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Patologia psiquiátrica nos


Cuidados Primários de Saúde
João Amílcar Teixeira,* Ana Sofia Cabral**

RESUMO
É consensual a alta prevalência de patologia psiquiátrica ao nível dos Cuidados de Saúde Primários. Consensual será também o
papel fulcral que estes mesmos Cuidados desempenham enquanto primeiro filtro na abordagem dos problemas psiquiátricos,
reconhecendo-se que, frequentemente, o Clínico Geral é o agente mais bem posicionado para uma correcta abordagem diag-
nóstica e terapêutica deste tipo de problemas. Assume-se, assim, como necessidade objectiva, que o Clínico Geral tome a seu
cargo a maioria destes doentes e proceda à referenciação criteriosa duma minoria verdadeiramente necessitada de cuidados
mais especializados. Em termos práticos, configura-se como prioritária uma progressiva melhoria da capacidade de actuação
dos Clínicos Gerais, na área da Saúde Mental. É, portanto, neste contexto que surge a importância da articulação dos Serviços
de Psiquiatria com os Centros de Saúde e a relevância do trabalho Consiliar e de Ligação do Psiquiatra junto dos Clínicos Gerais.
No presente artigo os autores tecem algumas considerações e lançam diversas questões sobre o tema em apreço, procu-
rando abordar determinados aspectos centrais, nomeadamente, as particularidades de apresentação da patologia psiquiátrica
nos Cuidados de Saúde Primários, em particular da «depressão», e decorrendo deste facto, as dificuldades na avaliação e abor-
dagem das perturbações mentais neste setting particular.

Palavra-chave: Patologia Psiquiátrica; Cuidados de Saúde Primários; Psiquiatria Consiliar/Ligação.

INTRODUÇÃO cialidade, o que representa o terceiro filtro. Este último


consensual a alta prevalência de patologia psi- é tido como o menos permeável – apenas 1 em 20 doen-

É quiátrica ao nível dos Cuidados de Saúde Primá-


rios. Diversos estudos apontam neste sentido,
desde Rosen e colaboradores 1 (1972) e Regier,
Goldberg e Taube 2 (1978), até à actualidade. Consensual
será também que a grande maioria é atendida nos Cui-
tes é encaminhado, isto é, cerca de 5% vai ao Psiquia-
tra, o que apenas reforça o já dito. Repare-se, assim,
que a morbilidade psiquiátrica vista pelos respectivos
especialistas, para além de «pequena», pode ser só uma
atípica amostra do que se passa realmente nos Cuida-
dados Primários e que apenas uma parte dos doentes, dos Primários e na comunidade.4
normalmente os mais graves, é assistida nos Serviços Bastariam estas razões de ordem epidemiológica
de Psiquiatria. O esquema de Goldberg e Huxley,3 tão para justificar a importância da dita patologia psiquiá-
divulgado na década de 80, será bem elucidativo desta trica nos Cuidados de Saúde Primários, e decorrendo
constatação. Segundo este modelo, da comunidade ao desse facto, a importância da articulação dos Serviços
internamento hospitalar, o doente tem de atravessar de Psiquiatria com os Centros de Saúde e com os seus
diversos filtros passando por diferentes níveis de cui- profissionais. Mas haverá ainda outra ordem de razões,
dados na área da Psiquiatria. O primeiro filtro é repre- nomeadamente, conceptuais e até organizativas. Por
sentado pela decisão de ir à consulta de Clínica Geral; um lado, as primeiras, a que chamámos conceptuais,
o segundo filtro consiste na identificação ou reconhe- têm a ver com o modelo de doença, o que justifica tam-
cimento pelo Clínico Geral da patologia psiquiátrica. Só bém esta articulação. Para nós, e para muitos técnicos
depois aparece a decisão de encaminhar para a espe- de Saúde Mental, apesar de não haver unanimidade,
este modelo tem sempre no seu centro o doente, inte-
*Assistente Graduado de Psiquiatria, Serviço de Psiquiatria, Hospitais da Universidade grando a patologia apresentada na sua complexidade
de Coimbra.
**Interna do 5º ano do Internato Complementar de Psiquiatria, Serviço de Psiquiatria,
antropológica e vivencial, o que se sobrepõe ao plano
Hospitais da Universidade de Coimbra. meramente técnico do diagnóstico e do tratamento

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centrado nos sintomas e não na Pessoa. Logo, não se ando um diagnóstico integrativo dos dados biológicos,
compadece de organicismos lineares. Nas razões de or- psicológicos e sociais.
dem organizacional realçamos apenas que a Organiza-
ção Mundial de Saúde (OMS) advoga que o essencial Os médicos
para a melhoria dos Serviços de Psiquiatria e de Saúde Quanto às características dos médicos realcemos: a) a
Mental passa por um modelo de articulação e integra- importância da personalidade de cada um, o que é
ção funcional de Cuidados Primários e Psiquiátricos. apontado sempre como um dos factores mais relevan-
Isto sem esquecer uma clara diferenciação de um nível tes; b) as atitudes negativas face à doença psiquiátrica
Primário e Secundário de Cuidados de Saúde em Psi- e à importância de factores psicossociais na etiologia da
quiatria, logo não perdendo a Psiquiatria o seu local doença; c) o tempo de prática clínica; d) as aptidões de
próprio de actuação, como abordagem diferenciada e comunicação; e) as técnicas e estilo de entrevista, (em-
especializada. O papel do Clínico Geral/Médico de Fa- patia). No fundo, questões que podem dificultar, a iden-
mília na linha da frente dos cuidados de saúde mental, tificação e o tratamento de doentes com perturbações
com os técnicos de Psiquiatria funcionando como emocionais e/ou psiquiátricas nos Cuidados Primários.
apoio e assistência fora do seu setting hospitalar habi-
tual, é um aspecto chave para a OMS e para a Psiquia- Os doentes
tria Consiliar e de Ligação (CL). Finalmente, quanto às características dos doentes, ve-
Para lançar algumas questões sobre este tema, vamos jamos algumas questões prévias que dizem respeito à
acrescentar ao que já foi dito certas particularidades e própria Psiquiatria e não apenas à Clínica Geral. Pode-
dificuldades na avaliação e abordagem das perturba- mos até perguntar se para os psiquiatras será sempre
ções mentais nos Cuidados Primários e até na Psiquia- claro o que é um «caso psiquiátrico», antes de concluir-
tria em geral. mos por dificuldades diagnósticas dos Clínicos Gerais.
De facto, reparemos que, na Psiquiatria, os limites en-
DIFICULDADES NA ABORDAGEM tre o normal e o patológico não são bem delimitados em
DAS PERTURBAÇÕES MENTAIS algumas situações, o diagnóstico psiquiátrico não terá
Nos Cuidados Primários haverá obstáculos que radicam a exactidão de outras especialidades médicas e não ha-
nas características deste contexto; nas características verá um modelo hegemónico. Finalmente, as perturba-
dos próprios médicos; e, finalmente, nas características ções psiquiátricas manifestam-se por modificações,
da patologia encontrada, ou melhor, nas características menos objectiváveis, mas mais visíveis na interacção
dos doentes. No âmbito deste trabalho debruçar-nos- com os outros, no comportamento, na subjectividade
-emos, em particular, sobre este último aspecto, mas su- da pessoa, sendo até vividos pelo próprio, no caso de
mariemos os outros dois, pois são indissociáveis. patologias mais graves, como não sendo doença (nega-
ção da doença).5
O contexto dos cuidados Mas quanto ao contexto específico dos Cuidados Pri-
Refiram-se dificuldades que se prendem com: a) defi- mários, parece haver questões particulares relativa-
ciências da formação pré e pós-graduada, prevalecen- mente aos problemas de Saúde Mental.
do ainda um modelo de etiologia meramente biológi- Problemas Psicossociais – Antes de mais, repare-se
ca de causalidade algo linear, o que será pouco ade- que muitos destes problemas que poderão ser rotula-
quado às pessoas doentes; b) o treino essencialmente dos como psicológicos/emocionais/sociais ou, mais
em contexto hospitalar; c) a gama ampla de doentes, brevemente, como psicossociais, são muito mais fre-
que não apenas os psiquiátricos, nos Cuidados Primá- quentes que os «poucos» diagnósticos psiquiátricos
rios e o facto do Clínico Geral ter que lidar com pertur- «clássicos». Muitos doentes procuram ajuda por crises
bações emocionais dentro de cuidados médicos gerais; de vida, problemas de estilo de vida, envolvendo rela-
d) finalmente, a técnica diagnóstica, que habitualmen- ções interpessoais, doenças físicas associadas a esses
te se concretiza em visitas breves e sucessivas, dirigin- problemas e situações físicas que são influenciadas por
do-se primariamente ao alívio sintomático e assim adi- factores psicossociais. Chega mesmo a avançar-se que

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pelo menos 33% dos diagnósticos são de natureza psi- logias» mais encontradas na Clínica Geral (embora não
cossocial.6 sabendo se estamos sempre perante patologia psiquiá-
Grassa ainda alguma confusão sobre estes proble- trica). Isto fundamenta a preocupação sobre a valida-
mas psicossociais. Não há certezas quanto à sua clas- de do DSM e até da ICD para caracterizar a doença
sificação ou nomenclatura e quanto ao seu curso, prog- mental nos Cuidados Primários.
nóstico e tratamento. Muitas destas situações não pas- Realcemos, contudo, a importância e o avanço repre-
sarão de «reacções simples ao stress» (portanto, dentro sentado pelas actuais classificações tri-axiais e a defe-
do normal),7 significando apenas uma perturbação sa por alguns, como Costello,12 de uma investigação ba-
temporária pelas circunstâncias da vida. Apesar de se- seada nos sintomas e não nas síndromes, torneando, de
rem abordados pelo Clínico Geral de uma forma dife- alguma forma, a questão da classificação e permitindo
rente, tratá-los poderá ser patologizar o que não é pa- avaliar melhor a diferença dimensional versus catego-
tologia, não tendo lugar no DSM IV TR8 e até na ICD 10.9 rial entre situação psiquiátrica e normalidade. É cres-
Mesmo a perturbação de adaptação ou de ajustamen- cente a convicção de que a doença mental não pode ser
to, que será a categoria diagnóstica que melhor pode- arrumada dentro de categorias definidas, apresentan-
ria caracterizar muitas destas pessoas, não consegue do-se antes a dimensionalidade como particularmen-
abarcar completamente este vasto grupo.10 te apropriada, sobretudo para as perturbações ditas
Sabemos também que há perturbação psicológica neuróticas e da personalidade.9
nos que reagem adversamente a acontecimentos ou Faltarão ainda critérios operacionais para designar
crises de vida como o luto ou o divórcio, à doença físi- elementos básicos da «evidência» observada na Clíni-
ca, nomeadamente a doença crónica ou até mesmo ao ca Geral que inclui sintomas relativamente pouco or-
nascimento de um filho. Frequentemente, surgem sin- ganizados, como a ansiedade, a depressão do humor, a
tomas que são reais, necessitando de apoio e aconse- tensão e a fadiga. Na ausência de critérios operacio-
lhamento ou de psicoterapia e/ou até de drogas psico- nais, ficamos sem uma ideia precisa sobre se são ou
trópicas, o que não será muitas vezes abordado sem não diagnósticos. Nesta linha sabe-se, por exemplo, que
preconceitos. Goldberg,11 na tentativa de clarificar este 1/7 da população sofre de sintomas ansiosos e depres-
vasto campo, afirma que na Clínica Geral encontramos sivos.13
fundamentalmente: 1 – Síndromes de perturbação psi- Estados Mistos de Ansiedade e Depressão – A ansie-
cológica que habitualmente não requerem intervenção dade e a depressão serão as dimensões que melhor des-
porque normalmente são transitórios; 2 – Síndromes de crevem a maioria dos problemas mentais nos Cuidados
perturbação psicológica/psiquiátrica que requerem in- de Saúde Primários, sendo habitualmente aceite que
tervenção, podendo esta ser a vários níveis: psicotera- perturbações ansiosas/depressivas serão os diagnósti-
pia e/ou apoio social e/ou psicofarmacologia. Só nes- cos mais frequentes. Isto leva alguns a falar de estados
ta última circunstância é que estaríamos provavelmen- mistos de ansiedade e depressão na Clínica Geral com
te a falar de situações psiquiátricas minor/perturba- a ansiedade e a depressão coexistindo e sendo difíceis
ções de adaptação; 3 – Finalmente um último grupo de separar. Existem sintomas físicos autonómicos em
constituído por situações psiquiátricas major onde é que os doentes se focam e estes quadros tenderão a
inequívoco o tratamento físico/farmacoterapia. cronificar como perturbações somatoformes se não fo-
Na Clínica Geral, «faltam» ainda e frequentemente os rem tratados. Considera-se que os estados «puros» de
sintomas para preencher todos os critérios clássicos doenças da ansiedade e afectivas são normalmente e
das perturbações psiquiátricas, tratando-se muitas ve- apenas individualizadas pelo psiquiatra.14 Refira-se que
zes de perturbações ligeiras, borderline ou sublimiares, a DSM IV TR e a CID-10 contemplam a existência des-
segundo alguns em 13 a 30% dos doentes. Dito de ou- tes estados mistos ao nível da Clínica Geral, consideran-
tra forma, o cut off entre doença e não doença é fre- do-os como «intermédios», logo não preenchendo
quentemente arbitrário.10 cabalmente os critérios quer de perturbação ansiosa
Isto leva alguns a questionar se não haverá necessi- quer afectiva, com as quais se deve fazer o diagnóstico
dade de uma nova nosologia que contemple as «pato- diferencial. Mas, muitas vezes, ainda são diagnostica-

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dos como doenças da ansiedade, com prescrição ape- razão primária para a sua consulta20 («senha de admis-
nas de ansiolíticos, o que não sustém o seu curso de- são») mas em apenas 20% dos doentes deprimidos, que
pressivo. apresentam sintomas somáticos, é feito o diagnósti-
Estaremos provavelmente perante perturbações psi- co.21-22 Num outro estudo, 66% dos doentes não são
quiátricas a merecer melhor estudo e validação até se diagnosticados como sofrendo de perturbação depres-
concluir pela sua existência enquanto «mera» doença siva/ansiosa apesar de mais de 6 seis visitas por ano ao
da ansiedade ou afectiva, embora com apresentação clínico geral por queixas somáticas.23
ansiosa, ou antes pelo contrário enquanto grupo clíni- Verificamos, assim, que esta apresentação somática
co distinto e autónomo, existindo dados que apontam contribui para baixas taxas de reconhecimento da pa-
nesse sentido.15,16 tologia depressiva focando-se o clínico geral quase ex-
Depressão – Debrucemo-nos mais em pormenor so- clusivamente nas queixas físicas,24-25 o que contribui
bre aquela que será a situação paradigmática do doen- para a designada «morbilidade psiquiátrica oculta».
te deprimido nos Centros de Saúde. Estima-se que esta Apesar deste bem estabelecido conhecimento psi-
realidade constitua cerca de 20% das consultas na Me- copatológico, isto tem sido insuficientemente aprecia-
dicina Geral e Familiar e que a maioria vá primeiro ao do pelos sistemas diagnósticos oficiais, DSM IV TR e
médico de família, afirmando-se que apenas 1/3 pro- CID-10, apesar de reflectirem uma consciência crescen-
cura, inicialmente, o psiquiatra. Como já afirmado, há te da importância destes sintomas somáticos na de-
uma zona de sobreposição desta patologia com os cha- pressão ao incluir, entre os critérios diagnósticos, exces-
mados problemas psicossociais.17 Por outro lado, exis- siva preocupação com saúde física e dores (cabeça, ar-
te uma fronteira, difícil de delimitar, com a ansiedade ticulares, abdominais ou outras). Aliás, a questão do
sabendo que, para além dos já referidos estados mis- somático na depressão está incompletamente abrangi-
tos, é comum pelo menos esta co-morbilidade, o que da, pese embora o bem estabelecido fundamento so-
pode contribuir para o obscurecimento da depressão mático do humor depressivo. Alguns autores afirmam
em favor da ansiedade. Diz-se que 85% dos doentes que, quando queixas físicas dolorosas acompanham
com depressão experimentam sintomas significativos outros sintomas de depressão, o curso pode ser mais
de ansiedade e que a comorbilidade de sintomas ou grave, com maior risco de recaída precoce, de cronici-
perturbações depressivas ocorre em mais de 90% dos dade, de suicídio (ou até de mortalidade por causas na-
doentes com perturbações de ansiedade. É também turais), de prejuízo no funcionamento e na qualidade
vulgar aceitar-se que esta coexistência de ansiedade de vida, e de aumento dos custos directa e indirecta-
em doentes deprimidos está associada com maior gra- mente associados.25 Relativamente ao diagnóstico dife-
vidade sintomatológica, curso crónico, maior comorbi- rencial da depressão com sintomas somáticos predo-
lidade médica/física e com pior recuperação.18 minantes, refiram-se as perturbações somatoformes,
Alguns estudos afirmam que, na Clínica Geral, a de- perturbações do espectro da ansiedade e até mesmo a
pressão será menos grave, embora com uma vastíssi- própria esquizofrenia. Saliente-se, por fim, que o pa-
ma gama quanto à sua intensidade, será «menos psico- drão de queixas somáticas é normalmente indistinguí-
logicamente centrada», mais determinada por factores vel entre doentes deprimidos e não deprimidos.
ambienciais, mais relacionada com estilos de coping e Doença Física e Perturbação Psiquiátrica – Se qui-
sobretudo com uma maior apresentação somática. sermos alargar a questão das relações entre doença fí-
Aliás, a maioria dos autores diz-nos que os sintomas so- sica e perturbação psiquiátrica ou até da comorbilida-
máticos são a expressão mais comum de apresentação de física/psiquiátrica, que aliás será a principal maté-
de toda a morbilidade psiquiátrica, nomeadamente da ria do nosso trabalho em Psiquiatria C/L, referiríamos
depressão. diversos tipos de interacções embora não estanques.
Note-se que 65% dos doentes deprimidos se quei- Para além da perturbação psiquiátrica, como a depres-
xam de sintomas físicos com predomínio das queixas são, que se apresenta com sintomatologia física e da de-
álgicas;19 mais de 2/3 dos doentes deprimidos nos cui- pressão como reacção/adaptação a doença física, regis-
dados primários referem os sintomas somáticos como tem-se: perturbações psiquiátricas com complicações

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físicas (por exemplo, distúrbios do comportamento ali- cas alternativas como a sistémica, técnicas simples e
mentar, alcoolismo,…), factores psicológicos que po- breves orientadas para a resolução de problemas, psico-
dem determinar morbilidade física (o campo tradicio- terapias breves modificadas, com eficácia comprovada
nal da Psicossomática), a co-morbilidade de doença fí- na depressão nos Cuidados Primários e até generi-
sica e psiquiátrica meramente casual e, finalmente, as camente as terapias cognitivas e comportamentais, não
manifestações (neuro) psiquiátricas de doenças físicas esquecendo o pragmatismo deste contexto de cui-
(HIV, hipotiroidismo, …).17 Alguns afirmam mesmo que dados.
a associação entre doença física e doença psiquiátrica Mas o uso criterioso das drogas psicotrópicas será
nos cuidados primários e provavelmente noutros set- sempre de referir como crucial em muitas das situações,
tings não será por acaso, chegando a falar-se aqui de não esquecendo o avanço representado pelo apareci-
uma propensão «psico-física» ao adoecer. mento dos SSRI’s no final da década de 80 e de outros
Isto não obsta a que os grandes quadros psiquiátri- anti-depressivos intervindo ao nível do sistema nora-
cos clássicos se não encontrem nos Centros de Saúde, drenérgico e serotoninérgico, sem esquecer a impor-
embora não possamos deixar de afirmar que também tância neste setting das interacções medicamentosas,
podem estar mascarados ou ocultados por aquilo que da polimedicação e do eventual abuso de ansiolíticos,
Barsky26 chama de «agendas escondidas». hipnóticos, analgésicos e narcóticos. Repare-se que em
Tratamento – Deixando o diagnóstico e passando ao Portugal, num estudo de Manuel Sousa28 parece haver
tratamento, refira-se que a questão dos sintomas somá- uma prevalência maior de psicotrópicos prescritos re-
ticos na depressão poderá ter implicações uma vez que lativamente a outros países, o que nos pode deixar a
os substratos neurobiológicos desses sintomas podem pensar no que isso significa.
guiar outras abordagens terapêuticas. Contudo, repa- Por fim, se fizermos um retrato-tipo do doente de-
re-se que o simples «iniciar ab initium» de psicofárma- primido na Clínica Geral, apesar de este ser reducionis-
cos no tratamento da depressão não será consensual. ta, diríamos: doente do sexo feminino, com um predo-
E voltam-nos as perguntas: «de que falamos quando mínio de queixas somáticas, sem queixas ansiosas e so-
falamos de depressão» ou «o que são de facto os que bretudo depressivas aparentes ou evidentes, logo ne-
chamámos de problemas psicossociais»? Com efeito, al- cessitando de ser sistematicamente pesquisadas,
guns autores advogam que uma espera atenta de duas vivenciando acontecimentos de vida com significado
semanas poderá evitar o tratamento porque poderão stressor, com dificuldades de coping, com doença(s) fí-
não ser «verdadeiras» depressões, embora outros dis- sica(s) associada(s) e que, apesar de ligeiras a modera-
cordem defendendo uma intervenção mais precoce de das, poderão cronificar se não forem tratadas precoce-
forma a evitar que o doente não volte à consulta ou de- mente e ou com psicotrópicos.
teriore o seu estado de saúde. Mas, de uma forma ge- Saliente-se que, propositadamente, não foram abor-
ral, as recomendações terapêuticas têm na sua base a dados aspectos de Prevenção Primária porque mais do
gravidade do humor depressivo e os seus sintomas as- domínio da Saúde Pública. Também porque a Preven-
sociados, embora não seja fácil a diferenciação, nomea- ção Primária em Saúde Mental será, em nossa opinião,
damente nos Cuidados Primários, entre depressão ligei- questionável e limitada, devendo ser sempre humilde
ra, moderada e grave. Consensual, no entanto, será que e cautelosa nos seus objectivos. O trabalho da Psiquia-
a referência para a Psiquiatria passará fundamental- tria CL é fundamentalmente de Prevenção Secundária.
mente pelo detectar de ideação de suicídio, história Explicitando: é um esforço curativo, com identificação
prévia relevante, sintomas psicóticos e bipolaridade. e abordagem precoces dos diversos factores implicados
Então como lidar com todos estes problemas, dos no adoecer, sem esquecer o stress representado pela
psicossociais aos psiquiátricos?27 O aconselhamento, a própria doença e, obviamente, tendo que lidar com sin-
atitude terapêutica, que passa pela escuta empática, a tomas agudos já apontados, pesquisando-os com cui-
promoção do apoio psicossocial (a começar pela famí- dado pois há sobreposições nem sempre claras. No fun-
lia) e as psicoterapias formais serão de sublinhar. Refi- do requer a observação do patológico, da personalida-
ra-se, a título de exemplo, abordagens psicoterapêuti- de e da situação.14

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CONCLUSÃO des da clínica nos Cuidados Primários.


Em jeito de conclusão, e sem a preocupação de sermos
exaustivos, mas antes a de continuarmos a lançar ques- Modelos de prática psiquiátrica CL.
tões pertinentes para a nossa reflexão, muito do que foi Finalmente, no que diz respeito aos modelos e apesar
referido alerta-nos para a importância da: da passagem dos anos, não será ainda consensual o
que é a Psiquiatria CL e quais os modelos mais adequa-
Formação de psiquiatras e clínicos gerais dos para a sua prática. Ainda hoje nos EUA, a Psiquia-
Saliente-se a importância para o médico de um conhe- tria de Ligação continua a ser associada ao trabalho
cimento detalhado da interacção entre doença psiquiá- psiquiátrico apenas em contexto de internamento hos-
trica e doença física, podendo voltar a referir, a título pitalar. Contudo, Gonzales e Norquist29 falam de Psi-
de exemplo, os efeitos psicológicos/psiquiátricos da quiatria CL como qualquer intervenção clínica (C) ou
doença física, os aspectos psicológicos e físicos dos sín- educacional (L) para pessoal médico geral promovido
dromes cerebrais orgânicos e a apresentação somática por especialistas de Saúde Mental, vulgarmente, médi-
da doença psiquiátrica já amplamente referida. Isto não cos, logo abrangendo os Cuidados de Saúde Primários.
retira importância ao treino de aptidões de comunica- Na Liaison, e sem pormenorizar, poderíamos até in-
ção, por parte de todos os técnicos a trabalhar na área cluir a importância do acautelar ou abordar alguma pa-
da Psiquiatria CL. tologia psiquiátrica dos próprios técnicos envolvidos
Nesta linha, pertinente seria: i. a inclusão no curri- neste trabalho, o que passaria por exemplo pelo tão fa-
culum da formação médica do estudo da psicossomá- lado «burn out». Relativamente aos diferentes modelos,
tica, mais como atitude em Medicina do que como con- embora abertos a conclusões definitivas sobre a sua
junto de patologias particulares; ii. a promoção da teo- eficácia, parece que o psiquiatra na primeira linha dos
ria e diversos estilos de prática CL como parte integran- Cuidados de Saúde Mental, substituindo os clínicos ge-
te do Internato de Psiquiatria; iii. o dotar dos Serviços rais, não constituirá a melhor solução, pelo menos, na
de Psiquiatria com pessoal especialmente vocaciona- relação custo-eficácia, para além do que o clínico geral
do para trabalho CL. No fundo, também em Psiquiatria deixaria de ser a pedra de toque desses cuidados na co-
CL a grande aposta e avanço tecnológico passa pela for- munidade. Não haverá, portanto, em absoluto, dados
mação de profissionais competentes mas também mo- que contradigam a justeza de um modelo em que o tra-
tivados para as especificidades deste trabalho. balho dos psiquiatras CL nos Centros de Saúde seja fei-
to regularmente, ombro a ombro com o clínico geral,
Nosologia num estatuto de maior vulnerabilidade do que na prá-
Partindo do que dissemos, há quem defenda a necessi- tica psiquiátrica tradicional. Alguns doentes passariam
dade de uma nova nosologia que contemple não só as a ser manejados apenas pelo clínico geral depois de
patologias psiquiátricas como também as «patologias» abordados neste contexto CL. As referências para a psi-
psicossociais. Repare-se que, tal como já referido, há quiatria seriam feitas após discussão ou aquele encon-
uma progressiva sensibilidade a esta realidade por par- tro face a face. Finalmente, quando fosse necessária
te dos actuais sistemas classificativos internacionais. esta referência para a psiquiatria, seria mandatário o
Mas, será sempre importante que o próprio psiquia- posterior feed back para o médico de família.
tra, no terreno, aprendendo e reflectindo com o médi- Costuma-se afirmar que o mais importante para o
co de família sobre a sua própria prática, constate como sucesso das intervenções CL, para além dos seus dife-
os preceitos psiquiátricos podem ser alterados pela co- rentes modelos, será o estabelecer de uma relação de
morbilidade das disfunções médicas e psiquiátricas. trabalho personalizada, «quase íntima», entre psiquia-
Construir-se-á não uma nova Psiquiatria, enquanto tra e médico de família.
teorização e constructos de referência, mas uma nova O importante será aumentar a capacidade dos Servi-
teoria da prática com uma nosologia algo própria que ços de Saúde, amplificando a capacidade de intervenção
pode divergir da nosologia psiquiátrica clássica quan- – do diagnóstico à terapêutica – e optimizando os cuida-
do reconhecidamente se não adapta às novas realida- dos à maioria das pessoas que adoecem mentalmente.

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O que se pretende serão efeitos directos destas inter- Jun; 35 (6): 685-93.
3. Goldberg D, Huxley P. Mental illness in the community: the pathway
venções CL e que se consubstanciariam num melhor e
to psychiatric care. London: Tavistock Publications, 1980.
mais precoce reconhecimento e diagnóstico, numa
4. Goldberg D. The recognition of psychological illness by general practi-
mais adequada prescrição terapêutica, numa melhoria oners. In: Clare A, Lader M, editors. Psychiatry in General Practice. Lon-
das referências para a especialidade e no encorajar de don: Academic Press; 1982. p. 35-41.
um papel mais activo, por parte dos médicos de famí- 5. Jara J. Contribuição para um Livro Branco da Psiquiatria e da Saúde Men-
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6. Cassata D, Kirkman-Liff BL. Mental health activities of family physici-
aos efeitos indirectos, nomeadamente, a generalização
ans. J Fam Pract 1981 Apr; 12 (4): 683-92.
das mudanças de comportamentos e atitudes dos clí- 7. Pio Abreu JL, Teixeira JA. O caso posiquiátrico: limites e detecção. Psi-
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intervenção CL, os diferentes estudos são pouco con- 8. American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of
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de estas serem importantes. Há que ter também em li- 10. Katerndahl DA, Larme AC, Palmer RF, Amodei N. Reflections on DSM
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do doente. 11. Goldberg D. The treatment of mental disorders in general medical set-
As abordagens actuais sugerem que as mudanças tings. Gen Hosp Psychiatry 1992 Mar; 14 (2): 83-5.
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duradouras podem requerer intervenções adicionais
guments in favour of allocating more research time to the study of
ou alternativas em direcção às pressões sentidas pelos symptoms. Br J Psychiatry 1992 Mar; 160: 304-8.
clínicos gerais, como por exemplo, a falta de tempo ou 13. Meltzer H, Gill B, Petticrew M. OPCS Surveys of Psychiatric Morbidity
aspectos relacionados com a aderência ao tratamento. in Great Britain. Bulletin No. 1:The Prevalence of Psychiatric Morbidity
Em suma, e numa perspectiva optimista, se tudo among Adults Aged 16-64, Living in Private Households, in Great Bri-
passar pela avaliação sistemática, biológica, psicológi- tain. London: OPCS; 1994.
14. Lopes, G. Estados Mistos de Ansiedade e Depressão. In: Lopes G, edi-
ca e social (uma vez que tecnologia e «compaixão» não
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são incompatíveis) ou, dito de outra forma, se tudo pas- po Português de Psiquiatria Consiliar e de Ligação, 1999. p. 41-59.
sar por cuidados compreensivos e multidisciplinares, 15. Tarsia M, Power M, Sanavio E. Implicit and explicit memory biases in
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doente na sua totalidade, contribuir para a formação
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contínua de todos os membros da equipa envolvida e 18. Gorman J. Comorbid depression and anxiety spectrum disorders. Depr
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a ser objectivos perseguidos.30 As constantes da nossa 19. Bair MJ, Robinson RL, Katon W, Kroenke K. Depression and pain comorbi-
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ABSTRACT
It’s consensually assumed both the high prevalence of psychiatric pathology in the Primary Care and the fact that the General
Practitioner is the best positioned agent to carry out a correct diagnostic and therapeutic approach to these problems. Accor-
dingly, it is suggested that the General Practitioner evaluate and treat the majority of these patients, referring a minority, re-
ally needed, to specialized care. In practical terms, it is assumed as a priority that the General Practitioner gradually improves
his ability of intervening in the area of Mental Health. Therefore, in this context, the articulation between Psychiatry Services
and Primary Care Centers is considered highly rewarding, with the special role of Liaison Psychiatry.
In the present article the authors make some considerations and put different questions on the subject in appraise, trying
to approach important issues, mainly related to the specific presentation of psychiatric pathology in Primary Care, particularly
the case of «depression», and related difficulties in the evaluation of mental disorders in this setting.

Keywords: Psychiatric Pathology; Primary Care; Consultation/Liaison Psychiatry.

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