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PSICOLOGIA COGNITIVA DOS TRANSTORNOS ALIMENTARES

1
Carlas Aparecida Chaves Domiciano
2
Josilane Alves Bandeira
Lorraine de Mesquita Rolim³
4
Rafaela Ferreira Laia
5
Tatiane Teixeira de Souza
6
Orientador ULBRA - Ivan Augusto Daguani Guarache Leonardo

RESUMO

Esse artigo tem como pretensão realizar um levantamento bibliográfico, que tenha
em vista conhecer melhor as técnicas da abordagem da Terapia Cognitivo-
Comportamental (TCC) e suas especificidades frente ao quadro do Transtorno
Alimentar Anorexia Nervosa. Foram utilizados o DSM em sua quinta versão, o
livro Terapia Cognitivo-Comportamental na Prática Psiquiátrica, organizado por
Paulo Knapp, de 2004 e revisão literária sobre o assunto delimitado. A Anorexia
Nervosa é um transtorno caracterizado por uma ideia recorrente relacionada a uma
preocupação excessiva com o peso e a ingestão de calorias, que leva a um peso
corporal consideravelmente baixo, ocasionando danos físicos e psicológicos aos
seus portadores. Através da Terapia Cognitivo-Comportamental é possível
descobrir padrões de pensamentos disfuncionais relacionados com a baixa
autoestima e obsessão em relação à magreza, e realizar um trabalho acerca das
crenças sobre comida e peso, visando obter modificação do comportamento,
tornando o indivíduo mais funcional. Apesar de não haver uma causa
específica para o transtorno, acredita-se que fatores biológicos, psicológicos e
ambientais estejam envolvidos. E para conhecer melhor essas condições, nos
questionamos: quais as técnicas mais utilizadas pela TCC para o tratamento da
Anorexia Nervosa?
1
Acadêmica de Psicologia, Universidade São Lucas, domicianocarlas@gmail.com
² Acadêmica de Psicologia, Universidade São Lucas, lanealves657@gmail.com
³ Acadêmica de Psicologia, Universidade São Lucas, lorrainerolim@hotmail.com
4
Acadêmica de Psicologia, Universidade São Lucas, rafaela.fl.laia@gmail.com
5
Acadêmica de Psicologia, Universidade São Lucas, tatianeteixeirinha@hotmail.com
6 ,
Psicólogo, Orientador, Docente ULBRA, Porto Velho RO, psipvh@gmail.com
2

Palavras Chaves: Terapia cognitiva; Anorexia Nervosa; Técnicas de abordagem;


Regulação emocional; Terceira onda.

SUMMARY

This article intends to carry out a bibliographical survey, aiming to know better the
techniques of the approach of Cognitive Behavioral Therapy (CBT) and its
specificities in relation to the Anorexia Nervosa Eating Disorder. The DSM was used
in its fifth version, the book Cognitive-Behavioral Therapy in Psychiatric Practice,
organized by Paulo Knapp, 2004 and literary review on the subject delimited.
Anorexia Nervosa is a disorder characterized by a recurring idea related to excessive
preoccupation with weight and calorie intake, which leads to a considerably low body
weight, causing physical and psychological damage to its users. Through Cognitive
Behavioral Therapy, it is possible to discover dysfunctional thinking patterns related
to low self-esteem and obsession with leanness, and to perform work on beliefs
about food and weight, aiming at behavior modification, making the individual more
functional. Although there is no specific cause for the disorder, it is believed that
biological, psychological, and environmental factors are involved. And to know better
these conditions, we asked: what techniques are more used by the CBT for the
treatment of Anorexia Nervosa?

Keywords: Cognitive therapy; Anorexia Nervosa; Techniques of approach;


Emotional regulation; Third wave.

INTRODUÇÃO

Esse trabalho foi realizado através de pesquisa bibliográfica, referenciando o


DSM em sua quinta versão, o livro Terapia Cognitivo-Comportamental na Prática
Psiquiátrica, organizado por Paulo Knapp, de 2004 e revisão literária sobre o
assunto delimitado. O foco desse estudo é a Anorexia Nervosa e suas formas de
tratamento, utilizando a Terapia Cognitivo-Comportamental como referencial teórico.
Nesse sentido procurou-se levantar os pensamentos disfuncionais que estão na
base desse transtorno, os principais discursos e os tipos de emoções.
3

Em se tratando da descrição do transtorno, utilizamos os critérios


diagnósticos do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais,
ressaltando os principais quesitos diagnósticos. No que se refere aos tratamentos
utilizados pela TCC, o livro de Knapp e colaboradores é específico da abordagem
psicoterapêutica, assim como os referenciais teóricos que serão explanados aqui.

Por fim, concluímos com a análise dos dados obtidos sobre a Anorexia
Nervosa e o método utilizado para intervenção da Terapia Cognitivo-
Comportamental, ressaltando também a importância de conhecer os aspectos desse
transtorno para atuar de forma eficaz e incentivar a autonomia dos indivíduos.

1. Transtorno de Anorexia Nervosa e seus conceitos

A anorexia nervosa é um distúrbio alimentar caracterizado pela perda


intensa de peso a partir de dietas rigorosas impostas pelo próprio indivíduo, a fim de
alcançar o estereótipo magro, comumente acarretando uma distorção relevante da
própria imagem corporal. William Gull, médico em 1874, atendeu o caso de três
pacientes com quadro de anorexia nervosa, na época denominou o fato como
“apepsia histérica”. Suas notas contribuíram para a identificação da doença, onde
ele relatava a existência de emagrecimento significativo, bradicardia (diminuição da
frequência cardíaca), baixa temperatura corporal, edema nos membros inferiores,
amenorreia (ausência de menstruação) e obstipação (prisão de ventre).

Além do conceito médico apresentado acima, também há uma consideração


psicológica. De acordo com o DSM‐V (Manual Diagnóstico De Transtornos Mentais),
os transtornos da alimentação se caracterizam por graves perturbações no
comportamento alimentar, podendo ser os seguintes: Anorexia Nervosa, Bulimia
Nervosa, Transtorno de Compulsão Alimentar e outros transtornos não
especificados.

O DSM-V diz:

Os transtornos alimentares são caracterizados por uma perturbação


persistente na alimentação ou no comportamento relacionado à alimentação
que resulta no consumo ou na absorção alterada de alimentos e que
compromete significativamente a saúde física ou o funcionamento
psicossocial. São descritos critérios diagnósticos para pica, transtorno de
ruminação, transtorno alimentar restritivo/evitativo, anorexia nervosa,
bulimia nervosa e transtorno de compulsão alimentar. (DSM-V, página 369.)
4

Para o diagnóstico de Transtorno Alimentar, é necessário que os sintomas


sejam percebidos e persistam por dias, meses ou até mesmo em anos. A anorexia,
como outros transtornos alimentares, prejudica não só a saúde física, mas também o
bem-estar psicológico e social. O DSM-V vem trazer que pacientes acometidos pela
Anorexia Nervosa em alguns casos podem ingerir alimentos, porém, não nutritivos.

É importante observar, no entanto, que algumas apresentações de anorexia


nervosa incluem a ingestão de substâncias não nutritivas, não alimentares,
como lenços de papel, na tentativa de controlar o apetite. Nesses casos,
quando a ingestão de substâncias não nutritivas, não alimentares, é usada
essencialmente como meio de controle do peso, anorexia nervosa deverá
ser o diagnóstico primário. (DSM-V, página 371).

Ao fazer o diagnóstico primário, o anoréxico geralmente nega existir um


problema de baixo peso, pois tem o pensamento distorcido e acredita estar com
peso elevado. Alguns realizam exercício de forma excessiva, forçam o vômito ou
ingerem laxantes para perder peso. O DSM-V (página 379) traz os critérios para o
diagnóstico, sendo eles:

A. Restrição da ingestão calórica em relação às necessidades;

B. Medo intenso de ganhar peso ou de engordar;

C. Perturbação no modo como o próprio peso ou a forma corporal é vivenciada.

Um levantamento feito em 2013 pelo Ministério da Saúde mostra que 77%


dos jovens de 10 a 24 anos estão mais propensos a desenvolver algum tipo de
distúrbio alimentar. Estimou-se naquele ano que a anorexia afetou dois milhões da
população mundial, sendo jovens do sexo feminino em sua grande maioria.

A complexidade desse transtorno também se deve às questões sociais, além


das questões biológicas e psíquicas. É de senso comum que os padrões de beleza
estabelecidos na nossa cultura têm grande influência sobre a forma como as
pessoas se vêm e o corpo que é valorizado e idealizado.

A anorexia nervosa foi o primeiro transtorno alimentar reconhecido, tendo


seus primeiros relatos feitos no século XIX, por Gull (1874) e Lasegue (1873). Sua
ocorrência não é tão comum, sendo mais frequente em mulheres do que em
homens. É um transtorno grave e complexo. (Gull, 1874 e Lasegue, 1873 apud
Knapp et al, 2004). O primeiro relato médico de anorexia nervosa foi no ano de
5

1694, feito pelo médico Richard Morton que acompanhou uma paciente com recusa
em alimentar-se e com relato de amenorreia, que rejeitou o tratamento e morreu de
inanição.

As possibilidades de tratamento da Anorexia Nervosa tiveram algumas


mudanças ao longo dos anos, mudando do foco do acompanhamento médico para
recuperação do peso até as primeiras inserções da psicoterapia como forma de
melhorar a qualidade de vida dos pacientes. No começo, as técnicas utilizadas eram
da psicoterapia psicodinâmica, passando posteriormente para técnicas
especificamente desenvolvidas para reduzir os sintomas. As formas atuais de tratar
os sintomas da Anorexia Nervosa incluem a combinação do uso de farmacológicos e
da TCC (Terapia Cognitivo-Comportamental).

2. Terapia Cognitivo-Comportamental em Anorexia Nervosa

A TCC é uma abordagem de intervenção da psicologia semiestruturada,


objetiva, que busca identificar e ajustar as circunstâncias que defendem o
crescimento e mantimento das alterações cognitivas e comportamentais. O sistema
de crenças de um indivíduo cumpre uma função essencial em seus sentimentos e
comportamentos (Duchesne & Almeida, 2002).

Os tratamentos da TCC, em transtornos alimentares, baseiam-se


principalmente nas técnicas para a diminuição da ansiedade, modificação do
comportamento e das cognições disfuncionais. O comportamento demonstrado pelo
indivíduo que sofre de algum transtorno alimentar recebe maior ênfase no
tratamento. Isto ocorre porque as perturbações comportamentais (como jejuns ou
vômitos) são fatores centrais dessas doenças que devem ser controladas (Channon
& Wardle, 1994).

De acordo com Knapp et.al. (2004), nos transtornos alimentares, seja


Anorexia Nervosa ou Bulimia Nervosa, o foco cognitivo dos pacientes se concentra
na forma física e no peso, sendo os pensamentos disfuncionais mais frequentes dos
tipos descritos a seguir:

 Hipergeneralização: “Eu como muito, nunca me controlo”.


 Catastrofização: “Engordei, todo meu esforço foi em vão”.
6

 Pensamento dicotômico: “Ou me controlo completamente ou como muito e


engordo”.
 Minimização: “Não adianta ter os olhos bonitos se minhas pernas são
gordas”.
 Leitura do Pensamento: “Aquela mulher está me olhando, deve estar me
achando gorda”.
 Profecias que se auto confirmam: “Nunca posso ter caixa de chocolate em
casa”.

Nesse sentido, o foco do tratamento psicoterápico é a exploração de


mecanismos que ajudem o indivíduo a questionar suas crenças originais e
considerar hipóteses alternativas. Nas palavras de Knapp et.al. (2004), “não há, até
o momento, evidências suficientes disponíveis sobre a efetividade da TCC para AN
(Anorexia Nervosa)”. No entanto, as pesquisas mostram que os pacientes da TCC
aderem melhor ao tratamento.

Atualmente, as estratégias sugeridas pela TCC para o tratamento dos


transtornos alimentares têm como objetivo a diminuição da restrição alimentar, da
compulsão alimentar, dos episódios bulímicos e da frequência de atividade física, a
diminuição do distúrbio da imagem corporal, a modificação do sistema disfuncional
de crenças associadas à aparência, peso e alimentação e o aumento da autoestima
(Duchesne & Almeida, 2002).

Em suma, a terapia acontece em quatro estágios. O primeiro tem cerca de


14 sessões e busca a avaliação dos sintomas alimentares, da fobia e da função
positiva da comida, além da formulação do esquema cognitivo, e o aumento do
peso. O segundo estágio tem como foco tratar as dificuldades interpessoais, tendo
duração também de 14 sessões. O terceiro estágio, composto de 6 encontros, visa
discutir a autonomia do sujeito, buscando desenvolver sua capacidade de lidar com
as questões futuras sem necessitar da ajuda do psicólogo. O quarto estágio é feito
em sessões mensais num período de três meses, com foco no fim do tratamento.

O principal objetivo no começo do tratamento é que o paciente tenha


compromisso com o tratamento. Podemos considerar que para tal fim é importante
construir expectativas positivas sobre a terapia, tanto sobre o papel (o que é
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esperado do terapeuta e do paciente) como sobre os resultados esperados (Gilbert


& Leahy, 2007).

Um dos principais representantes do modelo cognitivo-comportamental para


os transtornos alimentares é Fairburn (1991). Sua abordagem relaciona
pensamento, emoção e comportamento manifesto, e o tratamento tem como objetivo
fazer com que o paciente examine a validade de suas crenças no presente e mude
comportamentos disfuncionais. Os processos cognitivos mais frequentes nestes
quadros são definidos e examinados cuidadosamente, a fim de modificar os
pensamentos e pressupostos automáticos.

No primeiro momento ocorre à avaliação do estado geral do paciente


incluindo a motivação para mudança, que é um fator de suma importância para o
processo e o estabelecimento de objetivos de peso e corpo. O autor por último
citado afirma que durante essa fase do tratamento é fundamental que o paciente
consista o controle da ingestão. É indicado um programa alimentar fixo a fim de
evitar que o paciente faça o movimento de passar de uma dieta restritiva que cause
fome para um episódio bulímico. Fairburn (1991) utiliza técnicas comportamentais,
como evitar situações de estresse e contexto de hábito ou de tentação, o que
geralmente ajuda na continuidade do distúrbio alimentar.

A segunda fase é focada na reestruturação cognitiva, e consiste em procurar


modificar as crenças irracionais que mantêm e reforçam os padrões disfuncionais.
Nessa etapa identificam-se e questionam as crenças sobre a estética corporal.
Exploram-se então métodos alternativos de solução de problemas. Ainda citando
Fairburn (1991), para estas pessoas os valores e crenças não são apenas
sintomáticos, mas essenciais para a manutenção deste transtorno. Também é
essencial que os pacientes compreendam a interação entre seus pensamentos,
sentimentos e disfunções de comportamentos. Devem entender que o peso não é o
problema real, mas que outros problemas estão dirigindo e mantendo o transtorno
alimentar (White & Freeman, 2003).

Modificar os pensamentos disfuncionais é pré-requisito para a evolução e


recuperação do paciente. Por isso, a terceira fase é de compreender os fatores que
ativam as recaídas e criam-se dispositivos que ajudem o paciente a lidar com esses
fatores. Aqui o objetivo é em manter as conquistas das fases anteriores e fazer um
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plano de prevenção de recaídas por meio de antecipação e preparação para o


enfrentamento de situações de estresse que anteriormente ativavam os padrões
disfuncionais (Hercovici & Bay, 1997).

Um programa alternativo, proposto por Kleifield et.al. em 1996 se


fundamenta em dois princípios da Anorexia Nervosa. Citando Knapp et.al. (2004):

O primeiro é que evitar a comida, o que na essência seria uma fobia, é


primordial para a manutenção do transtorno. O segundo é que a NA tem
uma função positiva na vida do paciente, proporcionando uma saída para as
dificuldades nas diferentes etapas do desenvolvimento e diante de eventos
de vida estressantes, frequentemente de ordem interpessoal. Dessa forma,
o transtorno, ao qual o paciente se apega com tenacidade, é
constantemente reforçado; a perspectiva é de abandonar o padrão de
comportamento anoréxico, seguro e rotineiro, é aterrorizante e repulsiva.

Esse modelo tem como foco da psicoterapia ajudar o paciente a manter


padrões de alimentação, peso e corpo. Além disso, tratar a restrição alimentar como
uma fobia implica na possibilidade de que ela seja tratada com técnicas cognitivas,
como o desafio dos pensamentos disfuncionais, associadas a técnicas que reduzam
a ansiedade do paciente frente às mudanças comportamentais e utilização de
técnicas para que o paciente aumente a quantidade de comida ingerida
gradativamente.

3. Estratégias de regulação emocional

De forma que o indivíduo consiga ter a eficácia de lidar com fatores


estressantes e consiga manter uma vida saudável, pode-se dizer que o mesmo tem
a capacidade de regulação emocional, pois a maneira controlada e ordenada que o
indivíduo compreenda suas emoções, mesmo diante de emoções desconfortáveis,
como medo, raiva, angústia, tristeza e entre outros, entende-se que todas as
emoções são aspectos significativos para os comportamentos.

Bruch (1962) acreditava que os indivíduos que sofrem de Anorexia Nervosa


mostram-se, a nível emocional, com um déficit no reconhecimento e caracterização
de estados e respostas afetivas. Assim, as perturbações do comportamento
alimentar (PCA) aparentam estar conectadas não só ao comportamento e imagem
corporal, mas também com dificuldades relevantes no funcionamento afetivo.
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Para Bruch a Anorexia demonstra uma composição de regulação emocional


desadaptada, utilizando o alimento como regulador dos sentimentos negativos,
esquivando os esquemas emocionais desadaptativos do centro de atenção e
focalizando no peso corporal e na nutrição.

Essencialmente à desregulação emocional, é comum os pacientes citarem


profundo emaranhamento sobre os seus sentimentos ou aparentarem estar
desprovidos de pensamentos e sentimentos que conjecturem com suas experiências
pessoais. Este evento é identificado como alexitimia e varia no grau de gravidade,
conceituada como uma perturbação comum na PCA (Garfinkel & Garner, 1982) e
atuando, também, como elemento de vulnerabilidade para o acontecimento da
mesma (Troop, Schmidt & Treasure, 1995).

A regulação emocional como, se não adaptada a situações positivas,


corresponde a uma linha padrão com vivência negativa e contínua, de modo que
seja inflexível e chegando até outros padrões de comportamento. Esses esquemas
chegam a afetar o âmbito pessoal, de interação com o ambiente e com o outro,
atingindo o bem-estar emocional (Dodge & Garber, 1991 cit in Martins, 2007).

Para tanto, é provável que a Anorexia Nervosa seja um pressuposto para o


surgimento de transtornos de ansiedade, depressão e evidentemente a alexitimia, ou
seja, “...a incapacidade de reconhecer, classificar, diferenciar e fazer a conexão
entre as emoções e os eventos” (Taylor, 1984, apud Leahy, Tirch, & Napolitano,
2013, p. 26), o que requer maior atenção em Terapia do Esquema Emocional (TEE).

4. Terceira onda da TCC e Anorexia Nervosa

Estudos atuais apontam que a terceira onda da Terapia Cognitivo-


Comportamental, onde também estão inseridas as regulações emocionais,
obtiveram um resultado mais significativo em intervenção na Anorexia Nervosa.

A TCC tradicional visa investigar os sistemas de crenças e pensamentos


disfuncionais que o anoréxico possui, fatores que provocam os comportamentos
padronizados do distúrbio, como a deficiência na alimentação, a auto imagem e o
peso. Além das técnicas tradicionais existem inúmeras estratégias passíveis para o
tratamento do distúrbio em questão. Focaliza-se a seguir em 5 técnicas da Terapia
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do Esquema Emocional (TEE) que contribuem de forma eficaz para este tratamento,
de forma sucinta.

4.1 Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT)

A Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT), proposta por Hayes em


1982, usa estratégias que fazem com que o indivíduo aceite suas emoções e
sentimentos desagradáveis, fazendo-o estar comprometido à mudança de
comportamento frente à situação dificultosa.

Essa estratégia pode empregar a aceitação das emoções, a mudança de


comportamento e a progressividade nas relações sociais que são relevantes para
lidar com as emoções atuais. Nesse modelo, a ACT tem sua importância, já que se
baseia no empirismo do indivíduo. Nela pode-se utilizar ferramentas como a
aceitação, a ativação comportamental e o desenvolvimento de relacionamentos
sociais significativos para lidar com as emoções.

4.2 Terapia Comportamental Dialética (TCD)

Esta terapia foi proposta por Linehan na década de oitenta do século


passado, e teve início com o tratamento de Transtorno de Personalidade Limítrofe.
Ao longo do tempo essa forma de terapia foi bem sucedida em questões que se
tratavam de regulação emocional, incluindo Transtornos Alimentares e
consequentemente a Anorexia Nervosa. A técnica é rica em detalhes e a mais
utilizada como meio de intervenção em casos de urgência, sendo dividida em três
estágios e cada um com objetivos diferentes.

O primeiro estágio pode ser definido como um alcance de habilidades


básicas, onde procura-se reduzir o comportamento nocivo do indivíduo. O segundo
estágio é a redução do estresse pós-traumático, buscando que o indivíduo descreva
e aceite suas experiências aversivas. O terceiro e último estágio é conceituado como
uma resolução de problemas e aumento do respeito próprio. Seu objetivo é reforçar
os comportamentos saudáveis que vêm sido trabalhados e obter a capacidade de
validar suas opiniões, emoções e sentimentos, a fim de torna-lo independente do
terapeuta.
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4.3 Terapia do Esquema

A forma como interpretamos e enfrentamos estímulos são chamados de


esquemas. É um modelo cognitivo desenvolvido por Young, que tem a finalidade de
mudar esquemas desadaptativos, que segundo o autor, aparecem desde a infância,
intitulando-os como Esquemas Iniciais Desadaptativos (EIDs). Esse modelo também
é dividido em três partes.

Podemos dizer que a divisão ocorre entre cognitiva, experimental e


comportamental, onde são utilizadas técnicas específicas para identificação dos
pensamentos disfuncionais, correlacionar às dificuldades presentes e assimilar ao
passado. Com isso, o indivíduo é capaz de mudar seus esquemas desadaptativos,
tornando-os mais saudáveis a fim de que o comportamento dure a longo prazo.

4.4 Terapia Focada na Compaixão (TFC)

Com ajuda da Teoria do Apego, embasamento da psicologia evolutiva e


conhecimentos da neurociência afetiva, Gilbert enfatiza que o maior objetivo dessa
terapia é o desenvolvimento da compaixão consigo mesmo e com os outros,
diminuindo as autocríticas e buscando a superação da vergonha.

A TFC descreve que a mente humana possui três sistemas de regulação


emocional: identificar ameaças com rapidez, sistema de excitação e emoções
positivas (para fins de segurança). O autor afirma que essa estratégia resulta na
diminuição de depressão, ansiedade, vergonha, sentimentos de inferioridade e
comportamento submisso.

4.5 Terapia Metacognitiva (TMC)

A metacognição é o ato de conscientização da própria cognição, ou seja,


desenvolver a capacidade de se auto perceber através da própria avaliação, a fim de
modificar as próprias estratégias. Pode-se dizer que é uma forma de autorreflexão
para chegar a uma resposta.
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Essa terapia ajuda no alívio do mal-estar emocional. Surgiu como uma


proposta de Wells com o objetivo de auxiliar o próprio indivíduo a encontrar uma
solução para sua problematização. Estudos indicam que esse modelo foi posto à
prova de eficácia em ansiedade generalizada, transtorno de estresse pós-traumático
e transtorno depressivo maior.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em virtude dos fatos mencionados, esse estudo consistiu na compreensão


das técnicas utilizadas com pacientes diagnosticados com anorexia nervosa,
utilizando o modelo cognitivo-comportamental. Permitiu o aprofundamento dos
conhecimentos sobre a Anorexia Nervosa, concentrando nos pensamentos
disfuncionais que estão por trás desse transtorno.

Através desta abordagem há progressos consideráveis no tratamento em


pacientes com Anorexia Nervosa, ajudando a reconhecer, verbalizar e encarar as
emoções ligadas aos problemas interpessoais que causam reflexos no
enfrentamento do distúrbio. Sobretudo, vimo a importância dos aspectos emocionais
no tratamento desta patologia.

Desta forma, compreender a relação construída com a comida é uma


importante ferramenta para construção da percepção e do significado que o
indivíduo atribui ao alimento. É neste sentido que se avalia a importância de se
realizar um tratamento multifatorial, no qual permita não só a reestruturação de uma
dieta balanceada, mas também a gradual reestruturação deste indivíduo na
sociedade, uma vez que a relação com a comida pode substitui suas relações
afetivas e sociais.
Atualmente, o culto à imagem tem feito com que os indivíduos sacrifiquem a
própria natureza do corpo em prol de um padrão de beleza instituído pela sociedade
atual ao cultuar a magreza. Isso tem refletido no surgimento de Transtornos
Alimentares, como a Anorexia Nervosa, transtorno emocional que consiste em uma
perda de peso derivada de um intenso temor da obesidade, sentimentos que tem
como consequência uma série de condutas falhas, sendo reflexo de vários fatores,
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destacando-se os aspectos emocionais. Diante disto, este estudo buscou subsidiar


os psicoterapeutas que utilizam a abordagem da Terapia Cognitivo-Comportamental
no tratamento de pacientes com Anorexia Nervosa e pontuar técnicas utilizadas que
podem colaborar no tratamento da patologia citada.
Outro ponto fundamental é a valorização da autonomia do sujeito da TCC,
que é de suma importância para os pacientes anoréxicos, que precisam aprender a
lidar com os sintomas do transtorno e criar formas adaptativas de controlar a
restrição alimentar, mesmo depois do fim do processo terapêutico.
Por exemplo, um dos programas de tratamento inclui uma etapa em que o
paciente e terapeuta se encontram uma vez por mês por um período de três meses,
para tratar sobre as questões referentes ao fim do tratamento. É necessário que o
paciente aprenda a trabalhar sozinho as suas questões para evitar uma
dependência do psicólogo. As psicoterapias cognitivas comportamentais de
tratamento de anorexia consistem na observação dos ganhos que o paciente
adquire no enfrentamento desta problemática, as determinações sociais e as
crenças originais, para trazer crenças alternativas e reorganizar os esquemas
cognitivos.

É certo que, independente de qual seja a forma de tratamento, o vínculo


entre terapeuta e cliente/paciente é um dos fatores que fazem o tratamento ser
eficaz. A insatisfação com o vínculo é o motivo mais frequente pelo abandono da
relação e para uma não-conformidade (Gilbert & Leahy, 2007). Além disso, vale a
pena frisar que a família ocupa um papel relevante para o anoréxico. Os membros
das famílias podem colaborar com as adaptações saudáveis para quem sofre deste
mal, mantendo uma comunicação clara e empática com os pacientes com intuito de
acolhimento e apoio contribuindo para identificação de pensamentos
disfuncionais, perturbações comportamentais e consequentemente assistenciando
no processo de mudança.

Concluímos esse trabalho ressaltando a importância de continuar a


pesquisar à eficácia da Terapia Cognitiva-Comportamental no tratamento desse
transtorno, que é um caso complexo e multideterminado, mas que tem muito que se
beneficiar das técnicas dessa abordagem, principalmente em se tratando do desafio
dos pensamentos disfuncionais.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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