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PSICOPATOLOGIA E A TCC

(TERAPIA COGNITIVO-
COMPORTAMENTAL)

Autoria: Paulo Henrique Nogueira da Fonseca

1ª Edição
Indaial - 2022

UNIASSELVI-PÓS
CENTRO UNIVERSITÁRIO LEONARDO DA VINCI
Rodovia BR 470, Km 71, no 1.040, Bairro Benedito
Cx. P. 191 - 89.130-000 – INDAIAL/SC
Fone Fax: (47) 3281-9000/3281-9090

Reitor: Prof. Hermínio Kloch

Diretor UNIASSELVI-PÓS: Prof. Carlos Fabiano Fistarol

Equipe Multidisciplinar da Pós-Graduação EAD:


Carlos Fabiano Fistarol
Ilana Gunilda Gerber Cavichioli
Norberto Siegel
Julia dos Santos
Ariana Monique Dalri
Jairo Martins
Marcio Kisner
Marcelo Bucci

Revisão Gramatical: Desenvolvimento de Conteúdos EdTech

Diagramação e Capa:
Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI

Ficha catalográfica elaborada pela equipe Conteúdos EdTech


UNIASSELVI

Copyright © UNIASSELVI 2022

F676p

Fonseca, Paulo Henrique Nogueira da

Psicopatologia e a TCC (terapia cognitivo-comportamental) /


Paulo Henrique Nogueira da Fonseca. – Indaial: UNIASSELVI, 2022.

177 p.; il.

ISBN Digital 978-65-5646-503-6


1. Terapia comportamental – Brasil. II. Centro Universitário
Leonardo da Vinci.

CDD 158
Impresso por:
Sumário

APRESENTAÇÃO.............................................................................5

CAPÍTULO 1
História E Fundamentos Da Psicopatologia...............................7

CAPÍTULO 2
Psicologia Clínica –
Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC)................................69

CAPÍTULO 3
Aplicação E Eficácia Da TCC Na Prática Clínica E No
Contexto Organizacional.........................................................123
APRESENTAÇÃO
Mil outros o fizeram antes de mim, e não me agrada encher um
livro com coisas que todo mundo sabe. Observarei tão somente
que desde sempre todos se opõem ao estabelecido, sem que
ninguém pense em propor coisa melhor. A literatura e o saber
de nosso século tendem bem mais a destruir que a edificar.
Censura-se em tom de professor. Para propor é preciso outro,
em que o nível filosófico se compraz menos. Apesar de tantas
obras que só têm como objetivo, dizem, ser úteis ao público, a
primeira de todas essas utilidades, que é a arte de formar os
homens, permanece esquecida. (ROSSEAU, 1979, p. 6)

Quando Rosseau lançou Emílio, no ano de 1762 do mundo medieval, havia


apenas resquícios na Europa, e as ciências proporcionavam para a indústria e
para o novo modelo de sociedade várias inovações. Apesar disso, o autor pareceu
queixoso sobre a acidez de críticos da época, que mais faziam atribuir valor que
propor coisas novas. Ainda que seu livro objetivasse instruir sobre a educação, ele
mencionou a literatura e o saber científico. Mais de dois séculos e meio depois,
podemos dizer que o autor foi rigoroso na generalização, visto o quanto as várias
áreas das ciências contribuíram para uma verdadeira transformação tecnológica
na vida do homem.

Mas, ao final do parágrafo, ele foi seletivo e fez distinção, apontando o deficit
que existia nas ciências que tratavam da formação humana. Skinner (2000),
dois séculos depois de Rosseau, apontou quase o mesmo, ou seja, que as
ciências da física e da biologia evoluíram de forma incrível, enquanto as ciências
do comportamento humano pareciam estar estagnadas no legado filosófico de
Platão.

Este livro não tem relação com a forma como evoluímos como seres
humanos. Mas trata de uma área da vida que muito diz do homem: o estudo da
mente humana. Ao longo da história, os estudos sobre a mente humana tiveram
oscilações, algo comum nas ciências. Ora se deu sobre bases convictas, ora foi
preciso descontruir para avançar.

Veremos, neste livro, que a psicopatologia e a abordagem da Terapia


Cognitivo-Comportamental (TCC) tiveram trajetórias independentes, beberam
de fontes filosóficas, mas buscaram validar suas verdades por meio da ciência.
Apesar de propostas e objetivos distintos, em comum, visaram e visam à
compreensão do sofrimento humano. Ambas contribuem para que se chegue à
possibilidade de o adoecimento mental ser entendido, diminuído e curado. São
complementares, já que uma se preocupa em ordenar e classificar em categorias
sintomas e doenças mentais, enquanto a outra visa ser uma linha de tratamento
para essas doenças. Além disso, podemos dizer que a última, a TCC, pretende
não apenas tratar, mas se antecipar e prevenir o adoecimento.

Este livro conta com três capítulos. No primeiro, veremos como a


Psicopatologia se formou como ciência e como contribui atualmente para o
estudo sistemático do comportamento, da cognição e das experiências anormais
da mente. Perceberemos que a Psicopatologia surgiu tomando para si a loucura
como objeto de interesse e intervenção médica. A loucura, desde as antigas
civilizações, esteve na esfera das explicações míticas e religiosas. Oscilou entre
a liberdade e o enclausuramento, entre a aceitação e o afastamento da ordem
social, até cair nos hospitais gerais, no século XVII, e esses, passando a ser o
espaço de atuação médica a partir do século XVIII, fizeram com que a Medicina
se apropriasse do cuidado à loucura.

No segundo capítulo, veremos como, na segunda metade do século XX, a


TCC apareceu como opção psicoterápica para o tratamento do sofrimento mental.
Não seria a primeira linha de tratamento, pois nasceu como uma alternativa em
meio à insatisfação às abordagens predominantes da psicanálise e da terapia
comportamental. Tornou-se rapidamente uma das principais linhas psicoterápicas.
O capítulo terceiro apresenta as contribuições da Psicopatologia e da TCC no
cotidiano, na prática de profissionais e na vida das pessoas.

Para um livro de poucas páginas e que abrange um tema tão amplo,


esperamos contribuir de alguma forma para aqueles e aquelas que desejam se
dedicar ao cuidado à saúde mental. Alguns poderão ler com uma sensação de
desperta curiosidade, tal qual é do íntimo daqueles que são novatos em algo.
Outros – possivelmente a maioria – poderão ler como quem passeia em um
terreno suave e sem percalços, por terem percorrido antes um caminho em que
mestres e leituras ensinaram muita coisa. Até para esses, pensando no mérito
daqueles que muito sabem, o autor deste livro fica satisfeito com a sua missão, à
semelhança do espartano citado por Rosseau:

Placedemônio Pedarete apresenta-se para ser admitido ao


conselho dos trezentos; e recusado; volta satisfeito por ter
encontrado em Esparta trezentos homens mais dignos do que
ele. Suponho que essa demonstração era sincera; e de se
acreditar que era. Eis o cidadão. (ROSSEAU, 1979, p. 13)
C APÍTULO 1
HISTÓRIA E FUNDAMENTOS DA
PSICOPATOLOGIA

A partir da perspectiva do saber-fazer, são apresentados os seguintes


objetivos de aprendizagem:

• Apresentar os principais conceitos em psicopatologia.


• Identificar as fontes bibliográficas clássicas que norteiam a atuação profissional.
• Expressar domínio do contexto histórico e teórico sobre fundamentos da
psicopatologia.
• Apresentar as habilidades para a investigação diagnóstica em saúde mental na
prática profissional.
• Demonstrar raciocínio clínico nas avaliações psicológicas no contexto da
psicopatologia.
• Ter habilidades para discutir casos acompanhados no processo de trabalho
com equipes multiprofissionais.
PSICOPATOLOGIA E A TCC (TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL)

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Capítulo 1 HISTÓRIA E FUNDAMENTOS DA PSICOPATOLOGIA

1 CONTEXTUALIZAÇÃO
De novo seu plano lhe pareceu frágil demais, e aquela coisa
respirante que ele era no escuro pareceu-lhe muito pouco,
como começo de conversa. Martim se atrapalhou todo
como se tivesse mais dedos do que precisava e como se
ele próprio estivesse atabalhoando o próprio caminho. Veio-
lhe então o desejo de que uma criança começasse a chorar
para ele poder ser bom para ela. É que estava desamparado
e sentia necessidade de dar, que era a forma como uma
pessoa desajeitada sabia pedir. Sua ambição era grande e
desamparada, ele queria segura a mão de uma criança; estava
um pouco cansado. (LISPECTOR, 1998, p. 137)

A preocupação com relação ao comportamento humano serve aos mais


diversos propósitos na sociedade contemporânea, e não se pode dizer que tal
interesse é exclusivo dos tempos atuais. As pressões seletivas para a cooperação
e a socialização entre as pessoas apresentam, ao longo da história e das
diferentes civilizações, conjuntos de mecanismos que ditam os modos de se
expressar, de se comunicar, de produzir, de agir e outras formas de se manifestar
do ser humano. A expectativa por padrões de comportamentos esperados está
ligada de forma inerente à busca por normalidades e, consequentemente, ao tido
como desviante, à correção, à punição, à extinção ou à estigmatização.

A variação do comportamento humano decorre de múltiplos fatores, mas


é no estudo do psiquismo, ou seja, no estudo da mente, que se busca por
várias respostas. Contudo, o estudo da mente humana oferece desafios. Neste
capítulo, veremos que, ao longo do surgimento da Psicopatologia, houve paralela
resistência, justificada pela dificuldade imposta pelo estudo deste objeto “invisível
e não palpável” que é o psiquismo. A Psicopatologia, contudo, consolidou-se como
área do estudo da mente humana e, mais precisamente, como área do estudo das
patologias da mente.

Veremos, ainda, que a história da Psicopatologia se confunde com a história


da Psiquiatria (especialidade médica), tendo a sua origem e desenvolvimento no
encalço dessa especialidade da Medicina, mas culminando na imersão e interação
com outras disciplinas da área da saúde a partir do século XX, principalmente com
a Psicologia Clínica. Já nos seus primórdios, a Psicopatologia teve por princípio
a elaboração de classificações de sintomas e comportamentos desviantes que
ocorrem na vida das pessoas.

Apesar dos avanços na superação da ênfase classificatória, com a


implementação do método anatomopatológico e da busca por rigor científico,
a Psicopatologia segue na esteira da descrição de sintomas psíquicos
e anormalidades comportamentais para indicar transtornos e síndromes
psiquiátricas.
9
PSICOPATOLOGIA E A TCC (TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL)

Mas como não correr o risco de se apontar como anomalias mentais ou


comportamentais os fenômenos que apenas se apresentam como diferentes?
Ou seja, qual o limiar de separação do normal para o apenas diferente e para o
adoecimento mental? Veremos, neste capítulo, que esse limiar é um desafio para
a psicopatologia.

Apesar dos desafios, a Psicopatologia chegou ao século XXI tendo


ultrapassado as fronteiras acadêmicas, com a imersão no nosso cotidiano, já
que se torna cada vez mais comum nomearmos comportamentos, sentimentos,
sensações e manifestações utilizando as nomenclaturas e conceitos descritos nos
manuais de diagnósticos de transtornos mentais. Essa característica demarca a
importância e a responsabilidade dos profissionais que atuam na área de saúde
mental, já que se tornam os atores que devem promover a separação entre mitos
e verdades, preconceito e desestigmatização, desinformação e educação em
saúde, achismo e cientificidade, compromisso aleatório e compromisso ético.

FIGURA 1 – QUAL O LIMIAR ENTRE NORMALIDADE,


DIFERENTE E PSICOPATOLÓGICO?

FONTE: <https://pixabay.com/pt/vectors/mulher-cobertura-chuva-
edif%c3%adcios-5716900/>. Acesso em: 16 jan. 2022.

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Capítulo 1 HISTÓRIA E FUNDAMENTOS DA PSICOPATOLOGIA

Neste capítulo, o objetivo é que você, aluno ou aluna, aumente seu


conhecimento funcional em relação à Psicopatologia, ou seja, que possa
processar tais informações em níveis de aplicabilidade e ter condições de, por
meio delas, buscar novas fontes de saberes sobre o tema. Principalmente,
entendido que é impossível esgotar em um capítulo as nuances de uma área
com tão vasto arcabouço teórico e, ainda, que os ingressantes nesta disciplina
cheguem a diferentes níveis de domínio sobre o tema, espera-se que cada um
consiga avançar nas competências em Psicopatologia, tanto por meio dos textos
quanto das atividades propostas na disciplina.

2 ETIMOLOGIA E DEFINIÇÕES DE
PSICOPATOLOGIA
Antes de ingressarmos em um pouco de história e de narrativa sobre o
desenvolvimento da Psicopatologia, parece pertinente, singular estudante, que
nos debrucemos sobre o que é a Psicopatologia. Parece uma questão óbvia, mas
você conseguiria defini-la? É uma disciplina da área da Medicina? É uma disciplina
da área da Psicologia? É um ramo da ciência? É um método de investigação? É
uma corrente teórica? É uma categoria profissional?

Vejamos! A etimologia de Psicopatologia vem da junção de três conceitos


do grego: psychê, que significa “psique”, “alma”; pathos, que significa “excesso”,
“sofrimento”, “patológico” e; logos, que significa “estudo”, “ciência”. Dessa forma,
Psicopatologia é compreendida como estudo do sofrimento psíquico (DEMINCO,
2018).

Repare que, dentre as possibilidades de estudos do comportamento e da


mente humana, o foco da Psicopatologia está no que é desviante, no que excede
ou que falta, no que tira o equilíbrio e provoca sofrimento.

Podemos, a partir do exposto nas últimas linhas, focar uma definição.


Assim, compreendida como vinculada à área da Medicina, muito presente no
campo da Psicologia Clínica e abarcada em outras distintas disciplinas, tais como
Enfermagem, Sociologia e Filosofia, a Psicopatologia é um ramo da ciência
que abrange um conjunto de conhecimentos concernentes ao adoecimento
mental (JASPERS, 1987).

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PSICOPATOLOGIA E A TCC (TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL)

Apesar da definição trazida no corpo do texto, necessária para


situarmos a demarcação habitual e tradicional de Psicopatologia,
Moraes e Macedo (2018, p. 84) afirmam que o termo que nomeia
essa área de conhecimento “configura-se como um conceito amplo
e complexo” e que “cada contexto histórico-político teve a sua
definição”. Eles ainda acrescentam que “a complexidade que envolve
a definição de psicopatologia não recomenda a opção por uma
conceituação restrita e homogênea, sob o risco de, ingenuamente,
desconsiderar as especificidades de diferentes e diversos saberes”
(MORAES; MACEDO, 2018, p. 92). O texto, em forma de revisão
narrativa, é uma ótima indicação caso o aluno queira aprofundar seu
domínio crítico em relação ao conceito.

Se, então, em algum momento, você, estudante, vier a ser convidado a dar
uma definição do que é a Psicopatologia, as poucas palavras acima servem para
designá-la e situá-la. Contudo, talvez o seu interlocutor deseje saber mais e/ou
você também queira expandir a explicação, apontando o que faz parte e o que
não faz parte dela. Dalgalarrondo (2008), destrinchando demarcações e limites,
apresenta um levantamento do que envolve o termo “psicopatologia”: é um
conhecimento que busca a sistematização, a cientificidade, e que se afasta assim
de incluir critérios de valor ou dogmas. A Psicopatologia tem raízes na tradição
médica, mas também bebe de fontes humanística (principalmente da Filosofia e
das Psicologias), não se confundindo com a Neurologia, e se consolidando como
uma área científica autônoma.

Por fim, cabe apresentar uma resposta para a seguinte questão: qual a
relação ou associação entre Psicopatologia, Psiquiatria e a Psicologia? Enquanto
a Psicopatologia se preocupa em observar, compreender e descrever – por meio
de métodos – as manifestações patológicas ou as doenças mentais, a Psiquiatria
e a Psicologia se preocupam com a cura. Ainda que a cura não seja alcançada,
a expectativa dessas duas é o alcance ao menos da diminuição dos sintomas e
a melhora da qualidade de vida das pessoas adoecidas. Não são concorrentes,
mas complementares. A Psiquiatria tem na terapia medicamentosa a sua principal
estratégia de intervenção, embora não seja a única. Já a Psicologia tem a
psicoterapia (individual ou grupal) como principal ferramenta, embora utilize
várias alternativas não medicamentosas. Logo, a relação também acaba sendo
instrumental, em que a Psicopatologia oferta seu arcabouço de conhecimentos
aos diagnósticos à Psiquiatria, à Psicologia, assim como a outras categorias

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Capítulo 1 HISTÓRIA E FUNDAMENTOS DA PSICOPATOLOGIA

profissionais na prática clínica, como Enfermagem, outras especialidades


médicas, Fisioterapia etc.

3 A HISTÓRIA
A história da Psicopatologia se entrelaça com a história da Medicina, com a
instituição da especialidade médica da Psiquiatria (ou do alienista, na Europa no
século XVIII), com a história da evolução dos hospitais e, no geral, com a própria
história das experiências políticas, sociais e econômica do ser humano. O último
aspecto, relativo aos diferentes modelos de organização social e de produção
do ser humano, aparecerá apenas como pano de fundo na presente exposição.
Acresce-se ainda a história da loucura, ou seja, a biografia dos comportamentos
desviantes e a forma como foram concebidos em cada época. Podemos partir
desse ponto, deixando claro que seguiremos a linha cronológica da cultura
ocidental.

Por alienista, entende-se o profissional de Medicina que se


dedica aos estudos e tratamentos das pessoas com transtornos
mentais. Surgida na virada do século XVIII para o século XIX, é
considerada a primeira especialidade médica. A Psicopatologia e a
Psiquiatria são herdeiras do trabalho dessa medicina especial, que
surge para resolver o complexo da organização social em torno da
loucura no seio de uma sociedade que deixara o feudalismo para
trás e se caracterizava pela produtividade industrial de base operária
(AMARANTE, 1996).

3.1 DA ANTIGUIDADE ATÉ O PERÍODO


DA GRÉCIA ANTIGA
Na Antiguidade, no período pré-grego, as doenças e as moléstias mentais
eram associadas às mais variadas causas. Esqueçamos, caro/a leitor/a, a figura
do médico, do hospital e dos manuais com listas de sintomas e síndromes.
As interpretações sobre a origem das doenças mentais, segundo Salaverry
(2012), eram compartilhadas por sacerdotes, curandeiros ou pela tradição oral,
transmitidas de geração a geração.

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PSICOPATOLOGIA E A TCC (TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL)

Povos de diferentes épocas e lugares da antiguidade atribuíam a loucura


aos deuses, aos demônios e às forças naturais, tendo como ponto em comum
a derivação explicativa oriunda do pensamento primitivo, mítico e místico.
Logo, devemos situar também que as formas de lidar com os comportamentos
desviantes se baseavam nos rituais religiosos, na exclusão dos diferentes e, em
algumas tradições, no temor e respeito, associando a loucura a sinais proféticos e
com a mediação dos deuses.

A concepção naturalista da doença mental começa na Grécia, por volta


do século V a.C., quando, por meio do afloramento dos sofistas e, depois, dos
filósofos, o conhecimento baseado na razão vai se sobrepondo ao mítico. Aqui,
temos um primeiro exemplo de como a percepção acerca das manifestações
comportamentais oscilam de acordo com as mudanças culturais de um povo.

O humoralismo surgia como doutrina interpretativa da saúde, que


consistia, resumidamente, na teoria de que quatro "humores" que compunham
o corpo humano – bílis negra, bílis amarela, fleuma ou pituitária e sangue –
influenciavam a saúde, a personalidade e o jeito de ser. No caso das doenças
mentais, surge como interessante valor paradigmático o apontamento do cérebro
como responsável pelo equilíbrio ou desequilíbrio emocional, intelectual e
comportamental (SALAVERRY, 2012).

A teoria humoral é a interpretação de que a saúde


está relacionada ao equilíbrio dos humores corporais. O adoecimento
derivaria, assim, do excesso, deficiência ou distribuição irregular dos
humores pelo corpo. Apesar de atribuída normalmente a Hipócrates,
evidências mostram que não se trata da contribuição de um único
autor. A terapêutica recomendada pelo humoralismo teve variações
em diferentes épocas, mas, no geral, consistia na indicação de
dietas, exercícios, físicos, banhos, aplicações de cozimento, laxantes
e outras. Apesar de a literatura muito apregoar como sendo a teoria
dos quatro humores (das influências do sangue, da fleuma, da bílis
negra e da bílis amarela), houve variações também no quantitativo
desses ao longo da história (MARTINS; SILVA; MUTARELLI, 2008).

14
Capítulo 1 HISTÓRIA E FUNDAMENTOS DA PSICOPATOLOGIA

Hipócrates (460 a.C.- 370 a.C.), intitulado o pai da medicina, a partir do


humoralismo, elencou, na área das doenças mentais, algumas enfermidades como
a melancolia, a epilepsia e a histeria e algumas fobias e demências. Podemos
considerar tal trabalho como a materialização da característica descritiva e
classificatória dos tratados de doenças mentais, o que viria a ser um ensaio para
a instituição da psicopatologia. Além disso, Hipócrates dividiu as personalidades
em coléricas, fleumáticas, sanguíneas e melancólicas, observou as influências da
relação entre a pessoa e a sua condição no mundo, a relação entre o médico
e o paciente e indicou formas de tratamentos seguindo princípios naturalistas, e
não mais ritualísticos – por meio de recursos como drogas, regimes específicos
ou ambos –, antecipando estudos centrais da saúde mental contemporânea
(OLIVEIRA, 2002; SALAVERRY, 2012).

FIGURA 2 – HIPÓCRATES: PAI DA MEDICINA OCIDENTAL

FONTE: Miranda-Sá Jr. (2013, s.p.).

Vale lembrar que à filosofia grega devemos premissas importantes


que, na ciência contemporânea, tornaram-se objeto de estudo da
psicologia. Platão (427-348 a.C.) introduziu a discussão acerca da
dualidade entre mente e corpo, propondo a existência da realidade
psicológica, com a diferenciação entre o mundo das ideias e o mundo
sensível às nossas experiências. Aristóteles (384-322 a.C.) apresentou

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PSICOPATOLOGIA E A TCC (TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL)

a classificação de conceitos como a consciência, a memória, a


percepção, os afetos e as emoções e discorreu sobre a dor e o prazer
na vida do ser humano. Cícero (106-43 a.C.) antecipou a hipótese
psicossomática, ao apontar que as doenças corporais podiam ter a
sua origem no sofrimento emocional (MENDONÇA, 2005).

3.2 DA SOCIEDADE ROMANA E


SOCIEDADE MEDIEVAL
A sociedade romana, herdeira da cultura grega após a expansão do Império
Romano, por séculos não contribuiu com o mesmo ímpeto para a expansão da
ciência no campo da saúde. Com um estilo de organização social mais voltado
para a ação que para o incitamento do conhecimento, no geral manteve a
tradição hipocrática relativas às condutas avaliativas e terapêuticas. Ainda assim,
no período de domínio romano, alguns autores colaboraram para avanços nas
formas de teorização e tratamento das doenças mentais, como Galeno (130-200
d.C.), que influenciou o desenvolvimento da farmacopeia (arte de registrar em
catálogo ou livro receitas e fórmulas de medicamentos).

Outros ainda acresceram importantes inovações nos métodos de prescrição,


dietas especiais e exercícios corporais (OLIVEIRA, 2002). Aos romanos devemos
também dar créditos pelas primeiras aplicações voltadas para a saúde pública,
com a implementação nos centros urbanos de aquedutos, redes de esgoto,
política de controle de alimentos e outras estratégias que visavam à melhora do
arranjo comum entre os cidadãos (SALAVERRY, 2012). Mas o que isso tem a ver
com a saúde e, ainda, com a saúde mental? Basta associarmos essas iniciativas
ao conceito psicossocial em voga na atualidade para entendermos a importância.

A história da evolução da saúde mental, assim como aconteceu com a


ciência de uma forma em geral, passou por um processo de involução na Idade
Média. Nela, acontece o regresso ao misticismo na forma de interpretar a doença
mental. As concepções naturalistas greco-romanas são abandonadas e a loucura
é vista como manifestação demoníaca ou bênção, encarnação do mal, expiação
do pecado, sinal divino e afins. Mas como isso se deu?

Com a expansão do cristianismo, que foi oficializado como a religião a ser


seguida no território romano, o caráter naturalista da ciência deu lugar à visão
cristã, sendo que, na saúde, isso implicou a explicação da doença como um
desígnio divino. A doença mental deixa de ser vista como uma enfermidade e

16
Capítulo 1 HISTÓRIA E FUNDAMENTOS DA PSICOPATOLOGIA

passa a ser considerada uma manifestação fundamentalmente dentro da esfera


divina, ora com rótulo demoníaco, ora como algo puro e milagroso.

Não é preciso esforço reflexivo para imaginar quais os métodos de


intervenção utilizados. Além dos métodos supersticiosos, religiosos e corretivos, é
nesse período que a prática da segregação e exclusão passa a ser sistematizada.
A figura do louco passa a fazer companhia à figura do leproso, estigmatizada
desde o contexto bíblico, e à figura do mendigo, que se prolifera com a miséria
e a desordem. Juntas, elas caracterizam o espaço urbano da Idade Média.
Leprosos, loucos e mendigos formam o conjunto de indesejáveis na esfera social
(OLIVEIRA, 2002; MENDONÇA, 2005).

FIGURA 3 – A EXTRAÇÃO DA PEDRA DA LOUCURA

FONTE: <https://www.museodelprado.es/en/the-collection/art-work/the-extraction-of-the-
stone-of-madness/313db7a0-f9bf-49ad-a242-67e95b14c5a2>. Acesso em: 17 jan. 2022.

17
PSICOPATOLOGIA E A TCC (TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL)

Não podemos abalizar a leitura que se fazia da doença mental na Idade


Média sem considerar a cultura e o pensamento dominante no período. Domínios
conceituais como doença mental e transtornos psíquicos não eram conjecturados.
Salvo em alguns estudos aleatórios de aventureiros nesse tempo quase
acientífico, as alterações comportamentais e mentais não eram consideradas
dentro da esfera da saúde.

Até escritos e descobertas que séculos depois seriam vistos como


interessantes elaborações do período medieval, não eram recepcionados com
credibilidade na época, ao contrário, poderiam ser abafados pelas autoridades
religiosas. Já que no pecado estava a causa explicativa para as diversas
disfunções corporais, mentais ou sociais, o papel do médico – em número muito
pequeno – se limitava basicamente a estudar a enfermidade em termos filosóficos,
sem a função prática e interventiva (MATIAS, 2015).

Quando nos referimos à Idade Média, embora a característica de uma certa


paralisia em relação ao quadro social e às inovações científicas, cerceada pelo
dogmatismo do cristianismo, estamos falando de um período de mil anos (séculos
V a XV), tempo suficiente para variação das crenças, costumes e mecanismos de
controles na organização social. Assim, norteada pelos valores do cristianismo,
essa mesma época produziu tanto a figura do bispo próximo do povo e guardião
das cidades do século V (período das invasões bárbaras) quanto concebeu, na
Alta Idade Média, a figura do alto clero, detentor da riqueza e do poder.

Contrasta ainda com a figura do santo que renuncia aos bens materiais e
aos prazeres mundanos para ser, seja de forma itinerante ou instalado em um
mosteiro, um intercessor entre o ser humano que sofre e o Deus que intervém
contra as moléstias, já que a origem delas estava no pecado e na influência do
demônio. Assim, por meio do aparato religioso, também era possível mitigar as
aspirações à mudança da ordem social e, ao mesmo tempo, incitar homens a
guerras em favor de reivindicações da Igreja (MATIAS, 2015).

Guiados pelos livros de História, apesar das demarcações que findam o


período medieval e apontam o início da Idade Moderna no século XV, sabemos
que a transição não foi linear. O sistema feudal (modo de organização social,
político e cultural baseado no regime de servidão) já vinha se transformando nos
séculos anteriores ao Renascimento, em razão de fatores como a ascensão da
burguesia nas cidades, as crises e as revoltas dos servos nos campos, o êxodo
rural e as trocas culturais e comerciais alavancadas com as próprias guerras
contra o domínio islâmico nas Cruzadas etc.

No campo da saúde, embora não fosse assim associada, a epidemia da


peste negra (ou peste bubônica) matou milhões de pessoas a partir do século

18
Capítulo 1 HISTÓRIA E FUNDAMENTOS DA PSICOPATOLOGIA

XIV, atingindo os miseráveis, os trabalhadores, a nobreza e o clero, sem fazer


distinção. Tudo isso favorecia fervilhar uma nova leitura sobre o ser humano e a
sua condição antológica.

3.3 DA RENASCENÇA AO SÉCULO


XVIII
Seguindo a linha da história da saúde mental, do século XV até o século
XVIII, a junção de fatores religiosos, sociais, filosóficos, econômicos e culturais, na
esteira do desenvolvimento científico impulsionado pelo pensamento humanista,
culminará com a consolidação dos hospitais como local de acolhimento da loucura
e do surgimento da figura do alienista como responsável pelas observações,
classificações e tratamentos dos doentes mentais (AMARANTE, 1996). Vejamos
alguns fatores que influenciaram essa guinada no campo da saúde mental.

Vimos, em parágrafos anteriores, que no final da Idade Média, o doente


mental, o louco, é tido como uma figura envolta de misticismo religioso,
submetido à mesma segregação aplicada aos leprosos e miseráveis. Passam
a ser confinados em locais isolados e sem propósitos definidos, a não ser o de
resguardar o resto da população do risco de contágio da loucura. A lepra é, aos
poucos, extinguida, ficando a doença mental na evidência das hierarquias dos
vícios humanos.

Com a Renascença, a marginalização e a discriminação da loucura não


deixam de existir, ganhando apenas novos parâmetros e referenciais para balizar
o desajuste. Aos poucos, vai se substituindo a representação da inspiração
mística, partindo de uma instituição desviante das promessas divinas para uma
posição de desviante da razão.

Antes objeto de reflexão religiosa, o que ainda não deixa de ser, a partir do
século XV a loucura passa a ser de interesse das reflexões sociais e políticas.
Passa a ser, inclusive, objeto de disputa, já que, afinal, o trabalho de limpar os
desajustados das cidades cabia a instâncias que recebiam por essa “caridade”.
Os estabelecimentos destinados a “cuidar” dos loucos se proliferam de tal forma
que surge a necessidade de formalizar o espaço institucional e os processos de
repressão. Surge, assim, o hospital geral (FOUCAULT, 1997).

Percebe, astucioso e astuciosa estudante, o que está se desenhando?


Temos, no cenário trazido até aqui, ideais de normalidade comportamental de
referenciais religiosos ou humanistas. Consequentemente, temos o protótipo
do ser humano inadequado aos olhos da ordem social; e os espaços onde os

19
PSICOPATOLOGIA E A TCC (TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL)

desviantes da normalidade não podem frequentar e onde devem ficar. Não está
tão claro, porém, quem será o responsável por cuidar dos desajustados.

Enquanto não se consolida a figura da autoridade ou profissional que tomará


para si os cuidados à doença mental, a loucura recebe o mesmo tratamento dado
à pobreza, sobre a forma de limpeza dos centros urbanos. Reparemos que, por
exemplo, com a propagação do racionalismo e do humanismo, a loucura não é
mais a consequência do pecado. Não pode ser incluída também no tipo de desvio
comportamental observado no criminoso, já que o louco não tem domínio racional
dos seus atos. Logo, isso deixa margem para que a ciência médica vá tomando a
loucura como seu objeto de estudo (FOUCAULT, 1997).

O dispositivo do hospital geral se prolifera na Europa. Não tem ainda a função


de uma instituição médica, mas de uma instância repressora. Porém, sem os
recursos funcionais para resolver o problema da loucura, perde-se o domínio dos
mecanismos de controle de limpeza. Assim, os loucos oscilam entre frequentar o
hospital geral e os espaços da cidade. A Igreja continua em cena. O discurso de
sensibilização dirigido aos fiéis com relação à presença dos loucos e pobres na
cidade justifica o pedido das oferendas e do dízimo, para que a Igreja continue
cumprindo sua missão de caridade. Ainda, faz a propaganda de Igreja que não
se mostra alheia aos problemas sociais e estabelece o elo entre os interesses da
burguesia e da realeza (FOUCAULT, 2005).

Séculos XVI e XVII se esvaem com a expansão do mundo conhecido, fruto


das grandes navegações. Trazem em seus bojos o racionalismo cartesiano,
o empirismo lockeano, os experimentos renascentistas e os desdobramentos
nas artes e na literatura. No contexto do adoecimento mental, poucos passos
foram dados para uma perspectiva científica e médica (MENDONÇA, 2005).
Particularmente simbólica, explorada em seu significado alegórico por Foucault
(1997), a nau dos loucos, ou navio dos loucos, representava a figura da existência
de barcos – que realmente existiram – que transportavam cargas humanas a
serem limpas das cidades. Representava a situação dos loucos que, quando não
institucionalizados nos hospitais gerais, viviam experiências errantes, expulsos
das cidades, obrigados a peregrinar de lugar em lugar.

20
Capítulo 1 HISTÓRIA E FUNDAMENTOS DA PSICOPATOLOGIA

FIGURA 4 – A NAU DOS LOUCOS

FONTE: <https://collections.louvre.fr/en/ark:/53355/
cl010062860>. Acesso em: 17 jan. 2022.

A nau dos loucos tem como paralelo no Brasil a figura simbólica,


mas também tirada da realidade, do trem ferroviário. Na virada do
século XIX para o século XX, e nas décadas subsequentes, várias
cidades e vilas do país, que não possuíam instituições para alienados,
mandavam os doentes mentais de trem para serem internados em
manicômios localizados em outras regiões (JABERT, 2001). O conto
de João Guimarães Rosa (2008), Sorôco, sua mãe e sua filha, baseia-
se nesse contexto. Sorôco, alertado pela vizinhança, vai percebendo
que mãe e filha passam a ter comportamentos estranhos, bizarros.
As duas temem ser levadas pelo trem que leva os doentes mentais
ao hospital psiquiátrico de Barbacena (Minas Gerais), enquanto
Sorôco vive o dilema se as envia para lá ou não. A história deve se
passar na primeira metade do século XX.

21
PSICOPATOLOGIA E A TCC (TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL)

Mas, afinal, quando a loucura começa a se aproximar do pensamento médico


e ganha espaço no cardápio das ciências da saúde? Os movimentos de internação
ocorridos a partir do século XVII passam a designar a doença mental como
disfunção ou incapacidade para o trabalho e para as atividades sociais. Começa a
surgir, inclusive, ainda que na forma de exceção, hospitais específicos reservados
para os cuidados da enfermidade mental. Ali, procedimentos como sangrias,
purgações, banhos prescritos e outros são aplicados na tentativa, ainda que de
forma experimental, de obtenção de respostas aos comportamentos desviantes.
Nesse espaço, o médico passa a demarcar um pouco mais de presença, ainda que
a preocupação fosse menos com os doentes do que com o temor da propagação
do contágio da loucura, que, se pensava, seria transmissível.

Na esteira desse cenário, na segunda metade do século XVIII, chegamos


a um estágio crucial em que a medicina demarcará a tomada da loucura como
de sua alçada. Não fará isso, segundo Foucault (2005), por meio somente de
avanços teóricos e científicos, mas utilizando estratégias de segregação,
repressão e marginalização. Após a revolução do conhecimento e da ciência
oriunda dos ideais renascentistas do século XV e XVI, a Revolução Industrial e
a constituição do estado absolutista surgem como reforçadores da inadequação
caracterizada na loucura.

Curiosamente, Foucault aponta que a mesma baliza usada para estigmatizar


o louco, a saber, o elogio à razão, que demarca o inadequado na loucura,
impulsionará o movimento de reforma dos hospitais de internação, com a
justificativa da possibilidade da cura. Só faltava que médicos fizessem o trabalho
de apresentar novas explicações e novas práticas (FOUCAULT, 2005).

Aproveitada a menção do autor, indica-se a obra História da Loucura,


de Michael Foucault. Um clássico da literatura da saúde mental. Nela, o autor
desenvolve as narrativas em volta da constituição do sujeito louco, perpassando
o período do Renascimento dos séculos XV e XVI, do Classicismo dos séculos
XVII e XVIII até chegar à contemporaneidade. Foucault destrincha no seu estudo
que, mesmo com o discurso curativo e sensível, a psiquiatria não conseguiu se
desvencilhar do uso de mecanismos de controle social no tratamento dispensado
às pessoas com transtornos mentais. Violência factual e simbólica continuaram
e continuam, nos tempos atuais, a demarcar a forma de lidar com o ser humano
que apresente inadequação produtiva, deficits mentais e comportamentos fora do
padrão esperado. Sugere-se que os estudantes iniciados e iniciadas na leitura
busquem primeiramente artigos ou textos que analisam a obra, pela dificuldade
que a leitura em um primeiro momento pode trazer.

22
Capítulo 1 HISTÓRIA E FUNDAMENTOS DA PSICOPATOLOGIA

3.4 DO SÉCULO XVIII À ATUALIDADE


FIGURA 5 – O GRITO

FONTE: <https://munch.emuseum.com/en/objects/4167/skrik;jsessio
nid=FC00ABC92D34F303551015EA65C3B23B?ctx=42dc524f-f4aa-
422f-8871-2edeca869bf8&idx=21>. Acesso em: 5 jan. 2022.

O médico que a história aponta como responsável pela inauguração da


psiquiatria e, consequentemente, da psicopatologia é Philippe Pinel. Médico na
França, ele buscou uma base científica na explicação e manejo dos fenômenos
da realidade médica, tendo o modelo das ciências naturais como referência. Pinel
normalmente recebe nos livros de história da psiquiatria duas grandes menções
pelo seu extenso trabalho com os alienados: na primeira, o ato concreto de libertar
os presos das correntes em que ficavam presos no hospital a si designado aos
cuidados, assumindo a mudança que estaria implementando no tratamento da
loucura, voltado agora para o modelo curativo.

A segunda menção remete à formalização de um corpo teórico/prático das


ciências médicas sobre a loucura com a elaboração do primeiro e importante
manual de psiquiatria, o Tratado médico-filosófico sobre a alienação mental ou a
mania, de 1801. Curiosamente, costuma ser mais lembrada a primeira menção,
carregada de romantismo e altruísmo, sendo que, contudo, há controvérsias

23
PSICOPATOLOGIA E A TCC (TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL)

quanto ao protagonismo solitário e quanto ao avanço humanístico no tratamento


dos doentes mentais.

Já com relação ao seu esforço em sistematizar as bases da especialidade


médica, essa parece ser justificada, já que consagra a confirmação do campo da
saúde mental e consolida o caminho para a emancipação, primeiro, da psiquiatria
e, mais tarde, da psicopatologia e da psicologia de abordagem clínica (OLIVEIRA,
2002; AMARANTE, 1996).

Como campo de observação e análise das manifestações da doença mental,


Pinel ordenou um conjunto de conhecimentos voltados para a classificação e
intervenção médica, tornando possível a semiologia psiquiátrica. Ajudou na
consolidação da figura do médico alienista que observa, descreve e qualifica os
sintomas, na materialização da credibilidade psicodiagnóstica e na abordagem
clínica e terapêutica no campo do adoecimento mental (TEIXEIRA, 2019).
Jean Esquirol, discípulo de Pinel, contribuiu com a expansão das reformas
delineadas pelo mestre, inclusive na difusão do conceito e aplicação do modelo
de comunidade terapêutica.

No decorrer do século XIX, nomes importantes e dispersos contribuíam com


o legado proposto à saúde mental. Todavia, poucas décadas após a proposta de
Pinel, houve progressiva deterioração do modelo. Apesar de nunca ter, de fato,
alcançado o status de um modelo que cumprisse com a promessa da cura e da
humanização no processo de tratamento, até os fatores positivos alcançados
retrocederam com o tempo (OLIVEIRA, 2022).

Seguindo os passos de Pinel, outros cientistas, majoritariamente médicos,


continuaram a colaborar com os pressupostos que fizeram o campo da
psicopatologia ganhar forma nos anos finais do século XIX e décadas iniciais do
século XX. Mas a psicopatologia não é instrumento de outras categorias da área
da saúde? Sim, mas a sua construção teve majoritariamente o pilar da Medicina.
Primeiro porque era a categoria que, no final do século XIX, já vinha com três
séculos de maturidade científica. A psicologia, nesse período, por exemplo,
começava a juntar seus fragmentos teóricos até ter demarcada a sua fundação
em 1879. Ainda assim, não teria como foco, no seu início, a área da saúde.

24
Capítulo 1 HISTÓRIA E FUNDAMENTOS DA PSICOPATOLOGIA

Kraepelim, Jaspers e Freud são nomes que trouxeram


grandes contribuições para a Psicopatologia. O aparecimento da
Psicopatologia como disciplina organizada se deu em 1913, a partir
da publicação do livro Psicopatologia geral, de Karl Jaspers (1883-
1969). Seu trabalho sistematizou a Psicopatologia por meio de
métodos empíricos, passíveis de observação. Emil Kraepelin (1856-
1926), psiquiatra, aperfeiçoou a metodologia sobre a classificação
psicodiagnóstica por meio de um modelo nosográfico (descrição
metódica das doenças), considerando a sintomatologia, a evolução
e o prognóstico da doença. Já Sigmund Freud (1856-1939), com
a fundação da psicanálise, acrescentou à psicopatologia a visão
psicodinâmica, com a descrição dos processos psíquicos por meio
de um método de investigação do inconsciente. Indicou também
uma técnica de tratamento e um conjunto sistematizado de teorias
psicológicas e psicopatológicas, redimensionando a condição do
ser humano e a compreensão do sofrimento (MORAES; MACEDO,
2018).

Seguindo a tradição descritiva dos sintomas, o século XIX oscilou em fases


de proliferação versus exclusão de diagnósticos. No início do século XX, o
número de sintomas registrados nos manuais diminuiu em relação ao que se deu
no século anterior e foram também reorganizados em síndromes. Foi também o
período em que a psicopatologia descritiva se encontrou com a fenomenologia,
que passou a servir de ancoragem à teoria psicopatológica, com sua ênfase na
subjetividade e nas descrições neutras. Na primeira metade do século XX, a
psicanálise e a psiquiatria dominaram os tratados na psicopatologia, com trocas
conceituais, metodológicas, diagnósticas e etiológicas.

Paralelamente, a partir de 1900, sobrepôs-se, na psicopatologia, a influência


dos Estados Unidos, que propunha como objetivo para a classificação de
transtornos mentais a obtenção de informações estatísticas. Já na segunda
metade do século XX, surgiu a padronização na psicopatologia que atenderia aos
fins – mas sobretudo aos interesses – acadêmicos, terapêuticos e financeiros na
área da saúde.

Assim, em 1952, a Associação Americana de Psiquiatria (APA, abreviação


originada do inglês) publicou a primeira versão do Manual Diagnóstico e Estatístico
de Transtornos Mentais (DSM, também manteremos aqui a abreviação do

25
PSICOPATOLOGIA E A TCC (TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL)

inglês). A ideia de um manual com as normativas de classificação foi bem aceita,


justificada por universalizar a linguagem dos profissionais e facilitar a coberturas
das empresas, as pesquisas científicas e afins.

A partir da instituição do DSM, que se encontra na sua quinta (ou V)


versão, prevaleceu a sua difusão ou a força corporativa em torno dele. Existem
críticas, sobretudo pelo viés mercadológico, restritivo biológico e de instrumento
psicologizante voltado para a medicação da vida humana. O DSM, basicamente
concorrendo apenas com a Classificação Internacional de Doenças (CID-11)
por motivos convencionais, passou a ser amplamente adotado como glossário,
com a quase revogação dos direitos de tentativa de formas alternativas de
psicopatologia. Em face dos supostos benefícios dados pela formalização
estatística das descrições, a psicopatologia descritiva ficou estacionada em torno
das atualizações sistemáticas do DSM.

Encerramos, assim, esta seção histórica sobre psicopatologia, para que


você pudesse se familiarizar mais com essa temática durante a sua formação.
Pode estranhar ao leitor e leitora o porquê de tão resumida a fase do século XX
para cá, justamente a época em que muita coisa evoluiu nas ciências médicas
e em que outras categorias da saúde ganharam o status de campo autônomo,
com tecnologias incorporadas aos processos avaliativos e terapêuticos. Na
verdade, após a consolidação da psicopatologia como área de especialidade da
saúde, o processo foi e continua sendo o de tentar avançar sempre como campo
de conhecimento, mas a sua essência já está constituída. Na próxima seção,
veremos um pouco mais as classificações diagnósticas. Naturalmente, será um
complemento do entendimento dessa última fase assinalada.

A psicopatologia atual é uma ciência básica, consolidada, mas em constante


atualização. Tanto serve quanto é servida de diferentes fontes de conhecimento,
principalmente da psiquiatria e da psicologia. É um conhecimento aplicado por
diversas categorias profissionais. Na próxima seção, vamos ver um resumo do
conteúdo da psicopatologia voltado para a aplicação, o que auxilia o profissional
no domínio do raciocínio clínico nas avaliações psicodiagnósticas. Espera-se que
a história contada até aqui tenha contribuído para melhorar o olhar crítico sobre o
campo de conhecimento, apresentando os esmeros e os vícios paradigmáticos na
sua constituição. Vamos avançar à próxima seção? Antes, fica uma dica!

26
Capítulo 1 HISTÓRIA E FUNDAMENTOS DA PSICOPATOLOGIA

O que é ser “normal”? O que significa “patologia mental”? Como


lidar com os que rotulamos como sendo loucos ou doentes mentais?
Essas e outras questões relacionadas à história da psicopatologia no
Brasil podem ser conferidas no programa Café Filosófico, do Instituto
CPFL, gravado em 28 de setembro de 2012. Assista ao vídeo A
história da psicopatologia, com Benilton Bezerra, de 2015, disponível
em: https://institutocpfl.org.br/play/a-historia-da-psicopatologia-
benilton-bezerra/.

ATIVIDADE DE ESTUDO
1 – Vimos uma síntese da história da doença mental. A esse
respeito, analise as afirmativas a seguir e assinale a correta.
a) ( ) A psicopatologia como área destinada ao estudo do sofrimento
da mente tem sua consolidação com a Renascença, a partir da
diminuição da influência do misticismo e do dogmatismo religioso
e com a crescente valorização da racionalidade e da ciência.
b) ( ) O hospital geral surge na Idade Média como estabelecimento
exclusivamente de saúde.
c) ( ) O papel do médico diante da doença mental na Idade Média
não era relevante, já que no pecado estava a causa explicativa
para as diversas disfunções psíquicas.
d) ( ) A interpretação da doença mental é similar em todas as
sociedades, diferenciando apenas as formas de tratamento.

2 – Apesar de Pinel ser apontado como personagem fundamental


para o estabelecimento da psicopatologia como área científica,
ele não foi o único. Quais outros nomes contribuíram para a
consolidação da Psicopatologia no meio científico? Quais as
contribuições trouxeram para a área?
R.:_______________________________________________
_______________________________________________
_______________________________________________
_______________________________________________
_______________________________________________

27
PSICOPATOLOGIA E A TCC (TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL)

4 DAS CLASSIFICAÇÕES E DAS


FONTES BIBLIOGRÁFICAS
FIGURA 6 – PESQUISAS BIBLIOGRÁFICAS

FONTE: <https://www.freepik.es/search?format=search&query=manual>.
Acesso em: 05 jan. 2022.

São milhares e milhares de profissionais que atuam no campo da saúde


mental. Apesar da crítica, justa quando embasada e oriunda de muito estudo e
reflexão, as classificações diagnósticas fazem evitar a dispersão e a aleatoriedade
nos processos avaliativos conduzidos por médicos, enfermeiros, psicólogos e
outras categorias que atendem a pessoas com adoecimento mental. Realmente,
não é razoável que cada profissional tenha seus critérios particulares para avaliar
e tratar algum tipo de enfermidade.

A tentativa de padronização na descrição do sofrimento psíquico em


nomenclaturas e códigos, se a princípio parece sugerir uma ditadura do
conhecimento, em que todos devem seguir uma cartilha de regras, na verdade,
evita que se faça de cobaias as pessoas atendidas, com experimentos acidentais
e não comprovados em termos de benefícios.

As classificações diagnósticas têm também a importante função de aproximar


a comunicação entre os profissionais. Imagine se, por exemplo, diante de um caso
de pessoa com sintomas de fobia social, reunissem em torno dela várias pessoas
a fim de ajudá-la, contudo, cada qual com sua explicação e indicação para o
fenômeno e que cada um ali tivesse sua referência de conhecimento – religioso,
senso comum, místico, história vivida, científico, etc. Sabemos que não é uma
cena impossível de presenciar e já imaginamos a dificuldade para a tomada de
decisão.
28
Capítulo 1 HISTÓRIA E FUNDAMENTOS DA PSICOPATOLOGIA

Porém, não é o que se espera quando uma equipe de profissionais de saúde


tem corresponsabilidade na condução de um caso. Espera-se que os conceitos
discutidos em torno do fenômeno sejam próximos, no máximo complementares,
se a situação se passa com a atuação de uma equipe multiprofissional.

As classificações servem ainda para assegurar a continuidade do


desenvolvimento acerca do objeto de conhecimento. Sabemos que a definição de
um sintoma ou de uma síndrome tende a ser atualizada de tempos em tempos,
a partir do que vai se descobrindo sobre eles. Pode até deixar de existir uma
explicação sobre as manifestações de uma doença e surgir outra muito diferente.
Isso só se torna possível quando se descobre o novo e a comparação com o
antigo conhecimento leva a reforçá-lo, atualizá-lo ou a designá-lo caduco.

Após esse pequeno elogio, não ficam de forma alguma desautorizadas as


críticas em relação ao contexto das classificações psicopatológicas, sobretudo
quanto aos posicionamentos das entidades representativas e organizadoras dos
manuais de psicodiagnóstico. Dentre as principais lamúrias, aponta-se o interesse
da proliferação de síndromes propostas e da consequente multiplicação de
diagnósticos psiquiátricos.

Convém, em meio a essas críticas, se debruçar no aprofundamento em


psicopatologia? Dessa questão podemos findar duas orientações: a primeira é
para que não nos esqueçamos da necessidade e das vantagens dos sistemas
de classificação no meio científico e profissional no contexto da saúde mental;
a segunda orientação aponta para o fato de que quanto mais conhecemos
determinado objeto, mais justa se torna a formulação da crítica, mais embasada
se torna a aplicação e mais propriedade temos para melhorar ou modificar o que
já existe.

No artigo Melancolia e depressão durante o século XIX: uma


história conceitual, de Berrios, é possível acompanhar como um
diagnóstico vai tendo sua evolução ao longo do tempo. Isso nos
remete a discussões atualizadas sobre os processos de “criação dos
transtornos” das classificações difundidas na contemporaneidade.
Acesse o artigo completo em: BERRIOS, G. E. Melancolia e
depressão durante o século XIX: uma história conceitual. Revista
Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, v. 15, n. 3. 2012.
Disponível em: https://doi.org/10.1590/S1415-47142012000300011.
Acesso em: 03 fev. 2022.

29
PSICOPATOLOGIA E A TCC (TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL)

Já neste segundo artigo, Psicopatologia descritiva: aspectos


históricos e conceituais, também de Berrios, é possível perceber
como a psicopatologia descritiva consolida seus critérios funcionais.
Desse artigo, para o leitor mais apressado, indico ao menos as
poucas linhas do tópico “A hipótese histórica”.
Confira o artigo completo em: BERRIOS, G. E. Psicopatologia
descritiva: aspectos históricos e conceituais. Revista
Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, v. 15, n. 3,
p. 171-196, 2012. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S1415-
47142012000100012. Acesso em: 03 fev. 2022.

4.1 DSM, CID E OUTRAS INDICAÇÕES


Nesta disciplina, não vamos, evidentemente, fazer o registro na íntegra das
grandes síndromes ou das alterações das funções psíquicas. Seria, inclusive, além
de demasiada pretensão, dispensável, já que existem manuais de classificação
recomendados e há, na literatura, livros que podem ser bons suportes para o
conhecimento teórico se estamos ingressos no contexto da saúde mental.

Nos próximos parágrafos, o interesse é levar o/a aluno/a a se atentar para


a funcionalidade dessas obras mais preconizadas. E, sucintamente, ajudar
a reconhecer as funções psíquicas elementares que, se alteradas, formam
os sintomas e entender como eles podem isoladamente provocar sofrimento
mental ou, em conjunto com outros sintomas, provocar quadros mais complexos,
denominados de síndromes

Atualmente, os dois sistemas que trazem classificações de transtornos


mentais mais difundidos e consultados são o DSM (APA, 2014) e a CID-11 (OMS,
2022). Esses dois sistemas, cada um elaborado por grupos de pesquisadores
e profissionais do mundo todo, até tentam dialogar entre si para diminuir as
contestações conceituais e semiológicas, mas ainda prevalecem as diferenças.
Ambos utilizam um modelo categórico de classificação visivelmente de referência
biomédica. Com isso, na prática clínica, tende-se a utilizar instrumentos teóricos
complementares que contribuem para uma leitura psicossocial ou holística do ser
humano.

Alunos desta disciplina, já familiarizados com a prática, devem ter constatado


que o uso da CID prevalece nos serviços públicos de saúde, principalmente
como guia de referência para as diversas categorias profissionais. Reforça isso

30
Capítulo 1 HISTÓRIA E FUNDAMENTOS DA PSICOPATOLOGIA

o fato de os sistemas de informações da saúde pública fornecerem campos com


códigos da CID para a assinalação de diagnósticos. A lógica é que esse sistema
de classificação tenta englobar todo tipo de doença, lesões, enfermidades e
causas de morte que acometem o ser humano, enquanto comparando, o DSM se
restringe ao contexto da saúde mental.

Ou seja, seria talvez contraproducente deixar de usar ou acrescentar mais


um instrumento a um sistema que se pode considerar abrangente a toda a área
de saúde. A CID é usada no mundo todo, seja nos serviços públicos ou privados.
Nas clínicas e consultórios do sistema privado, o DSM tem grande difusão,
principalmente entre psiquiatras. Ainda assim, concorre com o uso da CID. O uso
do DSM pode ser observado também em pesquisas acadêmicas.

O DSM considerado aqui é o DSM 5, ou seja, está na sua quinta versão.


Desde a primeira versão, já se vão sete décadas. As atualizações normalmente
são justificadas pelo melhoramento do conteúdo, pela forma como são
apresentadas as classificações, mas, principalmente, para registrar mudanças nas
nomenclaturas ou psicopatologias. No histórico das versões do DSM, sintomas e
síndromes já saíram da lista do manual, tiveram mudanças conceituais, mas o
que prevalece é o acréscimo de diagnósticos. Enquanto no DSM-I, de 1952, 106
categorias diagnósticas foram anotadas, na última versão, lançada em 2013, mais
de 300 diagnósticos são apresentados. São quase mil páginas de conteúdo.

Só esses dados fazem levantar bandeiras de agrado ou desagrado, em que


profissionais podem se queixar da falta de objetividade, da dificuldade de associar
os critérios teóricos com os sinais e sintomas manifestados pelas pessoas que
buscam a ajuda médica, da árdua tarefa de se chegar a um diagnóstico diferencial
em meio a tantas categorias sindrômicas que se entrecruzam (devido ao fato de
sintomas poderem estar manifestos neste ou naquele quadro) etc. A crítica mais
geral acaba sendo o que se chama da fabricação indiscriminada de doenças
mentais, acompanhada, consequentemente, da prática de medicação em massa
(RIBEIRO et al., 2020).

31
PSICOPATOLOGIA E A TCC (TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL)

FIGURA 7 – A MEDICALIZAÇÃO DA VIDA HUMANA

FONTE: <https://pixabay.com/photos/hand-human-woman-
hands-elderly-3667021/>. Acesso em: 23 jan. 2022.

A CID estava desde 1992 na sua décima versão. Contudo, a décima primeira
versão entrou em vigor a partir de 2022. A CID-11 (OMS, 2022) traz as classificações
relacionadas às psicopatologias no Capítulo 6, intitulado Transtornos mentais,
comportamentais ou do neurodesenvolvimento. Se pensarmos no ser humano de
forma holística, o profissional de saúde mental não utilizará apenas esse capítulo
para conduzir seu olhar sobre a saúde e adoecimento mental do paciente.
Afinal, uma vez que a saúde esteja afetada por doenças, independentemente da
natureza dela, há impacto no emocional, nos significados e nos comportamentos
da pessoa enferma.

Sempre há o período de transição entre diferentes versões dos manuais


de classificação. Um tempo é necessário, normalmente alguns anos, até que
o novo sistema seja utilizado por todos. Afinal, códigos mudam, nomenclaturas
novas surgem, enquanto outras são retiradas e readaptadas. Algumas, inclusive,
podem mudar de categoria, ou seja, de capítulo. Com isso, há a necessidade de
treinamentos e atualização também dos sistemas de informações, dos protocolos
jurídicos e afins.

32
Capítulo 1 HISTÓRIA E FUNDAMENTOS DA PSICOPATOLOGIA

As atualizações da CID ao longo dos anos costumam atrair


menos polêmicas do que as do DSM, mas não que escapem disso.
Por exemplo, entre o tempo de divulgação da décima primeira versão
até a entrada em vigor, foi tempo suficiente para excluir a velhice
dentre as mais de 55 mil doenças contidas em seu sistema. Sim,
prezado leitor e leitora, com articulação entre a indústria farmacêutica
e alguns pesquisadores, conseguiram convencer de que a velhice
deveria entrar no rol das enfermidades. Contudo, iniciativas de
vários segmentos conseguiram sensibilizar a OMS para a retirada do
termo (DIAS, 2021). Essa informação fica aqui registrada como um
exemplo de como pode ser dinâmica a constituição de um sistema de
classificação.

QUADRO 1 – LISTA DE TRANSTORNOS MENTAIS DO DSM-5


Transtornos do neurodesenvolvimento
Espectro da esquizofrenia e outros transtornos psicóticos
Transtorno bipolar e transtornos relacionados
Transtornos depressivos
Transtornos de ansiedade
Transtorno obsessivo-compulsivo e transtornos relacionados
Transtornos relacionados à trauma e a estressores
Transtornos dissociativos
Transtorno de sintomas somáticos e transtornos relacionados
Transtornos alimentares
Transtornos da eliminação
Transtornos do sono-vigília
Disfunções sexuais
Disforia de gênero
Transtornos disruptivos, do controle de impulsos e da conduta
Transtornos relacionados a substâncias e transtornos aditivos
Transtornos neurocognitivos
Transtornos da personalidade
Transtornos parafílicos
Outros transtornos mentais
Transtornos do movimento induzidos por medicamentos e
Outros efeitos adversos de medicamentos
Outras condições que podem ser foco da atenção clínica
FONTE: Adaptado de APA (2014).

33
PSICOPATOLOGIA E A TCC (TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL)

QUADRO 2 – TRANSTORNOS MENTAIS NA CID-11


06 Transtornos mentais, comportamentais ou do neurodesenvolvimento
Distúrbios do neurodesenvolvimento
Distúrbios do neurodesenvolvimento
Esquizofrenia ou outros transtornos psicóticos primários
Catatonia
Transtornos de Humor
Transtornos relacionados à ansiedade ou medo
Transtornos obsessivo-compulsivos ou relacionados
Distúrbios especificamente associados ao estresse
Distúrbios dissociativos
Distúrbios alimentares ou alimentares
Distúrbios de eliminação
Distúrbios de sofrimento corporal ou experiência corporal
Transtornos devidos ao uso de substâncias ou comportamentos aditivos
Distúrbios do controle de impulsos
Comportamento disruptivo ou transtornos dissociais
Transtornos de personalidade e traços relacionados
6D10 Transtorno de personalidade
6D10.0 Transtorno de personalidade leve
6D10.1 Transtorno de personalidade moderado
6D10.2 Transtorno de personalidade grave
6D10.Z Transtorno de personalidade, gravidade não especificada
6D11 Traços ou padrões de personalidade proeminentes
6E68 Mudança de personalidade secundária
Distúrbios parafílicos
Distúrbios factícios
Distúrbios neurocognitivos
Transtornos mentais ou comportamentais associados à gravidez, parto ou puerpério
6E40 Fatores psicológicos ou comportamentais que afetam distúrbios ou doenças classificadas
em outra parte
Síndromes mentais ou comportamentais secundárias associadas a distúrbios ou doenças classifi-
cadas em outra parte
FONTE: Adaptado de OMS (2022).

34
Capítulo 1 HISTÓRIA E FUNDAMENTOS DA PSICOPATOLOGIA

ATIVIDADES DE ESTUDO
3 – E então, leitor/a, após a leitura até aqui, você consegue apontar
as principais diferenças entre o DSM e a CID? Por que a CID tem
seu uso mais difundido no mundo todo?
R.:_______________________________________________
_______________________________________________
_______________________________________________
_______________________________________________
_______________________________________________

Os quadros apresentados acima dão uma ideia global sobre a organização


expositiva dos transtornos mentais trazidos nos dois principais instrumentos de
classificação. Observe que fica convencionado o termo “transtorno” em vez de
“doença” ou “enfermidade”, sugerindo a abordagem diagnóstica puramente
descritiva, não teórica e com pretensão de neutralidade (CLEMENTE; LOYOLA
FILHO; FIRMO, 2011). O termo transtorno continuará a ser usado neste livro de
acordo com a fonte consultada.

Como já foi comentado anteriormente, há outras classificações que servem de


forma complementar à prática em saúde mental. Reforça-se que, principalmente
no âmbito das psicopatologias, os manuais de classificação jamais podem ser
tomados como única fonte para a associação avaliativa. Dalgalarrondo (2008)
sugere que a avaliação em saúde mental deve contemplar a anamnese completa
(diagnóstico pluridimensional, que inclui os dados sociodemográficos, a história
de vida, os hábitos, o uso de substâncias químicas, o antecedente de doenças
familiares, a condição psicossocial, as interações familiares e sociais etc.),
o exame psíquico, o exame físico geral e, ainda, considera a possibilidade do
exame neurológico e exames complementares, por meio de testes psicométricos
e laboratoriais.

Ainda veremos neste livro, no próximo capítulo, que a psicologia cognitiva


comportamental expande a avaliação para além do quadro sintomático,
investigando pensamentos distorcidos, comportamentos desadaptativos,
inabilidades no gerenciamento das emoções, dentre outros aspectos que auxiliam
na avaliação da saúde mental do paciente e na elaboração de estratégias para o
enfrentamento das dificuldades.

35
PSICOPATOLOGIA E A TCC (TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL)

Além dos manuais, existem livros que podem auxiliar o aluno,


o pesquisador ou o profissional no domínio da psicopatologia:
Psicopatologia e semiologia dos transtornos mentais, de
Paulo Dalgalarrondo (2008); Sintomas da mente: introdução à
psicopatologia descritiva, de Femi Oyebodi (2008); Psicopatologia,
teoria e clínica, de Bergeret (2006); Psicopatologia fundamental,
de Berlinck (2008); Manual de Psicopatologia, de Cheniaux (2017);
Psicopatologia: uma abordagem integrada, de Barlow, Durand e
Hofmann (2015); e Psicopatologia da clínica cotidiana, de Julião
de Souza (2015) são algumas dentre outras obras destacadas nas
prateleiras das bibliotecas de faculdades ou livrarias.

Com a difusão da internet, as revistas científicas eletrônicas


modificaram a forma de fazer pesquisas bibliográficas. Cada vez mais,
o meio acadêmico tem preconizado a leitura de artigos científicos
para a elaboração de trabalhos e dissertações. Para chegarmos a
bons artigos, devemos nos atentar para as boas revistas indexadas
nas melhores bases de dados. As bases de dados mais relevantes
para artigos científicos da área da saúde são: Pubmed/ Medline,
PsycNet Scielo, BVS: Biblioteca virtual em saúde, SCOPUS,
dentre outras. Sempre lembramos, contudo, que a leitura desses não
substitui o que traz de aprofundamento a leitura de bons livros que
versam sobre os grandes temas da área da saúde.

5 ABREVIADO DAS FUNÇÕES


PSÍQUICAS E SUAS ALTERAÇÕES
Funções psíquicas são os processos mentais utilizados pelo ser humano
que possibilitam que ele exerça ações intencionais, comportamento consciente,
domínio e reflexão de sua própria conduta e afins (BELING et al., 2018).

36
Capítulo 1 HISTÓRIA E FUNDAMENTOS DA PSICOPATOLOGIA

Mas como? De que modo ser objetivo? Porque uma pessoa


não quisesse errar – e ele não queria errar nunca mais –
terminaria se mantendo na seguinte atitude: “não há nada
tão branco como o branco’, “não há nada tão cheio de água
como uma coisa cheia de água”, “a coisa amarela é amarela”.
O que não seria mera prudência, seria exatidão de cálculo e
sóbrio rigor. Mas aonde o levaria? Por que afinal não somos
cientistas. (LISPECTOR, 1998, p. 136)

O exame das diversas funções psíquicas e seus distúrbios constitui-se num


dos principais elementos para o domínio da psicopatologia. Teremos o trabalho de
Dalgalarrondo (2008) como o marco teórico na presente parte de nosso estudo. O
autor divide as funções psíquicas em 14 tipos de processos mentais, distribuídas
em três grupos de condições clínicas específicas (ver quadro abaixo). Foi usado
o verbo dividir de forma intencional, para fazer o contraponto: delimitar ou dividir
as funções psíquicas é apenas uma forma de facilitar o estudo, pois elas estão
interpenetradas, de modo que a mente humana funciona como um todo e a
pessoa, inclusive, adoece como um todo (DALGALARRONDO, 2008; AMARAL,
2020).

QUADRO 3 – FUNÇÕES PSÍQUICAS NO EXAME DO ESTADO MENTAL ATUAL


Funções mais afetadas nos Funções mais afetadas nos Funções mais afetadas nos
transtornos psico-orgânicos transtornos afetivos, neuróti- transtornos psicóticos
cos e da personalidade
Nível de consciência Afetividade Sensopercepção
Atenção Vontade Pensamento
Orientação Psicomotricidade Juízo de realidade
Memória Personalidade Consciência do eu
Inteligência
Linguagem
FONTE: Adaptado de Dalgalarrondo (2008).

Agora, vamos relembrar dessas funções psíquicas e suas alterações com


brevidade, de moda a servir de gatilho ou elemento incitativo para outras leituras
mais aprofundadas nos materiais indicados nas referências.

5.1 AS FUNÇÕES PSÍQUICAS E SUAS


ALTERAÇÕES
O termo “consciência”, nossa primeira função psíquica elucidada, indica o
conhecimento compartilhado com o outro e consigo mesmo. Termo de amplo e

37
PSICOPATOLOGIA E A TCC (TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL)

de variados significados, para a psicopatologia importa a consciência em seus


aspectos psicológicos e neuropsicológicos. Significa a consciência indicativa do
estado de vigília, lucidez, do estar desperto e avivado; o indicativo da soma
total das experiências conscientes em um determinado momento, a assimilação
da realidade.

As alterações psicopatológicas dessa função psíquica podem ser de


ordem quantitativa, quando ocorre rebaixamento do nível de consciência; ou
qualitativa, em que uma parte do campo da consciência está preservada, normal,
e a outra parte está alterada. Na alteração quantitativa, o rebaixamento pode
ocorrer de forma leve, com caraterística de sonolência (obnulação). Nesse caso,
há a diminuição do grau de clareza, lentidão da compreensão, dificuldade de
concentração, dificuldades para integrar as informações ambientais, compreensão
dificultada e o pensamento ligeiramente confuso.

No estado de rebaixamento moderado (sopor), ocorre acentuada turvação


da consciência com evidente sonolência e incapacidade de ação espontânea.
Já o estado de coma é o estado mais profundo de rebaixamento do nível de
consciência, em que não há qualquer atividade voluntária consciente, com a
manifestação de várias falhas no sistema neuronal.

QUADRO 4 – DIAGNÓSTICOS EM QUE ALTERAÇÕES DA


CONSCIÊNCIA ESTÃO MAIS PRESENTES
Alterações Delirium: um tipo de síndrome confusional aguda, com a manifestação também de
quantitativas desorientação temporal e espacial, agitação ou lentificação psicomotora, ilusões e/
ou alucinações visuais.
Estado onírico: presente nas psicoses tóxicas, síndromes de abstinência a drogas
e quadro febris tóxico-infecciosos; apresenta turvação da consciência, confusão
mental, aspecto de vivência de um sonho vívido em que o indivíduo pode ver cenas
complexas e ricas em detalhes; manifestações emocionais de angústia, terror ou
pavor, podendo serem seguidas de um estado de amnésia.
Alterações Estado crepuscular: é um estreitamento transitório do campo da consciência, com
qualitativas a preservação da atividade psicomotora mais ou menos coordenada, permitindo
atos automáticos. Dura de poucas horas a poucos dias, com ocorrências de atos
explosivos violentos e episódios de descontrole emocional.
Dissociação da consciência: fragmentação ou divisão do campo da consciência,
típica nos quadros histéricos. Estado semelhante ao sonho, com sofrimento oriundo
de acontecimentos significativos (conscientes ou inconscientes), fazendo o indiví-
duo se desligar da realidade para parar de sofrer.
Obs.: não foram inseridos aqui os estados de transe ou hipnótico, pois, como assinala
Amaral (2020), são de natureza diferenciada, explicada mais pelos mecanismos de
interação social que pelos prejuízos nas funções psíquicas.

FONTE: Adaptado de Dalgalarrondo (2008).

38
Capítulo 1 HISTÓRIA E FUNDAMENTOS DA PSICOPATOLOGIA

Atenção é o processo pelo qual a consciência é direcionada para


determinado estímulo, com a concentração da atividade mental sobre um objeto
específico (ou poucos objetos) em detrimento dos demais (CHENIAUX, 2015). A
atenção apresenta várias características e demarcadores, como: ser voluntária
ou espontânea, ser projetada para fatores externos ou para a introspecção, ter
a amplitude focal ou dispersa, manifestar-se de forma focal, seletiva e constante
etc.

Dentre as alterações mais demarcadas nos quadros psicopatológicos, estão


a hipoprosexia (diminuição global da atenção), a aprosexia (total abolição da
capacidade de atenção), a hiperprosexia (atenção exagerada), a distração
(superconcentração ativa sobre determinados estímulos com a inibição do todo
restante) e a distraibilidade (dificuldade ou incapacidade para se fixar ou se
manter a atenção). As alterações da atenção se manifestam de forma específica
em diferentes diagnósticos:

QUADRO 5 – ALTERAÇÕES DA ATENÇÃO PRESENTES


NOS TRANSTORNOS MENTAIS
Diminuição da atenção voluntária e aumento da atenção espontânea, com hiper-
Mania
vigilância e hipotenacidade.
Prevalece a hipoprosexia. Há exceção em alguns casos graves, com a fixação
Depressão em certos temas depressivos (hipertenacidade) e diminuição da capacidade de
mudar o foco da atenção (hipovigilância).
Transtorno Obsessivo- Atenção ou vigilância excessiva e desregulada.
-Compulsivo (TOC)
Esquizofrenia Deficit de atenção é central, com filtragem de informação irrelevante.
Transtorno de Deficit de Há dificuldade marcante de prestar atenção a estímulos internos e externos.
Atenção/Hiperatividade
(TDAH),
FONTE: Adaptado de Dalgalarrondo (2008).

O apontamento das alterações das funções psíquicas nos


quadros sindrômicos não significa que tais sintomas vão se
manifestar em todos os casos, todos ao mesmo tempo ou em todos os
momentos. Para o teórico ou profissional experiente, essa orientação
parece óbvia e desnecessária, mas, ao iniciante na psicopatologia,
pode suscitar dúvidas.

39
PSICOPATOLOGIA E A TCC (TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL)

Nossa terceira função psíquica é a orientação, que é capacidade de situar-


se quanto a si próprio e quanto ao ambiente (DALGALARRONDO, 2008). Pode-
se diferenciar a orientação alopsíquica (competência de se orientar em relação
ao tempo e ao espaço) da autopsíquica (referente à orientação com relação a si
próprio). As alterações da orientação, frequentes nas doenças cerebrais, tendem
a ter sua origem nos quadros com manifestações da apatia, delírio, amnésia e
confusão mental (AMARAL, 2020).

A memória é uma das funções mais complexas de nossa capacidade


cognitiva. Definida como a capacidade de fixar (ou reter), manter e evocar, de
maneira intencional ou não, ao menos uma parte daquilo que foi experimentado, é
determinante para a nossa constituição como ser intelectual e histórico (AMARAL,
2020).

Atualmente, existe a convenção de usar o termo “memórias”, no plural, pela


sua divisão em tipos específicos de memória. Como a memória é objeto de estudo
de várias correntes científicas que estudam a mente, existem modelos divergentes
ou complementares da divisão da memória, dependendo se o contexto estudado
é biológico, neurocognitivo, funcional, estrutural (cerebral) etc.

FIGURA 8 – MODELO ALTERNATIVO DA DIVISÃO DA MEMÓRIA

FONTE: Cheniaux (2015, p. 74).

Para a psicopatologia, interessa mais o estudo da memória cognitiva ou


psicológica, já que na clínica são as que aparecem sobre a forma de sintomas
quando alteradas. Nesse contexto, as memórias de curto, médio e longo prazo
e as memórias de trabalho, episódica, semântica e de procedimentos são
importantes para o estudo das psicopatologias da memória (DALGALARRONDO,
2008). As alterações da memória podem ser quantitativas ou qualitativas.

40
Capítulo 1 HISTÓRIA E FUNDAMENTOS DA PSICOPATOLOGIA

QUADRO 6 – PRINCIPAIS ALTERAÇÕES DA MEMÓRIA


Hipermnésias Aceleração do ritmo de evocação e perda da qualidade mnêmica.
Perda da memória, podendo ser: variável no nível de esquecimen-
Alterações
Amnésias ou to; retrógrada (perda da recordação para fatos ocorridos antes da
quantitativas
hipomnésias doença); anterógrada, não fixação mnêmica a partir do adoecimen-
to).
Alterações Ilusões Acréscimo de elementos falsos na evocação.
qualitativas Alucinações Criações imaginativas em forma de lembranças.
(deformação Fabulações Lembranças isoladas completam as lacunas de memória. O pa-
do conteúdo ciente não reconhece como falsa a memória.
lembrado) Lembranças antigas aparecem como fatos novos, recentes.
Criptomnésia

FONTE: Adaptado de Dalgalarrondo (2008).

Por último, também no campo de estudo das memórias, trazemos as


alterações do reconhecimento. Trata-se do processo de identificar o conteúdo
mnêmico como lembrança, distinguindo-o da imaginação e das representações
atuais. Os transtornos do reconhecimento se dividem em dois grupos: as
agnosias, que são deficits do reconhecimento de estímulos, sejam eles visuais,
auditivos, táteis etc.; e as alterações do reconhecimento associadas a
transtornos psiquiátricos. Nessas últimas, encontram-se principalmente os
falsos reconhecimentos presentes na síndrome delirante (DALGALARRONDO,
2008).

Eis um breve resumo de como as alterações da memória se apresentam


nos principais quadros sindrômicos. Na mania, há hipermnésia de evocação,
associada a uma hipomnésia de fixação, com as recordações sendo distorcidas
em função das ideias deliroides de grandeza. Na depressão, em função do
desinteresse global, a capacidade de fixação na depressão está reduzida e com
tendência à evocação de fatos negativos.

Na esquizofrenia, tende-se a predominar a hipomnésia de fixação, em


virtude de apatia e desinteresse quanto ao mundo externa. Nas crises, pode haver
hipermnésia seletiva para fatos que possam confirmar seus delírios. No delirium,
a atenção hipotenaz tende a levar a uma hipomnésia de fixação. Durante o quadro
confusional, existe dificuldade na evocação organizada das lembranças.

Na demência, área clássica em manifestações de deficits de memória,


predomina tanto a hipomnésia de fixação quanto o prejuízo da memória de
evocação, que é progressivo. A memória explícita é a mais alterada e a memória
episódica costuma estar mais prejudicada que a semântica. Fabulações também
são comuns. No retardo mental, o prejuízo mnêmico de fixação tende a
empobrecer o conjunto do conteúdo evocativo (CHENIAUX, 2015).
41
PSICOPATOLOGIA E A TCC (TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL)

A inteligência se tornou uma das funções psíquicas de maior interesse


da psicologia e da sociedade capitalista desde o início do século XX.
Indiscutivelmente, foi a mais submetida ao esforço de medição e usada muitas
vezes como código para a estigmatização (SCHULTZ; SCHULTZ, 2019).

Envolta de controversas pesquisas e ideologias sobre diferenças individuais,


a inteligência, de definição ampla, pode ser compreendida como a totalidade das
disposições e realizações do pensamento e sua aplicação às tarefas práticas e
teóricas da vida do ser humano (SCHNEIDER, 1968). Ela se relaciona a nossa
capacidade de resolver problemas, de se adaptar ao novo, de sintetizar e analisar
informações; de abstrair, generalizar, julgar, raciocinar etc. Assim como a memória,
o conceito de inteligência pode ser pensado no plural, pelo entendimento de
que há vários tipos de inteligência, obedecendo às várias habilidades ou áreas
cognitivas.

FIGURA 9 – ADAPTABILIDADE E INTELIGÊNCIA

FONTE: <https://www.shopify.com.br/burst/imagens-hd/desktop-em-
uma-startup?c=trabalho-de-casa>. Acesso em: 25 jan. 2022.

A inteligência, a partir do século XX, passou a ser associada à capacidade


de sucesso acadêmico e profissional, tornando-se objeto de medição, desejo e
exigência por parte de pais, educadores, governos e empresários.

Nas alterações da inteligência, os deficits intelectivos – “inteligência abaixo


do normal” – podem ter origem no desenvolvimento cognitivo deficiente ou por
deterioração intelectiva, ou seja, numa queda dos rendimentos intelectivos após
alguma doença. O outro extremo, ou seja, a inteligência acima da média (pessoas

42
Capítulo 1 HISTÓRIA E FUNDAMENTOS DA PSICOPATOLOGIA

superdotadas), tende a ser acompanhada de algumas dificuldades de ajustes ao


meio e ao social, apesar da valorização pelo bom desempenho. Mas claramente,
nesses casos, o índice de prejuízo registrado é menor se comparado aos deficits
de inteligência (CHENIAUX, 2015).

Deve-se ter muita cautela no uso da inteligência como referência sintomática


na prática clínica. Um dos equívocos é a interpretação de que pessoas com
deficits intelectivos não apresentam outros problemas mentais. Ou, ainda, que
o indivíduo pode apresentar somente alterações na inteligência ou ignorar esse
quadro e apontar somente outro transtorno mental, esquecendo-se de que pode
haver sobreposição.

Não menos importante é o levantamento acerca do contexto cultural, os


estilos cognitivos de seu grupo étnico e social, o acesso diferenciado a níveis
de conteúdos e vivências e outros (KUCZYNSKI, 2015). Apesar dessas variáveis,
os resultados dos testes de inteligência são a única forma de medição
considerada para essa função psíquica (ALVES et al., 2016). No DSM-5 (APA,
2014), o conceito de retardo mental foi substituído por deficiência intelectual. Isso
mostra como, depois de mais de um século de uso controverso dessa faculdade
mental, a inteligência ainda suscita atualizações práticas e teóricas.

A linguagem, nossa função psíquica trazida agora, diz do sistema de signos


comunicativos arbitrários que ganham significados específicos por meio de um
sistema de convenções historicamente dado (DALGALARRONDO, 2008). Apesar
de esse conceito ser o utilizado em muitas obras brasileiras de psicopatologia,
Amaral (2020) aponta que é um equívoco, pois a linguagem é abrangente demais
e abstrata, indicando as propriedades da fala como o mais apropriado para a área
clínica. A fala do paciente, além de ser objeto observado e avaliado clinicamente,
é também o instrumento de que se serve o profissional de saúde, já que é por
meio da entrevista que esse inicia sua elaboração sobre o caso. No Quadro 7,
apresentam-se (de forma breve) as alterações da fala.

QUADRO 7 – PRINCIPAIS ALTERAÇÕES DA FALA


É a perda da linguagem, falada e escrita, por incapacidade de com-
Afasias
preender e utilizar os símbolos verbais.
Agrafia Perde-se a capacidade isolada para escrever.
Alexia Perde-se a capacidade para a leitura.
Alterações
Hiperprosódia Acentuação da inflexão verbal; fala expansiva.
quantitativas
Mutismo Ausência da fala por inibição ou deliberação.
Logorreia Expressão verbal aumentada.
Hipofonia Redução do volume da voz.
Hiperfonia Elevação do volume da voz.

43
PSICOPATOLOGIA E A TCC (TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL)

Estereotipia Repetição monótona, disfuncional e sem sentido comunicativo de


verbal palavras ou frases.
Maneirismos A fala torna-se pouco natural, afetada e de difícil entendimento.
Alteração
Mussitação Fala sussurrada, para si próprio, e de forma incompreensível.
qualitativa
Solilóquio Comportamento de falar sozinho.
Ecolalia Repetição das últimas palavras faladas pelo entrevistador.
Pedolalia Fala com uma voz infantilizada.
FONTE: Adaptado de Cheniaux (2015).

Na esquizofrenia, quanto às alterações da fala, pode ocorrer mussitação,


solilóquio, maneirismos, mutismo, ecolalia e estereotipia verbal. Nos quadros
depressivos, a fala tende a ser mais lenta, podendo haver oligolalia, mutismo,
hipofonia e hipoprosódia. Na mania, há possibilidade de logorreia hiperfonia,
hiperprosódia e outras variações da fala expansiva. Na demência, pode haver
afasias, ecolalia, aprosódia e deterioração tanto da fala expressiva quanto
receptiva. Deve-se ficar atento, quando a fala é objeto de observação diagnóstica,
à linguagem corporal e simbólica, elementos complementares no processo
comunicativo (CHENIAUX, 2015).

A afetividade inicia nossos apontamentos sobre as funções mais afetadas


nos transtornos afetivos, neuróticos e da personalidade. Os outros três, em
sequência, corresponderam à vontade, psicomotricidade e personalidade. O
afeto é a função do psiquismo responsável pelo sentido sentimental de tudo que
vivemos.

Ao menos dois conceitos se sobressaem na esfera da afetividade: as


emoções, que são reações afetivas mais agudas, momentâneas, podendo ser
acompanhadas de manifestações somáticas, desencadeadas por estímulos
significativos; e os sentimentos, mais estáveis, menos intensos e guiados mais
pela mentalidade do que pela reatividade (DALGALARRONDO, 2008). Por ser a
área concernente às elaborações sobre o amor, relacionamentos, laços, apegos,
desejos etc., seus conceitos são difundidos no cotidiano e, muitas vezes, com
variações de significados.

44
Capítulo 1 HISTÓRIA E FUNDAMENTOS DA PSICOPATOLOGIA

FIGURA 10 – ADEUS (BEIJO)

FONTE: <https://munch.emuseum.com/en/objects/7256/adj-kyss?ctx=b144de61-
05ef-49b5-a70b-a08f72d3894a&idx=0>. Acesso em: 05 fev. 2022.

As principais alterações quantitativas da afetividade são: a exaltação


afetiva, que indica um aumento do nível ou duração dos afetos; e o embotamento
afetivo, que é o empobrecimento, ou diminuição da afetividade, seja ela referente
a sentimentos positivos ou negativos; a anedonia (diminuição do prazer a
experiências antes valorizadas), a apatia e a indiferença afetiva também
aparecem na dimensão quantitativa da afetividade.

Já algumas alterações qualitativas são: a labilidade afetiva, que se


caracteriza por instabilidades e mudanças do humor e dos afetos; a incontinência
afetiva, que consiste na perda da capacidade de controle da expressão afetiva;
a paratimia, caracterizada por uma incongruência entre o afeto expresso e
a situação vivenciada; a ambitimia ou ambivalência afetiva, que apresenta
sentimentos opostos ou contraditórios; a rigidez afetiva, que é a diminuição da
capacidade de modular (variar) a resposta afetiva de acordo com a situação
(DALGALARRONDO, 2008; CHENIAUX, 2015).

45
PSICOPATOLOGIA E A TCC (TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL)

QUADRO 8 – A AFETIVIDADE NOS PRINCIPAIS TRANSTONOS MENTAIS


Mania Alegria eufórica (hiperforia) ou irritabilidade patológicas (exaltação afetiva); labili-
dade ou incontinência afetiva.
Depressão Tristeza patológica; rigidez afetiva; pode haver ansiedade ou irritabilidade.
Esquizofrenia Embotamento afetivo; rigidez afetiva e ambitimias e afins; nas crises delirantes,
pode haver exaltação e ansiedade.
T. Ansiedade Exaltação afetiva, podendo haver irritabilidade; fobia (medo patológico).
Demência Labilidade ou incontinência afetiva; rigidez afetiva, ansiedade, tristeza.
Def. Intelectual Labilidade ou incontinência afetiva; exaltação versus embotamento afetivo.
FONTE: Adaptado de Amaral (2020).

A psicomotricidade – integração das funções motoras e psíquicas – e o


estudo da vontade têm sido colocadas quase sempre juntas nas obras de
psicopatologia. Isso porque as ações psicomotoras são acompanhadas da
expressão do psiquismo, podendo se considerar voluntárias, conscientes,
motivadas a uma finalidade. Já os movimentos corporais involuntários têm sido
relegados nos manuais, por serem considerados manifestações neurológicas.
Vontade é designada como a capacidade de direcionar, lidar, refrear e domar os
desejos e as inclinações. A transversalidade sugerida pelo termo “vontade”, que
perpassa apreciações como liberdade e dilemas morais, faz do tema um grande
objeto histórico de interesse da filosofia (AMARAL, 2020).

As alterações da vontade que mais aparecem na clínica são: a hipobulia/


abulia, que é a diminuição global da vontade, normalmente associada à apatia;
os impulsos patológicos, em que as ações são automáticas, sem reflexão e
explosivas; atos e os rituais compulsivos patológicos, que se manifestam
por repetição de comportamentos desajustados de função e em que o paciente,
apesar de reconhecer o desconforto e querer interrompê-los, não os consegue
evitar. Há vários tipos de impulsos e compulsões registrados na literatura.

Já nas alterações da psicomotricidade, encontram-se: a agitação


psicomotora e a lentificação psicomotora, em que os próprios nomes já
carregam o indicativo conceitual, devendo serem observados num nível patológico;
o estupor, que é a perda de toda a atividade espontânea; a catalepsia, que é um
marcante exagero do tônus postural acompanhado da diminuição da mobilidade
passiva; as estereotipias motoras, que são repetições instintivas e uniformes
de ato motor; parecido com essas são os maneirismos, que se caracterizam
por movimentos bizarros e repetitivos, apesar de associados a determinados
objetivos; os tiques, que são atos coordenados, repetitivos, resultantes de
contrações súbitas do tipo congelamento motor e da expressão; a conversão
motora, que apresenta sintomas físicos com paralisias, contraturas conversivas,
ataxias psicogênicas etc.; a hiperventilação psicogênica, que apresenta

46
Capítulo 1 HISTÓRIA E FUNDAMENTOS DA PSICOPATOLOGIA

respiração acelerada e taquicardia; as alterações da marcha, que podem ocorrer


de forma variada, com movimentos bizarros, maneirismos e estereotipias motoras;
a apraxia, que é a dificuldade da realização atos intencionais, voluntários, sem
que haja paralisias (DALGALARRONDO, 2008).

QUADRO 9 – PSICOMOTRICIDADE E VONTADE NOS TRANSTONOS MENTAIS


T. ansiedade Tremores, hiperventilação psicogênica podendo ser acompanhada de agi-
tação.
Depressão Hipobulia; acompanhada de lentificação psicomotora ou estupor; possibili-
dade de impulsos suicidadas, negativismos e compulsões compensatórias.
D. Intelectual Além da possibilidade de maneirismos, pode haver desgovernabilidade mo-
tora.
Mania Pode haver impulsos e compulsões patológicos e agitação psicomotora.
TDAH Oscilação na direção do interesse/vontade; aceleração da atividade motora.
Delirium Em geral tanto a vontade quanto a psicomotricidade são desordenadas.
Demência Deficit no ajuizamento; nas crises ansiosas ou delirantes pode haver agita-
ção.
Esquizofrenia Oscilação volitiva de hipeboilia, impulsos, sugestionabilidade e negativismo
com respostas motoras com maneirismo, apraxia, tensão muscular e mo-
mentos de grande agitação alternados com rigidez.
FONTE: Adaptado de Amaral (2020) e Dalgalarrondo (2008).

Os transtornos da personalidade se constituem em um dos principais desafios


na área da psicopatologia. A personalidade, que pode ser definida resumidamente
como o conjunto integrado de traços psíquicos, características e qualidades
individuais de uma pessoa, é marcada por relativa estabilidade durante a vida
(AMARAL, 2020). A estabilidade como característica dos traços da personalidade
ao longo da vida influencia a complexidade das avaliações e tratamentos das
doenças mentais.

Existem indagações acerca das maneiras pelas quais a condição estável


dos traços de personalidade tem relação com o quadro clínico de um paciente
e do quanto isso pode afetar o curso e o tratamento do transtorno mental
(ORSINI, 2006). A não consideração da condição estável da personalidade pode
levar a prescrições medicamentosas desnecessárias. Sugere-se que, como a
personalidade “não muda”, a condição possível de ser modificada é a capacidade
de resposta adaptativa (ORSINI, 2006).

A constituição corporal, o temperamento e o caráter são os componentes


essenciais para a avaliação clínica da personalidade. Se o termo constituição
corporal praticamente se autodefine, devemos zelar para não confundir
temperamento, que é conjunto de particularidades psicofisiológicas e psicológicas

47
PSICOPATOLOGIA E A TCC (TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL)

inatas que determinam um modo de ser, com o caráter, que é soma de traços
de personalidade, constituídos por meio das relações sociais e ambientais. O
caráter insere-se na adaptação moldada pelo indivíduo de acordo com o seu
temperamento.

Das alterações da personalidade, o DSM-5 (APA, 2014) traz dez tipos de


Transtornos de Personalidade (TP), divididos em três grupos (A, B e C), com base
em características semelhantes. Para se diagnosticar um TP, deve-se observar
um “padrão persistente de experiência interna e comportamento que se desvia
acentuadamente das expectativas da cultura do indivíduo, é difuso e inflexível,
começa na adolescência ou no início da fase adulta, é estável ao longo do tempo e
leva a sofrimento ou prejuízo” (APA, 2014, p. 645). Seguem abaixo os TP trazidos
no DSM-5 e os principais demarcadores (devendo ser de nível disfuncional e
patológico) para o diagnóstico.

a. O grupo A: predomina esquisitice e desconfiança:


• TP paranoide – desconfiança e de suspeita.
• TP esquizoide – distanciamento das relações sociais e restrita
expressão emocional.
• TP esquizotípica – desconforto agudo nas relações.

b. O grupo B: predomina dramatização, impulsividade e manipulação:


• TP antissocial – desrespeito e violação dos direitos dos outros.
• TP borderline – instabilidade nas relações interpessoais, na
autoimagem e nos afetos, com impulsividade acentuada.
• TP histriônica – emocionalidade e busca de atenção em excesso.
• TP narcisista – grandiosidade, necessidade de admiração e falta de
empatia.

c. O grupo C: predomina ansiedade e controle:


• TP evitativa – inibição social, sentimentos de inadequação e
hipersensibilidade.
• TP dependente – comportamento submisso e apegado; necessidade
de ser cuidado.
• TP obsessivo-compulsiva – preocupação com ordem,
perfeccionismo e controle.

O indicado para o tratamento de TP é a psicoterapia individual ou em grupo,


sendo que a conduta medicamentosa alcança pouco êxito, a não ser nos casos
de comorbidade psicopatológica (AMARAL, 2020). Veremos, no Capítulo 3 deste
livro, alternativas complementares não medicamentosas para o cuidado em saúde
mental.

48
Capítulo 1 HISTÓRIA E FUNDAMENTOS DA PSICOPATOLOGIA

Resta-nos discorrer sobre as quatro funções mais afetadas nos


transtornos psicóticos. É sempre bom lembrar do risco de seguir à risca essas
demarcações apontadas como predominantes em determinados categorias de
transtornos e ignorar que se manifestem em outros, assim como se esquivar da
interação e completitude que as funções apresentam uma com as outras.

A sensopercepção é a capacidade de captação e codificação de estímulos


sensoriais, como luz, som, calor, pressão, sabor, odor etc. Percepção, sensação,
apercepção, representação e imaginação são alguns elementos decorrentes do
processo de sensopercepção (DALGALARRONDO, 2008).

As principais alterações da sensopercepção de ordem quantitativa são:


as agnosias, que são deficits do reconhecimento de estímulos visuais, auditivos
ou táteis; a hiperestesia, que incide em um aumento global da intensidade
perceptiva; a hipoestesia, que consiste no contrário da última, com diminuição
da intensidade perceptiva; na macropsia e na micropsia, cujos objetos são
percebidos aumentados e diminuídos, respectivamente.

As alterações qualitativas da sensopercepção são marcantes na


psicopatologia. Compreende as ilusões, que são percepções distorcidas de um
objeto real e presente; já as alucinações – que podem ser auditivas, visuais,
táteis, olfativas, gustativas, cenestésicas (dentro do corpo), cinestésicas (no corpo
em si) e outras – são percepções de um objeto sem a presença de fato desse.
Já na alucinose, o fenômeno percebido como alucinação é reconhecido como
estranho pela pessoa (DALGALARRONDO, 2008; CHENIAUX, 2015).

QUADRO 10 – ALTERAÇÕES DA SENSOPERCEÇÃO NOS TRANSTONOS MENTAIS


Esquizofrenia Riqueza alucinatória.
Depressão Hipoestesia e ilusões catatímicas.
Intoxicação por Podem ocorrer hiperestesia, micropsia, macropsia e sinestesia, além das aluci-
alucinógenos nações.
Mania Hiperestesia.
Demência Agnosia.
FONTE: Adaptado de Dalgalarrondo (2008).

Agora é a vez do pensamento. Vamos trazer, novamente, uma definição de


mais um conceito que é polimorfo. O pensamento é o processo (também produto)
mental capaz de estabelecer abstração, conceito, juízo, raciocínio, compreensão,
ideação, imaginação e associação de representações e ideias (AMARAL, 2020;
CHENIAUX, 2015). Bom, ainda bem que o leitor e a leitora, sem essa definição
um tanto insatisfatória, consigam pensar em um conceito inteligível do que seja o

49
PSICOPATOLOGIA E A TCC (TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL)

pensamento, são importantes para a psicopatologia os elementos intelectivos do


pensamento (os conceitos, os juízos e o raciocínio) e os elementos do processo
de pensar (curso, forma e conteúdo), já que são referência para a avaliação
clínica.

As alterações do pensamento não são tão claras na literatura, havendo


diferenças entre autores. Aqui, vamos continuar trazendo a divisão quantitativa e
qualitativa para as alterações das funções.

QUADRO 11 – PRINCIPAIS ALTERAÇÕES PENSAMENTO


Alterações Aceleração Maior produtividade ideativa e maior velocidade associativa.
quantitativas Alentecimento Redução das ideias, representações e inibição associativa.
(curso) Interrupção Interrupção do pensar é acompanhada da interrupção da fala.
Alterações Os conceitos se desfazem, a palavra passa a ter significados di-
dos conceitos versos.
Alterações Juízo deficiente ou prejudicado; juízo delirante (ganhará um pará-
dos juízos grafo à parte mais à frente.
Concretismo Discurso empobrecido de abstrações, metáforas e analogias.
Alteração Pensamento Conteúdo persistente, incontrolável, mesmo sendo repulsivo por
qualitativa obsessivo parte do paciente.
Fuga de ideias Variação rápida e incessante dos temas ideativos.
Pensamento Fantasias e pensamentos falsos, fora da realidade.
mágico
Prolixidade Incapacidade de síntese, discurso irrelevante e tedioso.
Minuciosidade Detalhismo irrelevante.
FONTE: Adaptado de Dalgalarrondo (2008) e Cheniaux (2015).

Nos grandes transtornos psicopatológicos, as alterações do pensamento


podem assim se apresentar: na depressão, em geral, é lento e negativo nas
ideações. Nos quadros ansiosos, tendem a ser acelerados, com conteúdos
fóbicos ou negativos. Na esquizofrenia, o curso do pensamento pode ser
fragmentado, acelerado (nas agitações) ou alentecido (no estupor); pode
ainda se apresentar desagregado, prolixo e frágil nas associações. Ainda, o
empobrecimento do pensamento e as ideias delirantes são sintomas marcantes
na esquizofrenia. Na mania, é acelerado e com fuga de ideias. Na demência, as
falsas memórias ou esquecimentos diminuem a nível associativo. Na deficiência
intelectual, pode haver prolixidade e concretude nas ideias. O pensamento
no delirium pode ser confuso e oscilante, enquanto no transtorno obsessivo-
compulsivo, é persistente e com ideias obsessivas (CHENIAUX, 2015).

As alterações do juízo de realidade fazem parte das alterações do


pensamento. As principais alterações são: ideias errôneas prevalentes e

50
Capítulo 1 HISTÓRIA E FUNDAMENTOS DA PSICOPATOLOGIA

supervalorizadas, que são pensamentos rígidos e focados em uma só ideia, em


que o paciente se identifica plenamente com ela; e as ideias delirantes ou o
delírio.

Presente nos transtornos delirantes, psicoses orgânicas e epilépticas,


parafrenias, transtornos do humor e, principalmente, nos quadros
esquizofrênicos, o delírio é um sintoma clássico na psicopatologia. Caracteriza-
se pelo erro no processo de ajuizar, pela crença no conteúdo do delírio, pela
impossibilidade do conteúdo, logo, sendo impossível também sua modificação
real, já que está fora da realidade. Os delírios podem ser sistematizados,
organizados ou caóticos e podem ser de acordo com seus mecanismos
formadores: imaginativos, intuitivo, catatímico (de humor), interpretativo, sensorial,
mnêmico, dentre outros. Ainda, de acordo com o conteúdo, podem se apresentar
como: delírio de grandeza, delírio de ruína, delírio de culpa, delírio religioso,
delírio de ciúme, delírio de referência, delírio de influência, delírio mítico e outros
(DALGALARRONDO, 2008, CHENIAUX, 2015).

Fechamos esta seção relacionada às funções psíquicas descrevendo a


consciência do eu. Essa função, autoexplicativa em seu termo, define-se como
a capacidade de consciência do indivíduo em relação a ele próprio. Para isso,
quatro atributos são apontados: consciência de identidade, que sugere que eu
saiba quem eu sou, minha história, minha condição no mundo e minha relação
com todas as outras coisas que “não seja eu”; consciência de unidade, que sou
único e indivisível; consciência de oposição, que é saber diferenciar aquilo que
é “eu” daquilo que é o “não eu”; consciência de atividade, que é a percepção
de que todas as atividades psíquicas do eu, sou eu quem realmente realiza
(AMARAL, 2020).

As alterações quantitativas do eu podem se manifestar pelas: alterações da


consciência da existência do eu, em que as sensações, sentimentos e motivações
são sentidas como diminuídas; desorientações autopsíquicas, com a diminuição
da percepção da identidade, em que a pessoa pouco ou nada se reconhece,
inclusive da sua história, seu nome etc. Já as alterações qualitativas podem
ser: alterações da consciência da atividade do eu, quando o paciente se torna
um observador passivo de suas atividades psíquicas, as quais não reconhece
como próprias; alterações da consciência da unidade do eu, em que a pessoa
vivencia uma divisão do seu eu em duas ou mais partes desarmônicas, sentindo
ser duas ou mais pessoas; alterações da consciência da identidade do eu, em que
o paciente se sente como se não fosse mais a mesma pessoa, especialmente em
comparação à pessoa que era antes da enfermidade; alterações da consciência
dos limites do eu, que se caracteriza como uma fusão do eu com o mundo externo
(CHENIAUX, 2015).

51
PSICOPATOLOGIA E A TCC (TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL)

QUADRO 12 – ALTERAÇÕES DO PENSAMENTO NOS TRANSTONOS MENTAIS


Pode apresentar comprometimento em todos os atributos (alterações da consci-
Esquizofrenia
ência de identidade, unidade, oposição e atividade); despersonalização.
Depressão Diminuição da consciência de existência do eu.
Intoxicação por Alteração da imagem corporal; alterações da consciência da identidade, da uni-
alucinógenos dade e dos limites do eu.
Mania Exacerbação da consciência de existência do eu.
T. Ansiedade Despersonalização nos quadros de ataque do pânico.
FONTE: Adaptado de Cheniaux (2015).

ATIVIDADES DE ESTUDO
4 Considerando que as alterações da atenção se manifestam
de forma específica em diferentes diagnósticos, associe os
itens utilizando o código a seguir, ajustando as alterações da
atenção aos respectivos transtornos em que mais aparecem.

I- Prevalece a hipoprosexia. Há exceção em alguns casos graves,


com a fixação em certos temas depressivos (hipertenacidade)
e diminuição da capacidade de mudar o foco da atenção
(hipovigilância).
II- Diminuição da atenção voluntária e aumento da atenção
espontânea, com hipervigilância e hipotenacidade.
III- Deficit de atenção é central, com filtragem de informação
irrelevante.
IV- Há dificuldade marcante de prestar atenção a estímulos internos
e externos.

( ) Esquizofrenia.
( ) Depressão.
( ) TDAH.
( ) Mania.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:

a) ( ) III – IV – II – I.
b) ( ) III – II – I – IV.
c) ( ) IV – I – III – II.
d) ( ) III – I – IV – II.

5 Relacione os seguintes transtornos de personalidade com seus


respectivos sintomas gerais, de acordo com o DSM-5.
52
Capítulo 1 HISTÓRIA E FUNDAMENTOS DA PSICOPATOLOGIA

I- Transtorno de personalidade borderline.


II- Transtorno de personalidade narcisista.
III- Transtorno de personalidade paranoide.
IV- Transtorno de personalidade dependente.

( ) Grandiosidade, necessidade de admiração e falta de empatia.


( ) Desconfiança e de suspeita.
( ) Comportamento submisso e apegado; necessidade de ser
cuidado.
( ) Instabilidade nas relações interpessoais, na autoimagem e nos
afetos, com impulsividade acentuada.

6 DAS SÍNDROMES
FIGURA 11 – DANÇA DA VIDA

FONTE: <https://munch.emuseum.com/en/objects/6713/livets-dans;jses
sionid=3CDC896E9B52E08724327D4178EEA676?ctx=ca5d1642-3cf5-
4b0a-9fea-70cd7bd935b1&idx=29>. Acesso em: 05 jan. 2022.

As síndromes são “conjuntos de sinais e sintomas que se agrupam de forma


recorrente e são observadas na prática clínica diária” (DALGALARRONDO,
2008). O domínio das grandes síndromes ajuda no domínio avaliativo e clínico.
Contudo, ainda se, em vez de uma breve apresentação, houvesse espaço para
o aprofundamento como a de um manual de psicopatologia, na prática clínica, a
utilização da CID ou do DSM são indispensáveis.

53
PSICOPATOLOGIA E A TCC (TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL)

Talvez o profissional, no acompanhamento longitudinal ou pontual de algum


paciente, não precisará recorrer a esses manuais, por ter o domínio daquelas
classificações sindrômicas ou por guiar suas condutas a partir dos sintomas e
queixas. Não significaria, nesse último caso, ignorar a importância da identificação
do quadro sindrômico, mas a valorização dos sintomas de forma isolada se dá
pelo óbvio de que a preocupação do profissional e a aplicação das terapêuticas
são direcionadas para a diminuição ou extinção deles. Mas não escapará esse
profissional da utilização de códigos e descrições oriundas desses manuais
citados ao ter que lançar, em um sistema de informação, um diagnóstico,
ao compartilhar com outros profissionais, ao prestar avaliação em resposta
às solicitações jurídicas, ao ter que emitir laudo no contexto de concessão de
benefício previdenciário etc.

E dito isso, acrescenta-se que, apesar da propagada indicação do DSM, a


CID, no Brasil, tem a preconização praticamente oficializada como classificação a
ser adotada, já que é a utilizada no âmbito legal e nos serviços públicos. Contudo,
como a escrita deste livro se dá na fase inicial da divulgação da CID-11 (OMS,
2022), e que a sua difusão demandará algum tempo, ela não será utilizada na
parte que se segue. E reforçamos ainda que, apesar de diferenças, DSM e CID
têm tentado a classificação em comum.

6.1 TRANSTORNOS DEPRESSIVOS


As síndromes depressivas são complexas e amplas, compostas de várias
categorias diagnósticas, como: episódio depressivo, transtorno depressivo
recorrente, distimia – estado crônico da depressão, depressão tipo melancólica ou
endógena; depressão psicótica e depressão agitada ou ansiosa (ABREU, 2006).
No DSM-5, os transtornos depressivos correspondem a oito diagnósticos.

As diferenças estabelecidas para se chegar ao transtorno específico são


referentes à frequência, intensidade, decorrência do uso de bebida alcóolicas
etc. Em comum a todos está a característica de “presença de humor triste, vazio
ou irritável, acompanhado de alterações somáticas e cognitivas que afetam
significativamente a capacidade de funcionamento do indivíduo” (APA, 2014, p.
155). Na depressão, os sintomas mais manifestos são:

54
Capítulo 1 HISTÓRIA E FUNDAMENTOS DA PSICOPATOLOGIA

QUADRO 13 – PRINCIPAIS SINTOMAS DEPRESSIVOS


Áreas afetadas Principais sintomas.
Afetiva Tristeza, melancolia, crises de choro, apatia, tédio, irritabilidade, desesperança.
Anedonia (diminuição da capacidade de sentir prazer), fadiga, cansaço, desâ-
Instintiva e
nimo, hipobulia, insônia, perda ou aumento do apetite, diminuição da libido e
neurovegetativa
outros.
Negativismo, pessimismo, sentimento de culpa, ruminações, ideias de morte,
Ideativa
ideação, planos ou atos suicidas.
Cognitiva Deficit de atenção e concentração e memória; dificuldade de tomar decisões.
Autovalorização Autoestima diminuída, sentimento de incapacidade e vergonha.
Volição e Tendência a permanecer na cama; latência nas respostas, lentificação psicomo-
psicomotricidade tora, estupor hipertônico ou hipotônico; diminuição da fala.
FONTE: Adaptado de Dalgalarrondo (2008)

6.2 TRANSTORNOS DE ANSIEDADE


Os transtornos de ansiedade incluem os “transtornos que compartilham
características de medo e ansiedade excessivos e perturbações comportamentais
relacionados” (APA, 2014, p. 189). A ansiedade normal – o leitor e a leitora sabem
que apresentar ansiedade é normal do ser humano, e é necessário educar os
pacientes quanto a isso – é definida como uma sensação desagradável, de
apreensão ou tensão, acompanhada de manifestações físicas, como dispneia,
taquicardia, tensão muscular, sudorese, tremor etc. quando a pessoa está diante
de alguma situação estressora, ameaçadora ou preocupante. Contudo, tende
a ser transitória, desaparecendo quando o elemento que a desencadeou não
estiver mais presente. Torna-se patológica quando é intensa e traz prejuízos à
saúde mental e à vida funcional (CHENIAUX, 2015).

O DSM-5 (APA, 2014) traz dez subtipos de transtornos de


ansiedade: transtorno de ansiedade generalizada, transtorno de
ansiedade social, transtorno de ansiedade por separação, agorafobia,
transtorno do pânico, mutismo seletivo, fobias específicas, transtorno
de ansiedade induzido por substâncias/medicamentos, transtorno
de ansiedade devido a outra condição médica, outros transtornos de
ansiedade específicos e não específicos. Cada um desses subtipos
apresenta critérios específicos, mas sempre com a ansiedade
patológica presente.

55
PSICOPATOLOGIA E A TCC (TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL)

Convencionalmente, divide-se as síndromes ansiosas em dois grupos:


a ansiedade generalizada, quadro em que os sintomas são constantes e/ou
permanente e as crises de ansiedade, crises de pânico e o transtorno de
pânico, em que há manifestações intensas de ansiedade abruptas, normalmente
de maior intensidade. Complementa-se ainda que, na ansiedade generalizada,
os sintomas (angústia, tensão, preocupação, insônia, dificuldade em relaxar,
irritabilidade e outros) estão presentes quase todos os dias, ainda que oscilantes,
com duração de pelo menos seis meses.

Já as crises de pânico e o transtorno de pânico se diferem, sendo que, no


primeiro, os sintomas (taquicardia, suor frio, tremores, desconforto respiratório,
náuseas, formigamentos e outros) são acompanhados de medo de infarto, morte
ou enlouquecimento, com início abrupto e com duração de mais ou menos uma
hora. No transtorno de pânico, as crises de pânico são persistentes, recorrentes
por vários meses, provocando no paciente mais ansiedade por medo de novas
eclosões dos sintomas (DALGALARRONDO, 2008).

6.3 TRANSTORNO BIPOLAR


Neste livro, não traremos as síndromes maníacas em separado, seguindo
as convenções mais atuais na literatura, que já apresentam o transtorno bipolar e
seus derivados. Os transtornos bipolares caracterizam-se por intercalação entre
episódios de mania e depressão. Como já vimos sobre sintomas depressivos,
seguem os principais critérios que demarcam o episódio maníaco e hipomaníaco.

56
Capítulo 1 HISTÓRIA E FUNDAMENTOS DA PSICOPATOLOGIA

QUADRO 14 – EPISÓDIO MANÍACO


A. Um período distinto de humor anormal e persistentemente elevado, expansivo ou irritável e au-
mento anormal e persistente da atividade dirigida a objetivos ou da energia, com duração mínima
de uma semana e presente na maior parte do dia, quase todos os dias.
B. Durante o período de perturbação do humor e aumento da energia ou atividade, três (ou mais)
dos seguintes sintomas (quatro se o humor é apenas irritável) estão presentes:
1. Autoestima inflada ou grandiosidade.
2. Redução da necessidade de sono.
3. Mais loquaz que o habitual ou pressão para continuar falando.
4. Fuga de ideias ou experiência subjetiva de que os pensamentos estão acelerados.
5. Distratibilidade.
6. Aumento da atividade dirigida a objetivos (seja socialmente, no trabalho ou escola, seja sexual-
mente) ou agitação psicomotora (i.e., atividade sem propósito não dirigida a objetivos).
7. Envolvimento excessivo em atividades com elevado potencial para consequências dolorosas.
C. A perturbação do humor é suficientemente grave a ponto de causar prejuízo acentuado no
funcionamento social ou profissional ou para necessitar de hospitalização a fim de prevenir dano
a si mesmo ou a outras pessoas, ou existem características psicóticas.
D. O episódio não é atribuível aos efeitos fisiológicos de uma substância ou a outra condição
médica.
FONTE: Adaptado de APA (2014).

Agora que apresentamos os critérios para o diagnóstico de episódio


maníaco, convém lembrar que há o episódio hipomaníaco, que não apresenta
fases evidentemente maníacas nem possui sintomas psicóticos associados
(DALGALARRONDO, 2008). Assim, temos o transtorno bipolar tipo I, que são
episódios depressivos leves a graves, intercalados com fases de normalidade
e fases maníacas; e o transtorno bipolar tipo II, episódios depressivos leves
a graves, intercalados com períodos de normalidade e seguidos de fases
hipomaníacas. Há o transtorno bipolar ciclador, em que ocorrem muitas fases
depressivas, maníacas, hipomaníacas ou mistas em curto período, com breves
períodos de remissão.

O DSM-5 ainda acrescenta o “transtorno bipolar e transtorno relacionado


induzido por substância/medicamento, transtorno bipolar e transtorno relacionado
devido a outra condição médica, outro transtorno bipolar e transtorno relacionado
especificado e transtorno bipolar e outro transtorno relacionado não especificado”
(APA, 2014, p. 123).

57
PSICOPATOLOGIA E A TCC (TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL)

6.4 TRANSTORNO OBSESSIVO-


COMPULSIVO E SEU DERIVADOS
O Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC) é caracterizado, como sugere
o nome, pela presença de obsessões e/ou compulsões. As obsessões são
representadas por pensamentos recorrentes e persistentes, vivenciados
como intrusivos, desconfortáveis e indesejados. Já as compulsões são
comportamentos repetitivos ou atos mentais em que a pessoa sente a obrigação
de realizar em resposta a aquelas obsessões. O TOC também é acompanhado
por preocupações e rituais em resposta às inquietações (APA, 2014).

O DSM-5 acrescenta na mesma categoria desse transtorno: o transtorno


dismórfico corporal, transtorno de acumulação, tricotilomania (arrancar o cabelo),
transtorno de escoriação (skin-picking), TOC e transtorno relacionado induzido
por substância/medicamento, TOC e transtorno relacionado devidos a outra
condição médica, TOC e transtorno relacionado especificado e TOC e transtorno
relacionado não especificado (comportamento repetitivo focado no corpo, ciúme
obsessivo). Para atender aos critérios do TOC, as obsessões ou compulsões
devem tomar tempo, causar sofrimento clínico e prejuízo no funcionamento
social, profissional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo. Outras
alterações que podem estar presentes são: incontrolabilidade, perfeccionismo,
rigidez da atenção, minuciosidade e consciência de morbidade preservada (com
exceções) (ABREU, 2006; CHENIAUX, 2015).

6.5 TRANSTORNOS PSICÓTICOS


Os delírios, as alucinações, o pensamento/discurso desorganizado,
a psicomotricidade grosseira e os sintomas negativos (anedonia, avolia, a
expressão emocional e sociabilidade diminuída etc.) são as características
tidas como essenciais para a definição dos transtornos psicóticos. Conforme o
DSM-5 (APA, 2014), além da esquizofrenia, fazem parte dessa categoria o
transtorno (da personalidade) esquizotípica, o transtorno delirante, o transtorno
psicótico breve, o transtorno esquizofreniforme, o transtorno esquizoafetivo
bipolar, o transtorno esquizoafetivo depressivo, o transtorno psicótico induzido
por substância/medicamento com delírio, o transtorno psicótico induzido por
substância/medicamento com alucinação, a catatonia associada a outro transtorno
mental, o transtorno catatônico devido a outra condição médica, a catatonia não
especificada, o outro transtorno do espectro da esquizofrenia e outro transtorno
psicótico especificado e o transtorno do espectro da esquizofrenia e outro
transtorno psicótico não especificado.

58
Capítulo 1 HISTÓRIA E FUNDAMENTOS DA PSICOPATOLOGIA

A esquizofrenia é a síndrome psicótica mais presente e marcante


na área da saúde mental. Além dos sintomas citados acima (não
necessariamente todos presentes de uma só vez), outros critérios
para o diagnóstico da esquizofrenia são: tempo significativo
de prejuízo funcional em áreas importantes da vida; sintomas
que persistem durante, pelo menos, seis meses; o transtorno
esquizoafetivo e o transtorno depressivo ou transtorno bipolar com
características psicóticas são descartados; a perturbação pode ser
atribuída aos efeitos fisiológicos de uma substância psicoativa ou a
outra condição médica (APA, 2014).

A esquizofrenia se desenvolve em fases. A primeira fase é a padrômica, em


que as alterações observadas são da ordem do humor, comportamento, vontade,
socialização e cognição. A fase psicótica, dividida em aguda, de estabilização
e estável, surge de forma normalmente abrupta e usualmente é o período em
que a pessoa buscará ou será levada para a avaliação e tratamento. Na terceira
fase, de recuperação, os sintomas já apresentam menor intensidade, embora, a
evolução possa variar da recuperação completa à incapacidade completa, tendo
um alto índice de afastamento das atividades laborais e funcionais (ABREU,
2006). A experiência clínica, a atenção aos sintomas, a consulta constante aos
manuais e a utilização do diagnóstico diferencial como estratégia são marcadores
importantes para distinguir a esquizofrenia de outras psicoses, assim como fazer
a diferenciação entre estas.

6.6 OUTRAS SÍNDROMES


PSICOPATOLÓGICAS
As síndromes apresentadas até aqui estão muito presentes na prática clínica.
Não significam que as demais não estejam, ou que afetem menos as pessoas que
sofrem dos sintomas oriundos delas. Você, caro/a leitor/a, já foi lembrado/a em
mais de uma oportunidade do alcance pretendido neste capítulo. As classificações
diagnósticas são extensas, vão se atualizando a cada versão nova de manuais
consagrados no universo da saúde mental.

Não é ousadia dizer que nem mesmo o mais experiente psicólogo, psiquiatra,
enfermeiro em saúde mental, professor ou outro profissional domine todas as
nuances do diagnóstico psicopatológico. Nas próximas linhas, ainda mais breves,
59
PSICOPATOLOGIA E A TCC (TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL)

serão assinaladas as outras categorias, como forma de instigar você, que chegou
até aqui, a acessar a bibliografia indicada ou buscar novas fontes. No nosso caso,
o marco continua sendo o DSM-5, pelas razões já explicadas.

Os transtornos do neurodesenvolvimento são caracterizados por deficits


no desenvolvimento e que causam danos na vida pessoal, social, acadêmica
ou profissional. Esses transtornos iniciam no início da vida e normalmente
são acompanhados de outras morbidades do desenvolvimento. Os principais
transtornos nessa categoria são o transtorno do espectro autista, o transtorno
de deficit de atenção/hiperatividade (TDAH), as deficiências intelectuais, os
transtornos da comunicação, o transtorno específico da aprendizagem e os
transtornos motores.

Os transtornos relacionados ao trauma e a estressores são aqueles em


que a exposição a um evento traumático ou estressante desencadeia sintomas,
dentre os quais: ansiedade, medo, anedonia, disforia, externalizações da raiva,
agressividade e sintomas dissociativos. O mais conhecido na linguagem cotidiana
é o Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT), mas estão inclusos nessa
classificação o transtorno de apego reativo, o transtorno de interação social
desinibida, o transtorno de estresse agudo e os transtornos de adaptação.

Os transtornos dissociativos são perturbação da integração normal das


funções psíquicas da consciência, memória, identidade, emoção, percepção,
representação corporal, controle motor e comportamento. O transtorno dissociativo
de identidade, amnésia dissociativa e transtorno de despersonalização/
desrealização são os principais dessa série. Os sintomas dissociativos podem ser
vivenciados de duas formas distintas: por intrusões espontâneas na consciência
e no comportamento; e por incapacidade de controlar funções mentais que
normalmente são de fácil acesso ou controle.

O transtorno de sintomas somáticos e outros transtornos relacionados


incluem o transtorno de sintomas somáticos, transtorno de ansiedade de doença,
transtorno conversivo e outros. Em todos eles, há ênfase de sintomas somáticos
associados a sofrimento e prejuízo funcional. Um transtorno de sintomas
somáticos não carrega o peso apenas dos sintomas, mas da forma como eles se
apresentam e como são interpretados pelas pessoas que dele sofrem.

Os transtornos alimentares, como anorexia ou bulimia; os transtornos


da eliminação, como incontinência urinária ou fecal; os transtornos do sono-
vigília, como insônia, hipersonolência ou narcolepsia; as disfunções sexuais,
como ejaculação precoce ou retardada; os transtornos parafílicos, relacionados
ao desejo sexual, fazem parte da lista de síndromes em que o sofrimento
mental é retroalimentado por disfunções fisiológicas, sociais e emocionais. Pode

60
Capítulo 1 HISTÓRIA E FUNDAMENTOS DA PSICOPATOLOGIA

ocorrer uma via de mão dupla, em que tanto o sofrimento mental afeta as áreas
designadas nos transtornos quanto as disfunções que surgem delas aumentam a
dor psíquica.

A disforia de gênero, correspondente ao anterior transtorno de identidade


de gênero, do DSM-IV, mais relacionada ao que se descreve como experiências
trans (HENRIQUES; LEITE, 2019). Em suma, os critérios diagnósticos são:
incongruência acentuada entre o gênero experimentado/expresso e o gênero
designado de uma pessoa, com duração de pelo menos seis meses; forte desejo
de livrar-se das próprias características sexuais primárias e/ou secundárias em
razão de incongruência acentuada com o gênero experimentado/expresso; forte
desejo de pertencer e ser tratado como o outro gênero.

Os transtornos disruptivos, do controle de impulsos e da conduta


são os que apresentam condições que envolvem problemas de autocontrole de
emoções e de comportamentos, acrescidos das características de violação dos
direitos dos outros e conflito significativo com normas sociais ou com autoridade.
Os principais são designados por transtorno de oposição desafiante, o transtorno
explosivo intermitente, o transtorno da conduta e o transtorno da personalidade
antissocial.

Os transtornos relacionados a substâncias e transtornos aditivos


abrangem classes distintas de drogas, como o álcool, a cafeína, os alucinógenos,
os inalantes, os hipnóticos, estimulantes, os ansiolíticos (não estão incluídos
os psicofármacos) etc. Todas as drogas, para preenchimento dos critérios, são
consumidas em excesso, ativam o sistema de recompensa do cérebro, afetam
comportamentos e funções cognitivas e podem trazer prejuízo aos usufrutuários.
o transtorno do jogo, com padrões de excesso na prática, também faz parte dessa
seção.

Os Transtornos Neurocognitivos (TNCs) abrangem aqueles em que


o deficit clínico primário está na função cognitiva, e são adquiridos, em vez de
terem sua origem no desenvolvimento. Dentre eles, estão o delirium, a doença
de Alzheimer; TNC vascular; a doença de Parkinson; e outros, incluindo o TNC
induzido por substância/medicamento!

O DSM fecha a classificação dos transtornos com os transtornos do


movimento relacionado a efeitos de medicamentos e com o capítulo
Condições para Estudos Posteriores. Nesse último, alguns transtornos chamam
a atenção por emergirem de transfundos das vivências que são paradigmas
da sociedade contemporânea. Assim, são o transtorno por uso de cafeína,
o transtorno do jogo pela internet e o transtorno neurocomportamental
associado a exposição pré-natal ao álcool.

61
PSICOPATOLOGIA E A TCC (TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL)

Já outros chamam a atenção por estarem relacionados a comportamentos


reativos ou à sentimento inerente à condição humana: transtorno do
comportamento suicida, autolesão não suicida e transtorno do luto complexo
persistente. Ainda que demarcada a condição para estudos posteriores, não
deixaram de levantar polêmicas, sobretudo em reflexão à hipótese da apologia do
DSM à medicalização da vida humana.

Os transfundos das vivências psicopatológicas são uma espécie


de palco, de contexto mais geral, em que emergem os sintomas
(DALGALARRONDO, 2014).

ATIVIDADES DE ESTUDO
6 – Quais são as fases evolutivas da esquizofrenia? Descreva seus
respectivos sintomas.

R.:____________________________________________________
____________________________________________________
___________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________

7 – Caracterize os transtornos bipolares do tipo I, II e cíclico.


R.:____________________________________________________
____________________________________________________
___________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________

62
Capítulo 1 HISTÓRIA E FUNDAMENTOS DA PSICOPATOLOGIA

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
Encerramos nosso primeiro capítulo. Seria impraticável abarcar de
forma satisfatória toda, ou abundantemente, a riqueza dos estudos sobre a
psicopatologia em um espaço necessariamente circunscrito. Mas as discussões
sobre a psicopatologia não ficarão encerradas nesta parte. No capítulo seguinte,
que tratará das perspectivas da psicologia cognitiva-comportamental, veremos, em
algum momento, que na história as duas se cruzam e passam a ser companheiras
entre as ciências que se dedicam ao cuidado em saúde mental.

Principalmente no terceiro capítulo, a aplicabilidade da psicopatologia como


instrumento na avaliação de casos será explorada, de modo que fica a orientação
para a leitura reforçada a este capítulo ou quiçá a outros textos, em complemento
a este conteúdo. É desafiante e exigente a travessia pelas águas das ciências
dedicadas à saúde mental. Porém, chegar à outra margem pode significar a
possibilidade de conhecer um pouco mais das riquezas desse vasto território da
mente humana.

Animadamente, aguardamos você no próximo capítulo!

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67
PSICOPATOLOGIA E A TCC (TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL)

68
C APÍTULO 2
PSICOLOGIA CLÍNICA – TERAPIA
COGNITIVO-COMPORTAMENTAL (TCC)

A partir da perspectiva do saber-fazer, são apresentados os seguintes


objetivos de aprendizagem:

• Identificar o desenvolvimento e a evolução da Terapia Cognitivo-


Comportamental (TCC) por meio do ponto de vista histórico.
• Conhecer os princípios teóricos da TCC.
• Distinguir conceitos e modelos das áreas científicas behavioristas e
cognitivistas.
• Aprender técnicas que fazem parte do arcabouço da TCC.
• Utilizar as ferramentas da TCC no processo de avaliação psicológica.
• Selecionar técnicas de manejo na atuação na prática clínica.
PSICOPATOLOGIA E A TCC (TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL)

70
Capítulo 2 PSICOLOGIA CLÍNICA – TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL (TCC)

1 CONTEXTUALIZAÇÃO
Vimos, no primeiro capítulo, que a psicopatologia se desenvolveu – planeada
nas ciências médicas – como área voltada para o conhecimento das doenças
mentais. A partir do momento em que a loucura e os comportamentos desviantes
(objetos de interesse da medicina) passam a ser designados como doença mental,
faz sentido que, além de estudados, sejam tratados. As formas de tratamento
oscilaram no meio médico ao longo do tempo, com a aplicação de dieta, sangria,
inanição e purgação, choques, coação, ameaças, punição, camisa de força,
encarceramento, banhos, hipnose, tratamento comunitário, tratamento pela fala
e escuta, terapias medicamentosas, e outras técnicas alternativas (MENDONÇA,
2005; REZENDE, 2009; VIDEBACK, 2012).

Dentre as formas de tratamento da doença mental, as psicoterapias figuram


como uma das principais estratégias aplicadas na contemporaneidade. Neste
capítulo, vamos abordar a Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC), uma
abordagem psicoterápica consolidada na área clínica da saúde mental.

FIGURA 1 – PSICOTERAPIA

FONTE: <https://www.freepik.es/vector-gratis/hombre-hablando-terapeuta-
su-oficina-paciente-sentado-sillon-hablando-mientras-medico-positivo-
toma-notas-ilustracion_16607996.htm>. Acesso em: 16 fev. 2022.

71
PSICOPATOLOGIA E A TCC (TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL)

Vimos, no capítulo anterior, que a psicopatologia se institui como um


instrumento para o entendimento da condição da saúde mental de uma pessoa
e apresenta critérios para diagnósticos. A TCC dá continuidade ao processo de
cuidado. Embora também auxilie no processo diagnóstico, seu principal escopo
é diminuir o sofrimento mental na vida de uma pessoa por meio do tratamento
psicoterápico.

Para alcançar essa meta, ela apresenta várias estratégias, que, acrescidas do
arcabouço teórico, a diferenciam de outras abordagens psicoterápicas. Logo, será
esse o contexto que se seguirá nas próximas páginas. Mais uma vez, imaginamos
que aqueles que se debruçarão sobre o assunto aqui tratado poderão apresentar
diferentes níveis de assimilação do conteúdo. A expectativa é que aqueles muito
familiarizados com o conteúdo possam amadurecer ainda mais suas habilidades
em relação à TCC e que os iniciados ou não aprofundados possam evoluir no
domínio da abordagem.

2 FUNDAMENTOS HISTÓRICOS,
FILOSÓFICOS E TEÓRICOS
DA ABORDAGEM COGNITIVO-
COMPORTAMENTAL
A TCC se constitui como um sistema psicoterápico especializado e de
base científica que surgiu nos Estados Unidos e se tornou uma das principais
abordagens no cenário da psicologia global. Essa associação da TCC com a
psicologia é uma demarcação importante para discorremos sobre alguns aspectos
que costumam trazer confusão. Muitas vezes, generaliza-se abordagens
psicoterápicas como abordagens psicológicas. Ainda, confunde-se essas duas
com teorias do conhecimento humano. Adentremos, então, cara aluna e caro
aluno, em algumas peculiaridades.

Quando vemos, nas redes sociais, propagandas de cursos (muitos com


qualidade e credibilidade duvidosa) de curta duração oferecendo formação
em TCC sem fazer distinção ao público destinado, percebemos que ela é uma
disciplina independente e acessível a outras categorias profissionais, sendo que,
por exemplo, há psiquiatras que a utilizam.

No entanto, apesar de ter origem multidisciplinar, é no cenário da psicologia


que ela está basicamente inserida. Outra categoria que tem aplicado muitos
conceitos da TCC no seu ofício é a dos nutricionistas, principalmente após o

72
Capítulo 2 PSICOLOGIA CLÍNICA – TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL (TCC)

lançamento do livro Pense magro (BECK, 2009). Assim, há outros profissionais


que também a utilizam. No Brasil, há programas do Ministério da Saúde que
direcionam estratégias para mudanças de hábitos e comportamentos baseadas na
TCC, sendo suas técnicas indicadas explicitamente, como no Programa Nacional
de Controle do Tabagismo (PNCT) (BRASIL, 2019; FARIA; FONSECA, 2021).

A psicologia, ciência que se dedica ao estudo da mente e do


comportamento, surgiu como um ramo da filosofia e assim permaneceu até
o final do século XIX, quando se tornou uma disciplina científica independente.
Elementos fundamentais investigados pela psicologia – volição, desejo, emoções,
afetos, ideias, sensação, percepção, aprendizagem, memória, consciência,
imaginação, pensamento, linguagem etc. – foram, desde Aristóteles, Platão e
Sócrates, objetos de reflexão filosófica.

Talvez, em algum momento, podemos lançar a pergunta: se já estavam


sendo tratados na filosofia, por que a “invenção” da Psicologia? Gomes (2015) nos
recorda que para seguir adiante na exploração desses elementos, seria necessário
ir além das proposições lógicas e especulação filosóficas e estabelecer um campo
científico voltado para o conhecimento factual. A psicologia, assim como outras
ciências, possui teorias ou "correntes" de estudos com perspectivas diferentes ou
específicas. As teorias comportamentais e cognitivas são duas delas, inspiradas
em modelos científicos teóricos de aprendizagem de mesma abordagem.

O termo “Terapia Cognitivo-Comportamental” (TCC) está mais associado


à origem da terapia cognitiva, mas passou a ganhar essa convenção a partir
da utilização de técnicas combinadas da abordagem terapêutica cognitiva
(desenvolvida na década de 1960 por Aaron Beck) com procedimentos das
abordagens comportamentais.

A terapia comportamental veio um pouco antes da terapia cognitiva,


com seu surgimento ocorrido na década de 1950, e teve contribuição mais
distribuída no seu início com Skinner, nos Estados Unidos, Wolpe e Lazarus,
na África do Sul, e Rachman e Eysenk, no Reino Unido (CANÇADO; SOARES;
CIRINO, 2005). A terapia comportamental surgiu da escola de pensamento do
behaviorismo, que engloba um conjunto de abordagens, teorias e métodos de
investigação que confiam na previsibilidade e no controle do comportamento
humano. John B. Watson é considerado o instituidor do movimento behaviorista, a
partir dos anos 10 do século XX (COELHO; DUTRA, 2018).

73
PSICOPATOLOGIA E A TCC (TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL)

A TCC, então, se desenvolveu a partir da terapia cognitiva e


terapia comportamental (ou behaviorista), que foram criadas a partir
de linhas científicas teóricas que apresentam explicações sobre
as maneiras pelas quais o ser humano alcança o conhecimento
organizado e o utiliza para agir sobre o ambiente (veja como fica
nas Figuras 2 e 3). Portanto, faz sentido deixar claro que a TCC
tem sua origem a partir de dois modelos psicoterápicos, que,
por sua vez, surgiram a partir de dois modelos científico-teóricos
de aprendizagem, em que o behaviorismo/comportamentalismo
apresenta uma tendência objetivista, a aprendizagem se dá pela
reação do organismo a estímulos externos e o cognitivismo por uma
tendência subjetivista, em que a aprendizagem é sustentada pelos
processos internos mentais (COELHO; DUTRA, 2018). Essas duas
teorias da aprendizagem são multidisciplinares. Confuso? Por meio
das figuras abaixo, podemos assimilar melhor.

FIGURA 2 – MODELO SIMPLICADO: O LUGAR DA TERAPIA


COGNITIVA NAS CIÊNCIAS COGNITIVAS

FONTE: O autor

74
Capítulo 2 PSICOLOGIA CLÍNICA – TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL (TCC)

FIGURA 3 – MODELO SIMPLIFICADO: O LUGAR DA TERAPIA


COMPORTAMENTAL NAS CIÊNCIAS COMPORTAMENTAIS

FONTE: O autor

A didática desses dois mapas mentais acima consiste em mostrar que os


dois modelos psicoterápicos foram elaborados a partir de teorias abrangentes das
ciências cognitivas e comportamentais. Muitas vezes, tem-se a sensação de que
a fonte direta das psicoterapias é a Psicologia, mas as trajetórias desta e daquelas
são independentes. Quando a integração passa a existir entre psicoterapias
e psicologia, há retroalimentação de conceitos. Vale lembrar que, inclusive, as
psicoterapias se desenvolvem visando sempre à aplicação na área clínica,
enquanto a Psicologia, além de outras áreas de atuação prática, tem também o
histórico de dedicação a estudos específicos para se chegar a conhecimentos
sobre o ser humano sem possuir comprometimento pragmático (SCHULTZ;
SCHULTZ, 2019).

Mas, afinal, o que vem a ser psicoterapia? Trata-se de um


método de tratamento voltado para a saúde mental com o objetivo de
ajudar as pessoas na cura ou diminuição dos sofrimentos psíquicos,
podendo ser de forma individual (terapeuta e paciente) ou coletiva
(terapeuta e grupo de pacientes) e que tem como principal elemento
mediador a linguagem, ou seja, a fala, a escuta, a linguagem corporal
e afins (MONDARDO; PIOVESAN; MANTOVANI, 2009). Assim,
distingue-se da terapia medicamentosa, da terapia cirúrgica, da

75
PSICOPATOLOGIA E A TCC (TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL)

terapia física, da terapia alimentar e outras. Se fôssemos acrescentar


um mapa mental com uma linha histórica das psicoterapias, estariam
presentes a psicanálise, a gestalt-terapia, a terapia comportamental,
a terapia cognitiva, a terapia sistêmica, a TCC, a terapia familiar, a
terapia comunitária, a terapia breve (de orientação psicanalítica) e
outras.

Apesar de alguns movimentos dentro da psicologia tradicional/acadêmica


voltados para a saúde ou para o ajustamento de comportamentos funcionais
na vida do ser humano, até a primeira metade do século XX praticamente
predominava a psicanálise como linha psicoterápica. A psicanálise, originada
por Sigmund Freud a partir do final do século XIX, não se desenvolveu nas
universidades, mas na área prática da clínica, estudando o comportamento
patológico por meio da observação e sistematizando um modelo de cura pela fala.

Como já foi dito antes, a psicologia fazia um percurso mais voltado, primeiro,
para o estudo não pragmático dos elementos da mente (consciência) e do
comportamento humano e, em segundo, para a aplicação em outras áreas, como
na educação ou nas organizações, e negligenciou por um bom tempo o estudo do
sofrimento mental (BARRETO; MORATO, 2008). Como já vimos no Capítulo 1,
além da psicanálise, as ciências médicas tinham o predomínio na abordagem dos
estudos e tratamentos das psicopatologias.

Vamos, agora, acompanhar uma breve descrição histórica do surgimento da


terapia comportamental e da terapia cognitiva para rematar na formação da TCC.

2.1 O COMPORTAMENTALISMO (OU


BEHAVIORISMO)
O desenvolvimento da psicologia científica e experimental se deu na
Alemanha na última metade do século XIX, a partir dos estudos de Hermann von
Helmholtz, Ernst Weber, Gustav Theodor Fechner e Wilhelm Wundt. O último,
inclusive, é considerado o fundador da Psicologia como ciência independente
(SCHULTZ; SCHULTZ, 2019). Apesar de eles se destacarem, não só na
Alemanha como em outros país da Europa vários nomes ajudaram na proliferação
da nova disciplina científica, que não demorou muito para atravessar o oceano e
se desenvolver nos EUA.

76
Capítulo 2 PSICOLOGIA CLÍNICA – TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL (TCC)

A psicologia assumira, nos Estados Unidos, um caráter próprio na virada


do século XIX para o XX, distinta da psicologia europeia. Tanto lá quanto cá a
consciência era o objeto fundamental de estudo, porém, os norte-americanos, com
seu espírito pragmático, interessavam-se pela forma de operação dos processos
conscientes, e não pela estrutura ou conteúdo da consciência, o que se via na
psicologia europeia.

O interesse era explorar a funcionalidade dos processos conscientes


para aplicar no mundo real. Assim, a psicologia nos EUA passou a desenvolver
processos e estratégias aplicadas principalmente na área da educação e nas
indústrias. A aplicação na área clínica também se desenvolveu, mas de forma
muito mais tímida. Nessa época, a psicanálise predominava quase que sozinha
como linha psicoterápica, mas sua trajetória se deu de forma independente, fora
da área da psicologia (SCHULTZ; SCHULTZ, 2019).

Um dos estudiosos mais destacados dessa corrente funcionalista nos EUA


foi Edward Thorndike. Ele foi um dos pioneiros em experimentos controlados
com animais, acrescendo essa modalidade de pesquisas à psicologia, já que
a técnica de introspecção com pessoas era a base dos estudos até então. As
pesquisas com animais possibilitavam elucidações de base comportamental,
o que já vinha sendo buscado pelos funcionalistas: alternativas de contraponto
aos modelos mentalistas nas explicações sobre processos de aprendizagem. O
movimento culminaria no surgimento do behaviorismo.

Behaviorismo: teoria psicológica que preconiza que a


aprendizagem ocorre por meio de estímulos e respostas, em um
processo que molda o comportamento do indivíduo sem haver a
participação das funções da consciência (CANÇADO; SOARES;
CIRINO, 2005). Observação: behaviorismo e comportamentalismo
são conceitos correspondentes. Como o behaviorismo é termo
consagrado na língua portuguesa, fica mantido o uso neste livro.

John Watson publicou, em 1913, um manifesto que propôs que a psicologia


deveria ser uma ciência empírica e voltada para o estudo do comportamento
humano. Para Watson, conceitos como imaginação, julgamento e raciocínio
não eram objetos passíveis de estudo pela ciência e, lógico, pela psicologia.
Para a investigação do comportamento humano, os estudos em animais foram
considerados primordiais, mas estudos com seres humanos, sobretudo com

77
PSICOPATOLOGIA E A TCC (TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL)

crianças, passaram a ser difundidos. Os experimentos para avaliar a relação entre


estímulo e resposta (enfoque respondente) sugeria a possibilidade de controle
e predição do comportamento humano.

Os behavioristas, tendo como principal influência os trabalhos de Watson


(nos EUA) e de Ivan Pavlov (na Rússia), passaram a apresentar sistemas de
educação baseados no comportamentalismo. Nas três primeiras décadas, a
concepção mentalista e a behaviorista se confrontavam como correntes distintas
para a explicação das condutas humanas (CANÇADO; SOARES; CIRINO, 2005;
SCHULTZ; SCHULTZ, 2019).

FIGURA 4 – PESQUISA COM ANIMAIS NO BEHAVIORISMO

FONTE: <https://www.istockphoto.com/br/foto/minsk-bielorr%C3%BAssia-
25-de-fevereiro-de-2020-ratos-brancos-em-um-laborat%C3%B3rio-de-
pesquisa-gm1215488940-354037059>. Acesso em: 23 abr. 2022.

O enfoque respondente do behaviorismo foi usado na terapia comportamental


para pesquisas experimentais de aplicações clínicas para comportamentos mal
adaptativos e fobias. Porém, teve pouco alcance nessa área. Na década de 1950,
Frederic Skinner propôs o modelo de condicionamento operante, em que a
aprendizagem se dá pelo reforço e/ou punição após a ação do sujeito no meio.

O sujeito, ao modificar as contingências (ambiente), passará a agir em função


das consequências dos seus atos. É por meio disso que se estabelece ou não as
chances de um comportamento ser repetido no futuro. O que isso representou
para a aplicação no comportamento humano? No processo educativo, quando
se quer ter um comportamento positivo, as recompensas são a chave para
a repetição da ação desejada. Já para eliminar uma mal hábito ou conduta,
aplica-se a punição, que resultará na eliminação do comportamento indesejado
(CANÇADO; SOARES; CIRINO, 2005).

78
Capítulo 2 PSICOLOGIA CLÍNICA – TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL (TCC)

Do ponto de vista psicoterápico, o modelo operante foi usado para o


tratamento de alguns transtornos psiquiátricos. Apesar de fazer contraponto e ser
um modelo alternativo à predominante psicanálise, a ênfase em uma intervenção
direta no ambiente ou nas contingências de reforçamento, distante na relação
terapeuta-paciente, dificultaram o ímpeto e maior interesse na área clínica
(BARBOSA; BORBA, 2010).

A partir da década de 1960, a maior aproximação com o contexto clínico


levou os terapeutas comportamentais a se voltarem mais para a relação terapeuta-
cliente, para a preocupação em relação às demandas relatadas pelo cliente
(em vez de, basicamente, às questões comportamentais) e para a aceitação de
eventos clínicos não passivos de observação – o que era até então central no
behaviorismo.

Foi nesse contexto que Albert Bandura propôs a teoria social, que sugere
o conceito de aprendizagem vicariante, no qual o indivíduo aprende a partir da
observação, e não (ou não somente) pelas consequências oriundas de seus
atos. Percebem o que isso implicava para um modelo comportamental? Que a
aprendizagem envolveria os processos cognitivos, devido à capacidade envolvida
de armazenar a informação e evocar em representações futuras, necessitando
da ativação da memória, da atenção do julgamento e outras funções mentais
(BANDURA; AZZI; POLYDORO, 2008).

As contribuições de Bandura reforçaram o movimento de insatisfação com o


behaviorismo. Na verdade, há o consenso entre historiadores de que nomes que
se sobressaem com novas propostas teóricas conseguem impactar e transformar
um corpo científico quando já há movimentos de desagrado. A insatisfação
tinha sua origem na insuficiência da explicação behaviorista dos processos
de aprendizagem na aquisição de comportamentos mais complexos. Com a
valorização dos processos cognitivos na esfera de aprendizagem, a psicoterapia
de abordagem comportamental se aproximou de modelos clínicos cognitivistas.

Na área psicoterápica da abordagem behaviorista, coube a Wolpe, Lazarus


e Abramovitz a difusão do uso terapêutico de estratégias cognitivas na terapia
comportamental, ao utilizar a dessensibilização sistemática e outras técnicas
imaginativas para a inibição da ansiedade e/ou quadros fóbicos.

79
PSICOPATOLOGIA E A TCC (TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL)

FIGURA 5 – FOBIA SOCIAL

FONTE: <https://www.freepik.es/vector-gratis/concepto-diferentes-
trastornos-mentales_9907647.htm#query=phobia&position=0&from_
view=search>. Acesso em: 23 abr. 2022.

Na figura acima, observamos que a dessensibilização


sistemática, desenvolvida originariamente por Joseph Wolpe, em
1958, é um conjunto de técnicas que presume que a exposição/
aproximação ao estímulo fóbico/traumático com consequente
aplicação de relaxamento ou resposta de enfrentamento auxilia
na diminuição do sofrimento ou sintoma. Por poder ser aplicada
de forma imaginativa, explorando, assim, funções psicológicas, é
uma técnica de referência que marca o período em que terapeutas
comportamentais passaram a aceitar a influência cognitiva na
aprendizagem comportamental (WENZEL, 2018).

A partir dos anos 1960, até dentre os psicoterapeutas que se denominavam


behavioristas coexistia um interesse por técnicas alternativas cognitivas, com um
desinteresse pela teoria comportamentalista, gerando dispersão e ecletismo de
modelos psicoterápicos (CANÇADO; SOARES; CIRINO, 2005).

Alguns terapeutas, como Albert Ellis, Aaron Beck, Michael Mahoney e


Donald Meichenbaum, em meio a esse ecletismo e atraídos pelo paradigma
cognitivo de possibilidade de simulação da mente por meio dos modelos

80
Capítulo 2 PSICOLOGIA CLÍNICA – TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL (TCC)

computacionais (KASTRUP, 2005) e pelas novidades dos aspectos cognitivos


no processo psicoterápico, passaram a desenvolver abordagens mais voltadas
para as funções psíquicas que para as estratégias comportamentais (BARBOSA;
BORBA, 2010). Em poucos anos, o movimento de insatisfação ao behaviorismo
já havia se findado, de fato, na consolidação da vertente da terapia cognitivo-
comportamental.

2.2 A TERAPIA COGNITIVA


Se, por um lado, existia a insatisfação com relação à abordagem
comportamental, as ciências cognitivas não emergiram somente em favor de uma
linha que criticasse e se sobreposse ao behaviorismo. Houve um contexto favorável
independente ao percurso behaviorista. O surgimento do computador a partir da
década de 1950 – século XX – deu impulso para as analogias que simulavam a
mente humana aos processos operados pela tecnologia computacional.

As semelhanças entre os processos operados nos computadores e os


operados pelas funções psíquicas instigaram e atraíram reflexões de filósofos,
psicólogos e cientistas interessados no estudo da mente e da aprendizagem.
Jerome Bruner e George Miller fundaram, em 1960, o Centro para Estudos
Cognitivos na Universidade de Harvard, que teve o potencial de provocar um
grande impacto entre estudiosos da mente, sobretudo psicólogos (SCHULTZ;
SCHULTZ, 2019).

Na área clínica, houve quem não tivesse a terapia comportamental como


única ou principal referência para confrontar. Albert Ellis e Aaron Beck foram
dois proponentes importantes para o desenvolvimento de uma psicoterapia de
perspectiva cognitiva que vinha de trabalhos alinhados ao enfoque da psicanálise.
Esses dois, iniciados na psicanálise, revelaram divergência e insatisfação com o
modelo psicanalítico.

Na história da psicanálise, houve muitos adeptos que discordaram das


proposições teóricas da ciência fundada por Freud. Porém, o caminho quase
sempre era arquitetar ou seguir uma nova linha dentro da própria psicanálise. Já
Ellis e Beck escolheram a ruptura com o modelo e, embarcados no paradigma
cognitivista de sua época, tornaram-se os dois principais difusores da terapia
cognitiva.

Ellis, psicólogo, acreditava que a psicanálise era a forma de terapia mais


aprofundada e efetiva, mas após se submeter ao processo de formação e atender
seguindo os preceitos da abordagem, percebeu que seus clientes melhoravam

81
PSICOPATOLOGIA E A TCC (TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL)

independentemente do número de sessões. Sentia a necessidade de, em muitos


casos, ter um papel mais ativo, fazendo interpretações e dando conselhos, o que
é menos observado na linha psicanalítica. Começou, então, a desenvolver um
modelo de psicoterapia racional que sugere que as experiências e acontecimentos
suscitam crenças individuais. Essas crenças individuais afetam as emoções e o
comportamento, ativam respostas fisiológicas e, em nível disfuncional, tornam-se
a base dos transtornos mentais.

O objetivo da psicoterapia cognitiva de Ellis seria identificar crenças


disfuncionais e, por meio de técnicas de questionamentos e experimentais, auxiliar
o paciente a modificar crenças disfuncionais e comportamentos desadaptativos. O
impacto provocado por Ellis foi enorme, já que foi pioneiro ao propor um tipo de
psicoterapia fundamentada na influência de funções cognitivas (KNAPP; BECK,
2008; RANGE, 2007).

82
Capítulo 2 PSICOLOGIA CLÍNICA – TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL (TCC)

FIGURA 6 – TERAPIA RACIONAL-EMOTIVA DE ALBERT ELLIS

FONTE: O autor

83
PSICOPATOLOGIA E A TCC (TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL)

Apesar do imenso impacto provado por Ellis, o modelo psicoterápico de


Beck se tornou tão influente que passou a ser apontado como o demarcador
do surgimento da terapia cognitiva. Tornou-se o mais influente e conhecido de
enfoque cognitivo e segue a mesma linha da abordagem elaborada por Ellis.
Inclusive, Aaron Beck assume a influência de Ellis na elaboração de seu sistema
psicoterápico.

No início da década de 1960, na Universidade da Pensilvânia, nos


Estados Unidos, Beck se propunha a investigar os mecanismos inconscientes
para a explicação da depressão a partir de métodos científicos e estudos
clínicos sistemáticos. Os resultados não conseguiram validar as formulações
psicanalíticas, levando a outras descobertas, embasadas nas teorias cognitivas
(FALCONE, 2005).

A terapia cognitiva de Beck preconiza que os pensamentos influenciam as


nossas emoções e comportamentos. Os pensamentos podem ocorrer no nível
mais superficial, denominados de pensamentos automáticos, que, embora em
um nível vago de consciência, são acessíveis por meio de treinamentos para a
identificação (exemplo de pensamentos automáticos disfuncionais: “acho que não
vou conseguir ser aprovada na entrevista de emprego”).

Há as crenças intermediárias, relativas a regras e convenções sociais, mais


globais e menos específicas e acessíveis em nosso filtro consciente (exemplo:
“para ser contratado, eu não posso ficar nervosa na entrevista”). E, ainda, há
as crenças centrais, constituídas e fortalecidas ao longo da vida por meio de
experiências marcantes e que formam o aspecto mais global característico da
forma de pensar. Além de serem menos acessíveis, são as mais difíceis de se
modificar (BECK, 2013).

84
Capítulo 2 PSICOLOGIA CLÍNICA – TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL (TCC)

FIGURA 7 – MODELO TRADICIONAL DA TERAPIA COGNITIVA

FONTE: O autor

No sistema psicoterápico de Beck, as crenças centrais, as suposições e


regras e os pensamentos automáticos estabelecem ligações explicativas para os
transtornos psicológicos. Ao estabelecer padrões cognitivos irrealistas, distorcidos
ou disfuncionais, o indivíduo tende a supervalorizar as suas fraquezas ou os
acontecimentos negativos e a desvalorizar os seus pontos fortes e oportunidades,
levando a quadros de ansiedade, fobias ou sintomas depressivos.

Com o passar do tempo, novos estudos levaram a terapia cognitiva ao melhor


entendimento dos transtornos psicológicos mais graves, tais como os transtornos
de personalidade (FALCONE, 2005). Ainda assim, convém destacar que, apesar
de alguns estudos apontarem determinado nível de eficácia, assim como outras
vertentes, as terapias cognitivas ou terapias cognitivos-comportamentais nos
tratamentos de psicoses apresentam baixos níveis de evidência (CZEPIELEWSKI,
2016).

Com o passar do tempo, Beck e os estudiosos da terapia cognitiva foram


redefinindo os limites do sistema psicoterápico e passaram a incorporar
o mecanismo e as estratégias da terapia comportamental, fortalecendo a
denominação na literatura de uma terapia cognitivo-comportamental. Contudo,
a ênfase continuou com a explicação das cognições como mediadoras do
comportamento e influenciadoras das emoções (embora essas últimas também
possam influenciar as cognições) (FALCONE, 2005).

85
86
FIGURA 8 – TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL, DE A. BECK
PSICOPATOLOGIA E A TCC (TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL)

FONTE: O autor
Capítulo 2 PSICOLOGIA CLÍNICA – TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL (TCC)

Outros modelos da terapia cognitiva foram desenvolvidos, mas predominam


as linhas teórico/práticas desenvolvidas por Ellis e Beck. O objetivo, no geral, é
sempre permeado por ajudar o paciente (cliente costuma ser um termo também
usado na literatura) a desenvolver habilidades para identificar as suas distorções
cognitivas e modificar pensamentos e comportamentos disfuncionais para
atingir alívio no sofrimento psíquico. A atuação do terapeuta, comparando com
outras abordagens, é mais ativa, diretiva e colaborativa, auxiliando o paciente no
processo de reestruturação cognitiva e comportamental.

Além da eficácia da terapia cognitiva no tratamento de transtornos


psiquiátricos, a sua aplicação tem validade comprovada nos casos de adcção por
consumo de drogas e na resolução de problemas do cotidiano, como conflitos
conjugais, organização nos estudos, adaptação ao ambiente de trabalho,
educação alimentar, educação financeira, gerenciamento das emoções e outros,
constituindo-se, portanto, em uma técnica preventiva em saúde mental (KNAPP;
BECK, 2008; BECK, 2013).

Um importante conceito dentro da TCC é o concernente à


distorção cognitiva. A distorção cognitiva corresponde ao padrão
rígido de processamento de informações que leva a interpretações
errôneas, ocasionando visões negativas da vida e pessimismo em
relação ao futuro. A partir de determinadas regras e padrões cognitivos
contraproducentes, crenças acionam pensamentos distorcidos
que “contaminam” a leitura da realidade. Existem variações na
literatura sobre as distorções cognitivas, sendo que a inferência
arbitrária, abstração seletiva, hipergeneralização, magnificação e
minimização, personalização, pensamentos dicotômicos, rotulação
e catastofrização são alguns exemplos desses erros cognitivos.
A Escala de Distorções Cognitivas Depressivas (EDICOD) é uma
ferramenta interessante para rastrear pensamentos distorcidos
e educar os pacientes na identificação de padrões disfuncionais
que possam estar interferindo na forma de interpretar a realidade
(CUNHA; BATISTA, 2019).

87
PSICOPATOLOGIA E A TCC (TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL)

2.3 FINALMENTE, A TERAPIA


COGNITIVO-COMPORTAMENTAL
A proposição de uma categoria de terapias cognitivo-comportamentais se deu
pela aproximação da perspectiva teórica/prática quanto ao papel dos processos
cognitivos na mediação do uso de estratégias terapêuticas comportamentais.
Se formos observar, é interessante o registro de que a teoria behaviorista se
origina a partir do movimento de negação do cognitivismo para a a explicação do
comportamento e da aprendizagem do ser humano.

Por outro lado, anos depois, as ciências cognitivas, em seu processo de


evolução, se não rejeitavam o modelo teórico comportamentalista, dispuseram-
no em uma posição de coadjuvante. O termo terapia cognitivo-comportamental,
que passou a se popularizar na virada da década de 1970 para a década de 1980
do último século, foi sendo empregado mais gradativamente do que articulado a
partir de um movimento intencionado e definido.

Pode-se dizer que o termo composto acabaria naturalmente surgindo, já


que o marco cognitivo acabou apresentando um modelo em que as influências
ou interações entre pensamentos, emoções e comportamentos têm respaldo
significativo quando submetido às experiências ou observações das ações e
reações humanas no dia a dia.

É interessante ressaltar que, apesar da força e ampla aceitação de uma


terapia cognitivo-comportamental, não houve abandono das referências à terapia
comportamental e terapia cognitiva. Judith Beck, filha de Aaron Beck, entusiasta e
principal expoente na continuação de pesquisas e divulgação da terapia formulada
pelo pai, faz a distinção da terapia cognitiva, terapia comportamental e terapia
cognitivo-comportamental.

Terapia Cognitiva baseia-se na ideia que pessoas com estresse


têm frequentemente o pensamento distorcido e/ou disfuncional.
Este pensamento negativo tem um impacto negativo em seu
humor, em seu comportamento e, frequentemente, em sua
fisiologia. As sessões de terapia cognitiva são habitualmente
estruturadas e direcionadas para auxiliar o paciente a
solucionar seus problemas atuais. Neste contexto, o paciente
aprende habilidades de solução de problemas, pensamento e
comportamento que ele utiliza não só durante o tratamento,
mas também no futuro, para permanecer bem. Uma importante
parte do tratamento é auxiliar pacientes a aprender como
avaliar a validade e a utilidade de seus pensamentos negativos
e como responder a eles de uma forma realista. Os pacientes,
quando aprendem a fazer isso, se sentem melhor e tornam-se
capazes de comportar-se mais funcionalmente. O tratamento é

88
Capítulo 2 PSICOLOGIA CLÍNICA – TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL (TCC)

sensível em relação ao tempo de duração e é frequentemente


mais curto do que outras psicoterapias, devido ao fato de
que um dos objetivos principais do tratamento é ensinar os
pacientes a serem seus próprios terapeutas. Esta é a razão
pela qual a Terapia Cognitiva não só ajuda os pacientes a
ficarem melhor, mas também a permanecerem melhores.
A Terapia Comportamental é baseada nos princípios de
condicionamento clássico e operante. Ela assume que
comportamentos são respostas apreendidas a estímulos e que
novas respostas podem ser aprendidas
Terapia Cognitivo Comportamental é um termo abrangente
para uma variedade de terapias que utilizam algumas
combinações de técnicas cognitivas e comportamentais. A
Terapia Cognitiva é, algumas vezes, designada como Terapia
Cognitivo-Comportamental, mas o que a difere de outros
tipos de terapias Cognitivo-Comportamentais é ter a base no
Modelo Cognitivo de que crenças e pensamentos de uma
pessoa influenciam suas emoções, ações e sintomas físicos,
e que as técnicas específicas que o terapeuta escolhe para
usar com cada paciente devem ser individualizadas com base
na Conceituação Cognitiva deste paciente (a compreensão do
terapeuta, confirmada pelo paciente, de quais são as crenças
subjacentes do paciente; os padrões não adaptativos que ele
desenvolveu para “lidar” com estas crenças; e os pensamentos,
emoções e comportamentos diários que aparecem como
resultado destas crenças). (PEREIRA, 2006, p. 112)

Devido à heterogeneidade, costuma-se separar as terapias cognitivo-


comportamentais em três grupos, caracterizados por pequenas diferenças em
termos de objetivos: a) as terapias de habilidades para o enfrentamento, que
visam ajudar o paciente a minimizar os efeitos negativos de eventos externos
a partir de melhor gerenciamento das emoções e por meio de comportamentos
adaptativos diante de fatores estressores; b) as terapias de resolução de
problemas, voltadas para estratégias de alternativas possíveis para a solução de
problemas. Perceba que aqui reconhece-se a realidade de problemas que devem
ser solucionados; e c) as técnicas de reestruturação cognitiva, que perpassam
o fortalecimento e a mudança de pensamentos distorcidos e crenças irreais
(BARBOSA; BORBA, 2010).

Apesar das diferenças quanto aos objetivos, três premissas básicas


são compartilhadas pelas TCC: o consenso de que a atividade cognitiva afeta
o comportamento; a atividade cognitiva pode ser monitorada e alterada; e a
mudança de comportamento almejada pode ser afetada pela mudança cognitiva
(BARBOSA; BORBA, 2010).

89
PSICOPATOLOGIA E A TCC (TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL)

FIGURA 9 – ORIGEM TEÓRICA/FILOSÓFICA DA TCC

FONTE: O autor

90
Capítulo 2 PSICOLOGIA CLÍNICA – TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL (TCC)

1 – Relacione a coluna da direita com a coluna da esquerda:

I- Aaron Beck.
II- Sigmund Freud.
III- B. F. Skinner.

() O autor considerava que o ambiente determina a maior parte das


nossas respostas e que, em função das suas consequências,
elas serão ou reproduzidas ou eliminadas. Propôs o modelo de
condicionamento operante, em que a aprendizagem se dá pelo
reforço e/ou punição após a ação do sujeito no meio.
() No caso da depressão, o autor postulou que os doentes
deprimidos têm distorções cognitivas, que fazem com que eles
decodifiquem a realidade de maneira inadequada. O seu modelo
psicoterápico preconiza que os pensamentos influenciam as
nossas emoções e comportamentos.
() Os elementos mais importantes desta teoria são: a personalidade
é um conjunto dinâmico constituído por componentes em
conflito, dominadas por forças inconscientes, e a sexualidade
tem um papel crucial nesta teoria. Seu modelo psicoterápico foi
predominante na primeira metade do século XX.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:

a) ( ) III – I – II.
b) ( ) III – II – I.
c) ( ) II – I – III
d) ( ) II – III – I.

2 – Quais os dois modelos científicos de aprendizagem que


influenciaram as duas abordagens psicoterápicas que deram
origem à TCC?
R.: ___________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________

91
PSICOPATOLOGIA E A TCC (TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL)

3 A INSERÇÃO DA TCC NA PRÁTICA


CLÍNICA NO BRASIL
Nesta seção, vamos refletir brevemente sobre a inserção da TCC na
prática clínica. O objetivo é mais a sua difusão atual que o histórico de como
a abordagem foi demarcando seu espaço. Se familiarizados com o contexto
clínico, sabemos que muitas linhas de terapia buscam contribuir com a promoção
da qualidade da saúde mental. Quando nos referimos anteriormente ao termo
“terapia”, e não “psicoterapia”, foi no sentido de dar luz ao abrangente número de
profissionais, técnicas, estratégias e possibilidades encontradas na prática clínica
que promovem o impacto no cuidado à saúde mental das pessoas.

Se, por um lado, na linha de frente do cuidado aos que apresentam sofrimento
mental estão psicólogos, psiquiatras, enfermeiros e especializados (possibilitados
pelas pós-graduações de natureza multidisciplinar), sabemos que qualquer tipo de
adoecimento, seja físico ou mental, traz em seu bojo angústias e preocupações
que têm o potencial de tirar a estabilidade emocional e a tranquilidade da pessoa
enferma, o que nos leva a considerar que todo atuante na área da saúde tem
sua parcela de contribuição. Em função disso, tem ocorrido um movimento de
apologia a perspectivas de terapias combinadas.

FIGURA 10 – EQUIPE MULTIPROFISSIONAL DE SAÚDE

FONTE: <https://www.shutterstock.com/pt/image-vector/team-medical-
professionals-mix-race-doctors-1858968271>. Acesso em: 24 abr. 2022.

O psicoterapeuta, independentemente de ter sua atuação em consultório


particular, em clínicas privadas ou públicas, utiliza-se de abordagens coletivas ou
individuais e tem ciência de que de alguma forma a sua intervenção isolada não
alcança todos os níveis de cuidados no contexto da saúde mental. Sendo assim,
além de suas estratégias isoladas ou compartilhadas com outros profissionais,
outras variáveis fazem parte de um conjunto de condições que influenciam a saúde
mental na vida de uma pessoa, incluídas aquelas que melhoram a qualidade de

92
Capítulo 2 PSICOLOGIA CLÍNICA – TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL (TCC)

vida, como: a terapia alimentar, a prática de atividade física, a avaliação da saúde


corporal, a terapia medicamentosa (em casos necessários), a terapia ocupacional,
o empoderamento psicossocial do paciente e outras de natureza diversa.

Apontado, então, o aspecto multidisciplinar e multiprofissional em


que o psicoterapeuta está envolvido na área da saúde e afunilando para a sua
admissão nos diversos espaços, sabemos que existem diferentes abordagens
de psicoterapias. Falando do cenário brasileiro, algumas vezes lemos que são
inúmeras as linhas psicoterápicas e que essas disputam entre si o mercado. Não
parecem ser razoáveis tais afirmações. Se analisamos de forma crítica e com
filtragem atenta, vemos que quanto ao número de abordagens, sim, reconhece-se
que são várias as propostas, mas há uma real predominância de quatro ou cinco
abordagens.

Com relação ao mercado de atuação, existe mais um movimento conjunto


em que todas as abordagens buscam aumentar a procura pelos serviços
disponibilizados que uma disputa pelo espaço. Há, na literatura, vasta pesquisa
sobre a escolha da abordagem psicoterápica por parte de graduandos e
profissionais, mas existe real carência sobre os critérios utilizados pelos pacientes/
clientes na sua escolha. Isso mostra, já na academia, a virtude diminuída quanto
ao entendimento de como funciona o mercado consumidor.

Qual o percentual de pessoas que, ao procurar um psicólogo,


usa como critério o tipo de abordagem? Qual o percentual que usa
como critério a indicação de outrem, sem avaliar se seu tipo de
queixa está mais associado a uma abordagem específica? Como
demarcar de forma real e ética que a abordagem que utilizo, mais e
melhor que outras, favorece a diminuição do sofrimento e a mudança
em determinada área da vida? Se assentimos que determinados
tipos de demandas são tratadas com mais eficácia por determinada
abordagem, como fica essa questão nos serviços públicos ou nos
convênios que não oferecem um menu de escolhas?

93
PSICOPATOLOGIA E A TCC (TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL)

Tais perguntas levantadas pelo nosso amiguinho Leo servem mais à instigação
sobre esse demarcador de identidade para o profissional psicoterapeuta, ou seja,
se a escolha da abordagem que vai nortear a atuação serve somente de baliza
para ele, sem a ciência das pessoas que buscam o serviço de que existe uma lista
que talvez devesse consultar antes de agendar o atendimento. Parece ser difícil
comparar propostas terapêuticas, mais ainda comparar critérios de avaliação do
progresso dos pacientes. Cabe mais a cada linha teórica se avaliar e sistematizar
melhor os dados sobre as contribuições junto à sociedade.

Veremos nas páginas que seguem que a TCC apresenta especificidades que
se ajustam a aspectos contemporâneos buscados pelas pessoas quando elas
procuram algum serviço: é objetiva, educativa, diretiva e focada na resolução da
demanda (ou problema) principal, propõe estratégias e permite monitoramento
e avaliação dos progressos. Isso já pode explicar o motivo de ser uma das
principais abordagens difundidas no mundo. Pensamos ser indispensável incluir
no processo de formação do psicoterapeuta essa dimensão do alcance social,
contributivo e benquisto nos espaços de atuação.

3.1 A TCC NOS DIFERENTES


ESPAÇOS
A TCC tem sido aplicada no mundo todo para uma variedade de casos
em diferentes públicos e múltiplos contextos. Essa consideração pode ser
constatada tanto pelo número de estudos e pesquisas de campo quanto por uma
simples procura pela internet. O seu crescimento rápido nos últimos quarenta
anos – quando outras abordagens já estavam inseridas, com destaque para as
psicanalíticas, comportamentalistas e humanistas – deu-se sobre o aparato de
pesquisas científicas rigorosas, com a preocupação de demonstrar a eficácia
em relação à resolutividade em tratamentos na conjuntura da psicologia clínica
(PADESKY; BECK, 2010).

Apesar de a TCC surgir na década de 1960 nos Estados Unidos, e quase


que instantaneamente chegar ao meio acadêmico aqui no Brasil, somente a partir
dos anos 1980 sua disseminação foi ganhando o cenário nacional (RANGE;
FALCONE; SARDINHA, 2007). Sua difusão no Brasil, nos anos 1980, ocorreu
por meio de congressos, wokshops, centros de formação e eventos nacionais
e internacionais. Já nos anos de 1990, foi sendo adicionada como disciplina
nas graduações de Psicologia até ganhar status para se tornar especialização
acadêmica.

94
Capítulo 2 PSICOLOGIA CLÍNICA – TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL (TCC)

Na virada do milênio, todo o movimento acadêmico ou de capacitação


profissional voltado para a TCC fez com que a propagação fosse refletida no
espaços de atuação clínica. Devemos levar em consideração o período em que a
internet ainda não era uma realidade no cenário internacional e nacional e o quanto
era mais lento o processo de divulgação de novas práticas e conhecimentos ao
redor do mundo.

A TCC, como já foi dito, está inserida em vários espaços, desde clínicas
privadas, consultórios, setor público até na educação e outros cenários. Ainda que
os espaços sejam diversos, a perspectiva da TCC, assim como das psicoterapias,
é clínica. Por mais que estratégias sejam aplicadas por profissionais, por exemplo,
no contexto escolar, a sua direção tenderá a contribuir ali com a saúde mental das
pessoas atendidas. Logo, não é difícil constatar que é na área da saúde que os
psicoterapeutas estão situados, seja no nível de atenção primária, secundária ou
terciária.

Atualmente, no Brasil, ainda que com avanços e retrocessos, a adoção de um


modelo biopsicossocial de saúde em contraposição ao modelo biomédico favorece
a ocupação do espaço pelas psicoterapias, que, logicamente, contribuem para a
promoção de uma saúde de visão holística, na compreensão da saúde-doença,
nos ajustes comportamentais e emocionais e na dinâmica coletiva da população
(MIYAZAKI et al., 2011).

Na sequência, segue um quadro que caracteriza as formas de inserção do


psicoterapeuta em equipes de saúde ou de forma autônoma. Apesar de a fonte
consultada usar como referência o profissional psicólogo, e de ele normalmente ser
o ator que utiliza a abordagem psicoterápica, prefere-se aqui ressaltar novamente
que a psicoterapia não é restritiva a essa categoria, como lembra o próprio
Conselho Federal de Psicologia (2000). Não obstante, o quadro representa, seja
para a psicoterapia ou para a psicologia, a participação no campo da saúde.

95
PSICOPATOLOGIA E A TCC (TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL)

FIGURA 11 – FORMAS DE TRABALHO EM RELAÇÃO À EQUIPE DE SAÚDE

Fonte: Miyazaki et al. (2011, p. 570).

Destaca-se que aqui a referência é o trabalho junto a equipes de saúde.


Ainda assim, ao pensarmos no profissional que atua de forma autônoma em seu
consultório, de alguma forma, o compartilhamento interdisciplinar do caso pode
ser realizado se o paciente é acompanhado por outros profissionais.

No serviço público, após a implementação do Sistema Único de Saúde (SUS)


na década de 1990, com a expansão da Atenção Primária à Saúde (APS), a
psicologia se tornou uma importante categoria, direcionada para a contribuição no
modelo psicossocial, preventivo e promotor da saúde coletiva.

O SUS apresenta um amplo conjunto de serviços prestados, com


procedimentos de baixa, média e alta complexidade. Apesar dos avanços, o SUS
apresenta ainda muitos deficits estruturais, em que os profissionais têm de se
adaptar a condições não ideais de trabalho, atuação em locais inadequados,
remuneração insatisfatória, falta de materiais, elevada demanda e tempo reduzido
para atender aos pacientes. Essa realidade, logicamente, também incide o
psicólogo.

A inserção da TCC no SUS não ocorre de forma planejada, mas


acompanhando a entrada dos psicólogos – e alguns psiquiatras – que utilizam a
abordagem como referencial teórico/prático de atuação. Não existe em concursos
públicos ou em vínculos estabelecidos de outra natureza a discriminação do tipo
de enfoque psicoterápico no processo de recrutamento. Não obstante, devido ao
paradigma da expansão da TCC no Brasil, ela se encontra dentre as principais
linhas psicoterápicas nos serviços de saúde pública.

Curiosamente, apesar do processo de recrutamento não ser discriminatório,


a TCC tem suas técnicas indicadas em programas do Ministério da Saúde,
principalmente os voltados a grupos de apoio psicológico para a cessação do
tabagismo, para grupos de gestantes, cardiopatas, diabéticos, usuários de saúde

96
Capítulo 2 PSICOLOGIA CLÍNICA – TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL (TCC)

mental, pessoas com sofrimento mental, alcoolistas etc. (SOUSA; PEREIRA,


2011). Isso porque alguns princípios da TCC vão ao encontro da resolução das
demandas trazidas por aqueles públicos, com ênfase na participação ativa do
paciente, na orientação para os objetivos, com o foco na resolução dos problemas
e no presente, além da tendência psicoeducativa (BECK, 2013).

FIGURA 12 – APLICAÇÃO DA TCC NO SUS

FONTE: BRASIL (1999, p. 31).

As técnicas da TCC no serviço público são, majoritariamente, aplicadas


pelos psicólogos que seguem a abordagem. Contudo, estratégias pontuais da
TCC também são aplicadas por diferentes profissionais em situações de apoio
a mudanças cognitivas e comportamentais em grupos de saúde. Na imagem,
observe que o profissional de saúde no SUS não fica restrito a sua sala em um
dispositivo de saúde e se insere no território, ficando próximo à comunidade.

Ainda em relação às características das demandas observadas nos serviços


públicos de saúde, outros princípios que favorecem a rápida adaptabilidade dos
psicólogos formados em TCC são: os problemas dos pacientes são avaliados
por processo de conceituação individual, considerando as, assim, singularidades
vivenciadas; trabalha a prevenção nas recaídas; visa ao tratamento por um tempo
limitado; apresenta fase introdutória, intermediária e final, o que faz com que o
paciente receba feedback da sua condição evolutiva na psicoterapia; volta-se
para a prevenção, e não somente para casos diagnosticados com transtornos;
uso de técnicas diversas, objetivando as mudanças cognitivas e comportamentais
(BECK, 2013).

A TCC também conta como vantagem o fato de apresentar estudos,


estratégias e protocolos detalhados com o passo a passo para a estruturação das
sessões e a realização do tratamento de públicos de todas as idades, incluindo os
transtornos psicológicos associados à infância e à adolescência (PETERSEN et
al., 2011)

97
PSICOPATOLOGIA E A TCC (TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL)

Apesar das novas políticas públicas em saúde no Brasil proporem o


desenvolvimento de ações socialmente apropriadas, voltadas para a atenção
à qualidade de vida em tentativa à superação do limitado modelo biomédico
(BRASIL, 2000), prevalece dentre a população a crença de que a medicação
(ou intervenção médica) pode resolver qualquer tipo de problema, sendo um
obstáculo a um comportamento mais ativo no cuidado à saúde por parte das
pessoas (SOUSA; PEREIRA, 2011). O que isso implica na inserção da TCC?
A constatação é evidente de que a TCC expande cada vez mais seu espaço
dentre as psicoterapias, porém, pensando o quanto ainda pode se desenvolver
e expandir, o desafio parece não ser somente (ou principalmente) se consolidar
como linha teórica de destaque. O desafio é, juntamente com outras abordagens
psicoterápicas, afastar a desconfiança sobre a eficácia e os benefícios oriundos
da psicoterapia e concretizar a aceitação dessas ferramenta junto à população.

3 – Existe a constatação de que TCC é uma abordagem que tem uma


receptividade e funcionalidade satisfatória no serviço público.
Quais as explicações para essa consonância?
R.: ___________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________

4 – Analise as afirmativas a seguir, classificando V para as


afirmações verdadeiras ou ou F para as falsas.

I- ( ) Apesar de a área da saúde ser um espaço onde várias


categorias profissionais atuam, o cuidado à saúde mental é de
responsabilidade do psicólogo e psiquiatra, que apresentam
formação específica para atender às pessoas com sofrimento
mental.
II- ( ) O crescimento nos últimos quarenta anos da TCC e sua
inserção em diversos espaços se deu sobre o aparato de
pesquisas científicas rigorosas, com a preocupação de demonstrar
a eficácia em relação à resolutividade nos tratamentos.
III- ( ) Apesar de as políticas públicas em saúde no Brasil proporem
a superação do modelo biomédico, prevalece entre a população
a crença de que a medicação (ou intervenção médica) pode
resolver qualquer tipo de problema.

98
Capítulo 2 PSICOLOGIA CLÍNICA – TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL (TCC)

IV- ( ) É desnecessário e inviável o compartilhamento ou discussão


de casos no cenário de autuação autônoma em consultório, já
que, além de se configurar quebra de sigilo ético por parte do
psicoterapeuta, demonstraria sua falta de competência, por não
sanar todas as dificuldades do paciente.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:


a) ( ) F – F – V – F.
b) ( ) F – V – V – F.
c) ( ) F – V – F – F.
d) ( ) F – V – F – V.

4 A AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA NA
PERSPECTIVA DA TCC
FIGURA 13 – AVALIANDO PENSAMENTOS, EMOÇÕES E SENTIMENTOS

FONTE: <https://unsplash.com/s/photos/psychological-
assessment>. Acesso em: 27 fev. 2022.

Nesta parte, discorreremos sobre os objetivos da avaliação psicodiagnóstica


de acordo com os princípios da TCC. Veremos os critérios para como conduzir
a avaliação, formular os objetivos a partir da consumação de diagnósticos ou
da condição situacional do paciente e ordenar o prognóstico e roteiro para o
tratamento. Na TCC, para a melhor formulação do caso, a construção de uma
conceituação auxilia no planejamento do tratamento.

99
PSICOPATOLOGIA E A TCC (TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL)

4.1 PRIMEIRAS CONSIDERAÇÕES


A avaliação não está limitada ao primeiro encontro. Deve ser atualizada
durante todo o percurso do tratamento, sendo esse um ponto fundamental para
o sucesso do processo terapêutico. Não é possível imaginar a elaboração de um
tratamento sem um levantamento diagnóstico. Seria o mesmo que, sem identificar
a origem de um problema que se passa em um veículo, um mecânico apontasse
qual seria a solução, a conduta, o valor e o tempo para ser entregue sem defeitos
ao proprietário.

Uma antecipação explicativa sem conhecimento prévio ou uma avaliação


inadequada por parte do mecânico, salvo em caso de pequena chance de acertar
por intuição ou sorte, ou teria ele que reformular sua hipótese, ou não conseguiria
sanar o problema, ou – o que é pior – devolveria o carro com os mesmos defeitos,
colocando em risco a vida de pessoas.

Na área da saúde mental, evidentemente, com aspectos mais complexos e


oscilantes do que os observados no universo mecânico, chegar a conclusões por
simples intuição ou acaso pode levar a consequências múltiplas: erro diagnóstico;
perda da credibilidade de todo um serviço ou categoria profissional; perda do
direito do profissional de continuar atuando, se comprovada a negligência; riscos
à saúde; riscos à vida.

Devemos nos lembrar de que, no Capítulo 1, vimos que as classificações


como a CID-11 (OMS, 2022) e o DSM-5 (APA, 2014) auxiliam na atuação em
saúde mental e na elaboração dos diagnósticos psicológicos. A TCC apresenta
instrumentos, técnicas e orientações que complementam essas classificações,
avaliando aspectos que direcionam a formulações de estratégias em auxílio a
mudanças cognitivas e comportamentais dos pacientes, principalmente a partir
das fragilidades levantadas durante o processo avaliativo.

4.2 AVALIAÇÃO NA TCC: NÃO


SÓ TRANSTORNOS MERECEM
ATENÇÃO
Vamos direto ao ponto. Para a avaliação de transtorno mentais, todo atuante
na área não deve negligenciar as classificações mais utilizadas. No Brasil, a
CID-11 (OMS, 2022) e o DSM-5 (APA, 2014) são os manuais classificatórios
mais empregados. Ainda que apresentemos certa desconfiança, em razão do

100
Capítulo 2 PSICOLOGIA CLÍNICA – TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL (TCC)

quanto essas classificações apresentam vieses ou reforçam, de certa forma, uma


tendência biomedicalizante, indicar se as pessoas com sofrimento atendidas por
nós apresentam também algum diagnóstico, que pode ser referido de imediato, já
favorece a possibilidade de entrosamento com outros profissionais em ocorrência
de compartilhamento de caso – lembrando o óbvio de que nem todo sofrimento
psíquico se apresenta ligado a um diagnóstico, aliás, essa condição se dá em
proporção muito menor.

Também favorece buscar na literatura quais procedimentos e tratamentos


têm sido mais eficazes na condução de determinado transtorno mental. Se, por
um lado, levantar o máximo de informações singulares de determinado paciente
beneficia um projeto terapêutico humanizado e personalizado, o levantamento
diagnóstico permite que o profissional seja humilde no reconhecimento de que
há esforços da comunidade científica em pesquisar, contribuir e indicar técnicas
de tratamento dos fenômenos patológicos que se apresentam estaticamente de
forma semelhante em determinada parcela da população.

A avaliação diagnóstica é importante inclusive para o relacionamento


terapêutico. Ainda que cada pessoa se porte de forma singular e única, certos
padrões de comportamentos e posturas podem se repetir de acordo com o
transtorno psicológico, o tipo de personalidade e características sintomáticas. Por
exemplo: um paciente maníaco pode ser intrusivo ou sedutor; no transtorno por
uso de substancias químicas, pode haver simulação ou dissimulação; uma pessoa
com um transtorno alimentar pode querer validar suas atitudes desadaptativas
e sabotar as estratégias; já uma com transtorno de personalidade obsessivo-
compulsivo pode ter dificuldades para expressar emoção; enquanto um paciente
com quadro esquizoide pode ficar na defensiva e não confiar no profissional
(WRIGHT; BASCO; THASE, 2011).

101
PSICOPATOLOGIA E A TCC (TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL)

FIGURA 14 – A AVALIAÇÃO NO MODELO DA TCC

FONTE: O autor

A TCC apresenta técnicas que complementam a formulação clínica dos


diagnósticos, expandindo a compreensão dos problemas vivenciados pelos
paciente. Por meio de entrevistas e instrumentos de avaliação e medida, a TCC
busca integrar a história do cliente e seus problemas em associação ou elucidação
para o entendimento do diagnóstico (ARAÚJO; SHINOHARA, 2002).

Assim, imaginemos, por exemplo, o atendimento a uma pessoa que é


diagnosticada com ansiedade generalizada, de acordo com os critérios de
classificação reconhecidos nos manuais de psicopatologia. Além da possibilidade
de usar testes que corroboram com a avaliação diagnóstica – por exemplo, a
Escala de Ansiedade de Hamilton (HAS) (HAMILTON, 1960) ou o Inventário
Beck de Ansiedade (BAI) (BECK et al., 1988) – o terapeuta pode identificar
se há presença de pensamentos distorcidos e crenças de natureza irreal ou
disfuncional, beneficiando, assim, a melhor compreensão do funcionamento do
indivíduo perante o quadro de ansiedade generalizada.

102
Capítulo 2 PSICOLOGIA CLÍNICA – TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL (TCC)

Reparemos que, se a proposta da TCC é auxiliar o paciente a modificar


os padrões de pensamentos e crenças disfuncionais que causam sofrimento
emocional e/ou adoecimento mental, o instrumental avaliativo da abordagem já
direciona para o foco de intervenção. Isso não quer dizer que os pensamentos são
as manifestações que ilustram por si só o aparecimento dos transtornos mentais, já
que outros fatores se interagem mutuamente, como: os acontecimentos recentes,
a história de vida, a saúde física, as emoções, o comportamento, dentre outros.
Mas significa que, por meio da possibilidade de identificação e modificação
de padrões cognitivos distorcidos ou disfuncionais, podemos alterar não só
o funcionamento mental, como também os outros fatores interativos, permitindo
uma melhora global do paciente (ARAÚJO; SHINOHARA, 2002).

Já que a formulação da proposta de tratamento da TCC baseia-se no


diagnóstico, a realização de uma atenta anamnese possibilidade orientar o
profissional no levantamento de estratégias adequadas, além de identificar as
possibilidades de adesão e participação do paciente.

A TCC vem sendo adaptada para uma grande variedade de quadros clínicos,
como os transtornos depressivos e de ansiedade, os transtornos bipolares,
a esquizofrenia, os transtornos de personalidade borderline, os transtornos
alimentares e outros. Embora isoladamente a TCC apresente limitações para
pacientes com esquizofrenia ou transtorno bipolar, quando combinada com
farmacoterapia, os resultados são significativos (WRIGHT; BASCO; THASE, 2011;
LAM et al., 2003).

Na TCC, um conceito que caracteriza o processo avaliativo e está presente


em todo o tratamento é a conceituação de caso. Trata-se de elencar aspectos
que levam ao entendimento de um paciente. Na conceituação, as perguntas para
a formulação de caso podem ser: “qual é o diagnóstico do paciente? Quais são
seus problemas atuais? Como esses problemas se desenvolveram e como eles
são mantidos? Que pensamentos e crenças disfuncionais estão associados aos
problemas?” (BECK, 2013, p. 54). Os domínios principais a serem avaliados
são: diagnóstico e sintomas; experiências da infância e/ou do desenvolvimento;
questões situacionais e interpessoais; fatores biológicos, genéticos; história
média; pontos fortes e qualidades; padrões típicos de pensamentos automáticos,
emoções e comportamentos; esquemas cognitivos padrões e subjacentes
(WRIGHT; BASCO; THASE, 2011).

Dos domínios apresentados acima, muitos aspectos a serem avaliados


são comuns a diferentes tipos de psicoterapias. É evidente que se sobressaem
na TCC os de base cognitiva, como na avaliação de pensamentos e emoções.
Os esquemas cognitivos também são fundamentais no processo avaliativo da
abordagem cognitiva.

103
PSICOPATOLOGIA E A TCC (TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL)

Esquemas são “crenças nucleares que agem como matrizes


ou regras subjacentes para o processamento de informações”
(WRIGHT; BASCO; THASE, 2011, p. 19). Esquemas são padrões
duradouros de pensamento que se formam a partir das experiências
de vida. Pela característica de ser duradoura e estabelecer-se
como regra enraizada no funcionamento mental do paciente, alguns
autores preferem escolher entre o termo esquema ou crença central,
mas até Aaron Beck faz distinção entre esses termos, apontando os
esquemas como estruturas cognitivas dentro do pensamento e as
crenças como conteúdo específico dessas crenças (BECK, 2013).

Os esquemas tendem a ser divididos em: esquemas simples, que são regras
mais gerais e de menos impacto nas distorções cognitivas – exemplos: “devemos
valorizar os estudos”, “o trabalho nos dignifica”, “devemos ficar atentos ao andar
sozinho à noite”; esquemas ou crenças intermediárias, que se baseiam em
pressuposições e influenciam a regulação emocional e comportamental –
exemplos: “tenho que me empenhar para conquistar algo”, “se eu não conseguir
chegar no horário, vão pensar que sou irresponsável”; esquemas ou crenças
nucleares (de si mesmo), que são regras absolutas, globais e mais rígidas –
exemplo “não sou capaz de nada”, “jamais vou conseguir um emprego”, “tenho
azar no amor”, “tenho muito potencial”, “sou um ótimo filho”. Repare que aqui
considerei exemplos de crenças positivas.

Devemos lembrar que os esquemas podem apresentar conteúdo positivo ou


negativo. Inclusive, tornam-se referência para considerar mudanças cognitivas
no processo terapêutico. O objetivo do terapeuta deve ser ajudar o paciente a
desenvolver os esquemas adaptativos e modificar os esquemas desadaptativos.

Até aqui, teríamos realizado, na conceituação de caso, a fase de descrição


das características gerais do funcionamento do indivíduo. Teríamos também
chegado a uma ampla compreensão dos problemas e do contexto do paciente.
É fundamental, a partir desse ponto, na conceituação de caso, a formação de
uma hipótese de trabalho, em que, pelo levantamento referente aos sintomas,
problemas e recursos de um paciente, são elencadas as possibilidades que
influenciam na direção do tratamento.

A hipótese de trabalho não é o planejamento do tratamento e pode ser


considerada um resumo da conceituação. À medida que o profissional passa a

104
Capítulo 2 PSICOLOGIA CLÍNICA – TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL (TCC)

conhecer melhor o paciente, ele pode atualizar as hipóteses de trabalho. A hipótese


de trabalho é “o centro da formulação cognitivo-comportamental, articulando os
problemas que constam da lista, as crenças centrais e condicionais, e os eventos
ativadores” (ARAÚJO; SHINOHARA, 2002, p. 41).

Após ordenar a hipótese de trabalho, podemos estabelecer a etapa do plano


de tratamento, que é onde o profissional, a partir da conceituação do caso,
escolherá as técnicas eficazes da TCC para auxiliar o paciente na identificação de
seus pontos fortes e fraquezas e promover mudanças cognitivo-comportamentais.
O plano deve ser explicado ao paciente e contar com seu consentimento e
participação na escolha das estratégias a serem adotadas (WRIGHT; BASCO;
THASE, 2011).

FIGURA 15 – ELEMENTOS DA CONCEITUAÇÃO DE CASO

FONTE: O autor

É importante que se considere as classificações psicopatológicas e a


categorização diagnóstica de sintomas no processo avaliativo. Mas devemos
lembrar que a TCC também tem o caráter preventivo. Não significa que, não se
constatando a presença de transtornos psiquiátricos, deve-se relevar o tratamento
ou proceder com a alta. O bom senso deve ser um norteador do raciocínio clínico,
e algumas situações vão merecer a opção por estratégias psicoeducativas e
preventivas.

Há casos em que o paciente não apresentará sintomas, mas desconforto


emocional, preocupação, pensamentos distorcidos, experiências e problemas
vivenciados e que o que se busca é justamente aprender habilidades de
enfrentamento e competências cognitivas para lidar com as dificuldades antes
que se chegue ao adoecimento.

No contexto de atendimento a crianças e adolescentes, que apresenta


particularidades (tanto que há literatura voltada para a abordagem da TCC para

105
PSICOPATOLOGIA E A TCC (TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL)

esses públicos), há casos em que a demanda para o atendimento terá partido de


pais, educadores, organizações e setores jurídicos. Assim, deve-se considerar a
possibilidade de não haver o desejo para o tratamento e de não haver, inclusive,
demanda. Nesses casos, ainda assim, deve haver acolhida, entendimento dos
significados atribuídos pelas crianças e adolescentes ao processo em que foram
postos. O processo de devolutiva aos responsáveis ou setores que apresentaram
a demanda deve ser educativo, instrutivo e empático.

FIGURA 16 – ATENDIMENTO INFANTIL NA TCC

FONTE: <https://br.freepik.com/psd-gratuitas/post-de-midia-social-de-conceito-
de-atendimento-pediatrico_8849665.htm>. Acesso em: 27 fev. 2022.

Na TCC, existe ampla literatura sobre atendimento a crianças e adolescentes.


Na fase infantil, o lúdico, assim como em outra abordagens, é muito utilizado. Já
na adolescência, muitas técnicas trabalhadas com adultos podem ser aplicadas a
esse público, com algumas adaptações para a faixa etária.

No caso de diagnósticos confirmados, evidenciação de comportamentos


disfuncionais ou sofrimento, especialmente na infância e primeira adolescência,
a dinâmica familiar e o estilo parental são fundamentais para o entendimento do
caso, devendo, assim, o processo avaliativo e, posteriormente, as intervenções
abarcarem a participação dos familiares.

Muitos transtornos têm manifestações clínicas diferentes em crianças,


adolescentes e adultos. Comportamentos disfuncionais e sofrimentos manifestos
em crianças, ainda que não se caracterizam em sintomas, podem ser preditores de
psicopatologias futuras, merecendo a atenção no processo avaliativo (CAMINHA;
SOARES; CAMINHA, 2011).

Psicólogos da TCC podem utilizar testes psicológicos para complementar


a avaliação. Sobre o uso de testes, até 2021, o acesso ao conteúdo e a
comercialização dos testes eram restritos a profissionais da Psicologia. Alegando
inconstitucionalidade, o Supremo Tribunal Federal (STF) invalidou essa restrição
da comercialização do conteúdo dos testes psicológico. Embora a compra de

106
Capítulo 2 PSICOLOGIA CLÍNICA – TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL (TCC)

testes, com a decisão do STF, passasse a ser livre a qualquer pessoa, a aplicação
profissional continuou designada aos psicólogos (CARDOSO; ZANINI, 2021).

O uso de testes carece de cuidados. Deve haver capacitação, critérios


para aplicação e uso dos resultados. São complementares, jamais substituem a
avaliação clínica. Destaca-se ainda que, além dos testes, há escalas e inventários
que não fazem parte dos testes psicológicos e que, observando se são validados,
são ferramentas que podem auxiliar na avaliação psicológica e comportamental.

Recomenda-se estudos e formação para a aplicação de testes e escalas. A


Resolução CFP nº 009/2018 estabelece diretrizes para a realização de avaliação
psicológica e aponta quais requisitos mínimos os instrumentos devem apresentar
para serem reconhecidos como testes psicológicos e regulamenta o Sistema
de Avaliação de Testes Psicológicos – SATEPSI (CONSELHO FEDERAL DE
PSICOLOGIA, 2018).

Para acessar a lista de testes psicológicos validados para uso


dos psicólogos, basta acessar o site da SATEPSI pelo link https://
satepsi.cfp.org.br/. Na página virtual, ainda é possível conferir uma
lista de testes que não são validados para uso de psicólogos.

Por último, em nossa discussão sobre a avaliação e o tratamento na


abordagem da TCC, apontamos que existem poucas contraindicações para
o uso da TCC. Os fatores que limitam o uso da TCC em alguns quadros
psicopatológicos também se aplicam a outras formas de psicoterapia. Alguns
exemplos são: demência avançada; transtornos amnésicos severos e estados
de confusão transitórios, como delirium ou intoxicação por drogas; pessoas com
transtorno de personalidade antissocial grave; pessoas com deficiência intelectual
com comprometimento na linguagem receptiva e expressiva.

A TCC é uma modalidade que preconiza o atendimento objetivo e breve,


mas, nos transtornos psicopatológicos mais graves, inclusive pela cronicidade
dos sintomas, a extensão temporal do tratamento acaba sendo necessária.
A terapia cognitiva baseada em esquemas, desenvolvida por Jeffrey E. Young,
apresenta resultados eficazes para os transtornos mentais crônicos e transtornos
de personalidade (FALCONE, 2011).

107
PSICOPATOLOGIA E A TCC (TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL)

Até certo ponto, a TCC com tempo limitado é mais adequada para a pessoa
com quadro de adoecimento não grave, boas habilidades verbais e que tem
interesse pelo processo psicoterápico. Na verdade, esses indicadores servem a
qualquer forma de intervenção profissional em saúde (WRIGHT; BASCO; THASE,
2011).

Assim, algumas dimensões a serem consideradas ao avaliar um paciente em


atendimento na TCC são: cronicidade e complexidade; otimismo em relação à
terapia; aceitação em participação na mudança; compatibilidade com a abordagem
da TCC; capacidade de identificar pensamentos e emoções; foco orientado para o
problema (WRIGHT; BASCO; THASE, 2011).

5 – Por que as classificações psicopatológicas são importantes para


o uso do psicoterapeuta? Quais são os dois principais manuais
de classificação psicopatológica difundidos no contexto da saúde
mental?
R.:____________________________________________________
____________________________________________________
___________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________

6 – O que é a conceituação de caso? Apresente características


da conceituação de caso.
R.:____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________

5 APLICAÇÃO DE TÉCNICAS E
ESTRATÉGIAS COGNITIVAS E
COMPORTAMENTAIS
O trabalho na TCC de diagnosticar transtornos mentais, identificar sintomas
psicológicos, crenças irreais, pensamentos distorcidos e situações problemáticas

108
Capítulo 2 PSICOLOGIA CLÍNICA – TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL (TCC)

seria improfícuo se não apresentasse, a partir disso, auxílio aos pacientes nas
metas terapêuticas. Reduzir sintomas e ensinar o paciente a administrar novas
estratégias para lidar com os problemas são focos dos esforços na TCC.

Inicialmente, a terapia cognitiva desenvolvida por Aaron Beck, que acabou


se tornando a base para a TCC, iniciou sendo indicada para tratamento de
depressão. Com o passar do tempo, por meio de estudos e incremento de
técnicas, a TCC passou a apresentar evidências de sua eficácia para diferentes
tipos de transtornos mentais, como o transtorno de ansiedade generalizada,
transtorno de pânico, tabagismo, transtorno obsessivo-compulsivo, transtornos
alimentares, esquizofrenia, transtornos da personalidade, dentre outros (OSÓRIO
et al., 2017).

5.1 ALGUMAS DAS PRINCIPAIS


ESTRATÉGIAS OU TÉCNICAS DA TCC
Nesta seção, vamos apresentar basicamente uma lista de técnicas das
TCC usadas na área clínica e tecer algumas considerações. Fica assim avisado
que, nas poucas linhas possíveis no restante deste capítulo, não se pode tomar
o conteúdo como explicativo de todo o conjunto de estratégias da abordagem
cognitivo-comportamental. Livros e cursos somente sobre as técnicas das TCC
são lançados no meio acadêmico/profissional, de modo que o aprofundamento
requer muita leitura e interesse. Aliás, muitas vezes, a crítica que se ouve em
desconfiança quanto à eficácia das técnicas pode ser explicada pelo uso
equivocado e superficial delas por profissional que não se aprofundou no domínio
teórico/prático.

Existem vários materiais publicados acerca das estratégias da


TCC, sejam livros, artigos, apostilas, e-books ou vídeos. Devido ao
arranjo amplo e ao nível de aprofundamento, indicamos aqui os livros
que serviram de marco teórico para o presente registro: Inovações
em terapia cognitivo-comportamental: intervenções estratégicas
para uma prática criativa, de Amy Wenzel (2018); Técnicas de
terapia cognitiva: manual do terapeuta, de Robert L. Leahy (2018);
Terapia Cognitiva focada em esquemas: integração em Psicoterapia,
organizado por Ricardo Wainer (2016).

109
PSICOPATOLOGIA E A TCC (TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL)

a) Entrevista motivacional

Trata-se de uma abordagem que facilita a motivação para a mudança por


parte dos próprios pacientes, com base em seus valores e vivências. Objetiva
fortalecer a motivação pessoal e o compromisso com um objetivo específico
e é indicada para os pacientes que apresentam ambivalência ante ao
tratamento. Muito indicada para usuários de cigarro, álcool ou outras drogas que
possuem boas razões para querer cessar o vício, mas encontram dificuldades
quando ingressam em um tratamento. Também é indicada para outras demandas
que visam à mudança comportamental, como mudanças alimentares, controle de
peso, necessidade de focar os estudos etc. A inclusão da entrevista motivacional
decorre do benefício da incorporação de técnicas motivacionais na estrutura da
TCC, já que, lembremos, nessa abordagem, pressupõe-se que os pacientes
devem ter participação ativa no processo (WENZEL, 2018)

b) Reestruturação cognitiva de pensamentos automáticos e crenças irreais

Processo pelo qual o terapeuta ajuda seus pacientes na identificação


e avaliação da funcionalidade de pensamentos associados ao sofrimento
emocional e, como consequência, a modificar pensamentos distorcidos por
adaptativos. Na TCC, o pensamento disfuncional é um dos pilares explicativos
para o adoecimento mental e para comportamentos inadequados. O processo
de reestruturação cognitiva está presente, ainda que com variações, em todas
as diferentes TCC. O questionamento socrático e os registros (por escrito) de
pensamentos são duas ferramentas importantes para a reestruturação cognitiva;
a anotação por escrito coloca o paciente ativamente no procedimento e facilita a
memorização e a possibilidade de aplicação das tarefas ou combinados.

Além da reestruturação cognitiva dos pensamentos, a reestruturação


cognitiva das crenças segue com a mesma importância. No caso das crenças,
por seu caráter de enraizamento e cronicidade, as ferramentas devem ser
adequadas a essas características. Assim, a identificação de crenças disfuncionais
e positivas, o registro de novas crenças e dados positivos, os testes históricos, a
técnica de role-play, a análise de vantagens e desvantagens, o uso de estratégias
da terapia do esquema e o reprocessamento de imagens são algumas técnicas
que podem ser utilizadas (WENZEL, 2018).

c) Ativação comportamental

A ativação comportamental é uma abordagem em que o terapeuta ajuda o


paciente a se tornar mais envolvido nas atividades e áreas da vida que são
importantes para ele, aumentando a oportunidade para que ele obtenha reforço
positivo e a frequência do comportamento desejado ou necessário. O resultado,

110
Capítulo 2 PSICOLOGIA CLÍNICA – TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL (TCC)

se bem sucedido, tem duplo efeito: o paciente se torna mais ativo na sua vida e
passa a se sentir melhor emocionalmente, já que, de forma inerente, ele passa a
ressignificar a leitura de si próprio de forma mais positiva. Além de tudo, espera-se
que ele passe a ter mais habilidades para a resolução de problemas (WENZEL,
2018).

d) Técnica da exposição

Conhecida sobretudo pela associação à técnica da dessensibilização


sistemática desenvolvida por Joseph Wolpe – que consiste na evocação da
situação que o paciente considera ameaçadora, e, de forma simultânea, usa-se
técnicas de relaxamento ou enfrentamento para reduzir o desconforto – a técnica
da exposição visa colocar o paciente em contato sistemático e prolongado a um
estímulo temido e, paralelamente, são ensinadas formas de enfrentamento
ao fator estressor. Ou seja, o esperado é a extinção do sintoma fóbico ou de
ansiedade. A exposição pode ser de forma real, imaginativa ou interoceptiva
(evocação de sensações fisiológicas). A definição trazida aqui esboça o geral da
técnica, mas são utilizadas estratégias sutis e variadas para se chegar a bons
resultados, principalmente nos quadros fóbicos/ansiosos (WENZEL, 2018).

e) Aceitação e mindfulness

São estratégias destinadas a ajudar os pacientes a aceitar muitos aspectos


da sua vida, incluindo aceitação de circunstâncias que não podem mudar. É
uma abordagem com muitos exercícios experienciais e metafóricos. Costuma
(e indica-se) ser acompanhada da meditação mindfulness, técnica milenar
oriental. O enfoque meditativo da mindfulness visa direcionar a consciência a
uma atenção focada no momento presente, sem julgamento, do qual se busca
valorizar a experiência do momento, desligando-se do entorno. “Treinados” na
sessões, os pacientes são incentivados a aplicar a prática de mindfulness e de
aceitação no seu cotidiano, usufruindo, assim, da possibilidade de maior leveza e
funcionalidade na forma de levar a vida (WENZEL, 2018).

f) Evocação, avaliação e teste de pensamentos

O modelo da TCC sugere que existem diferentes níveis de avaliação


cognitiva, sendo que o mais imediato corresponde à avaliação dos pensamentos
automáticos, que podem ser classificados de acordo com vieses ou distorções
específicas. Aqui, citamos as técnicas de evocação e avaliação/testagem do
pensamentos, mas é perceptível que são dois momentos diferentes, embora
complementares.

A técnica de evocação do pensamento tem como objetivo que o paciente

111
PSICOPATOLOGIA E A TCC (TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL)

identifique pensamentos que possam justificar seu estado emocional. Já a


avaliação e testagem não se trata de uma, mas de um conjunto de técnicas que
ajudam o paciente a entender a diferença entre pensamentos, sentimentos e
realidade e como distinguir pensamentos automáticos que podem influenciar seu
humor e comportamento.

O psicoterapeuta auxilia o paciente na evocação de pensamentos


problemáticos, na avaliação da credibilidade ou do impacto desses pensamentos.
Por exemplo, na rotulação “sou um fracasso” ou “não consigo fazer nada”, o
terapeuta ajuda o paciente a testar esse pensamento, buscando evidências
que bancam ou contestam a veracidade de acordo com a vida real; inclusive na
credibilidade deles, os pensamentos negativos não precisam governar as escolhas
comportamentais. Até quando pensamentos são confirmados na realidade, por
exemplo, João pensa “não vou conseguir terminar isso” e realmente ele não
consegue, a forma de lidar com o evento também é trabalhada nas sessões.
Reforça-se que a técnica de evocação, avaliação e testagem do pensamento
utiliza várias ferramentas para atingir seu objetivo e é uma das mais importantes
da TCC (LEAHY, 2018).

g) Avaliação de pressupostos e regras

Trata-se da avaliação das regras condicionais – afirmações do tipo “devo


ser”, “se eu fizer” e “regras sobre o que você precisa fazer” – que com frequência
levam a inferências errôneas ou rígidas e influenciam a manutenção de esquemas
negativos. Logo, fica claro que, apesar de haver pressupostos e regras cognitivas
positivas, na terapia, o objetivo é a identificação das manifestações distorcidas.
O passo seguinte é auxiliar o paciente na fundamentação de novos e adaptativos
pressupostos (WAINER, 2016).

h) Exame do processamento de informações e erros de lógica

Erros no processamento de informações e erros de lógica tendem a resultar


no aparecimento de crenças negativas que levam os indivíduos a tirar conclusões
negativas dos acontecimentos e, consequentemente, a ter comportamentos
disfuncionais. O reconhecimento desses erros e sua modificação adaptativa
auxilia o paciente no gerenciamento das emoções e comportamentos. Também
apresenta técnicas adjacentes para chegar ao objetivo (LEAHY, 2018).

i) Mudança na tomada de decisão

Percebe-se que os nomes de várias técnicas aqui trazidas já são


autoexplicativos. Na mudança na tomada de decisão, o terapeuta atualiza
o paciente com estratégias e técnicas para ajudar no processo de assumir

112
Capítulo 2 PSICOLOGIA CLÍNICA – TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL (TCC)

compromissos e decisões de forma empoderada e funcional. Os modelos da TCC


que auxiliam no processo de tomada de decisão focam a utilidade, ou seja, os
benefícios e/ou perdas associados a diferentes alternativas (LEAHY, 2018).

j) Resposta e avaliação dos pensamentos intrusivos e modificação de


preocupações e ruminação

Aqui, são utilizadas técnicas para avaliar e responder a pensamentos


intrusivos indesejados e a preocupações e ruminações desadaptativas.
Pensamentos intrusivos são características fundamentais de uma variedade de
transtornos e estão subjacentes à ruminação e preocupação crônica. Ocorrem de
forma espontânea, são admissíveis ou reconhecidos pelo indivíduo e vivenciados
como indesejados.

A ruminação é a tendência de se preocupar ou se culpar por erros passados. A


preocupação, sendo um termo mais familiar na linguagem cotidiana das pessoas,
quando crônica, manifesta exacerbação ou desproporção em relação à situação
com que se preocupa. O terapeuta aqui recorre às abordagens metacognitiva, de
aceitação, mindfulness e outras, as quais são úteis para tratar desses entraves
cognitivos (LEAHY, 2018).

k) Terapia de identificação e modificação dos esquemas

Este item mereceria uma sessão à parte, quem sabe um capítulo. A


expansão teórica da terapia focada em esquemas envolve elementos ajustados
para o tratamento dos transtornos psicopatológicos crônicos e de personalidade,
expandindo o alcance da TCC. É um dos modelos que alcançou alto índice de
aceitabilidade por parte dos profissionais e apresenta altos índices de eficácia.
Os esquemas formam um conjunto de elementos organizados, influenciados por
experiências passadas e que formam uma rede de crenças que podem ser ativadas
ou desativadas conforme a presença ou a ausência de experiências estressantes.
No caso de esquemas disfuncionais, o modelo terapêutico desenvolvido por
Jeffrey Young preconiza o uso de técnicas de mudança sistemáticas, com ênfase
nas tarefas de casa, análise das evidências, mudança de esquemas, confrontação
de esquemas, além de buscar referências em relação a experiências iniciais da
vida (WAINER, 2016).

113
PSICOPATOLOGIA E A TCC (TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL)

O livro organizado por Ricardo Wainer (2018) apresenta o


aprofundamento teórico para domínio dos conceitos da abordagem,
além de descrever estratégias consolidadas e validadas para a
modificação e a adaptação de esquemas. O texto de Falcone (2011),
uma leitura mais breve, também é indicado para o entendimento
inicial da terapia cognitiva focada nos esquemas

l) Técnicas de regulação emocional

Técnicas de regulação emocional são um processo que envolve várias


estratégias, como a ativação da emoção, a rotulação e a diferenciação dos
sentimentos, a identificação de crenças problemáticas em relação à emoção, as
estratégias de enfrentamento inúteis e a identificação e a prática de estratégias
de enfrentamento mais úteis. O terapeuta auxilia os pacientes a identificar
emoções específicas, associar pensamentos envolvidos, gerenciar emoções e
comportamentos para ter suas necessidades atendidas, dentre outros.

No modelo da TCC, as emoções sempre apresentam protagonismo, pela


forte associação correspondente aos pensamentos e crenças dos pacientes.
Normalmente, trabalha-se os pensamentos para impactar as emoções e
comportamentos de um indivíduo. Em contraste com a TCC tradicional, que
enfatiza o papel central dos pensamentos e crenças, aqui as emoções são vistas
como compreendendo um esquema que apresenta conteúdo cognitivo importante
a ser examinado (LEAHY, 2018).

m) Exame e contestação das distorções cognitivas

Pensamentos distorcidos ou disfuncionais podem resultar em sintomas


depressivos, ansiedade, fobia, raiva e outros. É evidente que o pensamento “ele
está me traindo”, partindo de uma pessoa que não encontrou evidências para
comprovar a afirmação, pode estar correto e se afirmar quando confrontado
com a realidade. Mas muitos pensamentos automáticos negativos surgem
“contaminados” por crenças irreais, além da influência de alguns transtornos.
Lembrando que, nos dois casos, o terapeuta deve auxiliar o paciente, ajudando-o
a encontrar soluções para os problemas reais e com técnicas de exame,
contestação e mudança para os pensamentos distorcidos (LEAHY, 2018).

114
Capítulo 2 PSICOLOGIA CLÍNICA – TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL (TCC)

n) Manejo da raiva

De certa forma, o manejo da raiva se insere na regulação emocional.


Contudo, pelo impacto e características demarcadas, o terapeuta deve deve dar
atenção específica para a maneira efetiva com que esse tipo de problema com
frequência leva a sintomas psíquicos e comportamentos desadaptativos que
pioram situações já estressoras. Estratégias de intervenção específicas podem
ser empregadas, sendo que a ênfase na tarefa de casa é parte essencial do
tratamento (LEAHY, 2018).

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
Este capítulo se propôs a trazer aspectos históricos, constitucionais e
diretivos da TCC. Existe um certo mito de que a TCC seja simplista ou demasiada
focada e gerencialista. Na verdade, ao contrário de ser simplista, a TCC demanda
aprofundamento, por conter vasto arcabouço teórico e diretivo. Ficar somente nas
leituras superficiais pode limitar o potencial terapêutico. São inúmeras estratégias
comprovadas e quanto mais o profissional tiver o domínio delas, mais competente
ele será na escolha, aplicação e avaliação da técnica utilizada. Com relação ao
gerenciamento e à organização (prévia e pós) das sessões, propicia-se tanto ao
profissional quanto ao paciente um vínculo terapêutico mais seguro e empático.

Ao longo do texto, alguns livros e artigos foram indicados ou citados. São


várias as formas de acessar conteúdos científicos. Apesar da grande importância
dos artigos (contidos em bases de dados relevantes, como na Pubmed/ Medline,
PsycNet Scielo, BVS: Biblioteca Virtual em Saúde, SCOPUS e outros), que
são fundamentais na busca por estudos com evidências científicas, bons livros
oportunizam o aprofundamento e o domínio de conceitos de temas mais amplos,
como no caso da TCC. Canais de vídeos e sites de institutos também podem
ofertar formas diferentes de apropriação de conteúdo, embora devamos estar
atentos para a qualidade e procedência dos conteúdos.

A TCC se tornou protagonista nos espaços de cuidado e tratamento em


saúde mental. Ainda assim, continua em processo de evolução. A sustentação
de distinta acedência dependerá do quanto continuará a evoluir como ciência
e do quanto os profissionais corroboram no dia a dia, promovendo às pessoas
atendidas a melhora da qualidade de vida e o alívio de sintomas.

115
PSICOPATOLOGIA E A TCC (TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL)

7 – Associe as técnicas usadas na TCC com suas respectivas


descrições.
I- Técnicas de regulação emocional.
II- Mindfulness.
III- Entrevista motivacional.
IV- Técnica da exposição.

( ) Visa colocar o paciente em contato sistemático e prolongado


a um estímulo temido. Paralelamente, são ensinadas formas
de enfrentamento ao fator estressor. Ou seja, o esperado é a
extinção do sintoma fóbico ou de ansiedade. Pode ser aplicada de
forma real, imaginativa ou interoceptiva (evocação de sensações
fisiológicas).
( ) Trata-se de uma abordagem que facilita a motivação para a
mudança por parte dos próprios pacientes, com base em seus
valores e vivências. Objetiva fortalecer a motivação pessoal e o
compromisso com um objetivo específico, sendo indicada para os
pacientes que apresentam ambivalência ante ao tratamento.
( ) Processo que envolve várias estratégias, como a ativação
da emoção, a rotulação e diferenciação dos sentimentos e a
identificação de crenças problemáticas em relação à emoção. O
terapeuta auxilia os pacientes a identificar emoções específicas,
associar pensamentos envolvidos e gerenciar emoções e
comportamentos para ter suas necessidades atendidas, dentre
outros.
( ) O enfoque meditativo visa direcionar a consciência a uma atenção
focada no momento presente, sem julgamento, do qual se busca
valorizar a experiência do momento, desligando-se do entorno.
Objetiva maior leveza e funcionalidade na forma de levar a vida.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:


a) ( ) III – IV – I – II.
b) ( ) III – IV – II – I.
c) ( ) IV – III – I – II.
d) ( ) IV – II – I – III.

116
Capítulo 2 PSICOLOGIA CLÍNICA – TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL (TCC)

8 – Descreva as características das técnicas de evocação, avaliação


e teste de pensamentos.
R.:____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________

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121
PSICOPATOLOGIA E A TCC (TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL)

122
C APÍTULO 3
APLICAÇÃO E EFICÁCIA DA TCC NA
PRÁTICA CLÍNICA E NO CONTEXTO
ORGANIZACIONAL

A partir da perspectiva do saber-fazer, são apresentados os seguintes


objetivos de aprendizagem:

• Compreender os transtornos mentais mais comuns da prática clínica da TCC.


• Desenvolver o raciocínio clínico da TCC para as intervenções nos transtornos
psicopatológicos.
• Reconhecer os impactos da qualidade de vida no trabalho para a saúde mental.
• Identificar estratégias voltadas para a prevenção em ambientes do cotidiano e
nas organizações.
• Constituir habilidades para a avaliação psicodiagnóstica de casos.
• Avaliar fenômenos psicopatológicos e sofrimentos psíquicos de acordo com o
referencial teórico da TCC.
• Atuar na diminuição do sofrimento psíquico e promover o bem-estar no
cotidiano e no trabalho.
PSICOPATOLOGIA E A TCC (TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL)

124
APLICAÇÃO E EFICÁCIA DA TCC NA PRÁTICA CLÍNICA E
Capítulo 3 NO CONTEXTO ORGANIZACIONAL

1 CONTEXTUALIZAÇÃO
O psicoterapeuta é o profissional que oferece um tipo de tratamento
que busca reestabelecer a saúde mental das pessoas. Quando falamos em
reestabelecimento da saúde mental, pode-se pensar que estamos versando sobre
os transtornos mentais que constam nos manuais de psicopatologia. Porém,
devemos observar que há os sofrimentos mentais considerados comuns e os
transtornos mentais considerados patológicos.

Os sofrimentos mentais comuns são experiências psíquicas naturais e


inerentes à vida humana, como a tristeza, o medo, o desânimo, a ansiedade, a
raiva, a angústia, a sensação de falta de ar, a irritabilidade etc. Eles apresentam
desconforto e influenciam o estado emocional, mas, em nível tolerável, não
prejudicam as pessoas em suas funções sociais, laborativas e contextuais. Já os
transtornos mentais são alterações do funcionamento da mente que acarretam
deficits intelectuais, emocionais e comportamentais, e que prejudicam as vivências
e o desempenho da pessoa em várias áreas da vida (TOLEDO; SABROZA, 2011).

Os limites dos diagnósticos dos sofrimentos humanos e transtorno mentais


são baseados em convenções acordadas entre especialistas, que, na área da
psicopatologia, estabelecem os padrões de agrupamento de sinais e sintomas e,
ainda, os níveis de incapacitação provocada por eles. No dia a dia da atuação em
saúde mental, há casos clínicos em que ficam bem demarcados os critérios para
a indicação de um diagnóstico, enquanto em outros a linha tênue entre o normal e
o patológico exige cautela.

A TCC pode ser aplicada nos dois casos. O profissional deve, contudo, ser
claro que, ao lidar com os sofrimentos comuns, o objetivo é a prevenção de
sintomas e o empoderamento da pessoa atendida, para que ela possa se apropriar
de habilidades cognitivas e comportamentais para o enfrentamento de fatores
precipitantes e o gerenciamento adequado dos fatores predisponentes. Já nos
casos em que se manifestam transtornos mentais, a diminuição ou eliminação
dos sintomas e o fortalecimento cognitivo, emocional e comportamental do
paciente são metas no tratamento.

125
PSICOPATOLOGIA E A TCC (TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL)

Fatores predisponentes são aspectos do desenvolvimento


humano formados nos primeiros anos de vida que colocam o
indivíduo em condições de vulnerabilidade ao adoecimento. Os
fatores predisponentes surgem por acontecimentos nos primeiros
anos de vida – como maus-tratos, morte de um dos pais, abuso
sexual, violências, suicídio na família, doenças infantis, deficits no
desenvolvimento – e que influenciam a formação da personalidade,
o jeito de ser e a predisposição para o adoecimento. Já os fatores
precipitantes são situações ou eventos que ocorrem e que –
como o próprio nome sugere – fazem precipitar o surgimento do
transtorno mental. Fatores precipitantes podem ser: endividamento,
perda recente de algum familiar, conflitos conjugais, desemprego,
casamento, acidente, término de namoro etc. (DALGALARRONDO,
2008).

FIGURA 1 – SESSÃO PSICOTERÁPICA

FONTE: <https://www.freepik.es/foto-gratis/empresaria-hablando-
su-psicologa_860909.htm>. Acesso em: 22 mar. 2022.

Neste capítulo, vamos ver como a TCC pode contribuir em três situações:
a) nos casos em que pacientes apresentam sintomas ou diagnósticos
psicopatológicos, ou seja, em situações moderadas ou graves de adoecimento
mental; b) nos casos em que não há o apontamento de algum transtorno presente
na vida dos pacientes, mas, por prevenção, a intervenção da TCC é benéfica e
recomendável devido à presença de fatores precipitantes que podem desencadear
sintomas emocionais e comportamentos disfuncionais; c) no ambiente do trabalho,

126
APLICAÇÃO E EFICÁCIA DA TCC NA PRÁTICA CLÍNICA E
Capítulo 3 NO CONTEXTO ORGANIZACIONAL

já que se trata, na contemporaneidade, de um dos contextos que mais geram


impacto à saúde mental.

O terceiro tema, não citado nos primeiros parágrafos (sobre a TCC no


contexto do trabalho), não se desvincula dos dois primeiros. Na verdade, é uma
oportunidade de observarmos como, na vida funcional do ser humano, em um
contexto específico, se dá a dinâmica das interpretações e soluções para os
fatores estressores e para o adoecimento em saúde mental. A abordagem da TCC
pode contribuir com o universo das organizações, considerando que a forma de
gerenciamento das representações mentais, das emoções e dos comportamentos
impactam a vida dos profissionais e a cultura e funcionamento das empresas.

2 POSSIBILIDADES DE
INTERVENÇÃO DA TCC NAS
PSICOPATOLOGIAS
Nesta primeira seção, vamos focar a aplicação da TCC no tratamento dos
principais transtornos mentais. Na seção subsequente, discorreremos sobre a
TCC aplicada a um âmbito mais preventivo, nos casos em que os transtornos
mentais não estão presentes, mas os fatores precipitantes sim, o que torna
fundamental a indicação da psicoterapia para ajudar o paciente a lidar com as
dificuldades.

A TCC é uma abordagem de componente educacional estruturada, diretiva


e colaborativa, baseada na conceituação, orientada para o presente, de prazo
limitado e indicada para o tratamento de uma série de transtornos mentais.
Porém, nos casos clínicos mais graves, o tempo do tratamento pode ser de média
e longa duração, a história pregressa deve ser aprofundada (como na terapia do
esquema de abordagem cognitiva) e existe a indicação do acréscimo de outras
terapêuticas, incluindo a medicamentosa.

127
PSICOPATOLOGIA E A TCC (TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL)

FIGURA 2 – TRANSTORNOS MENTAIS

FONTE: <https://br.freepik.com/vetores-gratis/conjunto-de-diferentes-
transtornos-mentais_10183288.htm>. Acesso em: 23 mar. 2022.

Os tipos de casos que aparecem a um psicoterapeuta são sempre singulares


na perspectiva da individualidade, do contexto, dos determinantes sociais de
saúde e da história do paciente. Mas um dos principais marcos para o trabalho do
profissional é a presença de transtornos mentais. A tendência é que quanto maior
o nível de gravidade de um transtorno mental diagnosticado em um paciente,
maior será o desafio, com a possibilidade de mais estratégias a serem aplicadas e
maior número de sessões durante o tratamento.

Podemos usar o termo “tendência” em vez de certeza, por haver outras


variáveis que podem fazer com que, na prática clínica, pessoas com diagnósticos
graves avancem no tratamento de forma muito rápida, recebendo alta depois de
um período curto ou médio de tratamento, enquanto em outros casos, pacientes
com sintomas menos intensos e mais simples “patinem” na fase de adoecimento
por um tempo prolongado.

Para o psicoterapeuta, além do parâmetro da gravidade com que se


manifesta um transtorno mental na vida de uma pessoa, a diferença sintomática
entre diagnósticos, evidentemente, faz toda diferença nas demarcações do
prognóstico, do plano terapêutico e das estratégias a serem utilizadas. De toda
forma, um cuidado que não deve ser negligenciado é que o tratamento deve
ter como foco a pessoa, e não a doença. Parece óbvia essa afirmação, mas

128
APLICAÇÃO E EFICÁCIA DA TCC NA PRÁTICA CLÍNICA E
Capítulo 3 NO CONTEXTO ORGANIZACIONAL

durante o processo de formação profissional e até mesmo na prática, o anseio


por aprender a dominar as qualidades dos estados mórbidos, atribuir títulos
diagnósticos e se debruçar sobre a eliminação ou diminuição dos sintomas pode
fazer com que durante todo o tempo o foco do tratamento seja a depressão, a
esquizofrenia, a fobia, e não a pessoa.

As psicopatologias mais estudadas, diagnosticadas e tratadas no âmbito da


saúde mental são os transtornos do humor, principalmente a depressão maior, e
os transtornos de ansiedade (NABINGER, 2016). Na história da TCC, o tratamento
da depressão e ansiedade também recebeu maior atenção no seu início. Contudo,
a eficácia clínica da TCC foi sendo ampliada e, atualmente, tem sido referenciada
para o tratamento do transtorno do pânico, fobia social, transtorno de estresse
pós-traumático, transtorno obsessivo-compulsivo, esquizofrenia, bulimia nervosa,
dependência química, transtornos do humor bipolar, transtorno da personalidade,
transtorno de deficit de atenção e hiperatividade e outras condições psiquiátricas
(BECK, 2013).

TABELA 1 – TRANSTORNOS, PROBLEMAS E


CONDIÇÕES MÉDICAS TRATADAS NA TCC

FONTE: Beck (2013, p. 20).

Normalmente, nos tratamentos em que o paciente apresenta diagnóstico


sindrômico e quadros mais severos, a psicoterapia combinada com a terapia
medicamentosa apresenta melhores resultados (BECK, 2013). Na prática clínica,
porém, observamos na atualidade uma preferência das pessoas com adoecimento
mental pelo tratamento medicamentoso isolado, o que não é o indicado. Tanto a

129
PSICOPATOLOGIA E A TCC (TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL)

psicoterapia quanto alternativas terapêuticas complementares são importantes


para a não dependência ao medicamento, para a qualidade de vida e para a
ativa elaboração das demandas que provocam ou provocaram o surgimento dos
sintomas.

A dependência aos medicamentos (assim como a outras drogas)


se manifesta por meio de um conjunto de fenômenos fisiológicos e
comportamentais em que o indivíduo é levado a um estado de uso
compulsivo e incontrolável do fármaco. O poder reforçador dos
psicofármacos é um dos fatores mais importante do seu potencial de
abuso. A dependência pode ser física ou psicológica ou se apresentar
nas duas formas ao mesmo tempo.
A dependência física refere-se aos sinais e sintomas
fisiológicos provocados pela abstinência do uso do medicamento, em
que a interrupção provoca efeitos adversos na saúde da pessoa. A
dependência psicológica ocorre sempre que uma droga afeta de tal
forma o sistema de recompensa encefálico que gera uma necessidade
psíquica de continuação de uso, ainda que a necessidade primária
que levou ao uso já estiver sido sanada. Quando o uso da medicação
é interrompido, manifestam-se sintomas de disforia e fissura pela
droga (AMARAL et al., 2012; SWIFT; LEWIS, 2009).
Muitos medicamentos psiquiátricos podem causar
dependência. Há tempos vem sendo discutida, no meio científico, a
necessidade de equilibrar o uso funcional de psicofármacos. Existe
uma corrente da psiquiatria e da indústria farmacêutica que faz forte
campanha para a medicalização da vida das pessoas. Por outro lado,
puxados pela psicologia e outras categorias da área da saúde, existe
uma empreitada que aponta para os malefícios do uso indiscriminado
e excessivo de medicamentos e sugere formas alternativas de
tratamentos não químicos.

O diálogo entre psicoterapeutas, psiquiatras e neurologistas é um desafio,


pois, por mais que haja consenso com relação à importância de atendimentos
compartilhados, discussão de casos e outras modalidades de atendimentos
multiprofissionais, ainda impera a prática de atendimentos isolados por categorias
profissionais. Muitos médicos que atendem em saúde mental até aderem ao
estudo das abordagens psicoterápicas, mas a própria dinâmica mercadológica

130
APLICAÇÃO E EFICÁCIA DA TCC NA PRÁTICA CLÍNICA E
Capítulo 3 NO CONTEXTO ORGANIZACIONAL

observada nas clínicas e consultórios oferece obstáculos para a aplicação dos


modelos e técnicas próprias das psicoterapias.

Sobre o necessário diálogo entre psicoterapeutas e


psiquiatras, principalmente por eles fazerem parte da categoria
que pode prescrever psicofármacos, ao se pensar na indicação de
tratamento combinado de psicoterapia e terapia medicamentosa,
o livro Psicoterapias cognitivo-comportamentais: um diálogo com
a psiquiatria, organizado por Bernard Rangé (2011), oferece
contribuição significativa por apresentar os princípios básicos para
aplicação da TCC a diversos transtornos psiquiátricos, juntamente
com orientações para as intervenções farmacológicas.
A primeira parte do livro se dedica à introdução das psicoterapias
cognitivo-comportamentais, dos processos neurobiológicos e
evolucionistas, dos processos de avaliação e das técnicas cognitivas
e comportamentais. Na segunda parte, autores apresentam de
forma individualizada a conceituação e o tratamento de transtornos
psiquiátricos: transtorno de pânico e agorafobia, transtorno de
ansiedade social, fobias específicas, transtorno de ansiedade
generalizada, transtorno obsessivo-compulsivo, transtorno
de estresse pós-traumático, transtornos afetivos, transtornos
alimentares, tratamento da dependência, esquizofrenia e outros.
Na última parte, são exibidos temas contextuais, como intervenções
em hospitais públicos, terapia cognitivo-comportamental no Sistema
Único de Saúde, atendimento em grupo e atendimento para outras
modalidades específicas, como estresse, infância e adolescência,
abuso sexual e pedofilia, enurese e encoprese, casais, luto etc.

Para poder se tornar uma linha psicoterápica indicada para o tratamento de


condições tão diversas no cenário das psicopatologias, foi preciso que a TCC se
firmasse como uma abordagem que abarcasse princípios e estratégias validadas
no meio científico:

Em poucas décadas a TCC conseguiu cumprir com as


expectativas e exigências. Na metade da década de 1980, eu
já podia sustentar que a terapia cognitiva havia alcançado o
status de um “sistema de psicoterapia”. Ela consistia de (1)
uma teoria da personalidade e da psicopatologia com
achados empíricos consistentes para apoiar seus postulados

131
PSICOPATOLOGIA E A TCC (TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL)

básicos, (2) um modelo de psicoterapia, com um conjunto de


princípios e estratégias que se combinavam com a teoria da
psicopatologia e (3) achados empíricos consistentes baseados
em estudos clínicos científicos para apoiar a eficácia dessa
abordagem. (BECK, 2013, s.p., grifo nosso)

Como foi dito anteriormente, o enfoque do manejo para um determinado


diagnóstico na TCC pode ser significativamente diferente em relação a outros.
A forma de conduzir a avaliação clínica pode ser o diferencial para o êxito do
tratamento. Normalmente, pacientes com transtornos como esquizofrenia,
depressão maior e transtorno bipolar, nos quadros de delirium e outros que trazem
grande impacto à vida funcional, são tratados por equipes multiprofissionais da
rede de atenção à saúde mental, em clínicas, em Centros de Atenção Psicossocial
(CAPS), em ambulatórios psiquiátricos e equipes da Atenção Básica.

Ainda que a opção do paciente (e/ou familiares) seja por tratamentos


isolados em consultórios particulares de psicólogos e psiquiatras, por exemplo,
o uso da terapia combinada de psicofármacos com psicoterapia, fora outras
possibilidades terapêuticas, é o mais comum e indicado. É importante ter domínio
dessa dinâmica, pois o acompanhamento de diferentes profissionais deve ser
complementar, e não concorrente um com o outro.

FIGURA 3 – REDE DE ATENÇÃO À SAÚDE MENTAL

FONTE: Brasil (2004, p. 11).

132
APLICAÇÃO E EFICÁCIA DA TCC NA PRÁTICA CLÍNICA E
Capítulo 3 NO CONTEXTO ORGANIZACIONAL

2.1 CASOS GRAVES E


RESISTÊNCIAS: DIFICULDADES E
DESAFIOS
É preciso reconhecer que algumas dificuldades que levam o paciente a
apresentar resistências ou até a abandonar as sessões estão fora do controle do
psicoterapeuta: dificuldades financeiras, deficits cognitivos acentuados, ambientes
desagregadores concorrentes ao atendimento, resistência familiar (quando
o paciente apresenta dependência da família) e outros. Mas há circunstâncias
em que a situação desafiadora vai ao encontro da capacidade do profissional
de conduzir de forma eficiente a conceituação do caso e formular estratégias
compatíveis.

Pacientes depressivos podem apresentar dificuldade de realizar mudanças


devido aos próprios sintomas, pacientes histriônicos podem manifestar
dramaticidade nas sessões, pacientes esquizoides podem evitar contato olho
a olho com o terapeuta, pacientes narcisistas podem tentar ser competitivos na
sessão. Esses comportamentos que dificultam o vínculo podem ser atenuados ou
modificados a partir da performance ativa do profissional (BECK, 2007).

Acompanhar os níveis e tipos de dificuldades que as pessoas apresentam


no processo de tratamento é fundamental, já que pode acontecer que, no uso de
estratégias comprovadamente eficazes na TCC, o êxito não seja alcançado devido
a resistências ou não adaptação por parte do paciente. O paciente que apresenta
aversão ao tratamento pode trazer como desafio para o terapeuta: apontar que
não consegue mudar ou que a terapia não pode ajudá-lo; falhar em estabelecer
metas ou em cumprir a agenda; recusar a aceitar erros e culpar os outros pelos
seus problemas; apresentar vários problemas ou passar de uma crise para
outra; recusar-se a responder às perguntas; faltar às sessões sem avisar; exigir
tratamento especial; ficar bravo, crítico ou indiferente; não se dispor a mudar suas
cognições; mentir na sessão. Já no tratamento como um todo, os desafios que
mais aparecem são: não fazer a tarefa; não tomar a medicação necessária ou só
aderir à medicação; abusar de drogas ou de álcool; telefonar repetidamente para
o terapeuta; apresentar comportamento autodestrutivo (BECK, 2007).

133
PSICOPATOLOGIA E A TCC (TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL)

FIGURA 4 – RESISTÊNCIA NAS SESSÕES

FONTE: <https://imagensemoldes.com.br/psicologia-png/>. Acesso em: 28 mar. 2022.

O autor que vos escreve acrescenta alguns contextos que se somam às


dificuldades apontadas anteriormente: pacientes conduzidos por familiares ou
encaminhados por outros setores apresentam maior resistência, até justificáveis,
pela ausência do desejo pelo tratamento; pacientes e familiares muitas vezes
colocam expectativas irreais quanto à evolução do quadro e, como consequência,
acabam não dando seguimento ao tratamento; há pacientes infrequentes às
sessões, mas que, nos intervalos entre agendamentos, buscam compensar com
pedidos de agenda por demanda espontânea. Em todos esses casos, porém,
considera-se que o controle ainda está nas mãos do terapeuta, que pode educar
o paciente e/ou familiares.

A TCC como um modelo explicativo para o desencadeamento e a


manutenção dos transtornos mentais formula a hipótese de que os sintomas dos
transtornos mentais são decorrentes de crenças cognitivas disfuncionais, rígidas
e não realísticas. As crenças são formadas durante a desenvolvimento da pessoa
em decorrência das interações com o ambiente e podem se consolidar de forma
negativa. As crenças negativas levam a distorções cognitivas que inclinam a
pessoa a expectativas contraproducentes sobre si próprio, sobre o mundo e sobre
o futuro, formando uma tríade cognitiva negativa (POWELL et al., 2008).

134
APLICAÇÃO E EFICÁCIA DA TCC NA PRÁTICA CLÍNICA E
Capítulo 3 NO CONTEXTO ORGANIZACIONAL

A tríade cognitiva é a forma como o indivíduo percebe a si


próprio, o mundo e o futuro. Os padrões de interpretação são
iniciados a partir das experiências vivenciadas na infância e vão se
solidificando na adolescência e na fase adulta. A tríade cognitiva
é formada com base em esquemas e crenças. A consequência,
quando é constituída de visão negativa de si mesmo, é que a
pessoa tende a se ver como inadequada (“sou uma pessoa ruim”,
“sou um fracassado”); na interpretação negativa do mundo (como
nas relações interpessoais, no trabalho e nos estudos), a pessoa
se percebe sendo julgada ou não amada (“a professora não gosta
de minhas apresentações”, “meus colegas me acham uma pessoa
chata”, “meus pais não me valorizam”); e na visão negativa do
futuro, a desesperança, os perigos, a falta de perspectiva e outros
dessa natureza levam a pensamentos automáticos que paralisam ou
desencorajam as ações (“as coisas vão piorar”, “nunca vou conseguir
o que quero”). Na tríade cognitiva de predominância negativa, os
comportamentos se tornam desadaptativos e disfuncionais (POWELL
et al., 2008).

Ainda que a etiologia de um transtorno mental seja multifatorial, ou seja, que a


causa da sua formação decorra de mais de um elemento (hereditariedade, história
de vida, traumas, formação da personalidade, fatores predisponentes e fatores
precipitantes, vulnerabilidades sociais e afetivas etc.), na TCC se considera que
as crenças e distorções cognitivas exacerbam a intensidade e a manutenção dos
sintomas e podem influenciar no nível de envolvimento na psicoterapia. Por isso,
torna-se muito importante uma avaliação cuidadosa para se chegar aos fatores
que podem ser administrados e trabalhados durante o tratamento.

Para minimizar a ocorrência de problemas e resistências, o profissional


deve: a) diagnosticar e formular precisamente o caso; b) conceituar o paciente
em termos cognitivos; c) planejar o tratamento com base na conceituação, e não
somente com base no diagnóstico; d) construir uma forte aliança terapêutica; e)
estabelecer metas específicas; f) empregar estratégias básicas e avançadas; g)
avaliar a eficácia das intervenções e do processo terapêutico (BECK, 2013).

135
PSICOPATOLOGIA E A TCC (TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL)

2.2 ILUSTRAÇÃO DE CONCEITUAÇÃO


DE CASO
Agora, vamos acompanhar a conceituação de um caso em que a pessoa
que buscou o tratamento apresentou quadro diagnóstico e passou a ser
acompanhada por uma equipe multiprofissional. Os modelos de conceituação
de caso podem variar e, inclusive, elementos a serem investigados podem ser
inseridos de acordo com a complexidade e variedade de situações que interferem
na saúde mental e no tratamento da pessoa atendida. No Capítulo 2, trouxemos
um pequeno modelo que, no exemplo que aqui segue, terá o complemento de
alguns itens importantes para o caso. Sendo assim, ficará:

FIGURA 5 – SUGESTÃO DE ROTEIRO PARA A CONCEITUAÇÃO COGNITIVA DE CASO

FONTE: O autor.

O caso a seguir, baseado em fatos reais, mas adaptado e com alterações de


dados reais para fictícios, trata-se do acompanhamento a uma paciente atendida
por um psicólogo em uma equipe de Saúde da Família (eSF) e pela equipe da
unidade em um município do estado de Minas Gerais. A paciente também foi
assistida por uma equipe de um CAPS 1 e por um psiquiatra de um ambulatório
de psiquiatria. Observação: o relato será apresentado no tempo passado.

1) Dados de identificação do paciente

• Nome do paciente: Luana.


• Idade: 40.
• Escolaridade: ensino superior – licenciatura no curso de Letras.
• Profissão e ocupação: servidora pública estadual concursada – setor
educacional – aula para adolescentes no ensino fundamental e ensino
médio.

136
APLICAÇÃO E EFICÁCIA DA TCC NA PRÁTICA CLÍNICA E
Capítulo 3 NO CONTEXTO ORGANIZACIONAL

• Estado civil, com quem reside e orientação sexual: solteira/namora; mora


com a mãe; homossexual.
• Religião: evangélica – pouco praticante, acompanha a mãe de vez em
quando como companhia.
• Composição familiar: mãe, dois irmãos e duas irmãs (Luana é a caçula).
O pai faleceu quando Luana tinha apenas um ano de vida.
• Outros profissionais que atendem ao paciente: equipe do CAPS
(psiquiatra, psicóloga, técnica de enfermagem, enfermeiro e assistente
social).
• Tratamentos psicoterápicos anteriores: nos últimos quatro anos e
seis meses, após surto psicótico e cronificação de sintomas, fez
acompanhamento psicoterápico, com um psicólogo da eSF, e psiquiátrico,
em um ambulatório do município, com equipe multiprofissional do
CAPS e participa de grupos. Anteriormente, já fazia acompanhamento
psicoterápico e teve fases de uso de medicação devido aos sintomas
mistos de depressão e ansiedade.

2) Diagnósticos, sintomas e uso de medicamentos

Esquizofrenia e depressão com os seguintes sintomas: alucinações visuais e


auditivas com conteúdo depreciativo e de ruína, desconfiança, fobia direcionada
ao ambiente escolar (especificamente à sala de aula, onde ocorreu evento
estressor que precipitou a crise psicótica), humor deprimido, episódios de picos
de ansiedade, crises de choro, diminuição do ânimo. Prescrição medicamentosa
administrada para esquizofrenia e depressão: as mudanças de medicamentos
foram constantes, devido à oscilação dos sintomas em termos de intensidade.

3) História do atendimento/tratamento

Luana já passava por instabilidade emocional, quando, há quatro anos


e seis meses, na escola, começou a apresentar comportamentos estranhos,
falas desconexas com conteúdo de ameaças aos alunos e a reagir de forma
desproporcional em sala de aula, até chegar ao ponto de agredir um aluno que
se mantinha em silêncio, mas, para ela, houve dele um plano para agredi-la ou
matá-la.

Antes de ela ir para a sala, alguns professores já haviam notado algo de


estranho, mas não associaram a sintomas psicóticos. Luana foi atendida de forma
emergencial por profissionais do CAPS e, nos dias seguintes, recebeu tratamento
intensivo para o controle dos sintomas de alucinações e delírios. O conteúdo
principal de seus delírios apontava para um plano dos alunos de eliminá-la.
Apresentava alucinação visual e auditiva, em que uma mulher a comunicava
sobre o combinado dos alunos, sendo que, aleatoriamente, ouvia comandos para

137
PSICOPATOLOGIA E A TCC (TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL)

que se matasse ou matasse outrem. Após cerca de três semanas, o quadro de


delírios e alucinações diminuiu, mas nunca veio a se dissipar totalmente.

Nos quatro anos e meio de tratamento, Luana foi recuperando aos poucos
a estabilidade afetiva, emocional, ideativa e comportamental – ressalva-se que
funções como memória, inteligência, atenção e afins ficaram preservadas. Com
a remissão dos sintomas, mas não a ausência deles, foi sendo possível aplicar
estratégias cada vez mais refinadas no acompanhamento psicoterápico baseado
na TCC, em que até com o conteúdo alucinatório presente, os conteúdos
delirantes foram eliminados ou ganharam explicações racionais, a ponto de Luana
voltar ao trabalho, com ressalvas.

O processo de volta ao trabalho se deu após dois anos de tratamento e foi


discutido durante meses entre a equipe, a paciente (Luana), os profissionais da
secretaria da educação e a família da paciente. A avaliação positiva por parte
do médico do trabalho se deu por volta de dois anos e meio após o início do
tratamento. O detalhe é que a volta ao mercado de trabalho partiu do desejo de
Luana em voltar a ter vida funcional, ainda que ela recebesse o salário enquanto
estava se tratando. No período em que este texto é redigido, já são dois anos de
volta ao trabalho, e algumas características serão apontadas na sequência deste
relato.

4) Influências da história de vida

Luana nasceu em uma família com recursos diminuídos, mas com o suficiente
para não passar dificuldades: casa situada em local com bom saneamento básico
para morar, alimentação, eletricidade, água tratada, boas roupas, atividades
recreativas em família, vida social e comunitária ativa etc. Contudo, com pouco
mais de um ano de vida de Luana, o pai, único provedor da casa, veio a falecer. É
evidente que o pai era uma parte fundamental para a engrenagem familiar manter
a condição socioeconômica mais estável.

Com o seu falecimento, não só caiu a renda (o valor da pensão recebido


pela mãe não correspondia ao valor que o marido recebia), como houve lacuna
e mudanças de papéis. A mãe de Luana ingressou no mercado de trabalho
para complementar a renda e o irmão mais velho de Luana, ainda na primeira
adolescência, também. A irmã mais velha de Luana, com doze anos, passou a
zelar pelo cuidado das crianças e, assim, todos na casa, enquanto iam ganhando
em idade, iam assumindo responsabilidades.

Apesar de passar por períodos instáveis nos anos subsequentes, além de


vivenciar o período de luto, a família conseguiu se estruturar novamente e a
saúde financeira foi ficando cada vez mais controlada. A mãe de Luana nunca

138
APLICAÇÃO E EFICÁCIA DA TCC NA PRÁTICA CLÍNICA E
Capítulo 3 NO CONTEXTO ORGANIZACIONAL

namorou após a morte do marido, e Luana cresceu sem saber, na verdade, o que
seria a presença de um pai, já que, evidentemente, não armazenou na memória
nada do pai. Pelas fotos e relato da mãe, ela apenas ficou sabendo que foi a mais
paparicada pelo pai, que, por passar um período tratando a saúde antes de vir a
falecer, pôde conviver com a filha de forma mais próxima.

Luana teve infância e adolescência tranquila, sempre foi bem nos estudos e
nas amizades e com facilidade entrou no mercado de trabalho. Praticamente não
namorou na adolescência. Percebeu que gostava de menina e, talvez, aí veio a
primeira onda de dificuldades: manifestar junto à família sua homossexualidade
e conseguir naturalmente manter seu padrão de socialização. Lidou de forma
resiliente ante os preconceitos velados, afastou-se de amigos que imaginava
serem contra o relacionamento homoafetivo e administrou no âmbito familiar as
dificuldades. Por volta dos vinte anos, ingressou na faculdade. Em tal período,
passou por fatores estressores. Relatou em sessões que, naquela época,
apresentou sintomas depressivos e ideação suicida, mas sem nunca buscar
ajuda. Não podia se dar ao luxo de cuidar de si enquanto corria atrás da formação
e do trabalho.

Por volta dos vinte e cinco anos, passou a lecionar na rede estadual de
ensino, fez especialização e se considerava bem-sucedida em sala de aula. Por
volta dos trinta anos, quando já havia passado em um concurso estadual e sido
efetivada, experimentou o papel de supervisão escolar devido ao afastamento da
ocupante do cargo, só que acabou ficando por três anos. Durante esse período,
passou a buscar ajuda do psicólogo e psiquiatra pelo plano de saúde vinculado
ao trabalho, ou até pagando por consultas particulares. Nessa época, também
comprou uma casa na qual passou a morar, levando consigo sua mãe. Durante
toda a vida, Luana morou com sua mãe e diz não conseguir imaginar morar em
uma casa sem a presença da progenitora. A mãe não vê mal nisso e tem em
Luana sua companhia para a vida, já que os outros filhos se casaram e vivem com
suas famílias.

A volta para a sala de aula era não era o desejo, mas foi derrotada em uma
eleição que daria direito à continuidade na supervisão. É evidente que tanto o
processo quanto o resultado mexeram muito com Luana. Na verdade, ela já vinha
se sentido esgotada, cansada, cobrada e se pressionava. Além disso, enfrentava
dificuldades no relacionamento afetivo, apesar de a namorada fazer todo o
possível pra darem certo. Enquanto a namorada baseava a relação no equilíbrio
emocional e serenidade, Luana tinha dificuldades de lidar com o ciúme e pelo fato
de a namorada trilhar um caminho bem-sucedido.

Nos dois anos subsequentes, o trabalho em sala de aula era tido como
sacrificante e não prazeroso. Achava que os alunos falavam alto, não tinham

139
PSICOPATOLOGIA E A TCC (TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL)

disciplina e não davam valor às suas aulas. Três meses antes do surto psicótico,
ficou afastada por duas semanas por crises de choro, esgotamento e nível elevado
de estresse. Tomou medicação prescrita por psiquiatra, mas não quis, dessa vez,
acionar serviços psicoterápicos, com a justificativa de que não teria tempo para
continuar indo às sessões após voltar ao trabalho e por desânimo.

Procurou ajuda espiritual, passando a acompanhar a sua mãe na igreja. Após


deixar a supervisão e voltar a dar aulas, sentia-se insegura em relação aos alunos
e pensava que eles não gostavam de sua didática. Pensou ainda, após ficar duas
semanas afastada por problema de saúde mental, que os alunos teriam gostado
mais da professora substituta. Pouco tempo depois, veio o surto psicótico. Após
o surto de Luana, a diretora, em conversa com o psicólogo da eSF, mencionou
que a professora a havia procurado algumas semanas antes, perguntando
se os alunos haviam feito queixa dela e se haviam solicitado que a professora
substituta voltasse. A diretora concluiu que jamais houve tal movimento por parte
de alunos, o que pressupõe que Luana já apresentava ideias delirantes. Contudo,
a desconfiança dela foi tratada como insegurança apenas.

Da crise psicótica, culminando com o comportamento de agressão a um aluno


que se mantinha calado em sala de aula, mas que, para Luana, havia por parte
dele a intenção de matá-la, ela só se lembra vagamente. No momento da crise e
dos ataques ao estudante, os outros alunos, atônitos, contiveram ela em seu ato
desproporcional e, antes mesmo que profissionais fossem chamados, professores
de outras turmas chegaram e tomaram as providências. Era nítido, pelo conteúdo
proferido aos gritos pela professora, que se tratava de delírio. A equipe do CAPS
foi acionada, chegando à escola cerca de 15 minutos após o ocorrido. Familiares
também foram avisados. A partir de então, os procedimentos convencionais para
casos dessa natureza foram iniciados pela equipe multiprofissional do CAPS.

5) Questões situacionais, psicossociais e problemas

Luana foi educada em um ambiente de rigidez religiosa pela mãe, sem


a presença do pai. Apesar dos anos de infância terem sido de dificuldade
socioeconômica, a família foi aos poucos se estruturando. Apresentou os primeiros
sintomas após os vinte anos de idade, quando estava na faculdade, mas apenas
por volta dos trinta, com o impacto na sua capacidade laborativa e social, passou
a procurar ajuda profissional.

Basicamente, os fatores estressores mais emergentes eram a lida no namoro


e o trabalho na área da educação. Como dava muita importância para o trabalho
e para o que as pessoas pensavam dela, a perda na eleição para supervisora
escolar impactou muito o seu estado emocional e sua interpretação sobre si
própria e sobre as pessoas. Após o surto psicótico e estabilização do quadro, a
professora passou a apresentar quadro fóbico em relação ao ambiente escolar
140
APLICAÇÃO E EFICÁCIA DA TCC NA PRÁTICA CLÍNICA E
Capítulo 3 NO CONTEXTO ORGANIZACIONAL

6) Fatores biológicos, genéticos/hereditários e médicos

Luana não apresentava diagnóstico relacionado a sintomas físicos e tinha


pouca história de tratamentos ou complicações de saúde. Uma dor causada
por cefaleia crônica era causa de queixa, mas dizia ter se acostumado. Sua
mãe tinha histórico de sintomas depressivos, com quadro de distimia, e tomava
medicamentos. O avô materno teria sido avaliado com esquizofrenia, mas o
falecimento por volta dos 30 anos, quando os sintomas teriam se iniciado, fez com
que não fosse possível um diagnóstico conclusivo ou histórico de registro médico.

7) Pontos fortes/recursos

Capacidade intelectual preservada; vínculo bom com profissionais de saúde


que a atenderam no período de crise – tanto que, ainda que tivesse um plano
de saúde vinculado ao trabalho, resolveu dar continuidade ao tratamento no
CAPS e na eSF; boa disciplina nas sessões e nas tarefas de casa passadas pelo
psicólogo; e mãe interessada em ajudar.

8) Objetivos do tratamento

Ajudar Luana com relação à diminuição ou ajuste funcional dos sintomas


esquizofrênicos; redução dos sintomas depressivos; ajudar Luana a ter vida social
ativa e funcional e diminuir os sintomas fóbicos com relação ao ambiente escolar.
Observação: sabemos que existe oscilação em relação à recuperação do surto
esquizofrênico. Luana se manteve com sintomas esquizofrênicos com níveis
menos intensos, mas com a capacidade intelectual preservada, praticamente
voltou, nos últimos dois anos, à rotina normal, mas com acompanhamento
contínuo. Em alguns casos pós-surto, como sabemos, alcançar a normalidade
anterior não é possível, devido às sequelas cognitivas. No caso de Luana, as
sequelas não geraram deficit de capacidades.

9) Evento estressores - pensamentos - sentimentos - comportamentos

O quadro que segue abaixo apresenta problemas levantados no


tratamento pós-surto. Trata-se apenas da apresentação dos principais problemas
trabalhados nas sessões e que poderiam ser barreiras para a ressocialização e
readaptação de Luana à vida funcional e de capacidade ao trabalho.

141
PSICOPATOLOGIA E A TCC (TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL)

QUADRO 1 – MODELO DA TCC APLICADO NO CASO DE LUANA


Problema Pensamentos Sentimentos Comportamento Estratégias
Medo de voltar E se acontecer a Medo e tristeza. Evitar entrar na Dessensibilização
para a escola. crise de novo? escola. imaginativa e no
Sempre que ambiente fóbico;
chego perto da psicoeducação e
escola, fico tensa. racionalização.
Alucinações visu- Jamais essas Tristeza e insegu- Evitar ficar Trabalho psico-
ais e auditivas. alucinações vão rança. sozinha terápico baseado
me deixar fazer na perspectiva
algo. do grupo de ou-
vidores de vozes
(KANTORSKI et
al., 2017).
Estigmas e medo As pessoas Medo. Isolamento. Avaliação de pen-
do julgamento das pensam que sou Tristeza. samentos e de
pessoas. louca; nunca vão Desconfiança. crenças e busca
confiar em mim. de evidências.
FONTE: O autor.

10) Tríade cognitiva e esquemas (adaptativos e desadaptativos)

Tríade cognitiva: a) visão negativa de si – sou vulnerável; sou defeituosa;


posso estar ficando louca; sou um risco às pessoas. Visão positiva de si –
sou resiliente; sou inteligente; sou competente. b) Visão negativa dos outros/
mundo – as pessoas abandonam; as pessoas desconfiam que não estou melhor;
as pessoas têm medo de mim. Visão positiva dos outros/mundo – minha mãe
se preocupa comigo; os profissionais que me atendem são competentes; alguns
colegas do meu trabalho me querem bem. c) Visão negativa do futuro – o futuro
é incerto; não acho que vou viver como antes; posso nunca mais recuperar minha
saúde mental. Visão positiva do futuro – posso conseguir se seguir certinho o
tratamento; sei que sou uma boa profissional; eu entendo o que está se passando
comigo, por isso, as coisas estão sobre meu controle (esse pensamento
predominava, mas, de tempos em tempos, davam lugar ao pessimismo).

Crenças centrais desadaptativas: predominância de crença de desvalor


e de desamparo. Crença de desamparo: não consigo me recuperar; nunca vou
conseguir voltar a entrar em uma escola; jamais voltarei a trabalhar. Crenças de
desvalor: sou uma doente; eu não tenho valor para as pessoas; eu não mereço
voltar a trabalhar na escola.

Crenças intermediárias (regras) desadaptativas: se eu não melhorar,


as pessoas vão achar que sou louca; eu tenho que me monitorar e controlar
142
APLICAÇÃO E EFICÁCIA DA TCC NA PRÁTICA CLÍNICA E
Capítulo 3 NO CONTEXTO ORGANIZACIONAL

meus comportamentos para mostrar para as pessoas que estou bem; se eu não
conseguir voltar a dar aulas, as pessoas pensarão que sou fracassada; sou um
risco para as pessoas.

11) Hipótese de trabalho (resumo da conceituação)

Luana viveu boa parte da sua vida sem a manifestação de sintomas


mentais mais graves. Alguns eventos na vida podem ter sido marcantes para o
desenvolvimento da sua personalidade e crenças (positivas e/ou negativas),
como a morte do pai quando ela ainda era bebê, ter sido na infância cuidada pelos
irmãos enquanto sua mãe trabalhava, ter crescido em um meio em que todos
eram ativos e tinham responsabilidades em casa, os enfrentamentos sociais e
familiares que teve que passar para manifestar a sua homossexualidade e a vida
voltada para o trabalho e para a realização pessoal como meta. Esses exemplos
citados podem ser inseridos dentre os elementos predisponentes para o
adoecimento, embora seja possível que tenham também ajudado a fomentar a
sua resiliência.

Já as crises no namoro, a forma como lidou com a perda do cargo de


supervisora escolar e a subsequente volta à sala de aula podem ser apontados
como fatores precipitantes para a intensificação de sintomas até culminar no
surto psicótico. A recuperação do quadro psicótico e dos sintomas depressivos
passou a ser o principal investimento psíquico por parte de Luana. Apesar
do quanto os sintomas psicóticos podem afetar a vida de uma pessoa, a vida
pregressa de Luana foi pautada por resiliência e capacidade para resolução de
problemas. Cresceu em um ambiente assim, e esses fatores protetores contribuem
para as possibilidades de avanço no tratamento. O bom envolvimento na terapia
psicoterápica, terapia farmacológica e participação em oficinas e no grupo de
ouvidor de vozes também pode ser apontado como fator protetivo. O principal
desafio seria voltar a frequentar a escola devido ao sintoma fóbico surgido após o
surto psicótico.

12) Plano de tratamento

Inicialmente, tratamento intensivo, passando para semi-intensivo no CAPS


até a remissão dos sintomas. Após a estabilidade sintomática, Luana deveria
ser acompanhada na Atenção Básica em atendimento e monitoramento de sua
readaptação na comunidade.

Modalidades de atendimentos no CAPS: acompanhamento por equipe


multiprofissional (é importante registrar a ênfase na não fragmentação do
acompanhamento pela equipe; gestão de saúde mental do município preconizava
isso como um dos pilares para atendimentos em equipe), terapia medicamentosa,

143
PSICOPATOLOGIA E A TCC (TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL)

inserção em atividades grupais, inserção da família em procedimentos. Na


Atenção Básica, a TCC foi a abordagem aplicada pelo psicólogo. Além do
atendimento, Luana foi inserida em um grupo de saúde mental com temas abertos
organizado pelo psicólogo e, esporadicamente, participava de outras atividades
realizadas pela eSF.

2.3 EVOLUÇÃO DO CASO E


CONSIDERAÇÕES
O caso trazido ilustra, de forma resumida, aspectos importantes para
inferirmos sobre a aplicação da TCC no atendimento a pessoas diagnosticadas
com algum transtorno mental. É evidente que cada caso é único e, se assim não
fosse, em vez de um caso, traríamos um modelo ilustrativo geral. Se outra pessoa
com o mesmo quadro psicopatológico tivesse seu tratamento descrito aqui, a sua
história, seus pontos fortes e fracos, seu vínculo com profissionais, suas crenças,
conteúdos e contexto fóbico modelariam a outra hipótese de trabalho e outro
plano de tratamento. Assim, vemos a importância de uma boa conceituação.

Percebemos que, em casos mais graves, estratégias simultâneas podem


ser necessárias. No caso do acompanhamento psicoterápico na Atenção Básica,
a aplicação das técnicas da TCC foram fundamentais para a volta de Luana ao
trabalho e à vida funcional. As técnicas mais marcantes e gerais foram:

• aplicação de instrumentos avaliativos em várias fases do tratamento;


• psicoeducação sobre o funcionamento da TCC e sobre o quadro
diagnóstico;
• gerenciamento (avaliação e modificação) dos pensamentos automáticos,
crenças intermediárias e centrais e avaliação das evidências;
• técnica da dessensibilização sistemática imaginativa e aplicação na
escola;
• reestruturação cognitiva (ensinar o paciente a identificar e avaliar a
validade de pensamentos automáticos, crenças intermediárias e crenças
centrais);
• estratégias para evitar os automatismos emocionais e comportamentais
e ajudar a paciente a gerar pensamentos alternativos mais adaptativos e
comportamentos disfuncionais;
• cartões de enfrentamento, cartões de registro de humor, uso da
estratégia do reforço positivo para avanços no tratamento (por exemplo,
quando conseguiu entrar na escola, premiou-se com algum livro como
recompensa) e outras técnicas pontuais de acordo com as demandas
das sessões.

144
APLICAÇÃO E EFICÁCIA DA TCC NA PRÁTICA CLÍNICA E
Capítulo 3 NO CONTEXTO ORGANIZACIONAL

Luana atualmente continua com sessões quinzenais com psicólogo e seus


atendimentos com o psiquiatra deixaram de ser no CAPS e passaram a ser no
ambulatório de psiquiatria do município. Diminuiu sua frequência nos grupos, mas
não deixa de ir ao menos uma vez por mês. Luana voltou a trabalhar na escola,
mas ainda não voltou a dar aulas. Nesse tempo, a sua recuperação foi gradativa.
Foram precisos dois anos após o surto para que Luana conseguisse pisar em
uma escola e, para se ter ideia da gravidade do quadro fóbico no início, sempre
que passava perto de uma, antes da aplicação das técnicas de dessensibilização,
além dos sintomas mentais de ansiedade e pânico, era acometida por taquicardia,
tremulação, sudorese e, às vezes, paralisia nas pernas (não conseguir sair do
lugar).

O retorno ao trabalho partiu de um desejo interno. A sua inserção foi gradual.


Primeiro, ela foi colocada em atividade na secretaria e com pouca demanda de
trabalho. Depois, assumiu uma função auxiliando a supervisora. Atualmente,
ainda valendo-se do direito à readaptação e seguindo recomendação da equipe
de saúde de sua inserção na escola se dar de forma gradativa e com ressalvas,
atua na biblioteca como professora que dá suporte a alunos com dificuldades. Já
viveu a tensão de ficar algumas vezes em sala de aula sozinha com os alunos
em substituição a algum professor que precisou se ausentar. Não se sentiu tão
segura. Não se trata mais de um quadro fóbico, mas de ideações preventivas
sobre o quanto uma sala de aula com cerca de quarenta alunos pode fazer emergir
fatores estressores e afetar sua saúde mental. Mas já se visualiza voltando a dar
aulas em pouco tempo.

Por fim, o caso representa um bom exemplo de que o trabalho


multiprofissional é recomendável em casos de transtornos mentais mais severos,
do quão necessário pode ser o uso de alternativas terapêuticas compartilhadas,
da importância de apoio da rede sociofamiliar, do bom senso e sensibilidade da
direção escolar e do quanto a TCC apresenta funcionalidade perante os desafios
clínicos. A evolução do caso foi permeada por novas ressignificações por parte
de Luana, pelo domínio e entendimento do funcionamento dos pensamentos
automáticos e das crenças mentais, pela técnica de dessensibilização para o
enfrentamento do sintoma fóbico e outras variáveis.

145
PSICOPATOLOGIA E A TCC (TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL)

1 – No caso trazido neste capítulo, Luana apresentou sintomas


fóbicos em relação ao ambiente escolar após passar por surto
psicótico em sala de aula. Qual foi a principal estratégia utilizada
para a diminuição do sintoma fóbico? Como é aplicada e o que se
espera de resultado em relação a essa técnica?

R.:____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________

2 – Assinale V para as alternativas verdadeiras e F para


as alternativas falsas e, após, justifique as alternativas
assinaladas como falsas.

a) ( ) Os limites entre o que são os sofrimentos humanos comuns


e o que são os transtorno mentais são determinados pelo
profissional de acordo com a sua abordagem. O profissional da
TCC, por exemplo, vai chegar ao diagnóstico aplicando técnicas
avaliativas de base cognitiva.
b) ( ) Os sofrimentos mentais tidos como comuns são alterações
do funcionamento da mente que acarretam deficits intelectuais,
emocionais e comportamentais e que prejudicam as vivências e o
desempenho da pessoa em várias áreas da vida.
c) ( ) Pacientes que apresentam resistência ao tratamento podem
trazer como desafio para o terapeuta o apontamento de que não
conseguem mudar ou que a terapia não pode ajudá-los, além de
terem dificuldades de estabelecer metas ou cumprir a agenda,
dentre outros comportamentos disfuncionais.
d) ( ) Há circunstâncias em que a situação desafiante propiciada
pelo paciente pode ser resolvida, dependendo, assim, da
capacidade do profissional de conduzir de forma eficiente a
conceituação do caso e formular estratégias compatíveis.

R.:____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________

146
APLICAÇÃO E EFICÁCIA DA TCC NA PRÁTICA CLÍNICA E
Capítulo 3 NO CONTEXTO ORGANIZACIONAL

3 TCC PREVENTIVA: A
CONTRIBUIÇÃO PARA A QUALIDADE
DE VIDA
É importante apontar para a capacidade preventiva da TCC, já que a
prevenção de sintomas ou do regresso dos sintomas (nesse caso, após um
tratamento que alcançou êxito) pode ser tão benéfica quanto a possibilidade
de tratar um episódio atual de adoecimento mental (NEUFELD; CAVENAGE,
2010). Não se trata, nesse sentido, de psicopatologizar todo sofrimento humano.
Ao contrário, importa demarcar que nem toda manifestação de dor, angústia,
ansiedade, aflição, dentre outras, precisa ser medicada ou sofrer intervenção
“mais dura”. Vimos, no Capítulo 2, que distorções cognitivas, pensamentos e
crenças influenciam no surgimento dos sintomas e instruir as pessoas com
estratégias para lidar melhor com as dificuldades pode ser de grande valia para o
não surgimento de transtornos psicopatológicos.

O paradigma atual em saúde tem como característica o fato de considerar o


ser humano em sua complexidade, abarcando os aspectos sociais, psicológicos
e físicos como dimensões da vida saudável. A saúde mental também acompanha
essa visão ampliada do ser humano. As antigas concepções reducionistas em
saúde que preconizavam a ênfase no modelo biomédico estão sendo substituídas
por abordagens multidisciplinares que compreendem as dimensões biológica,
psicológica e social, mais adequadas à realidade dos processos de saúde mental
por assumirem a qualidade das relações que as pessoas estabelecem em suas
atividades e com sua comunidade. Ganham ênfase em tal paradigma as propostas
de prevenção e promoção em saúde mental, já que existe o objetivo de fortalecer
as condições e os determinantes que elevam o bem-estar e a qualidade de vida
e, nesse sentido, evitar o surgimento do adoecimento é uma meta a ser buscada
(FARIA; RODRIGUES, 2020).

147
PSICOPATOLOGIA E A TCC (TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL)

FIGURA 6 – DIVULGAÇÃO DA CAMPANHA DE PREVENÇÃO À COVID-19

FONTE: <https://www.conasems.org.br/material-da-campanha-
de-prevencao-ao-covid-19/>. Acesso em: 27 mar. 2022.

Na área da saúde (no geral), as ações de promoção e prevenção apresentam


resultados positivos, com redução de custos de tratamento remediativo, controle
de endemias e epidemias, favorecimento da identificação precoce de focos
de doenças e afins. No âmbito da saúde mental, não é diferente, contudo, as
estratégias preventivas e os parâmetros para a avaliação dos resultados são um
desafio para gestores e profissionais que atuam na área.

As psicoterapias, aplicadas individualmente ou em grupos, são ferramentas


que ajudam a promover mudanças comportamentais e cognitivas do indivíduo,
podendo ser empregadas em diferentes locais, contextos e problemáticas, sendo
importantes para a prevenção de agravos à saúde mental e para a promoção e
educação em saúde. Nas próximas páginas, vamos dar atenção à TCC aplicada
com objetivos preventivos e como promotora do empoderamento das pessoas. Tal
perspectiva é tão ou mais importante quanto a miragem curativa nos quadros de
transtornos mentais.

Na perspectiva da TCC, quanto mais elaborado ou sofisticado for o


pensamento, mais sólido tende a ser o conjunto de crenças sobre o eu, sobre as
pessoas, sobre o mundo e sobre o futuro. Isso, evidentemente, serve tanto para
pensamentos e crenças positivas quanto negativas, influenciando a percepção,
as inferências, a afetividade, as emoções, a motivação, a aprendizagem e outros

148
APLICAÇÃO E EFICÁCIA DA TCC NA PRÁTICA CLÍNICA E
Capítulo 3 NO CONTEXTO ORGANIZACIONAL

processos cognitivos. O desencadeamento dos processos cognitivos – com


a extensão de outros fatores – leva a tomadas de decisão e condutas sociais
adequadas ou disfuncionais, acarretando melhora da qualidade de vida ou
prejuízos e sofrimentos.

3.1 EXEMPLOS DE CASOS


A didática, nesta seção, se dará da seguinte forma: a seguir, serão
apresentados seis exemplos de casos em que não estão presentes transtornos
mentais. Contudo, os problemas e situações negativas, as manifestações de
distorções cognitivas e os comportamentos desadaptativos poderiam levar
a prejuízos ou adoecimentos, fazendo merecer a atenção do cuidado em saúde
mental. Abaixo do relato dos casos, resumidamente, haverá a análise deles por
meio da perspectiva da TCC. Os exemplos trazidos nos casos são baseados em
histórias reais, com algumas adaptações fictícias, incluindo os nomes.

QUADRO 2 – CASO 1: MARCELO E LEILA


Marcelo e Leila estão juntos no casamento há mais de três anos. Não têm filhos e vivem um casa-
mento razoavelmente tranquilo, exceto por discussões acerca de problemas que não se resolvem.
Por questões financeiras, o casal se desentendeu à noite. Não resolveram o problema, ao contrá-
rio, em meio ainda à discussão, Leila se dirigiu para o quarto e bateu a porta. Marcelo resolveu
dormir no sofá.
No dia seguinte, Marcelo foi para o trabalho sem se despedir da esposa. A esposa se levantou
pouco tempo depois, já que seu trabalho se constitui em dar aulas de inglês pela internet. Depois
de cerca de duas horas que Marcelo estava no trabalho, ele percebeu que Leila ligava no seu
celular. Ela ligou uma, duas, três vezes. Marcelo pensou que ela queria continuar a discussão do
dia anterior. Ela já havia feito isso outras vezes. Resolveu desligar o telefone sem, antes, atender
à ligação. Passou alguns minutos e alguém da direção da empresa avisou Marcelo que a esposa
precisava falar com ele. Ele disse que ia retornar pelo celular, pediu para que esse recado fosse
dado a ela. Porém, ele não fez isso e continuou o seu trabalho.
Depois disso, Leila não mais tentou contato. Marcelo, já no turno da tarde, ligou novamente seu ce-
lular. Nenhuma chamada da esposa havia sido registrada. Percebeu que havia várias mensagens
dela em um aplicativo, mas resolveu não as ler para não se estressar ou perder o foco no trabalho,
imaginando qual seria o assunto. Na verdade, ao contrário da esposa, detestava “perder tempo
com mensagens”. Terminou o expediente e voltou para a casa. Ao chegar, percebeu que a esposa
não estava, observou que a casa não estava organizada como o de costume – já que na parte da
tarde, a esposa cuidava das tarefas domésticas (outra pauta que vem sendo discutida pelo casal,
já que ela deseja dar aulas também à tarde e ele não concorda). Ele procurou a esposa e não a
encontrou em casa. Interpretou isso como uma provocação. Ligou para ela, que não atendeu.
Ligou uma, duas, três vezes. Ainda assim, ele não leu as mensagens.

149
PSICOPATOLOGIA E A TCC (TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL)

Marcelo resolveu, então, sair para comer algo, já que, além de estressado, não estava a fim de
preparar algo e ainda ter que limpar. Além do mais, sair um pouco poderia ajudar a pensar numa
forma de conversar com Leila. Na sua cabeça, ela estaria na casa da mãe dela ou na casa de
alguma amiga. Escolheu comer algo num bar e aproveitou para tomar sua cerveja (também motivo
de discussão entre o casal). Ao voltar para a casa, para a sua surpresa, encontrou, sentadas no
sofá, sua mãe e sua esposa. Leila havia ficado o dia todo com a mãe de Marcelo em um hospital!
Esse era o motivo das ligações, as quais ele não atendeu. Marcelo é filho único, já não tem mais
o pai e, como ele demorou a dar um retorno, Leila adotou a iniciativa de tomar as providências em
relação à sua sogra.
FONTE: O autor

QUADRO 3 – CASO 2: NICOLE E JÚLIO


Nicole estava num terminal de ônibus junto com três amigas e dois amigos. Tinham se encontrado
naquele ponto para irem juntos ao shopping. Faltavam poucos minutos para passar o ônibus que
os levaria ao shopping e o namorado de Nicole, Júlio, não havia chegado.
Ela já havia ligado para ele várias vezes. Ligou para a casa dele e ninguém atendeu. Ligou para
o celular da mãe dele, que disse nem ter sido comunicada pelo filho sobre a programação. Disse,
ainda, estar no trabalho e sem contato com ele, mas que a mantivesse informada. “Era só o que
faltava, ligo para saber de notícias dele e saio com a responsabilidade de ser a informante”, pensou
ela.
Nicole e Júlio iniciaram o namoro havia pouco mais de quatro meses e algumas divergências sur-
giam de vez em quando. Ambos tinham dezesseis anos, mas, para Nicole, Júlio parecia ter doze.
Enquanto ela levava muito a sério compromissos e obrigações, percebia que Júlio era aleatório e
se preocupava mais em ocupar seus dias com atividades recreativas do que focar o namoro ou as
obrigações escolares e domésticas. Ela já vinha de um namoro de sete meses no qual se frustrara,
se bem que, no caso, o ex-namorado tinha como problema a infidelidade, e não a falta de respon-
sabilidade apresentada por Júlio.
Os amigos de Nicole tentaram animá-la, para que ela não pensasse o pior. Júlio poderia estar
chegando ou, talvez, tivesse acontecido algo para ele não atender o celular. Mas, para Nicole,
era provável que Júlio estivesse em seu modo ativado de “estou nem aí”. Apesar de ter rejeitado
pensar sobre, passou pela cabeça dela que ele poderia estar com outra menina naquele momento
e, por isso, ele não a atendia. Isso serviu de gatilhos para ela se relembrar de situações sofríveis
experenciadas no último namoro. Por fim, ficou tão chateada que jogou seu celular no chão e co-
meçou a chorar. Os amigos prontamente tentaram acalmá-la e consolá-la.
Passados dois minutos após ter quebrado o celular, sua amiga atendeu a uma ligação. Era o pai
de Nicole, que pediu para conversar com ela.
- O que foi, pai!?
- Ué! Que voz é essa? Você está chorando filha?
- Fala logo, pai!
- Credo, filha! Foi essa a educação que te dei?
- Pai!! (sem paciência).

150
APLICAÇÃO E EFICÁCIA DA TCC NA PRÁTICA CLÍNICA E
Capítulo 3 NO CONTEXTO ORGANIZACIONAL

- Bom, eu não devia fazer este favor após esse seu teatrinho, mas o que um pai não faz para a
filha, né!? O Júlio está aqui em casa há uns quinze minutos (“O quê!?”, grita Nicole do outro lado).
Ele deixou o celular em casa, falou que você reclama de ele ficar usando o aparelho quando saem
juntos. Eu pensei que você estivesse ainda aqui se arrumando, já que não vi você saindo. Aliás,
você poderia avisar e se despedir ao sair, né? Agora que notamos que você não está, ele quer
saber se você, por acaso, não se esqueceu de que iam ao shopping hoje.
- Cabeçudo!
- Filha, isso são modos de falar com seu pai?!
- Não estou chamando o senhor, pai! Para de drama. Passe o celular para o Júlio.
- Ok, de nada!
- Oi, linda! (“coisa doida os namoros de hoje”, diz o pai ao fundo, saindo da sala).
- Linda? Linda vai ficar a sua orelha quando você chegar aqui.
Enfim, Júlio não conseguiu chegar a tempo de pegar o ônibus e Nicole o esperou para irem no
próximo. Os amigos foram na frente para reservar entradas para o cinema e, evidentemente, o
clima poderia estar melhor.
FONTE: O autor

O intuito agora é percebermos, pelo olhar da TCC e conforme os casos


descritos, como as interações entre as pessoas e os fatos do cotidiano recebem
significados, interpretações e julgamentos que influenciam o estado emocional e
as tomadas de decisão.

As histórias trazidas se situam dentro de uma normalidade do que pode


acontecer no cotidiano na vida das pessoas. Os comportamentos disfuncionais
e dificuldade no gerenciamento emocional não se vinculam à presença de
transtornos psicopatológicos. Mas, em todos esses eventos, com base em
fatos reais (embora alterados com dados fictícios), as pessoas buscaram ajuda
psicoterápica.

Percebamos que as distorções cognitivas podem levar a erros de julgamento


da realidade, fazendo aumentar ou criar problemas. Sabemos o quanto
as experiências negativas influenciam as emoções e o quanto as pessoas
podem experimentar um mal-estar emocional por meio de sintomas físicos
(psicossomatização) (MUNOZ, 2009). Sintomas psicopatológicos (depressivos,
ansiosos, ideativos, somáticos, fóbicos, paranoicos, obsessivos, psicóticos e
outros) podem surgir a partir de fatores estressores não bem administrados
cognitivamente e objetivamente. Assim, quanto mais uma pessoa tiver domínio
de estratégias cognitivas e comportamentais, maior a chance de ela passar por
experiências negativas sem apresentar sintomas.

Um dos pilares da TCC é justamente ser educativa, ensinar o paciente a


ser seu próprio terapeuta e enfatizar a prevenção da recaída após a reabilitação

151
PSICOPATOLOGIA E A TCC (TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL)

(BECK, 2013). Vejamos que a literatura que fala da prevenção por meio da TCC
trata justamente – e basicamente – do valor que se dá à condição de recaída. Mas
por que não se dar mais ênfase à evitação de primeiros episódios sintomáticos?
Por que não pensar que habilidades em resolução de problemas e interpretações
funcionais de experiências vividas do cotidiano ajudam na promoção da qualidade
de vida?

Reparemos, caro aluno, em alguns aspectos a partir dos exemplos trazidos.


No caso 1, os pensamentos automáticos e as distorções cognitivas
influenciaram diretamente as tomadas de decisões por parte do marido, que
aumentaram um problema já existente e fizeram surgir novos problemas. “Minha
esposa está ligando, só pode ser para continuar brigando”; “minha esposa não
está em casa, só pode estar fazendo pirraça”; “eu não vou ler as mensagens,
já que ela só pode estar me atacando por meio delas”. Enquanto isso, sua
esposa cuidava da mãe dele. Quais crenças intermediárias e centrais Marcelo
desenvolveu ao longo dos anos e que podem ter afetado a forma negativa de
interpretar a realidade? Além disso, percebe-se que se trata de um exemplo em
que o casal falha em habilidades para a resolução de problemas.

A não resolução de problemas e a continuidade de conflitos podem levar


à intensificação de sentimentos negativos, reações psicossomáticas e até ao
adoecimento de algum cônjuge ou do casal. Na psicoterapia, o casal recebeu
psicoeducação sobre pensamentos automáticos, crenças intermediárias e
crenças centrais, distorções cognitivas e resolução de problemas. Também
aceitou participar de um grupo psicoterápico de abordagem da TCC voltado para
casais, em que, além da psicoeducação, puderam vislumbrar novas formas de
resolver problemas e participar de psicodramas e de outras técnicas grupais.

No exemplo 2, temos também erros de julgamentos oriundos de


pensamentos automáticos disfuncionais que acabaram por culminar em
comportamentos inadequados. É facilmente transponível para o modelo
tradicional da TCC a situação que leva Nicole a quebrar o celular.

QUADRO 4 – MODELO DA TCC APLICADO


Problema Pensamentos Emoções Comportamento
Namorado não atende “Está me traindo ou Insegurança. Xingar.
a chamada. não demonstra inte- Raiva. Quebrar o celular.
resse”.

FONTE: O autor.

152
APLICAÇÃO E EFICÁCIA DA TCC NA PRÁTICA CLÍNICA E
Capítulo 3 NO CONTEXTO ORGANIZACIONAL

Muitas vezes, no dia a dia, erros cognitivos podem levar não só a


sensações desagradáveis, como também a prejuízos por comportamentos
inadequados. Nicole e Júlio apresentavam também deficits na comunicação nos
combinados, o que pôde ser trabalhado nas sessões. Técnicas de gerenciamento
das emoções, psicoeducação acerca da avaliação dos pensamentos automáticos
e técnicas voltadas para a resolução de problemas puderam auxiliar o jovem casal
a encontrar novas formas de resolver frustrações na relação. Lembrando que a
finalidade não é chegar a um padrão em que novos conflitos não aconteçam, o que
seria uma meta irreal, mas que, em novos conflitos, comportamentos adaptativos
fossem acessados para a resolução dos problemas.

QUADRO 5 – CASO 3: PEDRO


Pedro recebeu a prova do professor e custou a acreditar. Nunca havia tirado um zero na escola.
Tudo bem que ele realmente não estava estudando como deveria, mas tirar um zero foi algo muito
frustrante. Os alunos conversavam entre si sobre a prova. Pedro dobrou a sua e a colocou no meio
do caderno. Pediu para ir ao banheiro, andou um pouco pela escola até tocar a sirene avisando
o fim daquela aula. Estava decidido, a escola não era para ele. Desde a infância, ouvia da mãe
que ele era um desajeitado: “você é burro mesmo, tenho que fazer para você sempre”, “já falei
que não é assim, ‘prasta’”, “você não puxou sua irmã mesmo, ela sempre fazia o dever sem pedir
precisar de pedir ajuda”. A mãe apresenta pouca escolaridade e, após a morte do marido, passou a
trabalhar em dois turnos e, desde então, não teve mais tempo para ajudar os filhos com as tarefas
escolares. Apesar de ela comparar Pedro com a irmã, na verdade, até os dez anos ela teve a ajuda
da mãe, que depois que o marido faleceu, não teve mais disponibilidade de auxiliar nas tarefas
escolares dos filhos.
Por incrível que pareça, ele se saiu muito bem nos últimos dois anos, na sexta e sétima série es-
colar, quando uma amiga e um amigo o ajudavam com incentivos e nos estudos, mas, neste ano,
eles mudaram de escola. “Na certa, só fui bem por causa deles”. Além disso, a irmã o ajudava, mas
ingressou no mercado de trabalho e parou de dar assistência às dificuldades de Pedro.
No dia seguinte e nos próximos, Pedro não foi às aulas. A supervisora da escola ligou para a mãe,
que não retornou à ligação. O conselho tutelar foi acionado. Pedro havia passado os últimos dias
procurando serviço, com o consentimento da mãe. A mãe disse não saber que Pedro devia conti-
nuar indo à escola devido à idade. Pedro foi encaminhado ao serviço de Psicologia da equipe do
NASF. Na sessão, falou sobre seus sentimentos em relação a si próprio e em relação aos estudos.
A psicóloga percebeu que Pedro tinha a autoestima baixa, duvidava de seu potencial e qualquer
fracasso na escola o colocava para baixo. Além do acompanhamento na área da saúde, a escola
inseriu Pedro em um programa de reforço escolar e professores foram orientados a dar mais aten-
ção ao aluno. Os professores também foram orientados a aproximar, junto ao Pedro, colegas de
sala que demonstravam empatia no processo de ensinar.
FONTE: O autor.

153
PSICOPATOLOGIA E A TCC (TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL)

No caso 3, apesar do relato sucinto, temos elementos riquíssimos para


direcionamentos na TCC. Uma conceituação de caso bem elaborada pelo
profissional precisar chegar a fatores que explicam as respostas emocionais e
comportamentais de um aluno que, vindo de dois anos bons na escola, passa a
ter queda no rendimento, autoestima baixa e resolve abandonar a escola. Em um
primeiro momento, podemos questionar o papel disfuncional da mãe no processo
de apoio ao filho no âmbito escolar.

Mas carece de contextualização: qual a situação psicossocial familiar?


Como a mãe percebia a função da escolaridade na vida dos filhos? Como uma
mãe exausta após o trabalho e provedora da família podia ter a paciência de ajudar
o filho nas tarefas escolares? Ela tinha ciência de que as coisas que falava ao filho
na infância afetariam, no futuro, a concepção de Pedro sobre sua capacidade?
Qual a importância de uma rede de apoio, como foi para Pedro a irmã e os dois
amigos? Como uma rede intersetorial, interessada em ajudar e não somente
controlar comportamentos de adolescentes, pôde fazer a diferença para sanar
dificuldades? Essas são situações que precisaram ser levantadas, inclusive
para o entendimento das crenças e distorções cognitivas apresentadas por
Pedro. Além da rede de apoio, Pedro pôde ser ajudado por meio das técnicas de
contestação das distorções cognitivas, identificação e modificação de esquemas,
o que fez melhorar sua autoestima e autoconfiança em sua capacidade de
aprender.

QUADRO 6 – CASO 4: RENATA


Renata saiu chateada da empresa em que trabalha. Havia combinado, na parte da manhã, de ter
uma conversa no período da tarde com a diretora do setor em que atua. O assunto a ser tratado,
porém, era delicado na visão de Renata, o que a fez desistir de passar na sala da diretora. Ela tinha
intenção de pedir aumento de salário. Ela juntou vários elementos para isso: os elogios constantes
da diretora, o tempo de serviço prestado na empresa, as metas alcançadas durante todo o ano,
sua dedicação, pontualidade e assiduidade, sua disponibilidade até nos horários de descanso,
sua capacitação na área e, sobretudo, o que lhe incomodava: o fato de ter ciência de que recebia
menos do que os colegas.
Durante toda a tarde, Renata ficou nervosa. Ficou imaginando como ia falar com a diretora. O
problema é que, na sua imaginação, vinha a imagem da diretora alterando o humor e reagindo
negativamente ao pedido. Algumas vezes, até imaginava como desfecho a sua demissão do tra-
balho. Renata chegou a ir cinco vezes até a porta da diretora. Seu rendimento no dia foi péssimo,
ela deixou colegas de trabalho no vácuo e se portou de forma aérea, inquieta e impaciente. Nos
momentos em que passava pela sua cabeça as conversas futuras com a coordenadora, chegava
a sentir dificuldade para respirar, dor no peito e a boca seca. Foi embora com uma sensação de
frustração e vontade de chorar. Sentia dores nas costas e palpitações. Após uma hora em casa, já
deitada na cama, como nunca fazia, seu marido constatou que ela não estava bem de saúde e teve
que levá-la ao hospital. Apresentava estado febril e pequenos devaneios.
FONTE: O autor.
154
APLICAÇÃO E EFICÁCIA DA TCC NA PRÁTICA CLÍNICA E
Capítulo 3 NO CONTEXTO ORGANIZACIONAL

No caso 4, quantas pessoas não desejam tomar atitudes que parecem


simples avaliadas exteriormente, mas que podem gerar uma alta carga
emocional na prática? Por exemplo, pedir aumento de salário, pedir em namoro
ou casamento, participar de uma entrevista de emprego, conhecer os sogros,
pedir dinheiro emprestado, comunicar o falecimento de um familiar etc. Um dos
fatores que faz aumentar a ansiedade ou o medo é a visualização negativa do
caso. A pessoa imagina mentalmente um roteiro negativo para o desfecho da
situação e, por causa disso, as reações emocionais e fisiológicas podem levar
a um comportamento defensivo ou de esquiva da situação, sem contar na
possibilidade do surgimento de sintomas psicofisiológicos.

No caso de Renata, na terapia, além da psicoeducação em relação às


distorções cognitivas que corroboram os pensamentos pessimistas, a técnica de
exposição imaginativa e enfrentamento, relaxamento muscular (em resposta às
tensões musculares), o uso de cartões de enfrentamento (com frases motivacionais
e realistas) e o questionamento socrático foram estratégias utilizadas. Mais uma
vez, devemos lembrar que, na vida real, coisas boas e ruins podem acontecer.

No exemplo, a coordenadora realmente poderia não só negar o aumento


de salário, mas também interpretar o pedido como indolente e tomar medidas
em desfavor da subordinada. Porém, a) era mais provável que a coordenadora
valorizaria os esforços e resultados obtidos por Renata – foi o que aconteceu
um tempo depois, e; b) se houvesse reprovação ao pedido de Renata,
independentemente de qual pudesse ser o desfecho, não significaria que seria
melhor para Renata não lutar por algo naturalmente justo e que não poderia
haver outros caminhos a partir de uma reprovação ou demissão por parte da
coordenadora.

QUADRO 7 – CASO 5: LUIZA E DÉBORA


Luíza e Débora romperam há uma semana a amizade no trabalho de estágio, após uma discordân-
cia sobre a distribuição de tarefas. Apesar da intervenção da supervisora, depois do ocorrido, Luíza
se fechou para Débora. Por conveniência, saudava com um “bom dia” pela manhã e só. As duas,
na verdade, já se estranhavam. Luíza desconfiava do fato de Débora se preocupar muito em falar
da vida dos outros. Às vezes, era tão desconfortável o fato de participar das fofocas com Débora
que ela arrumava uma desculpa e saía de perto. Débora falava mal de todos do grupo de estágio,
mas, junto a eles, comportava-se de forma amável.
Durante o intervalo para o lanche, Luíza observou que Débora e Ana olhavam para ela enquanto
conversavam na mesa em que estavam. Falavam baixinho e soltavam algumas risadas. Enquanto
isso, anotavam algo numa folha. Sempre após olharem para ela, falavam algo e riam. Luíza olhou
para trás, talvez estivesse ali alguém e não seria ela o objeto de atenção. Mas não havia ninguém,
ela estava solitária naquele canto.

155
PSICOPATOLOGIA E A TCC (TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL)

Assim que as duas saíram, passando por ela com risinhos e cochichos, percebeu que o papel ficou
na mesa. Luíza pensou em ir conferir do que elas riam. Mas se corou imaginando que seria coisa
diferente do relacionado com ela. Apesar disso, levantou-se e, de forma rápida e decidida, foi até à
mesa e pegou o papel. Ao ler, foi tomada por uma mistura de raiva e tristeza. Estava lá seu nome,
um desenho seu e setas apontando para as partes do corpo com adjetivos vulgares e depreciati-
vos. Imediatamente, quase chorando, levou o desenho e apresentou-o à sua supervisora, que, no
mesmo instante, solicitou ao responsável da cantina o acesso às imagens do ocorrido, para poder
dar início a providências.
FONTE: O autor.

O caso 5 traz uma situação peculiar e que traz uma mensagem que não
podemos ignorar. Algumas das metas da TCC é que o paciente aprenda a ser
seu próprio terapeuta, que consiga administrar seus pensamentos automáticos,
identificar suas crenças centrais e fazer com que o melhor gerenciamento da
capacidade cognitiva leve a comportamentos mais funcionais e diminua o
sofrimento ou adoecimento mental. Sempre indicamos dar atenção aos erros
e distorções cognitivas que podem levar a interpretações equivocadas da
realidade. Mas isso não significa que devemos ignorar ingenuamente que, no
dia a dia, realmente situações ruins podem acontecer, dificuldades podem se
apresentar, pessoas podem agir mal conosco e muitos acontecimentos
podem nos abalar.

Logo, é preciso considerar que um cônjuge na sessão que se diz preocupado


por pensar que está sendo traído no casamento, dentre a possibilidade de que
os pensamentos distorcidos estejam o levando a pensar equivocadamente
sobre isso e o fato de realmente estar sendo traído, as estratégias que visam à
busca por evidências ou resolução de problemas devem levar justamente à
identificação da situação real. Pois ele, de fato, pode estar sendo traído. Assim,
um aluno com dificuldade de aprendizagem pode realmente ter dificuldades de
aprendizagem, um funcionário que pensa que seu superior não gosta dele pode
realmente ter um superior que não o avalia bem, uma adolescente que pensa que
seus pais não darão uma festa de quinze pode realmente ter pais que não têm
condições para dar a festa, um lojista que tem a impressão de que seu funcionário
esteja lhe roubando na loja pode realmente contar com um funcionário que esteja
lhe roubando, uma pessoa que pensa estar com algum problema sério de saúde
pode realmente estar com alguma doença séria ainda não identificada, e assim
por diante.

A TCC não visa criar um romantismo no qual se pressupõe que o mundo é


lindo e maravilhoso e basta acionar o botãozinho do pensamento positivo para
tudo ficar bem. Ao contrário, a TCC visa empoderar as pessoas para que tenham
habilidades suficientes para identificar o que são problemas reais e o que

156
APLICAÇÃO E EFICÁCIA DA TCC NA PRÁTICA CLÍNICA E
Capítulo 3 NO CONTEXTO ORGANIZACIONAL

são erros de julgamentos, e que possam superar as dificuldades realmente


existentes com comportamentos adaptativos, adequados e que verdadeiramente
sejam voltados para a resolução do problema.

FIGURA 7 – TER UMA VIDA FELIZ: EXPECTATIVAS

FONTE: <https://stock.adobe.com/br/images/parents-and-son-family-portrait-daddy-
mom-and-child-having-fun-outdoors-father-s-day-mother-s-day-loving-parents-childhood-
fatherhood-motherhood-love-happiness/276030995>. Acesso em: 26 mar. 2022.

Uma vida de expectativas (idealizada, como na imagem) versus a vida


como ela realmente se apresenta pode gerar frustrações. A TCC não visa que
as pessoas ingenuamente passem a ter pensamentos e crenças positivas irreais.
Antes, ela pretende auxiliar as pessoas a lidar melhor e administrar os problemas
e desafios inerentes à vida humana.

Lembremos que Luiza, no caso 5, percebeu comportamentos estranhos


por parte de duas colegas de estágio. Passou pela sua cabeça a possibilidade
de estarem falando mal dela. Uma das orientações possíveis seria para que
Luiza ignorasse a situação, que poderia estar imaginando coisas e que, ainda
que estivesse acontecendo o que se passava pela sua cabeça, que relevasse
e prosseguisse em seu caminho. Porém, quando há inimizades em ambientes
que envolvem trabalhos coletivos, em que um depende do outro, alguém pode
realmente ter a intenção de prejudicar o colega, moralmente ou objetivamente.

Não é ilegítimo buscar evidências – como quando Luiza resolveu conferir


o que havia na mesa após as colegas saírem – e buscar soluções quando as
evidências confirmam as hipóteses. Caso Luiza percebesse que no papel constava
outra coisa que não dizia sobre ela, ela também não precisaria ficar constrangida.
Deveria se sentir aliviada por perceber que não se tratava de uma difamação.
Mas, infelizmente, no caso, realmente suas colegas faziam um bullying velado
direcionado a ela.

157
PSICOPATOLOGIA E A TCC (TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL)

Na sessão, uma vez abalada com a maldade das colegas, foi trabalhado o
ponto positivo da situação, em que Luiza buscou evidências e resolveu o problema
de uma forma objetiva e com mediação da supervisora. Foi preciso descontruir
as distorções cognitivas de generalização, já que, a partir do ocorrido,
Luiza passou a reforçar que “todas as pessoas são ruins e não confiáveis”.
Foram levantadas estratégias para continuar lidando com as colegas, já que
elas receberam advertência, mas não foram excluídas do projeto. Pegou-se a
situação como ótima oportunidade para aprender a lidar com pessoas difíceis,
frustrações e conflitos em equipe. Com o transcorrer do tempo, Luiza voltou a
conversar com as colegas, mas passou a demarcar um limite seguro para não se
frustrar e ser respeitada.

QUADRO 8 – CASO 6: CLÁUDIO E LEO


Mais um dia, Cláudia observou que o marido ficou muito além da hora em que deveria terminar
o jogo de futebol. Léo jogava todas as quartas-feiras numa quadra que fica a uns quinze minutos
se indo de carro. Apesar de Cláudia tentar se monitorar quanto ao ciúme e tentar manter uma
relação de confiança com o cônjuge, o fato de ele já ter se envolvido há uns quatro anos com ou-
tra mulher, o que quase levou ao término do casamento, sempre vem à mente quando o marido
apresenta comportamentos que a deixam insegura.
Pensou em fazer como das outras vezes: ligar para ele. Ele sempre atendeu à ligação e deu a
mesma justificativa todas as vezes, dizendo que estava vendo futebol na TV após o término da
“pelada”. No mesmo espaço da quadra, há um bar que serve bebidas e comidas. Ela sempre
arrumava como desculpa por ter ligado o fato de ter dado a hora do filho de dois anos do casal,
Vítor, ir para a cama, e se o pai não chegaria para desejar a ele uma boa noite. “Penso que não
terá problema ele dormir sem o ‘boa noite’ um dia só”, ele normalmente respondia. Ela não queria
dar a entender que se tratava de ciúmes.
Dessa vez, resolveu não ligar. Colocou o filho no carro e foi conferir se o marido estava mesmo
na quadra. Ao chegar, lá estava ele, na mesa, assistindo à TV ao lado de outro colega do futebol.
Ela fez menção de voltar para o carro e ir para casa, mas ele a avistou e gritou: “Oi! Que surpre-
sa! Venham para cá!” Ela, então, seguiu até onde Leo estava.
– Como o Vítor estava agitado, resolvi fazer um passeio, por isso passei aqui, já que era cami-
nho.
– Vamos pedir algo para comer e, depois, vamos para casa, pode ser? Disse Leo, pegando o
filho das mãos da mãe.
– Ok!
Depois de uma hora, chegaram à casa.
Mais tarde, deitados, o marido comentou:
– Eu sei que você foi até a quadra para conferir se eu estava.
– E se foi realmente isso, te incomodou?
– Não. Se passava alguma dúvida pela sua cabeça e você precisava saná-la, fez o certo.
FONTE: O autor.

158
APLICAÇÃO E EFICÁCIA DA TCC NA PRÁTICA CLÍNICA E
Capítulo 3 NO CONTEXTO ORGANIZACIONAL

O caso 6 traz outro exemplo de uma pessoa que preferiu buscar evidências
a partir de uma situação que a incomodava. Nos casos que envolvem
relacionamentos, profissionais, assim como o/a leitor/a deste livro, podem ser
levados a julgar a atitude de Cláudia, aprovando ou desaprovando o ato de
conferir se o marido estava ou não falando a verdade sobre o motivo de chegar
mais tarde a casa. Mas vejamos que a busca por evidência imaginativa, avaliando
os pensamentos, não desautoriza a busca por evidências no mundo real. Aí sim,
vale de o profissional avaliar se as tomadas de decisão pela pessoa atendida
são baseadas em anterior ajuizamento da situação, se há distorções cognitivas,
ideação paranoide ou delírios.

No caso de Luiza, o acontecimento relatado não foi acompanhado em sessão,


mas levou Luiza a buscar ajuda, pois ela gostaria de retomar a confiança em Leo.
Já havia se passado alguns anos desde que foi traída na relação conjugal, mas,
nesse tempo, o investimento em terapia de casal, a ressignificação dos valores
pessoais, o ajustamento da autoestima, as oscilações emocionais e o medo
de julgamentos ao olhar das pessoas foram variáveis que modelaram suas
crenças centrais.

A maturidade, agora, ao menos a fazia não se precipitar em atitudes extremas,


mas também dava o empoderamento necessário para ela produzir movimentos.
E em vez de caminhar sozinha quando percebeu que ainda se sentia insegura
em relação ao casamento, ela buscou a terapia, antes de um conflito por razões
equivocadas ou até de um adoecimento mental. Nas sessões, foram trabalhadas
a possibilidade de lidar com frustrações futuras, independentemente da área de
vida, e que o mérito estaria em não deixar algo ruim impactar a ponto de perder
o equilíbrio emocional e comportamental e tomar decisões mais assertivas.

Em nenhum dos seis exemplos trazidos anteriormente as pessoas


apresentavam algum transtorno mental. No caso 4, Renata chegou a apresentar
uma crise de ansiedade, mas, vejamos, foram manifestações de sintomas relativos
a uma situação estressora, e não devido a um quadro crônico psicopatológico.
Você, caro/a estudante, discorda de que a busca por ajuda psicoterápica foi
legítima e correta nos casos citados?

Existe, na literatura, uma crítica (que devemos considerar construtiva e


proveitosa) às psicoterapias de que há uma exagerada psicologização dos
problemas pessoais e sociais, em que são negligenciados os referenciais
identificatórios e o caráter histórico dos fenômenos sociais que modelam as
representações das pessoas (DIMENSTEIN, 2000). Da mesma forma, existem
críticas dirigidas à medicina e, especialmente, à psiquiatria, pelos excessos no
processo de medicalização e psiquiatrização da vida das pessoas (AZEVEDO,
2018). Contudo, se reconhecermos que há a necessidade do fortalecimento de

159
PSICOPATOLOGIA E A TCC (TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL)

um modelo psicossocial, preventivo e promotor da saúde coletiva, como vem


tentando se avançar no Brasil, e se existe a constatação de que p empoderamento
psicossocial da população é algo que merece ênfase, é justo pensar em uma
psicoterapia que se antecede ao adoecimento e que habilita nas pessoas o
desenvolvimento da autonomia e do bom gerenciamento da vida pessoal e
comunitária.

Ainda, vale lembrar que a crítica a uma possível psicologização da vida


humana não pode ser generalizada e ser colocada no mesmo bojo do viés
mercadológico no campo da saúde mental. Não só a psicoterapia como diversas
práticas preventivas – como no recente incentivo às Práticas Integrativas
Complementares (PICs) – são modelos de tratamentos que visam justamente
à promoção da saúde sem depender de medicação e de recursos tecnológicos
caros e dispendiosos para a população e para o Estado. A eficácia das estratégias
preventivas dispensa ou diminui a necessidade de estratégias curativas e de
reabilitação.

As Práticas Integrativas Complementares (PICs) são


representadas por um conjunto de técnicas – como a auriculoterapia,
medicina antroposófica, plantas medicinais e fitoterapia, arteterapia,
dança circular, meditação, musicoterapia, reiki, shantala, terapia
comunitária integrativa, constelação familiar, terapia de florais e
outros – capazes de auxiliar nos diferentes aspectos da saúde,
visando à recuperação, mas, principalmente, à prevenção de
doenças e agravos, sejam eles físicos ou mentais. São baseadas em
métodos não medicamentosos, voltados ao autocuidado, à escuta
acolhedora e à integração das pessoas com o meio ambiente e a
comunidade (AGUIAR; KANAN; MASIERO, 2019).

Dentro da discussão que existe sobre intervenções em saúde mental,


devemos nos lembrar de que até as emoções negativas, os sintomas e o
adoecimento, dentro de uma perspectiva que considere a natureza humana,
têm uma dimensão em que desempenham um papel voltado para a nossa
sobrevivência como solução adaptativa selecionada. E seria, então, razoável
que as pessoas não devessem receber tratamento e cuidado devido a essa
perspectiva? Por exemplo, como nos lembra Angela Oliva (2011), compreender
a possibilidade de a depressão ser uma forma de adaptação não deve nos levar
a concluir que ela não deva ser tratada, inclusive porque os signos adaptativos

160
APLICAÇÃO E EFICÁCIA DA TCC NA PRÁTICA CLÍNICA E
Capítulo 3 NO CONTEXTO ORGANIZACIONAL

depressivos, ainda que normais, são desnecessários por tempo prolongado. Além
disso, no quadro depressivo, ocorre desregulação de outras áreas, prejudicando a
pessoa para além das manifestações psicopatológicas (OLIVA, 2011).

Assim, a identificação precoce do início de uma fase estressora ou de


alta carga emocional, por meio de uma intervenção efetiva e empática pela
TCC, pode prevenir tanto o adoecimento quanto prejuízos inerentes aos
comportamentos disfuncionais de uma pessoa. Isso pode ser feito mediante o
processo psicoeducativo que visa capacitar o paciente e/ou a família a identificar
e a ressignificar formas de pensar e agir. Lembrando que as técnicas da TCC
podem ser aplicadas em grupos, principalmente no contexto da Atenção Primária.

Apesar de muito associada ao serviço público do SUS, os serviços privados


também têm percebido a importância da Atenção Primária. As intervenções
em grupo permitem uma maior possibilidade de observação das interações
estabelecidas entre as pessoas, como se dão os comportamentos interpessoais,
possibilitam técnicas relacionais e empáticas, como o psicodrama e o role-
play, permitem que, nas rodas de conversa, os pacientes identifiquem novas
alternativas para resolver problemas ou lidar com as dificuldades, dentre outros
(SAFFI; ABREU; LOTUFO NETO, 2011).

A técnica de role-play utiliza estratégias de dramatização,


simulações de vivências, inversão de papéis e outros modos
de interação, em simulados de cenas vivenciadas de situações
reais do cotidiano. Como objetivo, visa trazer à tona pensamentos
automáticos, desenvolver a aprendizagem, habilidades sociais,
trabalhar respostas adaptativas e reestruturar crenças intermediárias
e centrais (FIUZA; LHULLIER, 2018).

Os casos apresentados poderiam ser exibidos de outra forma, com


apresentações de diálogos possíveis ocorridos nas sessões, como é tradicional
nas obras de orientação da TCC. Contudo, preferiu-se aqui aproveitar o espaço
para a citação de diferentes exemplos que ocorrem no cotidiano.

161
PSICOPATOLOGIA E A TCC (TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL)

Uma indicação para o acompanhamento de roteiros do


acompanhamento psicoterápico é o clássico livro da Judith Beck,
Terapia cognitivo-comportamental: teoria e prática (2013). Os
capítulos do livro seguem uma sequência que perpassa a avaliação,
o planejamento do tratamento, a conceituação cognitiva e a
estruturação das sessões, além de apresentar simulados de diálogos
nas sessões e exemplos das principais estratégias cognitivas e
comportamentais (incluindo formulários e escalas) no processo de
tratamento (BECK, 2013).
Judith Beck, filha de Aaron Beck, considerado o fundador da
TCC, é a presidente do Instituto Beck de Terapia Cognitiva e Pesquisa,
na Filadélfia. Ela é autora de diversas publicações sendo um dos
principais nomes no processo de divulgação e desenvolvimento da
TCC.

3 – Vimos alguns exemplos que indicam como distorções cognitivas


e pensamentos automáticos disfuncionais podem levar a erros
de julgamentos e comportamentos inadequados. No caso
do exemplo 1, em quais momentos Marcelo foi influenciado
por pensamentos automáticos disfuncionais que o levaram a
aumentar o problema já existente?

R.:____________________________________________________
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____________________________________________________
____________________________________________________

4 – Qual a importância da psicoterapia como ferramenta


preventiva em saúde mental?

R.:____________________________________________________
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162
APLICAÇÃO E EFICÁCIA DA TCC NA PRÁTICA CLÍNICA E
Capítulo 3 NO CONTEXTO ORGANIZACIONAL

4 INTERVENÇÕES DA TCC NA
QUALIDADE DE VIDA NO TRABALHO
Administrar nossas emoções e comportamentos perpassa e muito pela forma
como pensamos, interpretamos a realidade, fazemos inferências sobre situações
não tão claras e pelas nossas habilidades mentais de criar estratégias para
resolver conflitos e problemas. Ou seja, nossas funções cognitivas são essenciais
tanto para interpretar a realidade como para resolver problemas.

FIGURA 8 – PREVISÕES DISTORCIDAS X PENSAMENTOS FUNCIONAIS

FONTE: <https://incrivel.club/inspiracao-gente/13-coisas-que-nao-se-
deve-tolerar-no-trabalho-475960/>. Acesso em: 17 mar. 2022.

O ambiente de trabalho é um dos cenários que mais exigem o bom


gerenciamento de nossas habilidades cognitivas e de nossas emoções e
comportamentos. Estresse, ansiedade, esgotamento, frustração, raiva, fadiga,
desânimo, baixa autoestima, desmotivação, insegurança, medo e outras
sensações e sentimentos tidos como negativos são muito comuns no espaço
ocupacional, principalmente por ser um contexto de intensas interações, níveis
de relacionamentos dependentes para a execução de tarefas e projetos e vários
tipos de expectativas em relação ao outro.

Além dessa perspectiva relacional entre pessoas, o espaço organizacional


exige a excelência das pessoas, em que erros podem gerar prejuízos simbólicos
e reais para a empresa e para os que nela atuam. Apesar disso, existe pouco na
literatura sobre estratégias para lidarmos melhor no meio laboral. As contribuições
da psicologia organizacional ou psicologia do trabalho são, de fato, importantes e
claras, mas voltadas para o comportamento humano no trabalho e para a cultura

163
PSICOPATOLOGIA E A TCC (TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL)

organizacional, de modo que existe um deficit do olhar clínico para a saúde mental
dos trabalhadores.

Alguns números levantados pelo ENAP (2020) ilustram isso: no mundo, 264
milhões de pessoas sofrem depressão e ansiedade (veja que não é o número
total de doenças mentais) que causam uma perda anual de US$ 1 trilhão na
economia. Quase 80% das pessoas sofrem com episódios de estresse no
trabalho anualmente; 42% dos trabalhadores brasileiros já sofreram algum tipo
de assédio moral no trabalho; 44% dos brasileiros afirmam ficar mais irritados no
trabalho; 25% aumentaram o consumo de álcool associando a causa ao trabalho;
28% confessaram descontar em familiares (ou seja, afetando outra área da vida).
Por outro lado, se houver interesse em promoção de saúde pelas organizações,
para cada US$ 1 investido em melhorias na saúde e bem-estar mental dos
colaboradores, US$ 4 são percebidos em ganhos como resultado (ENAP, 2020).

Preocupadas com o número de afastamentos dos trabalhadores


devido ao adoecimento mental no período da pandemia da covid-19,
várias grandes empresas criaram dispositivos de apoio à saúde
mental entre os anos 2020 e 2022. (SANTOS, 2020; PINHEIRO,
2021). Porém, a tendência de se voltar para o cuidado da saúde
mental dos pacientes já vinha ocorrendo antes da pandemia
(FONSECA, 2019). Afinal, já se constatava que poucas das grandes
empresas possuíam programas de suporte à saúde mental dos
trabalhadores. Nas pequenas empresas, o percentual seria ainda
menor (SENDIN, 2016).

A TCC, evidentemente, pode contribuir para o suprimento de demandas em


saúde mental nos espaços de trabalho. Criticamente, podemos formular a opinião
de que as empresas não deveriam mesmo se preocupar com a saúde mental
dos seus, já que a vida de uma pessoa se expande para muito mais áreas e que,
assim, em cada uma delas, deveria haver algum tipo de serviço contribuitivo para
a saúde mental.

Em oposição a essa elaboração, reforça-se a constatação de que o espaço


do trabalho se apresenta com elementos influentes distintos e significativos que
podem modelar a forma de pensar e sentir de um indivíduo:

164
APLICAÇÃO E EFICÁCIA DA TCC NA PRÁTICA CLÍNICA E
Capítulo 3 NO CONTEXTO ORGANIZACIONAL

• as pessoas são mobilizadas para metas e tarefas;


• o descanso em um emprego segue a lógica do tempo ou da produção, e
não do cansaço físico ou mental;
• as interações com outras pessoas no trabalho podem ser saudáveis e
gratificantes, mas também podem ser tóxicas para saúde mental;
• o trabalho remunerado está associado à supressão de necessidades
básicas e pessoais e, portanto, não se baseia em premissas de escolha
(trabalhar não é só opção, é necessário);
• faz diminuir o tempo livre para o descanso, para a dedicação às relações
afetivas e para as atividades de lazer (embora possamos considerar
a ambiguidade ao ser fonte que possibilita a compra de algo que dê
prazer);
• conflitos, riscos de acidentes, baixa compensação salarial, condições
insalubres e outras são variáveis que podem afetar a saúde mental,
dependendo, contudo, da forma como a empresa valoriza ou não o bem-
estar dos seus colaboradores.

Fato é que tanto o trabalho pode acarretar uma carga de instabilidade


psíquica que até um conceito é difundido para retratar a situação, que é a
síndrome de Burnout.

O conjunto de sintomas físicos, comportamentais e psíquicos


decorrentes do contexto do trabalho recebe o nome de síndrome de
Burnout e caracteriza a situação em que o indivíduo perde o sentido
da sua relação com o seu trabalho e/ou implica uma condução
prolongada de estressores interpessoais em consequência da
atividade laboral, levando ao esgotamento físico/emocional (SOUZA;
BEZERRA, 2019).

Apesar da síndrome de Burnout vir ganhando, com o passar do tempo, a


atenção de pesquisadores, autoridades e profissionais de saúde, ela representa
apenas uma parcela do número de adoecimentos no trabalho. Afinal, profissionais
de uma empresa estão sujeitos a apresentar sofrimentos psíquicos e/ou
diagnóstico psicopatológico que não tenham relação com a síndrome de Burnout,
como os já citados transtornos de ansiedade e depressão, transtorno afetivo
bipolar, esquizofrenia, transtorno obsessivo-compulsivo, estresse pós-traumático,
fobias e transtornos por uso de substâncias.

165
PSICOPATOLOGIA E A TCC (TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL)

Devemos nos lembrar que, quando falamos de adoecimento no trabalho,


estamos nos lembrando de todo ser humano nesse cenário. Empregadores,
gerentes, gestores e trabalhadores autônomos também adoecem. Se pensarmos
em uma política pública sensível (talvez utópica), a classe de desempregados
deveria receber a atenção quanto aos cuidados em saúde. Trabalhadores em
situação de desemprego tendem a sofrer de baixa autoestima, estado de ânimo
e humor reduzidos, estresse, ansiedade, sentimentos de vergonha, humilhação e
distúrbios no sono (BARROS; OLIVEIRA, 2009). Não só por empatia, o cuidado à
saúde dos/as desempregados/as pode ter efeito positivo quando novamente eles
estiverem recolocados no mercado de trabalho.

4.1 POSSIBILIDADES DA TCC NO


CONTEXTO DO TRABALHO
Como já discorremos em outras partes deste livro sobre os pressupostos
teóricos e práticos da TCC, vamos associá-los ao contexto do trabalho para
pensarmos em formas de contribuição. Pensemos em tipos de elaborações
mentais comuns que podem fazer com que as pessoas sejam afetadas nas
emoções e comportamentos.

QUADRO 9 – DISTORÇÕES COGNITIVAS NO TRABALHO


PENSAMENTOS DISTORÇAO/TIPO
“Acho que não vai dar certo”. “Estou sentindo que minha equipe não
gosta de mim”. “Não vou sair porque sinto que não conseguirei outro Emocionalização
emprego”.
“Não vou procurar outro emprego, da última vez não deu certo”. “Não
vou mais confiar nas pessoas, pois fui enganado de novo”. Generalização

“Eu tenho que ser o melhor em tudo que faço”. “Tudo precisa estar
Expectativas imperativas
perfeito”. “Eu deveria ter esforçado mais”.
“As coisas dão errado porque meu coordenador não me apoia”. “Isso
Vitimização
aconteceu porque você não me ajudou”.
“Não fui escolhido porque sou incapaz”. “Ele foi demitido porque é um
Rotulação
mal funcionário”.
“Esse gestor está pensando que não vou me sair bem na tarefa”. “Eles
Leitura mental
não estão satisfeitos com a minha forma de liderar a equipe”.
“Não vai dar certo”, “Não vou conseguir”. Previsões pessimistas
“Se eu não cumprir a meta, sou um fracassado”. “Se não for para con-
Pensamento dicotômico
seguir realizar este trabalho, não vale a pena que eu tente”.
“Esse projeto não avançou por culpa minha”. “Meu supervisor está irri-
Personalização
tado, devo ter feito algo errado”.
FONTE: O autor
166
APLICAÇÃO E EFICÁCIA DA TCC NA PRÁTICA CLÍNICA E
Capítulo 3 NO CONTEXTO ORGANIZACIONAL

A partir das distorções cognitivas apresentadas, o que fazer? Primeiramente,


podemos pensar no viés avaliativo. O olhar da TCC pode ajudar na interpretação
do fenômeno do sofrimento humano em como ele se manifesta, qual a sua origem
e quais estratégias podem ser utilizadas para diminuí-lo ou extingui-lo: o que
está provocando sofrimentos, conflitos ou comportamentos desadaptativos? São
realidades desvirtuadas por distorções cognitivas que passam pela cabeça das
pessoas? São crenças centrais que influenciam a forma de pensar e se comportar
de uma pessoa? São problemas reais – e não erros cognitivos – nos quais as
pessoas na organização estão conseguindo encontrar ou focar soluções? Seria
a falta de habilidades e de estratégias cognitivo-comportamentais por parte das
pessoas? Essas são algumas perguntas que podem direcionar o profissional da
TCC naquilo que deve ser o passo inicial para promover mudanças: a avaliação.

Dentre as possibilidades no uso da TCC, a abordagem colaborativa e


psicoeducativa para que os problemas e dificuldades sejam melhor entendidos
na sua origem propicia que o indivíduo possa ser treinado, como: identificar e
monitorar pensamentos automáticos, distinguir as relações existentes entre o
pensamento, emoções e comportamento, avaliação dos pensamentos automáticos
e crenças intermediárias e centrais, ressignificação de conteúdos tendenciosos e
deslocamento de pensamentos distorcidos x pensamentos realísticos (SOUZA;
BEZERRA, 2019). O uso da teoria social cognitiva ou teoria da aprendizagem
social também pode ser uma referência importante para a adaptação da
abordagem cognitivo-comportamental no ambiente do trabalho.

A teoria social cognitiva ou teoria da aprendizagem social


foi desenvolvida por Alberto Bandura. O modelo conceitualiza
maneiras pelas quais as pessoas adquirem competências, valores,
comportamentos orientados para metas, motivação e autorregulação.
A teoria é constituída por uma tríade que inclui: 1) fatores pessoais,
2) fatores ambientais e 3) fatores comportamentais, que pressupõem
que uma pessoa escolhe um comportamento em particular, em
parte por causa das influências do ambiente como o meio social e
o comportamento observado em outras pessoas. O constructo da
teoria social cognitiva do determinismo recíproco aponta ainda que
uma pessoa pode ser tanto um agente de mudança quanto um
respondente à mudança (PROCHASKA; YOUNG-WOLFF; ALLES,
2015).

167
PSICOPATOLOGIA E A TCC (TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL)

A descoberta guiada com o uso do questionamento socrático (processo


de reflexão e enfrentamento do pensamento), o registro de pensamentos
disfuncionais (anotações por escrito), a técnica de reestruturação cognitiva
(embasada na correção e substituição das cognições indevidas que dificultam as
inter-relações no trabalho), o treino assertivo (premissa de modificar a maneira
que a pessoa se vê e direcionar a aprendizagem para comportamentos adequados,
seja por punição, reforço ou modelação), o feedback corretivo (usando de
mapeamento de competências), a abordagem cognitiva para a motivação e as
técnicas de resolução de problemas são algumas das estratégias da TCC que
podem ajudar na transformação de climas organizacionais.

Peguemos, por exemplo, a partir do quadro que apresenta tipos de distorções


cognitivas, o seguinte padrão de pensamento: “não vou procurar outro emprego,
da última vez não deu certo” (distorção cognitiva por generalização). Vamos
pensar no uso da descoberta guiada com o uso do questionamento socrático em
um possível diálogo na psicoterapia.

QUADRO 10 – EXEMPLO DE APLICAÇÃO DO MÉTODO DIÁLOGO SOCRÁTICO


Situação: não consegue um novo emprego
Psicoterapeuta: como se sente sobre essa situação?
Pessoa: triste, desanimado.
Psicoterapeuta: o que passa pela sua cabeça para se sentir assim?
Pessoa: que não vou conseguir, que talvez não consiga mais trabalho.
Psicoterapeuta: e o que significa isso para você?
Pessoa: que sou um incapacitado e, ainda, que as pessoas que me avaliam não vão com a minha cara.
Psicoterapeuta: quais evidências de que seus pensamentos são verdadeiros?
Pessoa: já passei em três entrevistas de emprego, e não fui chamado.
Psicoterapeuta: consegue se lembrar de evidências de que seus pensamentos estejam incorretos?
Pessoa: não sei. Não consigo me lembrar.
Psicoterapeuta: talvez eu possa te ajudar. você havia me dito que já trabalhou em três empresas, e que
em duas você ficou por mais de três anos. O que isso significa?
Pessoa: que sou competente; caso contrário, não ficaria tanto tempo em um emprego.
Psicoterapeuta: sim, isso parece fazer sentido. E todas as vezes que você conseguiu trabalho, conse-
guiu de forma imediata?
Pessoa: não, não mesmo. Lembro que, da penúltima vez, eu fiz pelo menos umas cinco entrevistas.
Psicoterapeuta: e o que isso significa?
Pessoa: que eu posso estar generalizando que se não passei em algumas entrevistas e em todas eu
serei reprovado.
Psicoterapeuta: se você tivesse um amigo na mesma situação, o que diria então para ele?
Pessoa: para que continuasse tentando, que em algum momento daria certo.
Psicoterapeuta: como se sente pensando assim?
Pessoa: menos triste e um pouco mais animado.
FONTE: O autor.

168
APLICAÇÃO E EFICÁCIA DA TCC NA PRÁTICA CLÍNICA E
Capítulo 3 NO CONTEXTO ORGANIZACIONAL

No exemplo acima, no qual empregou-se o uso do questionamento socrático


para levar a pessoa a refletir sobre a coerência de seus pensamentos, não só se
pressupõe a possibilidade de melhora do estado emocional e mudança da rota
comportamental, como pode se prevenir o surgimento de sintomas ao interromper
o círculo cognitivo vicioso que ficaria cada vez mais intenso. Ao perceber quais
pensamentos estão por trás de determinados sentimentos negativos, a pessoa
pode se educar a pensar de forma mais positiva. A possibilidade de fazer o
indivíduo contribuir para o próprio empoderamento por meio das habilidades
adquiridas se apoia no caráter colaborativo do tratamento (OLIVEIRA; SILVA;
PUCCI, 2022).

FIGURA 9 – MUDANÇA COGNITIVA

FONTE: <https://incrivel.club/inspiracao-psicologia/psicologos-dao-7-dicas-para-evitar-que-
o-estresse-do-trabalho-destrua-seu-relacionamento-572760/>. Acesso em: 22 mar. 2022.

169
PSICOPATOLOGIA E A TCC (TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL)

Como a dinâmica dos ambientes de trabalho e, ainda mais geral, a dinâmica


das organizações apresentam complexas variáveis (cultura organizacional,
clima organizacional, tipo de gestão implementada – autoritária? Democrática?
Voltada para o desenvolvimento? Meritocrática? – formas de produção, nível
de valorização dos recursos humanos, dentre outros) as formas em que
o suporte da abordagem cognitivo comportamental poderia chegar até as
pessoas dependeria das demandas e dos objetivos a serem alcançados. Por
exemplo, o autor deste livro acredita que estratégias preventivas que habilitam
o domínio de ferramentas de gerenciamento das cognições podem fazer
com que a empresa como um todo seja beneficiada. Assim, determinadas
técnicas cognitivo-comportamentais que contribuam para a gestão de
pessoas na organização podem ser implementadas por meio de treinamentos:

• De lideranças – uma vez que líderes têm maior domínio do gerenciamento


de pensamentos, emoções, sentimentos e comportamentos, a própria
forma de gerir – de forma humanizada e empática – pode ter impacto
positivo para as equipes.
• De multiplicadores – muito utilizado no serviço público. Por exemplo,
quando na área da saúde, o Ministério da Saúde lança um novo programa
a ser implementado na Atenção Básica, para chegar aos profissionais
que executarão as tarefas, primeiro são treinados técnicos de referências
estaduais, por exemplo. Eles, depois, treinam técnicos regionais, que,
por sua vez, devem treinar os técnicos municipais, que, por fim, treinarão
as equipes do município.
• De novos funcionários – facilita muito se a empresa já fornece material
educativo para novos colaboradores.

As metodologias empregadas podem ser por meio de:

• palestras;
• cartilhas, materiais on-line e vídeos;
• momentos psicoeducativos periódicos orientados por psicoterapeuta
atuante na abordagem da TCC;
• oferta do serviço psicoterápico de abordagem individual para acolher
pessoas que passam por dificuldades pessoais e/ou profissionais em
determinado momento da vida.

Vejamos. Parece estranho sugerir treinamento de técnicas de manejo de


pensamentos, emoções e comportamentos como se fosse da mesma natureza
de conhecimentos técnicos para a realização de tarefas na empresa. Contudo,
devemos lembrar que a TCC se caracteriza por ser instrutiva e educativa. Não
é de forma alguma algo utópico e se pode dizer que, como é uma situação
praticamente inexistente nas empresas, pode ser um fator diferencial caso

170
APLICAÇÃO E EFICÁCIA DA TCC NA PRÁTICA CLÍNICA E
Capítulo 3 NO CONTEXTO ORGANIZACIONAL

propostas interventivas sejam apresentadas. Devemos ainda considerar que


estamos reforçando o uso da abordagem cognitivo-comportamental no âmbito da
saúde no ambiente de trabalho e, ainda que a visão da empresa seja direcionada
para a capacidade produtiva de um funcionário, entende-se que a qualidade de
vida e a saúde mental do trabalhador devem ser os norteadores da abordagem
que aqui mencionamos.

Analisar a saúde no contexto do trabalho é uma tarefa, no


mínimo, muito difícil para fomentar a integração das análises que
partem dos interesses dos detentores do modo de produção e dos
interesses dos trabalhadores. Sabemos que, historicamente,
persistiu certa ambiguidade em relação ao cuidado da saúde do
trabalhador por parte das organizações, em que o interesse para
um corpo saudável e adepto à produção quase sempre não foi
estendido para a valorização de um ser humano holisticamente
saudável. Constata-se que é necessário incorporar, na atividade
dos serviços, ações de assistência e vigilância que partam das
necessidades dos trabalhadores, considerando intervenções sobre
os fatos geradores de agravos à saúde nos processos de trabalho,
seja nas organizações ou em qualquer espaço ou interação
permeado pela natureza laborativa (LARA, 2011).

Faltará nesta seção a citação de exemplos. Por outro lado, os exemplos


já trazidos neste livro e em outros materiais indicados para a leitura servem de
referência, lembrando que as técnicas da TCC são adaptáveis às demandas
independentemente do conteúdo das queixas. A importância da conceituação
cognitiva para o entendimento do quanto certos espaços e dinâmicas relacionais
produzem fatores protetivos ou, do contrário, fatores estressores que devem
auxiliar na elaboração das estratégias.

Vejamos, por exemplo:

• um aluno que queira deixar a escola porque tem tirado notas ruins;
• uma esposa que queira desistir do casamento porque o marido apresenta
comportamentos violentos;
• um líder comunitário que se queixa da passividade da população para
resolver problemas locais;

171
PSICOPATOLOGIA E A TCC (TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL)

• um trabalhador que queira pedir para sair do trabalho por não se sentir
valorizado;
• ou um gestor que se sente inseguro e desapontado com o rendimento de
sua equipe.

Assim, poderíamos citar outras situações. São demandas que o leitor deste
livro, pensando como um psicoterapeuta da TCC, consegue (e talvez até o tenha
feito enquanto lia) fazer inferências sobre causas, possíveis distorções e até
possíveis estratégias de intervenção.

5 – Classifique V para as sentenças verdadeiras e F para as


falsas.

a) ( ) A tríade cognitiva proposta por Albert Bandura preconiza que


é constituída por uma tríade, que inclui 1) fatores pessoais, 2)
fatores ambientais e 3) fatores comportamentais, e pressupõe
que uma pessoa escolhe um comportamento em particular, em
parte por causa das influências do ambiente como o meio social e
do comportamento observado em outras pessoas.
b) ( ) O conjunto de sintomas físicos, comportamentais e psíquicos
decorrente do contexto do trabalho recebe o nome de síndrome
de Burnout.
c) ( ) Quando se fala em cuidados à saúde no ambiente de trabalho,
não é necessário se preocupar com empregadores, gerentes
e gestores, já que apresentam automaticamente o domínio de
habilidades cognitivo-comportamentais funcionais e não estão
vulneráveis ao adoecimento mental.
d) ( ) Preocupadas com o número de afastamentos dos
trabalhadores devido ao adoecimento mental no período da
pandemia da covid-19, várias grandes empresas criaram
dispositivos de apoio à saúde mental entre os anos 2020 e 2022
Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:
a) ( ) F – V – V – V.
b) ( ) V – V – F – V.
c) ( ) F – V – F – V.
d) ( ) V – V – V – F.

172
APLICAÇÃO E EFICÁCIA DA TCC NA PRÁTICA CLÍNICA E
Capítulo 3 NO CONTEXTO ORGANIZACIONAL

6 Por que, em políticas públicas, ao se pensar em estratégias de


cuidado à saúde do trabalhador, devem também ser inseridas
propostas de apoio às pessoas em situação de desemprego?
R.:____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste capítulo, tivemos a intenção de dar sequência aos dois primeiros e,
de certa forma, integrá-los. Se, no primeiro capítulo, trouxemos pressupostos da
psicopatologia e, no segundo, os princípios da TCC, neste pudemos voltar em
muitos momentos aos aspectos da avaliação psicodiagnóstica e aos aspectos da
abordagem cognitivo-comportamental para a resolução de demandas.

Espera-se que este livro tenha contribuído, como foi dito na apresentação
inicial, para novos conhecimentos para aqueles novatos em relação aos temas
aqui apresentados. Para os mais familiarizados, a expectativa é ter contribuído
para novas inferências e indicações de leitura, além te ter preenchido algumas
lacunas. Que o olhar crítico do leitor tenha propiciado a imagem de um diálogo
possível e que, na participação no ambiente virtual desta disciplina, apareçam as
ideias e visão sobre os temas trabalhados.

Todos os campos de estudo são importantes, mas o campo da saúde mental


apresenta singularidades que devem servir de inspiração e cuidado ético. Quem
se dedica ao trabalho na área de saúde mental tem o privilégio de acesso os
cantinhos mais íntimos da mente de uma pessoa, de ingressar nos espaços de
segredos, de silêncios, de versões de histórias reservadas a poucos. Nunca
saberemos e dominaremos tudo o que existe de possibilidade para ajudar um
ser humano que passa por sofrimento. Mas se buscarmos e atualizarmos
continuamente, podemos ao menos chegar ao suficiente ou ao necessário para
contribuir na vida de alguém. A TCC é uma abordagem que apresenta ferramentas
muito amplas e, junto com outras abordagens da área da saúde, tem seu lugar de
destaque para ajudar as pessoas no proveito de uma melhor qualidade de vida.

173
PSICOPATOLOGIA E A TCC (TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL)

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