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SUMÁRIO: Introdução; Capítulo I – A personalidade ; Capítulo II- A pessoa jurídica, 2.1. Conceito,
2.2. A Funcionalidade da Pessoa Jurídica – necessidade e adequação do instituto, 2.3. Natureza
Jurídica, 2.4. Objetivos da Personificação; Capítulo III- A desconsideraçâo da personalidade jurìdica,
3.1. Definição, 3.2. Origem do Instituto, 3.3. Fundamentação, 3.4. Previsão Legal, 3.4.1. O Código de
defesa do Consumidor, 3.4.2. Outras Previsões Legais, 3.4.3. O Novo Código Civil, Conclusões,
referência bibliográficas.
INTRODUÇÃO
A empresa privada, pessoa jurídica que é, constitui-se uma realidade e, como tal, deve ser
protegida. A proteção, entretanto, não se coloca apenas em decorrência das cifras que movimenta ou
dos índices de rendimentos econômicos por si só considerados. Faz-se necessária na medida em que a
empresa, conforme designação moderna e em consenso com o Código Civil de 2002, se torna
instrumento de promoção dos valores sociais e não patrimoniais.
Fábio Ulhoa Coelho (2002: 11) conceitua a pessoa jurídica como o "sujeito de direito
inanimado personalizado", sendo certo que o sujeito de direito tem aptidão para a prática de qualquer
ato, exceto aquele expressamente proibido.
Diz-se que os sócios não respondem pelas obrigações da sociedade, em regra, porque a pessoa
jurídica pode ser manipulada por aqueles que atrás dela se escondem.
Entretanto, verifica-se uma grande distância entre a previsão contida no CDC e a verdadeira
Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica, tal qual desenvolvida por Rolf Serick, ao
defender sua tese de doutorado perante a Universidade de Tübinngen, em 1953.
CAPÍTULO I: A PERSONALIDADE
César Fiuza (1999: 63) assevera ser a personalidade um atributo jurídico. Justifica seu
posicionamento pela circunstância de, no passado, ter existido seres humanos a quem o ordenamento
jurídico não conferia essa qualidade, bem como pelo fato de serem dotados de personalidade entes
não humanos, a quem se designa como pessoas jurídicas.
O Direito brasileiro considera que todos os homens têm aptidão para desempenhar, na
sociedade, um papel jurídico como sujeito de direitos e obrigações. A personalidade, como atributo
jurídico, tem sua medida na capacidade. Os sujeitos de direito precisam de capacidade para ter e
exercer direitos e para contrair obrigações. Entretanto, conforme leciona Alexandre Couto Silva
(1999: 13), para se obter a medida da personalidade, faz-se necessário distinguir capacidade de direito
da capacidade de fato.
Para retromencionado autor (1999: 13), a capacidade de direito tem a mesma significação de
personalidade, confundindo-se com esse conceito na medida em que toda pessoa é capaz de ter
direitos, enquanto a capacidade de fato é a aptidão legal para a prática de certos atos ou para o
exercício de direitos, e nem todos a têm. A capacidade de fato condiciona-se à capacidade de direito,
não sendo concebida sem esta. Porém, a recíproca não é verdadeira, pois, pode-se ter capacidade de
direito sem a capacidade de fato. Ter direito não significa poder exercê-lo. A impossibilidade de
exercício traduz-se tecnicamente por incapacidade.
2.1. Conceito
Conforme ensina José Edwaldo Tavares Borba (2003: 21), o conceito de pessoa jurídica foi
construído à imagem e semelhança do conceito de pessoa física. Ambos são sujeitos de direitos e
obrigações, atuando na ordem jurídica.
César Fiuza (1999: 75), por sua vez, as define como "entidades criadas para a realização de
um fim e reconhecidas pela ordem jurídica como sujeitos de direitos e deveres".
O emérito Rubens Requião (1998: 204), ao colocar o seu conceito de pessoa jurídica, não se
refere em momento algum à reunião e conjugação de esforços para a consecução de certo fim, mas não
poderia deixar de ser destacado. Para o comercialista:
O certo é que a pessoa jurídica é hoje uma instituição, através da qual um agrupamento adquire
personalidade distinta das de seus componentes.
As pessoas jurídicas são hoje, além de uma realidade, uma necessidade. Pode-se dizer que, a
priori, seja a constituição de uma pessoa jurídica uma opção do empresário que poderia, em princípio,
explorar individualmente determinado empreendimento industrial, comercial ou de prestação de
serviços, mas opta por explorar a atividade através de um ente distinto e conjuntamente com outras
pessoas. Esse ente distinto é a pessoa jurídica.
Existem, também, situações em que a criação de uma pessoa jurídica constitui uma necessidade
técnica. Empreendimentos existem que necessitam de vultosos investimentos, bem com da conjugação
do esforço de um sem número de pessoas. Estes empreendimentos seriam inviáveis se não fosse
utilizada a técnica de separação patrimonial, um dos grandes objetivos da criação de uma pessoa
jurídica, conforme se verá.
Outras vezes, a criação de uma pessoa jurídica é uma imposição legal, para que certa atividade
seja explorada. Trata-se de hipóteses em que a lei somente autoriza o exercício de certas atividades às
pessoas jurídicas, devendo as mesmas, geralmente, ser constituídas sob a forma de companhia e
possuírem capital social mínimo. Assim ocorre com as instituições financeiras. Somente pessoas
jurídicas podem explorar, por exemplo, a atividade bancária, por expressa disposição legal.
Não se discute a necessidade da existência da pessoa jurídica. Nos dizeres de Caio Mário da
Silva Pereira (1997: 185),
Ressalte-se, conforme Tavares Borba (2003: 22), que muito embora a sociedade seja dotada de
personalidade jurídica tal como o homem o é, uma distinção fundamental deve estar sempre presente:
enquanto o homem é um fim em si mesmo, a sociedade é um instrumento do homem, ao qual deve
servir. Não de se admitir, entretanto, que a pessoa jurídica sirva ao homem fraudando direitos alheios.
2. 3. Natureza Jurídica
Grandes são os debates travados em torno da natureza da pessoa jurídica. Várias são as teorias
que tentam explicar o instituto. De todas elas, as que merecem melhores cuidados são a Teoria da
Ficção, que considera a pessoa jurídica como uma criação da lei e a Teoria da Realidade das
Instituições Jurídicas, mais aceita no meio jurídico, e que reputa as pessoas jurídicas como
preexistentes à lei, sendo apenas as normas de seu funcionamento traçadas por esta última.
Já pela Teoria da Realidade das Instituições Jurídicas, a personalidade das pessoas jurídicas é
atributo reconhecido pelo Direito, que o defere a certos entes. Trata-se de uma realidade técnica ou
realidade jurídica.
Caio Mário da Silva Pereira (1997: 193/194) apresenta a justificativa para a Teoria da
Realidade das Instituições Jurídicas:
Assim também entende Domingos Afonso Kriger Filho (1995: 79), que afirma ser a
personalidade das pessoas jurídicas um atributo que o Estado defere a certos entes havidos como
merecedores dessa situação. Para tanto, busca o autor a sua fundamentação em Norberto Bobbio, que
traça a distinção entre a função repressiva e função promocional do Direito.
Para Bobbio, segundo afirma Kriger Filho (1995: 79), através da função repressiva, o Estado
busca evitar a adoção de condutas maléficas, coagindo os cidadãos a certos comportamentos por
sancionar a conduta oposta. Pela Segunda, o Estado estimula a prática de certas condutas, premiando-
as, por serem os seus resultados desejáveis ao bem comum.
Marçal Justen Filho (1987: 49), de há muito já havia feito a correspondência entre pessoa
jurídica e a noção de sanção positiva proposta por Noberto Bobbio. Conclui que, sendo a
personificação societária uma sanção positiva prevista pelo ordenamento jurídico, resume-se, na
verdade, a uma técnica de incentivação "pela qual o direito busca conduzir e influenciar a conduta
dos integrantes da comunidade jurídica".
Segundo o entendimento dominante, a atribuição de personalidade jurídica deve ser vista como
um benefício ou, segundo Domingos Afonso Kriger Filho (1995: 79), uma sanção premial, assegurado
pelo direito a quem adotar a conduta desejada.
Para Justen Filho (1987: 50), a atribuição da personalidade jurídica é, em outras palavras, a
atribuição de um regime jurídico peculiarmente benéfico para o exercício associativo da atividade
econômica. Conseqüentemente, seria a conjugação de esforços e recursos para o exercício de uma
certa atividade econômica, juridicamente mais atraente e compensadora, já que a atuação sob a forma
de pessoa jurídica oferece uma série de benefícios ou privilégios, a princípio, que não estão
disponíveis para aqueles que preferem a exploração da mesma atividade econômica de forma
individual.
Tem-se, assim, um regime mais favorável que, segundo Marçal Justen Filho (1987: 50), afasta
as regras jurídicas que seriam aplicáveis caso o exercício da atividade fosse explorada isoladamente.
Esse regime especial atribui às pessoas jurídicas algumas características próprias, as quais
podem ser dessa forma indicadas:
1 – Personalidade própria, não se confundindo com as de seus criadores. Por isso Rubens
Requião (1998: 204) menciona que as pessoas jurídicas possuem nome particular, bem como
domicílio e nacionalidade próprios;
3 – Vida própria, que independe da vida de seus criadores. É óbvio que as pessoas jurídicas
existem porque alguém as criou. Também é natural que a atividade das pessoas jurídicas aconteçam
segundo a vontade de seus sócios. Entretanto, tem-se que o falecimento de um desses não acarreta,
necessariamente, a extinção daquela;
4 – A pessoa jurídica pode exercer todos os atos que não seja privativos das pessoas naturais,
seja por natureza ou por força de lei. Segundo o Professor César Fiúza (1999: 78), as pessoas jurídicas
não podem se casar, visto que, por sua natureza, este ato é privativo das pessoas naturais. Também,
segundo o mesmo autor, não podem ser sócias de sociedade jornalística, por proibição legal.
Domingos Afonso Kriger Filho (1995: 80) considera que o benefício da personificação
societária é dominado por alguns princípios fundamentais que se foram firmando com o tempo, dentre
os quais ressalta:
a)não atribuição à pessoa dos sócios das condutas praticadas pela sociedade;
O foco merecedor de destaque neste trabalho centra-se na distinção de patrimônio dos sócios e
o da sociedade.
Sobre esse ponto é que se assenta toda a discussão em torno da Teoria da Desconsideração da
Personalidade Jurídica.
Ocorre que o Direito não pode aceitar que atos que contra ele atentam sejam protegidos pela
distinção patrimonial. Na existência de um dano, deve o mesmo ser reparado, mesmo que para isso se
desconsidere a personalidade jurídica e, via de conseqüência, a separação patrimonial existente entre a
pessoa jurídica e seus membros, atingindo-se o patrimônio destes últimos.
Não mais é aceitável, portanto, a distinção absoluta entre ao patrimônio de uma sociedade e o
patrimônio daqueles que a compõem. Certamente, como acima mencionado, a separação patrimonial é
um dos objetivos da personificação, se não o seu principal, possibilitando a exploração de determinada
atividade econômica. Entretanto, deve ser vista com certa relatividade, a fim de que não funcione
como legitimador de atos ilícitos, em especial aqueles praticados no propósito de prejudicar credores.
3.1. Definição
Fabio Ulhoa Coelho (1993: 117), ilustre comercialista, entende ser a desconsideração da
personalidade jurídica o não conhecimento, por parte do Poder Judiciário, da autonomia patrimonial da
pessoa jurídica, sempre que ela for utilizada como expediente para a realização de fraude. Para o
jurista, desconhecendo-se a autonomia patrimonial, será possível responsabilizar direta, pessoal e
ilimitadamente o sócio, por obrigação que, originariamente, cabia à sociedade. É a desconsideração,
assim, instrumento de coibição do mau uso da pessoa jurídica, que o pressupõe.
O mesmo Fábio Ulhoa Coelho (1993: 118) salienta que a desconsideração da personalidade
jurídica não atinge a validade do ato constitutivo da sociedade, mas sua eficácia episódica. Uma
sociedade que tenha a sua autonomia patrimonial desconsiderada continua válida, assim como válidos
são todos os demais atos que praticou. A separação patrimonial, com relação aos sócios, é que não
produzirá nenhum efeito na decisão judicial referente àquele ato específico, objeto do pedido de
desconsideração. Apenas suspende-se a eficácia do ato constitutivo, no episódio sobre o qual recai o
julgamento, sem invalidá-lo, preservando-se a empresa, que não será necessariamente atingida.
A aplicação da desconsideração da personalidade jurídica não desfaz o ato constitutivo da
sociedade, não o invalida nem importa a dissolução da mesma. Trata, apenas e rigorosamente, de
suspensão episódica da eficácia desse ato. Quer dizer, a constituição da pessoa jurídica não produz
efeito apenas no caso concreto, permanecendo válida e inteiramente eficaz para todos os outros fins.
Fábio Ulhoa (2002: 42) é expresso em afirmar que, antes da elaboração, sistematização e
difusão da teoria, a repressão às irregularidades e abusos de forma significava, via de regra, a
dissolução da pessoa jurídica. Nesse sentido, verifica-se a função social da desconsideração da
personalidade jurídica posto que, em caso de dissolução da sociedade, estaria imposto o sacrifício da
atividade econômica por ela desenvolvida, o fim de postos de empregos, da geração de riquezas e
tributos, por exemplo. Com a Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica, entretanto,
podem-se coibir as fraudes e os atos abusivos, sem se prejudicar os interesses de trabalhadores,
consumidores, fisco e outros que gravitam em torno da continuidade da empresa.
- a ignorância dos efeitos da personificação, vale dizer, afasta-se o regime normal e comum
previsto para as sociedades personificadas;
- ignorância de tais efeitos para o caso concreto, isto é, reconhece-se válida a constituição da
sociedade e a sua existência, suspendendo-se os efeitos da personificação somente para um
relacionamento específico entre ela e terceiras pessoas ou por algum período determinado de sua
existência;
- manutenção da validade dos atos jurídicos, ou seja, reputam-se válidos os atos praticados, só
que estes são atribuídos a pessoas diversas daquelas a quem seriam imputados;
- intenção de evitar o perecimento de um interesse, onde se leva em conta que a função do
instituto da pessoa jurídica, enquanto abstratamente previsto em lei, não pode ser desvirtuada, no
sentido de sacrificar um interesse tutelado, quando desempenhado no caso concreto em decorrência da
intervenção dos sócios.
No Brasil, Rubens Requião é tido como pioneiro no trato da matéria. Seu trabalho denominado
"Abuso de Direito e Fraude Através da Personalidade Jurídica", publicado em 1969 pela Editora
Revista dos Tribunais, parece ser o primeiro texto nacional a cuidar sistematicamente da matéria.
Em retromencionado estudo, Rubens Requião (1969: 13) remonta-se a dois autores. O primeiro
deles é o Professor Piero Verrucolli, da Universidade de Piza, com o título "Il Superamento della
Personalità Giuridica delle Società di Capitali nella ‘Common Law’ e nella ‘Civil Law’". O segundo,
e mais aplaudido, é o Professor germânico Rolf Serick, autor da obra "Aparência y realidad en las
Sociedades Mercantiles – El Abuso de Derecho por medio de la Persona Jurídica", com o qual
conquistou o título de Privat-Dozent na Universidade de Tübinngen.
Dada a propriedade com que esmiuçou o caso, pede-se vênia para transcrever as palavras de
Alexandre Couto e Silva (1999: 30/31):
A High Court acerditava ser um estratagema de que Aaron se serviu para ter
os lucros de uma atividade econômica sem os riscos e a responsabilidade pelas
dívidas. A sociedade seria um representante (agent) de Aaron Salomon e teria
direito, como todo representante, a obter do representado a soma necessária à
satisfação dos direitos contraídos no interesse do representado.
Suzy Elizabeth C. Koury (1997: 64), por seu turno, contesta ser o caso Salomon v. Salomon &
Co. o verdadeiro leading case da doutrina da desconsideração da personalidade jurídica. Para a autora,
assim como para João Casillo (1979: 25), a primeira manifestação da Teoria da Desconsideração da
personalidade jurídica deu-se na jurisprudência americana, no ano de 1809. Ali, o Juiz Marshall, no
caso Bank of United States v. Deveaux, com a intenção de preservar a jurisdição das cortes federais
sobre as corporations – já que a Constituição Federal Ameriana, no seu artigo 3º, seção 2ª, limita tal
jurisdição às controvérsia entre os cidadãos de diferentes Estados – conheceu da causa, utilizando
como fundamento a nacionalidade dos sócios das empresas, desconsiderando a personalidade jurídica
das mesmas. Assim, desde 1809 tem-se notícia de manifestações judiciais no sentido de levantar o véu
da pessoa jurídica e considerar as características dos sócios individuais.
3.3. Fundamentação
Para Alexandre Couto e Silva (1999: 33), os institutos jurídicos prestam-se à satisfação de
determinadas necessidades do ordenamento jurídico.
Assim também acontece com a pessoa jurídica, a qual é reconhecida com a finalidade de dar
autonomia à convergência de interesses em relação às pessoas que lhe deram origem, juntamente com
a autonomia patrimonial e a limitação de responsabilidade, objetivando-se a consecução de
determinado fim.
Ocorre que o instituto jurídico albergado pelo direito pode ter sua função desviada, ou seja,
pode ser utilizado para fins contrários àqueles para os quais fora criado.
Bem lembra Rubens Requião (1969: 12) que poderá vir a ser a personalidade jurídica usada
como anteparo de fraude, sobretudo para contornar as proibições estatutárias do exercício do
comércio ou outras vedações legais.
Segundo Fábio Ulhoa Coelho (2002: 37), Rubens Requião apresenta a teoria como a
superação do conflito entre as soluções éticas, que questionavam a autonomia patrimonial para
responsabilizar sempre os sócios, e as técnicas, que se apegam inflexivelmente ao primado da
separação subjetiva das sociedades. Para Requião (1969: 12), com a ocorrência do desvio de
finalidade, chegava-se a um dilema: dever-se-ia repugnar a utilização da personalidade jurídica para
fins condenáveis pelo direito ou, por outro lado, considerar a personalidade jurídica como direito
absoluto, não se podendo superar a distinção entre ela e seus integrantes, nem negar a sua autonomia
patrimonial.
Segundo Requião (1969: 13), Rolf Serick, ao iniciar seu trabalho monográfico, destacou:
A jurisprudência há de enfrentar-se continuamente, com casos extremos em que
resulta necessário averiguar quando pode prescindir-se da estrutura formal da
pessoa jurídica para que a decisão penetre em seu próprio substrato e afete
especialmente a seus membros.
O cerne da questão, não obstante, está em determinar sob quais fundamentos e em virtude de
quais princípios dogmáticos pode-se chegar a prescindir ou superar a forma externa da pessoa jurídica
para, através dela, alcançar as pessoas e bens que por trás dela se escondem.
Art. 20. As pessoas jurídicas têm existência distinta da dos seus membros.
Ao que parece, a Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002, que contém o novo Código Civil, na
mesma esteira da legislação revogada mantém a separação patrimonial entre pessoa jurídica e seus
sócios, exatamente por prever, como exceção, a possibilidade de desconsideração da personalidade
jurídica. Assim está posto o artigo 50, do Código Civil em vigor:
Corrobora o entendimento José Edwaldo Tavares Borba (2003: 25) que é expresso ao afirmar
que:
Entretanto, todo instituto jurídico corre o risco de ter sua função desviada, ou seja, utilizada
contrariamente às suas finalidades. Esse desvio de função, nos ensinamentos de suzy Elizabeth
Cavalcante Koury (1997: 67), consiste na falta de correspondência entre o fim perseguido pelas partes
e o conteúdo que, segundo o ordenamento jurídico, é próprio da forma utilizada. Caracterizado o
desvio, não é dado ao ordenamento jurídico abraçar a injustiça.
O desvio de função é considerado, pela maioria dos autores, como o critério básico para operar
a desconsideração da personalidade jurídica, sendo o pressuposto fundamental de seu conceito.
A fraude pode ser tida, nos dizeres de Caio Mário da Silva Pereira (1997: 342) como
O mesmo doutrinador (1997: 342/343) distingue a fraude dos demais defeitos dos negócios
jurídicos. Segundo o autor:
Distingue do erro, em que o agente procede com pleno conhecimento dos fatos:
do dolo, em que, neste, o agente é induzido a engano de que resulta a declaração
de vontade; da coação se distancia pela inexistência de processo de intimidação,
que é o elemento desta; com a simulação não se confunde porque há, em sua
etiologia, o disfarce para o negócio jurídico, que se apresenta caracterizado nos
seus extremos normais. Na fraude, o que estará presente é o propósito de levar aos
credores um prejuízo, em benefício próprio ou alheio, furtando-lhes a garantia
geral que devem encontrar no patrimônio do devedor. Seus requisitos são a má-fé,
ou malícia do devedor, e a intenção de impor um prejuízo a terceiro. Mais
modernamente, e digamos, com mais acuidade científica, não se exige que o devedor
traga a intenção deliberada de causar prejuízo (animus nocendi); basta que tenha a
consciência de produzir o dano. Há, sem dúvida, certa semelhança entre a fraude e
a simulação, porque em ambas o agente procede maliciosamente e do ato pode
resultar (simulação), ou, resultará sempre (fraude) um dano a terceiro. Mas não se
confunde com os dois defeitos, porque pela simulação a declaração de vontade se
disfarça na consecução de um resultado que tenha a aparência de um ato negocial
determinado, enquanto que na fraude o ato é real, a declaração de vontade está na
conformidade do querer íntimo do agente, tendo como efeito um resultado
prejudicial a terceiro.
O abuso de direito, por sua vez, conforme leciona Domingos Afonso Kriger Filho (1995: 83),
caracteriza-se pelo uso anormal das prerrogativas conferidas às pessoas pelo ordenamento jurídico,
objetivando, por dolo ou má-fé, auferir uma vantagem indevida ou ilícita.
Citando Verrucoli, Alexandre Couto (1999: 83) diz ser o abuso de direito o caso mais comum
de aplicação da Teoria da Desconsideração da personalidade jurídica. Para o autor, caracteriza o
abuso de direito a vontade de tirar proveito de uma situação não fraudulentamente criada e que, por
outro lado, permite, no fundo, que se consigam vantagens indevidas.
Rubens Requião (1969: 16), retomando Pedro Batista Martins, conceitua o abuso de direito
como a situação em que o titular de um direito que, entre vários meios de realizá-lo, escolhe
precisamente o que, sendo mais danoso para outrem, não é o mais útil para si, ou mais adequado para
o espírito da instituição. No abuso de direito, para Requião (1969: 16), não existe propriamente trama
contra direito do credor, o que o distinguiria da fraude. O abuso surge do inadequado uso de um
direito, mesmo que seja estranho ao agente o propósito de prejudicar o direito de outrem.
Alexandre Couto Silva (1999: 39) afirma que não se deve confundir o ato fraudulento com a
teoria do ato ilícito ou, ainda, com o abuso de direito. O ato fraudulento consubstancia-se no negócio
jurídico tramado para prejudicar credores, em benefício do declarante ou de terceiros. No abuso, o que
ocorre é um inadequado uso do direito, mesmo que seja estranho ao agente o propósito de prejudicar o
direito de um terceiro.
Caio Mário da Silva Pereira (1997: 429), ao discorrer sobre o tema, assim se expressa:
Não se contesta que a pessoa jurídica exerce uma função legítima, e não
representa, em princípio, nenhum abuso, não obstante a limitação de
responsabilidade que propicia. É preciso, contudo, atentar para a circunstância de
que sua autonomia, em relação às pessoas dos sócios, é relativa, pois
indiretamente, o seu patrimônio a eles pertence, e sua vontade é fortemente
direcionada também pela vontade deles.
Assim é que vários desses autores, dentre eles Domingos Afonso Kriger Filho (1994: 82) e
João Casillo (1979: 35), enumeram como hipóteses de aplicação da Teoria da Desconsideração da
Personalidade Jurídica as previsões contidas no artigo 2º, § 2º, da Consolidação das Leis do Trabalho,
artigos 115, 116 e 177 da Lei Federal 6.404/76, que regula as sociedades anônimas, artigo 34 da Lei
4.595/64, que regula o sistema financeiro, artigo 135 do Código Tributário Nacional, bem como os
dispositivos das Leis 4.137/62 (repressão ao abuso do poder econômico), 4.729/65 (lei de sonegação
fiscal), artigo 10 do anterior decreto 3.708/19 (regulava as sociedades por quotas de responsabilidade
limitada) e Decreto 22.626/33 (lei da usura).
Inversamente, outros tantos, entre os quais Luciano Amaro (1993: 73/74), criticam tal
posicionamento, por entenderem que as disposições acima referidas são soluções dadas pela lei para
evitar que o uso da pessoa jurídica possa servir ao desrespeito de interesses legítimos.
Ocorre que, para aplicação da Teoria da Desconsideração, não basta só a prova do dano.
Necessária também a existência de fraude ou do abuso de direito. Assim leciona o mesmo Alexandre
Couto Silva (1999: 98). Na responsabilização, por outro lado, o sócio não se oculta atrás da
personalidade jurídica. Ele responde por atos próprios, aplicando-se, para a reparação do dano
causado, a norma contida na lei civil (anterior artigo 159, do Código Civil de 1916 e atuais artigos
186 e 927, do Código Civil 2002).
Não obstante todo o exposto, o certo é que o primeiro texto de lei a prever expressamente a
desconsideração da personalidade jurídica foi o Código de Defesa do Consumidor – CDC, Lei 8.078,
de 11 de setembro de 1990.
Em seu capítulo IV, traz uma seção (seção V) que cuida da matéria e que se encontra assim
estruturada:
Seção V
A análise do dispositivo legal acima transcrito, entretanto, demonstra que o mesmo não
guarda, em sua totalidade, coerência com o dispositivo que objetiva disciplinar.
Na realidade, e de acordo com Genacéia da Silva Alberton (1992: 169), nas hipóteses dos
parágrafos 2º, 3º e 4º do artigo 28 do Código de Defesa do Consumidor, não há efetiva
desconsideração, mas consideração das sociedades indicadas, aumentando seu âmbito de
responsabilidade.
A crítica também é adotada por Fábio Ulhoa Coelho, por Luciano Amaro e pelos autores do
anteprojeto do Código de Defesa do Consumidor, quais sejam, Ada Pellegrini Grinover, Antônio
Herman de Vasconcellos e Benjamim, Daniel Roberto Fink, José Geraldo Brito Filomeno, Kazuo
Watanabe, Nelson Nery Júnior e Zelmo Denari (1999: 209), para quem:
Contrapondo-se o caput do artigo 28 da Lei 8.078/90, com o seu § 5º, tem-se a apontar os
seguintes casos de desconsideração previstos: abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato
ou ato ilícito, violação dos estatutos ou contrato social, falência, estado de insolvência, encerramento
ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração e qualquer situação em que a
pessoa jurídica seja obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores.
Suzy Elizabeth Cavalcante Koury (1997: 191) chega a salientar que, embora tenha
representado o artigo 28 do CDC grande avanço, "o legislador desvirtuou a finalidade da aplicação
da teoria da desconsideração da personalidade jurídica já no caput da norma". Sua justificativa está
em que não há que se falar em utilização da Disregard Doctrine em dispositivos que visem a punir
atos de má gestão de administradores de sociedades comerciais, nem tampouco nos casos em que se
busca responsabilizar sócios que exerçam suas atividades com excessos de poderes, infração à lei,
violação de estatutos ou do contrato social, bem como por qualquer outra modalidade de ato ilícito.
No caso de ato ilícito, por exemplo, a vítima que sofre o dano, que deverá
ser reparado por quem o criou: diretamente, a sociedade, ou indiretamente, os
diretores, gerentes ou sócios. A lei estabelece a limitação da responsabilidade
dos sócios da sociedade com o intuito de incentivar investimentos, limitando-se os
riscos das atividades negociais ou dos atos lícitos de comércio. Conforme
Pimentel, ‘no campo da ilicitude, não se pode perder de vista que a sociedade,
pessoa jurídica, não age senão pelos seus sócios, o que facilmente se observa em
matéria penal onde aqueles que a dirigem respondem pelos crimes acaso resultantes
da atividade da empresa’.
Luciano Amaro (1993: 80) considera imprópria a previsão, por não se poder desconsiderar a
pessoa jurídica pelo só fato de sua insolvência pois, se assim fosse, também a insolvência, ou o
encerramento de atividades de empresa bem administrada teria que dar lugar à desconsideração.
Para o autor (1993: 80), não faz sentido que o encerramento de empresa próspera não enseje a
desconsideração, e o encerramento de empresa que, por má administração, não logrou sobreviver, seja
sancionado com a desconsideração. Por esta razão, entende mal posta a hipótese legal, seja pela falta
de nexo entre a qualidade de sua administração e os eventuais prejuízos do consumidor, seja pela falta
de isonomia entre o tratamento dado ao consumidor da empresa encerrada por má administração e o
conferido ao consumidor da empresa que tenha tido a felicidade de ser cliente de uma empresa bem
administrada que encerrou suas atividades.
Falência, insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica, certamente, por sis sós,
não configuram hipóteses de desconsideração da personalidade jurídica. Para Alexandre Silva (1999:
102) as hipóteses previstas na 2ª parte do caput do artigo 28 em comento,
Com a razão está Luciano Amaro (1993: 80). Se o que se objetiva é a proteção do consumidor,
e não tendo a falência, insolvência, encerramento ou inatividade de pessoa jurídica o condão de ensejar
a aplicação da teria da desconsideração se não acompanhadas do caracterizado abuso de direito ou
fraude, melhor seria que o artigo 28 do Código de Defesa do Consumidor não contivesse o adendo em
exame.
Finalmente, passa-se à apreciação do § 5º, do referido artigo 28. Certamente, tal dispositivo
padece de vício que o torna inconciliável com o caput. Infere-se, de sua análise, uma impropriedade
legislativa.
Contrariando Suzy Elizabeth Cavalcante Koury (1997: 195), a qual afirma que, de certa forma,
o § 5º, do artigo 28, "redime os desacertos do caput do dispositivo, consagrando apropriadamente a
teoria da desconsideração", dá-se por correto o entendimento de Luciano Amaro (1993: 81). O
enunciado do parágrafo é tão genérico, abrangente e ilimitado que, aplicado literalmente, dispensaria o
caput do artigo e tornaria inócua a própria construção teórica da desconsideração, implicando
derrogar, independentemente de qualquer abuso de direito ou fraude, a limitação da responsabilidade
dos sócios.
A leitura do dispositivo dá a entender que o mesmo irá acrescentar algo ao caput do artigo.
Entretanto, verifica-se que nada mais faz do que generalizar as hipóteses ali previstas, abarcando-as.
Aqui, repita-se, retornando a Genacéia da Silva Alberton (1992: 171), a mera existência de prejuízo
patrimonial ao consumidor não é suficiente para a desconsideração. Faz-se necessária, para sua
aplicação, a existência do abuso de direito ou fraude.
O conhecimento do inteiro teor do artigo 28 da Lei 8.078/90, bem como das razões do veto
dirigido ao § 1º de referido artigo, permitem afirmar que sequer o § 5º deveria estar em vigor. As
razões do veto demonstram que o mesmo fora dirigido ao § 5º, ora em comento, mas erroneamente
recaiu sobre o indicado § 1º.
Vide as razões do veto apresentado pelo Presidente da República, cujo texto fora extraído do
Código Brasileiro de Defesa do Consumidor, comentado pelos autores do anteprojeto (1999: 208):
De fato, não há coerência alguma entre as razões do veto e a disposição contida no parágrafo
vetado, que se limita a indicar quais administradores deverão ser pessoalmente responsabilizados na
hipótese de desconsiderar a pessoa jurídica. Assim também entendem os já mencionados autores do
anteprojeto do Código de Defesa do Consumidor (1999: 208/209).
Para os autores do anteprojeto (1999: 209), conforme comentários lançados à Lei 8.078, de 11
de setembro de 1990, a vontade era, certamente, a de se vetar a norma contida no mencionado § 5º,
posto que se entendeu que o caput do artigo 28, do CDC, era suficiente para esgotar a matéria que,
como reconhecido, ancora-se, além da fraude, no abuso de direito. O referido § 1º deve ser
considerado. Até mesmo os autores do anteprojeto do Código de Defesa do Consumidor (1999: 209)
recomendam a sua invocação pelas partes interessadas, bem como a respectiva utilização pelo
aplicador da norma, para o deslinde de questões de ilegitimidade passiva.
Até mesmo o ilustrado Professor Adriano Perácio de Paula (1993: 25), árduo defensor do
Código de Defesa do Consumidor, bem como da desconsideração ali prevista, afirma que são sobre os
administradores que recaem os efeitos da desconsideração.
Lei. 8.884/94
Art. 18. A personalidade jurídica do responsável por infração da ordem
econômica poderá ser desconsiderada quando houver da parte deste abuso de direito,
excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos
ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver
falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica
provocados por má administração.
Lei 9.605/98
Art. 4º. Poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua
personalidade for obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados ao meio
ambiente.
Quanto ao primeiro dos dispositivos transcritos, verifica-se que o legislador adotou a mesma
postura do legislador de 90, quando foi aprovado o Código de Defesa do Consumidor. O legislador de
94 praticamente reproduziu, no artigo 18 da lei Antitruste, a redação infeliz do dispositivo equivalente
do Código de defesa do Consumidor, tendo incorrido nos mesmos desacertos. Remete-se, portanto, o
leitor, às considerações feitas acerca da legislação consumerista.
Já no que concerne à lei de proteção ao meio ambiente, não cabe criticar o legislador por
confundir a desconsideração da personalidade jurídica com outros institutos do direito societário. Com
razão, entretanto, Fábio Ulhoa Coelho (2002: 53), para quem não se pode interpretar a norma em tela
em descompasso com os pressupostos da Teoria da Desconsideração. A melhor interpretação é a que
prestigia os fundamentos da Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica, somente se
admitindo a superação do princípio da autonomia patrimonial da sociedade empresária como forma de
coibição de fraudes ou abusos de direito.
Desautorizada seria, no presente trabalho, a omissão ao texto do Novo Código Civil (Lei
10.406, de 10 de janeiro de 2002), que substituiu a lei de 1916 e que tanto rebuliço tem despertado na
comunidade jurídica.
Art. 49. A pessoa jurídica não pode ser desviada dos fins que determinaram a
sua constituição, para servir de instrumento ou cobertura à prática de atos
ilícitos, ou abusivos, caso em que caberá ao juiz, a requerimento do lesado ou do
Ministério Público, decretar-lhe a dissolução.
Segundo o mesmo Lamartine Corrêa (1979: 556), várias críticas surgiram, especialmente no
tocante à excessiva sanção prevista em tal dispositivo, que somente referia-se à dissolução da
sociedade, afastando por completo os pilares da Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica.
O Anteprojeto posterior manteve, em seu artigo 48, o parágrafo único acima transcrito, mas
deu nova redação ao caput:
Art. 48. A pessoa jurídica não pode ser desviada dos fins estabelecidos no
ato constitutivo, para servir de instrumento ou cobertura à prática de atos
ilícitos, ou abusivos, caso em que poderá o juiz, a requerimento de qualquer dos
sócios ou do Ministério Público, decretar a exclusão do sócio responsável, ou,
tais sejam as circunstâncias, a dissolução da entidade.
O novo texto passou a prever uma forma de responsabilização do sócio responsável, mas
manteve a hipótese de dissolução, que de maneira alguma coaduna-se com os ditames da originária
Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica. Além do mais, tirou a legitimidade do maior
interessado em requerer a desconsideração da personalidade da pessoa jurídica, ou seja, o seu credor.
Art. 50. A pessoa jurídica não pode ser desviada dos fins estabelecidos no
ato constitutivo, para servir de instrumento ou cobertura à prática de atos
ilícitos, ou abusivos, caso em que poderá o juiz, a requerimento de qualquer dos
sócios ou do Ministério Público, decretar a exclusão do sócio responsável, ou,
tais sejam as circunstâncias, a dissolução da entidade.
Certamente, desconsiderar a personalidade jurídica não é a mesma coisa que excluir um sócio
ou dissolver a sociedade. É, sim, afastar os efeitos da personificação, a fim de atingir o patrimônio
particular dos sócios, mantendo-se a personificação para todos os seus demais fins. Apenas no caso
concreto, verificada a existência de fraude ou abuso de direito, a personificação não produziria seus
efeitos.
O próprio Professor Rubens Requião, segundo menciona J. Lamartine Corrêa (1979: 557), tido
como autor da sugestão de inclusão da matéria no anteprojeto, não economizou críticas ao tratamento
que vinha sendo dado à questão. Para o ilustre professor paranaense, não se deveria conferir
legitimidade ao Ministério Público, posto ser a questão somente de interesse privado. Ademais,
salientou que a doutrina da desconsideração deveria ser acolhida em sua pureza, não se tratando de
dissolução de sociedade, mas de deixar de levar em conta, no caso concreto a sua autonomia
patrimonial.
Rubens Requião, segundo Lamartine Corrêa (1979: 557) chegou a apresentar a sua proposta,
que não fora acolhida pelo equívoco de indicar, como legitimado a requerer a desconsideração, o
credor do sócio, e não o credor da sociedade que, sem sombra de dúvidas, é o maior interessado.
Com razão, em parte, Rubens Requião. Conforme Suzy Elizabeth Cavalcante Koury (1997:
144), verifica-se não se poder falar em consagração normativa da Disregard Doctrine, no artigo em
questão. Para Alexandre Couto Silva (1999: 89), deve-se ter em mente que os autores do projeto do
Código Civil ou não se inteiraram totalmente da matéria, ou resolveram inovar ao redigir o dispositivo
com a finalidade de incorporar a Teoria da Desconsideração no projeto.
O Código Civil em vigor (Lei Federal 10.406, de 10 de janeiro de 2002), entretanto, muito
embora não faça expressa referência à desconsideração da personalidade jurídica, a prevê nos
seguintes termos:
Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo
desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a
requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no
processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam
estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.
Ao que parece, cuidou o legislador de adequar a disposição de lei aos ditames da Teoria da
Desconsideração da Personalidade jurídica. Mais uma vez, afirma-se que a norma não poderá ser
interpretada afastada dos princípios fundantes da Teoria da Desconsideração, devendo ser utilizada
para a coibição de fraudes ou abusos de direito.
CONCLUSÕES
É certo que, muitas vezes, o instituto da pessoa jurídica, criado pelo direito com o objetivo de
favorecer a exploração de atividades econômicas, é utilizado com a intenção de prejudicar interesses
alheios, obtendo-se uma vantagem ilícita ou indevida.
O desvio de função da pessoa jurídica, caracterizado pelo seu mau uso, seja através do abuso
de direito, seja através da fraude, não pode ser acolhido pelo ordenamento jurídico, sob o argumento
de que deve prevalecer a distinção da personalidade da pessoa jurídica daquelas dos que a integram. A
personalidade jurídica não é absoluta, tal qual prevista no artigo 20 do anterior Código Civil
Brasileiro. Havendo o desvio de função da pessoa jurídica, deve a sua personalidade ser
desconsiderada, sob pena de se dar guarida à injustiça.
O § 5º do dispositivo, embora traga um conceito aberto que torne ampla por demais a
incidência da Teoria da Desconsideração, sequer deveria estar vigindo. Erroneamente, fora vetado o §
1º em seu lugar. As razões do veto dão conta disso.
Outros dispositivos de lei tratam expressamente sobre o tema. Assim ocorre que a Lei Atitruste
(Lei Federal 8.884/94) e a lei que dispõe sobre a responsabilidade por danos causados ao meio
ambiente (Lei Federal 9.605/98). Verifica-se, entretanto, que referidos diplomas legais não
reproduzem, com fidelidade, a Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica.
Por fim, conclui-se que o Novo Código Civil não trata adequadamente a matéria, sendo o texto
altamente divorciado da centenária Teoria da Desconsideração. As sanções ali inseridas, bem como a
legitimidade prevista, não refletem o pensamento da Disregard Doctrine.
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Sobre o autor
Juliano Junqueira de Faria
E-mail: Entre em contato
Sobre o texto:
Texto inserido no Jus Navigandi nº199 (21.1.2004)
Elaborado em 10.2003.
Informações bibliográficas:
Conforme a NBR 6023:2000 da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto científico publicado em periódico eletrônico deve
ser citado da seguinte forma:
FARIA, Juliano Junqueira de. A teoria da desconsideração da personalidade jurídica e a sua previsão no
ordenamento jurídico brasileiro . Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 199, 21 jan. 2004. Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4768>. Acesso em: 08 abr. 2010.