Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
SÃO PAULO
2022
Isadora Albano Fernandes
SÃO PAULO
2022
AGRADECIMENTOS
Ao meu irmão Mateus, que vem sempre em primeiro lugar. Meu parceiro de vida me
ensinou a ler e escrever, me permitiu traduzir o mundo e o digerir, para então devolvê-lo
transformado. Me ensinou o valor de ser justo, a gostar de ganhar, e principalmente a
crescer nas derrotas. Me ensinou que para ser grande, sê inteiro.
Ao meu pai Marcelo, que me ensinou a gostar da escrita e escolher com precisão
quais palavras combinar. Me transmitiu o ser passional, a entrega total e completa ao que
se ama, a esperança de outro mundo própria dos românticos. Me ensinou a percorrer por
mares nunca dantes navegados.
A minha mãe Carla, minha psicóloga favorita, que inconscientemente me levou à
Psicologia, tamanha admiração que tenho por ela e pelo que faz, pelo que cuida e pelo que
é. Minha flor de cerejeira, minha água morna nos pés, abraço no meio da noite e remédio
para a febre. Me ensinou que as coisas findas, muito mais que lindas, essas ficarão.
À Júlia, minha virada de chave, que me levou para ver um pouco para além da onda
quebrando, o horizonte infinito do oceano. Me ensinou que estão para inventar um mar
grande o bastante que me assuste.
À Lurdinha, Ana Bock e Graça, por quem nutro respeito, admiração, carinho e afeto.
Foram elas minhas mentoras durante esses cinco anos e me deram instrumentos para
transformar a realidade.
À Macris, orientadora de todo esse projeto escrito, pela paciência, compreensão e
companhia.
Do rio que tudo arrasta, diz-se que é violento.
Mas ninguém chama violentas as margens que
o comprimem
(Bertold Brecht)
RESUMO
1 INTRODUÇÃO .................................................................................................. 6
2 MÉTODO ......................................................................................................... 10
3 DESENVOLVIMENTO .................................................................................... 12
REFERÊNCIAS............................................................................................................ 41
6
1 INTRODUÇÃO
2 MÉTODO
3 DESENVOLVIMENTO
e entende-se que o país assim é: a violência é marca da história brasileira, mas não é
fenômeno natural. A naturalização desconsidera o contexto e a construção histórica, além
de se opor à noção de que o trágico cenário pode ser transformado. Essa transformação
seria a implicação na garantia de direitos, e não o endurecimento de medidas penais aqui
apresentadas.
Ao desnaturalizar o fenômeno e buscar apreender suas múltiplas determinações faz-
se necessária a investigação da relação entre pobreza, negação de direitos e violência.
Segundo o Atlas da Violência de 2018 (IPEA, 2018), as cidades com maiores taxas de
violência no Brasil têm nove vezes mais pessoas na extrema pobreza do que as com
menores taxas de violência. Nas cidades menos violentas, a porcentagem de pessoas sem
saneamento básico é de 0,5%, contra 5,9% nas cidades mais violentas. Além disso, o Atlas
da violência de 2021 (IPEA, 2021) expõe as proporções raça/cor: no Brasil, a taxa de
mortalidade de mulheres negras é 65,8% superior à de não negras.
Apesar de naturalizado e desconsiderado na historicidade, o fenômeno social da
violência pode ser observado pela população. Embora percebido, é uma percepção
fragmentada, visto que não concebe as inúmeras determinações do fenômeno. O senso
comum é sábio à medida que parte de vivências objetivas do sujeito, porém mecanismos
diversos, em sua maioria ideológicos, o impede de desnaturalizar o fenômeno e percebê-lo
produzido em multideterminação. O perigo da percepção fragmentada da realidade é a
manutenção do status quo, já́ que conhecer as determinações – as quais o sujeito não
escolhe – permite-o conhecer também as possibilidades de atuar no enfrentamento destas
– e aqui ao sujeito é possibilitado escolher alternativas. O processo de alienação, porém,
não é característica própria do sujeito, mas sim fator do modo de produção capitalista
interessado em mantê-lo estranhado de si e, despotencializado na possibilidade de pensar,
refletir e alterar a consciência e, assim, potencializar postura crítica e combativa às
questões sociais como a apresentada.
A produção ideológica descrita universaliza o sujeito, naturalizando-o, e deixa de
apontar para a produção de desigualdade social e negação de direitos. Por meio da fala é
possível apreender as significações, as quais servem de via de acesso por onde acessamos
os elementos subjetivos. Os elementos denunciam noções de violência produzidas
socialmente e de que forma estas mantêm e produzem tolerância a desigualdades e
violências estruturais.
16
1
Em inglês, Media Ownership Monitor
18
Marilena Chauí (2016) diz que há, no Brasil um mito poderoso da não-violência. O
mito, calcado no período da colonização, sustenta ideologias e expressa narração da
sociedade sobre si mesma, ao mesmo tempo que fornece soluções imaginárias para
contradições que não encontram outra resolução no plano real. O mito é responsável pela
narração de si como um povo alegre, generoso, acolhedor, miscigenado e respeitoso com
as diferenças. Nesse aspecto, porém, a autora capta contradição: o mito da não-violência
se mantém, mesmo que a violência real impacte o cotidiano no país, somada à ampla
divulgação na mídia. A partir dessa contradição, porém, o que é percebido é que a chave
da questão é justamente essa: é no modo de interpretação da violência que o mito encontra
meios para conservar-se. Graças a ele, admite-se a existência de fato da violência e pode-
se, ao mesmo tempo, fabricar explicações para denegá-la no instante mesmo em que é
admitida.
Ainda segundo a filósofa, a conservação e atualização do mito no Brasil tem como
instrumento principal reduzir a violência à criminalidade. Dessa forma, ela permanece
invisível nos outros campos. Invisibiliza-se, assim, entre outros, a violência policial, a
seletividade do sistema penal, a contínua violação de direitos dos sujeitos mais pobres em
questão.
É possível perceber esse mecanismo nas falas aqui apresentadas dentro do
fenômeno populismo penal midiático. Por trás delas, percebe-se a manutenção do mito por
meio da distinção entre “nós” e “eles”. Trata-se o sujeito que comete crime como excluído
da verdadeira sociedade brasileira, os “cidadãos de bem” não-violentos, esses sim
humanos éticos e morais. Os que estão fora são desconsiderados como parte da
19
Quando partimos dessas definições, se evidencia a ideia por trás de falas comuns:
a classe renegada em seus direitos, os “vagabundos”, “bandidos”, “malandros”, isto é, a
“classe perigosa” não é considerada em seus direitos à vida, liberdade, propriedade e
igualdade perante a lei. A significação que se apreende é que estes não são merecedores
de direitos civis, políticos e sociais, não fazem parte da sociedade civil organizada, e estão
mesmo à margem, excluídos do seleto grupo, este sim, merecedor de direitos garantidos.
São, portanto, negados em sua condição de existência.
madeira, e com frequência batia com o instrumento na mesa como demonstração de sua
raiva. Esta, por sua vez, dirigida aos “criminosos” e ativistas de direitos humanos, segundo
ele, defensores de bandidos. Também ficaram marcados bordões e frases de efeito, como
“cadeia nele já”, e “não tem que construir mais cadeias, tem que construir mais cemitérios”.
Em alguns de seus vídeos disponíveis no Youtube, Alborghetti aparece dizendo que
“bandido bom é bandido morto, traficante bom é traficante morto” (ALBORGHETTI..., 2019),
e, em seguida, diz que “provou que o cara cometeu um crime hediondo, manda matar o
filho da puta [...] em vez de matar juiz, promotor, médico, a senhora, você que é jovem, a
sua namorada”. E completa dizendo que “o bandido tem direitos humanos, a família não
tem”. Por último, diz que “em vez de você morrer, em vez de um juiz federal, um promotor
público federal, promotor público estadual, um juiz estadual, um desembargador, um
médico, um operário, um boia fria, um gari, seja lá de qualquer camada social, de qualquer
credo religioso, não importa se você é espírita, católico, homossexual, prostituta, (...) ser
humano é ser humano, todo mundo tem direito”.
Ao analisar suas falas por meio das significações, percebemos o que está por trás,
o não dito. Quando o apresentador diz que ser humano é ser humano e todo mundo tem
direitos, ao mesmo tempo que instiga a morte do “bandido”, está posto que o sujeito está
em condição sub-humana, ou seja, é menos do que ser humano, menos que um sujeito de
direitos como “todos” os demais. É possível apreender a mesma noção quando Alborghetti
diz que em vez de matar certos cidadãos, colocados em seu grupo considerado de valores
morais, que mate o “bandido”, sendo este descartável e desconsiderado em sua existência,
mesmo que a pena de morte não seja legal no Brasil.
O apresentador, também, ao final de sua fala, cita profissões como gari, operário e
boia fria. Dessa forma, Alborghetti atrai as classes populares para se colocar como
representante dos interesses destas, quando, em realidade, a concepção de sociedade e
sistema penal do apresentador refletem uma lógica que oprime e desfavorece os mais
pobres.
grandes placas que simulam grandes documentos de CPF (Cadastro de Pessoa Física).
Representando a própria identidade do sujeito, o documento em grande escala é
atravessado por uma faixa vermelha que diz “CPF cancelado”, enquanto os presentes
comemoram e cantam em comemoração às mortes de “criminosos” pela polícia. O jingle
ao fundo acompanha a cena: “CPF cancelado, que coisa boa, CPF cancelado para alegria
do coroa; CPF cancelado, daqui a pouco tem mais, vamos encher de bandido a casa de
Satanás” (MÚSICA..., 2021).
Em entrevista à Folha de São Paulo (ZANINI, 2021), o professor e coordenador do
grupo Jornalismo, Direito e Liberdade da Escola de Comunicações e Artes da Universidade
de São Paulo, Vitor Blotta, aproxima Sikêra Jr., José Luiz Datena e Marcelo Rezende ao
analisar a linguagem. Blotta diz que
Sikêra Junior repete o mesmo modelo de jornalismo descrito, mas com o diferencial
do humor. Utiliza-o também como mecanismo ideológico, pois vai, de forma leve,
descontraída e envolvente, transmitindo seu conjunto de ideias.
José Luiz Datena é um dos principais e mais conhecidos nomes dentro do populismo
penal midiático. Além de jornalista, radialista e apresentador de televisão, é atual (2022)
candidato pelo Senado em São Paulo, filiado ao Partido Social Cristão. Não é, porém, sua
estreia na política: Datena já esteve na lista de candidatos nos pleitos dos anos de 2016,
2018 e 2020, mas desistiu da disputa. Como apresentador, por sua vez, iniciou a carreira
em 1998 no programa Cidade Alerta, da RecordTV. Atualmente apresenta o programa
Brasil Urgente, da Rede Bandeirantes. (DATENA, 2022).
Em referência ao apresentador, há um conceito que descreve o típico modelo de
jornalismo abordado na pesquisa chamado de “datenismo”. Para Barbosa (2014, s. p.),
Datena diz: “esse deu azar. (...) esse bandido foi para o ‘beleléu’, morreu. Ele tinha a opção
de se entregar, não, foi atirar, morreu (...) a polícia reagiu, claro”. Em seguida, o
apresentador questiona: “sabe quantas passagens esse cara tinha pela polícia? Sabe
quantas? Vinte e uma passagens pela polícia! (...) agora se deu mal, morreu, foi embora.
Esse não sai mais da cadeia, até porque não vai precisar nem entrar”. Sobre a ação policial,
Datena completa: “ele queria o que? Que a polícia desse um ramo de orquídeas para ele?”.
Percebe-se ideias centrais nesse discurso: visto que o acusado entrou em confronto com a
polícia, o apresentador entende como justificada a ação policial. Não são discutidas outras
formas de lidar com o conflito, senão matar ou encarcerar. Além disso, quando Datena
expõe as “vinte e uma passagens” do acusado, ele, mesmo sem dizer, está dizendo que é
mais um fator que justifica a ação policial. Outra concepção percebida é que a alternativa
do policial não atirar é entendida como “dar um ramo de orquídeas”, e não como respeito
aos direitos básicos. Por útimo, Datena nomeia a ação policial como “reação” e a do
acusado como “ataque”, mais uma vez invertendo o real, visto que a polícia detém
instrumentos mais poderosos do que o homem que foi morto, sejam eles materiais ou a
própria opinião pública.
É comum no Brasil Urgente o diálogo ao vivo com policiais militares. Sobre o caso
descrito no vídeo mencionado acima, o policial conversa com Datena e diz: “essa situação
do criminoso atirar contra o policial (...) já demonstra esse desprezo pela vida da pessoa”,
e que “o policial teve que agir em defesa própria”. Completa dizendo que “tem que quebrar
essa imagem romanceada do criminoso, que o criminoso é simplesmente uma vítima, um
coitado, mas a polícia está aí para preservar a sociedade”. Nota-se a exclusão desses
sujeitos da sociedade na concepção analisada na presente pesquisa, visto que, ao
comentar uma ação policial em que foi morto um homem em confronto, reitera-se o papel
preservador e protetivo da polícia, ou seja, a noção de que o chamado “bandido” está além
da sociedade, que deve e merece ser preservada, garantida, protegida.
Em entrevista ao portal de notícias UOL (DATENA..., 2017), Datena responde
declaração o apresentador Reinaldo Gottino. Gottino apresentou de 2014 a 2019 o
programa Balanço Geral, pela RecordTV, também programa policial. Em entrevista para o
jornalista Mauricio Stycer (STYCER, 2017), Gottino afirmou que se diferencia de outros
apresentadores de programas policiais, visto que se diz “a favor da vida” e se coloca contra
às ideias que foram resumidas, por ele, na frase “bandido bom é bandido morto”. José Luiz
Datena respondeu tal declaração dizendo que é muito fácil falarem o “politicamente
correto”. Em sua resposta, Datena diz que: “chega de dar moral ao bandido, temos que
27
tratar bandido como bandido e o cidadão, como cidadão” (DATENA..., 2017). Percebe-se
na fala, novamente, a noção de que os chamados “bandidos” não são cidadãos, mas classe
renegada em dignidade e direitos básicos: não merecem nada que não a insalubridade do
cárcere ou a morte.
Em março de 2022, a TV Record foi condenada a pagar R$1 milhão por incitação à
violência em primeira instância. A condenação se deu por conta de uma reportagem
apresentada por Marcelo Rezende no programa Cidade Alerta, uma perseguição policial
seguida de morte transmitida ao vivo em junho de 2015. A condenação pela Justiça Federal
de São Paulo foi por danos morais coletivos. (PAGNAN, 2022).
Durante a perseguição policial transmitida (ATIRA..., 2022), o apresentador pede
para que a polícia atire nos “suspeitos”: “atira, meu camarada, é bandido!”. Em outro
momento, Marcelo Rezende descreve a cena para o telespectador: “são dois ladrões em
uma moto [...] vai sair tiro, hein! [...] se é nos Estados Unidos, atiram!”. Ao final da
perseguição, que dura em média quinze minutos, os policiais atiram em dois homens
deitados que caem da moto segundos antes dos disparos. Os tiros são transmitidos ao vivo
e, depois, repetidos.
Depois dos disparos, o apresentador diz que “se ele atirou é porque o bandido estava
armado [...] e ele fez muito bem, ele tem que defender a vida dele”. Aqui se repete a noção
de que a vida dos “suspeitos” vale menos que a do policial, o qual está na função da garantia
dos interesses de manutenção da dominação de classes encobertas na ideologia em
questão. Para incrementar essa noção, o apresentador diz: “no momento que ele defende
a própria vida, ele nos defende do crime”.
Outras falas seguem na justificativa do assassinato cometido pelo policial:
cuidado para não atropelar ninguém, não subir na calçada”. Marcelo também diz que o
“policial militar é bem treinado”. Nesse trecho é possível perceber o mecanismo ideológico
da completa inversão do real: o policial merece honrarias por matar dois homens, e ainda
é parabenizado pelo cuidado com os pedestres e a calçada. É escancarada a concepção
de que as vidas perdidas valem muito pouco.
Em resposta à sentença do Ministério Público, a TV Record afirma que (PAGNAN,
2022, s. p.)
[...]
[...]
Parece escancarada a noção de que a vida desses sujeitos vale muito pouco. Porém,
com o instrumento dos mecanismos ideológicos de ocultar, inverter e naturalizar o
fenômeno, grande parte da população participa do acordo de manutenção do status quo.
Dessa forma, os interesses particulares se vendem como universais, e o que se vê é a
perpetuação da desigualdade social e dominação de uma classe sobre outra, o genocídio
e encarceramento da população negra e pobre.
brasileiros mortos por intervenção policial em 2020, 78,9% eram negros. A taxa de
letalidade em operações policiais é 2,8 vezes maior entre negros do que entre brancos.”
Pretos e pardos representam 4,2 vítimas a cada 100 mil habitantes, já entre os brancos,
esse número é de 1,5 a cada 100 mil. Pessoas negras são as principais vítimas dessas
ações em pelo menos 36 das 50 cidades com mais ocorrências de operações policiais no
país.
A cidade do Rio de Janeiro é a primeira no ranking, em números absolutos. De
acordo com o levantamento, 415 pessoas morreram por intervenção policial na capital
fluminense no ano passado. Destas, 82,2% eram pretas ou pardas. O dado acima evidencia
a política de segurança pública de Wilson Witzel no Rio de Janeiro, com o número
alarmante de 82,2% de pretos ou pardos nas vítimas de intervenções policiais. (BARRETO,
2021).
Outro exemplo do mecanismo ideológico de transmissão de ideias de forma
“sorrateira”, percebe-se que quando Witzel diz que “nós, cidadãos” (PENNAFORT, 2018),
ele está marcando a posição dele e de quem está com ele do lado do “bem”, do lado de
quem tem direitos, de quem é parte da sociedade. Dessa forma, ele transmite a noção
excludente, que coloca os chamados “bandidos” à margem desse grupo contornado e
merecedor de direitos. O ex-governador também expõe um discurso comumente visto de
que os “bandidos” recorrem à criminalidade por “atalho” (idem), transmitindo ao trabalhador
que é maioria da população a ideia de que os “criminosos” são nada mais que vagabundos,
os quais não querem trabalhar, ocultando as múltiplas determinações da criminalidade que
ultrapassam a concepção culpabilizante e individual da má vontade, do atalho. O
trabalhador se vê, dessa forma, desidentificado com o “bandido” e se identifica com o
discurso que, aparentemente, vangloria o trabalhador. A verdade é que o proletariado
brasileiro é, ao menos em grande parte, negado em seus direitos assim como os que
acabam envolvidos na criminalidade, diferente do governador imerso em privilégios de
classe.
É possível concluir, portanto, que a política de segurança pública do Rio de Janeiro
de Wilson Witzel não se sustenta ou é aceita sozinha. No outro polo da dialética entre
subjetividade e objetividade são percebidos discursos que transmitem noções e
concepções, os quais vão garantindo que a maioria da sociedade permita que se perpetue
o genocídio e encarceramento em massa da população negra, o alto índice de mortes por
policiais, o racismo estrutural e a dominação de uma classe sobre a outra.
33
Jair Messias Bolsonaro foi eleito, em 2018, o 38º presidente do Brasil. Bolsonaro
começou sua carreira como militar no município de Resende, no Rio de Janeiro.
Posteriormente, serviu a grupos do Exército Brasileiro e transferiu-se para a reserva militar
em 1988 no posto de capitão. Sua carreira política teve início nesse período, ocupando seu
primeiro cargo iniciado em 1889 como vereador do Rio de Janeiro, pelo Partido Democrata
Cristão. Já no ano seguinte, foi eleito a deputado federal pelo Rio de Janeiro, cargo que
ocupou de 1991 a 2019, somando seis reeleições (JAIR BOLSONARO, 2022). Em 27 anos
como deputado, Jair Bolsonaro teve somente dois projetos aprovados dentre os 170
apresentados, entre os quais a proposta de suspender o uso do nome social para travestis
e transexuais. (BASTIAN, 2018).
Nos 27 anos como deputado federal, Jair Bolsonaro não era conhecido por grande
parte da população brasileira. Seu destaque, por enquanto, era por seu conforto em
desrespeitar a população LGBT. Durante a discussão na Câmara da “Lei da Palmada”,
projeto de lei que proíbe agressão às crianças, Bolsonaro, então filiado ao Partido
Progressista (PP-RJ), em 2010, disse: “Se o filho começa a ficar assim, meio gayzinho, [ele]
leva um couro e muda o comportamento dele” (PALMADA..., 2010, s. p.).
A grande notoriedade, porém, chegaria anos depois, durante a votação pelo
impeachment de Dilma Rousseff (PT) em 2016, para o qual Bolsonaro votou a favor no
Congresso Nacional. Na ocasião, os votos dos deputados fugiram dos esperados “sim” ou
“não” ao microfone, e passaram a ser acompanhados de discursos e frases como “[...] pelo
meu pai, que sofreu tanto na mão do PT, [...] eu digo sim”, da deputada Mara Gabrilli, então
do PSDB-SP; “[...] meus filhos, Estevão, Amanda, pela minha esposa, pelos meus pais [...]
eu digo sim”, do deputado Fábio Souza então do PSDB-GO; “[...] pelos meninos do MBL,
pelo Vem pra Rua, dizendo que o Olavo tem razão, [..] dizendo tchau ao PT, partido das
trevas, eu voto sim”, do deputado Marco Feliciano, então do PSC-SP. (VEJA FRASES...,
2016). O voto de Bolsonaro, então do Partido Social Cristão foi inaugurador daquela figura
que viria a presidir o país. Na íntegra:
Nesse dia de glória para o povo tem um homem que entrará para a história.
[...] Parabéns, presidente Eduardo Cunha. Perderam em 1964 e agora em
2016. Pela família e inocência das crianças em sala de aula que o PT nunca
teve, contra o comunismo, [...] o Foro de São Paulo e em memória do coronel
Carlos Alberto Brilhante Ustra, o pavor de Dilma Rousseff, [...] pelo Brasil
acima de tudo, e por Deus acima de todos, o meu voto é sim. (VEJA
FRASES..., 2016, s. p.)
34
Carlos Alberto Ustra foi coronel da Ditadura Militar que comandou o Centro de
Operações de Defesa Interna (Doi-Codi), centro de torturas e assassinatos do regime
militar, subordinado ao Exército brasileiro. A referência ao torturador como “terror de Dilma
Rousseff” se deve ao fato de que a ex-presidenta foi torturada no período da Ditadura
Militar. Em suas palavras
mesma forma que o vice-presidente, e nem dignos de seus direitos assegurados. Outra
noção que se percebe é a comum ideia de uma “guerra” entre os chamados “bandidos” e
os policiais. O que aparenta com essa ideia é que exista uma igualdade de condições para
lutar, sem explicitar que a polícia é parte do Estado e não pode atuar de forma arbitrária e
assassina, sem contar o aparato armamentício, coletes a prova de bala, carros blindados,
entre outros.
O massacre também foi comentado pelo presidente Jair Bolsonaro, que, em sua rede
social Twitter, parabeniza a Polícia Civil do Rio de Janeiro e comenta:
Nossas homenagens ao Policial Civil André Leonardo, que perdeu sua vida
em combate contra os criminosos. Será lembrando pela sua coragem, assim
como todos os guerreiros que arriscam a própria vida na missão diária de
proteger a população de bem. Que Deus conforte os familiares!
(BOLSONARO, 2021b)
Aqui é percebida a diferença na forma que Jair Bolsonaro fala da morte dos 29
moradores da favela do Jacarezinho e da morte do policial civil André Leonardo. Este último
é citado com nome e sobrenome, e é prestada uma homenagem. Diferente dos 29 mortos,
que não são, para ele, vítimas de um massacre, mas “traficantes que roubam, matam e
destroem famílias”. Dessa forma, é transmitida que algumas vidas valem mais que outras.
Em seguida, Jair Bolsonaro diz com clareza que a mídia, e a esquerda iguala traficantes a
cidadãos comuns, que para ele são diferentes: os traficantes, para ele, são negados em
direitos e existência.
Em 25 de maio de 2022, Genivaldo de Jesus foi assassinado em uma câmara de
gás improvisada produzida por Policiais Federais de Sergipe. (ASSASSINATO DE
GENIVALDO, 2022). Na ocasião, os policiais pediram para que Genivaldo parasse sua
motocicleta, visto que não usava capacete. Segundo o sobrinho da vítima, Genivaldo
“atendeu todos os comandos”, e, ao ser xingado, reage à abordagem e é imobilizado com
as pernas em seu pescoço. A tortura, então, se inicia, com uso de spray de gás de pimenta,
enforcamento, chutes, pisões na cabeça. Testemunhas alegam que as agressões duraram
cerca de trinta minutos, até que o homem é colocado dentro da viatura com bomba de gás
lacrimogênio dentro. Nesse momento, Genivaldo morre por asfixia. Sobre esse caso,
Bolsonaro comenta: “ao abater esse marginal, realmente vocês foram por uma linha
37
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Paulo, acerca do mesmo episódio, a manchete diz que “vítimas do Jacarezinho tinham ficha
criminal ou envolvimento com o tráfico relatado por parentes, diz polícia” (NOGUEIRA,
2021). Não muito tempo depois, a operação Vila Cruzeiro, também no Rio de Janeiro,
deixou mais de 20 mortos: “Mais de 20 pessoas morreram na ação; a maioria, segundo a
polícia, era de suspeitos” (LEITÃO; COELHO, 2022). O que está oculto nas manchetes
apresentadas é a mesma concepção de trazida nas vozes de Alborghetti, Wagner Montes,
Datena, Sikêra Jr., Marcelo Rezende, Wilson Witzel e Bolsonaro: algumas vidas valem
menos do que outras.
REFERÊNCIAS
“ESSES BAILES não deveriam existir mais” diz Datena. Apresentação: José Luiz
Datena. Publicado pelo canal Brasil Urgente, Youtube, 2019. Disponível em:
https://youtu.be/_KZzMsHKXzs. Acesso em: 20 mai. 2022.
ALBORGHETTI Bandido bom é bandido morto. Publicado pelo canal Funny Videos,
Youtube, jan. 2017. Disponível em: https://youtu.be/DskUz5lP6ys. Acesso em 16 jun.
22.
ALVES, Raoni. Estudo diz que 86% dos mortos em ações policiais no Rio de Janeiro
são negros, apesar de grupo representar 51,7% da população. Portal de notícias G1,
Rio de Janeiro, 14 de dezembro de 2021. Disponível em: https://g1.globo.com/rj/rio-
de-janeiro/noticia/2021/12/14/estudo-diz-que-86percent-dos-mortos-em-acoes-
policiais-no-rj-sao-negros-apesar-de-grupo-representar-517percent-da-
populacao.ghtml. Acesso em: 10 jun. 2022.
BARRETO, Elis. Mortes de negros em ações policiais no Brasil são 2,8 vezes maiores
que de brancos. CNN Brasil, Rio de Janeiro, 24 de novembro de 2021. Disponível
em: https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/mortes-negros-acoes-policiais-brasil-vezes-
maiores-brancos/. Acesso em: 10 jun. 2022.
BOLSONARO defende PRF sobre Genivaldo e diz querer 'justiça sem exageros' em
caso. Publicado pelo canal UOL. Youtube, 30 de maio de 2022. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=jm0ZOa_HEHU. Acesso em: 10 jun. 2022.
BOLSONARO diz que se eleito ‘bandidagem vai morrer’ porque União não repassará
recursos para direitos humanos. Portal de Notícias G1, Araçatuba e Brasília, 23 de
agosto de 2018. Disponível em: <https://g1.globo.com/sp/sao-jose-do-rio-preto-
aracatuba/noticia/2018/08/23/bolsonaro-diz-que-bandidagem-vai-morrer-em-seu-
governo-porque-uniao-nao-repassara-recursos-para-direitos-humanos.ghtml>. Acesso
em: 10 jun. 2022.
DATENA comenta sobre ladrão morto em tiroteio. Publicado pelo canal Brasil Urgente,
Youtube, 2 de setembro de 2019. Disponível em: https://youtu.be/lo-ueQyFbY0.
Acesso em 28 mai. 2022.
GONÇALVES, Maria da Graça; BOCK, Ana Mercês Bahia. A dimensão subjetiva dos
fenômenos sociais. In: BOCK, Ana Mercês Bahia; GONÇALVES, Maria da Graça
(Orgs.). A dimensão subjetiva da realidade: uma leitura sócio-histórica. São Paulo:
Cortez, 2009. p.116-157.
KANTAR IBOPE MEDIA, maio e junho de 2022. Dados de audiência PNT TOP 10
com base no ranking consolidado. Disponível em
https://www.kantaribopemedia.com/dados-de-audiencia-pnt-top-10-com-base-no-
ranking-consolidado-30-05-a-05-06-2022/. Acesso em: 25 de maio de 2022.
KIEFER, Sandra. Documentos revelam detalhes da tortura sofrida por Dilma em Minas
na ditadura. Estado de Minas, Minas Gerais, 17 jun. 2012. Disponível em:
https://www.em.com.br/app/noticia/politica/2012/06/17/interna_politica,300586/docume
ntos-revelam-detalhes-da-tortura-sofrida-por-dilma-em-minas-na-ditadura.shtml.
Acesso em: 10 jun. 2022.
MARTINES, Fernando. Brasil tem superlotação carcerária de 166% e 1,5 mil mortes
em presídios. Consultor Jurídico, Brasil, 22 de agosto de 2019. Disponível em:
https://www.conjur.com.br/2019-ago-22/brasil-lotacao-carceraria-166-15-mil-mortes-
presidios. Acesso em: 10 jun. 2022.
MPF pede condenação de apresentador Sikêra Júnior por discurso de ódio contra
mulheres. O Globo, Rio de Janeiro, 7 jun. 2021. Disponível em:
https://oglobo.globo.com/brasil/celina/mpf-pede-condenacao-de-apresentador-sikera-
junior-por-discurso-de-odio-contra-mulheres-1-25050391. Acesso em: 28 mai. 2022.
MÚSICA nova do CPF cancelado!. Publicado pelo canal Sikera Junior, Youtube, 30
abr. 2021. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=S7rpeIqht1g. Acesso
em: 28 mai. 2022.
PALMADA muda filho “gayzinho”, declara deputado federal. Folha de São Paulo, São
Paulo, 26 de novembro de 2010. Disponível em:
<https://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff2611201025.htm>. Acesso em: 10 jun.
2022.
PENNAFORT, Roberta. ‘A polícia vai mirar na cabecinha, e... fogo!’ afirma Wilson
Witzel. UOL, Rio de Janeiro, 1 de novembro de 2018. Disponível em:
https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2018/11/01/a-policia-vai-
mirar-na-cabecinha-e-fogo-afirma-wilson-witzel.htm. Acesso em: 10 jun. 2022.
RIBAS, Felipe. Na Jovem Pan, Bolsonaro diz que vai “entupir a cadeia de bandidos”.
Gazeta do Povo, Brasil, 9 de outubro de 2018. Disponível em: <
https://www.gazetadopovo.com.br/politica/republica/eleicoes-2018/na-jovem-pan-
bolsonaro-diz-que-vai-entupir-a-cadeia-de-bandidos-9cb650wxl5ct7zat0cknl3di7/>.
Acesso em: 10 jun. 2022.
SILVA, Camila Rodrigues et. al. População carcerária diminui, mas Brasil ainda
registra a superlotação nos presídios em meio à pandemia. Portal de notícias G1.
São Paulo, 17 de maio de 2021. Disponível em: https://g1.globo.com/monitor-da-
violencia/noticia/2021/05/17/populacao-carceraria-diminui-mas-brasil-ainda-registra-
superlotacao-nos-presidios-em-meio-a-pandemia.ghtml. Acesso em: 1 jun. 2022.
STYCER, Marcelo. “Não sou a favor de ‘bandido bom é bandido morto’”, diz Reinaldo
Gottino. UOL, 29 mar. 2017. Disponível em:
https://mauriciostycer.blogosfera.uol.com.br/2017/03/29/nao-sou-a-favor-de-bandido-
bom-e-bandido-morto-diz-reinaldo-gottino/. Acesso em 10 mai. 2022.
TORRES, Thiago. Jornalismo policial, porque você deveria parar de assistir.
Publicado pelo canal Chavoso da USP, 2020. Disponível em:
https://youtu.be/WjQfEDIXwTc. Acesso em: 3 mai. 2022.
VON HUNTY, Rita. Ideologia. Publicado pelo canal Tempero Drag, Youtube, maio de
2020. Disponível em: https://youtu.be/cowTCfoegsI. Acesso em: 28 de maio de 2022.
WITZEL diz que ‘em outros lugares do mundo’, poderia ter autorização para jogar
míssil em bandidos na cidade de Deus. Portal de notícias G1. Rio de Janeiro, 14 jun.
2019. Disponível em: https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2019/06/14/em-
discurso-witzel-fala-em-jogar-missil-em-traficantes-na-cidade-de-deus.ghtml. Acesso
em: 11 jun. 2022.
ZANINI, Fábio. Sikera Jr. quis ser Chacrinha e acabou rei do mundo cão com melo
‘CPF cancelado’. Folha de São Paulo, São Paulo, 2 de julho de 2021. Disponível em
<https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2021/07/sikera-jr-quis-ser-chacrinha-e-
acabou-rei-do-mundo-cao-com-melo-do-cpf-cancelado.shtml>. Acesso em: 1 jun.
2022.