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Ribeirão Preto
2021
ANNA CLARA CARVALHO
Ribeirão Preto
2021
Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio
convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte.
C321c
55p.il
CDU 070
Data de aprovação: / /
BANCA EXAMINADORA
______________________________________________
Dra. Marilda Franco de Moura
Centro Universitário Barão de Mauá – Ribeirão Preto
_____________________________________________________________
Ma. Gabriella Zauith Leite Lopes
Centro Universitário Barão de Mauá – Ribeirão Preto
_____________________________________________________________
Marina Stocco Alves Aranha
Editora e Curadora de Conteúdo – EPTV Campinas
Ribeirão Preto
2021
Para minha mãe, a mulher mais
importante daminha vida, que me ensinou
tudo o que sei hoje.
AGRADECIMENTOS
1 INTRODUÇÃO
teoria errônea de que a liberdade de expressão pode estar acima da ética comunicativa.
Entretanto, o ato de inverter os papeis e dar à imprensa uma função de Estado, capturando os
direitos de julgamento e sentença, é visivelmente prejudicial, especialmente a normas morais
que cabem à sociedade. A liberdade de informação e expressão deve estar em total
sincronicidade com os direitos dos cidadãos, e com os outros bens protegidos pela constituição
e assegurados, como a prática moral, a saúde e a segurança pública, além da integridade
territorial.
Este trabalho se justifica principalmente no cenário social, no qual cobra-se um
extremo comportamento do comunicador, de modo a visualizar-se cada vez mais na
obrigação de transmitir fatos noticiosos de maneira espetacularizada, ou seja,caracterizada
pela hipervalorização de fatos que se mostrem reais e palpáveis à sociedade.O sensacionalismo
acaba por se aliar à mídia compulsiva e violenta, tornando o comunicador um vendedor de um
produto embasado em quantificar monetariamente uma situação que, por muitas vezes,
ultrapassa diversos aspectos do Código de Ética do Jornalista, especialmente quando
abordamos assuntos como mortes, assassinatos, e outras situações que envolvem a realidade
social.
A tecnologia, neste ponto, torna-se um dos maiores veículos da comunicação, ea
abordagem midiática é responsável por apresentar conteúdos que despertem para o leitor(ou, no
caso da televisão, espectador) um sentimento de proximidade, ao mesmo passo que, realidade e
satisfação dos seus desejos e curiosidades. A este ponto, o jornalista passaa exercer a função de
mediador, entre vítimas e envolvidos em determinado fato noticiosoe a população que se busca
informar. Em teoria, a ideia principal é que se comunica imparcialmente, e se apresente o fato,
deixando que o comunicado tome as suas próprias conclusões. Entretanto, com o passar do
tempo, a mídia tornou-se um ponto de formaçãoe criação de ideias e isso pode, em diversas
situações, deturpar a forma pela qual o comunicador deseja atingir o público alvo.
Assim, muitos casos jornalísticos acabam por tomar grandes e até desnecessárias
proporções, como é o caso Eloá Pimentel. Desse modo, a forma como a notícia veicula pode
acabar por gerar também grandes tragédias e ser membro principal (e oficial) de uma
convergência com aspectos que acabem por dificultar a simplificação e resolução deembates
sociais.
Esse estudo tem como objetivo o entendimento acerca da compulsão midiática por
transformar notícias em grandes espetáculos e também estudar mais profundamente a
influência de aspectos jornalísticos sobre o caso Eloá. Irá se desenvolver por meio da análise
do caso popularmente conhecido pela mídia, a história do assassinato de Eloá Pimentel. Este
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caso toma como principais fontes o ideal midiático e a condução do processo de comunicação
por meio da visibilidade de uma temática.
O primeiro capítulo traz um pouco sobre a história e avanço do sensacionalismo,que,
relacionado ao termo francês Fait Diver, foi capaz de transpassar a história e chegarao contexto
em que estamos intensificando pela monetização da notícia.
O segundo capítulo aborda a ideia do sensacionalismo na mídia brasileira, com
fortes casos que impactaram o jornal popular e trouxeram o desprazer do noticiário violento e
de espetáculo.
O terceiro capítulo apresenta a história do sequestro mais impactante da mídia
brasileira, selecionando fatos marcantes das 100 horas responsáveis por um grande impacto
sensacionalista na mídia popular.
O quarto e último capítulo analítico, representado pelo tópico quinto do presente
trabalho, é responsável por situar o sensacionalismo em duas entrevistas realizadas no programa
A Tarde É Sua na “RedeTV!”. Nesse sentido, o capítulo responsável por fechar a análise no
trabalho sintetiza os principais elementos sensacionalistas das matérias e elenca, por meio de
de uma matriz referencial a espetacularização presente no caso EloáPimentel. Para fundamentar
essa análise, o uso do Código de Ética do Jornalista Brasileiro foi fundamental, afim de embasar
as justificativas selecionadas para identificaro sensacionalismo no tema.
A perspectiva central é utilizar-se do método de pesquisa exploratório,
especialmente relacionada à maneira como veículos de imprensa e comunicação acabam por se
deixar conduzir pela mídia e popularidade, sobrepondo os aspectos éticos do jornalismo. Além
disso, é indispensável para essa pesquisa, uma análise bibliográfica, que possa colaborar com
uma análise técnica dos motivos pelos quais esse tipo de notícia, especialmente do aspecto
sensacionalista, está quase sempre em níveis crescentes do aspecto midiático. Esse
procedimento é fundamental para um embasamento teórico, comovisto em Lakatos (2003):
1
A Prensa de Gutemberg pode ser considerada o pontapé inicial ao que hoje chamamos de jornalismo. O modelo
de comunicação que surgiu no período renascentista, em meados de 1500 classificou grande parte do processo
jornalístico.
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produção de um conteúdo informativo torna-se cada vez mais crescente ao passo que o avanço
capitalista passa a demarcar valores aos produtos noticiosos. É exatamente com o apoio deste
setor que o aspecto sensacionalista passa a ser exibido, atrelado à um método de venda das
notícias como se fizesse da informação um novo produto. É notório que a influência do setor
cultural e de quem se destina o processo noticioso contribui notoriamente ao que se busca
comunicar. Entretanto, não se pode descartar a ideia de que o processo jornalístico foi, com o
tempo, tornando-se uma completa mercadoria. É possível então analisar o setor jornalístico da
seguinte forma:
O termo ‘fait divers’ passou a ser empregado para determinar a ideia de notícias
populares muito aumentadas ou exageradas para passar a atrair cada vez mais a atenção das
pessoas. A ideia de transformar ideias corriqueiras em fatos a serem considerados assustadores
para a sociedade e até esdrúxulos funcionou tão bem que essa prática se perpetua até os dias
atuais por meio da construção de um jornalismo sensacionalista. Assim, explica Dion (2007):
Os temas explorados pela crônica dos fait divers são certamente restritos, mas não
se limitam à morte. A crônica dos fait divers se interessa igualmente pelos
suicídios, por certos tipos de acidentes, catástrofes naturais, monstros e
personagens anormais; por diversas curiosidades da natureza, tais como os
eclipses, os cometas, as manifestações do além, os atos heroicos, os erros
judiciários e, enfim, por anedotas e confusões (DION, 2007, p. 125).
Desse modo, a ideia de aplicar uma notícia fortemente deturpada para, de algum
modo, atrair a atenção do público, talvez tenha sido o processo inicial de um meio de
comercialização do aspecto noticioso, pautado em uma espécie de competição entre mídias em
busca de veículos que conseguissem cada vez mais atrair a atenção populacional por meio de
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ideias desastrosas. Esse termo, hoje, caracterizado pelo sensacionalismo, tomou proporções
drásticas, ao passo de encaminhar-se para um modelo de comunicação que deixa a escapar
quaisquer preceitos estabelecidos por meio do Código de Ética Jornalística, e é exatamente essa
ideia de comunicação que é declarada nas mais diversas mídias de imprensa inclusive nos dias
atuais. Os termos de sensacionalismo que surgiam logo na inserção do jornalismo aos jornais
franceses e ingleses, hoje fazem parte do vocabulário jornalístico quase que de maneira
intrínseca ao jornalista. Assim, explicita Amaral (2005):
exclusivamente pela disposição de colocar-se sempre em primeiro lugar ou levantar altos pontos
de audiência. Assim, a inverdade é o objeto de apoio principal da notícia sensacionalista. Não
que esta seja exclusivamente falsa. Mas diz também que seu conteúdo pode apresentar um teor
que deve ser discutido.
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mais compreensível que a linguagem culta, podendo inclusive alcançar um maior número de
leitores.
O caso Escola Base é o elo frágil da história da mídia contemporânea e acumula erros
crassos da imprensa ao longo de todo seu decorrer. Inicialmente, os veículos de
comunicação acreditaram fielmente na denúncia de uma mãe desesperada para
proteger o filho, sendo que nem mesmo a autoridade policial competente teria dado a
devida atenção para o caso. Ora, não que a preocupação materna seja considerada
exagerada, principalmente no que se diz respeito a casos de violência sexual contra
crianças, mas daí a levar uma denúncia cegamente como o esqueleto da pauta existe
uma grande diferença. Além disso, durante o momento inicial não foi ouvido o outro
lado da história, ou seja, a imprensa não deu direito aos acusados de se defender, não
garantiu a estes o contraditório nem possibilitou para que explicassem sua versão.
Tendo em vista que um dos principais pontos do Jornalismo considera-se a
imparcialidade, diante do caso Escola Base faltou aplicar os princípios básicos e
analisar o que os acusados teriam a dizer (MARTINS, p. 30, 2014)
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O caso Escola Base ficou popularmente conhecido como “Escolinha do Sexo”, título este que estampou as
páginas iniciais do jornal Notícias Populares no ano de 1994. A notícia que repercutia na época envolvia casos de
estupro dentro de uma escola na cidade de São Paulo.
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Não seria este um problema – a busca por reconhecimento comunicativo – caso este
processo não acabasse por deturpar casos policiais, influenciar o preconceito e fazer, portanto,
com que o jornalismo se torne uma função acima do papel estatal. Todavia, a ideia de
transformar a comunicação em um grande júri e atribui ao jornal um processo de apelar ao
emocional popular ao invés de buscar por meios de, imparcialmente, informar a população
(DIAS, 2008). Evidentemente, a demanda jornalística está diretamente ligada ao mercado, e
essa ideia acaba gerando um ciclo entre veicular um determinado material que consiga gerar
audiência e, além disso, proporcionar um impacto social esperado por meio do sensacionalismo.
A estratégia de impulsionar uma valorização sobre a matéria torna perceptível a tendência a
comercialização da informação e, a isto, o sensacionalismo serve facilmente como estratégia de
venda. Dessa forma, como mencionado em Bourdieu (1998):
Tais expressões devem, portanto, uma parte de suas propriedades (mesmo ao nível da
gramática) ao fato de que, na base de uma antecipação prática das leis do mercado em
questão, seus autores, muitas vezes sem o saber e também sem o querer
expressamente, se esforçam em maximizar o lucro simbólico que podem obter de
práticas destinadas à comunicação e, ao mesmo tempo, expostas à avaliação. Isto
significa que o mercado fixa o preço de um produto linguístico que a antecipação
prática deste preço contribuiu para determinar em sua natureza e, portanto, em seu
valor objetivo (BOURDIEU, 1998, p. 65).
Outro caso bastante curioso para o jornalismo sensacionalista – e que não poderia
deixar de ser um dos pontos argumentativos deste estudo – é o caso da cobertura no incêndio
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na Boate Kiss, que matou mais de 240 jovens, com idades entre 17 e 25 anos, em 27 de janeiro
de 2013. O acidente, ocasionado por negligência local do estabelecimento, foi um marco na
cidade de Santa Maria - RS, mas os impactos se espalharam por todo o Brasil. Na época, um
dos assuntos mais comentados do momento não poderia deixar de fazer parte das capas de
revistas e projetos noticiosos. A cobertura incessante do jornalismo brasileiro diante desta
matéria fez com que os altos pontos de audiência fossem uma resposta à comoção, nacional e
internacionalmente.
Conforme noticiado à época, por volta das 2h30 da madrugada, um sinalizador aceso
por um dos integrantes da banda Gurizada Fandangueira provocou um incêndio que
resultou na morte de 242 pessoas e deixou outras 116 feridas. A temperatura dentro
da boate no momento do incêndio chegou a 300°C, mas a causa da morte no local da
maioria das 235 vítimas foi intoxicação com a fumaça. As demais mortes ocorreram
com o tempo, após um período de internação em hospitais. A 242ª vítima faleceu no
dia 19 de maio do mesmo ano. Principais revistas semanais de grande circulação no
país, IstoÉ e Veja publicaram, respectivamente, reportagem e edição especiais para
cobertura do acontecimento (MENDES; AMORMINO, 2019, p.3).
A Revista Veja, à época, foi responsável por protagonizar, desta vez, as questões
que envolviam a comunicação ainda no processo em que se tomavam as consequências do caso.
O levantamento do veículo que trazia em sua capa a foto de uma das vítimas sobre o caixão de
seu namorado, foi o que se tomou como um dos grandes processos sensacionalistas da época,
resultando em uma dificuldade ainda maior para familiares que perderam seus entes na tragédia.
A jornalista Arbex (2018), foi quem trouxe a visão ética comunicativa para uma das obras mais
salientadas em estudo acerca do caso.
Figura 4 - Isabella Nardoni, 5 anos, filha de Alexandre Nardoni e Ana Carolina Oliveira
Fonte: Reprodução/Orkut
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Alexandre dividia a guarda de Isabela com a mãe da garota, Ana Carolina Oliveira,
e foram indiciados a prisão preventiva após resultado dos exames legistas que apresentavam
ferimentos, no corpo da menina, que podem ter sido realizados antes da queda. Entre
reconstruções do caso e julgamento do crime, a mídia se mantinha presente 24 horas por dia no
local do crime e na prisão para onde o casal fora encaminhado.
Mas o sensacionalismo, nesse caso, não se apresentava apenas pela cobertura direta
do acontecimento. Jornais protagonizaram cenas bastante julgadas pelo público, com a
entrevista de Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá, com um posicionamento defensivo
diante das acusações de culpa do casal diante do caso. Em outros casos, reportagens
conseguiram levantar a hipótese de uma terceira pessoa na cena do crime, e, em extremos
sensacionalismos, levantaram uma possível culpa da mãe de Isabela, Ana Carolina Oliveira,
que estava ausente no momento, no caso da divisão da guarda da menina de cinco anos.
Não é possível confirmar em que momento exato o jornalismo deixou de ser apenas
um veículo informativo para se tornar um grande processo de canalização de informações e
grandes formadores de opinião, devida à longa trajetória deste processor. Porém esse processo
é passível de comparação também ao interesse populacional por notícias que contenham, cada
vez mais, o teor sensacionalista e midiatizado. A este fator, atribui-se o nome de curiosidade
mórbida. Este termo, classificado como um olhar quase escondido para tudo aquilo que se
classificaria, eticamente, como proibido, consegue descrever todo o comportamento humano
que consegue popularizar as notícias mais sensacionalistas, como acontecia no jornal Notícias
Populares e também como acontece na mídia atual. É por este motivo que se permite relacionar
o maior número de notícias sensacionalistas e desastrosas nas páginas iniciais de noticiários,
nas chamadas de jornais e em grandes programas da televisão brasileira. Percebe-se que este
processo consegue comercializar e tornar, cada vez mais capitalizada o desastre alheio.
pode se deixar até de lado, ao passo que, o mais importante para muitos veículos de notícias é
trazer sempre em primeira mão aquilo que se deseja informar, trazendo algo que seja suficiente
o bastante para conseguir modificar os olhos da sociedade.
Os casos apresentados, no capítulo anterior, são semelhantes diante de seus altos
graus de comoção e suas diversas situações chocantes. A apresentação midiática diante desses
casos contribui para um levantamento emocional daquilo que se apresenta em nossa sociedade,
como um recorte exato de tudo o que a sociedade, de fato, gosta de assistir. Isso, porém, não
quer dizer que a sociedade esteja em constante desejo por crimes e alusões sensacionalistas,
mas sim que o ato de comover está tão presente em um momento noticioso que faz com que o
grupo social esteja pronto para levantar seus julgamentos e suas próprias decisões sobre o
decorrer do caso.
O fato noticiado explicitamente, como à abordagem da violência, da morte e do
sofrimento no caso, é um processo de produção sensacionalista feito instintivamente
pelos veículos de comunicação. O jornal noticiou tudo àquilo que a população queria
ver no momento. O termo instintivo se deve ao sentido de ação não totalmente
racionalizada pelos jornais. Os jornais sabem como fazer para chamar a atenção da
população. O jornal sensacionalista tem como objetivo chamar a atenção de todos,
produzindo a sensação intensa nas pessoas. Capazes de emocionar e escandalizar toda
a sociedade (CARDIM, 2009, p. 29).
3
GUERREIRO. Jaqueline. Caso Eloá e Lindemberg. Youtube, 24 nov. 2018. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=fj-krxg66wg&ab_channel=JaquelineGuerreiro. Acesso em: 31 mai. 2021
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Fonte: https://www.opovo.com.br/noticias/brasil/2018/10/apos-10-anos-do-caso-eloa-
amiga-sobrevivente-deve-receber-r-150-mil.html
[...] entre uma palavra e outra, interrompe um estampido. Confesso que não acreditei
que o barulho provinha de um disparo de arma de fogo. Só tive a certeza quando olhei
para o lado e vi meus colegas jornalistas jogados no chão.[...] Um dos nossos câmeras
que estava focando a janela consegue registrar o exato momento do disparo. Imagem
que é vista e revista algumas vezes naquela tarde. Mais uma vez o tiro não acerta
ninguém. Mas, ao ver a imagem,tenho a nítida impressão de que o destino daquele
projétil era mesmo a área onde estava a imprensa (CAMPOS, 2008, p. 28).
Ainda na terça-feira, por volta das 16h, a Policia Militar decide por cortar a energia
do apartamento, como forma de retirar os contatos do interior do apartamento com as táticas
externas de processo para solucionar o caso. Lindemberg, porém fica ainda mais agressivo e,
nas negociações, solicita que a energia seja religada. Em troca, liberta Nayara Rodrigues e a
energia da casa é religada às 22h.
Na quarta-feira, 15, os contatos de Lindemberg com o cenário externo começa a se
fazer notório quando o sequestrador da sua primeira entrevista para um programa de TV. A
mídia fez uma cobertura incessante sobre o caso e, alguns veículos de comunicação
conseguiram entrar em contato direto com os interiores da casa, conversando com Eloá e
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também com Lindemberg. Esse processo foi mais edificado quando o contato da apresentadora
Sônia Abrão no programa "A Tarde É Sua", da Rede TV constituiu uma negociação ao vivo
com o sequestrador para a libertação de Eloá e o fim do sequestro que já se encaminhava para
o seu quarto dia. Esta, porém, era uma atitude não autorizada pela polícia.
É claro que, como jornalistas, todos pensaram em dar o tão sonhado ‘furo’ de notícia,
sair na frente, ligar primeiro e falar com o sequestrador. Mas não é isso que manda o
manual de redação de um departamento jornalístico responsável. [...] Nenhum
repórter, produtor ou apresentador estava autorizado a ligar para os números de
telefones usados para negociar a rendição do criminoso e a liberação da vítima. Mas
alguns órgãos de imprensa pensaram ao contrário (CAMPOS, 2008, p. 39).
À essa altura, a ideia principal que circulava nos meios noticiosos era o
levantamento da possibilidade de uma possível negligência policial, principalmente pela atitude
pacífica militar em não provocar uma invasão impensada do ambiente. A meta apresentada pela
polícia era a de vencer Lindemberg pelo cansaço e foi exatamente esta a estratégia utilizada no
dia seguinte.
Na quinta-feira, dia 16 de outubro de 2008, Nayara dá o seu depoimento para a
Polícia Militar. A garota foi ouvida por mais de 6 horas no Distrito Policial de Santo André e
relatou sobre as práticas do sequestrador dentro do apartamento, suas condutas e
comportamentos. Em seu depoimento, Nayara contou que tentava a todo momento reverter a
situação e manter a tranquilidade o máximo possível, mas que Eloá e Lindemberg muitas vezes
discutiam. A menina ainda relata que durante muitas vezes, Eloá ainda pedia para que
Lindemberg colocasse um ponto final naquela situação e que terminasse logo com o sequestro,
mesmo que isso resultasse em sua morte. Em uma atitude que, posteriormente, seria bastante
julgada quanto à avaliação do desempenho das autoridades sob o caso, a polícia sugere que
Nayara ajude nas negociações com Lindemberg, e este processo resulta em um retorno
voluntário da jovem para o cativeiro, sem que houvesse qualquer intervenção policial.
No último dia do sequestro, as falas de Lindemberg nas negociações policiais
começam a soar mais desanimadoras. Agora, o rapaz que antes havia prometido entregar as
duas garotas para a polícia, sem qualquer dano físico, começa a mudar seu discurso com a ideia
de que não há outra opção para o fim do sequestro senão um dano grande à sua vida e de Eloá,
contando também com a nova libertação de Nayara, a qual Lindemberg apelidava de 'Barbie'.
Para o sequestrador, a ideia de uma possível reconciliação com Eloá já não era mais
possível, ainda que a jovem tenha proposto várias vezes a retomada do relacionamento, como
forma de contornar a situação e evitar que o pior acontecesse. Porém, Lindemberg sabia que
aquela era somente uma estratégia para encurtar o período do sequestro. Em negociações,
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Lindemberg se mostrava lúcido e sabia que seu futuro seria definido por um julgamento
penitenciário ou pela morte.
Na tarde em que antecedia o encerramento do caso, por volta das 12h, o então
advogado de Lindemberg, Eduardo Lopes, é chamado ao local, afim de garantir a integridade
física do rapaz. Por volta desse mesmo horário, Eloá coloca pela janela uma espécie de corda,
semelhante à que usavam para recolhida de alimentos ao interior da casa. Dessa vez, a garota
recolhe um documento que assegura a ausência de qualquer dano possível à vida do
sequestrador.
Não à toa, esses foram os exatos motivos pelos quais a culpabilidade da imprensa
surgiu, de maneira fervorosa, após o fim do caso. Divulgações de inverdade diante da notícia
antecipada da morte de Eloá, horas antes do real acontecimento, falta de responsabilidade
social, desrespeito à privacidade familiar, exposição de vítima e sequestrador, entre várias
outras questões que poderiam ocupar inúmeras linhas desta análise.
O aspecto noticioso sensacionalista ficou visível também nos pontos de audiência
na semana do ocorrido, como destacado no jornal Folha de S. Paulo (2008):
No fim de semana, a Folha Online já havia indicado que o ibope de alguns programas
apresentava elevação devido à repercussão do caso. A coluna de Castro informa que
o total de televisores ligados na Grande São Paulo no fim de semana foi de 15% maior
do que no anterior. No sábado, a média de televisores foi de 46%, a maior dos últimos
dois meses. A média da Globo no domingo, de 7h a 0h, subiu de 16 para 20 pontos,
um crescimento de 25%, segundo o colunista. A Record News saltou de 0,3 para 1 no
sábado, encostando na RedeTV! (FOLHA DE S. PAULO, 2008).
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5.1 Entrevista com Luiz Guerra para o programa A Tarde É Sua da RedeTV!
Quadro 2 - Entrevistas extraídas do livro A tragédia de Eloá: uma sucessão de erros, de Márcio Campos.
(Continua)
Luiz Guerra: Quem fala? Lindemberg: Lindemberg. Lindemberg: Quem é?
Luiz Guerra: É um amigo da família, está tudo bem? Lindemberg: Quem é?
Luiz Guerra: Na verdade, sou o Luiz Guerra, repórter da Sônia Abrão, está tudo bem com você? Tudo bem,
“bicho”?
Lindemberg: Vocês estão ao vivo? Luiz Guerra: Não, só conversando Lindemberg: É o seguinte, se você
estivesse ao vivo, veria o sinal positivo. Luiz Guerra: Eu só quero te ajudar, o capitão garante a tua
integridade.
Lindemberg: Vocês estão ao vivo?
Luiz Guerra: Não, estamos gravando e vai ser exibido tudo que você falar. Como está a situação, você e ela?
Lindemberg: Ela está me enrolando, não quero mais nada com ela.
O repórter pergunta sobre Nayara, que havia sido libertada na noite anterior.
Lindemberg: Ela deve ter falado como foi tudo aqui. Não faltou comida, bebida, deixei ela tomar banho,
deixei tudo.
Luiz Guerra: Mas o que aconteceu, o que foi? Lindemberg: Foi desespero!
Luiz Guerra: E o que você está pensando neste momento? Lindemberg: Estou sem sentimento nenhum, estou
frio para caralho. O repórter pede, então, para falar com Eloá.
Lindemberg: Tá bem! Aí... ela vai falar. Luiz Guerra: Eloá?
Eloá: Alô! Quem está falando? Luiz Guerra: Tudo bem com você?
Eloá: Está tudo tranquilo, eu quero almoçar, estou fraca.
Luiz Guerra: Mas como está tudo aí, como ele está te tratando? Eloá: Está me tratando bem.
Luiz Guerra: Então confia nele. Quer mandar um recado para sua mãe?
Eloá: Queria saber como estão meus familiares. Queria mandar um beijo para eles. Queria falar com
minha mãe, que eu a amo, meu pai também, eu o amo, tenho certeza que Deus não vai deixar assim.
Lindemberg retira o telefone de Eloá.
Lindemberg: Como você conseguiu o telefone daqui? Luiz Guerra: Ah! A gente conseguiu.
Lindemberg: Não me deixa nervoso, não!
Luiz Guerra: A gente conseguiu com alguns parentes seus mesmo. Lindemberg: Você é repórter mesmo?
Quero saber se você é mesmo? O jornalista consegue convencê-lo e Lindemberg ameaça a polícia.
Lindemberg: Fala para o policial não fazer o que ele fez. Eu pedi para ninguém subir aqui e ele subiu. Eu
estava dormindo, ele tocou a companhia e levei um susto, quase atirei nela.
Lindemberg relembra do caso do ônibus 174, no Rio de Janeiro.
Lindemberg: Você viu o que aconteceu no sequestro do ônibus do Rio de Janeiro? O policial foi pagar de
bonitinho, tornou as coisas precipitadas e o cara atirou nela. É isso o que você quer? Para não acontecer o que
aconteceu na Avenida Brasil, no Rio, ninguém tem que se aproximar do prédio. Se invadisse, agora ela estaria
morta.
Lindemberg ao mesmo tempo em que diz que poderia matar Eloá, também se mostra preocupado com a
jovem.
Lindemberg: Por enquanto eu estou pensado nela. Ela quer almoçar. Ela está fraca. Depois que ela almoçar,
eu pretendo libertar. Mas acontece que esse capitão que assumiu está fazendo besteira... Apagou a luz aí... Ele
está pensando que eu liberei a Nayara porque ele acendeu a luz e não foi.
O repórter pergunta por que Lindemberg efetuou disparos de arma de fogo.
Lindemberg: É para todo mundo ficar ciente que eu estou com um saco cheio de bala aqui! O policial tentou
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Quadro 2 - Entrevistas extraídas do livro A tragédia de Eloá: uma sucessão de erros, de Márcio Campos.
(Conclusão)
chegar perto, aí eu atirei nele.
Luiz Guerra: Mas então por que você não sai numa boa?
Lindemberg: Esse é o meu pensamento, eu quero sair numa boa. Mas quando eu tiver determinado. É com a
polícia que eu quero.
Luiz Guerra: Você quer a minha presença?
Lindemberg: Não! Tem uma pá de imprensa aqui, minha família, meu advogado.O sequestrador volta a
ameaçar a polícia.
Lindemberg: Olha, dentro da casa tem um monte de besteira, dá pra viver um mês aqui.Essas besteiras ela não
come. Para mim está normal. Só que ela vai passar mal, e se passar mal vai ficar ruim para todo mundo!
É natural que todo jornalista pense no tão sonhado ‘furo de reportagem’, uma vez
que é esse o destaque e triunfo maior de qualquer programa da mídia. Entretanto, esse é o
completo oposto daquilo que se indica o Código de Ética Jornalística e, minimamente, a
compreensão humana comunicativa.
Também é compreensivo que o jornalista, no caso, compõe o aspecto de
comunicador, mas, em sua totalidade, cumpre regras e segue pautas diariamente. Entretanto,
fica claro que o repórter Luiz Guerra não está ali apenas para o fluxo de um roteiro, mas sim
pelo destaque em estar à frente de um dos maiores casos da televisão brasileira. Isso se mostra
bastante claro em alguns momentos, quando o jornalista pede para que Lindemberg fique calmo
e o sequestrador responde já estar em tranquilidade. Guerra insiste em pedir tranquilidade e
tentar uma negociação forçada e regada a um sensacionalismo de comoção entre Lindemberg e
a própria audiência.
A emissora, uma das pioneiras na comunicação com Lindemberg, acreditou possuir
um destaque quando, na verdade, foi um exímio em negatividade ocupando um dos únicos
telefones da casa – este, responsável pela negociação policial – para ser reconhecida por sua
suposta conquista: Nenhum repórter, produtor ou apresentador estava autorizado a ligar para os
números de telefones usados para negociar a rendição do criminoso e a liberação da vítima.
Mas alguns órgãos de imprensa pensaram o contrário (CAMPOS, 2008).
1. É um amigo da
Artigo 2º - Responsabilidade
família, está tudo
Social
bem?
2. Eu só quero te
ajudar, o capitão Artigo 10º - Responsabilidade
garante a tua jornalística
integridade.
3. Não, estamos
gravando e vai ser
Artigo 1º - Direto à informação
exibido tudo que
você falar.
5.3 Entrevista com Sonia Abrão para o programa A Tarde É Sua da RedeTV!
Sônia: Ele está querendo falar ao vivo com a gente! Você continua calmo, disposto a liberar Eloá?
Lindemberg: Assim, eu estava com esse pensamento ontem. Liguei para o pai de Nayara, porque às dez
da manhã ela m emocionou. Porque na vida dela até os quinze anos, o pai não esteve presente. Então
eu peguei, liguei para o pai dela, falei que ia liberar a Nayara porque eu também passei pela mesma
situação. Minha mãe foi mãe epai para mim. Não cresci com meu pai e estava na hora de o pai dela
fazer tudo diferente. Nem senti falta porque a minha mãe nunca deixou faltar nada para mim. Eladisse,
“meu pai esperou essa situação, eu estava entre a vida e a morte, para se preocupar comigo”. Aquilo
me tocou e eu disse para ela “eu vou te liberar, vou dar umachance para o seu pai; pai tem que dar
carinho”.
Sônia: Mas Eloá não te tocou na hora em que falou com os pais por telefone na entrevista do Guerra?
Vamos terminar isso numa boa, você nunca foi do mal!
Lindemberg: Eu estava com quatro pessoas, liberei uma, liberei outra e depois mais uma.
Lindemberg: Tem duas vidas aqui dentro que dependem de dois lados, de mim e do comandante que
tem a voz lá em baixo. O comandante, o capitão, falei para ele não seaproximar, ele pegou apertou a
companhia e me assustei quase atirei na menina. Ele iafazer merda, meu.
Sônia: Ele não ia invadir. Ia tentar conversar com você mais de perto.
Lindemberg: A senhora viu a merda que deu no Rio de Janeiro. Se eles invadirem euvou atirar nela.
Sônia: Mas isso não vai acontecer. Você acha que eles vão querer provocar uma morteaí dentro?
Sônia: Estou te ouvindo. Então fala uma coisa, o que falta para colocar um ponto finalbom nessa
história?
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Lindemberg: Não quero nada de gracinha do comandante, se ele fizer merda, vai acabarcom duas vidas
aqui dentro.
Lindemberg: Toda vez que ele apaga a energia, não tem como se comunicar com ninguém. Toda a vez
que liga, eu atendo e converso com eles. Exatamente as duas partes estavam dispostas a negociar, ele
deu a palavra dele e subiu e tocou a campainha.Não estou mais confiando na palavra desse comandante.
Lindemberg: ‘Tô’ com intenções boas para negociar, para sair, eu e ela, daqui, só que não pode ter
gracinha. Eu não estou com medo. Antes de entrar aqui já sabia o que ia passar. Eu assisti o caso da
Avenida Brasil e sabia que eles iam invadir e eu ia fazer uma merda.
Sônia: Mas porque você invadiu o apartamento? O que você busca com essa história?
Lindemberg: Queria acertar as contas com ela, tentei sentar com ela na boa e ela semprevirava as costas
para mim. Ela não queria me ouvir, então tive que usar a força para elame ouvir. A Nayara está de
testemunha que não deu tempo, a Eloá não coopera. Ela estava nervosa e fez besteira de tomar o
revólver da minha mão. O revólver disparou aqui dentro do apartamento. Se tentar eu vou atirar. Sou
eu e ela. Essa conversa eu já tive com ela. Antes de a senhora me ligar, eu estava desenrolando tudo o
que estava acontecendo, mas no decorrer dessa conversa um ou outro perde a paciência e fica
xausto e fica difícil. Quero que ela me passe confiança do jeito que a Nayara me passou. Negocio com
quem for aí fora para ela sair viva. Não estou com a intenção dematá-la.
Novamente a ligação cai. Ao retornar à ligação o sequestrador confirma o que havia dito antes da
queda da ligação.
Lindemberg: Acredite quem quiser, eu não estou pensando na minha vida, estou pensando na vida dela.
Ficamos juntos dois anos e sete messes. Muita gente da imprensa inventa muita coisa. Falaram que eu
bati na Nayara, pode ligar para o pai dela, eu não bati nela não.
Lindemberg: Tem comida para passar um mês, só tem besteira, mas eu me viro aqui, ela não come
porque passa mal e começa a vomitar.
Lindemberg: Eu quero notícia da minha mãe. Queria aproveitar que está ao vivo e deixar bem claro:
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mãe vai tudo acontecer da melhor maneira possível, a Eloá vai sair daqui, eu vou sair daqui e vai ficar
tudo bem. Mas depende do comandante lá em baixonão fazer brincadeirinha, não fazer palhaçada. Eu
sei como são os caras, são inteligentes, são preparados, eu estou com medo. Eu não confio na polícia.
Uma pessoaestá na situação que eu estou: armado, cochilando, tocam na campainha, podia ter um
desfecho trágico. Só quero deixar minha mãe e minhas irmãs confortáveis, que vai ficartranquilo, vai
acontecer a melhor coisa. Na melhor hora, o melhor momento, não vai ser por força, cobrança, que eu
vou libertar a Eloá. Vou colocar a Eloá na linha para deixar claro em rede nacional que ela está bem.
Eloá: Alô!
Lindemberg: Vai acabar da melhor maneira possível. Ninguém vai saber o horário, o momento. Quando
Eloá descer, ela vai descer com os dois revólveres sem munição e depois eu vou descer com as mãos
para cima. Se alguém atirar em mim...
Sônia: A polícia não tem a intenção de tirar a vida de ninguém. Vai faça isso que vocêestá falando.
Lindemberg: Eu tenho dois revólveres e um saco cheio de munição. Está confirmado. Na melhor hora
eu vou fazer isso.
Sônia: Quando?
Lindemberg: É difícil ter confiança na polícia, acreditar na polícia. Quando mepassarem tranquilidade,
eu faço isso.
Lindemberg: Até então eles não ligaram, desde que eu falei com vocês eles não ligarampara mim.
Sônia: Não somos nós que estamos prendendo a linha, ele tem o celular.
Lindemberg: Primeiro eu vou tentar ganhar tranquilidade, ficar calmo, para liberar ela.Agora vou
desligar o telefone.
Sônia: Oi, Eloá. Que mensagem você quer passar para os seus pais?
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Eloá: Tudo que eu peço é para os policiais terem tranquilidade, fazerem tudo o que elepedir, que vai
dar tudo certo. A situação está sob controle. Minha vida está nas mãos dos policiais.
Eloá: Na melhor hora, ele vai me liberar. Está tudo sob controle. Eu estou calma, eu tenho condições
de conversar normalmente, me expressar bem. Quero deixar meus pais tranquilos, a família dele
tranquila. Ele não é uma pessoa má, vai dar tudo certo. Ele falou para eu desligar.
Sônia: Tá bom!
Este foi o clássico roteiro da maior parte das entrevistas cedidas por Lindemberg.
Essa sucessão de erros jornalísticos ficou marcada pelo acompanhamento do sequestrador de
todos os passos policiais no exterior da casa, acompanhando, como se fossem cenas de um
filme, todas as informações e progressões trocadas através de uma televisão.
Deixar o acusado falar com a imprensa e manter por todo o tempo as equipes de
reportagens próximas do local também são erros que devem ser atribuídos à polícia.
Com o assédio da imprensa, o sequestrador passou de um simples rapaz de 22 anos
que mantinha a ex-namorada e sua amiga como reféns a ‘príncipe do gueto’, segundo
palavras do próprio Lindemberg. Os meios de comunicação, que deram maior
importância que o caso merecia, encorajaram o bandido e fizeram com que a situação
ganhasse ainda mais tensão que já existia. Lindemberg passou de ‘um apaixonado
enciumado’ para controlador dos fatos envolvendo as mais de 100 horas de cárcere
(FREIZER; REICINAER; VON SHER, 2008).
Esse modelo noticioso torna a imagem do Brasil como algo sereno, uma vez que
esse tipo de situação é noticiado como um grande show. Entretanto, é válido compreender que
casos como este acontecem a todo o momento em nosso país, destacado por altos índices de
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Não se trata de agir de forma irracional ao acompanhar uma matéria que aprofunda
ou acrescenta o lado sensacional, pois as pessoas reagem emocionalmente, seja
demonstrando indignação com o fato, surpresa, tristeza, ou qualquer ou sentimento
(idem). A sensação é até mesmo de intimidade, já que a riqueza de detalhes de
informação lhe permite ter a noção de como a pessoa (vítima ou não) se sentiu em
determinada situação ou como se conhecesse os personagens da matéria. Apesar da
importância de acrescentar emoção ao fato, todo cuidado é pouco (CARVALHO, p.
30, 2009).
Eu poderia até conversar com ele (Lindemberg) por telefone. Mas eu não vou fazer
isso. Isso não é minha função, é função da polícia. Não posso extrapolar a função da
polícia. De repente acontece uma tragédia aí... Eu posso atrapalhar a negociação. Eu
não vou fazer isso. Não vou cometer a imprudência de ligar para o rapaz. Eles
(policiais) são preparados para isso. Se existem pessoas irresponsáveis a ponto de
conversar com um rapaz em uma situação como essa, elas que respondam pelas
consequências. Eu acho isso uma irresponsabilidade muito grande. Quem tem
condições de conversar com esse cidadão é só a polícia. As palavras têm que ser bem
escolhidas. Nós, jornalistas, não temos condições de conversar com essas pessoas num
momento como esse. Uma palavra mal colocada pode causar uma tragédia. Eu não
me permito isso, esse é um programa de responsabilidade acima de tudo. Não é por
causa de audiência que nós vamos jogar a credibilidade do nosso programa fora. Não
vou me arriscar a conversar com um cidadão que está há horas ameaçando uma moça
com uma arma. (CAMPOS, p. 49, 2008).
Datena: Eu tenho essas imagens aqui e não dei. Não vou dar. Porque queremos um finalfeliz. Eu quero
que o senhor me coloque bem isso aí. Como é o negociador? Como sãoos negociadores? São homens
especiais de um grupo especial, que falam com o cidadão. Não é qualquer policial que fala! Então,
aparece um jornalista para se meter a besta e falar com o sujeito. Ele (Lindemberg) pode matar a moça
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Comandante: Esse fato em especial fez com que houvesse um atraso. Às duas horas da tarde já estava
acertado com o rapaz que a moça iria almoçar e nós fornecemos o almoço dela. Ia almoçar e em seguida
iria sair e ele iria se entregar para nós. O que ocorre, após a entrevista, ele de certa forma até agora
não quer mais saber disso. Ele fala: vou sair quando eu quiser.
Datena: E se fizerem a entrevista agora estão colocando em risco a vida dos dois aí dentro e mais, dos
policiais militares. O senhor ratifica o que estou falando?
Coronel: Ratifico e peço ainda mais atenção: além das imagens que eu disse e da entrevista, evitem
fazer comentários a respeito da condição psicológica dele e da vítima, e também do futuro penal dele.
São comentários que, após o fato, poderão ser avaliados. Agora, comentaristas, psicólogos, juristas ou
qualquer pessoa ligada à área de segurança pública que fizer comentários a respeito do caso pode
atrapalhar. Porque nós temos que dar tranquilidade a ele. Para que ele possa ficar calmo e sair numa
boa.
Datena: Olha, desde as primeiras horas de ontem e desde os primeiros momentos que a gente
participava da cobertura, eu só tenho passado aqui imagem de tranquilidade para o Lindemberg e
tenho passado para ele ouvir só a polícia.
Datena: Que ele se entregue a polícia, que ele fale com os negociadores. O resto é conversa fiada,
principalmente porque até os torpedos eu mandei interromper aqui porque estavam chegando alguns
torpedos agressivos. Por isso eu pedi para tirar do ar. E eu repito, eu prefiro perder a audiência.
Coronel: Com certeza! O negociador é treinado para isso, não é qualquer pessoa. Tanto é que nessa
ocorrência nós usamos dois negociadores. Isso leva tempo, isso leva um período de confiança porque
ele tem que saber que nós não estamos querendo o mal dele e muito menos o mal da vítima, da menina.
A área é um local de difícil acesso. A negociação é extremamente difícil. Ele não quer nada em troca,
quer ficar lá e matar os dois. É muito difícil, mas nós conseguimos avançar. A garantia da vida dele
é total, é cem por cento isso. E ele disse agora que quer sair na hora dele. Só que eu já não sei mais
qual é a hora dele. Porque nós já fizemos tudo. Já concordamos em tudo dentro do que podemos
concordar e eu acho que já está na hora de ele acabar com isso.
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Datena: Me desculpem meus amigos jornalistas que fizeram a entrevista com ele, mas a própria
polícia disse que vocês colocaram em risco não só a vida dele, mas a vida da moça, porque isso
também já podia ter terminado. Já estava tudo acertado quando aconteceram essas entrevistas que
prejudicaram muito. E eu queria fazer um apelo aqui: para que não ligassem mais para o cidadão,
para que a polícia possa resolver isso daí. Porque depois, se acontecer alguma coisa errada, quem
vai pagar é a polícia. [...] Eu só queria, Lindemberg, já que está me assistindo, que você, por favor,
se entregasse, só isso e mais nada. E que conversasse diretamente com os negociadores da polícia,
porque eles são preparados para isso. Eu espero que você, como boa pessoa que é, liberte a garota
também.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
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