Você está na página 1de 12

ESAMC/SANTOS

KELLY CRISTINE CANEDO ARAUJO

A APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO ABUSUS NON TOLLIT USUM


RESENHA SOBRE A PESSOA JURÍDICA E A NOVA DESCONSIDERAÇÃO DA
PERSONALIDADE JURÍDICA

TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL - MATUTINO


Prof.: Fabrício Sicchierolli Posocco
Santos - 2021
INTRODUÇÃO
A sociabilidade do ser humano é um fato reconhecido desde os primórdios da
sociedade. Aristóteles, muito antes de Cristo, já lecionava que “[...] o homem é um
ser político e está em sua natureza o viver em sociedade.” (Aristóteles, 1973, IX, 9,
1169 b 18/20). O Direito, assim, enquanto organismo complexo, exposto e
adaptativo, que pulsa a partir das mudanças sociais, acompanhou o
desenvolvimento desses agrupamentos de pessoas, que por vezes passaram a
unir-se por causa de um determinado fim comum. Diante disso, o mesmo conferiu a
essas unidades coletivas o condão de serem participantes da vida jurídica como
sujeitos de direito, concedendo-lhes personalidade jurídica própria, a saber, agora
serão elas chamadas de pessoas jurídicas.
As pessoas jurídicas, destarte, podem constituir-se pelos mais variados
modelos e formas, finalidades e pretensões, havendo, porém, para cada tipo suas
próprias limitações legais para que venham a existir e permanecer ao longo do
tempo. Portanto, será explorado no presente escrito o conceito, a natureza e,
brevemente, quais os tipos de pessoas jurídicas passíveis de atuarem no
ordenamento jurídico brasileiro.
Após, será feita uma explanação de uma questão importantíssima no que
tange à pessoa jurídica: a desconsideração da personalidade jurídica. Tal temática
tem posição de destaque pois trata-se de uma exceção ao princípio da autonomia
patrimonial. Diante disso, é vultoso fazer uma síntese do motivo pelo qual ela existe,
em que casos pode ser aplicada e qual o alcance que ela possui.
Será demonstrado, portanto, que a pessoa jurídica tem uma razão de ser,
qual seja, dar viabilidade à uma atuação coletiva que transcende as possibilidades
individuais, e que tal instituto não pode ser utilizado a qualquer custo. Diante disso,
a desconsideração da personalidade jurídica é nada mais do que uma aplicação do
princípio do Direito abusus non tollit usum: o abuso não tolhe o uso. A pessoa
jurídica é boa em si e tem sua função no meio social não podendo o uso abusivo de
alguns minorá-la em sua realização.

A PESSOA JURÍDICA
Segundo Carlos Roberto Gonçalves, “pessoas jurídicas são entidades a que
a lei confere personalidade, capacitando-as a serem sujeitos de direitos e
obrigações” (GONÇALVES, 2017). Pessoa jurídica, então, é aquele conjunto de
pessoas ou bens destinados a uma finalidade comum que, constituído na forma da
lei, tem sua própria personalidade jurídica. Vale destacar que tal personalidade é
conferida ao grupo e é distinta da de cada um dos seus membros, não se
confundindo com a personalidade individual dos integrantes. As pessoas jurídicas,
assim, atuam na vida social em nome próprio, não importando o indivíduo que
esteja por trás, salvo em casos específicos que serão abordados mais à frente.
Diante disso, antes de dar prosseguimento e entender o caso de exceção a
essa individualização patrimonial, vale lançar uma maior luz ao instituto da pessoa
jurídica em suas variadas facetas.
Quanto à natureza jurídica da pessoa jurídica, há grande discussão
doutrinária. Há teóricos inclusive que negam a existência dessa modalidade de
personalidade (teorias negativistas), não aceitando que uma coletividade possa ser,
por si mesma, sujeito de direitos e obrigações. A grande maioria da doutrina, porém,
entende e estuda esse fenômeno (teorias afirmativistas), dividindo-se em
defensores da teoria da ficção e da teoria da realidade.
A teoria da ficção é aquela que afirma que a pessoa jurídica não teria
existência real, antes, seria uma ficção criada pela lei, para aqueles que defendiam
ficção legal, ou pela intelecção dos juízes, para os defensores da ficção doutrinária.
Esta corrente doutrinária, porém, é problemática pois trata como ficção, por
conseguinte, a existência do próprio Estado como pessoa jurídica, tornando também
ficção todo o Direito. Sendo assim, este pensamento não costuma mais ser
acolhido.
Já a teoria da realidade considera as pessoas jurídicas como indivíduos em
si, com existência clara, não abstrata. Divide-se em teoria da realidade objetiva,
realidade jurídica e realidade técnica. A teoria da realidade objetiva afirma que a
pessoa jurídica existe por imposição da força social, simplesmente pela vontade
colocando o Estado como mero espectador. A da realidade jurídica também dá
ênfase ao aspecto sociológico, mas considera que as pessoas jurídicas não nascem
de uma vontade antes simplesmente a partir da associação para um ideia
socialmente útil.
Por fim, a teoria da realidade técnica afirma que a personificação seria um
atributo de ordem técnica, isto é, produto da técnica jurídica pois se trata de um jeito
encontrado pelo Direito de reconhecer os grupos que se unem para a persecução
de um fim. A personificação, assim, é dada a grupos que tenham vontade e
objetivos próprios, tendo em vista requisitos técnicos. Apesar de ser uma concepção
positivista que carece de critérios materiais, esta foi a teoria adotada pelo Código
Civil de 2002.
As pessoas jurídicas podem ser de Direito Público ou de Direito Privado. São
pessoas jurídicas de Direito Público Interno a União, os Estados, o Distrito Federal,
os Territórios, os Municípios, as autarquias, inclusive as associações públicas e as
demais entidades de caráter público criadas por lei. Já as de Direito Público Externo
são as diversas nações existentes no mundo, bem como organizações
internacionais (ONU, OEA, Unesco, etc.). A existência das pessoas jurídicas de
Direito Público, no entanto, não se dá da mesma forma que as de Direito Privado,
pois elas, em regra, não são regidas pelo Código Civil, e sim pelo próprio direito
público. Podem advir, portanto, da lei, de fatores históricos, da própria Constituição,
dentre outras hipóteses.
Já as de Direito Privado são reguladas pelo Código Civil e tem suas espécies
também lá destacadas: são as associações, as sociedades, as fundações, as
organizações religiosas, os partidos políticos e as empresas individuais de
responsabilidade limitada.
No que tange às espécies do Direito Privado, então, para que elas sejam
formadas, é preciso que sejam conjugados elementos materiais, quais sejam, uma
multiplicidade de pessoas ou bens e uma finalidade certa, além do elemento formal,
a saber, ter ela um ato constitutivo registrado no órgão competente. Carlos Roberto
Gonçalves resume em 4 pontos:

a) “vontade humana criadora”;


b) “elaboração do ato constitutivo”;
c) “registro do ato constitutivo no órgão competente”;
d) “liceidade de seu objetivo.”;

Vejamos cada um deles. A vontade humana criadora é a intenção comum de


duas ou mais pessoas, também chamada de affectio societatis, para a formação de
uma pessoa jurídica. É fato que, para que exista uma pessoa jurídica, salvo em
casos específicos, não há a necessidade de uma autorização administrativa,
bastando que haja a vontade humana nesse sentido. Ocorre, porém, que tal
vontade só é formalizada a partir do ato constitutivo. Esse ato constitutivo varia a
depender da espécie de pessoa jurídica. Para associações, tem-se o estatuto. Para
sociedades empresárias ou simples, tem-se o contrato social. Para fundações, há a
escritura pública ou testamento.
Observados os requisitos legais de validade, poderá este ato constitutivo ser
registrado. É a partir do registro em órgão competente que de fato inicia-se a
personalidade da pessoa jurídica de direito privado, segundo o artigo 45 do Código
de 2002, tendo nele a gênese da sua existência legal. A pessoa jurídica antes deste
registro é comparada ao nascituro: embora concebido, só adquire personalidade ao
nascer com vida. Para a pessoa jurídica, ao ser devidamente registrada.
O registro, assim, além de configurar-se como prova, tem natureza
constitutiva, ensejando também a capacidade jurídica ao ente. Nos casos
específicos em que precisa-se de autorização do governo, o registro só se dá após
a chancela. Adquirida, desse modo, a capacidade jurídica, a mesma tem também
direito à proteção de seus direitos inerentes à personalidade como qualquer pessoa
natural (art. 52).
Por fim, é indispensável a liceidade, licitude, naquilo que se pretende com
essa unidade coletiva. Significa dizer que a pessoa jurídica não pode estruturar-se
tendo seus fins infringindo qualquer norma do Direito, como por exemplo uma
sociedade empresária voltada a venda de órgãos, ou indo de encontro com o que a
legislação estabelece para aquele tipo de pessoa jurídica, como constituir uma
fundação visando o lucro. Além de lícito, tal objetivo deve também ser determinado
e possível.
Ocorre, todavia, que, por vezes, ainda que o objetivo declarado seja lícito, e
todos os requisitos para existência da pessoa jurídica tenham sido preenchidos, o
que ocorre na prática é o exercício de uma ilicitude como meio para outras ilicitudes:
o abuso do direito à autonomia patrimonial para vantagem própria. Diante disso,
vale questionar: seria este risco de abusos suficiente para a abolição da pessoa
jurídica de modo que uma universalidade, seja de bens ou de pessoas, não pudesse
mais ser constituída sem que haja a desconfiança do interesse em cometer ilícitos?
Segundo o princípio do abusus non tollit usum, não. Tal provérbio latino e
regra da lei dizia que não é porque há um potencial risco de ocorrer uma prática
abusiva de algo que aquele algo não deve ser usado pois, por essa máxima, o
abuso não suprime o uso. Além disso, tal princípio era frequentemente empregado
com a expressão “sed confirmat substantiam'', significando juntos que “ o abuso não
tolhe o uso, mas fortalece a substância". Dessa maneira, o abuso de um direito não
faz com que ele deva ser proibido e ainda faz com que ele se torne mais complexo e
se adapte para subsistir. Torna aquele direito ainda mais forte. A desconsideração
da personalidade jurídica, assim, é exatamente uma dessas adaptações.

DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA


Nos termos do artigo 49-A do Código Civil de 2002, “A pessoa jurídica não se
confunde com os seus sócios, associados, instituidores ou administradores”. Sendo
assim, há uma separação entre a pessoa jurídica e a pessoa natural que a compõe
ou instituiu, inclusive patrimonialmente. Dessa máxima, tem-se o princípio da
autonomia patrimonial sob o qual os bens do ente dotado de personalidade jurídica
não se comunicam o das pessoas naturais relacionadas a ele.
O parágrafo único do mesmo artigo sustenta:
“Parágrafo único. A autonomia patrimonial das pessoas jurídicas
é um instrumento lícito de alocação e segregação de riscos, estabelecido
pela lei com a finalidade de estimular empreendimentos, para a
geração de empregos, tributo, renda e inovação em benefício de
todos.” (CC/02)

Tal princípio, portanto, tem uma importância fundamental na dinâmica da


economia do país pois, na ocasião do fracasso de um empreendimento, não tem-se
tão grande prejuízo devido a essa desvinculação do individual, estimulando uma
nova tentativa no mesmo sentido.
Não obstante a citada benesse conferida a essas entidades coletivas
reconhecidas como pessoas pelo Direito, o princípio da autonomia patrimonial
passou a ser utilizado para o cometimento de fraudes, sendo utilizado de forma
abusiva para proteger o patrimônio daqueles que a desvirtuam. Estes valem-se,
dessa maneira, da personalidade da pessoa jurídica como se fosse um véu para
encobrir suas ações vis.
Apesar de detestável, práticas similares a essa começaram a serem
observadas em vários países, surgindo, numa reação a elas, a teoria da
desconsideração da personalidade jurídica. Por essa tese, nas hipóteses de fraude
ou má fé, é permitido a consideração do patrimônio dos membros de uma pessoa
jurídica, ignorando a existência dessa coletividade legal no caso concreto. Sendo
assim, a desconsideração da personalidade jurídica se trata de uma exceção ao
princípio da autonomia patrimonial com o objetivo de sanar um crédito oriundo de
atitudes de um dos sócios que se deram em desconformidade com aquilo que está
previsto em lei.
Vale destacar que essa desconsideração, diferentemente de uma
despersonalização, não tem o condão de invalidar o ato constitutivo e
desconstituí-la. A desconsideração trata-se de uma suspensão apenas da eficácia
do princípio da autonomia do individual ao coletivo (universitas distat a singulis) no
caso concreto, exclusivamente para a satisfação de demandas creditícias.
A teoria da desconsideração da personalidade jurídica teve origem no
chamado sistema “commom law” e o primeiro caso conhecido de sua aplicação foi o
caso Salomon X Salomon Co, na Inglaterra, em 1897. Em síntese, Aaron Salomon
constituiu uma empresa com membros de sua família, seus 5 filhos e sua esposa,
delegando 20.000 ações representativas de sua concessão para si próprio, além da
obrigação garantida de hipoteca (mortgage) por 10.000 libras esterlinas e apenas
uma ação para cada um dos outros membros.
Após isso, a companhia passou a ter dificuldades financeiras e apenas um
ano depois já foi colocada em liquidação. Os bens da entidade, porém, não eram
suficientes para cobrir a dívida, não sobrando nada para os credores não
garantidos, pois o primeiro credor a receber era o próprio Salomon. O liquidante, no
interesse dos outros membros da companhia, sustentou que na verdade a empresa
não passava de um escudo para que Salomon não fosse responsabilizado, pedindo
assim que ele pagasse pessoalmente pelos débitos da empresa e recebesse os
créditos somente após os outros credores. Foi pedido, assim, um afastamento da
personalidade jurídica da empresa. Nesse diapasão, a Corte de Apelação decidiu
por autorizar a desconsideração da pessoa jurídica e, a partir dos bens do Sr.
Salomon, saldar as dívidas com os credores. Na Casa dos Lordes, porém, a ideia foi
desconstruída e prevaleceu a determinação legal.
Não obstante a isso, tal instituto popularizou-se ao redor do globo. A primeira
legislação a tratar dessa temática no Brasil foi o Código de Defesa do Consumidor
de 1990, sendo também abordada, após, pela Lei 9.605/98, a qual disciplina as
atividades lesivas ao meio ambiente. O Código Civil, apesar de não falar claramente
a expressão, fala de tal desconsideração no artigo 50, versando:
Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado
pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a
requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir
no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas
relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de
administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou
indiretamente pelo abuso. (CC/02)

Nesse sentido, a doutrina considera que existem no ordenamento jurídico


brasileiro duas grandes teorias acerca da desconsideração da personalidade
jurídica: a teoria maior, que trata a fraude e o abuso como requisitos necessários
para a exceção à autonomia patrimonial, e a teoria menor, que considera o simples
prejuízo do credor como suficiente para tal, de modo que, sendo o sócio solvente,
pode ser responsabilizado pelas obrigações da pessoa jurídica.
A teoria maior, por sua vez, pode ser objetiva ou subjetiva. Na primeira, basta
que haja confusão patrimonial, a saber, bens do sócio no nome da empresa ou
vice-versa, para que haja a desconsideração, sendo este o pressuposto para a
mesma. Já na segunda, é imprescindível que seja provada a fraude ou o desvio de
finalidade.
Apesar de a teoria maior objetiva facilitar a tutela dos credores lesados, pois,
como afirmam os doutrinadores que a defendem, não há como haver a ilicitude sem
uma confusão patrimonial, sendo ela requisito para a desconsideração, esta não foi
a teoria adotada pelo Código Civil Brasileiro de 2002. Em nosso Código, a confusão
patrimonial é apenas um dos meios para comprovar que aconteceram os requisitos
de fato, quais sejam, a fraude e o abuso de direito. De fato, nem todas as hipóteses
de fraude se dão pela confusão patrimonial.
Para o Código, portanto, a formulação objetiva é como se fosse uma
auxiliadora na produção de provas, pois se demonstrada a confusão patrimonial,
será presumida a fraude, à medida que é aquela um premente indicativo desta. Se
não demonstrada, porém, não pode-se alegar que não há fraude simplesmente por
isso.
Por conseguinte, o Enunciado 146 da II Jornada de Direito Civil do Conselho
Nacional de Justiça reforça: “Nas relações civis, interpretam-se restritivamente os
parâmetros de desconsideração da personalidade jurídica previstos no art. 50”.
Destarte, no Brasil, para que seja concedida a desconsideração da personalidade
jurídica é preciso que haja comprovação de fraude, abuso de direito, desvio de
finalidade ou confusão patrimonial.
A teoria que vige na legislação civil de 2002 é, destarte, a teoria maior. Não
obstante a isso, há a previsão em nosso ordenamento de aplicação da
desconsideração da personalidade jurídica segundo a teoria menor no que tange ao
Direito do Consumidor. O artigo 28, §5º do Código de Defesa do Consumidor afirma
que “Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua
personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos
causados aos consumidores.”. Sendo assim, basta que haja a necessidade de
desconsideração para que os prejuízos sejam sanados, o que se justifica pelo
princípio consumerista do dever geral de confiança. Ademais, a Terceira Turma do
Superior Tribunal de Justiça (STJ) fixou entendimento no REsp 1862557 de que a
teoria menor aplicada não atinge o bem de administradores terceiros que não sejam
sócios da pessoa jurídica.
Quanto ao momento em que a desconsideração da pessoa jurídica pode ser
invocada, o artigo 134 do Código de Processo Civil (CPC) afirma que esse incidente
pode se dar em qualquer fase do processo de conhecimento, no cumprimento de
sentença e na execução fundada em título executivo extrajudicial. Ademais, se a
desconsideração for requerida desde a petição inicial, dispensa-se a instauração do
incidente, hipótese em que será citado o sócio ou a pessoa jurídica (art. 134, §2º,
CPC).
Outrossim, há a possibilidade de ser requerida uma desconsideração inversa,
quando afasta-se a personalidade da pessoa jurídica para atingir a da pessoa
natural. Pode se dar no caso de um sócio que passa seus bens para o nome da
empresa para que seja visto como insolvente e não tenha meios para cumprir com
uma pensão alimentícia, por exemplo. Também no caso da compra de imóveis no
nome da empresa por um cônjuge para que o mesmo não seja dividido numa
eventual partilha de bens.
Como visto, a finalidade da desconsideração da personalidade jurídica é
combater a utilização indevida da autonomia patrimonial o que pode sim, de fato,
ocorrer de forma a esvaziar o patrimônio individual para o cometimento de fraudes.
De todo modo, é abuso do direito à autonomia patrimonial e o §2º do artigo 133,
nesse sentido, positiva que as disposições quanto a desconsideração inversa são
as mesmas que as referentes a desconsideração da personalidade jurídica
propriamente dita.
Com relação a isso, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça sustentou no
REsp 948.117-MS:
“Considerando-se que a finalidade da disregard doctrine é
combater a utilização indevida do ente societário por seus sócios, o que
pode ocorrer também nos casos em que o sócio controlador esvazia o seu
patrimônio pessoal e o integraliza na pessoa jurídica, conclui-se, de uma
interpretação teleológica do art. 50 do CC/02, ser possível a
desconsideração inversa da personalidade jurídica, de modo a atingir bens
da sociedade em razão de dívidas contraídas pelo sócio controlador,
conquanto preenchidos os requisitos previstos na norma” (STJ, REsp
948.117-MS, 3ª T., rel. Min. Nancy Andrighi, DJE, 3-8-2010)

Vale pontuar, por fim, que é possível inclusive, segundo entendimento da 4ª


Turma do Superior Tribunal de Justiça no REsp 1.208.852, que a própria empresa
peça a desconsideração de sua personalidade, em especial a inversa, quando
estiver havendo um distanciamento de sua finalidade original pela conduta de um
dos sócios.

CONCLUSÃO
Destarte, diante do supracitado, resta evidente a importância do instituto da
pessoa jurídica enquanto unidade coletiva que atua como um sujeito de direito e
representa as coletividades que já se dão na vida social, na realidade, de modo
mais prático e dinâmico. A pessoa jurídica pode ser de direito público ou privado,
sendo apenas os últimos regulados pelo código civil. Ademais, ela tem requisitos
definidos para que exista, em especial o registro, sem o qual não inicia a sua
existência.
Ocorre, porém, que mesmo com os todos os requisitos preenchidos, pode
ocorrer de alguns abusarem dos direitos reconhecidos a essa coletividade enquanto
sujeito de direitos e obrigações próprias. Não obstante a isso, pelo princípio do
abusus non tollit usum, o abuso deste instituto por alguns não proíbe o seu uso, e
mais, fortalece a sua existência no Direito visto que este irá se adaptar.
Nesse diapasão foi instituída a hipótese da desconsideração da
personalidade jurídica, na qual, numa exceção ao princípio da autonomia
patrimonial, pode-se atingir os bens do sócio para sanar uma demanda creditícia.
No Código Civil Brasileiro de 2002, foi adotada a teoria maior quanto a
desconsideração, devendo ela ser declarada apenas quando preenchidos os
requisitos legais do artigo 50 do mesmo diploma legal. Por fim, vimos que é também
possível a desconsideração da personalidade jurídica inversa, na qual a
personalidade da empresa é afastada para atingir os bens de uma pessoa natural.
Por fim, pode-se concluir que o instituto da pessoa jurídica de fato foi fortalecido e
hoje o ordenamento tem condições de lidar com abusos e ilegalidades na questão
por causa da estudada desconsideração.

BIBLIOGRAFIA
https://www.culturagenial.com/o-homem-e-um-animal-politico/

Gonçalves, Carlos Roberto Direito civil brasileiro, volume 1 : parte geral / Carlos
Roberto Gonçalves. – 15. ed. – São Paulo : Saraiva, 2017

https://educalingo.com/pt/dic-de/abusus-non-tollit-usum

https://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/10722/Desconsideracao-da-personalidad
e-juridica-contorno-ao-principio-da-autonomia-patrimonial

RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Direito Empresarial


Esquematizado. São Paulo: Método, 2010.

https://celsoaires.jusbrasil.com.br/artigos/444700271/a-desconsideracao-da-persona
lidade-juridica
https://ambitojuridico.com.br/edicoes/revista-91/breve-analise-sobre-a-importancia-d
o-precedente-britanico-salomon-v-salomon-para-o-direito-empresarial/

https://economia.ig.com.br/colunas/defesa-do-consumidor/2020-09-04/a-desconside
racao-da-personalidade-juridica-no-codigo-civil-e-no-cdc.html

https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/25082021-Teoria-
menor-de-desconsideracao-da-personalidade-juridica-prevista-no-CDC-nao-atinge-a
dministrador-nao-socio-da.aspx#:~:text=Prevista%20pelo%20artigo%2028%2C%20
par%C3%A1grafo,%C3%A9%20aplic%C3%A1vel%20ao%20gestor%20que

Você também pode gostar