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CENTRO UNIVERSITÁRIO BARÃO DE MAUÁ COMUNICAÇÃO SOCIAL

COM HABILITAÇÃO EM JORNALISMO

ANNA CLARA CARVALHO

CASO ELOÁ PIMENTEL: ENTRE A NOTÍCIA E O ESPETÁCULO

Ribeirão Preto
2021
ANNA CLARA CARVALHO

CASO ELOÁ PIMENTEL: ENTRE A MÍDIA E O ESPETÁCULO

Trabalho de Conclusão de Curso,


apresentado no Centro Universitário Barão
de Mauá, como requisito básico para a
conclusão do Curso de Comunicação
Social com Habilitação em Jornalismo.

Orientadora: Dra. Marilda Franco de


Moura.

Ribeirão Preto
2021
Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio
convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte.

C321c

Carvalho, Anna Clara


Caso Eloá Pimentel: entre a notícia e o espetáculo/ Anna Clara Carvalho - Ribeirão
Preto, 2021.

55p.il

Trabalho de conclusão do curso de Comunicação Social com habilitação em


Jornalismo do Centro Universitário Barão de Mauá

Orientador: Me. Marilda Franco de Moura

1. Sensacionalismo 2. Jornalismo investigativo 3. Sequestro I. Moura, Marilda Franco


de II. Título

CDU 070

Bibliotecária Responsável: Iandra M. H. Fernandes CRB8 9878


ANNA CLARA CARVALHO

CASO ELOÁ PIMENTEL: ENTRE A MÍDIA E O ESPETÁCULO

Trabalho de Conclusão de Curso,


apresentado no Centro Universitário Barão
de Mauá, como requisito básico para a
conclusão do Curso de Comunicação
Social com Habilitação em Jornalismo.

Data de aprovação: / /

BANCA EXAMINADORA

______________________________________________
Dra. Marilda Franco de Moura
Centro Universitário Barão de Mauá – Ribeirão Preto

_____________________________________________________________
Ma. Gabriella Zauith Leite Lopes
Centro Universitário Barão de Mauá – Ribeirão Preto

_____________________________________________________________
Marina Stocco Alves Aranha
Editora e Curadora de Conteúdo – EPTV Campinas

Ribeirão Preto
2021
Para minha mãe, a mulher mais
importante daminha vida, que me ensinou
tudo o que sei hoje.
AGRADECIMENTOS

Não poderia deixar de agradecer, em primeiro lugar, à Deus e à Nossa Senhora


Aparecida. Por abrirem meus caminhos, me orientarem, e me fazerem ter cada vez mais
vontade de descobrir novos mundos e novas informações.
À minha família, por todo o apoio em momentos difíceis e por priorizarem a minha
educação como elemento fundamental para quem sou hoje.
À minha orientadora, Marilda Franco, por acreditar que o processo de
conhecimento e sabedoriaé um dos caminhos mais belos para o aprendizado.
À minha psicóloga, Helida Garbelini, por todos os ensinamentos e por me
encorajar, dia após dia, em todas as pedras que encontrei no meio do meu caminho.
Aos meus amigos de faculdade Gabriela Bruno, Victoria Merigue, Maria Caroline
Francisco, Luiza Araújo, Rafael Rabello, Francis Coimbra, Álvaro Momenso, João Marques,
Nikolas Guerrero e Amarildo Pizzi, por tornarem mais fácil estes quatro anos tão confusos.
Às minhas amigas de fé, Ingrid Massaroto, Laura e Luísa Soares por toda a
compreensão em um dos caminhos mais importantes da minha vida.
Às minhas amigas Brenda Sayuri e Gabriela Bonfim por tornarem a vida mais
fácil quando eumesma não conseguia encontrar saída para as minhas dificuldades.
Ao padre Leandro, uma das minhas maiores inspirações como ser humano, por
confiar em todosos meus processos e, acima de tudo, me mostrar que a fé consegue mover até
o fardo mais pesado.
À Marina Aranha, por confiar no meu trabalho como jornalista, me
proporcionando a melhor oportunidade que já vivi nesta vida, na Revista Revide.
À Eloá Pimentel. Aonde quer que esteja, sou eternamente grata por ter
compartilhado um momento da minha existência com sua história. Serei para sempre movida
por sua força e coragem.
Por fim, e não menos importante, à mim mesma. Por não ter me permitido desistir
em minhas dificuldades e ter me mantido firme em todos os meus sonhos.
"No jornalismo, não há fibrose. O tecido
atingido pela calúnia não se regenera. As
feridas abertas pela difamação não cicatrizam.
A retratação nunca tem o mesmo espaço das
acusações."
(Felipe Pena)
RESUMO

A análise do jornalismo sensacionalista é um grande exemplo do avanço do processo de


comunicação desde os primórdios da humanidade. Esse trabalho tem como objetivo apresentar
os aspectos sensacionalistas do caso Eloá Pimentel, uma jovem de quinze anos que foi
sequestrada por seu ex namorado, Lindemberg Alves, 22 anos, e passou seus últimos dias em
um dos maiores casos de cárceres da história jornalística, totalizando mais de 100 horas de
sequestro. Eloá, sequestrada junto com sua amiga Nayara Rodrigues viveu um verdadeiro terror
frente a seu maior inimigo e à especulação midiática. A função deste estudo é de verificar a
forma como a mídia abordou as atitudes policiais deste caso, as falhas da imprensa e o
comportamento desenfreado pela informação desastrosa. Também busca-se compreender o
motivo pelo qual esse aspecto noticioso chama tanto a atenção da sociedade e faz com que os
holofotes sejam todos guiados a esse tipo de notícia.

Palavras-chave: Sensacionalismo. Jornalismo Investigativo. Sequestro. Eloá Pimentel.


ABSTRACT

The analysis of sensationalist journalism is a great example of the advance of the


communication process since the dawn of humanity. This work aims to present the
sensationalist aspects of the case Eloá Pimentel, a fifteen-year-old girl who was kidnapped by
her ex-boyfriend, Lindemberg Alves, 22, and spent her last days in one of the biggest prison
cases in journalistic history, totaling over 100 hours of kidnapping. Eloá, kidnapped along with
her friend Nayara Rodrigues, lived a real terror in front of her greatest enemy and media
speculation. The purpose of this study is to verify how the media approached the police attitudes
in this case, the failures of the press and the unrestrained behavior due to disastrous information.
It also seeks to understand the reason why this news aspect draws so much attention from
society and makes the spotlight be all guided to this type of news.

Keywords: Sensationalism. Investigative Journalism. Kidnapping. Eloá Pimentel.


SUMÁRIO
1INTRODUÇÃO ................................................................................................................ 11
2O PRINCÍPIO DAS IDEIAS SENSACIONALISTAS ................................................ 15
2.1 DO FAIT DIVER AO JORNALISMO SENSACIONALISTA ............................... 16
3 O SENSACIONALISMO NA MÍDIA BRASILEIRA ................................................ 21
3.1 O caso Escola Base..................................................................................................... 22
3.2 O caso Boate Kiss ....................................................................................................... 23
3.3 O caso Isabella Nardoni ............................................................................................ 24
3.4 O caso Marcela .......................................................................................................... 26
3.5 Um recorte da sociedade ........................................................................................... 27
4 O CASO ELOÁ PIMENTEL: UM ESPETÁCULO NA MÍDIA BRASILEIRA ..... 31
4.1 O início de um pesadelo ............................................................................................ 33
4.2 Um final infeliz ........................................................................................................... 37
5 O SENSACIONALISMO NO CASO ELOÁ PIMENTEL ......................................... 38
5.1 Entrevista com Luiz Guerra para o programa A Tarde É Sua da RedeTV!....... 40
5.1.1 Análise de Categorias I ........................................................................................ 44
5.1.2 Conceito Norteador I ........................................................................................... 44
5.2 Entrevista com Sonia Abrão para o programa A Tarde É Sua da RedeTV!....... 45
5.2.1 Análise de Categorias II....................................................................................... 51
5.2.2 Conceito Norteador II .......................................................................................... 52
5.3 Uma reflexão em lucidez ........................................................................................... 53
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................................... 57
REFERÊNCIAS ................................................................................................................. 58
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1 INTRODUÇÃO

Vivemos em um período onde o ato de informar torna-se responsável por formações


de opinião completamente relevantes ao processo de desenvolvimento da sociedade moderna.
Entretanto, com o passar do tempo, criou-se uma espetacularização em massa, uma tentativa de
tornar, cada vez mais atrativas notícias importantes ecomplexas para a sociedade, quase como
uma venda de mercadorias.
O modelo de comunicação violento e compulsivo, embasado pelo interesse
midiático em divulgar sem questionar ou considerar as consequências desse modelo
comunicativo, passa a fazer parte de uma crescente idealização cultural, uma maneira de encarar
o jornalismo apenas como um processo obrigatório de expor e trazer à mídia umaespécie de
comunicação que desconsidera os manuais de ética jornalísticos.
Neste processo, perde-se o que se conta como jornalismo de referência, se tratando
de um jornalismo respeitável e compreensível com o processo de comunicação social. É nessa
relação que se perde o ideal que deveria ser compreendido como elemento básico para a
comunicação: o Código de Ética Jornalístico, indo em direções opostas ao que é diretamente
dito no manual primeiro do estudo da comunicação.
Em uma análise do caso Eloá Pimentel, uma garota de 15 anos que foi morta porseu
ex-namorado Lindemberg Alves, é possível reconhecer que a influência midiática, demaneira
específica, serviu como grande cúmplice ao criminoso, transmitindo, pela necessidade de um
furo de reportagem, uma ideia de que o jornalismo precisa sempre estar a alguns passos à frente
da própria notícia, alimentando um modelo de comunicaçãonocivo à vítimas mas que alimenta
a curiosidade popular e crescimento de uma mídia essencialmente violenta. Assim sendo, acaba
por extrapolar inclusive direitos da ética jornalística, afim de compartilhar furos de reportagem.
O caso que se tornou popularmente conhecido, no cenário brasileiro, apesar de
trágico, trouxe uma grande referência, com inúmeros aspectos negativos, a formas comonão se
deve agir um jornalista. É válido compreender que a mídia se embasa empopularidade,
mas é também importante que a ética jornalística consiga abranger um aspecto de humanidade
na comunicação.
A jovem, que viveu um relacionamento superior há dois anos com quem seria o
principal responsável por sua morte, teve sua tragédia exposta em jornais, com as mais diversas
manchetes e maneiras de noticiar. Apesar disso, muito pode-se ver em comum nas
espetacularizações exibidas nos veículos de notícia.
A principal argumentação para a maneira como esse caso seria veiculado, dá-sepela
12

teoria errônea de que a liberdade de expressão pode estar acima da ética comunicativa.
Entretanto, o ato de inverter os papeis e dar à imprensa uma função de Estado, capturando os
direitos de julgamento e sentença, é visivelmente prejudicial, especialmente a normas morais
que cabem à sociedade. A liberdade de informação e expressão deve estar em total
sincronicidade com os direitos dos cidadãos, e com os outros bens protegidos pela constituição
e assegurados, como a prática moral, a saúde e a segurança pública, além da integridade
territorial.
Este trabalho se justifica principalmente no cenário social, no qual cobra-se um
extremo comportamento do comunicador, de modo a visualizar-se cada vez mais na
obrigação de transmitir fatos noticiosos de maneira espetacularizada, ou seja,caracterizada
pela hipervalorização de fatos que se mostrem reais e palpáveis à sociedade.O sensacionalismo
acaba por se aliar à mídia compulsiva e violenta, tornando o comunicador um vendedor de um
produto embasado em quantificar monetariamente uma situação que, por muitas vezes,
ultrapassa diversos aspectos do Código de Ética do Jornalista, especialmente quando
abordamos assuntos como mortes, assassinatos, e outras situações que envolvem a realidade
social.
A tecnologia, neste ponto, torna-se um dos maiores veículos da comunicação, ea
abordagem midiática é responsável por apresentar conteúdos que despertem para o leitor(ou, no
caso da televisão, espectador) um sentimento de proximidade, ao mesmo passo que, realidade e
satisfação dos seus desejos e curiosidades. A este ponto, o jornalista passaa exercer a função de
mediador, entre vítimas e envolvidos em determinado fato noticiosoe a população que se busca
informar. Em teoria, a ideia principal é que se comunica imparcialmente, e se apresente o fato,
deixando que o comunicado tome as suas próprias conclusões. Entretanto, com o passar do
tempo, a mídia tornou-se um ponto de formaçãoe criação de ideias e isso pode, em diversas
situações, deturpar a forma pela qual o comunicador deseja atingir o público alvo.
Assim, muitos casos jornalísticos acabam por tomar grandes e até desnecessárias
proporções, como é o caso Eloá Pimentel. Desse modo, a forma como a notícia veicula pode
acabar por gerar também grandes tragédias e ser membro principal (e oficial) de uma
convergência com aspectos que acabem por dificultar a simplificação e resolução deembates
sociais.
Esse estudo tem como objetivo o entendimento acerca da compulsão midiática por
transformar notícias em grandes espetáculos e também estudar mais profundamente a
influência de aspectos jornalísticos sobre o caso Eloá. Irá se desenvolver por meio da análise
do caso popularmente conhecido pela mídia, a história do assassinato de Eloá Pimentel. Este
13

caso toma como principais fontes o ideal midiático e a condução do processo de comunicação
por meio da visibilidade de uma temática.
O primeiro capítulo traz um pouco sobre a história e avanço do sensacionalismo,que,
relacionado ao termo francês Fait Diver, foi capaz de transpassar a história e chegarao contexto
em que estamos intensificando pela monetização da notícia.
O segundo capítulo aborda a ideia do sensacionalismo na mídia brasileira, com
fortes casos que impactaram o jornal popular e trouxeram o desprazer do noticiário violento e
de espetáculo.
O terceiro capítulo apresenta a história do sequestro mais impactante da mídia
brasileira, selecionando fatos marcantes das 100 horas responsáveis por um grande impacto
sensacionalista na mídia popular.
O quarto e último capítulo analítico, representado pelo tópico quinto do presente
trabalho, é responsável por situar o sensacionalismo em duas entrevistas realizadas no programa
A Tarde É Sua na “RedeTV!”. Nesse sentido, o capítulo responsável por fechar a análise no
trabalho sintetiza os principais elementos sensacionalistas das matérias e elenca, por meio de
de uma matriz referencial a espetacularização presente no caso EloáPimentel. Para fundamentar
essa análise, o uso do Código de Ética do Jornalista Brasileiro foi fundamental, afim de embasar
as justificativas selecionadas para identificaro sensacionalismo no tema.
A perspectiva central é utilizar-se do método de pesquisa exploratório,
especialmente relacionada à maneira como veículos de imprensa e comunicação acabam por se
deixar conduzir pela mídia e popularidade, sobrepondo os aspectos éticos do jornalismo. Além
disso, é indispensável para essa pesquisa, uma análise bibliográfica, que possa colaborar com
uma análise técnica dos motivos pelos quais esse tipo de notícia, especialmente do aspecto
sensacionalista, está quase sempre em níveis crescentes do aspecto midiático. Esse
procedimento é fundamental para um embasamento teórico, comovisto em Lakatos (2003):

A finalidade da pesquisa científica não é apenas um relatório ou descrição de fatos


levantados empiricamente, mas o desenvolvimento de um caráter interpretativo,
no que se refere aos dados obtidos. Para tal, é imprescindível correlacionar a
pesquisa com o universo teórico, optando-se por um modelo teórico que serve de
embasamento à interpretação do significado dos dados e fatos colhidos ou
levantados (LAKATOS, 2003, p. 224).

Para a elaboração da pesquisa, será importante contar com a colaboração de


matérias impressas que veicularam na época e vídeos de reportagens que abordaram o assunto.
Assim, o trabalho conta com uma análise qualitativa das situações, em relação à divulgação dos
casos.
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2 O PRINCÍPIO DAS IDEIAS SENSACIONALISTAS

O aspecto noticioso sensacionalista é um grande embate no jornalismo brasileiro,


em um processo informativo veiculado à ascensão da imprensa e do veículo de comunicação.
Mas é relevante compreender que essas ideias deturpadas ou até engrandecidas sobre algum
fato são encontradas desde os primórdios da comunicação.
O fato é que o aspecto sensacionalista esbarra em uma série de fatores ético- sociais
que influenciam em um maior consumo de notícias sangrentas, em seu mais alto teor violento
e compulsivo, causado por uma mídia envolvida com um processo errôneo de ultrapassar
qualquer bloqueio pré-estabelecido por qualquer método de ética jornalística.
Anterior ao jornalismo atual, a ideia da comunicação não foi muito diferente. Ao
caminhar dos avanços da mídia impressa, altamente influenciada pela invenção de Gutemberg1,
o ideal de comunicar trouxe consigo aspectos fundamentais para a construção do jornalismo
atual. A isso determina-se a ideia de uma forte necessidade expressiva do ser humano. É desse
modo que a história do jornalismo é explicada por Beltrão (1992) quando analisa a história da
comunicação desde o seu primórdio, compreendendo que esse ideal comunicativo visava
assegurar o bem comum e produzir a vida em sociedade.

Desde essa época remota, os homens não dispensavam a informação; ao contrário,


para obtê-la, transmiti-las uns aos outros e dela retirarem proveito empenharam-
se, deixando inscritas nas páginas da história alguns dos seus mais belos episódios
de construção (BELTRÃO, 1992, p. 16).

A partir desse critério, a funcionabilidade do critério noticioso se expressa pelo


recorte social em que se insere. Nesse caso, a atribuição para antiguidade, fica responsabilizada
por caracterizar os registros históricos e sociais do Homem da época, uma vez que o processo
de escrita só se construiu, efetivamente ao decorrer da história humana. Esse processo de
comunicação, porém, não é externo ao ser humano. A visibilidade de um pontapé inicial da
comunicação é notável ao nascimento de um indivíduo, a criação de vínculo familiar e a
inserção social (BAITELLO, 1998).
Do aspecto inicial ao que temos hoje como comunicação, muito do processo
evolutivo humano contribui para as alternâncias do modo de fala e expressões características
do cenário comunicativo. Entretanto, a notoriedade pelo registro histórico humano e pela

1
A Prensa de Gutemberg pode ser considerada o pontapé inicial ao que hoje chamamos de jornalismo. O modelo
de comunicação que surgiu no período renascentista, em meados de 1500 classificou grande parte do processo
jornalístico.
15

produção de um conteúdo informativo torna-se cada vez mais crescente ao passo que o avanço
capitalista passa a demarcar valores aos produtos noticiosos. É exatamente com o apoio deste
setor que o aspecto sensacionalista passa a ser exibido, atrelado à um método de venda das
notícias como se fizesse da informação um novo produto. É notório que a influência do setor
cultural e de quem se destina o processo noticioso contribui notoriamente ao que se busca
comunicar. Entretanto, não se pode descartar a ideia de que o processo jornalístico foi, com o
tempo, tornando-se uma completa mercadoria. É possível então analisar o setor jornalístico da
seguinte forma:

Várias abordagens ignoram o fato de que os meios de comunicação baseiam- se


numa visão antecipada do campo da recepção e mudam seus discursos conforme
os públicos que lhes interessam. Determinadas estratégias dos produtos
jornalísticos populares não são originadas no interesse comercial, mas sim
reapropriadas pelas empresas jornalísticas para conectar seus produtos ao público
(AMARAL, 2005, p. 4).

É também no início da popularização do processo comunicativo que os jornais


americanos e franceses encabeçam um processo de transformação das notícias populares em
verdadeiros meios comerciais encarregados de capitalizar o progresso de informação. A este
processo, inicialmente, deu-se o nome de fait divers, termo datado do final do século XIX.

2.1 Do Fait Diver ao jornalismo sensacionalista

O termo ‘fait divers’ passou a ser empregado para determinar a ideia de notícias
populares muito aumentadas ou exageradas para passar a atrair cada vez mais a atenção das
pessoas. A ideia de transformar ideias corriqueiras em fatos a serem considerados assustadores
para a sociedade e até esdrúxulos funcionou tão bem que essa prática se perpetua até os dias
atuais por meio da construção de um jornalismo sensacionalista. Assim, explica Dion (2007):

Os temas explorados pela crônica dos fait divers são certamente restritos, mas não
se limitam à morte. A crônica dos fait divers se interessa igualmente pelos
suicídios, por certos tipos de acidentes, catástrofes naturais, monstros e
personagens anormais; por diversas curiosidades da natureza, tais como os
eclipses, os cometas, as manifestações do além, os atos heroicos, os erros
judiciários e, enfim, por anedotas e confusões (DION, 2007, p. 125).

Desse modo, a ideia de aplicar uma notícia fortemente deturpada para, de algum
modo, atrair a atenção do público, talvez tenha sido o processo inicial de um meio de
comercialização do aspecto noticioso, pautado em uma espécie de competição entre mídias em
busca de veículos que conseguissem cada vez mais atrair a atenção populacional por meio de
16

ideias desastrosas. Esse termo, hoje, caracterizado pelo sensacionalismo, tomou proporções
drásticas, ao passo de encaminhar-se para um modelo de comunicação que deixa a escapar
quaisquer preceitos estabelecidos por meio do Código de Ética Jornalística, e é exatamente essa
ideia de comunicação que é declarada nas mais diversas mídias de imprensa inclusive nos dias
atuais. Os termos de sensacionalismo que surgiam logo na inserção do jornalismo aos jornais
franceses e ingleses, hoje fazem parte do vocabulário jornalístico quase que de maneira
intrínseca ao jornalista. Assim, explicita Amaral (2005):

As práticas abrangidas pela caracterização sensacionalistas tanto podem significar o


uso de artifícios inaceitáveis para a ética jornalística, como também podem
configurar-se numa estratégia de comunicabilidade. Assim, o sensacionalismo
abrange diversas estratégias, e é pouco produtivo circunscrevê-las num único
conceito. Por isso é mais adequado caracterizar esse segmento da grande imprensa
como “popular” e não sensacionalista (AMARAL, 2005, p. 5).

É compreensível que este discurso sensacionalista não aconteça somente no setor


jornalístico. Esse aspecto pôde ser notado, inclusive, em debates políticos, trazendo o peso de
uma comunicação a ser contrariada e investigada, uma vez que o forte apelo comunicativo
sensacionalista traz ao discurso uma ideia de inverdade. Apesar das noções de grande influência
do termo ‘fait divers’ para a comunicação e seu processo de construção de uma notícia
sensacionalista, é necessário mencionar que existe a possibilidade de encontrar, entre os dois
termos, alguns aspectos que possam os dissociar. Assim, a interpretação de um ‘fait divers’ fica
predominantemente relacionada à um gênero de escrita, ou seja, à um percurso literário que
abrange, também, o sensacionalismo. Este – o sensacionalismo – por sua vez, caracteriza-se
como um estilo, um método de linguagem que é capaz de transformar o processo interpretativo
de uma notícia ou algo que se busca informar.
Sobretudo, a este tema, é também necessário compreender o processo de inserção
deste termo nas linguagens jornalísticas que hoje utilizamos. Um dos maiores responsáveis por
considerar o termo ‘fait divers’ como um dos principais métodos de capacitação de uma notícia
sensacionalista, foi o francês Roland Barthes, escritor, filósofo e crítico literário. Assim, para o
Barthes (1964):
Cada vez pois que se quer ver funcionar a nu a causalidade do fait divers, é uma
causalidade ligeiramente aberrante que se encontra. Por outras palavras, os casos
puros “e exemplares” são constituídos pelas perturbações da causalidade, como se o
espetáculo (a “notabilidade”, deveríamos dizer) começasse ali onde a causalidade,
sem deixar de ser afirmada, contém já um germe de degradação; como se a
causalidade não pudesse ser consumida senão quando começa a apodrecer, a desfazer-
se. Não há fait divers sem espanto (escrever é espantar-se); ora, relacionado a uma
causa, o espanto implica sempre uma perturbação, já que em nossa civilização todo
alhures da causa parece situar-se mais ou menos declaradamente à margem da
natureza, ou pelo menos do natural (BARTHES, 1964, p. 144).
17

Seguindo este pensamento, a ideia de que o ‘fait divers’ conduz um grande


espetáculo consegue se firmar diante de uma análise com veracidade do processo que conduz a
inserção desse gênero como algo fundamental para a construção de uma narrativa que consegue,
fielmente, captar os interesses do público e transformá-los em noções ainda maiores da
realidade. E é, exatamente, a essa ideia que o processo de aliar o ‘fait divers’ ao desastroso
consegue se aliar perfeitamente ao sensacionalismo. Causando uma impressão de espanto ao
público, a mídia consegue, quase como regra, atrair para si a atenção dos mais amplos públicos,
impulsionando na sociedade a ideia de proximidade aos fatos e, ao mesmo tempo,
distanciamento, como noções fora da realidade, mas que conseguem despertar o interesse das
pessoas. Esse sentimento irreal, apesar de instigante, consegue se localizar na sociedade como
o ponto em que faz com que a notícia seja, de fato, um objeto de venda. Porém, nem sempre
essa é uma oportunidade de trazer a veracidade ao fato. Com isso é justificável a visão de
Angrimani (1994) sobre o conceito de um jornalismo sensacionalista:

Sensacionalismo é tomar sensacional um fato jornalístico que, em outras


circunstâncias editoriais, não merecia esse tratamento. Como o adjetivo indica, trata-
se de sensacionalizar aquilo que não é necessariamente sensacional, utilizando-se,
para isso, de um tom escandaloso, espalhafatoso. Sensacionalismo é a produção de
noticiário que extrapola o real, que superdimensiona o fato. Em casos mais
específicos, inexiste a relação de qualquer fato e a "notícia" é elaborada como mero
exercício ficcional. O termo "sensacionalista" é pejorativo e convoca uma visão
negativa do meio que o tenha adotado. Um noticiário sensacionalista tem
credibilidade discutível (ANGRIMANI, 1994, p. 16).

Portanto, fica clara a ausência de embasamento no sensacionalismo de que este


cause, de fato, uma ideia de veracidade ao que está sendo relatado no material noticioso. Ao
contrário, espera-se deste tipo de notícia um objeto incerto e que pode – e deve – ser questionado
e verificado. Com o tempo, as notícias sensacionalistas foram fortemente confundidas e grandes
aliadas ao que os jornalistas chamam de “furo de reportagem” e, na intenção de trazer a
exclusividade daquilo que se busca noticiar, o jornalista acaba por perder o comprometimento
ético de trazer à público aquilo que é verdadeiro, checado e posto à prova diante de
depoimentos, testemunhas e embasamento noticioso.
Então, por este viés, quem seria o grande vilão da fala sensacionalista? O
comunicador que transfere a informação aumentada, escandalosa, ou a audiência, que eleva
cada vez mais os níveis rentáveis de uma comunicação violenta e compulsiva? Para essas
perguntas, as respostas de DIAS (2008) são claras, referindo-se ao jornal Notícias Populares,
mas com informações que valem para todo o sensacionalismo:
18

A imprensa popular expressa-se como o povo – já que se apoia nos coloquialismos da


linguagem, faz uso de vocabulário gírio etc.; e dirige-se para o povo – pois não só
atende à expectativa comunicativa do leitor popular, que é a do entendimento da
informação, mas também aborda temas que fazem parte do seu cotidiano e são de seu
interesse. Representados no jornal como “trabalhadores” (“O jornal dos
trabalhadores”), os leitores do NP veem-se referidos como pessoas “injustiçadas”,
com problemas de desemprego; de moradia; de baixos salários; privados de
assistência médica, educacional; vítimas de assaltos e da ação, não raro violenta, de
uma política desacreditada que, com muita frequência, os confunde com bandidos
(DIAS, 2008, p. 110- 111).

Figura 1 - Jornal Notícias Populares, capa do ano de 1975

Fonte: Divulgação. Disponível em: https://fotografia.folha.uol.com.br/galerias/18556-bebe-diabo

É exatamente neste processo em que se encontra o caso Eloá Pimentel, no estudo


do sensacionalismo: a ideia de trazer à mídia uma visão original e à frente de outros jornais, ou
outros veículos noticiosos, faz com que o informante chegue a um ponto quase como quem
perde a humanidade, passando por cima de uma série de aspectos éticos da comunicação,
19

exclusivamente pela disposição de colocar-se sempre em primeiro lugar ou levantar altos pontos
de audiência. Assim, a inverdade é o objeto de apoio principal da notícia sensacionalista. Não
que esta seja exclusivamente falsa. Mas diz também que seu conteúdo pode apresentar um teor
que deve ser discutido.
20

3 O SENSACIONALISMO NA MÍDIA BRASILEIRA

O aspecto sensacionalista, que hoje assola o jornalismo brasileiro, traz para a


comunicação um grande desespero por audiência, mas o principal enfoque se deve ao modo
pelo qual esse tipo de processo noticioso consegue fazer com que os olhos da sociedade se
virem todos à notícia sensacionalista. O veículo jornalístico televisivo é um dos modelos que
consegue exprimir com melhor detalhamento os processos desastrosos da notícia, trazendo
registros de imagens de maneira descritiva criando um perfeito evento dramático (LAGE,
1990).
Desde o princípio da história jornalística em cenário nacional, pode-se visualizar
ideais sensacionalistas e de caráter apelativo, especialmente com o avanço da mídia televisiva.
Ainda assim, o jornalismo impresso não ficou para trás e um dos grandes marcos da imprensa
nacional foi o processo de veiculação do jornal Notícias Populares. Esse método conseguia
abordar as mais esdruxulas informações de modo a caracterizá- las à um caráter informativo,
utilizando de uma linguagem jornalística para alavancar uma espécie de seriedade ao que se
desejava comunicar. Para Angrimani (1994), a ideia central do jornalismo sensacionalista é o
ato de aproximar os relatos para a realidade pessoal de cada leitor. Assim, com uma linguagem
coloquial e expressões que pouco seriam vistas em um modelo de jornalismo formal, esse tipo
de comunicação consegue causar, juntamente com uma manchete exagerada, uma forte carga
emocional e comoção social.

O meio de comunicação sensacionalista se assemelha a um neurótico obsessivo, um


ego que deseja dar vazão a múltiplas ações transgressoras – que busca satisfação no
fetichismo, voyeurismo, sadomasoquismo, coprofilia, incesto, pedofilia, necrofilia –
ao mesmo tempo em que é reprimido por um superego cruel e implacável
(ANGRIMANI, 1994, p. 11).

O aumento da locução interpessoal consegue, facilmente, tornar a história que está


sendo contada pelo jornal sensacionalista uma verdade absoluta. A alteração na linguagem e a
pormenorização de elementos textuais que exponham a seriedade do jornalismo agora são
substituídos por características persuasivas de que uma notícia que, antes parecia incorreta para
ser encaminhada a imprensa, agora é um fator compartilhado socialmente. Trazer o jornal
Notícias Populares a este exemplo é tornar palpável a ideia de que a comunicação jornalística
por muitas vezes foi ultrapassada pela idealização de uma notícia que chegasse com maior
facilidade ao público. Assim, o linguajar popular consegue captar a atenção do leitor e se fazer
21

mais compreensível que a linguagem culta, podendo inclusive alcançar um maior número de
leitores.

3.1 O caso Escola Base

Foi exatamente com o embate sensacionalista que o jornal brasileiro Notícias


Populares, fundado no ano de 1963 e fechado em 2001, ficou fortemente familiarizado ao
aspecto informativo interligado à uma forma de noticiar movida pelo espetáculo, por linguajar
violento e informal. O jornal acabou se tornando ainda mais famoso quando foi veículo para
um dos casos mais conhecidos do jornalismo brasileiro. O caso Escola Base2 consegue contar
e representar o mais próximo de um informativo sensacionalista presente na mídia. E foi este o
pontapé inicial para que a imprensa pudesse ter a liberdade de júri e de propor julgamentos
sociais antes mesmo que qualquer decisão policial fosse realizada.

O caso Escola Base é o elo frágil da história da mídia contemporânea e acumula erros
crassos da imprensa ao longo de todo seu decorrer. Inicialmente, os veículos de
comunicação acreditaram fielmente na denúncia de uma mãe desesperada para
proteger o filho, sendo que nem mesmo a autoridade policial competente teria dado a
devida atenção para o caso. Ora, não que a preocupação materna seja considerada
exagerada, principalmente no que se diz respeito a casos de violência sexual contra
crianças, mas daí a levar uma denúncia cegamente como o esqueleto da pauta existe
uma grande diferença. Além disso, durante o momento inicial não foi ouvido o outro
lado da história, ou seja, a imprensa não deu direito aos acusados de se defender, não
garantiu a estes o contraditório nem possibilitou para que explicassem sua versão.
Tendo em vista que um dos principais pontos do Jornalismo considera-se a
imparcialidade, diante do caso Escola Base faltou aplicar os princípios básicos e
analisar o que os acusados teriam a dizer (MARTINS, p. 30, 2014)

2
O caso Escola Base ficou popularmente conhecido como “Escolinha do Sexo”, título este que estampou as
páginas iniciais do jornal Notícias Populares no ano de 1994. A notícia que repercutia na época envolvia casos de
estupro dentro de uma escola na cidade de São Paulo.
22

Figura 2 - Manchete do jornal Notícias Populares sobre o caso Escola Base

Fonte:Disponível em: https://www.sjsp.org.br/noticias/escola-base-vira-livro-reportagem-em-tcc-da-


fiam-1a86

Não seria este um problema – a busca por reconhecimento comunicativo – caso este
processo não acabasse por deturpar casos policiais, influenciar o preconceito e fazer, portanto,
com que o jornalismo se torne uma função acima do papel estatal. Todavia, a ideia de
transformar a comunicação em um grande júri e atribui ao jornal um processo de apelar ao
emocional popular ao invés de buscar por meios de, imparcialmente, informar a população
(DIAS, 2008). Evidentemente, a demanda jornalística está diretamente ligada ao mercado, e
essa ideia acaba gerando um ciclo entre veicular um determinado material que consiga gerar
audiência e, além disso, proporcionar um impacto social esperado por meio do sensacionalismo.
A estratégia de impulsionar uma valorização sobre a matéria torna perceptível a tendência a
comercialização da informação e, a isto, o sensacionalismo serve facilmente como estratégia de
venda. Dessa forma, como mencionado em Bourdieu (1998):

Tais expressões devem, portanto, uma parte de suas propriedades (mesmo ao nível da
gramática) ao fato de que, na base de uma antecipação prática das leis do mercado em
questão, seus autores, muitas vezes sem o saber e também sem o querer
expressamente, se esforçam em maximizar o lucro simbólico que podem obter de
práticas destinadas à comunicação e, ao mesmo tempo, expostas à avaliação. Isto
significa que o mercado fixa o preço de um produto linguístico que a antecipação
prática deste preço contribuiu para determinar em sua natureza e, portanto, em seu
valor objetivo (BOURDIEU, 1998, p. 65).

3.2 O caso Boate Kiss

Outro caso bastante curioso para o jornalismo sensacionalista – e que não poderia
deixar de ser um dos pontos argumentativos deste estudo – é o caso da cobertura no incêndio
23

na Boate Kiss, que matou mais de 240 jovens, com idades entre 17 e 25 anos, em 27 de janeiro
de 2013. O acidente, ocasionado por negligência local do estabelecimento, foi um marco na
cidade de Santa Maria - RS, mas os impactos se espalharam por todo o Brasil. Na época, um
dos assuntos mais comentados do momento não poderia deixar de fazer parte das capas de
revistas e projetos noticiosos. A cobertura incessante do jornalismo brasileiro diante desta
matéria fez com que os altos pontos de audiência fossem uma resposta à comoção, nacional e
internacionalmente.

Conforme noticiado à época, por volta das 2h30 da madrugada, um sinalizador aceso
por um dos integrantes da banda Gurizada Fandangueira provocou um incêndio que
resultou na morte de 242 pessoas e deixou outras 116 feridas. A temperatura dentro
da boate no momento do incêndio chegou a 300°C, mas a causa da morte no local da
maioria das 235 vítimas foi intoxicação com a fumaça. As demais mortes ocorreram
com o tempo, após um período de internação em hospitais. A 242ª vítima faleceu no
dia 19 de maio do mesmo ano. Principais revistas semanais de grande circulação no
país, IstoÉ e Veja publicaram, respectivamente, reportagem e edição especiais para
cobertura do acontecimento (MENDES; AMORMINO, 2019, p.3).

A Revista Veja, à época, foi responsável por protagonizar, desta vez, as questões
que envolviam a comunicação ainda no processo em que se tomavam as consequências do caso.
O levantamento do veículo que trazia em sua capa a foto de uma das vítimas sobre o caixão de
seu namorado, foi o que se tomou como um dos grandes processos sensacionalistas da época,
resultando em uma dificuldade ainda maior para familiares que perderam seus entes na tragédia.
A jornalista Arbex (2018), foi quem trouxe a visão ética comunicativa para uma das obras mais
salientadas em estudo acerca do caso.

Yasmim Müller, namorada de Lucas e sobrevivente da Kiss, ficou o tempo todo ao


lado do caixão. Muito emocionada, pôs o chapéu preto na cabeça, apoiando o rosto
entre as mãos em cima da urna funerária. Fotografada por jornalistas que estavam no
ginásio, a imagem dela acabou estampando a capa da revista Veja no dia 6 de
fevereiro. O veículo foi alvo de críticas em todo o país. Os leitores acusaram a revista
de ter usado uma modelo na foto, citando como “prova” as mãos da jovem, cujas
unhas estavam pintadas de vermelho. Foi Yasmim quem, 24 horas antes de chorar
sobre o corpo de Lucas, fizera as próprias unhas na casa de Marise para comemorar o
seu aniversário na boate (ARBEX, 2018, p. 154-155).
24

Figura 3 - Yasmin sobre o caixão do namorado Lucas

Foto: Lauro Alves/Agência RBS

3.3 O caso Isabella Nardoni

Um dos casos mais impactantes da televisão brasileira, o caso Isabella Nardoni


rendeu bons pontos de audiência às emissoras que fizeram a cobertura em tempo real de todo o
caso. A situação, que ocorreu no dia 29 de março de 2008, foi uma das maiores responsáveis
por olhos sensacionalistas, voltados ao caso. Isabella tinha cinco anos quando foi arremessada
da janela do sexto andar de um edifício na cidade de São Paulo.
O principal suspeito do caso, Alexandre Nardoni, era pai da garota, acusado de
atirar a menina pela janela, juntamente com a madrasta de Isabella, Anna Carolina Jatobá.

Figura 4 - Isabella Nardoni, 5 anos, filha de Alexandre Nardoni e Ana Carolina Oliveira

Fonte: Reprodução/Orkut
25

Alexandre dividia a guarda de Isabela com a mãe da garota, Ana Carolina Oliveira,
e foram indiciados a prisão preventiva após resultado dos exames legistas que apresentavam
ferimentos, no corpo da menina, que podem ter sido realizados antes da queda. Entre
reconstruções do caso e julgamento do crime, a mídia se mantinha presente 24 horas por dia no
local do crime e na prisão para onde o casal fora encaminhado.

Figura 5 - Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá, pai e madrasta de IsabellaNardoni em


entrevista concedida ao programa Fantástico na Rede Globo.

Fonte: Divulgação Rede Globo

Mas o sensacionalismo, nesse caso, não se apresentava apenas pela cobertura direta
do acontecimento. Jornais protagonizaram cenas bastante julgadas pelo público, com a
entrevista de Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá, com um posicionamento defensivo
diante das acusações de culpa do casal diante do caso. Em outros casos, reportagens
conseguiram levantar a hipótese de uma terceira pessoa na cena do crime, e, em extremos
sensacionalismos, levantaram uma possível culpa da mãe de Isabela, Ana Carolina Oliveira,
que estava ausente no momento, no caso da divisão da guarda da menina de cinco anos.

3.4 O caso Marcela

Mais um alvo de críticas ao jornalismo brasileiro foi o caso da menina Marcela, de


21 anos, que desapareceu em Guarulhos (SP) no mês de fevereiro de 2020. O caso, que por si
só já possuía suas nuances negativas foi alvo midiático por pouco mais de uma semana, virou
centro informativo quando o repórter Luiz Bacci, comandante do programa Cidade Alerta na
26

Rede Record iniciou uma incansável cobertura sobre o caso.


De entrevistas aos policiais à depoimentos de familiares, o programa, que é
fortemente conhecido por seu conteúdo apelativo, conseguiu surpreender negativamente a
audiência quando, no dia 17 de janeiro, 9 dias após o desaparecimento da menina que estava
grávida e possuía como maior suspeito seu namorado, o programa resolve trazer a mãe da garota
para uma conversa com o advogado do acusado.
Foi durante a transmissão, ao vivo e em rede nacional, que a mãe de Marcela,
conhecida como dona Andreia, descobre a morte de sua filha, anunciada como um grande furo
de reportagem: “Dona Andreia, eu preciso que a senhora seja muito forte porque o advogado
do namorado da sua filha vai falar conosco pela primeira vez” introduziu o apresentador. Agora,
era a vez do advogado se pronunciar. “Não posso dizer muito até por uma questão de sigilo do
próprio inquérito. Hoje pela manhã apresentei o caso na delegacia. Ele [o acusado] deu um pré-
depoimento. Ele confessou a autoria do crime. Nos trouxe ao local onde, infelizmente, foi
encontrado o corpo da Marcela”, informou friamente o advogado.
A notícia foi motivo para uma crise ao vivo da mãe da garota, enquanto toda a
internet criticava fortemente o programa por sua frieza e sensacionalismo, diante de um caso
de alta gravidade.

3.5 Um recorte da sociedade

O discurso sensacionalista, ainda aparece sem data de validade na mídia nacional.


O uso de expressões que consigam comover a população, especialmente em matérias ligadas à
assassinatos, feminicídio e quaisquer outros tipos de violência que esteja presente em sociedade
ainda é uma estratégia base capaz de atrair os olhos até daqueles que mais evitam os noticiários
brasileiros. A aplicação do senso comum e a aposta no boca-a-boca consegue remover a
limitação que uma imprensa focada estritamente na comunicação jornalística informativa
impõe aos veículos de informação. O uso de jargões e expressões populares que tornem a notícia
um grande espetáculo aos olhos da sociedade são indicações capazes de sustentar o grande show
noticioso sem que se considere qualquer indicação ética jornalística. A este ponto, o Código de
Ética Jornalístico é um dos grandes responsáveis por viabilizar uma comunicação justa e, de
certo modo, imparcial. Este assunto é diretamente abordado no Código de Ética Jornalístico,
conforme citado em seu capítulo III: Da responsabilidade profissional do jornalista do Código
de Ética Jornalístico Brasileiro, mencionando “O jornalista não pode divulgar informações: II
- De caráter mórbido, sensacionalista ou contrário aos valores humanos, especialmente em
27

cobertura de crimes e acidentes.” (FENAJ, 2007, Art. 11).


Mas, as apostas da televisão brasileira conseguem se desprender facilmente do
caráter jornalístico. Essa tem sido um dos grandes marcos do desvio da comunicação através
de programas de auditório ou aqueles classificados como “programas de fofoca”. A estes, o
desprender-se da formalidade jornalística torna a relação comunicador-público ainda mais
próxima. Este mecanismo, viabilizado pela contagem de audiência na televisão brasileira é o
que mais tem possibilitado a relação mais aproximada entre os apresentadores, veículos de
comunicação e o público propriamente dito. Essa é uma grande estratégia quando o assunto é
se desvencilhar das características mais formalizadas do jornalismo informativo. Assim, como
menciona Barbosa (2007):

O modelo da televisão brasileira, a exemplo do norte-americano, é comercial, ou seja,


o objetivo final das redes de TV e dos canais a cabo é gerar lucros. É o critério do
índice de audiência que vai definir o valor da inserção comercial. Quanto maior a
audiência, maior visibilidade para os produtos ou serviços anunciados. (...) Em meio
à disputa feroz pela audiência, sob a permanente pressão das pesquisas do Ibope, a
TV acaba recorrendo ao sensacionalismo, com o estímulo ao consumismo e a
espetacularização da violência (BARBOSA, 2007, p. 143).

Desse modo, a ideia de que o sensacionalismo também consegue se localizar na


imprensa como gênero formador de opinião acaba tornando uma prática quase intrínseca ao
projeto de captar audiência através de uma comunicação ilusória, escandalosa e deturpada. As
manchetes chamativas e as expressões populares agora caracterizam um grande movimento
transformador de opiniões e capaz de captar as mais diversas atenções populares. A tentativa
de tornar real e próximo a dor e sofrimento alheio colabora para que cada vez mais notícias
desastrosas se tornem espetáculos nas mãos do jornalismo sensacionalista, como o caso da
Boate Kiss, resultando em uma sociedade cada vez mais acostumada com notícias violentas e
aspectos sensibilizantes dos jornais, como apresentado em Angrimani (1994).

Deve-se salientar que o envolvimento emocional, o aparecimento do clichê, não é por


si só sensacionalista. Um telejornal (ou rádio jornal) não- sensacionalista pode mostrar
imagens dramáticas (ou relatos) que emocionem as pessoas. Por exemplo, quando a
polícia resgata uma criança sequestrada e ela corre para ser abraçada por seus pais,
depois do abraço emocionado, a família chora e diz algumas palavras para os
repórteres. É uma imagem forte, de impacto emocional garantido. Clichê de felicidade
familiar. Mas para essa história ser utilizada de forma sensacionalista é preciso que
seja editada e relatada, reforçando constantemente os clichês, que apareceriam o
tempo todo envolvendo a edição e não apenas em fragmentos (ANGRIMANI, 1994,
p. 41).
28

Figura 6 - Fachada da Boate Kiss após o incêndio no ano de 2013

Fonte: AFP Arquivos

Não é possível confirmar em que momento exato o jornalismo deixou de ser apenas
um veículo informativo para se tornar um grande processo de canalização de informações e
grandes formadores de opinião, devida à longa trajetória deste processor. Porém esse processo
é passível de comparação também ao interesse populacional por notícias que contenham, cada
vez mais, o teor sensacionalista e midiatizado. A este fator, atribui-se o nome de curiosidade
mórbida. Este termo, classificado como um olhar quase escondido para tudo aquilo que se
classificaria, eticamente, como proibido, consegue descrever todo o comportamento humano
que consegue popularizar as notícias mais sensacionalistas, como acontecia no jornal Notícias
Populares e também como acontece na mídia atual. É por este motivo que se permite relacionar
o maior número de notícias sensacionalistas e desastrosas nas páginas iniciais de noticiários,
nas chamadas de jornais e em grandes programas da televisão brasileira. Percebe-se que este
processo consegue comercializar e tornar, cada vez mais capitalizada o desastre alheio.

O poder da frivolidade e da curiosidade mórbida suplanta frequentemente o princípio


clássico dos interesses genuínos do público. Ventilam-se intimidades que deveriam
passar desapercebidas e ocultam-se ou dissimulam-se outras que deveriam ser
reveladas. Amparados pelo segredo profissional e pela liberdade de expressão, os
MCS [meios de comunicação social] muitas vezes promovem e idealizam formas
violentas e degradantes da conduta humana (BLÁSQUEZ, 1999, p. 28).

É natural que se questione a motivação pelas quais a imprensa, como formadora de


opinião, não consegue alternar entre meios noticiáveis, como forma de reduzir esse processo
sensacionalista. Entretanto, comprovando-se a qualificação do processo noticioso e até a
cobrança popular por esse tipo de informação, esse processo deixa de ser apenas um critério
jornalístico e passa a ser uma necessidade informativa. A este ponto, a veracidade da notícia
29

pode se deixar até de lado, ao passo que, o mais importante para muitos veículos de notícias é
trazer sempre em primeira mão aquilo que se deseja informar, trazendo algo que seja suficiente
o bastante para conseguir modificar os olhos da sociedade.
Os casos apresentados, no capítulo anterior, são semelhantes diante de seus altos
graus de comoção e suas diversas situações chocantes. A apresentação midiática diante desses
casos contribui para um levantamento emocional daquilo que se apresenta em nossa sociedade,
como um recorte exato de tudo o que a sociedade, de fato, gosta de assistir. Isso, porém, não
quer dizer que a sociedade esteja em constante desejo por crimes e alusões sensacionalistas,
mas sim que o ato de comover está tão presente em um momento noticioso que faz com que o
grupo social esteja pronto para levantar seus julgamentos e suas próprias decisões sobre o
decorrer do caso.
O fato noticiado explicitamente, como à abordagem da violência, da morte e do
sofrimento no caso, é um processo de produção sensacionalista feito instintivamente
pelos veículos de comunicação. O jornal noticiou tudo àquilo que a população queria
ver no momento. O termo instintivo se deve ao sentido de ação não totalmente
racionalizada pelos jornais. Os jornais sabem como fazer para chamar a atenção da
população. O jornal sensacionalista tem como objetivo chamar a atenção de todos,
produzindo a sensação intensa nas pessoas. Capazes de emocionar e escandalizar toda
a sociedade (CARDIM, 2009, p. 29).

Esse recorte sensacionalista, na sociedade, faz com que as pessoas se sintam


responsáveis por demonstrarem toda as suas indignações diante do acontecimento, tornando o
momento, em si, um grande espetáculo. Apesar disso, esses casos não serão profundamente
analisados neste trabalho. Para uma análise mais ampla do sensacionalismo midiático,
utilizaremos o caso Eloá Pimentel, um dos maiores crimes no Brasil, conhecido por ser
diretamente afetado pela espetacularização da mídia.
30

4 O CASO ELOÁ PIMENTEL: UM ESPETÁCULO NA MÍDIA BRASILEIRA

Eloá Cristina Pimentel nasceu em 05 de maio de 1993, em Maceió, AL, filha de


Everaldo Pereira de Santos, ex cabo da PM, e de Ana Cristina Pimentel, funcionária de uma
creche. Eloá também tinha um irmão mais novo, chamado Douglas. A família morava em São
Paulo, na periferia de Santo André, ABC Paulista, no apartamento número 24, bloco 24 do
conjunto habitacional do bairro.
Lindemberg Fernandes Alves, apelidado por Liso, nasceu na Paraíba e foi com a
mãe e irmãs para São Paulo quando tinha apenas 2 anos. Foi o primeiro namorado de Eloá.
Cresceu na periferia de São Paulo e trabalhava para ajudar a mãe.
Aos 12 anos de idade, Eloá inicia seu relacionamento com Lindemberg que, na
época, tinha 19 anos. O rapaz foi o primeiro namorado de Eloá, mas já havia passado por alguns
relacionamentos anteriormente, sem nenhuma formalidade. Amigos de Lindemberg o
descreviam como um bom garoto. Não tinha comportamentos suspeitos e trabalhava para ajudar
sua mãe e suas três irmãs. Esse foi um dos motivos que fez com que a família de Eloá
autorizasse o relacionamento. Apesar de achar sua filha muito nova, Ana Cristina foi quem
descobriu o namoro de Eloá e Liso, por acaso, sem que a filha contasse 3 e autorizou o
relacionamento com a presença de algumas regras que deveriam ser seguidas pelo casal. O
rapaz, no entanto, não se importava com as regras e seguia-as sem problemas pois desejava
muito estar naquele relacionamento.
Figura 7 - Eloá Pimentel e Lindemberg Fernandes enquanto ainda eram namorados

Fonte: Disponivel em: https://odia.ig.com.br/brasil/2021/03/6097561-caso-eloa-pimentel-lindemberg-tem-regime-


semiaberto-negado-pela-justica.html

3
GUERREIRO. Jaqueline. Caso Eloá e Lindemberg. Youtube, 24 nov. 2018. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=fj-krxg66wg&ab_channel=JaquelineGuerreiro. Acesso em: 31 mai. 2021
31

O relacionamento passou por vários términos e reconciliações, mas, em um


momento, Eloá conta para sua mãe que não queria mais voltar com Lindemberg, pois o rapaz
estava ficando agressivo e violento. Com o fim concreto do namoro, dessa vez, sem volta,
Lindemberg começa a perseguir Eloá, passava em frente ao colégio onde a menina estudava e
sempre se mostrava por perto.
Já fazia algum tempo que o casal havia terminado, quando no dia 13 de outubro de
2008, Eloá relata para seu irmão mais novo que estava sentindo um mau pressentimento e pede
para que Douglas não deixe Lindemberg entrar na casa da família. Após esse aviso, Eloá vai
para a escola e seu irmão permanece em casa.
Neste mesmo dia, Liso faz ligações incansáveis para a casa de Eloá e, após muito
insistir, o irmão da garota atende o telefone e tem um diálogo com Lindemberg, que se apresenta
muito nervoso e ansioso e pede para conversar com Douglas. Comovido pela situação, Douglas
atende ao pedido de Lindemberg que, prontamente, se desloca à casa de sua ex-namorada, Eloá.
Lindemberg e Douglas ficam na casa por um tempo e, posteriormente, Lindemberg pede para
irem a algum outro lugar. Os dois caminham até a moto de Lindemberg e depois visitam uma
pastelaria próxima ao local.
Douglas pede para que o ex-cunhado o leve de volta para a casa, pois tinha alguns
compromissos a cumprir, porém o homem de 22 anos não cede ao pedido do menino e o deixa
em uma represa, alegando que precisava resolver alguns problemas pessoais e que logo voltaria
para buscá-lo.
Liso deixa Douglas e vai até o apartamento de Eloá. Meia hora depois da partida, o
menino percebe que não seria buscado e resolve ir a pé para a casa que não era muito distante
do local. Chegando em sua casa, Douglas percebe que a porta estava trancada e deduz que não
há ninguém em casa. Nesse mesmo momento, o garoto senta na escada do conjunto habitacional
para esperar que sua irmã chegue do colégio.
Às 18h, deste mesmo dia, o pai de Eloá, Everaldo Pereira, chega em casa e questiona
o motivo de o filho estar sentado do lado de fora. O garoto explica que a irmã havia saído para
fazer um trabalho e que estava aguardando para que alguém da família pudesse abrir a porta.
Nesse momento, Everaldo sobe as escadas e, na tentativa de abrir a porta, escuta os gritos de
Lindemberg Fernandes, dentro da residência, anunciando que estava com Eloá e que se
encontrava armado. É exatamente, neste momento, que o pai da garota decide ligar para a
polícia e inicia-se um dos grandes casos de feminicídio no Brasil.
32

4.1 O início de um pesadelo

Lindemberg vai, armado, até a casa de Eloá e lá encontra a menina acompanhada


de três outros colegas da escola: sua melhor amiga Nayara Rodrigues e outros dois estudantes
amigos das garotas, Victor Lopes e Iago Vilela de Oliveira que estavam fazendo um trabalho
de geografia.

Figura 8: Eloá e sua amiga Nayara Rodrigues

Fonte: https://www.opovo.com.br/noticias/brasil/2018/10/apos-10-anos-do-caso-eloa-
amiga-sobrevivente-deve-receber-r-150-mil.html

Lindemberg agride os jovens e se recusa a sair do apartamento. Com a chegada da


polícia militar, o sequestrador recebe o sargento da polícia, Atos Antônio Valeriano, a tiros e,
por pouco, o policial consegue escapar. A este ponto, já se somavam mais de 8h de sequestro.
Por volta das 22h, o local também recebe a presença de carca de 70 policiais do GATE - Grupo
de Ações Táticas Especiais, responsáveis por realizar a negociação com Lindemberg.
As negociações se iniciam e, como pontapé inicial para o desdobramento do
sequestro, Lindemberg libera os dois amigos de Eloá que estavam dentro do apartamento,
Victor e Iago. Eloá e Nayara permanecem com o sequestrador. No dia seguinte, terça- feira, 14
de outubro, pela manhã, Lindemberg e Eloá aparecem na janela do apartamento.
33

Figura 9 - Eloá na janela do apartamento após mais de 10h de sequestro

Fonte Reprodução: https://focanamidia.wordpress.com/2019/04/08/o-espetaculo-de-eloa/

Neste mesmo dia, a imprensa começa a sofrer as consequências do que seria um


dos mais longos sequestros da história no Brasil. É o que conta CAMPOS em sua obra aonde
destina-se transferir a imagem de um jornalista que cobriu, de perto, o caso:

[...] entre uma palavra e outra, interrompe um estampido. Confesso que não acreditei
que o barulho provinha de um disparo de arma de fogo. Só tive a certeza quando olhei
para o lado e vi meus colegas jornalistas jogados no chão.[...] Um dos nossos câmeras
que estava focando a janela consegue registrar o exato momento do disparo. Imagem
que é vista e revista algumas vezes naquela tarde. Mais uma vez o tiro não acerta
ninguém. Mas, ao ver a imagem,tenho a nítida impressão de que o destino daquele
projétil era mesmo a área onde estava a imprensa (CAMPOS, 2008, p. 28).

Ainda na terça-feira, por volta das 16h, a Policia Militar decide por cortar a energia
do apartamento, como forma de retirar os contatos do interior do apartamento com as táticas
externas de processo para solucionar o caso. Lindemberg, porém fica ainda mais agressivo e,
nas negociações, solicita que a energia seja religada. Em troca, liberta Nayara Rodrigues e a
energia da casa é religada às 22h.
Na quarta-feira, 15, os contatos de Lindemberg com o cenário externo começa a se
fazer notório quando o sequestrador da sua primeira entrevista para um programa de TV. A
mídia fez uma cobertura incessante sobre o caso e, alguns veículos de comunicação
conseguiram entrar em contato direto com os interiores da casa, conversando com Eloá e
34

também com Lindemberg. Esse processo foi mais edificado quando o contato da apresentadora
Sônia Abrão no programa "A Tarde É Sua", da Rede TV constituiu uma negociação ao vivo
com o sequestrador para a libertação de Eloá e o fim do sequestro que já se encaminhava para
o seu quarto dia. Esta, porém, era uma atitude não autorizada pela polícia.

É claro que, como jornalistas, todos pensaram em dar o tão sonhado ‘furo’ de notícia,
sair na frente, ligar primeiro e falar com o sequestrador. Mas não é isso que manda o
manual de redação de um departamento jornalístico responsável. [...] Nenhum
repórter, produtor ou apresentador estava autorizado a ligar para os números de
telefones usados para negociar a rendição do criminoso e a liberação da vítima. Mas
alguns órgãos de imprensa pensaram ao contrário (CAMPOS, 2008, p. 39).

À essa altura, a ideia principal que circulava nos meios noticiosos era o
levantamento da possibilidade de uma possível negligência policial, principalmente pela atitude
pacífica militar em não provocar uma invasão impensada do ambiente. A meta apresentada pela
polícia era a de vencer Lindemberg pelo cansaço e foi exatamente esta a estratégia utilizada no
dia seguinte.
Na quinta-feira, dia 16 de outubro de 2008, Nayara dá o seu depoimento para a
Polícia Militar. A garota foi ouvida por mais de 6 horas no Distrito Policial de Santo André e
relatou sobre as práticas do sequestrador dentro do apartamento, suas condutas e
comportamentos. Em seu depoimento, Nayara contou que tentava a todo momento reverter a
situação e manter a tranquilidade o máximo possível, mas que Eloá e Lindemberg muitas vezes
discutiam. A menina ainda relata que durante muitas vezes, Eloá ainda pedia para que
Lindemberg colocasse um ponto final naquela situação e que terminasse logo com o sequestro,
mesmo que isso resultasse em sua morte. Em uma atitude que, posteriormente, seria bastante
julgada quanto à avaliação do desempenho das autoridades sob o caso, a polícia sugere que
Nayara ajude nas negociações com Lindemberg, e este processo resulta em um retorno
voluntário da jovem para o cativeiro, sem que houvesse qualquer intervenção policial.
No último dia do sequestro, as falas de Lindemberg nas negociações policiais
começam a soar mais desanimadoras. Agora, o rapaz que antes havia prometido entregar as
duas garotas para a polícia, sem qualquer dano físico, começa a mudar seu discurso com a ideia
de que não há outra opção para o fim do sequestro senão um dano grande à sua vida e de Eloá,
contando também com a nova libertação de Nayara, a qual Lindemberg apelidava de 'Barbie'.
Para o sequestrador, a ideia de uma possível reconciliação com Eloá já não era mais
possível, ainda que a jovem tenha proposto várias vezes a retomada do relacionamento, como
forma de contornar a situação e evitar que o pior acontecesse. Porém, Lindemberg sabia que
aquela era somente uma estratégia para encurtar o período do sequestro. Em negociações,
35

Lindemberg se mostrava lúcido e sabia que seu futuro seria definido por um julgamento
penitenciário ou pela morte.
Na tarde em que antecedia o encerramento do caso, por volta das 12h, o então
advogado de Lindemberg, Eduardo Lopes, é chamado ao local, afim de garantir a integridade
física do rapaz. Por volta desse mesmo horário, Eloá coloca pela janela uma espécie de corda,
semelhante à que usavam para recolhida de alimentos ao interior da casa. Dessa vez, a garota
recolhe um documento que assegura a ausência de qualquer dano possível à vida do
sequestrador.

Figura 10 - Eloá recolhe documento que garante a integridade de Lindemberg Fernandes

Fonte Reprodução: https://cbn.globoradio.globo.com/media/audio/219953/caso-eloa-sequestro-mais-


longo-da-historia-de-sao-.htm

Somando-se, aproximadamente, 100 horas de sequestro, os policiais, percebendo


que o cenário não iria passar por nenhuma alteração, resolvem intervir. Enquanto as autoridades
tomavam por base as decisões mais cabíveis para invadir o local sem que Lindemberg
disparasse, o sequestrador resolve colocar objetos na porta de entrada do apartamento, evitando
assim que a invasão policial fosse consumada. Ao arrastar mesas e cadeiras para a entrada do
local, escuta-se um barulho alto, que fora confundido com um disparo e essa aparenta ser a
confirmação de que as autoridades deviam, de fato, invadir a residência. Na tentativa de
empregar a força física, houve a percepção de que a porta estava bloqueada e, nesse mesmo
momento, usa-se uma bomba de luz e som, que faz com que a porta e as barragens se rompam
para a entrada policial. A este momento, a tardia entrada das autoridades seria o maior agravante
para o que resultaria no fim de um dos maiores cárceres da história.
36

4.2 Um final infeliz

A sequência dos fatos agora destaca o lado de dentro da residência. Em uma


tentativa de defesa ao ataque policial, Lindemberg dispara tiros direcionados às duas vítimas.
Algum tempo depois, a retirada de uma das jovens em uma maca provava que a atitude policial
poderia não ter saído como planejado. Nayara foi atingida no maxilar, mas se encontrava fora
de risco. Eloá foi atingida na cabeça e na virilha, seu estado era considerado gravíssimo desde
sua entrada no hospital. Às 23h30 do dia seguinte, sábado, 18 de outubro, é confirmada a morte
cerebral de Eloá Pimentel, baleada após ter sido mantida refém por cinco dias. Na segunda feira,
20, o hospital dá entrada no processo de doação de órgãos da garota e, nesse mesmo dia, o corpo
de Eloá deixa o IML - Instituto Médico Legal e segue para um dos velórios mais comoventes
apresentados pela mídia brasileira, reunindo 12 mil pessoas que prestaram sua solidariedade à
família da vítima.
Somente no ano de 2012, Lindemberg foi condenado a 98 anos e 10 meses de prisão
pela morte de Eloá e por outros crimes cometidos naqueles dias de sequestro. No ano seguinte,
sua pena foi reduzida para 39 anos e 3 meses. Lindemberg ainda recorre judicialmente pelo
regime semiaberto.
37

5 O SENSACIONALISMO NO CASO ELOÁ PIMENTEL

Este capítulo fica destinado à justificativa final do sensacionalismo no caso Eloá


Pimentel. A análise de entrevistas e falas midiáticas se faz essencial, uma vez que, exatamente
por estes meios, encontra-se a espetacularização do caso. Assim, no quinto capítulo desta
pesquisa, expõe-se as entrevistas mais popularizadas acerca do caso, que ocorreram no
programa A Tarde É Sua, transmitido pela Rede Tv! A primeira entrevista transcrita foi
realizada pelo repórter Luiz Guerra, gravada na tarde do dia 15 de novembro e, a segunda, um
‘ao vivo’ do mesmo dia, realizado pela apresentadora e jornalista Sônia Abrão.
Negociações ao vivo, comoção, coberturas desenfreadas e distorção de tema.
Muitos tópicos podem ser atrelados ao sensacionalismo presente no caso Eloá Pimentel. A
busca incansável por um furo de reportagem e por colocar-se à frente, em relação à outras
mídias foi um dos maiores embates na resolução do caso, o que, por sua vez, retirou qualquer
resquício de humanidade da mídia brasileira.
Não muito distante da temática, é imprescindível mencionar o Código de Ética do
Jornalista Brasileiro. Este será o elemento utilizado para posicionar os momentos pelos quais
as entrevistas apresentadas infringiram a ética, não só jornalística como também humana.

Quadro 01 - Critérios do Código de Ética do Jornalista


(Continua)
Código de Ética Categorias Iniciais
Artigo 1º - O Código de Ética dos Jornalistas
Brasileiros tem como base o direito fundamental do
cidadão à informação, que abrange seu o direito de Direito à informação
informar, de ser informado e de ter
acesso à informação.
Artigo 2º - Como o acesso à informação de
relevante interesse público é um direito
fundamental, os jornalistas não podem admitir que
ele seja impedido por nenhum tipo de interesse,
razão por que:
II - a produção e a divulgação da informação devem
Responsabilidade Social
se pautar pela veracidade dos fatos e ter
por finalidade o interesse público;
III - a liberdade de imprensa, direito e pressupostodo
exercício do jornalismo, implica compromissocom
a responsabilidade social inerente à
profissão.
38

Quadro 01 - Critérios do Código de Ética do Jornalista


(Conclusão)
Código de Ética Categorias Iniciais
Artigo 6º - É dever do jornalista:
VI - não colocar em risco a integridade das fontese
dos profissionais com quem trabalha;
XX - respeitar o direito à intimidade, à privacidade,
à honra e à imagem do cidadão;
Direito à intimidade
XI - defender os direitos do cidadão, contribuindo
para a promoção das garantias individuais e
coletivas, em especial as das crianças, dos
adolescentes, das mulheres, dos idosos, dos
negros e das minorias.
Artigo 7º - O jornalista não pode:
IV - Expor pessoas ameaçadas, exploradas ou sob
risco de vida, sendo vedada a sua identificação,
mesmo que parcial, pela voz, traços físicos,
Exposição de pessoas ameaçadas
indicação de locais de trabalho ou residência, ou
quaisquer outros sinais;
V - Usar o jornalismo para incitar a violência, a
intolerância, o arbítrio e o crime.
Artigo 10º - A opinião manifestada em meios de
informação deve ser exercida com Responsabilidade jornalística
responsabilidade.
Artigo 11º - O jornalista não pode divulgar
informações:
Informação sensacionalista ou
II - de caráter mórbido, sensacionalista ou
contrária aos valores humanos
contrário aos valores humanos, especialmente em
cobertura de crimes e acidentes.
Fonte: Criado pela autora

Não à toa, esses foram os exatos motivos pelos quais a culpabilidade da imprensa
surgiu, de maneira fervorosa, após o fim do caso. Divulgações de inverdade diante da notícia
antecipada da morte de Eloá, horas antes do real acontecimento, falta de responsabilidade
social, desrespeito à privacidade familiar, exposição de vítima e sequestrador, entre várias
outras questões que poderiam ocupar inúmeras linhas desta análise.
O aspecto noticioso sensacionalista ficou visível também nos pontos de audiência
na semana do ocorrido, como destacado no jornal Folha de S. Paulo (2008):

No fim de semana, a Folha Online já havia indicado que o ibope de alguns programas
apresentava elevação devido à repercussão do caso. A coluna de Castro informa que
o total de televisores ligados na Grande São Paulo no fim de semana foi de 15% maior
do que no anterior. No sábado, a média de televisores foi de 46%, a maior dos últimos
dois meses. A média da Globo no domingo, de 7h a 0h, subiu de 16 para 20 pontos,
um crescimento de 25%, segundo o colunista. A Record News saltou de 0,3 para 1 no
sábado, encostando na RedeTV! (FOLHA DE S. PAULO, 2008).
39

5.1 Entrevista com Luiz Guerra para o programa A Tarde É Sua da RedeTV!

Entre tantas entrevistas ocorridas no fatídico dia, acompanhado por inúmeros


veículos de televisão, entre centenas de vans com antenas e cabeamentos espalhados por todo
o conjunto habitacional, é inviável não mencionar a entrevista gravada de Luiz Guerra para o
programa A Tarde É Sua, conduzido pela apresentadora Sonia Abrão. Essa entrevista, que
aconteceu no dia 15 de novembro de 2008, marcou o início das negociações midiáticas das
redes televisivas com Lindemberg.

Quadro 2 - Entrevistas extraídas do livro A tragédia de Eloá: uma sucessão de erros, de Márcio Campos.
(Continua)
Luiz Guerra: Quem fala? Lindemberg: Lindemberg. Lindemberg: Quem é?
Luiz Guerra: É um amigo da família, está tudo bem? Lindemberg: Quem é?
Luiz Guerra: Na verdade, sou o Luiz Guerra, repórter da Sônia Abrão, está tudo bem com você? Tudo bem,
“bicho”?
Lindemberg: Vocês estão ao vivo? Luiz Guerra: Não, só conversando Lindemberg: É o seguinte, se você
estivesse ao vivo, veria o sinal positivo. Luiz Guerra: Eu só quero te ajudar, o capitão garante a tua
integridade.
Lindemberg: Vocês estão ao vivo?
Luiz Guerra: Não, estamos gravando e vai ser exibido tudo que você falar. Como está a situação, você e ela?
Lindemberg: Ela está me enrolando, não quero mais nada com ela.
O repórter pergunta sobre Nayara, que havia sido libertada na noite anterior.
Lindemberg: Ela deve ter falado como foi tudo aqui. Não faltou comida, bebida, deixei ela tomar banho,
deixei tudo.
Luiz Guerra: Mas o que aconteceu, o que foi? Lindemberg: Foi desespero!
Luiz Guerra: E o que você está pensando neste momento? Lindemberg: Estou sem sentimento nenhum, estou
frio para caralho. O repórter pede, então, para falar com Eloá.
Lindemberg: Tá bem! Aí... ela vai falar. Luiz Guerra: Eloá?
Eloá: Alô! Quem está falando? Luiz Guerra: Tudo bem com você?
Eloá: Está tudo tranquilo, eu quero almoçar, estou fraca.
Luiz Guerra: Mas como está tudo aí, como ele está te tratando? Eloá: Está me tratando bem.
Luiz Guerra: Então confia nele. Quer mandar um recado para sua mãe?
Eloá: Queria saber como estão meus familiares. Queria mandar um beijo para eles. Queria falar com
minha mãe, que eu a amo, meu pai também, eu o amo, tenho certeza que Deus não vai deixar assim.
Lindemberg retira o telefone de Eloá.
Lindemberg: Como você conseguiu o telefone daqui? Luiz Guerra: Ah! A gente conseguiu.
Lindemberg: Não me deixa nervoso, não!
Luiz Guerra: A gente conseguiu com alguns parentes seus mesmo. Lindemberg: Você é repórter mesmo?
Quero saber se você é mesmo? O jornalista consegue convencê-lo e Lindemberg ameaça a polícia.
Lindemberg: Fala para o policial não fazer o que ele fez. Eu pedi para ninguém subir aqui e ele subiu. Eu
estava dormindo, ele tocou a companhia e levei um susto, quase atirei nela.
Lindemberg relembra do caso do ônibus 174, no Rio de Janeiro.
Lindemberg: Você viu o que aconteceu no sequestro do ônibus do Rio de Janeiro? O policial foi pagar de
bonitinho, tornou as coisas precipitadas e o cara atirou nela. É isso o que você quer? Para não acontecer o que
aconteceu na Avenida Brasil, no Rio, ninguém tem que se aproximar do prédio. Se invadisse, agora ela estaria
morta.
Lindemberg ao mesmo tempo em que diz que poderia matar Eloá, também se mostra preocupado com a
jovem.
Lindemberg: Por enquanto eu estou pensado nela. Ela quer almoçar. Ela está fraca. Depois que ela almoçar,
eu pretendo libertar. Mas acontece que esse capitão que assumiu está fazendo besteira... Apagou a luz aí... Ele
está pensando que eu liberei a Nayara porque ele acendeu a luz e não foi.
O repórter pergunta por que Lindemberg efetuou disparos de arma de fogo.
Lindemberg: É para todo mundo ficar ciente que eu estou com um saco cheio de bala aqui! O policial tentou
40

Quadro 2 - Entrevistas extraídas do livro A tragédia de Eloá: uma sucessão de erros, de Márcio Campos.
(Conclusão)
chegar perto, aí eu atirei nele.
Luiz Guerra: Mas então por que você não sai numa boa?
Lindemberg: Esse é o meu pensamento, eu quero sair numa boa. Mas quando eu tiver determinado. É com a
polícia que eu quero.
Luiz Guerra: Você quer a minha presença?
Lindemberg: Não! Tem uma pá de imprensa aqui, minha família, meu advogado.O sequestrador volta a
ameaçar a polícia.
Lindemberg: Olha, dentro da casa tem um monte de besteira, dá pra viver um mês aqui.Essas besteiras ela não
come. Para mim está normal. Só que ela vai passar mal, e se passar mal vai ficar ruim para todo mundo!

É natural que todo jornalista pense no tão sonhado ‘furo de reportagem’, uma vez
que é esse o destaque e triunfo maior de qualquer programa da mídia. Entretanto, esse é o
completo oposto daquilo que se indica o Código de Ética Jornalística e, minimamente, a
compreensão humana comunicativa.
Também é compreensivo que o jornalista, no caso, compõe o aspecto de
comunicador, mas, em sua totalidade, cumpre regras e segue pautas diariamente. Entretanto,
fica claro que o repórter Luiz Guerra não está ali apenas para o fluxo de um roteiro, mas sim
pelo destaque em estar à frente de um dos maiores casos da televisão brasileira. Isso se mostra
bastante claro em alguns momentos, quando o jornalista pede para que Lindemberg fique calmo
e o sequestrador responde já estar em tranquilidade. Guerra insiste em pedir tranquilidade e
tentar uma negociação forçada e regada a um sensacionalismo de comoção entre Lindemberg e
a própria audiência.
A emissora, uma das pioneiras na comunicação com Lindemberg, acreditou possuir
um destaque quando, na verdade, foi um exímio em negatividade ocupando um dos únicos
telefones da casa – este, responsável pela negociação policial – para ser reconhecida por sua
suposta conquista: Nenhum repórter, produtor ou apresentador estava autorizado a ligar para os
números de telefones usados para negociar a rendição do criminoso e a liberação da vítima.
Mas alguns órgãos de imprensa pensaram o contrário (CAMPOS, 2008).

5.1.1 Análise de Categorias I

As categorias iniciais aqui apresentadas indicam o que de mais relevante podemos


encontrar em uma busca mais assertiva daquilo que se denomina sensacionalismo nesta
presente reportagem. Cada uma das categorias é composta por trechos retirados das entrevistas
e do contexto aqui mencionado, de acordo com o corpus estabelecido, para que possam
justificar, posteriormente, o sensacionalismo existente nas falas do jornalista.
Desse modo, retiram-se falas da entrevista para que possam ser visualizadas
41

individualmente, expostas em um quadro que chamaremos de “Análise de Categorias”.

Quadro 03 - Análise de Categorias I


Análise de Categorias I
1. É um amigo da família, está tudo bem?
2. Eu só quero te ajudar, o capitão garante a tua integridade.
3. Não, estamos gravando e vai ser exibido tudo que você falar.
4. Mas como está tudo aí, como ele está te tratando?
5. Então confia nele. Quer mandar um recado para sua mãe?
6. A gente conseguiu com alguns parentes seus mesmo.
7. Você quer a minha presença?

Fonte: Elaborado pela autora

5.2 Conceito Norteador I

Em intensão de refinar a análise dos dados apresentados, a tabela referenciada


através do Quadro 01 resultou em um procedimento de conceito norteador, que explicam a
permanência do discurso sensacionalista frente à apresentação do caso na entrevista. Essa
categoria está diretamente pautada na análise do discurso jornalístico especificamente da
matéria apresentada, aonde explica-se, detalhadamente, a permanência da métrica
espetacularizada.
Ambas as categorias iniciais se determinam por meio de uma única categoria
intermediária: o próprio sensacionalismo jornalístico. Mas, para que esta se encaixe no
conceito, é necessário a exposição do conceito norteador. Além disso, todas as categorias
iniciais seguem baseando-se nas falas do jornalista.
42

Quadro 03 - Conceito Norteador I

Categorias Iniciais Conceito Norteador I Categoria Intermediária

1. É um amigo da
Artigo 2º - Responsabilidade
família, está tudo
Social
bem?

2. Eu só quero te
ajudar, o capitão Artigo 10º - Responsabilidade
garante a tua jornalística
integridade.

3. Não, estamos
gravando e vai ser
Artigo 1º - Direto à informação
exibido tudo que
você falar.

4. Mas como está tudo Sensacionalismo


Artigo 7º - Exposição de pessoas
aí, como ele está te
ameaçadas
tratando?

5. Então confia nele.


Quer mandar um
Artigo 6º - Direito à intimidade
recado para sua
mãe?

6. A gente conseguiu Artigo 11º - Informação


com alguns parentes sensacionalista ou contrária aos
seus mesmo. valores humanos

7. Você quer a minha Artigo 10º - Responsabilidade


presença? jornalística

Fonte: Elaborado pela autora

5.3 Entrevista com Sonia Abrão para o programa A Tarde É Sua da RedeTV!

As entrevistas, com Lindemberg, não pararam após as gravações de Marcio Guerra


exibidas na RedeTV! no programa ao vivo de Sônia Abrão. Ainda no dia 15 de novembro, a
apresentadora entra novamente em contato com o sequestrador, que, a este ponto, já era tratado
como uma grande celebridade, intitulado inclusive como “reizinho” por vários veículos de
notícia.
43

Agora, a entrevista ao vivo e mais extensa com Sônia Abrão proporciona ao


telespectador a possibilidade de também colocar-se frente a frente com Lindemberg. Para isso,
Abrão abusa de um discurso sensacionalista, capaz de despertar uma tentativa de comoção,
inclusive no sequestrador. Assim, a seriedade utilizada pelos negociadores da polícia, que
visavam vencer Lindemberg pelo cansaço, é substituída pelo júri da imprensa, pelas
negociações comoventes e por atitudes impensadas da mídia. Assim, segue-se a entrevista para
o programa A Tarde É Sua.

Sônia: Ele está querendo falar ao vivo com a gente! Você continua calmo, disposto a liberar Eloá?

Lindemberg: Assim, eu estava com esse pensamento ontem. Liguei para o pai de Nayara, porque às dez
da manhã ela m emocionou. Porque na vida dela até os quinze anos, o pai não esteve presente. Então
eu peguei, liguei para o pai dela, falei que ia liberar a Nayara porque eu também passei pela mesma
situação. Minha mãe foi mãe epai para mim. Não cresci com meu pai e estava na hora de o pai dela
fazer tudo diferente. Nem senti falta porque a minha mãe nunca deixou faltar nada para mim. Eladisse,
“meu pai esperou essa situação, eu estava entre a vida e a morte, para se preocupar comigo”. Aquilo
me tocou e eu disse para ela “eu vou te liberar, vou dar umachance para o seu pai; pai tem que dar
carinho”.

Sônia: Mas Eloá não te tocou na hora em que falou com os pais por telefone na entrevista do Guerra?
Vamos terminar isso numa boa, você nunca foi do mal!

Lindemberg: Eu estava com quatro pessoas, liberei uma, liberei outra e depois mais uma.

Sônia: Libera a Eloá, libera você. Faz isso vai!

Lindemberg: Tem duas vidas aqui dentro que dependem de dois lados, de mim e do comandante que
tem a voz lá em baixo. O comandante, o capitão, falei para ele não seaproximar, ele pegou apertou a
companhia e me assustei quase atirei na menina. Ele iafazer merda, meu.
Sônia: Ele não ia invadir. Ia tentar conversar com você mais de perto.

Lindemberg: A senhora viu a merda que deu no Rio de Janeiro. Se eles invadirem euvou atirar nela.

Sônia: Mas isso não vai acontecer. Você acha que eles vão querer provocar uma morteaí dentro?

A ligação é interrompida. Cai a linha e em alguns segundos Lindemberg já está no arnovamente.

Sônia: Estou te ouvindo. Então fala uma coisa, o que falta para colocar um ponto finalbom nessa
história?
44

Lindemberg: Não quero nada de gracinha do comandante, se ele fizer merda, vai acabarcom duas vidas
aqui dentro.

Sônia: Como faz para ele se comunicar?

Lindemberg: Toda vez que ele apaga a energia, não tem como se comunicar com ninguém. Toda a vez
que liga, eu atendo e converso com eles. Exatamente as duas partes estavam dispostas a negociar, ele
deu a palavra dele e subiu e tocou a campainha.Não estou mais confiando na palavra desse comandante.

Sônia: Dá uma chance!

Lindemberg: ‘Tô’ com intenções boas para negociar, para sair, eu e ela, daqui, só que não pode ter
gracinha. Eu não estou com medo. Antes de entrar aqui já sabia o que ia passar. Eu assisti o caso da
Avenida Brasil e sabia que eles iam invadir e eu ia fazer uma merda.

Sônia: Mas porque você invadiu o apartamento? O que você busca com essa história?

Lindemberg: Queria acertar as contas com ela, tentei sentar com ela na boa e ela semprevirava as costas
para mim. Ela não queria me ouvir, então tive que usar a força para elame ouvir. A Nayara está de
testemunha que não deu tempo, a Eloá não coopera. Ela estava nervosa e fez besteira de tomar o
revólver da minha mão. O revólver disparou aqui dentro do apartamento. Se tentar eu vou atirar. Sou
eu e ela. Essa conversa eu já tive com ela. Antes de a senhora me ligar, eu estava desenrolando tudo o
que estava acontecendo, mas no decorrer dessa conversa um ou outro perde a paciência e fica
xausto e fica difícil. Quero que ela me passe confiança do jeito que a Nayara me passou. Negocio com
quem for aí fora para ela sair viva. Não estou com a intenção dematá-la.

Novamente a ligação cai. Ao retornar à ligação o sequestrador confirma o que havia dito antes da
queda da ligação.

Lindemberg: Acredite quem quiser, eu não estou pensando na minha vida, estou pensando na vida dela.
Ficamos juntos dois anos e sete messes. Muita gente da imprensa inventa muita coisa. Falaram que eu
bati na Nayara, pode ligar para o pai dela, eu não bati nela não.

Sônia: Você tem comido, dormido?

Lindemberg: Tem comida para passar um mês, só tem besteira, mas eu me viro aqui, ela não come
porque passa mal e começa a vomitar.

Sônia: E você tem dormido?

Lindemberg: Estou bem. ‘Inteirão’, dormindo de boa.

Lindemberg: Eu quero notícia da minha mãe. Queria aproveitar que está ao vivo e deixar bem claro:
45

mãe vai tudo acontecer da melhor maneira possível, a Eloá vai sair daqui, eu vou sair daqui e vai ficar
tudo bem. Mas depende do comandante lá em baixonão fazer brincadeirinha, não fazer palhaçada. Eu
sei como são os caras, são inteligentes, são preparados, eu estou com medo. Eu não confio na polícia.
Uma pessoaestá na situação que eu estou: armado, cochilando, tocam na campainha, podia ter um
desfecho trágico. Só quero deixar minha mãe e minhas irmãs confortáveis, que vai ficartranquilo, vai
acontecer a melhor coisa. Na melhor hora, o melhor momento, não vai ser por força, cobrança, que eu
vou libertar a Eloá. Vou colocar a Eloá na linha para deixar claro em rede nacional que ela está bem.

Eloá: Alô!

Sônia: Você já almoçou?Eloá: Já almocei, já.

Sônia: Ele está nervoso?

Pela quarta vez a ligação é interrompida. Ao retornar.Sônia: Quem fala?

Eloá: Eu, Eloá!

Lindemberg: Vai acabar da melhor maneira possível. Ninguém vai saber o horário, o momento. Quando
Eloá descer, ela vai descer com os dois revólveres sem munição e depois eu vou descer com as mãos
para cima. Se alguém atirar em mim...

Sônia: A polícia não tem a intenção de tirar a vida de ninguém. Vai faça isso que vocêestá falando.

Lindemberg: Eu tenho dois revólveres e um saco cheio de munição. Está confirmado. Na melhor hora
eu vou fazer isso.

Sônia: Quando?

Lindemberg: É difícil ter confiança na polícia, acreditar na polícia. Quando mepassarem tranquilidade,
eu faço isso.

Sônia: Eles têm falado com você?

Lindemberg: Até então eles não ligaram, desde que eu falei com vocês eles não ligarampara mim.

Sônia: Não somos nós que estamos prendendo a linha, ele tem o celular.

Lindemberg: Primeiro eu vou tentar ganhar tranquilidade, ficar calmo, para liberar ela.Agora vou
desligar o telefone.

Sônia: Deixa eu falar com a Eloá?Lindemberg: Um minutinho.

A ligação pela quinta vez cai.

Sônia: Oi, Eloá. Que mensagem você quer passar para os seus pais?
46

Eloá: Tudo que eu peço é para os policiais terem tranquilidade, fazerem tudo o que elepedir, que vai
dar tudo certo. A situação está sob controle. Minha vida está nas mãos dos policiais.

Eloá começa a chorar.

Eloá: Na melhor hora, ele vai me liberar. Está tudo sob controle. Eu estou calma, eu tenho condições
de conversar normalmente, me expressar bem. Quero deixar meus pais tranquilos, a família dele
tranquila. Ele não é uma pessoa má, vai dar tudo certo. Ele falou para eu desligar.
Sônia: Tá bom!

Este foi o clássico roteiro da maior parte das entrevistas cedidas por Lindemberg.
Essa sucessão de erros jornalísticos ficou marcada pelo acompanhamento do sequestrador de
todos os passos policiais no exterior da casa, acompanhando, como se fossem cenas de um
filme, todas as informações e progressões trocadas através de uma televisão.

Deixar o acusado falar com a imprensa e manter por todo o tempo as equipes de
reportagens próximas do local também são erros que devem ser atribuídos à polícia.
Com o assédio da imprensa, o sequestrador passou de um simples rapaz de 22 anos
que mantinha a ex-namorada e sua amiga como reféns a ‘príncipe do gueto’, segundo
palavras do próprio Lindemberg. Os meios de comunicação, que deram maior
importância que o caso merecia, encorajaram o bandido e fizeram com que a situação
ganhasse ainda mais tensão que já existia. Lindemberg passou de ‘um apaixonado
enciumado’ para controlador dos fatos envolvendo as mais de 100 horas de cárcere
(FREIZER; REICINAER; VON SHER, 2008).

Figura 11 - Programa A Tarde é Sua

Fonte: Arquivo RedeTV!

Esse modelo noticioso torna a imagem do Brasil como algo sereno, uma vez que
esse tipo de situação é noticiado como um grande show. Entretanto, é válido compreender que
casos como este acontecem a todo o momento em nosso país, destacado por altos índices de
47

feminicídio, por exemplo. Não fugindo do contexto - o sensacionalismo - é ideal reconhecer


que o caso aconteceu em um cenário de pobreza e simplicidade, e que ambos personagens eram
acompanhados de simplicidade no ABC Paulista. Assim, essa comunicação levanta o
questionamento do cuidado que ter-se-ia ao noticiar este tipo de situação, em uma família de
classe mais alta, por exemplo.

Não se trata de agir de forma irracional ao acompanhar uma matéria que aprofunda
ou acrescenta o lado sensacional, pois as pessoas reagem emocionalmente, seja
demonstrando indignação com o fato, surpresa, tristeza, ou qualquer ou sentimento
(idem). A sensação é até mesmo de intimidade, já que a riqueza de detalhes de
informação lhe permite ter a noção de como a pessoa (vítima ou não) se sentiu em
determinada situação ou como se conhecesse os personagens da matéria. Apesar da
importância de acrescentar emoção ao fato, todo cuidado é pouco (CARVALHO, p.
30, 2009).

5.3.1 Análise de Categorias II

Retomando o mesmo conceito utilizado no subcapítulo 5.1.1, a análise das


categorias expostas no Quadro 01 se faz necessária para justificar a tese do sensacionalismo
presente no conteúdo da entrevista realizada pela apresentadora Sonia Abrão no programa “A
Tarde É Sua!”.
Dessa forma, com os mesmos elementos sinalizados no primeiro quadro,
conseguimos novamente destacar, primeiramente, aspectos que podem ser observados
semelhantemente à outra matéria.

Quadro 05 - Análise de Categorias II


Análise de Categorias II
1. Você continua calmo, disposto a libertar Eloá?
2. Vamos terminar isso numa boa, você nunca foi do mal.
3. Libera a Eloá, libera você. Faz isso vai!
4. Você acha que eles vão querer provocar uma morte aí dentro?
5. A polícia não tem intenção de tirar a vida de ninguém. Faça isso que você está
falando.
6. Não somos nós que estamos prendendo a linha, ele tem o celular.
7. Deixa eu falar com a Eloá?
8. Que mensagem você quer passar para os seus pais?
Fonte: Elaborado pela autora
48

5.3.2 Conceito Norteador II

Ainda retomando os aspectos de análise utilizados no subtítulo 5.1.1 e 5.1.2, agora,


é devida a utilização de um conceito norteador, que identifique, a partir do Código de Ética
Jornalístico a presença da categoria intermediária, no caso, o sensacionalismo, agora, em uma
nova entrevista, conduzida por Sônia Abrão.

Quadro 06 - Conceito Norteador II

Categorias Iniciais Conceito Norteador II Categoria Intermediária


1. Você continua
calmo, disposto a Artigo 1º - Direto à informação
libertar Eloá?
2. Vamos terminar Artigo 2º - Responsabilidade
isso numa boa, você Social
nunca foi do mal
3. Libera a Eloá, libera Artigo 10º - Responsabilidade
você. Faz isso vai! jornalística
4. Você acha que eles Artigo 11º - Informação
vão querer provocar sensacionalista ou contrária aos
uma morte aí valores humanos
dentro?
5. A polícia não tem
intenção de tirar a Artigo 11º - Informação
vida de ninguém. sensacionalista ou contrária aos
Faça isso que você valores humanos
está falando. Sensacionalismo
6. Não somos nós que
estamos prendendo Artigo 10º - Responsabilidade
a linha, ele tem o jornalística
celular.
7. Deixa eu falar com Artigo 2º - Responsabilidade
a Eloá? Social
8. Que mensagem Artigo 7º - Exposição de pessoas
você quer passar ameaçadas
para os seus pais?
Fonte: Elaborado pela autora
49

5.4 Uma reflexão em lucidez

Apesar de todo o desespero para o famoso ‘furo de reportagem’, algumas emissoras


se recusaram a fazer parte de um dos maiores erros da televisão brasileira. Assim, a interferência
jornalística no caso foi bastante criticada. Um exemplo disso, foi o posicionamento do jornalista
e comunicador, José Luís Datena, que se recusou a manter qualquer contato direto com
Lindemberg diante da situação. Em uma discrição completa das falas do apresentador em sua
obra “A tragédia de Eloá, uma sucessão de erros”, Campos (2008) faz uma releitura das falas
de Datena em seu programa na Rede Bandeirantes, Brasil Urgente:

Eu poderia até conversar com ele (Lindemberg) por telefone. Mas eu não vou fazer
isso. Isso não é minha função, é função da polícia. Não posso extrapolar a função da
polícia. De repente acontece uma tragédia aí... Eu posso atrapalhar a negociação. Eu
não vou fazer isso. Não vou cometer a imprudência de ligar para o rapaz. Eles
(policiais) são preparados para isso. Se existem pessoas irresponsáveis a ponto de
conversar com um rapaz em uma situação como essa, elas que respondam pelas
consequências. Eu acho isso uma irresponsabilidade muito grande. Quem tem
condições de conversar com esse cidadão é só a polícia. As palavras têm que ser bem
escolhidas. Nós, jornalistas, não temos condições de conversar com essas pessoas num
momento como esse. Uma palavra mal colocada pode causar uma tragédia. Eu não
me permito isso, esse é um programa de responsabilidade acima de tudo. Não é por
causa de audiência que nós vamos jogar a credibilidade do nosso programa fora. Não
vou me arriscar a conversar com um cidadão que está há horas ameaçando uma moça
com uma arma. (CAMPOS, p. 49, 2008).

Após esse posicionamento, Datena ainda conversa com o comandante da Tropa de


Choque da Polícia Militar Paulista e superior do GATE, coronel Eduardo Félix que, mais uma
vez, indica o encerramento da cobertura sensacionalista do caso.

Datena: Isso atrapalha ou não atrapalha a polícia?

Comandante: É claro que atrapalha. Desde segunda-feira fornecemos informações à imprensa


por meio de coletivas. Algumas imagens gravadas sobre a posição do policial do GATE
colocam em risco a vida dele. Eu pediria: façam as imagens, mas joguem- nas no ar após o
conflito estar resolvido.

Datena: Eu tenho essas imagens aqui e não dei. Não vou dar. Porque queremos um finalfeliz. Eu quero
que o senhor me coloque bem isso aí. Como é o negociador? Como sãoos negociadores? São homens
especiais de um grupo especial, que falam com o cidadão. Não é qualquer policial que fala! Então,
aparece um jornalista para se meter a besta e falar com o sujeito. Ele (Lindemberg) pode matar a moça
50

a qualquer momento e se matar.

Comandante: Esse fato em especial fez com que houvesse um atraso. Às duas horas da tarde já estava
acertado com o rapaz que a moça iria almoçar e nós fornecemos o almoço dela. Ia almoçar e em seguida
iria sair e ele iria se entregar para nós. O que ocorre, após a entrevista, ele de certa forma até agora
não quer mais saber disso. Ele fala: vou sair quando eu quiser.

Datena: Quer dizer que a primeira entrevista atrapalhou? Comandante: Exatamente!

Datena: E se fizerem a entrevista agora estão colocando em risco a vida dos dois aí dentro e mais, dos
policiais militares. O senhor ratifica o que estou falando?

Coronel: Ratifico e peço ainda mais atenção: além das imagens que eu disse e da entrevista, evitem
fazer comentários a respeito da condição psicológica dele e da vítima, e também do futuro penal dele.
São comentários que, após o fato, poderão ser avaliados. Agora, comentaristas, psicólogos, juristas ou
qualquer pessoa ligada à área de segurança pública que fizer comentários a respeito do caso pode
atrapalhar. Porque nós temos que dar tranquilidade a ele. Para que ele possa ficar calmo e sair numa
boa.

Datena: Olha, desde as primeiras horas de ontem e desde os primeiros momentos que a gente
participava da cobertura, eu só tenho passado aqui imagem de tranquilidade para o Lindemberg e
tenho passado para ele ouvir só a polícia.

Coronel: Está certo!

Datena: Que ele se entregue a polícia, que ele fale com os negociadores. O resto é conversa fiada,
principalmente porque até os torpedos eu mandei interromper aqui porque estavam chegando alguns
torpedos agressivos. Por isso eu pedi para tirar do ar. E eu repito, eu prefiro perder a audiência.

Coronel: Com certeza! O negociador é treinado para isso, não é qualquer pessoa. Tanto é que nessa
ocorrência nós usamos dois negociadores. Isso leva tempo, isso leva um período de confiança porque
ele tem que saber que nós não estamos querendo o mal dele e muito menos o mal da vítima, da menina.
A área é um local de difícil acesso. A negociação é extremamente difícil. Ele não quer nada em troca,
quer ficar lá e matar os dois. É muito difícil, mas nós conseguimos avançar. A garantia da vida dele
é total, é cem por cento isso. E ele disse agora que quer sair na hora dele. Só que eu já não sei mais
qual é a hora dele. Porque nós já fizemos tudo. Já concordamos em tudo dentro do que podemos
concordar e eu acho que já está na hora de ele acabar com isso.
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Datena: Me desculpem meus amigos jornalistas que fizeram a entrevista com ele, mas a própria
polícia disse que vocês colocaram em risco não só a vida dele, mas a vida da moça, porque isso
também já podia ter terminado. Já estava tudo acertado quando aconteceram essas entrevistas que
prejudicaram muito. E eu queria fazer um apelo aqui: para que não ligassem mais para o cidadão,
para que a polícia possa resolver isso daí. Porque depois, se acontecer alguma coisa errada, quem
vai pagar é a polícia. [...] Eu só queria, Lindemberg, já que está me assistindo, que você, por favor,
se entregasse, só isso e mais nada. E que conversasse diretamente com os negociadores da polícia,
porque eles são preparados para isso. Eu espero que você, como boa pessoa que é, liberte a garota
também.

A fala de José Luís Datena é um contraponto do cenário já presente no jornalismo


brasileiro. Apesar de o jornal Brasil Urgente ser um norteador do informativo popular, a
disponibilidade do apresentador em demonstrar os aspectos negativos da exposição de Eloá
explica um direcionamento fundamental para o jornalista atual, ainda que aplicando a ideia de
um modelo de informação policial.
Esse trecho também representa a permanência da privacidade da vítima, ainda que
realizando uma cobertura em tempo real. Não se oculta, nesse caso, o acompanhamento aos
passos dos policiais, o que também facilita a conduta de Lindemberg que acompanhava as cenas
do sequestro como um filme aonde este, era um dos grandes protagonistas, inclusive realizando,
agora, ligações, por conta própria, para algumas emissoras, preferenciando à Rede Record, que
faria a transmissão do documento que asseguraria a vida de Lindemberg, assinado e timbrado
pelo Ministério Público (CAMPOS, 2008).
Entretanto, evitar ferir o Código de Ética Jornalística fez com que Datena
transferisse o modelo de noticiar, do sensacionalismo para o informativo técnico. Essa
oposição, acaba por minimizar o sensacionalismo, traduzindo o jornal e a mídia ainda como
formadores de opinião, mas, dessa vez, tratando com as autoridades e deixando de manifestar
opiniões pessoais de até abandonando a ideia de jornalista negociador. Para esse cenário, a
aplicação do Código de Ética pode ser verificada pelo desejo de Datena em deixar de entrevistar
vítima e sequestrador, ainda que isso custasse os altos índices de audiência para a emissora.
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6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A experiência desse trabalho foi de extrema importância para o aspecto social e


educacional, especialmente no curso de Jornalismo. A principal questão abordada – o
sensacionalismo – consegue demonstrar que nem sempre o valor noticioso deve estar à passos
largos da segurança e da ética na informação.
Um jornalista ético entende que noticiar a morte ou a desgraça de alguém não deve
ser um trunfo. Não é renome ter no portfólio informativo a gratidão por ter noticiado um caso
aonde uma vida foi perdida ou ameaçada e, principalmente, exposta.
A dor apresentada no caso Eloá Pimentel não se anula diante da comoção causada
pela mídia. O modelo noticioso, que deveria apenas informar e deixar a caráter interpretativo a
comoção da audiência, passa a ser um grande influenciador e, este, por si só, formar uma
opinião concreta de erros e acertos proporcionados. Assim, é preciso compreender que a função
do jornalista está longe de comover, ainda que apresente uma notícia de caráter emocional.
Desconsiderando o fato de que estamos tratando também de um grave caso de
feminicídio – o que não deixa de ser extremamente relevante para essa análise – podemos
friamente calcular a ação do jornalismo sensacionalista como uma grande espera para noticiar
um acontecimento comovente, uma vez que, de forma bastante clara, é possível visualizar o
crescimento de audiência e, consequentemente, um aumento na rentabilidade e valor dessas
notícias.
As maiores dificuldades no percurso deste trabalho se dimensionaram acerca da
comprovação da presença do sensacionalismo nas matérias, uma vez que, popularmente, essa
opinião já era expressa. O comportamento dos apresentadores e a ambientação dos programas,
reprisando em sequência as noticias do caso, conseguiram transformar o que se considerou um
dos sequestros mais longos do Brasil, em um grande espetáculo.
É impossível prever se este caso foi, de fato, o divisor de águas para que o caso
Eloá terminasse da forma como terminou, com a invasão e negligência policial. Também seria
incoerente apostar a culpabilidade do crime somente na mídia. Entretanto, é fácil visualizar que
a criação de um universo cinematográfico diante da tragédia conseguiu colaborar diretamente
para o final trágico.
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