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Roteiro de questões para trabalho de entrevista com Psicólogos/as

Disciplina Desafios da Profissão

Grupo: Fabiano Bonella Cunha, Gabriela Baratieri,


Gabriel Longaray Fernandes, Paola Rios Teles
Data: 10/11/2020

Profissional da área: Psicologia do Esporte, Cognitivo Comportamental e Somática


Tempo de formação: Graduação (7 anos)
Tempo de atuação na área atual: 30 anos
Alguma formação complementar: especialização, mestrado e doutorado
Meio de comunicação utilizado para a realização da entrevista: videoconferência

1. Como você percebe as questões éticas em sua rotina profissional?


As questões éticas surgem a todo momento. Porque quando tu é terapeuta tu tem um
certo poder. E esse poder o pessoal tenta jogar, no mais diversos movimentos.Por
exemplo, o pessoal vem aqui e te pergunta: “tu pode me dar um atestado” que eu estive lá
contigo fazendo...sou teu paciente há 10 anos (eu não tive nenhuma paciente de 10 anos,
eu tive de 7 anos) o pessoal pede. Em geral o próprio paciente não faz isso, mas pai e
mãe às vezes fazem isso. “Dá para o meu filho (atestado) porque ele vai perder o curso
lá. Ele já não vai nas aulas e deram um chega pra lá nele, se ele não apresentar um
atestado desse...Eu vou olhar lá na agenda, se ele fez comigo sim, senão não. Claro, daí
tu arranja inimigo logo. Mas eles terminam compreendendo e sabem que contigo não
podem contar para outra coisa que não seja verdade. Isso eu considero o grande
componente do terapeuta. Gostar primeiro de si mesmo. Se tu não gosto de si mesmo, tu
não pode gostar do paciente. Dizer para a tua esposa: “meu amor eu te amo, tu é a melhor
mulher da minha vida. Se eu não gosto de mim eu estou mentindo, eu não tenho dentro
de mim, se meu computador não tem o programa, como é que eu vou fazer...não toda. É
mentiroso isso. Então tu tem que gostar de ti mesmo. Claro, se tu gosta de ti mesmo, te
trata bem. Quando tu trata bem o paciente e mostra que não é para ele fazer isso. Não vai
receber (o atestado). Ainda chegar e dar uma lição para ele. “comigo tu não vai fazer
isso”. Tu tá fazendo um mal e tá pedindo para eu ser teu cúmplice, para fazer uma coisa
errada. Vê bem. Nós fazemos um contrato (vocês devem aprender logo isso), esse
contrato pode ser escrito ou não. Eu prefiro que não. Um contrato de palavra. No esporte
por exemplo tem um monte de interesses, é muito dinheiro, então o pessoal faz jogos,
entende, de tentar, de saber coisas da vida ….se faz uma avaliação em um clube, se vai
deixar os dados lá na secretaria, tá ferrado. O pessoal da imprensa vai lá, dá um
presentinho para a secretaria (não que todas façam isso). De alguma maneira o cara vai lá
e pode pegar os dados dessas pessoas e utilizar de diferentes formas. É muito difícil, é
muita grana. Nesse momento de campeonato é muito dinheiro, então o pessoal pode fazer
isso. E tu como psicólogo não pode deixar um instrumento desses disponível.

2. Como foi trabalhada a disciplina de Ética na sua graduação?

Eu posso dizer que vocês hoje estão muito melhores, com esses instrumentos todos (se
referindo à internet e plataformas online). Na época, eu iniciei lá na Unisinos, que era
um curso muito bom. Depois de 4 semestres eu voltei para Porto Alegre, na PUCRS. Eu
entrei num grupo de 63 pessoas. Dos quais 60 eram mulheres. Não tinham esses
instrumentos como vocês estão tendo de chegar e entrar em contato. Nós tivemos que
estudar todo o código de ética do psicólogo. Tem coisas de bom gosto, tipo os bons
costumes, que não tem como a gente errar, mas tinham coisas que a gente tinha que
decorar, para chegar na prova e fazer uma prova decente com aquilo que tu acha que tem
que ser. Hoje tem muito mais condições de fazer isso, porque essa parte de informática
está à disposição. Lá naquele tempo não tinha telefone celular. (eu entrei em 1984).
Estava começando o e-mail…, era duro trabalhar. Agora vocês têm mais. Isso não
significa que aquela formação foi melhor do que essa aqui de agora. Acho que a de
agora tem muito mais problema, assim, metralhadora giratória na comunicação sobre
tudo. Se tu tem uma atenção ampla, atenção difusa, e fica olhando todas essas coisas, tu
termina não indo a lugar nenhum. Tu até tem que ter essa atenção difusa e perceber de
todos esses estímulos aquilo que vai ao encontro (não de encontro), ao encontro das tuas
aspirações. Vou citar aqui para vocês, nível de aspiração. Vocês têm que firmar nisso.
Muita gente entra (na psicologia) até pra se conhecer melhor etc., e aí, vai terminar
vendo que encontrou várias coisas, outras coisas mais, isso não vai resolver a vida dela,
mas pode ajudar se for um sujeito competente, que vai e estuda e tal, analisa, faz
algumas coisas do tipo assim, uma meditação, faz um mergulho no seu universo interno,
pra ver qual seu potencial possível de aplicar nesse contexto todo e aí ir em busca disso.
Dar o primeiro passo.

3. Você já se deparou com alguma situação na qual reconsiderou algum princípio do


Código de Ética por considerar necessário no momento? Explique.

Eu montei um curso de mestrado e doutorado em ciências da atividade física e do


esporte na espanha, durante 7 anos, eu levei gente de toda a américa latina pra lá. O
reitor perguntou, como é que o sr. consegue fazer isso? Isso chama-se qualidade. Peguei
só caras bons. Eu estava fazendo curso de doutorado lá em Barcelona. E nós montamos,
por fax eu montei, com meus alunos de pós graduação, que era um curso internacional
em Porto Alegre, o melhor curso que já houve, o pessoal vinha de tudo que é parte do
mundo. Tinha 100 alunos, todos os anos tinha o curso, às vezes tinham 120, dos quais
20 eram brasileiros, 100 eram de tudo que é parte do mundo. Então eu aproveitei isso e
organizava. Pegava 5 espanhóis dos melhores e eu entrava com a psicologia, que na
época eu era da Sociedade Internacional. A gente saia pela américa latina fazendo isso
daí. Em lugar que a gente chegava, a gente criava uma Sociedade Nacional daquele país,
de Psicologia do Esporte. Havia uma aluna minha (brasileira), uma excelente psicóloga,
que me disse “professor não aguento mais, o treinador lá da Rússia anda dando castigo
para gurias (atletas) que comem chocolate” (referente à seleção de ginástica). Ela ficou
tempo lá na seleção na Rússia. Ela sofreu muito porque tem essas questões antiéticas. Eu
não passei por isso, mas vários passaram. Têm interesses acima de tudo.

4. Você já presenciou algum/a colega de profissão atuando em desconformidade


com o Código de Ética? Qual foi sua atitude?

Os repórteres estavam fazendo o trabalho deles, falaram e falaram, e retiraram dados do


psicólogo e o psicólogo deu entrevista pra eles e saiu em revista e em jornal detalhes da
vida pessoal desses jogadores de alto nível. Acaba com o ‘’terreno para um psicólogo” e
a nossa atitude é lamentar e denunciar esse tipo de atitude. Isso não faz muito tempo.
Pessoal foi lá e colocou no jornal. Eles entram de qualquer maneira. Chamam para uma
festinha, dão caipirinha etc., pegam e perguntam etc. Isso é mais raro, mas já vi aqui no
Brasil e na Argentina. Na Argentina deram detalhes da vida do Messi e do Maradona.
5. Você já foi solicitado a fazer algo antiético em sua atuação? Explique.

Sim, me pediram atestado médico para cobrir faltas. Mas disse a ele que não seria
cúmplice pois tenho a minha ética, não só ele como os pais foram a minha procura, não
briguei com eles apesar de um dos pais ficar bravo. Não foi a primeira vez que tentou
conseguir atestado.

6. Como você avalia a atuação dos órgãos fiscalizadores (Sistema


Conselhos)?

Creio que o CRP faz o máximo que ele pode fazer para fiscalizar. Contudo, eu gostaria
de deixar no ar alguma coisa. Não gosto dessa história de coaching. Em Buenos aires,
sou vice-presidente da federação sulamericana de esportes para paz e lá tem uma rádio
que ocasionalmente me liga para eu falar a respeito da ética na psicologia. Em um uma
dessas ligações eu falei sobre essa questão do coaching. Sinceramente, eu acredito que
os órgãos de psicologia deveriam ser mais rígidos quanto a isso e tomar uma atitude,
pois esse pessoal – sem nenhuma formação específica – faz um curso de um final de
semana e se intitula coach. Claro que nem todos são essencialmente ruins, o Muricy, que
é um grande treinador de futebol, por exemplo, tem curso de coaching e é um cara sério,
pelo contato que tive com ele no Inter deu para perceber isso. O problema é quando
usam desse título para tratar questões emocionais de um atleta e não tem competência
para tal, tem que ser psicólogo. Nesse sentido, o conselho regional e o federal tem que
tomar uma atitude urgente quanto a isso, pois isso afeta terrivelmente o trabalho do
psicólogo.

7. O que você considera mais gratificante na sua profissão?

Acho que o mais gratificante é que também somos docentes. Há um tempo atrás eu fiz
um mestrado na PUC, em psicologia, na parte de educação, e lá tinha dois cursos de
mestrado para médicos. E por que isso? Eles já sabiam que o MTE, método de técnica
de ensino, dá muito certo, eles tinham essa visão mais à frente de que eles são docentes.
E nós psicólogos também somos. Nesse sentido, eu acho que a transmissão de
conhecimento é o que nos faz imortais e vou explicar por que acho isso. Eu tenho um
encontro anual com ex-alunos e fazemos um almoço. Dentre eles, tenho alunos ali que
são bisavós, passei para eles muitos ensinamentos que eles passaram para seus filhos,
seus netos. E esse conhecimento, vai passando de uma geração para outra e isso vai se
tornando imortal. É lindo. Certamente, nós somos imortais e quem possibilita isso é a
pessoa que dá apoio a alguém numa parte importante da vida dessa pessoa. E nós temos
isso na mão, como psicólogos. Outro fator valioso, nesse contexto, é que aprendemos
tanto com os pacientes quanto com os alunos. É impressionante. E se tem alguma coisa
que eu pudesse dizer para influenciar vocês de alguma forma, seria o seguinte: vai para o
google e pesquise alguma coisa que você se interessa. Pegue um assunto qualquer,
traduza e leia. Conhecimento nunca é demais. Eu, por exemplo, não sei russo, mas se eu
quero um assunto eu uso o tradutor e leio tudo. Sempre fui assim, de querer saber sobre
vários assuntos e, hoje em dia, eu tenho atuação e pacientes em vários países: Estados
Unidos Itália, Espanha, Alemanha, Inglaterra e França. Então, em suma, o mais
gratificante de ser psicólogo, sem dúvida, é a transmissão de conhecimento. Nós somos
imortais, uma vez que é o conhecimento passado adiante que fica e isso nos faz ser
eternos.

8. Na sua percepção, qual o problema ético mais recorrente na Psicologia? 9. Que


mensagem você deixa para as/os e futuros/as psicólogos/as?

Em geral de tirar partido da tua opinião, tua assinatura. Tive contato com pessoas do
exército e da polícia que já me pediram atestado psicológico para comprar armas. Isso
pode te dar muito dinheiro e dinheiro não é ruim, mas fico pensando que há muitas
pessoas de má fé e tu pensa que essa testagem será usada corretamente mas não, como
nas experiências que tive no meu estágio no Instituto Psiquiátrico Forense. Tive
pacientes esquizofrênicos/assassinos e eles são persuasivos.

9. Que mensagem você deixa para as/os e futuros/as psicólogos/as?

Vocês estão em uma área promissora. Lembro quando eu era pró-reitor de pós-graduação
e levei os alunos da Faculdade Feevale para a Europa e lá os responsáveis de
universidades importantes comentaram como nossa área é promissora e não faltará
atuação, igualmente como da educação física, informática e turismo. Façam também um
aprofundamento na educação física, nas academias, por exemplo, sempre terá alguém
necessitando desse apoio da psicologia. Lembrando sempre do estudo, investiguem,
saibam, que lembrarão sempre de vocês no momento de pedir um apoio, e terão sempre
respeito.

Questões para o/a aluno/a responder:

1. Como foi a experiência de entrevistar um profissional da área da


psicologia? E, qual o maior aprendizado que essa entrevista me
oportunizou?

A experiência proporcionada ao grupo foi muito positiva sobretudo em razão


de termos realizado a entrevista via plataforma ZOOM, por videoconferência,
durante aproximadamente 1h15, permitindo-nos uma conversa descontraída e
afetiva, em que a troca e os compartilhamentos vão além das palavras trocadas.
E isso com um profissional experiente com mais de 30 anos de atuação como
psicólogo. O maior aprendizado proporcionado ao grupo foi a partir do
exemplo de estudo, dedicação e amor à profissão, demonstrado de várias
formas na entrevista, seja pela maneira como o entrevistado falava, ou pelo
vasto currículo e demonstração de vontade de sempre estar querendo se
aperfeiçoar e se atualizar dentro do campo da psicologia. Acrescentando-se a
isso a intensa atividade do entrevistado em iniciativas como: ser presidente de
instituições vinculadas à profissão, criar os cursos de Psicologia e Educação
Física na Feevale, Coordenar Mestrado e Doutorado em Psicologia do Esporte
na Espanha, etc. Isso também ficou evidente quando o entrevistado mencionou
que os psicólogos de alguma forma são docentes, pois contribuem para a
formação dos pacientes, mencionando ainda o fato de, em razão disso, sermos
imortais, pois os aprendizados proporcionados aos pacientes são transmitidos a
outras pessoas e às futuras gerações.
2. Qual o ponto da entrevista proporcionou mais reflexões (ou mais me
surpreendeu) e por qual motivo?

O que mais surpreendeu o grupo foram algumas questões citadas pelo entrevistado
relacionadas com a falta de ética, como por exemplo: o fato de a imprensa
pressionar psicólogos e/ou clubes para obterem informações privilegiadas, como dar
um “presentinho” para a secretaria e convidar atleta para alguma festa com bebida e
se aproveitar para saber de assuntos mais reservados. Nesse sentido também,
surpreendeu-nos quando o entrevistado mencionou sobre interesses de má fé para
com o psicólogo, como por exemplo testes psicológicos para a liberação de porte de
armas, que as pessoas faziam suborno com os profissionais para obter essa
liberação. Além disso, chamou muito a atenção do grupo o fato do entrevistado
ressaltar muito e incentivar o estudo continuado e destacar a importância também de
se ter graduação ou formação em outra área complementar, a fim de ampliar as
possibilidades profissionais (ele se referia ao fato de ele também ter graduação em
Educação Física e também especialização em Métodos de Tècnica de Ensino, e
quão importante foi para as oportunidades que teve).

3. Faça uma reflexão, com base na entrevista, sobre o impacto do trabalho da


área de atuação do psicólogo entrevistado, em relação ao momento de
pandemia que vivemos.

A partir da reflexão do grupo, com base na entrevista, pode-se constatar que o


entrevistado percebeu os efeitos da pandemia a partir da grande quantidade de
pessoas que foram afetadas. O entrevistado disse que as pessoas estão sofrendo
muito, estão cansadas e às vezes os psicólogos não conseguem ajudar e isso causa
certa impotência. “Eu estou numa linha de trabalho na área da saúde e várias
pessoas de outras formações estão sofrendo muito, numa pressão violenta”.

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