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FUNDAÇÃO EDSON QUEIROZ


UNIVERSIDADE DE FORTALEZA - UNIFOR
Vice-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação - VRPPG
Programa de Pós-Graduação em Psicologia - PPG-Psi
Doutorado em Psicologia

JUÇARA ROCHA SOARES MAPURUNGA

Ecos da Contemporaneidade: A Invenção do


Politicamente Correto

Echoes of Contemporaneity: The invention of


the Politically Correct

FORTALEZA
2015
1

JUÇARA ROCHA SOARES MAPURUNGA

Ecos da Contemporaneidade: A Invenção do


Politicamente Correto

Echoes of Contemporaneity: The invention of


the Politically Correct

Tese apresentada ao Curso de Doutorado em


Psicologia do Programa de Pós-Graduação em
Psicologia da Universidade de Fortaleza,
como requisito parcial à obtenção do título de
doutor em Psicologia.

Área de Concentração: Estudos Psicanalíticos

Linha de Pesquisa: Sujeito, Sofrimento


Psíquico e Contemporaneidade

Orientadora: Profa. Dra. Tereza Glaucia


Rocha Matos, Universidade de
Fortaleza – UNIFOR.

FORTALEZA
2015
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AGRADECIMENTOS

Ao Prof. Dr. Henrique Figueiredo Carneiro que me descobriu em novos mares, lançou-me à

outros mestres, e assim me fez vislumbrar minha praia, limite oceânico de minha própria

autoria.

Aos companheiros de travessia dos Laboratórios LABIO e LET, em especial à Rafael

Pinheiro Lobato e Rossana vaz Borja pelo aporte em dias de tempestade.

Aos colaboradores direto, que me ajudaram a conduzir o timão, Edionara, Karolle, Manoela,

Maria Clara, Maria do Carmo, Sérgio, Smayly e aos estudantes que participaram

voluntariamente do estudo.

Às professoras doutoras, Karla Martins pela compreensiva e paciente escuta, Luciana Maia

pela empatia representativa, Regina Maciel pelo suporte metodológico e a Terezinha de

Camargo pela crença e estímulo para uma entrada política e correta pelos oceanos

acadêmicos.

À Profa. Dra. Tereza Matos que me fez ver que uma viagem tem o momento de concluir e

enfim ancorar, objetivamente.

À Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico – FUNCAP e

à Universidade de Fortaleza – UNIFOR pela concessão de bolsas de pesquisa em momentos

alternados, que mais que apoio financeiro valeu pela inclusão no circuito da pesquisa

institucional.

À todos que colaboraram suportando minha ausência nesse período de travessia, incluindo

minha família, muito obrigada !


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Se os lobos contagiarem a massa, num mau

dia o rebanho se transformará em horda.

(Ernst Jünger, A mobilização total)

Se a mentalidade do homem mudar, o perigo

que vivemos será paradoxalmente uma

esperança. Poderemos recuperar esta casa

que nos foi miticamente entregue. A história

sempre oferece novidades. Por isso, apesar

das desilusões e frustrações acumuladas, não

há motivo para desacreditar do valor das

proezas cotidianas. Embora simples e

modestas, são elas que estão gerando uma

nova narrativa da história, abrindo um novo

curso para a torrente da vida.

(Ernesto Sabato, A Resistência)


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RESUMO

O objetivo central dessa pesquisa é a investigação do fenômeno politicamente correto, para

buscar suas origens e suas representações sociais. A expressão politicamente correto refere-se

a uma política que pretende tornar a linguagem neutra em termos de discriminação e evitar

atitudes que possam ser ofensivas e moralmente condenáveis pela sociedade contemporânea.

Seu exercício na mídia e no cotidiano aparece em prol da inclusão das minorias, na

eliminação de desigualdades sociais e preconceitos, e na defesados direitos humanos, assim

como em uma outra sua vertente, a de censura, ao indicar o uso de palavras corretas. Para a

coleta dos dados da pesquisa foram utilizadas as Representações Sociais, e a Psicanálise

como crivo analítico dos resultados, sendoa linguagem ofio condutor desse entrelaçamento

conceitual, matéria-primacomum que édas duas abordagens. De natureza qualitativa, este

estudo iniciou-se com uma pesquisa bibliográfica, utilizou como procedimentos

metodológicos o teste de associação livre de palavras (TALP) e um grupo focal. As análises

das evocações coletadas no TALP foram processadas pelo software IRaMuTeQ, sendo

preconceito a palavra mais associada pelos sujeitos investigados, seguida por negro. Conclui-

se que háumaarticulação, entre a questão do preconceitoque o politicamentecorreto combate e

o retornoinconsciente doconteúdo recalcado, pois a palavra negro denunciaque, apesar da

censura do politicamente correto, a imagem,ourepresentação social da pessoa de

peleescuraretornanamente do sujeito. No grupo focal, evidenciou-se duasposições do

politicamentecorreto, umanadefesa dos direitoshumanos e a outraemseuefeito de censura.

Categoriascomolinguagem, podere culpa representadas nos discursos, indicam a aceitação e

utilização da linguagem politicamente correta como uma regulação das relações sociais.

Palavras-chave: Politicamentecorreto, Representação Social, Linguagem, Psicanálise,

Contemporaneidade.
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ABSTRACT

The main purpose of this study is to investigate, seek the origins and the social representation

of the phenomenon known as the politically correct. The expression politically correct refers

to a policy that aims to make the language neutral in terms of discrimination as well as to

avoid behaviors that could be offensive and considered morally objectionable by the

contemporary society. In the media and in daily life the politically correct arises as a way to

promote the inclusion of minorities and toeliminate social inequalities and prejudices and

promote and human rights values, in other side it severs as censorship, to indicate the use of

right keywords. To collect the data we used the Social Representation, and psychoanalysis as

a tool to analytical scrutiny of results, in order to do so, the language was used as a link to

connect the conceptualentanglement that is the common raw material for both approaches.

Qualitative, this study began with a bibliographic research, followed bymethodological

procedures uin the form of free association of words test (TALP) that emerged in a study

group. Analyses of evocations collected in TALP was processed by IRaMuTeQ software, and

prejudice was the word most associated with the subjects investigated, followed by black. We

conclude that there is a linkage between the issue of prejudice that political correctness

combats and the unconscious return of the repressed content, because the black word

denounces that despite the politically correct censorship, image or social representation of

skinned person Dark returns in the mind of the subject. Through thestudy groups two

positions of political correctness arose one in defense of human rights and the other regarding

its effects as censorship. Categories such as language, power and guilt represented in

speeches, indicate acceptance and use of politically correct language as a tool to regulate

social relations.

Keywords: Contemporary, Language, politically correct, Social Performance, Psychoanalysis.


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LISTAS DE TABELAS

Tabela 1 – Resultados do Teste....................................................................................... 156

Tabela 2 – 20 Palavras Mais Associadas em Todos os Questionários TALP................. 157


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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO....................................................................................................... 11

Capítulo 1 - ECOS DA CONTEMPORANEIDADE: A INVENÇÃO DO


POLITICAMENTE CORRETO, SUAS ORIGENS E REPRESENTAÇÕES 25
NO SOCIAL.............................................................................................................

1.1 O que é o politicamente correto?......................................................................... 34

1.2 O politicamente correto e sua contextualização histórica................................... 40

1.3 O politicamente correto e seu início no Brasil.................................................... 50

1.4 Politicamente Correto, Direitos Humanos e Cidadania no Brasil....................... 54

1.4.1 Os direitos fundamentais.................................................................................. 54

1.4.2 História e articulações entre politicamente correto e a cidadania no Brasil..... 56

Capítulo 2 - A LINGUAGEM E A REPRESENTAÇÃO DO PODER NA


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TRAMA SOCIAL...................................................................................................

2.1 A Língua e a fala: o poder e sua rede social........................................................ 74

2.1.1 A representação do poder em sua multiplicidade............................................. 78

2.2 A Linguagem Politicamente Correta................................................................... 81

Capítulo 3 - AS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS................................................. 90

3.1 História do conceito de Representação Social.................................................... 94

3.2 De Representações coletivas a Representações sociais....................................... 99

3.3 Como se formam as representações sociais?....................................................... 101

3.3.1 Ancoragem........................................................................................................ 102

3.3.2 Objetivação....................................................................................................... 109

Capítulo 4 - A PSICANÁLISE, A REPRESENTAÇÃO E O SOCIAL............. 115

4.1 A Representação e a Psicanálise.......................................................................... 120

4.2 Linguagem-Poder-Culpa...................................................................................... 122

4.3 Psicanálise e a linguagem politicamente correta................................................ 132


10

4.4 Articulações entre Psicanálise e Representação Social....................................... 137

Capítulo 5 - PROCESSOS METODOLÓGICOS................................................ 144

5.1 Teste de Associação Livre de Palavras (TALP).................................................. 148

5.1.1 Procedimentos e Sujeitos da pesquisa.............................................................. 149

5.1.2 Análise e Interpretação dos resultados do TALP............................................. 156

5.2 Grupo Focal......................................................................................................... 160

5.2.1 Sujeitos da pesquisa.......................................................................................... 161

5.2.2 Procedimentos Metodológicos.......................................................................... 162

5.2.2.1 Primeiros passos para a coleta dos dados.................................................... 163

5.2.2.2 Considerações Éticas..................................................................................... 164

5.2.3 Análise e Interpretação dos Resultados do Grupo Focal.................................. 164

5.2.3.1 Categorias teóricas X Categorias analíticas: O que é o politicamente


169
correto?......................................................................................................................

5.2.3.2 Análise do Mapa: Grupo Focal X TALP....................................................... 175

5.2.3.3 Análise das categorias LINGUAGEM/PODER/CULPA.............................. 189

5.3 Análise dos Resultados........................................................................................ 216

CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................. 227

REFERÊNCIAS....................................................................................................... 235

ANEXOS.................................................................................................................. 255

Anexo 1 – MAPA CONCEITUAL: GRUPO FOCAL X TALP............................... 256

Anexo 2 – MAPA: LINGUAGEM/PODER/CULPA............................................... 272

Anexo 3 – PARECER CONSUBSTANCIADO DO CEP........................................ 300

Anexo 4 – CARTA DE ANUÊNCIA........................................................................ 305

Anexo 5 – TALP - TESTE DE ASSOCIAÇÃO LIVRE DE PALAVRAS.............. 306

Anexo 6 – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO............. 307


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INTRODUÇÃO

“Os elementos que estruturam a representação advêm


de uma cultura comum e estes elementos são aqueles da
linguagem”.
(Jodelet, 1984, p. 365)

“O inconsciente é estruturado como uma linguagem”.


(Lacan, 1964/1988, p. 25)

Em 2004, durante o segundo ano do primeiro governo do presidente Luiz Inácio Lula

da Silva, foi lançado no Brasil, pela Secretaria Especial dos Direitos Humanos, um

documento intitulado Politicamente Correto & Direitos Humanos (Queiroz, 2004), destinado

a combater os preconceitos e discriminações que determinadas palavras ou expressões

veiculam contra pessoas ou grupos sociais.

O documento ficou conhecido popularmente como cartilha do politicamente correto

por justamente, apresentar-se como um manual do uso politicamente correto da linguagem,

explicando a origem de 96 de algumas palavras e expressões comuns e seus sinônimos menos

ofensivos, e endereçado, principalmente, a pessoas com grande influência social, como

parlamentares, agentes e delegados da polícia, guardas de trânsito, jornalistas e professores,

mas por ter recebido críticas negativas, em sua maioria por parte da mídia e acadêmicos foi

retirado de circulação no mesmo ano de sua publicação.

Toda a polêmica gerada pela tentativa de uniformização da língua pela cartilha

determinou sua retirada de circulação, mas não apagou os seus efeitos de sentido que

irromperam para a sociedade. Ao contrário, ampliou as discussões sobre o politicamente

correto e esses efeitos, um dos quais, foi a solidificação em solo brasileiro do movimento,

advindo dessa posição política por uma busca de igualdade social, como foi almejado pela

cartilha e a sua grande divulgação pela mídia (Salache, 2014).


12

Dessa forma o movimento tornou-se evidente e maior do que o esperado, segundo

Salache (2014), que assim explica o seu processo de nominação:

A designação passou de politicamente correto, para linguagem politicamente

(in)correta, tendo em vista sua grande influência na língua(gem), em que

palavras/vocábulos foram criados, alterados, suprimidos e reinventados, para que

sujeitos de determinados grupos sociais, designados como minorias, pudessem ter vez

na sociedade. (p. 46)

À partir das indagações suscitadas por esse fatodiscursivo impetrado pela cartilha, ao

tentar propor a substituição de termos marcados negativamente pelo contexto histórico, esta

pesquisa surgiu do desejo de se investigar esse processo em andamento em nossa

contemporaneidade, denominado de politicamente correto ou correção política.

Para Possenti (2009b), nada melhor para verificar a ideia do discurso como uma

prática social e histórica, do que ver e viver disputas de sentidos, materializados na luta pelo

emprego de certas palavras e na luta para evitar o emprego de outras, como acontece no

movimento em defesa de um uso politicamente correto da linguagem.

Inserido em nossa contemporaneidade, o politicamente correto ecoa como um

processo de mudança, dentre os que caracterizamnossos tempos modernos, ou a pós-

modernidade, ou ainda a modernidade tardia, que desde seus primórdios consistia em forçar

as coisas a serem diferentes do que são, fazendo com que se tenha um reduzido respeito por

barreiras, obstáculos, proibições e desejo por transgressões. Nesse percurso, muita energia é

necessária para dobrar e torcer as coisas de modo a fazê-las caber no interior de uma

fronteira, segundo Bauman (2011): “para que assim adquiram a forma julgada melhor e
13

empurrar a fronteira para mais adiante, de maneira que um território cada vez maior contenha

apenas coisas dotadas da forma correta” (p. 192).

Uma civilização de fronteiras sempre recriadas, ultrapassadas, transgredidas, sempre

com novos domínios a conquistar é o que legitima a modernidade como um processo

civilizador, ou seja, como um processo em andamento para tornar gentil o grosseiro, benigno

o cruel, requintado o bárbaro (Bauman, 2011).

É nesse contexto da busca da correção para uma ordenação do social que surge a

expressão politicamente correto referindo-se, basicamente, à uma política que consiste em

tornar a linguagem neutra em termos de discriminação, e em evitar atitudes que possam ser

ofensivas e moralmente condenáveis pelo mundo contemporâneo (Bizzocchi, 2008).

Aplica-se, atualmente, não só à linguagem, mas aos mais variados campos das

relações sociais, tendo por principais características: a) Moldar comportamentos, hábitos,

gestos e linguagem para gerar a inclusão social de grupos; b) Combater comportamentos,

hábitos, gestos e linguagem que indiquem recusa a essa inclusão.

Essa articulação entre linguagem, seu funcionamento ideológico e a luta de forças

sociais em prol do poder de legitimar seus discursos é clarificada por autores como Bizzocchi

(2008), Cabral (2013), Cabrera (2012), Pondé (2012), Possenti (1995) e Rossoni (2009) e

estende-se para a explicação de que na defesa de um comportamento - inclusive linguístico -

politicamente correto, o movimento inclui, especialmente, o combate ao racismo e ao

machismo, e à hipotética superioridade do homem branco ocidental e à sua cultura,

pretensamente racional. Possenti (1995) observa que “Estas são, digamos, as grandes

questões. Mas o movimento vai além, tentando tornar não marcado o vocabulário (e o

comportamento) relativo a qualquer grupo discriminado, dos velhos aos canhotos, dos

carecas aos baixinhos, dos fanhos aos gagos” (p. 125).

Para alguns, o politicamente correto ou a correção política se presta a uma leitura


14

idílica da comunidade como lugar de encontro e reciprocidade, no qual as cisões e renúncias

inevitáveis se cobrem de atributos positivos, já que o politicamente correto pretende a

universalidade, a neutralidade da linguagem (Ruano, 1999).

Tendo iniciado como movimento político, principalmente, nos Estados Unidos com a

luta para a inclusão dos negros na convivência social e na plenitude do vigor e rigor do

exercício dos direitos humanos, para alguns como Coutinho (2014), tornou-se problemático

quando situações de discriminação objetiva foram substituídas por delírios linguísticos que

ganharam força de dogma depois de 1989, como fica explícito nas palavras de Coutinho

(2014):

(...) [Com a queda do muro de Berlim] e a morte do comunismo não morreu a sua

ideia motriz: a ideia de que a humanidade se define pela luta perpétua entre

exploradores e explorados. E se o proletariado já não era o explorado da situação –

nas ruas de Berlim ou de Bucareste o proletariado desprezava o “materialismo

histórico” e desejava ardentemente os confortos do mundo capitalista – então era

preciso encontrar novas vítimas. E elas foram encontradas: os negros, as mulheres, os

gays, os anões - a lista é infinda. E, com essa lista, vieram as patrulhas: gente que

copia os piores vícios dos velhos inquisidores, procurando sinais de corrupção onde

eles nem sequer existem.

As formas linguísticas estão entre os elementos de combate que mais se destacam, na

medida em que se acredita que reproduzem uma ideologia que segrega em termos de classe,

sexo, raça e outras características físicas e sociais objeto de discriminação, o que equivale a

afirmar que há formas linguísticas que veiculam sentidos que evidentemente discriminam.
15

Essa atividade classificatória entre o que seja politicamente correto e politicamente incorreto

transforma essa qualificação em militância (Possenti & Baronas, 2006).

Como movimento o politicamente correto provoca prós e contras. Entre seus

defensores estão aqueles que acreditam no seu uso como forma de evitar o preconceito e,

assim, diminuir a discriminação e a violência contra o outro, tornando a sociedade mais justa,

inclusiva e igualitária, haja vista que se estaria em uma cultura de comportamentos mais

corretos e civilizados.

Essa corrente defende uma posição construtivista, na qual a relação entre língua e

realidade não é neutra, visto que a linguagem afeta o conhecimento e as representações do

mundo, direcionando as relações de dominação e exclusão, desempenhando um papel ativo

na produção da realidade, modelando a percepção que uma sociedade tem de si e dos grupos

que a compõem (Cabrera, 2012).

Assim, a alteração de uma palavra pode influenciar a cognição das personagens para

outras direções, fazendo com que as pessoas reflitam sobre sua condição sócio-histórica. Por

exemplo, o que antes era denominado funcionário público passa a ser denominado servidor

público, substituição justificada da seguinte maneira por Queiroz (2004), no documento

Politicamente Correto & Direitos Humanos:

Funcionário Público: O trabalhador do Estado, que exerce ou desempenha alguma

função pública; serventuário. Depois de sistemáticas campanhas de desprestígio

contra o serviço público, iniciadas no governo Collor (1990-1992), para justificar as

políticas do Estado Mínimo do modelo neoliberal, os trabalhadores dos órgãos,

entidades ou empresas públicas preferem ser chamados de servidores públicos. Com

isso, querem enfatizar que servem ao público mais do que ao Estado. (p. 17)
16

Outros consideram que a língua não serve só para comunicar, constituindo também

poderoso instrumento de persuasão e manipulação. Dentre os opositores do politicamente

correto, Bizzocchi (2008) alerta para o fato de que este, em nome da preservação da

dignidade e dos direitos humanos, acaba por exercer um patrulhamento ideológico, chegando

às raias de um autoritarismo que vê preconceito em tudo que se diz.

A linguagem pode expressar preconceitos, ideologias, posições, por isso uma língua

expurgada de palavras ou expressões preconceituosas seria utópica, para Possenti (2009a) a

experiência nossa de cada dia mostra que qualquer palavra tem muitos sentidos e que as

línguas ainda são o espaço em que vigoram os mais grosseiros preconceitos.

Diante desse aspecto do preconceito, o politicamente é um fenômeno que exibe um

dos aspectos mais cruciais do problema da significação, como expressa Possenti (2009b): “A

significação apresenta-se como tendo a seguinte face: ao mesmo tempo, ela depende dos

discursos nos quais aparecem os meios de expressão e em grande parte é ela que faz os

discursos serem o que são” (p. 38). Assim a linguagem vai ser interpretada à partir de sua

enunciação. É a própria existência de preconceitos que produz os efeitos de sentido, embora o

discurso pode realimentar as condições sociais que dão suporte às ideologias e aos próprios

discursos.

Os opositores ao movimento, colocam-se, principalmente, contra a patrulha

linguística que o politicamente correto propõe na crença de que qualquer solução linguística

imposta será inútil, porquanto poderá chocar-se com os hábitos e práticas dos falantes da

língua. No entendimento de Cabrera (2012), a hipótese de uma linguagem neutra não é

possível, pois “a língua somente testemunha uma situação de desequilíbrio da sociedade, não

é modificando a linguagem que se modificarão as realidades sociais” (p. 32).


17

Bento (2008) argumenta que a língua é um instrumento que o homem molda em

função dos seus propósitos, que deve servir, em todo o caso, para expressar – e não ocultar –

o pensamento.

Há aqueles que apontam que o politicamente correto representa uma forma de

cerceamento da liberdade de expressão, produzindo impactos sobre diversos campos de

manifestação cultural, podendo se transformar numa forma de censura (Possenti, 1995).

A partir da divisão entre os defensores do politicamente correto como um “caminho

para a civilidade” e os que se lhe opõem por acreditar que o movimento representa uma

forma de censura, elaborou-se a hipótese de que o “politicamente correto” divide-se em duas

vertentes:

1) A defesa dos direitos humanos;

2) O patrulhamento do que considera incorreto.

Ao fazer restrições à utilização da língua e advogar o uso de algumas palavras para

evitar o emprego de outras, esse movimento da correção política insere-se em uma prática

histórica e social que engloba a produção de sentidos feita pelo discurso, como lembram

Possenti e Baronas (2006).

Para a análise do discurso, a palavra produz os efeitos de sentido que produz em

decorrência do discurso a que pertence tipicamente. Por exemplo, o discurso racista, só

ocorre se a sociedade for de alguma forma racista, ou seja, se houver suporte sociológico e

histórico na formação social para que haja uma ideologia racista que se materialize em um

discurso que contenha marcas características dessa ideologia (Possenti, 2009b).

Assim em busca das condições de produção de um discurso politicamente correto, o

problema desta pesquisa aponta para a investigação das origens, dos significados e

manifestações desse movimento político e linguageiro nas relações sociais, assim como para
18

o conhecimento ou desvelamento das representações que as pessoas fazem desse fato social.

Como o politicamente correto ocupa-se em sua maior parte da questão linguística da

escolha dos melhores termos para designar pessoas ou acontecimentos de formas não

ofensivas, e como o discurso é o seu meio de propagação algumas perguntas pressupõe o

caminho da elaboração dos objetivos, transcritos na sequência:

- A mudança de termos operados por meio da linguagem politicamente correta

produziria consequências na vida e nas falas das pessoas?

- Existem representações sociais do politicamente correto, ou essa expressão é só uma

invenção midiática?

- O politicamente correto melhora a comunicação e a convivência ao defender os

direitos humanos, exigindo o uso de uma linguagem neutra de preconceitos?

- O politicamente correto nas representações das pessoas, aparece como uma defesa

dos direitos humanos e /ou como um patrulhamento ideológico?

- Será possível analisar o politicamente correto por meio de uma interpretação

psicanalítica dos conteúdos elaborativos próprios das representações sociais?

Na busca por respostas às essas indagações sobre o tema do politicamente correto na

prática cotidiana, escolheu-se trabalhar com as representações sociais e a análise do discurso,

mediado pela teoria psicanalítica.

A representação social refere-se, antes de tudo, ao posicionamento e localização da

consciência subjetiva nos espaços sociais com o sentido de constituir percepções, por parte

dos indivíduos, acerca dos fatos sociais que os rodeiam. Para Moscovici (2003), a ideia de

representação social se inscreve numa visão de sociedade na qual a coerência e as práticas

são reguladas pelas crenças, saberes, normas e linguagens que ela mesma produz e considera
19

em referência à sua própria cultura. Elas não são somente um produto da idealização grupal,

mas também um processo, uma forma de se entender e se comunicar o que se sabe.

Nesse sentido, podem-se situar as representações sociais tanto como forma de

conhecimento prático, que privilegia o senso comum, quanto como processo de elaboração

individual, culminando na exteriorização do afeto por intermédio da linguagem:

As representações sociais devem ser estudadas articulando-se elementos afetivos,

mentais e sociais e integrando – ao lado da cognição, da linguagem e da comunicação

– a consideração das relações sociais que afetam as representações e a realidade

material, social e ideativa sobre a qual elas têm que intervir. (Spink, 2013, p. 98)

A questão da representação social explicitada por Moscovici (1961/2012) como

sistema de valores, noções e práticas que oferece aos indivíduos os meios para orientar-se no

contexto social e material casa com as premissas desta pesquisa, pois possibilita fazer uma

leitura do mundo, como explica Moscovici (1961/2012): “Essas são as Representações

Sociais, esses conjuntos de crenças e saberes socialmente construídos e partilhados, com os

quais e através dos quais nós pensamos, falamos, decidimos o que fazer, nos apropriamos do

mundo e lhe damos sentido” (p. 8).

Com as representações sociais há uma ampliação do olhar para se enxergar e valorizar

o conhecimento do homem comum, justificando o senso comum como conhecimento

legítimo e detonador de transformações sociais, assim como as contradições e outras

problemáticas inerentes às relações humanas intermediadas pela ordem da linguagem.

Dentro desse âmbito emergem questões que condizem com o campo de investigação

dess pesquisa, são questões complexas referentes às bases de sustentação da ação

comunicativa entre seres diferentes, destacando-se entre elas a problemática dos valores, que
20

para Spink (2013), refere-se à ordem moral, as quais frequentemente impossibilitam uma

abertura plena à alteridade: “vemos o mundo e o interpretamos a partir das viseiras de nossos

preconceitos” (p. 115).

A Psicanálise é uma teoria, que também investiga, como as representações sociais,

questões complexas referentes ao humano em seus laços sociais possibilitados pela

emergência da linguagem. Freud (1930/2010b) especula que a civilização é fundada em cima

da renúncia à satisfação das pulsões, e que essa cortesia política é a fonte do mal-estar

intransponível pelo fato de os homens serem seres linguageiros, portanto, presos às leis da

cultura. A igualdade, por sua vez, é uma peleja constante em torno da tarefa de se achar um

equilíbrio entre as exigências individuais e as do grupo – estas culturais -, constituindo,

mesmo, um dos problemas que concentram o próprio destino da humanidade, e a questão que

se apresenta para Freud (1930/2010b) é: “saber se esse equilíbrio é alcançável mediante uma

determinada configuração cultural ou se o conflito é insolúvel” (p. 58).

Essa ambivalência afetiva, os conflitos, as interações humanas são a matéria-prima,

os elementos que compõem tanto as representações sociais, como as formações do

inconsciente. A noção de inconsciente, à qual Freud deu toda a sua pertinência como conceito

fundamental da psicanálise, remete a um outro lugar que não o da consciência, e é por

intermédio da linguagem que se faz essa passagem do inconsciente para o consciente. Lebrun

(2008a) assenta que: “O inconsciente é estruturado como uma linguagem, e é precisamente

essa passagem necessária pelo sistema da linguagem que faz de um indivíduo um sujeito e

que lhe dá um inconsciente, estando esses dois movimentos estreitamente ligados” (p. 50).

O inconsciente é formado através da linguagem, nas relações que se estabelece com

os outros; por isso é social, porque o recalcamento - em particular o recalcamento originário -

provém de um consenso social. Melman (2003a) observa que “se eu quiser participar do meio
21

social, tenho que compartilhar esse recalcamento, senão vou parecer um indivíduo anormal.

O normal é compartilhar o recalcamento próprio ao meio cultural do qual participo” (p. 99).

Assim, utilizando-se as representações sociais como subsídio metodológico na coleta

de dados e valendo-se da contribuição da psicanálise na análise, ou seja, na elaboração

qualitativa da análise das representações sociais, pretende-se alcançar os seguintes objetivos:

Objetivo geral: Conhecer as representações sociais das pessoas acerca do que seja o

politicamente correto.

Objetivos específicos:

1. Definir o discurso politicamente correto e as suas origens.

2. Investigar o uso da linguagem politicamente correta e suas manifestações no social.

3. Buscar as opiniões das pessoas, ou suas representações sociais sobre o politicamente

correto em livres conversas realizadas em grupos focais.

4. Analisar as representações sociais acerca do politicamente correto, tendo como base a

teoria psicanalítica.

A pesquisa a ser conduzida é de natureza qualitativa, no âmbito da qual se utilizará o

teste a associação livre de palavras (TALP) para investigar o uso da linguagem politicamente

correta; o grupo focal como técnica de coleta de dados na investigação das representações

sociais, e psicanálise como uma prática discursiva como meio interpretativo dos dados

colhidos. A análise interpretativa dos dados captados nos grupos será feita mediante uma

abordagem teórico-metodológica para análise das práticas discursivas e a produção de

sentidos no cotidiano (Menegon & Spink, 1999).


22

As práticas discursivas estão situadas entre as várias correntes voltadas ao estudo da

linguagem, e são consideradas uma proposta teórico-metodológica necessariamente

interdisciplinar (Frezza & Spink, 1999). Dessa forma, a interpretação das representações

sociais fará a ligação interdisciplinar entre a questão da representação social, advinda da

Psicologia Social, e a interpretação teórico-psicanalítica, erigida a partir de noções pilares

centralizadas em discussões sobre a linguagem, veículo de propagação do politicamente

correto; o poder, formas de manifestação do politicamente correto e seus efeitos de sentido; e

a culpa, pressuposto psicanalítico para a aceitação e utilização da linguagem politicamente

correta.

Acredita-se que esse tema é importante para que se conheça as representações

simbólicas que os sujeitos fazem desse fato tão propagado na mídia e no senso comum. É

necessário um saber sobre o politicamente correto, pois este nasceu para defender e incluir

minorias no social, mas foi usado por alguns como censura e patrulhamento de

comportamentos. Criando um paradoxo, pois ao mesmo tempo que defende a inclusão e o

direito de igualdade, também cria uma censura que limita a liberdade de expressão.

Sabendo que a censura é incabível nas democracias, mas o respeito e o acolhimento

das diferenças é imprescindível para o bom termo das relações sociais, pressupõe-se que este

estudo possa colaborar na construção de novos discursos ou visões sobre o politicamente

correto, ao distinguir o que ele tem de interessante que possa colaborar com as práticas

sociais e o que ele tem de policialesco que pode ao invés de melhorar, dificultar essas

relações sociais. Pois as palavras não apenas refletem, mas refratam a realidade, tornando-se

assim uma luta pelo poder entre classes. Possenti (2009a) assim se expressa sobre esse

argumento:
23

As línguas são o lugar mais privilegiado de expressão de ideologias, e em geral se

considera que as ideologias são [de]formações mais ou menos inconscientes. Ou não

sabemos o que dizemos ou o que dizemos deforma a realidade, impondo uma visão

torta do mundo (ou de aspectos dele, como as questões de gênero) em relação a como

essa realidade poderia ser vista, se não tivesse sido construída dessa maneira. (p. 113)

Para analisar os sentidos que o sujeito atribui às incidências do politicamente correto

no seu cotidiano, nas suas vivências, é preciso considerar que todo discurso é uma prática,

uma construção social, pois veicula uma visão de mundo que, inelutavelmente, é vinculado

ao meio social em que o sujeito vive. Além disso, os efeitos do discurso só podem ser

interpretados levando-se en conta seu contexto histórico-social e sua própria condição de

produção, assim construiu-se um arcabouço teórico para realizar esse percurso.

Após esse aporte introdutivo, o capítulo seguinte, debruça-se na investigação do que

seja o politicamente correto, sua origem, e suas manifestações no social, com a contribuição

de autores diversos de campos como a linguística, o direito, jornalismo, história, etc.

O segundo capítulo faz um estudo sobre a linguagem e seu determinismo no processo

civilizatório, passando da explicação da estrutura linguageira, para as relações da linguagem

com a política, o poder, as representações sociais e a psicanálise.

O terceiro capítulo investiga o conceito de representação social, sua construção

histórica e seu próprio processo formativo.

O quarto capítulo trata da teorização psicanalítica sobre conceitos que possibilitarão a

análise das representações sociais investigadas nos procedimentos metodológicos.

O quinto capítulo refere-se à construção do processo metodológico da pesquisa.

Nas considerações finais, tecem-se conclusões sobre os resultados e discussões da

pesquisa que tratou do politicamente correto e seus sintomas, como forma de investigar um
24

fato social, assim como Freud, fez nos meandros do século vinte, ao investigar um fato social

perturbador de sua época, a histeria, que causava um mal-estar social com seus sintomas.

Espera-se que o politicamente correto, parodiando Freud que, desejou que a psicanálise

transformasse em sofrimento comum o sofrimento neurótico, transforme o uso de novas

formas de convivência como valência dos direitos humanos e respeito às diferenças, ao invés

de censura e, portanto não defesa do direito de liberdade.

Se a leitura desse trabalho propiciar à alguns a conscientização de que recalcamos,

afastamos lá para o inconsciente aquilo que nos causa mal-estar, como a intolerância à

diferença de viver do outro, mas que esse conteúdo pode retornar por meio de palavras e

sintomas em nossas relações sociais, e que, apesar disso, podemos nos responsabilizar por

nossos desejos, assumir nossos erros e tentar controlar nossos impulsos agressivos e

preconceituosos contra o outro, terá sido realizada uma fantasia da pesquisadora de que o

politicamente correto pode ser um espaço para a constituição do respeito aos direitos de

todos. Assim essa pesquisa poderá ter sido em psicanálise à despeito de todas as alianças com

outros campos do saber, que só engrandeceram e afirmaram a aceitação da estranheza daquilo

que nos é diferente, porém não indiferente.


25

Capítulo 1

ECOS DA CONTEMPORANEIDADE: A INVENÇÃO DO

POLITICAMENTE CORRETO, SUAS ORIGENS E

REPRESENTAÇÕES NO SOCIAL

Pertence verdadeiramente ao seu tempo, é


verdadeiramente contemporâneo, aquele que não
coincide perfeitamente com este, nem está adequado às
suas pretensões e é, portanto, nesse sentido, inatual;
mas, exatamente por isso, exatamente através desse
deslocamento e desse anacronismo, ele é capaz, mais
do que os outros, de perceber e apreender o seu tempo.
(Agamben, 2009, pp. 58-59)

Eco e Narciso eram contemporâneos, pois viviam em uma mesma época, a dos

tempos míticos gregos, e habitavam os bosques e montes lendários.

Apesar de ser uma bela ninfa, Eco possuía o defeito de falar demais e queria sempre

dizer a última palavra em qualquer conversa ou discussão. Por essa característica foi

castigada pela deusa Hera, que, ao sair em busca de seu marido Zeus, distraiu-se, ludibriada

pela longa fala de Eco, enquanto Zeus fugia do local aonde divertiu-se com outras ninfas. A

deusa enciumada resolveu puni-la com a coisa da qual Eco mais gostava: responder. Então a

condenou a repetir a última palavra ouvida, sem jamais poder falar em primeiro lugar (Kury,

2001).

Nesse ínterim, a ninfa conheceu Narciso, um belo jovem, filho do deus do rio Céfiso

e da ninfa Liríope, que havia recebido do oráculo Tirésias a predição de seu destino de ter

uma vida longa se não visse a própria face. Eco apaixonou-se por Narciso, que, no entanto,

era indiferente ao amor, não só ao dela, mas ao de todos os que por ele se enamoravam.

Como ela não podia declarar-lhe seu amor, visto só lhe ser possível responder com a última

palavra proferida por qualquer de seus interlocutores, Eco definhou de tristeza e vergonha e
26

passou a viver nas cavernas e rochedos das montanhas, até que seus ossos transformaram-se

em rochedos e dela só restou a voz ecoando.

Outras moças desprezadas por Narciso pediram aos deuses para vingá-las, e que o

fizessem saber algum dia o que era o amor não correspondido, sendo atendidas. Um dia, ao

voltar de uma caçada, debruçando-se numa fonte para beber água, Narciso viu sua imagem

refletida e pensou tratar-se de algum belo espírito das águas que ali vivesse. Apaixonou-se

perdidamente por si mesmo e, descuidando-se de tudo o mais, permaneceu imóvel na

contemplação ininterrupta de sua própria face e morreu. Seu corpo desapareceu e no local

apareceu uma flor roxa rodeada de folhas brancas, que recebeu o seu nome (Bulfinch, 2002).

O mito de Eco e Narciso é precioso para se falar sobre a contemporaneidade dita

narcísica, pois se vive em um tempo em que se privilegia a individualidade e o usufruto do

corpo e dos direitos do cidadão, e que apresenta como uma de suas facetas a defesa de uma

linguagem e comportamentos politicamente corretos que vigoram contra preconceitos e

exclusões sociais.

Por outro lado, se evidencia o politicamente correto em uma patrulha que exige a

configuração de um mundo quase mítico, idealizado sem diferenças, sem transgressões como

a de Eco que, ao falar demais, ofende ou ultraja o semelhante.

O mito é uma fala, então tudo pode constituir um mito, desde que suscetível de ser

julgado por um discurso. No entanto o mito não se define pelo objeto da sua mensagem, mas

pela maneira como a profere, por isso, Barthes (2009), assim o caracteriza: “Ele não poderia

ser um objeto, um conceito ou uma ideia: ele é um modo de significação, uma forma” (p.

199).

Na contemporaneidade ouve-se muito falar em politicamente correto. Referências a

esse fenômeno encontram-se todos os dias nos jornais, nos livros, em entrevistas veiculadas

nas emissoras de TV, nas revistas, na fala das pessoas ou no senso comum. Fato e fenômeno
27

na mídia, o politicamente correto pode ser exemplificado, no cotidiano mais corriqueiro,

como na queixa do autor de novelas Walcyr Carrasco (2013):

O policiamento do politicamente correto é enorme para um autor. Quando se escreve

uma novela, que atinge milhões de pessoas, a pressão é inacreditável. Grupos exigem

que se apresente um mundo perfeito. Se há um personagem negro, tem de ser

bonzinho – ou sou acusado de racismo. Se é gay, também tem de ser do bem. Não

admito o “politicamente correto”. (p. 70)

As pessoas dizem isso não é politicamente correto com demasiada frequência, seja

em defesa dos direitos humanos, ou em queixas contra um patrulhamento advindo desse

fenômeno que censura linguagens e comportamentos considerados preconceituosos. Bento

(2008) observa que “Poucos assuntos nas últimas décadas, despertaram na opinião pública

das democracias liberais dos países ocidentais tantos debates e tantas controvérsias como o

tema que passou a ser conhecido como politicamente correto” (p. 2).

Sabe-se que os mitos são utilizados para dar sentido e explicar a realidade, assim

como suas narrativas são modelos de conduta para os mortais seguirem (Campbell, 2008).

Mas o termo mitologia também é usado para se referir a algo sem valor real, uma ficção.

Assim, é preciso buscar definições para o politicamente correto, para que não se configure

apenas como uma mitologia da época corrente, e verificar, por intermédio das representações

sociais construídas pelos sujeitos, se o fenômeno observado se constitui mesmo – ou não –

como um fato que marca com suas consequências a sociedade contemporânea.

Bagno (2013) postula que aquilo que se distancia da realidade vira mito e facilmente

preconceito linguístico, pois nos esquecemos que uma língua é antes de tudo falada pelos
28

cidadãos. Ou seja, temos que levar em consideração as pessoas vivas que falam a língua de

sua terra, que permeia suas relações sociais.

Indaga-se, então: o politicamente correto existe como um fato representado

socialmente ou é uma ficção, um termo criado, um modismo?

Aqui cabe um esclarecimento: fenômeno e fato não são a mesma coisa. O primeiro é

o que se pode considerar uma manifestação da realidade, ou que se contrapõe ao fato, ao qual

pode ser considerado idêntico (Abbagnano, 2000). Este, por sua vez, constitui uma

possibilidade objetiva de verificação, constatação ou averiguação, portanto, também passível

de descrição ou previsão. A noção de fato às vezes se aproxima da noção de fenômeno e,

outras vezes, de um elemento ou condição da razão.

Possenti (2008), entende por fenômeno aquilo que ocorre efetivamente no mundo, e

por fato, ou dado, o que é previamente circunscrito e determinado como tal por um certo

ponto de vista, ou por uma determinada assunção teórica e metodológica. Um ponto de vista

cria o objeto de estudo, sujeito a procedimento científicos.

Essa discussão sobre fato e fenômeno, remetem a Moscovici (2003), ao defender a

conceituação de representação social, ele observa que os fatos levam os indivíduos a construir

percepções acerca de si e a representação social refere-se ao posicionamento e localização da

consciência subjetiva nesses movimentos das pessoas nos espaços sociais que as rodeiam,

pois são as necessidades da sociedade e dos indivíduos e as exigências da comunicação e da

prática que provocam o movimento destas representações. Nesse sentido a ideia de

representação social, que será estudada em capítulo subsequente, se inscreve numa visão de

sociedade na qual a coerência e as práticas são reguladas pelas crenças, saberes, normas e

linguagens que ela mesma produz e considera em referencia à sua própria cultura.

A própria ideia de um fato representado pela coletividade exprime a continuidade

entre os fenômenos sociais e os culturais, e uma teoria não pode ser de fato construída
29

enquanto não se souber se o fenômeno dito social é, de fato, social. Moscovici (2003), sobre

o assunto, se posicionou da seguinte forma: “Eu vou até o ponto de afirmar que a ideia de

representações coletivas ou sociais é a única para a qual existe uma demonstração” (p. 17). A

fala de Moscovici (2003) quer dizer que não se pode elaborar uma teoria que não seja

puramente verbal até que se elucide se essa qualificação de social é assunto de epíteto ou de

substância.

São fatos do cotidiano que referendam fenômenos em torno do politicamente correto,

na falta de uma maior teorização sobre o assunto (Ruano, 1999). Em 7 de novembro de 2013,

aparece na mídia a seguinte frase do escritor Antônio Prata, explicando o contexto de seu

novo livro, que versa sobre sua infância: “É num cenário sem internet, num mundo de

pequenas barbáries no qual não existia o protetor solar, nem o politicamente correto e nem o

photoshop, que se desenrolam os contos e crônicas protagonizadas pelo menino Antônio”

(Cozer, 2013).

Renato Aragão, líder do programa humorístico Os Trapalhões, criado na década de

1960, com muitas piadas ditas politicamente incorretas sobre negros, nordestinos e mulheres,

afirma que ele difere politicamente correto de censura: "As coisas que a gente fazia nos

Trapalhões, chamar de ‘paraíba’ e ‘negão’, eram algo circense. Hoje ninguém poderia tocar

no assunto assim. As classes conquistaram o respeito e têm o direito de exigi-lo". Aragão,

que é embaixador no Brasil do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), proferiu

essa fala durante o 2o Festival de Risadaria, no qual se discutiu o humor e o politicamente

correto, em entrevista concedida para Bonfá (2012), idealizador do festival, que observa: “Os

Trapalhões, do jeito que eram, não seriam aceitos agora por causa do politicamente correto".

Para alguns, mais do que censura, o politicamente correto provoca interdição. Isso

acontece porquanto a censura seria uma reação ativa contra os conteúdos da linguagem,
30

enquanto a interdição se constituiria na própria inserção do humano na linguagem, gerando

constrangimentos para falar (Leite, 2012).

O linguista Cipro (2012) faz várias referências contra a patrulha do “politicamente

correto”:

Os vândalos e o politicamente . . . E se aparecer algum descendente direto de uma

legítima família vândala e disser que se sente ofendido? Estava na capa da Folha de

ontem: "Contra tarifa, manifestantes vandalizam centro e Paulista". Que tal o

emprego do verbo "vandalizar", caro leitor? Sugiro que vejamos isso pela sintaxe e

pelo aspecto ético, que, inevitavelmente, roça o mais do que infame e chatíssimo

conceito do "politicamente (in)correto". . . . As minhas quase seis décadas de

existência me tiraram de vez a paciência para aguentar esse tipo de patrulha,

macarthismo da mais pura cepa. Também é por essas e outras que me soam mais do

que ridículas as bobagens ditas por uma galerinha a respeito da obra de Monteiro

Lobato. Haja saco! É isso.

Monteiro Lobato foi objeto de grande controvérsia midiática em razão do acatamento,

em 30 de junho de 2010, pela Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de

Educação (CEB/CNE), de solicitação encaminhada pela Ouvidoria da Secretaria de Políticas

de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR) que dizia respeito a uma denúncia feita à

Ouvidoria da SEPPIR por Antônio Gomes da Costa Neto questionando a utilização, pela

Secretaria de Estado da Educação do Distrito Federal, de livro que veicularia "preconceitos e

estereótipos contra grupos étnico-raciais". A denúncia tinha como objeto o clássico infantil

Caçadas de Pedrinho, de Monteiro Lobato (2008), e identificava, com exemplos textuais, a

presença no livro de expressões de racismo e estereotipias em relação aos negros, sobretudo


31

nas referências à personagem Tia Nastácia (Elsenberg, Feres & Nascimento, 2013). Essa

denúncia logo ganhou visibilidade, pois o mesmo livro, da Editora Globo, é distribuído pelo

Programa Nacional de Biblioteca na Escola (PNBE) e tido há muitas décadas como obra de

referência em escolas públicas e particulares de todo o Brasil.

Em fevereiro de 2012, o Ministério Público Federal em Uberlândia, Minas Gerais,

ajuizou ação civil pública contra a Editora Objetiva e o Instituto Antônio Houaiss pedindo a

imediata retirada de circulação, suspensão de tiragem, venda e distribuição das edições do

dicionário Houaiss. A ação teve como motivação, segundo a Procuradoria, a presença de

referências preconceituosas e racistas no verbete do dicionário sobre ciganos. Constavam no

dicionário Houaiss, entre os sentidos associados à palavra cigano, devidamente identificadas

sob a rubrica de “uso pejorativo”, as acepções do termo como “aquele que trapaceia; velhaco,

burlador” e “que é apegado ao dinheiro; agiota, sovina” (Cabral, 2013).

Esses fatos anunciam um aspecto interessante da contemporaneidade: o da denúncia

feita pelos que se sentem ofendidos em seus direitos. Aliás, está encorpado na raiz do

movimento em prol de uma linguagem completamente livre de preconceitos o sentimento -

louvável, mas problemático, para Bento (2008) -, de que

um uso social consciente da linguagem pode, por si mesmo, mediante o recurso

adequado a certas “correções”, evitar ofensas e poupar discriminações injustas a todas

aquelas pessoas que, por este ou aquele motivo, são mais vulneráveis ao sentido cru

das palavras. (p. 2)

Problemático, porque não é um ato sem consequências, como observa Pereira (2007),

para quem “Os efeitos devastadores do politicamente correto chegam ao vocabulário, à

codificação dos costumes, à censura, aos tribunais, às universidades, à teologia”.


32

Essa tentativa de regulação eficaz da vida por intermédio do politicamente correto

poderia ser enquadrada como um fator da biopolítica, que assume como seu objetivo

principal a regulação da segurança e do bem-estar das vidas humanas (Agamben, 2009).

Zizek (2009), alerta que na atualidade, quando se renuncia às grandes causas ideológicas,

tudo o que resta é a administração eficaz da vida, e explica que a biopolítica é uma pós-

política que deixa para trás os velhos combates ideológicos para se centrar na gestão e

administração especializadas da vida. Nesse contexto, uma via para se introduzir paixão nesse

campo, se mobilizar ativamente as pessoas é o medo, elemento fundamental da subjetividade

de hoje, que transforma todos em vítimas potenciais. Ninguém pode se sentir ofendido,

portanto, impera silenciar o outro, enquanto quem acusa se faz de vítima oprimida (Avelar,

2011).

Veja-se outro exemplo de Cipro (2012) em sua clara oposição ao politicamente

correto:

Não pense o caro leitor que essa patrulha boboca é "privilégio" dos tempos hodiernos,

nascida com o "politicamente correto". Ela vem desde sempre. Lembro que nos meus

tempos de universidade era proibido gostar de Olavo Bilac, por exemplo, "um

fascista" e outras bobagens que a caterva vociferava. Para confirmar que alguém era

"legal" e abrir-lhe o trânsito, bastava dizer que o dito-cujo era "de esquerda". Tudo e

todos eram assim, rotulados, pré-rotulados. Na verdade, ainda são (e, pelo jeito, sê-lo-

ão até sabe Deus quando).

Em contraposição a esses autores há registros, também, daqueles que defendem o

movimento politicamente correto, como Eco (2007):


33

A única coisa que podemos fazer é estabelecer que é politicamente correcto usar os

termos, incluindo o termo P.C. (politicamente correcto), no seu sentido próprio, e

quem quiser ser um P.C. neste sentido deve sê-lo dentro dos parâmetros do bom

senso. Basta atermo-nos ao princípio fundamental de que é humano e civilizado

eliminar da linguagem corrente os termos que fazem sofrer os nossos semelhantes. (p.

105)

Há aqueles que defendem o politicamente correto, como Ghiraldelli (2012), para

quem “há uma camada da população que precisa passar pelo aviso do politicamente correto,

porque estão aquém do capitalismo, do liberalismo e das mudanças de vocabulário

necessários para se adaptar a um mundo menos duro”.

Também como exemplo de defesa há o desabafo do filósofo Safatle (2013) contra o

que se denomina a ditadura do politicamente correto:

Há alguns dias, uma revista francesa publicou na sua capa uma foto da ministra da

Justiça da França, a negra Christiane Taubira, comparando-a a uma macaca à procura

de banana. Ela já havia sido comparada ao nosso parente distante por uma criança em

uma manifestação anticasamento homossexual, sem que ninguém esboçasse uma

reação indignada. A maior indignação partiu, vejam só vocês, da revista em questão,

que inverteu o jogo alegando que tudo era apenas uma piada e que não suportava a

‘ditadura do politicamente correto’.

Vale, ainda, reproduzir em toda sua prolixidade, porém necessária, para ser bem

entendido o comentário sobre a opinião de uma leitora que afirma “achar engraçada essa
34

mania das pessoas de falarem com orgulho que são ‘politicamente incorretas’ quando dizem

absurdos”:

A onda agora é ser bem REAÇA. Se é humorista, e uma piada ultrapassa o limite do

bom gosto, diz ser adepto do politicamente incorreto. Que babaca agora é fazer

censura contra intolerância. Podemos zoar com judeu, gay, falar palavrão. É isso, que

se foda, viva a liberdade! Se alguém defende a Marcha da Maconha, faz apologia, é

vagabundo. Se defende a descriminalização do aborto, é contra a vida. Se aplaude a

iniciativa da aprovação da união homossexual, quer enviadar o Brasil todo - país que

se orgulha de ser bem macho, bem família! Se defende a punição de torturadores, é

porque pactua com terroristas que só queriam implodir o estado de direito e instituir a

ditadura do proletariado. Deu, né? . . . Esta recusa ao pensamento humanista que

ressurgiu após a leva de ditaduras que caiu como um dominó a partir dos anos 80 tem

outro nome: neofascismo. É legal ser de direita? Tá bacana desprezar os movimentos

sociais, aplaudir a repressão contra eles? Eu não acho. Apesar de considerar o termo

“politicamente correto”, do começo dos anos 90, a coisa mais fora de moda que

existe, afirmo diante do que vejo e leio: eu, aleijado com tendências esquerdizantes,

não era, mas agora sou TOTALMENTE politicamente correto. (Paiva, 2011)

Sobre o significado da expressão em estudo, este trabalho se debruça na continuidade.

1.1 O que é o politicamente correto?

Fala-se em tempos politicamente corretos. Mas o que é, afinal, o politicamente

correto de que tanto se fala?


35

Não foi à toa que se demorou aqui a conceituar o objeto de estudo desta pesquisa,

preferindo-se introduzir a questão com fatos do cotidiano impressos na mídia, em razão da

dificuldade de se definir o termo politicamente correto:

A definição do termo politicamente correto gera certas dificuldades, uma vez que essa

expressão está intimamente relacionada a ideologias. Diversos estudiosos concordam,

entretanto, que veem o politicamente correto como um processo que lida com

questões sexistas, étnicas, religiosas, de capacidade ou de traços de personalidade,

além das consequências destas questões no âmbito individual (Schenz, 1994 citado

por Rossoni, 2009, p. 10).

Politicamente correto ou correção política é uma política que consiste em tornar a

linguagem neutra em termos de discriminação. O objetivo dessa expressão é evitar que a

linguagem seja ofensiva para certas pessoas ou grupo de pessoas (Bizzocchi, 2008).

De acordo com Cabral (2013), “Por politicamente correto, referimo-nos a uma

tendência que se aplica a vários campos prescrevendo formas de expressão ou conduta, com o

objetivo de combater atitudes discriminatórias, sobretudo no que diz respeito às questões

étnicas, de gênero e sexuais” (p. 1).

Na definição de alguns dicionários o termo political correctness significa:

Oxford Dictionaries (2013) – Politicamente correto é evitar expressões, termos ou

ações que possam ser consideradas ofensivas ou discriminatórias para pessoas

concretas no que se referem a questões que envolvam raça, ou afinidade sexual ou de

gênero;
36

Collins (2014) – Politicamente correto é a atitude política de ser extremamente

cuidadoso para não ofender ou incomodar nenhum grupo da sociedade:

The Free Dictionary (2014) – De, ou relacionado a ampla mudança social, política e

educacional, excepcionalmente para corrigir injustiças históricas, em questões como

raça, classe, gênero e orientação sexual.

Fenômeno recente na cultura ocidental (Gruda, 2011), o politicamente correto remete

a discussões sobre as fronteiras da liberdade de expressão na contemporaneidade ao

pretender, como enfatiza Possenti (1995), “tornar não marcado o vocabulário (e o

comportamento) relativo a qualquer grupo discriminado” (p. 125).

Seus defensores acreditam que sua adoção poderá contribuir para se evitar o

preconceito e a violência contra o outro, tornando a sociedade mais justa, inclusiva e

igualitária, porquanto inserta em uma cultura de comportamentos mais corretos e, assim,

menos violentos. A expressão politicamente correto designa uma política em defesa das

minorias e da eliminação das desigualdades sociais, podendo ser encadeada com “a cortesia,

o exercício da boa cidadania e etimologicamente com o ideal da polis grega” (Ruano, 1999,

p. 10).

Esse ideal grego seria o da cidadania com democracia. Para os gregos, havia primeiro

a cidade, polis, e só depois o cidadão, polites; já para os romanos, o conjunto de cidadãos

formava a coletividade. Por isso, segundo Funari (2013), o conceito de cidadania moderna

liga-se mais diretamente aos romanos: “Cidadania é uma abstração derivada da junção dos

cidadãos e, para os romanos, cidadania, cidade e Estado constituem um único conceito - e só

pode haver esse coletivo se houver, antes, cidadãos” (p. 49).

A noção de cidadania, inclui a existência de direitos políticos completos e iguais, que,

no entanto, não garantem uma boa convivência entre os cidadãos de diferentes comunidades.
37

A partir do Iluminismo, com os ideais de igualdade, fraternidade e liberdade da Revolução

Francesa, o conceito de cidadania enfatizava e valorizava o que os seres humanos tinham em

comum, e se voltava contra os monarcas absolutistas e as aristocracias com seus privilégios,

bem como contra os sacerdotes obscurantistas, no entanto, tinha pouco a dizer sobre como

lidar com as diferenças de cor da pele, língua, fé, entre outras. Com o impacto das mudanças

ocorridas no século XIX mediante as revoluções política, industrial e demográfica, que

viriam a unir e a separar massas humanas, tudo mudou na modernidade, resultando em

confrontação entre as diferenças surgidas, o que implicou a busca de soluções para

possibilitar a convivência na globalização:

O conceito de “cidadão”, expandido para incluir a democracia, foi então utilizado

como método para permitir e legitimar a coexistência de tantos homens diferentes. Só

que isso, dentro do ideário da cidadania, podia ser feito unicamente por meio da

negação de diferenças grupais: a aplicação de princípios genéricos solucionaria,

acreditou-se, as desigualdades particulares. O ideal se chocou com a dura realidade

social de discriminação, preconceitos, perseguição, alienação. (Demant, 2013, p.

344).

O espaço público, na tradição, é o lugar onde se extrovertiam interesses, paixões,

preconceitos, portanto, o lugar dos debates abertos das vontades. Para Matos (2010), nada é

mais contrário à ideia de espaço público do que o politicamente correto, que impede os

indivíduos de explicitar claramente seus preconceitos, interesses e conflitos:

Nós mantemos nossos preconceitos no privado e no público, nós nos retiramos do

debate. Então esse Espaço Público ele era o lugar onde se extrovertiam esses
38

preconceitos, essas opiniões, esses desejos e que não se separavam daqueles que eram

os atores dessa presença no espaço público, porque se concebia o espaço público

como uma esfera de igualdade de direitos onde todos são igualmente legisladores.

Então essa igualdade ela se fazia no sentido de que todos tomavam a palavra em uma

isonomia, uma possibilidade, portanto, de um mundo comum, de valores

compartilhados. (Matos, 2010)

Mas existem limites entre a liberdade democrática e a invasão ofensiva e pejorativa

ao outro, então, ser politicamente correto supõe, também, compartilhar uma lírica pró-

minorias e mediar a eliminação das desigualdades sociais, não usando a linguagem como um

instrumento de exclusão. Para Ruano (1999), ser politicamente correto significa transformar a

linguagem, que reverbera e perpetua a discriminação, em uma hipotética língua asséptica e

sem conflitos culturais, como, por exemplo, evitando o artigo genérico masculino.

Assim, o politicamente correto deveria ser socialmente respeitoso, pois, a princípio,

projetava um debate teórico especialmente frutífero no campo das humanidades, que tentava

sentar as bases de uma sociedade verdadeiramente multicultural e pluralista, alicerçada na

valorização das diferenças. No entanto, o politicamente correto também aparece em sua face

de patrulhamento ideológico. Segundo o linguista Bizzocchi (2008), a linguagem

politicamente correta é pseudodemocrática: “em nome da preservação da dignidade e dos

direitos humanos, exerce patrulhamento ideológico e caça às bruxas típicos dos regimes

autoritários, vendo preconceito em tudo (por exemplo, ao achar que a expressão ‘a coisa tá

preta’ é referência pejorativa)”.

Segundo Ruano (2009), ser politicamente correto, implica apostar pelas virtudes do

progressismo e suas estratégias de conscientização, pois do contrário se adere a um ideário

liberal, que não cabe nesta etiqueta do politicamente correto. Explica, ainda, a autora, que
39

este movimento, de início era de origem esquerdista, mas hoje o politicamente correto “é um

pensamento único, um amálgama heterogêneo de conservadorismo e liberalismo econômico,

hegemônico no Ocidente, como é vislumbrado desde a década dos anos oitenta” (Ruano,

1999, p. 11).

A idéia do politicamente correto é basicamente uma só para Ghiraldelli (2012):

Há um modo correto de se viver na polis, e este modo é aquele que puder levar todos

os habitantes a tornarem o convívio o mais suave possível, e isso deve começar pelos

vocabulários. Assim, nessa ideia, tudo se passa segundo o propósito inicial do

capitalismo: tornar a vida da polis, agora mais ainda centrada no mercado, a menos

conflituosa possível, de modo que ninguém se ofenda o suficiente a ponto de parar o

comércio.

O combate aos preconceitos que ofendem o outro, pode começar pela linguagem, o

que levaria a comportamentos menos violentos ao se eliminar certas práticas linguageiras do

vocabulário. Dentro da luta contra os preconceitos, Rajagopalan (2002) assinala que a

linguagem politicamente correta “não é nenhum remédio milagroso contra os preconceitos

que estão fortemente arraigados em nossa sociedade. A luta contra tais preconceitos não pode

estar restrita a uma simples questão de reforma lingüística” (p. 101).

Mas assim como ocorre com Rajagopalan (2002), outros também acreditam que “o

homem fala não só do mundo que o cerca, de si mesmo e dos outros, mas fala da própria

língua” (Fiorin, 2009, p. 25). Então, ao se falar contra ou a favor do politicamente correto,

fala-se da língua humana, e verifica-se, mediante os exemplos, que o politicamente correto

está na moda e suas aplicações estão crescendo geometricamente. Alguns se apressam em

difamar suas origens, apresentando-o como onipresente e onipotente, carente de memória


40

histórica, um fenômeno sísmico, repetitivo como a fala da ninfa Eco, popular e, em

consequência da carência de maiores estudos, quase desacreditado. De acordo com Ruano

(1999) é de mais “valor um estudo meditado que se centre nas causas e conseqüências do

fenômeno do politicamente correto, ao invés dos que só retratam os produtos do

politicamente correto” (p. 19).

1.2 O politicamente correto e sua contextualização histórica

Assim como definir o politicamente correto é difícil, também a delimitação de suas

origens apresenta percalços árduos. As primeiras indicações do politicamente correto, não

podem ser claramente traçadas. Alguns autores, como Avelar (2011) e Volkoff (2010),

alegam que as origens do PC são filosóficas, alemãs. No mesmo sentido socialistas do século

XIX, que desenvolveram uma ideologia que resultou no Manifesto Comunista, escrito por

Karl Marx em 1848. Outras áreas são da opinião de que o termo PC foi introduzido pela

esquerda leninista para denotar alguém que defendia fortemente a linha dura do partido.

Segundo Lind (2006), em 1923, na Alemanha, foi fundado um centro de estudos que

tomou para si a tarefa de traduzir o marxismo de termos econômicos para culturais, o que

criou o discurso politicamente correto que se conhece hoje, tendo, portanto, suas bases

assentadas essencialmente no fim da década de 1930. Isso foi possível por causa de Felix

Weil, filho de um milionário comerciante alemão, que se tornou marxista e tinha um bocado

de dinheiro para gastar. Contrariado com as divisões dentro das fileiras marxistas, Weil

patrocinou a Primeira Semana de Trabalho Marxista, reunindo Lukács e muitos outros

importantes pensadores alemães para discutir sobre as diferenças do marxismo.

O centro em questão era a Escola de Frankfurt, responsável por substituir a crítica

econômica do marxismo pela crítica cultural, associando Marx e Freud. A teoria crítica, como

foi chamado o trabalho a que se dedicaram os integrantes da Escola, procurou mostrar que a
41

opressão e a desigualdade entre os seres humanos tinham raízes na cultura ocidental de

dominação. A economia era apenas um sintoma.

A crítica cultural ganhou força com o exame das razões que levaram às falhas da

previsão marxista de que a guerra, previsível no final do século XIX, uniria os proletários

contra seus opressores nacionais. Na Primeira Guerra Mundial ocorreu o contrário. Os

operários uniram-se aos burgueses em defesa de seus países. A alienação seria produto da

cultura que os cegava para os fatores de dominação. Antonio Gramsci e Georg Lukács foram

os dois grandes nomes dessa crítica a dizer que a cultura ocidental impedia que os

trabalhadores percebessem os seus verdadeiros interesses de classe.

Com a perseguição nazista, os autores de Frankfurt, de origem judaica, tiveram de

fugir para os Estados Unidos. Seu primeiro grande abrigo foi a Columbia University. Depois,

Hollywood. Alguns deles foram membros do governo estadunidense. Marcuse, por exemplo,

ocupou um cargo de destaque na Office of Strategic Services (OSS) - em português, Agência

de Serviços Estratégicos -, precursora da Central Intelligence Agency (CIA), Agência Central

de Inteligência.

As ideias do grupo foram usadas pelos estudantes nos anos 1960 para resistirem à

convocação militar e à Guerra do Vietnã. O movimento estudantil era hedonista, superficial e

irresponsável, encontrando nas propostas supostamente libertárias dos frankturtianos a

oportunidade de dar contornos intelectuais às suas pretensões (ou despretensões). Para Lind,

Marcuse cunhou a frase "Faça amor, não faça a guerra". E fez a cabeça da academia e da New

Left (Nova Esquerda) do país (Sampaio, 2011).

Os Estados Unidos viram crescer a simpatia ao discurso culturalmente emancipado.

Ecologia se misturou com o movimento das feministas, sob a influência dos frankfurtianos

exilados. O discurso ecológico teve grande impulso com Max Horkheimer e sua crítica à

tendência moderna de dominação da natureza.


42

O relativismo sexual teve suas principais fontes em Herbert Marcuse e Erich Fromm.

A apropriação política da sexualidade mostrava uma história cheia de repressões dos sentidos

e de dominação do gênero feminino. A emancipação do ser humano passava, então, pela

liberação da sexualidade.

Sampaio (2011) observa que os norte-americanos se tornaram reféns do medo de

escorregar na linguagem e de usar a palavra errada, a palavra tida como ofensiva, insensível,

racista, machista ou homofóbica.

Mesmo que a origem, tanto do movimento politicamente correto como do termo em

si, seja incerta, muitos autores concordam que o PC começou de fato dentro dos Estados

Unidos, no contexto do movimento de reforma dos direitos civis na década de 1960, como

Bento (2008):

Nascido nos Estados Unidos da América no final dos anos 60 do século passado, mas

amadurecido, normalizado e institucionalizado sobretudo com a chegada de Bill

Clinton a Presidente, o fenómeno da “political correctness” está, por um lado,

intimamente ligado ao problema conhecido como multiculturalismo, e, por outro,

intrinsecamente associado ao reconhecimento político dos direitos das minorias. (p. 3)

Já para Lind (2006), os anos 60, com os hippies e o movimento pacifista trouxeram

um avanço para o politicamente correto, que para ele nasce ainda na Primeira Grande Guerra,

com o marxismo traduzido de termos econômicos para termos culturais, pois há para Lind

(2006) um paralelismo entre o marxismo cultural e o politicamente correto quando ambos

tornam-se ideologias totalitárias.

O politicamente correto é um ramo do pensamento de esquerda americano, que nasceu

no contexto de um ascensão social dos negros americanos no final dos anos 60, e da
43

necessidade de uma educação doméstica, pois num certo momento, nos EUA, os negros

passam a circular em restaurantes aonde só brancos iam, por exemplo, e aí os brancos

precisaram aprender a se comportar diante de fatos como esse. Do ponto de vista social,

responde aos movimentos de grupos sociais que ascendem ao espaço econômico, mas acabou

se transformando numa espécie de censura, de patrulha, de lobby para eliminar quem não

concorda com quem tem o poder institucional (Pondé, 2012).

Assim, o movimento entrou para a agenda da nova esquerda americana, e a

necessidade de melhores maneiras no convívio com os negros, transformou-se em um

programa político de criação de uma nova consciência social, como ocorreu d eforma

semelhante aos gays a partir dos anos 80. Para Pondé (2012), a diferença entre essa nova

esquerda e a velha esquerda, é que para esta quem salvaria o mundo seria o proletariado e

para a nova, seria todo tipo de grupos de excluídos, sejam mulheres, negros, gays, aborígenes,

índios, além de que ao contrário da velha que pregava a revolução, para a nova, segundo

Pondé (2012): “nada de revolução violenta, nada de destruição do capitalismo, mas sim de

acomodação do status quo econômico às demandas de inclusão dos grupos de excluídos” (p.

30).

O movimento multiculturalista faz uma crítica política radical das desigualdades e das

opressões que atravessaram a história dos povos, e de acordo com Bento (2008), pôde ser

ouvido pelo conjunto da sociedade norte-americana porque expressou suas reivindicações

numa tradição democrática pluralista cujas raízes calam fundo no seio da cultura política

norte-americana (p. 3).

Mas a verdadeira reviravolta do politicamente correto deu-se na década de 1980,

quando estudantes e professores das universidades americanas exigiram o reconhecimento e o

tratamento preferencial das minorias. “Esse foi o verdadeiro começo do movimento

reformista, ao qual nos referimos como politicamente correto hoje” (Grzega, 2001).
44

A expressão politicamente correto se firmou na língua inglesa como parte de uma

ofensiva da direita estadunidense nas chamadas guerras culturais dos anos 1980 e 1990.

Embora haja ocorrências da expressão em textos da New Left (a Nova Esquerda), foi naquelas

batalhas que o termo passou a funcionar como designação de um suposto autoritarismo

policialesco da esquerda no uso da linguagem. A esfera do politicamente correto abrangeria

classe, raça, gênero, orientação sexual, nacionalidade, descapacitação e outros marcadores de

subalternidade. Mas, sem dúvida, o exemplo paradigmático sempre foi racial (Avelar, 2011).

Enquanto parte significativa dos negros dos EUA passava a utilizar, como

autodescrição, o termo afro-americano — sob a lógica de que preferiam identificar-se pela

cultura de origem, e não pela cor da pele —, o conservadorismo realizava simpósios como

Correção Política e Estudos Culturais, promovido pela Conferência das Humanidades

Ocidentais, em Berkeley, em 1990. O colóquio se propunha a examinar qual o efeito que tem

sobre a pesquisa acadêmica a pressão para se conformar a ideias atualmente na moda.

Tomava corpo a bem sucedida estratégia da direita nas guerras culturais. Partia-se de uma

premissa jamais demonstrada, a pressão para que se adotassem expressões julgadas

politicamente corretas (Avelar, 2011).

Para Avelar (2011), antes disso não se tinha notícia de grandes pressões do

movimento negro para que se abandonasse o termo black, substituindo-o por African-

American, ou de que ninguém tivesse sofrido dano considerável por não usar ele ou ela (ao

invés de somente ele) em frases com sujeito de gênero indeterminado. Assim, ao se explorar

a possibilidade de uma nomenclatura alternativa, em maior conformidade à identidade

reclamada pela comunidade, no caso racial, mais inclusiva e menos discriminatória, no caso

dos pressupostos sexistas da língua, já se ofereciam as origens do politicamente correto,

consolidado “no caso da Universidade Stanford, que marcou a vitória da direita naquele

debate e a consolidação da expressão politicamente correto” (Avelar, 2011).


45

O caso foi o seguinte: os currículos universitários norte-americanos incluem um curso

de obras-primas ocidentais que percorre, em geral, um trajeto que vai de Homero - ou Platão -

a Nietzsche. Esses autores também são lidos numa série de outros cursos que, em Stanford,

compõem as grades dentro das quais o aluno pode cumprir os requisitos de humanas. Ocorreu

que o Senado de Stanford decidiu aprovar uma proposta de substituição de um desses cursos

de cultura ocidental, em uma das grades, por um curso intitulado Culturas e valores, de

cunho comparativo, no qual se incluíam textos não ocidentais, em março de 1988.

Como já havia uma reflexão sobre a necessidade de se oferecer outras versões sobre a

modernidade, a votação no Senado foi normal e a implantação do novo currículo foi

tranquila, porém a defesa do projeto foi ligeiramente politizada por grupos de estudantes,

além do que as principais fundações da direita, grupos religiosos e o Partido Republicano

acompanhavam o debate de perto. A grande imprensa passou a dedicar blocos de seus

programas à suposta eliminação da cultura ocidental no currículo das universidades

americanas, ao assassinato de Shakespeare e Platão e à intimidação de ativistas estudantis,

lançando, assim, as sementes das guerras culturais.

Para Avelar (2011), esse contexto pode ser entendido, pois, desde o escândalo de

Watergate, com a queda do presidente Nixon e a consequente desmoralização da direita

estadunidense, as forças conservadoras do país passaram a dedicar intenso esforço à vitória

na luta cultural. Os neoconservadores sabiam que era no terreno da cultura que se jogaria a

cartada decisiva. Assim, em 1988, a direita republicana concluía oito anos de controle sobre a

Casa Branca, acabava de estrangular a revolução centro-americana, estava pronta para

presenciar a queda do comunismo e identificava na cultura a nova guerra que deveria vencer.

De lá para cá, a expressão politicamente correto virou moeda corrente, perpassando

fronteiras globais. Com frequência, a mera menção de algum episódio que envolva racismo,

homofobia, sexismo ou xenofobia é desqualificada com referência ao termo, que estaria


46

impedindo os indivíduos de serem eles mesmos. É como se politicamente correto fosse um

ser com vontade própria, um movimento, um sujeito dotado de consciência. No mundo

realmente existente ele é apenas isto: um sintagma sem referente, um balão de ensaio, uma

cortina de fumaça, uma tutameia (Avelar, 2011).

Mas se alguns argumentam que a onda politicamente correta cresceu a ponto de tolher

a liberdade de pensamento, o maior problema, porém, é outro: a reação torna tudo o que é

incorreto bacana. E abre espaço para a intolerância e a incorreção, virando uma arma para

defender a liberdade de expressão, que de fato só existe quando se é livre até para pensar o

impensável e dizer o impronunciável.

Quando o impensável agride o próximo gratuitamente é aí que se encontra a origem

do termo politicamente correto. Para Horta (2011), ele apareceu pela primeira vez com um

significado bem diferente do que o representa na atualidade, na China dos anos 1930, para

denotar a estrita conformidade com a linha ortodoxa do Partido Comunista, tal como

enunciado por Mao Tsé-tung. O significado com que a expressão chegou até a

contemporaneidade é uma criação dos Estados Unidos dos anos 1960, como exposto

anteriormente.

Na época em que surgiu, de intensas transformações na sociedade - as empresas e

universidades, antes habitadas exclusivamente por homens brancos, agora viam chegar

mulheres, negros, gays, imigrantes, entre outras minorias -, o politicamente correto serviu

para ensinar a conviver com a diferença, fortalecendo a luta dos universitários americanos

que abraçaram a defesa dos direitos civis de mulheres ou negros, indistintamente.

Paradoxalmente, pela primeira vez na história americana, quem buscava estender os direitos

civis também advogava por uma limitação na liberdade de expressão, criando-se a divisão, no

âmbito do politicamente correto, entre a defesa dos direitos humanos e a censura ou patrulha

ideológica.
47

Nos anos da década de 1990, com a derrocada do mundo comunista e o fim do

socialismo, a pauta da agenda dos grupos de esquerda se modificou. Se antes a busca pela

igualdade era a busca pela diminuição das diferenças entre as classes sociais, agora era pela

eliminação das classes pessoais. Tratava-se de não estigmatizar as pessoas por aquilo que

elas eram. Para Horta (2011), de boa intenção, o politicamente correto passa a ser visto como

hipocrisia. E de hipócrita a algo fundamentalmente errado.

Pergunta Horta (2011):

Como lidar com o excesso de correção política, então? Não temos a pretensão de dar

uma resposta definitiva. Mas sair xingando os outros de gordo, aleijado, retardado e

baranga estuprada é que não vai ser. Se fosse engraçado, talvez até funcionasse. Mas

não. Não é.

Ninguém inventou o politicamente correto, ele nasceu como consequência da

decadência do espírito crítico da identidade coletiva, quer seja esta social, nacional, religiosa

ou étnica, como acredita Volkoff (2010), que o politicamente correto tal como o conhecemos

hoje, representa a entropia do pensamento político. Como tal, é impossível defini-lo, pois

carece de um verdadeiro conteúdo. Nele encontra-se restos de um cristianismo degradado, de

um socialismo reivindicativo, de um economicismo marxista e de um freudismo em

permanente rebelião contra a moral do ego.

Ainda para Volkoff (2010), o politicamente correto consiste na observação da

sociedade e da história em termos maniqueístas. O politicamente correto representa o bem e o

politicamente incorreto representa o mal. O sumo bem consiste em buscar as opções e a

tolerância nos demais, ao menos desde que as opções do outro não sejam politicamente

incorretas; o sumo mal se encontra nos dados que precederiam à opção correta, quer sejam
48

estes de caráter étnico, histórico, social, moral ou mesmo sexual, inclusive nos avatares

humanos.

Simpatizantes de uma política conservadora, como o Volkoff (2010), vociferam sua

insatisfação contra a prática de se utilizar uma linguagem politicamente correta, dizendo que

o verdadeiro problema não está na linguagem propriamente dita, portanto, quem escolhe a

linguagem como alvo de combate ao racismo e a todos os outros preconceitos estaria se

envolvendo num esforço inútil e quixotesco.

Mas há quem esteja em desacordo com essas opiniões e salte em defesa do

politicamente correto, como Rajagopalan (2002), que assim se manifesta:

Gostaria de discutir a seguir por que o politicamente correto atrai tanto desprezo. O

meu esforço será, primeiramente, no sentido de perguntar qual é a concepção da

linguagem, do mundo, da ação política, etc. que norteia toda a polêmica em torno do

politicamente correto. Isso porque aqueles que se opõem ao comportamento

politicamente correto – e em especial à linguagem politicamente correta - estão se

baseando numa visão da linguagem e do que ela é e não é capaz de fazer. (p. 95)

Foram, também, publicados glossários terminológicos, editados pela Harper Collins

Publishers, em Londres, na década de 1990 do século passado, The Official Politically

Correct Dictionary and Handbook (O Dicionário Oficial do Politicamente Correto e Livro de

bolso) e Sex and Dating. The Official Politically Correct Guide (Sexo e Encontro. O Guia

Oficial do Politicamente Correto), norteados pela escola desconstrutivista feminista e por

estudiosos das etnias, minorias e excluídos que estrategicamente têm procurado criar novos

campos semânticos (Beard & Cerf, 1992, 1994).


49

Não à toa, essas publicações são em inglês e derivam do pragmatismo americano, que

afirmava que a verdade de um apalavra é seu uso eficaz em termos de criação de fatos no

mundo. O pragmatismo é uma escola de filosofia, pragma em grego significa ação, foi criada

no início do século 20 por filósofos americanos como John Dewey, William James e Charles

Sanders Peirce.

O politicamente correto nasce nessa corrente à procura de moldar novas consciências

críticas através de ações coercitivas. É um fenômeno tipicamente americano, anglossaxônico,

que parece traduzir algo de muito antigo, uma tradição que conota uma necessidade de que

tudo precisa de uma regra para poder existir, segundo Possenti (2009b).

Pondé (2012) acredita que a eficácia do politicamente correto deriva desse

pragmatismo, de querer criar um fato novo ao proibir o uso de palavras ou expressões, como

ele enfatiza: “seja por conta do mal-estar moral que ela deva causar em você, seja pela

punição da lei (como no Canadá) quando se usam expressões como essa” (p. 33). O

politicamente perpassa o território americano e atinge o ocidente, como no exemplo citado do

Canadá, lá o politicamente correto surge como um elemento de controle social, e está

presente nas leis e controla as ideias que circulam na mídia, arte, no teatro e cinema, tudo

pelo bem social (Salache, 2014). Em países como por exemplo, a Suécia, a Dinamarca, a

Noruega e os países chamados Escandinavos, questões em torno do politicamente correto

também aparecem de forma exacerbada e segundo Pondé (2012), há um controle estatal ao

averiguar o uso da linguagem na esfera social e inspecionar como os sujeitos propagam esse

discurso na sociedade.

Rajagopalan (2002) alerta que há no Brasil um amplo consenso de repulsa ao

politicamente correto. Até mesmo contra o documento “Politicamente Correto & Direitos

Humanos” (Queiroz, 2014), como será abordado em tópico seguinte.


50

1.3 O politicamente correto e seu início no Brasil

A favor do movimento politicamente correto e para combater preconceitos, a

Secretaria Especial dos Direitos Humanos do governo do presidente Luiz Inácio Lula da

Silva, lançou no ano de 2004, o documento “Politicamente Correto & Direitos Humanos”

(Queiroz, 2004).

Elaborado por Antônio Carlos Queiroz, o documento ficou mais conhecido como

cartilha do politicamente correto, por ser um manual composto por 96 palavras, consideradas

marcadas por preconceitos ou expressões consideradas pejorativas, como beata, comunista,

funcionário público, preto e anão, e oferece sinônimos menos ofensivos. A tiragem inicial do

livro foi de cinco mil exemplares e teve verba de 30 mil reais do Governo Federal do Brasil.

Foi recebido em sua maioria com críticas negativas por parte de jornalistas e acadêmicos,

como: “O clima do politicamente correto em que nos mergulharam impede o raciocínio. Este

novo senso comum diz que todos os preconceitos são errados” (Daudt, 2012).

Assim como a cartilha, todo o movimento do politicamente correto entrou no Brasil

pelo viés político, por uma base partidária de esquerda, como explica Pondé (2012). Esta

posição política é partidária de uma igualdade social, e foi por meio dela, e com o auxílio da

mídia que aqui se estabeleceu o politicamente correto como o conhecemos.

Salache (2014) sobre essa trajetória, específica que o movimento tornou-se maior do

que o esperado, sendo que:

A designação passou de politicamente correto, para linguagem politicamente

(in)correta, tendo em vista sua grande influência na lingua(gem), em que

palavras/vocábulos foram criados, alterados, suprimidos, e reinventados, para que

sujeitos de determinados grupos sociais, designados como minorias, pudessem ter vez

na sociedade. (p. 46)


51

Para Salache (2014) a motivação maior para esse movimento está na inserção de

sujeitos considerados como minorias na pirâmide socioeconomic e a garantia dos direitos e

prerrogativas legais desses sujeitos de serem respeitados como são, nas diversas categorias

denominadas como grupos de minorias sociais.

Essas minorias sociais, inserem-se na categoria cidadãos com direitos políticos, civis

e sociais. Carvalho (2014), ao examinar o caminho da cidadania no Brasil os problemas

referentes à construção da cidadania no Brasil, como os dramas de milhões de pobres, de

desempregados, de analfabetos e semianalfabetos, de vítimas da violência particular e oficial

continuam desde sempre e mesmo após a ditadura militar e perdeu-se a crença de que a

democracia política resolveria com rapidez os problemas da pobreza e da desigualdade.

Carvalho (2014) explica que uma das razões para isso seria a natureza do percurso da

construção dessa cidadania. Aqui ao contrário dos Estados Unidos, berço do politicamente

correto, e da Europa, primeiro vieram os direitos sociais e depois os direitos políticos.

Os direitos civis foram implantados em período de supressão dos direitos políticos e

de redução dos direitos civis por Getúlio Vargas (1882-1954), ditador que tornou-se popular

ao dirigir o país em dois períodos: 1o.) Vai de 1930 até 1945 – governou de 1930 a 1934,

como chefe do "Governo Provisório"; de 1934 até 1937 como presidente da república do

Governo Constitucional, tendo sido eleito presidente da república pela Assembleia Nacional

Constituinte de 1934; e, de 1937 a 1945, como presidente-ditador, durante o Estado Novo,

implantado após um golpe de estado; 2 o.) No segundo período, em que foi eleito por voto

direto, Getúlio governou o Brasil como presidente da república, por 3 anos e meio: de 31 de

janeiro de 1951 até 24 de agosto de 1954, quando suicidou-se.

Sobre a inversão da ordem dos direitos, colocando os sociais à frente dos políticos no

Brasil, sacrificando os políticos, foi útil para a era Vargas, gerando o populismo e uma
52

relação ambígua entre os cidadões e o governo, pois ao mesmo tempo que significava um

avanço na cidadania ao trazer as massas para a política, colocava os cidadões em posição de

dependência perante os líderes, aos quais votavam lealdade pessoal pelos benefícios que eles

de fato ou supostamente lhes tinham distribuído. Carvalho (2014) esclarece que essa

antecipação dos direitos sociais fez com que esses direitos não fossem vistos como tais,

independentes da ação governamental, e sim como um favor em troca do qual ficava-se

devendo gratidão e lealdade, assim a cidadania era passiva e não reivindicadora e ativa.

Para Marshall (1967) a sequência iniciada pelos direitos políticos e seguida pelos

civis, originou-se na sequência inglesa, em que havia uma lógica reforçadora da convicção

democrática, pois o exercício das liberdades civis vieram primeiro garantidas por um

Judiciário cada vez mais independente do Executivo, o que propiciou a expansão dos direitos

políticos consolidados pelos partidos e pelo Legislativo. Após a ação dos partidos e do

Congresso é que votaram-se os direitos sociais, postos em prática pelo executivo.

Assim a base de tudo eram as liberdades civis e a participação política era destinada

em grande parte em garantir essas liberdades, sendo os direitos sociais menos óbvios e até

mesmo podendo ser considerado incompatíveis com os direitos civis e políticos.

Salienta Carvalho (2014), que a proteção do Estado a certas pessoas parecia uma

quebra da igualdade de todos perante a lei, uma interferência na liberdade de trabalho e na

livre competição, assim como o auxílio do Estado era visto como restrição à liberdade

individual do beneficiado, e como tal lhe retirava a condição de independência requerida de

quem deveria ter o direito de voto. Carvalho (2014) assegura que foi por essa razão que, foi

privado, no início, o direito de voto aos assistidos pelo Estado e que nos Estados Unidos, até

mesmo sindicatos operários se opuseram à legislação social, considerada humilhante para o

cidadão. Assim só mais tarde esses direitos passaram a ser considerados compatíveis com os

outros direitos, e o cidadão pleno passou a ser aquele que gozava de todos os direitos, civis,
53

políticos e sociais. E foi nesse ínterim que surgiu o politicamente correto, para defender os

direitos políticos dos cidadãos, e em menor escala os sociais, pois estes deveriam ser a

consequência natural daqueles.

Há uma consequência na inversão sequencial da implantação dos direitos políticos e

sociais. Para Carvalho (2014) o efeito negativo da introdução de direitos sociais em momento

de supressão política ocorreu de novo no Brasil, nos governos militares (de 1964 a 1985),

mas em menor escala que no Estado Novo. Após 21 anos de ditadura militar, o abandono do

regime mostrou maior independência política da população: “a queda dos governos militares

teve muito mais participação popular do que a queda do Estado Novo, quando o povo estava,

de fato, ao lado de Vargas” (Carvalho, 2014, p. 196).

Isso é explicado pela ampliação dos mercados de consumo e de emprego e o grande

crescimento das cidades durante o período militar, que criaram condições para a mobilização

e organização social. O movimento surgido em 1984 pelas eleições diretas foi o ponto

culminante dessa mobilização política de dimensões inéditas na história do país: “Pode-se

dizer que o movimento pelas diretas serviu de aprendizado para a campanha posterior em

favor do impedimento de Fernando Collor, outra importante e inédita demonstração de

iniciativa cidadã” (Carvalho, 2014, p. 196). Os brasileiros iniciaram o que se chamou de uma

Nova República, participando de uma transformação nacional.

Com a eleição de Luís Inácio Lula da Silva em 2002, do ponto de vista da cidadania

política, não houve mudanças importantes no campo da lei e das instituições, mas há um

consenso que a marca principal de 2002 até hoje da vigência ininterrupta do governo petista

foi a expansão da inclusão social, dos direito sociais. Como Carvalho (2014) avalia ser o

Programa Bolsa Família o ponto de maior alcance e visibilidade do governo PT: “Aqui o

politicamente correto trabalha mais pela inclusão social das minorias, por isso o
54

patrulhamento de comportamento e linguagem e menos pelos direitos políticos de igualdade e

liberdade de expressão” (p. 237).

1.4 Politicamente Correto, Direitos Humanos e Cidadania no Brasil

1.4.1 Os direitos fundamentais

Os direitos fundamentais podem ser designados como “conjunto de normas,

privilégios, prerrogativas, deveres e institutos, inerentes à soberania popular, que garantem a

convivência pacífica, digna, livre e igualitária” entre os integrantes da sociedade (Bulos,

2014, p. 525). Assim, os direitos fundamentais surgiram como forma de impor limites e

controles aos atos praticados pelo Estado, sendo uma proteção à liberdade do indivíduo.

Existem dois critérios formais que podem definir os direitos fundamentais, conforme

é apontado por Carl Schmitt (1954, p. 163). O primeiro define direitos fundamentais como

sendo aqueles direitos ou garantias que foram expressamente especificados na Constituição.

O segundo define que “direitos fundamentais são aqueles que receberam da Constituição um

grau mais elevado de garantia ou segurança (Bonavides, 1999, p. 515).

Sob o ponto de vista material, Schmitt (1954) ressalta que os direitos fundamentais

podem variar segundo a ideologia, a modalidade de Estado, a espécie de valores e princípios

que a Constituição consagra. Dessa forma, cada Estado escolhe seus direitos fundamentais.

Conforme já exposto, tais direitos surgiram como normas e princípios que tinham

como objetivo limitar a atuação do Estado, sendo exigido uma conduta omissiva em relação

ao indivíduo, em favor da sua liberdade. Dessa forma, o que se pretende é ampliar as

liberdades individuais. Tais direitos foram denominados direitos fundamentais de primeira

geração (Bonavides, 1999, p. 516).

Assim, conforme ressalta Bonavides (1999, p. 517) os direitos de primeira geração

são aqueles vinculados à ideia de liberdade, sendo também chamados de direitos civis e
55

políticos. Tais direitos têm como titular o indivíduo, sendo oponíveis ao Estado. Os direitos

fundamentais de tal geração surgiram através do pensamento liberal-burguês do século

XVIII, tendo como principais instrumentos as declarações de independência americana e

francesa.

No século XX, surgiram os direitos sociais, econômicos e culturais, sendo

classificados como os direitos fundamentais de segunda geração. Suas primeiras

manifestações se deram após a Primeira Guerra Mundial, tendo como justificativa as pressões

decorrentes da industrialização em grande massa, o crescimento demográfico, bem como o

agravamento das disparidades no interior da sociedade (Branco, Coelho & Mendes, 2009, p.

267). O objetivo principal de tais direitos era atender aos hipossuficientes, buscando uma

igualdade material entre os indivíduos (Bulos, 2014, p. 528).

O ideal absenteísta do Estado liberal não atendia às exigências do momento. Assim,

os Poderes Públicos tiveram que “assumir o dever de operar para que a sociedade lograsse

superar as suas angústias sociais” (Branco, Coelho & Mendes, 2009, p. 267).

Assim, os direitos sociais correspondem aos direitos de prestação positiva, sendo

realizados por meio da implementação de políticas e serviços públicos. Conforme ressalta

Bulos, (2014), são os direitos relacionados ao trabalho, à subsistência digna do homem, à

saúde, habitação, entre outros (p. 518).

Os direitos fundamentais de terceira dimensão englobam os chamados direitos de

solidariedade ou fraternidade. São exemplos o direito à paz, o direito ao meio ambiente, o

direito de propriedade sobre o patrimônio comum da humanidade e o direito de comunicação

(Bonavides, 1999, p. 523).

A quarta geração de direitos fundamentais está vinculada ao direito à democracia, o

direito à informação e o direito ao pluralismo. Para Bonavides (1999), tais direitos decorrem
56

da globalização dos direitos fundamentais, isto é, a universalização de tais direitos no campo

institucional. Um exemplo de tal geração são os avanços da engenharia genética (p. 525).

1.4.2 História e articulações entre politicamente correto e a cidadania no Brasil

Na Idade Moderna houve a transição do feudalismo para o capitalismo na Europa

centro-ocidental e com isso, progressivamente, uma nova visão de mundo se impôs, fazendo

com que os processos de secularização, racionalização e individualização ultrapassassem o

tradicionalismo teológico, fazendo com que a legitimidade de uma sociedade hierarquizada

fundada em privilégios de nascença perdesse força. A partir daí o projeto civilizatório fez os

indivíduos passarem a traçar o seu próprio destino pautado no trinômio

universalidade/individualidade/autonomia.

Dentro desse projeto e nova visão de mundo, houve um questionamento dos

princípios embasadores do sistema estamental de privilégios e assim a percepção da

desigualdade entre os homens não foi mais vista como fato natural, eterno e atrelado ou

instituído pela vontade divina, levando à conscientização de que a diferença natural existente

entre os homens, não implica em uma desigualdade natural entre estes.

Segundo Mondaini (2013), o desenvolvimento de uma consciência histórica da

desigualdade foi o arcabouço de uma das transformações mais importantes já realizadas no

percurso civilizatório, a da transposição do conceito de citadino/súdito paro o de

citadino/cidadão, o que fez com que se exigissem direitos no habitar as cidades e não só mais

somente deveres, levando à passagem de uma Era dos Deveres para uma era dos Direitos,

como esclarece Mondaini (2013):

A história do desenvolvimento dos direitos do citadino, a evolução da cidadania na

Europa centro-ocidental, transcorre há pelo menos três séculos – de acirrados

conflitos-, relacionada à conquista de três conteúdos de direitos diversos entre si: os


57

direitos civis, no século XVIII; os direitos políticos, no século XIX; e os direitos

sociais, no século XX. (p. 116)

Concomitantemente ao desenvolvimento desses direitos de cidadania, novas formas

de Estado foram se constituindo e revelando novas funções estatais em que se percebem um

dinamismo nas relações entre o aparelho estatal, os indivíduas e a sociedade. As questões que

cercam a cidadania, surgem no interior de Estados nacionais, sob o impacto das

transformações sociais introduzidas pelo capitalismo. Assim, a presença dos trabalhadores

desempenhou um papel central na concretização de mecanismos mais amplos de participação

na vida pública, como na busca por uma participação e igualitária e justa divisão da riqueza

social (Luca, 2013).

Para se entender como se deu o percurso sequencial dos direitos no Brasil,

privilegiando primeiro os direitos sociais, é necessário entender como a cidadania liberal, foi

um primeiro passo para romper com a figura do súdito, que tinha apenas e tão somente

deveres a prestar.

Foi instaurado no Brasil o mercado livre de trabalho, ou liberalismo de mercado, no

final do século XIX, à partir da Abolição da Escravatura e a posterior Proclamação da

República. Com a Constituição de 1891 foi estabelecido o direito de votar e de ser votado a

todo cidadão brasileiro do sexo masculino e maior de 21 anos (exceto os analfabetos,

mendigos, praças de pré e religiosos sujeitos a voto de obediência). Os direitos civis, também

foram consagrados nos 31 incisos do artigo 72, e não havia menção aos direitos sociais. No

entanto, os direitos políticos e civis foram uma ficção jurídica, pois, como bem esclarece

Luca (2013): “Em 1920, apenas 16,6% dos brasileiros residiam em cidades com mil

habitantes, ou mais, enquanto a taxa de analfabetismo girava em torno de 70%” (p. 470).
58

A distância entre a letra da lei e sua efetivação prática é entendida através da

constatação de que a esmagadora maioria da população vivia nas áreas rurais e estava

submetida aos desígnios dos grandes proprietários rurais, além do grande número de

analfabetos. Assim, apesar de que, aqui no Brasil, ter sido no início do periodo republicano,

que os trabalhadoeres surgiram na cena política, o direito de voto não foi exercido pela

maioria que estavam aptos de acordo com o texto constitucional, e os direitos civis

esbarravam no predomínio do latifúndio e no poder dos grandes proprietaries em um país

eminentemente rural. Os trabalhadores das áreas urbanas exigiam o direito de organização,

manifestação e greve, melhores condições de vida e trabalho e limites à livre atuação do

capital.

O poder politico dos liberais foi, pelo menos até o final do século XIX. Uma

prerrogativa associada à posse de bens materiais. O direito à representação política, a

possibilidade de se fazer representar em um dos três poderes que se tornarão clássicos com o

filosofo francês Montesquieu (executivo, legislativo e judiciário) era vedada aos não

proprietaries. A cidadania liberal foi, pois uma cidadania excludente, diferenciadora de

“cidadãos ativos” e “cidadãos passivos, ou de “cidadãos com posses” e “cidadãos sem

posses” (Mondaini, 2013).

As sociedades capitalistas contemporâneas se dividem em duas classes sociais, a

proprietária ou capitalista, e a trabalhadora que subsiste através da remuneração de suas

atividades, compondo-se esta de assalariados e autônomos.

Os capitalistas são aqueles que têm posses econômicas que asseguram a satisfação de

suas necessidades, não precisando trabalhar como assalariados, mas mesmo assim, podem

trabalhar exercendo a direção de empreendimentos, representando investidores em conselhos

de administração de sociedades anônimas, exercendo mandatos de representação política,

sindical, etc. Neste grupo podem existir aqueles que possuem propriedades que lhes permitem
59

viver sem salário, mas, que no entanto trabalham como assalariados e por isso recebem

salário e portanto para efeitos legais são trabalhadores e sujeitos dos direitos sociais, pois

estes só são aplicados à classe trabalhadora como esclarece Singer (2013):

Só os membros da classe trabalhadora são sujeitos dos direitos sociais, Esses direitos

só se aplicam àqueles cuja situação torna necessário o seu uso. São, nesse sentido,

direitos condicionais: vigem apenas para quem depende deles para ter acesso à

parcela da renda social, condição muitas vezes fundamental para sua sobrevivência

física e social – e, portanto, para o exercício dos demais direitos humanos. (p. 191)

Os trabalhadores no Brasil tiveram uma longa luta na busca de aprovação de leis de

caráter social e interferencia na regulamentação e condições de aplicação das mesmas, pois o

patronato utilizava estratégias para retardar esse processo, como férias e trabalho de menores,

e ao mesmo tempo, subtrair os aspectos politicos dessas questões, lançando-as no campo das

discussões de ordem econômica e técnica, para excluir os trabalhadores e suas organizações.

O primeiro grande avanço dos trabalhadores foi a instituição em 1923 da Caixa de

Aposentadoria e Pensões (CAP) dos ferroviários. No entanto só assegurava direitos como a

aposentadoria por tempo de service, velhice e invalidez, pensão para os dependents em caso

de falecimento, custeio das despesas funerárias e assistência médica, para essa categoria

professional, mesmo assim, representou a base da previdência social brasileira, sendo nos

moldes inaugurado pelas CAPs que foi expandida a proteção social, fazendo com que em

1930 já existissem 47 caixas similares (Luca, 2013).

Em 1930 houve um movimento armado dirigido por civis e militares que depôs o

presidente Washington Luís e encerrou a Primeira República do Brasil, que caracterizou-se

pelo governo das oligarquias regionais, principalmente as de São Paulo, Minas Gerais e Rio
60

grande do Sul. Os acordos entre essas oligarquias começaram a serem abalados por fatores

internos, como as demandas sociais por seus direitos, no campo da arte – Semana de Arte

Moderna em 1922 -, a reforma educacional e fatores externos, como a Primeira Grande

Guerra, A Revolução Russa, e a quebra da bolsa de Nova York em 1929 (Carvalho, 2014).

O movimento de 1930 foi uma crítica ao federalismo oligárquico, que seguindo uma

ortoxia liberal não admitia a ação do Estado na area trabalhista e a limitava na area social.

Não houve muitos avanços politicos com a constituinte assegurando o presidente Getúlio

Vargas no poder, que governou de forma ditatorial, mas desde o primeiro momento, a

liderança que chegou ao poder em 1930 dedicou grande atenção ao problema trabalhista e

social.

Luca (2013) critica a noção de que a legislação previdenciária e trabalhista brasileira

constitui-se numa criação do movimento de 1930, com o governo Vargas antecipando-se à

existencia de conflitos entre capitalistas e operarios, num gesto paternal ofereceu protectão

social aos assalariados, mas reconhece que “a novidade inicial ficou por conta da velocidade

das medidas, indício da centralidade que a questão passou a ocupar no projeto politico que

então se delineava” (p. 478).

Dentro dessas medidas, uma vasta legislação foi promulgada, culminando em 1943 na

Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que permanece em vigor, com poucas

modificações feitas. Para Carvalho (2014), o periodo de 1930 à 1945 foi de grande legislação

social, no entanto introduzida em um periodo de baixa ou nula participação política e de

precária vigência dos direitos civis no Estado Novo, ou ditadura Vargas: “Esse pecado de

origem e a maneira como foram distribuídos os benefícios sociais tornaram duvidosa sua

definição como conquista democrática e comprometeram em parte sua contribuição para o

desenvolvimento de um acidadania ativa” (p. 104).


61

Apesar desses percalços o periodo de 1930-1945 é considerado o periodo dos direitos

sociais, pois nele foi implantado o grosso da legislação trabalhista e previdenciária, com

extensão da legislação a número maior de trabalhadores, com uma organização sindical

(Demant, 2013; Luca, 2013). Mas, como observa Carvalho (2014): “O governo invertera a

ordem do surgimento dos direitos descrita por Marshall, introduzira o direito social antes da

expansão dos direitos politicos” (p. 128). Em decorrência disso os trabalhadores foram

incorporados à sociedade por virtude das leis sociais e não de sua ação sindical e política

independente.

Vargas usou essa inversão à seu favor, pois colocando os direitos sociais à frente dos

politicos, para ampliar sua popularidade, ou populismo, criando uma gratidão por parte de

uma populacão crescente urbana, advinda, principalmente da migração dos campos para as

cidades e do nordeste. Segundo Carvalho (2014), “O populismo era um fenômeno urbano e

refletia esse novo Brasil que surgia, ainda inseguro mas distinto do Brasil rural da Primeira

República, que dominava a vida social e política até 1930” (p. 130).

Quando derrubado pelos seus próprios ministros militares em 1945, sua força popular

se evidenciou e ele foi eleito senador, volatando à presidencia pelo voto popular em 1950, em

um governo marcado por radicalização populista e nacionalista, contando com o apoio dos

trabalhadores e de sua máquina syndical, dos setores nacionalistas das forças armadas, do

empresariado e da intelectualidade e do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). A oposição era

feita principalmente por parte dos liberais, agrupados no partido de oposição: União

Democrática Nacional (UDN), e por militares anticomunistas. Em 1954 os chefes das três

forças armadas exigiram a renúncia de Vargas, que preferiu matar-se a ceder ou a lutar, no

entanto como diz Carvalho (2014): “A reação popular foi imediata e mostrou que mesmo na

morte o prestígio do ex-presidente mantinha-se intato” (p. 135).


62

Em 1945 houve um restabelecimento do jogo democrático e a elaboração de uma

nova Constituição, recolocando em cena os direitos civis e politicos. O voto foi extendido à

todos os brasileiros e brasileiras alfabetizadas e com mais de 18 anos, mas havia limites ao

direito de organização pois de de 1946 a 1950 no governo Dutra foi proibido greves,

paralisações, comícios e manifestações (Luca, 2013). E de novo com o governo dos militares

de 1964 à 1985 os direitos sociais prevaleceram sobre os politicos e sofreram alterações

significativas.

Luca (2013) comenta que no que diz respeito aos salários, condições de vida, direitos

de organização e manifestação houve retrocesso, tendo sido aplicadas à risca as prescrições

da CLT que previam estrito controle governamental sobre os sindicatos, transformando-os em

meros prestadores de serviços sociais e de lazer. Mas houve avanços como a criação do

Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) em 1966, que substituiu a estabilidade,

garantida àqueles que completassem dez anos de trabalho em determinada empresa, por um

fundo formado por depósitos mensais equivalentes a 8% do valor do salário pago a cada

trabalhador, a ser sacado em caso de demissão, compra da casa própria ou abertura de próprio

negócio.

Também em 1966 foi criado o Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), órgão

que reuniu os diferentes Institutos de Aposentadoria e Pensões. No início do sanos 1970, os

trabalhadores rurais, autônomos e empregados domesticos, que até então eram excluídos do

sistema de cidadania regulada, foram incorporados à Previdência. Luca (2013) destaca que a

expansão dos direitos sociais ocorreu emu ma conjuntura marcada pela ausência de

liberdades públicas, assim “confirmando a tendência, tão bem analisada pelo historiador José

Murilo Carvalho, de inversão na ordem clássica de aquisição de direitos, o que tem implicado

na forma como se constrói a relação entre Estado e a sociedade civil” (p. 485).
63

Baseada em Carvalho (2014) e tambem em uma pesquisa intitulada “Lei, justiça e

cidadania” - realizada entre 1995 e 1996 na região metropolitana do Rio de Janeiro para

averiguar a percepção da população em relação aos seus direitos -, a autora pondera que os

direitos não são apreendidos como resultado da ação política. Mas enquanto favor ou dádiva

recebida, típica do clientelismo já visto na Era Vargas, mas que revigora a superposição entre

o publico e o privado, afirmando que:

As respostas dos entrevistados ainda que demonstrem desconhecimento das garantias

constitucionais, desconfiança em relação aos canais institucionais e dificuldades para

nomear direitos e deveres, evidemciam a existência de um sentiment de injustice, uma

forte consciência de que no Brasil a Lei não é igual para todos. (Luca, 2013, p. 486)

Durante o regime militar, com a participação de diferentes setores sociais, o país

caminhou para uma abertura política, iniciada no governo Geisel (1974-1978), com o fim da

censura prévia, a anistia política, a possibilidade de organizer novos partidos politicos, a volta

das eleições diretas para governador, a revogação do AI-5, que culminou com o

restabelecimento da democracia a partir de 1985, e com as eleições diretas para a presidência

da República em 1989, algo que não ocorria desde 1960.

Em 5 de outubro de 1988 houve a promulgação de nova Constituição que eliminou o

grande obstáculo ainda existente à universalidade do voto, tornando-o facultative aos

analfabetos. Os direitos civis foram amplamente assegurados pelo artigo 52, que inovaram de

diversas formas: ao criar o habeas data, que assegurava aos cidadãos o conhecimento de

informações constantes em entidades de caráter governamental ou pública; ao classificar a

prática de racismo como crime inafiançável e ao condenar expressamente a tortura; ao

determinar a defesa do consumidor criando um código em 1991 (Luca, 2013).


64

A Constituição de 1988, mais do que qualquer outra de suas antecedentes, ampliou os

direitos sociais com a introduceão da licença paternidade, o abono de férias, a fixação de um

salário mínimo como o menor patamar de aposentadorias e pensões, a concessão aos

deficientes e idosos com mais de 65 anos de uma pensão mensal de um salário mínimo

mesmo que não tenham contribuído para a Previdência. Carvalho (2014), ainda notifica que:

“Fora do âmbito constitucional, foi criado em 1996 o Programa Nacional dos Direitos

Humanos, que prevê várias medidas práticas destinadas a proteger esses direitos” (p. 211).

Apesar dessas significativas ampliações, só a garantia de direitos nos textos

legislativos, não são suficientes para concretizá-los na prática cotidiana, como Luca (2013)

conclui: “As desigualdades sociais deitam raízes profundas na ordem social brasileira e

manifestam-se na exclusão de amplos setores, que seguem submetidos a formas variadas de

violência e alijados da Previdência Social, do acesso à justiça, moradia, educação, saúde” (p.

488).

Carvalho (2014), pontifica que dos direitos que compõem a cidadania no Brasil, são

ainda os civis que apresentam as maiores deficiências em termos de conhecimento, extensão

e garantias: “A falta de garantia dos direitos civis se verifica sobretudo no que se refere à

segurança individual, à integridade física, ao acesso à justiça” (p. 213).

Carvalho (2014), ao falar dos anos sob o governo petista, inaugurado em 2002 com a

eleição do presidente Luís Inácio Lula da Silva, diz que “Há consenso de que a marca

principal dos ultimos doze anos sob governo petista foi a expansão da inclusão social, ou, nos

termos que venho usando, dos direitos sociais” (p. 237).

Iniciado no governo anterior do presidente Fernando Henrique Cardoso, com

programas como a Comunidade Solidária e o Bolsa Escola, a política social expandiu-se e

diversificou-se, sendo a de maior alcance e visibilidade na sociedade o Programa Bolsa

Família (PBF), criado em 2004 para na prática realizar uma transferência direta de renda para
65

os pobres. Carvalho (2014) notifica que após dois anos de sua vigência, o programa já cobria

11 milhões de famílias e em 2013 as famílias somavam 13,8 milhões, ou cerca de 50 milhões

de pessoas: “Teve como alvo principal a população pobre (renda de R$ 70 - R$ 140) e

extremamente pobre (renda de R$ 70 por mês per capita). O valor de tranferência passou a

depender de vários fatores como renda e número de filhos” (p. 238).

Além da grande redução da pobreza, e o declínio, embora modesto, da desigualdade

social, Carvalho (2014) observa que houve uma alteração da estrutura social, que ficou

conhecida como o surgimento de um anova classe média, nomeada de classe C. O aumento

do poder de compra de milhões de pessoas, acoplado à expansão de vagas no ensino superior,

a introduceão de cotas raciais na seleção de alunos para as universidades públicas, está

produzindo nova geração de filhos da classe C com diploma universitário:

Essa geração tem valores e atitudes diferentes dos pais, são mais informados e mais

críticos em relação a práticas governamentais, ao excess de impostos, à malversação

de dinheiro public, à corrupção. O crescimento dessa nova camada social tem levado,

ainda, a maior grau de exigência em relação a serviços públicos, como saúde,

educação, segurança. (Carvalho, 2014, p. 242)

Portanto, vem daí o critério escolhido para a coleta de dados na pesquisa entre alunos

universitários, advindos de toda classe social, inclusive dessa nova classe C, beneficiada pelo

Fundo de Financiamento Estudantil (FIES), que é um programa do Ministério da Educação

destinado a financiar a graduação na educação superior de estudantes matriculados em

instituições não gratuitas.

Após esse percurso histórico, entende-se a razão de a linguagem politicamente correta

ser gerenciada pelo poder político. Esta linguagem é materializada no emprego de certas
66

palavras, em detrimento de outras, como na cartilha “Politicamente Correto & Direitos

Humanos” (Queiroz, 2004), em que o Estado tentou legalizar a efetivaçãoo de termos

considerados corretos. Na análise de Salache (2014), isso ocorre pela necessidade do

processo discursivo acompanhar a organização de forças sociais em sua luta para legitimar

alguns discursos, para ela, nesse contexto, “a linguagem politicamente incorreta

corresponderia a palavras e termos inadequados, que venham a desrespeitar a dignidade do

ser humano, implicando sentidos que conotam que ‘ser diferente’, é ser errado” (p. 47).

É por fazer restrições quanto ao uso da língua e advogar o uso de algumas palavras

para evitar o emprego de outras, esse movimento da correção política insere-se em uma

prática histórica e social que engloba a produção de sentidos feita pelo discurso. Possenti e

Baronas (2006) ressaltam que o efeito de significação produzido pelo discurso tem uma dupla

face: ao mesmo tempo em que a significação linguística depende dos discursos nos quais

aparecem os meios de expressão, é ela mesma, em grande parte, quem faz os discursos serem

o que são.

Assim surgem as seguintes indagações: o que é esse discurso dito politicamente

correto para as pessoas na atualidade? As contradições do politicamente correto podem ser

lidas em seus efeitos no sujeito e no social mediante as representações sociais que esses

sujeitos fazem desse fato social e com suas relativas consequências subjetivas?

Contradições pois o uso de uma linguagem politicamente correta provoca confusões

em relação ao seu uso ou não no contexto social e acarreta transtornos em relação à

formação/ funcionamento do processo discursivo (Salache, 2014), pois ao mesmo tempo que

defende os direitos humanos, também tolhe a liberdade de expressão ao anunciar o que é

correto dizer. Consequências subjetivas, desde que, há uma relação do sujeito com a palavra e

a sua ordem significante na história, o que torna visível para Salache (2014) que: “há uma

relação entre o sujeito e a língua, entre a história, o inconsciente e a ideologia” (p. 47).
67

O inconsciente freudiano (Freud, 1915/1980i) é construído por palavras e estas

retornam em algum momento em torno do contexto, ou das vivências cotidianas no laço

social.

As formações do inconsciente são representadas pelo sujeito em suas relações sociais.

As representações sociais são um processo, uma forma de entender e comunicar o que

se sabe em uma vivência grupal, social.

A linguagem é um contrato grupal, coletivo, ao qual o indivíduo deve se submeter se

quiser se comunicar com os outros, e só se pode manejá-la depois de um aprendizado. “É

porque a língua é um sistema de valores contratuais (em parte arbitrários, ou, para ser mais

exato, imotivados) que resiste às modificações do indivíduo sozinho e que,

conseqüentemente, é uma instituição social” (Barthes, 2006, p. 18).

Como instituição social, a linguagem escapa a qualquer premeditação, e por ser

social, o indivíduo não pode sozinho nem criá-la nem modificá-la:

A linguagem é como um sistema no qual o ser humano é obrigado a entrar, se ele

quiser tomar seu lugar entre seus pares; esse sistema tem suas próprias restrições, suas

próprias regras que lhe permitem funcionar e que se impõem, desde então, a todos os

que falam (Lebrun, 2008c, p. 160).

O politicamente correto procura agir diretamente sobre o seu veículo essencial, que

para Bento (2008) consiste na correção das representações da linguagem, do vocabulário, que

seria capaz de levar a cabo um endireitamento tal nas mentalidades, o que para Bento (2008):

“não apenas extirpe das próprias palavras todos os juízos de valor, como corrija também,

julgando mesmo as suas intenções, todas as acepções potencialmente discriminatórias que as

palavras possam conter ou sugerir” (p. 3).


68

Apesar de o politicamente correto incluir, além de uma linguagem, todo um

comportamento e implicações sociais, a utilização de expressões ditas politicamente corretas,

por si só, não reflete obrigatoriamente em atitudes politicamente corretas. Em outras palavras,

“a linguagem deveria ser o reflexo do que as pessoas têm feito quanto a evitar que qualquer

diferença entre as pessoas se torne fator de discriminação. No entanto, falar politicamente

correto não necessariamente implica agir de tal maneira” (Rossoni, 2009, p. 12).

O politicamente correto não é meramente uma questão de se trocar um vocabulário

por outro mais correto, pois, ao se defender um comportamento, inclusive linguístico, que

seja politicamente correto, ao se classificar expressões em politicamente corretas ou

incorretas, ao mesmo tempo transformando essa qualificação em objeto de militância, o

politicamente correto torna-se um movimento que, acredita-se, tem relevância e efeitos que

merecem ser examinados à luz das representações sociais e analisados em seu conteúdo

representacional nas falas dos sujeitos, à luz da psicanálise, pois no dizer do linguista

Possenti (1995),

O que quer que se diga em relação aos efeitos políticos, no entanto, estamos diante de

um movimento que já produziu fatos discursivos que não podem deixar de ser

analisados, independentemente da sua durabilidade histórica e da solidez das teses

que os justificam. (p. 126)

Antes de se adentrar na análise das representações sociais como uma teoria

explicativa de fenômenos sociais e como parte da metodologia escolhida na tentativa de se

construir um saber sobre o politicamente correto, será feita uma análise da linguagem como

uma instituição social e um sistema de valores, no capítulo que se segue.


69

Capítulo 2

A LINGUAGEM E A REPRESENTAÇÃO DO PODER NA TRAMA

SOCIAL

“A linguagem tem um lado individual e um lado social,


sendo impossível conceber um sem o outro”.
(Saussure, 1916/2006, p. 16)

“Conhecer socialmente algo é falá-lo”.


(Moscovici, 1961/2012, p. 212)

Fala-se em linguagem politicamente correta, mas o que é a fala, antes de tudo? E a

linguagem? E a língua e o discurso? Só sabendo responder a essas perguntas para se poder

indagar quais as representações que já foram elaboradas sobre a linguagem politicamente

correta. Essas elucubrações serão feitas para se continuar a investigação proposta por esta

pesquisa.

A linguagem antecede todas as questões, pois é a capacidade de os seres humanos

comunicarem-se por meio de um sistema de signos, que pretendem representar a realidade. É

uma cadeia de sons articulados, mas também uma rede de marcas escritas, ou um jogo de

gestos. “Pela complexidade e pela diversidade dos problemas que levanta, a linguagem tem

necessidade da análise da filosofia, da antroplogia, da psicanálise, da sociologia, sem falar

das diferentes disciplinas linguísticas” (Kristeva, 2007, p. 19).

A materialidade da linguagem enunciada de forma escrita ou gesticulada, produz e

exprime um pensamento, desta forma Kristeva (2007) acrescenta:

Se a linguagem é a matéria do pensamento, é também o elemento da comunicação


70

social. Não há sociedade sem linguagem, tal como não há sociedade sem

comunicação. Tudo o que se produz como linguagem tem lugar na troca social para

ser comunicado. (p. 17).

Todo comportamento humano tem valor de mensagem e numa situação interacional,

por mais que se esforce é impossível não se comunicar com o outro. Até em não falar há

comunicação, como revelam Watzlawick, Beavin e Jackson (2007):

Atividade ou inatividade, palavra ou silêncio, tudo possui um valor de mensagem;

influenciam outros e estes outros, por sua vez, não podem não responder a essas

comunicações e, portanto, também estão comunicando. Deve ficar claramente

entendido que a mera ausência de falar ou de observar não constitui exceção ao que

acabamos de dizer. (p. 45)

Assim não se pode dizer que a comunicação só acontece quando intencional, ou seja,

quando é consciente, ou mesmo bem-sucedida quando há compreensão mútua. Mesmo que

haja igualdade entre a mensagem enviada e a recebida, mesmo na introspecção há a

possibilidade de dialogar, até mesmo a fantasia, é uma espécie de linguagem.

Foi nessa questão em torno do que é consciente, que Freud (1915/2010), elaborou seu

fundamento sobre o saber inconsciente, formado pelo recalcamento de conteúdo

representativo pulsional. E mais do que isso, ao criar o método da associação livre de

palavras, descobriu que era a linguagem o caminho real de formação e acesso ao

inconsciente, um saber desconhecido pela consciência do sujeito, mas inscrito em sua

memória afetiva como um saber que não se sabe.

Sobre a relação da psicanálise com a linguagem, assim se expressa Arrivé (1999):


71

A paisagem formada pelas relações entre linguística e psicanálise e, mais

profundamente, entre linguagem e inconsciente, não é muito serena. Tentar descrever

essa paisagem é surpreender-se a cada passo. É constatar alternadamente os contatos

mais íntimos entre as duas disciplinas e os desconhecimentos recíprocos mais totais e

até mais depreciativos. (p. 11)

A língua não se esgota na mensagem que engendra, ela pode sobreviver a essa

mensagem. Além disso pode nela se fazer ouvir, como diz Barthes (2007), “numa ressonância

muitas vezes terrível, outra coisa para além do que é dito, suprimindo a voz consciente,

razoável do sujeito, a voz dominadora, teimosa, implacável da estrutura, isto é, da espécie

enquanto falante” (p. 13).

O complexo sistema linguageiro é o que especifica a condição humana em nossa

espécie. Por esse fato, o sujeito só se diz por meio da linguagem, por isso não é um sujeito

pleno, mas dividido pela descontinuidade da linguagem, sempre escapando, sempre fugindo.

(Lebrun, 2008c).

A função da linguagem é a de produzir pensamentos e comunicá-los

simultaneamente. Notando que pensamento e linguagem são diferentes, pois a linguagem é

estruturada, organizada e o pensamento surge do caos, da desorganização que provoca

desconforto. A inteligência vive alerta e o pensamento, ao contrario, não vive de plantão. Ele

é ativado quando provocado, isto é, quando há um estranhamento em relação ao mundo e os

dados da realidade produzem equívoco e desconcerto (Longo, 2006).

Kristeva (2007) lembra que todos os testemunhos que a arqueologia nos oferece de

práticas de linguagem se encontram em sistemas sociais, e por conseguinte participam de

uma comunicação: “<<O homem fala>> e o <<homem é um animal social>> são duas

proposições tautológicas em si mesmas e sinônimas. Portanto, acentuar o caráter social da


72

linguagem não quer dizer que se dê uma predominância à sua função de comunicação”

(Kristeva, 2007, p. 17). A língua é o mais completo e o mais difundido sistema de expressão,

pois a capacidade humana para criar a linguagem é realizada através da língua de uma

comunidade linguística específica.

Na linguagem é que o homem encontra as significações necessárias que o protegerão

da natureza, um mundo que existe antes do desenvolvimento da linguagem. “O mundo e a

natureza são estranhos para o homem, até que possam se aproximar de nós pela mediação

simbólica da linguagem que irá, então, modelar de sentido a realidade” (Longo, 2006, p. 12).

Há, além da função de comunicação do pensamento, a problemática referente à

formação e produção linguística, ou seja, do próprio sujeito falante e da significação

comunicada. Assim a linguagem é um processo de comunicação de uma mensagem entre dois

sujeitos falantes pelo menos, sendo um o destinador ou o emissor, e o outro o destinatário ou

o receptor.

Os signos são elementos dessa faculdade de comunicação que corporifica-se em

línguas, que são sistemas de signos utilizados por diferentes comunidades linguísticas. A

língua é um sistema de signos que exprimem ideias.

Essa distinção entre linguagem-língua-fala é feita pela línguística e como dizia

Ferdinand de Saussure, o elaborador do Curso de Lingüística Geral (1916/2006), deve-se

atribuir à língua o primeiro lugar no estudo da linguagem, assim como pode-se fazer valer o

seguinte argumento: “a faculdade – natural ou não – de articular palavras não se exerce senão

com ajuda de instrumento criado e fornecido pela coletividade; não é, então ilusório dizer que

é a língua que faz a unidade da linguagem” (Saussure, 1916/2006, p. 18).

Apesar de a língua não se confundir com a linguagem, pois é somente uma parte

determinada e essencial desta, é ao mesmo tempo, um produto social da faculdade da

linguagem e um conjunto de convenções necessárias, adotadas pelo corpo social para permitir
73

o exercício dessa faculdade nos indivíduos, pertencendo assim ao domínio individual e ao

mesmo tempo ao domínio social (Saussure, 1916/2006).

A língua é um princípio de classificação, é a parte social da linguagem, exterior ao

indivíduo; não pode ser modificada pelo indivíduo falante e parece obedecer às leis do

contrato social, reconhecido pela comunidade vigente. Está isolada do conjunto heterogêneo

da linguagem porque deste retém apenas um sistema de signos em que o essencial é só a

união do sentido e da imagem acústica (Kristeva, 2007, p. 19).

Comparável à escrita, ao alfabeto dos surdos-mudos, aos ritos simbólicos, aos sinais

militares por exemplo, a língua é um sistema de signos que exprimem ideias, sendo o

discurso a atividade verbal social (Fiorin, 2009).

Signo linguístico une não só uma coisa e uma palavra, mas um conceito e uma

imagem acústica, que é a representação natural da palavra enquanto fato de língua virtual,

fora de toda realização da fala. O aspecto motor pode ficar subentendido ou ocupar um lugar

subordinado à essa imagem acústica, pois, como explica Saussure (1916/2006):

Esta não é o som material, coisa puramente física, mas a impressão psíquica desse

som, a representação que dele nos dá o testemunho de nossos sentidos; tal imagem é

sensorial e, se chegamos a chamá-la material, é somente neste sentido, e por oposição

ao outro termo da associação, o conceito, geralmente mais abstrato. (p. 80)

Imagens acústicas têm um caráter psíquico, que podem ser percebidas quando

recitamos mentalmente um poema, por exemplo. As palavras da língua são imagens acústicas

e o signo línguístico é composto de duas faces: o conceito e a imagem acústica.

Saussure (1916/2006) propõe substituir conceito por significado e imagem acústica

por significante, pois para ele esses termos têm a vantagem de assinalar a oposição que os
74

separa, quer entre si, quer do total que fazem parte. O que se chama de signo é formado pela

combinação do conceito e da imagem acústica, mas, no uso corrente o signo designa,

geralmente a imagem acústica apenas.

O significado e o significante são os componentes do signo linguístico e a

significação é o ato que une o significante e o significado produzindo, em consequência o

signo.

Importante é demarcar que o plano dos significantes constitui o plano de expressão e

o dos significados o plano de conteúdo na terminologia saussuriana. O significado não é uma

“coisa”, mas uma representação psíquica da “coisa”. Barthes (2006) enfatiza que “o próprio

Saussure notou bem a natureza psíquica do significado ao denominá-lo conceito: a palavra

boi não é o animal boi, mas sua imagem psíquica” (p. 46).

Com esse exemplo facilita-se o entendimento de que a linguagem é resultante da

faculdade simbólica do homem, pois o símbolo representa alguma coisa ausente.

Os significados são classificados de duas formas para isolar a forma do conteúdo.

Quanto ao conteúdo a classificação é externa e apela para o conteúdo “positivo” dos

conceitos e não puramente diferencial; e para se chegar a estabelecer uma classificação

verdadeiramente formal é necessário “chegar a reconstituir oposições de significados e a

isolar cada uma delas um traço pertinente, comutável” (Barthes, 2006, p. 47).

A definição de significante não pode ser separada da de significado para a

Linguística, pois o significante é um mediador material do significado. A matéria é-lhe

necessária, mas, não suficiente. Essa matéria do significante é composta por sons, objetos e

imagens e as palavras podem substituir materialmente os significados.

2.1 A Língua e a fala: o poder e sua rede social

Se a língua é uma instituição social a fala é individual, porém uma não vive sem a
75

outra pois a língua e a fala possuem uma relação de interdependência bem demonstrada por

Saussure (1916/2006):

Trata-se de um tesouro depositado pela prática da fala em todos os indivíduos

pertencentes à mesma comunidade, um sistema gramatical que existe virtualmente em

cada cérebro ou, mais exatamente, nos cérebros dum conjunto de indivíduos, pois a

língua não está completa em nenhum, e só na massa ela existe de modo completo. (p.

21)

Como fala e língua estão estreitamente ligadas, elas se implicam mutuamente, pois se

a língua é necessária para que a fala seja inteligível e produza todos os seus efeitos, a fala é

necessária para que a língua se estabeleça. Historicamente, o fato da fala vem sempre antes, e

a língua é ao mesmo tempo o instrumento e o produto da fala. No entanto uma é distinta da

outra.

A fala é um ato individual de vontade e inteligência, no qual Saussure (1916/2006)

distingue: a) as combinações pelas quais o falante realiza o código da língua no intuito de

exprimir seu próprio pensamento; b) o mecanismo psicofísico que lhe permite exteriorizar

essas combinações (p. 22).

Na língua a imagem acústica pode traduzir-se numa imagem visual, na fala cada

imagem acústica é a soma de um número limitado de elementos ou fonemas, suscetíveis de

serem evocados por um número correspondente de signos na escrita.

Fonema para a linguística não é simplesmente o som físico, um dado acústico, este

efetivamente o objeto da fonética; mas, trata-se do som enquanto algo que determina o

sentido que serve para distinguir a significação das palavras (Jakobson, 2001).

A estrutura da linguagem mantém uma semelhança com os termos de parentesco, pois


76

ambos contêm elementos de significação, integrados por um sistema fonológico homônimo

àquele elaborado pelo pensamento inconsciente, que é para Freud, um saber não sabido pelo

sujeito, desde que ele já vem inscrito no discurso parental.

Assim a língua modela a representação do mundo de cada falante, e, uma vez

constituída, tem um papel ativo no processo de conhecimento e comportamento do homem,

porque é produto do meio social. Não é uma nomenclatura, que se apõe a uma realidade pré-

categorizada, ela é que classifica a realidade.

Para explicar esse argumento, Fiorin (2009) utiliza as ideias de Sapir (1969) -

segundo as quais a língua reflete o meio físico e social e, a partir de sua constituição, o

léxico, que é um inventário de ideias, interesses e ocupações, modela a maneira de ver o

mundo - e de Whorf (1969) – criador do princípio da relatividade linguística: há tantas

maneiras de representar o mundo, de categorizar a realidade quantas são as línguas existentes.

Nenhum falante pode escapar à organização e à classificação dos dados estabelecidas por

uma língua.

O mundo é um fluxo caleidoscópico de percepções, que são organizadas pelo sistema

linguístico. Fiorin (2009) nota que as categorias fundamentais do pensamento, como tempo,

espaço, sujeito, objeto, são diferentes de uma língua para outra, pois as línguas, tanto no

léxico, quanto na gramática, categorizam o mundo porque a língua é um todo por si e um

princípio de classificação. Desde que lhe demos o primeiro lugar entre os fatos da linguagem,

introduzimos uma ordem natural num conjunto que não presta a nenhuma outra classificação.

“A linguagem é uma legislação, a língua é seu código”, e mais ainda afirma Barthes

(2007), que os indivíduos não veem o poder que reside na língua porque esquecem “que toda

língua é uma classificação, e que toda classificação é opressiva: ordo quer dizer, ao mesmo

tempo, repartição e cominação (p. 12). Jakobson (2001) mostrou que um idioma se define

menos pelo que ele permite dizer, do que por aquilo que ele obriga a dizer. Por exemplo, as
77

línguas latinas devem colocar o sujeito antes de enunciar uma ação, devendo-se escolher

sempre entre o feminino e o masculino, sendo proibidos o neutro e o complexo, assim como é

obrigatório marcar as relações com o outro recorrendo aos pronomes. “Falar, explica o

filósofo, e com maior razão discorrer, não é comunicar, como se repete com demasiada

freqüência, é sujeitar: toda língua é uma reição generalizada” (Barthes, 2007, p. 13). O objeto

em que se inscreve o poder é a linguagem e sua expressão obrigatória é a língua.

Possenti (2009c), argumenta que para compreender a relação entre linguagem e poder

é necessário uma passagem por Foucault para a compreensão do papel da linguagem no

funcionamento do discurso. O discurso não é só um pensamento revestido de signos e

tornado visível pelas palavras, ou as estruturas mesmas da língua postas em jogo e

produzindo sentidos. Os acontecimentos discursivos, para serem compreendidos, precisam

ser considerados à partir da ótica do sujeito fundante.

Este conceito, para Possenti (2009c) está associado a certas pragmáticas, que supões

que a língua apenas reveste, não mais um pensamento, mas refere-se às coisas, à experiência

imediata. Contra esse preceito, Foucaut considera o discurso uma violência que se faz às

coisas: “Ou seja, que a relação entre a materialidade e algum referencial é sempre efeito de

um processo que tem, para simplificar, um pé na história e outro na articulaçãoo específica da

materialidade dos enunciados” (Possenti, 2009c, p. 63).

O pragmatismo serve de base para o politicamente correto como examinado em

capítulo anterior, assim a disputa pelo sentido correto de certas palavras evidencia uma luta

pelo poder, pois segundo Salache (2014): “Esta linguagem materializa-se no emprego de

certas palavras, determinadas coercitivamente pelo Estado, o qual é impulsionado a se

movimentar na legalizaçãoo e efetivação desses termos” (p. 47).

Por isso é que se pode falar em linguagem politicamente correta, pois através de um

vocabulário especificado como correto, pretende-se modelar comportamentos e ações, o que


78

é uma rede social em que se exerce o poder e a política.

2.1.1 A representação do poder em sua multiplicidade

Falar é um exercício contaminado pelo poder, pois o poder (a libido dominandi), está

emboscado em todo e qualquer discurso, mesmo quando este parte de um lugar fora do poder:

A “inocência” moderna fala do poder como se ele fosse um: de um lado aqueles que o

têm, de outro, os que não o têm, acreditamos que o poder fosse um objeto

completamente politico; acreditamos agora que é também um objeto ideológico, que

ele se insinua nos lugares onde não o ouvíamos de início, nas instituições, nos

ensinos, mas, em suma, que ele é sempre uno. (Barthes, 2007, pp. 10-11).

Mas, Barthes (2007) discorda da unicidade do poder e indaga-se se o poder fosse

plural, como os demônios? Os demônios da arrogância que se infiltram em todo poder,

fazendo-o presente nos mais finos mecanismos do intercâmbio social, como no Estado, nas

classes, nos grupos, nas modas, nas opiniões correntes, nos espetáculos, nos jogos, nos

esportes, nas informações, nas relações familiares e privadas, e até mesmo naqueles impulsos

liberadores que tentam contestar o poder.

Não existe algo unitário e global denominado poder, mas formas díspares,

heterogêneas e em constante transformação na tematização sobre o poder de Foucault (1996),

quando ele define que o poder não é algo natural, uma coisa que se possui ou não. Antes de

tudo é uma prática social e, como tal, constituída historicamente:

Poder este que intervém materialmente, atingindo a realidade mais concreta dos

indivíduos – o seu corpo – e que se situa ao nível do próprio corpo social, e não acima
79

dele, penetrando na vida cotidiana e por isso podendo ser caracterizado como micro-

poder ou sub poder” (Machado, 1996, p. XII).

Os poderes, nessa visão, se exercem em níveis variados e em pontos diferentes da

rede social, não existindo por si só, mas como práticas, ou relações de poder, que se exercem,

se efetuam, que funcionam. Como na guerra, exemplificando, poder é luta, afrontamento,

relação de força, situação estratégica, pois não é um lugar que se ocupa, nem muito menos

um objeto que se possui, ele se exerce é na disputa, como por exemplo na guerra, não existe

uma relação unívocal, unilateral, pois ou se ganha ou se perde a guerra.

Na análise foucaultiana, o poder possui uma eficácia produtiva, uma riqueza

estratégica, uma positividade que explicam porque o seu alvo é o corpo humano, e seu

objetivo é o aprimoramento, o adestramento desse corpo para tornar o homem “útil e doce”.

Uma das teses fundamentais de Foucault (1996) é a de que o poder é produtor de

individualidade. O indivíduo é uma produção do poder e do saber, tendo todo saber sua

gênese em relações de poder, pois é o saber que assegura o exercício de um poder:

A ação sobre o corpo, o adestramento do gesto, a regulação do comportamento, a

normalização do prazer, a interpretação do discurso, com o objetivo de separar,

comparar, distribuir, avaliar, hierarquizar, tudo isso faz com que apareça pela

primeira vez na história esta figura singular, individualizada – o homem – como

produção do saber. Mas também, e ao mesmo tempo, como objeto de saber. Das

técnicas disciplinares, que são técnicas de individualização nasce um tipo específico

de saber: as ciências humanas. (Machado, 1996, p. XX)

Nas ciências humanas há o surgimento da Psicanálise em meados do fim do século


80

XIX e início do século XX. Nesse saber psicanalítico sobre o inconsciente, Sigmund Freud

(1856-1939), o seu fundador, também, discorre sobre o indivíduo, a massa e o poder em suas

relações com a linguagem e o processo civilizatório:

A vida humana em comum se torna possível apenas quando há uma maioria que é

mais forte que qualquer indivíduo e se conserva diante de qualquer indivíduo. Então o

poder dessa comunidade se estabelece como ‘Direito’, em oposição ao poder do

indivíduo, condenado como ‘força bruta’. Tal substituição do poder do indivíduo pelo

da comunidade é o passo cultural decisivo (Freud, 1930/2010b, pp. 56-57).

Também, é importante a relação que Freud faz entre a linguagem e a palavra

civilização como designação da soma das realizações e instituições que afastam a vida

humana de nossos antepassados animais e, proteção do homem contra a natureza e a

regulamentação dos vínculos dos homens entre si, como vê-se em suas palavras:

Para maior clareza vamos reunir os traços característicos da civilização, tal como se

apresentam nas sociedades humanas. Nisso não hesitaremos em nos deixar guiar pelo

uso corrente da língua – ou, como também se diz, pelo ‘sentimento da língua’-,

confiando em que assim faremos justiça a intuições que ainda se furtam à expressão

em palavras abstratas (Freud, 1930/2010b, p. 49).

Como cultura, o autor designa todas as atividades e valores que são úteis para o

humano, colocando a terra a seu serviço, protegendo-o da violência das forças da natureza.

Então desde que imerso na linguagem e na civilização, todos os atos humanos passam a ser

culturais e somos dominados pela pulsão, um conceito fronteiriço entre o psíquico e o


81

somático (Freud, 1915/1980j), ao invés do instinto, como os animais.

O termo civilização designa a dimensão material da vida social, a produção dos bens

essenciais à sobrevivência o grupo, o termo cultura designa a dimensão spiritual, que se

manifesta na religião, na arte, na ciência, no direito, na filosofia, como tantas outras

formações culturais. Freud, como citado em Mezan (2006), situa-se em uma perspectiva em

que ambas as designações se articulam entre si, pois em conjunto é que constituem o índice

que diferencia os homens dos animais.

O advento da cultura é o índice da ruptura entre o homem e seus ancestrais, e na

civilização, a organização social e o universo das representações coletivas são quem, em

íntima relação têm a função de assegurar a produção dos meios de subsistência diante da

natureza, do contexto hostil. Mezan (2006), avalia que:

Se, como indivíduo isolado, o homem é inerte perante as “forças naturais”, a

organização social tem por função primeira multiplicar o poder humano, a fim de

garantir tanto a produção dos bens naturais aptos a satisfazer as necessidades vitais,

quanto sua distribuição adequada entre os membros da sociedade. (p. 535)

Mesmo sendo uma prática que se realiza na comunicação social e por seu intermédio,

a linguagem constitui uma realidade material, que participa do mundo que ela mesma forma:

a civilização, mas engloba também questões que são exteriores a ela, como a natureza e a

sociedade, mas que não podem ser nomeadas sem ela.

2.2 A Linguagem Politicamente Correta

Nas duas vertentes em que se manifestam o politicamente correto, seja na defesa dos

direitos humanos ou na patrulha ideológica, se verifica esse exercício perpétuo do poder,


82

mencionado por Foucault e Freud. A primeira vertente, pode ser relacionada, também, com as

análises de Barthes (2007) sobre o poder: “Chamo discurso de poder todo discurso que

engendra o erro e, por conseguinte, a culpabilidade daquele que o recebe” (p. 12). A segunda

vertente, a de ditar como se deve falar corretamente, pode ser observada na relação com o

dizer de Barthes (2007) de que a língua quando proferida, mesmo que na intimidade mais

profunda do sujeito, entra a serviço de um poder: “a língua como desempenho de toda

linguagem, não é nem reacionária, nem progressista; ela é simplesmente: fascista; pois o

fascismo não é impedir de dizer, é obrigar a dizer” (p. 14).

Nesse percurso linguístico, servidão e poder se confundem inelutavelmente. Segundo

Barthes (2007), “se chamamos liberdade não só a potência de subtrair-se ao poder, mas

também e sobretudo a de não submeter ninguém, não pode então haver liberdade senão fora

da linguagem. Infelizmente, a linguagem humana é sem exterior: é um lugar fechado” (p. 15).

São delineadas por Barthes (2007) duas rubricas para a língua: a autoridade da

asserção e o gregarismo da repetição. A assertividade da língua vem do lado da negação, da

dúvida, da possibilidade, da suspensão de julgamento que requerem operadores particulares,

máscaras linguageiras para dobrar o poder implacável de constatação. O signo é gregário

porque é seguidor, se repetem à medida que são reconhecidos.

Em cada signo existe um estereótipo. Para Barthes (2007) só se fala recolhendo

aquilo que se arrasta na língua: “Assim que enuncio, essas duas rubricas se juntam em mim,

sou ao mesmo tempo mestre e escravo: não me contento com repetir o que foi dito, com

alojar-me confortavelmente na servidão dos signos: digo, afirmo, assento o que repito” (p.

15).

Ao estudar a linguagem politicamente correta, ou, em outras palavras, a linguagem

em uso que tenta eximir o falante de qualquer tipo de prejuízo quanto ao entendimento

daquilo que ele pretende informar, Rossoni (2009) percebe como a escolha lexical feita pelo
83

falante pode determinar as inferências do ouvinte, que geram o próprio efeito do

politicamente correto. Ainda para Rossoni (2009), quando alguém usa a linguagem em

contextos comunicativos tentando eximir-se de qualquer tipo de prejuízo, quanto ao

entendimento daquilo que pretende informar, está fazendo uso da linguagem politicamente

correta, pois segundo Rossoni (2009):

Essa forma de expressão está intimamente ligada a aspectos que vão além da

linguagem em si, mas a conceitos culturais e sociais. Ela representa um cuidado para

que nada que seja comunicado possa – de alguma forma – vir a ser mal-interpretado,

ou pior: vir a ser interpretado sob a forma de preconceito social (p. 10).

O politicamente correto faz restrições quanto ao uso da língua ao advogar o uso de

palavras menos discriminatórias e pejorativas nas relações sociais, e insere-se em uma prática

histórica e social que engloba a produção de sentidos feita pelo discurso.

E o que são os discursos ?

O termo discurso designa de um modo rigoroso, e sem ambiguidade, a manifestação

da língua na comunicação viva. Precisado por Émile Benveniste, opõem-se ao termo

língua, que recobre doravante a linguagem enquanto o conjunto de signos formais,

estratificada em escalões sucessivos, que formam sistemas e estruturas. (Kristeva,

2007, p. 21)

Em uma sociedade como a que se vive, ao menos do lado ocidental, são conhecidos

os processos de exclusão e de interdição provocados pelo discurso. Foucault (2002) distingue

três grandes sistemas de exclusão: a palavra proibida, a segregação da loucura e a vontade da


84

verdade; assim como exemplifica a interdição, também em três vertentes: “Sabe-se bem que

não se tem o direito de dizer tudo, que não se se pode falar de tudo em qualquer

circunstância, que qualquer um, enfim, não pode falar de qualquer coisa” (p. 9).

O politicamente correto ao utilizar uma linguagem inserida nessa estrutura do

discurso proposto por Foucault, vai além da simples patrulha ao tentar tornar não marcado o

vocabulário (e o comportamento) relativo a qualquer grupo discriminado (dos velhos ao

canhotos, dos carecas aos baixinhos, dos fanhos aos gagos, exemplificando), escolhendo a

palavra que melhor designe a verdade histórica do homem e não o humilhe nem denigra. Por

exemplo, ao utilizar o termo comunidade, ao invés de favela, tenta-se retirar o peso histórico

pejorativo que condensa essa palavra, para chegar mais próximo ao cotidiano de uma vida em

uma comunidade, um bairro, com características próprias. O politicamente correto exclui,

assim, uma lógica discursiva, que seria a lógica do inconsciente freudiano, que não exclui o

mal-entendido de uma linguagem não neutra, pois recheada de conteúdos inconscientes,

como atos falhos, esquecimentos, chistes, atos sintomáticos por exemplo. O bem dizer

psicanalítico são essas formações do inconsciente, o que não quer dizer que exclui a

responsabilidade do falante, o que harmoniza com o pensamento foucaultiano de que não se

tem o direito de dizer tudo, mas se falar, também, há que se pagar um preço por isso. O

inconsciente que responsabiliza o sujeito pelos seus ditos, fica do lado da defesa dos direitos

humanos, pois é aquele que leva o ser falante a responsabilizar-se pela invenção de seu estilo

singular de usufruir de sua vida nas relações que estabelece no convívio social (Forbes,

2012).

Possenti (1995) assegura que as formas linguísticas estão entre os elementos de

combate que mais se destacam, na medida em que se acredita que essas formas linguísticas

reproduzem uma ideologia que segrega em termos de classe, sexo, raça e outras

características físicas e sociais que são objeto de discriminação, pois há formas linguísticas
85

que veiculam sentidos que evidentemente discriminam (preto, gata, bicha), ao lado de outros

que também discriminem, embora menos claramente (mulato, denegrir, judiar, anchorman,

history, etc). Assim, a análise desses fatos linguageiros considerados politicamente

incorretos, na medida em que são confrontados com os de uma linguagem que, ao contrário

dessa, seria politicamente correta, permite discutir o que pode significar, em especial para

teorias do sentido, esta atividade epilingüística que classifica expressões em politicamente

corretas ou incorretas e que transforma esta qualificação em objeto de militância.

Pode-se ver como as questões que circundam o politicamente correto, ou a defesa de

um uso politicamente correto da linguagem fornecem evidências para a defesa da análise do

discurso, como enfatiza Possenti (2009b), ao explicar que o signo não reflete, mas refrata a

realidade:

O movimento em defesa de um uso politicamente correto da linguagem fornece

evidências vivas em favor da teoria da Análise do Discurso e, em especial, da

afirmação de Bakhtin segundo a qual o signo não reflete, mas refrata a realidade, por

conseqüência tornando-se uma arena da luta de classes. Assim, suas implicações para

as teorias do sentido são óbvias: mostra-se de forma muito clara como se dá a disputa

pelo sentido de certas palavras, pois o movimento se dá grande parte nessa luta e na

denúncia dos efeitos de sentido que o uso de certas palavras implica. (p. 37)

A defesa do uso de palavras consideradas corretas, cujo uso e sentido se disputa,

permite assistir a histórias semânticas, de alto valor epistemológico, já que para Possenti

(2009b), exibem claramente “o processo de criação de certos efeitos de sentido”, o que ilustra

um processo relevante para as línguas (p. 37).

Na denúncia dos efeitos de sentido que o uso de certas formas implica está o cerne da
86

questão linguística do movimento politicamente correto. Acredita-se que tudo que é expresso

em palavras carrega, consigo mensagens implícitas. Aquilo que é comunicado e não-dito é

chamado de Implicaturas para a linguística, como explicae questiona Rossoni (2009):

Implicar significa expressar implicitamente. E tudo que é entendido a partir do que é

dito, mas que de fato não e dito, é inferido pelo ouvinte. Se muito mais é comunicado

do que é efetivamente dito, como as pessoas conseguem se entender? (p. 7)

Na defesa dos direitos humanos e no patrulhamento ideológico, o politicamente

correto, se manifesta na interdição e na exclusão do discurso ao indicar como correto o que

considera verdadeiro nas relações humanas.

Foucault (2002), nos três sistemas de exclusão, pondera que talvez seja arriscado

considerar a oposição do verdadeiro e do falso (a vontade da verdade), ao lado da palavra

proibida e da segregação da loucura. Como se poderia comparar a força da verdade com

aquelas separações como aquelas que são arbitrárias, são separações organizadas em torno de

contingências históricas que não são apenas modificáveis, mas estão em perpétuo

deslocamento, e que são sustentadas por todo um sistema de instituições que as impõem e

reconduzem, e não se exercem sem pressão e nem sem ao menos uma parte de violência. Mas

não é violento dizer como se deve falar? Querer, por exemplo, modificar a obra de autores

como Monteiro Lobato ou Machado de Assis?

Foucault (2002) afirma que no interior de um discurso, a separação entre o verdadeiro

e o falso não é nem arbitrária, nem modificável, nem institucional, nem violenta, mas está em

outra escala:

Mas, se nos situamos em outra escala, se levantamos a questão de saber qual foi, qual
87

é constantemente, através de nossos discursos, essa vontade de verdade que

atravessou tantos séculos de nossa história, ou qual é, em sua forma muito geral, o

tipo de separação que rege nossa vontade de saber, então é talvez algo como um

sistema de exclusão (sistema histórico, institucionalmente constrangedor) que vemos

desenhar-se. (p. 14)

Historicamente o discurso verdadeiro, pelo qual se tinha respeito e terror, era o que

pronunciava a justiça e atribuía a cada um sua parte, profetizando o futuro, não só

anunciando-o, mas contribuindo para sua realização, ao suscitar a adesão dos homens, pois

era preciso submeter-se porque ele reinava. Isso até meados do século VII, porque depois daí

a verdade mais elevada já não residia no que era o discurso, ou no que ele fazia, mas residia

no que ele dizia. Dito de outra forma, chegou o dia em que a verdade se deslocou do ato

ritualizado, eficaz e justo de enunciação, para o próprio ato do enunciado, ou seja, para seu

sentido, sua forma, seu objeto, sua relação a sua referência. Foi entre Hesíodo e Platão que

uma certa divisão se estabeleceu, separando o discurso verdadeiro e o discurso falso, para

Foucault (2002) esta é uma nova separação pois, doravante, o discurso verdadeiro não é mais

o discurso preciosoe desejável, pois não é mais o discurso ligado ao exercício do poder.

No entanto, Foucault (2002), segue afirmando que as interdições que atingem o

discurso revelam logo, rapidamente, sua ligação com o desejo e com o poder, e pondera que:

Nisto não há nada de espantoso, visto que o discurso – como a psicanálise nos

mostrou – não é simplesmente aquilo que manifesta (ou oculta) o desejo; é, também,

aquilo que é o objeto do desejo; e visto que – isto a história não cessa de nos ensinar –

o discurso não é simplesmente aquilo que traduz as lutas ou sistemas de dominação,

mas aquilo por que, pelo que se luta, o poder do qual nos queremos apoderar. (p. 10)
88

Como lembrou Foucault (2002), dentro dessa divisão histórica no discurso entre o

verdadeiro e o falso, apsicanálise ao utilizar o discurso em livre associação partiu em busca

da verdade do desejo inconsciente, assim a verdade constitui a dimensão essencial da

experiência psicanalítica. Freud (1937/1980r) assegura que na relação psicanalítica, até

mesmo a transferência, a relação que se estabelece entre analista e paciente e motor do

tratamento psicanalítico, é desenvolvida nessa experiência que está fundada sobre o amor à

verdade.

Segundo Foucault (2002), as grandes mutações científicas podem ser lidas como

consequências de uma descoberta, como também de uma aparição de novas formas na

vontade de verdade.

Essa vontade de saber a verdade, também, como os outros sistemas de exclusão,

apoia-se sobre um suporte institucional, sendo ao mesmo tempo reforçada e reconduzida por

todo um conjunto de práticas como a pedagogia, por exemplo, ou como o sistema dos livros,

da edição das bibliotecas, como as sociedades de sábios de outrora e os laboratórios hoje. É

antes de tudo, reconduzida, a vontade de verdade, pelo modo como o saber é aplicado em

uma sociedade, como é valorizado, distribuído, repartido e de certo modo atribuído: “Enfim,

creio que essa vontade de verdade assim apoiada sobre um suporte e uma distribuição

institucional tende a exercer sobre os outros discursos – estou sempre falando de nossa

sociedade – uma espécie de pressão e como que um poder de coerção” (Foucault, 2002, p.

18).

Foucault (2002) exemplifica sua assertiva falando sobre a maneira que a literatura

ocidental teve de buscar apoio, durante séculos, no natural, no verossímil, na sinceridade, na

ciência, no discurso verdadeiro no total; na maneira como as práticas econômicas, codificadas

como preceitos ou receitas, eventualmente como moral, procuraram, desde o século XVI,
89

fundamentar-se, racionalizar-se e justificar-se a partir de uma teoria das riquezas e da

produção; na maneira como o sistema penal procurou, a partir do século XIX, justificar-se

além da teoria juridical, abrangendo um saber sociológico, psicológico, médico, psiquiátrico,

como se a própria palavra da lei não pudesse mais ser autorizada, senão por um discurso da

verdade.

A verdade das relações sociais é construída em um processo histórico e está impresso

na memória dos sujeitos, através das representações que eles constroem dos fatos sociais, por

isso são construções feitas no cotidiano das relações, muito mais do que da idealização dessas

relações, questão aprofundada no capítulo que se segue.


90

Capítulo 3

AS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS

Durkheim avança que nós somos filhos de nossas


representações passadas e presentes. São elas que nos
impõem nossas condutas e mesmo nossas regras, na
medida em que elas nascem dentro da vida da própria
sociedade. ‘Nunca seria exagerado repetir que tudo o
que é social consiste de representações e,
consequentemente, é produto de representações’.
(Moscovici, 2003, p. 14).

O conceito de representação social foi criado pelo psicólogo social romeno Serge

Moscovici (1961/2012), que ao pensar em capturar a imagem que as pessoas tinham acerca

da Psicanálise construiu sua pesquisa, e elaborou o conceito de Representações Sociais. O

objeto de pesquisa de Moscovici (1961/2012), a difusão e apropriação da Psicanálise entre

diferentes grupos sociais, foi publicado em 1961 sob o título de A Psicanálise, sua imagem e

seu público (La Psychanalyse: Son image et son public), tendo como problema central o

fenômeno das representações sociais. A teoria das Representações Sociais é uma forma

sociológica de Psicologia Social, originada a partir do marco inicial das representações

coletivas, que conseguiu fazer a permuta de um conceito teórico abstrato, como o de

representação social, pela análise de objeto real como a representação da psicanálise e o que

esperam dela os indivíduos.

Para Moscovici (1961/2012), as representações sociais são entidades quase que

tangíveis, pois circulam, se cruzam e se cristalizam continuamente através da fala, do gesto,

do encontro nas práticas do cotidiano. As representações sociais impregnam a maioria das

relações sociais efetuadas, os objetos produzidos e consumidos e as comunicações trocadas,


91

correspondendo à substância simbólica que entra nessas elaborações descritas que são a

prática que produzem tal sustância simbólica. Dessa forma, se a realidade das representações

sociais é facilmente assim apreendida nesse interlúdio, o conceito não o é segundo Moscovici

(1961/2012) e as razões são históricas, o que se verá em seguida, pois no momento mais

interessa a questão das imagens relacionadas à representação social.

Segundo Moscovici (1961/2012), o conceito de imagem não se afasta muito da

opinião que um sujeito tem de um fato social:

Assim quando o sujeito exprime opinião sobre o objeto, devemos supor que ele já tem

representado alguma coisa do objeto que o estímulo e a resposta são formados juntos.

Em suma, a resposta não é uma reação ao estímulo, mas, até certo ponto, sua origem.

(p. 45)

A imagem é determinada pelos fins e sua função principal é a seleção daquilo que

vem do interior do sujeito, mas, principalmente do exterior, dos fatos, dos fenômenos. As

representações dessas imagens ou percepções substituem os próprios estímulos. “Nós

percebemos o mundo tal como é e todas nossas percepções, ideias e atribuições são respostas

a estímulos do ambiente físico ou quase físico, em que vivemos.” (Moscovici, 2010, p. 30).

Temos a necessidade de avaliar seres e objetos corretamente e de compreender a

realidade que é independente e autônoma em relação aos nossos desejos. Mas nem sempre

conseguimos enxergar a realidade que está diante de nossos olhos e as coisas parecem

invisíveis para nós, outras vezes, nossas reações aos acontecimentos e aos estímulos são as

mesmas de todos os membros de nossa comunidade. Em outros momentos, percebemos que

fatos que aceitamos sem discussões, repentinamente, transformam-se em meras ilusões.


92

Nesses três casos aparece a intervenção de representações, que nos orientam em direção ao

que nos é visível, ao que define o que é realidade e ao que temos de responder.

Distinguem-se as aparências, as imagens da realidade das coisas, mas nós as

distinguimos precisamente porque nós podemos passar da aparência à realidade através de

alguma noção, ou imagem, ou seja através das representações da realidade, como observa

Moscovici (2010) em seu dizer:

Eu não quero dizer que tais representações não correspondem a algo que nós

chamamos o mundo externo. Eu simplesmente percebo que, no que se refere à

realidade, essas representações são tudo o que nós temos, aquilo que nossos sistemas

perceptivos, como cognitivos, estão ajustados. (p. 32)

Na contemporaneidade, acredita-se que uma das representações sobre a realidade

advém da representação do politicamente correto em sua luta prática e social pela construção

de sentidos novos para imagens já conceituadas anteriormente. Essa contemporaneidadeé um

tempo em que se percebe uma primazia das imagens, esta é sempre a personagem principal,

ou primeira percepção, valorizada e inscrita nos roteiros performáticos da pós-modernidade.

Para Birman (2001) a imagem é a condição de possibilidade de sedução e de fascínio, sem a

qual o ideal de captura do outro não pode jamais se realizar nesse festim diabólico de

exibicionismo pós-moderno, sendo uma “condição sine qua non para o espetáculo na cena

social e para a captação narcísica do outro” (p. 188).

Sobre a pós-modernidade ou “modernidade tardia”, Bauman (2011) pronuncia-se

assim: “é a coroação final do sonho moderno de liberdade e do longo e tortuoso esforço para

tornar o sonho realidade” (p. 15). A modernidade é por natureza uma civilização sem

fronteiras, em busca de terras para conquistar e sempre atenta a novos convites ou pretextos
93

para transgredir em busca da satisfação pessoal. Nessa concepção a sociedade pós-moderna

pode ser caracterizada pelo conceito de cultura do narcisismo (Lasch, 1979) e de sociedade

do espetáculo, Debord (1997): “O espetáculo não é um conjunto de imagens, mas uma

relação social entre pessoas mediada pelo social” (p. 14).

A espetacularização seria catalizadora dos laços sociais, sendo a performance, ou a

imagem de cenas a reguladora fundamental do espaço social, já para Lasch (1979), o mundo

estaria centrado no eu da individualidade, buscando o sujeito uma estetização de si mesmo,

que seria transformada na finalidade crucial de sua existência.

Sobre o narcisismo, é um termo cunhado por Freud (1914/1980h) para designar a

relação do sujeito consigo mesmo, que representa uma espécie de estado subjetivo de uma

forma de investimento pulsional necessária à vida subjetiva. O narcisismo é um dado

constitutivo e estrutural do sujeito, porém se exacerbado pode gerar incidências como as

descritas por Severiano (2007) na cultura do narcisismo, como perda de referenciais éticos e

religiosos, da descrença nos ideais políticos-coletivos e do descompromisso social

generalizado.

Nessa perspectiva a produção desse imaginário social, centrado no individualismo, se

realiza de diversas maneiras, entre as quais se destaca a mídia, em que o politicamente

correto é representado cotidianamente. Sem a mídia o espetáculo se esvazia, perdendo seu

poder de força e de captura do outro, tanto pelas vias da televisão quanto da informática e do

jornalismo escrito, a cena pública se desenha sempre pelas imagens (Birman, 2001).

Lembrando que o espetáculo não pode ser compreendido só como uma produção de um

mundo da visão e das técnicas de difusão maciça das imagens, pois para Debord (1997): “Ele

é uma Weltanschaung que se tornou efetiva, materialmente traduzida. É uma visão de mundo

que se objetivou” (p. 14).


94

3.1 História do conceito de Representação Social

A noção de representação advém da Filosofia e é um vocábulo de origem medieval

que indica imagem ou ideia, ou ambas as coisas. Geralmente define-se representação por

analogia com a visão e com o ato de formar uma imagem de algo, tratando-se no caso de uma

‘imagem não-sensível, não-visual’ (Japiassú & Marcondes, 1996, p. 235).

Esta noção tem um papel central no pensamento moderno, sobretudo no racionalismo

cartesiano e na filosofia da consciência, mas o uso desse termo foi sugerido aos escolásticos

pelo conceito de conhecimento como semelhança do objeto. Representar algo significa conter

a semelhança da coisa, já afirmava São Tomás de Aquino, no entanto foi principalmente no

fim da escolástica que esse termo passou a ser mais usado, às vezes para indicar o significado

das palavras (Abbagnano, 2000).

A palavra Representação constitui, no vocabulário da Filosofia, o conteúdo concreto

de um ato de pensamento (Chemama & Vandermersch, 2007). A representação é uma

operação pela qual a mente tem presente em si mesma uma imagem mental, ideia ou conceito

correspondendo a um objeto externo. Abbagnano (2000) afrima que existem três sentidos

para representar:

1. Representar é aquilo pelo meio do qual se conhece algo, significa ser aquilo com

que se conhece alguma coisa. O conhecimento é representativo. Representação é a

ideia;

2. Representar significa conhecer alguma coisa, após cujo conhecimento conhece-se

outra coisa. A imagem representa aquilo de que é imagem, no ato de lembrar.

Representação é a imagem;

3. Representar significa causar o conhecimento do mesmo modo como o objeto causa

o conhecimento. Representação é o próprio objeto.


95

Esses significados para o termo representação são importantes para a noção cartesiana

de ideia como quadro ou imagem da coisa e foi utilizado por Wolff ao introduzir o termo

Vorstellung para difundir essa ideia cartesiana no uso filosófico da língua alemã e nas outras

línguas europeias. Coube a Kant estabelecer o significado generalíssimo de representação,

considerando-o gênero de todos os atos ou manifestações cognitivas, independentemente de

sua natureza de quadro ou semelhança, e foi desse modo que o termo passou a ser usado em

filosofia: a representação concerne à relação entre as palavras e os objetos significados

(Abbagnano, 2000).

Ao estabelecer uma relação entre a consciência e a realidade, a representação cumpre

sua função que é a de tornar presente a realidade externa para a consciência, desta forma

tornando-a um objeto da consciência através da própria representação.

Nas ciências sociais, as representações são definidas como categoria de pensamento

que expressam a realidade, explicam-na, justificando-a ou questionando-a. São consideradas

extremamente importantes atravessando a história e as mais diferentes correntes sobre o

social. “Representações Sociais é um termo filosófico que significa a reprodução de uma

percepção retida na lembrança ou do conteúdo do pensamento” (Minayo, 2013, p. 73).

Na história da construção do conceito de Representação Social, Durkheim foi o

primeiro a propor o termo ‘representação coletiva’ para distinguir a especificidade do

pensamento social em relação ao pensamento individual. A representação individual é um

fenômeno psíquico, irredutível somente à atividade cerebral, pois sabemos desde a distinção

feita por Freud (1915/1980k) de que a realidade psíquica não se reduz à atividade

neurológica, mas a leitura que fazemos do mundo que nos cerca. Igualmente a representação

coletiva não se reduz à soma das representações dos indivíduos que compõem uma sociedade,

pois ela é um dos sinais de que há uma primazia do social sobre o individual, da invasão
96

deste por aquele. Moscovici (1961/2012) explica que para Durkheim, “a psicologia social

deveria preocupar-se em estudar de que modo as representações se evocam e se excluem, se

fundem umas nas outras e se distinguem” (p. 26). Mas Moscovici (1961/2012) diz que

infelizmente, até sua tese, a psicologia social não o fez.

Com sua pesquisa sobre “A psicanálise, sua imagem e seu público”, Moscovici

(1961/2012) intencionou unificar e revolucionar a psicologia social por meio da teoria das

representações sociais. Segundo Farr (2013), a teoria das Representações Sociais é uma

forma sociológica de Psicologia Social, e foi originada na Europa com a publicação da

pesquisa feita por Moscovicie difere marcadamente das formas psicológicas de Psicologia

Social que são atualmente predominantes nos Estados Unidos da América.

Entre uma tradição de pesquisa européia e uma pesquisa americana moderna é que se

dá o contraste, e essa era moderna para a Psicologia Social, começou com o fim da Segunda

Guerra Mundial. Farr (2013) esclarece que embora a Teoria das Representações Sociais tenha

visto a luz do dia pela primeira vez na era moderna, ela pertence em suas origens ao solo

intelectual de toda tradição ocidental.

Moscovici (2010) reconhece a origem do conceito de representação social advinda de

Durkheim: “É óbvio que o conceito de representações sociais chegou até nós vindo de

Durkheim. Mas nós temos uma visão diferente dele – ou, de qualquer modo, a psicologia

social deve considerá-lo de um ângulo diferente – de como o faz a sociologia” (p. 45).

Assim, Moscovici (2010), propõe considerar como um fenômeno, o que antes era visto como

um conceito em Psicologia Social. Para ele a Psicologia Social via as representações sociais

como artifícios explanatórios, irredutíveis a qualquer análise posterior, pois, apesar de saber

da existência dessas representações nas sociedades, não se importava com sua estrutura, nem

dinâmica interna. Moscovici queria penetrar o interior para descobrir esses mecanismos

internos e a vitalidade dessas representações sociais o mais detalhadamente possível. Para ele,
97

o primeiro passo nessa direção foi dado por Piaget, quando este estudou a representação do

mundo da criança e sua investigação permanece, até o dia de hoje, como exemplo. Assim o

que Moscovici (2010) propõe fazer é: “Considerar como um fenômeno o que antes era visto

como um conceito” (p. 45).

A Psicologia Social, ao invés de ser considerada como um apêndice da Psicologia, é

vista por Moscovici, segundo Doise (2002), como uma ponte para outros ramos do saber, que

se ocupam das mesmas questões, fornecendo-lhes bases de dados e orientações teóricas. E ao

utilizar seus próprios métodos, a Psicologia Social torna-se um tipo de antropologia da

cultura moderna, pois para Moscovici (2010), na verdade, é na vida com os outros que

pensamento, sentimento e motivação humanos se desenvolvem .

Nesse segmento, Moscovici (2003), sugere um retorno às origens da ideia de

Representação Social para atingir um duplo objetivo: inicialmente, mostrar aquilo que a sua

história revela de surpreendente, e em seguida, clarificar certos aspectos que nem sempre

estamos conscientes, conforme se expressa:

Para começar, a ideia de representação coletiva se inscreve numa visão de sociedade

na qual a coerência e as práticas são reguladas pelas crenças, saberes, normas e

linguagens que ela mesma produz, ou seja, devendo ser considerada em referência à

sua cultura. (p. 12)

A ideia de representação coletiva constitui uma reviravolta na concepção

durkheimiana de vida social porque ela representa um limite à história do determinismo

econômico e, também, porque ela combate a ideia de um determinismo instintivo, biológico,

ao definir a autonomia do meio natural do homem que é a sociedade. A ideia de

representação coletiva exprime a continuidade entre os fenômenos sociais e os fenômenos


98

culturais e, desse modo, ela constitui uma novidade no pensamento social moderno

(Moscovici, 2003).

Durkheim utiliza pela primeira vez a expressão “representação coletiva” em um

trabalho datado de 1896 para estabelecer uma relação genética entre a regra universal da

proibição do incesto e o sistema de crenças ditas primitivas sobre a proibição do incesto. “Os

saberes, as crenças e a língua, assim como todas as demais instituições, são instituições da

sociedade” afirma Moscovici (2003, p.13). E é na sociedade que se pode apreender a noção

de representação coletiva, ao fazer o acompanhamento simbólico e mental das relações

sociais e do movimento nascente de toda regra e prática que somente têm significado à

medida que exprimem algo para além delas próprias que verificamos essa representatividade.

Mais além vai Moscovici (2003) ao lembrar que Durkheim afirma que não existe

regra que não seja suscitada ou acompanhada de um conjunto de representações determinado

a explicá-la ou a justificá-la, mesmo se essas representações são inconscientes.

A coletividade é representacional, na medida em que é antecipada ou significada

virtualmente em suas representações, que impõem as condutas, as regras, ao mesmo tempo

em que nascem dentro da própria sociedade. E não se pode separar de uma representação a

parte imputada a cada crença, a cada proposição, a cada representação individual.

Uma representação individual não se resume só às reações psicofísicas do indivíduo,

pois a consciência ou a memória que contém as representações, se sobrepõem e aparecem

como epifenômenos. A vida psíquica do indivíduo engloba além das representações

individuais, as representações coletivas, que não se resumem a vida mental dos indivíduos

isolados. Elas não são como as opiniões, as atitudes médias das representações individuais,

nem são abstraídas das consciências particulares, pois estas seriam mais concretas. As

representações coletivas são produzidas seguindo os procedimentos e a maneira própria das

sociedades e das instituições em que elas se enraízam (Moscovici, 2003). Fazendo uma
99

síntese, Moscovici (2003) argumenta que as representações, categorias, conceitos são

necessariamente sociais, posto que não se poderia chegar à impersonalidade, à normatividade

pelos recursos exclusivamente psicológicos dos indivíduos.

As imagens, as ideias e a linguagem compartilhadas por um determinado grupo

sempre parecem ditar a direção e o expediente iniciais, com os quais o grupo tenta se acertar

com o não familiar, aparentemente desconhecido. Para Moscovici (2010), o pensamento

social deve mais à convenção e à memória do que à razão; mais às estruturas tradicionais do

que às estruturas intelectuais ou perceptivas correntes, pois para ele:

Quando tudo é dito e feito, as representações que nós fabricamos – duma teoria

científica, de uma nação, de um objeto, etc. – são sempre o resultado de um esforço

constante de tornar comum e real algo que é incomum (não familiar), ou que nos dá

um sentimento de não familiaridade. E através delas nós superamos o problema e o

integramos em nosso mundo mental e físico, que é, com isso, enriquecido e

transformado. (p. 58)

Esse propósito das representações sociais de tornar familiar o não familiar é também

o objetivo da ciência. Desta forma, Moscovici (2010) explica a passagem das representações

coletivas para as sociais.

3.2 De Representações coletivas a Representações sociais

Na racionalidade moderna as formas de vida mental e social, advindas da tradição,

devem ser substituídas pelas das ciências e da tecnologia. Isso leva à divisão entre sociedades

sem ciência e sociedades com ciência, sendo que, as representações coletivas são estudadas

apenas nas primeiras. Moscovici (2010), questiona: “como se não se relacionassem às


100

últimas, de tal modo que as características, começando com as crenças instituídas nessas

sociedades tradicionais, ou “exóticas”, são distinguidas como se tal fato fosse uma questão de

alguma forma mental peculiar apenas delas” (p. 195). Para o Moscovici (2010), ao se tomar

essas representações como modelos de sociedades ‘totais’ ou ‘fechadas’ em que os

constituintes simbólicos e práticos das relações sociais estão perfeitamente integrados,

explica porque toda representação parece coincidir com a coletividade em sua totalidade e

assumir um caráter ao mesmo tempo uniforme e estático. Mas, Moscovici (2010) ainda

discorda da ideia de que representações coletivas devem ter um sentido só em sociedades

longínquas ou em tempos antigos, mas não na nossa, com seu endeusamento às crenças

científicas que privilegiam o pensamento racional e a individualidade, afirmando que:

Devido a uma escolha cujos motivos têm aqui pouca importância, parece-me legítimo

supor que todas as formas de crença, ideologias, conhecimento, incluindo até mesmo

a ciência, são, de um modo ou outro, representações sociais. Parecia então

(Moscovici, 1961), e parece igualmente assim hoje, que nem a oposição do social ao

individual, nem a evolução do tradicional ao moderno, tiveram, com respeito a isso, a

importância que lhes é dada. (Moscovici, 2010, p. 198)

Moscovici (2010) esclarece, ainda, que ao falar de representações sociais ao invés de

coletivas, quis romper com as associações que o termo coletivo tinha herdado do passado e

também com as interpretações sociológicas e psicológicas que determinam sua natureza no

procedimento clássico. Entretanto, essa distinção entre social e individual coloca o

conhecimento popular, as maneiras de pensar e agir na vida cotidiana, o que se chama de

senso comum de um lado, e a ciência e ideologia de um outro.


101

Defendendo a irredutibilidade do senso comum à ciência, mas reconhecendo que o

conhecimento popular do senso comum fornece sempre o conhecimento que as pessoas têm a

seu dispor e que a própria ciência e tecnologia não hesitam em tomar emprestado dele,

quando necessitam, uma ideia, uma imagem, uma construção, Moscovici (2010) sentencia:

“Na verdade, as representações sociais diariamente e ‘espontaneamente’ se tornam senso

comum, enquanto representações do senso comum se transformam em representações

científicas e autônomas” (p. 200).

O vasto campo do senso comum, das ciências populares, permite que os

pesquisadores agarrem as representações ao vivo, compreendendo como elas são geradas,

comunicadas e colocadas em ação na vida cotidiana. Moscovici (2010) conclui que: “As

representações sociais perdem, então, o caráter derivado e abstrato associado com as

representações coletivas para se tornarem, de certo modo, um fenômeno concreto e

observável” (p. 202). Moscovici (2010) dá o exemplo comparativo dizendo que o senso

comum oferece um material prototípico para explorar a natureza das representações sociais,

assim como os sonhos fornecem um campo exemplar para se compreender o inconsciente.

O inconsciente é a grande “invenção” freudiana, formado pelos desejos, pelas pulsões

recalcadas dos indivíduos, aos quais só temos acesso mediante suas representações, assim a

noção de representação já exposta, também é importante para a teoria psicanalítica. Todo esse

processo será explicado mais adiante, porque, por enquanto, continua-se com as

representações sociais e os seus processos geradores.

3.3 Como se formam as representações sociais?

Na teoria da representação social o próprio conceito de representação possui um

sentido mais dinâmico referindo-se tanto ao processo pelo qual as representações são

elaboradas como às estruturas de conhecimento que são estabelecidas. Há uma articulação e


102

relação entre o processo e estrutura, na gênese e organização das representações, por isso o

propósito de todas as representações é o de tornar o não familiar em familiar.

A familiarização é um processo construtivo de ancoragem e objetivação, que são os

dois processos que geram representações sociais, ao fazer com que o não familiar passe a

ocupar um lugar no nosso mundo dito familiar. O primeiro mecanismo, de ancoragem, tenta

ancorar ideias estranhas, reduzi-las a categorias e a imagens conhecidas, as colocando em um

contexto familiar, enquanto o segundo mecanismo, tenta objetivá-las, ao transformar algo

abstrato em algo quase concreto, transferindo o que está na mente em algo que existe no

mundo físico.

3.3.1 Ancoragem

É o processo que transforma algo que nos é estranho, perturbador e que nos intriga

em algo que incluímos em nosso sistema particular de categorias e o compara com um

paradigma de uma categoria que pensamos ser apropriada, pois, no momento que

determinado objeto ou ideia é comparado ao paradigma de uma categoria, adquire

características dessa categoria e é re-ajustado para que se enquadre nela.

Se a classificação for aceita, então qualquer opinião que se relacione com a categoria

irá se relacionar, também, com o objeto ou ideia: “Ancorar é, pois, classificar e dar nome a

alguma coisa. Coisas que não são classificadas e que não possuem nome são estranhas, não

existentes e ao mesmo tempo ameaçadoras” (Moscovici, 2010, p. 61).

Experimenta-se uma resistência, um distanciamento do objeto ou ideia se não se é

capaz de classificar, avaliando ou descrevendo algo para nós mesmos ou para outras pessoas.

Ao classificar o que antes era inclassificável, ao nomear os acontecimentos do mundo, nós

somos capazes de imaginá-lo, de representá-lo.


103

Portanto a representação é, fundamentalmente, um sistema de classificação e de

denotação, de alocação de categorias e nomes, como o exemplifica Moscovici (2010):

“Quando classificamos uma pessoa entre os neuróticos, os judeus ou os pobres, nós

obviamente não estamos apenas colocando um fato, mas avaliando-a e rotulando-a. E, neste

ato, nós revelamos nossa teoria da sociedade e da natureza humana” (p. 62).

Em defesa de um comportamento, inclusive linguístico, que seja politicamente

correto, o movimento politicamente correto inclui em especial o combate ao racismo e ao

machismo, à pretensa superioridade do homem branco ocidental e à sua cultura,

pretensamente racional. Essas são, diga-se, as grandes questões para Possenti (1995),

ressaltando que uma das primícias do pensamento original do movimento politicamente

correto foi a de usar palavras certas para designar corretamente as pessoas, sem ofendê-las ou

evocar antigos preconceitos que viriam enraizados nas palavras (p. 125).

A atividade do movimento em favor de comportamentos politicamente corretos, além

de combater o uso de termos marcados negativamente, caracteriza-se também por propor a

substituição de tais termos por outros, que seriam neutros ou objetivos.

Assim, os membros de uma certa comunidade étnica não devem ser chamados de

‘negros’, mas de ‘afro-americanos’ (ou de ‘afro-brasileiros’), ou, como se verá

adiante, até mesmo de ‘afrodescendentes’. A hipótese do movimento, no caso, parece

ser a de que a conotação negativa está ligada à própria palavra. (Possenti, 1995, p.

131)

Possenti (1995) não concorda com a assertiva de que a conotação negativa está ligada

à própria palavra, pois segundo a tese da análise do discurso (AD) seria, ao contrário, a
104

palavra produz os efeitos de sentido em decorrência do discurso a que pertence tipicamente.

Por exemplo, um discurso racista:

só ocorre se a sociedade for de alguma forma racista. Vale dizer, se houver suporte

(para a AD, "se houver condições de produção") sociológico e histórico na formação

social para que haja uma ideologia racista que se materialize num discurso que

contenha marcas características dessa ideologia. (Possenti, 1995, p. 131)

Existem duas hipóteses para explicar o peso das palavras, uma que se refere ao peso

intrínseco das palavras, e outra que derivaria dos discursos nos quais são enunciadas as

palavras, levando à questão do que ocorre no domínio do sentido.

Para Possenti e Baronas (2006), o movimento em defesa de um uso politicamente

correto da linguagem fornece evidências vivas em favor da teoria da Análise do Discurso:

Assim, suas implicações para as teorias do sentido são óbvias: mostra-se de forma

muito clara como se dá a disputa pelo sentido de certas palavras, pois o movimento

consiste em grande parte nessa luta (“discriminatory comments in the form of name

calling, racial slurs, or jokes”, segundo a revista Newsweek, de 24 de dezembro de

1990), e na denúncia dos efeitos de sentido que o uso de certas formas implica. Tais

palavras cujo uso e sentido se disputa, permitem assistir ao vivo a várias micro-

histórias semânticas de alto valor epistemológico, já que exibem claramente o

processo de criação de certos efeitos de sentido. (pp. 49-50)

Através da teoria das representações sociais (TRS) se pode concordar com Possenti

(1995) quando discorda da assertiva de que a conotação negativa esteja só ligada à própria
105

palavra. Moscovici (1961/2012) afirma que o sentido que a cultura dá ao uso da palavra vai

ancorá-las às representações pré-existentes.

A linguagem é quem traduz o conflito entre um grupo particular que a difunde

espontaneamente, à medida que a utiliza, e a sociedade que, com o modo de discurso próprio,

resiste e se apropria dela inconscientemente. Segundo Moscovici (1961/2012), o próprio

vocabulário tende a assimilar um novo vocabulário, significando que pode haver um

esfacelamento de cadeias linguísticas já existentes. Essa situação é inerente à mediação que a

linguagem opera entre a ciência e sua representação, entre o mundo dos conceitos e o dos

indivíduos e coletividades, para imprimir as significações que constituem uma rede, sendo

seu emprego indicativo de que recorremos ao sistema nocional científico para interpretar

acontecimentos e comportamentos.

O processo de ancoragem é um processo de elaboração, desse mediador verbal sem o

qual não poderia se manter nem se desenvolver. O estudo da representação social de

uma ciência compreende além do conteúdo e dos princípios, a análise da penetração

de sua linguagem. (Moscovici, 1961/2012, p. 211)

No mundo atual, construído sobre os implícitos do discurso da ciência, uma das

características que constituem o meio no qual funcionamos é esse dito discurso da ciência que

nos faz perder o senso comum, a experiência em comum, substituído pelas certezas

proporcionadas pela tecnologia, como por exemplo a perda do cálculo mental pelo uso da

calculadora eletrônica.

O que constitui o senso comum, ou se quisermos chamar de bom senso, não remete a

conhecimentos, mas a um saber interno ao sujeito, a essa falha que o faz sujeito incompleto,

que necessita ancorar sempre novas representações. Para Lebrun (2004), esse senso comum é
106

apenas o resultado da instalação da ordem simbólica humana que nos caracteriza: “Quando

nos deixamos, no entanto, levar pelo meio técnico, perdemos as referências, pois se introduz

um novo dado que subverte nosso saber espontâneo, e é essa mistura que faz o sujeito perder

o sentido do limite” (p. 100).

Esse limite é obtido nas trocas com os outros, no laço social. Mesmo que esse laço

seja mediado pelo discurso da ciência, a representação social das percepções sociais resgata

essa experiência em comum. Na visão de mundo de diferentes grupos, se expressa as

contradições e conflitos presentes nas condições em que foram engendradas, assim observa

Minayo (2013): “tanto o ‘senso comum’ como o ‘bom senso’, para usar as expressões

gramscianas, são sistemas de representações sociais empíricos e observáveis, capazes de

revelar a natureza contraditória da organização em que os atores sociais estão inseridos” (p.

90).

Em resumo, no processo de ancoragem, classificar e dar nomes são dois aspectos da

ancoragem das representações. Sistemas de classificação e de nomeação não são,

simplesmente, meios de graduar e de rotular pessoas ou objetos. Seu objetivo principal é

facilitar a interpretação de características, a compreensão de intenções e motivos subjacentes

às ações das pessoas, e assim formar opiniões. Para Moscovici (2010), esta é uma

preocupação fundamental, pois:

Grupos, assim como indivíduos, estão inclinados, sob certas condições, tais como

superexcitação ou perplexidade, ao que se poderia chamar de mania de interpretação:

Pois nós não podemos esquecer que interpretar uma ideia ou um ser não familiar

sempre requer categorias, nomes, referências, de tal modo que a entidade nomeada

possa ser integrada na “sociedade dos conceitos” de Gombrich. (p. 70)


107

Ao ancorar, tornamos tangíveis, visíveis e semelhantes às ideias e seres que nós já

integramos e com os quais nós estamos familiarizados. Representações preexistentes são de

certo modo transformadas e aquelas entidades que devem ser representadas são modificadas

ainda mais, de tal modo que adquirem uma nova existência.

Vale a pena, também, pontuar que a resistência ao não familiar, ao que é

desconhecido, percebida no processo da ancoragem, pelo prisma da psicanálise, é visto como

o exercício do narcisismo das pequenas diferenças. Freud utilizou essa noção para refletir

sobre o par de opostos tolerância/intolerância, no plano individual e coletivo, pela primeira

vez no artigo O tabu da virgindade (Freud, 1918/1980l).

Fuks (2007) esclarece que em termos normais, o “narcisismo das pequenas

diferenças” está na base da constituição do “eu”, do “nós” e do outro, na fronteira que tem

por função resguardar o narcisismo da unidade. Quando levado ao paroxismo, desemboca na

segregação e no racismo, expressões máximas da intolerância ao outro e tolerância ao

mesmo, e lembra que:

Foi com esta ferramenta conceitual que a psicanálise, diante do fenômeno de

manipulação do sentimento de estranheza à diferença do outro que explodiu no

interior das grandes massas modernas, se voltou para o campo da política. Ainda que

raramente o termo política apareça designado como tal em sua obra, “Psicologia das

massas e análise do eu” (Freud, [1921]/1976), “Mal-estar na cultura” (Freud,

[1930]/1976) e “Moisés e o monoteísmo” (Freud, [1939]/1976) testemunham as

inquietações de Freud para com a violenta manipulação do fenômeno de intolerância

ao outro pelo poder. (Fuks, 2007, p. 62)

Sobre a violência na contemporaneidade, Bauman (2011) afirma que sempre houve


108

um “selvagem interior”, um “bárbaro” adormecido dentro de cada homem civilizado, e que a

linha fronteiriça entre os civilizados e os bárbaros, nunca foi apenas uma linha e sempre

atravessou o espaço. Agora o pacificado “território soberano” da civilização, que continua

criando e recriando os objetos para serem depois estigmatizados como violentos e, portanto,

como alvos legítimos de missões de pacificação, é magnificamente exemplificado nas

imagens transmitidas pela tecnologia, ressaltando que:

E ainda mais importante é a maneira como as visões de violência são compostas e

penetram na vida diária. Pela natureza da mídia, imagens de crueldade “inventadas”,

simuladas e direcionadas são muito mais intensas, emocionantes e realmente

“dramáticas” que os registros ostensivamente simples “do que realmente aconteceu”.

A “realidade soa pobre”, “tecnicamente imperfeita”, e, de fato, menos interessante.

(Bauman, 2011, pp. 203-204)

Em sua tese sobre as representações sociais da psicanálise, Moscovici (1961/2012)

faz a análise do conteúdo e dos sistemas de comunicação em relação a representação da

psicanálise na imprensa francesa e a emergência da imagem coletiva da psicanálise.

A mídia, como vimos, tem sido fonte de propagação do politicamente correto, tanto

do lado dos que o acusam de restringir a liberdade de expressão e de atuar como uma censura,

que produz impactos no social; como os que defendem o movimento em prol da defesa dos

direitos, como forma de diminuir os preconceitos e as violências contra o outro. Assim

acredita-se no politicamente correto como um “caminho para a civilidade”, entendido

enquanto resultado da organização de minorias, como fenômeno que combate a

discriminação a grupos minoritários ou tradicionalmente marginalizados, atuando sobretudo

no plano da linguagem (Possenti, 1995).


109

Um dos efeitos do politicamente correto se dá sobre a mídia, ao fazer com que parte

de empresas de mídia e comunicação, adotem políticas e linguagens “menos polêmicas” ou

“mais neutras”, para se protegerem contra possíveis processos judiciais.

A adoção dos manuais de redação por jornais brasileiros a partir dos anos 1980, por

exemplo, pode ser parte desse fenômeno. Entre demandas políticas e a preocupação

comercial, é possível que o politicamente correto se respalde, no Brasil, em interesses

e discursos de caráter muito diverso. (Cabral, 2013, p. 3)

O politicamente correto e todo o movimento criado ao seu redor são mediações

sociais e “são as mediações sociais, em suas mais variadas formas que geram as

representações sociais. Por isso elas são sociais tanto na sua gênese como na sua forma de

ser” (Jovchelovitch, 2013, p. 68).

Representações sociais são fenômenos mediadores entre o indivíduo e a sociedade, e

seus atos e efeitos remetem ao seu processo de construção, através da ancoragem e da

objetivação: “A objetivação e a ancoragem são as formas específicas em que as

representações sociais estabelecem mediações, trazendo para um nível quase material a

produção simbólica de uma comunidade e dando conta da concretude das representações

sociais na vida social” (Jovchelovitch, 2013, p. 69).

3.3.2 Objetivação

O processo denominado de Objetivação é conceituado como o ato de tomar como

objeto real uma imagem, como em uma alucinação. Para a psicologia a objetivação é a

operação pela qual a consciência exterioriza suas sensações e as imagens que forma,

tomando-as como objetos e situando-as espacialmente (Japiassú & Marcondes, 1996).


110

Descobrir a qualidade icônica de uma ideia, é reproduzir um conceito em uma

imagem, é objetivar. Uma qualidade icônica é uma qualidade representativa, pois um ícone é

um símbolo feito para lembrar determinada coisa ou é uma pessoa ou coisa que simboliza

algo (Houaiss, 2004).

Objetivação une a ideia de não familiaridade com a de realidade, tornando-se a

verdadeira essência da realidade. Em um primeiro momento, a objetivação deriva de um

universo puramente intelectual e remoto, para depois aparecer diante de nossos olhos, de

forma física e acessível.

Assim toda representação torna real um nível diferente da realidade. Isso quer dizer

que esses diferentes níveis são criados e mantidos pela coletividade e se esvaem com ela, não

tendo existência por si mesmos. Moscovici (2010) exemplifica isto com o nível de

sobrenatural, que em tempos atrás era quase omnipresente e nos tempos atuais é quase

inexistente. Para Moscovici (2010), entre a ilusão total e a realidade total existe uma

infinidade de graduações, que nós criamos, e a ilusão e a realidade são conseguidas do

mesmo modo:

A materialização de uma abstração é uma das características mais misteriosas do

pensamento e da fala. Autoridades políticas e intelectuais, de toda espécie, a exploram

com a finalidade de subjugar as massas. Em outras palavras, tal autoridade está

fundamentada na arte de transformar uma representação na realidade da

representação; transformar a palavra que substitui a coisa, na coisa que substitui a

palavra. (p.71)

Envolve comparar a objetivação, e comparar é já representar, ao preencher o que está

vazio de significado com substância. Há um enorme estoque de palavras, que se referem a


111

objetos específicos, circulando em toda sociedade e nós devemos dar sentidos concretos, pois

as palavras não falam sobre nada, se não a ligarmos a algo, encontrando equivalentes não

verbais para elas.

No entanto, nem todas as palavras podem ser ligadas a imagens, seja porque não

existem imagens suficientes facilmente acessíveis, ou seja, porque as imagens lembradas

podem ser consideradas como tabus. As imagens que foram selecionadas, devido sua

capacidade de ser representadas, se mesclam, ou melhor, são integradas no que Moscovici

(2010) chama de um padrão de núcleo figurativo, um complexo de imagens que reproduzem

visivelmente um complexo de ideias. Moscovici (2010) assim exemplifica sua fala: “o padrão

popular da psique herdado dos psicanalistas está dividido em dois, o inconsciente e o

consciente – reminiscente de dualidades mais comuns, tais como involuntário-voluntário,

alma-corpo, interno-externo-localizado no espaço sobre o outro” (p. 72).

Os termos representados são os mais conhecidos e mais comumente empregados. A

sociedade faz uma seleção daqueles aos quais ela concede poderes figurativos, de acordo com

suas crenças e com o estoque preexistente de imagens. As mudanças acontecem durante a

transmissão de referenciais familiares, que respondem gradualmente ao que foi recentemente

aceito.

Quando uma sociedade aceita um paradigma, acha fácil falar sobre tudo o que se

relacione com ele e devido a essa facilidade as palavras relacionadas ao paradigma são usadas

mais frequentemente, surgindo formulas e clichés que o sintetizam. Imagens aglomeram-se

ao seu redor, passando a ser usado, além de falado, em várias situações sociais, como meio de

compreensão de si mesmo e dos outros, de escolha e de decisão.

Moscovici (1976/2012) exemplificou isso ao mostrar como a psicanálise, uma vez

popularizada, tornou-se a chave que abria todos os cadeados da existência privada, pública e

política:
112

Seu paradigma figurativo foi separado de seu ambiente original, através de uso

contínuo e adquiriu uma espécie de independência, do mesmo modo como acontece

com um provérbio bastante comum, que vai sendo gradualmente separado da pessoa

que o disse pela primeira vez e torna-se um dito corriqueiro. (Moscovici, 2010, p.73)

Quando a imagem ligada à palavra ou à ideia se torna separada e é deixada solta em

uma sociedade, ela é aceita como uma realidade, e a imagem do conceito deixa de ser um

signo e torna-se a réplica da realidade, um simulacro. Esse mecanismo explica o que Bauman

(2011) apontou como a exacerbação das imagens, que passam a valer mais do que a

realidade, e o que Debord (1997) fala sobre a sociedade do espetáculo com seu simulacro em

um tempo que prefere a imagem à coisa, a cópia ao original, a representação à realidade, a

aparência ao ser. Toda a vida dessa sociedade se apresenta como uma imensa acumulação de

espetáculos. Tudo o que era vivido diretamente tornou-se uma representação, como expressa

Debord (1997):

As imagens que se destacaram de cada aspecto da vida fundem-se num fluxo comum,

no qual a unidade dessa mesma vida já não pode ser restabelecida. A realidade

considerada parcialmente apresenta-se em sua própria unidade geral como um

pseudomundo à parte, objeto de mera contemplação. (p.13)

As imagens não existem sem realidade e não podem permanecer sem elas, pois são

essenciais para a comunicação e a compreensão social. Para as imagens terem uma realidade,

encontra-se essa realidade através da objetivação. Assim nosso ambiente é composto por tais

imagens e estamos continuamente acrescentando-lhes algo e modificando-o.


113

Para tornarem o não familiar em algo familiar, nossas representações dependem de

nossa memória, sendo dessa soma de experiências e memórias comuns que nós extraímos as

imagens, a linguagem e gestos necessários para superar o que não nos é familiar. Moscovici

(2010) lembra que essas experiências e memórias são dinâmicas e imortais, por isso

ancoragem e objetivação são maneiras de lidar com a memória.

Resumindo as ideias de Moscovici (2010): a ancoragem mantém a memória em

movimento, dirigindo-a para dentro, e está sempre colocando e tirando objetos, pessoas e

acontecimentos, que ela classifica de acordo com um tipo e os rotula com um nome; a

objetivação, que é mais direcionada para fora, para outros, tira daí conceitos e imagens para

juntá-los e reproduzi-los no mundo exterior, para fazer as coisas conhecidas a partir do que já

é conhecido.

Objetificar ou objetivar é também condensar significados diferentes, que

frequentemente ameaçam, que são indizíveis, inescutáveis, em uma realidade familiar,

ancorando o desconhecido em uma realidade conhecida e institucionalizada, deslocando

significados já estabelecidos, que no mais das vezes a sociedade luta para serem mantidos.

Nessa articulação entre ancoragem e objetivação “As representações sociais emergem desse

modo como processo que ao mesmo tempo desafia e reproduz, repete e supera, que é

formado, mas que também forma a vida social de uma comunidade” (Jovchelovitch, 2013, p.

69).

Segundo Moscovici (2010) o processo de objetivação é muito mais atuante que a

ancoragem, sendo uma espécie de domesticação, semelhante, pois, ao processo de civilização

descrito por Bauman (2011), que distingue as fronteiras da barbárie, como o não civil, não

significado, fora do alcance do Direito romano. Para Freud (1930/2010b), a condição para

sermos civilizados é o sacrifício pulsional, hipótese que corrobora o pensamento do mesmo


114

Bauman, que se refere a existência de um selvagem no interior de cada homem que deve ser

domesticado.

Essa questão será aprofundada no capítulo seguinte, que tratará da Psicanálise, da

representação e do social. Será feita uma articulação entre o sujeito do inconsciente, sua

representação no contexto social, e os efeitos das formações do inconsciente transmitidos

através da linguagem no laço social, o que gera uma discussão sobre o que seja a política e os

textos freudianos voltados para a compreensão da cultura.


115

Capítulo 4

A PSICANÁLISE, A REPRESENTAÇÃO E O SOCIAL

É impossível não ver em que medida a civilização é


construída sobre a renúncia institual, o quanto ela
pressupõe justamente a não satisfação (supressão,
repressão, ou quê mais?) de instintos poderosos. Essa
‘frustração cultural’ domina o largo âmbito dos
vínculos sociais entre os homens; já sabemos que é a
causa da hostilidade que todas as culturas têm de
combater.
(Sigmund Freud, 1930/2010b)

O linguísta Sirio Possenti (2009a), conta que durante muito tempo, os estudiosos da

linguagem deram destaque a certos campos semânticos, que estudam os significados das

palavras, frases e expressões, nos quais vicejavam os seguintes abus: as palavras ligadas a

partes do corpo humano, especialmente às ligadas à reprodução ou à excreção, a deuses e

demônios, doenças, morte. Para muitos povos, ou grupos de pessoas, dizer o nome real de

alguma desses entidades seria imoral ou perigoso, segundo Possenti (2009a), daí a

explicação para, por exemplo, dizermos: “Diacho para evitar diabo, falecer ou falta para não

dizer morrer, etc” (pp. 119-120).

Dentro dessa concepção semântica, também insere-se o psicanalista Sigmund Freud

(1905/1980a), ao publicar relato clínico sobre um caso de histeria, em que discute questões

sexuais com toda a franqueza possível, chamando por seus nomes apropriados os órgãos e as

funções da sexualidade. Ele não hesita em conversar sobre tais assuntos com uma jovem de

18 anos, porém ressalta a importância dessa correção da linguagem para defender-se de

acusações de que conversas desta ordem seriam um meio hábil para excitar ou gratificar
116

desejos sexuais. Ele assegura que esse tipo de suposição seria de uma perversa lascívia e

assim se manifesta à respeito do tema:

De resto, sinto-me inclinado a expressar minha opinião sobre esse assunto com

algumas palavras tomadas de empréstimo: ‘É deplorável ter de abrir espaços para

protestos e declarações desta espécie num trabalho científico, mas que ninguém me

censure sob este ponto; antes, acusem o espírito da época, em virtude do qual

alcançamos um estado de coisas em que nenhum livro sério pode estar certo de

sobreviver’. (Schmidt, 1902 citado por Freud, 1905/1980a, p. 7)

Freud refere-se aos pudores de sua época, que fazem com que tome certos cuidados

com a linguagem para não ser mal interpretado. Segundo ele, esta época em que viveu é

regida por uma moral sexual civilizada que restringia a vida das pessoas com uma repressão

sexual, causadora, “\no seu entender, “da doença nervosa moderna, isto é, da doença nervosa

que se difunde rapidamente na sociedade contemporânea” (Freud, 1908/1980b, p.188).

Essa doença era a neurose, e por isso Freud defendia uma vida sexual mais livre, Gay

(1989) assevera que “no delicado âmbito da sexualidade, ele veio a sentir um intenso orgulho

por sua iconoclastia, por sua capacidade de subverter os valores de classe média” (p. 143)

Apesar dessas colocações, Freud era um burguês convencional que se confrontava

com o Freud conquistador científico a cada passo de seu percurso. Ao mesmo tempo que

pregava uma maior liberdade sexual, também assegurava um rigor científico no uso de

palavras convencionais, hoje se diria uma linguagem politicamente correta.

Ao defender uma vida sexual mais livre, Freud advogava o combate aos preconceitos

que atrapalhavam o exercício da sexualidade e causavam danos à saúde psíquica, segundo

Gay (1989), ele reconheceu-se como reformador nessa área da moral sexual: “A generosa
117

concepção da libido, sustentada por Freud, converteu-o num democrata psicológico. Como

todos os seres humanos participam da vida erótica, todos os homens e mulheres são irmãos e

irmãs por baixo de seus uniformes culturais” (p. 149).

No entanto, os radicais da época, reprovaram Freud pelo que julgavam ser sua

ideologia genital e profundamente subversiva, pois aprovava um livre intercurso sexual entre

parceiros, criticava os rigores ditados pela monogamia e pelos preconceitos, como por

exemplo, ao combater as ideias vigentes sobre o homossexualismo, que ele não considerava

nem como crime, pecado ou doença e muito menos como forma de loucura ou sintoma de

decadência. “Isso soava muito moderno, muito pouco respeitável, em suma, muito pouco

burguês” (Gay, 1989, p. 149).

Defendendo democraticamente os direitos humanos de viver sua sexualidade e ao

mesmo tempo preocupar-se em ser politicamente correto no uso da linguagem, exatamente

para conseguir realizar seus ideias democráticos acerca da saúde psíquica, Freud exemplifica

o movimento politicamente correto que surgiu historicamente com a ambição de garantir

condições de igualdade a minorias várias que eram objetivamente destratadas pelo Estado, na

luta pelos direitos civis na América segregacionista de meados do século 20.

E de onde Freud tirou suas ideias politicamente corretas?

A origem da conceptualização, do pensamento e das invenções dele derivam de seu

trabalho clínico, de sua autoanálise e da análise da cultura de seu tempo. Mezan (2014)

explica o seu percurso, do seguinte modo:

A partir da clínica e da autoanálise: para elucidar tanto o enigma da histeria quanto

seu próprio luto neurótico pela morte do pai, ele se debruça sobre a sexualidade e

sobre os sonhos, e o rebote dessas investigações umas sobre as outras faz avançar seu

pensamento. A partir do clima cultural encontra modelos do que é a psique, do que é


118

fazer ciência, do que são emoções e pensamentos, do que é a linguagem. (p. 29)

Na literatura e teorias científicas do século XIX, Freud pesquisa acerca desses temas

acima em Darwin, nos físicos, na filosofia de Kant e do idealismo alemão, na psiquiatria, na

neurologia, em Charcot e a hipnose, em Shakespeare, Sófocles, Goethe, Cervantes (Mezan,

2014). E é com esse material que constrói seus conceitos sobre o psiquismo humano, mas foi

sobretudo através das falas dos pacientes da clínica que construiu representações sobre a

subjetividade.

O relato clínico referido como exemplo, trata-se do seu primeiro caso publicado após

a fundação da Psicanálise, o Caso Dora (Freud, 1905/1980a) como ficou conhecido,

principalmente por tratar-se de um fracasso no manejo da transferência. A transferência é o

que possibilita a relação entre paciente e psicanalista, sendo através dela que a regra

fundamental da psicanálise, a fala em associação livre, pode se realizar. Para Freud (1913/

1980f) a transferência é o mais delicado de todos os procedimentos e deve ser utilizada para a

superação das resistências ao próprio tratamento.

Na experiência psicanalítica, escuta-se o inconsciente, que só existe no laço social,

pois este se forma a partir de uma relação transferencial entre o bebê da espécie humana com

aqueles que cuidam de sua sobrevivência. Investigar os efeitos do inconsciente só é possível

em um contexto singular próprio a cada um, mas dentro de uma perspectiva sócio-histórica,

pois o paciente ao falarde sua história pessoal, engloba todo um universo cultural. O próprio

Freud (1912/1980d) ao encerrar artigo sobre recomendações técnicas assim discorre:

Permitam-me expressar a esperança de que a experiência crescente da psicanálise

cedo conduza à concordância sobre questões de técnica e sobre o método mais eficaz

de tratar os pacientes neuróticos. Com referência ao tratamento de seus pacientes,


119

tenho de confessar-me inteiramente perplexo e, em geral, deposito pouca fé no seu

tratamento individual. (p. 159)

Freud (1913/1980f) acreditava que sozinho o paciente não tinha suficiente força

motivadora para livrar-se do sofrimento psíquico e que só com a transferência seria possível o

relacionamento técnico psicanalítico. Em cada caso, para o autor, deve-se esperar até que a

perturbação da transferência pelo aparecimento sucessivo de resistências transferenciais,

tenha sido removida.

As relações transferenciais, para Freud (1912/1980d) ocorrem em todas as relações,

podendo ser negativa ou positiva. Especificamente na relação transferencial terapêutica,

ocorre uma projeção por parte do paciente de afetos vividos em sua vida, para a figura do

psicanalista. Na verdade a transferencia pode ser um fragmento da repeticão, e a repeticão é

uma transferencia do passado esquecido, não apenas para o médico, mas também para outros

aspectos da situacão atual. O paciente se submete à compulsão à repeticão, que substitui, na

atualidade, o impulso a recordar, não apenas em sua atitude pessoal na transferência com o

psicanalista, mas também em diferentes atividades e relacionamentos (Freud, 1914/1980g).

Na transferência com a paciente Dora, Freud (1905/1980a), ao mesmo tempo que

pede para ela falar em associaçãoo livre, também diz que a escuta dele seria em modo similar

a fala dela, em atenção suspensa e livre. No entanto estabelece uma norma para se falar com

palavras corretas as partes denominativas do corpo e sobre o exercício da sexualidade, tanto

ele como ela. Então a associação seria livre, mas a enunciação nem tão livre. Isso não seria

parecido com o movimento politicamente correto, que para defender os direitos humanos

constrói uma linguagem politicamente correta, que fere a liberdade de expressão, outro

direito humano?
120

4.1 A Representação e a Psicanálise

Freud (1915/1980k) retoma o termo representação da Filosofia - que diz ser a

representação o conteúdo concreto de um ato de pensamento- , mas faz modificações em

decorrência de sua hipótese do inconsciente. Desde suas primeiras obras, Freud opõe

representação a afeto. Quando um evento traumático, ou uma percepção revela-se

inassimilável, o afeto a ela ligado se desfaz ou é convertido em energia somática, formando o

sintoma (Chemama & Vandermersch, 2007).

Assim a representação é o recalcado, e ela se inscreve no inconsciente sob a forma de

traço mnésico. A representação é mais do que tudo um investimento do traço mnésico.

O recalcado é um representante psíquico, um traço mnésico ou lembrança que sofreu

recalcamento no inconsciente. O recalcamento é um processo de afastamento das

representações das pulsões da consciência, sendo o responsável pela formação do

inconsciente. Para Freud (1914) o recalque é a pedra angular da psicanálise. Só que os

conteúdos inconscientes são indestrutíveis e sempre tendem a retornar por caminhos. Mais ou

menos, desviados, no que se chama de retorno do recalcado. E esse retorno acontece por

intermédio das representações (Chemama & Vandermersch, 2007).

Para Freud (1915/1980k), oque caracteriza o inconsciente é representação de coisa

(Sachvorsrellung ou Dingvorstellung), fazrndo uma distinção entre esta e a representação de

palavra’ (Wortvorstellung). Isso ocorre porque Freud toma a palavra como unidade da função

da linguagem, fazendo dela uma “representação complexa, formada de elementos acústicos,

visuais e cinestésicos. Garcia-Roza (1990) explica “ele não fala de representação de palavra,

mas toma a própria palavra como representação, tal como o objeto” (p. 122).

A representação de palavra como um objeto é entendida, do ponto de vista da

psicologia, como “uma apresentação (Vorstellung) complexa, que vem a ser uma combinação
121

de elementos auditivos, visuais e cinestésicos, e a unidade da fala é a palavra” (Hans, 1996).

Em 1915 no texto O Inconsciente, Freud (1915/1980k) dá o sentido de ideia à

representação imagética interna de um objeto ou processo. Ali representação significa o ato

de se fazer representar através de um representante. Ao construir uma teoria sobre a

representação, Freud privilegia a questão pulsional, afetiva: “Uma coisa é considerarmos a

pulsão como representando o corpo no psiquismo, outra coisa é sua ‘representância’ psíquica,

isto é, o fato dela ser representada psiquicamente por seus representantes” (Garcia-Roza,

1995, p. 254).

A pulsão é um representante psíquico dos estímulos, portanto ela é um representante e

não o que é representado. Uma pulsão só pode ser representada no inconsciente por uma

representação.

Cabe aqui um parêntese sobre a questão pulsional, pois é de importância fundamental,

sendo nuclear na teoria psicanalítica. O conceito de pulsão foi introduzido por Freud em 1905

nos Três ensaios sobre a teoria da sexualidade, e refere-se a uma energia fundamental do

sujeito, força necessária ao seu funcionamento, exercida em sua maior profundidade.

A pulsão é o representante psíquico das excitações provenientes do interior do corpo.

Freud (1915/1980j) considera a pulsão como um conceito limite entre o psíquico e o somático

e se propõe a estabelecer o estatuto metafísico da pulsão, construindo uma ficção teórica. Este

conceito tem como referente o corpo, pois a fonte da pulsão é corporal, mas isto não significa

que designe uma parte do corpo ou que possa ser identificado a uma substância determinada

que tenha escapado ao olhar investigador da ciência (Garcia-Roza, 1986, p. 12).

A economia psíquica da pulsão em sua representação, traz a questão da ética do

desejo para a psicanálise e é esse desejo que especifica que a política da psicanálise é a

prática da ética do desejo. Como afirma Kristeva (2010): “o objeto da psicanálise não é outro

senão a palavra trocada – e os acidentes dessa troca – entre dois sujeitos em situação de
122

transferência” (p. 9).

Nascemos já sob o signo do desamparo e necessitamos de um outro ser para que

possamos sobreviver. Nesse primeiro laço com aquele que nos traz os significantes da cultura

em que estamos imersos criamos uma demanda de amor. Essa realidade discursiva é

constituída de uma dimensão simbólica margeada pela dimensão do imaginário, que coloca

esse alguém em um lugar mítico de das Ding, a Coisa, o objeto inteiramente satisfatório,

geralmente representado pela mãe, que ocupa o lugar daquilo a que o sujeito, para existir

deverá renunciar.

Com essa renúncia mergulhamos no mar da insatisfação, e somos submetidos a um

trabalho de luto que nos apresenta a falta como constitutiva de nosso psiquismo. “Ficamos

sempre determinados por aquilo a que foi preciso renunciar, e é apenas a partir daí que

podemos sustentar o que se chama desejo” (Lebrun, 2010, p. 31).

O desejo é simbólico, é da ordem linguageira, e é assim que estamos em referência ao

laço social quando falamos em desejo, pois o sujeito deseja porque a satisfação de suas

necessidades vitais passa pelo apelo dirigido ao laço social, o que de imediato altera a

satisfação, pois esta se transforma em demanda de amor.

4.2 Linguagem-Poder-Culpa

Quando se indaga se algo é politicamente correto, adentra-se na questão moral do que

é correto ou incorreto em nossa contemporaneidade.

Ser contemporâneo carrega a marca de uma singular relação com o próprio tempo

vivido, pois adere-se a este e, ao mesmo tempo, dele se toma distâncias. “Aqueles que

coincidem muito plenamente com a época, que em todos os aspectos a esta aderem

perfeitamente, não são contemporâneos porque, exatamente por isso, não conseguem vê-la,

não podem manter fixo o olhar sobre ela” (Agamben, 2009, p. 59).
123

Perceber o escuro do seu tempo, é tarefa do ser contemporâneo, e isso não se efetua

se se desconhece o passado que precede o presente: “De fato, a contemporaneidade se

escreve no presente assinalando-o antes de tudo como arcaico, e somente quem percebe no

moderno e recente os índices e as assinaturas do arcaico pode dele ser contemporâneo”

(Agamben, 2009, p. 69).

Assim não é a troca de palavras propostas pelo politicamente correto que vai apagar o

passado, em referência à longa e dolorosa história da escravidão dos negros africanos, ou à

perseguição antissemita aos judeus, por exemplo. Para Possenti (1995), a troca de palavras

marcadas por palavras não marcadas ideologicamente não diminui a produção de

preconceitos:

Trata-se de uma tese simplista, já que é mais provavelmente a existência dos

preconceitos que produz aqueles efeitos de sentido, embora não se possa desprezar o

fato de que o discurso pode servir para realimentar as condições sociais que dão

suporte às ideologias e aos próprios discursos. (p. 138)

O problema central do politicamente correto decorre do uso da linguagem, embora

saiba-se que um movimento por comportamentos politicamente corretos tenham

consequências e méritos políticos (Possenti, 1995).

Política é a arte de bem governar, “é o conjunto dos fenômenos e das práticas

relativas ao Estado ou a uma sociedade” (Holanda, 2010, p. 597). Política é exercida no laço

social, assim como no laço social é constituído o inconsciente, desde a primeira interacão do

sujeito com a família até suas interações com o ambiente social, que vão organizar sua

realidade psíquica. Então, por essas relações o inconsciente é o social. O inconsciente é um

fato social ligado às estruturas simbólicas (Safatle, 2007).


124

Em nenhuma organização política, na modernidade, poderia haver funcionamento

sem relações de alteridade, havendo sempre dominação. O grande problema político será

saber qual é o melhor modo de determinar e adequar essa alteridade, em função de uma

escala de valores escolhidos (Lebrun, 2004).

Agamben (2002) lembra que “A política humana é distinguida daquela dos outros

viventes porque fundada, através de um suplemento de politização ligado à linguagem, sobre

uma comunidade de bem e de mal, de justo e injusto e não de simplesmente de prazeroso e

doloroso” (p. 10). Tomando essa referência, Foucault (1988), resume o processo através do

qual, nos limiares da modernidade, a vida natural dos homens, começa a ser incluída nos

mecanismos e nos cálculos do poder estatal, e a política transforma-se em biopolítica: “Por

milênios, o homem permaneceu o que era para Aristóteles: um animal vivente e, além disso,

capaz de existência política: o homem moderno é um animal, em cuja política está em

questão a sua vida de ser vivente” (p. 127). Assim as disciplinas do corpo e as regulações da

população constituem os dois pólos em torno dos quais se desenvolveu a organização do

poder sobre a vida.

Dentro dessa injunção surgiu o pensamento freudiano sobre as questões referentes ao

saber e o poder da sexualidade, regida pelos desejos inconscientes.

O inconsciente freudiano constitui a hipótese fundadora da Psicanálise, é o seu

conceito fundamental, constituindo não um mistério, mas um saber que se inventa a partir de

uma relação nova com o outro. A invenção de uma nova relação com o outro pela fala,

através da transferência é o que sustenta o campo do inconsciente.

Antes de Freud, o inconsciente designava um mistério do que não era consciente ao

sujeito, a hipótese freudiana é a de o inconsciente ser uma instância psíquica, para onde vão

os desejos não realizados e insuportáveis por isso recalcados no inconsciente. O recalque é a

pedra angular da psicanálise freudiana, pois sem esse mecanismo de defesa não se constituiria
125

o inconsciente (Freud, 1915/1980k).

Como um lugar psíquico, exposto desde a primeira tópica o núcleo do inconsciente é

constituído por representantes da pulsão que querem descarregar seu investimento, e, por

desejos que querem realizar-se. Por essa noção de pulsão como um conceito fronteiriço entre

o psíquico e o somático que dá conta das relações objetais e da procura de satisfação, Freud

(1905/1980a), foi por muitos considerado como só focado na sexualidade. Mas, Freud

restituiu enfim ao sexo, por uma reversão súbita, a parte que lhe era devida e que lhe fora

contestada por tanto tempo pela repressão da sexualidade pelos tabus morais da sociedade,

afirma Foucault (1988) enaltecendo as descobertas freudianas, e defendendo-o das acusações

de pansexualismo:

Não viram que o gênio bom de Freud o colocara em um dos pontos decisivos,

marcados, desde o século XVIII, pelas estratégias de saber e de poder; e que, com

isso, ele relançava com admirável eficácia, digna dos maiores espirituais e diretores

da época clássica, a injunção secular de conhecer o sexo e colocá-lo em discurso. (p.

149)

Preocupado com os sintomas causados pelo excesso de interdições ao exercício da

sexualidade, Freud (1908/1980b) verificou “que a influência prejudicial da civilização reduz-

se principalmente à repressão nociva da vida sexual dos povos (ou classes) civilizados através

da moral sexual ‘civilizada’ que os rege” (p. 191).

O conceito de civilização pode referir-se a uma grande variedade de fatos, ao nível

tecnológico, ao tipo de maneiras, ao desenvolvimento dos conhecimentos científicos, às

ideias religiosas e aos costumes, ao tipo de habitações ou à maneira como as pessoas vivem

juntas, à forma de punição determinada pelo sistema judiciário, ou mesmo ao modo como são
126

preparados os alimentos. Elias (1994) assegura que não há nada que não possa ser feito de

forma ‘civilizada’ ou ‘incivilizada’, mas ele revela que parte de uma descoberta muito

simples:

Este conceito expressa a consciência que o Ocidente tem de si mesmo. Poderíamos

até dizer: a consciência nacional. Ele resume tudo em que a sociedade ocidental dos

últimos dois ou três séculos se julga superior a sociedades mais antigas ou a

sociedades contemporâneas ‘mais primitivas’. (p. 24)

Com a palavra civilização, a sociedade ocidental procura descrever tudo aquilo do

qual se orgulha, o nível de sua tecnologia, a natureza de suas maneiras, o desenvolvimento de

sua cultura científica, sua visão do mundo, minimizando as diferenças nacionais entre os

povos, pois enfatiza o que é comum a todos os seres humanos. “Em contraste o termo cultura,

o conceito de Kultur delimita, pois dá ênfase especial a diferenças nacionais e à identidade

particular de grupos” (Elias, 1994, p. 25).

Assim é que Freud (1908/1980b) se arrisca a supor que sob a égide de uma moral

sexual civilizada, a saúde e a eficiência, a capacidade de lidar com a vida dos indivíduos

“esteja sujeita a danos, e que tais prejuízos causados pelos sacrifícios que lhes são exigidos

terminem por atingir um grau tão elevado, que indiretamente cheguem a colocar também em

perigo os objetivos culturais” (p. 187).

Nessa época, que não é nossa contemporânea, não se era livre para fazer escolhas.

Vivia-se sob uma autoridade patriarcal que escolhia os valores e era dirigida por um severo

código moral. O excesso de repressão causava sintomas neuróticos:

A experiência nos ensina que existe para a imensa maioria das pessoas um limite
127

além do qual suas constituições não podem atender às exigencias da civilização.

Aqueles que desejam ser mais nobres do que suas constituições lhes permitem, são

vitimados pela neurose. (Freud, 1908/1980b, p.197)

O projeto moderno postula a possibilidade de um mundo humano livre não apenas de

pecadores, mas do próprio pecado: não apenas de pessoas que fizeram escolhas erradas, mas

da própria possibilidade de erro e escolha. Pode-se dizer, como Bauman, (2011):

O projeto moderno postula um mundo livre de ambivalência moral. E uma vez que a

ambivalência é a característica natural da condição moral, postula também o

afastamento entre as escolhas humanas e sua dimensão moral. Foi isso que a

substituição da escolha moral autônoma pela lei ética produziu na prática. (p.13)

Essa mutação cultural, já prevista por Freud (1930/2010b), passa do homem moderno

regido por uma autoridade, para o homem pós-moderno senhor do seu destino, guiado pela

democracia, pelo liberalismo econômico e pelos ideais de liberdade, igualdade e fraternidade,

que fantasia não mais ser regido pela culpa, pois nessa cultura a palavra de ordem da

ideologia liberal é assegurar o gozo a todos, e isso se tornou a nova moral. A nova moral é

que cada um tem o direito de satisfazer plenamente seu gozo, sejam quais forem suas

modalidades. Essa nova moral é fundamentada no saber da ciência, que se transmite em seus

enunciados e exclui o sujeito da enunciação, tão caro à teoria psicanalítica. A exclusão do

sujeito, leva à rejeição, à exclusão do semelhante, ou da figura de autoridade que regia o

mundo das tradições.

Para Melmam (2003a, p. 61), a recusa a qualquer comando que venha de terceiros

parece ser vivida como uma negação à um comando que é visto como intrusivo e como uma
128

violência sentida de um modo paranoico. Os membros dessa sociedade conhecem satisfações

que são consumadas, mesmo que o sexo não ocupe mais o lugar predominante:

Como os senhores sabem, há esta denominação do ‘politicamente correto’. O que

quer dizer hoje ‘politicamente correto?’ Quer dizer que ninguém tem o direito de

criticar qualquer gozo, seja ele qual for, pois vão se tornar politicamente incorretos,

vão ser rejeitados e recusados. (Melmam, 2003a, p. 64)

Essa transformação cultural, observada com clareza do lado ocidental do planeta,

desvaloriza antigas posições e valores que a tradição moral e política transmitia, marca a

passagem de uma cultura onde a religião comandava e obrigava aos seu seguidores o recalque

dos desejos, como Freud (1908/1980b) chama de a cultura da neurose do sujeito, para uma

outra cultura em que se vive o exercício pleno do consumo dos objetos, com a liberdade de

expressão apregoada e o direito de plena satisfação para todos (Melman, 2003b).

Na contemporaneidade o centro das preocupações morais foi deslocado do autoexame

do ator moral para a tarefa filosófica/política de operar as prescrições e proscrições de um

código de ética. Enquanto isso, a responsabilidade sobre as escolhas foi deslocada do sujeito

moral para agências supraindividuais, agora dotadas de autoridade ética exclusiva (Bauman,

2011).

Nesse contexto a culpa é eliminada da escolha, agora simplificada na forma de um

dilema entre obediência e desobediência à regra. A passagem moderna da responsabilidade

moral para as decisões éticas ofereceu uma despreocupada autonomia às pessoas: “Ao self

moral, a modernidade ofereceu uma liberdade complementada por formas patentedas de

escapar delas” (Bauman, 2011, p. 14).

Bauman (2011) indaga como a moralidade pode ser descrita hoje, “na ausência de
129

uma ‘política de princípios’, e muito mais – e sobretudo- com a questão de que aspectos das

condições de vida tornam uma ‘política de princípios’ redundante ou impossível” (p. 18).

Não estaria o politicamente correto, quando defende os direitos humanos, e lutando

pela não discriminação das diferenças, tentando encontrar esses princípios abandonados que

foram, em nome do direito à todos aos gozos proporcionados por nossa contemporaneidade?

O ideal da political correctness seria que esta se tornasse invisível, que por si mesma,

e de forma, enfim, quase espontânea, pudesse instalar, de maneira subliminar, a pior

das culpas interiores naqueles a quem os detentores da ortodoxia (da opinião

correcta’) pretendem corrigir. (Bento, 2008, p. 28)

Zizek (2009) observa que a correção política transforma os excluídos em vítimas

potenciais. Explicando que a regulação da segurança e do bem-estar das vidas humanas, a

renúncia às grandes causas ideológicas, faz com que reste a administração eficaz da vida,

gerando a política do medo que se centra na defesa contra o assédio ou vitimização

potenciais: “A correção política é a forma liberal exemplar da política do medo. Uma (pós-)

política assim assenta sempre na manipulação de um ochlos ou multidão paranoide: é a união

aterradora de pessoas aterradas” (Zizek, 2009, p. 44).

Se mantemos uma certa distância dos outros, não nos comprometemos nas nossas

relações e tentamos nos desimplicar de nossa culpa, diante de nossos atos, palavras e

pensamentos, fundante de nossa história cultural e psíquica. Hoje, se seguirmos o que dita o

politicamente correto, se falamos a linguagem certa, não teremos do que nos arrepender e

nem nos culpabilizar pelos nossos erros?

O homem da era freudiana era regulado pela culpa, sentia-se culpado pelo desejo de

realizar seus impulsos libidinais ou, na tentativa de satisfazer suas pulsões, se culpava pelo
130

julgamento social ou de sua consciência interna, seu supereu, instância da realidade psíquica

dos indivíduos que se encarrega de julgar o eu.

A culpa, para a Psicanálise, é essa consciência dolorosa de se estar em falta,

consecutiva ou não a um ato julgado repreensível, podendo ser postulada também de forma

inconsciente, nesse caso, para dar conta de diversas condutas obsessivas, delinquentes ou de

fracasso, assim como de certas resistências a se curar ou a abrir mão do gozo de seu sintoma.

Na reflexão freudiana sobre esse tema, é a culpabilização do gozo que aparece como

resultado da ação do supereu.

Desde Totem e Tabu, Freud (1913/1980e) confere ao sentimento de culpa uma parcela

significativa na constituição das sociedades humanas alicerçadas no patriarcalismo. Na

autoridade paterna se centraliza o poder de governar as vidas e de representar a linguagem ou

transmitir as leis de sua cultura, perpassar conceitos morais e valores éticos, mas, para

Barthes (2007), o discurso de arrogância do poder engendra o erro e, por conseguinte, a

culpabilidade daquele que o recebe. Para Nasio (1991), “a culpa é uma doença imaginária do

eu que reclama o remédio imaginário da autopunição infligida pelo supereu” (p. 135). Hoje,

no entanto, na sociedade ocidental pós-moderna, o mal-estar causado pela culpa não é mais

tão visível nos atos simbólicos, evidenciando-se, principalmente, nos registros do corpo, da

ação e do sentimento. Essa transformação histórica é fundada a partir de operadores políticos,

sociais e simbólicos, que vieram subverter o campo dos saberes e dos valores, resultando em

uma problemática ética que se impõe na leitura do mal-estar e das subjetividades

contemporâneas.

A solução do mal-estar é o objetivo da modernidade. O moderno pensamento ético,

em cooperação com a moderna prática legislativa, lutou para abrir via a essa solução radical

sob as bandeiras gêmeas da “universalidade” e da “fundamentação” (Bauman, 2013, p. 17).

A “universalidade” significou o domínio sem exceção de um conjunto de leis no


131

território sobre o qual estende a sua soberania. Isto quer dizer a universalidade possui o traço

das prescrições éticas que compelia à toda criatura humana só pelo fato de ser criatura

humana, a reconhecê-la como direito e aceitá-lo em consequência como obrigatório.

Parece ser nesse campo que se infiltra a primeira vertente do politicamente correto na

universalização dos direitos humanos, na defesa de uma linguagem que assegure a igualdade,

liberdade e convívio fraterno entre as pessoas.

A “fundamentação”, na prática dos legisladores, significou os poderes coercitivos do

estado que tornavam a obediência às regras expectativa sensata, pois a regra era bem fundada

na medida em que gozava do suporte desses poderes, e fortalecia-se a fundamentação com a

eficácia do suporte. “As regras seriam bem fundadas quando as pessoas de que se esperava

segui-las, criam que ou podiam ser convencidas de que por uma razão ou outra segui-las era a

coisa certa a fazer” (Bauman, 2013, p.18).

O politicamente correto em sua tentativa de ditar o certo, paradoxalmente, pode às

vezes transformar-se em patrulha de comportamentos e falas, ao fazer a indagação: “Isso é

politicamente correto?”

O Isso em Psicanálise é um conceito concebido como um conjunto de conteúdos de

natureza pulsional e de ordem inconsciente. Foi definido por Freud em 1923 a partir do

pronome alemão neutro da terceira pessoa do singular (Es), para designar uma das três

instâncias da segunda tópica freudiano do funcionamento do aparelho psíquico, ao lado do eu

e do supereu (Roudinesco & Plon, 1998).

Freud (1923/1980o) passa a descrever o inconsciente como uma qualidade das três

instâncias psíquicas, sendo o Isso inteiramente inconsciente. Existe, mesmo no nosso Eu,

parte inconsciente. O que quer dizer, que memso recalcado o uso de termos que consideramos

incorretos, um dia eles podem retornar e nós o dizemos “sem querer”.

Apesar de o fenômeno politicamente correto poder ser representado socialmente, de


132

forma tão presente no cotidiano e de ser muito citado e descrito na mídia escrita e

audiovisual, seria mesmo um fato social o politicamente correto reconhecido na fala dos

sujeitos que constroem e simbolizam essas representações sociais?

4.3 Psicanálise e a linguagem politicamente correta

A grande descoberta, ou “invenção” freudiana foi de que a verdade é encontrada fora

da razão, na exclusão, como disse Foucault (2002), pois é originária do inconsciente. Sendo

que o inconsciente não é o que se oferece benevolamente à escuta do psicanalista, mas o que

teima em se ocultar e que só se oferece distorcidamente, equivocadamente, dissimulado nos

sonhos, nos sintomas e nas lacunas do nosso discurso consciente (Garcia-Roza, 2005)

O método criado por Freud para descobrir as formações do inconsciente na

experiência psicanalítica foi o da associação livre que consiste nesse mandamento freudiano

dito em início de análise ao paciente, de falar tudo o que lhe vier à mente.

É indiferente o assunto com que se inicia o tratamento psicanalítico, podendo ser a

história da vida do sujeito, a história de sua doença ou as recordações da infância, por

exemplo, ficando à critério do paciente a escolha. Freud (1913/2010a) enfatiza que se deve

permitir que o sujeito simplesmente fale e o psicanalista lhe diga: “Antes que eu possa lhe

dizer algo, preciso saber muito sobre você, por favor, me conte o que sabe de você” (p. 180).

Falar no processo da associação livre é correr o risco de errar, de falar coisas

impróprias, censuradas, cometer atos falhos, lapsos, esquecimentos, é falar de seus sonhos,

seus sintomas, não esquecendo jamais “que você prometeu sinceridade absoluta, e nunca

passe por cima de algo porque por alguma razão lhe é desagradável comunicá-lo” (Freud,

1913/2010a, p.181). Essa fala endereçada ao paciente em início de análise deixa claro que o

que importa é o dizer do sujeito, a enunciação do seu discurso e não o discurso propriamente

dito. É na revelação interpretativa da enganação inconsciente que se produz um efeito de


133

verdade. O analista faz o analisante ouvir a verdade de seu dizer, ele não se põe na postura de

“dizer o verdadeiro sobre o verdadeiro” (Chemama & Vandermersch, 2007, p. 386).

Essa busca pela verdade do inconsciente implica em uma posição do analista, que é

bem explicada por Garcia-Roza (2005): “O psicanalista é aquele que sabe que o relato do

paciente é um enigma a ser decifrado, e sabe também que através desse enigma uma verdade

se insinua. No enigma, verdade e engano são complementares e não excludentes” (p. 8).

A verdade não é representada imediatamente pelo seu agente, mas sim junto ao outro

que supostamente deve receber sua comunicação, por isso todo discurso tem um caráter

social, faz laço como diz Lacan em 1960 quando elabora sua teoria dos quatro discursos - o

discurso do mestre, o discurso da histeria, o discurso do universitário e o discurso do analista,

que trata da organização da comunicação humana, sobretudo linguageira, específica das

relações do sujeito com os significantes e com o objeto, que são determinantes para o

indivíduo e que regula as formas do laço social (Chemama & Vandermersch, 2007).

A primeira implicação do discurso é a participação do sujeito na sua linguagem

através da fala do indivíduo, pois o sujeito forma-se no discurso que comunica ao outro. No

discurso, a língua comum a todos torna-se o veículo de uma mensagem única, própria da

estrutura particular de um determinado sujeito que imprime sobre a estrutura obrigatória da

língua uma marca específica, em que se marca o sujeito sem que ele tenha consciência disso.

Desse modo, estão integrados na estrutura do discurso tanto o agente do discurso, quanto o

auditor desse processo, em que o desejo do primeiro influencia o segundo, sendo por isso que

o discurso transforma-se no campo privilegiado da psicanálise, segundo Kristeva (2007): “o

seu domínio é o do discurso concreto enquanto realidade transindividual do sujeito; as suas

operações são as da história pois constitui a emergência da verdade no real” (p. 21).

Lacan (1945/1998), introduz o termo sujeito para falar desse indivíduo que Sigmund

Freud descobriu no inconsciente, que é o sujeito do desejo o sujeito da psicanálise. Esse


134

sujeito do desejo é um efeito da imersão da cria humana na linguagem. A distinção do

indivíduo tal como nós o percebemos comumente, é que o sujeito é o que é suposto pelo

psicanalista a partir do momento em que há desejo inconsciente, explicam Chemama e

Vandermersch (2007) dizendo que é “um desejo inconsciente, um desejo tomado no desejo

do Outro, mas ao qual, entretanto, ele tem de responder” (p. 361). O desejo é um efeito da

linguagem, que nos é transmitida pela cultura.

Alinguagem é transmitida por um Outro, termo criado por Jacques Lacan para

designar aquele que transmite os significantes de uma cultura. Foi em 1945 que Lacan

utilizou essa expressão o grande Outro para distinguir do pequeno outro, o semelhante

(Quinet, 2012). Partindo das concepções freudianas acerca do sujeito do inconsciente, e de

uma teoria das identificações e da gênese social da personalidade, ele construiu sua teoria do

inconsciente: “Com sua teoria da constituição do Eu, Lacan demonstrara como é a partir da

imagem do outro que oriento meu desejo e minha relação ao mundo social. A imagem mostra

como ‘o desejo do homem é o desejo do Outro’” (Safatle, 2007, p. 31).

Aprendemos a falar através desse Outro que nos transmite os significantes e

significados de uma cultura, adentrando assim no campo da linguagem inelutavelmente. O

primeiro grande Outro em nossas vidas é representado por quem ocupa a função materna,

seja ele quem for.

Falar para a Psicanálise é um desiderato, é aquilo que se deseja, ou a que se aspira.

Por isso o desejo é um efeito da linguagem. E o desejo inconsciente faz com que falemos

coisas que do ponto de vista da moral pode ser considerado politicamente incorreto, podendo

trazer uma culpa subsequente, pois a culpa é considerada por Freud (1930/2010c) como um

sentimento de indignidade do eu quando submetido à crítica do contexto cultural.

Para a psicanálise freudiana, a culpa tem um viés de universalidade, pois é condição

da própria estrutura do sujeito e constitui o primórdio da civilização, pois para adentrar no


135

mundo dos falantes é nos exigido uma renúncia.

Falar exige uma renúncia, pois obriga a um desvio forçado, à perda do imediato:

“Falar nos faz perder a adequação ao mundo, nos torna sempre inadaptados, inadequados;

assim, podemos nos felicitar por aquilo que a linguagem nos permite, mas podemos nos

lamentar por aquilo que a linguagem nos fez perder”, afirma Lebrun (2008b, p.16). É

exatamente essa perda que a linguagem nos faz ter, que nos dá acesso ao desejo. Essa perda,

dito de outra forma é o que Lacan (1956-1957/1995), refere-se como uma perda do objeto

primordial, aquele primeiro grande Outro, um objeto perdido para sempre, que o homem leva

toda sua vida querendo reencontrá-lo, e que não é um objeto real. A falta é constitutiva do

homem, e é a partir da falta que desejamos. A linguagem não preenche a falta, a linguagem

com seu simbolismo constrói novos caminhos para se lidar com a falta.

A falta e a dívida são duas faces da culpa, pois as pessoas se culpam tanto por suas

ações e pensamentos faltosos, ou errados e/ou fracassados, tanto pelo que estão em falta,

portanto em dívida, o que está em estreita conexão com a linguagem, o poder e a política,

pois a língua desenvolve-se historicamente e, uma vez constituída, impõe aos falantes uma

maneira de organizar o mundo, como já foi visto anteriormente.

O politicamente correto tenta operar através de uma linguagem correta, verdadeira,

limpa de preconceitos, enquanto a psicanálise opera em seu dispositivo analítico através de

uma linguagem que erra, não é correta, pois é a palavra trocada, a palavra certa para a

psicanálise.

O que é considerado psicanaliticamente correto é aquilo que é regido pela ética do

desejo. E esse percurso sempre instaura a pergunta em referência ao desejo do Outro, mesmo

utilizando umalinguagem politicamente correta, nunca poderemos saber qual o desejo do

Outro, como observa Julien (2010): “você me diz isso, mas o que você quer quando me diz

isso: eu não sei?” (p. 57). Pergunta essa que leva à conclusão do autor de que o que a
136

psicanálise recolheu da experiência humana é que para esse porquê dirigido ao Outro não

existe palavra que possa servir de resposta, pois perdura o enigma de que a linguagem tropeça

para dizer o desejo do Outro.

A linguagem tropeça e é nisso, nesse esvaziar pela palavra, que podemos dizer algo

do desejo, e isso, geralmente é um movimento politicamente incorreto, que, no entanto, pode

acontecer sem ferir os direitos do Outro, em um jogo político em que pode-se incluir a defesa

dos direitos humanos, no respeito ao desejo do Outro e a aceitação da lógica psicanalítica da

aceitação das verdades inconscientes ditas através de um discurso livre e não neutro.

A política da psicanálise é a prática da ética do desejo. Como nos diz Kristeva (2010):

“o objeto da psicanálise não é outro senão a palavra trocada – e os acidentes dessa troca –

entre dois sujeitos em situação de transferência” (p. 9). O desejo sempre envolve um outro,

assim sempre nos constituímos no laço social.

O objeto politico se constitui é no laço social, pois esse objeto, por excelência não é o

indivíduo, mas o grupo. Goldenberg (2006), afirma que Freud conclui que o mesmo

mecanismo que coloca o líder de um grupo como um ideal é o que rege ou forma o eu

individual, e sua teorização do social é profundamente dominada pela conceitualização da

pulsão de morte, de destrutividade. É nessa organização do mundo que entra a questão

política, uma vez que está em estreita conexão com as relações de poder. Como já verificado,

Foucault trata do tema do poder, rompendo com as concepções clássicas deste termo. Para

ele, o poder não pode ser localizado em uma instituicão ou no Estado. O poder não é

considerado como algo que o indivíduo cede a um soberano (concepção contratual jurídico-

política), mas sim como uma relação de forças. Ao ser relação, o poder está em todas as

partes, uma pessoa está atravessada por relações de poder, não pode ser considerada

independente delas.

Para Foucault (1988), o poder não somente reprime, mas também produz efeitos de
137

verdade e saber, constituindo verdades, práticas e subjetividades. No processo histórico que

gera o poder o sujeito se constitui através de suas enunciações do discurso. Ao enunciar, falar

seu discurso, o sujeito se produz na enunciação.

Na concepção psicanalítica a fala do sujeito é estruturada na medida em que ocupa

lugares, na configuração do discurso, comparáveis à metáfora simbólica. O significado na

ética do desejo, não é representado imediatamente por um significante, mas remetido a um

outro significante. “No discurso, a verdade não é representada imediatamente por seu

‘agente’ – na acepção do agente de um poder ou do mandatário – mas junto ao ‘outro’ que

supostamente deve receber sua comunicação” (Foucault, 1988, p. 21).

Ao lado do significante e do significado do discurso, se associa, também a

significação no tocante ao processo diacrônico da fala, ou a evolução de uma língua através

do tempo. Então o que é politicamente correto ou psicanaliticamente correto é o sentido que o

discurso tem para cada sujeito e mais que tudo o modo como é enunciado. Por exemplo, ao se

dizer carinhosamente a palavra nego para denominar o ser amado o sentido é bem diferente

de quando se usa o termo para denigrir e diferenciar de modo racista um seu semelhante.

4.4 Articulações entre Psicanálise e Representação Social

A Psicanálise com sua teoria e prática tenta fazer uma representação social do

inconsciente e seus efeitos no cotidiano, que são observados nas formações do inconsciente,

que são os sintomas, os atos falhos, os lapsos, esquecimentos, sonhos. O inconsciente,

matéria-prima da psicanálise, não existe sem a linguagem, as representações sociais muito

menos, pois, como seriam simbolizadas sem a linguagem?

Tratando-se de representações sociais, processo parecido com o psicanalítico ocorre

nas relações sociais estabelecidas no processo de ancoragem e subjetivação, em que fica claro

que a aptidão para a linguagem é o que primordialmente especifica e caracteriza a


138

humanidade. E é também dentro de uma perspectiva sócio-histórica e construcionista que

Moscovici (1961/2012) desenvolveu o conceito de representações sociais, como entidades

que circulam, e se cristalizam através da fala, do gesto, do encontro no universo cotidiano.

Para ele, a maioria das relações sociais efetuadas estão impregnadas de representações

sociais, assim como os objetos produzidos e consumidos, além das comunicações trocadas.

Moscovici defende a centralidade da cultura na formação das representações sociais.

Para ele, estas derivam seu poder da forma como controlam a realidade de hoje através do

ontem e da continuidade que isso pressupõe. Desse modo, Moscovici propõe pensá-las como

entidades sociais, que têm vida própria, que se comunicam entre si, entram em conflito

constantemente, opõem-se mutuamente e que podem mudar com o desenrolar das nossas

vidas, desaparecendo, algumas vezes, para emergir sob novas formas, pois para Moscovici

(1961/2012):

As representações sociais são conjuntos dinâmicos, seu estatuto sendo o da produção

de comportamentos e de relações com o ambiente, da ação que modifica uns e

outros, e não a reproducão de comportamentos ou relações, como reação a um dado

estímulo externo (p. 47).

Assim uma afinidade primeira que existe entre a teoria das representações sociais e a

teoria psicanalítica é que ambas dependem para existirem da linguagem e sua veiculação no

circuito social. Moscovici (1961/2012) diz que se por um lado as representações sociais

correspondem à substância simbólica que entra em sua elaboração, por outro lado

correspondem à prática que produz tal substância. Assim também é o inconsciente, produzido

pela linguagem, substância simbólica, que produz na prática os efeitos do inconsciente


139

manifestado em ações como troca de palavras, atos falhos, lapsos, esquecimentos, chistes,

sonhos e sintomas (Freud, 1915/1980k).

Uma aproximação entre representações sociais e Psicanálise pode ocorrer à partir

dessa matéria prima das representações sociais, ou seja, mais especificamente, dos elementos

que compõem as representações sociais:

As representações sociais são fenômenos complexos sempre ativos e agindo na vida

social. Em sua riqueza fenomênica assinalam-se elementos diversos, os quais são às

vezes estudados de maneira isolada: elementos informativos, cognitivos, ideológicos,

normativos, crenças, valores, atitudes, opiniões, imagens etc.. Mas esses elementos

são sempre organizados como uma espécie de saber que diz alguma coisa sobre o

estado da realidade. E é esta totalidade significante que, relacionada à ação, encontra-

se no centro da investigação científica. Esta assume a tarefa de descrevê-la, analisá-la,

explicar suas dimensões, formas, processos e funcionamento. (Jodelet, 2001, p. 4)

Para Freud (1915/1980k), o inconsciente é um saber que não se sabe. Todos esses

elementos descritos por Jodelet configuram o material que compõe esse saber que fica

armazenado, guardado no inconsciente e que um dia retornam.

Esses elementos também envolvem os afetivos, ao lado dos cognitivos, sociais,

integrados no contexto das relações sociais, intra e intergrupais, e das ideologias. Assim, uma

articulação entre Psicanálise, Representação e o Social, inicia-se pela noção de afeto e laço

social para a Psicanálise que se produzem através do movimento pulsional humano.

Seguindo Freud (1915/1980k), percebe-se que os afetos e os sentimentos são

processos de descarga, cujas manifestações finais são percebidas como sensações. Se a pulsão

não aparecesse sob forma de afeto, nada poder-se-ia saber sobre ela, embora não possa se
140

tornar consciente esta pulsão, o que dá uma ideia dela é sua representação.

O inconsciente formado por pulsões só pode ser expresso no social através de suas

representações. A pulsão é o representante no psiquismo de um estímulo que ocorre num

órgão ou parte do corpo. Assim, ao mesmo tempo em que a pulsão representa o corpo no

psiquismo, ela só se faz presente neste último através de seus representantes psíquicos: a

ideia (Vorstellung) e o afeto (Affekt) (Hans, 1996).

Já a noção de renúncia pulsional, referida acima, na contemporaneidade vai na

contramão das ações políticas dos cidadãos, pois nas sociedades capitalistas e liberais,

vivemos a suspensão da dimensão da renúncia.

Nos tempos de Freud havia uma configuração psíquica calcada na renúncia e na

submissão aos ditames de um pai ainda severo. Hoje o pai severo se tornou, muitas

vezes, um adolescente crescido, e a função paterna, como diria Jacques Lacan, parece

ter ficado vaga na sociedade. (Saroldi, 2011, p. 162)

Hoje passamos a viver em uma nova economia psíquica (Melman, 2003b), que

significa a passagem dessa economia organizada pelo recalque da época de Freud, para uma

economia em torno da exibição do gozo, e é nesse contexto que passamos a verificar que o

poder politico passa a se valer das imagens, do espetáculo para se consolidar. O poder sempre

dependeu de uma boa dose de espetacularização, de uma grande produção imaginária para se

estabilizar, apesar da incompatibilidade entre o fascínio da publicidade e a aridez da

negociação política (Kehl, 2009, p. 129).

Na era da globalização o gozo das imagens naturalizam todos os fenômenos da vida

social, não se sabendo mais o que é real e o que é ficção, fazendo que a ciência central, o eixo

central do poder não seja mais a política, mas a economia, o capital.


141

É nesse contexto, que se pode entender como a política se torna biopolítica.

Agamben (2002), explica que Michel Foucault nos últimos anos de sua vida começou a

orientar sempre com maior insistência as suas pesquisas para aquilo que definia como ‘bio-

política’, ou seja, a crescente implicação da vida natural do homem nos mecanismos e nos

cálculos do poder. Agamben (2002), segue enfatizando a visão aristotélica do homem como

um animal vivente, e capaz de existência política: o homem moderno é um animal em cuja

política está em questão a sua vida de ser vivente. Vale ressaltar a referência que Agamben

(2002) faz ao discurso de Foucault:

Todavia Foucault continuou tenazmente até o fim a investigar os ‘processos de

subjetivação’ que, na passagem entre o mundo antigo e o moderno levam o indivíduo

a objetivar o próprio eu e a constituir-se como sujeito, vinculando-se, ao mesmo

tempo, a um poder de controle externo, e não transferiu suas próprias escavações,

como teria sido até mesmo legítimo esperar, ao que poderia apresentar-se como o

local por excelência da biopolítica moderna: a política dos grandes Estados

totalitários do Novecentos. (p. 125)

Para Lebrun (2009), o cumprimento da democracia leva à um funcionamento não

todo dentro da castração, ou seja no lado feminino da sexuação, não querendo dizer que não

aparece o lado masculino, a função paterna, mas que de agora em diante está em segundo

plano na organização social. “É esse movimento que autorizou e favoreceu a emergência dos

totalitarismos, entendidos como respostas a esse novo marco da divisão social” (Lebrun,

2009, p. 158).

Castração é o que se chama em psicanálise de um conjunto de consequências

subjetivas, principalmente inconscientes, determinadas pela ameaça de castração nos homens


142

e pela ausência de pênis nas mulheres (Chemama & Vandermersch, 2007).

É reconhecer que somos limitados e não somos exceção à regra, ou seja, devemos nos

submeter às leis sociais.

No entanto, cada vez mais queremos ser singulares, ficar numa lógica da exceção,

mas o consumo em massa, uniformiza o gozo e leva à exclusão do outro. Esse movimento

leva à uma exclusão real, mortífera, porque ela rompe o laço social. Agamben (2002), vê

nesses excluídos uma figura paradigmática do cidadão de hoje, submetido à violência

totalitária, quando a política se torna biopolítica, ou seja, quando se leva em conta

diretamente a vida nua. Segundo Lebrun (2009) “O lugar do excluído é, então a consequência

lógica do fato de que o sujeito não está mais no simbólico social e, a partir disso, sua

exclusão é espontaneamente portadora do real da morte” (p. 161).

Para a Psicanálise a violência fundamental do ser humano é desencadeada no

momento paradoxal do encontro e desencontro de seres buscando realizar-se, complementar-

se, subjetivar-se, e assim fazendo uma hominização e garantindo sua participação na ordem

do social, e desde Freud a psicanálise se ocupa precisamente dessa relação complexa entre

individual e coletivo que constitui o problema central de toda e qualquer ação política.

(Goldenberg, 2006).

É o viver junto dos homens que implica o político que não é outra coisa do que o que

permite a sociedade se manter junta. Assim individualidade e coletividade começam e se

amalgamar, fazendo Freud (1921/1980n) logo na abertura de Psicologia das massas e análise

do Eu, afirmar: “A oposição entre psicologia individual e psicologia social ou das massas,

que à primeira vista pode parecer muito significativa, perde boa parte de sua agudeza se a

examinarmos mais detidamente” (p. 14).

O desejo tem sua gênese política construída nas relações sociais, assim o objeto

politico por excelência não é o indivíduo, mas o grupo, e como afirma Goldenberg (2006, p.
143

13), Freud (1921/1980n) no seu ensaio Psicologia das Massas prova que o objeto politico que

o preocupa é profundamente dominado pela conceitualização da pulsão de morte, pois no

coletivo o indivíduo quer exercer sua liberdade individual em oposição à vontade da massa.

Em O mal-estar na civilização, Freud (1930/2010b) diz que a civilização é fundada

em cima da renúncia à satisfação das pulsões, e que essa cortesia política é a fonte do mal-

estar intransponível pelo fato de sermos seres linguageiros e, portanto, presos às leis da

cultura.
144

Capítulo 5

PROCESSOS METODOLÓGICOS

Não é a verdade intrínseca de nossos instrumentos que


define o rigor e sim a compreensão dos limites de suas
possibilidades: em suma, cada método constitui o
objeto de estudo de uma maneira particular. A
triangulação metodológica, neste sentido, deixa de ser
uma estratégia de validação para ser um fator de
enriquecimento: um reconhecimento de que a realidade
é caleidoscópica e que a multiplicidade de métodos
pode enriquecer a compreensão do fenômeno. (Flick,
1992)

É de natureza qualitativa a pesquisa conduzida sobre as representações sociais do

politicamente correto, no âmbito da qual se utilizou o teste de associação livre de palavras

(TALP) e o grupo focal como técnicas de coleta de dados, e as práticas discursivas como

meio interpretativo dos dados colhidos.

A pesquisa qualitativa busca a compreensão principalmente, do funcionamento das

coisas em situações específicas, “e procura fazer jus à complexidade da realidade, curvando-

se diante dela, não o contrário” (Stake, 2011, p.23). Perante realidades complexas e

emergentes é necessário pesquisar suas faces qualitativas, o que requer, consequentemente, o

emprego de métodos qualitativos. Para Demo (2008, p.145), “essas faces qualitativas

sinalizam para a busca da essência, da perfectibilidade, da participação, da dimensão da

intensidade, da qualidade política da vida, e da dialética da qualidade”. O autor prossegue

acentuando: “mais do que o aprofundamento por análise, a pesquisa qualitativa busca o

aprofundamento por familiaridade, convivência, comunicação” (Demo, 2008, p.159).

O desafio desse tipo de pesquisa é o de buscar modos de captação que sejam

congruentes com as marcas da qualidade, pois caracteriza-se, principalmente, pela abertura de


145

suas perguntas, rejeitando toda resposta fechada, dicotômica, fatal. Assim escolheu-se como

método de estudo, para a investigação do politicamente correto: as representações sociais.

Tal escolha deu-se por acreditar-se que, por ser as representações sociais formas de

conhecimento prático, estão inseridas dentre as correntes investigadoras do conhecimento do

senso comum.

Nesse sentido e apropriando-se das palavras de Spink (2013, p.96): “Trata-se, ao

nosso ver, de inserir o estudo das representações sociais entre os esforços de desconstrução

da retórica da verdade, componente intrínseco da Revolução Científica que inaugura a

modernidade nas sociedades ocidentais”.

À partir dessa dimensão histórica, introduz-se um novo movimento que vai além da

concepção epistemológica clássica e hegemônica, pautada pelos estudos sobre a ideologia e

pela preocupação com o conhecimento e apreensão da realidade, assim como pela concepção

dos primeiros anos do século vinte que priorizou o conhecimento relativizado pelas vias da

história e do culturalismo. Essa nova perspectiva amplia o conhecimento-objeto-de-estudo

para além das fronteiras da ciência, para também, abarcar o conhecimento do homem comum.

No ponto de vista de Spink (2013), trata-se de uma ampliação do olhar de modo a ver o senso

comum como conhecimento legítimo e motor das transformações sociais.

Essa perspectiva é fundamental, pois, além de reabilitar o senso comum como forma

válida de conhecimento, sobretudo, situou-o como uma teia de significados capazes de criar

efetivamente a realidade social (Geerz, 1983).

Teorias científicas descrevem e explicam fenômenos, submetendo-os a uma ordem

processual e causal para a produção de conceitos, sendo que, na teoria das Representações

Sociais, o fenômeno em questão: o senso- comum, é da ordem dos diferentes tipos de teorias

populares e saberes cotidianos que, também, constituem-se como representações sociais

(Wagner, 2013).
146

Assim, dentro desse campo de estudo, situam-se as representações sociais como uma

modalidade de conhecimento prático orientado para a compreensão do mundo e para a

comunicação; assim como, também, emergem como construções com caráter expressivo, ou

seja são elaborações de sujeitos sociais sobre objetos socialmente valorizados. (Jodelet,

1989).

Como formas de conhecimento, as representações sociais são estruturas cognitivo-

afetivas, não podendo ser reduzidas só ao seu conteúdo cognitivo, devendo ser também,

entendidas a partir do contexto que as engendram e a partir de sua funcionabilidade nas

interações sociais do cotidiano (Spink, 1993, pp. 95-96).

Metodologicamente as representações sociais apresentam-se enquanto formas de

conhecimento e enquanto processo de elaboração. Tal posicionamento as constituem como

um campo multidimensional que possibilita questionar, de um lado, a natureza do

conhecimento e, de outro, a relação indivíduo-sociedade, inserindo este campo de estudos

entre as correntes epistemológicas pós-modernas que, segundo Spink (1993), “não há dúvida

de que, estando situada na interface dos fenômenos individual e coletivo, esta noção tem a

vocação de interessar a todas as ciências humanas.

Essas múltiplas dimensões do campo de estudos das representações trazem implícitos

o seu caráter de transdisciplinaridade e a contribuição metodológica que abre espaço para a

utilização de metodologias qualitativas. Esta perspectiva, adotada desde Jodelet (1989), tem a

vantagem de abandonar a divisão de territórios disciplinares e assinalar a importância da

definição precisa do aspecto a ser abordado no estudo das representações sociais. (Spink,

1993).

Já ficou marcado que as representações sociais privilegiam o senso comum como

formas de conhecimento, no entanto, como forma de elaboração processual dessas próprias

representações, são, também, uma expressão da realidade intraindividual, ou seja, uma


147

exteriorização do afeto, revelam-se como estruturas estruturantes, reveladoras do poder de

criação e de transformação da realidade social e ao mesmo tempo sendo estruturas

estruturadas, ou campos socialmente estruturados, já que os indivíduos advém dum contexto

próprio e específico.

Enfatizando o poder de criação das representações sociais ao acatar sua dupla face de

estruturas estruturadas e estruturas estruturantes, Moscovici (1988), reconhece que inscreve a

abordagem criada por ele, entre as perspectivas construtivistas. Apontando “para a

simultaneidade, ou até mesmo anterioridade, de sua obra ‘Representação Social da

Psicanálise’(1961) e da obra de Berger e Luckmann (1966) que cunhou a perspectiva

denominada de ‘construção social da realidade’” (Spink, 2013, p. 97).

O aporte construtivista é importante para se entender que “os elementos que

estruturam a representação advém de uma cultura comum e estes elementos são aqueles da

linguagem” (Jodelet, 1984, p. 365). Esclarece ainda mais, Jovchelovitch (2013) ao enfatizar

“o quanto o ato da representação é crucial para a própria construção das representações

sociais e como esta relação pode ser vista no seu processo de desenvolvimento nas noções de

espaço potencial e atividade simbólica em Winnicott e Piaget” (p. 64).

Na elaboração das representações sociais entra em ação as atividades do sujeito,

inscrito numa situação social e cultura definida, com uma história pessoal e social, portanto,

não é um indivíduo isolado que é tomado em consideração, mas as respostas individuais

enquanto manifestações de tendências do grupo ao qual pertence ou participa.

Nesse percurso, abrem-se duas perspectivas para o estudo das representações sociais

enquanto processo: a perspectiva mais tradicional de estudar muitos para entender a

diversidade; e o estudo de casos únicos para buscar na relação representação-ação os

mecanismos cognitivos e afetivos da elaboração das representações (Spink, 2013, p. 100).


148

Especificamente, nessa pesquisa, optou-se pela primeira perspectiva, investigando

essas representações sociais através da aplicação de testes de associação livre com cem

participantes voluntários, seguido da formação de um grupo focal com aqueles que

responderam aos testes e desejaram participar, voluntariamente dessa segunda etapa da coleta

de dados.

5.1 Teste de Associação Livre de Palavras (TALP)

O Teste de Associação Livre de Palavras (TALP) constitui uma técnica de associação

livre de palavras, que tem por principal objetivo, identificar as dimensões latentes, ou

preexistentes, dos objetos representacionais na perspectiva de uma técnica projetiva, partindo

da associação dos conteúdos evocados pelas pessoas a partir de estímulos indutores (Damião,

Coutinho, Carolino & Ribeiro, 2011).

Esta técnica foi originalmente, concebida por Jung para uso de diagnóstico clínico e

foi adaptada para pesquisas no campo das representações sociais por Di Giacomo em 1981

(Coutinho & Saraiva, 2008). Essa técnica consiste em solicitar aos participantes, que, após

ouvirem um estímulo indutor, escrevam as primeiras palavras que lhe surjam, em associação

livre.

Acredita-se que esse instrumento permite a atualização de elementos implícitos que

seriam perdidos ou mascarados nas produções discursivas (Bonoma, Souza, Melotti &

Palmonari, 2013). Assim de posse dos dados colhidos com o TALP, poderá ser feita uma

comparação com os discursos apresentados nos grupos focais, que seriam mais conscientes e

no TALP emergiria mais o conteúdo inconsciente, segundo tal pressuposto.


149

5.1.1 Procedimentos e Sujeitos da pesquisa

Como procedimento metodológico foi entregue um questionário TALP à cada

participante e solicitou-se que escrevessem, rapidamente, após ouvirem as palavras-estímulo,

o que primeiro lhes viesse à cabeça, ou as cinco primeiras palavras que lhes surgissem em

livre associação. Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade de

Fortaleza-UNIFOR, conforme a Resolução do Conselho Nacional de Saúde (CNS/MS)

466/12 que trata da Pesquisa envolvendo Seres Humanos.

Os voluntários foram recrutados dentre os estudantes universitários da graduação e

pós-graduação da UNIFOR. A amostra constituiu-se de 100 estudantes, dos cursos de

Psicologia, Direito e Arquitetura. Estes possuíam idades que variavam entre 18 e 64 anos; 78

eram do sexo feminino e 22 do sexo masculino; 68 estão em sua primeira graduação, nos

cursos de Psicologia (46); Direito (17), Arquitetura (5); 25 estão em sua segunda graduação e

7 na pós graduação.

Após a assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido foram aplicados os

testes de livre associação de palavras (TALP) que foi analisado pelo software IraMuTeQ

version 0.7 alpha 2.

O IRAMUTEQ é um software gratuito e com fonte aberta, desenvolvido por Pierre

Ratinaud (Lahlou, 2012; Ratinaud & Marchand, 2012) e licenciado por GNU GPL (v2), que

permite fazer análises estatísticas sobre corpus textuais e sobre tabelas indivíduos/palavras.

Ele ancora-se no software R (www.r-project.org) e na linguagem Python (www.python.org).

Nas análises sobre corpus textuais pode-se fazer a análise de similitude de palavras

encontradas no texto dos TALPs e nas análises sobre tabelas indivíduos / palavras fez-se a

análise de similitude de palavras resultantes de evocações.


150

Ao retirar os estímulos indutores do documento Politicamente Correto & Direitos

Humanos (Queiroz, 2004), procurou-se fazer uma articulação com o TALP e os direitos

sociais. Esse documento foi emitido pela Secretaria Especial dos Direitos Humanos do

governo do presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva, e sabe-se que há consenso,

segundo Carvalho (2014), de que a marca principal dos anos sob o governo petista, de 2002 à

atualidade, foi a expansão da inclusão social, ou dos direitos sociais, por isso foram

escolhidas palavras articuladas com essa esfera.

O Programa Bolsa Família (PBF), criado em 2004: “Trata-se de transferência direta

de renda para os pobres” (Carvalho, 2014, p. 238). É o principal e de maior visibilidade

programa social do governo petista. Além da grande redução da pobreza, e o declínio,

embora modesto, da desigualdade social, houve uma alteração da estrutura social, que ficou

conhecida como o surgimento de uma nova classe média, nomeada de classe C (Carvalho,

2014). O aumento do poder de compra de milhões de pessoas, acoplado à expansão de vagas

no ensino superior, a introduceão de cotas raciais na seleção de alunos para as universidades

públicas, está produzindo nova geração de filhos da classe C com diploma universitário,

assim definida por Carvalho (2014):

Essa geração tem valores e atitudes diferentes dos pais, são mais informados e mais

críticos em relação a práticas governamentais, ao excesso de impostos, à malversação

de dinheiro público, à corrupção. O crescimento dessa nova camada social tem

levado, ainda, a maior grau de exigência em relação a serviços públicos, como saúde,

educação, segurança. (p. 242)

Portanto, vem daí o critério escolhido para a coleta de dados na pesquisa entre alunos

universitários da UNIFOR, pois são advindos de toda classe social, inclusive dessa nova
151

classe C, beneficiada pelo Fundo de Financiamento Estudantil (FIES), que é um programa do

Ministério da Educação destinado a financiar a graduação na educação superior de estudantes

matriculados em instituições não gratuitas.

1. Palavra estímulo POBRE se articula com esse benefício da Bolsa Família, e é assim

definida no Verbete Pobre (Queiroz, 2004):

Pobre – Embora se refira à condição econômica de quem não dispõe dos meios

necessários para garantir suas necessidades básicas de moradia, alimentação e

vestuário, esse termo, óbvio, é também utilizado para inferiorizar as pessoas, como se

pobreza fosse um fenômeno natural e não uma construção social. O conceito correto

de pobreza é relativo às condições econômicas e sociais médias do meio em que o

indivíduo considerado vive. Uma pessoa que recebe salário mínimo pode ser pobre

numa grande cidade por ter rendimento inferior ao que necessita para pagar o aluguel

e a cesta básica. Outra pessoa com o mesmo rendimento, numa cidade interiorana ou

na zona rural, pode não estar em situação de pobreza, por não depender

exclusivamente de sua renda pessoal, ou por contar com uma rede de proteção social,

formada pelos parentes, por exemplo. Não se pode considerar pobre uma comunidade

indígena que vive em sua terra tradicional, de acordo com os seus costumes

ancestrais. Por outro lado, é pobre outra comunidade indígena, que foi expulsa de sua

terra e obrigada a viver na periferia de um centro urbano, mesmo que as suas casas

estejam equipadas com geladeiras, televisores e outros equipamentos modernos.

(p. 27)
152

2. Palavras estímulo IDOSO e PESSOA COM DEFICIÊNCIA:

Foram embasadas no direito social do programa governamental do Benefício de

Prestação Continuada de Assistência Social (BPC), assegurado pela Constituição Federal de

1988, o qual garante a transferência mensal de 1 salário mínimo ao idoso, com 65 anos ou

mais, e à pessoa com deficiência incapacitada para a vida independente e para o trabalho, que

comprovem não possuir meios para prover a própria manutenção nem de tê-la provida por

sua família. O BPC é um benefício individual, não vitalício e intransferível, que integra a

Proteção Social Básica no âmbito do Sistema Único de Assistência Social (SUAS). É um

direito de cidadania assegurado pela proteção social não contributiva da Seguridade Social.

Para ter acesso ao BPC, não é necessário que o beneficiário já tenha contribuído para a

Previdência Social (Ministério do Desenvolvimento Social/MDS.gov.br).

Podem receber o BPC: Idosos, com idade de 65 anos ou mais, cuja renda per capita

familiar seja inferior a ¼ (um quarto) do salário mínimo vigente; Pessoas com deficiência, de

qualquer idade, incapacitada para a vida independente e para o trabalho, com renda per capita

familiar seja inferior a ¼ (um quarto) do salário mínimo vigente.

Também foram embasadas nos seguintes verbetes da cartilha “Politicamente

Correto e Direitos Humanos” (Queiroz, 2014):

Deficiente – Tratamento generalizador, inadequado para chamar o portador de

deficiência física, auditiva, visual ou mental. As expressões respeitosas podem ser

“pessoa portadora de deficiência” ou “pessoa com deficiência”. O fato de ter alguma

deficiência não torna uma pessoa inválida ou incapaz. (p. 14)

Pessoas especiais – Eufemismo inadequado para se referir às pessoas com

deficiência. Do ponto de vista dos direitos humanos, todas as pessoas, sem exceção,

são especiais. (p. 27)


153

Portador de necessidades especiais – Outro eufemismo a ser evitado em referência à

pessoa com deficiência. A expressão é utilizada corretamente na área da educação

para designar o estudante carente de atenção especial para seu desenvolvimento

escolar. Nesse caso, contudo, não se restringe às pessoas com deficiência. Abrange

também os alunos “superdotados”. (p. 28)

Melhor idade – Fórmula ainda mais eufemística do que “terceira idade” para referir-

se às pessoas idosas. Não contribui para ampliar sua auto- estima nem sua dignidade.

(p. 23)

Velho – As pessoas idosas preferem ser tratadas com o termo “idoso” no lugar de

“velho”, por causa da carga pejorativa associada a essa última palavra, relacionada a

obsoleto, inútil, fora de moda. (p. 32)

3. Palavra estímulo: DOIDO

Para assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança,

o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma

sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e

comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias,

foi promulgada a Constituição Federal de 1988 que garante no Art. 5º Todos são iguais

perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos

estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à

segurança e à propriedade.

Embasada nos seguintes verbetes da cartilha “Politicamente Correto e Direitos

Humanos” (Queiroz, 2014):

Débil mental – Expressão preconceituosa, que estigmatiza os portadores de


154

deficiência ou distúrbio mental. É utilizada, ao lado de “debilóide”, “mongolóide” e

outros termos afins para desqualificar as pessoas a quem se atribuir falta de

inteligência ou discernimento. (p. 14)

Doido – A palavra, no sentido de louco, é utilizada como xingamento, e, de maneira

genérica, para desqualificar as pessoas portadoras de qualquer deficiência mental,

mas que não são, necessariamente, portadoras de loucura ou de doença mental. (p. 14)

Louco – Assim como doido, o termo é utilizado para insultar, de forma genérica, os

portadores de deficiência mental, que não são, necessariamente, portadores de doença

ou distúrbio mental. A palavra é também utilizada para reprimir pessoas que, por

razões políticas ou antiinstitucionais, manifestam rebeldia. (p. 22)

4. Palavra estímulo AFRO-BRASILEIRO:

Art. 5, inciso. XLII da Constituição Federal de 1988 - a prática do racismo constitui

crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei.

A Constituição Federal de 1988 considera racismo como crime imprescritível: é a Lei

nº 7.716/89 que define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor.

Embasada nos seguintes verbetes da cartilha “Politicamente Correto e Direitos

Humanos” (Queiroz, 2014):

Negro – A maioria dos militantes do movimento negro prefere esse termo a “preto”,

que o utilizam com orgulho para afirmar os valores da cultura afro- brasileira. O

contexto determina o sentido pejorativo das duas expressões. Em certas situações,

tanto “negro” como “preto” podem ser altamente ofensivos. Em outras, podem

denotar carinho, por exemplo, nos diminutivos “neguinho”, “minha preta” etc. (p. 26)

A coisa ficou preta – A frase é utilizada para expressar o aumento das dificuldades
155

de determinada situação, traindo forte conotação racista contra os negros. (p. 7)

Crioulo – Antiga designação do filho de escravos, hoje é um termo pejorativo e

discriminador do indivíduo negro ou afrodescendente. (p. 13)

Denegrir ou denigrir – Esse verbo, com o sentido de aviltar, diminuir a pureza,

conspurcar, tornou-se ofensivo aos negros e, por essa razão, deve ser evitado. (p. 14)

Preto de alma branca – Um dos slogans mais terríveis da ideologia do

branqueamento no País, que atribui valor máximo à raça branca, e mínimo aos

negros. “Apesar de ser preto, é gente boa” e “É negro, mas tem um grande coração”

são variações dessa frase altamente racista, segregadora. (p. 28)

5. Palavra estímulo VEADO:

Na luta contra o preconceito e busca de igualdade e vigência dos direitos um avanço

no Brasil foi o reconhecimento de casamento entre pessoas do mesmo sexo como entidade

familiar, por analogia à união estável, foi declarado possível pelo Supremo Tribunal Federal

(STF) em 5 de maio de 2011 no julgamento conjunto da Ação Direta de Inconstitucionalidade

(ADI) n.º 4277, proposta pela Procuradoria-Geral da República, e da Arguição de

Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) n.º 132. Doravante no Brasil, são

reconhecidos às uniões estáveis homoafetivas com todos os direitos conferidos às uniões

estáveis entre um homem e uma mulher.

Embasada nos seguintes verbetes da cartilha “Politicamente Correto e Direitos

Humanos” (Queiroz, 2014):

Veado – Uma das referências mais comuns e preconceituosas aos homossexuais

masculinos. As expressões adequadas são gay, entendido, homossexual. (p. 32)

Homossexualismo – É mais adequado utilizar o termo “homossexualidade” em vez


156

de “homossexualismo” para definir a orientação sexual das pessoas que sentem

atração ou mantêm relações amorosas ou sexuais com pessoas do próprio sexo. O

primeiro termo descreve essa condição de forma neutra, enquanto o segundo,

equivocado, tem uma forte carga pejorativa ligada à crença de que a orientação

homossexual seria uma doença, uma ideologia ou um movimento político a que as

pessoas aderem de maneira voluntária. (p. 19)

5.1.2 Análise e Interpretação dos resultados do TALP

Através do TALP, objetivou-se investigar o uso da linguagem politicamente correta e

suas manifestações no social.

A técnica de associação livre de palavras aplicada a esta pesquisa possibilitou, a partir

do processamento pelo Iramuteq, o registro de 2.268 palavras como respostas aos estímulos

indutores: afro-brasileiro, doido, idoso, pessoa com deficiência, pobre, veado.

Tabela1 - Resultados do Teste

PALAVRA ESTÍMULO PALAVRAS ASSOCIADAS FREQUÊNCIA (100 TALPS)


Negro 55
Preconceito 25
1a. AFRO-BRASILEIRO Cultura 52
África 11
Raça 9
Maluco 17
Loucura 14
2a. DOIDO Hospício 9
Remédio 9
Louco 8
Velho 23
Cuidado 22
3a. IDOSO Sabedoria 21
Respeito 20
Experiência 19
157

Dificuldade 27
Preconceito 18
4a. PESSOA COM DEFICIÊNCIA Experiência 14
Respeito 12
Acessibilidade 11
Preconceito 15
Fama 12
5a. POBRE Desigualdade 11
Dificuldade 11
Favela 9
Animal 37
Gay 22
6o. VEADO Preconceito 22
Homossexual 12
Alegria 8

As análises das evocações coletadas a partir dos dados obtidos no Teste de

Associação Livre de Palavras (TALP) foram processadas pelo IRaMuTeQ, levando em

consideração as evocações ou associações dos estudantes às seis palavras estímulos-

indutores, permitiram capturar as 20 palavras mais associadas em todos os cem questionários.

Tabela 2 – 20 Palavras Mais Associadas em Todos os Questionários TALP

FREQUÊNCIA PALAVRA
1ª 87 Preconceito
2ª 54 Negro
3ª 40 Respeito
4ª 37 Animal
5ª 30 Cuidado
6ª 23 Velho
7ª 20 Gay
8ª 20 Sabedoria
9ª 19 Amor
10ª 19 Cultura
11ª 19 Experiência
12ª 18 Direito
13ª 17 Maluco
14ª 17 Sofrimento
15ª 16 Alegria
16ª 16 Avô
158

17ª 16 Superação
18ª 14 Carinho
19ª 14 Força
20ª 14 Igualdade

Ao relacionar as categorias teóricas, com as categorias analíticas obtidas no TALP

chegou-se aos seguintes resultados:

­ Com o pressuposto de que o politicamente correto divide-s em duas vertentes:

1) A defesa dos direitos humanos e

2) A censura ou patrulha de linguagem e atitudes.

Essa hipótese é alicerçada através de Bizzocchi (2008), Cabral (2013), Cabrera

(2012), Possenti (1995) e Rossoni (2009) que explicam teoricamente o movimento

politicamento correto em prol de um comportamento, inclusive linguístico, no combate ao

racismo e ao machismo, tentando tornar não marcado o vocabulário e o comportamento

relativo a qualquer grupo discriminado.

As cinco palavras mais citadas em todos os TALPs foram: Preconceito (87 vezes),

seguida de Negro (54 vezes); Respeito (40 vezes); Animal (37 vezes) e Cuidado (30 vezes).

A defesa dos direitos humanos luta contra os preconceitos. (Queiroz, 2004)

A palavra Preconceito é citada em 87 questionários dos 100 totalizantes. Seguida de

negro (54) e respeito (40).

Então há uma articulação, também entre a questão do preconceito que o politicamente

correto pretende combater. Mas, também há a palavra negro, denunciando que, apesar da

censura, a imagem, ou representação social. Social retornam na mente ou memória do sujeito.

A palavra negro é a mais associada ao primeiro estímulo: Afro-brasileiro. Ela surge

em 55 questionários como resposta para o primeiro estímulo. Então quando se diz afro-
159

brasileiro, associa-se à palavra negro em primeiro lugar, depois vem preconceiro, cultura,

África e raça nos cinco primeiros lugares.

Quando a cartilha do “Politicamente Correto” (Queiroz, 2004), sugere que afro-

brasileiro ou afro-descendente seriam termos corretos para se designar as pessoas de pele

negra, escura, não quer dizer que elimina do repertório cultural do sujeito a imagem de uma

pessoa com a cor escura, pois a primeira palavra que veio em associação livre foi negro.

Afro-brasileiro diz de uma condição sócio geográfica e a palavra negro designa uma

cor de pele. Assim, como argumentam Possenti e outros teóricos não é a mudança de palavra

que muda comportamento, mas todo um contexto cultural.

Conclui-se que a Representação Social que se tem de uma pessoa de cor escura é de

uma pessoa negra. E ao mesmo tempo isso quer dizer que apesar do PC, o que retorna do

recalcado do sujeito é a imagem de alguém de pele negra.

No segundo estímulo: Doido, a palavra mais associada foi maluco, que é considerada

politicamente incorreta, seguida de loucura um substantivo e hospício que designa uma

instituição.

No terceiro estímulo: IDOSO, teve como palavra mais associada velho. A cartilha do

PC diz que: “As pessoas idosas preferem ser tratadas com o termo “idoso” no lugar de

“velho”, por causa da carga pejorativa associada a essa última palavra, relacionada a

obsoleto, inútil, fora de moda” (Queiroz, 2004, p. 32).

O quarto estímulo: Pessoa com deficiência, que é considerado politicamente correto

foi mais associado à palavras politicamente corretas como: dificuldade, preconceito,

experiência, respeito e acessibilidade.

Isso pode ser um indicativo de que a vertente que tenta defender os direitos humanos

esteja vigorando sim. Pode-se observar o mesmo movimento na sexta palavra estmímulo:

Veado. Aqui as palavras mais associadas foram: animal, gay, preconceito, homosexual e
160

alegria. Animal foi de longe a mais citada, isso cria uma ambivalência, pois ao mesmo tempo

em que pode-se supor que a questão do politicamente correto em querer fazer um assepsia da

linguagem, para esse termo talvez esteja vigorando. Mas, também pode ser que o termo

animal esteja designando a categoria de seres homossexuais.

Salache (2014), lembra que a cartilha “Politicamente Correto & Direitos Humanos”

(Queiroz, 2004), insere-se dentro dos manuais para normatização da língua, e que estes

instauram um imaginário de uniformização da linguagem que funcionam por um processo de

censura, de tentativa de silenciamento de outros dizeres.

5.2 Grupo Focal

São consideradas metodologias qualitativas as análises de grupo, dentre outras como

os levantamentos feitos com questionários abertos ou gravados, a história oral, a observação

de caráter etnometodológico, a hermenêutica, a fenomenologia, a pesquisa-ação e a pesquisa

participante. Para este estudo, será utilizada como técnica de coleta de dados, ao lado do

TALP, o Grupo Focal.

Um grupo focal é um grupo de discussão informal e de tamanho reduzido constituído

com o propósito de oportunizar a obtenção de informações de caráter qualitativo em

profundidade (Gomes & Barbosa, 1999). Assim, o objetivo principal de um grupo focal é

revelar as percepções dos participantes sobre os tópicos em discussão. Os grupos focais

apresentam situações próximas dos contextos interacionais do dia-a-dia, mediante a utilização

da técnica da conversa que são expressões vivas desses contextos, “propiciando, portanto, em

nossa leitura uma interanimação dialógica povoada por um contingente mais rico de vozes,

em que a negociação de versões de posicionamentos é mais visível” (Menegon, 1999, p. 223).

O grupo focal será tomado como instrumento de coleta de dados, por se acreditar ser

um recurso apropriado para a metodologia de construção do conhecimento sobre o


161

politicamente correto, pois apresenta a possibilidade de se ouvir vários sujeitos ao mesmo

tempo, de se observar as interações características do processo grupal, além de possibilitar a

obtenção de uma variedade de informações, sentimentos, experiências, representações de

pequenos grupos acerca do tema escolhido (Kind, 2004).

O grupo da presente pesquisa seguiu os critérios propostos por Kind (2004) para a

constituição de grupos focais, que devem ser compostos por 8 a 10 integrantes não muito

heterogêneos – para que todos participem, pois segundo Kind (2004): “a pressão de

participantes homogêneos facilita suas reflexões, ao mesmo tempo que incita opiniões

contrárias” (p. 127). Então será formado por estudantes universitários maiores de 18 anos;

dentre os quais estarão aqueles que já fazem uma segunda ou terceira graduação, portanto já

são profissionais. Além disso, serão de diferentes idades (a partir de 18 anos), de variado

nível econômico, gênero e etnia.; para que se possa entender a construção que representantes

de diferentes grupos fazem do conceito de politicamente correto.

5.2.1 Sujeitos da pesquisa

Os voluntários participantes do grupo focal foram recrutados dentre os estudantes dos

cursos de graduação e pós-graduação da Universidade de Fortaleza-UNIFOR, que já haviam

respondido, anteriormente, ao TALP. O grupo constituiu-se de 8 estudantes, dos cursos de

Psicologia, Direito e Arquitetura. Estes possuíam idades que variavam entre 18 e 64 anos; 7

do sexo feminino e 1 do sexo masculino.

Formação do grupo:

A: Primeiro semestre do curso de Psicologia. Gênero Masculino.

B: Primeiro semestre se Psicologia. Gênero: Feminino.

H: Oitavo semestre do curso de Direito. Gênero: Feminino.

J: Primeiro semestre do curso de Psicologia. Gênero: Feminino.


162

M1: Penúltimo semestre do curso de Psicologia. Gênero: Feminino.

M2: Último semestre de Psicologia segunda graduação, primeira graduação Sociologia.

Gênero: Feminino.

M3: Advogada e estudante do segundo semestre de arquitetura. Gênero: Feminino.

S: Segunda graduação é Psicologia, segundo semestre e a primeira graduação foi Sociologia.

Gênero: Feminino.

Jr: Pesquisadora, coordenadora do grupo focal.

5.2.2 Procedimentos Metodológicos

Em um grupo focal, a partir de um tema estímulo são desenvolvidas as conversas

entre as pessoas participantes. Através das conversas as pessoas produzem sentidos e se

posicionam nas relações que estabelecem no cotidiano, por isso as conversas são práticas

discursivas compreendidas como linguagem em ação.

As práticas discursivas são definidas como linguagem em ação por designar maneiras

a partir das quais as pessoas produzem sentidos e se posicionam em relações sociais

cotidianas e têm como elementos constitutivos a dinâmica (os enunciados), as formas

(momentos ativos do uso da linguagem, nos quais convivem a ordem e a diversidade) e os

conteúdos (repertórios interpretativos).

O sentido é uma construção social, um empreendimento coletivo, “mais precisamente

interativo, por meio do qual as pessoas – na dinâmica das relações sociais historicamente

datadas e culturalmente localizadas – constroem os termos a partir dos quais compreendem e

lidam com as situações e fenômenos a sua volta” (Medrado & Spink, 1999, p. 41).

Conversando as pessoas produzem sentidos e se posicionam nas relações que

estabelecem no cotidiano. Por isso, como explica Menegon (1999): “as conversas
163

representam modalidades privilegiadas para o estudo da produção de sentidos no cotidiano”

(p. 216).

Kind (2004) aponta que a técnica de grupos focais encontra-se fundamentada na

tradição do trabalho com grupos, na sociologia e na psicologia social crítica. Assim são

constituídos diferentes aportes teóricos: “(...) encontraremos a utilização da técnica calcada

em fundamentações teóricas distintas, trazendo implicações principalmente para a análise do

processo de investigação.” (p. 126).

5.2.2.1 Primeiros passos para a coleta dos dados

O grupo focal foi conduzido à partir de estímulos disparadores de conversas sobre o

tema específico da pesquisa: “O que é o politicamente correto?”. Foi utilizado um recorte de

um documentário feito pela TV Bandeirantes para o programa Canal Livre (programa de

debate jornalístico exibido semanalmente) dedicado em sua edição de 27 de maio de 2013 ao

debate sobre o politicamente correto, em sua vertente de defesa dos direitos humanos e do

patrulhamento; Um trecho do vídeo de uma entrevista do publicitário Washington Olivetto,

que aborda a questão do politicamente correto; e, também foram utilizados trechos da cartilha

“Politicamente Correto e Direitos Humanos” (Queiroz, 2004). A duração sugerida por Kind

(2004) de 90 a 120 minutos no único encontro foi ultrapassada, chegando a quase 240

minutos. O local foi uma sala de reunião, segura, com privacidade, confortável, livre de

interferências e de fácil acesso para os participantes, no bloco F da UNIFOR.

O grupo moderado pela autora da pesquisa, foi gravado em áudio por um observador

capacitado.
164

5.2.2.2 Considerações Éticas

Além da aprovação pelo Comitê de Ética da Universidade de Fortaleza-UNIFOR,

conforme a Resolução do Conselho Nacional de Saúde (CNS/MS) 466/12 que trata da

Pesquisa envolvendo Seres Humanos; e a assinatura do termo de consentimento livre e

esclarecido pelos sujeitos participante, os aspectos éticos considerados na pesquisa foram: a

garantia do anonimato dos participantes; informação dos objetivos da pesquisa e a

justificativa da importância dos estudos para estes; guardar sigilo dos dados colhidos, não

especificando a fala de cada sujeito; só divulgar os dados avaliados; respeitar as opiniões e

não direcionar as respostas. Os dados coletados serão mantidos em absoluto sigilo de acordo

com a Resolução do Conselho Nacional de Saúde (CNS/MS nº 466/12).

Passo seguinte à coleta dos dados foi a transcrição escrita e avaliação desse material

coletado, para a análise do discurso para a construção de categorias que permitam interpretar

esses dados.

5.2.3 Análise e Interpretação dos Resultados do Grupo Focal

A análise interpretativa dos dados colhidos nos grupos focais foi realizada mediante

uma abordagem teórico-metodológica para análise das práticas discursivas e a produção de

sentidos no cotidiano, englobando aí a ancoragem psicanalítica para a compreensão dos

dados obtidos.

As práticas discursivas estão situadas entre as várias correntes voltadas ao estudo da

linguagem. Frezza e Spink (1999) esclarecem que essa “proposta teórico-metodológica é

necessariamente interdisciplinar” (p. 17). Então, ao lado da perspectiva da análise discursiva,

serão utilizados conceitos psicanalíticos como os de inconsciente, recalque, pulsão, desejo,


165

supereu e culpa para se conhecer quais a representações sociais que sujeitos fazem do que

seja o politicamente correto.

A análise interpretativa dos discursos, para o conhecimento das representações sociais

do politicamente correto, fará a ligação interdisciplinar entre a questão da representação

social, advinda da Psicologia social, e a interpretação teórica erigida a partir da teoria

psicanalítica.

Partindo da definição de representação social como forma de conhecimento prático,

Spink (1993) situa a abordagem da Psicologia Social entre as demais correntes que se

debruçam sobre a questão do conhecimento. Acatando a interdisciplinaridade intrínseca ao

campo de estudos das representações sociais, são analisados tanto os aspectos comuns às

diversas disciplinas como a contribuição específica da Psicologia Social. A contribuição

específica da Psicologia Social é enfatizada com relação a vocação desta disciplina de

trabalhar as representações simultaneamente como campos socialmente estruturados e

núcleos estruturantes da realidade social.

A Psicanálise, além da clínica, lida com as extensões de sua teoria aos domínios da

cultura, fazem parte da psicanálise aplicada estudos sobre fenômenos sociais e fenômenos

culturais: “Psicanálise aplicada (angewandte Psychoanalyse). Essa expressão, que figurava no

subtítulo da revista Imago, quer dizer: psicanálise aplicada àquilo que não é estritamente

clínico” (Mezan, 2006, p. 318).

Esclarece Spink (2013) que as técnicas de análise empregadas no estudo das

representações sociais, procuram desvendar do senso comum, as associações de ideias aí

subjacentes, e segundo ela “É neste enquadre geral que se localizam as diferentes vertentes

analíticas sendo que o que as distingue são as exigências formais quanto a linguagem

utilizada” (p. 101).


166

Acredita-se que referências teóricas psicanalíticas podem ser utilizadas para

fundamentar uma metodologia que propicie estudar as contradições do politicamente correto

e seus efeitos no sujeito e no social por intermédio das representações sociais que esses

sujeitos fazem desse fato social, porque assim como as representações sociais trabalham com

o senso comum, também a psicanálise trabalha na busca pelas formações do inconsciente,

com o senso comum, através da técnica da associação livre.

As representações do senso comum, segundo Moscovici (2003), não são somente um

produto da idealização grupal, mas também um processo, uma forma de se entender e se

comunicar o que se sabe. Geertz (1983) aponta que o trabalho com o senso comum não

cataloga os conteúdos em estáveis e consensuais, porque eles são heterogênios

essencialmente, não busca encontrar estruturas lógicas e coerentes, mas o aprofundamento da

análise do senso comum leva ao encontro da contradição.

Embora possa parecer contraditório, Spink (2013), revela que aceitar a diversidade

implícita do senso comum não significa necessariamente abrir mão do consenso, pois algo

comum sempre sustenta uma determinada ordem social. Freud (1908/1980b) verificou isso

em sua pesquisa sobre a moral sexual civilizada e a doença nervosa moderna, quando

verificou que as causas para a neurose advinham da repressão sexual, embora cada sujeito

apresente uma singularidade própria na expressão de seus sintomas.

Autores como Ornellas (2012) acreditam na possibildade de que a representação

social em sua relação com a psicanálise, contribua para analisar e interpretar as

representações sociais de sujeitos em suas pesquisas, outros utilizam a psicanálise na

confluência com múltiplos saberes em suas reflexões sobre as representações sociais como

Gomes (2005), assim como o psicanalista Birman (1991) relaciona a interpretação com a

representação em seu trabalho com a saúde coletiva. Assim, muitos, entre eles, “Denzing

(1978) passam a advocar o uso da triangulação metodológica como estratégia de validação.


167

Ou seja, combinar técnicas múltiplas, ou múltiplos pesquisadores, de forma a fortalecer a

confiança nas interpretações” (Spink, 2013, p.104).

A Psicanálise com seu saber sobre os processos psíquicos inconscientes, que procura

identificar as representações afetivas de nossos impulsos e desejos, pode ser instrumento de

interpretação das representações, permitindo analisar os investimentos afetivos,

“frequentemente acessados a partir das contradicões presentes no discurso, como motores da

transformação ou, inversamente, como mecanismos de defesa de identidades ameaçadas”.

(Spink, 2013, p. 112).

Foucault, que exerceu grande influência nos debates e investigações sobre as relações

de saber e poder (Frezza & Spink, 1999, pp. 36-37), corrobora o ponto de vista defendido

neste trabalho ao afirmar que, “por mais que o discurso seja aparentemente bem pouca coisa,

as interdições que o atingem revelam logo, rapidamente, sua ligação com o desejo e com o

poder”. Foucault (1988), assegura que como a Psicanálise mostra, o discurso não é

simplesmente aquilo que manifesta (ou oculta) o desejo; é, também, aquilo que é o objeto do

desejo. O discurso não é simplesmente aquilo que traduz as lutas ou os sistemas de

dominação, mas aquilo pelo que se luta, o poder do qual se quer apoderar.

O procedimento de análise de grupos focais envolve um análise temática e uma

análise das interações, necessariamente interligadas (Kind, 2004).

O politicamente correto surgiu da necessidade de combater preconceitos e defender

direitos humanos de igualdade, fraternidade e liberdade, assim é um tema de natureza

relacional, assim como os grupos focais que geram conhecimento através das relações entre

os participantes.

A análise dos dados, em pesquisas que buscam entender os sentidos dos fenômenos

sociais, inicia-se com uma imersão no conjunto de informações coletadas, para que se capte

os sentidos surgidos.
168

Como sugerem Spink e Lima (1999), nessa etapa, haverá um confronto entre os

sentidos construídos no processo de coleta de dados e sua interpretação e a teoria de base,

assim como com a revisão bibliográfica. É desse confronto que emergem as categorias de

análise.

Serão, também, utilizados mapas de associação que permitem sistematizar o processo

de análise das práticas discursivas, formalizando a construção linguística obtida na dialogia

da produção de sentidos. São um instrumento de visualização que se disponibilizam a

fornecer subsídios ao processo de interpretação, facilitando a comunicação dos passos

subjacentes a este processo (Spink & Lima, 1999).

Os mapas conceituais servem como forma a dar visibilidade e elementos para a

análise dos resultados e serão colocados em anexo no trabalho.

Na construção dos mapas há um processo interativo entre análise dos conteúdos

teóricos, dispostos em colunas, e elaboração das categorias, dispostas em colunas paralelas.

Inicia-se pela definição de categorias gerais, de natureza temática, que refletem os objetivos

da pesquisa; Na coluna paralela há uma redefinição das categorias de acordo com a análise

dos discursos.

A finalidade da construção dos mapas é fazer aflorar os sentidos, através de uma

imersão no conjunto das informações coletadas tanto nos TALP quanto no grupo focal,

fazendo um confronto entre os sentidos construídos no processo da pesquisa e de

interpretação e os sentidos decorrentes da revisão bibliográfica e das teorias de base. Assim

após esse confronto pode-se perceber uma correlação na síntese teórica do uso dos conteúdos

bibliográficos e a análise dos discursos transcrita.

As categorias analíticas serão buscadas nos conceitos psicanalíticos de: 1)

Linguagem- Primazia do simbólico na constituição do sujeito. O Inconsciente é estruturado

como uma linguagem (Lacan, 1964/1988); 2) Poder- Psicanálise se ocupa das relações de
169

poder entre o individual e o coletivo, que constitui o problema central de toda e qualquer ação

política (Goldenberg, 2006); Culpa – É a expressão do conflito de ambivalência, da eterna

luta entre Eros e a pulsão de destruição, que é atiçado no laço social, e controlada a

agressividade com essa culpabilidade. Tensão entre o Eu e o Super-eu (Freud, 1930/2010b):

assim como nas categorias advindas da Representação social, as quais referem-se ao

posicionamento e localização da consciência subjetiva nos espaços sociais, com o sentido de

constituir percepções, por parte dos indivíduos, acerca dos fatos sociais que os rodeiam

(Moscovici, 2003).

Utilizando as representações sociais como subsídio metodológico na coleta de dados e

a psicanálise contribuindo na análise, ou elaboração qualitativa das associações de ideias

apresentadas nas representações sociais, pretende-se alcançar os objetivos da pesquisa.

5.2.3.1 Categorias teóricas X Categorias analíticas: O que é o politicamente correto?

Partindo de categorias teóricas que definem o politicamente correto, será feita uma

articulação com as falas dos sujeitos no grupo focal.

1. Pressuposto teórico: O politicamente correto se direciona na direção da defesa dos

direitos humanos:

Categorias teóricas:

“Os direitos fundamentais podem ser designados como conjunto de normas,

privilégios, prerrogativas, deveres e institutos, inerentes à soberania popular, que garantem a

convivência pacífica, digna, livre e igualitária” entre os integrantes da sociedade (Bulos,

2014, p. 525).
170

“Politicamente correto ou correção política é uma política que consiste em tornar a

linguagem neutra em termos de discriminação. O objetivo dessa expressão é evitar que a

linguagem seja ofensiva para certas pessoas ou grupo de pessoas” (Bizzocchi, 2008).

“Por politicamente correto, referimo-nos a uma tendência que se aplica a vários

campos prescrevendo formas de expressão ou conduta, com o objetivo de combater atitudes

discriminatórias, sobretudo no que diz respeito às questões étnicas, de gênero e sexuais”.

(Cabral, 2013, p. 1)

Falas dos sujeitos: Categorias analíticas no GRUPO FOCAL, à partir da pergunta: O

que é o politicamente correto ?

S: “Num primeiro momento eu penso muito em toda a questão da ética, né? Passa

pela questão do respeito, pela questão da educação. Agora muitas vezes, fica uma

linha muito tênue ao que é politicamente correto ou não para uns e para outros

devido a interpretações, visões de mundo diferentes. Mas eu acho um pouco isso

mesmo, a gente não perder essa linha do respeito com o outro, do cuidado com o

outro, da ética. Agora é claro, muitas vezes talvez uma coisa para mim seja bastante

natural, não tenha nenhuma questão moral ou conservadora, mas já tem outra

pessoa que já é”.

H: “Eu acho que o politicamente correto é um fenômeno que surgiu com o intuito de

amenizar algumas coisas que as pessoas falam. É, por exemplo, ''Aquela velha'', ah, é

''aquele idoso''... Eu acho que o politicamente correto torna certas coisas menos

ofensivas pra outras pessoas. Ah, eu acho normal aquela menina ''negra'', ah,

bonita... Tem gente que, ''ah, negra que palavra feia'', diz pessoa ''morena''. Eu acho

que tem muito a ver com ter que neutralizar a linguagem, a forma de se expressar de

uma pessoa para que não ofenda alguém”.


171

M3: “Eu acho que tem muito a ver com você educar, como você falou, as pessoas

com a perda dos privilégios. Por que antigamente a gente tinha uma hierarquia

muito demarcada, homem lá em cima, vinha depois a mulher, negro não era gente,

velho também, idoso não era, ia perdendo a hierarquia social. E a gente continua

sendo criado nesse tipo de sociedade, só que não é mais assim, ninguém mais aceita

ser subjugada, então, a gente tem que criar o politicamente correto de certa forma

para tolhir a nossa criação preconceituosa e pra orientar também as pessoas que

ainda acham que eu não posso ser igual ao Bolsonaro”.

M2: “Eu penso muito assim, no politicamente correto, que é uma construção cultural

de cada país. Por que, por exemplo, tem coisa que a gente vê hoje que acontece na

Índia, como o desrespeito à mulher, violência dentro de ônibus, em ruas, estupro, e

não tem a mesma visão que isso teria aqui. Teve o caso do ônibus, onde duas irmãs

quase foram violentadas, e todo mundo que estava no ônibus, por que foi filmado,

não fazia nada. Se fosse aqui já seria diferente; os países de cultura islâmica, que

outros países têm que se envolver, e, além disso, existe toda uma cultura sobre o que

é o politicamente correto, como a mulher deve se comportar em determinadas

situações e aqui no Brasil, acredito que hoje a gente vive, é uma construção ainda,

mas é lógico que é melhor, tem uma abertura de rede sociais, onde cada uma fala o

que quer. Por exemplo, criticar o Bolsonaro, muita gente critica, mas também talvez

nem pararam pra ver o vídeo, como é que foi, em que circunstâncias ele disse o que

ele falou, ou aquele pastor que dizia aberrações e diz ainda, o Feliciano, mas que

quando você vai olhar, dentro do contexto, né, se a gente for pegar algumas coisas

isoladas, elas ficam realmente absurdas, ninguém pode falar isso, você tá

maltratando o outro, descredenciando o outro, desqualificando, mas que hoje a gente

tá num momento que eu considero que é muito bom, por que a gente consegue
172

pensar, falar, por exemplo de hoje ter, por exemplo, esse próprio momento de você

ter uma pesquisa para dizer, olha, eu acho isso politicamente correto, isso daqui eu

já acho que não é. ''A gente tem que ter um cuidado com o outro, que em outra época

a gente não pensaria”, ''não, a gente não tem que ter cuidado coisa nenhuma, tem

que ''tacar o pau'' mesmo, falar o que acha que tem que falar e o outro é que se

resolva com o pensamento dele, que recalque, que faça lá o que for''. Enfim, então,

acredito que a gente vive esse movimento e ainda é uma discussão até mesmo do que

é esse politicamente correto ou não, por que, realmente dentro de um determinado

grupo social mais próximo, de amigos, onde é mais afetuoso, a gente até costuma se

destratar. Até eu conversava esse final de semana, uns amigos foram me pegar lá em

casa e não chegaram na hora, aí quando eu saí eu ia chamar assim ''veado'', aí eu

pensei, não posso chamar ele de ''veado'' o que eu vou ter que dizer? Por que se fosse

um grupo, num ambiente que eu estivesse em um bar, e eu fosse falar aquilo, poderia

ser que fosse visto, mal interpretado, às vezes a pessoa tá lá, né, e pega só aquele

recorte, olha, tá sendo preconceituosa. Então, muda até a nossa forma de se

relacionar, a gente tem que pensar em estratégias, ou ''vixe, não vou chamar você de

veado, vou chamar de que? Corno'', aí vai se juntar todos os cornos que ficaram com

raiva por que foram chamados de corno. Então, se a gente for parar pra pensar

nisso, é muito complicado, não é assim, é uma forma que a gente ainda tá vivendo

isso, que é recente, que tem a ver com a internet, com seu posicionamento, com

afirmação, com você não aceitar, né? ''Poxa, eu sempre aceitei ser tratado assim,

hoje eu não aceito mais'', então eu acredito que é uma construção esse politicamente

correto, que tem a ver muito com isso, com o cuidado com o outro, né? Com o que é

que eu vou falar, eu não quero machucar o outro, eu acho que aquele outro é

importante, e aí se tem várias discussões que podem surgir, por que esse outro trás
173

também um valor financeiro também, né, a questão das favelas, que trazem muitas

coisas na rede social mesmo, ''ah, se favela fosse um local ruim as empresas, as

Casas Bahia não estaria dentro da favela, tava lá pra fazer caridade, não tava lá pra

vender. '' Então, tudo isso faz com que algumas camadas vistas como minoria,

consigam se afirmar e dizer ''não, não é assim, você não pode me tratar assim''. E a

facilidade também de você processar, né, se bem que processar não quer dizer que

você vai ganhar, mas pelo menos você tem o direito antigamente nem pensaria nisso.

Eu penso muito nessa construção”.

2. Pressuposto teórico: O politicamente correto se direciona na direção da patrulha ou

censura de linguagem e atitudes, para afirmação do que é considerado correto.

O politicamente correto surge nos EUA e nasceu como necessidade de uma educação

doméstica, quando os negros passaram a reinvindicar os seus direitos. Do ponto de vista

social, responde aos movimentos de grupos sociais que ascendem ao espaço econômico. Mas

acabou se transformando numa espécie de censura, de patrulha, de lobby para eliminar quem

não concorda com quem tem o poder institucional (Pondé, 2012).

A atividade classificatória, através de formas linguísticas entre o que seja

politicamente correto e politicamente incorreto transforma essa qualificação em militância

(Possenti & Baronas, 2006).

M1: “Assim, eu considero mesmo que o politicamente correto é uma estratégia muito

complicada, primeiro, você tentar purificar a linguagem, um eufemismo, você faz um

floreio muito grande, quando o que tá na ponta da língua é a palavra mais ofensiva,

entendeu? Mas você não pode mencionar por que o outro vai se sentir ofendido, o
174

outro vai se sentir preterido, mas aí a gente bota qualquer outra coisa”.

S: “De trocar ideias, escolas permeadas pela arte, por que eu acho que a arte é um

instrumento de vida, de aprendizagem, de reflexão. E aí, exatamente, por que vão se

construindo... Eu acho que, a questão do politicamente correto, talvez veio por conta

que, é, por exemplo, para pessoas, essa questão que até a gente tava falando, das

marchinhas de carnaval, algumas coisas para os avós e bisavós meus... Pra eles que

são preconceitos, que são coisas que não são politicamente corretas, ligadas ao

racismo, ligado a pessoas com deficiências, eram naturalizadas, então, o

politicamente correto com toda essa luta... ao mesmo tempo que as minorias estão

tentando que acabe isso, não é mais pessoa com deficiência, é pessoa, tudo bem,

negro, branco, somos todos pessoas. E às vezes eu acho que falta bom senso mesmo,

às vezes têm excessos, tanto do politicamente correto quanto do incorreto, pecam

pelos excessos”.

Jr: “É, o Phatos é exatamente o excesso”.

S: “É, eu acho que tem que ter um diálogo, eu acho que tem que ter mais conversa

mesmo, mais cultura, mais educação, boa informação, informação de conteúdo”.

Jr: “É a base. Por que assim, se não tivesse, se tivesse educação, era o politicamente

justo, né, não teria esse negócio de politicamente correto e incorreto, mas, o que é

politicamente justo e é isso que vou passar para vocês sobre o Washington Olivetto.

O Washington Olivetto eu admiro demais por que ele é um autodidata, ele nunca

frequentou uma universidade, ele nunca esteve em uma universidade de jornalismo

nem de publicidade, no entanto ele é um gênio, ele ganhou todos os prêmios

internacionais, festival de Cannes, tudo. E fez aquela propaganda do primeiro sutiã,

que hoje, seria abuso sexual, você estaria insistindo contra menores. Então, tudo que

a gente conversou aqui, vocês resumiram bem. Eu adorei por que vocês, já
175

adiantando, vocês comprovaram a minha hipótese psicanalítica nessa pesquisa, que é

que o politicamente correto entra como uma regulação. A gente precisa de um limite,

e no mundo do consumo que a gente vive, onde opera o gozo exacerbado, a gente

pode tudo, é como se o outro não existisse, a gente não tem mais respeito pelo outro.

E o politicamente correto vem trazer uma regulação, que a gente precisa para

ajustar o laço social. E mais, o politicamente correto traz de volta, traz de volta não,

vem comprovar a hipótese freudiana de que nós somos fundados na culpa, nós não

somos culpados, por que é Inconsciente a culpa, por isso que quando vocês falaram

em culpa eu adorei, é o sentimento de culpa que é Inconsciente. Então, como a gente

vive na sociedade do gozo, que quer dizer que a gente não tem culpa de nada, que

nós somos vítimas e que a gente tem é que desejar e consumir tudo, o politicamente

correto entra nesse espaço vazio, pra lembrar que nós somos fundados na culpa e

que a gente tem uma responsabilidade com o outro no laço social”.

5.2.3.2 Análise do Mapa: Grupo Focal X TALP

Como foram aplicados os TALPs em primeiro lugar, da análise do conteúdo destes

retirou-se categorias para a construção dos mapas de associação de ideias, comparando com

os dados do grupo focal, para análise do discurso:

Palavras citadas no TALP X Falas no Grupo Focal

1a. Palavra mais citada no TALP: PRECONCEITO

Falas do grupo focal referentes à essa palavra:


176

B: “(...) tava passando naquela época aquela menina que chamou o jogador de

macaco, eu tava fazendo a unha e tava passando lá, aí uma mulher tinha feito

cirurgia e falou, ''eu acho isso engraçado, chama de macaco e é preconceito, eu sou

gorda, e me chama de gorda e isso não é preconceito'' (ela era super magra, ela se

via como gorda), aí eu olhei para ela e disse, vamos conversar, vamos dialogar sobre

isso. É por que os negros sofrem há muito mais tempo, mas não se preocupe, por que

no futuro vão lhe ajudar também... Óbvio que é preconceito, mas ninguém se

preocupa muito com isso hoje, por que, ao meu ver os negros já estão passando por

isso há muito tempo, e ela tava falando assim, como se ninguém se importasse por

que ela era gorda”.

M3: “Falando sobre o que você disse que ''gorda'' é preconceito, eu acho que

preconceito é você transformar a palavra gorda em preconceito. Por que gordo pra

mim é característica física... alto, baixo, magro”.

“Pois é, as pessoas pensam que eu sou besta, sou patricinha, tem esse preconceito

inverso”.

M3: “É engraçada essa questão do preconceito por que, já está tão internalizado

que a gente nem percebe. Eu percebi a necessidade das cotas raciais justamente por

que eu me dei conta desse meu preconceito. Eu tava lendo um livro bobo, um

romance, tinha um personagem muito pobre que morava num trailer, eu passei o

livro todinho imaginando que este personagem era negro, depois que eu terminei a

leitura que eu me dei conta, caramba, só por que o cara era pobre que eu passei o

tempo todinho imaginando que ele era negro. E aí fica uma coisa tão internalizada

na gente que a gente vai, e é justamente isso, é o preconceito mais difícil da gente

lidar, por que já se tornou quase que como uma coisa natural”.
177

M3: “Engraçado que eu tenho uma tia do interior, justamente isso, que ela tem todos

os preconceitos que alguém do interior podia ter multiplicado por 10, extremamente

preconceituosa”.

B:“Eu acho engraçado isso que tu falou que ela não ia deixar o marido dela sozinho,

eu achei engraçado por que, um preconceito que as pessoas também têm com os gays

é achar que, por exemplo, eu sou amiga da ... e eu não posso ser amiga dela por que

ela vai dar em cima de mim, por que?”

J: “(...) Ela se sentia mal por que às vezes, se ela via um casal homossexual se

beijando, ela sentia alguma coisa, né, que não era um preconceito”.

S: “Não, não era nem preconceito não”.

H: “Ela se sentia tensa”.

J: “Então, não era preconceito, mas um estranhamento”.

2a. Palavra mais citada no TALP: NEGRO

Falas do grupo focal referentes à essa palavra:

J: “Então, não era preconceito, mas um estranhamento. E aí eu me lembrei de você

estar na rua. Mas aí não é nem, não se trata do que eu vou falar, se trata desse

sentimento. Você sentir isso em relação aos homossexuais. Você às vezes tá na rua aí

você tá lá, tarde da noite com meu carro, aí eu olho pra o sinal, tem um cara, negro,

parado, todo mundo tem medo, entendeu? Você já deduz que ele é um assaltante,

você já deduz que ele vai roubar sua bolsa, vai quebrar o vidro do seu carro, tá

entendendo? Então assim, essa coisa, todo mundo se sente assim. Como eu tava

falando, minha mãe disse que o pobre não podia ser loiro dos olhos claros, por quê?
178

Por que pra ser pobre ele tem que ser negro. Então assim, existe isso, você

classifica”.

H: “Eu andava a pé na rua e tinha um homem negro, mal vestido, foi instinto, ele

tava na calçada, eu saí da calçada e fui pra rua, por que eu senti um estranhamento.

E ele me olhou e falou assim ''eu não sou assaltante não sua vagabunda''. Não foi de

propósito, eu sei que a gente vive cercada pela violência”.

M2: “Eu sei, eu já passei por isso aí também”.

H: “Exato, eu me senti mal. Eu me senti muito mal, eu fiquei com aquela coisa

ruim”.

J: “Você se sente mal, quando você tá parado no sinal e vê uma pessoa negra, e pra

os nossos padrões, mal vestida, aí você já vê o pessoal subindo o vidro na cara da

pessoa, aí você sente aquela coisa. A pessoa tá chegando e você sobe o vidro, eu fico

me imaginando no lugar dela”.

J: “(...) É engraçado como vai evoluindo, né? Você tem ''bicha'', aí tem ''baitola'', aí

tem ''veado'', aí tem ''gay'', aí tem homossexual. Assim como os negros também, né.

Você chama ''preto'', aí não vou mais chamar, agora são negros, aí depois de

negros, são afrodescendentes. Então assim, conforme essa linguagem vai agrando,

vai modificando. Até, eu fui, agora na Bienal comprar um livro, da Agatha Christie O

Caso dos Dez Negrinhos, e o primeiro país a proibir a circulação do livro com esse

título foram os Estados Unidos nunca foi apresentado o livro lá dessa maneira, aqui

no Brasil até então era O Caso dos Dez Negrinhos, quando eu cheguei lá tinha um

livro novo, dizendo nova edição com outro nome, nem me lembro de qual era o nome,

aí tinha embaixo antigo nome O Caso dos Dez Negrinhos. Modificaram aqui também,

porque não podia. Isso foi agora, bem recente”.


179

M3: “Tinha um funcionário do escritório, e o apelido dele sempre foi ''neguinho'',

quando eu entrei no escritório pra começar a trabalhar eu só chamava ele pelo nome

dele, C., só que ficava todo mundo rindo de mim por que ninguém chama ele de C. Aí

entrou a Lei do Racismo. Sabe o que é a gente entrar no elevador, olhar pro

‘Neguinho’, tentar falar com ele e todo mundo fica constrangido e, depois, também é

muito difícil voltar a chama-lo de C e eu ‘meu Deus do céu, o quê que se faz?’”.

H: “Eu sou estagiária de direito, no meu primeiro dia no escritório eu vi o meu chefe

chamando um funcionário, ‘ei, neguinho’. Aí eu, an? O que é isso?”.

3a. Palavra mais citada no TALP: RESPEITO

Falas do grupo focal referentes à essa palavra:

S: “Eu acho que, a questão do politicamente correto, talvez veio por conta que, é,

por exemplo, para pessoas, essa questão que até a gente tava falando, das

marchinhas de carnaval, algumas coisas para os avós e bisavós meus... Pra eles que

são preconceitos, que são coisas que não são politicamente corretas, ligadas ao

racismo, ligado a pessoas com deficiências, eram naturalizadas, então, o

politicamente correto com toda essa luta... ao mesmo tempo que as minorias estão

tentando que acabe isso, não é mais pessoa com deficiência, é pessoa, tudo bem,

negro, branco, somos todos pessoas. E às vezes eu acho que falta bom senso mesmo,

às vezes têm excessos, tanto do politicamente correto quanto do incorreto, pecam

pelos excessos”.

M1: “Assim, eu considero mesmo que o politicamente correto é uma estratégia muito

complicada, primeiro, você tentar purificar a linguagem, um eufemismo, você faz um

floreio muito grande, quando o que tá na ponta da língua é a palavra mais ofensiva,
180

entendeu? Mas você não pode mencionar por que o outro vai se sentir ofendido, o

outro vai se sentir preterido, mas aí a gente bota qualquer outra coisa”.

M2: “(...) mas eu acredito que com o tempo, você vai respeitando o outro, a

dificuldade que é tremenda é você, ''olha, a pessoa tem opinião, ela pensa diferente

de mim e eu respeitar'', e eu entender como é que a pessoa gosta tanto de uma coisa

que não é a que eu gosto”.

M2: “Assim, quando você pensa ‘essa palavra é correta’ de certa forma é por que

você está se preocupando com o bem estar daquela pessoa, por mais que assim, o que

mais importa é como você vai ser tratado no dia-a-dia. Mas eu acredito que só em

pensar em tá mudando uma palavra ‘espera aí, eu tenho que eu tenho que tratar

aquele outro’, por exemplo, uma pessoa com deficiência, por que a gente sabe que o

básico a gente precisa, ter uma cidade adaptada, pensar também numa forma de

inclusão, mas que, só em você pensar ‘como é que eu trato o idoso?’ tenho que ver

como é a minha relação com aquele outro, que existe uma preocupação, que eu tenho

que respeitar, que eu acho que puxa essas outras coisas que eu acho que são

positivas.

4a. Palavra mais citada no TALP: ANIMAL.

Falas do grupo focal referentes à essa palavra:

A: “Esse 'veado' (palavra veado) tá me confundindo”.

J: “Se é um animal ou se é uma pessoa”.

A: “É, por que eu sou cearense mesmo”.

Jr: “Então, eu deixei essa linha pra você botar uma observação. Você diz que Veado

com “e” pra você é politicamente correto, ‘Viado’ com ‘i’ é incorreto ?”.
181

A: “Pra mim também é correto”.

Jr: “É correto? Então depois a gente vai discutir por que, tá?”.

A: “Tá bom”.

5a. Palavra mais citada no TALP: CUIDADO

Falas do grupo focal referentes à essa palavra:

S: “Agora muitas vezes, fica uma linha muito tênue ao que é politicamente correto ou

não para uns e para outros devido a interpretações, visões de mundo diferentes. Mas

eu acho um pouco isso mesmo, a gente não perder essa linha do respeito com o

outro, do cuidado com o outro, da ética. Agora é claro, muitas vezes talvez uma coisa

para mim seja bastante natural, não tenha nenhuma questão moral ou conservadora,

mas já tem outra pessoa que já é”.

M3: “(...) Ou você vai pela lei, ou pelo que vai parecer ofender menos por que você

não pode colocar velho numa petição, por exemplo, você tem que colocar idoso,

pessoa portadora de deficiência, você não pode falar em morte, é falecimento, óbito,

tudo com o maior cuidado pra não ofender”.

M2: “‘A gente tem que ter um cuidado com o outro, que em outra época a gente não

pensaria’, ‘não, a gente não tem que ter cuidado coisa nenhuma, tem que ''tacar o

pau'' mesmo, falar o que acha que tem que falar e o outro é que se resolva com o

pensamento dele, que recalque, que faça lá o que for’. (...) então eu acredito que é

uma construção esse politicamente correto, que tem a ver muito com isso, com o

cuidado com o outro, né? Com o que é que eu vou falar, eu não quero machucar o

outro, eu acho que aquele outro é importante”.


182

H: “Eu acho que foi uma expressão que surgiu pra denominar um cuidado que as

pessoas têm com que o outro vai sentir. Não é o que é o politicamente correto, é uma

coisa que já existia. É um cuidado. Eu, por exemplo, desde sempre, acho que até

antes dessa história de politicamente correto existir, eu sempre tive um cuidado pra

falar com alguém que pudesse se sentir ofendido com alguma coisa que eu penso.

Então eu acho que foi uma expressão, um termo que surgiu pra uma coisa que já

existia. Um cuidado com o outro, certa educação que a gente tem por que outra

pessoa pode se sentir ofendido com uma coisa que a gente pensa, que a gente fala”.

S: “(...) eu estou dizendo do politicamente correto. Eu me lembro de quando eu

trabalhei, e aí a gente nessa história das metas, eu não me lembro se ainda é mais

esse nome, né, as minorias, sei lá. Aí tinha que ter todos esses cuidados, aí, como a

gente tava promovendo o carnaval dos idosos, tudo era obrigação nossa, e aí tem as

marchinhas de carnaval que fala ‘meu cabelo não nega, mulata’, ou então outros,

tinha tantas, sabe. Que isso hoje pra mim não tem problema.

Então assim, tem uma coisa positiva, mas a gente tem que ter muito cuidado por que

é remando contra a maré mesmo”.

“(...) O termo por si só, não. Tem que vir com educação, tem que vir com cultura, tem

que vir com diálogo. Tem que vir com acessibilidade, tem que vir com cuidado com o

outro, tem que vir com ecologia profunda, tem que vir com espiritualidade. Tem que

vir com um monte de coisa. Uma sociedade menos desigual”.

M1: “Aí eu, quer saber de uma coisa, eu faço psicologia, eu procuro entender,

quando tô atendendo, quando eu tô num ambiente de estágio, de sala de aula, numa

discussão com pessoas da psicologia, você tem um certo cuidado por que você supõe

que a pessoa sabe do que você tá falando. Mas numa situação comum é qualquer
183

pessoa, você se chama de doido, você vê a pessoa na rua e diz ‘você é doido’ e vai

passando, é comum”.

6a. Palavra mais citada no TALP: VELHO

Falas do grupo focal referentes à essa palavra:

J: “Aí eu e minha vó, a gente tava lá na fila preferencial pra idosos, aí uma mulher

disse assim ''eu não sei por que eles têm fila preferencial, por que eles não fazem

mais nada, eles estão aposentados, eles têm todo o tempo do mundo pra ficar na fila

esperando, mas eu não tenho, eu tenho hora, preciso pagar minhas coisas logo e

voltar pra o trabalho e eles podem ficar aqui o dia todo'', aí eu disse assim, ''não é

desse jeito, eles não podem ficar muito tempo em pé, às vezes a pessoa não pode ficar

mais por que é mais velho'', às vezes não são nem eles, são os filhos preguiçosos”.

S: “Mas o que eu acho é que as pessoas têm... Não é o nome em si. Por que ''eu vou

te chamar de idoso, tu tá com a tua autoestima lá embaixo se achando velho''. Uma

velha que não tem autonomia, uma velha que não tem independência, isso pra mim

não importa”.

J: “Falando de idoso, eu lembrei que um dia desses, eu tava assistindo uma matéria

e ele tava falando isso, né, que ele foi... “Foi uma matéria?” Não, foi o Ariano

Suassuna quando ele veio aqui dar uma palestra, aí ele disse que uma vez chamaram

ele e disseram ''sente aqui por que você é ‘’ve’’...'' Aí ele disse que a pessoa gaguejou

e disse ''idoso'', aí ele falou ''não minha filha, eu sou velho mesmo, não tem esse

negócio de melhor idade, mentira''. Eu lembrei também que eu tinha visto, falando da

idade, uma pessoa também idosa falando ''que história de melhor idade, isso não é

melhor idade não, colocaram esse negócio só pra camuflar a velhice''. Ele dizendo
184

assim, que ele, no papel de idoso, não achava que era melhor idade, eu não estou no

meu melhor hoje”.

7a. Palavra mais citada no TALP: GAY

Falas do grupo focal referentes à essa palavra:

B: “Eu saí com meu namorado e dois amigos dele aí um tava precisando de um

isqueiro, uma coisa assim, aí tinha um grupo de gays, sabe, aí o amigo dele falou

brincando pra ele ''vai lá, pedir pra eles'', aí como meu namorado é acostumado com

meu irmão, ele disse ''não, não tenho esse problema não'', aí foi lá e pediu, aí o

amigo dele ''ele foi mesmo, eu tava brincando'', aí eu ''o que que tem? Os gays vão

pular em cima dele e beijar ele e abraçar?''

J: “Aconteceu com a..., ela foi perguntar pra uma amiga dela, se ela já tinha ficado

com alguma mulher, por que ela tava na Europa, viajando e tal, e porque assim foi

com ela, ela passou um tempo fora, teve uma experiência e tipo se descobriu quando

tava lá, aí ela foi perguntar se, achava que a ... tava dando em cima dela, por que ela

perguntou se ela tinha se descoberto na Europa. A ...disse que só fez uma

brincadeira, só queria saber se ela tinha ficado com alguém. É tão comum lá.”

B: “Se um hetero pergunta pra você se você já ficou com um homem, ele tá dando em

cima de você?”

J: Ou até os gays, né. Então é politicamente incorreto, não pode mais perguntar. Não

pode falar, não pode elogiar, porque se não vai estar dando em cima de alguém.

M1: “Uma coisa que eu tenho reparado, que além da questão sexual, tem a questão

política. A questão política também entra muito nesse rolo, por que a palavra que eu
185

mais ouvi falar desde julho, que começou a efervescência das eleições é a palavra

''comunista''.

S: “(...) Não, não vamos colocar racismo não, homossexualidade. Por exemplo, se

eu ver uma cena de amor homossexual, há um estranhamento no meu corpo, há uma

sensação, certo, que... Não tem nada, sabe como é? Mas eu entendo tudo isso, por

que eu sou uma pessoa, construída socialmente, historicamente, dentro de uma

concepção, né. Então, assim, eu entendo, eu compreendo, é muito difícil, né, assim, a

gente... A gente, por exemplo, frequentar lugares que antigamente, não sei se

chamam assim hoje, os ''guetos'', locais onde vão homossexuais, nem sei se existe

hoje em dia esses tipos de lugares, mas tinha muitos, alguns locais mesmo que todo

mundo, o pessoal das universidades, o pessoal da praia de Iracema, todo mundo ia

também. Mas, determinados locais eram mais fechados, de você sentir um

estranhamento de você não conseguir ficar totalmente à vontade, mas você não está

recriminando, você não está... É uma coisa que é mais forte a nível de sensação, de

cognição, de pensamento, não sei, mais racional”.

M2: “O costume mesmo. É, porque, por exemplo, homossexual feminino. Eu acho

que homem, eu sempre tive muitos amigos gays, na escola, a gente conversava, já

tinha visto um beijo gay quando eu estudava em um colégio evangélico, assim, por

que era adventista, então era bem correto mesmo, eu até falo pro meu namorado, e

ele diz, ''menina, isso não existe não'', e eu digo, ''menino, existe, eu estudei em um'',

eu vivi isso, meu pai nunca deixou eu estudar num colégio normal, assim, normal que

é pra mim, né, ''eu quero ir pra um colégio normal'', e ele dizia, ''não, não pode''.

Mas, enfim, quando eu comecei a ter amigos e conheci pela primeira vez uma

homossexual feminina, de ver duas meninas se beijando, eu me senti estranha,

assim, não foi aquela coisa natural pra mim, não que eu tivesse preconceito de ''ah,
186

como é que pode'', mas, você está que no barzinho, olha pra o lado e vê duas

mulheres se beijando? Aí, eu tenho dois amigos, que assim, são dois irmãos, que ele é

gay e ela é gay também, né, e um dia eu saí com uma amiga, e eu achei que não

precisava falar nada, aí chegou a namorada dela e elas se beijaram, minha amiga

olhou assim e fez ''ahhh'' e deu um grito, mas foi tão espontâneo, mas foi tão

engraçado, eles não ligaram a gente começou a rir, por que assim, amigos, né. Mas,

é uma adaptação mesmo, é como é que eu posso dizer, eu até entendo, a primeira vez

que você vê, como é pra minha mãe, o meu pai já acha mais estranho, mas eu

acredito que com o tempo, você vai respeitando o outro, a dificuldade que é

tremenda é você, ''olha, a pessoa tem opinião, ela pensa diferente de mim e eu

respeitar'', e eu entender como é que a pessoa gosta tanto de uma coisa que não é a

que eu gosto”.

S: “Principalmente você estar aberto, né, por mais que tenha um estranhamento, e a

gente sabe que a educação da gente, a gente sabe que foi criada uma sociedade

patriarcal, nas hierarquias, um sistema como esse, capitalista, individualista, e por aí

vai. Tem a questão da religião com um peso muito grande, a religião enquanto

instituição, não estou falando da espiritualidade, estou falando das instituições

religiosas, e aí... Me perdi”.

J: “Em relação ao que a S falou e a M2, é, a S falou um pouco sobre juízo de valor,

né, e aí esse julgamento que a gente faz... Quando eu contei pra minha mãe que eu

era homossexual, ela estranhou muito, então assim, foi um choque muito grande pra

ela, por que ela julgava que para eu ser homossexual, eu tinha que me vestir como

homem. Então, a única coisa que ela argumentava comigo, era que era impossível eu

ser homossexual por que eu gostava de me vestir como mulher, por que eu gostava

de me arrumar, eu era altamente feminina, por que eu gostava de me vestir de boneca


187

quando eu era criança, que eu usava salto, e ela disse que isso não existia. Aí eu

disse, ''mãe, não é assim, não necessariamente eu vou ter que me vestir como um

homem para eu gostar de outra mulher.''

B: “E a mesma coisa serve para o homem, né, o meu irmão é gay é o mais velho,

então assim, eu cresci acostumada com isso, por que pra mim era a coisa mais

normal do mundo, já que eu nasci e ele já era gay, né. É o que é natural pra você,

pra mim é completamente natural. Mas assim, tem vários amigos dele que você jura

que não é gay, por que não parece mulher, por que o povo tem muito disso ''e ele é

gay? Ele não tem que se parecer mulher pra ser gay'', ele não precisa querer ser

mulher”.

J: “Eu tava, sei lá, o que acontece muito, é o que vocês estavam falando antes, de,

acho que foi a S. que falou. Ela se sentia mal por que às vezes, se ela via um casal

homossexual se beijando, ela sentia alguma coisa, né, que não era um preconceito”.

S: “Não, não era nem preconceito não”.

H: “Ela se sentia tensa”.

8a. Palavra mais citada no TALP: SABEDORIA

Falas do grupo focal referentes à essa palavra:

M1: “Um pode se ofender com determinado termo e o outro não tá nem aí, aí como

é que você vai saber qual é a pessoa que vai se sentir ofendida ou não, e aí você

escolhe se você vira um ''porra louca'' dizendo tudo que você pensa toda hora, ou se

você tenta maquiar e agir de certa maneira mais tranquila com todo mundo”.

M2: “Por que só por que a pessoa faz parte daquele grupo, você supõe se ele tá

usando aquela palavra não é de forma ofensiva, não vai lhe atingir, ou tá querendo
188

dizer outra coisa, mas o outro, o outro sempre vai perseguir o outro sempre vai achar

que é pior sobre você. Mas tipo pode ser seu irmão, pode ser seu sogro, você não tem

como saber qual a real intenção dele quando ele diz aquela palavra, não tem como

saber, mas você vai se armando pra se defender deles”.

9a. Palavra mais citada no TALP: AMOR

Falas do grupo focal referentes à essa palavra:

S: “Então algumas coisas que eu fui me perguntando, algumas reflexões que eu fui

espiritualidade pra mim é isso. Esse amor são esses valores humanos mais

estimados, e que são muito difíceis, né, não é que sejam difíceis no sentido de difíceis,

mas nós perdemos tanta coisa que a gente precisa mesmo tá fazendo esse exercício.

Uma amiga, não, uma pessoa que eu conheço uma vez disse assim ''pra gente ser feliz

dá bastante trabalho, pra gente ser saudável, ser feliz'' e dá mesmo, sabe, por que

cuidar dá trabalho. Não é uma coisa assim que você, né, é descartável, não tá pronto

no supermercado, então assim, são essas questões”.

M3: “(...) Nós temos os dois (culpa e castigo), né, por que a gente é católico. Mas

engraçado, eu falei isso por que eu, como ateia, reconheço o brilhantismo disso

desde sempre. Do que deveria ser a fundação do cristianismo que é o amor

incondicional ao outro”.

S: “Não, não vamos colocar racismo não, homossexualidade. Por exemplo, se eu ver

uma cena de amor homossexual, há um estranhamento no meu corpo, há uma

sensação, certo, que... Não tem nada, sabe como é?”


189

M3: “(...) assistiu a esse filme ela falou horrorizada ''gente, é amor de verdade''. ''É

isso'', ela chama o marido dela de ..., ''não vou deixar mais ... sozinho com os peões

não, é amor'' Nunca passou pela cabeça dela que pudesse ser amor”.

10a. Palavra mais citada no TALP: CUTURA

Falas do grupo focal referentes à essa palavra:

S: “(...) O termo por si só, não. Tem que vir com educação, tem que vir com cultura,

tem que vir com diálogo. Tem que vir com acessibilidade, tem que vir com cuidado

com o outro, tem que vir com ecologia profunda, tem que vir com espiritualidade.

Tem que vir com um monte de coisa. Uma sociedade menos desigual”.

M3: “Mas tem essa cultura no Brasil”.

S: “Me sinto vaga, altamente, não sei se culpada, uma dor muito grande pelas

pessoas que são pobres financeiramente, socialmente, culturalmente. Por que a

gente vê as pessoas na rua, né, por que aí você vê gente rasgando dinheiro, enquanto

outros... Então assim...”.

5.2.3.3 Análise das categorias LINGUAGEM/PODER/CULPA

No grupo focal quando se perguntou o que eles que achavam que mudou nas relações

sociais após a adoção do politicamente correto, surgiram as categorias linguagem, poder e

culpa.

 Linguagem – citada 32 vezes na transcrição do Grupo Focal;

 Poder – citada 34 vezes na transcrição do Grupo Focal;

 Culpa – citada 16 vezes na transcrição do Grupo Focal.


190

a) Categoria: LINGUAGEM

Falas dos sujeitos:

H:“Eu acho que o politicamente correto é um fenômeno que surgiu com o intuito de

amenizar algumas coisas que as pessoas falam. É, por exemplo, ''Aquela velha'', ah, é

''aquele idoso''... Eu acho que o politicamente correto torna certas coisas menos

ofensivas pra outras pessoas. Ah, eu acho normal aquela menina ''negra'', ah,

bonita... Tem gente que, ''ah, negra que palavra feia'', diz pessoa ''morena''. Eu acho

que tem muito a ver com ter que neutralizar a linguagem, a forma de se expressar de

uma pessoa para que não ofenda alguém”.

M3: “Mas é engraçado, no meu trabalho, às vezes, e como a gente precisa escrever

alguma coisa que possa ser ofensiva, eu notei de cara no questionário, o que é, por

que você sempre tem que procurar a palavra mais elegante, a que não fique tão... Ou

você vai pela lei, ou pelo que vai parecer ofender menos por que você não pode

colocar velho numa petição, por exemplo, você tem que colocar idoso, pessoa

portadora de deficiência, você não pode falar em morte, é falecimento, óbito, tudo

com o maior cuidado pra não ofender. Principalmente na minha área, que é direito

de família, você vai falar baixaria da forma mais politicamente correta numa

petição”.

M1: “Assim, eu considero mesmo que o politicamente correto é uma estratégia muito

complicada, primeiro, você tentar purificar a linguagem, um eufemismo, você faz um

floreio muito grande, quando o que tá na ponta da língua é a palavra mais ofensiva,

entendeu? Mas você não pode mencionar por que o outro vai se sentir ofendido, o

outro vai se sentir preterido, mas aí a gente bota qualquer outra coisa”.
191

M1: “Por que você sempre está à mercê do que o outro possa pensar e como o outro

pode reagir acerca que você está dizendo. E aí uma coisa que era pra ser só no

campo da linguagem ela parte para a relação. A relação entre as pessoas fica

extremamente polida, você não pode se mostrar, você não pode mais ter um

comportamento um pouco mais espontâneo e até instintivo, por que qualquer coisa

você vira refém de um processo por que o outro pode se ofender, é muito subjetivo.

Um pode se ofender com determinado termo e o outro não tá nem aí, aí como é que

você vai saber qual é a pessoa que vai se sentir ofendida ou não, e aí você escolhe se

você vira um ''porra louca'' dizendo tudo que você pensa toda hora, ou se você tenta

maquiar e agir de certa maneira mais tranquila com todo mundo”.

M2: “(...) mas que hoje a gente tá num momento que eu considero que é muito bom,

por que a gente consegue pensar, falar, por exemplo de hoje ter, por exemplo, esse

próprio momento de você ter uma pesquisa para dizer, olha, eu acho isso

politicamente correto, isso daqui eu já acho que não é. ''A gente tem que ter um

cuidado com o outro, que em outra época a gente não pensaria”, ''não, a gente não

tem que ter cuidado coisa nenhuma, tem que ''tacar o pau'' mesmo, falar o que acha

que tem que falar e o outro é que se resolva com o pensamento dele, que recalque,

que faça lá o que for (...)”.

J: “É engraçado como vai evoluindo, né? Você tem ''bixa'', aí tem ''baitola'', aí tem

''veado'', aí tem ''gay'', aí tem homossexual. Assim como os negros também, né. Você

chama ''preto'', aí não vou mais chamar, agora são negros, aí depois de negros, são

afrodescendentes. Então assim, conforme essa linguagem vai agrando, vai

modificando. Até, eu fui, agora na Bienal comprar um livro, da Agatha Christie O

Caso dos Dez Negrinhos, e o primeiro país a proibir a circulação do livro com esse

título foram os Estados Unidos nunca foi apresentado o livro lá dessa maneira, aqui
192

no Brasil até então era O Caso dos Dez Negrinhos, quando eu cheguei lá tinha um

livro novo, dizendo nova edição com outro nome, nem me lembro de qual era o nome,

aí tinha embaixo antigo nome O Caso dos Dez Negrinhos. Modificaram aqui também,

porque não podia. Isso foi agora, bem recente”.

M3: “Tinha um funcionário do nosso escritório, eu trabalho com meu pai, e ele

trabalha lá desde que eu me conheço por gente, ele trabalha com meu pai, e o

apelido dele sempre foi ''neguinho'', quando eu entrei no escritório pra começar a

trabalhar eu só chamava ele pelo nome dele, Carlos, só que ficava todo mundo rindo

de mim por que ninguém chama ele de Carlos. Aí entrou a Lei do Racismo. Sabe o

que é a gente entrar no elevador, olhar pro “Neguinho”, tentar falar com ele e todo

mundo fica constrangido e, depois, também é muito difícil voltar a chama-lo de

Carlos e eu “ meu Deus do céu, o quê que se faz?”.

Jr: “Agora, falando disso de outra geração, eu me lembrei de uma história

engraçada, que a mãe de uma amiga minha, ela é muito preocupada em falar o

português correto, e aí ela foi pegar os netos na escola, e na saída tinha um senhor

que vendia churros, e o apelido dele era ''zurelha'', aí o neto pediu para ela, ''vovó,

vai ali no ''zurelha'' comprar um churros''. Quando ela chegou lá, ela disse que ficou

pensando como era que ela ia chamá-lo, ela não conseguiu dizer ''zurelha'', aí ela

disse ''senhor, orelhas eu gostaria de comprar um churros'', e aí todo mundo ao redor

começou a rir, é... O problema dela era com a questão da linguagem, ela não

conseguia dizer ''zurelha'', e ela fala bem explicado, então ficou, ''senhor, orelhas''.”

M3: “Falando sobre o que você disse que ''gorda'' é preconceito, eu acho que

preconceito é você transformar a palavra gorda em preconceito. Por que gordo pra

mim é característica física... alto, baixo, magro”.


193

J: “Eu passo muito por essa situação, e aí as pessoas chegam pra mim e dizem, ''ah,

é por que a Juliana é. '' aí ela não quer falar gorda, né, aí ela fala ''a Juliana é

cheinha'', cheinha e gorda é a mesma coisa, da no mesmo. Eu me vejo, tipo assim,

você não tá falando uma coisa incomum. Que nem o pessoal do interior, meu pai é do

interior, então, se eu vou lá, as pessoas já falam forte, né...”

J: “A gente ouve sobre o politicamente correto, ou incorreto, até nas próprias

propagandas políticas, né. Tava passando a propaganda, tava minha mãe e a Adrew

lá em casa, e aí o pessoal filmando a Dilma, só não chamaram ela de feia, ''por que

ela é gorda, comunista, sapatão'' todos os nomes foram atribuídos a ela, só que o

povo acha que é mais politicamente incorreto votar na Dilma. Aí minha mãe disse

''no meu tempo você não podia falar isso com um presidente da república'', era uma

coisa absurda, né, hoje em dia, esse politicamente incorreto, é como você ia dizer, é

uma autoridade e você não podia falar nada com ele, mas chamaram a Dilma de

tudo no mundo, que ela era comunista, que ela era amiga de não sei quem, que o

Brasil ia virar uma Venezuela, não sei o que.”

H: “Pois é, tem coisas aqui que eu falaria ''pessoa com deficiência'', eu falaria

normalmente, só que eu sei que não é correta. É como se eu disse que a pessoa não

tem potencial. Por que a gente tem que colocar de acordo com a outra pessoa, o que

ela vai sentir né”.

H: “Eu acho que foi uma expressão que surgiu pra denominar um cuidado que as

pessoas têm com que o outro vai sentir. Não é o que é o politicamente correto, é uma

coisa que já existia. É um cuidado. Eu, por exemplo, desde sempre, acho que até

antes dessa história de politicamente correto existir, eu sempre tive um cuidado pra

falar com alguém que pudesse se sentir ofendido com alguma coisa que eu penso.

Então eu acho que foi uma expressão, um termo que surgiu pra uma coisa que já
194

existia. Um cuidado com o outro, certa educação que a gente tem por que outra

pessoa pode se sentir ofendido com uma coisa que a gente pensa, que a gente fala.

''pessoa com deficiência'', eu descobri que é uma palavra politicamente incorreta”.

B: “Eu tinha marcado politicamente correto. Eu vi as meninas conversando, aí eu

percebi que e se eu chamar uma pessoa de afro-brasileira, pra ela talvez seja uma

ofensa, mas pra alguém de fora, alguém que não seja do Brasil ela não vê isso como

ofensa”.

H: “Afrodescendente é a palavra que surgiu pra substituir pra não falar ''aquela

negra''. Eu concordo muito com o que vocês disseram, mas, vai que ela não gosta de

ser chamada assim?”.

M3: “Mas a questão dela é a aplicação da palavra. Por que é a mesma coisa, gordo

pra mim é uma característica física. Negra, é pele negra”.

Jr: “É um dia desses um amigo foi assaltado, e o que marcou pra ele foi que o

assaltante jogou uma pedra do vidro do carro dele e disse ''passa tudo, vagabundo'' e

ele disse que ficou tão ferido com aquela palavra ''vagabundo”.

J: “Eu tenho só uma pergunta pra fazer, se quem faz psicologia aqui, se sente a

mesma coisa que eu, e quando você vai falar a palavra ''doido'', vocês não acham,

enquanto estudantes de psicologia, ou psicólogos, que a palavra ''doido'' é muito

ofensiva. Tipo assim é como se o psicólogo não pudesse falar a palavra ''doido'',

como se ele tivesse diminuindo”.

M2: “Eu também sinto isso, por que a gente começa a estudar, principalmente a

partir do quinto semestre, que a gente começa a ver as psicopatologias,

psicopatologia sociedade e cultura, e quando você percebe que o conceito de loucura

foi socialmente construído, que a gente vai estudar Foucault, então eu acho, que de

certa forma, eu me vi da mesma forma que tu pensa. Um rapaz no ônibus me agarrou


195

e ficou me segurando pelos meus pé, super agradável, né, aí você diz logo ''ah, esse

doido puxando meus pés'', aí a minha amiga falou ''doido? Doido não pode, né, M.''

aí eu falei, é mesmo. Mas assim, há muito tempo. Quando você começa realmente a

estudar, fica até estranho você chamar de doido, aí nos ambientes que você está que

as pessoas não estudam o mesmo que você estuda você percebe que elas continuam

usando, né, essa construção, mas eu me sinto assim”.

J: “Eu tava em alguma situação e falei ''fulano é doido'', aí eu parei pra pensar ''eu

poderia estar chamando alguém de doido?''. Por que assim, eu tô estudando,

começando, iniciando os estudos, eu poderia estar chamando alguém de doido? Não

é muito pejorativo? E ''doido'' eu acho meio, assim, você não classifica uma pessoa

doida como se fosse tudo, tipo, assim, existem várias pessoas ''doidas'', mas você não

sabe...”

M1: “Eu já passei por essa situação também. No começo, assim que eu comecei a

faculdade, Ave Maria, se uma pessoa conhecida se referisse a uma pessoa que eu

sabia que tinha transtorno mental por ''doido'', eu dizia logo ''não, espera aí, vamos

sentar, vamos entender como é que é'',, e aí aos poucos eu fui relaxando, por que se

não, você fica todo dia naquele negócio, psicose, Nome-do-Pai, foraclusão. Aí eu,

quer saber de uma coisa, eu faço psicologia, eu procuro entender, quando tô

atendendo, quando eu tô num ambiente de estágio, de sala de aula, numa discussão

com pessoas da psicologia, você tem um certo cuidado por que você supõe que a

pessoa sabe do que você tá falando. Mas numa situação comum é qualquer pessoa,

você se chama de doido, você vê a pessoa na rua e diz “você é doido” e vai

passando, é comum”.

M3: “Eu acho que cria uma agressividade. Eu tava lendo um texto do Contardo

Calligaris justamente sobre isso. Um rapaz dizendo que ele sempre tinha que dar
196

passagem pra as pessoas no trem, principalmente para as mulheres e o que passava

na maior educação, mas na cabeça dele era ''sua puta, sua vagabunda, sua gorda,

passando na minha frente'', então, você vai internalizando uma agressividade que

talvez fosse melhor você soltando pequenas doses pra fora”.

J: “Falando de idoso, eu lembrei que um dia desses, eu tava assistindo uma matéria

e ele tava falando isso, né, que ele foi... “Foi uma matéria?” Não, foi o Ariano

Suassuna quando ele veio aqui dar uma palestra, aí ele disse que uma vez chamaram

ele e disseram ''sente aqui por que você é ‘’ve’’...'' Aí ele disse que a pessoa gaguejou

e disse ''idoso'', aí ele falou ''não minha filha, eu sou velho mesmo, não tem esse

negócio de melhor idade, mentira''. Eu lembrei também que eu tinha visto, falando da

idade, uma pessoa também idosa falando ''que história de melhor idade, isso não é

melhor idade não, colocaram esse negócio só pra camuflar a velhice''. Ele dizendo

assim, que ele, no papel de idoso, não achava que era melhor idade, eu não estou no

meu melhor hoje”.

M3: “É exatamente isso. Por que eu acho que quando você quer mudar o nome de

uma coisa, criar um eufemismo, você tá dizendo que essa coisa é ruim. Eu sou ex-

obesa, por exemplo, então quando eu era gorda, quando eu era mais gorda, não

tinha nada que me ofendia mais do que uma pessoa chegar e dizer ''você é gordinha'',

''você é fortinha'', por que é como aquilo que eu fosse todo, fosse uma coisa tão ruim

que você não podia dar um nome a ela. É mesma coisa do afro-brasileiro, é como se

''negro'' fosse uma coisa tão ruim que você não pode mais chamar a pessoa pela cor

da pele”.

J: “O vídeo que a Juçara tava passando agora, né, que ele tava falando da

comunidade. Então assim, a preocupação de mudar o termo e não mudar de fato a

situação. E aí ele pergunta ''você deixa de falar o que pensa por causa do
197

politicamente correto'' e aí é tudo que a gente falou agora, do idoso, todo mundo na

fila pensa ''meu Deus eu tô atrasada, ele vai passar na minha frente, mas eu vou

deixar ele passar''. Aí você fica ''por favor, não vem outro idoso'', você fica torcendo

pra não aparecer outro”.

M1: “Faz é tempo que eu tento falar aqui, em relação aos termos, eu acho que, você

modificar o termo não muda a relação não. Mas tem uma coisa que me preocupa

bastante nisso, por que, eu acredito piamente que a agressividade é constituinte do

ser humano, e uma via, minimamente saudável que o sujeito encontra é a via da

linguagem, e aí, na medida em que você não pode mais se utilizar dessa linguagem

para expurgar um pouco disso aí, pra onde é que vai essa agressividade, né? Como é

que vai ficar? A minha preocupação é que isso acabe reverberando nos índices de

violência que já não são muito agradáveis. Por que se você não pode se utilizar do

simbólico pra ver se ameniza e possibilita por mais que haja um mal estar, mas

possibilita a relação social, se você não vai mais se valer disso, você vai partir pra

onde? Você vai partir pra violência”.

M3: “Mas eu não digo isso, eu digo que precisa haver um termo. E se esse novo

termo de repente for considerado ofensivo também? Se a pessoa também quiser se

igualar, mas a única pessoa que pode se igualar a uma pessoa que tem deficiência.

(...) Então, sempre a palavra nova vai ser considerada ofensiva, você tem que aceitar

que você tem uma coisa a menos e que a gente precisa te dar uma coisa a mais pra

você concorrer em igualdade se não a gente vai de volta à barbárie”.

J: “É que nem quando mudou de empregada pra secretária, aí você fica com medo,

né, por que muita gente fala ''ah, a empregada'' aí a outra pessoa tem vergonha e fala

''não, empre... não, é a secretária, a secretaria lá de casa'', aí você não gosta de falar
198

pobre, aí você pega e diz ''não a secretária lá de casa, a empregada lá de casa é

pobre'', tipo assim, tudo isso seria politicamente incorreto”.

Jr: “É, por que o politicamente correto se divide em duas questões, ele surgiu pra

mudar a linguagem, e pra mudar atitudes, e, é um movimento na defesa dos direitos

humanos, e que a gente, pelo que eu vi do que vocês falaram, tem um avanço, pra

idosos, pra categorias raciais, étnicas, tem avanços, que essa mudança de termos...”

J: “Assim, é meio que uma maneira de adequar, de se expressar de cada um. E até

pra determinados grupos não atingirem outros determinados grupos”.

M2: “Assim, quando você pensa ''essa palavra é correta'' de certa forma é por que

você está se preocupando com o bem estar daquela pessoa, por mais que assim, o que

mais importa é como você vai ser tratado no dia-a-dia. Mas eu acredito que só em

pensar em tá mudando uma palavra ''espera aí, eu tenho que eu tenho que tratar

aquele outro'', por exemplo, uma pessoa com deficiência, por que a gente sabe que o

básico a gente precisa, ter uma cidade adaptada, pensar também numa forma de

inclusão, mas que, só em você pensar ''como é que eu trato o idoso?'' tenho que ver

como é a minha relação com aquele outro, que existe uma preocupação, que eu tenho

que respeitar, que eu acho que puxa essas outras coisas que eu acho que são

positivas”.

b) Categoria: PODER

M3: “Eu acho que tem muito a ver com você educar, como você falou, as pessoas

com a perda dos privilégios. Por que antigamente a gente tinha uma hierarquia

muito demarcada, homem lá em cima, vinha depois a mulher, negro não era gente,

velho também, idoso não era, ia perdendo a hierarquia social. E a gente continua
199

sendo criado nesse tipo de sociedade, só que não é mais assim, ninguém mais aceita

ser subjugada, então, a gente tem que criar o politicamente correto de certa forma

para tolher a nossa criação preconceituosa e pra orientar também as pessoas que

ainda acham que eu não posso ser igual ao Bolsonaro”.

M3: “Porque é justamente isso. Todo mundo do politicamente incorreto vota. Ele

agride quem acha que tem o direito de passar por cima do outro. E até pouco tempo

era normal que você passasse por cima do outro. No trânsito, as bicicletas, a gente

acha que o carro pode passar por cima das bicicletas, que é um abuso ter tanta

ciclovia ali atrapalhando o nosso caminho. Na verdade, uma bicicleta tem tanto

direito pelo código de trânsito de usar a rua quanto a gente”.

M2: “(...) “por que esse outro trás também um valor financeiro também, né, a

questão das favelas, que trazem muitas coisas na rede social mesmo, ''ah, se favela

fosse um local ruim as empresas, as Casas Bahia não estaria dentro da favela, tava

lá pra fazer caridade, não tava lá pra vender. '' Então, tudo isso faz com que algumas

camadas vistas como minoria, consigam se afirmar e dizer ''não, não é assim, você

não pode me tratar assim''. “E a facilidade também de você processar, né, se bem

que processar não quer dizer que você vai ganhar, mas pelo menos você tem o direito

antigamente nem pensaria nisso”.

M3: “Em relação ao que você falou sobre o processo, é justamente isso que você

falou, as pessoas estão se sentindo imponderadas para irem até a justiça, por que a

lei sempre esteve lá, nosso código penal é de que ano, Helena? De 1916 se eu não me

engano, sempre teve a lei, o artigo falando do crime de injúria, mas as pessoas não

tinham coragem, não se sentiam no direito de protestarem, de se sentirem

injuriadas”.
200

J: “É por que esse pessoal de interior acha isso, que uma pessoa mais alta, mais

forte, gorda, fosse uma pessoa que tipo, tivesse mais poder, mais saudável. É isso,

também a pessoa magra, mais raquítica, eles pensam como se fosse uma pessoa mais

pobre, desprovida, por que é magra demais. Engraçado como vai mudando também”.

S: “Pra quem está esse politicamente correto né? Por que enquanto a gente

conversava eu pensei muitas coisas, pensei as formas de controle, e, exatamente isso,

né, pode até ter se pensado como uma intenção, né, isso aí”.

S: “Principalmente você estar aberto, né, por mais que tenha um estranhamento, e a

gente sabe que a educação da gente, a gente sabe que foi criada uma sociedade

patriarcal, nas hierarquias, um sistema como esse, capitalista, individualista, e por aí

vai. Tem a questão da religião com um peso muito grande, a religião enquanto

instituição, não estou falando da espiritualidade, estou falando das instituições

religiosas, e aí...”

J: (...) “aí eu falei ''mãe, ele tá pedindo dinheiro'', aí ela, ''tá não'', aí eu, ''tá, mãe'',

aí ela, ''eu não acredito, ele é bonito demais''. Mas, o que impede ele tá pedindo

dinheiro só por que ele é bonito demais. Aí ela disse, ''ele lá no Brasil já tava casado

com uma mulher bem rica e cheio de dinheiro”.

M3: “Mas é engraçado, você falou da cultura judaico-cristã, falando do julgamento,

mas eu tava lendo hoje, um psicanalista colocou no facebook dizendo que hoje em dia

o capitalismo quer que a gente ame a si mesmo, a si mesmo, mas o verdadeiro

desafio quem passou foi Jesus Cristo, né, amar ao outro como a si mesmo, ou seja,

não julgar o outro, simples assim”.

J: “Então, não era preconceito, mas um estranhamento. E aí eu me lembrei de você

estar na rua. Mas aí não é nem, não se trata do que eu vou falar, se trata desse

sentimento. Você sentir isso em relação aos homossexuais. Você às vezes tá na rua aí
201

você tá lá, tarde da noite com meu carro, aí eu olho pra o sinal, tem um cara, negro,

parado, todo mundo tem medo, entendeu? Você já deduz que ele é um assaltante,

você já deduz que ele vai roubar sua bolsa, vai quebrar o vidro do seu carro, tá

entendendo? Então assim, essa coisa, todo mundo se sente assim. Como eu tava

falando, minha mãe disse que o pobre não podia ser loiro dos olhos claros, por quê?

Por que pra ser pobre ele tem que ser negro. Então assim, existe isso, você

classifica”.

H: “Eu andava a pé na rua e tinha um homem negro, mal vestido, foi instinto, ele

tava na calçada, eu saí da calçada e fui pra rua, por que eu senti um estranhamento.

E ele me olhou e falou assim ''eu não sou assaltante não sua vagabunda''. Não foi de

propósito, eu sei que a gente vive cercada pela violência”.

J: “Você se sente mal, quando você tá parado no sinal e vê uma pessoa negra, e pra

os nossos padrões, mal vestida, aí você já vê o pessoal subindo o vidro na cara da

pessoa, aí você sente aquela coisa. A pessoa tá chegando e você sobe o vidro, eu fico

me imaginando no lugar dela”.

M3: “Eu também senti isso por que eu me perdi a noite, 21h30 da noite eu perdida

no centro da cidade, dirigindo meu carro, parada no sinal, sozinha, voltando da

dança, então eu tava sem bolsa, sem nada, e chegou um cara pra mim pedindo

esmola, e ele continuou fazendo assim ''gesto'', e eu já desesperada por que não sabia

o que fazer, eu abri o vidro e disse ''cara é por que eu tô voltando da ginástica e eu

realmente não tenho dinheiro'' aí ele falou pra mim ''olha, o que você fez foi muito

importante, você me deu atenção'', e eu fiquei assim séria. E todo mundo m dizendo

que eu era louca por fazer isso, e eu também morrendo de medo, não tinha bolsa, não

tinha nada”.
202

M1: “Tem uma oficina perto da minha casa. Eu não passo na calçada; passo pela

rua, no meio”.

J: “Então assim, se você tá no sinal sozinha, é mulher, você vai ter medo, qualquer

pessoa. Hoje em dia passa uma moto do seu lado e você tem medo. E aí tem essa

coisa da pessoa ser negra. Antigamente tinha mais assim ''ah, tá bem vestido, deve tá

saindo do trabalho'', hoje em dia não tem mais, hoje em dia, pode ser o cara mais

bem vestido, mochila, cara de quem tá saindo do trabalho dele, pode tá num carrão.

Um dia desses minha tia foi assaltada na porta da casa dela numa Hilux, dois caras

num Hilux, eles pararam, minha tia tava na calçada, eles desceram do carro,

puxaram a blusa e foram. Aí você pensa né, eles tão numa Hilux, ele deve ser aqueles

daqui que compram Hilux, aí saiu na Hilux dele aí parou em frente a ela, eu achando

que ele ia descer, não, ele puxou a bolsa dela e foi embora. Quem que vai achar que

um cara num carro importado vai lhe assaltar? Por que antes era numa bicicleta, um

cara a pé que saia correndo, todo mundo saia correndo atrás dele”.

B: “Os meus amigos foram assaltados semana passada, eles foram comer numa

lanchonete, só que os caras tavam comendo com eles, na mesa ao lado deles, quando

eles acabaram de comer, assaltaram todo mundo e ainda bateram na cara dos meus

amigos”.

M3: “Quase que eu morro de rir com uma história de um advogado, ele foi soltar o

cara da cadeia, tava trazendo o cara e comentou que tava com outro cliente que tava

com cinco mil reais de fazer um depósito no judicial, o cara não contou pipoca, tava

sendo solto, não assaltou o advogado dele e foi embora?”.

J: “É muito do meu pensamento do politicamente correto isso aí. Você dá uma

esmola essa época, você dá dinheiro pra alguém essa época ''ah, eu vou dar comida,

então uma vez eu tava voltando de uma festa no ''dragão'' aí eu e meus amigos
203

compramos um lanche, e demos pra uma mulher que tava lá pedindo, a gente não foi

nem embora ela tava lá vendedo o lanche dela. A gente deu o lanche pra ela aí ela

rodou e todas as mesas até chegar na nossa de novo aí ela perguntou ''ei, vocês

querem comprar?'' aí a gente ''não, foi a gente que te deu”.

B: “Tu falou isso, aí eu lembrei quando eu fui no Rio, por que assim, aqui, eu acho

que a gente é muito acostumado a dividir. E eu fui no Rio e assim que eu cheguei lá,

foi um azar enorme, eu fui andar na praia, aí tinha uma menina pedindo água, e eu

tava com uma garrafa d'água sendo que eu queria também água, aí o meu amigo

disse, a gente te dá um pouco da água, ela ficou com raiva, achou super ofensivo. Ela

achou que a gente tava ''frescando'' com a cara dela por que ela queria a água toda.

Ela achou ofensivo a gente dizer ''não, te dou só um pouquinho”.

J: “Esse negócio do politicamente correto não acontece mais comigo por que eu tava

no Rio também, com uma amiga, e a gente lá almoçou e sobrou muito, tipo, um prato.

Aí eu mandei embalar e quando a gente tava voltando eu falei ''não vou dar pra

alguém na rua'', aí tinha uma senhora, depois eu fiquei pensando, será que ela era

moradora de rua? Por que ela tava toda agasalhada, sentada num banco, com

aqueles carrinhos, né, edredom, cobertor, aí eu ofereci a comida pra ela ''a senhora

quer? Ninguém mexeu, a gente almoçou agora'', aí ela virou pra mim e disse ''não,

obrigada, eu tô de dieta'', aí eu ''ah tá, desculpa''. Aí a Adrew disse ''vai de novo, se

eu fosse tu eu jogava no lixo'', aí eu disse ''não, eu não vou jogar no lixo, eu vou

encontrar alguém que queira essa comida”.

J: “Aí eu e minha vó, a gente tava lá na fila preferencial pra idosos, aí uma mulher

disse assim ''eu não sei por que eles têm fila preferencial, por que eles não fazem

mais nada, eles estão aposentados, eles têm todo o tempo do mundo pra ficar na fila

esperando, mas eu não tenho, eu tenho hora, preciso pagar minhas coisas logo e
204

voltar pra o trabalho e eles podem ficar aqui o dia todo'', aí eu disse assim, ''não é

desse jeito, eles não podem ficar muito tempo em pé, às vezes a pessoa não pode ficar

mais por que é mais velho'', às vezes não são nem eles, são os filhos preguiçosos”.

M3: “E o que dá ódio nessas coisas, eu tenho ódio de fila preferencial, é por que,

algumas coisas são relativas, tá certo, num banco tudo bem, é compreensível, não

pode ficar muito tempo em pé, você tem que ir ao banco. Mas você tá, sei lá, numa

loja de roupas, eu fico pensando ''você não vai comprar a última roupa da estação

por que você precisa, você vai por que foi uma coisa que você escolheu fazer'', então

por que uma pessoa tão fútil quanto eu, vai ter que passar na minha frente?”.

S: (...) “Meu marido, eu pareço ser mais velha do que ele, então, às vezes ele pensa

que vão achar que ele está mentindo, mas ele vai e tá utilizando todos esses direitos

que estão postos pra ele, acho que ele tem sessenta anos e ele tá utilizando esses

direito, a vaga do idoso, ele até fala ''eu tenho certeza que quem colocou aqui do meu

lado não é idoso'' mas ele coloca o papelzinho dele lá”.

M3: “Só um minuto, eu como advogada me aproveito do estatuto do idoso o tempo

inteiro pra passar as petições na frente”.

S: “Principalmente numa sociedade como a nossa, que é altamente desigual, então

eu que trabalho com a população pobre, uma população de periferia mesmo, pobre

mesmo, abaixo da linha de pobreza, não sei mais nem se é pobreza, miséria, então

assim, é muito importante pra eles isso, sabe, essas mínimas conquistas,

principalmente quando eles conseguem se apoderar disso, quando eles conseguem ter

essa autonomia. Isso é importante, é muito bacana, por que você vê assim, certas

mudanças que na vida da pessoa faz diferença, uma coisinha pequena”.

Jr: “É, mas aconteceu de eu estar fazendo, no meio da operação bancária, e chegar

uma pessoa do lado, idosa do lado, e querer que ele interrompesse por que ela
205

chegou. Então, ela chegou e ela tem o direito de furar a fila, então ela queria ser

atendida imediatamente. Aí o caixa explicou educadamente pra ela que ele tava no

meio de uma operação, mas ela não aceitou a explicação, ficou ofendidíssima, ficou

gritando lá ofendendo a mim e ao caixa por que tinha que parar. O que vocês acham

desse acontecimento?”.

M3: “Eu fui dobrar só que vinha uma bicicleta na contramão, e a bicicleta da

contramão não parou, então eu parei o carro eu tava dobrando, então, o pessoa que

vinha na mãe certa na hora que eu parei pra não atropelar o coleguinha deles

começou a bater no meu carro, eu fiquei olhando assim, gente, eu não posso passar

por cima do outro e o outro veio errado, então se eu estou errando é por que o outro

tava errado. Mas eles não entendem, eles acham um absurdo você dobrar na ciclo

faixa, aí eles querem que eu faça o que? Pule por cima da faixa?”.

Jr: (...) “tem agora a faixa de ônibus, e você não pode transitar na faixa de ônibus,

só quando tá perto de dobrar. Mas como é que você vai calcular milimetricamente

isso? E o caos no trânsito? Às vezes você fica preso, você não pode você passa, mas

não chega logo lá por que fica prese. Enfim, todo mundo tá sendo multado, tá vindo

multa pra todo mundo por que tá na faixa de ônibus e a pessoa acha que dobrou no

momento certo”.

M3: “Isso já aconteceu comigo, eu me perdi, não é aqui que eu tenho que entrar, eu

entrei errado e quem disse que eu conseguia voltar pra faixa normal? Se o povo

deixa você entrar de volta?”.

M3: “É por que a gente tem que partir do pressuposto que o ser humano é egoísta, a

gente pensa primeiro na gente. Então, se a gente não tiver uma coisa que vai fazer,

vai acabar a vaga especial, quem não anda precisa de uma vaga especial, por que

ela não tem uma capacidade de atravessar um estacionamento como a gente tem.
206

Então, se você mata isso, como é que a gente vai lidar com essas coisas? Elas

deixariam de ser necessidade e virariam privilégio? Isso também não geraria uma

revolta? Eu acho que tem que ter”.

S: “Eu tava no meu ''fiatzinho'' lá bati, aí a menina desce do carro, aí eu desce jeito,

vindo do trabalho desse jeito, aí ela me olhou assim ''tem seguro não, né'' aí eu disse

''tem, Banco do Brasil'', aí ela já foi me olhando melhorzinho, mas foi tão engraçado

ela ''tem seguro não, né'', aí eu ''tem sim''. Aí depois, né, você vai e as coisas vão

mudando, né”.

M1: “Aí um dia comentaram que as livrarias estavam fazendo uma promoção da

coleção dos livros do Freud da ‘Imago’ por que iam lançar a companhia das letras e

que tava bem mais barato, aí eu disse ''agora é minha chance'', aí, cheguei na

livraria, depois que eu saí da faculdade, aí eu cheguei lá na livraria perguntando

sobre a coleção do Freud, só que eu tinha em mente o nome do livro, um volume

específico que eu queria comprar, aí o vendedor olhou pra mim, com aquele olhar

desprezível e falou ''pra quê se você não vai ter condições de levar”.

c) Categoria: CULPA

S: (...) “não sei se tem a ver com a nossa herança judaico-cristã, a gente tem muito

essa coisa de julgar, de cair muitas vezes em juízo de valor, sabe, e aí a questão de

educação, né. Tem coisa em mim, vou falar em mim, tem coisas em mim que eu quero

não sentir, mas eu sinto”.

M3: “Pois é, eu acho fenomenal isso, por que deveria ser o cerne da nossa cultura

judaico-cristã, não judaico, né, por que o judaísmo não tem isso, o judaísmo é mesmo

aquela questão da culpa, do castigo”.


207

M3: “Nós temos os dois, né, por que a gente é católico. Mas engraçado, eu falei isso

por que eu, como ateia, reconheço o brilhantismo disso desde sempre. Do que

deveria ser a fundação do cristianismo que é o amor incondicional ao outro”.

S: “Mas não veio, veio a culpa, veio o medo, certo?”.

M3: “É infelizmente”.

M2: “Por que a pessoa tem até vergonha de fazer um processo seletivo, de se

inscrever num concurso, que tem total capacidade, mas que ''vixe eu vou ser a pessoa

que vai ocupar a vaga de pessoa com necessidade especial'', então a pessoa não

quer, é super complicado. Tem que conversar com a pessoa, fazer com que ela se

sinta a vontade com aquele ambiente, sem dar privilégios por que a pessoa também

não vai querer”.

J: “Eu me senti muito mal com esse negócio de pobre. Eu fiquei doente e eu precisei

fazer fisioterapia pulmonar, aí, nessa fisioterapia pulmonar, você tem um negócio

chamado 'respirometro' é um negocinho que você solta, e sobem as bolinhas. E aí eu

tinha que fazer isso três vezes ao dia, e a minha mãe chamou uma moça só pra ficar

lá em casa enquanto eu estava doente, eu precisava de acompanhante e pra o que eu

precisasse eu pedia a ela, tipo, bem burguesa, vai lá e faz isso pra mim. Ela ficou lá,

né, dama de companhia, segundo a minha mãe. Aí eu peguei e falei ''Priscila, pega lá

aquela caixa que tá lá na sala por que eu preciso fazer um negócio'', aí eu ia fazer o

respirometro, que era o exercício do meu pulmão aí ela ficou olhando, aí ela ''pra

que é isso'', aí eu peguei e expliquei, aí ela ''ah, coisa de gente rica mesmo, pobre

nunca ia fazer um negócio desses''. Eu fiquei me sentindo tão mal, que eu até parei de

fazer, depois disso ela até saiu, aí eu, poxa, pra mim é tão normal fazer isso, o

médico recomendou, mas atingiu ela de uma maneira que ela disse assim ''ah, coisa
208

de gente rica, por que gente pobre nunca vai fazer um negócio desses, gente rica

inventa cada coisa''. Sério, eu me senti muito mal”.

Jr: “Você se sentiu culpada”.

J: “Eu me senti”.

M2: Talvez a pessoa falou, mas nem querendo, falou achando realmente...Porque se

você for realmente ao SUS, determinado tipo de coisa...Um dia eu tava: “ Menina,

acho que eu vou em um dermatologista no SUS.

J: “Eu fiquei assim. Depois, na presença dela, eu fiquei constrangida, eu passei a

ficar muito tolhida se ela tivesse. Por uma besteira, podia ter me chamado de

qualquer outra coisa que talvez eu não tivesse ficado tão chateada como isso que ela

falou. Como se fosse culpa minha eu ter acesso a isso e ela não ter”.

Jr: “Vocês se sentem culpados assim?”.

B: “Sim”.

Jr: “Quando vocês acham que ofendem, quando vocês não acham que são

politicamente corretos?”.

J: “Uhum”.

Jr: Vocês querem falar um pouco sobre isso?

S: “Me sinto vaga, altamente, não sei se culpada, uma dor muito grande pelas

pessoas que são pobres financeiramente, socialmente, culturalmente. Por que a gente

vê as pessoas na rua, né, por que aí você vê gente rasgando dinheiro, enquanto

outros... Então assim...” É como se eu me sentisse responsável também.

H: Aconteceu isso comigo um dia desses, a menina que trabalha lá em casa tava

arrumando os meus sapatos, aí ela ''ah esse é tão lindo, ah esse é tão não sei o que'',

aí eu, é... Aí eu ''A., pega aquele que combina com aquela minha blusa'', aí eu
209

especifiquei o sapato, aí ela ''que combina... Eu só tenho um pretinho que é pra sair

que combina com tudo'', aí eu falo, ''É, pois é... ''.

J: Você fica sem saber o que você fala né?

M3: “Mas sabe, não é esse tipo de coisa que faz eu me sentir mais culpada, por que

assim uma coisa a mais eu acho besteira. O que faz eu me sentir mais culpada é o

básico, é ver que você tem um plano de saúde melhor do que o pessoal do meu

trabalho, é ver como eu tenho como fazer coisas que as pessoas não fazem, não é o

excesso, é o básico, primordial que todo mundo deveria ter acesso que faz eu me

sentir mais mal”.

S: “Mas é isso também. Passa por isso, passa por tudo”.

H: “Com certeza. É uma das situações”.

S: “Isso incomoda muito”.

M3: “Incomoda. Eu sei, mas é por que assim, se a gente vivesse numa sociedade de

bem-estar social, uma coisa assim mais perfeita, uma pessoa ter dez sapatos,

enquanto um tem um, mas que todo mundo tivesse acesso a educação, todo mundo

tem atenção a saúde, não seria uma coisa tão agressiva, tão ofensiva. O problema é

que diferença social no Brasil passa por tudo. Do básico até...”

S: “Essa questão da culpa, o que o Freud pensa eu não conheço, mas o Mal estar na

civilização, mal estar na cultura, né. Ele faz alguma ligação da culpa com a

civilização? Ou só nessa questão que você disse que está ligada ao Inconsciente.

Essa questão da culpa”.

M3: “Mas você falando isso aí agora, eu tinha dito que não me sentia tão culpada

quanto a esse problema, mas eu me sinto. Agora eu fiquei pensando, eu vivo melhor

do que a maioria das minhas amigas, então, algumas coisas que eu sei que são

reconhecidamente de grife, que são muito caras, eu não tenho coragem de usar,
210

principalmente quando eu vou sair com elas, por que eu me sinto mal. Eu sinto como

se eu tivesse demonstrando que eu sou uma pessoa ruim, que eu tenho a vida fácil,

que eu sou privilegiada, eu tenho tudo isso, eu tenho consciência, eu tive sorte com

tudo na vida, mas, eu sei que se eu soubesse, que se eu chegasse para as minhas

amigas e dissesse ''eu tenho bolsa X em casa, mas eu não vou usar por que eu vou

sair com você'', elas iam ficar extremamente ofendidas comigo, mas eu não consigo.”

J: “Pode, mas prefere ir em outro lugar, por que aquelas pessoas ostentando fazem

mal a ela, aquele ambiente de ostentação, de carro importado, de gente falando de

dinheiro, falando de viagem, faz mal.”

d) Outras categorias:

MÍDIA:

M1: “Pronto. E boa parte das palavras toda vida aparecia pra mim, novela, por que

a novela sempre tá abordando a questão do idoso, a questão do homossexual, do

negro... Aí eu fiquei ''tá, mas por que novela?'', aí eu fiquei pensando, e agora eu me

toquei no papel da mídia na veiculação do politicamente correto. Por que,

sinceramente, se não fosse a televisão, vocês nunca reparariam. Por que a primeira

vez que eu ouvi falar sobre o politicamente correto, foi num programa de receita

cedo da manhã, e era um escritor que toda vida eu esqueço o nome dele, mas que

tava lançando aqueles livros, o Guia Politicamente Incorreto da Filosofia, do Brasil,

da América Latina, não sei o que... E aí, foi a partir disso que eu comecei a pensar,

por que eu via na televisão, no jornal, novelas e as pessoas próximas a mim também

falavam, fazia um comentário e eu dizia, ''não, isso não é politicamente correto'', sem
211

ter uma ideia, eu só fui ter ideia, quando eu fui ler uma cartilha que foi elaborada no

governo Lula e achei um absurdo,, que não tinha a menor razão de existir”.

POBRE:

M2: “Eu, por exemplo, nessa situação que eu vivi, que eu me lembro que pra mim

marcou muito. Que eu tava com uns colegas meus, todos eles são muito ricos, aí a

professora chegou e disse assim ''por que só quem tem de pobre aqui é tu'' comigo...

Eu acho que ela falou, eu acho que ela não quis me ofender, mas assim, eu fiquei

ofendida, por que assim, ela disse ''só quem tem de pobre é tu'', claro que eu tenho a

noção que eu sou pobre, né, por que eu sou pobre, né. Você se mata de trabalhar, né,

e assim, as outras pessoas ficaram num mal estar tão grande, foi engraçado. E assim,

nos meus amigos, assim, tinha até um evento que ia ser no Coco Bambu, aí assim, ela

achou, acho que talvez que o Coco Bambu fosse muito caro pra mim, só que lá era

um local que eu já ia com a galera, meus amigos mesmo, aí eu disse ''valha, será que

eu tô sofrendo preconceito'?. Só que assim, pra mim, eu ri né, depois brinquei e tudo,

mas é complicado, né, se realmente eu fosse uma pessoa assim, ou que tivesse numa

fase que tivesse mal, ou que realmente tivesse passando necessidade. Eu achei

estranho, por que, em relação àquelas pessoas eu realmente sou pobre, por que eu

não recebo mesada de dois mil reais como amigos que recebem. Não, eu sempre

precisei trabalhar, mas assim, nunca me faltou nada e entre os meus amigos, a gente

brinca muito ''vixe, favela'', tem uma amiga minha que é mais barraqueira, aí a gente

diz logo ''pobre'', por que chega num canto aí quer fazer logo confusão, aí a gente

fala ''arma aí o barraco, favela'', a gente entre a gente brinca e fala. Pensei muito

nisso, quando aconteceu isso, dessa professora dizer ''só quem tem de pobre aqui é
212

tu'' não sei se ela quis falar no mesmo sentido que eu falo com meus amigos, mas

rapidamente eu fiquei assim, foi chato, e eu percebi que as outras pessoas ficaram

super constrangidas. Chega tava todo mundo num gás, aí todo mundo ''ufff''. Foi

chato. Aí eu marquei politicamente incorreto”.

DOIDO:

J: “Eu tenho só uma pergunta pra fazer, se quem faz psicologia aqui, se sente a

mesma coisa que eu, e quando você vai falar a palavra ''doido'', vocês não acham,

enquanto estudantes de psicologia, ou psicólogos, que a palavra ''doido'' é muito

ofensiva. Tipo assim é como se o psicólogo não pudesse falar a palavra ''doido'',

como se ele tivesse diminuindo”.

M2: “Eu também sinto isso, por que a gente começa a estudar, principalmente a

partir do quinto semestre, que a gente começa a ver as psicopatologias,

psicopatologia sociedade e cultura, e quando você percebe que o conceito de loucura

foi socialmente construído, que a gente vai estudar Foucault, então eu acho, que de

certa forma, eu me vi da mesma forma que tu pensa. Um rapaz no ônibus me agarrou

e ficou me segurando pelos meus pé, super agradável, né, aí você diz logo ''ah, esse

doido puxando meus pés'', aí a minha amiga falou ''doido? Doido não pode, né,

Mari'' aí eu falei, é mesmo. Mas assim, há muito tempo. Quando você começa

realmente a estudar, fica até estranho você chamar de doido, aí nos ambientes que

você está que as pessoas não estudam o mesmo que você estuda você percebe que

elas continuam usando, né, essa construção, mas eu me sinto assim”.

H: “Mais por as pessoas não saberem, né? Eu passei isso um dia lá no escritório. Eu

entrei no elevador, aí o homem perguntou se eu podia dizer onde é o andar tal, aí eu


213

disse ''posso'', eu notei que ele era meio assim, aí eu disse ''não, eu posso eu vou com

você até lá'', aí quando a gente chegou, esse homem me abraçou, começou a beijar

meu pescoço. Eu fiquei desesperada, cheguei no escritório branca, falando ''eu Deus,

um doido me agarrou''.

M2: “No senso comum seria bem isso mesmo, né? Todo mundo falou que ele era

muito é sem vergonha, mas eu vi que não, ele até tava com uma blusinha, não lembro

o nome, mas era de uma instituição que cuida. Só que na hora, eu levei um susto, né?

Eu não tava esperando, e nem tinha prestado atenção. Mas realmente, quando a

gente começa a estudar, você faz uma reflexão bem mais ampla. Então assim, hoje eu

já não usaria da mesma forma, sabe”.

J: “Eu tava em alguma situação e falei ''fulano é doido'', aí eu parei pra pensar ''eu

poderia estar chamando alguém de doido?''. Por que assim, eu tô estudando,

começando, iniciando os estudos, eu poderia estar chamando alguém de doido? Não

é muito pejorativo? E ''doido'' eu acho meio, assim, você não classifica uma pessoa

doida como se fosse tudo, tipo, assim, existem várias pessoas ''doidas'', mas você não

sabe...”

S: “A pessoa pode estar num momento que denote isso. Por que, o que é doido,

afinal, no dicionário? Porque ele pode estar, mas ele não é ''doido''. Ele é doido?”

M1: “Eu já passei por essa situação também. No começo, assim que eu comecei a

faculdade, Ave Maria, se uma pessoa conhecida se referisse a uma pessoa que eu

sabia que tinha transtorno mental por ''doido'', eu dizia logo ''não, espera aí, vamos

sentar, vamos entender como é que é'',, e aí aos poucos eu fui relaxando, por que se

não, você fica todo dia naquele negócio, psicose, Nome-do-Pai, foraclusão. Aí eu,

quer saber de uma coisa, eu faço psicologia, eu procuro entender, quando tô

atendendo, quando eu tô num ambiente de estágio, de sala de aula, numa discussão


214

com pessoas da psicologia, você tem um certo cuidado por que você supõe que a

pessoa sabe do que você tá falando. Mas numa situação comum é qualquer pessoa,

você se chama de doido, você vê a pessoa na rua e diz “você é doido” e vai

passando, é comum”.

M2: “Por que se não fica chato e as pessoas não gostam”.

J: “Tem que pisar em ovos. Por que as pessoas já têm medo de falar as coisas com

você por que acham que você sempre... ''Ah, não vou falar isso por que ela vai

rebater, vai se sentir ofendida, aí o pessoal começa a não querer”.

M3: “O ''doido'' eu associo ao psicótico. Agora o doido pra mim, é o excêntrico, que

eu acabei internalizando. Mas eu não posso chegar e, é a mesma coisa, uma pessoa

do direito chegar no jornal, eu não posso chegar pra uma pessoa e ''olha, o assalto

não existe, não é assim que tem no código penal, você tem que falar em furto ou

roubo''.

DIREITO:

J: “(...) “um dia desses eu vi exatamente um homem falando assim, ''ah, mas é por

que'', era algum homem que tava defendendo os direitos das mulheres, ele, feminista,

apoiando a causa, e aí foram perguntar para ele, mas por que você apoia? Aí ele

disse que não precisa ser mulher para apoiar o feminismo, é uma causa que precisa

ser defendida, assim como não precisa ser gay para apoiar a causa, não precisa ser

negro para apoiar e aí as pessoas também vão invertendo, acham que só

determinado grupo que podem defender aquilo, ''ah, é por que é a minoria'' tipo, sou

branca, então não preciso defender os negros”.


215

“Eu acho que assim, a gente pode até discordar, discutir um pouquinho sobre isso,

outra coisa eu acho que é básico, há uma conquista, há um direito garantido a mim,

então... Meu marido, eu pareço ser mais velha do que ele, então, às vezes ele pensa

que vão achar que ele está mentindo, mas ele vai e tá utilizando todos esses direitos

que estão postos pra ele, acho que ele tem sessenta anos e ele tá utilizando esses

direito, a vaga do idoso, ele até fala ''eu tenho certeza que quem colocou aqui do meu

lado não é idoso'' mas ele coloca o papelzinho dele lá. Aí eu digo assim, a gente

reflete, eu acho que sempre tem os dois lados, né".

S: “Você trabalha numa instituição com idosos, tem os direitos deles postos, mas

você vai abrir essa discussão, aprofundar essa discussão, para as pessoas se

conhecerem, conhecer esse processo de vida. Tudo bem tem os direitos, quando eu fui

trabalhar com idoso, uma das coisas que eles tinham eram direitos e deveres, há

conquistas, categorias e classes, os jovens aí também conseguindo, se organizando,

mas é direito e deveres”.

S: “Então assim, as cotas tudo bem, elas são necessárias ainda, mas em

compensação para inverter a lógica está muito longe, então assim, não há mesmo

algo que realmente... É uma pessoa, certo? E aí pra ela ter seus direitos, seja lá o

que for. É por que assim, seguindo a lógica, as coisas estão mudando, os termos

estão mudando, as formas de se conversar de se tratar do assunto vai ser diferente e

aí as leis vão ser diferentes”.

Eu acho que a sociedade tem que pegar tudo isso aí e fazer transformações mais

profundas. Em relação a essa questão dos direitos humanos.


216

5.3 Análise dos Resultados

Após a imersão no conteúdo dos dados coletados nos TALP, e no grupo focal, e na

pesquisa teórico, pode-se sintetizar e interpretar os sentidos construídos no processo da

pesquisa. Com o confronto dessas três etapas estruturais, percebe-se a articulação e

correlação entre essas fontes e a análise dos discursos.

O discurso, a linguagem foi o fio condutor de todo o trabalho em curso. Sabendo ser a

linguagem a matéria prima do pensamento e o elemento vital da comunicação social e que

sem linguagem não pode haver sociedade, como não há sociedade sem comunicação, pois

tudo o que se produz como linguagem tem lugar na troca social para ser comunicado.

Kristeva (2007) entende-se que a condição humana em nossa espécie se estabelece através do

desenvolvimento do complexo sistema linguageiro, por isso, o sujeito só se diz por meio da

linguagem, e ao mesmo tempo não é um sujeito pleno, mas dividido pela descontinuidade

dessa mesma linguagem (p. 17).

A língua modela a representação do mundo de cada falante, e, uma vez constituída,

tem um papel ativo no processo de conhecimento e comportamento do homem, porque é

produto do meio social. Não é uma nomenclatura, que se apõe a uma realidade pré-

categorizada, ela é que classifica a realidade, como percebe-se nas falas dos sujeitos no grupo

focal em torno da questão, do que é o politicamente correto.

Para Possenti (2009c), a linguagem é expressa nos discursos, que, segundo ele “seria

um pensamento revestido de seus signos e tornado visível pelas palavras, ou, inversamente,

seriam as estruturas mesmas da língua postas em jogo e produzindo um efeito de sentido” (p.

63). Assim para compreender os acontecimentos discursivos é preciso considerar a ótica do

sujeito fundante, como fez-se na coleta de dados.


217

A “linguagem é uma legislação, a língua é seu código”, e mais ainda afirma Barthes

(2007), que os indivíduos não veem o poder que reside na língua porque esquecem “que toda

língua é uma classificação, e que toda classificação é opressiva: ordo quer dizer, ao mesmo

tempo, repartição e cominação” (p. 12). Jakobson (2001) mostrou que um idioma se define

menos pelo que ele permite dizer, do que por aquilo que ele obriga a dizer.

O objeto em que se inscreve o poder é a linguagem e sua expressão obrigatória é a

língua. Por isso é que se pode falar em linguagem politicamente correta, pois através de um

vocabulário especificado como correto, pretende-se modelar comportamentos e ações, o que

é uma rede social em que se exerce o poder e a política.

Falar é um exercício contaminado pelo poder, pois o poder (a libido dominandi), está

emboscado em todo e qualquer discurso, mesmo quando este parte de um lugar fora do poder.

Na análise foucaultiana, o poder possui uma eficácia produtiva, uma riqueza

estratégica, uma positividade que explicam porque o seu alvo é o corpo humano, e seu

objetivo é o aprimoramento, o adestramento desse corpo para tornar o homem “útil e doce”.

Uma das teses fundamentais de Foucault (1996) é a de que o poder é produtor de

individualidade. O indivíduo é uma produção do poder e do saber, tendo todo saber sua

gênese em relações de poder, pois é o saber que assegura o exercício de um poder.

O poder nas relações sociais é avaliado e expresso nas representações que as pessoas

fazem acerca das trocas e exercício desse poder no cotidiano. Para Moscovici (2011), o ponto

de vista da maioria goza do prestígio da verdade e da norma e expressa o sistema social em

seu conjunto, Moscovici (2011) diz que: “Correlativamente, o ponto de vista da minoria, ou

qualquer opinião que reflita um ponto de vista diferente, é considerado como um produto do

erro ou do desvio”.

O politicamente correto pretende defender minorias, que historicamente não tinham

voz ativa ou poder, como observou-se em sua origem a luta pela inclusão dos negros na
218

sociedade americana. Mas, nesse movimento, exerce uma censura da linguagem ao

considerar que a troca de palavras marcadas por palavras não marcadas ideologicamente pode

produzir a diminuição dos preconceitos (Possenti, 2009b). Nas duas vertentes em que se

manifestam o politicamente correto, seja na defesa dos direitos humanos ou na patrulha

ideológica, se verifica esse exercício perpétuo do poder, mencionado por Foucault e Freud. A

primeira vertente, pode ser relacionada, também, com as análises de Barthes (2007) sobre o

poder: “Chamo discurso de poder todo discurso que engendra o erro e, por conseguinte, a

culpabilidade daquele que o recebe” (p. 12). A segunda vertente, a de ditar como se deve

falar corretamente, pode ser observada na relação com o dizer de Barthes (2007) de que a

língua quando proferida, mesmo que na intimidade mais profunda do sujeito, entra a serviço

de um poder: “a língua como desempenho de toda linguagem, não é nem reacionária, nem

progressista; ela é simplesmente: fascista; pois o fascismo não é impedir de dizer, é obrigar a

dizer” (p. 14).

No dizer dos sujeitos da pesquisa apareceu a palavra direito diversas vezes, ela

aparece só em dezoito questionários TALP, mas na fala dos sujeitos no grupo focal ela

pontificou de forma significativa, expressa nos discursos:

MC: (...) assim como todo mundo do politicamente incorreto vota. Ele agride quem

acha que tem o direito de passar por cima do outro. E até pouco tempo era normal

que você passasse por cima do outro. No trânsito, as bicicletas, a gente acha que o

carro pode passar por cima das bicicletas, que é um abuso ter tanta ciclovia ali

atrapalhando o nosso caminho. Na verdade, uma bicicleta tem tanto direito pelo

código de trânsito de usar a rua quanto a gente.

M1: Então, tudo isso faz com que algumas camadas vistas como minoria, consigam

se afirmar e dizer ''não, não é assim, você não pode me tratar assim''. E a facilidade
219

também de você processar, né, se bem que processar não quer dizer que você vai

ganhar, mas pelo menos você tem o direito antigamente nem pensaria nisso. Eu

penso muito nessa construção.

J: E aí, um dia desses eu vi exatamente um homem falando assim, ''ah, mas é por

que'', era algum homem que tava defendendo os direitos das mulheres, ele, feminista,

apoiando a causa, e aí foram perguntar para ele, mas por que você apoia? Aí ele

disse que não precisa ser mulher para apoiar o feminismo, é uma causa que precisa

ser defendida, assim como não precisa ser gay para apoiar a causa, não precisa ser

negro para apoiar e aí as pessoas também vão invertendo, acham que só

determinado grupo que podem defender aquilo, ''ah, é por que é a minoria'' tipo, sou

branca, então não preciso defender os negros.

MC: Então, eu resolvi me calar, por que o pessoal do meu trabalho se acham

oprimidos pelo politicamente correto, todo mundo acha que a gente tem o direito de

pisar em quem quiser, o PSDB até... Todo mundo dentro do estereótipo, eu fico

pensando, meu Deus, como se juntou tanta gente assim num lugar só, que chama é

esse.

S: Outra coisa eu acho que é básico, há uma conquista, há um direito garantido a

mim, então... Meu marido, eu pareço ser mais velha do que ele, então, às vezes ele

pensa que vão achar que ele está mentindo, mas ele vai e tá utilizando todos esses

direitos que estão postos pra ele, acho que ele tem sessenta anos e ele tá utilizando

esses direito, a vaga do idoso, ele até fala ''eu tenho certeza que quem colocou aqui

do meu lado não é idoso'' mas ele coloca o papelzinho dele lá. Aí eu digo assim, a

gente reflete, eu acho que sempre tem os dois lados, né. Essa questão dos termos, eu

acho que a gente ainda tem uma caminhada muito longa, por que a gente vê muito

uma coisa de fora pra dentro, de maquiagem, e essas maquiagens às vezes estão a
220

favor de que, do sistema que tá posto aí, capitalista, os eufemismos, como idoso,

aquela coisa. Por que o principal não é ser chamado de idoso, o principal é ele se

perceber, sabe ele ter um processo de autoconhecimento mesmo.

(...) Você trabalha numa instituição com idosos, tem os direitos deles postos, mas

você vai abrir essa discussão, aprofundar essa discussão, para as pessoas se

conhecerem, conhecer esse processo de vida. Tudo bem tem os direitos, quando eu fui

trabalhar com idoso, uma das coisas que eles tinham eram direitos e deveres, há

conquistas, categorias e classes, os jovens aí também conseguindo, se organizando,

mas é direito e deveres.

MC: (...) Ele para numa via pública, onde era proibido parar, só que não estava

pintado e o carro dele é rebocado. Aí ele vai reclamar que o Estado não permite a ele

o direito de protestar contra isso. Ele acha um absurdo ter que pagar a multa, sendo

que foi um erro do Estado não sinalizar aquela via.

S: É uma pessoa, certo? E aí pra ela ter seus direitos, seja lá o que for. É por que

assim, seguindo a lógica, as coisas estão mudando, os termos estão mudando, as

formas de se conversar de se tratar do assunto vai ser diferente e aí as leis vão ser

diferentes.

Eu acho que a sociedade tem que pegar tudo isso aí e fazer transformações mais

profundas. Em relação a essa questão dos direitos humanos.

M2: E a facilidade também de você processar, né, se bem que processar não quer

dizer que você vai ganhar, mas pelo menos você tem o direito antigamente nem

pensaria nisso. Eu penso muito nessa construção.

MC: Sempre teve a lei, o artigo falando do crime de injúria, mas as pessoas não

tinham coragem, não se sentiam no direito de protestarem, de se sentirem injuriadas.


221

Sobre a questão da defesa dos direitos humanos, em pesquisa realizada por Pandolfi

(1999), conclui que o processo histórico brasileiro, - invertido na ordem clássica de aquisição

desses direitos - de afirmação de nossa cidadania, acarretou consequências na percepção que

a população tem de seus direitos:

Uma delas é a freqüente associação que a população brasileira faz entre os direitos de

um modo geral e os direitos sociais. No imaginário do povo, a palavra “direitos”

(usada sobretudo no plural), é, via de regra, relacionada com aquele conjunto dos

benefícios garantidos pelas leis trabalhistas e previdenciárias implantados durante a

era Vargas. Portanto, não é de se estranhar que na pesquisa os direitos sociais tenham

sido os mais ‘reconhecidos’ pela população. (p. 53)

Para a autora, se o processo de afirmação de nossa cidadania contribuiu para firmar

no imaginário da população a primazia dos direitos sociais e provocar um certo descaso pelos

direitos politicos e civis, assim acentuando a percepção dos direitos de um modo geral como

favores ou privilégios, esse processo contribuiu, também para que as instituições

oficialmente encarregadas de garantir esses direitos não sejam reconhecidas como

instrumentos eficazes ou capazes de efetivá-los.

Nessa pesquisa em vigência, correlatou-se essa mesma conclusão da autora ao se

observar o que ocorreu com o documento “Politicamente Correto & Direitos Humanos”

(Queiroz, 2004), elaborado institucionalmente pela Secretaria Especial dos Direitos Humanos

para combater preconceitos. O documento foi chamado de cartilha do politicamente correto

quando lançado na vigência do governo do presidente Luís Inácio Lula da Silva, pois

procurava banir o uso de palavras consideradas ofensivas. Tirando de circulação termos que
222

são discriminatórios contra negros, mulheres, homossexuais, portadores de deficiência física

e outros grupos sociais.

A cartilha foi mal recebida por algumas pessoas da sociedade, como o escritor João

Ubaldo Ribeiro, que perguntou se a cartilha não seria o primeiro passo para instituir uma

nova língua no Brasil, característica de uma era autoritária, assim como foi duramente

criticada pela imprensa como menciona Bizzocchi (2008) e pode-se ler severos comentários

em Lima (2005), como o comentário seguinte que adianta a decisão do presidente Lula de

suspender a distribuição da Cartilha do Politicamente Correto:

A Secretaria Especial dos Direitos Humanos provocou polêmica ao distribuir, na

semana passada, uma cartilha de termos politicamente incorretos. O livro trai a

inegável vocação autoritária de parte do governo, em seu afã de regulamentar a língua

falada pelo brasileiro. A iniciativa da Secretaria Especial dos Direitos Humanos, que

gastou 30.000 reais do contribuinte numa tiragem de 5.000 exemplares, não deve ir

tão longe, felizmente. Diante da reação de escritores, jornalistas e acadêmicos, o

secretário dos Direitos Humanos, Nilmário Miranda, suspendeu a distribuição do

livreco. (Lima, 2005)

Salache (2014), acredita que o fato de a cartilha ter sido elaborada e publicada com o

apoio de um governo de esquerda, instaura uma contradição: de um lado o governo defende a

liberdade de expressão e de outro as minorias, pelas quais é que legitimou e autorizou a

produção e circulação da cartilha, mas gerou um autoritarismo querendo regular o

funcionamento da língua. Segundo a autora, a polêmica gerada, por conta da tentativa de

uniformizar a língua, fez com que a cartilha fosse retirada de circulação, no mesmo ano de

sua publicação, mas não apagou os seus efeitos, ao contrário ampliou as discussões.
223

Uma discussão é gerada pelo linguística Sírio Possenti (2009b) quando argumenta

que o movimento por um comportamento politicamente correto tem méritos políticos óbvios,

no entanto em relação à linguagem comete alguns equívocos, que para ele seriam banais (pp.

45-46).

No entanto, pode-se questionar se a introdução, não de uma cartilha, mas de um

documento educativo, como é oficialmente denominado o texto “Politicamente Correto &

Direitos Humanos”, não seria educativo, ou um alerta para as pessoas no intuito de

sensibilizá-las no trato com os outros, para melhorar a cordialidade e o respeito aos direitos

humanos. Traz sempre um paradoxo, pois, sempre pode recair na tomada da liberdade de

expressão, mas, seguindo a psicanálise, acredita-se desde Freud (1930/2010c) que para

construir um mundo civilizado, devemos abrir mão de nossa completa satisfação em um

movimento de cortesia para com o outro.

Esse paradoxo, torna o politicamente correto, para Possenti (2009b), um signo para a

análise do discurso, pois refrata uma arena da luta de classes: “Assim, suas implicações para

as teorias do sentido são óbvias: mostra-se de forma muito clara como se dá a disputa pelo

sentido de certas palavras, pois o movimento consiste em grande parte nessa luta” (p. 37).

No entanto, o próprio Possenti (1998), pontifica que sempre pode-se descobrir

sentidos inesperados no material linguístico, como nas formações do inconsciente, pois a

língua não é uma nomenclatura, como diz Possenti (1998), “concepção que Saussure

combate”(p. 107), mas um sistema, ou uma estrutura. Sobre o inconsciente, Possenti (2013),

esclarece, que o que se ouvirá da psicanálise é “a afirmação de que o inconsciente é

estruturado como uma linguagem, e não como uma formação discursiva...” (p. 157).

Assim o inconsciente freudiano, estruturado como uma linguagem, segundo Lacan

(1964/1988), é formado pelo recalcamento, que é um mecanismo de defesa do eu, que envia

para o inconsciente o que é insuportável do movimento pulsional, ou do princípio do prazer.


224

O que é recalcado retorna, como viu-se na pesquisa em que a primeira palavra associada ao

estímulo afro-brasileiro foi negro e a segunda preconceito. A representação social que se tem

do que seja um afro-brasileiro é de uma pessoa negra, ou de pele escura, embora se reconheça

que existem preconceitos com essa raça.

Esse ponto do retorno do recalcado, também é reforçado pelo ponto de vista da

linguagem, quando Possenti (2009b) assegura que contra a tentativa do uso da palavra

correta, existe o fato de que:

A linguística certamente já conseguiu demonstrar que a etimologia não é um bom

método para nada. Mas, do ponto de vista do uso ideológico, ou retórico, vale a pena

observar como a etimologia pode ser explorada para a justificação de determinados

pontos de vista. Portanto, trata-se de um sintoma de que o discurso sobre a origem

‘limpa’ das palavras ainda vigora, pelo menos confusamente, mantendo a crença de

sentidos verdadeiros e puros. O relevante não é, pois, a etimologia, mas o fato de que

ela retorna, em diversos discursos. (p. 46)

E retorna mesmo, como verificou-se no estímulo doido, em que a palavra mais

associada foi maluco, seguida de loucura, hospício, remédio e louco. Maluco é considerada

politicamente incorreta, pois é pejorativa para alguns, inclusive a cartilha “Politicamente

Correto & Direitos Humanos”. Então a representação social que se tem de doido é de uma

pessoa com uma loucura, que pode estar em um hospício e que toma remédio.

Em suma, o que é o politicamente correto representado na fala dos sujeitos, está bem

próximo da hipótese inicial da pesquisa, que é de o politicamente correto aparecer no laço

social de dois modos, ou em duas vertentes. A vertente que atua em defesa dos direitos

humanos, ou da vertente que se transformou em uma censura, ou patrulha na própria busca da


225

defesa e inclusão de todos.

Mas em nenhuma fala houve uma ignorância à respeito do tema, ou condenação.

Pareceu que as pessoas percebem o paradoxo que se cria, quando ao defender as minorias

contra o preconceito, cria-se uma patrulha ideológica.

Assim, como constata-se que debalde, deve-se usar etimologicamente as palavras,

pois elas retornam nos sentidos, ou representações construídas historicamente sobre aquilo

que as palavras denominam. À esse respeito, Possenti (2009), lembra que se não há uma

palavra sinônima considerada politicamente correta, para um termo considerado

politicamente incorreto, usa-se eufemismos, considerados não marcados, mas que são de

certa forma cômicos, como por exemplo “indivíduo casado com atividade sexual paralela”

para substituir adúltero, ou “prestadora de serviços sexuais” para prostituta.

Se determinada sociedade condena o adúltero ou a prostituta, tanto faz condená-los ou

desprezá-los chamando-os de adúltero ou dizendo que tem atividade sexual paralela, ou

chamando-as de prostitutas, ou descrevendo a atividade que realizam, pois se são esses fatos

que provocam atitudes de condenação, de nada adiantará a mudança de termos para

denomina-los. Se tais fatos continuarem sendo considerados negativos, em pouco tempo as

novas expressões veicularão exatamente os mesmos valores, ou os mesmos efeitos de sentido

que veiculam as formas condenadas (Possenti, 2009).

Apesar da repressão do uso das palavras consideradas marcadas por preconceitos,

esses preconceitos internalizados, recalcados, retornam em outros discursos, ou outras formas

de dizer. Esse sentido é observado nas falas dos sujeitos do grupo focal:

M1: “Assim, eu considero mesmo que o politicamente correto é uma estratégia muito

complicada, primeiro, você tentar purificar a linguagem, um eufemismo, você faz um

floreio muito grande, quando o que tá na ponta da língua é a palavra mais ofensiva,
226

entendeu? Mas você não pode mencionar por que o outro vai se sentir ofendido, o

outro vai se sentir preterido, mas aí a gente bota qualquer outra coisa”.

M2: “Eu penso muito assim, no politicamente correto, que é uma construção cultural

de cada país. Por que, por exemplo, tem coisa que a gente vê hoje que acontece na

Índia, como o desrespeito à mulher, violência dentro de ônibus, em ruas, estupro, e

não tem a mesma visão que isso teria aqui”.

Esse fragmento de fala acima, remete ao conceito de que formamos nossas

representações acerca do mundo em que vivemos à partir de nosso repertório linguístico

acumulado, como afirma Moscovici (2003): “A ideia de representação coletiva se inscreve

numa visão de sociedade na qual a coerência e as práticas são reguladas pelas crenças,

saberes, normas e linguagens que ela mesma produz, ou seja, devendo ser considerada em

referencia à sua cultura” (p. 12).

A fala dos sujeitos da pesquisa são um bom modo de encerrar essa discussão sobre a

interpretação dos dados, afinal as falas desses sujeitos são a matéria prima para a construção e

verificação tanto das representações sociais, quanto da psicanálise.


227

CONSIDERAÇÕES FINAIS

“É sabido que contra as paixões não valem muito as


palavras sublimes”.
(Freud, 1913/2010a, p. 217)

O politicamente correto está inscrito em uma grande contradição, pois ao mesmo

tempo que surgiu em prol da inclusão de grupos minoritários e da defesa de seus direitos,

criou uma patrulha para salvaguardar o uso de palavras consideradas não ofensivas e não

marcadas por uma carga histórica pejorativa. Assim criou-se um paradoxo, pois se há

censura, limita-se a liberdade de expressão e isso vai contra a defesa dos direitos humanos.

O aparecimento da categoria culpa no discurso dos sujeitos ouvidos, fundamenta a

hipótese de que o politicamente correto, entra como uma espécie de supereu, em um mundo

que quer abolir a estrutura culpada dos sujeitos, pois esse mundo legitima todas as formas de

gozo possíveis que se deseje hoje, sem culpa alguma. Mas para nos constituirmos como

sujeito, necessitamos de algum limite ao nosso princípio do prazer, como pondera Freud

(1930/2010b). E esse limite pode ser observado na fala de uma estudante que diz se sentir

culpada quando sua empregada compara o número de sapatos que ela possui com os dela, que

só são dois, por exemplo, no grupo focal realizado.

Um efeito do uso politicamente correto dos termos é observado quando em resposta

ao estímulo veado do TALP, a maior parte das associações foi animal, é um bom auspício de

que o termo vem perdendo seu teor pejorativo e preconceituoso acerca daqueles que não são

heterossexuais.

As representações sociais sobre o politicamente correto caminham na direção da

construção de uma cidadania, com direitos iguais para todos, pelo que se escutou no grupo
228

focal pesquisado. Lá foi consenso que o politicamente correto opera em favor de um mundo

em que deve haver harmonia e respeito à diferença do outro.

Outro aspecto bem discutido foi da questão dos benefícios, ou direitos assegurados

pela cultura do politicamente correto, o que leva a se concordar com Carvalho (2104) quando

reflete sobre a supremacia dos direitos sociais sobre os políticos no Brasil.

O politicamente correto é combatido por aqueles que são contra qualquer censura à

liberdade de expressão e por aqueles que acreditam que cria uma classe de privilegiados com

o benefício da proteção aos seus direitos. No entanto, provavelmente, isso se dá aqui no

Brasil pela inversão da primazia dos direitos sociais sobre os políticos e civis, pois são esses

que garantem, sobretudo, a liberdade e igualdade, já que a fraternidade vem do lado da

subjetividade.

Subjetividade, garantida pela psicanálise pela interpretação do inconsciente que

singulariza e nos torna sujeitos de nossos desejos. Assim, mais do que a etmologia das

palavras, o que diminuiria preconceitos e aumentaria a fraternidade seria a enunciação correta

dos discursos, ou a construção de sentidos para um discurso social mais justo.

Para concluir, a posição da pesquisadora diante do politicamente correto

Eu não gosto da ideia de ter uma regulação para o que as pessoas devem dizer umas

às outras ou de como devem se comportar, porque isso facilmente pode virar de um sistema

autoritário para uma tirania. As palavras nos são transmitidas por aqueles que cuidam de

nossa sobrevivência e educação desde que nascemos e isso fica inscrito em nosso

inconsciente e de alguma forma, algum dia, retorna. Então a linguagem que nos faz humanos,

também é fonte de ódio e desarmonia contra o outro, e o que podemos fazer é, diante disso,

educar nossos sentidos para a convivência e escolher as palavras que dignifiquem o outro e a

nós, porque quando respeitamos a dignidade do outro, estamos alicerçando a nossa.


229

Mas gosto muito da ideia de se ter um cuidado com o outro, de tratar bem o outro,

respeitar os seus direitos humanos, reconhecer os seus limites e deveres e suportar suas

diferenças. Então quando o politicamente correto opera nessa esfera eu acredito que tem uma

função de colocar uma barra em nosso desejo de querer sempre o que achamos que é o

melhor, ou simplesmente satisfazer nossos desejos.

O politicamente correto vem lembrar o óbvio e fato bem simples de que o outro

deseja também e para que esses desejos possam se realizar é necessário que tenham leis que

regulamentem esse desejo, para que todos possam viver uma plenitude, que poderíamos

chamar de cidadania.

Pode ser que essa dicotomia tão exacerbada aqui no Brasil, em torno dos dois lados

do politicamente correto, a defesa dos direitos e a patrulha ideológica, decorra do fato já

mencionado aqui e por Carvalho (2014) de que os direitos sociais, os benefícios sempre

vieram desde a Era Vargas à frente dos políticos. Então as pessoas acham que se patrulha

para defender os benefícios de determinada minoria e no entanto o politicamente correto,

como o nome já diz, deveria ser uma política para que todos sejam amplamente cobertos

pelos direitos humanos, de forma correta, sem privilégios.

É no acompanhamento simbólico e mental das relações sociais, que poder-se-á

apreender a noção de representação social. E uma representaçãoo social é constituída do

mesmo modo de um movimento nascente de toda regra e de toda prática, que somente têm

significado à medida que exprimem alguma coisa para além delas próprias

Aos que sustentam que uma regra é resultante de uma convenção e de uma prática,

um fato de comportamento, Moscovici (2003) lembra que Durkheim contrapõe esse

pensamento, afirmando que não existe regra que não seja suscitada ou acompanhada de um

conjunto de representações determinado a explicá-la ou justificá-la, mesmo se estas


230

representações são inconscientes. Na verdade as representações são causais, mesmo se este

vínculo causal for complexo, sutil.

Somos filhos de nossas representações sociais passadas e presentes, sendo elas que

nos impõem nossas condutas e mesmo nossas regras, na medida em que elas nascem dentro

da vida da própria sociedade. Tudo o que é social consiste de representações e,

consequentemente, é produto de representações. Vale ressaltar as palavras de Moscovici

(2003), para continuar a tecer essas considerações finais em torno do politicamente correto e

suas representações: “Que resta dizer, senão que todo fato social consiste em um ato e uma

representação e que esta última tem um papel explicativo? (p. 14).

E explicar não significa destrinchar a realidade total, mas dar um sentido aos atos.

Isso pode ser feito através da linguagem em uma análise do discurso.

Uma teoria do discurso exige a compreensão do papel da história e das ideologias e

não só dos processos semânticos, além de necessitar buscar ajuda em outros campos do saber

para construir explicações que o instrumental de seu campo específico não propicia, isso

ocorre em especial, para Possenti (2008), quando se toma como objeto o discurso político.

Então a psicanálise em busca do seu bem dizer, o discurso em livre associação, vem

ajudar na análise do que seria o politicamente correto, ao eleger essa forma livre de

linguagem como veículo de acesso ao inconsciente e por saber que nenhuma linguagem é

neutra como pretende o movimento. Apesar de não ser neutra, a linguagem deve se curvar à

lei, e é assim que o politicamente pode conseguir a defesa dos direitos, admitindo que não

podemos controlar a língua, como disse uma estudante “a palavra está na ponta da

língua...para ser dita”, mas podemos limitar nosso desejo em prol do respeito e aceitação da

diferença do outro.

As representações sociais do politicamente correto produzem ecos, espelham modos

de subjetivação contemporâneas, em um mundo horizontal, em que todos têm e lutam pela


231

igualdade e exercício dos seus direitos. Novas posições discursivas estão sendo criadas nesse

sentido, além da questão ideológica do patrulhamento do uso das palavras, no

posicionamento frente ao outro, ao tentar entender os direitos do outro.

Como afirmou Moscovici (2003), as representações sociais são explicativas do fato

social, nesse sentido foi que se iniciou essa pesquisa, da pergunta do que é o politicamente

correto? À partir daí encaminhou-se todo esse processo em busca da explicação desse fato

social de nossa atualidade, embasada na teoria psicanalítica, que usa a linguagem como seu

fio condutor, assim como o politicamente correto.

Um psicanalista responde as formações do inconsciente com uma interpretação

psicanalítica, que assim como a explicação feita pela representação social sobre o fato social,

não fundamenta, ou dá a resposta conclusiva, derradeira, ou verdadeira, mas abre as portas

para a construção de novas elaborações discursivas ou representações.

Para Goldenberg (2006), “Responder o que precisa a um acontecimento enquanto

significativo, enquanto ele é função de um intercâmbio simbólico entre os seres humanos é

fazer a boa interpretação. E fazer a boa interpretação no momento certo é ser bom

psicanalista” (p. 54).

E o politicamente correto surge no momento em que há uma desvalorização simbólica

do sujeito, em um mundo em que se privilegia o consumo, o gozo dos objetos e o

individualismo, para que se olhe com mais respeito para o outro, sem feri-lo com preconceito

e expressões pejorativas. Não poderia o politicamente estar ocupando o lugar da culpa, que

tentamos abolir de nosso percurso hoje?

A presença da culpa é significativa na constituição das sociedades humanas para

Freud (1930/2010b), e também nos constitui como sujeitos, pois é uma espécie de norma

reguladora ao trazer a angústia de castração, ou a aceitação de que somos limitados e

necessitamos do outro para vivermos.


232

Assim o politicamente correta nos lembra da existência do outro, tanto como o

supereu, responsável pela aplicabilidade da culpa, e nossa consciência moral, assim como

adverte de que a linguagem é uma arma poderosa que interfere nas relações sociais gerando

consequências.

Por causa do nosso desejo inconsciente, reservatório de nossos desejos secretos, não é

possível uma linguagem totalmente transparente, livre de preconceitos e sem distorções em

suas mensagens transmitidas. Mas, essa mesma condição de criar o nosso íntimo que o

inconsciente nos proporciona, também cria nossa singularidade que clama por ser inclusa e

respeitada pelo mundo que habitamos.

Assim, reconhecendo, os limites do politicamente correto, que paradoxalmente cria

uma censura à expressão quando tenta defender a inclusão e os direitos de todos, partilha-se o

pensamento de Rajagopalan (2002) que assente que o politicamente correto e sua linguagem

não é um remédio milagroso contra os preconceitos que estao fortemente arraigados em nossa

sociedade, mas é um começo para a conscientização da necessidade do respeito e inclusão de

todos no laço social, que se constrói através dos discursos.

Através dos discursos, pode-se controlar os próprios impulsos, pulsações que podem

magoar e ofender outros que nos são diferentes, assim como, aceitar que temos preconceitos,

mas que estes devem ser combatidos e refletir sobre isso é um efeito do politicamente correto.

O que é muito interessante sobre o modo como a linguagem politicamente correta é

vista tanto por quem se considera de esquerda, como de direita é que ela conseguiu unir essas

tendênciaem torno do repúdio ao movimento politicamente correto, mas ambas necessitam

conhecer o que representa o politicamente correto para configurá-lo no rol dos

acontecimentos sociais que modulam nossa contemporaneidade.

Assim, quem sabe, novas formas discursivas poderão surgir da crítica ao eufemismo

praticado pela troca de palavras na busca pela linguagem correta do politicamente correto.
233

Eufemismo, etimologicamente, significa ‘dizer bem’, a linguagem psicanaliticamente correta

é aquela que vem do bem dizer, ou bem enunciar os ditos do inconsciente, o que exige uma

responsabilização e um preço a pagar pela proclamação dos seus desejos.

A prática de uma ética do desejo é a política da psicanálise, e esse desejo inconsciente

se manifesta nos erros linguageiros anunciados noa atos falhos, lapsos, sintomas,

esquecimentos, na palavra trocada, errada, que provoca mal-entendidos e desacordos. Assim

o desejo sempre envolve um outro.

A linguagem tropeça e pose ser incorreta, mas é nesse percurso que podemos dizer

algo do desejo, e isso, geralmente é um movimento politicamente incorreto, mas que pode ser

exercido, sem ferir os direitos do outro, desde que toleremos a radicalidade da diferença do

modo de viver do outro.

Aceitar a condição humana plena de paixões, pathos, sofrimento psíquicoé aceitar

uma política que leve ao exercício correto da vida em cidadania, sem preconceitos, porém

sem neutralidade, mas com tolerância e responsabilização, o que se resume, para finalizar, na

reflexão de um cientista e literato como Sabato (2008):

Quem dera, em vez de alimentarmos os caldos do desespero e da angústia,

avançássemos com paixão, revelando um entusiasmo pelo novo que expressasse a

confiança que o homem pode ter na própria vida, justamente o contrário da

indiferença! Parar de erguer muros em volta de nós mesmos, desejar um mundo

humano e já estar a caminho dele. (p. 103)

Foi o que pretendeu-se aprender e demonstrar, um conhecimento acerca do

politicamente correto, de novas formas discursivas para o eterno embate da busca pela

verdade pelos homens, utilizando para isso o saber publicado de autores e o saber advindo
234

dos seres participantes do estudo, afinal como lembrou Moscovici (2003): “tudo o que é

social consiste de representações e, consequentemente, é produto de representações” (p. 14).


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ANEXOS
256

Anexo 1 – MAPA CONCEITUAL: GRUPO FOCAL X TALP

Palavras citadas no TALP X Falas no Grupo Focal

TALP GRUPO FOCAL


B: “(...) tava passando naquela época aquela menina que chamou
o jogador de macaco, eu tava fazendo a unha e tava passando lá,
aí uma mulher tinha feito cirurgia e falou, ''eu acho isso
engraçado, chama de macaco e é preconceito, eu sou gorda, e me
chama de gorda e isso não é preconceito'' (ela era super magra,
ela se via como gorda), aí eu olhei para ela e disse, vamos
conversar, vamos dialogar sobre isso. É por que os negros sofrem
há muito mais tempo, mas não se preocupe, por que no futuro vão
lhe ajudar também... Óbvio que é preconceito, mas ninguém se
preocupa muito com isso hoje, por que, ao meu ver os negros já
estão passando por isso há muito tempo, e ela tava falando assim,
como se ninguém se importasse por que ela era gorda”.
M3: “Falando sobre o que você disse que ''gorda'' é preconceito,

eu acho que preconceito é você transformar a palavra gorda em
PRECONCEITO
preconceito. Por que gordo pra mim é característica física... alto,
baixo, magro”.
“Pois é, as pessoas pensam que eu sou besta, sou patricinha, tem
esse preconceito inverso”.
M3: “É engraçada essa questão do preconceito por que, já está
tão internalizado que a gente nem percebe. Eu percebi a
necessidade das cotas raciais justamente por que eu me dei conta
desse meu preconceito. Eu tava lendo um livro bobo, um romance,
tinha um personagem muito pobre que morava num trailer, eu
passei o livro todinho imaginando que este personagem era negro,
depois que eu terminei a leitura que eu me dei conta, caramba, só
por que o cara era pobre que eu passei o tempo todinho
imaginando que ele era negro. E aí fica uma coisa tão
257

internalizada na gente que a gente vai, e é justamente isso, é o


preconceito mais difícil da gente lidar, por que já se tornou quase
que como uma coisa natural”.
M3: “Engraçado que eu tenho uma tia do interior, justamente
isso, que ela tem todos os preconceitos que alguém do interior
podia ter multiplicado por 10, extremamente preconceituosa”.
B: “Eu acho engraçado isso que tu falou que ela não ia deixar o
marido dela sozinho, eu achei engraçado por que, um preconceito
que as pessoas também têm com os gays é achar que, por
exemplo, eu sou amiga da ... e eu não posso ser amiga dela por
que ela vai dar em cima de mim, por que?”
J: “(...) Ela se sentia mal por que às vezes, se ela via um casal
homossexual se beijando, ela sentia alguma coisa, né, que não
era um preconceito.
S: “Não, não era nem preconceito não”.
H: “Ela se sentia tensa”.
J: “Então, não era preconceito, mas um estranhamento”.
J: “Então, não era preconceito, mas um estranhamento. E aí eu
me lembrei de você estar na rua. Mas aí não é nem, não se trata
do que eu vou falar, se trata desse sentimento. Você sentir isso em
relação aos homossexuais. Você às vezes tá na rua aí você tá lá,
tarde da noite com meu carro, aí eu olho pra o sinal, tem um cara,
negro, parado, todo mundo tem medo, entendeu? Você já deduz
que ele é um assaltante, você já deduz que ele vai roubar sua
bolsa, vai quebrar o vidro do seu carro, tá entendendo? Então
NEGRO
assim, essa coisa, todo mundo se sente assim. Como eu tava
falando, minha mãe disse que o pobre não podia ser loiro dos
olhos claros, por quê? Por que pra ser pobre ele tem que ser
negro. Então assim, existe isso, você classifica”.
H: “Eu andava a pé na rua e tinha um homem negro, mal vestido,
foi instinto, ele tava na calçada, eu saí da calçada e fui pra rua,
por que eu senti um estranhamento. E ele me olhou e falou assim
''eu não sou assaltante não sua vagabunda''. Não foi de propósito,
258

eu sei que a gente vive cercada pela violência”.


M2: “Eu sei, eu já passei por isso aí também”.
H: “Exato, eu me senti mal. Eu me senti muito mal, eu fiquei com
aquela coisa ruim”.
J: “Você se sente mal, quando você tá parado no sinal e vê uma
pessoa negra, e pra os nossos padrões, mal vestida, aí você já vê o
pessoal subindo o vidro na cara da pessoa, aí você sente aquela
coisa. A pessoa tá chegando e você sobe o vidro, eu fico me
imaginando no lugar dela”.
J: “(...) É engraçado como vai evoluindo, né? Você tem ''bicha'',
aí tem ''baitola'', aí tem ''veado'', aí tem ''gay'', aí tem
homossexual. Assim como os negros também, né. Você chama
''preto'', aí não vou mais chamar, agora são negros, aí depois de
negros, são afrodescendentes. Então assim, conforme essa
linguagem vai agrando, vai modificando. Até, eu fui, agora na
Bienal comprar um livro, da Agatha Christie O Caso dos Dez
Negrinhos, e o primeiro país a proibir a circulação do livro com
esse título foram os Estados Unidos nunca foi apresentado o livro
lá dessa maneira, aqui no Brasil até então era O Caso dos Dez
Negrinhos, quando eu cheguei lá tinha um livro novo, dizendo
nova edição com outro nome, nem me lembro de qual era o nome,
aí tinha embaixo antigo nome O Caso dos Dez Negrinhos.
Modificaram aqui também, porque não podia. Isso foi agora, bem
recente”.
M3: “Tinha um funcionário do escritório, e o apelido dele sempre
foi ''neguinho'', quando eu entrei no escritório pra começar a
trabalhar eu só chamava ele pelo nome dele, C., só que ficava
todo mundo rindo de mim por que ninguém chama ele de C. Aí
entrou a Lei do Racismo. Sabe o que é a gente entrar no elevador,
olhar pro “Neguinho”, tentar falar com ele e todo mundo fica
constrangido e, depois, também é muito difícil voltar a chama-lo
de C e eu “ meu Deus do céu, o quê que se faz?”
H: “Eu sou estagiária de direito, no meu primeiro dia no
259

escritório eu vi o meu chefe chamando um funcionário, ''ei,


neguinho''. Aí eu, an? O que é isso?”
S: “Eu acho que, a questão do politicamente correto, talvez veio
por conta que, é, por exemplo, para pessoas, essa questão que até
a gente tava falando, das marchinhas de carnaval, algumas coisas
para os avós e bisavós meus... Pra eles que são preconceitos, que
são coisas que não são politicamente corretas, ligadas ao
racismo, ligado a pessoas com deficiências, eram naturalizadas,
então, o politicamente correto com toda essa luta... ao mesmo
tempo que as minorias estão tentando que acabe isso, não é mais
pessoa com deficiência, é pessoa, tudo bem, negro, branco,
somos todos pessoas. E às vezes eu acho que falta bom senso
mesmo, às vezes têm excessos, tanto do politicamente correto
quanto do incorreto, pecam pelos excessos”.
M1: “Assim, eu considero mesmo que o politicamente correto é
uma estratégia muito complicada, primeiro, você tentar purificar
a linguagem, um eufemismo, você faz um floreio muito grande,
RESPEITO quando o que tá na ponta da língua é a palavra mais ofensiva,
entendeu? Mas você não pode mencionar por que o outro vai se
sentir ofendido, o outro vai se sentir preterido, mas aí a gente bota
qualquer outra coisa”.
M2: (...) “mas eu acredito que com o tempo, você vai respeitando
o outro, a dificuldade que é tremenda é você, ''olha, a pessoa tem
opinião, ela pensa diferente de mim e eu respeitar'', e eu entender
como é que a pessoa gosta tanto de uma coisa que não é a que eu
gosto”.
M2: “Assim, quando você pensa ''essa palavra é correta'' de
certa forma é por que você está se preocupando com o bem estar
daquela pessoa, por mais que assim, o que mais importa é como
você vai ser tratado no dia-a-dia. Mas eu acredito que só em
pensar em tá mudando uma palavra ''espera aí, eu tenho que eu
tenho que tratar aquele outro'', por exemplo, uma pessoa com
deficiência, por que a gente sabe que o básico a gente precisa, ter
260

uma cidade adaptada, pensar também numa forma de inclusão,


mas que, só em você pensar ''como é que eu trato o idoso?'' tenho
que ver como é a minha relação com aquele outro, que existe uma
preocupação, que eu tenho que respeitar, que eu acho que puxa
essas outras coisas que eu acho que são positivas”.
A: “Esse 'veado' (palavra veado) tá me confundindo”.
J: “Se é um animal ou se é uma pessoa”.
A: “É, por que eu sou cearense mesmo”.
Jr: “Então, eu deixei essa linha pra você botar uma observação.
ANIMAL Você diz que Veado com “e” pra você é politicamente correto,
‘Viado’ com ‘i’ é incorreto?”
A: “Pra mim também é correto”.
Jr: “É correto? Então depois a gente vai discutir por que, tá?”
A: “Tá bom”.
J: (...) “um dia desses eu vi exatamente um homem falando assim,
''ah, mas é por que'', era algum homem que tava defendendo os
direitos das mulheres, ele, feminista, apoiando a causa, e aí foram
perguntar para ele, mas por que você apoia? Aí ele disse que não
precisa ser mulher para apoiar o feminismo, é uma causa que
precisa ser defendida, assim como não precisa ser gay para
apoiar a causa, não precisa ser negro para apoiar e aí as pessoas
também vão invertendo, acham que só determinado grupo que
DIFICULDADE podem defender aquilo, ''ah, é por que é a minoria'' tipo, sou
branca, então não preciso defender os negros”.
M2: “(...) Mas, é uma adaptação mesmo, é como é que eu posso
dizer, eu até entendo, a primeira vez que você vê, como é pra
minha mãe, o meu pai já acha mais estranho, mas eu acredito que
com o tempo, você vai respeitando o outro, a dificuldade que é
tremenda é você, ''olha, a pessoa tem opinião, ela pensa diferente
de mim e eu respeitar'', e eu entender como é que a pessoa gosta
tanto de uma coisa que não é a que eu gosto”.
J: “Aí eu e minha vó, a gente tava lá na fila preferencial pra
VELHO
idosos, aí uma mulher disse assim ''eu não sei por que eles têm fila
261

preferencial, por que eles não fazem mais nada, eles estão
aposentados, eles têm todo o tempo do mundo pra ficar na fila
esperando, mas eu não tenho, eu tenho hora, preciso pagar
minhas coisas logo e voltar pra o trabalho e eles podem ficar aqui
o dia todo'', aí eu disse assim, ''não é desse jeito, eles não podem
ficar muito tempo em pé, às vezes a pessoa não pode ficar mais
por que é mais velho'', às vezes não são nem eles, são os filhos
preguiçosos”.
S: “Mas o que eu acho é que as pessoas têm... Não é o nome em
si. Por que ''eu vou te chamar de idoso, tu tá com a tua autoestima
lá embaixo se achando velho''. Uma velha que não tem
autonomia, uma velha que não tem independência, isso pra mim
não importa”.
J: “Falando de idoso, eu lembrei que um dia desses, eu tava
assistindo uma matéria e ele tava falando isso, né, que ele foi...
“Foi uma matéria?” Não, foi o Ariano Suassuna quando ele veio
aqui dar uma palestra, aí ele disse que uma vez chamaram ele e
disseram ''sente aqui por que você é ‘’ve’’...'' Aí ele disse que a
pessoa gaguejou e disse ''idoso'', aí ele falou ''não minha filha, eu
sou velho mesmo, não tem esse negócio de melhor idade,
mentira''. Eu lembrei também que eu tinha visto, falando da idade,
uma pessoa também idosa falando ''que história de melhor idade,
isso não é melhor idade não, colocaram esse negócio só pra
camuflar a velhice''. Ele dizendo assim, que ele, no papel de idoso,
não achava que era melhor idade, eu não estou no meu melhor
hoje”.
S: “[...] O termo por si só, não. Tem que vir com educação, tem
que vir com cultura, tem que vir com diálogo. Tem que vir com
acessibilidade, tem que vir com cuidado com o outro, tem que vir
CULTURA
com ecologia profunda, tem que vir com espiritualidade. Tem que
vir com um monte de coisa. Uma sociedade menos desigual”.
S: “Por isso que às vezes, eu tava pensando, toda essa nossa
conversa acaba mesmo na questão da nossa história, história
262

cultural, social, educação, política, tudo. Então assim, tudo isso,


pra ser transformado, seria assim, através da educação, uma
educação que tivesse mais espaços como esse... De trocar ideias,
escolas permeadas pela arte, por que eu acho que a arte é um
instrumento de vida, de aprendizagem, de reflexão. E aí,
exatamente, por que vão se construindo”.
B: “Eu saí com meu namorado e dois amigos dele aí um tava
precisando de um isqueiro, uma coisa assim, aí tinha um grupo de
gays, sabe, aí o amigo dele falou brincando pra ele ''vai lá, pedir
pra eles'', aí como meu namorado é acostumado com meu irmão,
ele disse ''não, não tenho esse problema não'', aí foi lá e pediu, aí
o amigo dele ''ele foi mesmo, eu tava brincando'', aí eu ''o que que
tem? Os gays vão pular em cima dele e beijar ele e abraçar?''
J: “Aconteceu com a ..., ela foi perguntar pra uma amiga dela, se
ela já tinha ficado com alguma mulher, por que ela tava na
Europa, viajando e tal, e porque assim foi com ela, ela passou um
tempo fora, teve uma experiência e tipo se descobriu quando tava
lá, aí ela foi perguntar se, achava que a ... tava dando em cima
dela, por que ela perguntou se ela tinha se descoberto na Europa.
GAY A ...disse que só fez uma brincadeira, só queria saber se ela tinha
ficado com alguém. É tão comum lá.”
B: “Se um hetero pergunta pra você se você já ficou com um
homem, ele tá dando em cima de você?”
J: “Ou até os gays, né. Então é politicamente incorreto, não pode
mais perguntar. Não pode falar, não pode elogiar, porque se não
vai estar dando em cima de alguém”.
M1: “Uma coisa que eu tenho reparado, que além da questão
sexual, tem a questão política. A questão política também entra
muito nesse rolo, por que a palavra que eu mais ouvi falar desde
julho, que começou a efervescência das eleições é a palavra
''comunista''.
S: “(...) Não, não vamos colocar racismo não, homossexualidade.
Por exemplo, se eu ver uma cena de amor homossexual, há um
263

estranhamento no meu corpo, há uma sensação, certo, que... Não


tem nada, sabe como é? Mas eu entendo tudo isso, por que eu sou
uma pessoa, construída socialmente, historicamente, dentro de
uma concepção, né. Então, assim, eu entendo, eu compreendo, é
muito difícil, né, assim, a gente... A gente, por exemplo, frequentar
lugares que antigamente, não sei se chamam assim hoje, os
''guetos'', locais onde vão homossexuais, nem sei se existe hoje
em dia esses tipos de lugares, mas tinha muitos, alguns locais
mesmo que todo mundo, o pessoal das universidades, o pessoal da
praia de Iracema, todo mundo ia também. Mas, determinados
locais eram mais fechados, de você sentir um estranhamento de
você não conseguir ficar totalmente à vontade, mas você não está
recriminando, você não está... É uma coisa que é mais forte a
nível de sensação, de cognição, de pensamento, não sei, mais
racional”.
M2: “O costume mesmo. É, porque, por exemplo, homossexual
feminino. Eu acho que homem, eu sempre tive muitos amigos
gays, na escola, a gente conversava, já tinha visto um beijo gay
quando eu estudava em um colégio evangélico, assim, por que era
adventista, então era bem correto mesmo, eu até falo pro meu
namorado, e ele diz, ''menina, isso não existe não'', e eu digo,
''menino, existe, eu estudei em um'', eu vivi isso, meu pai nunca
deixou eu estudar num colégio normal, assim, normal que é pra
mim, né, ''eu quero ir pra um colégio normal'', e ele dizia, ''não,
não pode''. Mas, enfim, quando eu comecei a ter amigos e conheci
pela primeira vez uma homossexual feminina, de ver duas
meninas se beijando, eu me senti estranha, assim, não foi aquela
coisa natural pra mim, não que eu tivesse preconceito de ''ah,
como é que pode'', mas, você está que no barzinho, olha pra o
lado e vê duas mulheres se beijando? Aí, eu tenho dois amigos,
que assim, são dois irmãos, que ele é gay e ela é gay também, né,
e um dia eu saí com uma amiga, e eu achei que não precisava
falar nada, aí chegou a namorada dela e elas se beijaram, minha
264

amiga olhou assim e fez ''ahhh'' e deu um grito, mas foi tão
espontâneo, mas foi tão engraçado, eles não ligaram a gente
começou a rir, por que assim, amigos, né. Mas, é uma adaptação
mesmo, é como é que eu posso dizer, eu até entendo, a primeira
vez que você vê, como é pra minha mãe, o meu pai já acha mais
estranho, mas eu acredito que com o tempo, você vai respeitando
o outro, a dificuldade que é tremenda é você, ''olha, a pessoa tem
opinião, ela pensa diferente de mim e eu respeitar'', e eu entender
como é que a pessoa gosta tanto de uma coisa que não é a que eu
gosto”.
S: “Principalmente você estar aberto, né, por mais que tenha um
estranhamento, e a gente sabe que a educação da gente, a gente
sabe que foi criada uma sociedade patriarcal, nas hierarquias, um
sistema como esse, capitalista, individualista, e por aí vai. Tem a
questão da religião com um peso muito grande, a religião
enquanto instituição, não estou falando da espiritualidade, estou
falando das instituições religiosas, e aí... Me perdi”.
J: “Em relação ao que a S falou e a M2, é, a S falou um pouco
sobre juízo de valor, né, e aí esse julgamento que a gente faz...
Quando eu contei pra minha mãe que eu era homossexual, ela
estranhou muito, então assim, foi um choque muito grande pra
ela, por que ela julgava que para eu ser homossexual, eu tinha
que me vestir como homem. Então, a única coisa que ela
argumentava comigo, era que era impossível eu ser homossexual
por que eu gostava de me vestir como mulher, por que eu gostava
de me arrumar, eu era altamente feminina, por que eu gostava de
me vestir de boneca quando eu era criança, que eu usava salto, e
ela disse que isso não existia. Aí eu disse, ''mãe, não é assim, não
necessariamente eu vou ter que me vestir como um homem para eu
gostar de outra mulher.''
B: “E a mesma coisa serve para o homem, né, o meu irmão é gay
é o mais velho, então assim, eu cresci acostumada com isso, por
que pra mim era a coisa mais normal do mundo, já que eu nasci e
265

ele já era gay, né. É o que é natural pra você, pra mim é
completamente natural. Mas assim, tem vários amigos dele que
você jura que não é gay, por que não parece mulher, por que o
povo tem muito disso ''e ele é gay? Ele não tem que se parecer
mulher pra ser gay'', ele não precisa querer ser mulher”.
J: “Eu tava, sei lá, o que acontece muito, é o que vocês estavam
falando antes, de, acho que foi a S. que falou. Ela se sentia mal
por que às vezes, se ela via um casal homossexual se beijando,
ela sentia alguma coisa, né, que não era um preconceito”.
S: “Não, não era nem preconceito não”.
H: “Ela se sentia tensa”.

OUTRAS

M2: “Eu, por exemplo, nessa situação que eu vivi, que eu me


lembro que pra mim marcou muito. Que eu tava com uns colegas
meus, todos eles são muito ricos, aí a professora chegou e disse
assim ''por que só quem tem de pobre aqui é tu'' comigo... Eu acho
que ela falou, eu acho que ela não quis me ofender, mas assim, eu
fiquei ofendida, por que assim, ela disse ''só quem tem de pobre é
tu'', claro que eu tenho a noção que eu sou pobre, né, por que eu
sou pobre, né. Você se mata de trabalhar, né, e assim, as outras
pessoas ficaram num mal estar tão grande, foi engraçado. E assim,
nos meus amigos, assim, tinha até um evento que ia ser no Coco
POBRE
Bambu, aí assim, ela achou, acho que talvez que o Coco Bambu
fosse muito caro pra mim, só que lá era um local que eu já ia com a
galera, meus amigos mesmo, aí eu disse ''valha, será que eu tô
sofrendo preconceito'?. Só que assim, pra mim, eu ri né, depois
brinquei e tudo, mas é complicado, né, se realmente eu fosse uma
pessoa assim, ou que tivesse numa fase que tivesse mal, ou que
realmente tivesse passando necessidade. Eu achei estranho, por
que, em relação àquelas pessoas eu realmente sou pobre, por que
eu não recebo mesada de dois mil reais como amigos que recebem.
Não, eu sempre precisei trabalhar, mas assim, nunca me faltou
266

nada e entre os meus amigos, a gente brinca muito ''vixe, favela'',


tem uma amiga minha que é mais barraqueira, aí a gente diz logo
''pobre'', por que chega num canto aí quer fazer logo confusão, aí a
gente fala ''arma aí o barraco, favela'', a gente entre a gente brinca
e fala. Pensei muito nisso, quando aconteceu isso, dessa professora
dizer ''só quem tem de pobre aqui é tu'' não sei se ela quis falar no
mesmo sentido que eu falo com meus amigos, mas rapidamente eu
fiquei assim, foi chato, e eu percebi que as outras pessoas ficaram
super constrangidas. Chega tava todo mundo num gás, aí todo
mundo ''ufff''. Foi chato. Aí eu marquei politicamente incorreto”.
S: “Instituições feitas por pessoas, numa construção histórica
mesmo de homens ali, ou seja, o que Jesus Cristo disse, até mais,
assim, eu gosto muito de ouvir o Sérgio Cortella, uns programas
que eu já assisti, grandes historiadores mesmo, eles pesquisam
mesmo aqueles livros antigos, assim, a fundo a questão da
religiosidade, mesmo assim, no final das contas, a gente nunca vai
saber mesmo algumas coisas, que Cristo é esse, né, realmente como
é que era e tudo mais. Mas assim, o que eu acho que transforma a
questão das instituições? Elas são controladoras, elas trazem
outros interesses, e a espiritualidade, o que Jesus fala né... Que, por
exemplo, se você for fazer algumas leituras você vai ver isso, né.
CULPA Você diz, Jesus falava isso, não tem nenhuma novidade nisso”.
M3: “Pois é, eu acho fenomenal isso, por que deveria ser o cerne
da nossa cultura judaico-cristã, não judaico, né, por que o
judaísmo não tem isso, o judaísmo é mesmo aquela questão da
culpa, do castigo”.
S: “Mas nós temos”.
M3: “Nós temos os dois, né, por que a gente é católico. Mas
engraçado, eu falei isso por que eu, como ateia, reconheço o
brilhantismo disso desde sempre. Do que deveria ser a fundação do
cristianismo que é o amor incondicional ao outro”.
S: “Mas não veio, veio a culpa, veio o medo, certo?”
M3: “É, infelizmente”.
267

J: “Eu me senti muito mal com esse negócio de pobre. Eu fiquei


doente e eu precisei fazer fisioterapia pulmonar, aí, nessa
fisioterapia pulmonar, você tem um negócio chamado
'respirometro' é um negocinho que você solta, e sobem as bolinhas.
E aí eu tinha que fazer isso três vezes ao dia, e a minha mãe
chamou uma moça só pra ficar lá em casa enquanto eu estava
doente, eu precisava de acompanhante e pra o que eu precisasse eu
pedia a ela, tipo, bem burguesa, vai lá e faz isso pra mim. Ela ficou
lá, né, dama de companhia, segundo a minha mãe. Aí eu peguei e
falei ''Priscila, pega lá aquela caixa que tá lá na sala por que eu
preciso fazer um negócio'', aí eu ia fazer o respirometro, que era o
exercício do meu pulmão aí ela ficou olhando, aí ela ''pra que é
isso'', aí eu peguei e expliquei, aí ela ''ah, coisa de gente rica
mesmo, pobre nunca ia fazer um negócio desses''. Eu fiquei me
sentindo tão mal, que eu até parei de fazer, depois disso ela até
saiu, aí eu, poxa, pra mim é tão normal fazer isso, o médico
recomendou, mas atingiu ela de uma maneira que ela disse assim
''ah, coisa de gente rica, por que gente pobre nunca vai fazer um
negócio desses, gente rica inventa cada coisa''. Sério, eu me senti
muito mal”.
Jr: “Você se sentiu culpada?”
J: “Eu me senti”.
M2: “Talvez a pessoa falou, mas nem querendo, falou achando
realmente... Por que se você for realmente no SUS, determinado
tipo de coisa... Um dia eu tava, “menina, acho que eu vou em um
dermatologista no SUS”.
J: “Eu fiquei assim. Depois, na presença dela, eu fiquei
constrangida, eu passei a ficar muito tolhida se ela tivesse. Por uma
besteira, podia ter me chamado de qualquer outra coisa que talvez
eu não tivesse ficado tão chateada como isso que ela falou. Como
se fosse culpa minha eu ter acesso a isso e ela não ter”.
M3: “Mas tem essa cultura no Brasil”.
Jr: “Vocês também se sentem culpados assim?”
268

B: “Sim”.
Jr: “Quando vocês acham que ofendem, quando vocês não acham
que são politicamente corretos?”
J: “Uhum”.
J: “Vocês querem falar um pouquinho sobre isso?”
S: “Me sinto vaga, altamente, não sei se culpada, uma dor muito
grande pelas pessoas que são pobres financeiramente, socialmente,
culturalmente. Por que a gente vê as pessoas na rua, né, por que aí
você vê gente rasgando dinheiro, enquanto outros... Então assim...”
Jr: “Entrando na fila pra comprar bolsa de cinquenta mil, né?”
S: “Aí, é demais. É como se eu me sentisse responsável também”.
H: “Aconteceu isso comigo um dia desses, a menina que trabalha
lá em casa tava arrumando os meus sapatos, aí ela ''ah esse é tão
lindo, ah esse é tão não sei o que'', aí eu, é... Aí eu ''A., pega aquele
que combina com aquela minha blusa'', aí eu especifiquei o sapato,
aí ela ''que combina... Eu só tenho um pretinho que é pra sair que
combina com tudo'', aí eu falo, ''É, pois é...””.
J: “Você fica sem saber o que você fala né?”
M3: “Mas sabe, não é esse tipo de coisa que faz eu me sentir mais
culpada, por que assim uma coisa a mais eu acho besteira. O que
faz eu me sentir mais culpada é o básico, é ver que você tem um
plano de saúde melhor do que o pessoal do meu trabalho, é ver
como eu tenho como fazer coisas que as pessoas não fazem, não é o
excesso, é o básico, primordial que todo mundo deveria ter acesso
que faz eu me sentir mais mal”.
S: “Mas é isso também. Passa por isso, passa por tudo”.
H: “Com certeza. É uma das situações”.
S: “Isso incomoda muito”.
M3: “Incomoda. Eu sei, mas é por que assim, se a gente vivesse
numa sociedade de bem-estar social, uma coisa assim mais perfeita,
uma pessoa ter dez sapatos, enquanto um tem um, mas que todo
mundo tivesse acesso a educação, todo mundo tem atenção a saúde,
não seria uma coisa tão agressiva, tão ofensiva. O problema é que
269

diferença social no Brasil passa por tudo. Do básico até...”


S: “Essa questão da culpa, o que o Freud pensa eu não conheço,
mas o Mal estar na civilização, mal estar na cultura, né. Ele faz
alguma ligação da culpa com a civilização? Ou só nessa questão
que você disse que está ligada ao Inconsciente. Essa questão da
culpa”.
M1: “Pronto. E boa parte das palavras toda vida aparecia pra
mim, novela, por que a novela sempre tá abordando a questão do
idoso, a questão do homossexual, do negro... Aí eu fiquei ''tá, mas
por que novela?'', aí eu fiquei pensando, e agora eu me toquei no
papel da mídia na veiculação do politicamente correto. Por que,
sinceramente, se não fosse a televisão, vocês nunca reparariam.
Por que a primeira vez que eu ouvi falar sobre o politicamente
correto, foi num programa de receita cedo da manhã, e era um
MÍDIA escritor que toda vida eu esqueço o nome dele, mas que tava
lançando aqueles livros, o Guia Politicamente Incorreto da
Filosofia, do Brasil, da América Latina, não sei o que... E aí, foi a
partir disso que eu comecei a pensar, por que eu via na televisão,
no jornal, novelas e as pessoas próximas a mim também falavam,
fazia um comentário e eu dizia, ''não, isso não é politicamente
correto'', sem ter uma ideia, eu só fui ter ideia, quando eu fui ler
uma cartilha que foi elaborada no governo Lula e achei um
absurdo,, que não tinha a menor razão de existir”.
J: “Eu tenho só uma pergunta pra fazer, se quem faz psicologia
aqui, se sente a mesma coisa que eu, e quando você vai falar a
palavra ''doido'', vocês não acham, enquanto estudantes de
psicologia, ou psicólogos, que a palavra ''doido'' é muito ofensiva.
Tipo assim é como se o psicólogo não pudesse falar a palavra
DOIDO
''doido'', como se ele tivesse diminuindo”.
M2: “Eu também sinto isso, por que a gente começa a estudar,
principalmente a partir do quinto semestre, que a gente começa a
ver as psicopatologias, psicopatologia sociedade e cultura, e
quando você percebe que o conceito de loucura foi socialmente
270

construído, que a gente vai estudar Foucault, então eu acho, que de


certa forma, eu me vi da mesma forma que tu pensa. Um rapaz no
ônibus me agarrou e ficou me segurando pelos meus pé, super
agradável, né, aí você diz logo ''ah, esse doido puxando meus pés'',
aí a minha amiga falou ''doido? Doido não pode, né, Mari'' aí eu
falei, é mesmo. Mas assim, há muito tempo. Quando você começa
realmente a estudar, fica até estranho você chamar de doido, aí nos
ambientes que você está que as pessoas não estudam o mesmo que
você estuda você percebe que elas continuam usando, né, essa
construção, mas eu me sinto assim”.
H: “Mais por as pessoas não saberem, né? Eu passei isso um dia lá
no escritório. Eu entrei no elevador, aí o homem perguntou se eu
podia dizer onde é o andar tal, aí eu disse ''posso'', eu notei que ele
era meio assim, aí eu disse ''não, eu posso eu vou com você até lá'',
aí quando a gente chegou, esse homem me abraçou, começou a
beijar meu pescoço. Eu fiquei desesperada, cheguei no escritório
branca, falando ''eu Deus, um doido me agarrou''.
M2: “No senso comum seria bem isso mesmo, né? Todo mundo
falou que ele era muito é sem vergonha, mas eu vi que não, ele até
tava com uma blusinha, não lembro o nome, mas era de uma
instituição que cuida. Só que na hora, eu levei um susto, né? Eu não
tava esperando, e nem tinha prestado atenção. Mas realmente,
quando a gente começa a estudar, você faz uma reflexão bem mais
ampla. Então assim, hoje eu já não usaria da mesma forma, sabe”.
J: “Eu tava em alguma situação e falei ''fulano é doido'', aí eu
parei pra pensar ''eu poderia estar chamando alguém de doido?''.
Por que assim, eu tô estudando, começando, iniciando os estudos,
eu poderia estar chamando alguém de doido? Não é muito
pejorativo? E ''doido'' eu acho meio, assim, você não classifica uma
pessoa doida como se fosse tudo, tipo, assim, existem várias
pessoas ''doidas'', mas você não sabe...”
S: “A pessoa pode estar num momento que denote isso. Por que, o
que é doido, afinal, no dicionário? Porque ele pode estar, mas ele
271

não é ''doido''. Ele é doido?”


M1: “Eu já passei por essa situação também. No começo, assim
que eu comecei a faculdade, Ave Maria, se uma pessoa conhecida
se referisse a uma pessoa que eu sabia que tinha transtorno mental
por ''doido'', eu dizia logo ''não, espera aí, vamos sentar, vamos
entender como é que é'' e aí aos poucos eu fui relaxando, por que se
não, você fica todo dia naquele negócio, psicose, Nome-do-Pai,
foraclusão. Aí eu, quer saber de uma coisa, eu faço psicologia, eu
procuro entender, quando tô atendendo, quando eu tô num
ambiente de estágio, de sala de aula, numa discussão com pessoas
da psicologia, você tem um certo cuidado por que você supõe que a
pessoa sabe do que você tá falando. Mas numa situação comum é
qualquer pessoa, você se chama de doido, você vê a pessoa na rua e
diz “você é doido” e vai passando, é comum.”
M2: “Por que se não fica chato e as pessoas não gostam.”
J: “Tem que pisar em ovos. Por que as pessoas já têm medo de
falar as coisas com você por que acham que você sempre... ''Ah,
não vou falar isso por que ela vai rebater, vai se sentir ofendida, aí
o pessoal começa a não querer.”
M3: “O ''doido'' eu associo ao psicótico. Agora o doido pra mim, é
o excêntrico, que eu acabei internalizando. Mas eu não posso
chegar e, é a mesma coisa, uma pessoa do direito chegar no jornal,
eu não posso chegar pra uma pessoa e ''olha, o assalto não existe,
não é assim que tem no código penal, você tem que falar em furto
ou roubo.''

No grupo focal quando se perguntou o que eles que


LINGUAGEM/
achavam que mudou nas relações sociais após a adoção do
PODER/CULPA
politicamente correto, surgiram as categorias linguagem, poder e
culpa.
272

Anexo 2 – MAPA: LINGUAGEM/PODER/CULPA

Palavras citadas no TALP X Falas no Grupo Focal

Linguagem - citada 32 vezes - Transcrição Grupo Focal

Poder – 34

Culpa – 16

Categorias teóricas/Palavras citadas no


GRUPO FOCAL
TALP
LINGUAGEM H: “Eu acho que o politicamente correto é

Se a linguagem é a matéria do um fenômeno que surgiu com o intuito de


pensamento, é também o elemento da amenizar algumas coisas que as pessoas
comunicação social. Não há sociedade falam. É, por exemplo, ''Aquela velha'', ah,
é ''aquele idoso''... Eu acho que o
sem linguagem, tal como não há
politicamente correto torna certas coisas
sociedade sem comunicação. Tudo o
que se produz como linguagem tem menos ofensivas pra outras pessoas. Ah, eu
lugar na troca social para ser acho normal aquela menina ''negra'', ah,
comunicado. (Kristeva, 2007, p. 17) bonita... Tem gente que, ''ah, negra que
palavra feia'', diz pessoa ''morena''. Eu
acho que tem muito a ver com ter que
O complexo sistema linguageiro é o neutralizar a linguagem, a forma de se
que especifica a condição humana em nossa expressar de uma pessoa para que não
espécie. Por esse fato, o sujeito só se diz por ofenda alguém.”
meio da linguagem, por isso não é um sujeito M3: “Mas é engraçado, no meu trabalho,
pleno, mas dividido pela descontinuidade da às vezes, e como a gente precisa escrever
linguagem, sempre escapando, sempre fugindo alguma coisa que possa ser ofensiva, eu
(Lebrun, 2008c). notei de cara no questionário, o que é, por

“A ideia de representação coletiva se que você sempre tem que procurar a


inscreve numa visão de sociedade na qual a palavra mais elegante, a que não fique
coerência e as práticas são reguladas pelas tão... Ou você vai pela lei, ou pelo que vai
crenças, saberes, normas e linguagens que ela parecer ofender menos por que você não
273

mesma produz, ou seja, devendo ser pode colocar velho numa petição, por
considerada em referencia à sua cultura” exemplo, você tem que colocar idoso,
(Moscovici, 2005, p. 12) pessoa portadora de deficiência, você não
pode falar em morte, é falecimento, óbito,
tudo com o maior cuidado pra não ofender.
Principalmente na minha área, que é
direito de família, você vai falar baixaria
da forma mais politicamente correta numa
petição.”
M1: “Assim, eu considero mesmo que o
politicamente correto é uma estratégia
muito complicada, primeiro, você tentar
purificar a linguagem, um eufemismo, você
faz um floreio muito grande, quando o que
tá na ponta da língua é a palavra mais
ofensiva, entendeu? Mas você não pode
mencionar por que o outro vai se sentir
ofendido, o outro vai se sentir preterido,
mas aí a gente bota qualquer outra coisa.”
M1: “Por que você sempre está à mercê do
que o outro possa pensar e como o outro
pode reagir acerca que você está dizendo.
E aí uma coisa que era pra ser só no campo
da linguagem ela parte para a relação. A
relação entre as pessoas fica extremamente
polida, você não pode se mostrar, você não
pode mais ter um comportamento um pouco
mais espontâneo e até instintivo, por que
qualquer coisa você vira refém de um
processo por que o outro pode se ofender, é
muito subjetivo. Um pode se ofender com
determinado termo e o outro não tá nem aí,
aí como é que você vai saber qual é a
274

pessoa que vai se sentir ofendida ou não, e


aí você escolhe se você vira um ''porra
louca'' dizendo tudo que você pensa toda
hora, ou se você tenta maquiar e agir de
certa maneira mais tranquila com todo
mundo.”
M2: “(...) mas que hoje a gente tá num
momento que eu considero que é muito
bom, por que a gente consegue pensar,
falar, por exemplo de hoje ter, por exemplo,
esse próprio momento de você ter uma
pesquisa para dizer, olha, eu acho isso
politicamente correto, isso daqui eu já acho
que não é. ''A gente tem que ter um cuidado
com o outro, que em outra época a gente
não pensaria”, ''não, a gente não tem que
ter cuidado coisa nenhuma, tem que ''tacar
o pau'' mesmo, falar o que acha que tem
que falar e o outro é que se resolva com o
pensamento dele, que recalque, que faça lá
o que for''(...)
J: “É engraçado como vai evoluindo, né?
Você tem ''bixa'', aí tem ''baitola'', aí tem
''veado'', aí tem ''gay'', aí tem homossexual.
Assim como os negros também, né. Você
chama ''preto'', aí não vou mais chamar,
agora são negros, aí depois de negros, são
afrodescendentes. Então assim, conforme
essa linguagem vai agrando, vai
modificando. Até, eu fui, agora na Bienal
comprar um livro, da Agatha Christie O
Caso dos Dez Negrinhos, e o primeiro país
a proibir a circulação do livro com esse
275

título foram os Estados Unidos nunca foi


apresentado o livro lá dessa maneira, aqui
no Brasil até então era O Caso dos Dez
Negrinhos, quando eu cheguei lá tinha um
livro novo, dizendo nova edição com outro
nome, nem me lembro de qual era o nome,
aí tinha embaixo antigo nome O Caso dos
Dez Negrinhos. Modificaram aqui também,
porque não podia. Isso foi agora, bem
recente.”
M3: “Tinha um funcionário do nosso
escritório, eu trabalho com meu pai, e ele
trabalha lá desde que eu me conheço por
gente, ele trabalha com meu pai, e o
apelido dele sempre foi ''neguinho'', quando
eu entrei no escritório pra começar a
trabalhar eu só chamava ele pelo nome
dele, Carlos, só que ficava todo mundo
rindo de mim por que ninguém chama ele
de Carlos. Aí entrou a Lei do Racismo.
Sabe o que é a gente entrar no elevador,
olhar pro “Neguinho”, tentar falar com ele
e todo mundo fica constrangido e, depois,
também é muito difícil voltar a chama-lo de
Carlos e eu “ meu Deus do céu, o quê que
se faz?”
Jr: “Agora, falando disso de outra
geração, eu me lembrei de uma história
engraçada, que a mãe de uma amiga
minha, ela é muito preocupada em falar o
português correto, e aí ela foi pegar os
netos na escola, e na saída tinha um senhor
que vendia churros, e o apelido dele era
276

''zurelha'', aí o neto pediu para ela, ''vovó,


vai ali no ''zurelha'' comprar um churros''.
Quando ela chegou lá, ela disse que ficou
pensando como era que ela ia chamá-lo,
ela não conseguiu dizer ''zurelha'', aí ela
disse ''senhor, orelhas eu gostaria de
comprar um churros'', e aí todo mundo ao
redor começou a rir, é... O problema dela
era com a questão da linguagem, ela não
conseguia dizer ''zurelha'', e ela fala bem
explicado, então ficou, ''senhor, orelhas''.”
M3: “Falando sobre o que você disse que
''gorda'' é preconceito, eu acho que
preconceito é você transformar a palavra
gorda em preconceito. Por que gordo pra
mim é característica física... alto, baixo,
magro.”
J: “Eu passo muito por essa situação, e aí
as pessoas chegam pra mim e dizem, ''ah, é
por que a Juliana é. '' aí ela não quer falar
gorda, né, aí ela fala ''a Juliana é cheinha'',
cheinha e gorda é a mesma coisa, da no
mesmo. Eu me vejo, tipo assim, você não tá
falando uma coisa incomum. Que nem o
pessoal do interior, meu pai é do interior,
então, se eu vou lá, as pessoas já falam
forte, né...”
J: “A gente ouve sobre o politicamente
correto, ou incorreto, até nas próprias
propagandas políticas, né. Tava passando a
propaganda, tava minha mãe e a Adrew lá
em casa, e aí o pessoal filmando a Dilma,
só não chamaram ela de feia, ''por que ela
277

é gorda, comunista, sapatão'' todos os


nomes foram atribuídos a ela, só que o
povo acha que é mais politicamente
incorreto votar na Dilma. Aí minha mãe
disse ''no meu tempo você não podia falar
isso com um presidente da república'', era
uma coisa absurda, né, hoje em dia, esse
politicamente incorreto, é como você ia
dizer, é uma autoridade e você não podia
falar nada com ele, mas chamaram a Dilma
de tudo no mundo, que ela era comunista,
que ela era amiga de não sei quem, que o
Brasil ia virar uma Venezuela, não sei o
que.”
H: “Pois é, tem coisas aqui que eu falaria
''pessoa com deficiência'', eu falaria
normalmente, só que eu sei que não é
correta. É como se eu disse que a pessoa
não tem potencial. Por que a gente tem que
colocar de acordo com a outra pessoa, o
que ela vai sentir né.”
H: “Eu acho que foi uma expressão que
surgiu pra denominar um cuidado que as
pessoas têm com que o outro vai sentir.
Não é o que é o politicamente correto, é
uma coisa que já existia. É um cuidado. Eu,
por exemplo, desde sempre, acho que até
antes dessa história de politicamente
correto existir, eu sempre tive um cuidado
pra falar com alguém que pudesse se sentir
ofendido com alguma coisa que eu penso.
Então eu acho que foi uma expressão, um
termo que surgiu pra uma coisa que já
278

existia. Um cuidado com o outro, certa


educação que a gente tem por que outra
pessoa pode se sentir ofendido com uma
coisa que a gente pensa, que a gente fala.
''pessoa com deficiência'', eu descobri que é
uma palavra politicamente incorreta.”
B: “Eu tinha marcado politicamente
correto. Eu vi as meninas conversando, aí
eu percebi que e se eu chamar uma pessoa
de afro-brasileira, pra ela talvez seja uma
ofensa, mas pra alguém de fora, alguém
que não seja do Brasil ela não vê isso como
ofensa.”
H: “Afrodescendente é a palavra que
surgiu pra substituir pra não falar ''aquela
negra''. Eu concordo muito com o que
vocês disseram, mas, vai que ela não gosta
de ser chamada assim?”
M3: “Mas a questão dela é a aplicação da
palavra. Por que é a mesma coisa, gordo
pra mim é uma característica física. Negra,
é pele negra.”
Jr: “É um dia desses um amigo foi
assaltado, e o que marcou pra ele foi que o
assaltante jogou uma pedra do vidro do
carro dele e disse ''passa tudo, vagabundo''
e ele disse que ficou tão ferido com aquela
palavra ''vagabundo''.”
J: “Eu tenho só uma pergunta pra fazer, se
quem faz psicologia aqui, se sente a mesma
coisa que eu, e quando você vai falar a
palavra ''doido'', vocês não acham,
enquanto estudantes de psicologia, ou
279

psicólogos, que a palavra ''doido'' é muito


ofensiva. Tipo assim é como se o psicólogo
não pudesse falar a palavra ''doido'', como
se ele tivesse diminuindo.”
M2: “Eu também sinto isso, por que a
gente começa a estudar, principalmente a
partir do quinto semestre, que a gente
começa a ver as psicopatologias,
psicopatologia sociedade e cultura, e
quando você percebe que o conceito de
loucura foi socialmente construído, que a
gente vai estudar Foucault, então eu acho,
que de certa forma, eu me vi da mesma
forma que tu pensa. Um rapaz no ônibus
me agarrou e ficou me segurando pelos
meus pé, super agradável, né, aí você diz
logo ''ah, esse doido puxando meus pés'', aí
a minha amiga falou ''doido? Doido não
pode, né, M.'' aí eu falei, é mesmo. Mas
assim, há muito tempo. Quando você
começa realmente a estudar, fica até
estranho você chamar de doido, aí nos
ambientes que você está que as pessoas não
estudam o mesmo que você estuda você
percebe que elas continuam usando, né,
essa construção, mas eu me sinto assim.”
J: “Eu tava em alguma situação e falei
''fulano é doido'', aí eu parei pra pensar ''eu
poderia estar chamando alguém de
doido?''. Por que assim, eu tô estudando,
começando, iniciando os estudos, eu
poderia estar chamando alguém de doido?
Não é muito pejorativo? E ''doido'' eu acho
280

meio, assim, você não classifica uma


pessoa doida como se fosse tudo, tipo,
assim, existem várias pessoas ''doidas'',
mas você não sabe...”
M1: “Eu já passei por essa situação
também. No começo, assim que eu comecei
a faculdade, Ave Maria, se uma pessoa
conhecida se referisse a uma pessoa que eu
sabia que tinha transtorno mental por
''doido'', eu dizia logo ''não, espera aí,
vamos sentar, vamos entender como é que
é'', e aí aos poucos eu fui relaxando, por
que se não, você fica todo dia naquele
negócio, psicose, Nome-do-Pai, foraclusão.
Aí eu, quer saber de uma coisa, eu faço
psicologia, eu procuro entender, quando tô
atendendo, quando eu tô num ambiente de
estágio, de sala de aula, numa discussão
com pessoas da psicologia, você tem um
certo cuidado por que você supõe que a
pessoa sabe do que você tá falando. Mas
numa situação comum é qualquer pessoa,
você se chama de doido, você vê a pessoa
na rua e diz “você é doido” e vai passando,
é comum.”
M3: “Eu acho que cria uma agressividade.
Eu tava lendo um texto do Contardo
Calligaris justamente sobre isso. Um rapaz
dizendo que ele sempre tinha que dar
passagem pra as pessoas no trem,
principalmente para as mulheres e o que
passava na maior educação, mas na cabeça
dele era ''sua puta, sua vagabunda, sua
281

gorda, passando na minha frente'', então,


você vai internalizando uma agressividade
que talvez fosse melhor você soltando
pequenas doses pra fora.”
J: “Falando de idoso, eu lembrei que um
dia desses, eu tava assistindo uma matéria
e ele tava falando isso, né, que ele foi...
“Foi uma matéria?” Não, foi o Ariano
Suassuna quando ele veio aqui dar uma
palestra, aí ele disse que uma vez
chamaram ele e disseram ''sente aqui por
que você é ‘’ve’’...'' Aí ele disse que a
pessoa gaguejou e disse ''idoso'', aí ele
falou ''não minha filha, eu sou velho
mesmo, não tem esse negócio de melhor
idade, mentira''. Eu lembrei também que eu
tinha visto, falando da idade, uma pessoa
também idosa falando ''que história de
melhor idade, isso não é melhor idade não,
colocaram esse negócio só pra camuflar a
velhice''. Ele dizendo assim, que ele, no
papel de idoso, não achava que era melhor
idade, eu não estou no meu melhor hoje.”
M3: “É exatamente isso. Por que eu acho
que quando você quer mudar o nome de
uma coisa, criar um eufemismo, você tá
dizendo que essa coisa é ruim. Eu sou ex-
obesa, por exemplo, então quando eu era
gorda, quando eu era mais gorda, não
tinha nada que me ofendia mais do que uma
pessoa chegar e dizer ''você é gordinha'',
''você é fortinha'', por que é como aquilo
que eu fosse todo, fosse uma coisa tão ruim
282

que você não podia dar um nome a ela. É


mesma coisa do afro-brasileiro, é como se
''negro'' fosse uma coisa tão ruim que você
não pode mais chamar a pessoa pela cor da
pele.”
J: “O vídeo que a Juçara tava passando
agora, né, que ele tava falando da
comunidade. Então assim, a preocupação
de mudar o termo e não mudar de fato a
situação. E aí ele pergunta ''você deixa de
falar o que pensa por causa do
politicamente correto'' e aí é tudo que a
gente falou agora, do idoso, todo mundo na
fila pensa ''meu Deus eu tô atrasada, ele
vai passar na minha frente, mas eu vou
deixar ele passar''. Aí você fica ''por favor,
não vem outro idoso'', você fica torcendo
pra não aparecer outro.”
M1: “Faz é tempo que eu tento falar aqui,
em relação aos termos, eu acho que, você
modificar o termo não muda a relação não.
Mas tem uma coisa que me preocupa
bastante nisso, por que, eu acredito
piamente que a agressividade é constituinte
do ser humano, e uma via, minimamente
saudável que o sujeito encontra é a via da
linguagem, e aí, na medida em que você
não pode mais se utilizar dessa linguagem
para expurgar um pouco disso aí, pra onde
é que vai essa agressividade, né? Como é
que vai ficar? A minha preocupação é que
isso acabe reverberando nos índices de
violência que já não são muito agradáveis.
283

Por que se você não pode se utilizar do


simbólico pra ver se ameniza e possibilita
por mais que haja um mal estar, mas
possibilita a relação social, se você não vai
mais se valer disso, você vai partir pra
onde? Você vai partir pra violência.”
M3: “Mas eu não digo isso, eu digo que
precisa haver um termo. E se esse novo
termo de repente for considerado ofensivo
também? Se a pessoa também quiser se
igualar, mas a única pessoa que pode se
igualar a uma pessoa que tem
deficiência.(...) Então, sempre a palavra
nova vai ser considerada ofensiva, você tem
que aceitar que você tem uma coisa a
menos e que a gente precisa te dar uma
coisa a mais pra você concorrer em
igualdade se não a gente vai de volta à
barbárie.”
J:“É que nem quando mudou de
empregada pra secretária, aí você fica com
medo, né, por que muita gente fala ''ah, a
empregada'' aí a outra pessoa tem
vergonha e fala ''não, empre... não, é a
secretária, a secretaria lá de casa'', aí você
não gosta de falar pobre, aí você pega e diz
''não a secretária lá de casa, a empregada
lá de casa é pobre'', tipo assim, tudo isso
seria politicamente incorreto.”
Jr: “É, por que o politicamente correto se
divide em duas questões, ele surgiu pra
mudar a linguagem, e pra mudar atitudes,
e, é um movimento na defesa dos direitos
284

humanos, e que a gente, pelo que eu vi do


que vocês falaram, tem um avanço, pra
idosos, pra categorias raciais, étnicas, tem
avanços, que essa mudança de termos...”
J: “Assim, é meio que uma maneira de
adequar, de se expressar de cada um. E até
pra determinados grupos não atingirem
outros determinados grupos.”
M2: “Assim, quando você pensa ''essa
palavra é correta'' de certa forma é por que
você está se preocupando com o bem estar
daquela pessoa, por mais que assim, o que
mais importa é como você vai ser tratado
no dia-a-dia. Mas eu acredito que só em
pensar em tá mudando uma palavra
''espera aí, eu tenho que eu tenho que tratar
aquele outro'', por exemplo, uma pessoa
com deficiência, por que a gente sabe que o
básico a gente precisa, ter uma cidade
adaptada, pensar também numa forma de
inclusão, mas que, só em você pensar
''como é que eu trato o idoso?'' tenho que
ver como é a minha relação com aquele
outro, que existe uma preocupação, que eu
tenho que respeitar, que eu acho que puxa
essas outras coisas que eu acho que são
positivas.”
PODER M3: “Eu acho que tem muito a ver com
você educar, como você falou, as pessoas
Nas ciências humanas há o surgimento
com a perda dos privilégios. Por que
da Psicanálise em meados do fim do século
antigamente a gente tinha uma hierarquia
XIX e início do século XX. Nesse saber
muito demarcada, homem lá em cima,
psicanalítico sobre o inconsciente, Sigmund
vinha depois a mulher, negro não era
285

Freud (1856-1939), o seu fundador, também, gente, velho também, idoso não era, ia
discorre sobre o indivíduo, a massa e o poder: perdendo a hierarquia social. E a gente
continua sendo criado nesse tipo de
A vida humana em comum se torna sociedade, só que não é mais assim,
possível apenas quando há uma maioria ninguém mais aceita ser subjugada, então,
que é mais forte que qualquer a gente tem que criar o politicamente
indivíduo e se conserva diante de correto de certa forma para tolhir a nossa
qualquer indivíduo. Então o poder criação preconceituosa e pra orientar
dessa comunidade se estabelece como também as pessoas que ainda acham que eu
‘Direito’, em oposição ao poder do não posso ser igual ao Bolsonaro.”
indivíduo, condenado como ‘força M3: “Porque é justamente isso. Todo
bruta’. Tal substituição do poder do mundo do politicamente incorreto vota. Ele
indivíduo pelo da comunidade é o agride quem acha que tem o direito de
passo cultural decisivo. (Freud, passar por cima do outro. E até pouco
1930/2010b, pp. 56-57). tempo era normal que você passasse por
cima do outro. No trânsito, as bicicletas, a
gente acha que o carro pode passar por
cima das bicicletas, que é um abuso ter
tanta ciclovia ali atrapalhando o nosso
caminho. Na verdade, uma bicicleta tem
tanto direito pelo código de trânsito de usar
a rua quanto a gente.”
M2: (...) “por que esse outro trás também
um valor financeiro também, né, a questão
das favelas, que trazem muitas coisas na
rede social mesmo, ''ah, se favela fosse um
local ruim as empresas, as Casas Bahia
não estaria dentro da favela, tava lá pra
fazer caridade, não tava lá pra vender. ''
Então, tudo isso faz com que algumas
camadas vistas como minoria, consigam se
afirmar e dizer ''não, não é assim, você não
pode me tratar assim''. E a facilidade
286

também de você processar, né, se bem que


processar não quer dizer que você vai
ganhar, mas pelo menos você tem o direito
antigamente nem pensaria nisso.”
M3: “Em relação ao que você falou sobre
o processo, é justamente isso que você
falou, as pessoas estão se sentindo
imponderadas para irem até a justiça, por
que a lei sempre esteve lá, nosso código
penal é de que ano, Helena? De 1916 se eu
não me engano, sempre teve a lei, o artigo
falando do crime de injúria, mas as pessoas
não tinham coragem, não se sentiam no
direito de protestarem, de se sentirem
injuriadas.”
J: “É por que esse pessoal de interior acha
isso, que uma pessoa mais alta, mais forte,
gorda, fosse uma pessoa que tipo, tivesse
mais poder, mais saudável. É isso, também
a pessoa magra, mais raquítica, eles
pensam como se fosse uma pessoa mais
pobre, desprovida, por que é magra
demais. Engraçado como vai mudando
também.”
S: “Pra quem está esse politicamente
correto né? Por que enquanto a gente
conversava eu pensei muitas coisas, pensei
as formas de controle, e, exatamente isso,
né, pode até ter se pensado como uma
intenção, né, isso aí.”
S: “Principalmente você estar aberto, né,
por mais que tenha um estranhamento, e a
gente sabe que a educação da gente, a
287

gente sabe que foi criada uma sociedade


patriarcal, nas hierarquias, um sistema
como esse, capitalista, individualista, e por
aí vai. Tem a questão da religião com um
peso muito grande, a religião enquanto
instituição, não estou falando da
espiritualidade, estou falando das
instituições religiosas, e aí...”
J: (...) “aí eu falei ''mãe, ele tá pedindo
dinheiro'', aí ela, ''tá não'', aí eu, ''tá, mãe'',
aí ela, ''eu não acredito, ele é bonito
demais''. Mas, o que impede ele tá pedindo
dinheiro só por que ele é bonito demais. Aí
ela disse, ''ele lá no Brasil já tava casado
com uma mulher bem rica e cheio de
dinheiro''.
M3: “Mas é engraçado, você falou da
cultura judaico-cristã, falando do
julgamento, mas eu tava lendo hoje, um
psicanalista colocou no facebook dizendo
que hoje em dia o capitalismo quer que a
gente ame a si mesmo, a si mesmo, mas o
verdadeiro desafio quem passou foi Jesus
Cristo, né, amar ao outro como a si mesmo,
ou seja, não julgar o outro, simples assim.”
J: “Então, não era preconceito, mas um
estranhamento. E aí eu me lembrei de você
estar na rua. Mas aí não é nem, não se
trata do que eu vou falar, se trata desse
sentimento. Você sentir isso em relação aos
homossexuais. Você às vezes tá na rua aí
você tá lá, tarde da noite com meu carro, aí
eu olho pra o sinal, tem um cara, negro,
288

parado, todo mundo tem medo, entendeu?


Você já deduz que ele é um assaltante, você
já deduz que ele vai roubar sua bolsa, vai
quebrar o vidro do seu carro, tá
entendendo? Então assim, essa coisa, todo
mundo se sente assim. Como eu tava
falando, minha mãe disse que o pobre não
podia ser loiro dos olhos claros, por quê?
Por que pra ser pobre ele tem que ser
negro. Então assim, existe isso, você
classifica.”
H: “Eu andava a pé na rua e tinha um
homem negro, mal vestido, foi instinto, ele
tava na calçada, eu saí da calçada e fui pra
rua, por que eu senti um estranhamento. E
ele me olhou e falou assim ''eu não sou
assaltante não sua vagabunda''. Não foi de
propósito, eu sei que a gente vive cercada
pela violência.”
J: “Você se sente mal, quando você tá
parado no sinal e vê uma pessoa negra, e
pra os nossos padrões, mal vestida, aí você
já vê o pessoal subindo o vidro na cara da
pessoa, aí você sente aquela coisa. A
pessoa tá chegando e você sobe o vidro, eu
fico me imaginando no lugar dela.”
M3: “Eu também senti isso por que eu me
perdi a noite, 21h30 da noite eu perdida no
centro da cidade, dirigindo meu carro,
parada no sinal, sozinha, voltando da
dança, então eu tava sem bolsa, sem nada,
e chegou um cara pra mim pedindo esmola,
e ele continuou fazendo assim ''gesto'', e eu
289

já desesperada por que não sabia o que


fazer, eu abri o vidro e disse ''cara é por
que eu tô voltando da ginástica e eu
realmente não tenho dinheiro'' aí ele falou
pra mim ''olha, o que você fez foi muito
importante, você me deu atenção'', e eu
fiquei assim séria. E todo mundo m dizendo
que eu era louca por fazer isso, e eu
também morrendo de medo, não tinha
bolsa, não tinha nada.”
M1: “Tem uma oficina perto da minha
casa. Eu não passo na calçada; passo pela
rua, no meio.”
J: “Então assim, se você tá no sinal
sozinha, é mulher, você vai ter medo,
qualquer pessoa. Hoje em dia passa uma
moto do seu lado e você tem medo. E aí tem
essa coisa da pessoa ser negra.
Antigamente tinha mais assim ''ah, tá bem
vestido, deve tá saindo do trabalho'', hoje
em dia não tem mais, hoje em dia, pode ser
o cara mais bem vestido, mochila, cara de
quem tá saindo do trabalho dele, pode tá
num carrão. Um dia desses minha tia foi
assaltada na porta da casa dela numa
Hilux, dois caras num Hilux, eles pararam,
minha tia tava na calçada, eles desceram
do carro, puxaram a blusa e foram. Aí você
pensa né, eles tão numa Hilux, ele deve ser
aqueles daqui que compram Hilux, aí saiu
na Hilux dele aí parou em frente a ela, eu
achando que ele ia descer, não, ele puxou a
bolsa dela e foi embora. Quem que vai
290

achar que um cara num carro importado


vai lhe assaltar? Por que antes era numa
bicicleta, um cara a pé que saia correndo,
todo mundo saia correndo atrás dele.”
B: “Os meus amigos foram assaltados
semana passada, eles foram comer numa
lanchonete, só que os caras tavam comendo
com eles, na mesa ao lado deles, quando
eles acabaram de comer, assaltaram todo
mundo e ainda bateram na cara dos meus
amigos.”
M3: “Quase que eu morro de rir com uma
história de um advogado, ele foi soltar o
cara da cadeia, tava trazendo o cara e
comentou que tava com outro cliente que
tava com cinco mil reais de fazer um
depósito no judicial, o cara não contou
pipoca, tava sendo solto, não assaltou o
advogado dele e foi embora?”
J: “É muito do meu pensamento do
politicamente correto isso aí. Você dá uma
esmola essa época, você dá dinheiro pra
alguém essa época ''ah, eu vou dar comida,
então uma vez eu tava voltando de uma
festa no ''dragão'' aí eu e meus amigos
compramos um lanche, e demos pra uma
mulher que tava lá pedindo, a gente não foi
nem embora ela tava lá vendedo o lanche
dela. A gente deu o lanche pra ela aí ela
rodou e todas as mesas até chegar na nossa
de novo aí ela perguntou ''ei, vocês querem
comprar?'' aí a gente ''não, foi a gente que
te deu''.”
291

B: “Tu falou isso, aí eu lembrei quando eu


fui no Rio, por que assim, aqui, eu acho que
a gente é muito acostumado a dividir. E eu
fui no Rio e assim que eu cheguei lá, foi um
azar enorme, eu fui andar na praia, aí tinha
uma menina pedindo água, e eu tava com
uma garrafa d'água sendo que eu queria
também água, aí o meu amigo disse, a
gente te dá um pouco da água, ela ficou
com raiva, achou super ofensivo. Ela achou
que a gente tava ''frescando'' com a cara
dela por que ela queria a água toda. Ela
achou ofensivo a gente dizer ''não, te dou
só um pouquinho''.”
J: “Esse negócio do politicamente correto
não acontece mais comigo por que eu tava
no Rio também, com uma amiga, e a gente
lá almoçou e sobrou muito, tipo, um prato.
Aí eu mandei embalar e quando a gente
tava voltando eu falei ''não vou dar pra
alguém na rua'', aí tinha uma senhora,
depois eu fiquei pensando, será que ela era
moradora de rua? Por que ela tava toda
agasalhada, sentada num banco, com
aqueles carrinhos, né, edredom, cobertor,
aí eu ofereci a comida pra ela ''a senhora
quer? Ninguém mexeu, a gente almoçou
agora'', aí ela virou pra mim e disse ''não,
obrigada, eu tô de dieta'', aí eu ''ah tá,
desculpa''. Aí a Adrew disse ''vai de novo,
se eu fosse tu eu jogava no lixo'', aí eu disse
''não, eu não vou jogar no lixo, eu vou
encontrar alguém que queira essa
292

comida''.”
J: “Aí eu e minha vó, a gente tava lá na fila
preferencial pra idosos, aí uma mulher
disse assim ''eu não sei por que eles têm fila
preferencial, por que eles não fazem mais
nada, eles estão aposentados, eles têm todo
o tempo do mundo pra ficar na fila
esperando, mas eu não tenho, eu tenho
hora, preciso pagar minhas coisas logo e
voltar pra o trabalho e eles podem ficar
aqui o dia todo'', aí eu disse assim, ''não é
desse jeito, eles não podem ficar muito
tempo em pé, às vezes a pessoa não pode
ficar mais por que é mais velho'', às vezes
não são nem eles, são os filhos
preguiçosos.”
M3: “E o que dá ódio nessas coisas, eu
tenho ódio de fila preferencial, é por que,
algumas coisas são relativas, tá certo, num
banco tudo bem, é compreensível, não pode
ficar muito tempo em pé, você tem que ir ao
banco. Mas você tá, sei lá, numa loja de
roupas, eu fico pensando ''você não vai
comprar a última roupa da estação por que
você precisa, você vai por que foi uma
coisa que você escolheu fazer'', então por
que uma pessoa tão fútil quanto eu, vai ter
que passar na minha frente?”
S: (...) “Meu marido, eu pareço ser mais
velha do que ele, então, às vezes ele pensa
que vão achar que ele está mentindo, mas
ele vai e tá utilizando todos esses direitos
que estão postos pra ele, acho que ele tem
293

sessenta anos e ele tá utilizando esses


direito, a vaga do idoso, ele até fala ''eu
tenho certeza que quem colocou aqui do
meu lado não é idoso'' mas ele coloca o
papelzinho dele lá.”
M3: “Só um minuto, eu como advogada me
aproveito do estatuto do idoso o tempo
inteiro pra passar as petições na frente.”
S: “Principalmente numa sociedade como
a nossa, que é altamente desigual, então eu
que trabalho com a população pobre, uma
população de periferia mesmo, pobre
mesmo, abaixo da linha de pobreza, não sei
mais nem se é pobreza, miséria, então
assim, é muito importante pra eles isso,
sabe, essas mínimas conquistas,
principalmente quando eles conseguem se
apoderar disso, quando eles conseguem ter
essa autonomia. Isso é importante, é muito
bacana, por que você vê assim, certas
mudanças que na vida da pessoa faz
diferença, uma coisinha pequena.”
Jr: “É, mas aconteceu de eu estar fazendo,
no meio da operação bancária, e chegar
uma pessoa do lado, idosa do lado, e
querer que ele interrompesse por que ela
chegou. Então, ela chegou e ela tem o
direito de furar a fila, então ela queria ser
atendida imediatamente. Aí o caixa
explicou educadamente pra ela que ele tava
no meio de uma operação, mas ela não
aceitou a explicação, ficou ofendidíssima,
ficou gritando lá ofendendo a mim e ao
294

caixa por que tinha que parar. O que vocês


acham desse acontecimento?”
M3: “Eu fui dobrar só que vinha uma
bicicleta na contramão, e a bicicleta da
contramão não parou, então eu parei o
carro eu tava dobrando, então, o pessoa
que vinha na mãe certa na hora que eu
parei pra não atropelar o coleguinha deles
começou a bater no meu carro, eu fiquei
olhando assim, gente, eu não posso passar
por cima do outro e o outro veio errado,
então se eu estou errando é por que o outro
tava errado. Mas eles não entendem, eles
acham um absurdo você dobrar na ciclo
faixa, aí eles querem que eu faça o que?
Pule por cima da faixa?”
Jr: (...) “tem agora a faixa de ônibus, e
você não pode transitar na faixa de ônibus,
só quando tá perto de dobrar. Mas como é
que você vai calcular milimetricamente
isso? E o caos no trânsito? Às vezes você
fica preso, você não pode você passa, mas
não chega logo lá por que fica prese.
Enfim, todo mundo tá sendo multado, tá
vindo multa pra todo mundo por que tá na
faixa de ônibus e a pessoa acha que dobrou
no momento certo.
M3: “Isso já aconteceu comigo, eu me
perdi, não é aqui que eu tenho que entrar,
eu entrei errado e quem disse que eu
conseguia voltar pra faixa normal? Se o
povo deixa você entrar de volta?”
M3: “É por que a gente tem que partir do
295

pressuposto que o ser humano é egoísta, a


gente pensa primeiro na gente. Então, se a
gente não tiver uma coisa que vai fazer, vai
acabar a vaga especial, quem não anda
precisa de uma vaga especial, por que ela
não tem uma capacidade de atravessar um
estacionamento como a gente tem. Então,
se você mata isso, como é que a gente vai
lidar com essas coisas? Elas deixariam de
ser necessidade e virariam privilégio? Isso
também não geraria uma revolta? Eu acho
que tem que ter.”
S: “Eu tava no meu ''fiatzinho'' lá bati, aí a
menina desce do carro, aí eu desce jeito,
vindo do trabalho desse jeito, aí ela me
olhou assim ''tem seguro não, né'' aí eu
disse ''tem, Banco do Brasil'', aí ela já foi
me olhando melhorzinho, mas foi tão
engraçado ela ''tem seguro não, né'', aí eu
''tem sim''. Aí depois, né, você vai e as
coisas vão mudando, né.”
M1: “Aí um dia comentaram que as
livrarias estavam fazendo uma promoção
da coleção dos livros do Freud da ‘Imago’
por que iam lançar a companhia das letras
e que tava bem mais barato, aí eu disse
''agora é minha chance'', aí, cheguei na
livraria, depois que eu saí da faculdade, aí
eu cheguei lá na livraria perguntando sobre
a coleção do Freud, só que eu tinha em
mente o nome do livro, um volume
específico que eu queria comprar, aí o
vendedor olhou pra mim, com aquele olhar
296

desprezível e falou ''pra quê se você não vai


ter condições de levar”.”
CULPA S: (...) “não sei se tem a ver com a nossa
herança judaico-cristã, a gente tem muito
A culpa, para a Psicanálise, é essa
essa coisa de julgar, de cair muitas vezes
consciência dolorosa de se estar em falta,
em juízo de valor, sabe, e aí a questão de
consecutiva ou não a um ato julgado
educação, né. Tem coisa em mim, vou falar
repreensível, podendo ser postulada também de
em mim, tem coisas em mim que eu quero
forma inconsciente, nesse caso, para dar conta
não sentir, mas eu sinto.”
de diversas condutas obsessivas, delinquentes
M3: “Pois é, eu acho fenomenal isso, por
ou de fracasso, assim como de certas
que deveria ser o cerne da nossa cultura
resistências a se curar ou a abrir mão do gozo
judaico-cristã, não judaico, né, por que o
de seu sintoma. Na reflexão freudiana sobre
judaísmo não tem isso, o judaísmo é mesmo
esse tema, é a culpabilização do gozo que
aquela questão da culpa, do castigo.”
aparece como resultado da ação do supereu.
M3: “Nós temos os dois, né, por que a
Desde Totem e Tabu, Freud
gente é católico. Mas engraçado, eu falei
([1912/13]/1980e) confere ao sentimento de
isso por que eu, como ateia, reconheço o
culpa uma parcela significativa na constituição
brilhantismo disso desde sempre. Do que
das sociedades humanas alicerçadas no
deveria ser a fundação do cristianismo que
patriarcalismo. Na autoridade paterna se
é o amor incondicional ao outro.”
centraliza o poder de governar as vidas e de
M2: “Por que a pessoa tem até vergonha
representar a linguagem ou transmitir as leis de
de fazer um processo seletivo, de se
sua cultura, perpassar conceitos morais e
inscrever num concurso, que tem total
valores éticos, mas, para Barthes (2007), o
capacidade, mas que ''vixe eu vou ser a
discurso de arrogância do poder engendra o
pessoa que vai ocupar a vaga de pessoa
erro e, por conseguinte, a culpabilidade
com necessidade especial'', então a pessoa
daquele que o recebe. Para Nasio (1991,
não quer, é super complicado. Tem que
p.135), “a culpa é uma doença imaginária do
conversar com a pessoa, fazer com que ela
eu que reclama o remédio imaginário da
se sinta a vontade com aquele ambiente,
autopunição infligida pelo supereu”. Hoje, no
sem dar privilégios por que a pessoa
entanto, na sociedade ocidental pós-moderna, o
também não vai querer.”
mal-estar causado pela culpa não é mais tão
J: “Eu me senti muito mal com esse
visível nos atos simbólicos, evidenciando-se,
negócio de pobre. Eu fiquei doente e eu
297

principalmente, nos registros do corpo, da ação precisei fazer fisioterapia pulmonar, aí,
e do sentimento. Essa transformação histórica é nessa fisioterapia pulmonar, você tem um
fundada a partir de operadores políticos, negócio chamado 'respirometro' é um
sociais e simbólicos, que vieram subverter o negocinho que você solta, e sobem as
campo dos saberes e dos valores, resultando bolinhas. E aí eu tinha que fazer isso três
em uma problemática ética que se impõe na vezes ao dia, e a minha mãe chamou uma
leitura do mal-estar e das subjetividades moça só pra ficar lá em casa enquanto eu
contemporâneas. estava doente, eu precisava de
acompanhante e pra o que eu precisasse eu
pedia a ela, tipo, bem burguesa, vai lá e faz
isso pra mim. Ela ficou lá, né, dama de
companhia, segundo a minha mãe. Aí eu
peguei e falei ''Priscila, pega lá aquela
caixa que tá lá na sala por que eu preciso
fazer um negócio'', aí eu ia fazer o
respirometro, que era o exercício do meu
pulmão aí ela ficou olhando, aí ela ''pra
que é isso'', aí eu peguei e expliquei, aí ela
''ah, coisa de gente rica mesmo, pobre
nunca ia fazer um negócio desses''. Eu
fiquei me sentindo tão mal, que eu até parei
de fazer, depois disso ela até saiu, aí eu,
poxa, pra mim é tão normal fazer isso, o
médico recomendou, mas atingiu ela de
uma maneira que ela disse assim ''ah, coisa
de gente rica, por que gente pobre nunca
vai fazer um negócio desses, gente rica
inventa cada coisa''. Sério, eu me senti
muito mal.”
Jr: “Você se sentiu culpada.”
J: “Eu me senti.”
J: “Eu fiquei assim. Depois, na presença
dela, eu fiquei constrangida, eu passei a
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ficar muito tolhida se ela tivesse. Por uma


besteira, podia ter me chamado de
qualquer outra coisa que talvez eu não
tivesse ficado tão chateada como isso que
ela falou. Como se fosse culpa minha eu ter
acesso a isso e ela não ter.”
Jr: “Vocês se sentem culpados assim?”
B: “Sim.”
Jr: “Quando vocês acham que ofendem,
quando vocês não acham que são
politicamente corretos?”
J: “Uhum.”
S: “Me sinto vaga, altamente, não sei se
culpada, uma dor muito grande pelas
pessoas que são pobres financeiramente,
socialmente, culturalmente. Por que a
gente vê as pessoas na rua, né, por que aí
você vê gente rasgando dinheiro, enquanto
outros... Então assim...”
M3: “Mas sabe, não é esse tipo de coisa
que faz eu me sentir mais culpada, por que
assim uma coisa a mais eu acho besteira. O
que faz eu me sentir mais culpada é o
básico, é ver que você tem um plano de
saúde melhor do que o pessoal do meu
trabalho, é ver como eu tenho como fazer
coisas que as pessoas não fazem, não é o
excesso, é o básico, primordial que todo
mundo deveria ter acesso que faz eu me
sentir mais mal.”
M3: “Mas você falando isso aí agora, eu
tinha dito que não me sentia tão culpada
quanto a esse problema, mas eu me sinto.
299

Agora eu fiquei pensando, eu vivo melhor


do que a maioria das minhas amigas,
então, algumas coisas que eu sei que são
reconhecidamente de grife, que são muito
caras, eu não tenho coragem de usar,
principalmente quando eu vou sair com
elas, por que eu me sinto mal. Eu sinto
como se eu tivesse demonstrando que eu
sou uma pessoa ruim, que eu tenho a vida
fácil, que eu sou privilegiada, eu tenho tudo
isso, eu tenho consciência, eu tive sorte
com tudo na vida, mas, eu sei que se eu
soubesse, que se eu chegasse para as
minhas amigas e dissesse ''eu tenho bolsa X
em casa, mas eu não vou usar por que eu
vou sair com você'', elas iam ficar
extremamente ofendidas comigo, mas eu
não consigo.”
J: “Pode, mas prefere ir em outro lugar,
por que aquelas pessoas ostentando fazem
mal a ela, aquele ambiente de ostentação,
de carro importado, de gente falando de
dinheiro, falando de viagem, faz mal.”
300

Anexo 3 – PARECER CONSUBSTANCIADO DO CEP


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302
303
304
305

Anexo 4 – CARTA DE ANUÊNCIA


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Anexo 5 – TALP – TESTE DE ASSOCIAÇÃO LIVRE DE PALAVRAS


307

Anexo 6 – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO


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