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Resumo
Pesquisas sobre crianças com queixa escolar têm encontrado predomínio de meninos e altas taxas de problemas de comporta-
mento, que estão associados a um prognóstico pobre quando ocorrem em contexto de adversidade ambiental. Este estudo
objetivou investigar, nessa clientela, diferenças de gênero na ocorrência de adversidades e na sua associação com problemas de
comportamento. Participaram 46 meninos e 29 meninas (7-12 anos), encaminhados a uma clínica-escola de Psicologia por
desempenho escolar pobre. Problemas de comportamento foram investigados através do Inventário de Comportamentos da
Infância e Adolescência de Achenbach. Uma escala de eventos adversos foi usada para levantamento de adversidades. A análise
estatística indicou mais problemas internalizantes nas meninas, maior exposição delas à adversidade e diferenças de gênero nas
correlações entre adversidade ambiental e comportamento. Os resultados podem subsidiar práticas de atenção psicológica a
essas crianças, cujas necessidades transcendem o contexto escolar.
Palavras-chave: adversidade ambiental; atendimento psicológico; crianças; estudantes; gênero; problemas socioemocionais.
The studies about children with school distress have pointed out boys and behavior problems high frequency, which can be associated to
a weak prognostic, if they had been made up in an adverse environment. This study purpose was the investigation of gender adversity
occurrence and gender association to behavior problems. Forty-six boys and 29 girls aged from 7 to 12 have participated in this investigation.
All of them had been referred to a Psychology training clinic as they had presented school distress or bad performance. Behavioral problems
were investigated by Achenbach’s Inventário de Comportamentos da Infância e Adolescência, and a life event scale was used to assess life
adversities. According to the statistical analysis, girls present more internalizing problems, , higher adversity exposure, and more frequent
gender-related correlation patterns between environmental and behavioral problems. Results can contribute to design support practices
for these children, whose needs go beyond the school environment.
Key words: environmental adversity; psychological assistance; child; students; gender; sociemotional problems.
▼▼▼▼▼
1
Departamento de Neurologia, Psiquiatria e Psicologia Médica, Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo. Rua Tenente Catão Roxo,
2650, 14051-140, Ribeirão Preto, SP, Brasil. Correspondência para/Correspondence to: E.M. MARTURANO. E-mail: <emmartur@fmrp.usp.br>.
2
Bolsista de Iniciação Científica, Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo. Ribeirão Preto, SP, Brasil.
3
Cursos de Educação Física, Pedagogia e de Biologia, Centro Universitário Claretiano de Batatais. Batatais, SP, Brasil. 371
tendência geral nos encaminhamentos de crianças com e prognóstico desfavorável no curso do desenvolvi-
transtornos de aprendizagem. Segundo o DSM-IV, 60% mento, tem sido encontrada em estudos que investigam
a 80% dos indivíduos diagnosticados com transtorno o curso dos problemas de comportamento de início
da leitura são do sexo masculino, o que pode representar precoce (Fergusson, Lynskey & Horwood, 1996) e significa
um viés, uma vez que os meninos exibem com maior maior vulnerabilidade das crianças afetadas ao longo
freqüência os comportamentos disruptivos associados do seu desenvolvimento. Santos (1999) acompanhou a
aos transtornos da aprendizagem (American Psychiatric trajetória de crianças com dificuldades de aprendizagem,
372 Association, 1994). em um estudo de seguimento com adolescentes de
parte dos seus achados, os estudos de caracterização cala Especial: teste não verbal que avalia a capacidade
de amostras de crianças encaminhadas para intelectual geral, independentemente dos conheci-
atendimento psicológico por dificuldades escolares, é mentos adquiridos. É composto por 36 itens visuais,
curioso que não se tenham encontrado nessas amostras agrupados em três séries e apresentados na forma de
as diferenças de gênero quanto aos problemas de
um caderno. Cada item apresenta uma série de
comportamento, que parecem ser típicas na meninice,
desenhos, dentre os quais falta um que complete
pois foram observadas em diferentes culturas (Crijnen
logicamente o conjunto. A criança deve escolher a
et al., 1997). Havendo evidências de que meninos e
resposta correta entre as alternativas de resposta
meninas reagem diferentemente à adversidade
ambiental (Cummings, Davies & Simpson, 1996; disponíveis. Os resultados são expressos em percentis.
Ackerman, Kogos, Youngstrom, Schoff & Izard, 1999), Foi utilizada a padronização brasileira com normas para
supõe-se que estudos comparativos entre meninos e escola pública (Angelini et al., 1999).
vida escolar, vida familiar e vida pessoal da criança. normas americanas. Comparações de gênero foram
Atribui-se um ponto para a ocorrência recente e um feitas, considerando-se a freqüência de meninos e
ponto para a ocorrência passada, de modo que o escore meninas com classificação clínica ou não clínica
em cada item pode variar de zero a dois e o escore total, (Tabela 2) . Tratando-se de uma escala nominal
de zero a 72. com dois valores (zero= classificação não clínica e
O procedimento de coleta de dados deu-se por 1= classificação clínica), foi empregado o Teste Exato de
meio de carta ou telefone, as mães/responsáveis eram Fisher, porque em alguns casos a porcentagem de células
374 convidadas a comparecerem, juntamente com a criança, com freqüência esperada menor que 5 excedia o limite
Síndromes
Ansiedade e depressão 04,80 ± 3,357 06,86 ± 03,980 -2,313*
Retraimento 01,80 ± 1,985 02,83 ± 02,592 -1,816*
Queixas somáticas 05,96 ± 4,038 08,86 ± 04,977 -2,643*
Problemas sociais 05,00 ± 2,675 05,45 ± 03,511 -0,588*
Problemas de pensamento 01,39 ± 1,745 01,79 ± 02,161 -0,843*
Problemas de atenção 10,48 ± 4,550 11,00 ± 04,123 -0,513*
Violação de regras 02,63 ± 2,164 03,31 ± 02,593 -1,177*
Comportamento agressivo 16,52 ± 8,461 20,12 ± 19,936 -0,917*
Escalas globais
Internalização 12,57 ± 6,853 18,55 ± 09,627 -2,915*
Externalização 19,15 ± 9,811 23,41 ± 20,667 -1,039*
Funcionamento global 52,43 ± 21,915 62,79 ± 25,783 -1,793*
*p<0,01.
Tabela 2. Crianças com classificação clínica no CBCL: freqüência, meninas com classificação clínica nas síndromes
porcentagem e comparação de gênero. ansiedade e depressão, retraimento e na escala de
Meninos Meninas internalização. Na mesma direção, há uma diferença
Escala p*
f % f % quase significativa na síndrome queixas somáticas.
Síndromes
Ansiedade e depressão
Foi feito o cruzamento dos dados de
10 22 15 52 0,011
Retraimento 3 7 8 28 0,018 classificação clínica das crianças nas escalas de
Queixas somáticas 6 13 9 31 0,077 internalização e externalização do CBCL a fim de
Problemas sociais 9 20 9 31 0,280 determinar o número de crianças com classificação
Problemas de pensamento 3 7 5 17 0,248
Problemas de atenção 23 50 15 1,000
clínica nas duas escalas. Verificou-se co-ocorrência de
52
Violação de regras 3 6 5 17 0,248 problemas internalizantes e externalizantes em 33% da
Comportamento agressivo 12 26 8 28 1,000 amostra, sendo 30% nos meninos e 38% nas meninas.
Escalas globais
Em relação aos eventos de vida adversos, os
Tabela 3. Eventos adversos passados e recentes na história de vida das crianças. Itens com diferenças de gênero significativas pelo teste exato
de Fisher.
E.M. MARTURANO et al.
Nota: porcentagem de meninos e meninas expostos ao evento em anos anteriores ou nos últimos doze meses.
376 *Para cálculo do Teste Exato de Fisher, foi usada a contagem de crianças expostas a cada evento, sem distinção entre eventos passados e recentes.
de instabilidade conjugal e financeira. A instabilidade No caso das meninas, parece que mecanismos
ambiental é uma condição que vem sendo apontada diferentes estão em jogo, sendo necessário considerar
como particularmente prejudicial ao desenvolvimento a conjunção de dois fatores: a tendência à internalização,
da criança (Ackerman et al., 1999). A maior exposição típica do gênero, e a história de vida assinalada por
das meninas a eventos adversos é um resultado eventos adversos, típica do grupo feminino nesta
importante para os objetivos da presente investigação; amostra. Devido a essa conjunção, as meninas estariam
ele pode ajudar a compreender o porquê dos resultados mais propensas a reagir emocionalmente de maneira
378 aparentemente inconsistentes com a literatura, no que difusa à acumulação de novos eventos adversos. Tem
380