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FORTALEZA
2015
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FORTALEZA
2015
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AGRADECIMENTOS
Ao Prof. Dr. Henrique Figueiredo Carneiro que me descobriu em novos mares, lançou-me à
outros mestres, e assim me fez vislumbrar minha praia, limite oceânico de minha própria
autoria.
Aos colaboradores direto, que me ajudaram a conduzir o timão, Edionara, Karolle, Manoela,
Maria Clara, Maria do Carmo, Sérgio, Smayly e aos estudantes que participaram
voluntariamente do estudo.
Às professoras doutoras, Karla Martins pela compreensiva e paciente escuta, Luciana Maia
Camargo pela crença e estímulo para uma entrada política e correta pelos oceanos
acadêmicos.
À Profa. Dra. Tereza Matos que me fez ver que uma viagem tem o momento de concluir e
alternados, que mais que apoio financeiro valeu pela inclusão no circuito da pesquisa
institucional.
À todos que colaboraram suportando minha ausência nesse período de travessia, incluindo
RESUMO
buscar suas origens e suas representações sociais. A expressão politicamente correto refere-se
a uma política que pretende tornar a linguagem neutra em termos de discriminação e evitar
atitudes que possam ser ofensivas e moralmente condenáveis pela sociedade contemporânea.
como em uma outra sua vertente, a de censura, ao indicar o uso de palavras corretas. Para a
como crivo analítico dos resultados, sendoa linguagem ofio condutor desse entrelaçamento
das evocações coletadas no TALP foram processadas pelo software IRaMuTeQ, sendo
preconceito a palavra mais associada pelos sujeitos investigados, seguida por negro. Conclui-
utilização da linguagem politicamente correta como uma regulação das relações sociais.
Contemporaneidade.
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ABSTRACT
The main purpose of this study is to investigate, seek the origins and the social representation
of the phenomenon known as the politically correct. The expression politically correct refers
to a policy that aims to make the language neutral in terms of discrimination as well as to
avoid behaviors that could be offensive and considered morally objectionable by the
contemporary society. In the media and in daily life the politically correct arises as a way to
promote the inclusion of minorities and toeliminate social inequalities and prejudices and
promote and human rights values, in other side it severs as censorship, to indicate the use of
right keywords. To collect the data we used the Social Representation, and psychoanalysis as
a tool to analytical scrutiny of results, in order to do so, the language was used as a link to
connect the conceptualentanglement that is the common raw material for both approaches.
procedures uin the form of free association of words test (TALP) that emerged in a study
group. Analyses of evocations collected in TALP was processed by IRaMuTeQ software, and
prejudice was the word most associated with the subjects investigated, followed by black. We
conclude that there is a linkage between the issue of prejudice that political correctness
combats and the unconscious return of the repressed content, because the black word
denounces that despite the politically correct censorship, image or social representation of
skinned person Dark returns in the mind of the subject. Through thestudy groups two
positions of political correctness arose one in defense of human rights and the other regarding
its effects as censorship. Categories such as language, power and guilt represented in
speeches, indicate acceptance and use of politically correct language as a tool to regulate
social relations.
LISTAS DE TABELAS
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO....................................................................................................... 11
REFERÊNCIAS....................................................................................................... 235
ANEXOS.................................................................................................................. 255
INTRODUÇÃO
Em 2004, durante o segundo ano do primeiro governo do presidente Luiz Inácio Lula
da Silva, foi lançado no Brasil, pela Secretaria Especial dos Direitos Humanos, um
documento intitulado Politicamente Correto & Direitos Humanos (Queiroz, 2004), destinado
mas por ter recebido críticas negativas, em sua maioria por parte da mídia e acadêmicos foi
determinou sua retirada de circulação, mas não apagou os seus efeitos de sentido que
correto e esses efeitos, um dos quais, foi a solidificação em solo brasileiro do movimento,
advindo dessa posição política por uma busca de igualdade social, como foi almejado pela
sujeitos de determinados grupos sociais, designados como minorias, pudessem ter vez
À partir das indagações suscitadas por esse fatodiscursivo impetrado pela cartilha, ao
tentar propor a substituição de termos marcados negativamente pelo contexto histórico, esta
Para Possenti (2009b), nada melhor para verificar a ideia do discurso como uma
prática social e histórica, do que ver e viver disputas de sentidos, materializados na luta pelo
emprego de certas palavras e na luta para evitar o emprego de outras, como acontece no
modernidade, ou ainda a modernidade tardia, que desde seus primórdios consistia em forçar
as coisas a serem diferentes do que são, fazendo com que se tenha um reduzido respeito por
barreiras, obstáculos, proibições e desejo por transgressões. Nesse percurso, muita energia é
necessária para dobrar e torcer as coisas de modo a fazê-las caber no interior de uma
fronteira, segundo Bauman (2011): “para que assim adquiram a forma julgada melhor e
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empurrar a fronteira para mais adiante, de maneira que um território cada vez maior contenha
civilizador, ou seja, como um processo em andamento para tornar gentil o grosseiro, benigno
É nesse contexto da busca da correção para uma ordenação do social que surge a
tornar a linguagem neutra em termos de discriminação, e em evitar atitudes que possam ser
Aplica-se, atualmente, não só à linguagem, mas aos mais variados campos das
sociais em prol do poder de legitimar seus discursos é clarificada por autores como Bizzocchi
(2008), Cabral (2013), Cabrera (2012), Pondé (2012), Possenti (1995) e Rossoni (2009) e
pretensamente racional. Possenti (1995) observa que “Estas são, digamos, as grandes
questões. Mas o movimento vai além, tentando tornar não marcado o vocabulário (e o
comportamento) relativo a qualquer grupo discriminado, dos velhos aos canhotos, dos
Tendo iniciado como movimento político, principalmente, nos Estados Unidos com a
luta para a inclusão dos negros na convivência social e na plenitude do vigor e rigor do
exercício dos direitos humanos, para alguns como Coutinho (2014), tornou-se problemático
quando situações de discriminação objetiva foram substituídas por delírios linguísticos que
ganharam força de dogma depois de 1989, como fica explícito nas palavras de Coutinho
(2014):
(...) [Com a queda do muro de Berlim] e a morte do comunismo não morreu a sua
ideia motriz: a ideia de que a humanidade se define pela luta perpétua entre
gays, os anões - a lista é infinda. E, com essa lista, vieram as patrulhas: gente que
copia os piores vícios dos velhos inquisidores, procurando sinais de corrupção onde
medida em que se acredita que reproduzem uma ideologia que segrega em termos de classe,
sexo, raça e outras características físicas e sociais objeto de discriminação, o que equivale a
afirmar que há formas linguísticas que veiculam sentidos que evidentemente discriminam.
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Essa atividade classificatória entre o que seja politicamente correto e politicamente incorreto
defensores estão aqueles que acreditam no seu uso como forma de evitar o preconceito e,
assim, diminuir a discriminação e a violência contra o outro, tornando a sociedade mais justa,
inclusiva e igualitária, haja vista que se estaria em uma cultura de comportamentos mais
corretos e civilizados.
Essa corrente defende uma posição construtivista, na qual a relação entre língua e
na produção da realidade, modelando a percepção que uma sociedade tem de si e dos grupos
Assim, a alteração de uma palavra pode influenciar a cognição das personagens para
outras direções, fazendo com que as pessoas reflitam sobre sua condição sócio-histórica. Por
exemplo, o que antes era denominado funcionário público passa a ser denominado servidor
isso, querem enfatizar que servem ao público mais do que ao Estado. (p. 17)
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Outros consideram que a língua não serve só para comunicar, constituindo também
correto, Bizzocchi (2008) alerta para o fato de que este, em nome da preservação da
dignidade e dos direitos humanos, acaba por exercer um patrulhamento ideológico, chegando
A linguagem pode expressar preconceitos, ideologias, posições, por isso uma língua
experiência nossa de cada dia mostra que qualquer palavra tem muitos sentidos e que as
dos aspectos mais cruciais do problema da significação, como expressa Possenti (2009b): “A
significação apresenta-se como tendo a seguinte face: ao mesmo tempo, ela depende dos
discursos nos quais aparecem os meios de expressão e em grande parte é ela que faz os
discursos serem o que são” (p. 38). Assim a linguagem vai ser interpretada à partir de sua
discurso pode realimentar as condições sociais que dão suporte às ideologias e aos próprios
discursos.
linguística que o politicamente correto propõe na crença de que qualquer solução linguística
imposta será inútil, porquanto poderá chocar-se com os hábitos e práticas dos falantes da
possível, pois “a língua somente testemunha uma situação de desequilíbrio da sociedade, não
função dos seus propósitos, que deve servir, em todo o caso, para expressar – e não ocultar –
o pensamento.
para a civilidade” e os que se lhe opõem por acreditar que o movimento representa uma
vertentes:
evitar o emprego de outras, esse movimento da correção política insere-se em uma prática
histórica e social que engloba a produção de sentidos feita pelo discurso, como lembram
ocorre se a sociedade for de alguma forma racista, ou seja, se houver suporte sociológico e
histórico na formação social para que haja uma ideologia racista que se materialize em um
problema desta pesquisa aponta para a investigação das origens, dos significados e
manifestações desse movimento político e linguageiro nas relações sociais, assim como para
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o conhecimento ou desvelamento das representações que as pessoas fazem desse fato social.
escolha dos melhores termos para designar pessoas ou acontecimentos de formas não
invenção midiática?
- O politicamente correto nas representações das pessoas, aparece como uma defesa
consciência subjetiva nos espaços sociais com o sentido de constituir percepções, por parte
dos indivíduos, acerca dos fatos sociais que os rodeiam. Para Moscovici (2003), a ideia de
são reguladas pelas crenças, saberes, normas e linguagens que ela mesma produz e considera
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em referência à sua própria cultura. Elas não são somente um produto da idealização grupal,
conhecimento prático, que privilegia o senso comum, quanto como processo de elaboração
material, social e ideativa sobre a qual elas têm que intervir. (Spink, 2013, p. 98)
sistema de valores, noções e práticas que oferece aos indivíduos os meios para orientar-se no
contexto social e material casa com as premissas desta pesquisa, pois possibilita fazer uma
quais e através dos quais nós pensamos, falamos, decidimos o que fazer, nos apropriamos do
Dentro desse âmbito emergem questões que condizem com o campo de investigação
comunicativa entre seres diferentes, destacando-se entre elas a problemática dos valores, que
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para Spink (2013), refere-se à ordem moral, as quais frequentemente impossibilitam uma
abertura plena à alteridade: “vemos o mundo e o interpretamos a partir das viseiras de nossos
da renúncia à satisfação das pulsões, e que essa cortesia política é a fonte do mal-estar
intransponível pelo fato de os homens serem seres linguageiros, portanto, presos às leis da
cultura. A igualdade, por sua vez, é uma peleja constante em torno da tarefa de se achar um
mesmo, um dos problemas que concentram o próprio destino da humanidade, e a questão que
se apresenta para Freud (1930/2010b) é: “saber se esse equilíbrio é alcançável mediante uma
inconsciente. A noção de inconsciente, à qual Freud deu toda a sua pertinência como conceito
intermédio da linguagem que se faz essa passagem do inconsciente para o consciente. Lebrun
essa passagem necessária pelo sistema da linguagem que faz de um indivíduo um sujeito e
que lhe dá um inconsciente, estando esses dois movimentos estreitamente ligados” (p. 50).
provém de um consenso social. Melman (2003a) observa que “se eu quiser participar do meio
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social, tenho que compartilhar esse recalcamento, senão vou parecer um indivíduo anormal.
O normal é compartilhar o recalcamento próprio ao meio cultural do qual participo” (p. 99).
Objetivo geral: Conhecer as representações sociais das pessoas acerca do que seja o
politicamente correto.
Objetivos específicos:
teoria psicanalítica.
teste a associação livre de palavras (TALP) para investigar o uso da linguagem politicamente
correta; o grupo focal como técnica de coleta de dados na investigação das representações
sociais, e psicanálise como uma prática discursiva como meio interpretativo dos dados
colhidos. A análise interpretativa dos dados captados nos grupos será feita mediante uma
interdisciplinar (Frezza & Spink, 1999). Dessa forma, a interpretação das representações
correta.
simbólicas que os sujeitos fazem desse fato tão propagado na mídia e no senso comum. É
necessário um saber sobre o politicamente correto, pois este nasceu para defender e incluir
minorias no social, mas foi usado por alguns como censura e patrulhamento de
direito de igualdade, também cria uma censura que limita a liberdade de expressão.
das diferenças é imprescindível para o bom termo das relações sociais, pressupõe-se que este
correto, ao distinguir o que ele tem de interessante que possa colaborar com as práticas
sociais e o que ele tem de policialesco que pode ao invés de melhorar, dificultar essas
relações sociais. Pois as palavras não apenas refletem, mas refratam a realidade, tornando-se
assim uma luta pelo poder entre classes. Possenti (2009a) assim se expressa sobre esse
argumento:
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sabemos o que dizemos ou o que dizemos deforma a realidade, impondo uma visão
torta do mundo (ou de aspectos dele, como as questões de gênero) em relação a como
essa realidade poderia ser vista, se não tivesse sido construída dessa maneira. (p. 113)
no seu cotidiano, nas suas vivências, é preciso considerar que todo discurso é uma prática,
uma construção social, pois veicula uma visão de mundo que, inelutavelmente, é vinculado
ao meio social em que o sujeito vive. Além disso, os efeitos do discurso só podem ser
seja o politicamente correto, sua origem, e suas manifestações no social, com a contribuição
pesquisa que tratou do politicamente correto e seus sintomas, como forma de investigar um
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fato social, assim como Freud, fez nos meandros do século vinte, ao investigar um fato social
perturbador de sua época, a histeria, que causava um mal-estar social com seus sintomas.
Espera-se que o politicamente correto, parodiando Freud que, desejou que a psicanálise
formas de convivência como valência dos direitos humanos e respeito às diferenças, ao invés
afastamos lá para o inconsciente aquilo que nos causa mal-estar, como a intolerância à
diferença de viver do outro, mas que esse conteúdo pode retornar por meio de palavras e
sintomas em nossas relações sociais, e que, apesar disso, podemos nos responsabilizar por
nossos desejos, assumir nossos erros e tentar controlar nossos impulsos agressivos e
preconceituosos contra o outro, terá sido realizada uma fantasia da pesquisadora de que o
politicamente correto pode ser um espaço para a constituição do respeito aos direitos de
todos. Assim essa pesquisa poderá ter sido em psicanálise à despeito de todas as alianças com
Capítulo 1
REPRESENTAÇÕES NO SOCIAL
Eco e Narciso eram contemporâneos, pois viviam em uma mesma época, a dos
Apesar de ser uma bela ninfa, Eco possuía o defeito de falar demais e queria sempre
dizer a última palavra em qualquer conversa ou discussão. Por essa característica foi
castigada pela deusa Hera, que, ao sair em busca de seu marido Zeus, distraiu-se, ludibriada
pela longa fala de Eco, enquanto Zeus fugia do local aonde divertiu-se com outras ninfas. A
deusa enciumada resolveu puni-la com a coisa da qual Eco mais gostava: responder. Então a
condenou a repetir a última palavra ouvida, sem jamais poder falar em primeiro lugar (Kury,
2001).
Nesse ínterim, a ninfa conheceu Narciso, um belo jovem, filho do deus do rio Céfiso
e da ninfa Liríope, que havia recebido do oráculo Tirésias a predição de seu destino de ter
uma vida longa se não visse a própria face. Eco apaixonou-se por Narciso, que, no entanto,
era indiferente ao amor, não só ao dela, mas ao de todos os que por ele se enamoravam.
Como ela não podia declarar-lhe seu amor, visto só lhe ser possível responder com a última
palavra proferida por qualquer de seus interlocutores, Eco definhou de tristeza e vergonha e
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passou a viver nas cavernas e rochedos das montanhas, até que seus ossos transformaram-se
Outras moças desprezadas por Narciso pediram aos deuses para vingá-las, e que o
fizessem saber algum dia o que era o amor não correspondido, sendo atendidas. Um dia, ao
voltar de uma caçada, debruçando-se numa fonte para beber água, Narciso viu sua imagem
refletida e pensou tratar-se de algum belo espírito das águas que ali vivesse. Apaixonou-se
contemplação ininterrupta de sua própria face e morreu. Seu corpo desapareceu e no local
apareceu uma flor roxa rodeada de folhas brancas, que recebeu o seu nome (Bulfinch, 2002).
corpo e dos direitos do cidadão, e que apresenta como uma de suas facetas a defesa de uma
exclusões sociais.
Por outro lado, se evidencia o politicamente correto em uma patrulha que exige a
configuração de um mundo quase mítico, idealizado sem diferenças, sem transgressões como
O mito é uma fala, então tudo pode constituir um mito, desde que suscetível de ser
julgado por um discurso. No entanto o mito não se define pelo objeto da sua mensagem, mas
pela maneira como a profere, por isso, Barthes (2009), assim o caracteriza: “Ele não poderia
ser um objeto, um conceito ou uma ideia: ele é um modo de significação, uma forma” (p.
199).
esse fenômeno encontram-se todos os dias nos jornais, nos livros, em entrevistas veiculadas
nas emissoras de TV, nas revistas, na fala das pessoas ou no senso comum. Fato e fenômeno
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uma novela, que atinge milhões de pessoas, a pressão é inacreditável. Grupos exigem
bonzinho – ou sou acusado de racismo. Se é gay, também tem de ser do bem. Não
As pessoas dizem isso não é politicamente correto com demasiada frequência, seja
(2008) observa que “Poucos assuntos nas últimas décadas, despertaram na opinião pública
das democracias liberais dos países ocidentais tantos debates e tantas controvérsias como o
tema que passou a ser conhecido como politicamente correto” (p. 2).
Sabe-se que os mitos são utilizados para dar sentido e explicar a realidade, assim
como suas narrativas são modelos de conduta para os mortais seguirem (Campbell, 2008).
Mas o termo mitologia também é usado para se referir a algo sem valor real, uma ficção.
Assim, é preciso buscar definições para o politicamente correto, para que não se configure
apenas como uma mitologia da época corrente, e verificar, por intermédio das representações
Bagno (2013) postula que aquilo que se distancia da realidade vira mito e facilmente
preconceito linguístico, pois nos esquecemos que uma língua é antes de tudo falada pelos
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cidadãos. Ou seja, temos que levar em consideração as pessoas vivas que falam a língua de
Aqui cabe um esclarecimento: fenômeno e fato não são a mesma coisa. O primeiro é
o que se pode considerar uma manifestação da realidade, ou que se contrapõe ao fato, ao qual
pode ser considerado idêntico (Abbagnano, 2000). Este, por sua vez, constitui uma
Possenti (2008), entende por fenômeno aquilo que ocorre efetivamente no mundo, e
por fato, ou dado, o que é previamente circunscrito e determinado como tal por um certo
ponto de vista, ou por uma determinada assunção teórica e metodológica. Um ponto de vista
conceituação de representação social, ele observa que os fatos levam os indivíduos a construir
consciência subjetiva nesses movimentos das pessoas nos espaços sociais que as rodeiam,
representação social, que será estudada em capítulo subsequente, se inscreve numa visão de
sociedade na qual a coerência e as práticas são reguladas pelas crenças, saberes, normas e
linguagens que ela mesma produz e considera em referencia à sua própria cultura.
entre os fenômenos sociais e os culturais, e uma teoria não pode ser de fato construída
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enquanto não se souber se o fenômeno dito social é, de fato, social. Moscovici (2003), sobre
o assunto, se posicionou da seguinte forma: “Eu vou até o ponto de afirmar que a ideia de
representações coletivas ou sociais é a única para a qual existe uma demonstração” (p. 17). A
fala de Moscovici (2003) quer dizer que não se pode elaborar uma teoria que não seja
puramente verbal até que se elucide se essa qualificação de social é assunto de epíteto ou de
substância.
na falta de uma maior teorização sobre o assunto (Ruano, 1999). Em 7 de novembro de 2013,
aparece na mídia a seguinte frase do escritor Antônio Prata, explicando o contexto de seu
novo livro, que versa sobre sua infância: “É num cenário sem internet, num mundo de
pequenas barbáries no qual não existia o protetor solar, nem o politicamente correto e nem o
(Cozer, 2013).
1960, com muitas piadas ditas politicamente incorretas sobre negros, nordestinos e mulheres,
afirma que ele difere politicamente correto de censura: "As coisas que a gente fazia nos
Trapalhões, chamar de ‘paraíba’ e ‘negão’, eram algo circense. Hoje ninguém poderia tocar
que é embaixador no Brasil do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), proferiu
correto, em entrevista concedida para Bonfá (2012), idealizador do festival, que observa: “Os
Trapalhões, do jeito que eram, não seriam aceitos agora por causa do politicamente correto".
Para alguns, mais do que censura, o politicamente correto provoca interdição. Isso
acontece porquanto a censura seria uma reação ativa contra os conteúdos da linguagem,
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correto”:
legítima família vândala e disser que se sente ofendido? Estava na capa da Folha de
emprego do verbo "vandalizar", caro leitor? Sugiro que vejamos isso pela sintaxe e
pelo aspecto ético, que, inevitavelmente, roça o mais do que infame e chatíssimo
macarthismo da mais pura cepa. Também é por essas e outras que me soam mais do
que ridículas as bobagens ditas por uma galerinha a respeito da obra de Monteiro
de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR) que dizia respeito a uma denúncia feita à
Ouvidoria da SEPPIR por Antônio Gomes da Costa Neto questionando a utilização, pela
estereótipos contra grupos étnico-raciais". A denúncia tinha como objeto o clássico infantil
nas referências à personagem Tia Nastácia (Elsenberg, Feres & Nascimento, 2013). Essa
denúncia logo ganhou visibilidade, pois o mesmo livro, da Editora Globo, é distribuído pelo
Programa Nacional de Biblioteca na Escola (PNBE) e tido há muitas décadas como obra de
ajuizou ação civil pública contra a Editora Objetiva e o Instituto Antônio Houaiss pedindo a
sob a rubrica de “uso pejorativo”, as acepções do termo como “aquele que trapaceia; velhaco,
feita pelos que se sentem ofendidos em seus direitos. Aliás, está encorpado na raiz do
aquelas pessoas que, por este ou aquele motivo, são mais vulneráveis ao sentido cru
Problemático, porque não é um ato sem consequências, como observa Pereira (2007),
poderia ser enquadrada como um fator da biopolítica, que assume como seu objetivo
Zizek (2009), alerta que na atualidade, quando se renuncia às grandes causas ideológicas,
tudo o que resta é a administração eficaz da vida, e explica que a biopolítica é uma pós-
política que deixa para trás os velhos combates ideológicos para se centrar na gestão e
administração especializadas da vida. Nesse contexto, uma via para se introduzir paixão nesse
de hoje, que transforma todos em vítimas potenciais. Ninguém pode se sentir ofendido,
portanto, impera silenciar o outro, enquanto quem acusa se faz de vítima oprimida (Avelar,
2011).
correto:
Não pense o caro leitor que essa patrulha boboca é "privilégio" dos tempos hodiernos,
nascida com o "politicamente correto". Ela vem desde sempre. Lembro que nos meus
tempos de universidade era proibido gostar de Olavo Bilac, por exemplo, "um
fascista" e outras bobagens que a caterva vociferava. Para confirmar que alguém era
"legal" e abrir-lhe o trânsito, bastava dizer que o dito-cujo era "de esquerda". Tudo e
todos eram assim, rotulados, pré-rotulados. Na verdade, ainda são (e, pelo jeito, sê-lo-
A única coisa que podemos fazer é estabelecer que é politicamente correcto usar os
quem quiser ser um P.C. neste sentido deve sê-lo dentro dos parâmetros do bom
eliminar da linguagem corrente os termos que fazem sofrer os nossos semelhantes. (p.
105)
quem “há uma camada da população que precisa passar pelo aviso do politicamente correto,
Há alguns dias, uma revista francesa publicou na sua capa uma foto da ministra da
de banana. Ela já havia sido comparada ao nosso parente distante por uma criança em
que inverteu o jogo alegando que tudo era apenas uma piada e que não suportava a
Vale, ainda, reproduzir em toda sua prolixidade, porém necessária, para ser bem
entendido o comentário sobre a opinião de uma leitora que afirma “achar engraçada essa
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mania das pessoas de falarem com orgulho que são ‘politicamente incorretas’ quando dizem
absurdos”:
A onda agora é ser bem REAÇA. Se é humorista, e uma piada ultrapassa o limite do
bom gosto, diz ser adepto do politicamente incorreto. Que babaca agora é fazer
censura contra intolerância. Podemos zoar com judeu, gay, falar palavrão. É isso, que
iniciativa da aprovação da união homossexual, quer enviadar o Brasil todo - país que
porque pactua com terroristas que só queriam implodir o estado de direito e instituir a
ressurgiu após a leva de ditaduras que caiu como um dominó a partir dos anos 80 tem
sociais, aplaudir a repressão contra eles? Eu não acho. Apesar de considerar o termo
“politicamente correto”, do começo dos anos 90, a coisa mais fora de moda que
existe, afirmo diante do que vejo e leio: eu, aleijado com tendências esquerdizantes,
não era, mas agora sou TOTALMENTE politicamente correto. (Paiva, 2011)
Não foi à toa que se demorou aqui a conceituar o objeto de estudo desta pesquisa,
A definição do termo politicamente correto gera certas dificuldades, uma vez que essa
entretanto, que veem o politicamente correto como um processo que lida com
além das consequências destas questões no âmbito individual (Schenz, 1994 citado
linguagem seja ofensiva para certas pessoas ou grupo de pessoas (Bizzocchi, 2008).
tendência que se aplica a vários campos prescrevendo formas de expressão ou conduta, com o
gênero;
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The Free Dictionary (2014) – De, ou relacionado a ampla mudança social, política e
Seus defensores acreditam que sua adoção poderá contribuir para se evitar o
menos violentos. A expressão politicamente correto designa uma política em defesa das
minorias e da eliminação das desigualdades sociais, podendo ser encadeada com “a cortesia,
o exercício da boa cidadania e etimologicamente com o ideal da polis grega” (Ruano, 1999,
p. 10).
Esse ideal grego seria o da cidadania com democracia. Para os gregos, havia primeiro
formava a coletividade. Por isso, segundo Funari (2013), o conceito de cidadania moderna
liga-se mais diretamente aos romanos: “Cidadania é uma abstração derivada da junção dos
no entanto, não garantem uma boa convivência entre os cidadãos de diferentes comunidades.
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bem como contra os sacerdotes obscurantistas, no entanto, tinha pouco a dizer sobre como
lidar com as diferenças de cor da pele, língua, fé, entre outras. Com o impacto das mudanças
que isso, dentro do ideário da cidadania, podia ser feito unicamente por meio da
344).
preconceitos, portanto, o lugar dos debates abertos das vontades. Para Matos (2010), nada é
mais contrário à ideia de espaço público do que o politicamente correto, que impede os
debate. Então esse Espaço Público ele era o lugar onde se extrovertiam esses
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preconceitos, essas opiniões, esses desejos e que não se separavam daqueles que eram
como uma esfera de igualdade de direitos onde todos são igualmente legisladores.
Então essa igualdade ela se fazia no sentido de que todos tomavam a palavra em uma
ao outro, então, ser politicamente correto supõe, também, compartilhar uma lírica pró-
minorias e mediar a eliminação das desigualdades sociais, não usando a linguagem como um
instrumento de exclusão. Para Ruano (1999), ser politicamente correto significa transformar a
sem conflitos culturais, como, por exemplo, evitando o artigo genérico masculino.
projetava um debate teórico especialmente frutífero no campo das humanidades, que tentava
valorização das diferenças. No entanto, o politicamente correto também aparece em sua face
direitos humanos, exerce patrulhamento ideológico e caça às bruxas típicos dos regimes
autoritários, vendo preconceito em tudo (por exemplo, ao achar que a expressão ‘a coisa tá
Segundo Ruano (2009), ser politicamente correto, implica apostar pelas virtudes do
liberal, que não cabe nesta etiqueta do politicamente correto. Explica, ainda, a autora, que
39
este movimento, de início era de origem esquerdista, mas hoje o politicamente correto “é um
hegemônico no Ocidente, como é vislumbrado desde a década dos anos oitenta” (Ruano,
1999, p. 11).
Há um modo correto de se viver na polis, e este modo é aquele que puder levar todos
os habitantes a tornarem o convívio o mais suave possível, e isso deve começar pelos
capitalismo: tornar a vida da polis, agora mais ainda centrada no mercado, a menos
comércio.
O combate aos preconceitos que ofendem o outro, pode começar pela linguagem, o
que estão fortemente arraigados em nossa sociedade. A luta contra tais preconceitos não pode
Mas assim como ocorre com Rajagopalan (2002), outros também acreditam que “o
homem fala não só do mundo que o cerca, de si mesmo e dos outros, mas fala da própria
língua” (Fiorin, 2009, p. 25). Então, ao se falar contra ou a favor do politicamente correto,
(1999) é de mais “valor um estudo meditado que se centre nas causas e conseqüências do
podem ser claramente traçadas. Alguns autores, como Avelar (2011) e Volkoff (2010),
alegam que as origens do PC são filosóficas, alemãs. No mesmo sentido socialistas do século
XIX, que desenvolveram uma ideologia que resultou no Manifesto Comunista, escrito por
Karl Marx em 1848. Outras áreas são da opinião de que o termo PC foi introduzido pela
esquerda leninista para denotar alguém que defendia fortemente a linha dura do partido.
Segundo Lind (2006), em 1923, na Alemanha, foi fundado um centro de estudos que
tomou para si a tarefa de traduzir o marxismo de termos econômicos para culturais, o que
criou o discurso politicamente correto que se conhece hoje, tendo, portanto, suas bases
assentadas essencialmente no fim da década de 1930. Isso foi possível por causa de Felix
Weil, filho de um milionário comerciante alemão, que se tornou marxista e tinha um bocado
de dinheiro para gastar. Contrariado com as divisões dentro das fileiras marxistas, Weil
econômica do marxismo pela crítica cultural, associando Marx e Freud. A teoria crítica, como
foi chamado o trabalho a que se dedicaram os integrantes da Escola, procurou mostrar que a
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A crítica cultural ganhou força com o exame das razões que levaram às falhas da
previsão marxista de que a guerra, previsível no final do século XIX, uniria os proletários
operários uniram-se aos burgueses em defesa de seus países. A alienação seria produto da
cultura que os cegava para os fatores de dominação. Antonio Gramsci e Georg Lukács foram
os dois grandes nomes dessa crítica a dizer que a cultura ocidental impedia que os
fugir para os Estados Unidos. Seu primeiro grande abrigo foi a Columbia University. Depois,
Hollywood. Alguns deles foram membros do governo estadunidense. Marcuse, por exemplo,
de Inteligência.
As ideias do grupo foram usadas pelos estudantes nos anos 1960 para resistirem à
oportunidade de dar contornos intelectuais às suas pretensões (ou despretensões). Para Lind,
Marcuse cunhou a frase "Faça amor, não faça a guerra". E fez a cabeça da academia e da New
Ecologia se misturou com o movimento das feministas, sob a influência dos frankfurtianos
exilados. O discurso ecológico teve grande impulso com Max Horkheimer e sua crítica à
O relativismo sexual teve suas principais fontes em Herbert Marcuse e Erich Fromm.
A apropriação política da sexualidade mostrava uma história cheia de repressões dos sentidos
liberação da sexualidade.
escorregar na linguagem e de usar a palavra errada, a palavra tida como ofensiva, insensível,
si, seja incerta, muitos autores concordam que o PC começou de fato dentro dos Estados
Unidos, no contexto do movimento de reforma dos direitos civis na década de 1960, como
Bento (2008):
Nascido nos Estados Unidos da América no final dos anos 60 do século passado, mas
Já para Lind (2006), os anos 60, com os hippies e o movimento pacifista trouxeram
um avanço para o politicamente correto, que para ele nasce ainda na Primeira Grande Guerra,
com o marxismo traduzido de termos econômicos para termos culturais, pois há para Lind
no contexto de um ascensão social dos negros americanos no final dos anos 60, e da
43
necessidade de uma educação doméstica, pois num certo momento, nos EUA, os negros
precisaram aprender a se comportar diante de fatos como esse. Do ponto de vista social,
responde aos movimentos de grupos sociais que ascendem ao espaço econômico, mas acabou
se transformando numa espécie de censura, de patrulha, de lobby para eliminar quem não
programa político de criação de uma nova consciência social, como ocorreu d eforma
semelhante aos gays a partir dos anos 80. Para Pondé (2012), a diferença entre essa nova
esquerda e a velha esquerda, é que para esta quem salvaria o mundo seria o proletariado e
para a nova, seria todo tipo de grupos de excluídos, sejam mulheres, negros, gays, aborígenes,
índios, além de que ao contrário da velha que pregava a revolução, para a nova, segundo
Pondé (2012): “nada de revolução violenta, nada de destruição do capitalismo, mas sim de
acomodação do status quo econômico às demandas de inclusão dos grupos de excluídos” (p.
30).
O movimento multiculturalista faz uma crítica política radical das desigualdades e das
opressões que atravessaram a história dos povos, e de acordo com Bento (2008), pôde ser
numa tradição democrática pluralista cujas raízes calam fundo no seio da cultura política
reformista, ao qual nos referimos como politicamente correto hoje” (Grzega, 2001).
44
ofensiva da direita estadunidense nas chamadas guerras culturais dos anos 1980 e 1990.
Embora haja ocorrências da expressão em textos da New Left (a Nova Esquerda), foi naquelas
subalternidade. Mas, sem dúvida, o exemplo paradigmático sempre foi racial (Avelar, 2011).
Enquanto parte significativa dos negros dos EUA passava a utilizar, como
cultura de origem, e não pela cor da pele —, o conservadorismo realizava simpósios como
Ocidentais, em Berkeley, em 1990. O colóquio se propunha a examinar qual o efeito que tem
Tomava corpo a bem sucedida estratégia da direita nas guerras culturais. Partia-se de uma
Para Avelar (2011), antes disso não se tinha notícia de grandes pressões do
movimento negro para que se abandonasse o termo black, substituindo-o por African-
American, ou de que ninguém tivesse sofrido dano considerável por não usar ele ou ela (ao
invés de somente ele) em frases com sujeito de gênero indeterminado. Assim, ao se explorar
reclamada pela comunidade, no caso racial, mais inclusiva e menos discriminatória, no caso
consolidado “no caso da Universidade Stanford, que marcou a vitória da direita naquele
de obras-primas ocidentais que percorre, em geral, um trajeto que vai de Homero - ou Platão -
a Nietzsche. Esses autores também são lidos numa série de outros cursos que, em Stanford,
compõem as grades dentro das quais o aluno pode cumprir os requisitos de humanas. Ocorreu
que o Senado de Stanford decidiu aprovar uma proposta de substituição de um desses cursos
de cultura ocidental, em uma das grades, por um curso intitulado Culturas e valores, de
Como já havia uma reflexão sobre a necessidade de se oferecer outras versões sobre a
tranquila, porém a defesa do projeto foi ligeiramente politizada por grupos de estudantes,
Para Avelar (2011), esse contexto pode ser entendido, pois, desde o escândalo de
na luta cultural. Os neoconservadores sabiam que era no terreno da cultura que se jogaria a
cartada decisiva. Assim, em 1988, a direita republicana concluía oito anos de controle sobre a
presenciar a queda do comunismo e identificava na cultura a nova guerra que deveria vencer.
fronteiras globais. Com frequência, a mera menção de algum episódio que envolva racismo,
realmente existente ele é apenas isto: um sintagma sem referente, um balão de ensaio, uma
Mas se alguns argumentam que a onda politicamente correta cresceu a ponto de tolher
a liberdade de pensamento, o maior problema, porém, é outro: a reação torna tudo o que é
incorreto bacana. E abre espaço para a intolerância e a incorreção, virando uma arma para
defender a liberdade de expressão, que de fato só existe quando se é livre até para pensar o
do termo politicamente correto. Para Horta (2011), ele apareceu pela primeira vez com um
significado bem diferente do que o representa na atualidade, na China dos anos 1930, para
denotar a estrita conformidade com a linha ortodoxa do Partido Comunista, tal como
enunciado por Mao Tsé-tung. O significado com que a expressão chegou até a
contemporaneidade é uma criação dos Estados Unidos dos anos 1960, como exposto
anteriormente.
universidades, antes habitadas exclusivamente por homens brancos, agora viam chegar
mulheres, negros, gays, imigrantes, entre outras minorias -, o politicamente correto serviu
para ensinar a conviver com a diferença, fortalecendo a luta dos universitários americanos
Paradoxalmente, pela primeira vez na história americana, quem buscava estender os direitos
civis também advogava por uma limitação na liberdade de expressão, criando-se a divisão, no
âmbito do politicamente correto, entre a defesa dos direitos humanos e a censura ou patrulha
ideológica.
47
socialismo, a pauta da agenda dos grupos de esquerda se modificou. Se antes a busca pela
igualdade era a busca pela diminuição das diferenças entre as classes sociais, agora era pela
eliminação das classes pessoais. Tratava-se de não estigmatizar as pessoas por aquilo que
elas eram. Para Horta (2011), de boa intenção, o politicamente correto passa a ser visto como
Como lidar com o excesso de correção política, então? Não temos a pretensão de dar
uma resposta definitiva. Mas sair xingando os outros de gordo, aleijado, retardado e
baranga estuprada é que não vai ser. Se fosse engraçado, talvez até funcionasse. Mas
não. Não é.
decadência do espírito crítico da identidade coletiva, quer seja esta social, nacional, religiosa
ou étnica, como acredita Volkoff (2010), que o politicamente correto tal como o conhecemos
hoje, representa a entropia do pensamento político. Como tal, é impossível defini-lo, pois
tolerância nos demais, ao menos desde que as opções do outro não sejam politicamente
incorretas; o sumo mal se encontra nos dados que precederiam à opção correta, quer sejam
48
estes de caráter étnico, histórico, social, moral ou mesmo sexual, inclusive nos avatares
humanos.
insatisfação contra a prática de se utilizar uma linguagem politicamente correta, dizendo que
o verdadeiro problema não está na linguagem propriamente dita, portanto, quem escolhe a
Gostaria de discutir a seguir por que o politicamente correto atrai tanto desprezo. O
linguagem, do mundo, da ação política, etc. que norteia toda a polêmica em torno do
baseando numa visão da linguagem e do que ela é e não é capaz de fazer. (p. 95)
bolso) e Sex and Dating. The Official Politically Correct Guide (Sexo e Encontro. O Guia
estudiosos das etnias, minorias e excluídos que estrategicamente têm procurado criar novos
Não à toa, essas publicações são em inglês e derivam do pragmatismo americano, que
afirmava que a verdade de um apalavra é seu uso eficaz em termos de criação de fatos no
mundo. O pragmatismo é uma escola de filosofia, pragma em grego significa ação, foi criada
no início do século 20 por filósofos americanos como John Dewey, William James e Charles
Sanders Peirce.
que parece traduzir algo de muito antigo, uma tradição que conota uma necessidade de que
tudo precisa de uma regra para poder existir, segundo Possenti (2009b).
pragmatismo, de querer criar um fato novo ao proibir o uso de palavras ou expressões, como
ele enfatiza: “seja por conta do mal-estar moral que ela deva causar em você, seja pela
punição da lei (como no Canadá) quando se usam expressões como essa” (p. 33). O
presente nas leis e controla as ideias que circulam na mídia, arte, no teatro e cinema, tudo
pelo bem social (Salache, 2014). Em países como por exemplo, a Suécia, a Dinamarca, a
averiguar o uso da linguagem na esfera social e inspecionar como os sujeitos propagam esse
discurso na sociedade.
politicamente correto. Até mesmo contra o documento “Politicamente Correto & Direitos
Secretaria Especial dos Direitos Humanos do governo do presidente Luiz Inácio Lula da
Silva, lançou no ano de 2004, o documento “Politicamente Correto & Direitos Humanos”
(Queiroz, 2004).
Elaborado por Antônio Carlos Queiroz, o documento ficou mais conhecido como
cartilha do politicamente correto, por ser um manual composto por 96 palavras, consideradas
funcionário público, preto e anão, e oferece sinônimos menos ofensivos. A tiragem inicial do
livro foi de cinco mil exemplares e teve verba de 30 mil reais do Governo Federal do Brasil.
Foi recebido em sua maioria com críticas negativas por parte de jornalistas e acadêmicos,
como: “O clima do politicamente correto em que nos mergulharam impede o raciocínio. Este
novo senso comum diz que todos os preconceitos são errados” (Daudt, 2012).
pelo viés político, por uma base partidária de esquerda, como explica Pondé (2012). Esta
posição política é partidária de uma igualdade social, e foi por meio dela, e com o auxílio da
Salache (2014) sobre essa trajetória, específica que o movimento tornou-se maior do
sujeitos de determinados grupos sociais, designados como minorias, pudessem ter vez
Para Salache (2014) a motivação maior para esse movimento está na inserção de
prerrogativas legais desses sujeitos de serem respeitados como são, nas diversas categorias
Essas minorias sociais, inserem-se na categoria cidadãos com direitos políticos, civis
continuam desde sempre e mesmo após a ditadura militar e perdeu-se a crença de que a
Carvalho (2014) explica que uma das razões para isso seria a natureza do percurso da
construção dessa cidadania. Aqui ao contrário dos Estados Unidos, berço do politicamente
de redução dos direitos civis por Getúlio Vargas (1882-1954), ditador que tornou-se popular
ao dirigir o país em dois períodos: 1o.) Vai de 1930 até 1945 – governou de 1930 a 1934,
como chefe do "Governo Provisório"; de 1934 até 1937 como presidente da república do
Governo Constitucional, tendo sido eleito presidente da república pela Assembleia Nacional
implantado após um golpe de estado; 2 o.) No segundo período, em que foi eleito por voto
direto, Getúlio governou o Brasil como presidente da república, por 3 anos e meio: de 31 de
Sobre a inversão da ordem dos direitos, colocando os sociais à frente dos políticos no
Brasil, sacrificando os políticos, foi útil para a era Vargas, gerando o populismo e uma
52
relação ambígua entre os cidadões e o governo, pois ao mesmo tempo que significava um
dependência perante os líderes, aos quais votavam lealdade pessoal pelos benefícios que eles
de fato ou supostamente lhes tinham distribuído. Carvalho (2014) esclarece que essa
antecipação dos direitos sociais fez com que esses direitos não fossem vistos como tais,
devendo gratidão e lealdade, assim a cidadania era passiva e não reivindicadora e ativa.
Para Marshall (1967) a sequência iniciada pelos direitos políticos e seguida pelos
civis, originou-se na sequência inglesa, em que havia uma lógica reforçadora da convicção
democrática, pois o exercício das liberdades civis vieram primeiro garantidas por um
Judiciário cada vez mais independente do Executivo, o que propiciou a expansão dos direitos
políticos consolidados pelos partidos e pelo Legislativo. Após a ação dos partidos e do
Assim a base de tudo eram as liberdades civis e a participação política era destinada
em grande parte em garantir essas liberdades, sendo os direitos sociais menos óbvios e até
Salienta Carvalho (2014), que a proteção do Estado a certas pessoas parecia uma
livre competição, assim como o auxílio do Estado era visto como restrição à liberdade
quem deveria ter o direito de voto. Carvalho (2014) assegura que foi por essa razão que, foi
privado, no início, o direito de voto aos assistidos pelo Estado e que nos Estados Unidos, até
cidadão. Assim só mais tarde esses direitos passaram a ser considerados compatíveis com os
outros direitos, e o cidadão pleno passou a ser aquele que gozava de todos os direitos, civis,
53
políticos e sociais. E foi nesse ínterim que surgiu o politicamente correto, para defender os
direitos políticos dos cidadãos, e em menor escala os sociais, pois estes deveriam ser a
sociais. Para Carvalho (2014) o efeito negativo da introdução de direitos sociais em momento
de supressão política ocorreu de novo no Brasil, nos governos militares (de 1964 a 1985),
mas em menor escala que no Estado Novo. Após 21 anos de ditadura militar, o abandono do
regime mostrou maior independência política da população: “a queda dos governos militares
teve muito mais participação popular do que a queda do Estado Novo, quando o povo estava,
crescimento das cidades durante o período militar, que criaram condições para a mobilização
e organização social. O movimento surgido em 1984 pelas eleições diretas foi o ponto
dizer que o movimento pelas diretas serviu de aprendizado para a campanha posterior em
iniciativa cidadã” (Carvalho, 2014, p. 196). Os brasileiros iniciaram o que se chamou de uma
Com a eleição de Luís Inácio Lula da Silva em 2002, do ponto de vista da cidadania
política, não houve mudanças importantes no campo da lei e das instituições, mas há um
consenso que a marca principal de 2002 até hoje da vigência ininterrupta do governo petista
foi a expansão da inclusão social, dos direito sociais. Como Carvalho (2014) avalia ser o
Programa Bolsa Família o ponto de maior alcance e visibilidade do governo PT: “Aqui o
politicamente correto trabalha mais pela inclusão social das minorias, por isso o
54
2014, p. 525). Assim, os direitos fundamentais surgiram como forma de impor limites e
controles aos atos praticados pelo Estado, sendo uma proteção à liberdade do indivíduo.
Existem dois critérios formais que podem definir os direitos fundamentais, conforme
é apontado por Carl Schmitt (1954, p. 163). O primeiro define direitos fundamentais como
O segundo define que “direitos fundamentais são aqueles que receberam da Constituição um
Sob o ponto de vista material, Schmitt (1954) ressalta que os direitos fundamentais
que a Constituição consagra. Dessa forma, cada Estado escolhe seus direitos fundamentais.
Conforme já exposto, tais direitos surgiram como normas e princípios que tinham
como objetivo limitar a atuação do Estado, sendo exigido uma conduta omissiva em relação
são aqueles vinculados à ideia de liberdade, sendo também chamados de direitos civis e
55
políticos. Tais direitos têm como titular o indivíduo, sendo oponíveis ao Estado. Os direitos
francesa.
manifestações se deram após a Primeira Guerra Mundial, tendo como justificativa as pressões
agravamento das disparidades no interior da sociedade (Branco, Coelho & Mendes, 2009, p.
267). O objetivo principal de tais direitos era atender aos hipossuficientes, buscando uma
os Poderes Públicos tiveram que “assumir o dever de operar para que a sociedade lograsse
superar as suas angústias sociais” (Branco, Coelho & Mendes, 2009, p. 267).
direito à informação e o direito ao pluralismo. Para Bonavides (1999), tais direitos decorrem
56
institucional. Um exemplo de tal geração são os avanços da engenharia genética (p. 525).
centro-ocidental e com isso, progressivamente, uma nova visão de mundo se impôs, fazendo
fundada em privilégios de nascença perdesse força. A partir daí o projeto civilizatório fez os
universalidade/individualidade/autonomia.
desigualdade entre os homens não foi mais vista como fato natural, eterno e atrelado ou
instituído pela vontade divina, levando à conscientização de que a diferença natural existente
citadino/cidadão, o que fez com que se exigissem direitos no habitar as cidades e não só mais
somente deveres, levando à passagem de uma Era dos Deveres para uma era dos Direitos,
dinamismo nas relações entre o aparelho estatal, os indivíduas e a sociedade. As questões que
na vida pública, como na busca por uma participação e igualitária e justa divisão da riqueza
privilegiando primeiro os direitos sociais, é necessário entender como a cidadania liberal, foi
um primeiro passo para romper com a figura do súdito, que tinha apenas e tão somente
deveres a prestar.
República. Com a Constituição de 1891 foi estabelecido o direito de votar e de ser votado a
mendigos, praças de pré e religiosos sujeitos a voto de obediência). Os direitos civis, também
foram consagrados nos 31 incisos do artigo 72, e não havia menção aos direitos sociais. No
entanto, os direitos políticos e civis foram uma ficção jurídica, pois, como bem esclarece
Luca (2013): “Em 1920, apenas 16,6% dos brasileiros residiam em cidades com mil
habitantes, ou mais, enquanto a taxa de analfabetismo girava em torno de 70%” (p. 470).
58
constatação de que a esmagadora maioria da população vivia nas áreas rurais e estava
submetida aos desígnios dos grandes proprietários rurais, além do grande número de
analfabetos. Assim, apesar de que, aqui no Brasil, ter sido no início do periodo republicano,
que os trabalhadoeres surgiram na cena política, o direito de voto não foi exercido pela
maioria que estavam aptos de acordo com o texto constitucional, e os direitos civis
capital.
O poder politico dos liberais foi, pelo menos até o final do século XIX. Uma
possibilidade de se fazer representar em um dos três poderes que se tornarão clássicos com o
filosofo francês Montesquieu (executivo, legislativo e judiciário) era vedada aos não
Os capitalistas são aqueles que têm posses econômicas que asseguram a satisfação de
suas necessidades, não precisando trabalhar como assalariados, mas mesmo assim, podem
sindical, etc. Neste grupo podem existir aqueles que possuem propriedades que lhes permitem
59
viver sem salário, mas, que no entanto trabalham como assalariados e por isso recebem
salário e portanto para efeitos legais são trabalhadores e sujeitos dos direitos sociais, pois
Só os membros da classe trabalhadora são sujeitos dos direitos sociais, Esses direitos
só se aplicam àqueles cuja situação torna necessário o seu uso. São, nesse sentido,
direitos condicionais: vigem apenas para quem depende deles para ter acesso à
parcela da renda social, condição muitas vezes fundamental para sua sobrevivência
física e social – e, portanto, para o exercício dos demais direitos humanos. (p. 191)
patronato utilizava estratégias para retardar esse processo, como férias e trabalho de menores,
e ao mesmo tempo, subtrair os aspectos politicos dessas questões, lançando-as no campo das
aposentadoria por tempo de service, velhice e invalidez, pensão para os dependents em caso
de falecimento, custeio das despesas funerárias e assistência médica, para essa categoria
professional, mesmo assim, representou a base da previdência social brasileira, sendo nos
moldes inaugurado pelas CAPs que foi expandida a proteção social, fazendo com que em
Em 1930 houve um movimento armado dirigido por civis e militares que depôs o
pelo governo das oligarquias regionais, principalmente as de São Paulo, Minas Gerais e Rio
60
grande do Sul. Os acordos entre essas oligarquias começaram a serem abalados por fatores
internos, como as demandas sociais por seus direitos, no campo da arte – Semana de Arte
Guerra, A Revolução Russa, e a quebra da bolsa de Nova York em 1929 (Carvalho, 2014).
O movimento de 1930 foi uma crítica ao federalismo oligárquico, que seguindo uma
ortoxia liberal não admitia a ação do Estado na area trabalhista e a limitava na area social.
Não houve muitos avanços politicos com a constituinte assegurando o presidente Getúlio
Vargas no poder, que governou de forma ditatorial, mas desde o primeiro momento, a
liderança que chegou ao poder em 1930 dedicou grande atenção ao problema trabalhista e
social.
existencia de conflitos entre capitalistas e operarios, num gesto paternal ofereceu protectão
social aos assalariados, mas reconhece que “a novidade inicial ficou por conta da velocidade
das medidas, indício da centralidade que a questão passou a ocupar no projeto politico que
Dentro dessas medidas, uma vasta legislação foi promulgada, culminando em 1943 na
Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que permanece em vigor, com poucas
modificações feitas. Para Carvalho (2014), o periodo de 1930 à 1945 foi de grande legislação
precária vigência dos direitos civis no Estado Novo, ou ditadura Vargas: “Esse pecado de
origem e a maneira como foram distribuídos os benefícios sociais tornaram duvidosa sua
sociais, pois nele foi implantado o grosso da legislação trabalhista e previdenciária, com
(Demant, 2013; Luca, 2013). Mas, como observa Carvalho (2014): “O governo invertera a
ordem do surgimento dos direitos descrita por Marshall, introduzira o direito social antes da
expansão dos direitos politicos” (p. 128). Em decorrência disso os trabalhadores foram
incorporados à sociedade por virtude das leis sociais e não de sua ação sindical e política
independente.
Vargas usou essa inversão à seu favor, pois colocando os direitos sociais à frente dos
politicos, para ampliar sua popularidade, ou populismo, criando uma gratidão por parte de
uma populacão crescente urbana, advinda, principalmente da migração dos campos para as
refletia esse novo Brasil que surgia, ainda inseguro mas distinto do Brasil rural da Primeira
República, que dominava a vida social e política até 1930” (p. 130).
Quando derrubado pelos seus próprios ministros militares em 1945, sua força popular
se evidenciou e ele foi eleito senador, volatando à presidencia pelo voto popular em 1950, em
um governo marcado por radicalização populista e nacionalista, contando com o apoio dos
trabalhadores e de sua máquina syndical, dos setores nacionalistas das forças armadas, do
feita principalmente por parte dos liberais, agrupados no partido de oposição: União
Democrática Nacional (UDN), e por militares anticomunistas. Em 1954 os chefes das três
forças armadas exigiram a renúncia de Vargas, que preferiu matar-se a ceder ou a lutar, no
entanto como diz Carvalho (2014): “A reação popular foi imediata e mostrou que mesmo na
nova Constituição, recolocando em cena os direitos civis e politicos. O voto foi extendido à
todos os brasileiros e brasileiras alfabetizadas e com mais de 18 anos, mas havia limites ao
direito de organização pois de de 1946 a 1950 no governo Dutra foi proibido greves,
paralisações, comícios e manifestações (Luca, 2013). E de novo com o governo dos militares
significativas.
Luca (2013) comenta que no que diz respeito aos salários, condições de vida, direitos
meros prestadores de serviços sociais e de lazer. Mas houve avanços como a criação do
Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) em 1966, que substituiu a estabilidade,
garantida àqueles que completassem dez anos de trabalho em determinada empresa, por um
fundo formado por depósitos mensais equivalentes a 8% do valor do salário pago a cada
trabalhador, a ser sacado em caso de demissão, compra da casa própria ou abertura de próprio
negócio.
Também em 1966 foi criado o Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), órgão
trabalhadores rurais, autônomos e empregados domesticos, que até então eram excluídos do
sistema de cidadania regulada, foram incorporados à Previdência. Luca (2013) destaca que a
expansão dos direitos sociais ocorreu emu ma conjuntura marcada pela ausência de
liberdades públicas, assim “confirmando a tendência, tão bem analisada pelo historiador José
Murilo Carvalho, de inversão na ordem clássica de aquisição de direitos, o que tem implicado
na forma como se constrói a relação entre Estado e a sociedade civil” (p. 485).
63
cidadania” - realizada entre 1995 e 1996 na região metropolitana do Rio de Janeiro para
averiguar a percepção da população em relação aos seus direitos -, a autora pondera que os
direitos não são apreendidos como resultado da ação política. Mas enquanto favor ou dádiva
recebida, típica do clientelismo já visto na Era Vargas, mas que revigora a superposição entre
forte consciência de que no Brasil a Lei não é igual para todos. (Luca, 2013, p. 486)
caminhou para uma abertura política, iniciada no governo Geisel (1974-1978), com o fim da
censura prévia, a anistia política, a possibilidade de organizer novos partidos politicos, a volta
das eleições diretas para governador, a revogação do AI-5, que culminou com o
analfabetos. Os direitos civis foram amplamente assegurados pelo artigo 52, que inovaram de
diversas formas: ao criar o habeas data, que assegurava aos cidadãos o conhecimento de
deficientes e idosos com mais de 65 anos de uma pensão mensal de um salário mínimo
mesmo que não tenham contribuído para a Previdência. Carvalho (2014), ainda notifica que:
“Fora do âmbito constitucional, foi criado em 1996 o Programa Nacional dos Direitos
Humanos, que prevê várias medidas práticas destinadas a proteger esses direitos” (p. 211).
legislativos, não são suficientes para concretizá-los na prática cotidiana, como Luca (2013)
conclui: “As desigualdades sociais deitam raízes profundas na ordem social brasileira e
violência e alijados da Previdência Social, do acesso à justiça, moradia, educação, saúde” (p.
488).
Carvalho (2014), pontifica que dos direitos que compõem a cidadania no Brasil, são
e garantias: “A falta de garantia dos direitos civis se verifica sobretudo no que se refere à
Carvalho (2014), ao falar dos anos sob o governo petista, inaugurado em 2002 com a
eleição do presidente Luís Inácio Lula da Silva, diz que “Há consenso de que a marca
principal dos ultimos doze anos sob governo petista foi a expansão da inclusão social, ou, nos
Família (PBF), criado em 2004 para na prática realizar uma transferência direta de renda para
65
os pobres. Carvalho (2014) notifica que após dois anos de sua vigência, o programa já cobria
extremamente pobre (renda de R$ 70 por mês per capita). O valor de tranferência passou a
social, Carvalho (2014) observa que houve uma alteração da estrutura social, que ficou
Essa geração tem valores e atitudes diferentes dos pais, são mais informados e mais
de dinheiro public, à corrupção. O crescimento dessa nova camada social tem levado,
Portanto, vem daí o critério escolhido para a coleta de dados na pesquisa entre alunos
universitários, advindos de toda classe social, inclusive dessa nova classe C, beneficiada pelo
ser gerenciada pelo poder político. Esta linguagem é materializada no emprego de certas
66
processo discursivo acompanhar a organização de forças sociais em sua luta para legitimar
ser humano, implicando sentidos que conotam que ‘ser diferente’, é ser errado” (p. 47).
É por fazer restrições quanto ao uso da língua e advogar o uso de algumas palavras
para evitar o emprego de outras, esse movimento da correção política insere-se em uma
prática histórica e social que engloba a produção de sentidos feita pelo discurso. Possenti e
Baronas (2006) ressaltam que o efeito de significação produzido pelo discurso tem uma dupla
face: ao mesmo tempo em que a significação linguística depende dos discursos nos quais
aparecem os meios de expressão, é ela mesma, em grande parte, quem faz os discursos serem
o que são.
lidas em seus efeitos no sujeito e no social mediante as representações sociais que esses
sujeitos fazem desse fato social e com suas relativas consequências subjetivas?
formação/ funcionamento do processo discursivo (Salache, 2014), pois ao mesmo tempo que
correto dizer. Consequências subjetivas, desde que, há uma relação do sujeito com a palavra e
a sua ordem significante na história, o que torna visível para Salache (2014) que: “há uma
relação entre o sujeito e a língua, entre a história, o inconsciente e a ideologia” (p. 47).
67
social.
porque a língua é um sistema de valores contratuais (em parte arbitrários, ou, para ser mais
quiser tomar seu lugar entre seus pares; esse sistema tem suas próprias restrições, suas
próprias regras que lhe permitem funcionar e que se impõem, desde então, a todos os
O politicamente correto procura agir diretamente sobre o seu veículo essencial, que
para Bento (2008) consiste na correção das representações da linguagem, do vocabulário, que
seria capaz de levar a cabo um endireitamento tal nas mentalidades, o que para Bento (2008):
“não apenas extirpe das próprias palavras todos os juízos de valor, como corrija também,
por si só, não reflete obrigatoriamente em atitudes politicamente corretas. Em outras palavras,
“a linguagem deveria ser o reflexo do que as pessoas têm feito quanto a evitar que qualquer
correto não necessariamente implica agir de tal maneira” (Rossoni, 2009, p. 12).
por outro mais correto, pois, ao se defender um comportamento, inclusive linguístico, que
politicamente correto torna-se um movimento que, acredita-se, tem relevância e efeitos que
merecem ser examinados à luz das representações sociais e analisados em seu conteúdo
representacional nas falas dos sujeitos, à luz da psicanálise, pois no dizer do linguista
Possenti (1995),
O que quer que se diga em relação aos efeitos políticos, no entanto, estamos diante de
um movimento que já produziu fatos discursivos que não podem deixar de ser
construir um saber sobre o politicamente correto, será feita uma análise da linguagem como
Capítulo 2
SOCIAL
correta. Essas elucubrações serão feitas para se continuar a investigação proposta por esta
pesquisa.
uma cadeia de sons articulados, mas também uma rede de marcas escritas, ou um jogo de
gestos. “Pela complexidade e pela diversidade dos problemas que levanta, a linguagem tem
social. Não há sociedade sem linguagem, tal como não há sociedade sem
comunicação. Tudo o que se produz como linguagem tem lugar na troca social para
por mais que se esforce é impossível não se comunicar com o outro. Até em não falar há
influenciam outros e estes outros, por sua vez, não podem não responder a essas
entendido que a mera ausência de falar ou de observar não constitui exceção ao que
Assim não se pode dizer que a comunicação só acontece quando intencional, ou seja,
Foi nessa questão em torno do que é consciente, que Freud (1915/2010), elaborou seu
A língua não se esgota na mensagem que engendra, ela pode sobreviver a essa
mensagem. Além disso pode nela se fazer ouvir, como diz Barthes (2007), “numa ressonância
muitas vezes terrível, outra coisa para além do que é dito, suprimindo a voz consciente,
espécie. Por esse fato, o sujeito só se diz por meio da linguagem, por isso não é um sujeito
pleno, mas dividido pela descontinuidade da linguagem, sempre escapando, sempre fugindo.
(Lebrun, 2008c).
desconforto. A inteligência vive alerta e o pensamento, ao contrario, não vive de plantão. Ele
Kristeva (2007) lembra que todos os testemunhos que a arqueologia nos oferece de
uma comunicação: “<<O homem fala>> e o <<homem é um animal social>> são duas
linguagem não quer dizer que se dê uma predominância à sua função de comunicação”
(Kristeva, 2007, p. 17). A língua é o mais completo e o mais difundido sistema de expressão,
pois a capacidade humana para criar a linguagem é realizada através da língua de uma
natureza são estranhos para o homem, até que possam se aproximar de nós pela mediação
simbólica da linguagem que irá, então, modelar de sentido a realidade” (Longo, 2006, p. 12).
o receptor.
línguas, que são sistemas de signos utilizados por diferentes comunidades linguísticas. A
atribuir à língua o primeiro lugar no estudo da linguagem, assim como pode-se fazer valer o
seguinte argumento: “a faculdade – natural ou não – de articular palavras não se exerce senão
com ajuda de instrumento criado e fornecido pela coletividade; não é, então ilusório dizer que
Apesar de a língua não se confundir com a linguagem, pois é somente uma parte
linguagem e um conjunto de convenções necessárias, adotadas pelo corpo social para permitir
73
indivíduo; não pode ser modificada pelo indivíduo falante e parece obedecer às leis do
contrato social, reconhecido pela comunidade vigente. Está isolada do conjunto heterogêneo
Comparável à escrita, ao alfabeto dos surdos-mudos, aos ritos simbólicos, aos sinais
militares por exemplo, a língua é um sistema de signos que exprimem ideias, sendo o
Signo linguístico une não só uma coisa e uma palavra, mas um conceito e uma
imagem acústica, que é a representação natural da palavra enquanto fato de língua virtual,
fora de toda realização da fala. O aspecto motor pode ficar subentendido ou ocupar um lugar
Esta não é o som material, coisa puramente física, mas a impressão psíquica desse
som, a representação que dele nos dá o testemunho de nossos sentidos; tal imagem é
Imagens acústicas têm um caráter psíquico, que podem ser percebidas quando
recitamos mentalmente um poema, por exemplo. As palavras da língua são imagens acústicas
por significante, pois para ele esses termos têm a vantagem de assinalar a oposição que os
74
separa, quer entre si, quer do total que fazem parte. O que se chama de signo é formado pela
signo.
“coisa”, mas uma representação psíquica da “coisa”. Barthes (2006) enfatiza que “o próprio
boi não é o animal boi, mas sua imagem psíquica” (p. 46).
isolar cada uma delas um traço pertinente, comutável” (Barthes, 2006, p. 47).
necessária, mas, não suficiente. Essa matéria do significante é composta por sons, objetos e
Se a língua é uma instituição social a fala é individual, porém uma não vive sem a
75
outra pois a língua e a fala possuem uma relação de interdependência bem demonstrada por
Saussure (1916/2006):
cada cérebro ou, mais exatamente, nos cérebros dum conjunto de indivíduos, pois a
língua não está completa em nenhum, e só na massa ela existe de modo completo. (p.
21)
Como fala e língua estão estreitamente ligadas, elas se implicam mutuamente, pois se
a língua é necessária para que a fala seja inteligível e produza todos os seus efeitos, a fala é
necessária para que a língua se estabeleça. Historicamente, o fato da fala vem sempre antes, e
outra.
exprimir seu próprio pensamento; b) o mecanismo psicofísico que lhe permite exteriorizar
Na língua a imagem acústica pode traduzir-se numa imagem visual, na fala cada
Fonema para a linguística não é simplesmente o som físico, um dado acústico, este
efetivamente o objeto da fonética; mas, trata-se do som enquanto algo que determina o
sentido que serve para distinguir a significação das palavras (Jakobson, 2001).
àquele elaborado pelo pensamento inconsciente, que é para Freud, um saber não sabido pelo
porque é produto do meio social. Não é uma nomenclatura, que se apõe a uma realidade pré-
Para explicar esse argumento, Fiorin (2009) utiliza as ideias de Sapir (1969) -
segundo as quais a língua reflete o meio físico e social e, a partir de sua constituição, o
Nenhum falante pode escapar à organização e à classificação dos dados estabelecidas por
uma língua.
linguístico. Fiorin (2009) nota que as categorias fundamentais do pensamento, como tempo,
espaço, sujeito, objeto, são diferentes de uma língua para outra, pois as línguas, tanto no
princípio de classificação. Desde que lhe demos o primeiro lugar entre os fatos da linguagem,
introduzimos uma ordem natural num conjunto que não presta a nenhuma outra classificação.
“A linguagem é uma legislação, a língua é seu código”, e mais ainda afirma Barthes
(2007), que os indivíduos não veem o poder que reside na língua porque esquecem “que toda
língua é uma classificação, e que toda classificação é opressiva: ordo quer dizer, ao mesmo
tempo, repartição e cominação (p. 12). Jakobson (2001) mostrou que um idioma se define
menos pelo que ele permite dizer, do que por aquilo que ele obriga a dizer. Por exemplo, as
77
línguas latinas devem colocar o sujeito antes de enunciar uma ação, devendo-se escolher
sempre entre o feminino e o masculino, sendo proibidos o neutro e o complexo, assim como é
obrigatório marcar as relações com o outro recorrendo aos pronomes. “Falar, explica o
filósofo, e com maior razão discorrer, não é comunicar, como se repete com demasiada
freqüência, é sujeitar: toda língua é uma reição generalizada” (Barthes, 2007, p. 13). O objeto
Possenti (2009c), argumenta que para compreender a relação entre linguagem e poder
Este conceito, para Possenti (2009c) está associado a certas pragmáticas, que supões
que a língua apenas reveste, não mais um pensamento, mas refere-se às coisas, à experiência
imediata. Contra esse preceito, Foucaut considera o discurso uma violência que se faz às
coisas: “Ou seja, que a relação entre a materialidade e algum referencial é sempre efeito de
capítulo anterior, assim a disputa pelo sentido correto de certas palavras evidencia uma luta
pelo poder, pois segundo Salache (2014): “Esta linguagem materializa-se no emprego de
Por isso é que se pode falar em linguagem politicamente correta, pois através de um
Falar é um exercício contaminado pelo poder, pois o poder (a libido dominandi), está
emboscado em todo e qualquer discurso, mesmo quando este parte de um lugar fora do poder:
A “inocência” moderna fala do poder como se ele fosse um: de um lado aqueles que o
têm, de outro, os que não o têm, acreditamos que o poder fosse um objeto
ele se insinua nos lugares onde não o ouvíamos de início, nas instituições, nos
ensinos, mas, em suma, que ele é sempre uno. (Barthes, 2007, pp. 10-11).
fazendo-o presente nos mais finos mecanismos do intercâmbio social, como no Estado, nas
classes, nos grupos, nas modas, nas opiniões correntes, nos espetáculos, nos jogos, nos
esportes, nas informações, nas relações familiares e privadas, e até mesmo naqueles impulsos
Não existe algo unitário e global denominado poder, mas formas díspares,
quando ele define que o poder não é algo natural, uma coisa que se possui ou não. Antes de
Poder este que intervém materialmente, atingindo a realidade mais concreta dos
indivíduos – o seu corpo – e que se situa ao nível do próprio corpo social, e não acima
79
dele, penetrando na vida cotidiana e por isso podendo ser caracterizado como micro-
rede social, não existindo por si só, mas como práticas, ou relações de poder, que se exercem,
relação de força, situação estratégica, pois não é um lugar que se ocupa, nem muito menos
um objeto que se possui, ele se exerce é na disputa, como por exemplo na guerra, não existe
estratégica, uma positividade que explicam porque o seu alvo é o corpo humano, e seu
objetivo é o aprimoramento, o adestramento desse corpo para tornar o homem “útil e doce”.
individualidade. O indivíduo é uma produção do poder e do saber, tendo todo saber sua
comparar, distribuir, avaliar, hierarquizar, tudo isso faz com que apareça pela
produção do saber. Mas também, e ao mesmo tempo, como objeto de saber. Das
XIX e início do século XX. Nesse saber psicanalítico sobre o inconsciente, Sigmund Freud
(1856-1939), o seu fundador, também, discorre sobre o indivíduo, a massa e o poder em suas
A vida humana em comum se torna possível apenas quando há uma maioria que é
mais forte que qualquer indivíduo e se conserva diante de qualquer indivíduo. Então o
indivíduo, condenado como ‘força bruta’. Tal substituição do poder do indivíduo pelo
civilização como designação da soma das realizações e instituições que afastam a vida
regulamentação dos vínculos dos homens entre si, como vê-se em suas palavras:
Para maior clareza vamos reunir os traços característicos da civilização, tal como se
apresentam nas sociedades humanas. Nisso não hesitaremos em nos deixar guiar pelo
uso corrente da língua – ou, como também se diz, pelo ‘sentimento da língua’-,
confiando em que assim faremos justiça a intuições que ainda se furtam à expressão
Como cultura, o autor designa todas as atividades e valores que são úteis para o
humano, colocando a terra a seu serviço, protegendo-o da violência das forças da natureza.
Então desde que imerso na linguagem e na civilização, todos os atos humanos passam a ser
O termo civilização designa a dimensão material da vida social, a produção dos bens
formações culturais. Freud, como citado em Mezan (2006), situa-se em uma perspectiva em
que ambas as designações se articulam entre si, pois em conjunto é que constituem o índice
íntima relação têm a função de assegurar a produção dos meios de subsistência diante da
organização social tem por função primeira multiplicar o poder humano, a fim de
garantir tanto a produção dos bens naturais aptos a satisfazer as necessidades vitais,
Mesmo sendo uma prática que se realiza na comunicação social e por seu intermédio,
a linguagem constitui uma realidade material, que participa do mundo que ela mesma forma:
a civilização, mas engloba também questões que são exteriores a ela, como a natureza e a
Nas duas vertentes em que se manifestam o politicamente correto, seja na defesa dos
mencionado por Foucault e Freud. A primeira vertente, pode ser relacionada, também, com as
análises de Barthes (2007) sobre o poder: “Chamo discurso de poder todo discurso que
engendra o erro e, por conseguinte, a culpabilidade daquele que o recebe” (p. 12). A segunda
vertente, a de ditar como se deve falar corretamente, pode ser observada na relação com o
dizer de Barthes (2007) de que a língua quando proferida, mesmo que na intimidade mais
linguagem, não é nem reacionária, nem progressista; ela é simplesmente: fascista; pois o
Barthes (2007), “se chamamos liberdade não só a potência de subtrair-se ao poder, mas
também e sobretudo a de não submeter ninguém, não pode então haver liberdade senão fora
da linguagem. Infelizmente, a linguagem humana é sem exterior: é um lugar fechado” (p. 15).
São delineadas por Barthes (2007) duas rubricas para a língua: a autoridade da
aquilo que se arrasta na língua: “Assim que enuncio, essas duas rubricas se juntam em mim,
sou ao mesmo tempo mestre e escravo: não me contento com repetir o que foi dito, com
alojar-me confortavelmente na servidão dos signos: digo, afirmo, assento o que repito” (p.
15).
em uso que tenta eximir o falante de qualquer tipo de prejuízo quanto ao entendimento
daquilo que ele pretende informar, Rossoni (2009) percebe como a escolha lexical feita pelo
83
politicamente correto. Ainda para Rossoni (2009), quando alguém usa a linguagem em
entendimento daquilo que pretende informar, está fazendo uso da linguagem politicamente
Essa forma de expressão está intimamente ligada a aspectos que vão além da
linguagem em si, mas a conceitos culturais e sociais. Ela representa um cuidado para
que nada que seja comunicado possa – de alguma forma – vir a ser mal-interpretado,
ou pior: vir a ser interpretado sob a forma de preconceito social (p. 10).
palavras menos discriminatórias e pejorativas nas relações sociais, e insere-se em uma prática
2007, p. 21)
Em uma sociedade como a que se vive, ao menos do lado ocidental, são conhecidos
verdade; assim como exemplifica a interdição, também em três vertentes: “Sabe-se bem que
não se tem o direito de dizer tudo, que não se se pode falar de tudo em qualquer
circunstância, que qualquer um, enfim, não pode falar de qualquer coisa” (p. 9).
discurso proposto por Foucault, vai além da simples patrulha ao tentar tornar não marcado o
canhotos, dos carecas aos baixinhos, dos fanhos aos gagos, exemplificando), escolhendo a
palavra que melhor designe a verdade histórica do homem e não o humilhe nem denigra. Por
exemplo, ao utilizar o termo comunidade, ao invés de favela, tenta-se retirar o peso histórico
pejorativo que condensa essa palavra, para chegar mais próximo ao cotidiano de uma vida em
assim, uma lógica discursiva, que seria a lógica do inconsciente freudiano, que não exclui o
como atos falhos, esquecimentos, chistes, atos sintomáticos por exemplo. O bem dizer
psicanalítico são essas formações do inconsciente, o que não quer dizer que exclui a
tem o direito de dizer tudo, mas se falar, também, há que se pagar um preço por isso. O
inconsciente que responsabiliza o sujeito pelos seus ditos, fica do lado da defesa dos direitos
humanos, pois é aquele que leva o ser falante a responsabilizar-se pela invenção de seu estilo
singular de usufruir de sua vida nas relações que estabelece no convívio social (Forbes,
2012).
combate que mais se destacam, na medida em que se acredita que essas formas linguísticas
reproduzem uma ideologia que segrega em termos de classe, sexo, raça e outras
características físicas e sociais que são objeto de discriminação, pois há formas linguísticas
85
que veiculam sentidos que evidentemente discriminam (preto, gata, bicha), ao lado de outros
que também discriminem, embora menos claramente (mulato, denegrir, judiar, anchorman,
incorretos, na medida em que são confrontados com os de uma linguagem que, ao contrário
dessa, seria politicamente correta, permite discutir o que pode significar, em especial para
discurso, como enfatiza Possenti (2009b), ao explicar que o signo não reflete, mas refrata a
realidade:
afirmação de Bakhtin segundo a qual o signo não reflete, mas refrata a realidade, por
conseqüência tornando-se uma arena da luta de classes. Assim, suas implicações para
as teorias do sentido são óbvias: mostra-se de forma muito clara como se dá a disputa
pelo sentido de certas palavras, pois o movimento se dá grande parte nessa luta e na
denúncia dos efeitos de sentido que o uso de certas palavras implica. (p. 37)
permite assistir a histórias semânticas, de alto valor epistemológico, já que para Possenti
(2009b), exibem claramente “o processo de criação de certos efeitos de sentido”, o que ilustra
Na denúncia dos efeitos de sentido que o uso de certas formas implica está o cerne da
86
questão linguística do movimento politicamente correto. Acredita-se que tudo que é expresso
dito, mas que de fato não e dito, é inferido pelo ouvinte. Se muito mais é comunicado
Foucault (2002), nos três sistemas de exclusão, pondera que talvez seja arriscado
aquelas separações como aquelas que são arbitrárias, são separações organizadas em torno de
contingências históricas que não são apenas modificáveis, mas estão em perpétuo
deslocamento, e que são sustentadas por todo um sistema de instituições que as impõem e
reconduzem, e não se exercem sem pressão e nem sem ao menos uma parte de violência. Mas
não é violento dizer como se deve falar? Querer, por exemplo, modificar a obra de autores
e o falso não é nem arbitrária, nem modificável, nem institucional, nem violenta, mas está em
outra escala:
Mas, se nos situamos em outra escala, se levantamos a questão de saber qual foi, qual
87
atravessou tantos séculos de nossa história, ou qual é, em sua forma muito geral, o
tipo de separação que rege nossa vontade de saber, então é talvez algo como um
Historicamente o discurso verdadeiro, pelo qual se tinha respeito e terror, era o que
anunciando-o, mas contribuindo para sua realização, ao suscitar a adesão dos homens, pois
era preciso submeter-se porque ele reinava. Isso até meados do século VII, porque depois daí
a verdade mais elevada já não residia no que era o discurso, ou no que ele fazia, mas residia
no que ele dizia. Dito de outra forma, chegou o dia em que a verdade se deslocou do ato
ritualizado, eficaz e justo de enunciação, para o próprio ato do enunciado, ou seja, para seu
sentido, sua forma, seu objeto, sua relação a sua referência. Foi entre Hesíodo e Platão que
uma certa divisão se estabeleceu, separando o discurso verdadeiro e o discurso falso, para
Foucault (2002) esta é uma nova separação pois, doravante, o discurso verdadeiro não é mais
o discurso preciosoe desejável, pois não é mais o discurso ligado ao exercício do poder.
discurso revelam logo, rapidamente, sua ligação com o desejo e com o poder, e pondera que:
Nisto não há nada de espantoso, visto que o discurso – como a psicanálise nos
mostrou – não é simplesmente aquilo que manifesta (ou oculta) o desejo; é, também,
aquilo que é o objeto do desejo; e visto que – isto a história não cessa de nos ensinar –
mas aquilo por que, pelo que se luta, o poder do qual nos queremos apoderar. (p. 10)
88
Como lembrou Foucault (2002), dentro dessa divisão histórica no discurso entre o
tratamento psicanalítico, é desenvolvida nessa experiência que está fundada sobre o amor à
verdade.
Segundo Foucault (2002), as grandes mutações científicas podem ser lidas como
vontade de verdade.
apoia-se sobre um suporte institucional, sendo ao mesmo tempo reforçada e reconduzida por
todo um conjunto de práticas como a pedagogia, por exemplo, ou como o sistema dos livros,
antes de tudo, reconduzida, a vontade de verdade, pelo modo como o saber é aplicado em
uma sociedade, como é valorizado, distribuído, repartido e de certo modo atribuído: “Enfim,
creio que essa vontade de verdade assim apoiada sobre um suporte e uma distribuição
institucional tende a exercer sobre os outros discursos – estou sempre falando de nossa
sociedade – uma espécie de pressão e como que um poder de coerção” (Foucault, 2002, p.
18).
Foucault (2002) exemplifica sua assertiva falando sobre a maneira que a literatura
como preceitos ou receitas, eventualmente como moral, procuraram, desde o século XVI,
89
produção; na maneira como o sistema penal procurou, a partir do século XIX, justificar-se
como se a própria palavra da lei não pudesse mais ser autorizada, senão por um discurso da
verdade.
na memória dos sujeitos, através das representações que eles constroem dos fatos sociais, por
isso são construções feitas no cotidiano das relações, muito mais do que da idealização dessas
Capítulo 3
AS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS
O conceito de representação social foi criado pelo psicólogo social romeno Serge
Moscovici (1961/2012), que ao pensar em capturar a imagem que as pessoas tinham acerca
diferentes grupos sociais, foi publicado em 1961 sob o título de A Psicanálise, sua imagem e
seu público (La Psychanalyse: Son image et son public), tendo como problema central o
fenômeno das representações sociais. A teoria das Representações Sociais é uma forma
representação social, pela análise de objeto real como a representação da psicanálise e o que
correspondendo à substância simbólica que entra nessas elaborações descritas que são a
prática que produzem tal sustância simbólica. Dessa forma, se a realidade das representações
sociais é facilmente assim apreendida nesse interlúdio, o conceito não o é segundo Moscovici
(1961/2012) e as razões são históricas, o que se verá em seguida, pois no momento mais
Assim quando o sujeito exprime opinião sobre o objeto, devemos supor que ele já tem
representado alguma coisa do objeto que o estímulo e a resposta são formados juntos.
Em suma, a resposta não é uma reação ao estímulo, mas, até certo ponto, sua origem.
(p. 45)
A imagem é determinada pelos fins e sua função principal é a seleção daquilo que
vem do interior do sujeito, mas, principalmente do exterior, dos fatos, dos fenômenos. As
percebemos o mundo tal como é e todas nossas percepções, ideias e atribuições são respostas
a estímulos do ambiente físico ou quase físico, em que vivemos.” (Moscovici, 2010, p. 30).
realidade que é independente e autônoma em relação aos nossos desejos. Mas nem sempre
conseguimos enxergar a realidade que está diante de nossos olhos e as coisas parecem
invisíveis para nós, outras vezes, nossas reações aos acontecimentos e aos estímulos são as
Nesses três casos aparece a intervenção de representações, que nos orientam em direção ao
que nos é visível, ao que define o que é realidade e ao que temos de responder.
alguma noção, ou imagem, ou seja através das representações da realidade, como observa
Eu não quero dizer que tais representações não correspondem a algo que nós
realidade, essas representações são tudo o que nós temos, aquilo que nossos sistemas
advém da representação do politicamente correto em sua luta prática e social pela construção
tempo em que se percebe uma primazia das imagens, esta é sempre a personagem principal,
qual o ideal de captura do outro não pode jamais se realizar nesse festim diabólico de
exibicionismo pós-moderno, sendo uma “condição sine qua non para o espetáculo na cena
assim: “é a coroação final do sonho moderno de liberdade e do longo e tortuoso esforço para
tornar o sonho realidade” (p. 15). A modernidade é por natureza uma civilização sem
fronteiras, em busca de terras para conquistar e sempre atenta a novos convites ou pretextos
93
pode ser caracterizada pelo conceito de cultura do narcisismo (Lasch, 1979) e de sociedade
imagem de cenas a reguladora fundamental do espaço social, já para Lasch (1979), o mundo
relação do sujeito consigo mesmo, que representa uma espécie de estado subjetivo de uma
descritas por Severiano (2007) na cultura do narcisismo, como perda de referenciais éticos e
generalizado.
poder de força e de captura do outro, tanto pelas vias da televisão quanto da informática e do
jornalismo escrito, a cena pública se desenha sempre pelas imagens (Birman, 2001).
Lembrando que o espetáculo não pode ser compreendido só como uma produção de um
mundo da visão e das técnicas de difusão maciça das imagens, pois para Debord (1997): “Ele
é uma Weltanschaung que se tornou efetiva, materialmente traduzida. É uma visão de mundo
que indica imagem ou ideia, ou ambas as coisas. Geralmente define-se representação por
analogia com a visão e com o ato de formar uma imagem de algo, tratando-se no caso de uma
cartesiano e na filosofia da consciência, mas o uso desse termo foi sugerido aos escolásticos
pelo conceito de conhecimento como semelhança do objeto. Representar algo significa conter
fim da escolástica que esse termo passou a ser mais usado, às vezes para indicar o significado
operação pela qual a mente tem presente em si mesma uma imagem mental, ideia ou conceito
correspondendo a um objeto externo. Abbagnano (2000) afrima que existem três sentidos
para representar:
1. Representar é aquilo pelo meio do qual se conhece algo, significa ser aquilo com
ideia;
Representação é a imagem;
Esses significados para o termo representação são importantes para a noção cartesiana
de ideia como quadro ou imagem da coisa e foi utilizado por Wolff ao introduzir o termo
Vorstellung para difundir essa ideia cartesiana no uso filosófico da língua alemã e nas outras
sua natureza de quadro ou semelhança, e foi desse modo que o termo passou a ser usado em
(Abbagnano, 2000).
sua função que é a de tornar presente a realidade externa para a consciência, desta forma
fenômeno psíquico, irredutível somente à atividade cerebral, pois sabemos desde a distinção
feita por Freud (1915/1980k) de que a realidade psíquica não se reduz à atividade
neurológica, mas a leitura que fazemos do mundo que nos cerca. Igualmente a representação
coletiva não se reduz à soma das representações dos indivíduos que compõem uma sociedade,
pois ela é um dos sinais de que há uma primazia do social sobre o individual, da invasão
96
deste por aquele. Moscovici (1961/2012) explica que para Durkheim, “a psicologia social
fundem umas nas outras e se distinguem” (p. 26). Mas Moscovici (1961/2012) diz que
Com sua pesquisa sobre “A psicanálise, sua imagem e seu público”, Moscovici
(1961/2012) intencionou unificar e revolucionar a psicologia social por meio da teoria das
representações sociais. Segundo Farr (2013), a teoria das Representações Sociais é uma
pesquisa feita por Moscovicie difere marcadamente das formas psicológicas de Psicologia
Entre uma tradição de pesquisa européia e uma pesquisa americana moderna é que se
dá o contraste, e essa era moderna para a Psicologia Social, começou com o fim da Segunda
Guerra Mundial. Farr (2013) esclarece que embora a Teoria das Representações Sociais tenha
visto a luz do dia pela primeira vez na era moderna, ela pertence em suas origens ao solo
Durkheim: “É óbvio que o conceito de representações sociais chegou até nós vindo de
Durkheim. Mas nós temos uma visão diferente dele – ou, de qualquer modo, a psicologia
social deve considerá-lo de um ângulo diferente – de como o faz a sociologia” (p. 45).
Assim, Moscovici (2010), propõe considerar como um fenômeno, o que antes era visto como
um conceito em Psicologia Social. Para ele a Psicologia Social via as representações sociais
como artifícios explanatórios, irredutíveis a qualquer análise posterior, pois, apesar de saber
da existência dessas representações nas sociedades, não se importava com sua estrutura, nem
dinâmica interna. Moscovici queria penetrar o interior para descobrir esses mecanismos
internos e a vitalidade dessas representações sociais o mais detalhadamente possível. Para ele,
97
o primeiro passo nessa direção foi dado por Piaget, quando este estudou a representação do
mundo da criança e sua investigação permanece, até o dia de hoje, como exemplo. Assim o
que Moscovici (2010) propõe fazer é: “Considerar como um fenômeno o que antes era visto
vista por Moscovici, segundo Doise (2002), como uma ponte para outros ramos do saber, que
cultura moderna, pois para Moscovici (2010), na verdade, é na vida com os outros que
Representação Social para atingir um duplo objetivo: inicialmente, mostrar aquilo que a sua
história revela de surpreendente, e em seguida, clarificar certos aspectos que nem sempre
linguagens que ela mesma produz, ou seja, devendo ser considerada em referência à
culturais e, desse modo, ela constitui uma novidade no pensamento social moderno
(Moscovici, 2003).
trabalho datado de 1896 para estabelecer uma relação genética entre a regra universal da
proibição do incesto e o sistema de crenças ditas primitivas sobre a proibição do incesto. “Os
saberes, as crenças e a língua, assim como todas as demais instituições, são instituições da
sociedade” afirma Moscovici (2003, p.13). E é na sociedade que se pode apreender a noção
sociais e do movimento nascente de toda regra e prática que somente têm significado à
medida que exprimem algo para além delas próprias que verificamos essa representatividade.
Mais além vai Moscovici (2003) ao lembrar que Durkheim afirma que não existe
em que nascem dentro da própria sociedade. E não se pode separar de uma representação a
individuais, as representações coletivas, que não se resumem a vida mental dos indivíduos
isolados. Elas não são como as opiniões, as atitudes médias das representações individuais,
nem são abstraídas das consciências particulares, pois estas seriam mais concretas. As
sociedades e das instituições em que elas se enraízam (Moscovici, 2003). Fazendo uma
99
sempre parecem ditar a direção e o expediente iniciais, com os quais o grupo tenta se acertar
social deve mais à convenção e à memória do que à razão; mais às estruturas tradicionais do
Quando tudo é dito e feito, as representações que nós fabricamos – duma teoria
constante de tornar comum e real algo que é incomum (não familiar), ou que nos dá
Esse propósito das representações sociais de tornar familiar o não familiar é também
o objetivo da ciência. Desta forma, Moscovici (2010) explica a passagem das representações
devem ser substituídas pelas das ciências e da tecnologia. Isso leva à divisão entre sociedades
sem ciência e sociedades com ciência, sendo que, as representações coletivas são estudadas
últimas, de tal modo que as características, começando com as crenças instituídas nessas
sociedades tradicionais, ou “exóticas”, são distinguidas como se tal fato fosse uma questão de
alguma forma mental peculiar apenas delas” (p. 195). Para o Moscovici (2010), ao se tomar
explica porque toda representação parece coincidir com a coletividade em sua totalidade e
assumir um caráter ao mesmo tempo uniforme e estático. Mas, Moscovici (2010) ainda
longínquas ou em tempos antigos, mas não na nossa, com seu endeusamento às crenças
Devido a uma escolha cujos motivos têm aqui pouca importância, parece-me legítimo
supor que todas as formas de crença, ideologias, conhecimento, incluindo até mesmo
(Moscovici, 1961), e parece igualmente assim hoje, que nem a oposição do social ao
coletivas, quis romper com as associações que o termo coletivo tinha herdado do passado e
conhecimento popular do senso comum fornece sempre o conhecimento que as pessoas têm a
seu dispor e que a própria ciência e tecnologia não hesitam em tomar emprestado dele,
quando necessitam, uma ideia, uma imagem, uma construção, Moscovici (2010) sentencia:
comunicadas e colocadas em ação na vida cotidiana. Moscovici (2010) conclui que: “As
observável” (p. 202). Moscovici (2010) dá o exemplo comparativo dizendo que o senso
comum oferece um material prototípico para explorar a natureza das representações sociais,
recalcadas dos indivíduos, aos quais só temos acesso mediante suas representações, assim a
noção de representação já exposta, também é importante para a teoria psicanalítica. Todo esse
processo será explicado mais adiante, porque, por enquanto, continua-se com as
sentido mais dinâmico referindo-se tanto ao processo pelo qual as representações são
relação entre o processo e estrutura, na gênese e organização das representações, por isso o
dois processos que geram representações sociais, ao fazer com que o não familiar passe a
ocupar um lugar no nosso mundo dito familiar. O primeiro mecanismo, de ancoragem, tenta
abstrato em algo quase concreto, transferindo o que está na mente em algo que existe no
mundo físico.
3.3.1 Ancoragem
É o processo que transforma algo que nos é estranho, perturbador e que nos intriga
paradigma de uma categoria que pensamos ser apropriada, pois, no momento que
Se a classificação for aceita, então qualquer opinião que se relacione com a categoria
irá se relacionar, também, com o objeto ou ideia: “Ancorar é, pois, classificar e dar nome a
alguma coisa. Coisas que não são classificadas e que não possuem nome são estranhas, não
capaz de classificar, avaliando ou descrevendo algo para nós mesmos ou para outras pessoas.
obviamente não estamos apenas colocando um fato, mas avaliando-a e rotulando-a. E, neste
ato, nós revelamos nossa teoria da sociedade e da natureza humana” (p. 62).
pretensamente racional. Essas são, diga-se, as grandes questões para Possenti (1995),
correto foi a de usar palavras certas para designar corretamente as pessoas, sem ofendê-las ou
evocar antigos preconceitos que viriam enraizados nas palavras (p. 125).
Assim, os membros de uma certa comunidade étnica não devem ser chamados de
ser a de que a conotação negativa está ligada à própria palavra. (Possenti, 1995, p.
131)
Possenti (1995) não concorda com a assertiva de que a conotação negativa está ligada
à própria palavra, pois segundo a tese da análise do discurso (AD) seria, ao contrário, a
104
só ocorre se a sociedade for de alguma forma racista. Vale dizer, se houver suporte
social para que haja uma ideologia racista que se materialize num discurso que
Existem duas hipóteses para explicar o peso das palavras, uma que se refere ao peso
intrínseco das palavras, e outra que derivaria dos discursos nos quais são enunciadas as
Assim, suas implicações para as teorias do sentido são óbvias: mostra-se de forma
muito clara como se dá a disputa pelo sentido de certas palavras, pois o movimento
consiste em grande parte nessa luta (“discriminatory comments in the form of name
1990), e na denúncia dos efeitos de sentido que o uso de certas formas implica. Tais
palavras cujo uso e sentido se disputa, permitem assistir ao vivo a várias micro-
Através da teoria das representações sociais (TRS) se pode concordar com Possenti
(1995) quando discorda da assertiva de que a conotação negativa esteja só ligada à própria
105
palavra. Moscovici (1961/2012) afirma que o sentido que a cultura dá ao uso da palavra vai
espontaneamente, à medida que a utiliza, e a sociedade que, com o modo de discurso próprio,
linguagem opera entre a ciência e sua representação, entre o mundo dos conceitos e o dos
indivíduos e coletividades, para imprimir as significações que constituem uma rede, sendo
seu emprego indicativo de que recorremos ao sistema nocional científico para interpretar
acontecimentos e comportamentos.
características que constituem o meio no qual funcionamos é esse dito discurso da ciência que
nos faz perder o senso comum, a experiência em comum, substituído pelas certezas
proporcionadas pela tecnologia, como por exemplo a perda do cálculo mental pelo uso da
calculadora eletrônica.
O que constitui o senso comum, ou se quisermos chamar de bom senso, não remete a
conhecimentos, mas a um saber interno ao sujeito, a essa falha que o faz sujeito incompleto,
que necessita ancorar sempre novas representações. Para Lebrun (2004), esse senso comum é
106
apenas o resultado da instalação da ordem simbólica humana que nos caracteriza: “Quando
nos deixamos, no entanto, levar pelo meio técnico, perdemos as referências, pois se introduz
um novo dado que subverte nosso saber espontâneo, e é essa mistura que faz o sujeito perder
Esse limite é obtido nas trocas com os outros, no laço social. Mesmo que esse laço
seja mediado pelo discurso da ciência, a representação social das percepções sociais resgata
contradições e conflitos presentes nas condições em que foram engendradas, assim observa
Minayo (2013): “tanto o ‘senso comum’ como o ‘bom senso’, para usar as expressões
revelar a natureza contraditória da organização em que os atores sociais estão inseridos” (p.
90).
às ações das pessoas, e assim formar opiniões. Para Moscovici (2010), esta é uma
Grupos, assim como indivíduos, estão inclinados, sob certas condições, tais como
Pois nós não podemos esquecer que interpretar uma ideia ou um ser não familiar
sempre requer categorias, nomes, referências, de tal modo que a entidade nomeada
certo modo transformadas e aquelas entidades que devem ser representadas são modificadas
o exercício do narcisismo das pequenas diferenças. Freud utilizou essa noção para refletir
diferenças” está na base da constituição do “eu”, do “nós” e do outro, na fronteira que tem
interior das grandes massas modernas, se voltou para o campo da política. Ainda que
raramente o termo política apareça designado como tal em sua obra, “Psicologia das
linha fronteiriça entre os civilizados e os bárbaros, nunca foi apenas uma linha e sempre
criando e recriando os objetos para serem depois estigmatizados como violentos e, portanto,
A mídia, como vimos, tem sido fonte de propagação do politicamente correto, tanto
do lado dos que o acusam de restringir a liberdade de expressão e de atuar como uma censura,
que produz impactos no social; como os que defendem o movimento em prol da defesa dos
Um dos efeitos do politicamente correto se dá sobre a mídia, ao fazer com que parte
A adoção dos manuais de redação por jornais brasileiros a partir dos anos 1980, por
exemplo, pode ser parte desse fenômeno. Entre demandas políticas e a preocupação
sociais e “são as mediações sociais, em suas mais variadas formas que geram as
representações sociais. Por isso elas são sociais tanto na sua gênese como na sua forma de
3.3.2 Objetivação
objeto real uma imagem, como em uma alucinação. Para a psicologia a objetivação é a
operação pela qual a consciência exterioriza suas sensações e as imagens que forma,
imagem, é objetivar. Uma qualidade icônica é uma qualidade representativa, pois um ícone é
um símbolo feito para lembrar determinada coisa ou é uma pessoa ou coisa que simboliza
universo puramente intelectual e remoto, para depois aparecer diante de nossos olhos, de
Assim toda representação torna real um nível diferente da realidade. Isso quer dizer
que esses diferentes níveis são criados e mantidos pela coletividade e se esvaem com ela, não
tendo existência por si mesmos. Moscovici (2010) exemplifica isto com o nível de
sobrenatural, que em tempos atrás era quase omnipresente e nos tempos atuais é quase
inexistente. Para Moscovici (2010), entre a ilusão total e a realidade total existe uma
mesmo modo:
palavra. (p.71)
objetos específicos, circulando em toda sociedade e nós devemos dar sentidos concretos, pois
as palavras não falam sobre nada, se não a ligarmos a algo, encontrando equivalentes não
No entanto, nem todas as palavras podem ser ligadas a imagens, seja porque não
podem ser consideradas como tabus. As imagens que foram selecionadas, devido sua
visivelmente um complexo de ideias. Moscovici (2010) assim exemplifica sua fala: “o padrão
sociedade faz uma seleção daqueles aos quais ela concede poderes figurativos, de acordo com
aceito.
Quando uma sociedade aceita um paradigma, acha fácil falar sobre tudo o que se
relacione com ele e devido a essa facilidade as palavras relacionadas ao paradigma são usadas
ao seu redor, passando a ser usado, além de falado, em várias situações sociais, como meio de
popularizada, tornou-se a chave que abria todos os cadeados da existência privada, pública e
política:
112
Seu paradigma figurativo foi separado de seu ambiente original, através de uso
com um provérbio bastante comum, que vai sendo gradualmente separado da pessoa
que o disse pela primeira vez e torna-se um dito corriqueiro. (Moscovici, 2010, p.73)
uma sociedade, ela é aceita como uma realidade, e a imagem do conceito deixa de ser um
signo e torna-se a réplica da realidade, um simulacro. Esse mecanismo explica o que Bauman
(2011) apontou como a exacerbação das imagens, que passam a valer mais do que a
realidade, e o que Debord (1997) fala sobre a sociedade do espetáculo com seu simulacro em
aparência ao ser. Toda a vida dessa sociedade se apresenta como uma imensa acumulação de
espetáculos. Tudo o que era vivido diretamente tornou-se uma representação, como expressa
Debord (1997):
As imagens que se destacaram de cada aspecto da vida fundem-se num fluxo comum,
no qual a unidade dessa mesma vida já não pode ser restabelecida. A realidade
As imagens não existem sem realidade e não podem permanecer sem elas, pois são
essenciais para a comunicação e a compreensão social. Para as imagens terem uma realidade,
encontra-se essa realidade através da objetivação. Assim nosso ambiente é composto por tais
nossa memória, sendo dessa soma de experiências e memórias comuns que nós extraímos as
imagens, a linguagem e gestos necessários para superar o que não nos é familiar. Moscovici
(2010) lembra que essas experiências e memórias são dinâmicas e imortais, por isso
movimento, dirigindo-a para dentro, e está sempre colocando e tirando objetos, pessoas e
acontecimentos, que ela classifica de acordo com um tipo e os rotula com um nome; a
objetivação, que é mais direcionada para fora, para outros, tira daí conceitos e imagens para
juntá-los e reproduzi-los no mundo exterior, para fazer as coisas conhecidas a partir do que já
é conhecido.
significados já estabelecidos, que no mais das vezes a sociedade luta para serem mantidos.
Nessa articulação entre ancoragem e objetivação “As representações sociais emergem desse
modo como processo que ao mesmo tempo desafia e reproduz, repete e supera, que é
formado, mas que também forma a vida social de uma comunidade” (Jovchelovitch, 2013, p.
69).
descrito por Bauman (2011), que distingue as fronteiras da barbárie, como o não civil, não
significado, fora do alcance do Direito romano. Para Freud (1930/2010b), a condição para
Bauman, que se refere a existência de um selvagem no interior de cada homem que deve ser
domesticado.
representação e do social. Será feita uma articulação entre o sujeito do inconsciente, sua
através da linguagem no laço social, o que gera uma discussão sobre o que seja a política e os
Capítulo 4
O linguísta Sirio Possenti (2009a), conta que durante muito tempo, os estudiosos da
linguagem deram destaque a certos campos semânticos, que estudam os significados das
palavras, frases e expressões, nos quais vicejavam os seguintes abus: as palavras ligadas a
demônios, doenças, morte. Para muitos povos, ou grupos de pessoas, dizer o nome real de
alguma desses entidades seria imoral ou perigoso, segundo Possenti (2009a), daí a
explicação para, por exemplo, dizermos: “Diacho para evitar diabo, falecer ou falta para não
(1905/1980a), ao publicar relato clínico sobre um caso de histeria, em que discute questões
sexuais com toda a franqueza possível, chamando por seus nomes apropriados os órgãos e as
funções da sexualidade. Ele não hesita em conversar sobre tais assuntos com uma jovem de
acusações de que conversas desta ordem seriam um meio hábil para excitar ou gratificar
116
desejos sexuais. Ele assegura que esse tipo de suposição seria de uma perversa lascívia e
De resto, sinto-me inclinado a expressar minha opinião sobre esse assunto com
protestos e declarações desta espécie num trabalho científico, mas que ninguém me
censure sob este ponto; antes, acusem o espírito da época, em virtude do qual
alcançamos um estado de coisas em que nenhum livro sério pode estar certo de
Freud refere-se aos pudores de sua época, que fazem com que tome certos cuidados
com a linguagem para não ser mal interpretado. Segundo ele, esta época em que viveu é
regida por uma moral sexual civilizada que restringia a vida das pessoas com uma repressão
sexual, causadora, “\no seu entender, “da doença nervosa moderna, isto é, da doença nervosa
Essa doença era a neurose, e por isso Freud defendia uma vida sexual mais livre, Gay
(1989) assevera que “no delicado âmbito da sexualidade, ele veio a sentir um intenso orgulho
por sua iconoclastia, por sua capacidade de subverter os valores de classe média” (p. 143)
com o Freud conquistador científico a cada passo de seu percurso. Ao mesmo tempo que
pregava uma maior liberdade sexual, também assegurava um rigor científico no uso de
Ao defender uma vida sexual mais livre, Freud advogava o combate aos preconceitos
Gay (1989), ele reconheceu-se como reformador nessa área da moral sexual: “A generosa
117
concepção da libido, sustentada por Freud, converteu-o num democrata psicológico. Como
todos os seres humanos participam da vida erótica, todos os homens e mulheres são irmãos e
No entanto, os radicais da época, reprovaram Freud pelo que julgavam ser sua
ideologia genital e profundamente subversiva, pois aprovava um livre intercurso sexual entre
parceiros, criticava os rigores ditados pela monogamia e pelos preconceitos, como por
exemplo, ao combater as ideias vigentes sobre o homossexualismo, que ele não considerava
nem como crime, pecado ou doença e muito menos como forma de loucura ou sintoma de
decadência. “Isso soava muito moderno, muito pouco respeitável, em suma, muito pouco
para conseguir realizar seus ideias democráticos acerca da saúde psíquica, Freud exemplifica
condições de igualdade a minorias várias que eram objetivamente destratadas pelo Estado, na
trabalho clínico, de sua autoanálise e da análise da cultura de seu tempo. Mezan (2014)
seu próprio luto neurótico pela morte do pai, ele se debruça sobre a sexualidade e
sobre os sonhos, e o rebote dessas investigações umas sobre as outras faz avançar seu
fazer ciência, do que são emoções e pensamentos, do que é a linguagem. (p. 29)
Na literatura e teorias científicas do século XIX, Freud pesquisa acerca desses temas
2014). E é com esse material que constrói seus conceitos sobre o psiquismo humano, mas foi
sobretudo através das falas dos pacientes da clínica que construiu representações sobre a
subjetividade.
O relato clínico referido como exemplo, trata-se do seu primeiro caso publicado após
que possibilita a relação entre paciente e psicanalista, sendo através dela que a regra
fundamental da psicanálise, a fala em associação livre, pode se realizar. Para Freud (1913/
1980f) a transferência é o mais delicado de todos os procedimentos e deve ser utilizada para a
pois este se forma a partir de uma relação transferencial entre o bebê da espécie humana com
em um contexto singular próprio a cada um, mas dentro de uma perspectiva sócio-histórica,
pois o paciente ao falarde sua história pessoal, engloba todo um universo cultural. O próprio
cedo conduza à concordância sobre questões de técnica e sobre o método mais eficaz
Freud (1913/1980f) acreditava que sozinho o paciente não tinha suficiente força
motivadora para livrar-se do sofrimento psíquico e que só com a transferência seria possível o
relacionamento técnico psicanalítico. Em cada caso, para o autor, deve-se esperar até que a
ocorre uma projeção por parte do paciente de afetos vividos em sua vida, para a figura do
uma transferencia do passado esquecido, não apenas para o médico, mas também para outros
atualidade, o impulso a recordar, não apenas em sua atitude pessoal na transferência com o
pede para ela falar em associaçãoo livre, também diz que a escuta dele seria em modo similar
a fala dela, em atenção suspensa e livre. No entanto estabelece uma norma para se falar com
ele como ela. Então a associação seria livre, mas a enunciação nem tão livre. Isso não seria
parecido com o movimento politicamente correto, que para defender os direitos humanos
constrói uma linguagem politicamente correta, que fere a liberdade de expressão, outro
direito humano?
120
decorrência de sua hipótese do inconsciente. Desde suas primeiras obras, Freud opõe
conteúdos inconscientes são indestrutíveis e sempre tendem a retornar por caminhos. Mais ou
menos, desviados, no que se chama de retorno do recalcado. E esse retorno acontece por
palavra’ (Wortvorstellung). Isso ocorre porque Freud toma a palavra como unidade da função
visuais e cinestésicos. Garcia-Roza (1990) explica “ele não fala de representação de palavra,
mas toma a própria palavra como representação, tal como o objeto” (p. 122).
psicologia, como “uma apresentação (Vorstellung) complexa, que vem a ser uma combinação
121
pulsão como representando o corpo no psiquismo, outra coisa é sua ‘representância’ psíquica,
isto é, o fato dela ser representada psiquicamente por seus representantes” (Garcia-Roza,
1995, p. 254).
não o que é representado. Uma pulsão só pode ser representada no inconsciente por uma
representação.
sendo nuclear na teoria psicanalítica. O conceito de pulsão foi introduzido por Freud em 1905
nos Três ensaios sobre a teoria da sexualidade, e refere-se a uma energia fundamental do
Freud (1915/1980j) considera a pulsão como um conceito limite entre o psíquico e o somático
e se propõe a estabelecer o estatuto metafísico da pulsão, construindo uma ficção teórica. Este
conceito tem como referente o corpo, pois a fonte da pulsão é corporal, mas isto não significa
que designe uma parte do corpo ou que possa ser identificado a uma substância determinada
desejo para a psicanálise e é esse desejo que especifica que a política da psicanálise é a
prática da ética do desejo. Como afirma Kristeva (2010): “o objeto da psicanálise não é outro
senão a palavra trocada – e os acidentes dessa troca – entre dois sujeitos em situação de
122
possamos sobreviver. Nesse primeiro laço com aquele que nos traz os significantes da cultura
em que estamos imersos criamos uma demanda de amor. Essa realidade discursiva é
constituída de uma dimensão simbólica margeada pela dimensão do imaginário, que coloca
esse alguém em um lugar mítico de das Ding, a Coisa, o objeto inteiramente satisfatório,
geralmente representado pela mãe, que ocupa o lugar daquilo a que o sujeito, para existir
deverá renunciar.
trabalho de luto que nos apresenta a falta como constitutiva de nosso psiquismo. “Ficamos
sempre determinados por aquilo a que foi preciso renunciar, e é apenas a partir daí que
laço social quando falamos em desejo, pois o sujeito deseja porque a satisfação de suas
necessidades vitais passa pelo apelo dirigido ao laço social, o que de imediato altera a
4.2 Linguagem-Poder-Culpa
Ser contemporâneo carrega a marca de uma singular relação com o próprio tempo
vivido, pois adere-se a este e, ao mesmo tempo, dele se toma distâncias. “Aqueles que
coincidem muito plenamente com a época, que em todos os aspectos a esta aderem
perfeitamente, não são contemporâneos porque, exatamente por isso, não conseguem vê-la,
não podem manter fixo o olhar sobre ela” (Agamben, 2009, p. 59).
123
Perceber o escuro do seu tempo, é tarefa do ser contemporâneo, e isso não se efetua
escreve no presente assinalando-o antes de tudo como arcaico, e somente quem percebe no
Assim não é a troca de palavras propostas pelo politicamente correto que vai apagar o
perseguição antissemita aos judeus, por exemplo. Para Possenti (1995), a troca de palavras
preconceitos:
preconceitos que produz aqueles efeitos de sentido, embora não se possa desprezar o
fato de que o discurso pode servir para realimentar as condições sociais que dão
relativas ao Estado ou a uma sociedade” (Holanda, 2010, p. 597). Política é exercida no laço
social, assim como no laço social é constituído o inconsciente, desde a primeira interacão do
sujeito com a família até suas interações com o ambiente social, que vão organizar sua
sem relações de alteridade, havendo sempre dominação. O grande problema político será
saber qual é o melhor modo de determinar e adequar essa alteridade, em função de uma
Agamben (2002) lembra que “A política humana é distinguida daquela dos outros
doloroso” (p. 10). Tomando essa referência, Foucault (1988), resume o processo através do
qual, nos limiares da modernidade, a vida natural dos homens, começa a ser incluída nos
milênios, o homem permaneceu o que era para Aristóteles: um animal vivente e, além disso,
questão a sua vida de ser vivente” (p. 127). Assim as disciplinas do corpo e as regulações da
conceito fundamental, constituindo não um mistério, mas um saber que se inventa a partir de
uma relação nova com o outro. A invenção de uma nova relação com o outro pela fala,
sujeito, a hipótese freudiana é a de o inconsciente ser uma instância psíquica, para onde vão
pedra angular da psicanálise freudiana, pois sem esse mecanismo de defesa não se constituiria
125
constituído por representantes da pulsão que querem descarregar seu investimento, e, por
desejos que querem realizar-se. Por essa noção de pulsão como um conceito fronteiriço entre
o psíquico e o somático que dá conta das relações objetais e da procura de satisfação, Freud
(1905/1980a), foi por muitos considerado como só focado na sexualidade. Mas, Freud
restituiu enfim ao sexo, por uma reversão súbita, a parte que lhe era devida e que lhe fora
contestada por tanto tempo pela repressão da sexualidade pelos tabus morais da sociedade,
de pansexualismo:
Não viram que o gênio bom de Freud o colocara em um dos pontos decisivos,
marcados, desde o século XVIII, pelas estratégias de saber e de poder; e que, com
isso, ele relançava com admirável eficácia, digna dos maiores espirituais e diretores
149)
se principalmente à repressão nociva da vida sexual dos povos (ou classes) civilizados através
ideias religiosas e aos costumes, ao tipo de habitações ou à maneira como as pessoas vivem
juntas, à forma de punição determinada pelo sistema judiciário, ou mesmo ao modo como são
126
preparados os alimentos. Elias (1994) assegura que não há nada que não possa ser feito de
forma ‘civilizada’ ou ‘incivilizada’, mas ele revela que parte de uma descoberta muito
simples:
até dizer: a consciência nacional. Ele resume tudo em que a sociedade ocidental dos
sua cultura científica, sua visão do mundo, minimizando as diferenças nacionais entre os
povos, pois enfatiza o que é comum a todos os seres humanos. “Em contraste o termo cultura,
Assim é que Freud (1908/1980b) se arrisca a supor que sob a égide de uma moral
sexual civilizada, a saúde e a eficiência, a capacidade de lidar com a vida dos indivíduos
“esteja sujeita a danos, e que tais prejuízos causados pelos sacrifícios que lhes são exigidos
terminem por atingir um grau tão elevado, que indiretamente cheguem a colocar também em
Nessa época, que não é nossa contemporânea, não se era livre para fazer escolhas.
Vivia-se sob uma autoridade patriarcal que escolhia os valores e era dirigida por um severo
A experiência nos ensina que existe para a imensa maioria das pessoas um limite
127
Aqueles que desejam ser mais nobres do que suas constituições lhes permitem, são
pecadores, mas do próprio pecado: não apenas de pessoas que fizeram escolhas erradas, mas
O projeto moderno postula um mundo livre de ambivalência moral. E uma vez que a
afastamento entre as escolhas humanas e sua dimensão moral. Foi isso que a
substituição da escolha moral autônoma pela lei ética produziu na prática. (p.13)
Essa mutação cultural, já prevista por Freud (1930/2010b), passa do homem moderno
regido por uma autoridade, para o homem pós-moderno senhor do seu destino, guiado pela
que fantasia não mais ser regido pela culpa, pois nessa cultura a palavra de ordem da
ideologia liberal é assegurar o gozo a todos, e isso se tornou a nova moral. A nova moral é
que cada um tem o direito de satisfazer plenamente seu gozo, sejam quais forem suas
modalidades. Essa nova moral é fundamentada no saber da ciência, que se transmite em seus
Para Melmam (2003a, p. 61), a recusa a qualquer comando que venha de terceiros
parece ser vivida como uma negação à um comando que é visto como intrusivo e como uma
128
que são consumadas, mesmo que o sexo não ocupe mais o lugar predominante:
quer dizer hoje ‘politicamente correto?’ Quer dizer que ninguém tem o direito de
criticar qualquer gozo, seja ele qual for, pois vão se tornar politicamente incorretos,
desvaloriza antigas posições e valores que a tradição moral e política transmitia, marca a
passagem de uma cultura onde a religião comandava e obrigava aos seu seguidores o recalque
dos desejos, como Freud (1908/1980b) chama de a cultura da neurose do sujeito, para uma
outra cultura em que se vive o exercício pleno do consumo dos objetos, com a liberdade de
código de ética. Enquanto isso, a responsabilidade sobre as escolhas foi deslocada do sujeito
moral para agências supraindividuais, agora dotadas de autoridade ética exclusiva (Bauman,
2011).
moral para as decisões éticas ofereceu uma despreocupada autonomia às pessoas: “Ao self
Bauman (2011) indaga como a moralidade pode ser descrita hoje, “na ausência de
129
uma ‘política de princípios’, e muito mais – e sobretudo- com a questão de que aspectos das
condições de vida tornam uma ‘política de princípios’ redundante ou impossível” (p. 18).
pela não discriminação das diferenças, tentando encontrar esses princípios abandonados que
foram, em nome do direito à todos aos gozos proporcionados por nossa contemporaneidade?
O ideal da political correctness seria que esta se tornasse invisível, que por si mesma,
renúncia às grandes causas ideológicas, faz com que reste a administração eficaz da vida,
potenciais: “A correção política é a forma liberal exemplar da política do medo. Uma (pós-)
Se mantemos uma certa distância dos outros, não nos comprometemos nas nossas
relações e tentamos nos desimplicar de nossa culpa, diante de nossos atos, palavras e
pensamentos, fundante de nossa história cultural e psíquica. Hoje, se seguirmos o que dita o
politicamente correto, se falamos a linguagem certa, não teremos do que nos arrepender e
O homem da era freudiana era regulado pela culpa, sentia-se culpado pelo desejo de
realizar seus impulsos libidinais ou, na tentativa de satisfazer suas pulsões, se culpava pelo
130
julgamento social ou de sua consciência interna, seu supereu, instância da realidade psíquica
consecutiva ou não a um ato julgado repreensível, podendo ser postulada também de forma
inconsciente, nesse caso, para dar conta de diversas condutas obsessivas, delinquentes ou de
fracasso, assim como de certas resistências a se curar ou a abrir mão do gozo de seu sintoma.
Na reflexão freudiana sobre esse tema, é a culpabilização do gozo que aparece como
Desde Totem e Tabu, Freud (1913/1980e) confere ao sentimento de culpa uma parcela
transmitir as leis de sua cultura, perpassar conceitos morais e valores éticos, mas, para
culpabilidade daquele que o recebe. Para Nasio (1991), “a culpa é uma doença imaginária do
eu que reclama o remédio imaginário da autopunição infligida pelo supereu” (p. 135). Hoje,
no entanto, na sociedade ocidental pós-moderna, o mal-estar causado pela culpa não é mais
tão visível nos atos simbólicos, evidenciando-se, principalmente, nos registros do corpo, da
sociais e simbólicos, que vieram subverter o campo dos saberes e dos valores, resultando em
contemporâneas.
em cooperação com a moderna prática legislativa, lutou para abrir via a essa solução radical
território sobre o qual estende a sua soberania. Isto quer dizer a universalidade possui o traço
das prescrições éticas que compelia à toda criatura humana só pelo fato de ser criatura
Parece ser nesse campo que se infiltra a primeira vertente do politicamente correto na
universalização dos direitos humanos, na defesa de uma linguagem que assegure a igualdade,
estado que tornavam a obediência às regras expectativa sensata, pois a regra era bem fundada
eficácia do suporte. “As regras seriam bem fundadas quando as pessoas de que se esperava
segui-las, criam que ou podiam ser convencidas de que por uma razão ou outra segui-las era a
politicamente correto?”
natureza pulsional e de ordem inconsciente. Foi definido por Freud em 1923 a partir do
pronome alemão neutro da terceira pessoa do singular (Es), para designar uma das três
Freud (1923/1980o) passa a descrever o inconsciente como uma qualidade das três
instâncias psíquicas, sendo o Isso inteiramente inconsciente. Existe, mesmo no nosso Eu,
parte inconsciente. O que quer dizer, que memso recalcado o uso de termos que consideramos
forma tão presente no cotidiano e de ser muito citado e descrito na mídia escrita e
audiovisual, seria mesmo um fato social o politicamente correto reconhecido na fala dos
da razão, na exclusão, como disse Foucault (2002), pois é originária do inconsciente. Sendo
que o inconsciente não é o que se oferece benevolamente à escuta do psicanalista, mas o que
sonhos, nos sintomas e nas lacunas do nosso discurso consciente (Garcia-Roza, 2005)
experiência psicanalítica foi o da associação livre que consiste nesse mandamento freudiano
dito em início de análise ao paciente, de falar tudo o que lhe vier à mente.
exemplo, ficando à critério do paciente a escolha. Freud (1913/2010a) enfatiza que se deve
permitir que o sujeito simplesmente fale e o psicanalista lhe diga: “Antes que eu possa lhe
dizer algo, preciso saber muito sobre você, por favor, me conte o que sabe de você” (p. 180).
impróprias, censuradas, cometer atos falhos, lapsos, esquecimentos, é falar de seus sonhos,
seus sintomas, não esquecendo jamais “que você prometeu sinceridade absoluta, e nunca
passe por cima de algo porque por alguma razão lhe é desagradável comunicá-lo” (Freud,
1913/2010a, p.181). Essa fala endereçada ao paciente em início de análise deixa claro que o
que importa é o dizer do sujeito, a enunciação do seu discurso e não o discurso propriamente
verdade. O analista faz o analisante ouvir a verdade de seu dizer, ele não se põe na postura de
Essa busca pela verdade do inconsciente implica em uma posição do analista, que é
bem explicada por Garcia-Roza (2005): “O psicanalista é aquele que sabe que o relato do
paciente é um enigma a ser decifrado, e sabe também que através desse enigma uma verdade
se insinua. No enigma, verdade e engano são complementares e não excludentes” (p. 8).
A verdade não é representada imediatamente pelo seu agente, mas sim junto ao outro
que supostamente deve receber sua comunicação, por isso todo discurso tem um caráter
social, faz laço como diz Lacan em 1960 quando elabora sua teoria dos quatro discursos - o
relações do sujeito com os significantes e com o objeto, que são determinantes para o
indivíduo e que regula as formas do laço social (Chemama & Vandermersch, 2007).
através da fala do indivíduo, pois o sujeito forma-se no discurso que comunica ao outro. No
discurso, a língua comum a todos torna-se o veículo de uma mensagem única, própria da
língua uma marca específica, em que se marca o sujeito sem que ele tenha consciência disso.
Desse modo, estão integrados na estrutura do discurso tanto o agente do discurso, quanto o
auditor desse processo, em que o desejo do primeiro influencia o segundo, sendo por isso que
operações são as da história pois constitui a emergência da verdade no real” (p. 21).
Lacan (1945/1998), introduz o termo sujeito para falar desse indivíduo que Sigmund
indivíduo tal como nós o percebemos comumente, é que o sujeito é o que é suposto pelo
Vandermersch (2007) dizendo que é “um desejo inconsciente, um desejo tomado no desejo
do Outro, mas ao qual, entretanto, ele tem de responder” (p. 361). O desejo é um efeito da
Alinguagem é transmitida por um Outro, termo criado por Jacques Lacan para
designar aquele que transmite os significantes de uma cultura. Foi em 1945 que Lacan
utilizou essa expressão o grande Outro para distinguir do pequeno outro, o semelhante
uma teoria das identificações e da gênese social da personalidade, ele construiu sua teoria do
inconsciente: “Com sua teoria da constituição do Eu, Lacan demonstrara como é a partir da
imagem do outro que oriento meu desejo e minha relação ao mundo social. A imagem mostra
primeiro grande Outro em nossas vidas é representado por quem ocupa a função materna,
Por isso o desejo é um efeito da linguagem. E o desejo inconsciente faz com que falemos
coisas que do ponto de vista da moral pode ser considerado politicamente incorreto, podendo
trazer uma culpa subsequente, pois a culpa é considerada por Freud (1930/2010c) como um
Falar exige uma renúncia, pois obriga a um desvio forçado, à perda do imediato:
“Falar nos faz perder a adequação ao mundo, nos torna sempre inadaptados, inadequados;
assim, podemos nos felicitar por aquilo que a linguagem nos permite, mas podemos nos
lamentar por aquilo que a linguagem nos fez perder”, afirma Lebrun (2008b, p.16). É
exatamente essa perda que a linguagem nos faz ter, que nos dá acesso ao desejo. Essa perda,
dito de outra forma é o que Lacan (1956-1957/1995), refere-se como uma perda do objeto
primordial, aquele primeiro grande Outro, um objeto perdido para sempre, que o homem leva
toda sua vida querendo reencontrá-lo, e que não é um objeto real. A falta é constitutiva do
homem, e é a partir da falta que desejamos. A linguagem não preenche a falta, a linguagem
com seu simbolismo constrói novos caminhos para se lidar com a falta.
A falta e a dívida são duas faces da culpa, pois as pessoas se culpam tanto por suas
ações e pensamentos faltosos, ou errados e/ou fracassados, tanto pelo que estão em falta,
portanto em dívida, o que está em estreita conexão com a linguagem, o poder e a política,
pois a língua desenvolve-se historicamente e, uma vez constituída, impõe aos falantes uma
uma linguagem que erra, não é correta, pois é a palavra trocada, a palavra certa para a
psicanálise.
desejo. E esse percurso sempre instaura a pergunta em referência ao desejo do Outro, mesmo
Outro, como observa Julien (2010): “você me diz isso, mas o que você quer quando me diz
isso: eu não sei?” (p. 57). Pergunta essa que leva à conclusão do autor de que o que a
136
psicanálise recolheu da experiência humana é que para esse porquê dirigido ao Outro não
existe palavra que possa servir de resposta, pois perdura o enigma de que a linguagem tropeça
A linguagem tropeça e é nisso, nesse esvaziar pela palavra, que podemos dizer algo
acontecer sem ferir os direitos do Outro, em um jogo político em que pode-se incluir a defesa
aceitação das verdades inconscientes ditas através de um discurso livre e não neutro.
A política da psicanálise é a prática da ética do desejo. Como nos diz Kristeva (2010):
“o objeto da psicanálise não é outro senão a palavra trocada – e os acidentes dessa troca –
entre dois sujeitos em situação de transferência” (p. 9). O desejo sempre envolve um outro,
O objeto politico se constitui é no laço social, pois esse objeto, por excelência não é o
indivíduo, mas o grupo. Goldenberg (2006), afirma que Freud conclui que o mesmo
mecanismo que coloca o líder de um grupo como um ideal é o que rege ou forma o eu
política, uma vez que está em estreita conexão com as relações de poder. Como já verificado,
Foucault trata do tema do poder, rompendo com as concepções clássicas deste termo. Para
ele, o poder não pode ser localizado em uma instituicão ou no Estado. O poder não é
considerado como algo que o indivíduo cede a um soberano (concepção contratual jurídico-
política), mas sim como uma relação de forças. Ao ser relação, o poder está em todas as
partes, uma pessoa está atravessada por relações de poder, não pode ser considerada
independente delas.
Para Foucault (1988), o poder não somente reprime, mas também produz efeitos de
137
gera o poder o sujeito se constitui através de suas enunciações do discurso. Ao enunciar, falar
outro significante. “No discurso, a verdade não é representada imediatamente por seu
discurso tem para cada sujeito e mais que tudo o modo como é enunciado. Por exemplo, ao se
dizer carinhosamente a palavra nego para denominar o ser amado o sentido é bem diferente
de quando se usa o termo para denigrir e diferenciar de modo racista um seu semelhante.
A Psicanálise com sua teoria e prática tenta fazer uma representação social do
inconsciente e seus efeitos no cotidiano, que são observados nas formações do inconsciente,
nas relações sociais estabelecidas no processo de ancoragem e subjetivação, em que fica claro
Para ele, a maioria das relações sociais efetuadas estão impregnadas de representações
sociais, assim como os objetos produzidos e consumidos, além das comunicações trocadas.
Para ele, estas derivam seu poder da forma como controlam a realidade de hoje através do
ontem e da continuidade que isso pressupõe. Desse modo, Moscovici propõe pensá-las como
entidades sociais, que têm vida própria, que se comunicam entre si, entram em conflito
constantemente, opõem-se mutuamente e que podem mudar com o desenrolar das nossas
vidas, desaparecendo, algumas vezes, para emergir sob novas formas, pois para Moscovici
(1961/2012):
Assim uma afinidade primeira que existe entre a teoria das representações sociais e a
teoria psicanalítica é que ambas dependem para existirem da linguagem e sua veiculação no
circuito social. Moscovici (1961/2012) diz que se por um lado as representações sociais
correspondem à substância simbólica que entra em sua elaboração, por outro lado
correspondem à prática que produz tal substância. Assim também é o inconsciente, produzido
manifestado em ações como troca de palavras, atos falhos, lapsos, esquecimentos, chistes,
dessa matéria prima das representações sociais, ou seja, mais especificamente, dos elementos
normativos, crenças, valores, atitudes, opiniões, imagens etc.. Mas esses elementos
são sempre organizados como uma espécie de saber que diz alguma coisa sobre o
Para Freud (1915/1980k), o inconsciente é um saber que não se sabe. Todos esses
elementos descritos por Jodelet configuram o material que compõe esse saber que fica
integrados no contexto das relações sociais, intra e intergrupais, e das ideologias. Assim, uma
articulação entre Psicanálise, Representação e o Social, inicia-se pela noção de afeto e laço
processos de descarga, cujas manifestações finais são percebidas como sensações. Se a pulsão
não aparecesse sob forma de afeto, nada poder-se-ia saber sobre ela, embora não possa se
140
tornar consciente esta pulsão, o que dá uma ideia dela é sua representação.
O inconsciente formado por pulsões só pode ser expresso no social através de suas
órgão ou parte do corpo. Assim, ao mesmo tempo em que a pulsão representa o corpo no
psiquismo, ela só se faz presente neste último através de seus representantes psíquicos: a
contramão das ações políticas dos cidadãos, pois nas sociedades capitalistas e liberais,
submissão aos ditames de um pai ainda severo. Hoje o pai severo se tornou, muitas
vezes, um adolescente crescido, e a função paterna, como diria Jacques Lacan, parece
Hoje passamos a viver em uma nova economia psíquica (Melman, 2003b), que
significa a passagem dessa economia organizada pelo recalque da época de Freud, para uma
economia em torno da exibição do gozo, e é nesse contexto que passamos a verificar que o
poder politico passa a se valer das imagens, do espetáculo para se consolidar. O poder sempre
dependeu de uma boa dose de espetacularização, de uma grande produção imaginária para se
social, não se sabendo mais o que é real e o que é ficção, fazendo que a ciência central, o eixo
Agamben (2002), explica que Michel Foucault nos últimos anos de sua vida começou a
orientar sempre com maior insistência as suas pesquisas para aquilo que definia como ‘bio-
política’, ou seja, a crescente implicação da vida natural do homem nos mecanismos e nos
cálculos do poder. Agamben (2002), segue enfatizando a visão aristotélica do homem como
política está em questão a sua vida de ser vivente. Vale ressaltar a referência que Agamben
como teria sido até mesmo legítimo esperar, ao que poderia apresentar-se como o
todo dentro da castração, ou seja no lado feminino da sexuação, não querendo dizer que não
aparece o lado masculino, a função paterna, mas que de agora em diante está em segundo
plano na organização social. “É esse movimento que autorizou e favoreceu a emergência dos
totalitarismos, entendidos como respostas a esse novo marco da divisão social” (Lebrun,
2009, p. 158).
É reconhecer que somos limitados e não somos exceção à regra, ou seja, devemos nos
No entanto, cada vez mais queremos ser singulares, ficar numa lógica da exceção,
mas o consumo em massa, uniformiza o gozo e leva à exclusão do outro. Esse movimento
leva à uma exclusão real, mortífera, porque ela rompe o laço social. Agamben (2002), vê
diretamente a vida nua. Segundo Lebrun (2009) “O lugar do excluído é, então a consequência
lógica do fato de que o sujeito não está mais no simbólico social e, a partir disso, sua
se, subjetivar-se, e assim fazendo uma hominização e garantindo sua participação na ordem
do social, e desde Freud a psicanálise se ocupa precisamente dessa relação complexa entre
individual e coletivo que constitui o problema central de toda e qualquer ação política.
(Goldenberg, 2006).
É o viver junto dos homens que implica o político que não é outra coisa do que o que
amalgamar, fazendo Freud (1921/1980n) logo na abertura de Psicologia das massas e análise
do Eu, afirmar: “A oposição entre psicologia individual e psicologia social ou das massas,
que à primeira vista pode parecer muito significativa, perde boa parte de sua agudeza se a
O desejo tem sua gênese política construída nas relações sociais, assim o objeto
politico por excelência não é o indivíduo, mas o grupo, e como afirma Goldenberg (2006, p.
143
13), Freud (1921/1980n) no seu ensaio Psicologia das Massas prova que o objeto politico que
coletivo o indivíduo quer exercer sua liberdade individual em oposição à vontade da massa.
em cima da renúncia à satisfação das pulsões, e que essa cortesia política é a fonte do mal-
estar intransponível pelo fato de sermos seres linguageiros e, portanto, presos às leis da
cultura.
144
Capítulo 5
PROCESSOS METODOLÓGICOS
(TALP) e o grupo focal como técnicas de coleta de dados, e as práticas discursivas como
se diante dela, não o contrário” (Stake, 2011, p.23). Perante realidades complexas e
emprego de métodos qualitativos. Para Demo (2008, p.145), “essas faces qualitativas
suas perguntas, rejeitando toda resposta fechada, dicotômica, fatal. Assim escolheu-se como
Tal escolha deu-se por acreditar-se que, por ser as representações sociais formas de
senso comum.
nosso ver, de inserir o estudo das representações sociais entre os esforços de desconstrução
À partir dessa dimensão histórica, introduz-se um novo movimento que vai além da
pela preocupação com o conhecimento e apreensão da realidade, assim como pela concepção
dos primeiros anos do século vinte que priorizou o conhecimento relativizado pelas vias da
para além das fronteiras da ciência, para também, abarcar o conhecimento do homem comum.
No ponto de vista de Spink (2013), trata-se de uma ampliação do olhar de modo a ver o senso
Essa perspectiva é fundamental, pois, além de reabilitar o senso comum como forma
válida de conhecimento, sobretudo, situou-o como uma teia de significados capazes de criar
processual e causal para a produção de conceitos, sendo que, na teoria das Representações
Sociais, o fenômeno em questão: o senso- comum, é da ordem dos diferentes tipos de teorias
(Wagner, 2013).
146
Assim, dentro desse campo de estudo, situam-se as representações sociais como uma
comunicação; assim como, também, emergem como construções com caráter expressivo, ou
seja são elaborações de sujeitos sociais sobre objetos socialmente valorizados. (Jodelet,
1989).
afetivas, não podendo ser reduzidas só ao seu conteúdo cognitivo, devendo ser também,
entre as correntes epistemológicas pós-modernas que, segundo Spink (1993), “não há dúvida
de que, estando situada na interface dos fenômenos individual e coletivo, esta noção tem a
utilização de metodologias qualitativas. Esta perspectiva, adotada desde Jodelet (1989), tem a
definição precisa do aspecto a ser abordado no estudo das representações sociais. (Spink,
1993).
próprio e específico.
Enfatizando o poder de criação das representações sociais ao acatar sua dupla face de
estruturam a representação advém de uma cultura comum e estes elementos são aqueles da
linguagem” (Jodelet, 1984, p. 365). Esclarece ainda mais, Jovchelovitch (2013) ao enfatizar
sociais e como esta relação pode ser vista no seu processo de desenvolvimento nas noções de
inscrito numa situação social e cultura definida, com uma história pessoal e social, portanto,
Nesse percurso, abrem-se duas perspectivas para o estudo das representações sociais
essas representações sociais através da aplicação de testes de associação livre com cem
responderam aos testes e desejaram participar, voluntariamente dessa segunda etapa da coleta
de dados.
livre de palavras, que tem por principal objetivo, identificar as dimensões latentes, ou
da associação dos conteúdos evocados pelas pessoas a partir de estímulos indutores (Damião,
Esta técnica foi originalmente, concebida por Jung para uso de diagnóstico clínico e
foi adaptada para pesquisas no campo das representações sociais por Di Giacomo em 1981
(Coutinho & Saraiva, 2008). Essa técnica consiste em solicitar aos participantes, que, após
ouvirem um estímulo indutor, escrevam as primeiras palavras que lhe surjam, em associação
livre.
seriam perdidos ou mascarados nas produções discursivas (Bonoma, Souza, Melotti &
Palmonari, 2013). Assim de posse dos dados colhidos com o TALP, poderá ser feita uma
comparação com os discursos apresentados nos grupos focais, que seriam mais conscientes e
o que primeiro lhes viesse à cabeça, ou as cinco primeiras palavras que lhes surgissem em
livre associação. Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade de
Psicologia, Direito e Arquitetura. Estes possuíam idades que variavam entre 18 e 64 anos; 78
eram do sexo feminino e 22 do sexo masculino; 68 estão em sua primeira graduação, nos
cursos de Psicologia (46); Direito (17), Arquitetura (5); 25 estão em sua segunda graduação e
7 na pós graduação.
testes de livre associação de palavras (TALP) que foi analisado pelo software IraMuTeQ
Ratinaud (Lahlou, 2012; Ratinaud & Marchand, 2012) e licenciado por GNU GPL (v2), que
permite fazer análises estatísticas sobre corpus textuais e sobre tabelas indivíduos/palavras.
Nas análises sobre corpus textuais pode-se fazer a análise de similitude de palavras
encontradas no texto dos TALPs e nas análises sobre tabelas indivíduos / palavras fez-se a
Humanos (Queiroz, 2004), procurou-se fazer uma articulação com o TALP e os direitos
sociais. Esse documento foi emitido pela Secretaria Especial dos Direitos Humanos do
governo do presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva, e sabe-se que há consenso,
segundo Carvalho (2014), de que a marca principal dos anos sob o governo petista, de 2002 à
atualidade, foi a expansão da inclusão social, ou dos direitos sociais, por isso foram
embora modesto, da desigualdade social, houve uma alteração da estrutura social, que ficou
conhecida como o surgimento de uma nova classe média, nomeada de classe C (Carvalho,
públicas, está produzindo nova geração de filhos da classe C com diploma universitário,
Essa geração tem valores e atitudes diferentes dos pais, são mais informados e mais
levado, ainda, a maior grau de exigência em relação a serviços públicos, como saúde,
Portanto, vem daí o critério escolhido para a coleta de dados na pesquisa entre alunos
universitários da UNIFOR, pois são advindos de toda classe social, inclusive dessa nova
151
1. Palavra estímulo POBRE se articula com esse benefício da Bolsa Família, e é assim
Pobre – Embora se refira à condição econômica de quem não dispõe dos meios
vestuário, esse termo, óbvio, é também utilizado para inferiorizar as pessoas, como se
pobreza fosse um fenômeno natural e não uma construção social. O conceito correto
indivíduo considerado vive. Uma pessoa que recebe salário mínimo pode ser pobre
numa grande cidade por ter rendimento inferior ao que necessita para pagar o aluguel
e a cesta básica. Outra pessoa com o mesmo rendimento, numa cidade interiorana ou
na zona rural, pode não estar em situação de pobreza, por não depender
exclusivamente de sua renda pessoal, ou por contar com uma rede de proteção social,
formada pelos parentes, por exemplo. Não se pode considerar pobre uma comunidade
indígena que vive em sua terra tradicional, de acordo com os seus costumes
ancestrais. Por outro lado, é pobre outra comunidade indígena, que foi expulsa de sua
terra e obrigada a viver na periferia de um centro urbano, mesmo que as suas casas
(p. 27)
152
1988, o qual garante a transferência mensal de 1 salário mínimo ao idoso, com 65 anos ou
mais, e à pessoa com deficiência incapacitada para a vida independente e para o trabalho, que
comprovem não possuir meios para prover a própria manutenção nem de tê-la provida por
sua família. O BPC é um benefício individual, não vitalício e intransferível, que integra a
direito de cidadania assegurado pela proteção social não contributiva da Seguridade Social.
Para ter acesso ao BPC, não é necessário que o beneficiário já tenha contribuído para a
Podem receber o BPC: Idosos, com idade de 65 anos ou mais, cuja renda per capita
familiar seja inferior a ¼ (um quarto) do salário mínimo vigente; Pessoas com deficiência, de
qualquer idade, incapacitada para a vida independente e para o trabalho, com renda per capita
deficiência. Do ponto de vista dos direitos humanos, todas as pessoas, sem exceção,
escolar. Nesse caso, contudo, não se restringe às pessoas com deficiência. Abrange
Melhor idade – Fórmula ainda mais eufemística do que “terceira idade” para referir-
se às pessoas idosas. Não contribui para ampliar sua auto- estima nem sua dignidade.
(p. 23)
Velho – As pessoas idosas preferem ser tratadas com o termo “idoso” no lugar de
“velho”, por causa da carga pejorativa associada a essa última palavra, relacionada a
foi promulgada a Constituição Federal de 1988 que garante no Art. 5º Todos são iguais
perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
segurança e à propriedade.
mas que não são, necessariamente, portadoras de loucura ou de doença mental. (p. 14)
Louco – Assim como doido, o termo é utilizado para insultar, de forma genérica, os
ou distúrbio mental. A palavra é também utilizada para reprimir pessoas que, por
Negro – A maioria dos militantes do movimento negro prefere esse termo a “preto”,
que o utilizam com orgulho para afirmar os valores da cultura afro- brasileira. O
tanto “negro” como “preto” podem ser altamente ofensivos. Em outras, podem
denotar carinho, por exemplo, nos diminutivos “neguinho”, “minha preta” etc. (p. 26)
A coisa ficou preta – A frase é utilizada para expressar o aumento das dificuldades
155
conspurcar, tornou-se ofensivo aos negros e, por essa razão, deve ser evitado. (p. 14)
branqueamento no País, que atribui valor máximo à raça branca, e mínimo aos
negros. “Apesar de ser preto, é gente boa” e “É negro, mas tem um grande coração”
no Brasil foi o reconhecimento de casamento entre pessoas do mesmo sexo como entidade
familiar, por analogia à união estável, foi declarado possível pelo Supremo Tribunal Federal
equivocado, tem uma forte carga pejorativa ligada à crença de que a orientação
do processamento pelo Iramuteq, o registro de 2.268 palavras como respostas aos estímulos
Dificuldade 27
Preconceito 18
4a. PESSOA COM DEFICIÊNCIA Experiência 14
Respeito 12
Acessibilidade 11
Preconceito 15
Fama 12
5a. POBRE Desigualdade 11
Dificuldade 11
Favela 9
Animal 37
Gay 22
6o. VEADO Preconceito 22
Homossexual 12
Alegria 8
FREQUÊNCIA PALAVRA
1ª 87 Preconceito
2ª 54 Negro
3ª 40 Respeito
4ª 37 Animal
5ª 30 Cuidado
6ª 23 Velho
7ª 20 Gay
8ª 20 Sabedoria
9ª 19 Amor
10ª 19 Cultura
11ª 19 Experiência
12ª 18 Direito
13ª 17 Maluco
14ª 17 Sofrimento
15ª 16 Alegria
16ª 16 Avô
158
17ª 16 Superação
18ª 14 Carinho
19ª 14 Força
20ª 14 Igualdade
As cinco palavras mais citadas em todos os TALPs foram: Preconceito (87 vezes),
seguida de Negro (54 vezes); Respeito (40 vezes); Animal (37 vezes) e Cuidado (30 vezes).
correto pretende combater. Mas, também há a palavra negro, denunciando que, apesar da
em 55 questionários como resposta para o primeiro estímulo. Então quando se diz afro-
159
brasileiro, associa-se à palavra negro em primeiro lugar, depois vem preconceiro, cultura,
negra, escura, não quer dizer que elimina do repertório cultural do sujeito a imagem de uma
pessoa com a cor escura, pois a primeira palavra que veio em associação livre foi negro.
Afro-brasileiro diz de uma condição sócio geográfica e a palavra negro designa uma
cor de pele. Assim, como argumentam Possenti e outros teóricos não é a mudança de palavra
Conclui-se que a Representação Social que se tem de uma pessoa de cor escura é de
uma pessoa negra. E ao mesmo tempo isso quer dizer que apesar do PC, o que retorna do
No segundo estímulo: Doido, a palavra mais associada foi maluco, que é considerada
instituição.
No terceiro estímulo: IDOSO, teve como palavra mais associada velho. A cartilha do
PC diz que: “As pessoas idosas preferem ser tratadas com o termo “idoso” no lugar de
“velho”, por causa da carga pejorativa associada a essa última palavra, relacionada a
Isso pode ser um indicativo de que a vertente que tenta defender os direitos humanos
esteja vigorando sim. Pode-se observar o mesmo movimento na sexta palavra estmímulo:
Veado. Aqui as palavras mais associadas foram: animal, gay, preconceito, homosexual e
160
alegria. Animal foi de longe a mais citada, isso cria uma ambivalência, pois ao mesmo tempo
em que pode-se supor que a questão do politicamente correto em querer fazer um assepsia da
linguagem, para esse termo talvez esteja vigorando. Mas, também pode ser que o termo
Salache (2014), lembra que a cartilha “Politicamente Correto & Direitos Humanos”
(Queiroz, 2004), insere-se dentro dos manuais para normatização da língua, e que estes
participante. Para este estudo, será utilizada como técnica de coleta de dados, ao lado do
profundidade (Gomes & Barbosa, 1999). Assim, o objetivo principal de um grupo focal é
da técnica da conversa que são expressões vivas desses contextos, “propiciando, portanto, em
nossa leitura uma interanimação dialógica povoada por um contingente mais rico de vozes,
O grupo focal será tomado como instrumento de coleta de dados, por se acreditar ser
O grupo da presente pesquisa seguiu os critérios propostos por Kind (2004) para a
constituição de grupos focais, que devem ser compostos por 8 a 10 integrantes não muito
heterogêneos – para que todos participem, pois segundo Kind (2004): “a pressão de
participantes homogêneos facilita suas reflexões, ao mesmo tempo que incita opiniões
contrárias” (p. 127). Então será formado por estudantes universitários maiores de 18 anos;
dentre os quais estarão aqueles que já fazem uma segunda ou terceira graduação, portanto já
são profissionais. Além disso, serão de diferentes idades (a partir de 18 anos), de variado
nível econômico, gênero e etnia.; para que se possa entender a construção que representantes
Psicologia, Direito e Arquitetura. Estes possuíam idades que variavam entre 18 e 64 anos; 7
Formação do grupo:
Gênero: Feminino.
Gênero: Feminino.
posicionam nas relações que estabelecem no cotidiano, por isso as conversas são práticas
As práticas discursivas são definidas como linguagem em ação por designar maneiras
interativo, por meio do qual as pessoas – na dinâmica das relações sociais historicamente
lidam com as situações e fenômenos a sua volta” (Medrado & Spink, 1999, p. 41).
estabelecem no cotidiano. Por isso, como explica Menegon (1999): “as conversas
163
(p. 216).
tradição do trabalho com grupos, na sociologia e na psicologia social crítica. Assim são
debate sobre o politicamente correto, em sua vertente de defesa dos direitos humanos e do
que aborda a questão do politicamente correto; e, também foram utilizados trechos da cartilha
“Politicamente Correto e Direitos Humanos” (Queiroz, 2004). A duração sugerida por Kind
(2004) de 90 a 120 minutos no único encontro foi ultrapassada, chegando a quase 240
minutos. O local foi uma sala de reunião, segura, com privacidade, confortável, livre de
O grupo moderado pela autora da pesquisa, foi gravado em áudio por um observador
capacitado.
164
justificativa da importância dos estudos para estes; guardar sigilo dos dados colhidos, não
não direcionar as respostas. Os dados coletados serão mantidos em absoluto sigilo de acordo
Passo seguinte à coleta dos dados foi a transcrição escrita e avaliação desse material
coletado, para a análise do discurso para a construção de categorias que permitam interpretar
esses dados.
A análise interpretativa dos dados colhidos nos grupos focais foi realizada mediante
dados obtidos.
supereu e culpa para se conhecer quais a representações sociais que sujeitos fazem do que
psicanalítica.
Spink (1993) situa a abordagem da Psicologia Social entre as demais correntes que se
campo de estudos das representações sociais, são analisados tanto os aspectos comuns às
A Psicanálise, além da clínica, lida com as extensões de sua teoria aos domínios da
cultura, fazem parte da psicanálise aplicada estudos sobre fenômenos sociais e fenômenos
subtítulo da revista Imago, quer dizer: psicanálise aplicada àquilo que não é estritamente
subjacentes, e segundo ela “É neste enquadre geral que se localizam as diferentes vertentes
analíticas sendo que o que as distingue são as exigências formais quanto a linguagem
e seus efeitos no sujeito e no social por intermédio das representações sociais que esses
sujeitos fazem desse fato social, porque assim como as representações sociais trabalham com
comunicar o que se sabe. Geertz (1983) aponta que o trabalho com o senso comum não
Embora possa parecer contraditório, Spink (2013), revela que aceitar a diversidade
implícita do senso comum não significa necessariamente abrir mão do consenso, pois algo
comum sempre sustenta uma determinada ordem social. Freud (1908/1980b) verificou isso
em sua pesquisa sobre a moral sexual civilizada e a doença nervosa moderna, quando
verificou que as causas para a neurose advinham da repressão sexual, embora cada sujeito
confluência com múltiplos saberes em suas reflexões sobre as representações sociais como
Gomes (2005), assim como o psicanalista Birman (1991) relaciona a interpretação com a
representação em seu trabalho com a saúde coletiva. Assim, muitos, entre eles, “Denzing
A Psicanálise com seu saber sobre os processos psíquicos inconscientes, que procura
Foucault, que exerceu grande influência nos debates e investigações sobre as relações
de saber e poder (Frezza & Spink, 1999, pp. 36-37), corrobora o ponto de vista defendido
neste trabalho ao afirmar que, “por mais que o discurso seja aparentemente bem pouca coisa,
as interdições que o atingem revelam logo, rapidamente, sua ligação com o desejo e com o
poder”. Foucault (1988), assegura que como a Psicanálise mostra, o discurso não é
simplesmente aquilo que manifesta (ou oculta) o desejo; é, também, aquilo que é o objeto do
dominação, mas aquilo pelo que se luta, o poder do qual se quer apoderar.
relacional, assim como os grupos focais que geram conhecimento através das relações entre
os participantes.
A análise dos dados, em pesquisas que buscam entender os sentidos dos fenômenos
sociais, inicia-se com uma imersão no conjunto de informações coletadas, para que se capte
os sentidos surgidos.
168
Como sugerem Spink e Lima (1999), nessa etapa, haverá um confronto entre os
assim como com a revisão bibliográfica. É desse confronto que emergem as categorias de
análise.
Inicia-se pela definição de categorias gerais, de natureza temática, que refletem os objetivos
da pesquisa; Na coluna paralela há uma redefinição das categorias de acordo com a análise
dos discursos.
imersão no conjunto das informações coletadas tanto nos TALP quanto no grupo focal,
após esse confronto pode-se perceber uma correlação na síntese teórica do uso dos conteúdos
como uma linguagem (Lacan, 1964/1988); 2) Poder- Psicanálise se ocupa das relações de
169
poder entre o individual e o coletivo, que constitui o problema central de toda e qualquer ação
luta entre Eros e a pulsão de destruição, que é atiçado no laço social, e controlada a
constituir percepções, por parte dos indivíduos, acerca dos fatos sociais que os rodeiam
(Moscovici, 2003).
Partindo de categorias teóricas que definem o politicamente correto, será feita uma
direitos humanos:
Categorias teóricas:
2014, p. 525).
170
linguagem seja ofensiva para certas pessoas ou grupo de pessoas” (Bizzocchi, 2008).
(Cabral, 2013, p. 1)
S: “Num primeiro momento eu penso muito em toda a questão da ética, né? Passa
pela questão do respeito, pela questão da educação. Agora muitas vezes, fica uma
linha muito tênue ao que é politicamente correto ou não para uns e para outros
mesmo, a gente não perder essa linha do respeito com o outro, do cuidado com o
outro, da ética. Agora é claro, muitas vezes talvez uma coisa para mim seja bastante
natural, não tenha nenhuma questão moral ou conservadora, mas já tem outra
H: “Eu acho que o politicamente correto é um fenômeno que surgiu com o intuito de
amenizar algumas coisas que as pessoas falam. É, por exemplo, ''Aquela velha'', ah, é
''aquele idoso''... Eu acho que o politicamente correto torna certas coisas menos
ofensivas pra outras pessoas. Ah, eu acho normal aquela menina ''negra'', ah,
bonita... Tem gente que, ''ah, negra que palavra feia'', diz pessoa ''morena''. Eu acho
que tem muito a ver com ter que neutralizar a linguagem, a forma de se expressar de
M3: “Eu acho que tem muito a ver com você educar, como você falou, as pessoas
com a perda dos privilégios. Por que antigamente a gente tinha uma hierarquia
muito demarcada, homem lá em cima, vinha depois a mulher, negro não era gente,
velho também, idoso não era, ia perdendo a hierarquia social. E a gente continua
sendo criado nesse tipo de sociedade, só que não é mais assim, ninguém mais aceita
ser subjugada, então, a gente tem que criar o politicamente correto de certa forma
para tolhir a nossa criação preconceituosa e pra orientar também as pessoas que
M2: “Eu penso muito assim, no politicamente correto, que é uma construção cultural
de cada país. Por que, por exemplo, tem coisa que a gente vê hoje que acontece na
não tem a mesma visão que isso teria aqui. Teve o caso do ônibus, onde duas irmãs
quase foram violentadas, e todo mundo que estava no ônibus, por que foi filmado,
não fazia nada. Se fosse aqui já seria diferente; os países de cultura islâmica, que
outros países têm que se envolver, e, além disso, existe toda uma cultura sobre o que
situações e aqui no Brasil, acredito que hoje a gente vive, é uma construção ainda,
mas é lógico que é melhor, tem uma abertura de rede sociais, onde cada uma fala o
que quer. Por exemplo, criticar o Bolsonaro, muita gente critica, mas também talvez
nem pararam pra ver o vídeo, como é que foi, em que circunstâncias ele disse o que
ele falou, ou aquele pastor que dizia aberrações e diz ainda, o Feliciano, mas que
quando você vai olhar, dentro do contexto, né, se a gente for pegar algumas coisas
isoladas, elas ficam realmente absurdas, ninguém pode falar isso, você tá
tá num momento que eu considero que é muito bom, por que a gente consegue
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pensar, falar, por exemplo de hoje ter, por exemplo, esse próprio momento de você
ter uma pesquisa para dizer, olha, eu acho isso politicamente correto, isso daqui eu
já acho que não é. ''A gente tem que ter um cuidado com o outro, que em outra época
a gente não pensaria”, ''não, a gente não tem que ter cuidado coisa nenhuma, tem
que ''tacar o pau'' mesmo, falar o que acha que tem que falar e o outro é que se
resolva com o pensamento dele, que recalque, que faça lá o que for''. Enfim, então,
acredito que a gente vive esse movimento e ainda é uma discussão até mesmo do que
grupo social mais próximo, de amigos, onde é mais afetuoso, a gente até costuma se
destratar. Até eu conversava esse final de semana, uns amigos foram me pegar lá em
pensei, não posso chamar ele de ''veado'' o que eu vou ter que dizer? Por que se fosse
um grupo, num ambiente que eu estivesse em um bar, e eu fosse falar aquilo, poderia
ser que fosse visto, mal interpretado, às vezes a pessoa tá lá, né, e pega só aquele
relacionar, a gente tem que pensar em estratégias, ou ''vixe, não vou chamar você de
veado, vou chamar de que? Corno'', aí vai se juntar todos os cornos que ficaram com
raiva por que foram chamados de corno. Então, se a gente for parar pra pensar
nisso, é muito complicado, não é assim, é uma forma que a gente ainda tá vivendo
isso, que é recente, que tem a ver com a internet, com seu posicionamento, com
afirmação, com você não aceitar, né? ''Poxa, eu sempre aceitei ser tratado assim,
hoje eu não aceito mais'', então eu acredito que é uma construção esse politicamente
correto, que tem a ver muito com isso, com o cuidado com o outro, né? Com o que é
que eu vou falar, eu não quero machucar o outro, eu acho que aquele outro é
importante, e aí se tem várias discussões que podem surgir, por que esse outro trás
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também um valor financeiro também, né, a questão das favelas, que trazem muitas
coisas na rede social mesmo, ''ah, se favela fosse um local ruim as empresas, as
Casas Bahia não estaria dentro da favela, tava lá pra fazer caridade, não tava lá pra
vender. '' Então, tudo isso faz com que algumas camadas vistas como minoria,
consigam se afirmar e dizer ''não, não é assim, você não pode me tratar assim''. E a
facilidade também de você processar, né, se bem que processar não quer dizer que
você vai ganhar, mas pelo menos você tem o direito antigamente nem pensaria nisso.
O politicamente correto surge nos EUA e nasceu como necessidade de uma educação
social, responde aos movimentos de grupos sociais que ascendem ao espaço econômico. Mas
acabou se transformando numa espécie de censura, de patrulha, de lobby para eliminar quem
M1: “Assim, eu considero mesmo que o politicamente correto é uma estratégia muito
floreio muito grande, quando o que tá na ponta da língua é a palavra mais ofensiva,
entendeu? Mas você não pode mencionar por que o outro vai se sentir ofendido, o
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outro vai se sentir preterido, mas aí a gente bota qualquer outra coisa”.
S: “De trocar ideias, escolas permeadas pela arte, por que eu acho que a arte é um
construindo... Eu acho que, a questão do politicamente correto, talvez veio por conta
que, é, por exemplo, para pessoas, essa questão que até a gente tava falando, das
marchinhas de carnaval, algumas coisas para os avós e bisavós meus... Pra eles que
são preconceitos, que são coisas que não são politicamente corretas, ligadas ao
politicamente correto com toda essa luta... ao mesmo tempo que as minorias estão
tentando que acabe isso, não é mais pessoa com deficiência, é pessoa, tudo bem,
negro, branco, somos todos pessoas. E às vezes eu acho que falta bom senso mesmo,
pelos excessos”.
S: “É, eu acho que tem que ter um diálogo, eu acho que tem que ter mais conversa
Jr: “É a base. Por que assim, se não tivesse, se tivesse educação, era o politicamente
justo, né, não teria esse negócio de politicamente correto e incorreto, mas, o que é
politicamente justo e é isso que vou passar para vocês sobre o Washington Olivetto.
O Washington Olivetto eu admiro demais por que ele é um autodidata, ele nunca
que hoje, seria abuso sexual, você estaria insistindo contra menores. Então, tudo que
a gente conversou aqui, vocês resumiram bem. Eu adorei por que vocês, já
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que o politicamente correto entra como uma regulação. A gente precisa de um limite,
e no mundo do consumo que a gente vive, onde opera o gozo exacerbado, a gente
pode tudo, é como se o outro não existisse, a gente não tem mais respeito pelo outro.
E o politicamente correto vem trazer uma regulação, que a gente precisa para
ajustar o laço social. E mais, o politicamente correto traz de volta, traz de volta não,
vem comprovar a hipótese freudiana de que nós somos fundados na culpa, nós não
somos culpados, por que é Inconsciente a culpa, por isso que quando vocês falaram
vive na sociedade do gozo, que quer dizer que a gente não tem culpa de nada, que
nós somos vítimas e que a gente tem é que desejar e consumir tudo, o politicamente
correto entra nesse espaço vazio, pra lembrar que nós somos fundados na culpa e
retirou-se categorias para a construção dos mapas de associação de ideias, comparando com
B: “(...) tava passando naquela época aquela menina que chamou o jogador de
macaco, eu tava fazendo a unha e tava passando lá, aí uma mulher tinha feito
cirurgia e falou, ''eu acho isso engraçado, chama de macaco e é preconceito, eu sou
gorda, e me chama de gorda e isso não é preconceito'' (ela era super magra, ela se
via como gorda), aí eu olhei para ela e disse, vamos conversar, vamos dialogar sobre
isso. É por que os negros sofrem há muito mais tempo, mas não se preocupe, por que
no futuro vão lhe ajudar também... Óbvio que é preconceito, mas ninguém se
preocupa muito com isso hoje, por que, ao meu ver os negros já estão passando por
isso há muito tempo, e ela tava falando assim, como se ninguém se importasse por
M3: “Falando sobre o que você disse que ''gorda'' é preconceito, eu acho que
preconceito é você transformar a palavra gorda em preconceito. Por que gordo pra
“Pois é, as pessoas pensam que eu sou besta, sou patricinha, tem esse preconceito
inverso”.
M3: “É engraçada essa questão do preconceito por que, já está tão internalizado
que a gente nem percebe. Eu percebi a necessidade das cotas raciais justamente por
que eu me dei conta desse meu preconceito. Eu tava lendo um livro bobo, um
romance, tinha um personagem muito pobre que morava num trailer, eu passei o
livro todinho imaginando que este personagem era negro, depois que eu terminei a
leitura que eu me dei conta, caramba, só por que o cara era pobre que eu passei o
tempo todinho imaginando que ele era negro. E aí fica uma coisa tão internalizada
na gente que a gente vai, e é justamente isso, é o preconceito mais difícil da gente
lidar, por que já se tornou quase que como uma coisa natural”.
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M3: “Engraçado que eu tenho uma tia do interior, justamente isso, que ela tem todos
os preconceitos que alguém do interior podia ter multiplicado por 10, extremamente
preconceituosa”.
B:“Eu acho engraçado isso que tu falou que ela não ia deixar o marido dela sozinho,
eu achei engraçado por que, um preconceito que as pessoas também têm com os gays
é achar que, por exemplo, eu sou amiga da ... e eu não posso ser amiga dela por que
J: “(...) Ela se sentia mal por que às vezes, se ela via um casal homossexual se
beijando, ela sentia alguma coisa, né, que não era um preconceito”.
estar na rua. Mas aí não é nem, não se trata do que eu vou falar, se trata desse
sentimento. Você sentir isso em relação aos homossexuais. Você às vezes tá na rua aí
você tá lá, tarde da noite com meu carro, aí eu olho pra o sinal, tem um cara, negro,
parado, todo mundo tem medo, entendeu? Você já deduz que ele é um assaltante,
você já deduz que ele vai roubar sua bolsa, vai quebrar o vidro do seu carro, tá
entendendo? Então assim, essa coisa, todo mundo se sente assim. Como eu tava
falando, minha mãe disse que o pobre não podia ser loiro dos olhos claros, por quê?
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Por que pra ser pobre ele tem que ser negro. Então assim, existe isso, você
classifica”.
H: “Eu andava a pé na rua e tinha um homem negro, mal vestido, foi instinto, ele
tava na calçada, eu saí da calçada e fui pra rua, por que eu senti um estranhamento.
E ele me olhou e falou assim ''eu não sou assaltante não sua vagabunda''. Não foi de
H: “Exato, eu me senti mal. Eu me senti muito mal, eu fiquei com aquela coisa
ruim”.
J: “Você se sente mal, quando você tá parado no sinal e vê uma pessoa negra, e pra
pessoa, aí você sente aquela coisa. A pessoa tá chegando e você sobe o vidro, eu fico
J: “(...) É engraçado como vai evoluindo, né? Você tem ''bicha'', aí tem ''baitola'', aí
tem ''veado'', aí tem ''gay'', aí tem homossexual. Assim como os negros também, né.
Você chama ''preto'', aí não vou mais chamar, agora são negros, aí depois de
negros, são afrodescendentes. Então assim, conforme essa linguagem vai agrando,
vai modificando. Até, eu fui, agora na Bienal comprar um livro, da Agatha Christie O
Caso dos Dez Negrinhos, e o primeiro país a proibir a circulação do livro com esse
título foram os Estados Unidos nunca foi apresentado o livro lá dessa maneira, aqui
no Brasil até então era O Caso dos Dez Negrinhos, quando eu cheguei lá tinha um
livro novo, dizendo nova edição com outro nome, nem me lembro de qual era o nome,
aí tinha embaixo antigo nome O Caso dos Dez Negrinhos. Modificaram aqui também,
quando eu entrei no escritório pra começar a trabalhar eu só chamava ele pelo nome
dele, C., só que ficava todo mundo rindo de mim por que ninguém chama ele de C. Aí
entrou a Lei do Racismo. Sabe o que é a gente entrar no elevador, olhar pro
‘Neguinho’, tentar falar com ele e todo mundo fica constrangido e, depois, também é
muito difícil voltar a chama-lo de C e eu ‘meu Deus do céu, o quê que se faz?’”.
H: “Eu sou estagiária de direito, no meu primeiro dia no escritório eu vi o meu chefe
S: “Eu acho que, a questão do politicamente correto, talvez veio por conta que, é,
por exemplo, para pessoas, essa questão que até a gente tava falando, das
marchinhas de carnaval, algumas coisas para os avós e bisavós meus... Pra eles que
são preconceitos, que são coisas que não são politicamente corretas, ligadas ao
politicamente correto com toda essa luta... ao mesmo tempo que as minorias estão
tentando que acabe isso, não é mais pessoa com deficiência, é pessoa, tudo bem,
negro, branco, somos todos pessoas. E às vezes eu acho que falta bom senso mesmo,
pelos excessos”.
M1: “Assim, eu considero mesmo que o politicamente correto é uma estratégia muito
floreio muito grande, quando o que tá na ponta da língua é a palavra mais ofensiva,
180
entendeu? Mas você não pode mencionar por que o outro vai se sentir ofendido, o
outro vai se sentir preterido, mas aí a gente bota qualquer outra coisa”.
M2: “(...) mas eu acredito que com o tempo, você vai respeitando o outro, a
dificuldade que é tremenda é você, ''olha, a pessoa tem opinião, ela pensa diferente
de mim e eu respeitar'', e eu entender como é que a pessoa gosta tanto de uma coisa
M2: “Assim, quando você pensa ‘essa palavra é correta’ de certa forma é por que
você está se preocupando com o bem estar daquela pessoa, por mais que assim, o que
mais importa é como você vai ser tratado no dia-a-dia. Mas eu acredito que só em
pensar em tá mudando uma palavra ‘espera aí, eu tenho que eu tenho que tratar
aquele outro’, por exemplo, uma pessoa com deficiência, por que a gente sabe que o
básico a gente precisa, ter uma cidade adaptada, pensar também numa forma de
inclusão, mas que, só em você pensar ‘como é que eu trato o idoso?’ tenho que ver
como é a minha relação com aquele outro, que existe uma preocupação, que eu tenho
que respeitar, que eu acho que puxa essas outras coisas que eu acho que são
positivas.
Jr: “Então, eu deixei essa linha pra você botar uma observação. Você diz que Veado
com “e” pra você é politicamente correto, ‘Viado’ com ‘i’ é incorreto ?”.
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Jr: “É correto? Então depois a gente vai discutir por que, tá?”.
A: “Tá bom”.
S: “Agora muitas vezes, fica uma linha muito tênue ao que é politicamente correto ou
não para uns e para outros devido a interpretações, visões de mundo diferentes. Mas
eu acho um pouco isso mesmo, a gente não perder essa linha do respeito com o
outro, do cuidado com o outro, da ética. Agora é claro, muitas vezes talvez uma coisa
para mim seja bastante natural, não tenha nenhuma questão moral ou conservadora,
M3: “(...) Ou você vai pela lei, ou pelo que vai parecer ofender menos por que você
não pode colocar velho numa petição, por exemplo, você tem que colocar idoso,
pessoa portadora de deficiência, você não pode falar em morte, é falecimento, óbito,
M2: “‘A gente tem que ter um cuidado com o outro, que em outra época a gente não
pensaria’, ‘não, a gente não tem que ter cuidado coisa nenhuma, tem que ''tacar o
pau'' mesmo, falar o que acha que tem que falar e o outro é que se resolva com o
pensamento dele, que recalque, que faça lá o que for’. (...) então eu acredito que é
uma construção esse politicamente correto, que tem a ver muito com isso, com o
cuidado com o outro, né? Com o que é que eu vou falar, eu não quero machucar o
H: “Eu acho que foi uma expressão que surgiu pra denominar um cuidado que as
pessoas têm com que o outro vai sentir. Não é o que é o politicamente correto, é uma
coisa que já existia. É um cuidado. Eu, por exemplo, desde sempre, acho que até
antes dessa história de politicamente correto existir, eu sempre tive um cuidado pra
falar com alguém que pudesse se sentir ofendido com alguma coisa que eu penso.
Então eu acho que foi uma expressão, um termo que surgiu pra uma coisa que já
existia. Um cuidado com o outro, certa educação que a gente tem por que outra
pessoa pode se sentir ofendido com uma coisa que a gente pensa, que a gente fala”.
trabalhei, e aí a gente nessa história das metas, eu não me lembro se ainda é mais
esse nome, né, as minorias, sei lá. Aí tinha que ter todos esses cuidados, aí, como a
gente tava promovendo o carnaval dos idosos, tudo era obrigação nossa, e aí tem as
marchinhas de carnaval que fala ‘meu cabelo não nega, mulata’, ou então outros,
tinha tantas, sabe. Que isso hoje pra mim não tem problema.
Então assim, tem uma coisa positiva, mas a gente tem que ter muito cuidado por que
“(...) O termo por si só, não. Tem que vir com educação, tem que vir com cultura, tem
que vir com diálogo. Tem que vir com acessibilidade, tem que vir com cuidado com o
outro, tem que vir com ecologia profunda, tem que vir com espiritualidade. Tem que
M1: “Aí eu, quer saber de uma coisa, eu faço psicologia, eu procuro entender,
discussão com pessoas da psicologia, você tem um certo cuidado por que você supõe
que a pessoa sabe do que você tá falando. Mas numa situação comum é qualquer
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pessoa, você se chama de doido, você vê a pessoa na rua e diz ‘você é doido’ e vai
passando, é comum”.
J: “Aí eu e minha vó, a gente tava lá na fila preferencial pra idosos, aí uma mulher
disse assim ''eu não sei por que eles têm fila preferencial, por que eles não fazem
mais nada, eles estão aposentados, eles têm todo o tempo do mundo pra ficar na fila
esperando, mas eu não tenho, eu tenho hora, preciso pagar minhas coisas logo e
voltar pra o trabalho e eles podem ficar aqui o dia todo'', aí eu disse assim, ''não é
desse jeito, eles não podem ficar muito tempo em pé, às vezes a pessoa não pode ficar
mais por que é mais velho'', às vezes não são nem eles, são os filhos preguiçosos”.
S: “Mas o que eu acho é que as pessoas têm... Não é o nome em si. Por que ''eu vou
velha que não tem autonomia, uma velha que não tem independência, isso pra mim
não importa”.
J: “Falando de idoso, eu lembrei que um dia desses, eu tava assistindo uma matéria
e ele tava falando isso, né, que ele foi... “Foi uma matéria?” Não, foi o Ariano
Suassuna quando ele veio aqui dar uma palestra, aí ele disse que uma vez chamaram
ele e disseram ''sente aqui por que você é ‘’ve’’...'' Aí ele disse que a pessoa gaguejou
e disse ''idoso'', aí ele falou ''não minha filha, eu sou velho mesmo, não tem esse
negócio de melhor idade, mentira''. Eu lembrei também que eu tinha visto, falando da
idade, uma pessoa também idosa falando ''que história de melhor idade, isso não é
melhor idade não, colocaram esse negócio só pra camuflar a velhice''. Ele dizendo
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assim, que ele, no papel de idoso, não achava que era melhor idade, eu não estou no
B: “Eu saí com meu namorado e dois amigos dele aí um tava precisando de um
isqueiro, uma coisa assim, aí tinha um grupo de gays, sabe, aí o amigo dele falou
brincando pra ele ''vai lá, pedir pra eles'', aí como meu namorado é acostumado com
meu irmão, ele disse ''não, não tenho esse problema não'', aí foi lá e pediu, aí o
amigo dele ''ele foi mesmo, eu tava brincando'', aí eu ''o que que tem? Os gays vão
J: “Aconteceu com a..., ela foi perguntar pra uma amiga dela, se ela já tinha ficado
com alguma mulher, por que ela tava na Europa, viajando e tal, e porque assim foi
com ela, ela passou um tempo fora, teve uma experiência e tipo se descobriu quando
tava lá, aí ela foi perguntar se, achava que a ... tava dando em cima dela, por que ela
brincadeira, só queria saber se ela tinha ficado com alguém. É tão comum lá.”
B: “Se um hetero pergunta pra você se você já ficou com um homem, ele tá dando em
cima de você?”
J: Ou até os gays, né. Então é politicamente incorreto, não pode mais perguntar. Não
pode falar, não pode elogiar, porque se não vai estar dando em cima de alguém.
M1: “Uma coisa que eu tenho reparado, que além da questão sexual, tem a questão
política. A questão política também entra muito nesse rolo, por que a palavra que eu
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mais ouvi falar desde julho, que começou a efervescência das eleições é a palavra
''comunista''.
S: “(...) Não, não vamos colocar racismo não, homossexualidade. Por exemplo, se
sensação, certo, que... Não tem nada, sabe como é? Mas eu entendo tudo isso, por
concepção, né. Então, assim, eu entendo, eu compreendo, é muito difícil, né, assim, a
gente... A gente, por exemplo, frequentar lugares que antigamente, não sei se
chamam assim hoje, os ''guetos'', locais onde vão homossexuais, nem sei se existe
hoje em dia esses tipos de lugares, mas tinha muitos, alguns locais mesmo que todo
estranhamento de você não conseguir ficar totalmente à vontade, mas você não está
recriminando, você não está... É uma coisa que é mais forte a nível de sensação, de
que homem, eu sempre tive muitos amigos gays, na escola, a gente conversava, já
tinha visto um beijo gay quando eu estudava em um colégio evangélico, assim, por
que era adventista, então era bem correto mesmo, eu até falo pro meu namorado, e
ele diz, ''menina, isso não existe não'', e eu digo, ''menino, existe, eu estudei em um'',
eu vivi isso, meu pai nunca deixou eu estudar num colégio normal, assim, normal que
é pra mim, né, ''eu quero ir pra um colégio normal'', e ele dizia, ''não, não pode''.
Mas, enfim, quando eu comecei a ter amigos e conheci pela primeira vez uma
assim, não foi aquela coisa natural pra mim, não que eu tivesse preconceito de ''ah,
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como é que pode'', mas, você está que no barzinho, olha pra o lado e vê duas
mulheres se beijando? Aí, eu tenho dois amigos, que assim, são dois irmãos, que ele é
gay e ela é gay também, né, e um dia eu saí com uma amiga, e eu achei que não
precisava falar nada, aí chegou a namorada dela e elas se beijaram, minha amiga
olhou assim e fez ''ahhh'' e deu um grito, mas foi tão espontâneo, mas foi tão
engraçado, eles não ligaram a gente começou a rir, por que assim, amigos, né. Mas,
é uma adaptação mesmo, é como é que eu posso dizer, eu até entendo, a primeira vez
que você vê, como é pra minha mãe, o meu pai já acha mais estranho, mas eu
acredito que com o tempo, você vai respeitando o outro, a dificuldade que é
tremenda é você, ''olha, a pessoa tem opinião, ela pensa diferente de mim e eu
respeitar'', e eu entender como é que a pessoa gosta tanto de uma coisa que não é a
que eu gosto”.
S: “Principalmente você estar aberto, né, por mais que tenha um estranhamento, e a
gente sabe que a educação da gente, a gente sabe que foi criada uma sociedade
vai. Tem a questão da religião com um peso muito grande, a religião enquanto
J: “Em relação ao que a S falou e a M2, é, a S falou um pouco sobre juízo de valor,
né, e aí esse julgamento que a gente faz... Quando eu contei pra minha mãe que eu
era homossexual, ela estranhou muito, então assim, foi um choque muito grande pra
ela, por que ela julgava que para eu ser homossexual, eu tinha que me vestir como
homem. Então, a única coisa que ela argumentava comigo, era que era impossível eu
ser homossexual por que eu gostava de me vestir como mulher, por que eu gostava
quando eu era criança, que eu usava salto, e ela disse que isso não existia. Aí eu
disse, ''mãe, não é assim, não necessariamente eu vou ter que me vestir como um
B: “E a mesma coisa serve para o homem, né, o meu irmão é gay é o mais velho,
então assim, eu cresci acostumada com isso, por que pra mim era a coisa mais
normal do mundo, já que eu nasci e ele já era gay, né. É o que é natural pra você,
pra mim é completamente natural. Mas assim, tem vários amigos dele que você jura
que não é gay, por que não parece mulher, por que o povo tem muito disso ''e ele é
gay? Ele não tem que se parecer mulher pra ser gay'', ele não precisa querer ser
mulher”.
J: “Eu tava, sei lá, o que acontece muito, é o que vocês estavam falando antes, de,
acho que foi a S. que falou. Ela se sentia mal por que às vezes, se ela via um casal
homossexual se beijando, ela sentia alguma coisa, né, que não era um preconceito”.
M1: “Um pode se ofender com determinado termo e o outro não tá nem aí, aí como
é que você vai saber qual é a pessoa que vai se sentir ofendida ou não, e aí você
escolhe se você vira um ''porra louca'' dizendo tudo que você pensa toda hora, ou se
você tenta maquiar e agir de certa maneira mais tranquila com todo mundo”.
M2: “Por que só por que a pessoa faz parte daquele grupo, você supõe se ele tá
usando aquela palavra não é de forma ofensiva, não vai lhe atingir, ou tá querendo
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dizer outra coisa, mas o outro, o outro sempre vai perseguir o outro sempre vai achar
que é pior sobre você. Mas tipo pode ser seu irmão, pode ser seu sogro, você não tem
como saber qual a real intenção dele quando ele diz aquela palavra, não tem como
S: “Então algumas coisas que eu fui me perguntando, algumas reflexões que eu fui
espiritualidade pra mim é isso. Esse amor são esses valores humanos mais
estimados, e que são muito difíceis, né, não é que sejam difíceis no sentido de difíceis,
mas nós perdemos tanta coisa que a gente precisa mesmo tá fazendo esse exercício.
Uma amiga, não, uma pessoa que eu conheço uma vez disse assim ''pra gente ser feliz
dá bastante trabalho, pra gente ser saudável, ser feliz'' e dá mesmo, sabe, por que
cuidar dá trabalho. Não é uma coisa assim que você, né, é descartável, não tá pronto
M3: “(...) Nós temos os dois (culpa e castigo), né, por que a gente é católico. Mas
engraçado, eu falei isso por que eu, como ateia, reconheço o brilhantismo disso
incondicional ao outro”.
S: “Não, não vamos colocar racismo não, homossexualidade. Por exemplo, se eu ver
M3: “(...) assistiu a esse filme ela falou horrorizada ''gente, é amor de verdade''. ''É
isso'', ela chama o marido dela de ..., ''não vou deixar mais ... sozinho com os peões
não, é amor'' Nunca passou pela cabeça dela que pudesse ser amor”.
S: “(...) O termo por si só, não. Tem que vir com educação, tem que vir com cultura,
tem que vir com diálogo. Tem que vir com acessibilidade, tem que vir com cuidado
com o outro, tem que vir com ecologia profunda, tem que vir com espiritualidade.
Tem que vir com um monte de coisa. Uma sociedade menos desigual”.
S: “Me sinto vaga, altamente, não sei se culpada, uma dor muito grande pelas
gente vê as pessoas na rua, né, por que aí você vê gente rasgando dinheiro, enquanto
No grupo focal quando se perguntou o que eles que achavam que mudou nas relações
culpa.
a) Categoria: LINGUAGEM
H:“Eu acho que o politicamente correto é um fenômeno que surgiu com o intuito de
amenizar algumas coisas que as pessoas falam. É, por exemplo, ''Aquela velha'', ah, é
''aquele idoso''... Eu acho que o politicamente correto torna certas coisas menos
ofensivas pra outras pessoas. Ah, eu acho normal aquela menina ''negra'', ah,
bonita... Tem gente que, ''ah, negra que palavra feia'', diz pessoa ''morena''. Eu acho
que tem muito a ver com ter que neutralizar a linguagem, a forma de se expressar de
M3: “Mas é engraçado, no meu trabalho, às vezes, e como a gente precisa escrever
alguma coisa que possa ser ofensiva, eu notei de cara no questionário, o que é, por
que você sempre tem que procurar a palavra mais elegante, a que não fique tão... Ou
você vai pela lei, ou pelo que vai parecer ofender menos por que você não pode
colocar velho numa petição, por exemplo, você tem que colocar idoso, pessoa
portadora de deficiência, você não pode falar em morte, é falecimento, óbito, tudo
com o maior cuidado pra não ofender. Principalmente na minha área, que é direito
de família, você vai falar baixaria da forma mais politicamente correta numa
petição”.
M1: “Assim, eu considero mesmo que o politicamente correto é uma estratégia muito
floreio muito grande, quando o que tá na ponta da língua é a palavra mais ofensiva,
entendeu? Mas você não pode mencionar por que o outro vai se sentir ofendido, o
outro vai se sentir preterido, mas aí a gente bota qualquer outra coisa”.
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M1: “Por que você sempre está à mercê do que o outro possa pensar e como o outro
pode reagir acerca que você está dizendo. E aí uma coisa que era pra ser só no
campo da linguagem ela parte para a relação. A relação entre as pessoas fica
extremamente polida, você não pode se mostrar, você não pode mais ter um
comportamento um pouco mais espontâneo e até instintivo, por que qualquer coisa
você vira refém de um processo por que o outro pode se ofender, é muito subjetivo.
Um pode se ofender com determinado termo e o outro não tá nem aí, aí como é que
você vai saber qual é a pessoa que vai se sentir ofendida ou não, e aí você escolhe se
você vira um ''porra louca'' dizendo tudo que você pensa toda hora, ou se você tenta
M2: “(...) mas que hoje a gente tá num momento que eu considero que é muito bom,
por que a gente consegue pensar, falar, por exemplo de hoje ter, por exemplo, esse
próprio momento de você ter uma pesquisa para dizer, olha, eu acho isso
politicamente correto, isso daqui eu já acho que não é. ''A gente tem que ter um
cuidado com o outro, que em outra época a gente não pensaria”, ''não, a gente não
tem que ter cuidado coisa nenhuma, tem que ''tacar o pau'' mesmo, falar o que acha
que tem que falar e o outro é que se resolva com o pensamento dele, que recalque,
J: “É engraçado como vai evoluindo, né? Você tem ''bixa'', aí tem ''baitola'', aí tem
''veado'', aí tem ''gay'', aí tem homossexual. Assim como os negros também, né. Você
chama ''preto'', aí não vou mais chamar, agora são negros, aí depois de negros, são
Caso dos Dez Negrinhos, e o primeiro país a proibir a circulação do livro com esse
título foram os Estados Unidos nunca foi apresentado o livro lá dessa maneira, aqui
192
no Brasil até então era O Caso dos Dez Negrinhos, quando eu cheguei lá tinha um
livro novo, dizendo nova edição com outro nome, nem me lembro de qual era o nome,
aí tinha embaixo antigo nome O Caso dos Dez Negrinhos. Modificaram aqui também,
M3: “Tinha um funcionário do nosso escritório, eu trabalho com meu pai, e ele
trabalha lá desde que eu me conheço por gente, ele trabalha com meu pai, e o
apelido dele sempre foi ''neguinho'', quando eu entrei no escritório pra começar a
trabalhar eu só chamava ele pelo nome dele, Carlos, só que ficava todo mundo rindo
de mim por que ninguém chama ele de Carlos. Aí entrou a Lei do Racismo. Sabe o
que é a gente entrar no elevador, olhar pro “Neguinho”, tentar falar com ele e todo
engraçada, que a mãe de uma amiga minha, ela é muito preocupada em falar o
português correto, e aí ela foi pegar os netos na escola, e na saída tinha um senhor
que vendia churros, e o apelido dele era ''zurelha'', aí o neto pediu para ela, ''vovó,
vai ali no ''zurelha'' comprar um churros''. Quando ela chegou lá, ela disse que ficou
pensando como era que ela ia chamá-lo, ela não conseguiu dizer ''zurelha'', aí ela
começou a rir, é... O problema dela era com a questão da linguagem, ela não
conseguia dizer ''zurelha'', e ela fala bem explicado, então ficou, ''senhor, orelhas''.”
M3: “Falando sobre o que você disse que ''gorda'' é preconceito, eu acho que
preconceito é você transformar a palavra gorda em preconceito. Por que gordo pra
J: “Eu passo muito por essa situação, e aí as pessoas chegam pra mim e dizem, ''ah,
é por que a Juliana é. '' aí ela não quer falar gorda, né, aí ela fala ''a Juliana é
você não tá falando uma coisa incomum. Que nem o pessoal do interior, meu pai é do
propagandas políticas, né. Tava passando a propaganda, tava minha mãe e a Adrew
lá em casa, e aí o pessoal filmando a Dilma, só não chamaram ela de feia, ''por que
ela é gorda, comunista, sapatão'' todos os nomes foram atribuídos a ela, só que o
povo acha que é mais politicamente incorreto votar na Dilma. Aí minha mãe disse
''no meu tempo você não podia falar isso com um presidente da república'', era uma
coisa absurda, né, hoje em dia, esse politicamente incorreto, é como você ia dizer, é
uma autoridade e você não podia falar nada com ele, mas chamaram a Dilma de
tudo no mundo, que ela era comunista, que ela era amiga de não sei quem, que o
H: “Pois é, tem coisas aqui que eu falaria ''pessoa com deficiência'', eu falaria
normalmente, só que eu sei que não é correta. É como se eu disse que a pessoa não
tem potencial. Por que a gente tem que colocar de acordo com a outra pessoa, o que
H: “Eu acho que foi uma expressão que surgiu pra denominar um cuidado que as
pessoas têm com que o outro vai sentir. Não é o que é o politicamente correto, é uma
coisa que já existia. É um cuidado. Eu, por exemplo, desde sempre, acho que até
antes dessa história de politicamente correto existir, eu sempre tive um cuidado pra
falar com alguém que pudesse se sentir ofendido com alguma coisa que eu penso.
Então eu acho que foi uma expressão, um termo que surgiu pra uma coisa que já
194
existia. Um cuidado com o outro, certa educação que a gente tem por que outra
pessoa pode se sentir ofendido com uma coisa que a gente pensa, que a gente fala.
percebi que e se eu chamar uma pessoa de afro-brasileira, pra ela talvez seja uma
ofensa, mas pra alguém de fora, alguém que não seja do Brasil ela não vê isso como
ofensa”.
H: “Afrodescendente é a palavra que surgiu pra substituir pra não falar ''aquela
negra''. Eu concordo muito com o que vocês disseram, mas, vai que ela não gosta de
M3: “Mas a questão dela é a aplicação da palavra. Por que é a mesma coisa, gordo
Jr: “É um dia desses um amigo foi assaltado, e o que marcou pra ele foi que o
assaltante jogou uma pedra do vidro do carro dele e disse ''passa tudo, vagabundo'' e
ele disse que ficou tão ferido com aquela palavra ''vagabundo”.
J: “Eu tenho só uma pergunta pra fazer, se quem faz psicologia aqui, se sente a
mesma coisa que eu, e quando você vai falar a palavra ''doido'', vocês não acham,
ofensiva. Tipo assim é como se o psicólogo não pudesse falar a palavra ''doido'',
M2: “Eu também sinto isso, por que a gente começa a estudar, principalmente a
foi socialmente construído, que a gente vai estudar Foucault, então eu acho, que de
e ficou me segurando pelos meus pé, super agradável, né, aí você diz logo ''ah, esse
doido puxando meus pés'', aí a minha amiga falou ''doido? Doido não pode, né, M.''
aí eu falei, é mesmo. Mas assim, há muito tempo. Quando você começa realmente a
estudar, fica até estranho você chamar de doido, aí nos ambientes que você está que
as pessoas não estudam o mesmo que você estuda você percebe que elas continuam
J: “Eu tava em alguma situação e falei ''fulano é doido'', aí eu parei pra pensar ''eu
é muito pejorativo? E ''doido'' eu acho meio, assim, você não classifica uma pessoa
doida como se fosse tudo, tipo, assim, existem várias pessoas ''doidas'', mas você não
sabe...”
M1: “Eu já passei por essa situação também. No começo, assim que eu comecei a
faculdade, Ave Maria, se uma pessoa conhecida se referisse a uma pessoa que eu
sabia que tinha transtorno mental por ''doido'', eu dizia logo ''não, espera aí, vamos
sentar, vamos entender como é que é'',, e aí aos poucos eu fui relaxando, por que se
não, você fica todo dia naquele negócio, psicose, Nome-do-Pai, foraclusão. Aí eu,
com pessoas da psicologia, você tem um certo cuidado por que você supõe que a
pessoa sabe do que você tá falando. Mas numa situação comum é qualquer pessoa,
você se chama de doido, você vê a pessoa na rua e diz “você é doido” e vai
passando, é comum”.
M3: “Eu acho que cria uma agressividade. Eu tava lendo um texto do Contardo
Calligaris justamente sobre isso. Um rapaz dizendo que ele sempre tinha que dar
196
na maior educação, mas na cabeça dele era ''sua puta, sua vagabunda, sua gorda,
passando na minha frente'', então, você vai internalizando uma agressividade que
J: “Falando de idoso, eu lembrei que um dia desses, eu tava assistindo uma matéria
e ele tava falando isso, né, que ele foi... “Foi uma matéria?” Não, foi o Ariano
Suassuna quando ele veio aqui dar uma palestra, aí ele disse que uma vez chamaram
ele e disseram ''sente aqui por que você é ‘’ve’’...'' Aí ele disse que a pessoa gaguejou
e disse ''idoso'', aí ele falou ''não minha filha, eu sou velho mesmo, não tem esse
negócio de melhor idade, mentira''. Eu lembrei também que eu tinha visto, falando da
idade, uma pessoa também idosa falando ''que história de melhor idade, isso não é
melhor idade não, colocaram esse negócio só pra camuflar a velhice''. Ele dizendo
assim, que ele, no papel de idoso, não achava que era melhor idade, eu não estou no
M3: “É exatamente isso. Por que eu acho que quando você quer mudar o nome de
uma coisa, criar um eufemismo, você tá dizendo que essa coisa é ruim. Eu sou ex-
obesa, por exemplo, então quando eu era gorda, quando eu era mais gorda, não
tinha nada que me ofendia mais do que uma pessoa chegar e dizer ''você é gordinha'',
''você é fortinha'', por que é como aquilo que eu fosse todo, fosse uma coisa tão ruim
que você não podia dar um nome a ela. É mesma coisa do afro-brasileiro, é como se
''negro'' fosse uma coisa tão ruim que você não pode mais chamar a pessoa pela cor
da pele”.
J: “O vídeo que a Juçara tava passando agora, né, que ele tava falando da
situação. E aí ele pergunta ''você deixa de falar o que pensa por causa do
197
politicamente correto'' e aí é tudo que a gente falou agora, do idoso, todo mundo na
fila pensa ''meu Deus eu tô atrasada, ele vai passar na minha frente, mas eu vou
deixar ele passar''. Aí você fica ''por favor, não vem outro idoso'', você fica torcendo
M1: “Faz é tempo que eu tento falar aqui, em relação aos termos, eu acho que, você
modificar o termo não muda a relação não. Mas tem uma coisa que me preocupa
ser humano, e uma via, minimamente saudável que o sujeito encontra é a via da
linguagem, e aí, na medida em que você não pode mais se utilizar dessa linguagem
para expurgar um pouco disso aí, pra onde é que vai essa agressividade, né? Como é
que vai ficar? A minha preocupação é que isso acabe reverberando nos índices de
violência que já não são muito agradáveis. Por que se você não pode se utilizar do
simbólico pra ver se ameniza e possibilita por mais que haja um mal estar, mas
possibilita a relação social, se você não vai mais se valer disso, você vai partir pra
M3: “Mas eu não digo isso, eu digo que precisa haver um termo. E se esse novo
igualar, mas a única pessoa que pode se igualar a uma pessoa que tem deficiência.
(...) Então, sempre a palavra nova vai ser considerada ofensiva, você tem que aceitar
que você tem uma coisa a menos e que a gente precisa te dar uma coisa a mais pra
J: “É que nem quando mudou de empregada pra secretária, aí você fica com medo,
né, por que muita gente fala ''ah, a empregada'' aí a outra pessoa tem vergonha e fala
''não, empre... não, é a secretária, a secretaria lá de casa'', aí você não gosta de falar
198
Jr: “É, por que o politicamente correto se divide em duas questões, ele surgiu pra
humanos, e que a gente, pelo que eu vi do que vocês falaram, tem um avanço, pra
idosos, pra categorias raciais, étnicas, tem avanços, que essa mudança de termos...”
J: “Assim, é meio que uma maneira de adequar, de se expressar de cada um. E até
M2: “Assim, quando você pensa ''essa palavra é correta'' de certa forma é por que
você está se preocupando com o bem estar daquela pessoa, por mais que assim, o que
mais importa é como você vai ser tratado no dia-a-dia. Mas eu acredito que só em
pensar em tá mudando uma palavra ''espera aí, eu tenho que eu tenho que tratar
aquele outro'', por exemplo, uma pessoa com deficiência, por que a gente sabe que o
básico a gente precisa, ter uma cidade adaptada, pensar também numa forma de
inclusão, mas que, só em você pensar ''como é que eu trato o idoso?'' tenho que ver
como é a minha relação com aquele outro, que existe uma preocupação, que eu tenho
que respeitar, que eu acho que puxa essas outras coisas que eu acho que são
positivas”.
b) Categoria: PODER
M3: “Eu acho que tem muito a ver com você educar, como você falou, as pessoas
com a perda dos privilégios. Por que antigamente a gente tinha uma hierarquia
muito demarcada, homem lá em cima, vinha depois a mulher, negro não era gente,
velho também, idoso não era, ia perdendo a hierarquia social. E a gente continua
199
sendo criado nesse tipo de sociedade, só que não é mais assim, ninguém mais aceita
ser subjugada, então, a gente tem que criar o politicamente correto de certa forma
para tolher a nossa criação preconceituosa e pra orientar também as pessoas que
M3: “Porque é justamente isso. Todo mundo do politicamente incorreto vota. Ele
agride quem acha que tem o direito de passar por cima do outro. E até pouco tempo
era normal que você passasse por cima do outro. No trânsito, as bicicletas, a gente
acha que o carro pode passar por cima das bicicletas, que é um abuso ter tanta
ciclovia ali atrapalhando o nosso caminho. Na verdade, uma bicicleta tem tanto
M2: “(...) “por que esse outro trás também um valor financeiro também, né, a
questão das favelas, que trazem muitas coisas na rede social mesmo, ''ah, se favela
fosse um local ruim as empresas, as Casas Bahia não estaria dentro da favela, tava
lá pra fazer caridade, não tava lá pra vender. '' Então, tudo isso faz com que algumas
camadas vistas como minoria, consigam se afirmar e dizer ''não, não é assim, você
não pode me tratar assim''. “E a facilidade também de você processar, né, se bem
que processar não quer dizer que você vai ganhar, mas pelo menos você tem o direito
M3: “Em relação ao que você falou sobre o processo, é justamente isso que você
falou, as pessoas estão se sentindo imponderadas para irem até a justiça, por que a
lei sempre esteve lá, nosso código penal é de que ano, Helena? De 1916 se eu não me
engano, sempre teve a lei, o artigo falando do crime de injúria, mas as pessoas não
injuriadas”.
200
J: “É por que esse pessoal de interior acha isso, que uma pessoa mais alta, mais
forte, gorda, fosse uma pessoa que tipo, tivesse mais poder, mais saudável. É isso,
também a pessoa magra, mais raquítica, eles pensam como se fosse uma pessoa mais
pobre, desprovida, por que é magra demais. Engraçado como vai mudando também”.
S: “Pra quem está esse politicamente correto né? Por que enquanto a gente
né, pode até ter se pensado como uma intenção, né, isso aí”.
S: “Principalmente você estar aberto, né, por mais que tenha um estranhamento, e a
gente sabe que a educação da gente, a gente sabe que foi criada uma sociedade
vai. Tem a questão da religião com um peso muito grande, a religião enquanto
religiosas, e aí...”
J: (...) “aí eu falei ''mãe, ele tá pedindo dinheiro'', aí ela, ''tá não'', aí eu, ''tá, mãe'',
aí ela, ''eu não acredito, ele é bonito demais''. Mas, o que impede ele tá pedindo
dinheiro só por que ele é bonito demais. Aí ela disse, ''ele lá no Brasil já tava casado
mas eu tava lendo hoje, um psicanalista colocou no facebook dizendo que hoje em dia
desafio quem passou foi Jesus Cristo, né, amar ao outro como a si mesmo, ou seja,
estar na rua. Mas aí não é nem, não se trata do que eu vou falar, se trata desse
sentimento. Você sentir isso em relação aos homossexuais. Você às vezes tá na rua aí
201
você tá lá, tarde da noite com meu carro, aí eu olho pra o sinal, tem um cara, negro,
parado, todo mundo tem medo, entendeu? Você já deduz que ele é um assaltante,
você já deduz que ele vai roubar sua bolsa, vai quebrar o vidro do seu carro, tá
entendendo? Então assim, essa coisa, todo mundo se sente assim. Como eu tava
falando, minha mãe disse que o pobre não podia ser loiro dos olhos claros, por quê?
Por que pra ser pobre ele tem que ser negro. Então assim, existe isso, você
classifica”.
H: “Eu andava a pé na rua e tinha um homem negro, mal vestido, foi instinto, ele
tava na calçada, eu saí da calçada e fui pra rua, por que eu senti um estranhamento.
E ele me olhou e falou assim ''eu não sou assaltante não sua vagabunda''. Não foi de
J: “Você se sente mal, quando você tá parado no sinal e vê uma pessoa negra, e pra
pessoa, aí você sente aquela coisa. A pessoa tá chegando e você sobe o vidro, eu fico
M3: “Eu também senti isso por que eu me perdi a noite, 21h30 da noite eu perdida
dança, então eu tava sem bolsa, sem nada, e chegou um cara pra mim pedindo
esmola, e ele continuou fazendo assim ''gesto'', e eu já desesperada por que não sabia
o que fazer, eu abri o vidro e disse ''cara é por que eu tô voltando da ginástica e eu
realmente não tenho dinheiro'' aí ele falou pra mim ''olha, o que você fez foi muito
importante, você me deu atenção'', e eu fiquei assim séria. E todo mundo m dizendo
que eu era louca por fazer isso, e eu também morrendo de medo, não tinha bolsa, não
tinha nada”.
202
M1: “Tem uma oficina perto da minha casa. Eu não passo na calçada; passo pela
rua, no meio”.
J: “Então assim, se você tá no sinal sozinha, é mulher, você vai ter medo, qualquer
pessoa. Hoje em dia passa uma moto do seu lado e você tem medo. E aí tem essa
coisa da pessoa ser negra. Antigamente tinha mais assim ''ah, tá bem vestido, deve tá
saindo do trabalho'', hoje em dia não tem mais, hoje em dia, pode ser o cara mais
bem vestido, mochila, cara de quem tá saindo do trabalho dele, pode tá num carrão.
Um dia desses minha tia foi assaltada na porta da casa dela numa Hilux, dois caras
num Hilux, eles pararam, minha tia tava na calçada, eles desceram do carro,
puxaram a blusa e foram. Aí você pensa né, eles tão numa Hilux, ele deve ser aqueles
daqui que compram Hilux, aí saiu na Hilux dele aí parou em frente a ela, eu achando
que ele ia descer, não, ele puxou a bolsa dela e foi embora. Quem que vai achar que
um cara num carro importado vai lhe assaltar? Por que antes era numa bicicleta, um
cara a pé que saia correndo, todo mundo saia correndo atrás dele”.
B: “Os meus amigos foram assaltados semana passada, eles foram comer numa
lanchonete, só que os caras tavam comendo com eles, na mesa ao lado deles, quando
eles acabaram de comer, assaltaram todo mundo e ainda bateram na cara dos meus
amigos”.
M3: “Quase que eu morro de rir com uma história de um advogado, ele foi soltar o
cara da cadeia, tava trazendo o cara e comentou que tava com outro cliente que tava
com cinco mil reais de fazer um depósito no judicial, o cara não contou pipoca, tava
esmola essa época, você dá dinheiro pra alguém essa época ''ah, eu vou dar comida,
então uma vez eu tava voltando de uma festa no ''dragão'' aí eu e meus amigos
203
compramos um lanche, e demos pra uma mulher que tava lá pedindo, a gente não foi
nem embora ela tava lá vendedo o lanche dela. A gente deu o lanche pra ela aí ela
rodou e todas as mesas até chegar na nossa de novo aí ela perguntou ''ei, vocês
B: “Tu falou isso, aí eu lembrei quando eu fui no Rio, por que assim, aqui, eu acho
que a gente é muito acostumado a dividir. E eu fui no Rio e assim que eu cheguei lá,
foi um azar enorme, eu fui andar na praia, aí tinha uma menina pedindo água, e eu
tava com uma garrafa d'água sendo que eu queria também água, aí o meu amigo
disse, a gente te dá um pouco da água, ela ficou com raiva, achou super ofensivo. Ela
achou que a gente tava ''frescando'' com a cara dela por que ela queria a água toda.
J: “Esse negócio do politicamente correto não acontece mais comigo por que eu tava
no Rio também, com uma amiga, e a gente lá almoçou e sobrou muito, tipo, um prato.
Aí eu mandei embalar e quando a gente tava voltando eu falei ''não vou dar pra
alguém na rua'', aí tinha uma senhora, depois eu fiquei pensando, será que ela era
moradora de rua? Por que ela tava toda agasalhada, sentada num banco, com
aqueles carrinhos, né, edredom, cobertor, aí eu ofereci a comida pra ela ''a senhora
quer? Ninguém mexeu, a gente almoçou agora'', aí ela virou pra mim e disse ''não,
eu fosse tu eu jogava no lixo'', aí eu disse ''não, eu não vou jogar no lixo, eu vou
J: “Aí eu e minha vó, a gente tava lá na fila preferencial pra idosos, aí uma mulher
disse assim ''eu não sei por que eles têm fila preferencial, por que eles não fazem
mais nada, eles estão aposentados, eles têm todo o tempo do mundo pra ficar na fila
esperando, mas eu não tenho, eu tenho hora, preciso pagar minhas coisas logo e
204
voltar pra o trabalho e eles podem ficar aqui o dia todo'', aí eu disse assim, ''não é
desse jeito, eles não podem ficar muito tempo em pé, às vezes a pessoa não pode ficar
mais por que é mais velho'', às vezes não são nem eles, são os filhos preguiçosos”.
M3: “E o que dá ódio nessas coisas, eu tenho ódio de fila preferencial, é por que,
algumas coisas são relativas, tá certo, num banco tudo bem, é compreensível, não
pode ficar muito tempo em pé, você tem que ir ao banco. Mas você tá, sei lá, numa
loja de roupas, eu fico pensando ''você não vai comprar a última roupa da estação
por que você precisa, você vai por que foi uma coisa que você escolheu fazer'', então
por que uma pessoa tão fútil quanto eu, vai ter que passar na minha frente?”.
S: (...) “Meu marido, eu pareço ser mais velha do que ele, então, às vezes ele pensa
que vão achar que ele está mentindo, mas ele vai e tá utilizando todos esses direitos
que estão postos pra ele, acho que ele tem sessenta anos e ele tá utilizando esses
direito, a vaga do idoso, ele até fala ''eu tenho certeza que quem colocou aqui do meu
eu que trabalho com a população pobre, uma população de periferia mesmo, pobre
mesmo, abaixo da linha de pobreza, não sei mais nem se é pobreza, miséria, então
assim, é muito importante pra eles isso, sabe, essas mínimas conquistas,
principalmente quando eles conseguem se apoderar disso, quando eles conseguem ter
essa autonomia. Isso é importante, é muito bacana, por que você vê assim, certas
Jr: “É, mas aconteceu de eu estar fazendo, no meio da operação bancária, e chegar
uma pessoa do lado, idosa do lado, e querer que ele interrompesse por que ela
205
chegou. Então, ela chegou e ela tem o direito de furar a fila, então ela queria ser
atendida imediatamente. Aí o caixa explicou educadamente pra ela que ele tava no
meio de uma operação, mas ela não aceitou a explicação, ficou ofendidíssima, ficou
gritando lá ofendendo a mim e ao caixa por que tinha que parar. O que vocês acham
desse acontecimento?”.
M3: “Eu fui dobrar só que vinha uma bicicleta na contramão, e a bicicleta da
contramão não parou, então eu parei o carro eu tava dobrando, então, o pessoa que
vinha na mãe certa na hora que eu parei pra não atropelar o coleguinha deles
começou a bater no meu carro, eu fiquei olhando assim, gente, eu não posso passar
por cima do outro e o outro veio errado, então se eu estou errando é por que o outro
tava errado. Mas eles não entendem, eles acham um absurdo você dobrar na ciclo
faixa, aí eles querem que eu faça o que? Pule por cima da faixa?”.
Jr: (...) “tem agora a faixa de ônibus, e você não pode transitar na faixa de ônibus,
só quando tá perto de dobrar. Mas como é que você vai calcular milimetricamente
isso? E o caos no trânsito? Às vezes você fica preso, você não pode você passa, mas
não chega logo lá por que fica prese. Enfim, todo mundo tá sendo multado, tá vindo
multa pra todo mundo por que tá na faixa de ônibus e a pessoa acha que dobrou no
momento certo”.
M3: “Isso já aconteceu comigo, eu me perdi, não é aqui que eu tenho que entrar, eu
entrei errado e quem disse que eu conseguia voltar pra faixa normal? Se o povo
M3: “É por que a gente tem que partir do pressuposto que o ser humano é egoísta, a
gente pensa primeiro na gente. Então, se a gente não tiver uma coisa que vai fazer,
vai acabar a vaga especial, quem não anda precisa de uma vaga especial, por que
ela não tem uma capacidade de atravessar um estacionamento como a gente tem.
206
Então, se você mata isso, como é que a gente vai lidar com essas coisas? Elas
deixariam de ser necessidade e virariam privilégio? Isso também não geraria uma
S: “Eu tava no meu ''fiatzinho'' lá bati, aí a menina desce do carro, aí eu desce jeito,
vindo do trabalho desse jeito, aí ela me olhou assim ''tem seguro não, né'' aí eu disse
''tem, Banco do Brasil'', aí ela já foi me olhando melhorzinho, mas foi tão engraçado
ela ''tem seguro não, né'', aí eu ''tem sim''. Aí depois, né, você vai e as coisas vão
mudando, né”.
M1: “Aí um dia comentaram que as livrarias estavam fazendo uma promoção da
coleção dos livros do Freud da ‘Imago’ por que iam lançar a companhia das letras e
que tava bem mais barato, aí eu disse ''agora é minha chance'', aí, cheguei na
específico que eu queria comprar, aí o vendedor olhou pra mim, com aquele olhar
desprezível e falou ''pra quê se você não vai ter condições de levar”.
c) Categoria: CULPA
S: (...) “não sei se tem a ver com a nossa herança judaico-cristã, a gente tem muito
essa coisa de julgar, de cair muitas vezes em juízo de valor, sabe, e aí a questão de
educação, né. Tem coisa em mim, vou falar em mim, tem coisas em mim que eu quero
M3: “Pois é, eu acho fenomenal isso, por que deveria ser o cerne da nossa cultura
judaico-cristã, não judaico, né, por que o judaísmo não tem isso, o judaísmo é mesmo
M3: “Nós temos os dois, né, por que a gente é católico. Mas engraçado, eu falei isso
por que eu, como ateia, reconheço o brilhantismo disso desde sempre. Do que
M3: “É infelizmente”.
M2: “Por que a pessoa tem até vergonha de fazer um processo seletivo, de se
inscrever num concurso, que tem total capacidade, mas que ''vixe eu vou ser a pessoa
que vai ocupar a vaga de pessoa com necessidade especial'', então a pessoa não
quer, é super complicado. Tem que conversar com a pessoa, fazer com que ela se
sinta a vontade com aquele ambiente, sem dar privilégios por que a pessoa também
J: “Eu me senti muito mal com esse negócio de pobre. Eu fiquei doente e eu precisei
fazer fisioterapia pulmonar, aí, nessa fisioterapia pulmonar, você tem um negócio
tinha que fazer isso três vezes ao dia, e a minha mãe chamou uma moça só pra ficar
precisasse eu pedia a ela, tipo, bem burguesa, vai lá e faz isso pra mim. Ela ficou lá,
né, dama de companhia, segundo a minha mãe. Aí eu peguei e falei ''Priscila, pega lá
aquela caixa que tá lá na sala por que eu preciso fazer um negócio'', aí eu ia fazer o
respirometro, que era o exercício do meu pulmão aí ela ficou olhando, aí ela ''pra
que é isso'', aí eu peguei e expliquei, aí ela ''ah, coisa de gente rica mesmo, pobre
nunca ia fazer um negócio desses''. Eu fiquei me sentindo tão mal, que eu até parei de
fazer, depois disso ela até saiu, aí eu, poxa, pra mim é tão normal fazer isso, o
médico recomendou, mas atingiu ela de uma maneira que ela disse assim ''ah, coisa
208
de gente rica, por que gente pobre nunca vai fazer um negócio desses, gente rica
J: “Eu me senti”.
M2: Talvez a pessoa falou, mas nem querendo, falou achando realmente...Porque se
você for realmente ao SUS, determinado tipo de coisa...Um dia eu tava: “ Menina,
ficar muito tolhida se ela tivesse. Por uma besteira, podia ter me chamado de
qualquer outra coisa que talvez eu não tivesse ficado tão chateada como isso que ela
falou. Como se fosse culpa minha eu ter acesso a isso e ela não ter”.
B: “Sim”.
Jr: “Quando vocês acham que ofendem, quando vocês não acham que são
politicamente corretos?”.
J: “Uhum”.
S: “Me sinto vaga, altamente, não sei se culpada, uma dor muito grande pelas
pessoas que são pobres financeiramente, socialmente, culturalmente. Por que a gente
vê as pessoas na rua, né, por que aí você vê gente rasgando dinheiro, enquanto
H: Aconteceu isso comigo um dia desses, a menina que trabalha lá em casa tava
arrumando os meus sapatos, aí ela ''ah esse é tão lindo, ah esse é tão não sei o que'',
aí eu, é... Aí eu ''A., pega aquele que combina com aquela minha blusa'', aí eu
209
especifiquei o sapato, aí ela ''que combina... Eu só tenho um pretinho que é pra sair
M3: “Mas sabe, não é esse tipo de coisa que faz eu me sentir mais culpada, por que
assim uma coisa a mais eu acho besteira. O que faz eu me sentir mais culpada é o
básico, é ver que você tem um plano de saúde melhor do que o pessoal do meu
trabalho, é ver como eu tenho como fazer coisas que as pessoas não fazem, não é o
excesso, é o básico, primordial que todo mundo deveria ter acesso que faz eu me
M3: “Incomoda. Eu sei, mas é por que assim, se a gente vivesse numa sociedade de
bem-estar social, uma coisa assim mais perfeita, uma pessoa ter dez sapatos,
enquanto um tem um, mas que todo mundo tivesse acesso a educação, todo mundo
tem atenção a saúde, não seria uma coisa tão agressiva, tão ofensiva. O problema é
S: “Essa questão da culpa, o que o Freud pensa eu não conheço, mas o Mal estar na
civilização, mal estar na cultura, né. Ele faz alguma ligação da culpa com a
civilização? Ou só nessa questão que você disse que está ligada ao Inconsciente.
M3: “Mas você falando isso aí agora, eu tinha dito que não me sentia tão culpada
quanto a esse problema, mas eu me sinto. Agora eu fiquei pensando, eu vivo melhor
do que a maioria das minhas amigas, então, algumas coisas que eu sei que são
reconhecidamente de grife, que são muito caras, eu não tenho coragem de usar,
210
principalmente quando eu vou sair com elas, por que eu me sinto mal. Eu sinto como
se eu tivesse demonstrando que eu sou uma pessoa ruim, que eu tenho a vida fácil,
que eu sou privilegiada, eu tenho tudo isso, eu tenho consciência, eu tive sorte com
tudo na vida, mas, eu sei que se eu soubesse, que se eu chegasse para as minhas
amigas e dissesse ''eu tenho bolsa X em casa, mas eu não vou usar por que eu vou
sair com você'', elas iam ficar extremamente ofendidas comigo, mas eu não consigo.”
J: “Pode, mas prefere ir em outro lugar, por que aquelas pessoas ostentando fazem
d) Outras categorias:
MÍDIA:
M1: “Pronto. E boa parte das palavras toda vida aparecia pra mim, novela, por que
negro... Aí eu fiquei ''tá, mas por que novela?'', aí eu fiquei pensando, e agora eu me
sinceramente, se não fosse a televisão, vocês nunca reparariam. Por que a primeira
vez que eu ouvi falar sobre o politicamente correto, foi num programa de receita
cedo da manhã, e era um escritor que toda vida eu esqueço o nome dele, mas que
da América Latina, não sei o que... E aí, foi a partir disso que eu comecei a pensar,
por que eu via na televisão, no jornal, novelas e as pessoas próximas a mim também
falavam, fazia um comentário e eu dizia, ''não, isso não é politicamente correto'', sem
211
ter uma ideia, eu só fui ter ideia, quando eu fui ler uma cartilha que foi elaborada no
governo Lula e achei um absurdo,, que não tinha a menor razão de existir”.
POBRE:
M2: “Eu, por exemplo, nessa situação que eu vivi, que eu me lembro que pra mim
marcou muito. Que eu tava com uns colegas meus, todos eles são muito ricos, aí a
professora chegou e disse assim ''por que só quem tem de pobre aqui é tu'' comigo...
Eu acho que ela falou, eu acho que ela não quis me ofender, mas assim, eu fiquei
ofendida, por que assim, ela disse ''só quem tem de pobre é tu'', claro que eu tenho a
noção que eu sou pobre, né, por que eu sou pobre, né. Você se mata de trabalhar, né,
e assim, as outras pessoas ficaram num mal estar tão grande, foi engraçado. E assim,
nos meus amigos, assim, tinha até um evento que ia ser no Coco Bambu, aí assim, ela
achou, acho que talvez que o Coco Bambu fosse muito caro pra mim, só que lá era
um local que eu já ia com a galera, meus amigos mesmo, aí eu disse ''valha, será que
eu tô sofrendo preconceito'?. Só que assim, pra mim, eu ri né, depois brinquei e tudo,
mas é complicado, né, se realmente eu fosse uma pessoa assim, ou que tivesse numa
fase que tivesse mal, ou que realmente tivesse passando necessidade. Eu achei
estranho, por que, em relação àquelas pessoas eu realmente sou pobre, por que eu
não recebo mesada de dois mil reais como amigos que recebem. Não, eu sempre
precisei trabalhar, mas assim, nunca me faltou nada e entre os meus amigos, a gente
brinca muito ''vixe, favela'', tem uma amiga minha que é mais barraqueira, aí a gente
diz logo ''pobre'', por que chega num canto aí quer fazer logo confusão, aí a gente
fala ''arma aí o barraco, favela'', a gente entre a gente brinca e fala. Pensei muito
nisso, quando aconteceu isso, dessa professora dizer ''só quem tem de pobre aqui é
212
tu'' não sei se ela quis falar no mesmo sentido que eu falo com meus amigos, mas
rapidamente eu fiquei assim, foi chato, e eu percebi que as outras pessoas ficaram
super constrangidas. Chega tava todo mundo num gás, aí todo mundo ''ufff''. Foi
DOIDO:
J: “Eu tenho só uma pergunta pra fazer, se quem faz psicologia aqui, se sente a
mesma coisa que eu, e quando você vai falar a palavra ''doido'', vocês não acham,
ofensiva. Tipo assim é como se o psicólogo não pudesse falar a palavra ''doido'',
M2: “Eu também sinto isso, por que a gente começa a estudar, principalmente a
foi socialmente construído, que a gente vai estudar Foucault, então eu acho, que de
e ficou me segurando pelos meus pé, super agradável, né, aí você diz logo ''ah, esse
doido puxando meus pés'', aí a minha amiga falou ''doido? Doido não pode, né,
Mari'' aí eu falei, é mesmo. Mas assim, há muito tempo. Quando você começa
realmente a estudar, fica até estranho você chamar de doido, aí nos ambientes que
você está que as pessoas não estudam o mesmo que você estuda você percebe que
H: “Mais por as pessoas não saberem, né? Eu passei isso um dia lá no escritório. Eu
disse ''posso'', eu notei que ele era meio assim, aí eu disse ''não, eu posso eu vou com
você até lá'', aí quando a gente chegou, esse homem me abraçou, começou a beijar
meu pescoço. Eu fiquei desesperada, cheguei no escritório branca, falando ''eu Deus,
um doido me agarrou''.
M2: “No senso comum seria bem isso mesmo, né? Todo mundo falou que ele era
muito é sem vergonha, mas eu vi que não, ele até tava com uma blusinha, não lembro
o nome, mas era de uma instituição que cuida. Só que na hora, eu levei um susto, né?
Eu não tava esperando, e nem tinha prestado atenção. Mas realmente, quando a
gente começa a estudar, você faz uma reflexão bem mais ampla. Então assim, hoje eu
J: “Eu tava em alguma situação e falei ''fulano é doido'', aí eu parei pra pensar ''eu
é muito pejorativo? E ''doido'' eu acho meio, assim, você não classifica uma pessoa
doida como se fosse tudo, tipo, assim, existem várias pessoas ''doidas'', mas você não
sabe...”
S: “A pessoa pode estar num momento que denote isso. Por que, o que é doido,
afinal, no dicionário? Porque ele pode estar, mas ele não é ''doido''. Ele é doido?”
M1: “Eu já passei por essa situação também. No começo, assim que eu comecei a
faculdade, Ave Maria, se uma pessoa conhecida se referisse a uma pessoa que eu
sabia que tinha transtorno mental por ''doido'', eu dizia logo ''não, espera aí, vamos
sentar, vamos entender como é que é'',, e aí aos poucos eu fui relaxando, por que se
não, você fica todo dia naquele negócio, psicose, Nome-do-Pai, foraclusão. Aí eu,
com pessoas da psicologia, você tem um certo cuidado por que você supõe que a
pessoa sabe do que você tá falando. Mas numa situação comum é qualquer pessoa,
você se chama de doido, você vê a pessoa na rua e diz “você é doido” e vai
passando, é comum”.
J: “Tem que pisar em ovos. Por que as pessoas já têm medo de falar as coisas com
você por que acham que você sempre... ''Ah, não vou falar isso por que ela vai
M3: “O ''doido'' eu associo ao psicótico. Agora o doido pra mim, é o excêntrico, que
eu acabei internalizando. Mas eu não posso chegar e, é a mesma coisa, uma pessoa
do direito chegar no jornal, eu não posso chegar pra uma pessoa e ''olha, o assalto
não existe, não é assim que tem no código penal, você tem que falar em furto ou
roubo''.
DIREITO:
J: “(...) “um dia desses eu vi exatamente um homem falando assim, ''ah, mas é por
que'', era algum homem que tava defendendo os direitos das mulheres, ele, feminista,
apoiando a causa, e aí foram perguntar para ele, mas por que você apoia? Aí ele
disse que não precisa ser mulher para apoiar o feminismo, é uma causa que precisa
ser defendida, assim como não precisa ser gay para apoiar a causa, não precisa ser
determinado grupo que podem defender aquilo, ''ah, é por que é a minoria'' tipo, sou
“Eu acho que assim, a gente pode até discordar, discutir um pouquinho sobre isso,
outra coisa eu acho que é básico, há uma conquista, há um direito garantido a mim,
então... Meu marido, eu pareço ser mais velha do que ele, então, às vezes ele pensa
que vão achar que ele está mentindo, mas ele vai e tá utilizando todos esses direitos
que estão postos pra ele, acho que ele tem sessenta anos e ele tá utilizando esses
direito, a vaga do idoso, ele até fala ''eu tenho certeza que quem colocou aqui do meu
lado não é idoso'' mas ele coloca o papelzinho dele lá. Aí eu digo assim, a gente
S: “Você trabalha numa instituição com idosos, tem os direitos deles postos, mas
você vai abrir essa discussão, aprofundar essa discussão, para as pessoas se
conhecerem, conhecer esse processo de vida. Tudo bem tem os direitos, quando eu fui
trabalhar com idoso, uma das coisas que eles tinham eram direitos e deveres, há
S: “Então assim, as cotas tudo bem, elas são necessárias ainda, mas em
compensação para inverter a lógica está muito longe, então assim, não há mesmo
algo que realmente... É uma pessoa, certo? E aí pra ela ter seus direitos, seja lá o
que for. É por que assim, seguindo a lógica, as coisas estão mudando, os termos
Eu acho que a sociedade tem que pegar tudo isso aí e fazer transformações mais
Após a imersão no conteúdo dos dados coletados nos TALP, e no grupo focal, e na
O discurso, a linguagem foi o fio condutor de todo o trabalho em curso. Sabendo ser a
sem linguagem não pode haver sociedade, como não há sociedade sem comunicação, pois
tudo o que se produz como linguagem tem lugar na troca social para ser comunicado.
Kristeva (2007) entende-se que a condição humana em nossa espécie se estabelece através do
desenvolvimento do complexo sistema linguageiro, por isso, o sujeito só se diz por meio da
linguagem, e ao mesmo tempo não é um sujeito pleno, mas dividido pela descontinuidade
produto do meio social. Não é uma nomenclatura, que se apõe a uma realidade pré-
categorizada, ela é que classifica a realidade, como percebe-se nas falas dos sujeitos no grupo
Para Possenti (2009c), a linguagem é expressa nos discursos, que, segundo ele “seria
um pensamento revestido de seus signos e tornado visível pelas palavras, ou, inversamente,
seriam as estruturas mesmas da língua postas em jogo e produzindo um efeito de sentido” (p.
A “linguagem é uma legislação, a língua é seu código”, e mais ainda afirma Barthes
(2007), que os indivíduos não veem o poder que reside na língua porque esquecem “que toda
língua é uma classificação, e que toda classificação é opressiva: ordo quer dizer, ao mesmo
tempo, repartição e cominação” (p. 12). Jakobson (2001) mostrou que um idioma se define
menos pelo que ele permite dizer, do que por aquilo que ele obriga a dizer.
língua. Por isso é que se pode falar em linguagem politicamente correta, pois através de um
Falar é um exercício contaminado pelo poder, pois o poder (a libido dominandi), está
emboscado em todo e qualquer discurso, mesmo quando este parte de um lugar fora do poder.
estratégica, uma positividade que explicam porque o seu alvo é o corpo humano, e seu
objetivo é o aprimoramento, o adestramento desse corpo para tornar o homem “útil e doce”.
individualidade. O indivíduo é uma produção do poder e do saber, tendo todo saber sua
O poder nas relações sociais é avaliado e expresso nas representações que as pessoas
fazem acerca das trocas e exercício desse poder no cotidiano. Para Moscovici (2011), o ponto
seu conjunto, Moscovici (2011) diz que: “Correlativamente, o ponto de vista da minoria, ou
qualquer opinião que reflita um ponto de vista diferente, é considerado como um produto do
erro ou do desvio”.
voz ativa ou poder, como observou-se em sua origem a luta pela inclusão dos negros na
218
considerar que a troca de palavras marcadas por palavras não marcadas ideologicamente pode
produzir a diminuição dos preconceitos (Possenti, 2009b). Nas duas vertentes em que se
ideológica, se verifica esse exercício perpétuo do poder, mencionado por Foucault e Freud. A
primeira vertente, pode ser relacionada, também, com as análises de Barthes (2007) sobre o
poder: “Chamo discurso de poder todo discurso que engendra o erro e, por conseguinte, a
culpabilidade daquele que o recebe” (p. 12). A segunda vertente, a de ditar como se deve
falar corretamente, pode ser observada na relação com o dizer de Barthes (2007) de que a
língua quando proferida, mesmo que na intimidade mais profunda do sujeito, entra a serviço
de um poder: “a língua como desempenho de toda linguagem, não é nem reacionária, nem
progressista; ela é simplesmente: fascista; pois o fascismo não é impedir de dizer, é obrigar a
No dizer dos sujeitos da pesquisa apareceu a palavra direito diversas vezes, ela
aparece só em dezoito questionários TALP, mas na fala dos sujeitos no grupo focal ela
MC: (...) assim como todo mundo do politicamente incorreto vota. Ele agride quem
acha que tem o direito de passar por cima do outro. E até pouco tempo era normal
que você passasse por cima do outro. No trânsito, as bicicletas, a gente acha que o
carro pode passar por cima das bicicletas, que é um abuso ter tanta ciclovia ali
atrapalhando o nosso caminho. Na verdade, uma bicicleta tem tanto direito pelo
M1: Então, tudo isso faz com que algumas camadas vistas como minoria, consigam
se afirmar e dizer ''não, não é assim, você não pode me tratar assim''. E a facilidade
219
também de você processar, né, se bem que processar não quer dizer que você vai
ganhar, mas pelo menos você tem o direito antigamente nem pensaria nisso. Eu
J: E aí, um dia desses eu vi exatamente um homem falando assim, ''ah, mas é por
que'', era algum homem que tava defendendo os direitos das mulheres, ele, feminista,
apoiando a causa, e aí foram perguntar para ele, mas por que você apoia? Aí ele
disse que não precisa ser mulher para apoiar o feminismo, é uma causa que precisa
ser defendida, assim como não precisa ser gay para apoiar a causa, não precisa ser
determinado grupo que podem defender aquilo, ''ah, é por que é a minoria'' tipo, sou
MC: Então, eu resolvi me calar, por que o pessoal do meu trabalho se acham
oprimidos pelo politicamente correto, todo mundo acha que a gente tem o direito de
pisar em quem quiser, o PSDB até... Todo mundo dentro do estereótipo, eu fico
pensando, meu Deus, como se juntou tanta gente assim num lugar só, que chama é
esse.
mim, então... Meu marido, eu pareço ser mais velha do que ele, então, às vezes ele
pensa que vão achar que ele está mentindo, mas ele vai e tá utilizando todos esses
direitos que estão postos pra ele, acho que ele tem sessenta anos e ele tá utilizando
esses direito, a vaga do idoso, ele até fala ''eu tenho certeza que quem colocou aqui
do meu lado não é idoso'' mas ele coloca o papelzinho dele lá. Aí eu digo assim, a
gente reflete, eu acho que sempre tem os dois lados, né. Essa questão dos termos, eu
acho que a gente ainda tem uma caminhada muito longa, por que a gente vê muito
uma coisa de fora pra dentro, de maquiagem, e essas maquiagens às vezes estão a
220
favor de que, do sistema que tá posto aí, capitalista, os eufemismos, como idoso,
aquela coisa. Por que o principal não é ser chamado de idoso, o principal é ele se
(...) Você trabalha numa instituição com idosos, tem os direitos deles postos, mas
você vai abrir essa discussão, aprofundar essa discussão, para as pessoas se
conhecerem, conhecer esse processo de vida. Tudo bem tem os direitos, quando eu fui
trabalhar com idoso, uma das coisas que eles tinham eram direitos e deveres, há
MC: (...) Ele para numa via pública, onde era proibido parar, só que não estava
pintado e o carro dele é rebocado. Aí ele vai reclamar que o Estado não permite a ele
o direito de protestar contra isso. Ele acha um absurdo ter que pagar a multa, sendo
S: É uma pessoa, certo? E aí pra ela ter seus direitos, seja lá o que for. É por que
formas de se conversar de se tratar do assunto vai ser diferente e aí as leis vão ser
diferentes.
Eu acho que a sociedade tem que pegar tudo isso aí e fazer transformações mais
M2: E a facilidade também de você processar, né, se bem que processar não quer
dizer que você vai ganhar, mas pelo menos você tem o direito antigamente nem
MC: Sempre teve a lei, o artigo falando do crime de injúria, mas as pessoas não
Sobre a questão da defesa dos direitos humanos, em pesquisa realizada por Pandolfi
(1999), conclui que o processo histórico brasileiro, - invertido na ordem clássica de aquisição
Uma delas é a freqüente associação que a população brasileira faz entre os direitos de
(usada sobretudo no plural), é, via de regra, relacionada com aquele conjunto dos
era Vargas. Portanto, não é de se estranhar que na pesquisa os direitos sociais tenham
no imaginário da população a primazia dos direitos sociais e provocar um certo descaso pelos
direitos politicos e civis, assim acentuando a percepção dos direitos de um modo geral como
observar o que ocorreu com o documento “Politicamente Correto & Direitos Humanos”
(Queiroz, 2004), elaborado institucionalmente pela Secretaria Especial dos Direitos Humanos
quando lançado na vigência do governo do presidente Luís Inácio Lula da Silva, pois
procurava banir o uso de palavras consideradas ofensivas. Tirando de circulação termos que
222
A cartilha foi mal recebida por algumas pessoas da sociedade, como o escritor João
Ubaldo Ribeiro, que perguntou se a cartilha não seria o primeiro passo para instituir uma
nova língua no Brasil, característica de uma era autoritária, assim como foi duramente
criticada pela imprensa como menciona Bizzocchi (2008) e pode-se ler severos comentários
em Lima (2005), como o comentário seguinte que adianta a decisão do presidente Lula de
falada pelo brasileiro. A iniciativa da Secretaria Especial dos Direitos Humanos, que
gastou 30.000 reais do contribuinte numa tiragem de 5.000 exemplares, não deve ir
Salache (2014), acredita que o fato de a cartilha ter sido elaborada e publicada com o
uniformizar a língua, fez com que a cartilha fosse retirada de circulação, no mesmo ano de
sua publicação, mas não apagou os seus efeitos, ao contrário ampliou as discussões.
223
Uma discussão é gerada pelo linguística Sírio Possenti (2009b) quando argumenta
que o movimento por um comportamento politicamente correto tem méritos políticos óbvios,
no entanto em relação à linguagem comete alguns equívocos, que para ele seriam banais (pp.
45-46).
sensibilizá-las no trato com os outros, para melhorar a cordialidade e o respeito aos direitos
humanos. Traz sempre um paradoxo, pois, sempre pode recair na tomada da liberdade de
expressão, mas, seguindo a psicanálise, acredita-se desde Freud (1930/2010c) que para
Esse paradoxo, torna o politicamente correto, para Possenti (2009b), um signo para a
análise do discurso, pois refrata uma arena da luta de classes: “Assim, suas implicações para
as teorias do sentido são óbvias: mostra-se de forma muito clara como se dá a disputa pelo
sentido de certas palavras, pois o movimento consiste em grande parte nessa luta” (p. 37).
língua não é uma nomenclatura, como diz Possenti (1998), “concepção que Saussure
combate”(p. 107), mas um sistema, ou uma estrutura. Sobre o inconsciente, Possenti (2013),
estruturado como uma linguagem, e não como uma formação discursiva...” (p. 157).
(1964/1988), é formado pelo recalcamento, que é um mecanismo de defesa do eu, que envia
O que é recalcado retorna, como viu-se na pesquisa em que a primeira palavra associada ao
estímulo afro-brasileiro foi negro e a segunda preconceito. A representação social que se tem
do que seja um afro-brasileiro é de uma pessoa negra, ou de pele escura, embora se reconheça
linguagem, quando Possenti (2009b) assegura que contra a tentativa do uso da palavra
método para nada. Mas, do ponto de vista do uso ideológico, ou retórico, vale a pena
‘limpa’ das palavras ainda vigora, pelo menos confusamente, mantendo a crença de
sentidos verdadeiros e puros. O relevante não é, pois, a etimologia, mas o fato de que
associada foi maluco, seguida de loucura, hospício, remédio e louco. Maluco é considerada
Correto & Direitos Humanos”. Então a representação social que se tem de doido é de uma
pessoa com uma loucura, que pode estar em um hospício e que toma remédio.
Em suma, o que é o politicamente correto representado na fala dos sujeitos, está bem
social de dois modos, ou em duas vertentes. A vertente que atua em defesa dos direitos
Pareceu que as pessoas percebem o paradoxo que se cria, quando ao defender as minorias
pois elas retornam nos sentidos, ou representações construídas historicamente sobre aquilo
que as palavras denominam. À esse respeito, Possenti (2009), lembra que se não há uma
politicamente incorreto, usa-se eufemismos, considerados não marcados, mas que são de
certa forma cômicos, como por exemplo “indivíduo casado com atividade sexual paralela”
chamando-as de prostitutas, ou descrevendo a atividade que realizam, pois se são esses fatos
de dizer. Esse sentido é observado nas falas dos sujeitos do grupo focal:
M1: “Assim, eu considero mesmo que o politicamente correto é uma estratégia muito
floreio muito grande, quando o que tá na ponta da língua é a palavra mais ofensiva,
226
entendeu? Mas você não pode mencionar por que o outro vai se sentir ofendido, o
outro vai se sentir preterido, mas aí a gente bota qualquer outra coisa”.
M2: “Eu penso muito assim, no politicamente correto, que é uma construção cultural
de cada país. Por que, por exemplo, tem coisa que a gente vê hoje que acontece na
numa visão de sociedade na qual a coerência e as práticas são reguladas pelas crenças,
saberes, normas e linguagens que ela mesma produz, ou seja, devendo ser considerada em
A fala dos sujeitos da pesquisa são um bom modo de encerrar essa discussão sobre a
interpretação dos dados, afinal as falas desses sujeitos são a matéria prima para a construção e
CONSIDERAÇÕES FINAIS
tempo que surgiu em prol da inclusão de grupos minoritários e da defesa de seus direitos,
criou uma patrulha para salvaguardar o uso de palavras consideradas não ofensivas e não
marcadas por uma carga histórica pejorativa. Assim criou-se um paradoxo, pois se há
censura, limita-se a liberdade de expressão e isso vai contra a defesa dos direitos humanos.
hipótese de que o politicamente correto, entra como uma espécie de supereu, em um mundo
que quer abolir a estrutura culpada dos sujeitos, pois esse mundo legitima todas as formas de
gozo possíveis que se deseje hoje, sem culpa alguma. Mas para nos constituirmos como
sujeito, necessitamos de algum limite ao nosso princípio do prazer, como pondera Freud
(1930/2010b). E esse limite pode ser observado na fala de uma estudante que diz se sentir
culpada quando sua empregada compara o número de sapatos que ela possui com os dela, que
ao estímulo veado do TALP, a maior parte das associações foi animal, é um bom auspício de
que o termo vem perdendo seu teor pejorativo e preconceituoso acerca daqueles que não são
heterossexuais.
construção de uma cidadania, com direitos iguais para todos, pelo que se escutou no grupo
228
focal pesquisado. Lá foi consenso que o politicamente correto opera em favor de um mundo
Outro aspecto bem discutido foi da questão dos benefícios, ou direitos assegurados
pela cultura do politicamente correto, o que leva a se concordar com Carvalho (2104) quando
O politicamente correto é combatido por aqueles que são contra qualquer censura à
liberdade de expressão e por aqueles que acreditam que cria uma classe de privilegiados com
Brasil pela inversão da primazia dos direitos sociais sobre os políticos e civis, pois são esses
subjetividade.
singulariza e nos torna sujeitos de nossos desejos. Assim, mais do que a etmologia das
Eu não gosto da ideia de ter uma regulação para o que as pessoas devem dizer umas
às outras ou de como devem se comportar, porque isso facilmente pode virar de um sistema
autoritário para uma tirania. As palavras nos são transmitidas por aqueles que cuidam de
nossa sobrevivência e educação desde que nascemos e isso fica inscrito em nosso
inconsciente e de alguma forma, algum dia, retorna. Então a linguagem que nos faz humanos,
também é fonte de ódio e desarmonia contra o outro, e o que podemos fazer é, diante disso,
educar nossos sentidos para a convivência e escolher as palavras que dignifiquem o outro e a
Mas gosto muito da ideia de se ter um cuidado com o outro, de tratar bem o outro,
respeitar os seus direitos humanos, reconhecer os seus limites e deveres e suportar suas
diferenças. Então quando o politicamente correto opera nessa esfera eu acredito que tem uma
função de colocar uma barra em nosso desejo de querer sempre o que achamos que é o
O politicamente correto vem lembrar o óbvio e fato bem simples de que o outro
deseja também e para que esses desejos possam se realizar é necessário que tenham leis que
regulamentem esse desejo, para que todos possam viver uma plenitude, que poderíamos
chamar de cidadania.
Pode ser que essa dicotomia tão exacerbada aqui no Brasil, em torno dos dois lados
mencionado aqui e por Carvalho (2014) de que os direitos sociais, os benefícios sempre
vieram desde a Era Vargas à frente dos políticos. Então as pessoas acham que se patrulha
como o nome já diz, deveria ser uma política para que todos sejam amplamente cobertos
mesmo modo de um movimento nascente de toda regra e de toda prática, que somente têm
significado à medida que exprimem alguma coisa para além delas próprias
Aos que sustentam que uma regra é resultante de uma convenção e de uma prática,
pensamento, afirmando que não existe regra que não seja suscitada ou acompanhada de um
Somos filhos de nossas representações sociais passadas e presentes, sendo elas que
nos impõem nossas condutas e mesmo nossas regras, na medida em que elas nascem dentro
(2003), para continuar a tecer essas considerações finais em torno do politicamente correto e
suas representações: “Que resta dizer, senão que todo fato social consiste em um ato e uma
E explicar não significa destrinchar a realidade total, mas dar um sentido aos atos.
não só dos processos semânticos, além de necessitar buscar ajuda em outros campos do saber
para construir explicações que o instrumental de seu campo específico não propicia, isso
ocorre em especial, para Possenti (2008), quando se toma como objeto o discurso político.
Então a psicanálise em busca do seu bem dizer, o discurso em livre associação, vem
ajudar na análise do que seria o politicamente correto, ao eleger essa forma livre de
linguagem como veículo de acesso ao inconsciente e por saber que nenhuma linguagem é
neutra como pretende o movimento. Apesar de não ser neutra, a linguagem deve se curvar à
lei, e é assim que o politicamente pode conseguir a defesa dos direitos, admitindo que não
podemos controlar a língua, como disse uma estudante “a palavra está na ponta da
língua...para ser dita”, mas podemos limitar nosso desejo em prol do respeito e aceitação da
diferença do outro.
igualdade e exercício dos seus direitos. Novas posições discursivas estão sendo criadas nesse
social, nesse sentido foi que se iniciou essa pesquisa, da pergunta do que é o politicamente
correto? À partir daí encaminhou-se todo esse processo em busca da explicação desse fato
social de nossa atualidade, embasada na teoria psicanalítica, que usa a linguagem como seu
psicanalítica, que assim como a explicação feita pela representação social sobre o fato social,
fazer a boa interpretação. E fazer a boa interpretação no momento certo é ser bom
individualismo, para que se olhe com mais respeito para o outro, sem feri-lo com preconceito
e expressões pejorativas. Não poderia o politicamente estar ocupando o lugar da culpa, que
Freud (1930/2010b), e também nos constitui como sujeitos, pois é uma espécie de norma
supereu, responsável pela aplicabilidade da culpa, e nossa consciência moral, assim como
adverte de que a linguagem é uma arma poderosa que interfere nas relações sociais gerando
consequências.
Por causa do nosso desejo inconsciente, reservatório de nossos desejos secretos, não é
suas mensagens transmitidas. Mas, essa mesma condição de criar o nosso íntimo que o
inconsciente nos proporciona, também cria nossa singularidade que clama por ser inclusa e
uma censura à expressão quando tenta defender a inclusão e os direitos de todos, partilha-se o
pensamento de Rajagopalan (2002) que assente que o politicamente correto e sua linguagem
não é um remédio milagroso contra os preconceitos que estao fortemente arraigados em nossa
Através dos discursos, pode-se controlar os próprios impulsos, pulsações que podem
magoar e ofender outros que nos são diferentes, assim como, aceitar que temos preconceitos,
mas que estes devem ser combatidos e refletir sobre isso é um efeito do politicamente correto.
vista tanto por quem se considera de esquerda, como de direita é que ela conseguiu unir essas
Assim, quem sabe, novas formas discursivas poderão surgir da crítica ao eufemismo
praticado pela troca de palavras na busca pela linguagem correta do politicamente correto.
233
é aquela que vem do bem dizer, ou bem enunciar os ditos do inconsciente, o que exige uma
se manifesta nos erros linguageiros anunciados noa atos falhos, lapsos, sintomas,
A linguagem tropeça e pose ser incorreta, mas é nesse percurso que podemos dizer
algo do desejo, e isso, geralmente é um movimento politicamente incorreto, mas que pode ser
exercido, sem ferir os direitos do outro, desde que toleremos a radicalidade da diferença do
uma política que leve ao exercício correto da vida em cidadania, sem preconceitos, porém
sem neutralidade, mas com tolerância e responsabilização, o que se resume, para finalizar, na
politicamente correto, de novas formas discursivas para o eterno embate da busca pela
verdade pelos homens, utilizando para isso o saber publicado de autores e o saber advindo
234
dos seres participantes do estudo, afinal como lembrou Moscovici (2003): “tudo o que é
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ANEXOS
256
preferencial, por que eles não fazem mais nada, eles estão
aposentados, eles têm todo o tempo do mundo pra ficar na fila
esperando, mas eu não tenho, eu tenho hora, preciso pagar
minhas coisas logo e voltar pra o trabalho e eles podem ficar aqui
o dia todo'', aí eu disse assim, ''não é desse jeito, eles não podem
ficar muito tempo em pé, às vezes a pessoa não pode ficar mais
por que é mais velho'', às vezes não são nem eles, são os filhos
preguiçosos”.
S: “Mas o que eu acho é que as pessoas têm... Não é o nome em
si. Por que ''eu vou te chamar de idoso, tu tá com a tua autoestima
lá embaixo se achando velho''. Uma velha que não tem
autonomia, uma velha que não tem independência, isso pra mim
não importa”.
J: “Falando de idoso, eu lembrei que um dia desses, eu tava
assistindo uma matéria e ele tava falando isso, né, que ele foi...
“Foi uma matéria?” Não, foi o Ariano Suassuna quando ele veio
aqui dar uma palestra, aí ele disse que uma vez chamaram ele e
disseram ''sente aqui por que você é ‘’ve’’...'' Aí ele disse que a
pessoa gaguejou e disse ''idoso'', aí ele falou ''não minha filha, eu
sou velho mesmo, não tem esse negócio de melhor idade,
mentira''. Eu lembrei também que eu tinha visto, falando da idade,
uma pessoa também idosa falando ''que história de melhor idade,
isso não é melhor idade não, colocaram esse negócio só pra
camuflar a velhice''. Ele dizendo assim, que ele, no papel de idoso,
não achava que era melhor idade, eu não estou no meu melhor
hoje”.
S: “[...] O termo por si só, não. Tem que vir com educação, tem
que vir com cultura, tem que vir com diálogo. Tem que vir com
acessibilidade, tem que vir com cuidado com o outro, tem que vir
CULTURA
com ecologia profunda, tem que vir com espiritualidade. Tem que
vir com um monte de coisa. Uma sociedade menos desigual”.
S: “Por isso que às vezes, eu tava pensando, toda essa nossa
conversa acaba mesmo na questão da nossa história, história
262
amiga olhou assim e fez ''ahhh'' e deu um grito, mas foi tão
espontâneo, mas foi tão engraçado, eles não ligaram a gente
começou a rir, por que assim, amigos, né. Mas, é uma adaptação
mesmo, é como é que eu posso dizer, eu até entendo, a primeira
vez que você vê, como é pra minha mãe, o meu pai já acha mais
estranho, mas eu acredito que com o tempo, você vai respeitando
o outro, a dificuldade que é tremenda é você, ''olha, a pessoa tem
opinião, ela pensa diferente de mim e eu respeitar'', e eu entender
como é que a pessoa gosta tanto de uma coisa que não é a que eu
gosto”.
S: “Principalmente você estar aberto, né, por mais que tenha um
estranhamento, e a gente sabe que a educação da gente, a gente
sabe que foi criada uma sociedade patriarcal, nas hierarquias, um
sistema como esse, capitalista, individualista, e por aí vai. Tem a
questão da religião com um peso muito grande, a religião
enquanto instituição, não estou falando da espiritualidade, estou
falando das instituições religiosas, e aí... Me perdi”.
J: “Em relação ao que a S falou e a M2, é, a S falou um pouco
sobre juízo de valor, né, e aí esse julgamento que a gente faz...
Quando eu contei pra minha mãe que eu era homossexual, ela
estranhou muito, então assim, foi um choque muito grande pra
ela, por que ela julgava que para eu ser homossexual, eu tinha
que me vestir como homem. Então, a única coisa que ela
argumentava comigo, era que era impossível eu ser homossexual
por que eu gostava de me vestir como mulher, por que eu gostava
de me arrumar, eu era altamente feminina, por que eu gostava de
me vestir de boneca quando eu era criança, que eu usava salto, e
ela disse que isso não existia. Aí eu disse, ''mãe, não é assim, não
necessariamente eu vou ter que me vestir como um homem para eu
gostar de outra mulher.''
B: “E a mesma coisa serve para o homem, né, o meu irmão é gay
é o mais velho, então assim, eu cresci acostumada com isso, por
que pra mim era a coisa mais normal do mundo, já que eu nasci e
265
ele já era gay, né. É o que é natural pra você, pra mim é
completamente natural. Mas assim, tem vários amigos dele que
você jura que não é gay, por que não parece mulher, por que o
povo tem muito disso ''e ele é gay? Ele não tem que se parecer
mulher pra ser gay'', ele não precisa querer ser mulher”.
J: “Eu tava, sei lá, o que acontece muito, é o que vocês estavam
falando antes, de, acho que foi a S. que falou. Ela se sentia mal
por que às vezes, se ela via um casal homossexual se beijando,
ela sentia alguma coisa, né, que não era um preconceito”.
S: “Não, não era nem preconceito não”.
H: “Ela se sentia tensa”.
OUTRAS
B: “Sim”.
Jr: “Quando vocês acham que ofendem, quando vocês não acham
que são politicamente corretos?”
J: “Uhum”.
J: “Vocês querem falar um pouquinho sobre isso?”
S: “Me sinto vaga, altamente, não sei se culpada, uma dor muito
grande pelas pessoas que são pobres financeiramente, socialmente,
culturalmente. Por que a gente vê as pessoas na rua, né, por que aí
você vê gente rasgando dinheiro, enquanto outros... Então assim...”
Jr: “Entrando na fila pra comprar bolsa de cinquenta mil, né?”
S: “Aí, é demais. É como se eu me sentisse responsável também”.
H: “Aconteceu isso comigo um dia desses, a menina que trabalha
lá em casa tava arrumando os meus sapatos, aí ela ''ah esse é tão
lindo, ah esse é tão não sei o que'', aí eu, é... Aí eu ''A., pega aquele
que combina com aquela minha blusa'', aí eu especifiquei o sapato,
aí ela ''que combina... Eu só tenho um pretinho que é pra sair que
combina com tudo'', aí eu falo, ''É, pois é...””.
J: “Você fica sem saber o que você fala né?”
M3: “Mas sabe, não é esse tipo de coisa que faz eu me sentir mais
culpada, por que assim uma coisa a mais eu acho besteira. O que
faz eu me sentir mais culpada é o básico, é ver que você tem um
plano de saúde melhor do que o pessoal do meu trabalho, é ver
como eu tenho como fazer coisas que as pessoas não fazem, não é o
excesso, é o básico, primordial que todo mundo deveria ter acesso
que faz eu me sentir mais mal”.
S: “Mas é isso também. Passa por isso, passa por tudo”.
H: “Com certeza. É uma das situações”.
S: “Isso incomoda muito”.
M3: “Incomoda. Eu sei, mas é por que assim, se a gente vivesse
numa sociedade de bem-estar social, uma coisa assim mais perfeita,
uma pessoa ter dez sapatos, enquanto um tem um, mas que todo
mundo tivesse acesso a educação, todo mundo tem atenção a saúde,
não seria uma coisa tão agressiva, tão ofensiva. O problema é que
269
Poder – 34
Culpa – 16
mesma produz, ou seja, devendo ser pode colocar velho numa petição, por
considerada em referencia à sua cultura” exemplo, você tem que colocar idoso,
(Moscovici, 2005, p. 12) pessoa portadora de deficiência, você não
pode falar em morte, é falecimento, óbito,
tudo com o maior cuidado pra não ofender.
Principalmente na minha área, que é
direito de família, você vai falar baixaria
da forma mais politicamente correta numa
petição.”
M1: “Assim, eu considero mesmo que o
politicamente correto é uma estratégia
muito complicada, primeiro, você tentar
purificar a linguagem, um eufemismo, você
faz um floreio muito grande, quando o que
tá na ponta da língua é a palavra mais
ofensiva, entendeu? Mas você não pode
mencionar por que o outro vai se sentir
ofendido, o outro vai se sentir preterido,
mas aí a gente bota qualquer outra coisa.”
M1: “Por que você sempre está à mercê do
que o outro possa pensar e como o outro
pode reagir acerca que você está dizendo.
E aí uma coisa que era pra ser só no campo
da linguagem ela parte para a relação. A
relação entre as pessoas fica extremamente
polida, você não pode se mostrar, você não
pode mais ter um comportamento um pouco
mais espontâneo e até instintivo, por que
qualquer coisa você vira refém de um
processo por que o outro pode se ofender, é
muito subjetivo. Um pode se ofender com
determinado termo e o outro não tá nem aí,
aí como é que você vai saber qual é a
274
Freud (1856-1939), o seu fundador, também, gente, velho também, idoso não era, ia
discorre sobre o indivíduo, a massa e o poder: perdendo a hierarquia social. E a gente
continua sendo criado nesse tipo de
A vida humana em comum se torna sociedade, só que não é mais assim,
possível apenas quando há uma maioria ninguém mais aceita ser subjugada, então,
que é mais forte que qualquer a gente tem que criar o politicamente
indivíduo e se conserva diante de correto de certa forma para tolhir a nossa
qualquer indivíduo. Então o poder criação preconceituosa e pra orientar
dessa comunidade se estabelece como também as pessoas que ainda acham que eu
‘Direito’, em oposição ao poder do não posso ser igual ao Bolsonaro.”
indivíduo, condenado como ‘força M3: “Porque é justamente isso. Todo
bruta’. Tal substituição do poder do mundo do politicamente incorreto vota. Ele
indivíduo pelo da comunidade é o agride quem acha que tem o direito de
passo cultural decisivo. (Freud, passar por cima do outro. E até pouco
1930/2010b, pp. 56-57). tempo era normal que você passasse por
cima do outro. No trânsito, as bicicletas, a
gente acha que o carro pode passar por
cima das bicicletas, que é um abuso ter
tanta ciclovia ali atrapalhando o nosso
caminho. Na verdade, uma bicicleta tem
tanto direito pelo código de trânsito de usar
a rua quanto a gente.”
M2: (...) “por que esse outro trás também
um valor financeiro também, né, a questão
das favelas, que trazem muitas coisas na
rede social mesmo, ''ah, se favela fosse um
local ruim as empresas, as Casas Bahia
não estaria dentro da favela, tava lá pra
fazer caridade, não tava lá pra vender. ''
Então, tudo isso faz com que algumas
camadas vistas como minoria, consigam se
afirmar e dizer ''não, não é assim, você não
pode me tratar assim''. E a facilidade
286
comida''.”
J: “Aí eu e minha vó, a gente tava lá na fila
preferencial pra idosos, aí uma mulher
disse assim ''eu não sei por que eles têm fila
preferencial, por que eles não fazem mais
nada, eles estão aposentados, eles têm todo
o tempo do mundo pra ficar na fila
esperando, mas eu não tenho, eu tenho
hora, preciso pagar minhas coisas logo e
voltar pra o trabalho e eles podem ficar
aqui o dia todo'', aí eu disse assim, ''não é
desse jeito, eles não podem ficar muito
tempo em pé, às vezes a pessoa não pode
ficar mais por que é mais velho'', às vezes
não são nem eles, são os filhos
preguiçosos.”
M3: “E o que dá ódio nessas coisas, eu
tenho ódio de fila preferencial, é por que,
algumas coisas são relativas, tá certo, num
banco tudo bem, é compreensível, não pode
ficar muito tempo em pé, você tem que ir ao
banco. Mas você tá, sei lá, numa loja de
roupas, eu fico pensando ''você não vai
comprar a última roupa da estação por que
você precisa, você vai por que foi uma
coisa que você escolheu fazer'', então por
que uma pessoa tão fútil quanto eu, vai ter
que passar na minha frente?”
S: (...) “Meu marido, eu pareço ser mais
velha do que ele, então, às vezes ele pensa
que vão achar que ele está mentindo, mas
ele vai e tá utilizando todos esses direitos
que estão postos pra ele, acho que ele tem
293
principalmente, nos registros do corpo, da ação precisei fazer fisioterapia pulmonar, aí,
e do sentimento. Essa transformação histórica é nessa fisioterapia pulmonar, você tem um
fundada a partir de operadores políticos, negócio chamado 'respirometro' é um
sociais e simbólicos, que vieram subverter o negocinho que você solta, e sobem as
campo dos saberes e dos valores, resultando bolinhas. E aí eu tinha que fazer isso três
em uma problemática ética que se impõe na vezes ao dia, e a minha mãe chamou uma
leitura do mal-estar e das subjetividades moça só pra ficar lá em casa enquanto eu
contemporâneas. estava doente, eu precisava de
acompanhante e pra o que eu precisasse eu
pedia a ela, tipo, bem burguesa, vai lá e faz
isso pra mim. Ela ficou lá, né, dama de
companhia, segundo a minha mãe. Aí eu
peguei e falei ''Priscila, pega lá aquela
caixa que tá lá na sala por que eu preciso
fazer um negócio'', aí eu ia fazer o
respirometro, que era o exercício do meu
pulmão aí ela ficou olhando, aí ela ''pra
que é isso'', aí eu peguei e expliquei, aí ela
''ah, coisa de gente rica mesmo, pobre
nunca ia fazer um negócio desses''. Eu
fiquei me sentindo tão mal, que eu até parei
de fazer, depois disso ela até saiu, aí eu,
poxa, pra mim é tão normal fazer isso, o
médico recomendou, mas atingiu ela de
uma maneira que ela disse assim ''ah, coisa
de gente rica, por que gente pobre nunca
vai fazer um negócio desses, gente rica
inventa cada coisa''. Sério, eu me senti
muito mal.”
Jr: “Você se sentiu culpada.”
J: “Eu me senti.”
J: “Eu fiquei assim. Depois, na presença
dela, eu fiquei constrangida, eu passei a
298