nunca havia pensado que um dia a possibilidade de me prostituir passasse
por minha cabeça, porém sentia na pele o que o desespero era capaz de fazer.
Não sabia como essas coisas funcionavam e achava até que eu não
teria muito valor no mercado, afinal, não era mais virgem, não tinha um
corpo sensual e muito menos sexy appeal. Além disso, era ruiva, e nem todos
gostavam de ruivas, até a Julia Roberts escondeu seus cabelos quando fez
uma prostituta em Uma Linda Mulher.
— Pronta para encerrarmos o dia? — Carly perguntou apontando o
relógio da livraria, que marcava nosso horário de ir embora.
— Totalmente pronta! — disse cansada. — Conversei com a Tiff e
consegui dobrar meus turnos durante as férias de verão.
Carly arregalou os olhos.
— Vai trabalhar os dois turnos?
— Vou. — Dei de ombros enquanto íamos para o vestiário pegar
nossas bolsas. — Eu sei que é cansativo ficar 15 horas aqui, mas preciso do
dinheiro.
— Eu queria poder ter ajudado mais! — lamentou. — Vamos ver se a
vaquinha engrena com a divulgação de Aimée.
Sorri, mas não estava com muita esperança. Peguei o celular para
conferir se havia alguma ligação e vi a notificação de uma mensagem de um
número que não conhecia.
Abri o aplicativo com o coração batendo tão rápido que, assim que li
a mensagem, tive que me sentar e respirar fundo, meus olhos cheios de
lágrimas e minhas mãos tremendo.
— O que houve, Rory?
Engoli em seco.
— Fui aprovada, e eles me chamaram para a entrevista. — Encarei-a.
— Já têm a proposta para eu avaliar e, caso aceite, o contrato já estará pronto
para ser assinado.
Carly também se sentou ao meu lado e tomou minha mão. Não disse
nada, eu também não emiti um som sequer. Internamente, sentia alívio e
medo. Talvez conseguisse o dinheiro para salvar mamãe, mas não tinha
certeza de que eu estaria a salvo depois de tudo.
Fui o mais rápido que pude até o hospital assim que recebi a ligação
avisando que estavam tirando a sedação de minha mãe, já que seu quadro se
estabilizara. Procurei pelo médico responsável, e ele me atendeu em sua sala,
juntamente ao cirurgião que a operou, e ambos explicaram que ela já estava
fora de perigo e que a operação fora um sucesso de acordo com os últimos
exames realizados.
— Quando vou poder falar com ela? — perguntei ansioso.
— Estamos transferindo-a para um quarto. Depois disso, não deve
demorar muito para que acorde — Dr. Nash, responsável pela cirurgia,
explicou.
Cumprimentei-o, agradecendo-lhe por seu trabalho e reconhecendo
que valeu a pena seguir a indicação do cardiologista que acompanhava minha
mãe havia anos e trazê-lo de Seattle para cá a fim de fazer a cirurgia.
Estávamos em um grande hospital de referência, cercado de médicos
competentes e com todo apoio que uma unidade de alto nível como aquela
podia fornecer.
Ainda assim, nada disso garantia que Michelle Griffin continuaria
viva; apenas o tempo e a força de seu corpo em se recuperar puderam definir
se seu estado a levaria à morte ou não.
Segui com o médico residente e o diretor do hospital até o enorme e
bem equipado quarto onde minha mãe passaria mais alguns dias até receber
alta. Por causa da cirurgia, sua situação ainda era delicada, embora seu
coração tivesse recuperado o ritmo e a constância que deveria ter.
O diretor estava me mostrando as instalações quando a maca
trazendo-a entrou no quarto. Acompanhei o trabalho dos enfermeiros em
transferi-la para a cama e ligarem os fios às máquinas que iriam monitorá-la
daquele momento em diante.
Aproximei-me emocionado de sua cama, agradecendo a Deus por ela
não estar mais intubada e por, em breve, vê-la abrir seus enormes olhos azuis.
Acariciei seus cabelos castanhos entremeados de fios brancos que ela
orgulhosamente não queria escurecer.
Michelle tinha apenas 50 anos, por isso o ataque cardíaco foi tão
severo e eu quase a perdi. Era uma mulher ativa, preocupada com a saúde,
com o corpo e com a cabeça. Vaidosa, estava sempre bem-vestida, maquiada
e deliciosamente cheirosa, com o mesmo perfume que usava desde que eu
conseguia me lembrar.
Mesmo em uma cama de hospital, debilitada, com linhas mais
marcadas em seu rosto e visivelmente mais magra, eu a via em toda sua
beleza, pois continuava viva, lutando como a guerreira que sempre fora.
— Estou aqui, mãe! — sussurrei. — E ficarei ao seu lado para vê-la
acordar e dizer o quanto a amo.
Não sei se ela me ouviu; gosto de pensar que sim, mas, assim que eu
disse essas palavras, Michelle Griffin abriu os olhos. Não segurei a emoção e
não me importei em chorar mesmo diante das enfermeiras que terminavam de
verificar os equipamentos e as instalações do quarto.
— Mãe! — Saudei-a com um sorriso um tanto salgado, molhado de
lágrimas.
Ela me olhou. Parecia confusa, até que notei quando me reconheceu, e
seus olhos brilharam. Segurei sua mão e a beijei. Ela suspirou e tentou falar
algo, porém sua voz soava baixinho.
— Eu... achei... que... nunca... mais... o veria.
Beijei sua testa.
— Vamos nos ver por muito tempo mais, prometo!
Ela sorriu e voltou a fechar os olhos, ainda sonolenta pelos efeitos da
sedação. Fiquei muito tempo de pé ao lado de sua cama, alisando seus
cabelos, beijando sua mão, sussurrando para ela o quanto estava feliz por tê-
la de volta.
Somente quando as enfermeiras me pediram para sair um pouco, pois
iam realizar um procedimento, foi que respirei fundo aliviado e mandei
mensagem ao meu amigo avisando sobre sua evolução.

“Robert, minha mãe foi transferida para o quarto e já trocou


algumas palavras comigo.”

Logo meu amigo respondeu:

“Porra, que notícia maravilhosa! Quando poderei visitá-la?”

“Ainda não sei, mas estimo que seja em breve. Porém, antes,
preciso de um favor.”

Minhas mãos começaram a tremer ao digitar o que eu pretendia,


atrasando a digitação.

“Michael? Do que você precisa?”

Fechei os olhos assim que terminei de escrever e enviei. Fiquei de


olho na tela do telefone aguardando a resposta, mas ele não digitava nada. Eu
já estava ficando nervoso com a demora, quando chegou a notificação de que
estava recebendo uma chamada.
— Robert...
— Mas que loucura é essa agora, Michael?! — Ele realmente parecia
alterado. — Tive que ler e reler a mensagem várias vezes para ter certeza de
que não estava entendendo errado.
— Não é loucura, é algo que decidi fazer, mas não quero conversar
por telefone, preciso apenas que adiante a pesquisa de um local confiável e
discreto que faça o que preciso e me auxilie na contratação.
Meu amigo ficou uns minutos mudo antes de dizer:
— Estou sem palavras. — Riu. — Pela primeira vez, sinto que não sei
o que falar, e isso, para um advogado, é desesperador.
— Te explico tudo quando nos encontrarmos pessoalmente. Posso
contar com seu trabalho minucioso nisso?
— Sempre, meu amigo, mesmo nas maiores loucuras que você
inventa.
Sorri ante a lealdade e a amizade dele, pois não esperava nada
diferente. Sabia que Robert iria ficar perplexo quando lhe contasse sobre
meus planos, mas tinha certeza de que era a pessoa perfeita para encontrar um
lugar e me auxiliar em cada ponto do processo burocrático.
Vou cumprir a promessa que fiz e realizar o sonho de minha mãe!

— Minha vontade era de dizer a ela para colocar um pouco de juízo


na sua cabeça! — Robert revelou, depois de ter me contado sobre sua visita à
minha mãe alguns dias antes. — Quando darão alta a ela?
— Creio que ficará pelo menos mais uma semana sob observação. —
Contei o que o médico me disse. — Mas, assim que for para casa, duas
enfermeiras irão junto para auxiliá-la, e passarei por lá todos os dias após o
expediente para vê-la.
— Já sabe como vai dizer a ela que, em breve, será avó?
Bufei com a insistência dele sobre contar à minha mãe sobre o
contrato de gestação que eu havia firmado com a melhor agência de barriga
de aluguel do estado de Illinois.
— Tudo a seu tempo! — Recostei-me em minha cadeira. — Primeiro,
a agência terá que encontrar uma mulher saudável para gerar meu filho, então
iremos discutir os valores e as cláusulas. — Ele concordou. — E então será
feita a fertilização do óvulo de uma doadora anônima com meu
espermatozoide.
— Realmente não tem preferência sobre o sexo?
Neguei.
— O que me importa mais é o mapeamento do DNA para garantir que
não herde a cardiopatia hereditária dos Griffins.
— Você não herdou — Robert frisou. — Com a sua idade, seus tios e
sua mãe já sabiam que tinham problemas cardiológicos.
— Sim, faço exames regularmente, e está tudo bem comigo, mas,
ainda assim, quero garantir. — Aprumei meu corpo e resolvi mudar de
assunto. — Tem os contratos do nosso cliente de...
O telefone de Robert vibrou alto sobre a mesa, indicando uma ligação.
Ele ficou um tanto curioso ao ver o número e pensou até em ignorar a
chamada, porém fiz sinal de que não me importava e que podia atender.
— Alô! — Ele me olhou de repente. — Sim, é ele. Como vai, senhora
O’Connor? — Robert afastou o telefone da orelha e o colocou no viva-voz.
— Vou bem, doutor. Estou entrando em contato porque selecionamos
uma mulher para receber o óvulo fecundado com o material genético de seu
cliente. — Arregalei os olhos ao perceber que era da agência de contratação
de barrigas de aluguel. — Fizemos as entrevistas, e ela cumpre todos os
requisitos para gerar um bebê.
Pedi a ele, sem falar, para continuar a conversa.
— Ótima notícia! E quando podemos discutir as cláusulas?
— Apresentei a ela o valor que já havíamos combinado e tudo o que
seu cliente estava disposto a arcar durante a gestação. Houve poucas
alterações na proposta inicial, e eu as encaminhei ao seu e-mail.
Alterações?, pensei, lembrando-me de que já havia sido muito
generoso, não só com a quantia, como também em oferecer à mulher todas as
condições para que tivesse uma gestação confortável e de qualidade.
— Vou verificar o e-mail e discutir com meu cliente. Obrigado pelo
contato.
— Estou à disposição!
Robert encerrou a ligação e já acessou seu e-mail e mandou o
documento enviado para mim.
Abri-o no computador e o li com atenção e certa surpresa.
— Ela rejeitou o apartamento? — questionei, olhando-o como se não
tivesse entendido direito.
— Sim, já deve ter onde morar, e a agência deve ter aprovado. —
Assenti. — Ela requereu que parte do pagamento seja feito quando houver a
confirmação da gravidez.
Franzi a testa.
— Isso é normal? Eu havia entendido que daria suporte e que o
pagamento seria feito quando do nascimento da criança.
— Em alguns casos, há um sinal, mas isso pode amarrar o contrato,
caso haja algum problema, e a mulher não consiga engravidar. — Deu de
ombros. — Sinceramente, acho justo que haja alguma compensação além das
despesas médicas, afinal, ela já está prestando o serviço só em se submeter a
todo o procedimento.
— Metade do valor? — O homem de negócios em mim achava que
era um investimento arriscado.
— Se você não concordar, podemos pedir a eles que busquem outra
e...
— Não. — Decidi ouvir meus instintos, e muitas vezes os melhores
lucros advinham da ousadia de investir em algo arriscado. — Essa já atendeu
todos os meus requisitos, além de ter passado por todo aquele processo que a
agência disse que faz e que podemos acessar se quisermos. — Ele concordou.
— Não quero começar de novo.
— Então vou aceitar todas as modificações e os autorizar a firmar o
contrato. — Robert se levantou para sair da sala. — Vou acompanhar tudo
isso por agora; mais tarde podemos falar sobre o contrato que me pediu.
Assenti e, quando fiquei sozinho em minha sala, comecei a pensar em
tudo o que aconteceu naquela semana, desde a recuperação de minha mãe até
as informações sobre como contratar alguém para gerar um filho para mim
sem que eu necessitasse de um relacionamento.
Parecia uma atitude drástica, mas não era. Eu não acreditava em
relações amorosas fora do círculo familiar e nem estava disposto a ter que
manter um relacionamento para ser pai.
Não era como se eu odiasse as mulheres, pelo contrário, era louco
pelo sexo oposto, no entanto não confiava em nenhuma delas para formar
uma família, muito menos me submeter a me envolver emocionalmente. Já
tivera minha porção de desilusão acerca do sexo oposto, além dos inúmeros
exemplos de que amar alguém era uma escolha burra.
Meu avô foi abandonado junto aos seus três filhos pela mulher a
quem amava e que era sua esposa. Minha mãe foi enganada e desprezada
pelo homem que jurou que a amava.
Pensar em Justin Williams fazia meu sangue ferver, pois novamente o
pilantra se aproveitou de minha mãe e sumiu. Ele se aproximou com aquela
história de arrependimento, dizendo que queria me conhecer, mas bastou
contar uma história triste para Michelle e conseguir algum dinheiro dela,
voltou a desaparecer.
Culpei-me por não ter dado a “atenção” que ele merecia – que não era
meu perdão, muito menos uma conversa – e mandei investigá-lo. O
desgraçado estava na bancarrota, havia gastado tudo o que tinha conquistado
como atleta profissional com seu vício em bebidas, mulheres e carteado, por
isso recorreu ao seu passado, pois devia a meia dúzia de agiotas de Las
Vegas.
Sim, a melhor maneira de formar minha família, de dar os netos que
minha mãe tanto queria ter, era recorrendo à segurança de uma encomenda
contratada de forma clara e segura.
A criança seria muito amada, nunca sentiria falta de outra pessoa em
sua vida, como eu mesmo nunca senti, e seria não só a alegria da mansão
Griffin, como herdeiro de todo o legado de meu avô.
Levantei-me, sentindo-me agitado com a realização daquilo que antes
era apenas uma ideia e um conjunto de informações. Era real, iria acontecer.
Eu vou ser pai!
— Já marcaram a cirurgia? — perguntei ao meu pai por telefone.
— Já, será ainda nesta semana. — Sua voz parecia muito aliviada. —
Tem certeza de que irá conseguir cobrir o empréstimo que sua amiga fez a
você, filha?
Fechei os olhos e engoli em seco, odiando ter de mentir a ele, ainda
que entendesse que era o melhor.
— Vou, sim, já fizemos todas as contas, não se preocupe. O
importante é que mamãe comece o tratamento o quanto antes.
— Ela disse que queria ver você antes da cirurgia. Será que consegue
uma folga para vir até aqui?
Eu já havia pensado nisso, mesmo porque iria ficar meses sem poder
aparecer em casa, pelo menos até que o bebê nascesse. Meu coração se
apertava cada vez que pensava que iria gerar uma criança, senti-la se mexer,
seu coração bater perto do meu, mas nunca iria ver seu rosto.
Você vai conseguir, Rory!, animei-me, pois o resto do tratamento de
minha mãe, assim como todas as despesas até sua pronta recuperação,
dependiam disso.
Fiquei feliz por todas as condições que impus serem aceitas, e a
principal delas, receber 50% do valor do contrato quando fizesse o implante
do embrião, nem foi questionada. Tive medo de perder o contrato por causa
disso, mas não tinha alternativa. O valor teria que ser suficiente para que eu
conseguisse arcar com a cirurgia de minha mãe, além de outras despesas
decorrentes dela, como internação e medicamentos.
É verdade que nunca passou pela minha cabeça que receberia tanto
dinheiro algum dia, muito menos que seria por aquele motivo, mas, apesar da
minha consciência e de meu medo de ficar apegada ao bebê, sentia alívio por
conseguir dar uma chance à minha mãe.
O contrato fora assinado no dia anterior, e, como a agência fazia parte
de uma clínica de fertilização, iniciei o tratamento que a médica prescreveu a
fim de preparar meu corpo para receber o embrião. Precisava monitorar meu
ciclo menstrual em razão de não errar o dia em que meu útero estaria pronto
para abraçar o pequeno óvulo fecundado, e, quando isso acontecesse, iríamos
fazer o procedimento. Ou seja, em alguns dias eu já estaria grávida e,
consequentemente, o dinheiro para cobrir o cheque de papai estaria em minha
conta.
Novamente tive sentimentos conflitantes sobre isso, pois, ao mesmo
tempo em que queria que o dia chegasse logo e que desse tudo certo, também
gostaria de postergá-lo o máximo possível.
Todavia, já não adiantava mais alimentar qualquer dúvida; o que
estava feito, estava feito, e eu não voltaria atrás.
— Eu vou falar com minha supervisora no trabalho e explicar a
situação para ver se consigo uma folga sem perder o dia — prometi ao meu
pai. — Também quero muito vê-la antes de tudo o que virá pela frente.
Minha vontade era a de estar presente durante todo o tratamento,
afinal eles só tinham a mim, mas, a partir do momento em que a gravidez
ficasse aparente, não poderia mais visitá-los.
— Sua mãe vai ficar extremamente feliz, pode ter certeza! — Ele
soluçou. — Eu acredito que é da vontade de Deus que tudo dê certo, pois Ele
preparou tudo para que a cirurgia acontecesse, iluminou o coração de sua
amiga e nos abençoou com a filha maravilhosa que você é.
Cobri meu rosto com a mão ao ouvir suas palavras, sentindo-me
péssima por o enganar daquela forma. Se soubessem como eu tinha
conseguido o dinheiro, meus pais nunca me perdoariam, ainda que
entendessem meus motivos. Eles ficariam totalmente decepcionados comigo,
por isso era primordial que nunca viessem a saber.
Conversamos mais algum tempo, e, assim que desliguei, procurei
passagens para vê-los já no dia seguinte, mesmo que tivesse que perder um
dia de trabalho e receber um desconto no salário no final do mês.
Meu horário de almoço acabou, e voltei para meu lugar, perto da
entrada da livraria, quando, de repente, comecei a ouvir um burburinho.
— Olha só quem está aqui! — Carly comentou comigo, indicando a
porta principal.
Olhei para a mulher incrivelmente bem-vestida, loira, alta e que
andava com aquela confiança de quem tinha a segurança de saber que atraía
olhares, mas que parecia não se importar com isso.
— Não sei quem é! — Dei de ombros. — Quer atendê-la no meu
lugar?
Carly riu.
— Às vezes esqueço que você fica com a cara enfiada nos livros o
tempo todo. — Negou meu oferecimento. — A cliente é sua!
Fui até a mulher, que olhava uma prateleira de romances.
— Boa tarde, posso ajudá-la?
Ela me olhou como se não soubesse de onde eu havia saído e me
olhou, com suas íris cor de violeta, da cabeça aos pés.
— É gerente?
Sorri, embora tenha estranhado a pergunta.
— Não, vendedora.
Ela mexeu a cabeça e voltou a olhar os títulos.
— Gostaria de uma ajuda mais especializada para comprar um livro.
Não quero nada que esteja só fazendo sucesso, preciso de algo com conteúdo.
— Ergui minha sobrancelha ao perceber que ela não entendia nada de
literatura e, ao mesmo tempo, desprezava minha ajuda por não achar que uma
vendedora conseguisse entendê-la. — Poderia chamar alguém que possa me
ajudar com isso?
Tentei ficar séria, embora estivesse com vontade de rir.
— Eu posso ajudá-la, senhora.
Novamente ela me deu aquele olhar preguiçoso.
— Vou levar o livro de presente a alguém que gosta muito de ler e
que conhece bem o que é bom e o que é apenas modismo. Não quero errar na
escolha.
Respirei fundo e mantive meu sorriso.
— O gênero favorito dela é romance? — A mulher assentiu. — Sabe
de algum autor favorito? — Negou. — Se ela gosta de clássicos ou dos
contemporâneos? — Negou de novo. Merda, assim fica difícil! — Bom, se
ela é alguém que lê muito, é provável que já tenha lido a maioria dos livros
que estão nesta sessão. — Apontei para outra área da livraria. — Por que não
a surpreende com um livro diferente?
A mulher franziu as sobrancelhas.
— Diferente como?
— De autores de outros países, por exemplo. — Ela torceu o nariz. —
Há grande autores franceses, espanhóis, sul-americanos e...
— Você não quer mesmo que eu compre aqui, não é? Não posso
perder tempo e tenho horário para visitar a pessoa que irei presentear. Chame
alguém especializado, por favor.
Mesmo fervendo de raiva pelo desprezo, concordei com a cabeça e fiz
sinal para minha supervisora.
— Posso ajudar em algo? — Chelsea Morgan inquiriu sorrindo, mas
com olhar questionador para mim.
— A senhorita precisa presentear alguém com um romance. A pessoa
lê muito, e ela requereu ajuda especializada para não errar na escolha do livro
— expliquei.
— Claro! Aurora pode ajudá-la, senhorita Johnson, ela é estudante de
Inglês e Literatura na Universidade de Chicago. — Novamente recebi aquele
olhar avaliador da cabeça aos pés. — A senhorita tem algo em mente para o
presente?
— Estudante? — sorriu. — Você não é uma seguidora minha, é?
Olhei para Chelsea buscando ajuda sobre o que responder, mas não
obtive nada, pois minha supervisora olhava a tal senhorita Johnson com
estrelas nos olhos.
— Não uso muito as redes sociais.
— Ah, percebi que não me reconheceu. — Deu de ombros e voltou
sua atenção para Chelsea. — Sua funcionária me sugeriu literatura
estrangeira.
— É uma boa aposta para alguém que lê muito e que, provavelmente,
já leu os grandes autores americanos. — Chelsea me olhou. — Sua
dissertação é sobre um autor peruano, não?
Concordei.
— Sim, a segunda língua que escolhi foi o espanhol, por isso decidi
fazer um trabalho sobre as obras desse autor. — Peguei meu iPad e mostrei
os livros dele para a “famosa” senhorita Johnson. — Ele é ganhador de Nobel
de Literatura, entre outros...
— Vou arriscar sua indicação, porque já perdi tempo demais aqui. —
Ela me interrompeu, balançando a mão. — Escolha o melhor livro dele, na
sua opinião de estudante e o embrulhe para presente.
Fiz exatamente o que ela falou, torcendo para que a pessoa que iria
receber o livro fosse alguém mais sensível e que entendesse a primorosa obra
que estava ganhando.
Somente quando a cliente foi embora da livraria foi que eu soube que
era uma famosa da internet e que concentrava milhões de seguidores em sua
rede social.
— Muito arrogante — comentei com Carly quando estávamos nos
arrumando para encerrar o expediente.
— Falou com Chelsea sobre a folga? — ela perguntou, mudando de
assunto, e fiz que sim com a cabeça. — E ela?
— Não gostou, claro, mas concedeu fazer uma troca. — Sorri. — Vou
ter que trabalhar em uma das minhas folgas, mas pelo menos não perco o dia.
— Ainda está tão preocupada assim com seu orçamento mesmo
depois de ter assinado aquele contrato?
Suspirei.
— Sim, quase não tenho dormido pensando se, por algum motivo, eu
não consiga ter o bebê e tiver que devolver o dinheiro. — Ela entendeu minha
preocupação. — Além do mais, tudo o que receber será empregado no
tratamento de minha mãe, então não posso me dar ao luxo de perder este
emprego, pelo menos não até que consiga uma colocação em alguma escola
para dar aulas depois de formada...
— Ou escreva, finalmente, aquele romance que sempre teve vontade.
— Não sei se sou boa nisso, acho que meu caminho será o acadêmico.
Ela me abraçou pelos ombros.
— Rory, quem poderá saber qual será seu caminho daqui para frente?
A vida pode te reservar algumas surpresas.
Ri nervosa.
— Espero, pelo menos, que sejam boas!
A viagem de volta para Chicago já era difícil quando eu deixava meus
pais na cidade onde cresci, porém daquela vez foi muito mais. Deixar mamãe
no hospital, na iminência de ser operada, sem poder estar lá quando ela saísse
da cirurgia, foi muito dolorido.
Imaginava que acontecia o mesmo a todos que moravam longe de
seus pais e que, por isso, não conseguiam estar presentes em momentos
importantes, mas não fez doer menos.
Tudo em que eu conseguia pensar era em mamãe, em quanto ela
estava debilitada, e relembrar as poucas horas que passamos juntas.
— Minha menina veio! — disse assim que entrei em seu quarto, ainda
na casa de tia Wanda.
Mamãe estendeu as mãos na minha direção, e corri até seu abraço,
esforçando-me para não chorar. Conversei com papai assim que
desembarquei na rodoviária, e ele me pediu para ser forte e não me assustar
ao vê-la, pois havia perdido muito peso, estava com um enorme calombo no
pescoço, e sua voz, fraca e falhando.
Não foi sua imagem frágil que mexeu comigo, mas sim a
possibilidade de aquele ser nosso último abraço. Queria nunca a ter soltado,
ficar ali, entre seus braços, sentindo seu cheiro, para sempre.
— Vai dar tudo certo! — afirmei cheia de esperança enquanto alisava
seus cabelos. — Daqui a alguns dias, vamos nos falar de novo, e a senhora
vai estar bem melhor.
Ela concordou.
— Eu sei, tenho fé em que vou me recuperar. — Beijou minha testa.
— Obrigada por tudo, filha!
Ficamos conversando durante todo o tempo em que estive em Dixon.
Não saí de seu lado nem por um minuto sequer. Contei sobre a universidade,
sobre meu projeto final, falei das meninas e do trabalho na livraria.
— Seu pai disse que você conseguiu um empréstimo. — Sua voz
transmitia preocupação. — Terá como pagar?
— Claro que sim! — Forcei um sorriso descontraído. — Terei que
trabalhar muito, por isso, só iremos nos ver por vídeo durante alguns meses,
mas, assim que a situação desapertar, virei visitá-la.
Mamãe suspirou e ficou me olhando séria, e tive aquela mesma
sensação de quando achava que a estava enganando, quando ela já sabia da
verdade.
A despedida foi tão emocionante quanto minha chegada. Papai me
acompanhou até a rodoviária, e eu lhe expliquei, mais uma vez, que iria ficar
um tempo sem poder vir vê-los, mas que manteria contato por telefone e
internet.
— Hoje em dia, a tecnologia encurtou a distância, mas nada substitui
um abraço — declarou pouco antes de me abraçar apertado. — Espero só lhe
dar boas notícias daqui para frente.
— E eu espero ansiosamente por recebê-las!
Abri bem os olhos para não me emocionar de novo com as
recordações das últimas horas e olhei pela janela do ônibus, vendo apenas
borrões dos locais por onde passava.
Só queria que minha mãe ficasse bem, mesmo que não pudesse estar
junto a ela, e que não precisasse mentir daquele jeito nunca mais. Eles me
ensinaram o valor da verdade, sempre foram pessoas honestas, e ferir todos
os ensinamentos que recebi em casa era desconfortável, ainda que por uma
boa causa.
Encostei-me melhor no banco, tentando relaxar e dormir, pois não
havia pregado o olho na noite anterior e chegaria bem tarde a Chicago, o que
me daria poucas horas de sono até ter que ir para a universidade. Contudo,
assim que senti o cansaço me dominar e minha mente ficar leve, meu telefone
apitou a chegada de uma notificação.
Verifiquei o que era, temendo ter esquecido algo ou que tivesse
acontecido alguma coisa com minha mãe, mas, na verdade, era um e-mail que
havia chegado.
Li-o com o coração batendo forte e, quando terminei, soube que teria
mais uma noite em claro pela frente.
Como dormir, agora que já marcaram o dia para a implantação do
embrião?, pensei nervosa, dando-me conta de que, em poucos meses, minha
vida mudaria para sempre.
— Aqui está seu livro. — Entreguei-lhe o exemplar, do qual minha
mãe não desgrudava desde que o ganhara de Lane, ainda no hospital, e ela me
agradeceu com um sorriso antes de alisar a capa. — Você gostou mesmo do
presente, não?
— Muito! Foi uma surpresa, na verdade. — Ela encostou-se melhor
na cabeceira acolchoada de sua cama. — Eu não esperava que ela escolhesse
esse autor. Sempre fui louca para ler suas obras.
Sorri, pensando que, provavelmente, Lane obtivera alguma ajuda na
livraria onde o havia comprado ou mandara um de seus assistentes comprar,
mas não disse nada. Michelle já gostava muito da minha amiga e, com o
presente, passou a gostar mais ainda, e isso não era algo que eu gostaria de
incentivar.
— Vou para o escritório. Precisa de mais alguma coisa? — perguntei,
sentando-me na beirada da cama.
Ela negou com um sorriso radiante.
— Se eu soubesse que teria tanta atenção assim, teria arranjado um
jeito de te dar um susto antes.
Sorri e balancei a cabeça.
— Não diga bobagem! Quase morri de preocupação quando soube o
que lhe aconteceu.
Minha mãe suspirou.
— Já estou bem!
— Não, está se recuperando — corrigi-a. — Teve alta há apenas
alguns dias e ainda requer cuidados, nada de achar que já está boa e começar
a aprontar!
Ela riu.
— Você sempre foi exagerado e superprotetor, Michael. — Abriu o
livro no local marcado com um dos seus marca páginas pintados por ela
mesma. — Fico pensando se é assim com suas namoradas.
Ah, pronto, começou!
— Mãe, não tenho namoradas.
Ela balançou a cabeça.
— No plural ou nenhuma?
Gargalhei e me levantei, constatando que Michelle Griffin já estava
ótima, pois voltara a bisbilhotar minha vida.
— Nenhuma! — Desiludi-a.
Ela suspirou e deu de ombros.
— Aposto que, se pedir, Lane aceita namorar você, embora eu ache
que ela poderia ter qualquer bom partido mais ajuizado.
— Mãe... — repreendi-a. — Lane e eu nos damos bem e nenhum dos
dois quer mais do que já temos.
— Nos damos bem... — debochou. — Essa é a expressão usada por
vocês, jovens, para designar uma relação baseada apenas em sexo? — Ergueu
a sobrancelha. — Na minha época, isso tinha outro nome...
Novamente ela me arrancou gargalhadas.
— Shelly, Shelly! — Ela sorriu feito uma menina por eu tê-la
chamado pelo apelido que meu avô usava. — Você não muda mesmo?
Deu de ombros.
— Ninguém pode julgar uma mãe por tentar ver o filho feliz e a casa
cheia de netos! — Meu coração bateu rápido ao ouvi-la falar sobre crianças.
— Por enquanto, vou me satisfazer sendo tia-avó, mas gostaria muito de
pegar um filho do meu filho no colo enquanto ainda tenho vida. — O sorriso
se apagou. — Não sei quanto tempo mais durará a misericórdia divina.
Aproximei-me dela e beijei sua testa.
— Deixe de drama! Vai ter muito tempo ainda, e a senhora verá um
pequeno correndo por esta casa, prometo.
Ela me encarou com seus olhos azul-esverdeados brilhando.
— Uma promessa? Saiba que promessas significam muito para os
Griffins.
— Eu sei, e não a faria levianamente. — Pisquei. — Você ainda vai
viver muito, mãe, e ver seu desejo se realizar.
Ela apertou minha mão, e senti como se aquele toque fosse no meu
coração. Saí de seu quarto com o objetivo de ir à empresa, ainda com o brilho
de alegria dos olhos dela em meu pensamento.
Mesmo tendo tomado a decisão de ser pai impulsivamente, em um
momento de desespero, não me arrependia. Eu realmente queria aquela
criança, queria poder expressar o mesmo amor que recebi, compartilhar com
ela as mesmas coisas incríveis que minha mãe e meu avô me ensinaram.
O momento estava próximo, pois a mulher que contratei para gerá-lo
já havia recebido o embrião, e estávamos apenas esperando a confirmação de
sua gravidez. A gerente da agência prometeu entrar em contato com Robert –
meu intermediário – assim que tivesse uma novidade sobre o sucesso ou não
do procedimento.
— Pode ser que eles tenham que tentar mais de uma vez — meu
amigo me explicou quando contou que o procedimento fora realizado. — A
mulher é jovem, saudável e seguiu corretamente toda a preparação da clínica.
Só nos resta aguardar.
— Já transferimos o dinheiro, não é? — Ele confirmou. — Então,
caso ela não engravide nessa primeira tentativa, irá voltar para uma nova?
— Sim, mas há um intervalo de tempo entre as tentativas.
Assenti, entendendo o que ele queria dizer, afinal, precisaríamos
esperar outro ciclo se cumprir. De repente, senti uma necessidade enorme de
saber mais sobre a mulher que geraria meu filho, ainda que não houvesse
necessidade nenhuma.
Como ela não foi a doadora do óvulo, nada sobre sua genética iria
influenciar na do bebê, então pouco me importava como ela era fisicamente,
contudo queria saber mais sobre seu estilo de vida.
— Sabemos algo sobre a mulher que contratamos?
Robert franziu o cenho.
— A agência tem todos os dados dela, entrevistas e exames.
— Você os viu?
— Claro! — Ele pegou uma papelada dentro de sua pasta. — Temos
todas as informações dela aqui, caso você queira...
— Não, não quero, mas fico mais tranquilo por saber que você as tem.
Ele tornou a guardar tudo na pasta.
— Ainda acho tudo isso uma loucura, sabia? Já pensou em como irá
contar isso para a Shelly?
Neguei, claro, pois não sabia como daria a notícia à minha mãe e
acreditava que, a princípio, ela estranharia muito eu ter tido um filho sem
uma companheira. Foi por isso que decidi só lhe dizer sobre a criança quando
a gravidez estivesse no final.
Uma mensagem de Lane avisando que já estava na cidade chegou ao
meu celular, voltando meus pensamentos para o momento, e eu lembrei que a
havia convidado para a estreia de um festival de música cuja patrocinadora
era a MSG.

“Fez boa viagem?”

Ela não tardou muito a responder:

“Não, detesto voo comercial, mas foi o que deu para conseguir
assim, em cima da hora.”

Balancei a cabeça, achando graça, pois, ainda que sua família tivesse
dinheiro, nunca pôde se dar ao luxo de ficar viajando de jato fretado a todo
momento, como ela fazia agora. Normalmente eu conseguiria uma “carona”
para ela no jatinho da MSG, contudo, daquela vez, foi impossível.

“Sinto muito por o jatinho da empresa não estar disponível, mas


um dos diretores precisou ir a uma convenção em Boston, como lhe
expliquei.”

“Não é culpa sua. A empresa que estou acostumada a contratar


não tinha o modelo que eu gosto. A que horas você me pega para o
evento?”

Conferi as horas e calculei o tempo que levaria para buscá-la e chegar


ao festival a tempo.

“Às 8h da noite. Esteja linda!”


Ela me mandou um emoji engraçado e uma resposta previsível:

“Não estarei linda, eu sou linda!”

Entrei no carro rindo, prevendo uma noite agradável ouvindo jazz e


fodendo até o amanhecer.
A vida está voltando para os eixos!

Chuvas de flashes sempre me incomodaram, apesar de conviver com


elas desde meus 18 anos de idade, quando comecei a sair mais assiduamente,
e a imprensa passou a noticiar cada vez que eu pisava fora de casa.
Eu não era uma celebridade, até poderia ser, pois havia muitos
empresários que mantinham suas redes sociais ativas e gostavam de interagir
com seus seguidores e expor suas vidas particulares. Não era o meu caso!
A MSG possuía as redes sociais abertas como estratégia de marketing,
porém as minhas eram privadas, e eu só as usava esporadicamente.
Comentava uma coisa ou outra no Twitter ou em alguma plataforma de
networking, mas tinha pouquíssimas fotos no Instagram.
Provavelmente, por eu ser assim, a imprensa ficava ainda mais atiçada
a noticiar minha vida, e eu não facilitava para eles. Dava poucas entrevistas, a
maioria delas para canais especializados em investimentos. Não gostava de
fofocas e de acompanhar a vida alheia, já tinha muito trabalho acompanhando
os lucros e as perdas dos meus clientes.
Não desprezava a força que a era dos digitais alguma coisa tinha.
Muitos dos meus novos investidores eram pessoas que ganharam dinheiro
com as plataformas digitais e que queriam aplicar o que recebiam. Além
disso, sabia também que a opinião pública nas redes sociais conseguia mudar
o mercado de ações, mexer com as criptomoedas e derrubar uma empresa.
Havia pessoas especializadas em seguir todas as notícias relevantes
das redes mais importantes, além de prever alguns movimentos inesperados
causados pela repercussão delas.
Outro flash atingiu minha retina com força, fazendo-me piscar,
enquanto Lane, ao meu lado, parecia brilhar refletindo toda aquela exposição.
Fazia parte do trabalho dela ficar parada, deixando-se ser fotografada, só que,
a cada vez que saíamos juntos, isso me incomodava mais.
Com qualquer outra mulher, seria uma parada de alguns segundos, e
depois eu entraria no evento, fodendo-me para quem não conseguira um bom
clique; com Lane, entretanto, tudo tinha que ficar perfeito, e ela fazia questão
de que os paparazzi conseguissem sempre seu melhor ângulo.
— Podemos entrar? — perguntei entediado.
— Vamos, sim — respondeu sem perder o sorriso. — Antes, gostaria
de tentar algo novo.
Olhei-a curioso e um tanto temeroso. Se tivesse ouvido essas mesmas
palavras durante o sexo, teria ficado mais do que pronto para tentar o que ela
quisesse, mas, na frente de todos aqueles jornalistas, sentia-me mais nu e
vulnerável do que em um quarto.
— O q...
Não tive tempo de concluir a questão, pois ela simplesmente colou
seus lábios nos meus, pegando-me de surpresa. Arregalei os olhos por um
instante, antes de ser atingido por uma chuva de flashes que me obrigou a
fechá-los.
Porra, Lane! Minha vontade era pegá-la pelos ombros e a afastar, mas
não o fiz, porque sabia que tudo o que a imprensa precisava era de um
movimento meu para problematizar a coisa toda.
Ela nunca tinha feito nada parecido, e, em todas as nossas aparições
juntos, sempre fizemos questão de ressaltar que éramos amigos de longa data.
Por isso a confusão se instalou em mim de tal forma que tudo em que
pensava era em ficar um momento a sós com ela para poder entender o
porquê daquele beijo.
Não tivemos um momento de sossego naquela noite.
Entramos no local do festival e fomos arrastados para a área VIP,
onde amigos e conhecidos estavam conversando e bebendo. Encontrei vários
parceiros de negócios e investidores, além de alguns amigos, inclusive
Robert.
Depois, quando a música começou, nos sentamos para apreciar as
várias bandas de jazz que se apresentariam. Pensei que teríamos tempo de
conversar no intervalo, mas fui pego de surpresa e convidado ao palco, onde
improvisei um discurso sobre o amor de meu avô àquele estilo musical.
Somente no final da noite, já dentro do carro, de volta ao apartamento
dela, foi que consegui matar minha curiosidade.
— O que foi aquilo na entrada?
Ela riu.
— Sabia que você estaria se mordendo para perguntar isso. — Alisou
minha coxa. — Só uma pimentinha para deixar a imprensa em polvorosa e,
claro, fazer meu engajamento ir às alturas. — Apontou para seu celular. —
Minha equipe já repostou várias fotos e vídeos...
— Lane, nós combinamos...
— Eu sei, Michael, relaxa, foi cena! — Riu. — Marquei o festival, e
tenho certeza de que muitos irão se interessar por ele. É marketing!
— Não o tipo de marketing que eu gosto — retruquei.
— Mas é o que eu sei fazer, querido. — Sua mão subiu de minha coxa
até a virilha e acariciou deliciosamente meu pau. — Deixe tudo nas mãos da
profissional aqui.
Abriu meu fecho devagar, e a olhei de soslaio.
— Da próxima vez, me comunique, e discutiremos se é uma boa
estratégia. — Ela apertou meu membro, e senti o corpo todo reagir ao
estímulo.
— Pode deixar, senhor discreto! — Lane tirou o cinto de segurança.
— Que tal eu me desculpar?
Sorri e ergui a sobrancelha.
— E como você pretende fazer isso?
Ela sacou meu pênis para fora da roupa íntima e o masturbou com
toda sua experiência. Olhei-a algumas vezes para ver sua cara safada sorrindo
de satisfação enquanto meu membro enchia sua mão até que ela não pudesse
se fechar ao redor dele.
— Estou desculpada?
Ri rouco.
— Absolutamente não!
Ela fez um beicinho antes de se inclinar sobre mim e beijar o topo do
meu sexo. Travei os dentes, querendo mais do que aquilo.
— E agora?
O riso foi sarcástico.
— Nem começou a pedir desculpas ainda! Esforce-se mais!
Lane passou a língua sobre mim como se eu fosse um sorvete, e meu
pé apertou mais forte o acelerador.
— Mais? — perguntou antes de enfiar-me em sua boca gulosa e sugar
forte, fazendo um barulho de vácuo quando o soltou. — Mais?
Eu já estava impaciente, querendo logo uma chupada para esquecer
um pouco sua atitude impulsiva, então peguei firme sua cabeça com a mão
direita e a abaixei até que engolisse meu pau até onde conseguia sem
engasgar e a deixei lá, de castigo, por um bom tempo.
Só a soltei quando senti que ela não conseguia mais ficar sem respirar,
e a safada, em vez de tomar fôlego, começou a me chupar feito louca, pronta
para me fazer gozar.
Ri, adorando seus esforços, mas ciente de que tinha muito controle
sobre meu corpo e que, enquanto não quisesse, nenhuma gota de porra sairia
de mim!
Já havia se passado um mês que eu implantara o embrião, mas ainda
não tinha tido coragem de fazer um teste caseiro, como Aimée me aconselhou
a fim de evitar qualquer tipo de reação quando o resultado do teste
laboratorial que a clínica faria saísse.
— É bom já estar preparada, tanto para a gravidez quanto para saber
que será necessário tentar de novo — ela havia me explicado.
Não tive coragem! Cheguei a comprar o teste, deixei-o no banheiro do
apartamento e, todos os dias, quando chegava do trabalho, olhava aquela
caixinha no armário, tentada a abri-la e usar o que havia dentro, mas sempre
desistia.
Tinha medo de estar grávida e da minha reação ao saber que uma vida
crescia dentro de mim. Também tinha medo de não estar grávida, tentar de
novo e de novo e acabar tendo o contrato desfeito e não ter dinheiro para
cobrir o restante do tratamento de minha mãe.
Minha mãe!, pensei nela com alegria, pois a cirurgia foi um sucesso.
Os médicos disseram que conseguiram retirar toda a massa que estava alojada
em seu esôfago e que, assim que ela se recuperasse do procedimento, iriam
começar a fazer a quimioterapia e a radioterapia.
Falava com meus pais ao telefone todos os dias, feliz com as notícias,
animando mamãe com perspectivas maravilhosas para seu futuro e...
mentindo.
Odiava não poder dizer a verdade, mas sabia que eles não
entenderiam. Na realidade, eles me conheciam bem demais e sabiam que eu
não teria coragem de fazer algo daquele tipo sem me apegar, sem sofrer na
hora de entregar a criança.
Vai dar tudo certo, Rory!, tentava me convencer cada vez que
pensava que, se estivesse mesmo grávida, o bebê em poucos meses começaria
a se mexer dentro de mim, meu corpo se prepararia para recebê-lo, meus
seios, para nutri-lo. E então? Como seria depois?
Aimée, percebendo meus medos – deixados bem evidentes pelo teste
de gravidez ainda lacrado no armário –, começou a conversar comigo e me
mostrar histórias de mulheres que ajudaram outras a se tornarem mães.
Vimos vários casos juntas, inclusive o de uma mulher que engravidou para
que seu irmão e companheiro pudessem ter um filho.
Fiquei emocionada, entendi que era um ato de amor muito grande,
mas a todo instante me via com medo de me apegar ao bebê.
— Como você fez, Aimée? Como conseguiu sentir aquela vida dentro
de si e não a amar profundamente?
Ela sorriu.
— Quem disse que não a amei? Claro que sim! Falava com o bebê,
cantava, comia e dormia bem para que ele estivesse saudável. A diferença era
que eu lhe dizia o quanto ele seria amado pelos pais, que teria uma vida feliz
e protegida, que era querido e aguardado. Eu me sentia cuidando de um
tesouro que não era meu, protegendo-o até que pudesse estar com seu dono.
Toda vez que conversávamos, eu me sentia aliviada, mas não
confiante o suficiente para fazer o teste e descobrir, antes mesmo do teste
laboratorial que faria na clínica, se estava grávida ou não.
Terminei meu semestre na universidade e, como havia planejado,
comecei a dobrar meus turnos na livraria. O verão estava quente e úmido, e,
enquanto muitos amigos iam se divertir nas praias do lago, eu atendia o
máximo de clientes por dia, conversava, convencia e ia acumulando
comissões.
Ainda não me sentia segura sobre ter o dinheiro para o restante do
tratamento, por isso precisava manter os pés no chão. Ainda estava me
alimentando mal e dormindo pouco, pois as preocupações não me deixavam
descansar.
Fiz o teste na clínica nas primeiras horas da manhã e estava esperando
que me ligassem para comunicar o resultado, então tentei de todas as
maneiras me manter ocupada para não pensar e agradeci o fato de trabalhar o
dia todo.
— Oi! — Carly me cumprimentou assim que entrou na livraria para
começar seu turno. — Tudo bem por aqui?
Neguei.
— Dois aparelhos de ar-condicionado pifaram hoje. Não está sentindo
o calor?
— Não! — Ela riu. — Lá fora está um inferno, impossível andar na
rua sem ficar toda suada e com os cabelos grudando. Aqui até que está
confortável. — Olhou em volta. — Como está o movimento?
— O turno diurno é bem mais movimentado do que o da noite, posso
te garantir. — Contei a ela que nunca havia trabalhado de dia. — Não parei
um minuto sequer e, se continuar nesse ritmo, vou receber meu salário
triplicado este mês, por causa do turno a mais e das comissões.
— Isso é ótimo, Rory! — Sorriu largo, feliz. — Tem tido tempo para
comer? Estou te achando um pouco abatida.
Dei de ombros.
— Só cansada, nada de mais. — Exercitei os pés dentro dos sapatos.
— Mas acho que hoje me sobra energia para um refrigerante gelado mais
tarde no bar, o que acha?
— Cerveja, por favor! — Riu. — Será ótimo voltarmos a ir juntas. —
Piscou. — Jack não se cansa de perguntar por você, embora continue
distribuindo seu charme para 99% das mulheres que vão lá.
Ri.
— Ele tem bastante, pode distribuir sem medo.
Carly ficou séria de repente e se aproximou mais de mim para
perguntar:
— Menstruou?
Respirei fundo assim que ouvi a pergunta e neguei com a cabeça.
— Fui fazer o teste de gravidez hoje cedo — contei, e ela arregalou os
olhos. — Eles ainda não me ligaram para informar o resultado.
Carly pegou minha mão.
— O que tiver de ser, será! — Concordei. — Nós estaremos a seu
lado para apoiá-la em tudo o que precisar.
— Eu sei, muito obrigada!
Um possível comprador entrou na loja, e, como já havia feito muitas
vendas, mostrei-o para Carly, e ela foi atendê-lo. Comecei a organizar as
prateleiras, fazendo um rodízio dos livros que estavam em cima com os que
estavam embaixo e espalhando alguns que estavam com pouca saída para ver
se ficavam mais visíveis.
Estava tão absorta no trabalho que nem percebi quando um cliente se
aproximou.
— Boa noite. Você poderia me dar uma ajuda?
Olhei para ele e senti o impacto de sua beleza masculina, combinando
perfeitamente os cabelos e sobrancelhas escuras, o nariz perfeito e reto e uma
boca...
— Oi? — Ele sorriu e balançou uma das mãos na minha frente.
— Oi! — Ri sem jeito. — Como posso ajudá-lo?
Ele ergueu uma sobrancelha de maneira muito sexy.
— Eu gostaria de comprar um livro. — Percebi que ele tentava não
rir. — É de um autor estrangeiro. — Pegou o celular para ler algo. — Mario
Vargas Llosa.
Meu coração disparou, achando impossível que ele estivesse
procurando um livro de um dos meus autores favoritos e tema do meu projeto
de dissertação. Calma, Rory, perfeição não existe!
— Claro! — lembrei de responder e apontei para a enorme prateleira
no fundo da livraria, onde ficavam os autores de língua não inglesa. — Qual
título prefere?
Andei para lá e, com o canto do olho, percebi que ele me seguia. Além
de lindo e bem-vestido, é cheiroso!, pensei ao inspirar levemente seu aroma.
— Não sei, para falar a verdade.
Hum, então ele não é um fã!, pensei e peguei o óbvio, o livro que eu
mais gostava do autor peruano.
— Não, esse ela já tem e já o leu todo.
Não vou mentir que senti certa frustração quando ele disse “ela”. O
livro seria um presente para uma mulher, e era essa pessoa que tinha o gosto
parecido com o meu.
Nada dura para sempre!
— Que tal este? — Peguei outro de seus escritos famosos. — Não é
tão intenso com as críticas como o outro, mas é um romance muito cativante.
Ele sorriu.
— Já leu todos?
Balancei os ombros.
— Desse autor, sim; da livraria toda, não.
Ele gargalhou.
— Você teria que ser bem mais velha para já ter lido essa quantidade
toda de livros. — Cruzou os braços. — Vou levar sua recomendação!
— A mulher que vai recebê-lo vai gostar! — disse ao pegar um
exemplar lacrado.
Levei-o até o caixa e entreguei o livro para Jenny, que recebia os
pagamentos e embrulhava para presente, o que, na verdade, consistia em
colocar em uma sacola mais bonita com um laço.
Agradeci-lhe a compra e voltei para a frente da loja, embora tivesse
voltado a olhá-lo apenas para saber se, de costas, ele era tão bonito quanto de
frente.
— Merda, ele é! — cochichei.
— É mesmo!
Tomei um susto ao ver Carly parecendo hipnotizada olhando para o
caixa.
— Para com isso! — repreendi-a.
— Ainda bem que foi você quem o atendeu, porque, se fosse eu... —
Suspirou. — Entregou seu cartão a ele?
— Não, ele fez a compra! — disse o óbvio, porque geralmente
dávamos nosso cartão quando o cliente não levava nada e dizia que voltaria
depois. — Carly, para de olhar!
Ela riu e desviou os olhos.
— O gostoso está vindo!
Antes mesmo de vê-lo, senti seu perfume, e meu corpo vibrou inteiro.
— Obrigado. — Ele parou por um instante e mostrou a sacola. —
Minha mãe ficará feliz com o presente, sim!
Despediu-se com um aceno de cabeça para mim e para a Carly, então
saiu da livraria.
— Meu Deus do Céu! — Respirei fundo, como se tivesse prendido o
fôlego durante todo o tempo em que ele esteve dentro da loja.
— Eu o conheço de algum lugar... — Carly comentou para ninguém,
olhando ainda para a porta com a testa franzida. — Ah! Festival de jazz! —
Sorriu ao se lembrar.
— Ele é músico? — perguntei intrigada, porque nunca adivinharia
isso, ainda mais por ele usar um belo e caro terno. — Tem cara de
empresário, advogado, qualquer coisa do tipo.
— Não, eu o vi no festival de jazz!
Comecei a rir.
— E você foi? Nunca a vi ouvir nenhuma musiquinha de jazz na vida!
— Não fui, mas vi nos stories da Lane Johnson. — Rolei os olhos ao
me lembrar da mulher arrogante. — Os dois estavam juntos, acho que são
namorados.
Arregalei os olhos.
— O quê? — Balancei a cabeça, sem entender o que um homem
simpático e educado, como ele pareceu ser, viu em uma mulher deslumbrada
como aquela. — Tem certeza?
— Ela postou uma foto dos dois no festival e outra dos dois se
beijando. — Ela suspirou. — Sortuda! Linda, rica, milhões de seguidores e
um homem desses.
Deveria, ao menos, parecer mais feliz por causa disso!, não disse em
voz alta, mas é verdade que lamentei saber do envolvimento dos dois, porém
já não duvidava, porque o livro que ele disse que sua mãe já havia lido era o
mesmo que vendi para a “chame um especialista!”.
— Bom, eu vou continuar organizando a prateleira que comecei.
Carly aquiesceu e foi para a entrada da loja, local estratégico para ver
a movimentação do shopping.
Ainda pensava no homem, doida para ir até a Jenny e perguntar se ele
havia pagado com cartão de crédito e descobrir seu nome. Besteira, eu sei,
mas seria bom pensar naquela beleza toda com um nome para associar à sua
imagem.
Peguei a escada para poder limpar a parte de cima da prateleira de
livros de ficção científica, lamentando que as pessoas preferissem ver os
filmes a ler os livros, que eram muito mais ricos em detalhes.
Até entendo que o cinema chame a atenção pelas grandes produções,
mas nada substitui, para mim, o poder da imaginação. Várias pessoas leem a
mesma obra, com os mesmos detalhes, mas cada uma a imagina de forma
diferente. Cada uma interpreta e sente uma obra literária de maneira diversa,
e não só isso; dependendo do caso, a cada releitura, novos detalhes e
perspectivas se abrem. A literatura não é algo estático, que se mantém sempre
igual; ela toma novas formas conforme a vivência e a experiência do leitor.
Sei disso porque li livros na adolescência que, ao relê-los depois de adulta,
senti a diferença.
Limpei o suor da minha testa, xingando mentalmente a falta do ar-
condicionado naquele setor da loja, e subi a escada com o enorme espanador
na mão.
Muitos vendedores odiavam ter que limpar e organizar os livros, mas
eu sempre amava. Fazia isso na minha pequena biblioteca em casa, a fim de
evitar que meus preciosos livros ficassem cheirando a mofo, com as páginas
amareladas ou que criassem formas por estarem em uma posição única.
Tirei alguns volumes do lugar para limpar a área e, enquanto
segurava-os com uma das mãos, com a outra espanava a madeira. Já estava
terminando o trabalho quando, ao descer um só degrau, me senti tonta e
enjoada.
Tudo rodou, e minha vista começou a escurecer. Senti que suava mais
forte e, quando notei minhas pernas moles, tentei segurar na escada, mas não
consegui.
O impacto com o chão foi a última coisa que tive consciência antes de
apagar.
Entreguei o presente à minha mãe durante o café da manhã, um ritual
nosso desde que ela recebera alta do hospital. Nas primeiras semanas, eu
passava em sua residência antes e depois do trabalho, porém, conforme ela
foi voltando às suas atividades, com moderação e cuidado, claro, passei a
visitá-la na parte da manhã e compartilhar seu desjejum.
Ela sorriu ao ver a sacola com o nome da livraria, mesmo sem saber
qual seria o livro. Michelle era desse tipo de pessoa que não se importa sobre
o que seja o tema escrito; caía em suas mãos, ela lia. É claro que tinha suas
preferências, e o romance, sem dúvida, era uma delas.
— Ah, outro livro desse autor! — comemorou ao ver o exemplar. —
Já ouvi falar deste. Agora vou poder formar minha própria opinião. — Ela se
aproximou de mim e beijou minha bochecha. — Obrigada, filho!
— É um prazer vê-la feliz!
— Ter você aqui todas as manhãs é o suficiente para que eu seja feliz.
— Leu a contracapa do livro. — O presente é um belo de um plus, não nego.
Ri e tomei o último gole de café restante na minha xícara.
— Preciso ir para o escritório. — Limpei a boca. — Vai caminhar
pelo jardim de novo?
Ela me olhou com um brilho matreiro nas íris.
— Claro! Preciso me recuperar aos poucos para voltar à minha forma
física. Ainda quero correr a maratona de Nova Iorque no ano que vem.
— Mãe!
— Não comece a me tratar feito uma velha inválida, Michael. Já te
disse que não sou nem uma coisa nem outra. Além do mais, não esqueci sua
promessa, preciso ter fôlego para brincar com meus netos. — Sorriu. —
Imagina que vovó mais enxuta eu vou ser!
Senti as palavras vindo à minha boca, mas as refreei a tempo. Ainda
não era a hora de contar a ela que seu tão sonhado desejo de ser avó se
realizaria em breve, mais precisamente, dali a oito meses.
No dia anterior, antes de sair do escritório, recebi a visita ilustre de
meu amigo Robert.
— Já está indo embora? — perguntou.
— Já, mas tenho um jantar de negócios daqui a pouco. Por quê?
Deu de ombros.
— Tinha pensado em sairmos para beber um pouco. — Estendeu-me
um charuto, e, como não fumo, fiquei olhando para o fumo sem entender. —
Pega logo!
Peguei o meu e fiquei observando-o enquanto cheirava o que ainda
tinha na mão.
— É cubano, da caixa do meu pai — explicou. — Ele me deu antes de
se aposentar e disse que, a cada vez que tinha algo grande para comemorar,
fumava um charuto desses.
Sorri.
— Ganhou alguma causa milionária?
— Não preciso ganhar causas milionárias! Eu impeço meus clientes
de perderem milhões em ações judiciais e, claro, recebo alguns como
honorários. — Deu uma risada bem arrogante, típica dele quando falava de
seu trabalho. — Eu vim comemorar contigo!
Franzi a testa.
— Comigo? — Já ia perguntar por que, quando entendi tudo aquilo de
comemoração e charutos cubanos. — Saiu o resultado?
Ele balançou a cabeça e rolou os olhos.
— Parabéns, papai!
Olhei a porra do charuto, ainda no plástico, e senti a boca salivar de
vontade de experimentá-lo. Tinha um bom motivo para fumá-lo, afinal de
contas, tudo havia dado certo.
Robert mexeu em seu telefone, e logo em seguida recebi uma
mensagem contendo a cópia do resultado do exame laboratorial, confirmando
a gravidez de quatro semanas.
— Quando vou poder vê-lo? — perguntei, sentindo uma enorme
felicidade, um sentimento que não conseguia sequer descrever.
— O bebê?
— Quem mais? Quando a mulher irá fazer uma ultrassonografia?
Ele abriu a boca como se tivesse entendido.
— De acordo com a agenda da clínica, ela deverá ir até lá na próxima
semana. — Ele se sentou. — Agora começam os depósitos do auxílio a ela,
conforme consta no contrato.
— Despesas pessoais e médicas, certo?
— Sim, menos moradia. A moça abriu mão.
Moça? Mais uma vez me senti curioso acerca da mulher que aceitou
gerar meu filho – em troca de uma bela quantia – e que seria a responsável
por cuidar dele durante nove meses, enquanto estivesse dentro de si.
— Ela já fez isso antes? Engravidar por dinheiro?
— Não — Robert respondeu sem nem mesmo ter que pensar no
assunto. — Ela se cadastrou na clínica quase no mesmo momento em que
você decidiu ser pai. É a primeira vez dos dois. — Assenti, ainda mais
curioso, e ele percebeu. — Quer que eu fale sobre ela?
— Não quero saber seu nome. — Sentei-me na minha cadeira. —
Mas, sim, quero saber algo sobre ela.
— É universitária — Robert começou —, tem 24 anos e...
— É o suficiente! — Interrompi-o, pois não queria saber como ela
era. — É jovem, quase 10 anos mais nova que eu. Ter um bebê não vai
atrapalhar seus estudos?
— Não vejo por que, afinal, ela não vai cuidar da criança, apenas
gerá-la.
Concordei, embora ainda achasse tudo muito estranho.
— Não há nenhum risco de ela querer ficar com a criança, não é?
Robert riu.
— Não, relaxa! Temos um contrato, além disso, o material genético
usado para a fertilização foi de uma doadora anônima. Ela não terá qualquer
direito sobre o bebê, a legislação te ampara. — Senti-me aliviado, embora ele
já tivesse me explicado isso. Não queria entrar em uma disputa judicial. —
Vai dar a notícia para Shelly?
— Ainda não. — Suspirei. — Estou pensando em como dizer a ela
que terá um neto, mas não uma nora.
Robert gargalhou.
— Me sinto agradecido por não ter pressão da minha família para
nenhuma dessas coisas.
— Sua irmã já providenciou genro e netos aos seus pais. — Joguei em
sua cara. — Eles não dependem de você.
— Ainda bem!
Fiquei sério.
— Eu penso muito sobre o legado do meu avô, e, juntando a vontade
de minha mãe de ser avó e o susto que ela nos deu... — Ele assentiu,
mostrando que entendia. — Não quero ter um relacionamento amoroso, não
quero a complicação de ter de amar alguém para sempre ou enfrentar uma
batalha em um divórcio, mas também não posso ser egoísta e deixar o nome
Griffin morrer comigo.
— Não o julgo. Meu pai já está no quinto casamento, e minha mãe, no
terceiro. Também não acredito em “felizes para sempre” e não tenho a
disposição de meu pai para aguentar tantas ex-esposas. Tenho sorte por não
ser seu único filho, embora seja o único que tem interesse na firma de
advocacia.
— Qualquer hora dessas, ele se lembra disso e começa a pressão.
Robert fez careta, e foi minha vez de rir dele.
Depois dessa conversa, antes de ir para o jantar com um grupo de
investidores, passei no shopping perto de casa para comprar algo para
Michelle Griffin. Ainda não podia dar a ela a notícia de que seu maior
presente chegaria em breve, mas queria agradá-la com algo que amava muito:
um livro.
Já tinha comprado outras vezes naquela livraria, porque, além de ser
em um dos melhores shoppings da cidade, era reconhecida pelo vasto
estoque. Não sabia se tinha sido nela que Lane comprara o livro que encantou
minha mãe, mas achava que encontraria mais obras daquele mesmo autor lá.
Como tinha pouco tempo, não esperei que as duas moças que estavam
na frente da loja terminassem seu atendimento e comecei a andar por entre as
prateleiras procurando algo que me chamasse a atenção, caso não encontrasse
o que tinha vindo buscar.
Foi então que vi uma das vendedoras concentrada na tarefa de limpar
e organizar os livros. Fiquei um tempo parado, olhando-a tratar cada
exemplar como se fosse um objeto frágil, e percebi que tirava livros que
estavam agrupados com outros, na parte de baixo, e os colocava em destaque
na prateleira de cima.
Era como se ela quisesse dar a mesma oportunidade a todos, mesmo
aos que não tinham tanta fama. Achei interessante, porque não era algo que
se fazia como praxe, mesmo porque sempre os que vendiam mais eram os
que recebiam maior destaque.
Gostei da forma dela de pensar, de sair do óbvio e tentar fazer algo
vender ao expô-lo, gerando visibilidade.
Pedi-lhe ajuda e notei quando me olhou com interesse. Geralmente eu
não me importava quando alguém demonstrava que tinha se interessado por
mim, era algo quase mecânico, pois, se tivesse vontade, puxava algum
assunto e pronto, negócio fechado. Mas com ela achei engraçado, pois tentou
disfarçar, mesmo tendo ficado explícito.
Fui bem atendido e fiquei admirado por ela – que parecia uma
menina, com seu rosto cheio de sardas e os cabelos avermelhados – já ter lido
todas as obras de um autor que nem minha mãe conhecia. Quando me indicou
exatamente o livro que Lane dera de presente e eu disse que já tinha, vi algo
de frustração passar por seu semblante.
Tive que me segurar para não rir por ela ter lamentado que eu tivesse
alguém e fosse dar o livro para essa pessoa. Deixou-me no caixa de
pagamento e seguiu para sua posição na frente da loja, onde foi impossível
não perceber o interesse da outra vendedora, porque, diferentemente da tal
Rory – nome que fiz questão de ler na plaquinha fixada em seu uniforme –,
ela não disfarçou e praticamente me comeu com os olhos.
Já estava indo embora, mas, sem saber explicar por que, fiz questão
de deixar claro que a mulher para quem eu estava levando o livro era minha
mãe, e não uma namorada ou esposa. Besteira minha, eu sei, mas era como se
eu quisesse ver de volta o mesmo interesse de antes nos olhos verdes dela.
Segui para meu apartamento e, enquanto mudava de roupa, ficava
pensando em como seria a tal Rory sem o uniforme sem graça da livraria. Ela
parecia muito nova, e sempre fui um homem que gostava de mulheres mais
velhas ou da minha idade. Meninas nunca chamaram minha atenção, nem
mesmo quando eu era um menino também.
Mas algo nela me fazia acreditar que, embora fosse biologicamente
nova, era uma pessoa madura. Já se fora o tempo em que eu correlacionava
idade e maturidade. Além disso, fisicamente ela me parecia muito bonita, e
eu ficava imaginando como seriam seus cabelos vermelhos soltos,
emoldurando seu rosto delicado.
Então, quando fui para a reunião, parei de pensar na moça.
— Michael? — minha mãe me chamou e me fez parar de pensar na
menina dos cabelos de fogo da livraria. — Quer mais alguma coisa? Está
parado aí, olhando para a xícara vazia, há um tempo já!
Balancei a cabeça.
— Não, estava perdido em pensamentos. — Levantei-me. — Ontem
foi um dia corrido, participei de um jantar de negócios até altas horas da
noite. Acho que não dormi bem.
— Precisa se cuidar, meu filho! E se divertir mais também! — Piscou.
— Quando Lane volta?
Respirei fundo.
— Não sei, mãe. — Beijei o topo de sua cabeça. — Não se esforce
muito, por favor.
— Pode deixar, tenha um dia proveitoso no escritório!
Antes de sair, deixei algumas recomendações com Martha, porque
sabia como minha mãe era uma pessoa impaciente e teimosa. Ainda não tinha
saído de casa quando Robert me ligou.
— Já está no escritório? — perguntou parecendo nervoso.
— Não, houve algum problema? — Imediatamente pensei nas bolsas
de valores, cujos índices eu havia consultado antes de ir até a casa de minha
mãe, e estava tudo bem.
— Sim. Lamento ter que te contar isso, mas a mulher que você
contratou sofreu um aborto. — Senti meu corpo inteiro gelar com a notícia.
Não havia 24 horas que eu soubera que seria pai; como podia ter acontecido
algo assim? — Michael? Está me ouvindo?
— Sim, estou. O que aconteceu?
Robert suspirou.
— Ela sofreu um acidente no trabalho e...
— Trabalho? Você não havia dito que era uma universitária?
— Sim, ela é, mas também trabalha em uma livraria e...
Embora eu achasse impossível, meu coração disparou ao ouvir sobre a
ocupação da barriga de aluguel, e imediatamente o rosto da tal Rory me veio
à cabeça.
Impossível! Há várias livrarias em Chicago, pelo amor de Deus!
— Como foi o acidente? — indaguei, interrompendo o que ele dizia e
que eu não havia escutado.
— Acabei de dizer. — Suspirou. — Você está bem?
— Eu me distraí. Como foi que aconteceu?
— Ela estava arrumando alguns livros em uma prateleira alta, por isso
subiu em uma escada e acabou caindo.
Fechei os olhos ao imaginar a dor, não só da queda, mas também da
perda do bebê.
— A mulher está bem?
— Segue internada, mas não aconteceu nada mais grave. Teve uma
concussão e está sob observação. — Ele fez uma pausa antes de continuar: —
A senhora O’Connor entrou em contato muito chateada com tudo isso e
explicou o que poderíamos fazer daqui para frente.
Franzi a testa, sem entender.
— Como assim?
— Ela sofreu um aborto, não deve poder voltar a engravidar por um
tempo. — Merda, eu não tinha pensado nisso! Bufei de frustração. —
Podemos romper o contrato e ir em busca de outra...
— E o dinheiro que já adiantamos a ela?
— Uma parte cobriria a quebra do contrato, e a outra, ela teria que
devolver. É uma alternativa boa, pois você tem pressa.
Não consegui chegar a uma resposta, pois ainda estava fixado na
questão do tipo de trabalho que a mulher que contratei tinha. Livraria!
— Eles conversaram com o médico para saber o que ele acha?
— Sim, há uma pessoa da clínica lá com a moça, mas pensei em
passar por lá também e...
— Eu vou.
Robert ficou mudo por um longo tempo.
— Tem certeza? Sou seu representante; não prefere continuar sem se
envolver com a clínica?
— Eles sabem quem eu sou, está no contrato. Não vou me apresentar
à garota nem nada do tipo, quero apenas conversar diretamente com o médico
que a atendeu para entender as coisas e poder tomar uma decisão justa.
— Está certo, então. Vou encaminhar por mensagem o nome do
hospital e da moça. Sinto muito que isso tenha acontecido, Michael.
— Eu também.
Desliguei o telefone e entrei no carro no mesmo momento em que
chegou a mensagem dele com o nome do hospital e... fiquei sem reação ao ler
o nome da barriga de aluguel.
Aurora Ryan.
Balancei a cabeça, tentando me convencer de que se tratava de uma
coincidência, pois a vira no dia anterior, bem e segura na entrada da loja.
Contudo, parece que, mesmo duvidando, uma certeza crescia.
Rory, apelido de Aurora.
Novamente me vi correndo feito um louco até um hospital, só que,
dessa vez, o sentimento era outro. Enquanto, com minha mãe, eu estava
apreensivo sobre como iria encontrá-la, com a tal Aurora temia a quem iria
encontrar.
Seria possível uma coincidência tão grande assim? Eu me perguntava
isso durante todo o trajeto até o local que Robert indicou. Sempre fui um bom
julgador de caráter, principalmente depois de ter quase caído na armadilha de
uma pessoa oportunista quando era mais jovem, e a moça da livraria me
pareceu tão delicada, tão inocente.
Nunca poderia passar pela minha cabeça que ela era a mulher que eu
havia contratado para gerar meu filho. Nunca! Aquilo só ressaltou um velho
ditado que meu avô sempre dizia: quem vê cara...
Além de ter ficado assustado com a coincidência de encontrá-la
aleatoriamente, também me sentia estranho por o acidente ter acontecido logo
depois que saí da livraria. Sim, porque, quando fui embora, ela estava bem,
de pé ao lado da amiga, esperando mais um cliente.
Pode ser que não seja ela, que seja só uma enorme coincidência
sobre o nome e a profissão!, pensei, tentando me convencer de que não era a
menina que me atendeu, mesmo porque ela não parecia ter 24 anos, eu lhe
daria, no máximo, 18, e apenas por ela estar trabalhando.
Deixei o carro no estacionamento do hospital e me dirigi até a
emergência para buscar informações.
— Senhor Griffin? — Uma senhora alta e bem-vestida me abordou.
— Sou Ayleen O’Connor, de A Family Surrogacy Agency. — Ela estendeu a
mão. — O doutor Clark me avisou de sua vinda.
Cumprimentei-a.
— Como vai, senhora O’Connor?
Ela deu um meio sorriso.
— Agora mais aliviada. — Apontou uma porta. — O médico que está
atendendo a senhorita Ryan o espera. Pode me acompanhar?
Assenti e a segui por um corredor hospital adentro até chegarmos a
um pequeno escritório. Lá, fui apresentado ao doutor Shane, ginecologista e
obstetra, que estava cuidando de Aurora Ryan.
— O que houve? — perguntei sem rodeios.
— A senhorita Ryan chegou aqui logo após uma queda. Estava
desacordada e com um enorme hematoma na cabeça. Pelo que nos foi dito,
caiu de uma escada, de uma altura de quase 2 m do chão.
— A amiga dela a acompanhou e contou o que aconteceu — Ayleen
explicou.
Apenas balancei a cabeça.
— Fizemos todos os exames e constatamos que ela sofreu uma
concussão leve e que não há trauma de nenhuma espécie. Não sabíamos sobre
o bebê, e ainda não havia indícios de sangramento. Somente quando ela
recobrou a consciência é que se queixou de uma dor muito forte no abdômen
e começou a sangrar. Perguntamos da possibilidade de ela estar grávida, e ela
afirmou que não tinha certeza, mas que havia feito exame...
— Não mandaram para ela o resultado? — questionei à gerente da
agência.
— Mandamos, mas ela ainda não o tinha visto. Trabalhou o dia todo
e, no trabalho, não pode ter acesso ao celular.
Merda!
— Ainda assim, ela foi imprudente ao subir. Sabia que poderia já
estar grávida.
— Concordo, senhor Griffin. — Ayleen suspirou. — Ainda não
conversei com ela, pois queria primeiro falar com o senhor. Não
questionamos o fato de ela querer continuar no trabalho mesmo depois da
implantação do embrião, pois não vimos sua atividade como sendo de risco.
— O tombo não foi ocasionado por imprudência no trabalho — o
médico concluiu —, e sim por suas condições físicas.
Percebi quando Ayleen enrugou a testa por não entender, e isso me
chamou a atenção.
— Achei que ela estivesse com bom estado de saúde.
— Segundo os exames que fizemos na clínica, sim, ela estava. Por
que chegou a essa conclusão, doutor?
O médio respirou fundo.
— Ela está desidratada e desnutrida. — Olhei para a gerente da
agência, questionando a informação, mas ela continuava encarando o médico.
— Conversei com a amiga dela e soube que, além de ter dobrado o turno no
trabalho, a senhorita Ryan não estava se alimentando bem.
Quanto mais eu ouvia, mais ia ficando intrigado, afinal, a tal Aurora
havia recebido uma boa quantia assim que implantou o embrião. Não fazia
sentido ter de trabalhar tanto e ficar sem comer.
— Fizeram exames clínicos? — a gerente inquiriu. — Ela pode ter
pisado em falso, ou a escada ter deslizado...
— Não, a própria paciente confirmou que desmaiou antes de cair, o
que pode ter sido por causa da gravidez também. Algumas mulheres
emagrecem e perdem o apetite nos primeiros meses, além de se sentirem
fracas.
— Ela ainda estava nas primeiras semanas... — comentei.
— Sim, faria um mês exatamente hoje.
Fechei os olhos e resolvi mudar o foco da conversa.
— Como ela está agora, doutor?
O médico me encarou profundamente.
— Se recuperando fisicamente. Pedi que ficasse mais um dia aqui
para observação. O aborto foi total, segundo a ultrassonografia, não
precisamos fazer nenhum tipo de procedimento. — Ele desviou os olhos
rapidamente até Ayleen. — Mandamos o material para a citologia. — Ela lhe
agradeceu. — A concussão foi leve, e tudo o que ela tem agora são pequenas
lesões e contusões. — Suspirou. — Mas seu estado de ânimo não está bom.
Chorou muito depois que soube que havia perdido o bebê.
Levantei-me de repente, sentindo-me incomodado por ficar sentado.
— Acho que seu advogado falou sobre suas opções nesse caso, não?
— Ayleen tentou puxar o assunto, mas eu não conseguia pensar naquele
momento sobre o contrato, não sem saber se estava certo ou não sobre a
garota da livraria.
— Eu gostaria de vê-la.
A gerente arregalou os olhos.
— Mas o senhor pediu um acordo de confidencialidade!
— Eu sei, mas ela não precisa me ver. — Virei-me para o médico. —
Há a possibilidade de vê-la sem que ela me veja?
Ele se pôs de pé.
— Vou verificar.
Assim que ele deixou a sala, a senhora O’Connor se aproximou de
mim.
— Acho que o sensato seria fazer um novo contrato. Talvez com uma
mulher mais experiente, que já passou por tudo isso antes e...
Uma enfermeira abriu a porta antes que ela concluísse, salvando-me
de lhe dar uma resposta. Eu me sentia muito confuso acerca de todas as
informações que recebi, sem entender por que Aurora havia dobrado seu
turno de trabalho, uma vez que paguei o que pediu no acordo.
— Senhor Griffin, o doutor Shane me pediu para vir buscá-lo.
Segui a enfermeira pelos corredores do hospital até um dos quartos,
onde o médico me esperava na porta.
— Ela está dormindo, tomou um calmante há pouco mais de uma
hora, mas foi coisa leve e pode acordar a qualquer momento — explicou.
— Tudo bem, não vou demorar.
Ele abriu a porta para que eu entrasse, e, assim que meus olhos
pousaram sobre a massa de cabelos ruivos espalhados sobre o travesseiro,
não consegui avançar mais nenhum passo.
Rory!
O sorriso sem jeito, a maneira como me olhou, tudo voltou à minha
memória perfeitamente, enquanto eu questionava que brincadeira era aquela
feita pelo destino. Eu havia acabado de saber que ia ser pai e,
coincidentemente, acabei conhecendo a mulher que contratei para gerar meu
filho!
Foquei em suas feições, no rosto branco todo pincelado de pequenas
sardas, no nariz bem-feito, na boca generosa. Ela parecia ainda mais frágil do
que achei quando a encontrei naquela loja, e o hematoma arroxeado em sua
testa contribuía ainda mais para dar essa impressão.
Ela se mexeu e balbuciou algo. Temendo que acordasse e me
encontrasse observando-a, saí do quarto, passando novamente pelo médico,
que aguardava à porta.
Aproveitei que a gerente da agência não estava por perto para fazer
alguns questionamentos que achava pertinente:
— Acha que haverá problemas para uma nova gravidez?
— Não, desde que dê um certo tempo. O corpo dela precisa se
recuperar, por isso recomendei que tivesse uma pausa, sem tentativas, por uns
três meses. — Assenti. — Também é necessária uma pausa antes de voltar a
fazer sexo, algumas semanas.
Senti algo estranho quando ele falou no assunto, e, por um instante, a
ideia de tê-la em minha cama não pareceu tão má... Apenas era um caminho
que eu não queria nem iria seguir.
— Não se preocupe com isso. — Fiz questão de frisar.
Voltamos para a sala de exames, onde nos atendeu quando cheguei, e
encontrei Ayleen à minha espera.
— Foi tudo bem? — ela perguntou, e notei que estava ansiosa.
— Sim. — Voltei-me para o médico. — Será que o doutor se
importaria de nos deixar um momento a sós para conversarmos?
— Não. Fiquem à vontade.
Esperei que ele saísse e respirei fundo.
— Decidi fazer um novo contrato — informei, e ela sorriu satisfeita.
— Desta vez iremos escolher alguém com mais...
— Não, a senhora não entendeu. — Interrompi-a. — O acordo com
Aurora Ryan irá permanecer, contudo quero estabelecer algumas condições
para isso.
Ela parecia bem confusa.
— O senhor vai esperar que ela se recupere para tentar novamente?
— Vou.
— Eu tinha entendido que o senhor tinha pressa.
E tinha! No entanto, aquele tempo que Aurora levaria para se
recuperar seria usado para que eu preparasse minha mãe. Não iria mais
simplesmente jogar a notícia sobre ela, mas mostrar-lhe que era uma boa
solução, a única, na verdade.
Ademais, alguma coisa me impelia a querer Aurora Ryan para gerar
meu filho. Não sabia exatamente o que era, apenas que sentia que seria a
pessoa certa para a tarefa. E nunca fui de dar as costas ao meu instinto.
— Três meses passam rápido — concluí.
— Se é o que o senhor deseja...
Peguei o telefone e mandei uma mensagem para Robert solicitando
uma reunião.
— Assim que tiver as novas condições, entro em contato, e a senhora
poderá apresentá-las à senhorita Ryan.
Ela assentiu, e eu me despedi com um aceno, deixando-a na sala do
médico e seguindo para a saída do hospital.

— É uma mudança e tanto, não acha?


Neguei, embora achasse que Robert tinha razão.
Ele arqueou as sobrancelhas e balançou a cabeça diante da minha
teimosia, enquanto terminava de redigir o documento que iria enviar para a
agência de barriga de aluguel.
Eu ainda nem tinha ido ao escritório, pedi apenas para minha
secretária reorganizar minha agenda e estava tomando algumas decisões via
e-mail ou mensagens.
Robert me atendeu em sua sala na firma de advocacia que gerenciava.
Cancelou dois compromissos por minha causa, o que lhe agradeci, e, claro,
eu iria recompensá-lo bem.
Contei a ele sobre minha visita à jovem no hospital, porém omiti que
havia comprado um livro para minha mãe no dia anterior e que ela havia me
atendido. Não sabia o que ele poderia pensar sobre continuar com o contrato
depois que tivesse conhecimento de que nos encontramos, ainda que Aurora
não soubesse que eu era o homem que a contratara para gerar um bebê.
Robert também se mostrou intrigado com o fato de ela ter continuado
a trabalhar e, não só isso, aumentado as horas trabalhadas, mesmo depois de
receber o adiantamento que pedira.
— Talvez ela tivesse dívidas. — Foi sua conclusão.
Achei razoável esse motivo, ainda mais quando soube que ela estava
cursando a Universidade de Chicago, que é privada, e que trabalhava naquela
livraria desde o primeiro ano do curso. Soube também, ao ler a entrevista que
fez na agência, cuja cópia estava arquivada com Robert, que ela dividia um
apartamento com duas amigas e que uma delas já havia sido barriga de
aluguel anos atrás e foi quem a indicou para a agência.
Definitivamente, concluí que ela não pegou aquele dinheiro para se
divertir. Pelo jeito, havia um propósito, um projeto, alguma coisa que a levara
a recorrer a alugar seu ventre.
— Pronto! — Robert voltou a falar e virou a tela do computador na
minha direção. — Confira se ataquei todos os pontos que pretendia.
Li item por item, concordando, e, quando terminei, sorri.
— Você é o cara!
Meu amigo, cuja arrogância sempre lhe foi inata, deu um meio sorriso
e balançou os ombros.
— Nenhuma novidade! — Voltou a tela para si. — Posso enviar?
— Deve! — Preparei-me para sair e, enfim, começar meu dia de
trabalho. — Obrigado por sua ajuda.
— Cada vez mais questiono minha sanidade ao concordar com suas
loucuras, mas conte comigo sempre!
Pronto, estava feito! Não estava mais disposto a correr riscos, então,
se Aurora Ryan quisesse continuar com o acordo, teria que aceitar minhas
condições.
Estava sentada na beirada da cama, sem acreditar que tudo aquilo
havia acontecido comigo. Ainda sentia o corpo dolorido e me lembrava da
intensa dor que senti quando abortei.
Foi horrível! Eu nem sabia ainda que já estava grávida, embora
houvesse uma forte desconfiança pelo atraso da minha menstruação, mas
sofri a cada pontada, a cada cólica forte, enquanto meu corpo expulsava o
embrião.
O sangramento foi intenso, e, talvez por causa dele, não foi preciso
fazer nenhuma intervenção em mim. Tudo havia acabado!
Tive, naquele momento, o vislumbre de uma pequena amostra do que
poderia vir a sentir quando o bebê fosse nascer. Não estou me referindo à dor
do parto, mas da ausência. Nada me assustava tanto e, por causa desse medo,
pensei em desistir do contrato.
Mas como faria isso?
Já havia recebido o adiantamento e necessitava do restante para
continuar o tratamento de minha mãe. Tanto a quimio quanto a radioterapia
eram caríssimas, e, sem elas, a operação teria sido em vão.
Concluí que eu deveria buscar ajuda durante os meses em que não
poderia engravidar. Solicitaria algum apoio psicológico para estar forte e
pronta para fazer o que tivesse que ser feito.
O dinheiro de reserva que papai tinha, ainda do que sobrou da minha
poupança para a universidade, cobriria as primeiras despesas com o
tratamento, e minha tia Wanda havia conseguido um empréstimo – que eu
prometi pagar – para arcar com outra parte, contudo eu necessitava do
restante do dinheiro do contrato de barriga de aluguel para garantir todas as
despesas até que mamãe estivesse curada.
Por isso não podia desistir, mas havia a possibilidade de os
contratantes reconsiderarem. Não parei de pensar sobre isso em nenhum
momento durante as 48 horas em que estive internada sob observação.
Ayleen O’Connor havia conversado comigo no dia anterior e
explicado que era provável que o contrato fosse rompido, pois fora feito em
caráter de urgência. Não entendi bem isso, mas compreendi que esperar mais
três meses para fazer uma nova tentativa não era uma opção.
Fiquei ainda mais apreensiva, tive dificuldade para dormir, e o
médico que estava responsável por mim mandou que me dessem um
relaxante. Dormi o dia e a noite inteiros e acordei bem melhor. Tomei banho,
lavei os cabelos e, quando retornei ao quarto, o café da manhã estava sendo
servido.
Estava com apetite, e minha boca se encheu de água ao ver a comida.
Sentei-me para comer pensando que enfim faria uma refeição decente depois
de tanto tempo vivendo de lanches rápidos, mas então Ayleen O’Connor
chegou.
— Está se sentindo melhor? — ela me perguntou, sentando-se na
poltrona perto da minha cama. — Bom, primeiro eu gostaria de explicar as
implicações caso seu contrato se desfaça.
— Isso vai mesmo acontecer? — Nem consegui mais ter apetite para
terminar a deliciosa torrada que estava comendo.
— Pode, sim, vai depender de você. — Não entendi o que ela quis
dizer, então esperei que me explicasse. — Caso o contrato seja revogado, há
uma multa que pode ser abatida do adiantamento que você recebeu, mas,
ainda assim, terá que devolver o dinheiro.
Comecei a tremer, porque, se já estava impossível conseguir pagar o
tratamento da minha mãe, como eu poderia também pagar o adiantamento
que recebera?
— É muito dinheiro...
Ela assentiu.
— Veja bem, Aurora, achei que iriam preferir esse caminho, mas
acontece que eles querem continuar contigo. — Não sei explicar se foi alívio
ou apreensão que a revelação me causou.
— Mas?
Ela sorriu ao perceber que teria alguma coisa além de deixar tudo
como já estava.
— Vai ser feito um novo contrato. — Bufou. — Nunca fizemos nada
parecido antes, mas aceitamos. Agora é contigo.
Meu coração estava disparado, e eu tinha o pressentimento de que as
coisas iriam piorar.
— O que querem?
Ela pegou seu iPad e começou a ler:
— A contratada deverá priorizar sua saúde antes e depois da
implantação do embrião a fim de assegurar o sucesso da gestação. Para isso,
ela se compromete a... — tomou fôlego — morar em local indicado pelo
contratante — arregalei os olhos — e seguir todas as recomendações da
equipe que designará para acompanhar o desenvolvimento da gravidez;
deixar de trabalhar, embora possa concluir os estudos; — coloquei a mão
sobre a boca, sem poder acreditar no que estava ouvindo — e se submeter a
exames periódicos, além dos indicados pela clínica de fertilização, para que o
contratante tenha ciência de seu estado físico.
— Eles podem fazer isso? — indaguei, sem esperar para ouvir mais.
— Caso você não aceite, eles pedirão a revogação do contrato, e a
gente volta àquilo que expliquei no começo da conversa. Eles pagam a multa
por quebra do contrato, e você devolve proporcionalmente o adiantamento.
Fechei os olhos e tentei raciocinar com clareza, entendendo que,
mesmo diferentemente dos meus planos iniciais, estava recebendo uma
segunda chance, afinal, tudo já havia dado certo na fertilização, e fui eu quem
perdeu o bebê por imprudência.
— Eles só estão assegurando que não vai mais haver nenhum outro
incidente...
— Exato! Além disso, caso ocorra de você não engravidar por
motivos alheios à sua vontade ou às suas atitudes, ou de a gestação não ir em
frente, eles não irão pedir a devolução do adiantamento.
— Então, mesmo que as tentativas não deem certo ou se houver um
aborto espontâneo...
— Isso mesmo, você fica com o adiantamento. Nunca fiz nada assim.
É claro que já fiz o contrário, de a agenciada pedir moradia, mas nada além
disso.
Eu teria que morar em outro local, longe das minhas amigas, mas,
pelo que dera para entender, teria alguém comigo. Além disso, teria que
deixar de trabalhar, mas poderia continuar a estudar. E todas as minhas
despesas seriam cobertas.
— Com relação ao auxílio, eu o receberia em dinheiro ou eles só
cobririam os gastos que eu fizesse?
— O auxílio compreende alimentação, despesas médicas e, agora,
moradia. Contudo, como estão exigindo que pare de trabalhar, podemos
negociar uma mesada, embora você tenha recebido um adiantamento.
Mesada... A palavra não me agradou, mas, se pudesse ter algum
dinheiro para enviar para casa durante esse tempo, seria ótimo!
Eu não tinha muita escolha a não ser aceitar e continuar, com
modificações, o plano inicial.
— Eu aceito, sim — falei resoluta, antes que a insegurança me
impedisse de tomar a decisão mais racional.
Ayleen sorriu.
— Vamos preparar o documento, então, assim que receber alta, a
acompanharemos até o apartamento onde mora para que pegue suas roupas
e...
— Já? Eu pensei que isso aconteceria depois que fosse implantado um
novo...
— Não, Aurora, é desde já. Você não se cuidou direito, desmaiou
porque estava se alimentando pouco, além de passar 12 horas em pé dentro
daquela livraria de segunda a segunda!
Esforcei-me para não chorar e assenti.
— Tudo bem.
Depois que ela saiu, fiquei um bom tempo sentada na cama, olhando
para o nada, enquanto o farto café da manhã esfriava à minha frente. Liguei
para Aimée, porém ela não atendeu. Provavelmente estava no trabalho. Então
tentei a Carly.
— Oi, Rory! Como você está?
— Melhor, vou ter alta daqui a pouco. — Suspirei. — Eu gostaria de
um favor, caso possa fazê-lo.
— Claro, me diz o que é! Ainda estou em casa. Precisa de algo daqui?
Engoli em seco.
— Preciso que faça minhas malas.
— Como assim? Você não vai ter alta...
— Vou, mas não vou poder voltar a morar com vocês. As pessoas
para quem vou ter o bebê vão me instalar em um apartamento.
— Por quê? — Carly parecia tão assustada como eu.
— Para eu me recuperar. Também vou pedir demissão da livraria...
— Meu Deus, Rory! Tem certeza disso?
Não, mas não vejo outro jeito!, pensei, mas não falei.
— Tenho.
— Tudo bem, mas iremos saber onde você está e poderemos visitá-la,
não é?
— Claro! Assim que eu souber onde vou morar, passo o endereço.
Além do mais, vou continuar na universidade.
— Menos mal! Do que você vai precisar?
Orientei-a sobre o que iria levar, além de roupas, calçados, acessórios
e meus livros. Havia fotografias dos meus pais, presentes de amigos e tantas
outras coisas que fui adquirindo ao longo dos anos em que estava vivendo em
Chicago.
Iria ficar 12 meses morando no apartamento mantido pelos pais do
futuro bebê que eu gestaria, então não havia por que abandonar as minhas
coisas mais queridas. Seria bom estar cercada de objetos conhecidos e com
valor afetivo em um local que me seria estranho e novo.
Carly ficou de conversar com Aimée caso ela chegasse antes de mim
ao apartamento e desejou saber detalhes de como iria se dar a mudança no
contrato, mas eu não quis falar dos pormenores, apenas disse que eles
queriam ter maior cuidado comigo para que mais nada de ruim acontecesse.
Mais tarde, já de alta, estava esperando Ayleen O’Connor na recepção
do hospital, sentada em uma cadeira de rodas, porém quem apareceu foi uma
senhora que eu nunca havia visto antes.
— Aurora Ryan? — ela me chamou, olhando-me com curiosidade, e
assenti. — Sou Erika Santiago. Como se sente?
— Melhor. A senhora O’Connor não virá?
Negou.
— Não, eu vim para cuidar de você daqui por diante. Podemos ir?
Ela fez sinal para o enfermeiro, que começou a empurrar a cadeira em
direção à saída do hospital, onde um carro já nos aguardava. Erika ajudou-me
a levantar e a entrar na parte traseira do veículo. Depois, deu a volta e se
sentou ao meu lado.
— Vamos passar onde você morava, não é isso?
— Sim, por favor. Só estou com essas roupas que minha amiga trouxe
ontem e...
— Tudo bem, não temos pressa. — Ela bateu na minha mão como
minha mãe fazia quando queria me acalmar. — A partir de hoje, eu vou estar
sempre contigo para o que precisar.
— Obrigada — agradeci, mas não me sentia totalmente confortável
com ela.
— Trabalhei muitos anos acompanhando pacientes acamados ou
pessoas idosas. — Riu. — É a primeira vez que acompanho alguém tão
jovem.
— Eu não estou doente. — Fiz questão de deixar claro.
— Eu sei, querida, mas passou por um susto, não é? — Olhou para o
hematoma na lateral do meu rosto. — Conversei com o médico que a
atendeu, e ele prescreveu uns dias de repouso e uma alimentação equilibrada,
além de algumas vitaminas.
— Sim, ele conversou comigo também.
— Ótimo! — Seu sorriso morreu ao notar minha tensão. — Gostaria
que me visse como uma amiga, sabe? Sei que não foi você quem me
contratou e estou tensa com essa situação também, mas, acredite em mim,
tudo o que quero é vê-la bem.
Balancei a cabeça, encostei-me no banco do carro e fechei os olhos,
sem saber como seriam as coisas daquele momento em diante. Sempre fui
muito independente, meus pais me criaram para ser assim ao me ensinarem a
ser responsável com minhas coisas e com os outros.
Nunca tive babá quando criança, e pensar em ter uma aos 24 anos de
idade não me agrava em nada!

Quando passei no apartamento, encontrei minhas coisas organizadas,


mas não vi nenhuma das minhas amigas. Segundo o bilhete deixado por
Carly, ela tinha ido para o trabalho, e Aimée não tinha voltado de onde havia
ido de manhã.
O motorista e Erika me ajudaram a pegar minhas coisas – duas malas
e uma caixa –, e, antes de descer, dei uma olhada longa naquela que foi
minha casa por mais de três anos.
Passei o trajeto todo muda, sem querer falar com ninguém e com
medo do que iria encontrar. E, definitivamente, nada havia me preparado para
entrar em um condomínio luxuoso em Lincoln Park.
— Tem certeza de que é aqui?
Erika sorriu.
— É, sim, querida! Precisa ver a vista do apartamento!
E ela tinha razão! Eu olhei pela enorme janela da sala e pude ver boa
parte do parque. Nunca poderia imaginar que me colocariam em uma área
cujo metro quadrado era um dos mais caros da cidade. O shopping onde
ficava a livraria em que eu trabalhava estava a algumas quadras de onde iria
morar.
O apartamento era lindo também e estava todo mobiliado. Com duas
suítes, sala ampla e cozinha, ele parecia um sonho. Minha suíte era duas
vezes maior do que o quarto que eu tinha no apartamento de Aimée, inclusive
possuía cama king size, e eu teria um banheiro só meu.
Sentei-me na beirada da cama, ainda sem entender o que estava
acontecendo. Que as pessoas que me contrataram eram ricas, disso eu não
tinha dúvidas, pelo preço que a agência e a clínica cobravam, mas que iriam
me proporcionar muito mais do que pedi?
Por quê? era a questão que martelava minha cabeça.
Um apartamento confortável, num bairro caro, com móveis luxuosos,
uma governanta/babá e um motorista com carro à disposição.
É bom demais para ser verdade!
Um prato com uma deliciosa lagosta na manteiga foi colocado à
minha frente, mas, em vez de comê-la, fiquei olhando para o crustáceo como
se não soubesse do que se tratava.
A mente aérea era resultado de um dos meses mais agitados do ano,
afinal, era verão, e não só o clima esquentava, como todos os negócios da
cidade.
Tinha orgulho de ter minhas raízes na Windy City[5], não somente por
ser bela, cheia de história e importância, mas porque, ali, minha família se
estabeleceu havia mais de um século. Meus ascendentes não eram ricos; até
meu avô, os Griffins eram pertencentes à classe média. Foi através de
Michael Stanley Griffin que tudo mudou, contudo, se não fosse as
oportunidades que a cidade oferecia, talvez ele não tivesse tido tanto êxito.
Com a terceira maior economia dos Estados Unidos e nomeada como
o quarto maior centro de negócios do mundo por causa da sua diversificação,
Chicago atraía todos os tipos de investidores, empresários e negócios. Era
certo também que ainda não tínhamos conseguido espantar o fantasma da
violência que nos deixaram tão famosos nos filmes de gângsters. Ainda
assim, amava ser um chicagoan[6].
Muitos negócios eram consolidados na primavera e no verão. Pode
parecer loucura, mas era realmente uma tendência. O inverno nessa cidade
era pesado, tínhamos grandes volumes de neve, e a maior parte do trabalho
ficava restrita a escritórios e conferências pela internet. Então, quando o
clima começava a esquentar, tudo virava motivo para se estar fora de quatro
paredes.
Era por isso que eu estava em mais uma reunião fora do escritório! A
5.ª na mesma semana, a 16.ª do mês, entre almoços, jantares, brunches ou
chás da tarde. Grande parte delas ocorriam em clubes à beira do lago, perto
das praias.
Naquela noite, eu estava reunido com um grupo de tecnologia do
transporte, num iate clube perto de Montroe Harbor. O jantar era mera
formalidade, pois o que mais estava sendo consumido eram as bebidas.
Podiam me considerar careta, mas eu não misturava álcool e negócios, por
isso estava esperando terminar tudo o que havia me proposto a resolver para
poder ir para casa.
Sentia falta de diversão, porque, como disse antes, foi um mês de
trabalho intenso na MSG. Tive que ir algumas vezes a Nova Iorque e a
Seattle. Minha carteira de clientes havia aumentado, a liquidez e segurança da
agência de investimentos também, mas não tive tempo algum para me
divertir.
É claro, vi Lane enquanto estava em Nova Iorque, e, depois de
conversar com ela, deixando bem claro que não estava disposto a ser mais um
“affair de rede social”, nós conseguimos curtir alguns momentos juntos. Em
Seattle, revi uma antiga amiga e acabei passando a noite com ela, e foi
somente isso.
Até mesmo minha mãe, que, havia algum tempo, me mandava
sossegar, estava achando estranha aquela minha fase mais caseira.
— Não é por minha vontade, pode acreditar — respondia toda vez
que ela dizia que não me via mais nas colunas de fofocas dos sites. — Não
tenho saído porque simplesmente não tenho condições mentais para virar
uma noite.
Ela concordava, pois acompanhava minha rotina.
— Mas, se manter essa rotina de ermitão, quando vai conhecer
alguém para se apaixonar e me dar os netos que prometeu? — ela indagava
em tom de brincadeira, mas eu sentia a pressão.
— Para tudo tem um jeito! — eu desconversava e mudava de assunto.
Ainda não tinha falado com ela sobre minha decisão de ter um filho
sozinho, e, a cada vez que tocávamos no assunto dos netos, ele sempre vinha
acompanhado de uma mulher e de amor.
Eu não conseguia entender como ela podia me desejar algo assim
depois de tudo o que viu acontecer, depois de todos os péssimos exemplos
que tínhamos ao nosso redor. O que as pessoas julgavam como amor nada
mais era do que uma intensa atração física que, como o tempo, se desvanecia,
ocasionando casais que não se suportavam e crianças que cresciam sendo
testemunhas da decadência do relacionamento.
A mãe de minha mãe abandonou o marido e os três filhos; meus tios
se divorciaram das esposas; meu pai abandou minha mãe; isso tudo apenas
em minha família! Como ela podia ansiar algo assim para mim também? E a
questão mais importante: como convencê-la de que o jeito com que eu
decidira ter uma família era o melhor?
Já havia se passado um mês do acidente com Aurora Ryan e que ela
estava morando no apartamento que aluguei. Semanalmente, Erika Santiago
me mandava um relatório sobre como a moça estava.
— Os exames dela estão ótimos — foi o que me disse na última
ligação. — Ela ainda está ressentida por ter que treinar com o personal e
reclama muito de eu querer cuidar dela. — Riu. — Rory está acostumada a
tomar conta dela mesma; imagino que seja realmente difícil.
— Quando ela volta para a universidade?
— No começo de setembro. Mas ela tem estudado muito em casa para
evitar ficar “à toa”, como diz. Rory vive com a cara enfiada nos livros e só a
tira quando tem que treinar, comer ou dormir. — Riu. — Ah, ou quando
recebe a visita das amigas.
Ah, sim, as amigas!
— Elas têm ido bastante aí?
— Não muito, mais nos finais de semana, mas Rory também as visita.
— Você vai com ela?
Talvez Erika não esperasse essa pergunta, pois ficou um tempo muda,
como se não soubesse o que dizer.
— Não sabia que deveria segui-la a todo lugar que fosse...
Naquele momento me senti frustrado. Devia estar muito cansado
também e acabei me irritando.
— Então como sabe que ela foi realmente ver as amigas?
— Eu não...
— Erika, a partir de agora, toda vez que Aurora sair, certifique-se de
que está indo aonde disse que ia. — Ela tentou questionar, mas não permiti.
— Não posso correr o risco de ter qualquer problema na próxima tentativa,
entendeu?
Realmente achei que ela tinha entendido, mas no dia seguinte eu
mesmo já estava achando aquela ordem uma grande besteira. Não podia
controlar a vida da mulher assim, pelo menos não até que ela estivesse
carregando meu filho. Porém, tinha receio de que alguma coisa que impedisse
uma nova implantação de embrião ocorresse.
Mandei, então, uma mensagem para a governanta, pedindo para que
ela estivesse atenta, mas informando que não precisaria acompanhar nem
espionar as atividades de Aurora.
Talvez Robert esteja certo; devo estar um pouco louco com tudo isso!,
pensei, dando uma garfada na carne suculenta da lagosta e voltando a prestar
atenção ao que o grupo de pessoas à mesa debatia.
— Eu acho que as metas para o ano que vem serão superadas ainda no
primeiro...
Meu telefone notificou uma mensagem, e toquei na tela apenas para
saber de quem era, pegando-o logo em seguida para ler a mensagem de Erika.

“Rory saiu mais cedo com uma das amigas e ainda não retornou.
Tentei contato com ela, mas não me atende. O motorista não sabe para
onde elas foram. O que devo fazer?”

Merda! Respondi a ela que a esperasse e que, quando Aurora


aparecesse, pedisse a ela que, ao menos, informasse para onde ia quando
saísse.
Conferi as horas, quase 10h da noite, e constatei que ainda não era
nada preocupante Aurora não ter chegado. Ela devia estar jantando com as
amigas; provavelmente não demoraria muito mais.
Claro, eu estava errado!

“Alguma notícia?”

Mandei a mensagem para Erika já passava da meia-noite, quando


finalmente deixei o restaurante ao final da reunião.

“Sim, respondeu a mensagem que deixei. Está em um bar com as


amigas, aqui mesmo em Lincoln Park, chamado Chi-Town Shots. Não
disse a que horas viria para casa, embora eu tenha perguntado.”

Um bar! Reli a mensagem algumas vezes, questionando minha


decisão de ter continuado com o contrato. Eu não via problema algum de
Aurora frequentar bares, sair com suas amigas, mas ela havia acabado de se
recuperar de um trauma.
Será que não tem juízo?!
Não pensei muito mais. Pesquisei o endereço do bar – que não ficava
longe do shopping onde ela trabalhava – e segui direto para lá, sem nem
mesmo passar em casa antes para tirar o terno.
Somente quando adentrei no ambiente lotado foi que me dei conta de
que não poderia fazer nada, afinal, Aurora não fazia ideia de quem eu era.
Seria totalmente louco se eu chegasse de repente exigindo que fosse para casa
ou que parasse de beber.
Fiquei indeciso sobre ir ou não embora, mas decidi ficar, pelo menos
para garantir que ela fosse embora em segurança. Olhei em volta para
localizá-la, mas, de onde estava, não conseguia ver o bar todo. Fui entrando e
desviando-me das pessoas que se amontoavam próximas ao balcão, onde o
barman fazia malabarismos com garrafas ao preparar um drinque.
Verifiquei todas as mesas, e nada de Aurora. Bufei irritado,
percebendo que tinha me deslocado até ali para nada, pois provavelmente ela
já tinha retornado para o apartamento.
Mandei mensagem para Erika perguntando se ela havia chegado e
comecei a tentar sair do bar, mas cada vez ficava mais difícil, pois o pessoal
se agrupara de uma forma absurda perto do balcão e no corredor.
— Agora, o toque final! — o barman gritou, e todos começaram a
bater os pés no chão, como se estivessem marchando.
— Com licença! — Tentava avançar para a saída, mas as pessoas
pareciam hipnotizadas e não se moviam, apenas continuavam fazendo o
mesmo movimento.
Parei, desistindo de tentar passar, pois para isso teria que usar a força
e esperei que o “show” do barman terminasse. Olhei para o balcão, o tédio
transparecendo no meu rosto, no exato momento em que ele ligou um
maçarico e colocou fogo no drinque, causando uma pequena explosão.
A multidão em volta de mim foi ao delírio, aplaudindo sem parar,
como se nunca tivessem visto um truque como aqueles, tão velho e batido. O
pessoal começou a se dispersar, e eu finalmente poderia ir embora, mas fiquei
no lugar ao reconhecer uns olhos verdes emoldurados por cílios e
sobrancelhas ruivas encarando-me com curiosidade do balcão.
Aurora!
Uma mulher de cabelos castanhos com o drinque explosivo na mão
falava com ela cheia de animação, porém sem receber a mínima atenção.
Ficamos assim, parados, um encarando o outro, até que ela sorriu para mim.
Puta que pariu!
Meu corpo inteiro se aqueceu com aquele sorriso tímido e com a clara
certeza de que ela havia me reconhecido do dia em que me atendeu na
livraria, pouco mais de um mês antes.
Tentei pensar rápido sobre o que devia fazer, mas, quando me dei
conta, já havia me aproximado o suficiente para que pudesse ouvi-la.
— Como vai? — Aurora me cumprimentou.
— Tudo bem — respondi seco, ainda pensando que ter ido até ela foi
um movimento incalculado.
Fiz sinal para outro barman e pedi uma dose de uísque.
— Não está se lembrando de mim, não é? — voltou a falar, rindo, e
não consegui não a olhar. — Eu te vendi um livro...
— Eu sei. — Encostei-me mais ao balcão. — Minha mãe adorou o
presente, por sinal.
O sorriso dela aumentou, fazendo seus olhos brilharem, e eu me senti
sendo tragado por eles como se adentrasse em um lago quente no inverno.
A última vez que havia visto Aurora tinha sido no hospital, enquanto
ainda se recuperava da queda e do aborto. Vê-la saudável, com o rosto
corado, os cabelos soltos caindo pelas costas, foi algo novo e bom.
Na livraria, ela usava rabo de cavalo e um uniforme sem graça, mas
ali, naquele bar, pude perceber que não tinha nada de menina, era uma
mulher. E uma bela mulher!
Aurora vestia uma saia que só tampava até a metade de suas coxas,
era preta, parecia ser de couro e uma blusa colada no corpo que não escondia
o volume perfeito de seus seios. Não havia decote, a gola ia quase ao
pescoço, mas, da posição em que me encontrava, podia ver parte de suas
costas nuas.
— Se precisar de mais indicações, ficarei feliz em ajudar. — Ergui a
sobrancelha, e ela ficou vermelha. — Não trabalho mais lá, mas... — Riu sem
graça, e achei novamente divertido vê-la constrangida, como aconteceu
quando nos vimos na livraria. — Bom, eu leio muito.
Sorri, assentindo, porque, embora ela não soubesse, eu realmente
sabia que ela era uma devoradora de livros.
— Mas, se não está trabalhando mais na livraria, como vou fazer para
pedir uma indicação quando precisar dar outro livro à minha mãe? —
perguntei, cruzando os braços e segurando o riso.
Novamente o rosto dela se tingiu de vermelho, fazendo as sardas
sumirem.
— Pois é... — Riu. — Talvez tenha sido força do hábito a minha
disposição em ajudar...
— Ou você poderia simplesmente me dar seu contato — falei sem
pensar, agindo por impulso, gostando do clima de flerte e de como ela reagia
a ele.
Aurora ficou séria, como se avaliasse se devia ou não me dar seu
telefone. Olhou para a amiga, porém a mulher de cabelos castanhos estava
conversando com outras pessoas, alheia ao que estava acontecendo entre nós.
— Tudo bem se não quiser — voltei a falar, tentando livrá-la da saia
justa.
Ouvi seu suspiro, e o hálito quente proveniente dele pareceu me tocar
sob o terno, fazendo meu corpo se arrepiar de tesão.
Mas que merda está acontecendo?!
— Não é que eu não queira. — Não me encarou ao dizer isso. — É
que não sei se devo.
A sua resposta me surpreendeu e me deixou curioso ao mesmo tempo.
Por que ela achava que não devia? Já tinha alguém ou era por causa do
contrato para engravidar?
— É comprometida?
Negou.
— Não é isso... — Olhou-me. — A gente mal se conhece.
Ah... ela está se protegendo!
— Está certo! — Estendi a mão em sua direção. — Michael Griffin.
Ela sorriu, e de novo meu corpo reagiu.
— Rory Ryan.
— Nome sonoro — brinquei, apesar de não conseguir vê-la como
Rory.
Para mim, ela era Aurora.
Eu não sabia como agir, parecia até que nunca tinha flertado com um
homem em um bar. Talvez estivesse mesmo virando adolescente, afinal de
contas, minha vida tinha deixado de ser minha havia algumas semanas!
Aceitei as condições impostas pelo novo contrato e me mudei para o
luxuoso apartamento em Lincoln Park sem entender por que eles estavam me
dando todo aquele conforto; não demorou muito, porém, para perceber o
motivo.
Era uma gaiola de ouro!
Erika não era má pessoa e eu até gostava dela, só que não estava ali
para fazer amizade comigo, mas sim para tomar conta de cada um dos meus
passos e garantir que eu seguiria todas as recomendações de quem a
contratara.
Os primeiros dias foram tranquilos. Eu estava repousando, comendo
tudo o que ela preparava e lendo, lendo muito! Depois, quando me recuperei,
quis retomar minha vida, ou parte dela, e me vi impedida! Tinha que informar
para onde ia toda vez que saía, precisava dizer a hora em que iria retornar
também, além de ser obrigada, todos os dias, a fazer exercício e a comer,
mesmo quando não estava com fome.
Passei por vários médicos, fiz um monte de exames e recebi uma dieta
para ganhar peso e músculos. Não importava a minha opinião em nada, eu
apenas tinha que fazer o que fora determinado. Até meu sono ela controlava,
indo ao meu quarto de madrugada e me aconselhando a dormir, quando eu
estava ainda terminando uma leitura.
Não era como se eu fosse uma pessoa desregrada, pelo contrário,
sempre fui muito responsável, mas estava de férias e queria sair, ir à praia,
ver minhas amigas, dormir até tarde, passar uma noite inteira lendo ou
mesmo não treinar em um dia de preguiça. Eu queria poder ter escolhas!
Percebi que comecei a sentir falta até do que não fazia quando minha
liberdade passou a ser cerceada. Eu já não era uma menina, havia muitos anos
vivia sozinha, trabalhava, sustentava-me. Não estava sendo fácil depender da
autorização de outra pessoa para tudo.
Recebi a tal “mesada” que Ayleen ficou de pedir a fim de cobrir
minhas despesas pessoais, já que eu não estava trabalhando mais. Não foi
nada fácil pegar aquele dinheiro, mesmo precisando dele. Feriu meu orgulho
pensar que, se precisasse de tampões para quando menstruasse, teria de
comprá-los com o dinheiro dado pelos meus contratantes.
— Isso é normal, Rory. — Aimée tentava me consolar. — Eu mesma,
quando engravidei, tive todas as despesas cobertas. Até minhas roupas eram
eles quem compravam, afinal, eu não cabia mais nas minhas!
— Ainda não estou grávida — lembrava-a desse pequeno detalhe.
— Mas eles esperam que fique. Estão cuidando de você!
Mesmo assim, eu ainda me incomodava, e minha relação com Erika
passou a ficar tensa. Não que eu a maltratasse ou qualquer coisa do tipo. Ela
verdadeiramente cuidava de mim, eu admitia isso, mas ultrapassava o limite
do cuidado e se tornava inconveniente.
Mais cedo, naquela noite, recebi várias mensagens dela perguntando
por mim, querendo saber onde e com quem estava, além do horário em que
pretendia chegar em casa. Respondi, a princípio, que estava bem e com as
minhas amigas, mas ela insistiu em saber, desculpando-se pela intervenção,
alegando que só estava cumprindo ordens.
Acabei dando o nome do bar onde estava, mas apenas isso. Queria ir
embora, mas algo dentro de mim se rebelou, e decidi ficar mais. Foi aí que
Michael Griffin, com toda sua masculinidade clássica, apareceu.
Deus do Céu, que homem gostoso!
— É quase um trava-língua. — Voltei a falar com ele, respondendo
sobre a sonoridade do meu nome.
— É bonito! Rory é apelido, não?
Deu de ombros.
— É. — Não disse meu nome, e ele ergueu novamente aquela
sobrancelha escura. O movimento o deixava muito sexy, ressaltava seus
olhos azuis. Tentei não olhar para sua boca, mas não resisti e salivei,
apertando meus lábios para não fazer nenhum movimento, porém sem
sucesso.
— Não vai me dizer seu nome? — perguntou, também encarando
minha boca.
Eu estava sentindo um calor absurdo, mal conseguia respirar. Era
como se o ar dentro do bar tivesse ficado carregado, denso, quase palpável.
— Aurora — revelei finalmente, e ele sorriu, fazendo-me estremecer.
— Combina mais com você. — Seus dedos deslizaram em uma
mecha do meu cabelo. — Aurora Ryan.
Quando sua pele encostou na minha, foi como se deixasse um rastro
de fogo. Segurei o fôlego e sustentei seu olhar, notando que a mesma energia
que fazia com que eu reagisse a ele estava também fazendo-o reagir a mim.
Michael se aproximou um pouco mais, e eu também fiz o mesmo
movimento, como se estivesse sendo atraída por um ímã.
— Olá! — A voz alta e um tanto bêbada de Aimée me fez pular e sair
do transe sexual no qual estava envolvida. Michael também parecia
atordoado e olhou curioso para minha amiga. — Eu conheço você de algum
lugar!
Aimée apontou para ele e cambaleou um pouco. Tive que segurá-la
pela cintura e olhei em volta à procura de Carly, que havia saído pouco antes
do show de Jack com o drinque.
— Cadê a Carly? — perguntei para mim mesma.
Sorri sem jeito para Michael, mas Aimée continuava encarando-o e
apontando em sua direção.
— Ah! Já sei! — Riu alto, comemorando. — O Griffin bonitão!
Ele reagiu franzindo a testa.
— Já me chamaram de muitas coisas, mas foi a primeira vez que ouvi
essa. — Ajudou-me a sustentá-la. — E você, quem é?
— Aimée Smith, ao seu dispor.
Michael conteve um sorriso.
— Sua amiga bebeu além da conta — comentou comigo.
— Não! — Ela tentou se aprumar. — Eu estou ótima!
Balançou novamente, e Michael teve que segurá-la para não tombar
para frente. Respirei fundo, culpando-me por não ter insistido para irmos
embora antes que ela ficasse daquele jeito, e peguei o telefone para mandar
mensagem para Carly.
Não precisei! Minha amiga já havia se adiantado e deixado recado
avisando que havia saído com um cara e que não voltaria conosco.
Merda!
— Acho melhor chamar um carro para nos levar embora...
— Não quero ir embora! A noite mal começou! — Aimée retrucou.
— Querida, você vai encerrar sua noite daqui a alguns minutos —
falei rindo e expliquei para Michael: — O álcool a deixa agitada no começo,
mas a faz dormir feito uma pedra.
Ele assentiu.
— Se você me permitir, posso levá-las até onde moram.
Mordi o lábio inferior, tentada a aceitar a carona, mas ainda indecisa.
— Não sei, você é um desconhecido ainda...
— Ele é o Michael Griffin, Rory! — Aimée falou como se o nome
dele fosse suficiente. — Eu conheço ele, ia fazer um evento para a MSG, mas
aí foi cancelado por algum motivo que não me lembro...
Notei que ele ficou surpreso com o que ela falou, como se não fizesse
ideia de que a havia contratado. Provavelmente não sabia mesmo, pois devia
ter alguém para lidar com aquelas questões.
— Bom, ela realmente sabe quem eu sou — confirmou.
Assenti e resolvi aceitar a carona, mesmo porque iria precisar de ajuda
para levar Aimée até seu apartamento caso realmente desmaiasse no trajeto.
— Tudo bem, vamos!
Minha amiga foi apoiada por ele até o local onde seu carro – se é que
eu podia chamar aquela máquina de carro – estava estacionado. Ajudei-o a
acomodá-la no banco traseiro, fazendo uma oração silenciosa para que ela
não vomitasse no veículo e depois sentei-me no banco do carona, ao lado
dele, e dei o endereço de Aimée.
— Desculpe-me por ter interrompido sua noite.
Ele segurou no volante, deu a partida e, após dar um longo suspiro,
disse:
— Minha noite teria acabado assim que você fosse embora daquele
bar.
Senti um frio na barriga, uma sensação de formigamento e sorri de
cabeça abaixada, sem saber o que falar em resposta.
Era o momento errado da minha vida para me encontrar com aquele
homem, eu sabia. Não podia ter nada com ele, ainda que para passar apenas
uma noite juntos, para tirar proveito da evidente química que tínhamos.
Se nos protegêssemos bem e eu tivesse garantia de que uma noite de
sexo não prejudicaria a implantação do embrião dali a dois meses, talvez... E
se nós quiséssemos mais do que uma noite? E se fosse tão bom que ficasse o
gosto amargo de querer mais e não poder ter?
Era melhor não!
Da mesma forma com que escolhi não alimentar mais o flerte com o
Jack, não devia me envolver com ninguém até ter cumprido o contrato.
Depois, quem sabe eu encontrasse uma pessoa legal, com a qual pudesse ser
sincera.
O som da respiração de Aimée me fez virar para trás, apenas para
confirmar que ela já estava dormindo. Ainda estava sorrindo quando me virei
e notei que Michael me olhava de soslaio.
— Tudo bem? — perguntou-me.
— Ela dormiu.
— Sim, há alguns minutos. — Apontou o retrovisor, indicando que
conseguia vê-la. — Ela sempre bebe dessa forma?
— Não, hoje ela quis beber! — Ri. — Ela nos arrastou para o bar,
nem era minha intenção ir até lá hoje. — Apertei as mãos sobre o colo e
confessei: — Gostei de ter ido.
Michael respirou fundo e apenas balançou a cabeça.
— Também gostei de ter ido — revelou depois que vários minutos se
passaram. — Em qual das portarias devo parar?
— Na próxima — respondi, apontando. — Isso aqui é um mar de
prédios!
— Moram há muito tempo aqui, neste bairro?
— Há alguns anos. — Sorri. — Eu me mudei há algumas semanas,
mas acho que vou passar a noite aqui com ela; é o melhor.
Ele concordou.
Michael deixou o carro em uma vaga rápida, destinada para entregas,
próxima da portaria e praticamente tirou Aimée semiacordada de dentro do
veículo. O porteiro me reconheceu logo, abriu a porta e ainda nos ajudou a
colocá-la dentro do elevador.
— Aimée? — chamei-a.
— Oi, eu estou bem! — respondeu embolado.
Michael permaneceu sério o tempo todo enquanto a colocávamos na
cama e saiu do quarto, deixando-nos a sós. Ajudei-a a tirar a roupa, e, apenas
de calcinha, ela se embolou nas cobertas e adormeceu.
— Por que você bebeu tanto assim hoje? — perguntei, mesmo que
soubesse que não teria resposta alguma.
Apaguei a luz, fechei a porta e fui até a sala.
Michael estava em pé, de costas para mim, olhando uma colagem de
fotos que Aimée havia feito alguns anos antes.
— Ela desmaiou de novo — comentei, chamando a sua atenção para a
minha chegada.
— Não tinha dúvida alguma de que iria acontecer. — Sorriu. — Você
ainda usava aparelho nessas fotos, parecia uma menina.
Concordei e me juntei a ele.
— Foram tiradas assim que me mudei para cá. Eu tinha 19 anos. —
Encarei seus maravilhosos olhos azuis. — Nem era tão menina assim.
— Ainda continua sendo. — Piscou.
Cruzei os braços, fingindo-me de indignada.
— Ah, sim, falou o balzaquiano! Aposto que não tem nem 30 anos!
— Trinta e três, para a sua informação. — Ergueu a sobrancelha. —
Mas acho que sempre fui velho.
— É uma pena, porque eu me diverti muito na infância e
adolescência!
Percebi que ele estava curioso.
— Foram boas fases para você?
Suspirei.
— Maravilhosas! Meus pais são incríveis e me criaram cercada de
amor, de carinho, mas sem muita frescura, sabe? Eu podia subir em árvores,
brincar na lama. Quando meu pai se aposentou, construímos um forte... —
Gargalhei com as lembranças boas. — Por sua vez, minha mãe me ensinou a
bordar, a pintar e fazer um bolo de chocolate irresistível!
Como Michael não disse nada, olhei para ele.
O jeito que ele me encarava... Meu corpo estremeceu, meus pelos se
arrepiaram, e senti a garganta seca. Tentei sustentar seu olhar faminto, mas
não consegui, desviando o meu e abaixei a cabeça, rindo sem jeito.
— Eu me empolgo quando falo da minha...
Ele ergueu meu queixo e me fez voltar a fitá-lo.
— Você é linda de um jeito inexplicável.
Senti o rosto arder.
— Obrigada, eu acho.
Ele sorriu.
— Era um elogio. Não sou muito bom com eles, mas era.
Meu coração bateu forte, e eu sentia como se houvesse borboletas no
estômago.
— Eu também te acho...
Não consegui terminar de falar, pois sua boca tomou a minha de
assalto num beijo que fez com que eu sentisse as pernas bambas. Minhas
mãos logo buscaram apoio, e o segurei pelo pescoço, tendo que me erguer um
pouco na ponta dos pés.
O movimento possibilitou que nossos corpos, antes distantes, se
colassem. O contato me tirou o resto de racionalidade existente, e eu me
entreguei totalmente às suas carícias, sentindo seus músculos rijos, a saliva
gostosa e a maciez de seus lábios.
Ele apertou minha cintura e me espremeu contra si, deixando-me
ciente do estado de excitação no qual se encontrava. Gemi em sua boca,
chupando sua língua, ondulando meu corpo contra o seu, sentindo meu sexo
reagir ao beijo.
Eu estava molhada como nunca, completamente inebriada de tesão
por aquele homem que me comia com a boca e devorava-me com as mãos,
esfregando-as nas minhas costas, apertando minha bunda, erguendo-me para
que sentisse seu membro duro e pulsante.
Arranhei seu pescoço, desesperada por sentir mais de seu corpo, de
sua pele. O terno que usava o deixava lindo, mas eu queria saber como era
sem ele, como seria beijar seu corpo, pegar seu pau e...
Quase perdi o fôlego quando ele me pressionou na parede onde
estavam as fotos, esmagando-me, enquanto me segurava pelos quadris e
rebolava contra mim.
Ergui uma das pernas para envolvê-lo e logo fui suspensa,
possibilitando-me ficar encarapitada nele. A saia que eu usava subiu, ficando
embolada na cintura, e as suas mãos tocaram a pele da minha bunda,
segurando-a com força.
Senti seus dedos brincarem com as bordas da minha calcinha e seu
beijo ficar ainda mais molhado. Ele me desgrudou da parede sem tirar a boca
da minha e começou a andar comigo pela sala.
Caímos no sofá juntos, e eu sorri, o que o fez parar de me beijar.
— Que loucura... — sussurrei, alisando seus cabelos, sentindo seus
quadris entre minhas pernas.
De repente ele franziu as sobrancelhas, como se tivesse se dado conta
do que estava acontecendo e se afastou. Fiquei um tempo ainda jogada no
sofá, praticamente nua, antes de perceber que Michael não voltaria.
Sentei-me e arrumei minha roupa.
— Desculpe-me... — ele começou. — Não sei onde estava com a
cabeça.
Fechei os olhos, odiando ainda estar com o corpo pulsando enquanto
ele se desculpava.
— Não foi só você...
— Não importa, não deveria ter acontecido...
Ri, tentando deixar a atmosfera mais leve.
— Bom, não aconteceu nada de mais, foi só um beijo.
Ele parou de andar em círculos e me encarou.
— Não foi só um beijo, Aurora. E não ia parar nisso.
— Eu sei — sussurrei. — Também não pensei direito, só aconteceu.
— Não deveria. — Encarei-o, sem entender. — Eu não deveria ter ido
ao bar, muito menos ter flertado contigo e...
Senti como se algo apertasse meu peito.
— Por quê? — Ele não respondeu, então concluí: — Você é
comprometido?
Ele respirou fundo, foi até a mesa onde havia deixado a chave do
carro e respondeu:
— De certa forma.
Fechei os olhos, decepcionada, lembrando-me do que Carly havia me
dito na livraria sobre a tal influenciadora digital que seguia.
— Entendo.
— Sinto muito, Aurora. Eu... — abri os olhos quando ficou um tempo
sem concluir a frase — preciso ir.
— Obrigada por ter nos trazido.
Ele assentiu.
— Tome cuidado quando saírem, por favor.
Despediu-se, abriu a porta da sala e foi embora, deixando-me com um
gosto amargo de frustração na boca e o corpo ainda desejando-o.
Acordei cedo no dia seguinte e, ainda no apartamento de Aimée, fiz
um café bem forte, ciente de que minha amiga iria precisar. Não esperei que
ela acordasse para também tomar um longo gole, mesmo porque eu mal tinha
dormido depois do que aconteceu.
Fiquei um bom tempo tentando entender por que aquilo havia
acontecido, o porquê daquela atração tão intensa e impossível de segurar. A
princípio, fiquei chateada por não ter dado vazão a toda a paixão que
consumia meu corpo, até que me lembrei de minha situação e achei bom que
ele tivesse parado.
Não podia negar que o fato de ele ter se afastado e revelado que tinha
alguém somente depois de ter me beijado, acariciado e me levado à loucura
me deixou magoada. Fiquei muito chateada e brava! Achei que ele poderia
ter sido claro sobre isso, ainda que eu não tivesse perguntado, pois o clima
entre nós estava evidente desde que nos encontramos no bar.
Mas ele repensou, parou e contou. Graças a isso, nós não transamos, o
que evitou qualquer problema para mim. Não que, em meu contrato, tivesse
qualquer proibição de eu ter relação sexual com quem quer que fosse, mas
era melhor não arriscar algo que pudesse impedir que a nova tentativa de
engravidar desse certo.
Suspirei e conferi as horas no relógio, prevendo que Erika já devia ter
mandado várias mensagens, mesmo sabendo que eu estava na casa de Aimée.
Assim que tomei posse novamente do meu corpo, resolvi baixar um
pouco o tesão e tomei um longo banho. Depois, deitada na minha antiga
cama, avisei à governanta que iria dormir no apartamento de Aimée, pois
minha amiga não estava se sentindo bem.
Não esperei a resposta e, assim que acordei, verifiquei o telefone, e
ainda não tinha mensagem ou ligação dela. Já era quase o horário do almoço
quando desisti de esperar Aimée acordar e escrevi um bilhete – que grudei
com ímã na geladeira, como sempre fazíamos –, resolvendo voltar para o
apartamento.
Assim que saí na calçada, reconheci o carro e o motorista que foram
designados para mim e tomei um susto.
— Bom dia, Joseph! — cumprimentei-o antes de entrar no veículo. —
Não me diga que passou a noite aqui à minha espera!
Ele sorriu e negou.
— Não, senhorita Ryan, cheguei há pouco mais de uma hora. Erika
me pediu para buscá-la para almoçar.
Assenti e conferi as mensagens da governanta, confirmando a história
dele, pois Erika me avisara por mensagem que Joseph estava a caminho.
Respirei fundo, ainda irritada com aquele cerco, porém aliviada por não ter de
ir para casa de metrô ou de táxi.
— Você não ficou de plantão ontem à noite esperando para me buscar
em algum lugar, não é? — perguntei a ele, enquanto dirigia.
— Uma parte da noite, sim.
Fechei os olhos, sentindo-me mal.
— Perdoe-me por isso, não era necessário. Vou conversar com Erika
e...
— Eu recebi ordens do chefe para aguardar a senhorita ligar e ir
buscá-la. É meu trabalho, não se preocupe.
Do chefe... O pai do bebê que eu iria gerar. Sentia-me mal por causar
todo aquele trabalho, mesmo sabendo que aquelas ordens absurdas não
partiam de mim. Nunca fui uma pessoa inconsequente ou sem consideração
pelos outros, e me sentir assim era péssimo.
Entramos na garagem do prédio e, quando saí, tentei mais uma vez
me desculpar com Joseph.
— Não se preocupe com isso, senhorita, eu entendo!
Sua resposta não aliviou minha consciência, e subi até o andar do
apartamento remoendo a situação e disposta a tentar colocar um ponto final
nela. Eles não podiam ficar controlando todos os meus passos daquele jeito,
não era necessário. Reconhecia que também fui cabeça-dura ao não avisar
sobre minha ida ao bar e que, depois que disse a Erika onde estava, ela não
voltou mais a me mandar mensagens nem retrucou sobre eu dormir no
apartamento de Aimée. A verdade é que demorei para dizer onde estava com
receio de que ela aparecesse por lá ou enviasse Joseph para me buscar, como
se eu fosse uma adolescente rebelde e fujona.
— Boa tarde! — ela me cumprimentou com um sorriso assim que
entrei. — Está com fome? O almoço fica pronto em...
— Precisamos conversar. — Interrompi sua fala e sentei-me na
banqueta da ilha da cozinha. Erika secou as mãos com um pano de copa e se
aproximou séria. — Acho que temos que chegar a um consenso.
— Sobre ontem à noite? — Assenti. — Fiquei bem preocupada por
não ter notícias suas.
— Eu estava bem, com minhas amigas. Erika, eu moro nesta cidade
há anos e sempre saí com elas. Não faz sentido agora ser impedida de viver a
vida que conheço.
Ela balançou a cabeça.
— Nós só queremos protegê-la, apenas isso.
Suspirei.
— Eu sei, entendo, mas estão me sufocando. Reconheço que fui
birrenta e demorei a lhe dizer onde estava, mas essa “proteção” é muito nova
para mim, e não sei bem como lidar com ela.
— Rory, eu me coloquei desde o começo à disposição para ser sua
amiga, para que confiasse em mim. Entendo que você é jovem e que não
queira ter todos os seus passos vigiados. Também não concordo com isso...
— Mas são ordens do chefe.
— Sim. Porém, confio em você e sei que não se colocaria em risco.
Quando precisar sair, só me deixe ciente. Nem preciso reportar tudo para ele,
só coisas relevantes...
Meu coração disparou.
— Falou com ele ontem?
— Sim, não conseguia te achar e fiquei preocupada. Se não lhe
comunicasse e ocorresse algo contigo...
— Você seria a responsável — concluí, e ela concordou.
— Vamos tentar nos ajudar daqui para frente, sim? Não estou aqui
para impedir que você faça nada, não me veja como se fosse sua carcereira.
— Tudo bem! — disse com sinceridade.
Seria melhor tê-la como aliada do que como dedo-duro. Erika cuidava
bem de mim, nunca tinha feito nada para me prejudicar. Eu reconhecia que
também não facilitara a vida dela.
Erika voltou para perto do fogão a fim de terminar o almoço – que
cheirava muitíssimo bem –, e aproveitei o tempinho para tomar um banho e
colocar uma roupa mais confortável. Ainda vestia a calça jeans e a camiseta
com a qual saíra de casa naquela noite e trouxe comigo, para lavar, a roupa
que Aimée me emprestara para ir ao bar.
Lavei os cabelos, aproveitando o dia de sol, e, depois de vestir um
short e uma blusa de malha, fui até a lavandeira do apartamento para colocar
a saia e a blusa sujas na máquina de lavar.
— Ah, cuidado! — Erika me alertou assim que viu o que eu estava
fazendo. — Tem que colocar no programa de lavagem delicada.
Ela me mostrou como mexer na lavadora de última geração do
apartamento e onde colocar o sabão.
— Eu estava acostumada a lavar roupa naquelas máquinas enormes
da lavanderia do prédio — justifiquei. — Obrigada pela ajuda!
— É uma bela roupa, não pode estragar.
Concordei e coloquei a saia na máquina, todavia, antes de pôr a blusa,
cheirei-a e reconheci o delicioso perfume que se misturava ao meu.
— Michael Griffin... — sussurrei o nome dele.
Possivelmente, até aquele dia, nenhum outro me fez incendiar daquele
jeito. Eu não pensei em mais nada a não ser nos beijos e nas carícias dele,
desejando cada vez mais e mais.
Fechei os olhos, e a lembrança de momentos antes de ele ter me
beijado me fez suspirar. Ele me beijou com o olhar, devorou-me com aqueles
olhos azuis intensos e somente depois foi que cumpriu todas as promessas
que havia feito silenciosamente.
Meu corpo estremeceu outra vez, como se ainda sentisse seu toque, e
lamentei tê-lo conhecido naquele momento de minha vida. Não que fizesse
qualquer diferença, porque ele estava comprometido, e, provavelmente, era
com a mulher que atendi, a tal Lane Johnson.
Ela comprou um livro para presentear a mãe dele, sinal de que a
conhecia bem, embora não soubesse bem o que comprar para ela.
Eu ainda não havia tido muito tempo para analisar aquela noite na
livraria, quando ele apareceu para comprar outro livro do mesmo autor para
sua mãe, porque logo depois me acidentei, e minha vida virou de cabeça para
baixo. Mas gostei de ter acertado na indicação e de que aquela venda tivesse
levado a um encontro entre mim e ele.
Eu não sabia nada sobre Michael, embora Aimée tivesse deixado a
entender que era um homem bem-sucedido de negócios, e, pelo carro que
dirigia, podia supor que era rico.
Voltei a me sentar à ilha da cozinha e, enquanto Erika arrumava
nossos pratos – coisa à qual eu já me acostumara, pois a comida era pesada
em uma balança de precisão –, dei um Google no nome dele.
Não me importei muito com as notícias e fui direto ver fotos do
homem. Perdi totalmente o fôlego com as imagens! Já o tinha visto de terno
duas vezes, mas vê-lo com roupa informal ou apenas de bermuda em um
veleiro foi ainda melhor.
Eu não tinha dúvidas de que ele cuidava muito bem do corpo. Mesmo
coberto com camadas de tecido, pude sentir seus músculos firmes, contudo
ver cada ondulação protuberante sob sua pele nas fotografias foi ainda
melhor!
Erika colocou o prato à minha frente, mas nem olhei o que cheirava
tão bem, concentrada demais em cada detalhe daquele homem.
— Ele é realmente lindo! — comentei em voz alta.
— Não sabia que você o conhecia — Erika falou de repente,
sentando-se ao meu lado.
Suspirei e coloquei o telefone de lado.
— Já nos encontramos algumas vezes. — Senti a boca salivar ao ver o
delicioso filé com purê de batatas e salada verde. — Inclusive ontem à noite.
Comi uma garfada da comida e gemi de satisfação. Erika cozinhava
muito bem, não era surpresa eu estar ganhando peso.
— Ele foi ao bar, então.
Olhei para ela sem entender direito e assenti.
— Sim, nos encontramos lá, e depois ele nos deu uma carona. —
Peguei uma ervilha e a coloquei na boca. — Vocês se conhecem?
— Sim, tivemos algumas reuniões pessoalmente.
Ergui a sobrancelha, surpresa. Sabia que Erika havia trabalhado para
famílias ricas e tradicionais de Chicago, então não era nada surpreendente
que conhecesse Michael Griffin.
— Ele namora mesmo a tal Lane Johnson.
Erika franziu a testa.
— Lane Johnson, a socialite do Instagram? — Assenti. — Nunca ouvi
nada a respeito. — Riu. — O senhor Griffin é conhecido por gostar de variar
a companhia. Isso nem é uma fofoca, pois, se perceber bem nas fotos que
estava olhando, verá que dificilmente ele está acompanhado da mesma
mulher.
Concordei.
— Mas Lane Johnson aparece em muitas das fotos, e tem aquela do
beijo.
Erika ficou um tempo parada, como se estivesse raciocinando sobre
alguma coisa.
— É, agora faz sentido! — Não entendi a colocação, mas, antes que
pudesse falar algo, ela continuou: — Lane Johnson não parece ser uma
mulher que arriscaria sua forma física para ter um bebê, e não faz muito
sentido ele querer ter um filho sozinho, então uma barriga de aluguel seria a
solução perfeita para os dois, não?
Senti meu estômago se contrair ao ouvir seu raciocínio, embora não
conseguisse entender muito bem.
— Eles querem ter um filho? — questionei e, pela reação de Erika,
notei que havia algo errado. — Erika? O que é que faz sentido agora para
você?
Ela se levantou, mesmo sem ter comido quase nada, e pegou seu prato
para levá-lo até a pia.
— Nada, estava aqui... pensando em bobagens...
Ela estava nervosa, sua mão tremia, e, por conta disso, o garfo foi ao
chão, sujando o piso de madeira com purê de batatas. Erika pareceu nem
perceber, passou direito, indo praticamente correndo até o outro lado da
cozinha.
Agora faz sentido... A frase ficava rodando na minha mente,
martelando, como se não se encaixasse em nada. Fiquei estática na banqueta,
sem conseguir comer mais nada, enquanto recapitulava cada palavra que
Erika havia dito.
Ela ficou surpresa por eu conhecer Michael Griffin; até aí, não tinha
nada de mais, afinal, éramos de círculos completamente distantes. Depois,
disse algo sobre o bar que me deixou confusa... Ele foi até o bar, então.
Como ela podia saber disso?
Eu lhe avisei onde estava, mas não a que horas voltaria e, quando
informei que iria dormir na casa de Aimée, já era alta madrugada. Ela não
tentou mais contato comigo, não mandou Joseph ir me buscar, embora ele
estivesse a postos para isso, também não houve qualquer sermão ou
questionamento quando cheguei.
— Falou com seu chefe ontem? — A pergunta que eu havia feito
poucos minutos antes voltou à minha memória como um choque.
— Sim, não conseguia te achar e fiquei preocupada.
Olhei na direção de Erika e percebi que ela ainda tremia enquanto
lavava a louça. Não pira, Rory! A parte mais racional de mim tentava
bloquear a conclusão a que havia chegado, mas, quando mais pensava, mais
fazia sentido.
Relembrei Michael Griffin me olhando no bar, o jeito que se
aproximou de mim, o trajeto até a casa de Aimée, o beijo e a frase final: tome
cuidado quando saírem, por favor.
Mordi o lábio, tentando me conter, mas, quando Erika se virou para
mim e desviou os olhos dos meus, não aguentei.
— Você teve reuniões com Michael Griffin. — Ela ergueu os olhos,
assustada. — Para quê?
Ela apertou uma mão na outra.
— Emprego. A mãe dele sofreu um ataque cardíaco há algum tempo,
e ele estava procurando alguém para ajudar a cuidar dela. Como minha irmã
trabalha para os Griffins há muitos anos, me indicou...
— Ele não contratou você?
Novamente ela desviou o olhar.
— Não.
Ouvi quando sua voz tremeu e soube que estava mentindo.
— Erika, há pouco tempo você disse que queria que fôssemos
amigas...
— Desculpe-me, Rory, mas não posso...
Fechei os olhos, entendendo.
— Você não pode falar sobre o homem que a contratou e que me
contratou. Eu sei que existe um contrato de confidenciabilidade e nunca quis
mesmo saber quem eram os pais do bebê que iria gerar. — Ela concordou,
parecendo aliviada. — Mas algo aconteceu na noite passada, e, considerando-
a como amiga, vou lhe contar.
— Rory, não posso mesmo falar nada.
— Michael Griffin e eu nos beijamos. — Ela arregalou os olhos de tal
forma que pareciam que iriam saltar das órbitas. — E eu o beijaria
novamente. Então, se ele for...
— Não posso dizer!
Ri, pois, pelo seu desespero, eu não precisava mais de nenhuma
confirmação. Senti o sangue ferver ao imaginar que ele havia ido atrás de
mim no bar para espionar e que tivesse me beijado apenas para me testar.
— Não precisa! — Levantei-me da banqueta o mais rápido que podia.
Mal conseguia respirar. Andei rápido até a entrada do apartamento e
peguei minha bolsa, que estava no closet perto da porta.
— Rory, por favor, aonde é que...
Não ouvi o resto da pergunta, bati a porta do apartamento com força,
sentindo meus olhos arderem por causa das lágrimas que não iria derramar.
Só queria xingá-lo bem alto por ter se aproximado de mim daquela
forma, por ter fingido que não sabia nada de mim, quando, na verdade, sabia
de tudo!
Aurora combina mais contigo!
Grande filho da puta, era isso que ele era! Era claro que ele achava
que Aurora combinava mais comigo, afinal, meu apelido nunca esteve nos
documentos da agência nem nos exames da clínica.
Desgraçado!
Parar de beijar e tocar Aurora foi uma das coisas mais difíceis que
tive que fazer nos últimos tempos. Tive que reunir toda minha força de
vontade para me afastar, e, mesmo assim, meu corpo protestou. Andei de um
lado para o outro dentro daquela sala, sentindo as mãos formigando, os lábios
queimando e meus músculos tensos.
A todo momento, fazia-me lembrar quem ela era, o que significava e
tudo o que poderia pôr a perder se me deixasse levar pelo tesão absurdo que
estava sentindo.
Por que aquilo tinha que acontecer?, questionei antes de ativar o
homem frio que lidava com milhões de dólares por dia.
— Desculpe-me. Não sei onde estava com a cabeça.
Tentei não a olhar, não sentir vindo dela a mesma decepção que a
interrupção do nosso desejo causou.
— Não foi só você...
Droga, eu sei disso, e só piora tudo!
Nós dois fomos impactados por uma atração que não esperávamos
sentir. Quando a vi na livraria, achei-a interessante, bonita e gostei da forma
com que ficava vermelha e não conseguia esconder que eu também lhe havia
agradado fisicamente.
O que aconteceu naquela noite, naquele bar, não foi previsível.
Poucas vezes senti aquele tipo de conexão com alguém, e o que começou
como brincadeira, provocação, virou uma explosão.
Se a amiga dela não tivesse nos interrompido no bar, tudo o que
aconteceu na sala do apartamento teria ocorrido lá. Aurora me deixava em
combustão, e tive que me esforçar para manter esse fogo todo represado
enquanto as levava para casa.
Pensei em ir embora assim que deixamos Aimée no quarto. Era
simples, só precisava ter me despedido e, enquanto Aurora a ajudava, eu
desceria até o carro e dirigiria até meu próprio apartamento, mas não, quis ter
um tempo com ela, fiquei olhando suas fotos, encantado com a garota que se
tornara uma linda mulher.
E quase pus tudo a perder!
— Não importa, não deveria ter acontecido... — respondi, sendo
sincero em parte, pois sabia que, embora não devesse, seria impossível não
ter acontecido.
Ela riu, e reconheci o esforço que fazia para me deixar menos
desconfortável. Eu a achei ainda mais incrível por isso.
— Bom, não aconteceu nada de mais, foi só um beijo.
Ela acha que o que compartilhamos foi só um beijo?! Parei de andar e
a encarei. Sentia tanta dificuldade de respirar que minhas narinas se
dilatavam a cada vez que expulsava o ar dos pulmões.
— Não foi só um beijo, Aurora. — Meu pau ainda duro e pulsando
dentro da calça era prova disso. — E não ia parar nisso.
— Eu sei. — Quase não consegui ouvir sua admissão. — Também
não pensei direito, só aconteceu.
Sim, aconteceu, mas não deveria, não podia acontecer mais!
— Não deveria — decretei, e ela me encarou. Seus olhos verdes
demonstravam confusão, e tive que me manter firme para continuar a falar:
— Eu não deveria ter ido ao bar, muito menos ter flertado contigo e...
— Por quê? — Ela me interrompeu e, antes que eu pudesse dizer
qualquer coisa, perguntou: — Você é comprometido?
Puxei o ar com força, porque ela não sabia a dimensão da nossa
situação, e, por mais que a pergunta tenha sido feita pensando que eu poderia
ter um relacionamento com outra mulher, achei que seria menos problemático
deixar que ela chegasse à conclusão que quisesse.
— De certa forma.
Vi que ela concluiu que eu tinha alguém e me senti mal por Aurora
pensar que eu pudesse estar me aproveitando dela ou qualquer coisa do tipo,
contudo era melhor daquele jeito, assim evitaríamos qualquer tipo de
repetição do que acontecera.
— Entendo.
A voz decepcionada tocou meu coração.
— Sinto muito, Aurora. Eu... — parei antes que dissesse algo, pois
era melhor deixar como estava — preciso ir.
— Obrigada por ter nos trazido.
Apenas balancei a cabeça, o corpo doendo de vontade de abraçá-la,
beijá-la inteira, sentir novamente sua pele macia em minhas mãos... Vá
embora, Michael!, minha consciência gritou.
— Tome cuidado quando saírem, por favor.
Foi a última coisa que disse antes de abrir a porta e fugir feito um
covarde.
Não consegui mais tirar Aurora do pensamento, nem enquanto dirigia
até em casa e muito menos quando enfiei a cabeça debaixo do jato gelado do
chuveiro.
Demorei muito no banho, fiquei ali até que meu corpo parasse de
arder de desejo. Recusei-me a me masturbar pensando nela; sabia que isso só
pioraria tudo, pois transformaria Aurora num tipo de fantasia.
E eu não podia fantasiar com ela!
Não devia...
Aurora e eu tínhamos um contrato de gestação. Ela iria gestar meu
filho e receberia por isso. Depois, quando a criança nascesse, nenhum outro
vínculo deveria permanecer.
Qualquer envolvimento com ela seria loucura, e eu sabia muito bem
avaliar riscos e possibilidades; ter um caso com Aurora Ryan seria a pior
aposta que poderia fazer na vida.
Pensei na coincidência que foi conhecê-la sem saber que era a mulher
que eu havia contratado e no que aconteceria caso ainda não soubesse. Se não
soubesse, nada no mundo me impediria de fodê-la a noite inteira!
Aquele era o problema, e era por isso que deveria me manter distante
dela a todo custo.
Trabalhei em casa, mesmo sendo final de semana, acompanhando
algumas movimentações e notícias. As bolsas de valores estavam fechadas,
mas havia muitas coisas acontecendo no mundo que faziam com que as
previsões mudassem, e eu gostava de estar ciente de cada uma delas.
Infelizmente, o trabalho não rendeu, pois passei boa parte da noite
acordado, ainda repercutindo o encontro e o sabor da boca de Aurora. Foi
difícil pra caralho convencer meu corpo de que não iria entrar nela, de que
não conheceria, como minha boca, a maciez de sua língua nem o calor de sua
saliva.
Quanto mais as horas avançavam rumo ao amanhecer, à aurora,
parecia que eu iria explodir. Neguei a mim mesmo o prazer que necessitava,
incapaz de conceber gozar com ela em mente, mas não ter a reciprocidade de
seu gozo. Era para ela e, se não podia lhe proporcionar o mesmo, era melhor
deixar como estava.
Depois de correr à beira do Lago Michigan, percorrendo um trecho da
Lakefront Trail, tomei um café em uma cafeteria perto do meu prédio e decidi
ir até a mansão dos Griffins ver minha mãe mais tarde. Como não acordei a
tempo de ir tomar o desjejum com ela, havia me comprometido com um
jantar.
Cheguei em Golden Coast ao entardecer, uma das melhores horas
para apreciar a vista insuperável do jardim dos fundos da mansão. Fiquei um
bom tempo parado, apreciando o momento, tentando dissipar da mente as
preocupações, principalmente com o que planejei para minha vida.
Ter um filho era algo que eu não pensava ser tão importante assim
para mim. Somente a quase perda de minha mãe me fez pensar em ser pai,
por ela, mas depois se tornou algo tão desejado que eu não conseguia mais
cogitar a ideia de desistir de tê-lo, ainda que soubesse que explicar isso a ela
seria uma tarefa árdua.
Não sabia se ela entenderia que eu desejava amar alguém como ela
me amava, como me ensinou a amar, além de ser a única forma de garantir
que o sobrenome de meu avô continuasse. Os filhos das minhas primas
usariam o sobrenome de seus pais, e eu, como não tinha o sobrenome do
homem que me fez, era somente um Griffin e o transmitiria para meu filho ou
filha.
Pensando na continuidade do nome e em ter crescido sozinho, sentia-
me cada vez mais propenso a tentar duas crianças em vez de uma. Ainda não
sabia como fazer isso, se tentaria uma gravidez gemelar ou contrataria outra
mulher para gerar a segunda criança.
Outra mulher... Tentei não pensar em Aurora, mas foi impossível
refrear o pensamento. Depois da noite confusa que passei, a incerteza sobre
continuar ou não o contrato com ela se instalou de tal forma que não deixei
de pensar nisso um só instante.
— É só se manter distante dela, que tudo vai dar certo — falei comigo
mesmo.
— O que vai dar certo?
Olhei para trás, reconhecendo a voz e fiquei surpreso ao ver Lane,
caminhando pela grama em minha direção com minha mãe apoiada em seu
braço.
Ela sorria, certa de que eu não a esperava – e não mesmo! – e que
para mim era uma boa surpresa vê-la, o que geralmente era, mas não naquele
dia.
— Martha avisou que você já havia chegado. — Michelle Griffin
beijou meu rosto. — Convidei Lane para jantar conosco. Ela veio me fazer
uma visita à tarde, e a convenci a ficar.
— Como vai, Michael? — A influenciadora me abraçou apertado.
— Vou bem. — Tentei dar um sorriso amistoso. — Não sabia que
vinha para Chicago neste final de semana.
Ela deu de ombros.
— Foi uma decisão de última hora, Nova Iorque estava um tédio! —
Minha mãe riu do exagero dela, pois sabíamos que a Big Apple podia ser
tudo, menos tediosa. Lane me encarou por um longo tempo. — Eu estava
com saudades... — Desviou os olhos e sorriu para minha mãe. — Senti falta
de casa, dos amigos, de ter gente querida por perto.
— Ah, minha criança, sempre que quiser, pode vir matar as saudades!
— Ela esperou que eu dissesse algo para complementar, mas apenas balancei
a cabeça aquiescendo. — Nunca consegui estar longe das pessoas que amo,
por isso mesmo sempre fiquei aqui!
Mamãe suspirou, olhando para o jardim, para a vista do lago, e senti
meu coração se apertar, imaginando o quanto de sua própria vida ela abrira
mão para me ver crescer, para estar ao lado do meu avô e, depois, dos meus
tios.
Ela sempre foi aquela que cuidava de todos, a que recorríamos sempre
que precisávamos de um conselho ou apenas de um abraço. Michelle Griffin
era uma fortaleza, mesmo em sua sutileza e fragilidade, e dava apoio a quem
amasse sem pensar duas vezes.
Não tinha dúvidas de que seria uma ótima avó, assim como era uma
mãe maravilhosa.
— Eu também nunca pensei em deixar Chicago — confessei. —
Mesmo quando sou tentado a levar a sede da empresa para Nova Iorque,
resisto porque aqui é o meu lar.
Minha mãe pegou minha mãe.
— Você é extremamente parecido com o papai, Michael. É leal, tem
orgulho da nossa história, se preocupa com a família. — Sorriu e piscou para
Lane. — Dará um ótimo marido!
Engasguei-me, pois não esperava aquele desfecho para os elogios, e
as duas começaram a rir. Ainda bem que não precisei dizer nada, pois
Andrews apareceu e informou que o jantar estava pronto.
Segui para dentro da casa com as duas mulheres enganchadas nos
meus braços, uma de cada lado, enquanto minha mãe explicava a escolha do
menu daquela noite, que, segundo ela, foi inspirado pelo livro que lhe dei.
— O personagem mora um tempo na Europa e, por causa disso, quis
relembrar o tempo em que passei de férias com papai no sul da França, e
então me veio a vontade de degustar um cardápio mediterrânico. Espero que
gostem!
Mais do que desfrutar da comida, ver a animação de minha mãe com
a elaboração de um menu – coisa que havia alguns anos eu não via – me
deixou feliz. Ela estava alegre, conversou bastante, sorriu e relembrou
histórias lindas de suas férias ao longo do Mediterrâneo.
Quando ela estava sorrindo, saudável, ficava tão jovem que eu
lembrava que era uma mulher linda de apenas 50 anos. Eu conhecia muitas
pessoas com a idade dela que ainda estavam construindo família, que saíam,
namoravam e se divertiam. Até entendia que a personalidade dela era mais
introspectiva, que gostava de ficar em casa com um livro e um bom café, mas
não entendia por que não tinha voltado a se relacionar com ninguém, apesar
de ser uma ferrenha defensora do amor.
Foi um jantar agradável, jamais poderia dizer o contrário, e, mesmo
quando ela dava indiretas e tocava no assunto de eu me casar e ter filhos,
sabia retomar a leveza da conversa e não deixar um clima pesado como se
fosse uma cobrança explícita.
Lane também foi uma boa companhia, embora, no começo, tivesse me
incomodado que estivesse com minha mãe sem nem mesmo me avisar. As
nossas famílias eram amigas, eu reconhecia, mas nunca tinha notado que
Lane gostava tanto de passar tempo conversando com ela.
Consegui me livrar um pouco da tensão causada pela noite anterior,
pelo menos até mamãe trazer em voga o tema do livro que ganhou de Lane
no hospital.
— Fiquei simplesmente fascinada pela escrita dele e pelo realismo de
suas descrições. Confesso que me deu uma enorme vontade de conhecer a
América do Sul.
Lane não disfarçou a careta, mas logo sorriu e concordou.
— Ele é maravilhoso, ouvi críticas ótimas e imaginei, como a senhora
lê muito, que diversificar um pouco os autores, sair um pouco dos grandes
best-sellers americanos, iria lhe agradar.
— E acertou em cheio!
A lembrança da conversa que tive com Aurora no bar me fez sorrir.
Achei que minha mãe iria adorar conhecê-la e trocar dicas de leituras e
impressões sobre os livros. Eu sabia que Lane não era muito leitora, embora
tivesse outras qualidades, e me perguntei se a indicação de tentar um autor
reconhecido, mas não americano, não tinha sido de Aurora.
Ao final da refeição, fomos tomar vinho na saleta íntima. Já era tarde,
mas minha mãe estava tão radiante que eu não quis estragar sua alegria
despedindo-me.
As duas conversavam sobre uma atração da Broadway quando recebi
uma mensagem de Erika.

“Aconteceu algo?”

Retornei na hora, preocupado, pois sabia que, se ela me chamara, era


porque havia algo que não conseguiria resolver sem me consultar.

“Sim, mas gostaria de conversar com o senhor por ligação,


quando puder.”
Senti um frio na barriga ao pensar que algo pudesse ter acontecido a
Aurora e pedi licença às minhas companhias e saí para o jardim a fim de dar
o telefonema.
— Como está Aurora? — perguntei assim que Erika atendeu.
Ela suspirou.
— Não sei, senhor Griffin. — Sua voz estava anasalada, como se
estivesse chorando ou gripada. — Tivemos um problema mais cedo...
Novamente meu abdômen se contraiu.
— Que tipo de problema? Ela chegou bem de manhã?
— Sim, Joseph foi buscá-la. Nós conversamos, e achei até que
tínhamos chegado a um acordo de paz, mas... — ela ficou um bom tempo
muda — temo que eu tenha feito besteira.
Respirei fundo, nervoso, segurando-me para não exigir que fosse
direto ao assunto.
— Que tipo de besteira? Onde está Aurora?
Ela soluçou.
— Eu realmente não sei onde ela está. Saiu na hora do almoço e
desligou o telefone.
Franzi a testa.
— Por que ela fez isso? — Meu sangue fervia só em imaginá-la em
outra noitada com as amigas.
— Aurora estava olhando fotos do senhor... — A informação me
surpreendeu e me deixou tenso ao mesmo tempo. — Eu perguntei se vocês se
conheciam, e ela confirmou, então achei que...
Não!
Passei a mão no cabelo enquanto andava com passos largos pelo
jardim, incapaz de ouvir parado.
— Você disse a ela quem eu era?
— Não diretamente, mas creio que ela tenha descoberto.
Puta que pariu!
Não consegui responder nada e muito menos ouvir as desculpas de
Erika por sua falta de discrição. Não tinha motivos para acreditar que ela faria
algo assim de propósito, mas, de toda forma, foi uma coisa muito séria.
Erika trabalhou anos cuidando de meu tio mais velho quando adoeceu
e, quando minha mãe teve alta do hospital, ficou um tempo ajudando Martha,
sua irmã, na recuperação dela em casa.
Quando precisei de uma governanta de confiança para cuidar de
Aurora, ela foi a primeira pessoa em que pensei e, por sorte, ainda não estava
empregada. Conversamos muito, e ela sabia da necessidade de discrição e
sigilo, não só com relação à Aurora, mas a todos.
Eu não podia nem imaginar o que Aurora estava pensando,
principalmente depois do que quase acontecera na última noite, mas podia ter
noção da raiva que devia estar sentindo de mim.
Merda, onde será que ela está?
— Erika, tentou contato com as amigas dela? Certamente elas...
— Sim, falei com as duas, e nenhuma viu Rory hoje.
Fiquei ainda mais nervoso, sem saber o que fazer.
E se ela foi embora? E se desistiu do contrato? E se está em perigo?
Eu tinha que fazer alguma coisa!
Nos momentos em que eu não sabia o que fazer, sempre a melhor
alternativa era não fazer nada. Por isso, quando saí do apartamento sem rumo,
querendo apenas um espaço para pensar, fui para a estação do metrô, entrei
num trem e fiquei lá, esperando que tivesse alguma ideia.
Quando anunciaram a estação Harold Washington Library, lembrei-
me da Biblioteca Central e desci apressada. Estar entre os livros sempre me
ajudava a acalmar pensamentos e a curar angústias.
Não havia muito movimento naquele horário, o prédio imponente e
espaçoso estava praticamente vazio, e fui direto para a área onde ficavam as
prateleiras com os exemplares. Não queria pegar um empréstimo, nem
mesmo folhear nenhum livro, queria apenas andar pelos corredores e sentir o
cheiro que se desprendia de cada publicação.
Quem me visse iria achar que eu estava procurando alguma obra, pois
passava olhando atentamente cada lombada e deslizando o dedo indicador
por elas. Não poderiam estar mais enganados! Eu olhava sem ver, perdida em
pensamentos, avaliando, memorizando, tentando encontrar respostas.
Assinei um contrato com confidenciabilidade, ou seja, não poderia
falar sobre os detalhes dele com ninguém. Além disso, não havia o nome dos
pais biológicos da criança que eu geraria, contava apenas a representação de
uma firma de advocacia.
A princípio, achei bom que fosse assim, porque não haveria forma de
eu saber do bebê depois que nascesse. Aimée também gostou, pois o dela foi
igual, sem constar em seu contrato o nome do casal que a contratou.
Então por que Michael Griffin se aproximara de mim?
Era certo que ele não se revelou e que acabei descobrindo sem querer,
por um mal-entendido na conversa com Erika. Ainda assim, eu não conseguia
entender o que o levou a me beijar daquela forma.
Se ele estava curioso sobre mim, queria saber quem eu era e me
avaliar por si mesmo, poderia ter feito isso sem ter me tocado. Nós quase
transamos!
Eu não sabia o que pensar, só conseguia me sentir usada, manipulada,
testada. Michael não apareceu no bar ao acaso, foi ao local porque Erika
havia dito que eu estava lá, foi para me espionar! Não bastava ter colocado
uma babá e um motorista para informá-lo de todos os meus passos, ele foi
conferir pessoalmente!
E eu, muito trouxa e inocente, ainda o cumprimentei e puxei
conversa, achando o máximo ter encontrado o homem da livraria novamente.
Quais eram as chances?
Não soube por quanto tempo fiquei perambulando pelos corredores da
biblioteca, só que já estava anoitecendo quando saí, mas, em vez de retornar à
casa, fui até a Buckingham Fountain, no Grant Park. Fiquei olhando para a
fonte, esperando que começasse mais um show de luzes e jatos d’água,
decidindo se voltaria ou não para o apartamento de Michael Griffin naquela
noite ou se dormiria de novo com Aimée.
Na verdade, eu queria mesmo era poder desistir do contrato, mas
como fazer isso sem prejudicar minha mãe? Além disso, se eu desistisse, só
pioraria minha situação por causa da multa contratual.
Eu não tinha saída, mas uma coisa podia fazer: manter-me bem longe
de Michael Griffin!
Não acreditava que ele voltaria a me procurar, ainda mais se Erika lhe
dissesse que eu já sabia quem era meu contratante, mas, caso acontecesse, já
sabia como agir.
Acabei decidindo voltar para o apartamento, pois, conhecendo Erika
como já a conhecia, sabia que devia estar louca de preocupação e não queria
que ela alertasse Michael novamente. Por isso mesmo passei o dia todo com
o telefone desligado, para evitar que ela soubesse onde eu estava e avisasse
ao seu chefe.
Já era pouco mais de meia-noite quando entrei no prédio e segui
diretamente para o apartamento. Abri a porta e estranhei que estivesse tudo
escuro, pois Erika sempre deixava, ao menos, uma luminária acesa na sala.
Deixei como estava e segui até meu quarto sem fazer barulho, supondo que
ela estivesse dormindo.
Tomei um longo banho e lavei meus cabelos. Coloquei uma camisola
bem fresca, hidratei o corpo e só então é que senti fome e me lembrei de que
estava praticamente o dia todo sem comer. Dei apenas duas garfadas na
comida do almoço e depois não comi mais nada nem tomei água.
Vi a porta do quarto de Erika fechada, e não havia luz passando por
debaixo dela, sinal de que realmente estava dormindo. Era melhor assim, pois
eu ainda não queria conversar com ela, preferia deixar a poeira baixar e estar
com a cabeça mais fria.
Sabia que ela não tinha culpa de nada, pelo contrário, só está fazendo
o trabalho para o qual tinha sido contratada, só que, se antes eu já estava
incomodada com a vigilância constante, sabia que, dali por diante, esse
incômodo seria bem maior.
Acendi a luz da ilha da cozinha e fui até a geladeira em busca de
ingredientes para preparar um sanduíche frio. Peguei o que encontrei e um
galão com suco de laranja e coloquei tudo em cima da bancada para, em
seguida, pegar o pão no armário.
De repente, um abajur acendeu na sala, que era conjugada à cozinha, e
congelei onde estava ao reconhecer a pessoa sentada no sofá.
— Boa noite! — Michael cumprimentou-me sério.
Meu coração batia tão forte que parecia que todo o meu corpo tremia.
Levei um tempo para entender que ele estava ali, sentado no escuro, o tempo
todo, mas, quando me dei conta de que ficou me observando desde quando
cheguei, uma intensa raiva tomou conta de mim.
— O que está fazendo aqui? — perguntei, voltando para trás da ilha a
fim de me sentir mais protegida.
Ele não se moveu, apenas continuou me encarando, antes de
finalmente responder:
— Erika estava preocupada contigo. Onde esteve?
Respirei fundo para não gritar com ele, para não exigir que saísse do
apartamento, ainda que achasse que tinha o direito de estar lá.
— Não é um bom momento para conversarmos — respondi fria,
servindo-me de suco de laranja. — Estou cansada, foi um dia estranho e
ainda não digeri bem tudo o que descobri.
Michael assentiu.
— Está certo, Aurora. — Levantou-se.
Desviei os olhos para não olhar para ele, para não o desejar como
acontecia desde o primeiro instante em que o vi na livraria. Michael era lindo,
mas percebi que sua beleza se restringia à aparência.
— Onde está Erika? — indaguei, temendo que ele a tivesse demitido.
Michael bufou e caminhou até perto da ilha.
— Estava muito nervosa, dei uns dias de folga a ela. — Ele me fitava
e, não só isso, parecia ler meus pensamentos. — Ela logo estará de volta.
Assenti, séria, e não falei mais nada. Ficamos nos encarando, mas sem
nos mover. Eu estava nervosa, com milhares de questionamentos na cabeça,
sentindo a garganta se apertar de vontade de dizer a ele tudo o que pensava,
mas meu bom-senso me pedia para não agir, para não fazer nada sem antes
avaliar melhor.
Depois de respirar fundo como se estivesse frustrado, ele se moveu,
virando as costas e indo na direção da porta. Fechei um punho, segurando-
me, vendo-o ir embora sem dizer nada – ainda que eu tivesse dito que não
queria conversar, esperava ao menos uma explicação dele – e, quando tocou a
maçaneta, disparei:
— Qual era o jogo?
Ele me olhou com a testa franzida.
— Jogo? — questionou como se não entendesse. Cruzei os braços e
continuei séria. — Você acha que o que aconteceu ontem à noite foi um
jogo?
— Não sei o que pensar, afinal, eu era a única que não sabia nada
sobre você.
Ele passou a mão nos cabelos.
— Aurora, quando a gente se conheceu na livraria, eu não fazia ideia
de que você era a mulher que contratei para gestar meu filho. — Fechei os
olhos ao ouvi-lo dizer isso, pois a ideia ainda me incomodava. Eu me sentia
como se estivesse sendo comprada. — Tudo o que sabia sobre você era sua
idade e que era universitária.
Ele parecia sincero, mas, ainda assim...
— Mas já sabia que era eu ontem à noite, não sabia? Foi até o bar
porque Erika lhe disse que eu estava lá. — Sorri amarga. — Foi até lá para
quê? Por que se aproximou? Para me testar?
— Testar? Por que eu faria isso? — Ele bufou impaciente. — Eu
soube que era você quando houve o acidente. — Michael não me olhou. —
Achei uma coincidência enorme, quase não pude acreditar, mas então,
quando a vi no hospital...
— Você foi me ver no hospital? — inquiri surpresa.
— Fui, mas você estava dormindo. Eu conversei com os médicos e...
— Por que quis continuar com o contrato? — Não o deixei terminar a
frase, pois eu precisava saber.
Ele deu um sorriso nervoso.
— Não sei. Eu poderia tê-lo rescindido e contratado outra mulher,
mas não quis.
Tomei, então, a coragem de fazer a pergunta que ficou rodando em
minha cabeça o dia todo.
— Depois do que aconteceu ontem, vai cancelar o contrato?
Senti meu corpo inteiro gelar quando ele assentiu.
— Não é o melhor a ser feito? — respondeu, olhando no fundo dos
meus olhos.
Deus do Céu! Meus olhos se encheram d’água ao pensar em minha
mãe. Eu precisava do dinheiro para continuar o tratamento dela e, não só isso,
não tinha como devolver parte do que ele havia dado como adiantamento.
— Por mim, o contrato continua — revelei. — Eu me comprometi a
gestar um filho para um desconhecido, e o fato de agora saber a identidade do
pai dele não muda nada. — Engoli em seco. — Só não devemos repetir...
— A noite passada — ele completou. — Eu sei, não vou exigir isso
de você, não se preocupe.
Novamente senti um aperto no peito.
— Eu gostaria de voltar a morar com minhas amigas e...
— Não, nada do que acordamos muda. Não tem por que mudar!
Percebi que não adiantaria discutir com ele, pois era mesmo um tirano
cabeça-dura e achava que era meu dono! Terminei de beber meu suco, mas
desisti de comer o sanduíche, sentindo-me completamente sem apetite.
Comecei a juntar tudo para guardar, sem dar atenção alguma para Michael,
que continuava parado perto da porta de entrada.
— Não vai comer? — questionou.
— Não.
— Você comeu alguma coisa durante o dia?
Parei, soltei o ar devagar e tentei soar razoável, mesmo bufando de
raiva.
— Vá embora, por favor.
Não me virei para olhá-lo e só relaxei quando ouvi a porta batendo ao
ser fechada com força.
Adeus!, pensei aliviada e com o coração pequeninho ao mesmo
tempo.
Era melhor assim! Provavelmente ele não voltaria mais àquele
apartamento nem me procuraria para nada. As sensações que vivi em seus
braços na noite anterior, a intensa química, tudo iria se dissolver com o
tempo, e, depois que o contrato fosse cumprido, voltaríamos a ser dois
estranhos numa cidade enorme.
Saber que ele seria o pai do bebê que eu geraria não era de todo ruim,
porque, pelo menos, eu saberia que a criança estaria bem e protegida e, talvez
assim, fosse fácil me desvincular dela quando nascesse.
Mesmo depois de concluir esse pensamento, fiz careta ao lembrar-me
do que Erika falou sobre a provável mãe da criança, mas tentei não focar
muito nisso, porque nem mesmo sabia se Lane Johnson era realmente a
mulher com quem Michael era comprometido.
Ademais, nada daquilo era da minha conta. Eu tinha apenas um
contrato com ele, somente um contrato!
— Você tem estado com um humor do cão ultimamente — Robert
comentou, sentado ao meu lado ao balcão do pub que frequentávamos desde
a adolescência. — Eu sei que o mercado ferve nesta época do ano, mas, além
de estar trabalhando feito um louco, o que mais tem te deixado azedo desse
jeito?
Fingi que estava distraído com a banda de country-rock que tocava no
fundo do local, em frente a uma bela parede de tijolos maciços, mas não
consegui enganá-lo, e ele não parou de me encarar nem por um instante.
— Rory — falei o nome entredentes.
Robert franziu o cenho.
— Mas quem porra é Rory?
Tomei um longo – e último – gole da minha cerveja e fiz sinal para o
bartender me servir outra, antes de começar a contar para meu amigo sobre a
confusão na qual eu estava.
— Fui comprar um livro para minha mãe há algum tempo e a conheci
na livraria.
Ele sorriu.
— Gostosa?
Bufei e peguei a cerveja gelada que havia chegado e dei outro longo
gole.
— Achei-a atraente, sim. — Não quis dar tanta importância ao tanto
que a moça ruiva e sardenta tinha chamado a minha atenção. — Encontrei-me
com ela num bar na Fullerton Avenue, perto da estação do metrô e...
— O que você estava fazendo lá? — Ele me interrompeu curioso. —
Fica perto de uma faculdade, eu o conheço. — Riu. — Saí com uma
universitária uma vez, e ela frequentava o lugar com as amigas.
Olhei para ele demonstrando todo o tédio que sentia com suas
histórias com garotas de 18 anos – que insistia em manter –, e levantou as
mãos em sinal de rendição, sabendo a minha opinião sobre sua tara por
estudantes.
— Bom, acabei indo lá e a encontrei.
Robert sorriu acusador.
— É uma universitária, então.
Suspirei impaciente.
— Posso terminar de contar ou você já perdeu o interesse?
— Caralho, hein?! Azedo foi eufemismo! — Fuzilei-o com os olhos,
e ele ficou sério. — Certo, desculpe-me. Então você reencontrou a tal Rory
e...
— Eu saí de mim — confessei pela primeira vez. — O primeiro
contato na livraria não foi nada de mais, foi rápido, profissional, mas não
deixei de notá-la. No bar, foi mais do que isso. Eu me senti atraído, senti a
química, sabia que, se a tocasse, não iria conseguir parar.
Robert estava de olhos arregalados, pois nunca havia me visto daquele
jeito.
— E ela não quis? — Ri amargo. — Caralho, Michael, você é pior
que minha avó para contar uma história! O que aconteceu?
— A gente se beijou, e foi como uma explosão. Perdi a cabeça e só
me dei conta do que estava acontecendo quando estava deitado sobre ela no
sofá do apartamento de sua amiga, encaixado entre suas coxas e... porra!
— Ai, merda, já sei o que houve! — Colocou a mão na testa. —
Trepou com ela sem camisinha!
— Quase — admiti. — Não chegamos tão longe, mas eu iria. —
Olhei-o apavorado. — Sabe o que é admitir isso? Você se lembra da última
vez que me deixei levar desse jeito?
— Samantha — ele pronunciou o nome, e balancei a cabeça
concordando. — Mas, se não chegaram a transar sem camisinha, qual foi o
problema? — Suspirei, e ele concluiu: — Ah, vocês não fizeram sexo de jeito
nenhum. — Riu. — E agora está frustrado e mal-humorado desse jeito! —
Bebeu sua própria cerveja, que já devia estar quente. — Você complica muito
as coisas, sabia? Se a quer, e ela também queria, por que não a encontra de
novo, com camisinhas dessa vez, e resolve o problema?
Era o que eu queria, resolver o problema. Toda maldita vez que me
sentia excitado, a imagem de Aurora surgia na minha mente, e eu a tentava
repelir. Deu certo nas primeiras vezes, mas, com o passar dos dias, foi se
tornando mais difícil.
Fui a um evento no final de semana cheio de mulheres lindas,
inteligentes e disponíveis, mas não levei nenhuma para a cama pelo simples
fato de não ter nenhuma ruiva entre elas.
— Acho que estou ficando obcecado — comentei para mim mesmo e
resolvi contar o ponto mais importante da história. — Rory é apelido de
Aurora, você sabia disso?
— Sabia, mas o que... — Nunca o tinha visto com a boca tão aberta
daquele jeito. — Diz para mim que é só coincidência de nomes, por favor!
Ri, ergui uma sobrancelha e bebi o resto da long neck de uma só vez.
— Mundo pequeno, não? — Foi a minha resposta.
Robert descarregou todos os xingamentos que conhecia e, ainda sem
terminar sua bebida, pediu uma dose dupla de uísque sem gelo.
— Como você soube que eram a mesma pessoa? Ela lhe disse o nome
todo ou...
— Fui vê-la quando esteve internada por causa do acidente. Naquela
época, quando você me revelou o nome, achei que poderia ser coincidência.
A moça da livraria tinha uma plaquinha no uniforme com o apelido de
Aurora. — Dei de ombros. — Tive certeza de que era ela quando foi visitá-la
em seu quarto.
Robert arregalou ainda mais os olhos.
— Então ela também sabe quem é você!
— Não por causa da visita, pois estava dormindo, mas acabou
descobrindo depois que nós quase trepamos.
— Puta que pariu, mas que coincidência do caralho! Por que ainda
não cancelamos esse contrato? O que você está esperando para fazer isso?
Balancei a cabeça.
— Não vou cancelar.
Robert riu, sem acreditar, e resolveu beber todo o seu uísque
rapidamente.
— Michael, escute bem, ela vai ser a mulher que vai gestar seu filho.
Você não pode ter nenhum envolvimento com ela, senão pode acontecer tudo
aquilo que queria evitar... Samantha, lembra? — frisou.
— Eu sei, não vou me envolver com ela — disse, embora tentasse
convencer a mim mesmo.
Ele gargalhou.
— Se eu acreditasse nisso, esse nosso assunto nem teria começado,
para começo de conversa. Michael, se ela mexe tanto com você, cancele a
porra do contrato! Deixe que ela fique com o adiantamento se não quiser
prejudicá-la, mas não leve essa merda adiante.
Fiquei um tempo pensando, rodando a garrafinha da bebida na mão,
lembrando-me da expressão dela quando me perguntou se eu iria desistir do
planejado.
— Não, Aurora continua no contrato. — Ele xingou e me chamou de
burro. — Não vai acontecer mais nada entre mim e ela, teremos uma relação
estritamente profissional.
— Não era para terem relação nenhuma! — murmurou contrariado.
Entendi a posição de Robert, pois, além de amigo, ele também era
meu advogado, mas não voltaria atrás com minha palavra e disse a ela que
nada iria mudar.
É verdade que não estava tão certo disso enquanto dirigia feito um
louco da casa da minha mãe até o apartamento que havia alugado e, muito
menos, nas horas – que pareceram uma infinidade –, que esperei sentado no
sofá da sala, depois de ter conversado com Erika e a mandado para casa, até
Aurora aparecer.
Achei que ela me veria assim que entrasse no apartamento, mas
passou direto e entrou em seu quarto. Fiquei ali, imaginando-a lá, tirando a
roupa, entrando no chuveiro e, quando voltou com os cabelos molhados e a
camisola que ficava completamente transparente contra a luz interna da
geladeira, tive que me segurar para não gemer.
Liguei a luz antes que me descontrolasse e denunciei minha presença.
Estava esperando-a para conversarmos e chegarmos a um acordo sobre o fim
do contrato, mas não foi o que aconteceu.
Desde então não falava e, muito menos, encontrava-me com Aurora.
Erika já havia voltado ao trabalho, e eu soube que Aurora tinha
conversado com a gerente da agência sobre antecipar a implantação de um
novo embrião, porém a solicitação foi negada, porque ainda não havia
passado o tempo prescrito pelo médico.
A governanta comentou que ela ficara muito chateada e andava
ansiosa e preocupada.
— Ela tem dormido mal — disse durante uma conversa telefônica. —
Ouvi-a chorar durante uma chamada de vídeo com os pais, mas não sei sobre
o que era. Acho que sente saudades deles e de casa.
— Ela comentou contigo alguma vez para que queria o dinheiro do
serviço de barriga de aluguel?
— Não, nunca falamos disso. Rory é muito discreta, nem comentou
comigo sobre o encontro de vocês dois aqui, no apartamento.
Eu gostaria de saber o que a tinha motivado a entrar naquele negócio
e para que precisava do dinheiro. Achava que ela nunca me revelaria, ainda
mais depois de tudo o que aconteceu. Certamente, Aurora ainda estaria
magoada comigo.
Depois do que revelei ao meu amigo, nossa noite de bebidas e
petiscos foi por água abaixo. Conversamos ainda por um tempo, mas
encerramos a noite, e cada um seguiu para seu próprio apartamento.
Eu não conseguia dormir, já me havia deitado e levantado várias
vezes, bebido algumas doses de uísque, tomado banho, mas nada de meu
corpo descansar. O motivo da insônia era de meu conhecimento, mas me
recusava a ceder a ele.
Estava com um tesão do caralho e com o sabor de Aurora instigando
meu pau a ficar como uma rocha e me impedir de pregar os olhos. Eu não
queria sucumbir, mas não tive como evitar.
Fechei os olhos no mesmo instante em que meus dedos abraçaram a
rigidez do meu membro. Gemi, pois o simples toque concedeu um prazer tão
grande que previ que não ia durar muito para gozar.
E foi assim! Bastaram algumas estocadas firmes com uma das mãos e
a lembrança de Aurora para eu me derramar por inteiro.

— Inicialmente, eu tinha pensado em fazer uma festa, mas, depois de


tudo o que aconteceu, acho melhor ser mais contida e comemorar apenas com
alguns amigos mais chegados e, claro, com você.
Concordei, aliviado por não ter de participar das enormes festas de
aniversário de minha mãe por mais um ano. Eu não via mal algum em ela
gostar tanto de festejar a vida, achava ótimo, mas suas comemorações eram
lamentavelmente tediosas.
Minha mãe nunca foi muito extrovertida, sempre preferindo a paz ao
invés da badalação. Suas festas consistiam em convidar algum quarteto de
cordas – geralmente de instituições que ela ajudava – e contratar um bufê
para servir canapés e bebidas. Os convidados eram os mesmos desde o tempo
de vovô, e as conversas também não variavam muito.
Até meus 15 anos de idade, as minhas próprias celebrações foram
assim, nesse mesmo modelo. Então, quando fiz 16, decidi que queria meus
amigos incluídos e uma festa mais jovem. Fizemos um luau no jardim, à beira
da piscina, com vista para o lago.
Foi uma experiência única, não só por ter posto fim aos canapés e
música clássica, mas por eu ter perdido a virgindade atrás do antigo Rolls
Royce do vovô, no fundo da garagem.
Ah, Annie Marie...
— Michael? — Pisquei ao ouvir minha mãe me chamando, e ela
sorriu para mim. — Nem vou perguntar no que estava pensando, pois estava
com cara de cachorro que escondeu um osso apetitoso em algum lugar.
Gargalhei.
— Obrigado pela comparação! — Peguei uma torrada. — Então
decidiu não fazer a tradicional festa de aniversário de Shelly Griffin. Vai
fazer o que no lugar?
— Nada de mais! Vou passar a manhã no clube com algumas amigas,
e você poderá me encontrar lá para almoçarmos juntos ou podemos sair para
jantar. — Seus olhos brilharam. — Há bastante tempo que não saímos para
comer!
— Está combinado, então! Virei buscá-la para um jantar especial.
Ela juntou as mãos, animada.
— Você é o filho mais incrível que tenho!
Novamente gargalhei.
— Eu sou o único, mãe!
Ela se aproximou e beijou minha bochecha como se eu fosse ainda
um menininho.
— Exatamente, eu não poderia ter recebido presente melhor! —
Afastou-se e pegou uma xícara de seu chá favorito. — É claro que, se houver
um neto ou dois nos seus planos...
— Mãe! — repreendi-a, rindo e limpando minha boca com o
guardanapo. — Preciso ir!
Ela lamentou como fazia todas as manhãs e fez questão de me levar
até a porta da frente, onde meu carro estava estacionado.
— Quando eu falo em te ver com alguém, construindo uma família,
não estou pressionando-o por um capricho — falou de repente, antes de eu
entrar no veículo. — É só que não desejo que você fique sozinho. Ser sozinho
é muito triste.
Meu coração se apertou ao ouvir suas palavras, e a abracei com força.
— Eu não sou sozinho, tenho você!
Ela sorriu e concordou.
— Mas nós já sofremos um susto, não é? A qualquer momento, pode
ser para valer.
Neguei.
— A senhora tem muito para viver ainda! É só não exagerar em nada.
Sua cirurgia ainda é recente.
— Eu sei, meu filho. Faço tudo com a aprovação do doutor, não se
preocupe.
Despedi-me dela de novo e segui com o carro na direção do centro da
cidade para começar mais um dia de trabalho e loucura.
Suspirei, sentindo-me mais satisfeito, menos ranzinza, pela primeira
vez em muitos dias. Amava meu trabalho, honrava o que meu avô começou,
tinha uma mãe maravilhosa e recebi uma nova chance de estar mais com ela.
Por que eu não seria um homem feliz?
Eu era! Não precisava dessa história de amor e família de comercial
para me sentir assim! Gostava de ser solteiro, de ter a liberdade de me sentir
atraído por alguém e não sentir culpa por isso. Não enganava nem traía,
muito menos me apegava. Não era a situação perfeita?
Talvez, depois que meu filho nascesse, mamãe se convenceria de que
eu não era talhado para casamento e ficasse feliz ao saber que não precisava
mais se preocupar comigo, pois já teria alguém para devotar o amor em que
ela me ensinou a acreditar.
Eu não poderia ter tido mãe melhor! Amava-a demais e faria qualquer
coisa para vê-la feliz. Sabia que o presente que queria lhe dar ainda iria
demorar um pouco para chegar, então precisava de algo realmente especial
para comemorar mais um ano de sua vida.
De repente, a voz de Aurora soou perfeitamente audível aos meus
ouvidos:
— Se precisar de mais indicações, ficarei feliz em ajudar.
Não era uma boa ideia, embora fosse tudo em que eu podia pensar
para presentear minha mãe. Aurora oferecera ajuda antes de saber quem eu
era, não seria justo usar aquele oferecimento.
Mas quem mais poderia me ajudar a comprar livros tão incríveis
quanto os que Aurora indicara antes?
Michael, Michael... você está brincando com fogo!
As aulas na universidade voltariam em breve, e eu estava focada em
terminar toda a minha pesquisa e finalizar a dissertação. Faltava pouco para
eu me formar e, antes de minha vida mudar, tinha pensado em tentar uma
vaga de emprego em alguma biblioteca.
Bom, eu concluiria os estudos ainda grávida, sinal de que teria que
esperar o bebê nascer para poder voltar aos meus planos de construir uma
carreira em Chicago. Não tinha intenção de voltar para o interior. Ainda que
eu conseguisse uma colocação na antiga escola onde meus pais davam aula,
via essa alternativa como um plano B.
Alguns professores me incentivaram a começar a escrever um
romance e tentar a autopublicação em sites próprios para isso, no entanto eu
ainda não tinha conseguido desenvolver nada que valesse a pena. Meus textos
eram curtos, geralmente acadêmicos ou de crítica, eu ainda não tinha me
aventurado no mundo da ficção.
Todavia, uma ideia vinha se formando na minha cabeça, uma história
de amor, mas não sabia se deveria enveredar por esse caminho perigoso. Não
que eu achasse romances perigosos, só que ter um romance baseado em
minha experiência – ou parte dela –, com tudo que estava acontecendo,
poderia mexer com meus sentimentos.
Pensando sobre isso, percebi que teria que florear um pouco a
história, trazer mais romance e – por que não? – um pouco de fantasia. Eu
inverteria um pouco os acontecimentos, faria o casal se conhecer antes de
qualquer contrato, ter uma noite tórrida e depois ficar um tempo sem se ver.
Quando o “mocinho” precisasse ter um filho, em vez de contratar uma
agência, ele iria direto até a “mocinha” e lhe proporia ser a mãe.
Nada de fertilização e de implantação de embrião no meu livro, seria
tudo feito ao modo antigo, com muito sexo, encontros e aventuras, até que
eles se apaixonassem. Bom, pensei apenas até aí e sabia que, para uma
história boa, precisava ir além disso.
É por essas e outras coisas que não sou escritora!
Ri de mim mesma, voltando a prestar atenção nas anotações que havia
feito antes de entrar de férias.
— Feliz por as aulas estarem prestes a começar? — Erika me
perguntou da cozinha, onde fazia alguma coisa que cheirava muito bem.
— Muito! Vou ter motivo para sair de casa...
Ela riu.
— Você não tem saído por escolha própria! Já te disse que não é
prisioneira aqui, Rory.
— Eu sei, mas é que temo ficar sem bateria ou ter qualquer
imprevisto e o chefe aparecer onde estou. — Rolei os olhos. — É preferível
não dar sorte para o azar.
Erika suspirou.
— Ele se preocupa tanto contigo, sabia? — Olhei-a, mas ela estava
mexendo nas panelas. — Liga para perguntar se está bem, se tem comido
direito e feito exercícios.
Bufei irritada, mas, ao mesmo tempo, uma parte de mim se rejubilava
por Michael querer saber sobre mim, mesmo sem ter mais contato comigo. É
claro que ele fazia isso única e estritamente por causa da minha saúde para
gerar seu filho, eu não iria me iludir quanto a isso, porém não deixava de
ser... interessante.
— Eu já me acostumei a treinar, embora ainda ache aquele personal
um tanto sádico. — Ri, lembrando-me de como eu tinha vontade de xingá-lo
na academia do prédio. — Tenho me sentido melhor fisicamente e esses dias
subi correndo as escadas até aqui.
Erika se virou para me olhar assustada.
— Todos esses andares? Por quê?
Fiquei vermelha, pois não queria contar que, naquele dia, acordara
depois de ter tido sonhos eróticos com quem não devia ter. Estava agitada,
mesmo depois de ter tomado uma ducha fria, então desci e fiz uma corrida na
esteira, esperando que as endorfinas produzidas pelo treino aliviassem a
vontade de sexo que eu estava. Não deu certo, claro, então decidi que era
melhor me exaurir a ponto de não conseguir mais pensar em bobagens e subi
as escadas correndo.
— Eu queria me testar. — Foi a resposta que dei a Erika. — Quem
sabe até o ano que vem eu tenha fôlego para disputar uma maratona.
Ela gostou da ideia, só que a usou contra mim.
— Viu só? No começo, você odiava treinar e detestava o senhor
Griffin por fazê-la ter que se exercitar. Se não fosse por ele, nunca iria
descobrir tanto prazer em movimentar o corpo.
Fiquei vermelha como um pimentão, porque, embora soubesse que
Erika estava se referindo aos treinos, pensei logo em outros prazeres que
Michael poderia me fazer descobrir com a movimentação do meu corpo.
Mas que merda, Rory, esquece esse homem!
— Talvez eu precise voltar a sair... — resmunguei. — Acho que
preciso conhecer gente nova, experimentar...
A campainha do apartamento soou, quebrando minha reflexão, e,
como era eu quem estava mais próxima da porta, levantei-me para ver quem
era pelo olho mágico, estranhando o porteiro não ter avisado sobre a chegada
de uma visita.
Fiquei parada, pasma, com o olho grudado no pequeno vidro redondo
colocado no meio da porta. Não era possível que eu estivesse enxergando
direito.
— Quem é? — Erika perguntou, aproximando-se e secando as mãos
numa toalha.
— Michael Griffin... — sussurrei e me afastei da porta para que ela a
abrisse.
Fui para perto da varanda – e para bem longe dele –, mas, ainda
assim, senti o impacto de sua presença no ambiente. Ele sorriu para Erika e
lhe entregou algo.
— Ah, muito obrigada! — Ela conferiu a sacola e tirou de dentro dela
uma fruta fresca que eu não soube identificar de longe. — Pelo cheiro, está
maravilhosa! Vou usar para fazer uma torta bem refrescante.
Ela se afastou, e ele me olhou.
Eu mal conseguia respirar sob aquele olhar azul e, mesmo ainda
estando desconfortável com nossa situação – e sem entender o que ele fazia
no apartamento –, balancei a cabeça cumprimentando-o.
— Como vai? — questionou sem sair do lugar e sem desviar os olhos
dos meus.
— Você sabe, Erika lhe diz. — Imediatamente quis morder a língua,
pois ele ergueu uma de suas sobrancelhas e pareceu conter um sorriso.
— Sim, ela diz, mas agora estou perguntando a você.
Homem arrogante!
— Estou bem, obrigada.
Respirou fundo e finalmente se moveu, porém o fez em minha
direção.
Não se aproxime tanto!, meu cérebro desesperado gritava, enquanto
meu corpo se derretia todo com aquela maldita atmosfera sexual que, desde a
primeira vez que nos encontramos, pareceu pairar entre nós.
— Eu vim aqui hoje porque... — Michael pigarreou — preciso de um
favor.
Fiquei pasma de novo! Imaginava qualquer coisa, menos que ele
quisesse um favor meu. Favor... favores... de que tipo ele estava
imaginando?!
— Que espécie de favor? — indaguei ressabiada.
Ele sorriu, e minha pele se arrepiou.
— Um que você ofereceu uns dias atrás. — Arregalei os olhos,
pensando no sofá de Aimée, e ele abriu ainda mais aquele sorriso lindo. —
Minha mãe fará aniversário daqui uns dias, e pensei em lhe dar alguma coisa
especial, e nada tem mais apreço para mamãe do que livros.
— Ah...
Sorri sem jeito e, confesso, um pouco decepcionada também. Não que
eu estivesse disposta a conceder qualquer favor parecido ao que aconteceu no
apartamento de Aimée, mas gostaria de saber que ele queria.
Foco, Rory!
— Você se dispôs a me dar umas indicações, lembra?
Fiquei séria e cruzei os braços.
— Isso foi antes de saber quem você era.
Ele concordou.
— Entendo. Ela adorou os dois livros do autor peruano que ganhou, e
ambos foram comprados na livraria onde você trabalhava. — Assenti,
lembrando-me disso. — Um deles foi uma amiga quem deu, e ela disse que
teve a ajuda de um especialista...
— Lane Johnson — pronunciei mais para ver a reação dele, e Michael
confirmou com a cabeça. — Fui eu quem a atendeu também.
Ele sorriu confiante.
— Eu não tinha dúvidas!
Tentei não me deixar adular pelo que ele disse e concluí:
— Já que você sabe que sua mãe gostou tanto do Llosa, é só comprar
outros livros dele e...
— Eu queria algo mais amplo. Ela me disse que ler um autor peruano
tão bom abriu seus olhos para a literatura estrangeira. Shelly já leu clássicos
ingleses e alguma coisa em italiano, pelo que vi em sua biblioteca, então
pensei em apresentar mais autores para ela. — Eu não conseguia não estar
interessada naquele assunto, por isso o deixei explicar o que pretendia. —
Pensei em fazer uma pequena coleção de autores que ela ainda não conhece.
— Todos estrangeiros?
— Sim! Portugueses, brasileiros, argentinos, africanos... enfim, queria
trazer uma grande diversidade à sua biblioteca.
Não tive como não sorrir, pois, se eu fosse sua mãe, certamente
amaria o mimo.
— Será um belo presente!
Ele concordou e ficou sério.
— Posso contar com sua experiência? — Não respondi, ainda
pesando os prós e os contras. — Pode esquecer por um momento o quanto me
detesta e pensar que estará apenas ajudando um filho que ama muito sua mãe
a deixá-la mais feliz?
Que golpe baixo!, pensei, reconhecendo que Michael não jogava para
perder.
— Vou ajudar você, pela sua mãe, que tem um ótimo gosto literário!
Ele não escondeu sua satisfação.
— Muito obrigado, Aurora!
Aurora... Apenas ele me chamava assim. Não me refiro ao nome em
si, mas sim ao jeito como o falava. Era como se sentisse prazer em cada
sílaba, e elas saíssem em sussurros, roucas.
Novamente senti a atração magnética me puxar para ele, contudo
finquei os pés no chão e fiz meu corpo traidor obedecer à minha cabeça.
Nada de bom resultaria de uma aproximação nossa, e era bom eu ter isso na
cabeça quando começasse a ajudá-lo a formar o acervo de literatura
estrangeira que ele gostaria de dar à sua mãe.
— Senhor Griffin, posso contar com o senhor para o almoço?
Eu quis fazer uma careta para Erika por tê-lo convidado e cruzei os
dedos para que ele tivesse uma reunião ou qualquer coisa que o impedisse de
ficar.
— Não seria capaz de resistir a isso que cheira tão bem! — respondeu
olhando-a e depois virou-se para mim. — Aceito com prazer!
Filho da mãe!

Mais tarde, ainda naquele mesmo dia da visita de Michael, encontrei-


me com Carly e Aimée em uma cafeteria do shopping onde ficava a livraria.
Já fazia uns dias que não nos víamos, e calhou de Aimée ter tempo antes de
Carly entrar para cumprir seu turno, e me juntei a elas.
— Está bonita! — Carly comentou. — Acho que ganhou peso.
— Músculos! — brinquei, mostrando meu braço – nada definido – e
tentando me iludir.
— Sim, está parecendo mais saudável, mas é que ela não passa mais o
dia todo só com uma maçã no estômago — Aimée apontou. — Como estão
as coisas na gaiola dourada?
Tive vontade de suspirar ao lembrar-me do almoço com Michael, mas
me segurei. Ele elogiou muito a comida de Erika, e os dois conversaram
sobre um tio dele do qual minha governanta cuidara.
Não me envolvi nas conversas nem puxei nenhum assunto com ele,
apenas fiquei observando-o disfarçadamente – esperava que sim – enquanto
ele comia e se divertia com sua funcionária.
Quando finalmente foi embora, Erika só sabia suspirar e elogiá-lo por
sua simplicidade – embora eu discordasse – e sua simpatia – isso sempre
achei que fosse um de seus atributos, ainda mais se o comparasse à tal Lane
Johnson.
— Estão indo bem — respondi à Aimée. — Estou ansiosa para voltar
às aulas.
— Eu também! — Carly comentou animada. — Ah, mudando de
assunto... Jack me disse que, naquele dia em que fomos ao bar juntas, vocês
saíram com um cara. — Ela olhou para cada uma de nós. — Por que ninguém
me contou nada?
— Porque eu não tinha nada para contar, além da vergonha de ter
bebido demais e saído de lá amparada por um desconhecido e uma amiga. —
Aimée tampou a cara de vergonha. — Nem sei como chegamos em casa,
acordei no outro dia só de calcinha, toda maquiada ainda e com um bilhete de
Rory pregado na geladeira.
Franzi a testa por ela não se lembrar de Michael, já que o reconhecera
e falara sobre ele várias vezes, até dormir como uma rocha.
— Então é você quem tem os detalhes! — Carly apontou para o meu
rosto. — Pode me contar!
Tentei disfarçar.
— É o que Aimée contou. Você nos abandonou, e consegui uma
carona para nos levar para casa. Fim!
Obviamente, ela não acreditou.
— Quem era o cara? Eu conheço?
— Um empresário, nem lembro mais o nome dele.
Justamente nessa hora, Aimée fez uma careta, e percebi que ela estava
se lembrando.
— Era Michael Griffin? — perguntou-me confusa.
— Meu Deus! — Carly arregalou os olhos e me fitou desconfiada. —
O mesmo bonitão que você atendeu no dia do seu... — Calou-se, pois devia
ter se lembrado do aborto. — Meu Deus!
— Era esse o nome dele, sim — confirmei, mas sem entrar em
detalhes, desesperada para achar um outro assunto e parar de falar de Michael
e daquela noite.
— Puta que pariu, eu dei vexame na frente de Michael Griffin! —
Aimée começou a gargalhar como fazia toda vez que estava nervosa. —
Nunca mais serei contratada pela empresa dele para fazer eventos!
— Não exagere, Aimée! — Carly a repreendeu.
— Estou falando sério! Oh, Deus, ele ajudou você a me colocar na
cama, não foi?
Eu iria responder que sim, mas que ele não tinha me ajudado a tirar
suas roupas, quando Carly quase gritou:
— Ele subiu ao apartamento com vocês?!
Oh, Deus!
— Sim, me ajudou a colocar Aimée na cama e depois foi embora.
Minha amiga ergueu uma sobrancelha, mas não disse nada.
— Só isso? — Carly também parecia intrigada. — Jack deu a
entender que o homem estava te comendo com os olhos!
— Pelo visto, foi só com os olhos mesmo! — Aimée riu, tentando
mudar o assunto. — E você, dona Carly, por que não nos conta sobre aquela
noite?
Era tudo o que minha amiga precisava para começar a falar de seu
encontro e que ainda estavam mantendo contato. Conversamos até que ela
entrasse no trabalho, e, depois, Aimée e eu passeamos um pouco pelo
shopping.
— Foi só aquilo mesmo? — inquiriu de repente. — Com Michael
Griffin. — Assenti, e ela fez um barulho com a boca, como se não
acreditasse. — Eu também notei que o homem estava babando em você.
Achei que...
— Não aconteceu nada.
Ela parou.
— Rory, tudo bem se acontecer. Não é porque você vai engravidar
que está proibida de se relacionar ou fazer sexo. Há meninas que alugam a
barriga e que têm namorados e maridos. Só precisa se proteger.
Engoli em seco.
— Realmente não aconteceu nada — voltei a frisar. — Acho que ele
está comprometido com uma influenciadora da internet. — Dei de ombros.
— Lane Johnson.
Aimée riu.
— Lane Johnson com compromisso com alguém? Claro que não! —
Ela pegou seu celular e me mostrou os stories da moça, agarrada a um cara
em uma festa. — Toda semana tem um homem novo. Ela os chama de
“namorados de stories”. Se ele tem algum compromisso, não é com ela!
Desconversei dizendo que não havia acontecido nada e que já nem me
lembrava dele, mas fiquei com aquela informação em mente. Podia até não
ser a tal Lane, mas ele havia dito que estava comprometido naquela noite.
Recordei-me de suas palavras e notei que ele não fora direto sobre o
assunto, que tinha dado uma resposta genérica. Afinal, Michael Griffin era ou
não era um homem comprometido?
E que diferença isso faz para você, Aurora Ryan?
Apertei a campainha, pelo segundo dia consecutivo, do apartamento
onde Aurora estava morando, e mais uma vez foi Erika quem me atendeu.
— Senhor Griffin! — cumprimentou-me com um sorriso. — Que
bom vê-lo novamente.
— Como vai, Erika? — Entreguei-lhe algumas flores que comprei
assim que saí do escritório. — Percebi que gosta de fazer arranjos florais.
Ela sorriu encantada.
— São lindas, com certeza irão alegrar mais a sala!
Foi até a cozinha para deixar a braçada de flores, e aproveitei para
olhar em volta a fim de localizar Aurora. Ela não estava em lugar algum.
— Aurora não está em casa? — perguntei, indo até a varanda.
— Chegou há pouco do treino com o personal e foi tomar banho —
Erika respondeu, arrumando as flores em um jarro de cristal.
Franzi a testa, pois já era começo da noite, e, até onde eu sabia,
Aurora treinava com Clayton de manhã.
— Ela mudou o horário dos exercícios?
— Mudei! — Virei-me na direção da voz e tive que dar um passo
para trás ao vê-la de cabelos molhados e usando um vestidinho solto. O
cheiro do sabonete ou de qualquer outra coisa que tinha usado chegou até
mim, e inspirei-o devagar, saboreando o aroma. — Como vai, senhor Griffin?
Senhor Griffin! Tive vontade de rir quando ela me chamou assim.
— Estou bem! — Andei até onde ela estava. — Algum problema com
o antigo horário do personal?
Ela respirou fundo, um tanto enfezada por eu insistir no assunto.
— Minhas aulas recomeçarão em breve, então ou eu deixava de
treinar, ou mudava o horário. — Sorri ao perceber que ela optou por
continuar os treinos. — O que foi?
— Nada!
Aquele clima, o mesmo que nos envolveu no bar, voltou com tudo. Já
o tinha sentido no dia anterior, quando vim na hora do almoço, e ele
continuava, independentemente da minha resolução de não a tocar mais e da
resistência dela acerca da minha presença em seu apartamento.
— Olha as flores lindas que o senhor Griffin nos trouxe! — Erika
interrompeu um pouco a energia ao nosso redor ao entrar na sala carregando
o vaso ornamentado com as flores que eu havia levado. — Não são lindas?
Colocou-o no aparador ao lado de uns porta-retratos que eu ainda não
tinha visto. Fui até o móvel e peguei um deles, em que dois idosos apareciam
abraçados e felizes.
— Parentes seus? — perguntei à Aurora, que rapidamente se juntou a
mim.
— Meus pais — respondeu baixinho.
Surpreendi-me, pois achei que poderiam ser seus avós ou algo do tipo.
Aurora era jovem, tinha apenas 24 anos. Eu não esperava que seus pais
fossem tão mais velhos.
— É a filha caçula? — inquiri curioso.
Ela riu e negou.
— A única. — Pegou o pequeno quadro da minha mão e olhou para
os dois com uma expressão que eu conhecia bem, pois era do mesmo modo
que eu olhava as fotos de minha mãe e do meu avô. — Eles não esperavam
por mim! — Riu como se aquilo fosse parte de uma piada interna entre ela e
sua família. — Mamãe já tinha 45 anos quando engravidou de mim, e papai,
quase 50.
Fiquei um tanto surpreso com a história e imaginei o quanto devia ser
difícil para ela estar longe deles e vice-versa. Lembrei-me do que me contou
sobre sua infância, do quanto foi uma criança feliz, e tentei imaginá-la junto a
esses pais, que deviam vê-la como se fosse um milagre.
— Qual dos dois era ruivo? — Apontei para a foto em que tanto seu
pai quanto sua mãe exibiam lindos cabelos brancos.
— Papai. — Ela riu e colocou a fotografia no local. — Sei disso por
conta de fotos de sua juventude, pois, quando nasci, ele já era grisalho. —
Suspirou. — Mas tem o rosto tão pintado de sardas quanto o meu.
— Suas sardas são lindas! — falei sem pensar, e ela me deu uma
olhada rápida antes de balançar a cabeça e se afastar de mim.
Eu precisava aprender a controlar minha língua da mesma maneira
que estava fazendo com o meu corpo! Não podia ficar elogiando-a, ainda que
fosse sincero, pois não iríamos por um bom caminho se eu continuasse lhe
dizendo o quanto a achava linda.
— Veio para o jantar? — Foi Aurora quem perguntou dessa vez.
— Se for convidado, terei prazer em aceitar.
Ela riu.
— Você não precisa de um convite, tudo aqui é seu.
Tive de me esforçar para recordar que ela não estava incluída no
pacote, embora eu quisesse... Michael, Michael!
— É você quem mora aqui, Aurora, e se me disser para não ficar, não
ficarei.
Ela me encarou séria.
— E se eu te pedir para não vir mais? Acatará meu pedido?
Merda!
— Sim. É o que quer?
Ela respirou fundo, mas não respondeu, pois mais uma vez Erika nos
interrompeu.
— O jantar está pronto! — Olhou para mim. — Já dispus mais um
prato à mesa.
— Obrigado. — Voltei minha atenção à Aurora. — Devo ficar?
— Já está aqui. — Deu de ombros, indo sentar-se à mesa. — Além
disso, precisamos começar a pensar no presente de sua mãe. Não foi por isso
que veio?
Ah, sim, o presente para mamãe!
— Claro, por qual outro motivo seria?
O jantar foi tão bom quanto o almoço no dia anterior, com a diferença
de que, naquela ocasião, Aurora havia permanecido quieta, concentrada em
mastigar 500 vezes a comida, e, dessa vez, resolveu participar da conversa.
— Animada para voltar à universidade? — Fiz uma pergunta
diretamente a ela, coisa que ainda não tinha feito durante o jantar.
— Sim, é o final do curso, falta pouco para eu me formar e poder
tentar um emprego.
Percebi que, quanto mais conhecia Aurora, mais curioso ficava para
saber o que a tinha motivado a entrar no ramo das barrigas de aluguel. Eu não
tinha nenhum tipo de julgamento, porque sempre fui da opinião que cada um
sabe de si mesmo, mas confesso que ela quebrava alguns estereótipos que eu
havia criado na minha cabeça.
— Que tipo de emprego vai pleitear? — Resolvi continuar com o
assunto.
— Eu gostaria de dar aulas ou trabalhar em alguma biblioteca. — Deu
de ombros. — Algumas amigas vão fazer especialização para trabalhar na
editoração de livros, o que também é bem interessante.
— Sua área tem uma boa gama de opções, e, pelo pouco que percebi
de sua dedicação, creio que não ficará muito tempo procurando emprego.
Ela suspirou.
— Falta experiência, não é? — Sorriu, e senti o corpo todo responder
ao gesto. — De qualquer forma, se eu não conseguir algo em Chicago, posso
tentar em minha cidade natal.
Franzi o cenho.
— Desistiria de Chicago para voltar para lá? Aqui não tem melhores
salários e...
— Sim, mas o custo de vida também é alto. Além disso, eu ficaria
próxima de meus pais, caso decidisse regressar.
Assenti, entendendo-a. Se eu precisasse, talvez poderia morar longe
de minha mãe, mas não era algo que gostaria. Só tínhamos um ao outro, e
para mim seria difícil deixá-la sozinha.
Terminamos a refeição, e Erika nos agraciou com uma deliciosa torta
com os pêssegos que eu havia trazido no dia anterior. A casca estava
crocante, e o recheio, cremoso e suculento. Os pedacinhos de pêssegos in
natura que ela usara por cima do creme conferiu uma deliciosa textura que
fez toda a diferença.
— Está deliciosa! — agradeci quando ela começou a retirar os pratos.
— Obrigado.
Erika sorriu, levemente ruborizada, e foi para a cozinha.
— Ela adora você, sabia? — Aurora comentou de repente.
Sorri.
— Pelo menos alguém desta casa gosta de mim, não? — Pisquei para
ela, mas não surgiu o efeito que eu desejava, pois ficou séria. — Erika me
conhece desde pequeno, trabalhou para meu tio, e sua irmã trabalha com
minha mãe desde que eu era bebê.
— Ah, sim! — Pela sua expressão, percebi que talvez entendesse o
motivo de a governanta ter apreço por mim, como se realmente fosse uma
coisa difícil. — Por falar em sua mãe — ela se levantou —, separei alguns
títulos que poderiam lhe agradar.
Segui-a até a sala, e ela pegou seu laptop para me mostrar a pesquisa
que havia feito para me ajudar com o presente.
— Alguns deles, consegui achar pela internet, mas, como não são
livros muito comuns, o prazo de entrega está mais extenso que o normal.
— É melhor procurarmos em livrarias físicas, não?
Pelo jeito que ela me olhou, parecia que tinha crescido um par de
chifres na minha cabeça.
— Está querendo dizer que nós dois vamos procurar juntos?
Fiz um gesto com as mãos, sem entender a pergunta e, muito menos, a
surpresa dela.
— Foi isso que vim pedir a você ontem. Ajuda para comprar o
presente...
— Entendi que esperava de mim apenas algumas dicas.
Ri, meio nervoso.
— Eu não saberia nem por onde começar a procurar essa sua lista,
Aurora. — Ela suspirou. — Além dos mais, não dispomos de muito tempo, o
aniversário dela é no próximo final de semana, então toda ajuda é bem-vinda.
Ela finalmente concordou, mas não parecia nada satisfeita.
— Quando podemos começar a procurar? — Abriu um navegador em
seu computador. — Vou fazer uma triagem com algumas livrarias que acho
que podem ter os livros.
Tentei não sorrir, embora fosse difícil não desfrutar do delicioso sabor
da vitória, que era mais doce do que a torta de pêssegos de Erika.
— Começaremos amanhã mesmo! — Sentei-me ao seu lado,
absorvendo o delicioso perfume que se desprendia dos seus cabelos. — Não
temos tempo a perder.
Toquei de leve uma das mechas úmidas do banho ainda, adorando ver
o brilho flamejante que tinham quando captavam a luz.
Michael, Michael... definitivamente, você está brincando com fogo!

Combinamos de nos encontrar na parte da manhã do dia seguinte, o


que causou um pequeno caos em minha agenda do dia.
— Tente reorganizar meus compromissos para a parte da tarde e da
noite — instruí à senhora Robinson. — Os que não puder, distribua-os em
outros dias, mas não ocupe minhas manhãs desta semana, estarei ocupado
com um projeto pessoal.
O presente de minha mãe, claro!, justifiquei para mim mesmo o
motivo de eu ter cancelado todos os meus compromissos matinais para ficar
com Aurora.
Assim que saí da mansão na Golden Coast, depois de mais um
desjejum com a senhora Shelly Griffin, voltei para Lincoln Park, não sem
antes passar em uma peixaria, e fui até o apartamento alugado.
Deixei o peixe com Erika, que prometeu fazê-lo para o almoço e,
obviamente, me convidou a partilhar a refeição.
— Se Aurora não se incomodar... — falei, segurando a vontade de rir
ao vê-la rolar os olhos.
— Por que me incomodaria? — retrucou, pegando sua bolsa. —
Vamos voltar na hora do almoço mesmo, seria bobagem esperar que você
fosse comer em outro lugar. — Ergueu uma das sobrancelhas ruivas, o que
destacou seus olhos verdes. — Além do mais, foi você quem trouxe o peixe.
Não resisti e acabei rindo, confirmando o que ela pensava. É claro que
eu havia levado o ingrediente esperando ser convidado para o almoço.
— Podemos ir? As livrarias já devem estar abertas.
Ela concordou e caminhou ao meu lado sem dizer nada até entrarmos
no elevador.
— Vamos começar com a...
— Você fica linda com esses vestidos — comentei, realmente
achando que o estilo soltinho e romântico combinava com ela. — A primeira
vez que a vi, achei que era bem mais jovem, mas acho que foi por causa do
rabo de cavalo e do uniforme.
Aurora me olhava de um jeito como se nem estivesse respirando.
— Não faça isso — murmurou.
— Não fazer o quê?
Ela bufou.
— Ficar me elogiando, lembrando de quando nos conhecemos, essas
coisas. — Desviou os olhos e ficou ereta, tensa, olhando para a porta de
metal. — Eu vim para ajudar você, mas não somos amigos, temos um
contrato.
Porra! Concordei e me afastei um pouco, sentindo as palavras como
um belo tapa na cara; Aurora tinha razão, no entanto. Eu não sabia por que
estava agindo daquela forma, por que queria estar tanto com ela.
A verdade era que eu não conseguia tirá-la dos pensamentos, nem
mesmo quando estava longe, seja no trabalho ou em casa. Passava horas
tentando encontrar desculpas para vê-la, para roubar algum tempo do seu dia.
Que porra está acontecendo comigo?
— Este aqui também é muito bom! — Entreguei um livro a Michael.
— Autor clássico brasileiro.
— Já leu alguma coisa dele?
Assenti e dei um suspiro de satisfação.
— Maravilhoso. Não é um livro contemporâneo, como eu disse, ele
viveu no século XIX, mas suas histórias são densas, repletas de cultura e
muitas reflexões de assuntos que se estendem até os dias de hoje.
— Bem do tipo que minha mãe gosta. — Ele olhou para a capa,
tentando avaliar o livro, cujo título deixava claro o cerne da história, um
homem morto contando suas memórias. — Vamos levar!
Ri.
— É óbvio que vamos!
Já estávamos na segunda das maiores livrarias de Chicago, e
encontráramos poucos autores dos que eu havia selecionado, mas eu não
estava desanimada, pois havia livrarias menores e sebos a explorar ainda.
Tive que reconhecer que não estava sendo ruim a companhia de
Michael naquela pequena caçada, pois ele estava sempre atento aos nomes da
lista e me ajudou a achar um ou outro livro. Era divertido explicar a ele
alguns pormenores sobre as obras ou mesmo sobre seus autores, contudo ver
o brilho de apreciação em seu olhar era uma tortura.
Deus do Céu, será que esta atração nunca irá passar?
Minha mente viajou para a noite anterior.
Eu tinha chegado do treino cansada, pois Clayton levara meu corpo ao
limite nos exercícios, mesmo assim estava ansiosa, pois esperei uma
“aparição” de Michael o dia todo, certa de que ele voltaria ao apartamento.
Sofri uma pequena decepção quando notei que ele não estava, então
entrei para o banho. Estava penteando os cabelos molhados e ia começar a
secá-los quando ouvi a campainha. Meu coração disparou, e fiquei em dúvida
se continuava no quarto e terminava de me arrumar ou ia até a sala para
mostrar a lista que tinha preparado com sugestões de livros para a mãe dele.
Obviamente, não resisti e saí com os cabelos do jeito que estavam, e o
ouvi perguntar sobre meus treinos assim que surgi na sala. Não entendia por
que ele queria ser sempre controlador daquele jeito, o que me enervava.
Ficamos nos encarando, e de novo senti toda aquela tensão sexual e a
lembrança de sua boca na minha, de seus dedos em meu corpo, fizeram-me
ficar excitada. Ainda bem que Erika quebrou esse clima ao mostrar as
belíssimas flores que ele havia levado.
Fiquei emocionada ao falar de meus pais com ele, pois sofria muito
com a distância e queria estar com mamãe durante a fase difícil do tratamento
que fazia. Ligava para eles todos os dias e sempre terminava a chamada com
o rosto vermelho de chorar.
O jantar foi bom, e resolvi conversar em vez de fingir só estar ali
comendo. Gostava do jeito que ele tratava a governanta e não me surpreendi
ao saber que ela o conhecia desde menino. A surpresa mesmo veio quando
ele me disse que eu iria procurar com ele, de livraria em livraria, os livros que
havia listado.
Por conta disso, quase não consegui dormir, troquei de roupa várias
vezes depois de ter acordado e conferia o relógio a todo momento.
— Dá tempo de você comer tranquilamente, Rory — Erika reclamou
quando peguei apenas um café preto e uma torrada. — O senhor Griffin faz o
desjejum com a mãe todas as manhãs, deve demorar para voltar para cá.
Colocou um prato com ovos mexidos e lindas tiras de bacon na minha
frente e serviu-me um enorme copo de suco de laranja.
— Voltar para cá?
— Sim, ele mora aqui, na vizinhança, mas sua mãe mora na Golden
Coast.
Descobri ali que ele havia me colocado realmente sob suas vistas, por
isso o bairro chique!
Michael chegou um pouco depois que eu havia terminado o café da
manhã, portando um enorme e belo peixe e, claro, esperando ser convidado –
mais uma vez – para fazer a refeição conosco.
Ele não percebia que estava sendo óbvio demais? Afinal, o que
queria?
O elogio e a forma como me olhou no elevador mexeram com tudo
dentro de mim. Foi como um terremoto, e tive que me manter firme para
ralhar com ele e deixar as coisas bem claras entre nós. Não podia ceder, não
podia deixar a atração vencer, não quando havia tanto em jogo.
Mas, se já era difícil vendo-o pouco, passar algum tempo com ele
estava tornando a tarefa quase impossível! Como eu podia resistir a um
homem que demonstrava, em todos os seus gestos, que estava interessado em
aprender um pouco daquilo que eu amava? Um homem que estava disposto a
dar o melhor presente para sua mãe e que a amava tanto a ponto de começar o
dia ao seu lado, mesmo sem morar perto dela?
Minha própria mãe sempre me disse para ver como um homem que
estivesse interessado em mim tratava sua própria família. Bons filhos davam
bons maridos, pelo menos era a regra, frisava ela.
Mamãe com certeza gostaria de Michael! Meu pensamento foi longe,
e tive que piscar várias vezes para parar de sonhar com o impossível. Eles
nunca iriam se conhecer, nem sequer deveriam!
Forcei minha mente a voltar ao momento na segunda livraria.
De repente, vi um livro que podia ser interessante, embora eu ainda
não tivesse lido nada daquele autor. Estava no alto da estante, e, naquela
livraria, os vendedores só se aproximavam se os chamássemos, então peguei
uma banqueta que estava próxima e subi nela para alcançar o exemplar.
— Ei, ei, ei... — Senti as mãos de Michael envolvendo minha cintura
e me colocando no chão. — Está querendo cair de novo?
Não consegui falar; simplesmente não dava. Minha pele inteira estava
eriçada, quente, o sangue parecia correr mais rápido por minhas veias, e eu
sentia as pernas bambas. Nada disso havia sido causado pelo susto que ele me
deu ao me tirar da banqueta, mas pelo simples toque de suas mãos.
Michael ainda me mantinha segura, praticamente encostada em si,
tanto que eu podia sentir o seu delicioso perfume e o calor que emanava do
seu corpo.
Ele também parecia preso no mesmo transe que eu, olhando-me sem
dizer mais nada, a respiração pesada, seus olhos azuis como se estivessem
hipnotizados pelas minhas íris verdes.
Senti quando apertou mais firme minha cintura e dei um pequeno
gemido, não de dor, mas de puro prazer. Ele se aproximou mais, seu hálito
quente em meu rosto, a boca a poucos centímetros da minha. Sem conseguir
resistir, querendo-o de uma forma que nunca desejara ninguém, fechei os
olhos à espera do beijo.
Michael me soltou de repente e se afastou, pegando os livros que já
havíamos escolhido e deixado em cima de uma prateleira.
— Acho que já podemos ir, não? — Ele parecia contar os volumes em
suas mãos. — Fizemos bastante progresso nesta manhã.
Respirei fundo, frustrada e com raiva, principalmente de mim, por ter
feito papel de boba diante dele, esperando um beijo que nunca deveria
almejar.
— Concordo, vamos embora! — Passei por ele em direção ao caixa,
ainda que todos os livros estivessem com ele, e não comigo, querendo espaço
para respirar e colocar minha cabeça no lugar.
Maldito tesão inconveniente!
— Amanhã podemos atacar a outra parte de sua lista — ele comentou
atrás de mim na fila, mas não o olhei.
— Talvez seja melhor comprarmos o restante pela internet —
aconselhei. — Você deve ter trabalho a fazer, e perder todas as manhãs desta
semana...
— Foda-se o trabalho, ele pode ser reagendado. O importante é
surpreender minha mãe com o presente. — Não respondi, porque a resposta
seria apenas um suspiro idiota, achando linda a forma como ele demonstrava
amar sua mãe. — Você não quer mais me ajudar a encontrar os livros?
Estava ali, diante de mim, a oportunidade perfeita para colocar
distância entre nós. Mais tarde eu poderia colocar a culpa da resposta que eu
dei na minha cabeça confusa e cheia de hormônios:
— Quero, sim. Só pensei que talvez não encontremos todos os livros
que estamos procurando em lojas físicas.
Ouvi quando ele soltou o fôlego longamente.
— Vamos comprar todos os que pudermos achar, depois descubro um
jeito de ir completando o acervo dela em outras ocasiões. — Assenti
concordando. — Podemos ir?
Segui-o até o carro, estacionado perto da livraria, e lhe agradeci
quando abriu a porta para que eu entrasse. Podia até achar que Michael era
um tanto controlador, mas não podia deixar de admitir que ele possuía gestos
de cortesia que dificilmente eram encontrados na maioria dos homens
ultimamente.
Ele abria a porta do carro para eu entrar e, às vezes, quando eu mesma
não o fazia simultaneamente que ele, para eu sair. Nas vezes que comíamos
juntos, ele sempre esperava que Erika e eu nos acomodássemos e nos
servíssemos para, então, pôr sua própria refeição no prato. Eram pequenos
gestos que muitos diriam estar fora de moda, mas que eu, uma romântica
apaixonada por heróis de livros de época, achava o máximo.
Além disso tudo, havia a preocupação com o meu bem-estar – embora
eu pudesse atribuí-la ao contrato que tínhamos – e a maneira como amava sua
mãe e ansiava por vê-la feliz. Era verdade que também era frio e teimoso
quando queria e me irritava demais por querer sempre impor sua vontade.
Olhei de soslaio para ele, enquanto dirigia, e mais uma vez admirei
sua beleza. Gostava de como a sua face era angulosa, com queixo marcado,
um belo nariz que não era nada delicado, mas combinava com o rosto, e
olhos incrivelmente azuis.
Foquei em suas mãos no volante, as mesmas mãos que passearam
pelo meu corpo e apertaram com força meus quadris enquanto ele rebolava
sua ereção contra minha virilha. Senti um arrepio de prazer apenas por
imaginá-las novamente em mim, dessa vez sem nenhum tecido para roubar-
me a sensação de sua pele.
Suspirei, sem poder me conter, e ele desviou os olhos da estrada,
encarando-me.
— Algum problema?
— Não, acho que fiquei cansada, só isso.
Ele ergueu uma sobrancelha.
— Tem se alimentado direito?
Ri e balancei a cabeça, pois ele não mudava o jeito de querer tomar
conta de minha vida.
— Tenho, sim, não se preocupe.
— E dormido? Erika me disse que você tem trabalho em algo para a
universidade...
— Minha dissertação — resolvi contar. — Estou adiantando, porque
não quero deixar tudo para fazer quando já estiver grávida.
Ele concordou, e me senti estranha de falar sobre aquilo com ele,
ainda que fosse algo totalmente acordado entre nós. Saber que iria engravidar
de um desconhecido era algo desconfortável, mas era ainda mais esquisito
engravidar, naquelas mesmas circunstâncias, de um homem que eu desejava.
Como eu me sentiria ao ter dentro de mim um filho de Michael
Griffin?
Fiquei pensando nessa questão, analisando-a, e, quando voltamos ao
meu prédio, ainda não tinha chegado a uma conclusão. Achava, sim, que
poderia complicar as coisas, ao mesmo tempo em que me aliviaria saber com
quem aquela criança seria criada. Se o amor e dedicação dele à mãe servisse
de parâmetro, Michael seria um pai magnífico.
— Um dólar por seus pensamentos! — ele brincou comigo, e eu sorri.
— Pareceu muito concentrada neles durante o trajeto.
Encarei-o e resolvi ser sincera.
— Acho que você será um pai maravilhoso! — Pela sua expressão,
Michael não esperava que eu dissesse aquilo, por isso fiquei sem jeito por ter
dito e tentei emendar: — Você parece ser um ótimo filho, e mamãe sempre
disse que bons filhos dão ótimos pais de família.
— Assim espero — disse sem tirar os olhos dos meus. — Você
também parece ser uma ótima filha e amar muito seus pais.
Suspirei, pensando no quanto sentia falta deles e, principalmente, o
quanto me preocupava com minha mãe.
— Eu os amo, sim, muito! Além disso, sou grata demais por tudo o
que fizeram por mim. — Sorri. — Eu sei que o senso comum acha que é
obrigação dos pais amarem seus filhos e vice-versa, mas não acho que seja
assim. Cuidar porque botou no mundo é obrigação, sim, mas amar? Como
amar pode ser algo imposto? O amor nasce ou não.
Ele pareceu pensar sobre o que eu disse.
— Você se sentia amada por eles?
— O tempo todo! — Cada doce lembrança da minha infância voltou,
além de lindos momentos da minha adolescência até os dias atuais. — E não
foi porque fizeram tudo o que podiam por mim, mas porque eu sentia o amor
em cada pequeno gesto, desde um abraço inesperado até uma bronca firme.
— Sei do que está falando. Entre mim e minha mãe sempre foi assim
também. Eu sentia seu amor em cada gesto, cada olhar. É por isso que tudo o
que eu fizer por ela hoje nunca vai chegar aos pés do que já fez por mim.
Respirei fundo lentamente, emocionada com suas palavras e com a
sinceridade impressa nelas. Michael realmente amava a mãe e não escondia
ou disfarçava isso, fazendo-me imaginar Michelle Griffin como uma pessoa
extraordinária por ter tamanha devoção de seu filho.
De repente senti como se algo mudasse, como se, de repente, eu não o
admirasse apenas por seus traços bem-feitos ou seu corpo magnífico. Era
como se finalmente o enxergasse e a visão que estava tendo me agradasse
ainda mais.
Ele também me olhava diferente, e, apesar de eu sentir aquele
magnetismo constante ainda presente no ar, havia algo a mais.
Não pude resistir a fechar os olhos quando ele acariciou meu rosto.
Racionalmente, sabia que devia voltar a pedir que mantivesse distância, mas
não queria. Necessitava daquele toque, queria tê-lo por perto.
Esfreguei o rosto contra sua mão e senti sua respiração quente
próxima, sinal de que ele havia se inclinado em minha direção. A mesma
expectativa que tive na livraria voltou, mas, dessa vez, foi atendida.
O beijo foi suave, contido, quase como se ele ainda estivesse me
pedindo permissão, então abri meus lábios, e sua língua mergulhou na minha
boca, incitando a minha, provocando e explorando. Não o toquei, apenas me
deixei ser beijada, e ele apenas deslizou a mão do meu rosto para minha nuca.
Não poderia precisar por quanto tempo nos beijamos, mas, ainda que
tivesse sido muito, pareceu terminar muito rápido. Michael não se afastou,
ficou por perto, com a testa colada na minha, de olhos fechados, respirando
fundo.
— Não deveríamos... — Dei voz à minha consciência.
Ele balançou a cabeça.
— Eu sei. — Puxou o ar profundamente de novo e se afastou.
Sorri sem graça, sem saber como deveria agir e achei melhor ser
natural.
— O almoço já deve estar pronto. — Apontei para cima, indicando o
apartamento. — Não quer subir para comer?
Ele deu uma risada rápida e negou.
— Acho melhor não. — Sua resposta me surpreendeu. — Diga a
Erika que precisei voltar para o trabalho.
Franzi a testa e estava prestes a perguntar o que havia acontecido,
quando Michael deu a partida no carro, indicando que estava mesmo indo
embora.
— Bom trabalho! — desejei em um tom mais exasperado do que
pretendia, e ele suspirou.
— Amanhã devo chegar no mesmo horário. — Olhou-me
rapidamente. — Posso continuar contando com sua ajuda?
Aquiesci e saí do carro, andando na direção da portaria do prédio sem
olhar para trás. Só ouvi o barulho do motor se afastando quando estava no
hall de entrada e então fechei os olhos, tentando entender tudo o que havia
acontecido e por que estava tão chateada por ele ter ido embora daquele jeito.
As noites insones, mesmo depois de uma longa e exaustiva semana
cheia de tensões provocadas pelas constantes mudanças no mercado de ações;
as oportunidades de investimentos que surgiam; e as contas dos clientes para
gerenciar estavam cobrando seu preço.
Eu andava distraído, irascível e com os reflexos mais lentos.
Treinava com afinco todos os dias antes de ir tomar café da manhã
com minha mãe, mas era um dos piores rendimentos que tive nos últimos
tempos. Era perceptível que algo não andava bem, e até Shelly Griffin me
questionou, quando percebeu que teve que repetir o mesmo assunto várias
vezes para que eu entendesse o que dizia.
— Há algo errado?
— Não, só estou cansado.
Ela conhecia bem meu trabalho e por isso não perguntou mais nada,
apenas pediu para que eu me cuidasse e não me estressasse tanto.
Como se fosse possível!
É claro que não era apenas por causa do trabalho que eu estava
daquele jeito. As noites insones tinham nome, sobrenome e um endereço
conhecido. Eu debatia comigo mesmo se deveria continuar voltando ou não a
ele.
Tudo ficou meio caótico depois que beijei Aurora no carro.
Reconhecia que não deveria ter feito aquilo, embora fosse o que eu queria
tanto e havia muito tempo. Ela era minha tentação, meu calcanhar de Aquiles,
e, mesmo sabendo disso, eu não conseguia pensar sequer em ficar longe dela.
Tentava justificar-me alegando que precisava de sua ajuda para
conseguir montar o presente de minha mãe, quando, na verdade, estava
usando apenas uma desculpa para estar perto, conhecê-la e alimentar aquele
desejo insano que acordara em meu corpo.
Reconhecer isso era foda e me deixava completamente perdido, sem
saber como agir.
Não deveria tê-la transformado em uma fantasia nem ter saciado meu
corpo com a lembrança da imagem, do cheiro e do gosto dela. Quanto mais
eu tentava expurgar a atração que sentia por Aurora, mais forte ela ficava.
Talvez fosse a sensação do proibido, do impróprio, do impossível. De
qualquer forma, era uma novidade para mim querer tanto alguém e não ter o
objeto do meu desejo. Achava que, além de fantasia, ela havia se tornado um
desafio, embora eu não soubesse no que consistia: resistir a ela ou tê-la!
O dia em que saímos para procurar os livros não havia sido fácil, pois
ela fez questão de deixar claro o quanto eu a estava incomodando, e isso só
me instigava a deixá-la ainda mais desconfortável com minha presença.
Estava agindo feito um garoto de colégio que não sabia lidar com a atração
que sentia por uma garota, e era completamente ridículo, pois nem naquela
idade fui tão idiota assim!
Contudo, tinha de admitir que gostava daquele clima de gato e rato,
de provocá-la para ver seu corpo reagir, seu olhar buscar o meu enquanto
lutava para resistir à química forte que nos envolvia cada vez que estávamos
perto um do outro. Por isso, o que ela me disse no elevador quando fiz um
elogio sincero ao seu vestido me fez pensar que talvez apenas eu estivesse me
divertindo com a situação.
Temos apenas um contrato, e ela tem razão! Usava o argumento dela
para tentar me convencer a parar de procurá-la ou mesmo o mais difícil, parar
de querê-la.
Tentei agir mais sério durante a procura pelos livros, mas bastou tocá-
la para ser envolvido novamente por aquela deliciosa tensão sexual. Devia
estar tão envolvido que pensei que Aurora havia esperado um beijo, mas era
óbvio que era o que eu queria, não ela, portanto me afastei e achei melhor
encerrar as buscas.
Por isso aquele beijo no carro me deixou sem chão!
O jeito com que Aurora me olhou, as palavras que disse, tudo isso fez
ser impossível não a tocar, não demonstrar com um gesto de carinho o quanto
fui tocado. Somente quando ela esfregou seu rosto em minha mão é que eu
soube que estava perdido.
Não foi um beijo explosivo, cheio de tesão, e isso era o que mais me
deixava confuso. Foi uma carícia suave, mesmo assim foi capaz de me fazer
pegar fogo.
Fui covarde como nunca havia sido antes e decidi que precisava de
um tempo para colocar minhas ideias no lugar, afinal de contas, de todas as
mulheres com quem eu podia me envolver e ter um caso, Aurora era a menos
indicada, por conta da nossa situação contratual, porém era a única que eu
queria.
Não apareci no dia seguinte, escondi-me com medo do que poderia
enfrentar, pois reconhecia minha total falta de convicção ao estar perto dela.
Avisei a Erika que eu não poderia ir, que teria um compromisso, e fiquei
enfurnado na empresa, falando entre os dentes com todos os funcionários.
Foi então que descobri que estar longe de Aurora era pior do que estar
perto! Longe, eu não deixei de pensar nela e fiquei irritado por não ter ido
encontrá-la como havíamos combinado. Odiava faltar com minha palavra,
mas também detestava me sentir inseguro como um adolescente.
No início da noite, depois de um dia duplamente estressante, Robert
me ligou para convidar para uma bebida, mas logo descartei o convite.
— Não estou com bom humor hoje, acho que só estragaria sua
cerveja.
Ele riu.
— Geralmente você faz isso! Qual foi o problema aí?
— Trabalho e outras coisas que tenho que resolver. — Fui vago de
propósito, pois tinha decidido não falar mais sobre Aurora com ele.
— Está chegando o aniversário de Shelly, comprei um belo presente
para ela. É verdade que não teremos canapés e quarteto de cordas esse ano?
Foi a primeira vez, durante o dia todo, que sorri.
— Sim, por um milagre! Ela não quis festa, disse que vai comemorar
com pessoas de quem gosta individualmente. Eu vou levá-la para jantar.
— E eu vou tomar chá com ela no clube — disse parecendo feliz. —
Gosto da companhia de sua mãe, ela é bem mais lúcida que a minha.
Não pude discordar, pois a mãe de Robert era uma figura conhecida
da alta sociedade de Chicago por não ter papas na língua e cometer as gafes
mais homéricas de que já tivéramos notícias.
Ele ainda tentou me convencer a ir até o pub, mas fui resistente e
mantive minha negativa, alegando que iria para casa e tentaria dormir, já que
não vinha fazendo isso muito bem nas últimas noites.
O problema foi que, em vez de ir para casa, acabei seguindo para o
endereço de Aurora.
— Merda! — Balancei a cabeça sem sair do carro. — Que obsessão
louca é essa que sinto por essa mulher?
Olhei para cima a fim de ver sua varanda e a reconheci debruçada
sobre o parapeito, parecendo olhar para o céu.
Dei-me por vencido, saí do carro, atravessei a rua correndo e fiz sinal
para que o porteiro me deixasse entrar. Ele me cumprimentou e chamou o
elevador para mim, falando sobre o clima.
— Pela maneira com que o vento está soprando do lago, acho que irá
chover ainda hoje.
— Não vi previsão de chuva na meteorologia — respondi sem tirar os
olhos do marcador, ansioso para que o elevador chegasse e eu pudesse subir
até o apartamento. — Mas o clima nesta época é um tanto instável.
— Esse vento não me engana, doutor.
Despedi-me dele assim que o elevador chegou, antes mesmo de abrir
as portas e fui direto até o andar de Aurora. Não era muito tarde, mas já havia
passado bastante do horário em que Erika costumava servir o jantar. Eu não
tinha nem mesmo a desculpa de ter ido para participar da refeição.
— O que veio fazer aqui?
A pergunta me pegou de surpresa, pois nem tinha notado que Aurora
estava me aguardando na porta do apartamento.
Porra, pensa rápido, Michael!
— Tive um dia cheio e não pude vir para que pudéssemos ir às
livrarias e...
— Eu fui sozinha. — Aurora me encarava séria, braços cruzados e
uma postura defensiva. — Iria pedir a Erika para que te avisasse, amanhã
cedo, de que não precisava vir mais para continuarmos a busca.
Puta que pariu! E agora?
— Posso entrar para conversarmos? — Tentei agir devagar, dando um
passo por vez a fim de ganhar tempo para pensar.
— É seu apartamento, não? — Ela se afastou para que eu passasse,
mas não me movi. — Não vai entrar?
— Não enquanto você não me disser que posso.
Ela respirou fundo.
— Você pode entrar, senhor Griffin.
Senti-me incomodado com a formalidade e com sua postura fria, sem
entender por que, de repente, a camaradagem que desenvolvemos ao longo da
procura dos livros havia sumido.
Passei por ela, que estava grudada no batente da porta, e fui atingido
pelo delicioso cheiro de seu sabonete, o que foi o suficiente para que me
corpo me traísse e a excitação que eu tentava mascarar a todo custo se
revelasse com força total.
Bufei, puto, e sentei-me na primeira poltrona que avistei, cruzando as
pernas para esconder a evidência.
— Sobre o que quer conversar? — Aurora perguntou sem se
aproximar.
— Lamento não ter vindo hoje de manhã...
— Não fez diferença. — Deu de ombros e andou até a mesa de jantar,
cujo tampo estava cheio de livros. — Achei alguns exemplares da minha
lista, mas, infelizmente, não todos.
— Podemos procurar amanhã cedo, pois irei me encontrar com minha
mãe apenas na hora do jantar — apressei-me em sugerir.
— Não posso, já marquei compromisso. Além do mais, pensei bem e,
antes de ir até as livrarias, liguei para cada uma delas para saber se iria
encontrar alguns dos livros. Foi bem mais rápido.
Tive vontade de rir da sua expressão, provavelmente me julgando um
idiota por não ter feito aquilo.
Respirei fundo para me “acalmar” e fui até onde ela estava.
— Sinto muito por não ter vindo hoje, Aurora.
— Como eu disse, não fez diferença, pois...
— Não estou dizendo isso por causa dos livros. — Interrompi-a e
sorri sem graça, sabendo que o que iria dizer me deixaria completamente
exposto. — Nunca foi sobre eles, entende? — Ela franziu a testa como se não
entendesse. — Eu acho que usei o presente como uma desculpa para estar
com você.
Aurora arregalou os olhos.
— Por quê?
Ri e balancei a cabeça, compreendendo que ela não iria facilitar as
coisas para mim. Aproximei-me mais e a toquei de leve no braço apenas com
a ponta do meu dedo, torcendo para que esse simples gesto causasse nela o
que me causava e que eu provasse meu ponto.
Vi quando prendeu o fôlego e sua pele eriçou.
— Por causa disso.
Aurora não disse nada e não se moveu, deixando com que meu dedo
continuasse fazendo um caminho por seu braço. A atmosfera entre nós estava
densa, e, mesmo quando um trovão cortou o céu de repente, nenhum de nós
se afastou.
Era uma situação nova, inusitada, mas muito gostosa, e eu não podia
mais resistir a ela. Perdi aquela aposta, não calculei direito os riscos e fui à
bancarrota, completamente inebriado pelo intenso desejo que sentia por
aquela mulher que deveria ser proibida para mim.
Assim que me dei por vencido e parei de lutar contra meu corpo, dei
um passo em sua direção e a tomei nos braços. No entanto, não a beijei
enquanto não tive certeza de que era isso que ela queria também.
Aurora colocou a mão no meu ombro, e, quando meus lábios
encontraram os dela, eu tinha um sorriso besta neles, mas que durou pouco,
pois fui rapidamente consumido pelo tesão de tocá-la de novo. Puxei-a com
mais força contra mim, desejando que pudesse sentir tudo o que me causava,
para que tivesse ciência do estado lamentável em que eu estava vivendo
desde aquela noite no apartamento de Aimée.
Ela agarrou meus cabelos com força, sua boca devorando a minha
com a mesma fome que eu tinha. Não havia qualquer dúvida de que, assim
como eu, Aurora tentara manter todo aquele desejo aprisionado. Eu ouvia
seus gemidos abafados, e meu corpo se contraía a cada pequeno som que ela
emitia.
Eu precisava de mais, necessitava tocá-la inteira, vê-la por completo,
provar sua pele, ser dono do seu prazer. Arrastei a boca com os lábios abertos
sobre seu pescoço até chegar ao ombro e, logo em seguida, subi até a sua
orelha. Beijei o lóbulo delicado, que exibia um pequeno brinco, e mordi a
cartilagem sensível do topo.
Meus cabelos eram puxados, e eu sentia unhas se cravando no meu
couro cabeludo, e esse desespero dela temperava minha vontade de levá-la
até o limite. Queria ter Aurora implorando por meu corpo, pronta para meu
toque, louca para compartilhar comigo um prazer que havia muito vinha
sendo anunciado e nos tentando de uma maneira incansável.
De novo ela vestia apenas um vestidinho solto de alças finas. Desci
uma delas enquanto beijava seu colo, depois, com calma, desci a outra.
Encarei-a; queria que estivesse me olhando quando o tecido leve se
embolasse no chão aos seus pés, porém não esperei que ela estivesse com
tantas dúvidas naquele olhar.
— Erika estava no banho quando vi você atravessar a rua, vindo para
cá, e pode sair a qualquer momento — comunicou sem fôlego, colocando as
alças do vestido no lugar. — Além disso, há o que você me disse naquela
noite no apartamento da Aimée...
Entendi o que quis dizer, mas fiquei feliz por saber que eram aqueles
motivos que estavam nos impedindo de ir em frente, o que demonstrava que
ela me queria também e que não estava mais negando nem escondendo mais.
Precisávamos conversar para eu esclarecer que não havia ninguém na
minha vida, só que também não era uma conversa que deveríamos ter ali, na
sala do seu apartamento, pois sabia o que iria acontecer depois que
esclarecêssemos as coisas.
Olhei para o corredor que levava para os quartos, imaginando que
seria um choque para Erika Santiago nos pegar fodendo no sofá da sala.
Pensei rápido, talvez rápido demais, desesperado com a ideia de não a ter
naquela noite.
— Vem comigo!
Aurora mordeu o lábio e se afastou.
— Para onde?
Meu coração disparou. Estava difícil pensar, meu corpo parecia
queimar de vontade, o desejo nublando qualquer ato racional, apenas me
impelindo a fazer o que fosse preciso para ser satisfeito.
Não consegui ter outra resposta que não:
— Para o meu apartamento.
Minha expressão deve ter deixado bem claro que isso era a última
coisa que eu pensava em ouvir.
Ir para o apartamento dele?
Obviamente, eu queria muito dormir em seus braços, na sua cama, e
experimentar todas as promessas de prazer que nossos beijos fizeram, mas
não era tão simples assim, afinal, ele havia me contratado para gerar um bebê
através de um contrato, sem nenhum tipo de contato comigo.
Eu tinha medo de que, ao me entregar àquele desejo ou então negá-lo,
as coisas mudassem entre nós, e Michael acabasse achando melhor não ir em
frente com o contrato, fazendo com que eu tivesse que procurar outro, o que
talvez não tivesse mais coragem de fazer.
— Eu sei que temos muito o que conversar, só acho que aqui não
teremos privacidade para isso — ele voltou a falar, talvez percebendo que eu
estava em dúvida.
— Ainda assim... — Suspirei. — Não acho que uma conversa pode
resolver qualquer uma das complicações que existem entre nós.
Novamente joguei uma olhada no corredor para confirmar que ainda
não havia sinal de Erika.
— Eu não tenho ninguém, Aurora — voltou a frisar.
Franzi a testa, sem entender, pois ele dera a entender o contrário ao se
afastar de mim na noite em que nos encontramos no bar. Era melhor
resolvermos de uma vez aquela questão, pois já tínhamos várias que não
podiam ser resolvidas.
— Então por que disse, naquela noite, que...
— Porque eu sabia quem você era, o que nos ligava, e você, não. —
Assenti, entendendo que ele não queria ser desonesto comigo, pois, se tivesse
acontecido mais do que acontecera e depois eu ficasse sabendo de tudo,
certamente me sentiria enganada e usada. — Você me perguntou se eu era
comprometido, e, sim, eu tinha um compromisso...
— Comigo, naquele contrato — completei, mostrando que havia
entendido, embora aquilo só nos levasse de volta ao ponto principal: — O
motivo que fez você parar naquela noite ainda persiste.
Ele concordou.
— Mas agora está tudo às claras. Você sabe quem eu sou, e o que está
acontecendo entre nós nada tem a ver com o que acordamos naquele contrato.
Deus do Céu, eu o queria demais, só que também tinha medo do que
viria a acontecer caso nos envolvêssemos de forma íntima e isso acabasse
atrapalhando o que havíamos combinado e eu não tivesse como ajudar minha
mãe.
— Então, independentemente do que acontecer conosco, o contrato
vai seguir? — inquiri temerosa, precisando ter a certeza de que nada iria
mudar. — Mesmo que eu decida não ir para a cama contigo?
Michael não disfarçou que a pergunta o ofendeu, mas não me
arrependi de tê-la feito. Precisávamos esclarecer tudo antes do que quer que
acontecesse.
— Óbvio! — respondeu sério. — Isto aqui — apontou entre nós dois
— não afeta em nada nosso acordo. Eu quero ser pai e escolhi ter um filho
sem nenhum tipo de vínculo com uma mulher. Isso não mudou, Aurora.
Sua declaração me deixou curiosa, pois sempre imaginei que havia
sido contratada por um casal. Sabia, é claro, que homens e mulheres solteiros
também decidiam ter filhos sozinhos, mas, sinceramente, não entendia o
motivo pelo qual Michael – que era jovem e podia esperar até ter alguém que
amasse para construir uma família – tinha tomado aquela decisão.
Abri a boca para perguntar, mas fui impedida pela chegada de Erika.
— Senhor Griffin, que surpresa! — A governanta saudou-o com um
enorme sorriso. — Não o esperava aqui esta noite! Já jantou?
Afastei-me de Michael e fui até a mesa onde estavam os livros que eu
havia comprado naquela manhã.
— Ele veio para levar os presentes de sua mãe — menti, dando uma
desculpa plausível para sua presença, pois não queria que ela soubesse o que
estava acontecendo entre nós.
— Ah, sim! O que achou do presente de Rory? A senhora Griffin irá
adorar algo tão especial...
— Presente? — Michael me olhou curioso.
Sorri sem jeito, pois não queria que ele soubesse, embora
reconhecesse que foi um erro ter perguntado a Erika sobre o assunto.
— Não é nada de mais. — Dei de ombros, acariciando o exemplar. —
Eu tinha um livro velho entre minhas coisas e achei que sua mãe gostaria de
tê-lo.
Ele ergueu a sobrancelha e se aproximou da mesa, olhando para o
exemplar.
— O senhor já jantou? — Erika perguntou novamente, indo para a
cozinha.
— Não, mas não precisa...
— Eu preparo algo rápido enquanto Rory te mostra os livros. —
Novamente Michael tentou negar, mas a governanta não aceitou receber um
não. — Será um prazer!
— Obrigado, então — ele cedeu e esperou que ela estivesse ocupada
na bancada, de costas para nós dois, para questionar: — Qual é o livro?
Prendi o fôlego, tamanha a ansiedade, e ergui a obra.
— É um livro velho, se você não quiser incluir no...
— Aurora... — Ele pegou o romance de minhas mãos. — É a versão
original?
Sorri orgulhosa.
— Primeira edição, autografada pelo autor, escrito em sua língua
natal.
Michael folheou o livro, abrindo-o de capa a capa de forma tão
cuidadosa que parecia estar mexendo em um tesouro. O livro era de 1969, eu
o havia achado havia uns seis anos na internet e o comprara de um rapaz
peruano que estava vendendo os livros de seu avô. Seu enredo era rico e
mesclava política e história de amor, exatamente como a mãe dele parecia
gostar.
Tentei vendê-lo junto a outros que eu tinha assim que soube das
condições de minha mãe, e ele foi o único que não havia sido comprado,
talvez por estar em espanhol.
— Minha mãe vai ficar louca, com certeza! — Riu. — Onde
conseguiu encontrar algo assim?
— Eu o comprei há algum tempo de um...
— É de sua coleção particular? — Interrompeu-me assustado, e eu
assenti. — Por que não o quer mais?
— Já o li várias vezes. — Ele não pareceu convencido de minha
explicação. — Eu o coloquei à venda, mas acabou não recebendo ofertas.
Então por que não o dar a alguém que vai apreciá-lo como merece?
Ele balançou a cabeça.
— Faço questão de comprá-lo de você!
— Não, ele não está mais à venda, eu o incluí como um presente.
Ele não parecia muito convencido disso, mas eu realmente sentia
vontade de que sua mãe o tivesse.
— Por que você faria isso? Nem mesmo conhece minha mãe!
Suspirei.
— Vou tentar explicar, mas talvez você não entenda. — Ele cruzou os
braços desconfiado. — Um leitor reconhece no outro o mesmo amor que tem
pelos livros, e isso causa uma conexão. Não conheço sua mãe, mas sinto
como se a conhecesse pelo simples fato de compartilharmos essa paixão pela
leitura. Por isso eu gostaria que ela tivesse esse livro, assim como ficaria feliz
de saber que fui em quem a presenteou com ele, ainda que ela nunca venha a
descobrir.
Ele continuou de testa enrugada, mas sorriu.
— Que coisa mais doida!
Ri também.
— O quê?
— Parecia que eu a estava ouvindo falar. — Deu a volta na mesa e
ficou ao meu lado, colocando o livro na pilha dos outros que havíamos
comprado. — Você tem razão, Aurora, parece que realmente se conhecem.
Obrigado pelo presente!
Sorri encantada, e ele pegou minha mão, causando aquele turbilhão de
emoções que sempre acontecia quando nossas peles se tocavam. Parei de
sorrir e respirei fundo, tentando conter a atração, mesmo que todo o meu
corpo a denunciasse.
— Temos que resolver isso — ele comentou, olhando para nossas
mãos unidas, e assenti.
— Como? — indaguei baixinho.
Michael sorriu.
— Da única forma que dá para resolver. — Encarou-me, e vi brilhar,
em seus olhos azuis, o mesmo fogo que me consumia.
— Sim.
Vi seu peito inflar quando puxou o ar lentamente.
— Quando, Aurora?
— O jantar está pronto, senhor Griffin! — A voz estridente de Erika
me fez pular de susto e soltar a mão de Michael tão rápido como se
estivéssemos fazendo algo muito errado.
Olhei para ele e percebi que estava tentando não rir, mas não
conseguiu se conter por muito tempo, e sua risada foi tão contagiosa que não
pude resistir a ela e o segui, rindo até meus olhos se encherem de água.
Michael jantou o delicioso filé que Erika lhe preparou e, assim que
terminou a refeição, anunciou que estava tarde e que iria embora. Porém,
esperou até que ela se afastasse de nós, para lavar a louça, e pediu emprestado
meu aparelho celular a fim de gravar seu número.
— Pronto, agora não preciso mais de intermediários para saber de
você. — Piscou.
Vi que ele, em vez de somente gravar seu número, ligou para seu
próprio telefone, deixando o registro no meu. Fingi-me de brava e cruzei os
braços.
— Se queria meu número, podia ter me pedido!
Ele sorriu malicioso.
— Assim foi mais fácil, pois nós dois agora temos os números um do
outro. Se eu te pedisse, só eu teria o seu. — Aproximou-se de mim, mas
parou, olhando na direção da cozinha. — Sabe que me arrependi de ter
colocado uma governanta 24 horas com você? Não pensei que seria
inconveniente.
Fuzilei-o com os olhos.
— Era conveniente para você ter alguém para me vigiar; então agora
aguente!
— Eu não a contratei para te vigiar, mas para cuidar de você. —
Vendo minha expressão cética, levantou as mãos. — Eu juro! — Sorri, e ele
ficou sério. — Posso te ligar no final de semana?
Meu coração disparou.
— Pode, sim!
Ele balançou a cabeça e novamente olhou para a cozinha.
— Bom, tenho que ir. — Bufou. — Eu queria te beijar.
Sorri.
— Eu também!
Não esperava por aquilo, mas ele simplesmente se aproximou e beijou
minha testa.
— Boa noite, Aurora.
— Boa noite, senhor Griffin.
Ele riu e se despediu de Erika, acenando para ela com a mão livre,
pois na outra segurava a sacola repleta de livros que daria de presente para a
mãe.
Fechei a porta, mas continuei segurando a maçaneta, quando, de
repente, a abri de novo e saí correndo.
— Michael! — chamei-o assim que entrou no elevador e ele se virou
para mim, colocando o pé na direção do sensor para evitar que as portas se
fechassem.
— Esqueci algo? — perguntou.
Apenas assenti e o abracei pelo pescoço, colando meus lábios nos
seus. Ouvi o baque da sacola caindo no chão e, em seguida, fui puxada para
mais perto de seu corpo, o que fez as portas do elevador se fecharem.
O beijo foi delicioso, quente e carinhoso, cheio de tesão. Ele me
segurava pela cintura, mas não movia as mãos, mantendo-me colada em seu
corpo de forma a não deixar dúvidas de seu desejo.
Não pensávamos, apenas queríamos dar vazão a toda a tensão sexual
que tinha estado à nossa volta durante a noite inteira. Senti o frio metal
quando ele me pressionou de costas contra a parede, devorando-me como se
não conseguisse mais se controlar.
Eu me deliciei com seus gemidos, com o jeito com que se movia
contra mim, então ele se afastou um pouco, mas sem me soltar e me encarou.
— Vem comigo e acaba com esse tormento! — Ele não parecia pedir,
mas sim, implorar.
— Mas e a Erika...
— Foda-se! — falou entredentes, então respirou fundo e passou a
mão nos cabelos assim que o elevador parou. — Aceita sair comigo no
domingo?
Senti um frio na barriga e não consegui conter o sorriso.
— Aceito, sim! — não tive dúvidas ao responder, e ele balançou a
cabeça, pegando novamente a sacola quando as portas metálicas se abriram.
— Tenha uma boa noite!
Apertou o número do meu andar antes de sair e murmurou:
— Duvido!
Não consegui não rir de sua cara desesperada, mas compartilhava com
ele a mesma previsão de insônia, pois meu corpo estava acordado demais!
Suspirei e fiquei acompanhando o contador mudar de número a cada andar
que subia, tentando não pensar nas consequências de me envolver com
Michael.
Sim, podia ser catastrófico, não só para o contrato, mas,
principalmente, para o meu coração.
Esperar uma mulher para levá-la a um encontro era um momento de
tensão – no lado bom ou mau da palavra – para mim. Era sempre pontual,
raramente acontecia de eu chegar atrasado a qualquer compromisso na minha
vida e, na maioria das vezes, não tinha paciência com quem não conseguia
cumprir um horário combinado.
Naquela noite, contudo, a tensão se devia à ansiedade que sentia em
ver mamãe linda e arrumada e surpreendê-la com o local que eu havia
escolhido para jantarmos.
Quando ela surgiu, maravilhosa, com seus cabelos escuros presos no
alto da cabeça, um elegante vestido, sapatos de salto baixo e uma bolsa da
marca famosa que mais amava, só consegui sorrir e esquecer os quase 40
minutos que eu a aguardava no hall de entrada.
— Mãe, você está linda!
Beijei sua mão como faria um cavalheiro à moda antiga e a conduzi
para a porta principal sob os olhares atentos e sorrisos encantados de
Andrews e Martha.
— Eu não podia fazer feio ao seu lado. Sei que fiz um belo bebê e que
ele se transformou em um homem magnífico!
Balancei a cabeça.
— A senhora é bem suspeita para fazer esses elogios, não acha?
— Sei que toda mãe costuma achar seus filhos lindos, mas, se eu não
fosse sua mãe e o visse dando sopa por aí, certamente ficaria apaixonada.
Gargalhei.
— Mais um exagero da sua parte. — Fiz sinal para Joseph, o
motorista que trabalhava comigo por anos a fio e que eu tinha colocado à
disposição de Aurora, e ele rapidamente abriu a porta de trás da Mercedes. —
Eu agradeço, então, por você ser minha mãe; não gostaria de quebrar seu
coração apaixonado.
Michelle Griffin entrou no carro balançando a cabeça, mas rindo.
Logo me juntei a ela no banco de trás, feliz por poder levá-la para jantar e ter
uma noite só nossa para comemorar seu aniversário.
Estava ansioso para lhe dar seu presente, que tinha sido gentilmente
colocado em uma enorme caixa e embrulhado com carinho mais cedo por
Martha, enquanto minha mãe estava no clube.
— Ela vai ficar louca ao ganhar tantos livros novos! — A governanta,
que eu conhecia desde que nasci, estava sorrindo feliz.
— Acha que ela tem alguns desses em sua biblioteca?
— Não reconheço nenhum título ou capa.
Nem quis discutir o assunto, porque Martha era a pessoa mais
detalhista que eu conhecia, e, se ela, que era a responsável por ajudar a minha
mãe a organizar e catalogar todos os livros de sua coleção – além de ler,
porque era outra ávida leitora – disse que não tinha nenhum exemplar
repetido, era porque realmente não tinha!
— Você está com cara de pássaro que comeu o canário! — Michelle
falou depois de algum tempo em silêncio dentro do carro durante o percurso
até o restaurante. — Eu conheço bem essa cara. O que você está aprontado?
Sorri, fingindo-me de inocente.
— Nada, estamos indo jantar, não há nenhuma surpresa nisso.
— Você lembra que eu abri o peito daqui — apontou um pouco
abaixo de sua garganta e depois abaixo dos seios — até aqui, não lembra?
Fiquei sério.
— Como poderia esquecer? Achei que iria perdê-la...
Ela tocou minha mão.
— Eu sei e estava morrendo de medo de deixá-lo sozinho. — Deu um
sorriso tranquilizador. — Mas Deus me concedeu mais um tempo para ver se
ponho juízo na sua cabeça e o convenço a me dar uma nora e muitos netos.
Gargalhei, reconhecendo o quanto ela era incansável em sua missão
de me casar.
— Eu não vou me casar, mãe, não fui feito para isso — confessei. —
Além do que, não adiantou muito para os tios ou o vovô terem se casado, não
foi? Se não fossem por seus filhos, eles teriam morrido sozinhos.
Ela bufou e rolou os olhos.
— Você não é nenhum deles! Cada um é dono de sua própria história.
— Melhor não arriscar. — Pisquei para descontrair a conversa.
Rapidamente ela reconheceu o bairro por onde estávamos passando e
me olhou desconfiada.
— Vai me levar para jantar no seu apartamento? — debochou.
— Não, nem estamos perto do lago!
Ela concordou, pois estávamos na parte mais ao sul de Lincoln Park,
perto da Old Town, e meu prédio ficava bem perto do lago, na parte leste do
bairro. Joseph parou em frente à fachada completamente misteriosa do
restaurante, um sobrado cinza sem nenhuma placa ou algo que o denunciasse.
Contudo, mamãe era uma pessoa que estava por dentro de tudo o que
acontecia no mundo, principalmente em Chicago.
— Tenho certeza de que nunca estive aqui, mas por que tenho a
sensação de reconhecimento?
— Já, já você vai saber.
Saímos do carro e fomos recepcionados pela hostess do restaurante
em seu uniforme com o nome bordado.
— Ah, o restaurante Alinea! Três estelas Michelin! — Mamãe me
olhou travessa. — Achou que eu não ia reconhecer o nome?
Neguei, seguindo para a mesa que havia reservado.
— Estranhei não ter reconhecido logo pela fachada. — Ri. — Eu
tinha certeza de que você já tinha ouvido sobre ele.
— Quem não? É o único de todo o estado de Illinois a ter recebido
essa classificação! — Percebi que ela olhava tudo à nossa volta com muita
atenção. — É cozinha contemporânea, não?
— Sim — respondi, impedindo o funcionário do restaurante de puxar
a cadeira para ela e fazendo eu mesmo o gesto. — Vamos nos aventurar um
pouco!
Ela agradeceu, e seus olhos brilhavam como os de uma menina.
— Adoro descobrir coisas novas, você sabe!
Não conversamos mais enquanto escolhíamos as bebidas – para ela,
somente água – e, com os cardápios nas mãos – incrivelmente, no dela estava
escrito “Feliz aniversário” e assinado pelo chef –, ouvimos as sugestões do
garçom sobre o menu.
— Que amor o chef ter me mandado felicitações! — disse
emocionada.
Eu ainda me surpreendia com a capacidade de minha mãe, mesmo
tendo sido criada em “berço de ouro”, emocionar-se com gestos de carinho e
atenção. Não era uma carência dela, pois sempre foi muito mimada por meu
avô, era natural. Mamãe era empática, possuía um coração do tamanho do
mundo e tratava a todos como iguais, mesmo se estivesse vestindo Gucci ou
Prada, e a outra pessoa estivesse com roupas de supermercado.
Michelle Griffin possuía algo que eu raramente via nas pessoas com
quem convivia: certeza de quem era. Certamente era uma das pessoas – veja
que não usei seu gênero – mais inteligentes que eu conhecia, mas, se você
não conversasse com ela, talvez nunca soubesse disso. Ela não fazia nada
para mostrar para os outros, não precisava demonstrar nem provar nada a
ninguém, e isso lhe conferia uma liberdade e uma sabedoria assustadoras.
Quem a julgasse pela aparência, pelo sorriso bondoso, diria se tratar
de uma mulher sem personalidade e submissa, totalmente o contrário de
quem ela era. Para entender seu jeito, era necessário conhecê-la bem, e isso
ela reservava apenas para poucas pessoas.
— Eu a amo e a admiro demais! — saudei-a quando nossas bebidas
chegaram.
Os olhos dela marejaram.
— Você é o melhor presente que já ganhei, e sou feliz por tê-lo
comigo a cada ano!
Suas palavras me emocionaram e me fizeram ter certeza de que era
aquilo que eu queria para mim, esse mesmo amor sólido e único que apenas
um filho pode sentir e despertar.
A comida estava um espetáculo, o que combinava demais com a
conversa. Nós rimos, relembramos momentos e fizemos planos. Na hora da
sobremesa, um balão comestível, cheio de gás hélio, ficou flutuando em
nossa mesa, o que arrancou muitas risadas dela quando “provou” a deliciosa
invenção.
— É de maçã verde! — exclamou.
Eu me contive com uma fatia de uma torta desconstruída que estava
muito boa e, antes de irmos embora, o chef foi cumprimentá-la pela data
pessoalmente.
Não demoramos muito, pois eu ainda estava sendo cuidadoso por
causa da cirurgia que ela fizera meses antes, e seguimos direto para casa.
Meu coração batia forte quando, já na saleta íntima da mansão,
entreguei-lhe meu presente.
— Que caixa enorme! — Sorriu. — Devo tentar adivinhar o que é ou
posso abrir direto?
— A escolha é sua...
Ela nem questionou outra vez, desfazendo o laço e tirando a tampa.
— Oh, meu Deus! — Bateu palmas e me olhou. — Quer me matar do
coração com um presente desses?
— Nem brinca com isso!
Ela segurou meu rosto e, esticando-se para me alcançar, beijou a
ponta do meu nariz.
— Adorei o presente, mas... agora quero ver os títulos! — Foi
pegando um por um, lendo a sinopse e suspirando, trocando a todo momento
qual seria o primeiro a ser lido. — Vou precisar de mais alguns anos para
poder ler todos como se deve.
— Você os terá! — Peguei o livro que Aurora mandou, o qual eu
mesmo embrulhei – quer dizer, enfiei numa sacola ornamentada – e entreguei
a ela. — Este é especial. — Michelle arregalou os olhos. — Espero que seu
espanhol esteja em dia!
Ela ficou extasiada ao ver que, além de ser uma edição antiga, a
primeira, na realidade, o próprio autor havia autografado o exemplar. Passou
a mão sobre a letra dele, acariciando-a, como se realmente fosse um
privilégio ter ali a tinta de sua caneta.
— Como conseguiu isso?
Dei de ombros.
— Uma amiga mandou de presente.
Ela ergueu a sobrancelha da mesma maneira que eu fazia.
— Uma amiga? — Sorriu de lado, desconfiada. — Não acho que
tenha sido Lane, embora ela tenha me surpreendido ao me dar um livro desse
mesmo autor.
— Você não a conhece. — Sentei-me ao seu lado. — Eu a conheci
quando comprei aquele livro para comemorar sua chegada em casa. — Ela
assentiu, recordando-se. — Ela é estudante de Inglês e Literatura da
Universidade de Chicago, e sua pesquisa gira em torno desse autor, de quem
a senhora virou fã.
Pelo olhar de Michelle, ela estava cheia de perguntas na cabeça, e eu
começava a me arrepender de ter falado sobre Aurora.
Inicialmente, pensei em colocar o livro junto aos demais, como a
própria Aurora havia sugerido, contudo não pude. Aquele presente tão
especial não fora comprado por mim, mas dado por uma pessoa tão sensível e
especial quanto minha mãe. Não era justo não dizer a verdade sobre o
presente.
— Essa sua amiga é diferente das demais...
Ri.
— É, sim, porque somos amigos — frisei e pisquei. — Pedi ajuda a
ela para conseguir montar esse pequeno acervo, e ela quis enviar um presente
também.
— Que adorável! — Sorriu. — Queria lhe agradecer pelo gesto.
— Transmitirei sua gratidão assim que a vir novamente, não se
preocupe.
Mamãe suspirou.
— Não estou preocupada, mas gostaria de falar com ela
pessoalmente.
Arregalei os olhos.
— Por quê?
— Ora, a moça me mandou um presente e ajudou a montar outro,
além de estudar e pesquisar coisas interessantíssimas! Imagina quanto
assunto teremos? Não é fácil conhecer alguém que goste tanto de literatura
latina. Martha está apenas conhecendo agora, como eu.
Apertei os olhos desconfiado.
— Mãe, não acho que seja uma boa ideia. Não quero que ela seja
bombardeada com indiretas sobre casamento nem que tenha a impressão
errada sobre a natureza do nosso relacionamento.
— Que é de amizade, não? — Apressei-me em concordar. — Sei
respeitar limites, meu caro. Você e Lane são mais que amigos há muitos
anos, então ninguém pode me julgar por tentar fazer esse plus virar algo
sério.
Ri de sua cara de inocência fingida.
— Não acho que seja boa ideia a senhora conhecer Aurora. Eu mesmo
irei...
— Aurora... — Suspirou. — Um belo nome que combina com uma
alma sensível, despertada para o conhecimento, afinal, é isso, não é? Quando
estamos na ignorância, é como se estivéssemos nas trevas, mas, a partir do
momento em que o conhecimento chega até nós, é como um alvorecer, uma
“aurora”. — Bufei, entendendo que aquela batalha estava perdida, e ela sorriu
vitoriosa. — Traga-a para um chá qualquer dia, mas me avise antes, quero
retribuir o carinho.
— Não vou prometer, mas falarei com ela.
Michelle assentiu e voltou a olhar os livros que ganhou.
— Tem muito bom gosto essa sua Aurora.
Comecei a rir, sabendo que estava perdido.
Por que não disse que tinha comprado o livro pela internet?

No domingo de manhã, acordei animado e fui correr um pouco,


aproveitando o sol, antes que o outono trouxesse de volta as manhãs frias.
Não tinha dormido muito, pois, assim que cheguei em casa na noite anterior,
mandei mensagem para Aurora contando a ela que minha mãe havia adorado
o presente.
Ela respondeu assim que saí do banho:

“Eu estava aflita querendo notícias. Fico feliz que ela tenha
gostado!”

“Ficou igual a uma criança abrindo o presente de Natal! Amou o


livro que você mandou. Obrigado mais uma vez!”

“Foi uma alegria poder compartilhá-lo com ela.”

Sorri, encantado com ela, e me deitei na cama apenas com a toalha na


cintura, excitado como um touro.
“Nosso encontro amanhã está de pé?”

Ela demorou um pouco para responder. Temi que tivesse voltado


atrás, mas então veio a resposta que eu queria:

“Sim, estou ansiosa para chegar logo!”

“Eu queria você aqui agora! É uma tortura ficar duro só por
trocar mensagens contigo.”

Novamente, um longo tempo se passou antes da resposta.

“É uma tortura para mim também, acredite. Eu quero você!”

Puta que pariu! Arranquei a toalha e segurei meu pau com força.

“A que horas te busco amanhã?”

“Quando quiser!”

Minha vontade foi responder que iria buscá-la naquele momento, mas
logo ela enviou uma mensagem de boa-noite, e fiquei apenas com a fantasia
dela, que já era minha companhia por semanas!
Parei de correr e passei em um restaurante na beira do lago para
comprar água. Ainda não sabia para onde levaria Aurora naquela noite, pois
tudo em que pensava era em tê-la na minha cama. Então um anúncio me
chamou a atenção, e sorri, resolvendo o dilema.
É perfeito!
— Você está linda!
Soltei o ar ao ouvir o elogio de Aimée e sorri para o espelho.
— Então é esse? — perguntei ainda insegura.
Ela gargalhou e assentiu.
— Nunca te vi tão nervosa por causa de um encontro.
Minha amiga tinha razão. Desde que recebi o convite para sair com
Michael, estava acelerada, ansiosa e, por esse motivo, acabei contando para
Aimée e pedindo sua ajuda para escolher o que vestir, já que não fazia ideia
de para onde ele iria me levar.
É claro que ela quis saber todos os detalhes de como nós dois
voltamos a nos encontrar, mas não tive coragem de admitir para ela que
Michael era o homem que havia me contratado para gerar um bebê. Eu
poderia me apoiar na desculpa perfeita do contrato de confidenciabilidade
que me impedia de falar detalhes sobre o contrato principal, porém não contei
simplesmente porque sabia que ela iria ser contra que eu me envolvesse com
ele.
Com razão, é claro!
Reconhecia a loucura que estava prestes a fazer, mas já havia dado
como perdida a batalha contra meu corpo, contra o enorme desejo que sentia
por ele. Talvez eu conseguisse sair daquele envolvimento incólume, e a
experiência colocasse fim àquela explosiva atração.
Pensar positivo era a melhor atitude a se ter, ainda mais sabendo que
eu não teria mais como resistir e entregaria meu corpo e meu prazer àquele
homem.
Alisei o vestido, ainda me sentindo nervosa, e foquei em terminar de
me arrumar. Optamos por uma roupa básica, um vestido preto, sem muitos
detalhes. Nos pés, usava uma sandália de tiras com salto alto – o que
certamente ajudaria na hora dos beijos –, e acessórios lindos emprestados por
Aimée.
— E sobre meus cabelos? — Toquei as mechas ainda úmidas do
banho. — Seco-os com o secador e a escova ou...
— Eles ficam lindos quando secam ao natural, formam ondas que eu
daria um bom dinheiro para fazer iguais em um cabeleireiro. — Levantou-se.
— Vamos fazer a maquiagem?
Nesse momento, coloquei-me à disposição dela, pois era sempre
Aimée que maquiava a mim e a Carly quando íamos sair. Aprendi muito com
ela durante os anos em que moramos juntas, com seu senso refinado de estilo
e por estar sempre antenada com o que acontecia no mundo da moda.
Para falar a verdade, não entendia muito bem por que minha amiga
não namorava, embora tivesse seus casos – ou eu achava que os tivesse,
porque nunca a via com ninguém. Aimée era linda, charmosa, inteligente e,
com a crescente fama como uma promoter incrível, ela estava se tornando
uma profissional bem-sucedida e requisitada.
Sempre que surgia o assunto, ela alegava que estava focada na
carreira, em fazer seu nome, e que as outras coisas podiam esperar.
— Apaixonar-me neste momento da minha vida só me traria dor de
cabeça — alegava quando a conversa girava em torno de relacionamentos. —
Não posso me distrair, tenho uma meta e preciso alcançá-la.
Não sabia qual era o objetivo dela especificamente, mas que tinha a
ver com segurança financeira e realização profissional. Apesar de trabalhar
feito louca e viver tentando conseguir mais trabalho, ela sabia se divertir
também. Dizia que frequentar festas também era parte de seu negócio, pois,
além de fazer contatos, ficava sempre de olho no que estava acontecendo e no
que poderia melhorar e inovar.
Fiquei espantada quando a conheci, assim que me mudei para seu
apartamento. Achava-a deslumbrante e muito agitada, falando rápido,
comendo rápido e sempre correndo de um lado para o outro. Aimée odiava
perder tempo e parecia aquele coelho do filme da Alice, sabe? Sempre dizia
estar atrasada, mesmo que não estivesse.
Relaxei um pouco enquanto ela me maquiava, tentando pensar em
outra coisa que não em Michael. Entretanto, minha mente insistia em voltar
meus pensamentos ou lembranças para o homem, ainda que eu a forçasse a
pensar em outras coisas.
Ele havia me ligado na noite anterior para contar sobre a reação de
sua mãe ao presente. Fiquei feliz ao saber que ela havia gostado e conversei
com ele com um sorriso bobo – e preocupante – na cara. Adorava ter a
percepção do quanto ele me queria, e Michael não escondia isso.
O domingo demorou a passar e, para piorar, eu mal conseguia me
concentrar em qualquer leitura que tentasse. Acabei descendo para a
academia e corri por 40 minutos na esteira, o que ajudou a abrir meu apetite
para desfrutar do delicioso almoço de Erika.
— Vou deixar algum lanche preparado para você comer mais tarde —
avisou-me enquanto lavava louça. — Vou tirar folga hoje e só estarei de volta
amanhã à tarde.
Imediatamente pensei que aquilo tinha sido ideia de Michael, para que
não houvesse ninguém no apartamento quando retornássemos do encontro.
Safado!, pensei, assentindo.
— Não precisa se preocupar comigo. Amanhã eu vou para a
universidade e almoço por lá, pode deixar.
À tarde, liguei para meus pais e fiquei mais aliviada ao saber que
minha mãe já estava conseguindo se alimentar sozinha. Ambos estavam
muito confiantes na recuperação dela, principalmente quando começasse a
fazer a radioterapia.
Aproveitei e conversei com tia Wanda sobre o dinheiro para o
tratamento, e ela confirmou que o empréstimo que pedira seria liberado
quando precisasse. Fiquei preocupada com o valor das parcelas, pois o que eu
tinha guardado não daria para cobri-las até que o bebê nascesse e eu
recebesse o resto do dinheiro.
— O pessoal da comunidade está se mobilizando para ajudar no
tratamento dela. — Quase não pude me conter de tão feliz que fiquei com a
notícia. — Vai dar tudo certo, Rory!
Sim, eu acreditava nisso com todas as minhas forças!
Troquei algumas mensagens com Michael, mas foram rápidas, apenas
combinando como seria a noite. Ele não quis revelar para onde iríamos, disse
que seria surpresa, mas perguntou algumas coisas sobre o que eu gostava ou
não de comer.
Quando comecei a pensar em uma roupa para vestir, percebi que
precisava de ajuda para decidir. Ainda não tinha contado às minhas amigas
sobre Michael e sabia que não poderia lhes dizer tudo, mas precisava do
apoio delas, por isso liguei para pedir ajuda.
Carly estava com o mesmo homem com quem desaparecera na noite
em que fomos ao bar onde Jack trabalhava, mas Aimée não só ficou animada
com a notícia como se disponibilizou a ir até meu apartamento para me
ajudar pessoalmente.
— Comprou camisinhas? — perguntou de repente, passando
iluminador na base do meu pescoço e colo – o que, segundo ela, ajudava a
destacar meus seios –, e pisquei nervosa. — Rory!
— Eu não pensei nisso! — confessei.
Ela balançou a cabeça e foi até sua própria bolsa, de onde tirou um
pacote.
— Uma mulher sexualmente ativa tem sempre que estar prevenida,
porque alguns homens usam a desculpa de não ter camisinha para trepar sem
proteção, e isso, normalmente, já é um risco, mas, na sua situação...
Prendi o fôlego, concordando com ela.
Sim, Michael queria ser pai, mas deixou bem claro que não queria que
isso o deixasse ligado a nenhuma mulher, motivo pelo qual escolheu
contratar uma barriga de aluguel. Certamente ele se preveniria, mas seria bom
que eu demonstrasse a ele que também estava prevenida.
— Obrigada por lembrar! — agradeci à minha amiga.
— Amigos cuidam uns dos outros. — Suspirou, olhando-me com
admiração. — Eu sei que sou ótima com pincel e maquiagem, mas, puta
merda, você está maravilhosa!
Concordei, sentindo-me linda com a maquiagem elegante e bem-feita
que ressaltava o que havia de melhor em meu rosto, mas sem tampar todas as
sardas, como alguns maquiadores faziam. Eu amava cada um daqueles sinais,
aprendi que eram parte de mim, a valorizá-los, e Aimée sabia como me
deixar ainda mais bonita sem ter de os esconder.
Ela borrifou uns jatos de perfume em mim, fazendo-me rodar em
volta da nuvem de aroma, e me senti de volta ao colégio, arrumando-me para
o baile, rindo com minha mãe e minhas amigas. Foi uma sensação ótima!
— Acho melhor eu ir agora, porque ele já deve estar chegando. —
Pegou sua bolsa e a maleta de maquiagem. — A que horas vocês
combinaram?
— Não combinamos! — Ri. — Ele me perguntou a que horas podia
me pegar, e eu disse que iria avisá-lo quando estivesse pronta. — Aimée
franziu a testa. — Ele mora aqui perto, pelo que entendi.
Acompanhei minha amiga até a porta e, assim que ela saiu, peguei o
celular para mandar mensagem:

“Estou pronta, e você?”

Não demorou muito, e ele respondeu:

“Tenho estado pronto há semanas, Aurora!”

Fiquei vermelha, ri e senti o corpo esquentar com a resposta


maliciosa.

“Já estou a caminho.”

Respirei fundo e avisei:

“Vou te esperar lá embaixo”

Peguei a pequena bolsa, coloquei a alça no ombro e dei uma última


olhada no espelho antes de sair do apartamento. Achei melhor esperar por ele
na entrada do prédio, porque temia não conseguir sair se o tivesse em local
reservado.
Sabia que iria encontrá-lo com o intuito de fazer sexo, mas não queria
que fosse algo tão frio assim, como uma consulta marcada. Ele me convidou
para um encontro, então eu gostaria de conversar com ele antes de dar vazão
a todo o tesão que me fazia sentir.
Em pouco tempo, vi quando o BMW estacionou em frente à portaria.
Fiquei feliz por Michael não ter vindo com o Joseph, e sim estar dirigindo,
como na noite em que nos encontramos no bar.
Saí do hall de entrada, despedindo-me do porteiro da noite, e, assim
que alcancei a calçada, Michael saiu do carro.
Uau!
Ele estava lindo e descontraído, usando uma calça de tecido levinho,
parecido com linho, e com uma camisa social com a mangas enroladas, tão
azul quanto seus olhos. Fui até o veículo, e ele abriu a porta do carona para
que eu entrasse.
— Você não facilita para mim, não é? — comentou, já sentado atrás
do volante, e me olhou tão intensamente que senti todo os pelos do meu
corpo se arrepiarem. — Está lindíssima!
Sorri, adorando vê-lo babar por mim, porque era exatamente o que
estava fazendo.
— Obriga...
Não tive tempo de lhe agradecer o elogio, pois sua boca tomou a
minha com tamanha urgência que não consegui mais pensar em nada, apenas
retribuí o beijo com o mesmo fogo e desespero que podia sentir na saliva
dele, na forma como parecia me comer com os lábios e a língua.
Agarrei-o pelos ombros, e ele me apertou tão forte que me ergueu do
banco. Meus seios foram esmagados contra seu peito, e eu queria muito,
muito mesmo, voltar atrás no tempo e tê-lo esperado lá em cima, no
apartamento. Certamente, a essa hora já estaríamos nus.
Michael me soltou de repente e se arrumou no banco do motorista.
Fiquei olhando-o enquanto respirava fundo várias e várias vezes, sem me
fitar, até que deu a partida no carro e sorriu.
— Ainda bem que não subi até seu apartamento, senão não teria
condições de descer!
Ri alto, gargalhei de verdade, e ele me olhou sem entender o que me
acontecia.
— Eu estava aqui lamentando você não ter subido!
Ele arregalou os olhos. Vi que a ideia lhe parecia tentadora demais,
mas então balançou a cabeça negativamente.
— Não! Vamos seguir o plano. Temos a noite inteira pela frente. —
Sorriu de um jeito que parecia um Lobo Mau que sabia que ia comer a
Chapeuzinho Vermelho no fim da história. — Como foi seu dia?
Novamente abri um enorme sorriso por perceber que ele tentava
estabelecer uma conversa normal a fim de aliviar a tensão sexual entre nós.
— Foi bom! Erika está de folga essa noite. — Levantei uma
sobrancelha. — Coincidência, não?
Ele riu.
— Acredite ou não, já estava programada. — Ele estava atento ao
trânsito, mas me olhou de soslaio quando não falei nada, não muito
convencida. — É verdade! Martha fez um jantar especial em nome dos
funcionários da mansão para minha mãe, e ela foi ajudar.
Ah, sim, faz sentido!, pensei, relaxando ao lado dele, notando a
música suave que tocava no som do carro, provavelmente de alguma playlist
sua.
— Para onde vamos? Fiquei curiosa o dia todo.
Michael colocou a mão na minha coxa, e fechei os olhos, deliciando-
me com as sensações que nosso contato me causava.
— Já estamos perto! — ele disse, entrando em uma espécie de clube.
Tentei lembrar-me de algum restaurante naquela área, pois nem
mesmo saíramos do bairro, porém, quando avistei a marina, entendi que
estávamos em um iate clube.
— O restaurante fica aqui? — perguntei, olhando em volta. — Nós
vamos jantar, né? Porque, se não, vamos ter que passar em algum Burguer
King depois.
Michael gargalhou.
— Você é sempre tão ansiosa assim quando não sabe o que lhe
aguarda?
— Sempre! Péssima leitora de suspense, sempre leio o final primeiro.
— Ri quando ele fez careta, visivelmente desagradado da minha atitude. —
Eu até tento, mas, se chegar à metade do livro e eu não tiver nenhuma
desconfiança sobre o que aconteceu, vou lindamente para o fim e leio o resto
mais calma.
Ele riu.
— Minha mãe morre se te ouvir confessar isso!
Dei de ombros.
— Não tenho por que mentir. Me orgulho de os spoilers não
atrapalharem minha leitura. — Ele estacionou perto de um píer onde vários
barcos – como se eu pudesse chamar aquelas coisas enormes assim – estavam
ancorados e me olhou animado. — Vamos entrar num desses?
— Nunca entrou em um iate? — perguntou, como se fosse a coisa
mais natural do mundo.
— Não! O máximo que já fiz foi atravessar um rio de canoa ou fazer
rafting – escondido dos meus pais – na adolescência!
Ele tentou não rir, mas falhou miseravelmente.
— Estou alegre por trazê-la pela primeira vez, então. — Saiu do carro
e, enquanto dava a volta para abrir a porta para eu descer, senti o coração
apertar. — Vamos jantar navegando?
— Não. — Estendeu a mão. — Vamos lá conhecer o King.
— King?
Ri e assenti.
— Meu avô tinha mania de grandeza, os iates dele sempre tiveram
títulos nobres. Quando comprei o meu, continuei a tradição como uma
homenagem.
Li o nome na traseira do iate quando estava me aproximando. O
“barco” era enorme, precisei de ajuda para embarcar e, quando o vi por
dentro, fiquei sem fôlego, principalmente ao ver a mesa arrumada para dois e
um garçom uniformizado esperando com um balde com gelo e um
champanhe na mão.
— Fez isso tudo para mim? — indaguei emocionada.
— Para nós dois. Para nossa noite. — Olhei-o sem saber o que pensar
e, muito menos, o que falar. — Não queria dividir você com outras pessoas.
Espero que tenha gostado.
Gostado?, pensei, tentando não suspirar, pois era como estar num
filme ou, o que era muito melhor, em um livro de romance!
Não esperava aquela reação de Aurora, muito menos me sentir tão
bem por proporcionar a ela uma experiência inédita. Quando tive a ideia de
jantarmos no iate, não imaginei nada daquilo que estava vendo, nem sobre ela
nem sobre o que a empresa que contratei fez.
Eu também estava surpreso!
Vi um anúncio sobre serviços de alta gastronomia à escolha do
cliente, ou seja, um chef era enviado ao local indicado e preparava um menu
digno de restaurante, e pensei em ficarmos no meu apartamento, comermos e
dormirmos por lá, mas então me lembrei do King e achei que seria agradável
jantar com a brisa do lago.
A ideia não era zarpar, mas apenas usarmos o iate como local para o
encontro, jantarmos nele e depois seguirmos para o apartamento dela. Porém,
ao encontrar a sala do iate completamente decorada para um jantar romântico,
com velas, tapete com almofadas, flores e luzes indiretas, fiquei atônito, sem
saber o que dizer.
Estendi a mão para Aurora e a levei até a parte interna do iate. O
garçom se aproximou, mas fiz questão de puxar a cadeira para que ela se
sentasse. O sorriso de agradecimento que me deu fez meu coração disparar de
antecipação por mais sorrisos como aquele.
Além de toda a decoração romântica – provavelmente devia ter dado
a entender que seria um encontro desse tipo –, uma música suave saía dos
alto-falantes embutidos espalhados pelo barco, sinal de que estavam usando o
sistema de som que eu havia instalado no verão passado, mas que ainda não
tinha testado.
Todos esses detalhes só foram possíveis de serem feitos tão rápido
porque Ian Pattel, meu marinheiro, acompanhou a montagem de tudo,
explicando o funcionamento da pequena e funcional cozinha. Aliás, foi ele
quem me avisou quando o iate estava pronto para nos receber. Não disfarçou
a surpresa ao saber que eu não só iria usar o iate – coisa que ainda não havia
feito naquele ano –, como também iria promover um jantar nele.
O garçom se aproximou para nos oferecer bebidas e nos apresentou o
champanhe que harmonizaria perfeitamente com a entrada. Depois de nos
servir, explicou o menu da noite e se retirou, desejando-nos uma ótima
experiência.
— Quando foi que você planejou tudo isso? — Aurora me perguntou
curiosa.
— Hoje de manhã. — Ela, é claro, não me levou muito a sério. — É
verdade! Tive quase que implorar para que eles me atendessem!
Bom, a verdade é que não implorei, mas tive que dispender de vários
milhares de dólares por causa da urgência. Não pude escolher o chef, apenas
o menu, e mesmo assim dentro de uma lista pré-estabelecida por ele, pois a
refeição seria apenas finalizada no barco, já que a cozinha não contava com
todos os recursos que necessitava.
— Está tudo tão perfeito que me parece inacreditável que tenha sido
preparado tão rápido. — Aurora olhava em volta, encantada com cada
detalhe.
— Até eu estou surpreso, mas contente. — Peguei sua mão. — Acho
que merecemos algo assim depois desse tempo todo fugindo um do outro.
Novamente a vi erguer aquela sexy sobrancelha ruiva, em um
movimento totalmente involuntário e natural, que ela nem notava o quanto a
deixava irresistível.
Será que Aurora não percebe o quanto é linda?, pegava-me
questionando às vezes, pois nada nela era calculado para agradar ou atrair
alguém, simplesmente era quem ela era.
Ter essa percepção, saber que não havia joguinhos entre nós, deixava-
me relaxado, sem o ceticismo de sempre, por isso que eu dava vazão à minha
vontade e não me controlava tanto com ela. Prova disso foi que mal consegui
me conter quando a vi aparecer naquele vestido preto, usando sandálias de
salto alto. Nunca a tinha visto de saltos, e os simples calçados me fizeram
imaginar mil fantasias.
Quando me aproximei mais dela, pude sentir que seus cabelos
estavam muito cheirosos, soltos e com as mechas levemente onduladas, o que
lhe conferia um ar extremamente sedutor. Gostei de cada detalhe dela, mas o
que me chamou mais a atenção foi que, mesmo usando alguma maquiagem,
eu ainda conseguia ver as sardas e achei maravilhoso que ela não tivesse
tentado escondê-las como faria a maioria das mulheres.
Aurora ficou vermelha de repente e desviou os olhos, sorrindo sem
graça.
— O jeito que você me olha me faz pensar que consegue ver dentro
de mim — comentou com um sorriso.
— Às vezes acho que consigo — confessei. — E isso me encanta!
Você é toda linda, Aurora.
— Eu fico encabulada com tantos elogios. — Encarou-me. — Mas
também fico feliz.
— É o que importa! — Ergui minha taça para um brinde, e ela pegou
a sua. — A nós!
Brindamos, e ela bebeu o champanhe vagarosamente, apreciando o
sabor da bebida francesa, e depois, quando colocou a taça novamente no
tampo da mesa, sorriu.
— Vou devagar, porque não sou muito resistente a bebida alcóolica e
quero estar bem sóbria nesta noite.
Puta que pariu!, pensei, quando senti meu pau endurecer apenas por
ela citar aquela noite cheia de expectativas.
Eu também tinha! Não sabia como estava conseguindo me conter
sentado ali, do outro lado da mesa, longe do corpo e do sabor de Aurora.
A entrada foi servida, e começamos a conversar sobre comida
enquanto comíamos o delicioso consomê de legumes com vieiras e raspas de
limão siciliano. O prato era refrescante, extremamente bem executado, o que
me surpreendeu positivamente. Como prato principal, foi servida lagosta, e a
sobremesa ficou por conta de uma panacota de chocolate branco com calda
de frutas vermelhas.
— Uau, acho que foi uma das melhores experiências gastronômicas
que já tive — Aurora elogiou e suspirou.
— Confesso que também gostei de tudo. — O pessoal da empresa que
contratei já havia tirado toda a louça e, de acordo com o que foi planejado,
em breve iria embora. — Principalmente da companhia.
— Tudo está perfeito! O lugar, a comida, a música...
— Quer dançar? — Estendi a mão, e ela sorriu.
— Claro!
Levantei-me e a abracei bem perto do meu corpo, sentindo o delicioso
cheiro de seu perfume, adorando a sensação da textura macia de sua pele na
palma das minhas mãos.
— Não danço bem — avisei. — Apenas sei me mexer para lá e para
cá seguindo o ritmo da música.
Ela suspirou e se aconchegou mais em mim.
— Está perfeito! Eu adoro dançar.
Ponto!, pensei entusiasmado, sentindo-a derretida em meus braços.
Fechei os olhos e me deixei levar pela dança, acariciando suas costas e seus
cabelos.
Quando a música parou, fomos para a popa do iate, onde havia outra
garrafa de champanhe em um balde de gelo e uma mesa com frutas. Aurora
pegou um morango, mordeu a fruta grande e vermelha ao meio e acabou
ficando com os lábios molhados do caldo.
— Não! — Impedi-a, e eu mesmo limpei sua boca, usando minha
língua. — Muito melhor.
Ela suspirou, e eu abri a garrafa para bebermos um pouco antes de
irmos embora.
— Gostou do jantar?
— Adorei! — Olhou para o céu cheio de estrelas e depois para mim.
— Eu não imaginava que a noite aqui, no lago, fosse tão bonita. O céu parece
ter mais estrelas!
— Aqui ainda temos claridade por causa das luzes da marina. No
meio do lago, o céu fica impressionante — comentei ao entregar a bebida e
tive uma ideia. — Quer ir ver?
Aurora arregalou os olhos.
— Sair com o barco? — Riu nervosa. — Podemos?
Não era o que eu tinha programado, mas por que não? Ian havia
deixado tudo pronto para que eu pudesse fazer um passeio, caso quisesse,
mesmo eu tendo dito a ele que não tinha intenção de pilotar naquela noite.
As intenções podem mudar!
— Tudo o que você quiser! — Ela concordou. — Vou ver se o
pessoal do jantar já foi para que possamos ir.
— Você mesmo é quem vai nos levar?
Pisquei.
— Piloto barcos desde menino neste lago, pode ficar tranquila.
Fui até a cozinha do iate e encontrei a equipe subindo para ir embora.
Cumprimentei o chef e lhe agradeci por ele e seu pessoal terem me atendido
com tanta urgência. Ele informou que o staff da empresa voltaria no dia
seguinte para desfazer a decoração e que isso já estava combinado com meu
marinheiro.
Subi com eles e, assim que saíram da embarcação, chamei Aurora
para irmos até o flybridge[7], na parte de cima do iate, onde eu iria pilotar
com ela ao meu lado.
— Meu Deus! — Ela colocou a mão sobre a boca aberta assim que
terminou de subir as escadas. — Eu já estava achando esse barco um sonho,
mas não podia imaginar isso aqui!
Concordei com ela, pois também era uma das minhas áreas favoritas.
O iate possuía quase 200 metros quadrados divididos em três andares: na
parte inferior, no nível da água, ficava uma suíte, dois quartos, um banheiro e
uma cozinha; no andar do meio, por onde entramos, a popa contava com uma
área gourmet com churrasqueira e pia, além de uma mesa maior para
convidados, e, na proa, eu podia montar o teto de uma tenda que cobria uma
chez lounge dupla de onde era possível ver o pôr do sol deitado, já, na parte
interna, havia duas salas, uma de jantar e a de estar, com sofás e televisão e a
cabine de comando coberta; e, finalmente, a parte superior, com
espreguiçadeiras, banheira de hidromassagem e o comando externo com duas
poltronas.
Era realmente um barco grande e impressionante, digno do nome com
o qual o batizei.
— Que tal deixar a banheira enchendo enquanto levo a gente para ver
as estrelas? — sugeri, já a imaginando nua na água borbulhante, ao ar livre.
— É uma ideia maravilhosa!
Beijei-a cheio de tesão, mas logo me afastei para fazer o que lhe havia
proposto e sair o mais rápido possível da marina, pois ali não poderíamos
fazer o que eu pretendia sem sermos vistos.
Verifiquei todos os comandos de segurança do barco, liguei as luzes
de navegação, atualizei o GPS para a rota desejada e parti, manobrando-o
com facilidade para sair da marina. Pilotar era um dos meus prazeres, herança
do meu avô, e fazer isso de novo depois de tanto tempo era uma delícia.
O clima estava firme, sem chance de tempestades ou chuva, o céu
aberto e pontilhado de estrelas. Não havia lua, mas, por conta das luzes, a
visibilidade era boa.
— Que delícia passear assim no alto! Parece que estamos flutuando
sobre as águas — Aurora disse, rindo ao meu lado.
— Adoro pilotar daqui — expliquei. — Há como fazer isso lá
embaixo, na cabine, mas só a uso durante o inverno ou quando está
chovendo. Do contrário, prefiro ficar no cockpit.
— Este lago é o mais próximo que já cheguei de algo semelhante ao
mar. Eu me lembro de vê-lo pela primeira vez e ficar assustada com sua
grandiosidade.
Olhei-a por um instante, um tanto incrédulo.
— Você nunca viu o mar?
Aurora riu.
— Não, nunca saí de Illinois. Mesmo morando tão perto do Iowa, o
máximo que cheguei foi até o rio Mississipi, na cidade de Savanna. — Deu
de ombros. — Meus pais ganhavam pouco e economizavam muito para os
meus estudos, por isso não sobrava para grandes viagens.
Assenti, pois sabia que nossa realidade foi e ainda era muito diferente
uma da outra. Pensei, então, no contrato e no porquê acabamos nos ligando
um ao outro. Ainda não havia entendido a motivação para que ela tivesse
entrado no ramo de barriga de aluguel. Talvez sua bolsa na universidade não
fosse integral, o que podia ter feito com que ela necessitasse recorrer a algum
empréstimo estudantil e, prestes a se formar, precisasse do dinheiro para
quitá-lo.
Por mais curioso que eu pudesse estar, não achava certo tocar no
assunto, mesmo porque não queria estragar o que estávamos vivendo ao falar
do contrato.
Chegamos a um ponto no qual achei tranquilo permanecermos por
algum tempo. Ancorei o iate e me reuni a ela, que havia subido com as frutas
e o champanhe, que ficaram na popa, e verificava a água da banheira.
— Está perfeita!
Neguei.
— Não, falta algo. — Aurora me olhou sem entender, e eu sorri. —
Você nua dentro dela.
Mesmo com a iluminação reduzida, eu podia jurar que seu rosto ficou
completamente vermelho. Aproximei-me dela e, sem deixar de olhá-la,
procurei o fecho de seu vestido, que era nas costas, e comecei a abaixá-lo
lentamente.
— Estou louco para fazer isso desde sexta-feira.
Ela soltou o ar que prendia, e eu gemi ao vislumbrar o lindo sutiã
rendado. Parei de descer o vestido e passei o dedo sobre o tecido fino,
sentindo o bico saliente de seu peito. Abaixei a cabeça e tomei-o em minha
boca, sugando-o com força por cima da roupa íntima. Aurora segurou meus
cabelos e gemeu alto.
Era uma delícia torturante poder excitá-la daquela forma. Passei a
devorar o outro mamilo e forcei o vestido para baixo. Segurei Aurora pela
cintura e a olhei intensamente, buscando me controlar para não a jogar sobre
o sofá e ter um pequeno alívio daquele tesão poderoso. Não obstante, eu não
queria apenas me aliviar, embora meu corpo clamasse por isso. Queria
desfrutá-la, degustá-la, comê-la em pequenas porções até a ouvir implorar por
mais.
Ela deu um passo para trás, saindo da roupa embolada no chão, e toda
e qualquer fantasia que eu tivesse tido sobre seu corpo caiu por terra naquele
instante.
— Você é maravilhosa! — exclamei extasiado.
O contraste de sua pele cor de marfim com a lingerie preta e as
sandálias de salto alto causava um efeito demolidor no meu corpo. Eu me
sentia de pernas bambas, enlouquecido, querendo mergulhar fundo naquele
corpo tão lindo.
Respirei fundo, sabendo que não ia conseguir me conter muito mais e
a virei de costas para mim, abraçando-a com força. Joguei seus cabelos para o
lado e beijei sua nuca, provando o gosto delicioso de sua pele, fazendo com
que ela se arrepiasse inteira.
Explorei cada curva de seu corpo enquanto beijava suas costas e me
derretia a seus pés. Abri o fecho do sutiã com os dentes e meti as mãos por
dentro dele, delirando ao sentir o peso de seus peitos. Rocei os mamilos
intumescidos com os polegares, belisquei-os de leve, mordi suas costas e
lambi sua coluna até chegar à calcinha.
Aurora gemia e se contorcia, os sons do seu prazer se perdendo na
noite estrelada, ao passo que eu me perdia nela. Segurei seus quadris com
força, esfreguei os lábios em suas nádegas e separei suas coxas. Foi
impossível me impedir de tocá-la, de sentir apenas o calor de sua boceta sob
o tecido fino da renda.
— Caralho! — gemi ao notar a calcinha úmida.
Ergui-me um pouco, apenas o suficiente para empurrar suas costas e
fazer com que ela tivesse que se apoiar no encosto do sofá, empinando a
bunda na minha direção. Segurei a calcinha com ambas as mãos para tirá-la,
mas talvez não tenha controlado direito a força e a pressa, pois acabei
rasgando uma lateral.
— Foda-se! — xinguei ao fazer o mesmo com o outro lado, sentindo
um tesão indescritível por deixar a peça em farrapos. — Não vamos mais
precisar dela.
Aurora riu e apoiou a cabeça no estofado, porém sua risada logo se
transformou em um grito de surpresa e prazer quando tomei sua boceta de
assalto com minha língua.
Gemi de boca cheia, imerso em seu sabor, bebendo sua excitação
como se fosse uma iguaria rara. E era! A sensação da textura de seus lábios
íntimos na minha língua, o ponto túrgido que senti quando o procurava com a
língua, mostrando-me o caminho do seu prazer.
Tive que abrir bem suas nádegas para poder mergulhar dentro dela, a
língua toda esticada para fora, rija, esgueirando-se entre os músculos
apertados do canal de seu sexo. Aurora rebolava na minha cara, esfregando-
se, querendo mais, forçando-me a ir mais fundo.
Não resisti e desferi um tapa na sua bunda, chupando-a com
sofreguidão, esfomeado por cada pedacinho seu.
Senti seu corpo responder ao orgasmo mesmo antes de ouvir o som
delicioso que fez e que reverberou em mim, levando-me à urgência de tê-la e
de conhecer o prazer em seus braços.
Peguei-a no colo e a coloquei na banheira, ligando imediatamente a
hidromassagem. Ela me olhava lânguida, ainda sem fôlego, mas atenta a cada
movimento meu conforme me livrava das roupas. O jeito que ela me fitava
me fazia ter ainda mais pressa e, quando finalmente tirei a cueca e ia entrar na
banheira, ela me impediu de entrar na água.
— Não! — ordenou, apontando a borda. — Sente-se ali.
Fiz o que pediu, ansiando pelo que iria fazer.
Aurora se posicionou entre minhas pernas e, sem deixar de me olhar,
agarrou meu pau com força e me masturbou com maestria. Gemi e me
contorci, deliciando-me com a segurança de seu toque, compartilhando com
ela o prazer que senti ao fazer aquilo por todas aquelas semanas pensando
nela.
Estava tão bom, e eu me sentia já no limite ao fechar os olhos,
desfrutando da deliciosa sensação de ser masturbado por Aurora, quando
senti meu membro ser envolvido pelo veludo quente e úmido de sua boca.
Tornei a abrir os olhos, incapaz de perder a imagem do boquete com o qual
sonhara noites a fio.
Embolei seus cabelos na minha mão, segurando-os com força, apenas
sentindo-a subir e descer a cabeça enquanto me chupava ou mamava a cabeça
do meu pau.
Eu queria parar para fodê-la, mas como impedir a delícia do que ela
fazia com a boca e com a língua? Aurora literalmente me comia, e eu estava
adorando ser devorado daquela forma, com tamanha gula e desejo.
Nossos olhos se encontraram, e ela, sem desviar os seus dos meus,
engoliu meu pau até onde pôde. Arrepiei-me inteiro ao sentir a contração de
sua garganta, a saliva encharcando-o e ajudando quando ela acelerou os
movimentos e me fez ver mais estrelas do que as do céu acima de nós.
— Aurora! — chamei, no limite do que conseguia aguentar. — Vem
aqui!
— Camisinha... — ela lembrou assim que tirou a boca de mim.
Respirei fundo e concordei, esticando-me para fora da banheira e
pegando minha calça para tirar um pacote do bolso.
Ela sorriu e estendeu a mão.
— Posso colocar?
Sorri safado.
— Claro!
Foi uma tortura senti suas mãos em mim de novo. Eu estava muito
sensível e iria precisar me concentrar ao máximo no prazer dela para não dar
vazão ao meu gozo antes da hora.
Quando a camisinha estava posicionada, Aurora ainda fez a maldade
de me chupar por cima da proteção, e travei os dentes, tendo um vislumbre
do que passaria quando estivesse dentro dela.
Peguei-a por baixo dos braços, levei-a até o outro lado da banheira,
onde havia um deque com estofado, e a deitei ali, cobrindo seu corpo com o
meu. Beijei-a para que sentisse em minha boca o quanto estava pronta para
me receber e fui entrando devagar, vencendo cada centímetro apertado de sua
boceta.
Aurora soluçou, gemeu e me agarrou, cravando suas unhas nas
minhas costas. Encaixei-me inteiro dentro dela, mas precisei de uns segundos
para me controlar antes de começar a me mover. Rebolei curto, apenas uma
ondulação com meus quadris, bem no fundo de seu corpo. Ela respondeu à
carícia fazendo o mesmo, seguindo meu ritmo, gemendo perto de minha
boca.
Mesmo com a camisinha, eu podia sentir o quanto ela estava molhada
e quente. Meu pau deslizava em sua carne, e, a cada vez que saía e voltava a
entrar, minha pele se arrepiava. Fechei os olhos, viajando nas sensações,
delirando com o prazer do qual nem perto os meus sonhos chegaram.
Apoiei-me melhor no fundo da banheira e abri mais suas pernas,
movimentando-me com mais força, mais rápido, estocando a ponto de fazer
com que a água embaixo de mim respingasse para todos os lados.
— Você é uma delícia! — gemi em transe, desnorteado com o prazer
que estava sentindo. — Puta que pariu, que delícia!
Aurora só gemia, sua expressão delatando as fortes sensações, seu
corpo entregando-me tudo, enquanto eu queria mais e mais.
Ela abriu os olhos pouco antes de eu sentir sua boceta me apertar. Os
músculos de suas pernas se contraíram em minhas mãos, e eu soube que o
orgasmo estava próximo. Soquei com mais força, esfregando meus quadris
nos dela, estimulando cada parte de seu sexo.
Aurora urrou, seu prazer se propagando na noite, atingindo-me com
força e me empurrando no precipício para acompanhá-la. Tentei me conter,
mas não dava, era impossível não a forçar ao limite, não a carregar comigo,
diante da potência do desejo que sentíamos um pelo outro. Deixei-me ir, cada
movimento fazendo-a vibrar, arrastando-a para mais longe da beira da
banheira, enquanto eu sentia minha porra jorrar como se fossem tiros. Tremi,
travei os dentes, rugi como um bicho, completamente sacudido pelo murro de
prazer que o clímax me proporcionava.
Caí sobre ela exaurido, sem alma, sem corpo, apenas as batidas loucas
do meu coração e os reflexos do prazer intenso que me faziam arrepiar e
contrair os músculos apenas por Aurora me abraçar.
— Está tudo bem? — perguntei em um fio de voz, e ela assentiu. —
Não te machuquei?
Aurora negou.
— Foi maravilhoso, Michael!
Não falei nada, não sorri, nem mesmo balancei a cabeça. Não por não
concordar com ela, apenas porque não encontrei palavra que descrevesse o
que senti com seu corpo.
Maravilhoso chegava perto, mas ainda assim era pouco!
Terminei de pentear meus cabelos e coloquei o enorme roupão que
Michael me deu assim que entramos no banho, na suíte máster. O iate era
enorme, e eu não parava de me surpreender com seus cômodos e seu
conforto. Meus pensamentos se voltaram para pouco tempo antes.
— Já fizemos viagens longas com ele, é muito confortável.
Concordei com Michael enquanto ele me mostrava a parte de baixo,
depois que saímos da banheira.
Parecia que eu estava vivendo um sonho! Não, mais do que isso!
Nunca, em toda minha vida, eu tinha imaginado ou sonhado com uma noite
como a que tivemos. Minha primeira vez com meu antigo namorado foi boa,
ele foi carinhoso e romântico, e eu achava que aquilo era o máximo que um
homem conseguia ser. Estava enganada!
Não tinha a ver com o dinheiro de Michael ou com seu grandioso iate,
mas com cada gesto dele. Era atento, preocupado, carinhoso, e apreciei cada
momento que tivemos juntos. Percebi que não era sua intenção passar a noite
no barco, mesmo porque também não havia trazido roupas, mas que decidiu
ficar apenas para que pudesse me levar para ver as estrelas.
Fazer sexo com ele ao ar livre, no meio do nada, foi incrível! Depois,
quando nossos corpos esfriaram e as respirações voltaram ao normal, ele me
colocou de volta na água quente e me abraçou pelas costas. Deitei minha
cabeça no seu peito e fiquei ali, deslumbrada por ele e apaixonada pelo céu
acima de nós.
— Parece que aqui tudo o que conheço deixa de existir — comentei
em certo momento.
— Eu entendo. Também me sinto assim.
Abraçou-me com mais força e depositou um beijo sobre minha
cabeça.
Não soube quanto tempo ficamos lá, abraçados, acariciando um ao
outro. Ele, então, chamou-me para descer, perguntando-me se estava cansada
ou com fome.
— Completamente satisfeita! — Foi minha resposta de duplo sentido.
Após isso vimos o iate, e eu fiquei deslumbrada com a suíte, com sua
cama king size e sofás embaixo das janelas, das quais seria possível ver a
água quando amanhecesse. E então tomamos banho juntos.
— Pronta para dormir ou deseja comer algo? Ainda temos frutas e...
Silenciei-o com um beijo e não precisei mais dizer o que queria; ele
soube e me atendeu prontamente, pegando-me em seu colo e levando-me
para a cama.
Michael abriu o roupão com um puxão e abandonou minha boca para
seguir beijando meu corpo. O jeito com que ele deslizava os lábios sobre
minha pele, a quentura de sua língua em contraste com a aspereza de sua
barba, tudo isso me excitava ao extremo.
Ele era carinhoso comigo, mas não delicado. Suas mãos me
agarravam com força, seus dentes se cravavam na minha pele de verdade, e,
quando ele fazia sexo oral, eu quase me sentia ser sugada totalmente para o
seu interior. Não havia falta de intensidade na forma com que ele me comia.
Fechei os olhos e me deixei levar quando senti seus dedos explorando
meu sexo. Devagar, Michael ia sentindo, conhecendo, deslizando entre os
lábios pequenos e grandes, tocando o clitóris com reverência, tateando para
saber como eu gostava de ser tocada.
Eu nunca tinha conhecido alguém que fizesse isso, que me excitasse
por querer saber como meu corpo reagia. A maioria das mulheres
reclamavam que os homens não sabiam tocá-las ou que demoravam muito
para aprender do que gostavam, mas ele parecia extremamente empenhado
em descobrir tudo sobre o meu prazer.
— Gosta assim? — perguntou enquanto circulava meu clitóris com
dois dedos. — Ou assim? — Mudou para um só, subindo e descendo.
Eu não precisava responder, meu corpo dizia, meus gemidos
comunicavam, e ele entendia e absorvia as informações com maestria. Ergui
levemente o tronco quando seus dedos exploradores resolveram penetrar meu
corpo. Ao contrário das carícias gentis na parte externa, ele entrou com tudo,
afundando seu dedo até onde conseguia ir.
Gemi com as estocadas, ouvi o barulho de minha boceta encharcada a
cada vez que ele se movia e tentei olhá-lo, contudo estava concentrado no
meu sexo, admirando, notando cada detalhe da minha anatomia.
Dava para ver em seu rosto o quanto gostava daquilo, o quanto lhe
dava prazer aquele tempo me conhecendo, preparando-me para tê-lo dentro
de mim.
Senti meus músculos internos se contraírem, e ele riu quando seu
dedo foi apertado. Lembrei-me de Michael nu, do seu corpo bem trabalho por
anos de exercícios, suas pernas longas e tonificadas e, principalmente, seu
pau majestoso, comprido, grosso e pesado.
Era um belo membro, eu não podia negar. Mal conseguia tê-lo na
minha boca sem que minha garganta se contraísse ou eu ficasse sem ar.
Dentro de mim, pude senti-lo tocar até o fundo, como se socasse o final de
minha vagina, e, mesmo assim, parecia que não tinha entrado por inteiro.
Eu não fazia ideia do tamanho, pois não era boa em adivinhar
medidas só de olhar, mas certamente ele sabia. Homens adoravam medir seus
documentos!
— Michael... — Gemi seu nome quando senti sua língua, tal qual
veludo molhado, passar sobre meu clitóris. Ele me lambia devagar,
encostando a língua apenas no comecinho do ponto do meu prazer,
balançando-o quando a agitava de um lado para o outro.
Seus dedos – sim, porque logo se tornaram mais de um – entravam e
saíam de mim girando, e tive que encolher os dedos dos pés, tamanho prazer
que sentia. Agarrei a colcha da cama, gemendo alto, sentindo o corpo ficar
leve, a barriga se contrair e uma deliciosa energia percorrer-me dos pés à
cabeça.
— Isso! — Foi minha última palavra lúcida antes de gozar.
Agarrei-os pelos cabelos tão fortemente que, assim que a explosão de
prazer se dissipou, pensei ter uns fios arrancados em minhas mãos.
Michael se ajoelhou na cama de frente para mim e enfiou os dedos
melados com meu orgasmo na boca, chupando meu prazer com satisfação.
Em seguida, tirou a toalha que usava na cintura, expondo seu majestoso
pênis, com a cabeça mais rosada que a base, e o segurou com força.
— Tive que passar muitas noites me masturbando por sua causa.
A confissão me fez sorrir e ganhar ainda mais confiança.
— Eu vinha à sua memória quando gozava sozinho? — indaguei e me
sentei na cama, observando-o se dar prazer, aprendendo, como ele fez
comigo. — Ou você se sentia excitado só de pensar em mim?
Michael riu.
— Você não saía da minha cabeça nem por um momento. — Beijou-
me antes de concluir: — Eu colocava a roupa de baixo e sentia meu pau
respondendo, logo pensava em você; no banho, eu o pegava para lavar, e sua
imagem me vinha à cabeça. Sem contar as vezes que voltei do seu
apartamento e tive que tocar uma punheta.
Com meus olhos nos seus, não consegui não lamber os lábios ao
imaginá-lo gozando e falando meu nome, chamando-me, querendo-me,
desejando-me daquela forma.
— Quando você se masturbava, gozava onde? — Tirei sua mão de
seu pau e o peguei, esfregando-o na minha boca. — Aqui? — Depois passei-
o sobre meus peitos. — Ou aqui?
Ele gemeu, apertou os olhos e depois respondeu baixinho:
— Em todos os lugares! — Ergui a sobrancelha, desejando que fosse
mais específico, e Michael entendeu o pedido mudo. — Na sua boca, na sua
pele, na sua boceta... — Abaixou-se e falou no meu ouvido: — No seu cu.
Minha pele arrepiou-se como se ele tivesse feito mágica em mim. Sua
voz deliciosa e o hálito quente em minha orelha foram todo o incentivo que
eu precisava para abocanhá-lo com fome, concentrando-me em chupar e
sugar sua cabeça inchada.
— Porra, Aurora, chupa assim! — Apoiou a mão na minha cabeça e
guiou meus movimentos, ora acelerando-os, ora indo mais fundo e lento.
Era uma delícia tê-lo daquele jeito, todo para mim, ser dona do seu
tesão, conduzi-lo ao prazer. Prestei atenção em tudo o que gostava lá na
banheira, mas ainda havia mais! Segurei suas bolas e as acariciei sem tirar
minha boca de seu pau. Michael rosnou de prazer e puxou meus cabelos com
mais força.
Desci minha língua por sua extensão e cheguei até a pele sensível de
sua virilha, lambendo-a devagar, olhando para cima para ter consciência da
sua reação.
Substituí minhas mãos pela boca, suguei sutilmente bola por bola e
continuei a descer, explorando todo o seu corpo. Lambi suas coxas, voltei
para a virilha, beijei a base de seu sexo, até engoli-lo de novo.
— Você vai me matar desse jeito, sabia? — gemeu. — Já estou louco
para gozar e, se você não parar, não vou ter como segurar mais.
Tirei-o da boca, passei a pontinha da língua pela pequena fenda de
onde saía seu gozo e declarei:
— Quero seu prazer, assim como você teve o meu.
Michael negou.
— Preciso estar dentro de você antes.
— Não, quero assim, agora!
Ele riu.
— Devo lhe obedecer?
Sentia-me tão poderosa que o encarei antes de dizer:
— Você não terá escolha.
Voltei a envolvê-lo com a boca, esfregando também a língua,
chupando-o do mesmo jeito com que ele me havia fodido pouco antes lá em
cima. Ele tentou me deter, puxou meus cabelos, gemeu feito um bicho e,
quando desistiu de lutar contra seu prazer, entregou-me gota a gota,
estremecendo ajoelhado na cama, seus gritos enchendo o quarto.
Não parei quando ele terminou de gozar, continuei chupando e
lambendo, segurando-o com força, deliciando-me com sua porra de um jeito
que nunca tinha feito antes. Eu nunca havia sentido tanto prazer em fazer oral
em alguém, nunca sentira tanta reciprocidade. Acabei descobrindo que seu
prazer era combustível para o meu e sentia minhas coxas meladas de tesão.
Ele me afastou de si, por fim, e tombou de costas na cama, rindo e
satisfeito.
— Você é louca, deliciosamente louca!
Sorri e deitei-me ao seu lado, minha mão acariciando seu abdômen
perfeito, sentindo os músculos que formavam o caminho da perdição ou da
felicidade.
— Louca por você? Parece que sim!
Ele me olhou e me beijou.
— Eu também estou louco por você!
Meu coração acelerou, e desci a mão para acariciar suas coxas, mas
acabei encontrando outra coisa no caminho.
— Você ainda está duro!
Ele deu de ombros.
— Não estou conseguindo fazer descer. — Riu. — Acho que sua
chupada acabou quebrando o botão de desligar a excitação.
Gargalhei e olhei seu pau, tão rijo quanto antes, pulsando na minha
mão.
— Ainda sente prazer ou...
— Claro! Está muito sensível e sinto mais do que antes.
Lambi os lábios e o encarei.
— Você não queria estar dentro de mim de novo?
Michael ficou sério e assentiu.
— Quero fazer isso a todo momento, Aurora, mas temo demorar
muito para gozar agora. Não está cansada?
Minha resposta foi subir em seu corpo, montando-o como se ele fosse
um cavalo, esfregando meu sexo contra o seu. Michael agarrou meus quadris
e puxou-me mais para baixo, esmagando seu pau.
— Cadê as camisinhas? — gemi, rebolando gostoso.
Ele apontou para a mesinha de cabeceira, mas não as pegou.
— Fica aí mais um pouco... Está delicioso!
Inclinei meu corpo para trás, apoiei as mãos nos seus joelhos e
esfreguei-me mais contra ele, molhando-o com minha excitação.
— Caralho, que delícia! — Ele delirava, mexendo-se contra mim
também.
Não percebi como aconteceu, mas, de repente, em um movimento
mais longo meu e em uma elevação de quadril mais pronunciada dele,
acabamos encaixando-nos um no outro.
Arregalei os olhos e fiquei imóvel ao sentir a cabeça de seu pau na
minha entrada. Ele pulsava gostoso, estava quente como ferro em brasa, e eu
sentia como se estivesse pegando fogo dentro de mim.
— Michael? — chamei-o, mas ele mal se mexia. — Ei, precisamos...
Não consegui concluir, porque simplesmente ele me segurou firme
pela cintura, e eu achava que iria me tirar de cima de si, mas agiu de forma
contrária e se afogou no meu corpo.
Estremeci, sentindo um prazer que não conseguia descrever, como se
uma descarga elétrica passeasse por todo o meu corpo, acelerando meu
coração e deixando minha cabeça completamente zonza.
— Só um pouquinho... — ele pediu finalmente, estocando dentro de
mim enquanto me mantinha imóvel.
Estávamos os dois com os exames em dia, eu sabia, pois a clínica me
testara várias vezes, e ele, na hora de doar o material, devia ter feito o
mesmo, mas ainda assim era um risco. Ele poderia acabar gozando dentro de
mim e complicar tudo.
Gemi quando espalmou meus seios, esfregando-os, fazendo com que
a razão me abandonasse por um momento. Já livre da pressão para ficar
quieta, inclinei-me mais na direção dele, rebolando e tentando alcançar a
mesinha onde estavam as camisinhas, mas não dava.
— Michael, é melhor pararmos...
— Eu sei! — gemeu como se se sentisse dolorido e me ergueu, saindo
de mim. — Você consegue pegá-las?
Sorri e me estiquei mais, alcançando o pacote e o rompendo.
— Está à mão!
Balancei a proteção e desci até seus joelhos a fim de colocá-la.
— Nunca havia acontecido isso — ele começou a falar, e eu só o
olhei curiosa. — Eu nunca havia entrado em uma mulher sem camisinha.
Ergui a sobrancelha.
— Sério?
Ele assentiu.
— Porra, é uma delícia! Você é... — Suspirou. — Vamos cuidar para
que não aconteça de novo, tudo bem?
Terminei de colocar o preservativo e pisquei.
— Como dizemos na roça: seu cavalo já está selado, caubói!
Ele gargalhou e se sentou na cama.
— Então me mostre se sabe cavalgar!
O que aconteceu ontem à noite?, pensei enquanto pilotava o barco de
volta para a marina.
Aurora ainda dormia, mas, como eu sabia que ela precisava ir para a
universidade, acordei – mentira, mal dormi – ao alvorecer e tratei de nos
levar de volta para terra firme.
A noite foi marcada por uma sucessão de situações não planejadas.
Não era para eu ter nos levado para longe da costa, mas quis lhe mostrar as
estrelas sem o incômodo das luzes da cidade, que lhes tiravam o brilho.
Depois, quis tomar banho com ela após fazermos sexo na hidromassagem. E,
então, aquela loucura na cama!
Aquela mulher me tirava do eixo, e isso era algo raríssimo de
acontecer!
Quando adolescente, eu tinha problema para perder a ereção depois de
gozar tocando punheta, mas achava que isso era por causa dos hormônios,
principalmente quando não voltou a ocorrer na vida adulta. Sabia que tinha
um tempo de recuperação menor do que a maioria dos homens, porque as
mulheres com quem saía sempre se surpreendiam por eu estar pronto para
outra foda em menos de 20 minutos depois de gozar. Geralmente, era o
tempo de um banho e nada mais.
Entretanto, continuar duro daquele jeito depois de ter gozado duas
vezes? Aquele certamente foi um efeito colateral provocado por Aurora
Ryan!
Ela não tinha apenas cabelos de fogo, ela era fogo! Eu jamais teria
imaginado ver as expressões safadas e com tamanha confiança no seu rosto
inocente. Os lábios inchados e vermelhos, o sorriso malicioso, o jeito como
me tocava, tudo isso contribuiu para me levar ao delírio.
Literalmente delirei! Sim, porque me afundei em seu corpo sem
proteção e... Só em lembrar, senti novamente o mesmo frisson, como se
tivesse recebido um choque, mas muito, muito prazeroso.
A noite foi um espetáculo, eu não podia negar. Trepamos longamente,
até ela gozar umas duas vezes e cair exaurida ao meu lado. Não consegui
ejacular, mas senti tanto prazer que estava já travando a mandíbula,
desesperado por liberação.
Aurora dormiu sobre meu peito, os cabelos espalhados no meu ombro
e na fronha alva do travesseiro, enquanto eu não podia pregar os olhos.
Estava me sentindo bem, diferente. É claro que se devia ao sexo estupendo e
à noite única que tivemos.
Inocentemente, pensei que talvez uma noite com ela fosse o suficiente
para sentir menos desejo, para curar a obsessão que ela se tornara em minha
vida, porém aquela noite me provou que eu ainda não tinha tido o suficiente
de Aurora Ryan.
Eu a queria ainda mais! Queria realizar com ela todas as fantasias que
alimentei durante o tempo em que pensei que nunca poderia tocá-la.
Mal havia pensado nisso, e meu corpo acordou. Tentei não a
importunar, deixar que descansasse, mas foi difícil. Acariciei suas costas para
apenas senti-la um pouco, então desci para seus quadris, apertei sua bunda e,
excitado feito um touro, acabei acordando-a.
Trepamos de lado, sonolentos no começo, para terminar no sofá, sob
as janelas. Aurora sentou-se em mim de um jeito que eu nunca havia
imaginado. Tudo o que fiz foi ficar ali, parado, sentado no sofá, enquanto ela
subia e descia, rebolava e se esfregava no meu pau. Gozei com força,
novamente junto a ela, tomamos um banho, e ela apagou de vez. Devo ter
cochilado por uns minutos, mas acordei com o dia clareando e decidi voltar
para a cidade.
O idílio havia acabado, e dali para frente iríamos decidir como
prosseguir.
— Bom dia!
Olhei para trás rapidamente e a vi terminando de subir a escada,
segurando-se com força no corrimão, vestida com meu roupão, que ficava
enorme em seu corpo.
— Bom dia! — saudei-a de volta, e ela se aproximou devagar e
sentou-se ao meu lado.
— Acordou cedo, hein?
Apertei os olhos, já incomodado com o sol, pois não havia levado
óculos, e concordei.
— Você me disse que suas aulas começavam hoje, então decidi voltar
para que não perdesse o dia.
Ela não respondeu, olhando para frente, apoiando a mão na testa para
fazer sombra sobre seus olhos. Eu conseguia sentir o cheiro do sabonete que
usáramos no banho, mas estava tão forte que concluí que ela tinha acabado de
tomar outra ducha.
Achei kits de higiene no quarto de hóspedes e consegui duas escovas
de dentes, creme dental, sabonete, xampu e condicionador. Eu nunca havia
saído com o barco sem trazer bagagem antes, e, por sorte, havia no meu
closet o roupão, uma sunga e duas bermudas.
Vesti a camisa que usava na noite passada, mas não coloquei a calça,
optando por uma das bermudas que achei no armário. O dia estava quente,
pois ainda não havíamos entrado no outono, mas, em breve, aquilo iria
acabar, e o vento gelado voltaria a soprar na Cidade dos Ventos.
— Tem uma máquina de café na sala onde tem a televisão, você viu?
— puxei assunto com Aurora.
— Vi, mas não quero, obrigada. Tomarei café em casa, quando for me
trocar para ir estudar.
— Tudo bem. — Respirei fundo. — Dormiu bem?
— Como uma pedra. — Sorriu, mas não foi o sorriso que eu gostava
de ver. Aurora estava tensa. Talvez estivesse ponderando o mesmo que eu,
sem saber como agir dali por diante. — O barulho do barco me acordou,
porque, senão acho que poderia dormir até o meio-dia.
— Desculpe-me por isso.
Aurora deu de ombros.
— Tudo bem, eu não podia dormir até o meio-dia mesmo! — Olhou-
me no exato momento em que eu a estava olhando também. — E você,
conseguiu descansar?
— Não muito. Sempre tive dificuldade de dormir no barco...
Ou com alguém ao meu lado, completei apenas em pensamento, pois
não queria falar sobre isso com ela. Sabia que, em algum momento, o assunto
deveria surgir, ainda mais se continuássemos a fazer sexo... Um arrepio
perpassou meu corpo ao pensar em não a ter na cama de novo.
Por mais que eu me sentisse estranho, admitia que queria mais. A
noite que passamos juntos foi intensa e muito gostosa, e eu não tinha a tal
regra de uma noite só, achava aquilo a maior bobagem. É claro que, às vezes,
acontecia de trepar uma vez e não ver mais a pessoa, mas não era por alguma
regra tosca.
A única coisa que sempre me incomodava era dormir junto a mais
alguém. Podia passar a noite toda trepando, mas, na hora de dormir, preferia
ir embora e estar sozinho em minha própria cama. Lane reclamava disso, pois
alegava que, mais do que amantes, nós éramos amigos, mas eu achava íntimo
demais acordar com alguém e tomar o desjejum juntos.
Talvez fosse por isso que eu não tinha pregado o olho a noite inteira.
O sentimento estranho que eu sentia com Aurora nos meus braços, entregue
ao sono, devia ser a falta de costume.
Era isso!
E ter me levantado da cama antes que ela acordasse foi uma maneira
de fugir da intimidade de acordarmos juntos. Até ali, nada de diferente no
meu comportamento. A única questão era que eu não me sentia bem por ter
agido assim. Foi difícil deixá-la na cama sozinha. Fiquei olhando-a dormir
por muito tempo antes de deixar o quarto.
Nós precisávamos conversar para acertar as coisas, porque talvez eu
tivesse me sentido mal pelo simples fato de ela não saber que eu não dormia
com ninguém.
Ensaiei como começar o assunto algumas vezes, mas acabamos
chegando à marina sem conversar.
Ela vestiu novamente o vestido, só que sem a calcinha, e fiquei bem
tenso dentro do carro enquanto dirigia com ela ao meu lado. Queria tocá-la,
sentir sua pele, arrancar os deliciosos gemidos de sua boca, no entanto queria
deixar tudo às claras antes.
Só não sabia como começar o assunto!
— Obrigada por me trazer — Aurora agradeceu assim que parei o
carro em frente ao seu prédio e tirou o cinto de segurança. — Foi uma noite
maravilhosa!
Sorri tenso, meu corpo implorando para ter o dela nos braços, para
senti-la mais, nem que fosse em um abraço.
— Foi, sim. — Minha resposta saiu tensa, porque eu me encontrava
em uma batalha entre a razão e o desejo. — Aurora, eu...
— Está arrependido do que houve, não é? — ela concluiu quando
titubeei.
— Não, não estou! — apressei-me em responder, e ela finalmente me
encarou. — Concordo com você, a noite foi incrível, a questão não é essa.
Ela deu uma risada estranha.
— O contrato...
— Também — concordei. — Mas, sobre isso, a gente já acertou que o
que aconteceu entre nós nada tem a ver com ele. — Ela assentiu. — É que eu
não esperava que passássemos a noite inteira juntos, entende? Aconteceu,
mas não é algo que costumo fazer.
— Ah... — Ela balançou a cabeça. — A tensão toda que senti foi
porque dormi na sua cama.
Merda, ela falando desse jeito me faz parecer um babaca!, pensei, um
tanto desesperado, temendo que aquela conversa a afastasse de mim.
— Não, você dormiu na minha cama porque estávamos cansados
demais para retornar...
— Você poderia ter-me dito, e eu dormiria no outro quarto.
A maneira como ela falou aquilo, demonstrando que não se importaria
em dormir em outra cama, deveria ter me trazido alívio, mas não foi o que
aconteceu.
— Esquece isso! Aconteceu como tinha que acontecer. Não era por
esse motivo que eu estava tenso. — Ela franziu a testa, sem entender. —
Queria conversar contigo sobre essas coisas, deixar tudo bem claro entre nós.
— Mais? Ah... — Aurora se ajeitou no banco. — Você está com
medo de que eu confunda as coisas! Não se preocupe, fiz sexo com você
sabendo que era só isso: sexo. Não entendo o que não está claro entre nós. A
única coisa que eu não sabia era que você não gosta de dividir a cama; agora
sei.
Novamente senti que meu tiro havia saído pela culatra. O que eu
queria, afinal? Aurora parecia entender bem o tipo de envolvimento que
tínhamos. Eu deveria estar contente com isso... mas não estava.
— Vamos nos ver de novo? — Odiei a pergunta e, principalmente, o
tom quase implorativo com que ela saiu.
— Claro, eu moro no seu apartamento! — Piscou descontraída, e senti
um aperto no peito.
— Não foi isso que perguntei, Aurora, você sabe. — Toquei seu
braço, e sua pele se arrepiou toda, o que era um bom sinal. — Eu ainda quero
você. Esse desejo, essa atração — respirei fundo, sentindo-me excitado —,
tudo isso ainda está entre nós.
Ela concordou, olhando para minha mão enquanto eu a acariciava. De
repente respirou fundo e se afastou.
— Eu preciso ir, senão vou chegar atrasada para a aula. — Por um
momento, vi uma certa vulnerabilidade em seu olhar, e isso me deixou ainda
mais puto com minha falta de tato em conduzir o assunto com ela. — A gente
se fala depois, ok?
Arrumei-me no banco do motorista, aquiesci e a vi descer do carro
sem que eu a ajudasse, ainda me recriminando por não ter sabido falar com
ela. Não deveria ter ficado tão tenso, ao menos poderia ter tentado disfarçar
ou ter falado com ela na noite passada. Eu me sentia perdido, sem saber como
lidar com aquela situação, tão diferente de todas as outras nas quais já tinha
estado.
Tudo com Aurora foi diferente, nada seguiu como costumava
acontecer comigo. Eu era um homem que calculava riscos, que previa ganhos
e perdas futuras, que seguia um norte, então, quando as coisas saíam dos
trilhos, pelo menos na minha vida pessoal, levava um tempo até digeri-las e
traçar novos caminhos.
Dirigi até meu apartamento ainda sem entender o que estava
acontecendo comigo e por que razão me importei tanto ao ver que, por mais
que ela não demonstrasse, eu a magoara, e isso me doía.
Arrumei-me para o trabalho mais rápido do que fazia normalmente e
fui até a casa de minha mãe, onde a encontrei já terminando o desjejum.
— Achei que não viria hoje! — comentou com um sorriso.
— Eu a avisaria caso não pudesse vir. — Beijei sua testa e me sentei.
— Soube que saiu de barco ontem à noite, então...
Arregalei os olhos, e minha mãe sorriu confiante.
— Como soube disso?
Ele gargalhou e passou vagorosamente geleia de maçã em uma
torrada enquanto me fazia esperar pela resposta.
— Lottie estava na marina com o marido e viu você no King. —
Balancei a cabeça, apavorado com a rede de fofocas das amigas dela. — Sabe
que fiquei surpresa?
— Por eu ter saído de barco? Sempre adorei navegar!
— Não, seu bobo! Desde menino você é louco por barcos, como seu
avô também era. — Ergui a sobrancelha, ainda sem entender sua surpresa. —
Mas nunca soube de você ter compartilhado esses momentos com alguém. —
Engasguei-me com o café que havia acabado de colocar na boca. — Claro
que já passeamos juntos no King, e acho até que você já convidou o Bob, mas
uma mulher?
Que língua desgraçada a dessa Lottie!, pensei, querendo matar a mãe
de Robert.
— Tem muita coisa sobre mim que você não sabe, mãe! — Tentei
disfarçar.
— Ah, é? — Encarou-me interessada. — Lottie disse que a moça
parecia ser muito bonita, apesar de seus binóculos não a terem captado com
exatidão.
Arregalei os olhos, assustado com a audácia da mulher em bisbilhotar
minha vida com binóculos, e minha mãe riu alto.
— Tenho medo dessas suas amigas! — confessei, aliviado por ter me
afastado da marina, porque, se não, a ex senhora Clark teria um showzinho
particular para stalkear. — Você não deveria a incentivar a fazer essas coisas.
— E eu preciso? — Riu. — Até tentei pará-la, mas, quando ela disse
que havia champanhe e tudo, fiquei muito curiosa.
— Porra! — xinguei, rindo da audácia da mulher. — Eu deveria fazer
uma queixa ao clube!
Ela bateu na minha mão.
— Deixa isso para lá! Lottie se diverte observando a vida alheia
porque a dela... — Suspirou. — Bom, foi por isso que pensei que não o veria
hoje nem liguei para saber se teria companhia para o café. Tinha medo de
incomodar.
Balancei a cabeça.
— Eu a teria avisado caso não viesse, já disse — reforcei, mas sem
falar mais nada sobre a indiscrição de Lottie. — Como foi seu domingo?
Mamãe deixou para lá a história do iate e passou a me contar sobre o
jantar especial que ganhara de aniversário dos funcionários da mansão. Eu a
ouvi atentamente, adorando vê-la tão alegre, vivaz e saudável que nem
parecia que, havia algum tempo, quase a havia perdido.
— Martha ficou encantada com os livros que você me deu de presente
— falou pouco antes de eu ir embora. — Principalmente aquele que sua
amiga me mandou. É uma obra de colecionador. Espero que Aurora não a
tenha tirado de sua coleção particular.
Meu coração disparou ao pensar nela, ainda um tanto puto por a ter
machucado com meu comportamento no barco e no carro.
— Ela fez questão de presenteá-la com ele, mãe!
— Eu sei, por isso quero tanto lhe agradecer!
No momento em que me fitou, com aqueles olhos azuis implorando
que eu concedesse sua vontade, eu soube que estava mais do que perdido e
que não haveria como recusar seu pedido.
— Vou falar com ela — prometi de novo, mesmo que não tivesse
cumprido a primeira promessa.
— Não só fale, traga-a aqui para que eu a conheça! Já até comprei um
presentinho para retribuir.
Fechei os olhos e coloquei a mão no rosto, completamente derrotado
por Shelly Griffin.
Não consegui prestar atenção às aulas nem tive apetite para almoçar.
Por isso achei melhor ir para a biblioteca dar andamento à minha pesquisa e
tentar parar de pensar sobre o que tinha acontecido naquela manhã.
Eu não estava chateada por Michael ter me dito o óbvio. É claro que
sabia a natureza do nosso envolvimento, apesar de isso não me impedir de
entregar a ele mais do que meu corpo, e não iria cobrar nada dele por causa
da noite maravilhosa e romântica que tivéramos.
O que me magoou foi a forma com que ele me tratou depois que o dia
amanheceu. Não saberia explicar direito, mas me senti usada e descartada,
como se nada do homem carinhoso, gentil e que me fez gozar a maior parte
da noite tivesse resistido ao nascer do sol.
Ele estava frio, tenso e mal me olhava!
Foi uma sensação ruim, e eu só queria chegar em casa e sair de perto
dele, por mais que o desejasse. Sim, eu o desejava e mais até do que antes! Só
que reconhecer isso não mudava o fato de que ele me magoou e, muito mais
do que desejá-lo, eu gostava de ser querida, e ele me fez sentir como se não o
fosse.
Paciência!, pensei, obrigando-me a prestar atenção em uma
dissertação sobre um autor latino. Sabia que o que tivemos foi inexplicável,
uma perfeita harmonia de pele, química e encaixe. Não teve absolutamente
nada que eu mudaria ou me arrependeria daquela noite. Se Michael decidisse
que suas reservas eram maiores do que tudo o que experimentamos, o
problema era dele.
Eu nunca tentava fugir de nada a minha vida toda. Decidira que iria
conseguir uma boa bolsa de estudos e fiz exatamente isso, e estava prestes a
enfrentar um dos maiores desafios do mundo, gestar um bebê que não seria
meu por amor à minha mãe. Fui ensinada a enfrentar situações, fossem quais
fossem, mas também a me retirar caso o preço fosse maior que o objetivo.
A noite com Michael mexeu comigo, e eu sabia que, se continuasse,
poderia pagar um alto preço, principalmente por ele não me esconder o que
não queria comigo. A responsabilidade afetiva não era dele, era minha, caso
eu insistisse e acabasse me apaixonando. Teria que arcar com as
consequências disso dignamente, sem culpá-lo por nada.
Seria fácil? De jeito nenhum, mas seria o justo.
Desisti do texto e olhei para longe, sem enxergar nada, perdida em
pensamentos. Eu tinha duas alternativas: resistir à atração e, mesmo se ele
ainda quisesse continuar a fazer sexo comigo, recusá-lo; ou viver o que tinha
que viver sem pensar no amanhã.
Não importava qual fosse a minha decisão, o que eu não podia de
maneira alguma era criar expectativas irreais sobre nós dois. Não estávamos
começando uma relação normal, em que duas pessoas que se sentem atraídas
vão se conhecendo a cada dia mais, até que percebem que estão apaixonadas
ou que o relacionamento não tem futuro. Não! Ambos já iniciamos aquilo
sabendo que não passaria de prazer, de tesão, de sexo nu e cru.
Eu estava pronta para algo assim? Não sabia dizer.
Suspirei longamente e voltei para meu texto exatamente quando meu
telefone me avisou do horário e percebi que já tinha que voltar para casa, pois
não tinha desmarcado o treino.
Arrumei minhas coisas, devolvi os livros que havia pegado e saí do
prédio mexendo na bolsa, procurando meu cartão para pagar o metrô. Foi por
isso que não percebi quando esbarrei em alguém.
— Anda sempre sem olhar para frente? — Levantei o rosto surpresa e
vi Jack sorrindo. — Como vai, Rory?
— Jack! Que surpresa encontrá-lo aqui. — Franzi a testa. — Está à
espera de alguém?
— Não, vim saber de freelance. Uma irmandade vai fazer uma
festinha e queria me contratar como bartender. — Cruzou os braços. —
Marcaram comigo aqui na universidade.
— Muito legal! — Fiquei realmente feliz por ele. — Conseguiu a
vaga?
— Claro! — Piscou.
Olhei para o relógio do meu celular e voltei a remexer na bolsa.
— Eu tenho que correr, pois tenho um compromisso daqui a pouco —
desculpei-me e acenei para ele, despedindo-me. — A gente se vê qualquer dia
no bar.
— Você não quer uma carona?
Olhei para ele e vi que apontava uma motocicleta. Meu coração
disparou com o oferecimento, sem saber o que falar.
— Eu não quero desviar você de sua rota — respondi com um sorriso.
— Não vejo problema, não estou com pressa. Além disso, nem sei
para onde você precisa ir.
— Eu moro em Lincoln Park...
— Perfeito! Sem desvios, vou para o bar.
Ele tirou um capacete extra da traseira da moto e me estendeu.
— Aceita ir comigo?
Assenti, sem ver problema e aliviada, pois certamente iria me atrasar
para o treino, pois ainda precisava andar até a estação do metrô e depois da
estação até o prédio.
— Já andou de moto? — ele perguntou assim que abracei sua cintura,
sentada na garupa.
— Já, sim, meu primeiro namorado tinha uma pequena, e a gente ia e
voltava da escola nela.
Ele riu.
— Bom, esta aqui é um pouco mais bruta e mais rápida. — Acelerou,
e o ronco do motor quase me deixou surda. — Quer ir com emoção ou sem
emoção?
Gargalhei e gritei:
— Quero chegar inteira e viva!
— Com emoção, então!
Ele saiu acelerado, e eu tive que segurar firme em sua cintura. Meu
coração batia forte por causa da adrenalina e do medo, e, em alguns trechos,
fechei os olhos. Descobri que o bom de andar de moto era que não ficávamos
parando no trânsito, pois dava para costurar entre os carros e avançar no
engarrafamento.
Foi um passeio um tanto louco, mas muito divertido, porém eu
admitia que fiquei feliz por chegar inteira e viva ao meu prédio.
— Está entregue! — Ele olhou ao redor e assobiou. — Não sabia que
vocês três moravam tão bem assim! Essa é uma das melhores ruas que ficam
longe do lago.
Fiquei sem jeito ao perceber que ele achava que eu ainda morava com
minhas amigas, mas não o contradisse, apenas sorri.
— Obrigada pela carona. — Tirei o capacete e, justamente quando o
estava entregando para Jack, vi Michael atravessar a rua. — Oh, merda!
— O que foi? — Jack indagou e, em seguida, seguiu meu olhar. —
Ah... o cara daquela noite.
Eu não tinha ideia de que Michael apareceria naquele dia e, se tivesse
que apostar, diria que ele iria ficar um tempo sem aparecer. Perderia feio,
muito feio!
— Mi... Senhor Griffin! — corrigi-me a tempo, lembrando-me da
audiência de Jack.
— Aurora, como vai? — ele me cumprimentou sério e, em seguida,
olhou para o rapaz na moto. — E você, quem é?
Jack estava sério e chegou a se empertigar para equilibrar um pouco a
diferença de altura entre ele e Michael. Era bonito ver os dois juntos, eu não
podia mentir. Másculos, cada um à sua maneira. Os cabelos de Michael eram
um pouco mais claros do que os de Jack, enquanto os olhos do bartender
eram castanhos, e os do empresário eram azuis.
— Jack Miller. — Estendeu a mão. — Amigo de Rory. E você?
Michael apenas arqueou a sobrancelha e, ignorando-o completamente,
virou-se para mim.
— Liguei para Joseph, e ele disse que não a estava encontrando na
universidade.
— Joseph? — Tentei lembrar algo relacionado ao motorista. — Ele
está na universidade?
Michael bufou.
— Está há horas, esperando que a senhorita saísse para trazê-la —
olhou para a moto — em segurança.
Meu rosto ficou vermelho. Não ignorava que Jack estava prestando
atenção à conversa.
— Eu não sabia que ele... Não combinamos nada.
Michael assentiu.
— Ficou claro. — Olhou para Jack de novo. — Obrigado por trazê-la,
rapaz, mas ela tem motorista que é pago para fazer isso, então suas caronas
são dispensáveis daqui por...
— Michael! — Interrompi-o, enervada com o jeito com que tratava o
bartender. — Jack, desculpe-me por isso.
— Tudo bem, Rory. — Ele me olhava de um jeito estranho. — Acho
melhor você resolver suas questões com o “almofadinha” aí, depois nos
falamos.
Ele colocou o capacete, subiu na moto e saiu disparado, fazendo um
enorme barulho naquela vizinhança tão calma.
— “Almofadinha”? — Michael riu debochado. — É com esse tipo de
gente que você se relaciona?
Respirei fundo e abri a boca para responder-lhe, contudo achei que
não valia a pena e dei-lhe as costas, seguindo para o interior do prédio.
— Aurora, estou falando com você — Michael rosnou ao meu
encalço, mas não parei. — Aurora!
Ele me pegou pelo braço, fazendo-me parar de andar à força, bem
quando o porteiro abriu a porta para que eu entrasse.
— Solte-me! — murmurei.
— Não, precisamos conversar! — disse ainda em tom incisivo.
Encarei-o. Seus olhos azuis pareciam estar com um brilho diferente,
mais intenso, e sua expressão fechada o deixava mais sexy e perigoso.
— Não sei se quero conversar agora contigo. — Puxei o braço, e ele
me soltou. — Além disso, estou atrasada para o treino com Clayton.
— O treino pode esperar ou ser cancelado.
Ergui a sobrancelha.
— Meu chefe mandou que eu me exercitasse todos os dias para
garantir que estivesse bem de saúde e forte para...
— Aurora, eu não estou brincando! — Ainda estava sério, mas sua
voz já havia suavizado. — Fiquei preocupado quando Joseph disse que não
conseguia localizá-la.
— Eu não sabia que ele estava lá!
— Mas foi ele quem te deixou lá mais cedo! Por que não te esperaria?
Suspirei e olhei de esguelha para a portaria, onde o porteiro ouvia
tudo, parado ainda segurando a porta aberta.
— Vamos entrar, chega de cenas por hoje!
Entrei pisando duro, cumprimentei o porteiro entredentes e agradeci a
Deus, mentalmente, pelo fato de o elevador estar parado no térreo. Coloquei-
me no fundo do aparelho, apertei o número do andar e esperei Michael se
juntar a mim. Assim que as portas se fecharam, estourei:
— Quem você pensa que é para dizer ao Jack que ele estava
dispensado de me dar carona? A maneira que falou com ele foi totalmente
desnecessária!
— Mal pude acreditar quando vi você descer daquela moto velha e
barulhenta! — Ele não ergueu a voz, mas deu um passo na minha direção, e o
jeito que me olhava dizia o quanto estava nervoso. — Será que não percebeu
que poderia estar colocando sua vida em risco?
Ri balançando a cabeça.
— Tem noção do quanto é exagerada sua reação? Eu ainda não estou
grávida, Michael! — frisei cada palavra, e ele prendeu o fôlego e recuou um
pouco. — Jack é um amigo que tentou me ajudar ao oferecer uma carona
porque eu não achava o cartão... — Respirei fundo. — Não sei por que tenho
que te dar satisfação!
— Não precisa dar nenhuma, é só ter mais juízo da próxima vez e
voltar com a porra do motorista que pago para estar à sua disposição!
— Eu não pedi a porra de um motorista! — respondi no mesmo tom,
aproximando-me dele, esticando-me para estarmos frente a frente. Podia
distinguir as narinas de Michael se alargando ao respirar, assim como a veia
pulsando em seu pescoço. O clima estava pesado, tenso, e meu coração se
encontrava tão acelerado que parecia fazer-se ouvir de longe.
— Foda-se!
Não tive tempo de processar o xingamento, pois fui empurrada contra
o espelho do elevador e beijada com loucura. Levei um segundo para
processar o que estava acontecendo, e, a princípio, meu primeiro pensamento
foi repeli-lo, mas, assim que o toquei, não consegui forçá-lo a me deixar.
Agarrei-o pelo pescoço e arrastei minhas unhas em sua nuca sem dó,
ciente de que deixaria marcas no futuro e não me importando nada com isso.
Michael enfiou a língua inteira na minha boca, quase indo à minha garganta,
então travei os dentes contra ela, prendendo-o enquanto a chupava com força.
Ele gemeu, eu tremi, e meu corpo respondeu de forma úmida e
quente.
O som das portas do elevador se abrindo não foi suficiente para nos
afastar, pelo contrário, Michael me ergueu, arrastando-me para cima contra o
espelho, e eu o abracei com as pernas, encaixando meus quadris nos dele.
Gemia e me movia como uma gata, arranhando, puxando seus
cabelos, mordendo sua boca. Ele retribuía as provocações apertando-me
contra a parede fria espelhada, rebolando contra meu sexo, fazendo-me ter
noção de sua excitação.
— Cof, cof...
O som forçado nos fez abrir os olhos ao mesmo tempo, e eu, mesmo
não querendo, vi o porteiro e uma senhora nos olhando – ela com cara de
assustada, e ele tentando não rir.
Mas que merda! Empurrei Michael para longe e resgatei minha bolsa,
que em algum momento tinha caído no chão. Estávamos de volta ao térreo,
pois, no frenesi da paixão, não percebemos que o elevado havia descido.
Já ia me desculpar com as pessoas, quando senti a mão de Michael na
minha, e logo fui sendo puxada para fora.
— Com licença! — Ele passou pelo porteiro e pela senhora como
uma flecha, levando-me junto a si para fora do prédio de novo.
— Aonde estamos indo? — inquiri curiosa, mas ele não respondeu,
seguindo para seu veículo. — Michael?
Ele parou, abriu a porta do carona e me olhou. Parecia transtornado,
desesperado, ansioso...
— Só entre, Aurora!
Eu ia teimar em saber, mas sua voz parecia implorar. Cedi, mas não
me dei por vencida. Ele não demorou a entrar também e logo deu a partida,
sem me olhar ou falar qualquer coisa. Dirigiu rápido, impaciente, por alguns
minutos, até chegarmos a um enorme condomínio à beira do lago.
— Que lugar é este? — questionei quando entramos na garagem
subterrânea. — Michael?
Ele estacionou e respirou fundo.
— Meu apartamento. — Arregalei os olhos, e ele me encarou sério.
— Eu preciso de você! Eu quero você!
Meu corpo estremeceu diante da força daquelas palavras, da
intensidade de seu olhar.
— Eu não sei se...
— Eu entendo que temos que conversar, mas... o que houve no
elevador... — Concordei. — Fica comigo, Aurora! Nossos corpos sabem se
entender perfeitamente e querem isso, precisam um do outro agora.
Eu ainda estava bem brava com ele, mas não podia discordar do que
havia falado. Meu corpo o queria, o desejo era tão forte que apenas se
intensificou quando a raiva explodiu.
— Fico!
A resposta pareceu pegá-lo de surpresa, pois, ao que parecia, ele
achava que eu iria discutir e ponderar. Até iria, sim, expor meu ponto de vista
e tentar que ele visse o quanto boçal tinha sido comigo e com Jack, mas
depois. Não iria negar a nós dois o que queríamos, não quando o mesmo
desejo que o consumia estava me possuindo também.
— Fica comigo, Aurora! Nossos corpos sabem se entender
perfeitamente e querem isso, precisam um do outro agora.
— Fico!
Achei que teria de argumentar com ela e estava disposto a fazê-lo,
ainda mais depois da cena patética que protagonizei quando a vi com o
motoqueiro. Só de lembrar-me de ver Aurora na garupa daquela moto velha,
agarrada na cintura dele, eu voltava a sentir uma coisa tão esquisita e
desconhecida que fazia meu sangue ferver.
Não sabia o que era nem queria avaliar profundamente o sentimento,
bastava dizer que não gostei de vê-la naquela situação, e, mesmo que
parecesse exagero o que falei sobre sua segurança, era o único argumento que
eu tinha para explicar minha reação.
Foda-se!, pensei.
Eu não queria ver Aurora com qualquer homem, tocando-o como
fosse, e muito menos queria aquele rapaz – que não devia ter 30 anos –
revoando em torno dela.
Aurora era minha... Quer dizer, pelo menos naquele momento ela era.
Realmente eu tinha saído do escritório e ido direto para o apartamento
dela assim que Joseph me informou que não a havia encontrado na
universidade. Liguei para seu celular, mandei mensagem, mas – obviamente
– não retornara.
Não pensei muito, apenas deduzi que havia voltado para casa mais
cedo e pensei que estivesse com algum problema. Peguei o carro e dirigi
como um louco do centro da cidade até Lincoln Park. Tinha só acabado de
colocar o carro em uma vaga, quando a moto barulhenta entrou na rua, e vi,
incrédulo, Aurora descer dela, sorrindo e falando com o piloto.
Meu sangue ferveu. Não tinha ideia do que estava acontecendo
comigo, apenas desci do veículo e interrompi a conversa dos dois, encarando
e medindo o outro homem como faria um orgulhoso homem das cavernas. E,
é claro, ela não gostou nada da minha atitude, reagindo a mim com a mesma
raiva que vi em seus olhos quando descobriu que eu seria o pai do bebê que
fora contratada para gerar.
Depois, o beijo no elevador foi como ter entrado no olho de um
furacão. Tudo estava desmoronando, a gente estava discutindo, os seus olhos
queimavam como chamas verdes de um fogo místico, e eu senti o desejo me
sufocar e me empurrar até ela.
Foi impensado, instintivo, deliciosamente perfeito! Pelo menos até
sermos pegos em flagrante pelo porteiro e uma condômina, então tive que
pensar rápido, e o único lugar que me veio à mente foi meu apartamento.
— Vem comigo! — Desci do carro na garagem do meu prédio e a
ajudei a sair do veículo, indo, mais uma vez, até um elevador.
Abracei-a apertado assim que entramos, mas não tentei beijá-la,
porque sabia que, se começasse, não conseguiria parar. Aurora tinha algo que
me fazia querer mais e mais dela o tempo todo, e esse desejo era tão intenso
que eu estava me desconhecendo.
O dia tinha sido um inferno! Eu estava com a pauta lotada, a agenda
cheia, e nenhuma concentração para acompanhar índices e tendências, muito
menos ouvir a opinião do pessoal que trabalhava comigo. Aurora não me saía
da cabeça, e eu só pensava em como iria conseguir retratar meu
comportamento daquela manhã.
E piorei tudo à tarde!, pensei ao beijar o topo de sua cabeça.
Ela não disse uma só palavra, apenas ficou parada encostada em mim,
dentro dos meus braços. O silêncio fez minha cabeça ferver, pensar em tudo o
que gostaria de lhe dizer antes que aquele tesão explodisse entre nós dois
mais uma vez, para o bem ou para o mal.
Contudo, assim que abri a porta do meu apartamento, todas as
palavras se foram, e ficou apenas a vontade pungente de vê-la entre minhas
coisas, deitada na minha cama, nua sob o jato potente do meu chuveiro e
cheirando ao meu sabonete.
— Você consegue ver o lago daqui! — Aurora admirou-se com minha
vista, e sorri, abraçando-a pelas costas.
— Da janela do meu quarto a vista é ainda melhor — comentei, e ela
suspirou. — Basta deixar as cortinas abertas, e sou acordado pelo sol
nascendo sobre o lago.
— Deve ser lindo!
— É, sim! — Beijei seu ombro. — Quer alguma coisa para beber?
Afastei-me dela e segui até a cozinha conjugada, abrindo a cervejeira
com porta de vidro, de onde tirei uma garrafa de água mineral.
— Eu nem consegui entrar em casa. — Riu balançando a cabeça. —
Passei o dia todo na universidade e...
— Gostaria de um banho? — ofereci, meu corpo já respondendo aos
estímulos imaginários sobre Aurora nua no meu chuveiro.
Ela me olhou séria e concordou.
— Seria bom!
Não pensei duas vezes, deixei a água sobre o balcão e a levei até o
banheiro de minha suíte. Notei que ela olhava cada detalhe do quarto e do
banheiro com atenção, mas estava tão absorto em ligar a água quente e
preparar seu banho que não percebi se ela gostava ou não do que via.
Meu apartamento era bem masculino, decorado assim que o comprei e
usado basicamente para dormir. Eu comia fora todos os dias e, nos finais de
semana, ou estava na mansão com minha mãe ou com amigos. Duas vezes na
semana, uma faxineira ia lá para limpá-lo, e, quanto às minhas roupas, eu as
mandava para uma tinturaria a fim de serem lavadas e passadas.
Talvez ela não encontrasse muita coisa que lhe dissesse sobre minha
personalidade ali, porque nem mesmo eu permanecia muito tempo naquele
lugar.
Fui até o closet, peguei uma toalha extra, um roupão meu e chinelos.
— Vão ficar enormes, mas... — Engasguei-me quando a vi apenas
com as roupas íntimas, já se preparando para entrar no chuveiro. — Posso
terminar de tirar?
Aurora aquiesceu, e eu me aproximei dela, ansioso feito um garoto
desnudando a primeira mulher de sua vida, e a livrei rapidamente do sutiã,
deslizando as alças da peça simples, bem diferente da que ela usara na noite
anterior, e a deixando cair sobre o assoalho.
Não a toquei, mas cheirei seu pescoço, abaixei-me aos seus pés,
esfregando meu nariz por toda sua coluna, sentindo o perfume delicioso de
sua pele. Tirei a calcinha com cuidado dessa vez e a deixei no chão junto ao
sutiã.
Ergui-me e a virei de frente para mim, adorando o fato de ver detalhes
que, na noite passada, haviam passado desapercebidos.
Toquei as pequenas sardas que ela tinha no colo, pouco acima dos
seios cheios, empinados e de bicos de um rosa intenso. Eles se retesaram com
meu toque, parecendo dois morangos maduros sobre uma cobertura de
chantili. Senti água na boca e não resisti a experimentá-los.
— Michael...
Aurora gemeu assim que tomei um dos mamilos e o segurei entre
meus dentes para então chupá-lo com força. Passei para o outro, mordi um
pouco mais forte e depois rocei a língua para aliviá-lo, arrancando gritos de
puro prazer que ecoavam por meu banheiro e me davam ainda mais tesão.
Peguei-a nos braços e entrei no chuveiro com ela, molhando minha
roupa e meus sapatos, arrancando-lhe muitas gargalhadas.
— Está maluco? — questionou divertida.
— Estou! Desde que você apareceu, sanidade é algo que parece me
fazer falta.
Aurora respirou fundo e puxou minha gravata até que o nó se
desfizesse. Não me movi, os dois ensopados, e ela abrindo minha camisa
lentamente. Seus cabelos ficavam ainda mais vermelhos quando estavam
molhados, os cílios também, o que acabava por ressaltar a cor de seus olhos.
Eu não conseguia parar de olhá-la, embevecido com sua beleza, com a
delicadeza de seus traços, com a boca que parecia ter sido desenhada e
colorida por um artista invejável.
Aurora ficou rubra de repente e sorriu.
— Você me olha estranho.
Franzi a testa.
— Estranho como?
Riu de si mesma ou do que estava pensando.
— Como se quisesse me comer.
Gargalhei, pegando suas mãos e colocando-as sobre minha calça
ainda posta e totalmente molhada.
— Há alguma dúvida sobre o que eu quero?
Ela balançou a cabeça negando e abriu meu cinto.
— Não tenho dúvidas sobre você me querer. — Encarou-me. — Mas
não entendo suas atitudes depois...
Suspirei.
— Eu sei — concordei, disposto a colocar uma pedra sobre aquele
assunto. — Fui um idiota hoje de manhã e um troglodita agora à tarde.
— Foi, sim! — Arqueou a sobrancelha, e senti meu pau tremer dentro
da maldita calça.
— Não sei o que houve, Aurora, não costumo ser assim.
— Então não seja — sentenciou e terminou de abrir minha calça,
acariciando meu membro rijo por cima da roupa íntima. — Você precisa se
livrar dos seus sapatos, senão vão estragar.
— Fodam-se eles! — retirei-os com os pés mesmo e os chutei para o
outro lado do boxe, fora do alcance do jato do chuveiro.
Abaixei-me retirando a calça – e a cueca junto – e sacando as meias e
fiquei inteiramente nu, não perdendo mais tempo sem tocá-la. Virei-a de
costas, abracei seu corpo com força, esfregando-me em sua pele, segurando
seus peitos com adoração.
Alcancei o sabonete no nicho e o usei para ensaboá-la inteira,
aproveitando-me da espuma espessa para massagear sua pele e deixá-la ainda
mais excitada.
Aurora rebolava contra mim, gemia e soltava o ar pesadamente
enquanto respirava. O vapor da água quente nos envolveu como uma nuvem
densa, deixando tudo ainda mais idílico e sensorial. Eu mal conseguia vê-la,
pois também não havia acendido as luzes, então tive que confiar no tato,
deixando minhas mãos guiarem-me para dar a ela todo o prazer.
Banhei-a excitado como um bicho no cio, o pau tão duro que chegava
a ser dolorido, concentrado em mimá-la e usar minhas carícias como um
pedido de desculpas pelo mau jeito em lidar com nossa noite e com a
grosseria daquela tarde.
Quando terminei, não só Aurora estava relaxada, como receptiva e tão
excitada quanto eu. Rapidamente ela se grudou em mim, devorando minha
boca, atacando meu pau com sua mão tão talentosa e compartilhando comigo
as sensações que a fiz sentir com o banho.
Ela também me ensaboou, massageou minhas costas e – em uma
situação inédita – beijou meu traseiro, passando a língua por entre minhas
nádegas enquanto ensaboava minhas panturrilhas.
Eu não aguentava mais aquela tortura, precisava estar dentro dela de
qualquer maneira, com qualquer parte de mim. Empurrei-a contra a parede e
procurei sua boceta com os dedos, afundando-me nela, provocando-a,
deixando-a ainda mais molhada do que a água do chuveiro havia deixado sua
pele.
Os gemidos dela me deixavam louco. Eu rilhava os dentes, tentando
me controlar para não submergir meu sexo em suas águas e sentir novamente
a delícia que era o calor latente em seu interior.
Ela mordeu meu ombro com força quando pressionei seu clitóris,
massageando-o do jeito que descobri que gostava que eu o fizesse. Firmei-a
pela cintura, pois senti que suas pernas se encontravam bambas e que ela
estava desfalecendo de tesão, desfazendo-se de prazer, até que gozou com
meus dedos dentro de sua boceta, encharcando-os.
Foi o meu limite!
Peguei Aurora nos braços e a levei para a cama sem me importar se
estávamos pingando ou não. Ela ainda estava absorvendo o impacto do
orgasmo quando abocanhei seu sexo como um faminto, comendo-a,
esfregando a língua sem dó e chupando seu clitóris até que ela reagisse
novamente e gritasse meu nome tão alto quanto podia.
Bebi cada gota daquele gozo, deliciando-me com seu sabor, usando-o
como um catalizador para o meu próprio prazer.
Aurora estava deitada com as costas sobre os inúmeros travesseiros na
cabeceira da cama. Ajoelhei-me no colchão e segui até perto dela. Não
precisei pedir nem falar nada, ela simplesmente tomou-me em suas mãos,
apertou-me com força e enfiou meu pau em sua boca gulosa, forçando-se ao
máximo para me receber até onde dava.
Inclinei-me para frente, apoiando minhas mãos na cabeceira,
balançando meus quadris para frente e para trás, estocando em sua boca,
enquanto sua língua se esfregava por todo o meu pau.
— Que tesão do caralho! — xinguei quando meu corpo estremeceu e
minhas bolas se contraíram.
Eu não queria parar, e Aurora também não demonstrava querer,
dedicada ao meu sexo assim como eu tinha estado ao dela. A diferença era
que eu não queria gozar, não sem estar dentro dela.
Afastei-me e respirei fundo, descendo da cama e voltando para o
closet com a finalidade de buscar preservativos.
Quando retornei ao quarto, tive uma surpresa ao ver que ela estava se
tocando enquanto me esperava, e isso me desarmou. Sentei-me na poltrona de
leitura – que quase nunca era usada – e fiquei encantado com o jeito que se
masturbava.
Aurora parou receosa e me olhou confusa.
— O que foi? — indagou.
Sorri.
— Eu quero ver você se dando prazer — respondi, já vestindo meu
pau com a camisinha. — Quero te assistir gozar assim para saber como faz
quando não está comigo.
Mesmo vermelha como um pimentão, Aurora continuou, fechou seus
olhos, entregue às sensações, e circulou seu clitóris, afundo um dedo dentro
de si mesma, e depois, com ele todo molhado, voltou a tocar seu ponto
sensível.
Eu estava enlouquecendo, mas não queria que ela parasse. Foi difícil
me manter inerte, apenas plateia para seu prazer, mas, assim que vi os dedos
de seus pés se apertarem, me preparei para me juntar a ela.
Penetrei-a enquanto ela gozava, gemendo e agarrando o cobre-leito da
cama. Foi uma sensação deliciosa sentir seus músculos internos se
contraindo, e meu pau, mesmo do tamanho que era, entrou com facilidade,
ainda que não por inteiro.
Não a deixei sequer se recuperar, movimentei-me rápido, estocando
com força, profundamente, mantendo suas pernas abertas para que
conseguisse uma amplitude maior. Aurora chegou a erguer-se da cama, e,
sem nem imaginar como, rolamos um com o outro, e ela parou em cima de
mim.
Segurei seus peitos enquanto ela cavalgava meu pau em um galope,
arfando de prazer, suando, delirando nas sensações que compartilhávamos.
Em dado momento, travei-a a meio caminho de se afundar em mim e tomei
as rédeas da ação, metendo de baixo para cima, elevando meu quadril com
força, encaixando-me perfeitamente dentro dela.
Aurora segurou-se em meus braços quando gozou, e não consegui
mais mantê-la no alto. Senti quando ela se sentou completamente em mim,
meu pau batendo no fundo de seu corpo, fazendo-a se reclinar um pouco,
jogando-se para trás a fim de não se machucar.
O movimento me deixou enlouquecido. Sua bunda pressionava
minhas bolas, e a cabeça do meu pau roçava as paredes de sua boceta de uma
forma tão foda que fazia todos os pelos do meu corpo ficarem para cima.
Gozei muito, arfando, xingando, gemendo como se estivesse
morrendo. Um prazer tão absoluto como nunca havia provado antes me
tomou, enlevou-me e transformou minha carne em algo próximo a fogo
líquido.
Não havia explicação para o que estava acontecendo comigo nem
palavras que conseguissem descrever como me senti.
Talvez pudesse somente traduzir a experiência como a melhor foda da
minha vida até aquele momento, não pela duração ou por algum tipo de
malabarismo ou fetiche doido, mas pelo que me causou, pelo que me fez
sentir.
Aurora caiu sobre mim, e eu a abracei com força. Ambos estávamos
suados, ofegantes e ainda reverberando, em cada célula, um pouco do prazer
que havíamos dado um ao outro.
— Eu pareço gelatina! — comentou no meu ouvido.
Ri e concordei.
— Eu também, só que quente.
Aurora me olhou com um enorme sorriso, e a beijei delicadamente,
achando que todos os meus sentidos haviam sido despertados ainda mais
depois do orgasmo, pois um mero roçar de lábios parecia a coisa mais
gostosa do mundo.
— Acho que precisamos de outro banho — voltou a falar e rolou para
o lado, ainda em busca de ar. — Só não sei se consigo chegar ao chuveiro.
Gargalhei, embora me sentisse igual.
Fechei os olhos, perdido nos ecos do prazer que ainda me embalavam,
e puxei a camisinha de uma só vez, arrancando-a do meu pau – ainda não
totalmente amolecido. Peguei Aurora pela cintura, levantando-a da cama
comigo.
— Que tal tomarmos banho deitados? — propus, pensando na
banheira, e, pela expressão de seu rosto, eu não poderia ter tido ideia melhor.
Já era tarde quando terminamos de comer a pizza que pedimos, e,
mesmo depois de saciarmos a fome por comida, ainda estávamos famintos
por mais sexo.
Trepamos na baqueta do balcão da cozinha – objeto cujo altura
descobri ser perfeita para que eu pudesse meter de pé, enquanto ela
permanecia sentada –, e, depois de outro banho, eu estava no closet buscando
roupas extras quando tomei um susto ao ver que já era madrugada.
— Você avisou Erika de que... — Parei de falar assim que retornei ao
banheiro e vi Aurora já completamente vestida com a roupa que usava mais
cedo.
— Avisei-lhe que iria chegar tarde. — Ela ajeitou os cabelos na frente
do espelho. — Você avisou a Joseph que tinha me encontrado?
— Quando me lembrei dele, avisei-lhe que você estava bem. —
Cruzei os braços e me encostei ao batente da porta. — Por que se vestiu?
Ela me encarou séria.
— Tenho aula amanhã, não posso passar a noite inteira fazendo sexo.
— Riu. — Bem que eu gostaria, mas preciso descansar também, senão não
vou entender nada do que o professor falar.
Concordei.
— Vou levá-la para casa, então.
— Não precisa, já chamei um carro.
Fiquei um tempo parado, olhando-a, tentando não fazer nenhuma
bobagem, embora quisesse dar uns tapas em sua bunda gostosa, como se faz
com uma criança sem juízo.
— A essa hora? Não, eu vou...
— Michael, eu sempre andei de táxi, metrô ou carro de aplicativo
antes de te conhecer, muitas vezes até mais tarde que isso. Não há problema!
Respirei fundo.
— Você conhece os índices de violência desta cidade? Você veio
comigo e vai voltar comigo.
Aurora passou a mão no rosto.
— Estou querendo evitar outro clima ruim. Não quero brigar nem
discutir com você, não depois de ter tido tantos momentos incríveis ao seu
lado.
— Então pare de ser cabeça-dura e me deixe te levar! — quase gritei,
mas me contive. Não era de perder a paciência daquela forma com nada, mas
não sabia por que Aurora me deixava tão no limite. — Só quero ter certeza de
que irá chegar bem. Por favor.
A verdade era que eu não queria levá-la. Não havia pensado em
voltarmos para o prédio dela. Talvez, impelido por toda a perfeição daquela
noite, eu não quisesse que ela fosse embora. Porra, tinha até separado uma
camiseta minha para que ela dormisse!
Entretanto, eu entendia que Aurora não queria mais passar por aquilo
que aconteceu depois da noite no iate. Ela estava seguindo as “regras”, e eu a
respeitava por isso. Mas que não gostei, não gostei!
Ela cedeu e me deixou levá-la. Conversamos durante o trajeto, e ri
quando bocejou algumas vezes.
— Vou dormir como um anjo hoje — brincou.
Eu não tinha tanta certeza de que iria ser fácil assim me deitar na
cama sem ela, querendo-a, perdendo a oportunidade de acordar excitado e
trepar com ela de novo vendo o sol despontar no céu.
Fui eu quem fiz as regras, então...
Parei o carro na vaga habitual, bem perto do seu portão, do outro lado
da rua, e Aurora suspirou.
— Amanhã vou passar o dia todo com meu orientador e tenho páginas
e mais páginas em espanhol para ler. Vou ter sorte se não cochilar em algum
momento do dia.
Lembrei-me do livro em espanhol que ela dera de presente à minha
mãe e da promessa – a segunda, na verdade – que eu havia feito a Shelly no
desjejum.
— Minha mãe quer conhecer você.
Aurora arregalou os olhos assustada, e notei a confusão em seu
semblante.
Ri sem jeito.
— Por causa dos presentes — expliquei, e ela assentiu. — Disse que
você me ajudou a escolher os livros e que havia mandado o exemplar
autografado.
— Não conseguiu encontrar nenhuma desculpa para...
— Nem pensei nisso. Apenas disse a ela que o presente era seu e
contei um pouco sobre sua pesquisa, e ela ficou interessada. — Dei de
ombros, como se não fosse nada de mais. — Que tal um jantar amanhã à
noite para que possam conversar sobre literatura?
Aurora parecia realmente muito surpresa. E deveria, claro! Eu nunca
pensara que a apresentaria à minha mãe – pelo motivo óbvio –, e, caso Shelly
não houvesse me feito prometer aquilo, provavelmente nunca aconteceria.
— Tem certeza de que está tudo bem que eu a conheça?
— Não vejo problema! — menti. — Disse a ela que éramos amigos e
que eu te admirava muito, e a achava inteligente, e...
— É verdade? — Interrompeu-me.
— Que disse a ela isso tudo? Sim!
— Não! — Riu. — Que você me admira!
Meu coração acelerou, e senti uma secura na garganta de repente.
— Claro que sim, Aurora. Tê-la acompanhado na busca aos livros me
fez perceber o quanto você ama o que estuda e o quanto é dedicada a isso.
O sorriso dela foi lindo, e senti dificuldade para engolir a saliva.
— Tudo bem, então. É só me dizer a que horas será o jantar, que eu
irei.
Caralho! Vamos mesmo fazer isso!
— Eu deixo mensagem para não te atrapalhar. Vou falar com minha
mãe, e combinamos tudo.
Puxei-a para um beijo de boa-noite, mas senti uma dificuldade gigante
em me afastar dela e me despedir. Obriguei-me a largá-la, questionando-me o
que estava me acontecendo.
— Boa noite, Aurora!
Ela piscou e retribuiu o cumprimento antes de sair do carro e
atravessar a rua. Fiquei olhando-a pelo retrovisor até o porteiro – diferente do
que nos pegou no flagra – abrir a porta para ela e permaneci assim muito
tempo depois de Aurora ter entrado no prédio, sentindo que, mais uma vez,
eu havia tomado a atitude errada ao não lhe pedir para ficar comigo naquela
noite.
Mas que porra!
Eu não queria ir embora do apartamento de Michael, minha vontade
era ficar e dormir com ele, sentindo o cheiro de seu corpo, apoiada em seu
peito, ouvindo as batidas de seu coração, enquanto ele também dormia
tranquilo. Queria ser acordada com beijos, abraçada de lado, fazer um sexo
preguiçoso de manhã.
Todavia, não estava disposta a passar pela tensão da última manhã,
por isso mesmo, antes que ele começasse a buscar um meio de me mandar
embora, tomei a iniciativa e coloquei minha roupa, pronta para chamar um
carro de aplicativo.
Michael me deixou confusa, a princípio, com sua reação, pois
realmente parecia que não esperava que eu já estivesse pronta para sair, mas
depois percebi que era somente a mania dele de segurança que o fez reagir
daquela forma.
O clima dentro do carro foi bom, conversamos durante o percurso do
apartamento dele até onde eu morava – a algumas quadras do lago –, e me
senti aliviada por não deixar transparecer que, por mais que eu entendesse e
aceitasse seu jeito de conduzir nosso envolvimento, não ficava feliz com
aquilo.
Talvez fosse só falta de costume, por minha experiência sexual se
limitar basicamente a namorados, e, convenhamos, era muito diferente. Eu
não podia forçar ninguém a ter a mesma visão das coisas que eu e respeitava
a distância que ele impunha em todos os seus envolvimentos, mas não podia
fingir que me incomodava.
Talvez seja melhor assim!, pensei quando chegamos em frente ao meu
prédio. Seria um risco muito maior se ele fosse mais aberto, dando a entender
que poderíamos ser mais do que éramos.
Então, quando eu já estava mais tranquila com relação ao jeito dele,
novamente tudo virou de cabeça para baixo.
— Minha mãe quer conhecer você. — Quase tive um choque ao ouvir
essas palavras, e ele apressou-se em se explicar: — Por causa dos presentes.
Disse que você me ajudou a escolher os livros e que havia mandado o
exemplar autografado.
Okay, eu havia entendido que ela queria me conhecer por aquele
motivo, mas ainda não entendia por que ele tinha falado de mim para ela.
Não fazia sentido algum!
— Não conseguiu encontrar nenhuma desculpa para...
Michael não me deixou concluir:
— Nem pensei nisso. Apenas disse a ela que o presente era seu e
contei um pouco sobre sua pesquisa, e ela ficou interessada. — Por quê? Ele
poderia ter dito que havia comprado o livro de um colecionar e nunca ter me
citado. Eu não queria focar no motivo que o levara a falar sobre mim para sua
mãe, mas isso me deixava tão confusa que... — Que tal um jantar amanhã à
noite para que possam conversar sobre literatura?
Dizer que meu queixo caiu ao ouvir o convite seria eufemismo. Eu
realmente queria entender os movimentos dele com relação a nós dois, pois,
no começo, ele exigira ficar anônimo no contrato de gestação, depois, quando
descobri a verdade, pareceu não se importar mais e confessou que se sentia
atraído por mim, assim como eu me sentia por ele, mas que não queria que eu
confundisse as coisas, que era somente sexo e que nada mudaria no nosso
acordo, não obstante estava fazendo tudo o que eu achava que ele não queria!
Conhecer a mãe de Michael, mesmo como amiga, iria me colocar no
mapa de sua vida. Ela saberia quem eu era, ainda que nunca soubesse que
seria eu quem geraria seu neto.
— Tem certeza de que está tudo bem que eu a conheça? — perguntei
de novo, apenas para ter certeza.
— Não vejo problema! Disse a ela que éramos amigos e que te
admirava muito, e a achava inteligente, e...
— É verdade? — Interrompi-o, pois, de novo, estava de boca aberta,
ainda mais surpresa com o que ele havia dito sobre mim.
— Que disse a ela isso tudo? Sim!
— Não! — Ri quando ele não entendeu a pergunta. — Que você me
admira!
Michael titubeou um pouco para responder, mas então deu um tiro
certeiro no meu coração.
— Claro que sim, Aurora. Tê-la acompanhado na busca aos livros me
fez perceber o quanto você ama o que estuda e o quanto é dedicada a isso.
A sinceridade nas suas palavras mexeu comigo. A literatura era uma
área que despertava minha paixão desde menina, e, muitas vezes, me vi
questionada sobre esse amor. Saber que ter testemunhado minha empolgação
nas livrarias o tinha deixado admirado significava muito para mim.
— Tudo bem, então — concordei nervosa, temendo ainda que não
fosse uma boa ideia. — É só me dizer a que horas será o jantar, que eu irei.
Não consegui ler sua expressão para saber se estava animado ou
temeroso como eu.
— Eu deixo mensagem para não te atrapalhar. Vou falar com minha
mãe, e combinamos tudo.
Assenti, mas ele nem viu, pois me puxou para perto de si e beijou-me
de um jeito que fez meu coração se apertar. Tive vontade de abraçá-lo com
força e confessar que não seria fácil dormir sem ele naquela noite, mas não
disse nada, e o contato se desfez.
— Boa noite, Aurora!
Então é isso!
Pisquei, pois não conseguiria cumprimentá-lo de volta sem que ele
percebesse que eu estava mexida e entrei no prédio o mais rápido que podia.
Por sorte, o porteiro que estava a trabalho à tarde não era o mesmo que abriu
a portaria para mim à noite, o que me poupou algum constrangimento.
Erika já estava dormindo quando cheguei, mas não deixei de notar
que deixara uma luz acesa na ilha, indicando uma refeição que havia
separado para mim. Suspirei, gostando do cuidado dela, ainda que eu não
estivesse com fome depois da pizza que tinha dividido com Michael.
Optei por não tomar outro banho para não tirar da minha pele o
delicioso cheiro do sabonete que ele usava. Demorei um pouco a dormir,
ansiosa sobre o tal jantar, mas, quando consegui, os sonhos tensos foram
minha companhia, assombrando-me acerca do futuro e das lágrimas que
viriam.

— Está nervosa? — Michael me perguntou assim que avisou que


estávamos chegando à tal mansão Griffin.
Uma porra de uma mansão, e ele ainda me pergunta se estou
nervosa?!
Tentei sorrir, mas não relaxei a tensão que sentia, questionando minha
sanidade ao aceitar o convite. Sempre ouvi falar do tradicional bairro das
famílias ricas e das mansões históricas de Chicago, mas nunca estivera nem
próxima de estar nele até então, muito menos de entrar em uma dessas
construções.
Estar ali com Michael só me provava que nossas realidades não
poderiam ser mais diferentes. Obviamente, eu sabia que ele era um homem
rico, e nem precisaria ser muito inteligente para isso, afinal, bastava saber o
quanto pagou para ter um filho, o apartamento e todas as comodidades que
colocou à minha disposição, o iate e a pequena pesquisa que fiz quando
fiquei curiosa sobre sua vida.
Ele era conhecido como um dos grandes jovens reis do mercado de
investimentos nos Estados Unidos. Assumira o comando da agência da
família havia alguns anos e a ajudara a se modernizar, assumindo riscos e
apostando alto em novas formas de fazer dinheiro, principalmente as virtuais.
O homem, além de lindo, era inteligente e visionário. Era fácil falar
de um negócio quando ele já havia se tornado normal, mas ele acreditara
quando todos da sua área torceram o nariz e, anos depois, os clientes que
seguiram seus conselhos estavam milionários.
E ele, é claro, ainda mais rico!
Eu sentia certo receio dessa sua riqueza, medo de deslumbrar-me com
as coisas que ele me mostrava, porque, apesar de eu estar indo visitar alguém
em um bairro chique e de morar em um apartamento de luxo, em bairro
nobre, com governanta e motorista, nada disso era permanente em minha
vida.
Por isso decidi que, já que tivera de sair do trabalho, iria me dedicar
aos estudos ao máximo e conseguir me destacar para ter acesso e indicação a
um bom emprego. Quando o bebê nascesse e eu voltasse à minha vida de
verdade, queria estar com tudo encaminhado para conquistar meus sonhos e
ser independente de novo.
Pensar nos estudos me fez lembrar-me do que acontecera no dia
anterior entre Michael e Jack. Mandei mensagem para o bartender
desculpando-me pelo que houve, mas ele não retornara o dia todo.
Na hora do meu almoço, falando com Aimée por telefone, comentei
sobre o que se passara, e ela não disfarçou a animação:
— Meu Deus, Rory, o homem estava louco de ciúmes!
Só pude rir, achando que ela romantizava as coisas demais.
— Claro que não! Ele estava puto por eu ter ido para casa de moto e
não ter pensado no motorista. — Suspirei puta. — Como eu poderia saber
que ele ficaria me esperando?
— Rory, não é possível! — Aimée começou a gargalhar. — Você
acha mesmo que, depois da noite que passaram juntos, o homem estava
preocupado apenas com sua segurança? Amiga, Jack é um gatinho e é
estiloso demais! É claro que seu CEO o viu como concorrência.
Meu CEO... Suspirei ao ouvir aquilo, parecendo que estava
protagonizando um enredo de romance hot.
— Você precisa dar um tempo nos romances e ler outras coisas. —
Resolvi brincar. — Michael sempre foi chato com segurança e saúde, não
creio que tenha a ver com ciúmes.
— Se você acha...
E achava ou, pelo menos, tentava achar e não me iludir. Sentir ciúmes
requeria muito mais do que ele me propôs a ter, e esse sentimento não se
encaixava no modo de vida de Michael, por esse motivo, achava mais
coerente confiar que ele havia ficado louco apenas com minha segurança e
por eu não ter voltado com o motorista.
Controle... Sim, ele é controlador, mas ciumento?
— Aurora? — Michael me chamou, arrancando-me dos pensamentos
que insistiam em analisar suas ações, e lembrei que não havia respondido à
pergunta.
— Um pouco nervosa, sim.
Ele sorriu tão lindo que fez meu coração disparar.
Rory!, minha consciência gritava, alertando-me do perigo que seria
me iludir com ele.
— Não precisa estar! Minha mãe é a pessoa mais incrível que eu
conheço, nunca seria rude com alguém. Pode ter certeza de que adorará te
conhecer.
De repente entramos em um quarteirão todo arborizado, e logo
Michael se encaminhou para um portão de metal grande, piscou os faróis
duas vezes, e ele se abriu. O terreno da casa parecia um parque, cheio de
árvores frondosas, flores e pavimentação de tijolos.
Quando a mansão se revelou, senti-me transportada ao local que
poderia ser a casa de Bruce Wayne – o Batman –, se Gotthan City fosse
Chicago. É claro que a grande diferença estava no design da casa, toda feita
de tijolos maciços, vermelhos, com uma enorme porta de madeira entalhada,
aldravas e maçanetas de cobre, típica arquitetura antiga da cidade.
Michael não bateu à porta, entrou de uma só vez, como se fosse dono
da casa. Não demorou muito, e fomos recepcionados por um mordomo
uniformizado – podia ser o Alfred, hein? – cujo sorriso quebrou a ideia que
eu tinha de que todo mordomo era o principal suspeito de um assassinato.
— Boa noite, Andrews! — Michael o saudou. — Mamãe já está
pronta para o jantar?
— Boa noite, senhor Griffin. — Relanceou seus olhos por uns
segundos na minha direção e cumprimentou-me com a cabeça. — Ainda não,
mas podem esperar por ela na sala íntima.
— É o que faremos, mas avise a ela, por favor, que chegamos.
Segui-o até a tal sala íntima – parecia piada chamar um cômodo
daquele tamanho de íntimo – e, assim que confirmei que estávamos sozinhos,
disparei:
— Seu mordomo sorri!
Michael não aguentou e deu uma risada alta.
— Andrews? Claro que sim! Ele não só sorri, como é um ótimo
contador de piadas. — Ofereceu-me um aperitivo, que neguei de pronto.
Estava nervosa demais para beber. — Na adolescência, usei muitas de suas
piadas boas e inteligentes para conquistar as garotas.
Quem riu fui eu dessa vez.
— E precisava?
Ele ficou tenso, e o sorriso morreu.
— Por que você acha que não?
Não entendi bem sua colocação, afinal, era óbvio.
— Você já se olhou no espelho? Ou vai me dizer que, quando era
adolescente, não era tão bonito quanto é hoje?
Sua expressão mudou, suavizou-se, e ele se aproximou de mim
decidido, pegou-me firme pela cintura e encarou-me com seus olhos azuis
cheios de mistério.
— Você me acha bonito? — Rolei os olhos, sem crer que ele estava
querendo biscoito. Michael gargalhou. — Eu te acho linda, não só por causa
do seu corpo, do seu rosto, dessa boca... — Passou os dedos nos meus lábios.
— Ou desse cabelo flamejante. — Então, surpreendendo-me, tocou meu peito
com a ponta do indicador. — Acho que você é toda linda!
Ai, caramba, ele não está facilitando!
Como eu poderia resistir quando ele dizia algo assim? Como não me
apaixonar por um homem que, além de falar que me admirava como pessoa,
revelava que eu era linda por dentro e por fora?
O clima entre nós esquentou, e, mesmo que já tivéssemos trocado um
beijo rápido quando entrei em seu carro, ainda em frente ao meu prédio, senti
uma vontade enorme de beijá-lo com fome, profundamente, um daqueles
beijos que deixavam claro o quanto eu o queria.
Fechei os olhos quando seu rosto se aproximou do meu, ansiosa por
sentir sua boca na minha, por chupar sua língua ou enfiar a minha em sua
garganta.
— Boa noite!
Quase caí quando Michael me soltou abruptamente e depois voltou a
me segurar. Arregalei os olhos, assustada, ciente de que uma voz de mulher
nos saudou, interrompendo o idílio que estávamos tendo.
— Tudo bem? — ele perguntou rápido, e eu assenti.
Firmei-me e virei-me devagar na direção da porta, de onde uma
mulher com cabelos escuros e olhos azuis nos fitava com curiosidade e um
sorriso gigante.
— Boa noite, mãe! — Ele se apressou em recebê-la na porta e a
trouxe para perto de mim. Segurei o fôlego por alguns minutos, estupefata
com a semelhança entre os traços de mãe e filho. — Aurora, essa é minha
mãe, Michelle Griffin — apresentou-a a mim e depois fez o mesmo com ela:
— Mãe, essa é Aurora Ryan, a amiga que me ajudou a escolher os livros.
Pelo jeito que ela olhou para Michael quando ele disse a palavra
amiga, ficou bem claro que percebeu o que estava acontecendo quando
chegou à sala.
— É um prazer, senhora Griffin! — Estendi a mão em sua direção.
— Chame-me de Shelly. — Abraçou-me apertado e beijou minha
bochecha. — Posso chamá-la de Aurora?
Ri, pois somente Michael me chamava daquele jeito.
— Meus amigos me chamam de Rory — expliquei.
— Ah... seus amigos, mas não meu Michael, pelo que entendi!
Eita, eita...
— Eu a conheci primeiro como Aurora, achei que combinava mais
com ela — ele apressou-se em explicar.
Shelly Griffin pareceu avaliar o que ele disse e então voltou a
balançar a cabeça.
— Vou usar Rory, então. — Tive vontade de rir, mas me contive. —
Gosto de pensar que seremos amigas, ainda mais depois das maravilhas que
Michael falou sobre você.
Sem que eu esperasse, ela enganchou seu braço no meu e me
conduziu até um pequeno e confortável sofá de dois lugares, deixando o
maior para que Michael se sentasse sozinho.
Antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, uma senhora – pela
aparência, podia deduzir se tratar da irmã mais velha de Erika – entrou na
sala com uma bandeja cheia de pequenos canapés, enquanto outra moça trazia
o que parecia ser uma bandeja com bebidas.
— Pode deixar que eu as sirvo, Martha, obrigado.
Michael foi até o aparador e serviu um belo copo de água, que
entregou para sua mãe e, em seguida, encheu duas taças de vinho.
— Aurora. — Entregou-me uma delas.
— Obrigada! — Sorri para ele, e o sorriso que me deu acelerou meu
pulso.
— Então, Rory, mate minha curiosidade — Shelly voltou a falar. —
Como foi que você e meu filho se conheceram?
Ah, merda! Arregalei os olhos e fitei Michael desesperada.
Eu podia ver o pedido de socorro nos olhos de Aurora quando minha
mãe perguntou a ela como havíamos nos conhecido. Senti o quanto estava
nervosa durante todos os momentos que antecederam nossa chegada à
mansão, por mais que tentasse relaxar.
Vi como apertava as mãos, sorria tensa, e os vários assuntos que
tentamos conversar no carro não fluíram. Quando entramos na casa, a tensão
dela passou a ser a minha também. Lembrei-me de que havia anos não levava
uma mulher para apresentar à minha mãe – pelo menos uns 15 – e que a
última tinha sido uma péssima escolha.
Eu até poderia ter minhas reservas quanto à Aurora, mas gostei de
cada reação dela diante da suntuosidade da mansão Griffin. Adorei quando
ela notou que Andrews era um mordomo diferente e o achou divertido,
ressaltando seu sorriso. Geralmente, uma pessoa acostumada aos funcionários
domésticos não prestaria atenção a esse detalhe.
Quando entramos na sala íntima, esperei para ver o que ela falaria da
rica decoração, das artes famosas espalhadas por cada canto, da lareira
esculpida em mármore italiano. Aurora percebeu que a sala íntima era
ricamente ornamentada, mas não disse nada, agiu naturalmente, como se
estivesse entrado em qualquer cômodo.
Eu já estava totalmente relaxado ao ver que ela não supervalorizaria
os bens materiais da família Griffin, quando ela comentou sobre eu não
precisar de ajuda com as meninas na adolescência.
Senti um frio cruzar minha coluna, uma sensação ruim de déjà-vu,
imaginando que ela havia concluído aquilo pelo fato de eu ter nascido em
uma família rica.
— Por que você acha que não? — questionei, temendo a resposta.
Aurora vincou as sobrancelhas como se não tivesse entendido a
pergunta.
— Você já se olhou no espelho? Ou vai me dizer que, quando era
adolescente, não era tão bonito quanto é hoje?
Tive vontade de sorrir feito um bobo com o elogio, mesmo que não
fosse a primeira vez que elogiavam minha aparência. Foi bom saber que ela
me via assim. É claro que, na adolescência, tive um pouco de espinhas e usei
aparelho nos dentes. Apesar disso, os traços ainda eram os mesmos.
Não resisti e não consegui manter a distância que havia me
recomendado várias vezes ao sair do apartamento: nada de intimidades com
Aurora na mansão Griffin! Tomei-a nos braços e estava prestes a beijá-la,
cheio de tesão, quando mamãe nos interrompeu.
Era óbvio que Shelly Griffin sabia agora a natureza daquela amizade,
e isso não era um bom prognóstico para aquela noite.
— Eu a conheci quando comprei o segundo livro do seu novo autor
favorito — respondi em socorro à Aurora.
— Isso! — Ela pegou o gancho, e me senti aliviado. — Ele foi à
procura do livro na livraria em que eu trabalhava.
Shelly continuou olhando para mim e para Aurora, avaliando o que
falávamos.
— Eu vi o nome da livraria na sacola onde Lane havia trazido o
presente e achei que seria mais fácil encontrar algo mais por lá, já que a
senhora devorou o livro em poucas semanas.
— Era um livro maravilhoso! Obrigada pela recomendação, Rory! —
Mamãe tocou sua mão como fazia com a minha quando queria me
cumprimentar por algo de bom que eu praticava. — Você ainda trabalha na
livraria?
Tentei não demonstrar a tensão que aquele interrogatório que ela fazia
com Aurora me causava.
— Não mais, estou me dedicando aos estudos e à minha pesquisa.
Sorri ao ouvir a resposta perfeita de Aurora.
Minha mãe as serviu com as entradas que Martha havia deixado na
mesinha auxiliar perto das duas e começou a inquirir sobre a pesquisa de
Aurora e como ela se interessou tanto por literatura a ponto de estudá-la.
Fui literalmente deixado de lado na conversa quando as duas
começaram a comparar os livros que já haviam lido e indicar títulos uma para
outra como se fossem grandes amigas.
Fiquei feliz por ver minha mãe tão à vontade com Aurora. Shelly
tinha uma enorme facilidade de comunicação e, por vezes, se empolgava
falando sobre livros, arte e música, o que causava um certo tédio em que não
tinha a mesma admiração que ela.
É claro que isso não aconteceu com Aurora. As duas tinham muito
assunto, tanto que, quando Martha anunciou que o jantar estava pronto para
ser servido, elas foram para a sala de jantar sem interromper a conversa.
— Michael, quando pequeno, era um devorador de livros também,
mas aí começou a trabalhar na corretora e parou com os de ficção. Agora só
se interessa por números, lucros e investimentos.
Ri, porque essa implicância dela comigo por eu ler apenas para
estudar e não por prazer não era nova.
— Ah, lembraram-se da minha presença? — ironizei, e as duas riram.
Aurora ficou lindamente ruborizada, mas seus olhos me diziam que
estava muito contente em estar ali. Toda a tensão que senti nela enquanto
íamos para lá tinha desaparecido.
— Sua presença não tem como ser ignorada, filho, mas, infelizmente,
não tínhamos como incluí-lo na conversa, exatamente porque você só lê esses
livros para sua profissão. — Piscou. — Quem sabe Rory possa ser uma boa
influência para que você retome o prazer de ler apenas como entretenimento?
Balancei a cabeça rindo.
— Eu adoraria ler, mas a senhora bem sabe que o tempo me falta.
Quase não tenho tido espaço na agenda para fazer coisas apenas por prazer.
— Hum... — O jeito que minha mãe me olhou me causou grande
constrangimento, porque era óbvio que ela estava pensando em outras
atividades prazerosas das quais eu nunca tinha aberto mão. — Sabia que
temos uma vista privilegiada do lago, Rory? — Ela mudou de assunto de
repente. — É pena que seja noite, porque a melhor hora aqui é ao entardecer,
mas ainda assim vale uma passada no jardim.
— A propriedade toda é muito bonita — Aurora comentou.
— Michael chegou a lhe mostrar enquanto me esperavam?
— Não, não, mas dá para saber pelo que já pude ver.
Minha mãe me olhou.
— Acho que Rory merece fazer um tour, não crê? — Concordei. —
Papai comprou essa casa quando fez seu primeiro grande investimento e
depois a hipotecou para abrir a corretora. — Suspirou. — Passei aqui os
melhores momentos da minha vida, inclusive o nascimento de Michael.
Coloquei a mão no rosto, sem acreditar que Shelly iria contar aquela
história para Aurora.
— Mãe, tenho certeza de que...
— Ele não gosta que eu conte isso, mas sempre foi impaciente, até
mesmo quando ainda estava na minha barriga. Não tive tempo nem de chegar
ao hospital. Ele nasceu no meu quarto, acredita?
Aurora sorriu.
— Também nasci em casa — contou, e fiquei surpreso, porque ela era
bem mais jovem que eu. — Mamãe teve que ter um acompanhamento médico
muito regrado, porque já tinha 45 anos quando engravidou.
— Você tem outros irmãos ou também é filha única?
Apesar de eu não ter participado da conversa, estava muito curioso
pela história de vida de Aurora, pois quase não falávamos sobre nossos
familiares.
— Sou filha única. — Riu. — Na verdade, sou a filha inesperada,
porque eles já haviam desistido de tentar.
— Ah, um pequeno milagre!
— É como mamãe me chama! — Aurora ficou vermelha. — Ela não
quis ir para o hospital, porque eu teria que nascer em outra cidade, então,
quando começou a sentir as dores, seu médico e duas parteiras a
acompanharam, e eu nasci na mesma cama em que eles dormem até hoje.
Era incrível sentir o amor que transbordava dela ao falar de seus pais,
e isso me deixava comovido. Ela foi uma criança feliz e cresceu sob aquele
amor tão perfeito e verdadeiro, e isso me levava a crer que Aurora seria uma
ótima mãe.
De repente, eu não soube de onde, surgiu na minha cabeça a imagem
dela com uma enorme barriga, linda. Senti como se algo tomasse meu fôlego,
meu coração disparou, e pensei em bebês com a intensa cabeleira vermelha
dela e olhos azuis como os meus.
Mas que porra! Tomei um longo gole de vinho enquanto expulsava a
fantasia. Aurora teria um filho meu, sim, mas essa criança nada teria a ver
com ela, então por que de repente eu havia começado a desejar que tivesse
seus traços?
— Seus pais devem ter muito orgulho de você! Eu teria, caso fosse
sua mãe.
Aquela declaração fez com que eu arregalasse os olhos, pois nunca
tinha ouvido minha mãe dizer nada disso a alguém, e ela conhecia muitas
outras moças, algumas que vira nascer, filhas de amigos nossos, como Lane,
por exemplo.
— Eles têm! — Aurora respondeu. — A senhora deve ter muito
orgulho de Michael também, não é? — Ela me olhou. — Seu filho é...
Esperei que ela completasse a frase, mas Aurora pareceu não saber o
que dizer. Na verdade, não precisava pôr em palavras o que eu podia sentir.
Admiração, desejo e tantos outros sentimentos que achei melhor nem
aprofundar muito minha avaliação, pois já foram suficientes para me deixar
em êxtase.
— Ele é! — mamãe concordou, mesmo sem que Aurora dissesse
nada. — Se eu pudesse ter escolhido como seria meu filho, não somente
fisicamente, mas em personalidade, não teria feito um trabalho tão bom
quanto o que recebi de Deus.
Aurora ficou visivelmente emocionada com a declaração, seus olhos
verdes se encheram de lágrimas, e fiquei sem saber o que falar por uns
segundos.
— Fui eu quem tive o privilégio de ter você como mãe. — Toquei a
mão de Shelly.
Ela então olhou para Aurora.
— Ele não entende por que eu quero tanto que encontre alguém para
amar. — Senti um aperto no peito quando mamãe tocou no assunto. —
Michael será um ótimo marido e um ótimo pai, assim como é um filho
maravilhoso.
Aurora ficou constrangida, desviou seus olhos dos meus e se
concentrou na comida em seu prato, contudo eu não conseguia fazer o
mesmo, não podia deixar de olhá-la como se esperasse algum tipo de reação
ao que acabara de ouvir.
Será que ela concorda com minha mãe? O pensamento me
surpreendeu, e me vi preso em uma teia estranha de comportamento, afinal, o
que me importava o que Aurora achava daquela declaração? Aquilo não iria
acontecer!
Eu seria, sim, um bom pai, mas nunca havia pensado que seria um
bom marido... Balancei a cabeça ao perceber que minha certeza sobre esse
assunto agora parecia dúbia e reformulei o pensamento: nunca tinha pensado
em ser marido de ninguém!
— O assunto ficou um tanto emotivo demais — comentei
descontraído e fui salvo quando vi Martha entrar na sala com a sobremesa. —
Ah, pudim de nozes! Aurora, você vai comer o melhor pudim de Chicago,
pode ter certeza!
— Sempre exagerado, senhor Griffin! — Martha respondeu sorrindo,
claramente encantada com o elogio.
Ela nos serviu a sobremesa, e, quando Aurora experimentou o
primeiro pedaço, fechou os olhos e emitiu um rápido e quase inaudível
gemido, mas que foi o suficiente para acordar meu corpo e me deixar com
uma enorme ereção.
Caralho, não agora!
— Ele não exagerou! — Aurora comentou com minha mãe.
— Não, mas Martha é modesta demais para se vangloriar.
As duas sorriram, e passei o restante da sobremesa tentando lidar com
meu corpo, que se recusava a se acalmar. Era incrível como, mesmo depois
de ter trepado com ela duas noites seguidas e várias vezes por noite, o desejo
continuava intenso e descontrolado como era antes de eu a tocar.
Tomamos um cafezinho ao final da refeição e, sem disfarçar o
fingimento, mamãe bocejou – pasmem, eu nunca a tinha visto fazer isso! –
quando voltávamos para a sala íntima.
— Acho que meu dia hoje foi muito agitado — justificou-se. — Estou
um pouco cansada, e o médico recomendou que eu não me forçasse quando
sentisse que meu corpo precisa de descanso.
Ergui a sobrancelha.
— É mesmo? E desde quando a senhora passou a seguir as
recomendações médicas?
Shelly me ignorou flagrantemente.
— Boa noite, querida, foi um prazer conhecê-la! — Abraçou Aurora.
— Boa noite! Nós também vamos, já está tarde.
Mamãe logo se apressou em negar:
— Nada disso, Michael vai acompanhá-la para mostrar a propriedade.
— Suspirou. — Pedi à Martha que acendesse as luzes do jardim.
Aurora me olhou como se não soubesse o que dizer.
— Boa noite, mãe! — Decidi ser conciso, mas Shelly sabia que eu
faria exatamente o que ela queria; seu sorriso não escondeu isso. — Fico feliz
em vê-la seguindo o que o médico prescreveu.
Tive o prazer de vê-la ficar sem jeito, pois nós dois sabíamos que ela
era uma péssima paciente e que, se não tivesse alguém insistindo para que se
resguardasse mais, nem se lembraria que passara por uma cirurgia cardíaca.
Acompanhei-a até o pé da escada, pois recusou ajuda para subi-la, e,
quando a beijei, sussurrou no meu ouvido:
— Rory é ruiva! — Ri, pois não estava entendendo por que ela me
dizia o óbvio. — Lottie disse que a única coisa que ela conseguiu ver bem
sobre a moça que estava com você no King foram os longos cabelos
vermelhos.
Fiquei tenso, mas ela sorriu e piscou antes de subir as escadas,
assobiando – aquela não podia ser minha mãe! – uma melodia clássica.
Alguém tem que confiscar os binóculos de Lottie! Vou falar com
Robert!, pensei entre divertido e puto enquanto voltava para a sala íntima,
onde Aurora me aguardava.
— Pronto, mamãe foi descansar. — Não consegui não soar irônico.
— A gente não precisa... — Apressou-se em me livrar do “encargo”
dado por minha mãe.
— Eu quero! — respondi, estendendo minha mão para ela. — Sempre
adorei os jardins dos fundos e acho que você também irá gostar.
O sorriso que Aurora me deu valeu qualquer manipulação de Shelly
Griffin.
A mãe de Michael era maravilhosa!
Todo o receio que eu estava sentindo por ter de conhecer Michelle
Griffin se desfez quando ela me abraçou e conversou comigo sobre meu
assunto preferido: literatura!
Era um tema confortável, que eu entendia e, pelo que pude perceber,
ela também sabia muito. Trocamos várias dicas de livros, seguindo mais ou
menos o que já havíamos lido, e a identificação foi imediata. Michelle sentia
o mesmo que eu por não ter muitas amigas leitoras e ficou verdadeiramente
feliz por termos nos conhecido.
Mais tarde, durante o jantar, percebi o quanto Michael cresceu
cercado de carinho e amor, assim como eu, mas também percebi que não
falaram do pai dele em nenhum momento, embora citassem sempre o avô.
Michelle se tornou mãe muito jovem e, ainda que tivesse uns fios brancos no
meio da massa de cabelos escuros, poderia se passar por namorada do filho se
quisesse.
Fiquei emocionada por saber que Michael e eu nascemos em casa e
que isso foi importante para nossas mães. Nós quase nunca conversávamos
sobre família, apenas uma informação ou outra sobre nossas infâncias.
Quando Michelle Griffin expressou sua admiração por mim ao dizer
que teria orgulho se eu fosse sua filha, meu coração se apertou de tal forma
que foi difícil coordenar os pensamentos. Olhei para Michael e percebi que
ele estava gostando daquele encontro e quase falei demais.
— A senhora deve ter muito orgulho de Michael também, não é? Seu
filho é...
Não pude colocar em palavras tudo o que sentia naquele momento,
talvez até por causa da confusão em que eu estava, porque, por mais que a
razão insistisse para que eu controlasse minhas emoções naquele
envolvimento com ele, sentia que era uma luta perdida.
Quanto mais tempo passávamos juntos, mais o admirava!
É claro que muitas vezes tivemos discussões, principalmente por
conta da mania de controle que Michael tinha, mas percebi que isso era uma
característica sua, advinda do modo como externava seu carinho e
preocupação.
Foi lindo vê-lo interagindo com Michelle e até mesmo com Martha, a
forma com que brincou com a senhora, com que fez com que ficasse rubra
com o elogio. À minha volta, eu via a riqueza e o luxo com o qual ele estava
acostumado, e isso só me causava a grata surpresa de saber que nada daquilo
o afetava.
As palavras de minha mãe alegando que bons filhos costumavam dar
bons maridos mexeram comigo durante todo o jantar, então, quando Michelle
alegou o mesmo, não pude me impedir de imaginar nós dois em uma situação
diferente da real.
Poderíamos, sim, ter-nos conhecido na livraria e voltado a nos
encontrar no bar. Poderíamos ter feito sexo naquela noite no apartamento de
Aimée, depois estado juntos no iate e engatar em um relacionamento normal.
Seria um sonho não ter nenhum contrato, nenhum pagamento entre
nós.
Eu gostaria de gerar um filho, um que fosse nosso, e podia imaginar
Michael todo apaixonado por um pequeno pacotinho de olhos claros. Seria
um privilégio meu bebê ter Michelle e Vera como avós, além de um avô que
sabia construir fortes.
Caminhando ao lado de Michael em direção ao jardim dos fundos, vi
uma enorme árvore e suspirei.
— Aqui daria um ótimo forte...
— Já teve um. — Tomei um susto quando ele respondeu e percebi
que havia falado em voz alta. Meu Deus! — Nós o tiramos da árvore há
alguns anos, pois a madeira do piso apodreceu e estava correndo risco de cair.
— Seu avô construiu para você? — perguntei, ainda embalada por
minhas fantasias.
— Não com as próprias mãos, mas pagou para uma empresa que faz
casas em árvores. Minhas primas e eu ficávamos o dia todo lá em cima.
— Não sabia que tinha primas.
— Tenho duas, mas nenhuma mora mais em Chicago. — Ele apontou
para o caminho de tijolos todo iluminado. — Pelo visto, ela pediu para
acenderem apenas as luzes dali.
Ri, entendendo que não fui somente eu quem achou que Michelle
Griffin estava atuando como cupido.
— Sua mãe é maravilhosa! — elogiei. — Inteligente, linda e muito
educada.
— Não a elogie tanto, por favor. — Gargalhou. — Ela sabe que é isso
tudo, mas, quando reconhecemos, meio que se acha uma deusa.
Ri com ele.
— Eu realmente estava nervosa à toa!
Ele me olhou, a pouca luz criando um clima gostoso, enquanto
andávamos por entre as árvores, recebendo a frisa mais fresca que anunciava
o final do verão.
— Sabia que vocês se dariam bem. Eu disse que tinham muitas
afinidades. — Concordei. — Olhe, ainda não temos lua, mas o céu continua
estrelado. Não dá para ver tantas estrelas quanto vimos no iate...
Dei um longo suspiro ao me lembrar do passeio, que parecia ter sido
havia muito tempo, mas que acontecera poucos dias antes.
— Nunca vou me esquecer do céu naquela noite. — Sorri. — E nem
da sensação de estar nua debaixo de tantas estrelas.
Michael parou e me puxou para seus braços.
— Espero ter conseguido te levar até elas — sussurrou cheio de
malícia no meu ouvido.
Ri de sua safadeza.
— Leva sempre, mesmo quando tem um teto sobre nós!
Com um gemido contido e apertando-me contra si para que eu
sentisse como estava excitado, Michael me beijou tão profundamente que
fiquei sem fôlego. Afastei-me um pouco para respirar, e ele disparou:
— Que tal eu te trazer outro dia para ver o jardim? Está muito escuro,
e minha mãe tem razão: a melhor hora é a do sol poente.
Concordei de imediato, ainda que soubesse que talvez nunca mais
voltasse a visitar o tão elogiado jardim com vista do lago.
Não voltamos para a casa, ladeamos a mansão pelo canto direito e
chegamos ao pátio da frente, onde ele havia deixado o carro estacionado.
Entramos no veículo, e deixei que ele me levasse para onde queria sem fazer
perguntas.
Reconheci seu prédio e senti o coração disparar quando ele parou na
garagem e desligou o carro, mas não saiu.
— O que...
Não pude concluir a pergunta, pois, além de ser calada com um beijo,
fui puxada para seu colo, espremida entre seu corpo másculo e o volante.
Meu vestido solto, em vários tons de azul, foi todo embolado em minha
cintura, e suas mãos agarraram com força minha bunda.
— Rebola... — ordenou sem tirar a boca da minha.
Fiz o que mandou, rebolei bem forte, esfregando meu sexo no relevo
pronunciado de sua ereção. Ele gemeu e levou uma das mãos até a base da
minha nuca, puxando-me pelos cabelos. O movimento fez com que eu
erguesse a cabeça, e Michael se aproveitou para encher de beijos o meu
pescoço.
Os sons de seus gemidos enchiam o carro, seus dedos apertavam forte
minha nádega, controlando meus quadris, forçando-me mais para ele.
— Eu quero você! — gemeu baixinho.
— Eu sou sua! — confessei, sentindo minhas coxas úmidas de desejo,
e a mente nublada pelo tesão.
Michael parou por alguns segundos. Estava ofegante e me olhou de
um jeito que fez meu corpo estremecer. Ergueu-me pela cintura, e eu esperei
que fosse me ajudar a sentar-me novamente no banco, mas pediu:
— Abra minha calça.
Arregalei os olhos.
— Aqui?
Ele sorriu.
— Rápido!
Não pensei duas vezes e, com as mãos tremendo, libertei seu pau de
dentro da calça e o peguei com força, posicionando-me sobre ele. Mexi-me
devagar, saboreando a deliciosa sensação de tê-lo roçando por todo meu sexo.
Molhei-o com minha excitação, facilitando a fricção dos nossos corpos.
Ele me segurava com força, parecendo estar se apoiando em mim,
delirando de tesão, com a cabeça jogada para trás no encosto do banco e os
olhos fechados. Mordi seu queixo por baixo da barba, e ele me fez rebolar
mais rápido, depois mordisquei seu lábio inferior, então ele se moveu para
me beijar.
Afoguei-me em seu beijo molhado de desejo, sentindo meu sexo
pulsando, completamente estimulado pelas intensas esfregadas contra o
membro dele.
— Erga-se um pouco... — pediu, e o atendi, achando que eu pudesse
estar esmagando-o demais e o machucando.
— Está melh...
Meu corpo se convulsionou de prazer quando ele afastou minha
calcinha e me penetrou. Fiquei parada, sentindo-o entrar devagar, rompendo
cada centímetro, até chegar ao fundo. Olhei para meu braço, mas a parca luz
que entrava no carro não me deixou comprovar se a sensação de arrepio que
eu estava sentindo se manifestava também no meu corpo.
Ninguém se mexia, sentíamos apenas o contrair dos músculos – talvez
o meu, o dele ou de nós dois juntos. Voltei a olhar para Michael e o encontrei
sério, pequenas gotículas de suor em sua testa, sua mandíbula contraída.
— É gostoso demais te ter assim — declarou.
— Eu sei... — gemi e senti meu corpo se contrair.
— Porra, quando você faz isso, parece que está me convidando a
meter em você. — Ele ergueu os quadris, e fechei os olhos diante da sensação
incrível. — Isso, continua me puxando!
Os movimentos foram se intensificando, o prazer tomando conta de
mim de tal maneira que eu não pensava em mais nada a não ser no ápice.
Esquecemos onde estávamos, quem erámos e nos concentramos apenas em
compartilhar o doce desejo que necessitava de satisfação.
Michael me beijou no exato momento em que gozei, abafando com a
boca os meus gemidos, sem deixar de estocar nem por um momento. Eu não
conseguia mais pensar, fui reduzida a uma emoção tão intensa que eu parecia
ser feita de energia e calor.
— Aurora... — Meu nome gemido foi o que me alertou de que ele
estava prestes a ter um orgasmo.
Apressei-me o máximo que pude para erguer-me e tirá-lo de mim, e,
assim que meu corpo liberou o dele, a frente do meu vestido foi inundada de
uma porra espessa e quente.
Fiquei parada onde estava, o corpo ainda pulsando, coração
disparado, mas a consciência gritando que havíamos corrido um risco
enorme. Não disse nada, esperei que ele se recuperasse do êxtase,
observando-o até sua razão alertá-lo.
— Foi por pouco, não foi? — questionou de olhos fechados, ainda
buscando ar.
— Foi! — concordei. — Acha que deu tempo de...
— Não, só senti o gozo quando estava fora de você. — Bufou. — Foi
uma loucura!
Minha cabeça dava voltas, pensando no que falar, em como agir.
Achava que seria melhor se eu tomasse uma pílula do dia seguinte, mas quais
seriam as implicações que essa bomba hormonal poderia causar à futura
implantação do embrião?
— Em algumas semanas, eu já poderei fazer outra tentativa de
engravidar — comecei, e ele me olhou sério. — Não sei se devo comunicar à
clínica que fiz sexo desprotegido e tomar uma pílula do dia seguinte ou não.
— Acha mesmo necessário fazer isso? Eu não gozei dentro de você,
Aurora.
Meus olhos ardiam com as lágrimas não vertidas, sem entender bem
por que me sentia daquela forma. Poderia não ter acontecido nada, mas e se
tivesse ocorrido? Pensar em engravidar de Michael daquele jeito, fazendo
amor, era perfeito, mas não era o que ele queria. Eu seria apenas a barriga que
geraria sua criança, não a mãe de seu bebê.
— Acho melhor tomar a pílula — resolvi, e ele concordou.
— Acho melhor sairmos do carro antes que alguém apareça. —
Ajudou-me a ir para o banco do carona. — Lá em cima conversamos melhor.
Concordei, ajeitei-me como pude, e ele me deu lenços de papel que
tinha no porta-luvas. Limpei meu vestido, mas a possibilidade de nos
encontrarmos com alguém no elevador me deixava tensa.
Por sorte, não havia ninguém nem no elevador nem no corredor do
seu andar.
— Só tenho um vizinho, e ele fica mais em Boston do que aqui. —
Acalmou-me quando me sentiu tensa. — Vamos direto para o banho!
Novamente ele me levou à loucura debaixo do chuveiro, ensaboando-
me, massageando minhas costas e lambendo-me inteira. Gozei novamente,
dessa vez em sua boca, e quando o toquei para fazer o mesmo, Michael me
parou.
— Vai mesmo tomar a pílula?
Estranhei ele tocar no assunto naquele momento, mas assenti.
— Acho mais seguro. Por quê?
Ele sorriu de um jeito que me fez perder uma batida do coração.
— Porque quero foder daquele jeito de novo. — Arregalei os olhos.
— Não existe sensação melhor do que sentir você gozar no meu pau.
Estremeci e concordei.
Michael colocou-me de costas para ele, ergueu bem meus quadris,
fazendo-me inclinar o tronco para frente e, apoiando-se na parede, abaixou-se
um pouco para conseguir a posição perfeita.
Gemi alto quando ele esfregou a cabeça de seu pau em mim, passando
pelo meio da minha bunda, pela entrada do meu sexo, até ficar brincando
com meu clitóris.
— Isso é gostoso demais! — falou baixinho. — Mas isso... —
penetrou-me com uma estocada firme — é sensacional, porra!
Tive que apoiar as mãos no vidro do boxe quando ele começou a
foder sem parar, estocando rápido, segurando tão firme meus quadris que eu
previa encontrar as marcas de seus dedos depois. Eu não conseguia falar ou
fazer qualquer coisa, envolvida pelo delicioso sentimento de prazer, entregue
à loucura que, mais uma vez, estávamos cometendo naquela noite.
O jeito com que ele me comia me deixava ainda mais excitada.
Michael delirava de tesão, rugia como nunca eu o tinha ouvido fazer. Quando
parou um segundo para respirar, comecei a me movimentar, jogando-me
contra seu corpo, mexendo meus quadris, buscando a satisfação que queria.
Ele riu e deu um tapa forte na minha bunda.
— Continua! — exigiu. — Você me come muito gostoso!
Minhas pernas estavam bambas demais, e o vidro do boxe se
encontrava escorregadio. Sentindo que eu estava parando, ele retomou o
controle da situação, segurou meus cabelos como se fossem rédeas, firmou-se
e me fodeu como um louco, fazendo-me gozar e gritar como se estivesse a
ponto de me esvair em prazer.
Quando parei de gemer foi que me dei conta de que ele também
estava arfando, gritando, xingando. Quase caí, pois minhas pernas não me
sustentavam mais, e ele me segurou, abraçando-me pelas costas com força.
— Acho que morri! — disse rindo, beijando minha nuca. — Você me
deixou fora de mim.
— Eu? — retruquei. — Mal estou conseguindo ficar em pé!
Michael gargalhou.
— É melhor irmos para a cama. — Sua voz não escondeu o que ele
queria comigo lá.
Virei o rosto para olhá-lo assustada.
— Não tinha morrido?
Ele deslizou a mão entre minhas coxas e acariciou meu clitóris ainda
túrgido.
— Já renasci!
Eu não queria analisar o que estava acontecendo comigo. Na verdade,
nem queria pensar sobre o assunto, mas não conseguia fazer minha cabeça
parar de voltar ao tema a cada segundo.
Só havia uma coisa de que eu tinha certeza e mais nenhum motivo
para não admitir: não conseguia me cansar de ter Aurora por perto! Era mais
do que querê-la na minha cama, eu gostava dos momentos que passávamos
fora dela também.
O jantar na mansão foi um sucesso, apesar das tentativas de
manipulação de minha mãe. Percebi que as duas se deram bem e que Aurora
foi eleita uma nova amiga de Shelly Griffin. Racionalmente, isso deveria me
apavorar, afinal, complicava demais a situação contratual que eu tinha com a
moça, mas, pelo contrário, fiquei satisfeito em vê-las tão cheias de afinidades
e conversas.
Respirei mais fundo, e Aurora se mexeu, fazendo seus delicados
cabelos vermelhos deslizarem sobre meu ombro. Olhei para ela, dormindo
cansada depois de mais uma maratona de sexo, e senti um aperto no peito.
Nós dois havíamos dormido, mas acordei minutos depois e fiquei imerso em
pensamentos conflitantes.
Talvez fosse a hora de fazer exatamente aquilo que Robert me
aconselhou e cancelar o contrato com Aurora, pois eu não sabia mais se entre
nós existiria distância suficiente para que ela cumprisse sua parte, e eu, a
minha. Era óbvio que eu gostaria muito mais de poder acompanhar a gravidez
de perto, e, caso fosse outra barriga de aluguel, eu não teria como fazer isso,
pois manteria o anonimato.
Minha mão repousava na delgada cintura dela, e a levei até seu
ventre. Aurora já havia estado grávida de um filho meu. Pensar que já tivera
parte de mim dentro de seu corpo me causava uma sensação tão primitiva que
me assustava. Eu queria vê-la gerar, sua barriga crescer, sentir o bebê mexer-
se dentro dela, só que, da mesma forma que mexia comigo, poderia mexer
com ela, então sofreria quando fosse me entregar a criança.
Que verdadeira confusão eu fiz desta história!
O melhor a fazer seria mesmo cancelar o contrato e continuar saindo
com ela, mas eu não conseguia imaginar nenhuma outra mulher gerando um
filho meu. Esse reconhecimento me deixava tenso, nervoso e ainda mais
confuso.
— Hum... Que horas são? — Aurora perguntou com voz sonolenta,
esticando-se.
— São quase 2h da manhã — respondi, pois, quando acordei, havia
olhado as horas. — Você dormiu só uns minutos.
Ela se sentou.
— Mesmo assim é tarde! — Bocejou. — Eu vou me arrumar para ir...
Não a deixei terminar de falar e a puxei para que voltasse a se deitar
ao meu lado. Aurora riu, mas seus olhos não esconderam a curiosidade, nem
mesmo quando comecei a acariciar seu corpo, novamente excitado.
— Esse desejo não passa! — confessei sem tirar meu olhar do dela.
— Não passa, mas preciso estar cedo na universidade e...
— Eu te deixo lá de manhã.
Aurora franziu as sobrancelhas.
— Eu preciso dormir, não posso passar a noite inteira acordada e...
— Nem eu! — Beijei seu pescoço. — Aliás, estou muito cansado
depois da última. — Sorri quando ela não pareceu acreditar em mim. — Fica
aqui esta noite, Aurora.
— Aqui, no seu apartamento?
Caralho, ela realmente não facilita!, pensei, tentando não rir de
desespero.
— Aqui, na minha cama. — Dei um sorriso meio torto, tentando não
dar tanta atenção ao fato de eu estar propondo que quebrássemos uma
distância que eu mesmo impusera. — Ela é bem grande, cabe nós dois.
Ela não respondeu de imediato, ficou me olhando como se estivesse
tentando ler o que se passava na minha mente. Tive vontade de lhe avisar que
nem eu sabia, que minha cabeça estava uma confusão desde que ela surgira
em minha vida.
— Tem certeza de que não vai ficar estranho de manhã?
Minha resposta foi um beijo carinhoso, embora cheio de tesão, e um
abraço apertado. Eu gostava de como o corpo de Aurora se encaixava no
meu, assim como o meu se encaixava no dela. Era uma grata surpresa eu
gostar tanto de estar com alguém nos meus braços sem estarmos fazendo
sexo.
Ela se ajeitou melhor, deitando-se de costas para mim, e finalmente
experimentei o que os casais chamavam de “dormir de colherinha”. Os
quadris dela estavam contra os meus, sua cabeça se apoiava sobre meu braço
esquerdo, e o direito passava sobre sua cintura, a mão segurando um seio.
Respirei fundo para sentir seu perfume, a deliciosa fragrância que não
sumia de sua pele nem mesmo quando ela usava o meu sabonete. Os cabelos
de Aurora também eram cheirosos demais, e eu tinha vontade de me afogar
no meio deles.
— Amanhã podemos passar em uma farmácia antes de irmos para o
meu apartamento? — Aurora fez a pergunta baixinho, e senti o coração
disparar ao lembrar que fizemos sexo três vezes sem camisinha e que, em
uma delas, gozei feito um bicho dentro do seu corpo. Não era nem uma
questão mais de “se”, era uma possibilidade real de ela ter ficado grávida, e
não era assim que eu pretendia ter um filho.
Não é assim!, reforçava mentalmente, mesmo que achasse que
nenhuma doadora de óvulos teria os genes perfeitos de Aurora, não somente
na aparência física, mas em sua garra, em sua inteligência, no jeito que ela
parecia se importar com as pessoas, tudo nela.
— Claro, vamos comprar a pílula para garantirmos que nada saia do
combinado — respondi usando a razão, não me deixando levar pelo calor do
momento que estávamos vivendo.
Ela suspirou e balançou a cabeça.
Fiquei quieto, esperando que ela dormisse, ciente de que eu não
conseguiria pregar os olhos, mas por motivos diversos dos da primeira noite
que passamos juntos.
— Posso te fazer uma pergunta de foro íntimo?
Ri, surpreso quando ela falou, pois achava que já havia dormido.
— Mais íntimo do que ter sua língua lambendo meu rabo? —
brinquei. — Pode.
Aurora riu e rebolou contra mim, o que me fez rilhar os dentes de
tesão.
— Você nunca teve um relacionamento... não sei como dizer...
— Fixo? — completei, e ela assentiu. — Um namoro ou algo
parecido?
-— Isso. — Ela olhou para trás. — Não precisa responder se não
quiser. Só estou curiosa, não vou te julgar.
Não era meu assunto favorito, mas reconhecia que seria bom falar,
porque assim ela entenderia que não era aquilo o que eu buscava.
— Já. — Ela pareceu surpresa, como se não esperasse a resposta. —
Eu era mais novo, estava na universidade. Ela e eu fazíamos várias matérias
juntos e acabamos saindo, e a coisa foi ficando séria.
— Por que acabou?
Essa pergunta era fácil demais de responder. Acabara porque nenhum
dos dois estava apaixonado de verdade. Eu fiquei empolgado quando comecei
a sair com Samantha, achei mesmo que havia me apaixonado, entrei de
cabeça e até a levei para conhecer minha mãe, mas, então, meses depois,
percebi que não a conhecia tão bem quanto achava, e isso acabou me
afastando.
— Porque não havia o sentimento necessário para continuar —
resumi.
— Você não conseguiu gostar dela o suficiente?
Remexi-me na cama, incomodado por tocar nesse assunto, pois, desde
que acontecera, a única pessoa que sabia detalhes era Robert.
— Achei que gostava, mas descobri a tempo que a pessoa por quem
eu havia me apaixonado não era real.
Aurora se virou totalmente para ficar de frente para mim.
— Ela estava enganando você?
Ri e dei de ombros.
— De certa forma, enganou-me o tempo todo, mas não da maneira
como está imaginando. — Acariciei seu rosto, admirando sua beleza, mas
não somente isso, admirando a diferença que havia entre ela e a outra mulher
que eu havia apresentado à minha mãe. — Não era eu exatamente o que ela
amava. — Aurora enrugou a testa de novo. — O que eu tinha era o que
realmente importava para ela, entendeu? — Ela assentiu. — Percebi que ela
valorizava mais as coisas que eu poderia lhe proporcionar do que minha
companhia. As conversas passaram a ser mais em torno da fortuna da minha
família e dos meus contatos do que sobre nós dois, e, quando tudo isso me
incomodou a ponto de eu terminar, ela disse que estava grávida.
Aurora arregalou os olhos.
— E aí? O que aconteceu?
Engoli em seco, relembrando o desespero que senti e a batalha que
travei comigo mesmo, pois, ao mesmo tempo em que não queria ter nada a
ver com ela, também não queria agir como meu próprio pai. Queria ser
presente na vida daquela criança, e, pela maneira como Samantha estava
lidando com as coisas, isso só iria acontecer se eu me casasse com ela.
Por sorte, nada disso foi necessário.
— A colega de quarto dela estava saindo com um colega de futebol
meu, e, por acaso, eu soube que ele a havia engravidado e que os dois
decidiram abortar. Aquela notícia me deixou intrigado, pois as duas ficaram
grávidas ao mesmo tempo. — Ri irônico. — Desconfiei de que tinha algo
errado com a história e fui atrás da tal colega de quarto. O negócio estava por
baixo dos panos, ninguém sabia de nenhuma gravidez, então, quando revelei
que sabia, a moça acabou achando que foi a minha namorada quem tinha
contado, ficou brava e revelou que minha namorada queria me enganar.
— Que grande filha da mãe! — Aurora sentou-se na cama. — Ela
queria que você se casasse com ela, não queria?
Ri.
— Naturalmente! — Então disse algo que não havia dito nem para
Robert: — E eu iria! Estava disposto a me casar com ela.
— Por quê? Hoje em dia uma gravidez não é motivo para um
casamento.
Sorri triste, suspirei e decidi contar tudo, afinal, já havia começado.
— Eu não queria que meu filho crescesse sem um pai. — Senti um
bolo na garganta ao confessar, em palavras, algo que somente naquela época
havia sentido e que, mesmo assim, não revelara a ninguém. — Não queria
que ele soubesse que tinha sido abandonado ou que só representava uma
transferência bancária todos os meses. — Meu coração estava acelerado e
meu corpo tenso quando concluí: — Eu queria estar lá para ele sempre que
precisasse de mim.
Aurora colocou a mão sobre meu peito, acariciando-o como se o
afagasse, como se quisesse acalentar meu coração. Peguei sua mão e a
segurei, apertando-a de leve, agradecendo-lhe, ainda que não estivesse à
vontade com o consolo oferecido.
Puxei-a para mim, e ela se deitou sobre meu corpo, beijando-me de
um jeito que nunca ninguém o havia feito. Deixei-me levar por seus lábios na
minha testa, na ponta do meu nariz e, enfim, na minha boca. A suavidade do
contato atuava como um bálsamo em feridas que eu nem julgava mais
estarem abertas.
Fazia muito que eu pensava ter superado aqueles sentimentos, e,
sempre que era confrontado sobre o que sentia com relação ao abandono de
meu pai biológico, respondia que tive um avô maravilhoso que não me
deixou sentir falta de uma figura paterna.
Não mentia, era a verdade, meu avô foi incrível, e eu não sentia falta
do meu pai, mas isso não apagava de mim os questionamentos sobre por que
ele nunca procurara saber da minha existência ou mesmo tentara contato.
Era difícil para um garoto ter maturidade para entender certas coisas
da vida adulta, e eu pensava que todos os pais amavam seus filhos, assim
como tinha o exemplo de meu avô e de meus tios com suas filhas. Eu era tão
certo do amor de minha mãe que não processava a ideia de que meu pai não
sentia nada por mim.
A situação com Samantha evocou tudo isso, e tive de encarar
sentimentos que eu nem sabia que tinha: esperanças frustradas, desejo por
respostas e, por fim, a decepção de entender que Justin Williams nunca me
tinha visto como filho, nunca se sentira pai e não nutria qualquer sentimento
por mim.
Eu não seria capaz de fazer o mesmo e estava disposto a qualquer
coisa para que meu filho, fosse a mãe dele quem fosse, tivesse a segurança de
se sentir sempre amado.
— Você é incrível, Michael! — Aurora sussurrou ainda com os lábios
nos meus. — Eu admiro demais quem você é!
Segurei-a pela nuca e aprofundei o beijo, desejando canalizar todo
aquele clima diferente que se instalou entre nós para uma coisa que eu já
conhecia bem e sabia como lidar: tesão.
Aurora correspondeu ao meu beijo da maneira sensual com que
sempre fazia. Senti quando abriu as pernas, colocando-me entre suas coxas e
se ajeitou sobre mim, pronta para me receber em seu corpo. Ela estava
apertada, ainda não totalmente úmida, mas, assim que encaixei meu pau no
seu interior, senti o calor de sua excitação me envolver e tornar os
movimentos dela mais fáceis.
Sentei-me na cama, abraçando-a firme, rebolando com ela, apoiando
seus quadris com minhas coxas para que pudesse ir cada vez mais fundo.
Aurora gemeu e se entregou, graciosa, a cabeça jogada para trás, as
pontas de deus cabelos roçando sua bunda. Encostei minha testa no seu
ombro, gemendo de boca aberta, resfolegando, enquanto ela montava em
mim com devoção, totalmente envolvida no intenso prazer que
compartilhávamos.
Eu me sentia enlevado, mas não somente pelo tesão absurdo que me
percorria por tê-la. Não conseguia parar de me sentir como um homem que
fez um investimento arriscado e improvável e que estava prestes a colher os
frutos de sua boa sorte, sem ainda acreditar que tinha conseguido. Aurora era
perfeita em tantos sentidos que me deixava assustado, principalmente porque
ela fazia-me pensar em coisas que eu ainda não tinha considerado e que iam
de encontro a tudo o que havia planejado.
Já fazia dois dias que eu não via Michael, e, por mais que fosse difícil
admitir, a saudade apertava meu peito de um jeito doloroso. Podia parecer
exagero, mas estivemos juntos tantos dias seguidos que não o ver era sofrido.
A conexão que tivemos na noite em que dormi no seu apartamento foi
única. Eu nunca tinha amado ninguém daquela forma, dedicado meu corpo
não só a oferecer prazer, mas conforto. Fiquei tocada com a história que ele
me contou, ligando as peças sem que precisasse me dizer tudo.
Entendi, então, por que ele havia decidido ser pai sozinho, sem
vínculo com nenhuma mulher. Ele não confiava mais, não se deixava mais
apaixonar, mas não apenas pelo fato de ela tentar prendê-lo com uma falsa
gravidez, mas por ter-se visto em uma posição em que talvez nunca tivesse
estado.
Michael nunca falava do pai. Na noite na mansão, ele não foi citado,
nem mesmo por Shelly Griffin. Algo relacionado a esse silêncio em relação
ao progenitor dele devia ter a ver com o que me disse sobre nunca querer
abandonar um filho. Ele seria capaz de ficar com alguém que não amava para
que a criança não experimentasse o que ele próprio havia passado. Pelo
menos, foi o que deu a entender, mesmo que ele não tivesse me contado
todos os detalhes.
Quando o toquei, pude sentir seu coração palpitando rápido, o que
acelerou os meus próprios batimentos e me fez dividir com ele o sentimento
de uma forma tão intensa que me senti impactada. Eu queria consolá-lo,
dizer-lhe que estava tudo bem, que ele era muito amado independentemente
de qualquer coisa que já pudesse ter pensado.
Ele é amado! Poder confessar a mim mesma meus sentimentos com
relação a Michael foi um alívio, mas também me trouxe um certo medo.
Entrei naquela relação ciente de tudo o que ele queria e do que não
queria de mim e disposta a pagar o preço, caso não conseguisse controlar
minhas emoções e acabasse me apaixonando, e era isso que eu iria fazer!
Estar apaixonada por Michael não mudava em nada meu papel em sua vida,
eu era a mulher que ele contratara para gerar seu filho, mas não para ser a
mãe dele.
Compartilhávamos momentos únicos de prazer, sentíamos um tesão
ímpar um pelo outro, mas para ele não passava disso. Quando eu fizesse a
implantação do embrião, tudo iria se acabar, e passaríamos a ser o que
tínhamos acordado desde o início.
Eu receberia o dinheiro para arcar com as dívidas do tratamento de
mamãe, e ele, o filho tão querido para que pudesse amar.
Mexi em minha bolsa em busca das chaves da porta do apartamento, e
meu dedos roçaram na caixinha da pílula do dia seguinte, comprada no dia
imediato ao sexo desprotegido e tomada logo após a compra, ainda na
presença de Michael.
Achei que poderíamos ficar estranhos depois desse evento, mas não
ficamos. Era uma coisa que tínhamos concordado em fazer, mesmo que ele
não quisesse que eu comunicasse à clínica.
— Aqui diz que não interfere em nada — salientara ao ler a bula. —
Não há por que dizer algo a eles.
Acabei por concordar, mas senti uma insegurança que precisei
externar:
— Ainda vamos fazer isso, não?
— O quê?
— Uma nova tentativa de eu engravidar. — Ele não me respondeu. —
Combinamos que o que aconteceria entre nós não afetaria o contrato.
— Sim. Você quer seguir adiante com isso? — Assenti, pensando que
não havia outra possibilidade, pois eu ainda precisava do dinheiro. — Então
nada mudou!
Nada mudou! Tive vontade de rir ao relembrar essa pequena frase,
pois tudo havia mudado. Se eu já tinha dúvidas sobre ser forte o suficiente
para ter uma criança dentro de mim e depois renunciar a ela, tinha ainda mais
depois de ter me apaixonado por Michael!
Era óbvio que cumpriria o contrato, mas certamente teria meu coração
dilacerado, afinal, representaria o fim de tudo. Eu teria que me afastar, fingir
que nunca o conhecera, não procurar saber do bebê e nunca falar para
ninguém sobre ele.
Nove meses teriam que ser apagados da minha vida, e aquela paixão
precisaria morrer.
— Boa tarde! — Erika me cumprimentou. — Espero que não esteja
muito cansada!
Estranhei o que me disse e neguei.
— Boa tarde! O que houve?
— Chegou uma encomenda para você, e a coloquei no seu quarto. —
Sorriu. — Deduzi o que era pela caixa, mas juro que não mexi.
Gargalhei.
— Por isso a pergunta sobre como eu estava me sentindo?
— Também! Mas o Joseph me disse que precisará levá-la para sair
essa noite. — Riu. — Parece que você tem um encontro com alguém
misterioso!
Assim que ela me disse isso, saí andando depressa – mas sem correr
para não demonstrar o quanto estava feliz com a notícia – para o meu quarto.
A enorme caixa sobre a cama me deixou surpresa, mas, ao contrário
de Erika, não reconheci a logomarca da loja, por isso não sabia do que se
tratava. Quando abri a tampa, encontrei várias e várias camadas de papel de
seda, até perder o fôlego ao ver o vestido bege, completamente bordado com
cristais furta-cor que variavam a tonalidade do vestuário a cada movimento
que eu fazia com a peça.
Retirei-o totalmente da caixa e o coloquei de frente para meu corpo,
olhando-me no espelho, apaixonada pelo vestido.
Busquei alguma nota ou carta, mas não havia nada além da caixa
grande onde a peça viera e uma menor, ao lado dela. Abri a segunda caixa, e
meus olhos brilharam ao ver sandálias de salto e uma bolsa combinando. Eu
tinha certeza de que eram presentes de Michael, mas para quê?
Meu telefone apitou no exato momento em que fiz o questionamento,
e encontrei uma mensagem ainda mais estranha do homem por quem estava
apaixonada:
“Você tem 40 minutos para se arrumar antes de Joseph ir te
buscar no apartamento. Espero que já tenha chegado da faculdade!”

Ri de seu jeito mandão e por, além de não ter me cumprimentado, não


explicar mais nada.
Vínhamos nos falando durante aqueles dias distantes e só estávamos
sem nos ver porque Michael tivera que viajar a trabalho, mas em momento
algum ele disse que havia programado de sairmos juntos, muito menos a um
lugar em que eu precisaria de um vestido daquele!

“Para onde Joseph irá me levar?”

Esperei que ele me dissesse algo. Demorou a digitar, e, quando a


resposta veio, ri como boba:

“Até mim!”

Não tentei mais saber de nada, pois, se ele havia decidido fazer uma
surpresa – de novo –, eu entraria na brincadeira e desfrutaria do momento
Cinderela.
Tomei banho e lavei os cabelos para que pudessem secar
naturalmente e formar as ondulações que ele tanto gostara no iate. Não tinha
tempo para chamar Aimée, por isso me maquiei da maneira mais básica
possível, que era o máximo que eu conseguia fazer com rapidez. Tentei
colocar o vestido sozinha, mas o longo fecho nas costas impediu-me de
concluir o intento, então, assim que calcei as sandálias – lindas e sexy –, fui
atrás de Erika para que me ajudasse.
— Meu Deus, nunca vi mulher tão linda! — Colocou as mãos sobre a
boca. — Parece uma sereia quando anda!
— Ariel? — brinquei, pois sempre me chamavam assim na infância.
— Gostou mesmo? Não consigo me maquiar melhor do que...
— Está perfeita! — Ela deu a volta em mim e parou às minhas costas.
— Ah, o fecho aberto! Posso fechar?
— Por favor! — pedi aliviada, enquanto colocava os únicos brincos
de ouro que possuía e que foram presentes de minha madrinha – já falecida –
quando nasci. — O que acha?
— Linda! — Erika riu. — Eu não queria ser indiscreta, mas sou! —
Riu com vontade. — Minha irmã comentou que o senhor Griffin apresentou
uma mulher à mãe. — Fiquei vermelha na hora, denunciando-me. — Ela não
disse o nome, mas elogiou a beleza da moça, bem como seus compridos
cabelos vermelhos e os olhos verdes sorridentes.
— Nunca comi um pudim tão gostoso! — elogiei, desistindo de tentar
negar que era eu.
— Ah, ela fez pudim de nozes! Queria impressionar!
Aproximei-me dela e beijei sua bochecha.
— Cozinhar bem é um dom da sua família, não é?
Erika deu de ombros.
— Não gostamos de nos gabar, mas sim, somos ótimas na cozinha!
A campainha soou de repente, fazendo com que eu desse um pulinho
de susto. Erika atendeu rindo e anunciou que Joseph estava à minha espera.
— Para onde vamos? — perguntei a ele, confiante de que me diria.
— Não estou autorizado a falar da rota, senhorita.
Ordens do chefe!, ironizei mentalmente com a frase que eu mais
odiava ouvir quando me mudei para o apartamento e conheci a governanta e
o motorista.
Durante o trajeto de carro, fui tentando descobrir para onde estávamos
indo e somente quando reconheci a estrutura à minha frente foi que me dei
conta de que ele não escondera nada de mim, era eu que não havia entendido.
— Espero que a senhorita faça um bom voo! — Joseph me desejou,
abrindo a porta do carro perto da sala de embarque, onde uma mulher
uniformizada – e linda! – me esperava.
Tremi dos pés à cabeça ao descer do veículo, pois nunca tinha voado
na vida. Não podia acreditar que faria isso pela primeira vez em um jatinho
particular e sozinha!
Michael estava em Nova Iorque, mas, quando disse que Joseph iria
me levar até ele, presumi que já havia voltado, não que eu iria para lá
encontrá-lo!
A recepcionista da sala que ele usava no aeroporto me explicou o
procedimento, inclusive que eu voltaria no dia seguinte com o senhor Griffin,
e tive que esperar uns 30 minutos até ser novamente abordada pela moça e
conduzida até a aeronave.
Ao contrário do que pensei, não iria sozinha, pois, além do piloto e
copiloto – obviamente –, foram comigo mais duas moças que cuidavam do
serviço do senhor Griffin.
O jatinho era lindo, mas eu estava tão nervosa que só perguntei sobre
o banheiro, temendo passar mal. O tempo de voo era de menos de duas horas
até Manhattan, e de lá eu seguiria de helicóptero – Senhor Deus! – até o local
onde Michael estava me aguardando.
A princípio foi tenso, fechei os olhos, rezei e pedi perdão por todos os
meus pecados, mas depois relaxei, tomei até uma taça de champanhe a fim de
ficar mais calma.
Acabei cochilando e acordei quando avisaram sobre o pouso e a
necessidade de eu recolocar o cinto de segurança. Desci no aeroporto ao lado
das moças, e outra recepcionista me levou até o local onde um carro me
aguardava para irmos até o heliponto.
Se voar no avião foi mais tranquilo do que eu havia imaginado, não
podia dizer o mesmo do helicóptero! Senti que ia morrer a qualquer momento
e fiquei aliviada quando, menos de 15 minutos depois de ter decolado, ele
pousou em cima de um prédio.
— Graças a Deus! — Fiz o sinal da cruz.
A porta da aeronave foi aberta, e abri um enorme sorriso ao ver
Michael, de smoking – como ele podia ficar ainda mais lindo?! –, estendendo
a mão para me ajudar a descer.
— Fez boa viagem? — questionou assim que pisei no chão do
heliponto.
Ri.
— Ainda bem que não me contou como eu chegaria até você, porque
duvido que eu viria!
Ele gargalhou e me enlaçou a cintura.
— Não gosta de voar?
— Nunca tinha voado para saber! — Ele pareceu surpreso, e meu
rosto queimou de vergonha. — Eu disse que nunca havia saído de Illinois!
— Eu voo dentro de Illinois! — rebateu. — Ficou com muito medo?
— Adorei o jatinho, mas... — fiz sinal com a cabeça para o
helicóptero parado atrás de nós — aquilo ali é a treva!
— Desculpe por isso! É que eu estava com pressa por causa do
horário!
Ergui a sobrancelha enquanto caminhávamos para um elevador.
— Horário de quê?
Piscou.
— Da ópera que iremos ver! Gosta de Puccini?
Parei admirada.
— A qual delas vamos assistir?
— Tosca.
Pelo sorriso que dei, ele adivinhou que amei a notícia. Mamãe amava
óperas, mas só as ouvia ou via um vídeo ou outro, nunca podia ir a um teatro
a fim de as assistir ao vivo, então fazer aquele tipo de programa naquela noite
era emocionante demais para mim.
Eu não tinha palavras para lhe agradecer o privilégio, por isso fiz a
única coisa que podia expressar o sentimento: beijei-o longamente.
— Obrigada!
Michael suspirou.
— Depois desse beijo, começo a reavaliar a ideia de passar algumas
horas em um teatro...
Gargalhei.
— Nem se atreva! — Apoiei-me no braço que me estendia. —
Prometo que compenso essas horas.
Olhou-me intensamente.
— Eu levo promessas a sério.
Pisquei.
— Eu também!
A ideia de levar Aurora até Nova Iorque surgiu de repente, quando
um dos clientes da corretora me presenteou com dois ingressos para o teatro.
Assim que vi que era uma ópera italiana clássica, logo pensei que ela adoraria
assistir a ela, mas logo descartei o pensamento, lembrando-me de que a
situação entre nós já estava complicada demais.
Eu não lembrara que teria que viajar, a senhora Robinson foi quem
me fez recordar na noite anterior à viagem, mandando-me os compromissos
de Nova Iorque. Avisei Aurora e, mesmo longe, não deixei de falar com ela
nenhum dia, o que nunca havia feito com mulher alguma com quem me
envolvera até então.
Além disso, não pude tirá-la da cabeça e, cada vez que ia até a janela
da minha suíte e avistava o mar, recordava-me de que Aurora nunca o tinha
visto e sentia uma estranha necessidade de ser eu a mostrá-lo a ela pela
primeira vez.
Acordei com a fixa resolução de tê-la comigo e liguei para uma
amiga, dona de uma boutique exclusiva em Chicago, pedindo-lhe que
escolhesse um modelo digno de uma sereia de longos cabelos vermelhos,
depois ajustei todos os detalhes com o piloto e a equipe que cuidavam do
jatinho da empresa – que já iria me buscar no outro dia – e adiantei a viagem
deles.
Com tudo já certo, passei o dia inteiro ansioso, decidido a fazer
surpresa, a ver novamente os olhos dela brilharem como no dia do iate.
Queria impressioná-la, mesmo sabendo que Aurora não esperava isso de
mim.
Joguei uma olhada rápida para o lado e contive um gemido ao vê-la
no vestido que Valery escolheu. A design de moda realmente acertou em
cheio no meu pedido, e Aurora foi alvo de vários olhares apreciativos,
invejosos e especulativos.
Não tive como me esconder da imprensa, infelizmente, ainda mais se
tratando de uma noite especial, beneficente. Os repórteres estavam todos
postados na entrada do teatro.
— Fique calma e aja naturalmente — aconselhei quando paramos
para receber a chuva de flashes.
Alguns tentaram descobrir o nome dela e quem era, mas não respondi,
apenas a conduzi para dentro, deixando o mistério no ar. Sabia que iriam
atrás da informação que omiti, mas, como Aurora não era conhecida, teriam
grande dificuldade para descobrir.
O espetáculo foi intenso e perfeito, e a vi suspirar, prender o fôlego e
chorar em vários momentos. Eu sorria a cada expressão de seu rosto ou de
seu corpo, adorando presenciar os sentimentos que uma ópera bem montada
causava em quem sabia apreciar sua arte.
Ópera é assim: não dá para esconder ou fingir!
Eu já havia tido várias acompanhantes antes para diversos eventos
culturais, mas nenhuma se entregou tanto quanto Aurora. Perdi-me olhando-
a, desfrutando da maneira como parecia sentir cada acorde tocado e vibrar a
cada nota que a soprano principal emitia.
Notei também como acompanhava algumas músicas, mexendo os
lábios em algumas melodias, como minha mãe também fazia, e segurei sua
mão com força, deliciado por ela estar se divertindo tanto, por poder
proporcionar-lhe mais um momento que, certamente, ficaria gravado em sua
memória.
Após o espetáculo, fomos jantar em um dos restaurantes mais
apreciados do momento na Big Apple, cuja reserva consegui apenas porque
conhecia o chef que assumira recentemente a cozinha, e ele nos arranjou uma
mesa.
— Minha mãe ficaria deslumbrada se pudesse assistir tão de perto a
uma de suas óperas favoritas — comentou enquanto falávamos sobre música
clássica e riu. — Era o jeito que ela me ninava, e dizia me acalmar quando eu
estava agitada. Assim, cresci ouvindo Vivaldi, Puccini, Verdi e tantos outros.
— Talvez venha daí seu gosto por literatura latina, já pensou sobre
isso? — questionei-lhe. — Aprendeu desde cedo a admirar as línguas
derivadas do latim por ouvir tantas árias em italiano.
Ela concordou.
— Acho que sim! Eu amo italiano, falo um pouco, mas encontrei
mais facilidade em aprender o espanhol, talvez por ter contato com pessoas
nativas desse idioma.
— Minha mãe fala várias línguas; não sei se chegaram a falar disso.
— Aurora negou. — Pois é! Ela sempre amou estudar, e sua grande obsessão
são as línguas. Fala espanhol, alemão, francês e alguma coisa de grego. —
Ela arregou os olhos, surpresa. — Sem contar o latim, que dominou ainda na
adolescência apenas para ler seus filósofos favoritos sem tradução.
— Sua mãe fala latim?
— Podia ensinar um padre a rezar a missa se quisesse! — brinquei. —
Ela disse que espera uma nova visita sua, principalmente porque percebeu
que eu não havia conseguido lhe mostrar os jardins.
Aurora ficou vermelha.
— Como ela soube disso?
Gargalhei.
— Acho que estava testando uns binóculos, inspirada em uma amiga
fofoqueira.
— Binóculos? — Ela achou que eu estava brincando. — Quem usa
isso hoje dia? Com tantas câmeras de segurança instaladas para todos os
lados, dificilmente alguém consegue fazer as coisas às escondidas.
Ri ao me lembrar da mãe do Robert.
— Acredite se quiser, dependendo da pessoa que porta esse objeto, é
mais indiscreta do que mil câmeras de segurança!
Terminamos de comer em clima descontraído, rindo, falando sobre
muitos assuntos diferentes e, sobretudo, tocando-nos a cada oportunidade. Eu
pegava em sua mão sobre a mesa, tocava em sua coxa sob a toalha, embolava
meus dedos em seus cabelos usando a desculpa de que estava tirando alguns
fios de seu rosto, tudo isso porque desejava tocá-la.
Ainda estava surpreso com a falta que senti dela nos poucos dias que
estivemos longe e com a vontade pungente que estava de abraçá-la, beijá-la
da cabeça aos pés e me afogar no interior de seu corpo.
O mesmo motorista que nos levou do prédio onde aluguei o heliponto
até o teatro nos deixou no hotel onde eu estava hospedado. Subimos juntos,
de mãos dadas, e, enquanto dividíamos o elevador com mais dois casais,
passei meu braço por sua cintura, acariciando seus quadris.
— Como esta noite foi difícil! — comentei baixo para que somente
ela escutasse.
— Foi? Por quê? — Apesar da pergunta, gemeu quando passei a mão
descaradamente na sua bunda antes de voltar a abraçá-la.
Uma senhora que estava um pouco à nossa frente olhou-nos de
esguelha, e a presenteei com um sorriso charmoso que a fez se virar
novamente para frente.
— Você tem noção de como está linda? Passei um inferno esses dias
querendo foder você, fantasiando com como poderia te fazer gozar. — Senti
quando Aurora se arrepiou. Ela fechou os olhos e liberou lentamente o ar. —
Também foi difícil passar horas ao seu lado sem poder tocar seu corpo nu —
aproximei-me de sua orelha —, imaginando como te deixar molhada, pronta
para me receber inteiro.
— Michael... — murmurou.
— Eu sei! É uma tortura desejar tanto assim, não é? — Deslizei os
dedos no decote nas costas do vestido. — Essa noite não vamos dormir,
vamos foder até o amanhecer!
O elevador parou no nosso andar, e, desviando-nos das pessoas,
saíamos rapidamente em direção ao corredor. Eu não soube se havia dado
tempo de as portas se fecharem antes que a agarrasse, segurando-a pela bunda
e apertando-a contra meu pau duro, para beijá-la cheio de saudade.
Entramos na suíte ainda entre beijos, enquanto eu descia o fecho nas
costas do vestido a fim de livrá-la rapidamente da peça. Aurora estava
belíssima com a roupa, mas eu sabia que nada poderia superá-la quando
estava totalmente nua.
O tecido deslizou rápido para o chão, talvez por conta do peso de
tantos cristais que estavam costurados nele. Afastei-me para olhá-la e gemi
entredentes diante da visão maravilhosa que ela era.
Aurora não usava sutiã e levava sobre sua pele apenas uma pequena
calcinha branca. Gravei cada detalhe de seu corpo, desde as pernas longas e
firmes, os quadris marcados, a cintura fina e os seios cheios e com pontudos
mamilos rosados.
— Não é justo apenas eu estar despida! — reclamou com um sorriso.
— Você não está despida! — Apontei a calcinha. — Tire-a!
Aurora ergueu a sobrancelha, deu um passo para fora do vestido
embolado no chão e fez o que pedi, lentamente deslizando a delicada peça
por suas coxas, abaixando apenas o tronco ao fazê-lo, ficando com a cabeça
baixa e os quadris para cima.
Ele usava sandálias de salto alto que quase não consegui enxergar em
razão da comprida barra do vestido, mas que agora formavam uma imagem
totalmente sexy: Aurora nua, apenas com os saltos nos pés, a bunda para
cima e uma expressão safada me olhando.
— Você é foda! — Venci a distância entre nós e, sem deixar que ela
se erguesse, apoiando a mão com força em sua lombar, toquei sua boceta por
trás, esfregando meus dedos por entre seus lábios até que ficassem
completamente molhados. — É uma delícia!
Chupei meus dedos melados, deliciando-me com o sabor dela, e voltei
a metê-los entre suas coxas, só que, dessa vez, ampliei a exploração,
concentrando-me em acariciar seu ânus.
— Sente prazer assim? — perguntei com a voz rouca, tenso de tanto
tesão.
— Sim! — ela gemeu e rebolou contra minha mão.
— E assim?
Abaixei-me e substituí meus dedos pela língua, enfiando-a dentro do
seu cu e lambendo em volta dele enquanto excitava seu clitóris, fazendo-a
pingar de prazer.
Levantei-me, ajudei-a a firmar-se e andei de costas até cair sobre o
sofá, arrastando-a comigo. Reclinei-me no encosto, virando o pescoço para
trás ao máximo e a puxei para cima.
— Fica em pé no sofá e se agacha na minha boca!
Aurora não questionou, apenas cumpriu meu desejo, colocando meu
corpo entre suas pernas e sentando-se sobre meu rosto. Eu me sentia como se
estivesse num parque de diversões, esbaldando-me com tudo o que mais
gostava. Agarrei seus quadris e a comi profundamente, abocanhando todo o
seu sexo.
Ela vibrava sobre mim, eu podia sentir cada movimento reflexivo de
prazer que seu corpo emanava. Os seus gemidos preencheram o vazio
daquela fria suíte de hotel, na qual tinha passado as noites desejando tê-la
comigo. Ela estava lá, entregando-se de corpo e alma como sempre fazia,
vivendo cada nova experiência dentro e fora do quarto comigo.
Senti e ouvi quando gozou, pois suas coxas se apertaram, dificultando
minha respiração, e, somente quando suas pernas ficaram bambas, ela voltou
a buscar apoio no sofá, sentando-se ao meu lado.
Aurora sorria, mas eu não podia fazer o mesmo. Sentia a dor da
vontade consumindo-me, precisava estar em seu corpo e, por isso, quando ela
me tocou por cima da calça com a clara intenção de me masturbar e chupar,
neguei com a cabeça.
— Depois!
Arranquei a roupa com tanta pressa que senti alguns botões da camisa
voarem. Tive dificuldade em desamarrar a gravata-borboleta, pois acabei
dando-lhe um nó, e a calça ficou embolada nos sapatos. Chutei tudo para
longe sob os olhares apreciativos de Aurora e a coloquei de quatro sobre o
sofá. Esfreguei meu pau na sua boceta molhada de gozo, deliciando-me com
a sensação quente e escorregadia de sua entrada, então subi um pouco e senti
a textura de seu cu, urrando com a vontade de abri-lo para me receber.
— Eu gostaria de...
— Eu também! — ela gemeu em resposta.
— Caralho, Aurora!
Enfiei-me em sua boceta com uma só estocada e não consegui me
manter parado, movendo meus quadris com força, fazendo-a balançar e as
molas do sofá rangerem dentro dele.
Apoiei um dos pés no assento, conseguindo assim ir mais fundo
dentro dela, e a ouvi gritar. Bati em sua bunda, apreciando a marca da minha
mão que se formou, vermelha, no local, e a peguei pelos cabelos, fazendo-a
arquear-se até que pudesse ver seu rosto.
— Eu quero você toda!
— Você me tem toda! — afirmou sem tirar seus olhos verdes dos
meus. — Tudo em mim é seu!
Porra, como reagir a essa declaração?!
Era claro que Aurora estava falando sobre o sexo, não sobre suas
emoções, porque havíamos combinado e... deixei o pensamento de lado
quando ela se pôs a mexer os quadris junto a mim, fazendo-me ver estrelas
tamanho prazer.
Coloquei meu dedão na boca, umedecendo-o e, antes de enterrá-lo no
seu delicioso e de um rosa vivo buraquinho, cuspi para facilitar a penetração.
Aurora estremeceu inteira, e fiquei preocupado com a reação,
temendo tê-la machucado, pois senti-a tão tesa que mal conseguia mover meu
dedo.
— Tudo bem?
— Sim! — gemeu alto.
Continuei estocando em sua boceta e com meu dedo em sua bunda,
sentindo mais espaço, ainda que continuasse sendo apertado demais. Apenas
a imaginação de como seria pôr meu pau no lugar do polegar me fazia apertar
a mandíbula de vontade.
Eu precisava experimentar!
Saí de dentro dela, o pau latejando, inchado como se fosse explodir a
qualquer momento. Segurava-me o máximo que podia para não encostar nele,
porque estava por um fio.
Voltei a chupá-la, bebendo seus deliciosos líquidos, chupando o
clitóris saliente. Abri bem as bochechas de sua bunda, expondo o alvo do
meu desejo, e passei a lambê-lo com o fito de deixá-lo lubrificado e
escorregadio. Inseri minha língua toda dentro dele, mexendo-a, abrindo
caminho.
Apoiei-a no braço grosso e muito acolchoado do sofá e encaixei-me
entre suas coxas, beijando suas costas, mordendo sua nuca.
Comecei a entrar devagar, mesmo porque estava bem difícil, e meu
tamanho não ajudava. Coloquei minha mão por debaixo de seu corpo,
estimulando seu clitóris para que sua excitação a ajudasse a relaxar. Tremi e
gemi a cada centímetro vencido e, quando notei que era o máximo que
conseguiria ir, movi-me devagar, enquanto Aurora gemia cada vez mais alto.
— É uma delícia! — sussurrou, rebolando de leve.
— Delícia nem chega perto!
Estava me controlando para ir devagar, mesmo porque não nos
havíamos preparado para aquilo e eu não achava que cuspe fosse suficiente
para mantê-la lubrificada. Então me deixei apenas sentir o prazer dos
pequenos movimentos, alargando-a, afundando-me cada vez mais nela,
mexendo meus dedos empapados em seu sexo.
Aurora retesou-se de repente, e sua respiração acelerou. Ela agarrou o
tecido do sofá, arqueou o corpo e gritou em êxtase, gozando forte,
intensamente e contagiando-me com seu prazer.
Tive tempo apenas de me puxar para fora dela e logo assistir à minha
porra jorrar por suas costas, tão espessa e acumulada, como se eu estivesse
havia meses sem colocar nenhuma gota para fora.
Despenquei sobre ela, aspirei forte o cheiro de sua pele suada,
deliciosa, misturado ao de sexo bem-feito, de orgasmo, que enchia o
ambiente.
— Tudo bem? — perguntei assim que me acalmei, afastando-me dela
e a ajudando a se levantar.
— Parece que fui atropelada por um trator! — Riu, não conseguindo
ficar de pé.
— Machuquei você?
Negou.
— Não, foi melhor do que pensei que seria. — Franzi a testa com a
declaração. — Sempre tive curiosidade e...
— Nunca tinha feito isso? — Puta que pariu! Senti-me um
adolescente desvirginando um cu com cuspe!
Aurora ficou vermelha.
— Não.
Abracei-a, sentindo-me um troglodita por nem mesmo ter-lhe
perguntado.
— Se eu soubesse, teria tido mais cuidado! Há formas de facilitar e
diminuir o incômodo.
Ela pareceu bem interessada.
— Esqueci completamente do incômodo quando você me masturbou.
Nunca tive um orgasmo tão intenso!
Sorri animado, cheio de expectativas sobre as próximas vezes.
Poderíamos experimentar muito mais coisas juntos! Acessórios, pomadas e...
Freei o pensamento, apavorado com a sensação de permanência que cada vez
mais aquela relação adquiria.
— Um banho? — perguntei, decidido a não pensar mais em nada e
esperar chegar a Chicago para avaliar tudo e resolver o que iria fazer com
Aurora.
Tínhamos ainda um contrato de gestação, e o prazo que o médico
pedira depois do aborto já estava quase no fim. Ela poderia, então, fazer outra
tentativa e, se tudo desse certo, iria engravidar de um filho meu. Apenas meu!
Olhei para ela, entrando no chuveiro, linda e ainda com as marcas do
sexo intenso que fizemos, e percebi que não a via mais no papel de barriga de
aluguel. Não daria certo, complicaria tudo!
Eu já sabia o que teria que fazer.
Achei que, nem se vivesse mais cem anos, conseguiria esquecer a
noite especial que Michael me havia proporcionado. Foram tantas
descobertas, tantas primeiras vezes que parecia tudo um sonho.
O avião, o helicóptero, a ópera em um grande teatro, fotos para a
imprensa, Nova Iorque e o mar, cujo esplendor pude ver da janela da suíte
onde passamos a noite – de novo na mesma cama, dormindo abraçados –
pareciam coisas de filme de romance ou de um bom livro clichê que
arrancava suspiros ao final.
Todas as coisas que ele e eu havíamos compartilhado eram
maravilhosas, mas nada se comparava a estar em seus braços.
Eu estava total e irremediavelmente apaixonada!
Fiquei igual boba vendo-o tomar banho, depois tive um sorriso
grudado na cara ao vê-lo trabalhar por alguns minutos, assim que tomamos
café, em seu inseparável iPad, acompanhando a movimentação dos mercados
no final de semana, dias em que as bolsas de valores não operam, mas que os
acontecimentos podem afetá-las na segunda-feira.
— Sem contar os outros tipos de investimentos que operamos —
comentou enquanto se vestia. — Nós lançamos uma criptomoeda há alguns
anos e temos acompanhado seu intenso crescimento, enquanto outras se
dissolvem ou a superam. A MSG trabalha com todo tipo de investidor, mas
nosso carro-chefe é o investimento de risco.
Fiz-lhe algumas perguntas que qualquer outra pessoa leiga faria a fim
de entender melhor como o trabalho dele funcionava e fiquei surpresa com o
quanto sua rotina era pesada. Achei que, como CEO, ele trabalharia menos,
mas, mesmo fora da corretora, Michael ficava conectado o tempo todo.
— Domingo à noite, as bolsas da Ásia abrem, e, consequentemente,
começa a jornada de trabalho da minha equipe. Meu trabalho é global, por
isso não fica restrito ao nosso fuso horário.
Quando ele ficou pronto, vestido casualmente com uma camisa, calça
e tênis, acabei olhando desanimada para o vestido de noite.
— Nós vamos direto para o aeroporto, não?
— Não, mas não se preocupe. — Ergueu uma sacola. — Tenho que
prever alguns comportamentos no meu trabalho e, claro, previ que você não
teria roupa para vestir hoje.
Eu nunca poderia imaginar que Michael compraria roupas para mim,
e ele havia feito isso duas vezes e, em ambas as ocasiões, acertara com
precisão! A calça de linho cru e a blusa de seda sem mangas na cor rosê me
encantaram, mas o que conseguiu tirar meu fôlego foi a lingerie de renda
chantili em uma cor nude, delicada e feminina.
Eu estava parecendo alguém que nasceu em berço de ouro, essas
mulheres de revistas, elegantes e que usam um traje simples, mas grita que é
caro. Não fazia ideia do preço de cada peça, mas as etiquetas de marcas
famosas me deram uma ideia.
Almoçamos em um bistrô e, quando fomos para o aeroporto, de
helicóptero novamente, consegui ver a emblemática Estátua da Liberdade
mais de perto, pois Michael pediu ao piloto que fizesse um pequeno tour
sobre Manhattan.
O voo de volta para Chicago foi muito mais tranquilo, passei o tempo
inteiro conversando, namorando e, basicamente, sentada no colo de Michael
todo o trajeto. Ele me provocou a viagem toda apenas para me ver corar por
causa das comissárias de bordo que estavam conosco.
— Elas já devem estar acostumadas a ver você com mulheres aqui —
brinquei em algum momento.
— Já, sim, mas posso garantir que nenhuma viajou no meu colo. —
Piscou safado. — Lamento não ter um jatinho maior.
— Para quê? — Michael não precisou responder, sua expressão dizia
tudo. — Hum, deve ser interessante!
— Em outra oportunidade, dispenso a tripulação de cabine e aí
poderei te fazer gozar nas alturas!
Outra oportunidade... Próximas vezes! Ainda que eu tentasse manter
minha esperança à deriva do que poderiam significar todas essas palavras,
não conseguia. Falávamos com a naturalidade de quem quer uma relação com
permanência, de quem conta com a certeza de estarem juntos no futuro.
E essa impressão só aumentou quando, ao chegarmos a Chicago,
Michael propôs passar o final de semana – de tempo firme – no iate,
aproveitando o lago e o sol.
— Se suspirar mais uma vez, vou desistir de assistir ao filme. —
Aimée interrompeu meus pensamentos com um sorriso malicioso. — É meu
dia de folga. Você podia pelo menos fingir que está curtindo minha
companhia em vez de ficar suspirando pelo seu final de semana de filme.
Suspirei mais alto.
— Não dá, desculpa! — Ela gargalhou. — Nem nos meus sonhos
mais fantasiosos, eu poderia imaginar estar assim, tão apaixonada!
Minha amiga parou de sorrir, e vi uma ruga de preocupação surgir em
seu semblante.
Ela me ligara ainda bem cedo, antes de eu sair para a universidade e,
anunciando que finalmente teria a noite de segunda-feira livre, me convidou
para fazermos algo juntas. Carly estaria trabalhando na livraria, mas, assim
que chegasse, se reuniria a nós, por isso decidimos ficar no apartamento dela
assistindo a um filme.
Estudei na parte da manhã e continuei minha pesquisa à tarde. Joseph
estava à minha espera na saída da universidade e me deixou em casa. Erika
estava de folga, por isso juntei uma muda de roupas para dormir no
apartamento das meninas, pois não queria ficar sozinha.
O final de semana com Michael foi maravilhoso! Nós exploramos o
lago o máximo que conseguimos, aproveitando os últimos sinais do sol de
verão, antes que o outono começasse e depois viesse o rigoroso inverno de
Chicago.
Despedimo-nos no domingo à noite, e ele seguiu sozinho para seu
próprio apartamento, porque precisaria voltar a Nova Iorque e passaria a
semana por lá.
— Se você pudesse me acompanhar... — falou de repente, mas logo
balançou a cabeça. — Serão dias intensos, reuniões atrás de reuniões, eu
provavelmente não conseguiria lhe dar muita atenção caso você fosse.
Senti falta dele. Era estranho dormir sozinha depois de passar vários
dias dividindo a cama à noite e fazendo sexo ao amanhecer.
— Rory? — Aimée me chamou de volta dos pensamentos, e sua voz
me dizia tudo sobre o assunto que iria começar. — E seu contrato com a
agência?
Respirei fundo.
— Nada mudou.
Ela franziu a testa.
— Mas você acha que deve continuar com isso? E se o
relacionamento com Michael Griffin der certo? Acha que ele vai entender
quando você engravidar?
Senti-me mal por nunca ter dito a ela que meu contratante e Michael
eram a mesma pessoa, o que, a meu ver, só complicava ainda mais minha
situação.
— Você disse que muitas mulheres mantêm seus relacionamentos,
mesmo alugando o ventre e...
— Sim, mas quando elas já têm um relacionamento, e o cara
concorda. Agora, como você vai explicar para Michael a situação? Fico com
medo de você acabar prejudicando um relacionamento que poderia ser ótimo,
afinal, já está apaixonada, e, pelo que me contou do final de semana, se ele
não estiver, certamente está a um passo de admitir que adora você.
Sorri feito boba ao ouvir a opinião dela.
— Você acha? Não sei, não consigo ter uma opinião sobre o que ele
sente por mim.
— Mas sabe o que sente por ele, não? Por isso estou preocupada.
Suspirei.
— Não tenho como desistir do contrato, ainda que queira muito.
Minha mãe precisa continuar o tratamento, e eu não teria como arcar com o
empréstimo feito por tia Wanda.
— Entendo, mas... — Ela pareceu hesitar antes de continuar: — Você
já contou ao Michael a situação de sua...
— Não! — neguei enfaticamente. — Não quero que ele saiba! Não
quero que tenha pena de mim ou me ofereça dinheiro, não é por isso que
estou saindo com ele.
— Eu sei, amiga, mas... o homem é multimilionário e poderia...
— Eu sei, mas não! Já fico constrangida com os lugares aos quais ele
me levou e as roupas que comprou para mim, ainda que entenda que fez isso
para que eu o acompanhasse. Não teria coragem de contar a ele sobre minha
mãe para pedir dinheiro. Por isso que é melhor que eu continue com o
contrato!
— Bom, se você acha que é o melhor...
Voltamos a assistir ao filme, mas não consegui me concentrar em
nada além da ideia de que, em poucos dias, teria que fazer outra tentativa de
engravidar implantando o embrião, e aí tudo poderia mudar.
Pensei sobre o que Aimée sugeriu, mas não me sentia bem ao pedir
ajuda ao Michael, ainda mais estando em um relacionamento indefinido com
ele. Simplesmente não dava!
Carly chegou tarde e cansada da livraria, por esse motivo, ficamos
apenas mais alguns minutos acordadas, conversando, e fui dormir pela última
vez no quarto que foi, já que as meninas conseguiram outra pessoa para
ajudar nas despesas do apartamento por, pelo menos, um ano.
— É o tempo em que você vai ajeitar sua vida, então, depois que
resolver o contrato e ficar um pouco com sua mãe, poderá voltar a morar
conosco, se quiser — Aimée explicou quando me contou sobre ter alugado o
terceiro quarto.
— Tudo bem, é claro que vocês precisam de mais alguém aqui para
contribuir.
— E, quando vier para cá, pode dormir comigo ou com a Carly, não
é?
Minha outra amiga concordou de pronto, deixando claro que eu
sempre seria bem-vinda a ficar com elas.
Não pude deixar de sentir um aperto no peito ao pensar no quanto
tudo havia mudado e no que viria pelos próximos meses. Um frio cruzou
minha espinha, e a possibilidade de vir a sofrer por qualquer motivo, fosse
Michael ou minha mãe, pareceu-me muito real.

— Minha mãe vai ligar para você — Michael anunciou de repente, ao


telefone, enquanto eu escovava os dentes para ir à universidade.
Cuspi a pasta dental e peguei o aparelho, tirando-o do viva-voz.
— Por quê? — inquiri com o coração disparado.
Ele riu.
— Quer marcar outra visita. — Meu coração acelerou ainda mais com
a sua explicação. — Mas quer vê-la sem mim, então, caso não queira, pode
pensar em uma desculpa.
— Acha que eu não deveria aceitar? — Minha voz saiu devagar e
mais baixa.
— Não acho nada, Aurora. Se quiser ir, vá! — Riu. — Acho até que
será mais divertido para vocês duas conversarem sem mim, porque aí não vão
ter a preocupação de arranjar assuntos para me incluir na conversa.
Sorri animada, pois realmente adorei a companhia da mãe dele.
— Tudo bem. Quando ela me ligar, vou ver se consigo ir vê-la.
— Só tome cuidado com a pressão! Shelly Griffin parece, mas não
tem nada de boba e certamente vai tentar arrancar de você informações sobre
a natureza do nosso relacionamento.
E, é claro, ele não queria que eu desse detalhes para sua mãe!
— Tudo bem! — Sequei a boca com a tolha. — Já sabe quando
retorna?
— Ainda não — disse desanimado. — Tive duas reuniões
remarcadas, e há ainda a pressão dos grandes investidores para que a sede da
corretora se mude para Wall Street.
— Quer dizer que você teria que se mudar para Nova Iorque?
— É, mas não vou deixar Chicago! A MSG começou na Windy City e
vai continuar nela.
Conversamos mais alguns minutos, como fizemos durante a semana
toda em que ele esteve em Manhattan, e depois fui para minhas aulas.
Como ele havia avisado, Shelly Griffin me ligou na hora do almoço,
convidando-me para um chá da tarde exatamente às 5h, em seu jardim. Eu
teria que ir direto da universidade para lá, mas aceitei, feliz por revê-la e
podermos conversar mais sobre nossos amados livros.
Mandei uma mensagem para Michael avisando-lhe que iria me
encontrar com sua mãe naquele dia, e, assim que terminei meus trabalhos
com a pesquisa, Joseph estava à minha espera para levar-me até a mansão
Griffin, certamente instruído pelo seu chefe controlador. Não reclamei, pois
foi ótimo não ter de pegar transporte público.
Assim que cheguei a Gold Coast, fui levada pela irmã de Erika,
Martha, até a senhora Griffin, que já me esperava em um pequeno gazebo
com uma lindíssima vista do jardim e de parte do lago.
— Realmente aqui fora é uma maravilha! — comentei depois que a
cumprimentei.
— Eu disse que uma visita de dia seria muito mais proveitosa. — Ela
me indicou uma cadeira para eu me sentar. — Não que um passeio noturno
também não possa ser aproveitado, mas com objetivos diferentes. — Piscou
para mim, e senti o rosto arder como se estivesse pegando fogo. — Fiquei tão
empolgada com sua visita naquela noite que me esqueci de lhe entregar isso.
Ela me estendeu uma pequena sacola de papel com a luxuosa
logomarca da TGS – The Gilged Stone –, uma das maiores redes de
joalherias do mundo.
— Para mim? — Peguei a sacolinha com a mão trêmula.
— Sim, um pequeno presente para retribuir a ajuda que deu ao meu
filho para comprar os livros que me deu de aniversário. — Sorriu. — Espero
ter acertado! — Não consegui me mover, a sacola na mão, sem coragem para
abri-la. — Vamos lá, veja se gosta.
Sorri sem jeito e tirei o pequeno estojo, que, ao ser aberto, revelou
uma linda e delicada corrente de ouro com um pingente de um tinteiro com
uma pena toda cravejada com pedrinhas – que eu tinha até medo de imaginar
que pudessem ser diamantes – pequenas, mas com brilho impressionante. Era
uma joia linda, pessoal e muito significativa. Olhei-a emocionada, mas fechei
o estojo e devolvi-o à sacola.
— É lindo, mas não posso aceitá-lo! — Empurrei-o em sua direção.
— É um presente com valor muito além da minha ajuda.
Shelly negou.
— Não acho que ele chegue nem perto de tudo o que você fez por
mim e por Michael. — Senti um frio na barriga ao pensar que, talvez, ela
tivesse descoberto sobre o contrato de gestação. — Não quero me meter no
que está acontecendo entre vocês, mas, seja o que for, posso afirmar que
nunca vi meu filho tão feliz ao lado de alguém.
Retive o fôlego ao ouvir a afirmação, torcendo para que fosse
verdade, porque eu também me sentia a mulher mais feliz do mundo ao lado
de Michael Griffin.
— Conhecer Michael e a senhora já é um presente imensurável,
acredite! — Voltei a recusar o presente. — Estar aqui é um privilégio.
Michelle não insistiu, colocou a sacola de lado e pegou um bule de
porcelana no centro da mesa, oferecendo:
— Chá inglês, indiano ou chinês?
Meu sorriso foi igual ao de uma menina em uma loja de doces,
porque, além de estar com fome – não comia desde o almoço –, nunca tinha
provado chás de outros países. Como boa leitora de romances clássicos e de
época, não tive dúvidas:
— Inglês, por favor!
Tentei novamente ligar para Aurora, mas recebi o mesmo recado de
sua caixa postal. A última vez que ela dera algum sinal de vida foi quando me
mandou uma mensagem informando que iria para a casa de minha mãe tomar
chá, mas isso havia sido horas antes!
Conferi novamente meu relógio, e o trovão me fez ficar nervoso. Uma
tempestade estava desabando sobre Chicago, e quase não conseguimos
pousar no aeroporto.
Eu não sabia que iria voltar tão cedo. Assim que as duas últimas
reuniões que haviam sido adiadas foram canceladas, não pensei muito, só
avisei o piloto e voei para casa sem informar a ninguém, disposto a fazer uma
surpresa.
O surpreendido fui eu quando cheguei ao apartamento: não encontrei
ninguém, nem Erika, muito menos Aurora.
Tentei novamente falar com minha mãe buscando alguma notícia,
mas ela não atendia, embora o celular estivesse ligado. Tentei o telefone
convencional da casa, mas ele nem completava a ligação, o que me deixava
cada vez mais nervoso.
Nervoso!, pensei ironicamente, pois, desde que tive que viajar de
novo, estava uma pilha. Conversei com Robert a caminho do aeroporto no dia
em que embarquei para Nova Iorque, e meu amigo não disfarçou a
curiosidade acerca das fotos e da mulher que tinha estado comigo na Big
Apple.
— Ópera? — brincou. — Fiquei surpreso em não ver uma loira ao seu
lado. — Piscou, referindo-se a Lane. — A imprensa não soube dizer quem
era a beldade ruiva, e, para falar a verdade, nem eu a reconheci, embora me
parecesse familiar.
Segurei o riso.
— Você não a conhece, mas talvez a tenha visto de relance. — Meu
amigo arqueou – ou tentou – a sobrancelha. — É melhor não saber; deixa a
moça continuar sendo um mistério.
— Porra, Michael, sério? — Assenti, e ele bufou, visivelmente
irritado com o segredo. — Bom, vamos ao que interessa, então. — Abriu seu
iPad. — A clínica entrou em contato comigo para informar que vão marcar o
procedimento de implantação do embrião. — Encarou-me. — Vai mesmo
seguir com a mesma mulher?
Engoli em seco, pensando em Aurora, lembrando-me de que, ainda
que estivesse adorando os momentos que estávamos passando juntos, eles
eram um risco enorme para os meus planos.
— Michael? — Robert percebeu minha hesitação. — Aurora Ryan
continuará prestando esse serviço?
Serviço!
Essa palavra nunca havia me incomodado naquele caso, mas, quando
Robert a usou, pareceu algo pesado demais.
— Quando estão pensando em implantar?
— Ela irá até a clínica para fazer uns exames e...
— Quando? — insisti.
— Dentro de duas semanas, no máximo.
Duas semanas!
Novamente não consegui responder, a cabeça confusa demais, e, por
sorte, acabamos chegando ao aeroporto, e consegui sair do carro e me livrar
de tomar aquela decisão naquele momento.
— Chegamos, senhor! — o motorista do táxi – eu também não tinha
conseguido falar com Joseph – me avisou, e paguei a corrida do apartamento
de Aurora até a Mansão Griffin, descendo do veículo com minha mala de
mão.
Cheguei completamente ensopado ao portão de ferro fundido e, como
não havia previsto o incidente, não tinha chave para entrar. Toquei o
interfone. Ninguém atendeu. Toquei novamente, achando estranho não ter
qualquer resposta, mesmo que já passasse da meia-noite.
— Sim?
Respirei aliviado ao ouvir a voz sonolenta de Andrews.
— É o Michael, Andrews. Abra o portão para mim.
— Senhor Griffin? O senhor não estava viajando?
Tive vontade de rir ao perceber que ele não acreditava que era eu.
— Sim, em Nova Iorque, desde segunda-feira. Estou tentando falar
com alguém da casa, mas a ligação não completa, e o telefone de minha mãe
apenas chama sem que ela o atenda.
Ouvi o barulho da câmera da entrada se movendo e tirei o casaco –
que estava usando para proteger minha cabeça da chuvarada – do meu rosto.
— Ah, senhor Griffin, vou abrir imediatamente!
E ele não somente abriu os malditos portões de ferro, como apareceu
– de roupão por cima do pijama – com um guarda-chuva extra para que eu
pudesse me proteger da chuva até chegar ao interior da casa.
— Mamãe recebeu uma visita hoje. — Ele confirmou, ainda que eu
não estivesse questionando, e sim afirmando. — Sabe a que horas ela foi
embora?
— A moça não foi embora, senhor. A tempestade estava forte demais,
e sua mãe a convenceu a ficar na mansão.
Parei de andar por um segundo, surpreso com o que ele me contou.
— Aurora está dormindo na casa?
Andrews não disfarçou o sorriso.
— Sim, senhor. Martha preparou seu antigo quarto para ela. — Franzi
o cenho, estranhando, afinal, tínhamos muitos quartos de hóspedes na casa.
— Ordens da senhora Griffin! — ele ressaltou.
Bufei, percebendo mais uma das manipulações de minha mãe, mas
sem entender bem onde é que Shelly queria chegar ao colocar Aurora para
dormir no meu antigo quarto.
Irei saber em breve!, pensei, subindo as escadas e indo diretamente
para o cômodo que era meu desde que nasci. Abri a porta devagar. Tudo
estava escuro, mas pude ver um relevo na cama, sinal de que Aurora estava
deitada debaixo das cobertas.
Segui direto para o banheiro, sem fazer barulho, e comecei a tirar
minhas roupas molhadas, sonhando com um banho quente, mas sem querer
alertá-la sobre a minha presença daquela forma. Sequei-me o melhor que
pude com uma toalha e voltei para perto da cama.
Liguei um abajur, e Aurora se mexeu, revelando uma antiga camisa
da fraternidade da qual fiz parte quando estava na universidade. Meu corpo
estremeceu quando divisei os bicos de seus seios marcando a malha fina e
branca, achando-a sexy com aquela roupa da minha adolescência.
O cheiro de Aurora logo penetrou minhas narinas, e o aspirei com
muito prazer. Aproximei-me mais de suas mechas da cor do fogo e toquei-as
carinhosamente.
— Aurora — chamei baixinho para que ela não se assustasse. —
Aurora.
Ela sorriu.
— Michael... — O sussurro sonolento, como se ela estivesse
sonhando comigo, deixou-me em chamas, cheio de tesão. Já ia tocá-la
novamente a fim de despertá-la de vez, quando ela sussurrou de novo: — Eu
amo você, Michael!
Congelei onde estava. Meu corpo, quente por causa do desejo,
resfriou-se, e senti uma dor como se fosse uma porrada no peito, uma facada
bem no coração.
Levantei-me da cama nervoso, sem saber o que fazer, avaliando se o
que tinha acabado de ouvir era real.
Aurora não pode me amar! Rejeitei a declaração, achando-a
impossível, afinal de contas, estávamos nos relacionando havia pouco tempo
e, desde o começo, combinamos que seria apenas para satisfazer a vontade de
nossos corpos.
Voltei ao banheiro e, mesmo sentindo frio, tornei a colocar minha
calça. Recolhi tudo e saí do quarto sem fazer barulho, entrando na suíte de
meu avô. Fiquei um bom tempo em pé no meio do cômodo que me trazia
tantas recordações boas, tentando avaliar o que aquelas palavras fizeram
comigo.
Não conseguia definir o sentimento, apenas que ele me sufocava a tal
ponto que me era quase impossível respirar. Sentei-me no chão, abandonado
ali feito uma criança que não sabia que caminho tomar. Não soube quanto
tempo passei nesse estado de choque, mas foi muito, tanto que minha roupa
secou no corpo e o céu clareou, anunciando um novo dia.
A luminosidade no quarto me fez levantar-me com urgência.
Coloquei a roupa amassada e, tomando cuidado para não acordar ninguém,
desci as escadas para sair da mansão.
— Bom dia, senhor! — Andrews me cumprimentou.
Fiz sinal para ele ficar quieto e me aproximei.
— Andrews, não diga a ninguém que estive aqui essa noite.
Ele estranhou o pedido, mas assentiu.
— Como quiser!
— Obrigado!
Fugi como um adolescente que passou a noite escondido na casa da
namorada. Essa sensação foi maior ainda quando me lembrei de que não
havia chegado à mansão de carro e tive que chamar um Uber.
Não sabia para onde ir, por isso, o endereço que coloquei no
aplicativo foi o de Robert. Provavelmente meu amigo não estaria acordado,
mas o porteiro do prédio me conhecia bem e não me impediria de subir.
Toquei a campainha da casa dele como um louco, deixando meu dedo
descansar, ansioso, cansado, e, quando ele finalmente acordou para atender,
tomou um susto quando me viu.
— Puta que pariu, Michael! — Puxou-me para dentro do
apartamento. — O que aconteceu contigo?
Desabei sobre seu sofá e não consegui fazer nenhum comentário
engraçado sobre sua cara de ressaca e o cheiro etílico que estava soltando
pela boca.
— Eu acho que fiz merda! — confessei. — Acho que fiz muita
merda! Merda das grandes!
Ele gargalhou e pegou um copo d’água para mim.
— Bom, você nunca admite quando erra, então, se está fazendo isso,
realmente deve ter sido uma merda descomunal. — Sentou-se no tronco de
árvore que usava como mesinha de cabeceira. — O que você fez?
Ri amargo.
— Dessa vez nem você vai conseguir arrumar as coisas!
Robert franziu a testa e decidiu curar sua ressaca com mais álcool,
servindo-se de uma generosa dose de uísque.
— Tem a ver com a mulher da ópera? — Foi direto ao ponto, e
concordei. Bufou. — Eu achei que a tinha reconhecido! É esposa de algum
dos nossos conhecidos? — Teria rido se tivesse me sobrado algum humor,
mas apenas neguei. — Filha de algum investidor?
— Porra, Robert, é sério! — Bebi toda a água do copo e senti meu
estômago embrulhar. — Você já a viu em fotos. — Ele pareceu pensar. —
Talvez não fosse uma foto boa ou nítida, mas a mulher que estava comigo na
ópera era Aurora Ryan.
Acho que Robert levou alguns segundos para juntar nome à pessoa e,
assim que seu cérebro preguiçoso processou a informação, arregalou tanto os
olhos que pareciam que iriam saltar do rosto a qualquer instante.
— Porra! — Escorou-se na parede. — A Aurora Ryan da agência de...
— Tem outra? — respondi ácido com outra pergunta.
— Caralho, Michael! Puta merda!
Meu amigo realmente estava estupefato, então decidi acabar com a
enrolação e dizer tudo a ele de uma vez.
— Lembra que lhe contei que nos vimos em um bar...
— E que sentiu tesão pela mulher, mas disse que iria se manter
afastado! — Parecia bravo. — Eu disse que era melhor cancelar aquela porra
de contrato quando soube que ela descobriu que você era o contratante! —
Andava de um lado para o outro, fazendo o copo tintilar com as pedras de
gelo. — Você poderia foder com ela à vontade se tivesse me ouvido e...
— Robert! — Interrompi seu surto. — Eu sei que fui imprudente, mas
a situação nada tem a ver com contrato! Quer me escutar?
Ele pareceu surpreso.
— A mulher não está exigindo mais nada de você? Não está tentando
usar a relação para...
— Você não conhece Aurora! — A indignação por ele ter pensado
algo assim dela me tomou, e tive que ficar de pé. — Ela é a mulher mais... —
Não conseguia concluir, sentindo uma enorme pressão no peito e um nó na
garganta. — Ela não misturaria as coisas para tirar vantagem. — Robert fez
uma expressão tão estranha que fiquei assustado. — O que foi?
— Você confia nela?
— Não entendi a pergunta.
Por que deveria confiar? Robert estava agindo como se o que eu disse
acerca de Aurora fosse algo inimaginável, quando, na verdade, não descrevia
nem 1% do que eu achava dela.
— Nunca te vi tão seguro em relação à intenção de uma mulher. Você
afirmou que ela não tiraria vantagem, quando acha que deve se manter
afastado emocionalmente de qualquer uma exatamente por causa disso.
Sim, ele tinha razão! Eu não sabia como podia afirmar com tanta
segurança, mas me sentia exatamente assim com relação a ela, seguro de que
não agiria com joguinhos ou tentaria me enganar de qualquer forma.
— Não vejo Aurora da mesma maneira que via as outras mulheres
com quem me envolvi — confessei. — Ela é diferente.
— Por isso o seu estado? — Apontou para mim.
Olhei-me pela primeira vez e gemi ao ver a roupa amassada. Não
tinha colocado o cinto, então a calça estava caindo e com uma meia
fechando-a por cima, enquanto a da outra perna estava por baixo. A camisa
estava fora da calça e, como pulei alguns botões ao fechá-la, as laterais
estavam desencontradas. Eu parecia um daqueles homens que bebem até
perder o rumo da vida, mas sem ter consumido uma gota de álcool.
— Eu não quero magoá-la. — Suspirei. — Ela é diferente, mas
continuo o mesmo homem e ainda não quero... — balancei a cabeça,
retratando-me — ainda não acredito no amor verdadeiro entre um casal. Acho
forçada e irreal essa coisa de “felizes para sempre”.
Robert assentiu, pois pensava como eu.
— E Aurora?
Dei de ombros.
— Nós combinamos que não iríamos misturar as coisas, o contrato e
nosso envolvimento sexual, e ela cumpriu. — Balancei a cabeça. — Mas
pensa que me ama, e isso muda tudo.
— Ela se declarou?
— Não, eu a ouvi dizer enquanto dormia. — Ri. — Mas não creio que
seja algo que ela falaria, mesmo em sonho, se não pensasse sentir.
— Acha que ela está confundindo as coisas?
Fechei os olhos, lembrando-me dos maravilhosos momentos que
passamos juntos e percebendo que eles podiam ter mexido com ela da mesma
maneira com que mexeram comigo.
— Foi bom, temos uma sintonia incrível, além disso, Aurora foi
apresentada a um outro lado da vida, experimentou coisas que não havia feito
e, bom, isso mexe, não é? Acho que pode ter confundido a empolgação da
novidade com algo mais profundo, sim. — Por que será que eu tinha a
sensação de estar tentando convencê-lo de que minhas palavras eram certas?
Eu mesmo as pronunciava com tom de dúvida, ainda que fossem em uma
frase afirmativa. — Quem se apaixona com apenas duas semanas de sexo?
Robert ficou um tempo sem responder.
— Não sei nada sobre isso, mas muita gente diz se apaixonar por
alguém por causa de uma noite, então...
— Isso é coisa de romance, Robert! E Aurora é uma leitora ávida
desse gênero!
— Bom, você a conhece melhor do que eu para julgar! — voltou a
sentar-se na mesinha de tronco. — Não posso ajudar muito com relação ao
que fazer com os sentimentos dela, mas posso te dar um conselho prático:
revogue o contrato!
Concordei sem hesitar pela primeira vez, pois reconhecia que as
coisas haviam ido longe demais para seguirmos com aquele negócio.
Imaginar Aurora grávida de um filho meu evocava tantas sensações
desconhecidas que me assustavam, e eu acabava cometendo enganos, como
pensar nela como a mãe da criança que geraria.
Com relação a Aurora, eu devia ser sincero, ainda que não soubesse
como fazer isso. De verdade não queria magoá-la, mas sentia que acabaria
acontecendo de um jeito ou de outro.
— É hora de terminar com tudo! — decidi. — Pode preparar a
papelada para conversar com a clínica, mas não cobre o adiantamento de
volta. Eu não sei para que ela precisava do dinheiro, nunca falamos disso,
mas não acho que ainda o tenha para devolver e não quero prejudicá-la.
— Certo! — Ele foi até onde eu estava e bateu no meu ombro. —
Você tomou a decisão certa! Agora, que tal tomar um banho para melhorar
essa cara de morto-vivo?
— Vá se foder, Robert! — xinguei-o já indo em direção ao seu
banheiro, sentindo um gosto amargo na boca e um vazio tão grande que me
fazia sentir como se estivesse em órbita, flutuando sem nenhuma gravidade
que me ancorasse.
Eu tinha que conversar com Aurora, mas como fazer isso se,
internamente, eu estava uma bagunça?
Joseph levou-me embora para meu apartamento logo assim que
acordei, embora Shelly Griffin tivesse insistido para que eu ficasse para o
café da manhã.
— Michael sempre me faz companhia, mas, como tem estado
viajando nessas duas últimas semanas, tenho feito o desjejum sozinha.
— Eu adoraria acompanhá-la, mas preciso ir para casa a fim de trocar
de roupa para ir até a universidade. — Despedi-me com um abraço. —
Obrigada pelo chá e por ter me acolhido à noite!
— Espero que tenha dormido bem!
Ah, sim, dormi!
Nosso encontro foi melhor do que eu imaginava que seria,
conversamos muito, rimos e discutimos sobre pontos de vista diferentes que
tínhamos sobre as mesmas obras.
Estávamos tomando ainda o restante do chá quando ela começou a
falar sobre sua família, e seu relato tão íntimo me comoveu.
— Não cheguei a conhecê-la de verdade — explicou, falando de sua
mãe. — Encontrei-me com ela pouco antes de falecer, e conversamos por
alguns minutos. Queria saber de sua vida, o que fez durante os anos que
passou fora dos Estados Unidos, mas tudo o que ela conseguia fazer era me
pedir desculpas. — Deu de ombros. — Eu não tinha rancor dela, não naquela
época. Algumas coisas são como têm de ser, e o casamento não funcionava
mais para ela, então, quando teve a oportunidade de viver um grande amor,
não pensou duas vezes.
— Mas abandonou os filhos? — perguntei, e ela confirmou.
— Meu pai nunca permitiria que ela nos levasse, era absolutamente
apaixonado pelos filhos, dedicado e carinhoso. É por isso que não tenho
mágoa dela, entendo que teve de fazer uma escolha difícil e a fez. Não vou
julgar sem saber o que sentiu.
Naquele momento, passei a admirar ainda mais a mãe de Michael,
percebendo que seu coração era puro e que ela era completamente sincera
com seus sentimentos. Acho que estava me sentindo tão próxima dela que
acabei falando um pouco dos meus pais.
— Eles são completamente loucos um pelo outro. — Ri. — Chega até
ser constrangedor o modo como trocam olhares e risinhos. Acho que seriam
tão felizes quanto são se eu não tivesse nascido, sabe? Eles se bastavam, e
vim para dar um plus, como mamãe diz. — Meu coração se apertou ao pensar
nela. — Não sei como um seguiria sem o outro. Sei que, em algum momento,
isso irá acontecer e que será incrivelmente doloroso para quem ficar.
— Não é fácil lidar com perdas, não é? Michael ficou muito abalado
quando meu pai morreu, e ele era apenas um menino! Tinha-o como pai, avô,
super-herói... e perdê-lo foi um grande baque.
— Mamãe estava com câncer — revelei e senti que ela se
surpreendeu. — Fez uma cirurgia e está se restabelecendo, mas foi um susto
enorme.
Shelly colocou a mão sobre a minha.
— Deve ser difícil para você estar longe de casa nessa hora.
— Muito! Queria largar tudo para ficar com ela, mas eles acharam
que era melhor eu continuar aqui e terminar os estudos. Falo com eles todos
os dias, acompanho de perto a recuperação dela, mas sinto falta de estar
junto. É uma barra pesada passar pelo que ela está passando.
— Sim. — Shelly me olhou cheia de carinho e compreensão. —
Querida, se precisar de algo, por favor, não hesite em procurar minha ajuda.
Meu rosto queimou ao pensar que, sim, eu precisava de ajuda,
principalmente para que não necessitasse mais do contrato de gestação com
seu filho e, assim, pudesse tentar fazer com que começássemos do zero, como
um casal, mas não falei nada.
— Está tudo sob controle, obrigada.
Ela não insistiu, provavelmente porque sabia que, como no caso do
presente caro, eu não aceitaria seu dinheiro.
Pouco antes de eu ir embora, o clima mudou, começou a ventar forte,
e umas nuvens carregadas foram sopradas do lago até a cidade. A tempestade
caiu inclemente, com raios e trovões, rajadas de vento e oscilação no
fornecimento de energia.
— Acho melhor você ficar aqui esta noite, Rory — Shelly ofereceu
quando, já depois de termos jantado, a chuva continuava a cair.
— Não tenho roupa para ficar e....
— Não se preocupe com isso, temos muitas peças de Michael
guardadas no antigo quarto dele; mesmo grandes em você, dariam ótimos
pijamas.
Ela acabou pedindo a Martha que preparasse o quarto e as roupas de
Michael para que eu pudesse usá-los, e passei a noite na cama em que ele
dormira durante toda sua adolescência e o começo da vida adulta.
Por sorte, eu tinha sempre uma calcinha extra e um kit de higiene na
bolsa da universidade – pronta para qualquer imprevisto – e consegui ficar
mais relaxada. Demorei a dormir, fiquei vagando pelo quarto, apaixonada por
cada fotografia antiga, cada troféu ou medalha dele e por seus objetos em
geral, que ajudavam a compor, em minha imaginação, como ele fora mais
jovem.
Sonhei com ele, ouvi sua voz me chamando com tanto carinho, como
se estivesse na cama comigo, abraçando-me, protegendo do aguaceiro que
caía do lado de fora da casa. No sonho, nós nos abraçávamos forte, e eu me
declarava, recebendo as mesmas palavras de volta.
Foi mágico!
— Será que Erika já voltou do acampamento da igreja? — indaguei a
Joseph, deixando de pensar um pouco na noite anterior.
— Sim, senhorita, ela me ligou assim que chegou ao apartamento,
querendo notícias suas.
Ri, pois ela ainda não havia perdido a mania de me monitorar.
— Vou pedir a ela que separe uma roupa para mim, porque senão não
vou conseguir chegar a tempo para a primeira aula.
Liguei o telefone, que coloquei para carregar no carro, pois a bateria
havia acabado antes da hora do jantar e, quando fui dormir, ainda não havia
energia para carregá-la. Espantei-me com a quantidade de ligações de
Michael.
Tentei retornar, mas ele não atendeu, então desisti, supondo que
estivesse em reunião. Deixei algumas mensagens no aplicativo de mensagens,
e, quando ia pedir o favor para Erika, uma ligação do meu pai apareceu na
tela.
— Oi, pai. — Atendi rapidamente, com o coração acelerado. —
Aconteceu algo?
Ouvi quando tentou disfarçar um soluço, e meus olhos se encheram
de lágrimas, esperando ouvir o pior.
— Oi, Rory. Como você está? — Tentou parecer como de costume,
mas eu podia ouvir o tremor em sua voz.
— Pai, o que houve?
Ele suspirou.
— Sua mãe teve uma reação ao medicamento e teve que ser internada.
— Fechei os olhos e me esforcei para não chorar. — Os médicos vão deixá-la
em observação por um tempo e...
— Estou indo ficar com vocês! — falei decidida.
— Não há necessidade, eu só queria que...
— Não vou discutir, já estou indo!
— Rory... — O choro pareceu aliviado, como se ele estivesse
esperando exatamente essa resposta, ainda que não quisesse me pedir para ir
encontrá-lo.
— Vou só pegar alguma roupa e parto no primeiro horário em que
conseguir vaga.
— Ela vai ficar feliz ao saber que você virá para cá. Obrigado, filha!
Era inconcebível pensar em não dar o apoio necessário aos meus pais
naquele momento. Cheguei ao apartamento e somente disse a Erika que
precisava me ausentar por uns dias para resolver assuntos pessoais.
— Mas o dia para a nova tentativa de engravidar não está chegando,
pelo que me disse? — ela me lembrou. — Como irá fazer?
— Vou falar com a clínica. Acho que, até lá, já estarei de volta, se
Deus quiser. — Suspirei. — Agora, mais do que nunca, essa implantação tem
que dar certo!
A situação que, até o dia anterior, me incomodava, agora parecia ser a
única solução. Uma internação era algo que não contávamos no orçamento e
que consumiria parte do recurso que conseguimos com o empréstimo para as
sessões de quimioterapia e radioterapia.
Lembrei-me do oferecimento de ajuda da mãe de Michael, mas logo
descartei a ideia, apoiando-me ainda na esperança de conseguir o dinheiro
sem precisar pedir a ela.
Mandei outra mensagem para ele avisando-o de que tinha precisado
sair de Chicago, mas que não demoraria a voltar, tentando evitar que ficasse
louco por não saber onde eu estava e acabasse insistindo em ir até mim.
Talvez seja um bom momento para contar a ele o motivo de ter me
colocado no negócio de barriga de aluguel!

— Ela vai ficar boa, foi só uma infecção piorada por conta da sua
baixa imunidade. — Confortei meu pai depois de ter conversado com o
médico.
Eu tinha chegado a Dixon na tarde anterior e segui direto para o
hospital com o propósito de esperar notícias sobre o quadro de minha mãe.
Encontrei meu pai sentado em uma cadeira, parecendo ter envelhecido uns 10
anos desde a última vez que o tinha visto.
Abraçamo-nos fortemente, e pude, enfim, chorar em seus braços por
toda a tensão que passei durante a viagem, temendo chegar e encontrá-la
morta.
— Os médicos estão fazendo exames para apurar o que houve e tratá-
la com o medicamento certo — ele contara desanimado. — Ela estava tão
bem, e, de repente, começou a ter febre e convulsões.
Passamos a noite inteira na recepção do hospital, sentados em
cadeiras duras, tomando café e conversando. Ele quis saber detalhes da minha
pesquisa, ouviu atentamente tudo o que eu havia conseguido e questionou
sobre o trabalho na livraria.
— Não estou mais trabalhando lá, consegui outro emprego mais
rentável e tenho conseguido economizar bastante para ajudar no tratamento.
— E que trabalho é esse?
É claro que eu não tinha pensado em uma resposta para essa pergunta,
então respondi a primeira coisa que me veio à cabeça:
— Estou trabalhando com uma senhora filantropa que ama literatura.
O nome dela é Michelle Griffin. — Meu pai ficou impressionado. — Vocês
têm recebido o dinheiro que mando para as despesas da casa de tia Wanda?
— Temos, sim! — Ele suspirou. — Eu queria que você não tivesse
essa preocupação; era eu quem devia estar arcando com tudo!
— Não pense nisso, pai, o senhor é o melhor marido do mundo e faz
tudo pela mamãe! — Beijei sua bochecha, e ele ficou vermelho como um
tomate.
Passei a noite toda conferindo o telefone e estranhando não ter notícia
alguma de Michael. Nunca o encontrava online no aplicativo de mensagens, e
todas as minhas ligações eram encaminhadas para sua secretária eletrônica.
Estava começando a sentir uma angústia estranha, mas, por ainda
estar à espera de notícias do quadro clínico de mamãe, não consegui dar
muita atenção ao meu feeling.
— O doutor disse que, em alguns dias, ela deverá estar melhor e
poderá retornar para casa. — Voltei a falar com meu pai, e ele sorriu aliviado.
Tia Wanda, que havia saído para comprar café, retornou, então pedi a
ela que fizesse companhia ao papai e saí do hospital, disposta a fazer uma
ligação.
— Oi, Rory! — Erika atendeu. — Está tudo bem?
— Sim, estou quase resolvendo meu assunto aqui, mas queria saber se
Michael entrou em contato à minha procura.
— Não falei com ele por esses dias e, como Joseph não está por aqui
porque você não está, não sei se ele já retornou de Nova Iorque.
Agradeci a ela, conversei mais alguns instantes e fiquei parada com o
telefone na mão, dividida entre preocupada e temerosa. Rolei minha lista de
contatos até chegar ao nome de Shelly Griffin, mas não confirmei a ligação.
Era uma sensação horrível sentir que estava atrás de uma pessoa que
sabia como me contatar, mas não entrava em contato comigo, e eu não
entendia o porquê. Internamente, eu me dizia que devia ter acontecido algo de
importante e que por isso ele não estava tendo tempo para falar comigo, mas
achava uma desculpa rasa demais, afinal de contas, duvidava que ele não
tivesse um minuto para me mandar um “oi”.
Mas e se aconteceu algo que o impossibilita de entrar em contato?,
foi o derradeiro pensamento que tive antes de ligar para Michelle.
— Rory, que bom que me ligou! Como vai?
— Boa noite, Shelly! Eu estou bem, e a senhora?
Esperei a resposta com o coração batendo a mil.
— Estou ótima! Pensei que iria vê-la por aqui hoje, mas Michael
acabou vindo sozinho. Espero que não tenha sido nenhum problema que a
impediu de acompanhá-lo.
Senti como se meu coração tivesse parado ao saber que Michael
estava lá, na casa da mãe dele, em Chicago e que, por algum motivo, não
estava falando comigo.
É proposital, então!, pensei, imaginando uma desculpa para ter ligado
sem que ela percebesse que eu não sabia que Michael estava lá.
— Ah, não, estou bem! Queria apenas lhe agradecer novamente pelo
chá de ontem, foi muito bom!
— Sim! Eu estava agora mesmo conversando com Michael e com
Lane sobre sua visita e quase perdi sua ligação, pois havia deixado o celular
aqui, dentro de casa, e nós todos estamos no jardim, jantando. Tem certeza de
que não dá tempo de se unir a nós?
Michael e Lane estão jantando com a mãe dele!
— Não dá, estou em outra cidade, mas obrigada pelo ... — tive que
engolir em seco para continuar a conversa — convite.
— Sinta-se sempre convidada!
Desliguei o telefone, olhei para a entrada do hospital, mas não pude
seguir para lá. Andei pelo estacionamento sentindo grossas lágrimas
descerem pelo meu rosto. Era horrível não saber o que estava acontecendo e
mais ainda ter a sensação de ter sido deixada de lado, esquecida.
Eu entendia que ele era um homem ocupado e que nem sempre
conseguíamos nos falar, mas daquela vez era diferente. Não era o tempo
corrido que o impedia de conversar comigo, era pura falta de interesse.
O que teria acontecido durante os últimos dias em Nova Iorque? Por
acaso ele havia voltado a se encontrar com Lane e, por isso, decidira se
afastar de mim? Mas por que não me disse nada?
Eram tantas perguntas sem resposta que eu me sentia a ponto de ficar
louca, por isso achei que seria melhor voltar para junto dos meus familiares e
me concentrar em minha mãe.
— Oh, minha querida, tudo vai dar certo! — tia Wanda me consolou
assim que apareci na recepção do hospital com os olhos inchados e o rosto
vermelho. — Temos que ser fortes para enfrentar isso tudo com ela!
— Eu sei! — Tentei sorrir e me sentei ao lado do meu pai para mais
uma noite longa naquele hospital. — Pai, por que não vai para casa
descansar? Eu estou aqui. Assim que tiver mais notícias, falo para o senhor.
— É uma boa ideia, Isaiah! — Minha tia me apoiou. — Bruce está em
casa, vá fazer companhia a ele!
— A senhora também deveria ir, tia! — interferi. — Posso passar a
noite aqui, e amanhã vocês voltam descansados.
— Tem certeza de que quer ficar sozinha aqui, filha?
— Tenho! — Beijei-o. — Boa noite!
O sorriso morreu assim que me vi sem meu pai e minha tia. Fiquei
naquela recepção, sozinha, acompanhando o movimento das pessoas que
chegavam e saíam, dos profissionais da área de saúde e daqueles que, como
eu, eram acompanhantes de alguém internado.
Não consegui nem mesmo cochilar como havia feito noite passada e
vi o dia amanhecer lentamente, até que o movimento do hospital aumentasse
e os sons das pessoas nas ruas e dos carros chegassem até mim.
Saí para comprar um café e, quando dei o primeiro gole, recebi a
ligação de Ayleen, da agência de barrigas de aluguel.
— Bom dia, Rory, como vai?
— Vou bem, embora tenha pensado em falar contigo.
— É mesmo? O que houve?
Respirei fundo.
— Sei que a próxima tentativa deve ocorrer em alguns dias, mas tive
um problema de saúde na família e estou fora de Chicago. Vou tentar voltar
antes, mas...
— Ah, querida, não se preocupe com isso! — Não tive tempo nem de
me sentir aliviada, pois ela logo explicou: — O seu contrato foi cancelado
por parte do contratante. — Deixei o café cair da minha mão, mas nem me
movi, completamente em choque com a notícia que não poderia ter chegado
em pior hora. — Nós substituímos você, mas o bom é que ele abriu mão do
adiantamento que fez, deixando-o como uma espécie de indenização.
Indenização?!
Meu sangue esquentou ao imaginar que Michael Griffin me deixara
uma espécie de compensação por ter dormido com ele, ainda que não tivesse
tido a coragem de me dizer que não queria mais e que iria romper o contrato.
Filho da.... Não consegui xingar a Michelle, mas senti uma revolta tão
grande que me deixou sem palavras.
— ...nós já temos outro interessado, então podemos começar as
negociações. O que acha?
— Desculpa, mas do quê?
Não prestei atenção ao que havia dito.
— De conseguirmos já outro contrato.
Senti um gelo na espinha, um tremor que percorreu todo o meu corpo
como a anunciação de algo ruim chegando. Era impossível pensar em
engravidar daquele jeito de novo, passar por todo o processo de negociação,
ter todas as incertezas de volta.
Mas eu precisava do dinheiro mais do que nunca!
Sentia-me com o coração destroçado, apunhalado, desprezado, sem
querer tomar nenhuma decisão, apenas ficar quietinha lambendo minhas
feridas para que cicatrizassem. Porém, eu não tinha esse tempo, precisava de
algo, de algum milagre, para conseguir arcar com todas as responsabilidades
do tratamento de minha mãe.
O que fazer?
O vento frio da noite, vindo do lago, sempre teve o poder de me
acalmar nos momentos mais tensos da minha vida. Eu vinha sempre para o
jardim a cada vez que um problema surgia na adolescência, e esse ritual não
deixou de existir depois que me tornei adulto.
Ali estava eu de novo, plantado como uma das inúmeras árvores,
imóvel como se tivesse criado raízes que me prendessem àquele chão. Não
dava para ver muita coisa além dos arbustos iluminados pela luz própria para
jardim, em um tom de verde, mas eu conhecia aquela paisagem de cor; não
era necessário ter claridade.
Respirei fundo, e o aroma pungente das flores que estavam plenas
durante o verão me envolveu. Aquele cheiro me trazia recordações,
principalmente de meu avô. Ele se sentava embaixo do pergolado, em uma
poltrona alta e confortável, e lá tomava seu café e fumava seu charuto.
Era um ritual que o acalmava quando as coisas estavam confusas no
trabalho, e me trazia uma sensação de segurança vê-lo ali, digerindo seus
sentimentos sozinho, sem descontar suas frustrações em ninguém, lidando
com o estresse da forma como sabia.
Eu o achava realizado e feliz, nunca me questionava nem sequer lhe
perguntava como se sentia por ser só. Sim, porque ele era sozinho! Era mais
do que não ter uma companheira, era não confiar em ninguém – nem mesmo
nos seus amigos mais chegados – para dividir suas angústias e preocupações.
Michael Stanley Griffin era uma fortaleza, mas até que ponto isso o
tornara solitário?
Respirei fundo, sem entender por que meus pensamentos estavam
tomando aquela direção. Não havia motivo para questionar a vida que meu
avô escolhera para si, então por que o assunto continuava voltando à minha
mente?
— Sua mãe me disse que estava aqui.
A voz de Lane Johnson me assustou e tirou um pouco da paz que eu
estava desfrutando, pelo menos aparentemente.
— Não sabia que ela tinha conhecimento da minha presença. — Fui
sincero, pois entrara na propriedade e havia seguido direto para o jardim, sem
nem passar pelo interior da mansão. — Como vai?
— Confusa. — Ela sorriu, colocando-se ao meu lado. — Vim fazer
uma visita de cortesia a Shelly, mas iria procurá-lo amanhã para
conversarmos.
Franzi a testa, sem entender a seriedade que sua voz imprimia na
frase.
— Aconteceu algo?
Ela riu e balançou a cabeça.
— Aconteceu. — Encarou-me. — Achei que tinha algum tipo de
entendimento entre nós. — Novamente fiz careta, sem entender do que ela
falava. — E, quando vi aquelas fotos suas em Nova Iorque com uma
desconhecida, senti algo estranho...
Ah, puta que pariu!, pensei, entendendo que teríamos uma discussão
de relação sem ao menos ter uma relação!
— Nós sempre saímos com outras pessoas, Lane. Você tem até uma
sessão no seu perfil com “dates do final de semana”. — Ri, pois sempre achei
bizarro aquilo.
Ela não acompanhou meu humor, e isso me deixou tenso.
— É diferente! Sempre saímos com pessoas do nosso meio, do nosso
nível, e, quando você ia a Nova Iorque, eu era a sua acompanhante para
eventos como aquele. — Fiquei parado, sentindo apenas minha jugular
pulsando firme no pescoço, querendo saber aonde ela chegaria com aquela
conversa. — Fiquei surpresa ao saber que você levou uma ninguém para lá,
bancou roupas e sabe-se lá mais o que para uma universitária pobretona. —
Riu. — Achei que isso era a estratégia de Robert, que nós sempre
recriminamos.
— Não vou discutir minha vida pessoal com você — respondi seco.
— Precisa? — Ela pegou o telefone, abriu uma foto – uma que
tiraram na ópera em Nova Iorque – e me mostrou o que havia escrito
embaixo dela. — Achou mesmo que eles não iriam atrás dela? — Balançou a
cabeça. — Foi humilhante para mim responder a várias perguntas de
seguidores sobre o que eu achava.
Eu lia a legenda sem poder acreditar que era real.
— Quem escreveu isso? — inquiri puto, meus dedos apertando o
telefone tamanha a raiva.
— Algum site de fofocas. — Ela mostrou o nome do perfil. — Uma
mulher que se presta a fazer qualquer coisa por dinheiro, Michael? Era um
fetiche? Porque, sinceramente, nunca imaginei que você precisava pagar para
fod...
— Não fala merda! — Interrompi-a. — Isso tudo aqui é...
— Mentira? — Lane pegou o telefone da minha mão e se pôs a ler em
voz alta. — Diz aqui que sua “garota misteriosa” já foi acompanhante de luxo
e que, há alguns anos, vendeu seu corpo para gerar um bebê sob encomenda,
tal qual uma cadela de canil! Fico me perguntando qual foi o trabalho que ela
estava prestando para você...
— Chega, Lane, isso tudo é...
— O clima está ótimo, não? — minha mãe comentou, caminhando em
nossa direção, e tentei não transparecer minha raiva pelas coisas absurdas que
escreveram sobre Aurora. — Está tudo bem? — ela me inquiriu,
cumprimentando-me. — Rory não veio contigo?
Porra, mãe, agora não!
Pelo olhar chocado de Lane, ela sabia que minha mãe estava se
referindo à mesma mulher das fotos. Fechei a expressão, deixando bem claro
que, se ela dissesse algo, iríamos ter problemas.
— Ela está atolada com coisas da pesquisa. Vim direto para cá a fim
de ver você!
— Lane vai nos fazer companhia para o jantar — anunciou animada,
sem perceber o clima tenso. — Por falar em jantar, vou entrar para pedir algo
especial para Martha. — Piscou. — Podem conversar mais um pouco aqui
fora. Quando tudo estiver pronto, peço para chamá-los!
Concordei, ainda querendo saber quem era o responsável por publicar
tantas mentiras sobre Aurora em uma página qualquer de fofocas de rede
social. As inverdades do post me enojavam, pois eu sabia que Aurora nunca
havia sido garçonete de um pub de luxo de Chicago, seu primeiro emprego na
cidade fora na livraria. Ela era do interior e não havia morado em um prédio
usado para encontros de prostitutas em uma área violenta da cidade, pois, de
acordo com o que me contara, saíra de uma pensão direto para o apartamento
que dividia com as amigas.
A única verdade da fofoca era sobre ela ser agenciada como barriga
de aluguel, mas eu não sabia se ela já havia gerado para alguém antes de eu
contratá-la.
Eu não acreditava que ela pudesse ter mentido tanto para mim. A
Aurora que eu conhecia não teria inventado uma história totalmente diferente
daquela que alegavam ser dela. Ou teria?
Assim que minha mãe se afastou o suficiente, Lane começou a rir.
— Você a apresentou para Shelly? — Gargalhou, mas, como
permaneci parado, tenso, sem esboçar nenhuma reação, ela ficou séria e
arregalou os olhos. — Você não sabia de nada disso! — Sorriu. — Sério?
Michael Griffin, o homem mais desconfiado do mundo, foi enganado por
uma vagabunda interesseira?
Meu sangue ferveu. Aproximei-me de Lane, e ela recuou um passo.
— Não se refira a ela assim! — rosnei, puto, e ela assentiu,
visivelmente assustada com minha expressão. — Não sei de que esgoto
vieram essas pessoas que escreveram essas mentiras sobre Aurora, mas pode
acreditar, Lane, vou descobrir. — Imediatamente ela ficou vermelha, então eu
soube que estava envolvida. — Esteja segura de que vão perder muito,
principalmente credibilidade.
Ela respirou fundo.
— Eles não costumam inventar nada; se a informação está lá, é
porque é verdadeira!
Ri, notando a forma como sua voz tremia.
— Veremos!
Saí do jardim pisando duro, querendo socar alguém. Mandei uma
mensagem rápida para Robert e notei as inúmeras que Aurora havia deixado
no meu telefone desde o dia anterior.
Eu não havia falado com ela desde antes de sair de Nova Iorque.
Queria ter feito uma surpresa, mas o surpreendido fui eu, com aquela
declaração de amor sonolenta.
Ainda sentia uma espécie de frio na barriga ao lembrar-me das
palavras, sem entender o que era essa sensação que a mera lembrança me
causava. Precisava de tempo para pensar, havia ido até a mansão exatamente
para isso, mas, devido ao que Lane me mostrou, não tinha como mais manter-
me afastado de Aurora. Nós precisávamos conversar não apenas sobre as
mentiras que foram publicadas, como também sobre a quebra do contrato que
pedi para Robert providenciar.
Cliquei em cima de seu nome com o fito de ler as mensagens que ela
havia deixado, mas não consegui ler nem mesmo a primeira, pois Robert me
ligou.
— O que houve? Qual a urgência? — ele perguntou em tom de
brincadeira.
— Preciso de uma informação sobre uma página na internet. Quero o
nome dos responsáveis e um belo processo em cada um deles.
— Porra! — Ouvi quando ele baixou o som alto que soava ao fundo
da ligação. — Do que você está falando?
— Divulgaram uma série de merdas sobre Aurora, e quero saber
quem está por trás disso! — gritei, sem paciência, enquanto entrava no carro
e dava a partida.
— Que tipo de informação? Tem certeza de que se trata de mentira?
Falei o nome do site para ele, sabendo que iria atrás da tal matéria
enquanto falávamos ao telefone. A ligação entrou no sistema multimídia do
carro, então pude guiar tranquilo conforme ele lia a postagem.
— Michael... aqui está que ela é uma barriga de aluguel e... bem, foi
assim que a conhecemos.
Bufei.
— Tenho certeza de que ela tem alguma cláusula de privacidade do
nome com a agência. Como podem ter descoberto essa informação?
— Às vezes ela mesma contou para alguém, o que me deixa muito
aliviado por já termos findado o contrato com ela.
Freei o carro bruscamente e só não me envolvi em um acidente sério
porque não havia nenhum outro veículo atrás do meu.
— O quê?! Quando?
— Hoje! Você não me pediu para resolver isso? Fiz o documento de
acordo com tudo o que você me pediu e já estou analisando outra candidata,
mas agora alguém de fora de Illinois, para não corrermos risco de...
— Caralho, Robert, ela já sabe? — Meu coração estava disparado, e
eu mal conseguia coordenar meus pensamentos, porque queria ter conversado
com Aurora antes de cancelar o contrato e torcia para que a agência não
tivesse contado a ela. — Eu disse que queria falar com ela primeiro!
— Entendi que você ia fazer isso hoje! — justificou-se. — Não falou
com ela?
— Não, porra! — Uma buzina alta me fez voltar à realidade de que
estava parado no meio da rua. — Droga, Robert, não quero outra candidata!
— O quê? Michael, você está me deixando louco! Era para ter
cancelado ou não a merda do contrato?
— Era, mas só depois de eu ter conversado com Aurora!
— Para quê? Você não quer mais que ela gere seu filho e não vai mais
dormir com ela, tudo resolvido! A garota ganhou um bom dinheiro sem
fazer...
— Cala a boca! — gritei, acelerando o carro para chegar rápido ao
apartamento dela. — Cara, só descobre quem é o responsável por essa
página! Você já fez muita merda por hoje!
— Vá se foder, Michael! Fiz apenas aquilo que tínhamos combinado!
Eu ia adivinhar que você ficou protelando falar com a garota?
— Aurora! — ressaltei com raiva. — O nome dela é Aurora!
Desliguei a ligação e pedi, através do comando de voz, uma chamada
para o telefone dela, mas fui logo desviado para a caixa de mensagens.
— Merda!
O trânsito estava mais pesado em Lincoln Park, por isso demorei o
dobro do tempo que levei para sair do bairro de minha mãe apenas para
cruzar as ruas até o prédio de Aurora.
Desci do carro com toda pressa e passei pela portaria correndo como
um doido, atropelando o porteiro, que me cumprimentou assim que as portas
do elevador se abriram.
Estava tenso, andava de um lado para o outro, então lembrei que não
havia conseguido ler as mensagens dela no aplicativo e as abri finalmente.
— Puta que pariu! — xinguei alto, socando a parede de metal do
elevador.
Toquei a campainha do apartamento e logo fui atendido por Erika.
— Boa noi...
— Aonde Aurora foi? — perguntei sem rodeios.
Erika arregalou os olhos.
— Não sei, ela apenas chegou aqui apressada dizendo que precisava
sair da cidade por uns dias e que iria entrar em contato com o senhor.
Na mensagem que me mandou, Aurora dissera apenas que tinha de
resolver umas coisas pessoais e que por isso iria ficar alguns dias fora, mas
que retornaria a tempo para fazer a implantação.
— Ela saiu da cidade ontem e não me mandou nenhuma indicação de
onde possa estar. — Andei de um lado para o outro na sala. — Não atende
meu telefone, cai direto na caixa de mensagens!
— Ela entrou em contato comigo perguntando sobre o senhor e...
— Liga para ela! — pedi, e Erika aquiesceu, pegando seu celular.
Esperei que ela me dissesse que o telefone estava desligado, apenas
caindo na caixa de mensagens, mas não foi o que aconteceu.
— Oi, Rory. Desculpe ligar a essa hora da noite, mas o senhor Griffin
está aqui querendo falar... — Ela franziu o cenho e me olhou como se visse
um monstro. — Tem certeza? Não é melhor você ouvir o que... — Pedi o
aparelho a Erika, que me passou como se estivesse em choque.
Não perdi tempo perguntando nada, queria apenas dizer a ela que as
coisas se atropelaram e que eu havia desistido do contrato porque... Droga,
eu nem sei o que dizer!
— Aurora, precisamos conv...
Ela desligou sem falar nada, e senti como se o chão tivesse sumido
sob meus pés. Uma dor intensa, bem no meio do meu peito, fez-me perder o
fôlego, e tive que me escorar no móvel para me manter de pé.
— Ela disse que o contrato foi cancelado e que a amiga dela virá aqui
amanhã de manhã para recolher seus pertences. — Erika falava como se não
pudesse acreditar. — Eu achei mesmo que o contrato pudesse ser cancelado,
mas... não assim! — Olhou-me como se quisesse ler minha alma. — Achei
que vocês estavam apaixonados!
Apaixonados! Parece que essa única palavra ficou reverberando
dentro de mim, como uma bola de demolição, açoitando cada parede que eu
julgava estar devidamente sólida e bem construída.
Balancei a cabeça, ainda não querendo ver o que parecia que era
óbvio. Eu era um lobo solitário como meu avô, não iria me casar nunca nem
ser abandonado! Não acreditava em paixão, em amor entre um casal, tudo
isso era efêmero demais e só iria servir para trazer desgaste e dor.
Não obstante, eu precisava falar com Aurora, necessitava dizer a ela o
que publicaram, saber se era verdade, ainda que não me importasse em nada
com tudo aquilo. Tinha de explicar que havia cancelado o contrato para
protegê-la, porque eu não era o homem certo para ser amado, simplesmente
porque não poderia amá-la de volta... ou achava que não poderia.
— Para onde ela foi, Erika? — Minha voz soou tão débil, tão sofrida
que mal a reconheci.
— Não sei, mas estava muito preocupada. Acho que pode ser algo
com sua família.
Concordei, lembrando-me de que seus pais eram idosos e que ela era
filha única. Busquei o nome de sua cidade natal na memória, mencionada em
alguma conversa entre nós, mas o nervosismo me impedia de lembrar.
Caminhei até o porta-retratos sobre o aparador da sala, vendo o casal
já de cabelos grisalhos, sorridente, abraçado, olhando um para o outro como
se não houvesse mais ninguém no mundo, e reconheci, pela primeira vez, um
olhar apaixonado.
O mesmo que eu tinha na cara toda vez que via Aurora!
Não pude dormir, passei a noite toda dentro do quarto de Aurora –
lugar em que nunca havia entrado antes – esperando que o dia amanhecesse
para poder falar com Aimée e assim ter alguma pista do paradeiro dela.
Continuei tentando ligar, mandando mensagens que sabia que não
chegariam, pois estava totalmente bloqueado, e isso me mostrou o tamanho
do ressentimento que Aurora estava sentindo por eu não ter tido coragem de
conversar com ela antes que o idiota do Robert resolvesse a questão do
contrato.
Merda!
Passei aquela merda de noite me autocriticando por ter agido como
um garoto, e não como um homem, por ter evitado pensar no que estava se
passando entre nós de verdade por pura covardia.
Vaguei pelo quarto, conhecendo um pouco da intimidade de Aurora,
ainda que me sentisse um tipo de invasor, já que nunca havia sido convidado
a entrar naquele ambiente. Notei a mesa de cabeceira com um livro lido pela
metade. Na cama, havia muitas almofadas e algumas pelúcias bem antigas, e,
na outra mesinha, um porta-retratos com uma foto dela vestida de beca,
discursando possivelmente em sua formatura do ensino médio.
O closet dela era arrumado. Aurora não tinha muitas roupas, e
certamente o destaque era o vestido de noite que usara quando a levei à
ópera. Toquei uma camisola de tecido leve e romântico e, assim que agitei o
tecido, pude sentir o perfume de Aurora.
Tirei a peça do armário e a encostei no nariz, enquanto uma pressão
comprimia meu peito de tal forma que me causava frio na barriga.
A compreensão de que havia feito merda e que talvez não pudesse
consertá-la me assustava. Eu não sabia que me custaria tanto pensar em
perder Aurora, mas a mera possibilidade me deixava tão angustiado quanto
fiquei quando minha mãe infartou.
Vi o dia clarear sentado na beirada da cama, com a camisola dela na
mão e, ainda nas primeiras horas da manhã, ouvi a movimentação de Erika,
provavelmente preparando um desjejum que eu não iria consumir.
— Bom dia! — cumprimentei-a assim que apareci na sala, e ela
sorriu.
— Bom dia! Estou preparando algumas...
— Estou sem fome, Erika, obrigado. — Interrompi-a, e ela assentiu
rapidamente, desligando o fogão e tirando a frigideira de cima dele.
— Ontem era o dia de eu ir até o mercado, mas, depois do telefonema
de Rory, fiquei sem saber o que fazer. — Ela estava desconfortável. — Como
parece que ela não irá mais voltar...
— Pode ir ao mercado hoje, preciso mesmo de um tempo sozinho
aqui.
Vi quando ela respirou fundo, abriu a boca para falar algo, mas não
continuou. Desapareceu na área da cozinha que não era avistada da sala e,
quando retornou, estava com uma bolsa no ombro.
— Caso precise de algo, estarei com o telefone — ofereceu, e lhe
agradeci, vendo-a sair do apartamento e deixando-me completamente a sós.
Entendi sua preocupação, afinal, sem Aurora, não havia mais motivos
para eu manter não só o apartamento, como também o emprego dela. Se eu
fosse continuar querendo contratar uma barriga de aluguel, poderia até deixar
tudo como estava, mas já não era esse meu desejo.
Sentei-me no sofá com as mãos sobre o rosto, sentindo-me cansado,
confuso e, sobretudo, culpado.
Nunca quis magoar alguém, muito menos Aurora, precisava apenas de
um tempo para esclarecer a cabeça, ordenar pensamentos e sentimentos, só
que talvez tenha demorado demais para fazer isso.
Decidi, então, ligar para Robert a fim de esclarecer o que ele havia
comunicado à agência de maternidade de substituição, porém, antes que eu
pudesse fazer a chamada, o interfone tocou.
Meu coração acelerou, pois sabia não se tratar de Erika. Era Aimée, a
amiga de Aurora, e autorizei que o porteiro a deixasse subir.
Esperei na porta e a vi assim que o elevador chegou ao andar.
Certamente, ela não esperava minha presença, pois arregalou os olhos e
titubeou antes de sair.
— Precisamos conversar — disparei sem rodeios.
Ela respirou fundo e não entrou no apartamento.
— O que faz aqui? — Olhou para dentro da sala. — Chame Erika, por
favor.
Senti sua postura tensa e percebi que Aurora havia contado a ela sobre
nós e sobre o que acontecera.
— Onde está Aurora?
Aimée franziu a testa e riu.
— Se você não sabe, não sou eu quem vai lhe dizer! — Perdeu a
paciência e entrou, empurrando-me no processo. — Erika? — chamou,
procurando a governanta. — É Aimée. Vim buscar as coisas de Rory.
— Ela não está — informei, fechando a porta. — Aurora não me
atende nem recebe minhas mensagens. Eu sei que você sabe onde ela está e
preciso conversar...
— Cara, deixe minha amiga em paz, ok? Ela não está em um bom
momento, e você também não ajudou, terminando com ela como um grande
babaca faria.
— O que está acontecendo com Aurora? — Não me importei nem um
pouco com a ofensa, pois só prestei atenção ao que ela disse sobre o
momento da amiga. — Por que ela saiu da cidade tão de repente?
Aimée bufou.
— Mais uma vez repito: não vou dizer nada! — Sua voz soou mais
irritada. — Você não teve a mínima consideração com a minha amiga, tratou-
a feito um objeto do qual se cansou e jogou fora sem se preocupar com os
sentimentos dela! — Riu. — Quem perdeu foi você, porque duvido encontrar
uma pessoa tão incrível quanto a Rory! Ela gostava de você, não do seu
dinheiro e posição! Prova disso foi que nunca tentou se aproveitar do seu
status, nem quando precisava tanto!
— Eu não queria que ela tivesse sabido do término do contrato
daquela forma! Nunca foi minha intenção fazer com que se sentisse
descartada! Eu estava confuso, tentando resolver as coisas, e meu advogado
atropelou tudo. — Aimée estava paralisada, olhando-me como se tivesse
visto um fantasma. — Eu juro que queria conversar com Aurora antes,
explicar porque era melhor que...
— Espera! — ela gritou e se sentou tremendo. — De que contrato
você está falando?
O jeito assustado com que ela me olhava me fez sentir um frio na
barriga. Eu imaginava que Aimée sabia de tudo, afinal, Aurora morava com
ela antes de se mudar para o apartamento que aluguei, e as duas estavam
sempre juntas.
— Aurora não disse a você por que morava aqui? — questionei
devagar, sem saber se estava cometendo uma indiscrição que pudesse
prejudicar a amizade das duas.
— É claro que disse, eu sabia do contrato desde o começo, mas não
imaginei que você soubesse. — Apontou para mim. — Muito menos que era
o homem que a havia contratado. — Seu rosto se transformou em uma
máscara raivosa. — Seu grande filho da puta! — Colocou-se de pé. — Você
exigiu que ela dormisse contigo para continuar o contrato? Foi por isso que
não o cancelou quando ela sofreu o aborto?
Merda!
— É claro que não! — Ela não pareceu acreditar. — O que aconteceu
entre mim e Aurora não teve nada a ver com aquele maldito contrato! Isso
sempre ficou bem claro entre nós!
Aimée cruzou os braços.
— Ficou mesmo? Você não se aproveitou do desespero dela para tirar
vantagem? Não seria surpresa e explicaria muito o jeito que a abandonou
agora.
Abandonei?!, pensei apavorado, sem saber o que estava acontecendo.
— Ficamos dois dias sem nos falar! — perdi a paciência e gritei de
volta. — Eu precisava pensar e...
— A deixou sozinha no pior momento e ainda cancelou o contrato
sem conversar com ela! — Aimée bufou. — Você é um grande canalha,
Michael Griffin!
Abri a boca para perguntar a ela o que estava acontecendo com
Aurora, mas não tive tempo, pois passou por mim como uma bala, abriu a
porta do apartamento e saiu.
Ainda tentei ir atrás dela, mas o elevador estava parado no andar, e
rapidamente Aimée entrou nele, quando as portas se fecharam.
— Caralho! — Soquei a porta externa, frustrado por não ter
conseguido nenhuma informação e me sentindo ainda pior do que estava
antes, pois, ao que parecia, alguma coisa muito importante tinha acontecido.
Eu precisava encontrar Aurora!

A frustração estava em níveis tão altos que, adicionada ao cansaço de


estar quase 48 horas acordado, apenas encostei no volante do carro e fechei
os olhos.
Tinha acabado de chegar à casa de minha mãe depois de uma batida
insana até a cidade natal de Aurora, Mount Carroll.
Havia decidido ir atrás dela na casa de seus pais, presumindo que
tivesse sido o local para onde ela iria caso tivesse problemas. Não pensei
muito – nem que não tinha ideia do endereço deles – e peguei estrada. A
cidadezinha não ficava longe de Chicago, por isso, em menos de duas horas,
eu já estava lá.
O problema foi encontrar o endereço da casa dos pais de Aurora, pois
nem me lembrava do nome deles!
Entrei em uma cafeteria no Centro da cidade, pedi panquecas e café e,
assim que uma das atendentes apareceu para me servir, decidi que era hora de
indagar.
— A casa dos Ryans fica longe daqui? — Tentei soar natural e
despreocupado, como se soubesse o endereço, mas não conhecesse a cidade.
— Ryan? Não sei, sou nova por aqui, me mudei no verão. Fica em
qual rua?
Caralho!
Disfarcei dizendo que tinha deixado o endereço no carro, comi o que
deu – meu apetite estava zerado como o sono – paguei e saí de lá disposto a
entrar em todo e qualquer estabelecimento daquele lugar até conseguir
alguém que soubesse do maldito endereço.
Foi apenas na quarta loja, uma casa de ferragens, que consegui
alguma informação, porém não o suficiente para que eu ficasse feliz.
— O professor Ryan? — questionou o rapaz que havia me vendido
alguns parafusos e uma furadeira.
Eu não me recordava de o pai de Aurora ser professor. Sabia que sua
mãe havia lecionado, mas tentei arriscar ainda assim.
— Sim, o pai de Rory.
Ele sorriu e suspirou.
— Rory! Saudades da Pimentinha! — Ergui uma sobrancelha, não
gostando do tom que usou para chamá-la por aquele apelido ridículo e clichê.
— A rua deles fica mais a oeste da cidade. — Apontou a direção, e tive
vontade de socá-lo por não me dizer o endereço. — Mas, pelo que eu soube,
eles se mudaram.
— O quê? Para onde?
O rapaz deu de ombros, e senti vontade de sacudi-lo a fim de obrigá-
lo a me dar toda a informação.
— Se queria visitá-los, sinto informar que já têm uns meses que não
moram aqui. — Terminou de contar as notas do troco do material que
comprei e me entregou.
— Sabe de alguém que possa me dar o novo endereço?
Ele negou, visivelmente desconfiado.
— Tudo o que sei é que a Pimentinha foi a primeira a ir embora,
depois eles também foram.
Assenti, frustrado, pegando minha sacola com as compras e indo de
volta para o carro, sem entender por que Aurora sequer tinha dito algo sobre a
mudança dos pais quando falou deles e de sua cidade.
Cada vez mais minha desconfiança sobre os motivos que a levaram a
se disponibilizar para ser mãe por substituição se consolidavam. Certamente
tinha algo a ver com sua família, e o que a levara a sair de Chicago estava
relacionado a isso.
E você, além de não estar ao lado dela, ainda terminou o contrato,
deixando-a sem o dinheiro que precisava!, minha mente acusou durante o
trajeto de volta para Chicago.
Uma batida na janela do carro me fez pular de susto, e vi minha mãe,
curiosa e surpresa por me encontrar dormindo de madrugada dentro do carro
no pátio da frente da mansão.
— Está tudo bem? — perguntou-me assim que saí do veículo,
amarrotado e com a mesma roupa com a qual estava desde a última vez que
ela me vira.
Não consegui responder, apenas balancei a cabeça, negando.
Shelly Griffin suspirou, abraçou-me do mesmo jeito que fazia quando
era criança e foi certeira no alvo:
— É por causa de Rory?
Não me lembrava quando tinha sido a última vez que eu havia
chorado soluçando em seus braços, mas certamente nenhuma delas foi tão
dolorida quanto as lágrimas que derramei naquele momento.
— Eu fiz merda, mãe — assumi.
Ela me olhou compreensiva, secou meu rosto e sorriu.
— Todo homem apaixonado faz!
Ainda conseguia ouvir a voz de Michael ao telefone soando em minha
memória, trazendo consigo a dúvida se ter desligado na cara dele tinha sido a
melhor atitude. Foi certamente um reflexo, pois, quando o ouvi, meu coração
disparou, e a única coisa que pensei em fazer foi encerrar a ligação,
protegendo-me dele.
Ainda estava muito magoada com tudo o que havia acontecido,
principalmente pela forma com que ele “resolvera” as coisas entre nós. Sabia
que ele não queria compromisso nem se envolver; ainda que o sentisse mais e
mais próximo de mim, não era o que ele queria. Só não esperava que se
acovardasse de tal maneira que não me procurasse para conversar.
Foi isso que doeu, além da dor óbvia que eu sentiria no fim de tudo, o
desprezo, o desrespeito, a irresponsabilidade com o sentimento de uma
pessoa que, até poucos dias, era tratada por ele com deferência.
Foi repentino, inesperado e dolorido, por isso me recusei sequer a
ouvi-lo.
Havia ligado para a Aimée no começo daquela longa noite, logo
depois de receber a ligação da agência de mães por substituição, acordando-a
justamente quando podia dormir cedo por não ter evento.
— Oi, Rory! — Sua voz soou sonolenta, mas preocupada, pois eu
havia entrado em contato antes, avisando-lhes que minha mãe tinha sido
internada e que estava em Dixon. — Está tudo bem?
— Aqui, com mamãe, sim, porém... — Respirei fundo, controlando
minha voz e meus sentimentos para que não chorasse e a deixasse ainda mais
preocupada. — Preciso de um favor.
— Tudo o que estiver ao meu alcance!
Sorri, agradecida por ter amigas tão verdadeiras.
— O contrato de gestação foi cancelado pelo contratante. — Ela
emitiu um som de surpresa. — Preciso tirar minhas coisas do apartamento.
— Rory, o que acontec...
— Desistiram. — Tentei soar despreocupada. — O advogado
solicitou o cancelamento, mas não pediram de volta o dinheiro que
adiantaram. — Engoli em seco. — Ficou como indenização pelo meu tempo.
— Mas que merda! — Aimée parecia muito mais dispersa. — O que
você vai fazer agora?
— Ainda não sei, mas não vou seguir com essa história de barriga de
aluguel. — Solucei. — Não dá para mim.
— Sim, minha amiga, sempre achei que isso iria despedaçar seu
coração. — Suspirou. — Entendi que era uma opção concreta para aquele
momento, mas... é difícil! E Michael?
Fechei os olhos quando ela me fez a pergunta.
— O que tem ele?
— Está contigo aí? Eu sei que você não queria envolvê-lo em seus
problemas, mas agora não vejo alternativa. Ele pode ajudar...
— Nós não estamos mais juntos.
— O quê?! — Pareceu realmente surpreendida. — Como assim, não
estão mais juntos? Achei que a desistência de seguir como barriga de aluguel
também estivesse relacionada a ele.
— De certa forma, está, mas não para ficarmos juntos. — Respirei
fundo. — Ele decidiu se afastar de mim. Nem consegui lhe contar o que
aconteceu com mamãe. Enfim, eu sabia que era um relacionamento
passageiro. — Funguei, sem poder conter as lágrimas. — Passou!
— Eu achava que vocês estivessem apaixonados! Quer dizer, você, eu
tinha certeza, e desconfiava que Michael correspondia ao sentimento. O que
ele lhe disse?
Solucei, e as lágrimas rolaram soltas pelo meu rosto.
— Nada. Só parou de me atender e de responder às minhas
mensagens. — Sequei as bochechas com a mão livre. — Uma vez ouvi uma
música brasileira num aplicativo de música, e a letra dizia que “não receber
mensagem também é mensagem”.
— Sim. Mas que grande canalha! Tenho vontade de dar umas
porradas nele, de verdade!
— Ele não é obrigado a sentir por mim o mesmo que sinto por ele.
Foi covarde, sim, ao terminar as coisas desse jeito, mas entendi seu
afastamento e respeito sua decisão. — Suspirei novamente. — Tenho coisas
mais importantes para resolver agora.
— Eu sei, amiga, mas não ignore seu coração partido. Isso só faz com
que o endureçamos, e você é muito jovem para ser uma pessoa dura.
Engoli em seco novamente, lutando contra a vontade de desabafar, de
contar tudo a ela, derramar meu coração e deixar toda aquela dor me
consumir por uns momentos.
— Por agora preciso arrumar soluções para o tratamento de mamãe.
— Aimée concordou com um gemido. — Você pega minhas coisas lá
amanhã?
Aimée concordou em fazer-me o favor. Desligamos, e, quando Erika
me ligou, achei que minha amiga havia entrado em contato para combinar a
retirada dos meus pertences do apartamento, mas não era isso.
Erika também não sabia de nada, havia ligado a pedido de Michael,
que, obviamente, já estava bloqueado no meu telefone desde que eu soube
como havia me descartado de todas as formas sem falar comigo.
E, se ele não se dera ao trabalho de conversar antes, por que queria
falar depois?
Fiz certo em ter desligado em sua cara, foi o melhor!, foi o mantra
que recitei a noite toda enquanto esperava sentada na cadeira dura da
recepção do hospital, acordada, cansada, tensa e triste, porém reunindo meus
pedaços com a força que descobri que tinha. Já havia enfrentado muitos
percalços naqueles últimos meses e ainda tinha a situação agravada de minha
mãe para preocupar-me a cabeça, não tinha tempo para lamber as feridas de
um relacionamento fracassado.
Não obstante, sabia que um dia a conta chegaria, a emocional, e que
teria de lidar com tudo o que estava bloqueando para ser prática e priorizar o
que achava que deveria vir em primeiro lugar.
Não iria me preocupar com Michael Griffin por ora e pensaria no que
fazer, se iria conversar com ele ou não depois que tudo sobre o tratamento de
mamãe estivesse resolvido.
Mas como iria conseguir resolver?
Mamãe levou dois dias mais internada, o que consumiu quase todo o
dinheiro que tínhamos guardado do empréstimo que tia Wanda conseguiu ao
hipotecar sua casa.
Embora eu estivesse aliviada, mal conseguia dormir tamanha a
preocupação em como honrar as parcelas da hipoteca e como conseguir mais
dinheiro para continuar os tratamentos a fim de acabar com qualquer
resquício do câncer.
Aimée me mandou mensagem dizendo que havia pegado tudo no
apartamento e que precisava conversar comigo, porém tinha um evento
importante e o faria quando tivesse tempo. Fiquei um tanto incomodada com
a mensagem, achando que pudesse ter ocorrido algo grave, por isso tentei
ligar, mas realmente ela não me atendeu.
Por isso, assim que ouvi meu telefone tocar ao sair do banho, corri até
o aparelho pensando ser Aimée, todavia era Shelly Griffin.
Fiquei parada, olhando o nome na tela, mas sem coragem de atender.
Não queria falar com ninguém daquela família. Embora tivesse um enorme
carinho pela mãe de Michael, não queria ter que lidar com qualquer coisa
relacionada a seu filho.
— Rory? — Meu pai bateu à porta do quarto onde eu estava
dormindo na casa de tia Wanda. — Posso entrar?
Aquiesci, desligando o telefone.
— Acabei de sair do banho — expliquei, tirando a toalha da cabeça e
passando-a pelos cabelos para secá-los. — Mamãe está bem?
— Está, sim, descansando. — Sentou-se ao meu lado. — E você,
como está?
Sorri.
— Aliviada por ter mamãe de volta à casa. — Peguei sua mão. —
Feliz por estar aqui com vocês.
Ele apertou sua mão contra a minha.
— Nós também estamos felizes por tê-la aqui conosco. — Suspirou.
— Espero só que isso não prejudique seus estudos.
— Os estudos podem esperar. — Forcei um sorriso. — Amanhã vou
ligar para meu orientador e contar a ele o que ocorreu e tentar uma
alternativa. Não vamos nos preocupar com isso, vamos pensar em mamãe.
Seu semblante caiu, e pude supor por quê.
— E seu trabalho, filha? — Balançou a cabeça. — Eu me sinto tão
impotente ao não conseguir custear o...
— Pai, o senhor não é! — Abracei-o. — Ainda não sei bem como,
mas vamos conseguir!
— E agora envolvemos seus tios... Esta casa é tudo o que eles têm!
— Vai dar tudo certo! — repeti, ainda que me sentisse tão
desesperada quanto ele. — Vai dar, o senhor verá!
Ele se afastou e abaixou a cabeça antes de se levantar.
— Não quero colocar esse fardo sobre você, Rory. Não é justo, e já
conseguiu muito com aquele empréstimo com sua amiga.
— Está tudo bem, pai, eu sou filha de vocês, estou aqui para somar.
Ele suspirou desanimado.
— Que bom que está aqui... Eu me sentia sozinho.
Meu coração se apertou diante de sua confissão. Tentei lhe falar algo,
mas ele logo deixou o quarto, e fui eu quem ficou sozinha, frustrada por ver
meus pais, ambos tão positivos e ativos, prostrados daquela forma.
Fechei meus olhos e fiz uma prece a Deus, rogando-lhe que nos
fortalecesse, que nos iluminasse e agradecendo-Lhe por ter estado conosco
até aquele momento.
— Mas ainda precisamos do Senhor! Precisamos de um milagre para
salvar mamãe, por favor, por favor!
Terminei a oração, levantei-me da cama e acabei por deixar o celular
cair no chão. Peguei o aparelho, conferindo se a tela não havia quebrado,
aliviada por não ter mais um prejuízo quando constatei que estava intacta e
voltei a ligar o aparelho.
Coloquei-o em cima do móvel do quarto, mas ele começou a notificar
mensagens como um louco. Mesmo temendo que fosse de alguém
relacionado a Michael, abri o aplicativo para saber o que estava acontecendo.

“Rory, por favor, preciso falar contigo!”

As mensagens, mais de 10, todas com o mesmo conteúdo, eram de


Carly, e rapidamente liguei para minha amiga, preocupada com o que
pudesse ter acontecido.
— Até que enfim! — ela atendeu eufórica. — Aimée, ela me ligou!
— gritou ao telefone e, pela mudança de som, percebi que colocou a chamada
no viva-voz.
— O que está acontecendo? — questionei ansiosa.
— Rory, seu telefone estava desligado — Aimée falou ofegante. —
Ficamos loucas aqui sem conseguir contato.
— Eu também estou nervosa desde sua mensagem — confessei. — O
que está acontecendo afinal?
Ouvi Aimée suspirar.
— Sobre minha mensagem... Michael Griffin estava no apartamento
quando fui buscar suas coisas. — Arregalei os olhos com o que ela disse. —
Ele queria saber onde você estava.
— Você disse a ele?
— Não, não disse nada! Mas... — Ela bufou. — Ele acabou contando
tudo.
Meu coração deu uma batida desconcertada, e tive que me sentar na
cama, pois as pernas ficaram bambas.
— Tudo?
— Sim, Rory. Eu sei quem era o contratante. — Fechei os olhos,
temendo tê-la decepcionado muito por ter escondido. — Fiquei em choque e
precisei de uns dias para tentar entender, então lembrei que há um contrato de
confidencialidade....
— Sim, por isso não podia te contar. Perdoe-me!
— Do que vocês estão falando? O foco não é esse! — Carly nos
interrompeu. — O contrato já era, Rory, esquece! — Riu alto. — Você não
vai mais precisar de contrato nenhum!
— O quê? — Não consegui entender. — Do que você está falando,
Carly?
— Da vaquinha! — Gargalhou. — Hoje mais cedo resolvi conferir a
vaquinha, que andava mais lenta que uma tartaruga, e tomei um susto!
— Alguém doou todo o dinheiro, Rory! — Aimée revelou. — Você
tem mais do que o necessário para o tratamento e para qualquer outra
emergência que surja.
Meu coração faltou pouco para explodir no peito de tão rápido que
batia. Eu me sentia paralisada, como se não conseguisse processar a
informação que havia acabado de ouvir.
— Mas como?
— Não sei, um milagre, talvez! — Carly ria. — O dinheiro foi doado
há uns dias, através de uma fundação que ajuda mulheres com câncer aqui de
Chicago, entrou na conta virtual há pouco, por isso eu nem tinha ideia!
Imediatamente fechei meus olhos e agradeci a Deus, vertendo tantas e
tantas lágrimas que rapidamente estava com o rosto completamente molhado.
— Sua mãe vai ficar bem, Rory! — Aimée disse emocionada. —
Você não vai se preocupar mais com as despesas, poderá apenas acompanhar
sua recuperação!
Comecei a chorar alto, sem me importar com mais nada. Caí de
joelhos no assoalho de madeira, agradecendo a quem quer que Deus tivesse
tocado o coração para que visse nossa vaquinha.
Pensei em meu pai, tão triste e preocupado, e tentei me acalmar para
dar a notícia a ele. Entretanto, antes, tinha que falar com minhas duas amigas.
— Eu amo vocês! Obrigada por todo o apoio! Nós não
conseguiríamos sem a ajuda das duas!
— Você é como uma irmã mais nova para mim, Rory. — Aimée
também chorava. — E, mesmo que eu não conheça seus pais pessoalmente,
os tenho como se também fossem meus pais e quero vê-los bem e felizes.
— Vocês merecem, Rory! Sua família é linda e vai continuar unida!
— Carly vibrava de felicidade, e sua energia me contagiou.
Sorri, mesmo ainda chorando, porque sentia que, vencido aquele
obstáculo, iríamos vencer todos os outros.
Mamãe vai se curar!
— Eu não soube lidar com a situação, essa é a verdade! — Andei de
um lado para o outro, chorando como nunca tinha feito, enquanto minha mãe
segurava uma xícara de chá que me recusava a tomar. — Aurora jamais
voltará a falar comigo e...
— Michael! — Ela enfatizou meu nome no mesmo tom que usava
quando estava chateada comigo. — O que aconteceu?
Fechei os olhos, sem saber como explicar sem entrar no assunto do
contrato de gestação. Como poderia contar à minha mãe que Aurora e eu nos
aproximamos porque decidi contratar uma barriga de aluguel? Minha
preocupação não era com o que ela pensaria de mim, pois, se tivesse levado
aquela ideia adiante, ela saberia o que fiz, mas tinha receio do que pudesse vir
a pensar sobre Aurora.
— Nós... — Suspirei rendido. — Eu fiquei apavorado. — Finalmente
me sentei à sua frente e tentei me acalmar. — Não soube o que fazer ao
descobrir que ela me amava...
Minha mãe abriu um sorriso tão grande que me fez sentir ainda mais
idiota.
— Rory se declarou a você?
Neguei, e, pela sua expressão, Shelly ficou confusa.
— Então...
— Eu cheguei na noite em que uma tempestade caiu na cidade. Quase
não conseguimos pousar, tanto que, minutos depois, o aeroporto fechou, e os
voos foram desviados. Segui direto para o apartamento dela, mas Aurora não
estava.
— Ela dormiu aqui em casa. — Encarou-me séria. — No seu quarto.
— Eu sei, vim para cá e a encontrei dormindo profundamente, vestida
com minhas roupas da época da universidade, na minha cama. Não a acordei,
apenas retirei as roupas molhadas, me sequei e tencionava deitar-me ao seu
lado, abraçá-la e acordá-la com beijos.
Minha mãe sorriu, mas logo ficou séria.
— Não te encontramos aqui de manhã.
— Fui embora antes de todos acordarem. Não a despertei nem a
abracei. — Balancei a cabeça, ainda me achando um imbecil. — Ela
sussurrou dormindo, mãe. Disse que me amava.
— Oh, Michael...
Ri amargo, e ela novamente ofereceu-me o chá. Neguei mais uma
vez.
— Afastei-me dela, debati-me a noite toda sobre aquilo,
inconformado por ela ter mudado as coisas, estragado o que tínhamos.
Percebi, então, que precisava pôr um fim na nossa relação, porque não queria
machucá-la.
— Mas por que a machucaria?
— Por não a amar de volta. — Voltei a ficar de pé. — Eu não
manteria um relacionamento, ainda que fosse incrivelmente satisfatório
fisicamente, se não pudesse corresponder aos seus sentimentos. Não era justo,
e Aurora não merecia isso.
Mamãe franziu as sobrancelhas.
— Mas você correspondia!
Solucei e concordei.
— Demorei muito para aceitar isso.
— Por quê? — Ouvi o barulho da porcelana e de repente senti suas
mãos nos meus ombros. — Você percebeu a palavra que usou? Aceitar. —
Ela me virou para que eu a encarasse. — Não demorou a descobrir, você já
sabia, mas não aceitava. Por quê?
Ficamos em silêncio por um bom tempo, simplesmente por eu não
saber o que lhe dizer. Não tinha ideia de como explicaria que todo o contexto
de nossa família me fazia ter um sentimento negativo com relação aos afetos
amorosos. Nunca falávamos sobre o assunto, e eu tinha receio de magoá-la.
— Tem algo relacionado a mim e ao seu pai? — Foi ela quem
quebrou o silêncio. Neguei, mas acho que conseguiu ler a verdade nos meus
olhos. — Tem, sim, não é? — Suspirou e se afastou de mim.
— Mãe, é mais complicado do que...
— Um ano depois que você nasceu, Justin entrou em contato comigo
— ela começou a falar, interrompendo-me, e senti o coração disparar, pois
nunca falamos disso. — Ele queria que fôssemos para a Califórnia, onde
estudava, e que tentássemos novamente. — Mamãe não me olhou, mas senti
que sorriu. — Eu fui.
— Eu nunca... — comecei a falar, perplexo, mas ela me interrompeu
de novo.
— Você era um bebê, não tinha como se lembrar, e decidi que não
falaria disso. — Soluçou, e dei um passo em sua direção, mas ela recusou
meu toque. — Não entendi por que ele nos queria lá, acho que não tinha
noção de que nossa vida havia mudado, que eu havia mudado. Finalmente o
conheci, e todo o encanto que exerceu sobre mim se foi. Percebi que eu
gostava da ideia que criei dele, não de quem ele era de verdade.
— Mãe, não precisa falar. Não tem importância.
— Tem, Michael, porque achei que isso não iria te afetar, mas afetou!
— Tentei negar, mas ela não permitiu. — Passei anos imaginando se não
havia tomado a decisão errada, se, por amor a você, não deveria tê-lo aceitado
como era, e me convenci de que foi mais benéfico você ter crescido longe
dele.
— E foi, mãe! Eu nunca me perdoaria por ser o motivo de sua
infelicidade, creia-me!
Ela sorriu e passou a mão no meu rosto.
— Mas posso ter causado a sua! Quando seu pai voltou a nos
procurar, eu sabia que estava falido. — O clima estava tenso, e parecia que
ela temia falar comigo. — Ele não me pediu o dinheiro, eu o dei a ele.
Arregalei os olhos.
— Por quê?
— Porque queria que vocês dois tivessem uma chance. Porque sentia
que algo estava errado com sua constante negativa em namorar, em se
apaixonar. Quis reparar meu erro. — Fechei os olhos com a confissão de que
ela pagou para que ele me procurasse. — Acontece que a maturidade não
vem de bônus com a idade. — Deu de ombros. — Quando Justin me pediu
mais dinheiro, descobri que havia gastado tudo o que lhe eu havia dado com
bebidas, drogas e mulheres. Ele não se esforçou para conhecê-lo, mas ficou
bem empolgado quando pesquisou sobre o filho e percebeu que tinha uma
fortuna tão grande quanto meu pai tinha na época em que namoramos.
— Mãe, a senhora não precisava ter feito nada disso!
— Paguei a ele de novo, mas para seguir sua vida bem longe de nós, e
novamente Justin pensou apenas no momento. Pegou o dinheiro como se
fosse a coisa mais importante do mundo e desapareceu.
— Foi quando houve o ataque cardíaco.
— Foi, mas não creio que tenha sido provocado por essa razão; eu
realmente estava aliviada. — Sorriu. — Você me perdoa por tudo?
Beijei sua testa.
— Não tenho o que perdoar, mãe.
— Foi um namorico da adolescência, Michael, coisa de escola, eu
realmente não o amava, porém ele me deu a pessoa que mais amei e amo no
mundo: você!
Abracei-a.
— Mas nunca voltou a se apaixonar, não foi?
Mamãe gargalhou.
— Quem lhe disse isso? — Olhei-a perplexo, e ela riu mais alto. —
Eu me apaixonei várias vezes, vivi cada paixão, desfrutei de cada encontro
e...
— Mãe! — Interrompi-a antes que dissesse algo que eu não queria
saber.
— Só fui discreta e não quis me casar apenas porque não encontrei
ninguém que valesse a paz de espírito que eu sentia com minha liberdade de
morar na minha casa e ser dona do meu tempo.
— E o vovô? — perguntei de repente, ainda processando tudo o que
me contava e o que eu havia suposto a vida toda.
— O que tem ele?
— Criou vocês sozinho depois que sua mãe fugiu com outro homem e
nunca sentiu falta de outra mulher, pelo menos não em questões românticas.
Ela suspirou.
— Ah... Então foi isso! Você achava que meu pai era feliz sozinho,
sem amar ninguém.
— E não era? — Minha questão foi quase retórica.
Ela balançou os ombros.
— Pode ter sido, mas você está enganado sobre ele ter fechado o
coração para o amor.
— Vovô parecia tão seguro, tão bem consigo mesmo, feliz por estar
sozinho. Por muito tempo me imaginei como ele, sentado sob o gazebo,
vendo a vista do lago, tomando uma dose de uísque depois de um dia de
trabalho — confessei. — Para mim, isso era sinônimo de felicidade.
— Não para ele! Seu avô nunca deixou de amar minha mãe, Michael.
Eu me afastei dela, negando com a cabeça, achando aquilo tudo um
grande erro.
— Ela o deixou por outro homem! Deixou a vocês todos!
— Eu sei, e, acredite, ela sofreu muito por isso! — Mamãe decidiu
tomar o chá que esfriava sobre o móvel. Esperei pacientemente, sem dizer
nada, sentindo-me confuso com o que falou. — Meu pai trabalhava muito,
estava focado em conseguir consolidar a corretora a qualquer custo e
conseguiu, não é? Mas isso custou para ele o amor de minha mãe. Quando fui
visitá-la, pouco antes de morrer, ela confessou que o trabalho tinha sido pior
que uma amante para o relacionamento deles. Ela não o via, ele não
conversava com ela, mal ia em casa, não nos via. No começo, ela se
consolava dizendo que papai fazia aquilo pela família, mas, assim que as
coisas melhoraram, que eles atingiram uma estabilidade, ele não parou.
— Mas ele trabalhava para a família! Ela não podia entender isso?
— Vou dizer uma frase clichê: o amor é como uma planta, precisa de
atenção, água, adubo, uma poda às vezes, não pode ser deixado de lado,
porque senão murcha e morre. Construir um império era algo importante para
ele, mas nunca foi para ela. Tudo o que minha mãe queria era o homem por
quem se apaixonou ao seu lado, participando da vida dos filhos.
— Mas foi ela quem abandonou tudo!
Ela negou.
— Ele não deixou que ela nos levasse e fez o certo, porque, ao sair do
casamento como saiu, mamãe não levou nada. O homem com quem se casou
mais tarde era um trabalhador comum. Os dois viveram modestamente por
muitos anos na Europa. Quando retornaram aos Estados Unidos, ela quis nos
ver, mas meus irmãos se recusaram a vê-la, e eu era muito nova, não fui
consultada.
Eu me sentia em choque por muitos motivos. Nunca haviam me
contado a história da separação dos meus avós, eu nem mesmo soube que
mamãe teve contato com Daisy, sua mãe, antes que ela morresse.
— Quando você foi vê-la?
— Deve ter quase 15 anos. Seus tios ainda eram vivos, mas não foram
vê-la. Mamãe estava hospitalizada e sendo cuidada por Claire, sua enteada.
— Sorriu. — O marido de minha mãe era viúvo quando a conheceu e tinha
uma filha adolescente que ficou morando com os avós maternos quando ele
conseguiu um emprego na Europa. As duas se aproximaram quando eles
voltaram a morar nos Estados Unidos. Phillip morreu cinco anos depois do
seu avô, e minha mãe passou a morar com Claire. — Respirou fundo. — Se
eu a tivesse procurado antes, talvez tivéssemos tido uma chance de salvá-la,
mas...
Eu me sentia imóvel, sem saber o que dizer. Tudo o que pensava,
todas as certezas que tinha, haviam caído por terra.
— Quando vovô morreu, no enterro dele, ela tentou se aproximar.
— Sim, ela queria me consolar, consolar seus tios, mas não deixaram.
Foi a primeira vez que a vi, mas tinha certeza de que se tratava dela. —
Segurou firme minha mão. — Seu avô mantinha suas fotografias e, quando se
sentava naquele gazebo, ia com elas. Não as olhava, mas elas estavam lá,
dentro de uma caixa de charutos.
Fechei os olhos e imaginei a dor dele, sabendo que a havia perdido
para sempre, que priorizara demais o dinheiro, a posição social, o sucesso que
conquistou, mas a perdera no processo.
A imagem do grande homem satisfeito com a vida, com seu sucesso,
desvaneceu-se, e senti um calafrio ao me colocar na mesma situação.
— E se eu tiver perdido Aurora para sempre? — inquiri apavorado.
Minha mãe me deu um tapinha nas costas.
— Você percebeu a tempo a besteira que fez, mesmo antes de eu te
contar a história de seu avô. Lute pelo que quer, Michael! Aurora é
magnífica. Tenho certeza de que, se conversarem, vocês irão fazer as pazes.
Fechei os olhos.
— Temo que não. Eu a magoei, mãe. Mesmo sem querer, eu a
magoei, e agora ela não quer falar comigo, e não sei onde procurar por ela!
Fui até a cidade onde seus pais moravam e descobri que se mudaram. As
amigas dela não vão me ajudar, e, se Aurora não voltar para Chicago...
Mamãe me abraçou, e meus olhos foram direcionados para a enorme
pintura de meu avô sentado em sua escrivaninha antiga na corretora. Um
arrepio atravessou minha coluna ao pensar que, como ele, eu havia percebido
tarde demais que havia perdido o amor da minha vida.
Estava estudando como nunca, mesmo longe da sala de aula, ou talvez
por causa disso mesmo. De qualquer forma, senti-me aliviada quando, ao
conversar com a reitoria sobre a situação da minha mãe e a idade do meu pai,
permitiram que eu estudasse fora da universidade.
O material estava sendo enviado por e-mail, e eu teria que ir a
Chicago para as provas, mas, enquanto essa época não chegava, poderia
continuar junto a mamãe e papai, acompanhando o tratamento dela sem a
preocupação financeira graças à doação que a vaquinha virtual recebeu.
Quando eu pensava no momento em que ela chegou, só conseguia
pensar que se tratava mesmo de um milagre. Foi um presente do Céu, e, por
isso mesmo, estávamos cuidando dele com muito zelo. Todos os
medicamentos, procedimentos, idas ao hospital e até os enfermeiros que
ajudavam no cuidado de mamãe estavam sendo declarados para fim de
prestação de contas. A tal organização que nos ajudou não requereu nada,
mas decidi que iria mostrar a todos onde o dinheiro estava sendo empregado.
Terminei de ler o material das aulas daquele dia e mandei mensagem
para o orientador da minha pesquisa, tirando algumas dúvidas sobre o que eu
havia pesquisado e, principalmente, querendo ajuda com alguns trechos em
francês que encontrei em algumas obras.
Olhei as horas e me assustei ao perceber que havia virado a noite
estudando. Eu estava fazendo muito isso, utilizando a noite, que era calma e
sem compromissos externos, para poder me concentrar melhor. Com isso,
estava dormindo pouco.
Acabei perdendo os quilos que havia ganhado enquanto morava com
Erika, e isso me deixou aborrecida, porque não se tratava apenas de peso,
mas, principalmente, de músculos, por causa da quantidade de exercícios que
era obrigada a fazer diariamente com o personal trainer.
Estava sem apetite, cansada, agitada com tudo o que estava fazendo.
Acompanhava minha mãe na quimioterapia e nas consultas médicas, além de
ir ao mercado, ao banco e outros estabelecimentos para que meu pai não
saísse do lado dela.
Não reclamava, estava feliz por estar com eles, além de usar toda essa
agitação para não lidar com meu coração partido. Apenas quando colocava a
cabeça no travesseiro, depois de um dia cansativo, é que eu tinha tempo para
sentir a dor de ter me apaixonado por alguém que não sentia o mesmo por
mim. Era-me um sentimento inédito, eu mal sabia lidar com ele, preferia
ignorá-lo dizendo a mim mesma que eu tinha outras preocupações e que isso
logo iria passar.
Mas não passava!
Noite após noite, durante o banho e em qualquer momento em que eu
não estivesse ocupada, pensava em Michael Griffin. Outrossim, sonhava com
ele algumas vezes e, nos sonhos, segurava um bebê que ele dizia ser nosso
filho, falando que nos amava demais.
Tantas expectativas frustradas!
Michael não me amava, e eu não fiz o implante do embrião de novo,
nada daquilo iria acontecer. Já havia estado grávida de seu filho uma vez e,
mesmo sendo apenas dele, eu o amaria como se fosse meu também. O destino
não queria de forma alguma nos manter unidos, nem por um bebê nem por
amor.
Terminei meu banho e me deitei na cama, sentindo-me zona de sono,
acalorada por conta da água quente do chuveiro e com a barriga doendo de
fome, pois não me lembrava de qual tinha sido a última vez que consegui
comer.
— Tudo o que preciso é de uma boa noi... — achei melhor corrigir a
tempo, quando olhei através das cortinas da janela — manhã de sono.
Fiz uma oração, coisa que havia virado rotina desde que mamãe foi
internada, e, antes mesmo do amém, já havia adormecido.
Sonhei com Michael mais uma vez, entretanto, naquela oportunidade,
não havia declaração de amor, muito menos carinho entre nós e um bebê. Ele
apontava minha barriga, redonda e protuberante, e me acusava de ter
engravidado de propósito, apenas para conseguir seu dinheiro. Eu chorava e
tentava explicar-lhe que não fora por isso, que eu o amava, mas ele não
acreditava.
— Você quer vender o bebê para mim, mas ele já é meu! — gritava.
— Meu advogado irá garantir que você nem mesmo o veja quando nascer!
— Não! Esse bebê não foi concebido na clínica, ele é nosso! — eu
insistia, mas ele negava.
— Eu não fiz um bebê com você, Aurora! Ele é de uma doadora, e
você terá que me entregar.
— Mas eu amo você!
Michael apenas ria e negava.
— Não havia a palavra amor no nosso contrato, você fez tudo por
dinheiro.
Acordei de repente, suada e assustada, e levei imediatamente a mão
ao ventre, respirando aliviada quando o senti plano como sempre havia sido.
Não tinha bebê para Michael tomar de mim, ele já devia ter contratado outra
mulher e, provavelmente, àquela altura, talvez estivessem apenas esperando a
confirmação da gravidez.
Conferi o relógio e voltei a me deitar, desanimada, percebendo que
havia dormido apenas por três horas. Cobri minha cabeça com o cobertor,
ignorando a náusea que o sonho me provocou, tentando acalmar meu coração
para pegar no sono novamente.
Nada daquilo acontecera nem aconteceria! Não havia mais contrato,
nem necessidade de alugar meu ventre, nem, muito menos, contato entre mim
e ele. Com o tempo, os sonhos parariam, a dor diminuiria e o constante “e se”
pararia de ter importância.
Pensei que conversar com ele seria uma alternativa para, pelo menos,
entender por que havia agido daquela forma comigo, mas, depois de
conversar com Aimée, percebi que não tinha o que entender. Michael apenas
desistira de ter seu filho comigo e talvez tivesse querido evitar problemas, por
isso também rompera nossa relação pessoal, ou se cansara de mim
simplesmente.
Chegamos a essas conclusões depois que Aimée achou uma página de
fofocas numa rede social que revelava parte da história dela, mas a creditava
a mim.
— Eu quero matar o filho da puta que escreveu isso!
Minha amiga soluçava, inconformada pelo que estava escrito na
legenda de uma foto minha e de Michael em Nova Iorque.
— Ninguém sabe que foi você, Aimée.
— Foda-se, Rory! Alguém contou minha história e, para prejudicar
você, colocou seu nome!
— Não me importo comigo, sei o que fiz e por que fiz. Como você
está se sentindo?
Ela soluçou, e eu soube que não estava bem.
— A notícia foi espalhada quando ele parou de falar contigo, no dia
em que rompeu o contrato — apontou, e senti o coração bater
descompassado. — Talvez tenha sido por isso que...
— ...ele nem tenha tido a hombridade de falar comigo e mandado seu
advogado resolver tudo? Michael, de todas as pessoas, era o único que não
poderia julgar o que leu, afinal, a gente se conheceu assim!
— Eu sei, Rory, mas as coisas que estão escritas... — Fungou. — Eles
pegaram minha história, aumentaram, distorceram apenas para te prejudicar.
Solucei, tentando não desabar durante a ligação, preocupada demais
com ela para demonstrar o quanto tudo aquilo me feria.
— Talvez ele tenha feito o certo ao se afastar antes que sujasse seu
nome — comentei.
— Foda-se ele!
Aimée proferiu uma série de palavrões, não só por causa de Michael,
mas por quem forneceu os detalhes e pela pessoa que escreveu de forma
maldosa o que ela havia feito.
Tive que desligar, porque mamãe havia saído da sessão de quimio, e
não voltaríamos mais a falar daquele assunto até que ela tivesse o nome do
mentiroso e fofoqueiro em suas mãos.
Eu não duvidava nada de que Aimée conseguiria, pois estava com
sangue nos olhos, e eu já tinha pena dos envolvidos. Ela podia não ser rica,
mas conhecia muitas pessoas, e, como sempre havia ressaltado, dinheiro não
era tudo, principalmente quando se tinha uma boa network.
— Rory, querida, está acordada?
Gemi baixinho ao ouvir a voz da minha tia Wanda e descobri a
cabeça.
— Oi, tia, estou, sim! — Esfreguei o rosto. — Precisa de alguma
coisa?
— Não, querida, está tudo bem. — Ela entrou no quarto e encostou a
porta. — É que tem um rapaz muito bonito lá embaixo querendo falar com
você.
Bocejei intrigada.
— Comigo? Não me lembro de ter marcado nada com ninguém hoje
— disse, referindo-me às pessoas que estava entrevistando para ficar no turno
da noite com mamãe para quando eu voltasse a Chicago. — Ele disse para
que queria falar comigo?
Ela sorriu.
— Não, mas insistiu quando eu disse que você estava dormindo. —
Franzi a testa, temendo ser alguma coisa urgente relacionada à mamãe. — É
um rapaz muito bonito. Já falei isso?
— Já! — Sentei-me na cama. — E esse rapaz muito bonito tem
nome?
— Sim, um nome bonito também! — Ela pegou algo no bolso. —
Michael Griffin, CEO da MSG Investiments. — Arregalei os olhos, muda,
imóvel, em choque. — Vai descer? Seu pai está fazendo sala para...
Pulei da cama sem me importar com minha aparência, de pijama
xadrez, descalça, com a cara amassada de dormir e desci as escadas correndo
para evitar a conversa entre meu pai e Michael.
— ...agora ela já está melhor! Graças à nossa Rory, minha Vera
vencerá essa doença, acredito nisso.
Michael, que prestava atenção ao meu pai, percebeu assim que entrei
na sala e me encarou. Seus olhos brilhavam de um jeito que eu nunca tinha
visto, como se fossem um límpido e profundo lago azul.
Ele piscou várias vezes, e tive que tragar saliva para hidratar minhas
cordas vocais, que pareciam cheias de areia.
— Olá. — Foi a única palavra que me veio à cabeça.
— Aurora... — Ele falou meu nome, e senti o corpo inteiro vibrar.
Respirei fundo e sorri para meu pai, que parecia um tanto chocado por eu
estar na sala de pijama.
— O senhor Griffin veio visitá-la, filha. — Isaiah não disfarçava a
curiosidade. — Ele pode esperar uns minutinhos a mais para que você se
apronte.
Senti que fiquei vermelha, pois meu rosto esquentou.
— Eu... — engoli em seco outra vez — não posso recebê-lo agora.
Estudei a noite toda e...
— Nós precisamos conversar, Aurora.
Meu pai ergueu uma sobrancelha, e fiquei mais nervosa.
— Tudo já está resolvido, senhor Griffin. Agradeço que tenha vindo
até aqui, mas não preciso mais do senhor...
— Rory! — Meu pai olhava de mim para ele e vice-versa. — O que
está acontecendo?
Michael pareceu não perceber e deu alguns passos na minha direção.
— Levei semanas para descobrir tudo, mas, quando o fiz, entendi
muitas coisas. Por que não me contou, Aurora? Por que...
— Vá embora! — pedi baixinho, quase implorando.
— Não sem conversarmos.
— Meu rapaz, minha filha não quer falar com você. — Papai o
segurou pelo ombro. — Acho melhor partir.
Michael se virou para ele e negou.
— Não sem dizer o que vim dizer.
— Michael... — chamei-o, temendo que revelasse mais do que meu
pai sabia, que me expusesse à minha família e revelasse nosso contrato.
— Pois então diga. — Papai o enfrentou com o olhar.
— Eu amo sua filha, senhor Ryan. — Michael voltou a me olhar. —
Fui covarde para dizer a ela quando descobri, mas a amo demais para perdê-
la para o meu medo.
Eu não conseguia me mover, imaginando se realmente tinha ouvido
aquilo que ele disse ou se estava em um sonho que iria acabar a qualquer
momento.
— Rory, acho mesmo que você deveria se trocar e conversar com o
rapaz. — Papai quebrou o silêncio da sala. — E você, enquanto ela se troca,
vai me dizer quem é e por que minha garota não quer falar contigo.
Voltei a mim mesma e, sem pensar muito, fui até Michael, peguei-o
pela mão e o arrastei escada acima até o quarto onde eu dormia havia pouco,
trancando a porta quando entramos.
— Aurora...
— Você não pode aparecer aqui depois de todo esse tempo, depois de
tudo o que fez, e dizer aquilo na frente do meu pai! — Estava alterada. Ele
deu um passo para trás, assustado, e dei um soco na porta. — Acha o quê?!
Que vai me descartar como fez depois de todas aquelas mentiras publicadas
sobre mim, em um dos piores momentos da minha vida, e depois vir até aqui
dizer que me ama?! Como ousa?!
— Eu amo você! E sim, não soube lidar com isso e me comportei
como um grande filho da puta, mas não vou negar nem esconder como me
sinto em relação a você.
Apontei o dedo em sua cara.
— Mais do que falar, amor se demonstra, sabia?
Ele negou.
— Não, não sabia! Nunca me senti assim antes, nunca havia me
apaixonado, nunca tive a certeza de que queria uma única mulher para o resto
da minha vida! — Meu coração tremeu, e eu solucei. — Mas concordo, não
agi bem, mas não por maldade, foi por pura covardia.
Senti grossas lágrimas rolarem.
— Machucou-me da mesma forma.
— Eu sei. — Michael voltou a acercar-se de mim. — E isso era tudo
o que não queria que acontecesse.
— Ainda não entendo o que aconteceu... — falei baixinho, o coração
desesperado para acreditar no que ele havia dito na sala, mas o receio de me
machucar ainda mais me pedindo para ter cautela. — Você parou de me
atender e cancelou o contrato sem falar nada comigo, sem nem
conversarmos... — Encarei-o, os olhos nublados pelas lágrimas. — Foi por
causa do artigo sobre mim que saiu?
— Não. — Ele me interrompeu. — Eu vi o artigo, mas foi depois de
ter tomado a decisão de romper o contrato. — Assenti, tentando segurar as
lágrimas, sem entender ainda por que ele agira daquela forma e por que
estava ali dizendo que me amava. — Cheguei de madrugada à casa de minha
mãe na noite em que você dormiu lá por causa da tempestade.
Franzi a testa, pois lembrava-me bem daquela noite em que dormi em
seu quarto na mansão da família Griffin. Não vi Michael, e foi a partir da
manhã seguinte que ele parou de me atender.
— Ficou chateado por eu ter dormido na casa de sua mãe?
— Não, pelo contrário. — Sorriu triste. — Quando entrei no quarto e
a vi dormindo na minha cama, com minha roupa, foi... — Suspirou. — Eu
estava molhado, tirei a roupa e pensei em me juntar a você na cama. Adorei
te ver ali, Aurora.
Continuei confusa e sem saber o que dizer, pois nunca poderia ter
suspeitado que ele tivesse estado lá naquela noite.
— Quando me aproximei — voltou a contar depois de um tempo de
silêncio entre nós —, você se mexeu e sussurrou que me amava. — Fiquei
tensa, pois ainda me recordava perfeitamente de ter sonhado com ele, com
um futuro para nós dois juntos, mas não sabia que havia falado dormindo. —
Aquilo me assustou. Eu não soube como reagir, precisei de um tempo.
— Por isso decidiu não falar mais comigo.
Michael baixou a cabeça. Eu podia senti-lo tão abalado quanto eu,
conseguia ver a tremedeira em suas mãos que tentava disfarçar, o jeito com
que seu peito subia e descia por conta da respiração pesada.
— Eu não podia imaginar que você precisava de mim. — Ele me
encarou, e fiquei surpresa ao ver seus olhos úmidos. — Por que não me
contou sobre o estado de saúde de sua mãe? — Deu um passo na minha
direção. — Por que não me disse que o dinheiro do contrato de gestação era
para salvar a vida dela?
Não pude mais conter as lágrimas, desmoronei, soluçando feito uma
criança. Michael me tomou em seus braços, enlaçando-me com força. Eu
sentia os espasmos de choro nele também enquanto me consolava em
silêncio, alisando minhas costas.
— Eu estava tão desesperada por dinheiro para o tratamento que...
não pensei, apenas fui até a agência e me cadastrei. — Continuei em seu
abraço. Ele não dizia uma só palavra. — Eu já havia tentado de tudo!
Abrimos uma vaquinha, coloquei alguns livros raros à venda, mas ser barriga
de aluguel foi a única esperança que tive de realmente conseguir pagar os
custos da cirurgia e do tratamento.
Senti quando ele respirou fundo.
— Eu nunca tinha entendido por que não conseguia te ver gerando um
bebê e depois entregando-o sem nem ao menos vê-lo. — Ele segurou meu
rosto carinhosamente, fitando o fundo dos meus olhos. — A Aurora que
conheci, por quem me apaixonei, não combinava com isso e precisava ter um
motivo bem forte para fazê-lo.
— Eu tinha... mas sabia que iria sofrer de qualquer maneira. Não sou
forte como as outras mulheres que fazem isso...
— Você é muito forte, Aurora! — Michael beijou minha testa. —
Olha só o que aguentou praticamente sozinha! Você poderia ter me pedido o
dinheiro, eu não negaria ajuda.
— Não queria me aproveitar da nossa situação. Eu gostava de você
independentemente do seu dinheiro.
Ele ficou sério. Parecia que quase não respirava.
— “Gostava”? — Afastou-se de mim. — Magoei-a tanto assim que
consegui matar o que sentia por mim? — A pergunta saiu de sua boca com
um tom doloroso, temeroso.
— Você me magoou bastante, sim. Não ter falado comigo,
explicado... Seu silêncio doeu mais do que qualquer palavra de término. —
Ele secou o rosto e concordou com a cabeça sem me olhar. — No início
fiquei preocupada, achando que havia acontecido alguma coisa. Você estava
viajando, e, de repente, não visualizava nem respondia às minhas mensagens.
Pensei o pior. Então, uma noite, liguei para a sua mãe querendo notícias e
descobri que você estava bem e de volta a Chicago com Lane Johnson.
Michael me encarou assustado.
— Eu não estava com Lane! — retrucou. — Ela apareceu na casa de
minha mãe sem avisar, e eu estava por lá. Não estávamos juntos. Na verdade,
desde que nos aproximamos, não tive mais nada com ela. Com ninguém!
Aurora, você precisa acreditar em mim! Eu apenas precisava pensar e avaliar
tudo o que sentia por você; não queria te machucar com minhas dúvidas e
inseguranças.
— Então mandou seu advogado cancelar o contrato... — continuei a
falar. — Tem ideia de como foi para mim receber a ligação de Ayleen e saber
que, além de você ter parado de falar comigo, ainda quebrou o contrato
comigo para ir em busca de outra?
— Outra?! — Michael indagou alto. — Não fui em busca de outra!
Não queria outra. — Respirou fundo para se acalmar. — Aurora, decidi pôr
fim ao contrato, sim, e pedi ao Robert para resolver toda a parte legal do
acordo, mas disse a ele que iria conversar contigo antes. Juro que não pensei
que ele entraria em contato com a agência no dia seguinte e, muito menos,
que você soubesse antes de conversarmos.
Virei-me de costas, derramando todas as lágrimas que havia segurado
ao longo daquelas semanas, lutando contra a esperança, com medo de me
iludir mais uma vez com ele.
— Eu me senti totalmente descartada, além de perder a única
possibilidade de pagar o tratamento de minha mãe.
Estremeci quando ele segurou meus ombros por trás.
— Perdoe-me, por favor! Não posso apagar toda a mágoa que lhe
causei, mas posso garantir que era a última coisa que eu queria. — Senti
quando encostou a testa na parte de trás da minha cabeça. — Eu amo você,
Aurora Ryan. Talvez não seja suficiente, talvez não compense a ferida, a dor
que lhe causei por simplesmente não ter agido como um homem e assumido,
desde o começo, que havia me apaixonado. Só quero que saiba como me
sinto, ainda que não corresponda mais ao sentimento.
Eu não conseguia falar, os soluços não deixavam, eram tão fortes que
sacudiam meu corpo.
— Eu não... — Virei-me para olhá-lo de frente. — Eu me apaixonei
por você à primeira vista, naquele dia na livraria. Soube disso quando nos
encontramos de novo no bar. Eu te vi lá, e meu coração disparou, a boca
secou, o corpo respondeu apenas à sua presença. — Michael sorriu triste. —
Depois tentei negar a atração e a paixão por causa do nosso contrato. Já era
muito difícil para mim lidar com a ideia de ter um bebê seu dentro de mim,
eu tinha medo de transferir meu afeto à criança e depois sofrer quando ela
fosse embora com você.
— Aurora... antes de você, a única coisa que me importava era ter
esse filho, mas, depois, não via mais sentido em tê-lo de uma doadora. Por
muitas vezes, eu pensava em você não como uma mulher que o geraria, mas
sim como a mãe dele.
Concordei.
— Eu também! Estava tudo muito confuso, pensei em desistir do
contrato várias vezes, mas não podia renunciar ao dinheiro e não queria pedi-
lo a você. Não achava certo!
— Quando fizemos sexo sem proteção e você falou sobre a pílula do
dia seguinte, a vontade que eu tive foi de pedir para que você não a tomasse.
— Sua confissão me surpreendeu. — Eu queria ser pai e achava que você
seria uma mãe maravilhosa! — Riu. — Na verdade, acho que estava apenas
buscando uma desculpa para ficarmos juntos sem ter que admitir que algo
que eu sempre neguei existia.
— O quê?
Michael encostou os lábios nos meus. Fechei os olhos e me entreguei
à doce carícia do beijo que parecia ser parte de um dos meus sonhos.
— Amor, paixão, todo esse sentimento que me faz perder o fôlego
quando te vejo, que me faz sentir falta do seu cheiro, da sua voz, quando está
longe. Eu te desejava o tempo todo, porém era mais do que isso, eu sabia,
mas não podia admitir sentir algo que sempre disse que era irreal.
— Você não tinha se apaixonado, por isso achava que não existia.
— Sim, não tinha encontrado alguém que me provasse que era real.
Não até você aparecer. — Ele desviou os olhos dos meus. —
Independentemente do que você ainda sinta por mim, eu amo você, mas
entenderei se não puder mais me amar.
Balancei a cabeça.
— Talvez tenha mais uma coisa que você precise saber sobre amar
alguém. — Michael encarou-me curioso. — O sentimento não some com a
mesma rapidez e intensidade com que surge. Eu posso, sim, escolher não
amar mais você, seguir adiante, tentar esquecer, mas o sentimento só vai
embora quando tiver que ir; às vezes, nunca vai.
— Eu sei disso, descobri há pouco tempo que é possível amar a vida
toda alguém que já não corresponde mais o sentimento, e isso dói,
principalmente quando a culpa por ter perdido esse amor é de quem deveria
ter cuidado dele. — Seus dedos passearam carinhosamente sobre meu rosto.
— Não quero perder você!
— Você não me perdeu — garanti e vi o alívio em seus olhos.
— O que você disse enquanto dormia...
Sorri.
— Foi por causa de um sonho que estava tendo com você.
— Ah... um sonho. Mas essa parte foi real?
Ri ao sentir sua insegurança e decidi provocá-lo um pouco.
— Alguém pode ser responsabilizado pelo que diz dormindo?
Michael ficou uns minutos em silêncio, então respirou fundo e me
olhou com determinação.
— Não importa, eu só preciso de uma chance!
— Uma chance? — Ergui a sobrancelha, sem entender do que falava.
— Sim, uma chance para fazer tudo que for possível para que você
me ame de volta. Uma chance para compensar você por todos esses dias de
sofrimento, para provar que sou um homem confiável, leal e que te ama de
verdade e...
— Michael... — Interrompi-o, sem duvidar nem um segundo de sua
determinação. Se eu não estivesse apaixonada por ele, não apostaria que ele
não conseguiria me fazer amá-lo rapidamente. — Você é o homem dos meus
sonhos! — Abracei-o pelo pescoço, lamentando estarmos debaixo do mesmo
teto que toda minha família. — É o homem do meu desejo!
Ele tocou-me por cima da blusa, entre nossos corpos, em cima do
coração.
— Quero ser também o homem do seu coração!
Beijei seu pescoço, ficando na ponta dos pés para dizer em seu
ouvido:
— Ele é todo seu!
— Mãe? — Aurora entrou no quarto da senhora Vera Ryan devagar e
a chamou baixinho, ainda da porta, a fim de se certificar de que ela estava
acordada. Segui atrás dela, aguardando, nervoso como deveria se sentir um
garoto conhecendo a família da namorada.
Não fazia muito tempo que havíamos conversado e nos acertado.
Ainda parecia mentira que, realmente, a mulher incrível, com o coração mais
bondoso e forte que conheci, me amava.
Eu amava e era amado, tudo o que nunca acreditava ser possível!
Ainda tínhamos muitas coisas a falar, eu queria contar-lhe sobre como
descobri onde ela estava e o quanto arrastei minha bunda no chão durante os
dias em que não sabia como achá-la.
Nós teríamos tempo, pois ela concordara em passar a noite comigo no
hotel onde estava hospedado. A sua família era bem religiosa, e eu acreditava
que Aurora tinha alguma reserva em dormir com o namorado – sim, porque
éramos isso – no mesmo quarto e sob o mesmo teto que seus pais.
— Seu pai foi muito simpático quando eu disse que tinha vindo de
Chicago para saber de você — comentei com ela enquanto ainda estávamos
no quarto em que dormia. — Ele me agradeceu por minha preocupação e,
enquanto sua tia subia para te chamar, conseguiu arrancar de mim muitas
informações.
Aurora riu.
— Ele foi professor de adolescentes durante muitos anos, sabe como
fazer um rapaz confiar nele. — Sorriu de jeito que parecia iluminar tudo à
sua volta. — Minha mãe também tem esse dom. Geralmente seus alunos
desabafavam com ela, é uma ótima ouvinte.
— E como ela tem respondido ao tratamento? — perguntei
interessado.
— Muito melhor por esses dias. Tive que vir para cá apressada porque
um dos medicamentos da quimio teve um efeito colateral não esperado e
quase a matou. — Deu de ombros. — Tivemos sorte, mudaram a medicação,
e agora ela tem sido acompanhada mais de perto graças à doação que
recebemos na vaquinha. Acredito que mamãe irá vencer essa batalha.
Apenas sorri, feliz ao ver o alívio e a esperança brilhando em seus
olhos. Sabia muito bem como era a sensação de sentir a perda de uma mãe,
quase perdi a minha para um ataque cardíaco, e, quando ela se recuperou, foi
como se meu mundo, que havia sido virado de cabeça para baixo, voltasse ao
normal.
— Ela deve ser uma mulher incrível. A prova disso é você.
— Quer conhecê-la? — O oferecimento surgiu de repente, e eu não
soube o que responder, não de pronto, pelo menos.
— Não é perigoso para ela? — Aurora negou. — Claro que quero!
Fui instruído a entrar no quarto dela de máscara, com as mãos bem
lavadas e com protetores nos pés – apenas de meias – para evitar que
qualquer vírus a contaminasse, pois poderia causar uma doença séria por
conta dos medicamentos que tomava para combater o câncer.
— Oi, Rory! Pode entrar, filha! — A voz fraca da senhora Ryan me
fez lembrar que estava prestes a conhecer minha futura sogra, o que me
deixou tenso, pois não era uma situação com a qual estava habituado. — Eu
estava lendo um pouco...
Uma senhora magra, de cabelos grisalhos bem penteados, estava
deitada na cama, recostada na cabeceira, com um livro grosso no colo. Era
um dos clássicos que Aurora e minha mãe tanto gostavam. O senhor Ryan
também estava no quarto, sentado ao lado da esposa.
— Ah, Vera, esse é o nosso visitante! — ele falou, encarando-me. —
Tiveram uma conversa bem longa, não é, rapaz?
Aurora riu e o beijou no alto da cabeça, com ralos cabelos que
certamente eram ruivos antes de se tornarem brancos. O homem tinha o
mesmo tom de pele e as sardas avermelhadas da filha.
Os olhos verdes intensos de Aurora, pude perceber, vieram da mistura
da cor dos olhos de Vera e de Isaiah, olhos esses que estavam fixos sobre
mim.
— É um prazer conhecê-la, senhora Ryan — cumprimentei a mãe
dela de longe.
— Senhora Ryan? — Ela riu. — Parece até que retornei para as salas
de aula. — Chame-me de Vera, por favor.
— Mãe, esse é Michael. — Aurora pegou minha mão. — Meu
namorado.
A mulher abriu um sorriso e olhou para o marido, ainda carrancudo,
sentado ao lado de sua cama.
— Ela tem tanto bom gosto quanto eu, viu, Isaiah?
O velho deu de ombros.
— Se for esperto, vai reconhecer, assim como eu, que ela é única.
— Já reconheço, senhor — apressei-me a responder, nervoso de tal
jeito que nem parecia que mexia com bilhões de dólares para viver. —
Aurora é a única que eu amo.
Ele tentou disfarçar um sorriso, mas sua esposa não se fez de rogada e
suspirou bem alto.
— Eu não sabia que nossa Rory estava namorando. Por que não nos
disse nada, filha?
Aurora respirou fundo.
— É uma longa história, mãe. Quando vim para cá, Michael e eu
estávamos brigados. — Olhou-me. — Mas já nos acertamos.
— Achei mesmo o rapaz com cara de quem não é muito burro — o
pai dela comentou, arrancando risadas e uma pequena bronca de sua esposa.
— O que foi, Vera? Sabia que ele se declarou para mim antes mesmo de dizer
a ela? — Balançou a cabeça. — Não sabia se me sentia lisonjeado com a
deferência ou se lhe dava uma pedrada na cabeça.
Franzi a testa, porque me sentia tão zonzo com a surpresa de
encontrar os pais dela tão felizes e risonhos, mesmo depois de tudo o que
passaram, que esfreguei a mão na cabeça para me certificar de que não havia
nenhum dano causado por uma pedra.
— Eles são demais! — declarei assim que chegamos ao hotel. — Seus
tios são muito simpáticos e divertidos também.
— Somos uma família pequena, modesta, mas com um senso de
humor diferenciado. — Aurora riu, e a abracei pela cintura, olhando no fundo
de seus olhos verdes. — O que foi?
— Eu quero você! — O sorriso mudou, ficou sexy, e eu soube que ela
queria tanto quanto eu. — Quero satisfazer esse desejo enorme que sinto por
você, pelo menos por agora, me perder no seu corpo, demonstrar fisicamente
o quanto a adoro.
— Também quero muito! — Beijou-me. — Senti falta do seu corpo
no meu.
Aurora não precisou dizer mais nada, pois logo tratei de nos livrar de
toda a roupa que vestíamos. Não esperava que sentisse tudo tão diferente das
outras vezes que estivemos juntos, mas foi! Sua pele parecia mais macia, seu
perfume, mais intenso, o sabor do seu beijo, mais doce.
Talvez minha percepção tivesse mudado porque achei que nunca mais
estaríamos juntos ou simplesmente por termos enfim libertado o que
sentíamos, e isso tornou o desejo ainda mais forte.
Cobri seu corpo com beijos, começando desde seu rosto, descendo
pelo pescoço, sem esquecer das orelhas, dos ombros e me demorei nos
deliciosos seios. Era fabuloso assistir à entrega de Aurora, seu gemido mais
alto a cada vez que eu prendia um dos mamilos com os dentes ou chupava-os
mais forte.
Percorri com a língua seu abdômen, enfiei-a várias vezes em seu
umbigo, rindo quando ela estremecia, ciente de que desejava que eu fizesse o
mesmo dentro de sua boceta. Aurora estava impaciente pelo prazer, se
contorcia enquanto eu ia explorando sua pele cheirosa, absorvendo cada nota
do aroma de seu corpo que se misturava a algum hidratante que tinha passado
e sua excitação.
Segurei-a firme pelos quadris e afundei meu rosto entre suas coxas.
Percebi que ficou na expectativa e sorri quando emitiu um som de frustração
quando apenas cheirei profundamente o aroma feminino que se desprendia de
seu sexo e segui meu caminho de beijos por suas pernas até chegar à ponta
dos pés.
— Michael... — choramingou, rebolando sem vergonha contra mim.
— Você não devia ser malvado assim, sabia?
Estava ajoelhado no chão, nu, com uma ereção gigante, mas ainda
consegui me fazer de desentendido.
— Malvado? Não fiz nada!
Ela ergueu uma sobrancelha ruiva.
— Exatamente!
Toquei-a na virilha, desenhando a forma triangular da junção de suas
pernas e, sem deixar de encará-la, indaguei:
— Por acaso tem alguma parte sua que se sente negligenciada?
Aurora suspirou.
— Tem! — Deslizou a mão sedutoramente por seu corpo até chegar
próximo ao clitóris.
Gemi, observando-a mover os dedos devagar, apenas acariciando,
provocando, buscando por nós dois o prazer que amávamos compartilhar.
Aurora sabia o quanto eu ficava louco ao vê-la se tocar para mim, sabia que
aguentaria pouco tempo só lhe assistindo.
Levantei-me de repente e a carreguei para a cama comigo, deitando-a
de costas sobre o colchão, abrindo bem suas pernas para poder ter a visão
total de sua boceta molhada e inchada de tesão.
— Isso... — Andei pela lateral da cama. — Continua assim.
Subi no colchão, próximo à cabeceira, e me deitei parcialmente ao seu
lado, observando-a de perto. Aurora segurou meu pau com a mão livre, e
sorri, porque era exatamente o que eu esperava que fizesse. Ela tentava
manter o ritmo, acariciando-se em movimentos circulares, enquanto tocava
uma punheta deliciosa.
Eu estava excitado demais, meu corpo clamava para se unir ao dela,
mergulhar entre suas carnes quentes e úmidas, aconchegar-se em seu interior
ao máximo para, então, encontrar a liberação que tanto precisávamos.
— Porra... — Olhei para ela assim que senti a ponta de sua língua
atingir a cabeça do meu pau. Meu corpo inteiro tremeu, e minha pele ferveu.
Aurora se acomodou melhor, virando-se de lado e colocou-me o quanto pôde
em sua boca macia. — Adoro como você me chupa! — Delirei, já separando
suas coxas para retribuir o prazer.
Amava ter sua boceta em minha boca, poder tocar seu clitóris duro
com a minha língua e, principalmente, amava beber sua excitação. O sabor de
Aurora era ainda melhor do que seu cheiro, pois o último me inebriava, mas o
primeiro me embriagava.
Era viciante sentir a textura de seus lábios, brincar com eles, afastá-
los para meter a língua ou chupá-los para que ficassem mais inchados. Ela
sugava meu pau com força, e eu intensificava a chupada com movimentos de
quadris enquanto lambia toda a extensão de seu sexo, recolhendo cada gota
de seu desejo.
Era um tesão fazer aquilo junto a ela, e por várias vezes tive que
refrear a vontade de explodir minha porra em sua boca, bem em sua garganta,
de forma que tivesse que bebê-la toda. Mas eu não queria assim, não naquela
noite, depois de tantas e tantas longe dela.
Esperei até que gozasse na minha boca, encharcando meu rosto,
agarrando-me pelos cabelos enquanto se retorcia no colchão e gritava meu
nome.
Eu amo essa mulher!
Assim que os espasmos do orgasmo se desfizeram, levantei-me e me
deitei sobre ela, acomodando-me entre suas pernas. Aurora abraçou-me,
travando seus calcanhares um no outro em cima de minhas costas. Ergui seus
braços, lambi seu pescoço e, com um movimento de quadril, guiei meu pau
para o interior de sua boceta pulsante.
Meus músculos se contraíram a cada centímetro que seu corpo ia
engolindo o meu. Não deve ter demorado mais do que alguns segundos para
eu estar totalmente enterrado nela, mas a sensação fez parecer um longo e
delicioso tempo.
Vi estrelas, fui transportado para uma dimensão diferente, os
sentimentos e as sensações eram transcendentes, eu não conseguia sequer
pensar neles, apenas senti-los.
Aurora gemeu alto, e abri os olhos – que fechara em algum momento
da penetração –, notando sua testa franzida.
— Algum problema? — questionei antes de me mexer.
Ela sorriu.
— Não, mas não sei... Me senti... Não dá para explicar. Olha para a
minha pele.
Vi e sorri ao constatar que ela sentia o mesmo prazer foda que eu. Sua
pele eriçada era a prova de que um momento tão fugaz era capaz de fazer a
terra tremer para os dois.
Beijei-a intensamente e comecei a me mover devagar, ainda que fosse
um sacrifício me manter daquela forma. Eu parecia não caber em mim e
transbordar, era como se o ambiente estivesse cheio também, e a sensação era
muito boa.
— Eu queria prolongar este momento — confessei sem tirar a boca da
sua —, fazer durar para sempre, mas, ao mesmo tempo, meu corpo implora
por liberdade, por foder você até ouvi-la gritar meu nome de novo e arranhar
minhas costas.
— O meu também está implorando! — Abriu os olhos. — Foda-me,
Michael!
Puta que pariu! Saí de mim, meu instinto falou mais alto e me dei a
liberdade que queria para buscar o prazer. Estoquei com força, segurando
suas pernas para poder alcançar maior amplitude.
A cama do hotel rangia, mas o som era abafado pelos nossos gemidos
frenéticos. Eu a queria por inteiro, cada vez mais, com uma fome insaciável,
metendo feito um bicho desesperado.
Não sei como fizemos, mas logo estávamos em outra posição. Aurora
estava deitada de bruços, e eu, segurando em seus quadris. Peguei um
travesseiro e o coloquei embaixo de seus quadris para que sua bunda se
empinasse mais. Agachei-me na cama, segurando-a com força, pressionando-
a contra o colchão, trazendo-a para mim enquanto ia até ela cada vez que
estocava com força.
Senti o exato momento em que seu corpo anunciou o êxtase. Sua
boceta se contraiu em torno do meu pau e ficou mais molhada, ela gemeu
alto, a cabeça afundada no colchão para abafar o grito magnífico do seu
prazer. De alguma forma, o orgasmo dela derrubou toda a minha força de
vontade, e não consegui mais resistir. Senti os músculos do abdômen se
contraindo e um delicioso arrepio antes de gozar urrando sobre ela, deixando
minha porra inundar sua boceta conforme meu pau pulsava freneticamente.
Abracei-a forte, tremendo, o cheiro dos seus cabelos fazendo com que
eu voltasse à realidade depois de ter pulado de cabeça no prazer. Rolei para o
lado, mas levei-a comigo a fim de que se aninhasse em meus braços.
— Sabe o que me passou pela cabeça enquanto gozava?
Olhei-a curioso.
— Você consegue pensar enquanto goza?
Aurora riu.
— Sou mulher, consigo fazer várias coisas ao mesmo tempo! — A
safadinha me mostrou as mãos, lembrando-me que estava masturbando a nós
dois havia poucos minutos. Então ficou séria, deitou-se de bruços, apoiou um
cotovelo na cama e disse: — Eu ainda não disse acordada...
Deus, essa mulher quer que eu raciocine depois de gozar?
— Não disse o quê?
Aurora me beijou.
— Que eu te amo!
Alguns vão dizer que foi apenas uma pequena mudança nos
batimentos cardíacos depois de um exercício vigoroso, mas realmente senti
meu coração pulando de alegria com a declaração.
— Hum... então diz!
— Eu disse! — Aurora riu.
— Não. —Tirei uma mecha ruiva de seu rosto suado. — Você disse
que tinha que dizer.
Rolou os olhos.
— Quer uma declaração de amor?
— Claro! Fiz várias, até para o seu pai!
Gargalhou, levantou-se da cama, abriu a pequena maleta que trouxera
consigo e vestiu um roupão.
— Quero estar vestida para isso.
— Por quê? Não me importo nada de dizer o quanto te amo estando
pelado. — Apontei para meu pau. — Ainda mais se ele estiver bem duro
dentro de você.
Aurora ficou vermelha e se sentou na cama.
— É, mas, se tivermos filhos, e eles perguntarem um dia como foi que
nos declaramos, posso dizer que você o fez para o meu pai e que eu o fiz
quando estava me sentindo muito feliz.
— E o que o roupão tem a ver com isso? Não peguei a referência.
Ela colocou a mão sobre minha boca.
— Eu ficaria vermelha se me lembrasse que estava pelada na cama
com você. — Deu de ombros, e gargalhei. — Eu te amo, Michael Griffin!
Parei de rir no mesmo instante e me sentei para abraçá-la, sentindo a
garganta embargada e os olhos ardendo por causa das lágrimas que a emoção
de ouvi-la se declarar me causou.
— Michael? — Aurora me chamou depois de um tempo. Estávamos
em silêncio fazia algum tempo, e eu a abraçava com força. — Ei! O que foi?
— Estou tentando me recuperar aqui, espera um pouco! — Minha voz
saiu mais embargada do que eu gostaria, então Aurora se afastou e me olhou.
— Pronto, agora vai contar às crianças também que o pai delas chorou feito
um bebê depois que você se declarou!
Ela beijou minha bochecha molhada e negou.
— Não, esse será nosso segredo, embora eu ache que as crianças já
vão saber que o pai delas é um chorão.
Sorri, feliz por tê-la encontrado e, por ora, pensar em ter filhos da
forma como minha mãe havia dito que me faria feliz. Shelly Griffin estava
certa! Pensar em ter uma família com a mulher que eu amava era
infinitamente o melhor plano a se fazer.

— Você fica linda preguiçosa aí na cama, mas não é melhor se


arrumar para irmos até a casa de sua tia para pegar seus pais? — Saí do
banheiro, na manhã seguinte, terminando de secar meus cabelos e perguntei
isso assim que a vi ainda na cama.
— Ainda estou com sono! — reclamou. — Tenho dormido pouco por
esses dias, e, noite passada, também não dormimos muito. Ando sonolenta
por conta disso. — Espreguiçou-se. — Sabe uma coisa que eu estava aqui
pensando? Você ainda não me disse como me encontrou. Foi Aimée?
Neguei e fui abrir a porta, pois tinham batido anunciando o café da
manhã que tinha pedido antes de entrar para o banho. Peguei a bandeja e a
deixei na mesinha de apoio.
— Sua amiga queria ver o diabo, mas não a mim! Tentei várias vezes
conversar com ela, mas recusou-se a revelar qualquer coisa sobre você. —
Assenti, pois havia pedido isso às duas.
— Aquela história que saiu sobre mim...
— Esquece aquilo, Aurora, foi algum fofoqueiro mentiroso...
— Não era em tudo mentira. Realmente conheci uma pessoa que
passou por aquilo. Não sei como descobriram sobre ela nem por que
atribuíram a história a mim, mas realmente aconteceu.
Michael ficou sério, mas, percebendo que eu não ia entrar em
detalhes, mudou de assunto.
— Você tem boas amigas, mas elas não facilitaram para mim.
Lembrei o nome de sua cidade e fui até lá. A única coisa que descobri era que
sua casa havia sido fechada e que seus pais não moravam mais lá.
— Mamãe teve que se mudar para cá para fazer o tratamento e para
que tia Wanda a ajudasse.
— Pois é, mas ninguém me disse nada lá em Mount Carroll também.
Fiquei desesperado e contratei um detetive, que interrogou várias pessoas na
sua universidade, mas foi Robert quem me ajudou a descobrir onde você
estava.
— Robert? O advogado que não esperou você falar comigo antes de
quebrar o contrato e ainda mandou a agência procurar outra barriga de
aluguel?
— É. Ele é um bom amigo. — Aurora ergueu a sobrancelha,
duvidando da minha afirmação. — Vocês terão a chance de se conhecer. Ele
é só preocupado demais com futuras ações e escândalos, mas nem posso
julgá-lo por isso. — Respirei fundo. — Ele cuida das questões jurídicas da
minha família há anos, então, quando viu uma grande movimentação de
dinheiro em uma das fundações criada por minha mãe, decidiu investigar.
Aurora se sentou na cama parecendo tão surpresa quanto eu, já
deduzindo o assunto.
— Sua mãe tem fundações?
— Na verdade, ela fundou algumas, mas só faz parte do conselho
delas, não as gere. Mas tem uma em especial que acompanha de perto e que
só entendi o porquê depois de uma longa e reveladora conversa que tivemos.
— Sentei-me na cama e peguei sua mão. — Minha avó, mãe da minha mãe,
faleceu por conta de um câncer, e mamãe criou uma fundação com o nome
dela para ajudar famílias que não têm condições de arcar com os custos do
tratamento, que era o caso da minha avó Daisy.
Os olhos de Aurora se encheram de lágrimas.
— Então foi ela...
— Foi! Aparentemente, Lane contou algumas inverdades a seu
respeito para mamãe, e ela decidiu investigar, pois não concordava nem
acreditava. Foi aí que descobriu a vaquinha on-line e, como você não havia
dito nada nem pedido nossa ajuda, resolveu ajudar anonimamente através da
fundação. — Aurora soluçou, e beijei sua testa. — Shelly também não me
disse nada pelo mesmo motivo, porque você não havia dito. Descobri quando
Robert teve acesso à doação.
— Michael, sua mãe pode ter ajudado a salvar a minha!
— Ela não faria diferente, Aurora! Antes de vir para cá, me fez
prometer apresentá-la a seus pais. Disse que fazia questão de parabenizá-los
por terem criado você.
— Sou eu quem tem que agradecer e muito à sua mãe! Não só pela
doação, mas por você existir!
Sorri, tendo uma ideia esplêndida.
— Que tal lhe agradecer realizando o sonho dela?
Aurora arregalou os olhos.
— Dando-lhe um neto? Você ainda quer...
Coloquei um dedo sobre seus lábios.
— Casando-se com seu único filho e o fazendo feliz para sempre. —
Ri quando ela ficou branca como o lençol da cama. — É claro que, nesse
pacote, está incluído um neto, ou dois... talvez três!
Aurora gargalhou e me abraçou.
— Vai ser um prazer realizar esse sonho!
Coloquei o último quadro na parede e sorri, olhando para a linda sala
decorada. Havia muitas flores, fotografias, peças de arte, além dos móveis
belíssimos.
Aimée entrou carregando uma enorme cesta com frutas, pães e bolos
e a colocou sobre o aparador junto a outros quitutes incríveis que havia
providenciado para aquele dia tão especial.
— Está tudo lindo, Rory, exatamente como você imaginou! — Olhou
em volta e se fixou nas cortinas ondulando contra o vento que vinha do lago.
— Ainda nem me acostumei com essa vista!
Sim, a vista era maravilhosa, assim como o bairro e a vizinhança.
— Você deveria pensar naquilo que Michael falou sobre seu dom para
o design de ambientes!
Ela negou.
— Eu amo decorar e faço isso nas festas, mas não sei se quero ser
uma decoradora e fazer isso na casa de alguém.
— Você é muito controladora — acusei-a rindo.
— Sim, eu sou! Nos eventos, por mais que eu tenha um briefing do
que o cliente quer, sou eu quem decide como ficará tudo. Além disso, não
trabalho com coisas permanentes, minhas decorações duram em média alguns
dias, então parto para outro projeto.
Concordei com ela em parte, porque sabia que não conseguiria ter o
resultado que tivemos naquele apartamento se não fosse por ela.
— Acha que vão gostar? — perguntei insegura.
— Tenho certeza! — Sorriu. — Michel disse onde estava quando
ligou da última vez?
— Acho que...
A campainha tocou, e respirei fundo, prendendo o ar por alguns
segundos antes de correr até a porta para atender.
Sorri ao ver Michael carregando duas malas, enquanto papai e mamãe
caminhavam ao seu lado.
— Oi, amor! — Ele me cumprimentou com um beijo. — Uau! —
ouvi sua expressão de surpresa quando entrou no apartamento.
— Rory querida, este prédio é um luxo! E o bairro é tão cheio de
árvores, jardins e praças que nem parece que estamos em Chicago! — papai
comentou ao me cumprimentar.
— Fizeram boa viagem?
— Maravilhosa! — mamãe respondeu, e, pela forma como seus olhos
estavam, eu sabia que sorria por detrás da máscara. — Seu pai teve medo de
voar, mas achei muito melhor do que andar de carro.
Michael arranjou tudo para buscá-los em Dixon, inclusive conseguiu
uma pista privada para poder descer com o jato e trazê-los de avião a fim de
que mamãe não passasse horas dentro de um carro.
Entrei no apartamento com eles, e, assim que se deram conta do que
eu havia feito, me olharam emocionados.
— Eu sabia que sentiam falta das coisas da nossa casa, então
contratamos uma empresa para trazer alguns móveis e objetos. — Apontei
para as pinturas e esculturas de papai e a coleção de livros e discos de minha
mãe. — Pensei que isso faria uma cidade tão grande e agitada quanto essa ter
ainda o jeito da nossa pequena cidade.
— Ah, filha!
Mamãe abraçou-me emocionada, e não pude resistir a chorar. Na
verdade, andava fazendo muito isso desde que minha vida mudou, mas,
diferentemente do começo da mudança, as lágrimas agora caíam de alegria.
Depois que Michael e eu nos reconciliamos e decidimos ficar juntos,
surgiu a questão de eu voltar para Chicago. Eu precisava vir, não só por causa
dele, mas também pelo curso na universidade. A única coisa que me fazia
protelar meu retorno eram os meus pais.
Eu não queria estar longe deles novamente, os dois precisavam de
mim, e eu sabia que a preocupação nunca sairia da minha cabeça. Ademais,
tia Wanda não podia ficar para sempre com eles hospedados em sua casa,
então a ideia de alugar algo para eles veio, e, dela, nasceu a vontade de levá-
los para Chicago.
Conversei com Michael, e ele imediatamente concordou que seria o
melhor a se fazer, desde que ambos concordassem. Ele tinha um apartamento
vazio em um prédio todo acessível e ficava próximo de um hospital
referência em tratamentos oncológicos.
Achei que o difícil seria convencer meus pais, nascidos e criados em
cidades pequenas, a irem para a capital, mas, assim que contei o plano, eles
aceitaram de imediato.
— Não importa a localização, lar é onde a família está — papai disse
emocionado. — Você é nossa família, assim como Michael será, e,
futuramente, nossos netinhos. Queremos estar próximos.
Com a resposta positiva e com o enfermeiro noturno contratado para
cuidar de mamãe, eu retornara havia quase um mês para Chicago e, desde
então, empenhara-me a tornar o apartamento luxuoso e moderno em uma
casa aconchegante e cheia de recordações de um casal que estava junto fazia
quase 50 anos.
Michael se aproximou de mim e abraçou-me pela cintura enquanto
meus pais exploravam o apartamento junto a Aimée.
— Minha mãe está vindo para o chá — informou. — Ela está ansiosa
para conhecer Isaiah e Vera.
— Eles também querem muito conhecê-la.
— Bom, acho melhor eu prepará-la para conversas sem fim sobre
nosso casamento. — Riu. — Shelly não fala de outra coisa e certamente vai
tentar fazer sua mãe entrar para o time “grande festa”.
Gemi.
— Achei que ela tinha entendido que, primeiro, quero me formar e
que depois iríamos fazer uma cerimônia simples, com bolo e champanhe
apenas entre nossos amigos e familiares.
Michael negou.
— Ela sabe fingir que aceitou o que você deseja, então, quando
menos se espera, faz com que o desejo dela seja o seu! E faz isso com
tamanha sutileza e maestria que você nem se lembra de que aquela ideia não
era a sua original.
Eu realmente não duvidava do poder de persuasão e convencimento
de Shelly Griffin. A cada dia que a conhecia mais, ficava mais apaixonada
pela mãe de Michael. Tínhamos muitas coisas em comum, é verdade, mas até
mesmo nas que não concordávamos, eu a admirava.
Quando cheguei novamente a Chicago, daquela ocasião com Michael,
ela ficou exultante ao saber que havíamos nos acertado e que eu já era sua
noiva. Ainda nem havíamos comprado o anel de noivado, e ela me
presenteou – de novo – com a joia que havia comprado para mim e que eu
tinha declinado.
— Agora você não tem mais desculpas! Comprei para você, Rory, só
estava esperando o momento certo para que se sentisse à vontade para aceitá-
la.
— O maior presente do mundo, a senhora já me deu! — Shelly sorriu
e olhou para Michael. — Ele também, mas eu falava sobre a doação que
possibilitou que mamãe continuasse o tratamento.
Foi a primeira e única vez que a vi ficar constrangida.
— Michael contou a você! — Ela fuzilou o filho com os olhos. —
Pedi para permanecer anônima, não queria embaraçá-la.
— O sentimento que tenho por saber que você nos ajudou é apenas de
gratidão. — Peguei sua mão. — Obrigada!
Ela me abraçou, e chorei em seus braços.
— Querida, espero que um dia me considere como uma mãe. Será
uma honra ter uma filha como você!
A partir daquele dia, Michael e eu passamos a tomar o desjejum com
ela todas as manhãs antes de ele ir para a corretora, e eu, para a universidade.
Mudei-me temporariamente para o apartamento dele, mas Michael
estava à procura de uma casa para criar memórias. Assim que nos
casássemos, iríamos morar nela.
Eu, sinceramente, não me importava com isso. Queria apenas estar
com ele e reafirmava que o amava todos os dias, assim como recebia flores e
presentes diariamente.
Estávamos em uma lua de mel de noivado – sei que não existe, mas
inventamos o termo –, conhecendo-nos, adaptando, amando-nos mais e mais.
— Ei, Aurora! — Aimée me chamou do corredor, tirando-me das
divagações sobre o maravilhoso último mês. — Preciso te mostrar algo, mas
venha sem o agente duplo aí!
Gargalhei quando Michael rolou os olhos para ela.
Apesar de terem estabelecido uma trégua, eles gostavam da
provocação, e eu me divertia com os apelidos que minha amiga inventava
para ele. Sabia que ela estava feliz por mim, que estava curtindo ser madrinha
de casamento e, claro, ser a organizadora daquele evento.
Lembrei-me de que a conversa entre os dois não havia sido fácil,
ainda mais depois que descobrimos que a amiga dele, a tal Lane Johnson,
tinha pagado para a tal página de fofocas conseguir informações sobre mim e
que eles pegaram o relato de uma das mulheres que conheceram Aimée na
época em que ela entrou para a agência de barriga de aluguel e, por conta
própria – segundo Lane –, atribuíram-no a mim.
Aimée ficou chateada com a exposição de sua vida, embora seu nome
nunca tivesse sido divulgado, nem mesmo na retratação que Michael obrigou
a página a publicar antes de cancelarem o perfil. Robert, o advogado e amigo
dele, ameaçou a todos com um processo, inclusive Lane.
O advogado me pediu desculpas e explicou que não entendia a
dimensão dos sentimentos do amigo por mim. Senti pena dele, um homem
solitário, um tanto traumatizado por conta dos múltiplos relacionamentos de
seus pais. Torcia para que encontrasse alguém que o amasse e deixei de lado
a implicância que desenvolvi por ele sem conhecê-lo.
Enfim fui até onde Aimée estava, porém, antes de chegar perto dela,
senti uma tontura e tive que me apoiar na parede. E, claro, Michael percebeu
e correu em meu auxílio.
— Aurora! — Segurou-me pela cintura.
Senti calor de repente e comecei a suar frio, tudo rodava, mal
conseguia ficar de pé, mas minha preocupação era de os meus pais me verem
daquele jeito.
— Rory, vou pegar um copo de água! — Aimée saiu correndo até a
cozinha, enquanto Michael me acomodava em uma poltrona.
— O que está sentindo?
— Fiquei zonza de repente. Deve ter sido uma queda de pressão —
respondi de olhos fechados, respirando fundo. — A semana foi muito corrida,
e mal lembrei de comer.
— Percebi que, no café da manhã, você mal tocava na comida, mas
achei que estava comendo melhor ao longo do dia, porque, à noite, não te via
provar mais do que uma fruta.
— Estava muito ansiosa e quase não tenho apetite quando estou
assim.
Aimée voltou da cozinha com o copo de água e depois seguiu para a
porta de entrada, onde aguardou até que Shelly aparecesse.
— O porteiro avisou que sua mãe havia chegado, e autorizei que
deixasse subir — explicou. — Olá, sou Aimée, amiga da Rory!
— Nossa, como você é linda, Aimée! — A voz da mãe de Michael
soava animada e sincera. — Sou Shelly, futura sogra!
Michael riu, bateu na minha mão e esperou que eu terminasse de
beber para saber como me sentia.
— Bem melhor!
— Aconteceu algo? — Shelly inquiriu ao se aproximar.
— Não, mãe. Aurora não tem se alimentado bem e teve um mal-estar.
— Beijou-a. — Como vai?
— Muito bem! — respondeu-lhe rapidamente e colocou a mão na
minha testa. — Sentiu-se tonta?
— Sim, mas já está passando.
Ela sorriu.
— Sabe como descobri que estava grávida de Michael? Desmaiei na
hora do almoço na escola. — Meu coração disparou, e comecei a fazer
contas. — Nunca tinha desmaiado e de repente estava na enfermaria.
Também estava me alimentando mal, porque não sentia fome, estava
nauseada, achei até que tinha contraído uma doença viral qualquer.
— Mãe, Aurora não teve enjoo, só uma queda de pressão.
Shelly concordou.
— Está certo, querido, não leve em consideração as minhas memórias
da gravidez. Nem toda mulher sente esses sintomas. Você me leva para
conhecer seus sogros?
Michael me olhou, mas eu estava com a cabeça rodando, embora não
por causa do mal-estar.
— Vou esperar melhorar mais um pouco e já vou.
Ele acompanhou sua mãe até o quarto onde Aimée acomodou meus
pais, e, assim que suas vozes desapareceram, olhei para minha amiga.
— Quais são as chances? — ela perguntou, lendo meus pensamentos.
— Todas! Não estamos nos protegendo desde que voltamos a ficar
juntos.
Aimée riu e balançou a cabeça, indo até onde sua bolsa estava.
— Recupere-se e vá até eles, que eu vou até a farmácia mais próxima.
Concordei.
— Obrigada!

— Minha mãe ficou encantada com a sua. Acho que você perdeu o
posto de melhor amiga dela! — ouvi Michael dizer do quarto, enquanto eu
olhava para o teste de gravidez, temendo colocá-lo em contato com a urina
que havia coletado.
Tive que esperar até de manhã para fazê-lo, pois era recomendada a
primeira urina do dia, e quase não dormi por causa disso. Não havia voltado a
passar mal, e ninguém mais tinha tocado no assunto.
Tomamos o chá juntos, com meus pais e Aimée, e, mais tarde, Carly
se juntou a nós. Só fomos embora depois que Erika chegou com mais uma
enfermeira. Eu estava feliz por saber que ela ficaria com meus pais, porque
conhecia seu instinto protetor e o quanto era responsável com horários e
recomendações.
A enfermeira era a que ficara com Michelle Griffin após a cirurgia e
tinha uma maravilhosa recomendação feita por minha sogra. Eu estava
tranquila em deixá-los lá com meus pais, mesmo porque estávamos a poucas
quadras de distância, e eu passaria um tempo com eles todos os dias.
— Amor, você ainda vai demorar aí? Preciso tomar banho para ir
trabalhar, não posso chegar à empresa cheirando a sexo matutino quente,
causarei inveja em todos os meus analistas.
Não ri da piadinha como sempre fazia, tensa demais por causa do
exame. Tomei coragem, enfiei a ponta da caneta no líquido amarelado e a
tirei, olhando no relógio o tempo que a instrução mandava esperar para que
o...
Meu Deus!
Comecei a rir e a chorar ao mesmo tempo e não consegui abafar meus
ruídos. Obviamente, não demorou muito para que Michael abrisse a porta do
banheiro e me encontrasse naquele estado.
— O que houve? — Olhou-me dos pés à cabeça procurando algum
machucado. — Aurora?
Estendi a caneta em sua direção, e ele franziu a testa. Provavelmente
nunca tinha visto um teste de gravidez de perto antes.
— Shelly sabia!
— O que minha mãe... — Ele fitou o visor da caneta e me olhou
boquiaberto. — Como?
Gargalhei.
— Matou a aula de educação sexual?
Ele voltou a ler a caneta, seus olhos brilhando de lágrimas.
— Eu achei que íamos nos casar primeiro...
Ri, percebendo seu choque.
— Bom, então acho que deveríamos ter conversado sobre métodos
contraceptivos. — Abracei-o. — Não está feliz?
— É mesmo verdade? — Assenti. — Oh, meu Deus! — Sorriu. —
Oh, meu Deus! Nós vamos ter um filho!
— Vamos! Seu desejo se realizou!
Ele negou.
— Você é o meu desejo! — Beijou-me. — Nosso filho será nosso
presente!
Tudo na vida depende de como você escolhe viver, mas ainda assim
não há via de sucesso.
E, afinal, o que é o sucesso? Depende do objetivo de cada um! Uma
pessoa pode nunca atingir a marca de 1 milhão de dólares durante toda a sua
vida, nem vir a conseguir um emprego espetacular ou mesmo o
reconhecimento, mas ser considerada bem-sucedida se estiver feliz com o que
conquistou.
O sucesso é isso, a satisfação, a felicidade!
Havia meses que eu finalmente me via como um homem de sucesso, e
isso nada tinha a ver com o bom desempenho da corretora ou por termos
conseguido colocar nossa moeda em foco mundial, valorizando-a
absurdamente através dos projetos que vinculamos a ela; tão-somente tinha a
ver com a felicidade que eu nem sabia que poderia existir.
Aurora entrou na minha vida através de uma decisão tomada, uma
escolha que fiz diante da possibilidade de perder a única pessoa que amava
naquele momento, mas entendi que, de qualquer maneira, nós estávamos
destinados a nos encontrar. Prova disso foi ela ter me impressionado tanto
naquela livraria e a atração incontestável que sentíamos um pelo outro,
mesmo quando não era para a sentirmos.
Incialmente, eu podia ter imaginado que ela era um meio para atingir
aquilo que tanto queria, um filho, mas então descobri que ela era o meu
objetivo. Eu desejava ser pai, mas, quando me apaixonei por Aurora, percebi
que meu desejo era estar com ela!
Fomos agraciados com uma gravidez inesperada, mas previsível
diante das nossas ações, e isso resultou em um casamento tão inesperado
quanto – pelo menos para pessoas de fora do nosso círculo de convívio.
Deve ter sido um verdadeiro susto para quem só acompanhou nosso
relacionamento quando finalmente nos acertamos e oficializamos, sem saber
que já tínhamos meses de convivência.
Os sites e páginas de fofoca nomearam nosso iminente matrimônio de
“o casamento relâmpago” e, é claro, logo atribuíram nossa união à barriga
saliente e linda de minha mulher. Como se, nos tempos atuais, alguém ainda
se casasse sob a pistola de uma arma por ter engravidado uma moça.
Talvez a mídia estivesse esperando que, da mesma forma que nos
casamos “do dia para a noite”, iríamos nos separar rapidamente, mas, se
dependesse de mim, seria o relâmpago mais longo da história da natureza!
— Vai ficar aí sentada olhando para o pôr do sol enquanto os
convidados se divertem? — minha mãe perguntou, sentando-se ao meu lado
sob o pergolado do jardim.
— Eu gostaria que ele tivesse se sentado aqui sentindo a mesma
alegria que eu sinto agora — confessei. — Vovô era tão incrível que merecia
ter sentido isso!
Percebi o toque em minha mão.
— Talvez ele sentisse pelos filhos, pela empresa. Não foi como se a
vida dele tivesse sido permeada de tristezas e dissabores.
— Eu o via aqui e me imaginava como ele ao envelhecer. Sentado em
paz, com a sensação de dever cumprido, recordando com satisfação tudo o
que havia feito em minha vida. — Olhei-a. — Agora, desejaria que ele
tivesse se sentido como estou me sentindo hoje.
Busquei Aurora com o olhar e a vi sorridente, sentada em uma mesa
ao lado dos pais e de nossos amigos, o rosto redondo, os seios cheios e,
embora eu não conseguisse ver de onde estava, a enorme barriga de quase
oito meses de gestação.
Pensei novamente em meu avô e no que ele havia sentido quando sua
amada esposa esperava seus filhos e pensei entristecido que, talvez, ele mal
tivesse acompanhado qualquer uma das vezes em que Daisy gerara uma
criança, pois estava sempre trabalhando, empenhado em conseguir se tornar
um homem poderoso.
Sabia que, por causa dele, eu podia ter mais flexibilidade no trabalho.
Ainda passava muitas horas por dia empenhado em manter a corretora no
patamar em que a colocamos, mas sabia que tinha a tranquilidade de ter um
nome já respeitado no mercado e que não precisava provar mais nada a
ninguém.
A base construída por Michael Stanley Griffin me possibilitava
concentrar-me no que ele deixou de lado no passado: minha família. E sua
história servia de exemplo de um futuro que eu não queria ter.
Todos os dias, fazia questão de demonstrar à Aurora o quanto ela era
importante e amada. Nós conversávamos muito e sobre qualquer assunto,
dividíamos angústias e problemas, comemorávamos nossos feitos.
Ela havia se formado havia pouco tempo, e, mesmo um pouco
cansada em razão de a barriga já estar pesada, comemoramos muito essa
etapa conquistada em sua vida, a realização de um sonho, o primeiro de
muitos!
De repente, Aurora me olhou, percebendo que eu estava observando-a
e sorriu, chamando-me para estar junto ao pequeno grupo de amigos. Estendi
a mão para minha mãe e a levei comigo. Assim que me aproximei de minha
esposa, beijei o topo de sua cabeça.
— Já está na hora? — perguntei ansioso.
— Esperando Aimée dar o sinal. Assim que ela... — Apontou para
frente. — Agora está na hora!
Aurora se colocou de pé e pegou minha mão. Aimée arrastou uma
enorme caixa para o centro do jardim gramado e, pelo microfone, anunciou o
que todos estavam esperando:
— Chegou a hora de sabermos se teremos uma menina ou um menino
daqui a alguns meses! Convido os papais Rory e Michael para virem
descobrir!
Meu coração disparou, e percebi que estava nervoso, apesar da
aparente serenidade no meu semblante. Aurora quis que suas amigas
mantivessem o segredo até aquele dia, o que me deixou totalmente ansioso
para saber se teríamos um filho ou uma filha, embora não tivesse predileção
alguma; só de saber que teríamos um bebê, já estava maravilhoso para mim.
Colocamo-nos no centro das atenções, ao lado da caixa misteriosa
toda forrada de papel preto, com enormes interrogações nas cores rosa e azul.
Aimée entregou para Aurora uma tesoura e a instruiu a cortar a fita que
mantinha a caixa fechada.
— Quer fazer isso comigo?
Olhei nossa pequena e amada plateia e vi nos rostos de nossas mães,
do pai dela e de nossos amigos o quanto estavam se divertindo com a
brincadeira. Senti-me contagiado com aquela alegria, como uma criança na
manhã de Natal, e aquiesci, pegando em sua mão que segurava a tesoura.
— Três, dois, um... — Aimée puxou o coro numa contagem
regressiva.
Cortamos a fita, a caixa se abriu, e dela saiu flutuando, até uma certa
altura, um enorme balão preto com interrogações preso com uma linha
transparente. Todos caíram na risada, e Aurora me olhou com as faces rubras
e os olhos brilhando de felicidade.
Não resisti e a beijei, arrancando aplausos dos espectadores.
— Ei, apressadinhos, calma aí! Vocês têm mais uma etapa! — Aimée
provocou, entregando-me um objeto pontiagudo para furar o balão.
— Está pronta? — inquiri a Aurora, e ela concordou.
Novamente começaram a fazer a contagem regressiva, e, quando
encostei na parede inflada do balão, milhares de papéis brilhantes caíram
sobre nós, mas novamente sem revelar a cor que definiria o sexo.
— Aiméee! — Aurora ralhou com a amiga, rindo muito das
pegadinhas a que estava nos submetendo.
— Vocês não viram? — Pela cara da amiga de Aurora, era óbvio que
ela sabia que a gente não tinha visto, mas a pergunta parecia fazer parte da
brincadeira. — Acho que vocês vão precisar da ajuda da tecnologia! Carly!
A amiga meio nerd entrou em ação, posicionando um refletor à nossa
frente. Segundos depois, todas as luzes que iluminavam o jardim foram
apagadas, ficando apenas as que iluminavam o chão dos caminhos entre os
canteiros.
Outro balão foi trazido, a luz do tal refletor foi acesa, e novamente
Aimée me instruiu a espetar a enorme massa flutuante, não sem antes fazer
outra contagem.
Quando o balão explodiu, liberando seu material brilhante, vi minha
esposa ser inundada com a cor azul. Não comemorei, esperando se tratar de
mais uma pegadinha e que todo aquele brilho mudasse de cor de repente, mas
então vi Aurora chorar e sorrir ao mesmo tempo e me dei conta de que, sim,
aquela era a cor!
— É um menino? É isso? — sondei olhando em volta, enquanto todos
se abraçavam, e ninguém me dava atenção.
Até que, de repente, olhei para a tela que estava passando a gravação
que Carly fazia e me vi também inundado de azul.
— Puta que pariu, é um menino!
Saí correndo em direção à minha esposa, que já havia sido arrasta
pelos convidados para abraços, e a peguei no colo, rodando-a no ar enquanto
comemorava a revelação.
— Feliz? — Aurora me questionou.
— Muito, mas não por ser um menino, mas por ter você, por estarmos
aqui, todos bem e felizes, comemorando mais uma vida, mais um Griffin que
chegará ao mundo.
— Precisamos escolher um nome agora que sabemos o que é.
Fiz careta.
— Vamos fazer outro evento para isso? — Comecei a rir. — Não sei
se minha dignidade me permite fazer papel de idiota de novo. — Pela
expressão dela, não entendeu o que eu quis dizer. — Depois você vai ver a
gravação de Carly e vai entender do que estou falando!
Para minha total consternação, esse momento não foi muito depois,
pois logo ouvimos as gargalhadas das amigas dela, que passavam o vídeo
várias vezes, voltando ao momento em que fiquei perdido e perguntando para
ninguém qual era o sexo.
— Olha, eu poderia virilizar esse vídeo na rede social! — Carly
provocou às gargalhadas.
— Nem brinca com isso! — respondi, tentando não rir. Mas, assim
que consegui ver minha cara no vídeo, não pude resistir mais!
Porra, eu estava feliz pra caralho, tinha todos os motivos do mundo
para rir, inclusive de mim mesmo!
— Amo você, mesmo quando faz cara de cachorro que caiu da
mudança! — Aurora declarou no meu ouvido.
Abracei-a e vi, ainda perto da mesa à qual estavam sentadas, nossas
mães emocionadas e abraçadas também.
Eu não poderia estar mais feliz!
J. Marquesi sempre foi apaixonada por livros e, na adolescência,
descobriu seu amor pelos romances. Escreveu sua primeira história aos 13
anos, à mão, e desde então não parou mais. Só tomou coragem de mostrar
seus escritos em 2017, tornando-se uma das autoras bestsellers da Amazon e
da Revista VEJA.
Série, Os Karamanlis
THEO, livro 1
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KOSTAS, livro 2
-> Disponível em e-Book Compre aqui!
ALEXIOS, livro 3
-> Disponível em e-Book Compre aqui!
MILLOS, livro 4
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QUÍMICA PERFEITA
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Compre aqui!
SINOPSE
Raffaello Ferrero conquistou fama e prestígio no mundo dos vinhos, tornando-se
um dos enólogos mais disputados pelas vinícolas europeias. Obcecado por achar a
química perfeita capaz de produzir um vinho perfeito, Raffaello é informado da morte
de seu único parente vivo e precisará retornar ao Brasil, após 20 anos longe, para
decidir o que fará com a herança que nunca quis e que estava reservada ao seu amado
irmão mais velho, falecido há alguns anos.
Disposto a vender a vinícola e retornar à Europa, Raffa será surpreendido pela
notícia de que tem um sobrinho, um garoto de pouco mais de dois anos, fruto de um
relacionamento do irmão com uma ruiva de quem nunca ouviu falar, e que só
apareceu após sua morte, com o pequeno herdeiro a tiracolo.
Poderá ele confiar naquela mulher? Como impedir seu coração de se apaixonar
pelo guri tão esperto?
E a mais complexa questão: como impedir-se de sentir a química perfeita que
parece pulsar entre ele e a mãe do garoto?
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Bernardo Novak sempre perseguiu desafios!


Surfista profissional especializado em ondas gigantes, mal sabe ele que está
prestes a viver o momento mais desafiador de sua vida.
Helena Santorini é uma dedicada assessora de casamentos. Mãe de Heitor, um
garoto apaixonado pelo mar, vê, no projeto inclusivo de surfe WaveAccess, uma
oportunidade para seu filho praticar o esporte.
O que ela não esperava era encontrar-se com Bernardo novamente e perceber que
o playboy, que conheceu há alguns anos, está tão mudado a ponto de se conectar
instantaneamente com seu filho e despertar nela sentimentos que acreditava já não ser
capaz de ter.
Embarque na jornada de Bernardo, Helena e Heitor, redescobrindo juntos a vida e
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3) Contém SPOILER do livro Segredo Obscuro - da Série Família Villazza.
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Júlia Virtanen ama o Natal e todos os significados dele! Descendente de
finlandeses, ela trabalha com orgulho e afinco na loja de doces de sua família,
no sul do estado do Rio de Janeiro.
Sonhadora, batalhadora, apesar de ter sofrido uma grande perda ainda
criança, Júlia crê na magia do Natal... bem, talvez não a ponto de acreditar
que o "bom velhinho" atenda a um pedido fajuto, feito por sua prima em seu
nome, afinal, o que ela mais precisa é salvar a sua loja tão especial, e não de
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Digo Virtanen conquistou a vida que sempre sonhou! Solteiro, bonito e
bem-sucedido, o confeiteiro se tornou também o garoto-propaganda da
franquia da Casa Virtanen.
Com a aproximação do Dia dos Namorados, uma megacampanha
publicitária é montada, e Digo acaba parando em uma casa de acolhimento de
idosos, onde conhece uma mulher que mexe com ele como nenhuma outra.
Dulce Maria de Macedo é uma mulher tão doce quanto seu nome.
Diretora de um lar para idosos, ela sempre dedicou sua vida ao próximo.
Discreta, elegante e religiosa, a ex-noviça se surpreende quando descobre que
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Melissa Boldani passou a vida toda apaixonada por um amigo que
nunca a viu como mulher. Então, em uma noite sozinha em Nova Iorque, Mel
se vê em um clube onde poderia ser quem quisesse e se deixar guiar pela
fantasia.
Adam Stone sempre tentou atingir as expectativas das pessoas, mas
estava cansado de ser quem não era. Até que a "misteriosa" do clube o faz
relembrar como é bom ser livre de todas as amarras que ele mesmo se impôs.
Uma noite sem nomes e usando máscaras é capaz de mexer com a vida
de duas pessoas em um encontro não marcado que estava destinado a
acontecer.

Atenção:
1) Há spoiler da Série Família Villazza;
2) Conteúdo indicado para maiores de 18 anos;
3) Pode conter gatilhos.
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[1] Nota da autora: Los Angeles Dodgers é um time de beisebol.
[2] Nota da autora: Chicago Cubs é um time de beisebol.
[3] Nota da autora: Lincoln Park é um dos bairros mais ricos de Chicago, próximo de
parques, museus e de uma vasta gama de entretenimentos.
[4] Nota da autora: Gold Coast é o distrito histórico de Chicago, construído após o
Grande Incêndio de 1871, habitado por milionários. Hoje o bairro é uma mistura de
mansões, casas geminadas e arranha-céus.
[5] Nota da autora: um dos apelidos de Chicago.
[6] Nota da autora: gentílico usado para quem nasce em Chicago.
[7] Nota da autora: Flybridge é uma área aberta, acima do cockpit, usada para pilotar a
embarcação e utilizada, também, como área de lazer.

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