Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Porto Alegre
Junho 2016
BRUNO SANT’ANNA CARNEIRO DA FONTOURA
Porto Alegre
2016
2
AGRADECIMENTOS
monografia representa uma nova fase na minha vida, deixando para trás qualquer
pensamento que tente introjetar falsas ideias sobre o que sou capaz ou não de
conquistar. Eu superei um obstáculo que, antes, parecia ser inalcançável para mim.
Agora, por mais que eu saiba das minhas limitações, encararei as próximas etapas da
minha trajetória com uma atitude e perspectiva nova, com mais confiança em mim
mesmo.
tranquilizar e me mostrar o caminho certo. O senhor me fez amar mais ainda esta
área que mais me identifico. Sei que preocupei um pouco vocês quando eu passava a
Bastiani, Júlia Zago, Marina Marzotto e Caroline Grüne. Obrigado pelas risadas, pelos
conselhos, pelo apoio e por falarem que eu estava calmo demais para alguém que
3
E por último, mas não menos importante, quero dedicar esta
faz ter esperanças em um futuro melhor. Quero que tu saibas que estarei sempre do
teu lado em qualquer situação, para te fazer rir ou para encostar tua cabeça no meu
dentro da sociedade, é para tu veres que muita coisa precisa ser modificada na atual
conjuntura política e social do mundo e que fazemos parte de tudo isso. Como
fazemos parte, também podemos mudar isso através das nossas ações, pensamentos e
atitudes. Tenho total confiança de que tu farás parte de uma geração que lutará por
4
RESUMO
pelo filósofo e semiólogo italiano Umberto Eco. Em entrevista para o canal de notícias
Globo News, em 2015, Eco afirmou que seu livro é um resgate de mais de 30 anos dos
comunicação.
5
ABSTRACT
journalism in Numero zero, the last novel published, in life, by the Italian philosopher
and semiologist Umberto Eco. In an interview for the news channel Globo News, in
2015, Eco said that his book is a gathering of more than 30 years of his studies of
journalistic vices, identified in both the big and the small press, building a satire of the
profession. The methodological procedures chosen for this work were the
journalism and the applied ethics in this area of knowledge, and content analysis, in
which the object of study will be examined from the theoretical basis provided by the
first method.
communication.
6
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO………………………………………………………………………………………..….…... 9
2 UMBERTO ECO.................................................................................................. 13
7
4.2.3 Relações pessoais no ambiente de trabalho............................................. 54
5 CONCLUSÃO....................................................................................................... 58
BIBLIOGRAFIA................................................................................................................ 62
8
INTRODUÇÃO
italiano Umberto Eco, expôs em sua trama o cotidiano de uma redação que está
elite da Itália. A história, segundo o próprio Eco, foi o resultado de mais de 30 anos de
difusão de informação, pode ter como consequências, como diria Arbex Jr. (2001), o
ou não.
Eco declara que elegeu esse ano para a história do livro, pois foi o começo da
9
verbas em campanhas políticas1, evidenciando um momento de crise da sociedade
ditador Benito Mussolini ter sido uma farsa, e fatos reais, como a Operação Gladio e a
escolhido como objeto de estudo foi considerado pelo próprio autor como uma sátira
1
BBC, “Como foi a mega-operação italiana que teria inspirado a operação ‘Lava Jato’”? Matéria
completa em goo.gl/Dr2wCo
10
A presente pesquisa será desenvolvida em cinco capítulos. O
Eco, em 2015, Número zero. A importância deste tema é que a história foi
italiano Umberto Eco, responsável, não só pelo livro Número zero, mas pelos
capítulo, será feita uma breve análise de Apocalípticos e integrados, obra em que Eco
do capítulo, pois Eco afirma que há conexões entre a Itália da década de 1990 e o
11
O capítulo quatro será dedicado à análise do caráter jornalístico
do livro de Eco. Todas as atividades dentro do jornal fictício serão comparadas com as
Eco.
12
2 UMBERTO ECO
perfil do escritor italiano Umberto Eco, sua trajetória como filósofo, semiólogo e
integrados, de 1964, no qual Eco avalia os efeitos da cultura de massa numa sociedade
histórica sobre o último romance publicado por Umberto Eco, em vida, e o objeto de
estudo deste trabalho de pesquisa: o livro Número zero. Em entrevista2, Eco conta que
(como são chamadas as pequenas redações italianas que buscam informações para
legítimo lugar de fala nessas áreas. A crítica ao jornalismo, que Eco desenvolve em seu
último romance, pode ser analisada e pensada para o aprimoramento desta profissão,
2
Entrevista dada em 2015, para o canal de notícias Globo News. Pode ser assistida na íntegra pelo link
goo.gl/uRzK7j
13
2.1 UMBERTO ECO E A INFORMAÇÃO
vendeu mais de 10 milhões de cópias com o seu primeiro romance, O nome da rosa
seu trabalho final foi uma tese sobre a estética do frade e filósofo Tomás de Aquino.
área da semiótica, com a publicação do livro Obra aberta, na qual desenvolve a ideia
de que uma única obra pode oferecer diversas interpretações e significados, por ser
composta por uma infinidade de signos. Ao identificar mais de uma leitura para um
único significante, mostra que “há uma intencionalidade na obra, mas o leitor
esse debate com o livro Os limites da interpretação (1990), afirmando que uma obra
pode conter mais de uma interpretação, porém, nenhuma delas a esgota. Outros
3
Entrevista para o site Publico.pt disponível em goo.gl/mBpthg
14
conteúdo (1971), abordando temas da semiótica, como a relação entre lógica
estrutural e lógica dialética; O tratado geral de semiótica (1975), onde busca uma
uma tese em ciências humanas (1977), manual de como escrever artigos e trabalhos
sua estreia na ficção. A história, ambientada numa abadia na Idade Média, gira em
Adso de Melk para descobrir o responsável pelas misteriosas mortes que estão
Umberto Eco mundialmente conhecido pelo seu vasto conhecimento sobre a estética
medieval e pela sua erudição. O livro também recebeu uma adaptação para o cinema,
com o mesmo título, dirigido pelo cineasta Jean-Jaques Annaud e estrelado por Sean
Connery, em 1986.
que realiza nos finais de semana, pois ele se considera, sobretudo, um filósofo. Ao
longo de sua carreira, no entanto, o autor italiano lançou mais seis romances. O mais
15
popular deles continua sendo O nome da rosa, embora o seu preferido tenha sido O
de obras artísticas, com História da beleza (2004) e História da feiura (2007), além de
ter suas teses sobre comunicação de massa, indústria cultural e semiologia incluídos
dos que acreditam que a adequação de conteúdos eruditos à população seja um fator
16
o máximo de pessoas possível, a massa da sociedade, através dos meios de
suas ilusões.
17
Eco ressalta que, apesar de toda a crítica voltada aos mass
monopólio da cultura, que antes ficava restrita à classe dominante. Os integrados são
alvo de crítica dos apocalípticos, alegando que eles se restringem aos aspectos
positivos da cultura de massa para tirarem proveito dos lucros da produção contínua
da sociedade.
massa, Umberto Eco desenvolve o seu próprio pensamento sobre o assunto. O filósofo
classifica os mass media como um elemento importante da nossa sociedade, que não
18
Em Apocalípticos e integrados, Umberto Eco também citou o
jornalismo como um mass media, responsável pela difusão de informação para todos
indústria cultural:
19
2.3 CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA DA PRODUÇÃO DE NÚMERO ZERO
romances anteriormente publicados por Umberto Eco, pois, segundo ele próprio, cada
uma de suas obras demoraram pelo menos seis anos para serem escritas (com exceção
de O pêndulo de foucault, que demorou oito). Número zero, porém, foi escrito em
apenas um ano e o filósofo explicou que o livro reuniu a sua bagagem de mais de 30
da rosa.
verdadeiro objetivo da publicação não é ser vendida para o público, mas conseguir
usando as informações levantadas para jogar contra os grupos com poder aquisitivo
maior do que o dele. Os únicos que sabem do propósito do Comendador são Simei, o
foi contratado por Simei para acompanhá-lo no dia a dia da redação e escrever uma
informação. Com esse livro, Simei possui o mesmo objetivo que o Comendador
20
- [...] Se o Comendador usar os nossos números zero para assustar
alguém ou para limpar o traseiro, isso é lá com ele, não com a gente. Mas a
questão é que o meu livro não deverá contar o que decidimos nas nossas
reuniões da redação, porque para isso eu não precisaria do senhor, um
gravador seria o suficiente. O livro deverá dar ideia de outro jornal, mostrar
como durante um ano eu me esforcei para realizar um modelo de
jornalismo independente de qualquer pressão, dando a entender que a
aventura acabou mal porque não se podia dar a vida a uma voz livre. Para
isso o senhor vai precisar inventar, idealizar, escrever uma epopeia [...]
(ECO, 2015, p. 28).
jornal corrupto para caracterizar o que ele chama de “péssimo jornalismo”. Embora a
história se passe na Itália, o autor confessa que muitos dos vícios jornalísticos descritos
boletim de notícias era chantagear esse grupo, mostrando o tipo de informações que
ele possuía e que ele poderia tornar público. Pecorelli acabou sendo morto a tiros, em
1979, sugerindo que ele poderia ter descoberto algo realmente ameaçador sobre
exclusivo do país, acontecendo tanto com pequenos, quanto com grandes jornais.
21
A época em que a história se passa também é significativa para
Itália, que foi uma das maiores investigações contra a corrupção, responsável por
seis ex-premiês e mais de 500 parlamentares, o problema da corrupção italiana não foi
trama “porque nesse momento houve esperança, nasceu a operação 'Mãos Limpas' e
parecia que tudo mudaria, havia a luta contra a corrupção, mas chegou (Silvio)
que esteve envolvido em escândalos durante sua vida política, tanto que, em
da qual era consultor editorial desde 1959, pois a mesma foi comprada pelo grupo
mistura essas teorias com eventos que realmente aconteceram, como a Operação
4
Matéria disponível no link goo.gl/PUJlaU
22
Número Zero foi o último romance publicado por Umberto
Eco ainda em vida, pois o filósofo faleceu no dia 19 de fevereiro de 2016, pouco mais
23
3 TEORIAS E ÉTICA APLICADAS AO JORNALISMO
acerca de uma hipótese que se quer experimentar” (RAUFF, 2002, p.17). Sendo o
capítulo, usando como base os estudos feitos por Traquina (2004). Segundo o autor, a
estudo.
segundo momento, através das obras de Cornu (1997), Bucci (2000), Barros Filho
(2002) e Christofoletti (2008). Como visto no capítulo anterior, Umberto Eco reuniu sua
escrever seu último romance, construindo uma sátira sobre a profissão. Concluindo, o
é que, como o papel do jornalista é informar o público sem qualquer tipo de censura e
servir de vigilante caso haja algum abuso de poder, seria impossível desenvolver esta
membros de uma comunidade profissional que há mais de 150 anos de luta está
25
pela precariedade das condições de trabalho, baixo salário e conteúdo extremamente
informações.
a notícia, comparando-a com uma fotografia, uma imagem no espelho: ela tem o
26
opiniões, mantendo uma separação entre eles na hora de produzir conteúdos para a
sociedade.
psicologia social e refere-se ao indivíduo que toma uma decisão numa sequência de
decisões.
responsável pelo ritmo do fluxo de notícias, sendo feita uma seleção do que é
seja, a informação terá que passar por portões, antes de ser trabalhada e publicada. “A
27
“conjunto de experiências, atitudes e expectativas do gatekeeper”. Assim, numa teoria
que Schudson (1989) designa de ação pessoal, as notícias são explicadas como um
Brand quando publicou, na revista Forças Sociais, o estudo que deu origem à teoria
autoridades institucionais podem aplicar ao jornalista, caso ele ainda não esteja se
28
o jornalista, para alimentar o prazer em desenvolver a sua atividade e produzir o
máximo de notícias possíveis, pois estas são o valor máximo da carreira de jornalista:
obtenção de mais produtos para serem consumidos, muitas vezes afetando a relação
meio da ideologia política do jornalista, através das experiências pessoais que cada
29
profissional carrega, e da empresa jornalística, muitas vezes financiada pelo governo
ou órgãos públicos para conseguir espaço dentro das publicações. Os estudos deram
espaço a outras discussões sobre o campo jornalístico, como o papel social das
Na versão de direita, pensadores como Efron (1971), Kristol (1975), Lichter e Rothman
(1986) “argumentam que os jornalistas constituem uma nova classe com claras
ideia dos teóricos do polo oposto de que o jornalista é um agente ativo na produção
30
das notícias. Para eles, nem o jornalista e nem a organização política distorcem as
teoria, existe um diretório dirigente da classe capitalista que dita aos diretores e
uma distorção ocasionada por alguma ideologia política, mas uma construção social:
31
Embora os teóricos construcionistas ressaltem que a notícia
produto final do jornalismo como uma narrativa ou uma estória faz com que o mesmo
32
profissional do jornalismo. Há, também, a responsabilidade social, os limites morais e
éticos:
vida privada, com o objetivo de obter lucro, podem causar efeitos negativos à
sociedade. Por isso, a discussão sobre a ética nas empresas jornalísticas é de extrema
Umberto Eco afirmou, em entrevista para o canal Globo News (2015) que seu último
A moral pode ser definida como “um conjunto de valores que orientam a conduta, as
33
ações e os julgamentos humanos. São valores como bondade, justiça, liberdade,
igualdade, respeito à vida, entre outros” (CHRISTOFOLETTI, 2008, p.16). Esses valores
podem ser considerados como uma tábua de mandamentos que auxiliam ditam as
moral e como elas podem ser aplicadas no cotidiano das pessoas, possuindo duas
cultivados pelo indivíduo e suas convicções morais, enquanto a segunda são os valores
que absorvemos dos grupos sociais que frequentamos, como a família, o trabalho e os
amigos.
mais focam na estética do que em valores morais. Para Bucci, o jornalismo e os bons
34
O papel do jornalista é de vigilante, um agente social que deve
estar sempre alerta para denunciar qualquer espécie de desvio numa sociedade. A
profissão jornalística, como instituição da cidadania, foi uma conquista da ética, que
adiante pela tradição oral. Os códigos deontológicos surgem quando esses valores
área:
35
Diferente do sistema de leis, os códigos deontológicos apostam
mundo. Por isso, serão analisados, nesta pesquisa, apenas dois: o Código de Ética dos
Declaração dos Deveres dos Jornalistas, adotada pela Federação Internacional dos
Jornalistas (FIJ).
Ocidente, tendo sua sede localizada na cidade de Bruxelas, na Bélgica. Foi em seu
Deveres dos Jornalistas, que constava de oito artigos sobre as principais normas da
honra e o combate a qualquer tipo de discriminação, com base em raça, gênero, opção
capítulos. Os valores ressaltados neste código não divergem muito dos do primeiro
36
analisado: direito à informação, correção e precisão das informações, veracidade dos
pessoas ameaçadas, exploradas ou sob o risco de vida; uso do jornalismo para incitar a
reformado para a sua quarta edição, em 2007, tendo como a mudança mais
37
4 O JORNALISMO REPRESENTADO EM NÚMERO ZERO
Umberto Eco, dando ênfase aos seus estudos sobre comunicação de massa, e
levantados anteriormente.
fictício Amanhã, junto com as rotinas dentro da sua redação, e o desfecho do enredo.
Também nesse momento, serão expostas as personagens que compõem Número zero,
público alvo do Amanhã. Nesta parte, o conteúdo do livro será examinado a partir da
base teórica do primeiro método e, assim, comparado com os conceitos dos autores
até 11 de junho de 1992) e o passado recente (seis de abril até 28 de maio de 1992).
Umberto Eco caracteriza essas fases, uma da outra, através de fontes diferentes,
sendo o presente escrito com uma fonte sem serifa e em negrito, e o passado, com
serifa e sem efeitos. O livro possui formato de diário, onde os títulos dos capítulos são
datas e neles são descritas todas as atividades que ocorreram no devido dia. A trama é
teve início.
ghost-writer divorciado, de 50 anos que largou a faculdade, pois achou que traduzir
tenha entrado em seu apartamento enquanto ele estava dormindo, mostrando que ele
39
e elas talvez até se perguntaram como é que eu não acordava. Portanto,
sendo espertíssimas (...) fecharam a água (ECO, 2015, p.12).
chamado Braggadocio, mas nada ainda que leve à conclusão final. Enquanto a
personagem se preocupa com sua situação atual, ela contará sobre o convite de
emprego que recebeu em Milão e como essa história terminou no momento inicial da
narrativa.
de 1992, indicando que a história será contada em flashbacks. Colonna narra que,
neste dia, foi até a cidade de Milão para se encontrar com um homem chamado Simei,
para discutir sobre uma proposta de emprego. Simei, que Colonna descreve como
tendo “o rosto de qualquer um menos o dele”, é diretor de um jornal que nunca será
redação do jornal e escrever uma biografia sobre Simei, atuando como diretor, mas
não levar crédito algum pela publicação, fingindo que foi o próprio quem o escreveu.
Simei quer publicar o livro caso o Amanhã não seja comercializado, objetivando
conseguir dinheiro por direitos autorais ou extorquir alguém que possa ser prejudicado
com o conteúdo da biografia. São oferecidas seis milhões de libras por mês para
Colonna, como pagamento deste trabalho, e mais 10 milhões, seis meses após o
término da experiência.
40
Quem financia o jornal é o Comendador Vimercate, um
mas exerce enorme influência no jornal, por ser o único acionista do empreendimento.
Simei: O Comendador quer entrar para o clube de elite das finanças, dos
bancos e, quem sabe, dos grandes jornais. O instrumento é a promessa de
um novo diário disposto a dizer a verdade sobre todas as coisas. Doze
números zero, digamos 0/1, 0/2, e assim por diante, impressos em
pouquíssimos exemplares reservados que o Comendador vai avaliar e
depois dará um jeito para que sejam vistos por pessoas que ele lá sabe.
Quando o Comendador demonstrar que pode pôr em dificuldades aquilo
que se chama de clube da elite das finanças e da política, é provável que o
clube da elite lhe peça para parar com essa ideia, então ele desiste do
Amanhã e consegue licença para entrar no clube de elite (ECO, 2015, p.27).
comprometida com a verdade e que busca trazer informações para o público, ainda
41
já trabalhou para o Comendador Vimercate; Maia Fresia, que escrevia para revistas
sensacionalistas, mas pretende escrever notícias sérias nesse novo emprego; Lucidi,
que Simei suspeita trabalhar como espião para serviços secretos; Cambria, que
tarde, se distinguirá, segundo Colonna, por fazer perguntas idiotas; Palatino, com
era chefe de composição em alguns jornais, antes dessa profissão cair em desuso.
sobre como o trabalho terá que ser feito na redação, por exemplo, como usar citações
de pessoas nas matérias para manipular a opinião do leitor; agrupar certas notícias em
cadernos para passar a mensagem que se quiser ao público; desacreditar aqueles que
Simei: Queridinha, seria uma cafajestada pior admitir que o jornal não
verificou as fontes. Mas concordo que, em vez de proclamar dados que
alguém pudesse verificar, é sempre melhor limitar-se a insinuar. Insinuar
não significa dizer algo preciso, serve só para lançar uma sombra de suspeita
sobre o desmentidor (ECO, 2015, p.62 e 63).
que pode estar sendo usado para lavagem de dinheiro pela máfia e uma possível
denúncia sobre títulos de nobreza, falsos, sendo vendidos para pessoas deslumbradas,
são descartadas por Simei, pois ele não quer colocar grupos criminosos contra
42
Vimercate. Além do mais, descobre-se que o próprio título de Comendador de
- Está dizendo que, para cada artigo, vamos precisar verificar se é do agrado
do Comendador? – perguntou Cambria, como sempre especializado em
perguntas idiotas.
protagonista para um bar, conversando com uma intimidade que Colonna achou
estranho para dois colegas de trabalho que acabaram de se conhecer. No seu primeiro
diálogo com o protagonista, ele comenta sobre a aparência de Maia, dizendo que ela é
bonitinha e “do tipo que topa” (ECO, 2015, p.37). Ele ainda generaliza as mulheres,
grossos e olhos meio bovinos, calvo e com a nuca reta com o pescoço”. Braggadocio
logo revela um fascínio por lugares que não existem mais na cidade, para imaginá-la
como antigamente, além de uma grande descrença pelas informações que são dadas
conspiração.
43
Colonna: Não é um exagero essa desconfiança?
Braggadocio: Por quem? Pelo Pentágono, que talvez quisesse encobrir algo
embaraçoso. Talvez tivessem razão os da fusão a frio e quem mentiu foram
os que disseram que os outros tinham mentido (ECO, 2015, p. 49).
que está trabalhando em uma matéria sobre a morte de Benito Mussolini, alegando
que ela foi forjada e que Mussolini teria se refugiado na Argentina. A investigação
Nacional Fascista a fugirem da Itália, a Operação Gládio, que visava impedir a expansão
Fresia. Maia tem quase trinta anos, mas Colonna comenta que ela aparentava ter
vinte, não se formou na Faculdade de Letras para ajudar seus pais, até eles morrerem,
mas esperava se tornar uma jornalista séria com esse novo emprego no Amanhã. Na
redação, ela está sempre dando ideias de pautas e sessões especiais para agregar ao
jornal, mas todas são sempre descartadas e Simei a coloca para escrever o horóscopo
ou novas fofocas.
44
Maia não se conforma com o rumo que o jornal está tomando,
a convidá-la para sair após o trabalho, para conversar e confortá-la, mas logo os dois
resolve contar para o diretor Simei e ao colega de trabalho Lucidi sobre suas
investigações, com o intuito de criar um folhetim para ser usado nas edições do jornal.
Simei concorda que a história é interessante e tem alguns pontos que podem ser
Colonna chega à redação e “homens fardados” (ECO, 2015, p.181) estão vasculhando
todo o local e interrogando as pessoas ali presentes. Cambria informa Colonna que
no chão de uma ruela, com um ferimento nas costas, causado por uma facada. Simei
informa Colonna que o Comendador Vimercate desistiu do jornal, pois, com a morte
não precisará mais escrever a falsa biografia de Simei como diretor do jornal.
45
Simei comenta, com Colonna, que a morte de Braggadocio
pode ter sido ocasionada por ele comentar sobre sua investigação com Lucidi, suspeito
- Sei e não sei, fez alusões a alguma, mas não tenho certeza se...
está trancado em seu apartamento, com medo de que, se sair à rua, possa ser morto
por alguém, de algum grupo secreto, que saiba de seu envolvimento com a
para Maia, de um bar, pois achava que seu telefone estivesse grampeado, e dá
orientações para que ela o busque e o leve para a casa dela, em Orta.
canal de notícias BBC que revela a existência da Operação Gládio, apresentando vários
depoimentos de pessoas envolvidas, inclusive com Licio Gelli, envolvido no caso da loja
46
- Deus santíssimo – disse eu -, mas você percebe que há alguns dias
alguém matou Braggadocio por receio de que essas notícias viessem à tona
e agora, com essa transmissão, milhões de pessoas vão ficar sabendo?
esconder, o casal discute sobre mudar-se para outro país ou até outro continente.
Maia recomenda a América do Sul ou Central, pois, segundo ela, lá não há corrupção
47
de Estado. Nós ficamos fora da jogada: eu volto a traduzir alemão e você
volta à sua revista para cabeleireiros e salas de espera de dentistas. Quanto
ao resto, um bom filme à noite, fins de semana aqui em Orta, e o diabo que
carregue todos os outros. E só esperar: depois que se tornar Terceiro
Mundo de uma vez por todas, o nosso país será plenamente viável, como se
tudo fosse Copacabana a mulher é rainha a mulher é soberana (ECO, 2015,
p. 207).
Eco.
48
4.2.1 Critérios de noticiabilidade
principal do jornal será coletar informações para que o Comendador Vimercate possa
usar como instrumento de chantagem contra grupos de elite das finanças, dos bancos
produção responsável pelo fluxo de notícias, chamado gatekeeper, que tem como
condenado pela Operação Mãos Limpas, como ponto de partida para investigar os
políticos italianos que possam estar sendo acusados de corrupção e elaborar uma
magistrado Rimini começou sobre a administração das casas de repouso para idosos,
49
após a prisão de Mario Chiesa. Como nenhum dos lugares que foram alvos da
do acionista e também levantar dúvidas sobre a reputação do juiz, caso ele queira
passam por esse processo de avaliação. Lucidi propõe uma pauta sobre o patrimônio
aconteceu com o dinheiro. Simei aprova essa notícia, visando o benefício que poderá
dinheiro.
jornal, como, por exemplo, a pauta proposta por Lucidi sobre a venda de títulos de
nobreza falsos, que foi descartada, pois o título de Comendador de Vimercate foi
50
O caso do jornal Amanhã se encaixa nos estudos elaborados
pelos teóricos Chomsky e Herman (1979), para explicar a ação política no âmbito do
publicação, ele é quem escolhe o que pode ou não pode ser noticiado, restando aos
capítulo anterior, como, por exemplo, o artigo do Código de Ética brasileiro, que
Declaração dos Deveres dos Jornalistas da Federação Internacional dos Jornalistas, que
práticas jornalísticas que serão aplicadas no jornal. Como a linha editorial, conforme
fica entre aspas, ela se torna um fato: “é um fato que aquele sujeito tenha expressado
51
aquela opinião” (ECO, 2015, p. 55). Colonna afirma que o jornalista pode manipular o
uso das aspas para passar a mensagem que ele quiser para o leitor, colocando duas
opiniões opostas uma à outra, na mesma matéria, porém, uma mais banal e sem
suplementar”, ou seja, elas devem acrescentar algo para a matéria e não indicar que
há apenas uma citação certa e outra errada. O teórico também afirma que a citação
ensinam para os jornalistas como lidar com leitores que criticam a apuração das
está certo ou errado, o jornalista deve deslegitimar a fala do crítico, pois, segundo
Simei, “seria uma cafajestada maior admitir que o jornal não verificou as fontes” (ECO,
2015, p.63).
precisa elaborar dossiês para adiantar apurações, caso algo aconteça com alguma
pessoa pública. A princípio, o diretor não concorda com a ideia, alegando que isso é
um luxo que apenas grandes jornais podem ter, mas Lucidi contra-argumenta
afirmando que um estudante de jornalismo pode fazer esse serviço por pouco
52
Simei: Esse negócio de dossiê é bom. Nosso editor iria ficar contente
de ter intrumentos para manter sob controle gente que não gosta dele, ou
de quem ele não gosta. Colonna, por gentileza, monte uma lista de pessoas
com quem o nosso editor pode ter de se haver, encontre um universitário
reprovado e sem dinheiro e faça-o preparar uma dúzia de dossiês, que por
enquanto serão suficientes. Parece-me uma boa iniciativa, e barata (ECO,
2015, p. 127)
que a sexualidade das pessoas não é de interesse público e espera que um dia as
jornalista também corrige Simei quando ele usa um termo pejorativo ao se referir aos
homossexuais:
base em raça, gênero, opção sexual, língua, religião, opinião política e outras, de
53
origem nacional ou internacional. O dever do jornalista é evitar a propagação do
dos fatores que promove o conformismo para com o ambiente de trabalho as punições
sua atividade e produzir o máximo de notícias possíveis, pois estas são o valor máximo
condição imposta pelo diretor de que o jornal tem como objetivo beneficiar o dono da
54
exceção de Maia. A personagem, que aceitou o emprego aspirando uma carreira séria
no jornalismo, não concorda com tais práticas impostas à redação e manifesta sua
elas não possuem retorno nenhum para o Comendador, sobrando, assim, a seção de
Maia, ficando irritado quando ela fala qualquer coisa durante as reuniões, comentando
também não concorda com as práticas jornalísticas adotadas por Simei, mas faz o que
é preciso para continuar no emprego, graças ao seu salário. Ao longo da trama, ambos
dão força um ao outro, e encontram uma válvula de escape para a rotina da redação.
não a fazem aspirar por uma posição melhor dentro do jornal, mas aumentam os
55
conflitos dentro do ambiente de trabalho e eliminam qualquer tipo de prazer que ela
New York Times, em que os jornalistas achavam que os editores esperavam que eles
significado desta imagem é que a reportagem precisa ser a mais legível possível para
leitores, mas isso não constava dos manuais de redação, existia apenas na imaginação
dos jornalistas.
público alvo, no fundo, Darton e os jornalistas do The New York Times escreviam para
os outros jornalistas, acreditando que as matérias deveriam ser bem elaboradas e que
um dos artigos que constam da Declaração dos Deveres dos Jornalistas da FIJ,
anos, honestos burgueses que desejam a lei e a ordem, mas adoram fofocas e
revelações sobre várias formas de desordem” (ECO, 2015, p. 32). Durante as reuniões
de redação, o diretor dá a entender que algumas pautas não poderão ser publicadas,
56
pois o público alvo não irá compreender o que está sendo dito. Um exemplo é a
5
Informações sobre o prêmio Strega: goo.gl/l5Ocqq
57
5 CONCLUSÃO
Número zero. O livro, como o próprio autor declarou em entrevista, reúne seus 30
dentro das redações de grandes jornais, criando, com muita ironia, uma sátira da
profissão.
análise de conteúdo. O primeiro método foi necessário para fixar uma base teórica
sobre o jornalismo, buscando seus princípios e conceitos. Nesta etapa também foram
58
Realizados os procedimentos metodológicos, o autor deste
trabalho de pesquisa conclui que o jornal fictício criado por Umberto Eco, no livro
Número zero, fere o Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros, assinado pela
Jornalistas, adotada pela Federação Internacional dos Jornalistas (FIJ). Artigos previstos
carrega um sentido irônico explicado por Simei em certa parte da trama: “Parece um
lema para os nossos governos: cuidamos disso amanhã” (ECO, 2015, p. 23).
59
as atividades dos jornalistas. A personagem é responsável por esclarecer quais práticas
títulos falsos de nobreza para as pessoas, vetada pelo motivo de Vimercate ter
sobre um restaurante que possa estar sendo usado como ponto de lavagem de
dinheiro, alegando que esse tipo de história colocaria muitos grupos poderosos contra
o Comendador.
jornalistas contratadas para fazer parte do Amanhã. Maia decidiu aceitar o emprego
para tornar-se uma jornalista mais séria, querendo fugir de sua experiência dentro de
Fresia são derrubadas por Simei, por não trazerem benefícios para o Comendador, e
ela começa a ser hostilizada pelo diretor e pelo colega Braggadocio, o que a deixa cada
60
O romance de Umberto Eco é uma crítica ao jornalismo
livro sobre um pequeno jornal que está trabalhando nas suas edições teste, o autor
61
BIBLIOGRAFIA
ARBEX Jr., José. Showrnalismo: A notícia como espetáculo. São Paulo: Casa Amarela,
2001.
BBC Brasil. “Como foi a mega-operação italiana que teria inspirado a 'Lava Jato'?”. BBC
Brasil. São Paulo. 15 nov. 2014. Disponível em goo.gl/Dr2wCo.
BUCCI, Eugênio. Sobre a ética e imprensa. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
COSTA, Caio Túlio. Ética, jornalismo e nova mídia: Uma moral provisória. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar, 2009.
DARTON, Robert. O beijo de Lamourette: Mídia, cultura e revolução. São Paulo: Cia.
das Letras, 1990.
Globo News. “Literatura: Umberto Eco fala sobre seu novo livro, 'Número Zero'”.
Globo News. Rio de Janeiro. 27 jun. 2015. Disponível em goo.gl/5Kjkqa.
MOUILLAUD, Maurice & PORTO, Sérgio Deyrell. O jornal: Da forma ao sentido. Brasília:
Editora da Universidade de Brasília, 2002.
62
PRADO COELHO, Alexandra. “Morreu Umberto Eco, o filósofo que ajudou a reinventar
a figura do intelectual”. Público. Lisboa. 20 fev. 2016. Disponível em goo.gl/mBpthg.
TRAQUINA, Nelson. Teorias do jornalismo: Por que as notícias são como são. Santa
Catarina: Insular, 2004, vol. 1.
TRIGO, Luciano. “Máquina de escrever”. G1. Rio de Janeiro. 12 jun. 2015. Disponível
em goo.gl/oMXcf2.
VELASQUEZ, Kelly. “Umberto Eco e o manual do mau jornalismo”. Carta Capital. São
Paulo. 18 jan. 2015. Disponível em goo.gl/HWWesB.
63