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ISSN: 2525-8761
DOI:10.34117/bjdv8n4-175
RESUMO
Este estudo teve por objetivo analisar o itinerário terapêutico de dez famílias de crianças
de 7 a 12 anos com Transtorno do Espectro Autista, identificando as estratégias de
cuidado adotadas. Pesquisa de abordagem qualitativa que utilizou entrevista semi-
estruturada. Como resultados, as famílias têm concepção biológica e genética a respeito
do TEA; mudança na dinâmica familiar; considerável sobrecarga materna após o
diagnóstico; a busca por tratamentos para as crianças considerados como alternativos ou
complementares; o suporte social se dá, principalmente através do apoio encontrado em
grupos de familiares de crianças com TEA, da fé e da religião Foi possível compreender
que a construção dos itinerários terapêuticos não se limita exclusivamente ao âmbito da
circulação das crianças em serviços de cuidados formais em saúde, mas se refere a
práticas do dia a dia que possam auxiliar no enfrentamento das situações adversas, nas
quais o contato com o outro, o sentimento de pertencimento, a experiência de não
sentirem-se só ou isolados e a certeza de terem locais e pessoas com quem contar aliviam
o sofrimento vivido. Espera-se que os resultados desse estudo possam contribuir para
pesquisas futuras que tenham como foco as pessoas com TEA e suas famílias, seus
contextos de vida e os apoios que necessitam na busca por cuidado e participação social.
ABSTRACT
This study aimed to analyze the therapeutic itinerary of ten families of children aged 7 to
12 years with Autistic Spectrum Disorder, identifying the adopted care strategies.
Qualitative approach research that used semi-structured interviews. As a result, families
have a biological and genetic conception of ASD; change in family dynamics;
considerable maternal burden after diagnosis; the search for treatments for children
considered as alternative or complementary; social support occurs, mainly through the
support found in family groups of children with ASD, of faith and religion. It was possible
to understand that the construction of therapeutic itineraries is not limited exclusively to
the circulation of children in formal care services in health, but it refers to daily practices
that can help in coping with adverse situations, in which contact with the other, the feeling
of belonging, the experience of not feeling alone or isolated and the certainty of having
places and people to count on alleviate the suffering experienced. It is hoped that the
results of this study can contribute to future research that focuses on people with ASD
and their families, their life contexts and the support they need in the search for care and
social participation.
1 INTRODUÇÃO
Estudos sobre itinerários terapêuticos ganham relevância nas pesquisas sobre a
construção de novas formas de cuidado e constituem uma potente contribuição para a
compreensão dos caminhos percorridos pelas pessoas, bem como da relevância do
protagonismo desses sujeitos comuns em meio aos seus próprios tratamentos,
favorecendo uma aproximação entre o saber médico e o saber popular.
Para Silva-Junior, Gonçalves e Demétrio (2008), cada indivíduo constrói sua
maneira de entender sua saúde e sua doença e isso se relaciona tanto com a representação
sociocultural como com a realidade na qual ele vive. A partir disso, é possível buscar
maneiras de tratamento que melhor deem conta de atender às suas aflições, com base na
forma com a qual esse sujeito compreende o processo pelo qual está passando. Assim,
pelo prisma socioantropológico, os processos pelos quais os indivíduos ou grupos sociais
escolhem, avaliam e aderem (ou não) a determinadas formas de tratamento são
denominados de itinerário terapêutico.
Alves e Souza (1999) consideram que o IT se sustenta na evidência de que
indivíduos e grupos sociais encontram diferentes maneiras de resolver seus problemas de
saúde e não se restringe à análise de serviços nem à utilização que os indivíduos fazem
destes.
Concordando com esse ponto de vista, compreende-se que o IT não se detém ao
caminho linear de trânsito das pessoas por serviços e unidades de saúde, mas, sim, como
o caminho de sentidos, de significados construídos pelo sujeito em busca de cuidado.
Cuidado esse que não se esgota no conhecimento formal vindo dos profissionais de saúde,
mas se amplia e encontra lugar nas relações sociais vividas por esses sujeitos, em suas
crenças e costumes, na rede de apoio pela qual circulam e nos significados que atribuem
ao processo que estão vivenciando.
Em relação às pessoas com Transtorno do Espectro Autista e suas famílias os
estudos sobre o itinerários percorridos tem nos mostrado as dificuldades na descoberta do
autismo (Ramos et al, 2020; Oliveira et al, 2020); a falta de conhecimento clínico como
contribuintes para as tensões vividas na peregrinação das famílias em busca de cuidado
(Silva & Chun, 2020); a escassez de serviços especializados e com equipe
multiprofissional como causa para a “peregrinação” por diferentes instituições de saúde
e educação e coloca esse fator como prejudicial para a qualidade do cuidado (Fáver-Nunes
& Santos, 2010); importância da integração de uma rede em diferentes níveis de atenção,
que vai muito além da institucionalização do cuidado em um único equipamento, mas
necessita de uma contínua integração de diferentes instâncias que proporcionem a
inserção dos sujeitos em seus territórios de circulação (Pacheco, 2009).
Partindo da ideia de que devemos considerar o TEA a partir de uma visão
ampliada, optou-se pelo estudo da construção do Itinerário Terapêutico (IT) desses
sujeitos e seus familiares. O problema do estudo centrou-se em conhecer os caminhos que
crianças com TEA e familiares percorreram e ainda percorrem para ter acesso a
tratamentos, educação e acessibilidade nos espaços da cidade para suas necessidades
cotidianas. O objetivo desse artigo é apresentar e discutir os resultados encontrados a
partir das entrevistas com familiares de crianças com TEA.
2 MÉTODO
A presente pesquisa se configura como um estudo retrospectivo de abordagem
qualitativa, que, segundo Minayo (2014) aplica-se à história das pessoas, à percepção de
como vivem, suas crenças e sua forma de agir.
Foi elaborado um roteiro de entrevista com perguntas abertas que pudessem
considerar prioritariamente e de maneira pessoal a opinião dos familiares acerca de
questões referentes ao TEA, como qual eram suas concepções e como se sentiam diante
do diagnóstico, do tratamento, da relação com profissionais, quais eram suas estratégias
de apoio na busca de cuidado e no enfrentamento das dificuldades e na construção de
novos significados diante das experiências da vida cotidiana.
Participaram da pesquisa dez familiares de crianças com TEA na faixa etária de
sete a doze anos e munícipes da cidade de Santos/SP. O estudo foi realizado entre março
e junho de 2018. O contato com os participantes se deu através de associações e grupos
Quadro I – Caracterização das famílias de acordo com nome do familiar entrevistado, idade, parentesco,
profissão, situação conjugal e idade da criança.
Situação Idade da
Nome Idade Parentesco Profissão
conjugal criança
Família 1 30 anos Mãe Mãe; Do lar Casada 8 anos
Familia 2 32 anos Mãe Diarista Divorciada 7 anos
Familia 3 37 anos Mãe Auxiliar adm. Solteira 9 anos
40/40 Func. Pública/ Func.
Familia 4 Mãe/Pai Casada 7 anos
anos Público
Familia 5 41 anos Mãe Autônoma Casada 7 anos
Familia 6 44 anos Mãe Desempregada Casada 7 anos
Família 7 46 anos Mãe Mãe de autista Casada 7 anos
Familia 47/47 Func. Pública/
Mãe/Pai Casada 7 anos
8. anos Autônomo
Familia
49 anos Mãe Serviços gerais Divorciada 9 anos
9.
Familia
49 anos Mãe Desempregada Separada 7 anos
10
Fonte: Autoria própria.
3 RESULTADOS
3.1 DIAGNÓSTICO E INÍCIO DE UM PROCESSO
Um ponto base de interesse desta pesquisa é construir uma compreensão do
percurso de cuidado realizado pela família e pela pessoa com TEA. O ponto de partida
desse percurso, portanto, é um fator relevante que carrega em si muitos desdobramentos.
Nesse sentido, a primeira categoria a ser analisada diz respeito aos sinais iniciais que
fizeram com que a família fosse em busca de cuidados.
Os relatos nos quais as famílias apontam os fatores que mostraram certa mudança
na ordem na qual a vida se encontrava, marcando o início de uma movimentação para a
compreensão de qual natureza estaria promovendo mudanças nessa ordem.
Das dez entrevistas realizadas, em quatro delas o TEA apareceu como um segundo
diagnóstico, na qual se considerava inicialmente um quadro convulsivo, um quadro de
esclerose tuberosa com epilepsia, um caso de Síndrome de Down e o caso de paralisia
cerebral, respectivamente.
Para duas famílias, apesar dos diagnósticos iniciais, algo no comportamento dos
filhos chamava a atenção, o que fez com que fossem em busca de uma investigação mais
apurada.
“Ele demorou andar, ele demorou a falar (...) Aí eu comecei desconfiar porque
ele não tinha estímulo, você podia estimular a perna dele, estimular a fala que ele não
falava, ele não retornava, parecia que ele não memorizava”. (Família 2)
“Primeiro foi a fala, né? Que atrasou, acho que é a primeira coisa que a gente
repara, né? Aí depois a gente começou a reparar assim que ele não... não atendia, né?
Não olhava pra gente, começou a enfileirar as coisas, empilhar, essas coisas assim. E eu
falei “nossa, tem alguma coisa aí”. (Família 1)
Para duas famílias, os sinais de alerta para o TEA foram realizados por médicos
que já acompanhavam o desenvolvimento da criança, e vieram como resposta a um
comportamento considerado diferente conforme relatado abaixo
“(...) até então ela tinha esclerose tuberosa, quando eu pedi um laudo de São
Paulo que aí veio pra mim, veio dizendo que tinha, tá lá o TEA, a esclerose tuberosa...
Tá tudo nesse laudo”. (Família 3)
“Até então ele era PC [Paralisia Cerebral], aí agora, faz um ano que o médico
atestou que ele tem comportamento autista, devido a essas batidas na porta que virou
hábito”. (Família 7)
Em três famílias a busca por cuidados foi iniciada a partir do apontamento feito
pela escola, em função do comportamento das crianças no espaço escolar. Para a família
6, alguns desses comportamentos foram percebidos em casa, entretanto a família só
buscou uma investigação a partir do encaminhamento escolar.
“E aí a escola também chamou minha atenção, falou “mãe, você percebeu...?”
Ela não falava ainda, com 2 anos ela não falava nada e também ela não interagia, ela
chegava na frente da escola ela chorava (...) Aí a coordenadora me chamou, conversou
e me orientou a procurar um neuro. (Família 6)”
Para a família 1, após os sinais iniciais de alerta, passaram a buscar um respaldo
através do médico pediatra, por volta dos dois anos e meio da criança.
“Eu passava por vários pediatras e sempre “ah não, é normal, menino é mais
devagar, menino é mais lerdo, tá tudo bem” (...) Aí foi mudando o pediatra até que o Dr.
E. [nome do profissional suprimido], quando ele bateu o olho ele falou assim “não, tem
alguma coisa errada (...) Daí foi o Dr. E. que encaminhou pro neuro, aí nós passamos
pelo neuro, ele pede um monte de exames assim só pra descartar outras coisas, né?”
(Família 1)
Após a percepção dos primeiros sinais de alerta, sejam eles pela família ou
apontados por algum profissional da saúde ou da educação, iniciou-se uma trajetória em
busca de decifrar o que tais sinais representavam. Como nomear? O que fazer? Quem
buscar? Tal caminho se construiu de maneira diferente para cada família, mas um ponto
em comum a todas foi a busca por um médico. As entrevistas também apontam a
comunicação sucinta entre esses médicos e as famílias nesse momento.
“A médica neurologista dele, ela quase infartava toda vez que me via, porque eu
era rainha do por que, e até que chegou um dia que parece que ela fez um texto e falou:
olha mãe, é isso, e isso e aquilo. Ele vai ter dias bons, vai ter dias ruins, mas você vai
saber lidar com isso. Daí ela explicou pra mim”. (Família 2)
A família 1 relata que o nervosismo durante a consulta foi tão grande que não
consegue se recordar de como foi o acolhimento ou mesmo explicação do médico sobre
o diagnóstico:
“Você sabe que eu tava tão nervosa na hora que se ele explicou eu não lembro.
Não posso te falar se ele explicou ou não que eu não me recordo”. (Família 1)
A família 6 parece ter encontrado, através do diagnóstico, um caminho possível
para seguir em busca de cuidado e tal direcionamento veio a partir das recomendações do
médico:
“Então, tipo assim, eu já esperava isso, eu só não tinha o diagnóstico e não sabia
por onde correr, né? E quando ela me falou, eu falei “ok, doutora, então qual o meu
caminho agora? Por onde eu vou?” (Família 6)
A relação entre as famílias e os profissionais parece ter sido marcada por
lembranças negativas e pouco acolhimento.
“Lá no hospital, na maternidade, quando eu chorava por toda a situação, elas
olhavam pra mim e falavam “você tem que aceitar seu filho”, mas eu não chorava pelo
fato de não aceitar, eu chorava pelo fato de não saber lidar. Como eu vou lidar? E a
médica ainda vira e fala assim “essas crianças vivem pouco”, é um descaso muito
grande”. (Família 5)
Para as demais famílias que não esperavam o diagnóstico, os sentimentos foram
ainda mais difíceis:
“Você ia saber que aquilo tinha um nome, o sofrimento dele tinha um nome, pra
mim foi muito doloroso, entendeu? E isso não tem cura (...)
Pra mim, aceitar que ele tinha autismo não era nem o fato de o autismo ser uma coisa
ruim, era o fato de que ele ia ter que carregar aquilo resto da vida dele, e aquilo não iria
abrir muitas portas pra ele”. (Família 2)
“Ai, fiquei perdida. Nossa, apesar de ser da área da saúde eu nunca tinha tido
contato com autismo”. (Família 10)
As vivências das famílias, embora tenham sido diferentes, não impediram que
suas opiniões sobre os tratamentos tivessem pontos bastante semelhantes, especialmente
no que diz respeito ao preparo profissional para lidar com o autismo. Quando
questionados sobre o que achavam dos tratamentos vivenciados, a família 1 responde:
“Ah, eu acho bem ruim, porque a maioria não tá... Não tem... Ai, como eu posso
te explicar? É muito genérico assim, igual a fono que atendia ele. Ela não conseguia,
não tinha especialização pra trabalhar com ele, porque são crianças difíceis mesmo de
chamar a atenção”. (Família 1)
O aspecto financeiro também aparece como fator determinante diante da
satisfação pelo tratamento, uma vez que aqueles que possuem maiores condições
econômicas poderiam buscar tratamento que melhor lhes satisfaça. “Quem tem uma
condição melhor acaba investindo mais, você concorda?” (Família 4)
A questão financeira também aparece na diferença apontada entre o particular e
público. Quando indagada sobre o que achava do tratamento, a família 8 responde:
de como ficaria o cuidado das crianças na ausência dos pais é um ponto comum em muitas
entrevistas.
Quando indagada sobre isso, a Família 5 relata ter mudado suas expectativas ao
longo do tempo, passando a considerar muito mais o bem-estar da criança do que metas
a serem alcançadas.
“Eu espero conseguir encontrar nele e eu conseguir oferecer pra ele aquilo que
ele mais gosta, sabe quando a gente encontra o caminho? “Ai, eu gosto de música, eu
gosto de dança...”, sabe? Que eu sei que isso que vai fazer com que ele se organize
melhor, com que ele se descubra melhor, eu acho que é isso que eu preciso oferecer pros
meus dois filhos, pro meu esposo, pra mim mesma: “o que me faz ficar bem? O que me
conduz?”.(Família 5)
Como estratégias adotadas no enfrentamento das aflições vividas, as famílias
entrevistadas nesta pesquisa relataram uma busca por diferentes subsistemas em saúde,
para além do campo de profissional. Algumas estratégias são destinadas diretamente para
as crianças, como uso de terapias complementares e naturais e outros são recursos
voltados para a família, como o suporte na fé e em grupos de mães que compartilham
vivências a partir do TEA.
– Rotas de cuidado
Quando falamos em cuidado, estamos levando em consideração não apenas o
valor normativo e estritamente ligado às práticas formais em saúde, mas consideramos
também aquilo que se constrói nas relações e vivências daqueles que buscam sanar suas
experiências de adoecimento.
Foi possível constatar nas entrevistas que a pessoa com autismo entra em contato
com muitos tratamentos e terapias específicas e contínuas. Nesse sentido, considera-se
relevante compreender quais recursos as famílias estabelecem para além do cuidado
profissional e onde encontram suporte para lidar com as adversidades cotidianas.
As estratégias mais frequentemente apresentadas foram o uso de remédios naturais
para as crianças, como homeopatia, ervas e florais; a religião; o contato da família com
grupos de mães de crianças com necessidades especiais e a inserção da criança na prática
de esportes.
“A gente tenta de um tudo, né? Tinha a simpatia... De dar a primeira água no
pano, eu lembro que a gente deu porque a gente tava tomando banho de chuva, no dia
primeiro de janeiro, né?” (Família 1)
fé e do que você acredita, entendeu? Tem a igreja aqui, né? Do Embaré, a Dona D. me
ajuda com cesta básica, vira e mexe encontra comigo na rua e pergunta “como você tá?
E o J.?”. Sempre lembrando de você, então você se sente apoiada”. (Família 10)
As crenças auxiliam na organização da experiência vivida e permitem que os
membros da família construam um sentido a partir de situações de crise.
Atividades físicas também aparecem como cuidados complementares, como visto
nos relatos a seguir:
“Eu estou querendo colocar na capoeira, que é uma vez por semana”. (Família
3)
“Ela tá na fila de espera da equoterapia (...) eu já tentei esporte, capoeira.... A
natação também”. (Família 4)
“To na fila pra equoterapia...”. (Família 5)
“Eu fiz equoterapia três anos e agora to fazendo skateterapia, ele já fez umas oito
aulas de skate, já vi uma boa melhora nele”. (Família 10)
Nas entrevistas é possível perceber a presença e o papel das redes informais
apresentadas pelas famílias, com considerável relevância dos grupos de mães de crianças
com autismo. As redes virtuais têm se configurado como uma importante ferramenta que
favorecem a construção de uma identidade coletiva, unindo grupos de pais com diferentes
histórias de vida e condições sócio econômica. Partilham em comum o convívio com
pessoas com autismo e a luta pela garantia de direitos.
“A gente troca muitas experiências com as mães, né? Porque existem outros
autistas que vieram antes dela (...) a gente participa de grupos, né? Não tem como não,
não tem como se isolar”. (Família 4)
“Cheguei em casa desesperada, coloquei no grupo “meninas, me ajudem pelo
amor de Deus”, aí começaram as meninas “faz isso, faz aquilo”,(...) Troca com mães é
nossa maior fonte”. (Família 5)
“Eu usei e uso muito a internet, e fora isso logo que a B. começou na instituição
educacional, lá eles fazem grupos de mãe, duas vezes por mês, de pais, né? Na verdade...
e aí através desse grupo eu conheci, uma mãe me apresentou, me falou do grupo do
WhatsApp, aí ela me adicionou (...) e aí, ali tem muito relato, tem muita dúvida, que uma
ajuda a outra, tem indicação de profissionais, um link interessante que a gente acha a
gente posta lá, uma matéria, então esse grupo ajuda bastante, a gente faz evento,
palestra, encontro de bate-papo, festinha, onde convida as crianças e a mães, né?”
(Família 6)
4 DISCUSSÃO
Os estudos dos itinerários terapêuticos não se esgotam em mapear os caminhos
percorridos pelas pessoas em busca de tratamento, mas se aprofundam em correlacionar
os campos de significados que atravessam essas pessoas e embasam suas escolhas de
cuidado. Assim, estudar esses campos é se aproximar dos contextos dos sujeitos,
compreendê-los como protagonistas nas suas relações de saúde e na compreensão de seus
adoecimentos. O ponto de partida dos IT das famílias participantes da pesquisa é um fator
relevante que carrega em si muitos desdobramentos. Kleinman (1976), no sentido de
articular cultura e saúde propõe, entre outras questões, que a biomedicina poderia se
relacionar com outras tradições de cura, descritas por ele como professional, popular e
folk. Tais subsistemas se referem aos campos nos quais as pessoas circulam em seus
processos de adoecimento. O Professional (profissional) entendido como aquele formado
pelos profissionais de saúde formalmente reconhecidos; o Popular, compreendido
principalmente como o contexto familiar, mas inclui também a rede social e as atividades
comunitárias; e o Folk, relacionado ao conhecimento de cura passado pelas pessoas, como
a prática dos curandeiros, tratando-se de um campo de cura não reconhecido formalmente.
A primeira categoria analisada diz respeito aos sinais iniciais que fizeram com que
a família fosse em busca de cuidados. Os relatos nos quais as famílias apontam os fatores
que mostraram certa mudança na ordem na qual a vida se encontrava, marcando o início
de uma movimentação para a compreensão de qual natureza estaria promovendo
mudanças nessa ordem.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nessa pesquisa foi possível observar que desde os primeiros sinais do TEA até
seu diagnóstico nosológico, as famílias passam a enfrentar situações de dúvidas, medo e
insegurança e os profissionais de saúde nesse momento acabam oferecendo o cuidado
com um caráter mais técnico do que em uma dimensão de acolhimento ampliado. Foi
possível constatar que o fluxo de encaminhamento para o tratamento aparece
prioritariamente estabelecido a partir de estratégias biomédicas, com terapias isoladas,
pouco articuladas entre si e que pouco consideram os contextos de vida de cada sujeito
nos direcionamentos apontados. Os encaminhamentos relatados no município foram
bastante pautados em instituições filantrópicas de educação especial, sendo pouco
incisiva a atuação da rede pública e dos diferentes setores nos quais a criança está inserida.
Essas instituições aparecem como o principal local de cuidado formal, sendo utilizadas
por oito famílias.
Outro ponto que mereceu significativo destaque foi em relação ao estigma vivido
pelas crianças e seus familiares. A experiência do sentimento de exclusão, de isolamento
e da sensação de ser olhado pelo outro com diferença esteve presente nos relatos.
Para as famílias, o suporte foi evidenciado principalmente através do apoio
encontrado em grupos de familiares de crianças com TEA e através da fé e da religião.
Foi possível compreender que os itinerários terapêuticos não se constroem pautados
exclusivamente no âmbito da circulação das crianças em serviços de cuidados formais em
saúde, mas se estendem em práticas do dia-a-dia que possam servir de auxílio para o
enfrentamento das situações adversas, nas quais o contato com o outro, a sensação de
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