Você está na página 1de 106

UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO

REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA


Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Saúde

Telma Maria Duarte Rodrigues

Família e Autismo:
Reflexões psicanalíticas com os pais de crianças autistas

São Bernardo do Campo


2021
Telma Maria Duarte Rodrigues

Família e Autismo:
Reflexões psicanalíticas com os pais de crianças autistas

Apoio

São Bernardo do Campo


2021

2
Família e Autismo:
Reflexões psicanalíticas com os pais de crianças autistas

Dissertação apresentada ao Programa de


Pós-Graduação em Psicologia da Saúde da
Escola de Ciências Médicas e da Saúde da
Universidade Metodista de São Paulo, na
linha de pesquisa Violência, Saúde e
Adaptação Humana para a obtenção do título
de Mestre em Psicologia da Saúde.

Orientadora: Profa. Dra. Hilda Rosa


Capelão Avoglia

São Bernardo do Campo

2021

3
FICHA CATALOGRÁFICA

R618f Rodrigues, Telma Maria Duarte


Família e autismo: reflexões psicanalíticas com os pais de
crianças autistas / Telma Maria Duarte Rodrgiues. 2021.
106 p.

Dissertação (Mestrado em Psicologia da Saúde) --Diretoria de


Pós-Graduação e Pesquisa da Universidade Metodista de São
Paulo, São Bernardo do Campo, 2021.
Orientação de: Hilda Rosa Capelão Avoglia.

1. Autismo (Psicologia) 2. Transtorno do espectro autista 3.


Família 4. Psicanálise 5. Promoção de saúde I. Título
CDD 157.9

4
A Dissertação de Mestrado intitulada: “ FAMÍLIA E AUTISMO: REFLEXÕES
PSICANALÍTICAS COM OS PAIS DE CRIANÇAS AUTISTAS”, elaborada por
TELMA MARIA DUARTE RODRIGUES, foi apresentada e aprovada m 01 de Setembro
de 2021, perante a banca examinadora composta pela Profa Dra Hilda Rosa Capelão
Avoglia (Presidente/UMESP), Profa Dra Miria Benincasa Gomes ( Titular / UMESP) , e
Profa Dra Cristina Keiko Inafuku de Merletti (Titular/UNIB II).

________________________________________

Profª Drª Hilda Rosa Capelão Avoglia


Orientadora e Presidente da Banca Examinadora

________________________________________

Profa. Dra. Maria do Carmo Fernandes Martins


Coordenadora do Programa de Pós-Graduação

Programa: Pós-Graduação em Psicologia da Saúde

Área de Concentração: Psicologia da Saúde

Linha de Pesquisa: Saúde, Violência a Adaptação Humana

5
Ao meu pai, José (in memoriam), sua força mora em

mim agora

A minha Mãe, Júlia, pelo ensinamento e dedicação do

cuidado ao outro

As minhas irmãs, Luciana e Fernanda, meus exemplos

sobre o caminho do estudo

Ao meu sobrinho, João Pedro, que me trouxe o amor

e um” novo” brincar

A AME , aos pais e meus pacientes, pois só assim pude

trilhar esse caminho.

6
AGRADECIMENTOS

À Prof. Dra Hilda Rosa Capelão Avoglia, minha mestra desde a graduação, por todo
ensinamento, acolhimento, confiança e por ter acreditado na realização dessa pesquisa.

As integrantes da Banca de Qualificação e de Defesa, Profas. Dras. Cristina Keiko


Merletti e Miria Benincasa, pelas trocas teóricas, leituras e pelos trajetos de acréscimo a
esse trabalho.

À Vera Lúcia M. Matassoglio, pela aceitação do trabalho na AME, confiança e pelas


grandiosas trocas de conhecimento.

À Carla Colombo, pela imensa paciência em participar da parte mais “braçal” desse
trabalho, pela amizade, confiança e toda parceria na clínica.

À AME pelo acolhimento e aprendizado. Ao Araújo pela confiança e por toda a equipe e
amigos que fiz nessa jornada, como: Ana Carol, Claudia A., Maria Inês, Clarissa, Larissa,
Elizane, Viviane, Michele C., Dra Heloisa, Karina, Tatiana, Ana Lúcia, Márcia, Lilian e
Rodrigo.

À Ana Lúcia Rabello pela amizade, pelas trocas de conhecimento, aprendizado e por sua
leitura dedicada a esse texto.

À Michele Roman Faria, pela sua marca na minha clínica, pela sua generosidade em
ensinar e compartilhar. E por todo o grupo de estudo de Lacan, estudioso, atento, forte,
em seguidas e plena terça-feira as 7h30 (Ana Lucia, Rinalda, Dani, Cinthia, Carol,
Tomoe, Izabel, Sueli, Mario, Matheus, Samantha e Laura)

As amigas e analistas, Paula Berti, Mariana Muraro, Rita Soares e Louise Silva, em
momentos tão difíceis nessa jornada, meu trabalho não existiria se vocês não tivessem
presentes.

Aos amigos Leandro Santos, Bruno Fedri, Eduardo Costa, Eduardo Marchesi, Márcio A.
Rocha, Fábio Noda, Camila Nappi, Patricia C. Leung, Adriana Tirado, Caroline Lima,
Ximena Ortega e toda equipe da Auta de Souza, pela marca da presença de vocês, das
trocas afetivas, e do aprendizado ao longo de diferentes caminhos da vida.

À minha analista Nina Leite Araújo, por me fazer escutar esse desejo.

À minha família pelo cuidado e carinho.

À todos meus pacientes.

À Elis Ap. de Castro Souza, sem a sua presença esse trabalho não teria prazo, nem entrega.
Obrigada pela sua organização e amizade.

À CAPES pela parte financiada dessa pesquisa.

7
RESUMO

Rodrigues, T. M. D. (2021). Família e Autismo: reflexões psicanalíticas com os pais de


crianças autistas. Dissertação de Mestrado. (105 fls.) Programa de Pós-Graduação em
Psicologia da Saúde, Universidade Metodista de São Paulo.

A clínica psicanalítica de crianças com Transtorno do Espectro Autista (TEA)


remete a muitas inquietações e questionamentos sobre as possibilidades de manejo
clínico. As queixas iniciais trazidas aos psicanalistas pelos pais e/ou responsáveis indicam
a presença de sentimentos de angústia e luto em relação a perda do filho ideal, após
receberem o diagnóstico e ao longo do tratamento do filho. Desta forma, esta pesquisa
teve como objetivo analisar o acompanhamento aos pais durante o tratamento psicológico
do filho com diagnóstico de TEA. Trata-se de uma pesquisa qualitativa descritiva e
documental com uso do método clínico. Para tanto, utilizou 5 prontuários inativos,
selecionados aleatoriamente, de uma clínica interdisciplinar da Região Leste de São
Paulo-SP. Os prontuários se referiam a crianças com idades entre 2 a 10 anos, atendidas
no período de 2011 a 2017. O material coletado foi analisado a partir da articulação entre
as contribuições da Psicanálise e da Psiquiatria Infantil para a clínica do autismo. Os
resultados analisados indicaram que os pais ao narrarem, historizarem e subjetivarem as
suas histórias e o sofrimento diante do diagnóstico de TEA, possibilitam a criança autista
encontrar um lugar de desejo nos seus pais. A Psicanálise, se dispondo a escutar e acolher
o “estrangeiro”, e não o eliminar, possibilita que aspectos familiares possam produzir
novos significados sobre o que se apresentava tão estranhamente. O estudo permitiu
contribuir com a prática clínica e institucional visando o desenvolvimento de
ressignificações dos pais sobre seus filhos autistas, promovendo novos sentidos de saúde
para a família.

Palavras-chaves: Autismo; Transtorno do Espectro Autista (TEA); Família; Psicanálise,


Promoção de Saúde.

8
ABSTRACT

Rodrigues, T.M.D. (2021) - Family and Autism. Psychoanalitic reflexions with parents
of autistic children. Masters dissertation (105 pages). Graduate program in health
psychology university.

The psychoanalytic clinic of children with autistic spectrum disorder (asd) raises many
concerns and questions about the possibilities of clinical management.
The initial complaints brought to psychoanalysts by parents and/or guardians indicate the
presence of anguish and mourning feelings regarding to the loss of the ideal child, after
receiving the diagnosis as well as during the child´s treatment.
Therefore, this research aimed to analyze the monitoring of parents during the
psychological treatment of their child diagnosed with asd. This is a qualitative, descriptive
and documentary research using clinical method.
For that, 5 medical records were used, randomly selected, from an interdisciplinary clinic
in the east region of são paulo. The medical records referred to children aged between 2
and 10 years old, assisted in the period from 2014 to 2017.
The collected material was analyzed from the articulation between the contributions of
psychoanalysis and child psychiatry to the autism clinic. The analyzed results indicated
that the parents, when narrating, historicizing and subjectifying their stories and the
suffering through the diagnosis, enable the autistic child to find a place of desire in their
parents.
Psychoanalysis, being willing to listen to and welcome the "foreigners", and not
eliminating it, enables familiar aspects to produce new meanings about what was
presented so strangely.
The study made it possible to contribute to clinical and institutional practice aiming at the
development of parents´ reinterpretation of their autistic children, promoting new senses
of health for the family.

Keywords: autism; autistic spectrum disorder (asd); family; psychoanalysis; health


promotion.

9
Lista de Quadros

QUADRO 1- Classificação do Transtorno Autista 28

10
Lista de Siglas

AMA Associação Amigos do Autista

AME Associação Metroviários do Excepcional

COVID-19: Coronavirus Disease – 2019

DEA ou ASD Desordens do Espectro Autista

DSM Manual de Estatística e Diagnóstico

DSM Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders

IPPIA Instituto de Psiquiatria e Psicoterapia da Infância e Adolescência

TEA Transtorno do Espectro Autista

TCLE: Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

TID Transtorno Invasivo de Desenvolvimento

TGD Transtorno Global de Desenvolvimento

11
SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO 15
1. INTRODUÇÃO 17
2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA 21
2.1. Autismo por sua origem: as cartas que apresentaram o novo olhar para o
Autismo 21
2.1.1 – O Autismo e a Medicina: do Autismo da esquizofrenia ao Transtorno do
Espectro Autista 27
2.1.2 – O Autismo pela Psicanálise: reflexões e teóricos 31
2.2.- Família e histórico social 41
2.2.1 – A família pela perspectiva da psicanálise 44
2.2.1 – Família e o filho “estrangeiro” – o Autismo 47
2.3 Clínica psicanalítica e o tratamento das crianças com TEA 50
2.3.1 - À direção de tratamento com o sujeito Autista e a família: caminhando pela
psicanálise. 52
3. OBJETIVOS 54
3.1 Geral 54
3.2 Objetivos Específicos 54
4. MÉTODO 55
4.1 Delineamento 55
4.2 Participantes 56
4.3 Local 56
4.4 Instrumentos 57
4.5 Procedimentos 57
4.5.1 Para a coleta de dados 57
4.5.2 Para a análise de dados 58
4.6 Procedimentos éticos 58
4.7 Critérios de inclusão 59
4.8 Critérios de exclusão 59
4.9 Riscos 59
4.10 Benefícios 60
5. RESULTADOS 61
5.1 Descrição dos Casos 61

12
5.1.1 - Caso 1 – Os pais de Luis – “em busca de um lugar melhor, meu lugar ao sol” 61
5.1.2 - Caso 2/3 - Os irmãos – Joaquim e Manoel: vem juntos, mas separam os pais.
64
5.1.3 Caso 4 – Carlos, o menino (des)controle da mãe 65
5.1.4 Caso 5 – Max, uma quase amizade 67
6. DISCUSSÃO 69
6.1- Análise do Casos 69
6.1.1 – Caso Luis e seus pais 69
6.1.2 - Análise dos casos 2/3 – Joaquim e Manoel 72
6.1.3 - Análise dos casos 4 – Carlos 74
6.1.4 - Análise do caso 5 – Max 75
6.2 Síntese das Análises dos Casos 75
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS 79
REFERÊNCIAS 80
Anexos 87
Anexo A (TCLE) 88
Anexo B (caae) 90
Anexo C (descrição dos casos clinicos) 94

13
Demora

Algumas coisas demoram, moram mais tempo, saem do tempo.

Nos observam, curiosas e um pouco displicentes.

poderiam perguntar-se: será

que ele (ela) vai aguentar esperar? mas nem isso se perguntam.

Aguardam aconchegadas na morada dos dias, dos meses, dos anos,

até chegar sua vez

de acontecer. Não têm pressa.

deixam-nos aflitos e talvez até se divirtam com

nossa ansiedade. é preciso olhar para elas, lá no alto da montanha, na

rachadura de uma rocha, no fundo da terra onde elas costumam ficar até

chegarem aqui, e fitá-las calmamente, no máximo, murmurar:

está bem coisa,

eu espero você.

(Quando nada está acontecendo

14
Noemi Jeffe)

APRESENTAÇÃO

Após a graduação em Psicologia, escolhi estar ao lado de psicanalistas e

psiquiatras infantis que me ensinaram sobre a questão do “não olhar” de uma criança,

quando o “olhar não está para você”, a criança pode não só estar triste ou no seu mundo

fantasioso, mas pode estar precisando de ajuda psicológica, ainda mais se houver algum

indício de que essa criança não brinca.

Segundo minha primeira supervisora do Instituto de Psiquiatria e Psicoterapia da

Infância e Adolescência (IPPIA), Dra. Amélia Vasconcellos, “se uma criança não brinca,

ela não está bem, o brincar é o mundo dela, a maneira dela de conversar conosco” (sic),

frase esta que marcou a minha clínica.

A partir de diversas angústias contratransferências e atendimentos clínicos, que

transcorriam desde estar com crianças que não falavam e pareciam escolher o canto da

sala para ficarem isoladas, até as que falavam, mas seu olhar não fazia laço comigo e a

brincadeira não acontecia. A força da frase ‘crianças que não brincam precisam de apoio

psicológico’ e das repetições do não brincar das crianças um desejo de saber para além

do que via foi ocasionado, concomitante com um eco, me trouxe a escolha de não ficar

apenas no IPPIA. E nesse momento, junto com a minha análise, me deparo com a

psicanálise lacaniana, um novo jeito de pensar que ainda não reconhecia em mim mesma.

Entretanto seis anos percorridos de encontros e desencontros nesse novo pensar a

psicanálise, o meu próximo encontro foi com a Associação Metroviários do Excepcional

(AME). Com essa Instituição pude fazer uma brincadeira no seu nome, transformando

AME em Mãe, pois foi a partir daí que iniciei a escuta do meu próprio desejo: a clínica

do autismo e da psicose, apesar de atravessada pela demanda de tratar as crianças, devido

a gravidade e angústia do diagnóstico, necessita da escuta dos pais e familiares pois são

15
esses que trazem as primeiras queixas, as observações desde os primeiros instantes que

perceberam as dificuldades ou atrasos, relatam sobre as dúvidas e medos, e ao me deparar

com os pais e com o reconhecimento de quem são, ou lugares deles na relação dessa

família. Nesse percurso, atualmente e de minha parte, esse desejo se transformou em

desejo de escrever sobre esse aprendizado e saber.

Escrever não foi uma tarefa fácil, acredito que falar ou expressar as palavras

parecem que fazem mais sentidos. Na escrita, a inibição, o receio, os sentimentos que

atormentaram provocaram insegurança. Mas, a cada semestre um aprendizado foi se

firmando até a possibilidade de construção e finalização desse produto e realização dessa

dissertação de mestrado.

16
1. INTRODUÇÃO

A família se constitui no contexto relacional de um indivíduo com o outro,

estabelecendo lugares por excelência da transmissão de leis, da cultura, abarcando a vida

social e psíquica do sujeito, tornando-se um complexo (Lacan, 1938/2015). Se um

situação ou particulariedade de algum membro surgir, provavelmente afetará a todos os

membros familiares (Andrade & Teodoro, 2012)

Ao depararmo-nos com o sofrimento psíquico e a frustração dos pais diante da

primeira observação sobre o que é Transtorno do Espectro Autista (TEA) no seu filho e

iniciar um atendimento adequado é algo rotineiro de escuta na clínica psicológica e

possível de ser encontrado em alguns estudos (Xavier, Marchiori, & Schwatzman, 2019).

Martão (2009) demonstra em seu estudo que alguns pais de crianças autistas, após

conhecerem a realidade do diagnóstico atribuído a seus filhos, apresentam frustrações e

dificuldades de lidar com esse sofrimento marcado pela dor e luto, que ocasionam

sentimentos de evasão, negação e distorção afim de aplacar as angústias desencadeadas

por esse diagnóstico. Entretanto, um estudo realizado na cidade de São Paulo, revelou

que a partir da aproximação dos de pais com educadores de crianças com transtornos

graves de desenvolvimento, mediado pela intervenção psicanalítica foi possível extrair

princípios norteadores que promoveram uma educação subjetivante da criança pequena,

colaborando para a promoção da sua saúde mental (Merletti, 2016).

É importante ressaltar que quando uma família descobre uma patologia,

deficiência ou alteração em seu filho, repercussões na vida pessoal dos pais são aparentes

e significativas, principalmente, quando um dos pais assume a responsabilidade dos

cuidados por essa criança (Hurlbutt, 2011). Na maioria das vezes, quem assume o papel

de cuidador é a figura feminina, e essa costuma relatar que, após o diagnóstico, além dos

impactos na carreira profissional, há um comprometimento na qualidade de vida dos


17
familiares, ressignificando a vida pessoal, com a paralisação de atividades pessoais de

modo a afetar diretamente a saúde mental de todos os familiares, e podendo modificar os

hábitos da estrutura familiar (Misquiatti, Britto, Ferreira, & Assumpção Junior, 2015).

O diagnóstico de Transtorno do Espectro Autista (TEA) é fundamentalmente

clínico, e sua observação é dada pelos comportamentos da criança e relato dos pais e

familiares, além disso pode ser identificado na primeira infância, principalmente antes

dos 3 anos de idade e permanece pela adolescência e vida adulta (Silva & Elias, 2020).

Atualmente existe um percentual de 77 milhões de crianças autistas no mundo, sendo 2

milhões apenas no Brasil (Secretária da Saúde, 2020). O aumento sugestivo desse

transtorno, ocorreu pela inclusão e melhora nas bases de estudos epidemiológico com

critérios de diagnóstico e informações obtidas a partir do Manual de Estatística e

Diagnóstico (DSM- IV, 1992) como apontado por Jerusalinsky (2012), mas ainda é uma

questão a ser discutida, pois apesar do autismo ser uma doença infantil revelada por Léo

Kanner em 1943 (Kanner,1943/1997) os estudos vem apresentando um grande avanço e

muitas mudanças vem ocorrendo desde essa época tanto no campo do saber da medicina,

como na Psicologia e outras áreas de interesse de estudo.

O Autismo, na atualidade, integra as mais diversificadas pesquisas, como o

desenvolvimento de estudos sobre Genética e Neurologia que não podem ser negados,

pois determinam diversos tipos de autismos (Jerusalinsky, 2012). As bases de dados

estatísticos da vigilância de saúde no Brasil ainda não permitem a obtenção de

informações tão precisas, entretanto, em 2015, entra em cena o decreto de uma lei

nacional (Lei 13.146), conhecida como Lei Brasileira de Inclusão, que autoriza as pessoas

com TEA a serem incluídas na comunidade, com todos os direitos igualitários aos dos

deficientes, tais como: vida digna, integridade física e moral, livre desenvolvimento da

personalidade, segurança, serviço de atendimento multidisciplinar, escola, entre outros

(Brasil, 2019).

18
Mesmo diante desse reconhecimento, o psicanalista Jerusalinsky (2012) discute

que casos de autismo podem supor uma falha na inscrição da relação da criança com a

mãe, havendo um prejuízo na relação materno-filial desde o começo do desenvolvimento,

diferentemente da pontuação sobre a mãe ser a causa do autismo no filho. Na clínica

psicanalítica é possível perceber que o filho autista se torna um enigma, sendo algo

obscuro e o diagnóstico a grande problemática familiar.

Na clínica, quando recebemos os pais, é muito comum em seus relatos e nas suas

angústias demonstrarem as frustrações pela possibilidade do erro, o não saber sobre o

autismo, recaindo sobre o não saber do cuidar desse novo “filho”, pois naquele

diagnóstico nasce um novo alguém, sempre se perguntam quem causou aquele mal-estar

e tentam justificar.

O psicanalista Winnicott (1929/1997) retratou que o sofrimento dos pais se agrava

porque, ao invés de verem o filho de 1ano e 6 meses a 3 anos, tornando-se independentes

e com autonomia, percebem que, com o diagnóstico de autismo, uma fragilidade se

instalou sendo passíveis de cuidados, sem perspectiva ou previsão do quanto de tempo

isso levará, ocasionando uma frustração e uma não recompensa pelo crescimento

emocional que tanto esperavam. Mesmo assim, tendo essa percepção, falta ainda a

capacitação profissional para os cuidados com os pais dessas crianças e para a melhora

na assistência à família (Bordini; Cavichiolli; Cole; Asevedo; Machado, & Paula, 2014).

No Brasil, depois da criação da Associação Amigos do Autista (AMA), em 1983, segundo

os autores Oliveira, Feldman, Couto e Lima (2017), consolidou-se grupos de familiares

de autistas não só para apoio emocional, mas para formular leis, buscar recursos públicos,

tratamentos, pesquisas, atendimentos e educação. Contudo, ainda é possível perceber

algumas lacunas nos recursos para os autistas, principalmente referentes a questões

envolvendo políticas públicas e acessibilidade à sociedade (Leandro & Lopes, 2018).

19
Assim, no presente estudo se pressupõe que, ao escutar os pais, incluindo-os desde

o início da chegada para a avaliação psicológica de seus filhos, oferecendo-os um espaço

para os familiares desenvolvendo-se um abrangente campo para a possibilidade de

ressignificações nas relações entre pais e criança e promoção de saúde na família

(Merletti, 2016).

Desta forma, para compreender a história do Autismo, seus impasses e a

participação dos pais como sujeitos ativos no processo de tratamento, passaremos a seguir

a uma leitura de fundamentação teórica deste trabalho.

20
2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

O Autismo nas crianças foi observado pela psiquiatria em 1943, como será

descrito a seguir, e a proposta desse capítulo é apresentar o longo caminho da trajetória

que vai da hipótese diagnóstica, do enigma que se instaura, questões que se estabelecem

e a necessidade de reflexão diante dos impasses e diversidades que essa entidade clínica

sugere.

Assim, cabe ao psicólogo a inserção nesse estudo, pois é esse o profissional que

intermediará tanto com o sujeito acometido com o transtorno, como na sua relação com

a sua família e na dinâmica familiar (Souza, et al., 2004).

A seção de Fundamentação Teórica será composta assim: o primeiro capítulo será

descrito o autismo e sua história com a Psicanálise, sendo necessário a divisão em dois

subcapítulos: o autismo como transtorno e depois, a vertente da psicanálise. O segundo

capítulo será descrito sobre a família, abrindo um subtema, no qual é incluída a família e

o estrangeiro, contando o que ocorre com a família com a chegada da insígnia psiquiátrica

inicial - autismo. Assim, finaliza-se com a clínica psicanalítica e as possibilidades de

intervenção valorando a escuta familiar quando diante de uma criança autista.

2.1. Autismo por sua origem: as cartas que apresentaram o novo


olhar para o Autismo

Atualmente vivenciamos um distanciamento de toques, abraços e reaprendemos

que mensagens, dispositivos online e/ou e-mails nos mantém próximos e informados,

devido a pandemia COVID-19. Imagine só, se nossos antepassados, tivessem tanta

facilidade nessa comunicação, pois quando recuperamos a história do autismo,

21
encontramos que ela se inicia entre cartas, não perdidas, do analista Carl Jung ao Dr.

Sigmund Freud.

Em 13 de maio de 1907, Carl G Jung escreveu de maneira bem sutil ao dr.

Sigmund Freud, que apesar da sua bela apresentação naquele momento sobre psicose e o

caso Scherer, a sua teoria sobre autoerotismo como uma das características para explicar

um fenômeno da psicose, tinha sido negada pelo psiquiatra suíço Bleuer, pois, Bleuer

queria que Dr. Freud o ajudasse a entender o que acontecia com os casos mais graves de

pacientes esquizofrênicos, então, o termo autoerotismo de Freud, não se enquadraria a

esses casos, mas Bleuer a partir desse termo, cria o neologismo Autismo, retirando

“Eros”.

Para Bleuer, o Autismo teve essa subtração de Eros, trazendo ao indivíduo um

desinvestimento em relação ao mundo exterior, desinteresse pelo outro e isolamento

psíquico em um mundo de devaneio, de fantasia e sonhos, que passa a ser tão verdadeiro

com o real, que parece que ele está em outra realidade (Rutter, 1978 apud Saúde, 2019).

Bleuer considerava o Autismo como um dos principais sintomas da esquizofrenia,

estando junto com a ambivalência afetiva, distúrbio das associações e da afetividade.

Associava a uma sintomatologia bastante complexa da esquizofrenia, noção dada por

Bleuer ao rebatizar a demência precoce de Kraepelin (Pereira, 2000).

A clínica psiquiátrica atravessada pela psicanálise, constatava que alguns

pacientes psiquiátricos graves – como os esquizofrênicos, tinha a cisão das funções

psíquicas, sendo a Spaltung 1 a característica primordial, isto é, um reconhecido de cisão

do eu, na qual uma parte de seu mundo era desligado, e o mundo externo também sofria

uma alteração (Lara, 2012).

1
Ichspaltung – clivage du moi – splitting of the ego - escisión del yo – scissione dellío. Freud
denominou Spatung, termo em Alemão, como uma operação que ocasionava no fetichismo e na psicose, e
representava um mecanismo de defesa, do homem a divisão do ego, o dividir em si mesmo, mas não entre
as instancias psíquicas ego e id. (J.Laplanche e J.B.Pontalis, 1970 ).
22
Os esquizofrênicos mais gravemente atingidos, os que não
têm mais contato com o mundo externo, vivem num mundo que
lhes é próprio. Fecham-se com seus desejos e suas aspirações (que
consideram realizados) ou se preocupam apenas com os avatares
de suas ideias de perseguição; afastaram-se o mais possível de
todo contato com o mundo externo. A essa evasão da realidade,
acompanhada ao mesmo tempo pela predominância absoluta ou
relativa da vida interior, chamamos de autismo (Bleuer in
Kaufmann, 1996, p. 56).

Pouco se perdeu nessa história diante de correspondências e observações de tal

maneira que o Autismo marcou sempre presença, mesmo antes de ser uma entidade

clínica. No início era visto como “psicoses infantis” nos transtornos invasivos das

crianças. A retomada dos primeiros estudos, originou-se pela carta de uma mãe ao Leo

Kanner, em 1938 (Donvan & Zucker, 2017).

Mary, mãe de Donald, morava nos Estados Unidos, sabendo dos estudos do

psiquiatra Leo Kanner na Escola de Medicina da Universidade Johns Hopkins, escreveu-

lhe que tinha dúvidas sobre seu filho, considerando-o irremediavelmente louco. Nessa

carta, descreveu sobre a sua tristeza e frustração de não saber o porquê seu filho não

retribui seus beijos e afagos, parecendo que estava em pensamentos perdidos e a atenção

a si nunca era retribuída (Donvan & Zucker, 2017).

essa era a coisa mais difícil para Mary: a extrema


indiferença de Donald a sua presença. O menino ao seu lado
parecia não se importar se ela o afagasse, beijasse ou abraçasse.
Se virasse o rosto e ficasse olhando pela janela aberta, perdida em
pensamentos, Donald jamais a agarraria nem choraria para
recuperar a sua atenção” (Donvan & Zucker, 2017, p. 21).

Leo Kanner, como essa demanda materna, iniciou uma observação com outras 10

crianças, pois tinha muito interesse no desenvolvimento emocional e, assim, no ano de

1942, apresentou uma carta-resposta a Mary, ressaltando que o “novo distúrbio” era uma

descoberta na psiquiatria, e seria o Distúrbio Autístico Inatos do Contato Afetivo (Donvan


23
& Zucker, 2017). O nome Autismo apareceu mais tarde, pois Leo Kanner pontuou que

uma das questões possíveis para que essas crianças sofriam seria o resultado de uma

relação fria entre o bebê e seus cuidadores, propiciada pelo distanciamento da mãe e do

pai para com o filho (Kanner,1943/1997).

Assim, em 1943, Leo Kanner (1943/1997) escreveu seu primeiro texto sobre as

características que conhecemos até hoje do Autismo, apresentando características únicas

da síndrome que nunca tinham sido relatas e, além disso, conseguiu distinguir as crianças

do que anteriormente era conhecido como idiotas ou imbecis, devido a possibilidade da

comorbidade do déficit cognitivo. De característica primordial apresentou que essas

crianças tinham um retraimento inicial, como um fechamento e isolamento extremo, o

que faz com que a criança negligencie, ignore ou recuse a tudo o que estiver em seu

exterior.

Kanner (1943/1997) descreveu que essas crianças, quando bebês, apresentavam

um fracasso em adotar uma atitude antecipatória de impulso ao colo de seus pais, sendo

que, na clínica atual, é possível reparar que os bebês que chegam com alguns indicadores

de risco para o desenvolvimento, são hipotônicas, ou seja, tem um corpo mole que quando

se pega ao colo permanece na mesma postura, sem se mover, ficando estática. Nesse caso,

o esperado seria que o bebê acomodasse seu corpo à posição da pessoa que o carrega, o

que evidência, como Kanner observou, um movimento estático.

Em relação a linguagem, Kanner (1943/1997) discutiu que entre a criança muda e

a falante, não há diferenças, pois, a transmissão do que dizem não é para o outro, isso é

não tem como comunicação.

Donald não saia da cama após a dormida vespertina


enquanto não dissesse: “buh, Don, você quer descer”, e que a sua
mãe não o atendesse. Mas, isto não era tudo. Esta ação ainda não
era considerada completa. Donald continuava: “agora diga: Tudo
bem”. A mãe devia fazer isso ou ele começava a gritar até que
24
fosse realizado. Todo esse ritual constituía uma parte
indispensável do ato de levantar-se após a dormida da tarde.
Qualquer atividade deveria ser realizada do princípio ao fim,
exatamente como da primeira vez (Kanner, 1943/1997, p. 162).

As crianças Autistas, como Kanner apresentou verbalizam repetições de nomes de

objetos com adjetivos, mas sem significados, apresentam estereotipias verbais e palavras

criadas (neologismo), usam os pronomes como referindo-se sempre a si, você e eu seriam

a mesma criança em todos os contextos. Na clínica o que é possível perceber quando essas

crianças começam a dizer os pronomes, inicialmente aparece como uma confusão, tanto

que usam o nome em terceira pessoa para se referir a si mesmo, e quando aprendem os

pronomes, inicialmente, eu e você, é sem diferenciação. O atraso de linguagem e/ou

percepção que algo não se desenvolve nesse quesito será mais tarde um requisito de

observação clínica que definirá esse quadro (DSM-V, 2013).

Em casos graves, Kanner (1943/1997) apresentou ainda duas características

importantes como ruídos fortes ou objetos em movimentos que são quesitos de repulsa e

terror, provocando isolamentos na criança. No que se refere a alimentação, como primeira

intrusão vinda do exterior, é um quesito de repulsa: “Nossos pacientes, pelo contrário,

desejando ansiosamente rejeitar o mundo exterior, traduziam essa rejeição pela recusa do

alimento” (Kanner, 1943/1997, p.160). Na clínica, os pais apresentam a seleção dos

alimentos e a necessidade de comer sempre o mesmo, como rituais, não importando se a

criança vai tomar café da manhã ou jantar, ela pede salsicha e isso é o que lhe é oferecido.

O fato interessante, é que uma mesmice vai se impondo de ambos os lados e quando

questionamos, a resposta é sempre a mesma, os pais evitam crises maiores.

O mesmo psiquiatra, citado acima, apontou que o Autismo pertencia a

esquizofrenia, sendo que a origem dessa condição, era a resposta dos cuidados familiares

como dito anterior (Kanner, 194/1997). Dez anos depois, na obra "A fortaleza vazia",

Bruno Bettleheim (1967/1987) popularizou essa ideia, caracterizando com mais força na
25
causalidade de efeito e reposta de uma má relação, pois acreditou que o Autismo seria

causado pela indiferença da mãe em relação à criança, ocasionando um mal-estar nos pais

dessas crianças (Cavalcanti & Rocha, 2001).

Um ano depois que Leo Kanner publicou o seu artigo (1943/1997), o pediatra

austríaco Hans Asperger observou, em quatrocentos meninos, padrões de

comportamentos repetitivos sistemáticos e um padrão de habilidades anormais para a

idade, aos quais chamou inicialmente de “Psicopatia Autista”, e apresentou que a

prevalência do Autismo era em meninos. Diante da necessidade de encerrar seus estudos

devido a invasão nazista, acredita-se que o cuidado com o diagnóstico das crianças era

um meio de proteção às crianças na sociedade (Correa, 2017).

Em 1956, Leo Kanner continuou a descrever o Autismo como um quadro de

psicose, relatando que os exames clínicos e laboratoriais seriam incapazes de fornecer

dados consistentes sobre a etiologia, diferenciando os quadros sensoriais, de afasias,

oligofrenias ou as verdadeiras psicoses (Assumpção Júnior & Pimentel, 2000), até os dias

de hoje temos essa discussão, e isso torna o Autismo um enigma e tão discutido.

Nos anos 60, o Autismo passou a ser considerado como um transtorno cerebral

desde a infância, sem nenhuma diferença no que tange a grupos socioeconômicos e

étnico-raciais, sendo encontrados em todos os países e investigado em uma oposição e

afastamento da psicanálise.

Em 1978, o psiquiatra inglês Michael Rutter, apresentou os quatros critérios que

foram utilizados como características fundamentais para o que seria o transtorno mais

tarde na medicina: 1) atraso e desvio sociais não apenas em função de retardo mental; 2)

problemas de comunicação, novamente, independente do retardo mental associado; 3)

comportamentos incomuns, tais como movimentos estereotipados e maneirismos, e; 4)

início antes dos 30 meses de idade; tendo grande importância a elaboração desse quadro

26
não mais como doença mental, mas como um quadro de deficiências no desenvolvimento

que são acometidos também pelo déficit cognitivo.

A psiquiatra inglesa e mãe de uma criança autista, Lorna Wing, em 1981,

descreveu sobre os estudos de Hans Asperger e substituiu o termo criado por ele por

Sindrome de Asperger, como também apresentou o termo espectro. Esses dois últimos

psiquiatras são os que se tornaram a grande influência para a descrição de como o

Autismo será compreendido no campo da Medicina, tornando assim com conhecemos

hoje: o transtorno do espectro Autista (Correa, 2017).

2.1.1 – O Autismo e a Medicina: do Autismo da esquizofrenia ao Transtorno do

Espectro Autista

A primeira publicação do Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders

(DSM) foi em 1952, mas a primeira vez que o termo Autismo foi utilizado no DSM

ocorreu na revisão de 1980, ou seja, no DSM-III. Utilizando a terminologia como

Transtorno Pervasivo do Desenvolvimento, Transtorno Invasivo de Desenvolvimento

(TID) ou Transtorno Global de Desenvolvimento (TGD). O Autismo passou a ser visto

não mais como uma doença psiquiátrica, mas como um distúrbio de desenvolvimento

(Ribeiro, 2006). O termo TID foi escolhido para refletir o fato de que múltiplas áreas de

funcionamento são afetadas e relacionadas ao Autismo. Em 1987, época em que o DSM-

III sofre uma revisão, e se torna DSM-III-R, o termo TID ganhou raízes, sendo adotado

também na décima revisão da Classificação Estatística Internacional de Doenças e

Problemas Relacionados à Saúde (CID-10, 1993).

A psiquiatria instaurou esse quadro em 1992 no DSM-IV ou CID-10 (Quadro1),

como Transtorno Global do Desenvolvimento (TGD), caracterizado por uma tríade de

comprometimentos relacionados à interação social recíproca, comunicação e presença de

27
atividades e comportamentos restritos, repetitivos e estereotipados. Porém, na última

década, a descrição e o conceito de Autismo infantil vêm sendo denominadas como

Transtorno do Espectro Autista (TEA) incluindo: o Autismo, a Síndrome de Asperger e

o Transtorno Global do Desenvolvimento, sem outra especificação (excetuando a

Síndrome de Rett e o Transtorno Desintegrativo da Infância) (DSM-5, 2013).

Na nova classificação apresentada no DSM (DSM-5, 2013), os três primeiros

receberam a denominação de Transtorno do Espectro Autista (TEA), pois esse quadro

engloba diferentes síndromes marcadas por perturbações no desenvolvimento

neurológico com três características fundamentais, que podem se manifestar em conjunto

ou isoladamente. São elas: dificuldade de comunicação por deficiência no domínio da

linguagem e no uso da imaginação para lidar com jogos simbólicos, dificuldade de

socialização e padrão de comportamento restritivo e repetitivo.

Também chamado de Desordens do Espectro Autista (DEA ou ASD, em inglês),

o TEA recebeu o nome de espectro (espectro), pois essa palavra ‘espectro’, explicita a

ideia de um contínuo associado a transtornos neuropsiquiátricos (APA, 2014; Julio –

Costa, & Antunes, 2017). Assim, os sintomas se encontram em um continuum único de

prejuízos, com intensidades que vão de leve a grave nos domínios de comunicação social

e dos comportamentos restritivos e repetitivos, em vez de constituir em transtornos

distintos (Silva & Elias, 2020).

A recém-publicada 11ª versão da CID-11(2019), que entrará em vigor em janeiro

de 2022 (OMS, 2021) (Quadro 1), apresentará critérios diagnósticos do TEA semelhantes

ao do DSM-V (2013), sendo acrescentado outros diagnósticos, uma vez que se começou

a perceber que essas crianças também apresentam dificuldades de aprendizagem e

depressão. Assim, irá se remover as condições como a Síndrome de Asperger e o

Distúrbio Pervasivo de Desenvolvimento Sem Outra Especificação e a criação de um

domínio amplo denominado Transtorno do Espectro Autista (TEA), devido ao

28
agrupamento dos critérios para a comunicação e sociabilidade em uma única categoria e

a inclusão de sintomas sensoriais (Almeida, 2019)

Quadro 1 – Classificação do Transtorno Autista

AUTISMO NO CID 10 AUTISMO NO CID 11


F84 – Transtornos globais do desenvolvimento 6A02 – Transtorno do Espectro do Autismo (TEA)
(TGD)
6A02.0 – Transtorno do Espectro do Autismo sem
F84.0 – Autismo infantil; deficiência intelectual (DI) e com comprometimento
leve ou ausente da linguagem funcional;
F84.1 – Autismo atípico;
6A02.1 – Transtorno do Espectro do Autismo com
F84.2 – Síndrome de Rett; deficiência intelectual (DI) e com comprometimento
leve ou ausente da linguagem funcional;
F84.3 – Outro transtorno desintegrativo da infância;
6A02.2 – Transtorno do Espectro do Autismo sem
deficiência intelectual (DI) e com linguagem
F84.4 – Transtorno com hipercinesia associada a
funcional prejudicada;
retardo mental e a movimentos estereotipados;

6A02.3 – Transtorno do Espectro do Autismo com


F84.5 – Síndrome de Asperger;
deficiência intelectual (DI) e com linguagem
funcional prejudicada;
F84.8 – Outros transtornos globais do
desenvolvimento;
6A02.4 – Transtorno do Espectro do Autismo sem
deficiência intelectual (DI) e com ausência de
F84.9 – Transtornos globais não especificados do linguagem funcional;
desenvolvimento.
6A02.5 – Transtorno do Espectro do Autismo com
deficiência intelectual (DI) e com ausência de
linguagem funcional;

6A02.Y – Outro Transtorno do Espectro do Autismo


especificado;

6A02.Z – Transtorno do Espectro do Autismo, não


especificado.

Fonte: Telma Maria Duarte Rodrigues (2021) - a autora.

Nessa nova elaboração do quadro clínico médico, ressalta-se que é um uso e

retrocesso do que era observado, isto é, as crianças antes do século XX, não podiam ser

loucas por serem crianças, mas agora o ser criança, abriu para a oportunidade de um

acúmulo de diagnósticos, tendo a subjetividade diminuída, e o diagnóstico tomando o

lugar do sujeito, tanto que o pequeno necessita responder aquele padrão do que se espera

que ele seja. A redução da singularidade e subjetividade são marcas de um crescimento

29
expansivo de reconhecimento dessa não dita mais “doença”, mas um transtorno do

desenvolvimento.

Com esse avanço na elaboração e descrição desse conceito clínico, o último estudo

sobre a prevalência do Autismo, ocorreu em abril de 2018, no Controle de Doenças e

Prevenção de Saúde (CDC, 2019), nos Estados Unidos. Verificando o aumento de

prevalência é de um para 59 crianças com o diagnóstico de Transtorno do Espectro

Autista. E no mundo, atualmente, estima-se a prevalência de 1 para 160 crianças (OMS,

2020).

Já no Brasil, ainda não é possível contar com esses dados em nossas bases de

estatísticas na vigilância da saúde. Entretanto, em 27 de dezembro de 2012, os autistas

ganham um direito que é estabelecido a quem é portador de alguma deficiência,

conhecido por Lei Berenice Piana (Lei 12.764) e recebeu o nome da mãe do autista, pois

esta iniciou o movimento.

A grande marca nos familiares de crianças autistas são as mobilizações que

provocam e três anos tarde após essa lei, alguns pais incitam o ministério público a

desenvolver e decretar outra lei nacional (Lei 13.146), conhecida como Lei Brasileira de

Inclusão, que autoriza as pessoas com Transtornos do Espectro Autista (TEA), a serem

incluídas na comunidade, com todos os direitos igualitários aos deficientes como: vida

digna, integridade física e moral, livre desenvolvimento da personalidade, segurança e

lazer, além de proteção ao abuso e exploração. Na saúde, há acessos a serviços de saúde

e equipe multidisciplinar, o diagnóstico é precoce, possuem medicação e nutrição, direito

a educação, cursos profissionalizantes e assistência social (Brasil, 2019).

Desta forma, esses ativistas têm um marco na luta pelos direitos dos autistas, que

registra nossa história nacional, além de garantir à educação em escolas regulares, como

a inserção no mercado de trabalho, além de ser um veículo jurídico para que familiares

30
possam acessar atendimentos em serviços de saúde especializados, em oposição aos

ofertados pela rede de saúde mental no município (Oliveira; Feldman; Couto & Lima,

2017)

2.1.2 – O Autismo pela Psicanálise: reflexões e teóricos

A riqueza de nosografia pela clínica psicanalítica consiste em distingui-lo, e não

confundir. Já vimos, que as classificações psiquiátricas passaram por inúmeras e

significativas mudanças nesse tempo, o que refletiu diferentes ideologias, evoluções e

uma difusão sobre essa compreensão do Autismo. Torna-se assim, necessário, abranger

quais foram as reflexões por uma revisão teórica da psicanálise em relação ao Autismo.

A primeira marca na diferença do Autismo de Bleuer para o autoerotismo de Freud, está

refletido sobre a ausência. Para as autoras Alberti e Beteille (2014), o paradoxo com

Bleuer, era que este talvez não tenha compreendido o conceito de sexualidade de Freud,

denominando, que Eros, era o investimento genital. Supor ausência, refere-se aos

fenômenos, como o do não falar, não demandar, não possuir imagem especular, diante

justamente do que a psicanálise propõe uma contraposição (Azevedo, 2011). Freud

pontuou que o autoerotismo era uma etapa precoce da sexualidade, ocorrendo

anteriormente a escolha de um objeto, e supôs que a escolha de objeto de desejo seria o

próprio do corpo do sujeito. O bebê ao chuchar (sugar o dedo), busca um prazer que ao

estar faltante, tenta relembrá-lo, o alucina. As tentativas dessas repetições, e numa

movimentação rítmica, tem a satisfação na pele ou na mucosa, e estão primeiramente,

associadas a necessidade da alimentação e depois, se tornam independentes. A questão

que se coloca, é que nesse período o bebê ainda não consegue diferenciar o mundo externo

do seu próprio corpo (Freud, 1915/2010). No entanto, Lacan (1973/2005) ajuda a pensar

31
que o autoerotismo, não marca a busca de algo que falta, pois ainda não existe o eu e o

outro, a busca estaria na falta de algo em si, a falta seria em si mesmo.

No ano de 1930, Melaine Klein, analisou o caso clínico de uma criança, que supôs

um estranhamento e nomeou de psicose infantil, atualmente compreendido como

Autismo. Dick, era uma criança de 04 anos, filho do colega de Klein, e ao atendê-lo,

percebeu que esse menino possuía um déficit na capacidade de simbolizar devido a uma

inibição em seu desenvolvimento.

um menino de quatro anos de idade que, levando em conta


a pobreza de seu vocabulário e de suas realizações intelectuais,
estava no mesmo nível de uma criança de 15 ou 18 meses. Não
demonstrava muitos afetos e era indiferente à presença ou a
ausência da mãe ou da babá. Desde o início, ele raramente exibia
algum tipo de ansiedade e quando isso ocorria, era numa
quantidade excepcionalmente baixa. Não possuía quase nenhum
interesse. Não brincava e não tinha nenhum interesse com o seu
ambiente (Klein 1930/1996, p.253)

Melaine Klein, foi a pioneira no reconhecimento da possibilidade de psicose

infantil. Mas, não distinguiu o Autismo da Esquizofrenia, apesar de estranhar alguns

casos, como o de Dick e reconhecer que o Autismo estava presente. Justificou que o

Autismo era uma inibição do desenvolvimento e um déficit na capacidade de simbolizar,

cuja angústia decorria do intenso conflito entre vida e morte. Supunha, como Kanner, que

a inibição seria constitucional, a qual em combinação com as defesas primitivas e

excessivas do ego, resultaria no Autismo (Klein 1930/1996).

Margareth Maller, divergiu em alguns conceitos de Melaine Klein, propondo que

todo bebê após o nascimento, iniciava um desenvolvimento emocional até os 3 anos de

idade, tendo três fases distintas. A primeira fase, nomeou de “Autismo normal”, na qual

o bebê até a quinta semana, não perceberia a existência do outro e teria uma falta de

consciência sobre o que o agente materno lhe proporcionasse. Na fase seguinte, o bebê já
32
estaria com 5 semanas, e começaria a ter uma relação com a figura materna, tendo uma

dependência para a sua satisfação e ocasionando uma relação simbiótica com essa. Com

06 meses de idade, iniciaria uma separação dessa figura, a qual buscaria completa

separação aos 3 anos de idade, tornando-se totalmente autônomo e independente.

Entretanto, se houve a percepção e regressão por alguma questão posterior, relata que a

criança regredia a uma fase que teve muito contorno e proteção, as quais poderia ser

constituído um estado autísticos e precocemente estariam presentes as marcas para o

Autismo (Ribeiro, Anna, Caropreso & Fatima, 2018).

Frances Tustin (1972/1975) também reconhecia que todos os bebês pareciam

passar por uma fase autística normal, pois o corpo do bebê e sua mãe eram um só. Caso

a separação corporal fosse insuportável, o estado autístico era constituído e o bebê se

colocaria em um buraco negro, fechado como uma concha. Tanto que, para Tustin, o que

essas crianças apresentam eram questões sensoriais, devido a essa precocidade no

fechamento e, desse modo, a atenção do psicanalista deveria ser para trabalhos com ritmos

e sensações corporais. Relata ainda, que essas crianças não sabiam distinguir objetos

inanimados de animados. A maior crítica de Tustin, foi a Kanner, em relação a

culpabilização as mães, pois para ela, as mães podiam ter depressão e isso ocasionava

uma diminuição nos cuidados e atenção ao seu bebê.

Donald Meltzer também relatou que todos os indivíduos quando nascem passam

por um processo autístico, caracterizando como uma não integração e desmantelamento

do ego, o que ocasiona um interesse parcial aos objetos. Mas, o Autismo seria uma

proteção a essa não integração e, assim, o início do Autismo estaria de ordem primitiva

no desenvolvimento emocional (Gonçalves, Silva, Menezes, & Tonial, 2017).

Para Donald Winnicott (1986/1996) a ideia do Autismo se apresenta nas

consequências de não constituição da integração da identidade unitária do ser como

fundamento para a saúde. Isto é, o ser humano, para o referido teórico, nasce em um

33
estado de não integração inicial, com tendências herdadas para o amadurecimento, porém

para que isso ocorra necessita de um outro. Esse outro é a mãe, que se nomeia como

ambiente, pois sua função de cuidar e apresentar o exterior, ajudando na integração,

percepção de espaço, tempo, corpo e realidade. Esses dois, que na verdade são um só,

inicialmente, com a possibilidade dessa mãe cuidar do aparecimento de uma onipotência

que aparece no bebê e o afasta da falta de controle sobre tudo o que exterior está se

apresentando. A mãe (ou ambiente), entende o autor, como um objeto subjetivo que

pertence ao bebê e que o capacita:

[...] a encontrar realmente aquilo que ele cria, e a criar e vincular isso
com o que é real. [...] se aquilo que está sendo criado precisa ser realizado
concretamente, alguém tem que estar lá. Se ninguém estiver lá para fazer isso,
então, num extremo, a criança é autista - criativa no espaço - e tediosamente
submissa em seus relacionamentos [esquizofrenia infantil] (Winnicott, 1986/
1996, p. 39).

Desta forma, Winnicott enfatiza em sua teoria que a relação do amadurecimento

emocional da criança depende dos estados emocionais da mãe, demonstrando que se o

outro não estiver para o bebê, e não cuidar desse, o seu desenvolvimento é paralisado e

ocasiona uma doença psíquica, por defesas contra sentimentos de invasão ou contra algo

que deveria ter acontecido, mas não foi possível. Contudo, para uma mãe tornar-se

favorável ao desenvolvimento do bebê, é necessário não só a boa condição interna dela,

mas a presença de uma figura paterna, que suportasse tanto o estado de preocupação

materna, como desse suporte à mãe, impedindo-a de se ocupar com coisas alheias à sua

relação com o bebê.

As referências de Jacques Lacan sobre Autismo foram poucas, mas precisa. No

seu primeiro seminário, em 1953 conta com a experiência clínica de Melaine Klein,

destacando que Dick era uma criança que estava ali, mas que não apelava outro. A

linguagem não envolvia o seu sistema imaginário. A palavra não chegava a ele, mesmo

34
que houvesse uma insistência da analista, em dizer sobre trens, botões e lugares para ele

brincar, ele não brincava.

quando Melaine Klein lhe entrega o esquema do édipo, a


relação imaginária que vive o sujeito, embora extremamente
pobre, já é suficientemente complexa para que se possa dizer que
ele tem o seu próprio mundo. Mas esse real primitivo é para nós
literalmente inefável. Enquanto não nos diz nada, não temos
nenhum meio de penetrar nele, senão por extrapolações
simbólicas que fazem a ambiguidade de todos os sistemas como
o de Melaine Klein” (Lacan, 1953/2008, p. 104).

Lacan, como Freud, distinguiu a paranoia da esquizofrenia, sendo tipos clínicos

da estrutura clínica psicose. Mas em relação ao Autismo, apresenta uma indicação na sua

conferência em Genebra sobre o sintoma, em 1975, na qual coloca que o Autista, ou no

chamado esquizofrênico, algo se congela, eles costumam escutar a si mesmo, ouvir muitas

coisas, normalmente como alucinações, que podia ter um caráter vocal ou não.

Na conferência de 1 de dezembro na Colombia, em 1975. Lacan ressalta:

“Vocês sabem que há pessoas com quem temos de nos


haver em análise, com quem é duro de se obter isto. Há aqueles
para quem dizer algumas palavras não é fácil. Chama-se isso de
autismo. É ir rápido demais. Não é de todo, forçosamente, isso.
São simplesmente pessoas para as quais o peso das palavras é
muito sério e que não estão facilmente dispostas a estar à vontade
com estas palavras”.

Lacan colocou a relação do Autista ligada com à relação do sujeito com a

linguagem. Faria (2011), nos ajuda a pensar que o que organizou o Dick não foi a

interpretação, mas o fato das palavras de Melaine Klein a Dick, terem um valor

imaginário e não simbólico, pois ao colocar os objetos para Dick, houve uma organização

imaginária que recobria o real, tendo ao mesmo tempo algo ilusório e estruturante.

Uma organização imaginária é o que Lacan teoriza quando fala sobre Estádio do

Espelho. Lacan (1949/1998) denominou o Estádio do Espelho, entre a dialética dos níveis
35
de tendências vivenciadas, desconcertantes, dilaceradas de um lado diante de uma alusão

sobre uma unidade, com a qual o sujeito se confunde e emparelha.

O Estádio do Espelho é compreendido como uma identificação da transformação

do sujeito alienado ao reconhecimento da sua própria imagem, o EU precipita de uma

forma primordial, antes de se objetivar pela dialética da identificação com o outro, antes

mesmo que a linguagem o coloque na posição de sujeito, sujeito falante (Lacan,

1949/1998).

Mesmo que bebê ao nascer já esteja sendo falado pelos pais, diante da busca do

reconhecimento da gestação, da escolha do nome, da sua, dando um direcionamento a

suas gerações (pais, avós, bisavós), como um retrato da família. Essa marca é o que Lacan,

já propunha um sujeito do inconsciente já está mergulhado e sendo significado na

linguagem dos pais, sendo lançado por signos, significados e significados que marcam a

comunicação humana.

No cuidado do bebê, particularizando as interpretações que a figura materna, ou o

responsável por esse cuidar dá aos choros, gestos, gritos, o bebê inicia sua entrada no

mundo da linguagem, notando como são as suas maneiras de chorar, o formato como é

atendido em suas demandas de cuidado. Isso torna-se representativo do que Lacan

denominou como lalíngua.

Quinet (2016), ressalta que linguagem é a mesma para todo ser falante, como

regras e leis, pois são universais e tem relação com o significante e significado,

apresentando apenas singularidades para cada sujeito. A lalíngua é o resultado do que

vem da língua materna. É a língua como idioma: português, francês, inglês. É própria do

sujeito, a partir da relação particular desse com a língua falada no lugar que nasceu e foi

criado, apresentado pelo bebê por balbucios, lalação, pela língua do tabi-ti-tabi.

36
A função materna, também permite ao infante, o acesso ao simbólico, através do

olhar simbolizável. Jerusalinsky (2004), nos ajuda a pensar que:

É a insuficiência da condição humana que dá espaço para uma


dimensão psíquica: a pulsão como representante do biológico. O Outro
primordial, a mãe, faz, nesse sentido, um verdadeiro esforço: toma o peito
como dom, o cocô como presente, a voz como chamado, o olhar como
interpelação. Costura e recobre o que incessantemente aparece como abertura:
a insuficiência (normal) de sua criança. (...) Esses buracos (...) portam as
marcas simbólicas que a mãe inscreve neles, desenhando, assim, a borda do
objeto que essencialmente permanecerá vazio (Jerusalinsky, 2004, p. 26-27).

Essa função materna sendo decodificadora dos gestos do bebê, traz uma marca

atravessada ao corpo do bebê e funda a linguagem, com códigos simbólicos através dos

cuidados destinados a este bebê. A linguagem tem algo de estruturante, como aquele que

surpreendeu Freud, com a figura retórica do for-da (Lacan, 1975)

A relação da escuta do sujeito com o Outro, as consequências na constituição, a

resposta da articulação que o sujeito faz as suas particularidades com a lalíngua. Sugerem

que os ditos “Autistas”, tenham a voz, enquanto objeto pulsional, como uma vivência

massiva e dilacerante, sendo assim as palavras tendo um peso muito grande (Vianna, Brito

& Furtado, 2020) .

Catão (2015) acrescenta que o autista não sabe o que fazer com a voz, dessa forma

ele não entra no discurso, marcando que no Autismo falta a marca da incorporação de

uma falta.

Berlink (1999), já caracteriza que o Autismo não é pela ausência de uma

organização, ou falta de algo no psiquismo, ou incapacidade de ecoar, mas pela

impossibilidade que a libido tem de estabelecer como pulsão ou poder ligações com os

objetos com os quais se transferiu. Porém ressalta a importância de Laznik- Penot, para

refletirmos sobre o autismo.


37
Laznik (2015) compreende o autismo como um momento anterior ao Estádio do

Espelho, como uma organização defensiva face a um fracasso da instauração do registro

do inconsciente, mais precisamente, da função de representação. O sujeito não tem marca

no processo de alienação, na qual fantasmas parentais e maternais, não conseguem ter

nenhuma influência sobre o sujeito. A não entrada no tempo da alienação (S1), impede o

Outro de oferecer qualquer cuidado. O fracasso da relação simbólica fundamental é

estabelecido pela alternância presença-ausência da mãe, traduzindo-se com uma falha

fundamental (Laznik, 2011).

Na criança autista, existe uma ausência de representações no inconsciente,

causando a impossibilidade dos processos de deslocamento e condensação, que se

organizam a partir de traços mnésicos, anteriores à memória, segundo as contribuições de

Freud. Considerando o não fechamento do circuito pulsional, este que se subdividem em

três tempos: no primeiro, ocorre a busca pelo objeto pulsional para dele se apoderar; no

segundo tempo ocorre a experiência alucinatória de satisfação, pela satisfação

autoeróticas ao eleger um objeto que o satisfaz, como dedo, chupeta, entre outros; e no

terceiro momento o circuito se fecha e a criança se oferece como objeto ao Outro (Laznik,

2011).

A questão, é que esse bebê nasce e com o passar do tempo parece que não ouve,

não responde e sempre está apático a tudo o que vem do externo, trazendo á àqueles que

cuidam delem um certo desamparo. Isso, afeta o desejo da mãe de, com seu olhar,

libidinizar o corpo de seu filho, cortando a circulação imaginário-simbólico, que deveria

estar presente desde o nascimento, como acrescenta a autora Telles (2012). A libido,

nessas condições, utilizando os termos de Freud, se mantém em um estado parecido com

o autoerotismo an-objetal (Lacan, 1969/2003); e a libidinização do sujeito, que se

estabelece em termos de presença-ausência da mãe, formando bordas erógenas no bebê,

38
não ocorre no Autismo. Assim, tendo uma compreensão que no Autismo, a falha desta

inscrição significante desencadeia uma não demarcação do corpo em bordas (Telles,

2012).

Para os Lefort e Lefort (2017), o Autismo também está na falha do processo de

alienação, momento em que se dá a circulação entre imaginário, que se refere ao Estádio

do Espelho, e simbólico, que permite o advento do sujeito. A entrada no universo da

linguagem é prejudicada por fatores orgânicos ou constitucionais do bebê, seja em virtude

de uma impossibilidade psíquica que sustente esta circulação ou por combinações dos

dois fatores. A relação com o Outro para o Autista possui um caráter totalizante, faltando

a imagem especular. Esses autores consideram que na estruturação da cadeia significante

existe o S1, mas o S2 não advém, mantendo-se o S1, um sozinho no real, resultando na

ausência da falta. Os efeitos desse S1 sozinho são um grande peso carregado pelas

palavras, já que não existe cadeia e mobilidade de sentidos.

Jerusalinsky (2012), ressalta também sobre as falhas nas identificações

primordiais, entre o bebê e o seu cuidador. O comprometimento no estabelecimento deste

vínculo, faz-se em termos de presença-ausência, presença como empréstimo de sua

imagem, e ausência como possibilidade de significação pela ausência. Ocorre nessas

circunstâncias uma ausência do desejo, um Outro que não deseja, nada demanda e não

apresenta uma brecha onde possa a criança se embrenhar, onde possa oferecer algo de si.

A presença do outro se estabelece fisicamente, mas não em termos simbólicos. A

consequência dessa experiência é uma tentativa incessante de se excluir do universo

circundante, por uma experiência maciça e aterradora do real.

O Autismo para Pierre Bruno, também pertence a estrutura clínica psicótica e o

aproxima da esquizofrenia, sendo como um estado dessa. Maleval (2017) tem oposições

39
tanto a leituras sobre a ideia de que o Autismo é uma estrutura, como um estado. Esse

psicanalista retrata que o Autismo é uma maneira de ser. Podendo esse tornar um sujeito,

depois de uma escolha dolorosa e de abandono do seu mundo assegurado, para condições

de assumir atos, como: escolha profissional, a escrita de um livro e escrever um livro etc.

A psicanalista Bialer (2014) conta na sua pesquisa que a autobiografias de autista,

condiz as histórias desses sujeitos no período de infância, pois sofriam agressões,

bullying, as vezes se sentiam excluídos sem conseguir defender. Como no caso de

Grandin (2011), autista americana, que relata que sua mãe tinha distância dela, pois ela

não sabia retribuir seus abraços, o toque sensorial a produziam repulsas, não era uma

questão de não querer.

Grandin proporcionou muitos pensares e sua escrita trouxe a outros autista, uma

escuta e construção de saber sobre o autismo, trazendo amparo emocional, permitindo aos

pais e outros autistas um outro lugar no futuro que não de insígnia psiquiatra, de um além

da sintomatologia (Bialer, 2014).

Desta maneira, para aprimorar possibilidades de trabalho com a família de criança

autista, os próximos capítulos retratam sobre a família. Sobre o Autismo como um lugar

de estrangeiro e como na clínica na psicanálise, esse tratamento é possível.

40
2.2.- Família e histórico social

A família é a instituição social mais antiga da humanidade, registra-se antes de

10.000 anos A.C., o agrupamento se dá pela união de seres humanos, devido a laços

consanguíneos e pela afinidade. Na sociedade, a família se configurou como uma

instituição, pois representa um sistema complexo com processos de transformações

históricos, sociais e culturais; devido ao estabelecimento de regras, normas e valores que

vão influenciar uma criança desde sua primeira infância (Rossato, Santeiro, & Barbieri,

2020).

As famílias se consagram por relações e afetos; sendo que, os membros da casa

estabelecem vínculos entre si e com os outros externos a essa casa e, com isso, vão criando

identidades, histórias, cuidados de saúde, validação e responsabilidade social (Sanchez,

2020). Em 1956, Claude Lévi-Strauss afirmava que a família é um fenômeno universal,

presente em todos os tipos de sociedades, mesmo que os hábitos sexuais e educativos se

distanciem dos nossos, e de união do casal homem com a mulher de um lado (aliança) e

seus filhos do outros (filiação) (Roudinesco, 2003).

Desta forma, é possível pensar que a família exerce influência pelo poder

econômico, político, religioso e social, acompanhada dos costumes e tradições da

localidade que se encontra. A família enquanto a matriz de reinvenções, é nela que se

elege quem padece do sofrimento familiar – a criança assume uma posição patológica que

comprometerá seu desenvolvimento.

Na época dos nômades, a marca inicial era da teoria matriarcal, a qual a mulher

não era do lar, e tinha como responsabilidade gerar o filho e cuidar do crescimento do

grupo. O pai, e este como organizar de toda a família, denominando cada lugar dos

membros, pai, mãe e filho, veio após o século V, quando a população começou a morar

em aldeias, formando os clãs (Abreu, 2016).

41
Apesar de lugares denominados, a criança na idade média não tinha o seu lugar

como hoje é conhecido, o historiador Ariès (1973/1986) constatava que a socialização

dessa criança durante a Idade Média não era controlada pela família, e a educação era

garantida pela aprendizagem através de tarefas realizadas juntamente com os adultos. E a

criança era tida como uma espécie de instrumento e manipulação ideológico do adulto,

ou seja, logo a criança se tornava um pequeno adulto, executando tarefas desde tenra

idade.

Outros dois fatores importantes a serem considerados, se referem ao fato de que a

criança não passava pelos estágios da infância que a sociedade estabeleceu atualmente; e

o pensar sobre o sentimento na infância, educação moral e pedagógica, comportamento

no meio social, são questões que surgiram na modernidade e que ressaltam à valorização

infância. Ariès (1973/1986) também sublinhava que infância era uma particularidade que

dependia da condição econômica, social e cultural de cada criança para ser realmente

vivida. Os sinais de desenvolvimento de sentimentos para com a infância tornaram-se

mais numerosos e significativos a partir do fim do século XVI e durante o século XVII,

com as mudanças nos costumes, tais como os modos de se vestir e a preocupação com a

educação.

Uma grande transformação na constituição familiar é dada pelo direito familiar

romano onde se denomina uma estrutura inconfundível, tomando-se um membro desse

grupo o chefe, marcando a era patriarcal (Engels, 1884/1984). Esse membro passa a ter

um pátrio poder, no qual o restante se submete como alienados às suas regras e ordens, e

essa organização passa a sustentar a família por séculos. O pai era o senhor de

propriedades, de bens e das leis que regulavam as relações familiares. Porém a função

que este exercia o mantinha a uma distância da ´figura do pai’ e esta acabava se tornando

intocável e inatingível, ocasionando um lugar de autoridade e dono de um saber

incontestável, o qual ordenava e garantia as normas culturais e sociais (Abreu, 2016).

42
No século XVIII, sob o discurso iluminista e a predominância do pensamento

romântico, destacando o amor entre os casais, a relação entre pais e filhos, surge um

movimento em escolhas individuais começam a ser consideradas, marcando assim, a

noção de educação e a formação das crianças como garantia de um desenvolvimento de

um país e de uma sociedade saudável (Zornig, 2010).

A historiadora e psicanalista Roudinesno (2003) ressalta que a temática família

teve uma ampliação desde a modernidade até os nossos dias contemporâneos,

estabelecendo questões pelos campos históricos, antropológicos-sociais, subjetivo;

atingindo produções no campo da saúde (e da saúde pública, devida a sua extensão

social). Desta forma, essa mesma autora, apresenta que a palavra “família” para chegar

ao que conhecemos com o modelo nuclear, passou por três grandes períodos:

1° período: família tradicional – o mundo desta é imutável e são submetidos a

ordem patriarcal, DEUS PAI.

2° período: família moderna – considerada afetiva, os poderes são divididos, como

o Estado e pais.

3° período: família contemporânea ou pós-moderna – o que se valoriza é a vida

privada e se cuida da complexidade, a transmissão entre os indivíduos pode ser mais

complexa, problemática, tendo uma imagem de um pai destituído.

A grande transformação para esse período, é ocasionado por influência de Freud,

pois esse teórico dedicou-se aos estudos da Mitologia do destino, advindas do teatro grego

e elisabetano, bem como da literatura romanesca do século XIX, evidenciando em

Sofócles (Édipo Rei), a mudança da teoria da sedução para o trauma e conflito do

psiquismo inconsciente, indicando uma nova vertente sobre o que se pode pensar sobre a

estrutura familiar (Zornig, 2010).

43
2.2.1 – A família pela perspectiva da psicanálise

A compreensão de família esteve desde os primórdios nos estudos de Sigmund

Freud, pois sempre pensou e questionou acerca dos sintomas de suas pacientes e a relação

na estrutura familiar. A grande invenção foi o Complexo do Édipo, ao final do século

XIX, quando Freud introduz, na cultura ocidental cristã, a ideia de que o pai gera o filho

que será o seu assassino, e o pai morto recuperado pela vivência edipiana, como um pai

simbólico, um pai de identificação, pode se formular uma acepção de família

(Roudinesco, 2003).

O grande esclarecimento se dá em 1897, quando Freud abandona a teoria da

sedução e menciona, pela primeira vez, o mito do Édipo. Por conseguinte, o homem

edipiano vai aparecer no momento da passagem de Freud de uma concepção traumática

do conflito neurótico à teoria do psiquismo inconsciente. Tanto que em todas as suas

releituras das literaturas como Édipo Rei, de Sófocles; Hamlet, de Shakespeare; e os

Irmãos Karamazov, de Dostoiésvski, será encontrada a ideia de um complexo. Os três

heróis, Édipo (inconsciente), Hamlet (culpa do desejo) e irmãos Karamazov (morte do

pai real), são transferidos por Freud para o psiquismo individual através do complexo de

Édipo, e a família pode ser compreendida como simbólica (Filho & Chaves, 2014)

A compreensão da família se dá pelas relações sociais, tanto que Lacan

(1938/2015) ressalta que o primeiro complexo é o desmame, o qual o sujeito psíquico

está fixado na alimentação, como um modo parasitário desde os seus primeiros meses de

vida e representando a forma primordial da imago materna. Nesse complexo, são

fundados os sentimentos mais arcaicos e estáveis que vão unir o indivíduo à família. Em

seguida, o complexo de repetição pelas sensações desses conteúdos gerados nos primeiros

meses de vida e favorecendo um objeto. Esse complexo é originário do Complexo de

44
Édipo, e marca uma estrutura, que Lacan (1938/2015) propôs que o destino de uma

criança depende da relação que se estabelece entre o sujeito e suas imagens parentais.

Desta forma, a história de cada indivíduo com sua estrutura neurótica, psicótica

ou perversa, é dada na sua base de sua pré-história como sujeito, a maneira como a trama

irá envolver e estruturar a relação com os seus pais irá ressoar na história do sujeito que

virá se constituir. Sigmund Freud (1924/2011), não desenvolveu a questão do sujeito, mas

trouxe esse conceito nas entrelinhas, quando apresentou o desejo e a trama edípica. O

mito, apresenta o impossível das relações sexuais, os desencontros e todas as teorias que

a criança conceituará desde o seu nascimento, tendo como herança o valor patogénico

encontrado nas estruturas psíquicas, tendo em vista que a inscrição fálica do pai não pode

transmitir o que passa na relação sexual.

Lacan (1954/2006), em sua trajetória de formalização, se pauta em uma expressão

cunhada por Lévi Strauss (1949), “mito individual”, para definir a formação de uma

estrutura subjetiva básica que confere ao sujeito uma singularidade em termos de seu

próprio desejo. Salientando estes aspectos estruturais do mito, Lacan (1954/2006) o

propõe como uma organização do registro imaginário, uma espécie de narrativa sobre a

qual a localização na partilha dos sexos desliza. Na teoria de Freud (1909/1990), este

“arranjo” foi designado com “romance familiar” para expressar a forma como uma

criança “inventa” os laços dados entre os membros de sua família. Assim, a criança dá

uma versão imaginária a seus pais e a suas relações, situando sua família sob o modo de

uma ficção a fim de obturar o que está na sua falta sob as relações. Desse modo, se dá, o

que se entende a partir de Lacan como “fantasia fundamental”, ou fantasias no plural,

fundadas, portanto, no Complexo de Édipo e naquilo que se apresenta como falha, como

real não passível de inscrição. A maneira de compreendermos que a fantasia fundamental

se passa pela tentativa do sujeito de responder ao desejo do Outro, não pode ser

45
desconsiderar as funções destacadas por Lacan como função paterna e desejo materno no

complexo estrutural, que representa a posição subjetiva alocado desde os primórdios,

pelos pais, em seus desejos (Lacan, 1938/1987).

Posteriormente, Lacan (1974/1993) coloca as versões imaginárias do pai e da mãe,

construídas no romance familiar, como funções simbólicas e no complexo de édipo

formula que que mãe e pai são funções e terão seus desejos como enigmas,

desmembrando isso numa fórmula da metáfora paterna. Da metáfora paterna, Lacan

(1974/1993) deduzirá um resíduo inscrito pela opacidade da relação sexuada que lhe deu

origem, do par homem-mulher a partir do qual não se inscreve o par pai-mãe, o que

resultará em um impasse sexual que adquire também uma estrutura de ficção.

Relembrando que o sujeito é solicitado a realizar um trabalho de metaforização

que possibilite a criatividade e a transformação, quando esse sujeito pode se apropriar de

sua herança e de sua história como um Eu singular dentro da trama intersubjetiva da

história familiar (Lemos & Neves, 2019). A concomitante constituição do sujeito e da

família é marcada por intrincados processos de alienação e separação. Constituir-se pai,

mãe, filho e irmão significa antes, ou melhor, ao mesmo tempo, constituir-se sujeito. O

sujeito do inconsciente é o sujeito de um grupo e é por meio das tramas inconscientes

estabelecidas antes mesmo de sua vinda ao mundo que este sujeito poderá encontrar seu

lugar e apropriar-se dele.

Assim, a família, como objeto de estudo da psicanálise, não se evidencia pela

instituição social, fenômeno histórico e cultural do agrupamento humano. A família que

interessa a nós psicanalistas, é a do palco onde o drama edípico se realizou, onde o sujeito

se constitui e onde estão presentes, não propriamente as figuras parentais, mais cada

sujeito, cada função (materna e paterna) que para a cena constitui um sintoma que revela

o inconsciente.

46
2.2.1 – Família e o filho “estrangeiro” – o Autismo

Quando um indivíduo do meio familiar adoece, e o diagnóstico sendo o autismo

podemos contabilizar como um adoecimento ‘autístico’ familiar. Para as autoras Almeida

e Neves (2020), a família que recebe um diagnóstico tem o custo de uma insígnia

psiquiátrica que a marcará ao longo da vida. Desta forma, escutar a família sugere acessar

a função psíquica que o diagnóstico pode assumir à medida que passou a servir como uma

barreira defensiva diante do sofrimento, do desamparo e das perdas que essa família está

vivenciando.

Martini (2019) relata que a notícia do diagnóstico gera um processo de luto, que

as etapas conhecidas como negação, revolta, barganha, depressão e aceitação acontecem

todas ao mesmo tempo, pois os pais se sentem diante de um grande desafio do qual

parecem estar sempre em obstáculos, pois quando resolvem os sintomas de falta de

controle de esfíncteres, aparece transtorno do sono, heteroagressividade, entre outros.

Mudanças na rotina familiar é o que sempre ocorre e as dificuldades de

socialização do filho com Autismo levam algumas famílias a se isolar no ambiente

doméstico, evitando ambientes sociais, inclusive como uma maneira de evitar o

preconceito em relação à criança. Na adolescência, episódios de agressividade são

percebidos e geram mais isolamento, como também a falta de orientações a esses pais

(Seregen & Françoso, 2014).

Diante dessas considerações, é possível afirmar que, ao se tratar de crianças

autistas na clínica, os pais contam que desde pequenos percebiam que havia uma

diferença. A questão, é que a diferença não é pela comparação ao um outro semelhante,

pois pode ser único, mas uma incógnita que paira e traz sofrimento. Esse mal-estar,

47
provocado pelo não encontro do objeto ideal traz aos pais situações de busca acerca de

quem é esta criança e qual a culpa deles nisso.

Ser um sujeito autista em uma família, retrata incertezas e dúvidas sobre acertos e

erros durante o desenvolvimento da criança, pois diante do diagnóstico, ainda não se sabe

se é uma questão neurológica, genética ou biopsicossocial. Os pais, ao relatarem sobre as

dificuldades de encontrarem seus filhos nesses diagnósticos, acabam ocasionando um

afastamento, na qual a relação pai-filho torna- se estranha.

“quando a mãe não recebe resposta durante os primeiros


meses de vida do infante, ela pode duvidar de sua capacidade para
tratar corretamente a criança. Por causa de sua insegurança ou
desejando se proteger contar a frustração e a culpa, pode apelar à
rotina... Essas reações bem podem surgir na mãe como uma
defesa contra a insuportável dor e a ansiedade pela indiferença ou
pelas respostas estranhas do infante” (Jerusalinsky, 2015, p. 34)

A palavra estranho, pode ter um diálogo com o que Freud (1919/2010), trouxe

sobre o que era novo ao indivíduo, mas familiar, tendo sofrido um processo de repressão.

(...) o unheimlich é o que uma vez foi heimlich, familiar; o prefixo Un (in) é o sinal da

repressão. Por relatos, pode-se pensar que o estranho é o diagnóstico, que de certa forma

já estava familiar aos familiares de crianças autistas, pois nos relatos, sempre vão

descrevendo sobre aquilo que já percebiam.

Se o estranho esta para o Autismo, o filho como distante, ou está com a família na

mesa jantar, mas não participa, pois não fala, não interage, ou fala de outra maneira, talvez

não esteja como Freud pontuou sobre os medos e nossas repetições, mas por aquele que

vem lá do estrangeiro, é parecido conosco, porém é de outra língua, outros costumes,

pouco sabemos e sempre queremos estar aprendendo com ele, e saber sobre algo que é

dele.

Como denominador comum na escuta das entrevistas preliminares dos pais, a

palavra estranho ao se referir sobre como o filho reage aos comportamentos, as falas dos

48
pais nas entrevistas, denunciando sutilezas que há na relação entre o casal parental e a

criança, e demarcando a distância que nesse laço.

Batiste se torna hiperativo. Eu não consigo mais ‘contê-


lo’, ele corre por todos os cantos, se esconde dentro dos armários”
(...) fica o tempo todo repetindo o apagar e o acender das luzes da
casa, alinhando-as e empilhando brinquedos, além da repetição
das mesmas palavras ou frases ecoadas, repetição dos mesmos
gestos, dorme muito pouco à noite e tem extrema dificuldade em
aceitar mudança de rotina, nunca demanda ajuda (Bialer, 2017,
p112)

O autismo parece se referir a todo esse “estranho identificado pelas famílias na

primeira infância, e que pode ser ressignificado como estrangeiro e tem algo ao mais. A

angústia face àquilo que não é possível de ser reconhecido, mas forjado por manuais de

psiquiatria, traz aos familiares a busca por diversos serviços de saúde. Tanto que é a

família que vai se dispo a procurar pela aprendizagem, pelo cuidado pessoal, e é esta que

vai propor um tratamento em relação a saúde mental quando o membro adoecer,

configurando lugares de saberes, sustentação, cuidados e trocas afetivas (PFF, Benincasa

& Resende, 2016).

49
2.3 Clínica psicanalítica e o tratamento das crianças com TEA

O atendimento psicanalítico com crianças acontece desde 1917, com o Sigmund

Freud atendendo o pai do pequeno Hans e pensando na neurose de fobia que esse menino

apresentava aos 6 anos de idade, após o nascimento da sua irmã (Freud, 1909/1996).

Assim, temos que a psicanálise de crianças não se diferencia dos atendimentos de adultos,

pois ambas possuem um sujeito em questão e que apresenta uma queixa para esse

atendimento. A particularidade dos atendimentos com crianças, é que quem chega

primeiro são os pais, com mais frequências, as mães. Isso ocorre, porque apesar da criança

estar demandando um atendimento, ela não consegue chegar sem que seus pais a tragam,

mas é importante nas entrevistas preliminares definir de quem é a demanda de análise

(Faria, 1994).

Além do fato da presença dos pais, Faria (2016) afirma que são esses que

apresentam a queixa inicial, marcam horário da consulta e pagam pelo tratamento. Para

que a criança dê continuidade ao tratamento fica determinada a condição imprescindível

dessa dependência dos pais durante todo o processo do tratamento.

Na clínica com crianças autistas, essa questão não apresenta diferença, porém há

uma advertência que diferencia a queixa inicial, ou seja, a possibilidade do diagnóstico

que demarcará o futuro do filho e as diversas fantasias e questionamentos desencadeados

a partir desse diagnóstico, ou seja: será que meu filho terá cura? Ele vai conseguir se

desenvolver? E qual escola o aceitará? Amigos, casamento... Até os questionamentos

sobre independência para a vida adulta.

As crianças autistas, não demandam do outro, ou seja, não solicitam a ajuda do

outro. Sendo assim, para Menés (2013 apud Merletti, 2018) “o autista, no discurso do

analista, estaria no lugar histórico da histérica, não como sujeito barrado de um saber

50
inconsciente a ser decifrado, mas como objeto que causa desejo do analista e seu trabalho

de elaboração” (p.11).

A função da demanda de análise supõe a presença de um analista e, nessa se

evidencia a transferência. O cuidado que se deve ter no atendimento de crianças é cuidar

de quem se fala e de quem é o discurso? Por essas questões, encontram-se diversas

opiniões sobre se devemos afastar ou ter os pais presentes nos atendimentos com os seus

filhos. Silva (1994) conta que nos textos de Rosine Lefort, a posição é afastar o discurso

dos pais do discurso das crianças para que se possa encontrar a criança em seu próprio

discurso. Já Maud Manonni (1988) anuncia que criança e mãe podem estar em um só

corpo, o a qual o desejo de um é o desejo de outro.

Lacan (1969/2003) pontua que ao atender uma criança devemos compreender que

os sintomas dessa, responde ao que é sintomático na estrutura familiar e revela a verdade

do casal parental. Em seu texto “Duas notas sobre a criança” descreve:

O sintoma da criança está em posição de responder ao que


há de sintomático na estrutura familiar. O sintoma, e este é o fato
fundamental da experiência analítica, se define neste contexto
como representante da verdade. O sintoma pode representar a
verdade do casal. Este é o caso mais complexo, mas também o
mais aberto a nossas intervenções. A articulação se reduz em
muito quando o sintoma que chega a dominar compete à
subjetividade da mãe. Desta vez, a criança está involucrada
diretamente como correlativo de um fantasma (Lacan, 1969/2003,
p 369).

Desta forma, segue-se pensando, juntamente com Teperman (2005), que a

psicanálise de crianças tem a mesma referência que a de um adulto, pois apresenta os

mesmos conceitos teóricos, mas com suas especificidades, como a escuta dos pais, pois

são esses que nos apresentam as marcas que as crianças carregam, suas primeiras

impressões e formulações para elaborarmos a direção de tratamento.

51
2.3.1 - À direção de tratamento com o sujeito Autista e a família: caminhando pela

psicanálise.

Sabemos que quando os diagnósticos são mais explicados e há acolhimento aos

pais, uma ajuda favorável e elaboração é favorecida, e como isso poderá influenciar nos

próximos passos que a família terá que realizar (Zanon, Backes, & Bosa, 2017).

Trabalhar na estrutura familiar possibilita um campo de trabalho analítico melhor e de

maior relatividade favorecendo possíveis ações e efeitos. Na teoria lacaniana

encontramos essa possibilidade:

A função de resíduo sustentada (e ao mesmo tempo


mantida) pela família conjugal na evolução das sociedades, realça
o irredutível de uma transmissão – que é de uma outra ordem que
a vida confirme as satisfações das necessidades – mas que é de
uma constituição subjetiva, implicando a relação a um desejo que
não seja anônimo. É de acordo com uma tal exigência que se
julgam as funções da mãe e do pai. Da mãe: na medida em que
seus cuidados levam a marca de um interesse particularizado,
ainda que pela via de suas próprias faltas. Do pai: na medida em
que seu nome é o vetor de uma encarnação da Lei do Desejo
(Lacan, 1969/2003, p. 55).

Na clínica da psicose e do Autismo isso não se diferencia, assim, o que pode estar

implicado é o medo do diagnóstico, que mudará não apenas o planejamento que os pais

tinham para aquela criança, mas revelará algumas constatações de um sofrimento

silencioso que a mãe ou o pai apresentam pelo não saber do que acontece com o filho, a

necessidade e a busca da cura, o atravessamento da angústia de morte sob um filho que

parecia normal (Teperman, 2005). Assim, quando se escutam mães nas entrevistas

preliminares é comum aparecer alguns diálogos como: “quando ele era bebê, eu não sabia

52
o que acontecia, ele era molinho, não acordava nem para mamar, e muitas vezes achava

que ele não me escutava” (sic).

Um dos sintomas principais no Autismo é o isolamento, sendo muito frequente os

pais passarem a ter esse isolamento, evitando as relações sociais para a amenizar situações

de preconceitos com os seus filhos, porém isso sempre é relatado como um sofrimento

psíquico (Seregen & Françoso, 2014).

Na clínica psicanalítica com crianças, apesar dos pais terem que participar dos

atendimentos, escuta-se esses pais, não pelo viés da escuta de suas fantasias inconscientes,

mas de incidirmos sobre o discurso que esses pais desenvolvem sobre seus filhos. Kupfer

e Lajonquiere (2015) relatam que no início do atendimento se torna necessário buscar a

recuperação narcísica dos pais, os quais, diante da problemática de seu filho, chegam

carregados de extrema angústia e desamparo. Conforme os referidos autores, quando

legitimamos e recuperamos o saber dos pais sobre as crianças, acolhemos o mal-estar e

os apoiamos nos seus papéis educativos, pois o comprometimento é na relação do diálogo

transicional entre eles e a criança.

Os pais têm o dever de educar e moralizar a criança e essa função exerce uma

leitura sobre o lugar que os filhos ocupam na estrutura parental, como explica Lacan

(1969/2003). Dessa forma, é importante que se crie um dispositivo para que a frequência

e a presença dos pais se estabeleçam (Silva & Rudge, 2017). Esses encontros passam a

regular efeitos do trabalho com a criança junto aos pais, não se trata se responder a

demanda sobre o que fazer? como se estivessem aconselhando esses adultos a agirem

desta ou daquela maneira, mas sim, de proporcionar-lhes um espaço de deslocamento de

suas angústias, ressituando-as em relação ao problema que enfrentam. Peusner (2016)

escreve que o analista que proporciona esse dispositivo aposta em um laço particular, pois

“o analista brinca que a linguagem une e comunica, que existe algum discurso que não

seja do semblante” (p. 167).


53
3. OBJETIVOS

3.1 Geral

Analisar o acompanhamento dos pais durante o tratamento psicológico do filho

(a) autista em uma perspectiva psicanalítica.

3.2 Objetivos Específicos

3.2.1) Avaliar os discursos dos pais de crianças autistas ao longo do percurso do

atendimento desde o início do atendimento até o final.

3.2.2) Identificar e descrever a importância da participação dos pais em sessões

com a psicanalista do filho (a).

54
4. MÉTODO

4.1 Delineamento

Neste estudo foi realizado o delineamento metodológico qualitativo, do tipo

descritivo e documental, com uso do método clínico, pois os dados apresentados foram

de leituras e análises de prontuários inativos obtidos em uma clínica interdisciplinar.

Foram realizadas análises dos casos registrados nos prontuários utilizando o

método clínico (Campos, Alves, & Turato, 2015), embasado na teoria psicanalítica, mais

especificamente de escola francesa. Entretanto, esse método não apresentou mensuração

e nem quantificou nenhum fenômeno, pois se advertiu sob a possibilidade de uma

possível interferência do pesquisador, participante em relação ao objeto de estudo

(Simom, 1993).

A transcrição e coleta dos dados foi analisada após a submissão e aprovação do

projeto de pesquisa pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Metodista de São

Paulo (CEP-METODISTA), tendo o CAAE 37988720.8.0000.5508 (Anexo B). Para a

coordenação foi direcionada uma declaração/carta de autorização (Anexo A) e garantindo

a manutenção do sigilo e anonimato dos pacientes da clínica, conforme exigência do

Mistério da Saúde através do Conselho Nacional de Saúde, escolhidos aleatoriamente nos

prontuários inativos.

O primeiro rigor, foi em selecionar 05 prontuários inativos de casos clínicos

acompanhados na clínica por, no mínimo dois anos, e que não tenha condução da

pesquisadora executante, que por sua vez, integra a equipe de profissionais da clínica.

55
4.2 Participantes

Foram utilizados 05 prontuários inativos referentes ao período de 2011 a 2017,

arquivados no Centro de Desenvolvimento Humano (CDH), unidade clínica da

Associação Metroviária do Excepcional (AME), que atua com abordagem

interdisciplinar. Tais prontuários referem-se aos atendimentos na modalidade de

Anamnese (primeira entrevista com os pais/responsáveis), Psicodiagnóstico e Avaliação

nas diversas áreas que a clínica dispõe, conforme descrito abaixo. Também, descreve as

discussões realizadas em reuniões de equipe, que ocorrem com periodicidade sistemática.

Na área da Psicologia há a transcrição dos encontros com familiares, referenciados como

Orientações Familiares.

4.3 Local

Esta pesquisa aconteceu no Centro de Desenvolvimento Humano (CDH), unidade

clínica da Associação Metroviária do Excepcional (AME), localizada na Região da Zona

Leste de São Paulo-SP. A referida clínica constitui-se por uma equipe especializada nas

áreas de Neurologia, Neuropsicologia, Psicologia, Fonoaudiologia, Psicopedagogia,

Terapia Ocupacional e Fisioterapia, tendo como intervenção terapêutica uma proposta

interdisciplinar. Os atendimentos oferecidos atendem desde bebês, que apresentam

alterações do desenvolvimento, bem como crianças e adolescentes com sequelas de

síndromes, dificuldades emocionas e de aprendizagem; além de adultos, especialmente

em psicoterapia, e/ou outras necessidades evidenciadas (AME-SP, 2020).

56
4.4 Instrumentos

Os instrumentos utilizados foram prontuários inativos que continham os relatórios

de evolução de pacientes, estes são realizados pelas áreas separadamente, com uma

periodicidade semestral. Ficha de atendimento da entrevista inicial, que contem

informações gerais sobre os pacientes, como nome, idade e sexo, dados familiares,

informações de moradia e identificação, escolaridade e após a entrevista anamnese

realizada com os pais ou responsáveis, nas modalidades de Psicodiagnóstico; também se

encontram dados de evolução geral, que são registros do dados gerais do caso, como

mudança de terapeuta, faltas, datas das conversas com os pais, ou seja, atualizações

necessárias para acompanhamento do caso clínico. Os prontuários possuem divisões pelas

áreas que o paciente é atendimento na equipe, e assim, na Psicologia se encontra os

registros das sessões de atendimento aos pais das crianças.

4.5 Procedimentos

4.5.1 Para a coleta de dados

O arquivo dos prontuários é físico, sendo que, para a coleta foi realizado um

levantamento dos prontuários arquivados durante o período de 2011 a 2017, utilizou-se

dos seguintes filtros para busca nos prontuários: Psicologia, Autismo, Infantil,

Orientação. Após a seleção, o documento, no caso os prontuários, foram analisados

unicamente dentro do espaço do Centro de Desenvolvimento Humano (CDH), na unidade

clínica da Associação Metroviária do Excepcional (AME), em um ambiente isento de

contatos externos visando garantir o sigilo quanto à identidade dos pacientes e

preservando a clínica e os dados da pesquisa.

57
4.5.2 Para a análise de dados

Como se trata de uma pesquisa com uso de metodologia qualitativa, do tipo

descritiva e documental, buscou-se a leitura e análises dos prontuários, seguidos da

categorização a posteriori dos dados encontrados nos registros dos prontuários, sendo que

a síntese interpretativa e comparativa das análises, teve como base a perspectiva

psicanalítica, isto é, as leituras partiu da articulação psicanalista e de autores com

referencial na psicanálise de Sigmund Freud, Winnicott e Jacques Lacan, articuladas com

a perspectiva da Psiquiatria Infantil.

4.6 Procedimentos éticos

O projeto desta pesquisa foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em

Pesquisa da Universidade Metodista de São Paulo (CEP - METODISTA), em São

Bernardo do Campo - SP, pois trata-se de uma pesquisa que sugere contato com o outro,

tendo o CAAE 37988720.8.0000.5508 (Anexo B)

O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) (Anexo A) foi redigido

em duas vias, ficando uma cópia com a instituição e a outra com a pesquisadora. Os dados

dos participantes serão preservados em anonimato de caráter confidencial e mantido

durante todo a pesquisa. O sigilo e o anonimato dos participantes foram respeitados. Os

dados coletados permanecerão disponíveis por um período de cinco anos, a partir da

finalização desta pesquisa.

58
4.7 Critérios de inclusão

A inclusão dos prontuários na amostra levou em conta a queixa de Autismo

apresentada, além da avaliação psicológica realizada. Outro aspecto que foi considerado

como inclusão se referiu ao fato de o caso ter sido acompanhado por psicólogos, no

mínimo por 2 anos, assim como as orientações familiares terem sido transcritas de forma

periódica (mensal ou bimestral).

4.8 Critérios de exclusão

A exclusão dos prontuários se referiu a ausência de registros de orientação familiar

de forma periódica; prontuários escassos ou incompletos, insuficientes para

cumprimentos dos objetivos pretendidos; casos clínicos que foram atendidos pela própria

pesquisadora e, casos sem diagnóstico comprovado de Autismo na avaliação psicológica

inicial.

4.9 Riscos

Os riscos referentes aos casos participantes na pesquisa foram praticamente nulos,

visto que não houve contato direto com os participantes, apenas o uso de prontuários que

foram redigidos por psicólogos que atuaram na clínica. É importante destacar que

pacientes, pais e /ou responsáveis foram identificados por nomes fictícios visando à

garantia do sigilo sobre sua identidade, atendendo-se, assim, as exigências éticas.

59
4.10 Benefícios

Os benefícios foram de caráter científico, pois os resultados podem contribuir com

a compreensão da clínica, do diagnóstico e orientação aos familiares diante das crianças

que tem Transtorno do Espectro Autista. Com os dados obtidos nesse estudo será

elaborado um programa de intervenção aos pais/ e ou responsáveis para ampliação dos

atendimentos clínicos e suportes necessários a essa clínica do autismo.

60
5. RESULTADOS

5.1 Descrição dos Casos

“às vezes precisamos sair da ilha, para enxergar a ilha”

José Saramago (1922/1998)

Nesta pesquisa, os casos clínicos apresentados terão ênfase nas análises das

descrições oriundas das orientações familiares, momento de escuta clínica aos pais das

crianças com diagnósticos de TEA. Primeiro, será apresentada uma breve descrição sobre

a criança e seus pais, diagnóstico clínico, motivo da queixa, por quanto tempo estiveram

na clínica e evolução. A seguir, o caso foi analisado considerando-se com algumas frases

encontradas nas descrições das orientações que estavam registradas nos prontuários. O

relato na íntegra, contendo os dados de modo mais abrangente pode ser encontrado no

Anexo C.

5.1.1 - Caso 1 – Os pais de Luis2 – “em busca de um lugar melhor, meu lugar ao sol”

Os pais de Luis o trouxeram para a clínica quando tinha 4 anos, para uma

complementação do trabalho terapêutico que já acontecia com o menor. Na época já

apresentava o diagnóstico definido como “Psicose Infantil”, atualmente conhecido como

TEA, pois com 2 anos de idade apresentou uma regressão na linguagem, deixando de

falar e iniciando comportamentos repetitivos com as mãos.

Os pais contaram que o desenvolvimento foi “normal” até 1 ano e 6 meses, porém

houve uma paralisação e, a partir disso, comportamentos repetitivos com as mãos

2
Nome fictício criado para preservar a identidade do participante

61
apareceram e poucas palavras iniciaram sua fala, ocasionando um regresso até o momento

de perda total de fala como o outro.

Dentro do que diziam ser “normal”, Luis foi um bebê não planejado e na gravidez

a mãe teve problemas emocionais, necessitando ficar de repouso. Luis nasceu de parto

normal, a termo com 50 cm e 3k e 240g. Sempre foi uma criança agitada, tanto que seu

sono era muito leve e necessitava dormir com os pais, para se acalmar. Desmamou com

8 meses, pois a mãe foi trabalhar e tomou mamadeira até os três anos de idade.

Não apresentou atrasos no desenvolvimento psicomotor, andou com 9 meses e o

controle esfincteriano ocorreu antes dos 4 anos de idade. Na linguagem, parecia tudo

normal quando bem pequeno, iniciou as primeiras palavras com 9 meses, repetia o que

diziam parecendo compreender, mas com 1 ano e 2 meses teve a primeira paralização,

depois total.

Frequentou escola com 3 anos, tendo boa adaptação, mas por ser uma criança

agitada e hiperativa, teve dificuldade de desenvolver a aprendizagem. A socialização com

os amigos não era boa. Esteve por muitas escolas, sempre havia algo melhor, com mais

recursos, até o momento que os pais perceberam a necessidade de uma escola especial.

Luis era uma criança que não conseguia estar nos ambientes, o seu incomodo diante do

outro provocava agitação motora, agressão e isolamento.

Na área de Psicologia, a avaliação ressaltou que Luis apesar de não falar, fazia um

som. Som esse, que parecia usar como tentativa de relação com o outro, porém era

incompreensível e pouco audível, sem nenhuma possibilidade de comunicação ou de

troca.

O trabalho na Psicologia se iniciou com o objetivo de ampliar a relação e a

psicóloga pareceu apostar no desenvolvimento de um trabalho da criação de vínculo. Esse

tratamento psicológico foi realizado de 1999 a 2012, a criança mantinha uma frequência

62
assídua e seus pais, referiam a Luis como “normal”, por isso acreditavam que a questão

era com as escolas, que não tinha recursos.

A importância de vínculo da família com a psicóloga, se percebia em sessões que

Luis estava em crise, e o pai sempre ajudava a psicóloga. Luis deixou de gritar, mas

passou a cuspir, porém quando cuspia, parecia que estava atento ao outro, esperando algo.

Também aumentou o vocabulário e passou a falar, mas era frequente as ecolalias, porém

mais contextualizadas. Os pais continuaram a investir em escola, higiene e cuidados

pessoais de Luis, mas era percebido um distanciamento emocional. A mãe, apesar da

preocupação com a escola, pouco se envolvia nos pedidos que a escola fazia. Os pais

pareciam estar sempre decepcionados com a escola. Mas a primeira decepção com a área

médica, ocorreu pelo pedido do exame neurológico e genético, para saber se Luis tinha

x-frágil.

Porém se percebeu que os pais desqualificavam tanto as orientações da escola,

como as dos tratamentos terapêuticos. O que olhavam era para as melhoras sociais, o

quanto Luis brincava com outras crianças e eram chamados para eventos.

Ao longo do tratamento, descobrem que Luis não gosta de comer só hamburger,

e possibilitam um novo membro na família, um cachorro. Com isso, reparam Luis se

preocupa com o que o cão vai fazendo na casa, aproximando pais, filho e cachorro num

novo cuidado.

Com esse novo olhar e situação, a mãe também se aproxima da psicóloga, pois ela

era a mais distante, e busca compreensão sobre os momentos que o seu filho se

desorganiza e como ela pode o ajudar.

Essa família foi embora após 11 anos de trabalho, para continuar um trabalho

numa escola especial que iria proporcionar todos os atendimentos.

63
5.1.2 - Caso 2/3 - Os irmãos – Joaquim 3e Manoel4: vem juntos, mas separam os

pais.

Joaquim e Manoel, gêmeos idênticos, com 4 anos chegaram a clínica. Seus pais

os trouxeram pois ambos não falavam, apenas gritavam, pronunciavam palavras que eram

soltas e isoladas, e já sabiam do diagnóstico.

Para os pais, os filhos conversavam entre si, imitando um ao outro. O que os

diferenciava era o relacionamento, na escola estudavam em salas separadas, sendo que

Manoel interagia com crianças de sua classe. Permaneceram em atendimento por mais de

03 anos, tendo frequência assídua, tanto nos atendimentos das crianças como os pais nos

atendimentos solicitados pela psicóloga.

Na Entrevista de Anamnese compareceram todos, a família tinha acabado de se

mudar para São Paulo, e segundo os pais sempre andavam juntos. Entre as informações

recebidas explicaram que tentaram por muito tempo ter um filho, e quando descobriram

a gravidez souberam que eram dois. A gestação foi normal e os bebês estavam em casa

depois de 10 dias do nascimento.

Joaquim nasceu primeiro teve boa aceitação do seio, mas preferia a mamadeira, e

tomava 04 mamadeiras por dia. Na época da introdução alimentar não teve nenhuma

recusa. A informação que temos é que Manoel mamou no seio até mais tarde que o irmão,

durante um ano e 8 meses, e depois comia apenas se gostasse do que via, ou seja, a seleção

era feita pelo olhar.

No desenvolvimento motor apresentaram atrasados iguais. Ainda não tinham

largado a chupeta. Sobre o controle esfincteriano, na época da entrevista, ambos usavam

3
Nome fictício criado para preservar a identidade do participante
4
Nome fictício criado para preservar a identidade do participante

64
fraldas. Tinham um quarto separado dos pais, mas apenas com uma cama. Então, o casal

acabava por se separar e Joaquim dormia com a mãe, e Manoel, às vezes, conseguia

dormir no sofá com auxílio de seu cobertor escolhido, mas passava mais tempo com o

pai, na cama de casal. Quanto a brincadeira, não se interessavam pelos brinquedos.

Joaquim escolhia os pregadores e gostava de separá-los, enquanto Manoel brincava com

o pai de pega-pega e esconde-esconde.

Para a avaliação psicológica, foram estabelecidos horários diferentes para cada

criança, como na escola, porém com a mesma psicóloga. Joaquim na avaliação

psicológica apresentou interesse pelos brinquedos, os experimentou com a boca e não

apresentou nenhuma reação para brincar. Teve um contato visual esquivo, gritou muito,

apresentou autoagressão, além do que, sua brincadeira foi precária e descontextualizada,

mesmo quando a psicóloga propunha alguma atividade.

Manoel já teve mais contato visual, gritou muito, teve maior agitação corporal e

comportamental. Mesmo assim, apresentou iniciativa para buscar brinquedos e sabia dar

funções, jogava bola com o pé e quase em direção a psicóloga, mas sua tendência era

brincar sozinho.

5.1.3 Caso 4 – Carlos5, o menino (des)controle da mãe

Carlos tinha 4 anos de idade, quando veio para essa clínica, mas iniciou

atendimento psicológico desde 2 anos e 6 meses, por diagnóstico de Transtorno do

Espectro Autista. Já tinha passado por 3 psicólogos diferentes devido a seu

comportamento, acabava saindo muito rápido dos atendimentos.

5
Nome fictício criado para preservar a identidade do participante

65
Segundo seus pais, demorou muito para falar, em alguns momentos teve

regressão, ocasionando ecolalia. A sensação era que se apressava para falar, era muito

agitado e no comportamento só fazia o que queria.

Na Anamnese, seus pais contaram que foi um bebê muito desejado, nasceu com

4,85 quilogramas e 3,905 m. Na alimentação não teve problema na lactância, mas como

sua mãe engravidou em seguida, houve uma interrupção e os alimentos começaram a ser

rejeitados.

Ao nascer não apresentava problemas para dormir, porém após alguns meses

apresentou um quadro respiratório necessitando ser internado e entubado, ocasionando

um quadro de agitação para dormir. Andou com 1 ano e 2 meses. Na linguagem teve um

desenvolvimento dentro do esperado, porém com um vocabulário bem empobrecido, com

muitas trocas assistemáticas e fala agitada. Para a mãe de Carlos, o que mais incomodava

era o choro quando ele estava contrariado, as birras e nenhuma tolerância aos limites. Ela

exigiu um diagnóstico, como tinha feito na escola, sob a escolha da professora e que

acabou ajudando Carlos a se acalmar e ter um melhor desempenho na aprendizagem.

Nas sessões de avaliação psicológica Carlos não teve resistência no contato, mas

só colaborava com a aplicação de algum teste se houvesse insistência da psicanalista.

Tinha pouco interesse pelas atividades, não tinha nenhum jogo simbólico. Gostava de ler

gibi, as histórias eram sempre lidas em voz alta, sem nenhuma interrupção e mantinha em

isolamento. Porém, a psicanalista percebeu que a história que contava era inventada e

muitas vezes nem com a imagem fazia relação.

O atendimento de Carlos aconteceu entre março de 2015 a maio de 2017. Nesses

dois anos de psicoterapia, o maior tempo de um tratamento até o momento. Carlos

apresentou melhora na brincadeira com o seu irmão, uma brincadeira mais com o corpo

que era de pega-pega, mas teve diminuição no seu isolamento.

66
5.1.4 Caso 5 – Max6, uma quase amizade

Max buscou ajuda na clínica com 1 ano e 10 meses devido a problemas após seu

nascimento. É o terceiro filho do casal, nasceu com 35 semanas e logo após seu

nascimento apresentou convulsões, o que causou muitas procuras médicas e

preocupações com o seu desenvolvimento. Por morar em outra cidade, não iniciaram os

atendimentos indicados na primeira avaliação, apresentou déficit globais do

desenvolvimento.

Retornam após alguns meses, realizando sessões semanais na fonoaudiologia,

terapia ocupacional e fisioterapia, tendo a Psicologia em outra clínica como auxílio para

os pais e criança.

Quando estava com 4 anos, interrompe aquele atendimento psicológico dos pais

com a criança e inicia-se a psicologia sem a presença dos pais, na primeira sessão, estava

muito ansioso, não teve resistência no contato, buscou brinquedos que faziam barulhos e

músicas, jogava bola, mas não fazia um jogo compartilhado. A sua brincadeira ainda era

precária, isto é, raramente correspondia a uma funcionalidade. Muitas vezes colocava os

objetos na boca, independente se era do seu interesse ou não, em momentos assim

aumentava o seu isolamento e balanceio do corpo. Em muitos momentos era necessário

organizar a sua ação, pois não sabia dar função aos objetos.

No trabalho psicológico foi percebido uma melhora no contato, na forma de

estabelecer e reconhecer alguns sentimentos como feliz e triste, situações como terminar

uma atividade foram importantes pois eram pontos que desencadeavam grandes crises,

mas em relação a linguagem pouco desenvolveu.

6
Nome fictício criado para preservar a identidade do participante

67
Realizou atendimento de 2003 a 2011, com frequência assídua e seus pais também

tinham boa frequência nos encontros com a psicóloga. Entretanto, apesar do bom vínculo,

as vezes, o contato o menor era oscilante devido a muitas indisposições físicas.

Max passou a apresentar quadros mais graves, como recusa alimentar e por causa

das convulsões, algumas paralisações, devido a distância nas cidades os pais optaram por

atendimento em uma escola especializada e mais perto da casa deles.

68
6. DISCUSSÃO

Considerando-se os 5 casos apresentados elaborou-se a discussão, caso a caso e

depois de uma maneira integrada, pois se percebeu que há agrupamentos temáticos que

podem ser refletidos nesta presente pesquisa.

6.1- Análise do Casos


6.1.1 – Caso Luis e seus pais

Luis e seus pais fazem parte não só de um clássico diagnóstico de Autismo, como

também apresentam fenômenos autísticos na família. Relendo a história dessa família, o

sofrimento pela paralisação de um possível desenvolvimento “normal”, provoca

sentimentos de angústias, que marcam a trajetória da vida de uma insígnia psiquiátrica,

sobre isolamento, retraimento e tentativa de estabelecer na relação com o outro uma

posição de destaque.

Importante ressaltar, que os pais de Luis, inicialmente, apresentaram recusa para

os atendimentos e após o acolhimento da própria psicóloga do caso clínico, em os escutar,

buscando compreender o mal-estar desses pais, como eles faziam em situações de crises,

ocasionou uma maior vinculação e o trabalho tornou possível.

“Luis tem limites e não havia necessidades deles se


tratarem, estavam sobre controle, principalmente porque
controlavam tudo com o olhar” (sic pais).

Kupfer e Lajonquiere (2015) relatam que quando legitimamos e recuperamos o

saber dos pais sobre as crianças, acolhemos o mal-estar e os apoiamos nos seus papéis

educativos, pois o comprometimento é na relação do diálogo transicional entre eles e a

criança.

Desde o início que estiveram nos atendimentos, traziam em seus discursos a

marca de uma complementação para que o filho ficasse melhor ou que um recurso fosse

69
melhor, trazendo uma insatisfação e demanda a algo a mais que o menor merecia: será

que realmente faltava algo de melhor terapêutico? ou diante da angústia de ter um filho

autista, os produziam diversas outras questões que os faziam negar a temática? A

psicanalista Tepperman (2005), relata que os pais apostam em cura, principalmente no

momento do luto em que estão dos seus filhos, de modo que para esta família, a chance

de uma escola melhor para Luis, parece ser a possibilidade de uma cura, como foi a

chegada dele na clínica, e depois se esvaziou.

Identifica-se que o investimento libidinal dos pais estava na tentativa de ver o filho

se desenvolvendo pedagogicamente, e sempre se frustravam. As dificuldades eram

deslocadas para a instituição como incapaz, mas havia sempre um retorno a fase na qual

o filho tinha menos de 2 anos de idade e “tudo parou”, precisando ter um novo começo.

Nesse sentido, destacam-se frase dos pais como:

“quando percebemos que Luis era diferente, só tínhamos


vontade de chorar e sofria muita, a decisão foi por entender o que
ele tinha, e poder ajudar” (sic pais).

Luis apresentava diversos fenômenos que o colocavam muito afastado, distante

dos seus pais, ao parar de falar e se relacionar, ficou com um estranho, como um

estrangeiro.

Após seis meses de atendimento na psicologia, o menino apresentou uma

possibilidade de maior vínculo quando, na caixa lúdica encontrou uns óculos escuros, e

conseguiu transformar esse objeto numa brincadeira, foi o objeto que marcou a entrada

possível e o estabelecimento do laço entre a psicanalista e ele. Esse objeto pode ser

considerado muito simbólico, se pensarmos o quanto um óculo escuro, esconde o olhar e

ao mesmo permite o olhar em direção ao sol, permite que eu olhe com proteção ao outro,

e algo para além, é a possibilidade de estar diante da intensa claridade sem ser atingido.

70
Isto é, o quanto Luis já estava se sentindo protegido e teve um objeto para realizar apoio

ao laço social. E seus pais já tinham relatado sofrimentos e talvez ressignificados

situações de angústias dos descobrimentos da insígnia psiquiatra.

Luis, ao participar dos atendimentos, ganha a possibilidade de estar e ter algo na

presença com o outro, sem receio, sem agitação e com menos sentimentos de invasão.

Desenvolve, cuspe, gritos, que são movimentos arredios e agressivos, mas que convocam

o outro, e estabelece uma relação e a possibilidade de ser criança e seus pedidos diante

do quer.

Assim, vai trazendo aos seus pais, a possibilidade de “um lugar melhor”.

O pai de Luis inicia sua ajuda com as crises do filho, como pode ser observado na

frase:

Luis deixou de gritar, mas passou a cuspir, porém quando


cuspia, parecia que estava atento ao outro, esperando algo.
Também aumentou o vocabulário e passou a falar, mas era
frequente as ecolalias, porém mais contextualizadas, como em
crises que dizia: “não pode abaixar a calça, não pode cuspir, que
você está cuspindo”.

Essas construções e possibilidades que os pais tinham de relatar sobre o “fracasso

de um filho ideal”, apontam para a reflexão acerca da importância do psicólogo, neste

caso, psicanalista, sustentar essa escuta, pois ao se deixar os pais voltados apenas para a

ideia do que é Autismo e suas especificidades, mantem-se o diagnóstico e o sentimento

de frustração.

Em um dos últimos atendimentos dos pais, a mãe se aproxima da psicanalista e,

questiona sobre a desorganização de Luis, sobre o que podem fazer, momento em que

percebem que em uma discussão, ou quando não gostam de algo, Luis se ausenta, se

desorganiza mais, ou seja, a necessidade é da contenção, explicação e acolhimento para

que não se desorganize tanto. Entretanto, os pais ainda apostam numa iniciativa de Luis,

não se perguntando quem é esse filho e qual sua capacidade.

71
Do início até o final desse processo, a procura por um “lugar melhor” vai se

diminuindo sendo substituído por um “conhecer” sobre o filho. Nesse casal a ferida

narcísica deixou uma marca, que provavelmente deixar de procurar o melhor para o seu

filho nunca deixarão, mas isso ressalta o que precisou ser ressignificado nessas relações.

Os psicanalistas Resende e Benincasa (2016) nos ajudam a pensar que a família que tem

um membro que adoece e necessita de tratamento em relação a saúde mental, apresenta

um aprendizado diante de lugares de saberes, sustentação, cuidados e trocas afetivas

diante do tratamento que é ofertado a este membro adoecido.

6.1.2 - Análise dos casos 2/3 – Joaquim e Manoel

Joaquim e Manoel, foram um bebê desejado por muito tempo, essa é marca do

caso clínico. Os pais investiram em tratamento e demonstraram estar presentes para a

formação dessa família. A questão é que vieram dois, e não o bebê planejado.

Quando foi pensado nos nomes fictícios para esse caso, a ideia era que um nome

conseguisse dar sequência ao outro, sem separar, pois a leitura do caso parece única.

Dados faltam na anamnese de ambos, faltam dados sobre o desenvolvimento das crianças,

na qual o leitor se pergunta, será que era tudo igual, ou era tão confuso o discurso dos

pais, a família unida que não houve tempo de questionar, sobre cada criança?

Os pais de Joaquim e Manoel sempre foram unidos e desejaram um filho para

construir uma família, mas ao nascer os filhos, tiveram uma separação física. O casal

durante o tempo de análise não teve mais um romance, uma aproximação afetuosa, sendo

cada figura dedicada a um filho. Importante verificar que o bebê ao nascer tem uma

separação espacial, que se refere a possibilidade de marcas afetivas e representações

anteriores do antes do nascer.

72
“Passei por muitos atendimentos psicológicos, pois me
sentia cansada, desgastada e sempre fiquei com Joaquim, tanto
que abandonei o trabalho e meus hobbys, principalmente quando
soube que era Autista....sempre soube que já existia uma
separação do meu marido” (sic – mãe).

Essa é uma família que demonstrou muito sofrimento pelo diagnóstico, pelas

dificuldades que os filhos apresentaram. O pai durante o tratamento, apresentou uma

identificação com o filho que mais cuidava, como a mãe também se queixava da

separação que teve do marido, devido aos cuidados que o filho demandava. Como

ressaltou a autora Hurlbutt (2011), quando a família descobre uma patologia repercussões

na vida pessoal dos pais são aparentes e significativas, principalmente, quando um dos

pais assume a responsabilidade dos cuidados por essa criança. Nessa família, ambos pais

tiveram uma paralisação aos seus desejos enquanto casal.

Um grande cuidado temos que ter nessa leitura, pois um retomando as teorias do

autismo na psicanálise o autismo poderia ser instalado por essa paralisação, segundo

Winnicott. Mas, para a psicanálise lacaniana o descompasso é na relação mãe e filho,

como podemos pensar no autismo como os gêmeos, será que é por que ao ser falado antes

do nascimento já era marcado um? Nesse sentido, recorremos a Lacan (1969) ao afirmar

que “o sintoma da criança está em posição de responder ao que há de sintomático na

estrutura familiar” (p. 369), as crianças gemelares abrigam a dificuldade do casal com o

mundo e representam, não apenas como possibilidade de reorganização familiar, mas

porque essas relações também eram desafetuosas, de impulso e desorganização.

73
6.1.3 - Análise dos casos 4 – Carlos

Esse caso clínico tem a marca de uma insígnia do Autismo, porém há um grande

questionamento se realmente era um caso de Autismo? Não é uma família que se isola,

Carlos não foi uma criança com déficit no desenvolvimento, mas na linguagem e questões

no contato. E na avaliação também foi ressaltado a questão da linguagem inventada e a

dificuldade de contato com o outro, será uma marca da dificuldade no laço social?

“Retornei a escola e pedi uma mudança de professora. (sic- mãe).

Seus pais tiveram poucas participações nas orientações e havia uma marca de um

grande controle no que deveria ser feito, ressaltando sintomas de agitação e dificuldade

com limites da criança. A insígnia psiquiatria também ressalta uma frustração e demarca

um controle e sintoma familiar.

Com o passar dos atendimentos, um dos efeitos da escuta nas orientações

familiares foi trazer mais o pai para o atendimento e a mãe teve uma nova possibilidade

de escuta sobre as dificuldades do filho, principalmente em relação a escola.

“Carlos ficara na mesma escola, acabei escolhendo a


professora novamente, mas semana passada, estive em um novo
pneumologista e decidi que não vou levar pedido de diagnósticos, acho
que Carlos está melhor”. (sic- mãe)

Assim, nesse caso clínico ao escutar os pais, desde o início da avaliação

psicológica, pode perceber um desenvolvimento e possibilidade de ressignificações nas

relações entre pais e criança e promoção de saúde na família, como a autora Merletti

(2016) nos ajuda a refletir.

74
6.1.4 - Análise do caso 5 – Max

Max, lembra a história fictícia do filme “Max e Mary: uma amizade diferente”

(2015), um encontro de uma menina australiana com um americano autista, os dois

buscam amigos, e através de cartas, se encontram e constroem uma amizade. O encontro

real nunca será possível.

Como nesse caso havia duas pessoas, ou até mais na mesma sala, não houveram

encontros, laços possíveis. Os pais de Max trouxeram tantos aprendizados, falaram sobre

aprender. Entretanto, ao ler o prontuário desse caso, a sensação é que o casal, vai se

deparando dia a dia com uma novidade, com um novo saber, com um novo filho, como

um “estrangeiro”. Para o pai, Max precisava de uma rotina e ao mesmo era a criança que

controla a situação:

“ tenho que dar um chocolate todo dia, se não fizer isso, ele tem crise”.

(sic-pai).

O pai vivia contando que não era de São Paulo, e que se sentia como um

estrangeiro, e que as vezes, olhava para o filho e achava que era iguais. Ser o estranho,

como Freud nos traz, nos remete ao nosso familiar, ao nosso medo e nossas repetições,

mas ao estrangeiro faz apologia àquele que é parecido conosco, porém é de outra língua,

outros costumes, pouco sabemos e sempre estamos aprendendo com ele, e parece que

algo que queremos dele.

6.2 Síntese das Análises dos Casos

Conforme descrito nas 4 análises dos 5 casos clínicos apresentados, elaborou-se

que há possibilidade de um agrupamento temático. Isto é, em todos os casos há uma

similaridade sobre como é a chegada do caso na clínica, a família sempre está presente

75
na entrevista inicial, anamnese, o diagnóstico já estava colocado, o que atravessa a

transferência, podendo as vezes, ter uma evasão ou ser negativo. Entretanto a psicanalista

Tepperman (2005), relata que os pais sempre apostam em cura, principalmente no

momento do luto em que estão dos seus filhos, e a chegada de um novo tratamento pode

ser uma possibilidade para algo possível.

“quando percebemos que Luis era diferente, só tínhamos


vontade de chorar e sofremos muito, a decisão foi por entender o
que ele tinha, e poder ajudar” (sic pais).

Joaquim e Manoel, gêmeos idênticos, com 4 anos chegaram a clínica. Seus pais

os trouxeram pois ambos não falavam, apenas gritavam, pronunciavam palavras que eram

soltas e isoladas, e já sabiam do diagnóstico. Mas para os pais, as crianças se

comunicavam entre si, a questão era o relacionamento com o outro, e essa era a demanda

que os pais traziam a psicanalista. Max, era uma criança que chegou como Luis, os pais

tinham muita aposta nas pequenas conquistas que o menor realizava. Carlos, foi o único

que se destacou, pois nesse caso só teve a presença da figura materna no início e muitas

dúvidas se pairavam sobre o seu diagnóstico.

Para compreensão desse agrupamento os psicanalistas Kupfer e Lajonquiere

(2015), refletem que no início do atendimento se torna necessário buscar a recuperação

narcísica dos pais. Pois a problemática de seu filho ocasiona extrema angústia e

desamparo, e se o psicanalista que atende o menor, legitima e recupera esse saber dos pais

sobre a criança, o mal-estar pode ser acolhido, como o papel educativo também será

apoiado, pois o comprometimento é na relação do diálogo transicional entre eles e a

criança.

Com a probabilidade de continuidade dos atendimentos, foi percebido uma nova

temática que é a criação de crenças nas crianças, isto é, diante de déficit, da perda das

76
autonomias de uma criança, os pais criam explicativas causalidades, ou adquirem a

inabilidades médicas e atribuem ao autismo, uma causa única, sendo hereditária ou sobre

o ambiente. Como no caso do pai de Max, que vivia contando que não era de São Paulo,

e que se sentia como um estrangeiro, às vezes, olhava para o filho e achava que eram

iguais. O pai dos gêmeos, se identifica ao que cuidava, relembrando a sua própria história

de vida. A mãe de Carlos e os pais de Luis, já estão em oposição, havia ressalvas sobre

o diagnóstico, sobre o que era certo para o seu filho.

Na tentativa de entender esses fenômenos, podemos ressaltar que para um além

de busca da cura, os pais estão diante do desconhecido, de muitas dúvidas, do

estranhamento. Esse estranho, como reconhecido em Freud (1919/2010), não seria nada

de novo ou alheio a esses pais, pois pertence a suas angústias, através do que está em

processo de repressão. Assim, isso poderia nos ajudar a pensar sobre a diferença que faz

entre o pai se afastar da criança e se relacionar com a doença, trazendo possibilidade e

noções de identidade e diferença com o outro?

Os resultados finalizam com a compreensão do agrupamento: o encontro com a

psicanalista. Observou-se que um dos membros passou a não se manter nos

atendimentos, tendo esse um afastamento, e na continuidade e os efeitos terapêuticos ao

longo do processo terapêutico produziram nos 5 casos clínicos, um bom tempo de

tratamento clínico psicanalítica e ressignificações nas relações familiares. Pois, em todos

os casos, os que se afastaram, retornaram com alguma demanda terapêutica como: trazer

mais o pai de Carlos para o atendimento e a mãe teve uma nova possibilidade de escuta

sobre as dificuldades do filho, principalmente em relação a escola.

“Carlos ficara na mesma escola, acabei escolhendo a


professora novamente, mas semana passada, estive em um novo
pneumologista e decidi que não vou levar pedido de diagnósticos, acho
que Carlos está melhor”. (sic- mãe).
77
A mãe de Luis, que era a mais distante, aproxima-se da psicanalista e, questiona

sobre a desorganização de Luis, sobre o que podem fazer, momento em que percebem

que em uma discussão, ou crise do menor, a necessidade seria de não contenção, mas

explicação e acolhimento para que não se desorganize tanto. A mãe dos gêmeos também

retoma os atendimentos, relata sobre a sua depressão e dificuldade de organização de se

manter após o diagnóstico.

“Passei por muitos atendimentos psicológicos, pois me sentia


cansada, desgastada e sempre fiquei com Joaquim, tanto que abandonei o
trabalho e meus hobbys, principalmente quando soube que era
Autista....sempre soube que já existia uma separação do meu marido” (sic
– mãe gêmeos).

Desta forma, elabora-se e com a reflexão da psicanalista Merletti (2016), escutar

os pais desde o início de chegada e tendo um acompanhamento como encontros aos pais,

sugere uma proposta de intervenção precoce e prevenção, capaz de desenvolver um

abrangente campo para a possibilidade de ressignificações nas relações entre pais e

criança, ocasionando promoção de saúde na família.

78
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao término da presente pesquisa considera-se que o objetivo proposto, de analisar

o acompanhamento dos pais durante o tratamento psicológico do filho (a) autista em uma

perspectiva psicanalítica, diante da leitura de prontuários inativos foi alcançado, uma vez

que a partir da análise dos resultados, oriundos dos 5 casos clínicos expostos, verificou-

se que os pais chegam à clínica com muitas angústias e sentimentos de desamparo diante

da possibilidade ou da constatação do diagnóstico de seus filhos. Assim, coube ao

profissional, poder acolher o mal-estar e apoiar os pais nos seus papéis educativos,

revalidando a relação do diálogo transicional entre pais e a criança.

A pesquisa, também permite apontar a partir das análises que os pais ao narrarem,

historizarem e subjetivarem suas histórias e o sofrimento diante do diagnóstico de TEA,

possibilitam a criança autista encontrar um lugar de desejo em seus próprios pais, e poder

ressignificar a relação entre família e criança, estabelecendo a promoção de saúde a

família. A importância de participarem de encontros, como ocorre nas orientações

familiares não favorece o saber do terapeuta, mas a ressignificação e possibilidade de

troca de saberes entre profissional e família, que se constituiu na marca fundamental dessa

pesquisa.

Assim, é possível supor que a Psicanálise, ao se dispor a escutar e acolher o

“estrangeiro”, não o elimina, e possibilita que aspectos familiares possam produzir novos

significados sobre o que se apresentava tão estranhamente e distante.

Ao final da pesquisa, as considerações e os achados encontrados apontaram

também a necessidade de novos estudos acerca do tema, especialmente no que se refere

aos pais, uma vez que ficou evidente o que os estes buscam sempre por apoio, e receiam

sobre novas fases no percurso do desenvolvimento do filho, como na vida adulta.

79
REFERÊNCIAS

Abreu, K. A. (2016). Conceito de família: da legislação à prática - uma análise da '


essência ' do Instituto. Acesso em 23 de janeiro de 2021, disponível em
jusbrasil: https://karinasabreu.jusbrasil.com.br/artigos/151335962/conceito-de-
familia

Alberti, S; Beteille, I (2014) Autismo e Esquizofrenia: de Bleuer a Lacan, um traço. In:


O Autismo, o sujeito, e a psicanálise: consonâncias (org. Luis Achilles Rodrigue
Furtado, Camilla Araújo Lopes Vieira) (p. 57) 1 ed – Curitiba, PR: CRV, 194p.

Almeida, ,. L., & Neves, A. S. (2020). A escuta psicanalítica da família frente ao


diagnóstico de autismo da criança. Ágora, 23(n3), 99-103. doi:
https://doi.org/10.1590/1809-44142020003008.

Almeida, M. S. (14 de novembro de 2019). DIAGNÓSTICO DO AUTISMO NO CID 11,


CID 10 e DSM V. Fonte: Instituto Inclusão Brasil:
https://institutoinclusaobrasil.com.br/diagnostico-do-autismo-no-cid-11-cid-10-
e-dsm-v/

AME-SP. (26 de agosto de 2020). Fonte: AME - Associação Metroviária do


Excepcional: ame-sp.org.br

Ariès, P (1973/1986) A História Social da Criança e da Família. (Dora Flaksman trad, 2


ed). Rio de janeiro: Guanabara.

Assumpção JR, F. B., & Pimentel, A. C. (2000). Autismo Infantil (Vol. 22). São Paulo:
Rev. Bras. Psiquiatr. doi:https://doi.org/10.1590/S1516-44462000000600010

Bettelheim, B. (1967/1987). A Fortaleza Vazia . São Paulo: Martins Fontes.

Bialer, Marina. (2014). Literatura de autistas. Estilos da Clinica, 19(3), 451-


464. https://dx.doi.org/10.11606/issn.1981-1624.v19i3 p451-464

Bialer, Marina. (2017). Autobiografia no Autismo. São Paulo: Toro

Bordini, D., Caviochiolli, D., Cole, C., Asevedo, G., Machado, F., & Paula, C. (2014).
Entendendo o autismo: uma visão atualizada da clínica ao tratamento.

BRASIL. (06 de 06 de 2015). LEI Nº 13.146, DE 6 DE JULHO DE 2015. Acesso em 15


de 05 de 2019, disponível em Presidência da República:
http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13146.htm

Cavalcanti, A. E., & Rocha, P. S. (2001). Autismo: construções e descontruções (Vol.


coleção psicanalítica). São Paulo: Casa do psicólogo.

Catão, I (2015) A linguagem como mistério não revelado: voz e identificação nos
autismos. In: Dossiê Autismo (org Alfredo Jerusalinsky, trad Ana Rita
Jerusalinsky e Erika-Parlato) (p.64) 1 ed- São Paulo: Instituto Language
80
Correa, P. H. (2017). O autismo visto como complexa e heterogênea condição. Physis
Revista de Saúde Coletiva, 27(2), 375-380. doi:http://dx.doi.org/10.1590/S0103-
73312017000200011

Donvan, J., & Zucker, C. (2017). Outra sintonia: a história do autismo. (L. A. Araújo,
Trad.) Sã Paulo: Companhia das Letras.

Dor, J. (1989). Introdução a leitura de Lacan: 0 inconsciente estruturado como


Linguagem. Porto alegre: Artes Médicas.

DSM-5. (2013). Fonte: American Psychiatric Association: goo.gl/qQPK8c

Faria, M. R. (1994). Análise...de quem? As entrevistas preliminares no atendimento de


crianças. Em a criança no discurso do Outro: um exercício de psicanálise. São
Paulo: Iluminuras.

Faria, M. R. (2011). Imaginário, eu e psicose nos primeiros seminários de Lacan. Estilos


da Clínica, 16 (1).

Faria, M. R. (2016). Introdução á psicanálise de crianças: o lugar dos pais. São Paulo:
Toro.

Filho, J. G T.C; Chaves, W. C (2014) A acepção da família na teoria psicanalítica:


Sigmund Freud, Melaine Klein e Jacques Lacan Barbarói, Santa Cruz do Sul,
n.41, p., jul./dez. 2014

Freud, S; Jung, C. G (1909/1976) Correspondência Completa. McGuirre, W (org) (trad.


Leonardo Fróes e Eudoro Ausgisto) Rio de janeiro – recurso eletrônico.

Freud, S. (1905/2016). Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade . Em Obras


completas: três ensaios sobre a teoria da sexualidade, análise fragmentária de
uma histeria( o caso Dora) e outros textos (1901-1905) ( vol.6 – pp13 a
172)(trad.Paulo Cesar de Souza) Rio de Janeiro: Companhia das Letras.

Freud, S. (1909/1996). Análise de uma fobia em um menino de cinco anos. Em S.


Freud, Obras psicológicas completas de Sigmund Freud: edição standard
brasileira (J. Salomão, Trad., Vol. X, p. 250). Rio de Janeiro, Rio de janeiro,
Brasil: Imago.

Freud, S. (1911/2010). Artigos sobre a técnica. Em Obras completas: observações


psicanalíticas sobre um caso de paranoia relatado em autobiografia (caso
Schreber), artigos sobre técnica e outros textos(1911-1913)(vol10, p. 122). Rio
de Janeiro: Companhia das Letras.

Freud, S. (1914/2016). Introdução ao Narcisismo. Em Obras completas: introdução ao


narcisismo: ensaios de metapsicologia e outros textos (Vol. 12, p. 309). São
Paulo: Companhia das letras.

Freud, S. (1923/2011). Obras completas: o EU e o ID, autobiografia e outros textos


(1923-1925). São Paulo: Companhia das Letras.

81
Freud, S. (1926/2014). Inibição, sintoma e angústia. Em Obras completas: inibição,
sintoma e angústia, o futuro de uma ilusão e outros textos (1926-1929). São
Paulo: Companhia das Letras.

Freud, S. (1916/ 2014). Obras completas: Conferências Introdutórias à Psicanálise


(1916-1917). São Paulo: Companhias das Letras.

Engels, F (1884/1984) A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado.


Trabalho relacionado com as investigações de L. H. Morgan. 9.a Edição.
Tradução de. LEANDRO KONDER

Gonçalves, A., Silva, B., Menezes, M., & Tonial, L. (2017). Transtornos do espectro do
autismo e psicanálise: revisitando a literatura. Tempo psicanalítico, 49(2), 152-
181. Acesso em 11 de abr de 2021, disponível em
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-
48382017000200008&lng=pt&tlng=pt.

Grandin, T., & Panek, R. (2015). O cérebro autista. Rio de Janeiro: Record.

Hurlbutt, K. S. (2011). experiences of parents who homeschool their children with


autism spectrum disorders. Focus on autism and other developmental
disabilities, 26(4), 239-249. doi:10.1177/1088357611421170

Jaffe, N (2011) Quando nada está acontecendo São Paulo: martins Fontes 151p.

Jerusalinsky, A. (2012). Um Autista Merece a Chance de se constituir Sujeito. Sig


Revista de Psicanálise, 1, 103-113.

Jerusalinsky, A. N. (1984). Psicanálise do autismo. Porto Alegre: Artes Médicas.

Jerusalinsky, A. N. (2015). À Guisa de Introdução In: Dossiê Autismo (org Alfredo


Jerusalinsky, trad Ana Rita Jerusalinsky e Erika-Parlato) (p.22) 1 ed- São Paulo:
Instituto Language

Kanner, L. (1943/1997). Os Distúrbios Autísticos de Contato Afetivo. Em P. S. Rocha,


& C. d. Linguagem (Ed.), Autismos. Recife, PE: Escuta.

Kaufmann, P. (1996). Dicionário Enciclopédico de Psicanálise: o legado de Freud e


Lacan . Rio de Janeiro: Jorge Zahar.

Klein, M. (1930/1996). A importância da formação de símbolos no desenvolvimento do


ego. In M. Klein, Amor, culpa e reparação (pp. 249-264). Rio de Janeiro:
Imago.

Kupfer, M. C., & Lanjouquière, L. d. (2015). A escuta de pais no dispositivo da


Educação Terapêutica: uma intervenção entre a psicanálise e a educação. Em M.
d. Ornella, Psicanálise e Educação: (im)passes subjetivos contemporâneos III
(Vol. 1, p. 232). Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil: Fino Traço.

82
Lacan, J. (1938/2015). Os complexos familiares na formação do individuo. Rio de
Janeiro: Zahar.
Lacan, J. (1953/2006). O Seminário 1: os escritos técnicos de Freud. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar.

Lacan, J. (1949/1998). O estádio do espelho como formador da função do eu. Em


Escritos (p. 911). Rio de Janeiro: Jorge Zahar.

Lacan, J. (1969/2003). Nota sobre a criança. Em Outros escritos (2003 ed.). Rio de
Janeiro: Jorge Zahar.

Lacan, J. (1973/2005). seminário 10 Angústia. Rio de Janeiro: Zahar.

Lacan, J. (1974/1993). Televisão. Rio de Janeiro: Zahar.

Lacan in North Armorica. (1975/2016) / Frederico Denez; Gustavo Capobianco Volaco


(Org.., recurso eletrônico, 102p) -- Porto Alegre, RS: Editora Fi, 2016.

Lara, J. G. (2012). El autismo. História y clasificaciones. Salud Mental, 35, 257-261.

Laznik, M.-C. (2011). Rumo à fala: três crianças autistas em psicanálise. Rio de
Janeiro: Companhia de Freud.

Leandro, J. A., & Lopes, B. A. (2018). Cartas de mães e pais de autistas ao Jornal do
Brasil na década de 1980. Interface, 153-63. doi:DOI: 10.1590/1807-
57622016.0140

Lefort, R., & Lefort, R. (2017). A distinção do autismo. Belo Horizonte: Relicário
Edições.

Lemos, S. d., & Neves, A. S. (2019). Os processos de constituição psíquica do sujeito


na perspectiva da psicanálise de família e casal (Vol. 31). Rio de Janeiro:
Psicologia Clínica. doi:http://dx.doi.org/10.33208/PC1980-5438v0031n01A03

Lima, J. A., Serõdio, R. G., & Cruz, O. (2011). Pais responsáveis, filhos satisfeitos: As
responsabilidades paternas no quotidiano das crianças em idade escolar. Análise
Psicológica, 4 (XXIX), 567-578.

Mannoni, M. (1999). A criança, sua " doença" e os outros. (E. livraria, Ed., & M.
Seincman, Trad.) São Paulo, SP: Via Letttera.

MALEVAL, Jean-Claude (2009) O autista e a sua voz. Trad. P. S. de Souza Jr.. São
Paulo: Blucher, 2017

Martão, M. I. (2009). Encontro com pais de filhos com traços autistas: compreendendo
a experiência emocional. tese de doutorado, Universidade de São Paulo, São
Paulo.

Merletti, C. (2018). Autismo em causa: historicidade, diagnóstico, prática clínica e


narrativa dos pais. Stilos da clínica, 29, 149-151.

83
Merletti, C. K. (2016). Formação por meio do IRDI, com pais e professores: uma
parceria possível na Educação Infantil. Tese de Doutorado, Universidade de
São Paulo, São Paulo.

Misquiatti, A. R., Britto, M. C., Ferreira, F. T., & Assumpção Jr., F. B. (2015).
Sobrecarga familiar e crianças com Transtorno do Espectro Autista: perspectiva
dos cuidados. Revista CEFAC, 17(n.01), 192-200.
doi:http://dx.doi.org/10.1590/1982-0216201520413

Nasio, J. -D. (2001). Um caso de M. Klein: Dick ou o sadismo. Em J.-D. Nasio, Os


Grandes Casos de Psicoses (pp. 65-84). Rio de Janeiro: Jorge Zahar.

Ocampo, M. L., Arzeno, M. E., & Picollo e colaboradores, E. G. (2009). O processo


psicodiagnóstico e as técnicas projetivas (Vol. 11). São Paulo: WMF Martins
Fontes.

Oliveira, B. D., Feldman, C., Couto, M. C., & Lima, R. C. (janeiro de 2017). Políticas
para o autismo no Brasil: entre a atenção psicossocial e a reabilitação.
doi:http://dx.doi.org/10.1590/S0103-73312017000300017

OMS. (2020). Fonte: https://news.un.org/pt/story/2017/04/1581881-oms-afirma-que-


autismo-afeta-uma-em-cada-160-criancas-no-mundo

OMS. (2021). Fonte: https://www.sbp.com.br/imprensa/detalhe/nid/oms-conclui-


revisao-da-nova-cid-que-entrara-em-vigor-a-partir-de-janeiro-de-
2022/#:~:text=A%20CID%2D11%2C%20que%20ser%C3%A1,1%C2%BA%20
de%20janeiro%20de%202022.

P.A.F., Flavia ; BENINCASA, Miria ; REZENDE, M. M. . A família no contexto da


Reforma Psiquiátrica. Passagens: revista internacional de história política e
cultura jurídica , v. 8, p. 526-542, 2016

Pereira, M. E. (2000). Bleuler e a invenção da esquizofrenia. Revista latinoamericana


de psicopatologia fundamental, III(1), 158-163.

Peusner, P. (2016). Fugir para adiante: o desejo do analista que não retrocede ante as
crianças (1 ed.). (F. Z. Formigoni, Trad.) São Paulo: Agente Publicações.

Quinet, A. (2009). AS 4 + condições de analise. Rio de Janeiro: Zahar.

Quinet, A. (2016). Lalingua e Sinthoma. Linguas e Instrumentos Linguisticos, Nº 38 –


jul-dez 2016.

Ribeiro, Anna, & Caropreso, Fatima. (2018). A teoria de Margaret Mahler sobre o
desenvolvimento psíquico precoce normal. Psicologia em Revista, 896-914.
doi:https://dx.doi.org/10.5752/P.1678-9563.2018v24n3p894-914

Ribeiro, P. R. (jan/abr de 2006). Historia da saúde Mental Infantil: a criança brasileira


da colônia à república velha. Psicologia em estudo, 11, 29-38.

84
Rossato, L., Santeiro, T. V., & Barbieri, V. (27 de novembro de 2020). Pensando
Famílias na Formação em Psicologia: Experiência Grupo-Operativa com
Calouros. Psicol. cienc. prof., 40(e208770). doi:http://dx.doi.org/10.1590/1982-
3703003208770.

Roudinesco, E. (2003). A Família em Desordem.Rio de Janeiro: Zahar.

Saramago, J (1922/1998) O conto da ilha desconhecida. São Paulo: Companhia das


letras

Sanchez, F. A. (2020). A Família na visão sistêmica. Em M. L. Teodoro, & M. N.


Baptista, Psicologia da família: teoria, avaliação e intervenção (recurso
eletrônico). Porto Alegre: Artmed.

SAÚDE, M. d. (2015). Acesso em 15 de 04 de 2019, disponível em ministério da


Saúde. linha de cuidado para a atenção às pessoas com transtornos do espectro
do autismo em suas na rede de atenção psicossocial do Sistema Único de Saúde:
www.saude.gov.br/saudemental

SAÚDE, s. d. (04 de 05 de 2020). autismo. Fonte: Secretaria da saúde:


http://www.saude.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=3345

Seregen, L., & Françoso, M. d. (jan-mar de 2014). AS VIVÊNCIAS DE MÃES DE


JOVENS AUTISTAS. Psicologia em estudo, 19, 39-46.
doi:http://dx.doi.org/10.1590/1413-7372207840004

Silva, A. L. (1994). Questões preliminares à análise de crianças. Em A criança no


discurso do Outro: um exercício de psicanálise. São Paulo: Iluminuras.

Silva, a. V., & rudge, a. M. (2017). Os pais no tratamento psicanalítico de crianças.


Trivium - Estudos Interdisciplinares, 9, 23-25.
doi:https://dx.doi.org/10.18379/2176-4891.2017v1p.26

Silva, C. C., & Elias, L. C. (junho de 2020). Instrumentos de Avaliação no Transtorno


do Espectro Autista: Uma Revisão Sistemática. Aval. psicol., 19(n.02), 189-197.
doi:http://dx.doi.org/10.15689/ap.2020.1902.09
Simom, R. (1993). Pesquisas combinando técnicas projetivas e psicanálise. Em M. E.
Silva, Investigação e Psicanálise (Vol. 01, p. 172). São Paulo: Papirus.

Souza, J. C., Fraga, L. L., OLliveira, M. R., Buchara, M. d., Straliotto, N. C., Rosário,
S. P., & Rezende, T. M. (2004). Atuação di Psicólogo Frente ao Transtorno
Golbais do Desenvolvimento Infantil. Psicologia Ciência e Profissão, 24(2), 24-
31. Fonte: https://www.scielo.br/pdf/pcp/v24n2/v24n2a04.pdf

Telles, C. M. (jan/jun de 2012). A escuta discursiva de mães de crianças autistas: o


primeiro olhar sobre o filho. Caderno De Psicanálise, 34(n.26), 67-83.

Teperman, D. W. (2005). Clínica psicanalítica com bebês; uma intervenção a tempo.


(Fapesp) São Paulo: Casa do Psicólogo.

Tustin, F. (1972/1975). Autismo e Psicose Infantil. Rio de Janeiro: Imago.

85
Viana, B.A; Brito, K.M; Furtado, L.A.R (2020) Sobre o que ressoa e faz eco: voz, música
e lalíngua no tratamento do Autismo. Estudos e Pesquisa em Psicologia, vol.02
doi:10.12957/epp.2020.52589 ISSN 1808-4281 (online version)

Winnicott, D. (1986/ 1996). Tudo começa em casa. São Paulo: Martins Fontes.

Winnicott, D. W. (1997). Autismo In: D. W. Winnicott. Pensando sobre as Crianças


(M. A. Verosene, Trad., p. 292). Porto Alegre: Artmed.

Xavier, J. S., Marchiori, T., & Schwatzman, J. S. (2019). Pais em busca de diagnóstico
de Transtorno do Espectro do autismo para o filho. Psicologia: Teoria e Prática,
21(1), 154-169.

Zanon, R. B., Backes, B., & Bosa, C. A. (2017). Diagnóstico do autismo: relação entre
fatores contextuais, familiares e da criança. psicologia teoria e prática, 19(1),
152-163. doi:http://dx.doi.org/10.5935/1980-6906/psicologia.v19n1p164-175.

Zaro, J. (1980). Introdução à prática psicoterápica. São Paulo: EPU.

Zornig, S. m.-J. (junho de 2010). Tornar-se pai, torna-se mãe: o processo ou construção
da parentalidade. 42(n.2). Rio de Janeiro: Tempo Psicanalítico. Acesso em 24 de
janeiro de 2021, disponível em
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-
48382010000200010&lng=pt&nrm=iso

86
Anexos

87
Anexo A

88
89
Anexo B

90
91
92
93
Anexo C

94
DESCRIÇÃO INTEGRAL DOS CASOS CLÍNICOS
Caso 1 – Os pais de Luis – em busca de um lugar melhor, meu lugar ao sol

Os pais de Luis o trouxeram para esta clínica nos seus 4 anos, para uma
complementação do trabalho terapêutico que já estava acontecendo com o menor. Na
época já apresentava o diagnóstico definido como “psicose infantil”, atualmente
conhecido como TEA, pois com 2 anos de idade apresentou uma regressão na linguagem,
deixando de falar e comportamentos repetitivos.
Os pais contavam que o desenvolvimento foi “normal” até 1 ano e 6 meses dois
anos de idade, porém houve uma paralisação e, a partir disso, comportamentos repetitivos
apareceram e poucas palavras iniciaram sua fala, mas nunca mais desenvolveu,
ocasionando um regresso e total perda de comunicação com o outro.
Dentro desse normal, os pais contaram que Luis foi um bebê não planejado e na
gravidez a mãe teve problemas emocionais, necessitando ficar de repouso. Mas Luis,
nasceu de parto normal, a termo com 50 cm e 3k240gr. Sempre foi uma criança agitada,
tanto que seu sono era muito leve e necessitava dormir com os pais, para se acalmar.
Desmamou do seio com 8 meses, pois a mãe foi trabalhar, mas tomou mamadeira até os
três anos de idade. Não apresentou atrasos no desenvolvimento psicomotor, andando com
9 meses e tendo o controle esfincteriano antes dos 4 anos de idade. Na linguagem, parecia
tudo normal quando bem pequeno, iniciou as primeiras palavras com 9 meses, repetia o
que diziam parecendo compreender, mas com 1 ano e 2 meses teve uma paralização,
perdendo toda a comunicação com o outro.
Frequentou escola desde 3 anos, tendo boa adaptação, mas por ser agitado,
hiperativo não conseguia desenvolver a aprendizagem e se afastava muitos das crianças,
escolhendo os adultos para sua companhia. Entretanto, esteve por muitas escolas, pois
essas relatavam para o pai, que sempre havia algo melhor, com mais recursos. Mais ano
após ano, foram tendo frustrações com as escolas, ocasionando no final desse atendimento
a busca de uma escola especial.
Com 1 ano de idade pois acidentes com Luis modificaram a conduta com o
pequeno, o primeiro foi que ao explorar o sofá acabou caindo da janela, sem nenhuma
fratura e depois uma crise de respiração, a qual a mãe levou para o seu quarto e Luis nunca
mais dormiu longe dos pais.
Luis, era uma criança que não conseguia estar nos ambientes, o seu incomodo
diante do outro provocava agitação motora, agressão e, como resposta, apresentava

95
tendência ao isolamento. Tinha movimentos estereotipados, fazia pouco contato visual e
na linguagem havia presença de ecolalia. Os pais sabiam colocar limites
Quando chegou para o atendimento nessa clínica, foi a pedido de mais uma área
para complementar, e esta foi a terapia ocupacional. Area que identificou que Luis era
uma criança agitada, com pouca interação com a terapeuta. Em alguns momentos repetia
o que proposto, respondendo de maneira adequada, mas na maior parte do tempo ficava
alheio e ignorava a terapeuta. Sua linguagem era por ecolalia, sendo as palavras que usava
pareciam de ordens ao outro, como ‘não pode, desce, vamos guardar e coco”. Os
brinquedos exploravam de maneira repetitiva, rápida e os experimentava pela boca,
mudava constantemente de objeto, e o seu interesse era peculiar: fita crepe e água, mas
não desenvolvia nenhuma brincadeira nada com isso. Tinha prejuízo na compreensão
visio-motor e motora fina. Sabia se vestir, despir, mas não sabia ir ao banheiro.
Após essa avaliação, os pais toparam o atendimento e em poucos meses,
transferiram todos os seus atendimentos para essa clínica. Na área de psicologia, a
avaliação complementou que os comportamentos de Luis, além de estereotipados,
apresentavam uma ritualização. Luis não falava, fazia um som. Som esse parecia usar
para se manifestar com o outro, porém era incompreensível e pouco audível, sem
nenhuma possibilidade de comunicação ou de troca. Mas o trabalho se iniciou com o
objetivo de ampliar a relação e a psicóloga pareceu apostar no desenvolvimento de um
trabalho da criação de vínculo. Esse tratamento psicológico foi realizado de 1999 a 2012,
a criança tinha uma frequência assídua e seus pais, inicialmente, fizeram um trabalho
paralelo com outra psicóloga, mas durou 1 mês, pois acreditavam Luis tinha limites, eles
não tinham problemas e nem sentiam necessidade de falar, o que precisavam era procurar
escolas melhores (“Luis tem limites e não havia necessidades deles se tratarem, estavam
sobre controle, principalmente porque controlavam tudo com o olhar”, sic pais).
Porém nessa desistência, a equipe se uniu e propôs a continuidade de apoio aos os
pais, mas numa estratégia diferente, quem os ia atender era a psicóloga de Luis, de
maneira sistemática e podendo acolher as angústias dos pais, pois estava tratando do filho
deles. Essa escuta em ‘paralelo’ aconteceu junto com o atendimento de Luis por 11 anos
e resultou numa melhor construção de vínculo ao Luis, transferindo-se também aos pais,
consolidando o tratamento por tanto tempo.
Os pais percebiam que Luis gostava da clínica, e foram percebendo que quando
iam em festas, o seu vínculo era maior com as crianças, deixando de ficar tão isolado. A
queixa nesse momento era para o melhor desenvolvimento de Luis, deixando de lado a

96
escuta de suas angústias e conflitos. Os pais se referiam a Luis como normal, por isso
acreditavam que a questão era com as escolas, que não tinham recursos.
A importância de vínculo da família com a psicóloga, se percebia em sessões que
Luis estava em crise, e o pai sempre ajudava a psicóloga. Luis deixou de gritar, mas
passou a cuspir, porem quando cuspia, parecia que estava atento ao outro, esperando algo.
Também aumentou o vocabulário e passou a falar, mas era frequente as ecolalias, porém
mais contextualizadas, como em crises que dizia: “não pode abaixar a calça, não pode
cuspir, que você está cuspindo”.
Os pais continuaram a investir em escola, higiene e cuidados pessoais de Luis,
mas era percebido um distanciamento emocional. A mãe, apesar da preocupação com a
escola, pouco se envolvia nos pedidos que a escola fazia. Estavam sempre decepcionados
com a escola. Porem uma primeira decepção ocorreu com a área médica, quando foi
pedido um exame neurológico e genético, para saber se Luis tinha x-frágil. Nesse
momento, a mãe conta a psicóloga que já tinha passado pela fase inicial de rejeição, mas
que percebia o pai muito distante e que este não aceitava o filho, devido as diferenças que
ele tinha.
Porem se percebeu que os pais desqualificavam tanto as orientações da escola,
como as dos tratamentos terapêuticos. O que olhavam era para as melhoras sociais, o
quanto Luis brincava com outras crianças e eram chamados para eventos, “nos sentimos
agora tranquilo” (sic).
Descobrem que Luis não gosta só de hamburger, dão de presente um cachorro
para ele, e percebem que Luis se preocupa com o que o cão vai fazendo na casa,
aproximando dos pais nesses cuidados. Momento este, que a mãe também se aproxima
da psicologia, pois ela era a mais distante, e busca compreensão sobre os momentos que
o seu filho se desorganiza e como ela pode ajudar.
Essa família foi embora após 11 anos de trabalho, para continuar um trabalho
numa escola especial que proporcione outras terapias.

97
CASO 2 /3

Os irmãos – Joaquim e Manoel, vem juntos, mas separam os pais.

Joaquim e Manoel, com 4 anos chegaram a clínica. Seus pais os trouxeram pois
ambos tinham atraso de fala, gritavam, as palavras eram soltas e isoladas, mas os pais
percebiam uma tentativa de comunicação. Como o fato que ambos se imitavam, pois os
dois batiam a cabeça quando irritados. O que os diferenciava era o relacionamento, na
escola estudavam em salas separadas e Manoel interagia com crianças de sua classe, pois
não se isolava, tentava realizar os pedidos que a professora pedia à sua maneira, mas
acabava agredindo as crianças.
Ficaram em atendimento por mais de 03 anos, com frequência assídua e seus pais
também frequentaram os atendimentos solicitados pela psicóloga.
Na entrevista de anamnese compareceram todos, pois a família tinha acabado de
se mudar para São Paulo. Nessa entrevista contaram que por anos, tentaram engravidar e
repentinamente os gêmeos vieram, a gestação foi normal e os bebês estavam em casa
depois de 10 dias.
Joaquim era o primogênito, teve boa aceitação do seio, mas preferia a mamadeira,
e tomava 04 mamadeiras por dias, na época da introdução alimentar, não teve nenhuma
recusa. Já Manoel, mamou no seio até mais tarde que o irmão, 1 ano e 8 meses, e depois
comia apenas se gostasse do que via (a seleção é pelo olhar), e tomava as 04 mamadeiras
como o irmão.
No desenvolvimento motor apresentaram atrasados iguais, andaram com 02 anos
de idade. Sempre usaram chupeta.
Sobre o controle esfincteriano, na época da entrevista com os pais, ambos irmãos
usavam fraldas. Mas Joaquim já tirava pelo incomodo e fazia fezes em qualquer lugar,
Manoel ajudava o pai a compreender que ele queria fazer coco.
Em relação ao sono, os irmãos tinham seus quartos, mas apenas uma cama. Então
o casal acabava por se separar e Joaquim dormia com a mãe, e Manoel as vezes, conseguia
dormir no sofá com auxílio de seu cobertor escolhido, mas passava mais tempo com o
pai.

98
Quanto a brincadeira, não se interessavam pelos brinquedos. Joaquim escolhia os
pregadores e gostava de separá-los, enquanto Manoel brincava com o pai de pega-pega e
esconde-esconde.
Para a avaliação psicológica, foram escolhidos horários separados como na escola,
porém com a mesma psicóloga.
Joaquim apresentou interesse pelos brinquedos, os experimentou com a boca e
não teve nenhuma reação para o brincar. Teve um contato visual esquivo, gritou muito,
apresentou autoagressão, e a brincadeira foi precária e descontextualizada, mesmo que a
psicóloga se propôs a atividade.
Manoel já tem mais contato visual, grita muito, tem maior agitação corporal e
comportamental. Mas apresentou iniciativa para buscar brinquedos e sabendo dar
funções, bola jogava com o pé e quase em direção a psicóloga, mas sua tendencia era
brincar sozinho.
Em relação as orientações familiares, mesmo que houvesse a presença de um do
casal, os irmãos estavam sempre acompanhando. O pai inicialmente, teve mais frequência
e em alguns encontros, trouxe seu pai (avô paterno dos irmãos). Essas orientações eram
baseadas em conversas sobre limite e regras de comportamento. Mas o pai, apesar da
distância que sabia ter de Joaquim, se dizia identificado com as dificuldades, pois sempre
foi uma criança e adolescente sozinho, quando cresceu lembra que só conseguia trabalhar
e depois casou. Sua afeição era por Manoel, porque esse demandava mais de si, devido a
gostar de brincadeiras com o corpo, mas pouco compreendia as suas regras e limites.
Em relação a mãe, passou por muitos atendimentos junto a psicóloga, por uma
queixa de cansaço, degaste e saber que Joaquim tinha um excesso consigo, do qual desde
que eles nasceram nunca soube como lidar, deixou seu trabalho e hobby. Não conseguiu
mais voltar, principalmente com a revelação do diagnóstico do autismo, mas percebia que
ao nascer os filhos uma separação do marido foi se estabelecendo. E que cada um, casal
tinha uma parceria com os irmãos, o ambiente acaba ficando confuso. Sentia que é de
casa e dos filhos, mas não, mas nada para si, e isso trouxe uma desorientação e angustia,
tendo o comportamento de comprar muitas coisas para o filho, a ponto de não conseguir
dinheiro para comprar a cama que colocaria cada um no seu lugar.

99
Caso 4 – Carlos, o menino (des)controle da mãe

Veio encaminhado devido a uma nova mudança de terapeutas, estava com 4 anos,
mas em atendimento psicológico desde seus 2 anos e 6 meses. Segundo seus pais demorou
muito para falar, em alguns momentos teve regressão, ocasionando ecolalia. A sensação
era que se apressava para falar, muito agitado e sempre fazia aquilo que queria.

Na anamnese, seus pais contaram que foi um bebê muito desejado, nasceu de 4,85
quilogramas e com 3,905 cm. Na alimentação não teve problema na lactância, mas por
ter tido um irmão, houve uma interrupção e os alimentos começaram a ser rejeitados.

Não tinha problemas para dormir até o momento que apresentou um quadro
respiratório necessitando ser internado e entubado. Andou com 1 ano e 2 meses. Na
linguagem teve um desenvolvimento, mas bem empobrecido, com muitas trocas
assistemáticas e fala agitada.

Para a mãe de Carlos, o que mais incomodava era o choro quando ele estava
contrariado, as birras e nenhuma tolerância aos limites. Ela exigiu um diagnóstico, como
tinha feito na escola, sob a escolha da professora e que acabou ajudando Carlos a se
acalmar e ter um melhor desempenho na aprendizagem.

Nas sessões de avaliação Carlos era uma criança tranquila, mas só colaborava se
houvesse insistência da analista. Tinha pouco interesse pelos interesses, não tinha nenhum
jogo simbólico. Gostava de ler gibi, as histórias eram sempre lidas em voz alta, sem
nenhuma interrupção e sozinho. Porém, a analista percebeu que a história que contava era
inventada e muitas vezes nem com a imagem fazia relação.

O atendimento de Carlos aconteceu entre março de 2015 a maio de 2017. Nesses


dois anos de psicoterapia, o maior tempo de um tratamento até o momento, esteve em
mais 3 analistas. Carlos apresentou melhora na brincadeira com o seu irmão, uma
brincadeira mais com o corpo que era de pega-pega, mas teve diminuição no seu
isolamento.

100
O pai pouco compareceu as sessões, mas quando vinha, contava que gostava de
brincar de pega-pega. Mãe nas orientações parecia sempre querer determinar o que ainda
não estava bom, mas foi apresentando um feedback mais positivo e possível de ser
escutado.

No final de novembro, a mãe de Carlos insiste numa mudança de escola, traz


vários aspectos negativos da escola, mas relata que Carlos é uma criança muito
desaminada para a aprendizagem e que não tem motivação para procurar amigos, se ela
mudasse de escola isso poderia ser modificado. Nas orientações, a analista vai colocando
o que é a escola para Carlos e se ele quer essa mudança.

No início de 2016, Carlos apresenta uma melhora no comportamento aceitando


regras de adultos em uma viagem. Mae de Carlos conta “Carlos ficara na mesma escola,
mas escolhi a professora novamente”...Também conta “semana passada, estive em um
novo pneumologista e decide que não vou levar pedido de diagnósticos, acho que Carlos
esta melhor”.

O pai inicia sua participação nas orientações e relata que tem muito do futuro.

Há uma cena que marca, mãe e Carlos chegam muitos angustiados no


atendimento, e Carlos aos berros, coloca que a mãe deixou os ladroes entrarem na casa
dele e ela não diz nada e parece que ela fica muito desorganizada.

101
Caso 5 – Max, uma quase amizade

Max chegou com 1ano e 10 meses na clinica, é o terceiro filho do casal, nasceu

com 35 semanas e logo apos seu nascimento apresentou convulsões, o que causou muitas

procuras médicas e preocupações com o seu desenvolvimento. Por morar em outra

cidade, não iniciaram os atendimentos indicados na primeira avaliação.

Retornam apos alguns meses, realizando sessões semanais na fonoaudiologia,

terapia ocupacional e fisioterapia, tendo a psicologia em outra clinica como auxilio para

os pais e criança.

O quadro avaliativo era de traços autísticos, atraso de linguagem e deficit no

desenvolvimento global. Quando estava com 4 anos, interrompe aquele atendimento

psicologico dos pais com a criança e inicia-se a Psicologia sem a presença dos pais, na

primeira sessão, estava muito ansioso, não teve resistência no contato, buscou brinquedos

que faziam barulhos e músicas, jogava bola mas não fazia um jogo compartilhado.

A sua brincadeira ainda era precária, isto é, raramente correspondia a uma

funcionalidade. Muitas vezes colocava os objetos na boca, independente se era do seu

interesse ou não, em momentos assim aumentava o seu isolamento e balanceio do com o

corpo. Em muito momentos era necessário delimitar a sua ação para orienta-lo e isso as

vezes, pois a maneira como se relaciona com o outro ou com os objetos o traziam

desorganização psíquica.

102
No trabalho psicológico foi percebido uma melhora no contato, na forma de

estabelecer e reconhecer alguns sentimentos como feliz e triste, situações como terminar

uma atividade foram importantes pois eram pontos que desencadeavam grandes crises,

mas em relação a linguagem pouco desenvolveu. Apenas sons conseguiu desenvolver e

poucas comunicações corporais. Um pouco antes de ir embora, estava apresentavam um

novo sintoma, recusa alimentar e isso era a nova preocupaçao dos pais.

Realizou atendimento de 2003 a 2011, tinha frequência assídua e seus pais

também tinham boa frequência nos encontros com a psicóloga. Entretanto, apesar do bom

vínculo, as vezes o contato com o pequeno era oscilante devido a muitas indisposições

fisicas que tinha, como os pais em muitos encontros.

Os pais têm a marca do aprendizado, desde a a primeira psicóloga, ressaltando que

entre eles e o filho havia um objeto que não deixava eles se aproximarem.

O pai sempre se assemelhava as dificuldades e ao tempo da criança, e com isso

nos encontros cada ato da criança era compreendida ou sabida pela figura paterna.

Os pais divergem muito nas situações e acabam agindo de forma diferentes. Isso

se reflete nos atendimentos ocasionando que passam a vir separadamente. Há sempre uma

justificativa por ambos os lados, mas é sempre o pai que traz sobre avanços sobre o social,

como sair, ir ao cinema, dizer que Max suporta mais o outro em lugares novos.

Para o pai, Max precisava de uma rotina e ao mesmo a criança que controla a

situação: “tenho que dar um chocolate todo dia, se não fizer isso, ele tem crise”. Sabe,

mesmo sabendo disso, às vezes, me sinto como um “estrangeiro”, pareço que nunca estou

ali no grupo que com ele.

Após um ano de encontro com a psicóloga os pais começaram a dizer sobre as

dificuldades de sair, de se relacionar, mal-estar, e que fazem muitas escolhas devidos a

algumas situações que tem de lidar.

103
P passou a apresentar quadros mais graves, como recusa alimentar e por causa das

convulsões, algumas paralisações, devido a distancia nas cidades os pais optaram por

atendimento em uma escola especializada e mais perto da casa deles.

104
105
106

Você também pode gostar