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MAX WEBER e o direito

MAX WEBER E A AÇÃO CRIATIVA DE UM CORPO BUROCRATIZADO


Igor Suzano Machado
1. INTRODUÇÃO
“Uma atitude de fato conscientemente “criativa” diante do direito vigente, isto é,
criadora de direito novo, foi exclusiva dos profetas. De resto, como cabe reiterar
expressamente, não é nenhum fenômeno especificamente moderno, mas é também
comum entre os práticos jurídicos do passado que estes, o grupo objetivamente mais
“criativo”, se sentissem subjetivamente apenas como porta-vozes de normas já
vigentes, ainda que talvez só de modo latente – como intérpretes e aplicadores, mas não
como seus “criadores”. A circunstância de que hoje a situação efetiva se oponha a essa
crença subjetiva dos juristas reconhecidamente mais destacados, objetivamente
diferente, e se queira fazer desta uma norma para o comportamento subjetivo, é, em
todo caso – como quer que encaremos isso –, um produto da desilusão intelectualista. É
de se supor que a antiga posição do juiz inglês deverá ser fortemente abalada, a longo
prazo, com o progresso da burocratização e do direito estatuído. Mas é duvidoso que
seja possível, nos países com direito codificado, fazer de um juiz burocrático um
profeta jurídico simplesmente colocando-lhe na cabeça a coroa de um “criador”.” 1
A passagem acima transcrita traz à tona diversos elementos fundamentais da
sociologia
weberiana, presentes na análise que faz Weber do poder judiciário. Estão presentes
na
citação as tendências ocidentais modernas, apontadas por Weber, de uma crescente
racionalização e burocratização, assim como o contraponto entre a ação política e a
burocrática e a posição do carisma como elemento capaz de trazer a mudança a uma
ordem estabelecida. Levando-se em conta que podemos considerar a obra de Weber
clássica, inclusive, no sentido de ser capaz de fazer perdurar no tempo sua relevância,
enquanto referência necessária ao se cuidar de temas por ela abordados, o presente
estudo pretende, partindo do trecho citado acima, fazer uma reflexão sobre a
configuração atual do poder judiciário e a análise weberiana do tema. E isso por meio
de
um caminho de ida e volta: primeiramente buscará examinar a análise feita por
Weber
1 WEBER, M. (2004) “Sociologia do Direito”, in Economia e Sociedade. Brasília, Ed. UnB, vol. 2, p.152.
com base na atividade judicial contemporânea, partindo depois para o exame dessa
atividade por meio da análise realizada por Weber, levando, inevitavelmente, em
conta,
para tanto, conceitos da teoria sociológica weberiana e discussões contemporâneas
acerca do poder judiciário.
2. PONTO DE PARTIDA: O JUDICIÁRIO E A CRIAÇÃO DO DIREITO
“Uma atitude de fato conscientemente “criativa” diante do direito vigente, isto é,
criadora de direito novo, foi exclusiva dos profetas. De resto, como cabe reiterar
expressamente, não é nenhum fenômeno especificamente moderno, mas é também
comum entre os práticos jurídicos do passado que estes, o grupo objetivamente mais
“criativo”, se sentissem subjetivamente apenas como porta-vozes de normas já
vigentes, ainda que talvez só de modo latente – como intérpretes e aplicadores, mas não
como seus “criadores”.”
Segundo Weber, os únicos juristas que se manifestaram enquanto criadores
conscientes
do direito foram os profetas jurídicos. Seja no poder judiciário moderno, seja na
atividade dos práticos jurídicos do passado, a legitimidade da ação dos juristas reside
e
residiu em seu posicionamento enquanto mero aplicador ou, no máximo, intérprete de
normas preexistentes. Se Weber reconhece a criação do direito pelos juristas, ao
considerar os práticos jurídicos como grupo objetivamente mais criativo que os juizes
modernos, por outro lado, não deixa de ressaltar que mesmo esse grupo mais criativo,
acompanha o poder judiciário moderno em se colocar enquanto mero porta-voz de
normas já instituídas. Ao que tudo indica, enquanto agentes do Estado, e operadores
da
violência que exige legitimidade, essa postura coaduna com a necessária legitimação
de
seus atos.
Tratando o assunto com categorias da própria sociologia weberiana, poderíamos dizer
que os profetas jurídicos eram capazes da criação legítima do direito novo por serem
líderes carismáticos e ser o carisma a fonte de legitimidade capaz da ruptura, por ser
oriunda do próprio agente. Tanto a legitimidade baseada na tradição, quanto a
baseada
na racionalidade e legalidade – que completam, junto àquela baseada no carisma, o
trio
de tipos ideais de dominação legítima proposto por Weber – encontram-se em fatores
externos e precedentes ao agente, e esse deve a eles se curvar2. Assim, nem o prático
jurídico do passado pode manter sua legitimidade “criando” um direito que rompa
com
a tradição, a ele anteriormente posta, nem o juiz estatal moderno pode “criar” um
direito
em desobediência às prescrições legais a ele previamente existentes, sob o risco de
atacar sua própria fonte de legitimação.
Contudo, o desenvolvimento contemporâneo do direito tem dado cada vez mais
destaque à criatividade da função judiciária. Mesmo se colocando como mero
intérprete
da lei, já não é mais possível ao jurista sustentar uma posição de negação de sua
função
criativa, já que a própria interpretação envolve, necessariamente, um aspecto de
criação.
E, não obstante a feição criativa inevitavelmente inserida na própria atividade de
interpretação, a expansão de uma maior exigência dessa “criatividade” é uma marca
do
direito contemporâneo3.
Deve-se sempre ter em conta que a metodologia dos tipos ideais, utilizada por Weber,
e
aqui exemplificada nos tipos puros de dominação legítima, se refere a categorias
abstratas, baseadas no desenvolvimento racional unilateral de determinadas
características. Ou seja, um tipo ideal de determinado objeto desenvolve
racionalmente,
num certo sentido, determinadas características fundamentais a esse objeto. Todavia,
nesse ponto, perde contato com o objeto real que possui inumeráveis características
determinantes, tornando-se assim, uma categoria artificial, por não encontrar igual
manifestação no mundo dos fatos. Sua utilidade metodológica inclusive, reside
exatamente na possibilidade de comparação com seu objeto real correspondente,
permitindo seu estudo através daquilo em que ele se afasta ou se aproxima da
respectiva
categoria abstrata4. Portanto, voltando ao caso citado, a legitimidade real nunca se
apresenta exclusivamente como um de seus tipos ideais, mas sim se manifesta
geralmente enquanto um híbrido entre eles, caracterizado pela preponderância de
uma
de suas faces.
2 Sobre os tipos ideais de legitimidade propostos por Weber, ver FREUND, J. (1975) Sociologia de Max
Weber (2ª ed.). Rio de Janeiro, Forense Universitária.
3 Nesse sentido, ver: CAPPELLETTI, M. (1993), Juizes legisladores? Porto Alegre, Sergio Antonio
Fabris Editor.
4 Sobre a metodologia weberiana do tipo ideal, ver, igualmente, FREUND, J. (1975), op. Cit.

Logo, nesse sentido, tendo o exposto em vista, temos que o atual desenvolvimento da
atividade judiciária se encontrou com fundamentos outros de legitimidade – como o
carisma e a tradição – ou com mudanças substantivas profundas nos mesmos critérios

como a transformação dos conteúdos legalmente tratados – que permitiram ao poder
judiciário contemporâneo uma atuação mais marcada pela assumida criação do
direito,
sem, nem por isso, se tornar, necessariamente, ilegítima. E a conseqüência disso é que
tal poder começa a ultrapassar a fronteira de um espaço burocrático de
administração
eficiente a caminho de um espaço político de direção valorativa, conforme veremos
adiante.
3. O CAMINHO DE IDA (DA CENA CONTEMPORÂNEA EM DIREÇÃO A
WEBER): O ATIVISMO JUDICIAL
“A circunstância de que hoje a situação efetiva se oponha a essa crença subjetiva dos
juristas reconhecidamente mais destacados, objetivamente diferente, e se queira fazer
desta uma norma para o comportamento subjetivo, é, em todo caso – como quer que
encaremos isso –, um produto da desilusão intelectualista.”
Weber vê numa expansão da assunção da situação efetiva de criação do direito por
parte
dos juristas, uma conseqüência de uma espécie de “desilusão intelectualista”.
Entretanto, vimos que, contemporaneamente, a atividade criativa do juiz tem sido
cada
vez mais exigida, tornando essa assunção inevitável a grande parte do corpo
judiciário.
Se é possível se falar em sua generalização, seria impreciso dizer. Mas há trabalhos
que
confirmam essa tendência, inclusive, no judiciário brasileiro 5. Poderíamos creditar tal
tendência a uma desilusão? Ou seria melhor falarmos de uma necessidade oriunda de
um quadro contemporâneo diferente daquele imaginado por Weber?
Partindo da situação contemporânea para compor uma análise crítica à teoria
weberiana,
optamos pela segunda opção. Independentemente de qualquer desilusão, assumir seu
papel na criação do direito, diferentemente do que imaginava Weber, mostra-se
atualmente aos juristas como uma conseqüência de uma configuração contemporânea
do
5 Nessesentido ver: WERNECK VIANNA, L., CARVALHO, M. A. R. de, PALACIOS, M. e BURGOS,
M. (1997) Corpo e Alma da Magistratura Brasileira (3ª ed.). Rio de Janeiro, Revan.
direito marcada pelo chamado “ativismo judiciário”. O aumento de importância de
sua
função de criador do direito elevou a relevância política do poder judiciário frente aos
poderes executivo e legislativo, principalmente por meio do instituto da revisão
judicial
nas cortes constitucionais6, o que nos permite falar em uma judicialização da política,
que tem, como corolário necessário, uma politização do direito7.
Ora, na visão de Weber, a modernidade ocidental está inserida num contexto de
racionalização e desencantamento do mundo que teria como conseqüência a
prevalência
da forma burocrática de administração tanto pública quanto privada, por sua
impessoalidade e eficiência. Dentro desse contexto, o direito atravessaria um processo
de racionalização que também conduziria o poder judiciário a uma manifestação mais
burocrática, nos moldes do modelo da Europa continental (modelo da civil law) –
adotado, inclusive, pelo Brasil – em detrimento do modelo inglês e norte-americano
(modelo da common law), dentro do qual o juiz goza de maior autonomia. E isso vai de
encontro a uma politização do jurista, já que o político e o burocrata, para Weber,
atuam
em situações muito distintas. De forma que, no diagnóstico weberiano dos caminhos a
serem tomados pelo poder judiciário, não haveria espaço para um ativismo politizado
como se observa nos dias de hoje, a não ser no afloramento ocasional da inevitável
tensão entre os aspectos formais e materiais do direito, dentro da qual, no entanto, o
formalismo deveria triunfar8.
Isso aproxima o poder judiciário de funções antes destinadas exclusivamente a agentes
políticos, presentes, sobretudo, nos poderes executivo e legislativo. Ou seja, o ativismo
judicial incorpora ao judiciário burocratizado elementos típicos da ação política. Em
vez
de características eminentemente burocráticas como a subordinação hierárquica e
disciplinar, a obediência, a tecnicidade, o desinteresse (no sentido de ausência de
envolvimento emocional no desenvolvimento de suas atividades) e a
irresponsabilidade
6 Mediante tal processo, cabe a essas cortes anular tais decisões em sendo elas contrárias a certos
princípios de formulação, não só formais, como também materiais, como, por exemplo, o respeito à
liberdade dos e à igualdade entre os cidadãos.
7 Sobre o tema da judicialização, ver: TATE, N.C. e VALINDER, T. (orgs.). (1995), The Global
Expansion of the Judicial Power. New York/London, New York University Press. Ou, com relação ao
caso brasileiro especificamente, ver: WERNECK VIANNA, L., CARVALHO, M. A. R. de,
PALACIOS,
M. e BURGOS, M. (1999) A Judicialização da Política e das Relações Sociais no Brasil. Rio de Janeiro,
Revan.
8 Nesse sentido, ver: WEBER, M. (2004) “Sociologia do Direito”, in Economia e Sociedade. Brasília, Ed.
UnB, vol. 2.
(no sentido de ser mero executor e não mentor de suas ações), o ativismo ressalta no
juiz traços do político, como a independência, a liberdade, a adaptação, a paixão, a
criatividade, a valoração, a escolha e a responsabilidade imediata por seus atos9.
Isto é, tal como se apresenta hoje, o poder judiciário incorpora a liberdade e a
conseqüente responsabilidade de atuar não como mero executor técnico de decisões
políticas, mas como também criador delas; como criador do direito, se não no sentido
forte dos profetas jurídicos do passado, igualmente não no sentido fraco de mero
portavoz
de norma já vigente. Em contraponto ao burocrata, que possui sempre a referência
de uma instância superior responsável pela vontade de que ele é mero meio de
concretização, o político é dono de suas ações, devendo, consequentemente, encarnar
uma ética adequada à vocação política, que, segundo Weber, envolve a dedicação a
fins
últimos dentro de um contexto de responsabilidade sobre seus atos, incluindo nessa
responsabilidade, até mesmo, as conseqüências imprevistas que qualquer utilização da
força pode ocasionar10.
É claro que Weber não distancia arbitrariamente a ação do político e do burocrata
que
agora se aproximam na prática jurídica moderna. Na verdade, ela repousa na própria
estrutura em que essas ações estão inseridas. Existe obviamente uma complicação ao
se
falar na independência de um agente inserido numa carreira diretamente ligada a sua
relação com os órgãos superiores, como é o caso do típico burocrata. Da mesma
maneira, a estrita fidelidade à forma, tipicamente exigida do burocrata, tende a
engessar
sua ação ao transformar o meio em um fim em si mesmo, resultando num formalismo
que não coaduna com a liberdade e flexibilidade que deve possuir o agente político 11.
Ou seja, nas palavras de Weber, “é duvidoso que seja possível, nos países com direito
codificado, fazer de um juiz burocrático um profeta jurídico simplesmente
colocandolhe
na cabeça a coroa de um criador”. E este é o ponto a ser analisado a seguir.
9 Sobre o político e o burocrata, ver: WEBER, M. (2002) “A Política como Vocação” e “Burocracia”, in
Ensaios de Sociologia (5ª ed.). Rio de Janeiro, LTC Editora.
10 Sobre a ética do político, igualmente, ver WEBER, M. (2002), op. Cit.
11 Sobre a influencia da estrutura burocrática sobre a personalidade do agente ver MERTON, R. K.
(1976)
“Estrutura Burocrática e Personalidade” in CAMPOS, E. (org.) Sociologia da Burocracia (3ªed.). Rio
de
Janeiro, Zahar Editores.
4. O CAMINHO DE VOLTA (DE WEBER EM DIREÇÃO À CENA
CONTEMPORÂNEA): A AÇÃO CRIATIVA DE UM CORPO BUROCRATIZADO
“É de se supor que a antiga posição do juiz inglês deverá ser fortemente abalada, a
longo prazo, com o progresso da burocratização e do direito estatuído. Mas é duvidoso
que seja possível, nos países com direito codificado, fazer de um juiz burocrático um
profeta jurídico simplesmente colocando-lhe na cabeça a coroa de um ‘criador’.”
De acordo com Weber, conforme foi anteriormente observado, dentro do projeto de
racionalização da sociedade ocidental moderna, por ele preconizado, o destino do
poder
judiciário estaria marcado pela crescente burocratização enquanto forma mais
eficiente
de administração, inclusive, da justiça. A conseqüência lógica de tal processo seria
uma
aproximação entre as duas grandes famílias do direito moderno: a common law e a
civil
law, esta baseada no direito estatuído e corpo jurídico burocrático e aquela no direito
consuetudinário e corpo jurídico político e empirista. E o sentido dessa aproximação
seria do modelo da common law em direção ao da civil law, o que abalaria a posição
empirista do juiz inglês e norte-americano (common law) e tornaria, num sentido
contrário, também difícil ao juiz de um sistema burocrático (civil law), como o
brasileiro, assumir uma posição nova desse tipo.
Porém, o que foi observado no decorrer da história do direito foi essa aproximação no
sentido inverso, fazendo com que juizes de sistemas burocráticos assumissem papéis
típicos dos juizes norte-americanos e ingleses12. O que não nos impede, contudo, de
ressaltar que a transformação de juizes burocráticos em profetas jurídicos não se deu
simplesmente, conforme assinalou Weber, colocando sobre suas cabeças a coroa de
um
criador. A dificuldade que a própria estrutura burocrática imprime à ação criativa de
seus membros nos permite fazer uma reflexão crítica sobre a configuração atual do
poder judiciário com base na análise weberiana.
Mesmo tendo sido fundamental ao ativismo judicial uma ação dos juristas para fazer
uso efetivo do espaço que lhes foi aberto, os analistas da questão reconhecem que tal
processo teve origem fora do judiciário: foram decisões políticas oriundas de outros
12 Nessesentido, ver: CAPPELLETTI, M. (1993), Juizes legisladores? Porto Alegre, Sergio Antonio
Fabris Editor.
poderes que “chamaram” o judiciário a uma ação mais política e criativa13. Logo,
podemos dizer que a ruptura com a burocracia foi ocasionada dentro da própria
burocracia. A estrita obediência às regras atirou contra si mesma quando o quadro
geral
de regras mudou de tom e exigiu um intérprete mais ousado, capaz de lhe conferir
eficácia, já que agora essa estava confinada em sentidos deontológicos que, sem a
intervenção judicial, mostravam-se incompletos.
Se hoje vislumbramos um poder judiciário atuante e consciente de sua função
criadora
de direito, isso teve origem numa série de fatores que exigiram a ampliação dessa
função. Qualquer conjunto de leis, enquanto sistema lingüístico, está sujeito a lacunas,
incompletudes e ambigüidades. No entanto, a legislação social prospectiva do welfare
state, assim como as cartas de direitos e garantias fundamentais inseridas nos
modernos
ordenamentos jurídicos, têm em tais “falhas”, características suas de primeira
grandeza:
é por meio delas que se tornam efetivas, dependendo, no entanto, da atividade judicial
para atingir tal efetividade14. Do mesmo modo, a atenção voltada modernamente para
os
princípios jurídicos enquanto critérios de validade e interpretação das normas
instituidoras de regras, amplia ainda mais a responsabilidade do operador do direito
na
tarefa de “criar” seu ordenamento dentro de uma totalidade coerente e harmoniosa15.
Claro que, certamente, também não se encontra só nisso um motivo suficiente para
explicar a atual postura judiciária. Mesmo com esse aspecto institucional favorável,
seria possível ao poder judiciário abrir mão de ocupar os espaços que lhe foram
abertos,
o que, provavelmente aconteceu em grade escala, mas não de forma definitiva. A
atitude
volitiva dos juizes, conforme dito acima, com certeza também foi importante,
contando,
provavelmente, com elementos carismáticos pioneiros nesse sentido. E isso não
unicamente no que diz respeito a seus “práticos”, como também a seus teóricos e
ideólogos16.
13 Nesse sentido, ver: CAPPELLETTI, M. (1993), Juizes legisladores? Porto Alegre, Sergio Antonio
Fabris Editor.
14 Nesse sentido, ver: CAPPELLETTI, M. (1993), op. Cit.
15 Sobre a tarefa do operador do direito em construir um ordenamento coerente a princípios, ver:
DWORKIN, R. (2003) O Império do Direito. São Paulo, Martins Fontes.
16 Ver TATE, N.C. e VALINDER, T. (orgs.). (1995), The Global Expansion of the Judicial Power. New
York/London, New York University Press.
Da mesma forma, talvez a história dos juristas dos sistemas burocráticos de
administração da justiça fosse outra se os Estados Unidos, que se consolidaram
enquanto superpotência mundial, e cuja teoria política, consequentemente, passou a
exercer enorme influência, não contasse com um sistema jurídico e político
diferenciado, mais centrado na divisão de poderes enquanto pesos e contrapesos e
dotado de um judiciário de tradição política, já usuário de um sistema da revisão
judicial
das deliberações legislativas e reconhecidamente “criativo” em várias decisões de sua
Suprema Corte17.
Sendo assim, se ainda hoje a criação judicial do direito é vista com reserva por muitos
juristas, e se tantas forças tiveram de atuar em conjunto para libertá-la do estigma da
ilegitimidade, temos que muitas são as forças que, em sentido contrário, exigem a
continuidade de uma postura judiciária dotada de um sentimento subjetivo ligado à
aplicação e interpretação, sem criação, de normas preestabelecidas. E ao que tudo
indica, tais sentimentos ganham força em sistemas de direito burocráticos, cujos
traços
organizacionais não tendem a produzir agentes independentes, criativos e maleáveis,
preparados para se envolver em escolhas e valorações e, consequentemente, para
assumir a responsabilidade pelas conseqüências de seus atos.
5. CONCLUSÃO: DE VOLTA AO PONTO DE PARTIDA
Dado o exposto, podemos dizer que o curso que tomou o desenvolvimento do poder
judiciário, frustrou, de certa maneira, as previsões de Weber, ancoradas nas
tendências
ocidentais modernas de racionalização e burocratização. Não obstante ter sido Weber
capaz de identificar os germes dessas transformações e lhe ter dedicado competente
análise nos pontos em que destaca o antagonismo insolúvel entre os aspectos formais e
materiais do direito18, a multiplicidade de fatores responsáveis pela configuração
judicial contemporânea lançou a prática jurídica em direções inesperadas. Por
exemplo,
o nascimento de regimes totalitários no seio de democracias baseadas em regras de
deliberação majoritária, demonstrou que outros critérios deveriam manter a
17 Ver TATE, N.C. e VALINDER, T. (orgs.). (1995), The Global Expansion of the Judicial Power. New
York/London, New York University Press.
18 Nesse sentido, ver WEBER, M. (2004) “Sociologia do Direito”, in Economia e Sociedade. Brasília, Ed.
UnB, vol. 2
sobrevivência da própria democracia e instituiu o poder judiciário como guardião de
certas liberdades individuais e coletivas, julgadas fundamentais ao pleno
funcionamento
desse tipo de regime19.
Assim, o inevitável aumento da importância da parte criativa da atividade judicial,
ocasionado por tais transformações históricas, deu origem à controversa questão do
“ativismo judiciário”. Deveria ser o poder judiciário um efetivo criador de direitos
que
como tal se assumisse? A controvérsia em torno do tema já ilustra a dissensão de
vozes
a seu respeito.
É inegável que a configuração contemporânea do direito, incluindo aí o caráter
ambíguo
e vago de muitas de suas disposições atuais, exige a assunção da função criativa dos
juizes, sob o risco de sua isenção ser representativa de um ativismo tão intenso quanto
seria o de seu pronunciamento: enquanto sua manifestação, mesmo se afastando dos
centros de criação do direito tradicionais, completa a norma permitindo sua
efetividade,
a opção de não se manifestar mutila-a e nega direitos emanados desses mesmos
centros20. Dessa forma, o aspecto mais controverso da questão residiria sobre a
preparação dos juizes para assumir tal função. Estariam eles preparados para
assumir a
condição de novos “profetas” criadores de direito? E, possuiriam eles, legitimidade
para
tanto? Nesse ponto é importante nos voltarmos a Weber.
Conforme anteriormente ressaltado, a atual posição dos membros do poder judiciário,
nos termos da sociologia weberiana, aproxima-os mais do perfil político e os afasta,
em
certa monta, do típico perfil burocrático. Não obstante a atual desconfiança com que
podem ser observados os poderes executivo e legislativo, graças a escândalos de
corrupção e profissionalização de seus membros, que assim voltariam sua ação para
objetivos pessoais e eleitoreiros ligados a interesses locais e corporativos21, é inegável
que seus membros são mais creditados para a criação de direitos do que seus
correspondentes do judiciário. Tanto isso é verdade que, mesmo atualmente mais
limitados nessa função, eles ainda encontram menos barreiras para essa atividade do
que
19 Ver TATE, N.C. e VALINDER, T. (orgs.). (1995), The Global Expansion of the Judicial Power. New
York/London, New York University Press.
20 Ver TATE, N.C. e VALINDER, T. (orgs.). (1995), op. Cit.
21 Nesse sentido, ver: CAPPELLETTI, M. (1993), Juizes legisladores? Porto Alegre, Sergio Antonio
Fabris Editor.
os juizes. Assentados em critérios de legitimidade eleitorais representativos,
relacionados com a expressão imediata da “vontade do povo”, e responsáveis
diretamente em face de um público eleitor do qual depende a continuidade do
exercício
de sua função, são eles assim, mais indicados e legitimados para o exercício de
atividades que envolvam a escolha valorativa, a criatividade e a responsabilidade. Isto
é,
atividades do político, pouco afeitas ao típico funcionário burocrático, posição em que
se encontra o juiz de direito do sistema da civil law.
A visibilidade cada vez maior alcançada pela parte criativa da atividade judiciária,
contudo, não implica que os juizes devem se tornar legisladores: isso não significa que
o
mundo de hoje requeira juizes tão políticos quanto os políticos típicos e tampouco de
novos profetas absolutamente desvencilhados de certas formalidades burocráticas.
Assim, não é necessário se negar em absoluto, por mais contundentes que possam ser
as
criticas a esse respeito, os aspectos que favorecem a ação política dos outros dois
poderes e, tampouco, os aspectos que limitam nesse mesmo sentido, essa ação no
poder
judiciário. No entanto, alguma atenção deve ser voltada a esse último ponto.
Conforme já foi salientado, a anáalise weberiana é baseada em tipos ideais, ou puros,
que não se enquadram a uma realidade concreta, mas apenas permitem sua análise
por
comparação a um tipo seu, desenvolvido racional e unilateralmente. É nesse sentido
que, por exemplo, Weber caracteriza o burocrata. O autor chega a chamar atenção
para
o fato de poder haver um burocrata eleito, por mais que seu caso típico ideal envolva
um funcionário nomeado, haja vista que a eleição lhe daria um grau maior de
liberdade
frente a suas instâncias superiores, das quais teria menos dependência. Da mesma
forma, ao tratar do político, Weber examina a vocação para a política, sem, contudo,
negar seu exercício por não vocacionados ou por possuidores de vocação menos pura
do
que a proposta por ele22. Por mais que, na sociologia weberiana, o político e o
burocrata
ocupem lugares quase opostos com relação à sua atitude, não há uma
incompatibilidade
lógica absoluta na existência real de funcionários que mesclem características das
duas
categorias, do mesmo modo que não é impossível haver governos que calquem sua
legitimidade, ao mesmo tempo, no carisma e na tradição.
22 WEBER, M. (2002) “A Política como Vocação” e “Burocracia”, in Ensaios de Sociologia (5ª ed.). Rio
de Janeiro, LTC Editora.
Reconhecer as limitações da ação política do burocrata jurídico não significa exagerar
em sua inadequação ao moderno sistema de justiça. Significa apenas, constatando
uma
fática transformação judiciária num sentido de maior politização de seus atos,
repensar
sua atual posição nos sistemas jurídicos modernos da civil law, inclusive, para
ressaltar
sua verdadeira responsabilidade na criação do direito e suas respectivas
conseqüências.
Isso significa dotar o judiciário, mesmo burocratizado, de responsabilidade política e,
conseqüentemente, aproxima-lo, institucionalmente, de um verdadeiro político. O que,
certamente, não pode resultar do realce de suas características burocráticas, como o
faz,
por exemplo, a instituição da súmula vinculante. Por meio de tal instituto, introduzido
no ordenamento jurídico brasileiro por meio da Emenda Constitucional nº. 4523, é
permitido à cúpula do poder judiciário – em nosso caso, ao Supremo Tribunal Federal

editar interpretações de normas controversas, que vinculam os órgãos judiciais
inferiores, ressaltando a obediência e submissão hierárquica e atacando frontalmente
a
criatividade e a responsabilidade imediata por seus próprios atos. Não restam dúvidas
de
que algo desse tipo fortalece o juiz burocrático em detrimento de um, cada vez mais
exigido, juiz político, na inevitável mescla que caracteriza os ocupantes reais dessa
função, dentro de uma ordem jurídica burocratizada, mas marcada por um
necessário
ativismo. Contudo, certamente sobram dúvidas a respeito de ser realmente isso o que
exigem a ordem jurídica e política contemporânea.
23 BRASIL. Constituição (2006). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado,
1988.
REFERÊNCIAS:
BRASIL. Constituição (2006). Constituição da República Federativa do Brasil.
Brasília, DF: Senado, 1988.
CAPPELLETTI, M. (1993), Juizes Legisladores? Porto Alegre, Sergio Antonio Fabris
Editor.
DWORKIN, R. (2003) O Império do Direito. São Paulo, Martins Fontes.
FREUND, J. (1975) Sociologia de Max Weber (2ª ed.). Rio de Janeiro, Forense
Universitária.
MERTON, R. K. (1976) “Estrutura Burocrática e Personalidade” in CAMPOS, E.
(org.)
Sociologia da Burocracia (3ªed.). Rio de Janeiro, Zahar Editores.
TATE, N.C. e VALINDER, T. (orgs.). (1995), The Global Expansion of the Judicial
Power. New York/London, New York University Press.
WEBER, M. (2004)“Sociologia do Direito”, in Economia e Sociedade. Brasília, Ed.
UnB, vol. 2.
_________. (2002) “A Política como Vocação” e “Burocracia”, in Ensaios de
Sociologia (5ª ed.). Rio de Janeiro, LTC Editora.
WERNECK VIANNA, L., CARVALHO, M. A. R. de, PALACIOS, M. e BURGOS,
M. (1999) A Judicialização da Política e das Relações Sociais no Brasil. Rio de
Janeiro, Revan.
__________. (1997) Corpo e Alma da Magistratura Brasileira (3ª ed.). Rio de Janeiro,
Revan.

Weber e marx

100 Cadernos de Ciência & Tecnologia, Brasília, v.12, n.1/3, p.100-102, 1995
GERTZ, RENÉ, E. (org). Max Weber x Karl Marx. São Paulo: Hucitec,
1994. 277p.
O Professor René Gertz agrupou, no presente livro, sete ensaios sobre a
polêmica em torno de Weber e Marx em três partes assim denominadas:
‘Teoria e Metodologia’, ‘O Capitalismo’ e ‘O Marxismo e Weber’. No total,
a recensão de textos correlatos feita pelos diferentes autores soma 560 notas.
O livro é encerrado com o texto ‘O socialismo’, conferência proferida por
Weber para os oficiais austríacos, em 1918.
O aspecto positivo da obra mais declarado está em facilitar o acesso a
fontes ainda não disponíveis em português. De destacar o longo arco
temporal que separa os ensaios; o mais antigo data de 1929 e o mais recente,
de 1981. Lamenta-se que o organizador não tenha preparado uma introdução
mais elaborada para tentar criar um fio condutor entre textos tão distintos e
pela superposição, de certa forma inevitável, que termina ocorrendo entre
alguns deles. De qualquer maneira, os aspectos positivos superam os
negativos em larga escala.
A sensação geral que emerge da leitura é a de que Marx e Weber
parecem ter cumprido órbitas próprias que ora se aproximam ora se afastam,
o que terminou propiciando condições ora para ressaltar as semelhanças ora
para enfatizar as diferenças.
A polêmica que, em vida, Max Weber travou com os marxistas
continua até os dias de hoje, ainda que as condições objetivas sejam
qualitativamente diferentes, daí a atualidade do livro. O conjunto dos
diferentes ensaios com informações bastante valiosas mostra que não se
pode reduzir a polêmica a categorias simplistas e estanques.
Um de seus aspectos mais intrigantes é exatamente a relação que Weber
manteve com a obra de Marx. A propósito, é fato conhecido a escassez de
referências diretas a Marx. De tão raras e espalhadas, Zander disse do
“profundo e permanente silêncio de Weber sobre Marx” (pp.88, 72 e 84). É
provável que Weber −falecido em 1920 (Mommsen: p.173) não tenha
consultado obras fundamentais de Marx porque publicadas tardiamente
(“Para a Crítica da Filosofia do Direito de Hegel”, “Manuscritos
Econômicos e Filosóficos”, “Ideologia Alemã” completa e outros são de
1926). De outra parte, Weber, até 1906, referia-se às “interpretações
marxista-vulgares da doutrina marxiana então correntes...” (Mommsen:
p.148) e não diretamente às obras de Marx.
Resenhas
Cadernos de Ciência & Tecnologia, Brasília, v.12, n.1/3, p.100-102, 1995 101
Ainda assim, Weber reconhece o vigor da obra de Marx ao dizer que os
intelectuais de seu tempo não poderiam deixar de levá-la em conta (Zander:
p.84). De outro modo, Weber ao citar diretamente Marx, faz referência ao
caráter inconcluso de sua obra para apontar a necessidade de ser
completada. Seu cuidado nesta relação é tão grande que deixa a “impressão
de que Weber não pretende entrar no assunto (provavelmente porque)...tinha
a consciência de que a forma racional e perfeitamente lógica da teoria
marxiana era inatacável, justamente porque a partir da lógica pura é
irrefutável” (Zander: p.91). A impressão que fica de poucas referências e
muita especulação é que Weber reconhecia em Marx um intelectual
excepcional, porém mestre em um estilo incompatível com as circunstâncias
do mundo transformado de seu tempo. Segundo esta perspectiva, Weber
teria se concentrado na atualidade dos movimentos intelectual e político
derivados das transformações pelas quais passava a Alemanha.
Do conjunto dos ensaios deste livro não resta uma visão inequívoca de
como Weber encarava Marx, porque a dose de suposições e interpretações
dos ensaistas acaba sendo muito superior à apresentação de dados a respeito;
ademais, a relação de Weber com Marx é ambígua, porque ambivalente é a
posição de Weber frente ao capitalismo (Mommsen: p.147). Talvez por esta
razão a variabilidade de julgamentos seja flagrante. Giddens (p.120) afirmou
que “muitos autores manifestaram a opinião de que os escritos de Weber (...)
representam uma ‘refutação’ definitiva do materialismo de Marx”; outros
(consideram) que muitas coisas da sociologia de Weber ‘enquadram-se sem
dificuldade no esquema marxiano’; Kocka (p.51) entende que “a
confrontação (entre Weber e Marx) em certo sentido foi forçada...”; já
Löwith, citado por Zander (p.80), teria visto Weber “em conluio” com o
marxismo vulgar no obscurecimento do fenômeno histórico-humano da
alienação.
A identificação de Weber com a obra de Nietzsche (Mommsen: pp.148,
151 e 170) pode ser um elemento importante para traduzir diferenças
ontológicas em relação a Marx, mantidas em reserva.
Mesmo evitando o confronto direto com Marx, Weber, com sua obra,
criou os meios para o estabelecimento do “diálogo” entre ambos. Ao
translocar o foco de Marx para os marxistas, há de distinguir o diálogo de
Weber com os acadêmicos marxistas do diálogo com os políticos marxistas,
especialmente os vinculados ao Partido Social-Democrata da Alemanha
(Zander: pp.73, 80-81, Giddens: p.121).
Resenhas
Cadernos 102 de Ciência & Tecnologia, Brasília, v.12, n.1/3, p.100-102, 1995
Ainda assim, é aceitável dizer que Weber e Marx aproximam-se pela
abordagem de um tema comum −o capitalismo −que influencia,
decisivamente, o destino humano no mundo contemporâneo (Löwith: p.18,
Giddens: p.121); ademais, estão de acordo que este mesmo sistema gera uma
“ordem social inumana” (Mommsen: p.153).
De outra parte, há divergências indesmentíveis como, por exemplo, a
existente entre o “agir orientado por valores” e a negação da racionalidade
da história, propugnados por Weber, e a “objetividade da história”, de Marx
(Giddens: p.136, Mommsen: pp.151, 154); a posição de Marx em considerar
o econômico como determinação última (Kocka: p.34); o “status” de
“afirmação ontológica” dos tipos ideais de processos históricos em Marx
(Mommsen 149). Na questão do método, em Marx, a “coisa investigada”
impõe perspectivas e categorias ao investigador; em Weber, a escolha do
método é exógena, ainda que admita que “o objeto exerce uma função de
controle em relação à aplicação das perspectivas...” (Kocka: p.57).
Por fim, de chamar a atenção para a ausência de diálogo entre Weber e
Marx em assuntos mais específicos, como são os casos de “cidades”,
“burocracia”, “direito” e “agricultura” (Weiss: pp.208, 223, 225).
Mauro Márcio Oliveira
EMBRAPA-SSE

Weber

MAX WEBER1
Wania Gonzalez ·
1. O papel da ciência e o tipo ideal
No inicio da sua vida intelectual – 1885 a 1897 – Max Weber se deteve nos
acontecimentos
da historia do direito e da economia. Segundo Marianne Weber (1997) as suas
primeiras obras refletem as inquietacoes de um historiador jovem que se preocupava
com
o desenvolvimento e a decadencia da vida social.
Os principios que guiaram Weber na selecao de material foram, primeiro e antes de tudo, a paixao
politica, entao um sentido de justica para os trabalhadores manuais, e tambem, a conviccao de que a
felicidade humana nao era o importante, senao que a liberdade e a dignidade humana eram os valores
ultimos e supremos cuja realizacao deveriam estar ao alcance de todos (Marianne Weber, 1997,
p. 306).
Ele partilhava tambem da conviccao de que a economia politica deveria se guiar por
ideais
nacionais e nao por ideais de metodos de producao nem por ideais eudemonisticos 2.
Weber iniciou uma nova fase intelectual – 1903 a 1918 – apos uma severa crise
nervosa que durou aproximadamente quatro anos. Em virtude dos seus problemas de
saude, ele foi diminuindo a sua atividade como professor e como politico e foi se
tornando
mais contemplativo. Foi nesse periodo que se dedicou a refletir sobre o problema logico
e
epistemologico de sua ciencia.
Marianne Weber (1997) afirma que Max Weber nao se preocupou com uma
apresentacao
sistematica de seu pensamento. A ausencia de descricao dos principios metodologicos
que orientavam os seus estudos deve-se ao fato de estes serem encarados como
ferramentas que o ajudavam a compreender os problemas. Nao valorizava a forma
como essas ideias podiam ser apresentadas, ja que estas “brotavam” em sua mente.
Quando terminava de redigir surgiam novos problemas. “Para Weber a grande limitacao
do pensamento discursivo
era que este nao permitia a expressao simultanea de varias linhas correlatas de
pensamento”
(Marianne Weber, 1997, p. 309).
1 Texto extraido do livro da autora Educação e desencantamento do mundo: contribuições de Max Weber
para a Sociologia da Educação, Papel Virtual Editora, 2002.
 Sociologa e Doutora em Educacao - Universidade Federal do Rio de Janeiro. Professora da FEBEF/UERJ

e do Mestrado da UNESA.
2 Doutrina que admite ser a felicidade individual ou coletiva o fundamento da conduta humana moral, i.e.,

que sao moralmente boas as condutas que levam a felicidade. Dicionario Aurelio basico da lingua
portuguesa,
Editora Nova Fronteira, 1995.
1 O tema da cultura nao e introduzido intencionalmente na obra do autor, ele perpassa
os seus escritos nessa sua fase. O problema central de suas discussoes epistemologicas
era o conflito entre as Ciencias Naturais e as Ciencias Sociais. Estas ultimas se ocupam
de
alguns aspectos da conduta humana que tem significacao cultural. Para Marianne
Weber,
os aspectos mais singulares da logica da historia sao os conceitos gerais da ciencia
cultural.
Paralelamente aos escritos epistemologicos, Weber realizou os seus estudos sobre
as religioes. Nestes, ele investigou a relacao da religiao com todas as formas estruturais
importantes da vida social. Entretanto, Marianne Weber advertiu que:
Os problemas da logica cultural nao eram os unicos que interessavam a Weber, sua intensa produtividade
foi canalizada sempre por varias correntes que fluiam ao lado umas das outras, e de quando em
quando as necessidades de outros, assim como estimulos externos, o levaram por canais laterais. Ao
fim e ao cabo, tudo o interessava e tinha uma insaciavel sede de conhecimento [...] seus velhos interesses
na politica nacional, particularmente na politica agraria, surgiam de quando em quando (Marianne
Weber, 1997, p. 324-p.325).
Max Weber pretendeu com os seus estudos sobre as religioes “caracterizar o homem
ocidental moderno e conhecer o seu desenvolvimento e a sua cultura” (Marianne
Weber, 1997, p. 329). Ao reunir os seus estudos sobre esse tema, por volta de 1911,
buscou verificar a relacao das cinco grandes religioes mundiais com a etica economica,
analisando os elementos diretivos do estilo de vida dos estratos sociais que exerceram
maior influencia na etica pratica de cada religiao. Dessa forma, Max Weber objetivava
refutar a tese de que uma determinada religiao era o reflexo de interesses materiais de
seus seguidores.Na avaliacao dessa comentadora privilegiada da obra de Max Weber
este pretende usuperar a visao, materialista da historia apesar de expressar sua grande
admiracao pelas ideias de Karl Marx. Reconhecia que os fenomenos da vida cultural
eram determinados
economicamente mas nao so por esse aspecto. A refutar a visao materialista da historia,
Max Weber nao pretendia substitui-la por uma visao espiritualista. Pois, ambas seriam
um
mal servico a verdade. Ele tencionava, isto sim, e mostrar a heterogeneidade de
elementos que determinavam a existencia de um fenomeno social.
Segundo Marianne Weber (1997), o autor mostrou em seus estudos sobre as religioes
como estas vao sendo dotadas de um racionalismo que tendem a dissolver as nocoes
magicas mediante a consolidacao da doutrina.
A civilizacao ocidental foi consolidando uma conduta de vida metodica que teve a
sua origem com os gregos e culminou com a Reforma. A confluencia de um racionalismo
2 teorico e pratico e o aspecto que separa a civilizacao ocidental da civilizacao asiatica.
Em
relacao a esse aspecto, Marianne Weber (1997) afirmou que a especificidade do
racionalismo oriental, assim como o carater especial de toda a civilizacao ocidental,
foram considerados
pelo proprio Max Weber como uma das suas principais descobertas.
Em relacao ao conjunto da obra do sociologo alemao, sua esposa afirmou que algumas
das suas indagacoes em relacao ao carater especial de toda a civilizacao ocidental nos
possibilitam a compreensao de suas incursoes na Sociologia da Arte e, tambem, de suas
investigacoes sobre os fundamentos racionais e sociologicos da musica.
Feitas essas consideracoes preliminares sobre a obra de Max Weber, farei a seguir a
descricao dos aspectos metodologicos de sua obra e da Sociologia Compreensiva,
tomando por base as reflexoes do proprio autor.
O papel da ciencia, assim como os aspectos metodologicos pertinentes as Ciencias
Sociais sao elementos fundamentais na abordagem da Sociologia Compreensiva de
Weber.
Para o autor, a vocacao da ciencia refere-se ao auto-esclarecimento e ao conhecimento
dos fatos a partir das diferentes disciplinas que a compoem. Ele foi enfatico ao afirmar
que não cabe a ciencia fazer previsoes. “Nao e o dom da graca de videntes e profetas
que cuidam de valores e revelacoes sagradas, nem participa da contemplacao dos sabios
e filosofos sobre o significado do universo” (WEBER, 1982, p.197). Contudo, ele afirmou
que nenhuma ciencia e livre de pressuposicoes e que as descobertas sao
frequentemente ultrapassadas e superadas, cabendo ao cientista apenas a resignacao
diante desse fato.
Os pressupostos epistemologicos abordados por Weber podem ser resumidos de
acordo com os seguintes aspectos:
a) enfase na distincao de principio entre o conhecimento do ser e do dever ser. “Uma
ciencia experimental nunca podera ter como tarefa a descoberta de normas ou ideais
de carater imperativo dos quais pudessem deduzir-se algumas receitas para a
praxis” (WEBER, 1971, p.9);
b) a origem da discussao cientifica e baseada em aspectos subjetivos;
c) a significacao da cultura e produzida por axiomas pessoais, fe, valores, etc. “O
estabelecimento de um denominador comum pratico para os nosso problemas, sob a
forma de um conjunto de ideais supremos de validade universal de forma alguma
constituiria numa tarefa quer para essa revista(3) quer para a ciencia empirica em ge-
3 A revista ao qual o autor se refere e Archiv für Sozialwissenschaft und Sozialpolitik.
3 ral” (WEBER, 1971, p.15). Essa e uma tarefa para as religioes. Mas, isso nao tem
nada a ver com objetividade cientifica. A verdade cientifica deve ser separada da
defesa de nossos ideais.
A ciencia intervem na vida pratica e pessoal dos individuos na medida em que possibilita
a sua compreensao, mas nao de maneira impositiva. A ciencia pode tambem contribuir
para a atuacao dos individuos engajados politicamente, subsidiando a avaliacao de um
problema pratico e relacionando os fatos que devem ser levados em conta na sua
escolha.
As ciencias, particularmente a Filosofia, podem ajudar os individuos “a prestar contas do
significado ultimo de sua propria conduta”. (4) Em sintese, a importancia da ciencia se
refere aos seguintes aspectos:
Primeiro, e claro, a ciencia contribui para a tecnologia do controle da vida calculando os objetos externos
bem com as atividades do homem [...] Segundo, a ciencia pode contribuir com algo que o
verdureiro nao pode: metodos de pensamento, os instrumentos e treinamento para o pensamento [...]
Estamos em condicoes de levar-vos a um terceiro objetivo: a clareza (WEBER, 1982, p.178).
O avanco da ciencia e sua penetracao nas diversas esferas da vida dos individuos,
nas sociedades modernas, nao eram encarados pelo autor de maneira positiva. Para ele,
a
racionalizacao, a intelectualizacao e o "desencantamento do mundo" tinham
contribuido
para a exclusao dos valores mais sublimes da vida publica. Esses valores seriam os
relacionados a fraternidade das relacoes humanas.
Weber (1971), ao enfocar as caracteristicas do trabalho cientifico social, indagou
em que sentido existem verdades objetivamente validas no ambito da vida cultural. Essa
indagacao se relaciona aos problemas mais elementares das ciencias sociais, tais como a
organizacao do metodo de trabalho, o modo de formar conceitos e a validade destes. As
instituicoes e os acontecimentos culturais sao o objeto das ciencias sociais em geral, e
particularmente
da Sociologia. Esta ciencia, nos seus primordios, nao fazia uma distincao entre
o conhecimento do ser e do dever ser, pois partia-se do pressuposto de que os
fenomenos
economicos eram regidos por leis invariaveis e possuiam um desenvolvimento univoco.
Essa coincidencia entre o dever ser e o ser torna inevitavel o devir, (5) o que impossibilita
a objetividade nas ciencias sociais. Para Weber, uma ciencia “nunca podera ter como ta-
4 Segundo o autor, o docente, subsidiado pela ciencia, tem o papel de desenvolver esse tipo de
procedimento
nos alunos.
5 Devenir ou vir-a-ser. Transformacao incessante e permanente pela qual as coisas se constroem e se

dissolvem
noutras coisas. Dicionario Aurelio basico da lingua portuguesa, Editora Nova Fronteira, 1995.
4 refa o estabelecimento de normas e ideais, com o fim de derivar deles algumas
receitas
para a praxis” ( WEBER, 1971, p.9).
O autor negava que os juizos de valor estivessem fora da discussao cientifica, mas
estes tem origem "subjetiva", ja que sao baseados em determinados ideais. “A ciencia
empirica nao e capaz de ensinar o que 'deve', senao o que 'pode' e - em certas
circunstancias - o que quer” (WEBER, 1971, p.12). Para Weber, nao compete a ciencia
resolver os problemas da praxis, pois essa atribuicao coaduna-se melhor com as
religioes. Por isso ele ressaltavaque o cientista deve separar o cumprimento do dever
cientifico de abordar a verdade dos fatos e o dever pratico de defesa dos ideais.
A realidade nao permite ao pesquisador a deducao de leis, na medida em que esta
nao nos fornece criterios do que deve ser valorizado pelo estudioso. Dessa forma, ele
acentuava que nao existe um conhecimento da realidade “livre de pressupostos”. As
ideias de valor sao decorrentes do ponto de vista do individuo e sao elas,
consequentemente, que norteiam o sentido atribuido a um determinado problema, o
seu objeto de estudo, os limites destes e, tambem, a significacao atribuida a ele. A
significacao cultural e a base do interesse cientifico, independentemente de seu
conteudo. Weber admitia, com isso, que “o conhecimento e subordinado a pontos de
vista particulares” (WEBER, 1991, p.97).
As ideias de valor do pesquisador sao fundamentais na selecao do tema que o individuo
aborda como problema. O cientista seleciona o seu objeto de estudo entre a infinidade
de fenomenos culturais, a partir de seus interesses culturais. Estes, por sua vez,
motivam
o seu desejo de conhecimento e estao inseridos nas ideias de valor de que partilha. “O
elemento 'pessoal' e o que verdadeiramente confere valor a uma obra cientifica” (OCS,
p.98).Entretanto, apesar das premissas subjetivas que orientam o conhecimento
cientifico-cultural, os resultados obtidos nao sao subjetivos, ou seja, validos para uns e
nao para outros. E nesse sentido que o autor afirmava que “toda descoberta cientifica
nas ciencias sociais tem que ser valida ate para um chines” (WEBER, 1971, p.17) .
A postura a ser adotada pelos cientistas sociais, segundo Weber, deveria levar em
conta os seguintes aspectos: a) esclarecer aos interlocutores os padroes de valores
adotados;
b) explicitar em que momento o posicionamento adotado nao e compativel com as
reflexoes
do cientista e, sim, com as reflexoes do “homem dotado de vontade”.
A Ciencia Social concebida por Weber tem como proposta ser uma ciencia da realidade.
A compreensao desta deve levar em conta dois aspectos: as conexoes e a significacao
cultural de suas manifestacoes, assim como as causas de seu desenvolvimento histori-
5 co. O autor defendeu a ideia de que apenas um fragmento da realidade pode ser
objeto de compreensao cientifica, o que nao impede que a realidade seja apreendida no
seu contexto universal.
No que tange a diferenciacao entre as Ciencias Sociais e as Ciencias Naturais, Weber
afirmou que as Ciencias Sociais valorizam o aspecto qualitativo dos fatos, enquanto as
Ciencias da Natureza – ele citava especificamente a astronomia – despertam o interesse
dos individuos por avaliar quantitativamente os fenomenos.
As leis de causalidade norteiam o estudo sociologico como um meio de estudo, e
nao como um fim. Essas leis possibilitam a imputacao causal dos elementos que sao
importantes para a cultura pela sua individualidade (no sentido do que ha de especifico
em suas causas concretas). Apesar de as leis possibilitarem o conhecimento das causas
dos fenomenos historicos, sua generalidade faz com que sejam vazias de conteudo.
O conceito de tipo-ideal e central para o entendimento da Sociologia de Weber. O
referido conceito e um recurso metodologico, isto e, uma ferramenta utilizada na
investigacao, que orienta a conduta do pesquisador na construcao de hipoteses. O
quadro descrito a partir do tipo-ideal e impossivel de ser encontrado empiricamente na
realidade, pois esta e retratada a partir de seus tracos tipicos que auxiliam ao
pesquisador na formulacao de suas questoes.
O autor enfatizou que o valor do tipo-ideal e negado pelos individuos que acreditam
que o conhecimento da realidade possa ser uma copia dos fatos objetivos. Mas, para
ele, o tipo-ideal e um quadro de pensamento, e nao da realidade – o seu valor nao se
relacionaa uma apreciacao avaliadora da realidade, e sim ao seu carater puramente
logico.
A utilizacao do tipo-ideal e defendida por Weber porque “As ‘ideias’ que dominaram
os homens de uma epoca, isto e, as que neles atuaram de forma difusa, so poderao ser
compreendidas – logo que se trate de um quadro de pensamento complicado – com o
rigorconceitual sob a forma de tipo-ideal” (WEBER, 1971, p.56). Conforme explicitarei a
seguir, e, justamente, com o auxilio dessa ferramenta, que o autor descreve os tipos-
ideais de acao social e de dominacao.
No que se refere a utilizacao dos tipos-ideais, Weber faz questao de salientar que
nao se trata de uma avaliacao apreciadora da realidade e, por isso, o pesquisador tem
“o dever elementar do auto-controle cientifico, unico meio suscetivel de evitar
surpresas, que compara a realidade com tipos-ideais em sentido logico, e uma
apreciacao avaliadora da realidade a partir de ideais” (WEBER, 1971, p.72).
6 O tipo-ideal possibilita a caracterizacao das relacoes individuais e o entendimento
da natureza particular dos fenomenos culturais. A compreensao do que e tipico nao
implica a reducao da realidade a determinadas leis. O que diferencia o tipo-ideal dos
conceitos genericos e o fato de o primeiro possibilitar ao pesquisador o entendimento
do que e especifico aos fenomenos culturais, e nao do que e generico. “A ciencia
amadurecida significa sempre uma superacao de tipo-ideal enquanto se lhe atribui uma
validade empirica ou valor de conceito generico" (WEBER, 1991, p.120).
2. Ação social
A Sociologia tem como objeto a conexao de sentido das acoes. Nas Ciencias Sociais,
por se tratar de intervencao de fenomenos espirituais, a compreensao e diferente do
conhecimento
das Ciencias da Natureza. Nas Ciencias Sociais, o conhecimento dos fenomenos
deve levar em conta a sua significação cultural. Entretanto, essa significacao nao pode
ser deduzida de um sistema de conceitos de leis e, tambem, nao pode ser justificada
nem
explicada por ele. Em contrapartida, a significacao requer a relacao dos fenomenos
culturais
com idéias de valor. No sentido empregado por Weber, a Sociologia deve compreender
de maneira interpretativa a acao social, e sua explicacao deve levar em conta seu curso
e seus efeitos. O autor afirmou que a distincao entre a orientacao pelo comportamento
alheio e o sentido da acao nao pode ser verificado claramente. Entretanto,
conceitualmente
podiam ser separados para diferenciar o que se trata de um comportamento reativo de
uma
acao propriamente dita. Apesar de o fato central da Sociologia ser o estudo do curso da
acao, esta ciencia nao se limita apenas a isso.
A Sociologia deve levar em conta a conexao entre os motivos supostos e a orientacao
real da acao interpretando o seu sentido. Essa interpretacao pressupoe o fato de que os
individuos nem sempre tem um sentido visado concretamente em suas acoes. A
conexao
do sentido das acoes so pode ser compreendida na medida em que se pressupoe que ela
e
resultante do comportamento de um ou varios individuos.
Weber advertiu que nao e qualquer acao que deve ser objeto de estudo da Sociologia.
Por isso diferenciou acao de acao social. A acao e definida como um comportamento
humano em que os individuos se relacionam com um sentido subjetivo. Na acao social a
orientacao do comportamento do individuo leva em conta o comportamento dos outros
individuos,
que podem ser conhecidos ou desconhecidos do individuo em questao. Alem des-
7
se aspecto, o autor acrescenta que: a) a acao social so e social quando se orienta pelas
acoes alheias;(6) b) somente alguns contatos entre os individuos tem carater social e se
constituem em acoes sociais;(7) c) as acoes reativas, inclusive as relativas ao
comportamento
de massa, quando nao ha uma relacao de sentido com a situacao, nao sao consideradas
acoes sociais.
Toda acao, inclusive a social, pode ser determinada de modo racional referente a
fins, de modo racional referente a valores, de modo afetivo e de modo tradicional. A
acao
racional referente a fins relaciona-se ao comportamento do individuo objetivando
alcancar
determinados resultados que fazem parte de suas expectativas e que sao perseguidos
de
maneira racional. A crenca em valores relacionados a religiao, a etica, etc. norteia o
comportamento
do individuo, caracterizando a acao racional referente a valores. Nesse tipo de
acao o individuo privilegia mais a sua coerencia em relacao aos valores a que aderiu do
que o resultado obtido a partir de sua acao. Acrescem-se as acoes mencionadas a de
modo
afetivo e a de modo tradicional: a acao afetiva e orientada pelo estado emocional,
enquanto
a acao tradicional e orientada pelo costume.
Weber ressaltou que essas formas de orientacao da acao social nao se constituem
numa classificacao que esgota todas as acoes reais, mas sao tipos conceituais
construidos
com o intuito de auxiliar a pesquisa sociologica. Esclareceu, tambem, que as
modalidades
de acao social se encontram mescladas na realidade, isto e, uma mesma acao pode ser
tradicional
e racional referente a valores, por exemplo. A acao orientada pelo fim serve a
Sociologia como tipo-ideal, uma vez que possui um grau maior de evidencia do que as
demais.
Entretanto, isso nao significa que o autor atribua uma maior importancia ao racional
nas explicacoes acerca da realidade, apesar de metodo da Sociologia Compreensiva ser
racionalista:
[A Sociologia] nada pretende dizer sobre a medida em que na realidade ponderacoes racionais da
relacao entre meios e fins determinam ou nao as acoes efetivas [...] Processos e objetos alheios ao
sentido sao levados em consideracao por todas as ciencias ocupadas com a acao: como ocasiao, resultado,
estimulo ou obstaculo da acao humana (WEBER,1997, p.7).
A Sociologia tambem deve abordar as formacoes conceituais de carater coletivo,
apesar de Weber negar a existencia de uma personalidade coletiva em acao. As
formacoes
6 O comportamento religioso nao e considerado pelo autor uma acao social quando se reduz a uma
contemplacao
ou a uma oracao solitaria.
7 Esse aspecto e exemplificado a partir do choque entre dois ciclistas, que e considerado um fenomeno

natural;
entretanto, estaria caracterizada uma acao social se ambos tentassem desviar, se houvesse xingamento
ou
discussao.
8
do tipo Estado, cooperativa, sociedade por acoes e fundacoes so podem ser
compreendidas
por meio das acoes individuais, ja que apenas esse tipo de acao e orientado por um
sentido.
Mas, os conceitos coletivos servem como uma referencia a um determinado curso da
acao
dos individuos. A interpretacao da acao mantem com os conceitos coletivos as seguintes
relacoes:
a) a obtencao de uma terminologia compreensivel em funcao de se ter de
trabalhar com conceitos semelhantes, como, por exemplo, o Estado
como conceito sociologico e como conceito juridico; e
b) as formacoes coletivas integrantes tanto do pensamento cotidiano como
do juridico e de outras areas expressam algo que existe e que pretende
vigorar, isto e, existe na mente de pessoas reais e orienta as acoes dos individuos.
A diferenca entre a Sociologia e as demais ciencias que estudam as acoes sociais
esta em que a primeira nao busca um sentido correto ou verdadeiro das acoes sociais.
Essa
afirmacao baseia-se no fato de o autor considerar que nao existe um sentido correto ou
metafisico
da relacao social, e sim o sentido empiricamente visado pelos participantes em media,
ou o tipo puro. O relacionamento reciproco entre as acoes pode ter um carater bastante
diversificado, como, por exemplo, luta, inimizade, amor, amizade, etc. Convem ressaltar
que o conceito de relacao social (8) adotado pelo autor nao traz em si uma suposicao de
que
exista solidariedade ou conflito entre os individuos.
O pesquisador deve ter o conhecimento das acoes que influenciam a “conservacao”
e o desenvolvimento da acao social numa determinada direcao. Esse procedimento deve
anteceder questionamentos sobre a origem das acoes, os motivos que as determinam,
as
acoes consideradas tipicas que sao pertinentes a analise. Segundo Weber, sao essas as
questoes que possibilitam o entendimento, na perspectiva sociologica, das acoes de
individuos
diferenciados. Esse procedimento tambem deve ser adotado na analise dos individuos,
inclusive numa economia socialista.
8 A relacao social, na definicao do autor, caracteriza-se pelo comportamento de diversos individuos em
cujo
sentido de acao existe uma certa probabilidade. “Sempre se trata do sentido empirico visado pelos
participantes
no caso concreto, em media ou no tipo ‘puro’ construido, e nunca no sentido normativamente ‘correto’ ou
metafisicamente verdadeiro. A relacao social consiste exclusivamente, mesmo no caso das chamadas
‘formacoes
sociais’ como ‘Estado’, ‘Igreja’, ‘cooperativa’, ‘matrimonio’ etc., na probabilidade de haver no passado,
no presente ou no futuro, e de forma indicavel, acoes reciprocamente referidas quanto a sentido” (ES,
p.22).
9
As acoes dos individuos podem ser orientadas por diversas ordens (9) contraditorias,
inclusive numa mesma acao. A vigencia de cada uma dessas ordens indica a
probabilidade
de que a acao se oriente por ela. Nessa perspectiva, a Sociologia difere, por exemplo, da
jurisprudencia,
que pressupoe a existencia de uma ordem univoca. As ordens podem ter a conotacao
de leis e convencoes orientando a escolha, inclusive, de medidas economicas.
Entre a probabilidade de que a acao se oriente pela representacao da vigencia de uma ordem que,
em media, se estende de determinada maneira, e a acao economica, existe, evidentemente (em
determinados
casos), uma relacao causal, no sentido habitual da palavra. Para a Sociologia, precisamente
aquela probabilidade de orientacao por essa representacao, e mais nada, ‘e’ a ordem vigente”
(WEBER,1997, p.27).
Weber esclarecia que a legitimidade da ordem pode estar garantida de modo afetivo,
de modo racional referente a valores, de modo religioso e pelas expectativas de
determinadas
consequencias externas (convencoes e direito).
A Sociologia Compreensiva aborda o comportamento pelo seu carater social, nao
se detendo nas motivacoes psicologicas dos individuos. (10) As proposicoes da Sociologia,
as suas leis, referem-se as probabilidades tipicas das acoes sociais cujos
motivos e sentidos visados pelos agentes sao, tambem, tipicos e confirmados a partir da
sua
observacao. A possibilidade da compreensao inequivoca do curso de uma determinada
acao, ou seja, o seu curso tipico relaciona-se ao fato de ser baseada em motivos
racionais
orientados por fins. Nesse sentido, a acao orientada a um fim serve a Sociologia como
tipoideal,
pois “permite compreender a acao real, influenciada por irracionalidades de toda
especie
(afetos, erros) como o ‘desvio’ do desenrolar a ser esperado no caso de um
comportamento
puramente racional” ((WEBER,1997, p .7). A acao orientada por um fim possui um
grau maior de evidencia do que a orientada por valores e por impulsos afetivos.
Os pressupostos racionais sao o fundamento da maioria das leis sociologicas.
Entretanto, a Sociologia procura tambem compreender os fenomenos irracionais, tais
como fenomenos misticos, profeticos, inspiracionais e afetivos, valendo-se de conceitos
teoricos adequados.
3. Relação de poder e dominação
9 As ordens sao definidas como as “maximas indicaveis” que orientam a acao, possibilitando a
compreensao
do sentido de uma relacao social. (ES, p.25) .
10 Weber reconheceu a importancia na abordagem da vida psiquica dos individuos para outros fins de

conhecimento.
10
A probabilidade de se prestar obediencia a um mandato e a sintese do conceito de
dominacao de Weber. Os motivos que fundamentam a submissao dos individuos sao
variados,
tais como a obtencao de vantagens por quem obedece, o costume, o afeto a quem
domina,
etc. Dessa forma, o autor ressaltou que o exercicio da dominacao nao se vincula apenas
a posse de determinados meios economicos.
O poder relaciona-se a imposicao da vontade numa determinada relacao social,
mesmo contra resistencias. Diferentemente, a dominacao se caracteriza pela obediencia
a
uma determinada ordem. Sociologicamente, o conceito de dominacao e mais
importante do
que o de poder, ja que esse e muito abrangente. O conceito de poder e considerado
como
sociologicamente amorfo por englobar uma multiplicidade de situacoes nas quais um
individuo
pode impor sua vontade a outro. A precisao do conceito de dominacao refere-se ao
fato de se limitar a probabilidade de encontrar obediencia a uma ordem. A situacao de
dominacao
caracteriza-se pela presenca de alguem mandando em outros individuos de maneira
eficaz. A existencia de um quadro administrativo e/ou de uma associacao e outra
caracteristica
da referida situacao. E um aspecto relevante, tambem, caracterizar-se pela submissao
de seus membros as relacoes de dominacao existentes, decorrentes da ordem vigente.
A legitimidade garante a persistencia de uma determinada forma de dominacao.
Para Weber, essa persistencia nao esta relacionada apenas a motivos materiais, afetivos
ou
racionais referentes a valores, acrescendo-se a isso que a vigencia legitima atribuida a
uma
ordem pelos individuos pode estar relacionada, tambem, a tradicao e a legalidade.
O tipo de obediencia (11) e o tipo do quadro administrativo responsavel pelo seu
cumprimento, assim como o carater do exercicio da dominacao, caracterizam as
diferencas
de legitimidade que dao sustentacao a um determinado tipo de dominacao.
A crenca na legitimidade nao e o unico elemento que leva os individuos ou os grupos
a obedecerem a uma dominacao: Weber citava que esta pode ser consequencia de um
interesse material, ou aceita devido a fraqueza e ao desamparo dos individuos. O
elemento
decisivo para se identificar uma dominacao e a sua “pretensao de legitimidade, [que ela]
por sua natureza, seja ‘valida’ em grau relevante, consolide sua existencia e determine,
entre
outros fatores, a natureza dos meios de dominacao escolhidos” (WEBER,1997, p.175).
Para o autor, nas sociedades modernas, a crenca na legalidade, em virtude de um
estatuto, e
a forma mais comum de legitimidade. Nesse caso, a legalidade pode ser considerada
legiti- 11 Essa nocao refere-se a variacao do grau de questionamento, valor ou desvalor de uma ordem.
11 ma devido a um acordo existente entre os individuos ou devido a uma imposicao aos
mesmos.
Weber descreve a existencia de tres tipos de dominacao legitima: (12) de carater racional,
de carater tradicional e de carater carismatico. A dominacao racional ou legal referese
ao tipo mais puro: a dominacao burocratica. Esta baseia-se na legitimidade das ordens e
no direito de mando de quem as esta delegando e em um sistema de normas racionais
instituidas.
Essa forma de dominacao corresponde a estrutura moderna do
Estado e, tambem, das empresas capitalistas. (13)
A dominacao de carater tradicional tem como seu tipo mais puro a dominacao
patriarcal,
que se baseia na legitimidade da tradicao e do costume representada pela autoridade.
A estrutura patriarcal de dominacao se constituiu num dos principios estruturais pre-
burocraticos mais importantes, na qual, a autoridade exerce seu dominio no interior de
uma comunidade domestica. A diferenca entre a dominacao burocratica e a patriarcal e
que, na primeira, a partir da norma previamente estabelecida se cria a legitimidade do
mando; a segunda se baseia na submissao ao senhor, que da garantia a legitimidade das
normas por ele instituidas. Essas normas se consagram pela tradicao, e nao pelo fato de
terem sido escritas.
Na burocracia, a vigencia de uma ordem possui respaldo na necessidade tecnica do seu
cumprimento, ja que foi elaborada por um individuo que possuia uma competencia
especial.
Enquanto a necessidade tecnica e o fundamento do poder burocratico, a crenca na
autoridade fundada na devocao a autoridade familiar e o fundamento da dominacao
patriarcal.
A dominacao carismatica refere-se a devocao afetiva a figura do senhor e a seus dotes
extraordinarios ou sobrenaturais, que podem estar relacionados ao poder heroico ou ao
carater exemplar de um determinado individuo. Redentores, profetas e herois de toda
classe sao exemplos de dominacao carismatica. O carisma constitui-se numa vocacao e
numa missao – o seu aproveitamento economico e repudiado. Quando o carisma perde
seu carater efemero tende a se tradicionalizar mediante sua rotinizacao – isso acontece
quando12 O autor esclarece que esses tipos nao se encontram na realidade e que “nem de longe se cogita
aqui sugerir que toda a realidade historica pode ser ‘encaixada’ no esquema conceitual desenvolvido no
que se segue [tres tipos de dominacao]” (ES, p.173).
13 A esse respeito o autor esclarece que “Do ponto de vista social, a dominacao burocratica significa, em

geral:1. a tendencia ao nivelamento no interesse na possibilidade de recrutamento universal a partir dos


profissionalmente mais qualificados; 2. a tendencia a plutocratizacao no interesse de um processo muito
extenso de qualificacao profissional (frequentemente quase ate o fim da terceira decada de vida); 3. a
dominacao da impessoalidade formalista: sine ira et studio, sem odio e paixao, e, portanto sem ‘amor’e
‘entusiasmo’ sob a pressao de simples conceitos de dever, sem consideracoes pessoais, de modo
formalmente igual para ‘cada qual’, isto e, cada qual dos interessados que efetivamente se encontrem em
situacao igual – e assim que o funcionario ideal exerce o cargo” (ES, p. 179 e 180).
12 as camadas privilegiadas tem necessidade de legitimar sua condicao social e
economica
mediante a consolidacao de seus direitos adquiridos.
O carisma autentico nao se baseia numa ordem instituida ou em direitos adquiridos,
mas sim na revelacao pessoal, sem ligacao com interesses economicos. Os sucessores do
heroi carismatico encontram uma situacao favoravel de exercicio de poder: os
subordinadosja estao de alguma forma acostumados a sua qualidade de poder
sobrenatural fundamentado justamente na legitimidade carismatica, que pode se
manifestar de formas variadas,pois, nao existem regras rigidas para a comprovacao do
carisma. Quem herda o carisma deve comprovar a sua posse com outro poder
carismatico, o que acontece no poder hierocratico,ou seja, religioso. A confirmacao de
que um individuo possui o mais elevado carisma pessoal e efetuada pelos peritos
profissionais do divino.
As formas de obediencia dos individuos variam de acordo com os diferentes tipos
de dominacao, por exemplo; na dominacao racional-legal obedece-se a ordem
impessoal;
na dominacao tradicional, a figura do senhor nomeado pela tradicao. Diferentemente
dos
dois tipos citados, na dominacao carismatica, obedece-se ao lider carismaticamente
qualificado.
Sendo assim, a legitimacao do dominio e exercida segundo tres tipos de autoridade:
tradicional, carismatico e legal.
O Estado moderno e caracterizado por Weber como uma instituicao em que a
dominacao
e exercida legalmente a partir da “existencia de uma ordem administrativa e juridica
que so pode ser modificada por meio de estatutos” (WEBER,1997, p.45).
O Estado nao pode ser definido pelos seus fins, e sim pelos seus meios especificos.
Isso porque, o Estado e considerado a unica fonte do direito em que o seu quadro
administrativotem o monopolio legitimo do uso da forca fisica para impor padroes de
conduta.
Nessa perspectiva, a atividade politica e caracterizada pelo sociologo alemao a partir da
participacao no poder ou da luta para influir na sua distribuicao, tanto entre Estados
como
tambem entre grupos no interior do mesmo Estado. “O Estado e uma relacao de
homens
dominando homens, relacao mantida por meio de violencia legitima (isto e, considerada
legitima). Para que o Estado exista, os dominados devem obedecer a autoridade alegada
pelos detentores de poder” (WEBER,1997, p.98 e 99).
4. Racionalização das instituições e do direito
13
Em seus estudos sobre as religioes, Weber pretendeu, deter-se na racionalizacao da
conduta de vida na medida em que esta assume formas diversificadas de dimensao
pratica.
Esse aspecto pode ser exemplificado a partir das diferencas existentes entre o
protestantismo,
o catolicismo e o confucionismo. Este ultimo difere do racionalismo pratico de qualquer
outro racionalismo ocidental. “Em geral, todos os tipos de etica pratica que sao
sistematica
e claramente orientadas para metas fixas de salvacao sao ‘racionais’”
(WEBER,1997, p.338). O autor considerava revolucionaria a etica que norteia as
diferentes
religioes por elas nao estarem presas a ordem existente. Ele ressalta que apesar de
autoridade
carismatica ser irracional, suas metas de salvacao sao racionais.
Apesar de existirem formas de racionalidade tanto no Ocidente como no Oriente, o
desenvolvimento do capitalismo se deu no Ocidente. Para Weber, o avanco das Ciencias
Matematicas e das Ciencias da Natureza contribuiu para que isso acontecesse. Somam-
se a
esse aspecto as estruturas racionais do direito e da administracao como elementos que
dao sustentacao legal a racionalidade ocidental. Ao estudar as religioes ocidentais,
particularmente o protestantismo, o autor pretendia verificar a peculiaridade especifica
do racionalismo ocidental, esclarecendo a sua origem. Weber o comparou as religioes
orientais, objetivando destacar os aspectos nos quais estas diferem da civilizacao
ocidental. Os seus estudos sobre as religioes mundiais (14) lhe permitiram enfatizar que a
racionalizacao do Ocidente possui aspectos distintos da existente no resto do mundo.
O autor considerou que o desenvolvimento do Direito no Ocidente estava relacionado
a motivos politicos. Segundo ele, “nao ha no capitalismo, como tal, nenhum motivo
decisivo da forma de racionalizacao do Direito, que desde a epoca da educacao
romanistica universitaria e caracteristica do Ocidente continental” (WEBER,1997, p.658).
Mas Weber salientou que o desenvolvimento do Direito trouxe condicoes favoraveis ao
desenvolvimento do capitalismo, fato que e explicado por ele a partir da constatacao de
que a educacao juridica estava a cargo, principalmente, dos advogados, que eram
responsaveis pela formacao dos juizes. Essa situacao beneficiava os advogados na
representacao dos interesses de particulares possuidores de fortuna, os capitalistas, o
que consequentemente, contribuia para o desenvolvimento do capitalismo.
Em relacao ao ensino juridico, Weber referiu-se a separacao entre os individuos
possuidores desse tipo de saber e os leigos.
As obras do autor sobre o tema sao: A ética protestante e o espírito do capitalismo (1904-05); A religião
14

na
China (1915); A religião na Índia (1916); O antigo judaísmo (1917) e Sociologia da religião (1922).
14
A educacao juridica escolar reagiu contra a justica dos leigos com a pretensao de que estes [...] ficassem
subordinados a funcao jurisdicional ao controle dos tecnicos, isto e, instituir colegios mistos
nos quais os leigos – assim como revela a experiencia – estariam submetidos a influencia dos juristas
profissionais, o que significaria mais do que publicidade obrigatoria, as decisoes dos especialistas”
(WEBER,1997, p.658).
No Ocidente, a educacao escolar contribuiu para que a justica adquirisse “o selo juridico
formal que lhe e proprio”. O predominio dos juristas profissionais esta relacionado a
especializacao obtida atraves da educacao escolar. Esses profissionais contribuiram para
a
sistematizacao das leis, subsidiada por uma racionalidade adquirida nas Universidades.
5. Pequena biografia do autor
Max Weber, ilustre intelectual alemao, nasceu em Erfurt, na Turingia, em 21 de
abril de 1864. Seu pai era jurista e sua mae uma mulher de grande cultura atenta aos
problemas religiosos e sociais de sua epoca. Weber iniciou, em 1882, os estudos
superiores em Heidelberg, na Faculdade de Direito, e em 1889 ingressou no Doutorado
em Direito com a tese sobre as empresas comerciais na Idade Media. Em 1891 defende a
sua tese e comeca a sua carreira de professor universitario em Berlim. A sua saude era
debilitada em virtude de uma seria doenca nervosa que o obrigava a interromper seus
trabalhos cientificos, a primeira dessas crises aconteceu em 1897. O autor faleceu em 14
de junho de 1920, em Munique, e deixou uma vasta producao intelectual da qual
destacamos as obras Economia e Sociedade e A Ética Protestante e o Espírito do
Capitalismo.
· Referências Bibliográficas
WEBER, Marianne. Biografia de Max Weber. Mexico, Fondo de Cultura Economica,
1997.
WEBER, Max. La objetividad del conocimiento en las ciencias y la politica sociales.
Separata de Sobre la teoria de las Ciencias Sociales. Barcelona, Ediciones
Peninsula, 1971. p. 5-91.
_______. Ensaios de Sociologia . 5. ed. Rio de Janeiro, Guanabara, 1982.
_______. A objetividade do conhecimento nas Ciências Sociais. In: COHN, Gabriel, org.
Max Weber. Sao Paulo, Atica, 1991. (Colecao Grandes Cientistas Sociais).
15
_______. A ética protestante e o espírito do capitalismo. 11. ed. Sao Paulo, Pioneira,
1996. (Biblioteca Pioneira de Ciencias Sociais).
_______. Economía y sociedad: esbozo de Sociologia Comprensiva. 11. ed. Mexico,
Fondo
de Cultura Economica, 1997.
16

Karl

A ÉTICA DE KARL MARX (1818-1883)


Ramiro Marques
A Vida
Karl Marx nasceu, em Trier, numa família burguesa de origem judaica, embora
convertida ao protestantismo luterano, mais por razões de conveniência social do que de
fé. Foi estudar para a Universidade de Berlim aos 18 anos e doutorou-se em filosofia em
1841, pela Universidade de Iena, com uma tese sobre o materialismo de Heraclito e
Parménides, optando por seguir uma carreira jornalística na Gazeta Renana, onde
publicou os seus primeiros textos de apoio à luta dos camponeses pobres alemães. A
proibição da Gazeta Renana iria provocar uma primeira grande mudança na vida de
Marx: a impossibilidade de seguir uma carreira jornalística iria levá-lo a abandonar a
Alemanha. Em 1843, com 25 anos, casa com Jenny von Westefalen, que fora sua
namorada desde a puberdade. Aos 27 anos, refugia-se, com a mulher, em Paris, onde
frequenta diversos grupos socialistas e operários. A sua actividade revolucionária, em
Paris, leva as autoridades políticas a expulsá-lo de França. Obrigado a refugiar-se na
Bélgica, continua aí as suas actividades de apoio ao movimento operário. A publicação do
Manifesto da Partido Comunista irá provocar a sua expulsão da Bélgica, em 1848. Em
1849, exila-se definitivamente em Londres, onde passou a viver até à sua morte aos 65
anos de idade.
Durante os anos que viveu em Londres, Marx procede a um corte radical com a
sua classe e o seu país de origem, tornando cada vez mais evidente o seu compromisso com
o proletariado industrial, com quem se identificou, afirmando que os trabalhadores não
têm pátria. Tal como ele não tinha. A par do corte radical com a classe burguesa,
procedeu à rejeição quer do judaísmo quer do cristianismo. Viveu 34 anos em Londres,
na companhia da mulher e dos filhos, onde prosseguiu os seus trabalhos de investigação
sobre economia, passando grande parte do seu tempo a fazer pesquisa na Biblioteca do
Museu Britânico. Valeu-lhe o apoio financeiro do seu amigo Frederich Engels, pois Marx
nunca desenvolveu qualquer actividade profissional remunerada, tendo passado toda a
sua vida a estudar, a escrever e a organizar os movimentos operários europeus. Três dos
seus filhos morreram muito novos por falta de cuidados médicos e a sua família viveu
sempre rodeada de grandes dificuldades económicas. Valeu-lhe, também, a extrema
dedicação e afecto da mulher, Jenny von Westphalen, com quem começou por travar
amizade ainda muito novo.
Quando estudou nas Universidades de Berlim e de Iena, assimilou as teses da esquerda
hegeliana sobre o papel da dialéctica na compreensão do processo histórico. Quando viveu
em Paris teve oportunidade de conviver e apreciar as teses de Saint-Simon sobre a luta de
classes como motor da História e as teses de Ludwig Feuerbach sobre a relação entre as
condições materiais e a vida social. Foi, no entanto, com o estudo dos economistas
clássicos ingleses, principalmente David Ricardo, que Marx irá desenvolver a sua teoria
económica.
Os seus estudos de economia foram reunidos em três volumes, com o título O Capital, os
dois últimos publicados por Engels, após a sua morte. Destacou-se na direcção da
Associação Internacional dos Trabalhadores, fundada, em Londres, em 1864. Em 1882,
um ano depois da morte da sua mulher, Marx fez uma viagem a França, Suiça e Argélia.
Morreu, em 1883, sentado na cadeira do seu escritório, onde dormia, após longos meses
de doença grave, agravada pela morte da sua mulher e da sua filha mais velha..
Para além de O Capital, Marx deixou um número considerável de ensaios e tratados
sobre História, Política e Sociologia, com destaque para Os Manuscritos Económico-
Filosóficos; Manifesto do Partido Comunista; Contributo para a Crítica da Economia
Política; Miséria da Filosofia; A Ideologia Alemã; Crítica da Filosofia do Direito de
Hegel; A Guerra Civil em França; Crítica do Programa de Gotha.
È costume distinguir dois períodos no trabalho intelectual de Marx. O primeiro, chamado
de Marx jovem, inclui os escritos aparecidos entre 1841 e 1848. São desse período a
Introdução à Crítica da Filosofia do Direito de Hegel e o Ensaio sobre a Questão Judaica.
Escritos nesse período mas publicados após a morte de Marx, temos A Ideologia Alemã e
os Manuscritos Económico-Filosóficos. O período de juventude termina com a escrita da
Miséria da Filosofia, uma réplica ao livro de Proudhon, Filosofia da Miséria, e com a
publicação da obra clássica, aparecida em 1848, Manifesto do Partido Comunista. O
segundo período vai de 1848 até á sua morte. Durante esses 35 anos, Marx dedica-se
apenas aos estudos económicos e sociológicos. A filosofia parece ter ficado para trás. Neste
período, temos de destacar duas obras fundamentais: Contributo Para a Crítica da
Economia Política e O Capital.
A Obra
As principais influências do pensamento de Karl Marx foram, "no plano das ideias: a
influência do cientismo e do evolucionismo, com Darwin; do positivismo, com Ausgusto
Comte; da escola clássica inglesa de economistas, na sua versão pessimista, com Malthus e
Ricardo; do socialismo idealista, com Saint-Simon e Sismondi; do historicismo, então em
voga na Alemanha; da filosofia dialéctica de Hegel; da conjugação do materialismo com a
dialéctica, ensaiada por Feuerbach; e do estatismo tradicional alemão, representado por
Fichte e Hegel" (1). No plano dos factos, Marx foi influenciado pelas consequências sociais
da Revolução Industrial e o exemplo das lutas operárias a favor da redução do horário de
trabalho e de melhores condições de vida.
O pensamento de Karl Marx é o exemplo perfeito da total submissão da ética à política e à
economia. Só é possível descortinar uma ética marxiana pela análise das suas obras
económicas e políticas. Desde logo, a recusa e o combate à ética cristã transparecem nas
suas primeiras obras e percorrem todo o seu labor intelectual.
Marx começa por ser um hegeliano de esquerda, aceitando a filosofia dialéctica hegeliana,
mas invertendo os termos dessa dialéctica. Ao idealismo hegeliano, contrapõe o
materialismo dialéctico. Ao idealismo histórico, opõe o materialismo histórico. Enquanto
Hegel via na burguesia prussiana o sentido culminante da História, Marx olhava para o
proletariado industrial nascente como o portador do futuro.
Para compreender a teoria da história marxiana é preciso começar por analisar a teoria
da história hegeliana. Hegel entende que a história é a evolução da ideia e na evolução
histórica o papel fundamental cabe sempre à antítese. Só a luta, a oposição, ou mesmo a
guerra, é criadora, pois só do confronto surge a síntese, e só esta comporta novidade e
mudança e só ela faz ouvir a história. Marx aceita este quadro, mas inverte-o. A história é
entendida como o produto da luta de classes e a luta de classes é vista como o motor da
história. A história evolui, acompanhando a evolução da luta de classes. Quando houver
uma sociedade sem classes, assistimos ao fim da história. O comunismo seria, no entender
de Marx, esse fim da história. Como é que Marx explica a evolução histórica? Numa
primeira fase (tese), havia uma sociedade sem classes, a que Marx e Engels chamaram de
comunismo primitivo, com partilha integral de bens por todos. Numa segunda fase,
aparece a propriedade privada dos meios de produção (antítese). É, nessa altura, que
começa a luta de classes. A antítese englobou uma evolução das relações de produção que
passou do regime esclavagista, para o regime feudal e para o regime capitalista. Com o
regime esclavagista atinge-se o ponto culminante da luta de classes. O regime socialista
corresponde à síntese. A diferença entre Marx e Hegel é que, para o primeiro, eram as
ideias que conduziam a história e, para o segundo, são as forças materiais que
determinam a evolução da história. Esta alteração radical, do idealismo para o
materialismo, foi feita por Marx a partir das leituras de Feuerbach (1804-1872), um
hegeliano de esquerda que aderiu ao materialismo. Feuerbach substituiu a Ideia hegeliana
pelo Homem e inverteu a concepção cristã da criação do Homem por Deus. Marx
aproveita essa inversão e transpõe a inversão para o plano do estado e do poder político.
Apoiando-se em Feuerbach, Karl Marx estabelece um paralelo entre a alienação dos
cristãos e a alienação dos trabalhadores. Os primeiros alienaram-se a Deus e, os segundos,
ao capital. Como podemos explicar a alienação? A educação burguesa, os meios de
comunicação social, os tribunais, as Igrejas e os exércitos mantêm o povo numa situação
de dependência económica e cultural, levando a crer que tal dependência é legítima e
necessária. Foi por essa razão que Marx apelidou a religião de ópio do povo. O cientista
político Raymond Aron havia de devolver a acusação, afirmando que o marxismo se
tornara o ópio dos intelectuais.
Karl Marx considera que "as ideias dominantes em certa época ou em certo país não são
ideias puras, não descendem de Deus ou da Razão, nem são elas que comandam a vida e
encaminham a história: tais ideias não são mais do que o reflexo das relações materiais
(económicas e sociais) entre fortes e fracos, entre ricos e pobres, entre dominadores e
dominados. Quem conduz a evolução da história, portanto, não é Deus, nem as ideias,
nem os homens, ou sequer os grandes homens: são as forças materiais, as forças
económicas, as forças produtivas" (3). A infra-estrutura, ou seja, o conjunto das forças
económicas e das relações de produção, determina a super-estrutura, constituída pelo
sistema educativo, a religião, a arte, a cultura, o direito e o Estado. O materialismo
histórico pressupõe a defesa da tese de que os factores materiais (forças produtivas e
relações económicas) são as condições determinantes da história. A subordinação das
ideias, da cultura, da religião, da arte e da política às forças produtivas constitui a tese
central do pensamento marxiano.
A religião e a moral fazem parte da superestrutura e estão sempre ao serviço da classe
dominante. Constituem, no dizer de Marx, as grandes fontes geradoras da alienação dos
cidadãos: "a função da religião é uma função de classe, é dar aos proprietários (ricos)
uma justificação para a legitimidade do seu domínio sobre os proletários, e é dar aos
proletários (pobres) uma ilusão sobre as condições da sua vida, pois assim eles alienam-se
através da religião, projectando para um futuro distante - o paraíso depois da morte - o
bem-estar e a felicidade a que têm direito em vida neste mundo" (4).
Numa sociedade sem classes não há lugar para a religião pela simples razão de que a
religião só é precisa para manter e justificar as desigualdades sociais e a alienação.
Contudo, a moral, embora esteja sempre ao serviço da classe dominante, não irá
desaparecer com o comunismo, porque ela varia de acordo com o tipo de sociedade e o
regime económico. Assim, no regime esclavagista, havia uma moral esclavagista, no
regime feudal, uma moral feudal, no regime capitalista, uma moral capitalista e, no
regime socialista, haverá uma moral socialista. Qual é a função da moral? A moral exerce
a função de "protecção do modo de produção e das estruturas de classe em cada tipo de
sociedade: cada modo de produção gera determinadas ideias e sentimentos sobre o bem e
o mal, que são necessários para manter esse modo de produção. Tudo o que constitua
forma de o manter é moralmente bom; tudo o que possa pô-lo em perigo ou contrariá-lo é
moralmente mau. Ora, como na sociedade burguesa há luta de classes, há
necessariamente uma moralidade de classe - conservadora ou revolucionária. Existe assim
um relativismo da moral: a moralidade burguesa é uma coisa e a moralidade proletária é
outra, porque para esta é justo tudo aquilo que conduzir à derrota da burguesia e à
vitória do proletariado - mesmo que para tanto seja preciso mentir, trair, matar ou
roubar, atitudes que a moral burguesa condena" (5). Foram Lenin, Stalin e Mao que
levaram até ao limite esta concepção moral relativista que Marx apenas desenhou. Com o
objectivo de legitimar moralmente a tortura, a crueldade e a tirania, Mao afirmava: a
Revolução não é um convite para jantar! Lenin foi o primeiro a fazer da mentira
sistemática, através da falsificação de relatórios, apagamento de arquivos e manipulação
das assembleias, para legitimar a finalidade última: a criação de uma sociedade socialista.
Stalin levou ao paroxismo o relativismo moral, afirmando, em palavras e acções, durante
as três décadas de exercício de poder totalitário, que os fins justificam todos os meios,
mesmo que fosse necessário recorrer a meios como os "gulags", o trabalho escravo, a
matança generalizada de camponeses e a destruição dos camaradas que se tornavam
incómodos.
No fundo, todos eles aprenderam com Marx que a moral não existe fora da sociedade, que
não há leis morais eternas nem leis naturais. A moral depende das condições económicas e
está ao serviço da classe dominante. Numa sociedade esmagada pela ditadura do
proletariado, a moral está ao serviço da luta de classes e do partido dirigente.
Levando a sua tese até às últimas consequências, Marx defende a emergência de um
homem novo, a par de uma nova moral, ambos possíveis a partir do momento em que for
possível abolir as classes sociais. Fazendo lembrar a utopia platónica, Marx antevê a
criação de uma sociedade de iguais que partilham tudo entre si e desconhecem o egoísmo.
A abolição da família, do casamento e da monogamia estão entre as primeiras medidas a
tomar na sociedade comunista. No Manifesto do Partido Comunista, Marx e Engels fazem
a defesa da partilha das mulheres, das uniões livres e da abolição total da propriedade
privada. Deixa de ser necessário a existência de Estado, exércitos, polícias, Igrejas e
família. Infelizmente, o século XX conheceu várias tentativas, extremamente cruéis, de
imposição do "homem novo" e da "nova moral". Todas essas experiências fracassaram,
deixando atrás de si um rol de assassinatos em massa, pobreza generalizada, atraso
tecnológico e destruição.
Um dos críticos mais inteligentes da teoria de Marx foi Raymond Aron. No livro As
Etapas do Pensamento Sociológico, Aron afirma que se pode explicar " o pensamento de
Marx pela conjunção de três influências, enumeradas pelo próprio Engels: a filosofia
alemã, a economia inglesa e a ciência histórica francesa...Marx e Engels pensavam situar-
se na esteira da filosofia clássica alemã por conservarem uma das ideias-mestras do
pensamento de Hegel, a saber, que a sucessão das sociedades e dos regimes representa
simultaneamente as etapas da filosofia e as etapas da humanidade. Por outro lado, Marx
estudou a economia inglesa; serviu-se dos conceitos dos economistas ingleses; retomou
algumas das teorias aceites do seu tempo, por exemplo a teoria do valor-trabalho, ou a lei
da baixa tendencial da taxa de lucro, temas que eram de resto explicados de modo
diferente do usado por ele. Pensou que retomando os conceitos e as teorias dos
economistas ingleses, obteria uma fórmula cientificamente rigorosa da economia
capitalista. Por fim, foi buscar aos historiadores e aos socialistas franceses a noção de luta
de classes" (6). Acrescentou, no entanto, uma noção fundamental: a tese de que a luta de
classes é datada no tempo; não existia na fase do comunismo primitivo e deixará de existir
quando for possível construir a nova sociedade comunista. Marx foi profundamente
influenciado pela teoria da história hegeliana. Limitou-se a inverter os termos dessa
teoria. Onde Hegel considerava que o regime prussiano constituía síntese que permitia
anunciar o fim da história, colocou Marx o comunismo. Para Marx, a filosofia clássica
alemã chegara ao seu termo com o sistema filosófico de Hegel. Marx anuncia, assim, o fim
da filosofia. Na última das onze teses sobre Feuerbach, Marx afirma: "os filósofos têm-se
limitado a interpretar o mundo de diferentes maneiras, mas trata-se doravante de o
transformar". O relativismo moral de Marx surge associado ao seu determinismo
histórico. Considerava que o devir histórico era passível de ser conhecido
antecipadamente e acrescentava que o comunismo como última etapa da evolução
histórica era inevitável. Esta posição faz-nos lembrar a crença dos primeiros cristãos num
devir histórico predeterminado e consubstanciado na ideia do fim do mundo e da
ressurreição. Há, na verdade, alguma sintonia entre a visão determinista da história de
Marx e a visão messiânica dos primeiros cristãos.
A sociedade capitalista mutila o homem com a divisão do trabalho. O homem vulgar
"permanece encerrado durante a maior parte da sua existência numa actividade parcelar,
deixando portanto por usar numerosas aptidões e capacidades que poderia desenvolver"
(7). E é a divisão social do trabalho que impõe as condições de desumanização e alienação
do homem. Há duas modalidades da alienação económica: a alienação que resulta da
apropriação privada dos meios de produção e a que é gerada pela anarquia do mercado.
No primeiro caso, assiste-se à perda das características humanas do trabalho, uma vez
que o trabalho se vê remetido a um instrumento para ganhar o sustento. No segundo caso,
o mercado deixa de satisfazer as necessidades humanas para se tornar num fetiche ao
serviço do qual se colocam os homens. Em Marx, a crítica à economia capitalista é,
também, a crítica à moral capitalista, porque esta depende daquela. Na sociedade
comunista, estarão criadas as condições, pensava Marx, para a humanização total do
homem, graças ao fim da exploração do homem pelo homem, à ausência de alienação e à
redução radical do horário de trabalho, de forma que o alargamento dos tempo livres
permitisse a cada um a livre satisfação das suas vocações.
A natureza da ética de Marx compreende-se melhor se lembrarmos o seu conceito de
ideologia. Marx define ideologia como falsa consciência ou representação falsa da
realidade. Marx considerava que cada classe social possui a sua própria representação da
realidade, sendo, por essa razão, que defendia para cada classe a sua moral. Ou seja, cada
classe social só é capaz de ver e interpretar o mundo e a realidade em função da sua
própria situação. O catálogo de direitos e de deveres das sociedades capitalistas não passa,
por isso, da representação jurídica que serve os interesses da classe dominante. O mesmo
poderemos dizer para a tábua de virtudes dominante em cada sociedade. Esta
argumentação de Marx pode ser usada para rejeitar a teoria marxiana. Repare-se: se as
ideologias têm sempre um carácter de classe, não passando de falsas representações da
realidade, então não é possível afirmar que uma ideologia seja superior a qualquer outra.
Ao relativismo ético de Marx, há que acrescentar o seu relativismo intelectual. Num caso
e noutro, a teoria de Marx é um enorme subjectivismo. O modelo de argumentação de
Marx só podia conduzi a um cepticismo intelectual radical, para o qual todas as ideologias
são equivalentes e igualmente falsas e para o qual todas as éticas são mentiras e ilusões.
Aqui, vemos como a ética de Marx se aproxima da ética de Nietzsche.
Marx considera que a ética, como qualquer outra componente da superestrutura, é
condicionada e determinada pelo modo de produção dominante. Em conformidade,
defende que "não é a consciência dos homens que determina a sua natureza, mas, pelo
contrário, é a sua natureza social que determina a sua consciência. Num certo grau de
desenvolvimento, as forças produtivas materiais da sociedade entram em contradição com
as relações de produção existentes, ou, o que não passa da sua expressão jurídica, com as
relações de propriedade no interior das quais até então se tinham movido. De formas de
desenvolvimento das forças produtivas, essas relações tornam-se obstáculos a essas forças.
Inicia-se então uma época de revolução social. Com a modificação das bases económicas,
toda a colossal superestrutura é mais ou menos transformada. Quando consideramos
semelhantes transformações, devemos sempre distinguir entre a destruição material das
condições económicas da produção - verificáveis por meio das ciências da natureza -,e as
formas jurídicas, políticas, religiosas, artísticas ou filosóficas, em resumo, as formas
ideológicas, através das quais os homens tomam consciência deste conflito e o
solucionam" (8).
A superestrutura, ou seja, o direito, a educação, a religião, a arte e a moral, alimenta-se
das ilusões e depende absolutamente das condições materiais de existência: "sobre as
diversas formas de propriedade, sobre as condições sociais de existência, ergue-se toda
uma superestrutura de impressões, de ilusões, de maneiras de pensar, e de concepções de
vida diversas e moldadas de uma maneira específica. A classe no seu todo, cria-as e
forma-as a partir das suas bases materiais e das relações sociais correspondentes. O
indivíduo isolado, a quem são transmitidas pela tradição e pela educação, pode julgar que
elas são a razão determinante e o ponto de partida da acção" (9). E Marx acrescenta: "os
pensamentos das classes dominantes são, em todas as épocas, os pensamentos dominantes,
o mesmo será dizer que a classe, que é o poder material dominante na sociedade, também
é o seu poder espiritual dominante. A classe que tem à sua disposição os meios de
produção material, dispõe também por esse motivo dos meios de produção espiritual. Os
pensamentos dominantes não passam da expressão ideológica das relações materiais
dominantes, as relações materiais dominantes concebidos sob a forma de pensamentos,
portanto, as relações que fazem da classe uma classe dominante, e por conseguinte, os
pensamentos do seu domínio. Os indivíduos que compõem a classe dominante e estão
conscientes e pensam; na medida em que dominam, enquanto classe, determinam uma
época histórica em toda a sua extensão, é evidente que a determinam em todos os seus
aspectos, e que, portanto, dominam, entre outras coisas, enquanto seres pensantes,
enquanto produtores de pensamentos, que fixam a produção e a distribuição dos
pensamentos do seu tempo; que por conseguinte os seus pensamentos são os pensamentos
dominantes da época" (10). É, por isso, que Marx pode dizer, sem perder a coerência que
"as leis morais, a religião são para o proletário outros tantos preconceitos burgueses, por
detrás dos quais se escondem outros tantos interesses burgueses" (11). E sobre o carácter
falacioso das ideias morais da sociedade burguesa, Marx ironiza: "justiça, humanidade,
liberdade, igualdade, fraternidade, independência, estas categorias mais ou menos morais
que soam tão bem, mas que, nas questões históricas e políticas não provam absolutamente
nada. A justiça, a humanidade, a liberdade, etc., podem pedir mil vezes isto ou aquilo;
mas se a coisa for impossível, não se faz e continua a ser uma quimera...Senhores, não se
deixem intimidar pelo substantivo abstracto liberdade. Liberdade de quem? Não é a
liberdade de um simples indivíduo, em presença de um outro indivíduo. É a liberdade que
o capital tem para esmagar o trabalhador" (12).
O que é, então, a moral? "É a impotência posta em acção. Todas as vezes que luta contra
um vício é vencida. E Rodolfo nem sequer se eleva ao ponto de vista da moral
independente, que, ela pelo menos, assenta na consciência da dignidade. A sua moral, pelo
contrário, assenta na consciência da fraqueza humana. É a moral teológica. As proezas
que realiza com as suas ideias fixas, cristãs, com as quais mede o mundo, a caridade, a
dedicação, a abnegação, o arrependimento, os bons e os maus, a recompensa e a punição,
os castigos terríveis, o isolamento, a salvação da alma, analisamo-las pormenorizadamente
e desmascaramo-las como farsas" (13).
Por fim, vejamos como Marx se posiciona face à religião, considerada, por ele, como o
ópio do povo: "desejo em seguida, na crítica das condições políticas, criticar mais a
religião do que as condições políticas na religião...A religião é um vazio em si própria, não
é o céu mas a terra que a fazem viver, e com a dissolução da realidade absurda de que é a
teoria, desmorona-se sozinha...E toda a crítica deve ser precedida pela crítica da
religião...A destruição da religião, enquanto felicidade ilusória do povo, é uma exigência
da sua felicidade real. Exigir a renúncia às suas ilusões sobre a situação é exigir a
renúncia a uma situação que necessita de ilusões. Portanto, a crítica da religião é no seu
germe a crítica do vale de lágrimas de que a religião é a auréola" (14).
Notas
1) Freitas do Amaral, D. (1998). História das Ideias Políticas - Vol II. Lisboa: Edição de
Autor
2) Idem, p. 152
3) Ibid, p. 155
4) Ibid, p. 163
5) Ibid, p. 164
6) Aron, R. (1991). As Etapas do Pensamento Sociológico. Lisboa: Publicações D. Quixote,
p.166
7) Idem, p. 169
8) Marx, K. (1975). Textos Filosóficos. Lisboa: Editorial Estampa, p. 61
9) Idem, p. 66
10) Idem, p. 92
11) Ibid, p. 100
12) Ibid, p. 195
13) Ibid, p. 196
14) Ibid, p. 205

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