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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL

FACULDADE DE COMUNICAÇÃO SOCIAL

BRUNO SANT’ANNA CARNEIRO DA FONTOURA

NÚMERO ZERO: JORNALISMO NA LITERATURA

Porto Alegre

Junho 2016
BRUNO SANT’ANNA CARNEIRO DA FONTOURA

NÚMERO ZERO: JORNALISMO NA LITERATURA

Trabalho de conclusão de curso apresentado


como requisito de bacharel em Comunicação
Social, com habilitação em Jornalismo na
Faculdade de Comunicação Social, da Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul.

Orientador: Prof. Dr. Antonio Hohlfeldt

Porto Alegre

2016

2
AGRADECIMENTOS

Este trabalho é muito simbólico para mim. Creio que esta

monografia representa uma nova fase na minha vida, deixando para trás qualquer

pensamento que tente introjetar falsas ideias sobre o que sou capaz ou não de

conquistar. Eu superei um obstáculo que, antes, parecia ser inalcançável para mim.

Agora, por mais que eu saiba das minhas limitações, encararei as próximas etapas da

minha trajetória com uma atitude e perspectiva nova, com mais confiança em mim

mesmo.

Agradeço imensamente ao Dr. Antonio Hohlfeldt, meu

professor orientador, por tornar este trabalho de pesquisa algo prazeroso de se

desenvolver e enriquecedor à minha vida acadêmica. Obrigado por, muitas vezes, me

tranquilizar e me mostrar o caminho certo. O senhor me fez amar mais ainda esta

profissão que escolhi seguir.

Sou grato aos meus pais, Bolivar e Eliana, por me amarem, me

apoiarem em tudo o que eu faço e me concederem essa oportunidade de estudar na

área que mais me identifico. Sei que preocupei um pouco vocês quando eu passava a

madrugada e a manhã inteira escrevendo, mas agora está tudo bem!

Quero agradecer minhas colegas de faculdade e amigas Isadora

Bastiani, Júlia Zago, Marina Marzotto e Caroline Grüne. Obrigado pelas risadas, pelos

conselhos, pelo apoio e por falarem que eu estava calmo demais para alguém que

estava fazendo trabalho de conclusão de curso.

3
E por último, mas não menos importante, quero dedicar esta

monografia à minha irmã: Júlia. Acompanhar o seu crescimento e amadurecimento me

faz ter esperanças em um futuro melhor. Quero que tu saibas que estarei sempre do

teu lado em qualquer situação, para te fazer rir ou para encostar tua cabeça no meu

ombro e te ouvir. Se faço um trabalho expondo os vícios do jornalismo e a corrupção

dentro da sociedade, é para tu veres que muita coisa precisa ser modificada na atual

conjuntura política e social do mundo e que fazemos parte de tudo isso. Como

fazemos parte, também podemos mudar isso através das nossas ações, pensamentos e

atitudes. Tenho total confiança de que tu farás parte de uma geração que lutará por

um mundo mais justo e igualitário. Nunca se esqueça de que eu te amo!

4
RESUMO

A presente monografia tem como objetivo analisar a

representação do jornalismo em Número zero, o último romance publicado, em vida,

pelo filósofo e semiólogo italiano Umberto Eco. Em entrevista para o canal de notícias

Globo News, em 2015, Eco afirmou que seu livro é um resgate de mais de 30 anos dos

seus estudos sobre os vícios jornalísticos, identificados tanto na grande quanto na

pequena imprensa, construindo uma sátira da profissão. Os procedimentos

metodológicos escolhidos para este trabalho foram a pesquisa bibliográfica e

documental, levantando informações sobre as teorias do jornalismo e a ética aplicada

nesta área do conhecimento, e a análise de conteúdo, em que o objeto de estudo será

examinado a partir da base teórica proporcionada pelo primeiro método.

Palavras-chave: Umberto Eco. Número zero. Teorias do jornalismo. Ética na

comunicação.

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ABSTRACT

This academic work aims to analyze the representation of

journalism in Numero zero, the last novel published, in life, by the Italian philosopher

and semiologist Umberto Eco. In an interview for the news channel Globo News, in

2015, Eco said that his book is a gathering of more than 30 years of his studies of

journalistic vices, identified in both the big and the small press, building a satire of the

profession. The methodological procedures chosen for this work were the

bibliographical and documental research, raising information about theories of

journalism and the applied ethics in this area of knowledge, and content analysis, in

which the object of study will be examined from the theoretical basis provided by the

first method.

Keywords: Umberto Eco. Número Zero. Theories of journalism. Ethics in

communication.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO………………………………………………………………………………………..….…... 9

2 UMBERTO ECO.................................................................................................. 13

2.1 UMBERTO ECO E A INFORMAÇÃO............................................................... 14

2.2 APOCALÍPTICOS E INTEGRADOS E A COMUNICAÇÃO DE MASSA................ 16

2.3 CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA DA PRODUÇÃO DO NÚMERO ZERO........ 20

3 TEORIAS E ÉTICA APLICADAS AO JORNALISMO................................................ 24

3.1 AS TEORIAS DO JORNALISMO...................................................................... 25

3.1.1 Teoria do espelho..................................................................................... 26

3.1.2 Teoria do gatekeeper................................................................................ 27

3.1.3 Teoria organizacional................................................................................ 28

.1.4 Teorias da ação política............................................................................... 29

3.1.5 Teoria construcionista............................................................................... 31

3.2 A ÉTICA NO JORNALISMO............................................................................. 32

3.2.1 A moral, a ética e a etiqueta..................................................................... 33

3.2.2 Os códigos deontológicos do jornalismo.................................................. 35

4 O JORNALISMO REPRESENTADO EM NÚMERO ZERO...................................... 38

4.1 A TRAMA DE NÚMERO ZERO....................................................................... 39

4.2 O JORNALISMO APLICADO NA REDAÇÃO DO JORNAL AMANHÃ................. 48

4.2.1 Critérios de noticiabilidade....................................................................... 49

4.2.2 Práticas jornalísticas.................................................................................. 51

7
4.2.3 Relações pessoais no ambiente de trabalho............................................. 54

4.2.4 Construção da imagem do público alvo.................................................... 56

5 CONCLUSÃO....................................................................................................... 58

BIBLIOGRAFIA................................................................................................................ 62

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INTRODUÇÃO

O romance Número zero, o último publicado pelo escritor

italiano Umberto Eco, expôs em sua trama o cotidiano de uma redação que está

produzindo 12 exemplares testes, os números zero, de um jornal sensacionalista e

mentiroso, cujo único objetivo do fundador é reunir informações para chantagear a

elite da Itália. A história, segundo o próprio Eco, foi o resultado de mais de 30 anos de

pesquisa sobre comunicação de massa e os vícios do jornalismo, recolhidos com sua

experiência escrevendo para grandes jornais.

A discussão que o livro instiga sobre a ética (ou a falta dela),

nos veículos de comunicação, é importante para os jornalistas refletirem sobre a

situação atual da profissão. A falta de preocupação com a verdade, num meio de

difusão de informação, pode ter como consequências, como diria Arbex Jr. (2001), o

estímulo dos clichês, intolerâncias, preconceitos e violência. O objetivo desta pesquisa

será analisar a representação do jornalismo em Número zero, a partir dos conceitos da

ética e das teorias do jornalismo de pesquisadores da área, pois, assim, haverá um

reconhecimento das práticas jornalísticas eventualmente benéficas para a sociedade

ou não.

A trama é ambientada na cidade de Milão, na Itália, em 1992.

Em uma entrevista à revista italiana L’Espresso (publicada em 12 de janeiro de 2015),

Eco declara que elegeu esse ano para a história do livro, pois foi o começo da

Operação Mãos Limpas, investigação que tornou público um grande esquema de

corrupção envolvendo pagamentos de propina de grandes empresas e desvios de

9
verbas em campanhas políticas1, evidenciando um momento de crise da sociedade

italiana. Também há relações do enredo com teorias conspiratórias, como a morte do

ditador Benito Mussolini ter sido uma farsa, e fatos reais, como a Operação Gladio e a

loja maçônica Propaganda 2. Estabelecer uma ligação entre o contexto histórico da

ficção e o jornalismo representado nela, é do interesse da pesquisa, pois Eco indica

que existem influências entre um e outro.

Para este projeto, serão utilizados dois procedimentos

metodológicos, buscando atingir a meta final de identificar a representação do

jornalismo no livro escolhido. O primeiro método é a pesquisa bibliográfica e

documental, fundamental para “recolher informações e conhecimentos prévios acerca

de um problema para o qual se procura resposta ou acerca de uma hipótese que se

quer experimentar” (RAUFF, 2002, p.17).

Após o levantamento da bibliografia, começa o segundo

modelo de metodologia: a análise de conteúdo. Nesta parte, o conteúdo do livro será

examinado a partir da base teórica do primeiro método e, assim, comparado com os

conceitos dos autores escolhidos para sua representação do jornalismo. Conceitos

como da ética aplicada ao jornalismo, teorias do jornalismo e a influência dos grandes

veículos de comunicação e do sistema econômico sobre a informação, já que o livro

escolhido como objeto de estudo foi considerado pelo próprio autor como uma sátira

do jornalismo, serão articulados nesta leitura crítica.

1
BBC, “Como foi a mega-operação italiana que teria inspirado a operação ‘Lava Jato’”? Matéria
completa em goo.gl/Dr2wCo

10
A presente pesquisa será desenvolvida em cinco capítulos. O

primeiro, a introdução, terá como foco os objetivos da pesquisa em analisar o

jornalismo representado no último romance publicado pelo escritor italiano Umberto

Eco, em 2015, Número zero. A importância deste tema é que a história foi

autointitulada por Eco com o “manual do mau jornalismo” e muitos veículos de

comunicação identificaram algumas características da trama como verídicas, dentro

das redações jornalísticas.

O segundo capítulo traçará um breve perfil do escritor

italiano Umberto Eco, responsável, não só pelo livro Número zero, mas pelos

conceituados romances O nome da rosa, O pêndulo de Foucault, O cemitério de

Praga e trabalhos conhecidos no mundo acadêmico sobre arte, crítica da mídia,

comunicação de massa, interpretação literária e semiótica. No segundo momento do

capítulo, será feita uma breve análise de Apocalípticos e integrados, obra em que Eco

desenvolve seus estudos sobre a comunicação de massa, confrontando as ideias dos

teóricos apocalípticos, os que condenam a massificação de produtos culturais, e a dos

integrados, que defendem a adequação de conteúdos eruditos à população, como algo

positivo. A contextualização histórica de Número zero fará parte do desenvolvimento

do capítulo, pois Eco afirma que há conexões entre a Itália da década de 1990 e o

jornalismo representado no romance.

O terceiro capítulo cuidará do levantamento de

informações proporcionado pelo referencial teórico. Ética aplicada ao jornalismo,

teorias e práticas jornalísticas, crítica da mídia e da comunicação de massa, serão

apuradas para o desenvolvimento da conclusão do trabalho.

11
O capítulo quatro será dedicado à análise do caráter jornalístico

do livro de Eco. Todas as atividades dentro do jornal fictício serão comparadas com as

informações levantadas pelo referencial teórico. No capítulo final, será apresentada a

conclusão da análise e a representação do jornalismo na história criada por Umberto

Eco.

A análise do jornalismo representado em Número zero será

benéfica para futuros trabalhos na área da comunicação social, reconhecendo as falhas

e os defeitos desta profissão para, logo, buscar superá-las.

12
2 UMBERTO ECO

Este capítulo traçará, em seu primeiro momento, um breve

perfil do escritor italiano Umberto Eco, sua trajetória como filósofo, semiólogo e

romancista, levantando e contextualizando seus trabalhos de maior destaque no meio

acadêmico e na literatura. Também será feita uma análise da obra Apocalípticos e

integrados, de 1964, no qual Eco avalia os efeitos da cultura de massa numa sociedade

democrática, criticando tanto os teóricos apocalípticos, os que condenam a

massificação de produtos culturais, quanto os integrados, que defendem a adequação

de conteúdos eruditos à população, como algo positivo.

No terceiro momento, será desenvolvida uma contextualização

histórica sobre o último romance publicado por Umberto Eco, em vida, e o objeto de

estudo deste trabalho de pesquisa: o livro Número zero. Em entrevista2, Eco conta que

o objetivo do romance é mostrar os vícios do jornalismo, tanto nas máquinas de lama

(como são chamadas as pequenas redações italianas que buscam informações para

usar como material de chantagem), quanto nos grandes jornais.

As informações reunidas neste capítulo serão úteis para

reconhecer a reputação de Umberto Eco acerca dos estudos sobre a comunicação

social e as teorias jornalísticas, mostrando que o filósofo possui experiência e ocupa

legítimo lugar de fala nessas áreas. A crítica ao jornalismo, que Eco desenvolve em seu

último romance, pode ser analisada e pensada para o aprimoramento desta profissão,

o que será o principal objetivo deste trabalho de pesquisa.

2
Entrevista dada em 2015, para o canal de notícias Globo News. Pode ser assistida na íntegra pelo link
goo.gl/uRzK7j

13
2.1 UMBERTO ECO E A INFORMAÇÃO

Umberto Eco foi um escritor, filósofo e semiólogo italiano,

responsável por mais de 30 teses e trabalhos que influenciaram o pensamento sobre

os estudos da semiótica, estética da arte e comunicação de massa. Como escritor,

vendeu mais de 10 milhões de cópias com o seu primeiro romance, O nome da rosa

(1980), destacando-se na literatura por sua erudição.

Eco nasceu na cidade de Alexandria, na Itália, no dia 5 de

janeiro de 1932. Em 1954, formou-se em filosofia na Universidade de Turim, na Itália,

seu trabalho final foi uma tese sobre a estética do frade e filósofo Tomás de Aquino.

Além da formação de professor de estética e semiótica (este último, grau adquirido na

Universidade de Bolonha), conquistou exatos 34 Doctor Honoris Causa, título de honra,

equivalente ao doutorado, concedidos por universidades para pessoas que se

destacaram em determinadas áreas do conhecimento.

Foi em 1962 que o alexandrino tornou-se referência na

área da semiótica, com a publicação do livro Obra aberta, na qual desenvolve a ideia

de que uma única obra pode oferecer diversas interpretações e significados, por ser

composta por uma infinidade de signos. Ao identificar mais de uma leitura para um

único significante, mostra que “há uma intencionalidade na obra, mas o leitor

interpela-a”, segundo o professor de semiótica Moisés de Lemos Martins3. Eco retoma

esse debate com o livro Os limites da interpretação (1990), afirmando que uma obra

pode conter mais de uma interpretação, porém, nenhuma delas a esgota. Outros

trabalhos do filósofo, que se destacaram no meio acadêmico, foram As formas do

3
Entrevista para o site Publico.pt disponível em goo.gl/mBpthg

14
conteúdo (1971), abordando temas da semiótica, como a relação entre lógica

estrutural e lógica dialética; O tratado geral de semiótica (1975), onde busca uma

definição universal sobre os processos de significação e comunicação, e Como se faz

uma tese em ciências humanas (1977), manual de como escrever artigos e trabalhos

de pesquisa, muito usado por alunos universitários.

Em 1980, Eco lançou o romance O nome da rosa, que marcou

sua estreia na ficção. A história, ambientada numa abadia na Idade Média, gira em

torno das investigações do frade franciscano Guilherme de Baskerville e do noviço

Adso de Melk para descobrir o responsável pelas misteriosas mortes que estão

ocorrendo no local. No decorrer da trama, frei Guilherme descobre que os crimes

ocorridos naquele lugar estão ligados a uma conspiração envolvendo a biblioteca do

mosteiro, que se revela um labirinto perigoso e cheio de segredos. O enredo é uma

crítica à igreja católica, responsável pelo monopólio da informação e perseguições

ideológicas na era medieval.

A obra foi um sucesso de vendas, sendo traduzida para mais de

40 idiomas, e ganhou o maior prêmio de literatura da Itália, o Prêmio Strega, tornando

Umberto Eco mundialmente conhecido pelo seu vasto conhecimento sobre a estética

medieval e pela sua erudição. O livro também recebeu uma adaptação para o cinema,

com o mesmo título, dirigido pelo cineasta Jean-Jaques Annaud e estrelado por Sean

Connery, em 1986.

Eco confessa que escrever romances é apenas uma atividade

que realiza nos finais de semana, pois ele se considera, sobretudo, um filósofo. Ao

longo de sua carreira, no entanto, o autor italiano lançou mais seis romances. O mais

15
popular deles continua sendo O nome da rosa, embora o seu preferido tenha sido O

pêndulo de Foucault (1988).

Umberto Eco faleceu no dia 19 de fevereiro de 2016, em sua

casa, em Milão. O filósofo construiu um legado na área de semiótica, com os seus

trabalhos, e lecionou essa matéria nas universidades de Yale, Harvard, Columbia,

Collège de France e Toronto. Tornou-se referência em estética medieval e na análise

de obras artísticas, com História da beleza (2004) e História da feiura (2007), além de

ter suas teses sobre comunicação de massa, indústria cultural e semiologia incluídos

no currículo de muitos cursos de ciências humanas.

2.2 APOCALÍPTICOS E INTEGRADOS E A COMUNICAÇÃO DE MASSA

Uma das primeiras e mais famosas teses de Umberto Eco foi

Apocalípticos e integrados, publicada no ano de 1964. Nela, o filósofo desenvolve seus

estudos sobre a cultura de massa na sociedade contemporânea. No primeiro

momento, Eco apresenta as duas vertentes de pensamento sobre o mass media,

desenvolvendo o raciocínio dos teóricos que abominam a massificação da cultura e

dos que acreditam que a adequação de conteúdos eruditos à população seja um fator

positivo para a democracia. Após contextualizar as duas opiniões extremas sobre o

assunto, o autor apresenta a sua visão sobre a massificação cultural.

O fenômeno do mass media (“meios de comunicação de

massa”, traduzido para o português) resume-se à difusão de conteúdos culturais para

16
o máximo de pessoas possível, a massa da sociedade, através dos meios de

comunicação, como jornais, cinema, televisão e revistas em quadrinhos.

Cultura de massa torna-se, então, uma definição de ordem


antropológica (do mesmo tipo de definições como cultura alorence e cultura
bano), válida para indicar um preciso contexto histórico (aquele em que
vivemos), onde todos os fenômenos comunicacionais - desde as propostas
para o divertimento evasivo até os apelos à interiorização - surgem
dialeticamente conexos, cada um deles recebendo do contexto uma
qualificação que não mais permite reduzi-los a fenômenos análogos
surgidos em outros períodos históricos” (ECO, 1964, p. 15 – 16).

A primeira linha de pensamento analisada por Umberto Eco é a

dos chamados apocalípticos. Representados pelos teóricos da Escola de Frankfurt

Theodor W. Adorno e Max Horkheimer, os apocalípticos consideram a cultura de

massa uma forma de alienação e um instrumento de dominação usado pelos grupos

majoritários para garantir a permanência da classe minoritária como subalterna das

suas ilusões.

Se a cultura é um fato aristocrático, o cioso cultivo, assíduo e


solitário, de uma interioridade que se apura e se opõe à vulgaridade da
multidão [...], então só o pensar numa cultura partilhada por todos,
produzida de maneira que a todos se adapte, e elaborada na medida de
todos, já será um monstruoso contra-senso. A cultura de massa é a
anticultura. Mas, como nasce no momento em que a presença das massas,
na vida associada, se torna o fenômeno mais evidente de um contexto
histórico, a ‘cultura de massa’ não indica uma aberração transitória e
limitada: torna-se o sinal da queda irrecuperável, ante a qual o homem de
cultura (último supértite da pré-história, destinado a extinguir-se) pode dar
apenas um testemunho externo, em termos de Apocalípse (ECO, 1964, p. 8).

17
Eco ressalta que, apesar de toda a crítica voltada aos mass

media e à indústria cultural, os teóricos da Escola de Frankfurt utilizam os mesmos

meios de comunicação de massa para difundir as suas ideias.

A segunda linha de pensamento, abordada por Eco, é a dos

integrados, caracterizados pelos funcionalistas Marshall McLuhan e Harold Innis. Esses

teóricos defendem os meios de comunicação de massa como forma de integrar a

cultura e a sociedade, democratizando todos os tipos de informação e quebrando o

monopólio da cultura, que antes ficava restrita à classe dominante. Os integrados são

alvo de crítica dos apocalípticos, alegando que eles se restringem aos aspectos

positivos da cultura de massa para tirarem proveito dos lucros da produção contínua

da sociedade.

Depois de explicar as duas ideias conflitantes sobre a cultura de

massa, Umberto Eco desenvolve o seu próprio pensamento sobre o assunto. O filósofo

classifica os mass media como um elemento importante da nossa sociedade, que não

pode ser ignorado ou banalizado. Segundo Eco,

o universo das comunicações de massa é – reconheçamo-lo ou não – o


nosso universo; e se quisermos falar de valores, as condições objetivas das
comunicações são aquelas fornecidas pela existência dos jornais, do rádio,
da televisão, da música reproduzida e reproduzível, das novas formas de
comunicação visual e auditiva. Ninguém foge a essas condições, nem
mesmo o virtuoso, que, indignado com a natureza inumana desse universo
da informação, transmite o seu protesto através dos canais de comunicação
de massa, pelas colunas do grande diário, ou nas páginas do volume do em
paperback, impresso em linotipo e difundido nos quiosques das estações
(ECO, 1964, p. 11).

18
Em Apocalípticos e integrados, Umberto Eco também citou o

jornalismo como um mass media, responsável pela difusão de informação para todos

os setores da sociedade. A notícia, o produto final do trabalho jornalístico, tanto pode

ser uma mercadoria efêmera, quanto uma ferramenta de conhecimento dentro da

indústria cultural:

Afinal, alguém imprime as primeiras gazetas. E com o nascimento do


jornal, a relação entre condicionamentos externos e fato cultura torna-se
ainda mais precisa: o que é um jornal, se não um produto, formado de um
número fixo de páginas, obrigado a sair uma vez por dia, e no qual as coisas
ditas não serão mais unicamente determinadas pelas coisas a dizer (segundo
uma necessidade absolutamente interior), mas pelo fato de que, uma vez
por dia, se deverá dizer o tanto necessário para preenche tantas páginas? A
essa altura, estamos já em plena indústria cultural. Que surge, portanto,
como um sistema de condicionamentos, aos quais todo operador de cultura
deverá prestas contas, se quiser comunicar-se com seus semelhantes. Isto é,
se quiser comunicar-se com os homens, porque agora todos os homens
estão preparados para tornarem-se seus semelhantes, e o operador de
cultura deixou de ser o funcionário de um comitente para ser o ‘funcionário
da humanidade’. Colocar-se em relação dialética, ativa e consciente com os
condicionamentos da indústria cultural tornou-se para o operador de
cultura o único caminho para cumprir sua função (ECO, 1964, p. 14).

Eco demonstrou seu interesse pelos estudos sobre

comunicação e recepção de informação desde a década de 1960, quando

Apocalípticos e integrados foi publicado. Por mais de 50 anos, o filósofo continuou

explorando o campo jornalístico, reunindo toda a sua experiência, lançou o romance

Número zero, em 2015.

19
2.3 CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA DA PRODUÇÃO DE NÚMERO ZERO

O objeto de estudo deste trabalho difere-se de todos os

romances anteriormente publicados por Umberto Eco, pois, segundo ele próprio, cada

uma de suas obras demoraram pelo menos seis anos para serem escritas (com exceção

de O pêndulo de foucault, que demorou oito). Número zero, porém, foi escrito em

apenas um ano e o filósofo explicou que o livro reuniu a sua bagagem de mais de 30

anos de estudos sobre os vícios do jornalismo, introduzindo conteúdos

contemporâneos para a história, pelo menos comparados ao seu sucesso de O nome

da rosa.

A trama é ambientada na Itália, no ano de 1992, e retrata o

cotidiano da redação do jornal Amanhã, onde trabalham jornalistas que estão

montando as edições-teste do noticioso, as chamadas edições números zero. O

verdadeiro objetivo da publicação não é ser vendida para o público, mas conseguir

material de chantagem para beneficiar o Comendador Vimercate, o dono do Amanhã,

usando as informações levantadas para jogar contra os grupos com poder aquisitivo

maior do que o dele. Os únicos que sabem do propósito do Comendador são Simei, o

editor do jornal, e Colonna, personagem principal do livro.

Colonna é um ghost writer e autodenominado fracassado, que

foi contratado por Simei para acompanhá-lo no dia a dia da redação e escrever uma

biografia mentirosa sobre o próprio, enquanto este desempenha a função de editor do

jornal, defendendo que o Amanhã seria um noticiário preocupado com a verdade e a

informação. Com esse livro, Simei possui o mesmo objetivo que o Comendador

Vimercate ao fundar o jornal: material para chantagem.

20
- [...] Se o Comendador usar os nossos números zero para assustar
alguém ou para limpar o traseiro, isso é lá com ele, não com a gente. Mas a
questão é que o meu livro não deverá contar o que decidimos nas nossas
reuniões da redação, porque para isso eu não precisaria do senhor, um
gravador seria o suficiente. O livro deverá dar ideia de outro jornal, mostrar
como durante um ano eu me esforcei para realizar um modelo de
jornalismo independente de qualquer pressão, dando a entender que a
aventura acabou mal porque não se podia dar a vida a uma voz livre. Para
isso o senhor vai precisar inventar, idealizar, escrever uma epopeia [...]
(ECO, 2015, p. 28).

Eco imagina uma pequena redação de jornalistas falidos e um

jornal corrupto para caracterizar o que ele chama de “péssimo jornalismo”. Embora a

história se passe na Itália, o autor confessa que muitos dos vícios jornalísticos descritos

em Número zero são percebidos na grande imprensa de qualquer lugar do mundo.

Essa generalização é consequência da experiência do autor nas diferentes redações

dos jornais italianos.

Uma de suas inspirações para o enredo do romance foi o caso

de Carmine Pecorelli, jornalista italiano que produzia um semanário e o distribuía para

pessoas consideradas importantes, mas não o vendia nas bancas. O objetivo do

boletim de notícias era chantagear esse grupo, mostrando o tipo de informações que

ele possuía e que ele poderia tornar público. Pecorelli acabou sendo morto a tiros, em

1979, sugerindo que ele poderia ter descoberto algo realmente ameaçador sobre

alguém. Esse tipo de jornalismo, que usa a informação como instrumento de

chantagem, é chamado de máquina de lama na Itália, mas não é um fenômeno

exclusivo do país, acontecendo tanto com pequenos, quanto com grandes jornais.

21
A época em que a história se passa também é significativa para

a trama. O início da década de 1990 marca o começo da Operação Mãos Limpas, na

Itália, que foi uma das maiores investigações contra a corrupção, responsável por

desmantelar esquemas de pagamento de propinas por empresas privadas e desvio de

verbas públicas para financiamento de campanhas políticas. Mesmo tendo investigado

seis ex-premiês e mais de 500 parlamentares, o problema da corrupção italiana não foi

resolvido, apenas tomou novas formas.

Segundo Umberto Eco, ele elegeu o ano de 1992 para a sua

trama “porque nesse momento houve esperança, nasceu a operação 'Mãos Limpas' e

parecia que tudo mudaria, havia a luta contra a corrupção, mas chegou (Silvio)

Berlusconi e as coisas aconteceram exatamente ao contrário” 4. O filósofo é um grande

crítico do ex-primeiro-ministro da Itália, também dono de uma grande cadeia de mídia,

que esteve envolvido em escândalos durante sua vida política, tanto que, em

novembro de 2015, Eco se juntou a outros escritores e abandonou a editora Bompiani,

da qual era consultor editorial desde 1959, pois a mesma foi comprada pelo grupo

Mondadori, ligado a Berlusconi.

As teorias de conspiração também são um dos elementos

centrais da história de Número Zero, encaixadas na trama através da investigação do

personagem Braggadocio sobre a possibilidade de Benito Mussolini ter forjado sua

morte e se isolado na Argentina. No desenvolvimento deste enredo, a personagem

mistura essas teorias com eventos que realmente aconteceram, como a Operação

Gladius e a loja maçônica Propaganda 2.

4
Matéria disponível no link goo.gl/PUJlaU

22
Número Zero foi o último romance publicado por Umberto

Eco ainda em vida, pois o filósofo faleceu no dia 19 de fevereiro de 2016, pouco mais

de um ano após o lançamento da obra.

23
3 TEORIAS E ÉTICA APLICADAS AO JORNALISMO

Dos dois modelos de metodologia escolhidos para construir

este trabalho, o primeiro será desenvolvido neste capítulo: a pesquisa bibliográfica e

documental. Resumidamente, o objetivo desta etapa é “recolher informações e

conhecimentos prévios acerca de um problema para o qual se procura resposta ou

acerca de uma hipótese que se quer experimentar” (RAUFF, 2002, p.17). Sendo o

principal desígnio desta pesquisa traçar o perfil do jornalista caracterizado no romance

Número Zero, serão levantados dados sobre as teorias do jornalismo e as discussões

sobre ética aplicadas nessa área.

As teorias jornalísticas serão o foco da primeira parte deste

capítulo, usando como base os estudos feitos por Traquina (2004). Segundo o autor, a

compreensão teórica sobre o campo jornalístico serve para afirmar a importância da

profissão, dentro de uma sociedade, e defini-la como uma atividade criativa e

intelectual, carregando grandes responsabilidades sociais. O objetivo desta sessão é

reconstruir o perfil do jornalista para, depois, compará-lo ao apresentado no objeto de

estudo.

As discussões sobre ética no jornalismo serão levantadas no

segundo momento, através das obras de Cornu (1997), Bucci (2000), Barros Filho

(2002) e Christofoletti (2008). Como visto no capítulo anterior, Umberto Eco reuniu sua

experiência nos estudos sobre comunicação de massa e vícios jornalísticos para

escrever seu último romance, construindo uma sátira sobre a profissão. Concluindo, o

debate sobre os valores e comprometimentos do jornalista com suas atividades será

essencial à análise da obra.


24
3.1 AS TEORIAS DO JORNALISMO

No livro Teorias do jornalismo, Traquina (1997) objetiva

responder às principais questões sobre o trabalho do jornalista, destacando que essa

profissão só pode existir dentro de uma sociedade democrática. A explicação do autor

é que, como o papel do jornalista é informar o público sem qualquer tipo de censura e

servir de vigilante caso haja algum abuso de poder, seria impossível desenvolver esta

atividade em um sistema de governo ditatorial, sem liberdade de expressão.

Existe uma relação simbiótica entre o jornalismo e a democracia na


teoria democrática. Mas a teoria democrática define claramente um papel
adversarial entre o poder político e o jornalismo, historicamente desde o
século XIX chamado o Quarto Poder, talvez porque séculos de domínio
autocrático e por vezes despótico criaram um legado de desconfiança,
suspeita e medo em relação ao poder político. Mesmo nas chamadas
democracias estáveis, a defesa da liberdade é festejada como uma vitória da
comunidade jornalística e, ocasionalmente, marcada por batalhas em defesa
da liberdade dos jornalistas (TRAQUINA, 2004, p.23).

O jornalismo também é definido com uma atividade intelectual,

sendo o produto final – a notícia – resultado do processo criativo do profissional e uma

construção social voltada para o benefício da sociedade, ainda que sofrendo

interferências nas condições de trabalho fornecidas pela empresa jornalística. “E os

jornalistas não são apenas trabalhadores contratados”, ressalta Traquina, “mas

membros de uma comunidade profissional que há mais de 150 anos de luta está

empenhada na sua profissionalização com o objetivo de conquistar maior

independência e um melhor estatuto social” (TRAQUINA, 1997, p.22).

No começo do século XIX, o jornalismo ainda não era

considerado uma profissão de prestígio, muito menos um campo do conhecimento,

25
pela precariedade das condições de trabalho, baixo salário e conteúdo extremamente

sensacionalista e apelativo das publicações da época. Ainda não existiam cursos

voltados para a área e as pessoas contratadas pelas empresas jornalísticas procuravam

outros empregos para complementar a baixa remuneração recebida no final do mês.

Os estudos sobre o trabalho do jornalista começaram com a compreensão de que a

mídia e os veículos de comunicação afetavam a opinião pública e serviam para difundir

informações.

As teorias do jornalismo foram formuladas por diversos

pensadores para analisar, tanto os efeitos da profissão, dentro, quanto fora do

ambiente de trabalho, construindo uma identidade teórica para campo jornalístico.

3.1.1 Teoria do espelho

A Teoria do Espelho é considerada a mais antiga do jornalismo,

surgindo na Europa e nos Estados Unidos, no século XIX, e se desenvolvendo até o

começo do século XX. Trata-se da significação do produto final do trabalho jornalístico,

a notícia, comparando-a com uma fotografia, uma imagem no espelho: ela tem o

intuito de refletir a realidade.

Essa definição veio derrubar um antigo paradigma do

jornalismo em que os meios de comunicação formavam a opinião pública e os

jornalistas eram militantes partidários, construindo um novo mundo, no qual o

profissional da informação é um observador da realidade e sabe distinguir os fatos das

26
opiniões, mantendo uma separação entre eles na hora de produzir conteúdos para a

sociedade.

Mas a teoria do espelho, intimamente ligada à própria legitimidade


do campo jornalístico, é uma explicação pobre e insuficiente, que tem sido
posta em causa repetidamente em inúmeros estudos sobre o jornalismo e,
na maioria dos casos, sem qualquer intuito de pôr em causa a integridade
dos seus profissionais (TRAQUINA, 1997, p.149).

Ou seja, a definição de que as notícias são como são porque a

realidade assim as determina é um conceito defasado e derrubado por outras teorias

que serão vistas mais a frente.

3.1.2 Teoria do gatekeeper

A teoria do gatekeeper foi publicada e aplicada na área por

David Manning White, na década de 1950. O termo gatekeeper tem origem na

psicologia social e refere-se ao indivíduo que toma uma decisão numa sequência de

decisões.

Aplicado ao jornalismo, o gatekeeper é o processo de produção

responsável pelo ritmo do fluxo de notícias, sendo feita uma seleção do que é

importante ser noticiado e o que não o é (lembrando que esse conceito de

noticiabilidade pode mudar, dependendo da empresa jornalística ou do jornalista). Ou

seja, a informação terá que passar por portões, antes de ser trabalhada e publicada. “A

conclusão de White é que o processo de seleção é subjetivo e arbitrário; as decisões

do jornalista eram altamente subjetivas e dependentes de juízos de valor baseados no

27
“conjunto de experiências, atitudes e expectativas do gatekeeper”. Assim, numa teoria

que Schudson (1989) designa de ação pessoal, as notícias são explicadas como um

produto das pessoas e das suas intenções” (TRAQUINA, 1997, p.150).

Em 1957, Walter Gieber refutou as conclusões de White, após

estudar jornalistas com as características de um gatekeeper dentro de redações,

argumentando que a ideologia da empresa jornalística possuía maior peso nas

decisões do que a subjetividade do profissional.

3.1.3 Teoria organizacional

O ambiente de trabalho do jornalista foi o foco de Warren

Brand quando publicou, na revista Forças Sociais, o estudo que deu origem à teoria

organizacional. Nela, Brand destaca o papel da organização em socializar o jornalista

com as normas da política editorial da empresa, relativizando suas crenças pessoais ou

qualquer experiência que tivesse trazido consigo, sublinhando a importância de uma

cultura organizacional e não uma cultura profissional.

Brand lista seis fatores que promovem o conformismo na

política editorial da organização, sendo eles as punições ou benefícios que as

autoridades institucionais podem aplicar ao jornalista, caso ele ainda não esteja se

adequando às normas; o desenvolvimento de laços de amizade e estima entre o

empregado e os superiores, para reforçar o sentimento de obrigação para com a

empresa; a aspiração em conseguir posições superiores e de destaque no ambiente de

trabalho; a ausência de conflitos no local de trabalho; a cooperação entre a redação e

28
o jornalista, para alimentar o prazer em desenvolver a sua atividade e produzir o

máximo de notícias possíveis, pois estas são o valor máximo da carreira de jornalista:

Assim, segundo a teoria organizacional, as notícias são o resultado de


processos de interação social que têm lugar dentro da empresa
jornalística.O jornalista sabe que o seu trabalho vai passar por uma cadeia
organizacional em que os seus superiores hierárquicos e os seus assistentes
têm certos poderes e meios de controle. O jornalista tem que se antecipar
às expectativas dos seus superiores para evitar os retoques dos seus textos
(trabalho suplementar para a organização) e as reprimendas – dois meios
que fazem parte do sistema de controle, e que podem ter efeitos sobre a
manutenção ou não do lugar, a escolha das suas tarefas, e a sua promoção –
quer dizer, nada menos do que a sua carreira profissional (TRAQUINA, 1997,
p.158).

Traquina ressalta que o jornalismo, inserido numa sociedade

capitalista, também é um negócio e as notícias são seus produtos.

Concomitantemente, as empresas jornalísticas estão interessadas na economia e na

obtenção de mais produtos para serem consumidos, muitas vezes afetando a relação

entre empregado e empregador.

3.1.4 Teorias da ação política

Na década de 1960, uma nova onda de reflexões sobre o

jornalismo levantou debates sobre o papel do mesmo na sociedade contemporânea e

o potencial da sua influência na opinião pública, surgindo, assim, as teorias da ação

política. Outras teorias abordam as possibilidades de distorção na informação, por

meio da ideologia política do jornalista, através das experiências pessoais que cada

29
profissional carrega, e da empresa jornalística, muitas vezes financiada pelo governo

ou órgãos públicos para conseguir espaço dentro das publicações. Os estudos deram

espaço a outras discussões sobre o campo jornalístico, como o papel social das

notícias, a imparcialidade do jornalista no seu trabalho e a imprensa, como o Quarto

Poder, responder às expectativas de um sistema político democrático:

A própria teoria democrática influencia fortemente a definição social


da postura profissional dos profissionais do Quarto Poder. A objetividade,
ou o que se aceita como seu oposto, a parcialidade, são conceitos que a
maioria dos cidadãos associa ao papel do jornalismo e que são consagrados
nas leis que estabelecem as balizas do comportamento dos órgãos de
comunicação social, em particular do setor público. Estão presentes, pelo
menos de uma forma implícita, se não explicitamente, nos códigos
deontológicos dos jornalistas e estão no centro de toda uma mitologia que
coloca os jornalistas no papel de servidor do público que procura a verdade,
no papel de cão de guarda que protege os cidadãos contra os abusos do
poder, no papel de contrapoder que atua doa a quem doer, no papel do
herói do sistema democrático (TRAQUINA, 1997, p.162).

Nos estudos sobre a interferência da opinião política sobre o

jornalismo, vários teóricos chegaram a conclusões diferentes, porém, dois polos

opostos de pensamento se destacaram: a posição política de direita e a de esquerda.

Na versão de direita, pensadores como Efron (1971), Kristol (1975), Lichter e Rothman

(1986) “argumentam que os jornalistas constituem uma nova classe com claras

parcialidades que distorcem as notícias para a propagação das suas opiniões

anticapitalistas” (TRAQUINA, 1997, p.162-163).

Na versão da esquerda, Chomsky e Herman (1979) afastam a

ideia dos teóricos do polo oposto de que o jornalista é um agente ativo na produção

30
das notícias. Para eles, nem o jornalista e nem a organização política distorcem as

informações, mas sim, as influências em nível macroeconômico. “Assim, segundo essa

teoria, existe um diretório dirigente da classe capitalista que dita aos diretores e

jornalistas o que sai nos jornais” (TRAQUINA, 1997, p.164).

3.1.5 Teoria construcionista

A teoria construcionista surgiu na década de 1970, servindo de

oposição em relação à teoria do espelho e à da ação política. Resumidamente,

pesquisadores como Tuchman (1978), Schudson (1982/1993), Hall (1973/1978), Bird e

Dardenne (1988/1993) não consideram a notícia, nem um reflexo da realidade, nem

uma distorção ocasionada por alguma ideologia política, mas uma construção social:

O filão de investigação que concebe as notícias como construção


rejeita as notícias como espelho por diversas razões. Em primeiro lugar,
argumenta que é impossível estabelecer uma distinção radical entre a
realidade e os media noticiosos que devem refletir essa realidade, porque as
notícias ajudam a construir a própria realidade. Em segundo lugar, defende
a posição de que a própria linguagem não pode funcionar como
transmissora direta do significado inerente aos acontecimentos, porque a
linguagem neutral é impossível. Em terceiro lugar, é da opinião de que os
media noticiosos estruturam inevitavelmente a sua representação dos
acontecimentos, devido a diversos fatores, incluindo os aspectos
organizativos do trabalho jornalístico (Altheide, 1978), as limitações
orçamentais (Epstein, 1973), a própria maneira como a rede noticiosa é
colocada para responder à imprevisibilidade dos acontecimentos (Tuchman,
1978) (TRAQUINA, 1997, p.168-169).

31
Embora os teóricos construcionistas ressaltem que a notícia

continua carregando um valor de realidade, mesmo sendo considerada uma

construção social, muitos profissionais do jornalismo argumentam que classificar o

produto final do jornalismo como uma narrativa ou uma estória faz com que o mesmo

assuma uma posição ficcional.

Outra contribuição para o jornalismo, vindo das teorias

construcionistas, foi a abordagem etnometodológica nos estudos do campo

jornalístico, levando acadêmicos a acompanharem os locais de produção e os

membros da comunidade jornalística para se aproximarem das práticas profissionais

dos produtores da notícia e suas ideologias.

Os benefícios da abordagem etnometodológica, segundo

Traquina, foram descobrir a importância da dimensão trans-organizacional no

processo de produção das notícias, reconhecendo que as rotinas constituem um

elemento crucial no processo de produção do produto final do jornalismo, que servem

de corretivo às teorias instrumentalistas.

3.2 A ÉTICA NO JORNALISMO

O jornalismo e os meios de comunicação desempenham um

papel fundamental para a sociedade. Segundo Chistofoletti (2008), a mídia é

responsável por trazer e contextualizar informações para o público, moldar o

imaginário e alertar sobre inconformidades em setores importantes para o

funcionamento pleno de uma comunidade. Mas não é só de poderes que vive o

32
profissional do jornalismo. Há, também, a responsabilidade social, os limites morais e

éticos:

No jornalismo, a ética é mais que rótulo, que acessório. No exercício


cotidiano da cobertura dos fatos que interessam à sociedade, a conduta
ética se mistura com a própria qualidade técnica de produção do trabalho.
Repórteres, redatores e editores precisam dominar equipamentos e
linguagens, mas não devem se descolar de seus comprometimentos e
valores. Podem tentar suspender suas opiniões em certos momentos, mas,
se por acaso esquecerem suas funções e suas relações com o público, vão
colocar tudo a perder (CHRISTOFOLETTI, 2008, p.11).

Os erros na prática do jornalismo; influência dos meios de

comunicação para benefício próprio; a manipulação da informação ou a violação da

vida privada, com o objetivo de obter lucro, podem causar efeitos negativos à

sociedade. Por isso, a discussão sobre a ética nas empresas jornalísticas é de extrema

importância para a profissão.

O levantamento de informações sobre esse assunto será

necessário para a análise do objeto de estudo desta pesquisa, já que o próprio

Umberto Eco afirmou, em entrevista para o canal Globo News (2015) que seu último

romance é uma sátira ao jornalismo.

3.2.1 A moral, a ética e a etiqueta

Embora haja similaridades entre a moral, a ética e a etiqueta,

elas se diferenciam em certos pontos, especialmente quando aplicadas ao jornalismo.

A moral pode ser definida como “um conjunto de valores que orientam a conduta, as

33
ações e os julgamentos humanos. São valores como bondade, justiça, liberdade,

igualdade, respeito à vida, entre outros” (CHRISTOFOLETTI, 2008, p.16). Esses valores

podem ser considerados como uma tábua de mandamentos que auxiliam ditam as

normas que o indivíduo deve seguir para conviver em sociedade.

A ética não segue a forma dura e padronizada da moral, mas a

parte questionadora e maleável. A ética é o questionamento das regras impostas pela

moral e como elas podem ser aplicadas no cotidiano das pessoas, possuindo duas

dimensões: a individual e a social. A primeira leva em conta os valores pessoais

cultivados pelo indivíduo e suas convicções morais, enquanto a segunda são os valores

que absorvemos dos grupos sociais que frequentamos, como a família, o trabalho e os

amigos.

A etiqueta é a gramática das cerimônias, criando normas que

mais focam na estética do que em valores morais. Para Bucci, o jornalismo e os bons

modos são polos opostos:

Ela pacifica [a etiqueta], erguendo-se pelos gestos que representam,


ritualizam e reafirmam as relações sociais e de poder: para o rei, os súditos
se curvam; do bispo, beija-se o anel; os talheres, sempre de fora para
dentro. A etiqueta cria um balé de sorrisos e saudações que celebram a
autoridade posta, traduzindo-se numa singular estética da conduta; extrai
sua beleza dos meneios em glória da hierarquia e do silêncio sobre o que se
esconde nas alcovas. Ela não se pergunta do poder. Ela não inquire – nem se
deixa inquirir. Não por acaso, a etiqueta era o orgasmo social da
aristocracia. Era a reiteração de uma ordem que havia nascido para ser
eterna, bem acomodada e imutável. Condes, duques e princesas eram finos
(BUCCI, 2000, p.9-10).

34
O papel do jornalista é de vigilante, um agente social que deve

estar sempre alerta para denunciar qualquer espécie de desvio numa sociedade. A

profissão jornalística, como instituição da cidadania, foi uma conquista da ética, que

busca o bem comum para todos, acredita na verdade e na justiça. O jornalismo

pergunta e está sempre em conflito, enquanto a etiqueta cala e pacifica.

3.2.2 Os códigos deontológicos do jornalismo

Os valores e as regras das profissões nem sempre estão escritas

ou documentadas, mas se constroem através das atividades profissionais e são levados

adiante pela tradição oral. Os códigos deontológicos surgem quando esses valores

morais e recomendações éticas são reunidos em textos específicos, ou seja, códigos de

ética profissional que mostram os direitos e os deveres do profissional de determinada

área:

Distintamente das leis, os códigos de ética são gerados na e pela


comunidade a que se destinam. Isto é, lideranças profissionais e
representantes dos trabalhadores reúnem-se, discutem e redigem os
documentos. Seus elementos são os valores que regem e dão fundamento
às profissões. Por isso, os códigos trazem recomendações, indicações de
conduta. Perceba bem, não são intimações ou obrigações, mas
recomendações. Se as leis exercem um controle que se pretende total, os
códigos dependem mais da convicção, da boa vontade, da consciência e da
disposição das pessoas em segui-los. Como não têm o poder das leis e
porque são resultados da auto-regulação de um coletivo, os códigos só
funcionam mesmo se os sujeitos cultivarem os valores ali expressos,
concordarem e se engajarem numa proposta ética. Em resumo: quem
manda é o livre arbítrio (CHIRSTOFOLETTI, 2008, p.80).

35
Diferente do sistema de leis, os códigos deontológicos apostam

na liberdade de ação das pessoas, tornando-se uma experiência coletiva de

maturidade. A reação às transgressões aos códigos também estão previstas e são

chamadas de sanções. Os responsáveis pelo julgamento dos casos de supostos desvios

são as comissões de ética, integradas por representantes da categoria profissional.

Existem diversos códigos de conduta do jornalismo pelo

mundo. Por isso, serão analisados, nesta pesquisa, apenas dois: o Código de Ética dos

Jornalistas Brasileiros, assinado pela Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ), e a

Declaração dos Deveres dos Jornalistas, adotada pela Federação Internacional dos

Jornalistas (FIJ).

A FIJ foi fundada em 1952 e congregou os profissionais do

Ocidente, tendo sua sede localizada na cidade de Bruxelas, na Bélgica. Foi em seu

segundo congresso mundial, em 1954, que a Federação adotou a Declaração dos

Deveres dos Jornalistas, que constava de oito artigos sobre as principais normas da

prática jornalística. Resumidamente, o documento defendia a liberdade de expressão;

o respeito à verdade, em razão do direito do público em conhecê-la; o respeito às

fontes confidenciais; o desprezo aos métodos desleais; a retificação de informações

inexatas; o respeito à pessoa, em particular à observância de preceitos legais contra a

honra e o combate a qualquer tipo de discriminação, com base em raça, gênero, opção

sexual, língua, religião, opinião política e outras de origem nacional ou internacional.

O Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros abrange 31

sindicatos de trabalhadores no país e é composto por 19 artigos, divididos em cinco

capítulos. Os valores ressaltados neste código não divergem muito dos do primeiro

36
analisado: direito à informação, correção e precisão das informações, veracidade dos

fatos, interesse público, liberdade de imprensa, pluralismo, clareza, sigilo da fonte e

respeito à intimidade e à privacidade. O diferencial está na sua abordagem sobre o

papel do jornalista na sociedade, lembrando que esse profissional é guiado pelo

interesse público, defensor da democracia, e rejeita qualquer tipo de censura.

Algumas práticas consideradas condenáveis pelo código de

ética são o impedimento da manifestação de opiniões divergentes; exposição de

pessoas ameaçadas, exploradas ou sob o risco de vida; uso do jornalismo para incitar a

violência, a intolerância e o crime; cumplicidade com a censura ou omissão diante

dela; divulgação de informações visando interesses ou vantagens pessoais e a

publicação de informações mórbidas, sensacionalistas ou desumanas. O código foi

reformado para a sua quarta edição, em 2007, tendo como a mudança mais

importante a adição da cláusula de consciência:

A cláusula de consciência é um dispositivo que permite o jornalista


não violentar suas convicções em nome de interesses da empresa para a
qual trabalha. Ela é definida no código como um direito do profissional e
faculta ao jornalista “se recusar a executar quaisquer tarefas em desacordo
com os princípios deste Código de Ética ou que agridam as suas convicções”.
Em seguida, uma advertência: a cláusula de consciência não pode ser usada
como justificativa “para que o jornalista deixe de ouvir pessoas com
opiniões divergentes das suas” (CHRISTOFOLETTI, 2008, p.87).

A partir destas informações, levantadas a partir dos códigos

deontológicos, já se pode ter uma base sobre a ética aplicada ao jornalismo e os

direitos e deveres do jornalista, reforçando o referencial teórico, para aplicá-lo na

análise de conteúdo do objeto de estudo.

37
4 O JORNALISMO REPRESENTADO EM NÚMERO ZERO

Após traçar um breve perfil e trajetória acadêmica do italiano

Umberto Eco, dando ênfase aos seus estudos sobre comunicação de massa, e

desenvolvido a pesquisa bibliográfica e documental, levantando informações sobre as

teorias jornalísticas e a ética aplicada nessa área, é chegado o momento de aplicar o

segundo e último modelo de metodologia escolhido para este trabalho: a análise de

conteúdo do livro Número zero. O objetivo do presente capítulo será identificar a

representação do jornalismo no último romance de Eco e cruzá-lo com os dados

levantados anteriormente.

O enredo do livro será o ponto de partida da análise de

conteúdo, relembrando seu contexto histórico, introduzindo os objetivos do jornal

fictício Amanhã, junto com as rotinas dentro da sua redação, e o desfecho do enredo.

Também nesse momento, serão expostas as personagens que compõem Número zero,

mostrando suas ligações com o jornalismo, suas características físicas e psicológicas e

sua importância na trama.

Finalmente, no segundo momento, será feita a análise do

conteúdo, relacionado ao jornalismo abordado no romance, levantando os critérios de

noticiabilidade dentro da redação fictícia, a hierarquia e as relações entre os colegas

de trabalho, os discursos do editor chefe, Simei, sobre as práticas jornalísticas, que

serão aplicadas no jornal, além da imagem que as personagens construíram sobre o

público alvo do Amanhã. Nesta parte, o conteúdo do livro será examinado a partir da

base teórica do primeiro método e, assim, comparado com os conceitos dos autores

escolhidos para decifrar suas mensagens e sua representação do jornalismo.


38
4.1 A TRAMA DE NÚMERO ZERO

A história divide-se em dois tempos: o presente (seis de junho

até 11 de junho de 1992) e o passado recente (seis de abril até 28 de maio de 1992).

Umberto Eco caracteriza essas fases, uma da outra, através de fontes diferentes,

sendo o presente escrito com uma fonte sem serifa e em negrito, e o passado, com

serifa e sem efeitos. O livro possui formato de diário, onde os títulos dos capítulos são

datas e neles são descritas todas as atividades que ocorreram no devido dia. A trama é

ambientada em Milão, na Itália, no ano de 1992, quando a Operação Mãos Limpas,

que investigou esquemas de propina entre empreiteiras e políticos de vários partidos,

teve início.

O narrador e personagem principal chama-se Colonna, um

ghost-writer divorciado, de 50 anos que largou a faculdade, pois achou que traduzir

textos e livros em alemão propiciava-lhe um melhor sustento. A história começa no dia

6 de julho de 1992, representando o presente, com Colonna preocupado que alguém

tenha entrado em seu apartamento enquanto ele estava dormindo, mostrando que ele

se sente perseguido. O motivo da desconfiança é que o registro da água estava

fechado e ele não se lembrava de ter mexido em nada relacionado a isso.

Raciocinemos. Cada efeito tem uma causa, pelo menos é o que


dizem. Descarto o milagre, não vejo por que Deus se preocuparia com o
meu chuveiro, nem é o Mar Vermelho. Logo, para efeito natural, causa
natural. Ontem à noite, antes de me deitar, tomei um Stilnox com um copo
d’água. Logo, até aquele momento ainda havia água. Hoje de manhã já não
havia. Logo, meu caro Watson, o registro foi fechado de madrugada – e não
por você. Alguma pessoa, algumas pessoas estiveram em minha casa e
recearam que eu despertasse não com o barulho delas (seus passos eram
abafadíssimos), mas com o prelúdio da goteira, que também as incomodava,

39
e elas talvez até se perguntaram como é que eu não acordava. Portanto,
sendo espertíssimas (...) fecharam a água (ECO, 2015, p.12).

Algumas pistas são dadas para explicar a dúvida de Colonna,

como informações conseguidas na redação de um jornal e a morte de um homem

chamado Braggadocio, mas nada ainda que leve à conclusão final. Enquanto a

personagem se preocupa com sua situação atual, ela contará sobre o convite de

emprego que recebeu em Milão e como essa história terminou no momento inicial da

narrativa.

O segundo capítulo já mostra uma data diferente, seis de abril

de 1992, indicando que a história será contada em flashbacks. Colonna narra que,

neste dia, foi até a cidade de Milão para se encontrar com um homem chamado Simei,

para discutir sobre uma proposta de emprego. Simei, que Colonna descreve como

tendo “o rosto de qualquer um menos o dele”, é diretor de um jornal que nunca será

publicado, chamado Amanhã, cujo título, segundo a personagem, é uma brincadeira

com o lema dos governos: “cuidamos disso amanhã”.

O trabalho oferecido a Colonna é acompanhar a rotina da

redação do jornal e escrever uma biografia sobre Simei, atuando como diretor, mas

não levar crédito algum pela publicação, fingindo que foi o próprio quem o escreveu.

Simei quer publicar o livro caso o Amanhã não seja comercializado, objetivando

conseguir dinheiro por direitos autorais ou extorquir alguém que possa ser prejudicado

com o conteúdo da biografia. São oferecidas seis milhões de libras por mês para

Colonna, como pagamento deste trabalho, e mais 10 milhões, seis meses após o

término da experiência.

40
Quem financia o jornal é o Comendador Vimercate, um

magnata italiano dono de hotéis, casas de repouso, emissoras de televisão e 20

publicações, entre elas revistas de fofocas, sobre assuntos especializados, e alguns

semanários. Em momento algum o Comendador aparece ou é descrito fisicamente,

mas exerce enorme influência no jornal, por ser o único acionista do empreendimento.

O escritório e a redação do Amanhã estão localizados no prédio que reúne todas as

empresas do Comendador. Sendo assim, o custo do jornal será mínimo.

Colonna: Mas o que o Comendador espera dessa experiência?

Simei: O Comendador quer entrar para o clube de elite das finanças, dos
bancos e, quem sabe, dos grandes jornais. O instrumento é a promessa de
um novo diário disposto a dizer a verdade sobre todas as coisas. Doze
números zero, digamos 0/1, 0/2, e assim por diante, impressos em
pouquíssimos exemplares reservados que o Comendador vai avaliar e
depois dará um jeito para que sejam vistos por pessoas que ele lá sabe.
Quando o Comendador demonstrar que pode pôr em dificuldades aquilo
que se chama de clube da elite das finanças e da política, é provável que o
clube da elite lhe peça para parar com essa ideia, então ele desiste do
Amanhã e consegue licença para entrar no clube de elite (ECO, 2015, p.27).

Simei informa a Colonna que ele terá que descrever um jornal

completamente diferente do que o Amanhã realmente é, ou seja, uma publicação

comprometida com a verdade e que busca trazer informações para o público, ainda

que contrariando os grupos de elite. Colonna aceita o emprego, alegando que

precisava do dinheiro e que ele e Simei são “homens sem qualidade”.

Nos próximos capítulos, Colonna narra as reuniões na redação

e apresenta as outras personagens contratadas para redigirem as matérias do

Amanhã: Romano Braggadocio, que se diz especializado em revelações escandalosas e

41
já trabalhou para o Comendador Vimercate; Maia Fresia, que escrevia para revistas

sensacionalistas, mas pretende escrever notícias sérias nesse novo emprego; Lucidi,

que Simei suspeita trabalhar como espião para serviços secretos; Cambria, que

passava as noites em delegacias ou prontos-socorros para conseguir notícias e, mais

tarde, se distinguirá, segundo Colonna, por fazer perguntas idiotas; Palatino, com

experiência em cadernos de jogos e passatempos em semanários; e Constanza, que

era chefe de composição em alguns jornais, antes dessa profissão cair em desuso.

Durante as reuniões de pauta, Simei faz pequenos discursos

sobre como o trabalho terá que ser feito na redação, por exemplo, como usar citações

de pessoas nas matérias para manipular a opinião do leitor; agrupar certas notícias em

cadernos para passar a mensagem que se quiser ao público; desacreditar aqueles que

escrevem para o jornal, relatando algum erro na edição, etc.:

Maia: (...) Fiz a tarefa, doutor Simei, mas, se me permite, isso me


parece, como dizer, uma cafajestada.

Simei: Queridinha, seria uma cafajestada pior admitir que o jornal não
verificou as fontes. Mas concordo que, em vez de proclamar dados que
alguém pudesse verificar, é sempre melhor limitar-se a insinuar. Insinuar
não significa dizer algo preciso, serve só para lançar uma sombra de suspeita
sobre o desmentidor (ECO, 2015, p.62 e 63).

Os critérios de noticiabilidade baseiam-se em o que pode

beneficiar o Comendador ou não. Matérias como investigar um restaurante italiano

que pode estar sendo usado para lavagem de dinheiro pela máfia e uma possível

denúncia sobre títulos de nobreza, falsos, sendo vendidos para pessoas deslumbradas,

são descartadas por Simei, pois ele não quer colocar grupos criminosos contra

42
Vimercate. Além do mais, descobre-se que o próprio título de Comendador de

Vimercate foi conquistado através de meios ilícitos:

Simei: E querem publicar uma reportagem que lança uma sombra de


suspeita, ou até de ridículo, sobre a comenda do nosso Comendador? Que
cada um fique com suas ilusões. Lamento, Lucidi, mas vamos precisar
derrubar o seu belo artigo.

- Está dizendo que, para cada artigo, vamos precisar verificar se é do agrado
do Comendador? – perguntou Cambria, como sempre especializado em
perguntas idiotas.

- Só pode ser assim – respondeu Simei -, ele é o nosso acionista de


referência, como se costuma dizer (ECO, 2015, p. 74).

Duas personagens aproximam-se de Colonna ao longo da

trama. Uma delas é Braggadocio, que, no primeiro dia de trabalho, já levou o

protagonista para um bar, conversando com uma intimidade que Colonna achou

estranho para dois colegas de trabalho que acabaram de se conhecer. No seu primeiro

diálogo com o protagonista, ele comenta sobre a aparência de Maia, dizendo que ela é

bonitinha e “do tipo que topa” (ECO, 2015, p.37). Ele ainda generaliza as mulheres,

falando que “todas topam, é só pegar direito” (ECO, 2015, p.37).

Colonna descreve a personagem como um homem “de lábios

grossos e olhos meio bovinos, calvo e com a nuca reta com o pescoço”. Braggadocio

logo revela um fascínio por lugares que não existem mais na cidade, para imaginá-la

como antigamente, além de uma grande descrença pelas informações que são dadas

pela mídia, ciência, medicina e outras formas de conhecimento, elaborando teorias de

conspiração.

43
Colonna: Não é um exagero essa desconfiança?

Braggadocio: Desconfiança nunca é exagero. Desconfiar, desconfiar sempre,


só assim se encontra a verdade. Não é isso o que a ciência manda fazer?

Colonna: Manda e faz.

Braggadocio: Balela, a ciência também mente. Veja a história da fusão a frio.


Mentiram durante meses e depois foi descoberto que era um disparate.

Colonna: Mas foi descoberto.

Braggadocio: Por quem? Pelo Pentágono, que talvez quisesse encobrir algo
embaraçoso. Talvez tivessem razão os da fusão a frio e quem mentiu foram
os que disseram que os outros tinham mentido (ECO, 2015, p. 49).

Braggadocio revela para Colonna, durante o segundo encontro,

que está trabalhando em uma matéria sobre a morte de Benito Mussolini, alegando

que ela foi forjada e que Mussolini teria se refugiado na Argentina. A investigação

também envolve o Vaticano, contando que o mesmo ajudou os membros do Partido

Nacional Fascista a fugirem da Itália, a Operação Gládio, que visava impedir a expansão

do comunismo na Europa, e a loja maçônica Propaganda 2, uma organização secreta e

clandestina, que objetivava assumir o controle dos aparelhos do Estado italiano.

A segunda personagem a se aproximar de Colonna é Maia

Fresia. Maia tem quase trinta anos, mas Colonna comenta que ela aparentava ter

vinte, não se formou na Faculdade de Letras para ajudar seus pais, até eles morrerem,

mas esperava se tornar uma jornalista séria com esse novo emprego no Amanhã. Na

redação, ela está sempre dando ideias de pautas e sessões especiais para agregar ao

jornal, mas todas são sempre descartadas e Simei a coloca para escrever o horóscopo

ou novas fofocas.

44
Maia não se conforma com o rumo que o jornal está tomando,

focando em matérias que apenas beneficiem ao Comendador e usando o jornalismo

como forma de manipulação da opinião pública, e começa a sofrer represálias de Simei

e provocações de Braggadocio. Percebendo essa situação na redação, Colonna começa

a convidá-la para sair após o trabalho, para conversar e confortá-la, mas logo os dois

se envolvem romanticamente. A relação entre eles acaba sendo uma válvula de

escape, tanto para Maia, quanto para Colonna.

A história muda bruscamente de ritmo quando Braggadocio

resolve contar para o diretor Simei e ao colega de trabalho Lucidi sobre suas

investigações, com o intuito de criar um folhetim para ser usado nas edições do jornal.

Simei concorda que a história é interessante e tem alguns pontos que podem ser

verídicos, pedindo que Braggadocio verifique o máximo de informações possíveis para,

assim, poder divulgá-las nas edições teste do Amanhã.

No dia seguinte, após a reunião de Braggadocio e Simei,

Colonna chega à redação e “homens fardados” (ECO, 2015, p.181) estão vasculhando

todo o local e interrogando as pessoas ali presentes. Cambria informa Colonna que

Braggadocio foi morto na madrugada anterior. Um guarda noturno o achou de bruços,

no chão de uma ruela, com um ferimento nas costas, causado por uma facada. Simei

informa Colonna que o Comendador Vimercate desistiu do jornal, pois, com a morte

de Braggadocio, o investimento começou a ficar perigoso demais. Colonna também

não precisará mais escrever a falsa biografia de Simei como diretor do jornal.

45
Simei comenta, com Colonna, que a morte de Braggadocio

pode ter sido ocasionada por ele comentar sobre sua investigação com Lucidi, suspeito

de trabalhar para alguma organização secreta.

- Colonna – disse (Simei), sentando-se à mesa com as mãos trêmulas -


, você sabe do que Braggadocio estava cuidando.

- Sei e não sei, fez alusões a alguma, mas não tenho certeza se...

- Não se faça de desentendido, o senhor entendeu muitíssimo bem que


Braggadocio foi esfaqueado porque estava para revelar umas coisas. Até
agora não sei quais eram verdadeiras e quais eram inventadas por ele, mas
é certo que, se a investigação dele dizia respeito a cem casos, pelo menos
num ele acertou, e por isso é que foi silenciado. Mas, como ontem ele
contou sua história também a mim, também eu sei essa coisa, embora não
saiba qual é. E, como ele me disse que tinha contado ao senhor, o senhor
também sabe. Portanto, nós dois estamos em perigo (ECO, 2015, p. 183 e
184).

Assim, a trama volta para o começo, no dia 6 de junho. Colonna

está trancado em seu apartamento, com medo de que, se sair à rua, possa ser morto

por alguém, de algum grupo secreto, que saiba de seu envolvimento com a

investigação de Braggadocio. Pensando em buscar um refúgio seguro, ele telefona

para Maia, de um bar, pois achava que seu telefone estivesse grampeado, e dá

orientações para que ela o busque e o leve para a casa dela, em Orta.

Após alguns dias isolados, eles assistem a um documentário no

canal de notícias BBC que revela a existência da Operação Gládio, apresentando vários

depoimentos de pessoas envolvidas, inclusive com Licio Gelli, envolvido no caso da loja

Propaganda 2. Colonna e Maia refletem sobre essa notícia, pois as investigações de

Braggadocio também abordavam esses assuntos:

46
- Deus santíssimo – disse eu -, mas você percebe que há alguns dias
alguém matou Braggadocio por receio de que essas notícias viessem à tona
e agora, com essa transmissão, milhões de pessoas vão ficar sabendo?

- Amor – disse Maia -, essa é exatamente a sua sorte. Suponhamos que de


fato alguém, ou os fantasmáticos eles, ou o louco isolado, tivesse medo
realmente de que as pessoas se lembrassem dessas coisas, ou que
ressurgisse um fato menos, que escapou até de nós, que estávamos vendo o
programa, mas que ainda poderia pôr em apuros um grupo ou um único
personagem... Pois bem, depois desse programa nem eles nem o louco têm
mais interesse em acabar com você ou com Simei. Se vocês dois fossem
amanhã trombetear nos jornais aquilo que Braggadocio lhes disse, seriam
vistos como maníacos que ficam repetindo o que viram na televisão (ECO,
2015, p. 202).

Após concluírem que não há mais motivos para Colonna se

esconder, o casal discute sobre mudar-se para outro país ou até outro continente.

Maia recomenda a América do Sul ou Central, pois, segundo ela, lá não há corrupção

escondida, mas sim, institucionalizada. Ninguém nega que é corrupto, ladrão ou

traficante de drogas. Mas Colonna rebate seu argumento:

Colonna: Amor, você não está considerando que devagarinho a Itália


também está ficando como os países de sonho onde você quer se exilar. Se
conseguirmos antes aceitar e depois esquecer todas as coisas que a BBC
contou significa que estamos nos acostumando a perder o senso de
vergonha. Não viu como todos os entrevistados desta noite contavam
tranquilamente que fizeram isto ou aquilo, como se esperassem uma
medalha? Nada de claros-escuros em barroco, coisas da Contrarreforma, os
tráficos emergiram en plein air, como se fossem pintados pelos
impressionistas: corrupção autorizada, o mafioso oficialmente no
Parlamento, o sonegador no governo, e na cadeia só os albaneses ladrões de
galinhas. As pessoas de bem vão continuar votando nos canalhas porque
não acreditarão na BBC ou não verão programas como os desta noite
porque estarão grudados em algo mais trash, as televendas de Vimercate
talvez acabem no horário nobre, e, se matarem alguém importante, funerais

47
de Estado. Nós ficamos fora da jogada: eu volto a traduzir alemão e você
volta à sua revista para cabeleireiros e salas de espera de dentistas. Quanto
ao resto, um bom filme à noite, fins de semana aqui em Orta, e o diabo que
carregue todos os outros. E só esperar: depois que se tornar Terceiro
Mundo de uma vez por todas, o nosso país será plenamente viável, como se
tudo fosse Copacabana a mulher é rainha a mulher é soberana (ECO, 2015,
p. 207).

Com essa reflexão, Colonna finaliza a história, lembrando uma

frase conhecida do filme E o vento levou (1939): amanhã é outro dia.

4.2 O JORNALISMO APLICADO NA REDAÇÃO DO JORNAL AMANHÃ

O último momento deste capítulo será a análise das práticas

jornalísticas aplicadas na redação do jornal fictício Amanhã. As informações do livro

serão levantadas e cruzadas com o conteúdo apurado anteriormente, buscando

referências sobre as teorias do jornalismo e a ética aplicada nesta área.

A análise será dividida em critérios de noticiabilidade adotados

pelos jornalistas, os discursos do diretor Simei sobre as atividades jornalísticas que

serão aplicadas na redação, as relações entre os colegas e o ambiente de trabalho e,

concluindo, o perfil imaginário do leitor do Amanhã.

Após a aplicação desse procedimento metodológico, haverá

informações suficientes para chegar ao principal objetivo deste trabalho de pesquisa:

identificar o perfil de jornalista representado no último romance do italiano Umberto

Eco.

48
4.2.1 Critérios de noticiabilidade

No início da trama, Simei conta para Colonna que o objetivo

principal do jornal será coletar informações para que o Comendador Vimercate possa

usar como instrumento de chantagem contra grupos de elite das finanças, dos bancos

e dos grandes jornais. A influência do acionista irá afetar diretamente o processo de

produção responsável pelo fluxo de notícias, chamado gatekeeper, que tem como

objetivo selecionar o que é importante ser noticiado ou não, estabelecendo apenas um

único critério de noticiabilidade: o benefício pessoal do Comendador.

As pautas impostas por Simei, nas reuniões de redação,

possuem um propósito que o diretor deixa bem explícito: coletar informações de

pessoas da alta sociedade. Um exemplo disto é usar a prisão de Mario Chiesa,

presidente da casa de repouso Pio Albergo Trivulzio e o primeiro político a ser

condenado pela Operação Mãos Limpas, como ponto de partida para investigar os

políticos italianos que possam estar sendo acusados de corrupção e elaborar uma

matéria que possa amedrontá-los.

Simei: E este artigo de hipóteses e insinuações eu confio ao senhor


Lucidi, que precisará ser hábil para, dizendo é possível e talvez, contar de
fato o que depois de fato aconteceria. Com alguns nomes de políticos, bem
distribuídos entre os vários partidos, ponha as esquerdas no meio também,
dê a entender que o jornal está coletando outros documentos, e diga isso de
um modo que faça morrer de medo até aqueles que lerem o nosso 0/1
sabendo muito bem o que aconteceu nos dois meses de fevereiro, mas se
perguntando o que poderia ser um número zero com a data de hoje...
Entendido? Ao trabalho (ECO, 2015, p. 53).

Outra pauta sugerida por Simei é a investigação que o

magistrado Rimini começou sobre a administração das casas de repouso para idosos,

49
após a prisão de Mario Chiesa. Como nenhum dos lugares que foram alvos da

investigação pertencia ao Comendador, a matéria poderia prejudicar a concorrência

do acionista e também levantar dúvidas sobre a reputação do juiz, caso ele queira

averiguar os negócios de Vimercate.

As sugestões de matérias dadas pelos jornalistas também

passam por esse processo de avaliação. Lucidi propõe uma pauta sobre o patrimônio

que o marquês Alessandro Gerini deixou para a fundação Gerini, instituição

eclesiástica sob o controle da Congregação Salesiana, mas não se sabe o que

aconteceu com o dinheiro. Simei aprova essa notícia, visando o benefício que poderá

oferecer ao Comendador, caso descubram quem está por trás do desaparecimento do

dinheiro.

Mas algumas sugestões não passam pela aprovação de Simei,

sobretudo quando mostram uma possibilidade de prejudicar a reputação do dono do

jornal, como, por exemplo, a pauta proposta por Lucidi sobre a venda de títulos de

nobreza falsos, que foi descartada, pois o título de Comendador de Vimercate foi

conseguido nesse tipo de transação; ou a investigação de Maia sobre um restaurante

italiano como ponto de lavagem de dinheiro da máfia, refutada por Simei:

- Queridinha – disse Simei com condescendência -, vou lhe dizer o


que acontece se publicarmos essa reportagem. Primeiro, vamos pôr contra
nós a polícia financeira, que a senhora critica por nunca ter percebido a
falcatrua, e esse pessoal sabe se vingar, se não de nós, com certeza do
Comendador. Do outro lado, como a senhora mesma diz, temos a máfia
chinesa, a camorra, a ‘ndrangheta ou seja lá o que for, e a senhora acha que
vamos ficar tranquilos? E vamos ficar felizes da vida. Esperando que metam
uma bomba na nossa redação? (ECO, 2015, p. 77).

50
O caso do jornal Amanhã se encaixa nos estudos elaborados

pelos teóricos Chomsky e Herman (1979), para explicar a ação política no âmbito do

jornalismo. Os autores defendem que a influência macroeconômica distorce as

informações, eliminando a possibilidade dos diretores e dos jornalistas de

desenvolverem um papel ativo na produção de notícias. Como Vimercate é o dono da

publicação, ele é quem escolhe o que pode ou não pode ser noticiado, restando aos

seus empregados apenas obedecer às suas ordens.

A situação também fere os códigos deontológicos analisados no

capítulo anterior, como, por exemplo, o artigo do Código de Ética brasileiro, que

condena a divulgação de informações visando interesses ou vantagens pessoais, e da

Declaração dos Deveres dos Jornalistas da Federação Internacional dos Jornalistas, que

despreza métodos desleais, como a chantagem e a manipulação da opinião pública.

4.2.2 Práticas jornalísticas

Ao longo da trama, Simei faz pequenos discursos sobre as

práticas jornalísticas que serão aplicadas no jornal. Como a linha editorial, conforme

visto anteriormente, visa o benefício pessoal do dono da publicação, o diretor de

redação ensina como difamar, fazer insinuações, manipular a opinião pública e

deslegitimar quem estiver disposto a criticar a apuração das matérias.

Sobre o uso das aspas nas matérias, Simei e Colonna explicam

que, quando a opinião de um homem comum ou uma testemunha de algum evento

fica entre aspas, ela se torna um fato: “é um fato que aquele sujeito tenha expressado

51
aquela opinião” (ECO, 2015, p. 55). Colonna afirma que o jornalista pode manipular o

uso das aspas para passar a mensagem que ele quiser para o leitor, colocando duas

opiniões opostas uma à outra, na mesma matéria, porém, uma mais banal e sem

argumentos e outra mais racional e que se assemelhe ao ponto de vista do jornalista.

Segundo Traquina (1997), o uso das aspas é uma “prova

suplementar”, ou seja, elas devem acrescentar algo para a matéria e não indicar que

há apenas uma citação certa e outra errada. O teórico também afirma que a citação

entre aspas tem de expressar a opinião de qualquer pessoa, menos a do jornalista.

Simei e Colonna, com esse discurso, incentivam os jornalistas da redação do jornal a

manipularem a opinião dos leitores através desta prática.

Embora o jornal ainda não seja comercializado, Simei e Colonna

ensinam para os jornalistas como lidar com leitores que criticam a apuração das

informações de uma notícia, os chamados desmentidos. Não importa se o desmentido

está certo ou errado, o jornalista deve deslegitimar a fala do crítico, pois, segundo

Simei, “seria uma cafajestada maior admitir que o jornal não verificou as fontes” (ECO,

2015, p.63).

Em determinado momento, Lucidi sugere a Simei que o jornal

precisa elaborar dossiês para adiantar apurações, caso algo aconteça com alguma

pessoa pública. A princípio, o diretor não concorda com a ideia, alegando que isso é

um luxo que apenas grandes jornais podem ter, mas Lucidi contra-argumenta

afirmando que um estudante de jornalismo pode fazer esse serviço por pouco

dinheiro. Após uma breve reflexão, Simeu conclui:

52
Simei: Esse negócio de dossiê é bom. Nosso editor iria ficar contente
de ter intrumentos para manter sob controle gente que não gosta dele, ou
de quem ele não gosta. Colonna, por gentileza, monte uma lista de pessoas
com quem o nosso editor pode ter de se haver, encontre um universitário
reprovado e sem dinheiro e faça-o preparar uma dúzia de dossiês, que por
enquanto serão suficientes. Parece-me uma boa iniciativa, e barata (ECO,
2015, p. 127)

Em outro discurso, Simei propõe para os repórteres que

descubram quem do grupo de elite é homossexual, deixando essas informações

subentendidas em matérias e artigos. Maia contesta esse tipo de prática, afirmando

que a sexualidade das pessoas não é de interesse público e espera que um dia as

pessoas possam se relacionar com quem quiserem, sem sofrerem preconceito. A

jornalista também corrige Simei quando ele usa um termo pejorativo ao se referir aos

homossexuais:

- Já não se diz bicha – arriscou Maia. – É gay. Ou não?

- Eu sei, eu sei, queridinha – reagiu Simei contrariado -, mas os nossos


leitores ainda dizem bicha, ou pelo menos pensam bicha porque para eles
faz sentido usar essa palavra. Eu sei que agora não se diz preto, mas negro,
não se diz cego, mas deficiente visual. Mas negro sempre é negro, e um
deficiente visual não enxerga um palmo à frente do nariz, coitadinho. Não
tenho nada contra os bichas, é como os pretos, adoro todos, desde que
fiquem em suas casas (ECO, 2015, p. 146).

A Declaração dos Deveres dos Jornalistas, da Federação

Internacional dos Jornalistas, defende o respeito à pessoa, em particular à observância

de preceitos legais contra a honra e o combate a qualquer tipo de discriminação com

base em raça, gênero, opção sexual, língua, religião, opinião política e outras, de

53
origem nacional ou internacional. O dever do jornalista é evitar a propagação do

preconceito, não incentivá-lo. Respeito à intimidade e à privacidade também são

normas que constam do Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros.

Nenhuma das práticas jornalísticas incentivadas por Simei ou

por Colonna estão de acordo com os códigos deontológicos ou as teorias elaboradas

para o bom exercício da profissão.

4.2.3 Relações pessoais no ambiente de trabalho

Traquina (1997) explica a teoria organizacional como a

socialização do profissional com as normas da política editorial da empresa, sendo um

dos fatores que promove o conformismo para com o ambiente de trabalho as punições

ou benefícios que as autoridades institucionais possam aplicar ao jornalista, caso ele

ainda não esteja se adequando a tais normas; o desenvolvimento de laços de amizade

e estima, entre o empregado e os superiores, para reforçar o sentimento de obrigação

para com a empresa; a aspiração em conseguir posições superiores e de destaque

dentro do ambiente de trabalho; a ausência de conflitos no local de trabalho; a

cooperação entre a redação e o jornalista, para alimentar o prazer em desenvolver a

sua atividade e produzir o máximo de notícias possíveis, pois estas são o valor máximo

da carreira de jornalista, são outros temas desenvolvidos.

Na redação do Amanhã, todos os colegas de trabalho aceitam a

condição imposta pelo diretor de que o jornal tem como objetivo beneficiar o dono da

publicação, recolhendo informações prejudiciais aos grupos de elite da Itália, com a

54
exceção de Maia. A personagem, que aceitou o emprego aspirando uma carreira séria

no jornalismo, não concorda com tais práticas impostas à redação e manifesta sua

opinião sempre que encontra uma oportunidade.

- Com licença – perguntou Maia timidamente -, mas o nosso editor


aprova ou aprovará essa política, digamos, dossierística e de insinuações?
Estou perguntando só para saber.

- Não precisamos prestar contas de nossas escolhas jornalísticas ao editor –


reagiu Simei irritado. – O Comendador nunca tentou me influenciar de
modo algum. Ao trabalho, ao trabalho (ECO, 2015, p. 129).

As pautas de Maia são refutadas por Simei, argumentando que

elas não possuem retorno nenhum para o Comendador, sobrando, assim, a seção de

horóscopo e de fofocas para a jornalista. Braggadocio desenvolve uma implicância com

Maia, ficando irritado quando ela fala qualquer coisa durante as reuniões, comentando

com Colonna que provavelmente ela seja autista.

O único relacionamento que Maia desenvolve entre os colegas

de trabalho é com Colonna, com quem ela se envolve amorosamente. Colonna

também não concorda com as práticas jornalísticas adotadas por Simei, mas faz o que

é preciso para continuar no emprego, graças ao seu salário. Ao longo da trama, ambos

dão força um ao outro, e encontram uma válvula de escape para a rotina da redação.

As punições aplicadas a Maia por não se adequar às normas

editoriais da empresa, não buscam a sua socialização, não ajudam a estabelecer

qualquer vínculo amigável ou de respeito com os colegas de trabalho ou com Simei,

não a fazem aspirar por uma posição melhor dentro do jornal, mas aumentam os

55
conflitos dentro do ambiente de trabalho e eliminam qualquer tipo de prazer que ela

possa sentir no exercício da função.

4.2.4 Construção da imagem do público alvo

Darnton (1990) relata sua experiência como jornalista, no The

New York Times, em que os jornalistas achavam que os editores esperavam que eles

escrevessem para a figura imaginária de uma garota de doze anos de idade. O

significado desta imagem é que a reportagem precisa ser a mais legível possível para

leitores, mas isso não constava dos manuais de redação, existia apenas na imaginação

dos jornalistas.

Ainda que tendo imagens invocadas pela ciência social sobre o

público alvo, no fundo, Darton e os jornalistas do The New York Times escreviam para

os outros jornalistas, acreditando que as matérias deveriam ser bem elaboradas e que

agradassem aos maiores críticos da profissão: os próprios profissionais da

comunicação. O respeito à verdade, em razão do direito do público em conhecê-la, é

um dos artigos que constam da Declaração dos Deveres dos Jornalistas da FIJ,

firmando o comprometimento social que o jornalismo possui com a sociedade e com

seus leitores, mas raramente ele é respeitado.

Simei define os leitores do Amanhã como “mais de cinquenta

anos, honestos burgueses que desejam a lei e a ordem, mas adoram fofocas e

revelações sobre várias formas de desordem” (ECO, 2015, p. 32). Durante as reuniões

de redação, o diretor dá a entender que algumas pautas não poderão ser publicadas,

56
pois o público alvo não irá compreender o que está sendo dito. Um exemplo é a

proposta da Maia em escrever uma matéria sobre os primeiros finalistas do prêmio

Strega5 de literatura. Simei respondeu:

Simei: Não podemos tratar demais de cultura, os nossos leitores não


leem livros, no máximo a Gazzetta delo Sport. Mas, concordo, o jornal não
pode deixar de ter uma página, não digo cultural, mas digamos de cultura e
espetáculo. No entanto, os fatos culturais relevantes devem ser
apresentados em forma de entrevista. Entrevista com o autor é
tranquilizadora, porque nenhum autor fala mal do próprio livro, portanto o
leitor não fica exposto a espinafrações rancorosas e prepotentes. Além
disso, ele depende das perguntas, não se deve falar demais do livro, mas
fazer o escritor ou escritora aparecer, quem sabe até com os seus tiques e
fraquezas. (...) Faça do maldito livro uma coisa humana que mesmo a dona
de casa consiga entender, e assim não terá remorsos se não ler; aliás, quem
é que lê os livros que os jornais resenham, em geral nem o resenhista, isso
quando o próprio autor o lê, porque, olhando certos livros, a gente às vezes
acha que nem ele leu (ECO, 2015, p. 67 e 68).

Outras características atribuídas ao público é que ele não

integra “a associação de ateus e racionalistas” (ECO, 2015, p. 178) e que a linguagem

dos leitores não é a dos intelectuais, subestimando a inteligência dos principais

consumidores do seu conteúdo.

5
Informações sobre o prêmio Strega: goo.gl/l5Ocqq

57
5 CONCLUSÃO

O objetivo deste trabalho de pesquisa foi analisar a

representação do jornalismo no último romance publicado por Umberto Eco em vida:

Número zero. O livro, como o próprio autor declarou em entrevista, reúne seus 30

anos de estudos sobre comunicação de massa e vícios jornalísticos e sua experiência

dentro das redações de grandes jornais, criando, com muita ironia, uma sátira da

profissão.

Além de traçar um breve perfil do italiano Umberto Eco,

mostrando sua relevância no meio acadêmico e literário, os procedimentos

metodológicos adotados por esta monografia foram dois: a pesquisa documental e a

análise de conteúdo. O primeiro método foi necessário para fixar uma base teórica

sobre o jornalismo, buscando seus princípios e conceitos. Nesta etapa também foram

levantadas informações sobre a ética aplicada à profissão, abordando seus deveres e

direitos como seu aspecto essencial, numa sociedade democrática.

A finalidade da segunda metodologia foi explicar o enredo do

objeto de estudo, detalhadamente, e analisar o seu conteúdo, comparando-o com os

dados levantados anteriormente sobre o jornalismo. O foco deste procedimento foi

dividido em quatro partes: os critérios de noticiabilidade dentro do jornal fictício da

trama; as práticas jornalísticas identificadas nos discursos da personagem Simei; as

relações pessoais entre os jornalistas, no ambiente de trabalho; e a construção da

imagem dos consumidores da publicação.

58
Realizados os procedimentos metodológicos, o autor deste

trabalho de pesquisa conclui que o jornal fictício criado por Umberto Eco, no livro

Número zero, fere o Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros, assinado pela

Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ), e a Declaração dos Deveres dos

Jornalistas, adotada pela Federação Internacional dos Jornalistas (FIJ). Artigos previstos

nos documentos, como o respeito à verdade, em razão do direito do público de

conhecê-la; a retificação de informações inexatas; a condenação da divulgação de

informações visando vantagens ou interesses pessoais; e o respeito à pessoa e o

combate a qualquer forma de discriminação ou preconceito, são transgredidos

permanentemente pela redação da publicação.

O motivo destas atitudes que vão contra a ética jornalística

está no objetivo principal da criação do jornal: beneficiar o acionista e editor do jornal,

o Comendador Vimercate, reunindo informações que possam ser usadas como

instrumento de chantagem contra figuras poderosas e, assim, entrar para o grupo de

elite da Itália. Na perspectiva política de esquerda, sobre a teoria da ação política,

Chomsky e Herman (1979) explicaram que a influência macroeconômica nas empresas

jornalísticas provoca uma distorção das informações e torna o jornalista um agente

passivo no processo de produção das notícias.

O jornal retratado no romance chama-se Amanhã, título que

carrega um sentido irônico explicado por Simei em certa parte da trama: “Parece um

lema para os nossos governos: cuidamos disso amanhã” (ECO, 2015, p. 23).

As principais atitudes antiéticas, dentro do jornal, vêm de

Simei, diretor da publicação e responsável pela intermediação entre o Comendador e

59
as atividades dos jornalistas. A personagem é responsável por esclarecer quais práticas

jornalísticas serão adotadas no trabalho e seleção de pautas. Em seus discursos, Simei

incentiva a manipulação da opinião pública através do uso de citações dentro das

matérias e na organização das notícias nas sessões da publicação, a busca por

informações que possam prejudicar figuras públicas e deslegitimar leitores que

mandem cartas antes tendo alguma informação mal apurada.

O trabalho de Simei ainda envolve derrubar pautas que não

beneficiariam de maneira alguma o acionista do jornal, como o artigo sobre vendas de

títulos falsos de nobreza para as pessoas, vetada pelo motivo de Vimercate ter

conseguido o título de Comendador através desse tipo de transação, ou a investigação

sobre um restaurante que possa estar sendo usado como ponto de lavagem de

dinheiro, alegando que esse tipo de história colocaria muitos grupos poderosos contra

o Comendador.

Por outro lado, há a personagem Maia Fresia, uma das

jornalistas contratadas para fazer parte do Amanhã. Maia decidiu aceitar o emprego

para tornar-se uma jornalista mais séria, querendo fugir de sua experiência dentro de

revistas de fofocas. Perante os discursos de Simei, e percebendo as verdadeiras

intenções da publicação, a personagem questiona os métodos adotados pelo jornal e

se escandaliza com algumas práticas executadas na redação. As pautas sugeridas por

Fresia são derrubadas por Simei, por não trazerem benefícios para o Comendador, e

ela começa a ser hostilizada pelo diretor e pelo colega Braggadocio, o que a deixa cada

vez menos entusiasmada de que possa fazer um trabalho relevante.

60
O romance de Umberto Eco é uma crítica ao jornalismo

pautado pelas grandes empresas e especializado em difamar figuras públicas, como

tabloides que espetacularizam a vida da família real britânica. Mesmo tratando-se no

livro sobre um pequeno jornal que está trabalhando nas suas edições teste, o autor

afirmou que alguns de seus amigos jornalistas identificaram as práticas empregadas na

redação fictícia dentro de grandes jornais da vida real.

61
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