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SER C O N VIVER TRA NSFO RMAR

É tempo de recomeçar
Podemos entender que ciclos começam e terminam e sempre adubam novas
oportunidades. Saiba como receber as belezas que brotarão em seu caminho

Panela de afetos Positividade tóxica O verão chegou


Quem ensinou Precisamos acolher a alegria Ideias para desfrutar a
você a cozinhar? e a tristeza que nos habita estação mais solar do ano
DEDICO A | PERTENCE A:

@VIDASIMPLES
MARCELLA BRIOTTO
gosta de desenhar
desde criança. Depois de
trabalhar como designer
em revistas, hoje
responde ao chamado
das tintas e das cores,
seja na madeira, no
papel ou nas paredes.
Seu instagram
é @marcellabriotto
26

40 32
SER • CONVIVER • TRANSFORMAR • 2021 NÚMERO 238

NESTA EDIÇÃO

18 C A PA
É tempo de recomeçar

26 H O R I ZO N T E S
Gratidão ao mar

32 C O M E R
Quem te ensinou a cozinhar?

36 P E N S A R
Os dois lados da positividade

40 B E M - E STA R
O verão é a vida que pulsa
46 E X P E R I Ê N C I A
O que aprendi com as cicatrizes

TODO MÊS

06 C A RTA A O L E I TO R
18 07 M E N S A G E N S
08 C A L E I D O S C Ó P I O
57 E N T R E N Ó S
58 P O E S I A PA R A O D I A A D I A

COLUNAS

50 PENSANDO BEM 54 CLARO INSTANTE


Eugenio Mussak Kaká Werá

51 OUTROS OLHARES 55 DIÁLOGOS PLURAIS


Cris Guerra Joice Berth

52 CONVERSA 56 AFETOS
EM FAMÍLIA Ana Holanda
Lua Barros

53 CAMINHO
46 DAS VIRTUDES
Gustavo Tanaka
CARTA A O LEITOR

PUBLISHER | CEO
Luciana Pianaro

DIRETORA DE PERFORMANCE

Viver o tempo
Isis de Almeida

CONSELHO
Eugenio Mussak, Fábio Gandour

quando aquele pacotinho de 3.060 kg chegou, fiquei DIRETORA DE CONTEÚDO


Ana Holanda
encantada com cada uma de suas partes. Me demorava
observando os dedinhos dos pés e das mãos, os olhi- DIRETOR DE OPERAÇÕES E DADOS
Rodrigo Fernandes
nhos que começavam a se abrir e a boquinha fazendo
barulhinhos dos mais fofos – e dos mais altos e urgentes
também. Vi cada uma daquelas dobrinhas de leite apa-
recerem. Em duas ou três semanas, algumas roupinhas
(desde 2002)
pareciam ter encolhido, mas eram só a prova do tempo
EDITORA-CHEFE Débora Zanelato
no corpinho do meu filho. Perdi as contas de quantas EDITOR DE ARTE Tiago Gouvêa
vezes fui colchão de neném para as suas sonecas, expe- REVISÃO Alexandre Carvalho
riências que colocam a gente num tempo fora do tempo. www.vidasimples.co

Aquela criaturinha me trazia tanto encantamento que


meu coração se apertava só de imaginá-la crescida. Eu PORTAL E MÍDIAS

queria parar o calendário para que tal experiência não EDITORA ONLINE Margot Cardoso
REPÓRTER Gisela Garcia
escapasse de mim. Mas a sabedoria do corpo não se do- COORDENAÇÃO MKT DIGITAL Amanda Alves
bra aos desejos e, claro, meu filho foi crescendo, cada ASSISTÊNCIA MKT DIGITAL Giovanna Stanzione
COMUNIDADE Paula Lima
dia um pouquinho mais. Quando me dei conta que meu
medo de não aproveitar o bastante continha a crença ÁREAS COMPARTILHADAS

da perda, de ficar sem, algo mudou. Pude entender que EXPERIÊNCIA DO CLIENTE Phillippe Almeida
PRODUTO Rodrigo Piccin
nossa caminhada seria um acumulado de histórias, de PRODUTOR DE CONTEÚDO ESPECIAL Horácio Coutinho
dias e de momentos que, mesmo passando, seguiriam CIRCULAÇÃO Andressa Apolinário
DESIGN Ivan Roman
compondo nossa memória. A passagem do tempo não ÁUDIO E VÍDEO Aluisio Santos
me faria perder as fases; traria apenas a consciência de DADOS Samara Toralbo

que cada dia tem a sua importância. Um ciclo se fecha FINANCEIRO Priscila Bispo
ATENDIMENTO AO LEITOR Joyce Oliveira e Julia Moss
para que outro se abra, e é assim em tudo no mundo.
Na planta que morre e aduba o solo para outras semen- IMPRESSÃO E ACABAMENTO
Oceano Indústria Gráfica e Editora
tes. No Sol que adormece para a Lua brilhar. No bebê
que para de balbuciar para falar suas primeiras pala- + VIDA SIMPLES

vrinhas. Ter um filho me lembrou que estamos sempre www.vidasimples.co

recomeçando, independentemente da idade. Que tudo VIDA SIMPLES ISSN 977167876000, ano 19, edição 238 é uma
termina, mas depois recomeça de outro jeito – da situa- publicação mensal da Vida Simples Participações Ltda (CNPJ:
30.487.265/0001-27), Av. Brigadeiro Faria Lima, 3729, 5º andar, Itaim
ção mais banal à mais complexa. Mais um ano chega ao Bibi, São Paulo – SP. CEP: 04538-905 • Matrícula no. 151, Livro B, do 3o
fim, também adubando novos começos. Que você possa Cartório de Títulos e Documentos/SP • www.vidasimples.co

semear, também, um novo tempo.


MISTO

Vida Simples possui o selo EuReciclo, que garante a


FOTO DANIELA PICORAL

compensação do impacto de nossas embalagens por


meio da logística reversa, seguindo a legislação ambiental
brasileira e normas ESG. Destine para a reciclagem o
plástico que envolve sua edição.
Débora Zanelato,
Editora-chefe Vida Simples ® é uma marca registrada que pertence
@deborazanelato à Vida Simples Participações Ltda.

6
M E NS A GENS

Feita para mim contracapa. Hoje enfeitei meu escri- vida simples por aí
Assinei a revista por muitos anos tório com as imagens. Fiquei encan- Adoramos ver cada edição conquistando
até que, por algum motivo, parei. tada. - Nanda Moli nossos leitores. Poste uma foto usando a
Voltei a assinar nas minhas férias hashtag #revistavidasimples no Instagram
de julho e a felicidade que isso me Mudança de vida e compartilhe seu registro do mês.
trouxe é imensa. Quando a primei- Vida Simples mudou a minha vida.
ra revista chegou na caixinha, fiquei De verdade. Muito bom conectar ain-
até emocionada! Sentei na escada e da mais com vocês. - Diego Dias
li metade da revista. Hoje abri outra
e sempre há uma reportagem feita Vida longa à revista
pra mim. Parabéns! - Milenie Na edição 234, gostei do texto de Ho-
rácio Coutinho sobre seu pai. Desta-
Obrigada, Vida Simples que também para a matéria “Permi-
Conheci a revista na edição 216 e ta-se desacelerar”. Vida longa para
sou apaixonada pelas ilustrações de Vida Simples! - Célio Romais @fernanda.codorniz

fale com a gente

ATENDIMENTO AO LEITOR PARA ASSINAR E COMPRAR


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C A L E I D O S C Ó P I O

Mais de 60% da força de trabalho


da Rede de Sementes do Xingu
é formada por pessoas indígenas,
principalmente mulheres

8
VAI TER
FLORESTA!
Rede de Sementes do Xingu une
agricultores e ambientalistas
para restaurar biomas brasileiros
gerando oportunidades sociais

aproximar produtores rurais,


povos indígenas, governo, pes-
quisadores e moradores urbanos
da Amazônia e do Cerrado, no Mato
Grosso, não é tarefa fácil. Mas é jus-
tamente o que realiza a maior rede
de coletores de sementes nativas do
Brasil. Há quase 15 anos, a Semen-
tes do Xingu e parceiros, como o Ins-
tituto Socioambiental (ISA), reúnem
setores que em geral não se conver-
sam para que, juntos, possam recu-
perar áreas degradadas e valorizar
a autonomia dos povos da terra, que
também integram o projeto. “Os co-
letores são um leque de diversidade,
compartilham saberes, e é por isso
que a Rede deu tão certo”, diz a bió-
loga e coletora Milene Alves. A téc-
nica utilizada por eles é a muvuca,
uma mistura de sementes com adu-
bação verde que concilia práticas de
restauração com as do próprio agri-
cultor. “É uma muvuca de pessoas
que faz muvuca de sementes”, brin-
ca. Em constante formação, a coleta
no Xingu é a maior fonte de inspira-
ção para outras redes, como a Rede
de Sementes do Vale do Ribeira, com
foco na restauração da Mata Atlânti-
ca em cidades de Minas Gerais, Rio
FOTO CAROL QUINTANILHA/ISA

de Janeiro e São Paulo, unindo famí-


lias quilombolas pelas florestas do
futuro. - IZABEL DUVA RAPOPORT

REDE DE SEMENTES DO XINGU


sementesdoxingu.org.br

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CAL EI DOSCÓPIO

A MAGIA
DAS ERVAS
Produtos para o autocuidado
energético e espiritual resgatam
a força da ancestralidade
que a natureza carrega

no jardim da casa de sua avó,


Karla Lopes, ainda criança, co-
lhia ervas para incluir chás na lan-
cheira da escola. “Também adora-
va tomar banhos e ser benzida por
ervas de proteção”, lembra a jor-
nalista e dona da marca Lunnare
Co. Fundada em 2018, ela come-
çou com a produção de bastões de
ervas colhidas no mesmo quintal
da infância e sprays energéticos.
Hoje, além deles, Karla oferece in-
censos naturais, óleos, velas per-
fumadas, cristais, bálsamos, entre
outros. “Um convite para que você
se olhe, se cuide e acolha as face-
tas da sua energia com a força das
ervas e da aromaterapia”, diz. - IDR

LUNNARE CO.
lunnareco.com

PARA DESCOMPLICAR A TERAPIA


ego, superego, ato falho. Conceitos como esses ficaram impregnados na
cultura popular após as descobertas de Sigmund Freud sobre a mente
humana. Suas teorias, porém, nem sempre foram bem interpretadas. Para
nos ajudar a entendê-las, o jornalista Alexandre Carvalho lança Freud sem
traumas (LeYa Brasil). Com linguagem acessível e bem-humorada, mas sem
perder a profundidade do tema, a obra ainda fala de como Freud renasce em
tempos atuais. “Afinal, o autoconhecimento de uma boa terapia é um chão
FOTOS DIVULGAÇÃO

que nos permite lidar com nossas ansiedades”, afirma o autor. - IDR

LEYA BRASIL
leya.com.br

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EXPERIÊNCIAS SENSORIAIS
Um casarão recém-reformado na Serra da Mantiqueira, em
São Paulo, encanta e aflora os cinco sentidos de quem entra no lugar

reunidas à beira do fogo. Assim fogueira de chão. “Começamos a so- nectarmos com o aqui e agora.” En-
surgiu A Mercearia Sensorial, das nhar juntos, pensar em uma nova vi- tre os pequenos grandes prazeres da
amigas e sócias Paloma Lopes e Nu- da mais perto da natureza, com mais casa, há mesas pelo jardim e varan-
bia Ferraz. “Éramos vizinhas em São qualidade e presença. E assim o so- da e uma linda paisagem. Nas prate-
Paulo, morávamos uma de frente pa- nho foi se transformando em pro- leiras, itens feitos por artesãos, artis-
ra a outra em uma vila de casinhas. jeto”, diz. Desde o início, a ideia de tas plásticos e pequenos produtores
Quando chegou a pandemia, natural- pausa no agito dos grandes centros nos fazem perder a noção do tempo.
mente nossa convivência foi poten- é primordial e, para que ela se con- E lembrarmos de que não é só a cha-
cializada”, conta Paloma, sobre os en- solidasse como um abraço a quem ma do fogo que aquece a alma. - IDR
contros que elas mantiveram quase vem de longe, a dupla usou como di-
todas as noites, ao lado dos maridos, retriz nossos órgãos sensoriais. “Os A MERCEARIA SENSORIAL
também amigos, ao redor de uma cinco sentidos nos ajudam a nos co- @amerceariasensorial
FOTO MORENO BASTOS

Nas montanhas de Santo Antônio do Pinhal, A Mercearia Sensorial proporciona pequenos prazeres para os olhos, olfato,
tato e paladar. E também aos ouvidos, sempre ao som de uma boa trilha sonora, que inclui o canto dos passarinhos

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CAL EI DOSCÓPIO

BONECOS
DA TERRA
Foi brincando entre as formigas
que a educadora Rauenna Lima
criou a Gravetos Animados e
deu vida a seres encantados

o que você encontra quando


olha para o chão? Na grandeza
da imaginação de Rauenna Lima,
há um mundo todo para criar e va-
lorizar. “Foi pelo chão que vi nas-
cer a vontade de criar seres en-
cantados que ganhassem vida e
animassem um pouco esse plano
terreno, que pudessem contar as
magias e sabedorias com que a na-
tureza, a infância e a nossa cultura
nos presenteiam”, descreve a cola-
gista e animadora de gravetos. Seu
primeiro boneco foi feito há qua-
se dois anos em Aratuba, na Bahia,
inspirado numa postagem do pro-
jeto Ser Criança é Natural, e tam-
bém na lembrança de sua infância
no Maranhão, ao lado da avó, “uma
grande fazedora de bonecos”. “En-
tão, não parei mais e me vi rodea-
da de gravetos. Era só eu olhar pa-
ra o chão que um ser encantado
nascia”, revela. E assim começou a
brincar sem parar. Ao lado do com-
panheiro, Júnior Lopes, Rauenna
cria histórias, fotografias e uma
série de vídeos, já até apresenta-
dos no Sesc São Caetano, e reali-
za oficinas para crianças e pais on-
de trabalha, no espaço Terracota.
Também compartilha seus inven-
tos, mostrando que, para brincar,
FOTOS JÚNIOR LOPES

basta ter tempo e relação. - IDR

GRAVETOS ANIMADOS A partir das brincadeiras tradicionais e da cultura popular brasileira, projeto
@gravetos_animados confecciona bonecos de gravetos e promove uma infância mais divertida e feliz

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MEMÓRIA
CIRCENSE
Benjamim de Oliveira é
celebrado na série Ocupação
Itaú Cultural, que exalta
a arte e a cultura brasileiras

a 54ª ocupação itaú cultu-


ral contempla a vida e a obra
de Benjamim de Oliveira (1870–
1954), um dos mais importantes
palhaços do Brasil. Artista múlti-
plo, foi também ginasta, acroba-
ta, músico, cantor, dançarino, ator,
autor de músicas e peças teatrais
e diretor de companhia. Para co-
nhecer sua trajetória, vale visitar
a exposição física dedicada a ele
na instituição, em São Paulo, so-
mada à imersão digital. Também
passaram por lá artistas e pesqui-
sadores da cultura, como a escri-
tora Sueli Carneiro e o poeta Paulo
Leminski. Histórias de pessoas que
fazem nossa História. - IDR

OCUPAÇÃO [1]

itaucultural.org.br/ocupacao/
FOTO 1. FOTO ACERVO ERMINIA SILVA; 2.JULIE MOLLIVER/UNSPLASH

[2] APP CONECTA PESSOAS E SERVIÇOS


em curitiba, uma nova plataforma simplifica a relação entre clientes
e prestadores de serviços. Lançada pelos empreendedores Fernando
Balbino e Júlio Cordeiro, a FixToc oferece indicações de profissionais para
casas, como pintor e consertos em geral; para carros, como mecânico, ele-
tricista e estofador, e para pessoas, como nutricionista, clínico geral e ser-
viços para festas. O objetivo é facilitar a busca de clientes por soluções rápi-
das e proporcionar tecnologia, acesso e renda aos prestadores de serviços
e autônomos. “Ficou prático para todo mundo”, descrevem os sócios. - IDR

FIXTOC
fixtoc.com

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CAL EI DOSCÓPIO

UM CAFÉ COM KARINE DURÃES

COMIDA DE CRIANÇA
A introdução alimentar dos pequenos pode ser um momento de aprendizados
(para eles e para nós) e de uma relação muito mais saudável com cada refeição - LUCIANA FUOCO

karine durães é uma nutricionista NUM MUNDO ONDE COMEMOS POR POR QUE “RASPAR O PRATO”
ímpar pela sua sensibilidade e co- COMPULSÃO, OU TEMOS UMA RE- NADA TEM A VER COM A BOA ALI-
nhecimento acerca da infância e do LAÇÃO DESEQUILIBRADA COM O MENTAÇÃO?
comportamento alimentar infantil. ALIMENTO, COMO PODEMOS MU- Quando estou ajudando uma crian-
Olha para o comer como algo que DAR ISSO AINDA NA INFÂNCIA? ça a se alimentar e peço para ela não
vai muito além das calorias ade- Na verdade, é na infância que é ouvir o sinal que o corpo dela dá,
quadas que a criança ingere. Para iniciada a construção da relação que é para ela parar, e digo “coma
ela, comer bem está longe de ser que a gente tem com a comida. Se até o final”, estou ensinando a ela
“raspar o prato”. Além de condu- o adulto, hoje, tem uma relação um buscar uma referência externa para
zir atendimentos individuais, em pouco mais desequilibrada com o entender o quanto ela deve comer.
grupo e dar cursos online, Karine alimento é porque, durante a sua Quando pedimos para uma criança
agora lança seu livro, Comendo Fe- infância, foram construídos con- superar a própria necessidade de
liz – Guia da alimentação infantil do ceitos e comportamentos alimen- consumo alimentar e raspar o pra-
nascimento até os 7 anos (Matres- tares que não são mais úteis ago- to o tempo todo, promovemos uma
cência), que é um verdadeiro oásis ra. Então, o nosso desafio é tentar desconexão da criança com seu
de informação sobre a alimentação entender que recursos a criança próprio corpo. E essa desconexão
das crianças. Seu objetivo, sempre, que estamos criando agora preci- tira da criança a maior proteção que
é orientar famílias para que pos- sa ter para desenvolver uma boa ela tem ao excesso ou falta de peso,
sam conduzir suas crianças – e a si relação com a comida. E isso passa que são os sinais que o corpo dela
próprias – a uma relação feliz com pelo entendimento de cada núcleo dá quando está com fome ou sacia-
a comida, mais livre e satisfatória. familiar, de por que fazem determi- do. O adulto precisa confiar.
E isso passa pelo conhecimento até nadas escolhas e por que comem
daquilo com que não é preciso se de determinada maneira, além de COMO DISSOLVER O MITO DA
FOTO DIVULGAÇÃO

preocupar. Segundo Karine, antes dar oportunidade para que não se- CRIANÇA “RUIM PARA COMER”?
de tudo, é preciso observar amoro- jam criadas crenças negativas para Eu acho que o primeiro passo para
samente nossas crianças. o desenvolvimento. desfazer essa ideia de “ruim para

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Eu convido os pais a se concentrarem no olho do bebê:
quando ele pega o alimento, quando ele mastiga.
É um olhar de muita surpresa, encantamento

comer” seria abrir mão da ideia de POR QUE É TÃO IMPORTANTE FA- te possa aprender a aproveitar as
que o corpo ideal de uma criança LAR MAIS E SE APROFUNDAR NA coisas simples da vida, como, por
tem uma faixa muito específica de RELAÇÃO COM A COMIDA? exemplo, fazer uma refeição.
peso. Na verdade, dentro da ciên- A nossa relação com a comida é
cia, existem corpos saudáveis de parte da nossa relação com a vida. O QUE A INTRODUÇÃO ALIMENTAR
crianças de vários tamanhos dife- Quando uma criança aceita se DOS NOSSOS FILHOS NOS TRAZ
rentes e, nós, como seres huma- aventurar para experimentar um COMO CONVITE?
nos, temos nossa individualidade. alimento novo, talvez seja mais Eu convido todo mundo que vai
Então, talvez, o primeiro passo fácil ela aceitar se aventurar para, começar uma introdução alimen-
seria a gente legalizar todos esses de repente, tentar um pulo novo. tar a se concentrar no olho do seu
corpos, começar a combater esses Quando eu consigo ter flexibili- bebê: quando ele pega o alimento,
pequenos julgamentos do dia a dia: dade no meu cardápio e aceitar quando ele mastiga. É um olhar
“ah, como é magrinho” ou “como é vários alimentos diferentes, pro- de muita surpresa, encantamen-
pequenininho”, “ah, que fortinho”, vavelmente também tenho mais to. Então, a introdução alimentar
“nossa, esse bebê está mamando flexibilidade na minha vida. A re- pode nos dar mais uma chance de
demais, não vai comer comida”. lação com a comida é uma foto da conhecer uma série de alimentos
Outra maneira de ressignificar nossa relação com a vida, e a gente que talvez a gente não tenha expe-
essa coisa do “ruim para comer” merece que essa relação seja satis- rimentado, não tenha cozinhado,
é entender que a criança boa para fatória, prazerosa e, principalmen- talvez a gente nunca nem tenha
comer é aquela que consegue ter te, feliz. Então é urgente falar sobre pegado na mão. Aí, depois desse
autonomia adequada para fazer nossa ligação com a alimentação processo de conhecer vários ali-
suas escolhas de acordo com o seu porque é isso que vai nos possibili- mentos, eu posso contribuir para
desenvolvimento. E, às vezes, isso tar abraçar essa relação sem medo, um cardápio mais repleto. Outra
passa também pelo negar a comi- com mais liberdade, para que a coisa que a introdução alimentar
da. Aliás, isso deveria ser muito nossa experiência de viver seja convida é ao cuidado com a nossa
mais normalizado do que é. mais satisfatória, para que a gen- própria alimentação.

15
CAL EI DOSCÓPIO

VIDA DE
FLORISTA
Aos olhos de Juliana Mazi Leme,
a natureza jamais poderia ser
descartada, mas refeita em
arranjos desidratados de flor

seu ofício, ao mesmo tempo


artístico e artesanal, é dar vi-
da nova a flores e plantas que já
secaram. “É despertar sentimen-
tos bons para que as pessoas tam-
bém possam ver beleza na natu-
reza que poderia ser descartada”,
afirma Juliana Mazi Leme, do-
na da marca Una Floristería, que
produz arranjos e buquês des-
se tipo de flor. O nome de origem
espanhola, cuja tradução é “uma
floricultura”, celebra a tempora-
da que ela passou em Madri, onde
trabalhou com chapéus que usa-
vam flores secas e preservadas co-
mo adornos. De volta ao Brasil, re-
solveu dar forma às boas lembran-
ças da cidade e transformou um
dos quartos de sua casa em ateliê.
“Mas a produção não se resume
a esse espaço. Ela começa numa
ideia e sentimento, passa pela es-
colha, pelo tratamento (delicado
e complexo) de cada flor, pelo ga-
rimpo de acessórios que comple-
mentam a criação, até finalmen-
te nascer um arranjo”, descreve
a florista. “Os secos nem sempre
são perfeitos, assim como nós. Ca-
da buquê ou arranjo é único.” E a
maior recompensa, para ela, é ob-
FOTOS JULIANA MAZI LEME

servar o sorriso que acompanha


cada entrega. - IDR

UNA FLORISTERÍA Nas criações, há itens inusitados, como capins, algodão e Protea, uma das plantas
@unafloristeria mais antigas do mundo. E o melhor: mesmo secas, também embelezam a casa

16
Abra-se para a nova Vida Simples

Aponte a câmera do
seu celular para este
QR code e comece já
a sua nova jornada
SER | CA PA

É tempo de recomeçar
Antes de seguir, precisamos acolher que tudo tem seu fim. Ciclos
começam e terminam, e novas surpresas sempre vão se apresentar
TEXTO DÉBORA GOMES ILUSTRAÇÃO MARCELLA BRIOTTO • @MARCELLABRIOTTO

entre idas e vindas, vivi uma história de ensão dos reais motivos me fez demorar um
amor bonita, que durou quase 12 anos. Eu bom tempo para aceitar. E, mais do que isso,
sempre tive a convicção de ter encontrado a no fim das contas tudo acabou respingando
pessoa certa, com quem eu passaria minha em vários outros pontos da minha vida: en-
velhice em uma casa lilás, com rede na varan- trei em um período longo de tristeza, não pelo
da e um jardim florindo o ano todo, cheio de rompimento em si, mas pelos tantos traumas
margaridas e girassóis. Combinávamos em que uma única ação despertou em mim. Como
quase tudo: gostávamos dos mesmos lugares, naquela história de uma só gota d’água ser
tínhamos o mesmo filme preferido e sempre suficiente para transbordar um copo já cheio.
compartilhamos de um desejo de liberdade, Isso acontece mais do que imaginamos, prin-
de voar pelo mundo. O costume do tempo fa- cipalmente quando não somos nós a escolher
zia as coisas parecerem mais fáceis. E viver o momento de encerrar um ciclo. Temos di-
era muito mais confortável só pela certeza de ficuldade em aceitar que todas as coisas têm
existir alguém a quem eu sempre poderia re- seu início, seu meio e seu fim porque nos
correr quando as coisas dessem errado. apegamos muito a algumas histórias. E in-
Ano passado, no entanto, isso acabou. E eu ventamos desculpas, criamos situações que
confesso que, até hoje, não entendi muito bem justificam a quebra dos vínculos e passamos
o porquê. Foi tudo muito rápido, e quando a viver em uma linha tênue entre o passado
percebi a outra pessoa já tinha ido morar em e o futuro, nos esquecendo do presente. Aí já
outra história, deixando para mim a mágoa, era: insistimos em diversas coisas que já não
a dúvida, a solidão e a culpa. Uma danada de ressoam mais com a nossa realidade, nem com
uma culpa, insistindo em me dizer que, se eu os caminhos que vamos traçando ao longo da
tivesse feito diferente, escolhido não seguir vida porque não temos coragem de encarar a
minhas convicções, talvez as coisas não tives- finitude. E não percebemos o quanto essa difi-
sem tomado o mesmo caminho. No fundo, eu culdade em aceitar os encerramentos nos ma-
sabia que tinha terminado, mas a não compre- chuca e nos impede de alcançar algo novo.

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Somos apegados a momentos, situações e etapas da nossa vida, ao mesmo tempo em que muitas vezes não desfrutamos o agora
SER | CA PA

Eu falo assim, dando o exemplo de uma “Temos o apego e a ilusão de que pode-
relação afetiva. Mas me pergunto também: mos controlar tudo. E pensamos: ‘ah, eu
em quantos outros casos sentimos essa im- não queria que aquilo acontecesse, que
possibilidade de seguir, acompanhada do aquela história se encerrasse’”, pontuou
grande vazio que fica quando algo termi- Cristiane. Segundo ela, isso dificulta a acei-
na? Um trabalho do qual somos demitidos, tação da mudança dos ciclos da vida por-
nos obrigando a nos reinventar. Ou o luto que “quando ela nos impõe e mostra que
por alguém que amamos. Ou ainda uma não controlamos tudo, ficamos um pouco
mudança necessária de uma casa ou cida- perdidos”. O mesmo vale para aquelas situ-
de, deixando tanto para trás. Seja qual for a ações que não ressoam mais com nossa re-
situação, as palavras aceitação, coragem e alidade, mas vamos levando, empurrando,
paciência ficam dançando em minha cabe- por falta de coragem em colocar um ponto
ça sempre que penso nos diversos fins que final. É como se a gente sempre varresse
nos acompanham. E, talvez, um dos pontos toda a sujeira para debaixo do tapete.
mais importantes para encarar tudo com Enquanto nos mantemos apegados, fica-
mais serenidade seja manter o coração mos presos aos ciclos, justamente por essa
aberto, pronto para escrever as primeiras necessidade de ter tudo em nossas mãos.
linhas novas de nossos recomeços. É como Cristiane exemplificou: passamos

ACEITA QUE DÓI MENOS


Parece fácil, né? Mas eu sei que, na prática,
as coisas não funcionam desse jeito. Então
Por mais difícil que seja fechar um ciclo, quando
conversei com a médica e psicoterapeuta eu cultivo um estado de presença e desfruto
Cristiane Marino para tentar encontrar res-
postas. Ela me explicou que quanto mais
cada momento, as coisas se tornam mais
desconectados estivermos do nosso pre- simples do que quando estamos ausentes
sente, mais difícil será lidar com os finais.
“Nós não desfrutamos os momentos. E pen-
samos: ‘quando tal coisa acontecer eu vou muito tempo olhando só para uma janela
ser feliz’ ou ‘vou esperar por isso para con- fechada e não vemos uma porta bem do
cluir aquilo’”, diz. “Por mais difícil que seja lado, esperando para ser aberta.
fechar um ciclo, quando eu cultivo o estado Para ficar ainda mais claro compreender,
de presença, as coisas se tornam mais sim- nós também podemos comparar os ciclos
ples do que quando estamos ausentes.” de nossa vida com os ciclos da natureza.
E essa dificuldade de viver o presente Repare bem nas folhas de uma árvore,
pode ter relação com nos colocarmos sem- por exemplo: elas amarelam e caem entre
pre entre urgências. Tudo precisa ser rápi- o outono e o inverno, se preparando para
do, instantâneo e a velocidade das coisas renascer na primavera e vivenciar todo
nos priva de sentir de verdade cada dor e o verão para depois recomeçar tudo ou-
cada instante de alegria. Estamos sem tem- tra vez. É natural, é simples e cada passo
po para vivenciar a fundo as sensações e só desse processo é essencial para manter a
somos capazes de aceitar um fim quando vitalidade das coisas ao redor. Nada acon-
nos permitimos senti-lo, com todas as suas tece por acaso: até a folhinha seca que cai
dores ou libertações. Experimentando o de uma árvore frondosa tem sua função de
aqui e o agora, nos livramos um pouco da adubar o solo e prepará-lo para um novo
necessidade de controle. E assim, sem criar nascimento. “Quando a gente olha para a
expectativas e sem querer prever tudo, fica natureza e se conecta com ela, muda um
mais fácil aceitar o fluxo natural da vida. pouco essa visão que temos de fracas-

20
Quando algo chega ao fim, muitas vezes relutamos em reconhecer que todo ciclo termina, como é natural na lei da vida
SER | CA PA

so”, diz. Exemplo disso é o ipê-branco: uma tempo de despertar, de se amar, de ver que
árvore rara cuja floração dura três dias! a vida é muito linda, incrível. E que estar
Tem todo aquele processo de passar o ano nessa aventura do planeta Terra é maravi-
inteiro trabalhando, se preparando para lhoso”, completou Mariana.
florescer entre outubro e setembro e durar Esse tempo pode passar arrastado ou ser
tão pouco tempo. curto, nos ajudando a superar tudo bem
Observar essas pequenas coisas e a du- rapidinho. Outras vezes ele também nos
ração delas nos transporta para um lugar atropela e, quando percebemos, estamos
de mais compreensão e aceitação. Além de bem diante das mudanças que não esco-
nos mostrar na prática a impermanência lhemos, mas tão necessárias para nós. Foi
da vida e a nossa própria capacidade de assim comigo. Foi assim também com a
mutação. Não precisamos ter medo das Clareana Turcheti: ela é cineasta, mas não
mudanças e dos redirecionamentos que encontrou caminhos para trabalhar nessa
elas nos impõem. Afinal de contas, se isso área. A frustração e a sensação de tempo
tudo funciona tão bem na natureza, por desperdiçado desencadearam em Clareana
que não funcionaria para nós que também uma depressão e vários outros problemas
somos parte dela? de saúde – que só cessaram quando ela de-
cidiu virar a chave. “Eu passei a repensar
CORAGEM, QUERIDO CORAÇÃO
Mas isso tudo demanda de nós uma pala-
vrinha e tanto: coragem. Porque já sabemos
que encarar o fim de uma história não é
Encarar o fim de uma história não é simples.
simples. Mas, a partir do momento em que Mas, a partir do momento em que nos decidimos a
nos colocamos diante dela sem nossas ar-
maduras, decididos a virar a página e acei-
virar a página, o nosso coração começa a se sentir
tando que isso é o melhor a se fazer por nós mais livre e seguro para dar novos passos
mesmos, o nosso coração começa a se sentir
mais livre, seguro e pronto a dar pequenos
passos em direção a um recomeço, ainda minhas escolhas. Na época, estava namo-
que entre dores, feridas e lembranças. “Acei- rando um médico e ele me apresentou o
tar que uma energia não serve mais para universo da medicina”, me contou.
nós é difícil. E é importante trabalhar com Ela se encantou pela profissão e pela pos-
cada pessoa para que ela tenha coragem de sibilidade de ajudar outras pessoas. Em
enfrentar a situação que está estagnada e 2017, saiu da cidade onde morava e voltou
partir para um novo passo”, diz a terapeuta para a casa dos pais, em Barbacena (MG).
holística Mariana Sakamoto. Passou no vestibular de Medicina e tudo
Mariana me lembrou também que a cora- ia bem. Até que, em novembro do ano pas-
gem nada mais é do que a ação pelo cora- sado, sem esperar ou imaginar essa possi-
ção. E, quando agimos ouvindo a voz dele, bilidade, a vida impôs mais uma mudan-
temos a chance de ser mais assertivos e ho- ça: Clareana sofreu um Acidente Vascular
nestos com nós mesmos. Além disso, não Cerebral isquêmico. Foi um susto. “O AVC
podemos esquecer que cada pessoa sente quase me tirou a vida, mas sou insistente.
de uma maneira diferente. A dor que dói E aqui estou, sem os movimentos do lado
em mim não é igual à que dói em você. Te- esquerdo do corpo, lutando por mais um
mos ritmos de vida bem distintos. E aceitar recomeço”, ela me disse. E contou também
isso sem comparações e julgamentos é, de que o apoio e o afeto dos professores, da fa-
certa forma, um grande passo em direção mília e dos amigos foi essencial para conti-
à cura. “Cada um tem o seu timing, o seu nuar. Além do desejo de seguir vivendo.

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Mas recolher nossos pedaços, com coragem e estado de presença, pode nos apresentar oportunidades antes inimaginadas
SER | CA PA

PARA TODO MAL, A CURA TUDO NOVO, DE NOVO


Cristiane me explicou que essa vontade A psicóloga colombiana Gloria Hurtado
de passar pelo sofrimento também é uma escreveu uma crônica de que gosto muito:
forma de cura, e tudo se fortalece junto ao “Encerrando Ciclos”. Meu trecho preferi-
propósito de fazer as pazes com os encer- do é este: “Sempre é preciso saber quando
ramentos. “Por mais que um ciclo tenha uma etapa chega ao final. Se insistirmos em
sido ruim, doloroso e eu queira fechar tal permanecer nela mais do que o tempo ne-
período, preciso honrar aquele momen- cessário, perdemos a alegria e o sentido das
to.” E nós honramos o passado aceitando a outras etapas que precisamos viver. Encer-
presença dele como algo que fez parte de rando ciclos, fechando portas, terminando
nossa vida e nos ensinou bastante, mas já capítulos – não importa o nome que damos,
não nos pertence mais. E podemos fazer o que importa é deixar no passado os mo-
isso de diversas formas: escrevendo, nos mentos da vida que já se acabaram”.
expressando por meio da arte, de colagens, Ressignificar nossa história, fazer as pa-
da pintura… Conversando com nós mes- zes com nós mesmos e, mais do que nunca,
mos ou com algum amigo. Ou até mesmo acreditar em nossa capacidade de seguir
buscando a ajuda de um terapeuta. em frente, construindo lugares de afeto.
“Quando as pessoas viram a chavinha, é Todas essas direções existem para nos
comum também mudar alguma coisa na
aparência física, cortar o cabelo, eliminar
algum hábito antigo”, afirma Cristiane. São
pequenas ações usadas para marcar as
Podemos ressignificar nossa história, fazer as
transições como símbolos e provas concre- pazes com nós mesmos e, mais do que nunca,
tas de que, enfim, estamos mudando nos-
sa direção. E nos mostram de forma bem
acreditar em nossa capacidade de seguir em
clara a nossa capacidade de superação. No frente, construindo lugares de afeto
caso da Dra. Cristiane, ela sentiu o desejo
de contribuir com uma ONG para aceitar a
mudança de um ciclo e honrar o falecimen- lembrar ser só nossa a responsabilidade
to de uma pessoa querida. Já no meu caso, de passar por todas as fases da vida hon-
entrei para a terapia, voltei a correr e en- rando quem somos e prontos para ir adian-
cerrei um blog que estava travando minha te com coragem. E reconhecendo o nosso
escrita e me causando dor. Desde então, valor e os aprendizados de cada fragmento
toda a caminhada tem sido um reencontro de nossa trajetória.
bonito comigo mesma. “É bom ter alguém Novas histórias, ainda mais bonitas, sem-
ou algo que testemunhe, que seja uma pro- pre vão nos esperar ali na esquina. Como
va de que estamos superando uma fase de cantou Paulinho Moska, “Vamos começar
nossa vida”, observa a médica. colocando um ponto final. Pelo menos já
Vale lembrar que virar uma página não é é um sinal de que tudo na vida tem fim”.
nem nunca será na velocidade que deseja- Apesar do tamanho da dor ou do desafio,
mos. As memórias sempre podem voltar e a vida segue. E a gente sempre pode ter
nos encontrar no inesperado. O importan- força para recomeçar. Eu acredito. Desejo
te, nesses casos, é a forma como olhamos que você acredite também.
para elas, compreendendo os aprendiza-
dos e enxergando o passado por novos ân-
gulos, com mais alívio e menos dor. Assim,
DÉBORA GOMES encerrou uma porção de ciclos
o sofrimento diminui e abre espaços maio- neste ano. E se considera pronta para viver todas
res para a cura nos acompanhar. as novas aventuras e descobertas da caminhada.

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A vida tem sua capacidade de nos surpreender e podemos sempre ressignificar a nossa história e aprender a seguir
CO N VIVER | HORIZONT E S

Gratidão ao mar
Fotografias litorâneas revelam a alegria
e a graça dos encontros nestes espaços
tão democráticos de viver
TEXTO IZABEL DUVA RAPOPORT
FOTO KAREN EPPINGHAUS

FOTOS DIVULGAÇÃO

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FOTOS DIVULGAÇÃO

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CO N VIVER | HORIZONT E S

No início, a captura de cenas cotidianas era só um hobby. “Porém, logo a fotografia se tornou um importante instrumento
de realização pessoal ao me permitir estar mais próxima do nosso povo e contar suas histórias carregadas de afeto”

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acostumada desde cedo à compa- mar. “É ele que me ensina sobre o
nhia do mar, Karen Eppinghaus não movimento constante da vida, suas
tinha consciência do quanto ele es- mudanças e transformações. É ele
tava embrenhado em seu imaginá- que me lembra de olhar para o hori-
rio. Até que pessoas ao seu redor zonte em busca do novo. É nele que
observaram a presença constante deságuo as mágoas e tristezas, que
dele em seu trabalho fotográfico, peço a benção da deusa e me refa-
estimulando-a na criação e lança- ço”, revela a artista. “Nas imagens,
mento da sua série Na Beira do Mar, busco despertar um sentimento de
feita na costa do litoral da Bahia e esperança, de que a vida se renova
também na do Rio de Janeiro, onde a cada dia e que não é preciso muito
nasceu, cresceu e mora. “Como qua- para experimentar a alegria e en-
se todo carioca, tenho uma relação xergar a beleza nas coisas mais sim-
muito próxima com o mar. É como ples.” Tais como um pôr do sol na
se nossa própria identidade esti- praia, uma caminhada na areia ou
vesse intrinsecamente ligada à cul- um encontro de amigos à beira-mar.
tura de praia, que influencia nossa
forma de viver a cidade, de conviver
e se expressar”, conta ela, cuja per- KAREN EPPINGHAUS já fotografava com
cepção desse vínculo aprofundou os olhos antes mesmo de usar a máquina.
ainda mais sua afinidade com o Saiba mais: eppinghausfotografia.com.br

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CO N VIVER | HORIZONT E S

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Para a fotógrafa, o futebol de areia, a capoeira, as oferendas, cantos e rezas, e os encontros alegres do litoral revelam
muito da fé e da força da gente brasileira que, apesar de tantas agruras, insiste continuamente em recriar a vida

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CO N VIVER | C OMER

Quem te ensinou a cozinhar?


Aprender a preparar uma refeição com as próprias mãos pode
ser um exercício de observação a partir daqueles que admiramos
TEXTO ANA HOLANDA

“todo dia ela faz tudo sempre igual.” Minha É interessante perceber como consigo re-
mãe era assim, como esse trecho da música produzir esse fazer sem nunca ter passado
“Cotidiano”, do Chico Buarque. Pelo menos por um curso formal. Nada. Preparo os bifes
na cozinha. Ela preparava o almoço para a à milanesa da minha mãe, a carne de panela
família. Todos os dias. Quando criança – e es- da minha tia, tempero o feijão do mesmo jei-
tudando à tarde –, adorava observar o movi- to que Sônia. E, o mais bonito disso: enxergo
mento e os cheiros que dali saíam. O barulho na minha cozinha todas essas mulheres. Uma
da panela de pressão cozinhando o feijão, o rede de afetos e de sabores que se constrói ao
chiado da cebola sendo refogada para pre- longo do tempo não pelo saber estruturado,
parar o arroz. Gostava de ficar em um can- mas por aquele mais visceral, interno, carre-
to, observando. Seus gestos pareciam uma gado da gente mesma.
dança cadenciada. Cortar o bife, passar na
farinha de rosca, depois nos ovos batidos e SERÁ QUE ISSO É COMUM A TODOS NÓS?
novamente na farinha de rosca. Nessa sequ- Se a observação me moveu ao preparo de
ência. Fritá-los e transformá-los em bifes à pratos diversos, como será que outras pes-
milanesa, que precisavam ser colocados em soas chegaram a esse mesmo lugar? Movida
óleo quente. Posso ajudar, mãe? “Não, me- por essa curiosidade, perguntei para gente
lhor você sair daqui. Cozinha não é lugar para amadora e profissional quem as ensinou a
criança.” Frustração. Com o tempo aprendi a cozinhar – ou provocou nelas essa vontade. A
me manter silenciosa. Olhar, apenas olhar. confeiteira Joyce Galvão, boleira de mão cheia
Foi desse jeito, pela observação minuciosa e autora do ótimo A Química dos Bolos: Recei-
dos gestos dela que aprendi a cozinhar. Não tas e Segredos para Dias Mais Doces (Compa-
só os dela, mas os de outras mulheres que, nhia de Mesa), tem uma história interessante
de alguma forma, cruzaram meu caminho: sobre isso. A mãe de Joyce não sabia cozinhar.
minha tia Lybia, a mãe de um namorado cha- Mas tinha algo que ela fazia: bolo de caixi-
mada Suzana e a avó dele, Sônia. nha, desses vendidos em supermercado.

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FOTO ISTOCK

A massa para pizza, a receita do bolo de chocolate, o filé à milanesa... Herdamos também os preparos do que nos alimenta
CO N VIVER | C OMER

“Ela preparava, colocava uma cobertura por aquilo que nos rodeia, é o modo mais
de brigadeiro e levava pedaços como lan- natural de aprender. É assim que um bebê
che ao me buscar na natação”, conta ela. entende como andar, falar, comer. E cozi-
“Eu adorava comer esses bolos da minha nhar observando aqueles que amamos ou
mãe. Meu pai também saía muito para admiramos, participar de conversas sobre
comer fora, a trabalho, e sempre comen- o comer e de almoços em família, faz parte
tava o que havia experimentado nos res- desse entendimento delicado e até amo-
taurantes. Aquilo me aguçava”, relembra roso que, lá na frente, pode nos instigar a
Joyce, que confessa ter assistido muito ao preparar também o próprio prato.
programa de culinária da Ofélia (“Cozinha “Minha avó me ensinou gestos, movi-
Maravilhosa da Ofélia”, apresentado pela mentos e delicadezas. Ela nunca me pas-
culinarista Ofélia Ramos Anunciato, de sou uma receita e sempre dizia: ‘Ah, cada
1968 a 1998) quando criança, antes de dia é de um jeito, depende do seu dia’. Seu
ir para a escola. Todas essas experiências arroz branco era algo difícil de explicar.
despertaram em Joyce o amor pela cozi- Sublime, para dizer o mínimo”, conta a
nha e, dessa forma, o desejo de aprender. premiada chef de cozinha Roberta Sud-
Já a jornalista e escritora Mariana Weber, brack. “E ela não conseguia passar a recei-
autora do Cozinha de Vó (Superinteressan- ta, achava bobo demais. Explicava que era
te), aprendeu olhando os cadernos de re- importante refogar o arroz com muita cal-
ceitas da mãe e da avó. Ao se tornar mãe, ma. Até sentir que estivesse todo soltinho.
nasceu também o desejo de fazer os pra- Não usava cebola, só alho. A água era sem-
tos que comia na infância. “Minha primei- pre fria, e um dedinho só!” A referência da
ra receita foi uma torta de banana. Peguei avó é algo tão intenso na rotina, dentro e
com minha mãe, mas não ficou tão boa. Ela fora da cozinha, que muita gente acredita
me disse que as bananas precisavam estar que foi ela quem ensinou Roberta a prepa-
mais maduras”, recorda. Depois dessa pri- rar algumas refeições. Mas o aprendizado
meira experiência, Mariana passou a ter o foi tão além… “A cena mais linda da minha
hábito de ligar para a mãe ou para a tia- infância era abrir a geladeira e encontrar
-avó para tirar dúvidas sobre o modo de taças de cristal, acomodando a gelatina.
fazer as coisas. “À medida que fazia, fui Não era uma gelatina qualquer! Eram ca-
me sentindo mais capaz de preparar ou- madas delicadíssimas de gelatina, creme
tras coisas também”, diz. A comida, conta de baunilha, marshmallow e uma cereji-
ela, sempre foi algo importante na casa da nha que coroava a obra de arte. Eu ficava
infância. Nos finais de semana, a mãe e o boquiaberta com aquela cena”, recorda. E
pai iam para a cozinha. “A comida como continua: “Minha vó era rígida, exigente e
centro do encontro, com a família reunida. mandona. Mas era justa e sabia acarinhar
Essa é uma lembrança boa, que carrego de muitas formas, principalmente pela
comigo e que desejei retomar.” comida. Ouvindo o que falo sobre ela, me
enxergo claramente. Pensando bem, acho
EXPERIÊNCIA AFETIVA que a minha avó me ensinou a viver e, nas
Não aprendemos apenas pelas vias for- horas vagas, a cozinhar também”, resume
mais, numa escola de culinária, por exem- lindamente Sudbrack. Talvez seja sobre
plo. “Se fosse assim, a humanidade não te- isso o tempo todo.
ria chegado aonde chegou. Aprendemos de
muitas formas, e uma delas é a experiência
afetiva”, me explica Alex Bretas, uma das ANA HOLANDA é autora do livro Minha Mãe Fazia,
principais referências em aprendizagem sobre memórias afetivas e cozinha. Gosta de cozinhar
autodirigida do país. Somos influenciados e se emociona quando a filha Clara a acompanha.

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FOTO UNSPLASH/KELLY SIKKEMA

Paciência, observação e generosidade também são ingredientes que compõem o aprender a cozinhar
CO N VIVER | PENSA R

Os dois lados da positividade


Ser otimista o tempo todo e procurar o lado bom de tudo nem sempre
é o melhor caminho para cuidar verdadeiramente das nossas emoções
TEXTO ANDRÉ CARVALHAL ILUSTRAÇÃO TIAGO GOUVÊA • @TGOUVEA

“oi, tudo bem?”, “Tudo bem. E com você? Tudo aprendido bastante com o ponto de vista de
bem!” – Você já deve ter ouvido ou falado al- outras pessoas, e minha intenção aqui é orga-
guma vez. Ou, talvez, todas as vezes. Isso por- nizar os pensamentos.
que, desde cedo, somos habituados a pensar e Então, antes de continuar, vale explicar o con-
falar que “está tudo bem”. A não compartilhar ceito que vai embasar esse texto: positividade
aquilo que realmente sentimos. A não acolher tóxica é quando agimos sem reconhecer ou
sentimentos não aceitos socialmente – como aceitar (em nós ou nas outras pessoas) emo-
raiva, tristeza, inveja, ansiedade... ções ou ações “negativas” que existem, inde-
Só que esse tipo de comportamento pode nos pendentemente do que é positivo, impondo
trazer diversos problemas: atrapalhar nosso uma atitude forçada ou falsamente positiva.
autoconhecimento, evolução, relações inter- Isso não impede ou não vai contra o conceito
pessoais e outras áreas da vida. Pois algo que de “pensar positivo” – também falarei sobre
parece ser simples – uma resposta ingênua ou essa diferença, mas primeiro veremos alguns
automática – é apenas a superfície de camadas dos perigos da positividade tóxica.
que nos acompanham e alimentam um círculo
vicioso no qual parece ser preciso estar sem- EMOÇÕES
pre “positivo e operante”, apesar de tudo. Para a terapeuta e psicóloga britânica Sally
Positividade tóxica. É como algumas pesso- Baker, “o problema com a positividade tóxica
as chamam. O lado positivo é que temos re- é que ela pode representar a negação de todos
cebido cada vez mais notícias sobre os peri- os aspectos emocionais que sentimos diante
gos “dessa positividade toda”. Na contramão, de qualquer situação que nos represente um
há quem não concorde com o termo (!), ache desafio”. Com isso, ela pode se tornar uma
impossível que algo “positivo” seja ruim ou fonte de alienação do sentir. Ao tentar anular
tóxico – o que denuncia a própria positivida- processos emocionais complexos – e ineren-
de tóxica. Sempre que falo sobre isso nas mi- tes ao ser humano – como dor, raiva, mágoa,
nhas redes sociais, a polêmica é certa. Tenho por serem considerados moralmente ne-

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CO N VIVER | PENSA R

gativos, nos desconectamos de quem so- MOBILIZAÇÃO


mos. Ou, na tentativa de “não sofrer”, pode- Focar sempre somente no lado positivo
mos acabar sofrendo ainda mais. pode impedir que mudanças importantes
sejam feitas. Vivemos um momento no qual
RESOLUÇÕES querer “ficar bem” é quase mandatório.
Você já deve ter contado algo de “ruim” so- E não temos como negar essa vontade. O
bre sua vida e ter ouvido “mas pense pelo problema é olhar somente no bem de uma
lado positivo!”. Olhar pelo lado positivo para pessoa ou pensar que “se está bom para
as diferentes situações pode ser muito legal um, está bom para todos”. Esse pensamen-
e até construtivo, mas há um risco em olhar to pode nos impedir de ver e melhorar di-
apenas para esse lado. Ele não deve negli- ferentes realidades. Felicidade, bem-estar e
genciar ou ser maior do que nossas pró- saúde mental precisam ser vistos como atri-
prias emoções ou até mesmo os problemas butos coletivos, e não individuais.
estruturais da nossa sociedade, nos levando Não posso deixar de reconhecer que pen-
a crer que somente o olhar positivo irá re- sar de forma positiva é legal. É importante,
solver ou superar qualquer problema. Criar faz bem para a saúde (dizem alguns médi-
uma realidade mágica na qual tudo é lindo e cos) e pode nos motivar a enfrentar os de-
não encarar problemas de frente reduz bas- safios do dia a dia. Não quero te desanimar.
tante as chances de superá-los. Mas, às vezes, somente pensar positivo não
vai mudar a sua vida e muito menos a so-
RELAÇÕES ciedade. É preciso construir realidades por
Nas relações interpessoais é preciso haver meio de ações, e não somente da “força de
espaço para manifestar descontentamen- pensamento”. Ter uma positividade ativa e
to, insatisfação, tristeza... Somente assim assumir que existem questões estruturais
será possível construir uma relação inteira. à nossa volta (como racismo, machismo,
A transparência é fundamental, e para que homofobia, transfobia...) que impactam de
haja transparência é preciso se abrir para forma importante a vida de muitas pessoas.
reconhecer todas as emoções em torno da Há um tempo, a psicologia positiva, do
relação. Além da falta de inteireza, não re- psicólogo e escritor de The Optimistic
conhecer problemas nas relações, ou focar Child, Martin Seligman, tem sido estimu-
somente “no positivo”, pode, algumas ve- lada para auxiliar no tratamento de dife-
zes, “justificar” relações abusivas e uma sé- rentes problemas e patologias. Ela nos diz
rie de violências (às vezes nem tão óbvias). que podemos lutar contra o pessimismo e
transformar nossos pensamentos negati-
OPRESSÃO vos em mais positivos – e que isso pode nos
Há um risco também de pensarmos que fazer bem. No entanto, Seligman também
nossos problemas são frutos de “crenças diz que, se você se sente triste, não deve
limitantes” ou “escolhas”. Tais generali- se concentrar em ser feliz. Ao fazer isso,
zações podem, muitas vezes, nos fazer você poderá cair na armadilha da positivi-
perder a autonomia e não nos deixar per- dade tóxica. É preciso acolher e trabalhar
ceber verdadeiramente tempos e movi- as emoções negativas. E, principalmente,
mentos importantes para a nossa vida. buscar a causa de tais sentimentos.
Ou o extremo: o discurso de que somente
“a força do pensamento positivo cons-
trói a nossa realidade” pode ser extrema-
ANDRÉ CARVALHAL é escritor e consultor em
mente opressor para pessoas que vivem sustentabilidade, autor dos best-sellers Como
realidades mais duras, como consequ- Salvar o Futuro, Moda com Propósito e Viva o Fim –
ência de papéis de classe, raça e gênero. Almanaque de um novo mundo. @carvalhando

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T RAN S FORMA R | BEM- E S TAR

O verão é a vida que pulsa


Saiba qual é o convite da estação mais exuberante do ano e quais cuidados
você deve ter para aproveitar a temporada da luz abundante
TEXTO RAPHAELA DE CAMPOS MELLO ILUSTRAÇÃO TIAGO GOUVÊA • @TGOUVEA

está lá no calendário, provavelmente em Tanto melhor se pudermos desfrutar a tem-


letras miúdas tingidas de vermelho. Dia 21 porada com a clareza de que ela nos reve-
de dezembro adentramos, no Hemisfério Sul, la a face luminosa da natureza e, ao mesmo
a estação mais solar de todas: o verão. Feito tempo, traz o lembrete de que o que há fora
aquelas pessoas de personalidade radiante também há dentro da gente. Como ensina a
capazes de magnetizar multidões, é impos- antroposofia, ciência espiritual moderna de-
sível passar incólume por ele, que aquece os senvolvida pelo filósofo austríaco Rudolf Stei-
dias. Por mais distraídos que estejamos ou ner (1861–1925), que compreende o ser hu-
desconectados da dança cósmica, uma hora mano em sua tripla realidade – corpo, alma e
ela nos arrebata, nos arremessa para fora de espírito –, assim como outras culturas e sabe-
nós mesmos, a fim de que experimentemos o res ancestrais, nossa interioridade, o micro-
esplendor da vida na Terra. cosmo, espelha a força vital que nos circunda,
Isso pode acontecer numa madrugada de o macrocosmo. “A atenção ao diálogo destes
lua e calor na qual dormir faz despontar mundos, fora e dentro, é muito importante.
um dó por termos de fechar os olhos para a Onde há ritmo, há vida. E a alma humana se
inacreditável beleza. Ou então, numa manhã nutre desse ritmo, que pode ser harmonizado
de lajotas fervilhantes no quintal, quando a com a natureza e a Terra. Os ritmos das esta-
mangueira patrocina a farra tanto das crian- ções do ano fazem parte dessa vivência hu-
ças como dos adultos. “O início do verão é mana da natureza”, afirma Patrícia Botelho,
o momento da alegria esperada, para a qual psicóloga clínica, psicoterapeuta antroposófi-
há uma bela expressão na língua alemã: Vor- ca e membro da diretoria da Associação Bra-
Freude – a alegria antes. Pré-festa: jasmim- sileira de Psicólogos Antroposóficos (ABPA).
-mangas, acácias e flamboyants em flor e Inexoravelmente, a ciranda cósmica enca-
uma alegria no ar”, escreve a analista jun- deia a primavera e, depois, o verão, nessa exa-
guiana e filósofa Zelita Seabra no livro Tem- ta ordem. O que isso quer nos dizer? Se bus-
po de Camélia – O Espaço do Mito (Record). carmos a resposta na tradição xamânica,

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Cada estação do ano nos traz singulares oportunidades. Os dias solares nos chamam para viver todo o nosso ser
T RAN S FORMA R | BEM- E S TAR

encontraremos um belo direcionamento. No Brasil, o início do verão coincide com as


“O verão é a época do crescimento, da ex- festas de fim de ano. Uma feliz sincronicida-
pansão. Momento de colhermos aquilo que de, não é mesmo? “O Natal, que reúne ami-
floresceu na primavera; é o tempo de ce- gos e família, nos faz renovar os votos de vi-
lebrar, de viver livremente, usufruindo das ver com saúde e bem-estar e de comunhão
coisas boas e nos sentindo merecedores de com as pessoas”, destaca a psicoterapeuta.
receber o que trilhamos para realizar nes- A medicina tradicional chinesa também
sa primeira colheita”, define Carol Shanti, enxerga a unidade entre os espaços inter-
psicóloga clínica e idealizadora do Xama- nos e externos e o ser humano como a inte-
nismo Para Mulheres – Escola de Saberes gração de espírito, mente, corpo e emoções.
e Práticas Ancestrais Femininas. Sob tal perspectiva, as estações do ano são
Para o xamanismo, as estações do ano associadas aos elementos da natureza, aos
são marcantes. Diferentemente da visão órgãos e vísceras e ao campo emocional. “O
contemporânea, fincada no racional e de- verão se relaciona ao elemento fogo, ao ór-
satenta aos ensinamentos que a natureza gão do coração e à víscera do intestino del-
nos estende de graça, as passagens de uma gado”, informa Sol Medêiros, terapeuta inte-
estação para a outra são vistas como uma grativa e facilitadora de cursos e palestras a
oportunidade de se sintonizar com um novo respeito do equilíbrio entre corpo e mente.
ciclo, para que a consciência dê mais uma
voltinha na espiral evolutiva e possa se alar-
gar. “A Roda Medicinal Norte-Americana nos
ensina como as estações do ano exercem
O verão é o momento de apostar no que se quer.
influência sobre nossas vidas, já que nós São meses propícios para se ter clareza
somos filhas e filhos da Terra. No meu tra-
balho, usamos a roda transposicionada para
e consciência dos nossos objetivos e valores e
o Hemisfério Sul e celebramos essa estação irmos em busca da nossa realização
que nos dá a oportunidade de colhermos o
que plantamos”, conta Carol.
“O verão em nós é representado pelo sol in-
MAIS SOL, MAIS VIDA LÁ FORA terior que é o coração. Além da vontade de
Nem todos se afinam com o verão, é verda- viver, dele brota a gratidão, a possibilidade
de. Porém, de dezembro a março, vivencia- de ver o lado bom em nós, nas pessoas e na
mos o ápice da nossa relação com o astro- vida de forma amorosa”, ela complementa.
-rei, considerado um deus por distintas Uma vez que a luminosidade elevada é o
culturas. Esse fato, por si só, produz reve- marco desse período, pelo fato de os dias
rência, ainda que o calor exacerbado pos- serem mais longos, podemos aproveitá-la
sa gerar justas reclamações. Mas gosto da para colocar o foco no que faz nosso co-
ideia de que o bronzeado típico desses me- ração vibrar de alegria, dissipando mágo-
ses nos faz um tanto divinos, pois desfila- as e tristezas. E, ao transmutar humores
mos por aí vestidos de sol, enquanto nosso mais densos, protegemos o valente mús-
íntimo vê crescer o entusiasmo pelas coi- culo cardíaco. A luz solar também ilumina
sas do mundo e pelas interações humanas. os caminhos. Então, é hora de apostar no
“Emocionalmente e psiquicamente falan- que se quer. “São meses propícios para se
do, essa época é de muita atividade, mo- ter clareza e consciência dos nossos obje-
vimento, alegria. Nos chama para fora de tivos e valores e irmos em busca da nossa
casa, para nos abrirmos para amigos, para realização, porque há muita energia, re-
celebrarmos a vida e estarmos em contato cursos e abundância disponíveis ao nosso
com a natureza ao ar livre”, aponta Patrícia. redor”, encoraja Sol.

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Para várias tradições, a chegada da estação mais quente também está alinhada com o momento de colher tudo o que plantamos
T RAN S FORMA R | BEM- E S TAR

VERANEAR SEM EXAGEROS rência em áreas verdes, também nutrem o


Contudo, há de se ter cuidado com os ex- espírito e o coração”, aconselha Sol. Patrí-
cessos. Se passarmos do ponto, o doura- cia Botelho faz coro: “E nossa alma precisa
do do sol na pele pode virar insolação; as internamente de descanso, de reflexão, de
festas ininterruptas, alienação; a alegria, parcimônia nesse momento. Caminhadas,
euforia, que é um estado de hiperexcitação meditação, descansar e relaxar fazem par-
da mente. “Na medicina chinesa a mente te desse tempo de nutrição interna”.
mora no coração e, se a mente está agitada, Agora que sabemos como celebrar o ve-
o coração também estará. Isso pode gerar rão, podemos honrar a estação com um
ansiedade crônica, irritabilidade, impaci- ritual preparado com capricho e firme pro-
ência, falta de foco, agitação mental, insô- pósito. O xamanismo sugere uma oferenda
nia, sudorese excessiva, arritmia e memó- ao espírito da estação, com flores, frutas e
ria fraca”, alerta a terapeuta. sementes, simbolizando a prosperidade e a
A antroposofia também recomenda mo- abundância que ela traz. “Também pode-se
deração em nossas escolhas animadas pelo fazer um banho com rosa amarela, casca de
calor da estação. “Num ritmo exacerbado laranja e cravo. Na mente, pensamentos po-
de comemorações, comemos e bebemos sitivos e intenções do que você deseja nesse
demais, fazemos muitas atividades, ficamos novo ciclo que se inicia”, ensina Carol Shanti.
desassossegados, impulsivos e depois nos
estressamos e nos exaurimos. Por isso, é im-
portante achar um bom ritmo para o verão
sem se exceder nele”, sugere Patrícia. Para
Mas, se passarmos do ponto, o dourado do sol
não colocarmos a saúde em risco, certos na pele pode virar insolação; as festas
cuidados básicos são imprescindíveis: fazer
refeições leves e ingerir bastante líquido.
ininterruptas, alienação; a alegria, euforia, que é
Porém, por mais que o nosso corpo esteja um estado de hiperexcitação da mente
pelando, a medicina chinesa não recomen-
da o consumo de bebidas e alimentos frios e
gelados. É que, segundo essa visão milenar, Um banho de cachoeira, um mergulho no
nessas condições eles podem lesionar o es- mar, um momento de cumplicidade com a
tômago e ainda provocar cansaço e letargia. natureza no dia 21 de dezembro também
Claro, também precisamos nos proteger são formas especiais de vivenciar esse rito
do sol escaldante, usar roupas arejadas e de passagem. Que possamos todos pulsar
exercitar o corpo sem nos extenuar. Lem- tão intensamente quanto a vida lá fora.
bra que o coração é o órgão mais afetado
nessa época? Pois tem mais um detalhe.
Segundo a medicina chinesa, a cada duas ➥ Aponte a câmera
horas um órgão trabalha em sua capacida- do celular para
de máxima de energia. Entre 11 e 14 horas, o QR code ao
é a vez de o coração atingir seu pico ener- lado e acesse
gético. Por isso, é prudente evitar atividade um conteúdo
física intensa nesse período, principalmen- exclusivo para
te sob o sol forte. Do contrário, ficamos curtir o verão.
suscetíveis a desmaios e até infartos.
“O ideal nesse horário é estar mais rela-
xado e tranquilo. Tirar a siesta faz muito
RAPHAELA DE CAMPOS MELLO é jornalista
bem para a saúde física e emocional. Ca- e espera o verão ardentemente para passar
minhadas leves no final da tarde, de prefe- mais tempo no mar. @raphaelacmello

44
Em meio a festas e a tanta alegria, também é preciso desfrutar o verão sem se exceder nele, lembrando que descansar faz parte
SER | EXPERIÊNCIA

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O que aprendi com as cicatrizes
Depois de passar por uma cirurgia que retirou um
tumor do meu pulmão, acolhi as marcas na minha
pele como parte de quem eu sou
TEXTO GIOVANNA STANZIONE ILUSTRAÇÃO TIAGO GOUVEA • @TGOUVEA

era minha segunda consulta com til diante do que eu vivia: uma ga- garotas acreditarem que há algo
o cirurgião e, sem muitas delongas, rota saudável, de 24 anos, sem ne- de errado com elas, é comum que
ele foi logo dizendo: vai ser uma nhum histórico que pudesse levar nossas formas sejam vistas como
cirurgia grande. Afinal, meu tumor àquele diagnóstico: um câncer no um problema. Inadequação. Eu já
estava localizado em uma região pulmão que parecia me roubar o ar. havia mudado a relação com o es-
onde não havia alternativa a não ser Mas, naquele momento, eu pensei pelho, me aceitando como era. Ao
a de uma cirurgia aberta com corte nas minhas (possíveis) cicatrizes. E longo dos últimos anos, passei a
em cruz, na lateral direita do meu é sobre elas que eu quero contar. ver meu corpo como essa casa que
corpo. Um corte que iria da altura Saí da consulta ainda proces- me abriga e me acolhe. Mas muitos
do meu seio até o meio da minha sando tantas informações. A com- preconceitos estéticos permane-
costela. Aquilo pareceu assustador. plexidade da cirurgia, como tudo cem enraizados, como as cicatri-
Naquele momento, o primeiro aconteceria. A reabilitação. A pre- zes. Eu as temia e as evitava.
pensamento que passou pela mi- ocupação dos meus pais. A minha Lembro-me do dia em que essas
nha cabeça foi: “e as minhas tatua- própria apreensão. As linhas que marcas me impediram de ser livre.
gens?”. Tenho duas na minha coste- esse momento poderia imprimir Era meu aniversário de 22 anos
la e que significam muito para mim. na minha pele. Em mim. Aceitar e eu estava muito animada para
Comecei a imaginar se a cicatriz as meu corpo como ele era nunca foi celebrar mais uma volta ao redor
atravessaria, se o corte da cirur- algo fácil, especialmente na ado- do sol. Havia comprado uma saia
gia seria feito bem em cima delas lescência. E hoje sei que não estive linda, que usaria no karaokê onde
e como ficaria a região depois de sozinha: numa sociedade tão ob- iria comemorar com meus amigos.
tudo. Talvez para algumas pessoas cecada por padrões estéticos rigo- Mas, alguns dias antes, enquan-
parecesse um pensamento meio fú- rosos e cruéis, que desde cedo faz to corria na esteira, eu caí. Na

47
SER | EXPERIÊNCIA

Entendi que minhas cicatrizes eram muito


mais que apenas cicatrizes. Elas contavam
toda a minha história. Falavam sobre o
caminho que percorri para chegar até ali

queda, machuquei as pernas, que o processo de aceitação da doença Somente no dia da cirurgia foi que
ficaram com hematomas enormes foi muito difícil. Entender por que eu soube: ela seria feita por vídeo,
– e uma delas ganhou um machu- isso aconteceu comigo não foi a ta- ou seja, haveria apenas três cortes:
cado aberto. Eu queria muito usar refa mais fácil que já vivenciei. Mo- um maior, para saída do pedaço do
aquela saia. Mas eu não queria que tivos ainda nebulosos, já que não pulmão que seria removido, e dois
vissem meus machucados e menos havia predisposição genética nem menores, um para a câmera e ou-
ainda ter de explicar como os ad- hábitos que pudessem apontar um tro para o dreno. Aquilo foi uma
quiri. E foi assim que troquei a saia risco aumentado para a doença. surpresa: o tempo todo eu imagi-
por uma calça, silenciando meus Costumo dizer que o câncer é nava uma perfusão maior. Mas, de
desejos e deixando que os olhares solitário, mesmo sendo o momen- última hora, após revisões intensas
alheios dominassem meu corpo. to em que mais me vi cercada de sobre meu caso, a equipe médica
Mas a Giovanna de hoje teria agi- amor, em que mais fui cuidada por concluiu que algo menos extenso
do diferente: usaria a saia e teria todas as partes, amigos, familiares era possível. Entrei confiante de
história para contar sobre a queda. e até mesmo pessoas que me co- que tudo daria certo... E deu.
Afinal, cair faz parte de quem eu nheciam havia pouco tempo. Mes- E eu, que estava tão preocupada
sou e eu pude aprender isso. mo assim, me sentia sozinha, por- em como ficariam as minhas cica-
que ninguém era capaz de sentir o trizes, depois de sair daquele cen-
POR QUE COMIGO? que eu sentia. E eu ainda tinha de tro cirúrgico e acordar da aneste-
Receber o diagnóstico de câncer ser forte. Não só por mim, mas por sia, percebi que aquelas marcas já
acabou comigo. Apesar de não todos aqueles que estavam sendo nem me importavam mais. Abrir
levá-lo como uma sentença e acre- fortes comigo. E foi assim que eu os olhos e ver meu pai depois de
ditar muito na minha recuperação, enfrentei o câncer de frente. sete horas e meia de cirurgia me

48
Giovanna aprendeu a ressignificar suas
cicatrizes, e hoje as marcas despertam o
olhar curioso de pessoas que perguntam
como ela pretende removê-las

bastou. Ouvi-lo me contar sobre Dessa vez, os pontos inflamaram, lam as nossas transformações e a
tantas pessoas que estavam tor- tive queloide e hoje são cicatrizes jornada que percorri para voltar a
cendo por mim, que ligavam para hipertróficas, o que significa que respirar plenamente. E seguir vi-
ele e mandavam mensagens de in- a região do corte ficou um pouco vendo, com tanto o que ainda há
centivo e de amor, aquela energia e mais elevada – aumentando, tam- para descobrir e sorrir. Meu corpo
todos os bons sentimentos que me bém, a curiosidade das pessoas é minha casa e minhas cicatrizes
cercavam me ajudaram a entender sobre o que farei com minhas ci- são as rachaduras que essa casa
que minhas cicatrizes eram muito catrizes. Muitas me questionam sofreu ao longo dos anos. Casa que
mais que apenas cicatrizes. Elas se pretendo tatuar algo por cima hoje meus olhos percorrem mais
contavam toda a minha história. ou se tentarei uma remoção a la- atentos, menos maldosos, mais
Falavam sobre o caminho que per- ser. Querem saber se faço uso de pacientes, mais afetuosos e gentis.
corri para chegar até ali, naquele alguma pomada que melhore sua Essa casa é meu lar e eu aprendi a
abrir de olhos e naquele respirar aparência ou se com o tempo elas respeitá-la e a cuidá-la. Mas, prin-
aliviado de um tumor que não fazia ficarão mais suaves. Já respondi cipalmente, a amá-la do jeito que
mais parte de mim. até sobre como vai ser colocar um ela é. Porque estamos juntas, e es-
biquíni e ir à praia. sas cicatrizes agora também com-
RESSIGNIFICANDO AS MARCAS A realidade é que eu não sei o que põem a minha história.
Hoje não me importo mais com a vou fazer com elas, se é que algum
FOTO ARQUIVO PESSOAL

estética das minhas cicatrizes. Ali- dia eu farei algo. Hoje, o que sei é
ás, eu, que sempre gozei de uma que elas mostram toda a minha GIOVANNA STANZIONE trabalha em
cicatrização excelente, tive muito força. Mostram por tudo que eu e Vida Simples e também adora falar sobre
a aprender com as novas marcas. meu corpo passamos juntos. Reve- maquiagem e autoestima. @itsgiostanzione

49
p e n s a n d o b e m

Observação, paciência e oxigênio


Uma viagem ao Peru trouxe um valioso aprendizado sobre respeito
– tanto em relação ao mundo quanto a nós mesmos _POR EUGENIO MUSSAK

estávamos em cuzco pela primeira vez. Fomos salvos por um pequeno e baru-
A excitação para visitar a capital inca que lhento táxi, cujo motorista ria de nosso
reinou soberana entre os séculos 12 e 16, estado ao mesmo tempo que nos oferecia
até ser conquistada e brutalmente modi- folhas de coca para mascar. O ditado “em
ficada por Francisco Pizarro, só não era Roma faça como os romanos” definitiva-
maior que a da viagem a Machu Picchu, mente não se aplica a Cuzco.
que faríamos no dia seguinte. No museu fomos acompanhados por Aki-
Depois do preguiçoso café da manhã, ko, uma guia freelancer japonesa, que foi ao
apreciando o pátio interno do hotel que já Peru estudar a cultura inca contrariando a
tinha sido um monastério, que, por sua vez, vontade de seu pai, que não lhe mandava
havia sido erigido sobre um provável tem- sequer um Sol, quanto mais um Iene. Ela
plo dedicado a Inti, o deus-sol, resolvemos custeava seus estudos trabalhando no mu-
visitar o Museu Inca. Quando pedi orien- seu, dependendo da generosidade dos tu-
tações na portaria, o rapaz respondeu que ristas. Akiko havia se mudado de uma ilha
seria possível caminhar até o museu, mas do Pacífico para uma montanha dos Andes
ele não sabia se seria recomendável. para realizar seu sonho. Quando lhe per-
Bastava subir a avenida e cruzar a Plaza de guntei como havia sido a adaptação, ela dis-
Armas. Uma caminhada de menos de 500 se que havia sido melhor do que imaginava
metros. Desdenhando da preocupação do e ressaltou duas qualidades orientais que a
simpático peruano, saímos cheios de ener- ajudaram muito: a observação e a paciência.
gia. Duas quadras depois, eu daria meu rei- Observar, compreender e respeitar o lo-
no por uma cadeira ou, de preferência, uma cal onde estamos, e ter paciência, humilda-
cama e um balão de oxigênio, que, aliás, es- de e respeito para com esse espaço, podem
tava disponível no quarto do hotel. manter vivos o ânimo, a emoção e a curio-
Situada a 3.440 metros acima do nível do sidade. E, em certos casos, o próprio corpo.
mar, Cuzco tem uma pressão atmosférica
40% menor do que a de São Paulo. A con-
sequência é que, apesar da concentração EUGENIO MUSSAK
de oxigênio no ar ser a mesma, em torno já viajou muito e diz que o que
de 21%, a absorção do gás vital fica preju- mais aprendeu foi respeitar
dicada. A não ser para os cuzquenhos, que as características de cada
têm mais hemoglobina nas hemácias e um lugar. E de cada tempo.
coração igual ao de um maratonista. @eugeniomussak

50
o u t r o s o l h a r e s

Minhas janelas
Um guarda-roupa comunica nossa história com peças
que contam um pouco sobre quem nós somos _POR CRIS GUERRA

gosto de pensar que abrir meu guarda- dias, mas dentro do guarda-roupa encon-
-roupa pela manhã é como abrir uma tro muitas de mim. Ele é minha janela de
janela para ver o sol. Uma janela ao con- ver o mundo, muito mais do que de ser vis-
trário, porque se abre para dentro, para o ta. Quando me visto, me vejo. Passeio pai-
meu sol interno. Às vezes deixo a porta do sagem, escolho a cor do meu céu. Se vou
armário aberta e me sento na cama para brilhar ou chover. Que mulher eu acordei
uma pausa. Enquanto minhas roupas me hoje? E amanhã, que mulher vou acordar?
observam, vasculho em mim o que quer A moda entrou na minha vida pelo corpo,
nascer. Um vestido sussurra alguma coisa não pela cabeça. A intuição bateu à porta
no ouvido de outro, no cabide ao lado. O e eu abri. O vestir me salvou como a escri-
casaco cruza os dedos pensando “agora ta me salvou. Se em um momento a moda
eu saio para arejar a cabeça”. Adoro ima- tinha sido uma compulsão, em outro foi
ginar que minhas roupas têm desejo de se parte da cura. Eu me vestia para não me
vestir de mim. Brinco de boneca comigo entregar, para acreditar no futuro. Brin-
mesma e assim me divirto. cando de esconde-esconde com as roupas,
Minhas roupas me convidam a sentir. Não fui me encontrando de novo. E colocando
preciso ter a última novidade nem a cole- no mundo muitas outras de mim.
ção recente para acessar o que há de novo Nunca é só um detalhe. Vestir é escre-
em mim. O que tenho no closet é a minha ver a vida com o corpo, tomar um lugar
coleção, que levou 51 anos para ficar pron- no mundo. Fazer arte da dor e da alegria,
ta e não deixou de desfilar nesse tempo conectar-se com o sutil, cultivar detalhes
todo. A cada dia me afino mais com a esti- num ritual de cores, respirar com o vento
lista em mim. A maturidade é uma grande no vestido. Nunca é só um guarda-roupa,
professora de estilo. Com você também é nunca é só cobrir o corpo. Vestir é gesto
assim, mesmo que nunca tenha pensado diário de colorir a alma.
nisso. Por que não pensar que o sonho de
uma peça de roupa é vestir você, e não o
contrário? Você passa em frente à vitrine CRIS GUERRA
e ela se enche de esperança, imaginando é mãe, escritora, produtora
que, talvez ali, sua vida enfim comece. digital, podcaster e
Escovo os dentes todo dia, diante do palestrante. Acaba de lançar
mesmo espelho, saio de casa pela mesma a edição revista e ampliada
porta. E volto. Também me visto todos os de seu livro Moda Intuitiva.

51
c o n v e r s a e m fa m í l i a

Crianças em luto
Quando os pequenos vivenciam a morte de alguém amado, precisam
de escuta, acolhimento e espaço para elaborar a falta _POR LUA BARROS

o diálogo sobre luto com as crianças é algo do assunto. Virar estrela, se tornar um
que desconserta os adultos, e estes perdem anjo, ir para o céu são caminhos que a ra-
as palavras e buscam imagens de conforto zão encontra para falar sobre o que não faz
para sua própria incapacidade de lidar com sentido algum. E não tem certo e errado.
a dor. No último ano, com a pandemia da Tem aquilo que damos conta de elaborar.
Covid-19, o Brasil registrou mais de 170 mil A partida de alguém pode levantar muitas
crianças e adolescentes que perderam seus dúvidas nas crianças, e não saber as respos-
pais e cuidadores. Mesmo diante da possi- tas não é um problema. Diante das dúvidas
bilidade de a vida voltar a ser o que era, o sobre a alma, o corpo, sobre céu e inferno,
normal para eles nunca mais será o mesmo. não precisamos apontar um caminho. Te-
A morte se apresentou de forma brutal, sem mos apenas que nos manter ao lado desses
os rituais de passagem que o vírus nos ti- pequenos, dando a certeza de que, apesar
rou. E agora precisaremos, enquanto socie- da despedida, ainda tem alguém com quem
dade, lidar com essas ausências. a criança ou o adolescente podem contar.
O enlutado precisa de espaço de escuta, Ninguém vai substituir um parente que
mas precisa também ouvir sobre quem morre. Não existe receita para lidar com o
se foi. A criança que perde alguém de seu luto nem tempo certo em que a morte para
círculo primário tem o direito de construir de doer nos que ainda vivem. Mas acredito
uma memória a partir da memória das que o afeto e o acolhimento são os cami-
outras pessoas, que conviveram mais com nhos mais respeitosos para lidar com essa
quem partiu. Uma mãe, um pai, uma avó dor. É preciso abrir espaço para o deserto
que não estão mais nesse plano não deve- e, depois, sustentar todas as emoções: re-
riam desaparecer das conversas de quem volta, raiva, medo, tristeza, solidão. Só as-
ficou. Essa negação, que acontece muitas sim a morte ganha novas formas em nós.
vezes para proteger da dor, se torna um Só assim cuidamos de quem fica.
peso maior do que a ausência em si.
A morte revela a fragilidade da vida e das
nossas certezas, além de nos colocar em LUA BARROS
um lugar de vulnerabilidade. Talvez por é educadora parental
isso, falar sobre morte com as crianças e mãe de quatro
gera tantas dúvidas e medos. A história so- filhos. É autora do
bre a morte encontra seu caminho, e a ver- livro Eu Não Nasci Mãe.
dade é sempre a melhor maneira de tratar @luabarrosf

52
c a m i n h o d a s v i r t u d e s

O valor da prudência
Essa virtude não diz respeito àqueles que são medrosos. Mas, sim,
às pessoas que equilibram coragem e segurança _POR GUSTAVO TANAKA

quando eu era mais novo, adorava correr Penso que a prudência está no equilíbrio
riscos. Achava que isso mostrava quão co- entre a coragem e a segurança. Ser pruden-
rajoso eu era. Gostava de tentar pular do te não é paralisar. Você pode se colocar em
lugar mais alto para entrar na água, de ir movimento com prudência. Um exemplo
até onde conseguisse dentro do mar, de di- seria dirigir em uma velocidade considerá-
rigir em alta velocidade. Conforme os anos vel, sem ultrapassar os limites da legisla-
foram passando, fui percebendo que não ção e sem colocar outras pessoas em risco.
precisava fazer todas aquelas coisas. Mais O excesso de segurança seria dirigir muito
que isso: fui me dando conta de que muitas lentamente ou, no caso do medo, nem mes-
vezes eu não queria realmente me colocar mo se permitir dirigir.
naquele risco. O desejo era mais de cha- Uma das coisas que percebi também
mar atenção ou ser admirado pelos outros. é que o que me impedia de ser pruden-
Construí a partir da minha adolescência te muitas vezes era a preguiça, evitando
um personagem audaz e corajoso. Mas no ações chatas. Outro dia fui viajar de carro.
fundo eu tinha medo de passar a vida em Parei no posto para abastecer e pensei:
branco e não ser notado pelos outros. “preciso calibrar o pneu”. Por alguns ins-
Naquela época, a virtude da prudência tantes fiquei com preguiça de descer do
era algo que via como coisa de “gente ve- carro e sujar minhas mãos. “Ah, acho que
lha” ou de pessoas medrosas. E o que eu não tem problema viajar assim.” Foi então
acho lindo e fascinante do estudo das vir- que saltou à minha mente a palavra “pru-
tudes humanas é como nossa percepção dência”. Entendi o recado. Desci do carro
sobre cada uma delas vai se transforman- e fiz o que tinha de ser feito. Viajei com
do conforme a vida acontece. Hoje eu acho muito mais segurança.
uma virtude linda e admiro muito as pes- Como você vive sua vida? Que aprendi-
soas que sabem viver com prudência. zados essa virtude pode te trazer?
Antes de tudo, é importante compreen-
der a diferença entre prudência e medo.
Há quem deixe de fazer algumas coisas ale-
GUSTAVO TANAKA
gando prudência. Mas, muitas vezes, se for
escreve em busca da maneira
honesta consigo, perceberá que não está
mais adequada de se viver
agindo pela virtude, e sim pelo medo. Como
a cada fase da vida.
distinguir as duas? A resposta é individual,
@gutanaka
e a verdade somente você pode saber.

53
c l a r o i n s ta n t e

A energia segue o pensamento


O nosso pensar está intimamente conectado às forças da natureza,
e é a partir desse fluxo que nos colocamos em ação _POR KAKÁ WERÁ

na filosofia do meu povo, de tradição ta- Do repouso surge a ação. Portanto, temos
puia, diz-se que duas forças, wak-miê e kat- que cuidar também da não ação. Aquilo que
-miê, são responsáveis pela vida no mundo. antecede um pensamento, uma emoção, um
A primeira é atividade ou objetividade; re- gesto. Temos que sair do condicionamento
presentada pelo Sol. A segunda é inativida- de gerar energia a partir da reação e apren-
de ou subjetividade; representada pela Lua. der a gerar energia a partir da não ação. E o
Nos mitos de origem, essas forças são per- silêncio nos permite zelar mais pela ener-
sonificadas como os arquétipos dos primei- gia que emitimos para nós mesmos e para o
ros ancestrais, aqueles que põem a vida em mundo à nossa volta. A contemplação tam-
movimento enquanto energia. bém dá suporte a esse mistério. Importante
A etimologia da palavra energia, que vem cultivar ambos em nossa vida diária.
da língua grega (energeia), significa “força Também devemos observar a qualidade
em ação”. Na física mecânica, representa daquilo que pensamos, pois isso determi-
uma qualidade capaz de pôr algo em fluxo; na o rumo da energia e vai refletir no modo
sendo que as formas mais reconhecidas como a realidade irá se apresentar a nós. As
são: hidráulica, eólica, gás, solar, nuclear, forças da natureza, do Sol, da Lua, da abóba-
biomassa e pela combustão do carvão. Se da celestial, da imensidão invisível que nos
observarmos bem, veremos as forças da na- percorre dentro e fora, são sensíveis ao que
tureza presentes em todo esse processo: a pensamos e modelam a energia que gera-
terra, a água, o ar, o fogo. São eles que põem mos. Por sua vez, nossos pensamentos são
em movimento os átomos, as moléculas, as carregados de sentidos, sentimentos, emo-
células, os órgãos e o organismo. Dessa ma- ções e memórias. Somos consequências de
neira, podemos também reconhecer como a nossas ações, que podem ser de ordem re-
ciência e a sabedoria ancestral podem nos flexiva ou reativa, contemplativa ou impul-
auxiliar no entendimento do elo entre a siva. A escolha é nossa.
vida material e a vida imaterial.
Quando dizemos: “precisamos cuidar da
nossa energia”, ou “economizar energia”, KAKÁ WERÁ
consequentemente cuidamos de tudo que é  um ecologista
nos cerca e está dentro de nós. Desperdiçar do ser e cultivador
energia é desequilibrar todo um organismo da arte do equilíbrio
que está além da gente. E de onde a energia da natureza humana.
vem? Como ela surge? Quando emerge? @kaka.wera

54
a q u e l a c o n v e r s a

O sabor de ter filhos


Em vez de romantizar a parentalidade, poderíamos refletir sobre essa
escolha, que demanda afeto, energia pessoal e mental _POR JOICE BERTH

ter filhos é um exercício contínuo de au- encantadores despertarem vontades de


toconhecimento e autoaperfeiçoamento. ter nos braços uma criança para chamar
Não tem como ser diferente: ou você se de- de sua: “tenho condições emocionais e ma-
dica a ser uma pessoa melhor ou não tem teriais para criar e educar essa pessoa?”. E
como ser um pai/mãe melhor. Nossa so- não é uma questão estritamente financeira.
ciedade romantiza o “ter filhos”, enquanto É comum criminalizar a pobreza de diver-
nos induz a pensar que só somos comple- sas formas, incluindo a falácia de que pai e
tos quando nos tornamos pais e mães. O mãe pobres são incapazes de criar e educar
resultado são mães exauridas e solitárias filhos/as. Mas a realidade é que existem
somadas a pais omissos e negligentes, en- pais e mães pobres que têm muito mais tra-
tre outros sintomas sociais coletivos. quejo afetivo e vontade de se doar para for-
Em alguns casos, toda essa frustração de mar pessoas emocionalmente saudáveis e
vivenciar as agruras de lidar com a infân- empáticas do que insinua o sistema capita-
cia se transforma em atos de violência e lista. E há pessoas dotadas de todos os pri-
descaso, resultando em traumas e trans- vilégios sociais que não têm o básico para
tornos que levam anos para serem com- passar às suas crias: equilíbrio emocional,
preendidos e tratados. E a sociedade sente senso de coletividade, etc. Óbvio que isso
o resultado: milhares de pessoas com pro- também não é uma regra, mas vale pontuar.
blemas complexos descontando em outras Ter filhos deve ser uma escolha focada no
com problemas complexos. investimento afetivo que esse compromis-
Nem todo problema comportamental so exige, para além de tempo de vida, gasto
é de responsabilidade dos nossos pais e de dinheiro, de energia pessoal e, principal-
mães, mas o meio em que vivemos é de- mente, mental. Somos humanos e sujeitos a
terminante de muitas respostas que temos tudo, mas, quando temos crianças, precisa-
diante do mundo e da vida. D. Winnicott, mos priorizar seu bem-estar subjetivo.
Virgínia Bicudo, Françoise Dolto e outros
estudiosos da infância estão aí nas litera-
turas para endossar essa reflexão. JOICE BERTH
É imperativo para uma sociedade que se é urbanista, escritora e
pretende melhorar que as pessoas consi- autora de Empoderamento.
derem a possibilidade de avaliar com mais É também Tedx Speaker
rigor a decisão de ter filhos. Perguntem-se e psicanalista em formação.
quando as bochechas fofas e os risinhos @joiceberth

55
a f e t o s

Quanto cabe no “para sempre”?


A intensidade com a qual apreciamos os momentos da existência
está relacionada ao quanto nos dispomos a vivê-la _POR ANA HOLANDA

“te amo. para sempre.” Repito isso, todos ro como parte de quem sou. Estão todas ali,
os dias, para que meus filhos nunca se es- me compondo, naquele instante, dispostas
queçam. Quero que eles saibam que meu feito anéis do tronco de uma árvore – en-
amor por eles não tem prazo de validade. quanto houver tempo para respirar e sentir
Quero que percebam que amar vai além das cada instante como se fosse o último.
escolhas que farão. Quero que saibam que Pensei sobre isso quando o encontrei. De
estarei sempre aqui por eles. Quando qui- cara, coloquei na mesa um tanto de regras.
serem apenas chorar, porque nem sempre Uma “cartilha”, como ele gosta de dizer.
as palavras encontram espaço, mas as lágri- Apenas autoproteção, entendi depois. Mas
mas sim. Quando desejarem apenas rir, por- ele dissolveu as minhas certezas e a minha
que às vezes bastam umas boas gargalhadas coleção de mandamentos sobre como deve-
para dissipar aquilo que nos engasga. ria ser uma relação. Dia desses, ao olhar em
No “para sempre” cabe tanto... Ele dri- meus olhos, me disse que esperava que fos-
bla a noção do próprio tempo, se expande se “para sempre”. O tempo todo, enquanto
além dos anos, dos dias, das horas e dos existirmos um para o outro. Quando meus
minutos. Quando abraço minha menina olhos cruzam com os dele, me sinto fazen-
Clara, me encontro com a garotinha de 3 do morada. E nesse exercício de apreciação
anos que ela foi, andando atrás de mim e de nós dois, na nossa conversa silenciosa,
pedindo por colo. Quando olho para meu entro na fresta do tempo. Ali encontro a
filho Lucas, atravesso os meses e vejo um adolescente que fui. E a mulher que me tor-
menininho de cabelos cacheados, ávido nei. Cabe tudo. Num tempo que é só nosso.
por descobrir o mundo, segurando um di- Em um para sempre que acomoda todos
nossauro em uma das mãos. Quando com- os anos vividos. Aquele em que decidimos
partilho um café com meu pai, um senhor viver sem amarras. Repito, então, para não
de 85 anos, de corpo frágil e mãos enruga- mais esquecer: Te amo. Para sempre.
das, reconheço o homem de risadas poten-
tes que andava com um carrinho de mão
plantando mudas no sítio da família.
ANA HOLANDA
Um “para sempre” é como uma fresta no
garante que está vivendo
tempo que se abre, um lugar onde posso
todas as suas frestas de
viver a eternidade de um sentimento. Um
tempo com apreciação.
espaço no qual encontro minhas emoções
@anaholandaoficial
mais profundas. Olho, reconheço e as hon-

56
E NTR E NÓ S

Um novo tempo
o trânsito estava particularmente pesado “No novo tempo, apesar dos perigos, da for-
naquela quarta-feira em São Paulo. Aco- ça mais bruta, da noite que assusta, estamos
modada no banco de trás do táxi, resolvi na luta… pra sobreviver, pra sobreviver, pra
não responder às mensagens do celular sobreviver…” Aqueles versos fizeram tanto
que estavam acumuladas, depois de algu- sentido para mim que, chegando ao hotel,
mas horas em reuniões e eventos. Deixei o fui pesquisar um pouco mais sobre a can-
smartphone de lado e comecei a observar ção com a ideia de escrever sobre isso nes-
as pessoas nos carros próximos e as que ta minha coluna. Sim, estamos novamente
andavam pela calçada. Muitas faces denun- finalizando um ano que voou e começan-
ciavam um estado de espírito de irritação do um outro tempo. Apesar de tudo o que
ou preocupação. Indícios de uma verdade vivemos nestes meses, apesar do castigo,
que já conhecemos: não estamos bem en- como diz a música, estamos em cena, esta-
quanto indivíduos e nem como coletivo. mos na luta para sobreviver. E precisamos
Ao mesmo tempo, eu escutava a rádio que acreditar que este novo tempo será melhor.
o motorista havia sintonizado. O som era A história de uma pessoa, de uma empre-
baixinho, mas política, economia e violên- sa ou mesmo de um povo, jamais poderá
cia urbana se misturavam às informações ser representada por uma linha reta. A vida
do caos do trânsito da cidade. Era uma es- é cheia de curvas, de altos e baixos, de difi-
pécie de prova para meu temperamento culdades e superações, de noites e de dias,
naturalmente otimista. Confesso que me de saúde e, às vezes, doenças. São situações
senti abalada, pois os otimistas também desafiadoras, que nos pedem para revisar,
são humanos e têm lá suas fragilidades. reinventar e seguir, apesar de tudo. Para
Pedi para o motorista se ele se importava mim, o espírito de uma vida mais simples
de mudarmos a estação, e na próxima a carrega em si a disposição e a esperança de
música “Novo Tempo”, de Ivan Lins, estava um novo tempo, melhor, mais equilibrado,
tocando. Acho que nunca havia prestado mais saudável e justo. Mas depende muito
atenção a ela, ou, talvez, tenha sido o nos- de mim. De você. De todos nós. Afinal, como
so momento que me levou a notá-la. Senti diz o Ivan em seu último verso, “que nossa
que minha postura mudou, meu coração esperança (...) seja sempre um caminho que
acalentou e comecei a divagar nos pensa- se deixa de herança”. Que você tenha um
mentos, colocando-os no lugar certo. novo tempo, cheio de esperanças.

LUCIANA PIANARO
Publisher e CEO da Vida Simples.
@lucianapianaro

57
PO ESI A PA RA O DIA A D I A

É tempo de
recomeçar
Algumas coisas morrem
Algumas coisas não
morrem, mas mudam
Os tempos nascem
E o passado precisa nascer
Um dia alguém me disse
que o passado é parecido
com o nosso esqueleto
Nos mantém de pé
Nos sustenta
Às vezes fratura, mas ele mesmo
se cura, e isso é involuntário
O passado irá nascer independente
da nossa vontade
Alguns sonhos passam
Alguns amores passam
Os dias passam
O final de mais um ano está aí
O que podemos fazer
é apreciar esse nascimento
Em vez de lutar contra ele
Tentar impedir o passado
é tentar parar um rio
Podemos fluir com ele
E o passado sendo esqueleto
É o que nos permite
seguir em frente
E quando der saudade
Há sempre a janela da
lembrança e da saudade
Mas não há porta
Siga

ZACK MAGIEZI, POETA

@zackmagiezi

58
NOSSO PROPÓSITO

“INSPIRAR AS PESSOAS NA BUSCA POR ALGO QUE FAÇA SENTIDO


PARA SI, PROMOVENDO UM BEM MAIOR PARA O MUNDO”

NOSSOS VALORES

AMPLIAR A CONSCIÊNCIA CUIDAR DO NOSSO EVOLUIR SEMPRE, MESMO


PODE NOS LEVAR ALÉM BEM-ESTAR É FUNDAMENTAL QUE A PEQUENOS PASSOS

TER PEQUENAS ATITUDES SABER OUVIR, AGRADECER ABRIR ESPAÇO PARA O OUTRO.
COLABORA NA SOLUÇÃO E SORRIR PODE MODIFICAR O DIA JUNTOS SOMOS MAIS FORTES

DESCOMPLICAR E DESENVOLVER A COMPAIXÃO POR VOCÊ, TRANSFORMAR SONHOS


SIMPLIFICAR É LIBERTADOR PELO OUTRO E PELO MUNDO EM AÇÃO FAZ UM BEM DANADO

VIVER A SUA ESSÊNCIA PARA


ENCONTRAR A PLENITUDE

S A I B A M A I S E M : V I D A S I M P L E S . C O / Q U E M -S O M O S /
NA PRÓXIMA EDIÇÃO

SER CONVIVER TRANSFORMAR


MOMENTOS DE PAUSA E DESCONEXÃO AFINAL, O QUE SUSTENTA UM COMO A TECNOLOGIA E A INOVAÇÃO
SÃO ESSENCIAIS PARA O NOSSO SER RELACIONAMENTO VERDADEIRO? PODEM CRIAR UM MUNDO MELHOR

QUEM SOMOS E O QUE FAZEMOS


R E V IS

OS
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FAZEMOS CONTEÚDO HUMANIZADO,


DIG

CI
ÊN
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TEMOS UMA COMUNIDADE ENGAJADA,


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EX

DESENVOLVEMOS SOLUÇÕES PARA EMPRESAS LIC URA


EN DOR OS
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E PROGRAMAS DE EDUCAÇÃO PARA ME E O P PE
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O BEM-ESTAR EMOCIONAL.
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V IS U A NTENT
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L BRAND
ENTÃO, SE VOCÊ ESTÁ EM BUSCA DE UM
CONTEÚDO PARA SUA EMPRESA QUE TENHA
IÇOS

UMA LINGUAGEM MAIS PRÓXIMA, NÓS PODEMOS


SA
ED

/ CA
RV

FAZER ISSO PARA VOCÊ. SE VOCÊ QUER OLA PLES


UC

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SE

S I M
VIDA DE SEN

DESENVOLVER UM EVENTO COM PESSOAS V


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QUE ESTÃO REALMENTE PENSANDO NOVAS | P MOC ÊNC NTO
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MANEIRAS DE VIVER E ESTAR NO MUNDO,
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NÓS PODEMOS FAZER ESSA CURADORIA.


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