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Problemas Psicológicos
e Psicodinâmicos de
Crianças e Adolescentes
Obesos: Relato de
Pesquisa
Psychological and Psychodynamical Problems of Obese
Children and Adolescents: Research Report

Problemas Psicológicos y Psicodinámicos de los Niños y


Adolescentes Obesos: Informe de Investigación

Tarsila de Magalhães Andrade,


Denise Ely Bellotto de Moraes
& Fábio Ancona-Lopez

Universidade
Federal de São Paulo
Artigo

PSICOLOGIA: CIÊNCIA E PROFISSÃO, 2014, 34 (1), 126-141


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PSICOLOGIA:
CIÊNCIA E PROFISSÃO, Tarsila de Magalhães Andrade, Denise Ely Bellotto de Moraes & Fábio Ancona-Lopez
2014, 34 (1), 126-141

Resumo - objetivo: Descrever e discutir os principais problemas psicológicos e psicodinâmicos de crianças e adolescentes
obesos, considerando as variáveis individuais e as condutas psicológicas indicadas de acordo com a necessidade/
gravidade dos problemas apresentados.
Método: Estudo transversal, retrospectivo, baseado no banco de dados das avaliações psicológicas de 491 casos
selecionados de obesidade exógena de 1991 a 2007. O banco de dados foi organizado a partir de estudo preliminar
para a caracterização dos principais problemas, variáveis individuais e condutas, e os dados analisados por distribuição
de frequência, apresentados sob a forma de tabelas.
Resultados: Resultados indicativos de 32,4% de casos de pais superprotetores ou de mães simbioticamente ligadas ao
filho, 24,4% de casos de rejeição materna e consequente carência de afeto, 7,9% com pais alcoólicos ou drogadictos,
12,2% com pais portadores de graves problemas de saúde mental, que sofriam violências e maus tratos, 14,3% que
passavam por angústias circunstanciais, mas com bons recursos internos e 8,8% de casos graves, que apresentavam
imaturidade emocional. A psicodinâmica familiar perturbada levava as crianças a angústias, voracidade, sedentarismo,
dificuldades escolares, isolamento ou agressividade. Queixas de discriminação social e baixa autoestima foram
encontradas em grande parte, assim como queixas de incontrolável ansiedade, que levavam aos exageros alimentares.
Conclusão: Dos 491 casos avaliados, somente 14,3% eram casos sem comprometimento emocional, tratando-se
de angústias circunstanciais, ligadas ao momento existencial. Os demais casos, ou seja, 85,7%, mostravam raízes
profundamente intrincadas na psicodinâmica familiar e requeriam cuidados, orientações e psicoterapia dirigidos não
só ao paciente como também à sua família.
Palavras-chave: Obesidade infantil. Psicologia da criança. Psicologia do adolescente. Relações familiares.

Abstract - objective: Description and discussion of the main psychological and psychodynamic aspects of obese child
and adolescent considering individual variables and psychological conducts according to the needs or intensity of the
problems found.
Method: Cross-sectional, retrospective study based on database of psychological assessments of 491 selected cases
over the period 1991-2007. The database was organized from a preliminary study to characterize the main problems,
individual variables and approach methods. The data were treated according to the frequency distribution and
presented in tables.
Results: The results showed that 32.4% of the cases were ascribed to super protective parents or mother symbiotically
bound to son, 24.4% to maternal rejection and lack of affection, 7.9% lived with alcoholic or drug addict parents,
12.2% had parents with important mental illness problems, suffered from abuse and violence, 14.3% experienced
circumstantial distress, but had good self resources, and 8.8% presented serious emotional immaturity. The disturbed
family psychodynamics led children to anguish, voracity, sedentarism and difficulties at school, isolation or aggressiveness.
Complains of social discrimination and low self-esteem were found in many cases as well as uncontrollable anguish
complains leading to exaggerated food consumption.
Conclusions: From the 491 assessed cases, only 14.3% were cases without emotional commitment, being circumstantial
anguish cases ascribed to the existential moment. The 85.7% remaining cases demonstrated deep intricate roots in
the familiar psychodynamics, requiring care, guidance and psychotherapy directed not only to the patient but also to
the family.
Keywords: Obesity children. Child psychology. Adolescent psychology. Family relations.

Resumen - objetivo: Describir y discutir los principales problemas psicológicos y psicodinámicos de niños y adolescentes
obesos considerando las variantes individuales y las conductas psicológicas indicadas de acuerdo con la necesidad/
gravedad del asunto.
Método: Estudio transversal y retrospectivo basado en el banco de datos de evaluaciones psicológicas de 491 casos
de obesidad exógena seleccionados desde 1991 a 2007. El banco de datos está organizado a partir de un estudio
preliminar para caracterizar los principales problemas, variantes individuales y conductas. Los datos son analizados por
distribución de frecuencia y presentados en forma de tablas.
Resultados: Resultados indicativos de 32,4% de casos de padres sobreprotectores o de madres simbióticamente
unidas al hijo; 24,4% de casos de rechazo materno y consecuente carencia de afecto; 7,9% con padres alcohólicos o
drogadictos; 12,2% con padres portadores de graves problemas de salud mental, sufriendo violencias y malos tratos;
14,3% pasando angustias circunstanciales pero con buenos recursos internos; 8,8% de casos graves, presentando
inmadurez emocional. La psicodinámica familiar perturbada llevó a los niños a angustias, voracidad, sedentarismo,
dificultades escolares, aislamiento o agresividad. Quejas de discriminación social y baja autoestima fueron encontradas
en gran parte así como quejas de incontrolable ansiedad que llevan a exageraciones alimentares.
Conclusión: De los 491 casos evaluados, solamente 14,3% eran casos sin compromiso emocional y eran de angustias
circunstanciales, conectadas al momento existencial. Los demás casos, o sea, 85,7% mostraron raíces profundamente
intrincadas en la psicodinámica familiar y requerían cuidados, orientaciones y psicoterapia dirigidos no sólo al paciente
como también a su familia.
Palabras-clave: Obesidad infantil. Psicología infantil. Psicología del adolecente. Relaciones familiares.

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Desde a publicação de Epstein, Klein e escolar) mas também de forma indireta,


Wisniewski (1994), que mostrava os sintomas com sintomas internalizados (depressão,
psiquiátricos dos pais relacionados aos ansiedade, retração social).
problemas psicológicos da criança obesa,
ou seja, timidez, somatizações, ansiedade, Lissau e Sorensen (1994) apresentaram estudo
depressão, dificuldades sociais, dificuldade prospectivo de base populacional, na qual
Trombini (2007) de atenção concentrada e comportamentos examinaram os cuidados parentais na infância
destacou as de delinquência, estudos e pesquisas vêm e a influência tardia desses cuidados no risco
atitudes maternas
sendo apresentados nesse sentido. Diversos de obesidade; 756 crianças com idade entre 9
que fazem
da família seu trabalhos indicam a necessidade de se avaliar e 10 anos foram acompanhados por 10 anos.
único centro de a psicodinâmica familiar de cada caso em A estrutura familiar, ou seja, pais biológicos ou
interesse, mães
tratamento. Gibson et al. (2007) investigaram adotivos e o número de irmãos não afetaram
que se dedicam
às crianças com a relação entre a obesidade infantil e diversos significantemente o risco de obesidade.
possessividade, fatores familiares e maternais, e provaram A forte negligência parental, no entanto,
alimentação
que, sendo a família formada somente de aumentou o risco em comparação com as
abundante e
superproteção mãe e filho com forte e doentia ligação crianças que tiveram suporte harmonioso em
e que idealizam simbiótica, a probabilidade de a criança termos de cuidados afetivos básicos. Crianças
o seu papel de
desenvolver sobrepeso ou obesidade é maior e negligenciadas na infância tiveram maior risco
mãe-nutriz na
expectativa de estatisticamente significativa. Eiden, Edwards, para a obesidade que a média das crianças
recompensa e Leonard (2007), estudando população de bem tratadas e assistidas; não corriam o
máxima pelos
dependentes químicos, realçaram a natureza mesmo risco sendo filhos únicos, recebendo
cuidados
prestados.  dos riscos característicos das famílias de bons cuidados ou sendo superprotegidos. A
alcoólicos, entre eles, o comportamento negligência, ou abandono parental na infância
alimentar compulsivo e o papel importante mostrou ser fator preditivo de grande risco de
na predição de ansiedade e de depressão nas obesidade na juventude, independentemente
crianças. De acordo com Escrivão (2009), as da idade e da massa corporal na infância, do
interações familiares conflituosas têm levado sexo e da classe social.
crianças e adolescentes ao maior consumo
alimentar como forma de aliviar as tensões O atendimento psicológico no Ambulatório
emocionais, e têm funcionado como fator Multidisciplinar de Obesidade, do
desencadeante e mantenedor da obesidade. Departamento de Pediatria da Universidade
Federal de São Paulo, que vem sendo realizado
Trombini (2007) destacou as atitudes maternas desde 1991, apresentou anteriormente estudo
que fazem da família seu único centro de sobre a avaliação psicológica de 134 casos,
interesse, mães que se dedicam às crianças que possibilitou a categorização dos principais
com possessividade, alimentação abundante problemas psicológicos e psicodinâmicos
e superproteção e que idealizam o seu papel (Andrade, Campos, Moraes, Nóbrega, &
de mãe-nutriz na expectativa de recompensa Fisberg,1995). Visando à ampliação e ao
máxima pelos cuidados prestados.  aprofundamento do estudo com número
maior de casos, um banco de dados foi
Decaluwé, Braet, Moens e Van Vlierberghe organizado sobre os problemas conhecidos
(2006) verificaram a associação das no trabalho preliminar para possibilitar a
características e dos comportamentos dos pais descrição de cada caso segundo variáveis
aos problemas psicológicos dos jovens obesos, individuais, comportamentais e emocionais
e mostraram que essa associação ocorre não e segundo a conduta de atendimento
somente de forma direta, com sintomas psicológico. Desse modo, espera-se contribuir
externalizados (agressividade, dificuldade com as equipes multiprofissionais que

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lidam com a obesidade na infância e na a procurar o tratamento, focando as queixas


adolescência. e as dificuldades que expõem. Os dados da
anamnese, somados aos da observação da
Método relação mãe-filho e do desenho projetivo,
permitem avaliar a percepção da mãe e da
A presente pesquisa, aprovada pelo Comitê criança sobre o problema que enfrentam,
de Ética Institucional, foi realizada por a visão da mãe sobre o filho, a imagem da
meio de estudo transversal, retrospectivo, criança sobre si mesma, suas dificuldades,
baseado no banco de dados das avaliações seus desejos e seus recursos internos
psicológicas e nas condutas de atendimento (Nóbrega, 2005).
de 548 casos de crianças e adolescentes
com sobrepeso ou obesidade (critérios de Enquanto os pais relatam a história de vida,
Must, Dallal, & Dietz, 1991), pacientes do realiza-se a chamada escuta analítica, que
Ambulatório Multidisciplinar de Obesidade, permite perceber os conteúdos latentes do
nos anos 1991 a 2007. Foram excluídos 57 discurso, as ambiguidades e os sentimentos
casos de obesidade de causa endógena. A de culpa próprios de lutas internas e de
amostra final contou com dados de 491 casos vivências difíceis. Através de perguntas,
de crianças e adolescentes com sobrepeso
incentiva-se a revisão dos momentos mais
ou obesidade de causa exógena, sendo 228
significativos, a expressão dos sentimentos
meninos e 263 meninas, com idade entre 6
e o aprofundamento das queixas (Leclaire,
meses e 18 anos.
2007). Oferece-se material gráfico ou
lúdico à criança para que ela se expresse
Os processos de avaliação psicológica,
por meio do desenho ou da brincadeira,
conduta e banco de dados foram realizados
dizendo o que pensa, sente e deseja para
pela própria pesquisadora. A seguir, os
si mesma e para sua família. Solicita-se a
dados foram analisados por distribuição
opinião de cada um, pedindo que expliquem
de frequência e apresentados sob a forma
o que não está funcionando bem no
de tabelas com a ajuda do programa SPSS-
ambiente familiar ou escolar, incentiva-se
Statistical Package for the Social Sciences
o diálogo e a compreensão mútua. Juntos,
(1999).
psicólogo e família localizam os principais
Para a avaliação psicológica, foram utilizados problemas que pesam ou repercutem na
os seguintes instrumentos: anamnese com a criança/adolescente, produzindo tensões
criança/adolescente, mãe ou pais, observação emocionais, e as dificuldades relatadas. A
da relação mãe-filho/pai-filho, observação conduta de atendimento psicológico, em
lúdica com crianças menores de 3 anos e paralelo às condutas multidisciplinares, é
desenho projetivo com crianças maiores indicada de acordo com a necessidade e a
de 3 anos, de acordo com as orientações gravidade de cada caso.
de Cunha (2000) e de Ocampo, Arzeno e
Piccolo (2003) . O estudo preliminar de categorização
dos principais problemas psicológicos e
Na anamnese, investiga-se a história de psicodinâmicos realizado de forma indutiva-
vida da criança, com atenção especial à construtiva sobre os primeiros 134 casos
psicodinâmica familiar, aos relacionamentos ofereceu as bases para a identificação de
sociais e afetivos e ao comportamento unidades de análise, assim como para a
alimentar em cada fase de vida. São concepção e a montagem do banco de dados
pesquisados os motivos que levaram a família (Andrade, 1995).

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Os dados coletados em cada caso por unidade de análise receberam codificações de ordem binária
ou sequencial, conforme proposta metodológica de Moraes (1999) na descrição de frequências
e percentuais a partir de dados qualitativos. Codificados, os dados foram registrados no banco
de dados, cada caso ocupando uma linha, e cada variável, problema e conduta ocupando uma
coluna.

Resultados

Os resultados da investigação dos 491 casos selecionados de obesidade exógena no Ambulatório


de Obesidade da Disciplina de Nutrologia, Departamento de Pediatria da Universidade Federal
de São Paulo, nos anos 1991 a 2007, foram sintetizados em cinco tabelas.

Tabela 1. Problemas psicológicos e psicodinâmicos de crianças e adolescentes obesos segundo


sexo, desenvolvimento sexual (Tanner & Whitehouse, 1975) e obesidade familiar/ São Paulo,
1991-2007

Problemas Características descritivas N (%)


psicológicos e psicodinâmicos
de crianças e adolescentes obesos
da amostra selecionada (N) Sexo Obesidade
Masculino Feminino Crianças Adolescentes familiar
Rejeição materna e carência 57 63 106 14 64
de afeto (120) (47,5) (52,5) (88,3) (11,7) (53,3)

Pais superprotetores e/ou 75 84 132 27 110


simbiose materna (159) (47,2) (52,8) (83,0) (17,0) (69,2)

Imaturidade emocional da 25 18 33 10 24
criança (43) (58,1) (41,9) (76,7) (23,3) (55,8)

Angústias circunstanciais (70) 21 49 31 39 38


(30,0) (70,0) (44,3) (55,7) (54,3)

Problema de saúde mental dos 33 27 49 11 39


pais (60) (55,0) (45,0) (81,7) (18,3) (65,0)

Drogadicção /alcoolismo na 17 22 35 4 21
família (39) (43,6) (56,4) (89,7) (10,3) (53,8)

Total (491) 228 263 386 105 296


(46,4) (53,6) (78,6) (21,4) (60,3)

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Tabela 2 – Problemas psicológicos e psicodinâmicos de crianças e adolescentes obesos segundo


variáveis comportamentais e emocionais/ São Paulo, 1991-2007

Problemas
psicológicos e Violência Baixa Dificulda Hiper Discrimina- Isolamento Sedentaris- Ansieda- Agressi-
psicodinâmicos e maus auto -de atividade ção social e mo de e vo- vidade
N (%) tratos estima escolar timidez racidade

Rejeição materna/ 49 109 40 11 78 72 96 117 41


carência de afeto (40,8) (90,8) (33,3) (9,2) (65,0) (60,0) (80,0) (97,5) (34,2)
120 (24,4)

Pais super- 12 104 32 8 95 84 123 154 30


protetores/ (7,5) (65,4) (20,1) (5,0) (59,7) (52,8) (77,4) (96,6) (18,9)
simbiose materna
159 (32,4)

Imaturidade 11 36 27 16 36 21 24 42 25
emocional da (25,6) (83,7) (62,8) (37,2) (83,7) (48,8) (55,8) (97,7) (58,1)
criança
43 (8,8)

Angústias 5 50 9 0 20 28 58 68 10
circunstanciais (7,1) (71,4) (12,9) (0,0) (28,6) (40,0) (82,9) (97,1) (14,3)
70 (14,3)

Problema de saúde 35 58 18 4 41 41 52 58 17
mental (58,3) (96,7) (30,0) (6,7) (68,3) (68,3) (86,7) (96,7) (28,3)
dos pais
60 (12,2)

Drogadicção / 35 33 16 4 25 24 28 38 7
alcoolismo na (89,7) (84,6) (41,0) (10,0) (64,1) (61,5) (71,8) (97,4) (17,9)
família
39 (7,9)

Total 147 390 142 43 295 270 381 477 130


491 (100,0) (29,9) (79,4) (28,9) (8,8) (60,1) (55,0) (77,6) (97,1) (26,5)

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Tabela 3 – Problemas psicológicos e psicodinâmicos de crianças e adolescentes obesos segundo


faixa etária/ São Paulo, 1991-2007

Problemas
psicológicos e Faixa etária N (%)
psicodinâmicos
de crianças/
adolescentes 1a3 4a6 7a9 10 a 12 13 a 15 16 a 18
obesos N (%) anos anos anos anos anos anos

Rejeição materna e 2 18 49 38 13 0
carência de afeto (1,7) (15,0) (40,8) (31,7) (10,8) (0,0)
120 (24,4)

Pais superprotetores/ 13 22 64 41 17 2
simbiose materna (8,2) (13,8) (40,3) (25,8) (10,7) (1,2)
159 (32,4)

Imaturidade 0 9 10 14 10 0
emocional da (0,0) (20,9) (23,3) (32,5) (23,3) (0,0)
criança 43 (8,8)

Angústias 0 0 19 22 21 8
circunstanciais (0,0) (0,0) (27,2) (31,4) (30,0) (11,4)
70 (14,3)

Problema de saúde 1 8 24 19 8 0
mental dos pais (1,7) (13,8) (40,3) (31,7) (13,3) (0,0)
60 (12,2)

Drogadicção/ 3 3 10 19 4 0
alcoolismo na (7,7) (7,7) (25,6) (48,7) (10,3) (0,0)
família
39 (7,9)

Total 19 60 176 153 73 10


491 (100,0) (3,9) (12,2) (35,8) (31,2) (14,9) (2,0)

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Tabela 4 – Problemas psicológicos e psicodinâmicos de crianças e adolescentes obesos segundo


ordem de nascimento/ São Paulo, 1991-2007

Problemas
psicológicos e Ordem e situação de nascimento N (%)
psicodinâmicos
de crianças/
adolescentes Filho Primeiro Filho Filho Filho gêmeo/
obesos N (%) único filho caçula temporão filho do meio

Rejeição materna e 30 33 34 11 12
carência de afeto (25,0) (27,5) (28,3) (9,2) (10,0)
120 (24,4)

Pais superprotetores 54 23 54 20 8
e/ou (34,0) (14,5) (34,0) (12,6) (5,0)
simbiose materna
159 (32,4)

Imaturidade 10 11 12 1 9
emocional da (23,3) (25,6) (27,9) (2,3) (20,9)
criança
43 (8,8)

Angústias 18 19 20 2 11
circunstanciais (25,7) (27,1) (28,6) (2,9) (15,7)
70 (14,3)

Problemas de saúde 17 14 23 1 5
mental dos pais (28,3) (23,3) (38,3) (1,7) (8,3)
60 (12,2)

Drogadicção e/ou 2 8 20 4 5
alcoolismo na (5,1) (20,5) (51,3) (10,3) (12,8)
família
39 (7,9)

Total 131 108 163 39 50


491 (100,0) (27,7) (22,0) (33,2) (7,9) (10,2)

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Tabela 5 – Problemas psicológicos e psicodinâmicos de crianças e adolescentes obesos segundo


as condutas múltiplas ou concomitantes de atendimento psicológico/ São Paulo, 1991-2007

Condutas múltiplas ou concomitantes do


atendimento psicológico N (%)
Problemas
psicológicos e Acompanhamento em
psicodinâmicos Acompanhamento Psicoterapia grupo de adolescentes
das crianças e psicológico individual (grupo
adolescentes obesos nos retornos e/ou para a psicoterapêutico de
da amostra (N) família apoio a adolescentes)

Rejeição materna 115 47 5


e carência de afeto (95,8) (39,2) (4,2)
(120)

Pais superprotetores 148 49 9


e/ou simbiose (93,1) (30,8) (5,7)
materna (159)

Imaturidade 33 27 6
emocional da (76,7) (62,8) (14,0)
criança (43)

Angústias 58 8 12
circunstanciais (70) (82,9) (11,4) (17,1)

Saúde mental dos 54 37 5


pais (60) (90,0) (61,7) (8,3)

Drogadicção e/ 36 16 3
ou alcoolismo na (92,3) (41,0) (7,7)
família (39)

Total (491) 444 184 40


(90,4) (37,5) (8,1)

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Discussão demasiadamente na tentativa inconsciente


de encontrar, no prazer oral, o afeto negado
A Tabela 1 mostra que os problemas pela mãe, e, em contrapartida, satisfazer a
psicodinâmicos mais frequentes são os mãe exigente (Andrade, 2003).
relacionados a pais superprotetores e a
rejeição materna. Observa-se o quanto é De um modo ou de outro, Spitz (1991)
frequente a obesidade na família. constatou, em sua lida diária como
pediatra, que mães excessivamente ansiosas
Quando a obesidade da criança ou superalimentam seus filhos ao nível da
adolescente tem histórico familiar, além obesidade: são são mães superprotetoras ou
do peso da hereditariedade, observa-se rígidas as que organizam por suas condutas
um clima propício de cumplicidade e de frente à alimentação, a personalidade e o
alianças na família. A criança sente-se comportamento de seu filho de modo
protegida e absorve passivamente os hábitos frequentemente patológico.
A dependência familiares de supervalorização da comida, de
mútua, as abundância à mesa, de dependência mútua, Na Tabela 2, as queixas de sofrer violência e
atitudes maternas
de ausência de restrição ou de limites. A maus tratos ocorreram mais entre as crianças
e o estilo de
apego mãe-filho dependência mútua, as atitudes maternas e que tinham pais alcoólicos ou drogadictos
afetam o risco de o estilo de apego mãe-filho afetam o risco (89,7%) e pais com problemas de saúde
obesidade nas
de obesidade nas crianças (Trombini et al. mental (58,3%), seguidas das crianças que
crianças (Trombini
et al. 2003; 2003; Trombini, 2007). sofriam rejeição materna (40,8%). Dentre
Trombini, 2007). as queixas registradas na anamnese inicial,
Já nos primeiros anos escolares, principalmente estavam: ameaças constantes de morte a
na adolescência, vêm angústias e sofrimentos facadas ou tiros, ameaças de abandono ou
com a discriminação social dos colegas. o real abandono da criança, agressões físicas
Na busca por tratamento, momento de e morais entre pais e filhos; cenas de traição
mudança comportamental, a criança não e de brutalidade sexual e de perseguição,
conseguirá lutar sozinha sem a colaboração calúnia e abuso de poder. Casos graves
da família. Essa tem sido a orientação desse como esses foram atendidos prontamente
ambulatório multidisciplinar como de pelos setores de psiquiatria e serviço social
outros centros de tratamento de sobrepeso dessa instituição, que tomaram as atitudes
e obesidade, relatados por Pagnini, King, de auxílio mais adequadas a cada um deles.
Booth, Wilkenfeld e Booth (2009). Apresentar obesidade e baixa autoestima
(79,4%) significa, de acordo com Epstein et
Ao contrário, quando a obesidade da criança al., grande sofrimento emocional, percepção
ou adolescente se mostra relacionada à negativa de si mesmo, forte estigma físico e
rejeição materna e à carência de afeto, moral, ser objeto de discriminação social
depara-se com sentimentos de ciúmes, e de brincadeiras depreciativas. A maior
desconforto e raiva na criança enquanto a parte das crianças e dos adolescentes obesos
mãe expressa sua dificuldade de aceitar o que iniciaram o tratamento no ambulatório
filho e de lidar com ele. Enquanto a criança apresentou baixa autoestima, com exceção
reclama não ser compreendida e sofrer das crianças muito pequenas, sem noção do
injustiças em casa, a mãe responde com impacto social a enfrentar no futuro.
rigidez e exigências, deixando evidente
seu sentimento de rejeição, insatisfação e Apresentaram dificuldade escolar em maior
culpa. A análise psicodinâmica de tais casos proporção as crianças com imaturidade
sugere que a criança pode estar comendo emocional (62,8%), as que tinham pais

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alcoólicos ou drogadictos (41,0%) e as entre a obesidade de escolares e o


crianças que sofriam rejeição materna e comportamento de bullying dos colegas, ou
carência de afeto (33,3%). seja, o comportamento de valentia destes
sobre os mais frágeis, chamado também de
Além de dificuldades escolares, algumas comportamento de vitimização, intimação
crianças com imaturidade emocional ou provocação, que destitui o outro de
também apresentaram comportamento qualquer valor pessoal. Concluem os autores
hiperativo (37,2%). É possível observar que crianças com sobrepeso ou obesas têm
que tais crianças não param quietas, não maior probabilidade de serem vítimas de
conseguem concentrar-se em uma tarefa, não perseguição social, de sofrer agressão física e
se envolvem nas consultas, saindo e entrando verbal por parte dos colegas que crianças que
na sala. Mustillo et al. (2003) encontraram aparentam peso normal. Essa tendência pode
resultados semelhantes estudando as levar a complicações, dificuldades ou retardo
trajetórias do desenvolvimento infantil em do desenvolvimento social e psicológico a
obesos nos quais os problemas emocionais curto e a longo prazos.
vão estruturando-se e agravando-se ao longo
da infância e da adolescência. Sobre o sofrimento que a discriminação social
provoca, algumas crianças se defendiam
Queixas de discriminação social e de melhor que outras, não se abalando, não
comportamento de isolamento e timidez dando importância para o fato. Na linguagem
foram comuns a quase todos os casos psicanalítica, diz-se que “têm defesas egóicas
caracterizados; houve menor incidência no apropriadas” ou “bons recursos internos” para
caso de angústias circunstanciais. fazer frente às dificuldades; modernamente,
fala-se de resiliência e de competência, que
Como muitos trabalhos científicos mostram, diferencia basicamente as pessoas na sua
as crianças obesas são alvo de chacotas na possibilidade emocional (Barbosa, 2006).
escola e queixam-se de serem discriminadas
por colegas e professores. Sentindo a O sedentarismo foi comum em muitos casos
hostilidade do grupo, muitas crianças (77,6%), provavelmente pelo desânimo
respondem com comportamento agressivo físico e mental que a obesidade provoca e
e acabam sendo ainda mais rejeitadas, que a criança deixa transparecer em suas
deixadas de lado. Outras crianças se isolam respostas: –Sinto-me cansado, não gosto
em atividades solitárias e se escudam na ideia de fazer exercícios físicos, não consigo
de autossuficiência, quando, na verdade, subir escadas; prefiro passar o tempo
o sentimento real é de fragilidade e de na televisão, no computador, no vídeo
extrema dependência afetiva. Humilhadas, game... Do mesmo modo, praticamente
perdem a autoestima e começam a agredir- todas as crianças ou adolescentes obesos
se a si mesmas, quando não aos demais. se queixaram de grande ansiedade voraz
Em qualquer dos casos, reagindo com (97,1%), independentemente da sua situação
agressividade ou isolando-se, a criança ou dos problemas de vida que enfrentavam,
encontra-se presa a um círculo vicioso de queixa também relatada por Saito.
rejeição social, ansiedade, agressividade
ou isolamento, sedentarismo e exagero O comportamento agressivo foi encontrado
alimentar (Saito, 2001). na maior parte das crianças emocionalmente
imaturas, o que faz sentido frente ao
Janssen, Craig , Boyce e Pickett (2004) esperado na sua idade cronológica (58,1%).
encontraram forte e significativa associação A agressividade foi também referida nas

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crianças que sofriam grandes tensões em casa nas crianças, como a depressão e a ansiedade.
e que acabavam descarregando dessa forma. Porém, na amostra estudada, os pesquisadores
Queixas de agressividade foram encontradas encontraram problemas somente em 37,3%
entre as crianças que sofriam rejeição materna das crianças, e concluíram que, apesar
e carência de afeto. Segundo Winnicott de o diagnóstico de desordem mental nas
(1987), justamente por não receberem amor, mães causar algum impacto no bem-estar
não sabem, não conseguem dar amor; vivem psicológico da criança, as competências
tensões, insatisfações e frustrações que as das crianças mostraram associação negativa
tornam agressivas, egocêntricas e antissociais. importante com a escala de problemas
mentais utilizados na análise. Mais pesquisas
Como ensina Gorayeb (1985), os sintomas sobre as competências e as habilidades das
são como sinalizações que adquirem seu crianças e dos pais prometem esclarecer
significado em função da história de vida a interação complexa entre a obesidade
do sujeito e das características do código infantil, a comorbidade das doenças mentais
Roth, Munsch, comunicacional do meio ambiente em e os fatores de resiliência das crianças que
Meyer, Isler e que o sujeito vive. Os sintomas podem ser levarão os profissionais a novas abordagens
Schneider (2008) entendidos como tentativas de solução de de intervenção.
pesquisaram
por caminhos conflito ou de busca de equilíbrio interno,
complementares ainda que à custa de incomodar o ambiente A faixa etária que mais procurou tratamento,
a associação com suas manifestações. solução para o sobrepeso ou para a obesidade
entre a
psicopatologia já instalada (Tabela 3) foi a faixa chamada
diagnosticada Na literatura recente, vários pesquisadores de escolar, dos 7 aos 12 anos, quando a
em mães se mostram preocupados com a atenção criança começava a sofrer a crueldade
de crianças
obesas às psicológica aos pais que vivenciam problemas dos colegas e os pais a perceberem, na
competências e com o alcoolismo e a drogadicção. comparação com as outras crianças, que
aos sentimentos
alguma coisa estava errada com o filho
de bem-estar nos
seus filhos. Keller, Cummings, Davies e Mitchell (2008) ou a filha. A observação de anamnese
investigaram longitudinalmente a relação dos diversos profissionais que atendem o
entre os sintomas de alcoolismo de mães e ambulatório é que aproximadamente 50%
pais e de seus conflitos maritais destrutivos das crianças que iniciam o tratamento aos 7
com a internalização e a externalização de anos apresentavam obesidade já aos 2 anos
problemas nas crianças. Esses problemas de idade. Nesses casos, recomenda Escrivão
parentais mostraram-se associados às (2009), para as crianças que já apresentam
dificuldades crescentes de ajustamento e de morbidades associadas à obesidade, busca-se
relacionamento das crianças na escola e com a redução lenta do peso visando à melhora
os colegas, apresentando comportamentos e das repercussões existentes.
emoções cada vez mais regredidas.
Dos 153 casos da faixa etária de 10 a 12
Roth, Munsch, Meyer, Isler e Schneider anos, 105 casos encontravam-se na fase
(2008) pesquisaram por caminhos inicial da adolescência, apresentando, pela
complementares a associação entre a Escala de Tanner e Whitehouse, P2 M3 e
psicopatologia diagnosticada em mães P2 G2, isto é, sinais de desenvolvimento
de crianças obesas às competências e aos sexual e de estirão de crescimento. Os
sentimentos de bem-estar nos seus filhos. sinais físicos que marcam a entrada da
A condição de saúde mental das mães e os criança na adolescência têm correspondentes
transtornos alimentares que apresentavam emocionais e comportamentais importantes.
faziam prever a internalização dos problemas Alguns vivenciam a fase negando as mudanças

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naturais que tendem a colocá-los em um compensação à rejeição inicial.


mundo emocional desconhecido, a ser
discutido e construído com o grupo social A avaliação psicopatológica dos casos, isto
de mesma faixa etária. Quando negam, é, a avaliação da gravidade para a tomada
regridem emocionalmente a fases anteriores de decisão sobre a conduta psicológica
do desenvolvimento emocional; quando adequada (Tabela 5) leva em conta a obesidade
enfrentam, vão assegurando-se aos poucos, apresentada como uma expressão pessoal
em meio a crises existenciais e a conflitos da identidade da criança em formação
inevitáveis com pais e professores. Na fase de (que não indica em si um prejuízo psíquico
transição, encontram-se muito susceptíveis às importante) até a obesidade como sintoma
críticas, à opinião dos colegas, principalmente de grande ansiedade, de dificuldades internas
se estão fora de forma e não correspondem e relacionais, que requerem tratamento
ao ideal físico do imaginário coletivo. psicoterápico imediato, sistemático e
semanal. Por essa razão, as condutas foram
Dentre os casos de crianças e adolescentes de acompanhamento psicológico nos retornos,
obesos (Tabela 4), observa-se que o filho atuando-se no conjunto mãe-filho e no
único e o filho caçula são as maiores vítimas vínculo amoroso que constroem. Alguns casos
de pais superprotetores, que não impõem receberam indicação de psicoterapia individual
limites à alimentação, que não exigem gasto e/ou familiar a ser realizado semanalmente no
energético pela atividade física, que são ambulatório ou encaminhado para outros
permissivos e poupam a criança de esforço setores da instituição, postos de saúde mental
pessoal. ou clínicas de faculdades de Psicologia. O
acompanhamento psicológico de apoio para
O primeiro filho e, ambiguamente, o filho grupos de adolescentes obesos também foi
caçula, mostram ser os menos privilegiados uma conduta com resultados positivos durante
em matéria de atenção amorosa dos pais; o período em que foi realizado (Andrade,
muitas vezes nasceram sem planejamento, 2003). Receberam encaminhamento para
sem desejos da mãe, e são, portanto, tratamento psiquiátrico e psicoterapêutico
crianças carentes de afeto que buscam os pais que apresentavam problemas com
conforto e prazer pela via oral. Sabe-se que consumo de álcool, drogas ou doenças
os sentimentos de rejeição da mãe levam a mentais.
compensações pela alimentação desmedida.
A psicoterapia deve oferecer condições
O filho caçula é também o que mais sofre para que venham à tona os sentimentos
com a drogadicção ou o alcoolismo dos pais, envolvidos com o estado de ansiedade,
talvez por chegar em uma fase mais avançada visando a melhor compreensão e a soluções
do problema familiar, talvez por ser fruto de mais ajustadas aos problemas que enfrentam
relações sexuais inconsequentes. Nota-se, que as oferecidas pela ingestão alimentar.
novamente, que o filho caçula é o que mais A função da psicoterapia é a de resgatar a
sofre com o agravamento da saúde mental autoestima, a disposição pessoal, as atividades
dos pais. em grupo, a alegria e a autoconfiança na luta
que empreendem (Andrade & Moraes, 2009).
Comparativamente, a obesidade foi menos Como sugerem outros estudiosos do tema,
encontrada no filho temporão, gêmeo ou a compreensão dos fenômenos alimentares
do meio que no filho único, no primeiro deve ser ampliada para além dos aspectos
ou no caçula, o que salienta o tema da nutricionais. Observam eles que emergem,
superproteção e das atitudes maternas de nas falas dos pacientes, o uso e o abuso

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dos alimentos para preencher lacunas de A maior parte das crianças e dos adolescentes
ordem afetiva, revelando as dificuldades que obesos, no início do tratamento, apresentou
enfrentam no lidar com seus conflitos internos baixa autoestima e queixas de ser vítima de
(Vieira & Turato, 2010). estigma físico e moral, objeto de discriminação
social e de brincadeiras depreciativas. O
Conclusão sedentarismo foi comum em muitos casos,
provavelmente pelo desânimo físico e mental
Os problemas psicodinâmicos mais frequentes que a obesidade provoca. O comportamento
foram os relacionados a pais superprotetores, agressivo foi encontrado na maior parte das
assim como os relacionados à rejeição crianças emocionalmente imaturas e também
materna, principalmente tratando-se do filho nas crianças que passavam por grandes
tensões em casa. Observa-se, ao mesmo
único ou do caçula.
tempo, a alta frequência de obesidade
familiar.
Problemas como o de pais alcoólicos ou
drogadictos e problemas de saúde mental dos
A descrição dos principais problemas
pais apareceram logo em seguida, e geram
psicológicos e psicodinâmicos de crianças
um mal-estar muito grande nas crianças que e adolescentes obesos, considerando as
buscam resolver suas angústias preenchendo- variáveis individuais e as condutas psicológicas
se com comida; sofrem violências e maus indicadas de acordo com a necessidade/
tratos, queixam-se de surras e de ameaças gravidade dos problemas apresentados,
de expulsão de casa. A psicodinâmica mostrou que somente 14,3% eram casos sem
familiar perturbada leva as crianças a estados grave comprometimento emocional, pois
de ansiedade e depressão, às dificuldades tratava-se de angústias circunstanciais atuais,
escolares e aos comportamentos explosivos pode-se dizer ligadas ao momento existencial
e agressivos. e, portanto, superáveis. Os demais casos, ou
seja, os 85,7% restantes, mostravam raízes
Angústias circunstanciais de vida pelas profundas e intrincadas na psicodinâmica
quais algumas crianças e adolescentes familiar, e requeriam cuidados, orientações
passam mostram-se nítidos na avidez sobre e psicoterapia dirigidos não só ao paciente
a comida. Apesar de sofrerem com crises como também a sua família.
existenciais, apresentam bons recursos
Visto que a obesidade, os excessos alimentares
internos, capacidade de se relacionar e
e o sedentarismo são sintomas gritantes de
possibilidades pessoais para enfrentar seus
sofrimento emocional, é preciso verificar com
conflitos e angústias; vivem um período de
cuidado a psicodinâmica familiar, o vínculo
grande ansiedade, voracidade e desânimo
mãe-filho e o meio ambiente muitas vezes
que os leva ao sedentarismo, aos petiscos e doentio e perverso onde vivem tais crianças.
à hiperfagia.
Recomenda-se às equipes que atendem essa
Outras crianças encontram- se mais população maior cuidado para compreender
comprometidas psiquicamente, o que se passa no interior das famílias e o uso
demonstrando um equilíbrio emocional de técnicas, as mais atuais, de fortalecimento
instável e imaturo de personalidade; não e de desenvolvimento pessoal, sejam elas
conseguem lidar com a frustração e com realizadas individualmente, em grupo de
situações de competição, e atuam no crianças ou de adolescentes obesos, nas
ambiente e sobre a comida de forma maníaca duplas mãe-filho, ou mesmo na família como
e compulsiva. um todo.

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Tarsila de Magalhães Andrade


Mestre em Ciências pela Universidade Federal de São Paulo e psicóloga clínica da Disciplina de Nutrologia da
Universidade Federal de São Paulo, São Paulo – SP – Brasil.
E-mail: tarsilandrade@gmail.com

Denise Ely Bellotto de Moraes


Doutora em Ciências pela Universidade Federal de São Paulo, psicóloga, coordenadora do Setor de Psicologia da
Disciplina de Nutrologia do Departamento de Pediatria da Universidade Federal de São Paulo, São Paulo – SP – Brasil.
E-mail: denisebellotto@terra.com.br

Fábio Ancona-Lopez
Doutor em Medicina pela Faculdade de Ciências Médicas e Biológicas de Botucatu e Professor Titular de Nutrologia
Pediátrica da Universidade Federal de São Paulo, São Paulo – SP – SP.
E-mail: ancona@terra.com.br

Endereço para envio de correspondência:


Rua Corgie Assad Abdala, 763. CEP: 05622-010. São Paulo, SP.

Recebido 16/02/2012, 1ª Reformulação 27/04/2012, Aprovado 19/08/2013.

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