Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Resumo
Relações entre emoções e saúde de alunos com e sem dificuldade de aprendizagem foram analisadas por indicadores de
ansiedade, depressão, stress, doenças físicas, queixas somáticas, faltas escolares, peso e altura. Responderam ao Inventário de
Ansiedade Traço-Estado para Criança e à Escala de Stress Infantil 60 alunos (8-14 anos) da 3ª e 4ª série, divididos em G1
(desempenho inferior no Teste de Desempenho Escolar) e G2 (desempenho superior no Teste de Desempenho Escolar). A Escala
de Sintomatologia Depressiva para Mestres e o questionário sobre doenças e queixas somáticas dos alunos foram respondidos
por 6 professoras. Não houve diferenças significativas entre dados das escalas, mas naqueles obtidos com as professoras, identi-
ficando-se 23,3% da amostra com indicações de risco para problemas emocionais e de saúde. Formaram-se dois subgrupos - G1a
e G2a - com 14 alunos, entrevistados individualmente sobre o estado de saúde e a escola, dados esses submetidos à análise
funcional, identificando-se eventos do contexto escolar e familiar que dificultam o desempenho acadêmico.
Palavras-chave: dificuldade de aprendizagem; estado emocional; estudantes; saúde.
Abstract
Relation between emotions and health for the students with and without learning disabilities have been analyzed, using anxiety, depression,
stress, physical diseases, somatic complaints, school absences, weight and height indicators. Sixty students (8-14 years old), attending 3rd
and 4th grades, divided in G1 (low performance in a Test of Academic School) and G2 (high performance), have answered the IDATE-C and
the Child Stress Symptoms Inventory. Six teachers answered the Symtomatology of Depression Scale for Teachers and the students’ diseases
APRENDIZAGEM, EMOÇÕES E SAÚDE
and somatic complaints questionnaire . There were no significant difference the group data scale, however, the interview data had identified
23.3% of the sample presented risk of emotional and health problems. Two groups were formed - G1a (learning disabilities) and
G2a - composed by 14 students, who have been interviewed individually and, according to a data functional analysis about their health
condition and the school, presented school and family experiences that hamper their academic performance.
Key words: learning disabilities; emotional states; students; health.
▼▼▼▼▼
1
Professora Doutora, Programa de Pós-Graduação em Psicologia, Centro de Ciências Humanas e Naturais, Universidade Federal do Espírito Santo. Av.
Fernando Ferraci, 524, Campus Universitário de Goiabeiras, 29075-910, Vitória, ES, Brasil. Correspondência para/Correspondece to: S.R.F. ENUMO.
E-mails: <soniaenumo@terra.com.br>, <enumosrf@npd.ufes.br>.
2
Doutoranda, Bolsista CAPES, Programa de Pós-Graduação em Psicologia, Centro de Ciências Humanas e Naturais, Universidade Federal do Espírito
Santo. Vitória, ES, Brasil.
3
Professora Doutora, Centro Universitário Vila Velha. Vila Velha, ES, Brasil.
Apoio: CNPq, FACITEC-PMV, CAPES e Programa de Pós-Graduação em Psicologia, Universidade Federal do Espírito Santo. Agradecimentos à Professora
Doutora Tatiane L. Dias (UNEMAT), à mestranda Flávia A. Turini e à bolsista de Iniciação Científica/CNPq Alyni P. Gottardi. 139
comportamentos, como recusa escolar, agitação e cognitivos (ficar preocupado com coisas ruins que
impaciência, do que seus pares nascidos a termo, esses podem acontecer, ter medo, vontade de chorar). Os
também com queixas de dificuldade de aprendizagem. alunos classificados como fracos mostraram ter
No geral, contudo, os dois grupos não apresentaram dificuldade para prestar atenção e sentiam-se tristes.
diferenças significativas quanto a algumas variáveis Os sintomas somáticos de stress mais comuns
importantes, como função cognitiva (normal), foram: mãos suadas, dor de barriga, não conseguir ficar
140 desempenho escolar (baixo), condições atuais de saúde parado e quieto num lugar por muito tempo e coração
ticadas, menor peso e menor altura em relação aos 6 meninas e 8 meninos, na faixa etária entre 8 e 11 anos
colegas da mesma idade, maior absentismo por motivos (Md= 9 anos), separados em dois subgrupos: 1) grupo
de saúde, e mais queixas físicas do que seus colegas 1a (G1a): com dificuldade de aprendizagem (DA) e com
indicações de risco para problemas emocionais e/ou
sem dificuldades de aprendizagem.
de saúde, sendo 5 meninos e 2 meninas, na faixa etária
entre 8 e 11 anos (Md= 9 anos); um aluno tinha uma
Método defasagem de um ano entre a idade e a série; 2) grupo
2a (G2a): sem dificuldade de aprendizagem (sem DA) e
Participantes com indicações de risco para problemas emocionais
e/ou de saúde, sendo 3 meninos e 4 meninas, na faixa
Participaram da pesquisa 60 alunos com idade etária entre 8 e 10 anos (Md= 8 anos); havia 2 alunos
entre 8 e 14 anos (Md = 9 anos), sendo 31 meninos e 29 adiantados na idade em relação à série. 141
como o estado geral do aluno durante a aula (sono- a comparação dos dados obtidos dos dois subgrupos.
lência, abatimento e lentidão, por exemplo): essas seis Registrou-se também o número de faltas cometidas
professoras responderam, também individualmente, a individualmente pelos alunos nos dois bimestres
questões classificadas numa escala de três pontos (quase anteriores, obtido na secretaria da escola (março a junho
nunca, algumas vezes, sempre), além das faltas por de 2002).
motivos de saúde e uma estimativa de peso e altura de Os dados foram submetidos à análise estatística
142 cada um dos alunos em relação aos colegas. Esse paramétrica e não-paramétrica, adotando-se o nível de
diferença significativa apenas na escala de depressão sala de aula; (d) faltas por motivo de doença com queixas
(ESDM) para G1, que teve uma média de 5,56 pontos de dor (Tabela 1).
brutos nessa escala, contra a média de 3,46 pontos
do G2.
Subamostra
Assim, na medida em que os grupos se
apresentaram como homogêneos nos itens avaliados, Alunos com indicações de problemas emocionais
foram utilizados todos os 60 alunos para a análise de e de saúde física
correlação não paramétrica entre os resultados nas
escalas e indicadores da pesquisa, feita com o coeficiente Os dois subgrupos, totalizando 14 alunos
de Spearman. Nos instrumentos psicométricos, as selecionados por terem indicações de problemas de
únicas correlações encontradas referem-se aos saúde física e/ou emocionais segundo os critérios já 143
S AE AT A D F1 F2 F3 F4 F5
G1- DA (n= 30)
S 1 ,081 -,195* -,045** ,339 -,166* -,121** -,188 -,056** -,155**
AE 1 -,423* -,779** -,073 -,131* -,385** -,277 ,280** -,170**
AT 1 -,844** -,073 -,131* -,171** -,139 ,280** -,170**
A 1 -,092 -,165* -,241** -,000 ,293** -,276**
D 1 -,062* -,122** -,263 -,152** ,199**
F1 1 -,509** -,236 ,408** -,356**
F2 1 -,154 ,653** -,408**
F3 1 -,000** -,094**
F4 1 -,191**
F5 1
descritos no procedimento, foram comparados entre si no semestre (7,2 faltas/aluno; amplitude de va-
pelo teste não paramétrico Kruskal-Wallis, e não se riação - AV= 0-17) que os alunos do G2a (2,6 faltas/aluno;
encontraram diferenças significativas em todos os itens AV= 0-8); 3 alunos (0,43 do subgrupo) tiveram indicação
avaliados; ou seja, essa segunda amostra também era de stress (G2a: um aluno); (c) 1 aluno teve indicação de
homogênea. Por esse motivo, todos os 14 alunos foram 3 tipos de stress: psicofisiológico, psicológico e psi-
computados nos cálculos de correlação feitos para os cológico com componente depressivo, o que não
resultados dos instrumentos e indicadores obtidos com ocorreu no G2a; uma média maior de indicadores de
as professoras e o número de faltas escolares.
depressão (6,71/aluno; AV = 1-20 pontos) em relação ao
Essa análise dos dados dos 14 alunos apontou G2a (4,57/aluno; AV= 0-10 pontos); um aluno com clara
correlações significativas, como entre o resultado geral indicação de depressão, segundo critério de corte da
da escala de ansiedade (IDATE-C) e a subescala de escala (16 pontos); o que não ocorreu no G2a; e um
ansiedade-traço - 0,846 a 1% de probabilidade (e não aluno com indicação de ansiedade geral (estado e traço)
com a ansiedade-estado, como ocorreu com a amostra
no IDATE-C; fato não observado no G2a.
S.R.F. ENUMO et al.
queixas físicas de dor de cabeça e reação emocional de G1a relataram com maior freqüência acordar durante a
medo, seguidas de sintomas físicos de alergia; e depois, noite e chamar a mãe, comportamentos esses que
por respostas comportamentais, como ter dificuldades estariam associados a pesadelos.
para dormir, morder blusa, lápis ou unhas, junto com Com base nos dados da entrevista, foram
reações emocionais, como ter a sensação de não servir organizadas as informações fornecidas pelos alunos em
para nada. Houve menor freqüência de sintomas físicos relação à rotina familiar, observando-se, agora,
de azia, vômitos, dor nos olhos e ouvido, e reações diferenças entre os alunos do G1a e G2a. Foi identificada
emocionais, como ranger os dentes. No geral, os alunos a incidência de eventos familiares relacionados ao
do G1a apresentaram uma freqüência maior de: (a) cumprimento de obrigações escolares e descanso. No
sintomas físicos (8,3 queixas/aluno), como, por exemplo, geral, os alunos do G2a (sem DA) relataram melhor
muito cansaço, gripe, sudorese, diarréia, do que os do organização familiar, facilitadora do desempenho escolar, 145
Nos relatos dos alunos de ambos os grupos, o da literatura da área, realizados por Rutter (1989) e
comportamento do professor pode ser considerado McKinney (1989).
fator interveniente na preferência por conteúdos Nem mesmo a freqüência às aulas, considerada
escolares. Professores que organizavam atividades um forte indicador de adesão ou não à escola, segundo
lúdicas (jogos) e que apresentavam comportamentos Oatley e Nundy (2000), mostrou diferenças significativas
empáticos eram preferidos àqueles que faziam críticas, entre os alunos com e sem DA. Fatores como maior
146 gritavam e ameaçavam punir a indisciplina. Os episódios acompanhamento familiar e/ou maior controle por
cionais e de saúde pouco promissores do ES e sua capital conclui-se que as relações entre doença física e variáveis
(Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, 2002); emocionais foram confirmadas para o conjunto da
2) os instrumentos psicométricos utilizados amostra de 60 crianças entre 8 e 14 anos de idade, por
poderiam não ser adequados em termos de meio de dados obtidos por entrevistas com professores.
sensibilidade para detecção dos problemas a que se Metodologicamente, chama a atenção a falta de
propõem, contradizendo todo trabalho de elaboração correlação entre os dados de stress e ansiedade, pois há
ou padronização indicado nos manuais; vários itens semelhantes entre essas escalas, respondidas
3) as normas desses instrumentos poderiam não de forma quase semelhante.
ser adequadas para a amostra estudada; fato que não Apesar de os dados obtidos por questionário
ocorreu pelo menos em relação à escala de ansiedade com as professoras terem tido mais correlação com
(IDATE-C), pois, como mostraram os dados estatísticos, indicadores de depressão e problemas físicos nos alunos 147
para os alunos com dificuldades na escola. demográfico 2000: tabulação avançada. Acesso em agosto
1, 2003, disponível em http://www.ibge.org.br
Foi na rotina familiar, porém, que ocorreram mais Johnson, J. M., Baumgart, D., Helmstetter, E., & Curry, C. A.
diferenças entre os dois subgrupos. Os alunos sem DA (1996). Appendix A. Interview approach to a functional
relataram ter uma rotina de encaminhamento à escola analysis of problem behavior. In Augmenting basic
communication in natural contexts (pp.247-251).
mais sistemática, com contingências claras para Baltimore: Paul H. Brookes Publishing.
realização dos deveres escolares em casa, horário de Lipp, M. N., Souza, P. A. E., Romano, F. S. A., & Covolan, M. A.
148 sono mais saudável (não deitar depois da meia-noite e (1991). Como enfrentar o stress infantil. São Paulo: Ícone.
Marturano, E. M. (1998). Ambiente familiar e aprendizagem Shapiro, E. S., & Bradley, K. L. (1999). Tratamento de
escolar. In C. A. Funayama (Org.), Problemas de problemas escolares. In M. A. Reinecke, F. M. Dattilio & A.
aprendizagem: enfoque multidisciplinar (pp.73-90). Freeman (Orgs.), Terapia cognitiva em crianças e
Ribeirão Preto: Legis Summa. adolescentes: manual para a prática clínica (pp.261-276).
Porto Alegre: ArtMed.
Marturano, E. M., & Ferreira, M. C. T. (2004). A criança com
queixas escolares e sua família. In E. M. Marturano, M. B. Smith, D. F. (2001). Negative emotions and coronary heart
M. Linhares & S. R. Loureiro (Orgs.), Vulnerabilidade e disease: causally related or merely coexistent? A review.
proteção: indicadores na trajetória de desenvolvimento do Scandinavian Journal of Psychology, 42 (1), 57-69.
escolar (pp.217-249). São Paulo: Casa do Psicólogo. Soares, N. E., & Fernandes, L. M. (1989). A medida do nível
McKinney, J. D. (1989). Longitudinal research on the sócio-econômico-cultural. Arquivos Brasileiros de Psicologia,
behavioral characteristics of children with learning 2, 35-43.
disabilities. Journal of Learning Disabilities, 22 (3), 141-150. Stein, L. M. (1994). Teste de desempenho escolar: manual para
Medeiros, P. C., Loureiro, S. R., Linhares, M. B. M., & Marturano, aplicação e interpretação. São Paulo: Casa do Psicólogo.
E..M..(2000). A auto-eficácia e os aspectos com- Tanganelli, M. S. L., & Lipp, M. E. N. (1998). Sintomas de stress
portamentais de crianças com dificuldade de na rede pública de ensino. Estudos de Psicologia
aprendizagem. Psicologia: Reflexão & Crítica, 13 (3), (Campinas), 15 (3), 17-27.
327-336.
Trapani, C., & Gettinger, M. (1999). Tratamento de alunos
Meltzoff, J. (2001). Critical thinking about research: Psychology com transtornos de aprendizagem: Definição de caso e
and related fields. Washington: American Psychological planejamento de programa. In M. A. Reinecke, F. M.
Association. Dattilio & A. Freeman (Orgs.), Terapia cognitiva em crianças
e adolescentes: manual para a prática clínica (pp.197-214).
Nascimento, C. R. R. (2001). Relações entre a resposta de
Porto Alegre: ArtMed.
ansiedade de pais e mães e a resposta de ansiedade de
seus filhos. Estudos de Psicologia (Campinas), 18 (2), 17-28.
Recebido em: 24/1/2005
Oatley, K., & Nundy, S. (2000). Repensando o papel das Versão final reapresentada em 27/9/2005
emoções na Educação. In D. R. Olson & N. Torrance Aprovado em: 18/10/2005
149
150