O documento descreve a evolução histórica do direito e do conhecimento jurídico. Inicialmente, o direito era indistinto da ordem social e religiosa em sociedades primitivas, baseado no parentesco. Posteriormente, com o desenvolvimento de mercados e Estados, o direito passou a ser regulado por fórmulas prescritivas permanentes e procedimentos jurídicos especializados, surgindo os juristas e a distinção entre direito e sua ciência. A jurisprudência romana desenvolveu o direito como diretivo para a ação.
O documento descreve a evolução histórica do direito e do conhecimento jurídico. Inicialmente, o direito era indistinto da ordem social e religiosa em sociedades primitivas, baseado no parentesco. Posteriormente, com o desenvolvimento de mercados e Estados, o direito passou a ser regulado por fórmulas prescritivas permanentes e procedimentos jurídicos especializados, surgindo os juristas e a distinção entre direito e sua ciência. A jurisprudência romana desenvolveu o direito como diretivo para a ação.
O documento descreve a evolução histórica do direito e do conhecimento jurídico. Inicialmente, o direito era indistinto da ordem social e religiosa em sociedades primitivas, baseado no parentesco. Posteriormente, com o desenvolvimento de mercados e Estados, o direito passou a ser regulado por fórmulas prescritivas permanentes e procedimentos jurídicos especializados, surgindo os juristas e a distinção entre direito e sua ciência. A jurisprudência romana desenvolveu o direito como diretivo para a ação.
Conforme vimos no capítulo anterior, sobretudo em seu item 1.1, a via de
aproximação perfilhada conduziu-nos, dentro de uma visão do direito como simbolismo, à ideia de retidão e equilíbrio, ao direito como símbolo de retidão e equilíbrio. Essa noção, contudo, é obviamente vaga e exige algumas precisões. Podemos observar, assim, que, na mesma linha de análise linguística, a palavra diké, que nomeava a deusa grega da Justiça, derivava de um vocábulo significando limites às terras de um homem. Daí uma outra conotação da expressão, ligada ao próprio, à propriedade, ao que é de cada um. Donde se seguia que o direito se vinculasse também ao que é devido, ao que é exigível e à culpa. Na mesma expressão se conotam, pois, a propriedade, a pretensão e o pecado; e, na sequência, o processo, a pena e o pagamento. Assim, diké era o poder de estabelecer o equilíbrio social nesta conotação abrangente. Ora, em sociedades primitivas, esse poder está dominado pelo elemento organizador, fundado primariamente no princípio do parentesco. Todas as estruturas sociais, que aliás não se especificam claramente, deixam-se penetrar por esse princípio, valendo tanto para as relações políticas como para as econômicas e para as culturais, produzindo uma segmentação que organiza a comunidade em famílias, grupos de famílias, clãs, grupos de clãs. Dentro da comunidade, todos são parentes, o não parente é uma figura esdrúxula. As alternativas de comportamento são, assim, pobres, resumindo-se num “ou isto ou aquilo”, num “tudo ou nada”. O indivíduo, dentro da comunidade, só é alguém por sua pertinência parental ao clã. O poder de estabelecer o equilíbrio social liga-se ao parentesco. No horizonte do direito arcaico, só há lugar para uma única ordem: a existente, que é a única possível, a querida pela divindade e, por isso, sagrada. O direito é a ordem querida (e não criada) por um deus. Como não é uma ordem criada, mas querida, o direito obriga tanto o homem como a divindade, que o defende, o impõe, mas não o produz nem o modifica (a ideia de um Deus criador surge na tradição judaica e passa, depois, à tradição cristã). O estabelecimento do que é de cada um, conforme sua posição nas relações de parentesco, mostra, pois, primitivamente, a predileção pelo direito como uma forma rígida de distribuição social, em que seu contraventor é imediatamente expulso da comunidade: ou estamos dentro dela e, portanto, com o direito, ou estamos fora dela (cf. Gurvitch, 1960:198). Nesse sentido, o direito confunde-se com as maneiras características de agir do povo (folkways) – por exemplo, o sentar-se em cadeiras ou no chão, o comer com as mãos, só ou em grupo, o uso de roupas – tomadas como particularmente importantes para a vida do grupo (mores) e manifestadas na forma de regras gerais. Ele é percebido, primariamente, quando o comportamento de alguém ou de um grupo desilude a expectativa consagrada pelas regras, reagindo o desiludido na forma, por exemplo, de uma explosão de ira, vingança, maldições etc. (cf. Pierson, 1968:137). Por exemplo, uma regra que consagra a expectativa geral de que ninguém deve tocar o alimento destinado aos deuses é percebida quando alguém o come e é, assim, tornado impuro, devendo ser expurgado. Essa forma maniqueísta de manifestação do direito é atenuada pela intervenção de sacerdotes ou de juízes esporádicos que, como guardas do direito, regulam sua aplicação. No entanto, essa regulação não se separa do próprio direito, de tal modo que não podemos falar do conhecimento do direito como algo dele separado. Esse “conhecimento” e sua prática (de aplicação) não se distinguem: a existência, a guarda, a aplicação e o saber do direito confundem-se. Com o desenvolvimento das sociedades, quer por seu aumento quantitativo, quer pelo aumento da complexidade das interações humanas possíveis, o princípio do parentesco, por sua pobreza, é, pouco a pouco, diferenciado e substituído como base da organização social. Nas culturas pré-modernas (China, Índia, Grécia, Roma), aparecem assim os mercados, que permitem a equalização das necessidades entre os não parentes. Isto é, a posição do comerciante deixa de ser determinada por sua situação na família, no clã (por exemplo, comerciar deixa de ser uma atividade permitida apenas aos patriarcas). Do mesmo modo, aparece o domínio político, localizado em centros de administração e diferenciado da organização religiosa, guerreira, cultural etc. (cf. Luhmann, 1972). O primado do centro político é um dado importante, sobretudo para o direito como poder de estabelecimento do equilíbrio social. As comunidades organizam-se como polis ou sociedade política (civitas sive societas civilis), ou seja, uma forma hierárquica de domínio baseada em prestígio, o que conduz a símbolos que determinam quem é quem na sociedade, relações de status, modos distintos de falar ou linguagem própria. Com isso, o direito, como ordem, passa a ligar-se aos homens enquanto tais: o homem enquanto ser livre ou cives (liberdade como um status próprio do cidadão). Essa transformação exige que o direito se manifeste por meio de fórmulas prescritivas de validade permanente, que não se prendem necessariamente às relações de parentesco, mas reconhecem certas possibilidades de escolha, participação na vida da cidade (liberdade participativa). O direito, assim, continua sendo uma ordem que atravessa todos os setores da vida social (político, econômico, religioso, cultural) mas que não se confunde com eles. Torna-se possível, então, contrapor o sacerdote ao guerreiro, o pai ao filho, o comerciante ao governante, sem que de antemão o direito identifique-se com o comportamento deste ou com o daquele. Por conseguinte, o contraventor deixa de ser alguém que está fora do direito, porque fora da comunidade (ou foi expulso ou é estrangeiro), para ser alguém que pode invocar o mesmo direito que o outro invoca contra ele, dentro da comunidade. O direito, como ordem, perde seu caráter maniqueísta, isto é, supera-se a visão primitiva do direito como o bem, em oposição ao antijurídico que se identifica com o mal. O tratamento dado ao comportamento desviante encaminha-se agora para procedimentos decisórios regulados, surgindo as formas de jurisdição: juízes, tribunais, partes, advogados etc. Percebe-se que o direito abarca o lícito e o ilícito, pois este é também um comportamento jurídico, só que proibido. Essa progressiva procedimentalização do direito provoca, assim, o aparecimento de um grupo especializado, com um papel social peculiar: os juristas, que desenvolvem uma linguagem própria, com critérios seus, formas probatórias, justificações independentes. Começa, com isso, uma separação entre o exercício político, econômico, religioso do poder e o exercício do poder argumentativo: nasce e desenvolve-se a arte de conhecer, elaborar e trabalhar o direito. O conhecimento do direito, como algo diferenciado dele, é, pois, uma conquista tardia da cultura humana. A distinção, pois, entre direito-objeto e direito-ciência exige que o fenômeno jurídico alcance uma abstração maior, desligando-se de relações concretas (como as de parentesco: o pai tem direito de vida e morte sobre o filho, porque é pai, sem que se questione por que a relação pai/filho identifica-se com uma relação jurídica de poder de vida e morte), tornando-se um regulativo social capaz de acolher indagações a respeito de divergentes pretensões. Assumindo o direito a forma de um programa decisório em que são formuladas as condições para a decisão correta, surge a possibilidade de o direito-objeto separar-se de sua interpretação, de seu saber, das figuras teóricas e doutrinárias que propõem técnicas de persuasão, de hermenêutica, que começam a distinguir entre leis, costumes, folkways, moral, religião etc. O desenvolvimento do saber jurídico, contudo, não é linear. Nas diferentes culturas, ele se faz na forma de progressos e de recuos. Acompanhar esse desenvolvimento é tarefa que ultrapassa os limites de uma introdução ao estudo do direito. Contudo, não se pode negar, uma informação a respeito dessas mudanças é importante para uma visão de conjunto. Uma compreensão do que é o direito-objeto não pode ser alcançada sem que se mostre como uma cultura teorizou o próprio direito. Embora o fenômeno jurídico, em certo momento, diferencie-se de seu saber, justamente por isso é que o entendimento do que é o direito passa para as mãos dos que têm por missão conhecê-lo. Para o estudante, portanto, ainda que o direito não seja objeto apenas da ciência jurídica, mas também da sociologia, da filosofia, da antropologia, da política etc., é importante partir, como dado primário, da própria teoria dogmática, tal como ela, em nossa tradição, foi formando-se paulatinamente.
2.2 Jurisprudência romana: o direito como diretivo para a ação
Um exame da dogmática jurídica, nos quadros de um panorama histórico, tem a
finalidade de identificar tanto o papel por ela desempenhado na vida social, quanto o modo pelo qual o pensamento dogmático gradativamente desenvolveu-se em nossa cultura. Tal panorama, à medida que revela como a dogmática jurídica conseguiu afirmar--se e justificar-se, em termos teóricos, delimita o objeto dessa investigação: os próprios argumentos que estão por trás dos esforços de justificação, por parte da doutrina. Por isso mesmo, antes de uma enumeração das teorias sobre a dogmática, o que realmente nos interessa são as teorizações jurídicas que, com o tempo, pouco a pouco passaram a constituir o que atualmente chamamos de dogmática jurídica ou Ciência Dogmática do Direito. Tendo em vista o quadro cultural em que se desenvolveu o direito em nosso país, mister se faz que principiemos pelas origens do pensamento jurídico (continental) europeu, à exclusão, pois, do pensamento anglo-saxão, o que nos conduz, de início, à Roma antiga. Na Antiguidade Clássica, o direito (jus) era um fenômeno de ordem sagrada. Em Roma, foi uma ocorrência imanente a sua fundação, ato considerado miticamente como decisivo e marcante na configuração de sua cultura, por tornar-se uma espécie de projeto a ser aumentado e engrandecido no tempo e no espaço. Foi essa ideia, transmitida de geração em geração, por meio da tradição, que delineou sua expansão na forma de um império, único em suas características em toda a Antiguidade. Assim, o direito, forma cultural sagrada, era o exercício de uma atividade ética, a prudência, virtude moral do equilíbrio e da ponderação nos atos de julgar. Nesse quadro, a prudência ganhou uma relevância especial, recebendo a qualificação particular de Jurisprudentia. A jurisprudência romana desenvolveu-se numa ordem jurídica que, na prática, correspondia apenas a um quadro regulativo geral. A legislação restringia-se, por seu lado, tanto na época da República, quanto na do Principado, à regulação de matérias