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Lavall E, Olschowsky A, Kantorski LP.

Avaliação de família: rede de apoio social na aten- ARTIGO


198 ção em saúde mental. Rev Gaúcha Enferm., Porto Alegre (RS) 2009 jun;30(2):198-205. ORIGINAL

AVALIAÇÃO DE FAMÍLIA:
rede de apoio social na atenção em saúde mentala

Eliane LAVALLb
Agnes OLSCHOWSKYc
Luciane Prado KANTORSKId

RESUMO

Este estudo objetiva identificar a rede de apoio social de um usuário e família em acompanhamento em um Cen-
tro de Atenção Psicossocial (CAPS). É um subprojeto da pesquisa “Avaliação dos Centros de Atenção Psicossocial da
Região Sul do Brasil”, realizado em um CAPS de Porto Alegre, Rio Grande do Sul, tendo como sujeitos uma dupla
usuário/familiar. Trata-se de uma pesquisa qualitativa, tipo estudo de caso, utilizando-se o Modelo Calgary de Ava-
liação de Família. A coleta de dados propiciou a construção do genograma e do ecomapa. A análise envolveu as ava-
liações estrutural, funcional e de desenvolvimento, identificando-se os vínculos do usuário e seus relacionamentos
no micro e macro espaço familiar, mostrando as redes de apoio social e as funções que desempenham no cotidiano do
usuário. As redes sociais de apoio aparecem como recurso terapêutico importante, pois possibilitam um tratamento
voltado à vida da pessoa, considerando-se sua cultura, e também ampliam as ações de cuidado.

Descritores: Família. Saúde mental. Apoio social. Redes comunitárias. Enfermagem psiquiátrica.

RESUMEN

El objetivo de este estudio es identificar la red de apoyo social de un usuario y familia en acompañamiento en un Centro de
Atención Psicosocial (CAPS). Consiste en un sub-proyecto de la investigación acerca de la Evaluación de los Centros de
Atención Psicosocial de la Región Sur de Brasil, realizado en un CAPS de Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil,
teniendo como sujetos un dúo usuario/familiar. Se trata de una investigación cualitativa, del tipo estudio de caso, en que se
utiliza el Modelo Calgary de Evaluación de Familia. La recolección de datos propició la construcción del genograma y del
ecomapa. El análisis involucró las evaluaciones estructural, funcional y de desarrollo. Fueron identificados los vínculos del
usuario y sus relacionamientos en el micro y macro espacio familiar, mostrando las redes de apoyo social y las funciones que
desempeñan en el cotidiano del usuario. Las redes sociales de apoyo aparecen como recurso terapéutico importante, visto que
posibilitan un tratamiento volcado hacia la vida de la persona, considerándose su cultura y, también, amplían las acciones de
cuidado.

Descriptores: Familia. Salud mental. Apoyo social. Redes comunitarias. Enfermería psiquiátrica.
Título: Evaluación de familia: red de apoyo social en la atención en salud mental.

ABSTRACT

This study aims at identifying the social support network of a user and his family in a Psychosocial Care Center (CAPS)
follow-up. Such study is a subproject of the research named Evaluation of Psychosocial Care Centers, from the southern region
of Brazil, at a CAPS of Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brazil. The subjects were a user and a relative of him. It is a
qualitative research of case study type that makes use of the Calgary Model of Family Evaluation. The collecting of data
provided the construction of the genogram and of the eco-map. The analysis focused on structural, functional and developmental
evaluations. The user’s bonds and his relationships with the micro and macro family space were identified by showing the social
support networks and the functions that they perform in the user´s daily life. The social support networks are an important
therapeutic resource because they provide the possibility of offering a treatment addressed to the life of the subject. They also
take in count his culture and they broaden care actions as well.

Descriptors: Family. Mental health. Social support. Community networks. Psychiatric nursing.
Title: Family evaluation: social support network in mental health care.

a
Artigo construído a partir do trabalho de conclusão de curso em Enfermagem apresentado em 2007 na Escola de Enfermagem da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Brasil.
b
Enfermeira, Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem (PPGENF) da UFRGS, Membro do Grupo de Estudos e Pesquisa
em Enfermagem Psiquiátrica e Saúde Mental (GEPESM), Rio Grande do Sul, Brasil.
c
Doutora em Enfermagem, Docente do Departamento de Assistência e Orientação Profissional da Escola de Enfermagem da UFRGS, Líder
do GEPESM, Rio Grande do Sul, Brasil.
d
Doutora em Enfermagem, Docente da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), Rio Grande do Sul, Brasil.
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INTRODUÇÃO O MCAF pode auxiliar a enfermagem a com-


preender pensamentos, comportamentos e crenças
A rede de apoio social pode ser representada das famílias, permitindo estabelecer um plano de
pelas relações de um indivíduo nas diversas situa- cuidados e/ou intervenção na família, além de pos-
ções da vida cotidiana, na família e na sociedade. A sibilitar uma abordagem ampliada que considere
identificação dessa rede possibilita sua utilização o contexto pessoal e o território(1). A avaliação de
como um recurso no cuidado, facilitando uma par- família permite conhecer os vínculos e as relações
ceria entre a equipe de saúde e a família na atenção que constituem as redes de apoio do indivíduo em
ao sujeito em sofrimento psíquico. sofrimento psíquico, propiciando aos profissionais
Este artigo relata uma pesquisa de avaliação de saúde explorar esses recursos.
de família em um Centro de Atenção Psicossocial As redes de apoio envolvem, principalmente,
(CAPS), aplicando-se o Método Calgary de Ava- a rede social pessoal de cada sujeito que pode ser
liação de Família (MCAF), a fim de identificar a definida como a soma de todas as relações conside-
rede social de apoio do usuário e da família no seu radas significativas ou diferenciadas na sociedade.
território. Corresponde ao nicho interpessoal do sujeito e con-
Trata-se de um estudo vinculado à pesquisa tribui para o reconhecimento do indivíduo e de sua
Avaliação dos Centros de Atenção Psicossocial da auto-imagem(2).
Região Sul do Brasil (Rio Grande do Sul, Santa Crê-se que o conhecimento dessas redes se
Catarina e Paraná), financiada pelo Ministério da coaduna com a prática assistencial que pressupõe
Ciência e Tecnologia, através do Conselho Nacio-
maior sensibilidade aos valores e crenças de usuá-
nal de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
rios e família, e é necessário um conhecimento mais
(CNPq) em parceria com o Ministério da Saúde.
específico dos diferentes processos de vida do su-
Essa pesquisa é conhecida como CAPSUL, sendo
jeito em grupo e sua comunidade. Identificar essas
coordenada pela Faculdade de Obstetrícia da Uni-
relações, as histórias, os caminhos e descaminhos
versidade Federal de Pelotas (UFPEL) e desenvol-
dos usuários do serviço de saúde mental, no coti-
vida em parceria com a Escola de Enfermagem da
diano, facilitará a interlocução e a atenção na área.
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Portanto, o objetivo deste estudo é identificar a
(UFRGS) e o Curso de Enfermagem da Universi-
rede de apoio social do usuário e da família em
dade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE),
acompanhamento em um Centro de Atenção Psi-
Cascavel.
cossocial.
O movimento político e social da Reforma
Psiquiátrica, a partir da década de 1970, propôs a
transformação da assistência psiquiátrica através ATENÇÃO EM SAÚDE MENTAL
da implementação do modelo de atenção psicos- E AVALIAÇÃO DE FAMÍLIA
social em oposição ao modelo manicomial então
vigente que se voltava para a segregação e para a No Brasil, a partir da década de 1970, inicia-
exclusão social do indivíduo em sofrimento men- ram-se propostas de transformação do modelo
tal. Assim, a subjetividade do indivíduo em sofri- assistencial em saúde mental, questionando o sis-
mento psíquico tornou-se foco das ações de saúde, tema manicomial de assistência psiquiátrica, fazen-
enfatizando a sua singularidade e as suas dimen- do críticas à cronificação dos sujeitos nos hospi-
sões familiares e socioculturais. A atenção em saú- tais, ao tratamento desumanizado, reivindicando
de mental centrou o olhar no território do sujeito, melhores condições de assistência e a humanização
preocupando-se com o seu cotidiano e a sua inser- dos serviços, tendo como desdobramento a Refor-
ção na sociedade. Nessa perspectiva, usuário e fa- ma Psiquiátrica(3).
mília vêm passando progressivamente a ser os prin- Esse novo modelo busca a construção do cui-
cipais protagonistas do tratamento, pois, median- dado no território do indivíduo, através de uma rede
te suas informações e vivências, é possível conhe- de atendimento centrada na comunidade, tendo
cer seus recursos e sua rede de apoio social. A par- entre suas diretrizes de intervenção: acolhimento,
tir desses pressupostos, questiona-se: como são os vínculo, responsabilidade, integralidade, humani-
vínculos, as relações interpessoais do sujeito em zação da atenção, interdisciplinaridade e resolu-
sofrimento psíquico e de sua família ou comuni- tividade. Essa rede de serviços aparece como es-
dade? tratégia terapêutica que deve se constituir em uma
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rede de atenção em saúde mental, sendo incluídos blemas de saúde e doença, beneficiando a saúde
os CAPS, Núcleo de Atenção Psicossocial (NAPS), física e mental, porque acolhe e cuida dos sujei-
hospital dia, ambulatórios de saúde mental, pen- tos na totalidade de corpo e mente. Por estimular
sões protegidas, cooperativas, serviços residenciais a autonomia dos sujeitos é uma ação de saúde que
terapêuticos, atenção básica, hospitais gerais, en- se processa no cotidiano das interações dos indi-
tre outros. víduos, ajudando-os a encontrar coerência para
Os CAPS, regulamentados pela Portaria nº a própria vida e para sair do isolamento e do va-
336/GM de 2002 do Ministério da Saúde(4), tor- zio existencial em que se encontram(8). Esse apoio
naram-se uma das principais modalidades de tra- é encontrado nas redes sociais que proporcionam
tamento do modelo de atenção psicossocial, bus- ao indivíduo compartilhar os problemas e expres-
cando integrar a pessoa com sofrimento psíquico sar seus sentimentos, evidencia sua socialização
num ambiente social e cultural, possibilitando a e suas relações, acessando os recursos de apoio
convivência cotidiana com a sociedade e familia- social.
res, propondo a reinserção social dos usuários pelo A rede social constitui-se de todas as relações
acesso ao trabalho, lazer, exercício de direitos ci- do indivíduo, divididas em família, amizades, rela-
vis, fortalecimento dos laços familiares e comuni- ções de trabalho ou escolares e relações comunitá-
tários(5). rias(2). Permite entender o sujeito com tudo aquilo
Assim, o modo de atenção psicossocial possi- com o qual interage – com todos os seus vínculos
bilita uma parceria entre equipe profissional e fa- no micro e macro espaço –, ou seja, família; ami-
mília no processo de cuidado aos indivíduos em gos, vizinhos, igreja, trabalho, escola, sociais, polí-
sofrimento psíquico. Para compreender e incluir a ticos, entre outros.
participação da família nesse cuidado utilizamos o Nesse contexto, a função de uma rede relacio-
MCAF. Esse modelo permite entender que os in- na-se à qualidade das relações interpessoais estabe-
divíduos são mais bem compreendidos quando es- lecidas com a família ou com seu entorno social,
tão inseridos num contexto mais amplo, no qual em que a qualidade dessas relações está ancorada
pode ser observada a interação da família no micro na história dos vínculos estabelecidos, na sua in-
e macrossistema familiar, o que possibilita, respec- tensidade, freqüência e mutualidade(9).
tivamente, uma avaliação dos relacionamentos e Assim, a rede social evidencia os pólos de
vínculos existentes entre os membros familiares, e apoio, desenvolvendo as seguintes funções: com-
de cada membro com o sistema mais amplo (vizi- panhia social, apoio social, apoio emocional, guia
nho, escola, rua, grupos de amigos, organizações, cognitivo e conselhos, regulação social, ajuda ma-
comunidade religiosa, associações, serviços de saú- terial e de serviços e acesso a novos contatos, de-
de, entre outros)(6). terminando a rede de apoio social da pessoa(2). Cada
A identificação desses vínculos e relações vínculo dessa rede pode desempenhar mais de uma
como redes de apoio foram os principais focos de dessas funções, abarcando um número importante
estudo da presente pesquisa, com a aplicação do de ações por sua riqueza, complexidade ou idios-
MCAF. sincrasias, registrando um mapa mínimo da pes-
Nesse processo avaliativo, o vínculo e as rela- soa em seu meio social.
ções aparecem como fundamentais na construção Desse modo, identificar as redes sociais de
de caminhos menos sofridos e menos estigmatiza- apoio com usuários e familiares vai possibilitar
dos da vivência do sofrimento psíquico(7). Assim, maior compreensão da experiência da loucura, fa-
pode-se identificar a natureza e a qualidade dos cilitando ações de saúde mental e de solidariedade,
vínculos na estrutura interna e externa da família, mostrando caminhos para a mudança nos modelos
permitindo ao profissional e à equipe de saúde co- de atenção em saúde.
nhecer o conjunto daqueles que interagem direta
ou indiretamente com o indivíduo em sofrimento METODOLOGIA
psíquico e sua família e, desse modo, identificar as
relações do seu cotidiano e espaço social e avaliar A pesquisa em questão é de cunho qualitati-
sua rede de apoio social. vo-descritiva, que se caracteriza como estudo de
O apoio social é uma das estratégias da po- caso, na qual se utilizou o Modelo Calgary de Ava-
pulação para enfrentar a complexidade dos pro- liação de Família (MCAF)(6).
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O estudo foi realizado em um CAPS II, loca- AVALIAÇÃO DA FAMÍLIA


lizado na cidade de Porto Alegre, Rio Grande do
Sul, tendo como sujeitos uma dupla usuário/fami- Carolina (30 anos) reside com seu companhei-
liar em acompanhamento nesse serviço. Trata-se ro Jacinto (45 anos). É filha única do segundo ca-
de uma escolha intencional, relacionada à pesquisa samento da mãe. Nasceu em Salvador e viveu par-
CAPSUL, em que os critérios de inclusão da dupla te da sua infância e adolescência com a avó mater-
foram: possuir condições de comunicação e, ter vín- na. Cursou graduação em Pedagogia até o segun-
culo e inserção no serviço. do ano e trabalhou em escolas infantis; foi acom-
Para a coleta de dados foram utilizados o ge- panhante terapêutica, babá, entre outros. Atual-
nograma e o ecomapa. O genograma é um diagra- mente está desempregada.
ma do grupo familiar, incluindo no mínimo três Carolina tem diagnóstico de Transtorno Afe-
gerações, utilizado para discernir a estrutura fa- tivo Bipolar (TAB). Relata que seus problemas e
miliar interna e externa através da árvore familiar crises iniciaram aos 15 anos, quatro anos após o
e sua ampliação, além de propiciar dados relevan- falecimento de sua avó. Declara que sua adoles-
tes sobre os relacionamentos, podendo também cência foi difícil, devido à violência e à agressivida-
incluir dados sobre saúde, ocupação, religião, etnia de da mãe, pois a mãe batia nela, rasgava suas rou-
e migrações. O ecomapa é um diagrama do conta- pas, aparentemente sem motivos. Essa vivência te-
to da família com outras pessoas além da família ve como conseqüência um relacionamento bastan-
imediata, representando as conexões importantes te conflituoso com a genitora, desencadeando uma
entre a família e o mundo. Permite a compreensão crise de depressão e tentativa de suicídio. Apresen-
dos vínculos e os relacionamentos dos membros tou outras tentativas de suicídio, por uso exagera-
da família com os sistemas mais amplos do con- do de medicação, tendo três internações psiquiá-
texto familiar(6). tricas. Após a última internação foi encaminhada
A coleta de dados foi realizada no mês de se- para o CAPSII onde permanece em acompanha-
tembro de 2007. A análise dos dados foi realizada mento.
pelas avaliações estrutural, de desenvolvimento e Carolina relata que sua mãe teve um primeiro
funcional, propostas pelo MCAF. Na avaliação es- casamento, em Porto Alegre, tendo três filhos. Ela
trutural foi identificado quem fazia parte dessa fa- era psicóloga e morreu assassinada em 2003. Era
mília, seus contextos interno e externo. A avalia- uma pessoa muito agressiva, descontrolada e mal-
ção funcional mostrou as atividades da vida diária tratava os filhos. Descobriu que sua mãe tinha di-
da família e os aspectos relacionados ao comporta- agnóstico de esquizofrenia, após sua morte, ao ler
mento expressivo entre a família: a comunicação, um documento relacionado ao auxílio doença. Não
as alianças existentes, os papéis desempenhados. conheceu seu pai e também não sabe informar nada
Na avaliação de desenvolvimento buscou-se conhe- a respeito da família dele. Diz que a vivência com a
cer os vínculos do usuário e da família, visualizando avó na infância foi ótima.
os relacionamentos afetivos nos micro e macro es- A Figura 1, a seguir, apresenta o genograma
paços familiares, caracterizando a rede de apoio construído por Carolina e seu companheiro.
social. Esses vínculos foram considerados fortes, Carolina tem três irmãos do primeiro casa-
moderados, superficiais e negativos de acordo com mento da mãe: dois deles residem em Porto Ale-
sua reciprocidade e laços afetivos. gre e um em São Paulo.
Quanto aos aspectos éticos, este estudo tem o Na avaliação funcional, Carolina desenvolve
parecer 074/05 favorável do Comitê de Ética em o papel de esposa, dona de casa, amiga e parceira
Pesquisa da Faculdade de Medicina da Universi- do seu companheiro, com o qual tem um relaciona-
dade Federal de Pelotas, de acordo com a Resolu- mento significativo e estável. A relação com o ma-
ção 196/96 do Conselho Nacional de Saúde(10), e rido é de afeto, ajuda mútua e preocupação de um
parecer nº. 14/06 favorável da Comissão de Pes- em relação ao outro. Afirma ainda gostar de sua
quisa da Universidade Federal do Rio Grande do sogra, do tio que mora em São Paulo, dos profis-
Sul (COMPESQ). Para preservar o anonimato, os sionais do CAPSII, e do seu irmão, identificado
entrevistados receberam nomes fictícios. como I3.
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88 73 A depressão
Ca Cardíaco Não conheceu
Cardíaca Cardíaca

73 57 T1 T2 T4 T5
T3
Moram em Santa Maria POA SP

72 S Cardíaca/infarto M
71 ponte de safena Bahia
Floripa/militar Assassinada Não conhece
Hérnia de hiato

J1 J2 I1 I2 I3
44 43 47 42 37
Ciências
Atuariais

J
45 Carolina
30
Hérnia de hiato; THB; 3° Grau completo; THB; 3° Grau: até o 2° ano de
turismo/hotelaria. pedagogia; Benefício saúde;
Doméstica.
Legenda:
Masculino Feminino Óbito Separação Conjugal Família principal

Figura 1 – Genograma de Carolina.

Na avaliação de desenvolvimento, realizada los e relações da usuária na família e na sociedade,


por meio do ecomapa, foram analisados os víncu- representados na Figura 2.

Avó materna Mãe falecida


falecida Irmão I3
CAPS*

Irmãos I1 e I2
Sogra de Carolina
Tia T3

Irmã de Jacinto
Jacinto Carolina Tios T1, T2 e T4

Tio 5
Irmão de Jacinto

Amigas Curitiba
Sobrinho Tio e Tia
de Jacinto de Jacinto Curso banho/
Vizinhos tosa cães/gatos

Legenda:
vínculo forte * Profissionais e usuários e ofi-
vínculo moderado cina de beleza do CAPSII
vínculo superficial
vínculo estressante/negativo

Figura 2 – Ecomapa de Carolina.


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Analisando-se os vínculos de Carolina, iden- cepcionada, deprimida e desanimada, caracterizan-


tificam-se vínculos fortes com seu companheiro do-o como um vínculo negativo. Sua difícil relação
Jacinto, irmão identificado como I3, sogra, tia com a mãe também é considerada um vínculo pas-
identificada como T3, avó materna, tio identifica- sado negativo muito marcante em sua vida.
do com T5, profissionais e usuários do CAPSII. A avaliação e identificação desses vínculos
Carolina define o vínculo com Jacinto como estão relacionadas ao contexto dos espaços micro
uma relação de “igual para igual”, ou seja, não há e macro social, nos quais Carolina circula e tece
domínio de um sobre o outro. As decisões são to- sua trama de relações. Conhecer esses vínculos é
madas em conjunto e eles se ajudam reciprocamen- importante e benéfico à medida que possibilita um
te. Descreve a relação com o irmão identificado por tratamento voltado para a Carolina enquanto su-
I3 como afetiva, uma relação de convívio. jeito, sua cultura e sua vida.
Quanto a sua sogra, diz ser uma relação de A identificação dos vínculos e da rede de rela-
apoio. Elas se encontram todas as semanas e se aju- ções de Carolina através da construção do geno-
dam quando precisam. grama e ecomapa possibilitou uma análise do mapa
Carolina considera sua tia materna (T3) como mínimo de suas relações e as funções que estas de-
uma mãe. Elas se falam todas as semanas por tele- sempenham em sua vida, evidenciando sua rede so-
fone ou através de carta. Visitam-se sempre que cial de apoio. Assim, a companhia social, que se re-
podem e considera o relacionamento entre elas fere à realização de atividades conjuntas e compar-
muito maternal, uma lembrança afetiva positiva de tilhar atividades cotidianas, é representada pelo seu
sua infância, que procura preservar. Também con- companheiro, sua sogra, o CAPSII e sua oficina de
sidera afetiva a relação que mantém com o tio que beleza, oferecendo suporte e o compartilhamento
reside em São Paulo (T5), mantendo esse contato de sua rotina cotidiana.
por telefone. O relacionamento com a avó materna O apoio emocional é encontrado junto ao seu
na infância, com a qual morou, é lembrado pela companheiro, sua sogra, seu irmão identificado
afetividade e ótima vivência, definindo-o como uma como I3, sua tia identificada T3 e o tio identificado
relação de afeto, de atenção e de cuidado. como T5. Esses familiares oferecem auxílio, soli-
Os profissionais, usuários e a oficina de bele- dariedade, havendo uma identificação e sensação
za do CAPSII também são apontados como relacio- de poder compartilhar sua vida com eles, pois, emo-
namentos fortes, pois têm possibilitado sua inser- cionalmente, essas vivências são positivas.
ção social, permitindo encontrar seu papel enquan- Carolina compartilha informações pessoais
to cidadão e criar uma ligação com a sociedade(11). (tristezas, chateações) com seu companheiro, com
Observa-se que os relacionamentos consan- a sogra, o psicólogo, colegas do CAPSII, professo-
güíneos de Carolina são definidos como fortes, pois res, supervisores de estágio, com os quais esclare-
despertam nela emoções e são lembrados como ce dúvidas e revê seus papéis na sociedade.
prazerosos. Caracterizam-se como importantes, Em relação à regulação social, representada
transcendendo a presença, são apoios sociais, pois pelas interações que lembram ou reafirmam res-
há a sensação de bem-estar com essas experiên- ponsabilidades e papéis sociais, afirma que se “es-
cias. Porém, Carolina afirma ter vínculos modera- pelha” na sua tia identificada como T3 que sempre
dos com seus irmãos identificados como I1 e I2, foi boa profissional, trabalhadora. Mesmo depois
tios (T1, T2 e T4), irmã e sobrinho de Jacinto, de aposentada, sua tia T3 desempenha vários pa-
amigas de Curitiba e vizinhos. São relacionamen- péis: faz trabalho voluntário, trabalho no asilo, en-
tos caracterizados como mais distantes, são conta- tre outros, fazendo-a lembrar que cada pessoa tem
tos rápidos, sem muitas conversas, de pouca afe- que desempenhar um papel na sociedade. A ima-
tividade como se fossem reuniões formais/come- gem que tem dessa tia é de uma pessoa dedicada,
morativas de família. Também diz ter relaciona- carinhosa e amorosa com todos que dela se aproxi-
mentos superficiais, de pouco contato, com seus tios mam, servindo de exemplo para realizar seu trata-
maternos (T1, T2 e T4) e com o irmão de Jacinto, mento, voltar para a sociedade e para o mercado de
não tendo muita afinidade com essas pessoas. trabalho.
Já, quanto ao curso de banho e tosa de cães/ Referente à ajuda material e de serviços, Ca-
gatos que estava realizando, diz que não corres- rolina recebe benefício do auxílio-doença e o casal
pondeu às suas expectativas, deixando-a mal, de- também conta com recursos financeiros dos pais
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de Jacinto para aquisição e suprimento das neces- seus caminhos, seus vínculos e relações sociais,
sidades diárias. ao traçar um mapa de seu modo de viver a vida.
O CAPSII aparece também como uma oferta Na família estudada, identificou-se um signi-
de conhecimentos, propiciando um cuidado que ficativo apoio em relação ao microssistema fami-
pode potencializar a pessoa e seus valores a partir liar e seu relacionamento com o macro espaço so-
da sua realidade. O serviço é identificado como lo- cial centrado no serviço de saúde. Tal fato deve ser
cal de acolhimento e de inserção social, e tem pro- aproveitado como uma informação para as equipes
piciado melhoria nas condições de vida e saúde de saúde identificarem fragilidades e fortalezas
de Carolina. Também tem possibilitado o acesso para implementação da atenção em saúde mental.
a novos contatos, ampliando sua rede social pes- Entende-se que conhecer os vínculos e as re-
soal. Através das oficinas e do relacionamento com des de apoio social aparecem como estretégias fa-
os outros usuários, há convívio social, mobilizan- cilitadoras e ampliadoras das ações de saúde men-
do contatos entre as pessoas e novas aproxima- tal, consolidando a proposta da Reforma Psiquiá-
ções. trica quanto ao exercício de cidadania e inclusão
Identificou-se que Carolina tem seu micros- social.
sistema familiar fortalecido em relação ao macros- Portanto, espera-se dos serviços de saúde o
sistema, já que seus relacionamentos mais amplos respeito pelo mundo das pessoas, que os serviços
referem-se ao vínculo forte com o CAPSII. Isso não possam ser espaços sociais de escuta, acolhimento,
é identificado pela usuária como um problema. afeto e liberadade que consideram a existência e
vivência do indivíduo em sofrimento psíquico em
CONSIDERAÇÕES FINAIS seu meio social.

Este estudo buscou identificar a rede social REFERÊNCIAS


de apoio de uma usuária em atendimento em um
1 Moura LS, Kantorski LP, Galera SAF. Avaliação e in-
Centro de Atenção Psicossocial, por meio da apli- tervenção nas famílias assistidas pela Equipe da Saú-
cação do Modelo Calgary de Avaliação de Família. de da Família. Rev Gaúcha Enferm. 2006;27(1):35-44.
Esse serviço é substitutivo ao manicômio, con-
sidera o meio social e o território do indivíduo, es- 2 Sluzki CE. A rede social na prática sistêmica: alterna-
paços em que se estabalecem os vínculos e as rela- tivas terapêuticas. São Paulo: Casa do Psicólogo; 2006.
ções das pessoas, além de constituir uma rede de
apoio social, condicionante para a compreensão 3 Lüchmann LHH, Rodrigues J. O movimento antimani-
desses sujeitos. comial no Brasil. Ciênc Saúde Colet. 2007;12(2):399-407.
Nesse sentido, busca-se uma parceria entre
profissionais/família/sociedade, com o objetivo de 4 Ministério da Saúde (BR). Portaria nº 336/GM, de 19
de fevereiro de 2002: dispõe sobre a proteção e os di-
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ria/famíliar seu processo de viver a vida. Essa vi-
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belece com o mundo social, dando visibilidade a Esc Enferm USP. 2008;42(1):127-34.
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ção em saúde mental. Rev Gaúcha Enferm., Porto Alegre (RS) 2009 jun;30(2):198-205. 205

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Endereço da autora / Dirección del autor / Recebido em: 20/05/2008


Author’s address: Aprovado em: 29/10/2008
Eliane Lavall
Av. João Pessoa, 41, ap. 728, Bairro Farroupilha
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