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Copyright © 2021 DANIELLE VIEGAS MARTINS

Imagem de capa: Bernaliel


Capa: Gabriela Ferreira
Revisão: Jéssica Nascimento
Diagramação: Imaginare Editorial – April Kroes

Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e


acontecimentos descritos são produtos da imaginação da autora.
Qualquer semelhança com nomes, datas e acontecimentos reais é
mera coincidência.
___________________________________
A ESPOSA SEM MEMÓRIA DO CEO
1ª Edição - 2021
Brasil
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Todos os direitos reservados.

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parte dessa obra, através de quaisquer meios ─ tangível ou
intangível ─ sem o consentimento escrito da autora.

A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na lei nº.


9.610/98 e punido pelo artigo 184 do Código Penal.

autoradanielleviegas@gmail.com
Sumário
Sinopse
Playlist
Epígrafe
Prólogo
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Epílogo
Contato
Biografia
Grávida, sem memória e me apaixonando outra vez pelo amor
da minha vida.
Tudo que Milena Medeiros sabia foi que dormiu com vinte e
quatro anos e acordou três anos depois, casada e grávida do
homem mais rico da Hungria. Nada veio fácil na vida de Milena. No
entanto, a estudante de Desenho Industrial, finalmente, teve a
chance de viver longe da indiferença do pai quando ganhou uma
bolsa integral para concluir seu curso em Budapeste. Na capital da
Hungria, ela conheceu o homem que mudaria seu destino para
sempre. Milena saiu do dormitório da universidade disposta a
encarar a primeira noite de bebedeira com suas novas amigas do
intercâmbio. Uma noite e três doses de uma bebida que ela nem
lembrava o nome. Foi só o que precisou para Milena acordar na
cama de Andras Quotar. O que ela não conseguia entender era
como não se lembrava de nada depois daquela noite.
Ao acordar em um hospital, ela se viu grávida e com uma
aliança de casamento no dedo. Além disso, todos que Milena
conhecia afirmavam categoricamente que aquele homem lindo, rico
e que parecia completamente apaixonado por ela era seu marido há
três anos. Falaram que ela sofreu um acidente, ou algo assim, e que
teve um forte trauma na cabeça.
O que aconteceu com os três últimos anos da sua vida? Ela
simplesmente não lembrava.
Mas a principal pergunta que Milena se fazia agora era: e se
ela nunca se lembrar do homem apaixonado que diz ser seu
marido?
SPOTIFY
Escrevo aqui no presente para que no futuro seus olhos
possam lembrar de mim, quando sua mente me esquecer.

Bob Marley
Budapeste, dezembro de 2019

— Você precisa parar com essa obsessão por boas notas! Eu


até achei adorável no começo, mas, agora, tá ficando absurdo.
Entramos de férias ontem, Milena! — Greta argumenta, sentando-se
em sua penteadeira.
Inclino minha cabeça para olhar para Ayumi, que está sentada
na cama de Greta folheando um jornal do campus, porque eu sei
que ela me entende, ela também é assim, ela não nasceu em berço
de ouro e tem pais que constantemente demandam que ela dê o
melhor de si. Estar aqui, para ela, assim como para mim, é uma
grande oportunidade e não queremos desperdiçá-la.
— Sim, é mesmo um absurdo que você mude de continente
pra estudar e que, ao chegar nele, faça exatamente aquilo que veio
fazer — Ayumi diz, deixando a revista de lado, enquanto solta seu
longo cabelo liso e passa os dedos pelos fios.
Greta dá uma risada, enquanto segura seu batom vermelho da
Guerlain. Minha amiga e colega de quarto o usa como marca
registrada, pois, nas palavras dela, “você só vai encontrar Greta
Almstedt em público sem esse batom vermelho se ela estiver morta.
— Você tem sorte de dividir o quarto com ela — Deva diz, com
um sorriso. Ela está olhando encantada para os vestidos jogados na
minha cama. Uma nada pequena seleção feita por Greta, com o
propósito de me fazer escolher algo para usar na festa para a qual
ela está nos arrastando. Eu não gosto de usar as roupas de Greta
por uma razão bem simples: elas custam mais do que eu posso
pagar. Porém, devo admitir que são lindas. Além disso, embora
Greta seja incrível, eu mudaria de quarto facilmente com Deva.
Dividir o quarto com Ayumi seria muito mais simples, menos
surpreendente, claro, mas, talvez, eu conseguisse dormir mais e
estudar com tranquilidade.
— Apenas escolha um — Ayumi pede me olhando. — Ela não
vai te deixar em paz se não escolher.
— “Ela” está bem aqui. — Greta finge estar ofendida e dá uma
risada. — E, sim, você tem razão, todas vocês vêm comigo. Deva,
devo ter umas peças que cabem em você, minhas peças de meta.
Deixe-me ver onde elas estão... — Ela se levanta graciosamente,
enrolada numa toalha e com um sorriso de vilã de desenho animado
que sabe que está prestes a conseguir o que deseja.
— Peças de meta? Eu quero saber o que é isso? — questiono,
enquanto pego os vestidos que Greta separou. São tão curtos que é
ridículo. Temos corpos parecidos, contudo eu sou mais alta, não
muito, apenas o suficiente para que minhas pernas fiquem mais
expostas do que carne em gancho de açougue.
— Ah, são apenas roupas menores que eu compro como
motivação pra caber nelas. — Não entro na discussão sobre como
ela não precisa emagrecer, porque já a tivemos diversas vezes e
isso não nos levou a lugar algum. Sei exatamente o que ela vai dizer
se eu abrir minha boca para falar desse assunto, ela vai olhar para
Deva e, em seguida, fazer algum tipo de comentário sobre como o
corpo da nossa amiga é o seu padrão ideal. É um tópico exaustivo
e, se eu achasse que iria resolver alguma coisa, bateria em Greta
para ela parar com isso.
Ela volta com dois vestidos e Deva fica encantada com o
vestido preto, fazendo um comentário sobre como sua amma
morreria se a visse naquele vestido, só que diz isso já se
despedindo para experimentar, o que me faz rir. Deva tem longos
cabelos ondulados, que estão úmidos do banho recém-tomado,
sobrancelhas grossas e um olhar marcante. Ela foi a primeira
pessoa que conheci quando cheguei ao prédio dos nossos
dormitórios, estava perdida no saguão com minhas malas e ela
indicou o meu andar. Comemoramos a coincidência de estarmos
não só no mesmo andar, mas em quartos que ficam um de frente
para o outro. Ela tira o jeans e veste o pedaço de tecido preto com
paetês dourados, a peça não fica tão justa, porém ela está linda e
sorrindo de orelha a orelha.
— Sei que sua amma ficaria chateada, mas você está linda —
comento.
Greta também sorri, ela adora ser a fada-madrinha
transformadora. O que, de alguma forma, atesta sua generosidade,
mas também deixa claro como ela gosta de se definir como uma
espécie de líder no nosso grupo de amigas e mostra uma boa dose
de egocentrismo. Somos um grupo bem ímpar, porém quis o acaso
nos juntar e eu não poderia ser mais grata.
— Uma maquiagem marcante e você estará pronta — Greta
diz alegremente. — Agora, você: escolha algo ousado, Milena.
Vamos ter duas semanas de férias e você precisa de uma alta
dosagem de mim ou vai morrer de saudades. Além disso,
sobrevivemos aos primeiros meses desse semestre maluco,
precisamos comemorar.
— Me dói assumir isso, mas vou ter que concordar com a
Greta. Tenho um voo de dez horas pra passar duas semanas
infernais com a minha família, que vai ficar me perguntando coisas
como “Quando você volta pra casa pra começar sua própria família,
Ayumi?” — ela comenta. Greta solta uma risada esguichada quando
Ayumi imita a tom de voz da mãe. — Além do mais, eu já me
arrumei, então vamos sair e tentar nos divertir. E é bom que vocês
façam isso rápido ou vou embora sem vocês.
Pego um dos vestidos, a maioria deles é de costas nuas e
decotado, penso no tempo lá fora. Deve estar fazendo uns três ou
quatro graus, mas os ambientes internos são aquecidos e eu duvido
que vá sentir frio numa boate lotada. Faço uma pré-seleção do que
absolutamente não combina comigo, então opto por um vestido com
corpete e mangas justas em transparência. Pego meus saltos
prediletos, um par de sandálias prateadas que têm alguns bons
centímetros de salto e que quase nunca os uso. Sou mais o tipo de
garota que fica satisfeita com a praticidade de um bom par de tênis,
e, no dia-a-dia, estou sempre usando jeans e gola rolê, só que nem
é tanto uma questão de gosto, e sim de sobrevivência. Não dá para
trocar o tropicalismo do Rio de Janeiro por um país onde, até nos
verões, a temperatura nunca passa dos vinte e sete graus e não
sentir a diferença.
— Tive uma ideia! — Greta diz sorrindo, enquanto ela mesma
começa, finalmente, a se vestir. — Ligue pra aquele gostoso que
vive babando por você e que você finge não arrastar um caminhão,
como é mesmo o nome dele? Aquele que te chamou pra sair várias
vezes, o amigo da Ayumi.
— Gunter — ela responde, e então minha amiga olha pela
janela. — Está bastante frio, vou pegar um casaco pra jogar por
cima desse vestido.
— Não! O meu motorista vai nos levar e deixar na porta da
boate, não vamos ficar com frio. Garanto!
— Se eu sentir frio, vou arrancar sua pele e usar como casaco
— Ayumi diz com um olhar ameaçador que faz Greta gargalhar,
porque minha amiga é o tipo de pessoa que simplesmente não
passa a ideia de ser capaz de intimidar alguém.
— Pelo menos, me pague uma bebida antes de tentar usar
minha pele, tudo bem? E, Milena, não pense que esqueci. Liga pro
tal do Gunter. Eu detesto levar bolo pra festas, mas acho que, no
seu caso, é necessário.
— Eu não... — Por que eu vou mentir para as minhas
melhores amigas? — É tão óbvio assim que eu tenho uma quedinha
por ele?
— Quedinha? Tá mais pra uma paixão platônica que ele
também parece sentir por você — Deva diz, enquanto se olha no
espelho. — Você fica toda boba perto dele e dá pra notar que ele
também gosta de você. Faça um favor a humanidade, mande uma
mensagem pra ele.
Eu faço o que elas pedem e envio um “hey”, então me
concentro na tarefa de escolher um vestido. Gunter é adorável e
talvez esteja mesmo na hora de começar a aproveitar a vida. Eu
tenho boas notas, um estágio e tudo está nos trilhos, além disso,
meu autocerceamento é fruto de uma vigilância que agora não
existe mais e os medos que me seguiram na viagem não podem
continuar controlando a minha vida.
— Eu consigo um convite pra ele, e vocês podem se pegar a
noite toda.
Dou risada da ideia, não me envolvi com ninguém desde que
cheguei a Budapeste, o mais próximo disso são as conversas de
corredor que tenho com Gunter, que é sempre tão atencioso com
aqueles olhos castanhos, corpo bem definido e... é, é óbvio que eu
estou atraída pelo cara. Depois de mais meia hora, finalmente
estamos saindo do prédio. Está frio, está infernalmente frio, e a
única coisa me aquecendo são as mensagens que estou trocando
com Gunter enquanto entramos no carro. Ele disse “sim”. Na
verdade, ele disse “sim” de forma muito entusiasmada e meu
estômago está dando piruetas.
— E então? — Greta pergunta, encostando seu ombro no meu
com um sorriso cheio de malícia, enquanto seguro meu celular
contra o peito.
— Ele vai nos encontrar lá, assim que conseguir deixar o
laboratório. Está no último dia de monitoria, antes de viajar pra casa
dos pais pra passar o Natal.
— Aqui — ela me diz, entregando duas pulseiras de acesso. —
A sua e a do Romeu. Não perca, Julieta.
— E uma péssima história pra usar — Deva comenta sorrindo.
Greta se move pela limusine e abre um pequeno bar, tirando de lá
uma frasqueira.
— Eu sempre posso contar com a minha mãe quando preciso
de um gole — ela comemora, então leva o frasco à boca. Não
conheço ninguém com uma tolerância tão grande à bebida quanto
Greta. Ela deixaria os amigos de churrasco do meu pai no chinelo.
— Me dê um pouco — Ayumi diz. Todas ficamos boquiabertas.
Greta estica a frasqueira e Ayumi dá um grande gole. Não é como
se ela não bebesse, mas Ayumi fica bêbada com duas tacinhas de
champanhe e decide que “PRECISAMOS” encontrar um karaokê.
Por ter consciência disso, minha amiga é muito controlada com
bebida.
— Devagar, garota! Eu quero te ver bêbada, mas vamos com
calma.
— Você disse que tínhamos que comemorar, certo? — ela
pergunta, enquanto se recupera da expressão de quem obviamente
não tem costume com bebida.
Descemos da limusine e corremos para a entrada, tentando
fugir do frio. Deva está se aproximando da fila quando Greta puxa
nossa amiga pela mão e nos leva para outra entrada, na qual
simplesmente mostramos nossas pulseiras e pronto, estamos dentro
da boate. O local está lotado, muito lotado, e eu olho para Ayumi,
porque, na última vez que entramos em um ambiente muito cheio,
ela quis sair correndo.
— Tudo bem? — questiono. O telefone vibra na minha mão e
eu olho para a tela. “Vou atrasar um pouco, não se divirta muito
sem mim” e uma carinha piscando aparecem junto do nome
“Gunter”, e eu mordo meus lábios. Bloqueio a tela e volto minha
atenção para Ayumi. — Ei, não precisamos ficar, se você não quiser.
— Eu vou ficar bem, só preciso subir e pegar algo pra beber.
— É assim que se fala! — Greta diz. Então, Deva e Ayumi
seguem na frente, de mãos dadas, tentando driblar a multidão,
enquanto Greta pega na minha mão. — Você tem que confessar
que isso aqui é ótimo.
— É! — confesso. E é mesmo. Eu gosto de como a música
soa aos meus ouvidos, das batidas no meu corpo. Dançar é algo
que sempre gostei, a música costumava ser meu único escapismo
quando eu ficava sozinha em casa, o que acontecia com frequência,
já que meu pai passava a maior parte do tempo longe. Eu colocava
o som alto, afastava os móveis e dançava como se não houvesse
amanhã. Aqui, no entanto, eu evito dançar, porque fico pensando
que uma mulher negra mexendo a bunda na Europa vai atrair o tipo
fetichista que nos vê no estereótipo da mulata.
Subimos as escadas, livrando-nos da multidão e acessando a
área à qual nossas pulseiras nos garantem acesso. Um rapaz loiro
levanta assim que Greta se aproxima e começa a falar com ela em
sueco. Em quase um ano de convivência, a única coisa que eu
aprendi em Sueco foi a frase predileta da minha amiga: “Smakar det
så kostar det”, que significa “se é bom, custa dinheiro”. Sempre que
ela diz isso, não importa quão absurda seja a situação, eu acabo
rindo. Ela nos apresenta ao homem, seu nome é Erik e eles
estudaram juntos, aparentemente o pai dele é cônsul ou algo do
tipo, o barulho não me deixa entender muito bem, porém aceno
positivamente e sorrio quando Greta diz que precisamos ter um
momento de garotas. Noto os olhos do tal de Erik em Ayumi.
— Ele gostou de você, Ayumi — Greta diz, enquanto se
encosta no balcão e acena para o bartender.
— Não estou interessada — ela resmunga.
— E por que não? Erick é gato, adorável e bom de cama...
— Aí está sua resposta — Ayumi argumenta.
— Querida, se você tiver como regra não dormir com alguém
que eu já tenha dormido, vai precisar se mudar de Budapeste.
— E ela diz isso com orgulho — comento fazendo Greta sorrir,
porque ela sabe que é mesmo uma brincadeira. Eu adoro o quanto
ela simplesmente se joga na vida, como abraça o mundo sem medo,
a forma como assume o que quer e, então, vai lá e tenta conseguir.
Meu celular vibra outra vez, é Gunter, fico animada quando vejo seu
nome, mas o conteúdo da mensagem não causa o mesmo efeito.
“Eu estou me odiando por isso, mas não vou conseguir sair
daqui. Um idiota estragou minhas amostras e vou precisar
repetir o experimento. Podemos nos ver amanhã? Por favor!”
Respondo dizendo que está tudo bem e pedindo para que não
se preocupe, também digo que posso encontrá-lo no dia seguinte.
As duas semanas das férias de fim de ano começam a parecer
melhores nessa perspectiva. Greta e Ayumi vão viajar, Deva é a
única que vai ficar, contudo ela conseguiu um emprego extra numa
loja no shopping, aproveitando a demanda de fim de ano. Em vez de
passar esses dias sozinha, posso passá-los com Gunter, isso
parece bom. O bartender se aproxima de Greta e ela puxa seu
corpo pelo balcão, beijando-o rapidamente nos lábios. Estou perto o
suficiente para entender quando ele pergunta o que ela vai querer e
vejo quando ele recusa o cartão com a comanda dela.
— Vou querer o que você tiver de melhor — ela diz sorrindo
para o homem. Ele pega quatro copos de doses, coloca um líquido
verde, adiciona vodca, alguma outra coisa em pó, que vai se
precipitando dentro copo, e, por fim, coloca fogo nos drinks. Deva
fala alguma expressão em indiano, que tenho quase certeza que
significa “ai, meu Deus”, depois Ayumi se aproxima e pega um dos
copos quando a chama começa a se apagar, todas nós fazemos o
mesmo. — Pela noite que não nos lembraremos, com amigas que
jamais esqueceremos! — dizemos juntas. Já falamos disso tantas
vezes, todavia eu nunca considerei a possibilidade de esquecer
tudo, não de verdade.
Olho para o meu grupo de amigas, eu precisei mudar de
continente para encontrar pessoas que, apesar de tão diferentes de
mim, geram uma sensação de pertencimento da qual eu já havia me
esquecido.
— Isso é surpreendentemente bom — Ayumi diz. — Mais
quatro!
Ele repete o procedimento e todas nós bebemos uma nova
dose. Em seguida, decidimos dançar. A bebida está queimando
dentro de mim, enquanto Ayumi e Greta discutem porque Ayumi
quer ficar na pista que parece estar pegando fogo, e é assim que eu
sei que ela provavelmente já bebeu demais. Descemos juntas e
começamos a dançar. Por um momento, parece que o mundo
desaparece e somos apenas nós quatro dançando. Está tocando
uma música da Rihanna com o Drake e estamos rebolando e
sorrindo umas para as outras. Isso é bom, absurdamente bom. A
paz não dura muito, claro, alguns caras se aproximam, mas acabam
sendo dispensados. Greta diz que já está acompanhada e isso
significa que, seja lá onde aquele bartender viva, é na cama dele
que ela vai acordar amanhã de manhã. Eu digo que só vim para
dançar com as minhas amigas, porém a bebida me deixa desinibida
e, quando um rapaz de cabelos dourados se aproxima e pergunta
se pode dançar, eu repito o que disse antes: “é noite das garotas,
mas que tal você me perguntar novamente mais tarde?”, ele sorri e
vai embora concordando. Deva me olha gargalhando.
— Milena sem moderação acaba de chegar! — ela comemora
me abraçando. — Nossa! Você está vendo aquele homem
absurdamente lindo olhando pra cá ou os deuses estão me
pregando peças? — Deva pergunta, eu viro a cabeça pra olhar,
começando a ficar zonza pelas bebidas. Obviamente, não deveria
ter tomado duas doses daquela bebida flamejante. Antes que
consiga ver a pessoa da qual Deva está falando, Greta está me
puxando pelo braço e apontando a cabeça na direção de uma
Ayumi completamente bêbada, que está se afastando do nosso
pequeno grupo com um cara.
— Eu vou atrás dela. Quando eu me tornei a responsável por
esse grupo? — Greta reclama. — Mi, aconteça o que acontecer, não
saia daqui e não perca a Deva de vista — ela grita sobre o ombro de
um estranho e, então, solta minha mão, dizendo que vai atrás de
Ayumi. Eu me viro procurando por Deva, apenas para descobrir que
é tarde demais, ela já desapareceu.

Budapeste, dezembro de 2022

É a última coisa da qual me lembro até acordar numa sala


branca com um homem enorme me encarando.
— Amor? Graças a Deus! — o homem diz. — Graças a Deus!
Você me deu um susto enorme, sabia?
Ele está sentado na cama em que estou, suas mãos nas
laterais do meu corpo, com um olhar de medo, preocupação e
parece que esteve chorando. Meu corpo está dormente e minha
cabeça operando de forma letárgica. Talvez eu esteja dormindo, eu
bebi demais na noite passada e isso é um sonho induzido por
absinto com vodca pegando fogo.
— Consegue me ouvir, Sra. Quotar? — uma outra figura
pergunta, aproximando-se de mim. O homem recua um pouco,
parecendo contrariado com a ideia, então uma mulher loira está me
encarando. Ela coloca uma luz no meu rosto e eu fico pensando que
isso deve mesmo ser um sonho muito maluco, talvez eu tenha
assistido Westworld demais nos últimos meses. — As pupilas estão
normais, os sinais vitais estão bons. Sra. Quotar, consegue me
ouvir? — ela repete a pergunta, aumentando o tom de voz, como se
isso fosse fazer diferença.
Por que ela fica me chamando de Sra. Quotar? É um sonho.
Não tem que fazer sentido.
— Eu posso te ouvir, não precisa gritar — respondo um pouco
irritada. Por que até as pessoas com as quais eu sonho são idiotas?
— Acorda, Milena. Você precisa acordar.
— Amor, está tudo bem, você está acordada. Estou aqui com
você e não vou a lugar algum — o homem diz e ele está perto
novamente, segurando na minha mão. Seu toque é tão real, sua
expressão tão sincera e quase não consigo desviar de seus olhos,
porém me esforço para assimilar o mundo ao meu redor. Estou
numa cama de hospital, conectada a uma máquina, um acesso de
medicação no pulso, fios saindo do meu peito. — O que há de
errado com ela? — ele pergunta à mulher vestida de branco.
— Sr. Quotar, clinicamente ela está bem, mas foi uma pancada
significativa. Mesmo que o inchaço tenha diminuído
consideravelmente, sua esposa ainda pode apresentar alguma
confusão.
— Esposa? — questiono, puxando minha mão de volta,
afastando-a daquele homem. Eu me sinto menos fraca agora, então
começo a erguer meu corpo na cama, ainda um pouco incerta se
isso é mesmo real.
— Milena... — A voz dele sai rouca e cortada, cheia de dor. —
Você não está me reconhecendo?
— Não — confesso. — Eu não faço a menor ideia de quem
você é.
Budapeste, dezembro de 2022

Estou trabalhando quando recebo uma ligação, o número de


Ayumi aparece na minha tela e interrompo a reunião para atender
porque ela nunca me liga. Em mais de três anos que a conheço, a
última vez que recebi uma ligação sua foi quando Milena perdeu o
celular durante uma viagem com as amigas para a Suécia, uns dois
anos atrás. No momento que atendo e escuto o tom da voz de
Ayumi, eu sei que algo está errado. — Estou numa ambulância com
a Milena, estamos indo pro hospital. — É tudo que ela me diz, antes
de passar o endereço. Eu saio correndo com o coração saindo pela
boca, não consigo pensar direito, mal consigo respirar, até que
estou no saguão do hospital dando voltas na frente da emergência,
enquanto espero por notícias e peço a Deus que nada tenha
acontecido com Milena e com o nosso bebê. Sadik, namorado de
Ayumi, aparece pouco tempo depois, ele entra assustado e se dirige
à recepção, vou até ele, que repete as mesmas perguntas que fiz e
recebe as mesmas respostas. “Elas estão sendo atendidas” e “O
senhor precisa aguardar”.
— Você sabe o que aconteceu? — ele me pergunta. Sadik se
senta numa das cadeiras e passa a mão no rosto. Tento fazer o
mesmo, porém minhas pernas estão inquietas, meu coração
acelerado e tudo que eu quero é invadir aquele setor de emergência
e descobrir o que houve com a minha mulher, certificar-me de que
ela está bem.
— Não. A Ayumi me ligou e disse que estava aqui, só isso.
— É, ela ligou pra mim também. Disse algo como “ele
apareceu do nada”, mas não fez sentido, ela estava nervosa e a voz
desesperada. Droga! Eu preciso de notícias.
Leva mais algum tempo até que Ayumi aparece numa cadeira
de rodas, junto com um médico. Seu rosto branco está vermelho,
marcado por alguns arranhões, o braço está numa tala e a perna
imobilizada. O namorado de Ayumi vai até ela, inclinando-se na sua
frente e beijando sua cabeça.
— O que aconteceu com você, amor? — Ele segura a mão
livre de Ayumi, que move seus olhos dele para mim, e meu corpo
começa a gelar. — Estávamos na calçada e um carro surgiu do
nada.
— Onde está a Milena? — pergunto. Ayumi leva a mão à boca,
contendo o choro, e meu coração despenca. Não posso perdê-la,
Milena é a mulher da minha vida, é meu primeiro e último
pensamento todos os dias, a ideia de um mundo sem ela me joga
em um abismo. Quero gritar, quero chorar, mas estou paralisado por
essa sensação de que meu coração está sendo lenta e
torturadamente arrancado de dentro do peito.
— Não, não. Ela está viva — Ayumi diz. Vejo suas lágrimas
correndo pelo rosto, as minhas também estão. — Ela... ela bateu a
cabeça e... eu não sei, os médicos estão avaliando, porém disseram
que está estável. Eu tentei tirá-la da frente do carro. Juro que não
sei de onde ele veio, Andras, estávamos na calçada, a Mi só deu um
passo e então... — Ela soluça e o médico coloca a mão em seu
ombro.
— Me desculpem, a Srta. Kang nem deveria estar aqui, ela
teve fraturas significativas, mas se negou a fazer os exames antes
de vir aqui e falar com vocês. — Olho para o jovem médico que está
falando, contudo não sei se estou mesmo conseguindo assimilar
todas as coisas que ele diz. — Atendi sua esposa quando ela deu
entrada, ela tem sinais bons, nenhuma fratura, só que tem uma
concussão e, por isso, ainda não recuperou a consciência. Vamos
saber o seu real estado assim que a nossa neurologista terminar de
avaliá-la.
— Eu preciso vê-la — digo, avançando em sua direção. —
Tenho que ficar com ela.
— Me desculpe, senhor, não é possível. No entanto, eu
garanto que ela está sendo bem-cuidada, o feto motivado e...
— Ele está bem, o bebê está bem?
— Batimentos saudáveis, nenhum risco. Assim que a Sra.
Quotar sair dos exames neurológicos, saberemos o que precisa ser
feito. Agora tenho que levar a Srta. Kang de volta. Os senhores
estão informados, e ela realmente tem feridas sérias que precisam
de atenção.
— Ela vai ficar bem, Andras — Ayumi diz, com seu rosto
avermelhado pelo choro e pelo acidente.
Eu abraçaria Ayumi, se ela não parecesse tão frágil no
momento e se eu mesmo não estivesse um caco. Ela está estável, o
bebê está bem. Vai ficar tudo bem, repito mentalmente. Tem que
ficar tudo bem.
— Posso acompanhá-la? — o namorado de Ayumi pergunta. O
médico diz que infelizmente não, mas que, em breve, Ayumi
também será levada para um quarto. Sadik se agacha e a beija
novamente. — Eu vou estar aqui te esperando.
— Você não precisa... tem o laboratório e...
— Ei, é claro que eu preciso. Você acha que eu vou conseguir
me concentrar, sem saber se você está bem? Eu não vou a lugar
nenhum, Ayumi. É bom se acostumar com isso.
Eles se despedem e Ayumi é levada embora. Eu me sento
pela primeira vez, desde que cheguei ao hospital, e passo o resto da
tarde na mesma cadeira, com exceção dos momentos em que me
levanto para ir até a recepção e pedir por notícias. Aos poucos,
algumas pessoas chegam. Greta, uma das melhores amigas da
minha esposa, aparece esbaforida com um capacete na mão e, em
seguida, senta-se ao meu lado, demandando explicações. Meu
irmão mais novo chega um pouco depois dela e me dá um abraço.
Por fim, Deva aparece, depois que Greta a avisa do que aconteceu.
A primeira notícia que chega é a de que Ayumi precisará de cirurgia
no ombro, depois, no começo da noite, a neurologista aparece e me
leva pelo corredor para ver Milena. Encontro minha esposa deitada
numa cama de UTI e tenho que me controlar para não chorar outra
vez.
A médica explica que é cedo para saber se haverá algum dano
e que é preciso esperar que o cérebro de Milena se recupere do
inchaço, todavia ela é otimista e diz que, nesse tipo de quadro, os
pacientes costumam ficar bem em pouco tempo. São apenas
algumas semanas, de fato, mas são as mais longas da minha vida.
Nos primeiros dias, Milena fica na UTI por precaução, então eu não
posso ficar com ela. Fico duas noites na recepção, negando-me a
sair, apesar da insistência de Jordi. Quando finalmente meu irmão
caçula consegue me arrastar para minha casa, eu não consigo
dormir na nossa cama, não sem Milena. Ele também está sofrendo
muito, por mais que tente disfarçar. Minha esposa se tornou sua
melhor amiga e Jordi tenta se mostrar forte por mim. Sei disso.
Houve um momento no hospital que meu irmão se sentou ao meu
lado, na capela da emergência, segurou a minha mão e fez uma
oração comigo.
— Deus, eu entendo que a cura tem seu tempo e que o senhor
está no controle de tudo, mas venho aqui hoje pedindo pela atenção
da Tua mão curadora, sabendo que em Ti tudo é possível. Segure a
saúde de Milena nas Suas mãos e a renove para que ela possa
voltar a nos encher de alegria.
Abraço meu irmão e o agradeço, permitindo-me, pela primeira
vez, chorar de verdade, com toda intensidade antes reprimida pela
necessidade de estar sob controle e ser forte por Milena, pelo nosso
bebê. Eu me ajoelho em frente ao altar e peço a Deus que me dê
forças para enfrentar tudo isso, porque a fé é a única coisa me
mantendo firme no momento. Se eu não acreditar na recuperação
de Milena, se me permitir pensar que ela não vai acordar, não sei o
que pode acontecer comigo.
— Você precisa comer alguma coisa — meu irmão diz, quando
me levanto do sofá no fim da primeira semana de internação de
Milena. Ainda é cedo, contudo eu quero ir para o hospital, quero
ficar perto dela. — Eu não quero ter que te dar conselhos óbvios,
porém, como você pretende cuidar dela, se não cuidar de você
mesmo?
— Eu só não quero que ela fique sozinha.
— Quando a Milena acordar, eu vou fazer questão de contar
sobre isso. Cara, como eu vou adorar vê-la reclamando com você —
ele diz, enquanto joga a panqueca no ar, virando-a.
— É, eu também — digo, tentando conter as lágrimas. —
Porra, Jordi, eu só quero ela de volta. — Apoio meus cotovelos no
balcão da cozinha, as mãos cruzadas na cabeça, e começo a
barganhar, pedindo para que ela volte para mim. Meu irmão aperta
meu ombro.
— Ela vai ficar bem, Andras. Não tem ninguém no mundo mais
teimoso que a Milena. Agora coma alguma coisa. E faça a barba,
não vai querer que ela acorde e te encontre assim.
Os dias se arrastam, então Milena é transferida para um quarto
e eu posso ficar com ela, o que me deixa menos nervoso. Ela está
sendo constantemente monitorada e, por mais que seja horrível vê-
la assim, eu fico sentado olhando para o monitor que mostra o
batimento cardíaco dela e o do bebê, e tenho quase certeza de que
essa é a única coisa me mantendo no controle. Ayumi vem todos os
dias, ela foge do seu quarto para ficar perto da amiga e me fazer
companhia. Às vezes, ficamos calados por horas, ou, então, falamos
sobre o acidente e tentamos entender como aquilo pode ter
acontecido.
— Como está seu ombro hoje? — questiono, enquanto a vejo
tentando se ajustar na cadeira de rodas.
— Está bem, é desconfortável, mas só isso.
Ela olha para Milena e eu entendo tudo que ela não está
dizendo, as palavras nas entrelinhas são algo como “olha para o
estado dela!”.
— Eu nunca vou poder te agradecer o suficiente pelo que você
fez.
— Não sei se mereço seu agradecimento — ela afirma me
olhando. — Fico pensando se não é culpa minha ela estar aí, em
coma, quer dizer, eu a puxei de uma vez e ela acabou batendo a
cabeça.
Eu vi o vídeo do acidente. Meu irmão mais velho, Adam,
conseguiu com um amigo que trabalha no Departamento de
Segurança. As imagens das câmeras de trânsito estão ajudando e
eles estão tentando encontrar o carro. Uma caminhonete antiga
parecia estar, propositalmente, indo na direção delas. Milena estava
na frente, de costas, todo seu corpo receberia o impacto, Ayumi a
puxou de uma vez, lançando-a na direção contrária do carro e
recebeu o impacto parcialmente de um lado só do corpo. É um
milagre que ela só tenha deslocado o ombro e quebrado a perna. É
um milagre que elas estejam vivas.
— Não diga isso, ela não estaria aqui se não fosse por você,
Ayumi.
Greta também aparece com frequência, ela se senta ao lado
de Milena na cama e conta fofocas sobre pessoas das quais só
conheço por nome. Algumas trabalham com elas no escritório que
montaram. Ela também lê notícias sobre política.
— Eu comecei a ver aquela maldita novela de tanto que eu
sinto sua falta — ela conta. Estou entrando no quarto quando a
escuto e paro tentando não interromper. — Sabe, eu trocaria de
lugar com você se pudesse, porque eu não sei como consolar a
Ayumi ou o Andras, e você saberia, porque sempre sabe a coisa
certa pra dizer. Então, acorda, tá? Por favor, você não pode deixar a
gente.
Deva reza. Ela vem menos que as outras amigas de Milena,
mas, quando vem, passa o tempo todo rezando. Numa tarde, depois
que voltei com Jordi de um lanche na cafeteria do hospital, eu a
encontrei desenhando no pé de Milena.
— Usamos para dar sorte na cultura indiana — ela diz.
Eu me aproximo, vejo a pequena linha de flores com tinta
negra e me pergunto se isso é adequado dento de um hospital,
contudo não digo nada a Deva, porque não quero parecer insensível
com suas crenças. Eu mesmo não tenho as minhas? Fico aqui, por
horas, barganhando com Deus e com o universo para tê-la de volta,
fazendo promessas sobre como vou ser e como me comportarei se
minha esposa simplesmente abrir os olhos e sorrir para mim
novamente. Talvez tenha sido a tatuagem de henna, porém, dois
dias depois, Milena abriu os olhos. Ela não sorriu, mas abriu os
olhos, moveu a mão, e a médica disse que ela estava saindo do
coma.
Isso aconteceu no mesmo dia que Ayumi finalmente teve alta.
Levou mais alguns dias e novos exames que confirmaram que a
área antes inchada de seu cérebro estava quase totalmente
recuperada, para que ela, de fato, acordasse. Eu estou sentado
quando noto um movimento, ela já estava se movendo antes,
contudo aquele não foi como os espasmos observados
anteriormente. Ela estava fazendo aquilo, era uma reação motora.
Chamo a neurologista que aparece e pede para que retirem a
sedação. Enquanto esperamos que Milena acorde, a Dra. Ginzburg
me explica que, ao sair de um estado de coma, é comum que a
pessoa não tenha memória de curto prazo.
— Ela pode apresentar sinais de desorientação, parecer
agitada, impulsiva ou mesmo extremamente emocional, é difícil
dizer. Em alguns casos, o paciente acorda e age como se fosse
criança ou apresenta um traço de personalidade muito diferente do
que costuma ser, mas isso é uma parte normal do processo. O
cérebro de Milena precisa de um tempo para se recuperar
totalmente da lesão, mesmo que não haja mais evidências físicas
dela.
Meia hora depois, Milena abre os olhos, fala e me diz a frase
que me deixa aterrorizado:
— Eu não faço a menor ideia de quem você é.
— Eu sou seu marido, nós estamos casados há quase dois
anos — explico. Milena pisca com seus grandes cílios, que eu
sempre considerei lindos. Acho que eu me apaixonei por ela na
primeira vez que piscou para mim, sentada na minha cama,
calçando um par de botas.
— Olha, eu não quero parecer grosseira, mas eu lembraria se
tivesse um marido.
— Você sofreu um acidente — Dra. Ginzburg começa a dizer.
Ela explica tudo à Milena, fala sobre quanto tempo ela passou em
coma e sobre o acidente. No entanto, precisa parar porque Milena
começa a gargalhar histericamente. Eu olho para a médica
esperando que ela faça alguma coisa.
— Me desculpe, mas vocês querem que eu acredite que sofri
um acidente e esqueci que me casei? Só pode ser brincadeira.
— Milena, em que ano estamos? — a médica pergunta.
— É dezembro de 2019, estamos no final do ano. É inverno.
Jáner Áder é presidente, Orbán é o primeiro-ministro. Meu nome é
Milena, eu tenho vinte e quatro anos, o que mais vocês querem
saber? Eu sei quem eu sou e eu não sou esposa desse homem.
Ela está certa em algumas dessas coisas, é sua noção de
tempo que parece deslocada. É mesmo inverno, coincidentemente,
estamos em dezembro, mas é 2022. Milena tem vinte e sete anos, e
não só estamos casados, como somos absurdamente felizes juntos.
— Qual a última coisa da qual você lembra? — a médica
insiste.
— Eu estava com as minhas amigas numa festa em uma boate
e bebi demais. — Puta merda! Minha mente dispara, sua última
memória é do dia em que me conheceu.
— Vou pedir pra que o maqueiro venha buscá-la pra um
exame — a médica diz. Ela me dá um olhar penoso e me pede para
ter paciência, então desaparece, deixando-nos sozinhos.
Eu me movo em direção à mesa para pegar meu celular, mas
então vejo a aliança de Milena junto do seu relógio e a pego, retiro
minha própria aliança e me aproximo dela outra vez.
— Abra a mão — peço. Milena arqueia as sobrancelhas,
quantas vezes ela já não fez isso antes? Contudo, o ar pretensioso
de indignação que me fazia sorrir não está lá. Em vez disso, ela está
me reservando o tipo de expressão que normalmente oferece a
alguém que faz um comentário sobre seu cabelo ou que diz “Ah,
então você é boa de samba?” quando ela fala que é brasileira. Ela
está me olhando como se eu fosse um estranho. Milena abre a mão
e eu coloco as duas alianças em sua palma, tocando rapidamente
na sua pele, eu espero que o contato desperte alguma coisa, porém
nada muda. — Olhe dentro, por favor.
Ela pega o anel e confere. Metade da circunferência da aliança
dela tem meu nome e, na outra metade, há a frase: “Você está
presa comigo agora”. A frase me faz parecer um babaca, sei disso,
só que é algo nosso, algo pessoal, algo que espero que ela
reconheça, já que, na outra aliança, na que estava nos meus dedos
segundos atrás, está escrito: “Não iria querer outra coisa”. Dissemos
essas palavras um ao outro quando fizemos as pazes depois da
nossa primeira e única briga, durante o namoro, e havia se tornado
uma espécie de oração da nossa relação.
— Tem certeza de que você não está confundindo as Milenas?
Quer dizer, não é um nome tão incomum.
Pego meu telefone dessa vez, então abro a galeria e o entrego
em sua mão. Milena olha as fotos.
— Somos eu e você — ela diz, alternando o olhar entre a tela
e o meu rosto. — Isso não faz o menor sentido.
— Não tem problema, você só está confusa, vai se lembrar, só
precisa descansar — afirmo, forçando um sorriso. Não quero que
ela note como estou abalado, porém a situação lança pontadas no
meu coração.

— Ela não lembra de você? — Ayumi pergunta.


Ela está no quarto em que Milena está, o ombro ainda
imobilizado, todavia, agora, sem gesso, apenas mancando de leve
devido à lesão no joelho. Sadik está ao seu lado e parte do corpo de
Ayumi está encostado no dele, enquanto o homem a segura pela
cintura.
— Não. Ela acha que estamos em 2019.
— E como ela reagiu à gravidez?
— Não falamos sobre isso, acho que ela simplesmente não se
deu conta. E ela está com menos de quatro meses... — afirmo,
passando a mão pelos cabelos nervosamente. — Ela vai lembrar
em breve.
— Esse tipo de perda de memória é incomum em trauma —
Sadik começa a falar. — Normalmente, é a memória recente que é
afetada. Nós vimos isso na pós-pandemia, quando as pessoas em
coma induzido, ao serem entubadas, passavam algum tempo pra
conseguir sair desse estado de confusão mental. Alguns infectados,
mesmo em casos leves, tinham dificuldade na memória do dia a dia,
só que esse tipo de caso... não é meu campo, claro, mas tenho
certeza de que os livros oferecem pouca informação.
— A médica disse que vamos saber mais depois do exame.
— Ei... — Ayumi diz se aproximando. Estou sentado e ela
alcança meu ombro. — Vai ficar tudo bem, ela acordou, está
saudável e isso vai passar rápido. A Milena é louca por você, não
tem nada no mundo que ela ame mais do que a vida que vocês têm
juntos.
Batidas rápidas na porta antecedem sua abertura, e então
Greta e Deva estão entrando com flores.
— Onde está a ex-Bela Adormecida? — Greta pergunta.
Ayumi explica dos exames e pergunta se Greta não quer
ajudá-la a pegar cafés para todos nós. Imagino que ela queira falar
sobre como o “coitado do Andras” está abalado, porque, merda,
estou mesmo. Quem não estaria numa situação dessas?
— Você está bem? — Gunter Sadik me pergunta. Não somos
amigos, saímos juntos algumas vezes, sempre com Milena e Ayumi,
até gosto do cara, porém não tenho intimidade suficiente para
responder a essa pergunta com honestidade. — Deve ser estranho
isso pra você.
— Ela vai ficar bem, tudo vai se resolver.
— Claro, vai sim! — ele diz sorrindo.
O maqueiro volta trazendo Milena que, assim que entra no
quarto, coloca seus olhos em Sadik.
— Gunter! — ela diz, ficando de pé e indo na direção dele. Ela
o abraça e o cara fica obviamente sem jeito, porque ela está usando
apenas uma bata hospitalar. Quero ir até ela e separá-los, nunca me
senti tão vulnerável e impotente como nesse momento. — Graças a
Deus, você pode me explicar o que está acontecendo?
Sadik se afasta um pouco, e eu vejo que Ayumi está parada na
porta encarando os dois, com Greta e Deva atrás dela. Milena se
vira, parecendo notar a movimentação atrás de si, em seguida as
quatro se abraçam, enquanto ela solta outro “graças a Deus!”
Brasil, agosto de 2018

Eu atualizo a página novamente, esperando que agora seja a


vez em que o resultado que procuro vá aparecer. Cinco minutos já
se passaram desde o momento em que, segundo o edital, os
resultados das bolsas estariam disponíveis no site e até agora nada.
E você pode estar pensando “são só cinco minutos, garota!”, mas
estou esperando por isso por boa parte da minha vida, esperando
pela oportunidade de, finalmente, conseguir me afastar um pouco de
tudo isso. Uma bolsa para a universidade é artigo raro no Brasil
atualmente, desde os cortes dos programas de incentivo à pesquisa
e inovação. Isso me deixa ainda mais nervosa, porque essa é minha
única chance de conseguir o que quero: concluir meu curso numa
das melhores universidades da área. Desenho industrial é um
campo competitivo e, se eu quero me destacar, preciso disso,
preciso do diferencial de ter feito parte do meu curso no exterior
porque, infelizmente, isso conta muito no mercado nacional.
Nada. Nenhuma nova postagem. Olho pela janela e tento me
distrair, posso ouvir o samba tocando na São Salvador, é domingo,
dia de jogo. Em breve, os condôminos irão gritar e soltar fogos em
um clássico Fla x Flu, até mesmo os malditos pombos estão voando
alegremente pela fonte da praça. É um fim de tarde típico, rotineiro,
e tudo que eu quero é quebrar isso, esse padrão de repetição, para
começar uma vida nova em um outro lugar. Vai ser bom viver um
tempo sem as sombras do passado, sem os fantasmas que se
movem pelas paredes desta casa. A internet está instável e após
eu, finalmente, conseguir atualizar a página, lá está o link em que
quero clicar, um arrepio percorre a minha espinha e eu penso em
como isso pode definir tudo. Meu coração está levemente acelerado
quando as informações começam a aparecer. Vejo meu nome na
lista, em primeiro lugar, então atualizo a página outra vez para rever
o resultado, apenas para ter certeza de que é isso, de que eu acabei
de ser aprovada para uma bolsa que vai permitir que eu termine
meu curso em uma das mais prestigiadas instituições de ensino de
Budapeste.
Eu comemoro euforicamente pulando pelo quarto, contudo é
uma comemoração solitária, que se transforma rapidamente em
preocupação. Eu nunca disse nada a ele, ao meu pai. Não disse
que estava me inscrevendo, que tinha passado nas primeiras
etapas. Uma parte de mim não queria contar, queria proteger essa
pequena fresta de luz, mantê-la só para mim, e a outra achava que
ele não iria mesmo querer saber. O porta-retratos com a foto da
minha mãe me encara ao lado do computador. Na imagem, minha
mãe está comigo em seus braços, sorrindo. Eu queria que ela
estivesse aqui para celebrar comigo, queria que ela estivesse aqui
porque, no dia que ela se foi, meu pai também desapareceu, ele se
escondeu dentro de si mesmo, do trabalho e se perdeu nisso tudo
de uma forma que me parece irreparável.
Eu preparo o jantar, dou uma limpada na sala de estar e
espero ansiosamente por sua chegada. Meu pai chega do trabalho
com uma bolsa no ombro, a bolsa que ele, o terceiro-sargento
Andrade, usa para colocar a farda assim que retorna ao batalhão.
Está de coturno, camisa branca e falando ao telefone, enquanto
solta a mochila no chão. Escuto quando ele fala algo sobre
“conseguir um cabrito”, a expressão que usam para armas usadas
em falsos flagrantes. Ao desligar o telefone e parecer finalmente me
notar, apenas pergunta se há algo para comer e diz que vai tomar
um banho, sem, ao menos, se preocupar com a resposta, ele sabe
que será “sim”. Jantamos na sala, vendo televisão, e eu fico
esperando o melhor momento para dar a notícia. Primeiro evito,
porque o Flamengo está ganhando e ele já gritou duas vezes com a
TV, mas então, nos minutos finais do primeiro tempo, o Fluminense
empata, e eu decido usar o intervalo para fazer minha confissão.
— Eu fui aprovada em uma seleção de bolsa pra uma
universidade em Budapeste — digo. Meu pai abre sua cerveja,
encara a televisão e não me olha por um bom tempo. Está
passando um comercial idiota sobre bancos se preocuparem com as
pessoas, como se isso fosse verdade, porém ele parece
extremamente interessado porque continua com seus olhos fixos na
tela. — Pai, o senhor não vai dizer nada?
— Me pegue outra cerveja — é tudo que ele fala. Levanto,
abro uma nova cerveja e pego um refrigerante para mim também.
Meu pai nunca se importou que eu bebesse, não dentro de casa,
mas eu nunca apreciei muito álcool.
— Acha que o Flu tem chances de virar? — questiono. Ver
futebol é a única coisa próximo de uma relação paterna que temos.
Fora isso, meu pai e eu só conversamos o essencial.
— O Flamengo vai recuar depois desse gol, só precisamos de
um pouco mais de capacidade de finalização, o ponta-esquerda não
está tão bem.
Aceno positivamente e tomo um gole da minha Coca-Cola. Ele
me olha, finalmente, a mão passeia no queixo.
— Quando você viaja? — ele pergunta.
— Em breve. Eu fiz todas as provas, meu projeto foi aprovado,
só precisava passar na proficiência em inglês, o resultado saiu hoje
e o semestre já começa em setembro.
— Precisa de dinheiro?
— Não, pai. Eu tenho o do estágio guardado.
Ele levanta, bate no fundo da estante, na sala, e arrasta um
pedaço de madeira, depois disso, abre o cofre. Nada do que está
dentro dele me espanta, são duas armas, algumas drogas e
dinheiro, bastante dinheiro. Ele pega uma parte do dinheiro em um
envelope e me entrega.
— Aqui, use isso.
— Não precisa.
— Deve ser frio lá, Milena. Compre roupas e o que mais
precisar. Depois não diga que eu não fiz nada por você — ele
responde secamente. Apesar disso, esse deve ter sido o gesto mais
carinhoso que recebo dele em anos.
— Não se importa se eu for? N-Não vai sentir nem um pouco a
minha falta, pai?
— É melhor assim. A minha vida é complicada, você sabe
disso, não ter você aqui vai ser uma preocupação a menos. Seria
até melhor que você arrumasse sua vida por lá e não voltasse mais.
Os jogadores retornam ao centro do campo e eu escuto um
apito. O Fluminense sai com a bola e um zagueiro do Flamengo
tenta desarmar um meio-campo que, segundo o grito do meu pai, já
deveria ter cruzado a bola. Eu me sinto em posição similar, eu já
deveria ter me livrado de tudo isso há muito tempo. Fico sentada no
mesmo lugar até o jogo terminar e, então, meu pai volta a abrir o
cofre, retira uma arma e me diz para trancar tudo e ir dormir. Não o
vejo novamente até o dia seguinte. Passo as últimas semanas de
agosto empacotando minimamente a minha vida. Não posso levar
muita coisa, claro, contudo escolho alguns dos meus livros
prediletos, fotos com a minha mãe e com o meu pai, antes que ele
se tornasse o poço de indiferença que é hoje, e compro algumas
roupas de frio, ou o mais próximo disso que se pode achar no Rio
de Janeiro. Depois, eu me despeço da única pessoa que cuidou de
mim por mais de uma década: Marta, uma vizinha para a qual
recorria nas noites em que meu pai não voltava de um serviço e eu
tinha medo de ficar sozinha no apartamento, a mulher que me
ensinou a cozinhar, falou para mim sobre menstruação e comprou
meu primeiro sutiã. É terrível, mas vou sentir mais falta dela do que
do meu pai.
— Se eu não tivesse com esse quadril ruim, adoraria ir ao
aeroporto te levar.
— Não precisa, dona Marta, vou para o Galeão. Seria muito
transtorno pra senhora.
— E o seu pai? Não se ofereceu?
— Ele vai estar de serviço, mas acho que já dissemos tudo
que tínhamos pra dizer.
— Disse mesmo? — ela pergunta me abraçando. — Uma
mulher tão linda não deveria andar por aí com tanta dor no peito,
essa dor faz a gente temer o que é bom.
— Não acho que gritar que ele foi um péssimo pai vai resolver
nada.
— Mas, mesmo assim, você deveria — ela responde sorrindo.
— Porque ele foi, sim, um péssimo pai, e você merecia coisa
melhor. Sempre que eu imaginei uma filha, eu pensei em alguém
como você. Deus nunca quis que eu e meu marido pudéssemos ter
crianças, mas ele colocou você no meu caminho, e eu fiquei muito
feliz, querida.
Eu a abraço com força e agradeço por tudo que sempre fez
para garantir que eu me sentisse amada, apesar de toda a
negligência dentro da minha própria casa. Também me despeço de
algumas colegas da faculdade, de um garoto com o qual troquei
alguns beijos e com quem gostaria de ter perdido minha virgindade,
porque, sinceramente, eu tenho vinte e dois anos, para que estou
guardando meu hímen mesmo? No entanto, nunca houve
oportunidade ou, talvez, eu não tenha tentado aproveitar as que
surgiram, agora é tarde, de qualquer forma. Eu chego ao aeroporto
sozinha, com duas malas gigantes e medo, muito medo, porém,
durante as longas horas de voo, faço um acordo comigo mesma,
enquanto “Feeling Good”, de Nina Simone, uma das músicas
prediletas da minha mãe, está tocando na playlist que fiz para a
viagem. Encarno a letra na minha pele: é um novo dia, é uma nova
vida para mim. Estou deixando o passado no passado ou, ao
menos, comprometendo-me com isso.
Então, mesmo que esteja entrando em um lugar novo e
desconhecido, e que, talvez, devesse estar nervosa, pois a
ansiedade é também um mecanismo de sobrevivência, eu deixo
meus medos dentro do avião. Quando coloco os pés em Budapeste,
estou experienciando um diferente tipo de ânsia, porém é uma ânsia
pelo novo, um desejo de começar a descobrir quem posso ser sem
o medo de ser a filha do policial corrupto, sem ser a garota que
matou a própria mãe. Essa é a minha chance de finalmente me
conhecer e de gostar do resultado. Minha animação começa a se
dissipar no primeiro problema, rodo duas vezes pelo campus,
todavia não consigo encontrar os dormitórios que me foram
designados. Eu passo primeiro no prédio geral e pego as chaves
com uma funcionária que parece muito infeliz de ter que estar
trabalhando dois dias antes do começo do semestre. Ela me deu
instruções meio vagas sobre como chegar ao meu prédio, todas as
construções parecem idênticas e as poucas pessoas que encontrei
pelo caminho também estavam perdidas e não sabiam me informar
nada.
— Você parece perdida — uma garota indiana de longos
cabelos e um sorriso bonito diz, encarando-me quando paro na
frente do prédio.
— Sim, estou mesmo — confesso.
— Posso? — questiona, apontando para o papel na minha
mão.
— Claro — respondo, entregando-a.
— Nossa, que coincidência. Esse é o meu prédio também,
venha, eu estou mesmo indo pra lá. Essa é a parte ruim de chegar
aqui cedo ou, no meu caso, de ficar durante as férias, as pessoas
desaparecem como formigas se enfiando em seus formigueiros. —
Ela estica o braço e pega uma de minhas malas, então começa a
caminhar enquanto fala animadamente. — Sou a única que ficou em
todo o prédio, quer dizer, eu e um garoto americano, só que ele
arrumou uma namorada no centro e passa mais tempo na casa da
garota do que aqui. — Ela vai falando sem parar, e gosto do seu
jeito extrovertido.
— Por que você ficou? Quer dizer... desculpa, se for algo
pessoal, você não precisa me dizer.
— Em parte, por grana. Minha casa fica bem distante. — Ela
sorri ao dizer isso. — Demandaria tempo e um dinheiro que pode
ser melhor gasto em livros, roupas, comida e tudo que preciso por
aqui. Além disso, não conte pra minha amma, mas eu prefiro ficar
aqui do que ter que lidar com quatro irmãos mais novos e
bagunceiros e uma casa em que mal posso ouvir meus
pensamentos.
— Amma?
— Minha mãe — ela explica. — Venha, vou te mostrar o
melhor caminho. Se você quiser evitar os garotos brancos chapados
que acham que podem ficar assobiando pra todo mundo, é bom não
passar por esse parque. Do outro lado do campus, tem um melhor
frequentado, eu costumo ir pra rezar, fazer pilates e fingir que não
estou paquerando alguns dos garotos da Educação Física.
Eu agradeço sorrindo e tento, ao máximo, assimilar tudo que
ela vai me falando sobre os prédios e todo o resto. Entramos no
prédio e eu agradeço por encontrar um elevador, porque meus
braços estão mortos de arrastar as malas pelo campus. Subimos no
elevador e ela pergunta qual o número na minha chave. Enfio a mão
no bolso do jeans e retiro o chaveiro com um 802, ela ri outra vez.
— É muita coincidência, sério! Estou no 801. E... nossa, acabo
de perceber que nunca perguntei seu nome.
— Milena — respondo sorrindo, pelo fato de estar no mesmo
andar que ela.
— Prazer, Milena. Eu sou a Deva.
Deva é minha guia por esses dois primeiros dias, ela me leva
para fazer compras de mercado, farmácia e coisas do tipo, também
me ensina quais ônibus pegar e me apresenta as instalações do
dormitório. Eu, inclusive, a acompanho até seu emprego em uma
cafeteria, no centro, e exploro um pouco da cidade durante seu
expediente. No fim da tarde, quando voltamos para o campus, tudo
está transformado. O que antes parecia um deserto, agora está
repleto de estudantes animados e sorridentes correndo de um lado
para o outro, abraçando-se. É nesse dia que eu conheço a minha
colega de quarto: Greta Almstedt. Numa primeira olhada, eu quero
me afundar na cama, porque a garota loira está espalhando malas
pelo quarto e parece ser o tipo de pessoa expansiva e insuportável
com a qual eu detesto ter que lidar. Ela me olha do meio da sua
bagunça de bagagens, examina-me cautelosamente e, então, diz:
— Você não se importa com a bagunça, não é? Só vai durar
um dia, dois no máximo.
É claro que dura bem mais. Ela é barulhenta, bagunceira, está
sempre ao telefone falando com alguém em diferentes idiomas, ou
então cantando, e, claro, está sempre pegando alguma coisa minha
sem pedir, meu carregador, por exemplo, e dizendo: “Você não se
importa, não é?”. E, como se não fosse o suficiente, Greta faz o
mesmo curso que eu e nunca anota nada.
— Ela vive pegando as minhas anotações — reclamo para
Deva. Estou sentada na sua cama, o quarto dela é meu novo
paraíso, porque sua colega de quarto está sempre treinando
esgrima, participando da equipe de natação, jogando tênis, o que
faz com que ela pareça extremamente legal, mesmo que nunca a
tenha visto.
— É como se ela estivesse treinando para as olimpíadas ou
coisa do tipo — Deva diz com certo cansaço. — Eu trocaria
facilmente com você. A Greta é uma das garotas mais famosas
desse campus, ela se mudou pra esse dormitório porque foi expulsa
do anterior. Dizem que ela foi pega transando com dois homens.
— Eu ouvi dizer que foram três caras — Greta diz. Ela está
parada na porta do quarto atrás de uma outra garota,
consideravelmente mais baixa que ela e que está com as maçãs do
rosto coradas pela situação constrangedora. Ambas estão usando
maiôs. — E tem uma versão em que eu estava vendendo drogas.
— Não deveria deixar as pessoas falarem o que querem de
você. — A garota que suponho ser a colega de quarto de Deva diz,
caminhando em direção ao banheiro.
— A verdade não é nem de longe tão interessante.
— Vocês se conhecem? — Deva pergunta.
— Eu e a Ayumi estamos na mesma equipe de natação desde
o primeiro semestre — Greta responde. — E você deve ser a
famosa Deva, que minha colega de quarto tanto fala.
Greta pisca para mim, passando a mão pelos cabelos ainda
molhados. Ayumi volta do banheiro e lhe entrega um condicionador.
— Fico te devendo essa — Greta diz, agradecendo e deixando
o quarto. Tenho vontade de ir atrás dela e me desculpar, não sei o
quanto ela ouviu da conversa, mas, de qualquer modo, eu me sinto
mal por isso.
— Droga! Tenho que ir — Deva fala, levantando-se da cama.
— Vou me atrasar para o meu turno na cafeteria.
Ela sai correndo e eu fico sozinha com sua colega de quarto,
que sorri para mim e estica a mão se apresentando. — Ayumi,
prazer.
— Eu sou a Milena.
— É, eu sei quem você é. A Greta não parou de falar sobre
como a colega de quarto nova é legal.
— E agora você acha que eu sou uma babaca por estar
falando mal dela.
— Não, ela faz o mesmo comigo. Eu nunca mais vou ver
aquele condicionador, só que ela compensa sendo uma boa amiga e
nunca te deixando na mão quando você precisa.
Nas semanas seguintes, vamos todas nos aproximando.
Ayumi é realmente fantástica. Ela é sensata, tem ideias incríveis e
cursa infectologia. Já está bem adiantada em seu curso, participa de
grupos de pesquisa, é super organizada e tem um senso de humor
cheio de sarcasmos, mas de uma forma extremamente inteligente
que me deixa apaixonada. Greta é Greta, ela continua sendo
expansiva, porém descubro que Ayumi tem razão quando um
professor faz um comentário com racismo velado ao falar de
políticas de cotas em uma disciplina e me usa como exemplo.
Protesto, perguntando se ele entende o absurdo que acaba de fazer
e o homem fica ultrajado, ofendido, como se o fato de eu estar
apontando o seu racismo fosse o problema, e não sua forma de
falar. Há um momento de silêncio constrangedor e ele parece
furioso, até que Greta fala.
— Sabe, professor, são pessoas como o senhor que não
permitem que o mundo se torne um lugar melhor, mas eu entendo.
Deve ser assustador a ideia de perder qualquer privilégio que
nossas bundas brancas conseguiram sem esforço. Eu só não sabia
que estava matriculada em introdução ao pensamento racista.
Na saída da aula, enquanto voltamos para o dormitório, Greta
me pede desculpas e eu não entendo a razão.
— Não queria ser a branca que tenta ser a salvadora nem
nada do tipo, só pensei nisso agora, só que aquele cara é um idiota
e eu fiquei irritada pelo modo como ele estava falando com você.
— Você não precisa se desculpar, Greta. De verdade. Eu que
quero agradecer por aquilo que falou ao professor e por me dizer
isso.
Ela me dá um abraço inesperado, que começa meio estranho,
contudo termina bem. Depois desse dia, passamos a ser amigas e
eu sempre pude contar com Greta para qualquer coisa. E foi assim
que nos tornamos um quarteto. Apesar de fazermos cursos
diferentes e termos dinâmicas de dia a dia e culturas tão distintas,
nos tornamos inseparáveis.

Estamos sentadas na grama, aproveitando um dos últimos


dias de sol antes do começo do inverno. Penso no fato de estar em
Budapeste há quase oito meses e em como estou feliz por isso.
Tenho três amigas maravilhosas, boas notas, estou adorando meu
curso. Tudo simplesmente se encaixa.
— Aquele ali é carne nova — Greta diz. Olho para o homem
alto de cabelos castanhos.
Ele está caminhando na nossa direção? Acho que sim, porque
agora ele está sorrindo, sorrindo para a gente. Ayumi se levanta
ajustando o vestido e, então, abraça o homem alto e absurdamente
bonito que retribui. Meus olhos estão fixos no rosto dele, enquanto o
homem abraça minha amiga. Em seguida, ele abre seus olhos e me
encara, o que lança eletricidade pelo meu corpo.
— Ayumi, não vai nos apresentar o seu amigo? — Deva diz,
admirando-o de cima a baixo.
— Claro. Gunter, essas são Greta, Deva e Milena.
Greta tira os óculos escuros e encara o homem com uma
expressão que conhecemos bem, é como se eles fossem carne
rodando no espeto. Normalmente, eu estaria rindo disso, todavia
estou focada nos olhos gentis daquele homem, na forma adorável
como nos cumprimenta. Quando ele olha para mim, sustenta o
olhar. É o tipo de olhar capaz de despir alguém e eu gosto disso. Ele
diz que precisa ir embora e é tão adorável que eu tenho que me
conter para não suspirar.
— Como alguém pode ser tão bonito, tão gostoso e, ainda
assim, ter esse arzinho charmoso de tonto? — Deva questiona,
batendo na própria coxa. Ela se levanta com suas calças legging
coladas ao corpo e começa a se alongar. — Ele gostou de você,
Milena.
Fico sem jeito quando ela diz isso, porém olho para o homem
outra vez, ele está caminhando, costas largas, passos firmes. Meus
olhos encontram os de Ayumi e há algo neles, algo que não sei
identificar.
— Não, claro que não, é impressão sua. E Ayumi parece
gostar dele.
— Não! Eu gosto dele, mas como amigo. Somos só amigos —
ela responde.
— Tem certeza?
— Claro. Ele é só meu amigo. Não vai passar disso.
— E como eu nunca vi esse homem lindo nesse campus
antes? — Greta pergunta, colocando os óculos de sol de volta.
— Ele é da pós-graduação e meu tutor em epidemiologia.
— Tutor? E você tem certeza de que não quer que ele te tutore
um pouco mais? — Greta questiona.
— Ah, eu ia querer ele me tutorando... — Deva afirma,
mudando de posição no exercício. Ela se inclina numa posição que
parece humanamente impossível e um rapaz que está passando se
desequilibra olhando para ela.
— Amiga, investe nesse homem e perde essa virgindade,
porque, depois da primeira vez, tudo fica uma delícia — Greta
comenta.
Eu sonho com Gunter alguns dias depois e acordo no meio da
noite excitada e em um quarto vazio, porque Greta não voltou para
casa depois da balada. Passamos algum tempo sem nos
encontrarmos, até que recebo uma mensagem no meu celular de
um número desconhecido dizendo: “Pedi seu número a Ayumi,
espero que não se importe, desde aquele dia não paro de
pensar em você”. E não paramos mais de trocar mensagem. Em
um primeiro momento, eu achei que seria estranho e que não
teríamos assunto, tudo que tínhamos em comum era o fato de
acharmos Ayumi incrível. No entanto, rapidamente descobri que
Gunter era mesmo o que eu imaginava: atencioso ao ponto de
lembrar as datas das minhas provas e enviar um kit de bons
estudos, inteligente, bem-posicionado no que diz respeito à
política...
Saímos uma vez para tomar um café no local onde Deva
trabalha, mas eu tive que deixá-lo sozinho depois de pouco tempo
do encontro, porque Greta perdeu as chaves do dormitório. Depois
disso, até marcamos, só que ou eu estava focada nas provas ou ele
nos seus experimentos no laboratório de análises. Quando o
convidei para a boate, realmente achei que fosse dar certo dessa
vez. Eu não tinha contado às minhas amigas sobre todas as
mensagens com Gunter, não por falta de confiança, e sim porque
não queria a pressão da virgindade pairando ou Greta tentando me
dar dicas sexuais. Gunter, no entanto, nunca apareceu e a noite
virou uma bagunça quando minhas amigas sumiram.
Budapeste, dezembro de 2019

— Que tipo de empresário não vai à festa de inauguração da


própria boate? — Jordi questiona, ajustando os punhos da camisa.
— O tipo que está exausto. Além disso, não é exatamente a
minha boate. — E não é. A Cubo é de um amigo, que está alugando
um espaço anexo que pertence ao hotel. Eu estava reticente no
começo, mas é uma boa ideia, o isolamento acústico não incomoda
os hóspedes mais tranquilos e os que gostam de festa vão
encontrar isso perto do hotel.
— Tecnicalidades, venha comigo. E não vou aceitar não como
resposta.
— Aqui não é a sua cozinha, Jordi. Você não pode me dar
ordens.
— Claro que posso. E, se não adiantar, sempre posso explorar
outros artifícios, que tal chantagem? Eu sou seu irmão mais novo e
você está me negligenciando — ele afirma sorrindo.
— Você tem quase trinta anos. Tenho certeza de que vai ficar
bem.
— Ok, barganha, então. Se você sair pra se divertir e beber um
pouco comigo, eu prometo que consigo te livrar do próximo evento
político do Adam.
— Agora você está falando a minha língua! — respondo,
levantando-me da cadeira. Não ir a um evento político do nosso
irmão mais velho é realmente uma boa oferta. Adam é o tipo de
pessoa de quem a política realmente precisa: honesto, prático,
totalmente preocupado com a economia e base produtiva deste
país. No entanto, isso não significa que eu goste de sorrir e acenar
em todos os seus eventos. Jordi diz que, como nosso irmão mais
velho é solteiro, nós somos os irmãos troféus. Ele nos exibe para
disseminar uma ideia de base familiar sólida, que ofereça um forte
apelo à opinião pública.
Batidas na porta do meu escritório são sucedidas por sua
abertura. Philip, o amigo que está inaugurando a boate, aparece
sorridente.
— Sua secretária não está mais aqui — ele afirma, justificando
a entrada não anunciada.
— Ela já foi, já passou do horário, mas entre, Philip.
Ele passa pela porta e cumprimenta Jordi com um aperto de
mãos.
— Pronto pra inauguração?
— Claro, eu disse a você que não faltaria.
Meu irmão me olha arqueando as sobrancelhas, com uma
expressão de surpresa e uma irritação que sei ser forçada. Quando
estamos descendo, ele bate nas minhas costas e diz: — Filho da
mãe! Você trapaceou.
— Você deveria ser menos precipitado. Agora vai ter que me
livrar do próximo evento do Adam.
Depois de conhecer algumas pessoas que vão sendo
apresentadas por Philip, eu me sento no bar com Jordi, que está
mandando mensagens.
— Hanna acabou de chegar, vou buscá-la na entrada — ele
diz, sorrindo como um idiota apaixonado ao falar da noiva. Quando
ele desaparece na multidão, eu olho ao redor pela primeira vez
nessa noite. Já tinha vindo na boate antes, quando tudo havia ficado
pronto, mas vê-la assim, cheia, luzes funcionando, música rolando...
dá uma outra dimensão.
Há um grupo de garotas no bar, uma delas beija o bartender.
Em seguida, vejo quando as garotas pedem absintos flamejantes e
rio comigo mesmo, porque, Deus, elas vão se arrepender disso mais
tarde. Coloco meus olhos em uma das garotas e tenho dificuldade
de tirá-los. Ela tem a pele negra, cabelos longos, está usando um
vestido curtinho, no qual exibe um par de pernas que faz com que
eu precise ajustar meu pau nas calças.
— Andras Quotar! — uma voz diz nas minhas costas.
Eu me viro para encontrar Miklós, sócio do meu irmão mais
novo. Não gosto do cara, Jordi o adora, porém eu simplesmente não
gosto. Não sei explicar a razão, mas os nossos santos não batem.
Ainda assim, eu o cumprimento educadamente e ele começa a falar
sobre como essa boate é uma boa adição ao hotel, que eu deveria
considerar ampliar a ideia para a rede. Eu vou acenando
positivamente, enquanto noto que a garota que eu estava olhando
desapareceu. Jordi volta com Hanna e a loira me cumprimenta com
um beijo no rosto. Conversamos um pouco, bebemos algumas
doses de uísque, e então meu irmão tenta me convencer a ir para a
pista de dança. Contudo, a ideia de ficar lá embaixo, naquela
multidão, não parece muito convidativa, prefiro a tortura de continuar
sentado perto de Miklós.
Observo Hanna e Jordi dançando devagar numa música rápida
e isso me faz sorrir. Eles são um casal bonito e estão noivos há
pouco tempo, na verdade, toda a relação começou e avançou bem
rápido, mas ela o faz feliz e isso é tudo que importa para mim.
Penso em Adam falando que nosso irmão mais novo vai ser o
primeiro a casar. É compreensível, Jordi é mais caseiro, mais
família, o tipo de cara que gosta de reunir todo mundo, de
compartilhar momentos e que, de alguma forma, consegue separar
sua vida profissional da afetiva, consegue conciliar as coisas. Eu
nunca fui bom nisso.
Enquanto estou olhando a multidão se divertindo, meus olhos
encontram a garota que tinha chamado minha atenção antes. Bato
no ombro de Miklós e começo a descer as escadas, porque estou
decidido que quero beijar aquela mulher. Estou na metade dos
degraus quando uma garota esbarra em mim e joga os cabelos para
cima, deixando os seios em evidência no decote, antes de dizer algo
como “faça outra vez, só que mais devagar”. Eu levo um segundo
para entender que ela se refere ao choque entre nossos corpos. Ela
é bonita, muito bonita, só que não é quem eu quero no momento.
Então, peço desculpas e digo que talvez numa próxima, sem ao
menos esperar que ela diga qualquer outra coisa. Leva alguns
minutos para que eu consiga encontrar a mulher que vi antes,
porque aqui de baixo tudo fica mais complicado. Ainda assim, eu me
aproximo dela.
— Oi, você quer dançar? — pergunto, sorrindo e um pouco
apreensivo. Ela se vira rapidamente, como se estivesse procurando
outra pessoa, como se fosse estranho que eu estivesse falando com
ela. E as palavras que saem de sua boca confirmam minha
suspeita.
— Você está me chamando pra dançar?
— É. E, antes que diga não, deveria, pelo menos, saber que
eu não consigo tirar meus olhos de você e que acabei de atravessar
um mar de pessoas pra chegar até aqui.
Dou um passo para trás porque, mesmo no meio dessa
bagunça de som e de pessoas, tudo parece cessar um pouco para
que eu possa olhá-la. A mulher sorri de uma forma tímida e
encantadora e, naquele momento, eu decido que a quero.
— Então, vamos dançar! — ela responde sorrindo. Não
demora para que estejamos colados um no outro, dançando,
enquanto uma eletricidade percorre o meu corpo e eu fico pensando
como é possível que essa estranha faça com que eu me sinta tão
bem. A sensação cresce quando ela vira de costas para mim e eu a
seguro pela cintura, mantendo-a contra meu corpo, enquanto ela
dança e eu tento acompanhar seu ritmo. A bunda dela fica incrível
no vestido e, no momento que penso nisso, percebo que quero vê-la
sem roupa, empinada na minha cama.
Minha mão desce pelo seu braço, cada toque enviando ondas
de prazer e fazendo com que as batidas do meu coração se percam
junto com as da música. Meus olhos se estreitam e eu adoro esse
momento na conquista, sempre gostei do jogo dos corpos, do
avanço nos contatos. Sexo é bom, não, sexo é ótimo, mas essa
parte, de alguma forma, consegue ser a minha parte predileta, a que
constrói toda a antecipação e o desejo. Uma nova música passa por
cima da anterior e ela se vira outra vez, nossos olhos se encontram,
os dela são lindos, os lábios deliciosos. Estou pensando em
aproximar minha boca da sua e deixar claro que quero beijá-la,
quando suas mãos sobem pelos meus braços e descansam nos
meus ombros. Ela se inclina na minha direção, os seios encostando
no meu peito.
— Você deveria me beijar — ela diz. Então, eu deslizo meus
dedos pelo seu maxilar e aproximo mais o seu rosto do meu. Colo
nossos lábios rapidamente e me afasto para olhá-la outra vez. Seu
rosto está cheio de desejo e ela avança para repetir a dose, porém
dessa vez é diferente. No momento em que sua boca encontra a
minha, sou envolvido em um beijo que, sem dúvidas, é o melhor da
minha vida. O modo como a minha língua dança em sua boca
acende meu corpo inteiro, minhas mãos se apertam contra seu
corpo, descendo pela curva abaixo da cintura e repousando na
bunda maravilhosa, realçada pelo vestido justo.
— Uau! Você é bom nisso! — ela diz, mordendo o lábio
quando nos afastamos, o gesto faz meu pau acordar. No entanto,
também é engraçado porque ela está realmente surpresa e um
pouco embaraçada pelo beijo.
— Se você achou isso bom, deveria experimentar a minha
língua no meio das suas pernas — respondo, passando meus dedos
pelas raízes do cabelo da mulher fodidamente gostosa parada na
minha frente. As mãos dela param no meu peito, segurando o tecido
da minha camisa com força. Ela abaixa a cabeça por um segundo,
apoiando-a em meu peito.
— Acho que preciso de mais uma bebida — ela diz. — E,
talvez, possamos dançar um pouco mais, antes que eu decida se
você pode ou não colocar sua língua no meio das minhas pernas.
Deixo escapar uma risada e pego-a pela mão, indo até o bar.
Noto quando ela olha ao redor e parece estar procurando alguém.
Enquanto peço as bebidas, ela está ao telefone, os dedos se
movendo freneticamente.
— Perdeu suas amigas?
— Acho que elas me abandonaram. Quer dizer, uma delas foi
levar a outra que estava bêbada pra casa e nem se deu ao trabalho
de me avisar, até já estar na... qual a palavra mesmo? Talvez eu já
tenha bebido demais.
— Que tal uma água? — questiono. Ela acena positivamente e
prende os lábios enquanto me observa. — Posso te levar pra sua
casa, se você quiser.
— Não quero. Estou bem aqui.
— Sabe, eu notei agora que você não me disse seu nome —
afirmo, enquanto abro a garrafa de água para entregá-la.
— Você não perguntou — ela responde piscando. Minha mão
livre vai para a sua cintura e aperta, puxando-a para perto porque,
porra, preciso continuar tocando nela. Realmente preciso. Aproximo
minha boca da sua, que se abre um pouco esperando pelo beijo,
mas, em vez disso, eu colo meus lábios em seu ouvido.
— Como você se chama?
— Milena — ela responde, virando um pouco a cabeça na
minha direção, procurando por mais contato.
— É um prazer, Milena. Eu sou o Andras.
— Andras — ela fala como se estivesse experimentando meu
nome, e eu juro por Deus que nunca gostei tanto de ouvir meu
próprio nome. Quero ouvi-la repetindo-o em meio ao prazer, quero
essa mulher gritando o meu nome, enquanto enterro meu pau
dentro dela. — É um nome gostoso.
— É? — Meu polegar vai para os seus lábios, separando-os
gentilmente, descendo pelo inferior até o queixo, a mão migrando
posteriormente para o pescoço de Milena.
— Acho que me decidi — ela diz sorrindo.
— Sobre o quê?
— Sobre a oferta de ter a sua boca no meio das minhas
pernas.
Nem deixo que ela diga mais nada, já estou cruzando o salão
com o corpo dela grudado ao meu. Passo pela multidão até a porta
de acesso que leva ao escritório da boate e ao elevador que
interliga o espaço ao hotel.
— Você é maluco? Não podemos entrar aqui.
— Podemos, sim, confie em mim — afirmo, colocando seu
corpo na frente do meu, enquanto chamo o elevador. Minha boca vai
para a sua nuca, as mãos passeiam pelo seu corpo e ela começa a
soltar pequenos gemidos que me deixam ainda mais excitado.
Assim que entramos no elevador, eu aperto o botão da cobertura,
encosto o corpo de Milena contra a lateral de aço e volto a beijá-la.
Ela corresponde imediatamente, suas mãos puxando a minha
camisa, as unhas explorando a minha pele.
— Alguém já te disse que você é absurdamente gostoso? —
ela questiona. Solto uma risada enquanto minha boca está
explorando seu pescoço, a mão subindo pela coxa grossa e
apreciando a maciez de sua pele.
— Não. Você é a primeira.
— Mentiroso — ela protesta.
— Você é absurdamente gostosa. Tão gostosa que eu estou
aqui pensando no fato de que poderia passar a noite toda te
fodendo.
O elevador para em um andar que está totalmente escuro.
— Você não vai me matar nem nada assim, vai? — ela
pergunta. Meu primeiro impulso é o de sorrir, porém percebo que
pode haver alguma parte dela que está falando sério. Afinal de
contas, ela está sozinha, com um homem sobre o qual ela só sabe o
primeiro nome. É uma pergunta justa.
— Prometo que não. Você pode confiar em mim.
— Por alguma razão, eu confio.
Na medida que caminhamos pelo corredor, os sensores vão
ativando as luzes e eu coloco a senha que destrava a porta do meu
quarto. Milena olha ao redor e eu digo para que ela fique à vontade.
— Esse lugar é incrível, você trabalha no hotel?
— Sim.
— E não vai se meter em problemas por isso?
— Não. O dono do hotel não se importa — afirmo,
posicionando-me atrás dela e segurando-a pela cintura. Desço
minhas mãos por suas pernas até encontrar o fim do vestido, no
meio das coxas, e começo a subi-lo enquanto deixo beijos e
mordidas pelo pescoço de Milena. — Eu preciso de um banho. —
Aspiro seu perfume e fico inebriado. Como ela é cheirosa, meu
Deus. — Você vem comigo?
— Acho que vou te esperar aqui — ela diz. — Tem algo pra
beber?
Aponto para o carrinho de bebida enquanto começo a tirar
minha camisa, deixando-a jogada numa poltrona. Quando me viro
para olhar Milena, ela está parada com uma taça de vinho na mão,
encarando-me com um sorriso em seu lindo rosto.
— Tem certeza de que não quer se juntar a mim no banho? —
Estou louco por ela e não quero me afastar agora.
— No momento, eu não tenho certeza de nada — ela
responde, dando um gole na bebida. Avanço para o banheiro dando
uma risada da expressão dela, mas, depois, quando estou no
chuveiro, uma parte do que ela disse fica entranhada em mim. Tomo
um banho sem demorar muito.
Passo a toalha ao redor do meu corpo, seco os cabelos e volto
para o quarto, encontrando Milena sentada na cama. Ela levanta
rapidamente assim que me vê, deixa a taça de vinho de lado e se
aproxima, colocando outra vez suas mãos em mim. Sem a camisa,
a intensidade do toque ganha outra dimensão. Vejo a garrafa de
vinho pela metade na mesa de cabeceira, e Milena, que já estava
levemente embriagada, agora parece pior. A frase dela retorna, sua
voz sedosa dizendo “No momento, eu não tenho certeza de nada”
me desanima. Não posso fazer isso.
— Por que você não se deita um pouco e descansa? — sugiro.
— Descansar? Achei que você quisesse me comer a noite
toda.
— Quero, claro que quero, mas... — Nesse momento, meu
corpo está amaldiçoando a minha cabeça, e Milena está deslizando
o vestido pelo corpo, ficando apenas com uma lingerie branca. Puta
merda, que mulher gostosa!
— Mas...
— Não posso fazer isso.
— E se eu disser que nunca fiz isso antes e quero que você
seja o primeiro?
— Você tá brincando comigo?
— Não. Não estou.
— A resposta ainda vai ser não — respondo, engolindo a seco.
Na verdade, isso só reforça a minha decisão, porém não conto isso
a ela, não quero que me entenda mal. — Você é gostosa demais e
eu te quero desde o primeiro segundo que te vi, só que você bebeu
e acaba de me dizer que nunca transou antes, então não posso
fazer isso sem que você esteja sóbria.
— Andras, eu quero isso. Eu estou consentindo. — Ela se
aproxima e me beija, não resisto ao desejo de colocar sua boca na
minha, mas, assim que nosso lábios se separam, eu digo que vou
me vestir e levá-la para casa.
— Ou você pode dormir aqui — sugiro, soltando-a.
Milena me encara e, em seguida, caminha até a cama. Seu
corpo maravilhoso se movimentando com nada além de duas peças
minúsculas cobrindo-o.
— Você é um idiota — ela me xinga, antes de se deitar na
cama. Passo a mão pelos meus cabelos, termino de me secar e
então deito ao seu lado. Estou de pau duro, deitado na cama com
uma mulher extremamente bonita e com a qual adoraria estar
transando, contudo, em vez disso, estou encarando o teto.
Milena dorme rápido, o que confirma que eu tinha razão sobre
a bebida. Em algum ponto da noite, eu acordo com ela se
aninhando no meu peito e me surpreendo com o quanto gosto
dessa sensação, de tê-la assim, nos meus braços, de cuidar dela.
Um alerta é acionado na minha cabeça, uma voz diz: “Cuidado ou
você vai acabar se apaixonando, Andras”. Essa voz só não sabia
ainda que já era tarde demais.
Acordo com os primeiros raios de sol da manhã e o corpo de
Milena está colado ao meu, sua bunda deliciosa encostada no meu
pau, que está rígido e pedindo por alívio. No meu rosto, estão os
seus cabelos, o cheiro que exala deles é delicioso. Afasto meu
corpo do seu a contragosto, preciso de um banho frio. Começo a me
despir no quarto mesmo e pego uma das toalhas cuidadosamente
empilhadas no armário. Estou prestes a passá-la pelo meu corpo nu
quando o telefone toca, pego o aparelho temendo que acorde
Milena, então vou até a varanda e atendo a ligação. Está frio. A
neve cai do lado de fora e deixa Budapeste branca. Eu gosto dos
dias de verão, porém o inverno tem um charme particular. Além
disso, desde criança, sou o tipo de pessoa que gosta muito das
férias de inverno. Era o momento em que eu e meus irmãos
voltávamos para casa e passávamos o máximo de tempo possível
com nossos pais e avós.
Eles partiram e ficamos os três, eu, Jordi e Adam, tentando
manter as tradições e driblando o tempo nessa tentativa. Seja como
for, sempre celebramos o fim de ano juntos. É uma ligação de
trabalho. É domingo pela manhã, muito cedo, mas, quando se tem
uma rede de hotéis, mesmo com funcionários extremamente
competentes, há sempre algum incêndio que precisa ser apagado.
Escuto tudo, digo o que precisam fazer e, em seguida, desligo e
volto para o quarto. Quando faço isso, dou de cara com Milena. Ela
está sentada na cama, o lençol cobrindo o corpo em uma expressão
de constrangimento evidente. Era isso que eu queria evitar na noite
passada, porque consentimento não é apenas sobre dizer sim, é
também sobre ter condições de dizê-lo.
— Bom dia, Milena — digo, passando a toalha pelo meu corpo.
— Merda! — ela diz e leva a mão à boca, como se o
xingamento tivesse escapado, como se pretendesse apenas pensar
aquilo, não dizer em voz alta. — Me desculpe, bom dia. Eu... me...
eu... você está sem roupa.
— É, uma das etapas do banho envolve tirar a roupa. —
Quando digo isso, estou sorrindo e esperando que ela faça o
mesmo, porém Milena parece ficar ainda mais tensa. — Me
desculpe, eu vou me vestir, se você for ficar menos desconfortável
com isso. Posso pedir algo pra você comer e um remédio pra
ressaca, talvez.
Ela passa a mão na testa rapidamente, baixando a cabeça, e
então me olha outra vez.
— Sou eu quem tinha que pedir desculpas, estou morrendo de
vergonha, me desculpe. Eu não... só quero que saiba que eu não
costumo fazer esse tipo de coisa, sair com estranhos que encontro
em boates e ir pra cama deles.
— É, acho que, tecnicamente, fomos pra cama, mas você
lembra da noite passada, certo?
— Lembro, pelo menos da maior parte dela — ela responde.
Milena levanta trazendo consigo o lençol e começa a procurar pelo
vestido, porém não quero que ela vá embora. É estranho assumir
isso, considerando que a conheço por tão pouco tempo.
— Eu preciso ir embora — ela fala. Não sei se está falando
comigo ou consigo mesma, de qualquer forma, ela parece um pouco
irritada.
— Não precisa. Você não precisa sair daqui correndo. — Paro
na sua frente e tento encará-la, contudo Milena desvia o olhar. —
Você pode olhar pra mim por um minuto?
— Não! Você não precisa se preocupar comigo, eu que me
ofereci pra você e agora estou me sentido uma boba. Pra completar,
não consigo achar a droga do meu vestido.
— Ei... — interrompo-a, pegando em seu ombro. Coloco a mão
livre no rosto de Milena, acariciando-o levemente. Ela está se
sentindo rejeitada. Não pensei nisso na noite passada, todavia devo
admitir que o argumento não mudaria minha decisão. — Milena,
você é linda. E dormir ao seu lado sem poder te tocar foi uma
tortura. Eu só estava fazendo o que acho ser certo, não podia correr
o risco de dormir com você sem ter certeza de que você lembraria
hoje pela manhã.
— Sei que não posso ficar chateada por você fazer a coisa
certa, é só que... sei lá, eu me senti uma idiota por ter sido tão
ousada e...
— E ter ouvido um não?
— É — ela assume, desviando seus olhos dos meus. Eles se
fixam em alguma coisa e Milena caminha um pouco, pegando seu
vestido que está numa poltrona, fui eu que o coloquei lá hoje pela
manhã. — Eu vou me vestir e deixar você em paz.
— Não quero que me deixe em paz — afirmo, aproximando-
me outra vez, agora com a mão em sua cintura e trazendo-a
firmemente para mais perto. Milena joga a cabeça para trás, rendida
pelo meu gesto inesperado, e eu aproximo minha boca da sua
lentamente.
Mas ela se solta dos meus braços e vai para o banheiro. Levo
um tempo para entender que ela está escovando os dentes com
algumas das escovas novas que tem nessas suítes. Isso me faz
sorrir. Mas quando ela volta, minutos depois, eu mal dou ela tempo
de dizer nada e nossos lábios se encontram, então avanço,
deixando que minha língua explore o prazer do contato com a dela.
— Sinto muito se fiz você achar que não a queria ontem à noite,
porque eu queria, ainda quero. Vamos fazer o seguinte: você toma
café da manhã aqui comigo e conversamos com calma. Tudo bem?
— Você realmente ainda me quer? Mesmo depois de eu ter te
chamado de idiota e dessa cena ridícula agora?
— Achei adorável, em ambos os casos — respondo. Milena
sorri e coloca sua mão no meu braço, apertando um pouco o
músculo nu. Eu a beijo outra vez, com mais intensidade. Em
seguida, minha mão está na sua bunda maravilhosa, colando o
corpo de Milena no meu de uma forma deliciosa que me deixa duro.
Ela afasta os lábios dos meus e abaixa a cabeça, olhando para o
espaço entre nós. Meu pau está armando barraca na toalha e o
contato com o algodão é doloroso porque o que realmente quero
sentir é ela, sua pele.
— Você vai transar comigo agora?
— Você quer que eu faça isso?
— Eu já queria ontem, Andras, agora eu tenho ainda mais
certeza.
— Acho que talvez devêssemos conversar sobre o que isso
significa. — A minha cabeça está dividida entre o desejo de jogá-la
na cama e fazê-la não só mulher, mas também a minha mulher. Isso
me causa uma sensação estranha que não sei como nomear. Já a
outra parte quer garantir que ela tem certeza do que está me
pedindo.
— É só sexo — ela responde. — Eu quero que seja com você.
O que mais precisa ser dito?
Não respondo porque não é necessário. Ela tem certeza. Está
dizendo que tem certeza. Retiro o lençol que está entre nós e o jogo
para longe, agora eu só quero a pele dela contra a minha, nada
mais. Até mesmo a lingerie incrivelmente sexy é um incômodo no
momento. Então, eu a prendo nos meus braços e nos movo, entre
beijos, até o chuveiro. Meus planos iniciais de um banho frio são
desnecessários agora, logo aciono a água quente enquanto retiro o
sutiã de Milena com um só movimento. Ela morde o lábio e eu
desço as mãos por seu corpo curvilíneo, depois pego na renda da
calcinha, puxando-a para baixo de uma só vez. Ela está na nua e
deliciosa na minha frente e a água quente começa a cair sobre os
nossos corpos. Eu jogo minha toalha para longe. Continuamos nos
beijando debaixo do chuveiro e eu gosto do fato de que ela não está
tímida, há uma certa insegurança, com certeza, julgo-a normal, mas
não há timidez.
— Você é muito linda — digo, enquanto a espuma se arrasta
lentamente pelo corpo de Milena. Minhas mãos vão para sua bunda
outra vez e a trago para perto. Sem o salto com o qual ela estava na
noite passada, nossa diferença de altura fica considerável e ela
cabe perfeitamente debaixo do meu queixo. Beijo-a novamente, e
repetidamente, até que Milena leva sua mão para o meu pau e eu
percebo que estou dolorosamente duro de novo.
— Acho que as minhas pernas não aguentam isso — ela
confessa. — Vamos pra cama.
Atendo ao seu pedido e me seco rapidamente, enquanto
Milena está de frente para o espelho secando os cabelos. Fico por
trás dela e beijo seu pescoço. — O que você quer que eu faça com
você? Alguma demanda específica?
— O que você normalmente faria? — Solto uma risada, porque
ela não está pronta para o que eu normalmente faria. Não mesmo.
— Não posso fazer o que eu normalmente faria com você,
Milena. Não na sua primeira vez.
— Então, cumpra o que ficou me devendo na noite passada —
ela pede. E eu sei exatamente por onde começar.
Beijo Milena novamente, porém, dessa vez, levo nossos
corpos para a cama. Solto-a gentilmente no colchão e estou
pairando sobre ela, enquanto sua boca se contorce em um sorriso
que aquece meu peito. Coloco uma mão na sua coxa, esfregando
meu corpo contra o seu, na medida que avanço nos beijos. Desço
minha boca pelo seu queixo, pescoço, dou uma atenção especial
aos seios firmes, cheios, com bicos eriçados que vão ficando ainda
mais firmes quando passo minha língua por eles.
— Isso é bom — ela diz entre gemidos, quando desço minha
boca por sua barriga.
— Você ainda não viu nada — argumento de forma
convencida, enquanto ergo sua perna e coloco minha cabeça no
meio das suas coxas, como prometido. Roço minha barba pela
extremidade de sua perna até chegar ao prato principal. Passo a
língua por sua vagina, traçando um percurso lento e longo, sentindo
que ela já está excitada. É um bom primeiro passo e o gosto de
Milena na minha boca faz com que eu precise apelar para o meu
autocontrole. Quero estar dentro dessa mulher, contudo preciso ser
cuidadoso.
Coloco minha língua nela novamente, mas agora explorando-a
de fato. Não demora para que Milena leve as mãos para o meu
cabelo e para que eu possa sentir sua perna dando pequenos
espasmos de prazer, ao mesmo tempo em que ela tenta friccionar
sua boceta contra a minha boca. Levo meu tempo, sou
torturantemente lento, porém estou consciente de que estou me
torturando mais do que a ela. Milena está extremamente excitada,
posso sentir isso pela forma como seu corpo se arqueia, na dureza
dos mamilos quando passeio a mão pelos seus seios, na forma
como ela chama meu nome. Gosto particularmente desse último,
gosto do meu nome deixando seus lábios com esse tom de prazer.
Penso em tudo que podemos fazer depois e quase explodo na
antecipação. Respiro nela, aquecendo sua vagina, e Milena solta
um gritinho delicioso. Após isso, volto a passar minha língua de um
lado ao outro e foco novamente no ponto que realmente interessa.
Ela goza, uma, duas vezes. E eu adoro saber que estou provocando
isso, adoro suas unhas no meu ombro e a forma como ela diz
“Andras, venha aqui”, com a respiração cortada.
— Gostou? — pergunto, quando volto para encarar seu rosto.
Ela acena positivamente, ainda sem fôlego. Minha mão vai para o
meio de suas pernas, coletando parte do orgasmo de Milena e
trazendo-o para minha boca.
— Meu corpo todo está pulsando — ela diz. — Acho que está
pedindo pelo seu.
— Está. E o meu também quer muito o seu, porém preciso
saber se você quer mesmo isso.
— Quero que seja com você. Só não esqueça de ser gentil
comigo, tudo bem?
—Vou ser. Eu prometo. Você tem alguma dúvida?
— Isso vai caber em mim? — ela questiona sorrindo, enquanto
menciona meu pau, mas o seu corpo está tenso.
— Vai, vai, sim. Você sabe que pode dizer não a qualquer
momento, certo? Diga que não quer isso e eu paro. — Coloco minha
mão em seu rosto e afasto alguns fios de cabelo teimosos que
insistem em esconder o rosto maravilhoso que Milena tem. Ela
passa a mão pelo meu peito e a desce para encontrar minha
ereção, o que faz com que eu rosne de prazer.
— Não vou querer que pare — ela responde, beijando-me
outra vez.
Pego a camisinha, esticando-me para a mesa de cabeceira na
qual o celular de Milena está piscando, estou excitado demais para
me preocupar com isso no momento. Apago tudo que não seja ela e
o quanto a quero da minha mente. Então, depois de colocar a
camisinha, começo a lubrificar Milena ao levar um dedo para dentro
dela. Assisto à sua expressão, ela morde o lábio, respira fundo e me
pede para continuar. Vou me afundando com um só dedo, devagar,
esticando-a, até que sinto que posso adicionar outro e Milena, dessa
vez, agarra meu braço com força.
— Tudo bem?
— Continue! Apenas continue! — Faço o que ela diz, então
abro meus dedos e os fecho dentro dela, alargando sua boceta
extremamente apertada. Pensar nisso me faz querer parar com tudo
e simplesmente me enterrar dentro dela. Milena rebola um
pouquinho nos meus dedos e eu intensifico a masturbação.
Fechando-os e puxando-os para a frente, como um arco dentro de
sua boceta. — Pare de me torturar — ela pede. — Andras, por
favor... apenas...
— Preciso que tenha paciência, tudo bem? Não quero que
você se machuque, Milena. — Eu me odiaria se fosse o cara que a
machucou, se transformasse essa primeira experiência no sexo em
uma coisa ruim. Coloco outro dedo e, com o terceiro, Milena grita,
morde um pedaço do lábio inferior e arqueia seu corpo na minha
direção.
— Entre em mim, por favor — ela pede. — Faça isso ou vou
matar você!
A ameaça poderia ser vazia, porém minha mente pensa que
talvez ela me mate mesmo, de prazer. Meu pau está pesando,
doendo, preciso estar dentro dela, preciso fazer isso logo.
— Abra bem as pernas — peço. E Milena faz isso. A visão é a
porra de um espetáculo. — Provavelmente, vai doer um pouco, mas
me diga se não puder suportar.
Ela acena positivamente e eu me acomodo em sua entrada,
começando a penetrá-la. Devagar, pouco a pouco, enquanto me
concentro no seu rosto. Todos os seus músculos se tensionam e
meu pau recebe seu aperto, o que me leva a uma mudança de
ritmo, um pouquinho mais devagar, essa parece ser a medida certa.
Eu a beijo novamente, quero que meus lábios ofereçam alguma
distração.
— Toque seus seios — peço. — Vai te ajudar.
Ela faz o que eu digo, ao mesmo tempo em que impulsiona o
quadril na tentativa de ir de encontro à pressão e resistência que a
boceta de Milena oferece. Leva mais um tempo e, então, finalmente,
estou suficientemente dentro dela.
— Como você se sente?
— Como um peru na ação de graças — ela responde sorrindo,
mas há lágrimas em seus olhos eu odeio o fato de que ela está com
dor, odeio que esteja causando-a. — Merda, isso não é nada sexy,
é?
— Não tem nada que possa fazer com que você não seja sexy,
Milena. Está doendo?
— Um pouco, porém não é nada que eu não possa suportar,
eu quero você. Vai me fazer implorar?
— Não. Não vou. — Seria castigar a mim mesmo. — Vou me
mover agora, tudo bem?
Ela acena positivamente e eu faço isso, saio de dentro dela
rapidamente, porém retorno em um ritmo mais lento, a resistência
continua lá, claro, e a camisinha está suja do seu sangue. Já tinha
dormido com virgens antes, algumas vezes, quando era mais novo.
No entanto, ver a evidência da virgindade nunca tinha me deixado
tão alarmado. Em vez de me mover, fico quieto dentro dela,
beijando-a com intensidade, tentando de alguma forma me redimir
por ter causado essa dor. É Milena que demanda o movimento, ela
faz isso mexendo seus quadris e apertando meus bíceps. Ela está
ansiosa por isso e devo confessar que também estou, estar dentro
dela é maravilhoso, porém me mover, entrar e sair, observando o
modo como sua boca se abre em surpresa a cada novo movimento
que vem com um pouco mais de intensidade, porra, é a melhor
coisa do mundo. Continuo olhando-a enquanto me movo, indo mais
fundo, mas tentando ao máximo ser delicado.
— Acha que posso aumentar o ritmo um pouco?
Ela concorda com a cabeça, então eu me movo mais rápido,
extasiado pela sua entrega, pelo modo como ela confiou em mim.
Quero essa mulher de uma forma que não faz sentido, de uma
forma que nunca quis ninguém antes. Continuo me movendo,
entrando e saindo de dentro dela, deixando que ela se movimente
para aumentar o prazer. Milena ergue as pernas, prendendo-as
contra o meu corpo, isso me permite ir mais fundo e ela volta a
gritar.
— Meu Deus, Andras! Isso é... porra, continua. — Obedeço e
passo a acariciar seus seios até que ela geme com mais
intensidade, contorce seu corpo e goza. Eu me permito fazer o
mesmo em seguida, na porra de um exercício de contenção digno
de uma medalha. Quando terminamos, estamos jogados na cama,
ofegantes. Olho para ela, nua, seios apontando de tão duros, a
respiração subindo e descendo com rapidez, os cabelos espalhados
pela cama. Como eu dei tanta sorte? Como aquela mulher acabou
vindo parar na minha cama? Por que quis dormir comigo?
— Por quê? — questiono.
— Como assim? — Ela se vira para me encarar, e eu percebo
que poderia me perder nos olhos negros de Milena.
— O que fez você querer fazer isso comigo? Perder sua
virgindade? — Quero entender se ela também sente o que estou
sentindo. Se a minha pele, o meu cheiro, se a simples ideia de me
tocar já a deixa maluca como tocá-la faz comigo.
— Eu não sei explicar, mas nenhum homem me fez querer isso
tanto quanto você fez. Além disso, estou tentando não deixar as
coisas que quero passarem por mim.
Há um certo prazer, um estranho senso de orgulho na ideia de
ser o primeiro homem de uma mulher, contudo também há um
senso de responsabilidade que me deixa nervoso. Ela se senta na
cama, então observa a mancha vermelha no lençol.
— Meu Deus, me desculpe. Eu não imaginei que isso fosse
mesmo acontecer — ela diz, olhando para o sangue. — Eu posso
levar e lavar na lavanderia... não quero que você tenha problemas
por minha causa.
— Milena, você não precisa se preocupar com isso. Venha
aqui — peço, abrindo os braços para recebê-la. Milena se deita
sobre o meu peito e eu beijo o topo da sua cabeça carinhosamente,
acariciando seus cabelos.
— Não tem mesmo problema?
— Não, não tem. São 8 horas da manhã, em breve alguém vira
recolher esses lençóis e...
— Droga! — Milena resmunga e se estica por cima de mim, os
seios param muito perto do meu rosto. Eu não resisto à vontade e
mordo seu mamilo esquerdo, o que faz Milena retornar para sua
posição inicial, encarando-me com a sobrancelha arqueada e um ar
de riso evidente, que faz meu peito bater de forma estranha. Ela
ergue a mão e mostra as mensagens na sua tela.
03h00: Fiquei sem bateria, mas Ayumi já está dormindo. Crise
controlada. Posso mandar o motorista te buscar.
03h15: Mi, está tudo bem?
03h17: “Find my friends” está dizendo que você ainda está na
boate.
03h20: ME RESPONDE. VOCÊ ESTÁ BEM?
05h30: GAROTA, ME RESPONDE!
07h00: Ok, Milena. Estou seriamente preocupada. Tenho que
viajar, mas não posso fazer isso antes de saber que você está bem.
07h50: Milena, você precisa atender. Ok, vou ligar pra polícia.
— Sua amiga é um pouco intensa — afirmo sorrindo. Milena
move sua mão pelo meu estômago.
— Você não imagina o quanto.
Vejo quando ela escreve uma mensagem dizendo “Estou viva,
Greta. Não precisa se preocupar”. Em poucos segundos, seu celular
está tocando e o nome Greta aparece na tela.
— Ela não vai me deixar em paz se eu não atender — Milena
diz.
— Tranquilize sua amiga. Eu vou pedir alguma coisa para
comermos.
Budapeste, dezembro de 2019

Milena está com as pernas jogadas sobre as minhas, enquanto


come um morango. Seus cabelos crespos estão soltos, os olhos
negros estão fixos na fruta e os lábios carnudos a devoram.
Cobrindo seu corpo, há um dos roupões do hotel. Uma parte,
levemente aberta, deixa à vista o sutiã que ela voltou a vestir. É a
porra da cena mais sexy do mundo. Mal consigo comer porque fico
olhando para ela o tempo todo.
— Pare de me olhar dessa forma, você está me deixando
constrangida — ela diz, movendo seus olhos para a porta de acesso
da varanda, que é totalmente de vidro, exibindo a cidade congelada
lá fora na tentativa de fugir dos meus olhos.
— Estou? Já você está me deixando excitado.
— Pra quem não queria transar comigo, você parece ter
mudado de opinião bem rápido.
— Nunca disse que não queria transar com você... — eu me
defendo, rindo de sua piada. Milena é bem-humorada, linda,
absurdamente gostosa, não falta nada. E é claro que eu queria
transar com ela, na verdade, tem um monte de coisas que eu
adoraria fazer com ela na cama, na varanda, no banheiro, numa
mesa, porra, em qualquer lugar. Merda, eu preciso me acalmar. —
Então, Milena, me conte algo sobre você.
— O que gostaria de saber?
— Qualquer coisa. Você é de outro país, certo?
— Brasil. Sou do Rio de Janeiro.
— A cidade maravilhosa.
— É, pra alguns, pelo menos — ela resmunga. — E você?
— Nascido e criado em Budapeste. Minha família vive aqui por
gerações. — Um estalo leva meus pensamentos para um outro
lugar. Ela não é da cidade, o que significa que pode estar indo para
longe em pouco tempo e eu não gosto da ideia. — O que te traz a
Budapeste? Não pode ser turismo nesse inverno tão rigoroso —
questiono, tentando reorganizar meus pensamentos e ser objetivo.
— Eu vim pra estudar. Estou no penúltimo ano de Desenho
Industrial. Último, se considerar que o semestre acabou dois dias
atrás.
— E Budapeste tem sido boa com você?
— Bem melhor do que eu esperava — ela responde, com um
sorriso no canto da boca que me faz querer beijá-la, então faço isso.
Milena corresponde imediatamente, ela passa as pontas dos dedos
vagarosamente na minha barba e, quando afastamos nossos lábios,
há esse breve momento em que ficamos apenas nos encarando,
muito perto um do outro, e é uma coisa íntima demais. Sexo
normalmente só constrói intimidade entre os corpos, porém esse
momento entre a gente vai além disso. E eu começo a me
questionar se estou ficando maluco.
— E você? A mulher que trouxe o nosso café da manhã
parecia estar um pouco desconfortável, como se você mandasse
nela ou... espere um minuto, não me diga que é casado e ela sabe
disso.
— Não sou casado, Milena — respondo, passando minha mão
pela sua carinhosamente. — Nunca fui casado, não tenho uma
namorada. Não estaria aqui com você se fosse o caso, não sou
esse tipo de cara.
— E que tipo de cara você é?
— Se eu te contar, tira a graça disso tudo, não é?
— Tira? — ela questiona, apoiando a mão no queixo e me
encarando com uma intensidade enorme. Estou prestes a dizer que
é melhor ir descobrindo as coisas aos poucos quando meu telefone
toca e eu vejo o nome de Adam na tela. Peço desculpas a Milena
pela interrupção e me levanto para atender. Adam, como o grande
controlador/organizador que é, deseja saber se está tudo certo para
a comemoração do Natal, para a qual ainda falta mais de uma
semana. Confirmo, e ele começa a falar sobre qualquer outra coisa
que se perde como pano de fundo, porque me viro e noto Milena
tirando o roupão e se vestindo.
— Adam, falo com você depois — digo, desligando sem, ao
menos, dar ao meu irmão a chance de se despedir. Ouvirei quanto a
isso depois, porém agora não me interessa. Caminho até Milena
que me encara. — Você já vai?
— É, eu tenho que ir. Sinto muito. Pode me ajudar com o
zíper? — questiona, virando-se. Coloco minha mão no meio de suas
costas, acariciando a pele nua entre os lados ainda separados do
zíper. Não quero uni-los. Aproximo minha boca de um ponto um
pouco abaixo da nuca de Milena e o beijo, isso faz com que ela
jogue um pouco a cabeça para trás, posso ver os fios, tão de perto,
arrepiando-se em sua pele. — Você tem certeza que precisa ir?
— Tenho. Eu preciso trabalhar. É o meu primeiro dia.
Minha mão desce pelas costas nuas e encontram o zíper.
Começo a subi-lo vagarosamente enquanto volto a beijar Milena,
dessa vez atacando seu pescoço.
— Andras... Eu... Eu realmente tenho que ir.
— Ou poderia simplesmente ficar e voltar pra cama comigo.
— É o meu primeiro dia. Minha amiga conseguiu essa vaga e
eu preciso aproveitar o recesso pra trabalhar. Além do mais, isso
teria que acabar em algum momento, certo? — Ela se vira para
mim, oferecendo um sorriso e pega o telefone. Eu estou um pouco
zonzo porque não sei lidar com a forma como me sinto. Jordi
saberia o que fazer e o que dizer. Eu não sou bom nisso.
— Você não me deu seu telefone.
— Você não precisa fazer isso, sabe? Pedir meu número só
porque é o cara que tirou minha virgindade. Eu sei como isso
funciona, vejo com outras mulheres, elas sentam e ficam esperando
o cara ligar e eles nunca ligam, vamos cortar essa parte e manter o
que tivemos aqui como memória, vai ser melhor. — Ela estica a mão
na minha direção e eu a seguro, porque me sinto como alguém
sendo arrastado por uma avalanche e minha cabeça não consegue
organizar os pensamentos, não com meu coração batendo estranho
no peito. — Eu adorei o que tivemos e vou sempre lembrar disso
com carinho, obrigada por ter sido tão cuidadoso comigo.
— Milena, espere um minuto. Eu quero o seu número e não é
por educação ou por ser, como você disse, “o cara que tirou sua
virgindade”, e sim porque realmente quero te ligar e sair com você
outra vez.
— Andras...
— Me dê seu celular aqui — peço. Ela coloca o aparelho na
minha mão, parecendo um pouco apreensiva com a decisão, então
eu disco meu próprio número, sinto o celular no meu bolso vibrando.
— Que horas você sai do trabalho?
— Umas 18 horas.
— Ótimo. Me mande o endereço, vou te buscar. Se você não
quiser mandar, tudo bem, eu vou entender como um não e desistir,
mas não pode decidir por mim se eu quero ou não te ver outra vez.
— Então, eu acho que te vejo mais tarde — ela responde.
Antes que ela possa ir embora, eu a beijo outra vez porque, se for
honesto, fico com medo de que ela decida não ligar e eu acabe
perdendo a oportunidade de um último beijo.
Trabalhar se prova desafiante depois disso e eu fico tentando
entender o porquê. Milena não é a primeira mulher que eu trago
para esse quarto de hotel, houve tantas outras, todavia, de alguma
forma, há algo de singular nisso tudo. Não consigo deixar de me
questionar há quanto tempo uma mulher não faz com que eu me
sinta dessa forma. Ou melhor: Uma mulher realmente já fez com
que eu me sentisse assim antes? Eu passo o dia entre reuniões
sobre o novo hotel que será inaugurado no próximo mês, em
Sopron, e problemas que surgem no hotel da rede Quotar em
Szentendre.
Faço todas essas coisas mantendo meu pensamento no
celular, esperando, como um adolescente apaixonado, que ela me
mande uma mensagem e decida que quer me ver novamente. Até
que, meia hora antes das 18 horas, a dita mensagem finalmente
chega. É uma cafeteria no centro da cidade, eu chego ao local dez
minutos antes do combinado e espero por Milena. Quando ela sai,
está usando jeans e camiseta e, mesmo sem toda a produção da
noite passada, continuo sentindo que estou olhando para a mulher
mais bonita do mundo. Enquanto ela caminha na minha direção,
mesmo com toda a neve caindo, eu me sinto aquecido.
— Você veio... — ela diz ao se aproximar.
— É, eu vim — digo, segurando-a pela cintura e beijando-a no
meio da rua. É um beijo que começa lento, gostoso, e que vai se
intensificando até o momento em que estou encostando o corpo de
Milena contra a lateral do meu carro e pensando em tudo que quero
fazer com ela. Jantamos no restaurante do hotel mesmo, porque o
meu plano é simples e objetivo: quero levar essa mulher para minha
cama outra vez. Eu pergunto sobre o novo trabalho e ela me diz que
envolve servir cafés quentes para pessoas extremamente frias e
isso me faz sorrir.
— Mas não estou reclamando, eles dão boas gorjetas.
— Boa noite, senhorita, boa noite, senhor — o maitre do
restaurante diz ao se aproximar da nossa mesa. Eu sei o que quero,
então peço imediatamente. Milena leva mais um tempo, porém
acaba escolhendo um goulash.
— Jordi está aqui? — questiono ao meu funcionário.
— Não, Sr. Quotar, posso trazer a carta de vinhos?
— Quotar? — Milena questiona, com um certo espanto em sua
voz.
— É. Andras Quotar.
— Como no nome da fachada do hotel? Puta merda! — Ela
coloca a mão na boca como se pudesse evitar o “puta merda”, e eu
sorriria se não estivesse tenso por ficar tentando decifrar a reação
de Milena. — Eu achei que você trabalhasse aqui e... — ela se
interrompe e eu noto a razão, o maitre ainda está parado esperando
para nos atender. Eu o dispenso rapidamente e, em seguida, foco
outra vez minha atenção exclusivamente em Milena.
— Isso é um problema?
— Não. Não. Eu só... só estou surpresa. Quer dizer, quando te
perguntei se você trabalhava aqui e me respondeu com “algo
assim”, eu não podia imaginar que isso significasse “sou dono”.
— Muda alguma coisa? — questiono, ainda apreensivo.
— Muda, claro que muda — ela responde. — Se eu soubesse,
teria pedido o prato mais caro.
Assim que termina de falar, Milena começa a rir e isso tira
qualquer tensão do meu corpo. Jantamos enquanto conversamos,
conto que tenho dois irmãos, ela me diz que é filha única, mas que
sempre quis que seus pais tivessem tido mais filhos, e falamos
sobre a viagem que ela quer fazer com as amigas, de trem, pela
Europa. E eu vou absorvendo cada detalhe sobre ela, do seu
pequeno sinal de uma cor alguns tons mais clara que sua pele, até
os detalhes não evidentes, aqueles que interpreto a partir de suas
ações. Milena é honesta, aberta e isso me impressiona. Quando
você faz uma pergunta, normalmente, recebe respostas genéricas,
não é o caso dela. Depois do jantar, mesmo ainda estando no
elevador, já estou tendo dificuldades de manter minhas mãos longe
de Milena e fico tentando me convencer de que é isso, de que tudo
que estou sentindo pode ser categorizado como desejo, tesão.
No entanto, quando a levo para a cama, eu entendo ao menos
uma coisa em meio a toda confusão na minha cabeça: quero mais
dela, muito mais. Beijo o pescoço de Milena, enquanto estamos
abraçados caminhando pelo quarto. Minhas mãos vão para a sua
blusa, retirando os botões de suas casas e deixando à vista uma
lingerie vermelha rendada. Passo minha mão pelo tecido, subindo
lentamente. Milena inclina um pouco a cabeça e sinto sua
respiração, em um ritmo forte, subir e descer sob a minha mão.
Enfio meus dedos nas alças e as arrasto para o lado, colocando
outra vez minha boca em sua pele quente, dessa vez no ponto que
antes as alças ocupavam.
— Você tem alguma noção do quanto eu queria que você me
mandasse aquela mensagem? — questiono, soltando o fecho do
sutiã e deixando a peça cair. Passo meu polegar por um dos
mamilos de Milena, fazendo movimentos circulares, ao mesmo
tempo em que ela se aproxima mais, intensifica os nossos pontos
de contato, reduz qualquer distância. — Passei o dia inteiro
querendo fazer isso, sabia?
— Dá pra notar — ela fala, mordendo o lábio e acenando em
direção à minha ereção. As mãos de Milena vão para a minha nuca,
subindo levemente pelo cabelo até descer outra vez, passando as
unhas na minha pele. Então, nossos corpos estão grudados e ela
rebola um pouco, o jeans ainda contra o volume em minha própria
calça. Ela me quer tanto quanto a quero.
Giro meu corpo, trazendo Milena comigo, e resisto à tentação
de jogá-la na cama, porque há algo mais importante antes disso.
— Tire esse maldito jeans — demando.
— Eu gosto de você falando assim — ela diz com uma voz um
pouco contida, começando a retirar a calça.
— Assim como?
— Dando ordem. Eu também pensei muito sobre ontem e... —
Ela se cala quando é surpreendida pelo meu toque, coloco-a na
cama e puxo as pernas da calça, liberando-a da peça de uma vez
por todas. Milena morde o lábio me olhando, e a visão disso é linda.
— Eu pensei e... sabe, você disse que não podia fazer comigo tudo
que gostaria, mas tem algo que eu gostaria de tentar com você.
A mão de Milena vai para a minha calça e segura com firmeza
o meu pau, que imediatamente parece ficar ainda mais duro. Ela o
tira de dentro da calça e levanta a cabeça para me olhar, como se
estivesse esperando por permissão. Contudo, só entendo o que ela
quer quando fica de joelhos e me coloca em sua boca. Preciso me
controlar para não gozar como um louco logo nas duas primeiras
chupadas. Por sorte, ou azar, a terceira é um pouco sem jeito e
causa alguma dor, o que não me deixa menos excitado, porém adia
meu gozo.
— Estou fazendo errado? — ela questiona.
— Não. Só espere um minuto. — Sento-me na cama para que
Milena fique numa posição menos incômoda, considerando nossa
diferença de altura. Ela umedece os lábios me olhando, e então
volta a colocar sua boca quente e gostosa ao redor do meu pau. Na
medida em que ela se movimenta, eu acaricio seus cabelos e
observo sua bunda maravilhosa, ainda na calcinha. Milena continua
me sugando, mudando de ritmo, e estou a ponto de explodir de
tanto tesão quando peço para que ela pare, porque preciso estar
dentro dela para isso.
Puxo-a para o meu colo e a solto na cama. Afasto sua calcinha
para o lado, acariciando seu clitóris de forma delicada, para só
então começar a explorar Milena. Mantenho meus olhos abertos,
encarando os dela, tentando memorizar cada parte do rosto lindo
que essa mulher tem, tentando entender como cada toque faz com
que ela reaja. Há um desejo estranho de me tornar especialista
nela, de conhecer tudo sobre Milena. Mergulho meu dedo médio
dentro dela e o faço girar contra as paredes quentes de seu interior;
em seguida, eu o retiro de uma só vez, voltando para seu clítoris, ao
mesmo tempo em que minha boca procura a sua.
Milena abre um pouco as pernas e eu volto a colocar meus
dedos nela, dessa vez com mais força, de fato, tentando fodê-la
com eles. Meu pau reclama, pede pressa, pede o contato, porém
continuo masturbando-a por um tempo, até sentir que Milena está
devidamente lubrificada e pronta para ser minha outra vez. Coloco a
camisinha e, quando finalmente coloco a cabeça do pau nela,
preciso lutar contra a pressão que seu corpo impõe, mesmo depois
de tudo que aconteceu. Milena solta um gemido dolorido e eu
imagino que ainda esteja se recuperando da manhã que tivemos.
Ainda assim, ela me diz para continuar e é isso que faço. Continuo
entrando nela até estar completamente dentro. Imediatamente,
começo a me mover, fazendo Milena gemer com mais força.
— Geme pra mim, gostosa — peço, enquanto entro nela outra
vez, com mais força. Coloco uma das mãos em sua coxa e a ergo
um pouco, segurando-a com firmeza, indo mais fundo.
— Andras... — ela começa a gemer meu nome, e eu tento
gerenciar a minha vontade de gozar. Só quando sinto Milena se
curvando de prazer, quando ela volta a chamar meu nome com mais
intensidade, eu permito que meu corpo relaxe e tenho um orgasmo
maravilhoso.
Nos vemos todos os dias seguintes, por duas semanas, sem
exceção. Eu até desmarco um compromisso apenas para poder ir
buscar Milena no trabalho, porque essa se tornou, facilmente, uma
das melhores partes do meu dia. O momento em que ela caminha
na minha direção, sorrindo de forma encabulada e, então, me dá um
rápido beijo nos lábios como se fosse a coisa mais comum do
mundo, como se estivéssemos fazendo isso por toda a vida. Pela
manhã, quando ela tem que ir embora, esse é o momento que faz
com que eu me recrimine por estar obviamente viciado nessa
mulher. Estamos na cama, ela deitada nos meus braços enquanto
conversamos, quando Milena diz as palavras que não gosto de
ouvir: — Preciso ir embora.
— Não — afirmo, segurando-a em meus braços.
— Realmente tenho que ir. E não posso voltar pra cá depois do
expediente, fiquei de jantar com um colega. — Há uma pequena
pausa na voz dela entre o “um” e o “colega” que deixa no ar outras
possibilidades, mas eu não pergunto nada. Sentir ciúmes é uma
coisa, falar dele baseado em pequenas pausas em falas, ou coisa
do tipo, é coisa de gente maluca. — Já desmarquei com ele a
semana toda por sua causa, sabia?
— Se você não vier hoje, só vamos nos ver depois do Natal,
quando voltar de Eplény — digo. Milena está sentada na cama com
uma das botas na mão.
— E quando você volta?
— Dia 26, talvez 27.
— Vai ser duro, mas vou tentar sobreviver sem você — ela diz,
piscando para mim e dando um laço no cadarço. Apesar das
palavras, sua expressão é de quem vai, sim, sentir minha falta, tanto
quando sentirei a dela.
— Venha para Eplény comigo... — peço. Eu já tinha pensado
sobre isso, porém minha mente havia julgado cedo demais.
— Você quer que eu vá na sua viagem de Natal em família?
— Por que não? O que você vai fazer amanhã? — questiono.
— Nada. Combinei de passar o Natal com a Deva.
— Venha passar comigo, Milena. E pode trazer sua amiga.
Vamos jantar na casa dos meus pais, decorar a árvore com os meus
irmãos, depois viajamos no dia seguinte.
— Andras, não é que eu não queira passar mais tempo com
você, porque eu quero, e muito, mas você entende que isso vai
envolver conhecer seus irmãos, certo? Eu nunca fiz isso antes,
nunca fui a... bem, nem sei que palavra usar.
— Acho que namorada é o termo adequado — respondo.
Milena abre um sorriso e, em seguida, se joga nos meus braços me
beijando.
Budapeste, dezembro de 2019

— Tem certeza de que os seus irmãos não vão se importar? —


Milena pergunta enquanto caminhamos de mãos dadas pela feirinha
do advento, escolhendo enfeites para a árvore de Natal que temos
que decorar hoje à noite, na casa dos meus pais. A rua em si é uma
vitrine natalina, laços brilhando pela rua, luzes natalinas acesas,
uma grande árvore de Natal que pode ser vista no centro da rua.
— Tenho certeza — respondo, pegando em sua cintura,
recheada pelo casaco, e aproximando meu rosto do dela. Meus
irmãos vão implicar, de uma forma ou de outra, claro, mas nunca na
frente dela. Adam talvez possa não ser receptivo, porém não seria
mal-educado. — E você, certeza de que não está com frio? Posso te
dar o meu casaco.
— Estou bem, nada que um chá quente não resolva — ela
responde me abraçando. — Por que mesmo só decoram as árvores
hoje? Quer dizer, o Natal está acabando e só agora a árvore pode
ser decorada?
Dou um beijo na testa gelada de Milena e, então, conto que o
Natal começa com o calendário do advento.
— No dia cinco de dezembro, as crianças comportadas são
visitadas por São Nicolau, que deixa doces; as más comportadas
são visitadas pelo Krampusz. Os presentes mesmo são só amanhã,
e quem os deixa é o Menino Jesus, então decoramos a árvore em
homenagem a ele, um dia antes de sua vinda. O que acha desse?
— pergunto, mostrando um pequeno trem com um pingente, os
vagões vermelhos são todos feitos de madeira.
— São todos lindos — ela responde. — Gosto dos pinhos, dos
trens, talvez algumas daquelas coisinhas ali que parecem flocos de
neve.
A vendedora, uma mulher cujos cabelos grisalhos escapam
pela touca, me olha sorrindo e, em seguida, entrega o pingente de
gelo do qual Milena falou, após eu pedir em húngaro.
— Você fica ainda mais sexy falando húngaro — Milena afirma
me olhando. Seguro sua mão com um pouco mais de firmeza e a
puxo para mais perto carinhosamente. Então, viro para a mulher e
digo quantos vamos querer de cada tipo de enfeite. Enquanto ela os
separa, eu beijo Milena novamente.
— Nagyon boldog vagyok, hogy itt lehetek veled — digo em
seu ouvido, enquanto permaneço abraçado a Milena no meio da
confusão de pessoas que passam de um lado para o outro na
feirinha, todos em busca de presentes e decorações de última hora.
— Você está feliz por mim? — ela questiona, arqueando a
sobrancelha de uma forma adorável.
— Não, quer dizer que eu estou feliz por estar aqui com você.
— Eu também — ela diz, levando as mãos protegidas por
grossas luvas de lã ao meu rosto e me beijando outra vez. Pego
nossas compras e continuamos explorando a feira. Milena prova
algumas comidas que são próprias da época e me conta que esse
é, de fato, seu primeiro Natal na Hungria, já que, mesmo tendo
chegado em agosto do ano passado, ela acabou passando o Natal
na casa de campo de uma amiga na Alemanha.
Determino que ela precisa ter uma experiência local apropriada
e realizamos um tour pelas ruas da feirinha, provando comidas
típicas da época e escolhendo mais decorações. Há uma árvore de
Natal enorme na qual Milena me pede para tirar uma foto sua, eu
fico implicando dizendo que ela não é mais turista, contudo tiro a
foto mesmo assim, claro. Tiro uma no celular dela e uma no meu
porque quero guardar esse momento de todas as formas possíveis.
Depois disso, eu a levo até a igreja matriz em que normalmente
venho para as missas durante o advento, explico sobre as quatro
velas que acendemos durante todo o mês de dezembro e mais
algumas das tradições religiosas.
— Eu não cresci com nenhuma religião — ela conta. — No
entanto, gosto da ideia de ter a fé como algo necessário pra se
manter centrado. Quando você não acredita em um propósito, seja
ele qual for, é fácil se sentir como um barco à deriva nesse mundo
enorme.
— É assim que você se sente? — questiono, quando estamos
saindo da igreja.
— Uma parte de mim, mas eu tento ter fé nas coisas que não
são religiosas, fé na justiça, no senso de moral, essas coisas. Você
deve estar me achando uma maluca falando isso tudo e...
— Faz sentido. Faz todo o sentido do mundo, Milena — afirmo
pegando em sua mão, enquanto penso na sorte que tive no
momento em que a minha vida cruzou com a dessa mulher. Não,
não é sorte. É destino. Acredito que estávamos destinados a estar
juntos. Que Deus a colocou no meu caminho para que eu finalmente
conseguisse sentir seu amor na forma mais pura. Nesse momento,
decido que, não importa o que aconteça, quero lutar por ela. Horas
depois, quando chego na casa dos meus pais, logo após deixar
Milena no campus para que ela se arrumasse para a nossa
celebração, descubro que a minha luta por ela vai começar muito
antes do que eu poderia ter imaginado.
— Está me dizendo que vai trazer alguém? — Adam pergunta,
enquanto caminhamos pela casa. Estou com as sacolas das
compras nas mãos e as deixo perto da árvore de Natal, o que faz
com que ele adicione uma camada extra de repreensão em seu
olhar. Meu irmão mais velho é o tipo de pessoa que gosta de tudo
certinho, todas as coisas em seu devido lugar. Encaro o rosto do
meu outro irmão na tela da chamada de vídeo. Jordi ainda está no
restaurante, deixando tudo da forma como espera que seja, com
seu subchefe, já que não irá trabalhar pelos próximos dias. Essa é a
única época do ano em que meu irmão deixa o restaurante sem
remorsos.
— Qual exatamente é o problema, Adam? — questiono.
— É uma viagem em família.
— A Hanna vai com a gente.
— A Hanna é família. Ela é noiva do Jordi.
— E a Milena é minha namorada.
— Namorada?! — Jordi pergunta surpreso. Há uma voz por
trás da dele, alguém gritando sobre precisarem de mais tempero,
meu irmão responde e, então, começa a andar entrando em seu
escritório. — Espere um minuto, isso é uma espécie de pegadinha
que você está tentando nos passar, não é? Andras Quotar, o
pegador de Budapeste, namorando?
— Pegador de Budapeste é um exagero de grande escala.
Além disso, não era você que vivia me enchendo o saco pra ter
relações saudáveis?
— Claro, mas eu não pude resistir ao desejo de fazer piada
neste momento. Traga a sua namorada, irmão. Tenho certeza de
que vamos adorá-la.
— Não estou dizendo que não podemos adorá-la, a questão é
que nossa família tem uma vida pública. Não dá pra simplesmente
adicionar qualquer pessoa sem considerar nossa segurança e
exposição.
— Ela não é qualquer pessoa.
— Adam, dê um tempo. Não está vendo que o Andras está
claramente apaixonado? Isso é extremamente raro e eu vou ter que
acender uma vela. Qual é mesmo o santo padroeiro das causas
impossíveis? — meu irmão mais novo questiona, achando muita
graça da própria piada.
— Deputado... temos que... — o assessor do meu irmão
começa a dizer. Adam pede um minuto ao homem engravatado e
logo me olha outra vez.
— Traga a sua namorada, Andras, mal posso esperar pra
conhecê-la. — É forçado, mas é o mínimo que espero dele:
educação. Nossos pais nos criaram para sermos, acima de tudo,
educados. — Eu tenho que ir, nos vemos amanhã. E, Jordi, não se
atrase, você precisa fazer a nossa comida.
Meu irmão mais velho vai embora acompanhado do assessor,
que é basicamente uma sombra dele. É difícil encontrar Adam e,
logo atrás, não ver Jonas.
— Onde você a conheceu? Ainda é aquela mulher com a qual
você sumiu da boate algumas semanas atrás? — Jordi questiona.
— Sim.
— Tem quanto tempo isso? Quase três semanas? Então, o
negócio é mesmo sério.
— Você acha que estou sendo precipitado?
— Não. Claro que não. Só se vive uma vez, Andras — ele diz,
passando a mão por seus cabelos espetados. — Bom, pelo menos,
aqui na Terra. A gente nunca sabe o tipo de merda que o mundo
pode nos jogar amanhã.
Meu irmão tem razão. Não fazemos a menor ideia de como o
mundo pode mudar em um piscar de olhos. Aqui, na vida terrena, só
temos o presente. Deveríamos vivê-lo da forma mais completa
possível. Para fazer isso, no momento, o que eu preciso é de Milena
perto de mim. E, para a minha felicidade, ela também parece querer
o mesmo.

Quando a campainha toca, eu sei que é Milena porque ela me


mandou mensagem alguns minutos atrás. Jordi, que está sentado
no sofá ao lado de Hanna, me olha sorrindo e diz que estou
parecendo um colegial esperando pela namorada. Minha cunhada o
recrimina dizendo para me deixar em paz, e eu bato no ombro do
meu irmão antes de me levantar para atender.
— Oi, linda — digo, abraçando a minha namorada. Minha
namorada. Isso soa estranhamente bem.
— Oi. Estou nervosa — ela sussurra para mim. Ajudo-a a sair
do casaco, e Milena exibe um belo vestido longo que marca suas
curvas. Então, pego em sua mão, entrelaçando nossos dedos na
tentativa de passar segurança. Atrás dela, está uma mulher de
pernas longas, que parece estar me avaliando em um primeiro
momento. Milena a apresenta. É Deva Kapoor, eu aperto a mão da
mulher que, de alguma forma, me parece familiar. Jordi se levanta e
caminha na direção de Milena, abraçando-a, o que me obriga a
soltar a mão dela.
— Oi, Milena. É um prazer — ele afirma. — Meu irmão não
para de falar de você.
— Então, está tudo balanceado — Deva conta. — Milena
também não para de falar dele. — Milena me olha por um instante e,
mais uma vez, somos só nos dois, tudo desaparece. Eu me
pergunto se ela também experiencia isso, esse desaparecimento de
tudo que não somos nós.
— E você é? — Jordi questiona. A voz do meu irmão me tira
do meu transe. Em seguida, todas as apresentações necessárias
são feitas.
— Só falta nosso irmão mais velho, que está lá em cima
escolhendo o que vestir. Ele é político, vai fazer fotos natalinas com
os irmãos marmanjos pra dizer que é um cara de família — Jordi
comenta.
— E eu sou — a voz de Adam ecoa na sala. Ele está no meio
da escada principal, que dá acesso à sala de estar. — Eu faço de
tudo pra proteger a minha família, se isso não for ser um homem de
família, preciso rever o significado.
— Não vamos começar — digo interrompendo-os, antes que
isso se torne mais um daqueles momentos em que Jordi e Adam
resolvem medir força. Somos unidos, realmente somos, porém,
entre irmãos, há sempre alguma farpa no ar que, a qualquer
momento, pode se tornar um problema, um problema confortável,
sempre, mas, ainda assim, um problema. — Adam, essa é a Milena,
minha namorada. — Milena morde o lábio quando digo isso e me
olha de uma forma que me deixa querendo ficar sozinho com ela.
Jordi abre um vinho quente, necessário no frio que faz lá fora e que
deixa até mesmo os mais potentes aquecedores na desvantagem.
Milena e Deva aceitam taças, assim como Hanna. Eu e Adam
vamos para o uísque.
— Então, Milena. Fale um pouco sobre você. É brasileira, está
aqui pra estudar. Já trabalha na área? — Adam questiona.
— Eu a convidei para jantar, não pra um interrogatório, Adam.
— Não, está tudo bem — Milena diz, colocando a mão sobre a
minha.
— Desculpe, Milena. É que Andras não traz uma namorada
aqui há muito tempo. É normal que estejamos curiosos — Jordi
comenta.
— Eu ainda não estou trabalhando aqui, o idioma dificulta um
pouco, mas estou matriculada em um curso intensivo pra melhorar
isso. E eu ainda tenho algum tempo, dois semestres de curso.
— Deve ter sido um choque mudar pra um lugar tão diferente...
— Hanna comenta. — Imagino que você esteja louca pra voltar pro
Brasil.
— Na verdade, não. Não estou ansiosa. Levou um tempinho
pra que eu me acostumasse com a cultura, e o idioma tem sido um
desafio até hoje. Por isso, como você deve ter percebido, uso mais
o inglês do que o húngaro, mas esse país, de alguma forma, já
parece mais o meu lar do que o Brasil. — Gosto de ouvir isso. De
saber que ela pretende ficar. Entrelaço meus dedos nos dela e tomo
um gole da minha bebida.
Jordi e Milena engatam numa conversa sobre comida, na qual
Deva e Hanna vão fazendo pequenas intervenções, mas passam a
maior parte do tempo caladas. Em diferentes momentos, pego Deva
me olhando de forma que parece avaliativa, como se ela estivesse
tentando decidir se sou bom o suficiente para sua amiga, vejo algo
semelhante no olhar de Adam com relação à Milena. Bebemos,
comemos, mostro a Milena a árvore que decorei com meus irmãos
ontem e, depois, há uma conversa comparativa sobre tradições
natalinas no Brasil, Hungria e Índia. E, por fim, trocamos presentes.
Passa da meia-noite quando Deva diz que precisa ir, e Adam
oferece seu motorista para levá-la em casa. Milena vai passar a
noite comigo. Jogo pôquer com meus irmãos e Hanna, enquanto
Milena, sentada ao meu lado, com a cabeça apoiada no meu ombro,
nos assiste. Jordi fala sobre como ela precisa aprender a jogar para
se juntar a nós em um próximo jogo, e Milena parece gostar da
ideia.
— Enfim sós — digo, quando fecho a porta do meu quarto,
puxando Milena para um beijo. — Não foi tão ruim, foi?
— Não. Nem de longe. Seus irmãos são... bem, Jordi é
engraçado e muito acolhedor. Adam é bastante educado.
Coloco minha mão em seu pescoço, o polegar subindo pelo
queixo e tocando os seus lábios.
— Ele é muito protetor. É o mais velho e acha que eu e o Jordi
ainda somos crianças, mas aposto que, no final da nossa viagem,
vocês vão ter se conhecido melhor e vai ver que o Adam é um cara
incrível. Não vamos falar sobre ele, estamos sozinhos, você está
absurdamente linda.
— Você não está nada mal, embora tenha mudado bastante...
— ela diz, olhando para o porta-retratos. Há uma foto minha, com
uns oito, nove anos, nos braços do meu pai. — Esse é o seu pai?
— É. Ele morreu quando eu tinha vinte anos, minha mãe
também se foi, pouco tempo depois, ela teve câncer. Se eles
estivessem aqui, hoje à noite, haveria uma festa com, pelo menos,
umas cinquenta pessoas. Eles adoravam fazer troca de presentes,
contratavam até um coral natalino. Eu detestava quando era
adolescente, porque eles gostavam de pijamas natalinos
combinando, porém agora eu sinto falta.
— Sinto muito. Não queria te deixar triste e...
— Tá tudo bem, linda. É bom pensar neles, falar deles... Tenho
certeza de que a minha mãe iria te adorar, já meu pai te diria pra
sair correndo porque eu sou problema. Pelo menos, foi isso que ele
disse pra primeira namorada que eu trouxe em casa — digo, dando
uma risada. — O Jordi herdou o senso de humor dele.
— E você ainda é problema? — ela pergunta. Coloco minhas
mãos em sua cintura e colo nossos corpos. Baixo minha cabeça,
procurando pelos lábios de Milena.
— Posso ser problema, se você quiser que eu seja — digo,
enquanto beijo seu pescoço e solto os laços que prendem seu
vestido. Milena se vira para mim, terminando de se despir. O vestido
fica no chão e seguimos para a cama. É incrível como cada toque
dela faz com que meu corpo reaja de uma forma única. O quanto
desejo essa mulher deveria me assustar, no entanto, em vez disso,
eu me sinto seguro, confiante. Sinto que estou onde deveria estar,
com quem deveria estar.
— E se eu disser que quero? — ela questiona, com uma voz
sexy que me deixa de pau duro.
Não respondo. Em vez disso, empurro Milena para a cama,
sem muita delicadeza, e seu corpo fica esparramado no colchão,
enquanto ela me olha sorrindo. Vou até ela e puxo a calcinha de
renda de uma vez só, deixando-a em pedaços. Milena continua
sorrindo, ao mesmo tempo em que morde o cantinho do lábio, sua
respiração está rápida, o corpo arrepiado. Eu amo sua
receptividade, amo a intimidade que construímos nas últimas
semanas e o quanto ela se entrega para mim. Quando coloco a mão
em sua boceta, sinto-a molhada, pronta. Sei o quanto ela fica
excitada com esse jogo, com a forma como construímos a excitação
apenas com palavras e olhares.
Às vezes, mesmo quando estamos em um lugar público, basta
olharmos um para o outro e eu sei que ela me quer, assim como a
quero. Pincelo meu pau em sua entrada aumentando a tensão, até
que ela está pedindo por mais, então ponho a camisinha e faço isso,
de uma vez só, afundando-me dentro dela e fazendo com que
Milena grite meu nome junto com um “porra” que me faz querer rir.
Contudo, eu me concentro no fato de que estou dentro dela,
sentindo o calor do seu canal apertado envolvendo meu pau. Logo
começo a me mover, entrando e saindo de Milena enquanto sugo
seu seio, mordo seu mamilo e me sinto como a porra do homem
mais feliz do mundo.
Esquiar em Eplény é uma tradição dos Quotar, uma tradição
que eu e meus irmãos criamos no ano que nossa mãe morreu.
Quando comemorar o Natal sem ela, em casa, com árvore,
presentes e luzes coloridas, não parecia fazer sentido nenhum.
Então, Adam sugeriu a viagem e acabamos nos divertindo pela
primeira vez em meses. Desde que ficou noiva de Jordi, Hanna
passou a nos acompanhar. Este ano, Milena está conosco, mas não
só ela. Miklós, sócio do meu irmão também está, bem como o
assessor de Adam, que está tentando gerenciar seu tempo de
demandas do gabinete com nossas férias.
— Sabe, Andras, estou começando a achar que eu deveria ter
colocado seu nome no Google ou coisa assim. Quantos hotéis você
tem?
— Estamos no hotel do Grupo Quotar em Eplény. Esse era um
dos queridinhos da minha mãe, dentre os dez hotéis que a rede
tinha quando ela a estava gerenciando. Desde então, eu inaugurei
mais onze hotéis, e o décimo segundo está na fase de ajustes finais.
— Você é dono de um império. — Ela diz como essas palavras
com ressalva. Como se fosse algo que a preocupasse.
— Milena, não faça isso, por favor. Não busque saber mais a
meu respeito através de opiniões de pessoas que não me
conhecem — peço.
— Por que não?
— Eu prefiro que me conheça e tire suas próprias conclusões,
sem ler as impressões de tabloides on-line sobre a minha vida.
— Tudo bem — ela diz, ficando na ponta dos pés e me
beijando. — E só pra constar, eu gosto muito do que conheci de
você até aqui.
No primeiro dia da viagem, vamos todos para a estação de
esqui. Milena está usando o próprio casaco e um dos meus, assim
como um gorro de lá. Para fora, suas tranças se projetam.
— Andras, sinto cortar o seu barato, mas você deveria saber
que eu nunca esquiei antes e...
— E que está morrendo de medo? — Jordi questiona sorrindo.
— Você não disse nada antes, linda. Poderia ter pensado em
outra forma de passarmos nosso tempo.
— Você parecia tão animado com a viagem, eu não quis
estragar sua alegria.
— Se você quiser descer com os seus irmãos, eu posso
ensiná-la — Miklós diz. Não gosto da forma como ele olha para
Milena.
— Pode deixar, vocês sobem no teleférico e podem começar a
esquiar — afirmo, depois me viro para Milena e pego em sua mão.
— Vou tentar te mostrar o básico, tudo bem, linda? Mas se você
estiver com medo, podemos simplesmente fazer outra coisa,
qualquer coisa que você goste.
Levo Milena para uma área segura, longe do alcance dos que
estão descendo a colina em seus esquis, e então começo a ensinar.
Ela cai algumas vezes, pois não consegue controlar bem a vareta.
— Acho que não nasci pra isso. Sinto muito.
— Tá tudo bem, é o seu primeiro dia. E isso pode ser
complicado. Quer tentar outra vez? — Ela acena positivamente e
volta para o pequeno declive. — Lembre-se do que te disse.
Mantenha os pés pra dentro, os braços colados ao corpo e as
varetas devem ficar pra trás, certo? Se colocar muito peso pra
frente, você vai descer rápido demais. — Ela treina mais um pouco
até que decido que está pronta para subir e tentar uma das pistas
fáceis.
— Tem certeza de que não vou causar uma avalanche ou
coisa do tipo? — ela pergunta, enquanto estamos no carrinho do
teleférico. Eu coloco a mão no queixo de Milena e inclino sua
cabeça levemente para que eu possa beijá-la.
— Vou descer do seu lado e não vou deixar que nada
aconteça, tudo bem? Mas é uma pista bem simples. — Milena
acena positivamente, concordando comigo. Tudo corre bem, na
medida do esperado, até o final do percurso, quando Milena tenta
frear o esqui fincando as varetas e acaba com os esquis travados. O
equipamento fica e ela passa direto, então me projeto para alcançá-
la, segurando-a pelos braços e me fincando no chão para tentar
reduzir o impacto de uma possível queda.
— Você se machucou?
— Não. Estou bem — ela diz gargalhando. — Isso foi muito
bom. Podemos tentar novamente amanhã?
Digo que sim, porém, quando tiro os esquis, percebo que meu
tornozelo está machucado do impacto, na tentativa de alcançar
Milena. Então, acabo não conseguindo mais esquiar.
— Tem certeza de que não quer que eu fique? — Milena
pergunta, enquanto termina de se vestir. Estou deitado, pé para
cima, no gelo, assistindo a um documentário.
— Eu adoro a sua companhia, mas prefiro que você vá e se
divirta com a Hanna.
— Volto logo e você me liga se precisar de algo, certo?
— Sim, senhora — respondo, segurando sua mão. — Não
esqueceu de nada?
Ela aproxima sua boca da minha e me dá um beijo delicioso,
eu digo que isso vai me manter vivo pelo tempo que ela estiver fora.
Milena sorri e vai embora, então eu volto a me concentrar no
documentário. Batidas na porta me acordam um tempo depois, e eu
vou pulando em um pé só até lá para encontrar Adam.
— Precisamos conversar.
— Você vai pedir que eu faça algo? Deveria se envergonhar de
pedir favores a uma pessoa momentaneamente inválida.
— Estou no quarto ao lado do seu, você definitivamente não
soa inválido no meio da noite. Talvez devesse reforçar as paredes
desse hotel.
— E talvez você devesse transar mais. — Esse não é o tipo de
coisa que eu saio por aí dizendo às pessoas, porém, no meu caso
do meu irmão, é verdade. Ele precisa mesmo transar mais.
— Não foi pra falar da sua vida sexual, muito menos da minha,
que vim aqui — ele argumenta. — Aqui, isso é pra você.
Recebo um envelope de sua mão e, então, o abro. Quando
puxo o conteúdo de dentro dele, há uma pasta com o nome e
sobrenome de Milena. Sei exatamente o que é, e meu irmão acaba
de cruzar um limite.
— Pode ficar. Não preciso disso pra saber quem ela é.
— Andras, isso é sério. O pai dela é corrupto, miliciano. Isso é
coisa séria. Associar o nosso nome ao dessa mulher...
— Dessa mulher? Adam, pelo amor de Deus! Já chega. Isso
aqui é ir longe demais, você entendeu? Eu te amo, mas estou pouco
me fodendo pra sua campanha se o custo dela for a Milena. Agora,
por favor, me deixe em paz e leve isso embora.
— Vou deixar aqui, você deveria ler — meu irmão avisa, dando
as costas.
Eu pego a pasta e coloco no bolso da minha mala, então me
deito novamente e tento dormir ou me concentrar na televisão. Nada
funciona. É só o retorno de Milena que consegue me oferecer uma
distração. Jantamos juntos, ela escolhe um filme e assiste deitada
no meu peito, enquanto suas mãos passeiam pelo meu tórax, até
que, em um momento, os dedos deslizam para dentro da minha
calça de moletom. Em seguida, acaricia meu pau, fazendo-o
rapidamente endurecer. Milena abaixa minha calça e coloca meu
pau em sua boca, depois eu a puxo para cima de mim e transamos
com ela no controle da situação. Seus seios pulando na minha
frente, enquanto a fodo, são uma visão maravilhosa. Eu os toco,
puxo-a para frente para colocar minha língua ao redor do mamilo e
fazê-la gemer com mais força. Na manhã seguinte, sou acordado
por um barulho e encontro Milena revirando a própria mala.
— Algum problema?
— Não consigo achar meu carregador, desculpe te acordar.
— Tá tudo bem, Milena.
— Você pode me emprestar o seu? Preciso ligar para a Greta.
— Claro, está na minha mala — digo, voltando a me enrolar no
edredom. Estou quase cochilando novamente quando penso no que
acabei de fazer. Eu me viro de uma vez, tentando impedir Milena,
mas é tarde mais.
— O que é isso? — ela questiona, segurando a pasta que meu
irmão me entregou mais cedo. — Você investigou o meu pai? Minha
mãe? Você... — Há lágrimas escorrendo pelo seu rosto e vê-las
parte meu coração.
— Milena, eu não... Milena, olhe pra mim.
— Não! — ela diz, ainda olhando para o papel. — As coisas
que diz aqui sobre o meu pai, os crimes... desde quando você sabe
disso? E o que aconteceu com deixar pra conhecer um ao outro aos
poucos e tirar conclusões sem contar as impressões alheias?
Ela solta a pasta e, então, caminha em direção à sua mala.
— Eu vou embora. Você não precisa mais se preocupar com...
— Milena... — digo, aproximando-me e prendendo seu corpo
contra o meu. — Me escute, por favor. Eu não fiz isso, eu não pedi
pra ninguém te investigar, eu nem abri a pasta. O assessor do Adam
contratou alguém que descobriu tudo isso. Meu irmão estava
preocupado com o reflexo disso na campanha dele para governador.
Em ter uma cunhada...
— Filha de um policial corrupto? Ele fez isso com a Hanna
também ou só comigo?
— Milena, eu não sei, eu não me importo. Eu gosto de você,
não tem nada que o meu irmão possa trazer do seu passado que vai
me impedir de estar com você. Você entendeu isso?
Milena relaxa um pouco o corpo e, então, aceita o meu abraço.
Racionalmente, sei que deveríamos conversar sobre isso, sobre sua
insegurança e descrença, porém Milena procura a minha a boca e
eu, colocando força no pé que não está machucado, puxo-a para a
cama e sua mão desce pelo meu corpo até alcançar meu pau,
fazendo-o enrijecer.
— O que eu preciso fazer pra você entender o quanto eu te
quero? — pergunto, enquanto jogo seu casaco para longe. Livro
Milena de cada uma das peças de roupa sem muita paciência,
talvez o medo de perdê-la esteja intensificando as coisas, porém há
também o fato de que ela está pronta para mais, está pronta para
que eu comece a fazer com ela as coisas que imagino fazer desde a
primeira vez que coloquei meus olhos nos dela. — Pra que você
entenda que eu quero que seja só minha?
Milena fica deitada na cama, parada, olhando-me com uma
expressão entregue que me deixa pegando fogo, então me
aproximo e coloco um dos seus seios em minha boca, chupando-o
com prazer, contornando-o com os lábios, passando a língua
intensamente nas auréolas marrons que vão ficando rígidas na
medida em que avanço. Desço pelo seu corpo, deixando beijos e
mordidas por sua barriga, coxas, até que enfio minha cabeça entre
suas pernas e mergulho na boceta de Milena, que já está
encharcada. Eu adoro o gosto dela, adoro pensar na ideia dela toda
excitada assim, só para mim. Quando ela goza na minha boca, eu a
pego nos braços, ela está molinha, pedindo por mim e eu a viro de
costas, afasto suas pernas e entro em Milena de uma só vez, por
trás, sentindo meu pau avançar pela sua boceta apertada,
engolindo-o com dificuldade, enquanto eu continuo investindo até
estar totalmente enterrado nela.
Minhas mãos vão para os seus seios e a estimulo, ao mesmo
tempo em que ela vai se empinando mais e eu começo a me mover
com força, entrando e saindo de Milena, até que ela está apoiada na
cabeceira da cama, gemendo meu nome. Eu beijo sua nuca e
envolvo minha mão em seus cabelos, puxando-os apenas o
suficiente para ser prazeroso. O efeito é exatamente o desejado.
Milena solta um “puta merda, Andras” que me faz rir, e eu continuo
me movendo, saindo e voltando a penetrá-la, sem perder o ritmo.
Cada nova estocada vai acumulando prazer, fazendo Milena se
empinar mais, rebolar, gritar. Resisto com facilidade, sempre fui bom
nisso, sempre fui bom em esperar e apenas gozar no momento
certo, e é isso que eu faço. Eu viro Milena novamente, meu pau está
totalmente lubrificado pelo gozo dela, e então volto a penetrá-la.
Dessa vez, ela fica por cima, porém estamos sentados, quero olhar
nos olhos dela enquanto gozo.
— Olhe pra mim — demando. — Abra os olhos, quero que veja
o que faz comigo. Que sinta o quanto eu te desejo.
Eu gozo dentro de Milena pela primeira vez e é como acessar
o paraíso. É tão bom estar dentro dela que me recuso a sair, mesmo
depois que gozo. Fico parado dentro dela, sentindo o calor do seu
corpo, da sua boceta em volta do meu pau.
— Porra, isso foi fantástico — ela diz, enquanto estamos
abraçados. — É bom ter você assim, sem nada, pele na pele
— Está pronta pra mais? Porque eu pretendo fazer isso por
horas — digo sorrindo.
Quando Milena está devidamente descansada, faço amor com
ela outra vez de uma forma intensa, como se isso pudesse ser
suficiente para que essa mulher entenda como me sinto, entenda
que não tenho a menor intenção de deixá-la sair de minha vida.
O ano de 2019 chega calmo, manso, e eu começo a imaginar
se é assim que a vida funciona quando tudo parece estar no lugar.
Milena se tornou uma constante na minha vida, aos poucos, sua
presença vai deliciosamente se espalhando, como os raios de sol no
começo de uma manhã de primavera. As aulas dela recomeçam e,
então, há uma nova fase que nosso relacionamento precisa lidar.
Milena não pode mais dormir todas as noites comigo, tem horas e
mais horas de carga horária extra e suas amigas estão de volta, o
restante delas, no caso. Eu também entro numa fase de mais
trabalho com a proximidade da inauguração do novo hotel e o
gerenciamento de todos os outros. Ainda assim, achamos tempo um
para o outro. E esses momentos que divido com ela estão entre os
que mais prezo.
— Você está nervosa? — pergunto, quando estaciono o carro
em frente ao restaurante de Jordi. — Não deveria ser o contrário?
Estamos indo encontrar as suas amigas.
— Eu sei, mas é que eu realmente quero que vocês se deem
bem. Elas são o mais próximo que eu tenho de uma família. E é
com elas que eu vou me lamentar se você acabar partindo meu
coração.
— Eu nunca faria isso — digo, colocando minha mão em seu
rosto. Milena me olha parecendo pouco crédula nas minhas
palavras. Essa deve ser a única questão que temos até aqui, há um
certo ceticismo dela ao meu respeito.
— Venha, vamos enfrentar as feras. Ayumi detesta atrasos.
Quando entramos no restaurante, encontramos as amigas de
Milena já sentadas. Uma delas é loira, está com a pele um pouco
avermelhada e tem na mão um copo com um drink colorido,
reconheço-a das chamadas de vídeo que ela e Milena fazem com
certa frequência. A outra tem longos cabelos lisos e está falando
coreano no telefone, quando a loira parece nos notar e se levanta
sorrindo.
— Aí está ela! — Greta diz, abraçando Milena. Rapidamente,
ela tira seus olhos de Milena e os fixa em mim. — E esse é o cara
que está roubando a minha colega de quarto, certo? Andras Quotar.
— Prazer — afirmo, esticando minha mão. Greta a aperta com
uma expressão de avaliação ainda mais rigorosa do que a de Deva.
Ayumi, que não está mais no celular, também se levanta e me
cumprimenta. Em seguida, ela dá um caloroso abraço em Milena e
elas cochicham sobre alguma coisa, enquanto eu puxo uma cadeira
para que minha namorada se sente e, em seguida, faço o mesmo.
— Então, Andras, quais as suas intenções com a nossa
amiga? — Greta questiona em um tom forçadamente sério, e eu
tento não rir, passando a mão na barba. Quais as minhas intenções
com Milena? Porra, minha intenção é amá-la, é ficar ao lado dela, se
ela permitir, é garantir que ela queira ficar na minha vida.
— Greta! — Ayumi a repreende. — Não ligue, Sr. Quotar...
— Sr. Quotar, não, por favor. Apenas Andras.
— Então, “Apenas Andras”, vai responder a minha pergunta ou
não?
— Minhas intenções são as melhores, pode confiar. — Aceno
para um garçom e peço que me traga um suco, porque minha
garganta repentinamente ficou seca. Milena decide acompanhar
Ayumi em um vinho e, então, engatamos uma conversa. Primeiro
sobre a viagem de esqui, e Greta diz que Milena precisa tentar outra
vez. Greta é sueca e seu país tem famosas zonas de esqui e
snowboard, então ela fala sobre irmos para lá.
— Minha mãe tem essa cabana perto de Stöten in Sälen,
podemos ir quando vocês quiserem — Greta comenta animada.
Entendo por que Milena gosta tanto dela, ela é ligada em duzentos e
vinte volts e, nesse breve momento, já deu para perceber o quanto é
intensa.
— Não sei se ainda quero, depois de ter machucado o Andras
— Milena diz, sua mão acaricia meu braço levemente, e o gesto não
passa desatento às suas amigas, que fazem piada sobre como
Milena não consegue tirar as mãos de mim. Solto uma risada e
aproximo seu rosto do meu, dando um rápido beijo nos lábios de
Milena e dizendo que também não consigo tirar as minhas mãos
dela.
Deva aparece quando o garçom está anotando nossos
pedidos. Ela está usando roupas de malhar tão coladas que é
possível notar cada uma das divisões de seu corpo. O garçom perde
um pouco o foco olhando para ela e agradeço a Deus por isso, já
que é nele que as garotas acabam percebendo o olhar
contemplativo para o corpo de Deva. Eu não me sinto atraído por
ela, porém há um certo vício do olhar masculino sobre o corpo
feminino, tenho consciência disso, parece que nos sentimos no
direito de simplesmente encará-lo, como uma peça numa vitrine.
Olho para Milena, ela, sim, me deixa aceso, ela, sim, aquece meu
peito. Todo o resto é só ruído.
— Sinto muito pelo atraso, a minha chave quebrou e não tinha
ninguém da supervisão do prédio no dormitório, tive que vir do jeito
que saí pra me exercitar. Espero não estar suja demais pra esse
lugar.
— Está perfeita — Greta diz. — O garçom quase engoliu a
própria língua.
Elas são um grupo de amigas divertido. Ayumi é claramente a
mais centrada, Greta a que anima as situações, Deva é a amiga que
está em um meio-termo entre as outras duas, e Milena é a prática e
engraçada, ainda mais engraçada quanto está com as amigas. É
bonito de olhar para ela quando está sorrindo e fazendo piadas de
uma forma tão natural. Sinto um pouco de inveja dessas três
mulheres por conhecerem ela melhor do que eu, por estarem há
mais tempo na vida de Milena. Então, percebo que não é
propriamente inveja, e sim desejo, o desejo de ser o homem dela,
mas não apenas isso, de ser um ombro amigo, um companheiro.
Jordi vem até a mesa pouco depois que os pratos chegam, ele
abraça Milena e cumprimenta suas amigas.
— Você é o irmão do bem? — Greta pergunta sorrindo. Milena
a repreende, contudo ela mal nota, está com seus olhos fixos em
meu irmão. — Se eu soubesse que a comida era preparada por um
chefe tão bonito, viria aqui mais vezes.
— Eu realmente sou o mais bonito dos irmãos e, com toda
certeza, o melhor — ele responde em tom jocoso. Jordi é louco pela
noiva, sei disso, no entanto, ainda assim, é estranho assistir a essa
interação. — Também sou o mais comprometido.
— Você viu a aliança na mão dele, certo? — Ayumi questiona,
quando meu irmão vai embora.
— Você vê alguma na minha mão? — Greta devolve. — Além
disso, não estava pensando nele pra mim, seria perfeito pra você,
Ayumi. Já imaginou, você e a Milena como concunhadas?
— Eu não... não estou procurando por ninguém.
Terminamos de jantar, escolhemos sobremesas e, no momento
em que Milena levanta para ir com Deva ao banheiro, Greta me olha
séria e aponta um talher na minha direção.
— Vamos falar sério agora, Andras.
— Greta!
— Ayumi, o irmão dele pesquisou a vida do pai da Milena.
Sabe quantas vezes o pai dela ligou desde que ela chegou aqui?
Nenhuma. Eles não mantém contato, não poderiam ser mais
diferentes. A Milena é tão honesta que devolve centavos quando
fazemos compras do mês juntas.
— Eu nunca pedi pro meu irmão fazer aquilo. E nem quis ler
aquela porcaria. — Uma parte de mim quer dizer que eu não preciso
me justificar para ela, mas a forma como ela fala de Milena e o fato
de que a minha namorada a considera como família, me faz resistir
a esse desejo.
— Ela me disse isso, também me disse que acredita em você.
E depois de ver vocês dois juntos, eu também acredito. Só quero
que saiba que se vai levá-la a sério, é bom fazer isso direito. Não
ouse machucá-la, entendeu? Ela já passou por muita porcaria vinda
de gente que deveria amá-la. Se você for fazer a mesma coisa, pule
fora enquanto é relativamente cedo.
— Não vou pular fora. A Milena só sai da minha vida se for por
escolha dela, não minha.
— Seja como for, o recado está dado — ela diz sorrindo,
enquanto toma um gole de champanhe e Ayumi nos assiste
boquiaberta. — O quê? — Greta questiona olhando para a amiga.
— Eu faria a mesma coisa por você! Por qualquer uma de vocês.
Depois desse dia, Greta, Ayumi e Deva se tornaram uma
presença frequente na minha vida. Ayumi foi a um evento político de
Adam comigo e Milena; Greta achou uma festa de uma pequena
comunidade de húngaro-brasileiros, acabamos indo e tendo uma
noite incrível, até mesmo Jordi e Hanna se juntaram ao grupo de
amigas de Milena. O tempo também aproximou ainda mais minha
namorada e meu irmão, ao ponto de saírem juntos quando eu não
estou na cidade. Jordi e Milena vão ao cinema, além de ela também
o acompanhar na feira-livre, nos domingos de manhã, quando ele
decide que precisa de algum tempero especial para um prato. Ele
até tem se aventurado na culinária brasileira para agradá-la. Adam,
no entanto, continua reticente. Apesar disso, fui claro com ele, se
não puder ser educado e gentil com Milena, vai acabar ficando de
fora da minha vida. Uma semana antes da inauguração do meu
novo hotel, compro um camarote para vermos a corrida de Fórmula
1 no circuito de Hungaroring e tanto meus irmãos quanto as amigas
de Milena se juntam a nós.
— Aquela é Greta lá embaixo? — Milena questiona. Estou
abraçando-a por trás enquanto presto atenção na corrida, porém
movo meus olhos na direção em que ela aponta para ver uma
mulher loira conversando com um piloto que saiu da pista algumas
voltas atrás e foi desclassificado. — Ayumi, Deva, venham ver isso!
— As duas amigas se aproximam de Milena e todos estamos
focando no mesmo ponto.
— Ela estava aqui dois minutos atrás, como é possível? —
Ayumi pergunta.
— Isso importa? — Deva questiona. — Venha, vamos descer e
viver a vida no modo Greta um pouco. — Deva sai arrastando
Ayumi, que olha com uma expressão de “Socorro!”. Milena apenas ri
e solta um “Tente se divertir” para a amiga.
— Quer ir com elas?
— Paquerar pilotos? — ela questiona, virando-se para me
encarar. Milena passa as mãos pelo meu pescoço e foco em seus
olhos negros e penetrantes. — Por que eu faria isso, se o homem
que eu quero está bem aqui?
Nos beijamos e essa é a primeira vez que a vontade de dizer
“eu te amo” aparece como algo que precisa ser colocado para fora.
Ainda assim, olho ao redor e decido que esse não é o momento
ideal. Quero fazer isso de uma forma romântica. Então, apenas
intensifico nosso beijo e vou confirmando o que, se for honesto, já
sei há bastante tempo: estou completamente, perdidamente,
amando essa mulher. Viajo para Sopron com Milena um dia antes
da inauguração. Ela está cheia de trabalhos da universidade para
entregar, então passa a maior parte do tempo com o notebook
aberto e fazendo seus projetos. Ela me conta que tem trabalhado
principalmente com design de produtos e sei que está animada para
montar um portfólio, porque tem algumas entrevistas de emprego se
aproximando, por isso a deixo no quarto trabalhando e vou conferir
se está tudo bem.
Converso com o gerente e confirmo tudo com Miklós, que é
quem está encarregado de conferir se a cozinha do restaurante do
hotel está adequada, os chefes treinados, esse tipo de coisa. Jordi
deveria estar aqui, contudo Hanna acabou de voltar de viagem e
está com febre, e ele está assustado com o novo vírus que vem se
espalhando na Europa. Para manter os cuidados, mesmo que de
forma paliativa, já que não existem casos no país até o momento,
eles ficam em isolamento. As notícias iniciais fazem parecer que
tudo vai ficar bem em breve, então acabo não cancelando a
inauguração. Ainda assim, Milena me convence, estimulada por
Ayumi que trabalha com epidemiologia, a adotar algumas medidas
básicas de segurança biológica no hotel. Estou andando com Miklós
quando vejo Milena usando um short jeans minúsculo, pantufas e
uma blusa que, apesar de ter mangas longas, tem pouco
comprimento e deixa sua barriga de fora. Mordo meu lábio
encarando a visão.
— Aquela não é a garota que estava com você no final do
ano? Bem gostosa, vocês ainda estão juntos ou posso...
— Ainda estamos juntos — digo, tentando controlar a minha
raiva pela forma como ele acabou de se referir à Milena.
— Ela é boa de cama assim, pra te manter amarrado por tanto
tempo?
— Miklós, se você falar da minha mulher desse jeito outra vez,
eu vou esquecer que você e meu irmão são sócios e amigos e vou
quebrar a sua cara, entendeu? — É tudo que eu digo antes de
deixá-lo sozinho, as veias ainda queimando de raiva. Quem ele
acha que é? É um absurdo se referir a qualquer mulher daquela
forma, ainda mais sendo a Milena. Merda! Estou sendo possessivo?
No momento, mal consigo discernir entre os rostos que passam por
mim enquanto caminho até Milena, como vou saber isso?
— Ei... o que...
— Ainda bem que te encontrei. Você tem sinal? A rede está
instável e meu orientador quer que eu envie ainda hoje meu plano
de projeto.
Confiro meu celular e vejo que sim. Então, entrego o aparelho
a ela.
— Posso usar como roteador, não vai precisar dele?
— Não. Você pode usar. Se Adam ou Jordi me ligarem, você
atende, tudo bem?
— Ok. Obrigada! Obrigada! Obrigada! — ela diz me beijando.
Então, passa por mim apressada, voltando para o acesso do
elevador. E eu subitamente fico bem, porque entendo que Miklós ou
qualquer outro idiota pode olhar para ela o quanto quiser e, contanto
que isso não a incomode – ou não esteja na sua atenção, como
agora –, também não devo me incomodar.
À noite, quando a festa de inauguração começa, eu faço um
breve discurso, cumprimento algumas pessoas, apresento Milena a
elas, porém há alguém que fico surpreso em ver. Helena Ginzburg,
uma mulher com a qual eu costumava me relacionar. Eu realmente
gostava dela, mas estávamos sempre fora de sincronia, em ritmos
de vida muito diferentes. Todos os desencontros fizeram com que
nos afastássemos.
— Helena, que surpresa — digo sorrindo ao cumprimentá-la.
Ela me dá um beijo no rosto enquanto diz “Quanto tempo” e, então,
noto seus olhos pousando em Milena, parada ao meu lado. — Essa
é a Milena, minha namorada.
— Prazer, Milena — Helena fala abraçando-a também, mas eu
a conheço o suficiente para saber que o termo “namorada” a deixou
intrigada e tenho certeza disso quando ela me olha outra vez, com
um pequeno sorriso no canto da boca. — Você está diferente.
— E você não mudou nada — retruco. — Não quero parecer
mal-educado, mas o que faz aqui? Quer dizer, não estava na lista de
convidados.
— Estou com um amigo que é seu investidor. — Ah, os amigos
de Helena. Eu costumava ser um deles. Faria esse comentário se
Milena não estivesse ao meu lado e eu não estivesse sentindo sua
mão quente contra a minha. — No entanto, tenho que confessar que
nem sabia que era o seu hotel até chegar aqui.
Um garçom passa oferecendo champanhe e Helena pega uma
taça. Pergunto se Milena quer, porém ela acena negativamente. Sua
expressão entrega que está desconfortável, então me despeço de
Helena, dizendo que preciso falar com outra pessoa e que foi bom
vê-la.
— Eu tenho uma surpresa pra você amanhã, antes de irmos
embora — confesso no ouvido de Milena, enquanto caminhamos
pelo saguão do hotel. Um investidor me aborda e começa a falar
sobre as expectativas e projeções de sucesso para este hotel e
sonda sobre expansões internacionais. No fim da noite, que é longa
e exaustiva, ligo para Jordi para saber se ele e Hanna estão bem e,
assim que termino, deixo meu celular com Milena, que ainda precisa
dele para usar o computador e continuar seus trabalhos, já que a
rede continua instável. Em seguida, vou tomar banho, mas não sem
antes tentar persuadi-la a vir comigo.
— Eu tenho que terminar isso aqui — é tudo que ela responde.
Dou um beijo em seu pescoço e sigo para o banheiro.
No entanto, quando deixo o banheiro, com a toalha ainda
enrolada no corpo, Milena não está mais sentada escrevendo como
a deixei. Ela está em pé, com meu celular na mão, e parece estar
chateada.
— Milena, aconteceu alguma coisa? Você está bem, linda? —
questiono, aproximando-me dela. Milena recua um pouco e noto que
sua mala está perto da porta.
— Eu estou indo embora, não quero mais fazer isso.
— Você não quer o quê, exatamente? — questiono sem
entender.
— Ficar com você. Ela solta o celular na cama e posso ver o
aplicativo de bate-papo aberto com mensagens de Helena. Pego o
aparelho e as leio. “Você perdeu alguma aposta e teve que
namorar com essa garota? Quando cansar dela, como faz com
todas, me mande uma mensagem, ainda sinto falta do nosso
sexo.”
— Milena, deixa eu ver se entendi, você quer terminar comigo
porque uma mulher com quem eu costumava transar anos atrás me
mandou uma mensagem? Meu Deus! Isso é irracional. Eu nunca
responderia e, se o fizesse, seria apenas pra deixar claro que estou
com você.
— Não é só sobre ela. Seu irmão não acha que você deveria
estar comigo, sua ex-sei lá o quê também e todas as pessoas que te
conhecem e olham pra mim como se eu fosse inadequada.
— E você se importa com o que essas pessoas acham? —
questiono. Minha voz sai um pouco mais alta, e Milena recua um
pouco mais, então me afasto e sento na cama. Passo a mão na
barba ainda úmida e olho para Milena. — Realmente se importa
com o que os outros pensam ao ponto de querer me deixar?
— Eu não me importo com o que elas pensam, mas me
importo com o que você pensa. E, se todas essas pessoas que te
conhecem há tanto tempo parecem saber que você e eu não vamos
funcionar, que eu sou inadequada, o que te impede de perceber isso
a qualquer momento? Eu não vou ficar esperando que você decida
que não me quer mais. Eu... — Ela começa a chorar e isso parte
meu coração. — Eu não posso.
— Venha aqui, por favor — peço. Milena se aproxima e eu
seguro em suas mãos, enquanto encaro seu rosto. — Se esse é o
problema, quero que saiba que não tem a menor chance de eles
estarem certos porque eu te amo. E eu nunca senti isso antes.
Nunca amei ninguém como te amo. Eu durmo e acordo pensando
em você, eu fico imaginando a vida que vamos ter, a casa, os filhos,
acordar na mesma cama, todo dia, sem exceção. E eu sinto muito
por não ter dito isso antes e ter feito você se sentir insegura todos
esses meses, mas eu te amo.
— Você me ama? — ela questiona. Eu fico de pé e seco suas
lágrimas com a minha mão, acariciando seu rosto.
— Eu amo você. E você não deve ficar esperando que eu
mude de ideia, você está presa comigo agora, entendeu? Eu sou
seu e tudo que eu quero é que você seja minha.
— Eu não iria querer outra coisa — ela responde. Suas
lágrimas se misturam com um sorriso e nos beijamos novamente.
Eu peço Milena em casamento apenas alguns meses depois,
escolhemos uma casa juntos, temos um cachorro, enfrentamos a
porcaria de uma pandemia que durou dois anos e sobrevivemos a
tudo que a vida nos jogou. Quando nos casamos, eu achava que
não poderia ser mais feliz do que naquele momento, mas então
Milena preparou uma surpresa para me contar que estava grávida e
meu peito quase explodiu de emoção. Aquela garota que eu
encontrei numa festa para a qual nem queria ir transformou minha
vida em todos os sentidos e eu não posso imaginar uma vida sem
ela.
Budapeste, dezembro de 2022

Vejo minhas amigas paradas atrás de mim e, pela primeira vez


desde que acordei neste maldito hospital, sinto que o mundo de fato
faz algum sentido. Até então, estava como Alice, caindo na toca do
coelho e notando que a queda abrupta parecia infinita. Assim como
ela, eu estava consciente do processo, fazendo-me perguntas sobre
essa realidade paralela, tentando colocar na minha cabeça a ideia
de que aquele homem poderia estar sendo sincero. E se eu for
mesmo esposa dele? E se realmente todo esse tempo se passou e
eu não tenho memória alguma desse período? Como alguém
esquece algo assim?! Fundo, fundo, cada vez mais fundo. A queda
nunca mais chegava ao fim!
Minha mãe leu “Alice no País das Maravilhas” várias vezes
quando eu era criança, tínhamos uma versão reduzida em formato
daqueles livros infantis 3D, na qual era possível levantar pequenas
partes cartonadas como as cartas da rainha de copas, puxar o rabo
do gato ou o chapéu do chapeleiro maluco. Lembro disso. Lembro
dela cantando Nina Simone ou Clara Nunes pela casa. Lembro do
meu pai chegando do trabalho e eu o ajudando a retirar o coturno.
Lembro deles sorrindo juntos no sofá, se beijando, enquanto estava
com meu nariz enfiado em um gibi. Lembro de ser feliz, e então, do
nada, sentir o vazio causado pela morte da minha mãe.
Tenho essa memória tão viva do meu pai sentado no sofá, as
mãos no rosto, chorando copiosamente, enquanto o corpo dela
estava no centro da sala. Pessoas passando pelo caixão, mãos
tocando a minha cabeça numa tentativa inútil de solidariedade.
Lembro de não conseguir falar por semanas e de meu pai também
não falar. O apartamento era apenas um vazio silencioso,
interrompido pela vida na São Salvador, porque a vida faz isso, ela
esquece os mortos e segue em frente, meu pai não pôde fazer a
mesma coisa. Lembro dele se afundando no trabalho, envolvendo-
se em coisas escusas, de ter uma mãe morta e um pai ausente.
Lembro de ir para a escola, de me convencer que estudar era
a única coisa que poderia me salvar. Lembro de ser aprovada, de
chegar à Hungria, de fazer amigas, de me sentir pertencente e,
então, não lembro de mais de nada. Percebo que está tudo aqui,
todos esses pequenos pedaços de informação, memórias e
sensações que compõem a minha vida, exceto pelos últimos três
anos. É ridículo. Quem esquece três anos da própria vida? Quem
esquece que tem um marido? Só pode ser mentira, uma pegadinha
muito bem elaboradora, porque o que me apontam como realidade
não faz o menor sentido.
— Vocês precisam me explicar o que está acontecendo, e por
que ficam me dizendo coisas que não fazem o menor sentido. Isso é
alguma brincadeira sua, Greta? Se for, parabéns, muito bem-feita.
Agora pare com isso, não tem a menor graça. — Sinto meu corpo
cambalear um pouco, eu ainda não tinha ficado de pé sozinha
desde que acordei e talvez meu movimento tenha sido abrupto
demais, porque minhas pernas estão fracas e minha cabeça parece
pesar uma tonelada.
— É melhor você se sentar — Ayumi diz. Olho para minha
amiga, ela está com o braço numa tala e seus cabelos estão curtos.
Eu a vi na noite passada, tenho certeza disso, e agora ela parece
muito diferente. Não me movo, mas então ela me puxa para perto
da cama hospitalar e eu faço o que ela pede. — Andras, Gunter,
vocês podem nos deixar a sós?
Gunter olha para Ayumi e depois para mim, então acena
positivamente, deixando o quarto. O outro homem, no entanto,
permanece parado me encarando.
— Andras, está tudo bem — Greta afirma, aproximando-se
dele e tocando em seu ombro. Andras olha para ela e acena
positivamente. — Vamos falar com ela primeiro e, então, vocês dois
conversam.
Ele deixa o quarto, contudo não sem me lançar um último
olhar. Há muita tristeza nele, uma tristeza evidente, que me causa
uma sensação ruim que não consigo nomear. Ainda assim, ele é um
estranho.
— Amiga, qual é a última coisa da qual você se lembra? —
Deva questiona.
— Da boate. Ontem, fomos pra uma boate e a Ayumi sumiu, a
Greta foi atrás dela e eu fiquei com você, tínhamos bebido bastante
e isso é tudo, é tudo que eu lembro — confesso. Tento forçar
qualquer outra coisa, porém não há nada. — Então, eu acordei aqui
com aquele homem dizendo que é casado comigo, que estamos
juntos há três anos. Que é 2022.
— E é! — Greta diz, enquanto prende os longos cabelos loiros
e pega na minha mão, sentando-se ao meu lado na cama. — Você é
apaixonada por aquele homem, vocês estão casados, você vai ser...
— Greta! — Ayumi grita, interrompendo-a. — Ela acabou de
acordar de um coma.
— O quê? Eu vou o quê?
— Eu só não quero que você se assuste... — Ayumi diz.
— Me assustar? Qual parte do que eu já sei não é
assustadora? Eu sofri um acidente, quase morri, fiquei em coma,
acordei desmemoriada e com um marido. — Penso em Alice outra
vez, “depois de uma queda como esta, um tombo nas escadas não
tem importância”. — O que mais poderia me assustar?
— Você vai se lembrar aos poucos. Você só precisa entender
que não estamos pregando nenhuma peça. Isso tudo é verdade.
Algumas semanas atrás, na manhã do seu acidente, foi a defesa do
meu mestrado. Depois da avaliação da banca, fomos almoçar juntas
pra celebrar. Greta e Deva foram embora assim que acabamos, mas
eu e você fomos ao centro fazer compras. Quando estávamos
saindo de uma loja, um carro veio na nossa direção e você levou
uma pancada na cabeça.
Escuto atentamente, todavia é como ouvir uma história no
jornal, é chocante, pode ser emocionante até, mas não é comigo.
Não consigo sentir o que deveria sentir. Há um senso de
preocupação por Ayumi, porém, tirando isso, não posso me
imaginar como parte da situação descrita. Parece ser a história de
outra pessoa.
— Foi assim que você quebrou seu braço? — questiono. —
Você está bem?
— Fraturei o ombro, quebrei a perna, mas já estou bem. A tala
é só uma precaução porque ainda sinto dor. O que importa é que
você está viva, com saúde.
— Então, eu sou mesmo casada com ele? Quer dizer, seria
menos estranho de entender se fosse com o Gunter, porém como
eu acabei casada com alguém que, há três anos, eu nunca nem
tinha visto. Como isso aconteceu?
— Bom, dizem por aí que você deu uma chave de boceta nele,
mas vai...
— Greta, pelo amor de Deus — Deva e Ayumi dizem ao
mesmo tempo. Eu começo a rir, primeiro de uma forma mais
comedida, mas então o riso se transforma numa gargalhada e
estamos todas rindo, é o primeiro momento de normalidade que eu
tenho desde que todo esse pesadelo começou.
— Você o conheceu no dia da boate — Greta começa a contar,
depois que questiono sobre minha relação com Andras. —
Enquanto eu estava maluca te procurando, achando que você podia
ter sido sequestrada, assassinada ou coisa do tipo, você estava
transando com o amor da sua vida.
— Bem, tecnicamente, eles estavam apenas dormindo na
mesma cama, porque uma das coisas que me fez gostar dele
quando você me ligou contando, foi o fato de que ele foi decente
com relação a você ter bebido — Ayumi adiciona. Eu deveria
mesmo estar meio maluca e muito bêbada para fazer algo assim,
porém eu me conheço, ou costumava conhecer, considerando esses
três anos, e sei como fico quando estou bêbada. Milena bêbada
tenta pular alambrados em jogos de futebol, fala com o garoto mais
bonito da festa. Por isso, eu sempre fui comedida com bebidas. —
Eu quis te matar por ter aceitado ir pro quarto de um estranho,
contudo quando eu ouvi sua voz toda feliz falando sobre a primeira
vez e o quanto ele foi cuidadoso, achei que era exatamente isso que
você precisava.
— É, e depois teve todas as descrições de como o sexo foi
ficando selvagem — Greta adiciona gargalhando. — Por sinal, de
nada, eu que te ensinei, por telefone, como fazer um oral. E a minha
avó estava ao meu lado quando eu te passei as instruções, acho até
que isso a deixou um pouco lúcida.
— Pelo menos, você continua exatamente igual — digo a
Greta, enquanto ela se vangloria. — Vocês duas... — Olho para
Deva e Ayumi. — Parecem tão diferentes, tão crescidas, sei lá...
maduras.
— Você também amadureceu bastante, Milena. Embora já
fosse uma velha por dentro — Deva comenta. — Nós terminamos a
faculdade, você se casou, e montamos um escritório juntas. Eu,
você e a Greta.
— Ah, e a Deva ficou noiva — Greta conta sorrindo.
— Você tinha que me lembrar disso? É, estou noiva de um
indiano que a minha família escolheu, mas só pra minha amma
parar de me irritar, não vai passar disso. Por que você não conta
que é parte da família real, Greta? Ou que a Ayumi...
— Vocês podem parar?! Estão saturando a Milena — Ayumi
pede, parecendo irritada. — Querida, tudo que o Andras falou, por
mais que pareça absurdo agora, é a realidade. E você não precisa
de um curso intensivo sobre sua própria vida. Essas memórias vão
voltar em breve e vai ficar tudo bem.
— E se não voltarem? — questiono. Não consigo parar de
pensar na forma como aquele homem me olhou. Havia medo e
tristeza em seu olhar e a culpa é minha, eu estou fazendo com que
ele sofra dessa forma. Por que eu não sinto nada quando olho para
ele? O amor não deveria resistir a esse tipo de coisa? Não é isso
que os livros e filmes ensinam?
— Vão voltar, a sua médica está confiante de que você vai
começar a se lembrar em breve. Só precisa ter paciência — Ayumi
diz. — Vamos chamar a médica e você pode tirar suas dúvidas, tudo
bem? Além disso, o Andras já deve estar enlouquecendo lá fora.
— Espere um minuto, Ayumi — peço, passando a mão pelos
cabelos. — Eu e ele... nós... nós somos felizes juntos?
— Ao nível de ser irritante — Greta responde. — Milena,
aquele homem te ama, ele é o...
— Greta!
— O quê? Ela vai ter que saber em algum momento. Não é
como se fosse algo que dê pra ficar escondendo o tempo todo.
— Mas o Andras deveria contar...
— Não! — peço. — Seja lá o que for, apenas me digam, por
favor. Eu entendo que ele é meu marido, mas, no momento, é um
estranho e eu só confio em vocês. Vocês são a minha família.
Então, se tem algo que eu preciso saber, quero ouvir de uma de
vocês.
— Você está grávida, Milena — Greta dispara.
Grávida? Olho para mim mesma pela primeira vez desde que
acordei. Coloco a mão no meu estômago e há de fato uma pequena
protuberância, contudo nada demais. Tento colocar essa informação
na minha cabeça. Grávida!
— Eu estou mesmo grávida? — Ayumi se aproxima e pega os
fios do monitor que antes estavam ligados em mim. Ela os recoloca
com facilidade e, então, mostra a tela do monitor de sinais vitais ao
lado da minha cama.
— Dois batimentos. Os seus e os do bebê.
Antes que eu perceba, estou chorando. Greta se aproxima e
me abraça, dizendo que vai ficar tudo bem, que eu estava feliz, e eu
acredito porque sempre sonhei com isso, sempre quis ser mãe, ter
uma família. E parece que, finalmente, tenho tudo que sempre
sonhei. A ironia é que não lembro de nada disso.
— O bebê é dele?
— Sim, querida — Greta responde, com um tom de obviedade
de quem está querendo adicionar “De quem mais seria?”. Deva se
aproxima, Ayumi também, então ficamos as quatro, juntas,
abraçadas. E eu penso em como, pelo menos, tenho isso, mesmo
com uma lacuna temporal de três anos faltando na minha cabeça,
eu as tenho. Isso garante que o chão não desapareça debaixo dos
meus pés, fazendo-me despencar ainda mais.
Andras retorna junto com a médica e uma enfermeira
corpulenta de cabelos avermelhados, que expulsa minhas amigas
do quarto dizendo que o horário de visitas já acabou há muito
tempo. Greta argumenta contra, claro, e eu fico grata porque não
quero ficar sozinha com pessoas que são estranhas, porém Deva
diz que é melhor nos deixar conversar com a médica e, então, elas
se despedem de mim.
— Eu vou em casa tomar um banho e volto pra ficar com você,
tudo bem? — Greta diz, antes de ir embora.
— Seus exames ficaram prontos — a médica diz séria. Eu
engulo a seco e Andras se aproxima de mim, parecendo sentir meu
nervosismo. Contudo, no momento em que ele está prestes a me
tocar, eu me retraio e ele ergue as mãos se desculpando. Olho para
ele, a pele branca, os cabelos e a barba são uma mescla de fios
dourados com alguns levemente avermelhados e, juntos, fazem
contraste com os olhos claros, verdes, talvez. É difícil dizer à
distância, eles também parecem mudar de cor. Andras é alto, tem
braços fortes, que agora estão cruzados contra seu peito. Fico
encarando-o, esperando reconhecer alguma coisa, qualquer coisa.
— Sra. Quotar? Está me ouvindo?
— Milena, por favor. Me chame de Milena — peço. — Você
disse que os exames ficaram prontos, eu ouvi. Alguma coisa errada
além do óbvio?
— Encontramos uma pequena lesão que explica sua falta de
memória — ela diz, colocando meu exame na minha frente e
apontando para uma área específica que não consigo identificar
diferença alguma do resto. — Nós temos diferentes tipos de
memória e diferentes áreas do nosso cérebro estão relacionadas a
elas, as memórias emocionais, por exemplo, se localizam na
amígdala. Você tem uma pequena lesão no hipocampo, a área
relacionada à memória episódica, pense nela como um álbum de
recordações com diferentes momentos e experiências da sua vida.
No momento, essa lesão te impede de ter acesso a uma parte
desse álbum.
— E o que eu posso fazer pra recuperar essas memórias? —
questiono.
— O cérebro é uma área complexa, há uma neuroplasticidade
que é definida pela capacidade que ele tem de aprender,
reaprender, mudar, então precisamos esperar um pouco. Assim
como o inchaço sumiu, essa lesão também pode sumir.
— Esse é o seu jeito complicado de dizer que não há nada que
possa ser feito?
— Infelizmente, no momento, precisamos esperar. É comum
que, no caso de perda de memória retrógrada, elas voltem em
alguns dias, semanas. Eu vou te dar alta amanhã, e vamos seguir
acompanhando o caso. Tanto no hospital, nos testes que quero
fazer em alguns dias, quanto no seu dia a dia. É importante
estimular outros tipos de memórias, já que, por exemplo, a sua
memória processual e de trabalho parecem intactas, talvez o
estímulo delas possa te ajudar a recuperar memórias de longo
prazo.
— Como assim? — Andras questiona. — A senhora acha que
uma sensação, um cheiro, estímulos desse tipo podem trazer
memórias, é isso?
— Talvez. E não custa nada tentar. Eu vou deixar vocês
descansarem um pouco, mas volto amanhã pra alta.
Observo quando ele aperta a mão da médica que vai embora
acenando para mim. Então, somos só nós dois.
— Você está com fome?
— Um pouco — confesso.
— Vou pedir pra...
— Espere um minuto — peço. Ele se vira para mim com os
olhos cheios de expectativa e eu engulo a seco, porque não consigo
gerenciar essa sensação ruim de estar machucando-o. — Podemos
falar sobre o bebê? Greta me contou.
— Ela ou ele está bem. — Ele sorri, é a primeira vez que o
vejo sorrir desde que eu disse que não o conhecia. — Apesar de
todo o susto desse acidente.
— É estranho, eu não sei nada sobre meu filho. Quantas
semanas? Como tem sido?
— São quase quinze semanas. Nas primeiras, você estava
muito enjoada e, como tínhamos voltado de uma viagem, você
achou que estava com infecção alimentar. Então, um dia, eu
cheguei do trabalho, e você me surpreendeu contando da gravidez.
— Ele está emocionado quando fala isso e eu me sinto uma escrota
porque não consigo me sentir da mesma forma, ainda me sinto
como uma espectadora. — Ainda não sabemos o sexo, eu não quis
saber na última ultrassom, porque você estava em coma e é algo
pra dividirmos, como fazemos com cada momento importante das
nossas vidas. Você quer ver uma coisa?
Aceno positivamente. Ele se aproxima da cama e para ao meu
lado. Andras pega o celular e desbloqueia, depois abre a galeria e
seleciona a aba de vídeos. Posso ver meu rosto em diversos
daqueles pequenos quadrados, mas ele para em um específico e só
então me entrega o aparelho.
— Oi, filha...
— Ou filho — minha voz diz. A câmera muda do rosto de
Andras para o meu e me vejo deitada numa cama de hospital,
enquanto um homem está passando gel na minha barriga.
— Vai ser uma menina, linda feito a mãe.
— Ou um menino, tão bonito quanto o pai.
— Uhum... podemos começar? — o médico questiona
sorrindo. Falo alguma coisa com Andras, só que o barulho do
coração do bebê começa a ecoar e ele grava a pequena telinha, sua
voz de fundo dizendo “É o nosso bebê” de forma emocionada,
enquanto eu estou perguntando ao médico se está tudo bem. Então,
o vídeo termina.
— Tem vários no seu celular, no meu também, tem diversos
momentos da gente. Eu só nunca imaginei que esses registros
pudessem se tornar tão preciosos como agora. Mas isso tudo vai
melhorar, você vai se lembrar e vamos ficar bem — ele afirma.
Andras coloca sua mão sobre a minha e eu não a retraio, porém é
um contato estranho, incômodo. Pediria que ele se afastasse se o
homem já não parecesse como um cachorrinho que caiu do
caminhão da mudança.
— Sinto muito, Andras. Sinto muito por não lembrar de você.
Minhas amigas disseram que você é um ótimo homem, um
excelente marido e que vai ser um bom pai, porém eu preciso que
você entenda que, no momento, você é um estranho pra mim e isso
tudo é muito confuso.
— É estranho pra mim também, meu amor, mas enquanto
você estava naquele coma, tudo que eu queria era que você
voltasse pra mim, fosse como fosse, então eu posso ter paciência,
posso esperar, porque essas memórias vão voltar e nós vamos sair
disso mais fortes.
— E se elas não voltarem?
— Não diga isso. Elas vão voltar.
— Você não sabe disso, nem a médica parece ter muita fé na
recuperação dessas memórias.
— Fé — ele diz a palavra como se estivesse analisando-a,
então passa a mão pela barba. — Em muitos momentos da nossa
relação, eu precisei ter fé por nós dois, vou continuar fazendo isso.
Tenho certeza de que uma história como a nossa não pode
desaparecer assim, porém, se de alguma forma esse for o caso, o
que importa é que você está bem, que está viva. E podemos
recomeçar. Nada vai me fazer te amar menos.
Budapeste, dezembro de 2022

Acordo na cama do hospital com Greta dormindo numa


poltrona e Andras sentado na outra, rezando. Faço silêncio
enquanto o escuto pedindo a Deus para que eu melhore. Penso nas
vezes que eu mesma pedi a Deus, quando implorei para que ele
não levasse a minha mãe, quando pedi para que o meu pai voltasse
a ser o homem que eu costumava conhecer. Nunca fui atendida.
Espero que Andras tenha mais sorte. Eu não dormi bem na noite
anterior, mesmo com a medicação tendo me deixado sonolenta, eu
ficava pensando naquela noite na boate, tentando puxar algum fio
da memória, encontrar os rastros para alcançar esse momento em
que Andras surgiu, porém não consigo desvencilhar o nó e
encontrar sua ponta.
— Ei, você acordou — ele diz me olhando, ao se levantar da
poltrona e se aproximar de mim. — Precisa de alguma coisa?
— Preciso de uma cama de verdade e minha cabeça está
doendo outra vez — resmungo. — E também preciso ir ao banheiro.
Ele fica de pé e segura no meu braço enquanto coloco meus
pés no chão. Minhas pernas ainda estão parecendo dois pedaços
de tecido velhos e eu lanço meu corpo para frente, na tentativa de
me manter em pé, o que faz com que acabe colada no peito dele.
Andras envolve o meu corpo no seu e eu fico imóvel, sentindo seu
corpo bem definido contra o meu, fecho meus olhos e espero que
esse contato ative alguma coisa, que faça com que eu lembre que
sou casada, apaixonada por este homem, mas nada acontece. Ele
me leva até o banheiro e me deixa sentada na privada. Agradeço
mentalmente o fato de que a roupa hospitalar facilita as coisas,
porque não conseguiria me despir na frente dele. Até mesmo descer
a calcinha, por baixo da bata, parece algo íntimo demais para fazer
na frente... na frente do meu marido. Esse deve ser o pensamento
mais estranho que alguém já teve em todo o universo.
— Você sabe que eu já te vi totalmente sem roupa diversas
vezes, certo? Na verdade, eu conheço cada pedaço do seu corpo
de olhos fechados.
Respiro fundo porque a frase lança uma sensação de arrepio
pelo meu corpo e não sei identificar se é bom ou ruim.
— Me desculpe, eu não queria te deixar sem graça, eu não
sei...
— Você não sabe o quê? — questiono, quando ele se
interrompe.
— Não é importante. Eu vou acordar a Greta pra que você
fique mais confortável. Não tente se levantar, tudo bem?
Greta aparece segundos depois com uma cara de sono.
Andras tinha insistido para que ela voltasse para casa na noite
passada, pois ele ficaria comigo. No entanto, minha amiga parecia
sentir ou conseguir ler a minha expressão, não queria ficar sozinha
com ele. Primeiro, porque não o conheço, mesmo que acredite em
tudo que me contaram; depois, porque a forma como ele me olha
continua me deixando mal. Eu sei que deveria sentir alguma coisa
por ele, sei que falta alguma coisa dentro de mim, porém, ainda
assim, não consigo acessar esse sentimento.
— Obrigada por ficar comigo — digo a Greta quando ela me
ajuda a ficar de pé. Voltamos para o quarto e encontro uma
enfermeira, ela avisa que veio retirar o acesso para medicação do
meu abraço. Assim que termina, informa que a médica já está a
caminho para me liberar e diz que eu vou poder voltar para casa.
Casa. O que significa casa no momento? Eu, obviamente, não vivo
mais no campus da universidade, e sim em algum lugar com o
homem que está dizendo à enfermeira que eu ainda estou tendo
dores de cabeça.
— É normal, mas a médica vai dizer qual medicação fazer em
casa, Sr. Quotar.
— A Ayumi quer vir pra cá, porém eu disse que ela já vai sair.
É melhor evitar grandes grupos — Greta comenta com Andras.
— É, depois de ontem, é melhor mesmo. Eu disse a mesma
coisa ao Jordi. E Adam também achou melhor não vir.
— Ele descobriu alguma coisa?
— Nada — ele responde, olhando-me rapidamente.
Eles falam como se eu não estivesse aqui e falam de algumas
pessoas que eu não conheço. Jordi? Adam? Nunca ouvi esses
nomes antes. Tenho vontade de questioná-los, a pergunta está
pronta para deixar meus lábios quando penso em como essas são
mais duas pessoas que eu, provavelmente, esqueci. Pessoas que
vão me olhar com esse mesmo pesar com o qual Andras me olha.
Depois de dar algumas voltas pelo quarto, permitindo-me perceber
como suas costas são largas e como a calça jeans que ele está
usando esconde uma boa bunda – o que me faz pensar: “Bem,
sabe-se lá como, ao menos eu me casei com um gato...” –, Andras
diz que vai atrás da médica. Assim que ele sai, eu olho para Greta.
— O que vocês não estão me contando? O que estão
escondendo de mim? — questiono.
— Escondendo de você?
— Não se faça de desentendida, Greta. Tem alguma coisa, eu
sei. Eu notei a forma como vocês dois ficam se olhando, com as
caras franzidas em preocupação. Além disso, a Deva queria contar
algo ontem sobre a Ayumi e ela não deixou. Sem contar a história
de que você é parte da monarquia Sueca.
— Pra quem não tem parte da memória, sua habilidade de
reter coisas novas está muito afiada — ela diz sorrindo. — Ok, sim.
O Rei da Suécia é meu tio-avô e você adorou saber disso, me fez
passar vergonha por semanas, dizendo que eu sou uma monarca. E
ainda me fizeram uma festa surpresa com tema de princesa no meu
último aniversário, tenho as fotos com uma coroa de plástico pra
provar.
— E por que você nunca nos disse nada disso antes?
— Porque, se dependesse de mim, não existiria monarquia,
Milena. Não tem nada mais ultrapassado e elitista do que gente que
acha que, só por nascer numa mesma linhagem, tem direito ao
mundo e é superior aos outros. E a minha mãe vazou essa história
porque quer que eu volte pra casa, assuma um cargo na corte e
tenha bebês com sangue real.
— Sinto muito por ter sido uma idiota fazendo uma festa com
algo que, obviamente, é sério e te irrita.
— Ah, não, eu amei a festa. A coroa tinha pequenos pênis na
ponta, foi lindo — ela conta sorrindo.
Eu também começo a rir, mas então noto que Greta está
tensa. E entendo que isso é uma isca, ela está oferecendo a própria
história para evitar falar das outras questões. Para evitar me contar
sobre o que tem deixado ela e Andras impacientes. Eu a acuso
disso e minha amiga se aproxima, senta-se ao meu lado na cama e
pega a minha mão.
— Tem muita coisa que não faz sentido descobrir de uma vez
só, você acabou de acordar. Foram dias nesse processo de saída
do coma, porém você só está totalmente lúcida há um dia e,
sinceramente, eu já abri minha boca demais, te contei do bebê, não
basta isso?
— Não! Sabe qual a principal razão pra eu te amar, Greta?
Você sempre diz a verdade. Às vezes, você é uma escrota no
processo, mas sempre é verdadeira. Então, continue sendo, tudo
bem? Porque a minha vida está um caos no momento, tudo mudou
e eu fiquei parada. Parece que estou sozinha nisso, preciso que
você ainda seja a mesma, pelo menos nesse ponto.
Greta me abraça, seca algumas lágrimas que eu nem sabia
que estavam escorrendo pelo meu rosto, e então se afasta um
pouco, mantendo as mãos nos meus ombros.
— A razão pela qual eu e o seu marido estamos preocupados
é que algumas equipes de jornalismo estão lá fora, esperando pela
sua saída. O acidente se tornou um assunto importante e tem gente
especulando. Quando a Ayumi teve alta foi horrível, mas parece que
hoje está pior, afinal de contas, você é uma Quotar.
Quotar. Eu conheço o nome de algum lugar, porém não
consigo associá-lo.
— Você está me dizendo que o Andras é famoso ou algo do
tipo?
— Não famoso, quer dizer... Os irmãos deles, sim. Adam é
político e tem algum negócio que herdou do pai que eu,
sinceramente, nunca me importei em saber o que era, o que eu sei
é que ele está concorrendo ao cargo de governador nessas
eleições. O Jordi, que é o mais novo, tem um restaurante muito
famoso na cidade, talvez o mais famoso de todos. E o Andras é
dono de uma rede de hotéis que, só nos últimos meses, expandiu
pra três países. Vocês são ricos.
— Quão ricos? Ricos como os Trump, Kadarshians ou como
Bettencourt e Waltons?
— Bom, os Trump faliram, as Kadarshians continuam
bilionárias, mas não passaram de um dígito, então acho que vocês
estão entre os Bettencourt e os Waltons. Ricos o suficiente pra que
as pessoas estejam obcecadas em saber o que aconteceu com
você e com a Ayumi.
— Então, por que ele está comigo? Quer dizer, isso não faz o
menor sentido.
— Nós já tivemos essa conversa antes, no começo do namoro
de vocês. E eu vou te dizer a mesma coisa que disse anos atrás:
tem meio mundo de mulheres que se jogaria aos pés dele e todo os
dias ele escolhe você, então você deveria se apegar nisso e em
nada mais.

Depois de Andras e Greta conseguirem pensar em algo para


despistar a imprensa, chego em uma casa que parece uma mansão.
Assim que desço do carro com Greta, há um homem com os
cabelos parcialmente grisalhos me esperando com uma cadeira de
rodas.
— É bom tê-la de volta, Sra. Quotar. Essa casa fica triste sem
a sua presença. — Eu agradeço ao homem que empurra a cadeira
pelo caminho de pedra entre o gramado coberto de neve. A casa
parece ser toda branca por fora pela intensidade com a qual neva.
Ainda assim, pelo que posso ver, parece bastante bonita.
A cadeira emperra um pouco e eu digo que posso andar,
contudo ele insiste que eu permaneça sentada. Greta também, ela
repete as palavras da médica: “mínimo de esforço nos próximos
dias, é importante ter uma semana tranquila, vamos reavaliar depois
do Natal”. Escuto quando um veículo chega, as correntes que
colocam nos pneus no inverno fazem barulho quando o carro freia,
então eu olho de lado rapidamente e vejo Andras caminhando
apressadamente em nossa direção.
— Tudo bem, Jacques. Eu a levo, pode deixar — ele diz.
Andras não tem dificuldade alguma de mover a cadeira e, enquanto
entramos na casa, eu olho ao redor. O átrio de entrada é lindo, há
uma escadaria em marfim, uma mesa de centro de mogno com
flores recém-colocadas, o teto tem um tipo de acabamento que é um
dos meus prediletos e há um lustre impressionante. Já o piso
intercala mármore com porcelanato. Eu gosto de cada detalhe. Um
cachorrinho avança na minha direção e começa a dar pequenos
pulos, tentando alcançar o meu colo.
— Acho que ela sentiu falta da senhora — Jacques diz.
— Ela é minha? — pergunto sorrindo.
— É, nós a resgatamos em um canil aqui perto — Andras
conta. — Jacques, você pode avisar ao motorista que ele ficará à
disposição da Srta. Almstedt e depois está liberado até o começo do
ano, por favor. Vou ficar em casa com a minha esposa.
— Claro, senhor — o homem responde. Ele sorri para mim, diz
que é realmente muito bom que eu esteja de volta e só então vai
embora.
— Venha, vamos levar você pro quarto, depois a Lola mata as
saudades da dona — Andras diz. Ele se abaixa e eu estico minhas
mãos, envolvendo-as no seu pescoço, enquanto ele me ergue e, em
seguida, começa a subir as escadas.
— Essa casa é linda — digo.
— É, você escolheu cada detalhe — ele conta. Greta abre uma
das três portas que vejo no andar de cima e, então, Andras me
coloca na cama, dizendo que vai descer e checar se está tudo em
ordem. Aceno positivamente e o observo ir embora. Na mesa de
cabeceira, há uma foto minha e dele, é do dia do casamento, estou
em um vestido de noiva muito bonito, minha cabeça apoiada no
peito de Andras, que está me abraçando. É uma foto linda, de duas
pessoas que realmente parecem apaixonadas.
— Foi uma cerimônia linda — Greta afirma, parando na minha
frente. — Amiga, eu preciso ir...
— Você tem mesmo?
— Tenho. A Deva está sozinha no escritório, tentando segurar
as pontas, e temos o projeto... bom, você não lembra do projeto,
mas eu te atualizo de tudo depois, está bem? É basicamente o
último dia útil do ano, então, se eu não for resolver essas questões
com ela, vamos acabar deixando nossos clientes sem resposta.
— Claro. — A ideia de que eu tenho uma empresa com duas
das minhas melhores amigas é incrível.
— Eu sei que você está receosa de ficar sozinha com ele, por
isso eu fiz questão de ficar no hospital na noite passada — fico grata
com a sensibilidade de Greta, contudo suponho que quatro anos de
amizade faça isso, permita que alguém consiga ler você só com um
olhar. — No entanto, acho que já deu tempo pra que você entenda
que aquele homem só quer cuidar de você e eu sei que você, nesse
momento, ainda não aprendeu a se amar o suficiente pra acreditar
no amor dele por você. Só que eu vi você abrir espaço, crescer,
confiar... você sabe que eu não sou romântica, mas o que vocês têm
me deixou menos cínica a respeito do amor, de verdade. Então, eu
não poderia estar te deixando em mãos melhores. Me ligue se
precisar de alguma coisa, qualquer coisa.
Um tempo depois, alguém bate à porta, imagino que seja
Andras. Porém, em vez disso, encaro um homem de cabelos
bagunçados, pele branca e um sorriso torto no rosto. Atrás dele,
está Andras com uma bandeja na mão.
— Milena, esse é o Jordi, meu irmão.
— Prazer... quer dizer... não deve... Me desculpe, eu não sei o
que dizer — confesso.
— Tudo bem, Milena. Você passou por algo terrível, não
precisa saber o que dizer. Posso te perdoar por ter me esquecido —
ele fala o final sorrindo, e eu sinto um sorriso nascer no canto da
minha boca.
— Você é o irmão que tem um restaurante, certo?
— Isso. O mais bonito também. Como você pode ver.
— E o mais humilde — Andras adiciona.
— Eu fiz a sua sopa predileta — Jordi diz.
Andras coloca a bandeja ao meu lado e me olha mais uma vez
daquela forma desconcertante. No prato, há uma sopa de feijão
preto, minha mãe fazia para mim, realmente adoro. Eu sou íntima
desse estranho ao ponto de ele saber disso. Saber o prato que a
minha falecida mãe fazia quando eu era criança. Eu como enquanto
Jordi faz perguntas sobre os medicamentos, tratamentos e diz que
voltará no dia seguinte. Também fala que mal pode esperar para
começar a preparar a ceia de Natal. Quando ele vai embora, eu fico
sozinha com Andras pelo resto do dia. Ele me traz um livro, pega
água, me ajuda a ir ao banheiro e, no final do dia, prepara um banho
numa banheira que é escandalosa de tão bonita. Ela fica em cima
de alguns degraus e Andras me ajuda a entrar nela, ele se vira para
que eu tire o roupão e fique sem roupa, mas, enquanto faço isso,
penso no que ele disse antes, sobre já ter me visto assim, sobre
conhecer o meu corpo.
— Eu vou estar no quarto, é só chamar que eu venho te
ajudar.
— Andras, você pode ficar e conversar comigo?
— Claro — ele responde, sentando em um dos degraus da
banheira.
— Me conte alguma coisa, qualquer coisa sobre a gente —
peço. — A médica disse que era importante tentar estimular as
memórias, então, por que não arriscar?
— Não precisamos fazer isso hoje, você pode descansar.
— Me desculpe, não pensei em você, não é? Talvez falar
dessas memórias seja algo ruim pra você.
— Não é ruim, pensar na gente nunca é ruim. É que tudo isso
é estranho e eu não sei quais os limites aqui.
— Como assim? — questiono.
— Bem, normalmente, quando você está dentro dessa
banheira, eu estou nela com você, mas eu não sei se é inadequado
te dizer isso, eu não sei o que eu posso ou que eu não posso falar
pra você.
— É, acho que ninguém fez um manual sobre como lidar com
a sua esposa desmemoriada — afirmo. Ele ri, e eu noto que gosto
do seu sorriso.
— Não.
— Bom, então pense pelo lado positivo, você pode escrever
esse manual no final disso tudo.
Ele passa a mão nos cabelos e ri outra vez. Dessa vez, na
verdade, dá uma gargalhada gostosa. Então, ele está me
encarando.
— Eu me apaixonei por você por isso. Por esse seu humor.
Você sempre pega uma situação ruim e consegue tirar um pouco da
carga negativa dela. É claro que você também é inteligente, linda,
só que é disso que eu mais gosto. De como, não importa quão ruim
as coisas estejam, como na pandemia, você sempre me faz ficar
mais leve.
— Pandemia?
Ele me conta tudo sobre o vírus, o lockdown e como faz
poucos meses que o mundo, finalmente, encontrou alguma
normalidade. Parece coisa de filme de ficção cientifica imaginar o
mundo todo tomado por um vírus. Penso no meu pai, em Dona
Marta, em tantas pessoas que conheço no Brasil, em como elas
podem ter sido varridas da face da Terra pela pandemia.
— Eu tive alguma notícia do Brasil? — questiono.
— Eles estão bem, seu pai e a Dona Marta. Ela até participou
do nosso casamento, foi a única convidada não-presencial. Vocês
duas se falam com frequência. Eu só não contei do seu acidente,
não consegui, porém ela ligou várias vezes nos últimos dias.
— E o meu pai?
— Toda notícia que você tem dele é através dela e vice-e-
versa — ele responde. O que significa que, ao menos, ele pergunta
por mim, suponho.
Eu passo a mão pela minha barriga e penso no bebê que
cresce dentro dela, meu pai nunca vai conhecê-lo. Nem mesmo
essa espécie de apocalipse que foi a pandemia fez com que ele
quisesse se aproximar. Ao menos, ele ou ela terá um bom pai.
Eu acordo nos braços de Andras e, quando me movo, ele me
segura com mais força e enfia seu rosto na minha nuca, os lábios
encostando na minha pele. Eu me sinto nervosa, não sei se o
acordo ou se fico imóvel. Então, fecho meus olhos e tento deixar
que esse momento tome conta de mim, é assim que a memória
sensorial funciona pelo que li. E como essa parte do meu cérebro
não está lesionada, espero que algo nela ative alguma coisa,
estimule alguma recuperação. Fico imaginando meus neurônios
trabalhando, como em uma planta de projeto, movendo-se de um
lado para o outro, tentando gerenciar as coisas e resolver o
problema.
Eu me viro um pouco e toco no rosto de Andras, que não se
mexe. Passo meus dedos cautelosamente pela sua barba. Ele está
usando um pijama de moletom que vestiu na noite passada, quando
eu pedi para que ele ficasse comigo no quarto, na mesma cama. Ele
parecia surpreso com o pedido, da mesma forma que ficou antes,
quando pedi para que ficasse enquanto eu estava na banheira. No
entanto, minhas tentativas de formar uma intimidade não têm se
mostrado eficazes e isso me deixa frustrada. Andras se move outra
vez, e eu aproveito para me livrar dos seus braços. Levanto-me da
cama e vou até o closet em que me vesti na noite passada. Passeio
pelas prateleiras de roupas e mais roupas, sapatos luxuosos, porém
é como visitar um museu, não sinto como se nada disso fosse meu.
Há um espelho enorme no meio do closet e eu tiro toda a
minha roupa e fico me olhando. Meus seios estão maiores, minha
barriga tem essa pequena curvinha da gravidez, mas, no geral, eu
não mudei muito. Só estou mais magra, o que deve ser o comum
depois de um coma. Meu cabelo, por outro lado, está uma bagunça,
eu o molhei ontem e fiz tranças mal-acabadas que soltaram no meio
da noite. Refaço as tranças com cuidado até a metade dos fios e
deixo o restante preso apenas com elásticos que encontro depois de
vasculhar metade das gavetas do closet. O conteúdo da maioria das
gavetas me faz querer fechá-las imediatamente: um vibrador,
lubrificantes e mais uma série de brinquedos sexuais, algumas
peças de fantasia, como orelhas de gato e coisas do tipo, a gaveta
das calcinhas, então, parece o mostruário da Victoria Secrets.
Procuro uma roupa quente e encontro um moletom de lã com tema
natalino e uma calça de material grosso. Estou terminando de me
vestir quando Andras entra no closet parecendo assustado.
— Ah, você está aqui... Achei que pudesse ter se sentido mal.
Não deveria estar de pé, Milena.
— Está tudo bem, eu estou bem melhor. Estou até com um
pouco de fome.
— Vou descer e pedir pra que tragam comida.
— Já passei o dia todo aqui ontem. Estou me sentindo melhor,
então prefiro descer, se não tiver problema.
— É a sua casa, claro que não tem problema. Só me dê um
minuto, preciso escovar os dentes e, então, descemos.
Ele passa por mim e noto quando recua a mão que parecia,
por um instinto natural, querer me tocar. Andras vai para o banheiro
e eu permaneço no closet, estou me sentindo como alguém que
bisbilhota a vida de uma desconhecida. Passamos o dia na sala de
TV. Andras coloca um filme e, quando escolho “De repente 30”, ele
acha graça e conta que foi o primeiro filme que vimos juntos. Ele faz
pipoca e ficamos sentados lado a lado, enquanto Lola se aconchega
aos meus pés. A cadela parece a única confortável na situação.
Andras se remexe no sofá o tempo todo, como se não houvesse
uma única posição capaz de oferecer algum conforto, e eu fico
imóvel. Noto suas mãos grandes se movendo pela coxa, na calça de
moletom, e o volume entre suas pernas. Pare de olhar pra ele
assim, sua maluca, minha mente me repreende.
No entanto, também há essa outra voz dizendo algo como Se
bem que ele é seu marido, não é? Que mal pode haver? Em algum
ponto da tarde, há esse momento em que o celular dele toca e
Andras me mostra algo. A tela do celular diz “Parabéns, seu bebê
completou quinze semanas, ele é do tamanho de um uma
maçã”. Então, ele parece esquecer da minha falta de memória,
porque coloca sua mão grande na minha barriga e fala com ela
como se essa fosse a coisa mais natural do mundo. Jordi aparece
para cozinhar para o jantar de Natal e eu tento me fazer útil, mas
ambos se opõem, dizendo que eu devo descansar. Um tempo
depois, uma mulher loira alta e muito bonita chega, ela abraça
Andras, beija seu rosto e, em seguida, me encara. Andras me diz
que aquela é Hanna, a noiva de Jordi.
— Então, você não lembra de nada dos últimos três anos? —
ela questiona, quando estamos sozinhas. Aceno negativamente. —
Estranho. Enquanto alguns não conseguem esquecer, outros não
conseguem lembrar. A vida é mesmo uma bagunça. — ela
resmunga e, então, volta sua atenção para a televisão.
Não me dou ao trabalho de pensar no que ela pode estar
querendo dizer. Sinceramente, ela é a última coisa na minha
atenção no momento. Em vez disso, estou focada nos porta-retratos
acima da lareira na sala. São diversas fotos minhas com Andras,
abraçados, nos beijando, sorrindo. Penso em como gostaria que, ao
menos, uma das minhas amigas estivesse aqui, isso me daria algum
senso de pertencimento e me deixaria menos deslocada. Já me
sinto intrusiva o suficiente para que seja estranho ter que lidar com
pessoas desconhecidas, porém lidar com pessoas que eu
costumava conhecer e das quais não lembro, isso aciona um novo
nível de incômodo que me faz querer enfiar minha cabeça em um
buraco no chão. Levanto do sofá e me certifico de que estou bem,
antes de começar a andar. Hanna me pergunta se preciso de ajuda,
contudo aceno negativamente e digo que só vou até a cozinha.
Então, ela volta ao que estava fazendo e eu sigo pelo corredor no
qual vi Jordi e Andras desaparecendo mais cedo.
— Claro que não, Jordi, é só que... — Escuto a voz de Andras
e paro no corredor. — É claro que é estranho, eu olho pra Milena e
vejo o amor da minha vida, a mulher com quem eu estou
acostumado a dormir todas as noites, acordar todas as manhãs, a
mãe do meu filho.
— Ela ainda é a mesma mulher pela qual você se apaixonou,
exatamente a mesma, na verdade.
— Eu sei disso, droga. A questão é que a forma como ela me
olha é como se eu fosse um maluco que fica dizendo coisas sem
sentido. E eu não posso tocar nela ou falar com ela da forma como
normalmente falaria, porque fico com medo que isso a deixe
desconfortável. Só quero que isso passe logo.
— Vai passar — Jordi afirma. — Agora tente não pensar nisso
ou a comida vai ficar ruim, não existe tempero pior do que a tristeza.
— Eu não estou cozinhando.
— Mas está me auxiliando e não quero tristeza perto da minha
comida.
Não entro na cozinha porque não tenho coragem de encarar
nenhum dos dois depois disso. Também tenho medo de que Andras
consiga ler na minha expressão que acabei de ouvi-los, todavia, em
vez de voltar para a sala, eu entro na primeira porta que encontro.
Acendo a luz e noto que é um escritório, há duas mesas, uma de
frente para outra, passo a mão pelo encosto da cadeira e noto um
bloco de anotações com a minha letra, é um planner diário com
compromissos da semana inteira. “Noite de encontro”, “Defesa da
Ayumi”, “Reunião na MDG” e vários outros. Olho alguns dos
documentos, plotagens de projetos, contratos de trabalho.
Passo da primeira mesa para a segunda. É muito mais
organizada que a outra, nenhum papel espalhado. Há, no entanto, a
imagem de um ultrassom colado ao lado da tela do computador,
assim como uma nota autocolante em que escrevi “Eu amo você”.
Pego o ultrassom e fico olhando para aquela imagem borrada. O
contorno daquele corpinho, mesmo na imagem acinzentada e
chuviscada do ultrassom, me deixa emocionada. Parece que é a
primeira vez que eu entendo que estou mesmo grávida, que aquele
é o meu bebê, que isso está acontecendo comigo, de fato.

— Coloque algo sexy — Greta diz. — Em algum tempo, você


não vai mais poder aproveitar a maioria dessas roupas por causa da
gravidez. — Ela caminha pelo closet, vasculhando as araras de
roupas e, então, me apresenta duas opções: dois vestidos
decotados, um deles com as costas totalmente nuas e outro mais
comportado.
— Esse não — ela diz, reprovando o mais ousado. — Andras
já deve estar com as bolas ficando roxas depois de todo esse tempo
sem sexo. Não precisamos piorar a situação, esfregando esse seu
corpo na cara dele. — A forma como me sinto deve transparecer,
porque ela me encara arqueando as sobrancelhas. — Era só uma
brincadeira, Milena.
— Não me importo com a roupa, Greta. Na verdade, não
queria ter que ficar aqui, ter que descer e suportá-los me olhando
estranho por não lembrar de nenhum deles. E o pior é que eu me
sinto horrível por estar reclamando. Às vezes, parece que eu vou
me sufocar olhando pra todas aquelas fotos, é como se eu tivesse
arrancado a pele de outra pessoa, da Milena com quem ele se
casou, e estivesse vestindo-a. Eu não sou ela, só pareço com ela,
mas não somos a mesma pessoa.
— Aqui — ela me diz, pegando sua bolsa e tirando de lá um
molho de chaves. Ela separa um dos objetos metálicos do chaveiro
e estica a mão na minha direção. — É a chave do meu apartamento.
Fica no começo da Bem Square, vou te mandar a localização, é o
mesmo prédio que a Ayumi mora, ela mora no oitavo andar e eu na
cobertura. Você pode ir pra lá sempre que precisar, tudo bem? Mas
precisa me prometer que vai respeitar o repouso que a médica
indicou e que vai avisar ao Andras se precisar de um tempo
sozinha, e não simplesmente desaparecer.
— Eu prometo — respondo. Seguro a chave e percebo que
não sei muito bem onde deveria colocá-la, nada aqui é meu, embora
seja. Pego a carteira que Andras me entregou ontem com meus
documentos e que está na mesa de cabeceira junto com a aliança, a
minha aliança. Ignoro o pequeno pedaço de ouro com diamantes e
enfio a chave em uma das aberturas da carteira. Uma foto minha me
encara, é uma carteira de habilitação húngara com o nome Milena
Quotar. Fecho a carteira rapidamente e foco em Greta, que está
dizendo que eu preciso me vestir.
— Temos uma festa de Natal e a Deva acabou de avisar que
está chegando. Meu carinha também.
— Carinha? — pergunto sorrindo.
— Você sabe que eu não gosto de rótulos.
— E você sabe que eles são necessários, certo?
— A falta de rótulos faz as pessoas beberem detergente —
dizemos ao mesmo tempo, caindo no riso. Ayumi nos disse isso
uma vez, quando estava irritada por alguma coisa sua que Greta
pegou emprestado e destruiu a embalagem original. — Porém você
já o conheceu antes, estamos saindo há uns dois meses.
— Greta Almstedt saindo com alguém por mais de duas
semanas?
— É, eu disse que tinha ficado emotiva e que a culpa era sua
— ela afirma, ajustando o decote do vestido, enquanto dá uma
última conferida em si mesma no espelho.
Desço as escadas devagar com Greta ao meu lado. Andras
está esperando no final dos degraus, a apreensão estampada em
seu rosto. Minha amiga sorri para mim quando aceito o braço de
Andras e, então, ele me acompanha até a sala de estar, onde Deva,
Ayumi, Jordi e Hanna estão acomodados. Além deles, há mais três
pessoas, três homens que não reconheço. Greta beija um deles no
rosto e logo sei que é o tal “carinha” dela. Ele tem cabelos cortados
bem baixinho, estilo militar, barba, é alto e os dois formam um belo
casal. Greta faz uma piada sobre precisar nos reapresentar, então
ela faz uma rodada apontando para um dos três homens.
— Esse é o John — ela aponta para o homem negro alto,
muito lindo e de ombros largos, que está sentado ao lado de Jordi,
com um copo de bebida na mão. Depois apresenta um homem com
cabelos mais compridos, na altura dos ombros, em um tom entre
loiro e acobreado. Ele está vestindo um terno sob medida e Greta
diz que Adam é meu cunhado. Irmão mais velho de Andras. Ele
acena para mim de uma forma educada e é notável que eu não
tenho com ele a mesma intimidade que meu outro cunhado Jordi
parece ter comigo.
Por fim, ela aponta rapidamente para o último dos homens, ele
me encara profundamente de uma forma que me causa um
desconforto. Mal escuto qualquer coisa além do nome Miklós, até
que Andras está apontando para o sofá e dizendo para que eu me
sente.
Apesar de eu não querer estar aqui, agradeço pelo grande
grupo, isso permite que as pessoas se segmentem. Há uma rodinha
em que Miklós, Adam e Andras estão, depois um outro grupo com
Jordi, Hanna, Greta e seu “não-namorado”, e, por fim, eu, Ayumi e
Deva ficamos em um canto. Isso nos dá a oportunidade de
conversar e eu tento tirar qualquer coisa delas sobre o trabalho e
nossas vidas, contudo Ayumi insiste na ideia de que as coisas vão
surgir naturalmente e que eu não devo ficar me forçando. Apesar
disso, Deva fala um pouco sobre a empresa.
— Temos alguns bons projetos, muitos clientes interessados e
estamos expandindo nosso portfólio. É tudo muito novo, estamos há
dois anos no mercado e montamos a empresa no momento em que
o mundo estava um caos, mas estamos caminhando conforme o
esperado. Só espero que a gente consiga ter lucros em breve...
— Deva! A Milena não precisa ficar pensando nisso agora. Ela
tem que focar em ficar bem.
— Não, está tudo bem, Ayumi. Eu estou bem. Eu preciso
saber...
— Pessoal — Jordi diz sorrindo, enquanto bate numa taça. O
tilintar do vidro ecoando pelo cômodo. — Nossa sempre tão
graciosa anfitriã, como todos sabem, acabou de passar por muita
coisa. E, como meu irmão é antissocial, eu vou fazer as honras e
sugerir que comecemos nossa celebração, oficialmente. Então, por
favor, venham para a sala de jantar.
Jantamos e está tudo tão delicioso quanto apresentável, todos
elogiam a comida de Jordi. Miklós diz que é bom que aproveitemos,
porque, em algum tempo, o restaurante terá sua segunda estrela
Michelin e Jordi vai se tornar item de exclusividade. “Um luxo pra
poucos”, ele afirma sorrindo. Noto quando me olha outra vez,
demorando seu olhar, e tenho quase certeza de que piscou para
mim. Mas que merda é essa? Minha mente questiona. Ayumi vai
embora assim que o jantar termina, dizendo que realmente precisa
ir. Greta e Deva parecem estranhas. Elas trocam olhares enquanto
Ayumi está se despedindo, porém, quando as questiono sobre isso,
Greta diz que precisa de uma taça de champanhe e arrasta Deva
com ela, deixando-me sozinha. Vejo-as de longe, obviamente
discutindo, mas então sinto uma mão na minha cintura, apertando-a
levemente.
— Você realmente esqueceu de mim? — Olho para cima e
vejo Miklós parado ao meu lado e imediatamente me afasto um
pouco dele. — Não faça isso, não vai querer que o otário do seu
marido perceba que há algo de errado.
— Não toque em mim — peço, porém não falo alto. Por
alguma razão, eu me sinto ameaçada pelo que ele disse.
— Milena, você costuma implorar pelos meus toques. Por tudo
que eu tenho pra te oferecer, por todas as coisas que só eu sei fazer
com você.
Ele só diz isso e, então, se afasta de mim. Ouço quando ele
pergunta por mais bebida e deixo a sala, vou até o átrio principal da
casa e penso em subir as escadas, contudo estou tão trêmula que
opto pela porta da frente, parando na varanda, na noite fria. A
alguns metros, vejo John parado, um cigarro na mão. Ele se agacha
e o apaga na neve. Em seguida, coloca o cigarro, agora congelado,
no pacote e o solta no bolso do casaco.
— Não é bom pro bebê — ele diz, acenando na minha direção.
— O que está fazendo aqui fora? Não está frio demais pra você?
— Eu precisava de um pouco de ar.
— É, eu também. Acho que somos bem parecidos no
momento, ambos nos sentindo estranhos no ninho, porém,
obviamente, deve ser pior pra você, não consigo nem imaginar o
que você deve estar passando. Ao menos, o meu desconforto é algo
normal, eu sei que não tenho nada em comum com aquelas
pessoas.
— Em que sentido? — questiono, tentando focar em qualquer
coisa que não seja o lugar no qual Miklós me tocou e como me senti
suja pelo que ele disse.
— Bom, eles são donos de restaurantes, hotéis, filhas de
cônsul e... enfim, você não precisa ficar aqui ouvindo a minha
porcaria quando a sua vida está, bem... vai me desculpar o termo,
mas imagino que esteja uma merda.
— É — concordo rindo. — Está mesmo uma merda. Sabe,
essa parte da grana, a Greta não liga pra isso. Eu não tenho... ou
não tinha, sei lá, um centavo, e ela sempre me tratou bem, brigou
por mim.
— É isso que me preocupa, o quanto ela pode precisar brigar
por mim — ele responde. — Vamos, entre. Se você pegar uma
gripe, a Greta vai chutar minha bunda.
— John, espere um minuto — peço. — O que você acha de
mim?
— Como assim? — ele questiona, parecendo confuso.
Suponho que as razões sejam óbvias, é uma pergunta estranha de
se fazer.
— Eu preciso que alguém que não me conheça há anos...
preciso que olhe pra mim e diga que tipo de impressão eu passo.
Quando você me conheceu, meses atrás, o que achou de mim?
— Olha, você foi gentil comigo, fez com que eu me sentisse
menos deslocado do que eu estava. E, quando eu fui embora, eu
comentei com a Greta que ela tinha ótimas amigas, mas eu estava,
principalmente, me referindo a você ao dizer isso.
Isso me deixa menos nervosa, até um pouco tocada, contudo
não resolve meu problema, porque o que eu quero mesmo saber é
se eu sou o tipo de mulher que estaria traindo o marido. Não
consigo pensar em outra coisa pelo resto da noite e, sempre que
Miklós me olha, eu me sinto pior. Fico pensando se pode mesmo ser
verdade, se mais alguém sabe disso. No entanto, se eu estivesse
tendo um caso, eu nunca contaria isso a Ayumi, ela é certinha
demais e eu não teria coragem de confessar algo assim para ela.
Também não sei se confiaria um segredo assim a Deva, minha
amiga é o tipo de pessoa que poderia deixar um segredo escapulir
com facilidade. Só resta Greta, só que não consigo encontrar
coragem de perguntar, porque não sei se consigo suportar a
resposta se ela for positiva. Eu posso mesmo ter mudado tanto
assim? Três anos é muito tempo, mas então penso em como meu
pai mudou em menos do que isso e, talvez, apesar de todos os
meus esforços, eu seja desonesta como ele, no fim das contas.
Budapeste, janeiro de 2023

Os dias vão passando, mas nada muda. Milena continua sem


lembrar dos últimos três anos, da nossa vida, e isso já dura mais de
uma semana. A médica nos encoraja a trabalhar a estimulação
sensorial, pede novos exames, fala coisas como “o cérebro é uma
máquina incrível e surpreendente”, porém nada disso inspira
confiança. Ainda assim, eu me mantenho forte, por Milena. Não
posso deixar que ela perceba o meu desespero, que note que, todos
os dias, quando ela abre os olhos pela manhã, eu a encaro
esperando que ela me reconheça. É estranho explicar a forma como
me sinto porque ela está aqui, está perto de mim, posso senti-la. No
entanto, de alguma forma, estamos distantes e estou vivendo uma
forma estranha de luto. Tento não focar em como me sinto, e sim
nela, na forma como ela deve estar experienciando essa maluquice
toda. Afinal de contas, eu a conheço.
A mulher que tem estado comigo na última semana é a mesma
que eu conheci três anos atrás, sua desconfiança é o principal
demarcador disso. Ela, por outro lado, não me conhece, o que
justifica suas ações. Eu desmarco meus compromissos novamente,
não sei quando estive no hotel pela última vez e sou grato por ter
funcionários nos quais confio e que sei que posso contar, porque
não existe a menor chance de eu sair de perto de Milena no
momento. Tudo pode esperar, tudo é segundo plano. O telefone, no
entanto, não para de tocar, conhecidos que querem notícias de
Milena, parceiros de negócios preocupados com a minha ausência,
a assessoria de imagem do Grupo Quotar que vem recebendo
diversos pedidos de entrevistas, declarações sobre o acidente e
questionando como andam as investigações.
— Você recuperou um pouco do peso, o que é bom — a
obstetra diz, enquanto examina Milena. — Podemos fazer um novo
ultrassom quando vocês desejarem, mas, no geral, tudo parece
ótimo.
— Tem certeza? Está tudo bem mesmo? — Milena questiona.
— Sim, mamãe. Está tudo ótimo com esse bebezinho.
— Eu não deveria ter mais barriga, considerando que são
dezesseis semanas?
— Você não é tão alta, tem um biotipo regular. Não precisa se
preocupar, o bebê de vocês está se desenvolvendo muito bem. Em
breve, essa barriguinha vai saltar.
Eu coloco a mão sobre a de Milena que não recua, então ergo-
a e coloco meus lábios nos nós dos seus dedos. Ela sorri e está
emocionada. Conversamos dentro do carro e ela me pergunta se eu
prefiro menino ou menina.
— Tanto faz.
— Mentira, as pessoas dizem isso, mas elas têm, sim, uma
preferência.
— Eu não tenho — conto. E é verdade. Tanto faz se é menino
ou menina, por mais clichê que isso possa soar, eu só quero que o
nosso bebê possa crescer e ser tornar uma boa pessoa. Meus pais
nunca demandaram nada além disso de mim e dos meus irmãos e
sempre me senti sortudo por isso.
— Eu mal consigo acreditar que estou grávida, considerando
que nem lembro de já ter feito sexo.
— Ah, mas você fez, sim, acredite em mim — afirmo. Aproveito
o semáforo vermelho e olho para ela, que está sorrindo. Seus lábios
estão levemente pressionados e ela passa a mão nos cabelos, que
estão lisos hoje, colocando-os atrás da orelha. — Esse não é o
caminho de casa, pra onde estamos indo?
— Quero te levar em um lugar. Um lugar que costumávamos ir
juntos. Tudo bem? — Milena acena positivamente, porém não fala
mais nada até que estaciono na Ilha Margaret, o parque é
considerado o lugar mais romântico de toda a Budapeste. — Você
adora esse lugar.
— Eu não lembro de já ter vindo aqui.
— Eu sei — respondo, sentindo meu telefone vibrar no bolso,
retiro o aparelho rapidamente e vejo o nome de Adam na tela. É a
segunda vez que ele me liga no dia, contudo, agora, tenho algo
mais importante para me preocupar. — A primeira vez foi comigo.
Foi aqui que eu te pedi em casamento. Acho que foi a única vez em
que tentei te surpreender e funcionou.
— Sério?
— É — confesso. Ajusto o casaco de Milena, fechando-o, e
nem paro para pensar no gesto, até que já está feito. — Me
desculpe, é meio que automático.
— Tudo bem. Me conte sobre o pedido e sobre não conseguir
me surpreender.
— Conto, mas vamos pra um lugar mais quente, tem um
gazebo que adoramos aqui perto — digo. A vantagem de estarmos
aqui no inverno é que o local está vazio e eu pude contar com a
ajuda de Jordi para preparar uma surpresa. Quando chegamos ao
gazebo, ele está iluminado, tem uma mesa e uma lona transparente
grossa, que serve como porta, permitindo que Milena fique
aquecida. Dois seguranças estão próximos ao gazebo e eu aceno
para eles, então puxo a porta improvisada para que Milena entre.
— Você preparou tudo isso? — ela questiona. Dentro do
gazebo, há duas cadeiras, taças, pratos, talheres, bebida e um
cloche no centro da mesa. O gazebo em si é cheio de flores por
dentro, elas crescem aqui naturalmente e tornam esse um lugar
muito romântico.
— Eu planejei — confesso. — Deve contar pra alguma coisa.
— Com certeza — ela responde. Ofereço uma cadeira para
que Milena sente e, em seguida, faço o mesmo. — Então, fale sobre
as surpresas...
— Bem... na primeira vez que eu quis te dizer “eu te amo”, eu
preparei café da manhã romântico na melhor vista de Sopron, só
que você brigou comigo na noite anterior. Por isso, eu acabei
dizendo “eu te amo” no meio dessa briga. E, depois, várias das
minhas tentativas de te pedir em casamento deram errado. Primeiro,
você disse que detestava demonstrações públicas e eu tinha
preparado algo que envolvia um restaurante inteiro nos ouvindo. Aí
eu quis fazer isso durante um passeio que fizemos de trem, eu tinha
colocado a aliança no bolso do casaco e você deu o meu casaco
pra uma senhora que estava com frio na estação.
Ela começa a sorrir quando digo isso e leva a mão à boca, no
seu gesto de contenção da risada, é um gesto tão familiar...
— E você não desistiu depois disso?
— Não. Eu não acho que desistir de você seja uma opção,
Milena. — Estico minha mão em direção a dela, que repousa sobre
a mesa, e as pontas dos nossos dedos se tocam. Ela me encara
sorrindo, mas então sua expressão ganha um ar sério.
— E eu te faço feliz? Vale a pena não desistir de mim?
Avanço um pouco a minha mão e, então, envolvo a dela
totalmente.
— Eu posso abrir mão de qualquer coisa, contanto que você
permaneça na minha vida. Posso desistir de tudo, menos de você,
da gente. — Milena se ajusta na cadeira e eu recuo minha mão,
deixando-a livre.
— Nunca conheci um homem que falasse do que sente de
forma tão aberta — ela comenta. Percebo que minha boca se curva
em um sorriso, ela já me disse isso antes. Há algum conforto nisso,
porque significa que o caminho que fizemos até aqui, nesses três
anos, não se perdeu totalmente. Quando Milena finalmente lembrar,
quando todas as suas memórias voltarem, tenho certeza de que ela
vai achar uma forma de tornar tudo isso uma anedota engraçada. —
Vamos comer, pedi pra que Jordi fizesse a sua sobremesa predileta.
— Torta dobos? — ela questiona.
— Sim — digo, levantando o cloche e revelando a sobremesa.
Milena sorri, então eu corto uma fatia da torta e coloco no prato
dela.
— Isso é o que eu mais gosto sobre a Hungria, sabia? Vocês
sabem levar sobremesa a sério. Essa torta é divina. Sete camadas,
creme de manteiga de chocolate. — Dou uma risada enquanto ela
prova um pedaço e elogia a torta. — Ok, essa deve ser a melhor
que já provei.
— Não conte ao Jordi, se o ego dele crescer mais um pouco,
talvez ele saia voando como um balão.
Ela sorri e leva o garfo à boca novamente com um novo
pedaço da torta.
— Você não vai comer, vai ficar apenas me olhando?
— Não pode recriminar um homem pelos seus hobbies.
— O seu hobby é ficar olhando pra mim enquanto eu como?
Não é nem um pouco estranho.
— Não. É olhar pra você, não importa o que você esteja
fazendo — respondo, enquanto provo um pouco da torta. Milena
mantém seu olhar fixo em mim, um olhar analítico que deixa seu
rosto ainda mais bonito. Olho para sua boca, estou com tanta
saudade dela, saudade de todo esse corpo, mas, principalmente,
sinto falta do reconhecimento no olhar da minha esposa, da certeza
de que ela me entende só com um olhar. Sinto falta da Milena que
consegue notar quando estou tendo um dia de merda, da Milena
que entende quando quero ir embora de um lugar, da Milena que
sabe quando estou louco para beijá-la, como agora.
Uma vez, quando era adolescente, ouvi minha mãe dizendo
que o segredo para uma relação duradoura é a cumplicidade.
Sempre achei que fosse amor e paixão, querer tanto uma pessoa ao
ponto de continuar amando-a, e amá-la com tanta intensidade que
nunca se consegue deixar de querê-la. Agora sei que ela tinha
razão, foi isso que a amnésia levou: nossa cumplicidade. E, como
resultado disso, eu nunca me senti tão sozinho, mesmo que Milena
continue aqui, não consigo evitar a sensação de que estou sozinho.
O esforço de tentar recuperá-la, no entanto, vale a pena. Eu quero a
minha esposa de volta. É assim que, por dias, vamos a lugares que
já visitamos juntos, eu conto sobre o que gostamos de fazer: sair
para dançar, algo que nunca gostei de fazer antes de conhecer
Milena, jogar pôquer, viajar. Folheamos os álbuns de fotografias que
Milena montou de nossas viagens e momentos em família. Nessas
semanas, vimos sua barriga começar a aparecer e ela ficou ainda
mais bonita, se é que isso é possível. Hoje estamos visitando a suíte
do hotel em que ficamos juntos pela primeira vez.
— Bom dia, Sr. e Sra. Quotar — uma das recepcionistas diz,
sorrindo para Milena. — É muito bom vê-la de volta, senhora.
— Obrigada — Milena responde meio sem jeito. A garota tem
esse olhar de curiosidade e sondagem e isso me incomoda, então
imagino que também seja incômodo para Milena, porém não posso,
de fato, recriminar minha funcionária com base nisso. Então, apenas
aceno para a mulher por trás do balcão e aciono o elevador, que se
abre imediatamente e eu deixo que Milena passe por mim, antes de
também embarcar.
— Eu basicamente morava aqui quando nos conhecemos,
tinha um apartamento que mal usava e a casa dos meus pais,
porém eu sempre acabava ficando aqui. Você não gostava, acho
que, no nosso terceiro mês de namoro, me disse que não podia ficar
se encontrando comigo no saguão desse hotel, porque fazia com
que você se sentisse uma prostituta de luxo.
— É, parece mesmo algo que eu diria. Meio que me sinto
como uma agora — ela argumenta quando o elevador para na
cobertura. Eu a conduzo até a porta, destranco-a e Milena entra no
local.
— Ainda é a nossa suíte, nunca a alugamos. Às vezes, a gente
ainda vem pra cá, quando queremos diversificar um pouco — conto.
Abro a porta de acesso da varanda, o inverno está começando a
perder intensidade, então está menos frio hoje e, aqui de cima,
podemos ver a cidade encolhida, sem toda a agitação, sem todos
aqueles sons de carros e pessoas. Milena avança e se encosta no
batente da varanda, as mãos pela barra de aço, noto seus dedos,
um dedo específico, aquele que costumava estar sempre com a
aliança que ela sempre amou usar. Há agora uma pequena marca,
um pouco mais clara que sua pele, mas que está desaparecendo.
— Então, você não lembra de nada desse lugar? — questiono.
— Não... mas eu gostaria de tentar uma coisa — ela diz me
encarando. Milena prende os lábios um no outro rapidamente e
parece tomar coragem para dizer o que deseja. — Você pode me
beijar? — ela pede. Eu me lembro da primeira vez que nos
beijamos, naquela boate lotada, ela me dizendo “acho que você
deveria me beijar”. Coloco minha mão em seu rosto, o polegar
acariciando seus lábios, tocar nela é excruciante, é uma mistura de
dor e prazer que me deixa tenso. Eu me inclino um pouco,
aproximando nossos lábios e, então, encosto nossas bocas. Ela me
recebe cautelosamente, contudo estou com tanta saudade desse
toque, de suas mãos pequenas segurando com firmeza em meus
braços, da sua boca se movendo contra a minha, intensificando o
beijo. Faço o mesmo, aumento o ritmo, eu a tomo em meus braços
de forma que não haja espaço entre nossos corpos.
Por um momento, é como se nada tivesse acontecido. Como
se minha esposa estivesse de volta, mas então os nossos lábios se
separam e Milena afasta o rosto do meu. Coloco minha mão em seu
queixo e ergo sua cabeça para que eu possa olhar em seus olhos.
Quando faço isso, não encontro o reconhecimento que esperava
encontrar, e sim lágrimas.
— Me desculpe. Andras. Não posso fazer isso. Eu tenho que ir
embora, preciso sair daqui...
— Tudo bem, nós vamos embora. Vamos pra casa.
— Não. Não posso ficar perto de você no momento — ela diz
se afastando.
— Milena...
— Não, por favor. Eu preciso ficar longe de você um pouco,
tudo bem? Você não precisa se preocupar, não estou me sentindo
mal, vou ficar bem.
— Me deixe, ao menos, te levar pra onde você quiser ir.
— Não! Só me deixe em paz! — ela pede, saindo do quarto.
Quero ir atrás dela, porém não faço isso. Ela está bem, nada vai
acontecer com ela, repito para mim mesmo. Preciso respeitar o fato
de que ela precisa ficar só.
Entro em casa e meu irmão mais velho está sentado no sofá
com seu assistente ao lado, ambos inclinados olhando para a tela
de um tablet que Jonas segura. Às vezes, eu acho que meu irmão
se sente mais ele mesmo com o assistente do que comigo ou com
Jordi.
— É, acho que pode ser muito bom, isso ficou excelente —
Adam diz ao outro homem, enquanto solta uma risada. Eles notam
minha presença e, então, rapidamente, o assistente de Adam
bloqueia a tela do aparelho, como se estivesse escondendo um
segredo de estado. E talvez esteja mesmo.
— Preciso falar com você, você nos dá licença, Jonas? —
Adam diz. Seu assistente ajusta o casaco do paletó, levantando-se
e levando seu tablet. Então, desaparece pelo corredor em direção
ao átrio. — Te liguei a semana toda. Vim aqui e você não estava, fui
ao seu trabalho, mas o gerente do seu hotel disse que “o Sr. Quotar
está afastado lidando com assuntos pessoais”.
— E estou!
— Não. Não está. Você está parando a sua vida porque não
quer que ela passe sem a Milena e não é assim que o tempo
funciona, não podemos escolher pará-lo. Só que eu não vim aqui
pra isso.
— Olha, Adam. Eu estou cansado, irritado e, sinceramente,
parte disso foi potencializado por você nesses últimos dois minutos,
então, seja lá o que for, tenho certeza que pode esperar. Preciso
tomar um banho e...
— Não pode esperar! E eu não deveria ter que te dizer isso, se
um de nós três liga, o outro atende e ponto final. Foi isso que
combinamos quando nossos pais se foram, combinamos de cuidar
sempre um do outro e é isso que estou tentando fazer aqui. Mesmo
que você não aprecie os meus métodos, vou sempre continuar
fazendo.
— Tudo bem — digo, sentando na cadeira que fica de frente
para ele. Passo a mão nos cabelos e tiro meu casaco, já que a sala
parece um forno, o que provavelmente é coisa de Adam. — O que
você precisa tanto conversar, Adam?
— Um amigo do Jonas ligou da delegacia, eles acharam o
carro que bateu na Milena e vão chamar ela e a amiga pra depor.
— Ela não lembra de nada.
— Ainda precisa depor. Ela vai lá, diz “eu não lembro de nada”,
vão mostrar o carro às duas, é o procedimento. Por enquanto,
sabemos que o carro não foi registrado nacionalmente, e isso é um
problema pro processo de identificação do condutor. No entanto, a
polícia está investida nisso e podemos contratar um detetive
particular, se você quiser. Vamos pegar esse filho da mãe.
— É estranho ouvir você falando isso. Se preocupando com a
Milena — confesso.
— Olha, Andras. Eu não vou mentir e dizer que caio de amores
por ela. Milena continua sendo uma vulnerabilidade. Se a história do
pai dela viesse a público, seria um horror pra minha campanha, que
é construída em tornar esse estado mais seguro. Que tipo de
pessoa defende segurança e tem como cunhada a filha de um chefe
da milícia com mais processos nas costas do que dedos nas duas
mãos? Mas o fato é que vocês se amam, ela é sua esposa, vai ter o
seu filho. E eu amo você.
“Vocês se amam”. Talvez seja isso que me acerte. Ou o afeto
vindo de um irmão que raramente sabe como usar as palavras para
demonstrá-lo. De qualquer forma, quando noto, estou chorando.
Tento me controlar ao encarar meu irmão, que está fazendo uma
expressão de “Que merda eu deveria fazer agora?”, porém ele se
levanta, vem até mim e me puxa para um abraço apertado.
— Ei, nada vai acontecer com ela, nem com o seu filho. Vou
garantir isso, irmão. Temos seguranças à paisana com ela desde o
atropelamento, gente de olho na Ayumi. Estou cuidando nisso, só
pare de chorar, pelo amor de Deus, não sei como lidar com isso.
Eu começo a rir, porque é a cara de Adam dizer algo assim em
um momento desses. Afasto-me e passo as costas das mãos no
rosto. Não estou preocupado com o atropelamento, não compartilho
de sua paranoia. Acho que foi apenas um acidente, alguém bêbado
que perdeu o controle, sei lá. Não é como se tivéssemos inimigos.
Contudo, eu sei que Adam tem uma possível lista. Pessoas que, de
alguma forma, já cruzaram o caminho da nossa família. Até mesmo
seu oponente para as eleições governamentais, ele considera como
suspeito. Bem como algum reacionário antivacina, que pode estar
tentando atacar Ayumi por sua pesquisa. Enquanto Adam está
fazendo listas de suspeitos, coletando evidências, eu estou focado
na minha esposa, em tê-la de volta.
— A Milena disse que precisava ficar longe de mim hoje —
digo.
— Ela tem um péssimo timing. Três anos atrás, eu acharia isso
ótimo — ele devolve.
— Isso não é engraçado, Adam.
— Eu sei que não é, mas o que você espera que eu diga,
Andras? Que vai ficar tudo bem? Que ela vai lembrar de você
semana que vem e tudo vai voltar ao normal?
— Sei lá, porra! Você pode tentar ligar seu modo humano e me
perguntar como estou me sentindo.
— E como você está se sentindo, Andras?
— Um merda! — confesso. — A minha esposa, por mais que
eu tente, não consegue se lembrar de mim. E hoje parece que eu
finalmente a cansei, porque ela deixou o hotel dizendo que
precisava ficar longe de mim. Ela não disse “quero ficar sozinha”, e
sim que precisava se afastar de mim.
— Eu soube dos seus passeios memoriais com a Milena, o
Jordi é um romântico, porém eu acho que são pequenas sessões de
tortura mental não só pra ela quanto pra você. Está na hora de parar
de esperar por normalidade e se concentrar no agora. Pare de
colocar sua vida na espera porque você tem medo de viver qualquer
coisa sem a Milena que costumava conhecer e passe a viver com
essa que está aqui, do seu lado. Sua esposa está viva, está aqui,
foque em tentar viver um dia depois do outro, ou você só pode ficar
com ela se ela lembrar quem você é?
— Eu...
— Você não precisa me responder, Andras. É uma pergunta
retórica. Eu tenho que ir de qualquer forma — ele fala, encarando o
relógio. — Tenho sessão na câmara amanhã cedo e ainda preciso
voltar pro gabinete e reunir a minha equipe.
Ele arruma os cabelos rapidamente, ajusta o terno e, então,
me encara.
— Você vai ficar bem?
— Vou, claro. Obrigado por vir na minha casa e gritar comigo.
— É sempre um prazer — ele responde. — Te dou notícias
quando souber mais e atenda a droga do seu telefone quando eu
ligar.
Meu irmão vai embora e eu me jogo de volta na poltrona. As
palavras dele estão me cortando como navalhas afiadas. Ele tem
razão. Nada disso é justo com a Milena. Eu me sinto um idiota por
não ter percebido antes. Eu sempre tentei fazer a coisa certa,
especialmente com ela, mas agora tinha sido um idiota de primeira
classe.
Budapeste, janeiro de 2023

Deixo o hotel de Andras e entro em um táxi. Confiro o


endereço no celular e passo para a mulher atrás do volante, ela sorri
para mim e, em seguida, começamos a nos mover. Passo a mão no
meu rosto, tentando me recompor enquanto penso no beijo que
acabei de compartilhar com Andras. Eu me pergunto se gostei do
beijo, mas então entendo que não estava envolvida no ato desse
jeito, estava tentando usar aquele beijo como uma maneira de
lembrar. Talvez se ele me tocasse daquela forma, se me beijasse,
talvez tudo finalmente voltasse para mim e eu poderia saber quem
eu sou.
Eu me sinto com uma idiota por ter achado que isso poderia ter
efeitos, porém também estou chateada por não ter funcionado. Isso
faz algum sentido? Tudo que eu mais quero é lembrar, quero me
lembrar dele, do amor sobre o qual tenho ouvido falar e que,
sinceramente, duvido ter existido. Não duvido do amor dele por mim,
posso sentir na forma como fala comigo, nos toques, no seu olhar.
Minha dúvida repousa sobre mim, sobre o meu amor por Andras. Se
eu o amasse como dizem que amo, eu teria esquecido dele? Talvez
aquele sócio de Jordi tenha razão e eu seja uma traidora.
— Chegamos, senhora! — a mulher diz sorrindo. Pego
algumas cédulas na minha carteira e entrego para ela, nem espero
pelo troco. Desço do veículo e toco o interfone, estou pronta para
me apresentar quando o portão eletrônico é destravado e o
empurro. Da guarita, um senhor de bigodes grandes sorri e acena
para mim, aceno de volta. Encontro o elevador sem maiores
dificuldades e, então, aperto o último andar. No entanto, acabo
mudando de ideia na metade da subida, após lembrar do que Greta
me disse quando me deu aquela chave. Troco de andar e desço do
elevador. É um aparamento por andar, o que facilita bastante as
coisas, vou até a porta e bato na madeira, uma vez, duas, três,
coloco mais força nas batidas, enquanto sinto que a vontade de
chorar começa a tomar conta do meu corpo.
— Amor, você esqueceu... — a voz conhecida começa a dizer.
Gunter Sadik está apenas de toalha, ensopado e me encarando.
Imediatamente, sinto meu rosto ficar vermelho e me viro, para evitar
olhar para seu corpo outra vez. — Milena, meu Deus, o que você
está fazendo aqui?
— Eu... eu vim... — Espere um minuto! Minha mente grita. Eu
me viro outra vez para olhar em seus olhos. — O que você está
fazendo aqui? Na casa da Ayumi e só de toalha?
— Bem, eu... por que você não entra? — ele pede, dando-me
espaço. — Você não parece muito bem. Acho que deveria sentar
enquanto eu me visto.
Eu aceno positivamente e, então, sento no sofá da casa de
Ayumi. Ele desaparece pelo corredor e eu observo o local. Tudo
está absurdamente no lugar, bem o que se espera de Ayumi. Se
mesmo seu quarto compartilhado com a Deva era bem arrumado,
um apartamento só dela seria dez vezes mais. Olho ao redor e
recebo minha resposta antes que Gunter retorne: há uma foto dos
dois juntos ao lado de outra de nós quatro juntas. Ayumi e Gunter
estão abraçados, olhando um para o outro.
— Você tirou essa foto — ele diz, retornando para a sala. Está
com os cabelos ainda molhados, a camisa tem alguns respingos por
ter se vestido, obviamente, às pressas. — A Ayumi odeia tirar fotos,
então é basicamente a única que temos juntos.
— Vocês estão... casados?
— Não. — Ele sorri, colocando uma das mãos no bolso; na
outra, está uma toalha de rosto. Gunter Sadik se aproxima de mim e
se senta ao meu lado, porém não perto demais. Suas mãos estão
cruzadas entre as pernas levemente abertas, os braços apoiados
nas coxas. — Ainda não estamos casados, só que eu a amo o
suficiente pra saber que é isso que eu quero.
— E por que vocês não me contaram? Quer dizer, ela me
deixou falar sobre como eu acreditaria se estivesse casada com
você, mas não com o Andras. Isso é... por que ninguém me contou
a verdade?
— Você conhece a Ayumi, não muito ainda pelas suas
memórias, porém suponho que já o suficiente pra saber que ela
pensa demais, não conhece? E não digo isso de forma negativa, eu
amo o fato de que ela pensa demais, é parte do que a torna uma
pessoa tão incrível.
— Sim, eu sei que ela vive pensando obsessivamente sobre
tudo — confesso.
— E sobre todos — ele adiciona. — Por esse motivo, ela
achou que você não lidaria bem com isso. Que precisava de tempo
pra conhecer o Andras e entender que o que vocês têm é o que faz
sentido. Ela preferiu colocar os seus sentimentos acima dos dela, e
não foi a primeira vez. Não estou dizendo isso com o intuito de você
se sentir culpada, Milena. Só preciso que entenda que a Ayumi só
estava tentando te proteger.
— Quando você diz que não foi a primeira vez, está falando
sobre você, não é? — questiono. Eu deveria saber, deveria saber
que ela gostava dele, acho até que, no fundo, eu sabia e só não
queria acreditar. Eu perguntei a ela diversas vezes e Ayumi disse
não, contudo eu sentia que ela ficava estranha quando estávamos
juntos ou nas nossas tentativas de encontros.
— Acho que essa é uma conversa que você tem que ter com
ela.
— Mas estou perguntando a você! — digo irritada. — Nós
passamos meses trocando mensagens, basicamente éramos
namorados à longa distância, já que nunca conseguíamos nos
encontrar ou, quando conseguíamos, acabávamos sendo
interrompidos. E, na minha cabeça, ainda estamos nisso, eu ainda
lembro a última mensagem que você me mandou, de tão recente
que parece. Então, volte no tempo um pouco e me conte o que
aconteceu. Ela gostava de você, eu conheci o Andras, me apaixonei
por ele e...
— Nós jantamos juntos dias depois de você conhecer o
Andras. Você me pediu desculpas, eu disse que não era necessário,
embora deva confessar que estava, sim, triste porque você tem
razão, tínhamos uma conexão emocional, você sabia da minha vida
e eu da sua. Coisas que não queríamos falar com mais ninguém. E,
talvez, por isso, tenha sido ruim no começo, quando você começou
a namorar o Andras e eu entendi que a chance tinha escorrido pelos
meus dedos.
— E como a Ayumi entra nisso?
— Eu sempre a achei impressionante. Desde o primeiro dia.
Mas de uma forma estritamente profissional, eu era tutor dela, você
sabe, imediatamente coloco qualquer estudante que trabalhe
comigo nessa caixa de “proibido”, porque você já anda na corda-
bamba da ética quando trabalha com pesquisa em humanos, então
não preciso de mais nada pesando na minha consciência. — Quero
pedir para que ele encurte as coisas, todavia me pergunto: Ok, qual
exatamente é a minha pressa aqui? Não é como se eu tivesse nada
mais interessante para fazer no momento. Gunter passa a mão na
nuca e move a tolha, jogando-a contra o pescoço. — Eu suponho
que tenham te contado sobre a pandemia.
— Sim, isso me contaram — resmungo.
— Quando a pandemia começou, estávamos trabalhando
numa vacina e nossa pesquisa acabou chamando atenção, nos
ofereceram vagas num laboratório alemão, porém eu não queria ir,
então ela foi pra lá, eu fui pra Índia. Nós nos ligávamos todos os
dias, conversávamos sobre as pesquisas, na medida do que era
ético e possível, claro. De repente, teve esse dia que ela não ligou,
aí eu liguei e ela não atendeu. Eu comecei a suar frio porque o
mundo estava caindo aos pedaços, mas quando ela ligava, tudo
parava no lugar por um instante. Eu não recebi notícias dela por
dois dias, não conseguia viajar porque os casos na Índia eram ainda
mais complicados do que na Alemanha, então tínhamos
impedimentos pra voos, e eu acho que nunca me senti tão
assustado, pelo menos não até o dia do acidente de vocês.
— A Ayumi estava doente?
— Não. Os pais dela estavam. Ela estava na Coreia do Sul
com eles. E eu poderia te dizer que eu fui atrás dela lá e ficamos
juntos, teria sido uma história bem romântica, só que não foi assim.
Ela estava namorando um cara que conheceu na Alemanha, passou
alguns meses com ele. Nos encontramos duas vezes em todo esse
período, a primeira delas em um painel de saúde da OMS, com
representantes de farmacêuticas em Praga, depois quando eu viajei
pra Alemanha, também a trabalho. E ambas as vezes, eu senti que
o universo estava tentando me dizer alguma coisa, porém era como
se eu fosse idiota demais pra entender ou estivesse escrito em um
código que não conhecia.
Eu conheço essa sensação, é assim que me sinto quando olho
para Andras. Há algo que eu não sei nomear, algo que me deixa
nervosa, feliz e triste ao mesmo tempo.
— Ela me deu uma carona até o aeroporto na Alemanha e eu
não queria sair de perto dela, parecia que me afastar fisicamente
era excruciante. Então, eu disse a ela como me sentia, como me
sentia há meses, talvez desde sempre. E ela olhou pra minha cara,
disse “boa viagem, Gunter” e, então, deu as costas, me deixando
sozinho na fila de triagem do aeroporto. Algumas semanas depois,
eu fui de Nova Délhi pra Budapeste, porque precisava organizar a
documentação do meu apartamento e alguém bateu na porta. Era
Ayumi com dois kits de sorologia de Covid, me dizendo: “Faça um
teste rápido porque eu preciso te beijar”. Depois disso, nós
namoramos à distância por meses, até que o laboratório dela a
enviou pra fazer um grupo de controle em Nova Délhi devido a uma
variante. O trabalho era desgastante, o meu, o dela, a situação do
país estava um caos, mas estávamos juntos, cuidando um do outro.
Ali eu soube que não estava apenas apaixonado por Ayumi, e sim
que ela era a mulher da minha vida. E é engraçado porque, logo
quando você e o Andras começaram a namorar, eu pensei que o
universo estava me sacaneando, porque realmente gostava de
você, Milena. Mas, então, eu entendi que ele estava apenas
alinhando as coisas, nos colocando nos caminhos certos, com as
pessoas com as quais deveríamos, de fato, estar.
Eu queria poder lembrar disso, queria sentir por Andras o
mesmo que Gunter diz sentir por Ayumi.
— Eu sei que não deveria te dizer como se sentir, mas espero
que não fique chateada com Ayumi por ter optado pelo segredo.
Isso foi complicado pra ela também, ela odeia se esconder.
— Foi por isso que ela foi embora mais cedo no Natal, lá na
casa do Andras, não foi?
— Bom, isso e o fato de que eu me neguei a ir pra sua casa,
porque lá teria que fingir que a Ayumi e eu não somos nada além de
colegas de trabalho. Não foi meu melhor momento, tenho que
admitir.
Imagino se eles brigaram por minha causa e me sinto mal
porque suponho que sim. Ayumi, tenho quase certeza disso, negou
ter sentimentos por Gunter anos atrás para me proteger, e agora eu
estou causando rachaduras na sua relação. Eu vim até aqui porque
precisava desabafar sobre o que venho causando na vida de
Andras, contudo agora entendo que não é só na vida dele. Eu sou
uma pedra no sapato das pessoas que amo e pensar nisso me
transporta de volta para a minha infância e para a forma como meu
pai fazia com que eu me sentisse depois que minha mãe se foi.
— Sinto muito — digo a Gunter. — Sinto muito por estar
atrapalhando a relação de vocês e...
— Não está, Milena. Por favor, você não está. Você acabou de
passar por um trauma, está experienciando a vida de uma forma
que eu mal posso imaginar. Não deveria estar se culpando por
nada. — Ele se levanta, senta-se ao meu lado e me abraça. Deixo-
me envolver no contato, porque preciso disso nesse momento.
Então, ouço um barulho de chave na porta e me afasto rapidamente.
Ayumi está parada nos olhando, ela tem uma bolsa de mercado na
mão que deixa cair no chão.
— Milena... eu... eu queria ter explicado, eu só... — Eu me
levanto e vou até minha amiga, abraçando-a apertado. Ela me
abraça de volta. — Sinto muito por mentir.
— Eu amo você — digo. — E eu sinto muito por não ter notado
antes que estava te machucando. Eu nunca teria...
— Isso não importa. Nunca importou. — Ayumi diz. —
Contanto que você esteja feliz...
— Não — argumento, encarando-a. — É aí que você se
engana, como eu poderia estar feliz, se você também não estiver,
Ayumi?
Tomo um chá quente e me deito no sofá de Greta. Ayumi e
Deva estão sentadas ao meu lado, já Greta está andando pela casa
de calça jeans e sutiã, enquanto fala ao telefone. “Ela vai ficar aqui
esta noite, não se preocupe, Andras...”, “Claro, pode deixar. Eu
aviso” e “Tente descansar, vai ficar tudo bem” são os pedaços da
conversa que posso ouvir. Imagino que Andras esteja preocupado,
mas não posso encará-lo no momento. Greta desliga o telefone e
me encara.
— Você me prometeu que avisaria a ele pra onde iria.
— Eu não sabia o que fazer, só precisava sair de perto dele,
Greta. Ele fica esperando que algo aconteça, que eu lembre dele e
eu continuo o decepcionando e me decepcionando junto. Não
aguento mais isso. Hoje eu cheguei ao meu limite, não tem mais
nada que eu possa fazer pra lembrar dele, desses últimos três anos.
São semanas de acúmulo de desapontamentos e frustrações.
— Isso não deve ser bom pra você, nem pro bebê — Deva diz.
— Talvez você devesse mesmo ficar um pouco longe dele.
— E como isso vai ajudar em alguma coisa? — Greta
questiona irritada.
— Talvez a Deva tenha razão. É muita pressão — Ayumi
afirma. — Olha, você pode ficar comigo, se quiser. O Gunter tem o
próprio apartamento, podemos dar um jeito.
— Não. Não posso ser a pessoa no meio de vocês dois outra
vez.
— Não somos gêmeos siameses, Milena. Podemos ficar
separados por algumas noites.
— Isso não vai ser necessário — Greta argumenta. — Porque
ela vai voltar pra casa. Ela está grávida do Andras, ele não é um
maluco, ela não precisa ser protegida dele. O que a Milena precisa é
aprender a abrir a boca e falar quando algo a incomoda. Se você
não quer ficar passeando pela sua vida, diga isso ao seu marido e
achem uma forma de conviverem. Ele é a porra da pessoa mais
compreensiva que eu conheço e, mesmo que não fosse, a Milena
que eu conheço não...
— O problema é que a Milena que você conhece não existe! —
Deva diz. — Essa aqui é a Milena de três anos atrás. Você não pode
querer que ela amadureça três anos em três semanas.
— Digamos que vocês três tenham razão, a Milena se muda
pro apartamento da Ayumi, ou pro meu, sei lá. Como exatamente
essa distância vai ajudar na relação deles? Digamos que você
nunca lembre de nada, Milena. Isso te dá carta branca pra acabar
com o casamento de vocês? Te garante o poder de afastá-lo da sua
gestação, do convívio diário com esse bebê? Estamos falando de
um homem que, há um mês, estava com um daqueles aparelhos
que permitem falar com o bebê dentro da barriga.
Estou sendo bombardeada pelos efeitos das perguntas da
minha amiga quando Deva ergue a voz e me tira do meu estado de
transe culposo.
— Você é amiga da Mi ou do Andras? — Deva questiona. É
uma boa pergunta.
— Por que você está tentando fazer com que eu me sinta pior
do que já estou? — questiono.
— Sou sua amiga, Milena. E sinto muito se você não quer
ouvir nada disso, porém amizade não é apenas dizer coisas
agradáveis e fazer selfies em momentos bons. — Ela se levanta,
veste a blusa que está jogada na mesa de apoio da sala de estar e,
então, me encara outra vez. — Você está com a minha chave, fique
à vontade. Eu vou dormir fora. Acho que você vai ficar melhor se
permanecer com as amigas que estão a seu favor, eu não vou
permanecer aqui e compactuar com isso.
— Depois eu sou a dramática — Deva diz, quando Greta deixa
o apartamento. — Eu também tenho que ir, mas quer que eu faça
algo pra você comer antes?
— Você pode ir, Deva — Ayumi diz. — Eu e a Milena nos
viramos por aqui.
Volto para a casa de Ayumi com ela e preparamos comida
juntas. Juntos, na verdade, porque Gunter também está lá. Ele
queria ir embora, porém pedi que ficasse para jantar. Isso não
precisa ser estranho. Eu ainda o acho atraente, contudo é fácil
perceber que eles dois ficam bem juntos, eles são tão diferentes e,
ao mesmo tempo, muito parecidos. A comida está no forno e Ayumi
foi tomar um banho. Eu estou no banco da ilha, na cozinha de
Ayumi, enquanto Gunter está separando a louça. Estou pensando
em Andras e nas palavras de Greta, não consigo esquecê-las.
Agora que a poeira da situação baixou, começo a entender o que
minha amiga disse de uma outra perspectiva.
— Posso te perguntar uma coisa? — questiono. Ele se vira e
acena positivamente. Seus olhos fixos em mim. — Como você se
sentiria se ela tivesse perdido a memória? — questiono. Gunter
passa a mão livre pela barba.
— Desde que você acordou, eu fico me fazendo essa
pergunta: “Como seria se fosse a Ayumi?”. Acho que eu estaria
desesperado, Milena. Quando eu acordo e a Ayumi ainda está
dormindo, eu olho pra ela e normalmente penso em como dei sorte
de me apaixonar por ela. Mais sorte ainda por ela também se sentir
assim. É o tipo de sorte que você considera como única e acho que,
se fosse com ela, se ela esquecesse de mim, eu estaria aterrorizado
pela ideia de que isso significaria que a minha sorte acabou.
— Acho que eu preciso ir embora — digo a Ayumi quando
minha amiga sai do banheiro.
— Como assim?
— A Greta tinha razão. Eu não posso ficar aqui. Eu tenho que
ficar com ele. Preciso voltar pra minha casa e pro meu marido.
GRETA

Quando eu ainda era uma criança, todos os meus amigos


eram pessoas extremamente parecidas, crianças loiras correndo por
mansões de chão de mármore, corredores de ouro, todas seguindo
na mesma direção. A cada novo passo, elas já sabiam o que as
esperava na frente, o caminho anteriormente pavimentado pelos
seus pais levava a uma forma de servir ao seu país e à coroa sueca,
e todos pareciam felizes com isso. Todos, menos eu. A filha única
da única sobrinha do rei da Suécia com um cônsul inglês, as
expectativas para mim sempre foram altas. Seguir a profissão do
meu pai ou, talvez, ocupar um cargo de confiança na corte, casar-
me com alguém de uma linhagem nobre. Era como viver presa no
século anterior.
Eu sempre me senti diferente daquelas pessoas e sempre quis
demonstrar isso. Eu escolhia as amizades que sabia que meus pais
considerariam como as mais inadequadas possíveis, eu fazia
questão de ser vista aos beijos com pessoas diferentes, levava para
as festas de família os acompanhantes mais indecorosos possíveis.
É, eu sei, meus modos de resistência nem sempre foram os mais
construtivos, porém quando você não tem nenhuma voz, você
encontra outras formas de falar. Foi depois de alguns escândalos
midiáticos envolvendo homens e drogas que meus pais decidiram
que eu deveria estudar fora. Eles me mandaram cursar Relações
Internacionais na Alemanha, eu me inscrevi em Desenho Industrial
na Hungria. Naquele momento, eles estavam tão felizes com o fato
de que eu estava indo para longe por um tempo, que não se
importaram.
Mas a verdade é que eu também não era aquela pessoa que
fingia ser para eles e só pude me conhecer aqui, em Budapeste, o
primeiro lugar onde senti que as escolhas que fiz eram por mim
mesma, e não para satisfazer ou irritar ninguém. Foi aqui que eu
descobri que gosto mesmo de sexo casual e não o fazia apenas
para escandalizar meus pais; que drogas não são minha praia, mas
que o álcool, em boas doses, é um companheiro maravilhoso. Foi
aqui que eu fiz amigos de verdade, pela primeira vez. Milena, Ayumi
e Deva são a família que me escolheu e que eu escolhi de volta. E,
hoje, quando elas estavam me acusando de não ser uma boa
amiga, eu me senti outra vez a adolescente inadequada.
Foi por isso que bati a porta do apartamento irritada.
Emputecida, na verdade. Eu estou querendo matar a Deva por
questionar minha amizade com Milena, poderia bater na própria
Milena por não entender que só quero seu bem, e Ayumi, nossa,
embora ela tenha passado a maior parte do tempo calada, e talvez
por isso mesmo, também estou furiosa com ela. Entro no bar e vejo
John atrás do balcão. Ele tem um pano de mão jogado no ombro e
está com aquela expressão de quem está sorrindo por cima do
cansaço, enquanto abre uma garrafa de bebida e serve duas
garotas que estão praticamente subindo no balcão. Não as culpo,
ele é mesmo absurdamente bonito. Não que os homens nesse país
não sejam, no geral, a família Quotar é um exemplo disso, todavia
há algo no jeito largado do charme novaiorquino de John que se
destaca por aqui.
— Posso ajudá-la, senhorita? — ele questiona quando
encontro um espaço no balcão, ao lado das duas garotas.
— Não sei. O que eu quero não está no menu.
— Acho que posso providenciar — ele responde, pegando na
ponta do pano de mão e passando-o pelo balcão até chegar bem
perto de mim. John coloca a mão na minha nuca e se inclina um
pouco para alcançar minha boca. É um beijo que cala todo o resto,
toda a minha fúria com as meninas. A minha irritação geral com o
mundo, nos últimos meses, tudo isso desaparece e fica apenas o
contato dos nossos lábios e a forma como ele faz com que eu me
sinta. Quando separamos nossos lábios, ele me encara, os olhos se
estreitando num processo de avaliação. — Está tudo bem?
— Quando você sai? — pergunto, esquivando-me da sua
pergunta.
— Em vinte minutos.
— Então, acho que vou querer uma bebida, no fim das contas
— afirmo.
Enquanto ele me serve e estou recebendo olhares das duas
garotas ao meu lado, para as quais sorrio, estou pensando no fato
de que não deveria estar tão envolvida assim, principalmente
porque minha mãe já entendeu que John não é só mais um e
parece disposta a achar formas de nos separar. Meia hora depois,
estamos chegando no apartamento de John. Ele desce da moto e
me ajuda a retirar o capacete, então coloca a mão na minha cintura,
puxando-me para perto, o que gela o meu estômago.
— Só temos meia hora antes que ela chegue — ele diz
sorrindo. Eu o seguro pela jaqueta e colo nossos lábios.
— Você pode me fazer gozar umas duas vezes antes disso —
afirmo. Subimos dois lances de escadas, já que o prédio de John
não tem elevador. Ele mora no centro de Budapeste em um dos
prédios antigos que eu sempre achei lindos por fora, contudo, aqui
dentro, tudo é antigo demais. A escada é em caracol com uma
estrutura de ferro que range, os corrimões parecem ter sido pintados
por cima da ferrugem. Apesar disso, a arquitetura original é linda e
há uma vantagem que eu adoro: construções assim têm paredes
grossas. Concreto duplamente reforçado.
John abre a porta do apartamento e logo estamos nos
beijando. As mãos dele estão me livrando das minhas roupas na
escuridão. Bato em alguma coisa, não sei o que é, há apenas um
barulho de plástico sendo rachado e, em seguida, estou sendo
jogada na cama e as luzes são acesas. Melhor assim, penso.
Transar com esse homem sem poder olhar para ele deveria ser
proibido. Eu jogo minha blusa em algum lugar do quarto, enquanto
ele tira a jaqueta e sorri para mim. Ajoelho-me na cama e vou até
ele, puxando as pontas da camisa branca e subindo-a, beijo seu
abdômen e continuo com a minha tarefa de retirar sua camisa.
Minha língua sobe pelo seu corpo na medida que o tecido vai
abandonando-o, mordo o mamilo de John que solta uma risada e
passo a camisa por sua cabeça.
Suas mãos vão para o meu jeans e soltam o botão, enquanto
nossas bocas voltam a se explorar. Meu jeans começa a descer
pelo meu quadril e ele aperta a minha bunda com força, o que me
deixa ainda mais excitada. Eu me afasto de John e deixo meu corpo
cair na cama, então ele pega meus tornozelos e puxa o restante da
roupa. Em seguida, eu o vejo tirar a calça, as coxas negras bem
definidas expostas, o volume da cueca me deixa com água na boca.
Preciso desse homem dentro de mim o mais rápido possível.
— O que você está esperando? Estamos correndo contra o
tempo aqui, você ainda me deve dois orgasmos — pergunto,
desafiando-o. John sorri, fica totalmente nu e volta para mim. Sua
boca está na minha panturrilha, no joelho, na parte interna das
minhas coxas e, então, seus dedos estão em mim. Ainda por cima
do tecido da calcinha, porém ele rapidamente muda de atitude e a
peça abandona meu corpo. Ele se posiciona entre as minhas pernas
e me penetra de uma vez só, exatamente como gosto, sem muito
preparo. Inclino meu corpo, enquanto sua boca está nos meus
seios. Ele entra e sai de dentro de mim com força, fazendo-me gritar
a cada nova investida. — Isso, isso mesmo!
— Mais forte? — ele questiona, puxando-me para cima. Aceno
positivamente, começando a rebolar, ou ao menos tentando, já que
o impacto do seu corpo contra o meu parece abalar o meu centro de
gravidade. O meu primeiro orgasmo vem rápido, nessa mesma
posição, enquanto ele está sugando meu pescoço e minhas unhas
cravadas em suas costas. Meu corpo todo relaxa e há mais tensão
do que eu poderia imaginar me deixando.
John me vira de costas, me segura, e logo eu estou de quatro
na cama, ao mesmo tempo em que ele volta a me penetrar. Suas
mãos estão na minha nuca, me jogando para frente enquanto me
domina. Eu adoro isso, o fato de que ele parece saber exatamente o
que eu preciso, quando preciso e com que intensidade. Ele se
inclina na minha direção, os lábios encontrando meu pescoço,
continuando me fazendo gemer até que sejamos apenas orgasmos.
Estou jogada na cama, suada e naquele momento de névoa e
satisfação que um orgasmo consegue causar. Meu foco está no
ventilador girando em seu teto, a peça parece não passar por uma
manutenção há décadas e gira preguiçosamente, mal consegue
produzir qualquer vento. A mão de John se move pelo meu corpo,
parando no meu queixo. Eu movo meus olhos e encontro os dele,
tão castanhos, tão inquisidores.
— Vai me dizer agora o que está errado?
— Milena, Deva, Ayumi. Acho que estou sendo sacaneada por
tentar ser uma boa amiga.
— E o que houve exatamente? — ele questiona.
Conto a John sobre a discussão e ele escuta tudo sem dizer
uma palavra, até que eu finalmente termino e ele levanta da cama,
começando a se vestir.
— Não vai me dizer nada? — pergunto.
— Depende, você quer eu seja honesto ou que fique
cegamente do seu lado?
— Que fique do meu lado porque estou com a razão —
respondo.
— Venha aqui! — ele pede, esticando-me sua mão. Fico de
joelhos na cama e ele segura minha cintura. — Eu acho que você é
uma amiga excelente, mas...
— Tudo que é dito antes do “mas” não tem valor algum —
comento.
— Me deixe colocar de outra forma: acho que você tem razão,
que está tentando impedir a sua amiga de cometer um erro.
Também acho que é preciso ter muita coragem pra enfrentar os
amigos e que você é a mulher mais corajosa e bonita que eu
conheço.
— Certo, até aqui temos muitos elogios. Um pouco de
bajulação, porém não vou reclamar, até gosto — digo sorrindo. —
Onde está a parte que eu não vou gostar?
— Por mais que eu adore o fato de você estar aqui agora... —
ele diz, beijando meu ombro. — Acha que foi certo deixar a Milena,
só porque ela não quis ouvir o seu conselho?
— Não é como se eu tivesse deixado ela sozinha. As líderes
de torcida da Milena estão com ela.
— Meu Deus, você fica tão bonita quando está chateada que é
difícil discordar — ele fala sorrindo. Batidas à porta nos interrompem
quando estou prestes a dizer que não há o que discordar porque
estou absolutamente certa. — Ela chegou. Vista alguma coisa.
John me entrega uma blusa sua e minha calça jeans, então
desaparece pela porta do quarto. Segundos depois, estou ouvindo
um “papai!”, enquanto estou subindo a calça pelas minhas pernas.
Eu me olho no espelho, prendo os cabelos e depois saio do quarto.
Na porta do apartamento, está uma senhora de cabelos negros,
óculos na ponta do nariz e que me olha como se nunca tivesse me
visto antes, o que não poderia estar mais distante da realidade. É a
ex-sogra de John.
— Alguém quebrou o meu brinquedo! — uma voz infantil diz,
com um tom triste. Baixo meu olhar e encontro Anna com seus
cabelos em duas tranças, ela está segurando um pequeno fogão
rosa numa mão e um pedaço de plástico rosa na outra.
— Espere um minuto, amor. O papai já olha isso, ele só
precisa falar com a sua avó — John afirma. Ele acena para o
corredor do apartamento e sai junto com a mulher, fechando a porta
atrás dele.
— Oi, Anna — digo, acenando para a garotinha. Por alguma
razão, ela me intimida. Não que seja uma criança intimidadora, ela
não é daquelas que tem a língua afiada ou que se rebela. É, na
verdade, uma garotinha muito gentil. Acho que me sinto intimidada
pelo que ela representa.
— Oi, Greta. Você sabe quem quebrou o meu brinquedo? —
ela questiona, tirando a mochila das costas e colocando junto do
brinquedo quebrado.
— Bom, acho que fui eu — confesso. O som do plástico se
partindo faz todo sentido agora. — Eu compro outro pra você, tudo
bem? Ou outra coisa que você quiser, é só me dizer. — Estou
tentando subornar o afeto da criança? Droga! Acabo de agir como a
minha mãe.
— Não precisa. — ela responde triste. — Mas você tem que
dizer que sente muito.
Ok, estou sendo ensinada sobre bons modos por uma criança
de seis anos de idade. Isso é ótimo!
— Me desculpe, Anna. A tia Greta sente muito.
— Minha avó disse que você não é minha tia.
— Ah, é?
— É, e ela também disse que você não pode ser a minha nova
mãe.
Não digo nada porque qualquer coisa parece inapropriado.
Não é uma conversa que eu devo ter com Anna, e sim com o pai
dela. Graças a Deus, John retorna antes que o silêncio se arraste e
diz que Anna pode assistir a um filme antes de dormir. Ela
comemora e opta por “Frozen”, eu devo ter visto o filme umas dez
vezes desde que a conheci. Ela se senta entre mim e John no sofá
e eu o observo desfazer as tranças do cabelo dela. Anna e Elza
estão brigando pela decisão de casamento da irmã mais nova,
quando eu decido que preciso enviar uma mensagem para Milena.
“Sinto muito por ser uma vaca insistente”, envio.
“E eu por ser uma vaca desmemoriada”, ela responde.
Eu chego em casa e toco a campainha, não tenho as chaves,
quer dizer, devo tê-las, mas, desde o acidente, nunca saí sem
Andras. São 23 horas e, pela rotina nas últimas semanas, sei que
todos os empregados já se foram. Andras é um excelente patrão,
ele normalmente libera o motorista assim que chega em casa, a
cozinheira pode ir depois que o jantar estiver pronto. Jacques é o
único que costuma ficar mais tempo, mas já presenciei Andras
tentando convencê-lo a ir embora mais cedo diversas vezes. Nessas
últimas semanas, fui adicionando pequenos pedaços de informação
que vão me ajudando a entendê-lo. Sei que ele, além de um bom
empregador, é também um excelente irmão, vejo isso na forma
como Jordi o abraça sempre que se encontram, nas ligações que
trocam, em todas as fotos com os irmãos em viagens, festas, que
ficam nos álbuns de fotografia.
Um bom empregador. Um bom pai. Um bom irmão. Um bom
marido. Ele é todas essas coisas, sei disso. Assim como também sei
que qualquer desconforto ao seu lado não é por causa dele, e sim
por minha causa. Sou eu que me sinto inadequada, como se fosse
um papel de parede brega colocado junto a uma decoração
impecável. Não faz sentido que ele me ame da forma como ama,
não estou acostumada a isso. Eu me dou conta que é isso que
acontece quando a pessoa que mais deveria te amar e te proteger
te dá as costas: você se torna naturalmente desconfiada e está
sempre preparada para ser deixada sozinha, repetidamente.
— Milena? — ele diz ao abrir a porta. Está usando um roupão
aberto, o tórax bem definido em exibição. Baixo meus olhos por seu
corpo, até que encontro a cueca preta e, então, volto a encarar seu
rosto, como alguém que é pego em um olhar indevido. — Entre, o
que você... está frio.
Ele me puxa e fecha a porta. Começo a tirar o meu casaco e
ele está parado me olhando, esperando que eu diga alguma coisa,
sei disso. Sei o que quero dizer, vim pensando nisso o caminho
inteiro enquanto Gunter dirigia até aqui, já que Ayumi ainda não
pode dirigir, depois do acidente. Agora, no entanto, olhando para
ele, parece que há algo mais urgente.
— Você pode me abraçar?
— Depende, você vai sair correndo depois do abraço? — ele
questiona. Não há nenhuma alteração em seu tom de voz. A
pergunta parece ser genuína, e não vinda de um lugar de
descontentamento, somente de pura preocupação. De qualquer
forma, sinto que é uma pergunta justa.
— Não. Prometo que não — afirmo, tirando minhas luvas e
esfregando uma mão na outra. O aquecedor do carro de Ayumi
estava no máximo, contudo eu ainda estou com frio.
Ele se aproxima e envolve meu corpo com o seu. Colo meu
rosto em seu peito, sentindo o cheiro gostoso que ele tem, o calor
que ele emana. Esse homem maravilhoso é o meu marido, ele me
ama. Por que é tão difícil para mim acreditar que o mereço? Por que
eu prefiro pensar o pior de mim mesma? “Você ainda não aprendeu
a se amar o suficiente pra acreditar no amor dele por você”, Greta
tinha dito. E penso em como “eu, que sem nem ao menos ter me
percorrido toda, já escolhi amar o meu contrário”, minha mãe amava
o conto ao qual pertence esse trecho. Eu não o entendia quando era
criança, mas faz sentido agora.
— Precisamos conversar — ele diz se afastando. Seus olhos
estão nos meus, as mãos nos meus braços.
— É, precisamos. Podemos fazer isso na cozinha? Acho que
preciso de um chá.
Andras acena positivamente e, em seguida, caminhamos em
silêncio até a cozinha, as luzes no caminho vão sendo acesas
automaticamente, acionadas pelo movimento. Ele pega uma
chaleira e eu abro um dos primeiros armários procurando por
xícaras, Andras indica a porta certa e sorrio em agradecimento.
— Andras, eu queria me desculpar pelo que fiz mais cedo —
começo a dizer. O barulho do acendedor elétrico do fogão é a única
coisa que existe depois do meu pedido de desculpas. Andras ainda
está de costas, colocando a chaleira no lugar. Então, ele se vira,
cruza os braços e me encara como se estivesse esperando por
mais. — Eu quero lembrar de você, realmente quero, por isso fiz
todas aquelas perguntas e aceitei visitar os lugares que você
achava que podiam evocar minha memória. No entanto, hoje cedo,
naquele hotel, depois que te beijei e ainda assim não lembrei de
nada, eu fiquei com medo de que nunca possa recordar. Com isso,
você vai ficar preso a uma esposa que... Naquele momento, eu só
conseguia pensar em como aquilo não era justo com você.
— Milena, você tem a mania bastante irritante de querer
decidir sobre o que eu sinto antes que eu possa me expressar. Você
não pode decidir o que é justo pra mim sem me consultar.
— Vai me dizer que você não está sofrendo? — questiono.
— Estou, mas o sofrimento de ficar sem você, Deus, Milena,
isso seria muito pior.
— Sinto muito. Sinto muito por tudo. E, principalmente, por ter
ido embora daquela forma, porém tudo aquilo fez com que eu me
sentisse péssima. Eu não sei explicar, mas a ideia de que você está
sofrendo por minha causa faz a minha pele queimar e eu achei
que...
Andras se aproxima e coloca sua mão na minha cintura,
puxando-me para perto.
— Não é culpa sua. Nada disso é culpa sua. Você sofreu um
acidente e acho que nós dois tentamos forçar demais essa coisa da
recuperação das suas memórias. Eu deveria ter sido mais sensível.
Deveria ter pensado mais em você, no que está passando. Eu já
disse isso antes, só que acabei perdendo de vista, então vou repetir
e prometer que não vou esquecer novamente: eu não me importo de
começar tudo outra vez, se for preciso. Qualquer opção em que
você permaneça na minha vida é uma boa opção e vale o esforço.
— Ainda assim, eu sinto muito. É mais fácil pra mim, porque eu
não lembro de você e eu não sei o que estou perdendo, mas, pelo
que me dizem, estou perdendo algo incrível. Um homem incrível —
afirmo, colocando minha mão em seu rosto. A barba de Andras
espeta meus dedos, contudo não me importo. Na verdade, gosto da
sensação. Tenho vontade de beijá-lo, todavia a chaleira apita e ele
se afasta para colocar chá em uma das xícaras.
— Você não vai beber? — questiono, enquanto estou
soprando o chá. Andras coloca os cotovelos no balcão de mármore
da ilha da cozinha e seus dedos vão para a nuca.
— Não gosto de chá — ele conta. Imediatamente, minha
mente corre para um lugar de penitência, eu deveria saber isso,
saber esses pequenos detalhes sobre o meu marido. — Sem culpa
— ele pede. — Vamos fazer isso direito. Como se estivéssemos nos
conhecendo. — Ele ri e eu fico aliviada. Não pelo que disse, mas
pelo sorriso. Percebo que quero que ele continue sorrindo para mim
e que estou disposta a fazer qualquer coisa para que ele nunca me
olhe de outra forma. A sensação de um estranhamento familiar
retorna, eu o conheço, sei que o conheço. Olhar para Andras é
como passear por um lugar em que você esteve na infância, mesmo
que não consiga compor a memória. Você sabe que esteve ali, que
foi feliz naquele lugar.
— Estou na desvantagem, você já me conhece — comento e
levo a borda da xícara à boca, tomando um grande gole da bebida
quente. Não sei se é a forma como ele me olha ou, de fato, o chá,
porém o frio vai deixando meu corpo e há apenas uma sensação
morna de acolhimento.
— Isso não é verdade. Nós estamos juntos há três anos e todo
dia eu descubro uma coisa nova sobre você. Milena Quotar é uma
mulher que não para de me surpreender.
Quero dizer a ele que é disso que eu tenho medo, do quanto
posso surpreendê-lo ou surpreender a mim mesma. Não digo a ele
que o chão sob meus pés parece areia movediça e que tenho medo
de me mover a acabar afundando na minha própria lama. Não quero
isso. Quero ser a pessoa que ele vê, e não a pessoa que aquele
homem asqueroso me acusou de ser. Quero ser a esposa
apaixonada, a boa amiga, a boa profissional, acredito que a soma
dessas coisas influenciará na capacidade de ser uma boa mãe.
Acima de tudo, quero ser a mulher que merece ficar com Andras.
— Vamos pra cama — peço, colocando minha xícara vazia na
pia. Andras vem na minha direção e, então, subimos as escadas,
lado a lado. Na cama, há um livro entreaberto e um par de óculos de
grau. Ele os pega e coloca na mesinha do seu lado da cama. Meu
marido usa óculos para leitura, adiciono essa informação na minha
mente e guardo-a como se fosse a coisa mais preciosa de todas. —
Vou tomar um banho. Você me espera? Podemos conversar mais
um pouco sobre como vamos ser daqui pra frente.
— Claro — ele responde, sentando-se na cama. Observo
Andras colocar os óculos novamente e abrir seu livro. — Algum
problema? — ele questiona me olhando, quando nota que ainda
estou parada no meio do quarto, encarando-o como uma idiota.
— Não, problema nenhum — respondo. Ele fica ainda mais
bonito com os óculos e é meio desconcertante. Ainda assim, eu me
arrasto para o chuveiro e tomo um banho rápido. Estou passando
hidratante quando sinto algo se agitando no meu estômago e coloco
a mão na barriga.
— Andras! — grito, aproximando-me da porta do closet. —
Andras!
— O que houve? Está tudo bem? — Ele aparece na entrada
do closet imediatamente e se aproxima de mim, cheio de
preocupação. Pego sua mão e coloco em minha barriga, sem me
importar com o fato de que estou apenas de sutiã e um short de
pijama. Sinto o movimento outra vez.
— Ele está mexendo. Nosso bebê está mexendo — ele fala
cheio de emoção. Mantenho meus olhos nele enquanto nosso filho
se move novamente e sei que isso era exatamente o que eu tinha
que fazer. Greta estava cheia de razão, era aqui que eu precisava
estar e eu não me perdoaria se o fizesse perder esse momento.
Acordo e ainda estou ecoando da felicidade de sentir nosso
bebê se movendo dentro da barriga de Milena. Por um momento, foi
como se tudo estivesse bem. Recrimino esse pensamento que
procura pela completude, pela normalidade, mas é isso que nossas
cabeças fazem, elas tentam o tempo todo ver o todo, não as partes.
O cérebro preenche espaços vazios e, no processo, pode nos fazer
deixar de prestar atenção no que realmente importa: nas partes, no
caminho que leva aonde queremos chegar.
É esse o compromisso que estou assumindo comigo mesmo e
com Milena, o de não esperar que ela possa me oferecer algo que
está fora de seu controle, o de gastar nossas energias no hoje.
Milena está passando geleia em algumas bolachas, e eu quero
reclamar do quão mal ela tem se alimentado ultimamente, contudo a
copeira entra trazendo uma jarra de suco. Milena a agradece com a
porra do sorriso mais bonito do mundo e meu foco muda, estou
pensando na primeira vez que tomei café da manhã com ela, em
como Milena queria ir embora e eu já estava apaixonado, mesmo
que não soubesse.
— Acho que precisamos voltar a trabalhar — ela diz. É, teria
que acontecer eventualmente. Não sei como ela vai voltar ao
trabalho quando nem lembra de ter o emprego atual. No entanto, sei
que eu preciso achar outra coisa para redirecionar toda a energia
que tenho acumulada, toda a tensão que tem tomado conta de mim
desde o acidente de Milena. Se eu fosse como Adam, estaria focado
na investigação, mas sempre fui mais parecido com Jordi frente aos
problemas.
Quando nossa mãe morreu, nosso irmão mais velho fez testes
de mapeamento genético e nos obrigou a fazer o mesmo, ele queria
entender a chance de desenvolvermos câncer, como nossa mãe. Eu
e Jordi focamos no trabalho. Contudo, Adam está sempre
encarando as coisas de frente, às vezes, com um exagero colossal.
Preferimos a saída de evitar tudo e escolher outro ponto de
devoção. É isso que preciso fazer agora. O trabalho vai me ajudar
nisso.
— Acho ótimo — é tudo que respondo. Tenho mesmo uma
reunião importante esta tarde. Milena sorri e leva a mão à barriga
outra vez.
— Ele está mexendo novamente, parece que está fazendo
piruetas. Acha que é normal?
— Não sei, mas podemos ligar pra médica — digo enquanto
me aproximo. Coloco a mão de novo na sua barriga. — Acho que
ele só está feliz, não é, manguinha?
— Então, você vai mesmo ficar mudando a forma de tratá-lo
sempre que ele cresce? — ela questiona sorrindo. Na noite
passada, ela completou dezoito semanas, segundo o aplicativo
sincronizado em nossos telefones, e passamos um bom tempo
apenas conversando sobre o bebê. É uma conversa que nunca
tivemos, já que a gravidez de Milena foi um descuido, não o
resultado de planejamento, e Milena é tão supersticiosa com
algumas coisas que se recusava a falar ou contar sobre o bebê nas
primeiras semanas. “Vamos apenas esperar um pouco, amor, por
favor”, ela ficava me dizendo. “As duas pessoas que precisam saber
já sabem, o resto pode esperar.”
— Tem uma forma de resolver isso — afirmo. — Uma
tecnologia muito avançada chamada ultrassonografia, depois
podemos escolher um nome.
Milena franze o nariz para mim e eu sou apaixonado por isso.
Quero passar meu indicador por ele, por seus lábios, segurar o seu
queixo e beijá-la, como já fiz tantas vezes. Foque no agora. Foque
no agora.
— Na próxima consulta — ela responde, tocando a minha mão
que ainda está em sua barriga. — O bebê se acalmou, acho que só
queria chamar a sua atenção.
Talvez ela tenha um pouco de razão nisso. Eu conversava com
o bebê o tempo todo nas primeiras semanas, antes do acidente.
Lembro de Ayumi me dizendo que, morfologicamente, meu filho
ainda não tem ouvidos ou a capacidade de perceber o ambiente,
enquanto eu estava tentando falar com a barriga de Milena. Olho
para o relógio e foco novamente nos olhos da minha esposa.
— Como é quando ele se move?
— É estranho, rápido, surpreendente. Não sei como explicar.
Quer dizer, talvez seja como um peixe no anzol. No primeiro
momento em que um peixe fisga o anzol, há uma sensação de um
puxão. É assim que eu me sinto quando o bebê se move.
— Não sabia que você pescava — digo.
— Meus pais tinham uma casa em Cabo Frio, no Rio, e meu
pai amava pescar de molinete, eu ia com ele. Ele me dava um
baldinho de iscas e eu tinha até minha própria vara de pesca. Nunca
te contei isso?
— Não. Você não fala do seu pai. Acho que nem mesmo com
as suas amigas. — Isso deixa Milena um pouco pensativa. Ela
passa a mão no pequeno volume da barriga outra vez e, então, me
olha.
— Andras, sei que combinamos de não ficar revirando as
coisas, mas posso te fazer uma pergunta?
— Claro.
— Eu e minhas amigas... nós estamos bem? Continuamos
amigas como sempre?
— Sim. Vocês estão mais unidas a cada dia. Às vezes, eu
tenho que competir com elas pela sua atenção — brinco. Milena me
olha como alguém que tenta entender se estou falando sério ou
brincando. — Por quê? Aconteceu alguma coisa entre vocês?
— Eu não saberia dizer — ela responde. — Porém não vamos
falar do passado e dos esquecimentos. É o nosso acordo, não é?
— Isso! E, falando no presente, tem uma coisa que eu deveria
ter te dito antes. Adam esteve aqui e a polícia vai te intimar pra
depor sobre o acidente. Eu sei que você não lembra de nada, basta
dizer isso.
— Podemos ir hoje? Quer dizer, não há razão pra esperar, há?
— Acho que sim — respondo. E não, não há razão alguma
para esperar. Na verdade, é até melhor assim. Se esperarmos por
uma intimação, a data pode vazar e isso virar um circo. Quero
Milena longe de qualquer holofote. Ela não precisa ter mais isso
para se preocupar. Pego meu celular e mando mensagem para um
dos advogados que atendem o grupo Quotar. Peço para que nos
acompanhe, apenas por formalidade, já que Milena é a vítima nessa
situação.
O depoimento é rápido, a delegada faz algumas perguntas e é
bastante simpática com Milena. Ela pergunta se, dada a
notabilidade de nossa família, existe alguém que poderia querer nos
causar algum dano. Milena olha para mim esperando que eu
responda, nada mais justo. Digo que não, não temos inimigos, não
temos rixas públicas. Adam é o que chega mais perto disso por seu
cargo político, contudo, ainda assim, ele nunca teve nenhum
problema de ataque pessoal. Depois do depoimento, levo Milena
para o seu escritório. É um prédio estreito, dois andares, elas
alugam o espaço. Milena e Greta trabalham principalmente com
desenho industrial, Deva é formada em arquitetura. É uma boa
combinação, e elas têm alguns clientes de grande porte. Entro com
Milena e Deva nos recebe sorridente. Ela me dá um abraço e logo
faz o mesmo com a amiga.
— É bom ver que vocês estão bem — ela diz. Não sou tão
próximo dela quanto das outras duas melhores amigas de Milena, e
isso se dá por uma razão simples: Deva é o tipo de mulher que
deixa tudo sexy sem nenhum esforço. Na voz dela, até a palavra
“nuvem” parece capaz de ter alguma conotação sexual. E isso não é
uma impressão minha, Jordi usou exatamente esse exemplo para
falar sobre essa característica de Deva. Ainda assim, nos últimos
meses, ela tem trabalhado no projeto arquitetônico de um novo
hotel, já que a empresa que eu costumava contratar abriu falência
durante a pandemia.
— A Greta está aqui? — Milena questiona.
— Não. Ela foi numa visita técnica, mas deve estar chegando
em breve. Venha, vou te mostrar tudo e depois podemos conversar,
as três, sobre os projetos. Você nos acompanha, Andras?
— Não. Eu tenho que ir. Cuide dela pra mim, tudo bem? —
peço. Deva sorri em concordância. Eu me inclino para Milena de
forma natural e beijo seus lábios rapidamente. É um beijo
automático, um leve encostar de lábios. Algo que é parte do habitual
para a gente. Ela sorri para mim, acredito que esteja tentando
garantir que está tudo bem que eu tenha feito isso. — O motorista
vai só me deixar no trabalho e volta pra ficar à sua disposição, e os
seguranças estão aqui na frente.
— Obrigada — ela responde.
Chego ao trabalho no finzinho da manhã. Minha assistente
pessoal me entrega um calhamaço de documentos para serem
assinados e diz que marcou com etiquetas vermelhas os mais
urgentes. Com o passar das horas, minha mente vai entrando nesse
estado de foco no trabalho e consigo, de fato, me concentrar. Leio
boa parte dos novos contratos e participo de uma reunião por vídeo
com gerentes de todos os hotéis. Costumamos fazer isso uma vez
por semana para falar de diretrizes mais gerais do que significa o
que o marketing gosta de chamar de “Padrão de hospedagem
Quotar”.
Pensar nisso faz com que eu seja sugado por essa memória
de Milena sentada no meu colo, totalmente nua, cavalgando no meu
pau enquanto nossos olhos estão travados uns nos outros. Ela
goza, eu gozo. Então, ela aproxima a boca do meu ouvido e diz
“Cinco estrelas, no padrão de hospedagem Quotar” e nós dois
ficamos gargalhando na cama. Sinto falta disso, sinto falta de fazer
amor com a minha esposa ou de simplesmente fodê-la, somos bons
juntos de qualquer forma. São quase 20 horas quando saio do hotel
e passo no Még Egyszer, restaurante de Jordi que, como sempre,
está lotado. Uma jovem de cabelos crespos e longos, pele negra e
um belo sorriso no rosto me recebe. Não a conheço, não é ela que
normalmente recebe as pessoas que chegam no restaurante de
Jordi, e sim uma ruiva de cabelos curtos que parece ter engolido um
rei de tão pomposa.
— O senhor pode me dizer seu nome pra que eu possa
verificar as reservas? — ela questiona, depois de me desejar uma
boa noite.
— Eu não tenho uma reserva, só passei pra pegar um pedido.
— Não fazemos retiradas, senhor, me desculpe.
— Como é seu nome? — questiono. Por alguma razão, ela me
parece familiar, mas Adam diz que eu acho todo mundo familiar, que
sempre tenho a impressão de já ter visto alguém antes.
— Nora — ela responde.
— Ok, Nora. É um prazer conhecê-la. Eu sou Andras Quotar,
sou...
— Irmão do Jordi — ela afirma, mordendo o lábio. — Meu
Deus, me desculpe, eu não...
— Não. Você não precisa se desculpar. Só está fazendo seu
trabalho.
— Nem é o meu trabalho, só estou substituindo a Amélia
porque ela ficou doente e... o senhor não quer ouvir isso, me
desculpe. Por favor, fique à vontade.
— Isso vai soar estranho, mas eu conheço você?
— Nós já nos vimos antes, Sr. Quotar, só que eu era bem
pequena, então duvido que se lembre de mim. Meu pai trabalhou na
casa dos seus pais e...
— Gustavo! Claro, você é a filha do Gustavo. Meus Deus, você
está enorme. — E muito bonita, contudo não digo essa parte.
Comentar sobre a beleza de alguém é o tipo de elogio que se faz
com base em intimidade ou respeito prévio. Caso contrário, você
parece apenas um cara asqueroso babando por alguém. — Meu
irmão amava o seu pai. Todos nós o adorávamos.
— Obrigada por isso — ela responde de forma que parece
muito genuína. — Ele também adorava vocês.
— Temos mais clientes esperando — Miklós diz se
aproximando. Ele aponta para a área de espera que tem uma
pequena fila, e eu saio do caminho dizendo a Nora que foi um
prazer revê-la. Ele me encara, nunca fomos amigos, a única razão
pela qual andamos nos mesmos círculos é o fato de que Jordi e ele
são sócios. Foi só por isso que ele estava na minha casa no Natal,
porque meu irmão o convidou. — Seu irmão está na cozinha, vou
pedir pra que o chamem, você pode esperar no escritório.
Vou para o escritório de Jordi, porém mal tenho tempo de me
sentar e meu irmão já está atrás de mim.
— Seu sócio fica mais charmoso a cada dia.
— Ele está tendo uma fase ruim, tem umas semanas que
parece que vai explodir, mas ele é um ótimo cara — Jordi afirma,
ajustando a gola de seu dólmã.
— E você um péssimo julgador de caráter — respondo.
— Cuidado ou você pode começar a soar como o Adam —
Jordi diz sorrindo.
— Vi que você contratou a filha do Gustavo. Eu a conheci na
recepção.
— Você acredita que aquela mulher é a garotinha que ficava
brincando no jardim da nossa casa?
— Você fala como se fosse muito mais velho que ela —
argumento, encarando-o. — De qualquer forma, não foi pra
comentar sobre seus sócios e contratações que vim até aqui. Vim
buscar o jantar que você me prometeu.
— Prometi a Milena — ele corrige. — Por sinal, fui até o
escritório e levei o almoço dela mais cedo.
— Obrigado por ter feito isso.
— Estou tentando suborná-la com comida pra que me convide
pra ser o padrinho do bebê. Antes eu tinha certeza de que seria
convidado, mas agora...
Ignoro a piada do meu irmão porque estou focado em sua
gentiliza de ir levar comida para a minha esposa. Além disso,
mesmo ele sendo nosso padrinho de casamento, duvido que Milena
vá querer outro padrinho para nosso bebê.
— E como ela estava?
— Ela parecia um extraterreste explorando um planeta novo no
trabalho, você tinha que ver, porém acho que, em breve, vai estar
integrada. Mesmo sem conhecer bem os projetos, já estava fazendo
avaliações, resolvendo problemas. Minha cunhada é simplesmente
surpreendente.
Não estou nem um pouco surpreso. Milena é excelente no que
faz. E, sim, ela é surpreendente. Mesmo agora, mesmo sem lembrar
de mim, ela ainda está preocupada comigo e tentando não me
machucar. E é isso que fazemos, cuidamos um do outro. Meus
relacionamentos sempre foram unilaterais nesse sentido, sempre fui
a pessoa cuidando, protegendo. Milena faz isso por mim, assim
como faço por ela, mesmo quando eu não quero, ou quando
acredito não precisar.
— É, ela é mesmo — digo sorrindo.
— E como vocês estão?
— Melhor agora. Acredite se quiser, mas parte disso é graças
a um conselho do Adam.
— Não sabia que ele era capaz de emoções humanas que não
tivessem sido antes redigidas pelo Jonas — Jordi diz implicando. Eu
e ele rimos agora. — Falando sério, ele me ligou mais cedo, pediu
pra checar vocês, pra ver se você precisa “conversar e esse tipo de
coisa”, nas palavras dele.
Sou grato por Adam também, meu irmão pode não ser bom
com sentimentalidades e vulnerabilidades, todavia isso não significa
que ele é insensível. Seu cuidado ao ligar para Jordi é a forma de
garantir que eu tenha o que preciso. Um garçom aparece com a
comida em embalagens térmicas e eu agradeço ao homem pela
gentileza. Assim como agradeço ao meu irmão, não só pelo carinho
hoje, mas pela força de sempre. Despeço-me de Jordi, cumprimento
Nora na recepção e, então, dirijo para casa. Quando chego,
dispenso os seguranças no perímetro interno e fico apenas com os
da guarita. Acho tudo isso excessivo de qualquer forma. Passo
direto para a sala de jantar, contudo sou interceptado no final do
percurso por Lola, que pula nos meus pés.
Eu me agacho e ofereço um afago. Ela sente falta de Milena e
vai parecer maluquice, mas parece que Lola sabe que aquela não é
exatamente a Milena que ela conhece. Coloco a comida na mesa,
pego pratos e subo as escadas para checar minha esposa. Quando
entro no quarto, a porta do closet está aberta, eu chamo, porém
ninguém responde. Posso ouvir a voz de Milena cantando baixinho
em português e, quando paro no arco de acesso ao closet, ela está
usando uma fantasia de coelhinha com a qual me surpreendeu
alguns meses atrás. Ela está se olhando no espelho, fones nos
ouvidos, o corpo balançando no ritmo da música que está ouvindo.
Imediatamente, fico de pau duro. Porque, porra, como eu sinto falta
de amar a minha mulher.
Deva me apresenta o escritório. É tudo tão bonito, do jeito que
sempre idealizei, na verdade, melhor. Porque há não só o meu
toque, mas o de Greta e o de Deva em tudo. Temos uma
recepcionista, uma secretária, duas estagiárias. Sou reapresentada
a todas, ignoro os olhares de pena e/ou curiosidade e sigo em
frente, estou ficando boa nisso. Greta me mostra o quadro principal
no ambiente de trabalho compartilhado, nele há uma organização de
todos os projetos, metas e andamentos. Vejo os nomes de duas
empresas de grande porte e algumas menores. Deva vai explicando
a forma como definimos nosso modo de trabalho. Temos um jurídico
e um contador externo, porém lidamos com o básico internamente.
Eu sou responsável pelas contratações, Greta por captação de
clientes e a Deva lida com a parte mais burocrática dos custos de
execução. Fora isso, todas nós criamos, claro.
— Eu tenho a minha sala, você a sua, e Greta a dela, só que
nunca usamos de verdade. Quase sempre trabalhamos na sala de
reuniões, decidindo tudo em conjunto.
— A verdade é que gostamos de ficar perto uma da outra
fofocando — a voz de Greta diz atrás de mim. Eu me viro para
encará-la. Minha amiga está com seus cabelos dourados presos em
uma trança que faz um arco em sua cabeça. As coisas que
dissemos ontem voltam para mim, assim como a curta mensagem
de texto que trocamos.
— Venham, vamos pra sala de reuniões — ela diz. Nos
sentamos e Greta e Deva vão falando sobre cada um dos projetos
atuais. — O cliente de hoje quer que apresentemos uma proposta,
eles não estão fechando antes de ver algo.
— E vale a pena? — pergunto, ajustando-me na cadeira.
Coloco a mão sobre a minha barriga, ainda é pequena, contudo, por
alguma razão, continuo acariciando-a.
— É um automóvel, seria nosso primeiro design com
possibilidade de grande alcance, se for um sucesso...
— De quanto estamos falando? — Deva questiona.
— 1,5 milhão de proposta inicial. E eles pagam um bônus se o
veículo ganhar qualquer performance acima de quatro estrelas por
designer.
— Quem está na corrida?
— Mais dois escritórios, eles querem que seja local e inovador.
— Não é esse o nome na nossa porta? — Deva pergunta
sorrindo. Greta também ri. E é como se nada da confusão de ontem
tivesse acontecido.
Batidas na porta de vidro fazem com que todas nós nos
movamos para olhar. Jordi está parado na porta, com um sorriso no
rosto. Greta se levanta e abre, puxando-o pelo ombro.
— É bom que tenha o suficiente pra todas nós — ela diz
sorrindo. Então, eu noto que o irmão de Andras tem uma sacola nas
mãos.
— Que tal primeiro um “bom dia, Jordi, que surpresa amável”,
hein, Greta? — Ele beija o rosto da minha amiga, que dá uma
tapinha em seu ombro, e depois para ao meu lado, inclinando-se
rapidamente e beijando o topo da minha cabeça. Por fim, ele
cumprimenta Deva que está do outro lado da sala. — Trouxe almoço
pra você. Acho que pra vocês — ele adiciona, olhando para Greta
que ainda está em pé, de braços cruzados, parecendo
potencialmente letal, isso faz com que ela ria.
— Não precisava ter todo esse trabalho por minha causa... —
começo a dizer.
— Milena, o homem trouxe comida. A comida do Jordi é
disputada a tapas na frente daquele restaurante. Apenas agradeça e
diga que gostaria de mais amanhã — Deva fala calmamente,
enquanto encara a tela do celular.
— Muito bem posto, agora que estamos resolvidos, eu vou
pegar pratos! — Greta diz contente.
— Não pegue pra mim — Deva comenta, levantando-se. — Eu
tenho um almoço com uma cliente. Na verdade, tenho que ir ou vou
acabar me atrasando. Mal vi o tempo passar.
Ela se despede de todos e Greta deixa a sala de reuniões para
pegar os pratos, então somos apenas eu e Jordi.
— Você está bem?
— Essa é uma pergunta bem complicada de responder —
confesso. Olho para Jordi, ele não parece com o irmão, Adam e
Andras tem traços claramente identificáveis, contudo o irmão mais
novo parece muito distante deles em tudo. Ele é o tipo de pessoa
que é obviamente simpática, parece ser o tipo que sorri para
estranhos, acena para criancinhas e afaga cachorros. Sei que
somos amigos, aparentemente bastante amigos. Há fotos nossas
cozinhando, vídeos de nós dois cantando em um karaokê, as
evidências desse laço estão na minha casa, no meu celular, na
forma como Jordi me olha.
— Mesmo que você não lembre — ele diz, enquanto abre a
embalagem de papel kraft na qual trouxe a comida. — Quero que
saiba que eu estou aqui e que pode contar comigo a qualquer hora,
pra qualquer coisa. Mesmo que seja pra falar mal do Andras quando
ele estiver te enlouquecendo.
— E eu faço isso?
— Muito raramente, mas faz. Ele é um Quotar, no final das
contas, e somos muito bons nessa coisa de ser cabeça dura.
— Obrigada, Jordi — digo, segurando sua mão.
— Que fofura! — Greta diz. — Arrume sua própria melhor
amiga — ela implica com Jordi que dá uma gargalhada, então o
ajuda a terminar de abrir as embalagens e colocar comida nos
pratos. É estranho ver Greta sendo amiga de um homem, tenho
certeza de que nunca vi isso antes. Ela não está flertando com ele,
não está jogando os cabelos ou fazendo aquela coisa em que
arqueia a sobrancelha levemente, de forma provocadora, como em
uma espécie de desafio, no final de uma frase.
— Como se você não soubesse que eu e Ayumi somos os
prediletos — Jordi devolve sorrindo.
Eles sentam ocupando apenas um pedaço da grande mesa de
reuniões, e Greta começa a falar sobre o fato de que o aniversário
de Ayumi está se aproximando e Gunter pediu a ajuda dela para
organizar uma festa. Ayumi não gosta de festas ou, pelo menos, não
gosta de festas para ela. Ela detesta ser o centro das atenções.
Ainda assim, pergunto como posso ajudar, enquanto Greta fala
animadamente sobre como a comida deveria ser do restaurante de
Jordi.
— Eu sei que você é um chefe premiado e tudo mais, mas
bem que podia ceder parte da sua equipe.
— Eu gosto de como você é bajuladora quando quer alguma
coisa — ele diz, sorrindo para Greta. — A Ayumi é uma querida,
porém minha equipe já está reduzida pra os dias normais, não
posso desfalcar.
— Não conseguimos algumas mesas no restaurante mesmo?
— questiono. Jordi passa a mão no rosto e está tentando não rir,
não entendo a razão, então ele estica sua mão e toca no meu pulso
carinhosamente. — Você precisa ir ao meu restaurante.
— Não é esse tipo de restaurante em que dá pra realocar
algumas mesas — Greta explica.
— Se bem que... — Jordi começa a falar. — Olha, eu tenho um
primeiro andar vago, recentemente reformado, e se vocês cuidarem
da decoração e do bar, posso fazer funcionar com a equipe da
cozinha.
— Se eu pudesse, eu mesma te daria uma estrela Michelin
agora mesmo! — Greta diz, batendo na mesa de uma forma
exagerada, ela e Jordi dão risadas e eu me deixo contagiar por eles.
— Claro, a mais importante das estrelas vem do critério
“aprovação da Greta Almstedt”.
— Poderia ser, você claramente não conhece a minha família
— ela responde.
Continuamos discutindo detalhes até que a secretária aparece
e diz que precisa falar com Greta por um minuto.
— Você não comeu quase nada — Jordi diz. — E eu sei que
não é a comida, porque meu tempero é excelente. Greta quase
comeu a louça.
— É... seu tempero é mesmo excelente. Eu só estou me
sentindo enjoada.
— Quão enjoada? Precisamos de um médico?
— Não. Está tudo bem. Um pouco de enjoo é normal.
— Tem certeza?
— Você é mais exagerado que o seu irmão.
— Milena... — Greta diz, entrando de supetão na sala. — O
que você acha disso? — Ela coloca um tablet ao lado do meu prato
de comida, então eu afasto a louça e olho para o projeto. É o
designer de um pod para fone de ouvidos. — O cliente acabou de
mandar o feedback dizendo que “falta alguma coisa”. Cara, eu odeio
nossos clientes.
— Bom, pelo menos, eles não vêm até aqui dizendo “acho que
esse peixe ficaria melhor com outro acompanhamento” — Jordi
argumenta.
— Os dois lados parecem muito parecidos, precisamos de um
marcador, um corte em baixo-relevo que deixe claro o lado de
abertura e, talvez, uma trava externa prateada.
— Como eu senti sua falta! — Greta comemora. — Você
desenha? Tenho que passar algumas orientações às nossas
estagiárias.
Aceno positivamente e minha amiga desaparece. Tento ajudar
Jordi a recolher tudo, todavia ele diz que eu deveria focar no
trabalho e que vai resolver isso. Junta tudo rapidamente, me dá um
beijo na testa e, então, diz que me vê em breve.
— Me ligue se precisar de alguma coisa, qualquer coisa, não
importa a hora, tudo bem? — Aceno positivamente e agradeço o
seu carinho. E, mais uma vez, eu me sinto absurdamente sortuda e,
em um ciclo vicioso, tenho medo de não merecer essa sorte.

— Tente não encarar ninguém. Seu rostinho lindo esteve nos


jornais por semanas, não queremos que ninguém te reconheça —
Greta diz, enquanto descemos do carro. Estamos numa das
principais ruas comerciais de Budapeste. Ainda é inverno, porém o
tempo está mais limpo, menos cinzento e eu gosto de estar na rua.
Sempre gostei de espaços abertos, de caminhar. Fazia muito isso
no Rio, caminhava da São Salvador até a Mureta da Urca ou,
simplesmente, ia para ao centro e batia perna pelas lojas do Saara e
da Uruguaiana. Budapeste é o tipo de lugar ótimo para fazer isso,
apenas andar. Tem ruas largas, prédios antigos, belíssimos, um
centro vivo e cheio de pessoas.
— Acho que se alguém for chamar atenção são aqueles dois
nos seguindo — digo, mencionando os seguranças andando alguns
metros atrás da gente.
Greta sorri e diz que podemos despistá-los se eu quiser, ainda
adiciona um “sou boa nisso”. Digo que não, se Andras quer que eu
fique protegida, então vou ficar protegida. E não é como se eles
estivessem me importunando. Andamos um pouco até chegar à rua
Váci, logo Greta aponta para uma grande loja de conveniência
infantil e entramos nela.
— Você ainda não me disse pra quem precisa comprar um
brinquedo.
— Ah, não disse? — ela fala, pegando o celular rapidamente
no bolso. Milena me mostra a foto de um brinquedo quebrado. — É
pra filha do John. Eu quebrei isso ontem à noite.
— Ele tem uma filha?
— Sim. Anna. Seis anos — ela responde, parecendo tensa.
— Vocês se dão bem?
— Acho que sim. Quer dizer, Anna é adorável. Ela é tão
quietinha, Milena, você tem que ver. Absolutamente educada, mas
não convivo muito com ela. A mãe dela morreu há pouco mais de
um ano e o John divide a guarda com a avó materna da garota. A
avó não quer a neta perto “das vadias com quem o pai dela anda”.
— Talvez ela só esteja tendo dificuldades em aceitar o fato de
que o genro seguiu em frente. Algumas pessoas ficam presas,
sabe? Como aconteceu com o meu pai, porém você já deve saber
isso.
— Não. Na verdade, não. Você não fala muito sobre a morte
da sua mãe. Tudo que eu sei é que ela morreu e o seu pai não lidou
bem com o fato. Mesmo depois de todo esse tempo, você nunca
fala sobre isso.
Coloco a mão no meu estômago de uma forma meio instintiva.
Nunca contei sobre a minha mãe para ela. Será que Andras sabe?
Ele sabe que é tudo culpa minha? Que se eu não tivesse saído
correndo naquele dia em Copacabana, minha mãe ainda estaria
viva?
— Ei... — Greta diz, tocando meu ombro. — Não precisamos
falar sobre isso, Milena. Venha, vamos encontrar um vendedor e
tentar achar esse fogão de brinquedo. Que, por sinal, é um péssimo
brinquedo. Se tiver uma filha, não deixe que ela só tenha brinquedos
que a ensinem a simular uma vida doméstica.
— Me fale sobre a esposa do John — peço.
— Eles não eram casados — ela afirma, enquanto nos
movemos pelas seções da loja. O espaço é organizado por faixa
etária, o corredor de dez a doze anos se reparte em dois, a primeira
metade com brinquedos, a segunda com roupas. — Na verdade,
nunca estiveram juntos de fato. Foi coisa de uma noite, ela ficou
grávida. Eles tentaram pela bebê, mas, segundo John, eram
incompatíveis demais.
— Você chegou a conhecê-la?
— Não. Não estou com John há tanto tempo.
— E como se conheceram? — questiono, mudando com Greta
para o corredor seguinte.
— Eu já o tinha visto algumas vezes no bar em que trabalha e
já o achava lindo, porém não tinha falado nada com ele além de
qual bebida gostaria de receber ou um agradecimento na entrega do
copo. A primeira vez que conversamos, ou melhor, trocamos
grosserias foi quando eu bati na moto dele com meu carro, no
estacionamento, e John me chamou de patricinha mimada.
— E depois vocês se apaixonaram?
— Não estou... ok, talvez eu esteja, ou talvez minha mãe tenha
razão e John seja apenas mais um dos meus caprichos. Ela não
gosta do fato de que ele tem uma filha sem nunca ter casado, não
gosta do fato de que não é um sueco de linhagem nobre. Acho que
ela estava esperando que uma hora eu tivesse uma mudança de
atitude, ficasse cansada e voltasse correndo, ansiosa pra aceitar o
destino que ela escolheu pra mim.
— Achei que vocês se dessem bem.
— Não. Somos civilizadas porque é isso que ela espera de
uma Almstedt. Somos polidos e cortantes. E essa não é uma
definição minha, e sim sua, de quando conheceu minha mãe. Ela já
deixou claro que quer nos separar e que vai tentar outra vez.
— Outra vez?
— É, ela veio até aqui pouco antes do Natal e ofereceu
dinheiro a John pra me deixar. — Uma mulher de uniforme passa ao
nosso lado e Greta se vira rapidamente na direção dela. — Szia,
tudsz nekünk segíteni? — “Oi, você pode nos ajudar?” É isso que
ela pergunta. Escuto e entendo cada palavra que elas trocam em
húngaro. Eu não sabia falar o idioma três anos atrás e agora pareço
ser capaz de entender muito bem. A neurologista explicou isso,
habilidades ficam em outra parte do cérebro, não na que foi afetada.
Ainda assim, é estranho perceber tal conhecimento.
— Corredor 5 — minha amiga diz me olhando. — Parece que
eles só têm mais uma unidade dessa porcaria. Vou correr pra lá,
tudo bem?
Aceno positivamente e Greta sai caminhando
apressadamente, com o topo de sua cabeça dourada se destacando
entre as pessoas. Entro em um corredor, depois mais outro e acabo
encontrando uma seção para recém-nascidos. Passeio pelas
vitrines com roupas infantis e acessórios para bebês. Penso em
como nunca peguei uma criança nos meus braços antes. Nunca
mesmo. Pelo menos, não que eu lembre. Não cresci com crianças
menores, tenho apenas alguns primos, todos mais velhos, e, depois
da morte da minha mãe, ou melhor, depois do que meu pai se
tornou, todos se afastaram. Sou invadida por um medo da ideia de
ser mãe. Sei que não era assim que a Milena com memórias se
sentia, imagino que, depois de três anos de casamento, com um
homem que amo, engravidar seria o lógico, mesmo com uma
gravidez não planejada.
Um macacão azul bem clarinho chama minha atenção. É tão
lindo. Toco no coelhinho de lã bordado na peça e, pela primeira vez,
imagino meu filho, penso em como vai ser seu rostinho, se vai ser
parecido comigo ou com o pai. Vou amá-lo de qualquer forma, claro,
porém fico pensando em um bebê com os olhos de Andras, olhos
gentis, e um sorriso como o dele. Um bebê que tenha cabelos em
pequenas molinhas como os que eu tinha quando era criança.
Cabelos como em uma foto que minha mãe tirou minha em
Ipanema, na qual estou com a boca vermelha e um picolé
derretendo na mão. No verso, a letra da minha mãe dizia: “Milena,
um ano e oito meses”.
— É lindo! Você deveria levar — Greta diz. Fico um pouco
surpresa pelo seu pronto retorno. Ela está com duas caixas na mão.
O tal fogãozinho rosa e um outro que ela me mostra sorrindo. — É
um kit de experiências simples, o que acha?
— Que essa garotinha teria muita sorte de ter você na vida
dela — afirmo.
— Não exagere — ela responde, ficando meio rosada. Greta
nunca fica corada de constrangimento com nada, contudo isso
parece acertá-la. — Você deveria levar — ela repete, apontando
para o macacão. Decido que ela tem razão e acabo me empolgando
e escolhendo mais algumas peças.
Antes de voltar para casa, aproveito para pedir desculpas pela
noite passada outra vez. Poderia considerar que as mensagens que
trocamos ontem foram suficientes, mas acho que minha amiga
merecia um pedido de desculpas. Ela, todas elas, estavam cuidando
de mim. E é normal que tenham perspectivas diferentes quanto à
forma de lidar com uma questão. Ainda assim, Greta tinha razão
quando me disse para ficar ao lado de Andras, e é isso que eu
quero. Posso não lembrar dele, porém sei que estar perto dele me
deixa centrada e mais segura e, nesse momento, isso significa tudo.
Já na frente de casa, desejo boa noite aos dois homens que
passaram o dia na minha cola e, então, subo as escadas. Tomo um
banho e estou apenas de toalha, procurando um espaço para
guardar as compras que fiz para o bebê, quando noto algo que não
tinha visto antes.
São dois grandes sacos pendurados em cabides, juntos de
uma série de vestidos de festa. Pego o mais volumoso deles e abro.
É um vestido de noiva. Tento tirar do gancho, porém parece pesado
demais. De qualquer forma, consigo ver o delicado trabalho na
renda e uma etiqueta que indica que aquele é original Vera Wang.
Fecho o zíper de volta e foco no segundo pacote. Nele não há
apenas uma peça, mas várias. São bodies, macacões feitos em
diferentes materiais: couro, látex, vinil, renda, com padrões de cores
e estampas diferentes. Alguns possuem partes felpudas, outros são
cheios de fechos e fivelas. Se eu achei que a gaveta dos apetrechos
era indecorosa, essas fantasias me deixam muito mais chocada.
Todo meu conhecimento sobre sexo vem de conversas teóricas.
Minha experiência é limitada a beijos mais quentes e um
garoto que subiu sua mão pela minha saia e me masturbou por cima
da calcinha, isso foi no primeiro ano de faculdade, ainda no Rio de
Janeiro. Nunca confiei em ninguém o suficiente para isso e fico
pensando no que, além do álcool, me levou a confiar em Andras.
Pego a primeira peça. É de tecido preto, fosco. Tem um grande
decote e alças fininhas, amarrado a ela há uma máscara de látex,
também fosca, é uma máscara de coelhinha. Simplesmente não
consigo me imaginar usando-a, contudo tem algo mais atrativo
nessa peça do que no vestido de noiva, e eu preciso saber como é
ser alguém confiante o bastante para vestir algo assim. Então, deixo
minha toalha cair no piso do closet e começo a vestir o body. Eu me
olho no espelho, os seios saltando no decote, então os ajusto.
Gosto do que vejo, estou bonita, atraente.
A peça em si não é algo sexual como as outras no pacote.
Você poderia colocar um jeans e sair na rua com ela sem
problemas, então eu pego a máscara e a coloco no rosto. Isso, sim,
muda tudo. Fico me encarando no espelho, depois fecho os olhos e
tento imaginar Andras atrás de mim, suas mãos em meus peitos. O
pensamento faz com que eu passe as minhas mãos pelos seios
presos no decote. É nesse momento que sinto alguém atrás de mim
e me viro, batendo meu corpo contra um peito sólido. Não preciso
olhar para cima para saber que é Andras, mesmo em pouco tempo
sou capaz de reconhecer seu cheiro, posso distinguir seu toque dos
de outras pessoas. Ele coloca a mão no meu pescoço e o encaro,
contudo seus olhos estão fixos na minha boca.
— Você...
— Não diga nada, por favor — peço, colocando meu dedo
entre os seus lábios. Andras separa os lábios rapidamente, apenas
o suficiente para prender meu dedo entre eles. Logo sua mão está
nos meus cotovelos, trazendo-me para perto. Aceno positivamente
em um indicativo involuntário de que quero isso, quero que ele me
beije, porém Andras não me beija. Ele só aproxima sua boca da
minha, roça sua barba no meu rosto e fica parado na minha frente,
nossos olhos focados um no outro.
Parece que ele está me desafiando a continuar, então entendo
que é a minha vez de me mover e acabo de vez com qualquer
distância entre nossas bocas. É um beijo que começa casto,
tranquilo, mas, quando me dou conta, Andras está erguendo o meu
corpo e eu prendo minhas pernas nele. Meu marido, sem parar de
me beijar, me leva para a cama. Ele senta e eu fico em seu colo,
estamos nos beijando como se nossas vidas dependessem disso.
Andras desce sua boa pelo meu pescoço, deixando um rastro de
beijos até alcançar o decote do body, sua boca no meu seio, por
cima do sutiã, faz o meu corpo todo pulsar. Estou excitada como
nunca estive antes e movo meu quadril por cima dele, sentindo o
volume rígido em sua calça. As mãos de Andras soltam o laço da
máscara e ele sussurra:
— Adoro essa máscara, mas preciso olhar pra você. — Então,
seus dedos vão para a alça da minha roupa e começam a baixá-la,
enquanto ele vai beijando meu ombro e meu seio. Até que meus
peitos estão totalmente livres e Andras coloca a boca neles,
passando sua língua pelo meu mamilo, que já está duro. Estou
ofegante quando minhas mãos procuram os botões de sua camisa e
começam a libertá-los, puxo de uma vez, sem paciência.
Todo o meu corpo está tremendo e eu quero que esse homem
esteja dentro de mim, quero ser dele, parece que preciso ser dele.
Andras inverte nossas posições e, apesar de estar extremamente
consciente do fato de que estou parcialmente nua, começo a descer
o resto do body, todavia paro no momento em que Andras começa a
tirar o resto da camisa, depois a calça e, então, estou salivando pelo
volume em sua cueca. Ele o ajusta por dentro da peça e eu fico
pensando em como quero que ele volte a me tocar. Ele pega nas
minhas coxas, sobe as mãos até o local em que a peça está e a
desce de uma só vez, deixando-me totalmente nua. Ele coloca sua
mão espalmada na minha vagina e começa a me estimular, o dedo
médio me invade sem cerimônia ou resistência, e eu percebo que
não estou apenas pulsando, estou excitada ao ponto de estar
molhada entre minhas pernas. Andras adiciona outro dedo em mim.
— Olhe pra mim — ele pede. Faço isso. Fixo meus olhos nos
dele enquanto ele começa a mover seus dedos com intensidade
dentro de mim, alternando entre movimentos circulares e o vai vem
dos dedos, curvando-os dentro do meu corpo. É bom, não, é muito
bom. Tento controlar meus gemidos, contudo eles escapam e
Andras continua mantendo seus olhos nos meus, ao mesmo tempo
em que sorri, parecendo muito satisfeito. Ele começa a morder o
lábio, intensificando o movimento dentro de mim e gemendo
também.
Eu gozo em sua mão, ele também goza, mas não em mim.
— Sinto muito — ele afirma. Não entendo a razão. Estou
satisfeita. Estou muito satisfeita. — Faz muito tempo desde que...
fazia tempo demais desde a última vez que estivemos juntos.
Normalmente, sou muito melhor em me conter. Já passamos
horas...
— Você não precisa se justificar — interrompo-o. Estico minha
mão até seu rosto, um pouco incerta quanto ao movimento, porém
esse homem estava com dois dedos dentro de mim minutos atrás.
Ele já esteve dentro de mim inúmeras vezes. Posso tocar no seu
rosto. — Eu não sabia que era tão bom assim.
— Pode ser muito melhor, Milena. Eu e você juntos somos
incríveis, mas...
— Vou gostar de reaprender com você — respondo
interrompendo-o, não quero que ele termine, porque tenho medo
que me diga que eu não sou a mulher com quem ele está
acostumado a dormir e que, por isso, ele não parece muito satisfeito
com o que fizemos. Ainda assim, Andras sorri, pega sua camisa e
passa para mim.
— Vamos jantar, a comida deve ter esfriado.
Estou olhando para Andras enquanto ele está enrolado numa
toalha de banho e falando ao telefone. Não presto atenção nas
palavras porque estou focada em seu corpo. Ele tem ombros largos,
é musculoso. Sua pele tem leves sardas vermelhas em alguns
pontos. Observei-as de perto na noite passada, quando ele dormia
ao meu lado na cama. Não tenho conseguido dormir direito porque,
na última semana, meu corpo parece ter decidido arder, meus seios
estão sensíveis demais e parece que cada nervo do meu corpo está
às margens da excitação. E, para completar, Andras mal me tocou
desde o dia em que eu estava com a fantasia de coelha. Trocamos
alguns beijos mais longos, mas, no geral, ele tem trabalhado
bastante ou simplesmente me evitado, não tenho certeza. Como
resultado, tenho me concentrado na empresa, no projeto que
precisamos apresentar para a marca de automóveis e na
organização da festa surpresa de Ayumi.
Ainda assim, essas ocupações não são suficientes. Continuo
ficando excitada até quando meu seio roça no tecido do sutiã.
Ontem à noite, quando Andras chegou em casa, eu tentei iniciar
algo, porém ele estava mais interessado em ouvir sobre a consulta
com a neurologista, na qual ele não pôde me acompanhar. Entendo
sua preocupação, mas meu corpo não. Ele continua pulsando.
Estou quase abrindo a porcaria do saco de fantasias e puxando de
lá uma outra para ver se isso estimula Andras de alguma forma. E
não é como se ele não ficasse excitado, vi isso na noite passada, o
quão rápido estava pronto depois de alguns beijos, contudo, por
alguma razão, ele não segue em frente.
— Você vai trabalhar até tarde? — questiono, assim que ele
desliga o telefone. Resolvo ousar um pouco e coloco minha mão no
seu peito nu, sentindo as divisões bem marcadas do corpo.
— Ainda não sei. Precisa de alguma coisa? Algo pra festa?
Preciso! Claro que preciso. Preciso parar essa vontade que
tem me devorado desde a semana passada. Preciso que ele me
toque, que faça com que meu corpo pare de formigar, latejar, da
forma como tem feito. Não respondo sua pergunta, em vez disso,
fico na ponta dos meus pés e o beijo. Andras me segura pela cintura
e retribui. Há um vigor no seu beijo, no seu toque na minha pele e,
então, movo minhas mãos para a toalha e deixo que ela caia,
liberando a ereção de Andras, que é linda, enorme, rígida. Ok,
quando eu me tornei uma maluca que só consegue pensar em
sexo? Andras intensifica nosso beijo e me leva para a ponta da
cama.
Ele se ajoelha, coloca as mãos dentro da minha camisola de
seda e puxa a calcinha. Quando a peça está fora do meu corpo,
meu marido abre um pouco as minhas pernas e se coloca entre
elas, começando a me chupar. Passo minhas mãos pelos meus
seios, enquanto ele vai movimentando sua língua e lábios em mim.
Não demora para que eu goze, porém Andras continua. Ele leva seu
tempo, vai me explorando, mudando os ritmos e estou com as
pernas bambas depois de alguns orgasmos, quando ele finalmente
emerge. Levanto meu tronco para olhá-lo, ele lambe os lábios,
passa o polegar pela barba de uma forma sexy e me dá um beijo na
testa, diz que me vê na festa de Ayumi e, então, se veste para
trabalhar.
— Ele só deve estar com a cabeça cheia — Ayumi diz.
Estamos sentadas em um café perto do trabalho dela, está
começando a escurecer, mas optamos por uma mesa externa. Esse
pequeno lanche no começo da noite é parte de uma fachada para
arrastá-la para sua festa surpresa. Greta almoçou com Ayumi
porque disse que estava muito cheia de trabalho. Deva mandou
uma cesta de presentes e eu estou aqui, comendo uma fatia de bolo
com minha melhor amiga. Em vinte minutos, tenho que dizer a ela
que preciso pegar um pedido no restaurante de Jordi e, em seguida,
a surpresa começa.
— Não sei. Parece que ele mal pode esperar pra sair de perto
de mim. Depois do dia em que ele... você sabe... ele me...
— Te masturbou — ela adiciona sorrindo.
— Isso. Depois que fizemos isso, eu achei que ficaríamos mais
próximos, que iria me querer da forma como estou querendo ele,
mas... sei lá, parece que eu o incomodo.
— Tenho certeza de que é só impressão sua, porém é bom
saber que vocês dois estão achando um ritmo. Que você não está
mais o afastando.
— Estou um pouco assustada com o quanto o quero, pra ser
honesta. Parece que o meu corpo fica procurando pelo dele.
— É normal. Existe um fator biológico nisso tudo. Você está
grávida dele, e o corpo feminino fica sobrecarregado de hormônios e
mais vascularizado durante a gravidez, isso aumenta a libido. Não é
estranho o fato de que você esteja direcionando essa energia sexual
e necessidade de proteção pro seu parceiro. Às vezes, não
conseguimos escapar da biologia. É como quando eu vejo um
quarto de bebê e fico pensando “que adorável” e me recrimino
porque nem sei se quero ter filhos. Quando eu tinha catorze anos e
todas as minhas amigas sonhavam em casar com um ator famoso,
eu só queria ser uma cientista famosa.
— Você conseguiu — digo. Li notícias sobre Ayumi e sua
pesquisa com a vacina durante a pandemia. — O que você acha
que a Ayumi de catorze anos diria pra Ayumi que acaba de fazer
vinte e oito?
— Não esqueça de passar hidratante — ela responde sorrindo.
— Então, sua versão mais nova basicamente agiria como a
sua mãe?
— Claro que não, minha mãe seria mais severa. Não esqueça
do hidratante, aplique trinta por centro do seu dinheiro e não espere
até os trinta pra ter filhos. Ela me disse tudo isso hoje quando me
ligou pra desejar parabéns.
— Ela organizou... — Eu paro e olho para Ayumi.
— Ela o quê?
— Ela organizou a minha sala de estar quando esteve aqui,
não foi? — Ayumi acena positivamente, boquiaberta.
— Você lembra disso? Do que mais?
— Não sei. Só disso. — É a primeira coisa que me lembro em
mais de um mês. E é algo tão aleatório. Meu coração começa a
bater mais forte e eu me encosto na cadeira, enquanto tento
entender. Penso em Andras, tento acionar qualquer memória
relacionada a ele, porém não há nada de novo. Sei apenas o que
aprendi nesse pouco mais de um mês desmemoriada ao seu lado.
Sei como ele gosta do café: preto, sem açúcar, quente, muito
quente. Sei que tem mania de olhar para o relógio, que faz isso
várias vezes no dia. Sei que os olhos dele se estreitam quando sorri
e formam duas pequenas curvas. Sei que ele tem duas covas lindas
acima da bunda e uma cicatriz no joelho. Isso é basicamente tudo.
— Mi, você está bem?
— Não sei — respondo, sendo honesta. — Acho que preciso
de um pouco d’água.
Ayumi chama um garçom e faz o pedido em um tom de
urgência, o homem reaparece rápido e me serve. Bebo o líquido
devagar, ao mesmo tempo em que Ayumi me diz para respirar fundo
e segura meu pulso, que está acelerado.
— Melhor?
— Um pouco — confesso.
Ayumi pede a conta e eu tento pagar, dizendo que é
aniversário dela. No entanto, minha amiga diz que não é o momento
para isso, pois precisamos ir embora. Ela fica repetindo que eu
preciso descansar, que vai ficar tudo bem, e eu mal escuto porque
estou pensando na lembrança tão viva da mãe de Ayumi, na sala da
casa de Andras, afofando almofadas.
— É só um flash, só esse fragmento de memória. Isolado. Eu
não lembro de nada além da sua mãe falando algo sobre bom
serviço e movendo as almofadas.
— Ela disse que seus funcionários são preguiçosos e, depois
de arrumar suas almofadas, ela reorganizou seu freezer.
Não lembro dos detalhes, mas, ao menos, é uma memória real
e isso já deve significar alguma coisa.
— Vamos pra casa da Milena — Ayumi diz ao meu motorista
quando entramos no carro.
— Não. Andras está no Jordi, vamos pro restaurante. Quero
ficar com ele — afirmo, lembrando da festa. Pego meu celular na
bolsa e envio uma mensagem para Greta, que reclama dizendo
“cedo demais, mas tudo bem, vamos nos virar”. Leva mais de
meia hora para cruzar a cidade com o tráfego do fim do dia e, então,
eu entro no restaurante, que já está lotado e ainda faltam dez
minutos para as 19 horas.
— O Sr. Quotar, por favor? — Ayumi diz.
— Ele me disse que estava lá em cima — afirmo à mulher
ruiva que nos recebe.
— Ah, claro. Vocês podem subir.
Ayumi vai na frente subindo as escadas e, assim que ela abre
a porta, há um coro gritando “surpresa”. Minha amiga vira de costas
na minha direção e diz: — Era um plano para me trazer aqui?
— Não. A memória é real. Aproveite sua festa. Falamos disso
depois — afirmo, forçando um sorriso. Ayumi é recebida por Gunter,
que a beija cheio de paixão. Eu olho ao redor e vejo todos os
nossos amigos e mais alguns estranhos. Com exceção de uma
mulher que eu já conhecia, ela estudou com Ayumi. Tiro meu
casaco e o coloco numa pilha com vários outros, só então
cumprimento algumas pessoas e movo meus olhos procurando por
Andras. Deva aponta para o final do salão e eu o vejo, sentado no
bar, conversando com John e Greta.
John está do outro lado de um balcão fazendo bebidas, e
Greta está com ele, os três parecem estar se divertindo com alguma
coisa. O namorado de Greta acena para mim e eu retribuo com um
sorriso. Então, encosto meu corpo no de Andras. Ele parece
estranhar um pouco, porém acaba passando seus braços por mim,
eu relaxo meu corpo ao me sentir tão perto dele, tão envolvida por
seu cheiro. Greta também me olha estranho, como se o contato a
surpreendesse. Entendo, uma semana atrás, eu estava fugindo de
Andras, agora tenho uma necessidade de tê-lo por perto. Ele
espalma sua mão na minha barriga, por cima do vestido curto que
estou usando, e fica movendo-a levemente. Ele coloca o queixo no
meu ombro e sussurra um “você está linda” que aquece até o meu
último fio de cabelo.
— Achei que você acabaria contando à Ayumi sobre a
surpresa — Greta diz.
— Que mulher de pouca fé — devolvo, forçando um sorriso.
No entanto, ainda estou pensando naquela memória. Mesmo que
seja aleatória e pouco funcional na minha vida no momento, ela
significa esperança de que posso lembrar de todo o resto.
— Você é péssima em esconder as coisas, Milena — minha
amiga argumenta sorrindo.
Jordi aparece com Hanna, que está linda em um longo vestido
com uma enorme fenda na perna. A única coisa que sei sobre ela,
desde que a conheci, é que trabalha como modelo e que viaja
muito. Meu cunhado me dá um beijo no rosto e diz que só passou
para dizer oi, porque o restaurante está cheio lá embaixo.
— Meu Deus, isso é uma delícia — Hanna diz, tomando um
dos drinks de John. — Amor, experimenta isso. — Hanna aponta o
canudo na direção de Jordi, que suga um pouco da bebida e parece
concordar com ela.
— Vou fazer um sem álcool pra você, Milena — John diz, meio
sem graça com a atenção. Gosto dele. Gosto dele para Greta. Ela
costuma sair com caras tão babacas. John é pé no chão e isso é o
que Greta precisa. Alguém que não a impeça de voar, porém que
sinalize um norte, um refúgio.
Agradeço e, então, me viro para encarar Andras. Sua mão
recai na minha cintura e ele me olha.
— Como foi seu dia? — ele questiona.
— Fiquei... fiquei pensando em você na maior parte do tempo
— confesso. — E o seu?
— Fiquei pensando em você o tempo todo — ele responde
sorrindo. Gosto da resposta, mas também estou confusa porque
aqui ele parece tão íntimo, tão próximo, só que, quando estamos
apenas nós dois, parece que há algo errado, alguma coisa o
impedindo.
A festa começa de verdade depois que Ayumi termina de
cumprimentar as pessoas que vieram para parabenizá-la e a equipe
de Jordi aparece para servir o jantar. Andras me guia até a mesa,
puxa uma cadeira para que eu me sente e fica do meu lado. Ele
está conversando com John quando coloca sua mão sobre minha
coxa, acariciando-a, e eu percebo que é fácil estar assim como ele.
Jantamos e, em seguida, há música. Deva e Greta são as primeiras
a começar a dançar, juntas, e algumas pessoas estão olhando para
elas. Hanna comenta algo sobre como as minhas amigas não
perdem uma oportunidade de se exibir. Então, como resposta, eu
me junto às duas no meio do salão. Em pouco tempo, e com uma
taça de bebida na mão, Ayumi faz o mesmo. Não somos pessoas
muito parecidas, nenhuma de nós quatro, mas temos isso em
comum. Gostamos de dançar, especialmente, música pop.
Claro que isso não quer dizer que somos excelentes
dançarinas, com exceção de Deva, e sim que realmente nos
divertimos quando dançamos. O mundo desaparece e somos só nós
quatro. Para mim, particularmente, é como voltar no tempo para um
momento mais simples. Outras pessoas dançam, porém a maioria
permanece apenas se balançando no ritmo. Ayumi faz um pequeno
círculo e diz que nos ama, que é grata por cada uma de nós, então
Greta diz que esse momento pede uma foto e transforma Gunter,
que está mais perto, no nosso fotógrafo. Em algum ponto da noite,
Greta pede a atenção de todos e diz que temos algumas surpresas
para a aniversariante. Ayumi solta um “Ai, droga!”, e eu dou risada
da atitude da minha amiga. Ela realmente detesta grandes gestos.
Ele liga uma tela no salão e os pais de Greta, Sr. e Sra. Kang,
aparecem na chamada de vídeo sendo transmitida. É Gunter quem
começa a falar.
— Eu queria fazer isso de uma forma que você fosse amar,
algo que fosse exatamente você, só que seus pais me disseram que
faziam questão de estar presentes de alguma forma e você sabe
que eu amo você, mas morro de medo da sua mãe puxar minha
orelha — ele afirma. Movo meus olhos para Ayumi, que está
emocionada, ela sabe o que vai acontecer. Uma de suas mãos está
no peito, seu rosto branco está ficando meio rosado. Sinto uma mão
segurando a minha cintura e me afundo no peito de Andras. —
Ayumi Kang, eu lembro exatamente da primeira vez que te vi, a mão
erguida no ar enquanto um professor estava falando na sala de
aula. O professor tinha cometido um erro e você o corrigiu, e eu
pensei “espero que não tenha que supervisionar essa garota”.
Quatro anos depois, eu estou aqui, agradecendo a sorte de ter tido
que ser tutor daquela garota, a sorte de ter encontrado nela a minha
melhor amiga e o amor da minha vida. Eu te amo e eu quero passar
o resto da minha vida dando o máximo de mim pra te fazer feliz.
Você quer se casar comigo?
Há uma comoção quando ela aceita. Os pais de Ayumi
falando, pessoas comemorando. Um beijo apaixonado no meio do
salão. Os braços de Andras se apertam levemente ao redor do meu
corpo e eu gosto da sensação, mas então ele me solta e diz “só um
minuto”. Observo quando ele vai até a metade do salão e ajuda uma
garota que está carregando uma caixa. Ele coloca a caixa atrás do
balcão, não posso ouvi-los, porém suponho que ela esteja
agradecendo quando toca no ombro dele. Andras fala alguma coisa
e sorri.
— Quem é aquela? — questiono à Hanna. Jordi foi embora
trabalhar, mas ela acabou ficando na festa.
— Nora alguma coisa. É uma garota que o Jordi contratou,
porque o pai dela trabalhava com os Quotar ou algo assim.
Puta merda! Estou com ciúmes, estou um pouco enjoada e
surgiu do nada. Quer dizer, não do nada, surgiu da proximidade
deles. Quero ir até lá e dizer que ele não pode sorrir para ela
daquela forma, contudo se meu corpo está reagindo de forma
irracional, minha mente sabe que nada disso faz sentido.
— Eu estou de olho nela. E, se fosse você, faria o mesmo,
principalmente considerando que o seu marido tem um histórico.
— O que você quer dizer com isso?
— Exatamente o que eu disse. Você está sem memória, mas
não burra, Milena. Nos três anos que te conheço, você foi tudo
menos burra. — Ela dá as costas e começa a caminhar para as
escadas. Vou atrás dela porque quero que ela termine de falar sobre
o que está insinuando. Que histórico? Greta me para, dizendo que
precisamos fazer uma foto as quatro, e eu pisco, encarando minha
amiga.
— Você está bem?
— Preciso ir ao banheiro — digo. Eu me desvencilho dela e
desço as escadas, não há sinal de Hanna. Então, de fato, vou ao
banheiro. Passo um pouco de água no rosto, arrumo meu cabelo e
tento respirar fundo. Estou tremendo um pouco, bem pouco, todavia
é o suficiente para que eu queira sair correndo desse lugar.
Novamente, eu me sinto como alguém andando em areia movediça
ou em um campo minado. Não conheço a realidade o suficiente
para saber o que é verdade e o que é mentira, o que faz e o que
não faz sentido. E, no topo de tudo isso, continuo com o estômago
embrulhado.
Volto para o corredor e estou retornando para o acesso ao
primeiro andar quando Miklós aparece na minha frente. Ele me pega
pelo pulso e eu peço para que me solte, contudo, antes que eu
possa dizer qualquer coisa, ele está abrindo uma porta e me
jogando para dentro da sala.
— Obrigada — Nora diz, quando termino de ajudá-la com a
última caixa. Digo que não tem problemas, contudo questiono o
porquê de ela estar trazendo essas caixas, e não um dos ajudantes.
— O restaurante está muito cheio e o sócio do seu irmão pediu pra
que eu fizesse, a última coisa que quero é criar problemas.
Miklós é um idiota de primeira. Essa é só mais uma evidência,
porém não digo isso a Nora porque o homem é chefe dela, é ele que
se encarrega de qualquer questão que não envolva cozinhar nesse
restaurante. Jordi só se importa em fazer boa comida. O que eu
sempre considerei um erro. Eu e Adam poderíamos ter colocado
dinheiro no restaurante, mas Jordi não queria que o seu sucesso
fosse atrelado ao dinheiro da nossa família. Ele fez questão de
começar tudo basicamente do zero. É claro que ser quem ele é
sempre abriu algumas portas, só que ele escolheu ignorar algumas
dessas portas e criar um caminho. Eu o respeito por isso, mas
quando ele se associou a Miklós, eu realmente quis que ele
deixasse de ser orgulhoso e aceitasse o dinheiro da família.
— Me deixe te apresentar à minha esposa — digo. Nora acena
positivamente e eu caminho de volta para o local no qual deixei
Milena, porém não consigo encontrá-la. Greta e Deva estão com
Ayumi tirando fotos. John continua no bar, cercado por algumas
pessoas esperando por drinks. — Ela estava aqui agora mesmo.
— Talvez tenha ido ao banheiro — Nora diz. — O daqui de
cima ainda está sendo reformado. Se o senhor... quer dizer, se você
não se importar, vou deixar a oportunidade de conhecê-la pra outro
momento, eles realmente precisam de ajuda lá embaixo.
— Claro — respondo sorrindo. — Não quero atrapalhar o seu
trabalho.
Espero alguns minutos e não há sinal de Milena. Então,
resolvo descer as escadas e procurar por ela. Assim que coloco o
pé no primeiro degrau, Milena está na minha frente. Pálida, lábios
embranquecidos. Sinto um arrepio na minha espinha de vê-la dessa
forma.
— Podemos ir embora? — ela pede.
— Claro, mas aconteceu alguma coisa? Você está bem?
— Estou enjoada, fiquei um pouco tonta no banheiro e me
machuquei — ela diz, cruzando os braços. Milena passa a mão
esquerda no antebraço direito, como se houvesse algo errado com a
sua pele. — Pode pegar meu casaco? Não quero estragar a festa
da Ayumi.
Penso em me mover para fazer o que ela pede, porém, em vez
disso, prefiro segurá-la. Estou com medo de que ela simplesmente
caia das escadas.
— Está tudo bem? — a voz de Deva questiona atrás de mim.
Digo que não e peço para que ela pegue o casaco de Milena,
enquanto começo a descer apoiando-a em meus braços. Evito a
saída principal e o salão do piso inferior, isso chamaria atenção
demais. Então, espero por Deva no final das escadas e seguimos
pela porta dos fundos. Deva ajuda Milena a colocar o casaco e
repete a pergunta que fez anteriormente: — Está tudo bem? É algo
com o bebê?
— Não. Só estou enjoada. Preciso tomar um banho e dormir.
Só isso.
— Vamos pra um hospital, você não está bem — digo. Milena
argumenta que não é preciso, porém ela vomita assim que
passamos pela porta de saída de emergência do restaurante.
Mantenho-a de pé enquanto ela faz isso, segurando seus cabelos.
Ela termina e tenta se soltar por alguma razão, acho que quer sair
de perto de mim, mas não deixo. — Consegue andar?
Ela acena positivamente, só que não confio, então continuo
segurando-a. Alguns passos depois, ela simplesmente desmaia nos
meus braços. Coloco Milena no carro e Deva senta ao lado dela.
Fecho a porta e peço para que ela segure a cabeça da amiga, então
dou a volta e entro no lado do motorista. Estou totalmente gelado
quando chego ao hospital e posso sentir meu coração batendo tão
alto que parece que meus ouvidos vão explodir. Um médico da
emergência recebe Milena e pede para que eu aguarde na
recepção. Eu me nego a sair, mas Deva fica me puxando e dizendo
que a melhor forma de ajudar Milena é sair do caminho dos
médicos.
Sento-me com ela na recepção e parece que estou novamente
no dia do acidente. Ligo para as médicas de Milena, apenas a
obstetra me atende, e, assim que conto que Milena está no hospital,
a médica diz que está de plantão e que vai descobrir o que está
acontecendo. Estou batendo minha mão nervosamente no joelho
quando Deva coloca sua palma sobre meus dedos e segura na
minha mão. Olho de lado para ela com seus cabelos longos soltos e
olhos castanhos.
— Deve ser horrível estar aqui outra vez — ela diz. — Nem
consigo imaginar como deve ser pra você.
— É, é horrível — digo. Mas não é a mesma coisa. Milena está
bem. Ela estava sorrindo meia hora atrás, dançando. Por que,
então, eu estou com tanto medo?
— Vai ficar tudo bem. Minha amma, sempre que algo ruim
acontece, nos lembra que não há uma só árvore que o vento não
tenha balançado.
Alguns minutos depois, um enfermeiro aparece dizendo que eu
posso entrar para ver Milena. Deva acaricia minha mão, antes de
soltá-la, e me diz que vai ficar nos esperando. Agradeço e sigo o
homem vestido de verde pelos corredores da emergência, até
chegarmos em um quarto. Abro a porta e encontro Milena dormindo.
A obstetra está ao lado dela.
— O que houve com ela? Está tudo bem? — questiono. A
médica retira as luvas e me pede para ir até o corredor.
— Sr. Quotar, não há nada de errado, fisicamente falando. O
bebê está bem. O médico da emergência lhe deu um leve sedativo,
porque ela estava tendo taquicardia sinusal.
— Isso é sério?
— Não. É o termo médico pra quando nosso coração está
mais acelerado, como depois de um exercício intenso, sexo ou um
grande susto. É uma resposta esperada do organismo, porém, como
ela estava muito nervosa, ele preferiu fazer uma medicação.
— Então, ela está bem?
— Fisicamente, até onde consegui analisar, sim. Ela não me
deixou examiná-la direito e se recusa a falar quando perguntei o que
aconteceu, mas notei que tem uma mancha roxa no braço e um
arranhão na perna.
— Ela caiu — conto.
— Caiu? Não parece os machucados de uma queda.
— Você está insinuando que eu possa ter feito isso, doutora?
Que posso ter machucado a minha esposa?
— Não estou insinuando nada, Sr. Quotar, o fato é que a sua
esposa estava assustada e não quis conversar.
— Quero entrar e ficar com ela — digo, tentando não soar tão
irritado quanto estou. — Posso fazer isso?
— Claro. Eu volto logo. Só vou pedir um exame de sangue.
Entro no quarto e me aproximo de Milena. Passo minha mão
pelo seu cabelo e procuro a mancha no braço da qual a médica
falou. É no lugar que ela estava segurando antes. A ideia de que
alguém possa tê-la machucado me deixa maluco, porém não é só
com isso que estou lidando. Também estou me sentindo culpado,
culpado por estar evitando-a a semana inteira, por tê-la deixado
sozinha hoje na festa, mesmo que por apenas alguns minutos.
Quando nos casamos, prometi amá-la e protegê-la, não tenho feito
nenhum dos dois muito bem ultimamente.
— Ei... — uma voz diz da porta. Levanto a cabeça e vejo Jordi.
— Venha aqui fora.
— Não vou deixá-la sozinha.
— A Ayumi está aqui e vai ficar com a Milena, eu e você
precisamos conversar.
Mesmo a contragosto, vou até a porta. Ayumi me dá um olhar
solidário e passa por mim, entrando no quarto. Meu irmão coloca a
mão no meu ombro e me puxa para um canto.
— Aconteceu alguma coisa entre você e Nora?
— Não, por que merda você...
— Fale baixo — Jordi pede. — A Hanna me disse que a Milena
não tinha gostado de ver você com a Nora. Vinte minutos depois, a
Deva me manda mensagem dizendo que ela passou mal e está no
hospital. Achei que pudesse ter alguma relação.
— Então, você veio me perguntar se estou traindo a minha
esposa?
— Eu não...
— Não foi isso que quis dizer?
— Não nesse sentido, não quis soar dessa forma. Você
conhece a Milena, sabe que ela não lida bem com essas coisas. Eu
perdi as contas de quantas vezes ela tentou terminar com você, no
primeiro ano de namoro, por achar que você estava com outra.
Coloco a mão na cabeça e respiro fundo. Ele tem razão. Ele
tem toda razão. E como se isso não fosse o bastante, eu tenho
evitado a minha esposa. Quando estava masturbando-a, na semana
passada, eu só conseguia pensar no quanto queria estar dentro
dela, só que depois que acabei gozando, eu me senti cheio de uma
culpa que não fazia nenhum sentido. Fiquei longe de Milena por
isso, porque estava me sentindo culpado, mas não entendia a
razão. Conto isso ao meu irmão, evitando os detalhes mais íntimos.
— Você acha que se sentiu culpado por estar transando com a
sua esposa que não lembra de ser sua esposa?
— Talvez — respondo, pensando sobre o assunto. — É como
se, de alguma forma, não fosse a mesma pessoa com quem estou
acostumado.
— Quanto mais você tenta explicar, mais confuso fica — Jordi
afirma me encarando. — Mas acho que não deve mesmo ser fácil
entender sem estar no seu lugar.
— Sei que parece maluquice, porém acho que eu estava
habituado àquela intimidade, ao reconhecimento no olhar dela,
então há um certo estranhamento... sei lá. Imagine que a Hanna tem
uma irmã gêmea idêntica, você acha que saberia se estivesse com
a irmã ou com ela?
— Claro que saberia — ele responde.
— Eu só não pensei em como ela se sentiria com isso, não
pensei na Milena de três anos atrás e todos os seus medos e
inseguranças.
Abro meus olhos e Ayumi está parada me encarando.
Imediatamente, penso naquele homem me tocando e quero voltar a
dormir. No meu sono, estava no Brasil, era criança, correndo na
praia, com a minha mãe atrás de mim. Quero voltar para lá. Então,
fecho os olhos novamente, mas, dessa vez, estou naquela sala do
restaurante de Jordi, com Miklós segurando meu pulso e impondo
seu corpo contra o meu. Abro meus olhos outra vez, não quero mais
fechá-los. Não quero mais pensar nele.
— Milena... — Ayumi chama. Olho para minha amiga, ela não
está sozinha. Deva também está no quarto, porém atrás, encostada
na parede. Ambas se aproximam quando eu finalmente mantenho
meus olhos abertos. — Amiga, está tudo bem, nós estamos aqui.
Elas se sentam uma de cada lado da cama e me abraçam, eu
começo a chorar.
— Você nos deu um susto enorme — Deva diz. — Quer falar
sobre o que aconteceu?
Conto sobre Miklós. Sobre a forma como ele falou que eu tinha
um caso com ele durante a celebração de Natal e de como hoje
disse que planejávamos fugir juntos, que eu ia deixar Andras para
ficar com ele e o bebê tinha mudado tudo. No entanto, não tenho
coragem de contar que ele me puxou para aquela sala abafada e
me beijou à força. Lembro de suas mãos pelas minhas pernas, de
me debater, em como ninguém podia me ouvir gritando e quero
vomitar.
— Isso não é verdade — Ayumi diz, parecendo furiosa. —
Você nunca trairia o Andras, Milena.
— Você está dizendo isso porque acha que é verdade ou
porque quer acreditar em mim? Você nunca viu nada suspeito?
Alguma coisa entre nós?
— Não. Normalmente, vocês dois nem se falam. Você sempre
parece incomodada com a presença dele.
— E você, Deva? — questiono, encarando minha amiga. Ela
está calada demais.
— Sei que você não gosta dele, mas é como a Ayumi disse,
você nunca nos contou a razão. — Deva encara o telefone. — A
Greta está lá fora tentando entrar, vou falar com ela.
Aceno positivamente e minha amiga me dá um beijo na testa,
então vai embora. Fico com Ayumi, que tem no rosto a expressão
que já vi antes quando ela está tentando solucionar um problema
em um experimento.
— Sinto muito por ter estragado o seu noivado.
— Milena, eu ficaria feliz se o Gunter tivesse apenas comprado
uma aliança e dito “Vamos nos casar?”, então você não estragou
nada. Na verdade, você me salvou de mais algumas horas de
pessoas perguntando coisas como “você já escolheu uma igreja?”
Deus! Como as pessoas são apressadas. Eu acabei de dizer sim.
Forço um sorriso e Ayumi me encara séria.
— Você tem certeza de que está contando tudo? Não tem mais
nada que queira conversar?
— Eu fico pensando sobre as coisas que Miklós disse e não
consigo me imaginar sendo a pessoa que ele descreve. Não posso
ser. Eu estava tão feliz mais cedo por ter lembrado da sua mãe,
porque isso é sinal de que todo o resto pode voltar, mas agora estou
com medo, não sei se quero lembrar, porque fico pensando: e se eu
descobrir que sou uma pessoa horrível?
— Você quer saber o que eu acho? — Ayumi questiona.
Quero, claro que quero. Então, digo que sim. Minha amiga segura a
minha mão. — Milena, as pessoas não mudam, não de verdade.
Três ou trinta anos não fazem diferença pra definir a essência de
alguém. No fim do dia, você é quem você é, independentemente dos
seus esforços. Então, não. Eu não acredito que você tenha traído o
Andras, porque isso simplesmente não é da sua natureza. Não é
quem você é.
— Eu quero tanto que você esteja certa.
— Eu apostaria qualquer coisa nisso sem medo. Você ama o
seu marido, ele te ama. Não duvide disso.
— No meu lugar, você contaria pra ele?
— Não sei. Você me conhece, sabe que odeio confrontos.
Minha cabeleireira acha que o meu nome é Ayko e eu venho
deixando-a me chamar assim por mais de três anos.
Greta entra no quarto e estou cansada demais para repetir o
que acabei de contar, então Ayumi fala com ela.
— Filho da mãe! É claro que ele está tentando se aproveitar da
sua perda de memória. Se o Andras não o matar, eu mesma faço
isso.
Volto para casa de madrugada, e Andras cuida de mim. Ele me
ajuda a tomar banho e trocar de roupa. Nesse meio-tempo, ele não
me pergunta mais nada sobre o que aconteceu e eu também fico
calada, porque tenho medo de que, se eu abrir a boca, a primeira
coisa que vai sair é o que Miklós tentou fazer comigo hoje. Lembro
das palavras de Greta: “Se o Andras não o matar...”. Não quero que
ele confronte aquele homem por duas razões: a primeira é que a
ideia de Andras se machucando aperta meu peito, a segunda é a
convicção com que Miklós fala do nosso caso. Se minhas amigas
tiveram razão, ele é um excelente mentiroso.
— Venha aqui — ele diz, quando se deita ao meu lado na
cama. Coloco minha cabeça no peito de Andras e me esforço para
não chorar. Foi só um beijo, foi só um beijo, foi só um beijo, repito
para mim mesma, porém estou em um permanente estado de enjoo.
— Sinto muito.
Levanto a cabeça e olho para Andras, não sei por que ele está
se desculpando, então questiono exatamente isso.
— Eu fui um idiota com você a semana inteira. E não é porque
não te desejo ou porque queira outra mulher, pois não quero. Desde
que você entrou na minha vida, eu nunca quis ninguém além de
você.
Percebo que ele acredita que estou assim por ciúmes e talvez
estivesse. Antes. Antes de Miklós. Ou, talvez, seja um somatório
das duas coisas. Não sei. O que eu sei é que o toque daquele
homem no meu braço continua ardendo como se ele ainda
estivesse me segurando, o que sei é que arranhei a minha perna na
ponta de uma estante de ferro enquanto me desvencilhava dele e
afastava sua mão do meu corpo. “Você é minha, não dele, você
sempre foi minha.”
— Milena, você está me ouvindo?
— Estou — respondo, mas tenho minhas dúvidas se não perdi
alguma coisa do que ele disse. — Andras, você pode só me abraçar
e não me soltar?
Deito minha cabeça sobre seu peito outra vez, então um de
seus braços me envolve e ele, com a mão livre, puxa o edredom. Eu
sinto meu corpo relaxar um pouco pelo contato com o seu. Acordo
na mesma posição na manhã seguinte, ainda nos braços de Andras.
Ele já está acordado quando me movo e seus lábios beijam minha
testa.
— Como está se sentindo?
— Um pouco melhor — afirmo. É verdade. Andras passa o
domingo inteiro comigo, a maior parte do tempo na cama. Ele tenta
outra vez conversar sobre sua distância na última semana, e eu o
entendo. O que mais eu poderia dizer? Ele acha que está me
traindo comigo mesma, eu acho que estou o traindo com outra
pessoa. No fim das contas, estou fazendo com que ele sofra por não
lembrar dele, posso fazer com que ele sofra ainda mais se lembrar.
Minhas amigas me mandam mensagens e ligam. Greta quer
passar na minha casa para conversar, porém digo a ela que quero
ficar sozinha com Andras. Preciso disso um pouco, só dele. Lembro
do que Ayumi me falou sobre hormônios e gravidez, ela tem razão.
Estar perto dele faz com que eu me sinta protegida, mais calma. O
toque dele silencia todo o resto.
— Não foi nada demais, mas eu lembrei de algo antes.
— Sério?
— Não foi sobre nós dois, me desculpe. Eu queria tanto que
tivesse sido. — Então, conto do que exatamente lembrei e Andras
abre um sorriso, dizendo que isso é um excelente sinal. Eu o beijo e
ele corresponde cheio de desejo. Também sinto o mesmo desejo,
claro, contudo como eu sei o que é amor?
Andras precisa ir trabalhar no dia seguinte e me deixa em casa
com Jacques, pairando sobre mim a cada meia hora. O mordomo da
casa me traz chás, biscoitos amanteigados, remédio para dor de
cabeça e quase tem um treco quando me vê descendo as escadas.
— A senhora não deveria fazer nenhum esforço.
— Eu não estou doente, Jacques — afirmo, tentando
tranquilizá-lo. — Estou com vontade de comer um doce brasileiro,
você pode me ajudar a fazer?
— Posso pedir pra cozinheira fazer pra senhora.
— Não. Quero fazer eu mesma. Estou cansada de ficar
deitada. — E sozinha com a minha cabeça e com todos os
pensamentos recorrentes dentro dela. Vou para a cozinha e
Jacques me acompanha, enquanto a copeira vai pegando os
ingredientes. Eu costumava fazer bolo de rolo o tempo todo em
casa, meu pai gostava, minha mãe tinha me ensinado a receita. É o
tipo de receita que requer habilidade e paciência, a massa tem que
ser bem espalhada, as camadas bem aplicadas e o bolo precisa ser
enrolado da forma certa para evitar rachaduras.
— A senhora e o Sr. Jordi costumam fazer — a cozinheira diz.
— Ele diz que é a única receita em que a senhora é melhor do que
ele. E o Sr. Andras adora.
O comentário coloca um sorriso no canto da minha boca.
Consigo me imaginar ali com Jordi, trocando piadas e fazendo a
massa do bolo. Consigo imaginar Andras comendo uma fatia e me
olhando com aquele sorriso lindo nos lábios. Quero lembrar disso. O
telefone toca na cozinha e Jacques atende. Assim que desliga, ele
me olha.
— Algum problema?
— Tem um homem na portaria dizendo que precisa falar com a
senhora. Ele disse que seu nome é Paul Furet e que é importante.
Paul Furet. Não faço a menor ideia de quem seja, mas digo a
ele que tudo bem, que pode pedir para o homem entrar.
— Não é melhor que ele fique no portão?
— É, você tem razão — afirmo. — Eu vou até ele.
Lavo as mãos, retiro o avental e vou até o portão. Há um
homem jovem, um pouco magro, bem-vestido e muito bonito.
— Você deseja falar comigo? — questiono.
— Claro, o que você esperava depois de tanto tempo de
silêncio? — ele questiona. — Quero saber se você pretende mesmo
criar o meu filho como se fosse de outro homem.
Eu aperto a mão do candidato a deputado que vou apoiar nas
próximas eleições e ele me dá um sorriso. Se tudo der certo, ele
ficará com a cadeira que ocupo atualmente na câmara estadual.
Jonas se move e, em seguida, está atrás do homem, fazendo-me
um sinal para sorrir de volta. Ele faz isso o tempo todo. Faço o que o
meu assessor indica e depois bato no ombro de Bart Simko, dizendo
que preciso ir.
— Vou começar a te cobrar mais caro por ter que lembrá-lo de
sorrir em cada reunião — Jonas afirma, arqueando as sobrancelhas
para mim enquanto caminhamos lado a lado pelo corredor. — Simko
tem uma boa base, não é só ele que sairá ganhando com essa
aliança. Com o seu apoio, ele pode ser o deputado mais votado das
próximas eleições, logo, líder da câmara. E é justamente esse tipo
de suporte que você vai precisar, quando assumir, pra conseguir
aprovar qualquer coisa.
— Você está sempre dez passos à frente — digo, entrando no
carro. Jonas se senta ao meu lado parecendo muito satisfeito
consigo mesmo, e ele deveria. É um bom estrategista, tem sido um
bom assessor e, por isso, eu o convidei para ser o meu chefe de
campanha nessas eleições. Eleger alguém ao cargo de governador
na principal cidade do país, e na primeira tentativa, é o tipo de coisa
que torna um gerente de campanha bem-sucedido e lhe dá
visibilidade mundial no campo político. É um risco tê-lo escolhido,
cria vulnerabilidades e uma certa exposição, contudo não cabe na
minha cabeça a ideia de não escolher o melhor porque essa pessoa
não cabe numa expectativa. O dia a dia me provou que tomei a
decisão certa.
Coloco o cinto de segurança e relaxo a regulagem da minha
gravata, desabotoando meu paletó um pouco. Essa é a pior parte de
ser político: fazer campanha. E, quando comecei, achei que a
campanha era apenas uma pequena parte, um meio para um fim,
porém logo aprendi que você nunca sai de verdade desse período,
que cada ação precisa levar em consideração a perspectiva pública,
a base de aliados, como isso interfere nos índices de aprovação.
— Não é pra isso que você me paga?
— Suponho que sim — afirmo. Dou uma risada, dessa vez é
honesta, mas, quando olho para Jonas, ele está sério, mais do que
o normal, e eu sei que há algo errado.
— Acho que temos um problema — ele diz, encarando a tela
do celular. — Um dos seguranças que está com a sua cunhada
acabou de dizer que um homem apareceu na casa do seu irmão e
fez algumas acusações.
— De que tipo?
— Do tipo que podem interferir na sua campanha seriamente.
— Diga ao motorista que temos uma mudança de rota e
cancele o resto dos meus compromissos.
Tem alguma coisa muito errada em toda essa história
envolvendo Milena e eu pretendo entender isso hoje mesmo, antes
que se transforme em algo que saia do controle e prejudique não só
o nome da nossa família ou a minha eleição, mas a vida do meu
irmão.
— Sei que não vai querer ouvir isso agora, Adam — Jonas diz,
depois de falar com o motorista. — Só que deveria ter me dado
ouvidos anos atrás. Lidar com a história dela, se adiantar e controlar
a narrativa seria muito melhor.
— Meu irmão não teria aceitado, duvido que ela mesma
também quisesse, e eu não poderia simplesmente expor a história
dela. Você sabe que eu nunca iria expor ninguém dessa forma.
— Sei, porém você vai precisar engrossar um pouco a sua
pele pra suportar exposições, porque elas vão cair sobre todos nós
assim que lançar a campanha pra governador. Os Vancura
governam há quase duas décadas, acha mesmo que vão passar o
cetro sem uma boa briga?
— Não tenho medo de uma boa briga.
— Sei que não, mas não vai ser uma briga limpa, e eu só
quero que esteja preparado. Eu te disse no começo disso tudo que
política é um campo em que você, de uma forma ou de outra, acaba
se dobrando.
— Tenho você pra ficar dez passos à frente, vou ficar bem —
afirmo. Dessa vez, é ele quem sorri. Jonas passa a mão pelos
cabelos dourados e diz “você não tem jeito”, então o carro está
parado e eu respiro fundo, porque não sei bem o que está me
esperando, todavia tenho certeza de que vai ser uma dor de cabeça
infernal.
A primeira coisa que eu noto são os seguranças que não estão
em suas posições normais. Andras tem um segurança na guarita,
apenas isso. Os outros homens, que têm estado com ele e com
Milena, trabalham para mim. Ele não reclamou quando disse que os
colocaria em ação para cuidar dele e de minha cunhada por um
tempo, porém estou extremamente consciente de que meu irmão
estava apenas cedendo. Ele e Jordi são semelhantes nisso, sempre
optam por acreditar no melhor, as coisas que eu considero como
ameaças para ele não passam de pequenos buracos na estrada.
— O que aconteceu? — questiono. Um dos seguranças se
aproxima e diz que havia um homem no portão chamando por
Milena, negando-se a sair sem falar com ela e que, depois de
alguma insistência, eles decidiram ligar para a casa e minha
cunhada apareceu no portão.
— Eles conversaram no portão rapidamente e ela o mandou ir
embora. Então, o homem começou a gritar que ia contar a todos o
que sabia sobre ela, usou alguns termos ofensivos com a senhora e
disse que procuraria a imprensa.
— E vocês sabem quem ele é?
— Ele se apresentou como Paul Furet.
— Vou checar o nome. E vou precisar das imagens de
vigilância — Jonas diz.
Deixo meu assessor lidando com os seguranças e passo pelo
portão. O caminho de asfalto do portão até a casa não é longo,
porém parece no momento. Quando finalmente entro na casa,
Milena está na sala de estar com Jacques. O homem trabalhou na
casa dos meus pais, na casa em que eu e Jordi vivemos, contudo
Andras sempre foi seu predileto e ele quis vir trabalhar com meu
irmão quando ele e Milena se casaram. Ele está tentando acalmá-la,
mas não parece estar tendo muito sucesso.
— Não ligue pra ele — Milena pede. — Eu vou ficar bem, eu
só preciso... eu vou ficar bem.
— Sr. Adam — o homem diz, notando minha presença. Milena
se vira para me encarar e derruba a xícara de chá que estava na
sua mão. Jacques prontamente a ajuda, porém a peça de cerâmica
cai em cima de um tapete e não quebra.
— Precisamos conversar. Se você nos der licença, Jacques.
— Ela não deveria ficar mais agitada do que já está — ele diz,
tocando em meu braço antes de sair. Aceno positivamente e sento
ao lado dela no sofá.
— O que ele queria? O homem lá na frente. O que ele tem que
pode levar à imprensa? — Milena me encara com os olhos cheios
de lágrimas e parece muito abalada. Realmente, eu nunca a vi
dessa forma. Milena normalmente é cheia de sorrisos, engraçada,
espirituosa até. Mesmo que tenha sido contrário à relação deles,
nunca deixei de entender as razões pelas quais Andras gostava
dela. Eles se balanceiam bem, ele é intenso, ela é leve. Ele é
aventureiro, ela tem o pé no chão. Milena passa as mãos no rosto,
secando as lágrimas. — Não posso resolver, se não me disser o que
é. E acredite, eu posso resolver.
— Pode mesmo? — ela questiona. Aceno positivamente. — E
por que eu deveria confiar em você? Minhas amigas me disseram
que você não queria que eu e o Andras estivéssemos juntos.
— É verdade, eu não queria — confesso. — Mas eu não sou
um vilão de telenovela. Não estou tentando separar vocês. Eu
apresentei os fatos ao meu irmão, não criei informações falsas pra
tentar separá-los. Ficar ou não com você sempre foi um direito dele.
Nunca me meti nisso.
— Aquele homem me disse que é pai do meu filho e que pode
provar — ela declara. Por alguma razão, a frase me faz rir. Não é o
momento, sei disso, porém a ideia parece tão absurda que meu
corpo responde a isso de forma involuntária. — Você acha isso
engraçado?
— Sim. Acho. Acho engraçado que você acredite nisso. Não
existe a menor chance dessa criança não ser do meu irmão.
— E como você sabe disso?
— Milena, você ficou grávida em setembro do ano passado e
estávamos todos no sul da França, eram os últimos meses de
pandemia, estávamos isolados. Você, eu, Jordi, Hanna e Andras. Se
o seu marido não for o pai do seu filho, só restam eu e o meu irmão
mais novo, então...
— Você tem certeza? — ela pergunta, colocando a mão no
meu peito. Apesar do tom de dúvida, entendo que ela está apenas
checando. Milena parece aliviada.
— Absoluta. Não tinha ninguém na propriedade além de nós.
Jordi havia sido infectado com aquele vírus maldito duas vezes e
tinha ficado muito mal no segundo contágio. Ele estava na França,
em um evento de trabalho, quando ficou doente, então, assim que
saiu do hospital, ainda estava fraco e achamos melhor não o trazer
de volta imediatamente. Nossos pais têm uma propriedade no sul da
França, por isso o levamos pra se recuperar lá. Pedi um
afastamento, meu suplente assumiu por alguns meses, e estávamos
sendo muito cautelosos. Ninguém entrava ou saía da casa. Ficamos
meses lá.
— Então, por que aquele homem viria aqui e inventaria isso?
— Eu vou garantir que o encontremos e vamos descobrir isso
— afirmo me levantando.
— Paul Furet. Foi assim que ele disse que se chamava. É um
nome francês, porém ele não parecia... não tinha sotaque nem nada
assim, e estava falando em húngaro.
— Porque esse não é o nome dele — Jonas diz. Ele está
segurando um tablet. — Sinto muito por não ter me anunciado, não
quis interromper.
— Está tudo bem. Ele é de confiança. — Jonas se aproxima e
nos mostra a tela do tablet.
— Fiz uma busca pelo nome, só que não havia nenhuma
ocorrência no país em nenhum banco de dados. Então, pedi um
favor na inteligência nacional e eles fizeram uma busca reversa com
as imagens de segurança. Esses são os dados do homem, ele é
húngaro, trabalha como ator. Deve ter sido contratado.
— Temos um endereço?
— Sim, mas o registro tem mais de quatro anos. Pode ser
alguém querendo criar um escândalo envolvendo o nome Quotar
pra prejudicar sua candidatura — Jonas diz. Penso no relatório que
ele me mostrou, aqui mesmo, nesta sala, sobre todos os
concorrentes e as coisas que já fizeram para podermos guardar em
nosso arsenal como contra-ataque. Odeio a ideia de uma campanha
de base negativa, no entanto, se alguma daquelas pessoas estiver
mexendo com a minha família, não vou ter problemas em fazer isso.
Não terei problemas em expor suas vidas, seus crimes, seus
deslizes.
— Vamos tentar encontrá-lo. Só preciso falar com a equipe de
segurança antes — digo a Jonas. Então, eu me viro novamente para
encarar Milena. — Eu sei que você não confia em mim e acho justo,
mas eu nunca deixaria nada de ruim acontecer com o meu irmão,
nem com o meu sobrinho, o que significa que eu também não
poderia deixar nada de ruim acontecer com você.
— Adam... Tem mais uma coisa. Miklós. Ele me disse que eu e
ele tínhamos um caso e que eu planejava deixar o Andras por ele.
— Quando ele disse isso?
Ela conta sobre o Natal e depois sobre o que aconteceu dois
dias atrás. Diz que não contou ao Andras porque estava com medo
da reação dele. De certa forma, eu a entendo. Não é difícil adivinhar
como meu irmão vai responder a isso. O problema é que, em algum
momento, ele vai precisar saber.
— Adam, se eu puder... — Jonas pede. Faço que sim com a
cabeça e ele prossegue. — Se esse homem tem assediado a Sra.
Quotar por tanto tempo, é provável que ele tenha contratado aquele
outro homem pra vir até aqui e colocar mais lenha na fogueira.
O argumento faz algum sentido. Afinal de contas, é fácil
desconsiderar uma história, contudo, quando se transforma numa
recorrência, a coisa muda de figura. Se Miklós está por trás disso,
ele quer se aproveitar da vulnerabilidade que a falta de memória
atribui a Milena no momento. E, por mais que isso me irrite,
precisamos agir racionalmente. Sei o que vai acontecer se Andras
souber disso e, embora ele seja uma pessoa aberta a diálogo,
duvido que essa característica prevaleça frente ao ódio e toda raiva
que isso o fará sentir.
— Não vamos fazer nada sem pensar direito — digo. Milena
me olha confusa. Penso em como ela teve que lidar com tudo isso
sozinha, com medo de contar por, de certa forma, não conhecer a si
mesma no momento. — Não vamos falar uma palavra ao Andras
sobre nada disso, ao menos por enquanto, e...
— Posso saber o que vocês não vão me contar? — Andras
questiona. Meu irmão está parado na sua sala de estar nos
encarando e o primeiro pensamento que invade a minha cabeça é
sobre como nada disso vai terminar bem.
— Onde ele está? — pergunto para um homem de uniforme
que pisca, parecendo não entender minha pergunta. Isso me deixa
ainda mais furioso. Passo por ele e sigo pelo corredor, há o
escritório de Jordi, e então o de Miklós. Abro a porta de uma só vez
e encontro o verme ao telefone. Ele solta o aparelho quando me vê
e faz menção de se levantar. Há um sorriso fingido em seu rosto,
porém sou mais rápido. Estou vendo tudo vermelho, mal faço
sentido de como consegui chegar até aqui, mas era como se o
mundo inteiro tivesse desaparecido e só existissem eu, Miklós e o
desejo de apagar sua existência da face da Terra.
— Andras, que...
Suas palavras são interrompidas quando o seguro pelo
pescoço e bato seu rosto contra a mesa. Miklós levanta a cabeça,
com o nariz sangrando e a mão tentando conter o sangue. Ainda
assim, há um sorriso em seu rosto que leva o último fio de
racionalidade que ainda existe em mim. Cerro meus punhos e soco
seu rosto, uma, duas, três vezes.
— Como você ousa tocar na minha esposa? — questiono,
enquanto continuo batendo nele. Penso no olhar de Milena quando
perguntei se ele a tinha machucado, ela parecia tão assustada. “Ele
me beijou e tentou me agarrar, mas eu consegui escapar”. — Como
você ousa fazer com que ela pense que...
— Ele está aqui! — uma voz grita. Miklós me dá um chute e eu
bato minhas costas em alguma coisa, porém não me importo. Estou
prestes a avançar contra ele outra vez, quando ele puxa uma arma
e ouço o barulho da trava de segurança.
— Mais um passo e eu atiro na sua cabeça — ele diz. A mão
livre vai para o rosto, o sangue continua escorrendo.
— Miklós, solte a arma — Jordi diz. Eu me viro e encontro meu
irmão, com as mãos para cima, tentando se aproximar de Miklós. —
Você não precisa fazer isso, tudo bem? Seja lá o que for, podemos
resolver de outra forma.
— Não podemos! — digo irritado.
— Andras! — A recriminação no tom de Jordi é evidente,
contudo ele não entende. Eu não me importaria de morrer aqui, se
isso significasse levar Miklós comigo. A ideia de ele beijando Milena
à força, as coisas que ele disse a ela. Quero matá-lo e tenho certeza
de que vou gostar de fazer isso.
— Seu irmão não sabe? — Miklós questiona, ele está a uns
três metros de distância, com os dois olhos roxos. Há uma chance,
pequena, claro, de que ele não acerte esse disparo. — Quer que eu
conte? Andras Quotar está furioso porque a mulherzinha dele é uma
vagabunda que sempre gostou mais do meu pau do que do dele.
— É bom você torcer pra que os meus socos não tenham
estragado sua vista, Miklós. Porque, se errar esse tiro, não vai ter
uma segunda chance.
— Andras! Cale a boca, seu idiota! — Jordi pede.
Dois seguranças aparecem na porta da sala, todavia não se
movem quando percebem a cena. Atrás deles, está Adam. Meu
irmão mais velho também ergue as mãos, mas, diferentemente dos
seguranças, ele não fica parado. Adam entra no escritório de Miklós
e se aproxima de Jordi, puxando-o pelo uniforme. — Você precisa
sair daqui agora — ele diz.
— Não vou! Não vou deixar vocês dois aqui.
— Você vai! — Adam afirma. — Não vamos os três nos
machucar aqui, isso não faz sentido.
— Vocês dois deveriam sair — digo. Então, Adam acena
negativamente de uma forma extremamente tranquila, porém é
como se ele quisesse me dizer alguma coisa, algo além de apontar
o fato de que não pretende me deixar ali sozinho.
Lembro do que ele me disse quando tentou me impedir de sair
de casa: “O que você vai fazer? Matar o cara e acabar preso?
Pense na sua esposa, no seu filho”. No entanto, a adrenalina ainda
está correndo ferozmente pelo meu corpo, talvez ainda mais com
essa arma apontada para a minha cabeça. Jordi faz o que Adam
pede e, então, se move indo para trás dos seguranças.
— Miklós, qual é o seu plano aqui? Você vai atirar no Andras
ou em mim, minha equipe de segurança atira em você e o que
acontece? Todos nós morremos? — ele diz, ficando na minha frente.
— Não parece um plano muito inteligente. Por que você não abaixa
a sua arma e vamos todos sair daqui e resolver isso de uma forma
civilizada?
Civilizada? Civilidade morreu quando ele tentou se aproveitar
da falta de memória de Milena.
— Eu recebi esse homem na minha casa e ele tentou
machucar a minha esposa.
— Machucar? Foi isso que ela disse? — Miklós questiona,
soltando uma gargalhada. O cano da arma se move de forma
displicente e eu mantenho meus olhos fixos nele, tentando me
adiantar a qualquer movimento. Adam vira a cabeça nesse
momento e diz “embaixo do meu terno”. Eu demoro um minuto para
entender o que ele quer que eu faça, mas então percebo o volume
nas suas costas e puxo a arma, mantendo-a perto do meu peito.
Solto a trava de segurança e engatilho a pistola, é uma automática
silenciosa, deve ser de um dos seguranças de Adam. Sei que não é
do meu irmão, porque ele não andaria para cima e para baixo com
uma pistola. — Ela queria, ela pediu por mais.
Tento ficar tranquilo. Tento fazer com que as palavras dele
parem de me atingir. Então, coloco a pistola embaixo do braço de
Adam. É espaço suficiente, porém não consigo mirar direito. Sendo
assim, vou ter que contar com a sorte. Miklós continua falando,
contudo não ouço mais suas palavras, estou focado na arma.
— Não se mova — sussurro e puxo o gatilho. Fiz meu primeiro
disparo com uma arma de fogo quando tinha uns catorze anos,
caçando com meu pai e Adam. Em todos esses anos, eu nunca
observei a trajetória de uma bala com tanta atenção. Adam se
moveu depois do disparo, os seguranças também, todavia eu ainda
estava focado em Miklós, seu corpo caindo no chão. Há um
zumbido nos meus ouvidos e eu fico pensando se ele está morto, os
homens de preto avançam rapidamente, pegam a arma dele, depois
a que está nas minhas mãos.
— Andras... — Jordi me chama. Continuo olhando para Miklós
e, então, ele se move. — Andras! Mas que merda acabou de
acontecer?
Escuto Adam falando para Jordi se calar. Em seguida, ele dá
ordens aos homens. — Chamem uma ambulância! — E há algo
sobre relatórios de ocorrência sendo dito, ainda não consigo ouvir
direito. De repente, quero voltar para casa, para Milena. Logo, estou
sendo arrastado pelo corredor, Adam me puxando e Jordi atrás dele,
repetindo suas perguntas.
— E você o deixou vir até aqui e confrontar o Miklós? — Jordi
questiona, quando Adam explica tudo. Estamos no escritório do meu
irmão mais novo e minha mão está tremendo. Nunca atirei numa
pessoa antes, nunca estive na mira de uma arma. Acho que a
realidade disso finalmente está me alcançando.
— Deixei? Ele derrubou a porra do portão com o carro. O que
você queria que eu fizesse? Me jogasse na frente de duas toneladas
de aço?
— Com quem a Milena ficou? — questiono.
— Com alguns seguranças e com Jonas, mas a Greta estava
chegando lá quando estava vindo pra cá.
— Eu vou pra casa — digo me levantando.
— Você vai pra delegacia — Adam fala, colocando a mão no
meu peito e me parando com seu movimento. — Na verdade, todos
nós vamos. E prestem bastante atenção: Miklós atacou o Andras, eu
fiquei entre eles, Andras viu a oportunidade, puxou a minha arma e
se defendeu. Estamos entendidos? Em hipótese alguma, você vai
dizer que deu o primeiro soco, Andras! A equipe de segurança vai
confirmar essa versão. Também não vamos envolver a Milena antes
de conversarmos com ela.
Quando eu finalmente chego em casa, depois de quase duas
horas na delegacia, Milena está no mesmo lugar que a deixei horas
atrás, sentada no sofá. Suas amigas estão com ela. Assim que
nossos olhos se encontram, minha esposa se levanta, solta a manta
na qual estava enrolada, exibindo um pijama, e me abraça.
— Você voltou!
— Eu voltei. Claro que voltei — digo.
— Nunca mais, nunca mesmo, faça isso comigo outra vez.
Tudo bem?
— Eu prometo — afirmo, segurando-a. Dou um beijo no topo
da cabeça de Milena, seus cabelos estão molhados, porém não me
importo. Ficamos abraçados por um bom tempo até que ela me
solta e pergunta o que aconteceu. Não conto sobre a parte em que
Miklós me apontou uma arma, apenas que houve uma discussão e
que ele está preso. Parece o mais sensato no momento,
considerando o estado em que Milena se encontra.
— Me diga que ele vai ficar preso — Greta questiona.
— Pelo menos, por enquanto — confirmo.
— Milena, agora que o Andras chegou, você precisa comer
alguma coisa. Vamos lá? — Ayumi pede.
— Não sei se consigo.
— Tente um pouco, amor. Pelo bebê — peço. Ela acena
positivamente. — Eu vou subir e tomar um banho, já encontro
vocês.
Deixo a sala e começo a subir as escadas, então ouço a voz
de Greta me chamando. Ela está no arco do átrio da casa e anda na
minha direção assim que paro.
— Não perca o sono pelo tiro — ela afirma. — Jordi me
mandou mensagem. Aquele homem mereceu, você fez a coisa
certa. Além disso, gostei do seu trabalho com o portão, bastante
artístico — ela diz sorrindo.
— Acha que ela vai ficar bem?
— Vai, tenho certeza. A Milena é muito mais forte do que
damos crédito — ela afirma. — Vá tomar seu banho, vamos cuidar
dela por você um pouco.
Deixo que a água arraste a tensão que se instalou no meu
corpo. Diferentemente do que Greta pensou, não é o disparo ou
seus efeitos que podem tirar meu sono, e sim tudo que aconteceu
antes dele. Fico pensando em Milena, que está há semanas lidando
sozinha com as ações de Miklós. A ideia de que alguém se
aproveitaria da vulnerabilidade que a falta de memória lhe trouxe é
tão absurda, tão asquerosa, que isso me faz querer ter batido mais
nele.
Ele tinha mostrado interesse nela anos atrás, tinha sido
desrespeitoso ao falar de Milena. E eu até mesmo já tinha notado
aquele homem a olhando de forma mais demorada, porém nunca
achei que ele poderia fazer o que fez. Enquanto estou me vestindo,
penso em como gostaria de apenas me deitar e dormir por horas.
Deixar meu corpo descansar de verdade. Estou terminando de vestir
minha calça, quando Milena abre a porta e me encara. Ela está com
os cabelos soltos, ainda úmidos, um pijama e pantufas. Não sei
explicar por que, contudo acho que nunca a considerei tão linda
como nesse momento e sou invadido por uma emoção. Acho que o
medo de a perder finalmente me invade. Eu poderia não estar mais
aqui, eu poderia não ter a chance de passar o resto da minha vida
com ela, de ver nosso filho nascer, crescer.
— Você estava demorando — ela diz. — Eu comecei a pensar
que talvez você quisesse ficar sozinho, depois de tudo que
aconteceu hoje, então pedi que todos fossem embora.
— Não precisava fazer isso.
— Eu queria ficar sozinha com você — ela diz. — Quero
conversar. Pedir desculpas por não ter contado o que estava
acontecendo imediatamente. E, quando aquele homem apareceu,
eu ia te ligar, só estava tentando ficar mais calma antes de fazer
isso. Eu também estava com medo de que você não acreditasse em
mim.
— Nada do que aconteceu é culpa sua, nem o acidente, nem
Miklós. Nada, entendeu? Se alguém tem que pedir desculpas aqui,
essa pessoa sou eu. Eu deveria ter protegido você. Eu prometi que
faria isso quando nos casamos, que cuidaria de você e que não
deixaria nada te acontecer.
— É uma promessa bem irrealista — ela afirma. Uma risada
me pega de surpresa. Ela também sorri.
— É, mas eu não poderia te oferecer menos. Você merece
alguém disposto a tentar, mesmo que pareça inatingível pra você.
Ela se aproxima de mim e passa suas mãos pelo meu torso,
abraçando-me.
— Eu fiquei com tanto medo de que você não voltasse. Eu só
queria que você voltasse pra que pudesse te dizer que, apesar de
toda essa bagunça e de tudo que vem acontecendo, eu tenho quase
certeza de que estou me apaixonando por você.
— Quase? — questiono, erguendo seu queixo.
— É, existe também uma pequena probabilidade de que seja
apenas pelo fato de que estou esperando um filho seu. Biologia e
tudo mais, a Ayumi sabe explicar.
Ela me faz rir outra vez e eu agradeço a Deus por ter colocado
essa mulher na minha vida.
— Isso quer dizer que eu posso te beijar? — questiono. Milena
acena positivamente e eu aproximo minha boca da sua. Seus lábios
se movem lentamente sobre os meus e eu deixo que ela dite o
ritmo. Enquanto isso, uma de minhas mãos está em sua cintura e a
outra sobe pelas costas até encontrar sua nuca, os meus dedos se
enroscam entre os cabelos de Milena. Aos poucos, vou assumindo o
controle e intensificando nosso contato. Milena é receptiva a cada
toque, aos movimentos da minha língua em sua boca.
Separamos nossos lábios e há esse momento em que apenas
nos encaramos. Coloco minha mão em seu rosto, o polegar
passeando pela lateral da sua face até encontrar sua boca. Desço a
mão pelo pescoço da minha esposa e, então, paro entre seus seios,
os mamilos duros estão apontando na blusa fina, contudo não foco
neles, minha atenção recai no movimento, os seios subindo e
descendo, junto com sua respiração ofegante, as batidas fortes de
seu coração.
— Eu quero você — ela diz. E a forma como fala isso faz meu
sangue correr todo em direção ao meu pau.
— Tem certeza?
— Tenho. Só seja um pouco paciente, tudo bem?
— Como se fosse a primeira vez — digo.
— Isso. Como se fosse a primeira vez — ela responde. Coloco
minhas mãos na sua cintura e pego nas barras da blusa do pijama,
subindo a peça com cuidado, até passá-la pela cabeça de Milena e
jogá-la em algum lugar do chão do nosso quarto. Ela não está
usando sutiã e seus seios estão maiores. Eu coloco a minha boca
em um deles, sugando-o, enquanto Milena leva suas mãos aos
meus cabelos.
Levo minha esposa para a cama e retiro sua calcinha. Gosto
da forma como ela me olha, com expectativa e um pouco de
vergonha. Exatamente como da primeira vez. Fico por cima de
Milena, meio que pairando sobre ela, então passo meus lábios pelos
seus delicadamente, antes de voltar a beijá-la. Minha mão vai para
um de seus seios, brincando com ele, e isso sozinho faz Milena
começar a gemer. Ela move seu corpo, esfregando os peitos contra
minha mão, e eu decido que eles precisam da atenção da minha
língua. Percorro o bico do seu seio esquerdo, sugo-o, e Milena
crava suas unhas em mim. Desço minha boca por sua barriga, beijo
carinhosamente seu ventre e continuo descendo até sua virilha.
Passo a língua de uma vez na extensão da sua boceta. Então,
começo a chupar Milena vagarosamente, mantenho o movimento no
mesmo ponto, enquanto vou aumentando o ritmo, e ela vai abrindo
suas pernas, puxando meus cabelos, respondendo verbalmente ao
prazer. Ela goza pela primeira vez com a minha língua movendo-se
apenas em seu clitóris, o sabor é delicioso e eu aprecio o gosto do
orgasmo, provando tudo. Milena pede por mim, pede para que eu
entre nela, só que, antes de fazer isso, coloco a ponta da minha
língua dentro dela e vou o mais fundo possível. Ela solta um “puta
merda”, o “puta merda” que eu adoro ouvir. Volto a beijá-la enquanto
esfrego meu pau em Milena. Ela diz “preciso de você” e logo eu não
consigo mais fazê-la esperar. Inverto nossas posições, deixando-a
por cima, porque faz tanto tempo que estive dentro dela que não sei
o quão no controle posso estar nesse momento, deixo essa função
para ela.
Guio meu pau para dentro de Milena, ao mesmo tempo em
que nossos olhos estão presos um no outro. Ela morde o lábio no
processo e eu seguro sua cintura com firmeza. Estou dentro dela e
esse é o meu lugar predileto em todo o mundo. Movo seu quadril um
pouco e dou algumas estocadas, então Milena pega o ritmo do
movimento e começa a rebolar no meu pau. Agradeço ao meu corpo
por manter sua resistência, apesar do tempo sem estar dentro dela.
Ter me masturbado no trabalho dois dias atrás, depois de ter feito
aquele oral nela e não ter sido capaz de pensar em outra coisa a
manhã toda, pode ter me ajudado com isso, claro. De qualquer
forma, pareço estar de volta à minha resistência normal e isso
significa que, se Milena desejar, não vamos parar tão cedo. Ergo
meu corpo e fico sentado, ela no meu colo. Aproveito a posição para
jogar mais intensidade nos movimentos e isso faz Milena gritar de
prazer.
— Isso, amor, se solta — digo. Enquanto ela aperta mais suas
unhas no meu corpo, passo meus lábios no ombro de Milena,
depois no pescoço e, finalmente, volto para sua boca. Nos beijamos
entre gemidos e novas estocadas. — Jogue o corpo pra atrás —
digo. Milena faz o que peço e continua rebolando, o movimento
aumenta a pressão dentro dela, faz as paredes do seu canal se
pressionarem contra o meu pau e a forma como ela geme me diz
que está às margens de um orgasmo.
— Isso é bom — ela diz, sem fôlego. — Isso é muito bom. É
delicioso. Acho que eu vou...
Acho graça de como ela não fala “gozar”, como no começo.
Quando ela tinha vergonha de dizer palavras como “pau”, ou ficava
com vergonha quando eu dizia que queria enchê-la com a minha
porra, eu tinha esquecido disso. Continuo fazendo-a quicar no meu
colo até que sinto ela gozar novamente, o aperto ao redor do meu
corpo aumenta e ela joga seu corpo por cima do meu, parecendo
cansada.
— Está tudo bem? — questiono.
— Melhor impossível — Milena responde, com sua cabeça no
meu peito.
Giro Milena na cama e agora fico por cima. Ainda estou dentro
dela, duro como pedra, e volto a me mover. Dou uma longa primeira
estocada que faz com que ela arqueie suas costas, empinando os
seios perfeitos.
— Eu amo seus peitos — digo. — Amo suas coxas, sua
barriga e essa boceta maravilhosa. Continuo entrando e saindo dela
por mais tempo, e as mãos de Milena se contorcem contra os
nossos lençóis. Quero fazê-la gritar meu nome, então continuo
fazendo isso até que consigo o que quero. Adoro a forma como ela
diz meu nome, como pede por mais, adoro o desejo que vejo em
seu olhar.
Gosto dos sons que ela produz, de como solta pequenos
gritinhos que fazem parecer que está choramingando, contudo sei
que são de uma forma pura de prazer, do momento em que ela não
consegue mais se controlar. Quando eu finalmente gozo dentro
dela, Milena está se contorcendo, olhando-me com a boca
entreaberta, os seios duros. E há uma expressão em seu rosto que
eu conheço bem, uma sensação que significa que ela está, ao
mesmo tempo, saciada e exausta.
— Tenho uma pergunta — Milena questiona, virando-se na
cama. Sua mão está na barriga, um pouco maior agora que
completou vinte e uma semanas e estamos chamando nosso bebê
de mamão. Quer dizer, eu chamo, ela discorda, terminamos aos
beijos. Os dias têm sido interessantes.
— E qual seria? — Coloco minha mão no ventre de Milena,
acariciando-o, e há um sorriso tímido em seu rosto.
— Por que todas aquelas fantasias?
A pergunta me faz rir. E eu me movo para ficar de frente para
ela. Minha mão sobe até seu ombro e encosto nossos narizes.
— Bem, primeiro há o fato de que tanto eu quanto você
gostamos. Depois, e essa parte é a mais óbvia, você fica
extremamente sexy dentro delas. Porém, pra ser justo, eu te acho
sexy usando qualquer coisa.
Beijo Milena e ela corresponde, acariciando meu braço.
— Espere um minuto... — ela diz, separando nossos lábios.
Minha boca continua perto da sua, posso sentir sua respiração em
meu rosto. — Quando você diz que você e eu gostamos, isso quer
dizer que você também usa fantasias?
— Às vezes — confesso. — No entanto, se quer mesmo saber,
minha fantasia predileta é simplesmente ficar com você.
— Uau! Quanta lábia — ela diz sorrindo. Milena passa pelo
espaço entre meu braço e a cama e, então, senta-se no colchão. —
Você pode parar, Andras. Já conseguiu me levar pra cama mais de
uma dezena de vezes só na última semana.
Entre risadas, eu afundo meu rosto no pescoço de Milena,
sentindo seu cheiro e puxando-a para perto. Ela fica sentada entre
minhas pernas, enquanto meu queixo está apoiado em seu ombro e
minha mão volta para sua barriga. Ela se encosta em mim, está
muito entregue nesse momento.
— Que fantasia exatamente você usa? — Acho que minha
esposa não vai simplesmente deixar isso passar. Eu poderia lembrá-
la de que combinamos não falar de suas memórias, mas esse é um
bom assunto. É um assunto delicioso.
— Bombeiro, mecânico, empresário de uma rede de hotéis que
adora chegar em casa e comer a esposa, essas coisas — digo,
soltando o fecho do seu sutiã. Passo a alça devagar pelo seu
ombro, enquanto beijo sua pele. Penso em como estamos
construindo uma nova forma de intimidade, não é como percorrer o
mesmo caminho, e sim descobrir novas possibilidades. Não consigo
deixar de pensar que, talvez, de alguma forma, tudo isso tenha nos
aproximado. Logo quando começamos a morar juntos, antes do
casamento, houve um certo período de ajuste. Milena, às vezes,
demorava demais para ficar pronta para sair, porque nunca sabia o
que vestir, e isso me deixava impaciente. Eu também tinha o
péssimo hábito de deixar toalhas molhadas em qualquer lugar. Ela
fazia bagunça no banheiro. Agora, as coisas pequenas parecem
muito insignificantes. O que antes me incomodava, eu agora
entendo como um privilégio. Ela está aqui e isso é maior que todo o
resto.
— E nós programamos isso?
— Não. Um sempre surpreende o outro — respondo, beijando
a curva do seu pescoço, minha mão está acariciando o bico do seio
de Milena. Gosto de sentir os pequenos pelos do seu corpo se
arrepiando ao meu toque, há uma espécie de corrente elétrica
nesse contato, a mesma que sempre existiu. Provando que, apesar
de tudo que é novo, algumas coisas simplesmente permanecem, é
assim com o nosso amor, com a nossa química.
— Ok. E quem começou?
— Você.
— Eu? — ela questiona incrédula, enquanto segura nos meus
ombros. — Não acredito.
— Eu estava em casa, tinha chegado mais cedo do que você.
Era nosso segundo mês de casados e você queria comemorar.
Tínhamos combinado de trocar presentes e você disse que tinha
que ser algo feito pro outro, sem gastar dinheiro, e tenho quase
certeza de que usou as palavras “você pode comprar qualquer
coisa, então quero ver o que pode fazer”. Com isso, eu fiz um jantar.
Levou uma semana e muitos gritos do Jordi pra aprender a receita e
foi a primeira vez que cozinhei alguma coisa. Você chegou em casa
usando um sobretudo, abriu os botões e estava com uma fantasia
que chamou de “noiva safada”.
— Você está inventando isso! — ela diz, entre sorrisos.
— Eu teria fotos pra provar, mas você não quis tirar nenhuma.
— E...
— Não! Sem mais perguntas. É isso mesmo que você quer
fazer agora? Porque eu consigo pensar em formas mais proveitosas
de passarmos essa manhã — questiono, descendo minha mão
pelos seus seios. Milena acena negativamente e passa as mãos ao
redor do meu pescoço, beijando-me. A boca com o gosto dos
morangos que ela comeu no café da manhã, que eu fiz questão de
trazer para a cama. Deliciosa. Mordisco seu lábio levemente quando
ela começa a se afastar.
Milena se deita na cama, abre um pouco as pernas de forma
convidativa e pisca para mim.
— Você é tão linda, Milena. Só de olhar pra você, eu fico...
— Você tem lábia demais — ela responde, franzindo o nariz.
— Quer saber o quanto? — questiono.
Milena morde o lábio e acena com a cabeça. Eu me movo e
seguro suas coxas, erguendo-as. Sinto o seu corpo tremendo de
excitação. Sexo com Milena sempre foi maravilhoso, porém esse
período cheio de desejo da gravidez deixa ela tão entregue, tão
pronta e, consequentemente, aumenta o meu tesão. Retiro sua
calcinha vagorosamente e mantenho meus olhos nos seus,
observando o quanto meu movimento faz com que minha esposa
tensione os lábios prendendo o ar, assim como faz com que ela
incline seu corpo.
— Você está me torturando — ela diz enquanto move os pés,
tentando acelerar o processo de retirada da peça de renda do seu
corpo. Aperto suas coxas outra vez, assim que a calcinha está
jogada em algum lugar do chão, então subo minha boca por elas.
No momento em que chego ao meio de suas pernas, dou um beijo
demorado em sua boceta e isso faz com que minha esposa solte um
gemido delicioso. Ergo a cabeça para encará-la, gosto de vê-la
dessa posição, seus seios volumosos se movendo com o ritmo da
respiração, a boca entreaberta, os olhos estreitos que me dizem o
quanto ela quer isso. — Continue! — ela pede, cravando as unhas
em um ponto do meu braço.
Retomo minha tarefa e mordisco o interior de sua coxa,
voltando minha atenção para sua boceta. Sei o quão rápido posso
fazê-la gozar nesse momento, o aperto de sua mão em meu ombro
me dá esse termômetro, então começo a lamber Milena
vagarosamente, sentindo seu gosto, deixando que ele se espalhe
em mim.
— Andras, por favor, para de provocar — ela pede gemendo.
Beijo-a intensamente, explorando cada canto, cada dobra, e ela se
abre mais para mim. Milena faz isso enquanto minha língua segue
trabalhando na extensão entre seu clitóris e a sua entrada bem
lubrificada.
Cada novo gemido parece levar energia diretamente para o
meu pau, que está incomodando dentro da cueca. Desisto do meu
plano de ser lento porque preciso demais do gosto dela. Acelero os
movimentos, e minha língua vai se enterrando dentro de Milena.
— Mais — ela sussurra, entre suas respirações irregulares.
Volto para seu clitóris, circulando-o com intensidade com a língua,
fazendo-a gritar e se contorcer no orgasmo.
Minha boca procura a sua outra vez e nos beijamos. Coloco o
peso sobre os meus cotovelos e prendo as pernas de Milena com as
minhas. Eu nunca tive relacionamentos longos, tive várias mulheres,
mas nada que durasse mais de alguns meses, então, às vezes,
quando estou assim com Milena, eu fico me perguntando como é
possível que essa vontade de estar com ela nunca passe. Ela me
mostrou algo que sempre duvidei, que sexo e amor são
complementares. Desde a primeira vez, eu soube que a forma com
que ela me fazia sentir era única.
— Preciso estar dentro de você — digo. Milena desce sua mão
pelo meu corpo até encontrar meu pau, que está mais do que pronto
para o serviço. Sua mão delicada me guia para sua entrada. Coloco
minha mão na sua e alinho meu pau em sua boceta. As costas de
Milena se arqueiam quando, lentamente, deslizo meu pau para
dentro dela. A sensação é sempre fantástica. A forma como ela se
contrai, abraçando meu pau, me deixa louco, faz com que eu queira
me mover com toda a minha força, contudo, em vez disso, tiro
proveito da minha capacidade de controle e dou estocadas lentas e
ritmadas.
— Andras... Deus.
— Isso, amor, diz meu nome, sua gostosa. — Milena abre os
olhos e me encara. Sua boca se contorce quando a penetro com um
pouco mais de força e há esse brilho em seu olhar. — Você gosta
quando te chamo assim, não gosta?
Ela balança a cabeça e murmura um “sim”, enquanto move as
mãos por meus bíceps, passando-as pelas minhas costas e
descendo-as para as nádegas. Isso significa que ela quer mais
força, mais intensidade, então aumento meu ritmo e meus quadris
se esfregam contra os dela, fodendo-a mais profundamente no
colchão. Puxo seu corpo um pouco, levantando a perna de Milena.
Isso faz com que o som da minha pele contra a sua, juntamente
com o som de seus gemidos e de sua respiração tomem conta do
ambiente. Ela goza e eu faço o mesmo logo em seguida,
espalhando-me dentro dela e me sentindo o homem mais sortudo
do mundo. No entanto, ser um homem sortudo não significa que sou
um homem satisfeito. Beijo Milena várias vezes, ao mesmo tempo
em que minha mão volta a estimular seu clítoris, e meu pau, que
ainda está meia-bomba, volta a endurecer.
Quando o movo contra o corpo de Milena, ela solta uma risada
de surpresa e eu ergo a cabeça para apreciar seu sorriso, voltando
a beijá-la. Tiro meus dedos de dentro dela e seguro meu pau, que
está duro como aço, pedindo por mais, pedindo para estar dentro
dela. Passo minha boca pelo seio da minha esposa e começo a
chupá-lo, enquanto entro novamente em Milena. Dessa vez, não
sou lento. Penetro-a de uma vez só e isso faz com que minha
esposa solte um grito de surpresa. Há uma sensação de plenitude
que eu só alcanço quando estou dentro dela, que me deixa em
êxtase. Nossos gemidos se misturam quando eu começo a me
mover. Dessa vez, Milena não pode usar os braços, já que estou
prendendo-os, então trabalha com os quadris, apertando-me, e sinto
seus músculos internos pulsando a cada nova estocada, a cada
novo encontro entre os nossos quadris. Depois de um bom tempo,
quando ela está gritando meu nome, Milena envolve as pernas na
minha cintura, seus pés se entrelaçando e garantindo mais apoio
aos meus movimentos.
— Você é incrível — digo, em meio aos sons que escapam da
minha boca, pelo prazer incomparável que estar dentro de Milena
proporciona. — Porra, Milena. Você...
— Mais forte — ela pede.
— Quer que eu foda você, não quer, amor? — Ela assente de
forma frenética. — Junte os seus pulsos — ordeno. Ela faz o que eu
peço, e eu continuo a me mover dentro dela. Prendo os pulsos
minúsculos e delicados de Milena com uma mão só, quero ficar no
controle. Totalmente no controle. Ela sempre gostou disso. A
sensação potencializa meu desejo de fodê-la, então passo a fazer
isso com mais força.
Milena grita em português, diz meu nome, alguns palavrões e,
em seguida, se contorce de prazer, enquanto continuo prendendo
seus pulsos acima da cabeça. Não demora muito para que ela goze
depois disso, e eu sinto seu corpo apertando meu pau. Continuo me
movendo, aproveitando o calor de estar dentro dela e a incrível
sensação das pulsações do orgasmo da minha esposa. Sinto meu
corpo se contrair e sei que também estou pronto para gozar, deixo
que aconteça, quero fazer isso junto com ela, quero enchê-la do
meu gozo, ao mesmo tempo em que essa mulher está gozando e
dizendo meu nome, como se fosse uma oração. Saio de cima dela,
com medo de estar colocando peso demais. Milena se vira na cama,
olhando para mim.
— Isso foi...
— O quê? — questiono, enquanto ela me encara com um
delicado sorriso em seus lábios.
— Foi tudo que eu queria que fosse. — Eu me inclino para
beijá-la e ela retribui imediatamente. Estamos novamente trocando
alguns beijos, quando ela fala algo em meu ouvido. — Posso te
dizer uma coisa e você promete que não vai rir de mim?
— Claro, meu amor.
— Quando você estava segurando meus pulsos, aquilo foi
muito bom. Gostei de ter você me controlando daquela forma, não
achei que fosse gostar, mas foi maravilhoso. Aquilo me fez querer
você ainda mais.
Estamos deitados, lado a lado, olhando um para o outro,
quando batem à porta. Milena puxa o edredom e eu me levanto para
ir até lá, jogo o robe no meu corpo e prendo-o com a mão mesmo.
Seja lá o que Jacques quiser, meu plano é despachá-lo e voltar para
a cama. É domingo, nem eu nem Milena temos trabalho e
desligamos nossos celulares, o mundo lá fora não nos interessa no
momento.
— Senhor, desculpe atrapalhar, mas o Sr. Jordi está na sala.
Informei que o senhor e a Sra. Quotar não queriam ser
incomodados, porém ele insiste que precisa falar com ambos.
Passo a mão na nuca e digo a ele que vamos descer em
breve. Quando me viro, já encontro Milena de pé, nua, me olhando.
Jordi sempre tem urgências, imagino que esteja querendo nos
arrastar para alguma atividade social. Isso normalmente é o que ele
classifica como urgência.
— Não posso descer sem tomar um banho.
— Fique assim — peço me aproximando. Uma de minhas
mãos vai pro seu braço e a outra para no meio de suas pernas,
sentindo o quanto ela está molhada. — Não vamos demorar. E vai
ser bom pensar que você está cheia da minha porra enquanto
estivermos lá embaixo.
A frase deixa Milena constrangida e eu percebo que estou me
acostumando a tratá-la como antes, sem nenhum pudor, e que
ainda não posso fazer isso. Preciso respeitar seu ritmo.
— Venha, vamos tomar uma ducha. Tenho certeza que Jordi
pode esperar — digo, beijando o topo de sua cabeça.
Quando descemos as escadas, Jordi está de pé dando voltas
na minha sala. Ele me encara imediatamente e pergunta se eu não
sei o significado da palavra “urgente”. Os dedos de Milena
encontram os meus, e eu percebo que ela está apreensiva. Jordi
move os olhos e eu noto que não estamos sozinhos. Nora está
sentada em um canto, cabelos presos, mãos cruzadas sobre o colo.
Ok, talvez o importante dele seja realmente importante, todavia o
fato de Nora estar aqui não me dá nenhuma pista sobre a razão. Eu
e Milena conversamos sobre Nora, conversamos sobre tudo com
relação aos possíveis desentendimentos que estávamos tendo.
Miklós e suas armações, além de ela ter sentido ciúmes de Nora.
Colocamos pingos em todos os is. Eu expliquei à Milena que Nora
era filha de um antigo cozinheiro da nossa casa, o homem que
ensinou Jordi a fazer suas primeiras receitas, conto que Gustavo era
brasileiro e que, por isso, eu queria que ela e Nora se conhecessem.
— Milena, essa é Nora. Eu te falei dela — digo.
— Claro — Milena afirma. Ela dá alguns passos na direção de
Nora, que se levanta rapidamente e oferece a mão para apertar a de
Milena. — É um prazer, Nora.
— Igualmente.
— Agora que estamos todos apresentados, será que podemos
nos sentar e conversar? — Jordi questiona impaciente. Estou
prestes a sentar quando Greta entra como um cometa. Nossa amiga
parece mais branca que o normal, e não consigo evitar a pergunta
silenciosa que minha mente faz: Que merda aconteceu agora? Deva
ou Ayumi teriam lido o cômodo e pensado: “Ok, algo está
acontecendo aqui”, porém Greta não é esse tipo de pessoa.
— Está tudo bem? — Milena questiona.
— Não, preciso conversar com você, mas posso esperar. Um
pouco de tempo não vai mudar nada — ela resmunga. — Posso
esperar no seu escritório.
— Não tem problema se ela quiser ficar — Nora diz. Greta
senta numa ponta do sofá, enquanto Jacques pergunta se pode nos
servir alguma coisa e depois se retira. Sento ao lado de Milena, ela
coloca a mão em cima do meu joelho e nem parece perceber o
gesto. Olho para o anel em sua mão, sua aliança de casamento que
só recentemente ela voltou a usar. Quero expulsar meu irmão e
pedir para que ele não traga nada que possa abalar a bolha de
carinho e tranquilidade que eu e Milena estamos vivendo.
— A Nora gostaria de contar algo pra vocês, sobre o Miklós.
A mão de Milena, que está na minha perna, se curva um
pouco. Eu ponho meus dedos sobre os dela e seguro-os
gentilmente, com o intuito de lembrar que ela não precisa se
preocupar. Eu estou aqui e não existe a menor chance de eu deixar
aquele homem chegar perto dela outra vez.
— O Jordi me falou que o Miklós pode ser solto em breve, e eu
não pretendia falar sobre isso porque não senti que podia enfrentar
alguém como ele. No entanto, desde que comecei no restaurante,
ele constantemente me assediava. Ele fazia comentários sobre o
meu corpo, dizia coisas obscenas, até tentou me beijar, me tocar. E,
às vezes, ele me chamava de Milena.
Meu corpo fica tenso quando escuto isso. E é Milena quem me
acalma, ela pega minha mão, que está sobre a sua, e a move até
sua barriga. Meu olhar procura pelo dela e eu sei que ela está me
pedindo por tranquilidade. Aceno positivamente.
— Nora, você estaria disposta a ir até a polícia? — questiono.
Milena tinha prestado queixa contra Miklós, havia também a
ocorrência de tentativa de homicídio por ele ter apontado aquela
arma contra mim e Adam. Além disso, meu irmão tinha adicionado
resistência à prisão e desacato à lista, na tentativa de garantir que
ele não pudesse aguardar o julgamento em liberdade.
— Sim. Não vou dizer que não é assustador, mas eu gostaria
de fazer isso e pedi pra que o Jordi me trouxesse aqui porque queria
me desculpar por não ter dito nada antes. Eu sabia que tinha algo
errado na forma como ele falou da Sra. Quotar, porém não sabia no
que estava me metendo e...
— Você não precisa se desculpar — Milena diz. — Sinto muito
que você tenha tido que passar por isso.
Greta se levanta e vai até o carrinho de bebidas em um canto
da sala, pegando uma garrafa de uísque, ela me entrega um copo
com uma boa dose, dizendo “parece que você também precisa”, e
eu aceito porque ela tem razão. Depois disso, observo-a encher o
próprio copo e beber todo o conteúdo de uma só vez. Fico
pensando em como Miklós costumava chamar Nora de Milena. Esse
é o tipo de coisa que evidencia uma obsessão. Aquele homem, em
hipótese alguma, pode sair da cadeia. Nunca fomos o tipo de família
que usa da influência para garantir que as coisas funcionem da
nossa forma, todavia se há um momento para deixar de lado a ética
é quando a segurança da minha mulher está em jogo.
— Sabe o que eu não entendo? — ela questiona. — A história
do cara que veio até aqui. Por que ele contrataria alguém? O que
ele queria com isso?
— Acho que só vamos saber se um dia encontrarmos aquele
homem. E vamos encontrar, porque ele não pode ter simplesmente
evaporado — Jordi comenta.
Sinto que Milena está tensa com toda essa conversa e decido
que é hora de mudar o foco, pelo menos, por enquanto. Ela precisa
comer, eu também estou com fome, depois de toda nossa atividade
no quarto.
— Vocês nos acompanham no almoço? — questiono. É uma
tentativa óbvia de colocar uma pedra no assunto, mesmo que eu
saiba que essa é uma pedra obrigatoriamente temporária. E isso
não passa despercebido. Nora agradece pelo convite, porém diz
que prefere ir embora. Pergunto se ela precisa de um advogado ou
acompanhamento na delegacia, mas Jordi, que está com a mão no
ombro dela, diz que vai resolver isso e que não devo me preocupar.
— O que aconteceu com você? — Milena questiona à Greta,
assim que ficamos apenas os três na sala.
— Meu pai está doente. Câncer — ela responde.
Imediatamente, o rosto da minha mãe invade a minha cabeça. Eu
me concentro em Greta. — Vocês não precisam me olhar assim. Eu
já sabia há alguns meses, tive tempo pra me acostumar com a ideia
de que ele, em breve, não vai mais estar aqui. Estive adiando por
um bom tempo, só que agora eu tenho que ir pra casa.
— Você quer que eu vá com você? — Milena pergunta.
— Não, querida. É gentil oferecer, mas eu não desejaria a
minha casa nesse momento pro meu pior inimigo. No entanto, eu
preciso, sim, de um favor. Preciso que você assuma os meus
projetos no trabalho. Sei que é pedir muito considerando que...
— Não é! Eu assumo. Pode deixar. Você vem lidando com a
maior parte do trabalho todo esse tempo, eu posso fazer isso. Não
quero que pense em mais nada além do seu pai. Eu cuido de tudo.
— Tem certeza? Eu poderia pedir à Deva, mas não é
exatamente o campo dela e temos a apresentação do carro e...
— Ei, está tudo bem — Milena afirma, segurando a mão da
amiga. — Eu vou me virar. E vai ficar tudo bem por aqui. A Deva vai
me ajudar, temos uma ótima equipe.
As duas se abraçam e, quando eu me despeço de Greta,
pergunto se há algo que posso fazer por ela. Ela só me diz “tome
conta da Milena”, e então vai embora. Milena passa o resto do dia
trabalhando, lendo os projetos que estavam sob a tutela de Greta,
gravando anotações no telefone, como ela adora fazer. No fim do
dia, quando se deita ao meu lado, minha esposa me abraça.
— Essa coisa com o pai da Greta me fez pensar no meu pai,
preciso saber como ele está. Quero ligar pra Dona Marta e pedir por
notícias dele.
Eu não gosto da ideia, porém não me oponho. Tudo que eu sei
sobre o pai de Milena é que ele é um policial que virou chefe de uma
milícia depois que a esposa morreu. Tudo que sei sobre a mãe de
Milena é que a mulher foi atropelada e Milena se culpa por isso.
Ainda assim, eu nunca precisei questionar minha relação com os
meus pais ou o amor deles por mim, então não cabe a mim decidir
isso por ela. Tudo que eu posso fazer é ficar ao seu lado e oferecer
apoio, e é exatamente isso que faço.
É final de fevereiro e os dias começam a esquentar ou, ao
menos, a temperatura não está sempre negativa, o que permite um
pouco mais de vida ao ar livre. O que não significa que aproveito a
bem-vinda mudança de clima, de qualquer forma, já que passo a
maior parte dos meus dias no escritório, contudo isso não me
incomoda. Na verdade, o trabalho, meu bebê e Andras, não
necessariamente nessa ordem, são minha prioridade. As coisas no
trabalho vão entrando nos eixos, e é bom me sentir como um
indivíduo funcional, ter uma rotina. Aos poucos, as pessoas no
trabalho param de me encarar como se eu fosse uma atração
circense e a imprensa parece perder o interesse pela minha falta de
memória. Eu vejo uma matéria que Deva me mostra, em que fui
fotografada saindo do trabalho e entrando no carro de Andras.
Na imagem, ele está segurando a minha pasta de trabalho e a
mão livre repousa nas minhas costas, enquanto a porta do carro
está aberta. O texto diz “A família não deu declarações sobre o
assunto, mas fontes próximas dizem que Milena Quotar ainda
não recuperou a memória”. Fontes próximas. É engraçado ler
esse tipo de notícia falando sobre mim. Eu fico esperando que
Miklós se torne um assunto público, porém não há nenhuma
menção sobre o assunto e suponho que tenha que agradecer a
Adam por isso. Na verdade, não só por manter as coisas fora do
espectro público, mas também por ter eliminado as minhas dúvidas
sobre a paternidade e sido, mesmo da sua forma pouco simpática,
uma espécie de âncora, que me ajudou a firmar meus pés mais
perto do que é real.
— Hora de almoçar! — Ayumi diz, batendo no vidro da minha
sala. Ela sorri para mim. — Vim te sequestrar.
Eu largo tudo e vou com ela. Deva está fora com um cliente,
então somos só nós duas. Ayumi escolhe um restaurante local que
tem um Paprikás Csirke que é simplesmente maravilhoso, e nós
comemos enquanto conversamos sobre nossos respectivos
trabalhos. Ayumi tem trabalhado numa pesquisa com diferentes
aplicações do RNA mensageiro para tratamento de doenças
diversas, especialmente no tratamento de doenças de alto nível de
contaminação. Eu conto sobre o andamento de alguns projetos, de
como é surreal o fato de que a MDG Projetos de fato existe.
— E o meu sobrinho ou sobrinha? Como está? — ela
questiona, encarando minha barriga. Passo a mão no volume do
meu ventre.
— Chutando bastante e, sinceramente, pressionando demais a
minha bexiga — respondo.
— Se eu tivesse que apostar, anos atrás, que você seria a
primeira casada, com filhos, eu teria perdido um bom dinheiro.
— Claro, sempre achei que fosse a Deva ou talvez você.
— Eu colocaria meu dinheiro na Greta. Os mais avessos a
uma ideia, às vezes, nos surpreendem — Ayumi comenta sorrindo.
— Você falou com ela esses dias?
— Não. Mandei mensagem perguntando como as coisas
estavam, mas ela só respondeu com “está tudo do mesmo jeito”.
— Achei que era só comigo.
— Definitivamente, não. O John me ligou dois dias atrás pra
saber notícias dela, porque ela só tem respondido a ele com emojis.
— Acho que nunca passei tanto tempo sem ouvir a Greta
desde que a conheci. Ela me liga todos os dias, normalmente, mais
de uma vez. E ninguém mais liga pra ninguém hoje em dia. Quando
meu telefone toca, eu sei que é ela, minha mãe ou algum problema
no trabalho.
— E aqueles áudios enormes que ela manda no grupo? —
menciono sorrindo.
— Sim! A Greta não existe — Ayumi diz.
O garçom se aproxima e pergunta se pode retirar nossos
pratos, então Ayumi e eu pedimos sobremesas. — Tem uma coisa
que eu queria te pedir e não queria fazer agora com tudo que está
acontecendo com a Greta, só que minha mãe está me pressionando
por isso, a mulher vai fazer meus cabelos caírem. Enfim, tudo pra
perguntar: você quer ser a minha dama de honra? Eu sei que, no
Brasil, é diferente, porém basicamente é o que vocês chamam de
“madrinha”, a diferença é que, na tradição coreana, você vai
precisar usar um hanbok.
— Ayumi, eu não faço a menor ideia do que seja um hanbok,
mas eu usaria qualquer coisa por você, então, sim, claro que eu
aceito.
— É bom você já ter dito isso, porque eu convenientemente
esqueci de mencionar que o casamento vai ser na casa dos meus
pais, sabe, na Coreia.
Terminamos nossas sobremesas e Ayumi fala sobre o
casamento. Ela gostaria que fosse apenas no ano que vem, contudo
sua mãe já decidiu que precisa ser em dezembro. — E o Gunter é o
maior aliado dela, estou começando a achar que minha mãe vai
abrir um processo de adoção — ela conta sorrindo. Apesar dos
comentários, Ayumi parece feliz. Ela me conta sobre como
casamentos na Coreia são uma união não só dos noivos, mas
também das famílias, e do desafio que vai enfrentar, considerando
as diferenças culturais da família de Gunter, que é turca, e a dela.
— Se a Greta estivesse aqui, ela iria dizer algo como “faça
duas festas” — comento sorrindo.
— Eu queria poder fazer mais por ela, sabe? — Ayumi diz,
ficando séria. — Quando os meus pais foram contaminados, ela me
ligava todos os dias. Falava bobagens como celebridades que
estavam namorando ou como as pessoas precisavam urgentemente
parar de combinar as máscaras com as roupas, o que ela
considerava um crime. Às vezes, vocês duas me ligavam e
passávamos horas no telefone falando bobagem. Eu só queria
conseguir retribuir.
— Sei como você se sente, mas a Greta não é o tipo de
pessoa que vai deixar alguém estar por perto quando ela estiver no
seu pior.
— Eu estava falando sobre isso com o Gunter e ele virou pra
mim e perguntou: “O que a Greta faria nessa situação?”
— Ela pegaria o primeiro voo e ficaria do nosso lado, mesmo
se não quiséssemos. Quer fazer isso? — questiono, arqueando
minhas sobrancelhas. — Eu só tenho uma apresentação importante
amanhã, porém podemos ir imediatamente depois disso.
— Tenho uma palestra na quarta, mas consigo me organizar
pra sairmos depois dela — Ayumi responde. No fim das contas,
acabamos sendo pegas de surpresa. O pai de Greta falece na
manhã seguinte, e eu enfrento uma apresentação com os clientes
sobre o design do carro, apenas porque é isso que ela iria querer.
Contudo, assim que termino, vou para o aeroporto.
— O jato vai ficar à sua disposição — Andras diz, com as
mãos em volta do meu corpo. Encosto minha cabeça no peito do
meu marido e deixo seu cheiro me invadir. — Se cuide e cuide do
nosso bebê, tudo bem?
— Pode deixar — respondo, erguendo a cabeça para
encontrar seus lábios. Dou um beijo em meu marido e passo minhas
mãos por seus braços fortes. — Eu te ligo assim que chegar lá.
— Vou ficar esperando — ele responde. — Dê um abraço
apertado na Greta por mim.

Enquanto o carro nos move do portão até a entrada da casa


dos Almstedt, eu estou pensando em todas as vezes que ouvi
alguém chamar minha amiga de princesa e em como aquelas
pessoas não faziam a menor ideia do que estavam falando. A casa
era enorme, ou melhor, o palácio, porque uma casa que tem colunas
gigantes, abobadas, vitrais e mais vitrais nas janelas não pode ser
chamada de outra coisa.
— E ela é só parente no segundo ramo da família real, imagine
se fosse no primeiro? — Deva diz, enquanto me encara. Devo estar
boquiaberta, porém a visão é mesmo de gerar esse efeito.
O carro para e há uma pequena equipe de empregados
esperando para pegar nossas malas, a primeira coisa que noto é
que todos têm fitas de luto em seus uniformes. Olho para os lados,
vejo um lago enorme e sou invadida pela sensação de familiaridade
quando alguém me pergunta se fiz uma boa viagem. Foco minha
atenção no lago e começo a caminhar em direção a ele. Ayumi vem
atrás de mim e toca em meu braço.
— Está tudo bem?
— Eu já vim aqui antes.
— Sim. Acho que no ano passado.
— Com o Andras — digo. — Eu lembro de estar deitada em
uma toalha ao lado dele, estava fazendo sol, ele estava de óculos
escuros, sorrindo e... — Fecho meus olhos e tento me concentrar na
memória. O que mais havia? O cheiro de grama, o frescor de estar
perto da água, risadas, a risada de Greta. Está frio agora, há neve
na grama, todavia, de alguma forma, o calor daquele momento
parece estar na minha pele.
— Viemos passar uma semana aqui, durante o aniversário de
casamento dos pais da Greta, acho que em julho do ano passado,
não tenho certeza. Sei que só fiquei dois dias, eu tinha uma reunião
na Alemanha e o Gunter estava se mudando de volta para
Budapeste.
— Estava quente e estávamos bebendo vinho.
— Sim, Greta improvisou uma festa particular no gramado, no
dia seguinte ao jantar dos pais dela. Você lembra disso?
— Apenas do Andras, da risada da Greta e do gosto de vinho.
— É um ótimo sinal — ela fala, dando um gentil aperto em meu
braço. Penso na médica falando sobre como esses flashes podem
ou não ser significativos. Nas palavras dela, “faz dois meses, ainda
há uma janela de tempo pra recuperação, mas é preciso encarar a
possibilidade de que as memórias nunca retornem”. — Podemos dar
uma volta depois, talvez isso estimule a sua memória.
— É, talvez — digo, forçando um sorriso. — Vamos entrar.
Somos levadas aos nossos quartos, uma mulher explica que
estamos na mesma ala que o quarto da Srta. Greta e que ela
precisou sair, porém que estará de volta em breve. Nos reunimos no
quarto de Ayumi e é nele que Greta nos encontra. Nossa amiga está
usando preto, cabelos presos, gola rolê e casaco longo.
— Eu sei que disse que não precisava, mas graças a Deus
que vocês estão aqui — ela diz, quando nós quatro nos abraçamos.
— Do que você precisa? — questiono.
— De uma máquina do tempo. Quero impedir os meus pais de
se conhecerem, minha mãe está sendo surreal, porém não quero
falar sobre ela, não agora. — Ela olha para a minha barriga e coloca
a mão, sorrindo. — Oi, bebê. Você sentiu falta da sua tia predileta?
Não seria ótimo se ele mexesse e comprovasse que eu tenho
razão?
— Sinto muito, ele só parece responder ao pai. Acho que vai
ser uma daquelas crianças que faz o que quer com a mãe e, então,
vira um anjinho quando o pai está por perto.
— O Andras vai estragar essa criança mais rápido do que eu.
Se for uma garota então, Deus tenha piedade. Ela vai ter seu marido
na ponta dos dedos antes de completar cinco anos.
— Era assim que você era com seu pai — uma voz diz. Olho
para a porta e vejo a mãe de Greta. Ela é tão alta quanto a filha, tem
pernas longas, um pescoço comprido e está usando um blazer
preto, que é inconfundivelmente da Chanel. — Olá, garotas. É bom
revê-las, mesmo que em uma situação como essa.
Ayumi se aproxima e cumprimenta a mãe de Greta com um
aperto de mãos, Deva faz o mesmo e, por fim, eu fico de frente para
a mulher.
— Você está muito bonita grávida, Milena.
— Obrigada — digo sorrindo. — Sinto muito por sua perda.
— É. Obrigada. Soube do que houve com você, mas vejo que
está bem, apesar de tal desventura — ela comenta. — Bem, só
queria cumprimentá-las, tenho muito o que organizar para amanhã.
A mulher desaparece assim como surgiu, e Greta fica
reclamando do comportamento da mãe. — Desventura? A mulher é
a rainha do eufemismo — minha amiga diz, sentando-se na cama.
— Eu definitivamente não sei como meu pai suportou ser casado
com ela todo esse tempo, acho até que ele desistiu de lutar contra o
câncer pra se ver livre dela.
— Você não acha isso de verdade — Ayumi diz, colocando a
mão no ombro de Greta. — E deslocar sua tristeza não vai resolver
nada.
— Não. Não vai. Mas sabe o que pode ajudar? Bebida. Além
disso, preciso de ajuda pra encontrar uma coisa — Greta afirma nos
encarando.
Ela conta que o pai, antes de perder a consciência, deixou
uma mensagem de voz dizendo que queria conversar com ela e que
tinha, por medo de faltar tempo, escrito uma carta.
— Só escutei a mensagem ontem, quando estava no hospital,
e ainda não tive tempo de procurar, porém ele disse que estava “no
coração da besta”.
— No coração da besta? — Deva questiona.
— É, meu pai e eu tínhamos essa mania de criar códigos. Só
que essa casa tem meio milhão de estátuas de criaturas
mitológicas, e eu preciso de ajuda. Além do mais, preciso que minha
mãe não saiba de nada. Não sei o que o meu pai queria me dizer,
mas se ele se deu ao trabalho de esconder, significa que é só pra
mim.
— E por onde deveríamos começar? — Ayumi questiona.
— Eu vou olhar no quarto dele, só que, além disso, há o
escritório, a biblioteca, o jardim, ele passava a maior parte do tempo
lá nos últimos meses. E temos esses grifos com bocas vazadas, eu
costumava esconder maconha neles.
— Vamos em pares — Ayumi diz me olhando. Sei que ela está
pensando o mesmo que eu, que Greta não parece bem. Está
agitada demais. Eu não sou a melhor pessoa para falar com ela
sobre luto. — Deva vai com você e eu e Milena começamos pelo
escritório, nos encontramos lá e podemos olhar a biblioteca juntas,
tudo bem assim?
Greta acena positivamente e percebo quando Ayumi se
aproxima de Deva e sussurra alguma coisa. O escritório do pai de
Greta é uma sala enorme com pastas e mais pastas de documentos
com selos da coroa sueca, e eu me sinto uma espécie de espiã
vasculhando as coisas dele.
— Ela está péssima — Ayumi comenta, enquanto levanta uma
pequena escultura e abre o fundo da peça. — Pedi pra Deva fazer
aquela coisa de falar algo espiritualizado que possa ajudá-la.
Deva é mesmo boa nisso. Ela pode ser a que menos opina
entre minhas amigas, todavia sempre tem algum ensinamento,
normalmente relacionado ao hinduísmo. Ainda assim, duvido que
funcione com Greta.
— É, mas o pai dela acaba de morrer, acho que não existe
uma forma adequada de resposta ao luto. Quando minha mãe
morreu, eu fiquei um bom tempo sem falar. As pessoas tentavam
falar comigo, professores, colegas de classe, eu simplesmente não
dizia uma palavra. A única pessoa com quem eu queria falar não
estava disponível.
— Por que você queria falar com a sua mãe? — minha amiga
questiona.
— Não. Na verdade, a pessoa com quem eu queria falar era o
meu pai. Eu ficava pensando que se mais alguém no mundo poderia
entender o que eu estava sentindo, o quanto a minha mãe fazia
falta, seria ele. Mas ele não queria falar comigo. Na verdade, ele
também não queria falar com ninguém. Havia tanto silêncio no
apartamento que, às vezes, eu só queria gritar, gritar bem alto pra
que todo mundo ouvisse. No entanto, ainda assim, eu não
conseguia fazer nenhum som.
— Por quanto tempo você ficou sem falar, amiga?
— Alguns meses. Depois de um tempo, as crianças na escola
começaram a perder a paciência. E crianças podem ser muito
malvadas. — Eles jogaram na minha cara o meu maior medo,
dizendo que eu tinha matado a minha mãe. Eu ouvi uma mulher
dizer isso, a mãe de um colega de classe falou: “Se ela tivesse mais
pulso com a filha, ainda estaria viva”. É com os adultos que as
crianças aprendem a ser cruéis. — A diretora da escola disse que
eu precisava de um terapeuta, e foi quando as coisas melhoraram
um pouco. Por isso que eu acho que a Greta só precisa de tempo, é
tudo muito recente.
— E ela se culpa por não ter vindo antes, por ter chegado aqui
e já o encontrado inconsciente — Ayumi diz, vasculhando uma
gaveta. Vejo quando ela tira vários envelopes de cor carmim e me
mostra. — Estão lacrados, mas nenhum está endereçado a Greta.
— Eu falei com o meu pai — conto. — Tudo isso com o pai da
Greta, o câncer, o coma e o fato de que poderíamos ter morrido
naquele acidente... Isso me fez pensar nele e em como, em três
anos, nunca tentei nenhum contanto.
— Nem ele — Ayumi afirma. — Me desculpe, Mi. Eu não quero
julgar o cara, porém você sempre fica mal quando fala dele.
— O Andras disse algo parecido, mas eu precisava falar com
ele.
— E como foi?
— Estranho. Eu liguei pra Dona Marta e pedi o telefone dele,
então simplesmente liguei. Ele não atendeu nas duas primeiras
vezes, só que eu insisti e, então, lá estava a voz dele dizendo:
“Milena?”. Eu sei que faz muito mais tempo do que eu, de fato, me
lembro, no entanto, de alguma forma, parecia uma eternidade.
— O que ele te disse?
— Não falamos muito. Eu percebi que tudo que tinha ensaiado
pra dizer havia sumido da minha cabeça. Ele disse que soube do
meu acidente e que queria ter entrado em contato, porém não sabia
se eu iria querer falar com ele. Disse também que tem orgulho de
mim, que tem certeza de que vou ser uma excelente mãe e que
espera que o meu marido seja um homem que me mereça. Tem
tanta coisa que eu queria perguntar a ele, queria saber por que ele
nunca pôde se esforçar e me amar depois da morte da minha mãe,
por que ele deixou que eu perdesse dois pais de uma só vez.
Contudo, naquele momento, eu me senti novamente com dez anos
de idade e querendo o afeto dele, então aceitei as migalhas,
agradeci e disse algo como “espero que o senhor esteja se
cuidando” e nos despedimos.
— Acharam alguma coisa? — Greta questiona, entrando na
sala. Aceno negativamente e ela abre o bar do escritório do pai,
servindo quatro copos, três com uísque e um com água tônica. Ela
empurra os copos na nossa direção e ergue a mão com seu uísque.
— Skal! — Greta diz. É a forma de brindar em sueco, eu conheço a
história, é como os vikings brindavam depois de batalhas e se
tornou a saudação mais comum na hora de beber no país.
— Skal! — respondemos em uníssono.
No dia seguinte, são 9 horas da manhã e Greta está cheirando
a uísque ao se sentar ao meu lado na igreja, para o velório do pai.
Um padre que está falando sobre os feitos de Wilhelm Almstedt olha
diretamente para a filha do falecido quando diz: “Viveu uma vida
honrosa como ninguém, servindo a Deus, à coroa e ao país”. Deva
se remexe no banco, passando seu corpo pelo meu para encontrar
Greta. — O que houve com você? — ela questiona. Não estamos
todos nós querendo resposta para essa pergunta? Ontem, depois
de horas de uma busca frustrada, jantamos com a mãe de Greta, o
que foi o jantar mais tenso da minha vida, considerando a forma
como mãe e filha ficavam se encarando e trocando farpas. E, claro,
houve o fantástico momento em que a mãe de Greta disse que eu
tinha “uma beleza muito exótica” e eu mordi minha língua para não
ofender uma mulher em luto dentro de sua própria casa.
Depois do jantar, Greta abriu uma garrafa de uísque e bebeu
praticamente sozinha. E, quando dissemos que era hora de dormir,
conseguimos arrastá-la para o quarto. Um tempo depois, Ayumi
bateu à minha porta, querendo saber se Greta estava comigo, pois
tinha ido ao quarto da nossa amiga e a cama estava vazia. Eu
estava falando com Andras, ouvindo sua voz rouca que fica ainda
mais sexy ao telefone, enquanto ele me dizia que detestava dormir
na cama sem a minha presença. No entanto, fui obrigada a deixar
de lado a sensação de excitação que a voz daquele homem me
causa e procurar por Greta. Não havia sinal dela. Estávamos
prestes a bater na porta de Deva quando uma sombra no enorme
corredor mal-iluminado nos assustou.
— Puta merda, Deva — digo, assim que identifico minha
amiga. — O que você estava fazendo vagando? Viu a Greta?
— Não. Estava procurando por ela. Não quis preocupar vocês.
— E?
— É uma casa bem grande — ela responde bocejando.
— Acha que deveríamos mesmo procurá-la? — Ayumi
questiona. — Talvez ela só esteja querendo ficar sozinha.
— Deveríamos, sim — Deva diz. — Ela triste, muito irritada e
consideravelmente bêbada, é uma combinação perigosa.
Decidimos que Deva tem razão, então continuamos buscando
por Greta. O que conseguimos foi acordar um empregado da casa
que, mesmo parecendo irritado, foi educado o suficiente para
acender parte das luzes e nos ajudar a procurar pela nossa amiga.
No fim das contas, depois de um bom tempo procurando, fomos
obrigadas a desistir.
— Então, onde você estava? — Deva questiona outra vez.
Greta se vira para encará-la, retirando os óculos escuros, seus
olhos estão cansados e inchados.
— E, agora, a esposa de Wilhelm gostaria de dizer algumas
palavras — o padre diz. A mãe de Greta se levanta com seu grande
salto fazendo barulho pelo chão, ela está toda de preto, com um
chapéu que tem até um véu, o tipo de coisa que você acha que só
vê nos filmes. Ela vai até o púlpito e começa a falar sobre os feitos
políticos do marido e seu grande caráter.
— Eu preciso sair daqui — Greta diz. Minha amiga fica de pé e
todos na igreja olham para ela. Isso, no entanto, não faz com que
ela mude de ideia. Ela caminha firmemente pelo corredor, enquanto
sua mãe continua falando.
— Não posso ir atrás dela — Ayumi diz. — Não tenho
coragem, tem gente demais aqui e seria desrespeitoso.
— Vamos de uma só vez — digo. Então, nossos pés rápidos
chamam atenção ao seguirmos Greta pela igreja. Do lado de fora,
encontramos Greta encostada em um muro. Ela abre o casaco, tira
uma frasqueira e toma um gole de seja lá qual for a bebida.
— Ele odiaria isso — ela diz. — Odiaria essa merda e todas
essas pessoas.
— Querida, você precisa voltar. Não vai querer perder o funeral
do seu pai — Ayumi diz, pegando a frasqueira da mão de Greta e
tomando um gole, sei que é um gesto de solidariedade, assim como
na noite passada.
— Sei disso — Greta responde. — Só preciso de um pouco de
ar. E não quero ouvir minha mãe, tudo que ela fez nos últimos dias
foi falar. Meu pai estava no hospital, nos seus últimos suspiros, e ela
falando sobre como eu preciso voltar pra Suécia, pra assumir o
cargo do meu pai, porque é um título de indicação da coroa que está
na família há gerações e, se eu não aceitar, isso se perde.
— Mas você tem uma vida em Budapeste e... — Ayumi
começa a dizer, mas então ela se interrompe e devolve a bebida
para Greta. — Sinto muito, você já sabe disso, não precisa que eu
te lembre.
— Ela me disse que, se eu não aceitar, estou fora do
testamento.
— Ela não pode fazer isso. Pode? — pergunto.
— Pode. Você não conhece a minha mãe, ela pode qualquer
coisa e não vai ter um dia de remorso por isso.
— Mas você não precisa do dinheiro dela.
— Precisa — Deva diz. — A empresa ainda não deu lucro, o
que é totalmente normal considerando o montante de investimento,
porém ainda estamos operando pra pagar as despesas e, quando
isso não acontece, é a Greta quem paga por tudo.
— Por que não me disseram nada? — questiono e me
arrependo da pergunta assim que ela deixa os meus lábios.
— Não era o momento, Milena. Assim como esse não é o
momento, Deva — Greta diz, em um tom irritado. — Ela quer que eu
volte pra casa, que termine com o John e disse que nenhuma das
questões são negociáveis.
— O que você vai fazer? — Ayumi pergunta.
— Ainda não sei.
— Você quer um conselho? — Deva pergunta, encostando-se
na parede. Ela ajusta a echarpe no pescoço, enrolando-a um pouco
mais. Greta acena positivamente e diz um “que mal pode fazer?” —
Pense direito sobre isso. Se for desistir da sua herança por ele, é
bom ter certeza de que valerá a pena.
— Deva, isso é uma coisa horrível de se dizer — Ayumi afirma.
— Se a Greta ama o...
— O amor é lindo e as culturas de vocês gostam de falar disso
o tempo todo. De onde eu venho, primeiro há confiança, respeito e
condições de sobrevivência; o amor, com boa vontade e esforço,
sempre surge depois. E vocês falam de dinheiro como se não
fizesse a diferença, mas faz. Dinheiro não significa nada pra quem
tem muito, e tudo pra quem não tem nada. É fácil escolher o amor
no lugar do dinheiro, porém é difícil mantê-lo.
— Você não está errada — Greta diz. — Minha mãe pensa da
mesma forma e eu fui ensinada a achar o mesmo. Só não queria ter
lutado tanto pra ser diferente dela e acabar exatamente no mesmo
lugar.
— Não pense nisso agora — peço. — Vamos entrar. Pense no
seu pai, se despeça dele. E amanhã, você foca no restante.
Budapeste, março de 2023

Eu visto a roupa e não tenho muita certeza do que estou


fazendo, porém levou mais de uma semana para que eu tivesse
coragem de vestir isso. Arrastei Ayumi para uma loja e fiz minha
amiga ficar com as maçãs do rosto rosadas, enquanto a moça que
nos atendeu mostrava as opções de modelo.
— Esse é o tipo de coisa que você normalmente faz com a
Greta — Ayumi diz quando peço para escolher entre dois modelos.
Greta seria mesmo minha primeira opção de socorro nessa
situação, contudo ela está vivendo entre Hungria e Suécia no
processo de inventário do pai. Ela e a mãe estão em cabo de guerra
e não sei muito bem como tem sido com John, porque ela se recusa
a falar sobre o assunto. Tudo isso já se arrasta por mais de um mês.
Quando está em Budapeste, ela está no modo negócios. Estamos
fechando novos projetos e fazendo ajuste da concorrência de
alguns. Além disso, apesar de seu constrangimento inicial, Ayumi foi
extremamente útil, ela pensou na funcionalidade da peça, ajudou-
me com os acessórios e até mandou uma mensagem no meio da
semana perguntando “Já usou?”, adicionando um emoji de diabinho.
Desço as escadas e estou em conflito, uma parte de mim se sente
sexy e outra está gritando “volte e troque essa roupa agora
mesmo!”, mas decido não dar ouvidos à segunda. Bato na porta do
escritório e coloco apenas minha cabeça por ela para encontrar
Andras trabalhando.
— Tudo bem? — ele questiona todo inocente, e eu me esforço
para não rir. Preciso ficar séria.
— Queria discutir o meu último trabalho antes da defesa da
minha monografia aqui na faculdade — respondo, abrindo a porta.
Andras estreita os olhos e me encara. Ele empurra a cadeira para
trás, coloca as mãos nas pernas, que estão abertas na cadeira, e há
esse arrepio no meu corpo. Quero correr até ele e beijá-lo, porém eu
queria tanto fazer isso, por mim, por ele, então não posso mudar
meus planos agora. — O senhor me deu um B, e eu gostaria de
saber se há alguma coisa que posso fazer pra conseguir uma nota
melhor?
— Bem, há sempre alguma coisa, Srta. Santana — ele diz meu
nome de solteira e, se, antes, ouvir o Quotar junto ao meu nome
parecia estranho, o sentimento parece ter sido transferido para o
sobrenome da família do meu pai. Andras passa a mão por cima da
calça parecendo incomodado, e fica claro que ele está excitado. —
Sabe, a minha esposa viajou recentemente e me deixou sozinho,
então talvez a senhorita possa me ajudar.
Mordo minha língua porque quero sair do personagem nesse
momento e brigar com ele, contudo meu corpo tem outros planos. O
desejo, a antecipação de estar em seus braços. Eu entendo agora
as fantasias, esse jogo prévio é maravilhoso.
— Sabe, um homem não pode simplesmente cuidar de tudo
sozinho o tempo todo. Às vezes, ele realmente precisa ter seu pau
dentro de uma boa boceta. Venha aqui, tem uma primeira atividade
pra você.
Ele abre a calça, puxa o zíper e eu caminho até ele,
ajoelhando-me no carpete. Coloco minha mão em sua calça e vou
subindo até encontrar seu pau. Gosto do cheiro dele, realmente
gosto, mas, Deus, o gosto é a melhor parte e eu já estou salivando
antes mesmo de começar a chupá-lo. Nas vezes que fizemos isso,
nas últimas semanas, ele sempre me deixou no controle, porém não
parece que vai ser assim hoje. Faz sentido, afinal de contas, eu sou
a aluna precisando de notas.
— Por que você não coloca essa sua boquinha nele e, então,
vemos como você se sai, hein? — ele questiona. Sinto meus seios
incomodando dentro da blusa branca, os bicos estão duros e só o
toque contra o sutiã parece capaz de me enlouquecer. Seguro seu
pau e coloco a cabeça na minha boca, começando a chupá-lo.
Ainda é o tipo de coisa que eu preciso me manter concentrada para
não fazer errado, contudo Andras nunca reclama. — Boa garota —
ele diz, enquanto vou movendo minha boca para cima e para baixo
no seu pau. Acho que não consigo colocar nem metade na boca,
todavia compenso tirando-o totalmente da boca e descendo minha
língua por toda a extensão.
Suas mãos se movem para o meu cabelo e ele não tenta guiar
minha cabeça, contudo puxa um pouco meus cabelos, fazendo com
que uma onda de prazer corra pelas minhas costas.
— Não pare! — ele pede. — Mesmo quando eu gozar, quero
que continue. Engula tudo e continue, entendeu?
Não respondo. Nem posso. Estou, afinal, de boca cheia. Eu
me movo com cuidado, a língua dando voltas pela cabeça do seu
pau, ao mesmo tempo em que subo e desço. Posso sentir os
primeiros sinais do seu gozo se espalhando pela minha boca, então
há esse momento em que todo seu corpo trava, há rajadas de
prazer e ele diz algumas obscenidades que me deixam ainda mais
excitada. Faço o que ele mandou, engulo, mas continuo me
movendo, enquanto seu pau vai ficando mais rígido. Ele segura meu
rosto, eu paro e ele sai lentamente de dentro da minha boca.
Nossos olhos estão paralisados uns nos outros.
— Então, professor, acha que eu consegui aquele A?
— Você vai ganhar um A quando eu estiver totalmente
satisfeito — ele diz. — Levante, sente na mesa e abra bem as
pernas.
Ele levanta e passa a mão pela minha coxa.
— Sabe, eu estive observando você na aula, pensando em
como você é rápida em responder as perguntas e em como parece
gostar de me enfrentar. Então, eu fiquei pensando... — Ele sobe a
mão pela minha saia. — Em como seria finalmente te dar a lição
que você merece. — O dedo dele encontra minha pele por baixo da
saia e puxa o tecido da calcinha, destruindo a renda. — Como seria
me enterrar dentro de você até você gritar.
— O senhor deveria fazer — respondo, tentando manter o
fôlego enquanto ele começa a me masturbar com seus dedos
grossos, levando-me à loucura. Gemo com cada novo movimento,
com as mudanças de ritmo, porém, principalmente, com a forma
como ele move sua mão sem retirar seus olhos dos meus. À medida
que ele prossegue, o prazer vai sendo acumulado e eu peço por
mais. Preciso dele dentro de mim.
— Quero você dentro de mim — digo. Ele acena
negativamente e continua passando seus dedos.
— A pressa é inimiga da perfeição — ele responde, inclinando-
se um pouco e colocando a ponta do meu seio em sua boca,
sugando-o ao mesmo tempo em que está curvando seus dedos
dentro de mim. Sinto o prazer escorrendo em minha boceta, estou
tão excitada e querendo mais que perco a capacidade de ser
coerente quando ele joga meu corpo para frente. A mão descendo
pelo meu corpo e os dedos que estavam dentro de mim dão lugar à
sua língua. Quando ele finalmente coloca seu pau em mim, faz isso
contra a mesa, comigo de costas e é a coisa mais deliciosa que já
senti.
— Você gostou? — questiono, sentada em seu colo. Andras
passa a mão no meu rosto, afastando alguns fios do meu cabelo
que se soltaram das tranças.
— Você precisa mesmo perguntar? — ele devolve. — Me diga
como foi pra você. Eu adorei a surpresa, mas tenho que confessar
que realmente não esperava por isso.
— Não é assim que surpresas funcionam?
— É, suponho que sim.
— Eu estava morrendo de vergonha no começo, porém você
embarcou imediatamente e isso fez com que eu me sentisse bem.
— Vou sempre querer você, Milena. Seja como for. Desde a
primeira vez que eu coloquei meus olhos em você, eu soube disso,
soube que não havia mais ninguém.
Quando ele diz isso, eu me lembro de algo. Algo que havia
ficado jogado em algum canto da minha cabeça depois de toda a
confusão com Miklós.
— Você namorava muito antes de mim?
— Parece uma armadilha. Não sei se quero cair nela — ele
responde.
— É sério, preciso saber.
— Não namorava propriamente, mas, sim, eu tinha muitas
mulheres.
— E desde que me conheceu, você...
— Desde que eu te conheci, eu não quis ninguém além de
você. Essas perguntas têm uma razão de ser específica?
— Promete que não vai falar nada? — Ele acena
positivamente para minha pergunta. — A noiva do Jordi me disse
que você tinha “um histórico”.
— Hanna? Hanna te disse isso? — ele questiona, seu tom de
voz demonstra que ele está obviamente irritado.
— Andras, você prometeu.
— Eu prometi que não falaria nada, não que não ficaria puto —
ele diz. — O que mais ela disse?
— Só pra ficar de olho na Nora, acho que ela estava com
ciúmes do Jordi e, por isso, falou o que falou.
— Seja lá qual for a razão, ela não tem esse direito, Milena. Eu
e você não somos assunto dela.
— Você tem razão, mas, mesmo assim, quero que me prometa
que não vai questioná-la sobre isso, o Jordi já está se sentindo
péssimo por causa de tudo com o Miklós. — Meu marido tinha me
contado sobre como o irmão conversou com ele pouco depois de
tudo e pediu desculpas por ter feito vista grossa para certos
comportamentos do sócio que poderiam ser indicativos de seu
péssimo caráter. Quando gostamos de alguém, é fácil olhar apenas
para os pontos positivos e procurar justificativas para qualquer falha.
Eu mesma faço isso com as minhas amigas, embora exista a
gritante diferença de que as falhas que reconheço nelas não
causariam mal a ninguém. — Por favor, não fale sobre isso com ele,
ou vou achar que não deveria ter te contado.
Ele levanta da cadeira, levantando meu corpo junto com o dele
e, então, me senta na escrivaninha, começando a se vestir.
— Tudo bem — ele responde. Andras passa a mão nas
têmporas e ainda há alguma irritação em seu tom de voz, contudo
ele me encara e se aproxima novamente. — Não vou falar com ele
sobre isso, porém eu preciso que você me prometa uma coisa:
sempre que estiver pensando se deve ou não me contar algo,
apenas conte, tudo bem? Eu entendo que você, às vezes, tenha
dúvidas sobre a nossa relação, e isso é normal, especialmente
considerando que tudo isso é novo pra você, mas a pessoa ideal pra
esclarecer suas dúvidas sou eu.
— Prometo que vou ser melhor — digo, encostando nossas
testas.
O telefone de Andras toca e ele pega o aparelho que está em
cima da mesa, colocando-o no viva-voz.
— Oi, Greta — ele diz. — Quero que saiba que está
atrapalhando nosso sexo.
— Andras! — digo.
— Pelo menos, alguém está se divertindo ao ser fodido. Eu,
ultimamente, só estou sendo fodida sem diversão alguma — ela diz,
soltando uma risada. — Me deixe falar com a minha amiga, seu
maníaco.
— Vou tomar um banho, o que você acha de jantar fora? —
Andras questiona, dando-me um beijo na testa enquanto pega a
camisa que está jogada sobre a mesa. Eu aceno positivamente e
ele pisca para mim, antes de ir embora.
— Sexo no meio da tarde. Eu estou tão orgulhosa de você —
Greta afirma e, então, conta que conseguimos fechar a conta do
projeto do design do carro, que precisamos focar nele e
supervisionar o repasse de projetos menores com as estagiárias. É
uma boa notícia e isso deveria fazer com que ela comemorasse,
porém posso sentir a tristeza em sua voz.
Não pergunto sobre a carta porque sei que ela já teria contado
se a tivesse encontrado, assim como também não questiono sobre
John. Em vez disso, apenas digo que a amo e que estou com
saudade. Ela solta um “eu também” e diz que nos veremos em
breve. Dias depois, eu e Andras vamos fazer compras para o bebê.
A coisa toda começa com um plano simples, o fato de que eu
preciso de roupas para gestante, já que minha barriga deu um salto
considerável nas últimas semanas. Eu estava usando, outra vez,
uma roupa de Andras como pijama quando ele me encarou e disse:
— Eu adoro você usando minhas camisas, mas você precisa
de roupas de maternidade.
Então, no dia seguinte, saio duas horas mais cedo do trabalho
e vamos em uma loja, para que eu possa escolher algumas roupas
mais largas para usar em casa, assim como calças com elástico na
cintura e camisas sociais maiores para usar no trabalho. Estamos
saindo da loja e caminhando de mãos dadas para o carro, quando
Andras para na frente da vitrine de uma loja de roupas de bebês e
me convida para entrar.
— Que tal isso? — Ele me mostra um macacão laranja com
babados na gola. Seus olhos estão arregalados e há um sorriso. A
roupa é horrível e eu fico pensando se ele está falando sério ou
apenas brincando comigo.
— Diga que é brincadeira. Tenho quase certeza de que colocar
uma criança nisso é abuso infantil. — Ele sorri quando digo isso,
então eu me aproximo dele e pego a pequena peça de roupa.
Quando vejo o preço, decido que não há a menor chance de
comprar algo tão caro para se perder em tão pouco tempo. — Amor,
não vamos comprar algo que custa quase o salário-mínimo de um
trabalhador. Além disso, nada de laranja, tudo bem?
— Nada de laranja, mensagem recebida — ele diz sorrindo. —
Mas sobre o valor, não precisamos nos preocupar com isso, Milena.
Podemos dar o melhor pro nosso filho, então é isso que vamos
fazer.
Eu aceno positivamente e não toco mais no assunto porque
não é a primeira vez que Andras apresenta esse argumento e é
difícil argumentar com esse homem tão lindo me olhando tão sério.
Essa não é uma memória recente, sei disso, é mais um pedaço de
informação que recupero, tem acontecido com mais frequência.
Lembrei do dia em que resgatamos Lola ou, ao menos, de
fragmentos disso. Assim como também lembrei de pequenos
detalhes como o fato de que Andras detesta amoras e que sua
música predileta é Smells Like Teen Spirit, o que me faz provocá-lo
porque Jordi me conta que ele passou por uma fase rebelde em que
Kurt Cobain era seu herói pessoal.
— Tudo bem. Escolha outra peça, vamos testar o seu bom
gosto.
Andras caminha pela loja e pega uma nova peça. Dessa vez, a
roupinha tem um tom de amarelo bem clarinho, um solzinho
sorridente bordado de uma forma bem delicada no peito e isso me
faz sorrir.
— É lindo. Quase tão lindo quanto você — afirmo.
Uma funcionária da loja nos mostra uma lista básica com tudo
que vamos precisar quando o bebê chegar e vamos escolhendo,
com base na lista, pelos diferentes modelos, cores e opções
disponíveis. Como não sabemos o gênero, isso nos permite
bastante liberdade. Compramos roupas em tons diferentes, com
estampas divertidas e cada roupa que gostamos acaba indo para o
carrinho em diferentes tamanhos. Quando ele está dirigindo de volta
para casa, para a nossa casa, eu digo que é hora de pensar no
quarto do bebê.
Coincidentemente, quando chegamos em casa, há um pacote
endereçado do Brasil. Vejo o nome do meu pai e meu coração bate
mais forte, então abro a caixa e há uma manta infantil, um chocalho
de madeira com meu nome talhado nele e várias fotos da minha
mãe grávida. “Se a sua mãe estivesse viva, gostaria que você
ficasse com essas coisas. Espero que você seja uma mãe tão
boa quanto ela e que seu filho tenha um pai melhor do que eu,
gatinha.” Gatinha. Era assim que ele me chamava antes, quando
eu era pequena. Eu me sento no sofá com a caixa no colo e só
percebo que estou chorando quando Andras passa a mão no meu
rosto secando as minhas lágrimas.
Budapeste, abril de 2023

Estou no trabalho, tentando lidar com atrasos na obra do novo


hotel, problemas no sistema de reservas e o fato de que meu
estômago está roncado e ainda não consegui parar para comer,
quando meu telefone toca e o nome de Adam aparece na tela.
— Precisamos conversar — ele diz em seu tom sempre sério,
sempre urgente. — É sobre o acidente da Milena.
Largo tudo e vou encontrá-lo em seu gabinete, no centro. A
secretária de Adam me recebe sorrindo e diz que ele está me
aguardando, então aceno para ela e entro na sala do meu irmão.
Ele está com Jonas, conversando, e parece um pouco irritado. O
assessor do meu irmão me cumprimenta e nos deixa a sós. Sento-
me de frente para Adam e pergunto:
— E então?
— Você está com um motorista?
— Sim.
— Ótimo — ele responde. Adam se levanta e me serve um
copo de bebida, sem ao menos perguntar se desejo. Se está
fazendo isso, significa que as notícias que tem para dar não podem
ser boas.
— O que você descobriu? — pergunto impaciente, assim que
ele me entrega o copo.
— Jonas tem... um amigo na inteligência nacional que tem
investigado o caso, já que a polícia não parece muito empenhada.
Hoje cedo, ele entrou em contato e me disse que aquele carro
pertence a uma senhora de oitenta anos que vive aqui na cidade. O
carro não tem registro no país porque ela comprou quando morava
na Turquia e o trouxe pra cá nos anos oitenta. Ela nem sabia que o
carro não estava mais na sua garagem.
— Então, é um beco sem saída?
— Provavelmente, mas Max, o agente que conseguiu essas
informações, disse que há ainda alguns caminhos que podem ser
explorados. De qualquer forma, não podemos usar isso contra
Miklós e o advogado dele está trabalhando pra conseguir um
habeas corpus.
— Ele não pode sair da cadeia — digo irritado.
— Eu compartilho seu sentimento, ele não sairia de lá se
dependesse de mim, porém, sendo prático, não há nada que
possamos fazer quanto a isso, cabe à justiça decidir. Por esse
motivo, queria te deixar de sobreaviso. Evite estar em lugares
públicos, reforce a sua segurança pessoal e a da Milena. Não corra
riscos desnecessários.
A notícia me deixa preocupado e irritado. É o pior momento.
Milena está com muito trabalho e tentando, ao máximo, adiantar as
coisas, já que acaba de completar trinta e quatro semanas e a
médica recomendou que ela só trabalhe por mais duas semanas. Eu
estou até o pescoço em trabalho e, no topo disso, temos um chá de
bebê em um par de dias. Fico grato pelo fato de que passamos o
último mês organizando, aos poucos, o quarto do bebê. Fizemos
isso sozinhos, sem contratar ninguém. Milena contou sobre como o
pai e a mãe dela fizeram, eles pintaram as paredes, a mãe
desenhou, até mesmo o berço foi feito pelo casal. A mãe de Milena
trabalhava com madeira e, pelo que vi no chocalho que recebemos
do pai de Milena, ela parecia ser muito boa.
Foi assim que acabei pintando o quarto do nosso bebê de um
cinza bem claro e Milena fez pequenas nuvens por cima do tom. Ela
aplicou papel de parede em um dos lados do quarto e personalizou
os puxadores dos móveis. Eu já tinha visto minha esposa desenhar
no computador para seus projetos no trabalho ou rascunhar algo no
papel, contudo não fazia ideia de que ela podia pintar daquela
forma. Nossa única fonte externa foi Deva, que apareceu para dar
algumas dicas sobre a disposição da mobília no espaço. Fora isso,
cuidamos de cada detalhe. Montar os móveis foi um desafio,
considerando que eu nunca tinha usado uma parafusadeira na
minha vida.
Aceito todos os conselhos do meu irmão mais velho, contrato
mais homens para a equipe de segurança, reforço todo o perímetro
da nossa casa, deixo mais alguns dos seguranças no trabalho de
Milena e também adoto uma escolta pessoal, algo que nunca tive
antes. É assim que, no dia seguinte, a sessão de fotos de Milena
grávida parece a comitiva presidencial. Ela faz piada dizendo que
está se sentindo mais protegida que um governador do Rio de
Janeiro e isso me faz rir porque, embora eu esteja assustado com a
ideia de que aquele homem pode sair da cadeia e tentar se
aproximar de Milena, estou menos tenso por saber que ela não se
deixou abalar pela notícia. Quando estamos no carro, indo para a
casa dos meus pais, local no qual será o chá de bebê organizado
por Jordi, Milena segura na minha mão.
— Tenho uma confissão a fazer — ela diz.
— Jordi e Greta sabem o sexo do nosso bebê. E, antes que
você reclame, eu não consegui dizer não pra nenhum deles. — Dou
uma risada, primeiro porque sei como aqueles dois, juntos,
poderiam fazer uma pedra chorar de tão insistentes, mas também
porque ela realmente parece preocupada com o fato.
— Amor, está tudo bem.
— Você diz isso agora, porém estamos entrando em um chá
revelação.
— Você sabe que eu não gosto de chás, mas, se no final
desse, vamos saber o sexo do nosso bebê e celebrar com amigos o
fato de que ele está pra chegar, não pode ser tão ruim — digo,
beijando a mão dela.
Eu estava esperando algo pequeno e íntimo, contudo deveria
saber que não teria minhas expectativas atendidas quando Jordi
Quotar e Greta Almstedt foram as pessoas encarregadas de cuidar
de tudo. Há mesas espalhadas no jardim e, pelo menos, umas trinta
pessoas estão sentadas por elas. Vejo alguns amigos da faculdade,
pessoas com as quais trabalho e até mesmo um tio-avô que é o
nosso único parente ainda vivo. As amigas de Milena, claro,
pessoas que trabalham com ela, Sadik, John e uma garotinha que
suponho que seja sua filha. Foco por um momento na menina de
pele negra, cabelos crespos, olhinhos saltitantes e penso no nosso
bebê, em como gostaria que fosse uma menina. Há testosterona
demais na minha família.
— Você parece uma princesa — a menina diz para Milena,
quando somos apresentados.
— Você também — Milena devolve sorridente, então a menina
dá uma voltinha em seu vestido e diz que a tia Greta a ajudou a se
arrumar para a festa.
Hanna está abraçada com Jordi, sorrindo enquanto ajusta a
gravata do meu irmão. Eu a tenho evitado desde que Milena me
contou sobre seus comentários a meu respeito. Posso entender que
ela sinta ciúmes de Jordi, meu irmão pode ser atencioso demais
com as pessoas que gosta, então é claro que sei que está agindo
assim com Nora. Ainda assim, não gosto nem um pouco do que
Hanna disse à Milena. Adam está com eles e eu falo com meu
irmão, que cumprimenta Milena e recebe um abraço. Ele é pego de
surpresa pelo gesto, todavia a abraça de volta e acena
positivamente para mim depois disso.
— Eu já vi casamentos menos arrumados do que isso —
Milena me diz baixinho, enquanto caminhamos cumprimentando os
presentes. Ela tem razão, Jordi e Greta estão mesmo numa
campanha para serem padrinhos dessa criança.
Há um lugar central para mim e Milena, a mesa dos futuros
papais. Greta e Jordi ficam perto de um telão, cada um deles com
um microfone, e a banda para de tocar. Eles desejam boa tarde a
todos, falam do motivo que nos une aqui hoje e dizem que
prepararam algumas surpresas para nós. A primeira delas é um
vídeo. Um vídeo do dia em que Milena me contou que estava
grávida. Eu cheguei em casa e Lola estava com uma plaquinha no
pescoço que dizia “Adivinha?”. No verso da placa, tinha escrito
“vou ganhar um irmãozinho(a)”. Milena mal aparece no vídeo, já
que é ela gravando, sou apenas eu e minha reação. Eu abraço
minha esposa, beijo sua barriga e digo que sou o homem mais
sortudo do mundo. E sou mesmo.
O segundo vídeo é de Dona Marta, está em português, mas
tem legendas, claro. Ela diz que Milena era uma bebê tranquila,
sorridente e que ela acredita que minha esposa será uma ótima
mãe. Milena se emociona ao ver a mulher na tela e eu a vejo
secando uma lágrima no canto do olho. Depois dos vídeos, Jordi faz
um pequeno discurso sobre como espera que o bebê tenha a
inteligência, a beleza e a bondade da mãe e meus bons dentes, o
que faz com que todos riam. Greta, surpreendentemente, não faz
um discurso, então é hora dos jogos e eles, sim, são engraçados.
As três amigas de Milena disputam algo chamado “a melhor
madrinha”, que é uma disputa com situações hipotéticas que são
avaliadas pelos convidados pela tecnologia avançada das palmas.
Depois disso, eu e Milena somos o foco do jogo e temos que
responder perguntas sobre como lidar com um recém-nascido e é
maravilhoso o fato de que erramos a maioria delas. Há uma bem
recebida pausa no cronograma de atividades do chá de bebê e as
pessoas simplesmente conversam e bebem. Eu entro na casa para
ir ao banheiro e lembro de algo que quero que o bebê tenha: o livro
de contos húngaros que meus pais costumavam ler para mim e
meus irmãos. Entro na biblioteca e estou entre as estantes
procurando o exemplar, quando ouço a voz agitada de Greta.
— E quem disse que é seu papel decidir o que é melhor pra
mim, John? — Escuto a porta batendo e passo a mão na barba,
porque existem duas opções aqui e ambas são constrangedoras: eu
posso me anunciar ou simplesmente fingir que não estou aqui. Opto
pela que só vai ser constrangedora para mim.
— Não estou decidindo o que é melhor pra você, estou
facilitando as coisas pra que você tome a decisão que deseja, mas
que não tem coragem de assumir. Você sabe disso há meses e só
está me contando agora, e porque eu ouvi você falando com a sua
amiga.
— John, não é tão simples assim. Eu precisava de tempo e eu
não queria que você fizesse exatamente isso que está fazendo
agora, me afastando. — Vejo a capa verde escura do livro no topo
da estante e me estico para pegar.
— Eu vou embora — ele diz, interrompendo-a. — Vou me
despedir dos seus amigos e você pode se despedir da Anna, porém
acabamos por aqui.
— John... — ela chama, contudo a porta bate novamente e eu
sei que ele foi embora. Escuto Greta chorando e, mais uma vez,
estou na dúvida sobre o que fazer. No entanto, penso em quantas
vezes ela esteve aqui por mim, principalmente nos últimos meses,
então me aproximo. — Puta que pariu! — ela diz, tomando um
susto. Seu rosto branco está avermelhado.
— Sinto muito, não queria ouvir — falo, colocando o livro de
lado e sentando perto dela em um dos sofás.
— Tudo bem. É até bom que você esteja aqui. Eu não consigo
chorar na frente dos outros, então vai me ajudar a me recompor —
ela fala. Greta tem uma capacidade incrível de se proteger do
mundo. Não que seja uma coisa boa, porém a rapidez com a qual
ela reconstrói suas muralhas é impressionante.
— Você quer conversar? Ou que eu chame a Milena? — Ela
me olha arqueando a sobrancelha e dá uma risada meio penosa.
— Você é a última pessoa que me entenderia. Você abriria
mão de tudo pela Milena. Eu não sei se sou esse tipo de pessoa,
não posso fazer a mesma coisa pelo John.
— Do que você precisa abrir mão exatamente? — questiono.
— Legado. Dinheiro. Tradição. As expectativas que meu pai
tinha de mim. Tudo que eu digo odiar e, por alguma razão, não
consigo dar as costas.
— Eu e Adam seguimos os caminhos que queriam que
seguíssemos. Eu dei andamento ao trabalho da minha mãe, Adam
ao do meu pai. Jordi foi o único que não quis nada com isso e
escolheu seu próprio caminho. Então, eu consigo entender.
— Você queria ter jogado tudo pro alto?
— Não. Eu gosto de dar continuidade ao que a minha mãe
construiu, me deixa perto dela, de alguma forma.
— No meu caso, eu odeio fazer o que ele queria, só que me
sinto culpada quando penso em não fazer.
— Então, você precisa descobrir por qual dos dois vai se
perdoar: por fazer o que seus pais queriam ou por não fazer. Não
que seja fácil, mas você não pode exatamente viver em cima do
muro, sem tomar uma decisão pelo resto da sua vida.
— Acho que agora não preciso mais — ela diz. — Vamos,
preciso me despedir da Anna e temos a grande atração da festa.
— Tem certeza de que está bem?
— Perder o meu pai não me matou. Eu posso sobreviver a
todo o resto — ela diz piscando.
Voltamos para o gramado e Greta está sorrindo quando dá um
abraço em Anna, e continua sorrindo quando anuncia a grande
atração: o momento da revelação do gênero. Estamos todos com a
atenção voltada para os balões quando ela pede para que eu e
Milena nos aproximemos. Milena fala alguma coisa, porém não
entendo porque, de relance, meu olho alcança algo que faz meu
coração gelar. Uniforme de garçom, bandeja na mão, Miklós está
parado no jardim dos meus pais com os olhos em mim. Ele sabe
que o estou vendo e se move rapidamente. Vejo a arma e o
movimento da mão dele. Coloco Milena atrás de mim, escondendo-a
com meu corpo e, então, caio no chão.
Budapeste, abril de 2023

O tempo certo normalmente é o mais importante dos fatores


para uma boa comida. Você pode fazer tudo certo, escolher os
melhores ingredientes, ter os melhores equipamentos e, ainda
assim, é esse fator, totalmente fora do nosso controle, que separa a
comida medíocre da excelência. O tempo sempre foi o meu
ingrediente secreto e isso me deu uma falsa sensação de que
somos amigos. De que o tempo está a meu favor, mas, às vezes,
ele resolve me trair. Ele escoa rápido demais como quando meus
pais estavam morrendo, ou se arrasta lentamente, como quando
estava naquela sala de espera segurando a mão do meu irmão e
esperando por notícias de Milena. E, às vezes, ele parece estar
simplesmente se esgotando, era assim que eu me sentia quando
estava doente no ano passado.
Agora, nesse momento, o tempo está me traindo outra vez. Ele
está fazendo tudo acelerar e eu não consigo processar os fatos. Em
um minuto, Andras está levantando e Adam está ajudando Milena
com o vestido que prendeu na cadeira; segundos depois, os três
estão no chão. O barulho do disparo é ensurdecedor e as pessoas
começam a correr por todas as direções no gramado. Meus olhos
vão na direção do barulho, procurando a fonte, e logo vejo dois
seguranças jogando um garçom no chão, está distante, mas é
Miklós. Eu me movo até alcançar meus irmãos. Milena está
gritando, Andras está tentando acalmá-la e há Jonas, também perto
deles. É só nesse momento que eu vejo o sangue e entendo o que
aconteceu. Andras puxou Milena para longe da linha do tiro, Adam
se colocou na frente para proteger nosso irmão.
— Alguém chame uma ambulância! — Jonas diz. Só então que
Andras se vira e percebe que Adam está machucado, ele se
debruça sobre Adam parecendo em choque. Mesmo machucado,
nosso irmão mais velho tenta nos acalmar.
— Andras, vai ficar tudo bem — Adam diz. — Vai ficar tudo
be... — Ele fecha os olhos no meio da frase e Andras balança seu
corpo. Gunter se aproxima junto com Ayumi, que está falando no
celular dizendo que precisamos de uma ambulância. O noivo de
Ayumi troca de lugar com Jonas, apesar da resistência do assessor
de Adam.
— Está tudo bem, eu sou médico — ele diz, olhando para
Jonas.
Mantenho meus olhos fixos no meu irmão mais velho que não
se move, ele permanece de olhos fechados. Sadik vira Adam
rapidamente e resmunga algo para Ayumi sobre ferimento de saída,
então aplica pressão sobre o peito de Adam, que volta a si com um
grito de dor. O grito dele não é o único. Milena também começa a
gritar e eu ouço Ayumi dizendo: — Ela está em trabalho de parto.
Preciso sacudir Andras, que parece estar em estado de
choque olhando para nosso irmão. Ele segura a mão de Milena e diz
que vai ficar tudo bem. A primeira ambulância chega. Adam precisa
ir primeiro, então percebo a aflição de Andras que não sabe se
permanece com a esposa ou pula no veículo junto com Adam e
Sadik.
— Eu vou com ele e você cuida da Milena, tudo bem? —
questiono, tocando em seu ombro. Andras acena positivamente e eu
entro no veículo, que se afasta enquanto os paramédicos estão
atendendo na ambulância em movimento.
— Jordi... — Adam diz. Eu seguro em sua mão e olho meu
irmão nos olhos. — Sinto muito, sinto muito por não ter sido um
irmão melhor.
— Você é o melhor irmão do mundo, não conte ao Andras —
digo. Ele força uma risada e eu vejo que seu terno está sendo
cortado do corpo. Aperto a minha mão na dele, que está suja de
sangue, e começo a rezar. Por favor, Deus, ele não pode morrer,
simplesmente não pode. Somos nós três, sempre foi assim. Penso
em Miklós outra vez. O homem que, nos últimos cinco anos,
considerei como alguém tão próximo quanto meus irmãos. Não
consigo deixar de me sentir culpado por ele estar em nossas vidas.
Eu fiz vista grossa quando ele comentou sobre mulheres
desconhecidas de uma forma excepcionalmente machista. Eu ria,
mesmo que sem vontade, quando ele falava determinadas coisas e
acreditei quando ele se justificava com “estou apenas brincando”
nos momentos em que o recriminei por alguma atitude. Nora me
disse algo algumas semanas atrás, quando conversei com ela sobre
isso. Ela me disse que se há dois machistas numa mesa e você se
junta a eles, então há três machistas na mesa. Ela também falou
que o silêncio é uma forma perigosa de participação, que ele dá
permissão para a continuidade. As palavras dela foram cortantes e
definitivamente não eram o que eu queria ouvir, todavia entendi o
quanto foram necessárias. Nora tem sido a única pessoa com quem
consigo falar sobre isso. Ela tem se tornado uma excelente amiga.
— Ele vai ficar bem, não vai? — questiono. Sadik me olha.
Suas mãos estão ensanguentadas, é o sangue do meu irmão nele,
e há muito sangue. A expressão dele não me dá uma boa
perspectiva de resposta.
— Já estamos chegando — ele diz, olhando para a tela do
telefone. É estranho a forma como esqueço que aquele homem é
médico, já que ele trabalha com pesquisa. Nesse momento, estou
grato pelo fato de que ele e Ayumi são amigos da família, porque se
não fosse por eles nos orientando e tomando a dianteira da
situação, talvez eu ainda estivesse naquele gramado tentando parar
de tremer. — Tem um excelente colega que está aqui hoje, mandei
uma mensagem, a equipe dele está pronta pra receber o Adam.
Tudo acontece exatamente como Sadik fala. Uma equipe está
esperando e transfere Adam de uma maca para outra. Então, eles
desaparecem com o meu irmão, rolando a maca apressadamente
pelo corredor, ao mesmo tempo em que alguém me encaminha para
o balcão e diz que preciso fazer o registro. Ainda estou nesse
processo quando Jonas chega e faz isso por mim.
— Você sabe da Milena? — pergunto, enquanto o homem está
confirmando o número do plano de saúde de Adam para a mulher
na recepção.
— Está aqui no hospital, chegou alguns minutos atrás. Vim
atrás da ambulância dela, eles entraram no acesso leste.
A sala de espera do hospital vai sendo preenchida de rostos
conhecidos. Hanna chega e me abraça. Então, ela me pega pela
mão e diz:
— Venha aqui. — Ela me leva até o banheiro, ajuda-me a lavar
as mãos, observo o sangue de Adam indo embora. Há tanto
sangue... Jonas está com o terno sujo de sangue, Sadik tinha
sangue nas mãos. Meu irmão estava tão sem cor, os lábios brancos.
Ele não pode nos deixar.
— Moça, esse é o banheiro masculino — um homem, que está
saindo de uma das cabines do banheiro, informa.
— Parece que eu me importo? — ela questiona.
Hanna segura meu rosto e pede para que eu olhe para ela,
então passa água em um daqueles lenços que usa para tirar
maquiagem e limpa meu rosto, noto o lenço avermelhando. Havia
sangue de Adam até em meu rosto.
— O Miklós está morto — ela diz. — Um dos seguranças atirou
nele.
Tento processar a notícia, tento entender como aquilo faz com
que eu me sinta, porém não há nada além da preocupação com
Adam e Milena em mim no momento. Não há espaço para mais
nada.
— Eu não posso perder o meu irmão, nem a Milena. Não vou
conseguir lidar com isso — digo. Hanna segura meu ombro, passa a
mão no meu rosto e eu vejo um lampejo de tristeza em seus olhos,
que não é incomum.
— Nós sempre somos mais flexíveis do que nos damos crédito
— ela afirma, enquanto solta o nó da minha gravata e depois retira o
meu paletó, deixando-me apenas com a camisa de botões. Hanna
dobra o paletó e passa pelo braço, depois fecha sua bolsa e me
olha outra vez. — Vai ficar tudo bem.
Suas palavras parecem muito automatizadas nesse momento.
Hanna sempre foi assim, um pouco distante no que diz respeito a
sentir. Talvez seja por isso que ainda não nos casamos. Eu a amo,
sei disso, contudo, às vezes, sinto como se quisesse algo que ela
parece não poder me oferecer. Não é justo com ela, mas é assim
que me sinto.
— Vamos voltar, talvez haja notícias — ela adiciona,
segurando a minha mão enquanto caminhamos de volta. Quando
volto para a sala de espera, ela está cheia de rostos conhecidos.
— Como ela está? — questiono, olhando para Greta.
— Ela acabou de entrar pra cirurgia, precisou fazer uma
cesariana de emergência. O Andras está com ela.
O médico da emergência obstetrícia nos olha e diz que o
choque provocou um descolamento prematuro da placenta.
— O que isso significa? Estou perdendo meu bebê? — Milena
questiona. É a mesma pergunta que está passando na minha
cabeça.
— Sim. A placenta se desprendeu e se rompeu, o que significa
que o bebê não tem mais uma fonte de suprimentos e não pode
permanecer no útero.
— E o bebê vai ficar bem se nascer agora? — Milena
questiona.
— A senhora está com quase trinta e cinco semanas, vai
nascer prematuro, pesando menos que o esperado, porém as
chances de sobrevivência são quase as mesmas de uma gravidez
levada a termo.
— Eu não posso fazer isso — Milena diz. — O bebê não pode
nascer. Não estamos prontos. Ele não está pronto.
— O seu bebê já está completamente formado e, se não
nascer agora, vamos perdê-lo — o homem diz. — Me desculpe se
pareço rude, mas é um momento de urgência e eu preciso levá-la
para a cirurgia agora mesmo.
Milena acena positivamente e o médico diz: — Nos vemos no
centro cirúrgico.
Uma enfermeira a ajuda a se trocar. Também estou vestindo
uma bata hospitalar por cima da minha roupa, para poder
acompanhar Milena na sala de cirurgia. Mando uma mensagem
para Jordi e peço por notícias de Adam, ele não responde. Então,
tento Sadik, que manda “ele está sendo operado, notícias da
Milena?”
— Andras, me prometa uma coisa — Milena diz, quando
estamos nos movendo pelo corredor. Ela está deitada na maca e
nossas mãos entrelaçadas. — Prometa que, se eu morrer, você vai
amar nosso bebê por nós dois, com toda a força do mundo.
— Você não vai morrer — afirmo, enquanto sua mão aperta a
minha.
— Apenas me prometa! — ela pede. Sei que ela está
pensando em como o pai a deixou de lado depois da morte da mãe.
Não é a primeira vez que temos essa conversa, ela aconteceu
pouco depois da descoberta da gravidez, quando ela me disse que
a única coisa que precisava era que eu garantisse que seria capaz
de amar nossos filhos incondicionalmente. Eu me pergunto se seria
capaz de viver sem Milena e percebo que posso fazer essa
promessa, contudo não tenho certeza se serei capaz de cumpri-la,
porque a ideia de não a ter é como arrancar meu coração do peito.
— Tudo bem, eu prometo — respondo, dizendo o que ela
precisa ouvir e torcendo para que nunca precise cumprir essa
promessa.
— Adam... — ela diz. — Quero que ele seja o padrinho, junto
com a Greta. E, se for uma menina, coloque o nome da minha mãe.
Quero pedir para que ela pare de falar essas coisas, que pare
de me dar instruções de como viver sem ela, porém faço o que
tenho que fazer. Sou forte por ela. Prometo, beijo seu rosto, digo
que vai ficar tudo bem e que a amo mais do que tudo.
— Obrigada! Eu amo você, meu amor — ela diz. Então, as
portas do centro cirúrgico são abertas e eu preciso soltá-la para que
Milena seja anestesiada.
Eu não consigo ver o parto direito porque passo o tempo todo
segurando a mão de Milena. Ela está assustada, cansada e fica
apagando durante a cesariana. A pressão dela baixa algumas vezes
durante o procedimento, e a equipe médica parece tensa. Ainda
assim, foco na minha esposa e em Deus, peço para que ele cuida
dela, do meu filho e de Adam. O único momento em que solto a mão
de Milena é quando o médico me chama para cortar o cordão
umbilical. Ele está segurando uma coisinha rosada com dedinhos
minúsculos e uma garganta potente.
— É um menino! — ele diz. — E não precisa se preocupar, Sr.
Quotar. Ele parece ter um bom peso pra um bebê prematuro. — A
enfermeira coloca o bebê nos braços de Milena, que não parece
muito acordada. Ainda assim, ela me diz para ficar com o bebê.
— Oi, apressadinho — ela diz sorrindo. — Não tire os olhos
dele — demanda, quando beijo sua testa gelada e aceno
positivamente. Não gosto da ideia de deixar Milena sozinha na sala
de cirurgia, mas faço o que ela pede.
Acompanho a enfermeira, que faz alguns testes, pesa o bebê
e, em seguida, veste nele uma roupinha do hospital, já que não
estávamos esperando estar aqui hoje. Ela coloca uma pulseira nele
e me pergunta o nome. Conversamos sobre nomes antes de tudo
isso, da perda da memória. Ela queria que fosse Edgar, um nome
que funcionasse tanto no Brasil quando na Hungria, e eu tinha
gostado do nome, todavia não tenho certeza agora, então digo para
que coloque apenas Quotar, pois vou decidir isso quando minha
esposa estiver acordada. Ele vai para a UTI neonatal, apenas por
precaução, e é um dos dois únicos bebês no local hoje. O outro é
uma menina de cabelos dourados. A mãe dela, uma mulher com
uma cabeleira dourada, me olha de forma solidária. Estamos do
lado de fora da UTI, olhando nossos bebês.
— Quantas semanas? — ela questiona.
— Quase trinta e cinco.
— A minha nasceu com trinta, dois meses atrás, e olhe como
ela está forte agora. Seu bebê vai ficar bem — ela diz, tocando meu
ombro. Olho para a filha dela novamente, a menina se move dentro
da incubadora da UTI. — Além disso, seu garotinho é grande pra
um bebê prematuro.
— Obrigado — digo, forçando um sorriso. Esse deveria ser o
dia mais feliz da minha vida e eu só fico pensando em Adam e
Milena, ainda em salas de cirurgia. Preciso que eles fiquem bem.
Deus, por favor, permita que eles fiquem bem.

Não sei há quanto tempo estou segurando meu filho nos


braços, mas sei que foi tempo suficiente para que a tensão inicial
tenha passado e eu esteja mais relaxado. Sei também que estamos
no meio da madrugada e Adam continua em cirurgia. Não fui só eu
quem se acalmou, ele também. Meu filho fechou os olhos e ficou
segurando meu dedo com sua mãozinha. No pulso, há uma pulseira
azul com o nome “Quotar”. Desde que o peguei nos braços, não
consigo tirar meus olhos dele. O menino tem o nariz de Milena, seus
olhos também, e um punhado de fios levemente avermelhados na
cabeça, parecidos com os meus.
Apesar de ter nascido algumas semanas antes, ele não é um
bebê tão pequeno quanto o esperado, só passou algumas horas na
UTI e logo a médica sugeriu que uma incubadora fosse colocada no
quarto para que ele ficasse perto de Milena. Ele até tem se
alimentado bem, tomou leite materno do banco do hospital, eu
mesmo o alimentei com uma pequena mamadeira, enquanto ele
parecia muito feliz sugando o bico de borracha. Alguém toca meu
braço gentilmente e eu ergo a cabeça, estava tão perdido em meus
pensamentos que nem notei a enfermeira quando ela se aproximou.
— Gostaria de colocá-lo de volta no berçário? — ela diz. Não,
na verdade não. A ideia de soltar meu filho parece extremamente
errada. Milena está dormindo. — Sr. Quotar?
— Sim. Sim — digo. A mulher se inclina e tira o bebê dos
meus braços. Não queria deixá-lo na pequena caixa de vidro
aquecida que há no quarto do hospital, mas a obstetra de Milena
chegou aqui e me explicou que é importante que ele fique na
incubadora um pouco, mesmo que apenas por precaução. Além
disso, eu preciso de notícias de Adam. A última notícia chegou
quase uma hora atrás. A bala tinha acertado o pulmão do meu irmão
e ele tinha perdido muito sangue.
— Amor... — a voz de Milena diz. Tiro meus olhos do nosso
filho e movo-os em sua direção. Milena ainda parece um pouco sob
o efeito da anestesia. Mesmo assim, há algo no seu tom de voz que
mexe comigo, só não sei explicar. — Onde está o nosso bebê? Ele
está bem?
— Está ótimo — respondo, indicando a incubadora ao lado da
cama. A enfermeira pega nosso filho novamente e o entrega para
Milena. — Você foi muito corajosa, ele também — digo,
aproximando-me e beijando seu rosto, enquanto ela aninha nosso
filho no peito e a enfermeira diz que vai estar na sala no final do
corredor se precisarmos de algo.
Milena está com os olhos vermelhos e parece prestes a chorar
ao encarar nosso bebê, como se ele fosse a coisa mais preciosa do
mundo. E, para nós dois, ele é. Entendo o sentimento. É difícil tirar
os olhos dele.
— Eu te disse que seria um menino — ela afirma, movendo a
mão pelo rostinho do nosso bebê. Imediatamente, consigo nomear o
sentimento que percorreu meu corpo quando ela me chamou de
“amor”. Não era só a palavra, e sim a inflexão, o seu olhar. Meus
pensamentos vão para nossas conversas sobre o que nossa
intuição dizia sobre o sexo do nosso bebê, contudo isso foi antes do
acidente. Antes de ela perder a memória e esquecer de mim, até de
que estava grávida.
Sinto meu peito bater mais forte quando a ouço dizer: — Oi,
Edgar. Oi, meu amor. Eu sou sua mamãe e este é o seu papai.
Milena retira o seio do sutiã e leva o bico para a boca rosada
do garotinho em seus braços. Ele pega imediatamente e ela solta
um suspiro que mistura dor e alívio.
— Você... lembrou?! — questiono hesitante. Meu coração
continua pulsando com mais força do que o normal.
— Eu lembrei, Andras — ela responde, acenando
positivamente com a cabeça, mal conseguindo falar no momento.
As lágrimas começam a rolar por seus olhos. — Acho que desde
quando entrei em trabalho de parto, só que eu estava tão assustada
que não percebi direito.
— Milena, meu amor, do que você lembrou? — questiono.
Preciso saber se estou entendendo direito. Se a euforia no meu
peito é justificável.
— Eu me lembro de você, da gente, de como nos conhecemos
e você me convidou pra dançar, do que somos um pro outro. De
como somos bons juntos e de como eu te amo. — Milena estica a
mão na minha direção e eu me aproximo, ela toca o meu rosto como
fez agora há pouco com o nosso filho. Seu polegar nos meus lábios
carinhosamente.
Ela lembrou! Ela finalmente lembrou. Sou invadido por uma
sensação de felicidade indescritível, então encosto meus lábios nos
seus, cautelosamente, e beijo minha esposa.
— Não acredito que esqueci isso, não acredito que esqueci de
você. Eu sinto muito, meu amor, de verdade. Sinto muito por te
deixar sozinho.
Fico na altura do seu rosto e olho para ela e para nosso
menino. Passo meus dedos na testa de Milena, afastando alguns
fios enquanto continuo olhando para ela. Tudo que importa é que as
lembranças dela voltaram e que ela está aqui comigo. Que temos
um filho, um filho lindo, e que vai ficar tudo bem.
— Você só precisou de um tempo pra me conhecer de novo.
Pra sentir e entender o que significamos um pro outro e que eu te
amo demais. Milena, se houve algo bom nessa história toda, foi que
você acabou se apaixonando outra vez pelo seu marido. Apesar de
tudo, que homem pode dizer que teve esse privilégio? Ter o amor da
sua vida se apaixonando por ele pela segunda vez ? — Eu a beijo
com gentileza e todo meu amor, e faço o mesmo com o nosso filho.
Seco as lágrimas que descem pelo lindo rosto da minha
esposa e, quando ela faz o mesmo comigo, só então percebo que
também estou chorando.
— O importante é que vocês dois estão aqui comigo. E eu amo
vocês de um jeito que nem sei mensurar — digo, sem me sentir
embaraçado por chorar na frente dela.
— E o Adam, meu amor? — Milena questiona,
cautelosamente. Pensar no meu irmão leva embora a euforia. No
lugar dela, há culpa. Parece errado estar feliz quando Adam está
lutando pela sua vida, principalmente quando a única razão pela
qual ele precisa passar por isso é o fato de que tentou me salvar.
Nesse momento, alguém bate à porta e eu vejo Greta usando
máscara de proteção e luvas.
— Vim ficar um pouco com eles. Acho que o Jordi precisa de
você — ela afirma, aproximando-se. — Oi, rapazinho — Greta fala,
sorrindo ao olhar para o meu filho.
— Nada ainda? — questiono Greta.
— Não, Andras. Sinto muito. A Ayumi e aquele assessor do
seu irmão estão no centro de doação de sangue, o médico
perguntou se alguém da família poderia doar e ambos são doadores
universais. A Deva foi com eles — ela conta.
— Eu volto assim que puder — digo, beijando o topo da
cabeça de Milena outra vez. Encontro Hanna, Sadik e Jordi
sentados na sala de espera. Meu irmão está com a cabeça
encostada no ombro da namorada. Ela parece uma garotinha
segurando um urso gigante que acaba de ganhar em um parque de
diversões. Jordi se levanta quando me vê e me dá um abraço.
— Graças a Deus que a Milena está bem — Jordi diz. Eu
aperto com força meu irmão caçula, porque estou morrendo de
medo e sei que ele está sentindo exatamente o mesmo. Não sei
quanto tempo esse abraço demora, porque nenhum de nós parece
disposto a soltar o outro. Então, ouço a voz de Hanna dizendo o
nome de Jordi e percebemos que o médico está na recepção com
notícias.
— O deputado acaba de sair da cirurgia — o médico diz. —
Nós o transferimos pra UTI e vamos precisar aguardar algumas
horas. Foi uma cirurgia delicada, porém ele é um homem saudável e
está respondendo muito bem.
— Então, ele vai ficar bem? — pergunto. Sinto que alguém
acabou de retirar um peso gigante que estava espremendo meu
corpo e me impedindo de fazer qualquer coisa sem sentir uma dor
gigantesca.
— Contanto que não haja nenhuma complicação nas próximas
vinte e quatro horas... — o homem responde. — Assim que ele
acordar, vamos transferi-lo pra um quarto e vocês poderão vê-lo. —
Convenço Jordi a ir para casa, Hanna basicamente tem que arrastá-
lo pelo corredor. Sadik, Ayumi, Greta e Deva também, Jonas fica
mais um pouco. Ele conversa comigo sobre os próximos dias e me
pede para aprovar um pronunciamento a respeito da saúde de
Adam. É a última coisa na minha mente, mas sei que meu irmão se
preocuparia com isso, então faço o que o assessor dele me pede.
— Ele se jogou numa bala por mim — digo, enquanto estamos
observando meu irmão pela janela de vidro da UTI.
— Ele realmente ama você e o Jordi, mesmo com todo esse
jeito dele. Adam só não é bom em demonstrar as coisas. Eu tenho
que o lembrar de sorrir na maior parte do tempo. — O comentário de
Jonas me faz rir.
— Meu pai dizia que Adam poderia ser presidente.
— Eu não tenho dúvidas que ele será. Seu irmão é um político
honesto e que quer fazer a diferença. Ele se preocupa com o povo
húngaro de um jeito que nunca vi na minha carreira. Este país
precisa de mais homens dignos como seu irmão.
— Ele não tem muitos amigos, então fico feliz que vocês dois
se deem tão bem.
— Ele é admirável — Jonas diz. — Eu sou gay, não sei se ele
comentou isso com você. Normalmente, não saio por aí anunciando
isso, não com o meu campo de trabalho. — Aceno negativamente,
claro que ele não comentou.
Adam não é o tipo de pessoa que fala dos outros apenas por
falar, ele só me daria essa informação se ela fosse útil por alguma
razão. Meu irmão mais velho é um utilitarista.
— Quando o Adam me contratou, eu disse a ele que isso seria
um problema em um país com um conservadorismo crescente, e ele
me respondeu: “Então, vamos ganhar e fazer com que isso deixe de
ser um problema”. Eu estou em um relacionamento feliz e o Adam
sabe que eu não sou o tipo de homem que se esconde com
vergonha de minhas escolhas. Então, sim, eu tenho orgulho de
trabalhar com ele e mais ainda de tê-lo como amigo.
Adam só acorda no dia seguinte, e a primeira coisa que ele me
pergunta é sobre o meu filho, o que me faz cair no choro. Jordi, que
está no quarto conosco, também chora, e nosso irmão mais velho
se move reclamando de dor, contudo diz que preferiria outro tiro a
ter que aturar nossa choradeira. É assim que sabemos que ele está
bem. Contamos como todos comemoraram quando o médico deu a
ótima notícia de que ele ficaria bem e como, enfim, pude contar a
todos que Milena recuperou a memória. Quase tiveram que chamar
a segurança para Greta, depois dos gritos de alegria dela e de
Ayumi pelo hospital. Ayumi, sempre tão comedida, não conseguiu
manter o autocontrole pela primeira vez.
Contei que Jordi entrou no quarto onde Milena estava e ficou
olhando para ela, até que ela abriu os braços e ele correu para
abraçá-la. Meu irmão dizia que tinha sua melhor amiga de volta, e
Milena não o soltou por uns cinco minutos. Os dois choravam muito
e beijavam o rosto um do outro. Era um reencontro para Jordi. Ele
se fez de forte todo esse tempo em que ela não se lembrava dele,
mas meu irmão sofria bastante em silêncio. Todos nós sabemos que
eles dois, desde que se conheceram, tinham uma conexão profunda
demais. Minha esposa e meu irmão caçula adoravam um ao outro.
Adam sorri e parece realmente aliviado e feliz ao ouvir essa boa
notícia, porém, claro, ele também quer saber sobre Miklós. O
homem foi baleado porque se recusou a abaixar a arma depois do
disparo que acertou Adam, e o tiro foi fatal. Não senti nada além de
alívio quando soube.
Tenho consciência de que é horrível pensar que a inexistência
de alguém pode significar uma boa coisa, todavia é assim que me
sinto, meu irmão mais velho também parecia compartilhar o
sentimento. Milena recebe alta no mesmo dia, mas não vai para
casa porque Edgar ainda precisa de mais algum tempo no hospital.
Então, ela me faz levá-la até o quarto de Adam. Ele está com Jonas
e Jordi quando chegamos, e eu escuto o assessor do meu irmão
falando sobre como a simpatia dos eleitores por ele aumentou
depois que o acontecido vazou para os jornais. Uma parte de mim
ainda acha que foi o próprio Jonas que mandou a notícia e escolheu
bem o que falar. Milena se levanta da cadeira de rodas e fica ao
lado de Adam, depois agradece ao meu irmão por tudo que ele fez.
— Soube que você lembrou de tudo — ele diz.
— Acho que sim. Não tive tempo de checar — ela comenta
brincando. — Mas acredito que você gosta mais de mim sem as
minhas memórias, não é mesmo? — ela questiona.
— É. Com as memórias, você lembra de algo que eu fiz e que
me envergonho atualmente.
— Não deveria se envergonhar por estar tentando cuidar do
seu irmão — minha esposa diz, segurando a mão dele e acariciando
o seu rosto pela primeira vez. — Adam, de verdade. Obrigada por
tudo que você fez por mim nesses últimos meses. Você é minha
família e, se eu não te disse isso antes, eu digo agora: eu admiro,
respeito e posso dizer que tenho muito carinho por você, cunhado.
E, Jordi, eu te amo, e espero que me perdoe por isso, mas eu quero
que o Adam seja o padrinho do Edgar.
— Sério? — Adam pergunta, parecendo genuinamente
surpreso.
— Sério! Eu quero muito que aceite.
Jordi pigarreia e sorri dizendo:
— Como eu poderia competir quando ele se jogou na frente de
uma bala por vocês, acho que vou ter que ficar criativo no próximo
filho — Jordi afirma. Dou um leve soco em seu ombro e digo para
ele não brincar com isso, logo estamos todos rindo.
— Então, quando eu posso conhecer meu afilhado? — Adam
questiona.
Voltar para casa com nosso filho nos braços é o melhor
momento da semana inteira. Jacques providenciou para que todas
as roupinhas dele estivessem lavadas, passadas e que tudo
estivesse em seu devido lugar. A única questão é que Edgar é uma
criança prematura e a médica indicou que passamos bastante
tempo com ele nos braços, então o menino chora sempre que o
colocamos no berço. Nas primeiras noites em casa, ele fica entre
mim e Milena na cama e eu não consigo dormir, porque tenho medo
de me mexer e esmagá-lo. Na primeira consulta depois da alta, a
médica diz que ele está com pouco mais de três quilos, quarenta e
oito centímetros e que está progredindo muito bem. — Sempre digo
que, se um bebê for nascer prematuro, trinta e cinco semanas é fora
da faixa de risco. Ele já tinha um sistema imunológico independente,
todos os órgãos estavam desenvolvidos e funcionais. Considerando
tudo, vocês tiveram sorte — ela comenta ao examiná-lo. Observo
enquanto ela recoloca a roupinha do meu filho, abotoando os
pequenos botões brancos no macacão amarelo, e fico pensando
que, talvez, tenha havido um pouco de sorte nisso tudo, mas
principalmente houve fé.
— Ele é o que chamamos de bebê prematuro tardio.
— É um apressadinho — Milena diz, repetindo a forma como
tem se referido ao nosso filho. E esse se torna o primeiro apelido de
Edgar. Greta adora o apelido. É assim que Adam o chama também.
Meu irmão mais velho passa os primeiros dias de sua alta na minha
casa. Milena insiste e, mesmo que ele não goste muito da ideia no
começo, acaba cedendo. Jordi está resolvendo as questões do
restaurante e tentando descobrir como mantê-lo funcionando, pois
era Miklós que cuidava de tudo. Então, acaba sendo mais simples
para Adam ficar conosco, até porque, além de meu irmão não gostar
da ideia de precisar de ajuda, ele detesta ainda mais precisar da
ajuda de pessoas que não conhece direito.
As primeiras semanas da sua recuperação são terríveis. Ele
mal pode se mover, porém precisa levantar e fazer as sessões de
fisioterapia respiratória, bem como motora, já que quebrou algumas
costelas quando recebeu o tiro. E ele é um péssimo paciente. Por
esse motivo, Greta nos ajuda bastante com Adam e Edgar. Milena
diz que a amiga está investida em se envolver com a nossa vida
para não precisar pensar nos próprios problemas. De qualquer
forma, a ajuda é bem-vinda. É Greta que acha a forma de estimular
Adam em sua recuperação. Meu irmão está simplesmente
encantado pelo afilhado, então ela fica dizendo que ele precisa se
esforçar para ficar bom e conseguir brincar com Edgar.
Quando já está com mais mobilidade, Adam começa a
trabalhar remotamente, contudo apenas por curtos períodos. Jonas
aparece e eles falam sobre trabalho, resolvem o que precisam
resolver e depois Adam passa o resto do dia deitado no tapete do
quarto brincando com Edgar. Sua missão de vida parece ser fazer o
garoto sorrir. Ele experimenta de tudo, desde besouros, até
brinquedos sonoros. Ayumi argumenta que bebês não sorriem antes
das seis semanas de idade, porém isso não muda o foco do meu
irmão, que está completamente apaixonado pelo sobrinho. Nunca,
em toda a minha vida, eu o vi tão conectado a uma criança antes.
Greta e Adam são os padrinhos perfeitos. Eles aprendem a
trocar fralda e ajudam com Edgar, já que o garoto, mesmo depois de
semanas, continua se recusando a dormir sem estar nos braços de
alguém. Os braços prediletos dele são os de Milena, ele também
adora a voz dela e fica sempre mais calmo com a mãe do que com
qualquer outra pessoa. Às vezes, de madrugada, eu acordo e a
encontro sentada na cadeira de amamentação com ele nos braços,
cantarolando em português. Um dia, em especial, eram 3 horas da
manhã e ela estava ao telefone, em uma chamada de vídeo, e havia
uma voz de mulher, parecida com a de Milena invadindo o ambiente.
Eu me aproximei da tela e vi que estava exibindo uma televisão
antiga, daquelas de tubo, e as imagens de um VHS. No vídeo, uma
mulher de pele negra, cabelos curtinhos, estava cantando uma
música que já ouvi Milena cantar antes.
— É a minha mãe — ela diz. Então, entendo que ela ligou para
o pai. Eles ainda são estranhos um para o outro, de uma certa
forma. No entanto, têm conversado com alguma frequência, quase
sempre sobre a mãe de Milena.
Se a gravidez de Milena foi quase toda tranquila, ela quase
nunca reclamava de dor, incômodo ou qualquer coisa, as primeiras
semanas com Edgar eram uma mescla de amor, carinho e bastante
desespero. Houve um dia em que nosso filho não parava de chorar
e Greta simplesmente o pegou dos braços de Milena. Ela me disse
para preparar um banho quente e ficar um pouco com Milena, além
de focarmos apenas em nós dois por algum tempo. Decido que esse
é o presente mais gentil que alguém já me deu porque, naquele
momento, eu estava fedendo a vômito, e Milena às margens de
começar a chorar. Com isso, Greta também passa muito tempo em
nossa casa. Ela e Milena basicamente criaram uma filial do trabalho
no nosso escritório, e minha esposa trabalha em seus projetos
enquanto uma máquina bombeia seu leite. É uma dinâmica nova
que gira em torno do nosso filho e da recuperação de Adam, porém
eu não trocaria por nada no mundo.
Budapeste, agosto de 2023

— Você está linda — Andras diz, abraçando-me por trás. Ele


encosta os lábios no meu pescoço e tudo que eu quero é voltar para
a cama na qual estava com ele meia hora atrás. Agora que Edgar
começou a ter horários mais regulares para dormir e encontramos
duas babás que passaram por todos os critérios que precisávamos,
e ainda pela rigorosa verificação de antecedentes de Adam,
conseguimos encontrar também algum ritmo e um pouco mais de
tempo para cuidar um do outro. Ainda assim, apesar das babás,
quando estamos em casa, Edgar passa a maior parte do tempo
conosco. E, como ainda estou reduzindo minhas horas no escritório
para que ele possa mamar, estou sempre por perto para cuidar dele
e é assim que prefiro que seja por enquanto.
— Meu vestido está apertado nos seios — digo. Andras sobe a
mão carinhosamente, movendo-a da minha cintura para o seio, ele o
acaricia por cima do tecido. Penso em como esse contato parecia
estranho meses atrás. As memórias que recuperei e as memórias
de todos os meses após o acidente se misturam na minha cabeça, é
estranho tentar encontrar um sentido nelas. É bom lembrar, é
maravilhoso lembrar, mas, de certa forma, também é confuso, pois é
como se essas duas versões de mim estivessem sendo mescladas.
— Eu gosto deles assim, acho que vou sentir falta.
— Diz isso porque não é em você que eles pesam.
— Não é verdade — meu marido sussurra em meu ouvido. —
Agora há pouco, você estava batendo com eles na minha cara.
Isso me faz gargalhar e me viro para encará-lo. Eu me inclino e
mordo levemente o lábio inferior de Andras.
— Você não presta.
— Mas você me ama. E isso é tudo que importa.
— Isso é tudo que importa — repito. — Nosso filho está
pronto?
— Consegui colocar a camisa, apesar de ele ficar o tempo
todo tentando ficar sentado no trocador, porém vamos precisar levar
uma reserva porque ele estava babando naquele mordedor da
girafinha.
Na semana passada, foi a primeira vez que Edgar tentou ficar
sentado sozinho, mesmo sem conseguir ainda, porque, logicamente
é muito cedo, mas se transformou em um evento. Adam e Greta
chegaram aqui tão rápido quando souberam que eu tive uma crise
de riso. Ele ainda não consegue ficar sentado sem apoio, todavia é
uma fofura ver quando ele coloca seu corpinho mole para cima e
cambaleia pelas almofadas do berço ou no cercadinho. Andras fica
fazendo exercícios que ajudam o nosso filho a ter mais força no
tronco, indicados pela pediatra, mas eu só fico pensando que ele
pode cair e bater o rostinho.
— Por que concordamos com a cerimônia do batismo tão cedo
mesmo? — questiono, enquanto procuro por um batom claro para
usar na igreja.
— Não olhe pra mim, você escolheu Adam e Greta como
padrinhos. Ayumi e Jordi teriam sido pacientes e compreensivos.
— É, você tem razão. Estou surpresa com o fato de que eles
não tentaram batizar o garoto no hospital mesmo. Quatro meses de
espera deve tê-los corroído por dentro.
Brincadeiras à parte, o que realmente me surpreende é que
Adam e Greta, um em meio ao lançamento de uma campanha para
o governo estadual de Budapeste e a outra acumulando projetos no
trabalho, tenham achado tempo para nos convencer a batizar nosso
filho no começo desse verão. O grande apelo é o clima e o fato de
que Adam conseguiu uma vaga na mesma igreja que eu e Andras
nos casamos. Na época do casamento, só conseguimos uma vaga
porque a pandemia tinha feito muitos casamentos serem cancelados
e o nosso só teve meia dúzia de convidados. Decidi fazer o mesmo
com o batismo. Principalmente, porque nosso último evento para
muitas pessoas não terminou muito bem. Nosso plano é celebrar a
missa e depois almoçarmos no restaurante de Jordi. É justamente
Jordi a primeira pessoa que encontramos quando entramos na
igreja. Ele está com Hanna, que me cumprimenta como se nunca
tivesse dito aquelas coisas sobre Andras meses atrás.
— Meu cunhado predileto — digo, abraçando Jordi.
— Não acredito mais nisso — ele retruca sorrindo. Ele diz que,
se soubesse que perderia a vaga de padrinho do Edgar, teria dito
não ao convite para ser nosso padrinho de casamento.
— Vamos ter mais uns cinco e você pode ser padrinho de
todos eles — Andras fala. Meu marido me olha, balançando nosso
bebê em um braço só. É uma cena tão sexy... Tem algo nos
Mandamentos sobre não pecar dentro da igreja? Foco, Milena!
— Cinco? Você pretende dar à luz a algum deles? — pergunto.
Andras passa a mão livre pelo meu ombro, puxando-me para perto.
— Se o Edgar me deixar mais uma noite sem dormir este mês, ele
corre o risco de ser filho único.
— Três e não se fala mais nisso — ele responde.
Andamos até o altar da igreja onde Greta e Adam estão
conversando. Eles parecem sérios e se calam assim que nos
aproximamos. Greta é boa em disfarçar, ela abre um sorriso lindo e
vem na nossa direção, brincando com o afilhado. Edgar se anima
quando ela começa a falar e minha amiga o pega no colo. Ayumi e
Gunter chegam de mãos dadas e minha amiga está reclamando do
calor. Ela é a única pessoa que conheço que não espera
ansiosamente pelo verão nesta cidade, o que é compreensível, já
que ela tem uma pele mais sensível. Ayumi sempre diz que o verão
a obriga a usar chapéus e se sentir parecida com sua mãe. Deva é
a última a chegar, ela andando é como um comercial que passava
no Brasil, com uma modelo internacional caminhando sobre a água,
minha amiga está usando um vestido longo e os cabelos soltos.
A cerimônia é breve, bonita e, embora eu não seja religiosa,
sendo uma Quotar, acostumei-me ao ritual das missas e aprendi a
ver a beleza na celebração, na repetição das palavras, no
simbolismo do corpo e do sangue de Cristo. Adam e Greta seguram
meu filho, juntos, com cuidado, e o padre derrama água benta sobre
seus cabelos que, assim como os do pai, mudam de tom com a luz.
Um fotógrafo registra fotos de todos nós no altar e, quando
deixamos a igreja, Edgar está nos braços do padrinho. É Nora quem
nos recebe no restaurante de Jordi. Eu a cumprimento com um
abraço. Fomos nos conhecendo melhor nos últimos meses e ela é
uma ótima pessoa. Sem contar que foi ela quem ajudou Jordi a
reorganizar o restaurante depois de tudo que aconteceu com Miklós.
Bem, ela e John, que agora trabalha com Jordi.
Os três tem uma espécie de sociedade operacional. Como
Jordi não é um bom gerente, porém é um chefe incrivelmente
talentoso, os outros dois tomam conta do operacional. Adam diz
que, ao menos, dessa vez, ele não centralizou o poder como era no
caso de Miklós. No entanto, na maior parte do tempo, evitamos citar
o nome daquele homem. Estar de volta aqui me faz lembrar de uma
das primeiras conversas que tive com Andras, depois que recuperei
minha memória. Ele quis saber se Miklós já tinha tentado algo
comigo. Contei a ele que Miklós tinha, sim, alguns comentários que
beiravam o flerte e que eu sempre os cortava. E, assim que os
percebi, deixei de ficar perto daquele homem. Achei que evitá-lo era
a forma mais política de resolver tudo.
— Ótimo! — a voz de Greta resmunga atrás de mim, e sou
puxada de volta para a realidade. Minha amiga está com seus olhos
em John, que está orientando alguns ajudantes enquanto movem
algumas caixas de bebida. Eles terminaram no dia que meu filho
nasceu e se evitam desde então. Ayumi diz que Greta nunca tinha
sido rejeitada antes – o que é verdade – e que, por isso, não sabe
lidar com a situação. Deva fala que Greta fez a escolha certa,
todavia eu discordo que ela tenha tido chance de escolher. Sou
contrária à ideia de que a apresentação de duas opções configura
um direito de escolha propriamente dito. Direito de escolha seria
poder criar uma opção diferente das apresentadas, com base
exatamente naquilo que você precisa.
— Ele precisa de... — Adam aponta para os meus seios de
forma desajeitada, enquanto me entrega o meu filho, e Greta se
desmancha em risadas.
— Seios — ela diz, entre as gargalhadas. — Sério, Adam?
Meu Deus!
Ela puxa a gravata dele de forma provocativa, mas isso é
apenas o jeito Greta de ser. Ainda assim, penso em Andras dizendo
que eles fariam um bom par. Não posso discordar da ideia de que
Greta seria ótima para Adam, porém não sei se o contrário seria
verdadeiro. Procuro um lugar para sentar e amamento meu filho, ao
mesmo tempo em que minha família maluca está conversando. Olho
ao redor e agradeço a minha sorte. Eu tenho a chance de conversar
um pouco com John em algum ponto da tarde. Ele parece tão
miserável quanto Greta. Na verdade, ele parece bem pior, porque é
preciso conhecer bem Greta para saber o que ela esconde atrás da
superfície de seu sorriso marcado pelo batom vermelho.
— É idiotice que vocês não estejam juntos — digo, sem
nenhuma cerimônia. John me encara e passa a mão na barba.
— Ela fez a escolha dela — ele resmunga.
— Não! Você escolheu por ela.
— Eu estava facilitando as coisas.
— Estava? Porque o que parece é que você simplesmente não
se importou o suficiente pra lutar por ela. E eu sei que você se
importa, logo, estou certa: é idiotice que vocês não estejam juntos.
— Eu tenho que trabalhar — ele diz. E é sua forma educada
de dizer: “não se meta na porra da minha vida”. No entanto, estou
satisfeita, porque disse exatamente o que precisava dizer e sei que
Greta faria o mesmo por mim.
Quando o almoço acaba e estamos apenas em volta da mesa
jogando conversa fora, Adam diz que gostaria de conversar comigo
e com Andras mais tarde. Ele volta para casa conosco e, no meio do
caminho, faz uma ligação para Jonas. O assessor do meu cunhado
aparece na minha casa pouco tempo depois que chegamos, está
acompanhado de um homem alto, todo musculoso e muito bonito,
com uma tala no braço direito. É o tipo de homem que Greta me
cutucaria para olhar. Ele deseja boa tarde e Adam o apresenta a
mim e ao irmão. Seu nome é Max.
Ele nos cumprimenta, apertando nossas mãos com o braço
livre, e Adam diz que ele é da inteligência nacional húngara. Não
deveria, mas fico pensando em Andras com um uniforme de policial.
Peço para que ele se sente. Meu cunhado diz que Max tem ajudado
a investigar o caso do atropelamento desde o começo. Ele conta
que depois que a polícia encontrou o veículo abandonado, contudo
só descobriu que ele estava registrado no nome de uma senhora e
que o carro tinha sido roubado, embora não houvesse um registro
de roubo, Max passou a me ajudar com isso.
— Você descobriu algo novo? É por isso que está aqui? —
Andras questiona, depois que agradecemos por toda a ajuda dele.
— Sim, senhor — o homem responde, com um tom
extremamente formal. — Quando Miklós Bartos se tornou uma
pessoa de interesse, eu pedi acesso a registros financeiros dele.
Meus dois primeiros pedidos foram negados porque o advogado
dele impediu qualquer fornecimento de dados, porém,
recentemente, eu tentei mais uma vez e finalmente consegui os
extratos. Bartos fazia pagamentos mensais que começaram em
dezembro de 2022 e ele os fazia para duas contas: uma delas é
internacional e não-rastreável, mas a outra pertence a Domonkos
Erdos.
Domonkos Erdos? Onde já ouvi esse nome. Então, eu lembro
de Jonas me mostrando o nome em uma foto do tal Domonkos no
dia em que aquele homem apareceu para me dizer que era pai do
meu filho. Domonkos é o nome verdadeiro do homem que se
apresentou como Paul Furet.
— O ator? — Andras questiona.
— Isso! Eu venho procurando por ele nos últimos meses, só
que ele parecia ter sumido da cidade até alguns dias atrás, quando
uma câmera de segurança flagrou uma infração de trânsito dele.
Pedi pro Jonas avisar ao deputado porque não posso, de fato, fazer
nenhum tipo de ação formal, já que não existe um processo em
andamento ou mandado de busca na minha jurisdição. No entanto,
vocês podem levar esses dados pra polícia local e solicitar que eles
emitam alertas.
— Me desculpe, agente Max — Andras diz. — Mas esse
homem parece ter sido só um peão no jogo de Miklós. Por que
deveríamos ir atrás dele? Mentir não é um crime.
— Bom, Sr. Quotar, ele recebia pagamentos muito antes de
aparecer aqui, o que pode ser indicativo de que ele era a pessoa no
carro que atropelou a sua esposa.
Andras se ajusta na poltrona e seus punhos estão cerrados.
— Vamos fazer isso. Vamos procurar a polícia.
— Tem só mais uma coisa. A conta de Erdos continua
recebendo o mesmo valor, só que agora o dinheiro vem do exterior,
da mesma localização da conta não-rastreável. Essa conta não-
rastreável também recebe dinheiro de uma outra. Igualmente de fora
do país. Eu não sou técnico de dados, meu trabalho é de campo.
Pra que vocês entendam, todo esse trabalho de pesquisa só requer
acesso, porém se os dados não estão em nenhuma plataforma do
governo, não consigo acessá-los, não sou a pessoa certa pra isso.
Ainda assim, gostaria de tentar ajudar.
— Por quê? — Andras questiona. Ele soa um pouco rude,
todavia, considerando tudo que passamos ultimamente, não posso
recriminar sua desconfiança.
— Porque é importante pro deputado, então é importante pro
Jonas. Logo, importa pra mim. — Sua resposta é firme, soa sincera.
— Realmente acredito que essa conta possa ser a chave de tudo.
— Isso pode significar que Miklós tinha um cúmplice que
assumiu a dívida — Jonas afirma. Eu me pergunto quando esse
inferno vai acabar. Não faço a menor ideia de quem poderia estar
tramando contra a minha vida, junto com Miklós.
— O que você acha que deveríamos fazer? — Adam
questiona.
— Tem alguém que pode ajudar — Max responde. Ele passa a
mão pela calça procurando algo, então olha para Jonas e coloca a
mão no joelho do assistente de Jordi. — Você está com o meu
telefone — Max diz, olhando para Jonas. Ele olha para o homem
sentado ao seu lado da mesma forma que Andras me olha, e eu
entendo que são um casal. O assessor de Adam pega um celular do
bolso do terno e o entrega. — O nome é Kadar. Ela costumava
trabalhar na cibersegurança da inteligência, porém decidiu que
sequestrar dados dava mais dinheiro. Não comente essa parte, ela
é um pouco sensível com o assunto. Se alguém pode descobrir
qualquer coisa sobre essa conta internacional, esse alguém é ela.
Vou passar o contato pra vocês.
No dia seguinte, conhecemos Alina Kadar. Ela é uma mulher
baixinha, excessivamente magra e que tem linhas escuras embaixo
dos olhos de uma óbvia privação de sono. Ela nos encontra em um
café perto da nossa casa, e a primeira coisa que diz é que só está
fazendo isso porque Max salvou sua vida. Em seguida, afirma que o
pagamento precisa ser em criptomoedas. Ela escuta tudo que temos
a dizer e diz que precisa flagrar uma transação para conseguir
identificar a fonte. Ela olha os registros e nota que os depósitos são
feitos todo dia 20, estamos a dez dias disso. Então, ela espera
poder dar um retorno algumas horas depois da transação ser
efetuada. Andras paga por cinquenta por centro do serviço e diz que
é um incentivo e um sinal de boa-fé. Depois, apenas esperamos.

Coloco Edgar no berço, enquanto Lola me segue animada pelo


quarto. Assim que me asseguro de que meu filho está devidamente
coberto, eu vou para a minha cama, onde meu maravilhoso marido
está sem camisa, lendo um livro. Os óculos na ponta do nariz me
causam uma sensação de calor no estômago. Estou pensando em
como ir até ele, colocar aquele livro do lado e começar a beijá-lo,
quando ele deixa o livro de lado e me encara com uma expressão
de quem esteve ou está prestes a aprontar.
— Ele dormiu?
— Sim. E você está no turno da madrugada, caso ele acorde
— respondo, enquanto me dirijo para o banheiro. Estava prestes a
entrar no banho quando Edgar começou a reclamar para ser
amamentado e eu fui até ele, por isso ainda estou usando apenas
roupão.
— Não vai me convidar? — ele pergunta, e agora não está
mais na cama. Em vez disso, suas mãos encontram a minha cintura,
os lábios encostam na minha nuca.
— Não... — é tudo que consigo dizer, ao mesmo tempo em
que estou acenando negativamente e ele aperta seus braços, que
estão contornando meu corpo. Andras sabe que estou apenas me
fazendo de difícil, por pura provocação, mas entra no jogo. A
capacidade que o meu marido tem de estar em sincronia comigo é
algo surpreendente.
— E se eu disser que já preparei um banho e que ele está nos
esperando agora mesmo? Água quentinha, aqueles sais que você
tanto gosta... — Ah, ele é bom. E sabe como fazer com que eu me
derreta em seus braços. Eu me viro, sem sair do seu abraço, e fico
na ponta dos pés para alcançar a boca do meu marido. No entanto,
antes de beijá-lo, quero manter o jogo um pouco mais.
— Só isso? — questiono.
— Não, tem mais. Por que você não entra no banheiro e
confere? — Ele começa a brincar com o meu roupão e eu penso em
como, pouco tempo atrás, no primeiro mês após o parto, eu estava
insegura demais com o meu corpo perto de Andras. Estava
preocupada com a ideia de que ele poderia me achar menos
atraente, mas, assim que a médica liberou “atividades recreativas”,
ele me mostrou que eu não poderia estar mais enganada. Como
resultado disso, voltamos à nossa normalidade com relação à
intimidade e à nudez.
Caminho em direção ao banheiro e abro a porta, notando
pétalas de flores no chão, piso nas primeiras delas, que grudam nos
meus calcanhares. O banheiro inteiro cheira a rosas e a banheira
está aquecida o suficiente para deixar o grande espelho na parede
lateral embaçado. Ele não gosta da água tão quente assim, todavia
sabe que eu adoro, então simplesmente a deixa nessa temperatura
par ame agradar. Há algumas velas acesas e Andras enrosca suas
mãos no laço do meu roupão, soltando-o. Em seguida, passa o
dedo lentamente pelo espaço entre os meus seios, enquanto me
olha com a expressão de quem está pronto para me devorar.
Prendo meus cabelos, jogando-os para cima, e meu marido
puxa um pouco o roupão, revelando meu ombro. Ele beija meu
pescoço, descendo os lábios lentamente por ele, ao mesmo tempo
que vai retirando a peça de roupa felpuda, que é a única coisa que
estou usando. Estendo minha mão e começo a subir sua camisa,
revelando a pele branca e o caminho de pelos que vai do seu
umbigo até sua virilha. Paro o que estou fazendo e entro na
banheira, deixando-o sozinho. A água está quente, mas é deliciosa.
É exatamente o que eu preciso nesse momento.
— Termine de se despir, eu posso apreciar melhor daqui —
afirmo sorrindo.
— Porra, como eu senti falta disso — ele afirma, tirando a
camisa.
— De quê?
— De você sendo mandona entre quatro paredes — ele
responde sorrindo.
— Então, seja obediente e apenas termine de tirar a roupa.
Ele faz o que eu digo e eu o aprecio. Ele é lindo, por dentro e
por fora. E fica ainda mais bonito quando está assim, de pau duro,
olhar cheio de desejo, louco por mim. Há algo gratificante em saber
que posso fazer isso com ele, que posso fazer com que ele se sinta
dessa forma. Andras entra na água, sentando-se no lado oposto a
mim, suas pernas tocam as minhas e eu fico entre seu corpo.
Avanço e coloco minha boca na sua, é um beijo quente, nossas
línguas são gananciosas, querem o máximo uma da outra. Ele solta
um gemido entre os meus lábios e, quando afastamos nossas
bocas, eu me viro, ficando com as costas apoiadas nele. Sua boca
vai novamente para o meu pescoço. Andras sobe as mãos pelas
minhas pernas. Uma delas fica na minha boceta, acariciando-a, a
outra se aloja no meu seio e começa a estimular o mamilo.
Seus dedos se enfiam em mim e ele inicia um movimento
gostoso que me faz querer rebolar contra eles, aumentando a
sensação de prazer que a fricção entre nossos corpos emana. A
tensão vai sendo lentamente construída a cada nova investida de
seus dedos dentro de mim. Andras suga minha nuca, morde e
continua me estimulando, com o polegar no meu clitóris enquanto
outros dois dedos estão dentro de mim, curvando-se, indo mais
fundo, fazendo-me gemer. Ao gozar, estou pensando em como
preciso desse homem dentro de mim, no quanto estou pronta para
recebê-lo. Eu me viro outra vez, pronta para montar nele. Minha
mão encontra seu pau, que está duro, aperto-o lentamente e
sussurro: — Está pronto pra mim? — Ele acena positivamente,
enquanto suas mãos se movem para minha bunda.
— Sempre — ele responde. Coloco a cabeça do seu pau na
minha entrada e me movo lentamente, fazendo com que ele gema.
Quando ele está totalmente dentro de mim, eu jogo meu corpo um
pouco para trás e dou uma rebolada lenta. Esse é o movimento que
eu sei que o desestabiliza, que faz com que ele queira me foder
freneticamente, do jeito que eu gosto. Ainda assim, quando faço
isso, digo que ele não pode se mover, não até que eu permita. —
Porra, amor, eu preciso...
— Ainda não — insisto, repetindo o movimento, fazendo-o
ainda mais devagar. Andras tenta levantar o corpo, então escorrega
no mármore da nossa banheira. Espalmo minhas mãos em seu
peito nu e passo as pontas das unhas por ele. — Viu o que a
teimosia pode render? Fique quieto ou vou deixar você lidar com
essa ereção sozinho.
Andras ri, mas logo coloca sua mão em meu pescoço, o
polegar me acariciando.
— Você não faria isso — ele provoca. — Não quando estou
louco pra foder você por horas. Quero te comer aqui, com você
cavalgando em mim, depois quero colocar meu pau entre esses
peitos e gozar nesse seu rostinho lindo.
— E o que mais? — provoco. Andras não responde. Em vez
disso, ele me diz que é hora de invertermos as coisas e puxa meus
quadris para cima e para baixo, fazendo com que eu me mova pelo
seu pau. Um prazer enorme se arrasta pelo meu corpo, então
prendo minhas mãos em seus ombros e começo a subir e descer,
cavalgando nele, como desejado. Jogo meu corpo para frente e
para atrás e rebolo. Estou prestes a explodir de desejo.
— Goze comigo! — demando. Andras se rende e deixa seu
autocontrole de lado, gozando enquanto eu fecho minhas pernas um
pouco, aumentando a pressão dentro do meu corpo, fazendo ele
gemer deliciosamente.
De fato, tomamos banho depois disso. E, quando saímos do
banheiro, ele atravessa o closet abraçado comigo, enquanto
compartilhamos a mesma toalha.
— Agora quero que você me ajude a ficar sequinha — afirmo,
deitando na cama. Ainda estou com o corpo todo úmido e ele morde
o lábio sorrindo, parado na minha frente, parecendo uma escultura
de tão lindo. Ele aperta a cabeça do pau enquanto me olha,
completamente nua, exposta na cama. Andras se ajoelha entre as
minhas pernas e eu ergo a cabeça para absorver o momento. Suas
mãos sobem pelas minhas coxas com firmeza e os polegares
visitam a parte interna da minha perna. Em seguida, sua língua se
move pelo meu corpo e eu quase engasgo quando ele deixa beijos
no meu clitóris.
— Você é tão deliciosa, amor. Eu poderia passar o resto da
minha vida me alimentando só de você — ele diz. Não demora para
que a minha boceta comece a se contrair, procurando por algo que
não está lá ainda: o pau de Andras. Preciso dele novamente, mas o
oral está maravilhoso. Andras sobe sua mão pelo meu corpo e
brinca com meus seios, enquanto enfia a sua língua ainda mais
fundo na minha vagina.
Gemo descontroladamente quando seus dedos passam a
esfregar meu clitóris, ao mesmo tempo em que ele continua me
fodendo com a língua. Agora seguro sua cabeça e a empurro contra
a minha boceta, demandando mais. Sua mão desde pelo meu peito,
beliscando e torcendo meus mamilos, e eu solto gemidos que fazem
com que ele diga “continue gemendo, quero ouvir você”. Andras
passa as mãos pelas minhas pernas e as joga para cima, puxando-
me para a beirada da cama. Nessa posição, ele coloca minhas
pernas sobre seus ombros, espero pela estocada firme que vai
colocá-lo totalmente dentro de mim outra vez, contudo Andras está
tentando retribuir a tortura que o infligi, sei disso, há esse brilho em
seus olhos que eu conheço, um brilho de promiscuidade que eu
amo.
— Você quer que eu te foda aqui? Assim? — Meu marido
questiona. Aceno positivamente. — Preciso ouvir — ele responde
sorrindo.
— Sim, amor. Você vai me fazer implorar?
— Por que não? Você fica ótima quando implora pelo meu pau,
Sra. Quotar.
— Andras, por favor! Quero que você me foda nessa posição.
Quero sentir você dentro de mim, me fazendo sua como eu sempre
fui e sempre vou ser.
— Só minha — ele rosna. Então, Andras afunda seu pau
dentro de mim novamente, e todo o meu corpo vai sendo sacolejado
no ritmo das estocadas enquanto transamos. Eu começo a achar
que esse é o melhor sexo que já fizemos, contudo me dou conta
que sempre penso isso a cada nova vez que meu marido e eu nos
amamos.
Dois dias depois, a família está indo apoiar Adam no
lançamento oficial de sua campanha a governador, na inauguração
de seu comitê no centro de Budapeste. O prédio é perto do meu
escritório e, como eu tenho uma reunião, acabo decidindo me
arrumar lá mesmo, depois dos compromissos de trabalho. Estou
voltando da reunião, dentro do carro, quando vejo Deva andando na
rua de óculos escuros. Peço para que o carro pare, já que minha
amiga também vai para o comitê de Adam. Abro a janela e grito seu
nome, porém ela não escuta. Deva atravessa a rua, então eu a vejo
se aproximando de um homem que está usando um capuz preto e
entregando alguma coisa a ele. Desço do carro e um ônibus enorme
está passando, por isso não consigo mais manter meus olhos neles.
Quando o veículo passa, Deva não está mais lá.
Um dos seguranças, Robert, desce do carro e me acompanha,
sem dizer nada, enquanto atravesso a rua. O homem está parado
no mesmo lugar, ajustando alguma coisa no bolso do moletom.
Avanço em sua direção e seus olhos parecem pedras quando me
olham, ele fica paralisado, apenas por um segundo, e eu sabia que
não tinha atravessado essa rua à toa, aquele é o falso Paul Furet.
Aquele é Domonkos. O homem que apareceu na minha porta e
disse ser pai do meu filho. A pergunta latejando na minha cabeça é:
mas que porra a Deva estava fazendo com esse homem? A
resposta mais óbvia parece absurda, porque aquela mulher é minha
amiga. Eu a conheço. Eu chorei com ela vendo telenovelas, mandei
beijos para sua amma em chamadas de vídeos, eu sei qual é sua
bebida predileta, seu filme preferido e qual o crush de celebridade
ela tinha na adolescência. Ela segurou minha mão em momentos
difíceis e me disse palavras amigas. Tem que existir uma
explicação. Deva não me faria mal, faria?
— O que você estava fazendo com a Deva? — pergunto.
— Não sei do que está falando, moça, estou apenas
esperando o ônibus. Acho que está me confundindo com alguém.
— Você vai me dizer que não lembra de mim? — questiono,
dando um passo à frente. É nesse momento que o homem começa
a correr e, sem pensar duas vezes, eu começo a persegui-lo. O
segurança faz o mesmo e me passa rapidamente. Robert me diz
para voltar para o carro, todavia a adrenalina está me levando junto
e eu continuo me esquivando pela multidão de pessoas, enquanto
tento alcançá-los. Só paro quando estou ofegante e me sentindo
gelada. Procuro meu telefone no bolso, mas não encontro, deve ter
caído na correria. Eu me sento na calçada e um senhor me pergunta
se está tudo bem. Não está. Claro que não. Minha vista vai ficando
escura e eu sinto a força abandonando meu corpo.
Não sei quanto tempo demora até eu acordar, só sei que
Robert está de volta, sozinho e que ele me ajuda a levantar. Ele está
com o moletom preto na mão e me diz que foi tudo que encontrou.
Coloco a mão nos bolsos, porém não há nada, então Robert me
ajuda a retornar para o carro, dizendo que eu deveria ter dito a ele o
que pretendia fazer, assim ele poderia ter cercado o cara. Como se
eu estivesse pensando racionalmente naquele momento. Peço um
telefone e ligo para Andras que não atende, depois tento Ayumi.
Minha amiga atende com um tom de desconfiança de quem não faz
a menor ideia do número que está ligando para ela.
— Ayumi, eu vi a Deva no centro, ela estava conversando com
o falso ator e...
— Milena, a Deva está aqui. Você está bem, amiga? — Ayumi
questiona, com um tom de preocupação.
— Aqui onde? — questiono, tentando respirar direito.
— No comitê do Adam. Ela acabou de sair com o Edgar
porque ele estava chorando e... Onde você está?
— Vá atrás dela! — peço. — Pegue o meu filho. Ayumi, por
favor, não deixe ela com o meu filho.
— Por que...
— Só faça isso! Não deixe ela com o meu filho. — Olho para o
motorista e peço para que ele dirija o mais rápido possível, que me
leve para o comitê. — Você os encontrou? — questiono, mantendo-
me na linha com Ayumi.
— Não. Ela não está aqui. Milena, você me disse que ela
estava com o ator? Está falando do ator que mentiu pra você? O tal
do Domonkos? Por que ela... Meu Deus! — Ayumi afirma,
parecendo finalmente entender.
— Encontre o Andras, fale o que aconteceu — digo.
Em todo o percurso até o comitê, eu me sinto um caldeirão de
sentimentos: medo, raiva, ódio, preocupação. Quero meu filho,
preciso dele. Vai me dando um aperto no peito e, quando o carro
para na frente do comitê, há diversas viaturas policiais paradas na
frente. Passo por um isolamento, identificando-me, então Jonas, que
está na frente do prédio, me ajuda a entrar.
— Eles o encontraram? — pergunto. Ele não responde, e eu
coloco a mão no peito outra vez. Tenho certeza de que Jonas está
escondendo alguma coisa, contudo ele sempre parece estar
escondendo algo, então minha certeza pode ser paranoia induzida
pelo medo. Dentro do comitê, eu vejo Andras e grito seu nome. Meu
marido vem na minha direção e me abraça forte. Ele parece tão
transtornado quanto eu. — Ela levou o nosso filho, não levou?
Encaro seus olhos vermelhos e Andras me diz que vai ficar
tudo bem. Minha cabeça imediatamente quer acreditar nele, porque
meu marido sempre cumpre o que promete, as coisas sempre ficam
bem, ele sempre faz com que eu me sinta segura. Nesse momento,
no entanto, há essa parte de mim que sabe que nada nunca vai
estar bem até que meu filho esteja comigo novamente.
— Ela ligou e disse que ele está bem, mas que vai mandar
instruções em breve — Andras conta.
— Eu sinto muito — Greta diz. — Eu estava saindo com ele, só
que o Adam precisava de ajuda e a Deva se ofereceu pra levá-lo,
eu... Milena, me desculpe.
— Você não tinha como saber — Adam diz. — Ninguém tinha,
precisamos de um plano e temos que pensar no Edgar agora, tudo
bem? Tentamos rastrear o telefone dela, porém ela o deixou aqui e
está ligando de um número desconhecido.
Jonas fala ao telefone com alguém, então diz que deveríamos
ir até a casa de Deva. Há uma rápida discussão sobre quem deve ir
ou não, todavia não existe a menor chance de eu ficar aqui parada
esperando por notícias. Quando chegamos ao endereço, Max, o
namorado de Jonas, está nos esperando. O homem se identifica ao
porteiro, que libera nossa entrada, mas explica que não tem uma
chave extra, porque a Deva vive perdendo a dela. Como sempre,
penso. Ainda estou tentando entender isso. Do fato de que uma das
minhas melhores amigas, uma pessoa tão querida, está envolvida
em todas as coisas ruins que me aconteceram ultimamente.
A falta de chave não é um problema para Max. Andras e Adam
estão falando em arrombar quando Max puxa do bolso um kit de
chaves e simplesmente abre a fechadura, como alguém que já fez
isso milhões de vezes. Entro no apartamento e olho ao redor. Faz
tempo que estive aqui, todavia está tudo diferente. Nos dividimos
pela casa e Max diz para procurar por indícios de pessoas que
possam estar envolvidas, registros de propriedades, endereços no
país, qualquer dica. Vou revirando as gavetas do quarto de Deva, os
vestidos chiques que não faz muito sentido que ela tenha,
considerando que nossa empresa não é rentável a esse ponto, os
sapatos de grife.
— A caixa de joias está vazia — Max comenta, depois de olhar
um pouco o quarto. — Recentemente esvaziada, ela levou uma
mala pequena. — Ele indica, mostrando o espaço vazio no closet e
comentando sobre a marca de poeira em cima de uma mala maior.
Então, ela quer fugir, claro. E precisa de dinheiro para isso. Ela
deve ter me visto na rua quando corri atrás de Domonkos e isso lhe
deu tempo para colocar seu plano de fuga em prática. Volto minha
atenção para algumas gavetas do closet e vou mexendo nelas.
Cartas da Índia, fotos com a família. Há um envelope com dinheiro
endereçado para os pais dela. No entanto, um dos envelopes
chama minha atenção. É carmim, tem uma letra cursiva bonita na
frente. É a carta que Greta estava procurando.
— Puta merda! — Egoisticamente, seguro o envelope, porém
continuo procurando algo que me ajude a encontrar meu filho. Não
há nada, e eu começo a jogar as almofadas e lençóis da cama em
fúria. Max me segura e pede para que eu tente me acalmar. Então,
Andras entra no quarto e me abraça outra vez. Ele se senta na
cama e eu fico de frente para ele, sua cabeça no meu ventre.
— Vai ficar tudo bem, vamos encontrá-lo. Vamos encontrá-lo
— ele repete.
O telefone de Andras toca e há um silêncio mortal no quarto.
Ele mostra o nome de Deva na tela e Max o encara dizendo: —
Atenda e tente mantê-la na linha, tudo bem? Vamos tentar encontrá-
la. — Ele abre uma maleta, tira um notebook de dentro dela e, em
seguida, conecta o telefone de Andras ao equipamento.
— Deva, eu não sei o que está acontecendo, mas devolva o
meu filho e vai ficar tudo bem — peço.
— Como ficou tudo bem pro Miklós? — ela questiona. — Olha,
ele está sendo bem-cuidado, eu nunca o machucaria. Só preciso
que façam o que quero, vou passar um valor e uma conta. Basta
transferir. Garanto que ninguém vai tocar em nenhum fio do cabelo
dele.
Olho para Max, que faz um sinal para continuar, e eu não sei
mais o que dizer além de que vamos pagar, vamos pagar quanto ela
quiser.
— Você ficou maluca, sua vadia? Me diga que é uma
brincadeira de péssimo gosto da sua parte — Greta pergunta.
— Eu te disse que eu não brinco quando o assunto é dinheiro.
Pessoas como eu crescem ouvindo que vão ficar no mesmo lugar a
vida toda, então, quando temos uma oportunidade, temos que tirar o
melhor dela. Pessoas como vocês, crescem sabendo que podem
tudo e, por isso, não dão valor a nada.
— Então, você passou todos esses anos sendo uma maluca
falsa conspiradora? É isso? A gente não significa nada pra você?
— Não me leve a mal, Greta, gosto bastante de você. Eu me
considero uma pessoa afortunada por ter sido sua amiga, mas a
verdade é que você sempre preferiu a sem-sal da Ayumi e a sonsa
da Milena. Mesmo que eu fosse parte do grupo, sempre me
deixavam de fora. Eu gosto de vocês, só que gosto mais de mim. Se
a Milena não tivesse me visto hoje, nada disso estaria acontecendo.
Cinco milhões, eu ligo em breve e informo a conta. — Então, ela
desliga.
— Conseguiu? — pergunto.
— Não, senhora. Eu precisava que ela tivesse permanecido na
linha por mais tempo — Max diz. — Foi o suficiente pra saber que
ela está na cidade e tenho algumas coordenadas amplas, não é
muito, porém a polícia pode trabalhar com isso. Vou ligar pro
comandante do batalhão e informar.
Pego a carta e entrego a Greta, digo onde a encontrei. — É a
carta do meu pai — ela diz. Em seguida, segura o envelope contra o
peito.
— Qual o nome da mulher que era dona do carro? — Andras
pergunta. Todos olham para ele. Há essa expressão de lampejo em
seu rosto, e eu me agarro à esperança de que ele tenha pensado
em algo. Quero meu filho, mal sei como estou me mantendo de pé.
Meu peito está apertado, a respiração rápida e minhas pernas um
pouco fracas. Estou prestes a cair no chão e começar a chorar,
contudo estou me forçando a permanecer de pé, porque precisamos
encontrá-lo.
— O senhor acha que pode ter relação? — Max questiona,
enquanto volta sua atenção para o computador.
— Se ele pegou o carro e ela não sabia, ele pode ter algum
laço com ela, certo? Qualquer pessoa perceberia um arrombamento
— Andras argumenta. Tento seguir seu raciocínio, todavia estou
pensando que está na hora de Edgar mamar, pensando se ele está
com fome, com frio, se está mesmo sendo bem-cuidado.
— Blanca Kadar.
— O que você sabe sobre ela?
— Aposentada, sem filhos. Marido faleceu dez anos atrás.
— E o marido? Alguma coisa sobre ele?
— Dívidas não pagas. Uma ocorrência por violência
doméstica. Uma filha e dois net... caralho, ele é o avô materno de
Domonkos Erdos — Max informa.
Sabe quando você escuta aquelas histórias sobre pessoas
capazes de coisas extraordinárias, como entrar em um prédio em
chamas pelos filhos ou lutar contra um animal selvagem, e fica se
perguntando “onde ele arrumou tanta força?” ou “como ela foi capaz
disso?”? Eu sei essas respostas agora. Sei, porque Edgar
preencheu algo dentro do meu peito, um espaço que eu nem sabia
que estava vazio, e eu seria capaz de fazer qualquer coisa por ele.
Agora, a coisa que preciso fazer é a mais difícil de todas, eu preciso
não fazer nada. Não é o tipo de situação com a qual estou
acostumado. É Max quem conversa comigo e com Milena, listando
as razões pelas quais precisamos ficar. Ele coloca a mão no ombro
de Milena, que está aos prantos, e promete que, se Edgar estiver lá
dentro, ele não sairá de lá sem ele.
Há dezenas de viaturas ao redor da casa, chegaram sem
sirene, descaracterizadas, e logo Max e uma mulher se preparam
para entrar na residência, apenas os dois. Eu escuto quando
explicam que é menos arriscado do que simplesmente invadir com
força total, considerando que Edgar pode estar lá dentro. Imagino se
Deva também está. Embaixo de toda a preocupação com o bem-
estar do meu filho, com Milena, há também essa busca constante.
Minhas memórias parecem estar sendo escaneadas a procura de
pistas, de qualquer evidência que possa indicar algo sobre Deva,
que justifique esse comportamento. Ela também fica tentando juntar
o todo, compreender como Deva e Miklós estão relacionados nessa
história toda. Por que ela estava pagando por uma dívida que era de
Miklós? O que ela ganhava com tudo isso?
Fico do outro lado da rua, abraçando Milena, enquanto Max e
sua colega invadem a casa de Blanca Kadar. A ideia de vir até aqui
parecia um tiro no escuro, só que era o mais próximo que tínhamos
de uma pista. Quando Max me disse que a casa ficava na área da
possível triangulação do sinal do celular de Deva na última ligação,
comecei a acreditar que poderia ter razão. São, sem dúvida, os
minutos mais longos de nossas vidas, então Max sai da casa com
uma mulher, uma idosa, ela não está algemada, mas ele está
escoltando-a. Atrás dele, está a policial com um pacotinho nos
braços. No momento que vejo meu filho se movendo, consigo
respirar. Graças a Deus! Graças a Deus! Graças a Deus! Milena sai
correndo em direção à mulher e pega Edgar.
— Oi, meu amor. A mamãe está aqui, está tudo bem. — Eu
abraço os dois, ao mesmo tempo em que ela confere se nosso filho
está machucado. Ele está tranquilo, sorridente, totalmente alheio ao
que tinha acabado de acontecer.
— Blanca contou que Domonkos apareceu aqui, disse que o
garotinho era filho de uma amiga e pediu pra que o olhasse por um
dia — a mulher fardada explica.
— Quer dizer que nenhum deles está aqui? — questiono.
— Não, senhor. Infelizmente não temos o paradeiro dos
suspeitos. — Max conversa com o comandante da polícia e volta
para perto de mim, dizendo que pediu para que eles ficassem à
paisana na rua, considerando a possibilidade de que nem Deva nem
seu cúmplice saibam de alguma coisa e acabem vindo até aqui.
— Oi, apressadinho — Greta diz com os olhos cheios de
lágrimas, quando se aproxima do afilhado. Meu filho sorri chupando
a chupeta, e eu sei que ele está bem. Ainda assim, decidimos levá-
lo ao hospital, apenas por precaução, contudo é uma consulta
rápida. A pediatra confirma que não há nada de errado com Edgar.
Deva liga novamente quando ainda estamos no hospital. Eu
saio do quarto para atender e Greta me acompanha.
— Me deixe falar com ela — ela pede. Então, entrego o
telefone para Greta, que atende à ligação. Provavelmente, é melhor
assim, as coisas que eu gostaria de dizer àquela mulher, o que eu
poderia fazer se a encontrasse... — Já encontramos o Edgar, porém
me conte tudo e eu te pago. Sobre o Miklós, sobre a minha mãe.
Tudo. E você pode ter os seus milhões. Vou deixar você pensar, me
ligue em meia hora.
— Acha que ela vai aceitar? — pergunto à Greta, quando ela
devolve meu telefone.
— Vale a pena tentar. Chame o James Bond húngaro que
estava na casa da Deva mais cedo, e vamos tentar rastreá-la outra
vez — ela diz, referindo-se ao Max.
— O que a sua mãe tem a ver com isso? — questiono,
refletindo sobre as palavras da minha comadre. Sei que a mãe de
Greta a chantageou com a herança e com o legado da família, o
nome do pai, todavia não consigo entender o que Deva pode saber
sobre isso.
— Não sei direito, mas estive procurando uma carta desde que
o meu pai morreu, e ela estava na casa da Deva. Essa carta só
interessava a duas pessoas: a mim ou a minha mãe. Se ela não
tentou lucrar comigo, só resta a minha mãe.
— É muito dinheiro por uma informação — digo.
— O que a minha mãe tentou tirar de mim vale mais do que
dinheiro, Andras. Ela tentou tirar minha confiança, minha fé em mim
mesma. Ela tentou fazer com que eu me sentisse culpada por
defender o que acredito, usando meu pai e sua potencial decepção
como isca. E sabe o que diz na porra da carta? “Você fez seu
próprio caminho e, mesmo que não seja o caminho que eu teria
escolhido, estou feliz de que seja um caminho que te faça feliz.”
Meia hora depois, estamos na sala da minha casa. Jordi
preparou comida e obrigou Milena a comer, Adam está batendo o pé
no chão nervosamente, Ayumi está colocando Edgar para dormir e
Greta está ouvindo Max explicar como o equipamento de
triangulação de localização funciona. O comandante da polícia
também está na nossa sala de estar, pronto para acionar as viaturas
mais próximas da localização, caso Greta consiga manter Deva na
linha tempo suficiente. Jonas está acionando autoridades de
fronteiras, apenas por precaução. Ela liga no horário combinado e
Greta coloca no viva-voz.
— Você está sozinha? — Deva pergunta.
— Não! — Milena responde. — Eu, você, Greta e Ayumi, como
sempre foi.
A resposta de Milena me surpreende. O que não me
surpreende é o quão irritada ela parece. Vejo quando Ayumi entrega
meu filho, que estava dormindo em seus braços, para Adam e se
aproxima das amigas.
— Vamos lá. Faça três perguntas e eu te darei o preço por
cada uma delas — Deva diz. Max escreve em um pedaço de papel
e mostra para Greta. “Ela pode estar desconfiada, ganhe tempo,
tente provocá-la.” Greta sorri eu sei bem o porquê, ninguém é
melhor em provocar do que ela. Essa mulher pode fazer um monge
perder a paciência, se assim desejar.
— Eficiente você. Isso é novo pra mim, considerando que, no
trabalho, passava a maior parte do tempo fazendo compras on-line
— a loira diz, com um tom de desdém.
— Eu posso começar a subir o preço — Deva devolve.
— Quem atropelou Ayumi e Milena?
— Você quer mesmo pagar por essa pergunta? Já não sabe a
resposta? Vou te dar um desconto, 500 mil por ela.
— Já está na sua conta — Greta diz.
— Ok! Miklós atropelou a Milena. Ele era obcecado por ela e,
quando soube do bebê, perdeu a cabeça. — Deva tem razão. Essa
era mesmo óbvia, mas, mesmo assim, é doloroso ouvir isso. Ouvir
que ele tentou matar a minha mulher e meu filho por não aceitar a
nossa felicidade.
— E você sabia o tempo todo, Deva? Simplesmente sabia e...
— Greta questiona.
— Um milhão. — Há um silêncio e apenas o movimento de
Greta na tela do tablet. — Não. Eu descobri quando o vi
conversando nervosamente com o Domonkos, na porta do
restaurante, um dia. Miklós definitivamente não era muito inteligente.
Eu segui o Domonkos e o deixei bêbado, ele me contou tudo. E,
você sabe, informação é poder. É sua última pergunta, escolha com
sabedoria.
— Dois milhões por mais uma — Greta diz.
— É o seu dinheiro. Se bem que você tem bastante, então...
— Por que o Domonkos foi na casa da Milena?
— Porque o Miklós achava que a falta de memória da Milena
era uma forma de conseguir o que ele queria, no caso, a Milena. Eu
sabia que nossa amiga sem memória estava duvidando de si
mesma, só precisava dar um empurrãozinho. Então, eu dei essa
sugestão por um bom preço.
— Por que comigo? O que eu fiz com você além de ser sua
amiga? — Milena questiona.
— Três anos atrás, eu vi o Andras primeiro — ela responde. A
memória daquele momento me encontra. A mulher que esbarrou em
mim subindo as escadas era ela? Não conseguia lembrar direito do
rosto. Sabia que era bonita, porém não havia espaço para mais
nada, porque, naquele momento, eu já tinha colocado meus olhos
em Milena. — Não estou dizendo que estou apaixonada por ele,
isso seria patético, mas quando algo vem tão fácil quanto a fortuna e
o sobrenome Quotar veio pra você, não deveria ser difícil manter.
— Por que você escondeu a carta da Greta? — Milena
questiona.
— Você sabe contar, certo? Já se foram três perguntas e eu
tenho que ir.
— Eu pago mais! Diga quanto quer — Milena grita.
— Acabei de mandar mais, apenas responda — Greta
demanda.
— Bem, preciso dizer que fico feliz em saber que vocês
acharam a carta. Uma carta tocante. Qual foi mesmo a pergunta?
Por quê? Ah, essa é fácil, eu estava sendo uma boa amiga.
Nenhuma boa amiga deixaria a outra jogar uma fortuna fora pra ficar
com um bartender que não tem onde cair morto. Foi um favor.
— E a minha mãe não sabia de nada?
— Acho que esse é todo meu tempo por hoje.
— Mais dois milhões! — Greta esbraveja. Max ainda está
encarando o computador, que continua triangulando a área. É uma
imagem de satélite que vai sendo reduzida. No momento, há quase
metade do país na tela. — Só mais essa, eu preciso saber.
— Você é tão parecida com a sua mãe, Greta. Gente rica
adora jogar dinheiro nos problemas. Quando eu disse que encontrei
a carta, ela também me ofereceu uma quantia similar. No entanto,
sabe o que eu aprendi convivendo com pessoas como os Quotar,
Sadiks e Almstedts? Que montantes são menos importantes que
constância. Fiz um acordo com ela, meio milhão por mês, pelo resto
da minha vida, enquanto você não visse a carta, então não conte
pra ela — ela diz sorrindo. — Adeus, meninas. Foi divertido.
— Me diga que você conseguiu! — Ayumi diz, olhando para
Max. Ele passa uma localização e diz que ela está em movimento.
— Acho que é um trem, pelo local.
O comandante aciona as viaturas e vai embora, Max o
acompanha. Eles saem apressados, dizendo que precisam agir
rápido. Depois disso, não há nada que possamos fazer além de
esperar. Uma hora se transforma em duas, nossa sala de estar vira
uma espécie de acampamento, porque ninguém quer ir embora.
Estamos todos falando sobre Deva, impressionados com sua
capacidade. Milena tem momentos de alternância entre choros e
acessos de fúria. Adam é o único que parece realmente calmo. Ele
coloca Edgar no berço e fica observando o afilhado pela câmera da
babá eletrônica.
— Se fizéssemos um experimento com fotos de nós quatro, a
maioria das pessoas veria eu ou Milena como ameaças com mais
facilidade. Uma mulher negra e uma mulher asiática, especialmente
depois da Covid e todo o estigma com a China. Ela não parecia
ameaçadora de forma alguma. Eu nunca suspeitei dela desse jeito.
— Ela enchia o meu saco, às vezes, com alguns
deslumbramentos. E foi irritante com a história da Milena, naquele
dia, no meu apartamento, mas eu também nunca pensei que ela
fosse capaz de algo assim.
— Ela usava a beleza como arma — Sadik diz. Ayumi olha
para ele. — Não comigo, porém eu sei que ela usava.
— Usou comigo — Adam diz.
— Você dormiu com ela? — Jordi questiona.
— Não. Mas ela foi bem explicita sobre o que queria. Logo
quando nos conhecemos. No jantar de Natal.
— Verdade — Jonas diz, parecendo estar relembrando. — Não
foi por isso que você pediu aquele dossiê sobre a Milena? Porque
achava que... — Ele olha para minha esposa e parece estar
procurando as palavras menos perigosas para usar.
— É, eu achei que ela pudesse ser mais uma oferecida
tentando dar um golpe do baú, porque foi isso que a Deva pareceu.
— E você nunca disse nada? — questiono.
— Dizer o quê? “Ela flertou comigo”? Talvez ela fosse apenas
desinibida, não ia ficar tentando constrangê-la por isso.
— O mais maluco é que você não dormiu com ela. — Todos
olham para Jordi e meu irmão levanta os ombros. — Ok, ela
provavelmente é a cria de satã, como foi recentemente descoberto,
mas a gente vai fingir que ela não é bonita? As pessoas viram a
cabeça quando ela passa. A Hanna é literalmente uma das pessoas
mais bonitas do mundo e tem ciúmes dela.
— A Hanna tem ciúmes de todo mundo, Jordi — digo.
O celular de Jonas toca e ele diz que é Max. Torço para que
ele não diga que Deva conseguiu escapar, porque a ideia daquela
mulher à solta, oferecendo risco à minha família e aos nossos
amigos, queima a minha pele.
— O trem de Deva foi interceptado antes que ela chegasse à
Eslováquia e eles conseguiram prendê-la. Estão trazendo-a de volta
pra Budapeste agora mesmo — ele conta.
Não há uma comemoração, claro. Há, no entanto, o
reconhecimento de um alívio. Encaro Milena, que acena para mim
positivamente. É madrugada, no entanto, apesar do convite para
permanecerem e dormirem por aqui, todos preferem ir para suas
casas. Agradeço por isso, acho que preciso mesmo ficar sozinho
com minha esposa e meu filho. Subo com Milena e vamos para o
quarto de Edgar, que está dormindo. Adam colocou a manta ao
redor do corpo dele, empacotando-o, e deixou uma meia-luz no
quarto, além de ter configurado a temperatura do ar-condicionado.
— Seu irmão é uma criatura muito única — Milena diz sorrindo.
— Você é única, assim como nosso filho, e quase te perdi
várias vezes só nesse último ano. Hoje foi assustador.
— É — ela diz, com os olhos cheios de lágrimas. — Mas você
o encontrou, você descobriu onde ele estava e me segurou nos
seus braços. Eu estava com muito medo, só que, toda vez que eu
olhava pra você, sabia que você faria de tudo pra que ficássemos
bem.
Encosto minha cabeça na de Milena e a beijo. O quanto ela
confia em mim enche meu coração de amor e de um desejo de ser
sempre o homem com quem ela pode contar, o homem em quem
ela confia.
— Sabe o que eu percebi? — ela pergunta, sussurrando contra
os meus lábios. Aceno negativamente, mantendo-a perto do meu
corpo. — Quando recuperei minhas memórias, vi que você olha pra
mim de uma forma muito específica.
— É?
— Sim. Uma forma que faz com que eu me sinta como se
fosse a única mulher do mundo.
— Porque você é mesmo — confesso, não sendo capaz de
conter meu sorriso. — Milena, ter você na minha vida é um
privilégio. E eu quero passar o resto da minha vida merecendo isso.
Eu amo você.
— Eu amo você — ela responde me beijando. E eu sei que,
enquanto estivermos juntos, vamos ficar bem.
Dezembro de 2023

“Já estou no aeroporto, amiga, onde vocês estão?” A


mensagem de Greta me faz rir, olho para o meu filho, que está nos
braços do pai. Respondo dizendo que ainda estamos na casa do
Adam e ela me manda um emoji entediado.
— Acha que deveríamos mesmo deixá-lo? — pergunto,
encarando meu marido. Andras ergue a cabeça e me olha. Ele é tão
pequeno ainda e não quero ter que sair de perto dele.
— Já conversamos sobre isso, meu amor. Decidimos que era o
mais sensato, a pediatra também acha e agora seria injusto com as
babás mudar toda a dinâmica em cima da hora.
Objetivamente, eu sei que ele tem razão, porém falta pouco
pra Edgar completar nove meses e eu fico com medo de que ele
precise de mim e eu esteja a quilômetros de distância. Por isso,
desde que ele nasceu, não saí de Budapeste. Andras até tentou me
levar para a inauguração de um hotel, mas a ideia de deixar Edgar
me deixava muito aflita e ele ainda estava mamando, então eu
simplesmente disse que meu marido deveria ir sozinho.
Pretendíamos levá-lo conosco para a Coreia, porém ele pegou um
resfriado na semana passada e a médica achou que, com a
imunidade baixa, não era uma boa ideia.
— Posso saber o que é que vocês dois estão fazendo aqui
parados? — Adam questiona ao abrir a porta. — Entrem, pelo amor
de Deus! Me ligaram da guarita há mais de dez minutos avisando da
chegada de vocês, tive que sair pra ver se algo tinha acontecido.
Entro na casa em que Adam vive com Jordi e encontro Jonas
com um computador aberto, digitando freneticamente. A sala de
estar parece com o comitê de campanha de Adam. Ainda faltam
alguns meses para a eleição, contudo ele já tem campanhas para
televisão e seu rosto estampado na traseira dos ônibus. Lembro de
uma garota que trabalha comigo falando sobre como pretende votar
nele só para ver “aquele rostinho lindo fazendo qualquer
pronunciamento”. Jonas para notando minha presença, levanta da
cadeira e me cumprimenta com um abraço. Pergunto por Max,
porque aquele homem é o meu herói pessoal.
Se não fosse por ele e todo o seu empenho, talvez a Deva
tivesse escapado. E a ideia de vê-la solta é assustadora. A pessoa
que Max indicou também tem sido crucial para manter Deva na
cadeia, ela conseguiu levantar provas de extratos bancários, que
foram apresentados como evidência para reforçar o caso. Só
saberemos por quanto tempo ela vai ficar presa quando ela
finalmente for julgada, em alguns meses. Por toda a ajuda, Max se
tornou uma presença recorrente em nossas vidas. Por fora de toda
a formalidade de um treinamento militar, ele é uma pessoa bem-
humorada, tranquila e gentil. Penso em como, quando ele foi jantar
em nossa casa, Greta ficou o tempo todo falando sobre sua beleza
e o fazendo corar. Aquele foi um dos primeiros momentos de
descontração, de verdade, que conseguimos ter.
— Ele não está de serviço hoje, então deve estar dormindo
abraçado com o nosso labrador, enquanto finge que está vendo um
filme — Jonas responde sorrindo.
— Diga que eu mandei um beijo, sim? E vocês precisam jantar
na nossa casa novamente em breve, quando voltarmos.
— No meio da campanha? — Adam questiona. Ele agora está
com Edgar nos braços e fala com uma voz infantilizada. É
engraçado vê-lo dessa forma, porém ele não se importa de parecer
um bobo perto do afilhado, contanto que o garoto sorria para ele. —
Diga pra sua mamãe que ela não pode tentar roubar o meu gerente
de campanha quando estamos começando a esquentar a corrida
eleitoral.
— Ele tem que comer em algum momento, certo?
— Sim. Aqui. Enquanto trabalha. Vocês podem jantar quando
eu for governador e o Jonas o meu chefe de gabinete.
— É só marcar, Sra. Quotar, sei que o Max vai adorar. Ele
tomou um uísque na casa de vocês e ainda está falando da bebida
até hoje.
— Diga o nome que enviarei algumas garrafas — Andras
afirma.
— A conversa está ótima, mas vocês não têm um voo pra
pegar?
— Sim, mas... — começo a dizer.
— Como é que vocês dizem no Brasil? “Sem mais nem meio
mais”? — ele questiona, fazendo-me estreitar meus olhos com uma
falsa indignação em sua direção. — Milena, eu vou cuidar dele
como se fosse meu filho.
— Você não tem um filho, não sabe como... — começo a dizer.
Adam acena negativamente e me interrompe.
— Andras, você pretende me ajudar a colocar algum bom-
senso na cabeça da sua esposa?
— Bom, esse era o meu plano, mas, pensando agora, talvez
ela tenha razão. Podemos mudar tudo e...
— E faltar no casamento de uma das melhores amigas de
vocês? — Adam questiona. Edgar envolve seus dedinhos nos
cabelos longos do padrinho, puxando-os. Seu novo vício é tentar
arrancar os cabelos alheios. Adam não se importa. — Não sejam
ridículos. Vocês são padrinhos.
— Talvez devêssemos simplesmente levá-lo.
— Não. Essa não é a primeira vez que eu cuido dele, temos
babás aqui. — Ele tem razão, não é a primeira vez que fica com
Edgar, contudo é por curtos períodos ou, então, estamos por perto e
podemos estar de volta em meia hora, no máximo. Hoje é diferente.
— Ah, e o Jonas é excelente com crianças.
— Na verdade, não sou — Jonas responde. Adam olha para
ele de uma forma mortal que me faz rir. — O quê? Você não me
paga pra mentir, nem pra cuidar de crianças. O mais perto que já
cheguei de cuidar de uma criança foi quando a sobrinha do Max
passou algumas horas na nossa casa e, no primeiro choro, fiz ele
pegar a garota de volta.
— Ok, então o Jonas será inútil, mas eu sou ótimo com o
Edgar. O Jordi vai estar em casa boa parte do tempo, e eu já
mencionei as babás, certo? Apenas deem o fora daqui — ele diz.
Não posso argumentar contra o fato de que meu filho adora o
padrinho.
— Tudo bem! — digo, aproximando-me da bolsa que meu
marido deixou na mesa de Adam. — As roupinhas e tudo que ele vai
precisar estão aqui, a fórmula, a girafinha que ele adora pra dormir.
E os remédios que a médica passou, caso ele precise de alguma
coisa. Está tudo anotado.
— E se ele tiver dificuldades pra dormir, você pode colocar
uma playlist — Andras diz, entregando o iPod para o irmão.
— Você já tem o número da pediatra e, se houver qualquer
problema, ligue e voltamos correndo — complemento.
— Nós vamos nos divertir, não vamos, rapazinho? — Adam
questiona, balançando Edgar em seu braço. — Eu me aproximo
deles e me estico para sentir o cheiro da cabeça do meu filho. Peço
um beijo e ele encosta sua boquinha vermelha no meu rosto,
enchendo-me de baba. Isso me faz sorrir. — Tchau, meu amor. A
mamãe te vê em três dias.
— Novamente, por favor, vão embora — Adam pede com uma
expressão séria, só que ele segura a minha mão rapidamente e me
olha. — Falando sério. Você sabe que eu não vou deixar nada
acontecer com ele, não sabe?
— Sei, claro que sei. Sabe, você seria um pai incrível — digo,
sorrindo para o meu cunhado.
— Eu nem sei explicar direito, mas eu amo demais esse garoto
— Adam diz beijando o topo da cabeça do meu filho, que sorri para
ele, brincando agora com seu nariz. Meu cunhado ri feito um bobo e
eu também. Fico imaginando que ele seria um ótimo pai e como
meu filho teve o poder de revelar para todos nós um Adam que não
se envergonha de demonstrar afeto e tão cheio de um amor que não
conhecíamos.
— Ele também ama você. Adora o padrinho. As crianças
sentem quem as quer bem — digo, acariciando o rosto do meu
cunhado e do meu bebê ao mesmo tempo.
Adam ainda fica um pouco sem graça com o meu afeto,
contudo sorri para mim sempre que faço um gesto como esse, e eu
me surpreendo também quando ele me abraça ou beija meu rosto.
Estamos nos acostumando a essa proximidade e está sendo incrível
tê-lo assim na minha vida.
— Cuidem um do outro — digo, despedindo-me deles, e vou
embora com o coração na mão.
Sei que Edgar vai ficar bem com Adam e Jordi, e que eles vão
contar com babás, todavia isso não é o suficiente para me acalmar.
No caminho para o aeroporto, converso com Andras, nunca vi Adam
com ninguém. Sabia que ele tinha seus relacionamentos, porém
sempre foi discreto quanto a isso. Quando faço essa pergunta a
Andras, ele me diz, para minha surpresa, que o irmão já havia se
apaixonado uma vez e que foi a única vez na vida que viu o irmão
sofrer por amor.
— Anos atrás, mais ou menos na época que nossos pais
morreram, ele se apaixonou por uma moça humilde, mas eles
perderam contato de alguma forma. Sei que ele tentou muito
encontrá-la, só que não conseguiu, e acho que o Adam nunca mais
se abriu dessa forma. Ele não fala muito a respeito, porém algo me
diz que ele ainda pensa nela. Eu e Jordi tentamos ajudá-lo, mas o
Adam é o Adam. Só nosso filho conseguiu derrubar até agora
aquela armadura que ele sustenta o tempo todo.
— Queria poder fazer algo — digo. — Ele é uma pessoa
incrível, merece encontrar alguém tão incrível quanto ele. Adam tem
muito amor pra dar.
Faço uma nota mental de que preciso ajudá-lo a encontrar
essa moça. Quando chegamos ao aeroporto, Greta já está dentro
do jato e estou esperando que ela reclame do atraso, porém tudo
que minha amiga diz é “Finalmente!”. Logo depois de tudo que
aconteceu, da descoberta da traição de Deva, eu, Greta e Ayumi
nos aproximamos ainda mais. Ninguém além de nos três entendia o
que significava aquilo, o quanto o fato de que fomos enganadas por
anos por alguém que considerávamos como amiga, como irmã, nos
magoou. Passamos semanas conversando, revendo momentos
sobre uma nova ótica, examinando o estrago que ela tinha causado
em nossas vidas e, principalmente, em nossa capacidade de confiar
outra vez.
— Você está bem? — questiono, sentando-me ao lado da
poltrona dela. Andras está cochilando do outro lado do avião.
— Não, mas esse final de semana é sobre a Ayumi, não sobre
mim. Podemos lidar com o meu drama depois.
— Temos, pelo menos, mais umas seis horas de voo, Greta.
Dá tempo de você me contar — argumento. Greta sorri e, então,
toma um gole do líquido na taça em sua frente.
— Sabe quando eu te contei que procurei o John, uns dois
meses atrás? — Aceno positivamente. Lembro, claro que lembro.
Foi no dia do aniversário de Deva. Greta estava mal, todas nós
estávamos, porém Greta acabou sendo mais afetada por tudo
aquilo. Nós passamos a noite juntas no apartamento de Ayumi,
improvisamos uma festa do pijama que acabou com Ayumi e Greta
bêbadas. Quando eu acordei de madrugada para amamentar Edgar,
Greta não estava mais ao meu lado, no quarto de hóspedes de
Ayumi. — Bom, eu estou grávida.
— Meu Deus! Isso é sério?
— É — ela responde desanimada.
— E você não está feliz com isso? Tudo bem. Conte comigo
pro que precisar. Sei que você vai querer ficar com o bebê.
— Eu quero. E só que... eu não queria que fosse assim. Nós
transamos naquele dia, mas, no dia seguinte, ele me disse que,
embora fosse óbvio que ainda sentimos algo um pelo outro, isso
simplesmente não apagava o fato de que eu tinha escolhido o nome
da minha família e o dinheiro, porém isso não é justo. Eu não
escolhi, ele decidiu por mim. Ele que deu as costas e não me deixou
explicar.
— Sabe, uma vez o John me disse que eu era a pessoa com a
qual ele mais conseguia se identificar no nosso grupo de amigos.
Ele se sentia um forasteiro em meio a todos nós. Acho que faz
sentido que ele tenha tentado te afastar, eu tentei fazer a mesma
coisa com o Andras, achei que ele era bom demais pra mim, que ele
merecia mais e que, em algum momento, ele perceberia isso e me
largaria.
— Eu não teria largado ele, Milena. Eu ia dar um jeito, eu só
estava ganhando tempo pra descobrir uma forma de resolver tudo
aquilo sem fazer com que a minha mãe me odiasse pelo resto da
vida. É claro que o dinheiro importava, só que eu tinha acabado de
perder meu pai, não queria perdê-la também. E a pior parte é que,
depois de tudo com a Deva e a história da carta, eu acabei ficando
sem o homem que eu amo e sem a minha mãe, porque não consigo
olhar na cara dela. Além disso, o John me disse que não pode
deixar uma pessoa que não sabe o que quer ficar entrando e saindo
da vida dele, nem da Anna.
— Você sabe que não precisa ficar sem ele, não sabe? O John
pode ser cabeça-dura e orgulhoso, mas vocês se amam e esse
bebê...
— Eu não quero que ele volte por isso. Eu não vou ser outra
mulher com a qual ele tentou fazer as coisas funcionarem por causa
de uma gravidez.
— Quando eu estava sem memória, você me disse que eu não
tinha o direito de afastar o Andras do bebê.
— É, mas o Andras não terminou com você e disse que você
era mimada, que não sabia o que queria e que vocês são diferentes
demais. E não estou dizendo que não vou contar, só que talvez eu
não precise contar, se eu decidir que não quero seguir em frente e...
— Mas você quer — Andras diz. Nós duas nos movemos no
assento para vê-lo se espreguiçando na poltrona. Ele boceja e eu
penso em Edgar, eles são tão parecidos... — Você está tomando
água com gás há dias e achando que ninguém ia notar que não é
vinho branco. E na semana passada, você me perguntou o quanto o
Edgar tinha mudado a minha vida e se valia a pena. Você já se
decidiu, assim como já tinha se decidido sobre ficar com John, só
não tinha achado coragem pra dizer isso em voz alta. No entanto,
sabe o que mais me impressiona, Greta? É que você consegue lidar
com os problemas de todo mundo, é corajosa e incrível quando o
assunto é ajudar os outros, mas negligencia sua própria felicidade
com muita facilidade.
Há um silêncio constrangedor. Andras está certo. Certíssimo.
Eu fico esperando que Greta diga algo contestando tudo isso, porém
ela não diz nada. Andras solta seu cinto e vem até as poltronas em
que estamos, sentando-se de frente para Greta.
— Eu não conheço o cara tão bem, mas sei que ele parece
miserável sem você. Então, apenas converse com ele. Diga como
se sente e, independentemente de qual for a reação dele, conte
sobre o bebê. Se ele não quiser ficar com você, com vocês, ele não
é o cara que eu imagino que seja.
— Eu sabia que me meter tanto na vida dos outros, um dia,
acabaria com alguém se metendo na minha — Greta retruca
sorrindo. — Tudo bem, Quotar. Eu vou falar com ele assim que
voltarmos.

Minhas funções como madrinha de casamento de Ayumi são


bem limitadas com relação ao que estou acostumada. Minha amiga
não estava brincando quando falou que pais coreanos são uma
grande parte da cerimônia, porque a mãe dela está cuidando de
todos os detalhes. O que faz com que sobre muito pouco para mim.
Ainda assim, é uma experiência incrível, porque a diferença cultural
é impressionante. No dia que chegamos à cidade dos pais de
Ayumi, fomos para a casa dela e presenciamos algo chamado de
hahm, que é uma entrega de presentes. Os amigos do noivo
precisam entregar na casa da noiva antes do casamento.
A entrega se transforma em algo festivo. Andras é um dos
amigos de Gunter na ocasião da entrega do hahm, no entanto, além
dele, há alguns primos e o melhor amigo de Gunter, que também é
seu padrinho, participando da coisa toda. No segundo dia, há menos
divertimento e mais trabalho. A mãe de Ayumi é uma perfeccionista.
Nesse ponto, ela e a filha se parecem. Ela organiza o casamento
com o mesmo nível de rigorosidade com o qual Ayumi projeta um
experimento. A eficiência e a praticidade da mulher também me
impressionam, é assim que, nesse dia, eu volto para o hotel mais
cedo do que o esperado.
— Você sabia que o irmão da Ayumi era bonito daquele jeito?
Quer dizer, eu tinha visto umas fotos antigas, mas aquele corpo
definitivamente não estava lá.
— Não, não estava mesmo. E ele tinha um cabelo enorme,
não tinha? Está absurdamente bonito agora — digo sorrindo para
Greta, que está encostada no elevador. Ela ainda está nervosa com
a gravidez e com a tensão de ter que contar a John, conheço bem
minha amiga. Contudo, desde que pousamos, ela parece ter ativado
o modo “fingindo que nada está acontecendo” e, quando eu tento
falar algo, ela me diz que é o final de semana da Ayumi e que
qualquer outra coisa pode esperar.
— Acha que é por isso que ela nunca nos apresentou? Que
abusada!
— Claro, porque você nunca paqueraria o irmão dela —
retruco.
— Paquerar aquele homem é basicamente involuntário — ela
diz, quando o elevador para no nosso andar.
— O que vai fazer agora? Quer ficar com a gente no quarto,
ver um filme? Comer alguma coisa?
— Uma tia da Ayumi me entupiu de comida e não, vá
aproveitar seu marido, sua boba. Vocês devem estar precisando de
um tempo sozinhos, sem o Edgar. Apenas, não grite alto demais.
Use um travesseiro — ela pisca, enquanto procura o cartão do hotel
e abre sua porta.
— Te vejo na hora da nossa festinha — digo sorrindo.
Sexo não estava na minha cabeça até Greta mencionar e eu,
de fato, ficar com vontade de gritar contra um travesseiro enquanto
Andras me fode. Quando abro a porta do quarto, ele está deitado na
cama com o telefone na mão em uma chamada de vídeo.
— Ela acabou de chegar — ele diz. Deito ao lado do meu
marido e beijo seu rosto, para só então prestar atenção na tela e ver
Jordi sentado em um tapete com Edgar em seu colo. — Ele está
tentando ficar de pé.
— Não! — digo. — Ele não pode fazer isso sem que eu esteja
pertoe ele nem tem idade pra isso.
— Você quer que eu o derrube? — a voz de Adam questiona.
Isso faz com que todos deem gargalhada. — Vai traumatizar o
garoto e talvez ele passe o resto da vida engatinhando, mas se é
isso que você quer...
— Deixe o meu filho ficar de pé, seu esquisitão — digo
sorrindo. Edgar fica de pé, apoiando-se em Jordi, e então se solta,
ficando de pé sozinho. Suas perninhas tremem um pouco, mas ele
permanece. Eu já quero pegar a porcaria do jato e voltar para casa
para encher meu filho de beijos. — Você ficou de pé, meu amor.
Que coisa mais linda.
Edgar balbucia coisas sem sentido enquanto estica suas mãos
em direção ao celular, e Jordi o segura quando ele ameaça
cambalear. Nos despedimos e, em seguida, Andras me abraça.
— Como é que a gente fez uma criaturinha tão perfeita como
aquela? — questiono.
— Bem, começou com você no meio de uma boate lotada e,
ainda assim, sendo capaz de me fazer sentir como se só você
existisse — ele afirma, colocando seu rosto na curva do meu
pescoço e deixando beijos. Eu me levanto e afasto meu corpo do
seu. — Aonde você pensa que vai?
— Preciso de um banho.
— Não. Eu preciso de você agora. Podemos terminar isso aqui
no banheiro. — Ele tenta me alcançar ainda da cama e eu dou
alguns passos para trás, afastando-me. Ele está sorrindo e eu
também, porque sei que meu marido está prestes a pular dessa
cama e correr atrás de mim, se for preciso. Recuo um pouco mais
quando ele me olha de forma desafiadora e bato numa sacola que
cai no chão. — Não olhe — ele protesta. — É uma surpresa, pra
amanhã.
— Tarde demais — digo, olhando o conteúdo da sacola de
papel. É uma algema integrada com um colar, totalmente feita em
couro, e um rolo de corda de restrição. Temos algumas dessas
cordas em casa, porém esse tipo de algema é novidade. — Deveria
ter escondido melhor, se queria mesmo que fosse surpresa.
Eu retiro o rolo de corda da sacola, mas ignoro a algema,
prefiro a corda. Gosto da pressão, da sensação da lã contra minha
pele na medida que vou me movendo e o aperto aumenta. Encontro
a ponta da corda e começo a soltá-la, caminhando até Andras.
— O que você tinha em mente?
— Por que eu não mostro pra você em vez de falar? — ele diz
ao ficar de pé. Andras vira meu corpo e me manda fechar os olhos.
A ponta do seu indicador desce pela minha coluna tão lentamente
que é torturante. O movimento deixa minhas pernas meio fracas. Ele
para assim que contorna minha bunda e me aperta bem ali, no
meio, fazendo-me soltar um gemido. — Mãos pra cima.
Sua voz em meu ouvido é deliciosa e eu remexo meu corpo
enquanto o obedeço. Andras encosta seus lábios no meu ombro, o
hálito quente me arrepia e ele está dando uma risada. — Não seja
apressada.
Ele envolve seus dedos em meus pulsos em um aperto forte,
que me faz gemer outa vez. Andras, na maior parte do tempo, é
muito gentil, mesmo que o sexo seja sempre intenso, ele nunca
perde a gentileza. Por isso, é fácil para mim esquecer o fato de que
ele é muito maior e mais pesado do que eu, além de ter muito mais
força. Em momentos como esse, em que ele deixa a gentileza de
lado, lembro disso. Lembro que, se ele quisesse, poderia se impor
contra mim. No entanto, sei que ele nunca faria algo assim. Nem
comigo, nem com ninguém. Meu marido é bom, respeitador e
incrível. E é por esse motivo que estamos fazendo isso, porque
confio nele totalmente. Ele junta mais meus pulsos e, então, coloca
sua boca perto do meu ouvido.
— Diga que quer que eu te amarre.
— Quero. Por favor. Quero que você me amarre, Andras.
Ele solta meus pulsos e dá uma batida na minha bunda que
me faz gemer. Quero ele ali, enterrado em mim. Ele tira o meu
vestido de uma só vez, deixando-me apenas de roupas intimas.
— Sente na cama — ele pede. Faço o que ele diz e já estou
com a pele em chamas quando ele se aproxima. — Abra as pernas
pra mim e não fale a não ser que eu te faça uma pergunta.
Andras olha para a minha boceta e o desejo está escrito em
seu rosto. É um rosto lindo e o fato de que esse olhar é meu,
reservado para mim, faz com que eu mal me lembre de como
respirar. Ele se aproxima e coloca sua boca no meu joelho, que está
levantado, é nesse ponto que Andras deixa o primeiro beijo, uma
trilha deles vai sendo deixada até que ele chega ao local que
precisa de sua atenção. Sinto Andras assoprar dentro da minha
boceta. E é enlouquecedor! Seu hálito quente me faz querer puxar
seus cabelos e enfiar o rosto do meu marido no meio das minhas
pernas. Quando acho que ele vai continuar, Andras para e fica me
olhando.
— Quero que você se toque pra mim — ele demanda. Coloco
as mãos nas minhas costelas e as desço até minha boceta. Ele está
salivando, mordendo os lábios, porém eu decido que, se ele pode
me torturar, eu também posso fazer o mesmo. Subo minhas mãos
novamente e opto por tocar meus seios. Afinal de contas, ele não
disse onde eu deveria me tocar. Alterno entre esfregar a palma da
minha mão na ponta dos meus mamilos e apertá-los. Isso me excita
e eu quero pedir por ele dentro de mim.
— Você se acha muito esperta, não é? — ele questiona,
aproximando-se. As pontas dos nossos narizes se encontram e ele
enfia sua mão entre os meus cabelos.
— Você deveria ser mais específico.
— Vou ter que fazer você pagar por essa gracinha. Sabe disso,
não sabe?
— Estou contando com isso — respondo. Andras coloca a mão
no meu quadril, ela sobe até encontrar meu seio e o polegar
massageia meu mamilo, enquanto começo a me contorcer e querer
rebolar nos lençóis. Seus lábios capturam os meus e eu recebo sua
língua em minha boca.
— Coloque as mãos pra cima, meu amor — ele demanda,
ainda entre nossos beijos. Ele se ocupa com a tarefa de separar
minhas mãos, amarrando a corda em um pulso e, em seguida, no
outro, deixando apenas um pouco de espaço para que eu fosse
capaz de encostar meus braços, se necessário. — Está tudo bem?
Não está apertado demais?
Aceno negativamente, mordendo o interior da minha bochecha
enquanto o encaro.
— Apenas me foda! — reclamo e Andras sorri, saindo do
personagem. O que também me faz querer rir.
— Como você quiser — ele responde. Andras tira suas mãos
de mim, levanta-se e começa a se despir enquanto observo a cena.
— Gostando do show?
— Você sabe que estou — respondo. Minhas mãos se
contraem um pouco, parece que elas querem ir contra as cordas e
simplesmente tocar em meu marido, isso acontece de forma
involuntária, contudo é possível fazer isso. Os nós não cedem. Ele
fica nu e já estou com água na boca. Fico com vontade de pedir
para que ele coloque aquele pau delicioso nela, que me permita
recebê-lo, mas sei que Andras tem seus próprios planos e essa
ideia é ainda mais excitante.
Ele se aproxima e coloca a mão entre os meus peitos,
descendo devagar, e isso faz com que eu solte um suspiro. A mão
vai descendo pelo meu corpo até que ele enfia os dedos em mim de
forma inesperada, seu toque é quente, delicioso, perfeito. Mesmo
que meu marido já tenha me tocado milhares de vezes, nunca deixa
de ser emocionante. Meus músculos se contraem enquanto ele,
lentamente, trabalha com a mão entre as minhas pernas,
arrancando um novo grito quando encontra meu clitóris e desliza o
polegar sobre ele. Jogo meu corpo contra o seu, tentando rebolar,
embora ainda esteja amarrada. E isso faz Andras parar
bruscamente.
— Disse pra não se apressar, não disse? — ele pergunta,
encostando sua testa na minha. As pontas dos nossos narizes se
encontram e ele agarra meus quadris, mantendo-me quieta. Ele me
deita na cama e me olha, ao mesmo tempo em que estou tentando
controlar a minha respiração, meu coração parece prestes a sair
pela boca. Aos poucos, vou me acalmando. — Isso, boa garota.
Ele volta sua mão para a posição anterior, seus dedos em mim
novamente. E vai se movendo até que encontra o ângulo certo, o
movimento e o ritmo ideal. Minhas pernas estão tremendo quando
ele aumenta a pressão. Então, ele me imobiliza com seu corpo,
impedindo-me de me mover. Sinto as paredes se apertarem em
torno dos dedos dele, meu corpo todo se contorce e estou chegando
ao ápice. Andras sabe disso e tira seus dedos de mim novamente.
Quero matá-lo dessa vez.
— Andras... — peço. Minha voz sai muito necessitada.
— Eu deveria te punir por estar falando sem que eu tenha te
perguntado algo, não deveria? — Aceno positivamente porque sei
que, se abrir a boca agora, tudo que vou fazer é implorar para que
ele me foda. — Mas sabe qual o problema? É que eu adoro ouvir
você gemendo meu nome. Me diga o que você quer.
Ele coloca as mãos nas minhas coxas, cravando os dedos
enormes na minha pele.
— Quero que você me deixe gozar.
— Como você desejar — ele responde.
Ele torce o meu mamilo e, em seguida, me puxa pelos quadris,
colocando sua boca no meio das minhas pernas outra vez. Basta
algumas lambidas para que eu esteja às margens de um orgasmo
novamente. Eu gozo com a sua boca em mim, então Andras limpa a
boca com a palma da mão e me encara quando faz isso.
— Vamos mudar um pouco as coisas, agora você pode falar,
porém precisa ficar sempre de olhos fechados. Não os abra até que
eu mande, entendeu? — Faço o que ele pede. Sinto suas mãos nas
minhas pernas, seu corpo contra o meu e o modo como ele esfrega
seu pau na minha entrada. — Me diga o que você quer.
— Que você me fo... — Eu nem consigo terminar a frase
porque meu marido coloca sua língua na minha e me preenche
completamente. Não só na minha boca, ele também coloca seu pau
em mim, e isso faz as minhas costas arquearem e meus braços se
contraírem contra a corda, enquanto ele passa a entrar e sair de
dentro mim. Meu orgasmo chega rápido, contudo se estica, se
multiplica, na medida que meu marido continua me invadindo, cheio
de paixão e vigor. Não há nada que eu queira mais nesse momento
do que abrir meus olhos e encarar aquele seu rosto lindo, os olhos
que devem estar vidrados de prazer, mas eu não posso fazer isso.
Nem posso tocá-lo direito. Ainda assim, estar amarrada tem suas
vantagens, isso significa um nível de confiança que só ele me
passa, e a tensão do que não posso fazer aumenta o meu prazer.
— Porra, você é tão perfeita, amor... — ele murmura, enquanto
sai de dentro de mim quase totalmente e depois move seus quadris
para a frente, enfiando-se novamente. Eu quase engasgo com o
movimento e minhas pernas se apertam ao redor dele de forma
involuntária.
— Você é lindo! E muito gostoso. Não há mais ninguém no
mundo pra mim, além de você.
— E nunca vai haver — ele diz, fodendo-me com mais força.
— Nunca! — respondo gritando, enquanto sinto que estou
sendo partida ao meio pelo tanto que ele se afunda em mim. Ele
continua me fodendo até que somos apenas prazer, jogados na
cama. — Por que ainda está de olhos fechados? — ele questiona.
— Porque você ainda não me disse que já posso abri-los —
respondo.
— Tão obediente... — ele diz me beijando. — Abra seus olhos,
amor, quero que você veja o quanto me faz feliz.

O casamento de Ayumi é lindo, simplesmente lindo. Ela entra


usando um hanbok, uma roupa tradicional coreana. A dela é
vermelha, a de Gunter azul e, pelo que entendi, as cores
representam o equilíbrio entre as energias dos noivos. Além das
madrinhas e padrinhos, os pais dela e os de Gunter também usam
vestes tradicionais, que combinam com as da noiva. Além do
hanbok, Ayumi está maquiada e tem pontinhos vermelhos pintados
no rosto, que também são um costume local importante. Os pontos
servem para protegê-la contra espíritos malignos. Penso em como
já tivemos todo o azar de uma vida nos últimos anos, porém fico
torcendo para que os pontinhos cumpram seu papel e minha amiga
tenha uma união e uma vida livre de qualquer problema. A
cerimônia é celebrada, eles trocam seus votos. Os de Ayumi falam
sobre amor, devoção e honra e suas palavras fazem com que eu
olhe para Andras, que me diz um “eu te amo” sem som. Embora os
votos de Ayumi tenham sido lindos, os de meu amigo Gunter Sadik
realmente chamam atenção.
— Eu descobri que estou descumprindo uma tradição
importante na cultura da minha noiva. Tradicionalmente, o noivo
presenteia seus sogros com um ganso. No início, eu pensei que não
fazia sentido que vocês estivessem me entregando essa mulher
maravilhosa e ganhando um ganso em troca, mas também aprendi
que gansos acasalam pra vida toda e que o gesto simboliza o
compromisso de toda a vida com a noiva. Então, decidi que gostaria
de fazer isso — ele diz, mostrando uma pequena estatueta de
madeira que tira de seu paletó, entregando-a aos pais de Ayumi. —
A filha dos senhores é o amor da minha vida e, agora, bem, vocês
tem um ganso, não podem pedi-la de volta.
Isso faz com que risos se espalhem pelo jardim dos pais de
Ayumi, e eles se beijam enquanto todos nós assistimos à bela união
de um casal que se ama. Greta faz seu discurso em coreano,
porque, claro, ela aprendeu isso entre as aulas de esgrima, ou, pelo
menos, é isso que Ayumi diz, implicando com ela e nos fazendo rir.
Meu discurso é mais breve e foca em como Ayumi, de fato, merece
toda felicidade do mundo e na forma como Sadik tem sorte por tê-la
em sua vida.
— Eu estava pensando em como não fizemos votos no nosso
casamento — digo a Andras quando estamos dançando. Optamos
pelo protocolo da igreja católica, o “prometo amá-lo e respeitá-lo...”.
— Então, gostaria de fazer os meus agora.
— Ok, eu estou pronto pra ouvi-los — ele diz, segurando
minha cintura e levando meu corpo para perto do seu.
— Obrigada por me amar em todos os momentos,
especialmente naqueles em que duvidei de mim mesma. Por ser o
pai do meu filho, o príncipe encantado dos meus sonhos e o meu
companheiro.
Andras me beija e depois pressiona sua testa contra a minha.
— Eu vou sempre te amar, Milena. Mesmo e especialmente
quando você duvidar de si mesma, ou da gente. Se você
esquecesse mil vezes, eu ainda estaria do seu lado as mil vezes,
esperando que você lembrasse de mim novamente. Porque somos
nós dois e nada vai ficar no nosso caminho nunca. Eu amo você.
— Eu amo você. — respondo, beijando-o uma vez mais.
De repente, Greta pigarreia e diz, interrompendo nosso beijo:
— Sinto muito interromper toda essa demonstração pública de afeto
que, provavelmente, vai matar metade dessas pessoas por
hiperglicemia, só que a Ayumi saiu correndo pro banheiro e precisa
de nós.
Andras me solta e diz que continuamos depois. Ainda estou
pensando em seu sorriso quando entro no banheiro e encontro
Ayumi vomitando na pia.
— Ayumi, está tudo bem?
— Acho que estou grávida. Quer dizer, eu estou grávida. É
isso que dizem os palitos com xixi — ela conta, limpando o rosto.
— Você também está grávida?! Puta merda! — grito
comemorando.
— Fale baixo, ninguém sabe. O Gunter não sabe. Eu fiz um
teste mais cedo, depois que até as flores do casamento me fizeram
enjoar. Espere um minuto, como assim “você também?”, você vai ter
outro bebê?
— Não — respondo. Ayumi gira a cabeça na direção de Greta,
que está com a sua melhor expressão de sonsa.
— Não acredito! — minha amiga recém-casada diz.
— É, é. Estou grávida. Dá pra você limpar sua boca direito? Se
eu vomitar dessa forma, vou deixar meu filho na porta de uma igreja.
Isso nos leva a risadas e, então, eu ajudo Ayumi, oferecendo
toalhas de papel. Ela passa mais água no rosto enquanto Greta
abre a bolsa e pega seu kit de maquiagem emergencial.
— Venha aqui, me deixe tentar dar um jeito nisso. Você tem
maquiagem do nariz pra cima e nada na parte de baixo, parece que
uma máscara ficou presa no meio do seu rosto. — Ela retira um
pouco do excesso de maquiagem na parte de cima do rosto de
Ayumi e aplica uma camada de base.
— Sabe o que acabei de pensar? Nossos filhos vão crescer
juntos e ter idades próximas — comento.
— E vão ser melhores amigos — Ayumi diz sorrindo.
— Deus, quando nossa vida se tornou uma daquelas novelas
que a Milena assiste? Casamentos. Bebês. O que mais falta? —
Greta questiona. Apesar de seu tom de descrença, ela está
sorrindo.
— Nada. E nunca vai faltar nada enquanto estivermos juntas
— respondo, abraçando as minhas amigas. Esperamos que Ayumi
se recomponha e voltamos para a pista de dança.
Estamos mais fortes, melhores e vamos continuar assim
enquanto tivermos umas às outras. Deva não nos destruiu, ela nos
mostrou a importância do elo que temos, de saber distinguir o que é
verdadeiro do que não é. E isso é verdadeiro. Nossa amizade, o fato
de que seguirmos em frente, apesar de tudo. Vejo Andras parado
me encarando com as mãos no bolso do terno, no meio do salão,
com o sorriso que faz com que eu me sinta a mulher mais amada do
mundo inteiro. Ele caminha até mim e, segurando a minha mão, me
leva para longe da visão de todos os convidados.
— O que houve, meu amor? Quer me dizer alg... — Sou
interrompida pela intensidade dos seus lábios, que encontram os
meus.
Andras me beija afetuosamente, apaixonadamente, quase
como se não nos beijássemos há muito tempo. Ele me beija com
todo seu coração. Eu perco o fôlego, mas retribuo, porque só ele faz
com que eu me sinta assim, como se o mundo desaparecesse ao
meu redor. Sempre que ele me beija, é como se só nós dois
existíssemos no mundo inteiro e o amor que sentimos um pelo
outro.
— Eu precisava muito fazer isso, Sra. Quotar.
— Eu te entendo perfeitamente, Sr. Quotar — eu me resigno a
dizer, sorrindo e afundando meu rosto em seu peito, enquanto meu
marido me envolve em seus braços.
Ele é verdadeiro. Nosso amor é real. E nada nem ninguém
conseguirá destruir isso.
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Danielle Viegas Martins nasceu em São Luís - MA, mas
mudou-se para a cidade do Rio de Janeiro em 2001. Tem formação
em Letras, Português - Inglês e Mestrado em Educação. Desde
2010, Danielle é funcionária pública da UFRRJ.
A autora começou a escrever, publicando capítulos semanais
do livro “Estarei ao seu lado” na plataforma Wattpad em 2017, onde
escrevia sob o pseudônimo Tess91 para se preservar caso os
leitores não se interessassem por seus livros. Contudo, suas
histórias já ultrapassaram dezoito milhões de leituras online.
A autora sempre foi apaixonada por livros e entre os escritores
favoritos estão Aluísio de Azevedo, Ganymédes José e Charlotte
Brontë. Todos os livros da autora possuem um personagem Gustavo
em homenagem ao seu filho.

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