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O FENÔMENO

JURÍDICO
CONTEMPORÂNEO
DIREITO COMO TÉCNICA
O direito nas sociedades complexas tem o papel de estruturar, a
partir de um núcleo específico, inúmeras relações sociais. Sem o
direito, não seriam possíveis os contratos, nem os lucros advindos
da circulação mercantil, e nem as garantias de propriedade.
DIREITO COMO TÉCNICA
Com o direito, torna-se possível concretizar qualquer contrato
previsto juridicamente, porque o eventual inadimplemento desse
contrato será executado por mecanismos estatais.
DIREITO COMO TÉCNICA
Com o Estado, no entanto, um terceiro, muito maior que qualquer
parte, passa a fazer as vezes dos interesses contratados, dando-lhes
uma grande envergadura de possibilidades.
DIREITO COMO TÉCNICA
Por meio de suas instituições, constitui o Estado, qualifica seus
agentes, suas possibilidades e seus modos de ação, e
principalmente, ao fazer de todas as pessoas sujeitos de direito, e
ao tratar a todos indistintamente como iguais perante a lei.
DIREITO COMO IDEOLOGIA
No seio das relações sociais, a forma jurídica estabelece uma
dominação não só por meio das suas estruturas técnicas, mas
também por meio da sua ideologia.
DIREITO COMO IDEOLOGIA
Quando o direito das sociedades complexas, por meio das suas
normas, declara que todos são iguais perante a lei, na verdade está
procedendo a uma dominação ao mesmo tempo técnica e
ideológica.
DIREITO COMO IDEOLOGIA
Técnica porque está tratando de maneira formalmente igual ao
contratante e ao contratado, na medida em que o Estado executará
a qualquer um que contratar caso não cumpra o contrato.
Ideológica porque deixa entender uma igualdade que é só
normativa, mas não concreta.
DIREITO COMO IDEOLOGIA
O discurso jurídico está assentado sobre as bases de uma
autonomia dos indivíduos iguais também para o plano político: a
democracia se vende como a opinião numérica de indivíduos iguais,
desconhecendo que alguns, pelo seu poder material, impõem-se
perante os demais.
DIREITO COMO IDEOLOGIA
A ideologia que o direito sustenta não revela imediatamente a
realidade das contradições sociais em que se funda.

O direito, em geral, está afirmado sobre princípios como o da


igualdade e da liberdade, mas surge de – e se aplica a – sociedades
que não são nem verdadeiramente livres nem verdadeiramente
iguais.
DIREITO COMO IDEOLOGIA
O direito não é um corretivo estrutural da desigualdade e um
promotor da efetiva liberdade, mas age, sim, para camuflar as
injustiças estruturais por meio de normas aparentemente justas no
que tange à sua forma.
DIREITO COMO IDEOLOGIA
Nas sociedades complexas, o direito é entendido, ideologicamente,
como uma ordem justa, racional e necessária.

Essa ideologia de que o direito é a justiça, é responsável pelo


tradicionalismo da atividade dos juristas.
DIREITO COMO IDEOLOGIA
A partir do momento que considera a ordem jurídica como justa e
racional, o jurista trabalha no sentido da conservação e da
reprodução da ordem tecnicamente dada pelo direito, e não no
sentido da transformação social.
DIREITO COMO IDEOLOGIA
Na sua aparência imediata e na sua estrutura formal, o direito se
apresenta como justo, igual, racional e livre. E, materialmente, ele
estrutura e ampara uma sociedade injusta e desigual.
A CIENTIFICIDADE DO DIREITO
O direito é um fenômeno histórico.

A depender do que se considerar por direito, muitos fenômenos


entrarão ou ficarão de fora da extensão geográfica do objeto a se
identificar.
A CIENTIFICIDADE DO DIREITO
A ciência do direito, ao identificar o direito às normas do Estado,
não consegue ser uma ciência universal sobre o direito.

A dificuldade em fixar a ciência do direito nos limites da norma


jurídica estatal está no fato de que a própria normatividade está
condicionada por formas sociais necessárias: o estudo da forma
jurídica é que deve ser o núcleo central desse entendimento.
A CIENTIFICIDADE DO DIREITO
O olhar sobre o direito deve partir de uma ciência histórica e social
concreta do fenômeno jurídico, renunciando ao genérico para
alcançar justamente o específico, que identifica a forma jurídica
moderna.
A CIENTIFICIDADE DO DIREITO
O direito não se revela, cientificamente, apenas com seus próprios
instrumentos de técnica jurídica.
Reconhecimento da necessidade do concurso de várias ciências
para se compreender o fenômeno jurídico.
Não há fenômeno que seja isolado, desconexo, independente.
A visão unilateral impede justamente a compreensão da dinâmica
histórica e social.
A CIENTIFICIDADE DO DIREITO
O modo pelo qual identificamos, num vasto campo de relações
sociais humanas, o direito como a norma estatal, ou como as
normas da razão humana, ou como o poder, ou como a força, ou
como a dominação, é resultante, fundamentalmente, das
concepções que desposamos e dos interesses que regem nossa
vida prática.
A CIENTIFICIDADE DO DIREITO
Uma definição do que seja o objeto de uma possível ciência do
direito é ao mesmo tempo histórica e ideológica.
A CIENTIFICIDADE DO DIREITO
Histórica porque o objeto é percebido variavelmente, no decorrer
das sociedades.

Ideológica porque os objetos e seus limites poderiam ser outros, e


os métodos de interpretação também outros, e as escolhas, então,
revelam visões e posições de mundo específicas.
CIÊNCIA DO DIREITO E CRÍTICA

A compreensão do fenômeno jurídico contemporâneo demanda um


pensamento crítico, que saiba ver para além da aparência técnica e
do discurso do direito.
CIÊNCIA DO DIREITO E CRÍTICA

A análise histórica e a contribuição de outros saberes, como a


economia, a política, a sociologia, a filosofia, dentre tantos outros
mais, unificados a partir de uma visão crítica, retiram a explicação
jurídica de sua superficialidade técnica e impedem um discurso
alienante sobre seus fundamentos.
CIÊNCIA DO DIREITO E CRÍTICA

Tradicionalmente, o direito tem sido analisado pelo ângulo da sua


legitimidade.
Busca-se quase sempre ressaltar a autoridade que o direito tenha
para impor à sociedade seu conjunto de regras.
O jurista, em geral, é ensinado desde muito cedo a procurar as
fontes de legitimação da ordem jurídica.
CIÊNCIA DO DIREITO E CRÍTICA

Entender o direito é se perguntar, ao contrário de por que o direito é


legítimo, sobre por que o direito é imposto, para que se presta, e
buscando quais fins específicos.
Ao proceder assim, o jurista começa a lidar mais concretamente
com o fenômeno com o qual trabalha e estuda.
TEORIA DO DIREITO, TEORIA DAS
INSTITUIÇÕES E ACESSO À JUSTIÇA
Não há Direito sem as pessoas atuantes, os atores jurídicos,
pessoas investidas de cargos, dotadas de competências, que
realizam atribuições legais, dentro de instituições atuantes no
sentido da realização de finalidades e objetivos de justiça.
TEORIA DO DIREITO, TEORIA DAS
INSTITUIÇÕES E ACESSO À JUSTIÇA
Entende-se por instituição toda unidade social que é dotada de
permanência e fins comuns, capaz de estabilizar práticas e reunir
pessoas em torno de tarefas comuns.

Concepção formalista e reducionista: as instituições são corpos


formais, criados por leis, que funcionam cumprindo papel
burocrático e funcionalmente diferenciado.
TEORIA DO DIREITO, TEORIA DAS
INSTITUIÇÕES E ACESSO À JUSTIÇA
Os “serviços de justiça” eram vistos apenas como os meios
executores, tendo apenas valor instrumental perante os fins
institucionais, enquanto conjunto sistemático e organizado por
regras, de recursos humanos, orçamentários e operacionais.
TEORIA DO DIREITO, TEORIA DAS
INSTITUIÇÕES E ACESSO À JUSTIÇA
É necessário ir além, na esteira de uma Teoria Crítica e Humanista
do Direito, não somente para reconhecer a importância, o valor, o
papel, a finalidade e os objetivos das instituições jurídicas, mas,
sobretudo, para refletir acerca da revisão, reforma e humanização
das instituições jurídicas.
TEORIA DO DIREITO, TEORIA DAS
INSTITUIÇÕES E ACESSO À JUSTIÇA
Importância da desrepressão e da transformação das “instituições de
justiça” pelos caminhos da:
inclusão no procedimento;
melhoria de gestão;
atenção e cuidado no atendimento;
humanização no tratamento;
efetividade na apresentação de respostas a demandas institucionais.
A CULTURA BUROCRÁTICA NA
REALIDADE BRASILEIRA
Na realidade brasileira, a reflexão acerca da teoria da instituição
passa pela consideração acerca da cultura burocrática.

E isso porque a cultura burocrática é um destes fatores centrais


geradores de empecilhos ao avanço de uma cultura dos direitos,
seja pela particularidade histórica desta cultura marcada pela
pessoalidade, seja pela sua dimensão de gestão e cultura
institucionais.
A CULTURA BUROCRÁTICA NA
REALIDADE BRASILEIRA
Quando se evoca o termo “direito”, imediatamente se pensa no
inumerável de documentos, processos, regulamentos, fórmulas
legais, petições, repartições públicas, instâncias burocráticas, sendo
muitas vezes quase sinônimo de burocracia.

Isso aponta para o fato de que não há cidadania plena e ativa sem
um direito acessível, eficiente, universal e atribuído a todos e todas.
A CULTURA BUROCRÁTICA E O
SERVIÇO-CIDADÃO
A sociedade é dinâmica e cobra resultados.
Paradoxalmente, no âmbito da cultura burocrática, torna-se curiosa
a relação com a forma e a formalidade.
De um lado, tem-se horror a ela, pois significa: inadequação entre
meios e fins; barreira; empecilho; rigidez.
De outro lado, se reconhece suas dificuldades e se faz de tudo para:
driblar; contorcer; desamarrar; ajeitar.
A CULTURA BUROCRÁTICA E O
SERVIÇO-CIDADÃO
A reforma e a revisão das instituições e dos seus procedimentos, no
sentido do caminho da eficiência administrativa é algo decisivo
para os fluxos de justiça, cidadania e provimento de direitos.
A CULTURA BUROCRÁTICA E O
SERVIÇO-CIDADÃO
Desde a edição da Lei n. 11.419/2006, que dispõe sobre a
informatização do processo judicial civil, penal e trabalhista, a abolição
do processo físico vem sendo vista como “sinônimo” de
desburocratização, como se a “virtualização da burocracia” fosse
sinônimo de desburocratização.
A pura digitalização não é sinônimo de desburocratização. Em verdade, a
informatização cria um novo fenômeno: burocracia digital.
Sem a mudança de mentalidades e sem a transformação da cultura,
mantem-se o mesmo número de atos, ritos e exigências intactos.
Disponível em: <https://g1.globo.com/mt/mato-grosso/noticia/2023/07/14/advogado-ironiza-
demora-de-1-ano-em-julgamento-de-processo-e-leva-bolo-em-forum-de-mt-para-comemorar.ghtml>
A CULTURA BUROCRÁTICA E O
SERVIÇO-CIDADÃO
Afinal, quais as finalidades da “burocracia”?
Garantir a realização de procedimentos;
fixar e garantir fluxos de gestão;
estabilizar conquistas de direitos;
garantir a permanência e a execução das políticas públicas;
permitir a igualdade cidadã de tratamento e acesso a direitos;
atender e realizar os direitos dos cidadãos.
OS SERVIÇOS DE JUSTIÇA E O
ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO
O Estado Democrático de Direito realiza inúmero direitos através
dos serviços de justiça.
A expressão serviços de justiça envolve todo o conjunto das
possíveis atividades de suas instituições no sentido da realização,
efetividade e acesso de direitos.
Estes serviços de justiça envolvem todas as dimensões da atuação
do Estado, e costumam estar divididos entre a dimensão do legislar,
do julgar e do executar.
OS SERVIÇOS DE JUSTIÇA E O
ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO
A expressão serviços de justiça aponta para as complexas
atividades exercidas por inúmeras e plurais instituições públicas,
tais como: Ministério Público; Defensoria Pública; Conselhos
Tutelares; Procons; Poder Judiciário; Poder Executivo; Poder
Legislativo; Casas de mediação de conflito; Juízos arbitrais;
Delegacias da Mulher; Guardas Civis Municipais; Serviços de
Segurança Pública; Serviços de Assistência Social; Serviços
Integrados de Cidadania; Secretarias de Direitos Humanos;
Ouvidorias; Juizados Especiais; Cartórios Civis; entre outros.
HUMANIZAÇÃO DOS SERVIÇOS DE
JUSTIÇA
A humanização se realiza pela atitude ativa de reconstrução da
cultura institucional, de seus limites, de suas práticas, de suas
rotinas, de sua forma de atuação, implicando, pois, o esforço de
todos os envolvidos, no sentido da requalificação do ambiente
institucional.
HUMANIZAÇÃO DOS SERVIÇOS DE
JUSTIÇA
A atitude ativa de humanização implica:
respeito no atendimento; escuta das necessidades;
reciclagem e preparação dos profissionais;
prevenção de situações de crise e período de alta tensão institucional;
igual atenção a todos;
resolução efetiva das demandas, com devolutivas aos interessados;
não discriminação das pessoas; gestão qualificada;
canais de comunicação e reclamação; gestão participativa; entre outros.
Disponível em: <https://www.cnj.jus.br/magistrada-denunciada-por-assedio-moral-sera-investigada-pelo-cnj/>
ESTUDO DE CASO:
ASSÉDIO MORAL
ESTUDO DE CASO: ASSÉDIO MORAL
Ana é funcionária pública e trabalha no ambulatório do
sistema municipal de saúde, de uma pequena cidade no
interior do Espírito Santo. Prestou concurso e é efetiva, mas
desde a chegada de uma nova equipe de médicos na cidade,
liderados pelo Dr. Astor, apenas vem assistindo ao
crescimento da intolerância no ambiente de trabalho. Isso
porque a indicação deste médico, para assumir o posto de
Diretor do Hospital Municipal, se deu a partir de critérios
estritamente políticos, o que levou a uma forte reação por
parte do sindicato dos trabalhadores da saúde. Ana é filiada
ao sindicato, mas nunca teve ligações políticas fortes, além de
ser mulher de idade, com responsabilidades familiares
extensas, considerando seus quatro filhos.
ESTUDO DE CASO: ASSÉDIO MORAL
A nova equipe médica, sob a orientação do Dr. Astor, resolve
dispensar tratamento diferenciado aos diversos profissionais,
abrindo chances e readequando o serviço, para os “amigos”, e
relegando os “inimigos”. Sem saber, nas reuniões veladas da
equipe médica, Ana foi considerada da “turma de lá”. Por isso,
seu superior começou a tratá-la com rispidez, desacreditando
dos resultados de seu trabalho, e colocando-a em posição
sistematicamente inferior à dos demais. Ana passa a receber
tratamento discriminatório, a ter de lidar com as piores
emergências médicas, são-lhe suprimidos instrumentos
mínimos de trabalho e sua escala recai sobre os piores
horários, além de sua sala ter sido desmontada, para atender
às “modificações institucionais necessárias”.
ESTUDO DE CASO: ASSÉDIO MORAL
A supressão de informações lhe era constante, de forma que
dificilmente conseguia concluir com êxito uma tarefa,
contando, inclusive, com pouco apoio dos colegas de trabalho.
Nos corredores, no dia a dia do trabalho, passa por
constrangimentos e humilhações, ouvindo sarcasmos,
zombarias, sendo exposta a situações vexatórias perante os
pacientes do Hospital, chegando a ouvir frases tais como “lá
vem ela”, “ah, não, essa mulher”, “passa pra Ana esse
atendimento, ela vai adorar resolver esta situação”, “não
falamos com qualquer um(a)”, seja de seu superior, seja dos
demais colegas de trabalho.
ESTUDO DE CASO: ASSÉDIO MORAL
A situação perdura já há 3 anos, e os expedientes visam,
exatamente, a que a servidora se desligue daquele hospital,
ou peça a aposentadoria. Um incidente, claramente
persecutório, fez com que Ana tomasse as medidas
necessárias. Após o desaparecimento de materiais de
enfermagem do almoxarifado, um processo administrativo é
aberto com o seu nome. Não sendo responsável pela área, e
nem utilizando daquele tipo de produto, sendo sua área o
atendimento ao público, Ana se vê encurralada. Sob intensa
pressão, acaba tendo de pedir afastamento profissional, após
um susto de pânico e convulsões, tendo que procurar
atendimento médico-psicológico em função de transtornos e
outros sintomas. Após atendimento, é diagnosticada com
situação de forte tensão e estado avançado de transtornos
psicológicos.
ESTUDO DE CASO: ASSÉDIO MORAL

A situação narrada é de assédio moral


na relação de trabalho;
A partir do caso em estudo, é possível
analisar o grau de violação da
dignidade da pessoa humana?
O que Ana deve fazer?
REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Guilherme de Assis; BITTAR, Eduardo C. B. Curso de Filosofia do Direito. 16ª.
Atlas. 2022
BITTAR, Eduardo C. Introdução ao estudo do direito: Humanismo, democracia e justiça.
Editora Saraiva. 3ª. 2022.
MASCARO, Alysson Leandro. Introdução ao Estudo do Direito. 8ª. Atlas. 2021

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