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Guilherme Messas
Santa Casa Medicine School, São Paulo
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Psicose e Embriaguez
Psicopatologia fenomenológica
da temporalidade
Editora Intermeios
Rua Luís Murat, 40 – Vila Madalena
CEP 05436-050 – São Paulo – SP – Brasil
Fone: 2338-8851 – www.intermeioscultural.com.br
•
PSICOSE EMBRIAGUEZ:
PSICOPATOLOGIA FENOMENOLÓGICA DA TEMPORALIDADE
© Guilherme Messas
282 p. ; 16 x 23 cm.
ISBN 978-85-64586-00-0
CDU 159.9
CDD 150.9
369 6. POSFÁCIO
O Tempo
presente passa a não poder mais ser concebido como um ponto autônomo
e discreto, pois agora ele traz consigo uma dimensão de passado, a
retenção, e uma dimensão de futuro, a protensão. O tempo deixa de
ser pensado como sucessão, soma de objetividades independentes que
demandaria um operador externo que a unificasse. Há uma unidade
própria ao movimento de temporalização – em Husserl vinculada a
certa concepção de consciência, como bem nos explicam As Lições para
uma Fenomenologia da Consciência Interna do Tempo. Em Heidegger, por
sua vez, já é deslocada, pois agora relacionada à estrutura fundamental
não apenas da consciência, mas do próprio Dasein, configuração de seu
ser e de seu sentido. Compreensão que reaparece em Sartre e Merleau-
Ponty, ocupados também em desvelar as implicações ontológicas de
um tempo reconhecido como estrutura mesma do “ser-no-mundo”, de
sua situação e de sua liberdade.
Em seu embate com a patologia, em seu esforço de compreender
a estrutura e a essência da toxicomania, não é gratuito que Messas
busque no tempo a matriz primária de sua configuração. As questões
que ancoram o trabalho do autor, a dialética entre a essência e a
história, entre a estrutura geral e a singularidade concreta, não podem
eximir-se de seu solo temporal. Assim, Messas conduz à compreensão
da toxicomania não como fatalidade ou acontecimento orgânico,
não como deliberação da vontade ou processo fortuito, mas como
reconfiguração da temporalidade, estrutura em que as dimensões do
tempo se encontram enfraquecidas, plasmadas em uma espécie de
todo único, cujos horizontes, desvirtuados de sua condição intrínseca,
antes aprisionam do que libertam.
É no estreitamento do tempo que se encontra a matriz comum dos
casos descritos. Ainda que haja, como bem mostra Messas, variações
quanto à posição de cada dimensão temporal, conforme a situação e a
personalidade singulares, permanece contudo, como solo geral, uma
espécie de distorção do conjunto, comprometimento marcado pela
obliteração do futuro transformado em eco de um presente resoluto
a não se deixar transcender, a não passar, impulso de “permanecer
presente” que obseda o paciente e o recoloca sob a égide do vício. O
guilherme messas 19
4 É bem verdade que Binder possa ter minoritariamente um interesse por essa
vertente de análise, dado que pretende, com seu estudo, fornecer elementos para
conclusões periciais de condutas criminosas de embriagados.
24 psicose e embriaguez
Allan Poe). Mas, qual a textura dessa irrealidade? Poderia ser ela
igualada a um afastamento do mundo propiciado por uma mente
imaginativa refugiando-se de uma situação inóspita para os cumes
da mente rarefeita? A resposta colhida em Binder aponta para a
negatividade dessa pergunta. É no campo dos instintos e dos afetos
que apoiamos a demonstração da deformidade típica do crepúsculo
alcoólico.
“Ocorrem tendências agressivas, defensivas ou de fuga ‘cegas’
ou surge a expressão de um impulso sexual primitivo, não ainda
dirigido a nenhum objeto” (p. 198). Descoladas de seu acoplamento
original, as remanescências do humano deturpam-se em instintos
puros, tornando-se uma diabólica potência adirecional, uma matéria
sem fim e sem forma, se pudéssemos aqui recuperar as categorias
aristotélicas para a vida. Sem seus olhos, que conhecem desde sempre
a vazão da luz que lhes dá insolação, a humanidade torna-se cega,
rodopiando desvairada e infinitamente em grunhidos esganiçados e
movimentos decompostos. Perdendo a horizontalidade da inserção
como mundo inter-humano, a consciência não somente não consegue
alçar-se como potência histórica (como ainda veremos), mas colapsa
verticalmente nos subterrâneos de suas camadas materiais.
A tonalidade dessa solidão deformada consuma-se no estado
afetivo peculiar da embriaguez crepuscular. A exposição comparativa
de Binder merece aqui citação completa: “o humor fundamental vital
da embriaguez simples é a euforia, o da embriaguez complicada é
a irritação e, por sua vez, o humor fundamental da embriaguez
crepuscular caracteriza-se sem dúvida pelo pavor” (p. 199). No mundo
embalsamado da consciência banida para os báratros da solidão, o
correlato afetivo da invasão do fantástico irreal e do bárbaro instinto
cego é o pavor. Apenas o pavor descreve o estado de alma de um
homem que tombou aos abismos mais profundos, e dentro do qual
não divisa mais qualquer mão ofertada para lhe erguer.
Debatendo-se consigo mesma nessa solidão disforme, a
consciência onírica arrosta seus fantasmas típicos, timbrados pela
estruturação de seu vivido:
32 psicose e embriaguez
toda vivência tem alguma estrutura que lhe é dada de antemão pela
ontologia humana, por falta de melhor explicação. Essa estrutura
interna da vivência, esse forma da experiência (um instinto, embora
levitando cegamente no vácuo, guarda a forma de um instinto, de uma
intencionalidade para com algum espectro objetal) é o reduto final da
manutenção dos perfis humanos e seu endosso primordial. Passado
este, resta a dissolução.
7 Ibidem.
8 Ibidem, p. 443.
38 psicose e embriaguez
19 Ibidem, p. 16.
guilherme messas 41
27 Ibidem, p. 816.
46 psicose e embriaguez
28 J. Zutt, “Über die polare Struktur des Bewusstseins” [1943], in J. Zutt(ed.), Auf
dem Wege zu einer anthropologischen Psychiatrie: Gesammelte Aufsätze, p. 259.
(Grigo nosso.). Essa obra será bastante citada ao longo desta exposição. Dessa
forma, para evitar seguidas notas de rodapé referentes à mesma obra, optamos
por colocar, entre parênteses e no corpo do texto, o número da página de onde for
retirado cada trecho citado.
48 psicose e embriaguez
30 Cf. J. Zutt, “Über das Wesen der Sucht nach den Erfahrungen und vom Standpunkt
des Psychiaters” [1948], in J. Zutt (ed.), Auf dem Wege zu einer anthropologischen
Psychiatrie: Gesammelte Aufsätze.
31 Cf. J. Zutt, “Zur Anthropologie der Sucht”, Nervenarzt; e O. Dörr, Psiquiatría
Antropológica: Contribuciones a una Psiquiatría de Orientación Fenomenológico-
Antropológica.
32 J. Zutt, “Zur Anthropologie der Sucht”, Nervenarzt, p. 441.
33 O. Dörr, op. cit., p. 435.
34 Ibidem, p. 435.
guilherme messas 53
35 Mais do que isso: como se verá ao longo do trabalho, a dimensão temporal exige
as demais para sua atualização, sem o que se transformaria em uma abstração
intelectualista.
2.
Rumo à Essência Geral
da Embriaguez
38 A noção técnica de “origem”, capital para esse trabalho, será ainda definida em
sua pragmática e desenvolvida em seção conveniente.
39 Aqui o termo equivale a “biológico”, tal qual desenvolvido em meu artigo “A
Phenomenological Contribution to the Approach of Biological Psychiatry”,
publicado em Journal of Phenomenological Psychology, v. 41.
62 psicose e embriaguez
45 Nesse exemplo, já estaremos nos afastando do tema que nos ocupa neste momento,
o efeito agudo da embriaguez, para adentrarmos na zona das suas alterações
crônicas, melhor desenvolvidas abaixo.
46 Não podemos deixar de indicar a possibilidade de ocorrência de um outro
estilo estrutural para aquilo que na clínica se denomina reinstalação, no qual, na
realidade, não haveria uma deformidade de “reativação” do passado, mas apenas
a tendência inata de uma determinada estrutura a exaltar todas as suas abas
temporais cada vez que é movida pela embriaguez. Nessa possibilidade, o termo
“reinstalação” teria apenas um significado descritivo, nominalmente assemelhado
à outra acepção, mas refletindo diversidades estruturais. Aqui, a temporalidade
pretérita não está posta em causa, o que indicaria, no plano psicopatológico, um
grau menor de gravidade.
68 psicose e embriaguez
A Embriaguez Continuada
51 A doença física tem a mesma ação sobre a consciência, não sendo pois gratuito que
Aristóteles tenha enxergado fortes semelhanças entre embriaguez e doença física.
52 Embora esse momento anterior possa durar uma vida toda sem atingir o colapso.
guilherme messas 77
As Psicoses e a Embriaguez
56 Oribase, Oeuvres d’Oribase : texte grec, en grande partie inédit, collationné sur les
manuscrits / traduit pour la première fois en français,avec une introduction, des
notes, des tables et des planches par les docteurs Bussemaker et Ch. Daremberg,
tome 1, V, 8. Disponível em: <http://www2.biusante.parisdescartes.fr/livanc/?p=4
17&cote=34860x01&do=page>
57 Aristoteles, Problems, p. 80-81.
84 psicose e embriaguez
a) Gênese da psicose;
b) Especificidade psicopatológica;
c) Motivos da manutenção da embriaguez.
a) Gênese da psicose
b) Especificidade psicopatológica
81 B. Green et al., “Cannabis Use and Misuse: Prevalence Among People with
Psychosis”, Brit J Psychiatry, v.187, p. 306-313.
82 L. Gregg et al., “Reasons for Increased Substance Use in Psychosis”, Clin Psychol
Rev, v. 27 (4), p. 494-510.
83 E. Busquets et al., “Differences in the Subjective Effects of Drugs in Patients with
a First Psychotic Episode. Preliminary Results”, Actas Esp Psiquiatr, v. 33 (1), p.
19-25.
84 N. Dekker et al., “Reasons for Cannabis Use and Effects of Cannabis Use as
Reported by Patients with Psychotic Disorders”, Psychopathology, v. 42, p. 350-
360.
85 E. Khantzian, “The Self-Medication Hypothesis of Substance Use Disorders: A
Reconsideration and Recent Application”, Harv Rev Psychiatry, v. 4, p. 231-244.
86 S. Potvin et al., “Schizophrenia and Addiction: An Evaluation of the Self-
Medication Hypothesis”, Encephale, v. 29 (3 Pt 1), p. 193-203.
94 psicose e embriaguez
87 A. Kolliakou et al., “Why Do Patients with Psychosis Use Cannabis and Are They
Ready to Change Their Use? ”, Int. J Devl. Neuroscience, v. 29, p. 335-346.
88 L. Thornton et al., “Reasons for Substance Use Among People with Mental
Disorders”, Addicitive Behaviors, v. 37, p. 427-434.
guilherme messas 95
Apresentação
causal. Não se trata de um mundo que não tem graça e por isso se
torna perigoso, tampouco de um mundo perigoso e, por isso, sem
graça. Trata-se de uma inserção débil no mundo, exageradamente
exposta ao espaço social. A abertura abusiva de sua estrutura para
a espacialidade social não se ultima, contudo, nesse momento de seu
desenvolvimento, em uma ruptura da integridade da experiência do
eu. Psicopatologicamente, isso se expressa pelo fato de que sente que
os outros olham para ele, falam para ele, até mesmo a TV por vezes
ocupa esse papel, sem, entretanto, que invadam seu espaço íntimo de
eu-dade. Em outras palavras, as experiências de autorreferência não
assumem a forma esquizofrênica. Embora esse achado demonstre a
manutenção de alguma saúde mental, traz uma indicação perigosa:
a incapacidade de afastar-se do mundo humano para dele proteger-
se, por meio da distância. A exposição total e incoercível ao olhar
do mundo humano, sem a possibilidade de escape deste, traduz-se
num acréscimo de “pressão” dentro do espaço vivencial. Todo espaço
humano circundante torna-se campo de tensão, de visualidade
extrema e atenção centrada no seu eu. O eu está preservado, mas
vivendo dentro de uma panela de pressão composta por elementos
de interpessoalidade que, por sua vez, merecem ser precisados. Por
exemplo, as vozes eventuais estariam a lhe fustigar palavras como
“vagabundo”, que provêm de um sistema de interpretação não
distante da realidade social, na qual se taxa assim aqueles que não
trabalham e passam o dia bebendo. Especificamente, diríamos que a
pressão sobre Otelo é materializada por elementos de valores morais
do mundo humano que, no seu âmago, não estão mal interpretados
pelo paciente. A hostilidade proveniente do mundo humano não é
primitiva, indiferenciada, mas está transpassada pela visão moral
de ponta a ponta. Não há alucinações ou delírios corporais puros ou
sexuais; antes, predominam imprecações gerais voltadas contra ele e
seu modus vivendi. Está pressuposta, portanto, uma presença humana
da alteridade carregada de integridade moral. Insuportável, mas
inconsútil. É o mundo dos valores que lhe espreita de exageradamente
perto.
102 psicose e embriaguez
Mas ainda não podemos nos contentar com as análises até agora
realizadas. Os passos da fratura da relação dual devem também ser
rastreados pelo acompanhamento das modificações ocorridas na
dimensão da coletividade. A justificativa para essa nova aproximação
se baseia num uso algo frouxo demais das noções de dualidade e
coletividade que empregamos acima, em um momento em que a visão
mais detida teria atravancado o ritmo da exposição clínica. Em suma,
devemos retomar a investigação da progressão dentro da categoria
interpessoalidade para precisarmos as mudanças de sentido que seus
componentes – dualidade e coletividade – receberam ao longo da
transformação processual de Otelo.
Primeiramente, há que se precisar a noção de dualidade em Otelo.
Esse conceito pode ser entendido em uma acepção forte ou em outra
fraca. A acepção fraca captura o fenômeno observado no tratamento do
paciente. Na acepção forte, dualidade explicita o modo de articulação
entre dois indivíduos no qual a união de ambos promove uma expansão
recíproca por meio de um enraizamento reflexo da implantação de suas
consciências no mundo. Os afetos pelos quais a genuína dualidade
se materializa não são poucos e não é de todo impossível que um
sentimento de inferiorização possa figurar como cimento para uma
relação dual verdadeira. Uma personalidade fóbica, por exemplo, pode
satisfazer-se, via inferiorização, com a sombra proporcionada por uma
110 psicose e embriaguez
Os Sentidos da Embriaguez
Caso 2:
O Esgotamento Esperançoso
(ou a Esperança Adiada)
Apresentação
94 Asserção que de modo algum pode ser deixada de lado na apreciação das psicoses
nas embriaguezes.
95 Sempre que o termo “depressão” for utilizado de maneira inespecífica, tratar-
se-á de um estado genérico depressivo, sem relação com a melancolia. Esta estará
indicada em todas as suas aparições.
guilherme messas 129
a navegar sem bússola num mundo que perde seus perfis habituais. No
plano fenomenológico-vivencial, essa hipermaterialidade manifestou-
se via um quadro hebefrênico, com diversas aparições patológicas
indiferenciadas, aparentemente incapazes de serem reunidas em um
núcleo organizador96, das quais uma em especial nos interessará, por
revelar as linhas de corte estruturais que surgem após um colapso
completo da forma existencial. Reiteremos: a segunda psicose perdeu
o nível do chão da depressão, no qual a forma da consciência, fixada
no solo, mantinha-se, como estrutura habitual, intacta. Agora, essa
linha do solo é perdida e já não mais se pode afirmar a manutenção
da estrutura habitual da consciência mas, unicamente, destroços
de uma estrutura pulverizada patologicamente. Na consciência
vivenciada, em termos psicopatológicos, essa hipermaterialidade
surge como um delírio de cores. Neste, fragmentos indiferenciados
de persecutoriedade e hipersignificação (a própria gravidade do
caso fez com que não fôssemos capazes de distinguir com exatidão
esses elementos presentes no período da segunda psicose. Mesmo o
paciente, excelente informante normalmente, não consegue recuperar
as memórias desse período fragmentário e aterrorizante) aderiram
à matéria mais irredutível do mundo visual, as cores. Nas psicoses
menos graves, se dá o fenômeno de hipersignificação, tão contundente
nas paranoias cocaínicas, por exemplo, em que a relativa neutralidade
do eu se perde e tudo a seu redor passa a ser vivenciado como a ele
dirigido. Essa configuração, de certo modo ainda saudável por manter
o aspecto habitual de um mundo dividido entre um eu e seus objetos
circundantes, perde-se na hebefrenia aguda de Ricardo. Agora, o
colapso da consciência em suas relações com o mundo é tão completo
que até mesmo a aparição dos objetos patológicos está comprometida,
substituindo-se a ênfase do ato perceptivo na forma global dos
objetos – própria das situações normais da percepção – pela sua
qualidade cromática. Por exemplo, em vez de perceber na figura de
um quadro na parede a eventual manifestação de sinais persecutórios,
raiz, pela seiva dela emanante, pode retratar a definição aqui estrutural
de esperança.
Numa consciência saudável, à esperança vivida-estrutural
corresponde a esperança fenomênica-vivencial. Experimentar espe-
rança é estar estruturalmente apoiado na interpessoalidade a ponto
de saber que haverá tempo e espaço para o florescimento total de
nossas potencialidades. Na consciência de Ricardo inexistiu essa
correspondência. A vivência de esperança, evidentemente, não se
entremeou na fratura hebefreniforme.
Voltemos às particularidades e dificuldades dessa passagem
da virtualidade para a atualidade, que postulamos estar vinculada à
produção da psicose, dada pelo próprio desequilíbrio que ocasionou
na estrutura da consciência. Essa mutação exigiu certas condições
materiais para sua ocorrência. A primeira delas e mais óbvia foi
exatamente o início do tratamento, ou seja, a entrada em cena de
uma interpessoalidade factual no papel de profissional destinado
a conduzir o tratamento. A segunda delas é mais problemática e
parece estar mais implicada com a gênese da psicose. Examinando a
biografia de Ricardo, topamos com o fato de que jamais uma poderosa
interpessoalidade se efetivou. Consequência disso é que a textura
sentimental poucas vezes experimentou sentimentos caracterizados
pela intencionalidade de oferta e doação relacional (houve, é bem
verdade, um esboço disso em relação às mulheres no período da
faculdade, mas estas surgiram mais como objetos paralelos de
obtenção de prazer). Rememoremos que a solução dietética preferida
do paciente ao longo dos anos foi a embriaguez, que o manteve alijado
da interpessoalidade, mantendo-a em estado de congelamento no que
tange à sua diferenciação sentimental. A acumulação dessa dietética
afastadora da interpessoalidade determinou um estado habitual da
estrutura da consciência no qual a camada sentimental não era mais
capaz de experimentar o sentimento de esperança97.. Retomemos o que
para desviá-la para os órgãos vitais. Duas observações são aqui ainda
necessárias para uma elucidação mais completa dos fenômenos
estudados e mitigação de eventuais más compreensões. A redução
da vida do ser às suas potências primitivas informes favoreceu, dado
serem estas ahistóricas e hiperplásticas, a tentativa de reconstrução da
estrutura sob outras bases. Entretanto, isso não significa de maneira
alguma que esta seja uma estratégia saudável de expansão existencial.
No mesmo sentido, e a fortiori, afirmamos que de maneira alguma se
poderia dizer que tenha havido uma finalidade na psicose – no caso,
a finalidade de reconstrução da interpessoalidade. A psicose é apenas
uma variante, um estilo de cicatrização cujas inextricáveis raízes ora
repousam na tendência constitucional do paciente, ora nos mistérios
do crescimento do ser. Casual e felizmente, examinando a microscopia
do caso Ricardo, pudemos constatar que a “celularidade” dessa
cicatriz mostrava suficiente elasticidade para a reconstrução do tecido
corporal.
Estamos, portanto, postulando, sim, que a enorme gravidade do
quadro psicótico indiferenciado continha, dialeticamente em seu seio,
a totipotência plástica competente para uma reconstrução mais ampla
de um tecido consciente desgastado em demasia para sua nova tarefa.
Essa posição, no entanto, de maneira alguma deve ser generalizada a
todos os quadros hebefrênicos. Contrariamente, em geral estes indicam
uma gravidade preocupante e grandes chances de irreversibilidade
processual98. Apenas na singularidade da história de Ricardo, e após
o acurado exame psicopatológico de sua estrutura, pode-se defender
essa posição.
Terminemos essa seção e a apresentação do caso falando de
sua convalescença e da evolução posterior. Apesar da gravidade do
surto, recuperou-se relativamente bem Ricardo. Talvez as análises que
acabamos de fazer indicassem, estruturalmente, não ser este um surto
tão grave quanto a semiologia clínica, tomada isoladamente, pudesse
fazer crer. Não se pode dizer, no entanto, que não tenha havido
Apresentação
A Psicose Compensatória
Os Sentidos da Embriaguez e
Seu Papel Fundamental na Gênese da Psicose
Apresentação
A Estrutura Fundamental
102 Sempre que nos referirmos a uma essência, entenderemos o termo como
aquilo que resulta de uma redução metodológica e é, por definição, imutável.
Caso nos refiramos à estrutura primordial que, embora tenda à estabilidade,
não é imutável por definição, evitaremos o termo “essência” ou seu adjetivo,
“essencial”. Como se verá logo a seguir, a preferência será por adjetivos menos
técnicos, como “fundamental” ou “primordial”. Essas distinções ficarão muito
evidentes com o desenrolar do estudo.
guilherme messas 155
105 Importante indicar que ainda cabe uma redução fenomenológica relativa a essa
observação, levando a uma essência antropológica que sustente essa afirmação e
permita diferenciar entre condições de possibilidade e expressões fenomênicas.
Isso será realizado no capítulo 4, em sua subseção 3: A Hiperestabilidade.
guilherme messas 159
107 O fato de serem vozes humanas não é garantia de manutenção dos fios de ligação
inter-humanos típicos. Nas esquizofrenias, por exemplo, há “vozes” humanas
mesmo sem nenhuma conexão inter-humana. O penhor da manutenção da
ligação inter-humana está na condição de possibilidade dessas vozes, qual
seja, a presença tácita de outro eu integral, independente do polo do eu do
alucinante, possuidor das mesmas potências comunicativas deste. De acordo
com a psicopatologia clássica, a rigor, apenas dadas essas condições se pode falar
de alucinação verdadeira. No caso das esquizofrenias, antes se deve falar em
pseudoalucinações.
164 psicose e embriaguez
Os Sentidos da Embriaguez
Apresentação
111 O conceito de insuficiência aqui não deve ser confundido com a noção de
insuficiência ontológica, na qual é a própria estância do ser como tal que está
sob risco. A insuficiência aqui mencionada – dual – opera no nível das relações
pessoais e, portanto, tem como dadas condições saudáveis de constituição tanto
do eu como da alteridade.
guilherme messas 169
112 Embora no caso Ricardo constate-se uma situação rara e diferente para o delírio,
na qual a abertura não fica obturada.
guilherme messas 179
113 Eles são frouxos mas jamais fragmentados, ou seja, há um salto de um objeto
humano a outro, mas nunca a cominuição da presença humana.
114 Encontrar um objeto que, ressaltemos, contivesse em si a chance da abertura de
um canal dual de suficiência horizontal, sobre o qual voltaremos a seguir.
180 psicose e embriaguez
Os Sentidos da Embriaguez
Apresentação
116 Éverdade que a esposa observara, um ano antes, certo afastamento de Júlio da
família, não atinando para as razões do fato.
guilherme messas 185
117 O caso típico é o dos buscadores de novidade, para quem o mundo é mais
desconstrução do que retenção.
186 psicose e embriaguez
118 Trataremos aqui por “família original” aquela na qual nasceu e foi criado Júlio, e
“família nuclear” aquela constituída após o casamento, ou seja, esposa e filhos.
guilherme messas 187
119 Do mesmo modo que na nota 105, a compreensão mais completa desse fenômeno
passaria pela redução dessa força centrípeta à sua essência antropológica típica,
dada pela hiperpresentificação, ainda a ser apresentada.
188 psicose e embriaguez
120 É verdade que o indivíduo pode romper com sua família, porém, o quadro
valorativo com o qual rompe mantém-se intacto como tonalidade de fundo
de sua consciência, assim como podemos romper com nossa língua-mãe, mas
jamais conseguiremos esquecê-la ou deixar de entendê-la.
guilherme messas 189
121 Utilizamos aqui o termo “vivido” no sentido técnico, explicitado em nosso Ensaio
sobre a Estrutura Vivida, no qual se enfatiza a diferenciação com “vivenciado”)
guilherme messas 195
125 Não se deve confundir essas tendências com a própria embriaguez, já que
essa culmina na sua extinção e no enrijecimento da temporalidade de toda a
existência, ao passo que as tendências da essência e da estrutura são de natureza
construtiva, desaparecendo apenas na sua passagem a um nível superior,
no qual há uma nova tendência, e assim por diante. Além disso, as essências
antropológicas gerais, diferentemente da embriaguez, articulam uma relação
endógena da estrutura com o mundo, consigo mesmo e com a alteridade.
guilherme messas 217
2. A personalidade
3. As patologias
129 A diferenciação da noção de origem, tal qual a utilizaremos, das outras relações
de conexões nas patologias ligadas à embriaguez tem um antecedente, ainda que
utilizado en passant em E, Bleuler; R.M. Hess, Lehrbuch der Psychiatrie, p. 135.
guilherme messas 225
1. O Esgotamento
132 P. Whitty et al., “Diagnostic Stability Four Years After a First Episode of
Psychosis”, Psychiatric Services, vol. 56 (9), p. 1084-1088.
guilherme messas 229
que não se dão no tempo biográfico ou que não podem, por natureza, jamais nele
se estabelecerem, como, por exemplo, um devaneio sobre figuras mitológicas. O
campo da imaginação atemporal se dá sobre um horizonte de indeterminação
que recende a uma inegável protensão.
guilherme messas 237
143 Lembrando que todas estas análises valem somente para a camada estrutural
das experiências. Deixaremos fora da análise as confusões possíveis entre
manifestações fenomenológicas típicas de cada dimensão temporal e as suas
inserções estruturais.
144 É verdade que os objetos do presente também podem estar ocultos à consciência.
Entretanto, e é esta a diferença fundamental, eles podem se tornar evidentes,
242 psicose e embriaguez
146 Essa afirmação se limita ao escopo de nosso estudo já que psicoses originadas
no esgotamento também ocorrem fora de um quadro de abusos de substâncias:
como dissemos, muitas esquizofrenias são o resultado de uma vida em estado de
esgotamento.
248 psicose e embriaguez
2. O desequilíbrio
148 Lembremos dos versos do epílogo da obra camoniana, nos quais o poeta lamenta
a queda de sua pátria: “Não mais musa, não mais, que a Lira tenho destemperada
e a voz enrouquecida...”
260 psicose e embriaguez
Os riscos do desequilíbrio
Vinheta 1. Camila
153 Vale situar que a ausência continuada de temporalização também acaba por
determinar residualmente alguma forma de sedimentação, a sedimentação
da desistoricização. Mas para que se dê essa sedimentação daquilo que não é
historicização genuína, é necessário que a estrutura não se movimente, porque se
guilherme messas 277
movimentar é desequilibrar-se. Para que ocorra essa mortificação dos resíduos tem-
se como pressuposto que haja uma forma estável ou mesmo hiperestável da estrutura,
apenas recebendo os detritos sem alterar-se. Com isso, não podemos incluir esse
processo na essência típica desequilíbrio; antes, seria uma espécie de deformidade,
embora sem psicose. A experiência clínica mostra como é frequente nas psicoses por
deformidade a coocorrência desses desenvolvimentos quase processuais de uma
vida, cuja expressão psicopatológica mais pronunciada é um afeto ao mesmo tempo
exagerado, intenso, íntimo para com o observador, mas sem nenhuma ressonância
afetiva. Mimetiza-se um quadro maníaco mas sem a ressonância, formando uma
monstruosidade da esfera afetiva raramente encontrada fora das embriaguezes de
longa data. Veremos exemplo disso na seção “progressões”.
154 Num certo sentido, essa hiperplasticidade mimetiza a inautenticidade da
histeria, com a importante diferença de que esta exige uma centralidade que não
está contida necessariamente na descrição essencial daquela.
278 psicose e embriaguez
158 É importante dirimir aqui uma provável fonte de confusão, pois pareceria
contraditório dizer estar no desequilíbrio o momento em que a causalidade seja
menos determinável, já que, epidemiologicamente – sobretudo para a cannabis
– há uma forte correlação entre uso da substância e psicose. Não podemos
nos deixar levar pela confusão entre correlação epidemiológica e causalidade
fenomenológica. Sob o desequilíbrio, a primeira enfeixa o resultado global
de uma variedade de alternativas de relações da causalidade exógena com
movimentos da estrutura, dadas na segunda. A correlação epidemiológica muito
ensina do global, mas nada do particular da relação da essência com o estímulo
embriagante.
286 psicose e embriaguez
159 Evidentemente, essa observação não vale para as personalidades tomadas desde
sempre em demasia pela essência típica desequilíbrio.
290 psicose e embriaguez
3. A hiperestabilidade
160 Ficará em aberto, neste trabalho, se os anos de senescência podem ser entendidos,
em condições normais ou patológicas, pela essência típica hiperestabilidade.
Não realizamos pesquisa empírica suficiente para uma afirmação nesse sentido.
161 Cf. E. Minkowski, Traité de psychopathologie.
292 psicose e embriaguez
A hiperestabilidade e as articulações da
temporalidade transversal
A embriaguez na hiperestabilidade
Com ela, já nada há que não seja corpo e, sendo corpo sem horizonte
de protensão, o é em suas expressividades máximas: as formas do
mundo inertes fazendo-se vivas (as ilusões), as formas fisiológicas da
vida gritando no teto de suas possibilidades (a hipertensão arterial,
a sudorese e, enfim, a crise convulsiva). Como numa sinfonia que se
desencontrasse na própria potência de sua sonoridade, o sofrente
do delirium conhece um fortissimo que acaba por aniquilar qualquer
sonoridade, por arrasar qualquer harmonia, por massacrar no berço
qualquer melodia. É um fortissimo mortal, cujo nome é deformidade.
O embriagado hiperestável crônico entrega-se sofregamente ao mundo
material e é o excesso de mundo material que metamorfoseia o real
na lugubridade do terror, pintado com maestria pelo alcoolista Edgar
Allan Poe: que a arte declare o que as palavras de reflexão deste ensaio
não consigam atingir.
É verdade que essa intolerável condensação das instâncias
temporais pode não durar para sempre, decidindo-se por duas saídas:
a fratura explosiva, situação na qual, no entanto, a hiperestabilidade
inaltera-se, ou a perda das dimensões retentiva e protentiva, quando
a hiperestabilidade se torna esgotamento. O exemplo mais corriqueiro
dessa última alternativa é a demência alcoólica, quando já não há
mais a espessura da retenção e o presente desaba na solidão. Sobre
a fratura explosiva ainda falaremos; mas, com a introdução do termo
“deformidade”, já estamos adentrando inevitavelmente no terreno das
psicoses. E, antes de nele entrar, uma última consideração é desejável.
164 O que não quer dizer que essa aceitação da moralidade seja em si mesma uma
redução do eu ou que um eu potente seja refratário à moralidade. Muito pelo
contrário. O que queremos sublinhar aqui é o caráter rematado da moralidade
em relação às incertezas da individualidade biográfica sempre inacabada. A
rigor, um eu maduro, plástico e seguro de si é mais ainda capaz de reconhecer
– e adotar – a moralidade mesmo no meio das oscilações mais bruscas e
entorpecedoras de sua estrutura.
312 psicose e embriaguez
Vinheta 2. Lucas
167 Isso a diferencia da psicose crônica por deformidade, na qual a psicose pode
surgir mesmo estando ausentes todos os movimentos biográficos relevantes,
como mostra o caso Júlio.
5.
As Progressões
mãe teve pouco interesse por ele. Afastou-se dela logo que pôde. A
pobreza extrema lançou-o na vida precocemente. E, precocemente,
nas drogas. Aos dezesseis anos, uso diário de maconha; aos dezessete,
cocaína; e, a partir dos 22, uso expressivo de crack. Muitas internações
e tratamentos continuados. Tem 27 anos de idade no início do nosso
período de observação. Relação marital frouxa com mulher mais
velha, da qual depende financeira e afetivamente. Descrito por esta
como extremamente carente e impulsivo, com forte tendência aos
ciúmes. Teve também a vida marcada pela marginalidade, embora
após a relação conjugal afastou-se completamente dela.
Relata que durante o período de uso de cocaína não teve
sofrimentos expressivos provocados pela droga, mas que a situação se
alterou com o mergulho no crack. “Via bicho, cobra, ficava apavorado.
Depois via que não era nada disso, era alucinação da minha cabeça”.
Refere também sentir-se perseguido e que esse estado por vezes
perdura mesmo depois do final da embriaguez aguda. Mas, acima
de tudo, queixa-se de esquecimento. Diz-se incapaz de lembrar-se de
coisas e de fatos e que isso piora ainda mais quando usa cannabis.
O esquecimento é confirmado pela esposa, que o indica como o
principal problema, ao lado da personalidade excessivamente carente
e ciumenta.
Durante nosso período de observação, dois anos, passou a
desenvolver comportamentos estranhos, como guardar faca sob o
travesseiro e falar sozinho à noite. Esses comportamentos, embora
mais relacionados à embriaguez, pareciam estar presentes também
em período de abstinência. Jamais chegou a fazer uma interrupção
definitiva do uso, tendo tido diversas pequenas recaídas. Ao
contato interpessoal mostrava-se dedicado, preenchendo todos os
espaços da interpessoalidade, e até mesmo servil, ainda que muito
sensível às eventuais desatenções por parte da equipe. Chamava
a atenção a incapacidade de expressão integral de suas ideias ou
de clara compreensão das coisas ditas. Não se constata redução
da inteligência. Francas lacunas de memória não puderam ser
constatadas.
guilherme messas 337
Progressões em Totalidades
171 Embora não tenhamos podido constatar esse fenômeno nos casos investigados,
devemos a Melissa Tamelini (comunicação pessoal) a preciosa observação de que
nada impede a existência de uma relação temporal direta entre a exogeneidade
causal da embriaguez e uma psicose originada pela ativação direta de uma essência
estranha à essência predominante na estrutura da consciência-implantada-no-
mundo, ponto de análise no qual centramos nossas investigações. Por exemplo,
cita a autora um caso no qual uma estrutura aparentemente influenciada pela
hiperestabilidade desenvolveu, com uso de cannabis, quadros psicóticos
típicos do esgotamento, sem que esses achados clínicos tivessem passado pela
deformidade. Não deixaria de ser um processo típico, originado de uma essência
“oculta” mas eficaz.
346 psicose e embriaguez
172 Aexceção seria o caso João Paulo; no entanto, esta mais parece ser justificada
pela lacuna a respeito de detalhes de sua relação do que pela fraqueza desta.
guilherme messas 353
“menor” do que o polo enciumante, mas não depende dele para viver:
tem a sua própria constituição temporal. Em determinados casos, até
mesmo deixa a impressão de que o ciúme traz algum brilho especial
para a relação.
O ciúme típico do desenvolvimento deformante difere de tudo
que sucintamente apontamos. Em primeiro lugar, por não ser um
ciúme histórico, pois não depende necessariamente das características
do polo da alteridade e não cessa mesmo diante dos asseguramentos
relacionais. Na imensa maioria das vezes, pudemos ver a
concomitância de um ciúme doentio do paciente com a mais cordata e
dedicada presença do seu cônjuge. A inoperância da historicidade na
acomodação do ciúme e sua independência em relação a qualquer estilo
de personalidade do polo da alteridade dual faz pensar em um ciúme
nascido da mínima temporalização, da compressão da temporalidade
no instante. Em outras palavras, um ciúme que tem como fundamento
uma temporalidade perto de se desfazer na atemporalização: ou seja,
um ciúme de embriagado contumaz. O nó dessa atemporalização
proeminente se dá, como vimos, na fusão entre os polos do eu e os do
mundo, da qual depende a estrutura deformada para não soçobrar no
esgotamento, fim contra o qual toda estrutura se debate.
Dessa fusão de temporalidade vicariante surge que a tempo-
ralidade protentiva pertencente ao polo enciumante dual torna-se
francamente ameaçadora, pois é vital para a estrutura e a ela não
pertence em definitivo. A estrutura, fundida com o outro, experimenta
ao máximo a potência protentiva deste outro e a ausência desta potência
nela própria, jogando o foco de luz da consciência exatamente na região
pela qual essa condição extrema de hiperestabilidade pode fazer água.
Tudo aquilo do outro que nasce de sua liberdade temporal aborígene
é apavorante, pois sinaliza o fim da temporalidade da estrutura do
enciumado. Mas isso ainda não justifica a dimensão sexual do ciúme,
dado serem normalmente ciúmes eivados da mais bárbara sexualidade
indomável do polo dual, jamais assumindo feições românticas.
Novamente aqui o recurso à excessiva aproximação com o mundo
fornece justificativa bastante. A mesma aproximação que revela ao
356 psicose e embriaguez
173 A dúvida obsessiva difere da desconfiança, pois esta tem como pressuposto
a capacidade do real em ofertar segurança, uma vez elucidados os fatos. A
desconfiança é, na realidade, um estado de excessiva atenção para com detalhes
do real, ligados aos temas compreensíveis da vida. A dúvida obsessiva, por
sua vez, no sentido em que é experimentada por esse paciente, é um estado no
qual se coloca sob questão a própria capacidade do real em ofertar segurança à
consciência.
364 psicose e embriaguez