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Texto 1- Weber RACIONALIDADE FORMAL E

RACIONALIDADE MATERIAL. A TENSÃO


ENTRE RAZÃO JURÍDICA E LÓGICA
ECONÔMICA

Weber é conhecido como um dos fundadores da sociologia


em que ele inaugurou uma abordagem hermenêutica da ação social
A influência de sua obra é enorme na economia, em que suas análises sobre a
formação e racionalização do capitalismo moderno se tornaram clássicas
No campo do direito, é certo dizer que suas análises e descrições sobre o
processo de racionalização do direito e da dogmática jurídica, do contrato e da
organização judicial são caminhos obrigatórios para qualquer estudioso do
tema

Aspectos gerais da sociologia do direito de Weber e da articulação


entre metodologia e descrição sociológica
É necessário entender como a sua sociologia compreensiva de matriz
hermenêutica se articula com o conceito de sentido de uma ação social.
Para Weber, há três formas básicas para se pensar o direito, a depender do
tipo de atitude que podemos ter diante dele
Podemos ter uma atitude moral avaliativapodemos avaliar o direito a partir de
regras morais ou padrões que lhe são externos. Por exemplo, podemos avaliar
o direito de um país como justo ou injusto, legítimo ou ilegítimo. Essa seria a
atitude moral avaliativa diante do direito.
A atitude dogmática envolve uma abordagem fixada pelas regras do jogo.
Nessa visão, típica do jurista (especializado em dogmática jurídica), não se
avalia externamente o direito, mas antes é explicado a partir das regras que
são assumidas como válidas dentro dele. Aqui reside o ponto dogmático dessa
abordagem, a presunção de que o direito é constituído pelas regras que são
legais
A atitude de compreensão sociológica nem avalia moralmente, nem explica o
conteúdo das regras. O sociólogo do direito descreve ações sociais
causalmente orientadas pela normatividade das regras jurídicas. Para ele,
interessa conhecer a normatividade do direito, na medida em que ela
condiciona a ação (intencional, isto é, em certo sentido redundante, pois toda
ação em sentido técnico é intencional, como se verá) de um determinado
agente. A atitude do sociólogo do direito se assemelha àquela do advogado
(mais do que a do jurista doutrinador), na medida em que ambos verificam
como será o comportamento de determinados agentes (por exemplo, um juiz)
em função do direito positivado. Distinguem-se, entretanto, porque o sociólogo
age de maneira desinteressada, procurando a descrição mais próxima possível
da realidade e regras generalizáveis, ao passo que o advogado irá orientar sua
ação em face de seus interesses concretos como procurador dos interesses de
seu cliente.
Para Weber, o sociólogo deve ser capaz de compreender os valores,
independentemente de aceitá-los ou endossá-los. Contudo, é necessário
possuir algum tipo de empatia ou capacidade de “colocar-se na perspectiva do
agente” cuja ação quer explicar. Para fazê-lo, o cientista social precisa
conhecer os valores e o sentido da ação (isto é, a intenção que guiou a ação),
independentemente de acolhê-los ou endossá-los CONHECER DIFERENTE
DE AVALIAR
É essencial para a compreensão de uma ação saber também que os valores
são criados, positivados por um ato de vontade humana.
A explicação causal de uma ação envolve sempre a identificação de uma
intenção do agente visando à realização de um fim. Nesse sentido, toda ação é
orientada para um valor e possui “sentido”. Para Weber, uma atividade é
intencional quando a pessoa nela engajada tem uma ideia do fim para o qual a
atividade é direcionada e quando ele é guiado, em sua conduta, por tal
antecipação ideacional do fim e pela regra ou método para atingi-lo
uma ordem será denominada direito se ela for externamente garantida pela
“probabilidade de uma coerção física ou psicológica que será aplicada por um
corpo burocrático (staff de pessoas) de modo a gerar a sua aceitação ou punir
a violação. A forma como o direito foi instituído, se por um poder soberano
central ou por tradição, não constitui o seu caráter identificador.
A sociologia em geral analisa a relevância de determinada normatividade
(jurídica, religiosa, moral, estética, econômica etc.) no comportamento de um
agente a partir de uma dimensão de grauUm artista, por exemplo, poderá
pintar motivado por valores econômicos, religiosos, estéticos ou até jurídicos,
simultaneamente. Contudo, nem todas as normatividades serão igualmente
relevantes para explicar a sua ação..
Para Weber, há dois tipos ou níveis de explicação sociológica. Num primeiro
nível, aqui denominado causal, cabe ao sociólogo do direito identificar como
uma ação é causalmente determinada (total ou parcialmente) pelo seu sentido,
isto é, pelos valores e pelas normatividades com as quais se reporta. Há,
contudo, um segundo nível, exegético ou hermenêutico, no qual se procura
oferecer uma explicação causal de um fenômeno mostrando-se como a atitude
em questão foi determinada, seja por outras crenças e propósitos, seja por
forças materiais.
A análise weberiana do direito moderno
Segundo Weber (2004b), a autoridade ou dominação (Herrschaft) é um tipo
particular de poder (Macht) que está na chave para a identificação do direito.
Poder é a probabilidade de um ato dentro de uma relação social estar em
posição de levar adiante a própria vontade, apesar da resistência e a despeito
da base em que reside tal probabilidade.
A dominação ou autoridade caracteriza a situação na qual a vontade manifesta
(comando) do governante ou dos governantes influencia supostamente a
conduta de uma ou mais pessoas (governado) e efetivamente a influência de
tal modo que suas condutas para um nível socialmente relevante ocorrem
como se o governado fizesse do conteúdo do comando a máxima de sua
conduta por si mesma.
Dominação é fenômeno tipicamente humano (animais não tem) responde a
uma necessidade básica dos homens: a de justificar as situações de
desigualdade e riqueza, e atribuir sentido e valor a elas. o rico tem uma
necessidade de justificar a sua riqueza (como legítima, na maioria dos casos) e
não apenas aceitá-la
Para explicar como nasce a dominação, Weber identificará três “tipos ideais”,
tão bem conhecidos por todos que conhecem o seu pensamento: a dominação
tradicional, a racional-legal e a carismáticaA dominação tradicional é aquela
que solicita para a sua constituição a crença na santidade de velhas regras e
poderes. Ela envolve algum tipo de rotinização e repetição: Ela também implica
uma diferença de status. As suas formas mais comuns são o patriarcalismo e
clientelismo. É de notar também que ela envolve algum tipo de grau de
religiosidade.
A dominação racional-legal envolve a crença de que a legalidade das regras
estabelecidas está na autoridade daqueles que expedem os comandos e as
regras. Nesse tipo de dominação, não se admite a crença de que as regras
sempre existiram, mas sim que foram criadas, positivadas e “inventadas” pelo
Estadoencontramos as características de impessoalidade, formalismo,
igualdade de procedimento, previsibilidade e burocracia que agem de forma
neutra
A dominação carismática que implica a “devoção à excepcional santidade,
heroísmo, ou caráter exemplar de uma pessoa” Ela se reporta a uma
qualidade de um indivíduo e não a uma posição social ou status
Para Weber, no capitalismo moderno, há um primado da dominação racional- -
legal. Ela representa a autocompreensão do processo de positivação dos
valores que caracteriza a modernidadea modernidade capitalista passará a
compreender o mercado não como uma “ordem espontânea” e cada vez mais
como uma ordem construída (taxis), projetada, planejada
Racionalidade: se reporta à existência de regras e princípios, é utilizada para
reportar-se àquilo que é sistemático, um método de avaliação, relativo àquilo
que é controlado pelo intelectoWeber parece sugerir muitas vezes que os
valores substantivos, porquanto produtos de vontade, são intrinsecamente não
racionais

Conclusão: a modernidade no encontro das formas de


racionalidade contemporâneas
fundada na racionalidade material irracional, Weber aponta a justiça de cádi
(realizada por um juiz que julga o direito religioso tradicional islâmico),
orientada por um procedimento sem regras formais claras. O seu exemplo para
a justiça formal racional é oferecido pelos tribunais de direito canônico. E, por
fim, de justiça racional e material seria aquela prevalecente no direito moderno,
típico das sociedades capitalistas
Para Weber, o contrato tal como o conhecemos e praticamos em nosso dia a
dia é uma “invenção” relativamente recente. No passado, o contrato, que ele
denomina contrato-statuso status de quem realiza a troca é determinante.
No capitalismo, esse tipo de contrato é substituído pelo contrato finalístico que
elimina a referência ao status, neutralizando as demais dimensões sociais
potencialmente envolvidas numa troca, orientadas pela tradição, religião etc.
Nesse tipo ideal contratual, domina a ideia de imparcialidade, indiferença dos
agentes com respeito à posição social dos contratantes. O elemento
significativo desse tipo de troca é a fixação de obrigação por meio de um
acordo de vontades livremente estabelecido entre dois agentes livres e auto
interessadoso objeto pode ser livremente fixado.
O contrato finalístico de alguma forma “neutraliza” politicamente as relações
econômicas, permitindo que as trocas se processem seguindo uma
racionalidade exclusivamente econômica de busca instrumental pelo
lucroUm exemplo típico dessa “afinidade” entre a lógica econômica e o
desenvolvimento do capitalismo e do direito pode ser encontrado na superação
da vedação dos “contratos usurários” pelos comerciantesEle permitia afastar
a política, a religião e a moral do funcionamento do mercado que, algo
paradoxalmente, passaria ele mesmo a ser nova fonte de legitimação política e
produção, reprodução e ampliação de valores
As conexões de sentido entre a racionalidade material do contrato finalístico e
o capitalismo liberal evidenciam, no nível institucional micro, uma afinidade
importante entre esta e a lógica econômica, marcada pela busca do lucro por
parte do agente racional maximizador de vantagens individuais
é possível encontrar outras afinidades em regras gerais características do
“direito moderno como um todo” que favoreceram a expansão capitalista. Entre
elas, caberia destacar a criação de regras de propriedade e de produção
legislativa sistemática capazes de garantir previsibilidade e segurança para as
relações econômicas. A neutralização da política e moral no direito se fará por
meio da criação de regras gerais, impessoais, a serem aplicadas por uma
burocracia especializadao direito romano, em particular na forma como foi
recepcionado pela modernidade, participou desse processo de construção da
racionalidade jurídica forjando alguns institutos centrais para o funcionamento
do capitalismo, como o conceito de pessoa e propriedade.
Demandas por direitos sociais (animadas por ideologias cristãs, socialistas,
sindicalistas, anarquistas ou fascistas) começaram a reintroduzir elementos de
racionalidade material no interior de um direito aparentemente neutralizado
pela ideologia liberal
A internação política na economia, ao redesenhar a forma de organização do
mercado, seja por meio do keynesianismo trouxe a racionalidade material e
política novamente para dentro da economia.
A obra de Max Weber nos ajuda muito a treinarmos olhares capazes de
compreender as articulações de sentido entre racionalidade jurídica e lógica
econômica nos dois níveis interpretativos anteriormente apontados

Perguntas
1. Diferença entre os níveis de explicação sociológica causal e
hermenêutico.
2.

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