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WINNICOTT E O DESENVOLVIMENTO DO SER

VISÃO DE CONJUNTO

Leopoldo Fulgencio

Professor Associado (Livre Docente) do Departamento de Psicologia da


Aprendizagem, do Desenvolvimento e da Personalidade
do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo.

Email: lfulgencio@usp.br

Transcrição da conferência
A intervenção de hoje, no quadro a minha disciplina na pós-graduação,
denominada “Psicanálise e Desenvolvimento”, tem como interesse e foco, a
apresentação da teoria do desenvolvimento emocional de Winnicott.
Em primeiro lugar, como uma teoria do desenvolvimento; o que, por si só, não
é óbvio, dado que, existem teorias psicológicas (ou filosóficas) que são teorias do
desenvolvimento e outras que não são teorias do desenvolvimento.
A diferença entre uma coisa e outra é que uma teoria do desenvolvimento
pensa todos os aspectos da natureza humana ou do ser humano em termos da sua
construção sistêmica gradual cronológica (em fases), do nascimento à morte. E, nem
todas as teorias psicológicas - psicanalíticas ou não - têm propostas teóricas sistêmicas
que fazem isto. Algumas teorias se dedicam à percepção, à memória, à inteligência e
outros pontos ou dinâmicas específicos da vida psíquica e emocional).
E, mesmo dentro da psicanálise, nós temos teorias psicanalíticas que se
dedicam a aspectos gerais do funcionamento do ser humano,tais como Klein e Lacan,
por exemplo, mas que não apresentam o desenvolvimento em termos de fases
cronológica e sistematicamente estabelecidas, que se sucedem e se sobrepõem umas às
outras de forma complexa, agregando conquistas e dinâmicas pessoais e relacionais.
Tenho me dedicado, nos últimos anos, ao estudo das teorias psicanalíticas do
desenvolvimento. E dentre as teorias psicanalíticas do desenvolvimento - cujos autores
de referência são: Freud, que fez um primeiro esboço disso (com sua teoria da
sexualidade); Anna Freud, que consolida essa perspectiva freudiana como uma efetiva
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teoria do desenvolvimento, estabelecida com fases e linhas do desenvolvimento,com
processos, tarefas, conquistas ao longo do tempo, além de outros autores, tais como
René Spitz (especialmente no que se refere ao primeiro ano de vida); e, em seguida,
quatro autores que têm teorias psicanalíticas do desenvolvimento claramente
estabelecidas, o primeiro deles é Erik Erikson, que sai da psicanálise e acrescenta outros
determinantes (sociais), numa outra linguagem, mais humanística, com a sua Teoria das
Oito Idades do Homem; depois, temos Margareth Mahler, com a sua Teoria da
Individuação-Separação, apontando para o processo inicial de simbiose entre a mãe e o
bebê, com a realização de um processo de diferenciação e construção do eu; temos,
também John Bolwby, que tem uma teoria do desenvolvimento que, ainda que não seja
tão clara (em termos das suas frases) estabelece um processo de constituição do
indivíduo em termos sistêmicos, com a sua Teoria do Apego; temos Winnicott, com sua
teoria do desenvolvimento emocional (da dependência ou do ser) que é o que quero
apresentar para vocês, de uma maneira mais sintética, para que vocês possam ter uma
visão geral.
Um outro ponto que diz respeito à caracterização do que é a teoria do
desenvolvimento do ponto de vista de Winnicott diz respeito à compreensão de
Winnicott (sobre o desenvolvimento emocional do ser humano)como aquele autor que,
tendo se mantido dentro da psicanálise, tendo se mantido psicanalista,agregou, somou,
reformulou, redescreveu a teoria psicanalítica com elementos que têm semelhança e/ou
proximidade com termos e noções da fenomenologia e do existencialismo moderno.
Ao final desta conferência, vocês terão um conjunto de referências (de textos
já publicados) defendendo esta afirmação.
Minha hipótese central é a de que a teoria psicanalítica, com Winnicott, é a
realização, no campo da ciência, da psicologia esperada, desejada, pelos
fenomenólogos, pelos existencialistas modernos e pela analítica existencial de
Heidegger. Ela é a realização, no campo da ciência, daquilo que seria uma proposta
filosófica, epistemológica e metodológica, para a construção de uma psicologia
científica que respeitasse a especificidade da natureza humana.
Nesse sentido dentre as grandes inserções que Winnicott fez, estruturais,
dentro da teoria psicanalítica, temos a consideração de que a natureza humana
corresponde a algo que é determinado, [a natureza humana como] ou aquilo que têm,
essencialmente, como problema, a necessidade de SER NO MUNDO.

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Winnicott (como bem notou Roussillon) introduziu a noção de ser na
psicanálise (produzindo uma ruptura epistemológica na psicanálise). O que impulsiona e
caracteriza a natureza humana é a necessidade de ser e continuar sendo.
Este é o grande elemento ontológico que vou retomar nesta conferência,
associando-o com outros elementos que advém da psicanálise (clássica), da
fenomenologia e do existencialismo moderno na sua perspectiva clínica
O que é o existencialismo moderno, não no campo da filosofia, mas na sua
perspectiva clínica? São aquelas perspectivas, no campo da ciência, que se apoiaram em
certos fundamentos filosóficos e epistemológicos do existencialismo moderno. Vou
nomear: a psiquiatria fenomenológica, a psicologia existencialista e a Daseinanalise.
Tudo isto, en passant, muito rápido, com base em textos já publicados, que
fazem parte das referências bibliográficas que vou apresentar a vocês, e isto, então, dá
enquadre da teoria do desenvolvimento que estou apresentando a vocês e também
explica porque estou afirmando que Winnicott tem uma teoria do desenvolvimento do
ser.
Não é uma teoria do desenvolvimento do “aparelho psíquico”, não é uma
teoria do desenvolvimento das relações de objeto, é uma teoria do desenvolvimento do
SER, porque Winnicott coloca a noção de SER na base ontológica do seu pensamento
É isto que pretendo apresentar.
Esta conferência, hoje apresentada aqui onde temos a possibilidade de
gravação e transmissão, faz parte de um projeto no qual estou chamando alguns colegas,
filósofos e psicanalistas, para comentarem esta interpretação da obra de Winnicott. Daí,
uma apresentação mais formal desta minha perspectiva.
O título da minha conferência é este (“Winnicott e o desenvolvimento do SER.
Visão de conjunto”); e eu quero, então, fornecer uma visão de conjunto desta
perspectiva. Para ser bem objetivo, vou ler a minha conferência, visando ser mais
preciso e direto, assim vocês podem acompanhar melhor o que tenho a dizer, alguns
slides serão projetados, (que figuram e descrevem o processo de desenvolvimento),
acompanhados de algumas referências e citações, para que vocês possam ter essa visão
geral.
A proposta geral é a seguinte:
Nessa conferência proponho fazer uma apresentação esquemática da teoria
do desenvolvimento emocional do ser humano, tal como Winnicott a
descreveu – com base nas descobertas empíricas feitas pela psicanálise e na

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sua própria experiência como pediatra e psicanalista que tratou de bebês,
crianças, seus pais, bem como de adultos, neuróticos, psicóticos e
borderlines – oferecendo uma visão de conjunto em algumas poucas
pranchas que buscam apresentar a estrutura de seu pensamento e a
descrição dos principais fenômenos que caracterizam cada fase. Winnicott
apresentou uma descrição do processo de desenvolvimento emocional do
ser humano, tendo a questão de ser e continuar a ser como fundamento
ontológico e ôntico. Ele apresentou uma teoria do desenvolvimento
composta por fases, cronológica e dinamicamente estabelecidas, que
explicitam as diversas integrações, os diversos modos de ser e estar
no mundo, seja na saúde seja nos casos em que psicopatologias são geradas.
Winnicott apresentou uma descrição do processo de desenvolvimento
emocional do ser humano, tendo a questão de ser e continuar a ser como
fundamento ontológico e ôntico. Ele apresentou uma teoria do
desenvolvimento composta por fases, cronológica e dinamicamente
estabelecidas, que explicitam as diversas integrações, os diversos modos de
ser e estar no mundo, seja na saúde seja nos casos em que psicopatologias
são geradas.

Winnicott apresentou uma descrição do processo de desenvolvimento


emocional do ser humano, tendo a questão de ser e continuar a ser como fundamento
ontológico e ôntico [do seu pensamento] (ontológico se refere à lógica do ser, e ôntico
aos fenômenos propriamente ditos). Ele apresentou uma teoria desenvolvimento
composta por fases, cronológica e dinamicamente estabelecidas,que explicitam as
diversas integrações, os diversos modos de ser e estar no mundo, seja na saúde seja nos
casos em que psicopatologias são geradas. Ele mesmo se caracteriza como um pensador
desenvolvimentista: “Vocês já devem ter percebido que, por natureza, treinamento e
prática, sou uma pessoa que pensa de modo desenvolvimental” ("Sum, Eu sou", 1984h).
Sendo reconhecido como tal, inclusive por outros psicanalistas, tais como, por
exemplo, André Green, quando afirma: “Winnicott foi para mim o autor com uma
concepção do desenvolvimento que ultrapassa as de Freud e de Klein, acreditável e
suficientemente imaginativa para se fazer aceitar”. (Green, 2010, “Lacan et Winnicott :
la bifurcation de la psychanalyse contemporaine”, p. 69).
Fiz questão de apresentar Winnicott, se reconhecendo como
desenvolvimentista e, também, outro psicanalista, André Green (psicanalista de primeira

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ordem) também dando o mesmo reconhecimento. Na continuidade de sua caracterização
como um desenvolvimentista, Winnicott explicita sua perspectiva de desenvolvimento,
cito Winnicott:

Quando vejo um menino ou uma menina numa carteira escolar, somando ou


subtraindo, e lutando com a tabuada de multiplicação, vejo uma pessoa que já
tem uma longa história em termos de processo desenvolvimental, e sei que pode
haver deficiências, distorções no desenvolvimento ou distorções organizadas
para lidar com deficiências que têm de ser aceitas, ou que deve haver uma certa
precariedade no que tange ao desenvolvimento que parece ter sido conseguido.
Vejo o desenvolvimento como indo em direção à independência e a significados
sempre novos para o conceito de totalidade, que pode ou não se tornar um fato
no future daquela criança, caso ela esteja e continue viva. Também tenho plena
consciência do quanto se depende do meio ambiente, e do modo como esse
meio, inicialmente importantíssimo, continua a ter significado e vai ter
significado, mesmo quando o indivíduo atinge a independência, por meio de
uma identificação com características ambientais, como quando uma criança
cresce, se casa e cria uma nova geração de filhos, ou começa a participar da
vida social e da manutenção da estrutura social. (Winnicott, 1984h [1968]:
“Sum: Eu Sou”, pp. 42-43; CW 8, 268).

Vejam aqui, que ele já apresenta o que seria o desenvolvimento, para onde
vamos, o que é a inserção do homem no mundo, e o que é uma inserção saudável do
homem no mundo.
Esse desenvolvimento emocional (diferentemente do que fizera Freud,
descrevendo e classificando o desenvolvimento em termos de modos de relações de
objeto, impulsionados pelas pulsões) foi redescrito, por Winnicott, em função da
questão da questão da dependência que o ser humano tem em relação ao ambiente e ao
outro. Diz Winnicott: “Possuímos a única formulação realmente útil, que existe, da
maneira pela qual o ser humano psicologicamente se desenvolve de um ser
completamente dependente e imaturo para um estado maduro relativamente
independente” (Winnicott, 1989vk [1965], “A Psicologia da Loucura: Uma
Contribuição da Psicanálise”, p. 94; CW 7, 229).

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Então, nesse sentido, nós poderíamos caracterizar a essa teoria de Winnicott,
como uma teoria do desenvolvimento das relações de dependência. Essa é uma outra
maneira, mais descritiva, de falar, de focar e mesmo de classificar as fases do
desenvolvimento. Nós vamos ver que ele vai classificar as fases de desenvolvimento em
função dos
modos de relação de dependência ou independência que o indivíduo tem [em relação ao
mundo].
Há certos problemas para a compreensão da teoria winnicottiana do
desenvolvimento, certos problemas que eu quero ressaltar com vocês.
Um dos problemas é que Winnicott não fez uma obra sistemática e
organizada; a maior parte de suas publicações foram veiculadas como agrupamentos de
textos. Seus livros, na maior parte, são coletâneas de artigos com poucas exceções,
dentre elas, por exemplo, Natureza Humana, que é uma obra que tenta apresentar esse
desenvolvimento. Mas, é uma obra publicada, postumamente.
Ele não apresenta, assim, uma sistematização facilmente reconhecível da sua
teoria. Tanto que, durante longo tempo, Winnicott foi considerado excelente clínico,
mas um teórico péssimo.
Esses são alguns elementos que quero destacar para vocês.
Então, um dos problemas na compreensão de sua teoria é o fato que esta não
foi sistematicamente analisada e apresentada por Winnicott num único lugar, mas
encontra-se dispersa em diversos de seus textos; ainda que no seu livro Natureza
Humana, tenhamos uma apresentação geral do processo.
O segundo problema se refere ao fato de que ele não tem uma linguagem
homogênea. Por linguagem homogênea, quero dizer que ele ora fala as coisas de um
jeito, ora ele fala de outro.
Inclusive, alguns autores identificaram isso
como marca da sua grande criatividade. E não é qualquer um que disse isto, mas, Adam
Philips (1988), que é o psicanalista a fazer, pela primeira vez, uma sistematização da
obra Winnicott.
A crítica a Winnicott, é que ele não seria homogêneo na sua linguagem. Às
vezes, os mesmos termos querem dizer coisas diferentes, às vezes, ele fala
diferentemente das mesmas coisas. Ele usa linguagens diferentes para falar (descrever)
cada uma das fases do desenvolvimento, como uma necessidade epistemológica e
metodológica. Diz Winnicott: “A linguagem de uma parte específica é inadequada para
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as outras” (Winnicott, 1988, Natureza Humana, “Introdução”, Parte II, p. 52; CW 10,
60. Considerando, por exemplo, que seria inadequado descrever as fases iniciais do
desenvolvimento em termos de relações edípicas,
Winnicott percebe que falar do bebê, em termos de édipo, é um erro porque o
bebê não teria possibilidade (maturidade) de reconhecimento da situação
edípica(diferenciando 3 corpos).
Um terceiro problema, para a compreensão da obra de Winnicott, se refere ao
lugar que ele deu à sexualidade e à vida instintual A sexualidade não estaria, então,
presente desde o início do desenvolvimento, mas como um modo específico, mais
maduro, de viver a vida instintual nas relações interpessoais: uma conquista do processo
de desenvolvimento.
Isto pode ser evidenciado, por exemplo, em algumas de seus comentários, tais
como: “Muitos erros de interpretação se originaram da lentidão de alguns em entender
que as necessidades de um lactente não estão confinadas às tensões instintivas, não
importa quão importantes possam ser” (1965r, “Da Dependência à Independência no
Desenvolvimento do Indivíduo”, p. 82; ING, “From dependence towards independence
in the development of the individual”, p. 86)
Ou ainda: “[...] é necessário enxergar através do ‘mito psicanalítico’ (agora
felizmente desaparecendo) de que o período inicial da infância é uma questão de
satisfações relativas à erotogeneidade oral”. (Winnicott 1968a, “A Etiologia da
Esquizofrenia Infantil em Termos do Fracasso Adaptativo”, pp. 195-196).
Quando ele faz isso, ele está deslocando o lugar da instintualidade
reavaliando-a naqueles fenômenos iniciais. Não que ela não exista; mas ela não tem a
mesma primazia, o mesmo valor, o mesmo lugar que foi dado por Freud e outros
psicanalistas. Por exemplo, diz Winnicott: “Em contraste, o elemento feminino puro
relaciona-se com o seio (ou com a mãe) no sentido de que o bebê torna-se o seio (ou a
mãe), no sentido de que o objeto é o sujeito. Não consigo ver impulso instintivo nisso”.
(1971g, “A Criatividade e suas Origens”, p. 113).
Essas citações servem para mostrar que deslocou, redescreveu, refez o lugar
da sexualidade, da instintualidade, na teoria psicanalítica, e colocou problemas para
além da instintualidade, para além das pulsões, (ainda que as pulsões também forneçam
problemas ao ser humano).
Mas, para ele, existem uma série de outros fenômenos e problemas que não
dizem respeito à administração da vida instintual.
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Este terceiro problema, ainda nessa direção (referido à vida instintual),
associado a isto, diz respeito ao lugar do Complexo de Édipo.

Então, nessa mesma direção e mudando o lugar dado à sexualidade no


processo de desenvolvimento,temos a compreensão do Complexo de Édipo como um
acontecimento que exige a integração do indivíduo em termos de ser uma pessoa inteira,
que pode reconhecer os outros como pessoas inteiras. Sem isto, ele diz, não vejo
nenhum interesse em considerar o "Complexo de Édipo". Cito Winnicott:

Acredito que alguma coisa se perde quando o termo “Complexo de Édipo” é


aplicado às etapas anteriores, em que só estão envolvidas duas pessoas, e a
terceira pessoa ou o objeto parcial está internalizado, é um fenômeno da
realidade interna. Não posso ver nenhum valor na utilização do termo
“complexo de Édipo” quando um ou mais de um dos três que formam o
triângulo é um objeto parcial. No Complexo de Édipo, ao menos do meu ponto
de vista, cada um dos componentes do triângulo é uma pessoa total, não apenas
para o observador, mas especialmente para a própria criança. (1988, Natureza
Humana, p. 67)

Esse é um elemento importante porque o édipo deixa de ser o elemento


central, ainda que ele continue a ter importância no desenvolvimento do indivíduo, e
uma importância de organização do indivíduo.
Em outro momento, onde ele também se refere a isso, quando diz: “[é
necessário] abandonar inteiramente a ideia de que a esquizofrenia e a paranóia surgem
por regressão do complexo de Édipo” (1989xa, “O Uso do Objeto no Contexto de
Moisés e o Monoteísmo”, p. 191).
Esta é uma mudança clínica profunda e radical porque a clínica com
paranóicos e esquizofrênicos não estaria mais centrada no Édipo [na castração], nem na
instintualidade; são outros conjuntos de fenômenos, outros problemas.
Portanto, há uma necessidade de uma intervenção clínica de uma maneira que
não diz respeito apenas à vida instintual; ou pelo menos não diz respeito [a vida
instintual] de uma maneira unívoca.
Muito bem! Foi, então, depois de alguns anos trabalhando com [o estudo e
ensino de Winnicott] que eu cheguei a esta possibilidade de fazer uma apresentação

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geral da sua perspectiva desenvolvimentista, evidentemente apoiado em trabalhos de
outros colegas e comentadores que também se propuseram a esse tipo de estudo, tais
como Adam Philips, Elsa Oliveira Dias, Margareth Spelman, Jan Abram etc.

Há uma série de autores que vem tentando sistematizar, por assim dizer, a obra
de Winnicott; e eu me insiro nessa linha, ainda que haja diferenças entre a minha
proposta a desses autores.
Então, é nesse sentido que, depois de anos me dedicando ao estudo e ensino de
sua obra, achei necessário fazer uma apresentação geral do processo de
desenvolvimento emocional, oferecendo uma visão de conjunto que fosse, tanto uma
apresentação escolar, que pudesse ajudar ao estudante, quanto uma apresentação que
pudesse servir ao pesquisador, fornecendo uma apreensão geral das suas propostas e
descrições.
Devido à complexidade do seu pensamento e ao número de detalhes
envolvidos – é muito difícil enxergar tudo [todo o processo] e ter tudo na mente [ao
mesmo tempo].
Então, esse tipo de proposta, é uma maneira de figurar esse processo e
fornecer ao leitor uma organização; de uma maneira que ele poderá apreender, criticar,
usar, estudar, rejeitar ou aprofundar.
Para isso, foi necessário explicitar o que seria seu ponto de partida, a sua
ontologia; e também o telos, o horizonte desse desenvolvimento, oferecendo, por um
lado, uma ontologia (referida à questão da experiência de ser). E, por outro, uma noção
de saúde, pensando no que se supõe está ocorrendo no desenvolvimento saudável, o
telos desse desenvolvimento.
Em primeiro lugar, então, cabe colocar em evidência, o modo como Winnicott
se refere à experiência de ser, como fundamento da própria Natureza Humana. Colocar
Winnicott dizendo o que ele entende com a noção de ser.
Há, aqui, uma observação importante: para Winnicott não importa o conceito
de ser na filosofia, o que importa a ele é a experiência de ser, a experiência que os seres
humanos têm em ser e continuar a ser. O que facilita um pouco a nossa vida porque nós
não precisamos passar 20, 30 anos, estudando Heidegger, Merleau-Ponty, Aristóteles,
para poder trabalhar [ou usar] com o ser [a noção de ser]. Nós não trabalhamos com [a
noção de] ser desta maneira. Nós trabalhamos com a experiência de ser
Muito bem, Winnicott, então, em Natureza Humana, diz o seguinte:
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Gostaria de postular um estado de ser que é um fato no bebê normal, antes do
nascimento e logo depois. Esse estado de ser pertence ao bebê, e não ao
observador. A continuidade do ser significa saúde. Se tomarmos como analogia
uma bolha, podemos dizer que quando a pressão externa está adaptada à pressão
interna, a bolha pode seguir existindo. Se estivéssemos falando de um bebê
humano, diríamos “sendo”. Se por outro lado, a pressão no exterior da bolha for
maior ou menor do que aquela em seu interior, a bolha passará a reagir à
intrusão. Ela se modifica como reação a uma mudança no ambiente, e não a
partir de um impulso próprio. Em termos do animal humano, isto significa uma
interrupção no ser, e o lugar do ser é substituído pela reação à intrusão. Cessada
a intrusão, a reação também desaparece e pode haver, então, um retorno ao ser.
(Winnicott, 1988, Natureza Humana, Parte 4, p. 148; CW 11, 144). Cf. tb.
Fulgencio (2016, 2017, 2018).

Em diversos outros momentos ele fala sobre essa noção do que é o ser. Tenho
um artigo sobre todas as vezes que Winnicott falou sobre a emoção de ser na sua obra
(Fulgencio, L. (2014). A necessidade de ser como fundamento do modelo ontológico do
homem para Winnicott. In A fabricação do humano (pp. 145-159). São Paulo:
Zagodoni).
É mais no final da obra que ele usa a noção de ser de uma maneira mais conceitual, e
não com um modo de falar.
Tendo essa noção de ser como fundamento (é daí que partimos, por assim
dizer), quero me referir ao outro polo do desenvolvimento. Na outra ponta, temos a sua
concepção de saúde, o telos para onde iríamos. Então, numa das suas descrições do que
é a saúde, ele diz: “A vida de um indivíduo são se caracteriza mais por medos,
sentimentos conflitantes, dúvidas, frustrações do que por seus aspectos positivos”.
(Winnicott, 1971f [1967], “O Conceito de Indivíduo Saudável”, p. 10; CW 8, 69-70).
Vejam aqui que Winnicott não tem uma ideia de que a vida é cor-de-rosa; sem
sexualidade e para meninas casadouras. Não é nada disso! Ele reconhece a importância
da sexualidade, do conflito, das ambiguidades, dos impulsos amorosos e destrutivos.
Tudo isso faz parte do pensamento de Winnicott.
Continuando a sua caracterização do que seria a saúde, ele diz:
O essencial é que o homem ou a mulher se sintam vivendo sua própria vida,
responsabilizando-se por suas ações ou inações, sentindo-se capazes de

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atribuírem a si o mérito de um sucesso ou a responsabilidade de um fracasso.
Pode-se dizer, em suma, que o indivíduo saiu da dependência para entrar na
independência ou autonomia. (Winnicott, 1971f [1967], “O Conceito de
Indivíduo Saudável”, p. 10; CW 8, 69-70).

[independência relativa] porque ninguém é independente de forma total.

Só isto já nos fornece alguma coisa: de onde partimos e onde pretendemos


chegar, o que pode também nos oferecer uma informação sobre os objetivos do
tratamento psicanalítico; aonde queremos que nossos pacientes possam chegar.
Basicamente, nós queremos que eles possam encontrar um lugar para viver,
mesmo com uma vida dura, difícil mesmo, com sintomas, às vezes obsessivos,
psicóticos, paranóicos, seja lá como for, mas que possam encontrar um lugar para ter
uma vida própria e para poder existir (a partir de si mesmos).
Dados esses polos, então, eu passo agora a falar para vocês como ele
organizou [classificou] as fases do desenvolvimento. Referindo-se ao lactente,
Winnicott indicou haver três fases do desenvolvimento. Na fase do holding o lactente é
dependente ao máximo. De modo que podemos classificar a dependência como se
segue: 17
1. a da Dependência Absoluta (0-4 meses, aproximadamente),
2. a da Dependência Relativa (até 1,5 ano)
3. e Rumo à Independência (1,5 em diante)
(cf. Winnicott, 1960c, “Teoria do Relacionamento Paterno-Infantil”, pp. 45-46;
CW 6, 148-149)

Também dei outro nome à fase “Rumo à Independência”, para


“Independência Relativa”, considerando ser uma fase muito longa. Optei também por
dividi-la em duas:
a da Independência Relativa Infantil [1,5 anos até a latência]
e a da Independência Relativa Adulta [da adolescência em diante,
até a morte final]

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Vejam que nós entramos na vida madura, no envelhecimento, e a morte, como
um último elemento do desenvolvimento, quando fechamos o livro, a última das
experiências integradores.
Também, nessa direção, procurei ainda, colocar em destaque, duas grandes
linhas do desenvolvimento que seguem paralelas (às vezes se juntam, às vezes se
separam); ou duas grandes tendências ou dois grandes aspectos, para compreender esse
desenvolvimento.
Procurei colocar em destaque essas duas grandes linhas do desenvolvimento
que se sobrepõem (às vezes fundidas, outras distintas, ou ainda, integradas) ao longo do
processo: a LINHA DO DESENVOLVIMENTO DO EGO, que poderia também se
chamar LINHA DO DESENVOLVIMENTO DO SER, a qual nós poderíamos
caracterizar como sendo a LINHA DO DESENVOLVIMENTO IDENTITÁRIA, por
assim dizer; e uma outra linha, extremamente importante, que é a LINHA DO
DESENVOLVIMENTO DA VIDA INSTINTUAL, que Winnicott chama de LINHA
DO DESENVOLVIMENTO DO ID (tomem o ID como sinônimo de vida instintual).
Essas são as duas grandes linhas. Quando eu mostrar as figurações, vocês vão
ver essas linhas sempre presentes e de que maneiras estão presentes, em cada uma das
fases do desenvolvimento.
Na apresentação dessa visão de conjunto, inicio com uma prancha dedicada à
análise da ontologia proposta por Winnicott; analisando, na Prancha 1, o que
poderíamos denominar como sendo um Mundo Humano Pré-Existente; o que parece ter
grande proximidade com a preocupação e o lugar dados pelos existencialistas modernos
- dentre eles, Heidegger -, à questão do ser (ao Dasein como termo que designa o modo
de ser do ser humano).

SLIDE 18 

Essa prancha, que vocês estão vendo aí, estaria se referindo a um mundo
humano pré-existente.
Essas três setas principais que vocês veem, são as setas da origem, as setas
iniciais.
Winnicott disse que nós viemos “não ser” para o “ser” (“experienciamos” essa
passagem do “nãoser” para “ser”).

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Nestas pranchas, eu coloquei algumas citações de Winnicott,para ilustrar isto
que ele está colocando[descrevendo]. Seria um longo curso comentar cada uma dessas
pranchas. Esse material, depois, estará disponível para vocês, e vocês poderão parar,
olhar, ler esse material.
Esse material será publicado. É uma parte da minha livre-docência,
que deve ser publicada até o final do ano de 2019 (Winnicott: psicanálise do ser,
Editora EDUSP).
Quero, agora, fazer alguns comentários, sobre o que vocês vão encontrar.
Vejam que há três grandes setas, que são as três grandes passagens da origem.
(Primeira) do “não ser” para o “ser”. Winnicott diz que nós surgimos da solidão
essencial, nós surgimos da solidão essencial. Trata-se de um paradoxo: antes de existir
eu era sozinho! E, depois, passo a existir. Trata-se também da passagem do estado onde
eu não estava vivo para o estado em que estou vivo.
Essas são as duas grandes linhas, as passagens que Winnicott caracteriza como
referindo-se à origem do ser humano.
Temos aí, algumas diferenciações que exigiriam um estudo um pouco mais
específico,principalmente a questão: “antes de existir eu [o bebê] era sozinho e quando
eu passei a existir, também estou sozinho”; como [o bebê] não tem condições de
perceber o mundo, ele também tem a experiência de ser sozinho.
São duas solidões essenciais diferentes: há uma solidão essencial metafísica
(ser sozinho antes de existir); e outra, uma solidão essencial experienciada, onde só
existo o self (sem condições de apreender uma realidade não-self). O bebê [ou feto], não
tendo condições de reconhecer uma realidade não self, só pode sentir-se (experienciar-
se) só. É esta formulação, bem paradoxal, que estaríamos colocando.
Na última parte deste slide, há algumas referências à Heidegger. Ele usa o
termo Dasein (que é a palavra alemã para designar a estrutura ou o modo de ser do ser
humano, por diferença aos outros entes existentes). Heidegger nos difere de uma pedra
(ser inanimado), de um cachorro (como um ser vivo), reconhecendo que temos
especificidades (existenciais). Retomando Heidegger, nessa primeira citação aqui à
esquerda, retirada de um de seus livros, que tem um título maravilhoso Mundo, Finitude
e Solidão.
Heidegger diz que é muito difícil explicar o que é o homem, mas ele vai tentar
explicar isto dizendo o que é o mundo para o homem; diferenciando o que é o mundo
para uma pedra e para um animal.
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Uma pedra é uma coisa inanimada, ela é sem mundo. Não importa, para ela, se
ela está em cima da mesa, embaixo da mesa, no fundo do oceano. não importa se cai um
caminhão em cima dela. Para ela mesma, tanto faz.
O meu cachorro tem um mundo que é sempre o mesmo. Eu chego em casa, ele
late, quer passear, procura a coleira; eu vou na padaria, volto e ele faz a mesma coisa.
Esse mundo se repete. Heidegger diz: o animal é pobre de mundo.
Mas, o ser humano é único que cria, que forja, o mundo em que vive. Essa é a
essência do dasein: criar a si mesmo, o outro e ao mundo em que se vive.

Isto está em consonância profunda com a obra de Winnicott. Retomo duas


frases, uma de Heidegger e outra de Winnicott, para vocês verem a proximidade entre
estes dois pensadores.
Heidegger diz: "O homem é o guardião do nada". Que nada? O nada que
existe antes de nascer e o nada que existe depois de morrer. Depois que eu morrer, nada;
antes de eu nascer, nada. E, o que é o homem? É o que cuida desse período enquanto a
gente existe.
Olhem para a frase de Winnicott, quando ele vai falar da natureza humana: "o
ser humano é uma amostra temporal da natureza humana".
Winnicott não é filósofo; Heidegger não é psicólogo. Mas, há consonância
entre esses dois modos de falar sobre a natureza humana.
Nesta prancha, Winnicott fala um pouco disso, en passant. Eu compus esta
prancha para que vocês possam estudar, olhar, ver o que são esses elementos.
E vou começar, agora, a apresentar dos outros pontos que dizem respeito ao
desenvolvimento.

SLIDE 19 

Quero apresentar, agora, mais cinco pranchas, Uma para cada fase do
desenvolvimento. Quatro delas, já foram indicadas: fase da dependência absoluta,
dependência relativa, independência relativa infantil, e independência relativa adulta. E,
temos uma quinta prancha, ou fase, que não está bem clara em Winnicott: a que
acontece na vida intra-uterina, referida aos momentos de origem.
O que apresentei antes (1ª prancha) pra vocês é a parte Metafísica do processo
de desenvolvimento. Uma Metafísica, com um pezinho na física.
14
Agora, quero me referir aos acontecimentos da origem, referindo-me aos
acontecimentos iniciais da existência.
Estarei, agora, organizando e descrevendo essas fases do desenvolvimento,
classificando-as e diferenciando os fenômenos da seguinte maneira:

SLIDE 20 

Vocês vão ver quatro ou cinco colunas horizontais; estas vão, sempre, se
referir à mesma coisa, em todas as fases (pranchas), caracterizando uma faixa para
caracterização de fatos e dinâmicas.

 Os modos de ser-estar e relacionar-se do ser humano;


 As dinâmicas, tarefas, conquistas de cada fase;
 Os estados e diversos tipos de integração;
 Os modos de apreensão das linhas do desenvolvimento;
 e Os impulsos e funções sempre presentes nesse processo.

Então, na primeira delas, estarei sempre comentando, apontando, descrevendo,


indicando, os modos de ser-estar e de relacionar-se do ser humano; seja consigo mesmo
seja com os outros.
Na faixa de baixo (2ª coluna horizontal), vou me referir às diversas dinâmicas,
fenômenos, tarefas e conquistas de cada fase. Não a todas elas, porque ficaria um
quadro muito poluído, com muitas informações e, assim, não seria possível enxergar
mais nada. Apresentarei, nessa faixa, apenas os acontecimentos principais de cada uma
das fases.
Abaixo (na 3ª faixa), vou estar me referindo a uma coisa extremamente
importante para Winnicott, que é o estado de integração, referindo-me ao fato do sujeito
estar integrado, não integrado, recém-integrado. Ou seja, vou indicar os diversos estados
e os diversos tipos de integração que o indivíduo tem ao longo do seu desenvolvimento.

15
Embaixo disso (4ª faixa), a referência aquelas duas linhas do
desenvolvimento: a linha do desenvolvimento do ser ou do ego, e a linha do
desenvolvimento instintual. Vocês vão ver como elas começam juntas, se separam, são
vividas separadamente, e depois, são vividas integradas, mas podem ser apreendidas (ou
percebidas)
separadamente.
E por fim, uma faixa (a 5ª faixa), que diz respeito àqueles vetores, àquelas
determinações, àquelas forças, àqueles impulsos, sempre presentes na natureza humana,
seja lá em que fase do desenvolvimento a gente esteja se referindo.

Então, vamos para essa primeira fase, que é a figuração da vida intra-uterina.

SLIDE 21 

Então, aqui à esquerda vocês têm as colunas horizontais, tal como apresentei a
vocês:
a primeira se refere aos modos de ser-estar e modo de se relacionar;
a segunda às integrações, dinâmicas e experiências,
a terceira às duas linhas do desenvolvimento,
e a quarta à ontologia e fundamentos motores do desenvolvimento.

Lá em cima vocês verão listas coloridas contínuas, que vão identificar diversos
modos de ser-estar no mundo. Modos de ser-estar, que são caracterizados em cada fase,
mas que seguem (como dinâmicas) para a vida inteira. Estarei especificando suas
origens e como elas se realizam.
Na base inferior, aqui embaixo, em termos de ontologia, temos as forças
sempre presentes.
Em primeiro, teremos sempre a NECESSIDADE DE SER E DE
CONTINUAR A SER.
Em seguida, logo abaixo, uma coisa que Winnicott se refere como sendo uma
TENDÊNCIA INATA À INTEGRAÇÃO, como algo que faz parte da natureza humana.

16
Não que nos integremos sempre, mas este é um impulso sempre possível, mas que é
também sempre possível de ser interrompido ou bloqueado.
Abaixo, outra coisa que Winnicott vai identificar como algo também presente
durante toda na existência, que ele caracterizou como sendo o IMPULSO AMOROSO
PRIMITIVO. Nós podemos identifica-lo, inicialmente, como um sinônimo de vitalidade
e de motricidade; no feto é isso, mas depois, se apresenta na vida de diversos modos de
diversas maneiras.
E, por último, que expressa uma noção difícil de ser entendida, que é a noção
de ELABORAÇÃO IMAGINATIVA. Tenho uma doutoranda, Márcia Bozon, que está
fazendo uma tese dedicada ao estudo da elaboração imaginativa na obra de Winnicott, e
suas implicações clínicas. A Elaboração Imaginativa é o modo de dar sentido às
experiências existenciais, corresponde a um fenômeno que está sempre presente ao
longo de toda a existência, realizando-se de diversas maneiras.

Se vocês olharem bem (nesta prancha), vocês estão vendo que a vida psíquica,
por assim dizer, não começa com a concepção. Tem um ponto aqui, em algum momento
depois da concepção, que não sei precisar qual é, onde acontece o “passo ao ser”. É uma
coisa difícil de entender, mas vou usar um paralelo para vocês se aproximarem um
pouco (desse entendimento). Numa criança anencefálica, não temos elaboração
imaginativa; é só a carne que se desenvolve. Mas, tenho um sistema nervoso "mínimo",
há um determinado momento em que começam a acontecer fenômenos que dizem
respeito ao dar sentido aos acontecimentos existenciais. E é aí que nasce o psique-soma
(a integração semântica do psique-soma), é aí que que nasce a psique, por assim dizer.
Eu digo que nasce o psique-soma porque, neste momento da origem, Winnicott dirá que
a psique e o soma são uma coisa só.
Quando eu falei sobre o ser para vocês, eu não disse que era uma bola dentro
de outra? A bolha? Essa é a figuração básica desenhada por Winnicott.
Então, eu começo agora a falar sobre a origem. Na verdade, não é um
momento; são diversas origens.
Vou, então, apontando alguns fenômenos que estão acontecendo dentro da
barriga da mãe, ou seja, quando o feto já pode dar sentido aos acontecimentos. Isto não
tem nada a ver com palavras (ou representações), não tem nada a ver com significantes.
Tem a ver com dar sentido aos acontecimentos existenciais.

17
Neste momento, onde psique e soma são uma coisa só, a linha do
desenvolvimento do ego (ou do SER) e a linha do desenvolvimento do Id (ou
instintual), são a mesma linha. Elas são, eu diria, nem mesmo amalgamadas; são uma
linha só. A criança vive (estas realidades expressas pelas linhas) como uma coisa só aí.
Quando chega o nascimento, agora, com ó próxima prancha, essas linhas passam a ser
vivenciadas separadamente (alguns autores tomam, a partir deste ponto o início da fase
da dependência absoluta; outras defendem que ela começa na vida intra-uterina; mas
nesta, eu gostaria de destacar o que está acontecendo na vida intra-uterina como um
conjunto de fenômenos específicos).

Então, nessa prancha agora, temos a fase da dependência absoluta, mostrando


o amálgama e a dinâmica relacional na qual o bebê dependente do ambiente, sem ter
noção do ambiente, é imaturo para apreensão de uma realidade nãoeu.

SLIDE 22 

Diz Winnicott sobre essa fase da dependência absoluta: “Nesse estado o


lactente não tem meios de perceber o cuidado materno [ele é imaturo para isto], que é
em grande parte uma questão de profilaxia. [São esses cuidados maternos que cuidam
da saúde]. O bebê não pode assumir controle sobre o que é bem ou mal feito, mas
apenas está em posição de se beneficiar ou de sofrer distúrbios.” (1960c, “Teoria do
Relacionamento Paterno-Infantil”, pp. 45-46).
Novamente, temos faixas horizontais, que se repetem em cada fase (modos de
ser-estar, experiências-dinâmicas-integrações, linhas, estado de integração, ontologia).
A experiência que o bebê tem neste momento, e a que ele tinha já dentro da
barriga da mãe, é só a de SER (se o ambiente colaborar); é uma experiência SOU, sem
nenhum predicado, sem nenhum outro qualificativo, a não ser esse que é quase um
imperativo, “sou”. É essa experiência fenomenológica que está acontecendo. É isto que
está ocorrendo quando o bebê tem a assistência da mãe, o alimentando, atendendo às
suas necessidades, sem que o bebê perceba o ambiente. O que ocorre, então, é que do
ponto de vista do bebê, só existe ele (ainda que do ponto de vista do observador, haja
um bebê e uma mãe). Do ponto de vista do observador, você pode ver uma mãe e um
bebê; do ponto de vista do bebê, só tem ele. E, de repente (mas com a adaptação
18
ambiental), aparece (para o bebê) o seio das suas necessidades, tal como (para usar uma
analogia) do fogo nasce o calor, sem que o fogo precise fazer algum esforço para que o
calor apareça. Então, os objetos da necessidade do bebê
aparecem para o bebê como que por mágica. Mas, do ponto de vista do observador, é
por meio de uma grande sustentação, um grande conjunto de ações, por assim dizer.
Então, há muitas coisas aqui a serem comentadas que tem a ver com isso, com
as conquistas (advindas destes acontecimentos), tais como: a relação inicial de
amálgama mãe-bebê; a mãe suficientemente boa num estado de preocupação materna
primária que atende às necessidades do bebê; o surgimento da temporalidade ou de um
tempo do bebê, a espacialização ou o espaço do bebê, ou um tempo próprio, um tempo
subjetivo ou um espaço subjetivo; as primeiras experiências de si mesmo, experiências
de que sou eu estou amando, ainda que não tenha nenhuma reflexão sobre isso etc.

A intenção desta conferência de hoje, é apresentar o quadro e não aprofundar a


sua leitura, só para que vocês possam ter uma visão geral do processo.
O bebê aqui é amalgamado à mãe e acontece uma coisa fantástica: na hora em
que o bebê nasce a linha do desenvolvimento do ser e a linha do desenvolvimento
instintual passam a ser vividas separadamente pelo bebê. Como assim? O bebê sente as
pressões instintuais como se viessem de fora e não com uma coisa dele. Ele sente então
que a fome ou mesmo a excitação são uma coisa que o atinge e não como uma coisa que
é produzida por ele mesmo; ou seja, a linha do desenvolvimento do ego e a linha do
desenvolvimento do Id se separam e são experenciadas como "coisas" diferentes pelo
bebê.
O bebê, neste estado (momento) está não integrado; ainda que, quando mama
(quando tem sua necessidade atendida), sinta-se integrado. Na hora que tudo acontece
direitinho (na mamada), o bebê tem a experiência de que é ele que está mamando.
Acabou isso, se esvanece tudo, não tem uma unidade que permanece nessa história.
Então, ainda que ele tenha uma experiência de ser, ela não é uma experiência
de ser integrado; ela vai de estados excitados para estados tranquilos.
Eu caracterizei, então, este estado como sendo o estado não-integrado.
Junto com isso, essas forçar independentes sempre impulsionando,
determinando, presentes nos processos de desenvolvimento.
Isso nos leva mais ou menos até o quarto (ou sexto) mês de vida.
19
Na próxima prancha, temos a fase da dependência relativa, de quatro (ou 6) meses até
um ano e meio.
SLIDE 23 

Nessa prancha, com o progressivo reconhecimento de que existe um ambiente


e um EU que são distintos (são apreendidos e vividos com dois) são reconhecidas sub-
fases (a desilusão da onipotência a transicionalidade e a do uso do objeto), levando à
conquista do EU SOU e à possibilidade de apreensão dos objetos como externos.
Winnicott diz sobre essa fase: “Aqui o lactente pode se dar conta da necessidade de
detalhes do cuidado materno, e pode de modo crescente relacioná-los ao impulso
pessoal, e mais tarde, num tratamento psicanalítico pode reproduzi-los na
transferência”. (1960c, pp. 45-46)

O que é importante aqui é que, depois da fase da dependência absoluta, que é


caracterizada por aquela experiência SOU, de estar integrado, amalgamado com a mãe,
e o bebê vai tendo certas integrações do tempo, do espaço, pelas experiências de si
mesmo, tudo isso vai acontecendo e vai sendo mais ou menos juntado pelo bebê, num
momento em que o bebê começa a desenvolver alguma coisa que é a possibilidade de
uma pequena lógica do “se... então”: se tal barulho, mamãe; se tal o barulho, banho; se
tal luz, dormir; se tal falta de luz, dormir etc. Ele começa a estabelecer essa lógica do
“se... então”, que é a lógica do início dos processos mentais. A mente surge a partir
disso.
Essa fase foi dividida em 3 (são três grandes acontecimentos que eu estou
chamando de sub-fases): num primeiro momento, quando começam os processos
mentais, há uma pequena percepção de que o ambiente não se adapta exatamente no
momento em que a criança precisa, há um tempo maior até a adaptação ocorra, começa
o reconhecimento, digamos, homeopático de que existe um ambiente. E esse momento é
chamado, por Winnicott, DESILUSÃO. Desilusão do quê? Da ilusão inicial de que
bastava ter a necessidade e o objeto aparecia (não basta mais). Chamamos isso desilusão
e às vezes Winnicott chama isso de desmame, não porque o peito saiu, mas porque a
ilusão desapareceu.
Começam, então, a aparecer então uma série de fenômenos. Esse é o início
desta fase, a fase chamada de dependência relativa.
20
Na sequência dessa fase, ocorrem uma série de experiências e integrações. Se
tudo corre bem (ou seja, se o ambiente sustenta a situação, dando as condições para a
continuidade de ser) temos uma Linha do desenvolvimento que ocorre na saúde.
Se tivessem patologias ou falhas, outras coisas aconteceriam aqui.

O próximo momento, a próxima fase, se refere à fase da transicionalidade,


quando surge a possibilidade de existirem objetos e fenômenos transicionais. O objeto
transicional é ao mesmo tempo a criança mesma e algo de fora, que a criança e
encontra.Quando isso ocorre, a criança lá com seu bonequinho, com seu paninho, é ela
que está em posse de alguma coisa que também é ela; algo que ela sente sendo ela
mesma junto com alguma coisa.
Vejam as experiências: antes, eu tinha a experiência SOU, como um modo de
ser-estar no mundo, um modo de relação subjetiva com o mundo.
Com os objetos transicionais, aparece um novo modo de ser-estar, SOU-COM;
começa uma outra maneira de sentir a si mesmo e de sentir o outro num momento que
eu ainda nem reconheço o outro como outro.

Na sequência, com isso sendo vivido e tudo correndo bem, com sustentação
ambiental ocorrendo, há uma outra fase de difícil entendimento, que é chamada de a
fase do USO DO OBJETO. Tentando resumir o que ocorre, pode-se dizer: é como se a
criança, criando os objetos de que precisa, precisasse recriar os objetos subjetivos e os
objetos transicionais, precisando, pois, destruir estes objetos. transicional, para criar um
objeto.
Se o objeto é alguma coisa, para recriá-lo, você precisa destruir o que ele era.
Logo, você destrói, certo? E cria uma outra coisa.Nesse processo acontece uma coisa
esquisita que é a seguinte:a criança cria o objeto; isto, portanto, destrói o objeto e, de
repente, o objeto está lá, fora dela, como existente. Winnnicott diz, referindo-se a este
acontecimento: "Alô, objeto; destruí você; amo você" (1969i, p. 174). Esse é o
momento de constituição da realidade externa. Que é também o momento da integração
do indivíduo numa unidade (EU SOU). Então, isso que se chama fase do uso do objeto
e que às vezes é caracterizada como aquilo que destrói o objeto, não destrói o objeto na
sua inteireza, na sua totalidade, destrói só os aspectos em que o objeto é subjetivo ou
transicional; e o objeto passa, então, a ser um objeto real no mundo. Então, não é a
destruição do objeto em si mesmo (às vezes associada a uma especulativa pulsão de
21
morte). O que se destrói é essa característica "subjetiva" ou "transacional" do objeto
(quando o objeto é também o sujeito); e este passa, então, a ter a qualidade de ser real
(do ponto de vista da criança). Objeto, do qual posso gostar, sentir falta. É neste o
momento, acontecendo todos esses fenômenos, que, ao final, a criança chega numa
integração “EU SOU”, tendo, então, um mundo, um monte de coisas no mundo que são
Não-Eu. Entra-se num tipo de relação (num tipo de dinâmica relacional) que diferencia
EU de Não-EU.

Há, aqui, uma série de fenômenos ocorrendo. Essa passagem, da destruição do


objeto à constituição do objeto como objeto externo, é também a chegada no EU SOU,
como sendo um mesmo processo. Neste momento, a linha do desenvolvimento do ego
ou do ser, a linha identitária, e a linha do desenvolvimento da vida instintual, continuam
sendo vividas como paralelas, como diferentes.
A criança continua no estado não integrado e, ao final desta fase, com a
chegada do EU SOU, a criança então se integra num eu, ela chega numa noção
(experienciado) de seu, onde ela reúne todas as suas experiências existenciais "boas e
más", ela junta tudo isto num conjunto integrado (ela conquista a integração EU).

Na continuidade disso, nós temos a fase de "rumo à independência" que eu em


duas. Diz Winnicott sobre essa fase: “O lactente desenvolve meios para ir vivendo sem
cuidado real. Isto é conseguido através do acúmulo de recordações do cuidado, da
projeção de necessidades pessoais e da introjeção de detalhes do cuidado, com o
desenvolvimento da confiança, no meio. Deve-se acrescentar aqui o elemento de
compreensão intelectual, com suas tremendas implicações.” (1960c, pp. 45-46)

 COLOCAR SLIDE

Dividindo essa fase em duas, nós temos, então, em primeiro, a fase da


independência relativa infantil, também chamada por Winnicott de fase do
concernimento, e por Melanie Klein, de posição depressiva, temos uma longa série de
integrações até a chegada ao status de ser uma pessoa inteira que se relaciona com os
outros como pessoas inteiras; tendo, como tarefa, administrar a vida instintual, sexual,
nas relações interpessoais, no quadro do cenário edípico).

22
Nós começamos (esta fase) no momento em que há uma primeira integração
(EU SOU), estabelecendo relações a dois copos; e, depois, ao final desta jornada,
fazemos uma série de integrações chagando a ser uma pessoa inteira (relacionamento a
3 corpos).

Essa fase começa com a integração do indivíduo (EU SOU) por oposição a
tudo que é não-eu, portanto, relação a dois corpos.
Na continuidade disso, bem próximo do Melanie Klein identificou como
sendo a posição depressiva, temos uma série de integrações: o amor e ódio, impulsos
amorosos e impulsos instintivos etc.
Acontece, aqui, uma coisa fantástica: os instintos que eram vividos como
sendo externos a mim, passam a ser, num determinado momento, integrados ao eu; e,
então, as linhas do desenvolvimento do Ego e do Id, se integram, passam a ser vividas
como integradas(ainda que, nalguns momentos da vida, possam ser apreendidas,
separadamente).

Essas integrações levam a uma série de experiências, conquistas (dentre elas,


temos a integração dos elementos destrutivos e amorosos, a experiência de aperceber-se
etc.), até que se chega, conquista-se, o status de ser uma pessoa inteira, que se relaciona
com os outros como pessoas inteiras.
É esta conquista que torna possível viver relações a três corpos, ou dizendo de
outra maneira, a possibilidade de viver o triângulo edípico; esta é também a condição
para que possa "existir" a cena primária.
É a partir dessa integração da vida instintual que nasce a Sexualidade. Como
assim, já não havia sexualidade antes disso? Não, antes eu tinha uma vida instintual que
não tinha todas as características do que é a vida sexual. Mas, o que é a sexualidade?
Significa poder apreender as pressões, excitações, como advindas de mim mesmo (e não
de fora), que se referem também a transformações corporais em mim, que se referem ao
prazer, que estão associadas a determinados objetos (apreendidos) como externos (com
atributos e qualidades que não são de minha posse), possíveis responsáveis por atender
as minhas excitações, e ainda, este modo de relação, está associado a fantasias de
encontro com estes objetos (e suas consequências). (Tudo isso é de uma complexidade
enorme). Neste contexto posso, então, enunciar a tese, numa formulação sintética e
difícil, de que: a sexualidade é uma maneira específica, amadurecida, de viver a vida
23
instintual. A vida instintual está presente, desde o início; mas a vida sexual, com toda
esta complexidade, só pode advir quando diversas integrações já ocorreram.
Os psicóticos, creio, nesse sentido, não têm problemas com a sexualidade
porque eles não chegaram aqui, são problemas são de outra ordem. Eles têm problemas
instintuais, mas não têm problemas sexuais.
*
Tudo isso é uma modificação enorme, difícil de descrever e analisar com
precisão e detalhe.
Quando, nesse desenvolvimento, chegamos no édipo (na possibilidade de
viver relação a 3 corpos com e como pessoas inteiras), as linhas se juntam novamente,
de forma integrada (quando há saúde; quando não há, temos uma série de dissociações).
Tendo chegado neste estado de integração e amadurecimento (sendo uma
pessoa inteira), o indivíduo passa a ter problemas relativos à administração da vida
sexual nas relações interpessoais; podem, então, surgir todos os conflitos edípicos no
complexo quadro de projeções e identificações etc.

Agora, quero chamar a atenção de vocês, para esta parte de cima, onde tenho 4
faixas coloridas. Elas indicam diferentes modos de ser-estar no mundo que foram
iniciadas em momentos específicos e vão se somando, se complexizando; da mesma
maneira que Melanie Klein fez ao caracterizar as posições esquizo-paranóide e
depressiva (dinâmicas de funcionamento relacional), não como fases ultrapassadas
passadas, mas como modos de se relacionar com os objetos e consigo mesmo sempre
presentes. Esses modos de ser-estar como dinâmicas específicas, são caracterizadas,
assim: primeiro SOU, depois SOU-COM, depois SOU-DIFERENTE-DE e, por fim, EU
SOU X (com x sendo um predicado do EU). Quando é conquistado o status de ser uma
pessoa inteira, também conquista-se a possibilidade de predicar o EU: eu sou homem,
eu sou mulher, eu sou bonito, eu sou professor, eu sou fulano de tal... EU SOU X (x me
qualifica de tal ou tal maneira).
Por que isso é importante? Eu cheguei nisso pela análise daquelas pessoas que
têm grandes problemas identitários, por exemplo, as pessoas que sentem, como
necessário, mudarem de gênero, as pessoas que precisam fazer cirurgias plásticas
significativas ou transformarem seus corpos,
seja com tatuagem seja com coisas mais radicais. É evidente que estas pessoas têm
problemas identitários. Só que eles tentam resolver um problema identitário
24
complicado, mudando seus predicados: “Na verdade, não sou homem; sou mulher”,
então, vou fazer uma cirurgia para mudar o meu predicado (de gênero). Esse predicado
é meu corpo e, feito isso, está resolvido o problema identitário (que é o sentimento
vazio de SER). No entanto, muitas dessas pessoas, têm problemas em ”SER-SOU”,
“SER-COM”, “SER-DIFERENTE-DE", problemas anteriores à possibilidade de
predicação. E, via de regra, o que você vai ter? Fracasso: modificações deste calibre,
que não fornecem ao indivíduo aquilo que está procurando.
Nós teríamos que entender o que estamos chamando de transgênero, porque há
uma ideia de que "alguém teria nascido em corpo errado". Esta é uma ideia muito
criticável para a psicanálise porque não existe um cérebro de homem, um cérebro de
mulher; ser homem ou ser mulher não são atributos físicos do ponto de vista
psicológico.
O próprio Freud vai diferenciar masculino e feminino em termos de atividade
e passividade. Em termos psicológicos, o ser humano é bissexual, ele é ativo e passivo,
independente do gênero. Aqui também, neste caso, Winnicott defende a tese da
bissexualidade. Mas, de um modo geral, a psicanálise não dirá que a nossa identidade se
faz por atributos genéticos, atributos biológicos, ela se dá de outra maneira; ela se dá
por atributos qualificados afetivamente, sentidos semânticos afetivos dados ao corpo; os
sentidos semânticos afetivos dados à experiência de ser desta ou daquela maneira.
É difícil conciliar as duas coisas (biológico e psicológico) porque eu teria que
admitir que eu nasço homem ou mulher; e, para a psicanálise, ninguém nasce assim.
Esta é uma construção: a identidade é uma construção afetiva. Que o corpo
está presente, que há uma diferença anatômica entre os sexos, não há dúvida; mas o
sentido dado ao corpo, à apreensão corporal de si mesmo, não advém da biologia.
Mesmo os hormônios, se você vê a epigenética, não basta ter o gene, não basta ter os
hormônios; a questão é o sentido que é dado a esses acontecimentos. A biologia não dá
sentido às coisas; é o ser humano que dá sentido às coisas. É claro que nós poderíamos
discutir sobre essas determinações, discutir se existe transgênero e esse é um ponto
exatamente muito polêmico; mas acredito que é mais fácil de ser discutido um outro
ponto, que vai nessa direção, é, por exemplo, o problema do autismo, da gênese da
esquizofrenia infantil. É genético, não é genético; há determinações orgânicas, ou não;
as determinações orgânicas são, de fato, determinantes para a constituição dessa
patologia ou não?

25
E no extremo, peguemos alguma coisa quetambém é mais fácil de ser
entendida e perguntemos sobre uma criança com síndrome de Down. É evidente que há
uma determinação orgânica no que ela é, mas como ela se sente Down, ou, o sentido
que ela dá à sua condição, não advém dos cromossomos. Não dúvida que há limites
numa criança com Síndrome de Dow, ela jamais ganhará o prêmio Nobel de
matemática, há um limite do que ela pode fazer. Mas, qual é o sentido que ela dá ao fato
dela ter esta síndrome, isso não é dado biologicamente; o sentido que os pais dão, não
são dados biologicamente.
É essa a perspectiva da psicanálise na qual Winnicott também, se insere, o
sentido de que a construção psicoafetiva de um ser humano é feita na sua história
afetiva, familiar, relacional.

*
Retomando o foco. Esses modos de ser-estar (SOU, SOU-COM, SOU-
DIFERENTE-DE, EU SOU X) identificam modos de ser e estar do indivíduo, mas
também vão identificar, caracterizar, modos de viver a relação transferencial com o
paciente. Eles especificam um modo de relação do indivíduo com o ambiente, com o
outro, e nesse sentido, também caracterizam modos de relações tranferenciais
diferenciadas, com ações diferenciadas no modo de tratar da transferência.

Muito bem, dado esse estado de integração (no final da fase da independência
relativa infantil), com a passagem, na saúde, dos estados recém integrados para os
integrados,
Vamos então, à última prancha.
Ao final, temos a fase da independência relativa adulta, que começa com a
entrada na adolescência e segue por todo o espectro da vida adulta,culminado com a
última das experiências de integração, a morte e o retorno ao não-ser.

SLIDE 25
Eu caracterizei os diversos modos de ser-estar, iniciados em cada uma das
fases do desenvolvimento, mas que permanecem ao longo de toda vida. Caracterizei,
inicialmente, a adolescência. Winnicott, se referindo aos adolescentes, diz: "De ser vem
o fazer, mas não pode existir o fazer antes do ser; esta é a mensagem que eles nos

26
enviam. (1971f, p. p. 7). Mais importante do que a sexualidade, é ter um lugar no
mundo. Daí a máxima: “Primeiro ser, depois, fazer”. SER é a experiência fundamental.
Lembremos que Winnicott é um dos autores psicanalistas que mais escreveu
sobre adolescentes. Freud não escreveu quase nada, Melanie Klein um ou dois
parágrafos, mas Winnicott tem, no mínimo, uns dez artigos.
Depois, fiz uma caracterização da noção de saúde que ultrapassa as
concepções de saúde referidas à administração da vida instintual nas relações
interpessoais; a saúde como referida à questão de estar no mundo, de ter uma vida
própria, poder se responsabilizar por ela etc., incluindo aí, também a social, a riqueza na
vida social, e, por fim, incluindo a morte, como diz Winnicott, como o último elemento
integrador de existência, o selo final da saúde, quando fechamos o livro e retornamos ao
nãoser. Tanto que Winnicott tem aquela formulação notável, uma frase até mesmo
poética, onde diz: “Oh, Deus! Possa eu estar vivo quando morrer!” (Apud Clare
Winnicott, 1989, “D.W.W.: Uma Reflexão”, p. 3)
Nós sabemos que muitas pessoas morrem antes da morte chegar e o corpo
continua lá, às ainda vezes jovens, e passam a vida como zumbis.
Muito bem, a esse conjunto que nós poderíamos seguir conversando,
distinguindo, e que levanta muitas questões.

A este conjunto, assim desenhado, deveríamos acrescentar uma apresentação


que marcasse em que momento desse processo de desenvolvimento localizamos as
gêneses das diversas psicopatologias.
Tudo o que apresentei, até agora, diz respeito ao que aconteceria no caso do
desenvolvimento saudável. Mas, e quando acontece alguma coisa?
Então, é preciso identificar cada uma das fases ou alguns momentos das fases,
com a gênese de algumas psicopatologias.

SLIDE 27 

As psicoses - pessoas não-integradas ou que chegaram a integração e


perderam a integração - dizem respeito a problemas nas fases mais primitivas do
desenvolvimento (geradas por falha de sustentação ou invasão ambiental); Aqui,
poderíamos ter a pergunta: mas seriam elas (as psicoses) também geradas
organicamente? Não há determinações orgânicas?
27
Ao que Winnicott responderia: estou considerando aqui as determinações
orgânicas também como falhas ambientais, não o ambiente externo, mas o ambiente que
o indivíduo é. Claro que isso é uma longa discussão para isso, no entanto, os detalhes
que eu estou apontando são a porta de entrada para isso.
Depois, por oposição à psicose, as neuroses, que se referem às pessoas então
integradas como pessoas inteiras (Whole Persons); nos referindo, então, aos momentos
nos quais pessoas têm conflitos e mecanismos rígidos de defesa na administração da
vida instintual nos relacionamentos interpessoais. Os neuróticos são aqueles que têm
problemas de relacionamento; os psicóticos são aqueles que têm problemas de ser, que
se forem bem tratados, chegarão a ser neuróticos com problemas de relacionamento.
Entre os neuróticos e os psicóticos, Winnicott coloca aqueles que têm
problemas de humor, os depressivos ou as depressões; ele considera que está nesse
grupo as pessoas recém integradas, em que são gerados problemas de humor, e gerados
por problemas entre esses dois extremos. Portanto, nas fases entre esses dois extremos.
Depois, temos aí um conjunto de sintomas que não são referidos propriamente
a fases, mas podem estar presentes em diversas fases do desenvolvimento, ou ser
gerados em diversas fases do desenvolvimento. Esses sintomas são:

a atitude antissocial, como fruto do fenômeno de deprivação, com o indivíduo


em condições de responsabilizar o ambiente por esta falha ambiental.

Temos, também, os chamados pacientes borderline, que são aqueles que, para
os outros, funcionam como neuróticos, são um relações públicas, organizados,
atenciosos e solícitos, mas para si mesmo, ele tem problemas profundos
associados a ser ele mesmo, problemas para ter uma vida que seja a dele. Então,
é a estrutura falso-self no seu sentido patológico mais extremo. O falso-self
patológico no sentido mais extremo e o termo borderline são sinônimos, por
assim dizer.
Um falso-self todo mundo precisa. Se eu sair de casa agora de manhã, vamos
supor que tivesse brigado com o meu filho e com a mulher e venho pra cá e dou
aula pra vocês, sem que isso cause grandes perturbações.É claro que há uma
adaptação nisso. Mas às vezes eu brinco, você brigou em casa, sai do
apartamento, pega o elevador e o vizinho pergunta: “E aí como é que vai, tudo

28
bem?”. Você dá a resposta curta: “Tudo bem!”. Se você não conseguir ter um
falso-self você vai explicar para ele o que aconteceu, vai querer que ele entenda.

Por fim, os chamados sintomas psicossomáticos, que podem ser gerados em


diversos momentos do processo de desenvolvimento, que Winnicott considera
como sendo tentativas de integração das partes emocionais do indivíduo.

Dentro, ainda desse cenário (da caracterização de sintomas), temos as adições.


Winnicott as coloca como sendo geradas como problemas na fase da
tradicionalidade; e que Joyce McDougall amplia para problemas de antes da
tradicionalidade e depois da tradicionalidade; considerando, então, as adições,
nos dois, como aquele tipo de procura do indivíduo por ele mesmo, buscando
preencher um vazio existencial.
Michael Eiguen diz, nesse sentido: “As pessoas não procuram as drogas pelo
prazer, elas procuram elas mesmas”. (2011, Contact with the Depths, p. 17). Aí
temos um aspecto importante que indica como tratar dos adictos!

Finalizando: esta apresentação visa fornecer um panorama, nos quais os


detalhes dos acontecimentos e marcos desse desenvolvimento, não foram,
evidentemente, analisados. Para um estudo mais detalhado, pode-se consultar tanto esta
minha maneira de compreensão num conjunto de textos já publicados - seja em termos
de uma análise geral da obra de Winnnicott e sua teoria do desenvolvimento (nas
referências bibliográficas desta conferência, ao final, vocês têm uma lista destas
publicações indicando textos de análise geral da obra de Winnicott) seja em termos de
análises de temas específicos tais como as noções de ego e self, id, superego, trauma,
brincar etc. Outros, ainda, analisado as diferenças entre Winnicott e outros psicanalistas.
*
No meu livro “Por que Winnicott?” vocês têm, ao final, uma apresentação
temática de referências bibliográficas, indicando uma literatura secundária: sobre a
história de Winnicott, a interpretação da natureza e sentido de sua obra para a
psicanálise, a relação entre Winnicott e outros psicanalistas (Freud, Klein, Lacan, Jung,
Douto etc.)

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