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Edgardo Martolio
CARTA AO LEITOR DIRETORES CORPORATIVOS
Marketing: Luis Fernando Maluf
Editorial: Claudio Gurmindo (Núcleo Celebridades)
e Pablo de la Fuente (Núcleos Novos Leitores e Mensais)
Publicidade: Luciana Jordão
Circulação: Marciliano Silva Jr.
Sentimento abafado
Internet e Mídia Digital: Alan Fontevecchia
Operações: Osmar Lara
Jurídico e RH: Wardi Awada
DIRETORES EXECUTIVOS
TI: Cícero Brandão
QUANDO EU ERA CRIANÇA, meus pais não gostavam que Arte: André Luiz Pereira da Silva
rei muito tempo para entender o mal que isso fazia. Vo- GERÊNCIAS
Escritório Rio de Janeiro: Edinoel Silva Faria
cê passa a alimentar uma porção de sentimentos com os Circulação: Luciana Romano (Assinaturas)
Marketing Publicitário e Eventos: Mariana Kotait
quais não consegue lidar. É como pegar uma batata quen- Eventos: Walacy Prado
te nas mãos e ficar jogando de um lado para o outro sem Administração, Finanças e Controle: Adriano Bialli
Tecnologia Digital: Nicholas Serrano
saber o que fazer. Conforme a vida foi acontecendo, per- EDITOR DE IMAGEM
Fotografia: César Alves (RJ)
cebi que entender o que se passa dentro da gente é essen-
cial. Então eu tento fazer um exercício assim: quando al-
go me incomoda, pergunto por que aquilo me entristeceu, (Lançada em 2002)
Editora: Ana Holanda; Editora-Assistente: Débora Zanelato
me irritou. Muitas vezes, percebo que a minha reação Designers: Paola Viveiros e Dandara Hahn
Revisão: Bianca Albert
nem sequer tem relação com o que o outro disse ou fez. A Publicidade: Katia Honório e Silzer Draghi (Executivas de Negócios)
troladora). A partir dessa constatação, começo a sentir o Granatieri (RJ); Amanda Loureiro, Mariana Sardinha, Ramiro Pereira, Samantha
Ribeiro e Tainara Passos (Assistentes); CORRESPONDENTE INTERNACIONAL:
alívio de quem não abafou seus sentimentos e os escon- Álvaro Teixeira (Paris); CIRCULAÇÃO: Pablo Barreto; MARKETING PUBLICITÁRIO E
EVENTOS: Gustavo Mendes (Editor de Arte), Adriana Trujillo (Editora Assistente)
deu embaixo do tapete. Entender o que se passa dentro e Murilo Bosi (Analista de Marketing); MARKETING: Caroline Ryna, Fernando
Almeida, Nilton Vieira, Natalie Fonzar (Apoio) e Bianca Gurgel (Designer); TI: Carlos
de você é essencial para seguir em frente com mais sere- Almeida, Dirceu Bueno, Ricardo Jota e Victor Fontes (Assistentes); LOGÍSTICA:
Anicley Lima, Daniel Ferreira e Ivo Santos; RECURSOS HUMANOS: Renê Santos
nidade e presença. Nossa reportagem de capa fala disso. (Consultor); ADMINISTRAÇÃO, FINANÇAS E CONTROLE: Alessandro Silva e Arthur
Matsuzaki (Analistas) e Manoel Leandro (Consultor); PROCESSOS: Henrique Pereira
Optamos por mergulhar na irritação, um sentimento pre- ; DEDOC: Marco Vianna; PRE-PRESS: Alexandre de Sousa, André Uva, Claudio Costa,
Emerson Luis Cação, Dorival Coelho, Rodrigo Figuerola e Rogerio Veiga
sente nos dias de hoje. Vivemos um momento em que tu- INTERNET E MÍDIA DIGITAL
4
EDITOR RESPONSÁVEL
vida simples • JUNHO 2016 Wardi Awada
junho 2016
pág. 30
Comunidades que
apostam na tradição oral
para manter sua história
42 pensar
Um elogio à diferença
Gratidão
A cada edição sinto imensa grati-
dão pelo trabalho de vocês. A jorna-
lista Liane Alves é responsável por
momentos de alegria e contempla-
ção na minha vida. O artigo dela, O
Poder da Alegria, foi mais um desses
grandes momentos. Aprendi tam-
bém com a excepcional coluna do
Envie comentários Eugenio Mussak Aprendendo a De-
e sugestões pelo e-mail saprender. Seguimos juntos!
vidasimples@ —Ana Lúcia Spina
maisleitor.com.br,
com nome completo, Aprendendo a desaprender
profissão e cidade Recebi a edição do mês e fui corren-
do olhar a coluna Pensando Bem. O
Eugenio Mussak, mais uma vez, fez
jus ao seu nome e foi um “gênio” em
Para consultar seu artigo. Eu, como curiosa assu-
edições recentes, mida e defensora das possibilida-
acesse nosso site: des de ter sempre a mente aberta
vidasimples.uol.com.br a novos conhecimentos e aprendi-
zados, fui presenteada com a leitu-
ra de Aprendendo a Desaprender. Ser
assistente social, feminista, defen-
Ou ainda participe sora da liberdade é isso: saber que,
de nossas redes sociais para entender certos processos que
FACEBOOK revistavidasimples ocorrem na sociedade e para pro-
INSTAGRAM vidasimples por respostas cabíveis e alcançá-
TWITTER @vidasimples veis, é necessário livrar-se progres-
siva e gradualmente do preconceito
e manter a alma nua. Obrigada pela
prazerosa leitura!
—Michele Correia
Textos profundos
O texto da capa sobre a alegria es-
tá belíssimo. Sou fã da Liane Alves,
que sempre traz textos profundos e
tão simples. A vida simples precisa
ser degustada aos poucos para não
acabar tão rápido.
—Katia Camargo
Momento de agradecer
Minha vida se tornou mais simples
no final de 2012, quando casualmen-
te encontrei em um supermercado
da minha Ilha do Amor (MA) um
exemplar da revista. De lá pra cá,
tenho um verdadeiro prazer em en-
contrá-la nas prateleiras na expecta-
tiva da cor da capa e da matéria prin-
cipal, que normalmente tem tudo a
ver com a minha situação naquele
momento. É uma ansiedade tão in- @apassarelli @ju_romano @organizandosuacasa
tensa, porém completamente sau-
dável, que me nego a fazer a assina-
tura, porque encontrá-la, todo mês,
na banca ou no supermercado é algo
insubstituível. É como um encontro,
no fim da tarde, com um bom amigo
para bater papo tomando um bom
cappuccino com chantilly. Estou
aqui – e só agora – dizendo isso por- @deborah_capio @cenarionatalialana @yasmineholanda
que estou em um momento de agra-
decer tudo aquilo que nos torna ver-
dadeiros. Muito obrigado!
—Eduardo Reis mo achando excessivos, os artigos ram a melhor parte. A matéria sobre
finais contribuíram bem, principal- adoção tardia estava excelente. De-
Adoção tardia mente o do Eugenio Mussak. sejo sucesso a todos e parabenizo
A edição de maio de vida simples —Tadeu Borella pela edição e equipe afinada.
me surpreendeu positivamente. —Luciana Arruda
Achei emocionante a matéria so- Equipe afinada
bre a adoção de uma criança mais Voltei a assinar a revista após dois Em análise
velha, e as ilustrações do texto O anos e estou muito feliz com a qua- Amei a edição de maio. O texto da
Tempo Certo das Coisas foram mui- lidade das matérias. A seção Com- Diana Corso está fantástico. Ela
to bem boladas. Achei bem trabalha- partilhe é incrível, prática, ágil e com conseguiu colocar em palavras sen-
do, também, o artigo sobre a mor- ótimas dicas. O tema da capa O Po- timentos reais da maternidade. Sou
te, da nova série Dilemas. A reporta- der da Alegria ficou muito bem ela- assinante há um bom tempo e ado-
gem sobre como usar a bike no dia a borado, e as ilustrações com as me- ro a revista. Parabéns pelo trabalho.
dia foi um brilho de alegria e, mes- dicações resumindo o assunto fo- —Alessandra Mayer
Relatos
de amor
Série revela minúcias a dois e
momentos de cumplicidade
entre casais urbanos
b
Viajante
do mundo
a designer carioca
Tatiana Vieira queria
aproximar os pais, que
pouco viajaram, das
experiências que ela
vivia em outras cidades
do mundo – e aí decidiu
criar cartões-postais para
eles. A ideia acabou se
transformando no blog
O Mundo É Meu Quintal.
“Mostro um pouco do que
descubro e me surpreendo
em cada canto em que
estive”, diz Tati. Porque o
Veganinha | bit.ly/1VT0YNf
b
Prato
em folha
em vez de plástico ou
isopor, folhagem. Esta é
a matéria-prima do prato
biodegradável criado
por pesquisadoras da
Universidade de Naresuan,
na Tailândia. Depois de
testar folhas de diversas
árvores, elas encontraram
três tipos que podem ser
moldados e usados como
recipiente. Feitos com
ingredientes naturais, os
pratos servem alimentos
quentes, frios, sólidos
e líquidos. — dz
Mais paz e
menos irritação
De repente a vida parece estar fora de controle e você se sente
irritado, sem paciência, infeliz. Entenda o que detona esse processo
e como transformar essa sensação tão desconfortável
TEXTO Liane Alves
Lembra do bichinho do rã-rã? Segundo um nosso auxílio e como identificá-la, quando ela
antigo comercial da tevê, esse bichinho se aloja resolve se camuflar. Por último, vamos ter à mão
na garganta e nos obriga a pigarrear (rã-rããã...) os equivalentes emocionais aos bálsamos e pas-
para reduzir o incômodo provocado pela sua tilhas, assim como as vitaminas para tornar a
presença. Mas o que aquela propaganda, feita alma mais fortalecida. Quando esse bichinho é
para vender pastilhas, não contava é que o me- descoberto fica até mais fácil acabar com ele. É
tafórico bichinho às vezes se instala na alma. o que vamos ver em seguida.
Como a irritação que provoca na garganta, ele
também é o responsável por uma dor que raspa, O reino do coração
uma desagradável sensação de areia, um sen- Primeiro, vamos conhecer onde nasce a irrita-
timento difuso que nos diz que nada está bom ção. E a tradicional medicina chinesa pode au-
do jeito que está e que isso é quase insuportá- xiliar muito nisso, pois ela se refere aos circuitos
vel. Vamos precisar bem esses sentimentos: a energéticos do corpo e como eles influenciam
irritação não é uma raiva que explode como um nossos estados emocionais. “É uma medicina
trovão, mas uma emoção contida dentro de um milenar, que trata do corpo físico, emocional,
caldeirão que ferve. Com a ausência de pasti- mental e espiritual. Eles estão profundamente
lhas ou bálsamos para aliviar essa insatisfação interligados”, diz o acupunturista Rodrigo Bit-
da psique, nos tornamos impacientes, intole- tencourt, de Petrópolis (RJ), que tem mais de 20
rantes, ansiosos, mal-humorados, deprimidos. anos de prática. E a primeira revelação de Ro-
Agora vem a boa notícia: se é possível aca- drigo é bem curiosa: a irritação difere muito da
bar com o bichinho do rã-rã quando ele agride o raiva. “Ela faz parte de um circuito energético
corpo, também é possível eliminá-lo ao atacar a diferente. A irritação nasce no coração e é uma
alma. Para isso, é preciso rastrear como ele age emoção relacionada ao elemento fogo.” Ela é
e como se infiltra em nossas defesas. Vamos ver mais existencial, contínua (em maior ou menor
também como a irritação se torna forte com o grau), como se fosse um sentimento de fundo
A irritação é um sentimento difuso que nos sinaliza que algo não está caminhando muito bem dentro da gente, e não fora
capa
relacionado mais à essência da pessoa do que sinceridade profunda.” Porém, vamos admi-
uma resposta imediata a algo que acontece. A ir- tir, às vezes essa conversa aberta é impossível.
ritação pode até se tornar crônica e se transfor- Quando esse é o caso, Rodrigo sugere que a pes-
mar numa característica de personalidade (uma soa vá para um lugar isolado na natureza e expe-
pessoa irritadiça). “Já a raiva se origina no fíga- rimente cantar alto ou até mesmo gritar. Isto é,
do: é totalmente reativa, explosiva, agressiva e colocar a voz para fora. “Dá um alívio imedia-
momentânea. É ligada ao elemento madeira, to”, garante. Mais efeitos do excesso de energia
cuja combustão é rápida”, explica ele. no coração: um falar superficial e abundante,
E nem é preciso dizer que a causa da irrita- quase histérico, vontade compulsiva de comer
ção é interna: algo que existe em mim é que de- e comprometimento da circulação sanguínea,
tona o processo, e não o que acontece fora. É manifestado pelo surgimento de varizes. Em
por isso mesmo que nos irritamos com coisas outras palavras, a irritação pode vir junto com
bobas, na maioria dos casos sem sentido. Ela outros sintomas físicos bastante explícitos. “Si-
é uma reação desproporcional ao que aconte- nal de que o excesso de energia é tanto que já
ce externamente por conta de um desequilíbrio transbordou para outros pontos do corpo.”
interno. Para a antiga medicina da China, todas Para que isso não aconteça, Rodrigo suge-
as desordens de saúde nascem na mente (shen). re evitar comidas picantes (relacionadas ao ele-
“Acontece que, para os chineses, a mente fica no mento fogo) e, pasmem, reduzir bastante o tem-
coração. O cérebro seria apenas um decodifica- po na internet, na televisão ou no celular. “As
dor do que o coração diz e pensa”, afirma Rodri- imagens em movimento e a excessiva estimu-
go. Para essa medicina milenar, é no coração on- lação mental são associadas ao fogo. Melhor
de está a sede do espírito, da essência, dos pen- diminuir o uso.” Viver em lugares altos e mais
samentos. A irritação é bem importante, pois frios, como as montanhas, também ajuda. Tudo
prejudica o que temos de mais sutil e etéreo. isso faz bem, mas a acupuntura ainda é a forma
Mas o que faria o coração se desequilibrar mais direta e fácil de esvaziar o excesso de ener-
e se tornar irritadiço? Excesso de sua própria gia yang no nosso principal órgão vital.
energia: muito fogo, agitação mental e pen- Bom, já temos uma boa quantidade de indi-
samentos. “O coração feliz é aquele que emi- cações sobre como diminuir a irritação, segun-
te uma alegria serena, tranquila”, afirma o acu- do o olhar da medicina tradicional chinesa. Ago-
punturista. Não é euforia, mas uma irradiação ra vamos conhecer uma pessoa que andou dez
harmoniosa de paz e contentamento. Portan- anos de mal com o mundo.
to, tudo o que ajuda esse conjunto (meditação,
oração, contemplação, práticas físicas tranqui- Eu não aceito
las, como ioga e tai-chi, acupuntura, boas leitu- Heloísa Capelas passou anos desejando ser mãe
ras, momentos de calma na natureza) contribui de uma menina. Já tinha até um nome: Beatriz,
para a volta do seu equilíbrio. Receber e dar ca- aquela que traz a felicidade. Quando engravi-
rinho, ser doce nas palavras, colocar mais afe- dou, não via a hora de enfeitar a menina, passe-
to no que se faz ou massagens com óleos ado- ar com ela. E Heloísa realmente pôde realizar o
cicados também são ações que podem ser con- que tanto desejava durante um ano e oito me-
sideradas como xaropes emocionais. O doce, ses, até Beatriz ter sua primeira convulsão. He-
segundo a visão chinesa, é um sabor ligado ao loísa já estava grávida de sete meses da segunda
elemento terra, que tem a propriedade de sua- filha quando seu sonho ruiu. Quando voltou do
vizar e refrescar o elemento fogo. Mas cuidado coma epilético, Beatriz já não era mais a mesma.
com muito açúcar: para se equilibrar, o organis- Chegava a convulsionar mais de 20 vezes em
mo pode gerar uma compulsão por chocolates. um único dia. Teve seu lado esquerdo paralisa-
Outro remédio essencial é falar, desaba- do e a crise ainda deixou um comprometimen-
far, com verdade e lucidez. “Não é o responder to mental. “Eu não aceitava aquilo. Cuidava, me
irritado, mecânico, mas a fala que traduz uma dedicava ao máximo, mas queria Beatriz de
Irritação não é raiva, mas algo que alimentamos aos poucos, em fogo brando. A raiva é explosiva e imediata
capa
volta.” E foi o que ela realmente tentou, du- Vaca no Estacionamento (Fontanar). Vamos su-
rante dez anos, ao procurar e experimentar tera- por que você entre numa garagem de supermer-
pias (físicas, psicológicas, espirituais) para que a cado, louco para pegar a única vaga que sobrou.
filha voltasse ao normal. A frustração era imen- De repente, um carro passa na sua frente e entra
sa e sua irritação correspondia a ela. naquele lugar. E você está pronto para espumar
Frustração, sensação de impotência, medo de raiva com isso. Mas os autores lançam uma
e culpa são potentes ativadores da irritação. He- pergunta: e se fosse uma vaca que tivesse ocu-
loísa brigava por tudo e com todos nesse perío- pado o lugar? Você estaria tão irritado assim?
do. Seu casamento quase naufragou. Não tinha Para a maioria das pessoas, o encontro ines-
paciência com os pais, que a ajudavam com os perado com uma vaca que toma a sua vaga no
outros filhos (vieram mais dois) nem com as pró- estacionamento poderia gerar uma sonora gar-
prias crianças. Ela nem tinha ideia do que esta- galhada. Afinal, é uma surpresa engraçada. Mas
va acontecendo consigo mesma. por que você se irrita com o carro e acha graça
O autoconhecimento foi fundamental para da vaca? O que Leonard e Susan nos dizem é que
Heloísa Capelas nesses anos de briga consigo não há uma diferença objetiva entre os cenários:
mesma. Aos poucos, entendeu o que acontecia em ambos, você seria obrigado a encontrar ou-
e, o mais importante, para que tudo aquilo. “É tro lugar para estacionar. Então o problema está
fundamental perguntar o motivo por que deter- dentro de você, e não fora. E não importa se vo-
minada circunstância se apresenta, e não só o cê tem razão, ou quem fez o quê, objetivamente
porquê. Acredito num universo inteligente, com o resultado é o mesmo. “A única coisa que muda
significado. O ‘para que’ nos diz o que temos de é sua reação ao acontecimento. Em outras pala-
aprender com uma situação. Nossa consciência vras, ninguém é a causa de nossa irritação. Ela é
pode evoluir e se ampliar com o que nos aconte- inevitável. A irritação começa e termina com a
ce.” Mesmo se o desafio for enorme. gente”, escreveu a dupla de autores.
Ao fazer uma terapia durante sete dias con- Alguém até pode dizer que o outro motoris-
secutivos, conhecida como Processo Hoffman ta tinha a intenção de prejudicar, e a vaca não.
(idealizado na década de 1970 pelo americano Mas essa versão não é tão simples assim. Muitas
Bob Hoffman), Heloísa finalmente conseguiu vezes alguém faz, sem perceber, algo que parece
se perdoar e aceitar Beatriz como era – e con- agressivo, mas que não é intencional. “Quantas
tinua sendo, aos 33 anos. Foi um imenso alívio. vezes nos surpreendemos com a reação magoa-
Mais consciente, se especializou na terapia e ho- da de uma pessoa quando não tínhamos a míni-
je é diretora do Centro Hoffman do Brasil e es- ma intenção de ofendê-la?”, perguntam os au-
creveu um livro, O Mapa da Felicidade (Gente). tores. O outro motorista também pode ter outro
Escolhi o exemplo de Heloísa dentre muitos bom motivo, uma emergência, por exemplo. Ou
porque, no caso dela, é evidente que podemos ser distraído. Ou achar que tinha razão, que foi
aprender com a irritação. Se prestarmos aten- você que dormiu no ponto. Em resumo, o propó-
ção nela e descobrirmos o que a detona, nos li- sito pode não ter sido nos prejudicar diretamen-
bertamos, mas também podemos ajudar a liber- te. Por outro lado, tem gente folgada também,
tar outras pessoas. Essa emoção negativa pode que não respeita limites. Mas, em qualquer um
ser útil, portanto, pois sinaliza o que dentro de dos casos, o problema não é o outro: somos nós.
nós ainda não foi resolvido. Uma ferramenta Nossa ação é reativa. Esquecemos que sempre
que pode nos ajudar a ter mais consciência de podemos agir de uma maneira não tão mecâni-
nós mesmos e a evoluir. ca diante de uma determinada situação. Temos
uma escolha: nos irritarmos ou não.
A vaca no estacionamento E como reagir num primeiro momento de
Os autores americanos Leonard Scheff e Susan forma a não cair na agressão? Respirar fundo já
Edmiston nos propõem um exercício de imagi- nos coloca de forma diferente na situação. Ex-
nação bem interessante no começo do livro A pirar e inspirar profundamente acalma. Outro
Ter consciência do que está sentindo é essencial para descobrir a melhor rota, se autoconhecer mais e reagir com sabedoria
capa
recurso é estar no maai, um pequeno interva- mestre resmungou, mas admitiu que teria de
lo de tempo entre duas ações, um conceito pre- respeitar essa decisão. E Buda fez a última per-
cioso encontrado nas artes marciais chinesas, gunta: “E, se eles não aceitarem, para quem fi-
como o aikido. Em outras palavras, não é pre- cam os presentes?”. O homem respondeu que,
ciso responder imediatamente a uma provoca- é claro, ficariam para ele mesmo. E Buda falou:
ção. Esses segundos sem ação nenhuma podem “O nosso caso é exatamente o mesmo, ó brâma-
lhe poupar um desastre. Quando resolver agir, ne: você insulta a nós, que não insultamos em
não será mais de maneira reativa, mas com do- retribuição; você repreende a nós, que não re-
mínio da situação. Considere, depois, que não é preendemos em retribuição; você ofende a nós,
necessário levar as coisas para o lado pessoal. “É que não ofendemos em retribuição. Portanto, os
melhor não dar tanto peso ao acontecimento. seus presentes, que são suas ofensas, insultos e
Nos irritamos muito facilmente por coisas sem repreensões, ficam para você. Nós não os que-
importância”, diz a psicoterapeuta paulista Ana remos nem os retribuímos”.
Paula Nascimento. “Já temos duas ou três gera- Há uma grande sabedoria aí. Toda raiva que
ções de gente mimada que lida mal com as frus- recebemos dos outros, é deles, e não nossa. Não
trações. E a irritação pode surgir de reivindica- precisamos aceitá-la. Como nas artes marciais,
ções absolutamente descabidas”, diz. damos um passinho de lado e deixamos toda
Pois é: antes de espernear, é melhor pensar. aquela energia horrorosa passar. E, como fez
Tenho mesmo razão? Posso falar com o outro Buda, é preciso realmente dar espaço para a ir-
com firmeza, mas com tranquilidade, e perma- ritação do outro se manifestar, sem julgamen-
necer dentro desse estado pacífico sem me im- to. “Se tivermos uma atitude mental positiva,
portar com o que for dito pel0 outro? Não se es- mesmo quando cercados de hostilidades, não
queça, temos sempre uma escolha. E, no geral, nos faltará paz interior”, escreveu o dalai-lama
é melhor optar por baixar a guarda e iniciar um no livro Um Coração Aberto (Martins Fontes).
diálogo com mais racionalidade e estabilidade Mas todo mundo sabe que isso não é fácil.
do que ceder a impulsos emocionais reativos. É preciso prática, força interna e uma sólida es-
Na reação, você faz o que o outro quer. Na ação trutura interior. Mais uma vez aquele bom con-
consciente, faz o que almeja, e ainda não se per- junto de vitaminas ajuda: meditação, oração,
de pelo caminho. E o resultado vai ser mais po- práticas contemplativas, terapias e autoconhe-
sitivo do que um ranger de dentes. cimento. “Se, apesar das injustiças do outro, vo-
cê permanecer calmo, feliz e pacífico, sua saúde
Toma que o filho é seu permanecerá forte, você continuará a ser alegre
Até aqui você viu como lidar com a sua irritação. e mais amigos virão visitá-lo. Sua vida será mais
E como será que é lidar com a irritação dos ou- bem-sucedida”, complementa o líder tibetano.
tros? Uma historinha pode ajudar. Conta-se que Ninguém aguenta uma pessoa irritada por mui-
um brâmane indiano, famoso na sua época, per- to tempo e todo mundo gosta de estar perto de
deu um dos seus discípulos para Gautama Bu- uma pessoa feliz e tranquila.
da, o Desperto. O professor ficou muito irritado A proposta não é sermos bonzinhos. Você
e foi tomar satisfações com Buda, que o escutou pode responder a uma pessoa irritada, mas com
atentamente. Depois de ouvir as queixas, pala- calma e firmeza. Prepare-se, fortaleça-se e você
vras ásperas e acusações exaltadas do guru in- irá conseguir. Com essa nova atitude e postura,
diano, o grande mestre fez algumas perguntas: quem sabe até o irritadinho se aperceba da des-
“Diga-me, ó brâmane, alguns visitantes costu- proporção e inutilidade de sua reação. ƒ
mam ir à sua casa para encontrá-lo?”. O indiano
disse que sim. “E você prepara refeições espe-
ciais e presentes para eles?” O professor concor- LIANE ALVES seguiu um dos conselhos do texto e mu-
dou de novo. “E se, apesar de sua generosida- dou-se para as montanhas. Acompanhe sua jorna-
de, eles resolvem não aceitar os presentes?” O da por lá no site redlotus-spiritualtravels.com
Aos poucos, cada um descobre o que acalma o coração. Conversar ou recorrer a refúgios na natureza ajudam nesse processo
EXPERIÊNCIA
ILUSTRAÇÃO KILI-KILI/ISTOCK
O anO de 2015 foi o mais louco da minha caminhando bem, mas bastava passar por
vida. Foi quando tive a coragem de soltar as algum período de tristeza ou qualquer ou-
amarras do meu mundinho particular, se- tra dificuldade emocional e os cabelos vol-
guro e confortável, para me jogar no mun- tavam a cair vertiginosamente. O gatilho
dão de verdade. Posso dizer que passei por para o início dessa doença, aliás, foi a fase
muitas libertações e desprendimentos pa- terminal do meu pai.
ra seguir com meu plano de tirar um perí-
odo sabático e viajar por países diversos: Dói demais
casa, carro, emprego, segurança financei- Acho muito difícil escrever sobre isso, pois
ra, entre outras coisas. Mas tenho certeza não sei se é possível traduzir em palavras a
de que a maior parte das pessoas não ima- tristeza que é perder os cabelos, principal-
gina qual foi minha maior e mais difícil li- mente para uma mulher. Penso que mui-
bertação nessa história toda. tas pessoas podem ler isso e pensar: “Mas
Há pouco mais de oito anos, desco- que besteira, não é uma doença grave, um
bri que tenho um problema genético cha- câncer ou outra coisa do tipo. É só um efei-
mado alopecia, que é uma perda gradual to estético”. Mas, acredite em mim, dói
dos cabelos. Os fios vão se tornando cada demais perder os cabelos. A cada manhã,
vez mais finos e ralos até que o couro ca- quando percebia que havia muitos fios caí-
beludo fica à mostra. O problema é popu- dos no travesseiro, no ralo do banheiro, nas
larmente conhecido como calvície femi- minhas roupas, a ferida ardia no meu pei-
nina. Existem diversos tratamentos para to. Acho que é um dos problemas que mais
tentar estagnar o processo e fiz inúmeros afetam a autoestima de uma mulher. Can-
deles, mas o que influencia numa maior sei de chorar ao me olhar no espelho e tam-
ou menor queda dos fios é o estado emo- bém desisti de muitos programas com os
cional. Muitas vezes o tratamento estava amigos por estar me sentindo horrível.
Camilla está
realizando o sonho de
conhecer o mundo.
Projeto que se tornou
possível depois que
ela aceitou seu
problema, a alopecia
Passei vários anos tentando escon- bastante satisfatório. Logo pensei: prótese capilar? É claro que eu pode-
der minha calvície, não gostava nem “Estou livre!”. Eu podia lavar os ca- ria buscar outros lugares para fazer
de falar a respeito. Usava produtos belos normalmente, secar, nadar, todo esse processo, mas, por ser al-
para tentar disfarçar as falhas, que era vida normal. Era libertação. go muito específico e caro, eu tinha
se tornavam cada vez mais eviden- Mas, com o passar do tempo, receio. No início de 2014, comecei
tes, não entrava na piscina, nem no percebi que saí de uma prisão pa- a me obrigar, nos dias da manuten-
mar. Se com o cabelo seco eu já pa- ra entrar em outra, aparentemen- ção, a me encarar careca. A Camilla
recia careca, imagina quando estava te mais bonita. Essa prótese era fi- de verdade era aquela do espelho,
molhado. Acho até que a maior par- xa e exigia uma manutenção men- sem cabelos, e eu precisava aceitar
te das pessoas não percebia o meu sal. Era preciso removê-la em uma essa verdade. Precisava olhar para
início de calvície, mas o problema clínica especializada nisso e fazer a realidade. E comecei a fazer isso,
era o meu olhar. E, quando me ob- uma higienização absurda tanto todo mês, até que, um dia, tive um
servava no espelho, a primeira e úni- nos cabelos quanto no couro cabe- dos insights mais gostosos da minha
ca coisa que eu conseguia enxergar ludo. Passei os primeiros anos sem vida. Me olhando no espelho, care-
era o couro cabeludo brilhando em- ter coragem de me encarar no es- ca, sozinha na sala da clínica em um
baixo dos fios finos e ralos. pelho quando estava sem a prótese, dia de manutenção da prótese capi-
No ano de 2011, já cansada e de- não tinha coragem de me ver care- lar, me achei bonita sem os cabelos.
sanimada de todos os tratamentos, ca. Aquele dia do mês machucava. Pude ver o brilho dos meus olhos, o
tomei uma decisão bem importan- contorno do nariz, minhas orelhas
te: resolvi colocar uma prótese ca- Olhar para o espelho perfeitas, e achei que a ausência dos
FOTOS ARQUIVO PESSOAL
pilar. Era algo de muita qualidade, Sempre que eu considerava ficar um fios era só um detalhe. Nesse mo-
com cabelos naturais, feita na Itália tempo fora do Brasil ou mesmo lon- mento, uma emoção diferente cor-
e que me custou o valor de um car- ge da minha cidade, São Paulo, pen- reu nas minhas veias. E, então, to-
ro popular. Coloquei a prótese no sava na questão dos cabelos: como mei a decisão que faltava para final-
final daquele ano e o resultado foi eu faria a manutenção mensal da mente fazer a viagem que eu tanto
desejava de volta ao mundo: eu ia ti- seguida, pedi para cortar bem cur- outros com meus fios molhados ou
rar a prótese e embarcaria com o que tinho os cabelos que sobraram e saí com minha carequinha aparecendo.
havia sobrado dos meus cabelos de dali para passear no shopping, sen- Eu sei que sou muito mais do que is-
verdade. Lembro que, naquela épo- tindo uma liberdade indescritível. so, e essa descoberta foi o maior e
ca, quando alguém dizia que eu era Um dos dias mais felizes que te- melhor presente que me dei.
corajosa por estar largando tudo pa- nho recordação foi meu primeiro ba- Nesse processo, aprendi tan-
ra viajar pelo mundo, pensava comi- nho de mar sem a prótese e sem me ta coisa... Aprendi que ninguém no
go: “Você nem imagina que eu ainda importar com o julgamento ou os mundo, por mais que o ame, é capaz
vou ter que ir careca”. olhares alheios. Isso aconteceu na de sentir o que você realmente es-
Tirei a prótese no dia 10 de se- Nova Zelândia. Estava um pouco tá sentindo. A minha dor era só mi-
tembro de 2015. Na véspera, passei frio, mas eu não via a hora de me jo- nha, e só eu tinha o poder de curá-la.
mal. Tive diarreia e crise de enxa- gar naquele mar e sair livre, leve e Entendi que, quando alguém o tra-
queca. Uma amiga quis me acom- solta sem a preocupação de que al- ta mal ou está mal-humorado, deve-
panhar, mas fiz questão de ir sozi- guém estaria percebendo a minha mos tentar relevar, pois nunca sabe-
nha. Não sabia o que ia sentir, podia falta de cabelos. Isso, sim, era liber- mos os dragões que cada um enfren-
ser que depois eu quisesse entrar tação, ou superação. ta dentro do peito. Me dei conta de
correndo num táxi e, em seguida, Minha viagem ao redor do mun- que autoaceitação leva tempo e que
me trancar no quarto de casa. Mas do está acontecendo neste exato nós somos muitos mais que cabelos,
acordei tão firme naquele dia que momento. E é claro que tento tirar bundas ou peitos, pois, se isso fosse
eu mesma não acreditei. Acho que as fotos do meu melhor ângulo sem tudo, talvez eu seria nada. ƒ
meu anjo da guarda me levou pe- focar diretamente no problema. Uso
las mãos. Tirei a prótese na clíni- as minhas queridas faixas na cabeça
ca, junto com a equipe mais que es- e também um produto para escon- CAMILLE ALBANI é apaixonada por gen-
pecial que me acompanhou em to- der um pouco as falhas. Mas não te- te e por uma boa prosa. Conta suas ex-
dos aqueles anos de tratamento. Em nho problema algum em encarar os periências no asaseraizes.com.br.
DILEMA:
ANSIEDADE
É POSSÍVEL
CONVIVER
COM ESSE
SENTIMENTO?
A SÉRIE DILEMAS é uma parceria entre a revista VIDA SIMPLES e a The School
of Life e traz artigos assinados por professores da chamada “Escola da Vida”. A
série tem como objetivo nos ajudar a entender nossos medos mais frequentes,
angústias cotidianas e dificuldades para lidar com os percalços da vida.
Acima, reunião de anciões na vila de Caia. As tradições são passadas para os mais jovens, mas Christian observa que isso vem
se perdendo. Ao lado, Dona Nhale conta uma história cantada com seu grupo. Os grupos tradicionais são chamados nas famílias
para falar sobre valores e forma de comportamento em um casamento quando uma filha está se preparando para o matrimônio
Comida é
patrimônio
Mais do que uma receita, o alimento carrega as
características de um povo e nos conecta com
nossas raízes ao trazer o senso de comunidade e de
pertencimento que só resgatamos em volta da mesa
TEXTO Rafael Tonon
Reconhecer o modo de fazer antigo, de comidas e bebibas, como parte da nossa história é essencial para a vida em comunidade
comer
Um elogio
à diferença
O pensamento variado, o jeito de ser que foge a um
determinado padrão. A diversidade, enfim, é a única
condição que nos permite de fato ser quem somos
TEXTO Laís Barros Martins DESIGN Dandara Hahn FOTOGRAFIA Paulo Santos
Não somos todos iguais. Como dizia a mi- Vale saber, no entanto, que ser diferente
nha avó, reproduzindo a ironia do dito popu- não é fácil. Exige coragem. O movimento passa
lar, “iguais só no branco dos olhos”. Apesar de por várias etapas de aceitação – pessoal, fami-
eu e você compartilharmos tanto em comum e liar e social – até atingir graus em que a distinção
podermos coincidir em mais do que apenas um possa ser valorizada e se transformar em identi-
fundo de olho, a complexidade que representa- dade e cultura passíveis de orgulho e amor.
mos extrapola os limites do corpo e se manifesta
em nossas relações mais próximas. Ela também Um mundo que nos aceite
é refletida nos grupos dos quais participamos e Tenho anotada comigo desde os tempos de fa-
aos quais decidimos nos juntar por afinidade e culdade uma frase de George Devereux , psica-
opção própria ao longo da vida. nalista e etnólogo húngaro-francês. Ela diz, es-
Minha percepção me faz crer que o mundo sencialmente, que podemos ser considerados
está mais receptivo às diferenças. Antes, aque- iguais apenas porque somos diferentes. “Ser ci-
les que estavam fora do padrão eram excluídos dadão de um mundo que conhece a diferença e
ou vistos com olhares de estranhamento. Mas respeita aqueles que são tributários de culturas
cada vez mais refletimos sobre o valor de ser e identidades que não são as minhas, assumin-
quem somos. E quem carrega a diferença em do que não há cultura e identidade melhor ou
seu corpo ou em suas escolhas pessoais comu- pior”, comenta Claudio Bertolli Filho, livre-do-
nica, hoje, autenticidade e liberdade de ser. cente na área de antropologia da Unesp.
Alguns dizem que “o mundo está ficando Mas nem sempre foi assim. A noção de que
chato” por causa do politicamente correto. Mas é tão digno e complexo ser alguém que incor-
esse processo pode revelar a construção de um pora os valores de qualquer sociedade, de qual-
lugar melhor para comportar as diferenças, tra- quer lugar, foi construída pouco a pouco, “o que
balhando nossos preconceitos e aumentando o inspirou grupos de países periféricos a enfatizar
sentimento de tolerância. a diferença, rebatendo a ideia de que só havia
uma maneira ‘certa’ de ser humano, aque- Uma casa que nos acolha
la cunhada na Europa Ocidental e nos Estados A percepção da diferença aparece já nas primei-
Unidos até pelo menos o final da Segunda Guer- ras vivências da infância. Nessa fase, revela-se
ra Mundial”, explica Claudio. a importância de existir uma organização fami-
Esse movimento alcançou também o inte- liar, baseada em compreensão e aceitação, que
rior de cada nação, desencadeando a luta das garanta aos filhos a possibilidade de firmar-se
minorias em consolidar sua identidade com a em sua individualidade. As funções de pais e
afirmação de grupos sociais, religiões, etnias, mães envolvem administrar as diferenças, seja
orientações sexuais, entre outros. Você certa- as relacionadas à personalidade e ao comporta-
mente conhece histórias de pessoas próximas mento (que expõem preferências e interesses),
que dedicaram litros extras de lágrima, suor ou seja as diferenças que destoam dos padrões
sangue para se firmar mundo afora, além de re- pré-estabelecidos sobre o processo de desen-
latos violentos, estampados com bastante fre- volvimento da criança – apesar de cada um ter
quência nos jornais diários. o próprio ritmo para atividades como começar
Ainda numa perspectiva histórica, com a a andar e falar, a aprender a ler e escrever... E
globalização e a chegada das novas tecnologias, há também a possibilidade de encontrar multi-
a partir da década de 1980, “acreditava-se que, plicidades extremas, como as narradas no livro
com a comunicação de informações e o preten- Longe da Árvore (Companhia das Letras), de An-
so fim das barreiras territoriais e ideológicas, to-
dos compartilhariam de uma mesma cultura –
era o início de um novo momento histórico-cul-
A busca por algum grau de diferenciação
tural denominado pós-modernidade, e as elites na sociedade pode vir do desejo
dos países hegemônicos articularam um discur-
so que fazia apologia a um novo personagem, o
de sermos admirados em nossa
‘homem universal’”, comenta o professor. singularidade, composta de nossos
Contudo, apesar do entusiasmo inicial, logo
se percebeu, diz ele, que, se efetivamente isso
recursos e também nossas dificuldades
ocorresse, ameaçaria as identidades nacionais
e locais. Isso porque “o que caracteriza a condi- drew Solomon, quando os pais precisam enfren-
ção humana é a capacidade de ser diferente e a tar o embate entre procurar a cura para uma di-
necessidade de consagrar uma identidade par- ferença – onde surdos, autistas ou transgêneros
ticular tanto no plano coletivo quanto no indivi- são vistos como doentes, por exemplo – ou acei-
dual”. Ainda que cada um encontre seus pares tá-la e reconhecer nela uma identidade e uma
a partir da afirmação e do reconhecimento de cultura cheia de significados.
semelhanças, as particularidades únicas de ca- Como filha do meio, sempre tive aversão
da um prevalecerão, significando a garantia da a comparações. Isso contribuiu para que, em
nossa existência na mais irrestrita totalidade em qualquer relação, eu procure um cantinho para
moldes exclusivos para cada um. chamar de meu e espalhe por aí que cada um é
Nossa propensão de buscar formas de lidar cada um. Segundo Leticia Costa Godinho Per-
com a própria diferença enquanto queremos ga- gher, especialista em psicologia clínica, envol-
rantir aceitação social também pode ser obser- vida com estudos em antropologia urbana e psi-
vada nos espaços virtuais, cujo papel é ambíguo, canálise, “a busca por algum grau de diferencia-
segundo Claudio: “Embora ofereçam informa- ção pode vir do desejo de sermos admirados em
ções sobre a diversidade e permitam que gru- nossa singularidade, composta de nossos recur-
pos de várias culturas dialoguem, por outra via sos e nossas dificuldades”.
se constituem em espaço para a discriminação e Ainda que com ressalvas, a dessemelhança
estigmatização na medida em que ainda temos ganha respaldo na conectividade, que permite
grande dificuldade em aceitar o outro”. o encontro e a comunicação de pessoas que
Capricho em tudo
Do serviço de uma loja às relações que estabelecemos por aí, tudo
merece uma boa dose de comprometimento em dar o seu melhor
“TUDO O QUE merece ser feito mere- único motivo: eu não tinha habili- relo, ao ouro, ao verde-musgo, e as-
ce ser bem feito!” Eu levei um tem- dade. Até hoje não consigo desenhar sim por diante, antes de azular. Coi-
po para entender essa frase. Os cé- um retângulo razoável. Numa épo- sas da estética de uma época.
rebros infantis, como o meu na épo- ca em que os desenhos eram feitos Não era um trabalho difícil, mas
ca em que não tinha barba mas já me em pranchetas, com papel vegetal, dependia, claro, de alguma paciên-
achava um homem feito, demoram esquadros, compassos, lápis e bor- cia, uma boa dose de senso estético
um pouco para entender algumas racha, antes de passar para o nan- e, acima de tudo, de muito capricho.
afirmações. A dificuldade não está quim. Tempos heroicos aqueles, em E foi nesse terceiro item que o jovem
em entender o que foi dito, mas por que não havia Autocads, projetos em estagiário-cheio-de-planos-e-pres-
que foi dito, uma vez que parece ób- três dimensões, e todas as fantásti- sa pisou na bola. No fundo, pensava
vio ou improcedente. cas facilidades que chegaram junto eu, para que tanto cuidado com algo
Eu estava em meu primeiro em- com os computadores. preliminar? Certamente o cliente, e
prego, era estagiário de um escri- E lá estava eu, dando acabamen- o arquiteto, ainda rabiscariam ali,
tório de arquitetura, enquanto cur- to ao projeto preliminar que o arqui- fazendo mudanças ou anotações.
sava o ensino médio. Minha preo- teto apresentaria para o cliente em Tanto trabalho para uma olhada rá-
cupação era sobre qual faculdade alguns dias. A mim cabia algo sim- pida? Vou pintar ligeiro esta planta,
cursar, e oscilava entre medicina e ples: pintar os ambientes na plan- pois tenho mais o que fazer.
engenharia. Me sentia atraído pe- ta baixa, com lápis de várias cores, A consequência foi natural. Um
lo humanismo da medicina na mes- criando uma apresentação melhor trabalho malfeito é aquele que vem
ma intensidade que gostava da exa- do que o simples lápis preto sobre antes do retrabalho. Tive que fazer
tidão dos cálculos. Entre as duas op- o papel branco. Eu devia passar de de novo e agora bem feito, se qui-
ções havia ainda a arquitetura, que um ambiente para outro, contíguo, sesse manter o emprego. Após en-
abria espaço para a criatividade, e usando a lógica do degradê, crian- tregar o segundo trabalho, agora sa-
tinha muito mais a ver, achava eu, do uma passagem suave de uma cor tisfatório, ainda com uma dose de
com a possibilidade de levar felici- para outra. Nada de ir direto do ver- revolta nas entranhas, ainda tive
dade às pessoas, através de projetos melho para o azul, por exemplo. Era que ouvir do arquiteto Wilson a pre-
belos e funcionais. Por isso o estágio preciso encontrar uma cor interme- leção sobre a importância do capri-
se mostrou útil, por ter me ensina- diária, uma composição harmônica, cho, o valor do empenho, o significa-
do muito e, principalmente, por ter gradual, agradável. Algo como sair do do comprometimento, o conceito
mostrado que minha relação com o do vermelho para o laranja, depois da excelência, entre outros ensina-
desenho nunca seria fácil, por um para o rosa, antes de chegar ao ama- mentos travestidos de reprimendas.
Afinal, é esse o papel de um estágio. tão do capricho. A principal causa de que isso. É uma virtude. Uma qua-
O aprendizado na prática. O conta- demissão, descubro, não é a incapa- lidade que diferencia e que eleva a
to com a hora da verdade da profis- cidade para fazer um trabalho. É a condição do humano. Pessoas ca-
são. Como estagiário, eu não estava indisposição para fazê-lo bem feito. prichosas são, definitivamente, ne-
lá para aprender a desenhar, mas pa- Chama-se de “subdesempenho cessárias. São elas que inspiram ou-
ra aprender a ter capricho. satisfatório”, um comportamento tras, que promovem o crescimento,
Passadas várias décadas, a frase recorrente, muito comum em todos o bem-estar, a verdadeira essência
do arquiteto continua reverberan- os lugares. É o desempenho de um das pessoas, que não são, ou não de-
do em mim:“Tudo o que merece ser trabalhador, em qualquer área, que veriam ser, como os animais, que se
feito merece ser bem feito”. Aquilo se contenta com satisfazer as con- contentam com o mínimo necessá-
que não merece ser bem feito não dições mínimas para não ser des- rio à sobrevivência física. O homem
precisa ser feito. Ninguém vai sentir cartado. Sabe aquele funcionário inventou a ciência, a arte e a filoso-
falta, acredite. Se fizer, faça bem fei- que busca apenas não receber uma fia, para viver melhor, para dar uma
to. O capricho é mais que um concei- queixa do cliente ou uma bronca do pista da razão da existência, e para
to. É um valor. É aquele “algo mais” chefe? Ele não está interessado no tornar esta mais suportável.
que diferencia o comum do especial, elogio, só não quer a crítica. Não es- Caro arquiteto Wilson, não nos
que faz com que um serviço, quando tá visando a promoção, só não quer vemos desde então e acredito que
comparado com outro, um dos dois perder o emprego. Como o garoto nem lembraríamos um do outro,
seja considerado medíocre. O capri- que quer apenas passar de ano e, as- caso nos encontrássemos. Mas você
cho é o que agrega valor, que faz com sim, média 6 é suficiente. Para que fez a diferença em minha vida, pa-
que um produto possa ser vendido estudar para tirar nota máxima? A ra sempre. Nunca mais consegui fa-
um pouco mais caro e que seja cobi- nota média passa igual. zer algo que merecesse ser feito sem
çado. O capricho do padeiro é a cau- Eu não quero um atendimento que bem feito o fizesse. E, se acon-
sa da fila na padaria. O capricho do nota 6. Quero nota 10 no táxi, nas teceu, ouvi sua mensagem, que está
marceneiro é o que lota sua agenda. calçadas, no restaurante, na repar- em meu arquivo pessoal, irremoví-
Pessoas caprichosas são joias raras, tição pública, no médico, em casa, vel. Grato pelo capricho da bronca. ƒ
desejadas, garimpadas, admiradas na política, nas relações humanas.
e também respeitadas. Não é difícil, acredite. Dá o mes-
Muitos anos depois, já trabalhan- mo trabalho, e muito, muito mais EUGENIO MUSSAK escreve para vida
do com educação corporativa, me satisfação. Para ambos os lados. O simples porque é uma revista que me-
defronto mais uma vez com a ques- capricho é um valor, mas é mais do rece ser feita e ser lida com capricho.
Virando caricaturas
Um corpo com vida e com história é aquele cheio de marcas,
de traçados esculpidos pelo tempo – e é aí que reside o belo
AS CARTILAGENS nunca param de uso! Graças a esses traços, consegui- se presenteada. Preferimos as linhas
crescer. Os músculos cedem sob os mos nos ver no espelho sem nos per- intactas. Belo equivale ao sem uso,
efeitos da gravidade. Nossa coluna guntarmos quem é aquela pessoa. ao contrário do visual expressivo, as-
vai adquirindo as torções ao sabor Por sorte, o nariz não cresce rápi- sim como da postura manhosa que
da expressão corporal, os pés incor- do como o do Pinóquio, nem acor- se adquire com a idade.
poram a forma dos sapatos preferi- damos com as orelhas do Dumbo. Para aprender a ser alguém e ter
dos, as mãos traduzem nosso ofício, É milimétrico, todo dia um pouco, um corpo requer tempo. Isso vai na
enquanto na pele se escreve a histó- até se tornar uma caricatura de nós contramão do que consideramos
ria da luz em nossa vida. Com o tem- mesmos. Os desenhistas desse tipo uma imagem impecável: a que tem
po, tornamo-nos mais estampados, de retrato cômico buscam exagerar a falta de contornos própria dos que
angulosos, pontudos. Assusta um os traços sobressalentes, como uma ainda não sabem bem quem são. Só
pouco, mas, se observarmos bem, espécie de crítica, mas também de posso chegar à conclusão que o alvo
veremos que isso não espera a velhi- caracterização inequívoca do perso- da nossa admiração é um corpo que
ce para acontecer. A transformação nagem. A idade, ao invés de nos fa- não testemunha pertencer ao seu
da nossa imagem é constante. Como zer perder a autenticidade da ima- dono. Não parece estranho, então,
conseguimos um corpo para chamar gem, vai acentuando-a. A beleza que o chamemos de “objeto”, seja
de nosso se ele não para de mudar? está mais associada ao esboço do de desejo ou de consumo. Por outro
A imagem é muito mais do que desenho do que ao retrato detalhis- lado, quem aprendeu a ser alguém
um retrato congelado no espelho. ta. O traço rápido e inicial do alinha- de corpo e alma irá tornando-se au-
Ela é a tradução para o corpo daqui- vo da imagem é considerado formo- têntica e corajosamente uma diver-
lo que em termos psíquicos chama- so, enquanto recusamo-nos a ver be- tida e orgulhosa caricatura. Terá um
mos de “eu”, “self ”, “ego”, os quais leza na obra onde o artista deixou-se corpo eloquente, que antes das pa-
são nosso jeito de ser, consequen- trabalhar com demora. As pálpebras lavras já conta uma história, cujos
te da identidade que tivermos cons- emolduram os olhos, guardam uma olhos já antecipam respostas. Um
truído. Ao longo da vida, criamos al- história de olhares, a boca incorpo- corpo usado tem mais gente den-
gum tipo de formato próprio, além ra o hábito de rir, beijar e crispar-se. tro. Para mim, isso é belo. ƒ
de que nos movemos utilizando uma Tem um jeito em que nossos braços
ginga particular, assim de longe al- e pernas gostam de ficar, as gorduri-
guém que nos conhece poderá ante- nhas fazem beiço e as costas esque- DIANA CORSO éautora do livro Tomo
cipar que somos nós. Repare, o que cem a continência. Mas picaríamos Conta do Mundo – Conficções de
nos caracteriza são as marcas do em pedacinhos essa obra se nos fos- uma Psicanalista.
ÀS VEZES a peça nem é tão boa, mas Para nos conectarmos a outros esperando o ônibus, uma pessoa se
quase sempre eu choro ao ver tan- corpos, precisamos acordar a nos- coçando, uma pessoa franzindo os
ta gente levantando e aplaudindo sa corporalidade. Por que você não olhos ao sentir a luz do sol bater no
junto. Os atores se alinham, abrem se dá o presente de chegar em casa, rosto (como na peça Arrã, de Vini-
o peito e nós jogamos os sons das se estirar no chão e apenas ficar ali, cius Calderoni), uma pessoa vendo
mãos. É uma comunicação genuína. sentindo o corpo respirar e relaxar um vídeo do grupo Porta dos Fun-
A maioria não se conhece, mas na- por si só? No espaço do corpo, não dos, uma pessoa alternando micro-
quele momento somos inseparáveis. há histórias, e-mails ou pensamen- expressões diante da tela do celular,
Comer junto é outra ação podero- tos compulsivos. Na respiração, não uma pessoa com sono, uma pessoa
sa para criar relações além das iden- há tarefas ou metas. No contato com mastigando, uma pessoa meio mo-
tidades e bolhas usuais. Os corpos se o chão, não há fracasso ou sucesso. lhada na farmácia da esquina espe-
assemelham, então naturalmente O que é brigar senão perder o rando a chuva passar, uma pessoa
vemos o outro como igual – algo ra- contato com o chão? Observe um abrindo ou fechando a porta, uma
ríssimo em outros contextos. casal aflito e veja como ambos pare- pessoa na fila, uma pessoa travan-
Num mundo cada vez mais pri- cem pairar sobre suas cabeças, sus- do a mandíbula, uma pessoa testan-
vado e especializado, com traba- pensos em abstrações e discursivi- do os sons da boca, uma pessoa se
lhos cada vez mais imateriais, entre dades. Da próxima vez que se per- levantando da cadeira... corpos vi-
seres que tentam se diferenciar, é turbar, observe como você perde a vos em todas as direções!
muito importante, de vez em quan- conexão com o próprio corpo e sin- Não tem inimigo que não durma,
do, deixar que nossos corpos se sin- ta os seus pés – os pés nos resgatam. que não coloque comida na boca,
cronizem. Cantar, tocar, dançar, re- Tanto é que uma das instruções ini- que não seja frágil e bondoso em al-
zar, nadar, caminhar, silenciar junto. ciais na prática de shamatha (medi- gum momento. Não tem guerra que
Em geral, nos agrupamos pelo fala- tação do calmo repousar) é trazer a se sustente quando um dos seres é
tório: a gente nem saberia direito o atenção de volta ao corpo. A violên- flagrado em um desses momentos.
que fazer em um encontro não ver- cia vem da anestesia: porque somos E não há momento que não seja as-
bal. Por isso admiro iniciativas co- incapazes de sentir dor, causamos sim. Basta abrir o corpo. ƒ
mo a Fritura Livre, que todo mês re- dor. É urgente despertar os sentidos.
úne mais de 100 pessoas para uma Pra lembrar de nossa humanida-
roda de música corporal (improvisa- de em comum, de vez em quando, GUSTAVO GITTI é professor de TaKeTiNa
da, comunitária, inclusiva) em uma experimente deixar que seu corpo (florescimento humano pelo ritmo).
praça da cidade de São Paulo. se reconheça em outros: uma pessoa Seu site é gustavogitti.com
EM TEMPOS polarizados, quando é Quase ninguém frequenta reu- Por outro lado, reconheço a legi-
rara a esperança e a política renas- niões de condomínio ou audiências timidade de quem pensa diferente.
ce a golpes de fórceps, meus olhos públicas. Isso não é obra do acaso. Acredito que divergimos por ima-
voltam-se às prioridades: respirar, Nas três décadas de ditadura, fazer ginarmos caminhos diferentes pa-
que sem ar são poucos os minutos, e política na nossa terra lhe cobrava ra atender as necessidades básicas
com ritmo para ter harmonia; beber a pele ou a alma. Até duas décadas dos que amamos. Não julgo o dife-
água, sem a qual ficam contados os atrás, participar desses espaços polí- rente como culpado, mas alguém
dias – e muita, que pedra no rim sai ticos com posições de esquerda o fa- que parte de outra cultura.
doída; comer algo puro e local, que zia sair pela janela, a do avião, ou o No diálogo não violento e com o
cuidar do corpo sem cuidar da Ter- prendia nos porões da ditadura. desejo legítimo de ouvir, construí-
ra é piada; dormir, que o corpo pre- Respirar na política é manter o di- mos pontes, necessárias em tempos
cisa de descanso e a alma, de sonho. álogo aberto. Sem ele, o que existe é de muros. Com tolerância e firme-
Com o físico são e a alma sere- o confronto. Quando o céu fica cor za me levanto. O faço em resistên-
na, é preciso cuidar da família e da de chumbo, é bom lembrar que pa- cia pelo direito de todos terem opor-
comunidade. Sem minha gente sou lavras representam conceitos e não tunidades básicas para cada um de-
uma gota só de água, não oceano. necessariamente as entendemos da senvolver seu potencial.
Cada relação que tecemos tem uma mesma forma. Existe um rio de cul- Dialogar com quem está paralisa-
camada política. A forma como in- tura e individualidade entre o que do ou confortável no caos é impres-
teragimos e nos posicionamos pa- você diz e o que entendo. A minha cindível. Num mundo polarizado, há
ra resolver problemas juntos é po- fala é pelo diálogo e pela confiança. dois tipos de pessoa: os que acredi-
lítica. Ninguém está isento, se nos Confiar é tomar risco, é julgar que tam que no mundo há dois tipos de
omitimos, a fazem por nós. Não é de vale a pena se expor por alguém ou pessoa e os demais. Só evitaremos
estranhar que tanto sofrimento ve- por uma ideia. Confiança é mais ba- o confronto se percebermos que so-
nha à tona neste momento. Nossa rato, mais eficiente. Confiança é a mos todos amassados com o mesmo
democracia remendada aproxima- saída. Quero me expor, me posicio- barro, mas todos mesmo, não só os
-se da maioridade. No Brasil, somos nar e dialogar. Quando o senso co- de nossa família ou religião. ƒ
adolescentes políticos. Não nos res- mum prega que apenas o lucro move
ponsabilizamos, terceirizamos a po- as pessoas, que só organizações pri-
lítica como delegamos a limpeza de vadas são eficientes, me arrisco, er- LUCAS TAUIL DE FREITASé jornalista e
nossas privadas – duas ações de cus- go minha voz e defendo que somos navega com a família pelos diferentes
to social muito alto. mais do que nossa ganância. mares a bordo do Santa Paz.
QUANTAS VEZES você já deixou de toda pessoa bem-sucedida é de- to comum que essas pessoas sejam
fazer algo importante? Você sabia sonesta, provavelmente ela não vá conectadas com a escassez até ho-
que, em muitas dessas vezes, po- querer ter sucesso. Clientes meus je, acreditando em ideias como “não
de ser que você tenha deixado de que têm medo da inveja, por exem- vai ter para todo mundo” (porque na
agir não por medo de fracassar, mas plo, quando ganham dinheiro no tra- infância não tinha mesmo!), ou que
exatamente pelo temor de dar cer- balho, batem o carro ou levam uma para uma pessoa ser bem-sucedida é
to? Parece equívoco, mas é verdade. multa inesperada, ou, ainda, gas- preciso que outra esteja perdendo, já
A autora Marianne Williamson diz tam com supérfluos (o 57o par de sa- que não tem para todo mundo.
que nosso maior medo é descobrir patos!) e depois se sentem culpados. Para acabar com a autossabo-
que somos poderosos além do que Ou seja, dão um jeito, consciente ou tagem, você precisa fazer o que eu
podemos imaginar. Mas, por que te- inconscientemente, de se livrar do chamo de “detox de dinheiro” com-
mos medo do nosso sucesso? dinheiro para não serem invejados. pleto: identificar quais são todas as
Por motivos diversos. Muita gen- Já os que acreditam não ser pos- suas historinhas, condicionamen-
te associa o sucesso à inveja e à per- sível ter tudo, quando ganham di- tos, crenças e bloqueios com rela-
da de amigos e pessoas próximas, nheiro dão um jeito de arrumar bri- ção a dinheiro, poder e sucesso.
que se sentiriam diminuídas. Ou- ga com o companheiro (aí, o relacio- A autora Byron Katie diz que a
tras têm a crença de que felicidade, namento piora e a tese é reforçada). causa de todo sofrimento é um pen-
dinheiro e sucesso atraem tragédias Algumas pessoas ficam até doentes. samento não questionado. Então,
e coisas negativas. Ou de que “não Na maioria dos casos, essas cren- para cada uma das crenças que vo-
se pode ter tudo nessa vida” (e en- ças surgem ainda na infância, a par- cê identificar, pergunte-se: “Isso é
tão elas preferem ter um bom rela- tir de situações que a gente viveu ou mesmo verdade?” Comece a ques-
cionamento ou uma família bacana, observou nossos pais e parentes vi- tionar todos os acordos invisíveis
por exemplo, em vez de sucesso pro- verem. Algumas dessas histórias que fez inconscientemente no seu
fissional). No Brasil, devido à nossa vieram até de outras gerações. Por passado e que estão, hoje, fazendo
história, também é muito comum exemplo: quem cresceu nos anos 80 com que tenha medo e impedindo
acreditarmos que para ser bem-su- viveu um período de forte instabili- você de ser tudo o que pode ser. ƒ
cedido tem que ser corrupto, deso- dade econômica no Brasil, em que
nesto ou antiético. havia uma inflação incontrolável,
Quando temos esses tipos de racionamento de carne e outros ali- PAULA ABREU é coach e autora do livro
crença, nós nos autossabotamos. mentos nos supermercados, além Escolha Sua Vida (Sextante). Seu site
Quer ver? Se alguém acredita que de insegurança generalizada.É mui- é escolhasuavida.com.br.
aprimorar
da insatisfação de um de seus
sócios, Daniel Gurgel, com o ensino
tradicional. O lugar é parceiro da
Lugares que oferecem propostas
THNK, escola que fica em Amsterdã,
diferenciadas de aprendizado ou
Holanda, e promove cursos de
que pretendem, por meio de
liderança criativa. A Polifonia
jornadas com alguns meses de
acredita na construção coletiva, ou
duração ou de experiências
seja, as pessoas juntas é que vão
rápidas de um ou dois dias,
encontrando as soluções para os
ajudá-lo a encontrar um caminho
problemas. Um de seus programas
dentro e fora de você mesmo
tem duração de cinco meses, que
inclui viagem e encontros semanais.
[1]
POLIFONIA | polifonia.com.br
A Kind surgiu da vontade de
suas sócias, Nathália Roberto Na The School of Life os
cursos têm duração de uma A mineira Coolhow (lê-se
curral) é um laboratório de
e Clarissa Soneghet, de montar noite e são poderosos. A escola conhecimento. O lugar oferece
workshops ou experiências só para foi idealizada por pensadores do experiências de aprendizado, que
mulheres. “Queremos ajudá-las a ser mundo contemporâneo, entre eles acontecem preferencialmente
reais de verdade”, afirma Nathália. o suíço Alain de Botton. A proposta em Belo Horizonte, mas também
Na prática, cada experiência é ajudar as pessoas a refletir sobre em cidades como Rio de Janeiro
tem um formato diferente. Tudo suas escolhas e jogar luz nos e Curitiba. Os temas: economia
vai depender do assunto e da dilemas cotidianos. Entre os temas colaborativa; análise de tendências;
abordagem. Os temas são variados: das aulas estão: como lidar com a escrita afetuosa; e processos
empreendedorismo, maternidade, morte ou como ser mais confiante. criativos. Um diferencial: cursos
relacionamento, autoconhecimento. A The School of Life oferece aulas para crianças, o coolhowzinho, que
Os cursos acontecem, em geral, na em São Paulo e no Rio. instigam os pequenos a criar, pensar
cidade de São Paulo. e produzir junto desde cedo.
THE SCHOOL OF LIFE |
KIND | akind.com.br theschooloflife.com/saopaulo COOLHOW | coolhow.com.br
“A foto acima foi feita a quatro mãos, por mim e Higor Nery. Nesse dia, comemorávamos dois
meses de namoro e estávamos passando alguns dias em Belo Horizonte (MG). Fomos até a capital VIDA SIMPLES quer
mineira motivados pela exposição de Caravaggio, que não passaria pelo Rio de Janeiro, onde saber como você
moramos. Após uma longa caminhada pela região da Pampulha, paramos para descansar no enxerga as ruas, as
entorno do Museu de Arte da Pampulha e fomos contemplados com um belo pôr do sol. A imagem cenas, os personagens
dos sapatos se tornou emblemática não apenas pela primeira viagem que fazíamos juntos mas da sua cidade.
também pela jornada simbólica que tínhamos começado um ao lado do outro havia pouco tempo. Mande sua fotografia
É um registro do início do nosso caminho a dois, que completa quatro anos agora, em 12 de junho.”
para vidasimples@
— Leandro Fazolla, Rio de Janeiro, RJ maisleitor.com.br