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ESTUDOS

INTERDISCIPLINARES
O Direito visto pelos acadêmicos

ORG.
ELIANA FREIRE DO NASCIMENTO
A L E X A N D R E B E N T O BERNARDES ALBUQUERQUE
FRANCISCO ROBERT BANDEIRA GOMES DA SILVA
Org.
Eliana Freire do Nascimento
Alexandre Bento Bernardes Albuquerque
Francisco Robert Bandeira Gomes da Silva

Estudos interdisciplinares
O Direito visto pelos acadêmicos

Dinâmica Juridica
2020
Comitê Científico

Alessander Mendes do Nascimento; Alexandre Bento Bernardes de Albuquerque; Cesar Augusto de


Oliveira Gomes; Chrystianne Moura Santos Fonsêca; Eliana Freire do Nascimento; Fabíola Freire de
Albuquerque; Francisco Robert Bandeira Gomes da Silva; Gerlanne Luiza Santos de Melo; Ivonaldo da
Silva Mesquita; Jhon Kennedy Teixeira Lisbino; Marconi dos Santos Fonseca; Samara de Oliveira Cunha.

Estudos interdisciplinares: o Direito visto pelos acadêmicos


Alexandre Bento Rodrigues de Albuquerque
Eliana Freire do Nascimento
Francisco Robert Bandeira Gomes da Silva

Revisão
Francisco Robert Bandeira da Silva

Editoração
Eliana Freire do Nascimento

Diagramação
Eliana Freire do Nascimento

Capa
www.canva.com

Ficha Catalográfica elaborada de acordo com os padrões estabelecidos no Código de Catalogação Anglo-
Americano (AACR2)
Sumário
APRESENTAÇÃO ...................................................................................................................................................... 5
O ROMPIMENTO DE BARRAGENS DE REJEITOS QUÍMICOS E O CRIME COMETIDO PELA
PESSOA JURÍDICA ................................................................................................................................................... 6
MEDIAÇÃO: estudo comparado entre origens e procedimentos adotados no Brasil e Estados Unidos da
América ......................................................................................................................................................................... 17
PENALIDADES APLICADAS AOS PSICOPATAS CRIMINOSOS NO CÓDIGO PENAL
BRASILEIRO ............................................................................................................................................................. 30
UTILIZAÇÃO DE CONTRATOS DE CONCESSÕES COMO ALTERNATIVA PARA
PRESTAÇÕES DE SERVIÇOS PÚBLICOS EM MEIO À CRISE FISCAL ............................................... 49
A LIMITAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS .................................................................................... 60
TRÁFICO HUMANO DE BEBÊS PARA FINS SEXUAIS ............................................................................ 75
A LEGALIDADE DO INVENTÁRIO EXTRAJUDICIAL DIANTE DA SUCESSÃO
TESTAMENTÁRIA: À luz do artigo 610 do Código de Processo Civil .......................................................... 88
FISHING EXPEDITION – A PESCA PREDATÓRIA DE PROVAS NO PROCESSO PENAL ...... 105
A APLICABILIDADE NO BRASIL DA DESJUDICIALIZAÇÃO DAS EXECUÇÕES POR
TÍTULOS EXTRAJUDICIAIS: uma possível forma de abrandar a crise judiciária ..................................... 122
A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER E A INEFICÁCIA DO ESTADO NA
APLICAÇÃO DA LEI MARIA DA PENHA .................................................................................................... 137
A MEDIAÇÃO E OS CONFLITOS FAMILIARES: análise da aplicação das técnicas do processo de
mediação na relação entre pais e filhos no cotidiano familiar ............................................................................ 156
O CONTRATO DE TRABALHO INTERMITENTE ................................................................................... 172
A UTILIZAÇÃO DO BANCO DE DADOS DOS PERFIS GENÉTICOS PARA FINS DE
IDENTIFICAÇÃO CRIMINAL DETERMINADA PELO JUIZ E SUA CONSTITUCIONALIDADE
FRENTE AO PRINCÍPIO DA NÃO AUTOINCRIMINAÇÃO ................................................................. 187
O ENFRENTAMENTO DA VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER NO PIAUÍ:
OPERACIONALIZAÇÃO E ESTRATÉGIAS DO ESTADO FRENTE AO FEMINICÍDIO ........... 219
AS PENAS ALTERNATIVAS COMO SOLUÇÃO À CRISE DO SISTEMA CARCERÁRIO
BRASILEIRO ........................................................................................................................................................... 237
RECONHECIMENTO DE PATERNIDADE POST MORTEM ............................................................... 251
A QUESTÃO DA SEMI-IMPUTABILIDADE COM OS TRANSTORNOS ........................................... 267
A APLICABILIDADE DA MEDIAÇÃO NOS CONFLITOS DO DIREITO DE FAMÍLIA ............. 280
A PARCERIA PÚBLICO-PRIVADA COMO INSTRUMENTO PARA IMPLEMENTAÇÃO E
CONCRETIZAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS ......................................................................................... 300
PRISÃO CIVIL POR DEVEDOR DE ALIMENTOS .................................................................................... 310
EFICIÊNCIA DO CONSELHO ADMINISTRATIVO DE RECURSOS FISCAIS (CARF) NO
TRATAMENTO DO CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO FISCAL FEDERAL ............................. 324
A MEDIAÇÃO DE CONFLITOS COMO INSTRUMENTO RESOLUTIVO EM CASOS DE
ALIENAÇÃO PARENTAL .................................................................................................................................. 343
PRINCIPIO IN DÚBIO PRO SOCIETATE NA DECISÃO DE PRONUNCIA NO JÚRI EM RAZÃO
DO PRINCIPIO CONSTITUCIONAL DA PRESUNÇÃO DE INOCENCIA ....................................... 356
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APRESENTAÇÃO

Esta coletânea de artigos contempla a publicação de resultados dos trabalhos de conclusão


do curso de bacharelado em Direito. Os trabalhos foram submetidos à avaliação do comitê editorial
passando pelo crivo de especialistas da area que consideraram relevantes para o fomento da
pesquisa. Os autores destes artigos, declarando sua autoralidade, expuseram seus entendimentos
sobre os temas estudados ao longo da vida acadêmica, demonstrando a maturidade necessária para
estar agora eternizada nesta obra.
Ao todo foram 23 artigos que trouxeram reflexões sobre vários temas relevantes para a
ciência do Direito. São textos de pesquisadores iniciantes o que permitiu realizar uma análise
condizente com a maturidade de cada um dos autores. A sistematização e organização desta obra
fundou-se no debate recorrente sobre o tripé indissociável sobre o ensino, a pesquisa e a extensão
que perpassam pela construção de sentido e significado da prática docente e discente.
A produção e publicação deste livro é a concretização de uma práxis: do ensinado ao
pesquisado e publicado como resultado de um esforço acadêmico importante para todos e cada
que nesse momento está tendo a experiência de seu primeiro artigo científico publicado.
A busca pelo sentido e significado da pesquisa dentro da academia deve ser no sentido de
levar os estudantes a entenderem que a produção do conhecimento que eles constroem com o que
vivenciaram, aprenderam pode ajudar outras pessoas a também realizar estudos e levar à sociedade
o que há de melhor produzido dentro das instituições de ensino: o conhecimento.
Este trabalho foi produzido com muita garra por noossos alunos e que este seja o primeiro
de muitos estudos ao longo de suas vidas profissionais. Assim, entregarmos este e-book à sociedade
mundial. A ciência do Direito agradece!

Eliana Freire
Alexandre Bento
Robert Bandeira
Novembro / 2020
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O ROMPIMENTO DE BARRAGENS DE REJEITOS QUÍMICOS E O


CRIME COMETIDO PELA PESSOA JURÍDICA

Adryelle Ravena da Silva Pilar1

1 INTRODUÇÃO

O presente artigo científico trata sobre os diversos rompimentos de barragens de rejeitos


químicos ocorridos no Brasil e a responsabilização penal da pessoa jurídica que comete tal delito.
Para tal fim, analisou-se as garantias constitucionais, o direito ao meio ambiente equilibrado
garantido na Constituição Federal Brasileira e a legislação específica.
Fez-se necessário um estudo detalhado de cada um dos principais institutos da
problemática, incluindo lei específica e sua aplicação, doutrina e jurisprudência, observando os seus
aspectos mais relevantes, conceitos e requisitos, além dos impactos ambientais quando da
ocorrência desses rompimentos.
Para tanto, procurou-se investigar a utilização da Lei de Crimes Ambientais nas Denúncias
já oferecidas em casos de rompimento de barragens e, sua eficácia para prevenção e repressão
dessas condutas criminosas que trazem graves consequências ao meio ambiente.
Analisando-se lei específica e as garantias constitucionais pretendeu-se demonstrar a
importância da tutela do Estado em relação ao meio ambiente, especificamente o descaso de
grandes empresas exploradoras de minérios.
O estudo dos rompimentos de barragens, como também suas consequências mostram-se
essenciais, visto que o território brasileiro possui rica fauna e flora, ecossistemas, além de espécies,
incluindo as exclusivas desta Nação.
O presente trabalho tem por objetivo demonstrar a importância do equilíbrio ambiental,
como também a necessidade de lei específica e suficiente para reprimir os crimes cometidos por
pessoas jurídicas que exploram os recursos naturais existentes no ecossistema brasileiro.

1 Aluna do Curso Bacharelado em Direito da Faculdade Estácio de Teresina, e-mail: adriele2914@hotmail.com.


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Por conseguinte, o presente trabalho aborda a Lei n° 9.605/98 e sua aplicação nos casos de
crimes ambientais cometidos por pessoas jurídicas e físicas que constroem e mantém barragens de
rejeitos. Analisou-se ainda os casos de rompimentos já ocorridos no Brasil, suas possíveis causas e
graves consequências para o ecossistema das regiões atingidas.
Para a sustentação deste artigo científico, abordou-se legislação específica, assim como
doutrinadores da área, jurisprudências e denúncias já oferecidas nesses casos. Utilizou-se para tanto,
a metodologia bibliográfica explicativa e descritiva, para abordagem do tema ora estudado.

2 DESENVOLVIMENTO

2.1 A Lei n° 9.605/98 (Lei de Crimes Ambientais):

Um ambiente equilibrado é essencial para a manutenção da vida humana. Visto isso, o


direito brasileiro, em sua Carta Magna, garante o equilíbrio ambiental, disposto no Art. 225, caput,
da Constituição Federal Brasileira, sendo garantido um ambiente sadio com uma extensão ao direito
à vida, garantido ainda a qualidade de vida.
Nesse sentido, a Constituição Federal também impôs ao poder público e à coletividade o
dever de defender e preservar o meio ambiente, garantindo o ambiente sadio para as presentes e
futuras gerações, dever este garantido no Art. 225, da CF/88.
Tal previsão constitucional, mostra-se essencial, visto que o Brasil possui território vasto,
com rica fauna e flora, ecossistemas, além de espécies, incluindo as exclusivas desta Nação.
Considerando a imensidão de recursos naturais exploráveis, várias instituições, incluindo
pessoas físicas e jurídicas exploram tais recursos, como é o caso das empresas mineradoras, que
utilizam os bens naturais e, para isso, constroem barragens que devem conter os rejeitos produzidos
na extração dos minérios.
Seguindo o disposto na Constituição Federal Brasileira, foi criada a Lei n° 9.605/98,
conhecida popularmente como a Lei de Crimes Ambientais, que dispõe sobre as garantias
constitucionais, a possibilidade de responsabilização penal das pessoas jurídicas, além da tipificação
dos crimes especificamente cometidos contra o meio ambiente, incluindo a fauna e flora.
Importante destacar que a Lei n° 9.605/98, em seu Art. 3°, dispõe sobre a possibilidade de
pessoa jurídica cometer crime ambiental e ser penalizada na forma da lei, em específico aos crimes
ambientais, incluindo tal possibilidade ao representante legal ou contratual, ou de seu órgão
colegiado, como segue:
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Art. 3º As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente


conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de
seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício
da sua entidade. (BRASIL, 2019, n.p, Lei de Crimes Ambientais de 1998).

Nesse sentido, há diversos entendimentos jurisprudenciais que corroboram a penalização


de crime ambiental por parte de pessoa jurídica, conforme constata-se em decisão proferida pelo
Superior Tribunal de Justiça, julgada aos 17 de novembro de 2005.

CRIMINAL. RESP. CRIME AMBIENTAL PRATICADO POR PESSOA JURÍDICA.


RESPONSABILIZAÇÃO PENAL DO ENTE COLETIVO. POSSIBILIDADE.
PREVISÃO CONSTITUCIONAL REGULAMENTADA POR LEI FEDERAL.
OPÇÃO POLÍTICA DO LEGISLADOR. FORMA DE PREVENÇÃO DE DANOS
AO MEIO-AMBIENTE. CAPACIDADE DE AÇÃO. EXISTÊNCIA JURÍDICA.
ATUAÇÃO DOS ADMINISTRADORES EM NOME EPROVEITO DA PESSOA
JURÍDICA. CULPABILIDADE COMO RESPONSABILIDADE SOCIAL. CO-
RESPONSABILIDADE. PENAS ADAPTADAS À NATUREZA JURÍDICA DO
ENTE COLETIVO. ACUSAÇÃO ISOLADA DO ENTE COLETIVO.
IMPOSSIBILIDADE. ATUAÇÃO DOS ADMINISTRADORES EM NOME E
PROVEITO DA PESSOA JURÍDICA. DEMONSTRAÇÃO NECESSÁRIA.
DENÚNCIA INEPTA. RECURSO DESPROVIDO.

2.2 O Artigo 54 da Lei de Crimes Ambientais (Lei n° 9.605/98)

A Lei de Crimes Ambientais traz em sua seção III o Art. 54, que tipifica o crime de poluição,
determinando que o autor que causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou
possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a
destruição significativa da flora cometerá crime, podendo inclusive o autor ser pessoa jurídica.
Observa-se que o Art. 54, §2°, V, especifica e qualifica o crime de causar poluição por
lançamento de resíduos sólidos, líquidos ou gasosos, ou detritos, óleos ou substâncias oleosas, em
desacordo com as exigências estabelecidas em lei, estipulando pena maior do que a determinada no
caput deste artigo.
Tal artigo visa tipificar e penalizar as pessoas físicas ou jurídicas que cometem ações
causadoras de graves danos ao meio ambiente e à saúde humana, através do lançamento de resíduos
sólidos, como é observado em diversas indústrias.
Além disso, a pena tipificada no referido artigo determina reclusão, de um a quatro anos, e
multa, na forma do caput, de detenção, de seis meses a um ano, e multa, se o crime e culposo e por
fim, reclusão, de um a cinco anos, na forma qualificada.
Fato é a extrema necessidade desta tipificação e sua efetiva aplicação, considerando a
necessidade de manter-se o meio ambiente equilibrado e saudável. Ressalta-se que proteger o meio
9

ambiente é de fato proteger a população que carece de ar respirável, água potável, alimento
adequado e local seguro à mínima subsistência.

2.3 Os Desmoronamentos de Barragens de Rejeitos Ocorridos no Brasil e suas


consequências

É de conhecimento internacional que o Brasil possui rica fauna e flora, inclusive com
espécies exclusivas deste território. Nesse sentido, também há vastidão de matérias-primas diversas
que são exploradas por empresas que por muitas vezes não realizam a compensação estipulada em
lei específica e, além disso, despejam material tóxico no meio ambiente, causando a mortandade de
animais, destruição da flora e danos à saúde dos seres vivos que utilizam os recursos naturais para
manutenção da vida.
Na obra O Direito Ao Meio Ambiente Ecologicamente Equilibrado, os organizadores
Ronilson José da Paz, Cícero de Sousa Lacerda, Talden Farias, Reinaldo Farias Paiva de Lucena e
Vital José Pessoa Madruga Filho, dispõe sobre a exploração desenfreada dos recursos naturais,
principalmente nos territórios de vasta diversidade ambiental, como é o caso do Brasil, a seguir:

[...]Sem querer aqui desenvolver a análise das causas económicas e políticas desta
“maldição”, interessa sobretudo, no contexto desta reflexão ressaltar, por um lado, que a
exploração gananciosa e desregrada de recursos naturais acarreta prejuízos imediatos para
as populações circundantes das infraestruturas de extracção e processamento (pedreiras;
minas; furos; fábricas) — susceptíveis de implicar reassentamentos e alteração total do
modus vivendi, ou degradação do ambiente e risco para as condições de saúde (embora
possa também criar algum emprego e estimular a economia local, ainda que
temporariamente) — e, por outro lado, que o lucro adveniente dessas explorações é muitas
vezes mal distribuído, tanto no plano local como no nacional. A danos sociais/pessoais
acrescem danos ambientais em sentido estrito, por ausência de cuidado nas explorações e
afectação irreversível de recursos envolventes.(PAZ, R. J.; LACERDA, C.S.; FARIAS, T.;
LUCENA, R. F. P.; FILHO, V. J. P. M. O Direito ao Meio Ambiente Ecologicamente
Equilibrado. IESP. 2018. Fls. 02, Cap. I).

Segundo a Agência Nacional de Mineração, autarquia federal responsável pela gestão da


atividade de mineração e dos recursos minerais brasileiros, o Brasil possui 717 (setecentos e
dezessete) barragens de rejeitos registradas, localizadas principalmente nos estados do Pará e Minas
Gerais.
Costumeiramente as supracitadas barragens são construídas para conter os resíduos
químicos produzidos em minerações, e a depender da técnica utilizada para a construção podem
ficar instáveis e consequentemente pode ocorrer o rompimento da contenção, causando prejuízos
irreparáveis ao ecossistema local e as pessoas que moram nas proximidades.
10

Além de o ecossistema local ser atingido, quando ocorre o rompimento, indiretamente


diversos outros locais são atingidos, visto a grande presença de poeira no ar e a contaminação
pluvial, que pode inclusive deixar animais e a população sem água potável para consumir.
Noticiam-se na história, diversos rompimentos de barragens ocorridos no Brasil, um fato
a se ressaltar ocorreu em 2001, quando foram constatados seis desastres no estado de Minas Gerais,
totalizando a morte de cinco pessoas e graves danos ambientais.
Já em 2003 ocorreu outro rompimento, quando foram lançados rejeitos industriais da
barragem de Cataguases no rio Paraíba do Sul, estado de Minas Gerais, que deixou diversas pessoas
sem fornecimento de água e provocou o desequilíbrio ambiental na região.
A situação repetiu-se no ano de 2007, quando a barragem com rejeitos de mineração da
mineradora do rio Pomba Cataguases rompeu e dispersou resíduos nas cidades próximas, deixando
cerca de quatro mil pessoas desabrigadas e mais uma vez trouxe imensuráveis danos ao meio
ambiente.
No ano de 2019 foi registrado um dos maiores desastres ambientais do Brasil, quando
ocorreu o rompimento da barragem de rejeitos da Mina do Córrego do Feijão, localizada em
Brumadinho-MG, que causou danos incalculáveis na fauna e flora, além do óbito de diversas
pessoas que totalizam cento e vinte uma até o presente momento, ainda existindo pessoas
desaparecidas.
No momento do rompimento, uma onda gigante de resíduos químicos vazou da barragem
e como uma avalanche levou consigo toda a flora local, causou a mortandade de animais e pessoas,
destruiu a comunidade da região, contaminou o ar e água, além de despejar rejeitos em um rio que
passava por outros estados, trazendo prejuízos para a região atingida e demais localidades.
Constata-se que até os dias atuais, procuram-se corpos das vítimas desse rompimento, além
do dano ambiental ocorrido no ecossistema local, que luta para adaptar-se às novas condições
desfavoráveis criadas após o incidente.
Pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro, no estudo Incidentes e Acidentes
em Barragens, expõem diversos fatores que podem causar tantos rompimentos das barragens de
rejeitos químicos, tais como as legislações negligentes, solos instáveis e a falta de planejamento
quando da construção e manutenção de tais estruturas, ressaltando a diferença entre acidente e
incidente, cita-se:

Tem-se de suma importância a necessidade de ressaltar a linha tênue que divide os fatores
incidente e acidente. No caso de um incidente, entende-se um episódio imprevisto que
altera o desenrolar dos acontecimentos, mas sem consequências desastrosas, enquanto que
acidente se refere a um desastre, a um acontecimento inesperado e desagradável, com
consequências graves e lamentáveis. Podemos resumir pelo entendimento de que um
incidente seria o causador primário de um acidente. MACHADO, 2018, n.p.).
11

Além disso, esse mesmo estudo dispõe sobre o método de construção de barragens de
rejeitos, de forma adequada, para que se evite o rompimento das barragens, como segue:

O método de alteamento à jusante consiste na instalação de um núcleo impermeável e


zonas de drenagem que permitem que esse tipo de barramento contenha um volume
substancial de água diretamente em contato com o seu talude à montante, sem que haja
comprometimento da estabilidade da estrutura. Inicialmente é construído um dique de
partida com aterro compactado ou enrocamento, os rejeitos são depositados à montante
desse dique. À medida que a borda livre é atingida, são feitos alteamentos sucessivos para
jusante. No método de alteamento por linha de centro, é construído um dique de partida,
a fim de formar uma praia de rejeitos à montante. Os rejeitos são lançados a partir da crista
do dique inicial e quando os alteamentos se tornam necessários, novos diques são
construídos, tanto sobre os rejeitos dispostos à montante quanto sobre o aterro do dique
anterior, de forma que o eixo de simetria se mantém. MACHADO, 2018, n.p.).

Constata-se que apesar de aplicabilidade insuficiente, a Agência Nacional de Mineração


mantém a Política Nacional de Segurança de Barragens, que determina e regulamenta a forma
correta da construção, manutenção e desativação das barragens que contêm rejeitos químicos.
Apesar de existir regulamentação, como observa-se na história brasileira, as empresas não
seguem as normas de segurança e com a falta de fiscalização eficiente ocorrem os rompimentos de
forma recorrente, sendo mais grave, por concentrar em dois estados, quais sejam, o estado do Pará
e Minas Gerais, que abrigam a maior parte das barragens de rejeitos.
Ressalta-se que o rompimento da barragem de Brumadinho-MG modificou diversos
aspectos da vida nas localidades atingidas, causando catastrófico impacto social, econômico e
ambiental de natureza irreparável.
Percebe-se que a região atingida pelos resíduos químicos é de difícil recuperação,
considerando os graves danos ambientais causados, que levarão décadas ou até mesmo séculos,
considerando tratar-se de substâncias químicas que desiquilibram o meio ambiente.
Para que se evite os rompimentos das barragens é necessária aplicação do direito penal
preventivo, regulamentação de normas de segurança, efetiva fiscalização e reparação dos danos
por parte das empresas responsáveis pela manutenção das barragens.

2.4 O Crime Cometido pela Pessoa Física ou Jurídica que mantem Barragem de Rejeitos
que Rompe.

Em face da grande exploração dos recursos naturais brasileiros e a ocorrência dos vários
incidentes no decorrer da história, como também das consequências catastróficas desses
rompimentos, fez-se necessário que o Ordenamento Jurídico Brasileiro atuasse administrativa, civil
e penalmente.
12

Insta ressaltar que no caso do rompimento ocorrido no vale do Rio Doce, observa-se o
oferecimento de Denúncia pelo Ministério Público Federal na Força Tarefa do Rio Doce, nos autos
do Inquérito Policial n° 1843/2015 SRPM/MG, onde pessoas jurídicas foram denunciadas pelo
crime de poluição, tipificado no Art. 54, da Lei n° 9.605/98 (Lei de Crimes Ambientais), pelas ações
e omissões que causaram o rompimento da Barragem de Fundão, cidade de Mariana-MG, que
causou danos diretos e irreversíveis nas cidades de Bento Rodrigues-MG e Paracatu de Baixo- MG,
ocorrido em 05 de novembro de 2015.
Tal acidente atingiu também o estado do Espírito Santo, com a contaminação pluvial, que
causou grande dificuldade no abastecimento de água para população das regiões atingidas, assim
como a mortandade da fauna e flora aquáticas da bacia hidrográfica, causando a destruição do
ecossistema.
Além disso, foram causados danos a monumentos históricos do período colonial, na
economia e turismo. Evidenciando-se ainda o total de 18 (dezoito) vítimas fatais e uma pessoa
desaparecida até o presente momento.
Em análise a tal denúncia, evidencia-se que as empresas responsáveis pela barragem do
Fundão foram denunciadas, dentre outros crimes, pelo crime de poluição qualificada, nos termos
do Art. 54, §2°, V, da Lei 9.605/98 (Lei de Crimes Ambientais).
Há nesse sentido, decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça, julgada no ano de
2018 que determina a responsabilidade civil da pessoa jurídica responsável pela barragem do
Fundão, localizada na cidade de Mariana-MG, conforme segue.

QUESTÃO DE ORDEM NO RECURSO ESPECIAL - AUTOS DE AGRAVO DE


INSTRUMENTO NA ORIGEM NO BOJO DE CAUTELAR PREPARATÓRIA DE
AÇÃO CIVIL PÚBLICA - ROMPIMENTO DA BARRAGEM DE FUNDÃO EM
MARIANA/MG DA MINERADORA SAMARCO - OBRIGAÇÕES DE FAZER -
FORNECIMENTO DE ÁGUA POTÁVEL - MATÉRIA DE CARÁTER
EMINENTEMENTE PÚBLICO - QUESTÃO DE ORDEM ACOLHIDA PARA
DECLARAR COMPETENTE PARA O JULGAMENTO DO PRESENTE FEITO
UMA DAS TURMAS DA PRIMEIRA SEÇÃO DO STJ.
Controvérsia: Questão de Ordem submetida a julgamento pela Corte Especial em razão da
relevância do caso e da questão jurídica subjacente, bem ainda com vistas a prevenir
possível divergência entre as Seções acerca da competência para a análise de demanda afeta
à tragédia envolvendo o rompimento das barragens da mineradora Samarco, no município
de Mariana/MG, ocorrida em 05/11/2015.
1. O procedimento de remessa da questão incidente para a deliberação da Corte Especial
está amparado nos ditames expressos do RISTJ (art. 11, inciso XI, combinado com o art.
16, inciso IV), não havendo falar em inadequação procedimental, tampouco em supressão
ou subversão de ritos.
2. A competência interna das Seções desta Corte Superior para a análise da questão afeta
aos efeitos reparatórios e minimizadores de danos decorrentes do acidente/dano ambiental
é aferida pela análise da natureza da relação jurídica litigiosa e dos conceitos de macrobem
e microbem, pois as reparações de dano ao macrobem terão sempre uma preponderância
de direito público enquanto aquelas atinentes ao dano microbem ambiental serão
eminentemente de direito privado.
2.1 A atribuição da Segunda Seção fica limitada às demandas nas quais o pleito reparatório
esteja vinculado ao microbem ambiental, ou seja, à salvaguarda dos direitos
13

individualmente considerados (de natureza eminentemente privada), sem a


responsabilização do Estado ou nos quais a restauração do meio ambiente de forma global
não seja o ponto principal da pretensão. 2.2 De sua vez, nas hipóteses em que se visualizar
a pretensão de restauração/recomposição do meio ambiente em geral (macrobem), nele
incluindo todos ou a maior parte dos bens em si, onde não só a reparação individual ou em
menor proporção seja o foco, a natureza publicista da demanda fará preponderar a
competência da Primeira Seção desta Corte Superior
para o trato da questão, nos termos da previsão constante do art. 9º, § 1º, inciso XIV do
RISTJ, haja vista que a análise da matéria controvertida perpassa o enfrentamento do
direito público em geral (direito difuso).
2.3 A presente contenda, oriunda de cautelar preparatória de ação civil pública (cuja
natureza é de tutela de urgência, requerida em caráter antecedente), manejada pelo
Município de Tumiritinga, na qual pretende mitigar as consequências advindas do evento
danoso ambiental no que se refere à regularização do fornecimento de água potável à
população em geral, serviço público esse de caráter essencial e no qual não está em foco
a questão acerca de eventual indenização das pessoas eventualmente atingidas pelo
acidente, atrai a norma inserta no art. 9º, § 1º, inciso XIV, do RISTJ e consequentemente
a competência das Turmas integrantes da Primeira Seção desta Corte Superior.
3. Questão de Ordem acolhida para declarar competente para o julgamento do presente
feito uma das Turmas componentes da Primeira Seção, determinando-se a sua
redistribuição.

Conforme anteriormente citado, o Art. 54° da Lei de Crimes Ambientais tipifica o crime
de poluição, possuindo em sua forma qualificada pena de reclusão de um a cinco anos.
Ocorre que, em análise das consequências geradas pelo rompimento de barragens, observa-
se desequilíbrio ambiental, mortandade de fauna e flora, além de vítimas fatais, a que se analisar se
o artigo supracitado e utilizado nas denúncias de fatos semelhantes são eficazes para a repressão da
conduta criminosa praticada pelas pessoas jurídicas responsáveis pela construção e manutenção
dessas barragens de rejeitos.
Aconteceu a destruição por completo de um ecossistema, sendo que os rejeitos levaram
consigo animais e a vegetação, possibilitando inclusive a extinção de espécies nativas das regiões
afetadas. O Ordenamento Jurídico Brasileiro tem o dever de efetivamente proteger o meio
ambiente equilibrado, garantido pela Carta Magna Brasileira, criando leis de eficácia repressiva e
preventiva quando do cometimento de tais ações que trazem tantas consequências graves.
É evidente, que a pena de reclusão de um a cinco anos é irrisória se comparada aos danos
causados quando do rompimento de barragens que contêm rejeitos químicos.
Importante ressaltar que, as empresas mineradoras obtêm lucros exorbitantes com a
exploração dos recursos naturais no território nacional, em específico no estado de Minas Gerais,
que por diversas vezes foi palco para esses desastres.
Observa-se ainda que as indústrias exploradoras de minérios demonstram total descaso
perante a população e ao meio ambiente, pois apesar de possuírem recursos financeiros, recusam-
se ou dificultam a indenização de famílias atingidas pelos rejeitos das barragens de sua
responsabilidade e a compensação ambiental determinada em lei.
14

Além disso, as empresas ignoram os alertas de estudiosos no assunto, como se verifica no


histórico de diversos rompimentos já ocorridos, causando graves danos ao meio ambiente local.
Tal descaso, ocorre antes dos rompimentos, pois essas indústrias ignoram os alertas do
risco de barragens construídas e mantidas em desacordo com as normas de segurança, como
também após o rompimento, pois se recusam a realizar compensação ambiental e indenização das
famílias.

3 CONCLUSÃO

No presente artigo, verificou-se a existência de garantias constitucionais de equilíbrio


ambiental, a aplicação de lei ambiental específica e estudos realizados no assunto.
Constatou-se a vastidão do território brasileiro, os diversos recursos naturais e a grande
exploração de minérios por empresas, o que atrai empresas que visam o lucro, como ocorre no
caso das indústrias mineradoras que constroem barragens para conter os resíduos em desacordo
com as normas de segurança.
O estudo explanou os casos de rompimentos de barragens de rejeitos ocorridos no Brasil,
seus possíveis motivos e suas graves consequências. Com a análise dos casos ocorridos, foi possível
averiguar a reiteração dos casos de rompimentos, ocorrendo diversas vezes e na região mais
explorada, qual seja estado de Minas Gerais.
Concluiu-se a clara ineficácia do Art. 54 da Lei n° 9.605/98 para reprimir e prevenir a
ocorrência de novos casos. A penalização disposta na referida lei especial é desproporcional aos
danos causados ao equilíbrio ambiental e a população local, causando a reiteração delitiva das
pessoas jurídicas, como observou-se nos diversos casos ocorridos.
Além disso, apesar de existirem normas reguladoras de segurança, no presente estudo
evidenciou-se a deficiência do Poder Público em fiscalizar e penalizar as instalações de barragens
indevidas e em desacordo com as normas estabelecidas pelos institutos ambientais responsáveis, o
que aumenta o risco dos rompimentos e consequências graves para o meio ambiente.
Com o presente artigo, foi possível perceber a ineficiência da lei vigente, tanto no direito
preventivo, quanto no direito repressivo. Com o presente trabalho, restou evidente que a pena
estabelecida no Art. 54, da Lei n° 9.605/98, qual seja reclusão de um a cinco anos é desproporcional
aos danos gerados pelos rompimentos de barragem, que acontecem em sua maioria, pois as
empresas não seguem as normas estabelecidas pelos órgãos reguladores.
Com o advento da Constituição Federal de 1988 e a Lei de Crimes Ambientais, o equilibro
ambiental foi garantido em lei. Entretanto, com o presente trabalho foi possível perceber que o
15

Poder Público demonstra-se falho e ineficiente em garantir o equilíbrio ambiental, desde o


momento em que não legisla normas específicas e eficazes para impedir a reiteração delitiva das
empresas mineradoras, até o momento em que não realiza a efetiva fiscalização das barragens já
existentes e os projetos de futuras instalações.
O presente estudo também demonstrou que após ocorrerem os rompimentos, causado
muitas vezes pelo descaso e falta de manutenção das barragens por parte das empresas
responsáveis, a responsabilização penal restou prejudicada por não existir legislação específica e
adequada, utilizando-se o Art. 54 da Lei de Crimes Ambientais, que possui pena desproporcional
a conduta delitiva tão gravosa, facilitando a reiteração delitiva e o descaso das empresas quando da
construção e manutenção das barragens de resíduos.
Com a explanação dos casos já ocorridos, constatou-se que os rompimentos causaram
graves consequências ambientais, incluindo danos irreparáveis ao ecossistema local, a fauna, flora
e a morte da população que residia próximo aos locais das barragens de rejeitos.
Observou-se com o presente estudo, com a impunibilidade e/ou penalização falha, as
pessoas jurídicas continuam praticando ações que levam a novos rompimentos, demonstrando
descaso perante os danos ambientais causados e, por muitas vezes não realizaram a indenização
das vítimas e famílias ou realizam a compensação ambiental devida para amenizar os danos
causados.
Objetivou-se neste estudo, demonstrar a necessidade da correta tipificação e penalização
na devida proporcionalidade, das pessoas jurídicas que constroem barragens de rejeitos, lucram
com os recursos naturais brasileiros e, por fim, de forma inconsequente destroem o equilíbrio do
meio ambiente em que existem, causando a mortandade da fauna e flora local.
Portanto, verificou-se que com a correta tipificação e penalização o direito penal agiria de
forma preventiva, visto que as empresas cumpririam com maior rigor as normas para construção e
manutenção das barragens de rejeitos, com o receio de serem penalizadas na forma da lei. Além
disso, observou-se a necessidade de estipulação de compensação proporcional aos danos
ambientais ocorridos.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição Federal do Brasil de 1988. Brasília: Planalto, Disponível em: <
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 10.mai.2020.

BRASIL. Lei de Crimes Ambientais de 1998. Brasília: Planalto, 2019. Disponível em: <
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9605.htm >. Acesso em: 10.mai.2020.
16

FARAH, Leonardo. Além da lama: o emocionante relato do capitão dos bombeiros que
atuou nas primeiras horas da tragédia em Mariana. 1º. Ed, Editora Vestígio, 2019.

MACHADO, Lucas Vasconcelos Teani; AZEEZ, Dolapo Gbadebo. Incidentes e Acidentes


em Barragens, 2018. Disponível em: <
https://www.itr.ufrrj.br/sigabi/wpcontent/uploads/7sigabi/VASCONCELLOSLUCAS
355a358.pdf>. Acesso em: 11.mai.2020.

PAZ, Ronilson José. IESP. Et al.. O Direito ao Meio Ambiente Ecologicamente


Equilibrado. 2018.

PRADO, Luiz Regis. Direito Penal do Ambiente. 6° Ed., Revista dos Tribunais, 2016.

SIRVINSKAS, Luis Paulo. Tutela Penal do Meio Ambiente, 4° Ed., Saraiva Jur, 2011.
17

MEDIAÇÃO: estudo comparado entre origens e procedimentos adotados no


Brasil e Estados Unidos da América

Ana Biatriz da Costa Oliveira1

1 INTRODUÇÃO

O objetivo do presente artigo é analisar a origem da Mediação de Conflitos nos países como
Brasil e Estados Unidos da América, assim como suas regulamentações e procedimentos, em
seguida um estudo comparado com um quadro, contendo as semelhanças e diferenças em cada
ordenamento jurídico.

Os conflitos sempre estiveram presentes no convívio dos seres humanos. Dessa forma, os
métodos de resolução de controvérsias existiam em diferentes épocas, localidades e culturas, porém
precisar quando esses métodos de solução de conflitos iniciaram é uma tarefa um tanto complexa
(TARTUCE, 2016). Constitui estudos de antropólogos e historiadores saber como os primeiros
habitantes do planeta resolviam suas contendas, se por violência, mediação, negociação,
ajuizamento de ação, arbitragem, autotutela (MENKEL; MOFFITT; BORDONE, 2005).

Desde os primórdios, com o estudo da história e sua evolução, percebe-se que o homem
utilizava o uso da força, da arbitrariedade, da justiça com as próprias mãos, chamada de autotutela,
prática exercida para decidir os conflitos existentes, em que o mais fraco e tímido ficava submisso
ao mais forte e astuto.

Ocorre a autotutela quando o próprio indivíduo impõe de maneira unilateral seu interesse
à parte contrária (DELGADO, 2002). Exemplificando, tem-se a Lei de Talião: “olho por olho,
dente por dente”, isto significava que, a vingança era proporcional ao crime.

Com o passar do tempo e as mudanças de convívio dos povos, houve consequentemente,


mudanças na resolução dos conflitos. Surge neste contexto a autocomposição, meio de resolver
conflitos pelos próprios interessados, de forma justa, pacífica, equilibrada e harmônica, sem a

1 Graduanda em Direito pela Estácio de Teresina; nono período; aluna do curso de Mediação Extrajudicial pela
Estácio de Teresina; e-mail: anabiatrizoliveira17@gmail.com.
18

imposição de um terceiro, apenas com um auxílio de um profissional capacitado. As formas


adequadas de autocomposição acontecem por meio da negociação; conciliação; mediação, estudo
deste artigo.

A mediação iniciou-se na China, por inspiração e essência do pensamento de Confúcio, que


buscava a harmonia por meio do equilíbrio e felicidade dos homens. Os chineses, à época de
Confúcio presavam pelo equilíbrio nas relações pessoais, uma vez que o colocava em primeiro
plano (MIRANDA; MALUF, 2013).

Neste sentido, Serpa salientou:

Os chineses, na Antiguidade, influenciados pelas ideias do filósofo Confúcio, já


praticavam a mediação como principal meio de solucionar contendas. Confúcio
acreditava ser possível construir-se um paraíso na terra, desde que os homens pudessem
se entender e resolver pacificamente seus problemas. Para ele existia uma harmonia
natural nas questões humanas que não deveria ser desfeita por procedimentos adversarias
ou com ajuda unilateral. Seu pensamento estabelecia que a melhor e mais justa maneira
de consolidar essa paz seria através de persuasão moral e acordos e nunca através de
coerção ou mediante qualquer tipo de poder. (SERPA, 199, p. 15.)

Nas comunidades chinesas, a mediação era o meio mais utilizado para resolver conflitos,
pois a predominância da convivência familiar era forte e os problemas eram resolvidos pelo chefe
da família, que detinha a sabedoria necessária para solucionar os litígios (MIRANDA; MALUF,
2013).

Brasil e Estados Unidos são países que viram um olhar positivo na adoção da mediação de
conflitos, por se tratar de um método mais célere em comparação ao método tradicional processual,
que atualmente tem se mostrado insuficiente para atender as demandas dos jurisdicionados, bem
como pelos custos e morosidade que as partes enfrentam em processos mais complexos.

Os recursos utilizados para a apresentação do presente trabalho foram pesquisas


bibliográficas, artigos científicos, leis que regulamentam a aplicabilidade da mediação de conflitos,
artigos publicados em sites jurídicos sobre o tema.

2 DESENVOLVIMENTO
19

As próximas seções exporão as peculiaridades de cada ordenamento jurídico, como suas


origens, a finalidade da utilização da mediação de conflitos e seus procedimentos e
regulamentações.

2.1 No Brasil.

2.1.1 Origem

A mediação surgiu no Brasil em face dos obstáculos de acesso à justiça enfrentados pelos
jurisdicionados e a falta de eficiência em resolver dignamente as demandas da população
(MIRANDA; MALUF, 2013). A mediação surgiu com grande destaque no Brasil no século XX,
mais especificamente nos anos 90, como meio de solucionar conflitos trabalhistas, sendo utilizada
nas demandas familiares e negociais também (MIRANDA; MALUF, 2013).

Bem antes dos anos 1990, há constatações históricas da mediação, como na Constituição
do Império, outorgada em 1824, que fazia referência aos juízes árbitros, nos artigos 160 e 161: “Nas
civeis, e nas penaes civilmente intentadas, poderão as Partes nomear Juizes Arbitros. Suas Sentenças serão executadas
sem recurso, se assim o convencionarem as mesmas Partes”; “Sem se fazer constar, que se tem intentado o meio da
reconciliação, não se começará Processo algum” (BRASIL, 1824, n.p.).

Maria Bernadete e Clóvis Antônio asseveraram sobre os juizados especiais e a justiça de


paz da Constituição Federal de 1988:

A Constituição Federal de 1988, nossa carta Magna estabelece, em seu artigo 98, a criação
de juizados especiais e justiça de paz. Os juizados especiais, provindos de juízes togados,
ou togados e leigos, competentes para a conciliação e a justiça de paz, composta por
cidadãos eleitos pelo voto direto, universal e secreto, para além de outras funções,
exercer, atribuições conciliatórias. (MIRANDA; MALUF, 2013, p. 15).

O Código Comercial de 1850, tipificou a arbitragem em seus artigos 139 e 294: “As questões
de fato sobre a existência de fraude, dolo, simulação, ou omissão culpável na formação dos
contratos, ou na sua execução, serão determinadas por arbitradores”; “Todas as questões sociais
que se suscitarem entre os sócios durante a existência da sociedade ou companhia, sua liquidação
ou partilha, serão decididas em juízo arbitral” (BRASIL, 1850, n.p.).

Conclui-se, dessa forma, que a mediação não é um instituto de solução de controvérsias


novo no Brasil, uma vez que é aplicado há muitos anos como forma de resolver conflitos, de forma
20

célere e econômica, merecendo ser ressaltada a sua aplicabilidade na Constituição do Império de


1824.

2.1.2 Regulamentação e procedimento

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, especificamente no artigo 5º,


inciso XXXV, dispõe sobre o Princípio da Indisponibilidade do Poder Judiciário: “a lei não excluirá
da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito” (BRASIL, 1988, n.p.). Dessa forma,
verifica-se que o acesso à justiça é uma garantia constitucional, devendo ser comum a todos os
cidadãos.

O acesso à justiça tem se tornado cada vez mais difícil para os jurisdicionados, por conta
dos problemas enfrentados pelo Poder Judiciário, que ciente disso, vem procurando meios eficazes
para fazer valer o seu Princípio da Inafastabilidade do Poder Judiciário (art. 5º, XXXV, CF/88).

Sobre o tema, Amaral dispõe:

É inegável que a crise do Judiciário decorre da crise do Estado contemporâneo, que não
tem mais condições de solucionar todos os conflitos existentes na sociedade. Há uma
miríade de problemas enfrentados pelo Judiciário de vários países e as soluções
encontradas têm se mostrado insuficientes e inadequadas. (AMARAL, 2009, p.39)

Ainda sobre o acesso à justiça, Tatiana Robles destacou:

Consciente do problema, de alta complexidade, o próprio Poder Judiciário vem


procurando novas alternativas para obter uma resposta, procedendo à legitimação de
meios alternativos de resolução de disputa, de mecanismos extrajudiciais de resolução de
lides [...].(ROBLES, 2009, p.24)

As formas adequadas de solução de conflitos são meios muito eficazes, destacando aqui a
mediação, tendo sua valorosa contribuição, não apenas para “desafogar” o Poder Judiciário, mas
para garantir o acesso à justiça. Atualmente, no Brasil, as normas reguladoras da mediação são,
dentre outras: a Resolução 125/2010 do Conselho Nacional de Justiça – CNJ; a Lei 13.140/2015,
Lei de Mediação e a Lei 13.105/2015, Código de Processo Civil, que serão analisadas.
21

Com o escopo de disseminar a cultura da pacificação social e estimular a prestação de


serviços autocompositivos em suas estruturas, a resolução 125 do Conselho Nacional de Justiça foi
aprovada em 29 de novembro de 2010, estimulando a construção de novos paradigmas nas
estruturas judiciais dos tribunais (MENDES, 2018).

No Brasil, com a resolução 125/2010, consolidou-se a aplicação do Sistema Multiportas,


em que o Estado dispõe à sociedade várias opções de solucionar seus conflitos de forma adequada,
valorizando a utilização dos meios consensuais (mediação, conciliação, orientação etc) e não apenas
a clássica forma de decidir controvérsias, que é a imposição do Estado por meio de sentença
(CAHALI, 2013).

A resolução 125/2010 é de capital importância para o Poder Judiciário, uma vez que
incentiva os tribunais a criarem centros de resolução de conflitos, e consequentemente, adotarem
meios consensuais na resolução das disputas a fim de conseguirem resultados justos e equilibrados
para os jurisdicionados.

O artigo 4º da resolução reza: “Compete ao Conselho Nacional de Justiça organizar


programa com o objetivo de promover ações de incentivo à autocomposição de litígios e à
pacificação social por meio da conciliação e da mediação” (BRASIL, 2010, n.p.), ao passo que o
art. 6º dispõe:

Art. 6º Para desenvolvimento dessa rede, caberá ao CNJ: I – estabelecer diretrizes para
implementação da política pública de tratamento adequado de conflitos a serem
observadas pelos Tribunais; II – desenvolver conteúdo programático mínimo e ações
voltadas à capacitação em métodos consensuais de solução de conflitos, para magistrados
da Justiça Estadual e da Justiça Federal, servidores, mediadores, conciliadores e demais
facilitadores da solução consensual de controvérsias, ressalvada a competência da Escola
Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados - ENFAM; III – providenciar
que as atividades relacionadas à conciliação, mediação e outros métodos consensuais de
solução de conflitos sejam consideradas nas promoções e remoções de magistrados pelo
critério do merecimento; IV – regulamentar, em código de ética, a atuação dos
conciliadores, mediadores e demais facilitadores da solução consensual de controvérsias;
V – buscar a cooperação dos órgãos públicos competentes e das instituições públicas e
privadas da área de ensino, para a criação de disciplinas que propiciem o surgimento da
cultura da solução pacífica dos conflitos, bem como que, nas Escolas de Magistratura,
haja módulo voltado aos métodos consensuais de solução de conflitos, no curso de
iniciação funcional e no curso de aperfeiçoamento; VI – estabelecer interlocução com a
Ordem dos Advogados do Brasil, Defensorias Públicas, Procuradorias e Ministério
Público, estimulando sua participação nos Centros Judiciários de Solução de Conflitos e
Cidadania e valorizando a atuação na prevenção dos litígios; VII – realizar gestão junto
às empresas, públicas e privadas, bem como junto às agências reguladoras de serviços
públicos, a fim de implementar práticas autocompositivas e desenvolver
acompanhamento estatístico, com a instituição de banco de dados para visualização de
resultados, conferindo selo de qualidade; VIII – atuar junto aos entes públicos e grandes
litigantes de modo a estimular a autocomposição (BRASIL, 2010, n.p.).
22

Um novo olhar para a resolução das contendas é significativamente importante para todo
o processo, uma vez que em um país que a cultura do litígio é forte, todas as formas e todos os
incentivos para mudanças têm de ser aplicados com esperança.

O Novo Código de Processo Civil, Lei 13.105/2015, estabeleceu no artigo 3º, §2º: “O
Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos” (BRASIL, 2015, n.p.).
A institucionalização dos métodos consensuais visa a celeridade dos processos, a fim de garantir
maior satisfação para os envolvidos na lide.
O artigo 165 aduz que: “Os tribunais criarão centros judiciários de solução consensual de
conflitos, responsáveis pela realização de sessões e audiências de conciliação e mediação e pelo
desenvolvimento de programas destinados a auxiliar, orientar e estimular a autocomposição”
(BRASIL, 2015, n.p.). Desse modo, o novo código processual estimula a prática dos meios
consensuais, que são regidos pelos princípios da independência, imparcialidade, autonomia da
vontade, da confidencialidade, oralidade e decisão informada, ressaltando o princípio da
confidencialidade, ganhando destaque esta última no parágrafo 1º do art. 165 (BRASIL, 2015).
Desde a Petição Inicial, o autor pode optar pela realização ou não da audiência de mediação
judicial, art. 319, VII (BRASIL, 2015, n.p.). Dessa forma, o juiz marcará a audiência com
antecedência mínima de 30 (trinta dias), e se houver acordo, será homologado e terá força de
sentença.
Sendo assim, sobre a temática, Fernanda Tartuce salientou em seu artigo Mediação no
Novo CPC: questionamentos reflexivos: “O Novo CPC valoriza sobremaneira a adoção de meios
consensuais e pode colaborar decisivamente para o desenvolvimento de sua prática entre nós –
sobretudo nas Cortes de Justiça” (TARTUCE, 2016, p. 16).

Desse modo, é transparente a importância que o Código de Processo Civil teve ao traçar
novos horizontes para a resolução de conflitos, de forma rápida e satisfatória, incentivando não só
os jurisdicionados a terem um acesso à justiça mais eficiente, mas também os operados que que se
capacitam continuamente para garantirem a efetiva aplicabilidade.

A Lei de Mediação de 2015, dispõe sobre a mediação como meio se solução de


controvérsias e autocomposição de litígios, efetivando um projeto pedagógico e intelectual que há
muito tempo estava sendo discutido por brasileiros latinos (MENDES, 2018).

A sanção da Lei de Mediação foi de suma importância para a solução dos conflitos nas
relações interpessoais, pois formalizou algo que já era praticado. De acordo com o art. 2º, a
mediação será orientada pelos princípios da imparcialidade do mediador, isonomia entre as partes,
23

oralidade, informalidade, autonomia da vontade das partes, busca do consenso e confidencialidade


(BRASIL, 2015).

O CPC delineou várias diretrizes, após sua entrada em vigor, sobre os procedimentos da
mediação, sendo responsável por uma grande colaboração no procedimento de mediação, a fim de
solucionar conflitos pelas próprias partes, havendo a condução, auxílio, orientação, supervisão, do
mediador, terceiro neutro e imparcial, que buscará, com a utilização das técnicas, um acordo, em
que todos ganhem (CASTRO, 2018).

Tanto a mediação judicial como a extrajudicial são tratadas por lei, de forma detalhada. Há
uma novidade no sistema legislativo brasileiro, que é a mediação digital ou online, que permite que
a mediação aconteça sem a presença pessoal dos interessados, ocorre pela internet ou por outro
meio de comunicação que permita a mediação à distância, com o consentimento das partes. Essa
novidade é de suma importância, pois facilita a resolução de conflitos onde quer que a parte esteja,
especialmente em momentos turbulentos, como no caso de uma pandemia, que o isolamento social
é uma medida adotada pela população (CASTRO, 2018).

Os procedimentos que podem ser adotados na mediação são muitos, começando pela
Declaração de abertura, etapa que ocorre a apresentação das partes, do mediador, co-mediador;
princípios que norteiam a mediação como a confidencialidade e a escuta ativa. Após a declaração
de abertura, há a exposição das razões pelas partes, etapa que envolve o princípio da escuta ativa,
uma vez que o mediador irá ouvir as partes e entender o que elas querem repassar, parafraseando
o assunto ouvido. Há a resolução de questões feitas pelo mediador, sempre de maneira neutra e
imparcial, que possibilita a análise do conflito observado de vários ângulos. Todas as técnicas sendo
aplicadas e havendo o consenso dos interessados, haverá o tão esperado acordo, finalizando o
procedimento, com assinatura do termo.

Na formação de mediadores, é importante a disponibilização de tempo para o estudo do


procedimento de mediação, havendo a responsabilidade de respeitar cada etapa do procedimento,
observando os princípios, as características, para que haja uma mediação com segurança
(MENDES, 2018).

Conclui-se, que a Mediação no Brasil surgiu, inicialmente, como uma solução para
“desafogar” o Poder Judiciário, e hoje, é aplicada em diferentes casos, visando a celeridade,
economia e o sentimento criado pelos interessados de resolverem seus próprios conflitos.
24

2.2 Nos Estados Unidos.

2.2.1 Origem

A ineficiência do Poder Judiciário em atender as demandas da população é sobremaneira


um desafio para quem pretende obter uma resposta do Judiciário, devido ao aumento do número
de processos e a morosidade na resolução destes processos nos Estados Unidos. Como solução a
situação que os processos se encontravam, houve um fomento nas formas alternativas de solução
de conflitos, com designação própria nos Estados Unidos, Alternative Dispute Resolution (ADR).

Na década de 1970, a mediação surgiu nos Estados Unidos da América por conta da
quantidade de processos judiciais e da complexidade dos casos que não podiam ser apreciados pelo
Poder Judiciário em um tempo razoável, uma vez que a resolução de disputas pelo Poder Judiciário
mostrou-se insustentável. Dessa forma, o Multi-door Dispute Resolution Division foi criado para ser um
centro de solução de controvérsias, havendo a aplicação da ADR.

O instituto da mediação é aplicado há mais de 30 anos nos Estados Unidos e pode ser
utilizado em diferentes casos, sejam em casos cíveis, familiar, comercial, penal, trabalhista. A
finalidade dos profissionais da mediação é conseguir um acordo que satisfaça ambos interessados,
economizando tempo e dinheiro (ALVES; MARTINS; BARROS, 2014).

O profissional que utiliza a mediação é chamado de mediador, terceira pessoa neutra e


imparcial que não tem poder decisório. O mediador atua apenas facilitando, auxiliando o diálogo
entre as partes, diminuindo a tensão com aplicação de técnicas, para que haja a colaboração no
lugar da competição, do ganha-ganha, no lugar do perde-ganha. Como já exposto, o mediador não
sugere uma solução para o conflito, isto é, as próprias partes têm o poder decisório, uma parte
pode aceitar ou não o que a outra sugere.

Além de haver a economia de tempo e dinheiro, o método é informal e flexível, havendo a


utilização de técnicas de empoderamento das partes, para que elas mesmas cheguem ao desejável
acordo. A mediação de conflitos se faz mais presente nas relações continuadas, como nos casos de
família ou de vizinhança, sendo que seu escopo não é apenas o acordo, mas sim restabelecer a
relação que até então está desgastada.

2.2.2 Regulamentação e procedimento


25

Diferentemente do Brasil, não há leis que regulamentam todo o território dos Estados
Unidos da América, como o Código de Processo Penal, Código de Processo Civil, Código do
Consumidor, ou seja, nos Estados Unidos, cada estado regulamenta suas próprias Leis, obedecendo
a Constituição Federal (ALVES; MARTINS; BARROS, 2014).

Foi aprovado em 1990 o “Civil Justice Reform Act”, pedido de redução de gastos e morosidade
nos processos judiciais. Em 1998, “Alternative Dispute Resolution Act” entrou em vigor, requerendo
que cada tribunal tivesse programas de meios de solução de litígios. Nos Estados Unidos não havia
uma legislação uniforme nos Estados, até 17 de agosto de 2001, que criou a “Uniforme Mediation
Act”, dividido em 16 sessões, sendo elaborada pela “National Conference of Comissioners on Uniform
State Laws”, passando a ser aplicada a partir de então em todos os Estados (ALVES; MARTINS;
BARROS, 2014).

A mediação de conflitos pode ocorrer tanto no âmbito judicial como extrajudicial. Quando
o procedimento ocorrer e a mediação for frutífera, o acordo será reduzido a termo, será lido para
as partes e em seguida será assinado. Após a assinatura do termo, será levado para o Poder Judiciário
para homologação (ALVES; MARTINS; BARROS, 2014).

No procedimento da mediação de conflito, as vantagens apresentadas pela ADR são


inúmeras, tais como: a facilitação em casos complexos, que demandam um estudo aprofundado do
caso concreto em análise; maior flexibilidade no trato do conflito; menor complexidade; soluções
práticas, haja vista a utilização de técnicas adequadas para que isso ocorra; sigilo das sessões de
mediação, uma exceção à publicidade, presente em maior parte dos casos no Poder Judiciário;
melhora na relação entre interessados e advogados (KENNEN, 2011?).

É transparente a celeridade da solução de conflitos pela mediação após a exposição do seu


procedimento. Dessa forma, facilita a vida das partes, que se sentem mais à vontade pela
flexibilidade e informalidade do instituto, bem como pela economia processual que os métodos
alternativos oferecem, proporcionando maior rapidez na solução e conformismo dos envolvidos,
quando chegam ao meio termo, ao acordo.

A utilização desse instituto restabelece os valores das partes, ajuda a preservar a dignidade,
com a ajuda do mediador, por meio da utilização de técnicas adequadas, facilita a comunicação não
violenta, torna o ambiente menos hostil, mais saudável para a solução de um conflito, já que os
interessados na questão, muitas vezes se encontram perdidos e sem saída e enxergam a mediação
como uma luz no fim do túnel.
26

2.3 Quadro Comparativo do Instituto da Mediação no Brasil e Estados Unidos da América

O presente quadro tem o objetivo de verificar de forma breve e precisa a mediação de


conflitos em cada ordenamento jurídico, analisando as origens, semelhanças, diferenças e as
regulamentações dos ordenamentos brasileiro e norte-americano. Segue a análise abaixo:

Mediação no Brasil Mediação nos Estados unidos


Surgiu em face dos obstáculos de acesso à Surgiu em 1970 pela influência do Poder
justiça enfrentado pelos jurisdicionados nos Judiciário em atender a população devido ao
anos 1990. aumento de processos e complexidade dos
casos.
É um método imparcial, flexível, informal, A mediação economiza tempo e dinheiro, é um
confidencial e célere. método informal e flexível.
Está mais presente nas relações com vínculos Tem maior aplicabilidade nas relações
contínuos. continuadas, como nos casos de família e
vizinhança.
Há leis que regulamentam todo o país. Cada Estado é autônomo, cada um cria suas
próprias leis.
A Resolução 125/2010 do Conselho Nacional Em 1990 foi aprovado o “Civil Justice Reform
de Justiça incentiva os tribunais a criarem Act”, pedido de redução de gastos e tempo nos
centros de resolução de conflitos. processos.
O Código de Processo Civil dedicou vários Não havia uma legislação uniforme nos
artigos para os Métodos de Adequados de Estados.
Solução de Conflitos, incentivando o acesso à
justiça célere e eficiente.
Em 2015 entrou em vigor a Lei de Mediação, Em 17 de agosto de 2001 foi criada a “Uniforme
formalizando em todo território nacional a sua Mediation Act”, passando a desde então a ser
aplicabilidade. aplicada em todos os Estados.
Não há um relatório prévio, as partes expõem Antes das audiências os juízes têm acesso a um
seus argumentos na hora da audiência. relatório que contém os argumentos das partes,
27

como forma de analisar o tempo para a


audiência.
Fonte: ANÁLISE COMPARATIVA DA MEDIAÇÃO DE CONFLITOS NO BRASIL E NOS ESTADOS
UNIDOS DA AMÉRICA FACE À DISPARIDADE ENTRE AS CULTURAS JURÍDICA DE CADA
ORDENAMENTO.

É compreensível a adaptação que muitos profissionais tiveram que se submeter, em se


tratando de um instituto novo como a mediação de conflitos. Por isso, muitos cursos são oferecidos
atualmente para advogados, juízes e mesmo estudantes que querem ingressar no mercado de
trabalho com a habilidade de mediar conflitos e mostrar que a cultura do litígio presente em muitos
países como o Brasil e Estados Unidos pode ser moldada.

3 CONCLUSÃO

A Mediação de Conflitos apesar de estar sendo aplicada com mais veemência atualmente,
não é um método consensual novo. A mediação iniciou-se na China com os ensinamentos de
Confúcio, que com sua paz espiritual e harmonia, transmitia sua sabedoria para seus aprendizes.
Em países que a cultura do litígio é forte, a mediação vem se mostrando cada vez mais adequada
para a solução de conflitos de forma justa e econômica.

O acesso à justiça é um direito fundamental garantido a todos os cidadãos. A adoção do


instituto da mediação no Brasil e Estados Unidos foi salutar para a preservação da cordialidade das
relações e restabelecimento da paz social, principalmente nas relações continuadas, que os métodos
consensuais se adequam com mais precisão, pois além de solucionarem o conflito presente,
preservam um conflito futuro.

Apesar da regulamentação tardia no Brasil, a mediação tem suas peculiaridades respeitadas,


assim como no sistema norte-americano, já que foram adequadas de acordo com cada ordenamento
jurídico. A aplicabilidade de cada instituto deve-se à falta de acesso dos jurisdicionados ao Poder
Judiciário, sendo a mediação vista como uma forma de “desafogar” o Judiciário. O instituto não
apenas desafoga o judiciário, vai além, proporciona a economia de tempo e custas em relação ao
processo tradicional, desmistifica a cultura do litígio resolvida nos tribunais.

Conclui-se, dessa forma, que a os Estados estão passando por grandes avanços nas formas
de resolverem seus conflitos, afastando a cultura do litígio e dando espaço para os meios adequados.
28

As próprias partes resolverem seus conflitos é o ponto fulcral para a resolução justa, já que não há
uma solução imposta por um juiz, os próprios interessados chegam a um acordo de forma amigável.

REFERÊNCIAS:

AMARAL, Márcia Teresinha Gomes. O direito de acesso à Justiça e a mediação. Rio de


janeiro: Lumen Juris, 2009.

ALVES, Jéssica S.; MARTINS, Deyse B.; BARROS, Maria do Carmo. Análise comparativa da
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entre as culturas jurídica de cada ordenamento. Disponível em:
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_face_à_disparidade_entre_as_culturas_jurídica_de_cada_ordenamento>. Acesso em
26/03/2020.

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30

PENALIDADES APLICADAS AOS


PSICOPATAS CRIMINOSOS NO CÓDIGO PENAL BRASILEIRO

Ângela Maria Ribeiro Marques 1

1 INTRODUÇÃO

Este estudo centra-se na discussão das penalidades aplicadas aos psicopatas criminosos.
Em princípio, observaram-se os aspectos semânticos quanto ao termo psicopata e em seguida
na distinção entre os termos Doença Mental e Transtorno de Personalidade, que possibilitaram
a demonstração da distinção entre as penalidades aplicadas aos psicopatas criminosos. O
objetivo do presente trabalho consiste em perscrutar as penalidades preceituadas no Código
Penal Brasileiro (CPB) aos Psicopatas criminosos.
O problema desta pesquisa centra-se nas penalidades aplicadas aos psicopatas de acordo
com a definição e caracterização do psicopata no âmbito psicológico no qual se enquadra o
referido crime, bem como às distinções entre os conceitos de transtorno de personalidade e
doença mental, ambos cunhados pela Psicologia Clínica, que embasam a discussão acerca de
nosso objeto de estudo, a saber: classificação da psicopatia (doença, transtorno de
personalidade) e a penalidade mais adequada no CPB quanto aos psicopatas conforme sua
classificação na literatura da saúde mental.
Para tanto, foi procedida à leitura de dicionários gerais, bem como os específicos da área
de Psicologia; do Código Penal Brasileiro; do referencial teórico concernente à área jurídica e
psicológica e de Trabalhos de Conclusão de Curso publicados, recentemente, com a finalidade
de apresentar e problematizar uma discussão sobre os referidos textos. Não se pretende esgotar
o assunto em questão, mas apresentar pontos relevantes e lacunas que desejamos visibilizar.
Esta pesquisa é do tipo exploratória, visto que o presente estudo foi desenvolvido a
partir da leitura de trabalhos que abordam a temática em questão, e descritiva, por apresentar a
discussão e análise dos referidos trabalhos sem focar em estatísticas quantidade etc.

1 Bacharelado em Direito, Faculdade Estácio de Sá. angelrmarques6@gmail.com.


31

O referencial teórico da presente pesquisa está composto de: de Capez (2016); Silva
(2008); Mirabete (2003) e Taborda (2004).
O presente trabalho divide-se em duas seções teóricas: a primeiro, que aborda a origem
e definição do termo psicopata; a definição do termo Psicopata na área de saúde; a distinção
entre os termos doença mental e transtorno de personalidade e a caracterização do Psicopata.
A segunda, na qual se discorre sobre algumas doenças mentais com o intuito de esclarecer e
situar a psicopatia (no âmbito da doença mental ou no do transtorno de personalidade) e se
discute a análise e problematização presente nos Trabalhos de Conclusão de Curso (doravante,
TCCs) publicados recentemente, que abordam o tema psicopatia focando nas penalidades
aplicáveis ao psicopata criminoso dentre os quais: Emílio (2013), intitulado Psicopatas
homicidas e as sanções penais a eles aplicadas na atual justiça brasileira; Bueno (2012) com o
título Contribuições da Psicanálise e da Neurociência auxiliando na compreensão das possíveis
causas dos transtorno, que relaciona a psicopatia aos aspectos neurológicos e o de Rodrigues e
Guimarães (2015) intitulado Psicopatas homicidas e sua punibilidade no Sistema Penal
Brasileiro, que por sua vez, focam na punibilidade ao psicopata no CPB.

2 ORIGEM E DEFINIÇÃO DO TERMO PSICOPATA

A palavra psicopata vem do grego, nesse caso psyche que significa alma e pathos,
enfermidade. Em tradução livre, o termo significaria alma enferma.
O conceito de psicopatia se desenvolveu em pesquisas nas áreas médicas, em especial, a
psiquiátrica, a psicológica, com ênfase nas áreas comportamental e na neurociência que, por sua
vez procura a compreensão do referido transtorno relacionando-o a atividades cerebrais, tópico
que será abordado mais adiante.
No dicionário online de Português o termo psicopata é definido como Pessoa que sofre
de um distúrbio mental, definido por comportamentos antissociais, pela falta de moral,
arrependimento ou remorso, sendo incapaz de criar laços afetivos ou de sentir amor pelo
próximo. Indivíduo acometido por psicopatia, por esse distúrbio mental.
No referido dicionário encontra-se ainda a seguinte explicação: Designação genérica
para quem expressa qualquer tipo de patologia mental.

2.1 Conceito de Psicopatia

De acordo com Silva (2008, p.37)


32

Existem, basicamente, três correntes acerca do tema psicopatia e seu conceito. A


primeira considera a psicopatia como uma doença mental. A segunda a considera
como uma doença moral, enquanto que a terceira corrente considera a psicopatia
como transtorno de personalidade.

Conforme Palhares e Cunha (2012) alertam para o fato de que o termo psicopatia é
comumente empregado em pareceres jurídicos e documentos legais especialmente em perícias
que interessam a área do direito penal e, em alguns casos de matéria civil. Os autores consideram
a primeira corrente como mais conservadora que por sua vez entende a psicopatia como uma
doença mental, postura criticada por parte expressiva de profissionais da área da psiquiatria
forense, visto que a parte cognitiva dos indivíduos psicopatas se apresenta preservada, íntegra,
com a plena consciência dos atos que praticam, apresentando ainda, inteligência acima da média
da população.
A consequência da adesão da segunda corrente é que a responsabilidade penal dos
psicopatas poderia ser conforme Hales (2006) poderia ser amenizada devido a suposta
incapacidade de observar as regras jurídicas e sociais.
É importante ressaltar que no entendimento de Palhares & Cunha (2012) se os
psicopatas forem considerados como loucos morais essa postura influencia casos concretos
julgados por magistrados em que os consideram como semi-imputáveis ou inimputáveis, o que
prejudica a sociedade e os próprios psicopatas.
Nesse caso, ainda se apresenta um ponto relevante defendido por Palhares & Cunha
(2012), que se refere a terceira corrente, majoritária, surgida em função dos avanços, que
consideram a psicopatia como um transtorno de personalidade antissocial, postura mais
adequada, visto que a concebe em uma visão mais completa, levando em conta a consciência, o
caráter e a personalidade do indivíduo como um todo.

2.2 Definição do Termo Psicopata na Área de Saúde Mental

Mesquita e Duarte (1996, p. 173) definem Psicopata como aquele que sofre de uma
psicose; em linguagem vulgar, “o doente mental”.
Bueno (2012, p. 03) defende que a Psicopatia é um transtorno de personalidade, como
descrito no DSM-IV – TR

[...] um padrão persistente de vivência íntima ou comportamento que se desvia


acentuadamente das expectativas da cultura do indivíduo, é generalizado e inflexível, tem
33

início na adolescência ou no começo da idade adulta, é estável ao longo do tempo e


provoca sofrimento ou prejuízo.

Assim, de acordo com a CID 10 (Classificação internacional de doenças da organização


mundial da Saúde) os Psicopatas são indivíduos acometidos de “transtornos específicos da
personalidade”, que apresentam “perturbação grave da constituição caracterológica e das
tendências comportamentais do indivíduo, usualmente envolvendo várias áreas da
personalidade e quase sempre associada à considerável ruptura social”
Convém aceder, a partir dessas definições, que alguns pesquisadores da área de saúde
sugerem a inegável necessidade de distinção entre os termos “doente mental” e “transtorno de
personalidade” como apresentado no presente estudo.

2.3 Distinção entre os Termos Doença Mental e Transtorno de Personalidade

Consideramos relevante observar a contribuição de Roberth Hare, um dos grandes


especialistas em personalidade psicopática e conduta criminal. Doutor em psicologia e professor
da Universidade da Colúmbia Britânica, surge como uma referência no campo do estudo
criminal. Seus trabalhos na área da psicopatologia e psicofisiologia também são referência.
Robert Hare construiu o PCL-R, que é um recurso significativo para detectar um
psicopata ou para avaliar a sua inclinação para a violência. Consiste em um instrumento de
referência internacional. É utilizado, sobretudo, para avaliar a população carcerária, mas
também é útil no âmbito clínico e no forense. É um teste confiável e válido, capaz de
proporcionar informações relevantes sobre aspectos afetivos, interpessoais, problemas de
comportamento etc.
Um ponto crucial para a relevância do referido teste está no fato de que o especialista
tentou dar forma a um recurso capaz de oferecer informações valiosas sobre pessoas
condenadas por cometer atos violentos. E o sucesso de seu instrumento baseia-se em dois
pilares: o primeiro, no fato de que é muito fácil de administrar e o segundo, no de que o teste
pode ser usado em outros âmbitos, além da população reclusa ou delinquente.
Convém anuir que no âmbito clínico, o PCL-R começou a ser visto como uma
ferramenta simples e válida para avaliar possíveis tendências violentas, de agressividade sexual
em homens, mulheres e adolescentes, permitindo estimar – com uma margem de erro razoável
– a probabilidade de que uma pessoa cometa algum delito. São vinte itens (perguntas) com as
quais o avaliador pode comparar a pessoa avaliada com o perfil típico de um psicopata. Na
realidade, é uma escala de avaliação. Ou seja, é aplicado por meio de uma entrevista
34

semiestruturada por meio da qual o profissional responsável pela aplicação, deve avaliar cada
pergunta formulada com uma pontuação entre 0 e 2. E o resultado dessa avaliação não decorre
apenas da entrevista. Também é preciso levar em conta o histórico criminal da pessoa, os
relatórios periciais, histórico profissional e familiar, atas de julgamentos, avaliações de iguais etc.
Os itens avaliados nesse teste de psicopatia se compõem da seguinte lista:
1 Loquacidade/Encanto superficial. Que se refere à facilidade ou aptidão para
discursos.
2 Egocentrismo/Grande sensação de valor próprio, que se define com um
conjunto de atitudes ou comportamentos indicando que um indivíduo se refere
essencialmente a si mesmo.
3 Necessidade de estimulação/Tendência ao tédio. A pessoa sempre está
envolvida com algo novo ou perde o interesse pelo que tem ou faz no momento presente.
4 Mentira patológica consiste em compulsão em mentir, sem benefícios externos
e geralmente restritos a assuntos específicos, para se apresentar de maneira bem vista
socialmente.
5 Direção/Manipulação refere-se à influência social que visa mudar o
comportamento ou a percepção dos outros por meio de táticas indiretas, enganosas ou
dissimuladas.
6 Falta de remorso e culpabilidade. Consiste, respectivamente, no abatimento da
consciência que percebe ter cometido uma falta, um erro, estado ou característica do que é
culpável.
7 Baixa profundidade dos afetos. Não consegue desenvolver laços profundos com
as pessoas com as quais se relaciona.
8 Insensibilidade/Falta de empatia referem-se, respectivamente, na capacidade de
emocionar-se, de experimentar sentimentos de afeição, de amor, de piedade, pena etc.; frieza,
indiferença, dureza e ausência da capacidade de se colocar no lugar do outro.
9 Estilo de vida parasita. Não costuma lutar para ter o que quer, pois sente que
deve ser servido.
10 Falta de controle comportamental. Não cumpre regras comportamentais, em
função da falta de empatia, sendo capaz de sorrir, desdenhar de alguém cuja compaixão
despertaria em outras pessoas.
35

11 Comportamento sexual promíscuo. Não consegue se relacionar com uma só


pessoa, pois não consegue ter um relacionamento profundo, fato que revelaria seus traços
de personalidade.
12 Problemas de comportamento precoces. Como não tem compromisso com a
continuidade e aprofundamento de suas relações, pode apresentar comportamentos
precoces como um pedido de casamento logo no início do relacionamento, mesmo que não
vá levar o relacionamento à frente.
13 Falta de metas realistas em longo prazo. Como não se aprofunda em relações
sejam elas no âmbito pessoal, no âmbito profissional não tem metas realistas que
necessitarão de um longo período de tempo até que estas se cumpram.
14 Impulsividade consiste em uma tendência a agir sobre um capricho, exibindo
comportamento caracterizado por pouca ou nenhuma premeditação, reflexão ou
consideração das consequências.
15 Irresponsabilidade, que se refere à qualidade do que é irresponsável; falta de
responsabilidade onde a mesma é o dever de arcar com as consequências dos próprios atos.
16 Incapacidade de aceitar a responsabilidade das próprias ações. Sempre considera
o que lhe acontece como culpa de outrem.
17 Várias relações conjugais breves. Embora se relacione sempre se afastará com
a iminência do aprofundamento do relacionamento.
18 Delinquência juvenil refere-se aos atos criminosos cometidos ainda na menor
idade.
19 Revogação da liberdade condicional, por sua vez se relaciona com o fato de o
indivíduo quase sempre reincidir no crime, embora seja posto em liberdade condicional, não
consegue ficar sem cometer crime, o que demonstra que o criminoso psicopata não tem
condições de ser reinserido no convívio social.
20 Versatilidade criminal consiste na diferença entre os crimes cometidos. O
Psicopata é capaz de cometer qualquer crime para alcançar seus objetivos mais íntimos.
A realização desse teste baseado em uma entrevista e na análise de diversos relatórios
e tem uma duração de uma hora e meia. O resultado obtido definirá a presença ou não de
tendências psicopáticas, sua significatividade e a possibilidade de cometer atos violentos (ou
de voltar a cometê-los).
36

Não nos ateremos a uma explanação aprofundada desses itens, pois seu detalhamento
não cabe ao nosso objeto de estudo, nem ao gênero textual que ora construímos, embora a
explanação dos itens contribua para a compreensão dos traços de psicopatia.
Em se tratando ainda da distinção entre “Doença Mental” e “Transtorno de
Personalidade” cabe-nos citar Parekh (2018), que na página da Associação Brasileira de Familiares
Amigos e Portadores de transtornos afetivos - ABRATA, defende que a doença mental não é
nada para se envergonhar. É um problema médico, assim como doenças cardíacas ou diabetes.
Assim, as doenças mentais são definidas como condições de saúde que envolvem
mudanças na emoção, pensamento ou comportamento (ou uma combinação delas), estando
associadas à angústia e/ou problemas de funcionamento em atividades sociais, de trabalho ou
familiares.
É relevante considerar os dados da Organização Mundial de Saúde - OMS (doravante,
OMS) que definem a doença mental como algo comum, esclarecendo que um em cada cinco, ou
seja, (19%) dos adultos dos EUA experimentam alguma forma de doença mental; um em cada 24
(4,1%) tem uma doença mental grave e um em cada 12, isto é (8,5%) têm um transtorno de uso
de substância diagnosticável.
Em se tratando do Brasil, a OMS, declara que cerca de 23 milhões de brasileiros, ou seja,
12% da população brasileira apresenta sintomas de transtornos mentais. Ainda, conforme as
pesquisas, cerca de 5% dos cidadãos sofrem com transtornos mentais graves e persistentes.
Entretanto cabe-nos anuir que a doença mental é tratável e que a maioria dos indivíduos
com doença mental continua a desenvolver atividades cotidianas como, por exemplo: preparar
sua própria alimentação, cuidar de seus lares de acordo com suas necessidades de sobrevivência.
A Saúde mental defende que o indivíduo com doença mental pode apresentar um
desenvolvimento eficaz em suas atividades diárias, resultando em atividades produtivas
(trabalho, escola, cuidado) e relacionamentos saudáveis, bem como adaptação à mudança e à
adversidade.
A Doença mental se refere coletivamente a todos os transtornos mentais diagnosticáveis,
que são condições de saúde que estão relacionados às mudanças significativas no pensamento,
emoção e/ou comportamento; aflição e/ou problemas que funcionam em atividades sociais, de
trabalho ou familiares
Quanto à saúde mental, convém destacar que ela é a base para emoções, pensamento,
comunicação, aprendizagem, resiliência e autoestima. A saúde mental também é fundamental
37

para os relacionamentos, bem-estar pessoal e emocional e contribui para a vida saudável e


harmoniosa na comunidade ou sociedade.
Outro ponto cuja observação se faz necessária é que as doenças mentais assumem
muitas formas. Algumas são leves e interferem de maneira limitada na vida cotidiana, como
certas fobias (medos anormais). Outras condições de saúde mental são tão graves que uma
pessoa pode precisar de cuidados em um hospital.
O conceito de doença mental não se encontra em dicionários de forma conjunta.
Encontrou-se o conceito de doença como alteração da saúde, que se manifesta por sintomas,
possíveis de serem identificados, ou não; enfermidade, moléstia. Já para o termo mental foi
encontrada a definição: diz respeito à mente; espiritual.
Desse modo, consideramos relevante destacar o conceito apresentado no Dicionário de
Psicologia de Mesquita e Duarte (1996, p. 173) para Psicopata ou psicótico “aquele que sofre
de uma psicose; em linguagem vulgar, ‘o doente mental’’’.
Nessa definição se percebe a lacuna existente, em primeiro lugar, na conceituação de
psicopata e em segundo, no momento que enquadram o psicopata no conjunto de doentes
mentais. Contrapomo-nos a essa postura, visto que a Psicopatia se enquadra em Transtorno de
Personalidade e não de Doença Mental. De acordo com textos da literatura especializada –
médicos, psiquiatras e psicólogos – é relevante destacar que esse enquadramento pode vir a
gerar desde a simples incoerência na definição do termo até a inadequação da aplicabilidade das
sanções penais ao Psicopata criminoso. Dirimir esse equívoco representa o foco do presente
trabalho, ponto ao qual nos deteremos mais adiante.
Para tanto passaremos, em seguida, a elencar relevantes elucidações defendidas por
profissionais e pesquisadores da área da Saúde.

2.4 Caracterização do Psicopata

No DSM 5, (2014, p.659) se apresentam relevantes condições de identificação da


Psicopatia em um indivíduo que:
A Desconsidera a violação dos direitos das outras pessoas aproximadamente entre os 15
anos de idade, conforme indicado por três (ou mais) dos seguintes pontos: 1 Fracasso em
ajustar-se às normas sociais relativas a comportamentos legais, haja vista a repetição de atos que
constituem motivos de detenção. 2 Tendência à falsidade, comportamento marcado por
mentiras repetidas, uso de nomes falsos ou de trapaça para ganho ou prazer pessoal.
38

3 Impulsividade ou fracasso em fazer planos para o futuro.

4 Irritabilidade e agressividade, traço de personalidade marcado por repetidas lutas


corporais ou agressões físicas.
5 Descaso pela segurança de si ou de outrem.

6 Irresponsabilidade reiterada, atitude identificada pelo indivíduo não conseguir


manter uma conduta consistente no trabalho ou honrar obrigações financeiras.
7 Ausência de remorso, traço marcado pela indiferença ou racionalização em
relação a ter ferido, maltratado ou roubado outras pessoas.
B O indivíduo tem no mínimo 18 anos de idade.

C Há evidências de transtorno da conduta com surgimento anterior aos 15 anos de idade.

D A ocorrência de comportamento antissocial não se dá exclusivamente durante o curso


de esquizofrenia ou transtorno bipolar.
Partiremos agora à definição de Doença Mental, para que possamos visibilizar a
relevância da conscientização de que o Psicopata tem eminentemente mais traços de Transtorno
de Personalidade do que de Doença Mental.

2.5 Doenças Mentais

Para uma compreensão um pouco mais apurada de nosso objeto de estudo, citamos o
conceito de Capez (2016, p. 327) para a doença mental: “É a perturbação mental ou psíquica de
qualquer ordem capaz de eliminar ou afetar a capacidade de entender o caráter criminoso do fato
ou de comandar a vontade de acordo com esse entendimento”.
Já Faria (2013) define os Transtornos Mentais como disfunções no funcionamento da
mente, que podem afetar qualquer pessoa e em qualquer idade e, geralmente, provocados por
complexas alterações do sistema nervoso central.
A supracitada autora defende que existem diversas modalidades de transtornos mentais,
que são classificados em tipos, e alguns dos mais comuns incluem aqueles relacionados à
ansiedade, depressão, alimentação, personalidade ou movimentos, por exemplo.
Consideramos relevante observar as informações em Faria (2013) acerca da Ansiedade,
da Depressão e da Esquizofrenia.
39

No que concerne à Ansiedade a autora destaca que os transtornos de ansiedade são


muito comuns, presentes em cerca de 1 a cada 4 pessoas que procuram auxílio médico. O
referido transtorno é caracterizado por sensação de desconforto, tensão, medo ou mau
pressentimento, sintomas que são muito desagradáveis e costumam ser provocados pela
antecipação de um perigo ou mesmo sem nenhum acontecimento que justifique os sintomas de
ansiedade.
A autora defende, ainda que as formas mais comuns de ansiedade são a ansiedade
generalizada, a síndrome do pânico e as fobias, que por sua vez são muito prejudiciais tanto por
afetar a vida social e emocional da pessoa, como por provocar sintomas desconfortáveis, como
palpitação, suor frio, tremores, falta de ar, sensação de sufocamento, formigamentos ou
calafrios, por exemplo, e pelo maior risco de desenvolver depressão ou vícios pelo álcool e
medicamentos.
A recomendação de Faria (2013) nos casos citados aponta para a necessidade de
psicoterapia com o psicólogo, além de acompanhamento com o psiquiatra que, em alguns casos,
poderá indicar o uso de remédios que aliviam os sintomas, como antidepressivos ou ansiolíticos.
Nesta perspectiva, é orientada a realização de atividade física e, além disso, pode ser útil o
investimento em métodos naturais ou atividades de lazer como meditação, dança ou yoga, por
exemplo.
Em se tratando da Depressão, Faria (2013) afirma que cerca de 15% das pessoas
apresentam depressão em algum momento da vida. A doença é definida como o estado de
humor deprimido que persiste por mais de duas semanas, com tristeza e perda do interesse ou
do prazer nas atividades, podendo ser acompanhada de sinais e sintomas como irritabilidade,
insônia ou excesso de sono, apatia, emagrecimento ou ganho de peso, falta de energia ou
dificuldade para se concentrar, por exemplo. Nesse caso, a autora indica o acompanhamento
com o psiquiatra, que executará o tratamento de acordo com a gravidade do quadro e dos
sintomas apresentados. A psicóloga defende que a forma mais adequada profícua de tratar a
depressão é por meio da combinação de psicoterapia com um psicólogo e do uso de
medicamentos antidepressivos prescritos por um psiquiatra, que incluem comumente Sertralina,
Amitriptilina ou Venlafaxina, por exemplo.
Para Faria (2013) a Esquizofrenia é o principal transtorno psicótico, caracterizado como
uma síndrome que provoca distúrbios da linguagem, pensamento, percepção, atividade social,
afeto e vontade. Este é mais comum em jovens, no final da adolescência, apesar de poder surgir
ao longo de outras idades, e alguns dos sinais e sintomas mais comuns são alucinações,
40

alterações do comportamento, delírios, pensamento desorganizado, alterações do movimento


ou afeto superficial. Apesar de não se saber exatamente a causa da esquizofrenia, sabe-se que
está relacionada a alterações genéticas que provocam defeitos nos sistemas neurotransmissores
do cérebro, e que pode ser hereditária.
No caso desse último transtorno, Faria (2013) recomenda o acompanhamento
psiquiátrico, que indicará o uso de medicamentos antipsicóticos, como Risperidona, Quetiapina,
Clozapina e Olanzapina, por exemplo. Além disso, é fundamental a orientação à família e o
acompanhamento com outros profissionais da área de saúde, como psicólogos, terapeutas
ocupacionais e nutricionista, por exemplo, para que o tratamento seja completamente eficaz.
Apresentou-se neste texto pontos como as definições e a origem do termo Psicopata, a
definição do referido termo pelos profissionais da área de saúde; a distinção semântica entre os
termos doença mental e transtorno de personalidade; a caracterização do psicopata na literatura
médica especializada e por fim, as condições de algumas doenças mentais, com a finalidade de
situar a psicopatia no que âmbito doença mental ou psicopatia.
Partiremos em seguida a uma breve revisão em função do espaço de que se dispõe no
gênero textual que foi construído por alguns trabalhos de conclusão de curso (doravante,
TCC,s) publicados sobre psicopatas criminosos e as penalidades a eles aplicadas.

2.6 Análise de Alguns Trabalhos de Conclusão de Curso (TCC,s) Publicados


Recentemente

Passaremos daqui em diante a refletir sobre alguns pontos relevantes encontrados no


TCC defendido por Emílio (2013), que retrata sobre os psicopatas homicidas e as sanções penais
a eles aplicadas na atual justiça brasileira, que trouxe o psicopata como objeto de estudo.

Tendo como objetivo demonstrar as sanções penais que são aplicadas na atual justiça
brasileira e seus efeitos, fazendo uma análise do artigo 26 do Código Penal Brasileiro. O
presente trabalho utilizou-se do método de pesquisa, de caráter exploratório e descritivo
qualitativo.
Os resultados alcançados dessa pesquisa apontaram que a justiça brasileira não se
encontra apta a lidar com indivíduos acometidos pela psicopatia, sobretudo, os homicidas.
Deste modo, o trabalho trouxe também uma postura consoante entre os posicionamentos de
uma grande parte de publicações da comunidade psiquiátrica e de juristas, com o entendimento
pela imputabilidade dos psicopatas.
41

Emílio (2013) concluiu através de suas análises, que as estruturas das penitenciárias e
hospitais de custódia estão destinadas apenas ao tratamento de criminosos comuns, sem
nenhum transtorno de personalidade.
Neste ínterim, já é perceptível visualizar um problema nesta última observação da
autora, que se refere ao perigo que a convivência no mesmo espaço físico representa um perigo
para os criminosos comuns.
Outro trabalho que apresenta relevantes informações acerca das penalidades acerca dos
psicopatas homicidas é o de, Rodrigues e Guimarães (2015) publicado na Revista Jurídica no
ano de XV, n. 24, 2015, que descreve e analisa a punibilidade destinada aos indivíduos
acometidos pela Psicopatia. O citado artigo trouxe os conceitos, níveis e características de
acordo com DSM-5 com os critérios diagnósticos realizados através de testes e as devidas
providências judiciais como as penas e as medidas de segurança.
Na esfera do Direito Penal, Rodrigues e Guimarães (2015), identificaram o crime, os
seus elementos, evidenciaram a diferenciação entre os tipos de punibilidade observando-se os
requisitos em conformidade com a lei.
Por fim, Rodrigues & Guimarães (2015) concluem que dependendo do grau de
transtorno de personalidade, o indivíduo possui plena capacidade e consciência dos atos
praticados e não apresenta nenhum arrependimento ao cometê-los.
Ademais, os autores afirmam que os hospitais psiquiátricos e os presídios não são, locais
adequados para os psicopatas, pois estes, não são doentes mentais e, além disso, podem colocar
em risco a vida e reeducação de outros presos. O mais adequado seria um presídio idealizado
especialmente para os psicopatas com um acompanhamento de uma equipe de
multiprofissionais.
Bueno (2012) apresentam respostas a respeito do assunto com relação a formação
psíquica baseada em FREUD, que constitui as instâncias do Id que consiste no prazer sem
limites, o Ego, cuja percepção desempenha a função de compreender o mundo e o princípio da
realidade, e o superego, que por sua vez apresenta a realidade e suas regras, identificados com
os fatores de ordem biológica, genética e familiar. Nessa pesquisa o método pesquisa, de caráter
exploratório e descritivo, embasado por meio de contribuições da neurociência.
Através da pesquisa teórica realizada, Bueno (2012) percebeu que os psicopatas não
podem ser compreendidos apenas pelos fatores genéticos e biológicos, ou serem considerados
vítimas de uma sociedade injusta, para justificar os atos de atrocidades cometidos contra as suas
vítimas.
42

Convém ressaltar que, o trabalho evidencia a importância das relações afetivas iniciais,
para evitar o surgimento de patologias ou transtornos, concluindo que o tema abordado ainda
necessita de mais estudos e pesquisas para uma melhor e mais detalha da compreensão das
causas do transtorno denominado Psicopatia.
A partir da apresentação das informações apresentadas nas pesquisas cumpre-nos anuir
que é possível defender que há dois pontos relevantes quanto ao nosso objeto de estudo, que já
se previam desde o momento da decisão pelo tema. Estes pontos serão indicados mais adiante nas
considerações finais desta pesquisa.

3 ANÁLISE DO ART. 26 CAPUT, DO CPB

Cumpre ressaltar que o Artigo 26 caput, do CP apresenta uma lacuna ao considerar o


Psicopata como um doente mental, como se percebe a seguir.
Dispõe o art. 26 Código Penal que é isento de pena, o agente que, por doença mental
ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão,
inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com
esse entendimento.
Segundo Capez (2016) o desenvolvimento mental incompleto é: “ainda não se concluiu,
devida a recente idade cronológica do agente ou a sua falta de convivência em sociedade
ocasionando imaturidade mental e emocional. ”
Por outro lado, Taborda (2004) afirma que é uma categoria de casos especiais, que
embora não possa ser classificado como transtorno mental, se identifica com este uma vez que
pode também comprometer capacidades de entendimento ou de determinação do agente.
Como é o caso dos menores de 18 anos, que ainda não possuem desenvolvimento mental
completo.
Em se tratando de indivíduos que apresentam desenvolvimento mental retardado Capez
(2016) afirma que é um como um estágio de vida em que se encontra a pessoa, estando,
portanto, abaixo do desenvolvimento normal para aquela idade cronológica.
Taborda (2004) afirma que o desenvolvimento mental retratado se relaciona com a
deficiência mental que abrangem níveis de acometimento de intensidade diversas, passando
desde a inteligência fronteiriça ou subnormal até graves casos de encefalopatia crônica e
irreversível.
43

Em se tratando da Psicopatia, muitas vezes se tem a ambígua impressão de que os


indivíduos por ela acometidos consistem em pessoas loucas ou doentes mentais, não se
encaixam na visão tradicional das doenças mentais como bem explica Silva (2008, p. 37):

Esses indivíduos não são considerados loucos, nem apresentam qualquer tipo de
desorientação. Também não sofrem de delírios ou alucinações (como a esquizofrenia) e
tampouco apresentam intenso sofrimento mental (como a depressão ou o pânico, por
exemplo). Ao contrário disso, seus atos criminosos não provêm de mentes adoecidas,
mas sim de um raciocínio frio e calculista combinado com uma total incapacidade de
tratar as outras pessoas como seres humanos pensantes e com sentimentos.

Do mesmo modo, defende Hare (2013, p. 38):

Os psicopatas não são pessoas desorientadas ou que perderam o contato com a


realidade; não apresentam ilusões, alucinações ou a angústia subjetiva intensa que
caracterizam a maioria dos transtornos mentais. Ao contrário dos psicóticos, os
psicopatas são racionais, conscientes do que estão fazendo e do motivo por que agem
assim. Seu comportamento é resultado de uma escolha exercida livremente.

Emílio (2013, p.17), após extensa classificação e caracterização do Psicopata elucidou


que: a inimputabilidade prevista no referido art. 26, caput, do CP não pode ser aplicada à
psicopatia, em razão desta não ser considerada doença mental ou um transtorno mental que
qualifique o indivíduo psicopata como inimputável. Posicionamento com o qual acedemos.
Nesse sentido, Nucci (2005, p. 256 apud Emílio, 2013 p. 94) complementa a informação de
Emílio, ao declarar que “não há que se falar em excludente de culpabilidade, mormente porque
não afeta a inteligência e a vontade do agente Psicopata”.

3.1 Imputabilidade

Capez (2016) define a imputabilidade como a capacidade de entender o caráter ilícito do


fato e de determinar-se de acordo com esse entendimento. Nesse sentido, (GRECO, 2013), por
sua vez, defende que o agente precisa ser imputável para ser responsabilizado pelo fato típico e
ilícito por ele cometido. A imputabilidade é a possibilidade de atribuir um fato típico e ilícito ao
agente. A regra é a imputabilidade e a exceção é a inimputabilidade.

É importante ressaltar a contribuição de Mirabete (2003, p.310) ao elucidar de acordo


com “a teoria da imputabilidade moral (livre-arbítrio) que o homem é um ser inteligente e livre,
podendo escolher entre o bem e o mal, entre o certo e o errado, e por isso a ele se pode atribuir
a responsabilidade pelos atos ilícitos que praticou”.
44

Nucci (2009, p.295) define, a imputabilidade penal é o conjunto das condições pessoais,
envolvendo inteligência e vontade, que permite ao agente ter entendimento do caráter ilícito do
fato, comportando-se de acordo com esse entendimento.

Com base na literatura jurídica é possível afirmar que o conceito de imputabilidade penal
não apresenta variações significativas de um doutrinado para outro, apresentando-se como
essências para a definição de imputabilidade conceitos como cognição e volição preservadas,
isto é a capacidade de entender e de querer praticar o ato típico e antijurídico.

3.2 Sanção Penal Adequada ao Psicopata Criminoso

Diante das definições apresentadas neste texto quanto à psicopatia e à imputabilidade


penal surge uma questão cuja resposta faz-se imprescindível ao tratar-se sobre a sanção penal
mais adequada ao psicopata criminoso, a saber: a consideração do psicopata como imputável,
semi-imputável ou inimputável.

Nesse sentido Palhares & Cunha (2012) elucidam que a posição majoritária considera a
psicopatia como um transtorno de personalidade antissocial, cuja capacidade de entendimento
dele não é afetada quanto ao caráter ilícito. Desse modo, o psicopata deve ser tratado pelo
Direito penal como infrator imputável ao qual deve ser imposta pena com sanção adequada ao
delito cometido.
Diante das definições apresentadas neste texto quanto à psicopatia e à imputabilidade
penal surge uma questão cuja resposta faz-se imprescindível ao tratar-se sobre a sanção penal
mais adequada ao psicopata criminoso, a saber: a consideração do psicopata como imputável,
semi-imputável ou inimputável.
É condição sine qua non para a compreensão do direito de punir do estado, a finalidade
da sanção e as consequências jurídicos-penais para uma infração que podem ser a pena ou a
medida de segurança.
Em se tratando da medida de segurança Capez (2016, p 446), defende que é uma “sanção
penal imposta pelo Estado, na execução de uma sentença, cuja finalidade é exclusivamente
preventiva, no sentido de evitar que o autor de uma infração penal que tenha demonstrado
periculosidade volte a punir”.
O posicionamento do autor corrobora com um ponto bastante relevante para o nosso
estudo, que se iniciou a partir da preocupação em apresentar a sanção penal mais adequada ao
45

caso do psicopata criminoso, que por sua vez somente pode receber um dos tipos de penas
dentre as duas espécies de sanções penais, que são a pena ou a medida de segurança. Esta última
não se adequa a ele, por ter exclusivamente caráter preventivo, isto é, apresenta natureza
ressocializadora. E ao caso do psicopata não é tão profícua, pois este tem em sua conduta a
natureza reincidente como já dito na literatura de saúde mental.
Nessa perspectiva, apresenta-se na literatura jurídica, adota-se o sistema vicariante, que
impossibilita a aplicação cumulativa de pena e medida de segurança.
Em face do exposto, ressaltam-se alguns pontos apresentados nos textos compilados
nesta pesquisa quanto à adequação das sanções penais aplicáveis ao psicopata criminoso, como
seguem:
i) Não é adequada a aplicação da medida de segurança ao psicopata, que por sua vez é um
indivíduo que se enquadra nas literaturas especializadas (médicas e/ou jurídicas), como
imputável. Convém aceder ao que determina Nucci (2005, p. 509) acerca da medida de
segurança: “uma espécie de sanção penal destinada aos inimputáveis e, excepcionalmente, aos
semi-imputáveis, autores de um fato típico e antijurídico [...] devendo ser submetido à
internação ou a tratamento ambulatorial.

ii) A medida de segurança não solucionará seu problema (psicopatia), que é um transtorno
de personalidade como elucida Silva (2012, p. 173) “a psicopatia não tem cura, é um transtorno
de personalidade e não uma fase de alterações comportamentais momentâneas”. Em caso de
aplicação dessa medida, o psicopata apenas passará um determinado tempo em um hospital de
custódia, no qual receberá atenção médica – medicamentosa, psiquiátrica, psicológica etc. Nesse
sentido, nem a medicação nem a psicoterapia solucionará o problema, haja vista que o psicopata
de acordo com a literatura médica não pode ser considerado como doente mental, mas como
um indivíduo com transtorno de personalidade. De acordo com Mirabete (2010, n.p.) a medida
de segurança possui finalidade preventiva, a fim de preservar a sociedade da ação de
delinquentes temíveis e recuperá-los com tratamento curativo. iii) O psicopata não pode ser
enquadrado como indivíduo inimputável, haja vista que ele tem a percepção de certo e errado,
bem como da ilicitude do que está praticando.
A esse respeito Mirabete (2003, p. 210) ressalta que de acordo com a teoria da
imputabilidade moral (livre-arbítrio), o homem é um ser inteligente e livre, podendo escolher
entre o bem e o mal, entre o certo e errado, e por isso a ele se pode atribuir a responsabilidade
pelos atos ilícitos que praticou.
46

As observações descritas quanto à penalidade adequada ao psicopata não são previstas


no código penal, aqui está presente a lacuna onde o referido documento abrange apenas o
conceito de doença mental, e o psicopata não tem doença mental e sim um transtorno de
personalidade, que não impede o seu livre-arbítrio de acordo com as leis vigentes.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Atingimos o objetivo deste trabalho que consistia em perscrutar as penalidades


preceituadas no Código Penal Brasileiro aos psicopatas criminosos. Para fazê-lo construímos
nosso trajeto discursivo expondo os seguintes pontos: i) origem e definição do termo Psicopata;
ii) definição do termo psicopata na área de saúde mental; iii) distinção entre os termos doença
mental e transtorno de personalidade; iv) caracterização do psicopata; v) doenças mentais; vi)
análise de alguns trabalhos publicados recentemente; vii) análise do art. 26, caput do Código
Penal Brasileiro; viii) imputabilidade e ix) a sanção adequada aos psicopatas criminosos.
Desse modo, cumpre-se destacar o que assimilamos a partir da pesquisa realizada, que:
a) O psicopata de acordo com a literatura jurídica e médica especializada não se
enquadra no conceito de inimputável, uma vez que a psicopatia é classificada como
transtorno de personalidade. Classificação essa que não o impossibilita de ter
percepção e julgamento acerca de seus próprios atos.
b) A medida de segurança não é adequada ao psicopata criminoso, visto que este não
é inimputável, sendo, portanto imputável. Desse modo, o mais adequado a este seria
a pena e não a medida de segurança.
c) Não há uma legislação específica referente ao caso do Psicopata criminoso, o que
faz com que ele seja julgado como doente mental, classificação equivocada, visto
que o psicopata apresenta transtorno de personalidade, o que impede a
aplicabilidade da lei no âmbito geral, assim, é relevante ressaltar a necessidade da
criação de lei específica aos Psicopatas criminosos.
Resolvemos o nosso problema de pesquisa, que consistia em discutir e analisar as
penalidades aplicadas ao psicopata criminoso a partir da exposição teórica apresentada, fazendo-
nos compreender que é necessária a criação de uma lei específica para o psicopata criminoso,
pois não é adequado julgá-lo com a legislação geral.
47
REFERÊNCIAS

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perturbações mentais. 5.ed. Portugal: Climepsi, 2013.

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28 Ed.. São Paulo: Rideel, 2019. (Série Vade Mecum)

BUENO, Patrícia Bernadete de Abreu. Psicopatia: contribuições da Psicanálise e da


neurociência auxiliando na compreensão das possíveis causas do transtorno. Brazilian
Journaul of Forensic Sciences, Medical Law and Bioethics. 2 (1): 30 – 46. São Paulo. (2012).

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Dicionário on-line de Português disponível em https://www.dicio.com.br/psicopata/ Acesso em


15.04.2020.

EMÍLIO, Caroline Souza. Psicopatas homicidas e as sanções penais a eles aplicadas na atual
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FARIA, Claudia. Transtornos mentais mais comuns: como identificar e tratar. Disponível em
https://www.tuasaude.com/claudia-faria/Acessado em 16 de abril de 2020.

GRECO FILHO, Vicente. Manual de processo penal. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2013.

Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais [recurso eletrônico]: DSM-5 / [American


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MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de direito penal, volume 1: parte geral, arts. 1 a 120 do
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Comportamento da CID-10: Descrições Clínicas e Diretrizes Diagnósticos. Tradução de
Dorgival Caetano. Porto Alegre: Editora Aritmed, 1993. p. 199-200.

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PAREKH, Ranna. O que é doença mental? E saúde mental? Disponível em


https://www.psychiatry.org/patients-families/what-is-mental-illness. Acesso em 16.04.2020.
Tradução: Equipe de tradução ABRATA.
48

RODRIUGES, Myriam Crhistina Alves, GUIMARÃES, Bruna Larissa Marques. Psicopatas


homicidas e suas punibilidades no sistema penal brasileiro. Orientadora: Bruna Larissa
Marques Guimarães. Revista Jurídica, ano XV nº24, 2015, v 1, jan- jun, Anápolis- Go UniEvangélica.

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SZKLARZ, Eduardo. Máquinas do crime. SUPERINTERESSANTE: Mentes psicopatas, São


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TABORDA, José G.V.; CHALUB, Miguel; ABDALLA-FILHO, Elias. (Orgs.). Psiquiatria


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TRINDADE, Jorge; BEHEREGARAY, Andréa; CUNEO, Mônica Rodrigues. Psicopatia – a


máscara da justiça. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2009. p. 23.
49

UTILIZAÇÃO DE CONTRATOS DE CONCESSÕES COMO


ALTERNATIVA PARA PRESTAÇÕES DE SERVIÇOS PÚBLICOS EM
MEIO À CRISE FISCAL

Auricélia dos Santos Lobão Lima1

1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho visa demonstrar como os Contratos de Concessão podem ser


utilizados atualmente como forma de garantir a prestação de serviço público de qualidade e de
forma eficiente, considerando a situação fiscal e a segurança jurídica.
A ordem constitucional vigente contemplou o ordenamento jurídico brasileiro com a
possibilidade se delegar ou outorgar o ônus do exercício da prestação de determinados serviços
públicos dos quais o Estado é titular da obrigação prestacional, devido às mudanças estruturais na
sociedade e a necessidade de descentralização da prestação de serviços públicos.
Diante das diretrizes constitucionais, o legislador ordinário editou um arcabouço legislativo
que visou regular a referida determinação constitucional, criando primeiro a possibilidade de
contratos de concessão comum, precedida ou não de obra, e posteriormente as concessões
especiais, com as inovações trazidas por duas modalidades, as concessões administrativas e as
patrocinadas.
Devido a efetividade desses modelos de contratação via concessões, é possível observar
como essas podem transformar a máquina pública para a prestação regular dos serviços públicos,
garantindo a máxima eficácia da garantia destes.
Diante de todo o aparato das concessões, tanto comuns quanto especiais, é possível se
questionar como se deu o surgimento dos contratos de concessão e sua introdução dentro do
direito brasileiro. Quais as diferentes modalidades de concessões de serviços públicos e quais as
situações que cada uma delas podem ser usadas no caso concreto? Como as concessões podem ser
usadas para incentivar o investimento privado no setor público em tempos de crise e garantir o
máximo da eficiência da prestação dos serviços públicos? Como o Estado pode utilizar essa
estrutura contratual para, em meio a limitações fiscais, realizar a prestação de serviços públicos?

1
Aluna do curso de Bacharel em Direito da Faculdade Estácio de Sá, Campus Teresina/PI
50

Os contratos de parceria com a inciativa privada por meio de concessões representam uma
evolução histórica das formas de prestação do serviço público; sendo a primeira fase com uma
ausência do estado na prestação; a segunda fase com a prestação direta realizada pelo ente possuidor
do ônus prestacional; a terceira fase com o início das prestações indiretas por meio de concessões
e permissões; e, por fim, a quarta fase com a prestação com distribuição de riscos.
Dessa forma, é possível observar que, com os contratos de concessão, comuns e especiais,
o Estado passa a agir como um verdadeiro gestor, pois nasceram da falta de recursos públicos, da
ineficiência na gestão governamental e da necessidade de distribuir os riscos para atrair ainda mais
os parceiros privados nas contratações públicas.
Este trabalho busca, de forma abrangente, mostrar como as concessões podem garantir
uma melhor efetivação dos serviços públicos, em meio às necessidades fiscais do Estado, uma vez
que as contratações nesses tipos de contratos são a longo prazo, o que permite investimento e
retorno progressivo, além de visualizar como esses tipos de concessões podem gerar diminuição
das despesas essenciais através do compartilhamento de riscos. Tais diretrizes estão previstas na
Constituição Federal e nas Leis nº 8.987/95 e nº 11.079/2004 e suas respectivas alterações, que
serão base deste estudo.

2 SURGIMENTO DOS CONTRATOS DE CONCESSÃO

Em meados do século XX, depois da primeira guerra mundial, surgiu no mundo todo um
fenômeno relativamente novo, que seria o fenômeno da atividade prestacional do Estado, focado
no estado de bem-estar social, com o surgimento das constituições sociais – constituição de Weimar
de 1919 e constituição mexicana de 1917 – que iniciaram um novo ciclo de objetivos da
Administração Pública, a prestação de serviços públicos.
O Estado, dentro da evolução da sua concepção de obrigações e diante das novas
necessidades dos seus administrados, com a inauguração de novas conquistas sociais e a evolução
de novas gerações de direitos, passou a ter como foco a dignidade dos indivíduos por meio da
disponibilização de serviços básicos, a própria legitimação de direitos individuais e políticos.
Através de direitos econômicos, sociais e culturais, inaugurou uma nova fase de ônus prestacional
para a Administração Pública.
No início, os serviços públicos eram prestados de forma direta pelo Estado, que
asseguravam a distribuição dos serviços essenciais à população. Porém, com o passar do tempo, o
aumento da demanda pelas prestações positivas do Estado, se instalou um ambiente quase
51

impossível da Administração Pública realizar a prestação dos serviços apenas diretamente, usando
de entes exclusivamente estatais, surgindo assim as formas de prestação indireta dos serviços
públicos através da descentralização, utilizando-se da outorga (descentralização por serviço) ou da
delegação (descentralização por colaboração).
As descentralizações por colaboração acontecendo quando houvesse a participação de
entes privados como sujeitos ativos da prestação do serviço público à população, se utilizando de
contratos administrativos como concessões e permissões de atividades públicas.
Foram trazidas para dentro do regime jurídico administrativo formas para realizar essa
parceria por descentralização, sendo o ordenamento contemplado com formas de contratação para
entidades privadas para que realizassem tal atividade, por meio de qualificação técnica específica e
que resultasse no menor ônus final para a administração pública.
As chamadas concessões comuns resultam na descentralização de serviços pelo poder
público, com ausência de ônus para administração, deslocando assim o ônus da prestação dos
serviços para o setor privado. Já as concessões especiais, ou parcerias público-privadas,
caracterizam outra forma de descentralização, geralmente de serviços que necessitem de
contraprestação da Administração para serem sustentados.
As parcerias público-privadas, como espécie de concessão, foram consequências naturais
da busca de soluções para a prestação de serviço públicos época de crise econômica e fiscal.
Os primeiros fenômenos das PPPs surgiram na Europa, inicialmente no Reino Unido,
através de programas de governo que atrelavam as parcerias públicas e privadas (PFI) para o
desenvolvimento de serviços públicos.
O objetivo do Reino Unido com a PPP/PFI era construir um quadro de desenvolvimento
de projetos públicos com captação e participação de capital privado.

Configurada como um programa do Governo, a PFI aliou os universos público e privado


com um triplo objectivo: aumentar a capacidade de financiamento do sector público,
mediante a introdução de pagamentos plurianuais associados à duração dos contratos;
melhorar a qualidade dos serviços públicos, impondo ao parceiro privado critérios de
qualidade, de cujo cumprimento dependiam os pagamentos; e, ainda, diminuir a despesa
pública, aproveitando a competência e a capacidade de inovação do sector privado, bem
como as economias realizadas pela aquisição das infraestruturas de suporte à prestação
dos serviços públicos contratados. (AZEVEDO, 2008, p. 124-125)

Na França, assim como no Reino Unido, houve o desenvolvimento desses tipos de


prestação de serviços públicos, através de contratos específicos com o setor privado, que garantiam
melhor forma de prestação das atividades públicas:

O “contrat de partenariat public-privé”, que representa, aliás, a marca singular da política


nacional em matéria de parceria e confere ao país um lugar de destaque no universo PPP,
correspondeu a uma iniciativa legislativa animada pelo objectivo de
52

superar o atraso em relação à adopção das práticas entretanto desenvolvidas à escala


internacional para promover renovadas parcerias entre os universos público e privado.
(AZEVEDO, 2008, p. 137)

Na Itália, a evolução das formas de contratação de serviços públicos foi desenvolvida


utilizando o procedimento do “Promotore” como instrumento principal de prestação de serviços
públicos com parceria dos entes privados:

A partir da década de noventa, [a Itália] num quadro de rigor financeiro ditado pela
participação no projecto da UEM, a urgência em superar o “handicap” infraestrutural
conduziu a perspectivar a associação do financiamento e gestão privados como a forma
mais pragmática e eficaz de potenciar a ultrapassagem de uma redução crónica,
porventura endémica, do investimento público. (AZEVEDO, 2008, p 144)

No Brasil, a delegação de serviços públicos, assim como as demais contratações e parcerias


com o parceiro privado, foi possível graças ao advento da Constituição federal de 1988, na qual
prevê em seu art. 175 que “incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão
ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos”.
O constituinte definiu ainda pilares fundamentais nos quais as concessões deverão ser
embasadas:

Art. 175 (...)


Parágrafo único. A lei disporá sobre:
I - o regime das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, o
caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação, bem como as condições de
caducidade, fiscalização e rescisão da concessão ou permissão;
II - os direitos dos usuários;
III - política tarifária;
IV - a obrigação de manter serviço adequado.

Dessa forma, as primeiras modalidades de concessões nasceram no Brasil no Governo


Fernando Henrique Cardoso, com a Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, contendo a disposição
sobre o “regime de concessão e permissão da prestação de serviço público previsto no art. 175 da
Constituição Federal”, com duas modalidades de contratação: Concessão Comum de Serviço
Público (art. 2º, II, da referida Lei) e a Concessão de Serviço Público Precedida da Execução de
Obra Pública (art. 2º, III, da mesma Lei).
Ainda no Governo FHC, foi encaminhado o PL 2546/2003, que viria a se tornar, no
Governo seguinte, a Lei nº 11.079, de 30 de dezembro de 2004, que instituiu normas gerais para
licitação e contratação de parcerias público-privadas no âmbito da administração pública,
inaugurando uma nova política de contratação e dois novos modelos de concessões: a concessão
patrocinada, art. 2º, §1º, e a concessão administrativa, art. 2º, §2º.
53

O constituinte, ao dar permissão ao legislador ordinário para a construção desse novo


modelo de contratação, trouxe exigências básicas para a sua instalação, traçando uma escala
complexa e evolutiva até o conceito de concessões especiais trazido pela lei 11.079/04.
As concessões especiais, de certa forma, estão dentro do ordenamento jurídico brasileiro
no ápice de um processo evolutivo, que passou por várias fazes, vindas desde os primeiros
processos de descentralizações das prestações de serviços públicos, até os modelos de concessão
comuns trazidos pela lei 8.987/95, se tornando uma alternativa para diminuir os impactos da crise
fiscal e solucionar os graves problemas de infraestrutura do país.

3 OS TIPOS DE CONCESSÃO E SUAS PRINCIPAIS DIFERENÇAS

Nesta seção, com o objetivo de conceituar os tipos de concessão e suas principais


diferenças, dividimos em dois tópicos. O primeiro trata de concessão comum de serviço público e
o segundo das concessões especiais patrocinada e administrativa.

3.1 Concessão Comum de Serviço Público

Os contratos de concessão comuns, precedidos ou não de obra, são espécies de contratos


administrativos, por isso são dotados de determinadas prerrogativas, previstas em lei, submetidos
a regime jurídico específico.
A Lei 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, regulamentou o regime constitucional disposto
pelo Art. 175, da Constituição Federal, dispondo sobre as permissões e principalmente sobre os
tipos de concessões existentes até a época.
O Art. 2º da lei classifica os dois tipos de concessões de serviços públicos, no seu inciso II,
definindo a concessão de serviço público como sendo a delegação da prestação, feita pelo poder
concedente, mediante licitação, na modalidade de concorrência, à pessoa jurídica ou consórcio de
empresas que demonstre capacidade para seu desempenho, por sua conta e risco e por prazo
determinado.
Já no inciso III, a lei define a concessão de serviço público precedida da execução de obra
pública como a construção, total ou parcial, conservação, reforma, ampliação ou melhoramento
de quaisquer obras de interesse público, sendo submetido aos mesmos critérios gerais da anterior.
Ambos os tipos de concessão, precedida ou não de obra, tem requisitos legais
preestabelecidos e prerrogativas que os distinguem de outros tipos de contratação.
54

O serviço é feito por delegação, ou seja, há uma transferência do ônus da prestação do


serviço público. Dessa forma, o Estado delega a terceiro a execução da titularidade prestacional de
determinado serviço, sendo essa delegação de forma legal (outorga) ou negocial, e sendo
fundamental a identificação do ente federativo para a identificação do fato de competência para
tratar eventuais litígios.
A concessão sempre será feita pelo poder concedente, que será o ente público responsável
pela titularidade do serviço público, sendo delegada apenas a titularidade de execução.
Esse tipo de contrato só é admitido por concorrência pública, podendo ser para empresa
ou consórcio de empresas. A remuneração do contrato será paga pelos usuários do serviço público,
porém, o STJ já se manifestou sobre a necessidade de uma via alternativa e gratuita para o usuário
em caso de pedágio.
Nesse tipo de contrato, a prestação do serviço será por conta e risco do concessionário,
podendo ser elaborada uma matriz de distribuição de outros riscos correlatos, uma vez que a
responsabilidade do concessionário é objetiva, pois é aplicado, de forma análoga, o art. 37, §6º da
Constituição Federal. A responsabilidade do ente público virá em caso de esgotamento das
possibilidades de ressarcimento dos danos, sendo uma responsabilidade subsidiária.
Os contratos de concessão de serviço público, como outros contratos administrativos, são
submetidos ao princípio da vinculação ao instrumento convocatório e ao procedimento licitatório.
Dessa forma, os preços praticados pela concessionária devem ser fixados de acordo com a proposta
vencedora, sendo os valores das tarifas estruturadas com base em fluxo e sistemas de pesos
aprovados pela comissão de licitação no âmbito da competição.
A Lei de concessões permite ainda algumas mudanças dentro do próprio procedimento
licitatório que coadunam com a eficiência do processo administrativo no caso da inversão de fases.
Traz ainda possibilidades de intervenção do poder concedente para assegurar o fiel cumprimento
do interesse público.

3.2 Concessões Especiais: Patrocinada e Administrativa

Além dos tipos de concessões comuns, precedida ou não de obra, o ordenamento jurídico
brasileiro, seguindo boas práticas internacionais já demonstradas, recebeu mais uma inovação com
a lei que instituía as Parcerias Público-Privadas, criando as chamadas concessões especiais, divididas
em duas modalidades de contratação: a concessão administrativa e a concessão patrocinada. A
doutrina conceitua esses contratos da seguinte forma:
55

É uma forma de participação do setor privado na implantação, melhoria e gestão da


infraestrutura pública, principalmente nos setores rodoviários, ferrovias, hidrovias,
portos, energia etc., como alternativa à falta de recursos estatais para investimentos nessas
áreas. (MEIRELES, 2015, p.491)

Dessa forma, essa modalidade de contratação é compreendida como uma alternativa à


necessidade de implementação de melhorias e gestão da infraestrutura pública no cenário de
escassez de recursos para investimentos, respeito à saúde fiscal e eficiência de gestão do gasto
público, uma vez que existe a cooperação entre parceiros públicos e privados para a prestação de
serviços, garantindo a continuidade do serviço público.
A Lei 11.079/2004, que inaugurou as disposições sobre as concessões especiais, em seu
Art. 2º, traz as duas modalidades desse tipo de contrato, sendo conceituada pela própria lei nos
termos:

Art. 2º ...

§ 1º Concessão patrocinada é a concessão de serviços públicos ou de obras públicas de


que trata a Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, quando envolver, adicionalmente à
tarifa cobrada dos usuários, contraprestação pecuniária do parceiro público ao parceiro
privado.
§ 2º Concessão administrativa é o contrato de prestação de serviços de que a
Administração Pública seja a usuária direta ou indireta, ainda que envolva execução de
obra ou fornecimento e instalação de bens.
§ 3º Não constitui parceria público-privada a concessão comum, assim entendida a
concessão de serviços públicos ou de obras públicas de que trata a Lei nº 8.987, de 13 de
fevereiro de 1995, quando não envolver contraprestação pecuniária do parceiro público
ao parceiro privado.

Segundo disposição legal, a principal diferença entre as duas modalidades de contratação,


patrocinada e administrativa, é que a primeira poderá ser usada nos mesmos casos em que a lei que
institui as concessões comuns (Lei nº 8.987/1995), porém, em relação à remuneração do
concessionário, será praticado a união entre a tarifa e a contraprestação vinda do setor público. Já
a segunda traz a obrigatoriedade de que a administração pública seja usuária direta ou indireta do
serviço, sendo assim remunerado exclusivamente com contraprestação pecuniária.
Para Di Pietro (2011), as concessões patrocinadas podem ser entendidas como um contrato
administrativo a partir do qual o poder concedente delega a uma concessionária, sendo empresa ou
consórcio de empresas, a execução de determinado serviço público, precedido ou não de obra,
através de cobrança de tarifas, pagas pelos usuários, e contraprestação pecuniária, paga pelo poder
público ao parceiro privado, prestador de serviços.
No sentido da Lei, as concessões administrativas são definidas como contrato de prestação
de serviços, como objeto principal, no qual a administração pública seja usuária direta ou indireta,
ainda que envolva a execução de obra ou fornecimento de instalação de bens, como
56

traz o art. 2º, §2º da lei. Desta forma se difere da modalidade patrocinada, na qual subsiste um
usuário diferente do Estado, ou seja, existe o pagamento de tarifa além da contraprestação
pecuniária, na concessão administrativa o serviço é direcionado para a própria Administração
Pública. Assim, a única forma de remuneração do parceiro privado é através da contraprestação
pecuniária.
Existem critérios específicos para realização dos contratos de concessões especiais, em
ambas as modalidades, diferenciando-os dos contratos previstos pela Lei nº 8.987/1995, como a
necessidade de constituição de uma sociedade com propósito específico, a limitação com as
despesas do contrato, tempo de contratação e vedações, a apresentação de garantia contratual pelo
poder concedente, critérios objetivos para avaliação de desempenho, alocação de risco e os
mecanismos para a preservação da atualidade da prestação dos serviços.
Para iniciar a estruturação de um contrato de parceria com o setor privado, seguindo os
moldes normativos trazidos pela lei, é necessário observar que o prazo de vigência do instrumento
deve ser compatível com a amortização dos investimentos realizados no decorrer do lapso temporal
que durar o referido, não sendo inferior a 5 anos, nem superior a 35 anos, incluindo eventual
prorrogação (art. 5º, I, Lei 11.079), sendo trazido como vedação da própria lei, a contratação cujo
valor do contrato seja inferior a R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais) (art. 2º,§4°,I, Lei 11.079),
ou ainda que tenha como objeto único o fornecimento de mão-de-obra, o fornecimento e
instalação de equipamentos ou a execução de obra pública (art. 2º,§4°,III, Lei 11.079).
Com relação às Sociedades de Propósito Especifico (SPE), a lei exige, em seu art. 9º, de
que “antes da celebração do contrato, deverá ser constituída sociedade de propósito específico,
incumbida de implantar e gerir o objeto da parceria”. Meireles (2017) entende que a constituição
de uma nova pessoa jurídica tem como objetivo a separação da entidade interessada na parceria
daquele que, após a licitação, está incumbida da execução do objeto do contrato, viabilizando com
isso, maior controle por parte do poder concedente. Os parágrafos seguintes do Art. 9º da Lei
determinam que a SPE deverá obedecer aos padrões de governança coorporativo.
A prática da constituição de uma nova pessoa jurídica, desvinculada de passivos pretéritos,
tem maior facilidade conseguir financiamento junto às instituições financeiras para execuções dos
investimentos do projeto licitado, por exemplo.
Com o propósito de tornar o negócio jurídico mais seguro e atrativo para os investimentos
de capitais privados, a lei traz a exigência de garantia contratual por parte do poder concedente,
entre elas, a possibilidade de vinculação de receitas para diminuir o risco do negócio
57

e manter a continuidade de determinados serviços públicos, sobretudo os essenciais (Art. 8º da Lei


11.079/2004).
Outro diferencial das demais modalidades de contratação com o setor público é a exigência
de um sistema de mitigação de riscos e de análise periódica dos serviços, vinculados ao princípio
da eficiência, constitucionalmente explícito, para facilitar a dissolução de conflitos e trazer mais
clareza, segurança e transparência para o contrato administrativo.

4 RELAÇÃO ENTRE O CONTRATO DE CONCESSÃO E A SANIDADE FISCAL

Os contratos administrativos de delegação de prestação de serviços por meio de concessões


têm evoluído nos últimos anos, com a experiência obtida e vários casos que lograram êxito em
todo o país, além da evolução natural das políticas públicas voltadas às prestações de serviços
essenciais dentro de um contexto de crise financeira e eventuais crises fiscais.
Em 2004, com a promulgação da Lei de PPPs, tivemos um grande salto dentro da expertise
do setor público para estruturar bons projetos de participação com instituições privadas para
conseguir firmar políticas econômicas que possibilitassem tanto a desoneração do Estado quanto
à execução da política prestacional, até o melhoramento de serviços essenciais realizados pelo setor
privado e colaboração.
Outros dois grandes saltos na estruturação de bons projetos e aumento eficiência do poder
público foram o Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), oriundo da MP 727/16 que foi
convertida na lei 13.334/16, e o marco legal do saneamento básico (projeto de Lei 4162/2019, do
Poder Executivo), que poderá facilitar a universalização dos sistemas essenciais de saneamento
básico e fornecimento de água, aumentando os incentivos para a iniciativa privada e elevação da
competitividade.
A Lei de Concessões, assim como a Lei de PPPs, são ferramentas importantes para a
manutenção e continuidade na prestação de serviços públicos essenciais, e ambas esbarram nos
limites fiscais e econômicos do Estado, por isso devem ser precedidas de estudos de impacto
econômico-financeiro e social, para que se mostre a viabilidade da contratação (Art. 10º e Art. 14
da Lei 11.079/2004).
58

5 CONCLUSÃO

Considerando a análise dos conceitos e metodologia da possibilidade de delegação do ônus


do exercício da contratação de serviço público autorizado constitucionalmente e os modelos de
contratação trazidos pelas leis de concessões, comuns e especiais, Lei 8.987/95 e Lei 11.340/2004,
respectivamente, com os aspectos teóricos e seus impactos institucionais, é importante entender
que tal instituto do ordenamento representa apenas uma alternativa, dentre outras muitas, que visa
manter a prestação continuada de serviços públicos, objetivando a eficiência, qualidade e, em alguns
casos, a redução de desprezas, tornando-se uma forma prestacional sustentável que respeite as
limitações fiscais do Estado e garanta o melhor para os seus administrados.

A política pública de contratação de concessões no âmbito da Administração Pública


sempre deve se ater à análise dos casos e dificuldades concretas dentro de cada projeto e demanda,
individualmente, a partir da construção de Estudos que sejam responsáveis por checar a viabilidade
dos projetos e seus respectivos impactos, do ponto de vista econômico-financeiro, com a checagem
do value for money, impacto social, quais grupos serão afetados e como serão afetados, além dos
impactos ambientais e jurídicos, para que se possa encontrar o melhor modelo de governança e o
melhor lugar da estrutura jurídico-administrativa para gerenciar um contrato de tamanha
complexidade.

A que se falar, entretanto, que nem todas as dificuldades financeiras e orçamentárias de um


Estado e nem todos os problemas de insuficiência na prática de gerenciar determinados programas
e ônus com relação a prestação de serviço encontram no modelo de contratação por concessões a
melhor das alternativas.

O Poder Concedente do serviço tem a obrigação de conciliar cada caso com sua melhor
alternativa para preservação do interesse público e a preservação da continuidade do serviço, a fim
de não usar um determinado modelo de contratação ou de gestão como um sistema genérico a ser
usado em todos os casos para resolver todos os problemas.

O presente trabalho, portanto, teve a finalidade de demonstrar que, diante da necessidade


do poder público, os contratos de parcerias com a iniciativa privada através de concessões, comuns
ou especiais, podem ser uma alternativa para preservação e manutenção na prestação de serviços
públicos, sempre considerando a necessidades fiscais do Estado.
59

REFERÊNCIAS

AZEVEDO, Maria Eduarda. As parcerias público-privadas: instrumento de uma nova


governação pública. Lisboa: Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 2008.

BALTER NETO, Fernando Ferreira; TORRES, Ronny Charles Lopes de. Direito
Administrativo. 9.ed. Salvador: Juspodivm, 2019.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988.

BRASIL. Lei n. 8.987, de 13 de fevereiro de 1995. Dispõe sobre o regime de concessão e permissão
da prestação de serviços públicos previsto no art. 175 da Constituição Federal, e dá outras
providências. In: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8987cons.htm. Acesso em: 27 de
março de 2020.

BRASIL. Lei n. 11.079, de 30 de dezembro de 2004. Institui normas gerais para licitação e
contratação de parceria público-privada no âmbito da administração pública. In:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004- 2006/2004/Lei/L11079.htm. Acesso em: 26 de
março de 2020.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na administração pública: concessão, permissão,


franquia, terceirização, parceria público-privada e outras formas. 8.ed. São Paulo: Atlas, 2011.

MARINELA, Fernanda. Direito Administrativo. 11.ed. São Paulo: Saraiva.2017.

MEIRELES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 41.ed. São Paulo: Malheiros, 2015.

REsp 617.002-PR, Rel. Min. José Delgado, julgado em 5/6/2007


60

A LIMITAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Beatriz dos Santos Pontes1

1 INTRODUÇÃO

Você sabia que é plenamente possível a flexibilização dos direitos fundamentais? Esses
direitos são essenciais para a vida humana, lembre-se de que vivemos em um mundo onde
deveríamos respeitar os direitos fundamentais de quem nos rodeia e valorizar uns aos outros, mas
isso simplesmente não acontece porque imaginamos que estas são tarefas árduas, impossíveis e
assustadoras.

Imaginamos que se trata de atos tão difíceis, que só podem ser tratadas por uma heroína
nascida em um palco totalmente político que até então é a realeza democrática. Diante da luta para
a existência de tais direitos é que nos faz refletir e perguntar: que tipo de mundo estamos vivendo?
E em que tipo de mundo você quer viver? É verdadeiramente possível flexibilizar tais direitos?

2. DESENVOLVIMENTO

2.1 Direitos Fundamentais

Os direitos fundamentais que estão previstos na Constituição Federal, no título II, que vai
do artigo 5 ao 17, são segundo a professora Amanda Almozara instrumentos jurídicos para a

1 Bacharel em Direito no ano de 2020.1 pela Faculdade Estácio Teresina/ Endereço da plataforma lattes:
http://lattes.cmpq.br/8223931881212013/ E-mail: belazpontes14@gmail.com
61

proteção do indivíduo frente a atuação estatal, ou seja esses direitos são as armas que o cidadão ou
indivíduo usa para se proteger do Estado em face de sua atuação.
Mas por que o Estado é esse vilão? Na verdade o vilão não é o próprio Estado mas quem
o governa, uma vez que tem alguém no exercício do poder este pode cometer abusos e
arbitrariedades contra seus governados, é por isso que esses direitos são elencados para estabelecer
o mínimo necessário para que a pessoa venha a ser respeitada na sociedade e tenha condições
dignas de vida.
Os direitos fundamentais são históricos, pois os mesmos vieram de primórdios marcados
por guerras e revoluções. José Afonso da Silva, afirma que os direitos fundamentais “são históricos
como qualquer direito. Nascem, modificam-se e desaparecem”, nesse sentido Bobbio afirma:

Que os direitos do homem, por mais fundamentais que sejam, são direitos históricos, ou
seja, são nascidos em certas circunstâncias, caracterizados por “lutas em defesa de novas
liberdades contra velhos poderes, e nascidos de modo gradual, não todos de uma vez e
nem de uma vez por todas” (BOBBIO, 2004, p. 05-06).

Com isso ele afirma que são necessárias situações propicias para o surgimento do mesmo
já que os conteúdos dos direitos fundamentais mudam com tempo e segue a atualização da era
moderna, se analisarmos a fundo notamos que muitos deles foram flexibilizados de forma que
tomaram outros sentidos e até ressignificados no que tange gênero e número. Exemplo disso é a
família, “a família é sem sombra de dúvida, o elemento propulsor de nossas maiores felicidades e,
ao mesmo tempo, é na sua ambiência em que vivenciamos as suas maiores angústias, frustrações,
traumas e medos” (GAGLIANO; FILHO, 2012, p.38).
A Constituição Federal (BRASIL, 2017), afirma no caput do art. 226 que a família, base da
sociedade tem especial proteção do Estado, seus parágrafos seguem mostrando a diversidade da
família moderna que antes era patriarcal e hoje pode ser entre filho e mãe ou pai e filho (família
monoparental), pai, mãe, avos, tios, filhos (família extensa) e pessoas do mesmo sexo e um filho
(família homo parental).

2.2 Limitação dos Direitos Fundamentais

Diante do quadro atual, como os direitos fundamentais devem ser limitados para que não
ocorra um inconveniente banalização desses direitos mais importantes?
O Direito fundamental segundo a Constituição Federal são aqueles elencados para a
proteção da dignidade da pessoa humana, eles possuem a mesma finalidade dos direitos tidos
62

como direitos humanos, porém são dotados de desproporção visto que os direitos humanos possui
cunho mundial já que este vem assegurado na Declaração Universal dos Direitos Humanos da
Organização das Nações Unidas.
Os direitos fundamentais são elencados entre os artigos 5 e 17 da nossa constituinte, vale
destacar que o direito por sua vez declara e as garantias asseguram. Esses direitos em especial devem
ser usados tanto no direito público quanto no privado, vez que eles são essenciais para a vida
humana como já afirma José Afonso da Silva quando enfatiza o termo “direitos fundamentais do
homem” ele considera que para respeitar o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, é necessário
que esses direitos sejam prerrogativas e que o direito positivo concretize.
Observa-se que as garantias fundamentais resguardam os direitos estabelecidos no nosso
ordenamento jurídico que não estão sendo cumpridos. No quadro atual analisa-se a chamada
quarentena e o isolamento social, que é fundamentada no artigo 196 da Constituição Federal que
impõe ao estado o dever de cuidar da saúde da população.

Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas
sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao
acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e
recuperação (CONSTITUIÇÃO FEDERAL, 1988).

Em cumprimento a esse artigo e visando a redução do risco de doença o Estado estipulou


medidas chamas da quarentena, isolamento social e prestação dos serviços somente considerados
mais necessários.

2.3 Restrições

A Quarentena é a restrição de atividades ou separação de pessoas com suspeita de


contaminação das que estão saudáveis, essa restrição se expande a tudo que possa causar qualquer
tipo de aglomeração ou contato com objetos passiveis de transmitir contaminação como bagagens,
mercadorias, meios de transporte, como forma de conter uma possível propagação de vírus.

Figura 1 – Polícia civil fecha igreja que fazia culto presencial no Jurunas, em Belém.
Fonte:https://g1.globo.com/pa/para/noticia/2020/04/27/policia-civil-fecha-igreja-que-fazia-culto-presencial-no-
jurunas-em-belem.ghtml.
63

Quarentena não significa necessariamente que serão apenas 40 dias, esse prazo pode ser
prorrogável, ele é estipulado para garantir o melhor atendimento médico no território, essa medida
só pode ser determinada por meio administrativo formal e justificado que deverá ser editado pelo
ministro do estado, secretário da saúde do município, Distrito Federal ou superiores de cada gestão
devendo ser publicada no diário oficial.
A distinção do isolamento social ocorre porque neste separa-se a pessoa doente da saudável
de forma mais pessoal. O médico após constatar a infecção do vírus ou a suspeita determinará que
o suspeito mantenha-se isolado em casa de preferência, e se considerar o caso grave será no próprio
hospital pedindo que este assine um termo de consentimento onde ficará ciente de que foi
informado da medida e quais são suas responsabilidades. O prazo máximo é de 14 dias podendo
ser prorrogada por igual período. O artigo quinto afirma que:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se
aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à
liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade (CONSTITUIÇÃO FEDERAL,
1988).

Se relacionarmos esse artigo com isolamento social e a quarentena analisamos que o direito
à liberdade foi limitado vez que há um prazo para as pessoas permanecerem presas dentro de casa.

Imagem 01

A Imagem 01 mostra uma igreja onde estava havendo culto presencial com aglomeração
64

de 20 pessoas sem máscaras e não respeitando o distanciamento de segurança, medidas essas que
correspondem ao combate à Covid-19.
Analisando a imagem notamos que houve limitações também no que tange aos temas de
inviolabilidade de culto e a reunião pacifica do mesmo artigo, visto que a polícia em vez de alertar
a população e ensinar a medidas de segurança, ordenou o fechamento da mesma ferindo clausula
pétrea constitucional, os incisos VI e XVI que afirmam:

VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício


dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas
liturgias;
XVI - todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público,
independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente
convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade
competente.

De forma ampla as pessoas que cultuavam foram consideradas aglomerações, e os pastores


ou padres foram obrigados a fechar os templos religiosos. Em caso de desobediência seriam estes
presos e multados. Diante da situação, fica claro que por mais que seja uma garantia esta é dotada
de limites e toda e qualquer punição por fechar a igreja é inconstitucional. Elas devem seguir o bom
senso e o pedido da OMS sem sofrer qualquer tipo de constrangimento do poder público, no
mínimo a polícia deveria esperar o término do culto religioso para abordar a autoridade competente
e pedir para que esta tome medidas de segurança. Uma sociedade sem instrução não se movimenta.
Em contrapartida o inciso XIII afirma “que é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou
profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”. Os governos de suas determinadas
regiões fecharam todos os estabelecimentos como meio de prevenção à corona vírus. Em alguns
estados, continuam em funcionamento os estabelecimentos comercias que suprem o necessário
65

para a sobrevivência humana, como supermercados e farmácias. Se é livre trabalhar e os centros


comerciais fecharam impossibilitando os autônomos e os contatados trabalharem então fica claro
que você pode sim exercer sua função, mas o exercício dele pode ser limitado a algumas pessoas
em determinadas situações.
Diante do mesmo quadro temos a garantia constitucional de igualdade perante a lei,
analisando o princípio da equidade constitucional e o direito básico de ter atendimento hospitalar.
Observa-se no Brasil que hospitais da rede pública e particular cancelaram ou remarcaram
consultas, cirurgias e atendimentos a pacientes que não estejam com o quadro viral atual, ou seja
há igualdade entre pessoas, todos tem direito a atendimento hospitalar, mas todos os direitos tidos
como fundamentais a existência humana sofre limitações. A saúde é um dever do estado e deve ser
prestada a todos como consta no artigo 196 da Constituição Federal (1988):

Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas
sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao
acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e
recuperação.

Até que ponto essas limitações podem ser atribuídas? Bem com o foco na doença esquecem
dos pacientes acidentados, acometidos de doenças humanas como diabetes, hipertensos,
infartados, etc. As empresas em falência, demissões em massa, famílias passando fome,
endividamentos. Até que ponto o governo pode limitar direitos fundamentais causando prejuízo a
uma parte importante da sociedade enquanto foca em um único alvo?

2.4 Intimidade e Privacidade x o Estado

Mas o que significa intimidade e privacidade? Vale ressaltar ainda que a intimidade nos
remete ao sentido de algo que é interno, ou seja, íntimo ao ser humano e confidencial, de forma
que se trata de um termo subjetivo. Já o conceito de privacidade é mais amplo visto que significa
que é aquilo que nos pertence, mas nós decidimos se vamos compartilhar ou não.
É interessante lembrar esses conceitos que nos remetem ao quadro atual da chamada
quarentena e o isolamento social, onde fica nítido que os direitos tidos como fundamentais não
têm sido resguardados em especial o direito a intimidade e privacidade no que se trata da atuação
dos governadores.
66

Em São Paulo o governador João Doria implementou um sistema de monitoramento


inteligente para averiguar os locais onde existe aglomeração de pessoas por meio dos aparelhos
celulares deles, o governador fez uma parceria com as operadoras no qual estas fornecem
informações dos consumidores sem que estes tenham se quer concordado com o fato.
A constituição em seu art. 5º, X afirma que é inviolável o direito a intimidade e a
privacidade e nestes casos ainda cabe indenização pelo dano material ou moral decorrente.
Em concomitância a Constituição Federal também afirma em seu artigo 5º, XII da Carta
de 1988 que é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas de dados e
das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial nas hipóteses e na forma
que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal, ou seja, o
sigilo é garantido pela carta magma e este foi ferido por um decreto do executivo. Isso significa que
o ato é ilegal e a autoridade está agindo com excesso, pois além de usar de recursos públicos para
praticar seus feitos este ainda mata os princípios fundamentais e as cláusulas pétreas.
O atual cenário político demonstra uma guerra de atitudes excessivas onde o direito de
liberdade em controvérsia com o direito a saúde formou o cenário de uma disputa para tutelar qual
é o mais importante bem jurídico. João Doria utilizando de investigação sem permissão por meio
dos aparelhos eletrônicos das pessoas imputou por meio de decreto que as pessoas uma vez
encontradas fora da quarentena deveriam ser presas.
Isso com base no art. 268 do código penal trata-se de Infração de medida sanitária
preventiva, esta por sua vez afirma que infringir determinação do poder público, destinada a
impedir introdução ou propagação de doença contagiosa: terá pena de detenção de um mês a um
ano e multa. A controvérsia ocorre porque o direito penal e subsidiário e diante dos conflitos
sobre o momento que é cabível esta norma, houve um consenso de que só existe o crime quando
houver uma conduta que seja apta a produzir o resultado, ou seja, se você estiver transitando
sozinho pelas ruas, em tempo de quarentena você não pode ser preso em flagrante pelo crime de
infração de medida sanitária preventiva. Porém essa prisão ilegal vem acontecendo, pois a
ilegalidade vem desde o monitoramento ilegítimo dos aparelhos eletrônicos.
Os governos têm se posicionado diante da calamidade com conflitos, isto porque os
impactos econômicos sofridos pelas medidas restritivas no combate a pandemia são imensuráveis.
Diante desse quadro analisa-se dois direitos iguais, mas em campos totalmente distintos em uma
luta de princípios fundamentais, este talvez seja o mais importante bem tutelado que se chama vida.
67

No atual cenário temos um embate de vida x vida, a primeira se refere a medida de combate
e prevenção ao corona vírus, ou seja o slogan “fique em casa”, o segundo trata da oposição, estes
não tem condições de ficarem em casa e querem voltar as ruas para trabalharem. Enfatiza-se então
o princípio da dignidade da pessoa humana, o princípio absoluto previsto no artigo 1º, III da
Constituição Federal.
Diante do quadro mundial de pandemia não se pode deixar de mencionar um tema chave
para o envolvimento de um dos princípios fundamentais norteados no nosso ordenamento jurídico.
No que tange ao tema mencionaremos a economia. Economia é o agrupamento de movimentações
desenvolvidas pelas pessoas visando a distribuição e o consumo de bens e serviços obtidos através
da produção de produtos necessários para sobrevivência e para melhor qualidade de vida para a
raça humana, ou seja, é uma considerável poupança.
As pessoas têm como costume guardar dinheiro em contas poupanças geradas em bancos,
este mealheiro tem o intuito de fazer render o dinheiro e sua característica principal é a não
movimentação do valor ali guardado, mesmo com baixo investimento qualquer pessoa pode abrir
esse tipo de conta. Fazendo um parâmetro entre o mealheiro pessoal e o mealheiro nacional
observamos que ambos guardam uma certa renda para um investimento maior que o previsto, algo
eventual e imprevisível.
Analisamos que muitas vezes este é guardado e denominado fundo de emergência, que
serve para o controle ou moderação das despesas da mesma forma que os bancos demonstram
nossas despesas, saques e outras operações. A União também conta com o tesouro nacional, ele é
o caixa do governo que também pode captar recursos através de investimentos, assim como
qualquer instituição privada.
Não se pode desprezar o fato de que a Ciência Econômica é Multidisciplinar, pois a mesma
estuda a produção e consumo da imensa variedade de bens e serviços existentes, os quais envolvem
concepções e determinantes inerentes a outras ciências, como as da Educação, Agronomia, Política
do Trabalho, Engenharia, Nutrição da Saúde, entre outras.
A economia é o estudo de como a sociedade e os homens decidem, empregar recursos
produtivos escassos que poderiam ter aplicações para produzir diversas mercadorias ao longo do
tempo e distribuí-las para consumo agora e no futuro, entre diversas pessoas e grupos da sociedade
podendo ser ela com ou sem a utilização do dinheiro.
O Brasil é um dos principais exportadores de soja, frango e suco de laranja do mundo,
porém em meados de 2014 começou a sofrer uma crise econômica a qual prevalece até o atual
cenário denominada de crise político-econômica. Uma de suas principais consequências foi a
68

forte recessão econômica, levando a um recuo no produto interno bruto (PIB) por dois anos
consecutivos.
A economia no País há muito tempo abandonou a monocultura ou o direcionamento
unicamente para um tipo de produto de exportação, mesmo com inúmeras mudanças a economia
contraiu-se em 2015 cerca de 3,5% e em 2016 3,3%. Mas o que causou a atual crise no Brasil? Foi
a diminuição excessiva da taxa de juros no passado, o governo tentou incentivar o crescimento
econômico e a oferta de crédito no país estabelecendo taxas muito baixas. Quando se utiliza essa
manobra em excesso ela pode gerar inflação e aumentar as taxas de inadimplências, no caso foi isso
que aconteceu no Brasil nos últimos 4 anos no governo da ex presidenta Dilma Rousseff, além
disso contamos com o imenso sistema de corrupção que retira cerca de R$ 200 bilhões de reais ao
ano dos cofres públicos segundo o procurador da República Deltan Dallagnol, chefe da força-tarefa
da Operação Lava-Jato.
Entende-se então que durante uma crise econômica há declínio da atividade econômica. A
demanda por consumo diminui, o que leva à diminuição da taxa de lucro das empresas. Como as
empresas passam a lucrar menos, muitas delas acabam demitindo funcionários e isso leva ao
aumento de taxas de desemprego.
Entendendo isso, passamos a analisar o atual cenário do COVID-19. O exemplo que
usaremos é do Governador Carlos Massa Ratinho reforçou o pedido para que todos os comércios
que não precisassem abrir nesse momento fossem fechados, ou seja, pediu para que fossem
suspensas as atividades. Logo após, ele estabeleceu um decreto afirmando que as atividades que
ainda poderiam se manter em funcionamento o Decreto nº 4.318/2020, além de ampliar a
regulamentação do funcionamento de serviços essenciais também ajusta o texto de outros
segmentos e denomina o que são considerados serviços e atividades essenciais, ou seja, os que de
forma alguma podem ser interrompidos:

Serviços Essenciais

 Controle de tráfego aéreo e navegação  Captação, tratamento e distribuição de


aérea; água;

 Imprensa;  Assistência médica e hospitalar;

 Produção, distribuição e  Assistência veterinária;


comercialização de medicamentos para
uso humano e veterinário e produtos
69

odonto-médico-hospitalares, inclusive
na modalidade de entrega delivery e
similares;

 Telecomunicações;  Funerários;

 Transporte e entrega de cargas em geral;  Captação e tratamento de esgoto e lixo;


 Transporte coletivo, inclusive serviços  Guarda, uso e controle de substâncias
de táxi e transporte remunerado privado radioativas, equipamentos e materiais
individual de passageiros; nucleares;

 Agropecuários para manter o  Transporte de profissionais da saúde e


abastecimento de insumos e alimentos de coleta de lixo;
necessários à manutenção da vida
animal;

 Fretamento para transporte de  Processamento de dados ligados a


funcionários de empresas e indústrias serviços essenciais;
cuja atividade esteja autorizada ao
funcionamento;

 Produção, distribuição e  Segurança privada;


comercialização de alimentos para uso
humano e veterinário, inclusive na
modalidade de entrega delivery e
similares, ainda que localizados em
rodovias;

 Atividades médico-periciais  Serviço postal e o correio aéreo


relacionadas com o regime geral de nacional;
previdência social e a assistência social;

 Atividades médico-periciais  Outras prestações médico-periciais da


relacionadas com a caracterização do carreira de Perito Médico,
impedimento físico, mental, intelectual indispensáveis ao atendimento das
ou sensorial da pessoa com deficiência, necessidades inadiáveis da comunidade;
por meio da integração de equipes
70

multiprofissionais e interdisciplinares,
para fins de reconhecimento de direitos
previstos no Estatuto da Pessoa com
Deficiência;

 Geração, transmissão e distribuição de  Setores industrial e da construção civil,


energia elétrica e de gás; em geral;

 Compensação bancária, redes de cartões  Prevenção, controle e erradicação de


de crédito e débito, caixas bancários pragas dos vegetais e de doença dos
eletrônicos e outros serviços não animais;
presenciais nas instituições financeiras;

 Produção, distribuição e  Vigilância e certificações sanitárias e


comercialização de combustíveis e fitossanitárias;
derivados;

 Inspeção de alimentos, produtos e  Transporte de numerário;


derivados de origem animal e vegetal;

 Serviços de manutenção, assistência e  Vigilância agropecuária;


comercialização de peças de veículo
automotor terrestre;

 Iluminação pública. 

O que concerne a essas empresas analisamos que todas as outras fecharam e permanecem
fechadas, isso significa que elas não produzem e consequentemente não vendem. Os indivíduos
não consomem, não ocorre a geração de lucro e renda para as empresas, logo ainda possuem a
obrigação de pagar os funcionários, porém o valor deve ser reduzido de algum lugar ou fundo que
a empresa possua, visto que não chegou a entrar nada nos caixas da empresa.
As empresas tendem a demitir em massa uma grande quantidade de seus funcionários, isso
porque existe uma demora na recuperação, e a impossibilidade de continuar mantendo os salários
em dia. O desemprego dá ao trabalhador o direito ao seguro-desemprego que se trata de uma
assistência financeira temporária para o trabalhador desempregado. Ele é pago em três a cinco
parcelas de forma alternada e contínua, porém, como já citado anteriormente é um auxilio
temporário. A questão que fica em pauta é quando esse benefício acabar o que será das pessoas?
71

Segundo o SEBRAE (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas), nas


últimas 3 semanas, 600 mil empresas faliram e 9 milhões de pessoas foram demitidas. Eles se
juntaram a mais de 11 milhões de desempregados existentes. Em mais um mês, pode chegar a 30
milhões de inativos e se houver impressão de dinheiro a inflação destruirá a moeda. O IBGE em
2018-2019 afirma que o Brasil enfrentava um número de desempregados de 12, 6 milhões, porém
teve uma queda de 4,6%, e no final de dezembro ficou em 11,2%, mas no ano atual de 2020 com
a pandemia voltou a alavancar e com isso a miséria e a fome voltam a ser a preocupação central.
O que acontece é que muitas pessoas não tem dinheiro suficiente para comprar comida,
outro fator que contribui é a falta de recursos. A distribuição acaba sendo desigual e a renda e os
conflitos regionais contribuem muito. Segundo Flavio Valente, médico voluntário da campanha de
nutrição, existem pelo menos 36 milhões de brasileiros que nunca sabe quando terão a próxima
refeição, se levar em conta que a pobreza é a causa da fome crônica e destruição atentaremos que
em poucos meses a população não terá meios de sustentação.
Temos um quadro então de vida x vida, vez que se a população sair de casa e se expor ao
vírus Chinês poderá ter sequelas se este estiver em grupo de risco, e por outro lado com a alta de
desempregos a população sofrerá com a fome e a morte eminente. Para Carolina Alves de Souza
Lima (2012), o direito à vida é a fonte primária, requisito para a titularidade dos demais direitos. O
direito à vida é tutelado no art. 5º da Constituinte de 88, é considerado este o princípio fundamental
dos princípios fundamentais, no caso deste primórdio deve analisar qual situação impõe menos
riscos a sociedade, ou seja, analisar a situação como um todo.
O artigo 5º da Constituição Federal trata o direito à vida frente aos outros direitos
fundamentais com preponderância, a COVID-19 segundo o instituto superior de saúde da Itália
mostra que no dia 9 de abril fez uma amostragem que consta que de 16.654 pessoas que morreram
de corona vírus até aquela data, foram separadas 1.453 pessoas para amostragem. Os dados
mostram que 51 pessoas desse total morreram e não tinham nenhuma patologia, 215 pessoas já
tinham uma doença anterior, isso representa 14,8%, 301 pessoas tinham 2 patologias representando
20,7%, 887 pessoas possuíam três ou mais patologias representando cerca de 61%, a média de idade
de mulheres que morreram da doença é de 83 anos e homens 78 anos. No Brasil morreram cerca
de 11.519 pessoas e se recuperaram 69.232, no mundo morreram do corona vírus cerca de 286.000
e se 1.460.000 se recuperaram, porém, a imprensa só mostra o terror.
Ao contrário do Covid-19 a fome não escolhe pessoas ou classes, cor ou sexo, muito menos
idade. Um vírus pode ser disseminado, mas a fome é um problema mundial. Para a doença existe
remédio e tratamento, mas para a fome não. A linha a ser seguida com eficiência seria a já adotada
pelo Governo Federal, manter as pessoas do grupo de risco em casa e as outras voltarem
72

a trabalhar normalmente tomando as devidas precauções necessárias, com isso acarretaria a


limitação dos direitos ou chamados princípios fundamentais para parcela da sociedade, enquanto
não se resolve o problema.
Assim evitaria superlotações em hospitais e as pessoas viveriam amplamente no exercício
de seus direitos, ou seja, todas as coisas deveriam voltar ao normal e como já mencionado o grupo
de risco deveria permanecer em quarentena e o grupo já afetado permaneceria em isolamento,
assim os comércios voltam, as pessoas exercem suas atividades normais e não teremos outro risco
iminente que seria o desemprego, a fome e a inflação.
Certas situações nos permitem pesar em balanças o que seria melhor para a sociedade em
geral, os princípios fundamentais que fazem parte dos princípios constitucionais alfa, o início de
uma legislação soberana, ou seja, é a parte mais importante, pois são a base do ordenamento
jurídico, onde todos devem ser cumpridos e por mais que os fundamentais não sejam absolutos
ambos devem ser respeitados para a sobrevivência humana.
Vale lembrar que a Constituição Federal de 1988, trouxe os Direitos e Garantias
Fundamentais, subdivididos em cinco capítulos. Esses direitos são referentes à educação, saúde,
trabalho, previdência social, lazer, segurança, proteção à maternidade e a infância, e assistência aos
desamparados.

3 CONCLUSÃO

Conclui-se que é possível e necessária diante de cenários pandêmicos a flexibilização dos


direitos fundamentais, mas de forma branda. A solução cabível seria a já imposta pelo governo
atual de Bolsonaro, que se trata do isolamento parcial. Uma parte da população que se encontra no
grupo de risco como idosos, hipertensos, diabéticos, asmáticos, portadores de doenças crônicas e
etc. continuariam em quarentena, e as pessoas responsáveis pelas atividades essenciais voltariam a
trabalhar tomando os devidos cuidados de higienização.
As escolas ou abrem dispondo de um local com constante higienização ou opta pelo ensino
à distância, de forma a tornar menos gravoso o prejuízo do ano letivo escolar. Deve-se resguardar
locais abertos para auxiliar os caminhoneiros, sem que esses sofram qualquer tipo de
constrangimento e preconceito, seria interessante tornar o uso de máscara obrigatório em todo
território nacional.
Os governos estaduais e municipais deveriam dispor de álcool em gel de forma gratuita a
população, visto que o Governo Federal já isentou as pessoas de juros, alargou o prazo para
73

pagamento de dívidas, proibiu o corte de água e luz, estabeleceu um valor para auxílio emergencial
de pequenas empresas, desempregados etc., comprou leitos e respiradores para todas as regiões do
Brasil, sancionou lei que garante auxilio de 2 milhões a hospitais filantrópicos, repatriou brasileiros,
dentre várias outras medidas tomadas que se encontram no Instagram do atual presidente.
Todas essas medidas mostram que é possível a flexibilização de direitos de forma branda
como já mencionado e que essa estratégia de isolamento não funciona, pois tem gerado um caos
do desemprego, fome e diversos países tem mostrado que, mesmo em isolamento, várias pessoas
continuam sendo infectadas pelo vírus. Por isso resguarda-se os propensos e leva o Brasil a frente
com os não propensos, com todos os cuidados devidos matam-se dois coelhos com uma cajadada
só.

REFERÊNCIAS

AGÊNCIA BRASIL. São Paulo usará celulares para monitorar aglomerações. Disponível
em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2020-04/sistema-vai-monitorar-
aglomeracoes-em-sp-por-meio-de-celular. Acesso em: 2 de maio de 2020.

AGÊNCIA DE NOTÍCIAS DO PARANÁ. Governo reforça necessidade de fechamento de


comércios. Disponível em:
http://www.aen.pr.gov.br/modules/noticias/article.php?storyid=106260&tit=Governo-reforca-
necessidade-de-fechamento-de-comercios-para-evitar-a-Covid-19. Acesso em: 2 de maio de 2020.

ÂMBITO JURÍDICO. O uso do monitoramento eletrônico como instrumento de controle


penal estatal: breve discussão sobre sua (in) constitucionalidade. Disponível em:
https://ambitojuridico.com.br/edicoes/revista-169/o-uso-do-monitoramento-eletronico-como-
instrumento-de-controle-penal-estatal-breve-discussao-sobre-sua-in-constitucionalidade/. Acesso
em: 2 de maio de 2020.

BRASIL. Corona vírus: Presidente determina serviços que não podem parar. Disponível em:
https://www.saude.gov.br/noticias/agencia-saude/46569-coronavirus-presidente-determina-
servicos-que-nao-podem-parar. Acesso em: 2 de maio de 2020.

BRASIL. Decreto nº10.282, de 20 de março de 2020. Disponível em:


http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2020/Decreto/D10282.htm. Acesso em:
2 de maio de 2020.

BRASIL. Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020. Dispõe sobre as medidas de enfrentamento


da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do corona vírus
responsável pelo surto de 2019. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-
2022/2020/Lei/L13979.htm. Acesso em: 2 de maio de 2020.
74

BRASIL. Medida provisória nº926, de 20 de março de 2020. Altera a Lei nº 13.979, de 6 de


fevereiro de 2020. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-
2022/2020/Mpv/mpv926.htm. Acesso em: 2 de maio de 2020.

COLA DA WEB. Fome no Brasil. Disponível em:


https://www.coladaweb.com/sociologia/fome-no-brasil. Acesso em: 2 de maio de 2020.

GOVERNO FEDERAL. Confira as medidas tomadas pelo Ministério da Economia em


função da Covid-19 (Corona vírus). Disponível em: https://www.gov.br/economia/pt-
br/assuntos/noticias/2020/marco/confira-as-medidas-tomadas-pelo-ministerio-da-economia-
em-funcao-do-covid-19-coronavirus. Acesso em: 2 de maio de 2020.

JUS. Intimidade e privacidade sob a ótica do direito brasileiro. Disponível em:


https://jus.com.br/artigos/38335/intimidade-e-privacidade-sob-a-otica-do-direito-brasileiro.
Acesso em: 2 de maio de 2020.

SAÚDE. Corona vírus: novos dados sobre grupos de risco. Disponível em:
https://saude.abril.com.br/medicina/coronavirus-novos-dados-sobre-grupos-de-risco/. Acesso
em: 2 de maio de 2020.

SENADO FEDERAL DO BRASIL. Governo pedirá reconhecimento de calamidade


pública no país. Disponível em:
https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2020/03/17/governo-pedira-reconhecimento-
de-calamidade-publica-no-pais. Acesso em: 2 de maio de 2020.
75

TRÁFICO HUMANO DE BEBÊS PARA FINS SEXUAIS

Brennda Suellem Carvalho Sales1

1 INTRODUÇÃO

Este projeto de pesquisa é dedicado totalmente ao conhecimento a atual realidade do


tráfico humano de crianças para fins sexuais, com enfoque em como o controle de nosso atual
código penal brasileiro quanto a necessidade emergente da problemática ainda é tão abstrato.
Versando também sobre a lacuna em nosso código civil quanto a assegurar de forma mais ampla e
singular o direito do nascituro em se tratando de sua dignidade como pessoa humana garantidos
em nossa constituição/88.
O tema volta nossos olhos para o abuso sexual de bebês, e em como ocorrem as atividades
das partes envolvidas como os pais, os negociadores e compradores que são os respectivos
abusadores. Sendo todos envolvidos no crime registrado na Lei 13.344, 2016. Código Penal, Art.
149-A, que tipifica as características dos criminosos e Código Civil/2002, Art. 2º, trazendo o
resguardo da vítima como direito simplesmente pela projeção de vida.
O objetivo quanto a escolha do tema trabalhado é instigar a busca sobre mais
conhecimentos quanto a grandeza dos fatos em âmbito nacional e internacional, quando o
desconhecimento do tráfico humano de bebês para fins sexuais consequentemente nos deixa em
se tratando de esfera jurídica e doutrinárias com uma grande escassez de materiais referente ao
tema. Tendo assim somente os alusivos códigos e constituição citados no parágrafo anterior.
A necessidade do alerta, da relevância, conscientização do acontecimento em massa do
crime, é procedente a todas as mudanças que poderão ser feitas quanto a prevenção e luta ao tráfico
e abusos, tanto no jurídico quanto em meio popular. Na medida em que mais pessoas se aproximam
da procedência e gravidade da tese, o cuidado e anseio por mais resguardos, novas medidas,
legislação cabível e amparo aos bebês aumentará de forma crescente e totalmente útil no combate
a violação de direitos nesse ato desumano. Também contribuirá com o pretenso fim da carência de
material sobre o assunto, gerando mais conteúdos para futuros pesquisadores e combatentes da
matéria tratada.
Pesquisa Básica Estratégica, considerando que a intenção mais explanada no projeto é de
preencher a ausência de estudos, e informações sobre os aspectos que ainda não são

1 Bacharel em Direito; e-mail: brenndasallle999@gmail.com.


76

completamente abordados quanto ao tema, cooperando assim com o desenvolvimento de


conhecimentos, podendo serem utilizados futuramente na solução do problema.

2 DESENVOLVIMENTO.

2.1 A Facilidade Burocrática de Migração de Bebês em Ambiente Internacional.

Iniciando o desenvolvimento norteando uma das questões mais abstrusas do tema


escolhido. A “facilidade” que o tráfico humano tem de agir por conta das medidas necessárias e
básicas que em sua função deixam tanto a desejar por conta de suas lacunas. Não tão somente em
âmbito nacional, mas também internacional.
Se tratando de bebês muito se fala de tráfico para fins de adoção ilegal, então é como se
não houvesse nenhum tipo de deturpação de lei, não se enquadrando em crime, mas continuamos
a se entender como, por não ser por meios legais. Independentemente de sua finalidade, a maioria
dos criminosos operam pela internet disfarçados de centro de adoção ou amparo de menores,
tornando assim ainda mais fácil a movimentação. Na América do Sul, por conta das grandes
fronteiras, o controle das autoridades policiais fica ainda mais difícil, pois é permitido conexões
onde, por exemplo, crianças vindas do Paraguai são traficadas por meio da Argentina e crianças
Brasileiras por meio do Paraguai. Grandes agências estão agindo nesse mercado com várias
estratégias, facilitando cada vez mais a comunicação do produtor e vendedor com o comprador.
Onde eles entram em acordo de como será feito a “entrega”, de forma totalmente fria, por saberem
que a criança traficada sofrerá grandes danos, dente eles o estupro.
Em Lisboa (Portugal), podemos citar a SEF (Serviço de Estrangeiros e Fronteiras), que
trabalham nos aeroportos internacionais com o objetivo de identificar toda e qualquer possível
fraude nos documentos de passageiros, acompanhados de recém nascidos que são totalmente
dependentes, e também qualquer tipo de auxílio a emigração ilegal, que possa estar atrelada ao
tráfico de pessoas.
Nesse controle, passageiros suspeitos são levados para duas filas de controle, até mesmo
os que aparentemente não ofereçam tanto risco. Neste caso, além do controle de documentos,
existe um questionário para que possa ser descartado qualquer tipo de possibilidade a respeito do
tráfico, e levado em conta até mesmo a experiência dos peritos em observar os gestos, trajes, sinais
dos passageiros. Analisado também todos os termos de responsabilidades, procurações e bilhetes
de passagens. No meio de tantos mecanismos, a margem de erro do sistema ainda é crescente, pois
muitos traficantes conseguem passar por toda a segurança, atentando para o fato de que bebês,
diferentemente das crianças, não dão nenhum tipo de sinal de que estão correndo algum tipo de
perigo.
77

Um grande exemplo que podemos apontar no Brasil, é como no Nordeste, acontece de


forma super comum, por conta da falta de qualquer fiscalização quanto ao tráfico, principalmente
nas cidades pequenas, a venda de bebês, ou ato de adoção sem nenhum tipo de registro legal, mas
concretizado somente com acordo verbal e entrega da criança. Podemos dizer que o exemplo não
se enquadra somente em tráfico, por muitas das famílias não estarem pensando em valor pecuniário,
em algum tipo de benefício próprio, ou qualquer outro quesito que lhe caracterize como tráfico de
pessoas, mas foi utilizado justamente para trazer ao conhecimento, como a falta de melhorias nas
normas burocráticas, pode, mesmo sem intenção alguma, cooperar com o tráfico.
Concluo este tópico com maior enfoque no fato de que os documentos falsos, (que a cada
dia estão mais difíceis de identificar) burocraticamente “legais” tornam o combate contra o tráfico
de bebês cada vez menos possível.

2.2 A Falta de Legislação Própria/Especial Quanto Aos Resguardos Do Nascituro, E


Penalidades Referentes As Violações De Seus Direitos Como Pessoa Humana.

Me atento a este tópico de forma especial, pois foi um de meus maiores incentivos ao
escolher o tema.
Uma situação tão bárbara quanto essa está passando por despercebida, pelo simples
motivo de desconhecimento do fato, não é aceitável no momento em que vivemos, nem em
passados, nem futuros. Tantos bebês estão em risco, nascidos já comprometidos com um crime tão
hediondo.
Infelizmente, por conta da condição não ser tão conhecida, não há o que se falar em
diversas doutrinas que tratem especificamente o tráfico de bebês para fins sexuais. O que não torna
o agente menos real.
Dados que são trazidos à tona por nosso ministério público em seus manifestos em
pronunciamentos sobre luta declarada ao assunto, tomando a frente a ministra Damares Regina
Alves (Paranaguá, 11 de março de 1964), são de que uma das formas em que o crime acontece, são
nas condições em que o nascituro é vendido ainda no ventre da mãe, pra ser violentado por seu
nefando comprador. Tirando da criança, desta forma, todo e qualquer direito (mesmo sem
consciência de poder de escolha) que lhe é resguardado por nosso código civil. Onde a forma da
lei assegura ao nascituro: Código Civil Brasileiro, Art. 2º: “A personalidade civil da pessoa humana
começa do nascimento com a vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do
nascituro”.
Vemos então, que mesmo sua personalidade tendo um momento específico para se iniciar
(sendo no instante de seu primeiro respirar fora do ventre de sua progenitora), mas o seu direito a
78

vida, como um ser humano se inicia desde o seu concebimento. Isso o torna digno de ser protegido
contra qualquer ameaça a sua vida ou qualquer ato ilícito cometido ou tentado contra o mesmo.
Temos nosso Código Penal, que deixa totalmente a desejar quanto a especificação de cada
pessoa e penalidade.
Art. 149-A. Agenciar, aliciar, recrutar, transportar, transferir, comprar, alojar ou acolher
pessoa, mediante grave ameaça, violência, coação, fraude ou abuso, com a finalidade de:
I - remover-lhe órgãos, tecidos ou partes do corpo;
II - submetê-la a trabalho em condições análogas à de escravo;
III - submetê-la a qualquer tipo de servidão;
IV - adoção ilegal; ou
V - exploração sexual.
Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa.
§ 1 o A pena é aumentada de um terço até a metade se:
I - o crime for cometido por funcionário público no exercício de suas funções ou a
pretexto de exercê-las;
II - o crime for cometido contra criança, adolescente ou pessoa idosa ou com deficiência;
III - o agente se prevalecer de relações de parentesco, domésticas, de coabitação, de
hospitalidade, de dependência econômica, de autoridade ou de superioridade hierárquica
inerente ao exercício de emprego, cargo ou função; ou
IV - a vítima do tráfico de pessoas for retirada do território nacional.
§ 2 o A pena é reduzida de um a dois terços se o agente for primário e não integrar
organização criminosa.

Existe um grande desconforto ao ver que crimes com tão grande calão de crueldade
possam ter uma pena tão irrisória. Tenho a liberdade de expressar uma indignação pessoal, já que
o tema não deixa de tentar atentar totalmente questões como esta.
Como a vida de uma pessoa, sendo destruída por qualquer uma das razões elencadas no
artigo, pode ter uma penalidade tão diferente ao valor de uma vida que é imensurável?
Essa é a questão principal. Jamais querer equiparar valor de vidas ou liberdade, sabendo
que um não se compara ao outro, porém ambos sendo impossíveis de mensurar valor.
Os incisos que tratam nomeadamente o tema escolhido, são, o inciso V (quinto) por sua
finalidade ser exploração sexual, II (segundo), por ser contra uma criança, e IV (quarto), do
parágrafo segundo quando entra a migração, se enquadrando no tráfico internacional.
Precisamos compreender que por conta dos mínimos e totalmente importantes detalhes
que diferencia cada situação da outra, mesmo se tratando ambos de tráfico humano, encontramos
a total necessidade de mudança na atual Legislação que versa sobre a temática.
Um grande detalhe que nos comprova a desatenção dos legisladores quanto ao objeto, é
a quantidade de anos entre os primeiros entendimentos em 2003 e inclusões em 2016. 13 (treze)
anos, onde pessoas de diferentes faixas etárias estavam sendo vendias e escravizadas de inúmeras
formas, ficaram sem o devido amparo necessário de quem de fato deve e tem poder para assistir e
ter posicionamentos.
Tínhamos o artigo 231 do mesmo código que também englobava o tráfico com o enfoque
mais voltado para forma de entrada e saída ilegal dos traficantes e a devida penalidade: “Art. 231.
Promover ou facilitar a entrada, no território nacional, de alguém que nele venha a exercer a
79

prostituição ou outra forma de exploração sexual, ou a saída de alguém que vá exercê-la no


estrangeiro”.
Apresento esse artigo, mesmo revogado, como objeto de comparação, para fazermos uma
breve análise sobre como, apesar das mudanças, e especificação do crime de forma mais extensa e
densa, ainda temos um vácuo muito grande em suas particularidades referentes as partes.
Quando trazemos a individualidade quanto aos atingidos, seja parte autora ou parte
passiva, podemos observar ainda mais a necessidade de todas as correções quanto a forma de plicar
as devidas sanções.
Mesmo com a autonomia de escolha sobre as legislações que tenho aplicado aqui (por
conta da amplitude que o direito Internacional nos dá), estou operando de forma predominante
com os entendimentos vigentes no Brasil.
Além de nosso Código Civil e Código Penal já mencionados nesse presente tópico, temos
a nossa soberana Constituição Federal, que aborda com grande abrangência os direitos a vida e a
liberdade da pessoa humana em seu artigo 5° (quinto), onde é aludido em seu caput a seguinte
norma: “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se
aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade,
à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes [...]”
Já neste Caput vemos os resguardos que todo e qualquer tipo de pessoa,
independentemente de sua condição, idade, cor e origem, tem por regra.
Resguardos não somente em sua forma física, tendo em vista que maus-tratos na infância
geram igualmente problemas de saúde mental, sendo também um problema social e legal. Abrindo
uma ressalva para o fato de que todo abuso, seja ele da forma em que é caracterizado, acarreta na
maioria das vezes traumas que serão levados para todo o percurso de vida de quem sofre, sendo
criança, ou mesmo sendo apenas um bebê.
É provável, que cada um desses tipos de experiência tenha efeitos diferentes eu seus
desenvolvimento emocional e comportamental, entre os quais, depressão, ansiedade, abuso de
drogas, criminalidade e outras formas de comportamento emocional mau- regulado, gerando a nível
social problemas que aumentam o risco de novos crimes na mesma não somente do mesmo caráter
mas aglomerando outros.
Não são em todos os casos onde a pessoa lesada fica com estas sequelas, mas não
podemos anular essa eventual ocorrência.
No Brasil o estatuto da criança e do adolescente também tem meios de cuidados quanto
a segurança dos absolutamente incapazes em seu Art. 130, que diz: “Verificada a hipótese de maus-
tratos, opressão ou abuso sexual impostos pelos pais ou responsável, a autoridade judiciária poderá
determinar, como medida cautelar, o afastamento do agressor da moradia comum”.
80

Temos então uma ordem de afastamento nas medidas que devem ser tomadas. Se tratando
de bebês as formas de cuidados tomam uma proporção ainda mais extrema, pois no caso de tráfico
de recém nascidos, onde acontece de algumas situações os próprios pais serem os negociadores,
para onde eles devem ir? Sob cuidados de quem?
Nesta forma, vemos como temos respaldo suficiente para desejarmos um cuidado ainda
maior quanto aqueles que de forma alguma poderiam responder por si mesmos, ainda que a vida
fora da barriga ainda não tenha acontecido, mas simplesmente pelo fato de sua concepção, pois se
há hipótese de vida, há direitos, e esses devem ser aplicados em sua totalidade a esses seres
humanos.

2.3 Brasil Um dos que Mais Crescem em Tráfico Humano.

Não é ignoto a realidade que o Brasil enfrenta quanto ao tráfico de pessoas para fins de
trabalho escravo, venda de órgãos, adoção ilegal, prostituição e o objeto dessa pesquisa, exploração
sexual.
Em nossa nação, dos citados, os que mais movimentam esse obscuro “mercado”, são para
fins de prostituição forçada fora do país e adoção ilegal interna, e no exterior, onde bebês são
também aos principais alvos.
Uma das atividades ilegais que mais aumentou sua proporção no século XXI (vinte e um),
levantam dados de surpreender e assustar qualquer pessoa que tenha senso de justiça social. Sendo
o 3° (terceiro) ramo ilícito que mais lucra por ano, perdendo somente para tráfico de drogas e
armas.
Historicamente, mesmo que pareça um problema atual, o tráfico de pessoas já tem
existência desde os tempos primórdios do Brasil. Pois não podemos esquecer que nossas raízes
culturais quanto a miscigenação são totalmente influenciadas por uma das práticas mercantil da
época. Me refiro ao tráfico negreiro, que tivera sua duração por mais ou menos 400 anos, mais
precisamente do ano 1501 (mil quinhentos e um) a 1875 (mil oitocentos e setenta e cinco), com
compra e venda de escravos, que eram movimentados por várias nações como Holanda, Portugal,
França, Inglaterra e também o Brasil, onde a escravidão era uma das maiores movimentadoras das
economia durante quatro séculos e seus serviços eram utilizados principalmente para conquista de
novas terras. Essas ações são um dos primeiros registros de pessoas sendo traficadas.
Nasce então em 1904 (mil novecentos e quatro), no século XIX (dezenove), as primeiras
legislações que entendiam esse tipo de comércio como ilegal, em âmbito nacional e internacional.
Iniciados todos pela ONU (organização das nações unidas) , que no século seguinte, XX (vinte),
continuou a levantar convenções que se impuseram a ramificar tudo que englobaria o tráfico
humano.
81

É necessário o levantamento histórico para que venhamos entender as raízes desse crime,
e como ele chegou a tão grande atividade nos tempos de hoje.
A ONU sendo sempre uma das principais engajadas nessa luta, em defesa dos direitos
humanos, tem seus olhos voltados para todas as nações na intenção de que em cada canto pessoas
possam usufruir de todos os deus direitos quanto sua vida, criou o comitê internacional global
contra esses crimes, onde o Brasil e todos os países também estão aptos para suas intervenções,
por conta da influência do tribunal penal internacional.
Vemos com todas essas informações, que mesmo nossas normas internas não versem
devidamente a responsabilidade do crime, as regras internacionais também com seu impacto no
Brasil, nos dão uma linha de como deve ser tratado todo conflito que toque nas restrições de
direitos ou privação de liberdade.
Infelizmente, ainda que existam todos esses mecanismos, o número de vítimas continua
a crescer em toda a terra, e o Brasil continua no ranking, onde a estimativa são de 241 (duzentas e
quarenta e uma) rotas nacionais e internacionais.
Em nosso país, as regiões que estão à frente no número de rotas são: Norte, que vem em
primeiro com cerca de 76 rotas, seguida pelo Nordeste, com 69 rotas e Sudeste com
aproximadamente 35 rotas.
O que nos chama atenção para o fato de que as regiões que mais exportam nesse marcado
milionário, são as mais carentes quando a necessidades básicas e sociais no Brasil. E os maiores
alvos nessas rotas também são mulheres, crianças e bebês.
Por conta da pobreza gritante em diversas cidades dessas regiões, podemos levantar
também uma problemática quanto a falha governamental dos poderes na falta de amparo que
sempre existiu aos menos favorecidos. Nada justifica a venda de um ser humano, e eu jamais
levantaria uma hipótese da Lei da selva, onde vemos olho por olho e dente por dente, mesmo com
toda a imparcialidade. Mas não podemos deixar de mencionar, como toda uma sociedade em seus
comportamentos e vivência são totalmente influenciadas por sua disponibilidade e poder
econômico. Assim vemos o Brasil e tantos outros países com lacunas na educação, na saúde, com
dificuldade ao acesso ao trabalho e todas as políticas públicas, entram na lista dos maiores
traficantes de pessoas.
Outros dados que nos fazem compreender melhor a respeito de como flui
financeiramente o negócio são os levantados pela OMT ( organização mundial do trabalho). Onde
a estatística é de que cerca de 32 bilhões de dólares são movimentados por ano. Com 63,2 mil
vítimas por ano, circulando ente 106 (cento e seis) países.
A falta de uma fiscalização totalmente focada em combater não tão somente o tráfico de
drogas e armas, mas também de pessoas em nossas fronteiras é um dos grandes proveitos dos
traficantes.
82

Por conta das grandes extensões das vias nas fronteiras, existe uma falta de vigilância rígida
no ambiente clandestino. Principalmente em se tratando de recém nascidos, onde o registro não é
obrigatório no dia do seu nascimento, fazendo assim com que o tráfico de bebês se mobilize com
ainda mais facilidade.

2.4 A Venda de Bebês e Conteúdo Pornográfico na Deep Web2 em Âmbito Nacional com
Finalidade de Suprir Desejos Pessoais/Hediondos de Pedófilos.

No mundo inteiro temos estatísticas de como esses abusos crescem a cada ano,
aumentando o número de vítimas que tem seus direitos como pessoa humana violados
independentemente de como versa a legislação de cada país sobre os crimes que são cometidos no
ato do abuso, como a violação da dignidade, tráfico, transporte ilegal, estupro e infanticídio. Neste
tópico trago informações e relatos do ministério da mulher, família e direitos humanos adquiridos
em suas investigações sobre os tipos negociações feitas entre os traficantes, e aliciadores e alguns
casos, os pais que se envolvem.
Crianças têm sido as maiores vítimas de estupro no Brasil, segundo o Atlas da Violência
de 2018. O estudo foi produzido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e o Fórum
Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) e apontou que 50,9% dos casos registrados de estupro em
2016 foram cometidos contra menores de 13 anos de idade. Não bastasse o alto índice, um dado
traz outro alerta para a seara de crimes sexuais: o comércio de vídeos de menores sendo estuprados,
principalmente bebês.
Segundo a Ministra da mulher, da família e dos direitos humanos: “um vídeo de abuso de
criança pode custar entre mil e dois mil reais. Se for bebê, pula para 50 mil reais. O comércio da
imagem de abuso de bebês no Brasil tem movimentado esse mercado negro” (REGINA, 2019)
Segundo dados divulgados em maio de 2019 pelo Ministério da Mulher, da Família e dos
Direitos Humanos, o Disque 100 (Disque Direitos Humanos) recebeu 76.216 denúncias no ano de
2018 envolvendo crianças e adolescentes, sendo que 17.093 desse total se referia à violência sexual.
A maior parte de abuso sexual (13.418 casos) e denúncias de exploração sexual (3.675).
Só nos primeiros meses de 2019 são 4.736 denúncias recebidas de violência sexual.
Em investigações feitas pelo já citado ministério da mulher, família e direitos humanos,
encontra-se relatos fortes, que serão expostos por necessidade dos fatos mais uma vez quanto ao
alerta da gravidade do caso.
Já vi imagens muito fortes. Tem uma cena em que depois que um homem abusa do bebê,
ele ejacula no peito da mãe para que a criança possa mamar o esperma dele. Ou seja, a

2 A deep web, também chamada de deepnet ou undernet, é uma parte profunda da web que não é indexada pelos
mecanismos de busca, ficando, portanto, oculta ao grande público.
83

mãe participando do abuso. Em Curitiba, em novembro de 2018, uma nenê de apenas


oito dias foi estuprada e não sobreviveu (MINISTÉRIO DA MULHER, FAMÍLIA E
DIREITOS HUMANOS, 2019).

O abuso de bebês no Brasil chama atenção pela crueldade. Existem fóruns de debates na
Deep web com títulos Anal com Bebês, Bebês Gostosos. E há troca de mensagens entre pais. Uma
das mensagens que me impressionou muito foi de um pai falando para uma pessoa que a sua mulher
estava grávida e que ela já estava fazendo planos. Ele diz o seguinte: “eu gostaria de saber quais os
anestésicos e pomadas que eu posso usar, porque eu sei que a partir de seis meses, eu já posso fazer
anal com ele”. Essa é a realidade do Brasil com nossas crianças. Nossa nação está doente – lamenta
o ministério da mulher, família e direitos humanos.
O Ministério da Saúde alerta que os casos de violência sexual no país somaram 184.524
ocorrências entre 2011 e 2017, sendo mais de 58 mil contra crianças (31,5%) e mais de 83 mil (45%)
contra adolescentes. Quase 70% desses casos aconteceram dentro das casas das vítimas.
A internet tem sido o maior campo destas negociações tanto em âmbito nacional como
em internacional. Por meio destas vias é onde a maioria das investigações também conseguem
informações de como chegarem até o crime organizado que tramitam por sites na deep web.

2.5 Medidas de Combate ao Tráfico. Existem Formas Eficientes na Luta a Favor de Seu
Fim?

Este momento nos traz muitas perguntas onde deveríamos ter muitas respostas.
Infelizmente o tráfico, seja ele em qualquer uma de suas formas é uma grande luta a ser vencida,
onde precisamos de algo que vai muito além de revolta e desejos por justiça, mas coragem e
engajamento de fato.
Sendo assim vemos que no momento existem cada vez mais pessoas atentando seus olhos
e força em seus cargos públicos na defesa de bebês, crianças, adolescentes e vulneráveis em geral.

2.5.1 Potencial Transformador da Ressignificação do Caráter Familiar

Para vermos um combate ao crime, precisamos de uma total transformação em toda a


sociedade, no tocante a educação, dentro e fora dos lares, caráter sendo forjado desde a infância
em como respeitar e cuidar do próximo. Precisarmos encarar as estatísticas em que a maioria dos
84

casos acontecem dentro de casa, confessando que temos um grande problema, que não é somente
de quem sofre, mas de todos nós como cidadãos, e que as famílias precisam entender o verdadeiro
sentido de trazer a vida uma pessoa, que necessita de cuidados básicos e principalmente de amor,
ressignificando suas características.
Família é segurança, é lugar de aprendizado, é lar de paz, família é aconchego que o mundo
não traz. Família é ir para longe sabendo sempre que tem para onde voltar, correndo de pressa já
sentindo cheirinho de casa quando a saudade apertar.
Ressalto a importância da família lembrando que ninguém nasce odiando ou amando,
ninguém nasce com anseio de fazer o mal, ninguém nasce sendo violento ou sendo estuprador.
Nós nascemos livres segundo a lei, porém prontos para sermos ensinados, e é na família nosso
primeiro contato com ética e cidadania, princípios esses que são primordiais para a boa convivência
na sociedade. Aponto esse ponto da ressignificação da família, no caráter paterno e materno como
um dos primeiros passos para a transformação em qualquer área.

2.5.2 Intervenções e Engajamento do Poder Público

Não é de hoje que vemos como o descomprometimento de quem tem o poder político
nas mãos acabam comprometendo tanto a forma de socialização em todos os Estados. Ousamos
ao pensar em como seriam diferentes as taxas de criminalidade se todas as políticas públicas fossem
regidas e supridas como devem ser. Temos governos decidindo a velocidade de evolução da
sociedade quanto ao acesso ao conhecimento e educação há muitos anos. Ao mesmo tempo em
que temos estes problemas com a violência quanto aos crimes e abusos desencadeados também
devido à falta de cuidados e reparos dos mesmos, há muitos anos. Já deveríamos estar cuidando de
nossas crianças antes mesmo do problema se tornar o grande “mercado” que se tornou.
Como a maior intenção da pesquisa é trazer a conhecimento os fatos que têm ocorrido
referente ao crime de tráfico de bebês/pessoas. Fica aqui o apelo aos futuros políticos, ministros,
juízes federais que irão ter acesso a informações, aparatos e poder necessário para combater o
tráfico. Lutem, se engajem, amem seu povo, amem seu país, entendam o valor de seus cargos para
vocês e para nós, sejam orgulho para esta nação combatendo tudo que esteja contra nossa proteção
e liberdade de direitos. Sejam resposta, sejam a voz de quem por medo, opressão ou repressão
foram silenciados.

2.5.3 Sociedade Cooperando com a Justiça Social


85

Existem também formas em que nós como sociedade podemos entrar em ação.
Entendendo o nosso dever de respeito tanto as pessoas quanto a ordem pública.
Seguindo todos os passos que devem ser tomados quando observado abusos as crianças
e bebês. Alguns desses sinais são liberados em seus comportamentos, hábitos, gestos sexuais (sejam
estes em desenhos ou brincadeiras) e questões físicas. Caso identifique um ou mais dos indicadores,
o melhor a se fazer é, antes mesmo de conversar com a criança, procurar ajuda de um especialista
que possa trazer a orientação correta para cada caso.
No caso de bebês, por mais que eles ainda não consigam demostrar em mudanças de
comportamento, gestos e falas, existem alguns sinais que podem denunciar que estão sofrendo
abusos, como inchaço, hematomas e contusões próximo a área genital, ossos quebrados sem causa
aparente, presença de sangue aparente nos lençóis ou nas roupas íntimas e sono agitado. Procure
um profissional da saúde caso seja percebido estes sinais.
Segundo o artigo 13 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em caso de suspeita
ou confirmação de violações de direitos humanos de crianças e adolescentes, de qualquer tipo,
incluindo a violência sexual (abuso ou exploração sexual), o caso deve ser sempre denunciado.
No Brasil, o principal canal de denúncias, por ligações telefônicas gratuitas, de crimes
sexuais cometidos contra crianças e adolescentes é o Disque Denúncia Nacional , ou Disque 100,
coordenado pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos.

3.0 CONCLUSÃO

O desenvolvimento do tema do projeto de pesquisa nos permitiu analisarmos com muito


cuidado e atenção a necessidade emergente de cuidados e posicionamentos que devem ser tomados
quanto ao combate do problema. Acredito que minha contribuição como estudante para a luta ao
tráfico de pessoas não será somente através deste projeto. Pessoalmente, me foi gerado um
verdadeiro anseio, ao ter contato a todos os dados e relatos de além de estar alertando, começar a
observar as formas em que eu possa atuar diretamente no futuro, seja em busca de legislações
cabíveis ou na linha de frente de cuidados a família, crianças e vulneráveis.
Vendo como este crime envolve tantas lacunas sociais, dada a importância necessária no
presente momento ao assunto, para que se expanda cada vez mais o desejo de conhecimento
referente ao tema de quem anseia fazer algo pelo mesmo. Ainda que se enquadrando em uma
pesquisa Básica Estratégica, não foi uma pesquisa a nível fácil, devido a falta de conteúdo existente
se tratando de bebês como alvo principal, tendo que coletar informações em muitos artigos da
internet (citados nas referências), e também pela dificuldade quanto ao peso emocional e sensível
que o tema carrega. Confesso que ao iniciar o levantamento de dados não imaginei que seriam
86

encontrados tantos relatos hediondos ao grau de abusos de bebês de oito dias de vida, e da forma
como tudo acontece, quanto ao envolvimento dos próprios pais.
Um dos pontos mais tocados na pesquisa, foi como as legislações que versam sobre o
tráfico com enfoque em bebês e resguardos ao nascituro ainda estão em sua forma abstrata, acredito
que o artigo cooperará para a análise que deve ser feita referente a esta pauta, e a todos os reparos
que necessitam ser feitos , a justiça tem que caminhar aos mesmos passos das necessidades de
direitos da sociedade. Dando o seu amparo legal ao vulneráveis.
De todas as formas em que foi tratado a problemática, e todas as óticas em que foi
analisada, tanto em ambiente físico, quanto no mundo profundo da internet onde as negociações
acontecem livremente. No problema do ambiente familiar, nas lacunas sociais, na fácil locomoção
de bebês por falta da devida fiscalização, em todas estas vertentes, temos a certeza da grandiosidade
e seriedade do problema, e que cabe a nós darmos os primeiros passos.
Concluo com o desejo de que este seja apenas um dos primeiros de tantos outros projetos
de pesquisa que irão focar no tráfico de bebês, agora não somente para o alerta, e intenção de
instigar ao anseio ao combate, mas também com futuras propostas de soluções. Acredito na
coragem e capacidade e anseio de justiça que vai além dos ambientes que nos favorecem, mas que
tratam sobre os direitos de todos, até mesmo os que não estão ligados diretamente a nós. Sei que
os que virão posteriormente irão cumprir grandes feitos.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF:


Senado Federal, 1988.

BRASIL. Decreto-Lei Nº 2.848, de 7 de Dezembro de 1940. Código Penal Brasileiro.


Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm>.
Acesso em: 16 set. 2020.

BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil Brasileiro. Disponível em:<
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm >. Acesso em: 16 set.
2020.

BRASIL. Lei Nº 8.069, de 13 de Julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do


Adolescente e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm>. Acesso em: 16 set. 2020.

LIMA, J. A. e ALBERTO, M. F. P. (2015). O olhar de mães acerca do abuso sexual


intrafamiliar sofrido por suas filhas. Psicologia: Ciência e Profissão.

Pollak S. O impacto de maus-tratos na infância sobre o desenvolvimento psicossocial de


crianças pequenas. Em: Tremblay RE, Boivin M, Peters RDeV, eds. MacMillan HL, ed.
tema. Enciclopédia sobre o Desenvolvimento na Primeira Infância Publicado: Dezembro 2004
(Inglês). Consultado: 12/05/2020.
87

SCHAEFER, L. S., BRUNNET, A. E., LOBO, B.O. M., CARVALHO, J. C. N.&KRISTENSEN,


C. H. (2018). Indicadores Psicológicos e Comportamentais na Perícia do Abuso Sexual
Infantil. Trends in Psychology, 26(3), 1467.
88

A LEGALIDADE DO INVENTÁRIO EXTRAJUDICIAL DIANTE DA


SUCESSÃO TESTAMENTÁRIA: À luz do artigo 610 do Código de
Processo Civil1

Carla Mayara Fahd2

1 INTRODUÇÃO

A transmissão dos direitos e deveres, por força de lei, dá-se em razão do princípio da sai-
sine. Isso é possível após o falecimento de uma pessoa, além de gerar uma perda imensurável aos
parentes, significa que o patrimônio deixado será dividido, mas regular-se-á através de normas
relativas ao condomínio.
Nesse sentido, o direito sucessório compreende-se como um conjunto de normas essen-
ciais à transferência de patrimônio de uma pessoa, no caso de morte. A partir do cumprimento das
formalidades, o ordenamento jurídico brasileiro, admite duas formas: inter vivos, sendo, a doa- ção
e o testamento. E causa mortis, com inventário e partilha.
Insta ressaltar que o ato de última vontade realizado pelo autor da herança precisará res-
peitar aos pressupostos de existência, validade e eficácia para, assim, alcançar o propósito de pro-
duzir efeitos no ordenamento jurídico brasileiro. Ou seja, características como: negócio jurídico
unilateral, solenidade do ato, gratuidade, revogabilidade, e ser causa mortis.
À luz do Código Processual Civil, o inventário, é um instituto sistemático de atos com o
objetivo bem específico, mas sem a exclusividade da via judicial. Assim, classifica-se em extraju-
dicial e judicial.
O presente trabalho visa demonstrar a importância da possibilidade do inventário extra-
judicial. O advento da Lei 11.441 de 04 de janeiro de 2007, somado ao Código de Processo Civil
de 2015, torna o procedimento viável e legal, possibilitando aos herdeiros a escolha de realizar o
inventário e a partilha por escritura pública e assim, constituir título hábil para o registro imobiliá-
rio.
Esse procedimento visa mais celeridade e menos desgaste emocional, visto que envolve
sentimento de perda de um ente querido, processo no qual se necessita realizar a devida sucessão

1Artigo Científico apresentado ao Curso de Graduação em Direito da Faculdade Estácio de Teresina como requisito
para obtenção do título de Bacharela em Direito, sob orientação da Ana Lectícia Erthal Soares Silva.
2Bacharelanda em Direito; e-mail: carllafahd@gmail.com.
89

e partilha dos bens do espólio. Insta apontar que nesse tipo de procedimento, há possibilidade de
escolha do cartório de notas independe do local onde o falecido residia, ou mesmo independente
da situação dos bens.
Ao tornar esse procedimento possível, o legislador, por meio da Lei 8.935/94, delegou ao
cartório de notas a atividade Notarial e Registral, pois o Tabelião, sujeito dotado de fé pública,
também é norteado pelos princípios e fundamentos indispensáveis para execução dos atos. Por-
tanto, a desjudicialização do inventário passou a ter amparo legal, abrindo a via extrajudicial para
realização de inventário por escritura pública perante o Tabelionato de Notas, procedimento esse
que fora ratificado pelo artigo 610 do Código Processo Civil, que estabelece os requisitos neces-
sários para realização do feito.

2 DESENVOLVIMENTO

2.1 Direito Sucessório

O falecimento de uma pessoa, além de gerar uma perda imensurável aos parentes, signifi-
ca a transmissão dos direitos e deveres por força de lei, em consonância com o artigo 1.784 do
Código Civil. Visto que acontece de forma imediata aos herdeiros legítimos e testamentários, isso
se dá em razão do princípio da saisine, originário do direito francês, que está positivado no referi-
do artigo (ASSIS NETO; JESUS; MELO, 2017, p. 1865).
Ocorre que o patrimônio não será dividido em partes nem mesmo sobre algum bem es-
pecífico, mas sobre a totalidade, e ainda regular-se-á por meio de normas relativas ao condomí-
nio, como expressa o artigo 1.791 CC, in verbis:

A herança defere-se como um todo unitário, ainda que vários sejam os herdeiros. Pará-
grafo único. Até a partilha, o direito dos co-herdeiros, quanto à propriedade e posse da
herança, será indivisível, e regular-se-á pelas normas relativas ao condomínio. (BRASIL,
2002).

Observemos o teor de um julgado do Supremo Tribunal Federal quanto a legitimidade ativa


para requer o bem deixado pelo de cujus:

RECURSO ESPECIAL - AÇÃO REIVINDICATÓRIA - TUTELA DE BEM


DEIXADO PELO DE CUJUS - PARTILHA AINDA NÃO VERIFICADA - CO-
HERDEIRO - LEGITIMIDADE ATIVA RECONHECIDA - RECURSO
ESPECIAL PROVIDO.
1. Sendo a herança uma universalidade, é de rigor reconhecer-se que sobre ela os her-
deiros detêm frações ideais não individualizadas, pois, até a partilha.
2. Aberta a sucessão, cria-se um condomínio pro indiviso sobre o acervo heredi-
tário, regendo-se o direito dos co-herdeiros, quanto à propriedade e posse da he-
rança, pelas normas relativas ao condomínio (artigo 1791, parágrafo único, do Có-
digo Civil).
90

3. Tal como ocorre em relação a um condômino, ao co-herdeiro é dada a legitimidade ad


causam para reivindicar, independentemente da formação de litisconsórcio com os
demais co-herdeiros, a coisa comum que esteja indevidamente em poder de terceiro, nos
moldes no artigo 1314 da lei civil.
4. O disposto no artigo 12, V, do Código de Processo Civil não exclui, nas hipóteses em
que ainda não se verificou a partilha, a legitimidade de cada herdeiro vindicar em ju- ízo
os bens recebidos a título de herança, porquanto, in casu, trata-se de legitimação
concorrente. 5. Recurso especial provido.
(Recurso Especial n° 1192027/MG 2010/0078655-0. 3° Turma do STJ, Rel. Massami
Uyeda. J. 19/08/2010, unânime, DJe 06/09/2010).

A herança terá natureza jurídica de bem imóvel, como dispõe o artigo 80, inciso II do
Código Civil, in verbis: “Consideram-se imóveis para os efeitos legais: II - o direito à sucessão
aberta”. Enquanto herança é o conjunto de relações jurídicas e passivas de caráter patrimonial
pertencente ao falecido, o espólio é um ente despersonalizado que representa a herança em juízo e
extrajudicialmente (ASSIS NETO; JESUS; MELO, 2017, p. 1866).
Inicialmente, dessa universalidade, decorrerá a proibição legal de qualquer herdeiro, inclu-
sive o inventariante, de alienar os bens, de transmitir para terceiros, de pagar dívidas ou fazer as
despesas em nome do espólio sem autorização judicial.
O Direito Sucessório compreende-se com um conjunto de normas essenciais à transfe-
rência de patrimônio de uma pessoa, no caso de morte. O jurista Gonçalves (2019) ressalta que a
palavra “sucessão”, em sentido amplo, significa o ato pelo qual uma pessoa assume o lugar de outra,
substituindo-a na titularidade de determinados bens.
Então, a partir do cumprimento das formalidades que podem ser realizadas em juízo ou em
cartório, poderá ocorrer a sucessão, transmissão do patrimônio do de cujus, por força de lei, através
da legitimidade sucessória, ou por vontade do falecido, por meio de testamento. Sendo assim, no
ordenamento jurídico brasileiro, a sucessão admite duas formas: inter vivos, sendo, a doação e o
testamento, e causa mortis, com inventário e partilha.

2.2 Sucessão Testamentária: Conceito e Fundamentos

A palavra deriva do latim, testamentum, testamento significa atestação, cujo efeito de atestar
ou declarar realizar-se-á por documento público em que conste a veracidade de algum fato ou a
existência de obrigação.
No mundo jurídico, o vocábulo “testamento”, nas palavras de Carlos Alberto Gonçalves
(2019), “constitui ato de última vontade, pelo qual o autor da herança dispõe de seus bens para
depois de sua morte e faz outras disposições”. O Código Civil assegura esse procedimento que está
regulado pelos artigos 1857 a 1859, vejamos:
91

Art. 1.857 do Código Civil: Toda pessoa capaz pode dispor, por testamento, da totali-
dade dos seus bens, ou de parte deles, para depois de sua morte. § 1° A legítima dos
herdeiros necessários não poderá ser incluída no testamento. § 2 o São válidas as dispo-
sições testamentárias de caráter não patrimonial, ainda que o testador somente a elas se
tenha limitado.

Art. 1.858. O testamento é ato personalíssimo, podendo ser mudado a qualquer tempo.

Art. 1.859. Extingue-se em cinco anos o direito de impugnar a validade do testamento,


contado o prazo da data do seu registro. (BRASIL, 2002).

Essa vontade do falecido precisará respeitar aos pressupostos de existência, validade e efi-
cácia para, assim, alcançar o propósito de produzir efeitos no ordenamento jurídico brasileiro.
Entretanto não é absoluta, pois o testador não poderá restringir a sucessão apenas aos legitima-
dos como prevê o artigo 1.857, §1° do Código Civil: “a legítima dos herdeiros necessários não
poderá ser incluída no testamento”.
Nesse sentido, o renomado jurista brasileiro Pontes de Miranda, apud Gagliano e Pamplo-
na Filho (2018), leciona sobre a proteção do Estado sobre a última vontade, afirmando que:

Cerca-a de formas, que a livrem de insídios e maquinações. Continua, ao explicar que a


exigência de forma testamentária evita que o testador apressadamente manifeste a von-
tade e de certo modo mostra-lhe que é de grande relevância o ato que vai praticar. Por
outro lado, diminui as possibilidades de pressões, de violências, de erros e de
atendimentos a pedidos e promessas. Além disso, a presença de testemunhas con-
corre para que de contenha, pondere e se precate o testador [...]. O rigor formal protege
o testador e os que seriam por ele declarados herdeiros ou legatários. Trata- se de um
ato de última vontade, razão porque a técnica legislativa também há de se cogi-
tar de formalidades que assegurem a conservação do negócio jurídico. Com os
pressupostos de forma, o que se tem por fito é maior segurança na expressão da vonta-
de e na conservação do instrumento. Se o testamento não satisfaz as exigências
formais, ou algumas delas, testamento não há. Se a satisfação é que foi insufici-
ente, há nulidade. Ser incompleta a observância, ou ser irregular, faz nulo o testamen-
to. Não ter havido cumprimento de qualquer dos pressupostos, qualquer que se-
ja, não é infração da lei, é omissão de requisito para a existência de testamento.
(PONTES DE MIRANDA, apud GAGLIANO e PAMPLONA FILHO, 2018) (grifo
nosso).

A definição de testamento para Tartuce (2017) trata-se de negócio jurídico unilateral, per-
sonalíssimo e revogável pelo qual o testador faz disposições de caráter patrimonial ou extrapatri-
monial, para depois de sua morte.

2.3 Características do Testamento

Além do ato sucessório ser um exercício personalíssimo do autor da herança, o testamen-


to possui as seguintes características:
Constitui negócio jurídico unilateral, ou seja, é de excepcional vontade do testador a ma-
92

nifestação de vontade, assim, de acordo com o artigo 1.863 do Código Civil: “é proibido o testa-
mento conjuntivo, seja simultâneo, recíproco ou correspectivo”. Ou seja, é vedado o pacto corvina,
também conhecido como pacto sucessório, e essa proibição se justifica em razão de tal disposição
contrariar uma característica essencial do testamento, que é a revogabilidade, elemento assegura-
do por lei através do artigo 426 do Código Civil, cujo teor dispõe: “não pode ser objeto de con-
trato a herança de pessoa viva” (GONÇALVES, 2019, p.155).
O ato deve ser solene e só poderá ter validade se forem observadas as formalidades pre-
vistas em lei (ad solemnitatem), Gonçalves (2019) destaca que a excessiva formalidade é criada com o
intuito de preservar a autenticidade e a liberdade do testador, bem como alertar o autor da
importância do testamento que está preste a ser firmado. É admissível uma exceção a formalidade
presente no artigo 1.893 do Código Civil quando se trata de testamento de militar que poderá ser
realizado sem as devidas formalidades exigidas por lei.
Art. 1.893. O testamento dos militares e demais pessoas a serviço das Forças Armadas
em campanha, dentro do País ou fora dele, assim como em praça sitiada, ou que esteja
de comunicações interrompidas, poderá fazer-se, não havendo tabelião ou seu substitu-
to legal, ante duas, ou três testemunhas, se o testador não puder, ou não souber assinar,
caso em que assinará por ele uma delas. (BRASIL, 2002).

O ato deve ser gratuito, ou seja, não pode constituir vantagem financeira ao testador. Essa
é uma característica essencial para o ato, pois não se pode impor ao beneficiário de um testamen-
to a obrigação de contraprestação, tampouco se pode propor venda de uma quota ou todo patri-
mônio a algum herdeiro, sob pena de configurar um ato expressamente proibido no ordenamen-
to jurídico, o chamado pacta corvina (GAGLIANO E PAMPLONA FILHO, 2018).
Outra importante característica do testamento é a revogabilidade, que constitui princípio
de ordem pública, nesse sentido Gonçalves (2019) afirma que o ato de revogar em todo ou em
parte é irrenunciável, não estando o testador obrigado a declinar os motivos, tal irrenunciabilida-
de possui previsão nos artigos 1.969 a 1.972 do Código Civil. Há, no entanto, no artigo 1.609 do
Código Civil a ressalva de que “o reconhecimento dos filhos havidos fora do casamento é irrevo-
gável”, ou seja, uma exceção ao princípio da revogabilidade.
Por fim, no elenco de características do testamento, temos a Causa mortis, pois os efeitos do
dele só começarão após a morte do testador, é um requisito essencial do ato sucessório, sobre o
tema, Gonçalves (2019) alude que “até o falecimento dos disponentes fica sem objeto o ato em que
a pessoa desfruta do patrimônio para depois do próprio óbito [...], é um pressuposto necessá- rio,
para que tenha eficiência, a morte do prolator”.
Assim, as formalidades deverão ser interpretadas de forma a assegurar a vontade do testa-
dor, não cabe ao juiz recorrer a outras fontes além do próprio testamento, logo o acórdão da
jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça não deixa dúvida em relação ao respeito devido da
93

última vontade do testador:


DIREITO CIVIL. SUCESSÃO TESTAMENTÁRIA. CONFLITO DE NOR-
MAS. PRIMAZIA DA VONTADE DO TESTADOR.
I - Nos termos do artigo 1.750 do Código Civil de 1916 (a que corresponde o art. 1793
do Cód. Civil de 2002) "Sobrevindo descendente sucessível ao testador, que o não ti-
nha, ou não o conhecia, quando testou, rompe-se o testamento em todas as suas dispo-
sições, se esse descendente sobreviver ao testador".
II - No caso concreto, o novo herdeiro, que sobreveio, por adoção post mortem, já era
conhecido do testador que expressamente o contemplou no testamento e ali consignou,
também, a sua intenção de adotá-lo. A pretendida incidência absoluta do art. 1750 do
Código Civil de 1916 em vez de preservar a vontade esclarecida do testador, implicaria a
sua frustração.
III - A aplicação do texto da lei não deve violar a razão de ser da norma jurídica que
encerra, mas é de se recusar, no caso concreto, a incidência absoluta do dispositivo le-
gal, a fim de se preservar a mens legis que justamente inspirou a sua criação.
IV - Recurso Especial não conhecido.
(Resp 985.093/ RJ, Rel.Ministro Humberto Gomes de Barros, Re. p/ Acórdão Ministro
Sidnei Beneti, 3turma, julgado em 05/08/2010, DJe 24/09/2010).

2.4 Tipos de Testamento

O Código Civil prevê três tipos de testamento: o público, o cerrado e o particular ( artigo
1.862 do CC). Não há hierarquia entre os mesmos, pois qualquer das formas descritas em Lei possui
igual aptidão para produzir efeitos pos mortem, e a escolha vai depender da vontade do tes- tador
(ASSIS NETO; JESUS; MELO, 2017, p. 1866).
No testamento público não há sigilo de seu teor, qualquer interessado poderá acessar, com
o requisito de ser escrito pelo Tabelião com as declarações do testador, lavrando o instru- mento a
ser lido em voz alta na presença de duas testemunhas e pelo autor, sendo ao final assina- do por
todos os citados.
O testamento cerrado ou também conhecido como místico ou secreto, possui a caracte-
rística de ser mais sigiloso, pois ninguém além do testador conhecerá seu conteúdo, entretanto não
tem segurança quanto ao testamento físico, pois o documento ficará com o testador. E com o
requisito de ser escrito, entregue ao Tabelião, lavrado, assinado pelos citados e para resguardar
o sigilo não será lido.
O testamento particular é o mais simples, sem recolhimento de emolumentos ou taxas, com
razoável sigilo, pois apenas o testador e as testemunhas terão acesso ao seu teor, porém, frágil,
devido ao risco do documento se perder, o testador deverá ser confirmado em juízo pelas
testemunhas, caso contrário, não será válido e ainda não será cumprido. Tal documento deverá ser
escrito de próprio punho, na presença de três testemunhas.

2.5 Capacidade de Testar

A Capacidade para testar está previsto nos artigos 1860 e 1861 do Código Civil e poderá
94

se dividir em capacidade ativa (testamenti factio activa) e capacidade passiva (cestamenti factio passiva).

Art. 1.860. Além dos incapazes, não podem testar os que, no ato de fazê-lo, não tive- rem
pleno discernimento. Parágrafo único. Podem testar os maiores de dezesseis anos. Art.
1.861. A incapacidade superveniente do testador não invalida o testamento, nem o
testamento do incapaz se valida com a superveniência da capacidade. (BRASIL, 2002).

A regra geral do Código Civil brasileiro sobre a validação do negócio jurídico é requisito
aplicado também ao testador, como dispõe o artigo 104: “A validade do negócio jurídico requer: I
- agente capaz; II - objeto lícito, possível, determinado ou determinável; III - forma prescrita ou
não defesa em lei”. Tais disposições são cruciais para praticar o ato com discernimento e auto-
nomia, assim, efetivar sua plena vontade consciente.

No que diz respeito à capacidade ativa, Gonçalves (2019) menciona que tal elemento é
exigível, portanto, no momento em que se for redigir ou elaborar o testamento, deverá ser aferida
a capacidade do testador, verificando se, no ato de testar, tinha pleno discernimento do seu ato,
somente assim o documento será valido, permanecendo válido mesmo que ele venha a perder a
lucidez em momento posterior. Os incapazes serão exceção, pois não tiveram pleno discerni-
mento no ato de fazê-lo.

A jurisprudência ratifica sobre a capacidade de testar à época do testamento:

DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE


NULIDADE DE TESTAMENTO. COMPROVAÇÃO DO RECOLHIMENTO DAS
CUSTAS RECURSAIS POSTERIOR À INTERPOSIÇÃO DA APELAÇÃO.
DESERÇÃO. RECONHECIDA.EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO.
CONTRADIÇÃO. OBSCURIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. CAPACIDADE PA-
RA TESTAR. DEMÊNCIA SENIL. INTERVALOS DE LUCIDEZ. CC/16. PRO-
VA ROBUSTA. NECESSIDADE. SÚMULA 7/STJ.1. Ação ajuizada em 07/06/02. (...)

5. É inegável a relevância que o Ordenamento Jurídico pátrio emprega em favor de se


preservar a vontade de disposição patrimonial dos sujeitos que assim desejarem fazer.
Por outro lado, questão de alta indagação na doutrina e na jurisprudência se coloca acerca
da demonstração inequívoca de que o testador, ao testar, se encontrava ou não em
perfeito juízo, isto é, se tinha pleno discernimento da formalidade que o testamento
encerra.

6. A capacidade para testar é presumida, tornando-se indispensável prova robusta de que


efetivamente o testador não se encontrava em condições de exprimir, livre e cons- ciente,
sua vontade acerca do patrimônio ao tempo em que redigido o testamento.

7. Na hipótese, o Tribunal de origem registrou que, sem risco de equívocos, a prova foi
robusta diante do comprovado estado precário de sanidade mental da testadora em
95

momento anterior à lavratura dos testamentos públicos. Rever essa conclusão de-
mandaria o reexame de fatos e provas (Súmula 7/STJ). (grifo nosso).

8. Recursos especiais conhecidos e não providos.

(STJ, REsp 1694965/MG, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA,


julgado em 05/12/2017, DJe 07/12/2017).

A capacidade passiva está relacionada à aquisição por testamento, sendo uma regra mate-
rial para a sucessão hereditária em geral, que legitima as pessoas nascidas ou os nascituros, ao tempo
da morte da herança, para receber parte ou todo o patrimônio deixado pelo falecido (GAGLIANO
e PAMPLONA FILHO, 2018).

3 A CONTRIBUIÇÃO DA ATIVIDADE NOTARIAL E REGISTRAL

A Lei 8.935 de 18 de novembro de 1994 foi a primeira norma federal para a regulamenta-
ção da atividade notarial e registral, comumente conhecida como “Lei dos Notários e Regis-
tradores”. É uma atividade constituída de função pública e que está descrita no artigo 236 da CF/88
da seguinte forma, in verbis: “Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado,
por delegação do Poder Público”. Executa-se tal função por delegação, ou seja, a ativi- dade não é
exercida diretamente pelo Estado, e sim por meio de delegação (e não concessão), pois transfere
apenas o poder de prestar serviço, o Estado, no entanto, continua com a titularida- de da atividade
(EL DEBS, 2018).

Na explicação de Celso Antônio Bandeira de Mello, a delegação de serviços notariais e


de registro e a concessão de serviços públicos são institutos jurídicos que têm acentua-
dos pontos de contacto. O que substancialmente os diferencia é que no primeiro caso
está em pauta atividades jurídicas e no segundo atividades materiais. Sem embargo, so-
bre serem, igualmente, formas de exercício de atividades públicas por particulares. (apud
EL DEBS, 2018).

O ingresso para notários e registradores acontece por meio de concurso público, com
previsão legal no artigo 14 da Lei 8.935/94 e Resolução 80/2009 e 81/2009 do Conselho Nacio-
nal de justiça, e está sujeito a fiscalização do Poder Judiciário por correições ordinárias e extra-
ordinárias (EL DEBS, 2018).

Em consonância com a legislação, a jurisprudência do STF assim se posiciona:


96

CONSTITUCIONAL. SERVENTIA EXTRAJUDICIAL. PROVIMENTO, MEDI-


ANTE PERMUTA COM CARGO DE IGUAL NATUREZA, SEM CONCURSO
PÚBLICO. ILEGITIMIDADE. ARTIGO 236 E PARÁGRAFOS DA CONSTITUI-
ÇÃO FEDERAL: NORMAS AUTOAPLICÁVEIS, COM EFEITOS IMEDIATOS,
MESMO ANTES DA LEI 9.835/1994. INAPLICABILIDADE DO PRAZO DE-
CADENCIAL DO ARTIGO 54 DA LEI 9.784/1999. PRECEDENTES DO PLE-
NÁRIO.

1. É firme a jurisprudência do STF (v.g.: MS 28.371, Min. JOAQUIM BARBOSA,


DJe de 27.02.2013) e MS 28.279, Min. ELLEN GRACIE, DJe de 29.04.2011), no sen-
tido de que o art. 236, caput, e o seu § 3º da CF/88 são normas autoaplicáveis, que
incidiram imediatamente desde a sua vigência, produzindo efeitos, portanto,
mesmo antes do advento da Lei 8.935/1994. Assim, a partir de 05.10.1988, o concurso
público é pressuposto inafastável para a delegação de serventias extrajudiciais,
inclusive em se tratando de remoção, observado, relativamente a essa última hipótese, o
disposto no art. 16 da referida Lei, com a redação que lhe deu a Lei 10.506/2002.

2. É igualmente firme a jurisprudência do STF no sentido de que a atividade notarial e de


registro, sujeita a regime jurídico de caráter privado, é essencialmente distinta da
exercida por servidores públicos, cujos cargos não se confundem.

(...)

4. É de ser mantida, portanto, a decisão da autoridade impetrada que interferiu


na atuação irregular do Tribunal submetido ao seu controle e considerou ilegí-
timo o provimento de serventia extrajudicial, sem concurso público, decorrente de
permuta com cargo de igual natureza, com ofensa ao art. 236, § 3º, da Constituição. (...)

5. Agravo regimental desprovido. (grifos nossos).

(MS 29484 ED-ED-AgR, Relator: Ministro TEORI ZAVASCKI, 2° Turma, julgado em


11/11/2014, DJe-230 divulgado dia 21/11/2014).

A regra estabelecida no artigo 1° da Lei 8.935/94, dispõe que os serviços notariais são
destinados a garantir a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos.

A publicidade tem por finalidade outorgar segurança às relações jurídicas, assegurando a


qualquer interessado o conhecimento do teor do acervo das serventias notariais e registrais e ga-
rantir sua oponibilidade contra terceiros (EL DEBS, 2018).

A autenticidade decorre da fé pública, previsto no artigo 3° da referida Lei, no qual con-


siste na condição de autenticidade da atividade realizada e pressupõe a legitimidade do conteúdo
do ato notarial ou registral. A segurança configura estabilidade, confiança e boa-fé á relação jurí-
dica. E, por último, a eficácia, que possui como característica assegurar ao ato a produção de efei-
to jurídico. Os princípios norteiam o ato notarial e registral.
97

Insta ressaltar que o titular da delegação está sujeito à fiscalização do Poder Judiciário, o
que se dá por meio das correições, ordinárias e extraordinárias (EL DEBS, 2018). Além de essa
profissão ser instrumento de prevenção de litígios, pois contribui com a pacificação social, ainda
auxilia no desafogamento do Judiciário.

4 DO INVENTÁRIO

A palavra deriva do latim, ‘invenire’, inventário significa achar ou encontrar a relação dos
bens de um falecido, no qual há necessidade de avaliá-los para dar início a sucessão legítima ou
testamentária. Embora os herdeiros adquiram a propriedade desde a abertura da sucessão, os seus
nomes passarão a figurar no Registro de Imóveis somente após o registro formal de partilha
(GONÇALVES, 2019).
Os juristas Gagliano e Pamplona Filho conceituam inventário como:

O inventário pode ser conceituado como uma descrição detalhada do patimônio do


autor da herança, atividade de esta descrita à posterior partilha ou adjudicação dos
bens. Sod prisma processual, outrossim, o inventário pode ser entendido como se-
quência ordenada de atos tendentes a um fim específico.não é mais, nos dias de hoje,
porém, exclusivamente em procedimento judicial. (GAGLIANO; PAMPLONA FI-
LHO, 2018) (grigo nosso).

À luz do Código Processual Civil, o inventário é um instituto sistemático de atos com o


objetivo bem específico, mas sem a exclusividade da via judicial. Assim, classifica-se em extraju-
dicial e judicial. O artigo 1.991 do Código Civil dispõe a necessidade “desde a assinatura do com-
promisso até a homologação da partilha, a administração da herança será exercida pelo inventari-
ante”.
O inventário poderá ser representado pelo inventariante e este poderá ser representado
pelo administrador se não houver inventariante. O espólio poderá estar a cargo de uma pessoa, que
ficará responsável pela posse e guarda dos bens. Este por sua vez, terá o dever de cuidar e proteger
esses bens.
O procedimento inicia após a abertura do inventário por petição acompanhado de procu-
ração do advogado outorgada, e certidão de óbito do de cujus. Em regra o foro competente, de
acordo com o artigo 48 do Código Processual Civil, será o do último domicílio do autor da he-
rança. Assim, o juiz nomeará o inventariante que deverá prestar compromisso e apresentar as
primeiras declarações em vinte dias.
A nomeação do inventariante poderá ficar a critério das partes, cabendo o juiz aceitar ou
não. Caso a negativa aconteça por parte do juiz, o artigo 617 do Código Processual Civil elenca a
ordem de nomeação:
98

Art. 617. O juiz nomeará inventariante na seguinte ordem: I - o cônjuge ou companhei-


ro sobrevivente, desde que estivesse convivendo com o outro ao tempo da morte deste;
II - o herdeiro que se achar na posse e na administração do espólio, se não houver côn-
juge ou companheiro sobrevivente ou se estes não puderem ser nomeados; III - qual-
quer herdeiro, quando nenhum deles estiver na posse e na administração do espólio; IV
- o herdeiro menor, por seu representante legal; V - o testamenteiro, se lhe tiver sido
confiada a administração do espólio ou se toda a herança estiver distribuída em legados;
VI - o cessionário do herdeiro ou do legatário; VII - o inventariante judicial, se houver;
VIII - pessoa estranha idônea, quando não houver inventariante judicial. (BRASIL, 2015).

Em consonância com o artigo 627 do Código Processual Civil, os interessados poderão em


quinze dias alegar erros, omissões e sonegação de bens, reclamar contra a nomeação de inven-
tariante e contestar a qualidade de quem foi incluído no título de herdeiro. A partir de então se-
gue avaliação do bem, caso não seja impugnado, que auxiliará na base de cálculo do Imposto de
Transmissão de Causa Mortis e Doação.

No dispositivo do artigo 636 do Código Processual Civil, observa-se que depois de aceito
o laudo ou resolvidas as impugnações suscitadas a seu respeito, lavrar-se-á em seguida o termo de
últimas declarações, no qual o inventariante poderá emendar, aditar ou completar as primeiras.
Após, serão ouvidas todas as partes e o Ministério Público (caso tenha menores) e a Fazenda
Pública. O Juiz sentenciará, em seguida expedirá guias para o pagamento, encerrando-se o inven-
tário.

4.1 Inventário Extrajudicial: Aplicação do Artigo 610 do Código Processual Civil

No entendimento de Gagliano e Pamplona Filho (2018) o início do inventário inaugura


uma espécie de juízo universal, em que se pretende resolver, em um único processo (entendido
como um conjunto de atos tendentes a um fim), todas as questões atinentes à formalidade da
transferência da herança.
A partir do advento da Lei 11.441 de 04 de janeiro de 2007, possibilitou-se aos herdeiros a
escolha pela realização do inventário e a partilha por escritura pública, a qual constituirá título hábil
para o registro imobiliário, e o cartório é de livre escolha dos herdeiros. A lei mencionada,
determina que os herdeiros devam ser legítimos, capazes e que estejam concordes. A legislação não
exige do herdeiro único que opte por utilizar o inventário extrajudicial, sendo adjudicado todos os
bens que foram deixados pelo de cujos.
O inventário extrajudicial produzirá seus efeitos a partir do momento em que o tabelião
promova a lavratura da escritura pública de testamento. Desse modo, a transferência que é extra-
99

ída da escritura pública, passa a ser documento hábil. Assim, promove-se a averbação do registro
dos imóveis, em caso de sua existência, bem como a certificação da aquisição da titularidade de
eventuais bens, na exata forma como se procedeu à partilha (JÚNIOR, 2016).
Sobre o assunto, assim dispõe o artigo 610 do Código Processo Civil, in verbis:

Art. 610. Havendo testamento ou interessado incapaz, proceder-se-á ao inventário judi-


cial.
§ 1º Se todos forem capazes e concordes, o inventário e a partilha poderão ser feitos por
escritura pública, a qual constituirá documento hábil para qualquer ato de registro, bem
como para levantamento de importância depositada em instituições financeiras.
§ 2 o O tabelião somente lavrará a escritura pública se todas as partes interessadas esti-
verem assistidas por advogado ou por defensor público, cuja qualificação e assinatura
constarão do ato notarial. (BRASIL, 2015).

Corroborando com a legislação citada, os enunciados nº 600 da VII Jornada de Direito


Civil do CJF; Enunciado nº 77 da I Jornada sobre Prevenção e Solução Extrajudicial de Litígios; I
Jornada de Direito Processual Civil do Conselho da Justiça Federal; 51 da I Jornada de Direito
Processual Civil do CJF; 16 do Instituto Brasileiro de Direito de Família, ratificam a validade do
testamento extrajudicial.

Enunciado 600 da VII Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Fede-


ral“após registrado judicialmente o testamento e sendo todos os interessados capazes e
concordes com os seus termos, não havendo conflito de interesses, é possível que se faça
o inventário extrajudicial”.
Enunciado 77 da I Jornada sobre Prevenção e Solução Extrajudicial de Litígios:
“Havendo registro ou expressa autorização do juízo sucessório competente, nos autos
do procedimento de abertura e cumprimento de testamento, sendo todos os interessa-
dos capazes e concordes, o inventário e partilha, poderão ser feitos por escritura públi-
ca, mediante acordo dos interessados, como forma de pôr fim ao procedimento judici-
al”.
Enunciado 51 da I Jornada de Direito Processual Civil do CJF: “Havendo registro
judicial ou autorização expressa do juízo sucessório competente, nos autos do procedi-
mento de abertura, registro e cumprimento de testamento, sendo todos os interessados
capazes e concordes, poderão ser feitos o inventário e a partilha por escritura pública”.
Enunciado 16 do IBDFAM: “Mesmo quando houver testamento, sendo todos os in-
teressados capazes e concordes com os seus termos, não havendo conflito de interes-
ses, é possível que se faça o inventário extrajudicial” (grifos nossos).

Assim, como todo procedimento conduzido por lei, há necessidade de cumprimento de


prazo que está previsto no artigo 611 do Código Processual Civil, in verbis: “O processo de inven-
tário e de partilha deve ser instaurado dentro de dois meses, a contar da abertura da sucessão,
ultimando-se nos 12 (doze) meses subsequentes, podendo o juiz prorrogar esses prazos, de ofício
ou a requerimento da parte”.

4.2 Benefícios do Inventário Extrajudicial

Há possibilidade de escolha do cartório de notas, o que significa um grande avanço em


relação a desjudicialização do processo de inventário. Assim, independentemente do local onde
100

o falecido era residente, bem como o local da situação dos bens, é livre aos herdeiros esco- lha
do Tabelionato de Notas no qual realizarão a escrituração, desde que em território nacional
(MONTANHER, 2019).
A Lei 11.441 de 04 de janeiro de 2007 autoriza que o procedimento de inventário e parti-
lha seja possível pela via administrativa, também chamada de inventário extrajudicial, com o obje-
tivo de dar celeridade ao poder judiciário, pois, visto que as demandas judiciais são bem eleva- das,
esse procedimento, se realizado pela via judicial, poderá levar anos para ser concluído.

A mens legis que autorizou o inventário extrajudicial foi justamente a de desafogar


o Judiciário, afastando a via judicial de processos nos quais não se necessita da
chancela judicial, assegurando solução mais célere e efetiva em relação ao interesse das
partes. O processo deve ser um meio, e não um entrave, para a realização do direi- to. Se
a via judicial é prescindível, não há razoabilidade em proibir, na ausência de con- flito de
interesses, que herdeiros, maiores e capazes, socorram-se da via administrativa para dar
efetividade a um testamento já tido como válido pela Justiça. (CAVALCAN- TE, 2020)
(grifos nossos).

O fator financeiro é algo que dá muita diferença entre as modalidades, pois a tabela de
emolumento do procedimento extrajudicial é muito mais acessível, o qual gera vantagens para os
herdeiros (MONTANHER, 2019).
Não há necessidade de homologação judicial, no qual evita a via de processo judicial e por
consequência, a maior eficácia, visto que é realizado de forma consensual entre os her- deiros,
evitando o desgaste emocional das partes.
O imposto é declarado e conferido pelo próprio Tabelião de Notas, sendo assim a Fazen-
da Pública Estadual não necessitará recolhê-lo. E no caso em que o herdeiro não compareça para
assinar a escritura do inventário, é possível ser representado através de uma procuração pública,
desta forma, não é necessário que todos estejam presentes.
A documentação em relação ao bem imóvel, após a lavratura, deve ser apresentado ao
Cartório de Registro de Imóveis e em se tratando de bem móvel realizar-se-a no Detran para a
devida transferência ao herdeiro.
Nesse sentido, o julgamento realizado no dia 15 de outubro de 2019 a Quarta Turma do
Superior Tribunal de Justiça, proferiu entendimento favorável no que se refere ao inventário ex-
trajudicial:

RECURSO ESPECIAL. CIVIL E PROCESSO CIVIL. SUCESSÕES. EXIS-


TÊNCIA DE TESTAMENTO. INVENTÁRIO EXTRAJUDICIAL. POSSIBI-
LIDADE, DESDE QUE OS INTERESSADOS SEJAM MAIORES, CAPAZES E
CONCORDES, DEVIDAMENTE ACOMPANHADOS DE SEUS ADVO-
GADOS.
ENTENDIMENTO DOS ENUNCIADOS 600 DA VII JORNADA DE DIREITO
CIVIL DO CJF; 77 DA I JORNADA SOBRE PREVENÇÃO E SOLUÇÃO EX-
TRAJUDICIAL DE LITÍGIOS; 51 DA I JORNADA DE DIREITO PROCESSUAL
CIVIL DO CJF; E 16 DO IBDFAM.
101

1. Segundo o art. 610 do CPC/2015 (art. 982 do CPC/73), em havendo testamento ou


interessado incapaz, proceder-se-á ao inventário judicial. Em exceção ao caput, o § 1°
estabelece, sem restrição, que, se todos os interessados forem capazes e concordes,
o inventário e a partilha poderão ser feitos por escritura pública, a qual consti-
tuirá documento hábil para qualquer ato de registro, bem como para levanta-
mento de importância depositada em instituições financeiras.
2. O Código Civil, por sua vez, autoriza expressamente, independentemente da existên-
cia de testamento, que, "se os herdeiros forem capazes, poderão fazer partilha amigável,
por escritura pública, termo nos autos do inventário, ou escrito particular, homologado
pelo juiz" (art. 2.015). Por outro lado, determina que "será sempre judicial a partilha, se
os herdeiros divergirem, assim como se algum deles for incapaz" (art. 2.016) – bastará,
nesses casos, a homologação judicial posterior do acordado, nos termos do art. 659 do
CPC.
3. Assim, de uma leitura sistemática do caput e do § 1° do art. 610 do CPC/2015, c/c os
arts. 2.015 e 2.016 do CC/2002, mostra-se possível o inventário extrajudicial, ainda que
exista testamento, se os interessados forem capazes e concordes e estiverem assisti- dos
por advogado, desde que o testamento tenha sido previamente registrado judicial- mente
ou haja a expressa autorização do juízo competente.
4. A mens legis que autorizou o inventário extrajudicial foi justamente a de desafogar o
Judiciário, afastando a via judicial de processos nos quais não se necessita da chancela
judicial, assegurando solução mais célere e efetiva em relação ao interesse das partes.
Deveras, o processo deve ser um meio, e não um entrave, para a realização do direito. Se
a via judicial é prescindível, não há razoabilidade em proibir, na ausência de conflito de
interesses, que herdeiros, maiores e capazes, socorram-se da via administrativa para dar
efetividade a um testamento já tido como válido pela Justiça.
5. Na hipótese, quanto à parte disponível da herança, verifica-se que todos os herdeiros
são maiores, com interesses harmoniosos e concordes, devidamente representados por
advogado. Ademais, não há maiores complexidades decorrentes do testamento. Tanto a
Fazenda estadual como o Ministério Público atuante junto ao Tribunal local concorda-
ram com a medida. Somado a isso, o testamento público, outorgado em 2/3/2010 e la-
vrado no 18° Ofício de Notas da Comarca da Capital, foi devidamente aberto, proces-
sado e concluído perante a 2ª Vara de Órfãos e Sucessões.
6. Recurso especial provido. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, os
Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça acordam, por unanimidade,
dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs.
Ministros Raul Araújo, Antonio Carlos Ferreira e Marco Buzzi (Presidente) vota- ram
com o Sr. Ministro Relator. Ausente, justificadamente, a Sra. Ministra Maria Isabel
Gallotti. Brasília (DF).
(RECURSO ESPECIAL Nº 1.808.767 - RJ (2019/0114609-4) pelo Ministro Relator
Luis Felipe Salomão QUARTA TURMA, julgado em 15/10/2019) (grigos nossos).

A Lei 11.441/2007, de acordo com o jurista Flávio Tartuce (2014), “trouxe ao sistema ju-
rídico brasileiro uma inovação festejada, pois veio a reduzir consideravelmente a burocracia para a
partilha dos bens do falecido”. Ou seja, a desjudicialização do inventário tornou possível a via
extrajudicial feito por escritura pública perante o Tabelionato de Notas, procedimento ratificado
pelo artigo 610 do Código Processo Civil, apresentando os requisitos necessários para sua feitura.

5 CONCLUSÃO

No estudo sobre o tema inventário extrajudicial, o qual foi tratado neste trabalho, pôde-se
esclarecer pontos a respeito da normatização do procedimento realizado por via administrativa,
com embasamento indispensável em doutrina, jurisprudência, enunciado, ou seja, a fundamen-
tação no ordenamento jurídico brasileiro. Demonstrando-se argumentativamente sua importân-
102

cia, conceito, aplicação da legislação, bem como o benefício do ato.


O direito das sucessões é o ramo responsável em discorrer sobre as formalidades exigidas
para transferência/aquisição de bens constituítes de espólio de pessoa falecida, pois é formada por
um conjunto de leis essenciais à transferência do patrimônio do de cujus aos seus herdeiros. Insta
mencionar sobre a contribuição da atividade Notarial e Registral conforme a Lei 8.935/1994,
através da qual o ato produzirá seus efeitos a partir do momento em que o tabelião promover a
lavratura da escritura pública.
Portanto, esse artigo transita em todo âmbito jurídico sucessório, com intuito de demons-
trar a legalidade do inventário extrajudicial, previsto pela Lei 11.441/07 e artigo 610 do Código
Processual Civil, desde que os herdeiros sejam legítimos, capazes e concordes. Além de ressaltar os
aspectos positivos, como a celeridade para as partes interessadas, tanto para o judiciário, tendo em
vista a diminuição da demanda processual, como também a desjudicialização do pro- cedimento.

REFERÊNCIAS

ANDRADE JÚNIOR. Cícero Ronaldo Mendes de. Testamento: os efeitos jurídicos da aber-
tura extrajudicial. In: Revista Dat@venia, Pernambuco, V.8,Nº2, p.161-177,maio/ago. 2016-
ISSN:1519-9916.

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CAVALCANTE, Márcio André Lopes. É possível o inventário extrajudicial, ainda que exis-
ta testamento, se os interessados forem capazes e concordes e estiverem assistidos por
advogado. Disponível em:<https://www.dizerodireito.com.br/2020/02/e-possivel-o-
inventario-extrajudicial.html#more>. Data de publicação: 27/02/2020. Acesso em: 28 fev. 2020.

CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL. Enunciado n.º 77. Brasília, DF, ago. 2016.
Disponível em:<http://www.cjf.jus.br/cjf/corregedoria-da-justica-federal/centro-de-
estudos-judiciarios-1/publicacoes-1/cjf/corregedoria-da-justica-federal/centro-de-
estudos-judiciarios-1/prevencao-e-solucao-extrajudicial-de-litigios/?_authenticator=
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. Enunciado n.º 600. Brasília, DF, set. 2015. Disponível em:


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. Enunciado n.º 51. Brasília, DF, agosto 2017. Disponível em:


<https://www.cjf.jus.br/cjf/corregedoria-da-justica-federal/centro-de-estudos-judiciarios-
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GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: Di-
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TARTUCE, Flávio. Inventário extrajudicial com testamento. In: Revista Brasileira de Direito
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2020.

TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil. 4. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Método, 2014.
105

FISHING EXPEDITION – A PESCA PREDATÓRIA DE PROVAS


NO PROCESSO PENAL

Cláudio Tiago Silva Lima1

1 INTRODUÇÃO

Depois de passarem uma extensa noite de trabalho, na tentativa pescarem alguns


peixes, os discípulos regressam do mar sem nada em suas redes. Ao retornarem à beira-mar,
já cansados, desacreditados e sem esperança alguma, são surpreendidos por mais um pedido
feito por Jesus Cristo. Ele disse: “faze-te ao alto mar e lançai as vossas redes para pescar”.
Uns o repreenderam já que haviam passado a noite inteira na pesca que foi um fracasso.
Porém, escutando o conselho do Grande Mestre, voltam ao mar novamente. Eles jogaram
suas redes e a quantidade de peixe foi tamanha que as próprias redes se romperam.
A narração bíblica é a comprovação de fé e esperança para o desenvolvimento espi-
ritual e pessoal. Entretanto, na esfera processual penal a prática da fishing expedition é medida
que não tem sustentação no ordenamento jurídico pátrio, pois a sua atuação supera os limites
principiológicos das vedações probatórias e fere direitos e garantias que estão esculpidas na
Constituição Federal, a qual se permitida, tem a possibilidade de “romper as redes” conquis-
tadas pelo Estado Democrático de Direito.
Fishing expedition é o conceito dado à investigação especulativa e indiscriminada, cujo
objeto não é certo ou determinado. Joga-se a “rede de pesca” na pretensão de obter qualquer
prova que dá sustentação para uma posterior acusação. Isto quer dizer que se trata de uma
investigação extensiva e genérica a qual a finalidade está atrelada a busca de meios probató-
rios que possam incriminar futuras práticas. Este tipo de ativismo não é aceito pelo ordena-
mento jurídico, já que sua prática está repleta de inconstitucionalidades, sob pena, a sua apli-
cação, de incorrer gravemente na balança da justiça e no malferimento de um processo penal
democrático de índole Constitucional.

1 Claudio Tiago Silva Lima, aluno do curso de Direito na Faculdade Estácio Teresina. E-mail: claudio_ti-
ago2015@hotmail.com
106

Sem respeito a Constituição não pode haver devido processo legal, tampouco a de-
nominação: Estado Democrático de Direito. Não se pode admitir que arbitrariedades sejam
recebidas como avanço social ou como remédio para a cura das mazelas que afligem a soci-
edade.

2 DESENVOLVIMENTO

2.1 A Origem e o Significado do Termo Fishing Expedition

O termo fishing expedition é uma expressão de origem britânica e está relacionada a


pesca predatória de provas que é realizada por parte de órgãos de investigação.
Documentos históricos remetem que ela nasceu ao final da Idade Média, na Ingla-
terra, embora sua aplicação tenha grande expressão nos Estados Unidos.
Seu instituto possui verdadeira relação com fundamentos e vedações existentes no
ordenamento jurídico pátrio. Trata-se de uma novidade para o Brasil, cujo estudo revela-se
importante, principalmente por demonstrar a indevida recepção de provas eivadas de ilega-
lidade, que se apoia em conceitos temerários e inadequados, originário de um outro sistema
demasiadamente distinto do nacional, o estadunidense.
Traduzindo-se o conceito de fishing expedition apresentado em dicionários americanos,
observa-se que consiste em: 1) um inquérito (como por busca e apreensão) que é desneces-
sariamente extenso ou não relacionado ao processo; 2) uma investigação que não segue o
objetivo declarado, mas espera descobrir prova incriminadora ou digna de apreciação”, no
“uso de investigação prévia à ação com a realização de busca e apreensão ou questionamento
a testemunha numa tentativa sem foco determinado para expor prova avassaladora contra
um adversário” ou sobretudo com o propósito de inquirir um adversário ou examinar sua
propriedade e documentos a fim de obter informação útil; 3) inquérito realizado sem defini-
ção ou propósito, na esperança de expor informação útil.
Alexandre de Morais da Rosa ao explorar a definição apresentada pelo Desembarga-
dor Amado de Faria, que acompanhou o voto do relator no julgamento do Habeas Corpus n.
0073.182-68.2013.8.26.0000, abordando da seguinte maneira a fishing expedition:

Fishing expedition (expediente de pesca) é um termo legal informal usado pela de-
fesa para se referir cinicamente à tentativa da promotoria em realizar buscas mais
intrusivas nas instalações, na pessoa, ou nas possessões de um réu quando (na
opinião da defesa), não há causa provável suficiente para realizar tal busca. O
termo às vezes também é usado em litígios civis quando o advogado de uma parte
ordena descoberta extensa, o que pode atrasar a resolução do caso e aumentar o
custo de se litigar a questão (talvez suprimir). Também conhecido como uma
107

'viagem de pesca', usando os tribunais para descobrir informações além do âmbito


justo do processo. O questionamento frouxo, vago, sem foco de uma testemunha
ou o uso excessivamente amplo do processo de descoberta. A descoberta vascu-
lha em alegações gerais, frouxas e vagas, ou suspeitas, conjecturas ou suposições
vagas.

Destarte, é possível conceituar pesca probatória (fishing expedition) como sendo a apro-
priação dos meios legais, sem objetivo traçado, “pescar’ qualquer coisa que se encontre, bas-
tando se ter evidência, tendo ou não relação com o caso concreto. Assim a aplicação da pesca
probatória acontece, como será detalhado mais à frente, nos mandados de busca e apreensão.

2.2 Aplicação no Sistema Norte-Americano

São grandes as distinções entre ambos no âmbito da persecução penal como aponta
Antonio Pessoa. Enquanto a Constituição americana, de 1787, é sintética, possuindo apenas
27 Emendas desde a sua criação, a Constituição brasileira além de ser dois séculos mais jo-
vem, é extremamente analítica.
Nos Estados Unidos, é ampla a competência legislativa estadual no campo criminal,
sendo as causas de penas de prisão mínima de seis meses submetidas a júri. O juiz preside o
julgamento e profere a sentença no caso do réu ser considerado culpado. A esfera probatória
é limitada, somente admitindo testemunho em questões concretas, sendo vedado que dis-
corra sobre boatos ou questões pessoais.
Em razão do particular sistema legislativo americano e da existência de sistemas jurí-
dicos estaduais que além do federal, é comum que ocorram divergências e ingerências quanto
a competência do Tribunais americanos, cabendo nesse caso a resolução definitiva à Suprema
Corte.
Todavia, de forma simplificada, aponta-se que competem ao sistema federal casos
que envolvam: a constitucionalidade de uma lei, leis e tratados dos Estados Unidos, embai-
xadores e ministros, embates entre dois ou mais Estados, leis marítimas, falências e Habeas
Corpus; aos sistemas estaduais cabem a grande maioria das questões criminais, sucessórias,
contratuais, de responsabilidade civil e sobre direito de família. Os tribunais estaduais ou
State Courts são considerados os responsáveis pela interpretação final das leis e constituições
estaduais, uma vez que o caso somente virá a ser apreciado pela Suprema Corte se houver o
aceite de pelo menos quatro dos nove juízes-membros, o que ocorre mediante decisão am-
plamente discricionária
No sistema dos Estados Unidos quando a promotoria ou a polícia entende como
necessária a investigação, deve fazer requerimento do mandado mediante apresentação de
108

evidência suficiente para fundamentar a atividade pretendida, haja vista que somente quando
repute que exista base concreta e suficiente é que irá o juiz expedir a ordem. No caso de
requerimento de mandado de busca e apreensão, avalia-se a aptidão do que foi apresentado
para estabelecer a chamada “causa provável”, a probabilidade de que dada infração foi co-
metida e que provas dessa infração podem ser achadas no local especificado onde se pretende
realizar a busca.
No julgamento United States v. Nixon (1974), indicou-se um "teste", segundo o qual,
para fazer um requerimento a parte solicitante deve demonstrar: (1) que os documentos são
probatórios e relevantes, (2) que não é razoavelmente possível a sua obtenção por outros
meios, (3) que a parte não consegue preparar-se propriamente para o julgamento sem essa
prévia produção e inspeção, e que o insucesso em obter essa inspeção pode atrasar de forma
desarrazoada o julgamento, (4) que a solicitação é feita de boa-fé, que não é pretendida como
uma genérica fishing expedition.

2.3 Das Garantias Constitucionais Aplicáveis

O sistema processual brasileiro foi delineado pela Constituição de 1988 como acusa-
tório, embora haja verdadeira persistência pela fonte inquisitória. O princípio acusatório per-
mitiu que a democracia processual fosse descentralizada de modo a enfrentar diversas possi-
bilidades que envolvam o caso concreto. “Este sistema, com lastro constitucional, pode ser
definido como uma conquista do mundo civilizado, supõe um processo de partes, com per-
feita distinção entre as funções de acusar, defender e julga” (MACHADO, 2007, p. 128-129).

Leonardo Augusto Marques indica a releitura da imparcialidade, diferenciando-a da


ilusória neutralidade, esclarecendo-a como algo construído através dos procedimentos que
compões o devido processo legal, renomeando o princípio como não-imparcialidade
Constata-se ser impensável o real cumprimento do processo penal em conformidade
com o Estado Democrático de Direito e o princípio acusatório sem que a linha inquisitória
seja abandonada. O ponto possui fundamental importância no que se refere à decretação de
medidas cautelares, já que o juiz, ao concentrar o controle do ato decisório sem o exercício
da não-parcialidade, contraditório, ampla argumentação e fundamentação da decisão, deci-
dirá, tão somente, com base em suas convicções pessoais. Nesse sentido, a decisão será dis-
sociada do conjunto probatório e, evidentemente, desligada do processo democrático — o
que também deve ser observado quanto as buscas sem mandado judicial, realizadas em situ-
ação de flagrante delito.
109

A legalidade processual está atrelada à legalidade constitucional, de forma que o pro-


cesso é codependente aos direitos fundamentais; as normas positivadas recebem legitimação
pelo devido processo legal que, por sua vez, só é dotado de legitimidade porque desenvolve-
se respeitando as demais garantias constitucionais. Sobretudo no que concerne às medidas
cautelares no processo penal, é imprescindível o respeito ao modelo constitucional de pro-
cesso, ao princípio acusatório e à presunção de inocência. Por essa razão, a decretação de
medidas cautelares no âmbito penal deve ter como fim a garantia de direitos fundamentais e
não a instrumentalização de políticas de segurança pública ou a realização de ideologias de
defesa social; o respeito às garantias fundamentais não se confunde com impunidade.
Após a análise das garantias que abarcam as o processo penal e as cautelares, é im-
prescindível analisar aquelas que assentam de base à busca e à apreensão. A Constituição da
República Federativa do Brasil de 1988 trouxe consigo diversas conquistas. Ampliou a pro-
teção dos indivíduos e procurou garantir, além da inviolabilidade do domicílio – salvo exce-
ções – a manutenção da intimidade, a vida privada e a integridade física e moral. Diferencia-
se das Constituições pretéritas, já que o legislador se preocupou com a proteção da casa e as
intervenções arbitrárias e abusivas. É nesse sentido que Cleunice de Bastos Pitombo (2005)
aclara que a presença da proteção do domicílio e dos indivíduos presentes em tratados e
convenções demostra que, de forma irrefutável, a defesa do indivíduo e de sua casa sempre
revelou grande importância aos povos civilizados.
As referidas garantias constitucionais — proteção à casa, à intimidade, à vida privada,
à integridade física e moral do indivíduo — têm suma importância para a busca e a apreensão,
uma vez que impõem limites à sua legalidade. A violação desses direitos constitucionalmente
estabelecidos pode ensejar a ineficácia da medida realizada e ilicitude da prova obtida, bem
como incursão dos agentes nos artigos 150 do CP e 3º, b, da Lei n. 4.898/65. Verifica-se que
a busca domiciliar guarda estreita relação com a inviolabilidade do domicílio (art. 5º, inciso
XI, da CF), a incolumidade física e moral (art. 5º, inciso III, da CF) serve de baliza à busca
pessoal e a proteção à intimidade e à vida privada (art. 5º, inciso X, da CF) concerne tanto a
domiciliar quanto à pessoal.
Segundo Cleunice Pitombo, a Constituição não traz a definição de casa, e nem deve-
ria fazê-lo; o conceito encontra-se no Código Penal e o procedimento para a busca em casa
alheia, no Código de Processo Penal. A Lei Maior objetiva, portanto, não só a proteção da
residência ou habitação do indivíduo, mas qualquer lugar por ele ocupado, tenha caráter de-
finitivo ou não. Tem-se, na defesa da casa, a concretização do direito individual.
110

A dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF), princípio que tem especial
superioridade por seu valor ético-político, exerce influência sobre os direitos e garantias in-
dividuais e integra a proteção da intimidade e da vida privada. Todavia, cabe ressaltar que
essa proteção não é absoluta, podendo sofrer limitações, contanto que vinculadas e propor-
cionais ao objeto da persecução penal.
Vida privada e intimidade são conceitos amplos e abarcam a proteção do indiví-
duo contra:
toda ingerência à vida interior, familiar e doméstica; todo ataque à integridade
física e moral; toda agressão à honra objetiva e subjetiva; toda interpretação pre-
judicial dada-lhe às palavras e a seus atos; a divulgação desnecessária de compor-
tamentos embaraçosos, referentes à vida privada; a utilização de seu nome e iden-
tidade, ou imagem; toda atividade tendente a espioná-lo, vigiá-lo ou escutá-lo; a
interceptação de correspondência; a utilização maliciosa de suas comunicações
privadas, escritas ou orais; divulgação de informações, comunicadas ou recebidas
em sigilo profissional (PITOMBO, 2005, p. 81)

Indubitável que da ilicitude constitucional não pode advir a licitude processual,


portanto, a observância à intimidade e à vida privada intercedem pela validade da busca e da
apreensão. Rememora-se que esses institutos cautelares devem pautar-se nos princípios da
jurisdicionalidade, provisionalidade, provisoriedade, excepcionalidade e proporcionalidade,
sendo, então, inadmissível a apreensão de algo completamente desvinculado do ilícito inves-
tigado, sem parâmetros quaisquer. Não cabem informalidades ou analogias quanto à restrição
de direitos fundamentais; Aury Lopes Júnior aponta que a busca somente distingue-se de um
crime patrimonial como furto ou roubo em residência pela legitimidade da violência praticada
— “em ambos existe a invasão do domicílio e a subtração de coisa alheia móvel”. Dispondo
da compreensão dos institutos da busca e da apreensão, bem como das garantias constituci-
onais a elas aplicáveis, cabe analisar a incompatibilidade da fishing expedition com o sistema
pátrio, bem como examinar as hipóteses de recepção da prova obtida em encontro fortuito
no processo penal.

2.4 O Instituto à Luz da Constituição

Identifica-se, em linhas gerais, na IV Emenda da Carta Constitucional dos Esta-


dos Unidos proteção semelhante à realizada por nosso Código de Processo Penal. A Cons-
tituição americana assegura o direito contra buscas e apreensões desarrazoadas — vedando
a expedição de mandado senão mediante causa provável e com descrição do lugar que sofrerá
a busca a e as pessoas ou coisas a serem apreendidas. Dentre as previsões da Constituição
brasileira, reputam-se especialmente relevantes para o tema em análise a dignidade da pessoa
humana como fundamento do Estado Democrático de Direito, a prevalência dos direitos
111

humanos, assim como a vedação à tortura e ao tratamento desumano e degradante, a invio-


labilidade da casa, do sigilo de correspondência e comunicações, é assegurado o acesso à
informação com resguardo ao sigilo profissional necessário, o respeito à integridade física e
moral dos presos, o impedimento à privação da liberdade ou de bens na ausência do devido
processo legal, o direito ao contraditório e à ampla defesa, a inadmissibilidade das provas
obtidas por meios ilícitos no processo, a presunção de inocência até o trânsito em julgado de
sentença condenatória e o direito ao silêncio, bem como à assistência ao preso (respectiva-
mente previstos no art. 1º, inciso III; art. 4º, inciso II; art. 5º, incisos III, XI, XII, XIV, XLIX,
LIV, LV, LVI, LVII e LXIII da Constituição federal).
A fishing expedition ou pescaria probatória aproveita-se dos espaços de exercício
de poder para subverter a lógica das garantias constitucionais, vasculhando-se a intimidade,
a vida privada, enfim, violando-se os direitos fundamentais, para além dos limites legais.
Apontada como consequência do direito contra a autoincriminação, a vedação à fishing expe-
dition acaba desempenhando papel garantidor dos direitos individuais de maneira ampla.
O debate sobre mandados genéricos ganhou especial destaque com a interven-
ção federal decretada no Estado do Rio de Janeiro no início de 2018, cuja constitucionalidade
vem sendo questionada por muitos que apontam, sobretudo, para a natureza militar atribuída
ao interventor no decreto presidencial (art. 2º, parágrafo único). Amparada nos artigos 21,
inciso V, e 34, inciso III, da Constituição, representa, a princípio, a clamada resposta ao
problema da segurança pública do Rio de Janeiro. No entanto, defende-se que inexiste o
sustentado “comprometimento da ordem pública” — uma vez que não houve aumento nos
índices de homicídios naquele Estado, bem como que a liderança em mortes violentas per-
tence aos Estados do Sergipe, Alagoas e Rio Grande do Norte — que, portanto, há interesses
políticos escusos e não contribuirá para a redução nos índices de violência. Em verdade, é
plausível que ocorra o aumento da violência, porém, pelas mãos do Estado, da violência
legitimada, mas não legítima.
Apesar de a Justiça Militar ter recebido competência para o julgamento de mili-
tares por crimes cometidos contra civis no decorrer de operações, o Exército, bem como o
governo, apontaram como necessário o aumento de garantias para que a incumbência possa
ser cumprida “como espera e merece a população do Rio de Janeiro”. A atribuição resulta da
Lei n. 13.491/ 2017, que alterou o Código Penal Militar, na forma que segue:

Art. 9º Consideram-se crimes militares, em tempo de paz:

[...] II – Os crimes previstos neste Código e os previstos na legislação penal,


quando praticados:
112

[...] § 2º Os crimes de que trata este artigo, quando dolosos contra a vida e come-
tidos por militares das Forças Armadas contra civil, serão da competência da Jus-
tiça Militar da União, se praticados no contexto:

I – Do cumprimento de atribuições que lhes forem estabelecidas pelo Presidente


da República ou pelo Ministro de Estado da Defesa;

II – De ação que envolva a segurança de instituição militar ou de missão militar,


mesmo que não beligerante; ou III – de atividade de natureza militar, de operação
de paz, de garantia da lei e da ordem ou de atribuição subsidiária, realizadas em
conformidade com o disposto no art. 142 da Constituição Federal e na forma dos
seguintes diplomas legais:

a) Lei no 7.565, de 19 de dezembro de 1986 - Código Brasileiro de Aeronáutica;


b) Lei Complementar no 97, de 9 de junho de 1999;
c) Decreto-Lei no 1.002, de 21 de outubro de 1969 - Código de Processo Penal
Militar;
d) Lei no 4.737, de 15 de julho de 1965 - Código Eleitoral.

Compara-se o estado da sociedade atual com o de alguém acometido pela Sín-


drome de Estocolmo; "a própria sociedade na condição de refém, enquanto um Estado re-
pressivo figurando como o captor". Garantias constitucionais conquistadas por árduas lutas
passaram a significar "direitos de bandido" e a assegurar impunidade no senso comum, de-
sencadeando um clamor por punições mais severas e a supressão de garantias consideradas
excessivas, defendendo-se a substituição da Constituição Federal quando ela se mostra como
um "obstáculo". A sociedade alienada não compreende as consequências de seu próprio pe-
dido, mantendo relação de dependência com o Estado repressivo e levando ao esquecimento
"um fato básico: a sociedade e Estado não devem ser consideradas duas instâncias em polos
diferentes, mas dois elementos que caminham juntos, dentro de um mesmo sistema"
A própria nomenclatura atribuída, "mandados coletivos", tenta mascarar a ilega-
lidade dos mandados genéricos; é explícita a afronta ao artigo 5º, inciso XI, da Constituição
(inviolabilidade do domicílio), mas inegável a violação dos outros direitos individuais consti-
tucionalmente previstos — é inadmissível não ser considerada desumana e degradante a ver-
dadeira despersonalização exercida contra aqueles que habitam "favelas" e inimaginável que
se construa um processo penal com base no que é obtido em decorrência dessas violações
(muito menos o devido processo legal).
A falta de base legal, isto é, a ausência de elementos prévios que realizem o
concreto embasamento do pedido de busca e de apreensão, bem como a supressão das exi-
gências legais — indicação precisa da casa e nome do morador, nome ou descrição da pessoa
que será submetida à busca, assim como motivo e fins da diligência — conforme demanda
o artigo 243 do Código de Processo Penal, propicia a ampla discricionariedade do magis-
trado, que passa a legitimar a repressão de grupos estigmatizados. Não pode haver a fundada
suspeita de que uma pessoa tenha em sua posse arma ilegal ou outro objeto que constitua
113

corpo de delito ou que tenha em sua casa coisas que constituam provas de crimes simples-
mente porque mora em localidade pobre — isso é pescaria probatória.
Destaca Aury Lopes Junior (2017, n.p.):

Infelizmente ainda existe um ranço cultural não assumido, um resquício escrava-


gista, que opera no binário casa grande-senzala. É um elitismo na distribuição de
eficácias/ineficácias da Constituição, que vai na mesma linha do "tolerância zero"
para eles e tolerância dez para nós e os nossos...

É nítido que grande parte da sociedade efetivamente faz esse distanciamento,


considerando imune o sistema criminal e tomando os direitos e garantias constitucional-
mente asseguradas como proteção excessiva ou até como assentimento à prática de crimes.

2.5 A Percepção da Doutrina e dos Tribunais

A temática da fishing expedition, apesar de verificável na prática das buscas, apre-


ensões e interceptações no âmbito penal, não tem a sua expressividade e nocividade refletida
no mundo acadêmico ou na esfera jurisprudencial.
Para fins de validação do argumento, foi realizada pesquisa nos portais do Su-
premo Tribunal Federal, Superior Tribunal de Justiça, Tribunais Regionais Federais e Tribu-
nais de Justiça, obtendo-se, dentre os trinta e quatro tribunais, o diminuto total de catorze
resultados (dentre eles acórdãos e decisões monocráticas).
Executou-se a busca com a seguinte metodologia: digitou-se a expressão "fishing
expedition" no campo destinado à pesquisa de jurisprudência de cada um dos sítios oficiais,
sempre selecionando-se as opções de pesquisa mais abrangentes, localizando-se as seguintes
ocorrências:
- Supremo Tribunal Federal: uma decisão monocrática — HC 137.828/RS, Rel.
Min. Dias Toffoli, julgado em 14.12.2016.217
- Superior Tribunal de Justiça: seis decisões monocráticas — RHC 096585/PR,
Rel. Min. Felix Fischer, julgado em 04.04.2018; RHC 066126/PR, Rel. Min. Felix Fischer,
julgado em 11.09.2017; RHC 066126/PR, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 01.03.2016;
RHC 066126/PR, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 02.12.2015; RHC 72.065/RS, Rel.
Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 18.08.2016; RHC 72.065/RS, Rel. Min. Ma-
ria Thereza de Assis Moura, julgado em 01.06.2016.
- Tribunal Regional Federal da 4ª Região: dois registros encontrados — HC
5001417-21.2018.4.04.0000, Rel. Des. Federal João Pedro Gebran Neto, julgado em
21.02.2018;224 Pet 0001022-85.2016.4.04.0000, Rel. Des. Federal Sebastião Ogê Muniz, jul-
gado em 20/04/2017.
114

- Tribunal Regional Federal da 5ª Região: um registro encontrado — APEL-


REEX 11261/PB, Rel. Des. Federal Leonardo Resende Martins (Convocado), julgado em
29.07.2010 (previdenciário).
- Tribunal de Justiça do Estado do Paraná: um registro encontrado — HC
1.499.834-8, Rel. Des. José Maurício Pinto de Almeida, julgado em: 10.03.2016,
- Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo: três resultados encontrados — AI
2114124-06.2016.8.26.0000, Rel. Des. Coelho Mendes, julgado em: 22.11.2016 (Direito pri-
vado); HC 0073182-68.2013.8.26.0000, Rel. Des. Alberto Leme Cavalheiro, julgado em
16.07.2013; ACr 0038697-62.2008.8.26.0050, Rel. Des. Paulo Rossi, julgado em
09.09.2009.230.
Não foram obtidos resultados nas pesquisas aos Tribunais Regionais Federais da
1ª Região, da 2ª Região ou da 3ª Região, bem como ao Tribunal de Justiça do Distrito Federal
e dos Territórios e Tribunais de Justiça dos Estados do Acre, do Alagoas, do Amapá, do
Amazonas, da Bahia, do Ceará, do Espírito Santo, de Goiás, do Maranhão, do Mato Grosso,
do Mato Grosso do Sul, de Minas Gerais, do Pará, da Paraíba, de Pernambuco, do Piauí, do
Rio de Janeiro, do Rio Grande do Norte, do Rio Grande do Sul, de Rondônia, de Roraima,
de Santa Catarina, de Sergipe e do Tocantins.
Cabe ressaltar que, além da parca menção da fishing expedition na jurisprudência,
grande parte das vezes nas quais o termo aparece simplesmente decorre da reprodução, no
relatório, dos argumentos das partes, sem que haja real enfrentamento do tema. A escassez
de julgados que abordam a questão também demonstra desconhecimento do instituto por
parte dos advogados e defensores públicos, uma vez que, se o argumento fosse reiterada-
mente invocado, os Tribunais precisariam debatê-lo.
Destaca-se que, na bibliografia nacional consultada, apenas encontrou-se refe-
rência a fishing expedition na obra de Alexandre Morais da Rosa em seu livro, Conforme a
Teoria dos Jogos (2017).
Essa carência de invocação e, consequentemente, de refreamento dessa modali-
dade incongruente de investigação tende a ser o sintoma do distanciamento da realidade, que
encontra-se ofuscada sob um processo que continua em busca da verdade real, que sacrifica
direitos fundamentais em nome de um idealizado bem comum e acaba sendo legitimada pelo
Poder Judiciário que, com base em parâmetros questionáveis, reconhece a ampla validade de
provas obtidas por meios, no mínimo, controversos. No próximo capítulo, prosseguir-se-á
na abordagem de ocorrências de abuso e de validade probatória no processo penal.

2.6 Vedação ao Processo Vidente


115

No processo penal, a figura da fishing expedition é percebida a partir de uma inves-


tigação criminal abstrata, sem objeto certo ou determinado. Lança-se a rede das medidas
extraordinárias a fim de colher “alguma coisa”.
A Constituição Brasileira, de índole democrática, traz aspectos significativos cuja
força normativa aplica-se tanto ao conteúdo, como aos procedimentos legislativos que fazem
parte do ordenamento jurídico conterrâneo. Ressalta-se a importância de se fazer uma relei-
tura das legislações existentes ao tempo da promulgação da Constituição Brasileira de 1988,
em virtude do novo aculturamento dado pela nova ordem constitucional.
Se fazem presente elementos imprescindíveis como a dignidade da pessoa hu-
mana, a soberania popular, os direitos e garantias fundamentais, a democracia participativa,
o devido processo legal, o princípio da não-culpabilidade, o pluralismo político, o princípio
do Estado de Direito, entre outros, que gera com que todos aqueles que participam do jogo
democrático tenham como ônus conhecer todas as regras, princípios e procedimentos que a
Constituição impõe.
Desta maneira, ensina Geraldo Prado (2014, p.15) que o devido processo legal é
base fundamental para a estrutura do estado de direito, de modo que seria incabível e sem
sentido a atuação estatal fora das margens legais instituídas.
Em que pese na esfera processual penal, merece destaque a evolução perpetrada
pelo novo aculturamento constitucional quanto as matérias probatórias, pois sempre deve
prevalecer, frente ao poder punitivo do Estado – também chamado de jus puniendi – o respeito
as garantias e aos direitos fundamentais do cidadão, uma vez que dentro e fora do processo,
a imposição de limites ao totalitarismo estatal é a maior garantia conquistada pelo cidadão.
Nessa acepção explica Bettiol (1995, p.77,) que após a trágica experiencia tirâ-
nica, o processo penal deve passar por uma nova atmosfera política. A posição de igualdade
entre acusação e defesa deverá ser observada de maneira mais sensível aos interesses da li-
berdade posto à apreciação rígida que deverá ser feita pelo controle jurisdicional.
A proibição ao procedimento denominado de fishing expedition ganha relevo es-
pecial quando se trata do limite que é imposto à atividade probatória pleiteada pelos órgãos
de investigação, a qual, em muitas ocasiões, é homologada indiscriminadamente pelo Poder
Judiciário. Como modelo na busca e obtenção de provas, seu campo ganha grande escala,
sendo possível a sua ocorrência em: interrogatórios, mandados judiciais muito amplos, oitivas
de testemunhas, interceptação telefônica prospectiva – aquela realizada sem motivação con-
creta – cooperação jurídica internacional, etc.
116

Aury Lopes Junior (2014) aponta em seu livro de direito processual penal que o
processo penal é um instrumento de retrospecção, não de previsão, isto é, mecanismo ne-
cessário para se tentar reconstruir processualmente um fato já ocorrido no passado. Com a
utilização do expediente da fishing expedition, coloca-se em risco de se buscar a prática futura
e aleatória de possíveis crimes, fazendo com que o Estado se torne um vigilante. Seria como
a cartomancia aplicada no processo penal.
Não há dúvidas de que meras ilações e conjecturas não têm o condão de fazer
parte do processo penal, precipuamente por garantir a Constituição Federal de 1988 em seu
art. 5º: LVII – ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal
condenatória.
Juristas como Aury Lopes Junior e André Nicolitt (2017) explicam que a o prin-
cípio da presunção da inocência - também defendido por boa parte da doutrina e denomi-
nado por alguns de princípio da não-culpabilidade – trata-se de um princípio reitor do pro-
cesso penal, que em última análise verifica a qualidade de um sistema processual penal através
do seu nível de eficácia e esclarece que embora recaiam-se sobre o imputado, suspeitas de
prática criminosa, no curso do processo este deve ser tratado como inocente, não podendo
ser diminuído social, moral e nem fisicamente defronte a outros cidadãos não sujeitos a um
processo.
Ocorre que algumas medidas usadas para à obtenção de provas estão eivadas e
ilegalidades. É o que acaba acontecendo, por exemplo com os mandados judiciais de busca
e apreensão expedidos de forma genérica e abstrata. O Código de Processo Penal em seu art.
243, inciso I estabelece que o mandado deve indicar o mais preciso possível a casa pela qual
a diligência será realizada.

“Art. 243 – o mandado de busca deverá:

I – Indicar, o mais precisamente possível, a casa em que será realizada a diligência


e o nome do respectivo proprietário ou morador; ou, no caso de busca pessoal, o
nome da pessoa que terá de sofrê-la ou os sinais que a identifiquem”

Portanto, já que a busca e apreensão se figura como a verdadeira e legítima ati-


vidade exercida pelo estado, esta deve seguir ferrenhamente as determinações constitucionais
e legais, desde o pedido até a homologação e o cumprimento de tais medidas. Não há fun-
damento para que, antes de tudo, os órgãos de investigação postulem a busca e apreensão
para, só a partir desse momento começar a investigar a prática criminosa. Salienta-se, inves-
tiga-se antes, e se restar necessário aí sim requisita-se ao Poder Judiciário.
O deferimento feito pelo juiz deve ser certo, objetivo e determinado, indicando,
dessa maneira, o mais precisamente possível o alvo, o motivo e os fins da medida.
117

Se agirem assim, os órgãos do Estado, no caso da busca e apreensão, tanto no


requerimento, como no deferimento, restarão clara violação ao Código de Processo Penal
(art. 243) e a Constituição Federal como indica o seu art. 93, inciso IX:

Art. 93 – Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá


sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios:

IX - todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fun-


damentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a pre-
sença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente
a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado
no sigilo não prejudique o interesse público à informação;

Obviamente o desrespeito aos dispositivos retromencionados ocasionará a mal-


fadada fishing expedition, pois entrarão em verdadeira aventura procedimental na tentativa de
pescar elementos de provas de maneira aleatória, violando direitos e garantias conquistados
pelos cidadãos no recinto processual.
O Supremo Tribunal Federal entendeu no julgamento do HC 106.566/SP, que,
é obrigatório que o mandado judicial expresse o mais precisamente possível o lugar em que
deve ser executada a ordem judicial, devendo os agentes responsáveis pelo seu cumprimento
obediência estrita ao que foi determinado judicialmente. Considerou ainda ilegal a busca e
apreensão “ampliativa” que fora feita por autoridades policiais para outro escritório, com o
objetivo de pescarem provas incriminadoras suplementar (extra). Neste sentido a jurispru-
dência:

Ementa:

Habeas corpus. 2. Inviolabilidade de domicílio (art. 5º, IX, CF). Busca e apreensão
em estabelecimento empresarial. Estabelecimentos empresariais estão sujeitos à
proteção contra o ingresso não consentido. 3. Não verificação das hipóteses que
dispensam o consentimento. 4. Mandado de busca e apreensão perfeitamente de-
limitado. Diligência estendida para endereço ulterior sem nova autorização judi-
cial. Ilicitude do resultado da diligência. 5. Ordem concedida, para determinar a
inutilização das provas.

Foi no mesmo sentido a decisão proferida pelo Tribunal Europeu de Direitos


Humanos ao Julgar Vinci Constrution and GMT génie civil et services v. France, em 02 de
abril de 2015. Foi entendido pela Corte, após a evidência da fishing expedition, que no caso de
uma verificação nas instalações de uma empresa deve-se limitar aos setores que foram apon-
tados na decisão do juiz, sendo vedado que sejam generalizadas e indiscriminadas.
A ocorrência da fishing expedition não tem interação apenas com os mandados
de busca e apreensão que são realizados. Há outros meios de provas que igualmente podem
ser provenientes dessa prática. É como acontece na interceptação telefônica de prospecção,
aquela realizada antes do delito. Onde órgãos de investigação provocam o Estado-juiz para
118

que este autorize a realização de uma interceptação com quantidade indeterminada de con-
tatos telefônicos.
O problema deste tipo de prática está porque ela acontece antes da verificação
de indícios mínimos de autoria e materialidade, sem o estudo de outros meios para colheita
de provas menos gravosos. O próprio Superior Tribunal de Justiça já reconheceu que:

A regra insculpida na Constituição é de que a correspondência, as comunicações


telegráficas, de dados e telefônicas são protegidas pelo sigilo (art. 5o., XII da CF).
A violação do sigilo telefônico é admitida pela norma constitucional, para fins de
investigação criminal ou instrução processual penal, desde que a decisão que a
determine seja fundamentada (art. 5o. da Lei 9.296/96) e, mais ainda, que tenham
sido esgotados ou que inexistam outros meios de obtenção de prova, conforme
se depreende da Lei 9.296/96 que regulamentou a matéria, que, no inciso II do
art. 2o, afirma, categoricamente que não será admitida a interceptação de comu-
nicações telefônicas quando a prova puder ser feita por outros meios” (HC
190.334/SP, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, QUINTA
TURMA, julgado em 10/05/2011, DJe 09/06/2011).

Nessa direção entendeu o Superior Tribunal de Justiça:

não existe intercepção apenas para sondar, para pesquisar se há indícios de que a
pessoa praticou o crime, para descobrir se um indivíduo está envolvido em algum
delito” (AgRg no REsp 1154376/MG, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚ-
NIOR, SEXTA TURMA, julgado em 16/05/2013, DJe 29/05/2013).

O tipo de interceptação pela qual admite o nosso ordenamento jurídico é a que


ocorre de forma pós-delitual. As interceptações telefônicas não são meios para se buscar
provas antes que crimes venham a ocorrer, são meios de colheita de provas que devem ser
usadas quando uma prática criminosa já ocorreu ou está acontecendo. Ao ignorar o seu cor-
reto procedimento, haverá claro desrespeito não somente no art. 5º, XII, da Constituição
Federal, mas do mesmo modo com a Lei n. 9296/1996. Não se deve confundir o direito
processual penal com práticas de adivinhação.

3 CONCLUSÃO

Ao tratar da fishing expedition verificou-se que o processo penal é a (re)construção


de fatos. Não tem o condão adivinhatório, pois exige em seu âmago que para qualquer dili-
gência que venha a ser feita, haja base e fundamentos reais para colheita de provas.
Se no enredo bíblico, mencionado no início deste trabalho, a fé é um elemento
essencial para que se se possa ter salvação, e como no caso dos discípulos de Jesus, para obter
êxito, no processo penal a fé é uma expectativa especulativa que leva a abertura de quadros
de obstinação e paranoia na mente no órgão que julga, fazendo assim com que haja a possi-
bilidade do juiz criar o seu parecer antes mesmo da colheita de provas, saindo dessa maneira
119

a procura de todo e qualquer material que possa servir de base probatória apenas para cor-
roborar a sua versão já pré-constituída, tendo como corolário o desmoronamento das garan-
tias constitucionais e processuais penais.

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122

A APLICABILIDADE NO BRASIL DA DESJUDICIALIZAÇÃO DAS


EXECUÇÕES POR TÍTULOS EXTRAJUDICIAIS: uma possível forma de
abrandar a crise judiciária

Elifas Linhares Moraes da Silva1

1 INTRODUÇÃO

A presente pesquisa enfocará a questão da crise marcada pela insuficiência do Poder Ju-
diciário e de como o corolário dessa é a pouca eficiência do atual modelo de execução civil brasi-
leiro, que registra grande número de processos o que deixa lenta a atuação do Judiciário. Com o
objetivo de atenuar a sinistra situação, este estudo visa, sobretudo, avaliar possível reformulação
do atual modelo executivo através da desjudicialização. Um método já utilizado no Brasil em outros
casos e que fora também utilizado em diversos países no caso da execução.
A priori, no presente trabalho será posto em estudo a desjudicialização, com análise das
alterações na legislação brasileira que tiraram a exclusividade de atuação do Judiciário de institutos
e atribuições. Essa ação que ficou conhecida como o fenômeno da desjudicialização, analisar-se-á
o referido fenômeno com o objetivo de entender a sua abrangência no ordenamento brasileiro,
pautando algumas das principais leis que dispõe sobre procedimentos extrajudiciais. Logo após,
discutirá sobre as vantagens trazidas pela desjudicialização.
Ademais, será reconhecida a crise existente no Poder Judiciário. A crise judiciária no Brasil
é marcada por uma insuficiência e morosidade na tutela pelo Direito, essa ocorrência dada princi-
palmente por uma massiva quantidade de processos que tramitam em um Judiciário com uma força
de trabalho insuficiente.
Como objeto de estudo para se dispor a respeito da crise no Judiciário brasileiro analisar-
se-ão os relatórios anuais da Justiça em números realizados pelo Concelho Nacional de Justiça, o
que tornará visível a quantidade de processos acumulados dentro do Judiciário ano a ano. Ressalta-
se no estudo dos relatórios a excessiva duração dos processos de execução cíveis de 1º grau, que
no ano de 2018 foram registrados com um tempo médio de duração de oito anos e seis meses.
Além de perdurarem por anos, os processos de execução são marcados por serem insatisfatórios

1 Bacharelando em Direito; e-mail: linharesmoraes@outlook.com; currículo lattes: http://lat-


tes.cnpq.br/2114387257667610.
123

ao seu final, haja vista que após anos de espera os credores exequentes não têm seus créditos satis-
feitos.
Dessa forma, diante dos números que serão apresentados mais a frente, se concluirá como
e o quanto que a ineficiência do atual modelo de execução adotado no Brasil corrobora com a crise
judiciária. O que acoroçoa a possibilidade de modificações no sistema de execução brasileiro, que
atualmente é de exclusividade do Poder Judiciário, de forma a deixá-lo mais célere e eficiente.
Dessarte, para chegar ao principal objetivado pelo trabalho, a aplicação da desjudicializa-
ção nas execuções de títulos executivos extrajudiciais, será feita análise sobre um importante estudo
realizado por Flavia Pereira Ribeiro, que em sua tese de doutorado traz o tema de Desjudicialização
da Execução Civil, tratando a respeito de modelos de execução em países europeus. Em países
como Alemanha, Itália, França e Portugal a execução civil tem seus procedimentos extrajudicial,
seja parcial ou totalmente.
Por fim, a partir do referido estudo, este trabalho analisará e discutirá se diante da atual
conjuntura de crise presente no Judiciário, como e até em que ponto teria aplicabilidade no Brasil
a execução extrajudicial já existente em outros países. O que podem trazer de lições e inspirações
para tornar o modelo executivo brasileiro satisfatoriamente célere, eficiente e principalmente, re-
sultar ainda na atenuação da crise judiciária brasileira.

2 DESENVOLVIMENTO

2.1 O Fenômeno da Desjudicialização no Brasil

Têm-se o conhecimento de que o Estado possui o monopólio da função jurisdicional


sendo que incube ao Poder Judiciário, no entanto, esse não possui mais a exclusividade para o
exercício da jurisdição, vez que pode delegar o exercício a outro órgão, entidade ou poder. Diversas
leis efetuaram a retirada de institutos e atribuições do Poder Judiciário, essa ação ficou conhecida
como o fenômeno da desjudicialização.
Fenômeno, em sua literalidade, é aquilo que pode ser observado e presenciado, o termo
advém do grego “phainomenon”, que por sua vez significa observável. Ao tempo em que o termo
desjudicialização ainda não é dicionarizado, toda via, tão logo é compreendida a ideia trazida em
seu conceito, se tratando da ação de retirada de institutos e atribuições das vias do Poder Judiciário
e os movendo para as vias administrativas, tornando-os extrajudiciais.
124

Neste sentido, o fenômeno da desjudicialização é observado ao longo do tempo e da


construção histórica, mais especificamente, a história do ordenamento jurídico brasileiro. No en-
tanto, antes dos primeiros indícios do seu surgimento no Brasil, há um contexto que ao final aprece
como uma problemática.
Por muito tempo a ideia de justiça esteve fortemente vinculada ao Poder Judiciário, sendo
até tratados como sinônimos. Ocorreu que as pessoas estavam gradativamente mais propícias a
levar seus conflitos ao poder judiciário, já que este seria o único e com a competência exclusiva
para a tutela dos direitos.
O que inicialmente era entendido como uma possibilidade de maior acesso à justiça, pos-
teriormente originou uma conjuntura desfavorável, haja vista que o Judiciário passou a tratar de
assuntos sem nenhuma complexidade e que não traziam nenhum conflito de interesse em seu teor,
ou seja, casos de jurisdição totalmente voluntária tornaram-se massivos dentro do Judiciário dei-
xando-o mais moroso e consequentemente os processos menos céleres até que houvesse final-
mente efetivação do direito.
Contudo, a administração judiciária e legislativa entendendo o problema começaram a
adotar a retirada da exclusividade de certas atribuições do Poder Judiciário, surgindo os primeiros
passos para o fenômeno da desjudicialização. A desjudicialização iniciou e cresceu com muita força
sendo fomentada de boas críticas pelos pesquisadores da área jurídica.
Neste sentido, destacam-se as palavras de Eber Zoehler Santa Helena:
Nesse diapasão, a desjudicialização, é tema de suma importância para a plena, rápida e
eficaz realização do Direito. A efetividade e celeridade na solução das pretensões resisti-
das é imanente à complexa sociedade moderna, como pode ser identificado no “novo”
direito fundamental à celeridade na prestação jurisdicional e administrativa, agora ex-
presso pelo art. 5º, LXXVIII, por força da Emenda Constitucional nº 45, de 2004: “a
todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do pro-
cesso e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.( HELENA, 2006, n.p.).

Entre as principais pontuações a respeito das vantagens trazidas pela desjudicialização


elenca-se algumas, tais como: a celeridade em se atingir a satisfação do direito; a ampliação do
acesso à justiça; a desburocratização e a economia de gastos do Estado e, consequentemente, o
descarregamento da grandiosa quantidade de processos no Judiciário.
Nas últimas décadas um sequencial de inovações e alterações legislativas trouxeram mais
à tona essa nova perspectiva, procedimentos extrajudiciais capazes de efetivar rapidamente o di-
reito. Doravante, chegou-se a um determinado ponto em que não tão somente os procedimentos
de jurisdição voluntária eram desjudicializados, ocorreu que os conflitos de interesses puderam ter
sua composição também de forma extrajudicial.
125

Para entender melhor o caminho percorrido pela desjudicialização na legislação brasileira


dos últimos anos, observar as peculiaridades das principais e referidas leis que entraram em vigência
no ordenamento jurídico é de suma essencialidade. Dessa forma, passar-se-á expor aqui algumas
dessas.
Inicialmente, trata-se da Lei nº 8.560/1992, que regula a investigação de paternidade dos
filhos havidos fora do casamento e dá outras providências. A referida lei trouxe a possibilidade de
reconhecimento de paternidade perante órgãos de registro civil através de um procedimento extra-
judicial, este diferente da ação de reconhecimento de paternidade, iniciará de ofício, caso assim
queira a mãe informar o nome do suposto pai no momento de registro do filho.
Ademais, a Lei nº 9.514/1997, que dispõe sobre o Sistema de Financiamento Imobiliário
e institui a alienação fiduciária de coisa imóvel, em seu teor trouxe a previsão dos procedimentos a
respeito da notificação do devedor e da realização de leilão extrajudicial, nos casos onde há contrato
de alienação fiduciária.
A Lei nº 9.307/1996, Lei de Arbitragem, é um grande marco da desjudicialização, por
servir de exemplo para se visualizar a resolução de conflitos de forma extrajudicial. A referida lei
trouxe a faculdade para as partes em submeterem seu litígio à arbitragem, onde através de um juízo
arbitral podem rapidamente chegar à composição da lide.
Dando seguimento, a Lei nº 10.931/2004, que dispõe sobre o patrimônio de afetação de
incorporações imobiliárias, Letra de Crédito Imobiliário, Cédula de Crédito Imobiliário, Cédula de
Crédito Bancário, autorizou a retificação administrativa de registros imobiliários, passando a serem
realizados a partir de então pelo Oficial do Registro de Imóveis.
No que se refere a Lei nº 11.101/2005, esta regula a recuperação judicial, a extrajudicial e
a falência do empresário e da sociedade empresária. Com a entrada em vigência desta lei possibili-
tou-se a recuperação da empresa mediante procedimento de negociação realizado diretamente en-
tre os credores e a empresa devedora em recuperação, criando assim a recuperação extrajudicial.
A Lei nº 11.441/2007 é mais uma importante ocorrência para o fenômeno da desjudici-
alização. Alterou o Código de Processo Civil de 1973, possibilitando a realização de inventário,
partilha, separação consensual e divórcio consensual por via administrativa. Ocorrendo nos casos
em que não houvesse conflitos de interesses e marcados pela ausência de menores e/ou incapazes.
Seguindo tais adequações os procedimentos de inventário, partilha, divórcio e separação consen-
sual, passaram a poder ter a lavratura de escritura pública nos cartórios e tabelionatos do Brasil.
Por fim, a Lei nº 13.105/2015, o Novo Código de Processo Civil, que ficou marcado por
ser uma legislação moderna e que acompanhou a evolução da sociedade atual. No desenvolvimento
126

do projeto dessa lei houve uma preocupação em utilizar de seus institutos para desafogar o judici-
ário, dar celeridade aos processos e gerar economia processual. O fato da promulgação dessa lei se
ajustar ao tema da desjudicialização é porque trouxe os institutos da conciliação e mediação de
conflitos, estes que se relacionam com a Lei de Arbitragem, por serem também métodos de com-
posição de conflitos que podem ser realizados extrajudicialmente.
Dessa forma, levando em consideração a todo o exposto, foi observado que a desjudicia-
lização foi e tem sido de grande presença no ordenamento brasileiro, essa vem apresentando bons
resultados para seus fins de diminuir a ineficiência do Judiciário.

2.2 A Desjudicialização em Detrimento do Princípio da Inafastabilidade da Jurisdi-


ção?

Como visto, a desjudicialização trouxe suas vantagens, para tanto, foi preciso que o refe-
rido fenômeno fosse colocado em detrimento de alguns fundamentos e princípios, como por exem-
plo, o princípio da inafastabilidade da jurisdição. Um importante princípio constitucional que, em
alguns pontos, houve sua possível mitigação, razão pela qual faz a relevância de observar e analisar
a questão de um aparente conflito.
O princípio da inafastabilidade da jurisdição, também conhecido como cláusula do acesso
à justiça, ou direito a ação, está previsto na Constituição Federal de 1988, no rol de direito e garan-
tias fundamentais, art. 5º, inciso XXXV, com o seguinte texto: “a lei não excluirá da apreciação do
Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.
Logo, pela literalidade na interpretação do princípio observa-se a possibilidade de conflito
com um fenômeno que trata justamente da retirada de atribuições e competências do Poder Judi-
ciário.
Havendo nesse sentido, os seguintes exemplos fáticos. Na primeira, uma determinada
lide, em que se formou diante de possível lesão ou ameaça a direito, vem a ter sua resolução através
de via extrajudicial de composição de conflitos. O segundo exemplo seria quando uma importante
decisão administrativa, feita para resguardar um direito e afastar uma violação, no entanto, antes
era uma decisão de competência do Judiciário, agora extrajudicial. Indaga-se, nessas situações hi-
potéticas, estaria o princípio constitucional de inafastabilidade da jurisdição sendo ferido ou, no
mínimo, mitigado?
Primariamente, enxerga-se sim um conflito, no entanto para obter uma resposta com um
embasamento satisfatório se faz necessário entender melhor o referido princípio. Como dito, o
princípio da inafastabilidade da jurisdição é chamado também de “cláusula de acesso à justiça”,
127

bem como também, nota-se que no artigo 5º, XXXV, fala-se o “Poder Judiciário”, como ente que
pode não ser excluído de lesão ou ameaça a direito.
Neste sentido, por “Poder Judiciário” entenda-se acesso à justiça ora, conforme retro
mencionado, é cediço que existe uma vinculação entre os dois, uma vez que por muito tempo o
judiciário foi a única forma de obter-se justiça. Dessa forma, não se trata tão somente de evitar que
o Poder Judiciário se afaste de violações ao direito, bem como também que a justiça esteja sempre
presente nestas ocorrências.
Diante disso, observando que a desjudicialização é aplicada visando principalmente maior
aplicabilidade do direito e acesso à justiça, se resolve que não haveria um conflito ou mitigação e
sim uma atuação conjunta, ou seja, o princípio da inafastabilidade da jurisdição estaria tão logo
fundamentando a aplicação da desjudicialização no ordenamento.

2.3 A Crise de Insuficiência no Judiciário

É notório que o sistema judiciário brasileiro é assolado por um grande déficit de eficiência,
uma massiva quantidade de demanda de processos que levam anos em trâmite, se prolongando
desde a distribuição até a prolação da sentença. A situação é desanimadora, e deixa muito a desejar
àqueles que buscam justiça e a satisfação do direito junto ao Judiciário.
Mesmo com relevantes alterações e com vigência de novas leis, que foram trabalhadas
com o objetivo de dar maior celeridade processual, ainda assim o judiciário se mostrou moroso e
ineficiente. A exemplo, o Código de Processo Civil de 2015 – CPC/15, uma vez que é de se notar
que esse expandiu a ideia que o Judiciário não é o único instrumento de acesso a uma solução com
retidão para os conflitos de interesses, o que pode emanar de outros meios.
Passados os primeiros anos da vigência do CPC/2015, nota-se que o Judiciário ainda
clama por mais medidas para se tornar suficientemente eficaz e célere. Isto é o que se analisa ao
observar dois relatórios, de anos distintos, do Justiça em Números realizados pelo Conselho Naci-
onal de Justiça. O primeiro do ano de 2016 que tem como ano-base 2015, o último ano de vigência
do Código de Processo Civil de 1973. O segundo mais atual, do ano de 2019 tendo como ano-base
2018, passados aproximadamente três anos após vigorar a lei do CPC/2015.
No ano de 2015, no que se refere ao Judiciário nacional, os processos na fase de conhe-
cimento de 1º grau tinham um tempo de duração média de um ano e seis meses, e os processos de
Execução de 1º grau durando em média três anos e quatro meses. Ao passo em que no ano de 2018
os processos de conhecimento de 1º grau se perduravam por média de um ano e um mês, e os
processos de execução de 1º grau em média de oito anos e seis meses.
128

Diante disso, percebe-se que nos processos de conhecimento de 1º grau no Judiciário


brasileiro não houve uma diminuição relevante em seu tempo médio de duração, bem como tam-
bém que nos processos de execução aumentaram significativamente em mais de cinco anos de
tempo de duração média.
Dito isto, um outro ponto observável e de maior pertinência a se analisar, é a duração do
processo de conhecimento em relação ao processo de execução, esses têm uma duração média de
quase que oito vezes maior que aqueles. No entanto, esta relação de duração não condiz com a
natureza dos processos, haja vista que os procedimentos dos processos de execução seriam mais
simplificados que os dos processos de conhecimento, vez que necessitam de menos atos proces-
suais, dos quais a maioria seria atos sem jurisdição, e é dispensável maior cognição dos magistrados.
Ademais, em se tratando de números, o referido relatório do ano de 2019, traz no âmbito
da justiça comum estadual a movimentação dos processos do ano de 2018. Prefacialmente, os nú-
meros de novos processos, sendo que 19.579.034 (dezenove milhões quinhentos e setenta e nove
mil trinta e quatro) novos casos deram entrada naquele ano, ao tempo em que o número de sen-
tenças prolatadas foram de 22.954.470 (vinte e dois milhões novecentos e cinquenta e quatro mil
quatrocentos e setenta).
Dessa forma, se lavados somente estes primeiros números de entrada e saída de processos
em consideração, seria uma movimentação satisfatoriamente regular, no entanto quando passamos
a analisar os próximos números de processos acumulados, o resultado passa a ser diverso. Veja-se,
no referido ano foram registrados 22.269.043 (vinte e dois milhões duzentos e sessenta e nove mil
e quarenta e três) processos baixados, e ainda 62.988.042 (sessenta e dois milhões novecentos e
oitenta e oito mil e quarenta e dois) processos pendentes de julgamento.
Diante disso, a soma destes números de processos estagnados e pendentes resulta em um
acúmulo exorbitante que sobrecarrega o judiciário e os afasta de um desempenho célere e eficaz.
Levando assim a concluir, que seguindo este ritmo, a crise de sobrecarga no judiciário tende a
aumentar e levar a um colapso.

2.4 A execução Por Título Extrajudicial no Brasil

É cediço que os meios de execução são utilizados como forma de promover o cumpri-
mento de obrigações entre credor e devedor, de forma que na execução por título extrajudicial, o
objetivo principal é a satisfação do crédito do credor. Muito embora, por toda conjuntura já exposta
aqui, tal satisfação possa não ocorrer ou até ocorra, no entanto com uma excessiva demora.
129

No atual modelo em vigência no Brasil, todos os tipos de execução, tanto de título judicial
quanto de título extrajudicial, ocorrem pelas vias do Judiciário com atuação exclusiva dos magis-
trados. No entanto, importa ressaltar que os atos processuais praticados pelos magistrados pos-
suem pouca ou nenhuma natureza cognitiva, sendo feitos somente sob análise de requisitos para
execução e dando o devido seguimento ao feito.
Nos casos de execução por título executivo extrajudicial, a cognição dos juízes é mais
dispensável ainda, sendo utilizada apenas quando há contraditório pela oposição da execução com
os Embargos à Execução. Neste diapasão, demais atos como citação/intimação, penhora de bens
ou bloqueios de contas, são feitos meramente utilizando-se dos requisitos e mandamentos legais.
Por fim, considerando-se que no relatório retromencionado, no ano de 2018 foram regis-
tradas 4.244.259 (quatro milhões duzentos e quarenta e quatro mil duzentos e cinquenta e nove)
de sentenças de processos de execuções, para uma soma de 41.339.359 (quarenta e um milhão
trezentos e trinta e nove mil trezentos e cinquenta e nove) de processos novos de execução, baixa-
dos e pendentes.
Resolve-se que o atual modelo de execução por título extrajudicial adotado no país é
moroso e pouco eficaz, seguindo a mesma linha da crise de ineficiência do Judiciário.

2.5 Os Modelos de Execução Extrajudicial Adotados em Outros Países

Doravante, neste último capítulo chegar-se-á a essencialidade deste trabalho, onde foi feita
a análise de alguns dos principais modelos de execução extrajudicial, seja parcial ou totalmente
extrajudicial, de outros países. Análise esta, feita com base no vasto estudo já realizado por Flávia
Pereira Ribeiro em sua tese de doutorado, para a qual estar-se-á aqui adentando sempre nos pontos
mais relevantes e pertinentes ao tema. Ao final da análise, discutir-se-á respeito de potencial apli-
cação destes modelos, ou até em que ponto algum destes pode servir de inspiração para a desjudi-
cialização da execução por título extrajudicial no Brasil.
I) Modelo da Alemanha (RIBEIRO, 2012, p. 80.)
Inicialmente, no modelo alemão de execução, não há um órgão ou entidade com exclusi-
vidade para realizar a execução, a competência varia de acordo com a modalidade executiva a qual
vai se iniciar, que por sua vez é provocada pelo exequente. No que se diz respeito à execuções
pecuniárias de penhora de bens móveis e/ou entrega de bens imóveis, a competência será de um
funcionário, o Gerichtsvollzieher, que é retratado oficialmente na Europa como agente de execução.
Na Alemanha, o agente de execução é um funcionário subordinado ao poder judiciário e possui
certa autonomia em seus atos. Quanto às funções do agente de execução, incube a este, a verifica-
ção dos requisitos obrigatórios, e posteriormente dar o cumprimento à execução, através de seus
130

atos, para os quais possui independência para praticá-los, desde que respeitando o que é regula-
mentado pelo Código de Processo Civil Alemão, o Zivilprozessordnung - ZPO.
Um outro órgão muito importante competente pela execução, é o Tribunal Executivo,
Amtsgericht, que por sua vez atua em execuções pecuniárias de penhora de créditos ou títulos de
dívidas líquidas, bem como de bens imóveis. Entre as funções do Tribunal Executivo está a divisão
da quantia entre os credores, arrecadada pela penhora; verificar as petições de execução bem como
as que se opõe a ela; e decidir a respeito de medidas provisórias e tutelas de urgência. No entanto
os demais atos executivos são atribuídos aos oficiais de justiça – Rechtspfleger, dessa forma para evitar
um acúmulo de funções e dar mais celeridade aos processos.
II) Modelo da Itália (RIBEIRO, 2012, p.86.)
No que se diz a respeito ao modelo italiano, este tem suas semelhanças com o que ocorre no Brasil,
principalmente no início do procedimento. Inicia-se com o credor redigindo um pedido (precetto)
de pagamento ao devedor, este que será intimado e notificado pelo oficial de justiça a pedido da-
quele. Doravante, o devedor terá um prazo para pagar o título da dívida que estará descrito na
notificação, caso não efetue o adimplemento, passa-se para as medidas executivas.
A partir deste momento, vem o que distingue da execução brasileira, ocorre que todos
esses atos iniciais e o início das medidas executivas, como a expropriação, são realizados tão so-
mente pelo oficial de justiça que, a grosso modo, atua como agente de execução. Ademais o Juiz
passa a intervir sim no processo, mas somente quando a lide já está estabelecida e com a devida
autuação de um escrivão.
III) Modelo da França (RIBEIRO, 2012, p.92.)
O modelo de execução adotado pela França é quase que desjudicializado, podendo ocor-
rer de duas formas, quando a execução de título judicial ou extrajudicial é sobre dinheiro ou bens
móveis é feita unicamente pelos huissers de justice; quando da execução resultar em penhora de bens
imóveis atuação será mista do tribunal e do agente de execução.
Os agentes de execução – huissier são profissionais liberais, tal como os advogados, pos-
suem um caráter privado, no entanto vem a exercer função de interesse público. Recebem uma
vasta e profunda regulamentação, sendo uma profissão habilitada e treinada para se proceder com
todos os atos executivos sem quaisquer intervenções judiciais. O que só ocorrerá se o devedor se
opuser a execução de Embargos. Entre as funções do agente estão: intermediar acordos ou nego-
ciações de pagamento, escolha do método executivo que entender mais oportuno, bem como po-
der requerer força policial.
131

Como dito, os agentes se assemelham muito a classe de advogados brasileira, haja vista
que para ingressar no ramo há requisitos como ser graduado em direito, passar por dois anos de
treinamento e ser aprovado em um exame profissional.
São contratados diretamente pelos exequentes, podendo ainda montar escritórios ou as-
sociações que serão submetidos à organização e fiscalização de câmaras locais que regulam o exer-
cício da profissão.
IV) Modelo de Portugal (RIBEIRO, 2012, p.102.)
Anteriormente, o Brasil e Portugal partilhavam de igual modelo executivo compulsório,
neste ocorria única e exclusivamente pelas vias do Judiciário, exatamente como ocorre hoje no
Brasil. Até que, diante da crise de justiça portuguesa, onde grande número de processos de execu-
ção tramitavam por um longo período tempo, a administração legislativa e judiciária daquele país
discutiram propostas até finalmente efetivar a primeira grande reforma ocorrida em 2003 pelo De-
creto-Lei nº38/2003.
O referido ato normativo modificou profundamente os trâmites da execução, tornando-
a parcialmente extrajudicial. Dessa forma, deu maiores atribuições aos agentes de execução, que
passaram a atuar necessariamente nas execuções realizando as citações, publicações e atos de venda
e pagamento, como outros. Ainda, restringindo mais a atuação dos juízes, o que foi denominado
de “liberação dos juízes de tarefas processuais não jurisdicionais”.
Esta reforma perdurou inalterada por cinco anos até que o Decreto-Lei nº 226/2008 fez
uma nova reforma, fazendo o modelo de execução portuguesa ainda mais desjudicializado, se as-
semelhando muito ao modelo francês devido à influência deste. Nesse sentido, o decreto extinguiu
intervenção do Juiz durante o processo de execução, que passou a atuar somente em casos com a
presença de contraditório, ou seja, na oposição do executado.
Ademais, também expandiu a atuação dos agentes de execução, de forma que regularizou
a profissão tão qual como feito na França, e ainda valorizando-os por meios de aumento em seus
ganhos para acrescer o número de agentes, vez que como os huissers de justice, são profissionais
liberais e privados.
Portugal foi além e inovou mais ainda, uma vez que para solucionar a crise judiciária tam-
bém criou uma espécie de cadastro público eletrônico que lista todas execuções que os exequentes
não tiveram seus créditos satisfeitos, devido à insolvência e/ou ausência de bens penhoráveis dos
executados. Tornando assim de conhecimento público que uma nova execução contra os executa-
dos da lista também restaria infrutífera e de tal forma diminuindo a entrada de novos processos
sem uma resolução futura.
132

Por fim, os referidos países são alguns exemplos pertinentes a terem seus modelos exe-
cutivos elencados aqui, por terem seus pontos em comum, o que posteriormente será explorado,
bem como por mostrarem possuir eficiência em seus sistemas e grande satisfação dos credores,
mesmo que embora também possuam grande número de demanda. Existe ainda aquele que se
reformulou e mostrou ser promissor em seu “novo” método, e que se mostra ser de suma impor-
tância por servir de exemplo projetivo ao Brasil.

2.5.1 A Aplicabilidade no Brasil

Como dito alhures, após análise pontual dos referidos sistemas executivos estrangeiros,
discutir-se-á a respeito da eventual existência para aplicabilidade da execução extrajudicial no Brasil,
e de que forma pode ocorrer diante do atual cenário jurídico do país.
Primeiramente, será pontuado no modelo de execução ocorrido no Brasil, as principais
características que corroboram com a ineficiência do sistema. Logo após será apontando quais os
aspectos e singularidades dos modelos estrangeiros existem possibilidade de aplicação para reverter
a situação.
O primeiro ponto no qual se visualiza falha no sistema brasileiro é o acúmulo de atos e
atribuições aos magistrados brasileiros, que atuam conjuntamente nas execuções de título extraju-
dicial e nos processos de conhecimento. Ocorre no modelo executivo do Brasil, de entregar a ex-
clusividade de todos os atos ao Juiz, esse que deverá intervir obrigatoriamente no processo de
execução desde seu início.
Ao observar os referidos modelos de execução de países estrangeiros logo é notável a
principal semelhança entre esses, sendo que todos, mesmo aqueles que sejam somente extrajudici-
ais em parcialidade, trabalham com a efetiva descentralização de atos para um único ente, no caso
o Judiciário que só atuará quando de fato for necessário decisões jurisdicionais. Desse modo, esta
seria a primeira, e até mesmo a principal, inspiração para a reformulação da execução brasileira.
Ato contínuo, o proposto seria maior desvinculação do Judiciário nos atos desnecessários
a atuação desse, haja vista que fora expresso neste trabalho a existência de muitos processos de
conhecimento, que por sua vez necessitam de fato da atuação jurisdicional.
Dessa forma, para o Brasil apresenta ser uma ótima hipótese o que ocorre no modelo
italiano, de entregar os atos processuais iniciais e sem nenhuma jurisdição a outros entes. E o ocor-
rido em Portugal, influenciado pelo modelo francês, criando cargos, sejam públicos ou privados,
para funcionar nos atos executivos enquanto a inexistência de contraditório e oposição.
133

Por conseguinte, um outro ponto questionável e que se mostra como mais uma deficiência
na execução brasileira é a frustração nos casos de várias execuções simultâneas contra um mesmo
executado falido e/ou insolvente. Ocorre que, até que os processos de execução sejam extintos
definitivamente pela inexequibilidade e falta de bens penhoráveis do executado, novos processos
contra o mesmo executado dão entrada no Judiciário, causando tumulto e sobrecarga que dificul-
tam ainda mais a celeridade desse.
Nesse sentido, a medida adotada no modelo português de criar uma lista pública de exe-
cutados com nenhum bem passível de penhora, para fins de evitar que processos de execução sem
nenhuma perspectiva de satisfação do exequente ingressem no sistema, é mais uma forte inspiração
do que pode vir a ser aplicado no Brasil.
A inércia de modificações relevantes no modelo executivo desde quando já se tem notícias
sobre essa crise judiciária, também contribui efetivamente com o acúmulo sucessivo de demandas,
logo, com a ineficiência do modelo executivo brasileiro.
Dessa forma, Portugal se mostrou bem mais que inspiração, um exemplo, já que este
reformulou radicalmente todo o modelo executivo ao entender que era o mais pertinente diante da
sua grande crise judiciária executiva.
Nesse diapasão, em se tratando de modelos que podem inspirar a execução extrajudicial
no Brasil, o modelo português parte em vantagem com potencial aplicabilidade no Brasil, haja vista
que esse possuía um modelo exatamente igual ao do nosso país. No entanto, embora Portugal
mostre bons resultados com a reforma e que essa ocorreu sem muitos problemas, o país demorou
muito para finalmente chegar a uma reforma aceitável de aplicação, que demandou anos de discus-
sões para a elaboração dos textos legislativos.
Diante a todo o exposto, a respeito de medidas mais bruscas, que demandem maior pla-
nejamento e discussões diante da magnitude das alterações para desjudicializar os atos executivos
de títulos extrajudiciais. A administração judiciária e legislativa brasileira precisa de fato se inspirar
no país-irmão, a modo de colocar em debate o tema de reformulação do sistema executivo vigente.
Por fim, é plenamente notável que após grandes alterações dadas pelo Código de Processo
Civil de 2015, uma nova reforma deve ser bem avaliada e amplamente discutida. No entanto, qual-
quer medida que se mostre promissora, como o caso da desjudicialização, para diminuir uma grande
crise judiciária deve-se ser levada seriamente em consideração e ser vista com grande possibilidade
de adoção.

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
134

Ao decorrer do trabalho, vimos que a desjudicialização é uma medida estratégica muito


eficaz para remediar problemas como a dificuldade e a morosidade no acesso à justiça. Isso res-
tando demonstrado ao observar que sua utilização no ordenamento brasileiro não ter sido dada de
forma esporádica ou eventual, haja vista que, conforme explorado no trabalho, as alterações legis-
lativas de procedimentos desjudicializados se tornaram frequentes devido aos bons resultados.
Nesse mesmo diapasão, a desjudicialização não é capaz tão somente de fazer com que o
Direito seja rapidamente efetivado, assim como também é capaz de produzir efeitos benéficos no
Poder Judiciário ao diminuir a demanda que anteriormente poderia vir a ter. Sendo ainda a desju-
dicialização em seu fenômeno, fomentada pelos princípios constitucionais da duração razoável do
processo e da inafastabilidade da jurisdição. Dessa forma, pode-se expressar em rápidas linhas di-
zendo que com a devida e cautelosa aplicação da desjudicialização no Brasil só temos a ganhar.
Por conseguinte, a demanda de processos que tramitam no Judiciário, mesmo que com
significativa diminuição ocasionada pela desjudicialização, é capaz de gerar muitos transtornos
aqueles que recorrem a este Poder para tutelar seu direito, uma vez que, analisado no trabalho, a
crise judiciária brasileira é uma realidade atual.
A crise de insuficiência do Judiciário pôde ser comprovada pela análise do relatório Justiça
em Números que demonstra a sobrecarga e morosidade do Judiciário, com milhões de processos
estagnados e acumulados que se perduram por anos. A referida crise afeta principalmente aqueles
que buscam o direito de receber seus créditos líquidos, certos e exigíveis, executando os seus de-
vedores.
Dessa forma, tendo em vista o fato de uma execução por título extrajudicial durar em
média oito anos e seis meses e ao final o credor não conseguir a efetivação do seu direito através
da satisfação do crédito, seja pela insolvência ou pela ausência de bens penhoráveis do executado.
Acompanhado do fato de o Judiciário possuir uma soma de mais de 41 milhões de processos de
execução novos, baixados e pendentes. Isto leva rapidamente a concluir que o atual modelo de
execução cível brasileiro é moroso e está em uma grande crise de insuficiência e ineficiência.
Nesse sentido, ficou entendido que o atual modelo de execução judicial necessita ser re-
visto e reformulado para alcançar melhorias e ser considerado satisfatoriamente eficaz e célere.
Ademais, ao estudar e analisar os modelos de execução extrajudicial em outros países, foi
visto que, apesar de cada modelo executivo ter suas peculiaridades, duas grandes características em
comum os marcavam, quais sejam: a descentralização ou o não acúmulo de atribuições a um único
autor ou órgão competente para os atos executivos, e a não intervenção do judiciário na execução
até que surja o contraditório pela oposição do executado.
135

Essas características se mostraram como as principais suscetíveis de aplicação no Brasil,


já que este efetua justamente tais pontos opostamente, dando exclusividade aos magistrados e ao
Judiciário a todos os atos executivos e pré-executivos.
Por fim, foi visto também o exemplo projetivo que Portugal oferece ao Brasil, quando
aquele que possuía modelo de execução idêntico a esse, após duas grandes reformas mudou seu
modelo executivo, uma vez que também se encontrava em meio de uma crise judiciária. Dessa
forma, seguindo a influência dos demais países, fazendo as ressalvas e alterações necessárias e após
anos de debates e estudos pôde chegar a oferecer um modelo de execução rápido e eficiente.
Razões essas pelas quais coloca Portugal como o principal modelo de execução extrajudi-
cial aplicável ao Brasil, com todos os exemplos e inspirações que podem levar nosso país a abranger
as possibilidades de reformulação da execução por título extrajudicial. E então finalmente alcançar
não só um modelo de execução eficiente e rápido, mas também um Judiciário e que este possa
atuar livre e fluidamente na aplicação do direito e efetivar a justiça.
Por fim, o presente trabalho não tem como propósito esgotar o tema, mas tão somente
contribuir para futuras pesquisas.

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137

A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER E A INEFICÁCIA


DO ESTADO NA APLICAÇÃO DA LEI MARIA DA PENHA

Hanna Parentes Fortes de Miranda1

.
1 INTRODUÇÃO

Nesse estudo, abordaremos a violência doméstica contra a mulher e a ineficácia do estado


na aplicação da Lei Maria da Penha. Embora seja um tema já bastante discutido e aprofundado,
tendo em vista o tempo de criação da Lei n. 11.340 (7/8/2006), o presente trabalho tem como
objetivo trazer dados atualizados, e estarrecedores, do número de mulheres vítimas de violência
doméstica. Mais triste ainda é constatar que, nesse número, há um grande percentual de mulheres
que não puderam mais nos contar sua história, muito menos denunciar seu agressor – foram
assassinadas pelo companheiro antes mesmo de receberem ajuda.
Escolher a Lei Maria da Penha como objeto de pesquisa não foi fácil. Sabíamos já, através
dos muitos outros estudos sobre esse tema, que encontraríamos, ainda hoje, um número alarmante
de mulheres vítimas de violência doméstica – mesmo tendo se passado quase 15 anos desde a
criação da Lei nº 11.340. No entanto, acreditamos ser de suma importância discutir esse tema uma
vez mais, e tantas outras quanto se fizerem necessárias, pois muito ainda há por se fazer no combate
à violência contra a mulher.
A Lei Maria da Penha será o tema da primeira seção desse estudo. Essa lei foi assim
denominada em homenagem à Maria da Penha Maia Fernandes, farmacêutica brasileira que sofreu
violência doméstica durante 23 anos de casamento, tornando-se referência na luta pelos direitos da
mulher.
Ressalte-se aqui que a violência doméstica não é apenas a agressão física sofrida pela mulher,
mas todo um conjunto de agressões – físicas, psicológicas e sociais – sofridas pela vítima, causando,
em muitos casos, danos irreversíveis. Em função disso, um grande número de mulheres deixa de
denunciar o marido, o companheiro ou o namorado – muitas vezes, o medo e a vergonha falam
mais alto.
Já na segunda seção, são trazidas as medidas punitivas alternativas,de não
encarceramento, demonstradas como soluções proativas nos casos de violência doméstica. Com

1Graduanda em Direito pela Universidade Estácio de Teresina. Estagiária do escritório de advocacia Almeida & Costa
Advogados Associados. E-mail: hannafortes23@gmail.com.
138

a alteração do art. 22 da Lei Maria da Penha, através da Lei nº 13.984, de 3 de abril de 2020, o juiz
obriga, além das outras medidas cabíveis, o agressor a frequentar centros de apoio e programas de
reeducação e reabilitação. Constata-se, assim, que o encarceramento dos agressores não tem se
mostrado a solução mais eficaz, como observado pelo crescente número de casos de violência
contra a mulher.
Para além da superlotação das prisões brasileiras, observa-se que a prisão do agressor de
violência doméstica, a privação de sua liberdade, do seu convívio social não bastam para reeducá-
lo nem conscientizá-lo sobre a brutalidade dos seus atos. Ao contrário, quando posto em liberdade
novamente, o agressor, estigmatizado, tende a culpar a vítima por sua punição, tornando-se ainda
mais violento. Esse sistema punitivo de cerceamento da liberdade tem-se mostrado ineficiente no
combate à violência doméstica e o número de mulheres mortas e agredidas por seus companheiros
só aumenta. Entende-se, assim, que a criação de centros de reabilitação e reeducação é
extremamente necessária, uma vez que sem uma mudança de comportamento do agressor – onde
a violência é a forma habitual de resolução dos problemas – dificilmente deixaremos de ocupar a
quinta posição no ranking dos países com mais casos de feminicídio em todo o mundo. Esse é o
tema abordado na última seção desse trabalho.
A metodologia usada no presente estudo, foi na pesquisa de outros artigos cientificos que
possuiam esta proposta de medidas nao encarceradoras.

2. DESENVOLVIMENTO

2.1 A Lei Maria da Penha

2.1.1 Contextualização da violência contra as mulheres

Antes de falarmos sobre a criação da Lei Maria da Penha, é importante visitar alguns
momentos marcantes do movimento feminista no país, da luta das mulheres por liberdade e
igualdade de direitos sociais, políticos e trabalhistas. No Brasil, o movimento feminista chega no
século XIX, quando surgiram os primeiros movimentos em defesa dos ideais feministas, que
iniciavam uma luta por igualdade de direitos entre homens e mulheres. Traçando uma linha do
tempo sobre algumas das mais importantes conquistas dos movimentos feministas no país, temos,
em 1827, a primeira vitória das mulheres, quando meninas são liberadas para frequentarem a escola.
Em 1832, Nísia Floresta, publica “Direitos das Mulheres e Injustiças dos Homens”, considerado o
livro fundador do feminismo brasileiro. Em 1852, o primeiro jornal feminino é criado, o Jornal das
139

Senhoras, editado por mulheres e direcionado para mulheres. Mais adiante, em 1879, as mulheres
conquistam o direito de frequentar faculdades.
Já no século XX, em 1910, é criado o primeiro partido político feminino, o Partido
Republicano Feminino, e, em 1934, o voto feminino é regulamentado, autorizando, finalmente, o
direito ao voto para mulheres de todas as rendas, origens e estado civil. A chegada da pílula
anticoncepcional ao Brasil marcou o ano de 1962 na luta pela liberdade sexual feminina. Em 1977,
a Lei do Divórcio é aprovada, tirando milhares de mulheres de casamentos infelizes e abusivos, e,
em 1985, é criada a primeira Delegacia da Mulher, a Delegacia de Atendimento Especializado à
Mulher (DEAM), em São Paulo. Outro grande avanço da luta feminina veio com a promulgação da
Constituição de 1988, em que mulheres passam a ter os mesmos direitos e deveres doshomens.
Mas é apenas no século XXI, em 2002, que a falta da virgindade deixa de ser crime, e, no ano
seguinte, em 2003, é criada a Secretaria de Políticas para as Mulheres, quando as políticas públicas
de enfrentamento à violência contra as mulheres são fortalecidas por meio da elaboração de
conceitos, diretrizes e normas. Outro grande avanço no combate à violência contra as mulheres
chega em 2006, com a aprovação da Lei Maria da Penha. Em 2010, a primeira mulher presidente do
Brasil é eleita e convoca nove mulheres para ocupar ministérios, marcando história na política
brasileira. Em 2011, a Marcha das Vadias, chega ao Brasil, movimento feminista conhecido
internacionalmente, marcado por manifestações e luta das mulheres por mais direitos, respeito e
contra o feminicídio; nesse ano, o movimento acontece em São Paulo e foi o começo de uma série
de protestos que aconteceriam em todo o país nos anos seguintes. Em 2015, é aprovada a Lei do
Feminicídio, a Lei nº 13.104, de 9 de março de 2015. Finalmente, em 2018, o assédio sexual contra
as mulheres e vulneráveis passa a ser considerado crime, a partir da Lei nº 13.718, de 24 de setembro
de 2018, lei que teve uma força essencial do movimento feminista. Nesse mesmo ano, o Supremo
Tribunal Federal (STF), autoriza pessoas trans a mudar de nome mesmo sem cirurgia ou decisão
judicial.
Para ilustrar a força do movimento das mulheres no Brasil, tomamos a palavra de Sueli
Carneiro, que diz:

O movimento de mulheres do Brasil é um dos mais respeitados do mundo e referência


fundamental em certos temas do interesse das mulheres no plano internacional. É
também um dos movimentos com melhor performance dentre os movimentos sociais do
país. Fato que ilustra a potência deste movimento foram os encaminhamentos da
Constituição de 1988, que contemplou cerca de 80% das suas propostas, o que mudou
radicalmente o status jurídico das mulheres no Brasil. A Constituição de 1988, entre outros
feitos, destituiu o pátrio poder. Esse movimento destaca- se, ainda, pelas decisivas
contribuições no processo de democratização do Estado produzindo, inclusive,
inovações importantes no campo das políticas públicas. Destaca-se, nesse cenário, a
criação dos Conselhos da Condição Feminina – órgãos voltados para o desenho de
políticas públicas de promoção da igualdade de gênero e combate à discriminação contra
140

as mulheres. A luta contra a violência doméstica e sexual estabeleceu uma mudança de


paradigma em relação às questões de público e privado. A violência doméstica tida como
algo da dimensão do privado alcança a esfera pública e torna-se objeto de políticas
específicas (CARNEIRO, 2003, p. 117).

Não resta dúvida que a Lei Maria da Penha significou uma grande conquista para o
movimento feminista no Brasil. A Lei nº 11.340, decretada pelo Congresso Nacional e posta em
vigor em 22 de setembro de 2006, recebeu o nome de Lei Maria da Penha em homenagem à Maria
da Penha Maia Fernandes, farmacêutica brasileira, que durante 23 anos viveu com seu agressor.
Em 1983, foi vítima de duas tentativas de homicídio por parte do economista e professor
universitário Marco Antonio Heredia Viveros, seu marido. Na primeira vez, o agressor simulou um
assalto e disparou contra ela um tiro com arma de fogo, deixando-a paraplégica. Na segunda
tentativa, tentou eletrocutá-la no banho. Após sobreviver a atos tão atrozes, Maria da Penha
tornou-se uma ativista em movimentos de defesa dos direitos da mulher, fundando o Instituto
Maria da Penha, uma organização sem fins lucrativos que visa à proteção de mulheres vítimas de
violência doméstica.

2.1.2 Conceito

A Lei Maria da Penha foi criada para que as mulheres que sofrem qualquer tipo de agressão
tenham amparo legal específico.
Na ementa Lei nº 11.340/06, vemos claro esse objetivo.

Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos
do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as
Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para
Prevenir, Punir e a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de
Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o
Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências (BRASIL, 2006).

A violência doméstica caracteriza-se como todo e qualquer dano sofrido pela mulher, seja
uma violação, coação ou constrangimento. Desde a Antiguidade, a mulher era tida como
propriedade do marido e não possuía direitos, apenas deveres. Era banal a violência contra a
mulher, como forma de repreensão e educação.
Sandra Dias (2010) fala sobre a milenar violência contra a mulher.

Nas sociedades antigas, a mulher tinha pouca expressão, era vista como um reflexo do
homem, e considerada objeto a serviço de seu amo e senhor, um mero instrumento de
procriação. Enfim, era a mulher a fêmea, sendo muitas vezes mais comparada a um animal
do que a um ser humano. Na Idade Média, por exemplo, a mulher desempenhava o papel
de mãe e esposa. A ideia de procriação permanecia e nenhum direito lhe era assegurado
(DIAS, 2010, p.1).
141

Maria Amélia Teles (2003) complementa, trazendo mais um esclarecimento sobre a


violência de gênero.

A violência de gênero pode ser entendida como “violência contra a mulher”, expressão
trazida à tona pelo movimento feminista nos anos 70, por ser esta o alvo principal da
violência de gênero. Enfim, são usadas várias expressões e todas elas podem ser
sinônimos de violência contra a mulher. A violência de gênero ou contra a mulher está
de tal forma arraigada na cultura humana que se dá de forma cíclica, como um processo
regular com fases bem definidas: tensão relacional, violência aberta, arrependimento e
lua-de-mel (TELES, 2003, p. 19, apud FERREIRA, 2016, p. 59).

Ao longo dos anos, com muita luta, as mulheres vêm conquistando seu espaço. Através de
grupos e movimentos feministas e sociais, muitas vitórias já foram alcançadas rumo a uma sociedade
democrática, em que prevaleça a igualdade de gêneros e na qual seja erradicada toda e qualquer
forma de violência contra a mulher. Nesse sentido, uma grande conquista foi a criação da Secretaria
Nacional de Políticas para as Mulheres (SNPM), vinculada ao Ministério dos Direitos Humanos,
que tem como objetivo a promoção de direitos iguais para homens e mulheres, além de combater
toda e qualquer forma de preconceito e discriminação, herança de uma sociedade patriarcal e
excludente
Em agosto de 1985, por meio do Decreto nº 23.769, foi criada em São Paulo a primeira
delegacia especializada de proteção à mulher, a Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher
(DEAM), que se constituiu na primeira experiência de implementação de uma política pública de
combate à violência contra as mulheres no Brasil (BRASIL, 2010). Estas delegacias buscam, como
alternativa de auxílio às mulheres vítimas de violência, além do atendimento policial, a orientação
psicológica e social. O grande problema é que, na maior parte das cidades brasileiras, não existe
nenhuma DEAM, realidade de 91,7% dos municípios, de acordo com o Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE). Divulgados em 25 de setembro de 2019 pelo IBGE, os dados
integram a Pesquisa de Informações Básicas Municipais e Estaduais (Munic), que traz o perfil dos
municípios e estados do Brasil em 2018 (AGÊNCIA BRASIL, 2019).
Ainda de acordo com a pesquisa, apenas 8,3% dos municípios brasileiros possuem pelo
menos uma DEAM e somente 4,5% dos estados, incluindo o Distrito Federal, possuem juizados
ou varas especiais de violência doméstica ou familiar contra a mulher (AGÊNCIA BRASIL, 2019).
Além disso, a falta de estrutura material, de recursos humanos e de metodologia adequada, distancia
muito a realidade da estrutura idealizada pela Norma Técnica de Padronização das Delegacias
Especializadas de Atendimento à Mulher (DEAMs). Em algumas unidades, por exemplo, não há
sequer equipe própria de investigação, o que compromete muito a qualidade das informações
obtidas.
Conforme afirmam Fonseca e Sorj (2009):
142

O uso das DEAMs pelas mulheres parece seguir uma lógica diversa da lógica da
instituição policial e da inspiração do movimento feminista, uma vez que a mais frequente
motivação das mulheres em procurar as delegacias especializadas consiste em usar o
poder policial para renegociar o pacto conjugal e não para criminalizar o parceiro
(FONSECA; SORJ, 2009, p.14 apud FERREIRA, 2006, p.57).

Some-se, ainda, a complexidade em torno da histórica violência contra as mulheres no Brasil


e uma evidente limitação quanto à compreensão e responsabilização dos casos incorporados pelo
sistema penal e processual penal. É fundamental, portanto, que se estabeleçam condições mais
eficazes no combate à violência contra a mulher, ainda que nesse reduzido número de atendimento
especializado.
Tomando as palavras de Leonardo Machado, delegado da Polícia Civil de Santa Catarina,
“[...] as vias alternativas podem ser um caminho menos ineficiente e mais respeitoso à condição das
mulheres vítimas de violência doméstica e familiar em diversas situações conflitivas”(MACHADO,
2019, p. 1).
Em 2015, foi inaugurada a primeira Casa da Mulher Brasileira2 no país, em Campo Grande –
MS, que contou com a presença de Maria da Penha, mulher que se tornou símbolo no enfrentamento
à violência contra as mulheres no Brasil. O grande avanço dessas unidades especializadas são o
atendimento humanizado e os serviços integrados como Delegacia de Atendimento à Mulher
(Deam), Defensoria Pública, Promotoria de Justiça, atendimento psicossocial, orientação para
autonomia econômica, alojamento e brinquedoteca. Hoje, são sete unidades em funcionamento,
infelizmente um número muito reduzido em se tratando de um país continental como o Brasil
(SENADO FEDERAL, 2015).
Aliados aos Núcleos de Atendimento à Mulher, Casas-Abrigo, Centros de Referência de
Atendimento à Mulher, Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (DEAMs), entre
outros, a Casa da Mulher Brasileira é considerada essencial no enfrentamento à violência contra as
mulheres, devido aos serviços integrados que oferecem e o fato de terem gestão compartilhada
entre a União, estados e municípios, colocando o enfrentamento à violência sob responsabilidade
de todas as esferas do país.

2.1.3 Tipos de violência doméstica

De acordo com o documento Política Nacional de Enfrentamento à Violência Contra as Mulheres,


elaborado em 2011 pela Secretaria de Políticas para as Mulheres (BRASIL, 2011), o conceito de

2 Espaço de acolhimento e atendimento humanizado para mulheres em situação de violência.


143

violência contra as mulheres3 está fundamentado na definição contida na Convenção


Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher – Convenção de Belém
do Pará, 1994, que diz: “[…] qualquer ação ou conduta, baseada no gênero, que cause morte,
dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto no âmbito público como no
privado” (CONVENÇÃO DE BELÉM DO PARÁ, art. 1º, 1994).

O documento segue falando sobre as diferentes formas de violência contra as mulheres:

 A violência doméstica ou em qualquer outra relação interpessoal, em que o agressor


conviva ou haja convivido no mesmo domicílio que a mulher, compreendendo, entre
outras, as violências física, psicológica, sexual, moral e patrimonial (Lei nº
11.340/2006);
 A violência ocorrida na comunidade e que seja perpetrada por qualquer pessoa e que
compreende, entre outros, violação, abuso sexual, tortura, tráfico de mulheres,
prostituição forçada, sequestro e assédio sexual no lugar de trabalho, bem como em
instituições educacionais, estabelecimentos de saúde ou qualquer outro lugar;
 A violência perpetrada ou tolerada pelo Estado ou seus agentes, onde quer que ocorra
– violência institucional (BRASIL, 2011).

A Lei Maria da Penha, em seu âmago, classifica os tipos de violência doméstica em:
a) Violência física – a agressão física causada à mulher;
b) Violência moral – conduta que represente injúria, calúnia ou difamação;

c) Violência sexual – coibição ou constrangimento para realização de atos libidinosos contra sua
vontade;
d) violência patrimonial – apoderamento dos bens patrimoniais da mulher, impedindo o
usufruto dos seus bens sem previa autorização;
e) violência psicológica – qualquer comportamento que gere danos emocionais e psicológicos à
mulher.
É considerada violência doméstica qualquer conduta que desqualifique, constranja, e reduza
a mulher.
De acordo com dados recolhidos por Alves e Oliveira (2017, p.58), a Central de
Atendimento à Mulher classifica os tipos de violência mais comuns, como ilustrado no gráfico
abaixo.

3 O termo é utilizado no plural, para dar visibilidade às diversidades raciais, étnicas, geracionais, de orientação sexual,
de deficiência e de inserção social, econômica e regional existentes entre as mulheres (BRASIL, 2011).
144

Gráfico 1 – Tipos de violência mais comuns

Fonte: Central de atendimento à mulher. Disque 180.

Verifica-se, com este gráfico, que o percentual de violência física se sobrepõe aos outros
tipos de violência.
Uma pesquisa realizada pelo Departamento de Pesquisas Judiciárias do Conselho Nacional
de Justiça identificou que até o final de 2017 existia um processo judicial de violência doméstica
para cada 100 mulheres brasileiras. São 1.273.398 processos referentes à violência doméstica contra
a mulher em tramitação na justiça dos estados em todo o país. Só em 2017, foram registrados
388.263 novos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, 16% mais do que em 2016.
Em 2018, 507 mil processos foram dados entrada na justiça.
Em recente pesquisa, números mostram que mais de 500 mulheres são agredidas por hora
no Brasil. O crescimento do feminicídio é estarrecedor. Em um levantamento feito pelo Datafolha,
a pedido do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 16 milhões de mulheres acima dos 16 anos já
sofreram algum tipo de violência, sendo a maior parte no ambiente infrafamiliar. O Ministério da
Mulher, da Família e dos Direitos Humanos recebeu mais de 90.000 denúncias de violação contra
mulheres. Todos esses números tiveram como base as denúncias feitas pela vítima ou por terceiros.
Por medo de sofrerem ainda mais, muitas mulheres não denunciam o marido ou companheiro –
uma mulher entre 100 vai à justiça expor a agressão.
Os dados presentes no Painel de Monitoramento da Política Judiciária Nacional de
Enfretamento à Violência contra Mulheres revelam que, no final de 2019, o Brasil estava com mais
de um milhão de processos de violência doméstica e mais de 5,1 mil processos de feminicídio em
tramitação na Justiça. Nos casos de violência doméstica, houve um aumento de quase 10%, com o
recebimento de 536.7 mil novos processos. Os casos de feminicídio que chegaram ao judiciário
cresceram 5% em relação a 2018 (CNJ, 2019).
Na figura abaixo, pode-se observar esse significativo aumento, em apenas dois anos de
145

amostragem: 2018 e 2019.

Figura 1 – Processos na Justiça de violência contra as mulheres no Brasil

Fonte: Conselho Nacional de Justiça, 2019.

 Consequências da violência contra as mulheres

No Brasil, pode-se constatar significativas em torno do combate à violência contra as


mulheres. A partir de 2003, percebe-se uma ampliação das políticas públicas de enfrentamento à
violência contra as mulheres, entre elas os Planos Nacionais de Políticas para as Mulheres, a Lei
Maria da Penha, a Política e o Pacto Nacional pelo Enfrentamento à Violência contra as Mulheres,
a Norma Técnica das Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher, entre outros.
Infelizmente, como já foi mencionado ao longo desse trabalho, os casos de violência contra
as mulheres só aumentam, mesmo quando considerado o alto número de subnotificação, ou seja,
o enorme contingente de vítimas que não denunciam o agressor
– medo, culpa, vergonha, dependência econômica ou emocional em relação ao agressor impedem
que mulheres peçam ajuda às autoridades competentes.
Uma pesquisa do DataSenado (2013) revelou as principais causas para as mulheres não
denunciarem a violência, conforme demonstrado no gráfico 2 a seguir.
146

Gráfico 2 – Causas que impedem as mulheres de denunciarem seu agressor

Medo do agressor: 74%


2%

Dependência finaceira: 34%

19%
Preocupação com a criação dos
22% filhos: 34%
74%
Vergonha da agressão: 26% Não
23%
existir punição: 23%

26%
Acreditar que seria a última vez:
34%
22%
34%
Não conhecer seus direitos: 19%

Outros motivos: 2%

Fonte: Adaptado de DataSenado, 2013.

A violência contra as mulheres não é apenas uma questão social e jurídica. É um problema
de saúde pública em que agressões acumuladas, dependendo de sua gravidade e continuidade,
podem ocasionar danos mentais, psicológicos, emocionais e mesmo físicos, muitas vezes
irreversíveis.
Mesmo assim, as mulheres são, geralmente, tidas como culpadas pela violência praticada
contra elas mesmas. Nessa visão deturpada e machista, são as mulheres que não apresentam
comportamento adequado, que não correspondem às expectativas impostas por uma sociedade
patriarcal, merecendo “punição”.
Dessa forma, entende-se que somente medidas de punição como o encarceramento do
agressor não resolverão esse problema, que se constitui em um problema cultural, ainda muito
arraigado em uma sociedade patriarcal. É preciso enfrentar a violência contra as mulheres com
mudanças de comportamento. E, para isso, as medidas alternativas de apoio psicológico à vítima,
e reeducação e reabilitação para o agressor podem ser caminhos extremamente eficazes.

2.2 As Medidas não Encarceradoras da Lei Maria da Penha

2.2.1 Conceito

O Brasil é um país no qual a taxa de criminalização é alta. Desde a Antiguidade, estabeleceu-


se na sociedade um sistema punitivista, como forma de combater certos comportamentos,
147

resultando na criminalização. Tal pensamento tem como alicerce o fato de que a punição geraria um
medo no sujeito, impedindo-o de praticar conduta delituosa.
A prisão permanece como a forma mais utilizada de punição. No entanto, pelos números
obtidos no Atlas da Violência 2019, produzido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea)
e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), constata-se um processo de acentuada
criminalidade no Brasil, ressaltando o fato de que outros caminhos devem ser buscados, através de
medidas mais proativas e eficazes de combate à violência no país (IPEA; FBSP, 2019).
O núcleo presente na matéria do crime e no encarceramento são pessoas estigmatizadas,
que estão fora da sociedade de consumo, regulada pelo universo capitalista.
No dizer de Zygmunt Bauman,

os jogadores incapazes e indolentes devem ser mantidos fora do jogo. Eles são o refugo
do jogo, mas um produto que o jogo não pode parar de sedimentar sem emperrar. Além
disso, há uma outra razão por que o jogo não se beneficiará em deter a produção de
refugo: é necessário mostrar aos que permanecem no jogo as horripilantes cenas (como
se lhes diz) da outra única alternativa – a fim de que estejam aptos e dispostos a suportar
as agruras e tensões geradas pela vida vivida como jogo.
Dada a natureza do jogo agora disputado, as agruras e tormentos dos que dele são
excluídos, outrora encarados como um malogro coletivamente causado e que precisava
ser tratado com meios coletivos, só podem ser redefinidos como um crime individual. As
‘classes perigosas’ são assim redefinidas como classes de criminosos. E, desse modo, as
prisões agora, completa e verdadeiramente, fazem as vezes das definhantes
instituições de bem-estar (BAUMAN, 1998, p. 57).

Com a aprovação da Lei nº 13.984, de 3 de abril de 2020, que altera o art. 22 da Lei nº
11.340/06 (Lei Maria da Penha), passa a ser obrigatório ao agressor frequentar centros de educação
e reabilitação e a ter acompanhamento psicossocial. Essa alteração decorreu da percepção de que o
agressor tem que mudar seu comportamento, de que é preciso reeducá-lo e conscientizá-lo sobre
seus atos.
Considerando que o crime “não é um tumor nem uma epidemia que assola a sociedade,
mas sim, um doloroso problema interpessoal e comunitário”, é importante refletir sobre como a
violência é um “problema social, o que implica o seu diagnóstico e tratamento” (GOMES;
MOLINA, 2008, p. 363 apud JESUS, 2019, p. 252).

2.2.2 O superencarceramento no Brasil

Hoje, a população carcerária brasileira ultrapassa de 715.000 presos, contando os que estão
em prisão domiciliar, sendo a terceira maior população carcerária do mundo. Uma proporção de
358 pessoas presas para cada 100 mil habitantes.
Segundo Callegari e Wermuth,
148

A prisão funciona na contemporaneidade como uma espécie de exílio, cujo uso não é
informado por um ideal de reabilitação, mas sim por um ideal eliminativo, Ou seja, a
prisão desempenha uma função essencial no funcionamento das sociedades neoliberais,
pois é um instrumento civilizado e constitucional de segregação das populações
problemáticas. A prisão pune e protege, condena e controla. Portanto, o encarceramento
serve simultaneamente como uma satisfação expressiva (simbólica) de sentimento
retributivos e como mecanismo de administração de riscos, por meio da confinação do
perigo representado pelos setores populacionais excluídos do mercado de trabalho e da
previdência social (CALLEGARI; WERMUTH, 2010, p.289-290, apud MEDEIROS;
MELLO, 2017, p.6).

Compreende-se, assim, que o sistema penal no Brasil está quebrado, e não adiantará
construir novas prisões e prender mais pessoas. É preciso que formas alternativas de punição sejam
pensadas, que se invista mais em programas de reabilitação e ressocialização. Por exemplo, na
Penitenciária Agrícola de Monte Cristo, em Roraima, 33 pessoas presas morreram em uma rebelião
ocorrida em janeiro deste ano, fruto da rivalidade entre as facções Primeiro Comando da Capital
(PCC) e Comando Vermelho (CV). Na maioria dos casos, as facções se originam dentro das
penitenciarias.
A partir da década de 90, o estado de São Paulo efetuou a construções de mais prisões ao
longo dos anos, nas margens de um capitalismo errôneo, causando uma superlotação nos presídios.
Quando ocorre essa superlotação, há anarquia. Não há como manter o funcionamento de uma
penitenciaria como deve ser, se as situações são de risco, além de que, muitos nas prisões, são
apresentados ao tráfico de drogas, às facções, então percebe-se que o encarceramento excessivo
não só molda o indivíduo na criminalização, como também organiza tais facções.

2.2.3 Medidas protetivas

Não resta dúvida que a Lei Maria da Penha representou um grande avanço no combate à
violência contra as mulheres. As medidas protetivas de urgências são formas de amparar a mulher
em situação de violência, podendo ser concedidas imediatamente, a requerimento da ofendida ou
do Ministério Público.
De acordo com a Lei 11.340/06, poderão ser aplicadas ao agressor, em conjunto ou
separadamente, as seguintes medidas protetivas de urgência, entre outras:
I - suspensão da posse ou restrição do porte de armas;
II - afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida; III - proibição de
determinadas condutas, entre as quais:
a) aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo de
distância entre estes e o agressor;
149

b) contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação;
c) frequentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física e psicológica da
ofendida;
IV - restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores; V - prestação de alimentos
provisionais ou provisórios.
VI – comparecimento do agressor a programas de recuperação e reeducação; e
VII – acompanhamento psicossocial do agressor, por meio de atendimento individual e/ou em
grupo de apoio
É previsto na Lei nº 13.781, de 17 de setembro de 2019, que acrescenta à Lei anterior a
responsabilidade devida do autor nos crimes de violência doméstica de restituir os danos causados,
definindo que o agressor deverá ressarcir a mulher de todos os danos causados, além de ressarcir
ao Sistema Único de Saúde (SUS) todos os custos relativos aos serviços de saúde prestados à vítima.
Foram concedidas no ano de 2018, 336.640 mil medidas protetivas, e no ano de 2019,
403.646 mil medidas protetivas, havendo assim uma variação progressiva de 19,9%. Foi uma
progressão de quase 70 mil processos, ou seja, de um ano paro o outro, mais de 70 mil mulheres
solicitaram medidas protetivas de urgência contra seus agressores. Também foi verificado o
aumento do número de sentenças em processos: foram 35% de sentenças a mais nos casos de
feminicídio e 14% a mais nos de violência doméstica.
Em 2018, a Central de Atendimento à Mulher recebeu 92.663 ligações. Só nos primeiros
seis meses de 2019, o canal já atendeu 46.510 denúncias, um aumento de 10,93% em relação ao
mesmo período do ano anterior. A maioria é referente a violência doméstica e familiar (35.769),
seguida por tentativa de feminicídio (2.688), violência moral (1.921) e ameaças (1.844).
As medidas protetivas também possuem medidas de amparo à vítima, como as que
determinam seu encaminhamento para programas de proteção.
Em 15 de maio de 2019, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais deferiu medida protetiva de
urgência. Confira:

EMENTA: APELAÇÃO CRIMINAL. LEI MARIA DA PENHA. DEFERIMENTO


DAS MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA. IMPOSSIBILIDADE.
AUSÊNCIA DE NOTÍCIA DE INVESTIDAS DO ACUSADO CONTRA A
VÍTIMA. RECURSO PROVIDO. - As medidas
protetivas de urgência deferidas no âmbito da Lei Maria da Penha têm também natureza
jurídica autônoma satisfativa, de tutela inibitória cível, e, não, cautelar. Portanto, deve
produzir efeitos enquanto existir a situação de perigo que embasou a ordem, não ficando
sua existência condicionada à tramitação de um inquérito ou feito criminal - Recurso
provido.(TJ-MG - APR: 10024180692675001 MG, Relator: Doorgal Borges de Andrada,
Data de Julgamento: 15/05/2019, Data de Publicação: 22/05/2019).

Ainda com o mesmo entendimento, o mesmo órgão julgador, em 9 de fevereiro de 2020,


150

confere:

EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO CRIMINAL - LEI MARIA DA PENHA


- DEFERIMENTO DE MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA EM FAVOR
DA OFENDIDA COM PRAZO DE VIGÊNCIA - INTIMAÇÃO DA OFENDIDA
DEPOIS DE FINDO O PRAZO ESTABELECIDO - IMPERIOSIDADE.
RECURSO PROVIDO EM
PARTE. 1. Embora tenham as medidas protetivas previstas na Lei nº 11.340/06 seu
deferimento vinculando à observância dos princípios da necessidade, atualidade e
razoabilidade, evitando-se a restrição por tempo indefinido de direitos do suposto
agressor, anteriormente à revogação das medidas cautelares, se revela necessária a prévia
intimação da ofendida, a fim de que se manifeste acerca da eventual subsistência da
situação de risco e necessidade ou não da manutenção da vigência das medidas
fixadas.(TJ- MG - AI: 10713170095564001 MG, Relator: Rubens Gabriel Soares, Data
de Julgamento: 09/02/0020, Data de Publicação: 17/02/2020).

2.3 Efetividade das Medidas não Encarceradoras

2.3.1 A importância da reeducação do agressor

Faz-se necessária a criação de políticas públicas voltadas para a reeducação dos agressores,
uma vez que esta seria uma forma de efetividade da Lei Maria da Penha. Em seu núcleo, a lei prevê
todo um sistema de atendimento à mulher em situação de violência, porém deve ser adotado
também o disposto no art. 35 da referida lei.

Art.35 - A União, o Distrito Federal, os Estados e os Municípios poderão criar e


promover, no limite das respectivas competências:
[...]
V - Centros de educação e de reabilitação para os agressores (LEI MARIA DA PENHA,
2006).

O juiz tem o poder de obrigar o agressor a comparecer a estes centros de reabilitação, mas
esta não é uma medida adotada na maioria dos casos. O encarceramento proveniente do sistema
punitivista prevê uma efetividade da lei, contudo destoa do que está na referida lei, que possibilita
um amparo tanto para a vítima, quanto para o agressor.
Ressalta-se também a importância da criação de centros de reabilitação para os homens
agressores, como forma de reeducá-los a conviver em sociedade, antes de imediatamente lhe
privarem da liberdade. Esta seria talvez uma forma mais efetiva de combater a violência doméstica.
Esses centros serviriam como um grupo de apoio aos agressores. É um processo lento, o de
reeducação, mas o autor pode desenvolver genuíno arrependimento por suas atitudes.
Segundo Saffioti (2004),

As pessoas envolvidas na relação violenta devem ter o desejo de mudar. Epor esta razão
151

que não se acredita numa mudança radical de uma relação violenta, quando se trabalha
exclusivamente com a vítima, sofrendo esta alguma mudança, enquanto a outra parte
permanece sempre o que foi. Mantendo o seu habitus, a relação pode inclusive, tornar-se
ainda mais violenta. Todos percebem que a vítima precisa de ajuda, mas poucos veem essa
necessidade no agressor. As duas partes precisam de auxílio para promover uma
verdadeira transformação na relação violenta (SAFFIOTI, 2004, p.68 apud VARGAS;
MACHADO, 2017, p. 103-104).

Nessa perspectiva, é frisada a importância do apoio às duas partes da relação violenta, afinal,
a violência afeta aos dois.
Em 2008, a referência sobre grupos para homens autores de violência doméstica constou
inclusive nas Recomendações Gerais e Diretrizes da Secretaria de Políticas para as Mulheres do
Governo Federal (VARGAS; MACHADO, 2017, p.104)
De acordo com Brasil (2008, apud Vargas; Machado, 2017, p.104):

Os grupos para homens autores de violência doméstica deverão contribuir para a


conscientização dos agressores sobre a violência de gênero como uma violação dos
direitos humano das mulheres e para a responsabilização desses pela violência cometida,
por meio da realização de atividades educativas e pedagógicas que tenham por base uma
perspectiva de gênero. A ação poderá ainda contribuir para a desconstrução de
estereótipos de gênero, a transformação da visão de uma concepção hegemônica de
masculinidade e o reconhecimento de novas masculinidades.

Apesar dos resultados positivos deste projeto, ele ainda é muito limitado no Brasil e ainda
não expandido devidamente. Na Lei Maria da Penha, está previsto que o juiz poderá obrigar o
autor da agressão a comparecer a programas ou grupos de reeducação a título de medida protetiva.
Segundo rege o enunciado 26 do Fórum Nacional dos Juízes de Violência Doméstica e
Familiar contra a Mulher (FONAVID),

O juiz, a título de medida protetiva de urgência, poderá determinar o comparecimento


obrigatório do agressor para atendimento psicossocial e pedagógico, como pratica de
enfrentamento a violência doméstica e familiar contra a mulher (BRASIL, 2017 apud
VARGAS; MACHADO, 2017. P.105).

Há também os casos de descumprimentos dessas medidas protetivas e, como consequência,


o agressor poderá ser detido de 3 meses a dois anos. Então, na própria alternativa de reeducação
do autor, encontra-se também o punitivismo como resolução.
Ainda de acordo com Ivete Vargas e Madgéli Machado (2017), podem ser tomadas medidas
alternativas e cautelares, não obstantes da prisão:

Há poder geral de cautela do juiz no que diz respeito às medidas cautelares diversas da
prisão (art. 19, §§2º e 3º, da Lei n.11.340/06), posto que essas medidas não afetam direitos
indisponíveis do agressor. Contudo, somente o descumprimento de medidas típicas,
previamente previstas em lei como tal, pode justificar a decretação da prisão preventiva
nos moldes do art. 313, III, do Código de Processo Penal, pois a liberdade é um bem
152

indisponível (FERNANDES, 2015, p. 168, apud VARGAS; MACHADO, 2017, p.107).

A necessidade da criação destas medidas não encarceradoras é evidente. O autor da violência


deve participar de programas de ressocialização para que ele possa apresentar alguma empatia e
arrependimento. Trata-se de uma reeducação do autor da violência.

2.3.2 Grupos de apoio para o autor da violência

O projeto de implantação de grupos de apoio, tanto para as vítimas quanto para a


reeducação dos agressores, como prevê a Lei Maria da Penha, é fundamental para a tentativa de
diminuição dos casos de violência doméstica e de reincidência no Brasil.
Conforme Bion (2007.p,92, citado por Vargas; Machado, 2017, p.108), a criação destes
grupos serve para a conscientização do agressor de suas ações, é um processo de desenvolvimento
de empatia.
Para Bastos (2010, p,160-161, apud Vargas; Machado, 2017, p.109):

Aprender em grupo significa uma leitura crítica da realidade. Uma atitude investigadora,
uma abertura para as dúvidas e para as novas inquietações. Há uma rede de interações
entre os indivíduos e, a partir dessas interações, o sujeito pode referenciar-se no outro,
encontrar-se com o outro, diferenciar-se do outro, opor-se a ele e, assim, transformar e
ser transformado por este. A reciprocidade nas interações possibilita a partilha de
significados, de conhecimentos e de valores.

É de extrema importância o foco nestes grupos como forma de ressocialização do autor na


sociedade, como alternativa em alguns casos ou em conjunto com a medida punitiva. Percebe-se
que apenas remover o agressor da sociedade e encarcerá-lo não resolve o problema, apenas
contribui para o superlotamento carcerário. Mesmo que haja o encarceramento, é de suma
importância que o agressor compareça a estes grupos de apoio para reeducá-lo a conviver em
sociedade. Apenas retirar o indivíduo da sociedade e posteriormente colocá-lo de forma abrupta,
sem nenhuma reeducação, muito provavelmente esse agressor recairá nas mesmas ações que o
colocaram ali anteriormente. Devemos todos ter consciência sobre a importância dos programas de
apoio e reeducação no combate à violência contra as mulheres. Se esses grupos de apoio ao agressor
fossem mais comuns, atingiriam um número maior de pessoas e poderiam realmente fazer a
diferença. A questão que permanece é que torna-se fundamental que não só o poder público, mas
também a iniciativa privada e a sociedade civil se engajem nessa luta e possam fortalecer a rede de
atendimento à mulher vítima de violência.

3 CONCLUSÃO
153

A Lei Maria da Penha é resultado da violência absurda sofrida pela mulher ao longo dos
séculos. Sua criação decorreu de muita luta dos movimentos sociais e feministas, que já buscavam
instrumentos legais mais especializados para combater a violência contra as mulheres, mais ainda a
violência doméstica, um assunto delicado e que deixa marcas indeléveis. A Lei Maria da Penha,
cujo desenvolvimento ocorre até hoje, é um grande alicerce para estas mulheres, pois possui tanto
amparo a vítima, quanto ao agressor. Ela propõe a criação de um sistema em que o agressor
frequente centros de educação e reabilitação.
Na sociedade, quando um indivíduo não segue a lei, ele é punido. A privação de liberdade,
pelo sistema punitivista, é a solução, pois se a consequência daquele delito é mais grave do que o
próprio, o agente terá medo de praticar aquele delito e ser punido. Porém, os números de mulheres
mortas por seus parceiros crescem cada vez mais, e isto porque a resolução punitivista não está
sendo efetiva.
Os programas especializados para os agressores visam a reeducação do indivíduo, ao invés
da punição. A punição encarceradora torna o indivíduo hostil, sem haver um meio de que o mesmo
compreenda suas ações e possa ter a conscientização. Nestes grupos de apoio, haverá conversas,
compartilhamentos de histórias e a condução por uma pessoa especializada na área. Espera-se que
por meio disto, os indivíduos venham a ter uma conscientização de seus atos, e aprendam a
conviver em sociedade de maneira minimamente digna.Quantos mais programas como estes forem
criados, mais pessoas serão atingidas, e quem sabe assim, os números realmente possam diminuir.
Destaca-se que as medidas adotadas antes da alteração da Lei Maria da Penha, ou seja,
apenas o encarceramento do agressor, tem-se mostrados nao suficientes no combate da violencia
domésticva, razao pela qual a proposta de medidas nao encarcerados foi criada. Estas medidas tem
carater educativo e eficaz quanto as ações do autor.

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BALANÇO ANUAL: ligue 180 recebe mais de 92 mil denúncias de violações contra as mulheres.
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2006 (Lei Maria da Penha), para estabelecer como medidas protetivas de urgência frequência do
agressor a centro de educação e de reabilitação e acompanhamento psicossocial. Diário Oficial da
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de Mestrado em Direito) – Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP), Recife, 2016.
Disponível em: http://tede2.unicap.br:8080/bitstream/tede/577/1/debora_lima_ferreira.pdf.
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VARGAS, Ivete M.; MACHADO, Madgéli F. Grupo reflexivo de gênero: uma experiência
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queda-recorde-de-mortes-de-mulheres-brasil- tem-alta-no-numero-de-feminicidios-em-
2019.ghtml. Acesso em: 15 mar. 2020.
156

A MEDIAÇÃO E OS CONFLITOS FAMILIARES: análise da aplicação


das técnicas do processo de mediação na relação entre pais e filhos no
cotidiano familiar

Iana Maria Mourão Martins1

1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como objetivo geral analisar a aplicação das técnicas do processo
de mediação na relação entre pais e filhos com enfoque no cotidiano familiar. Partindo do
pressuposto de que a mediação por meio de suas múltiplas ferramentas contribui para que pais e
filhos, em colaboração, pratiquem no dia a dia um diálogo construtivo. Esta pesquisa teve como
escopo as técnicas do processo de mediação aplicadas na relação entre pais e filhos, mais
especificamente, no cotidiano familiar.
Por meio da revisão de importantes obras pertinentes ao tema, pretendeu-se analisar a
aplicação das técnicas do processo de mediação como mecanismo de ajuda aos pais, para
desenvolverem habilidades para um diálogo acolhedor, respeitoso e amoroso com seus filhos.
Trata-se de uma pesquisa qualitativa, de natureza aplicada, com objetivos descritivos e
procedimentos de pesquisa bibliográfica os quais por meio da observação desse processo de
evolução no ordenamento jurídico brasileiro, além de aprofundar o conceito de mediação e suas
partes integrantes, bem como traçar uma breve contextualização da mediação na relação entre
pais e filhos no ambiente familiar.
Diante disso, surgem outros aspectos a serem analisados, como o instituto da mediação
no ordenamento jurídico brasileiro. Assim, possibilitando verificar as atuações pertinentes do
Estado para a implementação de meios alternativos de solução de conflitos, especificamente a
mediação. Dentre essas atuações estatais destaca-se a lei 13.140/15, que regulamenta a mediação
no ordenamento jurídico.
O segundo aspecto presente no escopo é a definição do instituto da mediação. Devido a
isso, busca-se analisar a importância do papel do mediador como auxiliador na construção de

1 Graduanda no curso de Bacharelado em Direito pela faculdade Estácio de Sá (Campus Teresina - Ceut). Contato:
<ianamariamourao@hotmail.com>. Currículo Lattes <http://lattes.cnpq.br/5528488824731571>.
157

uma comunicação positiva, além de discorrer sobre a função essencial das partes no processo de
mediação ao serem as responsáveis pela tomada de decisão.
Outro aspecto a ser analisado é mediação na relação entre pais e filhos. Diante dos
desafios de educar e amar, a mediação ajuda os pais mediadores nas situações de eventuais
conflitos que possam surgir no cotidiano. Afinal, a mediação possibilita a construção de uma
convivência saudável pautada no respeito, compreensão e amor.
O último aspecto a ser analisado são as técnicas do processo de mediação aplicadas na
relação entre pais e filhos no ambiente familiar. Elas permitem aos pais exercitarem a escuta ativa,
auxilia no resgate do diálogo neutralizando as emoções negativas, busca a compreensão mútua
ao refletir sobre os comportamentos e sentimentos presentes nas ações. Tudo isso visando
desenvolver a empatia. Esta última é elemento essencial da mediação.
Por fim, buscou-se analisar a aplicação das técnicas do procedimento de mediação no
âmbito familiar para estabelecer um melhor diálogo entre pais e filhos. Durante a realização desta,
utilizamos os seguintes descritores ou palavras-chave: mediação de conflitos, técnicas, pais, filhos,
cotidiano familiar. Na delimitação do tema levantou-se a seguinte problemática: quais técnicas
do processo de mediação podem ser aplicadas na relação entre pais e filhos no cotidiano familiar?
Desse modo, o presente trabalho tem relevância jurídica na medida que trata a mediação
como mecanismo de aplicação aos conflitos familiares no cotidiano, o que pode gerar bastante
debate sobre o tema. Quanto a relevância social, observa-se as técnicas do procedimento de
mediação como meio de pacificação social aplicável ao âmbito familiar.
Além disso, a relevância academia também se faz presente ao permitir o amplo debate
sobre a possibilidade de análise das técnicas do processo de mediação como instrumento de
construção da comunicação positiva dentro dos lares. Este trabalho trata-se de uma pesquisa
qualitativa, de natureza aplicada, com objetivos descritivos e procedimentos de pesquisa
bibliográfica.

2 DESENVOLVIMENTO

Daremos início ao desenvolvimento teórico da nossa pesquisa, trazendo alguns conceitos


essenciais para a compreensão do tema abordado e focando, principalmente, a contextualização
do nosso leitor diante da temática escolhida. Para tal, dividimos esta sessão em subseções que
compreendem:
158

a) a mediação no ordenamento jurídico brasileiro;


b) aprofundamento no conceito de mediação;
c) mediação na relação entre pais e filhos; e, finalmente,
d) técnicas do processo de mediação na relação entre pais e filhos no cotidiano familiar.

Aventurar-se na leitura de uma pesquisa científica, pode ser, por vezes um desafio
inesperado. A antiguidade grega nos presenteou com pérolas usadas pela comunidade acadêmica
até hoje e forneceu inclusive as bases para o direito romano, de onde veio a inspiração para o
nosso próprio sistema. Vamos emprestar deles uma outra forma muito tradicional de transmissão
de conhecimento, a mitologia.
Segundo a lenda grega, Teseu foi desafiado a matar o Minotauro, que vivia no Labirinto
de Creta do qual era impossível escapar. Ariadne, filha do Rei Minos, resolve ajudar o herói e lhe
entrega um novelo de lã, tecido por ela, instruindo-o a desenrolá-lo à medida que adentrasse o
labirinto. Assim, depois de matar o monstro, o fio de Ariadne foi o guia que levou Teseu à saída.
O mito de Ariadne, que tem inúmeras interpretações filosóficas e psicológicas, mostra a
importância de se seguir uma linha de raciocínio ao nos aventurarmos pelo labirinto da pesquisa,
a fim de alcançarmos a saída mais fortes do que quando o adentramos que é o nosso equivalente
à vitória do herói.
Acreditamos que, com o auxílio dessa estrutura que moldamos em nossa pesquisa,
conseguiremos guiar o leitor pelo labirinto intitulado A Mediação e os Conflitos Familiares:
análise da aplicação das técnicas do processo de mediação na relação entre pais e filhos no
cotidiano familiar e de volta à saída vitoriosos.

2.1 Mediação no Ordenamento Jurídico Brasileiro

Diante do número crescente de ações em demanda, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ)


buscou estabelecer tratamento adequado aos conflitos por meios autocompositivos ou
heterocompositivos. Com isso, nasceu em 29 de novembro de 2010 a resolução nº 125, com o
intuito de resolver as demandas do poder judiciário visando a pacificação social tendo como base
o acesso à justiça, a celeridade e a economia processual.
Dessa forma, o poder judiciário passou a ter múltiplas possibilidades de resolutividade
159

de conflito, não sendo aplicado, para todos os litígios, um modelo único, enrijecido. Isso
possibilitou ao magistrado atuar como gerenciador de conflitos auxiliado por mediadores e
conciliadores.
Prevenindo os empasses de implantação dos meios autocompositivos em todo o
território brasileiro, a resolução nº 125 orientou a criação de Núcleos Permanentes de Métodos
Consensuais de Solução de Conflitos (Núcleos) e Centros Judiciários de Solução de Conflitos e
Cidadania (centros), onde passariam a capacitar instrutores em Mediação e Conciliação.
Conforme normatizou o art. 6º da referida resolução:

Art. 6º Para desenvolvimento dessa rede, caberá ao CNJ:


II – Desenvolver parâmetro curricular e ações voltadas à capacitação em métodos
consensuais de solução de conflitos para servidores, mediadores, conciliadores e
demais facilitadores da solução consensual de controvérsias, nos termos do art. 167,
§ 1°, do Novo Código de Processo Civil;

IV – Regulamentar, em código de ética, a atuação dos conciliadores, mediadores e


demais facilitadores da solução consensual de controvérsias; IX – Criar Cadastro
Nacional de Mediadores Judiciais e Conciliadores visando interligar os cadastros dos
Tribunais de Justiça e dos Tribunais Regionais Federais, nos termos do art. 167 do
Novo Código de Processo Civil combinado com o art. 12, § 1°, da Lei de Mediação;

XII – monitorar, inclusive por meio do Departamento de Pesquisas Judiciárias, a


instalação dos Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania, o seu adequado
funcionamento, a avaliação da capacitação e treinamento dos
mediadores/conciliadores, orientando e dando apoio às localidades que estiverem
enfrentando dificuldades na efetivação da política judiciária nacional instituída por esta
Resolução (BRASIL, 2010).

Como pode ser observado na citação acima, coube ao Conselho Nacional de Justiça ser
responsável por exercitar a capacitação dos servidores do poder judiciário, mediadores e
conciliadores, regulamentar um código de ética para atuação destes, criar de um cadastro nacional
de Mediadores e Conciliadores e designar aos Centros de Solução de Conflitos o poder de
capacitar e avaliar os desempenhos dos mesmos para o exercício da pacificação de conflitos.
Com esse cenário, a mediação já se tornava realidade no ordenamento jurídico brasileiro.
Contudo, em março de 2015 com a publicação do Novo Código de Processo Civil ocorreu a
valorização da mediação como sistema multiportas de resolução de conflitos. Isso possibilitou
ao Estado a aplicação do instituto da mediação tanto no início quanto no curso do processo
judicial, como normatizou no Novo Código de Processo Civil:
160

Art. 3º Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito.


§ 3º A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos
deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do
Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial (BRASIL, 2010).

A Lei 13.140/15, mais conhecida como Lei de Mediação somente foi aprovada tempos
depois, em junho de 2015, disciplinando sobre os princípios norteadores da mediação, os
mediadores judiciais e extrajudiciais, os procedimentos da mediação judicial e extrajudicial e a
possibilidade da autocomposição de conflitos em que for parte pessoa jurídica de direito público.
Em seu art. 1º, a referida Lei buscou conceituar o que seria Mediação:

Art. 1º Esta Lei dispõe sobre a mediação como meio de solução de controvérsias
entre particulares e sobre a autocomposição de conflitos no âmbito da administração
pública. Parágrafo único. Considera-se mediação a atividade técnica exercida por
terceiro imparcial sem poder decisório, que, escolhido ou aceito pelas partes, as
auxilia e estimula a identificar ou desenvolver soluções consensuais para a
controvérsia (BRASIL, 2015).
Com tudo o que foi explanado, conseguimos perceber que a mediação é um
procedimento realizado por um terceiro, ou seja, um sujeito alheio à situação, imparcial e com
preparo para tal, que - por meio de técnicas específicas - auxilia as partes na construção das bases
de uma negociação. Sendo que as partes têm o poder de decisão sobre as possíveis soluções
cabíveis ao conflito. Além disso, também conseguimos extrair do material analisado que a
mediação se aplica não somente a estes conflitos, mas ainda a conflitos no âmbito da
administração pública.

2.2 Aprofundando o Conceito de Mediação

A mediação é, então, um processo vivo que constrói, a partir do diálogo conduzido,


soluções a conflitos os mais variados, pois ao acolher e conceber o conflito como algo natural
nas relações, a mediação adota técnicas que visam não apenas o acordo, mas reestabelecer a
continuidade das relações. Para Deutsch (2004), o modo como conduzimos o conflito influencia
na interação social, visto que:

O modo de lidar com o conflito, o meio de resolver o conflito, pode ser construtivo
ou destrutivo. Os processos destrutivos caracterizam-se pelo enfraquecimento ou
rompimento da relação social preexistente à disputa, em virtude da feição competitiva
de como é conduzida. Nesses processos destrutivos, o conflito tende a expandir-se em
espiral, frequentemente tornando-se independente de suas causas iniciais. Já os
processos construtivos, são aqueles em que as partes vão fortalecendo a relação social
preexistente à disputa, consoante valor, técnicas e habilidades
161

(DEUSTCH, 2004, p. 30).

Nesse sentido, é um processo em que as partes têm papel fundamental na resolutividade


do conflito, visto que são elas quem tem o poder de decisão, o que facilita a construção de
alternativas de soluções que condizem com os reais interesses das partes. Isso contribui para a
responsabilidade e comprometimento no cumprimento dos acordos, como descreve Achor
(2012, p. 204):

Os estudos revelaram que uma reação ativa e construtiva reforça o comprometimento


e a satisfação com o relacionamento e aumenta o grau em que as pessoas se sentem
compreendidas, validadas e valorizadas durante uma conversa – e tudo isso contribui
para o aumento da felicidade (ANCHOR, 2012, p. 204).

Portanto, a mediação é um meio de resolução de conflitos que busca de forma construtiva


preservar os laços preexistentes entre as partes. Assim, contribuindo para restabelecer a
pacificação social.

Ademais, para facilitar a comunicação entre as partes temos a figura do mediador. Este é
um terceiro imparcial que auxilia as partes na condução do diálogo, prezando sempre pelo
respeito as diferenças de posicionamento entre os pares. Atrelado a isso, o mediador busca
identificar os interesses das partes, para ressignificar posicionamentos antes destrutivos em
construtivos, com o propósito de restaurar a relação:

A mediação é um procedimento consensual de solução de conflitos por meio do qual


uma terceira pessoal - escolhida ou aceita pelas partes - age no sentido de encorajar e
facilitar a resolução de uma divergência. As pessoas envolvidas nesse sentido são as
responsáveis pela decisão que melhor as satisfaça. A mediação representa um
mecanismo de solução de conflitos pelas próprias partes que, movidas pelo diálogo,
encontram uma alternativa ponderada, eficaz e satisfatória, sendo o mediador a pessoa
que auxilia na construção desse diálogo (SALES, 2004, p. 21).

Desse modo, a mediação é um procedimento em que o mediador utiliza técnicas de


mediação para identificar e valorizar interesses, sentimentos e necessidades das partes
objetivando conduzir o diálogo de forma construtiva. Sendo as partes, as protagonistas do
processo de mediação, visto que são elas quem decidem as questões do conflito diminuindo a
polarização dos pares tornando o procedimento um mecanismo ganha-ganha.
Diante disso, observa-se que uma das características do procedimento de mediação é a
não competitividade. Isso contribui com o comprometimento e envolvimento das partes na
elaboração do acordo, construindo o resultado almejado pautado no respeito, empatia e
162

diálogo.
Portanto, reiteramos que as partes são as protagonistas da solução, visto que são elas que
estão mais envolvidas no processo de mediação e cabem a elas a tomada de decisão. Atuando,
assim, de forma ativa, participativa e cooperativa na construção das bases da negociação.
Ademias, a lei de mediação nos arts. 9º e 11 distingue o mediador extrajudicial do
mediador judicial:

Art. 9º Poderá funcionar como mediador extrajudicial qualquer pessoa capaz que tenha
a confiança das partes e seja capacitada para fazer mediação, independentemente de
integrar qualquer tipo de conselho, entidade de classe ou associação, ou nele inscrever-
se.
Art. 11. Poderá atuar como mediador judicial a pessoa capaz, graduada há pelo menos
dois anos em curso de ensino superior de instituição reconhecida pelo Ministério da
Educação e que tenha obtido capacitação em escola ou instituição de formação de
mediadores, reconhecida pela Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de
Magistrados - ENFAM ou pelos tribunais, observados os requisitos mínimos
estabelecidos pelo Conselho Nacional de Justiça em conjunto com o Ministério da
Justiça(BRASIL, 2015).

Com isso, observa-se que para ser mediador extrajudicial não há a necessidade de
preencher requisitos específicos, basta que ele seja uma pessoa capaz e que tenha a confiança das
partes. Por outro lado, para ser mediador judicial é necessário que preencha requisitos específicos
para que possa atuar como mediador judicial, ou seja, ele precisa ser uma pessoa capaz, que seja
graduada há pelo menos dois anos em curso de ensino superior desde que seja reconhecido pelo
Ministério da educação e que tenha capacitação obtida em escola ou instituição de formação de
mediadores, conforme o art. 11 da lei 13.140/15.
Além disso, a lei de mediação regulamenta quanto a presença do advogado na mediação
seja ela extrajudicial ou judicial, como aduz em seus art. 10 e 26:

Art. 10. As partes poderão ser assistidas por advogados ou defensores públicos.
Parágrafo único. Comparecendo uma das partes acompanhada de advogado ou
defensor público, o mediador suspenderá o procedimento, até que todas estejam
devidamente assistidas.
Art. 26. As partes deverão ser assistidas por advogados ou defensores públicos,
ressalvadas as hipóteses previstas nas Leis n º 9.099, de 26 de setembro de 1995
, e 10.259, de 12 de julho de 2001 .
Parágrafo único. Aos que comprovarem insuficiência de recursos será assegurada
assistência pela Defensoria Pública (BRASIL, 2015).

Com isso, observa-se que durante o procedimento de mediação extrajudicial a presença


do advogado é facultativa, ou seja, a parte pode ou não estar assistida por advogado ou
163

defensor público. Porém, caso uma das partes compareça com advogado ou defensor público, o
mediador suspenderá o procedimento de mediação para que a outra parte também seja assistida.
Por outro lado, observa-se que a presença do advogado ou defensor público durante o
procedimento de mediação judicial é obrigatório, ou seja, as partes devem ser assistidas nas
sessões de mediação.
Entretanto, seja na mediação judicial ou extrajudicial, a presença do advogado ou
defensor público não tira a autonomia das partes, ou seja, o poder de decisão sobre a resolução
do conflito pertence as partes. Com isso, o advogado estará presente com a função de sanar
eventual dúvida jurídica que possa surgir, não podendo decidir sobre a solução do conflito, visto
que é papel das partes como protagonistas do procedimento de mediação.
Diante do exposto, ressalta-se que a mediação é um procedimento ganha-ganha, que por
meio de um terceiro imparcial - o mediador - auxilia as partes - as protagonistas - na resolução
do conflito. Ademais, de acordo com o explanado acima é possível a presença de advogados
durante o procedimento de mediação, para ajudar as partes em eventuais dúvidas jurídicas.

2.3 Mediação na Relação entre Pais e Filhos

Para muitos pais é um desafio manter o equilíbrio emocional para lidar com situações
difíceis do cotidiano familiar. Surgem questionamentos como, o que fazer para que os filhos se
conscientizem de organizar seu quarto? Como proceder diante de uma briga entre os filhos?

Como conversar com a criança e com o adolescente sobre a hora de acordar e de dormir, a hora
de sair e de chegar em casa?
Observa-se que são muitos os questionamentos sobre como proceder diante dos
empasses da relação entre pais e filhos. Devido a isso, é comum que os pais busquem por
ferramentas para tornar o convívio familiar harmônico, respeitoso e amoroso. Com isso, surge a
mediação como mecanismo de transformação dos lares em um ambiente acolhedor e seguro.
A mediação ensina os pais a desenvolverem habilidades para lidarem com situações
conflitantes do cotidiano familiar. Isso contribui para construção de uma relação saudável. Como
descreve Melo (2018):
164

A mediação parte do pressuposto de que pais e filhos devem colaborar para a


manutenção e a consolidação do relacionamento. Pais aprendem a ajudar os filhos para
que verbalizem ou demonstrem, mediante diferentes facetas, suas demandas; como
também para que exercitem a reflexão; percebam o que é preciso fazer ou deixar de
fazer; aprendam o que é necessário esquecer, modificar, desistir, conceder, e assim
sucessivamente. Todas são estratégias para que a família como um todo compartilhe
uma convivência saudável e tranquila, e, sobretudo, integrada, no sentido amplo do
termo, quando as partes de um todo se completam ou se complementam (MELO,
2018, p.21).

Partindo do pressuposto de que os lares são o ambiente onde os filhos vivenciam seus
primeiros sentimentos e que os pais são seus exemplos a serem seguidos, os pais devem ficar
atentos quanto ao modelo que estão construindo, como explica Melo (2018):

Podemos ser exemplos de paz e harmonia ao construir amor, amizade e respeito.


Podemos ser exemplos de atores destrutivos, ao externar nosso amor tão somente
quando os filhos concordam com nossas ideias. É tendência generalizada acreditarmos
que a violência está anos-luz de nossa casa. Existe na casa do lado. Conseguimos
reconhecer com facilidade. De forma similar, apontamos a violência urbana, mas não
conseguimos distingui-la em nós ou em nosso lar, achando que a selvageria só existe
quando há brigas, agressões físicas, ameaças verbais explicitas, espancamentos e morte.
É preciso exercitar a coragem de autoanálise e autocritica para discernir quantos atos,
pensamentos e atitudes destrutivas praticamos contra o outro (MELO, 2018, p.36).

Com isso, é necessário que os pais reflitam e avaliem quanto as atitudes que praticam em
seus lares, visto que isso é determinante para o desenvolvimento de filhos respeitosos,
cooperativos e amorosos. Desse modo, é essencial evitar modos negativos de comunicação,
como julgamentos, exposição de erros, censura, xingamentos, gritar, visto que esses
comportamentos não constroem empatia.
Ademais, para construção de uma relação familiar saudável é crucial desenvolver a
empatia por meio da comunicação. A forma como os pais se comunicam com os filhos é
determinante para estabelecer uma conexão sólida entre eles. Para isso, se faz necessário aos pais
mediadores acolher os filhos, por meio de diálogos sem críticas, que permitam ao filho expressar
suas vivências e experiências sem o sentimento de medo ou vergonha por compartilhar com os
pais.
Isso requer que os pais estejam abertos ao diálogo, buscando desenvolver a escuta ativa.
Esta permite aos pais identificar sentimentos, interesses e comportamentos dos filhos, para que
em conjunto possam solucionar as questões do cotidiano. Essa habilidade possibilita validar os
sentimentos da criança e do adolescente, ou seja, por meio do reconhecimento dos sentimentos
os filhos se sentem valorizados pelos pais, fortalecendo, assim, o laço familiar.
165

Diante disso, observa-se a importância de conhecer as técnicas do processo de mediação


e aplicá-las no cotidiano familiar para construir uma conexão sólida entre pais e filhos. Elas
possibilitam aos pais mediadores desenvolverem habilidades na construção de um diálogo
positivo visando a valorização dos laços familiares, a pacificação dos conflitos familiares e a
prevenção de conflitos no cotidiano das famílias.

2.4 Técnicas do Processo de Mediação na Relação entre Pais e Filhos no Cotidiano


Familiar

Diante do exposto até então, vemos o poder de transformação das técnicas do processo
de mediação na relação pais e filhos no cotidiano familiar. Dentre elas, temos o acolhimento, que
proporciona aos pais a oportunidade de terem uma interação maior com seus filhos,
demonstrando o quanto se importam com seus desejos, validando seus sentimentos, o que facilita
o processo de aceitação e auxilia a participação dos filhos no diálogo familiar.
Desse modo, quais as formas de acolhimento podem ser utilizadas? O sorriso aberto, o
tom de voz ameno, o diálogo buscando compreender os sentimentos sem julgar, as carícias
espontâneas que geram empatia e os abraços. Este último, não deve ser utilizado apenas para
validar comportamentos dos filhos que vão ao encontro dos interesses dos pais, como descreve
(MELO, 2018):

[...] Cuidado! Tendemos a despender afagos somente quando ele nos obedece, nos
agrada ou cede às orientações que provemos. Se assim for, pouco a pouco, o
adolescente vai assimilando, muitas vezes, de forma inconsciente, que só é aceito ou
amado quando estiver em aquiescência com os “decretos” advindos dos pais (MELO,
2018, p.62).

Com isso, fica evidente que se deve acolher os filhos nas ocasiões em que apresentam
falhas e cometem erros, pois é a oportunidade de conduzi-los a refletir sobre o ocorrido por meio
do diálogo acolhedor onde juntos irão buscar soluções. Isso gera confiança e desperta nos filhos
o sentimento de aceitação demonstrando que são amados do jeito que realmente são.

Além disso, o modo como os pais se dirigem a seus filhos é muito importante para criar
um ambiente acolhedor. Dessa forma, cabe a sensibilidade dos pais mediadores em descobrir
como seus filhos gostariam de serem chamados e a partir daí passar a chamá-los nas conversas
pelo apelido carinhoso do gosto de ambos. Isso torna a comunicação mais informal o que
aumenta a conexão entre eles.
166

Outra técnica a ser utilizada é o lugar em que os pais escolhem para conversar com seus
filhos. Segundo (MELO, 2018), a preferência deve recair num lugar neutro e tranquilo, como
salas, jardins e varandas. Isso contribui para melhorar a comunicação entre pais e filhos, pois ao
se sentarem um ao lado do outro possibilita uma maior interação para restabelecer os laços do
diálogo.
Dentre todas as técnicas do processo de mediação, a que mais se destaca quanto a
aplicação na relação pais e filhos no ambiente familiar é a escuta ativa, que convida os pais a
desenvolver a habilidade de identificar questões, interesses e sentimentos dos filhos. Isso se torna
um desafio ao pai mediador, pois terá que ouvir sem julgamento. Melo (2018) descreve a escuta
ativa como sendo:

[...] uma técnica que possibilita aos pais lerem/decifrarem os sentimentos dos filhos e
capitarem não só o expresso em palavras, mas, também, a mensagem gestual e
comportamental, ou seja, a inimaginável riqueza da linguagem não verbal (MELO,
2018, p.64).

Há uma diferença entre escuta ativa e ouvir. Este último diz respeito ao sentido da
audição, em que o pai ouvi o filho sem decodificar as informações apresentadas por ele. Já a
escuta ativa vai além do ouvir, requer que o pai observe e compreenda palavras, os gestos e
angústias do filho. Isso contribui para que pais e filhos se escutem e gerem empatia fortalecendo
o diálogo no ambiente familiar.
Ao fazer a escuta ativa requer a substituição de conselhos e sermões por perguntas
esclarecedoras, para que pai e filho, encontrem juntos as motivações que levaram o filho a
conduta inesperada. Com isso, a escuta ativa possibilita aos pais entender os comportamentos
dos filhos diante do aspecto familiar, escolar e social.
Durante a rotina diária para evitar enfrentamentos podem ser utilizada pausas. Estas
consistem em dar um intervalo de tempo para ajudar pais e filhos a se recuperarem dos ânimos
exaltados, evitando provocar um aspecto negativo na comunicação. Dessa forma, a pausa é uma
oportunidade para reflexão, auxiliando na tomada de decisões, permitindo trazer de volta a paz
e tranquilidade, elementos fundamentais na construção de um diálogo positivo.

Diante disso, pais e filhos tem a possibilidade de se posicionar de forma mais coerente,
chegando à reposta mais adequada, evitando a utilização de palavras acometidas, preservando,
assim, o relacionamento familiar. Segundo Melo (2018), a pausa pode significar contar até 10;
meditar por cinco minutos; lavar o rosto; tomar banho com água fria; saborear um cafezinho;
167

exercitar-se por 50 minutos na academia de ginástica ou em casa; etc.


Uma técnica que podemos abordar após a escuta é a recontextualização das mensagens
recebidas. Isso é essencial para manutenção do diálogo positivo, porque muitas vezes as falas ou
atitudes proferidas pelos filhos são contaminadas por diversos sentimentos e emoções, cabendo
aos pais mediadores filtrar o que foi dito e reformular, sem modificar sua essência.
Outra técnica utilizada na relação entre pais e filhos no ambiente familiar é o elogio. Essa
técnica consiste em elogiar a criança ou adolescente em situações do cotidiano, contribuindo para
o encorajamento e reconhecimento de seus esforços. Eis alguns exemplos de falas que retratam
a técnica do elogio: “filho, obrigada por me ajudar no almoço, fizemos um ótimo trabalho
juntos!”; “filha, percebi o quanto se esforçou para melhorar suas notas, parabéns!”.
De acordo com Melo (2018), os elogios devem ser direcionados ao processo e não ao
resultado, isso demostra o reconhecimento do desempenho da criança e do adolescente. Além
disso, os elogios não devem ser dirigidos a pessoa em si, mas sobre seus atos. Com isso, deve- se
evitar elogios como, “você é muito lindo, parabéns por ter arrumado o quarto!”.
Outra técnica é do silêncio. Funciona como uma pausa, quando os pais mediadores
percebem que os filhos estão encontrando suas próprias soluções ou quando há a impossibilidade
de manutenção da comunicação positiva devido à ausência de empatia mútua. Esse último exige
que os pais acolhedores silenciem para que em momento retornem à construção do diálogo.
Isso possibilita que pais e filhos retornem o diálogo mais calmos, modificando o tom de
voz, evitando a uma postura de julgamentos e imposição de culpa e erros.
Importante frisar que a pausa pode ser de segundos ou até dias. Porém, isso não significa
que ambos ficarão sem sim falar, mas sim que irão retornar ao assunto em outro momento, mais
benéfico ao diálogo reestabelecendo o respeito mútuo.
Igualmente importante é a técnica da validação de sentimentos. Validar consiste em
respeitar os sentimentos e interesses apresentados pelos filhos, por mais que não estejam em
consonância com os interesses dos pais. Isso gera empatia na relação familiar, visto que
transcende o aceitar e respeitar o filho como ele se apresenta, como assegura Mendes (2018) 12é
perceber por que determinados gestos e ações são realizados pelos filhos graças à percepção dos
sentimentos vividos por eles.

Além disso, validar é uma forma de provocar reflexão sobre certas atitudes
168

consideradas aparentemente improprias, mas que devem ser demonstradas pelos pais
mediadores que essas atitudes aos fatos são naturais. Como exemplifica Melo (2018):

Eu sou burro! Nunca consigo terminar a tarefa cedo! Eu sou burro! Estudo e não tiro
notas boas!” Então como devemos atuar diante da situação? Validemos os sentimentos
dos adolescentes mais ou menos assim: “filho, percebi que você está cansado e
chateado. Vamos conversar sobre isso? “Filha, estou notando sua frustação com as
notas. Eu também me sentia assim, quando tirava notas baixas. Vamos Conversar
sobre sua forma de estudar? (MELO, 2018, p.71).

Destaca-se, ainda, como técnica de mediação perguntas sem julgamento. Esse mecanismo
permite aos pais mediadores elaborarem perguntas esclarecedoras sem emitir juízo de valor, com
objetivo de identificar os interesses dos filhos. Como vimos anteriormente, é importante evitar
posturas que fragilizem os filhos, como julgar, criticar, rotular, culpar.
Ainda na esfera das técnicas de mediação na relação pais e filhos, temos a sessão privada.
Ela consiste na possibilidade de cada filho ser ouvido separadamente por meio de reuniões
individuais. Por ser um mecanismo de diálogo, ela evita atitudes agressivas, fortalece o
reconhecimento de sentimentos a serem validados, induz a outras reflexões, assim, favorecendo
mudanças comportamentais.
É importante frisar, que essa técnica não deve ser utilizada como castigo, mas sim como
mecanismo para evitar a espiral negativa da comunicação. Assim, ela pode ser utilizada, por
exemplo, para conversar sobre uma discussão entre irmãos.
Além disso, a sessão privada permite a inversão dos papéis, que possibilita aos filhos
descobrir os sentimentos e atitudes do outro que conduziram ao conflito. Essa estratégia é eficaz,
visto que não fomenta o julgamento sobre a atitude do outro, mas sim permite que o filho
compreenda os sentimentos de outrem ao se colocar no lugar dele. Como descreve Fellipe, (2012,
apud MELO, 2018, p.74).

[...] em vez de julgarmos o que os outros fazem ou o que acontece no mundo,


poderíamos simplesmente observar, tentar compreender o porquê daquilo na visão do
outro. Aquilo que está acontecendo tem sentido na visão de mundo ou na verdade
relativa que aquela pessoa consegue alcançar (FELLIPE, 2012, apud MELO, 2018,
p.74).

Essa estratégia pode ser alcançada por meio de perguntas que instiguem a criança ou
adolescente a compreender atitude e sentimentos do outro, como, filha, o que faria se estivesse
no lugar dele? filho, como você se sentiria se fosse com você? Dessa forma, essa prática auxilia
na reflexão sobre o ocorrido e permite visualizar situações que podem ser evitadas noutras
169

ocasiões.

Durante a sessão privada podem ser aplicadas várias técnicas de mediação para solucionar
o conflito. Por exemplo, como estabelecer o diálogo em uma discussão entre irmãos? Melo
(2018), explica quais as técnicas foram utilizadas durante uma sessão privada com seu filho em
virtude de uma briga entre irmãos:

A priori, a sessão privada com ambos os filhos a fim de manter a imparcialidade e


igualdade de participação, dando aos dois, em particular, a chance de narrar sua versão
quanto à desavença ocorrida. Simultaneamente, recorremos à técnica do acolhimento,
momento em que deixamos bem claro nosso desejo de compreende-los mediante todo
o transcurso da escuta ativa quando tentamos captar sua mensagem via linguagem
escrita e não verbal, o que incorpora a validação de sentimentos e, como
imprescindível, inclui perguntas sem julgamento até alcançar o procedimento da
técnica do elogio [...](MELO, 2018, p.74).

Continuando nas técnicas de mediação na relação pais e filhos, temos o teste de realidade.
Ele consiste na formulação de perguntas que levem os envolvidos a vislumbrar e avaliar se é
possível o cumprimento dos acordos pactuados. Isso possibilita os filhos refletir se a decisão
tomada condiz com sua realidade de vida.

3 CONCLUSÃO

Diante do exposto no presente trabalho, observou-se que por meio da resolução n°


12514, a mediação passou a ser realidade no ordenamento jurídico brasileiro. Contudo, a partir
do Código Civil de 2015, o instituto da mediação tornou- se valorizado, visto que a legislação
buscou incentivar a sua aplicação nos processos judiciais. Em junho de 2015, ocorreu a
implementação da Lei 13.140/15, mais conhecida como Lei de Mediação.
A referida Lei buscou disciplinar sobre o conceito de mediação, seus princípios
norteadores, os mediadores judiciais e extrajudiciais, a possibilidade da autocomposição de
conflitos em que for parte pessoa jurídica de direito público, ou seja, procurou regulamentar o
instituto da mediação.
Além disso, foi analisado no escopo o conceito de mediação, dando ênfase ao mediador
e as partes. Elucidou-se que mediação é um instrumento de resolução de conflitos que por meio
de um terceiro imparcial, auxilia as partes na construção das bases da negociação. Sendo as partes
as protagonistas, visto que cabe a elas o poder de decisão diante das possíveis soluções ao
conflito.
170

Diante dessa capacidade de resolutividade de conflitos, observou-se que a mediação pode


ser aplicada a conflitos familiares, especificamente, as relações entre pais e filhos no cotidiano
familiar. Isso porque ante o desafio de disciplinar, amar e cuidar os pais mediadores desenvolvem
habilidades, por meio das técnicas do procedimento de mediação, para lidar com situações
conflitantes do dia a dia.

Nesse contexto, pode-se concluir que são inúmeras as técnicas passiveis de serem
aplicadas para prevenção e resolução de conflitos no cotidiano familiar. Elas podem ser aplicadas
isoladamente ou em conjunto, o que vai determinar a sua aplicação são as situações do âmbito
familiar. Com isso, cabe aos pais selecionarem a técnica que mais se enquadra a determinada
circunstância. Ademais, é importante destacar que nenhuma técnica é melhor ou superior a outra.

REFERÊNCIAS

ACHOR, S. O jeito Harvard de ser feliz. São Paulo: Saraiva, 2012.

BRASIL, REPÚBLICA, P. D. F. Dispõe sobre a Política Judiciária Nacional de tratamento


adequado dos conflitos de interesses no âmbito do Poder Judiciário e dá outras providências.
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normativos?documento=156>. Acesso em: 21 abril 2020.

BRASIL, REPÚBLICA, P. D. F. Planalto do Governo. LEI Nº 13.105, DE 16 DE MARÇO


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BRASIL, REPÚBLICA, P. D. F. Planalto do Governo. LEI Nº 13.140, DE 26 DE JUNHO


DE 2015, 2015. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-
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DEUSTCH, Morton. A resolução do conflito. In.: AZEVEDO, André Gomma de (org.)


Estudos em Arbitragem, Mediação e Negociação. Brasília: Grupos de pesquisa da UNB,
2004.

FELLIPE, M. Transformando pessoas: coaching, PNL e simplicidade no processo de


mudanças. Rio de Janeiro: Semente, 2012.

MELO, D. B. de. Mediação pais & filhos: prevenindo e resolvendo conflitos familiares.
Joinville: Manuscritos Editora, 2018.
171

MENDES, A. Mediação: uma ressignificação de paradigmas na formação de mediadores.


Teresina: Dinâmica Jurídica, 2018.

SALES, L. M. DE M. Mediare: guia prático para mediadores. 2 ed. Ver. Atual. E ampl.
Fortaleza: Unifor, 2004.
172

O CONTRATO DE TRABALHO INTERMITENTE

Isabelly Sousa Soares1

1 INTRODUÇÃO

O direito do trabalho tem como principal característica a regularização e a proteção das


relações empregatícias, buscando a equidade na relação empregador e empregado. Uma vez que
este é a parte mais frágil, pois depende economicamente do seu patrão para manter a sua
subsistência e a de sua família, sempre estando sujeito as condições dadas pelo empregador.

A Constituição Federal, constitui o trabalho como direito fundamental, em seus artigos 6°


e 7°, garantindo o pagamento de um salário mínimo, regulamentando a jornada de trabalho, férias,
pagamento de FGTS, dentre outras garantias. E a CLT, regulamenta as relações de forma mais
específica dentro de suas esferas.
Com as mudanças que ocorrem na sociedade, faz-se importante a atualização das leis, para
que estejam sempre em consonância com a realidade atual. Nesse sentido, foi proposta a Lei da
Reforma Trabalhista, onde seu texto altera diversos artigos e introduz outros, como o contrato
de trabalho intermitente.
A reforma trabalhista, ensejou muitas críticas em relação a sua “ modernização” da CLT,
e muitos pontos seus textos foram vistos como uma afronta a base principiológica constitucional
e trabalhista.
Em pronunciamento acerca da Lei da Reforma Trabalhista, Delgado e Delgado (2017, p.
40) dispõe:
Profundamente dissociada das ideias matrizes da Constituição de 1988, como a
concepção de Estado Democrático de Direito, a principiologia humanística e social
constitucional o conceito constitucional de direitos fundamentais da pessoa humana no
campo jus trabalhista e da compreensão constitucional do Direito como instrumento
de civilização, a Lei n. 13.467/2017 tenta instituir múltiplos mecanismos em direção
gravemente contrária e regressiva.

O presente estudo tem como tema O contrato de trabalho intermitente, novidade trazida
pela lei n° 13.467/2017, conhecida como a reforma trabalhista. Tal novidade trouxe diversos
questionamentos relacionados a sua aplicação no ordenamento jurídico. O estudo gira em torno
da problemática sobre obscuridade da lei, que atinge diretamente os princípios e os direitos

1 Bacharelanda em Direito na Faculdade Estácio de Teresina. E-mail: isabellyvip01@hotmail.com.


173

trabalhistas, tornando a classe ainda mais vulnerável. A metodologia utilizada foi a pesquisa
bibliográfica, qualitativa e exploratória, utilizando doutrinas, artigos e sites de pesquisa,
relacionados ao tema.

O trabalho intermitente foi trazido com a intenção de diminuir a taxa de desemprego e os


empregos informais. Porém de uma forma flexível através da sua descontinuidade, sendo o
empregado convocado apenas quando o empregador necessitar de seus serviços, o que traz o
questionamento se realmente será benéfico ao trabalhador, visto que as lacunas existentes na lei
se demonstram prejudiciais ao empregado.

O objetivo do estudo é realizar uma análise dos artigos que regem o contrato de trabalho
intermitente e apresentar as respectivas críticas realizadas. São eles: o art.443, §3°, 452 – A e seus
parágrafos inseridos na CLT, através da reforma trabalhista. Tal análise se faz importante para
demonstrar que o texto da lei, na maneira em que foi proposto, deixa muitas lacunas, que podem
ser preenchidas de forma prejudicial ao empregado.

O estudo se divide em tópicos. A introdução. O desenvolvimento que se desdobra em


tópicos, apresentando de forma breve o trabalho intermitente em outros países, o conceito, as
características do contrato de trabalho intermitente e suas respectivas críticas sob a luz das
pesquisas realizadas. No tópico 4, será apresentada uma pesquisa realizada pelo DIESSE
mostrando a realidade do contrato de trabalho intermitente na prática no Brasil. Além de um
breve comentário sobre o covid-19 e o benefício assegurado ao trabalhador intermitente. na
conclusão será apresentado o resultado da problemática diante das pesquisas realizadas acerca
do tema.

2 Desenvolvimento

2.1 Trabalho Intermitente: Histórico, Conceito, Requisitos Legais e Críticas

Antes de realizar qualquer análise sobre determinado assunto, é de suma importância a


busca por seu histórico, conceito e principais características para que haja um entendimento real
e profundo sobre o tema abordado.

A reforma trabalhista trouxe muitas alterações e novidades para o ordenamento jurídico.


Com o objetivo de diminuir a taxa de desemprego no país, como também os empregos não
regularizados, conhecidos popularmente como “ bicos”, modernizando e flexibilizando o
trabalho, atualizando algumas regras e inserindo algumas novidades como o contrato de trabalho
174

intermitente com características bem peculiares que serão apresentadas ao longo do trabalho,
como também as críticas relacionadas ao contrato.

2.2 Histórico Do Trabalho Intermitente

O trabalho intermitente é novidade no Brasil, e foi inspirada através de alguns países do


exterior que já faziam uso de tal modalidade. São alguns deles: Itália, Portugal e Reino Unido,
cada um com sua regulamentação.

Na Itália, a implementação dessa espécie de contrato foi realizada em 2003, através da “


Legge Biage” e foi direcionada especialmente aos jovens como forma inclusiva de emprego e
também é utilizada pelos aposentados em busca de uma renda extra. O objetivo era diminuir o
índice de emprego não regulamentado no país.

Podem submeter-se a esse tipo de contrato, pessoas com menos de 25 anos de idade e
maiores de 55 anos. Outra peculiaridade dessa espécie de contrato na Itália é que cada
trabalhador, só poderá prestar serviços de forma intermitente para o mesmo empregador por
400 dias, a cada 3 anos civis. Se esse período for desrespeitado, o contrato passará a vigorar como
integral e por prazo indeterminado.

Carvalho e Aquilino em seu artigo, fazem o seguinte comentário sobre a comparação da


legislação Italiana e brasileira:

Diante da regulamentação do trabalhado intermitente na Itália e o aplicado no Brasil,


nota-se uma grande discrepância quando da elaboração do texto da lei, em vista do
contrato em si já ser precário, sendo necessário um olhar mais cuidadoso quando da
estipulação de jornada, assim como as formas em que se dar a prestação do serviço e as
garantias desses trabalhadores.( CARVALHO; AQUILINO, 2019, n.p)

Em Portugal, foi introduzido no ordenamento jurídico português, através do código de


trabalho em 2009 e prevê que no contrato será estabelecido o tempo de duração do trabalho,
com data de início e fim, na forma alternada. E caso seja na forma de trabalho a chamada, o
empregado irá aguardar a convocação. A convocação deverá ser feita com antecedência de 20
dias, como prevê a lei, ou mais na hipótese de ser ajustado pelas partes.
A prestação de serviço não pode ser inferior a seis meses em tempo integral por ano, dos
quais pelo menos quatro meses devem ser consecutivos.
Durante o período de inatividade o trabalhador terá direito a remuneração proporcional
determinada por uma negociação coletiva, na falta desta o empregador deverá pagar o equivalente
a 20% (vinte por cento) da remuneração base com periodicidade igual ao da
175

remuneração podendo o empregado desempenhar outra atividade. Outro país que utiliza essa
modalidade e que mais se assemelha a forma do Brasil é o Reino Unido, utilizando o contrato
zero hora, onde não é garantido nenhum número de horas a serem trabalhadas. Esse tipo de
contrato visa a flexibilização da contratação de mão de obre de acordo com a necessidade do
empregador.

Esse modelo é duramente criticado, pois há a precarização da relação de trabalho, o


empregado não tem qualquer garantia mínima. Sem a regulamentação da quantidade de horas,
ficando o trabalhador totalmente refém da convocação do empregador, sem ter certeza de que
receberá um pagamento mínimo para a sua subsistência.

2.3 Conceito

O trabalho é uma atividade profissional, exercida por uma pessoa física, com
pessoalidade de forma subordinada, não eventual e mediante o pagamento de um salário, com o
objetivo de atingir um determinado fim. O trabalho pode ser por tempo determinado, onde o
contrato informa quando se inicia e finaliza a atividade, não podendo ser estipulado por mais de
2 anos e nem ser prorrogado mais de uma vez. E o contrato por tempo indeterminado, sendo
este a regra, onde só se tem a data de início, priorizando a continuidade do contrato de trabalho.

Existem também, o trabalho temporário, eventual, avulso, autônomo e a novidade


inserida no art.443 §3° da CLT, o contrato de trabalho intermitente.

O conceito de contrato intermitente encontra-se no art. 443 §3° da CLT introduzido pela
Lei da Reforma Trabalhista.

Art. 443. O contrato individual de trabalho poderá ser acordado tácita ou


expressamente, verbalmente ou por escrito, por prazo determinado ou indeterminado,
ou para prestação de trabalho intermitente. (Redação dada pela Lei nº 13.467, de 2017)
§ 3o Considera-se como intermitente o contrato de trabalho no qual a prestação de
serviços, com subordinação, não é contínua, ocorrendo com alternância de períodos de
prestação de serviços e de inatividade, determinados em horas, dias ou meses,
independentemente do tipo de
atividade do empregado e do empregador, exceto para os aeronautas, regidos por
legislação própria.

O artigo transcrito é de leitura e entendimento simples, ficando claro o significado de


trabalho intermitente, que nada mais é do que a prestação de serviços, onde ocorrera alternância
entre a prestação de serviços e de inatividade que poderão durar horas, dias ou meses, e serão
determinadas pelo empregador.
Segundo o entendimento de Amorim (2018, p.29):
O contrato de trabalho intermitente pressupõe que o trabalhador seja convocado
176

conforme a demanda do empregador e seja remunerado com base nas horas que
efetivamente prestar serviço. Assim, nesse tipo de contrato, o trabalhador fica à
disposição do empregador aguardando um chamado para o serviço. Caso a convocação
não ocorra, ele não receberá pelo período à disposição. Isto implica que não haverá
garantia mínima de remuneração para o trabalhador.

Mesmo com o significado de fácil entendimento, essa novidade foi muito criticada pelos
especialistas, por falta de clareza em alguns pontos, deixando muitas lacunas na lei, dificultando
sua aplicabilidade no dia-a-dia.

2.3.1 Ausência dos Requisitos da Relação de Emprego

A subordinação e a não eventualidade, são elementos importantes na relação de emprego,


sendo definidos pelo art. 3° da CLT: Considera-se empregado toda pessoa física que prestar
serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.

A subordinação é importante para manter o respeito entre as partes e a organização de


uma forma hierárquica. Desse modo o empregado recebe ordens diretamente do seu empregador
ou de outros empregados hierarquicamente superiores, devendo cumpri-las. Mas no ato da
convocação para o trabalho intermitente, a recusa, não irá ser caracterizada como
insubordinação, como prevê o art. 452 – A, §3° da CLT. Provocando assim um conflito entre as
normas.
A não eventualidade faz-se essencial para a caracterização da relação de emprego, uma vez
que ao se falar em trabalho, vem em mente a rotina de uma determinada empresa, por exemplo,
que se estende até seis dias na semana. Devendo assim o comparecimento de seus funcionários
ser habitual. Porém, mais uma vez o contrato intermitente, confronta a norma já

existente, ao criar uma modalidade que funciona com intervalos de inatividade, tornando a
eventualidade um requisito dessa relação específica.
Carvalho, em seu artigo, utilizou palavras de Severo, para embasar tal fato:

A nova modalidade de contrato de trabalho intermitente “pôs fim às discussões da


doutrina entre a intermitência/continuidade/eventualidade na caracterização da relação
de emprego. A relação subordinada à estrutura da empresa, de forma contínua ou não,
configura relação de emprego da mesma forma” ( CARVALHO, 20

Nesse sentido, é possível perceber a flexibilização feita pelo legislador nas leis
trabalhistas, causando a quebra da rigidez do ordenamento jurídico já existente.

2.4 Requisitos Legais do Contrato de Trabalho Intermitente


Os requisitos legais dessa modalidade estão presentes no art.452 – A e em seus parágrafos
na CLT incorporados através da reforma trabalhista.
177

O contrato de trabalho intermitente deve ser escrito, contendo especificamente o valor


da hora de trabalho, não podendo esta ser inferior ao valor horário do salário mínimo ou aquele
devido aos demais empregados do estabelecimento que exerçam a mesma função em contrato
intermitente ou não, como assim dispõe o caput do art.452 – A, CLT:

Art. 452-A. O contrato de trabalho intermitente deve ser celebrado por escrito e deve
conter especificamente o valor da hora de trabalho, que não pode ser inferior ao valor
horário do salário mínimo ou àquele devido aos demais empregados do estabelecimento
que exerçam a mesma função em contrato intermitente ou não.

O artigo transcrito acima, é muito vago, deixando o trabalhador sem muitas


possibilidades e sem informações. Então o Ministério do Trabalho, através da portaria 349/2018,
estabeleceu diversos mecanismos para ampliar os direitos e garantias de ambas as partes.
A partir do art. 2° se iniciam as regras estabelecidas sobre o contrato intermitente, são
elas: O contrato de trabalho intermitente deve ser escrito, registrado na Carteira de Trabalho e
Previdência Social, devendo conter a identificação dos contratantes com os respectivos
domicílios ou sede e assinaturas, o valor da hora ou do dia de trabalho, local e prazo para o
pagamento, respeitando o valor do salário e o pagamento da hora noturna se esta for feita.
Mesmo com os mecanismos inseridos, outro ponto importante permanece sem regulamentação,
a jornada de trabalho.

A CLT prevê que a jornada deve ser de 8 horas diárias, não podendo ultrapassar 44 horas
semanais, com possibilidade de realização de 2 horas extras por dia. Também existe a jornada
12/36, onde o empregado trabalha 12 horas e folga 36, antes só algumas profissões podiam
realizar, mas com a reforma trabalhista agora os profissionais de todas as áreas podem realizar
essa modalidade desde que seja definida em acordo ou convenção coletiva. Tal regra se aplica
também a essa nova modalidade de contrato.
O problema do contrato intermitente em relação a jornada de trabalho, é a falta de regra
que imponha por exemplo a quantidade de horas mínimas e máximas de trabalho. A mínima
como meio de proteger o salário que irá receber ao final da atividade, pois o salário é formado a
partir das horas trabalhadas e a máxima para o caso de não desconfiguração do contrato
intermitente.
Assim o empregado e até mesmo o empregador ficam desamparados, por não saber
como firmar de forma correta o contrato de trabalho. Porém, devido a hipossuficiência o
empregado acaba sendo o mais prejudicado.
178
O art.452 – A em seus parágrafos §1°, §2°, §3°e §4° informam como deverá ser realizada
a convocação do empregado para as atividades laborais.
O empregador com antecedência mínima de 3 dias, através de qualquer meio eficaz de
comunicação como por exemplo: ligação, mensagem no WhatsApp ou até mesmo e-mail. A
convocação deverá informar a jornada a ser realizada. Após recebida a convocação o empregado
terá o prazo de 1(um) dia para responder o chamado, o silêncio será presumido como recusa.
Vale ressaltar que a recusa não configura insubordinação como prevê o parágrafo §3° do
art 452 – A da CLT: § 3º A recusa da oferta não descaracteriza a subordinação para fins do
contrato de trabalho intermitente.
Não existe informação sobre a quantidade de vezes que o empregado pode recusar os
chamados, porém fica claro que o empregador passará a dar prioridade a aqueles que aceitam o
trabalho com maior periodicidade. Deixando mais uma vez o empregado desamparado por não
ter noção do que pode ou não ser feito sem que seja prejudicado.
Uma peculiaridade muito intrigante sobre essa modalidade, está contida no §4° do
referido artigo, aqui transcrito “§ 4° Aceita a oferta para o comparecimento ao trabalho, a parte
que descumprir, sem justo motivo, pagará à outra parte, no prazo de trinta dias, multa de 50%
(cinquenta por cento) da remuneração que seria devida, permitida a compensação em igual
prazo”.
No art.2° da CLT, está o conceito de empregador. Considera-se empregador a empresa
individual ou coletiva que presumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige
a prestação pessoal do serviço.
Em crítica, Sales e Oliveira (2018, p. 82) dispõe: Ocorre que, não pode haver norma
regulamentadora de multa pecuniária na relação empregatícia sem que ela não viole a
irredutibilidade salarial, e por consequência, também transfira para o trabalhador o risco da
atividade econômica.
Ou seja, tal multa faz com que haja uma transferência do risco que recai do empregador
para o empregado além também de haver o desrespeito ao princípio da irredutibilidade salarial,
causando severos prejuízos ao trabalhador, deixando claro o desrespeito aos princípios protetores
do direito do trabalho.

2.4.3 Período de inatividade

Outro ponto que mudou com a reforma trabalhista, os períodos inativos não serão mais
179

pelas horas ativas, como disposto abaixo:


Art.452 – A, §5° O período de inatividade não será considerado tempo à disposição do
empregador, podendo o trabalhador prestar serviços a outros contratantes.
Os períodos de inatividade não serão computados como tempo a disposição do
empregador, podendo o empregado trabalhar para outros contratantes durante o
período.(art.452–A,§5°). A noção de duração de trabalho envolve o tempo de disponibilidade do
empregado em face de seu empregador, prestando serviços efetivos ou não (caput do art. 4Q da
CLT). A Lei n. 13.467/2017, entretanto, ladinamente, tenta criar conceito novo: a realidade do
tempo à disposição do empregador, porém sem os efeitos jurídicos do tempo à disposição.
(Delgado; Delgado, 2017, p. 154).

A retirada desse direito foi vista como como uma afronta ao princípio da vedação ao
retrocesso. Esse sistema de proteção opera pela imutabilidade dos direitos fundamentais em
ordem do não retrocesso social e abrange todas as previsões do direito trabalhista, seja em qual
esfera normativa for, com o intuito de garantir a manutenção dos direitos conquistados. ( Gerelli;
Guass, 2017, n.p).

Desse modo o trabalhador fica totalmente desamparado pois não irá receber qualquer
verba trabalhista por tempo indeterminado, já que não se sabe quando o empregador irá
convocá-lo novamente, ou se irá ser convocado para um outro trabalho. Prejudicando assim, a
possibilidade de receber o salário mínimo.

2.4.4 Remuneração e parcelas trabalhistas

O parágrafo §6° e §7° do art. 452 – A, dispõe sobre a forma de pagamento da remuneração
e as parcelas devidas ao trabalhador:

§ 6º Ao final de cada período de prestação de serviço, o empregado receberá o


pagamento imediato das seguintes parcelas:
I – Remuneração;
II – Férias proporcionais com acréscimo de um terço; III –
Décimo terceiro salário proporcional;
IV – Repouso semanal remunerado; e V – Adicionais
legais
§7° O recibo de pagamento deverá conter a discriminação dos valores pagos relativos a
cada uma das parcelas referidas no § 6º deste artigo.

A portaria MTB - 349/2018 dispõe em seu art. 6°:i

Art. 6º No contrato de trabalho intermitente, o empregador efetuará o recolhimento


das contribuições previdenciárias próprias e do empregado e o depósito do Fundo de
Garantia do tempo de serviço com base nos valores pagos no período mensal e
fornecerá ao empregado comprovante do cumprimento dessas obrigações.

O valor da remuneração será proporcional a quantidade de horas trabalhadas, lembrando


que o valor não poderá ser inferior ao valor do horário salário mínimo, ou, ao pago aos demais
180

Em entendimento Delgado e Delgado ( 2017, pag 157), dispõe o seguinte comentário


sobre o art.452 – A, §6°:

O rol é meramente exemplificativo, uma vez que existem outras parcelas que podem
recair sobre o trabalhador, como o pagamento da hora noturna, adicional de
insalubridade e periculosidade se for o caso, e o vale transporte relativo a todos os dias
que este for convocado para o trabalho, havendo trabalho efetivo ou não.

Em relação a remuneração e ao pagamento das demais regalias trabalhistas, existe uma


grande crítica, pois o empregado nem sempre irá receber o valor do salário mínimo vigente, e
todos os pagamentos a serem realizados, tem como base de cálculo o valor recebido pelo
trabalhador.

2.4.5 Férias

As férias, outro ponto criticado, pois a forma de convocação, por não ter uma
regulamentação mais clara, fica complexo saber quando o trabalhador atingirá os 12 meses de
trabalho para poder assim gozar de suas férias.
Art. 452 – A, § 9º A cada doze meses, o empregado adquire direito a usufruir, nos doze
meses subsequentes, um mês de férias, período no qual não poderá ser convocado para prestar
serviços pelo mesmo empregador.
Ademais o empregado em busca de manter a sua subsistência, poderá realizar trabalho
para outros empregadores no período de férias, pois a lei informa que não poderá ser prestado
trabalho apenas para o mesmo empregador que lhe concedeu as férias, não atingindo assim sua
real finalidade estabelecida pela constituição federal, que é o descanso físico e mental.
Em seu livro Direito Do trabalho, Neto e Cavalcante fazem a seguinte observação sobre
o tema:

A Constituição Federal, ao prever em seu art. 7º, XVII, o gozo de férias anuais
remuneradas acrescidas de um terço, teve como objetivo, além de promover o descanso
ao trabalhador, o direito ao lazer, instituído em seu art. 6º. Nesse sentido, e considerando
ainda o art. 129, CLT, que também dispõe sobre gozo anual de férias sem prejuízo à
remuneração, é que se entende que o art.452-A, § 9º, CLT não pode ser interpretado
como mero gozo de férias sem remuneração, visto que viola a Constituição e se encontra
em dissonância com a própria CLT. (NETO; CAVALCANTE, 2019; p.1352)

Em comentário as férias nessa espécie de contrato, Carvalho, dispõe em seu artigo:

Sabe-se que o pagamento de imediato de todas as verbas rescisórias regulamenta muita


das relações que anteriormente não gozavam desses direitos, porém o bem estar do
trabalhador nesses casos está sendo relativizado, em razão de trabalhar dias, meses, anos
181

e não poder gozar do período aquisitivo de férias, devido já ter recebido essa
remuneração todas as vezes que prestou o serviço para o empregador, tornando assim
um círculo vicioso, em que o trabalhador presta serviço por tempo indeterminado para
gozo de período de férias, pois enquanto conta com as férias de um empregador precisa
prestar serviço para outro, devido não contar com a remuneração do mês de férias.
(CARVALHO, 2019, n.p)

Ou seja, mais uma vez o trabalhador vê seus direitos básicos, sendo violados, por falta de
maiores informações disponíveis sobre o contrato trabalho intermitente.

2.5 Rescisão do Contrato

Não existe nos artigos referentes ao trabalho intermitente, qualquer informação sobre a
rescisão do contrato, sendo assim, será aplicado o previsto no art. 484 – A da CLT:

Art. 484-A. O contrato de trabalho poderá ser extinto por acordo entre empregado e
empregador, caso em que serão devidas as seguintes verbas trabalhistas:
I - por metade: (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)
a) o aviso prévio, se indenizado; e (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)
b) a indenização sobre o saldo do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço,
prevista no § 1o do art. 18 da Lei no 8.036, de 11 de maio de 1990;
II - na integralidade, as demais verbas trabalhistas.
§ 1o A extinção do contrato prevista no caput deste artigo permite a
movimentação da conta vinculada do trabalhador no Fundo de Garantia do
Tempo de Serviço na forma do inciso I- A do art. 20 da Lei no 8.036, de 11 de
maio de 1990, limitada até 80% (oitenta por cento) do valor dos depósitos.
§ 2o A extinção do contrato por acordo prevista no caput deste artigo não
autoriza o ingresso no Programa de Seguro- Desemprego.
A medida provisória de n° 808/2017, previa que o contrato seria rescindido, se no
período de 1 ano, o trabalhador não fosse convocado para trabalhar, porém tal medida não
ganhou força de lei.

3 DADOS SOBRE O TRABALHO INTERMITENTE NO BRASIL

Dia 14 de janeiro de 2020 o Departamento Intersindical de Estatísticas e


Socioeconómicos (DIESSE,2020), publicou em seu site, uma pesquisa realizada sobre o contrato
intermitente no Brasil. A pesquisa girou em torno dos anos de 2018 e 2019.
Os dados apontam que o contrato de trabalho intermitente na prática, não tem saído
como os legisladores planejavam ao cria-lo, muitos são contratados por esse regime, mas os
chamados são inferiores ao esperado e muitos não receberam um salário em sua totalidade.

● 11% dos vínculos intermitentes não geraram atividade ou renda em 2018.


● 40% dos vínculos que estavam ativos em dezembro de 2018 não registraram nenhuma
atividade no mês.
182

● Ainda em dezembro, a remuneração foi inferior a um salário mínimo em 43% dos vínculos
intermitentes que registraram trabalho.
● Ao final de 2018, a remuneração mensal média dos vínculos intermitentes foi de R$ 763.
● O número de contratos intermitentes representou 0,13% do estoque de empregos formais, em
2018, e 0,29%, em 2019.
Como modalidade, o trabalho intermitente tem sido pouco utilizado, representando
menos de 0,3% do estoque de vínculos formais no mercado de trabalho brasileiro. Pior: um em
cada 10 vínculos desse tipo não saiu do papel. Mesmo em dezembro de 2018, mês em que o
mercado de trabalho esteve mais aquecido, quase metade dos vínculos intermitentes ficou parada.
A remuneração também teve resultado ruim. Em 2018, apenas metade dos vínculos resultou
em rendimento equivalente a pelo menos um salário mínimo. A remuneração mensal
dos vínculos intermitentes foi, em média, de R$ 763.
Portanto, ao contrário dos outros tipos de vínculo, o intermitente é caracterizado pela
instabilidade, já que não garante nem trabalho nem renda para os trabalhadores contratados nessa
categoria.
Tal pesquisa, mostra o quão o trabalho intermitente necessita de uma atualização em seu
texto, estipulando regras mínimas que garantam os direitos básicos do trabalhador, tornando essa
modalidade mais segura, tanto para o empregado, quanto para o empregador, para que assim, as
vagas criadas por esse regime, sejam preenchidas resultando a real diminuição da taxa de
desemprego e trabalhos informais.

4 TRABALHADOR INTERMITENTE E O COVID-19

No final do ano de 2019, surgiu um novo vírus na cidade de Wuhan, onde os primeiros
casos foram confirmados. A sua transmissão ocorre de forma rápida, pois são várias as
possibilidades de contaminação. A doença pode ser adquirida através da tosse, do espirro, do
contado com alguma superfície contaminada, como celulares, dinheiro, corrimão e maçanetas
por exemplo.
A Covid-19 em sua mais severa forma, causa síndromes respiratórias que podem levar a
morte. Pessoas que possuem algumas doenças já pré-existentes, como diabetes, problemas
cardíacos e respiratórios por exemplo tem maior chance de desenvolver o pior estágio da doença.
Assim como os idosos que tem a saúde já fragilizada, tornando-se assim um grupo de risco maior.
Com sua fácil transmissão, uma pandemia se instaurou em todo o mundo, causando
milhares de mortes. A OMS (Organização Mundial de Saúde), como tentativa de diminuir o
aumento dos casos, publicou uma série de medidas. Uma delas foi o fechamento dos comércios
183

e atividades consideradas não essenciais, para evitar aglomerações. Com tal medida, milhares de
trabalhadores tiveram seus contratos suspensos, ou foram na pior das hipóteses demitidos.
O governo brasileiro, a fim de diminuir os impactos causados na vida dos trabalhadores
afetados pela pandemia criou o auxílio emergencial, uma bolsa que será paga, para quem se
encaixar nos requisitos. Tal benefício ficou conhecido como “ corona voucher”. O valor pode
variar de R$ 600,00 (seiscentos reais), até R$1200 (mil e duzentos reais) em alguns casos.
Mas e o trabalhador intermitente em específico? Como será tratado nesse cenário? Em
17/03/2020, foi proposto um projeto de lei, a PL985/2020, pelo Deputado João Daniel, que
concede ao trabalhador intermitente pelo menos um salário igual ao recebido no mês anterior
do afetado por pandemia declarada pela Organização Mundial da Saúde (OMS). O projeto ainda
está aguardando o despacho do Presidente da Câmara dos Deputados.
Felizmente, para a sorte dessa classe, surgiu a Medida Provisória 936/2020, que assegura
o pagamento das três parcelas no valor de R$600,00 (seiscentos reais) para o trabalhador
intermitente que tinha carteira de trabalho assinada no dia 1º de abril de 2020. Apesar de ter o
mesmo valor do “corona voucher”, o nome é diferente, Benefício Emergencial de Preservação
do Emprego e da Renda.
Outro ponto comentado sobre o trabalho intermitente nessa pandemia é que, a
modalidade é vista como uma grande solução para os empresários, que ao utilizar essa forma de
contrato de trabalho, terá uma grande redução sobre as despesas trabalhistas, ajudando a evitar
a demissão, já que o trabalho intermitente prevê a prestação de serviço de acordo com as
necessidades do empregador.

5 CONCLUSÃO

Ao realizar o presente estudo sobre o tema, baseado em pesquisas doutrinárias, artigos


científicos e sites de pesquisa, foi possível concluir que o trabalho intermitente torna a relação
de emprego precária, através de normas que buscam a flexibilização do trabalho e desrespeitam
os princípios basilares do direito do trabalho, que protegem o empregado.
Carlos Henrique Bezerra Leite, em seu livro, faz o seguinte comentário sobre o contrato
de trabalho intermitente:

Essa modalidade contratual é, seguramente, uma das mais claras manifestações da


superexploração do trabalho humano, pois equipara o trabalhador a uma máquina
descartável, colocando, pois, em xeque o projeto constitucional brasileiro de construção
da cidadania, da melhoria das condições sociais dos trabalhadores e de uma sociedade
mais livre, justa e solidária . ( LEITE, 2019, p. 470)

A criação do regime intermitente, foi apresentada pelo legislador, como uma saída para
184

a diminuição da taxa de desemprego e a taxa de trabalhadores informais. Porém da maneira em


que foi criado, tal regime não apresenta qualquer benefício ao empregado, muito pelo contrário,
extinguiu direitos já existentes, como o recebimento pelos períodos inativos, desconstruiu
percepção de salário mínimo, de jornada de trabalho, férias, dentre outras coisas.

A jornada de trabalho é algo imprescindível para que o trabalhador possa ganhar o seu
salário, pois é através das horas trabalhadas que se faz o pagamento das remunerações devidas,
porém, não há qualquer informação sobre quantas horas mínimas o empregador seria obrigado
a chamar o trabalhador a fim de que este receba o salário mínimo em sua totalidade.
Desconfigurando assim uma garantia constitucional e trabalhista.

A não insubordinação nos casos de não aceite do chamamento, torna a relação


fragilizada, não existem regras que indiquem quantas vezes o trabalhador poderá realizar a recusa
sem que haja a dissolução do contrato intermitente. A multa prevista em caso de não

comparecimento ao trabalho após o aceite transfere características do empregador para o


empregado, além de ir contra o princípio da irredutibilidade salarial.

A falta de clareza em seus artigos e regulamentações mais especificas são extremamente


prejudiciais ao trabalhador. Em muitas hipóteses do contrato, por falta de regra, serão realizadas
por meio de acordos, entre as partes, ou seja, o negociado sobre o legislado, prejudicando assim
a parte mais fraca.

Sales e Oliveira (2018, p. 84) pontuam:

Modernização não pode ser confundida, sob hipótese alguma, com precarização e
desregulamentação. O direito do trabalho deve sempre evoluir de modo a garantir a
melhoria da condição do trabalhador, qualquer alteração legislativa que vá em sentido
oposto merece cuidadosa análise e enérgico rechaço quando prejudicial às relações de
trabalho.

Por fim, foi possível verificar após o estudo, que a intenção do legislador, ao inserir essa
modalidade, pode ate ter sido alcançada, criando diversas vagas de emprego e diminuição do
trabalho informal. Porém não houve respeito aos direitos e aos princípios trabalhistas que visam
a manutenção do trabalho a fim de atingir o seu objetivo social. O tópico 4 do presente estudo,
mostra que o trabalho intermitente não atingiu a finalidade proposta pelo legislador devido a sua
falta de regras para uma melhor experiência com tal contrato, faz com que as vagas criadas
permaneçam vazias.

Sendo assim, é de suma importância que após tantas críticas realizadas em torno desse
tema seja realizada uma série de reajustes para que haja a real intenção em beneficiar os
185

trabalhadores com as vagas criadas, de forma que seja garantido todos os direitos previstos em
lei para o empregado.

6 REFERÊNCIAS

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consoante a reforma trabalhista no Brasil à luz do direito comparado, 2019. Disponível em:
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i
187

A UTILIZAÇÃO DO BANCO DE DADOS DOS PERFIS GENÉTICOS


PARA FINS DE IDENTIFICAÇÃO CRIMINAL DETERMINADA PELO
JUIZ E SUA CONSTITUCIONALIDADE FRENTE AO PRINCÍPIO DA
NÃO AUTOINCRIMINAÇÃO

Karla de Araújo Figueiredo1

1 INTRODUÇÃO

A criação do Banco de Dados de Perfis Genéticos no Brasil acarreta o debate jurídico a fim
de saber acerca de sua constitucionalidade, no qual é através das análises das experiências
internacionais e seu impacto que é possível delinear as regras e observações pertinentes, com a
finalidade do interesse da coletividade, isto é, promover a sofisticação do poder de investigação da
criminal, sem mitigar ou violar os direitos individuais inerentes da Constituição Federal de 1988.

Antes disso, conforme a ideia do professor Alexy (2008), percebe-se a colisão entre esses
princípios, deve haver valoração constitucional, isto é, os princípios devem se flexibilizarem frente ao
outro. No contexto temático, leva-se em consideração ao valor e peso dos princípios envolvidos, de
acordo com cada circunstâncias do caso concreto e propiciar o equilíbrio entre os dois polos.

No caso em tela, há a colisão entre a garantia constitucional da não autoincriminação,


codificada no artigo 5º, inciso LXIII, da Carta Maga frente a legislação brasileira admite a coleta de
material genético como forma de identificação criminal, de forma específica, no ponto que é permitido
tanto na fase de investigação quanto após condenações por crimes dolosos com grave violência ou
hediondos.

Decerto, não é uma discussão das mais simples. Por conta disto, este trabalho tem como
objetivo geral é analisar a utilização do banco de dados dos perfis genéticos e seus efeitos coma
finalidade de identificação criminal e sua constitucionalidade frente a princípio da não-

1 Graduação: Tecnóloga Gestão Ambiental(05/2012); Pós-Graduação: Gestão em Geoprocessamento, Consultoria,


Fiscalização, Auditoria (ISSO 9001.14.001,18.001, SIG), Perícia Ambiental; e Aluna do Bacharelado em Direito na
Faculdade Estácio de Teresina. E-mail: karlaaraujofig@gmail.com
188

autoincriminação no contexto brasileiro que foi mitigado devido ao princípio do interesse social, isto
é, o combate da criminalidade no Brasil.

Para atingir os resultados desejados, este trabalho utiliza o método dialético, buscando
compreender a constitucionalidade do uso dos bancos de dados genéticos para fins criminais,
especificamente da identificação criminal afronta a garantia constitucional da não-autoincriminação
exposto de forma explicita pelo Constituinte de 1988. Nessa perspectiva, há uma abordagem de
natureza qualitativa, buscando soluções que almejam conciliar a problemática apresentada, utilizando-
se, para tanto, da pesquisa de bibliográfica.

A relevância do trabalha é perceptível, pois as ilegalidades sejam do Poder Judiciário ou no


inquérito policial, são de interesse da coletividade, não apenas de um indivíduo. Em síntese, a
verificação da constitucionalidade da utilização dos bancos acarreta o combate aos excessos no
procedimento realizado, já que em alguns casos, há violação direitos fundamentais do condenado
previstos na Carta Magna, mesmo que indiretamente, afetam toda a sociedade.

A pesquisa bibliográfica foi realizada com a fundamentação teórica, no qual se utilizou os


seguintes autores: Canotilho (1993), que traça parâmetros acerca dos princípios constitucionais,
fundamentando-se em aspectos referentes à definição dos princípios e sua axiologia; Alexy (2008), que
discutem a valoração dos princípios por meio da ponderação jurídica a fim de promover o equilíbrio
no âmbito do ordenamento jurídico; Aury Junior (2012), que analisa teoria que discute que os
resultados negativos na fase de investigação, não pode legitimar atos que negligenciem os direitos
fundamentais em decorrência dos interesses estatais; e Schiocchet (2012), que faz uma abordagem
geral acerca da utilização do banco de dados genéticos e seus benefícios para o Direito Penal, ao
realizar o Ius Puniendi, com a finalidade do interesse público; entre outros teóricos.

De tal modo, adentrando e escavado na questão constitucional, percebe-se que esta merece
uma abordagem minuciosa do alcance do poder do Estado quanto a coleta do material biológico de
suspeitos ou condenados, tanto para traçar o perfil genético quanto para armazenar os perfis nos
bancos de dados e uso dessas elementos que ensejou o objeto da discussão do presente artigo.
Portanto, é necessário, para tanto, uma análise do tema frente as leis e demais fontes do direito que
regulam a matéria para aferir se a material é constitucional ou não, com seu fundamento, de acordo
com o ordenamento jurídico brasileiro.

O banco de dados dos perfis genéticos tem o propósito de armazenar e correlacionar perfis
genéticos das amostras biológicas extraídas dos vestígios de crime e de indivíduos suspeitos e
condenados pela prática dos mais variados crimes. De acordo com explica a professora Casabona - O
189

banco de dados genéticos pode ser conceituado como “conjuntos estruturados de resultados de
análises de perfis genéticos, mantidos em geral, em uma base de dados informatizada”. (NUNES,
2012, p. 16 apud Casabona CMR, 2002, n.p).

Assim, os dados reunidos funcionam como uma ferramenta de investigação, admitindo o


confronto automatizado de perfis genéticos das pessoas, no qual as amostras examinadas podem,
assim, ser confrontadas com as amostras que já foram coletadas de referência de suspeitos e
condenados.

2 DESENVOLVIMENTO

O desenvolvimento das tecnologias acarretou a plausibilidade da implantação desses bancos


de dados genéticos, os quais possuem sequencias de genes do Ácido desoxirribonucleico (DNA) dos
indiciados e condenados, no qual cada Ente Soberano um tem sua forma para aplicar e o alcance
fixado na legislação que trata sobre a sua utilização.

Os arquivos de amostras biológicas, segunda modalidade de classificação pelo conteúdo, não


são bancos e possuem um menor potencial imediato como fonte de informação quando
comparados ao outro tipo de biobanco (arquivos de DNA). Tais arquivos são compostos
por amostras biológicas já extraídas e armazenadas (como sangue, urina...) por laboratórios
de análises clínicas, hospitais e etc. Por meio dessas amostras, é possível a obtenção e
posterior análise do DNA, mitocondrial ou nuclear. (BONACCORSO, 2010, p. 60)

Nessa direção, então, estabelece-se o seu objetivo, a quantidade de informações armazenadas


e materiais biológicos associados com a preocupação em empregar os meios tecnológicos em benefício
da Justiça no Brasil, a fim de impedir condenações injustas e equivocadas e a diminuição da
impunidade em crimes graves contra a pessoa para exata aplicação das normas penais. No entanto, a
identificação criminal, é uma medida subsidiária, ou seja, só será cabível quando a identificação civil
não for realizada ou considerada insuficiente, nas hipóteses previstas em lei.

Outro ponto importante, é que os bancos de dados forenses criminais servem tanto para
descobrir a autoria do delito, quanto para inocentar algum suspeito, já que há uma checagem dos perfis
genéticos adquiridos no local do crime ou das pessoas envolvidas com a crime, com os perfis genéticos
já guardados nas bases de dados dos bancos. Todo país tem um procedimento para o armazenamento
dessas informações e como permanecem nos bancos que pode ser até a prescrição do crime,
entretanto, nos países como Inglaterra, Noruega e outros, ficam guardados, permanentemente.

Os bancos de dados de perfis genéticos podem ser classificados pelo seu conteúdo e pela sua
finalidade. No primeiro, os bancos de dados podem subdividido em: de identificação genética;
190

arquivos de amostras biológicas; e arquivos de DNA, esses dois últimos também conhecidos por
“biobancos”. O segundo, os bancos podem ter fins genéricos, profissionais ou forenses. No último
caso, os bancos podem ser forenses criminais ou forenses civis.

O banco de dados pode ter apenas dados alfanuméricos, letras e números associados ao código
de identificação de uma pessoa, é denominado de “banco de dados de identificação genética” - bancos
de dados propriamente ditos. São colocados numa plataforma de informática e devem ser totalmente
confidenciais que maior parte dos países, os dados genéticos do indivíduo são separados dos dados
pessoais dos indivíduos.

A título de informação, não obstante da importância dos bancos de dados forenses criminais
no contexto brasileiro para o presente trabalho, há outros tipos de bancos de dados também
importantes. Em outras palavras, existe uma outra modalidade de pesquisa nesses bancos, isto é,
“pesquisa familiar”, em uso pelo Reino Unido e por uns estados norte-americanos. A pesquisa familiar
é uma verificação adicional empregada para os casos em que não tem uma coincidência total entre os
perfis (ou o perfil) encontrados no local do crime com aqueles previamente cadastrados no banco.

Ainda sobre às outras modalidades de bancos, existem os bancos de dados forenses civis que
têm objetivo a identificação de pessoas desaparecidas, não leva em consideração a idade. A
identificação advém da comparação de perfis genéticos de pessoas não identificadas, coletado
normalmente obtido de restos ósseos, com os perfis de supostos familiares.

É perceptível que a implementação do uso do banco de dados de Perfis Genéticos, conforme


o artigo 5º-A da Lei nº 12.037/09, para fins criminais no Brasil trouxe mudanças significativas nos
dispositivos infraconstitucionais com a função simbólica do Direito Penal de combater a
criminalidade, conforme disposto a seguir: “Art. 5o-A. Os dados relacionados à coleta do perfil
genético deverão ser armazenados em banco de dados de perfis genéticos, gerenciado por unidade
oficial de perícia criminal. (Incluído pela Lei nº 12.654, de 2012)”.

Entretanto, deve-se respeitar os direitos básicos do ser humano, de forma especifica, a garantia
da não autoincriminação, o princípio da dignidade humana e demais positivados na atual Constituição,
especialmente quanto a sua constitucionalidade, in verbis:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e
Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem
como fundamentos:
[...]
III - a dignidade da pessoa humana; (Grifo nosso)
191

Entretanto, existem os juristas que afiram que o direito a não autoincriminação e do silêncio
não abrange o direito de não participação, exceto quando ofenda a dignidade ou a integridade física.
Portanto, como a intervenção corporal acontece e atende os dois requisitos: a previsão legal e a não
colocação do sujeito em situação capaz de gerar risco a sua integridade física ou psíquica.

É importante lembrar que os conflitos éticos caminham junto com a história do homem uma
vez que advêm de suas ações e, que podem adquirir maior ou menor relevância a depender
do contexto temporal em que surgem. Tais conflitos são colocados em destaque quando
analisados a partir de visões diferentes e à medida que ocorre a tomada de consciência por
parte da sociedade, sobre a necessidade de impor limites à utilização de novas tecnologias na
tentativa de garantir a integridade da pessoa humana e do meio em que vivem. De alguma
forma, isso pode proporcionar subsídios à normatização e à implementação de novos
projetos de cunho científico ou social (GARRAFA, 2003, p. 56).

Quando os dois requisitos são satisfeitos, pois a colheita de material vai compor os bancos de
dados de perfis genéticos pode ser realizada de forma não invasiva, coletado via cotonete, isto é,
indolor e incapaz de gerar riscos à saúde do indivíduo, desse modo, não há afronta ao artigo 5˚, XLIX
da Constituição Federal de 1988, pois é preservada a integridade humana. No segundo requisito, no
mesmo sentido, existe também a previsão legal – em virtude da Lei n˚ 12.654/12.

Assim, na visão estatal, a identificação dos indivíduos, é um dos instrumentos indispensáveis


para a proteção de garantias fundamentais, já que o equívoco na identificação ou condenação de
pessoas pode implicar na violação desses direitos que são irreparáveis para aquele sujeito. O
comumente chamado exame de DNA pode ser um fator determinante na fase de identificar ou
inocentar o indiciado num inquérito policial, no cotidiano das investigações criminais, é fundamental
a comparação entre o material biológico encontrado no local do crime e o material biológico que deve
ser obtido do suspeito de cometer um delito. De acordo com Guilherme de Souza Nucci (2010, p.
691):

No campo criminal, individualiza-se a pessoa para apontar o autor, certo e determinado, sem
qualquer duplicidade, da infração penal. Almeja-se a segurança jurídica de não cometer erro
judiciário, processando, condenando e punindo o inocente, no lugar do culpado.

De início, é importante avaliar a sua aplicação no contexto internacional para verificar seus
efeitos e limitações, isto é, localizar os possíveis erros, ressalvas e advertências para a melhor utilização
do banco de dados e aperfeiçoar o Poder de Polícia estatal no âmbito nacional. Todavia, a Doutrina
afirma que a principal dificuldade está em não violar a Carta Magna e suas garantias, ou seja, os direitos
de 1ª dimensão – as garantias que promovem a liberdade, os direitos individuais inerentes ao ser
humano no Estado Democrático de Direito. In verbis:

Em conclusão, os direitos de primeira geração são aqueles que consagram meios de defesa
da liberdade do indivíduo, a partir da exigência de que não haja ingerência abusiva dos
Poderes Públicos em sua esfera privada. (MASSON, 2016, p.192)
192

Assim, mesmo com a garantia constitucional da não autoincriminação, disposto no artigo 5º,
LXIII, da Constituição Federal de 1988, a legislação brasileira acolheu a Lei da coleta e o
armazenamento do material genético como forma de identificação criminal – Lei nº 12.037/09. Em
razão disso, esse instituto é aplicado tanto na fase de investigação quanto após condenações por crimes
dolosos com grave violência ou hediondos, de acordo com o a aplicação do artigo 9-A da Lei 7.210/84,
introduzido pela Lei 12.654/12, que prevê a identificação. In verbis:

Art. 9o-A. Os condenados por crime praticado, dolosamente, com violência de natureza
grave contra pessoa, ou por qualquer dos crimes previstos no art. 1o da Lei no 8.072, de 25
de julho de 1990, serão submetidos, obrigatoriamente, à identificação do perfil genético,
mediante extração de DNA - ácido desoxirribonucleico, por técnica adequada e
indolor.(Incluído pela Lei nº 12.654, de 2012) (BRASIL, 1988, n.p.)

Nesse contexto, surgem as críticas da discricionariedade quanto a utilização na fase


investigativa ou na execução penal, já que a hermenêutica constitucional brasileira sempre foi
garantista, em outras palavras, quando o Legiferante elaborou uma Constituição Cidadã, estava
preocupado com a violação dos direitos e garantias fundamentais acontecidas no passado.
Especialmente, no que se refere a seara criminal, em relação a produção de provas contra si mesmo,
um princípio constitucionalmente assegurado pela Constituição Brasileira de 1988 com a combinação
dos incisos LV e LXIII do artigo 5º que traz:

LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são


assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes; [...]
LXIII - o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado,
sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado.

O ideal em um sistema acusatório, é o magistrado não requerer de ofício os dados do perfil


genético do indiciado, pois é visível a quebra da imparcialidade no processo penal brasileiro. Em outras
palavras, a atuação ex officio do Juízo para a obtenção dos dados genéticos na fase investigativa viola a
imparcialidade do juiz, o devido processo legal no artigo supracitado.

É cristalino que ao fornecer os dados, o indivíduo poderia estar realizando prova contra si
mesmo, mas devido a mitigação/flexibilização do princípio da não auto incriminação frente ao
interesse da sociedade – o combate da criminalidade no Brasil, a Suprema Corte no ano de 2016, por
unanimidade, reconheceu a existência de repercussão geral para julgar a constitucionalidade dos
bancos de dados genéticos de condenados por crimes hediondos, praticados de forma dolosa ou com
violência de natureza grave contra pessoa ou hediondos.

Ademais, um grande impacto foi causado pela implementação do banco de dados no Brasil
com relação à cessão compulsória da amostra biológica e a seletividade de crimes e criminosos, no
qual foi considerada por alguns criminalista como prova invasiva, pois a obrigação do fornecimento
da amostra biológica atingiria a integridade física e moral do sujeito.
193

Desse modo, é importante fazer uma ponderação sobre a eticidade do uso de um banco de
dados dessa natureza frente aos riscos de desobedecer a uma série de direitos e liberdades
fundamentais, como o direito à vida privada, e autonomia dos doadores de material genético para a
inclusão no banco. É um tema que gera grande repercussão no contexto brasileiro, exige-se um olhar
mais crítico da sociedade na elaboração das políticas públicas acerca do tema.

No mesmo sentido, o professor Aury Lopes expõe que:

[...] Destacamos a abertura feita pelo inciso IV, que permite a identificação criminal do
civilmente identificado quando “a identificação criminal for essencial às investigações
policiais”. Portanto, a identificação criminal ficará a livre critério do juiz, bastando apenas
uma “maquiagem argumentativa” para fundamentar a decisão. Isso poderá servir como
forma de negar eficácia ao direito de não produzir prova contra si mesmo, quando – por
exemplo – o imputado se recusa a fornecer suas digitais para confrontação com aquelas
encontradas no local do delito. Diante da recusa, determina o juiz a identificação criminal, e
o material necessário para a perícia datiloscópica é extraído compulsoriamente, burlando a
garantia constitucional do nemo tenetur se detegere. (Grifo nosso) (LOPES JR, 2012, 168).

Desta forma, no Brasil a Lei nº 12.654/12 que introduziu a coleta de material biológico para a
obtenção do perfil genético, em duas circunstâncias: na identificação criminal e na execução penal por
crimes violentos ou por crimes hediondos. Na primeira hipótese, disciplina a identificação criminal e
tem como campo de incidência a investigação preliminar, e, por outro lado, no segundo caso a Lei n.
7.210/84 (LEP), que regula a Execução Penal.

Um dos pontos negativos que pode ser suscitado, de acordo com o esclarecimento do
professor Nucci (2013, p.416), é a tentativa de formação de um estereótipo de delinquência:

Sabe-se que a personalidade possui dados de herança genética, que influenciam no


comportamento do indivíduo. Por tal razão, veda-se o foco do banco de dados de perfil
genético no prisma comportamental, eliminando-se qualquer possibilidade de uso dessas
características para apurar o modo de ser e de agir do sujeito identificado

Os bancos de dados precisam do caráter sigiloso e não deverão ser colocados à disposição de
terceiros, fato que veda qualquer estigmatização social do sujeito, e também estes perfis genéticos são
guardados em banco de dados e os padrões genéticos são investigações criminais e para a identificação
de pessoas desaparecidas. No entanto, há o impasse de que os dados dos condenados que serão
angariados como consequência da condenação, não possuem previsão para sua eliminação. De acordo
com o pensamento do Ministro Gilmar Mendes, nos autos do RE 973837 RG / MG:

Repercussão geral. Recurso Extraordinário. Direitos fundamentais. Penal. Processo Penal. 2.


A Lei 12.654/12 introduziu a coleta de material biológico para a obtenção do perfil genético,
na execução penal por crimes violentos ou por crimes hediondos (Lei 7.210/84, art. 9-A).
Os limites dos poderes do Estado de colher material biológico de suspeitos ou condenados
por crimes, de traçar o respectivo perfil genético, de armazenar os perfis em bancos de dados
e de fazer uso dessas informações são objeto de discussão nos diversos sistemas jurídicos.
Possível violação a direitos da personalidade e da prerrogativa de não se
autoincriminar – art. 1º, III, art. 5º, X, LIV e LXIII, da CF. 3. Tem repercussão geral
a alegação de inconstitucionalidade do art. 9-A da Lei 7.210/84, introduzido pela Lei
12.654/12, que prevê a identificação e o armazenamento de perfis genéticos de
194

condenados por crimes violentos ou por crimes hediondos. 4. Repercussão geral em


recurso extraordinário reconhecida. Decisão: O Tribunal, por unanimidade, reputou
constitucional a questão. O Tribunal, por unanimidade, reconheceu a existência de
repercussão geral da questão constitucional suscitada.(Grifo nosso)

Portanto, deve haver a estrita observância do procedimento pelo Estado sob pena dele se
igualar ao criminoso, quando sanciona os delitos e extrapola a barreira do legítimo, já que essa “linha”
é tênue, conforme entendimento do Ministro da Suprema Corte - Luís Roberto Barroso (2010, n.p. -
Grifo nosso): “haveria, portanto, nas palavras do Ministro, uma tensão permanente entre a pretensão
punitiva do Estado e os direitos individuais dos acusados”.

Além disso, o ente público é responsável pelo gerenciamento dos procedimentos e


instrumentos capazes de individualizar uma pessoa, inclusive de forma a evitar nesse mesmo processo
ocorra violações as garantias individuais e para que o Ius Puniendi do Estado incida sobre o real autor
do delito, pois a autoria e a materialidade da infração são elementos essenciais para instauração do
inquérito policial na fase investigativa, conforme o artigo 4º do Código de Processo Penal, veja-se:
“Art. 4º A polícia judiciária será exercida pelas autoridades policiais no território de suas respectivas
circunscrições e terá por fim a apuração das infrações penais e da sua autoria.(Redação dada pela
Lei nº 9.043, de 9.5.1995)” (Grifo nosso).

Quanto ao uso dos bancos de dados para atividades investigativas, no qual seria armazenados
todos os dados dos indiciados, desde as características físicas, a identidade datiloscópica, fotográfica e
até mesmo os dados pessoais dos indiciados. No entanto, o que se argumenta é a possibilidade de o
Estado ter um imenso banco de informações, isto é, fazer um catálogo, classificar e numerar as
pessoas, de forma indiscriminada. O fato é que todos esses dados armazenados pelo estatal seriam de
grande valor e importância na seara investigativa.

Na Lei de Identificação Criminal traz a possibilidade da coleta de amostra biológica, mas o


Legislador foi mais incisivo na Lei de Execução Penal ao aprontar sobre a
obrigatoriedade/compulsoriedade de identificação a partir do perfil genético para os condenados por
alguns crimes hediondos ou por crimes dolosos praticados com violência de natureza grave contra a
pessoa. Percebe-se que desde 2012 foram arguidas diversas controvérsias sobre as questões sobre a
aplicabilidade e até mesmo acerca da constitucionalidade das modificações trazidas pela Lei n˚
12.654/12.

Ainda que a redação seja genérica, subordinando apenas ao interesse da autoridade policial,
é necessário que o pedido venha fundamentado e efetivamente demonstrada – no caso
concreto – a imprescindibilidade deste tipo de prova. Considerando a gravidade da
intervenção corporal e a restrição da esfera de privacidade do sujeito, deverá a autoridade
policial demonstrar a impossibilidade de obter a prova da autoria de outro modo,
constituindo a coleta de material genético a ultima ratio do sistema. (Lopes Júnior, 2014, p.
679)
195

É sabido que todas as provas no âmbito do direito penal e processual penal têm que ser obtidas
por meios idôneos, caso contrário, serão inúteis ao processo criminal devido a nulidade de provas
ilícitas. O ponto de debate é o que está disposto no parágrafo único do artigo 5º c/c o artigo 3º, IV
da Lei nº 12.037/09: “quando a identificação criminal for essencial às investigações policiais, sendo
despacho da autoridade judiciária competente, que decidirá de ofício ou mediante representação da
autoridade policial, do Ministério Público ou da defesa”, ou seja, se essa prova for obtida sem a devida
motivação da autoridade competente será uma prova ilícita.

Outro ponto acerca do tema, um Estado Democrático de Direito como o Brasil, em tese, no
processo penal não deveria se preocupar apenas com o interesse da sociedade no combate à
criminalidade, mas também em proteger os direitos e as garantias fundamentais dos indivíduos frente
ao Poder de Polícia e seus excessos. Diante deste cenário:

A submissão do acusado a uma intervenção corporal sem seu consentimento seria o mesmo
que autorizar a tortura para obter a confissão durante o interrogatório quando este decide se
calar, caracterizando certamente um retrocesso nas garantias que já foram alcançadas,
gerando uma prova ilícita. É por esse motivo, que o argumento de “mínima lesividade física”
na coleta do material genético, através da saliva ou um fio de cabelo, por exemplo, recai no
mesmo retrocesso. Não é o aspecto físico da tutela constitucional que se está em jogo, mas
sim o direito fundamental de não autoincriminação. (SOUZA(2017, n.p.) apud LOPES JR,
2013, p. 592-596)

Consequentemente, alguns doutrinadores argumentam que a supremacia do interesse público


seja um fundamento para a flexibilização do princípio da não autoincriminação, no caso concreto. O
alerta é quanto a exagerada relativização das garantias fundamentais do indivíduo. Deve-se observar a
liberdade intrínseca da pessoa e o limite que o Estado brasileiro precisa ter para ser legitimo.

Ademais, alguns defensores argumentam que o suspeito não pode ser forçado a cooperar para
a investigação, mesmo que o fim buscando a verdade real, já que a negativa se consagra no próprio
direito à autodefesa. Ou seja, a busca da verdade não aprova o emprego de qualquer meio ou atividade
para coleta forçada de material biológico a fim da concretização da prova no âmbito do processo
penal.

Na contemporaneidade dos resultados negativos na fase de investigação, não se pode legitimar


atos que negligenciem os direitos fundamentais em decorrência dos interesses estatais. Conforme
assevera o professor Canotilho

Cumpre a função de direitos de defesa dos cidadãos sob uma dupla perspectiva: I-
Constituem, num plano jurídico-objetivo, normas de competência negativa para os poderes
públicos, proibindo fundamentalmente as ingerências destes na esfera jurídica; II-Implicam,
num plano jurídico-subjetivo, o poder de exercer positivamente direitos fundamentais
(liberdade positiva) e de exigir omissões dos poderes públicos, de forma a evitar agressões
lesivas por parte dos mesmos (liberdade negativa) (CANOTILHO, 1993, p.143).
196

Outro panorama sobre a tema, em razão da repercussão nos tribunais brasileiros, a discussão
chegou à Corte Superior, por meio do HC 407.627, no qual a tese de defesa foi no sentido da violação
aos direitos constitucionais, tais como: não-incriminação e de presunção de inocência, bem como
diversas inconsistências/problemas com relação à segurança do procedimento de coleta do material
genética, bem como da própria validade do DNA coletado, acarretando embate jurídico,
principalmente na área científica e ética-moral.

Todavia, a Superior Corte acolheu a tese da coleta de material genético como instrumento de
identificação criminal, admitiu o procedimento tanto na fase de investigação, quanto na execução
criminal do condenado por crime doloso praticado mediante violência grave ou gravíssima, bem como
nos casos de crimes hediondos. No final das contas, o material biológico que se procura colher na
demanda não tinha o objetivo de produção de provas, mas seria armazenado para fazer parte da
composição de banco de dados único, conforme a jurisprudência referida abaixo:

PENAL E EXECUÇÃO PENAL. HABEAS CORPUS. COLETA DE MATERIAL


GENÉTICO. PACIENTE CONDENADO POR CRIME COM VIOLÊNCIA CONTRA
A PESSOA E CRIME HEDIONDO. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS.
AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. ORDEM DENEGADA. 1.
Segundo o art. 9º-A da Lei de Execução Penal, Os condenados por crime praticado,
dolosamente, com violência de natureza grave contra pessoa, ou por qualquer dos crimes
previstos no art. 1o da Lei no 8.072, de 25 de julho de 1990, serão submetidos,
obrigatoriamente, à identificação do perfil genético, mediante extração de DNA - ácido
desoxirribonucleico, por técnica adequada e indolor. 2. No caso em exame, o paciente
cumpre pena pela prática dos crimes de homicídio qualificado (duas vezes), ocultação de
cadáver, crueldade contra animais e posse irregular de arma de fogo de uso permitido,
restando atendidos, assim, os requisitos legais estatuídos pelo dispositivo supracitado:
condenação por crime com violência de natureza grave contra pessoa ou aqueles constantes
do rol do art. 1º da Lei n. 8.072/1990. 3. Habeas corpus denegado.
(STJ - HC: 536114 MG 2019/0290604-2, Relator: Ministro NEFI CORDEIRO, Data de
Julgamento: 04/02/2020, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 10/02/2020)
(Grifo nosso)

Tanto é verdade que os direitos/garantias fundamentais não são absolutos que o Poder
Legislativo através da Lei nº 12.654/12 tornou possível a coleta obrigatória do material genético, ou
seja, aquela obtida sem o consentimento do condenado, na execução da penal, dentro das hipóteses
legais citadas no presente artigo.

Por seguinte, por meio do Decreto nº 7.950/13, o Banco Nacional de Perfis Genéticos
(BNPG), com sede na Diretoria Técnico-Científica do Departamento de Polícia Federal e a Rede
Integrada de Bancos de Perfis Genéticos (RIBPG), ambos com o objetivo oferecer subsídios às
investigações criminais e a identificação de pessoas desaparecidas já mencionado. Questões como
obrigatoriedade de cessão da amostra biológica, a seletividade de crimes e criminosos, entre outros
pontos, se mostram presentes no momento de aplicação das alterações legais supracitadas. O sistema
197

recebeu o nome de Rede Integrada de Bancos de Perfis Genéticos e é conhecido a partir da sigla
RIBPG e gerido da seguinte maneira:

Por meio desta rede, o banco de dados e cada uma das instituições conecta-se ao Banco
Nacional de Perfis Genéticos, localizado no Instituto Nacional de Criminalística, em Brasília.
É o Banco Nacional de Perfis Genéticos que permite a detecção de criminosos que estejam
agindo em mais de unidade da federação. Para participar da RIBPG, a instituição, além de
atender a uma série de requisitos técnicos, também deve seguir os procedimentos
padronizados estabelecidos por um Comitê Gestor. (CHEMALE, 2013, p. 246)

Outro ponto, é que o Poder Judiciário ao fazer a valoração aplicando a proporcionalidade no


caso concreto, aplicou a flexibilização da garantia da não autoincriminação para que seja útil o combate
da criminalidade e satisfaça o interesse público, em outras palavras, como não há outro meio menos
danoso que se aplique ao fato, espera-se que a conclusão almejada seja alcançada, por meio do
princípio da proporcionalidade.

A premissa empregada é a tentativa de causar uma agilidade e segurança no processo, de forma


a evitar as falhas judiciários seja na identificação criminal do autor do crime, a Lei n˚ 12.654/14 traz a
possibilidade de coleta de material biológico para a obtenção do perfil genético, principalmente, em
casos na fase de identificação criminal que for essencial às investigações policiais. Os cuidados com
os dados deverão maiores, tanto no armazenamento no banco de dados de perfis genéticos como no
gerenciamento por peritos criminais que realizarão o confronto genético, de forma sigilosa.

A regra da Carta Magna brasileira é, conforme o artigo 5, II da CRFB/88: “ninguém será


obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Em síntese, o Legislador
cauteloso sobre essa disposição, mas levando em consideração ao contexto social de pressão popular,
consagrou essa possibilidade legal e, em determinados casos a obrigatoriedade, de criação dos bancos
de dados de perfis genéticos para que se consiga a identificação criminal por meio genético e, depois,
para a comparação de dados.

Desta forma, a partir de 2012 notou-se a previsão legal de coleta do padrão biológica nos
termos da Lei de Identificação Criminal e da Lei de Execução Penal. Antes a doação do material era
realizada de forma voluntária pelos suspeitos de crimes, mas na atualidade, a perícia conta com um
precioso sistema de busca em rede nacional da autoria de um delito. De acordo com uma parte da
doutrina, veja-se:

O principal fundamento para a criação do banco de dados genéticos é o de combate à


criminalidade, principalmente de crimes sexuais, tendo em vista que esses crimes costumam
ter a característica de reincidência. Assim, o banco de DNA é visto como a solução para a
impunidade nos crimes que deixam vestígios biológicos.(SCHIOCCHET, 2012, p.45)

Ainda sobre o princípio da proporcionalidade no contexto do tema debatido, na fase de


identificação criminal, a coleta de DNA é exclusivamente uma das formas de identificação do
198

indiciado, sem a invasão de sua privacidade, no qual somente o uso indevido do banco seria
considerado crime, de acordo com a lei nº 12.654/2012.

Outros doutrinadores da área dialogam no mesmo sentido:

Ingo Bastisch, perito do Departamento Federal de Polícia Criminal da Alemanha, lembrou


durante sua participação que o uso do registro do DNA é bastante usado nos países europeus
e bem aceito no processo criminal. Afirmou também que o uso mais extensivo do DNA
pode prevenir crimes. “O banco é uma ferramenta de investigação criminal. (CONJUR,
2017, n.p.)

Além disso, existe a possibilidade de o banco de dados atenuar os riscos de se condenar um


inocente que tenha sido apontado como culpado por outros meios de prova menos eficientes do que
a comparação genética. Além deste cenário, cabe ressaltar que no caso de gêmeos univitelinos, que
são formados pelo mesmo zigoto, estes indivíduos compartilham o mesmo código genético, não
havendo alterações significativas em seus pares de bases de seus respectivos códigos genéticos. É
necessário alcançar o interesse da sociedade, isto é, direito à vida, à segurança e efetiva aplicação do
Jus Puniendi Estatal.

O advogado João Costa Ribeiro Neto, representante da Academia Brasileira de Ciências


Forenses, foi enfático em relação ao papel do STF nessa discussão. “Fala-se muito mal do
Congresso Nacional, mas, nesse caso, a lei é impecável e fruto de longo debate. Esta decisão
tem potencial de promover uma revolução na forma que entendemos a investigação
criminal no país. (CONJUR, 2017, n.p., grifo nosso)

O fato é nessa audiência no dia 26 de maio de 2017 do RE 973.837 no Supremo Tribunal


Federal - STF, alguns especialistas foram para discutir aspectos técnicos acerca da extração obrigatória
de DNA para manutenção de um banco nacional de perfis genéticos previsto na Lei 12.654/2012 e
argumentaram que a coleta dos perfis genéticos dos condenados por crimes hediondos ou de natureza
grave contra a pessoa não fere o direito à privacidade nem o princípio da não autoincriminação, além
de representar um avanço nas técnicas de investigação forense.

Todavia, sempre é importante que a perícia dos perfis genéticos atenda vários requisitos
essenciais para que a amostra genética coletada seja válida, deve respeitar, principalmente, as normas
relativas à coleta do material genético, peritos e armazenamento do material, sob pena da
contaminação de materiais estranhos, conforme assevera o professor Marteleto

A coleta do material genético deve ser feita por profissionais especializados, evitando, assim,
uma possível contaminação que pode ocorrer através do contato da amostra coletada com
outros materiais, orgânicos ou inorgânicos, presentes do local do crime ou no corpo da
vítima, além da possibilidade de contaminação com materiais estranhos durante a própria
coleta como, por exemplo, fluídos corporais do perito envolvido (MARTELETO FILHO,
2012, p. 153).

Da mesma forma, no meio do processo penal, a prova pericial é fruto do exame procedido
por pessoa que tenha conhecimentos técnicos, científicos ou domínio específico em determinada área
199

do conhecimento (TÁVORA, 2013, p. 413). O perito quando fizer a comparação genética entre o
DNA do investigado e dos vestígios encontrados no local do crime, fará um laudo pericial com os
resultados. Este laudo não poderá conter dados que incite a discriminação ou segregação, além incitar
a formação de estereótipos infundados de delinquência, de acordo com o inserido ainda o artigo 5-A,
da Lei nº 12.654/12, com a seguinte redação:

Art.5-A Os dados relacionados à coleta do perfil genético deverão ser armazenados em banco
de dados de perfis genéticos, gerenciado por unidade oficial de perícia criminal.

§ 1o As informações genéticas contidas nos bancos de dados de perfis genéticos não


poderão revelar traços somáticos ou comportamentais das pessoas, exceto
determinação genética de gênero, consoante as normas constitucionais e internacionais sobre
direitos humanos, genoma humano e dados genéticos. (grifo nosso)

Assim, no atual contexto de modernização da aplicação do Direito Penal, com a invenção do


Banco Nacional de Perfis Genéticos e a Rede Integrada de Bancos de Perfis Genéticos no país, deve-
se respeitar os princípios fundamentais que precisam ser analisadas seriamente pelos Tribunais
Superiores e pela sociedade para evitar a ilegalidade no procedimento. A Lei nº 12654/2012 que criou
os bancos de dados de perfis genéticos deve ser compatível com a Constituição Federal de 1988, de
acordo com a hierarquia constitucional da pirâmide elaborado pelo professor Hans Kelsen, no qual o
Estado tenha a sua atuação balizada pelos direitos fundamentais, sob pena da adoção de um sistema
inquisitório e arbitrário e autoritário.

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente estudo analisou a utilização do banco de dados dos Perfis Genéticos para fins de
identificação criminal determinada pelo juiz e sua constitucionalidade frente ao princípio da não
autoincriminação. Para isso, a pesquisa partiu da seguinte problemática: a utilização do banco de dados
dos Perfis Genéticos para fins de identificação criminal determinada pelo juiz pode ferir a garantia
constitucional da não autoincriminação exposto de forma explícita pela Constituição Federal de 1988?

Com base nesse questionamento, emergiu a hipótese de que é imprescindível a relativização


do princípio da não autoincriminação frente ao do interesse público, princípio da lesividade para a
utilização dos perfis genéticos na investigação criminal e na execução criminal, mas esse procedimento
deve observar todas as outras garantias constitucionais, sob pena da ilegalidade do procedimento.

A comprovação da hipótese: é necessário a valoração dessa garantia, com a aplicação da


proporcionalidade no caso concreto, essa flexibilização da garantia da não autoincriminação tem que
ser útil ao combate da criminalidade e satisfaça o interesse público, em outras palavras, como não há
outro meio menos danoso que se aplique ao fato, espera-se que a conclusão almejada seja alcançada
pelo princípio da ofensividade.
A partir dos objetivos propostos neste estudo, pode-se afirmar que por meio dos dados
analisados, há a colisão entre a garantia constitucional da não autoincriminação, codificada no artigo
200
5º, inciso LXIII, da Carta Maga frente a legislação brasileira admite a coleta de material genético como
forma de identificação criminal, de forma específica, no ponto que é permitido tanto na fase de
investigação quanto após condenações por crimes dolosos com grave violência ou hediondos.
Percebe-se que, no atual contexto de modernização da aplicação do Direito Penal, com a invenção do
Banco Nacional de Perfis Genéticos e a Rede Integrada de Bancos de Perfis Genéticos no país, os
princípios fundamentais precisam ser analisados seriamente pelos Tribunais Superiores e pela
sociedade para evitar a ilegalidade no procedimento.

Os obstáculos encontrados são muitos, ficando evidente a partir dos dados analisados que
existe uma grande lacuna entre teoria e prática e que ainda há muito para se alcançar, considerando na
contemporaneidade dos resultados negativos na fase de investigações e que não se pode legitimar atos
que negligenciem os direitos fundamentais em decorrência dos interesses estatais.

O banco de dados genéticos para fins criminais pode ser visto como uma ferramenta
extraordinária no combate à impunidade, já que pode dar fim e solucionar diversos casos onde o único
vestígio do crime é uma amostra biológica do autor deixada na cena do crime. Uma dificuldade é
observar que compõe essa base não são exclusivamente dos dados de caráter identificativo, senão
dados pessoais do indivíduo que a compõem.

Em suma, o princípio da proporcionalidade no contexto do tema debatido, seja na fase de


identificação como na execução criminal, a coleta de DNA é exclusivamente uma forma de
identificação do indiciado, sem a invasão de sua privacidade, no qual o uso indevido do banco seria
considerado crime, de acordo com a lei nº 12.654/2012. Assim, é necessário que o Estado respeite os
princípios fundamentais frente a utilização do banco de dados genéticos e que antes seja discutida
exaustivamente pelos Tribunais Superiores e pela sociedade para evitar a ilegalidade no procedimento.

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TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de direito processual penal. 8. Ed.
Salvador: Ed. Juspodivm, 2013.
202

ADOÇÃO BRASILEIRA E INTERNACIONAL: UMA ANÁLISE DOS


PROCESSOS JURÍDICOS E DOS IMPACTOS DESTES NAS CRIANÇAS EM
ADOÇÃO.

Lanna Letícia Lemos dos Santos1

1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho terá como enfoque a temática acerca do processo de adoção no


Brasil, entrelaçado com a adoção de crianças estrangeiras e o problema do esquecimento das
crianças e adolescentes brasileiros em situação de abandono. Será estudado como
questionamento principal a burocracia nos processos e filas de adoção no Brasil, e de como esse
fato afeta na decisão de adotantes que acabam buscando a adoção internacional de crianças
estrangeiras, em um cenário em que os orfanatos brasileiros ainda estão lotados.
Observa-se que o processo de legislar não é neutro, a criação das normas jurídicas busca
um objetivo final, seja ele sanar uma dificuldade, proteger algum grupo social, ou até legitimar e
facilitar atos que já ocorrem avulsamente. As normas do Direito não são criadas sem contexto,
os juristas observam a sociedade no tempo e espaço e suas necessidade e dificuldades gerais, e
por meio destas criam as regras e normas que regulamentam a vida em sociedade.
No momento em que o Estado passa a intervir nas relações privadas, ordenar sobre as
famílias se torna algo necessário para os legisladores. Como aponta Flávio Tartuce, as normas de
Direito de família visam proteger o indivíduo como pessoa humana, “pois estão relacionadas
com o direito existencial” (TARTUCE, 2016, p.1), e dessa forma se ligam diretamente com a
Constituição Federal de 1988 e com a Declaração Universal de Direitos Humanos. A adoção não
foge desse padrão.
Visando proteger o direito das crianças e adolescentes, visto que muitas destas se
encontravam em situações de extrema vulnerabilidade, foi criado o Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA), introduzido no ano de 1988 e promulgado no dia 13 de julho de 1990,

1 Bacharel em Direito na faculdade Estácio de Sá, campus Teresina; e-mail: lannaleticial@outlook.com; currículo
lattes: http://lattes.cnpq.br/8867104421010242
203

através da Lei nº 8.069 (Diário Oficial da União, 1990). A seção da Adoção é organizada a partir
do artigo 39 até o 52 deste mesmo estatuto (ECA), abordando todos os requisitos do processo
de adoção. Já no Código Civil, o instituto da adoção é encontrado atualmente nos artigos 1.618
e 1619, dando direcionamento para as instruções do ECA, antes disso, o Código Civil contava
com os artigos 1.618 ao 1.629 a respeito da adoção.
Em 2009, surgiu a Lei nº 12.010/2009, esta lei trata especialmente da convivência familiar
e proteção de crianças e adolescentes. Ocorre que, no Direito de Família, a Adoção foi o instituto
mais abordado e alterado por esta Lei, que revogou os artigos do Código Civil e deu total
exclusividade ao ECA para tratar sobre adoção, além de ainda alterar e acrescentar matéria neste
Estatuto. Diante disso, a Lei ficou conhecida como lei da adoção.
Não é de hoje que se discute a forma burocrática e demorada em que ocorre o processo
de adoção no Brasil. De certo modo, devido ao delongamento dos processos que envolvem este
instituto, acaba ocorrendo uma despriorização da adoção no Brasil. A preferência pela adoção
internacional por muitos adotantes surge em boa parte pela falta de celeridade e a enorme fila de
espera para se conseguir a guarda de uma criança brasileira. Neste trabalho, será apresentado
como questionamento, como a burocracia nos tribunais brasileiros pode desfavorecer as crianças
disponíveis para serem adotadas no país.
Desta forma, este trabalho tem por objetivo apresentar como a falta de celeridade no
processo de adoção brasileiro corrobora para que adotantes priorizem a adoção internacional de
crianças estrangeiras sobre as crianças brasileiras abandonadas, bifurcando-se em três momentos.
Primeiramente, objetiva-se apresentar a trajetória da adoção, especialmente no Brasil, sua história
e características. Seguindo a linha de objetivos, busca-se ainda elucidar ao leitor sobre os aspectos
legais e jurídicos do procedimento realizado para se adotar crianças e adolescentes brasileiros. E
finalmente, espera-se expor como ocorre a adoção de crianças estrangeiras, bem como as
contrariedades que circundam este processo.
No contexto jurídico e social atual, é notório a relevância desse tema no mundo todo,
tendo em vista que a prática da adoção compreende a história da vida humana desde os
primórdios e sofre diversas mudanças tanto nas motivações dos adotantes, quanto ao longo do
processo de criação de normas acerca do tema.
Estima-se com esse trabalho gerar mais uma contribuição ao estudo do instituto da
adoção brasileira e internacional, trazendo, através do exposto no trabalho, um olhar sobre como
o Direito brasileiro possui ainda um longo caminho a percorrer na proteção das crianças
204

brasileiras, especialmente aquelas abandonadas pela família biológica.


Trata-se de uma pesquisa exploratória e explicativa, onde buscou-se entender os motivos
que levavam famílias a buscar crianças estrangeiras, e as razões pelas quais as crianças
negligenciadas pela família biológica ainda se encontram abandonadas em orfanatos.
Iniciou-se a pesquisa doutrinária com uma busca bibliográfica, com a leitura de
doutrinadores como Flávio Tartuce, Maria Berenice Dias e Carlos Roberto Gonçalves, para se
entender e explicar como funciona o Direito de Família e o processo de adoção. Bem como,
posteriormente, houve pesquisa no Conselho Nacional de Justiça e no Cadastro Nacional de
Adoção (CNA), para que houvesse uma análise dos relatórios estatísticos de pretendentes e de
crianças para adoção.
Buscamos uma abordagem qualitativa, para apresentar a complexidade da situação
estudada, assim como apresentar nossas percepções acerca do problema enfrentado nos
processos de adoção no Brasil, que levou a muitos adotantes a preferência pela adoção
internacional.
Nos valemos de análise e revisão bibliográfica, de livros e artigos, leis, regulamentos,
convenções e tratados internacionais, intercalando com dados encontrados no CNA, para
entender como é operado o processo de adoção no Brasil e em outros países; analisar como são
as crianças mais buscadas pelos adotantes, e o motivo da priorização de muitas das famílias por
crianças estrangeiras.
Por fim, buscou-se desenvolver o trabalho em três seções, a primeira é mais conceitual,
apresentando o procedimento da adoção na história, além do conceito de adoção por
doutrinadores do Direito. A segunda é descritiva da adoção no Brasil e do processo em si,
apresentados alguns dos fatores responsáveis pela mora na finalização da adoção. A terceira e
última seção trata da adoção internacional, o processo de adotar uma criança estrangeira e os
contrapontos disto, observando ainda que esta deveria ser considerada em última instância,
observando a quantidade de crianças negligenciadas nos orfanatos brasileiros.

2 DESENVOLVIMENTO

2.1 A Adoção

O Direito de Família sofre diversas mudanças no ordenamento jurídico brasileiro, viu-se a


necessidade de zelar pelas relações parentais, consanguíneas ou não. A inevitabilidade de se pensar
em “família” surge a partir do momento em que o homem se encontra em seu “estado de cultura”,
especialmente ao longo do século XX, onde o Estado passa a interferir mais precisamente na
família.
Para Maria Berenice Dias (2020, p.42), a família é um “agrupamento informal, de
205

formação espontânea no meio social, cuja estruturação se dá através do Direito”, a autora sugere
que o indivíduo sempre buscou se encontrar em um grupo, buscar vínculos afetivos. Dessa
forma, Maria Berenice aborda que pertencer a um grupo familiar é uma forma do indivíduo de
realizar o seu “projeto de felicidade”.
O conceito de família foi por muito tempo ligado a ideia de que os indivíduos estariam
unidos por uma “química biológica”, entretanto, o Direito tem se modificado ao longo dos anos,
e a partir do momento em que a sociedade não aceita mais as leis conservadoras, surge um certo
confronto ao apego destas com antigos ideais e convicções. O Direito passa, então, a sofrer
transformações e modernizações, e no Direito de Família não é diferente.
Entender adoção é entender as mudanças no Direito de Família, o apadrinhamento de
indivíduos não consanguíneos como filhos surge desde os primórdios, e embora constitua um
parentesco eletivo (DIAS, 2020, p.327), a decisão de tomar uma criança como sua, gera vínculos
paternos e/ou maternos, laços afetivos entre irmãos e familiares, e de certa forma esse instituto
vem crescendo ao longo da história da humanidade. Dessa forma, o Direito se adequou às
diferentes modalidades de filiação, legislando para proteger essa espécie de filiação construída na
escolha de coração dos indivíduos.
O procedimento de adoção, hoje, muito importante no Direito brasileiro e internacional,
vem tomando forma desde a sua criação. Desde o Código Civil de 1916 até os dias atuais, o
conceito e entendimento deste instituto vêm formando o que Silvio Rodrigues (2006, p.336-339)
chama de colcha de retalhos legislativa.
Esse instituto é considerado um dos mais antigos na história do homem, haja vista que
desde que se tem registro crianças eram abandonadas e tomadas como filhos por outras famílias
em diversas partes do globo. Nos escritos, nas pinturas e até lendas mais antigas já se
encontravam histórias envolvendo o que, mesmo ainda sem nomenclatura, se entendia como um
processo de acolhimento de um indivíduo antes negligenciado, por diversos motivos, pela família
biológica.
O Código de Hamurabi (1728–1686 a.C.), o mais antigo registro de legislação que se teve
contato, é conhecido como a mais fiel e autêntica fonte do Direito, possui um total de 282
cláusulas decretadas pelo sexto rei da Babilônia, Hamurabi, e dentre elas observa-se o artigo XI
inteiramente dedicado ao instituto da adoção, possuindo neste artigo 11 colunas tratando da
relação de adotante e adotado na sociedade babilônica.
Na Roma antiga a prática da adoção surgiu com o objetivo de gerar herdeiros,
especialmente nas classes abastadas, onde a necessidade de fortalecimento e perpetuação do
nome da família era quase obrigatória. Esse procedimento se dava especialmente com casais que
não conseguiam, por motivos alheios a sua vontade, gerar a prole e, portanto, recorriam a adoção.
Assim como ocorre uma mudança na legislação acerca desse instituto, ao longo do tempo é
possível notar, também, uma clara mudança no perfil e motivação dos adotantes.
206

A origem da palavra adoção é essencial para a compreensão deste instituto, a palavra vem
do latim adoptione, que, para Lídia Weber significa “considerar, olhar para, escolher” (WEBER,
1999, p.100). E dessa forma acontece o instituto da adoção, um determinado indivíduo escolhe
outro, ou em muitos casos é escolhido, para que haja o acolhimento e, assim, o novo membro
da família passa a ser considerado como filho em todos os âmbitos de fato e de Direito.
O vínculo paternal da adoção se dá de maneira fictícia e eletiva, como aponta Maria
Berenice Dias (2020, p.326), onde esse laço decorre de um ato voluntário das partes objetivando
criar parentesco irrevogável, através de um ato jurídico.
O Estatuto da Criança e do Adolescente, de 1990, mostra-se ainda atrasado quando
aponta a adoção como medida excepcional (ECA, artigo 39, §1º), o que sugere que seja pensada
como última medida cabível, entretanto já se entende que essa medida é nada mais que uma
escolha realizada a qualquer momento pelo adotante, independente da capacidade ou não de
gerar filho biológico e independente da situação em que o adotado se encontra.
A maioria dos doutrinadores entende adoção como um ato fictio iuris, com caráter
puramente jurídico, onde um desconhecido entraria na família e permaneceria juridicamente,
mesmo que de forma fictícia, em uma filiação familiar como filho biológico, de modo a “imitar
a natureza”, como na conhecida expressão em latim adoptio naturam imatatur, a adoção imita a
natureza (Justiniano, Institutas, L. I. Tit. 11. § 4. "De adoptionibus”)2.
Carlos Gonçalves em sua importante obra sobre o Direito de Família, apresenta o

2 Corpus Juris Civilis (Suma Completa do Direito dos Romanos), se trata de uma organização de leis romanas, exigida
pelo imperador Justiniano I. Este imperador aspirava o crescimento de Roma, e a união desta com o ocidente, desta
forma a organização de leis e normas foi essencial para a conservação do Estado. Essa obra foi de suma importância
para a estruturação do Código Civil que conhecemos hoje. O livro citado trata do instituto da adoção.
207

instituto da adoção como sendo um “ato jurídico solene pelo qual alguém recebe em sua família,
na qualidade de filho, pessoa a ela estranha” (GONÇALVES, 2017, p. 487).
Maria Helena Diniz, nos dá um conceito mais complexo, analisando as muitas doutrinas
existentes sobre este instituto, para ela,

Adoção é o ato jurídico solene pelo qual, observados os requisitos legais, alguém
estabelece, independentemente de qualquer relação de parentesco consanguíneo ou
afim, um vínculo fictício de filiação, trazendo para sua família, na condição de filho,
pessoa que, geralmente, lhe é estranha (DINIZ, 2018, p. 416).

Para Maria Berenice Dias, o instituto da adoção continua sendo um ato jurídico de
vinculo fictício de paternidade, seguindo a linha do fictio iuris, segundo ela “A adoção cria um
vínculo fictício de paternidade-maternidade-filiação entre pessoas estranhas, análogo ao que
resulta da filiação biológica” (DIAS, 2020, p.326).
O fato é que esse instituto tem sido a saída, no mundo todo, para muitas crianças e
adolescentes negligenciados e violentadas pelos pais biológicos, bem como de milhares de
pessoas que desejam ter filhos, independentemente de ser uma medida excepcional ou não para
ambas as partes.
No Brasil, o processo de adoção teve uma série de modificações desde sua criação no
código civil de 1916 até os dias atuais, entretanto a configuração burocrática desse processo torna
mais difícil e demorada a habilitação à adoção e o acolhimento institucional da nova família,
muitas vezes levando anos para que se concretize de fato. Sendo assim, muitas famílias recorrem
à adoção internacional como meio mais célere de realizar a aspiração da paternidade e
maternidade.

2.1 A Adoção no Brasil

A ideia da adoção no ordenamento brasileiro surge ainda nas Ordenações Filipinas de


maneira mais simples e menos ampla, seguindo o ideal legislativo português e por vezes buscando
o Direito Romano para solucionar as brechas deixadas nesse processo de criação das normas
brasileiras.
Entretanto, esse instituto se apresenta mais fielmente na Consolidação das Leis Civis,
apresentada por Augusto Teixeira de Freitas, em 1858, e se manteve presente até a criação do
Código Civil de 1916. Nesse momento o olhar era voltado principalmente aos órfãos (orphãos) e
a situação do pós-morte da família, é nesse momento que a adoção passa a ser tratada como
medida excepcional, utilizada quando não havia mais outra saída para, especificamente, as
crianças órfãs3.
No Código Civil de 1916 o instituto da adoção vai criando forma mais palpável, e ganha
208

caráter exclusivamente jurídico, como dispõe o artigo 336 do mesmo código, determinando que
“a adoção estabelece parentesco meramente civil entre o adotante e o adotado”. A adoção está
organizada em um capítulo exclusivo, com artigos que então passam a regulamentar não apenas
sobre a situação de crianças órfãs, mas o ato de adotar em si. O Código Civil de 1916 nomeou
esse instituto como adoção simples, e dispôs que apenas os maiores de cinquenta anos “sem prole
legítima ou legitimada”, e tendo ainda, pelo menos 18 anos de diferença entre o adotante e o
adotado.
Com a promulgação da Constituição Federal, o instituto da adoção ganha nova cor, os
objetivos dos que procuram a adoção se modificam ao longo dos anos, não mais se objetiva a
perpetuação de um nome, e tampouco um herdeiro, há na verdade um desejo maior em ter um
filho, biológico ou não, de se exercer a paternidade e/ou maternidade e acolher crianças
abandonadas em diversas situações.
As noções mudam e a adoção passa a ter o caráter pessoal de acolhimento como filho
biológico, como dispõe o artigo 227 inciso VII, §6º da Constituição Federal de 1988, em que
aponta que os filhos por adoção “terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer
designações discriminatórias relativas à filiação”.

2. 3 O Processo de adoção no Brasil: a moralidade do procedimento de


adoção no país.

A Constituição Federal de 1988 apresenta o princípio da proteção integral, no seu artigo


227, deferindo que os direitos e proteções básicas seriam direcionados as crianças de forma
igualitária e definitiva:

3 Aqui temos por “criança órfã” aquela que perdeu os pais por falecimento.
209

É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao


jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao
lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência
familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência,
discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (CF/88, Artigo 227).

Dessa forma a adoção se torna essencial para a garantia da devida proteção e cuidados às
crianças que necessitam dela, e do mesmo modo o processo de adoção deve se apresentar como
uma saída segura para estas crianças, para que o lar escolhido seja favorável às necessidades destas
e permanente, para que não haja danos psicológicos a criança que já foi abandonada uma vez.
O processo de adoção se inicia com a entrada do adotante no fórum da vara da infância
e juventude da região mais próxima, com cópias autenticadas da certidão de nascimento, ou
declaração relativa ao período de união estável, cédula de identidade e da Inscrição no Cadastro
de Pessoas Físicas (CPF), comprovante de renda e de residência, atestados de sanidade física e
mental, certidão negativa de distribuição cível e a certidão de antecedentes criminais, que serão
enviados ao Ministério Público e avaliados pelos profissionais da justiça qualificados, como prevê
o ECA.
A segunda fase é um período de grande ansiedade para os que esperam ter um filho,
especialmente por ser o momento em que serão analisadas as motivações dos indivíduos para a
adoção, bem como se inicia uma análise mais minuciosa da convivência familiar, e das condições
de se manter uma criança, além de apurar os desejos e expectativas da família sobre uma nova
criança.
Em fase posterior, a família adotante deverá ser familiarizada com as realidades da
adoção, seja em contato com famílias que acolheram crianças ou participando de um programa
de preparação, para se tornarem aptos a recepcionar e cuidar de uma criança adotiva. Para isso,
foram incluídos pela Lei da Adoção os parágrafos 3º (terceiro) e 4º (quarto) no artigo 50
(cinquenta) do Estatuto da Criança e do Adolescente. A ver:

Art. 50. A autoridade judiciária manterá, em cada comarca ou foro regional, um registro
de crianças e adolescentes em condições de serem adotados e outro de pessoas
interessadas na adoção.
§ 3 o A inscrição de postulantes à adoção será precedida de um período de preparação
psicossocial e jurídica, orientado pela equipe técnica da Justiça da Infância e da
Juventude, preferencialmente com apoio dos técnicos responsáveis pela execução da
política municipal de garantia do direito à convivência familiar.
§ 4 o Sempre que possível e recomendável, a preparação referida no § 3 o deste artigo
incluirá o contato com crianças e adolescentes em acolhimento familiar ou institucional
em condições de serem adotados, a ser realizado sob a orientação, supervisão e avaliação
210

da equipe técnica da Justiça da Infância e da Juventude, com apoio dos técnicos


responsáveis pelo programa de acolhimento e pela execução da política municipal de
garantia do direito à convivência familiar (ECA, art. 50, § 3º e 4º).

Baseado na análise documental do Ministério público, e psíquica, no desempenho dos


adotantes no processo inicial, especialmente nos programas de preparação, o juiz avaliará a
família como apta ou não a receber habilitação para adotar e, a partir desse momento, esta será
ingressada na fila de adoção do Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento.
O processo de adoção visa especialmente analisar a idoneidade e competência dos
adotantes para assumir a responsabilidade da paternidade e/ou maternidade, entretanto esse
processo é burocrático, por almejar a plenitude e excelência de um lar, e acaba por se torna
extenso e demorado, durando por vezes meses ou até anos, desgastando, assim, os adotantes e
as crianças órfãs4.
A Lei 13.509, de 22 de novembro de 2017, que dispõe sobre a adoção, no seu artigo 46,
apresenta o estágio de adoção, que é realizado após a seleção de adotante e adotado estar
concreta, como sendo um período que compreende o tempo em que a criança convive com a
nova família, e determina o prazo de 90 dias para essa primeira adaptação. No parágrafo 10 do
mesmo artigo, a Lei estabelece que “o prazo máximo para conclusão da ação de adoção será de
120 (cento e vinte) dias, prorrogável uma única vez por igual período, mediante decisão
fundamentada da autoridade judiciária”, em teoria sendo um processo que segue o princípio da
celeridade, buscando atentar para os mais vulneráveis e tornar o processo mais rápido.
Entretanto, mesmo após 3 (três) anos da promulgação desta Lei, a burocracia é constante
e a demora nos processos de adoção seguem acontecendo no Brasil. Segundo dados de pesquisa
da Associação Brasileira de Jurimetria e do Conselho Nacional de Justiça, na maioria dos casos
esse processo dura pelo menos nove meses, e em determinadas regiões, como o Sudeste, pode
demorar até três anos para uma criança conseguir a adoção plena.
O que dificulta ainda mais esse instituto é o processo de destituição, que é onde todos os
vínculos da criança com os pais biológicos são desfeitos. Geralmente é feito antes do processo
de adoção em si, na maioria dos casos ocorre antes de a criança ser devidamente disposta para
iniciar o processo com a nova família.

4 Já neste caso, temos por “criança órfã” aquela que perdeu pai, mãe, ou ambos, por falecimento ou
abandono e espera ingressar em uma nova família.
211

O fato é que este procedimento é demorado, pois uma das condições necessárias é a
suspensão do pátrio poder, que é obrigatória. A Lei nº 8.069, de 13 de junho de 1990 (Estatuto
da Criança e do Adolescente – ECA) define no artigo 158, §1º, que “a citação será pessoal, salvo
se esgotados todos os meios para sua realização”, dessa forma o juiz é obrigado a solicitar todas
as formas de citação, e frequentemente acaba tendo que buscar parentes, vizinhos, e afins para
que se encontrem os pais biológicos e se desfaça o vínculo familiar.
Em vista disso, com a demora deste procedimento, muitas crianças antes com idade
equivalente a que a maioria dos adotantes escolhe, acabam excedendo essa idade, e se tornam
parte da grande porcentagem de crianças e jovens esquecidos em abrigos.
Além disso, esse procedimento provoca dilação no seguimento dos processos que já estão
em andamento, de crianças ainda não destituídas, e acarreta na apreensão dos adotantes em saber
se realmente conseguirão a adoção, bem como gera frustração no adotado que anseia por um lar
e uma família.

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ)5 , considerando a integridade das crianças do


Brasil, especialmente a situação das disponíveis para adoção, estabeleceu que todos os Tribunais
de Justiça do país acomodassem as Varas de Infância e Juventude, para uma maior celeridade nos
processos que envolvem menores.
Embora o CNJ preze pela rapidez dos processos, considerando a importância dos casos
de destituição e adoção para se tirar crianças do abandono, na prática não é exatamente assim
que funciona. Segundo dados do próprio CNJ, em 2014 menos de 15% das varas eram restritos
aos casos de infância e juventude, concentrando outros tipos de ações de outras esferas. Dessa
forma as ações envolvendo crianças, não priorizadas, demoram muito, às vezes anos, para
tramitarem em juízo, e muitos dos órfãos perdem a chance de ter uma família.
Além disso, outro fator que leva ao aumento e demora nas filas de adoção vem dos
próprios adotantes, em boa parte dos casos há certo padrão na escolha das crianças,
especialmente com relação à idade, aparência física e gênero.
No site do Cadastro Nacional de Adoção6, é possível encontrar o relatório de
pretendentes e de crianças disponíveis para adoção, dessa forma foi feita uma análise nos padrões

5 O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) foi criado em 2004, pela Emenda Constitucional 45, que tem como função
reformar, controlar e aperfeiçoar externamente o judiciário brasileiro, estabelecendo parâmetros e diretrizes
nacionais, para que haja ainda “a transparência processual e administrativa”, como aponta o site do Conselho. Com
relação a adoção, o CNJ busca trazer celeridade e desempenho positivo aos processos envolvendo as crianças órfãs.
6 Vide: https://www.cnj.jus.br/cnanovo/pages/publico/index.jsf
212

dos adotantes e das crianças. Percebeu-se que boa quantidade dos pretendentes busca um mesmo
modelo de criança, o que diverge da realidade dos orfanatos e abrigos no país, deste modo às
famílias seguem por anos em busca da criança ideal, enquanto as diversas outras crianças e
adolescentes esperam incansavelmente uma família.
Ainda no Cadastro Nacional de Adoção, em 2019, percebeu-se que 93% dos adotantes
aceitam crianças brancas, quando apenas 58% destes aceitam crianças negras. Há aqueles que
apenas aceitam crianças brancas, totalizando 6.433 indivíduos, embora o número de crianças
disponíveis com tal fenótipo é de 3.076.
Com relação a irmãos, não há grande disparidade, e há de certa forma um avanço, cerca
de, 42,24% dos pretendentes não aceitam irmãos, enquanto 54,76% se disponibilizam para
acolhê-los.
Ademais, ainda que boa parte dos adotantes (30.034), seja indiferente quanto ao gênero
da criança, foi percebido um número de cerca de, 12.263 adotantes que aceitam adotar apenas
meninas, que é quase a metade dos adotantes, havendo assim uma priorização na escolha quanto
ao gênero.
Quanto a idade, o número de candidatos em busca de crianças de até 3 anos é de 8.195,
até 6 anos é de 4.852, já para crianças de até 10 anos o número cai significativamente para 847, e
ao chegar na adolescência a chance de ser adotado diminui ainda mais, sendo 247 pretendentes os
que aceitam até 13 anos, e apenas 101 estão disponíveis para 15 anos.
Dessa forma, em busca da criança ideal ou devido à insatisfação com o judiciário, e o
medo da decepção de não conseguir concluir a adoção e do que essa possível lentidão do
processo pode causar na relação do adotante e adotado, muitos brasileiros têm recorrido a
adoção internacional de criança estrangeira como forma mais rápida e efetiva de realizar o desejo
de um filho.

3 ADOÇÃO INTERNACIONAL: o processo de adoção de crianças


estrangeiras.

No Brasil existem por volta de 8,7 mil crianças aptas para adoção e mais de 40 mil em
abrigos esperando estarem judicialmente aptas para esse processo. Boa parte dessas crianças nem
mesmo está no rol de escolhas de adotantes, por questões físicas ou biológicas, e passam suas
vidas em abrigos a espera de um lar.
Mesmo com o alto índice de crianças brasileiras à espera de uma família, muitos adotantes
ainda escolhem crianças de outros países, geralmente ansiando a celeridade do processo, visto
que em muitos desses lugares a adoção é menos burocrática e em poucos meses o adotante já
tem a habilitação para ser pai ou mãe daquela criança.
Muito se tem conhecimento acerca da adoção de crianças brasileiras por estrangeiros,
213

haja vista que em outros países o número de crianças para adoção é pequeno, dessa forma é
comum à busca de crianças brasileiras como filhos, principalmente por europeus.
Todavia, embora o ECA, o Código Civil e outras convenções, como a Convenção de
Haia, estabeleçam normas acerca da adoção internacional de crianças de outros países realizadas
por famílias brasileiras, ainda são escassos os estudos e as produções, como livros e artigos, sobre
o tema.
O índice de pessoas interessadas em adotar crianças de outros países vem aumentando,
principalmente devido ao crescente número de pessoas famosas, como Madonna, Giovanna
Ewbank e Bruno Gagliasso, Angelina Jolie, e outros que optaram pela adoção internacional,
gerando, assim, conhecimento sobre o assunto e tendendo de certa forma, a influenciar
indivíduos a buscar pelo mesmo modelo de adoção.
A adoção de crianças estrangeiras é um procedimento caro e depende muito do país onde
reside o adotante e o que reside o adotado. Em alguns países há a necessidade de uma habilitação
anterior concedida pelo Brasil, em outros casos essa adoção não é sequer autorizada pelo país do
adotado, ou por vezes o processo é simples e não exige muito mais que a deslocação do adotante
para o país que ocorrerá a adoção.
A Convenção de Haia, estabelecida no dia 05 (cinco) de outubro de 1965, foi assinada
por 112 países, tendo como propósito de agir para acelerar e facilitar a legalização de documentos
entre países, e dessa maneira, no processo de adoção, a fase de tramitação de documentos entre
os países integrantes da Convenção seria mais rápida.
No Brasil foi promulgada em 1999, a Convenção Relativa à Proteção das Crianças e à
Cooperação em Matéria de Adoção Internacional, pelo decreto nº 3.087, contribuindo para
salvaguardar as crianças e adolescentes em nível internacional, entretanto a convenção de Haia
em si entra em vigor no Brasil apenas em 2016, pelo decreto nº 8.666, e é até hoje fiscalizada pelo
CNJ.
Sobre o processo da adoção internacional de criança estrangeira no Brasil, os incisos do
artigo 52-C e D da lei 12.010/2009, que alterou o ECA, apontam as instruções para que o
214

procedimento seja bem-sucedido no Brasil. Como por exemplo,

Art. 52-C. Nas adoções internacionais, quando o Brasil for o país de acolhida, a decisão
da autoridade competente do país de origem da criança ou do adolescente será
conhecida pela Autoridade Central Estadual que tiver processado o pedido de
habilitação dos pais adotivos, que comunicará o fato à Autoridade Central Federal e
determinará as providências necessárias à expedição do Certificado de Naturalização
Provisório.
§ 1o A Autoridade Central Estadual, ouvido o Ministério Público, somente deixará de
reconhecer os efeitos daquela decisão se restar demonstrado que a adoção é
manifestamente contrária à ordem pública ou não atende ao interesse superior da criança
ou do adolescente.
§ 2o Na hipótese de não reconhecimento da adoção, prevista no § 1o deste artigo, o
Ministério Público deverá imediatamente requerer o que for de direito para resguardar
os interesses da criança ou do adolescente, comunicando-se as providências à
Autoridade Central Estadual, que fará a comunicação à Autoridade Central Federal
Brasileira e à Autoridade Central do país de origem.

Ainda apresentando os requisitos processuais para a adoção estrangeira, vemos o que está
previsto nos artigos 14 a 16 do Decreto 3.087/99, que trabalha a convenção de Haia no
procedimento de adoção. E ainda no ECA, seguindo as alterações feitas dos artigos 165 a 170,
pelo artigo 52 da lei de adoção.
Quando ocorre a sentença da adoção concedida no exterior e a emissão da nova certidão
de nascimento da criança, e com a chegada ao Brasil é ainda necessário o registro do adotado em
território nacional no Consulado Brasileiro, em que cabe ao Superior Tribunal de Justiça,
conforme o Ministério das Relações Exteriores (MRE) regula, homologar a sentença estrangeira.
Dessa forma, podemos notar que a adoção de criança estrangeira está muito bem
regulamentada no ordenamento brasileiro. Possui ainda órgãos que as fiscalizam e protegem,
como a Autoridade Central Administrativa Federal (ACAF) e as Autoridades Centrais Estaduais
(CEJAs/CEJAIs), que são encarregados de fiscalizar o cumprimento das normas relativas à
Convenção de Haia, e desta forma, zelar pelo bom cumprimento das adoções internacionais.

4 ADOÇÃO INTERNACIONAL DE CRIANÇA ESTRANGEIRA:


contrapontos, conflitos de normas

Embora possa ocorrer menos burocracia em termos jurídicos, o processo de adoção


estrangeira é dispendioso, é necessário o deslocamento dos indivíduos para o país da adoção,
215

além de outras barreiras linguísticas e culturais a serem superadas.


Outro problema encontrado nas adoções internacionais, são os conflitos de normas,
sobre estes há uma busca para que sejam sanados através dos tratados e convenções
internacionais e a cooperação judiciária internacional. Entretanto, na Convenção de Haia, por
exemplo, que versa sobre a adoção internacional e facilita a mesma, hoje só se encontram 112
países inclusos, não abrigando grande parte das nações do globo.
Ainda, muitas nações não abriram suas portas para a adoção internacional, ou possuem
legislações internas que são um verdadeiro obstáculo para quem busca a adoção. Geralmente os
países mais pobres ou mais populosos tem a facilidade, ou possuem normas menos exigentes
para adoção de suas crianças, especialmente países que fazem parte da África e Ásia, como
Etiópia, Índia e China.
O desenvolvimento da criança estrangeira adotada, independentemente da idade,
também demanda certa sensibilidade e cuidado. Desde aquelas que advêm de condições de
cuidado escasso, abuso, muitas vezes maltratadas e negligenciadas em tenra idade, até aquelas
que foram abandonadas muito cedo, o trauma vivido por crianças em situação de adoção é muito
pesado, e é essencial que se busque a melhor forma para que se evite desgaste emocional na
criança. E quando se trata de criança retirada de seu país natal, requer ainda maior cautela e
responsabilidade.
A adoção internacional requer um processo maior de adaptação do adotado à nova
família, tendo em vista que além de uma nova casa, a criança estará adentrando em uma nova
cultura e muitas vezes uma nova linguagem.
Além disso, é necessária uma atenção maior tendo em vista o risco de a criança sofrer
discriminação no novo país, como racismo e xenofobia. Desse modo, embora existam muitas
crianças ao redor do mundo ansiando um lar amoroso, a adoção internacional deve ser
considerada em última instância, apenas em casos especiais.

5 OS CAMINHOS DA ADOÇÃO NO BRASIL: conclusão.

A facilitação do processo de adoção no Brasil é uma saída para os adotantes e adotados


brasileiros. A adoção é a possibilidade mais eficaz de um lar para crianças em situação de
abandono no Brasil, mas ainda caminha a passos lentos, devido aos trâmites da justiça e a
burocracia nos procedimentos, além de que muitas crianças não estão no parâmetro de escolha
dos adotantes, e de certa forma ainda há poucos programas de conscientização quanto a isso.

O padrão de escolha de crianças pelos adotantes se concentra nas condições físicas e


mentais destas. Como já apresentado, a idade aceita é, na grande maioria dos casos até os três
anos de idade pela maioria dos casais que decidem adotar, e o perfil geralmente inclui crianças
216

com cor de pele específica, padrão de corpo específico, sem nenhum tipo de deficiência, e coisas
relacionadas a saúde e integridade física e mental.
Com a demora nos processos de desintegração da família biológica, muitas crianças
brasileiras passam da idade escolhida para adoção, em outros casos as crianças que vem de um
nicho perturbado, de negligencia e abandono, tem a saúde física e mental abalada, ou na maioria
das vezes a criança é plenamente saudável, apenas não se encaixa nos padrões gerais da maior
parte dos adotantes.
Muitas crianças disponíveis para adoção estão machucadas fisicamente ou
psicologicamente, são mais retraídas ou buscam pouco contato, e a busca pela criança ideal,
completamente imaculada, muitas vezes tira a chance de essas crianças saírem da situação em
que se encontram.
Estes fatores fazem com que as ruas e os orfanatos se encham rapidamente de meninos
e meninas, estes que dificilmente conseguirão um novo lar e o processo de adoção de crianças
estrangeiras dificulta ainda mais a saída desses pequenos da situação em que vivem.
A mudança na conscientização e em determinados aspectos do processo de adoção no
Brasil pode ocorrer de forma a evitar que a adoção internacional seja a única opção possível aos
olhos de alguns adotantes.
O processo de adoção de crianças mais velhas, por exemplo, é de certa forma menos
burocrático, haja vista que a maioria delas se encontra já desconectadas juridicamente das famílias
biológicas, de forma que o processo de destituição já ocorreu, diminuindo a demora na adoção.
Nos programas de preparação dos adotantes para receber uma criança adotada, poderia
ser apresentada além das famílias que já adotaram crianças, aquelas famílias que escolheram
crianças fora do padrão, ou até mesmo introduzir a realidade e as condições daquelas crianças
que não se encontram no padrão exigido.
O direito e, consequentemente, as leis, estão em constante processo evolutivo. Portanto,
o Legislativo e o Judiciário, colaborando um com o outro, possuem o papel de cuidar destas
crianças tão vulneráveis, buscando assim a diminuição da burocracia, a mudança na percepção
dos pretendentes quanto os órfãos, através de meios de conscientização e ainda a busca por
outros meios que facilitem o processo de adoção.

REFERÊNCIAS

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ex t&tlng=en

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Adolescente e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil,
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em: 10 de fev de 2020

BRASIL, LEI No 6.697, DE 10 DE OUTUBRO DE 1979. Revogada pela Lei nº


8.069, de 1990. Dispõe sobre Código de Menores. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/1970- > Acesso em: 10 de fev de
2020

BRASIL, LEI Nº 3.071, DE 1º DE JANEIRO DE 1916 Revogada pela Lei nº 10.406,


de 2002. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.html > Acesso
em: 10 de fev de 2020

BRASIL, LEI Nº 13.509, DE 22 DE NOVEMBRO DE 2017. Dispõe sobre adoção e


altera a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), a
Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio
de 1943, e a Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil). Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2017/Lei/L13509.htm#art1 >
Acesso em: 10 de fev de 2020

BRASIL, Lei 4.655 de 4 de junho de 1965 Revogada pela Lei nº 6.697, de 1979 Dispõe
sobre Legitimação Adotiva. 1965. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/1950-1969/L4655.htm > Acesso em:
10.fev.2020.

BRASIL, DECRETO No 3.087, de 21 de junho de 1999. Promulga a Convenção


Relativa à Proteção das Crianças e à Cooperação em Matéria de Adoção Internacional,
concluída na Haia. Disponível
em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D3087.html > Acesso em: 10 de fev de
2020

CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. CNA-Cadastro Nacional de Adoção.


Disponível em: <https://www.cnj.jus.br/cnanovo/pages/publico/index.jsf > Acesso em:
10 de fev de 2020.

CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Sistema Nacional de Adoção e


Acolhimento. 2019. Disponível em: <https://www.cnj.jus.br/programas-e-
acoes/adocao/passo-a-passo-da- adocao/ > Acesso em: 10 de fev de 2020
Diário Oficial da União, 1990. Disponível em:
https://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1990/lei-8069-13-julho-1990-372211-norma-
pl.html

DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 13. Ed. rev. Ampl. E atual – Salvador:
218

Editora JusPodivm, 2020.

DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. São Paulo,
Saraiva, v. 5. 2018.

FREITAS, Augusto Teixeira de. Consolidação das leis civis. v.2, Ed. fac-sim – Brasília:
Senado Federal, Conselho Editorial. 2003.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito de família. 4 ed. São
Paulo: Saraiva, 2007. v. 6.

PINTO, Cristiano Vieira Sobral. Direito Civil Sistematizado. 8 ed. rev., atual e ampl.
Salvador: Juspodivm, 2017.

REIS, Tiago. Demora da Justiça faz criança perder chance de adoção, mostra estudo.
2015. Disponível em: http://g1.globo.com/bemestar/noticia/2015/06/demora-da-justica-
faz-crianca- perder-chance-de-adocao-mostra-estudo.html.

RODRIGUES, Silvio. Direito Civil brasileiro: direito de família, Ed. Atual, 2006.
219

O ENFRENTAMENTO DA VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER NO


PIAUÍ: OPERACIONALIZAÇÃO E ESTRATÉGIAS DO ESTADO
FRENTE AO FEMINICÍDIO

Luana Leal de Sousa1


1 INTRODUÇÃO

A IV Conferência Nacional de Políticas para Mulheres, sediada no Brasil em 2016, ano em


que a Lei Maria da Penha completou uma década de vigência, possibilitou que se vislumbrasse um
panorama que permanece até hoje, no que tange às políticas de enfrentamento às violências
domésticas e familiares contra mulheres no país. Aqui, há o entrechoque de estratégias legais e de
iniciativas políticas, dando origem a novas perspectivas de acesso à justiça. Partindo disso, em
março de 2015, assistiu-se a outro momento importante desse contexto, qual seja, a sanção da lei
n. 13.104/15, que instituiu a qualificadora do Feminicídio.
Então, diante desse contexto surge um cenário que se apresenta, por vezes, bastante
controvertido, objeto do qual se ocupa este trabalho. A alternativa pela criminalização do
feminicídio tem suscitado, desde sua sanção, um conjunto de análises capazes de suscitar
questionamentos em torno de estratégias empreendidas por vários movimentos sociais, dentre ele
os movimentos feministas brasileiros até então, ao mesmo tempo em que faz emergir posições
favoráveis aos processos de judicialização, não raro atribuindo à dimensão simbólica um viés
positivo, buscando mudanças no pensamento cultural.
Cabe, no entanto, ressaltar que o campo jurídico-legal é uma das diversas áreas em que se
estabelecem complexas relações sociais sendo, pois, é objeto de disputa de interesses. A questão
do feminicídio trata-se de uma questão social com significativo conteúdo político e, justamente por
isso, envolve, dentre outras questões, as de natureza jurídica, semânticas e conceituais 2. Assim, faz-
se mister que se chame a atenção para o fato de que se está lidando com fatos sociais, imersos nas
complexas relações de poder que são parte das estruturas sociais.
Assim, este artigo tem por proposta central apresentar e analisar o quadro geral de combate
à violência contra a mulher no Piauí depois da inserção da lei do Feminicídio, sistematizando o
panorama em que se encontram as principais críticas produzidas, até então, sobre a criminalização
do feminicídio e, com base nelas, fazer uma reflexão sobre o significado

1Luana Leal de Sousa é graduanda em Bacharelado em Direito pela Faculdade Estácio de Teresina-PI, com endereço
eletrônico luanaleal677@gmail.com e currículo lates
https://wwws.cnpq.br/cvlattesweb/PKG_MENU.menu?f_cod=9EC6BAE2DEFCB3740ADFE1BAC4B19828
2Essa tese será defendida ao longo de todo o trabalho.
220

dessas lutas no cenário feminista nacional. Pretende-se, ainda, demonstrar o modus operandi adotado
pela Polícia Civil do Piauí no combate à prática desse crime, bem como as lacunas que ainda existem
quanto a essa questão, o que leva a crer que a criminalização do Feminicídio possui um conteúdo
que extrapola a sua utilidade simbólica, constituindo-se em instrumento político concreto de
enfrentamento às violências de gênero.
Metodologicamente, o trabalho será formulado a partir da coleta de boletins e artigos
publicados sobre o tema, posteriores à lei n. 13.104/15. A esses, também será somada a revisão
legal do processo de criminalização. Por outro lado, a teoria política feminista, formulada por
autoras como Judith Butler, por exemplo, é fundamental para a construção de toda a análise do
tema, como é notório durante a leitura deste artigo. As teorias políticas feministas são capazes de
nortear a análise na medida em que oferecem uma perspectiva em que as questões sociais são
analisadas em sua dimensão individual e estrutural.
Para além desses elementos, o trabalho desenvolvido por Eugênia Nogueira do Rêgo
Monteiro Villa e Bruno Amaral Machado, intitulado “O Mapa do Feminicídio na polícia civil do
Piauí: uma análise organizacional-sistêmica” foi amplamente utilizado nesse artigo, como consulta
necessária a uma pesquisa que tenha contemplado inferências extraídas de bancos de dados oficiais
da Polícia Civil do Piauí e análise de inquéritos policiais que apuraram o feminicídio, como foi o
caso do trabalho supracitado. A partir disso, os autores elaboraram um mapa do feminicídio no
Estado do Piauí, a partir do qual foi possível coletar dados e informações acerca do quadro
sistêmico e estrutural das medidas e estratégias utilizadas, no que tange ao combate desse crime no
estado3.
Assim, se constituíram como objeto de análise: laudos periciais, termos de oitivas, auto de
prisão em flagrante delito, interrogatório e relatório. Em seguida, passou-se a uma análise do
discurso e, por fim, a uma abordagem organizacional, por meio do mapeamento de categorias
empíricas neles presentes, a fim de que fosse possível adentrar na rotina policial e verificar como
as organizações observam o feminicídio e de que modo se comunicam.
A justificativa de um trabalho dessa natureza reside em que este poderá contribuir quanto
à construção de protocolos capazes de auxiliar as investigações dos feminicídios, unindo a aplicação
do direito penal e realidade empírica, além de favorecer o debate, o planejamento e a efetividade
dos direitos das mulheres em situação de violência na perspectiva de gênero.

3VILLA, Eugênia Nogueira do Rêgo Monteiro. MACHADO, Bruno Amaral. O mapa do feminicídio na Polícia Civil
do Piauí: uma análise organizacional-sistêmica. R. Opin. Jur., Fortaleza, ano 16, n. 22, p.86-107, jan./jun. 2018
221

2.1 Panorama Geral

A partir dos dados acerca da violência contra a as mulheres no Brasil até então coletados e
disponíveis para consulta pública, é possível depreender que existe um problema agudo e de longa
duração nesse sentido. Essa violência, levando a um quadro fatal, atingiu mais de 50 mil mulheres
entre 2000 e 2010, ano em que a taxa de mortes foi de 4,6 por 100 mil habitantes (WAISELFISZ,
2012).
Nesse sentido, o Brasil não se distancia do contexto de outros países da América Latina,
no que se refere ao fato de que o problema do feminicídio está estreitamente ligado à violência
conjugal, uma vez que, dentre as mulheres assassinadas, muitas morreram pela ação de pessoas
com quem mantinham ou já mantiveram um relacionamento afetivo.
No Brasil, a tentativa de conferir às mulheres um estatuto jurídico específico para a garantia
do direito a uma vida sem violência resultou numa proposta de alteração legislativa, em consonância
com a lei 11.340/2006. Ainda nessa perspectiva, a Lei Maria da Penha instituiu um novo paradigma
para os profissionais que atuam no sistema de justiça criminal, bem como para os responsáveis pela
formulação de políticas públicas. Essa lei, que contou com a participação de representantes dos
movimentos de mulheres, trouxe um programa inovador para o tratamento do problema da
violência doméstica e familiar contra a mulher. O referido texto legal ainda trouxe para o
ordenamento jurídico a categoria “violência baseada no gênero” (artigo 5º) e a equiparação entre
violência doméstica e familiar contra a mulher e violação de direitos humanos.
É inegável que um dos efeitos mais imediatos da Lei Maria da Penha foi conferir visibilidade
ao problema da violência doméstica e familiar contra a mulher, buscando ocupar um espaço
importante no debate público. No entanto, é importante salientar que, não obstante os avanços
significativos que foram consolidados na legislação, ainda são grandes as dificuldades enfrentadas
pelas mulheres para terem seus direitos efetivamente reconhecidos, em face das práticas
discriminatórias que, costumeiramente, orientam as instituições policiais e judiciais. Dessa forma,
é importante conhecer as circunstâncias que cercam o assassinato de mulheres e a existência da
relação com a violência doméstica, com vistas a que seja possibilitado um diagnóstico que
contemple os aspectos comuns aos casos, para além das tragédias pessoais, além do desenho de
estratégias eficazes para a promoção dos direitos das mulheres.

De acordo com dados estatísticos produzidos pelo Núcleo de Estatística e Análise Criminal,
em parceria com o Núcleo de Estudo e Pesquisa em Violência de Gênero, da Secretaria de
Segurança Pública do Piauí, no período compreendido entre 10 de março de 2015 (data da vigência
da Lei do Feminicídio) e 30 de agosto de 2016 (período histórico da estatística oficial), foram
registrados 84 (oitenta e quatro) casos de crimes violentos letais intencionais – CVLI – femininos.
222

Dos 84 casos, 50 foram tipificados como feminicídio.


Nos casos pontuados, os autores eram, em sua maioria, conhecidos pelas vítimas,
culminando a ação em suas próprias casas e nos momentos de descanso familiar, fatores estes que
podem estar intrinsecamente ligados a uma cultura patriarcal orientada pelo poder masculino desde
a era colonial brasileira, cujo Código Filipino, vigente à época, permitia que o marido assassinasse
a esposa adúltera ou a enclausurasse, além das filhas (LAGE; NADER, 2013).
A discussão jurídica no Brasil sobre o assassinato de mulheres na perspectiva de gênero
ocorre a partir da vigência da Lei nº. 13.104/15 (BRASIL, 2015a), que inseriu a qualificadora
feminicídio no art.121 do Código Penal (BRASIL, 2015b). O tema apresenta lacunas nos planos da
legislação e conta com escassa produção teórica, dado o seu caráter atual na comunidade jurídica,
não podendo, ainda, serem identificadas inferências ou metodologias de interpretação específicas
que auxiliem as organizações que participam da divisão do trabalho jurídico-penal na compreensão
dos contextos em que são praticados os atos de feminicídio (VILLA; MACHADO, 2018).
Os autores supracitados acreditam que uma metodologia investigatória na perspectiva de
gênero, capaz de levar em conta as decisões organizacionais da polícia, poderá contribuir para a
construção de protocolos que auxiliem as investigações dos feminicídios, qualificando a aplicação
do direito penal à realidade factual, além de favorecer o debate, o planejamento e a efetividade dos
direitos das mulheres em situação de violência na perspectiva de gênero4.
Sob a ótica formal, pretende-se discutir o feminicídio, na perspectiva de gênero, a partir do
termo “condição do sexo feminino”, elemento caracterizador da sua prática (Lei nº.13.104, de 10
de março de 2015) (BRASIL, 2015a). No plano material, propõe-se verificar, na perspectiva
organizacional, a maneira pela qual o feminicídio é operado nas decisões policiais, ou seja, como
vem sendo compreendido pela polícia, o que supõe contemplar a divisão do trabalho jurídico- penal
e, especificamente, da Polícia Civil, no desempenho das suas distintas funções de polícia judiciária
e de polícia técnico-científica (VILLA; MACHADO, 2018).

4Seguiu-se na defesa desta mesma tese no presente trabalho.


223

Abordar a temática do Feminicídio significa, em consequência, abordar as relações de


gênero que demarcam o território da expressão “condição do sexo feminino”, no sentido do que
se poderia compreender acerca da forma pela qual o “feminino” figura como “condição” para
qualificar um assassinato. Assim, faz-se necessário contemplar os no plano fático e os discursos da
organização policial (FOUCAULT, 2013). Faz-se, por outro lado, também necessária uma
abordagem centrada em discursos jurídicos e organizacionais, levando em consideração as falas dos
personagens envolvidos. Nesse sentido, a argumentação jurídica supõe distinções fundamentadas
em critérios de validez, orientadas pelos códigos do sistema jurídico (direito/ não direito), bem
como outras distinções relevantes, particularmente associadas às informações já registradas no
sistema (redundância) e aquelas originadas do entorno (variações), como a
autorreferência/heterorreferência (LUHMANN, 2016). Assim, as relações de gênero, evidenciadas
nos discursos selecionados para análise, apresentam-se relevantes para a releitura dos programas
condicionais do direito.

2.2.1 Percurso

No Piauí, foi criado, em 2 de março de 2015, por meio da SSP/PI, o Núcleo Policial
Investigativo do Feminicídio, com competência para investigação do Feminicídio em todo o
estado. A partir desse ato, esse crime foi conceituado “[...] como sendo o assassinato de meninas,
mulheres, travestis e mulheres transexuais baseado em relações de gênero.” (PIAUÍ, 2015, p. 3).
Dedicado exclusivamente ao feminicídio, o Núcleo demandou metodologia policial
investigatória que privilegiasse a perspectiva de gênero, dado que a metodologia tradicional aplicada
aos assassinatos de mulheres se baseava nas mesmas categorias dos homicídios em geral (VILLA;
MACHADO, 2018). Em abril de 2016, o Piauí adotou as Diretrizes nacionais feminicídio –
investigar, processar e julgar (BRASIL, 2016) com perspectiva de gênero as mortes violentas de
mulheres propostas pela SENASP em parceria com a ONU MULHERES e a Secretaria de Política
para Mulheres da Presidência da República. Aliada a essa metodologia, desenvolveu-se estatísticas
criminais com recorte de gênero com o intuito de estabelecer um diferencial no assassinato de
mulheres em face dos demais CVLI.
De início, a pesquisa procurou identificar o número de mulheres assassinadas no Piauí no
período de 10 de março de 2015 (data da vigência da Lei do Feminicídio) até 30 de agosto de 2016
(período histórico da estatística oficial), tendo sido apurados 84 (oitenta e quatro) casos de CVLI
femininos. Tendo sido definida a quantidade de assassinatos de mulheres no período, passou-se ao
levantamento dos seus registros nos bancos de dados da Polícia Civil em três
224

sistemas de informação: Sistema de Monitoramento de Crimes Violentos Letais Intencionais


(SIMCVLI), Sistema de Procedimentos Policiais (SISPROCEP) e Sistema de Boletim de
Ocorrência (SISBO), além da verificação dos inquéritos policiais a eles referentes e relatos dos(as)
Delegados(as) que presidiram as investigações (VILLA; MACHADO, 2018).
O estudo dos casos de feminicídio foi primeiro direcionado à elaboração do Mapa do
Feminicídio, com base na análise dos dados oficiais da Polícia Civil (PC-PI), passando-se, em
seguida, aos discursos e aos documentos oficiais que consubstanciam as decisões (forma de
comunicação das organizações) constantes de inquéritos policiais. Verificou-se que, dos 84 registros
de CVLI femininos, 50 foram tipificados como feminicídio, de modo que o Mapa do Feminicídio
foi elaborado com base nos dados dos 50 feminicídios. Em seguida, a pesquisa voltou-se à análise
de 27 casos do total de 50 identificados no Estado. Nesse momento, não foi possível a abrangência
da totalidade, uma vez que os demais casos (23) encontravam-se dispersos por delegacias do
interior. A amostra correspondeu, portanto, a 54% dos casos ou 27 feminicídios consumados
(VILLA; MACHADO, 2018).

2.2.2 Mapeamento

O mapeamento do feminicídio realizado por Villa e Machado (2018) realizou-se por meio
de base consultas aos Sistemas SIMCVLI, SISPROCEP, acervo das segundas vias dos IPL do
Núcleo de Estudo e Pesquisa em Violência de Gênero SSP/PI e consulta aos (às) Delegados (as)
que presidiram os Inquéritos Policiais de Feminicídio.
A conjunção das inferências extraídas dos sistemas de informação da PC-PI, a pesquisa
realizada por Waiselfisz (2015), sobre o homicídio de mulheres no Brasil, no período de 2003 a
2013, bem como a pesquisa feita pelo Analista Criminal da SSP/PI (AGUIAR, 2016) tornou
possível a definição de categorias de análise na perspectiva das mulheres assassinadas, quais sejam:
cor das vítimas, idade, meios utilizados e locais das agressões.
A partir disso, a pesquisa apurou que mais da metade dos assassinatos de mulheres foram
tipificados como feminicídio (59,52%), com prevalência no interior do estado (80%). Não obstante
essa realidade, Teresina ocupa o primeiro lugar no ranking dos 224 municípios piauienses, com 10
casos. Todos os feminicídios pesquisados tiveram como vítimas mulheres cis, não tendo sido
registrado nenhum caso contra pessoas transgênero.
Logo depois de ser definida a amostra da pesquisa, passou-se a analisar o perfil das mulheres
assassinadas, considerando-se as categorias selecionadas pelo Mapa da Violência, em 2015, e outras
categorias passíveis de catalogação, a partir das consultas aos bancos de dados da
225

polícia. A primeira delas diz respeito à cor da pele das vítimas com base nas declarações dos laudos
de exames periciais cadavéricos, ou seja, o discurso policial oficial constante dos laudos periciais
expedidos pelo Instituto Médico Legal (IML) e registrados no SIMCVLI. Saliente-se que os
parâmetros adotados pelos Médicos Legistas não observam quaisquer critérios formais de
classificação por cor de pele, restringindo-se à percepção pessoal do legista.
A categoria Negra (compreendendo mulheres pardas e pretas) prevaleceu, correspondendo
a 37 vítimas de um total de 50 ou 74%. Quanto à idade da vítima, apurou-se que metade das
mulheres assassinadas estava na faixa etária de 30 a 59 anos, ou seja, infere-se que as mulheres
adultas são, aparentemente, as mais vulneráveis, seguidas daquelas que se posicionam na faixa etária
de 18 a 29 anos (24%). O indicador foi construído a partir da metodologia adotada pelo Mapa da
Violência (2015), que agrupara as idades a partir de definições legais e ciclos de vida.
O dado piauiense também contraria a pesquisa de Waiselfisz (2015), cuja faixa mais
vulnerável se dá entre 18 a 29 anos. Ainda com relação à vítima, apurou-se a prevalência de
mulheres solteiras. Pode-se inferir, portanto, que, quanto ao perfil das vítimas, que as mulheres
mais vulneráveis se encontram na fase adulta, são pardas e solteiras. Quanto aos elementos fáticos,
a arma branca do tipo faca foi o meio utilizado na metade dos casos de feminicídio.
Na perspectiva do local de crime, o estudo apurou que 19 dos 50 feminicídios do Piauí
ocorreram na residência da vítima (38%). Contudo, como há a prevalência do local por definir
(48%), não se pode afirmar com exatidão a maioria do local dos feminicídios, uma vez que os dados
carecem da exata qualificação.
Os dados também revelam que, em mais da metade dos casos (58%) ou 29 deles, o agressor
é conhecido da vítima, tendo mantido com ele relações de afetividade e/ou familiar. Inferiu-se que
a relação entre o vínculo e o local do assassinato sugere cenários de vulnerabilidade em face da
vítima, dado que 17 das 29 vítimas (63%) que possuíam vínculo afetivo ou familiar com o agressor
foram assassinadas em suas residências. Nesse sentido, depreende-se que o risco de assassinato da
vítima em sua casa é prevalente, sobretudo quando se trata de vínculos familiares.

2.3 Contexto Discursivo5

Em primeiro plano, é preciso realçar o fato de que a atividade policial é desempenhada por
sujeitos que “[...] interpretam determinadas regras e «criam» outras para regular suas ações”

5Essa abordagem é essencial para o entendimento do Feminicídio enquanto uma questão de gênero.
226

(MACHADO, 2014, p. 26). Desse modo, o sistema policial orienta-se por rotinas cognitivas e
doutrinas específicas voltadas à padronização das investigações criminais. Assim, o espaço se
caracteriza por ser dotado de regularidade e sistematicidade de ações, as quais culminam nos
processos decisórios a cargo de seus agentes.
As decisões da PC-PI podem ser observadas a partir dos programas que orientam seus
processos decisórios: Legislação, diretrizes internas, prioridades das unidades. Da análise do
conteúdo dos IPLS – documento que oficializa as decisões policiais – infere-se que a categoria
feminicídio é operacionalizada pela Polícia a partir de cinco documentos, quais sejam: 1. Laudo de
Exame Pericial Cadavérico, a cargo do IML; 2. Laudo de Exame Pericial em Local de Crime, a
cargo da PTC; 3. Termo de Declarações de testemunhas; 4.Termo de Interrogatório e 5. Relatório
final, os três últimos a cargo da Polícia Judiciária (VILLA; MACHADO, 2018).

2.3.1 As decisões periciais

Nesse âmbito, convém analisar, ainda com base na amostra, os laudos Cadavérico e Local
de Crime, constantes em todos os IPLS pesquisados.

2.3.2 Laudo de exame pericial cadavérico

No IML, o exame do cadáver apresenta formato padrão previsto na Carta de Serviços da


Perícia Oficial na área criminal (PIAUÍ, 2016a). aí, são contemplados tanto o exame externo do
cadáver quanto o exame interno, seguindo roteiro fixo, com quesitos que se repetem em todos os
casos de assassinatos, independentemente do contexto fático consolidado, entre os quais se
destacam: preâmbulo, histórico, conclusão e respostas aos quesitos formulados pelo Delegado. A
tarefa supõe a tradução de dados empíricos da realidade em categorias jurídicas, ou seja, o emprego
de figuras jurídicas do tipo penal “Homicídio”. Vislumbra-se, na prática policial, o apego à
objetividade do tipo penal como sendo suficiente e necessário à configuração do delito (VILLA;
MACHADO, 2018).

2.3.3 Laudo do exame pericial em local de crime

Da mesma forma que o Laudo de Exame Cadavérico, o local de crime vem regulamentado
no CPP, especialmente no art.169. O exame do local de crime também segue formato padrão
previsto na Carta de Serviços da Perícia, cujos quesitos, quanto aos casos de
227

assassinatos, se alteram muito pouco, variando de acordo com o contexto fático e do delegado
requisitante, bloqueando a cognição dos cenários que caracterizam o feminicídio, principalmente
quanto ao termo “condição do sexo feminino”.
Alguns dos laudos periciais que instruem os procedimentos explicitam ações de domínio e
apropriação do corpo feminino pela força (SEGATO, 2010), como, por exemplo: vítima se protege
dos golpes; relação de verticalidade - agressor em plano superior à vítima e expressividade da
violência - golpes sucessivos e profundos, mesmo depois do estado de inércia da vítima:
[...] A presença de lesões de defesa no seu antebraço e braço, indicam a tentativa da vítima
de se proteger dos golpes sofridos [...] lesões pérfuro-incisas profundas [...] mesmo inerte
e já caída, no piso cerâmico, a vítima continuou a sofrer agressões, sendo contabilizados
pelo menos 06 (seis) golpes [...] cujo agente agressor estava posicionado em plano
superior à vítima, desferindo golpes de cima para baixo (SEGATO, 2010, p. 44).

Assim, a partir das questões discursivas passíveis de análise, é possível proceder a algumas
considerações sobre a prova pericial.

2.3.4 As decisões da polícia judiciária

Outro âmbito de análise diz respeito às decisões da polícia judiciária em relação à


investigação policial realizada por meio do inquérito policial. Na divisão do trabalho policial, os
delegados de polícia conduzem discricionariamente as investigações policiais. No entanto, sob o
enfoque sistêmico, suas decisões devem adequar-se às premissas decisórias na forma dos programas
condicionais e finalísticos estabelecidos para a atuação da organização Polícia Civil (VILLA;
MACHADO, 2018).
As formas assumidas pelos discursos recorrentes nos relatórios finais conduzem ao
raciocínio de que a polícia mantém os discursos formalizados, estilizados com citações de
depoimentos e interrogatórios, utilizando-se de grifos em negrito ou sublinhado para enfatizar
passagens dos discursos. No campo da materialidade, é possível afirmar que há um esforço policial
para apontar as inferências desenvolvidas ao longo da investigação, ao passo em que é possível
sugerir certo afastamento do delegado em relação aos fatos (VILLA; MACHADO, 2018). Na
pesquisa realizada pelos autores supracitados, foram considerados recortes pontuais nos 27 IPLS
selecionados. A pesquisa apurou que, dos 27 casos analisados, 22 se deram em ambiente
exclusivamente interno, correspondendo a 81,48%, sendo 19 na residência da vítima (70,37%) e 3
casos na residência do autor (11,11%). Um deles ocorreu em local interno e externo (3,70%) e os
demais - três deles (14,82%) em ambiente externo. Dos 19 casos ocorridos no interior da casa da
vítima, 11 foram por arma branca, 5 por arma de fogo e 3 por asfixia. No
228

tocante ao vínculo da vítima com o autor do fato, apurou-se que 20 delas (74% do total da amostra)
foram assassinadas em suas casas por homens com quem mantinham ou haviam mantido relações
de confiança. O dado revela possível dificuldade de defesa em razão dessas relações.
É possível inferir, a partir dos discursos policiais selecionados, a articulação entre as
decisões das organizações policiais – perícia e polícia judiciária, que orientam a conclusão que é
levada ao relatório final. Existe uma problemática em torno da forma de comunicação da polícia,
uma vez que esta sugere possível fechamento cognitivo da organização policial às peculiaridades
que envolvem o Feminicídio, ponto de diferenciação entre este e outras mortes qualificadas. Os
textos colhidos durante a pesquisa de Villa e Machado (2018) propiciam material relevante para a
análise. Relatos como “[...] provocando intenso e desnecessário sofrimento [...], com evidente
instinto de maldade, objetivando impor à vítima um sofrimento desnecessário [...]”, narrativa de
caso em que o padrasto assassina a enteada ou então “[...] depois as jogou num barranco [...] e
como não haviam morrido [...] passaram a jogar pedras nas cabeças das duas [...] que não tinham
nenhum homem com elas [...]” (PIAUÍ, 2016b), são bastante significativos, dado que se referem a
casos envolvendo quatro meninas violadas sexualmente e vítimas de feminicídio, modalidade
tentada (um consumado), praticados por 4 adolescentes e um homem que não mantinham relações
interpessoais com elas.
Os relatos evidenciam uma linguagem peculiar que revela o emprego de força que excede
racionalmente o esforço necessário para a eliminação de uma pessoa. Assume-se a forma de gesto
simbólico de imposição de castigo pela violação do prestígio pessoal do autor do fato, no primeiro
caso, e aquisição de um prestígio no segundo caso (VILLA; MACHADO, 2018). Relatos de causa
mortis relacionados ao emprego da força física nos casos de asfixia por estrangulamento
(esganadura) expõem a precariedade da vida das vítimas. No léxico proposto por Judith Butler,
vidas que podem ser perdidas, destruídas ou sistematicamente negligenciadas até a morte, “[...] o
fato de que a morte é certa, [...] de que a vida de alguém está sempre, de alguma forma, nas mãos
do outro” (BUTLER, 2016, p. 31).
O levantamento e análise desses documentos permite que se vá muito além da mera
burocratização das atividades da Polícia Civil, sendo possível mesmo percorrer as rotinas cognitivas
que orientam os processos decisórios da polícia. A padronização presente nesses processos permite
entrever lacunas que dificultam a tradução das perspectivas de gênero na atividade hermenêutica
de compreensão dos significados do ato de matar. Nesse sentido, parece adequada a sugestão de
que a investigação policial deva supor a inserção de protocolos de atuação
229

que acoplem a complexidade das violências de gênero ao sistema policial civil, de forma a instituir
novas premissas decisórias.

2.4 Enfoque Na Perspectiva de Gênero

A análise dos documentos revela algo que vai muito além da mera burocratização das
atividades da Polícia Civil: apontam para as rotinas cognitivas que orientam os processos decisórios
da polícia. A padronização dessas rotinas permite entrever lacunas que dificultam a tradução das
perspectivas de gênero na atividade hermenêutica que envolve a compreensão dos significados do
ato de matar (VILLA; MACHADO, 2018). Assim, parece viável sugerir que a investigação policial
envolva a inserção de protocolos de atuação, os quais envolvam a complexidade das violências de
gênero ao sistema policial civil, de forma a instituir novas premissas decisórias.
Desse modo, a construção de estratégias para enfrentar a violência de gênero depende da
produção de mais investigações que permitam a produção de diagnósticos mais precisos
(SEGATO, 2010). Como forma de superar o déficit investigatório, o Núcleo de Estudo e Pesquisa
em Violência de Gênero da SSP/PI elaborou Metodologia Investigatória do Feminicídio, tomando
como eixos as Diretrizes Nacionais Feminicídio, a metodologia investigatória do homicídio
elaborada pelo Núcleo de Inteligência da SSP/PI, o conteúdo de inquéritos policiais que apuraram
feminicídio, o Protocolo de Bogotá e os dados dos sistemas operacionais da Polícia SISBO,
SISPROCEP e SIMCVLI. Esse modelo foi concebido a partir de três componentes, quais sejam:
fático, jurídico e probatório. Deles resultaram variados protocolos, dentre os quais se destaca a
RecogniçãoVisuográfica na Perspectiva de Gênero, Dogmática jurídica e Discursos oficiais
(VILLA; MACHADO, 2018).
Esses componentes apresentam-se como artefatos semânticos que propiciam a abertura
cognitiva do sistema policial à complexidade do evento descrito como feminicídio. Cada
componente dessa metodologia sugere a construção de mapa cognitivo orientado pelo gênero, a
partir do qual o gênero passa a se constituir enquanto elemento diferenciador da programação,
atuando de forma transversal, sem que se altere a unidade do sistema.
Segundo Villa e Machado (2018), em relação aos componentes metodológicos supracitados,
o fático alia circunstâncias de tempo, modo, lugar, protagonistas, forma, ações e consequências na
perspectiva de gênero. Esse componente será construído a partir da aplicação da
RecogniçãoVisuográfica pela polícia judiciária no momento em que esta se deslocar para o local do
crime.
O Componente Jurídico, por sua vez - Dogmática Jurídica - reúne instrumentos de Direito
Interno e Internacional que abordem a questão da violência na perspectiva de gênero, além de
jurisprudências e literatura jurídica e não jurídica. Esse Protocolo tem por objetivo auxiliar o
delegado na tipificação do feminicídio a partir de um horizonte cognitivo ampliado por artefatos
230

semânticos, os quais acabem por elucidar a variante gênero como dado relevante na construção
jurídica realizada pela organização PC-PI (VILLA; MACHADO, 2018).
Por fim, o Componente Probatório consta nos discursos oficiais e não oficiais que integram
o IPL. São considerados oficiais os discursos emanados diretamente da polícia, tais como: laudos
periciais, recognição visuográfica e registros policiais anteriores em boletins de ocorrência,
relatórios e ordem de missão policial. Os não oficiais, por outro lado, são aqueles provenientes da
vítima, das testemunhas, dos informantes e do autor do fato, tomados oficialmente pela polícia nos
seus processos decisórios para consubstanciarem atos de investigação documentados nos autos do
IPL.
Esse último componente ensejou alterações no padrão das requisições periciais para inserir
a perspectiva de gênero nas quesitações. Nesse sentido, a metodologia representa um avanço no
campo da investigação policial, dado que se caracteriza como uma mudança de paradigma capaz
de possibilitar uma reprogramação das práticas cognitivas operacionais da polícia na condução dos
feminicídios.
Portanto, resta o desafio de desconstruir rotinas cognitivas que possam bloquear a nova
programação. Trata-se da adaptação ao novo ambiente, fazendo “[...] que o sistema, totalmente
determinado, possa reagir a um ambiente altamente complexo, sem ter de se adaptar a ele [...]”
(LUHMANN, 2016, p. 235). Tal adaptação permite aberturas no sistema a fim de conferir
inteligibilidade à perspectiva de gênero na forma como esta se comunica a Polícia Civil. No âmbito
do sistema, o que se vai levar em consideração é a ideia de pertencimento ou não pertencimento,
porque
Para fins de programação, o caráter unívoco do código, que se encontra apenas em seu
estado binário, tem de se abrir. Os valores do código devem ser interpretados como
possibilidades; ou em outros termos, como um meio que pode aceitar formas diversas
(LUHMANN, 2016, p. 257).

Muitas inferências ainda poderão ser construídas a partir de todos esses dados e análises,
mas é importante saber a maneira pela qual a polícia civil observa a categoria Feminicídio, bem
como atentar para as inferências que podem se estabelecer em torno da possível existência de
limites cognitivos que bloqueiam a capitulação do feminicídio no sistema policial. Desse modo, é
necessário que o sistema operativo da polícia passe a se abrir cognitivamente à complexidade das
violências de gênero.

2.5 Criticas6

Em virtude das razões até aqui expostas e em decorrência mesmo da especificidade do


problema em questão – o qual gira em torno de questões relacionadas diretamente ao gênero – que
surgiram diversos pontos de crítica, as quais já se formularam mesmo imediatamente após a sanção
da lei n. 13.104/15, com relação ao surgimento de críticas à falta de técnica jurídica e principalmente
231

à sua representação no cenário de enfrentamento à forma mais extrema de violência contra as


mulheres, como uma estratégia vazia e ineficaz.
Um texto, dentre os muitos textos marcantes, e que vale a pena ser citado, para os fins a
que se propõe este trabalho, título é “Os paradoxais desejos punitivos de ativistas e movimentos
feministas” foi escrito por Maria Lúcia Karam. Esse artigo começa por destacar a sobrevivência da
ideologia patriarcal, o que se dá de forma ainda mais intensa em países da África e Ásia. A seguir,
a autora prossegue referindo o teor criminalizante da Lei Maria da Penha e chama a atenção para a
ineficácia desta na redução sistemática do número de morte de mulheres desde então. Ainda sob
esse raciocínio, e com base nas demandas por criminalização do feminicídio, acusa gravemente as
ativistas e participantes dos movimentos feministas de reforçar a ideologia patriarcal. Para isso, cita
a decisão do Supremo Tribunal Federal (2012) para que a ação penal, nos casos de lesão corporal
leve ou culposa, não requeira a manifestação inequívoca da vontade das mulheres de ver seus
algozes punidos, fomentando, ainda, que tal posicionamento acaba por sustentar o espectro
punitivista. A autora empreende, a seguir, uma análise densa e comprometida, tomando por base
princípios conhecidos do campo da criminologia crítica, destacando a falência do sistema penal,
sua seletividade e a perpetuação do sofrimento. Assim, segundo ela:
Ativistas e movimentos feministas, como outros ativistas e movimentos de direitos
humanos, argumentam que as leis penais criminalizadoras têm uma natureza simbólica e
uma função comunicadora de que determinadas condutas não são socialmente aceitáveis
ou são publicamente condenáveis. Não parecem perceber ou talvez não se importem com
o fato de que leis ou quaisquer outras manifestações simbólicas – como explicita o
próprio adjetivo ‘simbólico’ – não têm efeitos reais. Leis simbólicas não tocam nas
origens, nas estruturas e nos mecanismos produtores de qualquer problema social
(KARAM, 2015, p. 103).

Ainda no tocante à aplicação da Lei Maria da Penha, sabe-se que um dos mecanismos
mais importantes que ela trouxe foi a previsão de medidas protetivas de urgência (constantes nos

6Entendem-se como necessárias para o debate essas abordagens que se contrapõem diante do mesmo objeto.
232

artigos 22 a 24), que podem ser aplicadas diante do risco de violência contra a mulher. Contudo, o
que se verifica nos casos práticos é que a existência de medida de proteção prevista pela Lei Maria
da Penha em favor da vítima antes do fato que ensejou o processo examinado é algo que acontece
muito raramente.
Assim, em muitos casos, a solicitação de medidas protetivas de urgência não se apresenta
como um recurso diante de situações em que as vítimas se veem ameaçadas. Assim, é comum que
se verifique a lavratura de boletim de ocorrência por agressões físicas ou mesmo ameaça que não
desencadeou nenhuma ação posterior de proteção que pudesse evitar o desfecho trágico.
Por outro lado, outros casos que se apresentam de modo significativo dizem respeito
àqueles em que o histórico de violência que teve desfecho fatal não havia sido jamais reportado aos
órgãos públicos. Isso pode ser reflexo de medo e insegurança da vítima, o que também pode ser
motivado pela baixa responsividade do sistema.
O desafio de aplicação da Lei Maria da Penha pelos profissionais do direito se revela na
media em que estes reconhecem a importância da lei não apenas por seu aspecto criminalizador,
mas por seu potencial preventivo e pela prioridade prevista para as mulheres em situação de
violência.
Dessa forma, estabelece-se que esses argumentos não são isolados e traduzem um
consolidado de críticas à Lei do Feminicídio, as quais circundam em torno de uma discussão a
respeito da falência do sistema penal e da presença de um conjunto de falhas técnicas no corpo
legal.
O ponto crítico reside na falência pragmática do sistema penal. Isso se dá porque ele não
logra cumprir com sua promessa garantidora, não raro viola diversos direitos, em razão da
operacionalidade seletiva dos bens jurídicos que opera. Desse modo, não cumpre também com sua
função preventiva, porque a pena é incapaz de prevenir ou ressocializar, apenas reproduz a
criminalidade e as relações sociais de dominação, sob o discurso que se fundamenta no intento de
controlar seletivamente a criminalidade. Em suma, o sistema penal não cumpre, em geral, com sua
promessa resolutória, porque não consegue, em boa parte dos casos, sustentar-se como modelo
válido de solução de conflitos, excluindo a vítima de uma posição atuante e participativa, o que lhe
causa ainda mais prejuízos (ANDRADE, 2003).
O segundo ponto revela-se como um dos equívocos que maculam as leituras dos episódios
de violência doméstica e conjugal. Tal equívoco se refere ao fato de que o sistema penal é
desqualificado como solução para o problema. Assim, comumente se chega à conclusão de que,
como solução, esse meio não é – e jamais será – eficaz. Por outro lado, especialmente na América
Latina, desenvolveu-se, ao longo dos anos, uma importante estratégia de enfrentamento mais ou
233

menos eficaz, que tem dado espaço a reais possibilidades de desconstrução de paradigmas, a longo
prazo, como fez por exemplo a Lei Maria da Penha, ao introduzir, junto de sua diminuta dimensão
criminalizante, propostas preventivas e educativas (MACHADO, 2013). É desse modo que as
políticas nacionais começam a substituir o termo combate pelo termo enfrentamento à violência.
No entanto, vale ressaltar frente as críticas que não merece atenção a afirmativa de que a lei
em questão institui parâmetros desiguais entre homens e mulheres. Tal asserção revela-se como um
grave erro, já que o fenômeno da morte de mulheres por razão de gênero não atinge de modo
equivalente os homens, já que mais de 40% do número de morte de mulheres na última década foi
perpetrado por companheiros ou ex-companheiros (WAISELFISZ, 2012). Desse modo, a
proteção dos homens que sofrem condutas equivalentes deve se dar exclusivamente pelos
dispositivos já existentes na lei penal.
As análises até aqui empreendidas apontam, portanto, que o tema do feminicídio íntimo e
a necessidade de sua regulação especial tem sido objeto de constantes discussões, de modo
relevante, em vários países da América Latina, que ou já incorporaram o fenômeno em suas
regulações ou já iniciaram uma discussão no sentido de sua institucionalização, a exemplo da
situação vivenciada no Brasil. Vale ressaltar que também na esfera internacional, observada a partir
do levantamento das decisões do Sistema Interamericano de Direitos Humanos, foi possível notar
a presença crescente de casos relacionados ao tema dos direitos das mulheres. Essas relações, que
permeiam as esferas internacionais e nacionais, são importantes na medida em que decisões da
Comissão e da Corte Interamericanas acarretam impactos nos contextos domésticos,
impulsionando a elaboração de legislações específicas para enfrentar o assassinato de mulheres.
A leitura das leis que inseriram nos ordenamentos jurídicos dos países latino-americanos o
tipo penal Feminicídio revela, primeiramente, que existe uma variedade na forma de definição desse
fenômeno – que passa a ser caracterizado ora pelo ambiente, ora pela forma da conduta, ora pelas
características dos envolvidos. Por outro lado, mostram também que há uma diversidade de
estratégias para combater a violência. No entanto, vale pontuar que, na grande maioria dos casos,
a discussão em torno da violência de gênero foi enquadrada sob o ponto de vista da violência
praticada contra a mulher, excluindo-se outros grupos, como a população LGBTI, por exemplo.
No que diz respeito às soluções institucionais, é nítida a prevalência da atuação via direito
penal, com uma forte tendência para a fixação de penas elevadas. No entanto, é possível também
234

encontrar a criação de normas de conteúdo não necessariamente penalizante, as quais podem


aprimorar a resposta do sistema de justiça, bem como a transformação das práticas institucionais.
Nesse ínterim, o estudo dos processos judiciais revela a importância de medidas voltadas
para a conformidade das práticas dos atores do sistema de justiça a padrões que estejam mais
adequados ao tratamento da violência de gênero. Isso porque é notório que há um cenário de
recalcitrância à compreensão das mortes das mulheres como produto da desigualdade no exercício
do poder, vertente adotada por esta pesquisa.

3 CONCLUSÃO

Evidenciou-se, por meio do estudo que se materializou na escrita desse trabalho, que a
criminalização do feminicídio no Brasil se deu a partir da existência de um tipo base pretérito, não
tendo surgido como figura autônoma no Código Penal brasileiro, fator que indica sua potência
nominativa. Desse modo, parece correto admitir que há ganhos concretos nesse processo. Isso
porque essa readequação nominativa advém de uma carga política importante, capaz de gerar
reflexos nas estruturas sociais. Há, portanto, uma tentativa de se recolocar a violência cometida
contra á mulher (o Feminicídio) como uma questão de gênero, de modo a que as causas de aumento
constantes desse artigo se encarregam de levantar questões atinentes à gravidez, geração ou relação
familiar, o que se configura como um reflexo também de valoração política.
Ante tudo o que aqui foi exposto, espera-se que esse trabalho tenha contribuído para que
se levantassem questões atinentes à construção de uma visão reflexiva a respeito da criminalização
do Feminicídio enquanto um processo político complexo, resultante de uma estrutura social que
concebe o corpo das mulheres como território de ocupação, violência e morte.
No tocante à análise realizada em torno do mapa do feminicído – pesquisa de VILLA e
AMARAL (2018) – verificou-se que, não obstante nos laudos constem depoimentos, declarações
e interrogatórios, o sistema Polícia Civil concebe e sistematiza a prática do feminicídio mediante
programas padronizados e rotinas cognitivas já estabilizadas para a investigação dos crimes contra
a pessoa, o que faz com que essa metodologia adquira um formato generalizado.
Nesse sentido, ainda no tocante á construção da Metodologia Investigatória do
Feminicídio, nota-se que esta deve se apresentar como artefato semântico que pretende formular
instrumentos capazes de propiciar a abertura cognitiva do sistema policial no contexto de sua
aplicabilidade. Assim, supõe-se necessário um mecanismo apto a reprogramar a investigação
235

policial, com protocolos que sejam sensíveis ao paradigma de gênero. Desse modo, a metodologia
pode potencializar e propiciar o ingresso de inferências relevantes para as decisões policiais e
possibilita contemplar a variável gênero como categoria construída culturalmente, a qual remete a
posições marcadas por relações hierárquicas, de controle, colonização do corpo ou de propriedade.

REFERÊNCIAS

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intencionais em Teresina, nos anos 2014 e 2015. 2016. Trabalho de Conclusão de Curso
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. Lei nº 13.104, de 9 de março de 2015. Altera o art. 121 do Decreto-Lei no 2.848, de 7


de dezembro de 1940 - Código Penal, para prever o feminicídio como circunstância qualificadora
do crime de homicídio, e o art. 1o da Lei no 8.072, de 25 de julho de 1990, para incluir o
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LUHMANN, Niklas. O direito da sociedade. São Paulo: Martins Fontes, 2016.


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MACHADO, Isadora Vier. Da dor no corpo à dor na alma: uma leitura do conceito de
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WAISELFISZ, JulioJacobo. Mapa da Violência 2012, Cebela/FLACSO Brasil. Dados do Mapa


da Violência 2012 e Mapa da Violência 2012 - Atualização: Homicídios de mulheres no Brasil,
disponíveis em http://mapadaviolencia.org.br/. Consulta em: 25 mar 2020.
237

AS PENAS ALTERNATIVAS COMO SOLUÇÃO À CRISE DO SISTEMA


CARCERÁRIO BRASILEIRO

Maria Clara Aguiar Sousa1

1 INTRODUÇÃO

As alternativas penais constituem-se em um rol de penas restritivas de direito e alternativas


à privação de liberdade do apenado, possuindo caráter educativo e de benefícios à sociedade. Trata-
se de medidas que são aplicadas aos infratores que cometeram crimes de baixo potencial ofensivo,
sem impossibilitá-los do convívio social. Essas penas de caráter alternativo, são tidas como uma
forma de punição, mais propícia aos crimes de média ou pequena gravidade, não deixando de ser
punitivas, possuindo uma carga de reprovação ética da conduta do infrator. Assim o indivíduo deve
atender e cumprir alguns requisitos legais, como limitação ao fim de semana, interdição temporária
de direitos, prestação de serviço à comunidade ou às entidades públicas, perda de bens e valores e
prestação pecuniária.
A pesquisa foi idealizada para analisar as penas alternativas como solução à crise do sistema
carcerário brasileiro. Apresentando sua eficiência na reintegração social, na ressocialização do
apenado no sistema penal brasileiro e na prevenção da prática de novos crimes. Pois devido à
carência do sistema carcerário, as penas alternativas representam uma real perspectiva para
substituir, gradativamente, a pena de prisão.
A pesquisa buscará responder o seguinte problema: A imposição de penas alternativas é a
forma mais eficiente para resolver a crise do sistema carcerário?
Sendo levantada a seguinte hipótese: Por meio das penas alternativas é possível alcançar a
ressocialização, a reintegração do condenado sem retirá-lo do convívio social, mantendo o caráter
educativo e de benéficos à sociedade.
Assim, de modo geral objetiva analisar as penas alternativas e, de forma específica,
investigar a sua eficácia para com a ressocialização do apenado no sistema penal e carcerário
brasileiro e identificar se as mesmas proporcionam auxílio à contenção da crise no sistema
carcerário.

1 Graduanda em Direito pela Faculdade Estácio de Sá de Teresina-PI. E-mail: mclaraaguiaradv@hotmail.com


238

Ademais, a pesquisa utiliza-se de uma metodologia de natureza pura, com abordagem quali-
quantitativa, por meio de um estudo bibliográfico mediante a leitura de artigos, livros e outros
materiais teóricos, que se mostraram pertinentes para o desenvolvimento do estudo, possibilitando
alcançar o resultado pretendido.

2 SISTEMA CARCERÁRIO NO BRASIL

A sanção privativa de liberdade cumprida em presídio, além de ter caráter punitivo,


inicialmente teria a função de ressocializar e preparar o indivíduo para que este retorne regenerado
à sociedade após o cumprimento da pena imposta pela prática de crime. O Estado por sua vez teria
a função obrigacional de garantir os direitos inerentes à dignidade humana, assegurados pela
Constituição Federal de 1988.
Na teoria e amparado por leis, o sistema carcerário aparenta ser eficaz para atender as
funções que lhe são designadas, mas, na prática, é um sistema falido e em crise, prestes a ruir tanto
a sua estrutura física como sua administração. A superlotação em lugares insalubres, sem a menor
condição de higiene, os maus tratos, a criminalidade e a corrupção são mazelas do nosso sistema.
Nesse sentido, preleciona Ferreira (2013, p. 03):

[…] o que se observa, na prática, é que o caráter punitivo da pena ultrapassa a esfera de
liberdade do criminoso, alcançando também sua dignidade, saúde, integridade, entre
outros direitos assegurados na Constituição. Além disso, não se observa, de forma
alguma, o caráter de recuperação do condenado nas penas privativas de liberdade,
podendo inclusive atribuir a isso a punição exacerbada do indivíduo, que vai muito além
da supressão de sua liberdade.

A princípio, o número de detentos nas prisões brasileiras cresce a cada ano de uma forma
bem significativa, com a falta de estrutura, esse crescente número gera superlotações nos presídios,
situação preocupante, pois há investimentos, mas os mesmos não são suficientes, devido à
ineficiência do Estado na organização desses lugares. Um exemplo claro disso, são as rebeliões, que
já acontecem há décadas, e a ausência de estrutura, é um agravante dessa problemática.
A superlotação é o efeito mais concreto dessa falência, apenados aglomerados em pequenos
espaços, sem triagem para uma individualização tendo como referência o tipo penal infringido,
presos por crimes de menor potencial ofensivo ou até mesmo em situação provisória, são
colocados em celas juntos com todos os tipos de criminosos, tornando assim, uma escola do crime.
A Lei de Execução Penal - LEP (n° 7.210/1984) é considerada uma das legislações mais
atuais sobre o tema, no entanto encontra obstáculos para sua efetivação. O legislador foi fabuloso
239

na sua criação, mas o Estado não agiu com tal eficiência ao disponibilizar o aparelhamento para
sua efetivação. Vejamos o que diz o artigo 88 da Lei de Execução Penal n° 7.210/84:

Art. 88: O condenado será alojado em cela individual que conterá dormitório, aparelho
sanitário e lavatório. Parágrafo único. São requisitos básicos da unidade celular: a)
salubridade do ambiente pela concorrência dos fatores de aeração, insolação e
condicionamento térmico adequado à existência humana; b) área mínima de 6,00m2 (seis
metros quadrados).

Temos uma legislação no papel, mas quando confrontada com a realidade prisional se
demonstra totalmente ineficaz no que diz respeito à condição do cumprimento da pena privativa
de liberdade. A legislação assegura direitos, porém, a realidade dos presídios impossibilita que ela
seja cumprida, ignorando totalmente esses direitos previstos.

2.1 A Situação Atual dos Presídios no Brasil

Em um breve contexto histórico da evolução da nossa sociedade, podemos verificar que o


problema social vem desde os tempos primórdios, quando da libertação dos escravos não foram
desenvolvidas políticas que acolhessem esse grande número de libertos com investimentos em
educação e profissionalização para serem inseridos no mercado de trabalho. Esse fator não significa
que somente pessoas de baixa renda e escolaridade cometam crimes, no entanto pesquisas apontam
que maciçamente a população carcerária se compõe de negros ou pardos com baixa ou nenhuma
escolaridade.
Conforme dados divulgados pelo Ministério da Justiça e o Departamento Penitenciário
Nacional - DEPEN, no relatório do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias -
INFOPEN, no período de janeiro a junho de 2019, o total de presos no Brasil no Sistema
Penitenciário é de 758.676 presos, estando 348.371 em regime fechado, 126.146 em regime
semiaberto, 27.069 em regime aberto, 253.963 presos provisórios, 2.406 em medida de segurança
e 721 em tratamento ambulatorial (INFOPEN, 2019).
Sendo a população carcerária feminina atingindo 4,61% e a população carcerária masculina
atingindo 12,47%. Alcançando assim a terceira posição no ranking de maiores populações
carcerárias do mundo. Embora com esse crescente índice da massa carcerária, o índice da
criminalidade não diminui o que nos leva a uma análise sobre a eficácia da prisão como instrumento
de política pública para combater a criminalidade.
O excesso de prisões provisórias, o uso de regime fechado mesmo quando há penas
alternativas são uma das grandes causas de superlotação dos presídios brasileiros. Além de que as
240

prisões não cumprem o papel de ressocialização e acabam por fortalecer o crime. Outro agravante
nesse cenário é a morosidade do judiciário.

3 REGIMES PENAIS APLICADOS NO BRASIL

Conforme apresenta o artigo 32 do Código Penal de 1943, as penas são classificadas como,
privativas de liberdade, restritivas de direito e multa. As penas privativas de liberdade presente no
Código Penal, são de reclusão e detenção para os delitos e crimes cometidos (BRASIL, 1943).
Prevista também a prisão simples, na Lei de Contravenções Penais (DECRETO-LEI nº
3.688) como sendo esta, uma pena privativa de liberdade. Conforme dispõe Cunha (2016, p. 408):
“A reclusão é reservada para os crimes mais graves; a detenção é reservada para os crimes menos
grave; e a prisão simples é reservada para as contravenções penais”.
As penas restritivas de direito também vistas como penas alternativas, que estão elencadas
no Código Penal, é uma sanção penal imposta como uma forma de substituir à pena privativa de
liberdade. A multa penal presente no Código Penal, possui natureza pecuniária, a sua fixação se dar
como sendo uma sanção principal, alternativa ou cumulativa, podendo ser aplicada também, como
uma substituição à pena de prisão.

3.1 Penas Privativas de Liberdade

A Lei n° 6.416/1977 estabeleceu uma divisão entre os condenados ao cumprimento de


pena privativa de liberdade nas modalidades reclusão e detenção em perigosos e não perigosos.
Nesse sentido, dispõe Gomes (2014, p. 04): “Ressalta-se que, enquanto os sentenciados mais
perigosos eram submetidos às regras do regime fechado, os considerados nãos perigosos, poderiam
ser colocados a estabelecimento de regime semiaberto desde o início do cumprimento da pena”.
Observa-se que com o advento da Lei nº 7.209/1984, todavia, abandonou-se a distinção
entre os regimes penais fundada na periculosidade do agente. O regime carcerário significa a
sistemática, a marcha com que se dará o cumprimento da sanção. São determinados pela espécie,
quantidade da pena e pela reincidência, aliadas ao mérito do condenado num sistema progressivo.
Sobre as penas privativas de liberdade, Greco (2018, p. 597) preleciona que:

A penas privativa de liberdade vem prevista no preceito secundário de cada tipo penal
incriminador, servindo à sua individualização, que permitirá a aferição da
proporcionalidade entre a sanção que é cominada em comparação com o bem jurídico
por ele protegido.
241

Em tese, os regimes de cumprimento de penas adotados no Brasil são três e apresentam


suas diferenciações pela intensidade de restrição da liberdade do condenado.

3.1.1 Regime fechado

De acordo com disposto no artigo 33, parágrafo primeiro, alínea a, do Código Penal, o
indivíduo ficará recluso em estabelecimento de segurança máxima ou média. Iniciando em regime
fechado quando a pena imposta pelo legislador for superior a oito anos. Conforme Greco (2018,
p. 609): “o condenado ao regime fechado fica sujeito a trabalho no período diurno e a isolamento
durante o repouso noturno. O trabalho é um direito do preso segundo o inciso, II do artigo 41 da
Lei de Execuções Penal”.
O trabalho externo só é possível em obras ou serviços públicos, desde que o condenado
tenha cumprido, pelo menos, um sexto da pena. Porém se o Estado, por sua incapacidade
administrativa, não fornecer trabalho ao apenado, este não poderá ser prejudicado, uma vez que o
seu trabalho constitui o direito à remição da pena. Onde para cada três dias trabalhados, o Estado
tem que remir um dia de pena.
O condenado ao cumprimento de pena privativa de liberdade em regime fechado, será
submetido, no início do cumprimento da pena, a exame criminológico para a obtenção dos
elementos necessários a uma adequada classificação e com vista à individualização da execução,
conforme o artigo 106 da Lei de Execução Penal – LEP (nº 7.210/1984).

3.1.2 Regime semiaberto

Conforme dispõe o artigo 33, parágrafo primeiro, alínea b, do Código Penal, admite a
execução da pena em colônia agrícola, industrial ou estabelecimento similar e o apenado iniciará
nesse regime quando não for reincidente e sua pena for superior a quatro anos e não exceder a oito
anos, conforme preconiza o artigo 33, parágrafo segundo, alínea b, do Código Penal (BRASIL,
1943). Sendo permitido frequentar cursos profissionalizantes e supletivos de instrução de segundo
grau ou superior e fazer trabalhos externos. Como bem destacou Cunha (2016, p. 447):

O trabalho será comum durante o período diurno, realizando-se dentro do


estabelecimento, com a possibilidade de ser realizado no ambiente externo, inclusive na
iniciativa privada (a jurisprudência tem exigido prévia autorização judicial). Não há
previsão para o isolamento durante o período do repouso noturno.
242

O juiz da condenação, na própria sentença, já poderá conceder o serviço externo. Ou então,


posteriormente, o juiz da execução poderá conceder desde o início do cumprimento da pena. Em
22 de maio de 2002 o Superior Tribunal de Justiça (STJ) aprovou a Súmula 269 que faz relação ao
condenado reincidente: “É admissível a adoção do regime prisional semiaberto aos reincidentes
condenados a pena igual ou inferior a quatro anos se favoráveis as circunstâncias judiciais”.

3.1.3 Regime aberto

De acordo com o artigo 33, parágrafo primeiro, alínea c, Código Penal, o cumprimento da
pena dá-se em casa de albergado ou estabelecimento adequado. Iniciará neste regime aquele cuja a
pena estabelecida seja igual ou inferior a quatro anos. Este regime tem como fundamento a
autodisciplina e o senso de responsabilidade do apenado. Servindo também como um elo para a
reinserção do condenado na sociedade. Para Cunha (2016, p. 448): “O maior mérito do regime
aberto é manter o condenado em contato com a sua família e com a sociedade, permitindo que o
mesmo leve uma vida útil e prestante”.
Entretanto, caso o condenado cometa algum crime doloso, se frustrar os fins da execução
ou não pagar a multa cumulativamente aplicada, mesmo podendo pagar, será transferido do regime
aberto, conforme o artigo 36, parágrafo segundo, do Código Penal.
No regime aberto, diferente do regime fechado e do regime semiaberto, não existe uma
previsão legal para a remição da pena pelo trabalho, uma vez que só poderá adentrar nesse regime,
aquele que estiver trabalhando ou que comprovar que pode cumpri-lo.
A remição da pena no regime aberto, ocorre pelos mesmos parâmetros do regime
semiaberto, pode ser dada pela frequência do condenado a curso de ensino regular ou de educação
profissional, conforme preconiza o artigo 126, inciso I do parágrafo primeiro, da Lei de Execução
Penal (nº 7.210/1984).

3.2 Das Penas e Medidas Alternativas

As penas alternativas à prisão surgiram através das Regras de Tóquio, seu principal objetivo
é atribuir uma nova chance ao condenado antes de privá-lo de sua liberdade. Pois a pena de prisão
deveria ser imposta apenas para aqueles criminosos de alta periculosidade que não são mais capazes
de conviver em sociedade.
As penas alternativas no Brasil surgiram na reforma do Código Penal, com a Lei 7.209/1984
que incluiu novas punições no nosso ordenamento, uma vez que o sistema carcerário não
243

apresentava eficácia pretendida, que era de ressocializar o réu, tendo como principal objetivo
substituir as penas curtas de privativas de liberdade. Para Nucci (2017, p. 803): “As penas
alternativas têm, por fim, evitar o encarceramento de determinados criminosos, autores de
infrações penais, consideradas mais leves, promovendo-lhes a recuperação por meio de restrições
a certos direitos”.
A Lei n° 9.714/1998, ampliou o sistema de penas alternativas, aumentando as espécies de
penas restritivas de direito, atualmente elencadas no artigo 43, do Código Penal. Dessa forma, as
penas restritivas de direito são punições aplicadas a infratores de menor potencial ofensivo, tendo
como objetivo a ressocialização do réu e evitar a aplicação da pena privativa de liberdade nos crimes
menos graves.

3.2.1 Prestação pecuniária

A Prestação Pecuniária, nos termos dos artigos 43, inciso I e 45, parágrafo primeiro, ambos
do Código Penal, consiste no pagamento em dinheiro estipulado pelo juiz à vítima e seus
dependentes ou a entidade pública ou privada com destinação social, de importância fixada pelo
juiz. Nesse mesmo sentido, conforme preleciona Capez (2019, p. 690): “O montante será fixado
livremente pelo juiz, de acordo com o que for suficiente para a reprovação do delito, levando-se
em conta a capacidade econômica do condenado e a extensão do prejuízo causado à vítima ou seus
herdeiros”.
Não podendo ser inferior a um salário-mínimo e nem superior a trezentos e sessenta
salários mínimos. Esse valor pago será deduzido do montante de eventual condenação em ação de
reparação civil, se coincidentes os beneficiários.
Para ocorrer a substituição da pena privativa de liberdade pela prestação pecuniária, não
existe a necessidade de ter acontecido algum agravo material, podendo ser posta nas hipóteses em
que a vítima sofra um prejuízo material.

3.2.2 Perda de bens e valores

A Perda de Bens e Valores está especificada no artigo 43, inciso II e artigo 45, parágrafo
terceiro, ambos do Código Penal. Que consiste na da perda de bens e valores pertencentes ao
condenado em favor do Fundo Penitenciário Nacional, tendo como teto o montante do prejuízo
causado ou da vantagem financeira obtida pelo agente ou por terceiro em consequência do crime
praticado, ou o que for maior. A perda de bens e valores também é vista como uma sansão penal
244

de caráter confiscatório, os bens de que trata o parágrafo, podem ser bens móveis e bens imóveis.
De acordo com Capez (2019, p. 692):

Perda de bens e valores: trata-se da decretação de perda de bens móveis, imóveis ou de


valores, tais como títulos de crédito, ações etc. Não pode alcançar bens de terceiros, mas
apenas os bens do condenado. Essa pena consiste no confisco generalizado do
patrimônio lícito do condenado, imposto como pena principal substitutiva da privativa
de liberdade imposta.

Convém aqui ressaltar que a perda de bens e valores não pode recair sobre o patrimônio
ilícito do condenado, apenas aos bens que integram o patrimônio legal e regular do agente.

3.2.3 Prestação de serviço à comunidade ou às entidades públicas

A Prestação de Serviço à Comunidade ou às Entidades Públicas, está elencada no artigo 43,


inciso IV e no artigo 46, ambos do Código Penal. Trata da atribuição de tarefas gratuitas ao
condenado, que serão por ele realizadas em hospitais, entidades assistenciais, orfanatos, escolas ou
estabelecimentos similares. Conforme preleciona Prado (2018, p. 377):

A prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas consiste na atribuição de


tarefas gratuitas ao condenado, devendo ser cumprida em entidades assistenciais,
hospitais, escolas, orfanatos e outros estabelecimentos congêneres, em programas
comunitários ou estatais.

Essas tarefas serão atribuídas conforme aptidão do condenado, devendo ser cumprida à
razão de uma hora de tarefa por dia, não podendo prejudicar a jornada de trabalho normal do
condenado. Esse tipo de pena pode ser adotada quando a pena de privação de liberdade aplicada
na sentença não for superior a seis meses. Como bem destacou Nucci (2017, p. 219):

Há de se fixar ao condenado tarefas conforme sua aptidão. Trata-se de justa disposição


feita pela lei, pois não é de se admitir que a pena de prestação de serviço à comunidade,
por meio da reeducação pelo trabalho, transforme-se em medida humilhante e cruel. Por
isso, torna-se indispensável estabelecer ao condenado atividades que guardem sintonia
com suas aptidões.

Assim, o condenado além de cumprir sua pena alternativa, estará ao mesmo tempo
prestando serviços à comunidade, como uma forma de colaboração para com estas e também, de
possuir um certo convívio social com as pessoas.

3.2.4 Interdição temporária de direitos


245

A Interdição Temporária de Direitos, está especificada no artigo 43, inciso V e no artigo


47, ambos do Código Penal. Consiste na proibição do exercício de determinados direitos, tendo
como finalidade impedir a prática de alguma atividade, ou de exercer determinada função pelo
mesmo prazo aplicado na sentença.
De acordo com o artigo 47 do Código Penal, são interdições temporárias de direitos:

Art. 47 - As penas de interdição temporária de direitos são: (Redação dada pela Lei nº
7.209, de 11.7.1984): I - proibição do exercício de cargo, função ou atividade pública,
bem como de mandato eletivo; II - proibição do exercício de profissão, atividade ou
ofício que dependam de habilitação especial, de licença ou autorização do poder público;
III - suspensão de autorização ou de habilitação para dirigir veículo; IV - proibição de
frequentar determinados lugares. V - proibição de inscrever-se em concurso, avaliação ou
exame públicos.

No tocante ao inciso I, verifica-se que este poderá ser aplicado, para os crimes praticados
com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração Pública. Inibindo que o
condenado continue no exercício de sua atividade. O tempo da interdição não poderá ser inferior
ao da pena privativa de liberdade substituída, e havendo o cumprimento da interdição o condenado
volta a exercer o cargo, função, atividade ou mandado.
Já a aplicação do inciso II, é direcionada para aqueles crimes relacionados com a
inobservância às práticas profissionais, cuja a profissão, ofício ou atividade exijam uma habilitação
específica ou autorização do Poder Público para que possam ser exercidas. Por isso, nega ao
condenado realizar determinada conduta laborativa, pelo tempo que lhe fora estipulado na pena
privativa de liberdade.
A regra determinada no inciso III só é aplicada a infração penal de natureza culposa
cometida no trânsito, estando prevista no artigo 302 e 303 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB),
ou seja, o condenado ficará inabilitado para dirigir veículo, pelo período em que cumpriria a pena
restritiva de liberdade, não estão incluídos os veículos movidos a tração animal e de propulsão
humana. Esta modalidade é aplicada para aqueles condutores que no momento do acidente tenham
autorização para dirigir. Se, o condenado não houver habilitação, poderá o juiz determinar a
proibição de se obter permissão ou autorização para dirigir.
O inciso IV, por sua vez, tem como finalidade, a limitação do condenado de frequentar
lugares onde há relação entre o crime praticado e a pessoa do agente, com o objetivo de prevenir
que este volte a frequentar respectivo estabelecimento e cometa novo crime, e frequentar
determinados locais considerados imorais, que possa volver sua personalidade para a moralidade e,
melhor se adequar ao convívio social.
Por fim, o inciso V do artigo retro, para ser aplicado, o agente deverá possuir alguma ligação
à infração deste tipo, tendo como finalidade o benefício fraudulento em aprovação de concursos,
246

exames e avaliações públicas. Assim, o condenado não poderá tomar posse, pois estará impedido,
ocorrendo geralmente a pessoas condenadas por fraude em certame público.

3.2.5 Limitação de fim de semana

A Limitação de Fim de Semana, está elencada no artigo 43, inciso VI e no artigo 48, ambos
do Código Penal. Que consiste na obrigação de permanecer, aos sábados e domingos, por cinco
horas diárias, em casa de albergado ou outro estabelecimento adequado.
Durante a permanência, poderão ser ministrados ao condenado cursos e palestras ou
atribuídas atividades educativas, conforme o artigo 48, parágrafo único do Código Penal, e de
acordo com o regramento da Lei de Execução Penal no seu artigo 152. De acordo com Greco
(2018, p. 671): “O estabelecimento designado encaminhará, mensalmente ao juiz da execução
relatório, bem assim comunicará, a qualquer tempo, a ausência ou falta disciplinar do condenado”.
O condenado fica privado de liberdade durante o período da sua execução, mas em compensação
ele não perde o vínculo social, familiar e profissional, evitando também o contato
com os demais penados. Tendo ainda uma finalidade educativa.
Essas penas podem se transformar em prisão caso a pessoa condenada não cumpra com as
medidas impostas pela justiça, e a aplicação delas também pode variar de acordo com o grau de
reincidência do condenado.

4 O CARÁTER PUNITIVO DAS PENAS ALTERNATIVAS

As penas em todo o tempo, tiveram como objetivo principal a intimidação, com a aplicação
penal, e o castigo ao mal causado pelo infrator. Contudo, ao longo do tempo, em decorrência de
estudos e análises críticas dos operadores do direito e de boa parte da sociedade, foi-se gerando
uma evolução desta tendência punitiva, diagnosticando a crise de modalidades punitivas e gerando
a possibilidade para que novas formas de punir surgissem. Sendo assim, as penas alternativas
representam uma real perspectiva para substituir, gradativamente, a falida pena de prisão.
As penas alternativas, são tidas como uma forma de punição, mais propícia aos crimes de
média ou pequena gravidade, não deixando de ser punitivas e nem que privilegie o cárcere, devendo
possuir uma carga de reprovação ética da conduta do infrator. E sob este aspecto, essas penas têm
apresentado a mais coerente solução. Politicamente, as penas alternativas configuram-se como um
movimento e resposta à superlotação da população carcerária e como melhor alternativa à prisão
247

como resposta penal pelo uso da reparação, das responsabilidades e obrigações do infrator para
com a comunidade.
As Teorias Finalistas das Penas, estão divididas em três espécies: Teoria Absoluta, Teoria
Relativa e Teoria Unitária ou Eclética. Dentre os três tipos já mencionados de teoria, a que melhor
se insere no presente contexto é a Teoria Unitária, pois tem como finalidade a prevenção geral e
prevenção especial do condenado. Como bem destacou Masson (2014, p. 81-82):

A finalidade da pena, seguindo os ditames dessa teoria, é castigar o condenado pelo crime
praticado de forma a retribuir o mal causado e, ao mesmo tempo, prevenir a prática de
novos crimes, tanto pelo condenado quanto pela sociedade. Para essa teoria a pena
assume um tríplice aspecto: retribuição, prevenção geral e especial. É a junção das duas
teorias tratadas anteriormente.

O objetivo fundamental da punição por essa modalidade penal está em reconstituir o


comportamento dos indivíduos que estão sendo punidos e comunicar que a reprodução de tal
comportamento por outros indivíduos será punida.
É necessário mencionar que existe a efetiva aplicação das penas alternativas enquanto
solução para o quadro caótico do sistema penitenciário brasileiro e a redução da população
prisional.

5 AS PENAS ALTERNATIVAS COMO INSTRUMENTO DE REINTEGRAÇÃO


SOCIAL

O nosso ordenamento jurídico, além de punir a pessoa pelo delito praticado, ele descreve
que esta mesma pessoa deve ser reintegrada à sociedade, de modo que esta reintegração é vista
como uma possibilidade de levar ao apenado condições para que ao retornar à sociedade, este não
regresse ao mundo do crime.
A aplicação das penas alternativas realizadas por alguns juízes, viabilizam a possibilidade de
um maior envolvimento dos infratores com a comunidade. O empenho na ampliação do número
de instituições beneficiárias e do estabelecimento das parcerias, contribuem para a diminuição da
distância entre os operadores jurídicos e a comunidade, sendo necessário um constante diálogo
entre estes.
Neste processo, todos os envolvidos se beneficiam, pois amplia a possibilidade da
comunidade se conscientizar do seu papel na construção do coletivo. A interação entre a
comunidade e os prestadores de serviços abrem espaços para vínculos mais estáveis, onde nada
impede de a instituição contratar o prestador do serviço após o cumprimento da pena para exercer
o trabalho que vinha executando. De acordo com Marcão (2019, p. 37):
248

A execução penal deve objetivar a integração social do condenado ou do internado, já


que adotada a teoria mista ou eclética, segundo o qual a natureza retributiva da pena não
busca apenas a prevenção, mas também a humanização. Objetiva-se, por meio da
execução, punir e humanizar.

A integração social do apenado é buscada pela execução penal, já que ela é fundada na teoria
unitária ou eclética. Assim não há como separar a punição da humanização, pois estas se completam
e buscam uma melhora dos apenados, pois de acordo com a Criminologia Crítica, uma pessoa que
vive em conflito com as regras de uma sociedade capitalista não possui condições de ser
ressocializada, voltando a conviver em sociedade. Aquelas pessoas que vivem em conflito com a
legislação são as que saem, mas acabam retornando ao sistema penitenciário.
Portanto, a pena alternativa objetiva a verdadeira ressocialização. Deixa de ser o futuro do
direito punitivo para o presente, ante a eventual falência do sistema penitenciário vigente, numa
concretização mais do que lógica e necessária na execução da pena como medida remediadora.

6 CONCLUSÃO

Considerando os efeitos positivos das penas alternativas, surgem indagações sobre quais
são os efeitos que estas penas possibilitam ao apenado e a sociedade. Neste sentido, a pena deve
possuir uma carga de reprovação ética da conduta do infrator, assim como proporcionar à
sociedade a conscientização quanto ao seu papel na construção do coletivo, abrindo espaços para
vínculos mais estáveis entre os infratores e a comunidade, e que contribuem para a ressocialização
destes.
No presente trabalho, foi comprovado que as penas privativas de liberdade estão falidas,
em declínio, e que o sistema prisional acaba por não cumprir seus principais objetivos, quais sejam
o de ressocializar e de reeducar o apenado para a volta ao convívio em sociedade.
Vale destacar que uma das causas fundamentais para a situação desordenada do sistema
carcerário são, as condições precárias, insalubres, superlotação, a ausência de atividades
educacionais, ausência de trabalho, o preconceito da sociedade para com o seu egresso, e o
abandono do Estado. Tornando assim uma difícil reintegração do apenado na sociedade.
Assim, constata-se que o sistema carcerário em vez de ressocializar o condenado, acaba por
torná-lo um indivíduo mais perigoso, e que ao sair do cárcere volta a cometer novos crimes,
gerando assim aumento nos índices de reincidência.
249

Em meio a essas circunstâncias as penas alternativas surgem como uma solução para a crise
das penas privativas de liberdade, por apresentar um caráter educativo e social, sendo um dos meios
mais eficazes para que o infrator não volte a reincidir no crime.
Isto posto, verificou-se que todos os objetivos perquiridos no presente trabalho foram
alcançados. Sendo, portanto, a pena alternativa, a ferramenta mais adequada para ressocializar,
reeducar o apenado sem, necessariamente, afastá-lo da família e da comunidade.

REFERÊNCIAS

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http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 25 abr. 2020.

BRASIL. Lei n° 7.210, de 11 de julho de 1984. Institui a Lei de Execução Penal. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7210.htm. Acesso em 06 mar. 2020.

BRASIL. Decreto-Lei n° 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Disponível em:


http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm. Acesso em: 10 mar.
2020.

BRASIL. Decreto-Lei nº 3.688 de 03 de outubro de 1941. Lei de Contravenções Penais.


Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3688.htm. Acesso em: 20
abr. 2020.

BRASIL. Lei nº 7.209 de 11 de julho de 1984. Altera dispositivos do Decreto-Lei nº 2.848, de 7


de dezembro de 1940 - Código Penal, e dá outras providências. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/1980-1988/l7209.htm. Acesso em: 21 abr. 2020.

BRASIL. Superior Tribunal de justiça. Súmula n° 269. É admissível a adoção do regime prisional
semiaberto aos reincidentes condenados a pena igual ou inferior a quatro anos se favoráveis as
circunstâncias judiciais. 2002. Disponível em:
https://ww2.stj.jus.br/docs_internet/revista/eletronica/stj-revista-sumulas-
2011_20_capSumula269.pdf. Acesso em: 20 abr. 2020.

BRASIL. Ministério da Justiça e Segurança Pública. Levantamento Nacional de Informações


Penitenciárias - INFOPEN. Departamento Penitenciário Nacional - DEPEN. 2019.
Disponível em: http://depen.gov.br/DEPEN/depen/sisdepen/infopen. Acesso em 07 mar.
2020.

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. Parte Geral. 23. ed., Saraiva, 2019, v. 1.

CUNHA, Rogério Sanches. Manual de direito penal: parte geral. 4º. ed. Salvador:
JusPODIVM, 2016.

FERREIRA, apud BAYER, Khristian. A privatização nas penitenciárias brasileiras. Artigo.


2013. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/25731/a-privatizacao-nas-penitenciarias-
brasileiras/>4 Acesso em: 05 mar. 2020.
250

GOMES, Luiz Flávio. Penas e Medidas Alternativas a Prisão. Revista dos Tribunais: São Paulo,
2014.

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. 20. ed. São Paulo. Impetus, 2018, v.1.

MARCÃO, Renato. Curso de Execução Penal. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2019.

MASSON, Cleber. Código Penal comentado. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo:
Método, 2014.

NUCCI, Guilherme de Souza. Curso de direito penal: parte geral. Artigos. 1º a 120 do Código
Penal. Rio de Janeiro: Forense, 2017, v.1.

PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro. Parte Geral. 16. ed. São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 2018, v. 1.
251

RECONHECIMENTO DE PATERNIDADE POST MORTEM

Miqueliny da Costa Santos1

1 INTRODUÇÃO

Com o passar dos anos, o ordenamento jurídico teve inúmeras modificações, tendo
como destaque a do Direito da Família, ampliando as entidades familiares e suas relações.
Por entender que o Direito sempre se modifica a depender das mudanças sociais, faz-se
necessário entender sobre uma das formas que pode iniciar uma relação familiar ou parental.
A partir disso, surge uma nova perspectiva para interligar as relações entre pai e filho,
podendo este ser reconhecido mesmo após a morte do pai, possibilitando o reconhecimento
de paternidade post mortem, que será a motivação do presente estudo.
Sendo assim, tem como objetivo geral esclarecer o procedimento usado quando se
quer realizar o reconhecimento de paternidade post mortem. Mas, para obter uma resposta mais
eficaz para o objetivo geral, traçou-se os seguintes objetivos específicos: definir os conceitos
de reconhecimento de paternidade e do reconhecimento de paternidade post mortem e seus
devidos procedimentos, descrever a forma de investigar para que haja o reconhecimento post
mortem e os seus efeitos, além de identificar a legislação utilizada nesse tipo de situação
jurídica. Os métodos do estudo bibliográfico tiveram como tipo de pesquisa: exploratória,
descritiva e explicativa.
Portanto, nas subseções dessa pesquisa verificam-se primeiramente os princípios
aplicáveis diante do direito de filiação, na segunda subseção define-se o conceito de
reconhecimento de paternidade e seu procedimento, na terceira subseção define-se o
conceito de reconhecimento de paternidade post mortem e descreve-se o procedimento
utilizado juntamente com a forma que é realizada a investigação de paternidade post mortem.
Por fim, no último, deve-se entender sobre a ação investigatória post mortem, desde a sua
definição até os seus efeitos.

1 Bacharelanda do curso de Direito pela Estácio Teresina, Currículo Lattes:


http://lattes.cnpq.br/3838470319702081, endereço eletrônico: miqueliny.costa06@hotmail.com.
252

Assim sendo, apresenta-se a pergunta problema dessa pesquisa: Como se realiza o


reconhecimento de paternidade post mortem? Para análise de todo o procedimento que envolve
após a morte do pai em reconhecer a filiação.
Além do interesse pela temática, o estudo justifica-se no campo acadêmico, revestido
de importantes contribuições que trará para professores e estudantes da área jurídica. Assim,
este trabalho pretende analisar, entender e verificar o mecanismo do reconhecimento de
paternidade post mortem.

2 DESENVOLVIMENTO

2.1 Princípios e Direitos

2.1.1 Princípio da dignidade da pessoa humana

O princípio da dignidade da pessoa humana diz respeito a um princípio de extrema


relevância em toda a jurisdição, considerado um preceito fundamental e primordial dentro
da Carta Magna de 1988. Como podemos analisar de acordo com Tartuce (2006, p.1):

O principio de proteção da dignidade da pessoa humana é o ponto central da


discussão atual do Direito de Família, entrando em cena para resolver várias
questões práticas envolvendo as relações familiares. Concluindo, podemos
afirmar que o princípio da dignidade humana é o ponto de partida do novo Direito
de Família.

E para complementar Berenice Dias (2009,61) dispõe que:

Na medida em que a ordem constitucional elevou a dignidade da pessoa humana


a fundamento da ordem jurídica, houve uma opção expressa pela pessoa, ligando
todos os institutos a realização de sua personalidade. Tal fenômeno provocou a
despatrimonialização e a personalização dos institutos, de modo a colocar a
pessoa humana no centro protetor do direito.

Tem como finalidade proteger a todos, para que haja harmonia em sociedade,
devendo ser respeitado em todas as relações, principalmente nas relações de âmbito familiar,
para se ter uma igualdade entre as entidades familiares.
Como diz Lisboa (2002, p.40), “As relações jurídicas privadas familiares devem
sempre se orientar pela proteção da vida e da integridade biopsíquica dos membros da
família, consubstanciada no respeito e asseguramento dos seus direitos da personalidade”.
Atualmente, a grande problemática acerca deste princípio é a preservação da estrutura
familiar, na busca por segurança jurídica, a qual é necessária para a evolução individual e
social de cada ser humano.
253

Portanto, é um princípio indissociável de todo indivíduo, que deve ser garantido e


respeitado para que as famílias tenham sua dignidade efetivada, principalmente diante dos
institutos da sociedade para construí-la mais justa e solidária, como previsto na Constituição
Federal/88.

2.1.2 Princípio da igualdade jurídica da filiação

Conforme previsão constitucional em seu artigo 227,§6° dispõe que:

Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os


mesmos direitos e qualificações, proibidas quais quer designações discriminatórias
relativas à filiação, e ainda vem, disposto em legislação especial (art.20, da lei
n°8.069/1990-ECA).

Diante desse artigo, nasce o princípio da igualdade jurídica da filiação, que consiste
nos filhos legítimos, naturais ou adotivos, tendo os mesmos direitos e qualificações. (arts.
1.596 a 1.629).
Para Anderle (2002), “O mais importante passo da Constituição de 1988 foi ter
trazido o fim das desigualdades entre os filhos matrimoniais e extramatrimoniais”.
E ainda de acordo com Loureiro (2009, p.1052-1054):

O direito de filiação conheceu importantes modificações nas ultimas décadas,


decorrentes não somente da mudança de concepção de moral vigente na
sociedade moderna, mas também dos efeitos jurídicos advindos das modernas
tecnologias de procriação assistida. Tais modificações foram consagradas na
Constituição da República de 1988 e se fundamentam, notadamente no direito à
igualdade.

Portanto, como os filhos tem direitos quanto a sua filiação e seus devidos efeitos,
lhes são permitidos realizarem o reconhecimento de paternidade seja quando os seus
genitores (as) estiverem vivos ou post mortem, podendo ocorrer a qualquer tempo, sem
disposição legal sobre a tempestividade.
Com isso, concluímos que a igualdade da filiação tornou-se princípio constitucional
em que passou a inibir qualquer forma de discriminação entre os filhos, estabelecendo os
mesmos direitos e garantias, já que todos são filhos e, por isso, detém o mesmo procedimento
jurídico.

2.1.3 Princípio da identidade biológica


254

É um direito fundamental inerente a todo indivíduo, mesmo sem ter fundamento


jurídico pautado na Constituição Federal/88 ou em lei infraconstitucional, merece toda
proteção do Estado, devendo assim, da mesma forma que o princípio da dignidade da pessoa
humana, adotar meios eficazes e capazes para efetivá-lo.
Esse princípio está interligado à identidade pessoal de cada ser humano, pois serve
como base para se ter conhecimento sobre a sua origem e genética, permitindo saber sobre
a sua história.
Com o intuito de reconhecer a devida importância da identidade biológica, o
Supremo Tribunal Federal aplicou a técnica da ponderação para, em 02 de junho do ano de
2011, no RE 363.889, afastando a alegação de segurança jurídica, reconhecer e fazer valer o
direito fundamental que toda pessoa tem de conhecer a sua origem, entendendo ser aplicável
o princípio da busca da identidade genética, especialmente, se à época da decisão que julgou
ação de investigação de paternidade desfavoravelmente ao investigante, não havia a
possibilidade de fazer o exame de DNA, prova que fornece certeza quase absoluta quanto
ao vínculo biológico.
Assim, todos os indivíduos tem tal direito para identificar a sua filiação,
principalmente a sua paternidade, obtendo dessa forma, o exercício pleno da sua
personalidade jurídica.

2.2 Reconhecimento de Paternidade

2.2.1 Conceito

É um ato personalíssimo, que ocorre quando os genitores ou um deles declara sua


condição de filho (a) à pessoa havida ou não do casamento, portanto, tornando-se
descendente biológico, configurando uma relação de parentesco, com base no artigo 1.607
do Código Civil/02: “O filho havido fora do casamento pode ser reconhecido pelos pais,
conjunta ou separadamente”.
Sobre esse tema, Maria Helena Diniz (2002, p.516) ressalta que:

É, por isso, declaratório e não constitutivo. Esse ato declaratório, ao estabelecer


a relação de parentesco entre os genitores e a prole, origina efeitos jurídicos.
Desde o instante do reconhecimento válido, proclama-se a filiação, dela
decorrendo consequências jurídicas, já que antes do reconhecimento, na órbita do
direito, não há qualquer parentesco.

De acordo com Gaspar (1996) dispõe que:


255

O reconhecimento de paternidade é um ato voluntário ou forçado; voluntário


quando o suposto pai reconhece sem empecilho a paternidade do filho e forçado
juridicamente quando o Estado por meio do Juiz declara a sentença do pai
reconhecer o filho, dizemos então que o procedimento de Reconhecimento pode
ser feito de duas formas, sendo voluntario ou judicial.

Portanto, o reconhecimento é uma manifestação de maneira espontânea ou forçada,


constituindo diversos direitos e deveres, que gera um vínculo de parentesco do pai com o
filho havido ou não no casamento.

2.2.2 Procedimentos

2.2.2.1 Voluntário

O reconhecimento voluntário é uma alternativa utilizada por qualquer um dos


genitores para manifestarem sua vontade, podendo ser formalizado das seguintes formas:
por meio do registro de nascimento; por meio de escritura pública ou particular, a ser
arquivado em cartório; por testamento; e por manifestação direta e expressa perante o juiz
(art.1.609, CC). Sendo um ato irrevogável regulado pela Lei n° 8.560/92 ao ser declarado a
perfilhação através dos meios citados acima.
Para Maria Helena Diniz (2002, p.450), “O reconhecimento voluntário é o meio legal
do pai, da mãe ou de ambos revelarem espontaneamente o vínculo que os liga ao filho,
outorgando-lhe, por essa forma, o status correspondente (art. 1.607, CC)”.
Diante das hipóteses de reconhecimento citadas acima, é possível identificar as
seguintes características, as quais são destacadas por Venosa (2005, p.295-296):

Voluntariedade: a declaração espontânea é ato de vontade com efeitos


disciplinados em lei, ato jurídico unilateral, não tendo as características de negócio.
Pessoalidade: a declaração é um direito personalíssimo, onde somente o pai pode
proceder com o reconhecimento do filho. Unilateralidade: gera efeitos apenas
com a declaração de vontade do declarante. Irrevogabilidade ou também chamado
de irretratabilidade: como expressamente dispõe o artigo 1.609, caput, do Código
Civil, o reconhecimento é um ato irrevogável, uma vez confesso e emanada a
vontade de declarar a paternidade, esta não pode mais ser revogada.
Anulabilidade: o reconhecimento pode ser anulado caso se comprove algum vício
existente na declaração, vicio de consentimento ou falsidade. Renunciabilidade:
conforme o artigo 1.614 do Código Civil, o filho maior não pode ser reconhecido
sem seu consentimento, e o filho menor terá o prazo de quatro anos, após sua
maioridade ou emancipação, para impugnar o reconhecimento. Indivisibilidade:
não há reconhecimento parcial, uma vez reconhecido é dado o status de filho.
Incondicionalidade: como dispõe o artigo 1.613 do código acima referido, o
reconhecimento não está sujeito à condições, termo ou encargo. Além de o
reconhecimento ser ato declaratório e formal. Declaratório, pois declara um fato
já preexistente. E formal porque está submetido à forma prescrita em lei.

Há três elementos essenciais para o reconhecimento que são: o subjetivo que é o ato
de vontade do declarante, com capacidade plena dos seus atos civis; o formal decorre
256

das formas previstas no artigo 1.609 do CC para que tenha sua total eficácia e o objetivo que
é a atribuição de status de filho, pois o propósito do ato é reconhecer.
Para se produzir todos os efeitos jurídicos, é necessário o consentimento do
reconhecido, sendo o filho maior, e nos quatro anos que seguir à maioridade ou emancipação,
tempo esse resguardado ao menor para sua impugnação (art.1.614, CC).
Sendo assim, essa modalidade de reconhecimento é uma maneira que o pai, a
qualquer tempo e por sua iniciativa, reconhece um indivíduo como filho, ou seja, tem o status
de filho e todos os direitos e obrigações acerca da filiação.

2.2.2.2 Judicial

Ocorre quando não é realizado o reconhecimento voluntariamente, mas por via


judicial através de uma ação de investigação de paternidade. Trata-se de um ato legítimo do
Estado, que independe da vontade do pai, de natureza declaratória e imprescritível.
Os efeitos da sentença dada pelo Juiz reafirmando o reconhecimento são os mesmos
do reconhecimento voluntário e, com efeito, ex tunc, retroagindo à data do nascimento
(art.1.616, CC), que ao ser averbada a mãe ou o filho maior de 18 anos, devem procurar um
Cartório de Registro Civil e solicitar uma nova certidão de nascimento, constando o nome
do pai.
E segundo Maria Helena Diniz (2002), “O reconhecimento judicial, por meio da ação
de investigação de paternidade, permite ao filho natural, mesmo se não dissolvida a sociedade
conjugal, obter a declaração de seu respectivo status família”.

2.3 Reconhecimento de Paternidade Post Mortem

2.3.1 Conceito

É a possibilidade do reconhecimento de paternidade após a morte do pai ou do filho,


caso ele tenha deixado descendentes. Sendo realizado todo o procedimento através da via
judicial, dando oportunidade para que o (a) filho (a) tenha o nome do seu genitor em sua
certidão de nascimento, mesmo que não tenha ocorrido em vida.
Todos têm como direito serem reconhecidos, registrados e receberem os direitos de
filhos e herdeiros.

2.3.2 Procedimento
257

No caso do falecimento do possível pai, é feito um teste chamado “teste de


irmandade”, em que é verificada a presença do mesmo ascendente. E caso haja um resultado
inconcludente após a realização do teste, ainda tem-se como alternativa a realização de
exames de DNA com os demais parentes do suposto pai, como por exemplo, de seus pais e
irmãos.
Deve-se ressaltar que, mesmo encerradas as hipóteses já mencionadas, consistindo
na imprecisão sobre a paternidade, existe a possibilidade por meio de ordem judicial de
exumação do cadáver, que é a remoção do corpo para ser feita a coleta do material genético
do falecido e, posteriormente a comparação do suposto filho. Esse procedimento é
totalmente desagradável e invasivo, além da grande demanda de equipamentos por conta da
alta tecnologia na perícia, sendo assim, utilizado em último caso.
Todas essas etapas são usadas na investigação de paternidade post mortem, existindo
ainda outras possibilidades para o reconhecimento da relação de parentesco, como veremos
detalhadamente a seguir.

2.3.3 Investigação de paternidade post mortem

Existem diversas alternativas para ser reconhecimento da paternidade post mortem,


por meio de investigação realizada judicialmente, sendo o falecimento do investigado antes
ou no curso do processo.

2.3.3.1 Teste de irmandade

É a comparação do material genético do investigante com filho(s) biológico(s) do


investigado, para verificar se há relação de irmandade ou com pais e irmãos do suposto pai.
Podendo as genitoras dos irmãos participarem para facilitar a efetividade do exame,
aumentando o vínculo.
Se o exame resultar em 99,99% de acerto, será dispensado as demais provas, pondo
fim ao procedimento. Porém, se for inconclusivo, deve-se fazer outras provas para saber o
grau de parentesco existente.

2.3.3.2 Material anatomopatológico

É uma possibilidade para comparar geneticamente o DNA do investigante com o


DNA do investigado, o qual é retirado de amostras do tecido humano decorrente de
258

biópsias. Esse material fica armazenado nos hospitais ou laboratórios que realizaram a
verificação do material.
Este tipo de exame ocorre com frequência em casos de câncer, pois se o investigado
faleceu dessa doença, provavelmente exista esse material para ser feito o teste.

2.3.3.3 Exame de DNA já existente

Ocorre essa alternativa de exame, quando o investigado tem mais de um filho para
ser reconhecido e o investigante tiver conhecimento sobre este irmão e já houve exame de
DNA realizado judicialmente ou voluntário, possibilitando utilizar desse material para
investigação, dependendo ainda do seu estado de conservação.
Vale salientar que, se não conseguirem realizar o exame com o material deixado, é
feita uma comparação direta de DNA com os dados brutos armazenado nos softwares de
análise laboratorial.

2.3.3.4 Demais alternativas

Atualmente, existem diversos laboratórios capazes de desempenharem exames de


DNA com fios de cabelos, pedaços de unhas, dentes, pele e dentre outros, para concluir se
há vínculo de paternidade. Em situações nas quais, antes da realização do exame de DNA, o
réu falece, é feita a remoção de alguns desses materiais do corpo do falecido para a efetivação
do exame. Por ter um custo elevado, aconselha-se que seja feita a retirada de sangue por
punção cardíaca, para melhores conclusões e custeio baixo.

2.4 Ação de Investigação de Paternidade Post Mortem

É o instrumento utilizado pelo filho não reconhecido, pois se trata de uma ação de
estado, de natureza declaratória, com a finalidade de conseguir declaração judicial de que o
autor é filho do réu. Como afirma Cruz (2003, p.108):

Essa ação, como ação de estado que é, tem como finalidade promover o
acertamento do estado de filiação da pessoa, em face de origem natural
contestada, decorrendo-se efeitos de ordem patrimonial e não – patrimonial. É
uma ação de estado em que o seu legitimado exerce o direito indisponível,
imprescritível e personalíssimo, consoante se vê pela disposição do art. 27 do
Estatuto da Criança e do Adolescente.

O rito dessa ação é o ordinário, em que todo o procedimento é regido pelo Código
de Processo Civil. Nesse caso, a mesma pode ser cumulada com o pedido de herança, para
259

que haja a retificação de registro civil e o pleito de alimentos. Além disso, pode ser ajuizada
a qualquer tempo, portanto, é uma ação inalienável, imprescritível e irrenunciável.
E Pereira (1998, p.91) discorre que:

O estado é imprescritível, imprescritível obviamente será o direito de ação visando


a declará-lo, pois que a ação de reconhecimento compulsório é uma ação
declaratória. A todo tempo o filho, tem o direito de vindicar in judicio o status que
lhe compete.
Imprescritível será, pois, a ação investigatória, como ação de estado que é, tenha
ela em vista a proclamação relativa ao filho havido do casamento ou não.

2.4.1 Legitimidade

É um dos requisitos de admissibilidade para a ação, sendo dividida em sujeitos ativo


e passivo, essencial para que o magistrado não extinga sem julgamento de mérito.
Ao final cabe ao juiz decidir se há ou não o vínculo entre o autor e réu. E para isso,
deverá recorrer às provas que instruem a causa e servirá na formação do seu convencimento.

2.4.1.1 Legitimidade ativa

É o autor da ação, que tem como legitimados o nascituro, o filho e o Ministério


Público. Um ato personalíssimo, pois somente o filho tem o direito de consagrar seu status,
mesmo que seja interesse de outrem sendo ele jurídico ou moral, não se tem o poder de agir.
Conforme o Código Civil de 2002 em seu artigo 1606 e parágrafo único:

Art. 1.606. A ação de prova de filiação compete ao filho, enquanto viver, passando
aos herdeiros, se ele morrer menor ou incapaz.
Parágrafo único. Se iniciada a ação pelo filho, os herdeiros poderão continuá-la,
salvo se julgado extinto o processo.

O nascituro é aquele que ainda não nasceu tendo como representante sua genitora,
para ingressar com a ação, conforme o art. 26, § único do Estatuto da Criança e do
Adolescente. Nesse sentido, tem a seguinte jurisprudência:

ILEGITIMIDADE DE PARTE DA MÃE – EXTINÇÃO DA AÇÃO –


DIREITO DO NASCITURO – ART. 4º – ART. 338 – ART. 339 – ART. 458 –
ART. 462 – ART. 384 – INC. V – ART. 385 – CC – ART. 26 – PARÁGRAFO
ÚNICO – ART. 27 – ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE –
Civil. Família. Processual. Filiação. Ação de Investigação de Paternidade de
nascituro, ajuizada pela mãe, julgada extinta por ilegitimidade de parte.
Possibilidade, no Direito Brasileiro, ante normas protetivas do interesse do
nascituro (arts. 4º; 338 e 339; 458 e 462, c/c os arts. 384, V e 385, do Código
Civil), de ser ajuizada a ação investigatória em seu nome, o que resta admitido
260

pelo parágrafo único do art. 26 do ECA, ao permitir, como o antigo parágrafo do


art. 357 do Código Civil, seu reconhecimento, sem distinção quanto à forma. Este
consiste ainda, pelo art. 27 do ECA, em direito personalíssimo, indisponível e
imprescritível. Tutela do direito à vida na Constituição (arts. 5º e 227). Nascimento
da criança após a sentença. Recurso provido para ter o feito seguimento,
figurando ela, representada pela mãe, no polo ativo. Remessa de peças à
Corregedoria-Geral de Justiça por descumprimento do art. 2º da Lei nº 8.560/92.
(TJRJ – AC 1.187/1999 – (Ac. 25061999) – 7ª C.Cív. – Relator
Desembargador Luiz Roldão F. Gomes – Data de julgamento: 25.05.1999)

Evidente que, o filho tem plena legitimidade para entrar com a ação investigatória, se
for menor de idade será representado por sua mãe e assistido se tiver entre 16 e 21 anos de
idade. E aos maiores de 21 anos de idade, poderão ingressar sozinhos, sem nenhum tipo de
representatividade.
Por último, o Ministério Público intervém em ações que têm incapazes e quando
procuram a Promotoria ou Advogado, em sua maioria, pessoas carentes, com previsão do
Código de Processo Civil e conforme a Lei nº 8.560/92 autoriza o Ministério Público como
substituto processual disposto no artigo 2°, §4° subsequente:

§ 4°. Se o suposto pai não atender no prazo de trinta dias, a notificação judicial,
ou negar a alegada paternidade, o juiz remeterá os autos ao representante do
Ministério Público para que intente, havendo elementos suficientes, a ação de
investigação de paternidade.

2.4.1.2 Legitimidade passiva

É o réu da ação, devendo figurar esse campo, os herdeiros do suposto pai já falecido,
sendo inevitável a presença do pai nessa ação pessoalmente, devendo ser passado para os
seus herdeiros legítimos, os seus sucessores, como previsto no art.27 do Estatuto da Criança
e do Adolescente. Conforme a seguinte decisão de Tribunal pátrio acerca desse assunto:

Decisão: Gouveia. Ao proferir a sentença, o juiz decidiu que a legitimidade ativa


para o ajuizamento da ação de paternidade. Investigado. Falecido. Legitimidade
passiva. Herdeiros. Pais. Abertura de inventário. Inocorrência. Quando o
investigado é falecido, a legitimidade para figurar no polo passivo da investigação
é dos Herdeiros. (TJ-RO - Inteiro Teor. Apelação Cível AC 10000720070104585
RO 100.007.2007.010458-5,3°Vara Cível, Relator:
Desembargador Miguel Monico Neto, Data de publicação: 04/06/2008)

Mesmo não configurando o polo passivo, a viúva deve ser citada como parte quando
for herdeira, ora por inexistir descendentes e ascendentes, ora por concorrer com eles à
herança (art.1.829,CC).
261

Sobre esse tema, Gonçalves (2017, p.461) relata que: “Em princípio, pois, a mãe não
deve figurar no polo passivo da ação movida contra os herdeiros do falecido pai, uma vez
que sua meação não será atingida pelo reconhecimento”.

2.4.2 Foro de competência

O foro de competência para a propositura da ação de investigação de paternidade


vem previsto nos artigos 94 e 100 do Código de Processo Civil, tendo 3 (três) possibilidades
para propô-lo.
Dentre as possibilidades, está a regra em todas as ações que é o domicílio do réu, com
base no art. 94 do CPC: “A ação fundada em direito pessoal serão propostas, em regra, no
foro do domicílio do réu”.
Outra hipótese é quando cumulada com prestação de alimentos, o foro será no
domicílio do autor ou do alimentando, como previsto no artigo 100, II do CPC e conforme
entendimento jurisprudencial da Súmula 01 do STJ dispondo que: “O foro do domicílio ou
da residência do alimentando é o competente para a ação de investigação de paternidade,
quando cumulada com a de alimentos”.
E por último, é a possibilidade usada em ações que o pai já faleceu, pois a legitimidade
passiva é passada para os seus herdeiros legítimos, portanto, o foro será o foro do inventário,
por ser cumulada com herança.

2.4.3 Efeitos do reconhecimento post mortem

Como diz Pereira (1998, p.135), “O reconhecimento, voluntário ou coercitivo,


produz as mesmas consequências, dando, pois, como pressuposto, a existência de efeitos do
reconhecimento”. E ainda pontua uma classificação dos efeitos em patrimoniais que tem
como consequência a prestação pecuniária como, por exemplo, a sucessão, envolvendo a
herança e em não patrimoniais que são os direitos e obrigações para proteger o filho, um
exemplo é o direito ao nome.
Fica evidenciado que o efeito prevalecente é a relação de parentesco entre pai e filho.
Sendo subdivididos os efeitos em: estado, nome, relação de parentesco, alimentos, sucessão
e não retroação.

2.4.3.1 Estado
262

É uma condição que cada indivíduo tem dentro da sociedade, pois segundo Pereira,
todo ser humano tem titularidade de um complexo de qualidade de particulares que integram
sua personalidade, gerando uma situação jurídica.
E ainda seguindo o raciocínio de Pereira (1998, p.144), ele diz que:

Seus atributos são pessoais, e de sua essência é irrenunciável; o estado é


imprescritível; não admite transação. Pode reclamá-lo o próprio titular e,
excepcionalmente, aquele a quem a lei atribua expressamente esta faculdade.

Refere-se ao estado de filiação que será a qualificação jurídica do vínculo de


parentesco, afirmando todos os direitos e deveres a serem cumpridos.

2.4.3.2 Nome

Conforme vem disposto no artigo 16 do Código Civil, “Toda pessoa tem direito ao
nome, nele compreendido o prenome e o sobrenome”.
Ao ser reconhecido, será concedido o sobrenome do pai ao filho, por se tratar de um
direito personalíssimo, individualiza-o dessa maneira.
Como reafirma Pereira (1998, p.174) ao dizer que: “A natureza jurídica do nome,
quer seja individual quer seja familiar, decorre do respeito à personalidade, e é um direito sui
generis”.

2.4.3.3 Relação de parentesco

Essa relação parental sucede do reconhecimento da paternidade, pois antes de ser


reconhecido, o filho é apenas um estranho, que ganha posteriormente todas as condições de
parente em linha reta do que foi obrigado a declarar a paternidade.
O art.227 da Constituição Federal dispõe que:

É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente,


com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao
lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade, e à
convivência familiar e comunitária, além de colocá-lo a salvo de toda forma de
negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

2.4.3.4 Alimentos

O direito de ser reconhecido como membro da família, gera uma gama de deveres e
obrigações entre os membros, como podemos observar ao que Lôbo (2002, p.1) diz:
263

Além dos fundamentos contidos nos artigos 226 e seguintes da Constituição,


ressalta o dever de solidariedade entre os membros da família (art. 3°, I, da
Constituição), reciprocamente entre pais e filho (art.229) e todos em relação aos
idosos (art.230). A afetividade é o princípio jurídico que peculiariza, no âmbito da
família, o princípio da solidariedade.

De acordo com Pereira(1998, p.225):

Todo indivíduo que não pode assegurar a própria mantença, nem por isso deve
ser deixado à própria sorte, até perecer de inanição. Cumpre à sociedade, pelos
seus diversos órgãos, prover à sua subsistência, proporcionando-lhe meios de
sobreviver.

Pois conforme o art.1.694 do Código Civil podem os parentes, os cônjuges ou


companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo
compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação.

2.4.3.5 Sucessão

Com a morte do pai antes do reconhecimento, ao ser declarado filho, lhe é


transmitido à gestão do patrimônio, tornando-se sucessor legítimo, em pé de igualdade com
os demais herdeiros do de cujus.
Ademais, como já mencionado, os princípios fundamentais do direito de igualdade
de filiação e da dignidade da pessoa humana traz sobre a não discriminação quanto aos filhos
reconhecidos, quando se tratar da vocação hereditária em relação à sucessão.
Portanto, tendo os mesmos direitos e garantias que os outros herdeiros legítimos
(filhos, esposa, pais, irmãos), não importando a maneira que ocorreu o reconhecimento de
paternidade. Como vem garantido na Constituição em seu artigo 227, §6° dizendo que: “Os
filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e
qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”.

2.4.3.6 Não retroação

Quando é registrado o filho com o nome do pai, não há possibilidade de retroação


deste reconhecimento, ou seja, não se pode ter arrependimento do filho e acaba desistindo
do reconhecimento. Porém se tem uma exceção nessa situação, pode ser alterado e retificado
em caso de erro ou falsidade do registro, com base no artigo 1.604 do Código Civil,
possibilitando a todos aqueles que tem algum interesse em realizar a contestação do feito,
que no caso é o da ação investigatória de paternidade post mortem.
264

Pereira (1998, p.71) diz a respeito da retroatividade que: “Reconhecido o filho,


adquire este um estado, com efeito, retrooperante à data do nascimento, ou até a concepção”.

3 CONCLUSÃO

A presente pesquisa científica abordou a questão do Reconhecimento de Paternidade


post mortem. Neste trabalho, a autora buscou esboçar alguns tópicos de relevância no
procedimento de reconhecimento de paternidade e do reconhecimento post mortem no
ordenamento jurídico brasileiro, dentre eles, o direito de filiação entre pai e filho dentro do
Direito de Família, enfatizando o princípio da igualdade jurídica da filiação, contido no artigo
227, §6° da Constituição Federal.
Primeiramente, foram demonstrados os princípios que rogam o reconhecimento de
paternidade e simultaneamente o reconhecimento de paternidade post mortem, concluindo-se
a imensurável importância dos princípios considerados fundamentais para possibilitar o
direito de filiação, criando uma relação de parentesco.
As inúmeras modificações no Direito de Família, trazidas com o Código Civil,
Estatuto da Criança e do Adolescente e principalmente com a Constituição Federal
proporcionaram ao filho ser reconhecido em igualdade entre os demais filhos dignamente,
melhorando as relações familiares.
Num segundo momento desta pesquisa, entendeu-se o conceito e o procedimento
em âmbito geral do reconhecimento de paternidade para diferenciar a forma de reconhecer
do outro.
Portanto, é um ato que acontece quando os genitores ou um deles declara a condição
de filho ao indivíduo havido ou não do casamento, podendo ocorrer voluntariamente ou por
meio judicial.
No último momento e mais importante desta pesquisa, abordou-se o conceito,
procedimento, investigação de paternidade e a ação investigatória sobre o reconhecimento
de paternidade post mortem.
Do exposto, conclui-se que o reconhecimento post mortem é a maneira de reconhecer
após a morte do pai ou do filho, caso tenha deixado descendentes. Em que todo o
procedimento é judicial, através de alternativas para investigar a paternidade, como o teste
de irmandade, exame de DNA já existente e juntamente com uma ação de investigação de
paternidade post mortem, um instrumento usado pelo filho não reconhecido, com todos os
seus efeitos, caso reconheça o suposto filho, tendo todo o respaldo na legislação,
principalmente no Código de Processo Civil e Código Civil.
265

Por fim, foi demonstrado o procedimento correto para ser realizado o


reconhecimento de paternidade post mortem, possibilitando o conhecimento de todos sobre
esse estudo e fortalecendo ainda mais a importância da filiação, dando ao ser humano de
maneira digna uma família, o poder de pertencer a algo, ter seu espaço naquela entidade
familiar.

REFERÊNCIAS

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verdades da filiação. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n.60, 2002. Disponível em:
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BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da
União: seção 1, Brasília, DF, ano 139, n. 8, 11 jan. 2002.

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VENOSA, Silvo de Salvo. Direito Civil: direito de família. 5ªed. São Paulo, 2005.
267

A QUESTÃO DA SEMI-IMPUTABILIDADE COM OS TRANSTORNOS


DE PERSONALIDADE: uma análise sobre a personalidade psicopática

Roberta Pereira Krim Vel Broder1

1 INTRODUÇÃO

Neste trabalho, propõe-se um estudo sobre um tema delicado e complexo que é a questão
dos crimes cometidos por pessoas com transtornos de personalidade, em especial, a psicopatia e a
semi-imputabilidade, que lhes pode ser concedida pelo Direito Penal brasileiro. Para tanto, faz-se
necessário considerar a visão multidisciplinar sobre o tema, envolvendo desde a Criminologia até a
Psicologia.
Pode-se dizer que as pessoas que possuem personalidade psicopática se comportam em
sociedade de forma inadequada, não sentem vergonha ou remorso, sua personalidade é desajustada,
reagem impulsivamente, possuem instabilidade emocional e irritabilidade e, sobretudo os impulsos
criminais exacerbados, como assassinatos. Esses crimes demonstram a aversão que elas possuem
em relação a outro ser, que são movidos principalmente pela satisfação ao cometer o delito
(SILVA, 2014).
A psicopatia tem provocado discussões no âmbito da Psicologia Jurídica pois é identificada
no meio forense como um grupo de traços de conduta apresentados por um indivíduo que
demonstra tendência ativa do comportamento, sendo considerada como a mais grave alteração da
personalidade, já que tais indivíduos são responsáveis pela maioria dos crimes violentos.
De acordo com Morana, Stone e Abdalla-Filho (2006), na esfera penal, para que se analise
a culpa de um indivíduo pelo crime cometido, é necessário observar a capacidade de seu
entendimento em relação ao ato ilícito penal, o que depende principalmente de sua capacidade
cognitiva. Com a capacidade de entendimento, surge a responsabilidade, e deve ser analisada a
situação da pessoa, levando em consideração o grau de imputabilidade de cada um.
Já a capacidade de determinação, de acordo com Morana, Stone e Abdalla-Filho (2006),
depende da capacidade volitiva do indivíduo, podendo gerar a condição jurídica de semi-

1 Aluna do Bacharelado em Direito da Estácio Teresina. E-mail: robertabroder11@gmail.com.


268

imputabilidade. Com isso, conforme o Código Penal Brasileiro (Art. 26, parágrafo único), cabe ao
juiz a redução da pena ou o envio do réu a um hospital para tratamento especial. Em
contrapartida, quando gerada a condição de imputabilidade, caracteriza a incapacidade de
compreensão completa, sendo a condição de quem é capaz de realizar um ato sem qualquer
discernimento do ato ilícito, nesse caso, isento de pena.
Os indivíduos portadores de psicopatia são considerados semi-imputáveis pois não estão
impossibilitados de compreender o caráter da ação efetivada mas não possuem controle de seus
atos, devido às características de um desvio de personalidade, o que retira deles os freios instintivos.
Essa questão da imputabilidade e da semi-imputabilidade de psicopatas criminosos é alvo
de polêmicas entre doutrinadores e juristas, sendo colocado que os portadores de personalidade
psicopática possuem capacidade de entendimento em relação ao crime cometido mas este foi
gerado por uma irregularidade psíquica que retira o controle da impulsividade de seus atos
cometidos, gerando então a violência, o que retira a capacidade cognitiva, cabendo aos profissionais
da área de Psicologia Jurídica a análise do comportamento desses indivíduos.
Quanto à natureza jurídica, o psicopata é uma pessoa oposta aos valores éticos e às normas
jurídicas, especialmente pelo fato de serem desprovidos do sentimento de culpa. Na verdade, o
psicopata não só transgride as normas como as ignora, considerando-as como um obstáculo que
deve ser vencido para o sucesso de suas ambições.
Dessa forma, sabendo das controvérsias trazidas pela imputabilidade do psicopata
criminoso no Ordenamento Jurídico brasileiro, podendo-se dizer que esta é uma deficiência do
sistema criminal pátrio, a elaboração desta pesquisa resta justificada, buscando-se com o estudo
proposto, contribuir para o entendimento de qualquer pessoa interessada, utilizando-se, para tanto,
de linguagem simples e didática para tratar do assunto. É com o intuito de esclarecer de forma mais
detalhada o assunto proposto neste trabalho que se tem o seguinte questionamento como
direcionador: Quais são os principais traços de um psicopata? E seria ele, de fato, semi-imputável?
Nesse contexto, este estudo tem como objetivo geral expor os principais traços da psicopatia¸
considerando sua situação frente ao sistema criminal brasileiro. E como objetivos específicos:
analisar os distúrbios desses portadores; e verificar a responsabilidade legal desses
indivíduos.
Como metodologia, foi realizado um estudo bibliográfico e documental, ampliando o
conhecimento da área e comprovando os dados basais para a formulação da problemática.
Quanto à abordagem, a pesquisa será qualitativa, vez que pretende se ater aos quesitos
epistemológicos, trazendo à tona dados e conceitos pesquisados (SEVERINO, 2010), enfatizando-
se neste estudo a questão da semi-imputabilidade por transtornos de personalidade, destacando-se
269

os traços comportamentais desses indivíduos.

2 A PERSONALIDADE PSICOPÁTICA

A psicopatia tem sido constantemente associada ao assassinato em série porém vale


ressaltar que nem todo assassino é psicopata nem todo psicopata é assassino. É importante que se
tenha essa ideia pois se pode estar lidando constantemente com um psicopata sem ter-se noção
disso. As confusões, as mentiras e o mal-estar causado no ambiente familiar ou social
constantemente por determinada pessoa podem não ser apenas ações de uma pessoa com mau
caráter.
Com as evidentes alterações do psicopata em relação às demais pessoas, foram feitos
estudos com o intuito de descobrir se a parte do cérebro responsável por esse tipo de conduta
apresentaria também alguma anomalia. Segundo Sabbatini (2002), a parte do cérebro que controla
a forma de conduta social é o lobo frontal. Essa parte do cérebro também é responsável pelo
autocontrole, pelo planejamento, pelo equilíbrio das necessidades do individuo versus a necessidade
social.

As principais subdivisões do encéfalo humano. As áreas frontais incluem o lobo


frontal (sua porção anterior é chamada de área pré-frontal), o córtex motor
(responsável pelo controle voluntário do movimento muscular) e o córtex sensorial
(que recebe a informação sensorial vinda principalmente do tato, vibração, dor,
propriocepção e sensores de temperatura). Existem áreas separadas para olfação,
gosto, visão e audição. A área de Broca é uma área especializada, responsável pela
expressão motora da fala. (SABBATINI, 2002, p.2)

Sabbatini (2002) afirma ainda que existem casos de pessoas que adquiriram psicopatia a
partir de cirurgias realizadas no cérebro, como a retirada de tumores, que de alguma forma
atingiram a área do lobo frontal. As pessoas que possuem personalidade psicopática se
comportam em sociedade de forma inadequada, não sentem vergonha ou remorso, sua
personalidade é desajustada, reagem impulsivamente, possuem instabilidade emocional e
irritabilidade e, sobretudo, os impulsos criminais exacerbados, como assassinatos. Esses crimes
demonstram a aversão que elas possuem em relação a outro ser, que são movidos principalmente
pela satisfação ao cometer o delito.
Essas pessoas têm capacidade de compreensão da criminalidade contudo não têm
aptidão necessária de autodeterminação. São criminosos com poucas possibilidades de
ressocialização pois possuem comportamento que estimula a reincidência no ato dos crimes.
270

Essas são algumas características da personalidade psicopática, que é assinalada por um modo
irregular de reagir, porém sem comprovação patológica. Miller (2008) afirma serem
características fundamentais em qualquer psicopata o notável egocentrismo de caráter e um
profundo desprezo pelos sentimentos e necessidades alheias.
Os portadores de personalidade psicopática são pessoas com fortes traços de falhas no
campo da afetividade porém são inteligentes. Em muitas vezes, sua inteligência está acima do
normal. Apesar de possuírem o lado intelectual elevado, apresentam conduta de natureza
antissocial e antiética. Todos os indivíduos que possuem irregularidades de caráter e de afeto
estão enquadrados na personalidade psicopática, como afirma Hungria (1942, p.140):

Portadores de psicopatias, a escala de transição entre psiquismo normal e as psicoses


funcionais. Seus portadores são uma mistura de caracteres normais e caracteres
patológicos. São os inferiorizados ou os degenerados psíquicos. Não se trata
propriamente de doentes, mas de indivíduos cuja constituição é ab initio, formada de
modo diverso da que corresponde ao homo medius.

Atualmente, essas pessoas são tidas como portadoras de transtornos específicos da


personalidade porém, desde os primórdios do período científico da medicina legal, Zacchia fazia
menção aos que “não sentem, não raciocinam e não agem como normais”. A partir dos anos 20,
com os trabalhos de Schneider, essas pessoas passaram a ser conhecidas como portadoras de
“personalidade psicopática”.
Em uma entrevista com o Dr. Mauro Passamani, médico e psiquiatra de Teresina, que
trabalhou boa parte de sua vida no antigo hospital psiquiátrico Meduna, comenta sobre sua
experiência com pessoas psicopatas:
Quais são as características de um psicopata?

A psicopatia é uma doença classificada no código de doenças internacionais como um


transtorno, e o que caracteriza esse transtorno é a falta de empatia com o próximo, falta
de sentimento. Isso causa o rompimento dos valores morais que a pessoa tem com
condições morais de existência. A psicopatia tem vários graus. Existe uma escala que
vai de 0 a 30, que é feita para identificar sinais ou sintomas classificados como
transtorno. Por exemplo, se era uma criança maldosa ou malvada, se ela é sempre
desafiadora, são várias as condições para serem preenchidas para se tornar o transtorno
em psicopatia, como no livro “Mentes perigosas, o psicopata mora ao lado.

Segundo Zarzuela (2003), Schneider considerava essas pessoas como possuidoras de


“personalidades anormais, que sofrem por causa de sua anormalidade ou que, impelidos por ela,
fazem sofrer à sociedade”. Dessa forma, percebe-se um binômio entre anormal e sofrimento, o
qual decorre diretamente dessa anormalidade. A Classificação Internacional de Doenças da OMS
(CID 10) conceitua os transtornos específicos da personalidade como sendo:
271

Perturbação grave da constituição caracterológica e das tendências comportamentais


do indivíduo, usualmente envolvendo várias áreas da personalidade e quase sempre
associada à considerável ruptura pessoal e social. O transtorno tende a aparecer no
final da infância ou na adolescência, e continua a se manifestar pela idade adulta
(classificação internacional de doenças da OMS CID 10)

Outra definição é de Kraepelin, que diz que portadores de personalidade psicopática “são
aqueles que não se adaptam à sociedade, vivendo em constante luta com ela: são descontentes
com tudo, por toda parte; sentem necessidade de serem diferentes dos outros” (MILLER 2008).
Ressalta-se que tanto Kraepelin quanto Scheneider consideraram, em suas definições de
personalidade anormal, o comportamento antissocial, considerada apenas como um desvio da
média geral.
Nesse contexto, a personalidade psicopática é caracterizada por conduta inadaptada
durante um longo período da vida do paciente, geralmente é identificada na adolescência e
algumas até mesmo na infância. Distingue-se por ser um grupo que apresenta modificações de
caráter e de afeto porém, como já foi dito, a personalidade psicopática não é uma doença
patológica pois seu traço marcante está na perturbação no campo da afetividade e do caráter, e
sua inteligência continua normal ou acima do normal. De acordo com Gomes (2010), na
personalidade psicopática estão os indivíduos desequilibrados portanto esse é o capítulo mais
importante da psiquiatria forense. Elucida que:

Os psicopatas são indivíduos que não se comportam como a maioria de seus


semelhantes tidos por normais. Têm grande dificuldade em assimilar as noções éticas
ou, assimilando-as, em observá-las. Seu defeito se manifesta na afetividade; não na
inteligência, que pode às vezes ser brilhante. (GOMES, 2010, p. 309)

A personalidade psicopática possui diferentes graus de severidade. Quando possuem


grande inteligência, eles se mostram convincentes, carismáticos, capazes de induzir pessoas a atos
que estas não querem ou não se sentem capazes de realizar, portanto são indivíduos
extremamente manipuladores.
Em geral, os portadores de personalidade psicopática são mentirosos porém não aceitam
quando a mentira é direcionada a eles, e as pessoas com quem se relacionam, devem ser fiéis e
verdadeiros. Ressalta-se que outra importante característica de um psicopata é que não faz planos
de futuro e não assume a culpabilidade em suas ações.
Alguns psicopatas utilizam do encanto pessoal e de sua capacidade de manipulação para
a sobrevivência social. Partem do princípio de que só é possível manipular alguém se este for
seduzido, portanto utilizam o encanto, a sedução e a manipulação. Vale lembrar que nem
272

todos os psicopatas são encantadores. A mentira e a fantasia são comumente utilizadas pelos
psicopatas. Muitos se caracterizam como personagens criados por sua mente e, dessa forma, são
capazes de convencer qualquer pessoa de que estão realmente frente a uma personagem
verdadeira.
O portador de personalidade psicopática não apresenta laços sentimentais entre
familiares, são pessoas de extrema frieza no campo emocional, e ainda possuem dificuldades para
entender os sentimentos de outras pessoas. Vale a ressalva de que os psicopatas não possuem
consciência moral, assim como noções de ética. Segundo Miller (2008,p 205) os psicopatas estão:

associados a personalidades narcísicas e histéricas, exibem com grande arrogância e


vaidade fortes sentimentos de autovalorização, um estilo de vida opulento, em que a
fraude aparece, muitas vezes, como meio de ganhar dividendos e uma total indiferença
para com o bem-estar dos outros.

Essa falta de consciência moral e noção de ética leva o psicopata a cometer crimes e
brutalidades. São impulsivos, o que o torna intolerante às frustrações, respondendo de forma
exagerada a estímulos mínimos e não apresentando reação alguma quando os estímulos são
importantes.
Em linhas gerais, o portador de personalidade psicopática apresenta, desde a época da
escola, no ambiente familiar e no trabalho, tendência egocêntrica, que se torna a responsável
pelas dificuldades de viver em sociedade. Pode-se dizer que, dificilmente ou mesmo de forma
alguma, ele aceita correção, advertência ou reeducação.
Os psicopatas se encontram com frequentes sinais de sofrimento pessoal, não toleram
aborrecimentos, afirmam sempre que os outros o tratam com hostilidade e se apresentam
geralmente depressivos. Esse sentimento pode persistir até a idade adulta porém o
comportamento antissocial tende a não ser tão evidente nessa fase. Como já foi elucidado,
existem vários tipos de psicopatias. Alguns portadores delas são mais propensos ao cometimento
de crime que outros, por isso é importante que se conheçam os tipos com inclinação à prática
de conduta ilícita.
Existe o psicopata hipertímico, que se apresenta com um comportamento amigável,
familiar, é alegre, eufórico, bastante otimista, porém possui inclinação a escândalos e a desavenças
pessoais. É portador de diversas ideias contudo nunca consegue terminar as que coloca em
prática. Mostra-se confiante, e faz inúmeras promessas, as quais não cumpre. Neste caso, os
portadores de personalidade psicopática podem manifestar-se como golpistas, estelionatários e,
devido à sua frequente exaltação, inclusive sexual, podem vir a cometer estupros (MOLINA,
2008).
273

Outro tipo de psicopata são os depressivos, que, como o próprio nome já diz, são
melancólicos, ressentidos, relacionam-se com a parte pessimista da vida, que muitas vezes têm
início durante a juventude. Possuem baixa atividade intelectual, apresentam-se como
hipocondríacos e são dominados por sentimentos de inferioridade (MOLINA, 2008).
Os explosivos reagem violentamente a estímulos pequenos, são irritáveis. Agem com
brutalidade e impulsividade. São calmos, até que algo os incomode. Podem atentar contra vidas,
e são acometidos de amnésia lacunar quando praticam o ato. São irritáveis e com oscilações de
humor desproporcionais, seja para a alegria como para a tristeza, são os chamados psicopatas
lábeis de humor. Apresentam toxicomanias e disposição ao alcoolismo.
Os abúlicos são destituídos de vontade própria, são influenciáveis e agem por indução e
obediência. Conforme Molina (2008), os psicopatas fanáticos são expansivos e criativos,
defendem a ideia filosófica, religiosa, política, e são de alta periculosidade quando assumem
liderança popular durante os períodos de instabilidade político-social.
Existem os que são marcados pelo sentimento de inferioridade e possuem a constante
sensação de insuficiência. Este tipo de psicopata pode ser obsessivo, por ser inseguro, e
demonstra frequente medo, sensitivo que se mostra delicado e desconfiado, ofende-se com
qualquer coisa. Aqueles que observam cada detalhe de suas funções orgânicas têm costumes de
ler bulas de remédio e vão ao médico com bastante frequência (SANTOS, 2018).
Outro tipo é o psicopata dito sem sentimentos, não demonstra qualquer afetividade, é
insensível e antissocial. Desde cedo, manifesta-se cruelmente, com perceptíveis dificuldades de
adaptar-se ao meio social. Quando adulto, mostra-se frio, impiedoso, desconhece a vergonha e
a misericórdia. É esse tipo que mais comete delitos contra a vida (SANTOS, 2018).
Para Molina (2008), o psicopata sexual ou sexopata sente prazer com o mal e com o
sofrimento de outro ser, trata sua vítima como um objeto. A atividade sexual aparece com traços
psicopáticos, quando esta gera uma transgressão com a conduta antissocial, consciente e
erotizada, se realizada com uma busca específica por prazer sexual.

3 CONTEXTUALIZANDO A PSICOPATIA NO SISTEMA JURÍDICO BRASILEIRO

O julgamento de pessoas tidas como psicopatas no Ordenamento Jurídico Penal


brasileiro tem sido discutido como uma lacuna, como uma deficiência do sistema penal, dada a
concessão de semi-imputabilidade para esses indivíduos e o perigo que representam para a
274

sociedade pelos crimes cometidos, fazendo-se importante entender sobre a culpabilidade no


Sistema Penal do Brasil.
De acordo com Capez (2012), um crime pode ser entendido como um fato típico e
antijurídico, sendo apontado em dolosos e culposos. O dolo é a consciência (previsão) e vontade
do fato conhecido como contrário ao dever. A culpa é a prática voluntária de uma conduta que
é geralmente consubstanciada em uma ação de se fazer comportamento ativo mas também pode
ser omisso a partir da ausência do comportamento do indivíduo. Para Prado (2010, p.408):

A culpabilidade é a reprovabilidade pessoal pela realização de uma ação ou omissão


típica e ilícita. Assim, não há culpabilidade sem tipicidade e ilicitude, embora possa
existir ação típica e ilícita inculpável. Devem ser levados em consideração, além de
todos os elementos objetivos e subjetivos da conduta típica e ilícita realizada, também,
suas circunstâncias e os aspectos relativos à autoria.

São três as teorias relativas ao tempo do crime: teoria da atividade, teoria do resultado e
teoria mista. O Código Penal brasileiro adotou a teoria mista. Conforme a teoria da atividade, o
tempo crime é o momento da conduta, como estelionato, omissão de socorro ou homicídio
doloso ou culposo. De acordo com a teoria do resultado, considera-se tempo do crime o
momento de sua consumação, não sendo levado em consideração o momento em que o agente
praticou sua ação, como é o caso do atropelamento ou obtenção de vantagem indevida no
estelionato (CAPEZ, 2012).
Na teoria da ambiguidade ou mista, avalia-se o tempo do crime, tanto o momento da
conduta quanto o momento do resultado. Tem-se também a extra-atividade da lei que ocorre
quando a lei penal, mesmo depois de revogada, continua regulando fatos ocorridos durante sua
vigência para alcançar aqueles que aconteceram à sua vigência em vigor. No entanto, somente
ocorrerá nas hipóteses de sucessão de leis no tempo. A extra-atividade pode ocorrer em situações
passadas, ou seja, ocorridas antes do início de sua vigência, denominada de retroatividade e pode
ocorrer com situações futuras quando se aplica, mesmo após a cessação de sua vigência, sendo
chamada de ultra-atividade (CAPEZ, 2012).
A pena age como uma reparação do crime praticado, objetivando a redenção moral do
condenado para que ele possa voltar a viver em sociedade. A punição possui papel social na
imposição de normas de conduta dos homens. Para Costa (2010, p.176):

A lei penal, como produto histórico cultural, tem vigência durante certo tempo e num
determinado lugar (eficácia temporal e especial da lei penal). A doutrina acrescenta
uma vigência pessoal, tratando de certa inviolabilidade do Chefe de Estado, das
imunidades parlamentares e diplomáticas e das prerrogativas processuais de membros
275

do Poder ou funcionários públicos.

É importante que se destaque que toda norma jurídica deriva de preceito e sanção. O
preceito exprime a proibição e o comando, endereçado à conduta. A sanção é a consequência do
descumprimento do preceito. Assim, o direito será sempre um imperativo sancionado. Nem
sempre, porém, a sanção imporá uma medida coativa, a não ser no campo penal. Considerando
essa função da lei penal, é possível refletir sobre o caso dos psicopatas, principalmente quando
considerados semi-imputáveis.
O portador de personalidade psicopática não apresenta laços sentimentais entre familiares,
são pessoas de extrema frieza no campo emocional, e ainda possuem dificuldades para entender
os sentimentos de outras pessoas. Vale a ressalva de que os psicopatas não possuem consciência
moral, assim como noções de ética, o que leva o psicopata a cometer crimes e brutalidades. São
impulsivos, o que os torna intolerantes às frustrações, respondendo de forma exagerada a
estímulos mínimos e não apresentando reação alguma quando os estímulos são importantes
(HARE, 2013).
Para Silva (2014), os psicopatas criminosos constituem 3% da população masculina e 1%
da população feminina. Têm como características o total controle sobre a vítima, degredando e
humilhando-a por um longo período como se fosse um ritual. Escolhem o local e o roteiro que
vão submetê-las, sempre com emoções fortes. Consideram a vítima como objeto, fantasiam o
que vão fazer, inclusive as falas das vítimas, depois do crime guardam lembranças das vítimas,
como peças de roupa, partes do corpo, entre outros. A indiferença emocional é o que torna um
individuo psicopata perigoso, exatamente pela falta de sentimento de culpa. É uma pessoa sem
valor ético nem moral.
Estudos, como o de Casoy (2004) demonstram que esses criminosos, pelo prazer sentido
em fazer vítimas, geralmente agem com o mesmo modus operandi e costumam deixar assinaturas,
principalmente quando se tornam assassinos em série (serial killers). O modus operandi define provas
que possam ser úteis para a perseguição. Os crimes não precisam ser idênticos mas a acusação
deve apresentar uma persuasiva exibição de semelhança entre os crimes cometidos.
Quando se oferecem elementos de prova de modus operandi, a acusação não tem de provar,
além de uma dúvida razoável, que os outros crimes ocorreram, e sim, a acusação deve
simplesmente apresentar provas suficientes para demonstrar que o ato teve lugar e foi cometido
pelo réu. De acordo com Casoy (2004, p. 42):

A “assinatura” é sempre única, como uma digital, e está ligada à necessidade do serial
em cometer o crime. Eles têm necessidade de expressar suas violentas fantasias e,
quando atacar, cada crime terá sua expressão pessoal ou ritual particular, baseado em
276

suas fantasias. Simplesmente matar não satisfaz a necessidade do transgressor, e ele


fica compelido a proceder a um ritual completamente individual.

A autora ainda ressalta que a assinatura adotada pelo criminoso nunca muda, podendo
não aparecer em todas as cenas do crime, todavia, provavelmente terá algum motivo decorrente
da própria ocasião como interrupções, reação inesperada da vítima, entre outros. Importante
mencionar, ainda, que esse criminoso vive cercado por fantasias criminais, costumando imaginar
todo o cenário, premeditando todos os seus passados, como explica Casoy (2004, p. 87):

Cada crime, cada vítima é parte da fantasia macro do criminoso. Toda essa história foi
vivida inúmeras vezes antes, durante e certamente depois dele. A repetição e a
reencenação servem para alimentar a fantasia, reforçando a escalada de
comportamento violento, e dão prazer sexual ao assassino.

Assim, é como se cada crime cometido alimentasse sua fantasia, sua capacidade de
realização. De acordo com Silva, Santos e Vasconcelos (2018), essas pessoas têm capacidade de
compreensão da criminalidade contudo não têm aptidão necessária de autodeterminação. São
criminosas com poucas possibilidades de ressocialização pois possuem comportamento que
estimula a reincidência no ato dos crimes. Silva (2014) complementa afirmando que a taxa de
reincidência desses criminosos chega a ser três vezes maior que um criminoso comum.
Portanto, considerando essa ausência de sentimento, de culpabilidade do próprio
criminoso, então tendo a pena papel social de redenção moral e a falta dessa consciência moral
nesses indivíduos, fica clara a deficiência do Sistema Penal brasileiro, além do que ao considerá-
-los semi-imputáveis, coloca-os nas ruas novamente, passando a ter um risco social, conforme
os índices de reincidência desses criminosos.
Ressalta-se que, para considerar a semi-imputabilidade, é necessário investigar amplamente
o diagnóstico da periculosidade. O exame médico do psicopata é apenas mais uma maneira de
avaliação do indivíduo; não é a única responsável pela palavra final. O médico, portanto, deve
limitar-se a seu estrito campo da Medicina, o qual consiste em avaliar se uma pessoa está, ou
não, doente.
De acordo com Ballone (2010, p.1), existem três regras a serem consideradas na análise da
responsabilidade penal do psicopata: 1) a declaração de insanidade não pode ser feita a priori,
sendo exigida a análise de um perito, apesar de serem pessoas com consciência de seus atos, os
problemas são morais, faltando-lhes apego emocional e sentimento de culpa, o que pode
caracterizar semi-inimputabilidade; 2) o impulso irresistível também tem sido considerado como
regra porém não é assunto unânime na jurisprudência e na doutrina visto que, em muitos casos,
o psicopata age com um crime premeditado, o que descaracteriza esse aspecto impulsivo; e 3) o
277

indivíduo é inimputável se sua conduta for fruto de sua doença mental.


Ballone (2010) elucida que, na maior parte dos países, não há nenhum tratamento
diferenciado em lei para os psicopatas, entendendo que eles possuem plena capacidade de
compreender seus atos e o que lhes falta é consciência moral, o que não retira sua
responsabilidade, sendo, portanto, imputável.

4 CONCLUSÃO

A psicopatia é um distúrbio caracterizado por anormalidades emocionais, como falta de


empatia, consciência e preocupação com os outros, e por anormalidades de conduta, como
comportamento antissocial repetitivo. A falta de remorso é um dos principais gatilhos para o
cometimento de crime.
Em resumo, acredita-se que a psicopatia não pode ser vista como motivação para
caracterizar semi-imputabilidade. Assim, quase nunca serão a base para a mitigação de sentenças
mesmo quando tal mitigação for permitida; às vezes, penalidades podem ser usadas para agravar
a sentença visto que não são anormalidades mentais suficientes para qualificar-se um indivíduo
com capacidade civil involuntária. Os psicopatas serão usados como fatores de risco para futuras
avaliações de perigos se essas avaliações forem acionadas por outros fatores.
O que se verifica a partir do estudo realizado é que os psicopatas não se iludem em nada
sobre o mundo externo (exceto sua importância relativa), e, certamente, não lhes falta o livre
arbítrio – sua vontade é de fato muito livre. Também não se pode realmente dizer que o psicopata
deveria ser desculpado porque sua bússola moral defeituosa tornava seus crimes irresistíveis
para ele no sentido da controversa formulação de insanidade por “impulso irresistível”. Toda
pessoa que comete um crime, por definição, não resistiu a cometê-lo. E os psicopatas parecem
perfeitamente capazes de resistir a ações prejudiciais que não exigem compreensão da rede social,
ou seja, eles podem resistir a enfiar as mãos em um ninho de abelhas para obter mel, apenas não
conseguem resistir a pegar no bolso de outra pessoa dinheiro. Isso não ocorre porque eles não
podem resistir em geral – embora a impulsividade faça parte da psicopatia – mas porque eles não
simpatizam, ou talvez até reconheçam, com o relacionamento da outra pessoa com o dinheiro.
Ao fim deste estudo, verificou-se que é indiscutivelmente imoral para qualquer sistema
jurídico manter psicopatas em regime de semi-imputabilidade, pelo menos até que novas
descobertas sejam realizadas, e exista alguma possibilidade de fato de tratamento visto que, até o
momento, não há nenhuma constatação dessa possibilidade. Com isso, a possibilidade de
278

reincidência é significativamente maior do que entre aquele não psicopatas. Assim, é


fundamental entender que a psicopatia é real e que não pode ser tratada como outros transtornos
de personalidade, sendo esses indivíduos destituídos de emoção e remorso, o que lhes capacita
para o cometimento de crimes bárbaros.
A sociedade se adapta às normas e às regras impostas pelo Estado e não admite ostentar
o erro; e é exatamente isso que o psicopata faz: ostenta o erro e desafia o Sistema, por não sentir
dolo e não se arrepender. Na verdade, o psicopata não só transgride as normas como as ignora,
considerando-as como um obstáculo que deve ser vencido para o sucesso de suas ambições, não
cabendo, portanto, redução de sua pena.

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280

A APLICABILIDADE DA MEDIAÇÃO NOS CONFLITOS DO DIREITO


DE FAMÍLIA

Ruhama de Aquino Leão1

1 INTRODUÇÃO

A família é entidade histórica, e desde os primórdios das civilizações, é o núcleo


fundamental em que repousa toda a organização social. Por décadas o ordenamento jurídico
brasileiro adotou o modelo patriarcal, matrimonializado e hierarquizado de Direito de Família.
No entanto, com a evolução da sociedade, a célula familiar foi remodelada, agora dando
ênfase aos princípios e direitos conquistados pela sociedade e constituída de relações afetuosas,
assim, o sentimento que constrói a família moderna, constitucionalizada, também transforma a
maneira de olhar os conflitos provenientes da entidade familiar, que tem o princípio da afetividade
como norteador e condutor de suas relações.
A princípio, apresenta-se o Direito de Família e sua evolução à luz da legislação brasileira
como abordagem inicial da presente pesquisa bibliográfica, portanto traz-se uma abordagem
histórica e conceitual do que constituí o núcleo familiar. Observando-se as leis que vigoravam à
época do Código Civil de 1916, que admitia apenas a família constituída por meio do matrimônio
indissolúvel.
Além do marco da Constituição Federal de 1988 e o Novo Código Civil de 2002, que
ampliaram e modificaram a definição de família, adequando-a ao desenvolvimento social e cultural
segundo a evolução da sociedade brasileira. Posteriormente, passa-se ao conceito da mediação de
conflitos, bem como identifica-se os seus princípios norteadores, que são normas e valores
irrenunciáveis ao perfeito andamento do instituto e essenciais para a prática eficaz na resolução da
controvérsia.
Em seguida, aborda-se o instituto da mediação aplicado ao Direito de Família, como
método de solução de conflitos que possibilita o reestabelecimento do diálogo, o fortalecimento e
manutenção do laço familiar, além de amenizar os impactos causados pelo o conflito. O presente
trabalho, trata-se de pesquisa bibliográfica descritiva, de abordagem qualitativa e método dedutivo,
que tem por finalidade analisar a aplicabilidade e viabilidade da mediação como método

1 Graduada em Direito pela Faculdade Estácio de Teresina/PI. E-mail: ruhamaleao@gmail.com


281

adequado de resolução de conflitos em casos específicos do Direito de Família, como de dissolução


conjugal, alimentos e regulamentação de guarda.
Compreende-se, que o referido estudo tem ampla relevância no âmbito jurídico brasileiro,
visto que, esse processo faz-se cada vez mais necessário para proporcionar a restauração do diálogo
entre pessoas com relação de continuidade, além de dirimir as controvérsias e solucionar a lide
sentimental desinente do conflito.

2 DESENVOLVIMENTO

2.1 Conceito do Direito de Família

Dada a complexidade que envolve o conceito de família, especialmente diante da evolução


histórica, pode-se dizer que a família é uma instituição social, composta por mais de uma pessoa
física, que se irmanam no propósito de desenvolver, entre si, a solidariedade nos planos assistencial
e da convivência ou simplesmente descendem uma da outra ou de um tronco comum. (NADER,
2016)
Quanto a constituição da entidade familiar, o doutrinador Nader dispõe que: “o lado da
grande-família, formada pelo conjunto de relações geradas pelo casamento, ou por outras entidades
familiares, existe a pequena-família, configurada pelo pai, mãe e filhos” (NADER, 2016, 40).
Portanto, a Constituição de Federal de 1988 foi um marco normativo que possibilitou
mudanças quanto ao conceito de família. Seu advento afastou do ordenamento jurídico brasileiro
o modelo patriarcal de Direito de Família adotado pelo Código Civil de 1916, que admitia um único
tipo de família, a família matrimonial e patrimonialista, cuja excluía da tutela jurisdicional os filhos
concebidos de outros relacionamentos.
Segundo Gonçalves (2017), com as mudanças proporcionadas pelo marco da Constituição
de 1988, o doutrinador Gonçalves conceitua que o Direito de Família constitui o ramo do direito
civil que disciplina as relações entre pessoas unidas pelo matrimônio, pela união estável ou pelo
parentesco, bem como os institutos complementares da tutela e curatela, visto que, embora tais
institutos de caráter protetivo ou assistencial não advenham de relações familiares, têm, em razão
de sua finalidade, nítida conexão com aquele. É nesta perspectiva que Diniz define o Direito de
Família. Vejamos:

É, portanto, o ramo do direito civil concernente às relações entre pessoas unidas pelo
matrimônio, pela união estável ou pelo parentesco e aos institutos complementares de
282

direito protetivo ou assistencial, pois, embora a tutela e a curatela não advenham de


relações familiares, têm, devido a sua finalidade, conexão com o direito de família.
(DINIZ, 2010, p. 4)

Segundo Lôbo (2018, p. 24) “a Constituição brasileira inovou, reconhecendo não apenas a
entidade matrimonial, mas também outras duas explicitamente (união estável e entidade
monoparental), além de permitir a inclusão das demais entidades implícitas”
Portanto, compreende-se que o núcleo familiar se constitui de quatro temas centrais, bem
como regula seus desdobramentos, são eles “o casamento, união estável, as relações de parentesco
e os institutos de direito protetivo”. (RODRIGUES, 2004, s/p)
Assim, a instituição familiar tem se modificado de acordo com o desenvolvimento social e
cultural, com a evolução da sociedade e suas vivências. Dessa forma, a família encontrou amparo
e adequação que deu origem ao Código Civil de 2002, trazendo inovações quanto aos tipos de
formações e relações familiares. Nesse contexto, passa-se ao estudo breve da evolução do direito
de família a luz da legislação brasileira.

2.2 Direito de Família no Código Civil de 1916

O Código Civil brasileiro de 1916 restringiu a família como sendo aquela formada por meio
do casamento civil, que a princípio era indissolúvel. A legislação apresentava traços do direito
romano e canônico, pois a família dispunha de perfil hierarquizado e patriarcal, além de
patrimonializado. Para Rodrigues, o Código Civil de 1916 prezava pelo casamento e tinha para si
que este era parte central do direito de família, pois o Estado só viria a dar proteção às famílias
constituídas pelo casamento de vínculo indissolúvel. (RODRIGUES, 2004)
O artigo 233 do mencionado Código enfatizava que o marido detinha do amplo poder da
sociedade conjugal, e a mulher possuía a função de colaboradora dos encargos familiares. Assim,
pelo entendimento de Dias, o que agora se chama de poder familiar – com o nome de pátrio poder
– era exercido pelo homem. Ele era o cabeça do casal, o chefe da sociedade conjugal. Assim, era
dele a obrigação de prover o sustento da família, o que se convertia em obrigação alimentar quando
do rompimento do casamento. (DIAS, 2016)
Na época eram absolutamente discriminados os vínculos extramatrimoniais e os filhos
considerados ilegítimos, como aqueles não advindos do casamento, isso tudo com o intuito de
preservar o núcleo familiar monogâmico. Nesse diapasão, dispõe Gonçalves:

O Código Civil de 1916 proclamava, no art. 229, que o primeiro e principal efeito do
casamento é a criação da família legítima. A família estabelecida fora do casamento era
considerada ilegítima e só mencionada em alguns dispositivos que faziam restrições a esse
modo de convivência, então chamado de concubinato, proibindo-se, por exemplo,
283

doações ou benefícios testamentários do homem casado à concubina, ou a inclusão desta


como beneficiária de contrato de seguro de vida. Os filhos que não procediam de justas
núpcias, mas de relações extra -matrimoniais, eram classificados como ilegítimos e não
tinham sua filiação assegurada pela lei, podendo ser naturais e espúrios. Os primeiros eram
os que nasciam de homem e mulher entre os quais não havia impedimento matrimonial.
Os espúrios eram os nascidos de pais impedidos de se casar entre si em decorrência de
parentesco, afinidade ou casamento anterior e se dividiam em adulterinos e incestuosos.
Somente os filhos naturais podiam ser reconhecidos, embora apenas os legitimados pelo
casamento dos pais, após sua concepção ou nascimento, fossem em tudo equiparados
aos legítimos (art. 352). (GONÇALVES, 2017, p. 30-31)

Ademais, a esposa era tratada como relativamente incapaz e encontrava-se numa posição
inferior e totalmente submissa, não podendo ao tempo, exercer sequer profissão sem autorização
do marido, tido como o ponto mais alto da hierarquia, dominante e detentor de toda a autoridade
familiar. Gomes (2007), destaca que ocorreram transformações e incorporações, de novos valores
que dominaram a família brasileira, e essa evolução surgiu com a Revolução Industrial, as mulheres
deixavam suas casas e afazeres domésticos para trabalhar em fábricas, que necessitavam de mão-
de-obra, por consequência, o homem deixou de ser o único provedor dos sustentos familiares.
A estrutura se modificou, agora o foco são as relações afetivas e não mais as patrimoniais,
descentralizando a imagem do chefe, que era o único provedor do lar, se tornando igualitária e sem
distinção entre os membros familiares. Compartilhando do mesmo entendimento, Dias, assevera:

Este quadro não resistiu à revolução industrial, que fez aumentar a necessidade de mão
de obra, principalmente para desempenhar atividades terciárias. Foi assim que a mulher
ingressou no mercado de trabalho, deixando o homem de ser a única fonte de
subsistência da família. (DIAS, 2016, p. 22)

A instituição familiar é resultante de um desenvolvimento social e cultural, e tendo em vista


que o código civil de 1916 não atendia mais as práticas da sociedade brasileira, tornando necessária
a criação da Lei do Divórcio (Lei 6.515/77) e o Estatuto da Mulher Casada (Lei 4.121/62), pondo
fim à indissolubilidade do casamento e a mulher sendo reconhecida como um ser de plena
capacidade. Mas a mudança revolucionária no Direito Civil, mais especificamente no Direito de
Família, vem ocorrer com o advento da Constituição Federal de 1988, surgindo assim, a família
constitucionalizada, que abandona os aspectos patrimoniais, passando a apreciar o interesse
individual do ser humano, formando-se a família constitucionalizada.

2.3 Constitucionalização do Direito de Família e o Código Civil de 2002


284

Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, o Direito de família foi marcado por
mudanças no âmbito da intervenção estatal, portanto a entidade familiar foi modificada, com base
nos princípios e direitos adquiridos com o desenvolvimento do Estado Social. A carta magna, como
diz Veloso, num único dispositivo, espancou séculos de hipocrisia e preconceito. Instaurou a
uniformidade entre a mulher e o homem, transfigurou a definição de família, transferindo a
proteção de maneira igualitária a todos os membros da entidade.
Estendeu ainda, o amparo à família constituída pelo matrimônio, à união estável, e o núcleo
formado de família monoparental, constituída por qualquer dos pais ou descendentes. Reconheceu
a uniformidade dos filhos, existido ou não do casamento, ou por adoção, garantindo-lhes os
mesmos direitos e qualificações. Reconheceu a igualdade dos filhos, havidos ou não do casamento,
ou por adoção, garantindo-lhes os mesmos direitos e qualificações. (BRASIL, 1988)
Compartilhando do mesmo entendimento, Matos assevera:

Do ponto de vista legislativo, o advento da Constituição de 1988 inaugurou uma


diferenciada análise jurídica das famílias brasileiras. Uma outra concepção de família
tomou corpo no ordenamento. O casamento não é mais a base única desta entidade,
questionando-se a ideia da família restritamente matrimonial. Isto se constata por não
mais dever a formalidade ser o foco predominante, mas sim o afeto recíproco entre os
membros que a compõem redimensionando–se a valorização jurídica das famílias
extramatrimoniais. (MATOS, 2008, p. 35-48 apud MARIANO)

Acerca disso, Gonçalves reconhece tais mudanças:

Neste prisma, a Constituição Federal de 1988 provoca uma profunda mudança no Direito
de Família, deixou de lado a ideia de que a família era constituída unicamente pelo
casamento, de forma patriarcal e hierarquizada, seguindo o que já ocorria à época através
da construção doutrinária e jurisprudencial, dando espaço a modelos mais abertos,
conforme o que dispõe o artigo 226, afirmando que a família deixa de ser singular,
passando a ser plural, tendo várias formas de constituição. (GONÇALVES, 2018, p. .36)

A Constituição Federal de 1988, alterou o cenário familiar no Brasil ao reconhecer outros


modelos de família, dentre eles a família formada pela união estável e aquela formada por um dos
pais e os filhos, conforme o art. 226 da lei maior:

Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.


§ 3º - Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união
estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua
conversão em casamento.
§ 4º - Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer
dos pais e seus descendentes.
285

§ 5º - Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo


homem e pela mulher.
§ 6º - O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio. (BRASIL, 1988)

Sobre a constitucionalização do direito de família, o doutrinador Lôbo dispõe:

Somente com a Constituição de 1988, cujo capítulo dedicado às relações familiares pode
ser considerado um dos mais avançados dentre as constituições de todos os países,
consumou-se o término da longa história da desigualdade jurídica na família brasileira.
Em normas concisas e verdadeiramente revolucionárias, proclamou-se em definitivo o
fim da discriminação das entidades familiares não matrimoniais, que passaram a receber
tutela idêntica às constituídas pelo casamento (caput do art. 226), a igualdade de direitos
e deveres entre homem e mulher na sociedade conjugal (§ 5º do art. 226) e na união
estável (§ 3º do art. 226), a igualdade entre filhos de qualquer origem, seja biológica ou
não biológica, matrimonial ou não (§ 6º do art. 227). (LÔBO, 2018, p. 33)

A Constituição Federal também passou a tratar como princípios fundamentais e, portanto,


cláusulas pétreas, a dignidade da pessoa humana e a igualdade em direitos e obrigações entre
homens e mulheres, raça, cor e condição econômica. Fato esse que aboliu de vez qualquer
preconceito que uma lei pudesse ter com a mulher no âmbito familiar. (BRASIL, 1988)
Ademais, o Estatuto da Criança e do Adolescente dispõe sobre o poder familiar,
consolidando essa igualdade em seu art. 21: “O pátrio poder familiar será exercido, em igualdade
de condições, pelo pai e pela mãe, na forma do que dispuser a legislação civil, assegurado a qualquer
deles o direito de, em caso de discordância, recorrer à autoridade judiciária competente para a
solução da divergência”. (BRASIL, 1990)
Todas mudanças sociais ocorridas na segunda metade do século passado e o advento da
CF/88, com as inovações, levaram a aprovação do Código Civil de 2002, com a convocação dos
pais a uma “paternidade responsável” e a assunção de uma realidade familiar concreta, onde os
vínculos de afeto se sobrepõem à verdade biológica, após as conquistas genéticas vinculadas aos
estudos do DNA. (GONÇALVES, 2017, p. 37)
“O Código Civil de 2002 extinguiu expressamente os resquícios de poder marital e suprimiu
os deveres particulares do marido e da mulher, um dos pilares da desigualdade de tratamento legal
entre os cônjuges, compatibilizando-se, nesse ponto, com os valores constitucionais. ” (LÔBO,
2018, p. 49)
Assim, de acordo com o Código Civil de 2002, existe a possibilidade de reconhecimento
de paternidade de filhos advindo tanto fora do casamento quanto no instituto do mesmo pela
forma voluntária e pelo reconhecimento judicial.
O novo diploma amplia, ainda, o conceito de família, com a regulamentação da união
estável como entidade familiar; revê os preceitos pertinentes à contestação, pelo marido, da
legitimidade do filho nascido de sua mulher, ajustando-se à jurisprudência dominante; reafirma a
286

igualdade entre os filhos em direitos e qualificações, como consignado na Constituição Federal.


(GONÇALVES, 2017, p. 38)
Ainda segundo o autor supracitado, as alterações adotadas pretendem resguardar a coesão
familiar e os preceitos culturais, concedendo à família moderna um tratamento mais coerente à
realidade social, satisfazendo os interesses da sociedade e as necessidades da prole e de afeição entre
os cônjuges ou companheiros.
Além das transformações legislativas, é de se ressaltar o protagonismo dos tribunais
brasileiros, no sentido do reconhecimento jurídico de relações familiares existentes em nossa
sociedade, como se deu com a decisão do STF na ADI n. 4.277, de 2011, que qualificou a união
homoafetiva como entidade familiar, merecedora de idêntica proteção do Estado conferida à união
estável.

2.4 A Mediação Como Método Consensual de Resolução de Conflitos

A palavra mediação tem origem no latim mediare, que significa mediar, intervir, colocar-se
ao meio. Nesse sentido, a mediação se apresenta como um método consensual de resolução de
conflitos que possibilita a transformação da cultura do conflito em cultura de paz e pacificação
social, na medida em que um terceiro imparcial, facilita o diálogo para que os litigantes construam,
com autonomia e solidariedade, a melhor solução para o conflito, visando o consenso, a realização
do acordo, além de proporcionar a restauração da convivência social entre as partes. No mesmo
sentido, pondera Cahali, que a mediação é:

[...] um dos instrumentos de pacificação de natureza autocompositiva e voluntária, no


qual um terceiro, imparcial, atua, de forma ativa ou passiva, como facilitador do processo
de retomada do diálogo entre as partes, antes ou depois de instaurado o conflito.
(CAHALI, 2015, p.85)

Segundo a doutrinadora Tartuce (2011), com os movimentos normativos implementados


pelo Novo Código de Processo Civil e pela Lei n. 13.140/2015, a mediação integrou-se ao
ordenamento jurídico como ferramenta legalmente prevista para possibilitar caminhos pautados
pelo diálogo. A Lei n. 13.140/2015 – Lei de Mediação brasileira, considera-se mediação a atividade
técnica exercida por terceiro imparcial sem poder decisório, que, escolhido ou aceito pelas partes,
as auxilia e estimula a identificar ou desenvolver soluções consensuais para a controvérsia.
(TARTUCE, 2013)
Alguns autores preferem definições mais completas sugerindo que a mediação um processo
autocompositivo segundo o qual as partes em disputa são auxiliadas por uma terceira parte neutra
ao conflito ou por um painel de pessoas sem interesse na causa, para se chegar a uma
287

composição. Trata-se de um método de resolução de disputas no qual se desenvolve um processo


composto por vários atos procedimentais pelos quais o(s) terceiro(s) imparcial (is) facilita (m) a
negociação entre as pessoas em conflito, habilitando-as a melhor compreender suas posições e a
encontrar soluções que se compatibilizam aos seus interesses e necessidades. ( CONSELHO
NACIONAL DE JUSTIÇA, 2015)
Moore (1998), assegura que a mediação é o intermédio de um terceiro em uma conversação,
que atua de forma limitada e imparcial, colaborando para que as partes cheguem a um acordo
voluntariamente, permitindo reestabelecer ou fortalecer relacionamentos de confiança, minorando
os danos psicológicos e custos financeiros. Como demonstrado, as definições têm em comum a
abordagem construtiva proporcionada pela mediação, que conta com alguém imparcial e
capacitado para contribuir na conversação de modo que os envolvidos possam assumir posturas
protagonistas na abordagem da controvérsia.
Vasconcelos, dispõe que a partir da Resolução 125/2010 do Conselho Nacional de Justiça
(CNJ), a mediação evidencia-se como mecanismo indutor de pacificação social, objetivo maior da
jurisdição ótima. Ademais, como prevê o Código de Processo Civil de 2015, este método
consensual é fundamentado por princípios. Assim, passa-se a identificar a seguir os princípios que
o regem. (VASCONCELOS, 2018)

2.5 Princípios Norteadores da Mediação

Etimologicamente, a palavra princípio ressoa com o significado de começo, início. No caso


em estudo, quando nos referimos a princípios da mediação, surge a noção de “mandamentos
nucleares formadores de um sistema”, que são essenciais para que a prática da mediação seja eficaz
na resolução dos conflitos e portando a presença desses princípios canalizam nas normas e valores
irrenunciáveis ao perfeito andamento do instituto. (MOORE, 1998)
Assim, para garantir o cumprimento destes princípios, e para destacar a sua relevância, o
novo Código de Processo Civil e a Lei de Mediação elencaram os princípios base da mediação.
Conforme dispõe o Código de Processo Civil no caput do artigo 166, a mediação será regida pelos
princípios da independência, da imparcialidade, da autonomia da vontade, da confidencialidade, da
oralidade, da informalidade e da decisão informada. Somados à previsão legal da lei 13.140/2015,
que em seu artigo 2º elenca como princípios que orientam a mediação:

I – Imparcialidade do mediador; II – isonomia entre as partes; III – oralidade; IV –


autonomia da vontade das partes; V – busca do consenso; VI – confidencialidade; VII
288

– boa-fé, sendo de suma importância e relevância a introdução destes na esfera do


presente trabalho. (BRASIL, 2015)

2.5.1 Princípio da independência e da imparcialidade

Os princípios da independência têm previsão no Código de Ética, art. 1º, que o define
como” o dever de atuar com liberdade, sem sofrer qualquer pressão interna ou externa, sendo
permitido recusar, suspender ou interromper a sessão se ausentes as condições necessárias para seu
bom desenvolvimento, tampouco havendo dever de redigir acordo ilegal ou inexequível”.
(CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2015)
Neste sentido, segundo Tartuce (2015, p. 197) o referido princípio garante aos mediadores
a atuação com “autonomia e liberdade, sem subordinação nem influência de qualquer ordem” de
modo a não interferir face à vontade das partes no procedimento da mediação. Assim dispõe a
autora:

Por força do princípio da independência, no cenário judicial o mediador não deve travar
contato com o juiz nem colacionar dados aos autos; sua atuação se verifica perante os
envolvidos no conflito na busca de despertar neles recursos aptos a permitir o
equacionamento da controvérsia. (TARTUCE, 2015, p. 197)

O Código de Ética para mediadores prevê o princípio da imparcialidade como condição


fundamental ao Mediador, não podendo existir qualquer conflito de interesses ou relacionamento
capaz de acometer sua imparcialidade; devendo como facilitador procurar compreender a realidade
dos mediados, sem que nenhum preconceito ou valores pessoais venham a interferir no seu
trabalho. Nessa perspectiva, Vasconcelos descreve:

O mediador facultativo sabe da importância da imparcialidade e está consciente do risco


de incompreensão, por qualquer das partes, na hipótese de expressar opinião pessoal
sobre como a controvérsia deveria ser equacionada. Daí por que o mediador, de modo
geral, desenvolve habilidades e técnicas de acolhimento, escuta ativa e perguntas
circulares, justamente no sentido de criar um ambiente em que os próprios mediando
possam avançar nas reflexões decorrentes dessas dinâmicas. Nesse papel de facilitador, o
mediador vai propiciando o esclarecimento e/ou contextualização do problema,
contribuindo, assim, para que os mediando possam assumir as atitudes e escolher as
opções que melhor se apliquem à solução do problema que os trouxe à mediação.
(VASCONCELOS, 2018, p. 187)

Ao mediador é defeso manifestar ou expor juízo de valor sobre o resultado que entende
adequado para compor o conflito. De acordo com a Resolução 125/2010 do CNJ, a imparcialidade
é o dever de agir com ausência de favoritismo, preferência ou preconceito, assegurando que valores
e conceitos pessoais não interfiram no resultado do trabalho, compreendendo a realidade dos
envolvidos no conflito e jamais aceitando qualquer espécie de favor ou presente. (CÓDIGO DE
ÉTICA DE CONCILIADORES E MEDIADORES, 2010)
289

2.5.2 Princípio da autonomia da vontade e da confidencialidade

O princípio da autonomia da vontade revela que quem tem o poder de resolver a


controvérsia, qualquer que seja ela, são as pessoas submergidas na situação, isto é, a decisão final
cabe tão somente as partes, sendo defeso ao mediador qualquer imposição sobre a lide. Neste
aspecto Vasconcelos (2018 p. 223), descreve “a mediação de conflitos supõe a autonomia da
vontade de pessoas capazes, no exercício da igual liberdade de pensamentos, palavras e ações,
devendo o mediador abster-se de forçar um acordo e de tomar decisões pelos envolvidos. ”
Ao abordar o tema no cenário da autocomposição judicial, a Resolução 125/2010 do CNJ
reconhece ser a autonomia da vontade o dever de respeitar as diferentes opiniões dos envolvidos,
assegurando-lhes que cheguem a uma decisão voluntária e não coercitiva com liberdade para tomar
as próprias decisões durante ou no final do processo, podendo interrompê-lo a qualquer momento.
Compartilhando do mesmo entendimento, Tartuce aduz que:

A mediação permite que o indivíduo decida os rumos da controvérsia e protagonize uma


saída consensual para o conflito: ao incluir o sujeito como importante ator na abordagem
da crise, valoriza-se sua percepção e considera-se seu senso de justiça. Como facilmente
se percebe, a autonomia da vontade está ligada à dignidade e à liberdade. (TARTUCE,
2018, p. 214)

Portando, fica demonstrado que a mediação, como sendo um procedimento que depende
da autonomia da vontade das partes, tem a liberdade como fato incontestável, de maneira que não
permite que nenhuma das partes sofra coação ou ameaças que possa resultar mudanças em seu
comportamento ou em especial na decisão acerca da controvérsia.
O princípio da confidencialidade, conhecido também com princípio do sigilo, possui uma
abrangência importante no que tange à mediação, vedando que as informações produzidas no curso
da tentativa de autocomposição sejam utilizadas para fins diversos daqueles previstos por expressa
deliberação das partes, ou mesmo sejam objeto de divulgação ou depoimento dos envolvidos na
conciliação ou mediação. (BRASIL, 2015)
O Código de Ética para mediadores dispõe:

Os fatos, situações e propostas, ocorridos durante a Mediação, são sigilosos e


privilegiados. Aqueles que participarem do processo devem obrigatoriamente manter o
sigilo sobre todo conteúdo a ele referente, não podendo ser testemunhas do caso,
respeitado o princípio da autonomia da vontade das partes, nos termos por elas
convencionados, desde que não contrarie a ordem pública. (CÓDIGO DE ÉTICA DE
CONCILIADORES E MEDIADORES, 2010)

Ainda segundo o doutrinador Gonçalves, as alterações adotadas pretendem resguardar a


coesão familiar e os preceitos culturais, concedendo à família moderna um tratamento mais
290

coerente à realidade social, satisfazendo os interesses da sociedade e às necessidades da prole e de


afeição entre os cônjuges ou companheiros. (VASCONCELOS, 2018)
Nessa medida, a confidencialidade é o instrumento apto a conferir um elevado grau de
compartilhamento para que as pessoas se sintam “à vontade para revelar informações íntimas,
sensíveis e muitas vezes estratégicas” que certamente não exteriorizariam em um procedimento
pautado pela publicidade. (TARTUCE, 2013, p. 232)

2.5.3 Princípio da oralidade e da informalidade

Legitimado pelo Código de Processo Civil, o princípio da oralidade consente que o acordo
entre os envolvidos e o terceiro imparcial serão feitos de maneira oral, de maneira que o acordado
não seja necessariamente posto em ata de audiência ou de sessão. Compartilhando do mesmo
entendimento, alude Tartuce:

A mediação se desenvolve por meio de conversações e/ou negociações entre as pessoas.


Como meio focado no (r) estabelecimento da comunicação, configura um procedimento
pautado por iniciativas verbais: por meio de expressões, questionamentos e afirmações,
busca-se viabilizar um espaço de comunicação entre os envolvidos para que eles possam
divisar saídas para seus impasses, relatando sua percepção e contribuindo para eventual
elaboração de propostas. (TARTUCE, 2013, p. 232)

No entanto, cumpre informar que oralidade se limita aos acordos e conversas prévias
envolvendo as partes e o terceiro imparcial, pois a solução da controvérsia deve ser sempre reduzida
a termo, estando a forma documental indispensavelmente escrita da solução consensual. Já o
princípio da informalidade garante que o processo da mediação não se desenvolva seguindo um
padrão predeterminado. Assim dispõe Tartuce:

A mediação, como mecanismo que busca facilitar o diálogo entre as pessoas, não tem
regras fixas (embora o mediador conte com técnicas para o estabelecimento de
conversações pautadas pela clareza). Não há forma exigível para a condução de um
procedimento de mediação, dado que esta constitui, essencialmente, um “projeto de
interação, de comunicação eficaz”. (TARTUCE, 2013, p. 220)

No mesmo trilhar, a Resolução 125/2010 do CNJ conceitua que as regras e normas de


procedimento devem existir, mas não devem ser estabelecidas em excesso, porque isso viria a inibir
o desenvolvimento natural do diálogo e mitigar a informalidade do processo de mediação. Deve-
se ter em mente que, quanto mais eficiente é a comunicação entre as partes, menos o mediador
precisa intervir. Para a existência dessa comunicação eficiente, as partes devem se sentir à vontade,
e o excesso de regras acarreta um tolhimento desse sentimento. É o que prevê Vasconcelos (2018),
exemplifica que apenas o termo inicial ou o termo final de mediação, em que
291

se registra o resultado obtido, será formalizado por escrito. Todas as demais anotações efetuadas
durante a mediação devem ser destruídas.

2.5.4 Princípio da decisão informada

O Princípio da Decisão Informada consiste no entendimento de que os conflitantes


possuem o direito de acesso amplo a todas as informações necessárias acerca do conteúdo debatido,
objeto de composição a ser efetivada. (CAHALI, 2015, s/p)
A resolução 125/10 do CNJ no seu artigo 1º do anexo II diz:

São princípios fundamentais que regem a atuação de conciliadores e mediadores judiciais:


confidencialidade, decisão informada, competência, imparcialidade, independência e
autonomia, respeito à ordem pública e às leis vigentes, empoderamento e validação.
II – Decisão informada - dever de manter o jurisdicionado plenamente informado quanto
aos seus direitos e ao contexto fático no qual está inserido. (CÓDIGO DE ÉTICA DE
CONCILIADORES E MEDIADORES, 2010)

Vasconcelos esclarece que cabe ao mediador manter as partes informados sobre todas as
decisões que serão tomadas ao longo do procedimento:

É dever do mediador observar se as partes ou mediandos estão apropriados das


informações suficientes à tomada de decisões conscientes e razoáveis, sendo de sua
responsabilidade suspender as sessões, caso preciso, para que as partes ou mediando
obtenham as informações técnicas necessárias à decisão informada. Inclui o dever de
assegurar que os mediandos obtenham informações quanto aos seus direitos e ao
contexto fático no qual estão inseridos. (VASCONCELOS, 2018, p. 224)

2.6 A Mediação e o Direito de Família

A família tem o seu curso ditado pelo afeto, instinto e razão, portanto é considerada uma
instituição guiada pela ordem natural das coisas. A mediação como método de solução de conflitos
aplicado ao Direito de Família representa a oportunidade de preservar o afeto familiar face as
controvérsias, por possibilitar a compreensão entre as partes, conscientização das responsabilidades
e dos papéis que cabe a cada um dos formadores do núcleo familiar independente do conflito que
se originou. A corroborar o exposto acima, a doutrinadora Diniz, preleciona:

A mediação procura criar oportunidade de solução do conflito, possibilitando que, com


maturidade, os protagonistas repensem sua posição de homem, mulher, pai e mãe,
verificando seus papéis na conjugalidade e na parentalidade, e impedindo
292

violência das disputas pela guarda de filhos menores e pelas visitas. (DINIZ, 2009, p.361)

Compreende-se que os conflitos oriundos do direito de família devem ser desmistificados


como algo negativo, mas considerados como uma grande oportunidade de reflexão das partes e de
aprimoramento familiar, individual e social. Contudo, a mediação familiar, objetiva permitir que as
partes solucionem as suas controvérsias de forma livre e consensual, assim, contribuindo para a
pacificação entre as partes e satisfação dos interesses e necessidades dos envolvidos, enquanto a
decisão judicial não trata a lide sentimental e raramente irá satisfazer os anseios de ambas as
partes, portanto, segundo Tartuce, deve-se considerar a vantagem de uma solução consensual em
comparação com a decisão impositiva de um terceiro:

A sentença dificilmente consegue pacificar as partes nos conflitos familiares; como nas
causas em que estão envolvidos vínculos afetivos há temores, queixas, mágoas e
sentimentos confusos de amor e ódio, a resposta judicial não é apta a responder aos
anseios daqueles que buscam muito mais resgatar danos emocionais do que propriamente
obter compensações econômicas. (TARTUCE, 2018, p. 356.)

Portanto, nesse tão peculiar ramo jurídico, em respeito à sua capacidade de


autodeterminação, o indivíduo deve estar pronto para definir os rumos de seu destino, sabendo
identificar o melhor para si sem necessitar da decisão impositiva de um terceiro, que não conhece
detalhes da interação entre os membros do conflito. (TARTUCE, 2018)
É dessa maneira que a mediação de conflitos se apresenta na esfera do direito de família
como um método alternativo de acesso à justiça, que objetiva o reestabelecimento do diálogo entre
as partes, o fortalecimento do laço familiar, tendo como interesse primordial o bem-estar dos
envolvidos a fim de minimizar os impactos gerados pelos os conflitos.
Compartilhando do mesmo entendimento, Tartuce (2018, p. 356) assevera que “No Direito
de família, o aspecto continuativo da relação jurídica recomenda que haja uma eficiente e respeitável
comunicação entre os indivíduos, despontando a mediação como importante instrumento para
viabilizá-la”.
Verônica Cezar Ferreira dispõe que a mediação com casais em separação, ou separados,
que têm filhos, tem-se apresentado como um instrumento útil à reorganização dessas famílias, de
modo a evitar ou minimizar prejuízos emocionais perfeitamente administráveis na maioria dos
casos em que a família passa por essa crise acidental em seu ciclo de vida. Com o intuito de
evidenciar a aplicabilidade da mediação nos conflitos familiares, faz-se o prosseguimento ao estudo
em casos específicos como dissolução conjugal, alimentos e regulamentação de guarda.
293

2.7 Mediação e Dissolução Conjugal

A sociedade conjugal entre duas pessoas pode deixar de existir, desde que por manifestação
de vontade destes, havendo assim, a extinção do vínculo matrimonial/conjugal, no entanto não
significa o fim da família. Caso haja filhos, a ligação entre os cônjuges será eterna. Afinal, ainda
que rompido o elo conjugal, remanesce o vínculo paterno-filial.
A criança não divorcia de seus pais…e como a criança tem direito à convivência familiar
em um espectro abrangente (incluindo os dois ramos da família), é necessário que haja uma eficiente
e respeitosa comunicação entre os seus responsáveis, sejam eles pais, avós, tios ou parentes de outra
ordem. (TARTUCE, 2018)
As separações conjugais são tidas como uma das espécies de crise dentro da entidade
familiar que mais abala a estrutura afetiva:

As separações conjugais são uma das crises não-previsíveis mais frequentes destes
tempos. Elas estão se tornando crônicas e afetando, direta ou indiretamente, quase todas
as famílias, na sociedade. Ora são as próprias famílias nucleares que se veem atingidas
por esse evento, ora são as famílias extensas que veem as famílias de seus filhos
desfazerem-se. E, em ambos os casos, o estresse é inevitável e o risco de perturbação no
processo de desenvolvimento das crianças e adolescentes envolvidos é significativo.
(TARTUCE, 2018, p. 357).

Nesse diapasão, Verônica Cezar-Ferreira realça que a mediação tem grande valia na
resolução de conflitos familiares, propondo-a como maneira mais adequada para que a separação
seja menos dolorosa. É nesse contexto, que a mediação aplicada ao direito de família evidencia- se
como método eficaz e humano, para elucidar os conflitos em meio a crises e sofrimentos
emocionais que consequentemente se formam com a decisão da separação. Corroborando com o
exposto dispõe Cachapuz:

Uma separação, divórcio ou mesmo o reconhecimento e dissolução de união estável,


pode e geralmente são decididos por um terceiro julgador (já que a sociedade está
habituada a cultura do ganhar-perder), o qual não conhece totalmente os aspectos
sentimentais e emotivos dos fatos e irá se apoiar em parâmetros estanques, restringindo
os problemas da relação à questão da justiça prevista em lei, com base apenas em
situações hipotéticas ou genéricas e assim os problemas pendentes uma hora irão aflorar
novamente e exigirão novas soluções, uma vez que a sentença judicial, principalmente
nesses casos, é insuficiente e ineficaz às necessidades das partes envolvidas.
(CACHAPUZ, 2011, s/p).

Nesse sentido, Galiza discorre sobre tal aspecto:

São incontáveis os processos jurídicos que abrangem casos de separação (consensual ou


litigiosa), divórcio (consensual ou litigioso), dissolução de união estável, pensão
alimentícia, modificação de guarda, regulamentação de visitas, tutela, curatela, perda ou
suspensão do poder familiar, entre outros. Todos eles retratam, em sua origem, conflitos
familiares mal resolvidos que foram transformados em litígio processual.
294

Tais conflitos não chegam a ser solucionados com a mera sentença judicial, isso se mostra
claro quando se verifica o retorno das partes à Justiça, não conformadas com a decisão
proferida inicialmente. (GALIZA, S/D)

Por todo o exposto, pode-se perceber que a mediação mostra-se menos dispendiosa e
desgastante, que embora não possa evitar o ingresso no judiciário, pode evitar disputas
desnecessárias, oportunizando a dissolução consensual, de modo que as partes ajam
cooperativamente nas decisões sobre o futuro delas e dos seus dependentes (caso haja filhos) com
mínima intervenção estatal, além de proporciona-las reflexões sobre suas responsabilidades e
viabilizar o aspecto continuativo da relação familiar.

2.8 Mediação e Alimentos

Amplamente discutidas nas Varas de Família atualmente, as ações de alimentos tratam das
obrigações devidas com intuito de satisfazer as necessidades pessoais daqueles que não podem
prover por conta própria, por meio de seu trabalho. (HAYNES,1996)
O pedido de alimentos pode se dar de forma consensual, através de acordo ou através de
uma Ação judicial de Alimentos. Os alimentos ao serem discutidos em uma ação judicial poderá
gerar uma decisão por parte do magistrado que não satisfaça todos os membros do conflito, sobre
esse aspecto “falho” do Poder Judiciário quanto a essa espécie de ação, apontam Lago; Lago:

Os juízes se baseiam nas condições atuais dos cônjuges para arbitrar o valor da pensão,
analisando os pressupostos da necessidade, possibilidade e atualidade (...) mas não têm
condições efetivas de fiscalizar a veracidade dos fatos expostos pelos cônjuges, que
constantemente burlam documentos com intuito de pagar um valor menor de pensão,
gerando assim uma reação adversa da outra parte, que geralmente é a mulher, que em
retaliação cria artimanhas para dificultar a visitação dos filhos pelo pai, dentre outros
expedientes danosos a toda família. (LAGO; LAGO, 2011, p.18)

Deve-se considerar a vantagem de uma solução consensual em comparação com a


sentença impositiva de um terceiro, que no caso específico está suscetível a equívocos quanto a
realidade e necessidade fática, portanto a simples tentativa de acordo por meio da mediação pode
finalizar um longo e desgastante processo judicial de forma satisfatória para ambos os envolvidos.
Para Haynes e Marodin (1996) a mediação serve para esclarecer o orçamento dos pais e
analisar a capacidade que cada um deles tem para pagamento de sua parte, com relação às
despesas necessárias para o desenvolvimento digno de seus filhos. Na sessão de mediação, o
diálogo acerca das receitas e despesas de cada indivíduo é conduzido pelo mediador, de forma
que as partes conflitantes possam encontrar uma solução que seja justa para o filho e viável ao
bolso de quem fica comprometido com o pagamento da pensão alimentar.
295

Ademais, cumpre informar que a escolha pela mediação ao invés dos meios coercitivos
legais é uma via complementar, que não tira a autoridade de executoriedade perante o Poder
Judiciário no que se refere a alimentos, conforme se verifica:

O credor dos alimentos dispõe de mecanismos legais para ver satisfeito o seu crédito. As
normas processuais vinculam e responsabilizam o patrimônio do devedor, inclusive com
a probabilidade de restringir sua liberdade, decretando a prisão civil, que não tem caráter
criminal, mas sim caráter executivo, sendo utilizado como meio coercitivo para compelir
o pagamento dos alimentos devidos. [...] as técnicas de mediação podem auxiliar o poder
judiciário e o credor na busca da satisfação de seu crédito alimentar. Para isso, em termos
legais, a mediação nas ações de execução de alimento apoia-se no preceito do artigo
599125 do Código de Processo Civil, localizado no Capítulo V, das disposições gerais,
que prevê ao juiz a possibilidade, a qualquer momento da execução, de ordenar o
comparecimento das partes. (THOMÉ, 2007, p. 125)

2.9 Mediação e Regulamentação de Guarda

A guarda nada mais é que uma atribuição do poder familiar, assim, tem-se que é direito e
dever de ambos os pais acompanhar a vida de seus filhos, de forma decidir sobre os futuros, cuidar,
educar, proteger, visando sempre o melhor desenvolvimento psicológico e afetivo para as crianças
e sendo responsáveis por todas as atitudes destas.
Nesse sentido, o objetivo da mediação nas questões de guarda é possibilitar através do
diálogo, que as partes, detentoras do poder familiar, decidam de forma consensual como será
conduzida a vida dos pais e dos filhos depois da dissolução da entidade familiar, possibilitando
assim uma melhor convivência. Sobre o tema, Tartuce explica que:

Em questão de guarda dos filhos, é fundamental que os pais possam se comunicar


eficientemente sobre detalhes do exercício do poder familiar. Situações como o direito
de convivência (“visitas”) e eventuais controvérsias sobre a divisão do tempo com a
criança podem ser bem equacionadas se houver clareza, consideração, respeito e empatia
entre os interessados. (TARTUCE, 2018, p. 357)

É necessário que os genitores compreendam que os filhos advindos da união não podem
ser utilizados em eventuais disputas, mas precisam ser preservados de rancores e sentimentos de
ruptura, de modo a conviver com ambos os genitores para que possam se sentir amados e
protegidos mesmo ante o desenlace conjugal. (TARTUCE, 2018)
Para Haynes e Marodin (1996) esse é o momento chamado de parentalidade futura, pois é
necessário determinar as decisões que afetam a criação dos filhos: sua residência, relacionamentos
com pai e mãe, acesso a cada um dos pais e visitação, dentre outros.
Sobre o tema assim se manifestaram os juristas reunidos em outubro de 2006 na cidade de
Brasília por ocasião da IV Jornada de Estudos do Conselho da Justiça Federal: “Enunciado n.
296

335: a guarda compartilhada deve ser estimulada, utilizando-se, sempre que possível, da mediação
e da orientação de equipe interdisciplinar”.
Considerando o aspecto continuativo da relação jurídica, a mediação é importante
instrumento para viabilizar uma eficiente e respeitável comunicação entre os indivíduos, tendo em
vista que a decisão acordada da guarda de forma consensual é fator determinante para o sucesso
da nova estrutura familiar e as relações decorrentes dela.

3 CONCLUSÃO

Devido a incessante evolução da sociedade, constata-se que o Direito de Família evolui


quanto às suas definições, ampliando os seus conceitos com base nas mudanças sociais. Desse
modo, o marco da Constituição Federal de 1988 reconheceu diferentes constituições de família,
ampliando seu conceito, com intuito de adequar a legislação brasileira ao desenvolvimento social
e cultural.
Ficou evidente que a base da família constitucionalizada é o afeto, visto como elemento
essencial para a constituição do núcleo familiar. Assim, o Direito precisa preservar a essência da
família, valorizando os laços afetivos que envolvem essas relações. Sabe-se que o conflito é inerente
às relações humanas, contudo o problema não é o conflito em si, mas a forma como são
resolvidos.
Nesse sentido, qualquer pessoa que tenha um conflito é lhe assegurado o direito à justiça
por meio do Poder Judiciário ou ainda através dos meios alternativos de resolução de conflitos.
Contudo, ao se tratar de conflitos familiares, é indispensável compreender que a lide não trata
apenas com questões materiais, mas também com cargas emocionais e laços afetivos.
O poder judiciário, naturalmente é frio e distante dos sentimentos dos litigantes. Ademais,
submeter-se a uma decisão judicial por meio desse procedimento formal dificilmente satisfaz os
anseios de ambos os envolvidos, por consequência, as sentenças corriqueiramente proferidas após
longas batalhas tendem a ser objeto de recursos judiciais por não representarem a vontade de uma
ou ambas as partes.
Nesse contexto, o litígio processual pode causar desgastes emocionais e materiais para os
envolvidos, pode comprometer fatores relevantes como a comunicação, a confiabilidade e a
compreensão, que são determinantes para a restauração da convivência familiar.
A mediação evidencia-se nesse cenário como um método eficaz e alternativo de resolução
de conflitos, que de maneira humanizada, um terceiro neutro e imparcial, auxilia os conflitantes a
entenderem seus reais conflitos e sofrimentos, buscando seus verdadeiros interesses e
297

motivos, sendo defeso ao mediador qualquer imposição sobre a lide, tendo em vista que a decisão
final cabe tão somente as partes, que nesse processo são autoras da própria solução para a
controvérsia, o que proporciona não apenas o acordo em si, mas o reestabelecimento do diálogo e
o fortalecimento do laço familiar.
A partir do objetivo proposto no presente artigo científico, pode-se concluir que a
aplicabilidade da mediação de conflitos no Direito de Família, possibilita solucionar as
controvérsias e desmistificar os conflitos como algo negativo, mas considera-los como uma grande
oportunidade de reflexão das partes e de aprimoramento familiar, individual e social.
Viabilizando assim, o aspecto continuativo da relação no Direito de família, a harmonia no
núcleo familiar, o reestabelecimento do diálogo, o fortalecimento e a manutenção do laço familiar,
além de amenizar os impactos causados pelos os conflitos e litígios, dando maior eficácia ao
princípio do acesso à justiça e da mínima intervenção estatal, de modo a conservar o instituto da
família e desafogar também o Judiciário Brasileiro.

REFERÊNCIAS

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União: seção 1, Brasília, DF, ano 139, n.

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Senado Federal, 1988.

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. Lei 13.105 de 16 de março de 2015. Institui o Novo Código de Processo Civil.


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Juruá, 2011.
298

CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Manual de mediação judicial, 2015. Disponível


em: <http://mediacao.fgv.br/wp-content/uploads/2015/11/Manual-de- Mediacao-Judicial-
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. Resolução nº 125/2010: Código de Ética de Conciliadores e Mediadores.


[2010]. Disponível em: https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/atos-normativos?documento=156.
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DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Direito de Família. Vol. 5. 25. ed.
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THOMÉ, Liane Busnello. Princípio da Dignidade da Pessoa e Mediação Humana como


Instrumento de Potencialização da Dignidade nas rupturas dos casais em família. 2007.
149 f. Dissertação (Mestrado em Direito Civil) – Faculdade de Direito, Pontifícia Universidade
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VASCONCELOS, Carlos Eduardo de. Mediação de conflitos e práticas restaurativas. 6. ed.


– Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2018.
300

A PARCERIA PÚBLICO-PRIVADA COMO INSTRUMENTO PARA


IMPLEMENTAÇÃO E CONCRETIZAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS

Teresa Raquel Siqueira Soares de Carvalho1

1 INTRODUÇÃO

Com a Parceria Público-Privada e Concessões, a administração Pública tem a


oportunidade de compartilhar as responsabilidades com a iniciativa privada, em prol do
desenvolvimento social e econômico, bem como melhoria para a gestão pública quanto à prestação
de serviços e concretização de políticas públicas.
Sabe-se que desde do advento da Lei n. 11.079, de 30 de dezembro de 2004, que institui
normas gerais para licitação e contratação de parceria público-privada no âmbito da administração
pública, os estados e municípios passaram a instituir, através de decreto ou lei, o Programa de
Parceria Público-Privadas e Concessões.
Diante desse contexto, o objetivo geral deste trabalho é investigar a atuação do Estado do
Piauí na promoção de política pública através da Parceria Público-Privada, destacando-se os
seguintes objetivos específicos: Apresentar conceito e base legal do instrumento jurídico Parceria
Público-Privada; Investigar o instrumento jurídico Parceria Público-Privada como alternativa para
implementação e concretização de políticas públicas; Analisar o Programa de Parceria Público-
Privada do Estado do Piauí; e Apresentar o impacto desse instrumento na realização de políticas
públicas no Estado do Piauí, através do contrato de PPP – Piauí Conectado.
Nesse sentido, este trabalho tem como problema a seguinte questão: A Parceria Público-
Privada é uma alternativa para implementação e concretização das políticas públicas no Estado do
Piauí?
Nesta pesquisa, buscamos referenciais teóricos que pudessem ajudar a compreender as
parcerias e implementação de políticas públicas. Para tanto, pesquisamos autores que estudam essa
temática, tais como: DI PIETRO, 2015; BUCCI, 2001; JUSTEN FILHO, 2006; POZZO E
JATENE, 2015; MEDAUAR, 2015; dentre outros. Além desses, usamos a Constituição Federal

1 Aluna do curso de Bacharel em Direito da Faculdade Estácio de Sá, Campus Teresina/PI


301

de1988; Lei nº. 8.987, de 13 de fevereiro de 1995; Lei n. 11.079, de 30 de dezembro de 2004, e
outros dispositivos legais.
Ademais, utilizamos documentos constantes no sítio eletrônico da Superintendência de
Parcerias e Concessões do Estado do Piauí, além da legislação estadual que institui e disciplina o
Programa Estadual de Parceria Público-Privada e Concessões.
Assim sendo, este trabalho está dividido em 3 tópicos, além das considerações finais. No
primeiro, apresentamos o conceito de parceiras e os tipos de concessão. O segundo tópico trata da
relação das PPPs como instrumento juridicamente viável para implementar as políticas públicas. O
terceiro capítulo traz a Parceria Público-Privada e Concessões no Estado do Piauí, em que
destacamos a implantação do programa, o projeto Piauí Conectado como estudo de caso, bem
como a sua correlação nas políticas públicas. E na última parte, apresentamos as considerações
finais deste trabalho.

2 PARCERIAS, O QUE SÃO?

As parceiras são todas as formas de colaboração entre o poder público e iniciativa privada
para a satisfação e consecução dos interesses públicos nos âmbitos social e econômico, conforme
menciona Di Pietro (2015).
No Brasil, as parcerias com a iniciativa privada foram historicamente representadas pelo
incentivo, no mais das vezes não institucionalizado, a hospitais beneficentes ligados a igrejas e a
grupos de imigrantes. Ainda antes da Constituição de 1988, foram reconhecidos benefícios
tributários e passaram a ser formalizados convênios e contratos para pagamento de procedimentos
mediante credenciamento, segundo Mânica (2016).
Foram legitimadas no art. 214, da Constituição Federal, que autoriza a União, os Estados,
o Distrito Federal e os Municípios, por meio de lei, os consórcios públicos, convênios e cooperação
entre os entes federados, a gestão associada de serviços públicos, bem como a transferência total
ou parcial de encargos, serviços, pessoal e bens necessários à continuidade dos serviços
transferidos.
A delegação dos serviços através da concessão ou permissão foram estabelecidos no art.
175 da Constituição Federal, abaixo transcrito:

Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de
concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.
Parágrafo único. A lei disporá sobre:
I - o regime das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, o
caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação, bem como as condições de
caducidade, fiscalização e rescisão da concessão ou permissão;
302

II - os direitos dos usuários;


III - política tarifária;
IV - a obrigação de manter serviço adequado

Com isso, a Administração Pública responsável pela prestação de serviços públicos a


serem executados em prol da coletividade passou a utilizar os instrumentos jurídicos legais para
delegação a terceiros, conservando o poder público a titularidade do serviço.
A concessão de serviço público foi a primeira forma que a Administração Pública utilizou
para transferir a terceiros a execução de serviço público. Segundo Di Pietro (2015), isso se deu a
partir do momento em que, saindo do liberalismo, o Estado foi assumindo novos encargos no
campo social e econômico. A partir daí, sentiu-se a necessidade de encontrar novas formas de
gestão do serviço público e da atividade privada exercida pela Administração.
Em linhas gerais, Maria Sylvia Zanella Di Pietro conceitua a concessão como:

[…] o contrato administrativo pelo qual a Administração confere ao particular a execução


remunerada de serviço público, de obra pública ou de serviço de que a Administração
Pública seja a usuária direta ou indireta, ou lhe cede o uso de bem público, para que o
explore pelo prazo e nas condições regulamentares e contratuais. (DI PIETRO, 2004. p.
275)

Nesse norte, a autora conceitua o instrumento jurídico em questão e cita três tipos de
concessão, sendo elas, a concessão de serviço público, a concessão de obra pública e a concessão
de uso de bem público. Para as concessões de serviço público e de obra, consta previsão da Lei nº
8987, de 13.02.1995, Lei das Concessões, que dispõe sobre o regime de concessão e permissão da
prestação de serviços públicos previsto na Constituição; no entanto, não há previsão que discipline
a concessão de uso.
A concessão de serviço público precedida de obra pública é definida pelo art. 2º, III, da
Lei 8.987/95 como a construção, total ou parcial, conservação, reforma, ampliação ou
melhoramento de quaisquer obras de interesse público, delegada pelo poder concedente, mediante
licitação, na modalidade de concorrência, à pessoa jurídica ou consórcio de empresas que
demonstre capacidade para a sua realização, por sua conta e risco, de forma que o investimento da
concessionária seja remunerado e amortizado mediante a exploração do serviço ou da obra por
prazo determinado.
Quanto à concessão de uso, é o contrato administrativo pelo qual o Poder Público atribui
a utilização exclusiva de um bem de seu domínio a particular, para que o explore segundo sua
destinação específica, com exclusividade e nas condições convencionadas com a Administração,
conforme observa Meirelles (1997).
303

Com o advento da Lei Federal n.º 11.079/2004, foram criadas novas formas de transferir
a prestação dos serviços públicos a particulares, definindo-as como concessão patrocinada e
concessão administrativa, albergadas no gênero de Parcerias Público-Privadas, com regras próprias
e utilizando a Lei Geral de Concessões (Lei 8987/95) de forma subsidiária.
Sobre Parceria Público-Privada, Marinela a conceitua como:

[…] acordo firmado entre a Administração Pública e a pessoa do setor privado com o
objetivo de implantação ou gestão de serviços públicos, com eventual execução de obras
ou fornecimento de bens, mediante financiamento do contratado, contraprestação
pecuniária do poder público e compartilhamento de risco e dos ganhos entre os
pactuantes. (2017, p. 634)

Por definição legal, é o contrato administrativo de concessão, na modalidade patrocinada


ou administrativa. A Patrocinada é a concessão de serviços públicos ou de obras públicas de que
trata a Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, quando envolver, adicionalmente à tarifa cobrada
dos usuários, contraprestação pecuniária do parceiro público ao parceiro privado. (BRASIL, 2004)
Nesse modelo de concessão, a Administração Pública (parceiro público) delega a outrem
(o concessionário ou parceiro privado) a execução de um serviço público, precedida ou não de obra
pública, para que o execute, em seu próprio nome, mediante tarifa paga pelo usuário. (DI PIETRO,
2015)
Já a concessão administrativa é o contrato de prestação de serviços em que a
Administração Pública é a usuária direta ou indireta, ainda que envolva execução de obra ou
fornecimento e instalação de bens. (BRASIL, 2004)
Para Marçal (2008, p. 646), a concessão administrativa impõe uma obrigação de dar e fazer
conjuntamente ao parceiro privado. Segundo ele, o particular não pode só executar obra pública,
como também não pode ser um contrato apenas para fornecimento de bens ou para a prestação
de serviços. A concessão administrativa envolve, usualmente, obras públicas seguidas da prestação
de serviços e do fornecimento de bens.
Nessa esteia, sobre concessão, de modo geral, Floriano Neto (2015) a considera um
instituto fundamental para direito administrativo contemporâneo e que cumpre a função de ser
veículo de engajamento dos privados na consecução de finalidades públicas.
Portanto, a concessão configura-se como alternativa para Administração Pública para
formalizar a comunhão entre os diversos segmentos da sociedade, especificamente no tocante à
prestação de utilidades necessárias à satisfação imediata do interesse público e social.

3 A PARCERIA PÚBLICO-PRIVADA, IMPLEMENTAÇÃO E CONCRETIZAÇÃO


DAS POLÍTICAS PÚBLICAS
304

A carta magna determinou as competências administrativas dos seus entes federados, nos
seus artigos 21, 22, 25, 30 e 32. Com isso, observa-se o reforço, delimitação e organização das
competências dos entes, de forma que assegure um mínimo de direitos e garantias para os cidadãos,
com a finalidade de forçar aos gestores públicos a promoção e efetivação dessas garantias.
Dessa forma, os entes federados, por determinação constitucional, conforme art. 175,
deve prestar os serviços públicos, seja de forma direta ou indireta, sob delegação, desde que garanta
a prestação eficiente e adequada dos serviços para sociedade.
Sobre as competências da administração, Pietro (2004) explica que é toda atividade
material que a lei atribui ao Estado para que a exerça diretamente ou por meio de seus delegados,
com o objetivo de satisfazer concretamente às necessidades coletivas, sob regime jurídico total ou
parcialmente público.
Nas palavras de Marçal Justen Filho (2003, p. 31), o serviço público pode ser definido
como “uma atividade pública administrativa de satisfação concreta de necessidades individuais ou
transindividuais, materiais ou imateriais, vinculadas diretamente a um direito fundamental,
destinada a pessoas indeterminadas e executadas sob regime de direito público.”
Não obstante, Carlos Ari esclarece que o

Estado-serviço público foi sucedido pelo Estado-políticas públicas, a essa evolução não
correspondeu amadurecimento teórico do direito administrativo que explicasse
sistematicamente as tarefas de coordenação que o Estado cada vez mais passava a
assumir, isto é, a função administrativa das políticas públicas. (1993, p. 15)

Nesse sentido, sabe-se que as políticas públicas funcionam como instrumentos de


aglutinação de interesses em torno de objetivos comuns, que passam a estruturar uma coletividade
de interesses, bem como um instrumento de planejamento, racionalização e participação popular,
ou seja, são o fim da ação governamental (BUCCI, 2001).
Corroborando, Floriano Azevedo Marques Neto sustenta:

[...] as políticas públicas hão de ser estabelecidas no espaço governamental, conjugando


os objetivos e princípios das políticas de Estado – previstas na lei ou na Constituição –
com metas e orientações de políticas governamentais. (MARQUES NETO, 2015, p. 84)

Considerando esses entendimentos, entende-se que, para implementação de política


pública, faz-se necessário planejamento e dispêndio recursos públicos. É nesse cenário, de
limitações orçamentárias no Brasil, que as parcerias entre o público e a iniciativa privada se
constituem como uma alternativa para promoção de serviços públicos, sejam eles materiais e
imateriais, garantindo assim a implementação de políticas públicas.
305

No dizer de Marçal Justen Filho (2003, p. 58) a concessão é um instrumento de


implementação de certas políticas públicas. Não é pura e simplesmente uma manifestação da
atividade administrativa contratual do Estado. Muito mais do que isso, é uma alternativa para
realização de valores constitucionais fundamentais.
Para tanto, é fundamental que a Administração tenha clareza das particularidades que
envolvem a modelagem de um projeto de infraestrutura por meio das parcerias público- privadas
e saiba fazer o melhor uso delas, conforme Pozzo e Jatene (2015).
A respeito disso, a Lei 11.079 é clara ao estabelecer no seu art. 4º as diretrizes que o poder
público deve observar para a contratação de parceria público-privada, que são as seguintes:

I – eficiência no cumprimento das missões de Estado e no emprego dos recursos da


sociedade;
II – respeito aos interesses e direitos dos destinatários dos serviços e dos entes privados
incumbidos da sua execução;
III – indelegabilidade das funções de regulação, jurisdicional, do exercício do poder de
polícia e de outras atividades exclusivas do Estado;
IV – responsabilidade fiscal na celebração e execução das parcerias;
V – transparência dos procedimentos e das decisões;
VI – repartição objetiva de riscos entre as partes;
VII – sustentabilidade financeira e vantagens socioeconômicas dos projetos de parceria.

Além das diretrizes, a mesma lei define no art. 14 as competências do órgão gestor de
parcerias público-privadas federais, devendo ser instituído por decreto. O órgão gestor é
responsável por definir os serviços prioritários para execução no regime de parceria público-
privada, disciplinar os procedimentos para celebração desses contratos, autorizar a abertura da
licitação, aprovar seu edital e apreciar os relatórios de execução dos contratos.
Com isso, reforça a ideia de que a PPP deve ser utilizada mediante o planejamento das
ações que a administração pública busque para atender aos interesses da sociedade. Dentro do
planejamento, deverá apresentar metas, objetivos para que os gestores públicos possam tomar
decisões assertivas e estratégicas visando benefícios econômico e social.
Assim, para que a estruturação de um projeto de PPP seja bem-sucedida, e seja um
instrumento de implantação de políticas públicas, é imprescindível que haja uma organização na
Administração, por meio de órgão que conduza esses tipos de projetos, instruindo processo
administrativo necessário para estruturação e contratação de PPP.
Para Pozzo e Jatene (2015), a unidade de PPP desempenha função essencial de suporte
para o desenvolvimento de Programa de Parceria Público-Privada, para acompanhar, monitorar e
avaliar a execução dos projetos entregues.
306

Desse modo, nesse programa deverão constar projetos que tenham aderência às políticas
do Estado, para que sejam alcançadas as metas, cumpridas as obrigações e responsabilidades pelo
setor público e privado.

4 AS PPPS E CONCESSÕES NO ESTADO DO PIAUÍ

Esta seção, destina-se a pormenorizar o Programa Estadual de Parceria Público-Privada


e Concessões do Piauí, apresentar um breve resumo sobre PPP contratada e, posteriormente, uma
análise à luz da literatura e fundamentos legais ora descritos.

4.1 O Programa de Parceria Público-Privada e Concessões no Estado do Piauí

No Estado do Piauí, um ano após a promulgação da lei federal, por meio da Lei 5.494 de
setembro de 2005, o Programa de Parceiras Público Privadas foi instituído no âmbito da
administração pública estadual, bem como constituiu-se o Conselho/ Órgão Gestor de PPP,
presidido pelo Chefe do Poder Executivo e com finalidade de deliberar sobre os projetos dessa
natureza. Além disso, criou a Unidade de Parcerias Público-Privadas do Estado do Piauí (Unidade
de PPP), vinculada à Secretaria de Planejamento, responsável pelos projetos e sua estruturação,
embora nesse período o Estado não tenha firmado nenhum contrato.
Já no ano de 2015, foi criada a Superintendência de Parcerias e Concessões, órgão
responsável por acompanhar a execução das atividades desenvolvidas no âmbito dos contratos
celebrados pelos órgãos e entidades da Administração Pública direta e indireta, através de parcerias
público-privadas ou concessões.
Atendendo a exigência da Lei de PPPs, atualmente o Conselho Gestor do Programa
Estadual, órgão responsável por avaliar os projetos dessa natureza, é presidido pelo Chefe do Poder
Executivo Estadual e tem como membros efetivos o Secretário de Governo, Secretário de
Administração, Secretário de Planejamento, Secretário de Fazenda e Procurador do Estado.
Vale ressaltar que, além da lei estadual que disciplina o Programa de Parceria Público-
Privada, as concessões têm previsão na Constituição Estadual e são devidamente previstas no Plano
Plurianual – Lei nº 6.751/15, Lei de Diretrizes Orçamentárias dos anos de 2019 e 2020 – Leis nº
7.143/18 e 7.242/20 e Lei Orçamentária Anual – Lei nº 7.175/19.
No Programa Estadual de Parceria Público-Privada, em sua carteira de projetos constam
projetos de Concessões e PPPs, nas áreas de saúde, saneamento de infraestrutura rodoviária,
307

aeroportuária, ferrovia e portuária. Cada projeto constante na carteira é estruturado com base no
planejamento estratégico de crescimento econômico, com foco no desenvolvimento, inclusão
social e aumento do Índice de Desenvolvimento Humano – IDH do Estado.

4.2 Caso de Estudo - Projeto Piauí Conectado

Dentre os contratos firmados pelo Estado do Piauí, destaca-se o projeto Piauí Conectado,
primeira PPP de telecomunicação do Brasil, na modalidade de Concessão Administrativa, cujo o
principal objetivo é fornecer acesso à internet, via banda larga (rede de fibra ótica), aos órgãos da
administração pública estadual, aumentando a capacidade de atendimento às demandas dos
cidadãos e a velocidade na conexão, reduzindo custos e maximizando a eficiência na prestação dos
serviços públicos.
O procedimento licitatório ocorreu entre novembro de 2017 a abril de 2018. A empresa
vencedora foi a Globaltask Tecnologia e Gestão S/A, contratada em junho de 2018, pelo período
de 30 anos.
O propósito central do projeto é, através da implantação de 5.000 km de rede de fibra
óptica própria do Estado, melhorar o padrão de acesso aos serviços governamentais que
demandem tráfego de informações via internet.
Outros objetivos associados, passíveis de serem alcançados com a rede de fibra ótica
implantada: Universalização da Educação, através de metodologia de ensino padrão com o apoio
de conteúdo digital e ensino a distância; Modernização do atendimento à saúde, através de recurso
de telemedicina, levando a todos os pontos do Estado os mesmos recursos na realização de
consultas, exames e prevenções que os disponíveis na capital; Melhoria da segurança pública através
da prevenção e no combate à redução da criminalidade através de monitoramento, vídeo vigilância
com utilização de Câmeras e Software; Infraestrutura digital para integração administrativa entre
Secretarias de Estado, Autarquias, Tribunais e Institutos; Formação e Capacitação de mão de obra
local em decorrência da implantação dos recursos tecnológicos e da utilização das facilidades e
aplicações que serão suportadas pela infovia do Estado.
Ademais, está previsto quase 200 pontos de acesso público gratuito à população, em
praças e localidades públicas, nos 98 municípios que possuem a rede de fibra óptica, a fim de
garantir a universalização do acesso à internet de qualidade.
Em relação à fiscalização das obrigações da concessão, quanto à atuação da
concessionária, o cumprimento de metas e atendimento aos níveis de desempenho estabelecidos
308

no contrato são acompanhados pelo Comitê de Monitoramento e Gestão e pelo Verificador


Independente.
Insta frisar que a Controladoria também acompanha as obrigações contratuais e emitiu
parecer que apontou uma economia substancial de R$ 204,3 mil por mês no valor total contratado
com esses serviços para os pontos analisados. A análise comparou o contrato da Parceria Público
Privada (PPP) com outros contratos anteriormente firmados pelo Estado com empresas de
tecnologia e telecomunicações, confirmando a eficiência e a economicidade do contrato da PPP.
Ademais, além das cláusulas contratuais que devem ser cumpridas pela concessionária,
destacam-se também, os projetos sociais desenvolvidos de forma voluntária, mesmo sem ter
previsão contratual para tal obrigação.
Um deles é o Programa Cisco Networking Academy, que prepara pessoas para carreira na
área de TI desde 1997. A concessionária, em parceria com a Cisco, visando colaborar com a
inclusão social, digital e melhorar a empregabilidade, oferta cursos de forma gratuita para 5.000
(cinco mil) alunos da rede estadual de educação para aumentar os conhecimentos e qualificá-los
para o mercado de trabalho. Outro projeto social é o Cinema Para Todos, oferecido para pessoas
em situação de rua e para alunos da rede estadual de educação.
Nesse ínterim, nota-se que, com esse projeto, o Estado do Piauí reduziu os custos
operacionais e administrativos do Governo do Estado, com garantia da melhoria da qualidade dos
serviços prestados que dependem de conectividade, promovendo a inclusão digital e reduzindo os
gastos públicos com os serviços operacionais de transporte de dados, voz e imagem.

4.3 Análise da PPP Piauí Conectado sua Correlação Políticas Públicas

No que diz respeito às políticas públicas, são os programas de ação do governo para a
realização de objetivos determinados num espaço de tempo certo, conforme observa Bucci (2002).
Assim, pode-se considerar o Programa de PPPs e Concessões uma ação que visa implementar
políticas públicas através de um projeto bem estruturado.
Pelo resumo do supracitado projeto, nota-se que o serviço oferecido pela concessionária
oportuniza à administração pública a prestação de serviço adequado à sociedade, bem como,
através dos serviços associados que visam a melhoria na educação, saúde e segurança.
Assim, significa dizer que a PPP atrela os interesses econômicos dos investidores privados
às exigências constitucionais e infraconstitucionais de manter o serviço adequado, independente do
usuário ser cidadão ou da própria Administração. (MEDAUAR, 2015)
309

No tocante à democratização do acesso à informação por meio dos pontos de acesso


público, segundo Carvalho (2005), desde o final da década de 1960, a Organização das Nações
Unidas (ONU) vê as tecnologias da informação e comunicação como vetores para o crescimento
econômico e social.
Diante disso, acesso à informação é um direito assegurado pelo art. 5º, inciso XIV, da
Constituição. A conectividade garante ao cidadão o uso da informação, o exercício de outros
direitos sociais e minimiza as desigualdades social e econômica e a exclusão digital. Portanto, ter
acesso à informação é ter cidadania.
Em relação aos projetos sociais desenvolvidos pela concessionária, quanto à oferta de
cursos para a qualificação para o mercado e acesso ao cinema, são também, direitos garantidos pela
carta magna.
É notório, com base na doutrina e institutos legais contidos neste trabalho, que o arranjo
jurídico, a Parceria Público-Privada, utilizado pelo Estado do Piauí, em face às demandas e
exigências sociais e econômicas, constitui um instrumento de realização e implementação de
políticas públicas.
No mais, o projeto configura-se como uma estratégia de promoção dos Objetivos de
Desenvolvimento Sustentável - ODS, estando de acordo com as metas de desenvolvimento
propostas pela Organização das Nações Unidas, da agenda 2030.

5 CONCLUSÃO

O presente artigo se propôs a investigar como as parcerias podem ser instrumento jurídico
viável e utilizado pelo poder público para promoção e a concretização de políticas públicas.
A partir disso, buscamos compreender de que maneira o Contrato de PPP - Piauí
Conectado atende às necessidades da população no âmbito da adequada prestação e universalização
de serviços públicos, que se materializam em políticas públicas. Ademais, como o contrato garante
a eficiência na governança dos entes da administração e economia para os cofres.
É pertinente salientar que, além dos contratos firmados pelo Estado do Piauí, constam na
carteira de projetos do Programa de PPP e Concessões do Estado do Piauí, nas diversas áreas e
que geraram elevado retorno para a população local.
Por fim, este trabalho não visa esgotar o tema ora tratado, haja vista a existência de outros
contratos firmados pelo Estado com a finalidade da concretização de políticas públicas através da
exploração de um serviço público.
310

Assim, concluímos que os projetos dessa natureza são a opção mais viável para o
desenvolvimento econômico e social dos estados, e além disso, podem ser uma alternativa para a
prestação de serviços e concretização de políticas públicas.

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SUNDFELD, Carlos Ari. Direito Administrativo Ordenador. São Paulo: Malheiros, 1993.
312

PRISÃO CIVIL POR DEVEDOR DE ALIMENTOS

Thatyelle Silva Brito1

1 INTRODUÇÃO

O ordenamento jurídico sempre trouxe previsão sobre a prisão civil, podemos destacar
como a única causa de prisão civil no Código atual, a prisão Civil do devedor de alimentos que
consiste em ser uma maneira de coerção para que sejam pagas as dívidas do devedor, levando
em consideração o cunho alimentar da dívida, devido a isso, a importância do presente estudo
para entender como ocorre a prisão por alimentos.
Partindo do exposto, a pesquisa tem como objetivo geral tratar da efetivação da prisão
civil diante de débito alimentar, seguindo como linha de raciocínio a exposição a respeito da
prisão civil, onde haverá casos em que é cabível sua aplicabilidade, conforme a lei, e ainda como
se dá a realização dos cálculos que define o valor da prestação de alimentos da prisão civil.
Dessa forma os métodos de estudos realizados foram por meio dos estudos
bibliográficos, para tanto usou-se como meios de pesquisas às modalidades de pesquisas
exploratórias, descritivas e explicativas.
Assim, a princípio, a pesquisa analisará através das subseções um comparativo dessa
única possibilidade de prisão civil nos Códigos de 1973 e 2015. Ademais, na segunda subseção
será verificado os conceitos e os princípios aplicáveis nesse tipo de prisão civil. Nesse interím,
na terceira subseção será definido o conceito da prisão civil do devedor de alimentos e seu devido
procedimento dentro do Código de Processo Civil.
Por fim, como suporte para a problematização, nas últimas subseções, podemos verificar
como é realizado de forma correta o cálculo da pensão alimentícia, bem como compreender a
efetividade da prisão civil por alimentos diante da sociedade, possibilitando em quais hipóteses
ela pode ser revisionada.
Diante disso, considerando o objeto a ser pesquisado elaborou-se o seguinte
questionamento: Existe efetivação da prisão civil diante da prisão civil por alimentos?

1 Bacharelanda do curso de Direito pela Estácio Teresina, currículo lattes: http://lattes.cnpq.br/6380784092165742,


endereço eletrônico: thatyelle007@gmail.com.
313

Assim sendo, a pesquisa apresentada, além do interesse pela temática, a escolha do objeto
de estudo, tem grande relevância para o Direito e sociedade, bem como a escolha do tema
justifica-se no campo acadêmico, visto que se reveste em importantes contribuições para à área
jurídica. Assim sendo, este trabalho pretende analisar, entender e verificar o mecanismo da
efetividade da prisão civil de devedor de alimentos.

2 DESENVOLVIMENTO

2.1 Evolução da Prisão Civil por Débito Alimentar

Para que haja um maior entendimento da prisão civil por débito alimentar, é necessário
que se faça uma análise a respeito dos códigos de processo civil do ano de 1973 e 2015, tendo em
vista, que ocorreu diversas mudanças no instituto do direito de família em relação a prisão civil
do devedor de alimentos.
Desta forma, sendo realizada uma breve análise a respeito da evolução legislativa de ambos
os Códigos mencionados anteriormente.

2.1.1 Prisão civil no CPC/73

Diante das questões relacionadas ao crédito alimentar, existe a previsão da prisão civil do
devedor de alimentos, com o objetivo de obrigar o devedor arcar com o débito alimentar, essa
forma coercitiva contém características elementares presentes no Código de Processo Civil de
1973.
Diante do exposto, o CPC/73 teve sua vigência até o ano de 2016, dispondo sobre a Ação
de Execução de Alimentos nos seus artigos 732 ao 735. Em ao executarem a decisão, eram fixados
os alimentos provisionais e por ordem do juiz, além disso, o devedor era citado para que em 3 (três)
dias, efetuasse o pagamento, provasse que o fez ou justificasse a impossibilidade de realizar o
pagamento. E caso não pagasse, era decretada a prisão judicialmente do devedor no prazo de 1 a 3
meses (art.733, CPC/73).
Vale ressaltar, que mesmo cumprindo a pena, o devedor tinha o dever de efetuar o
pagamento das prestações vencidas e vincendas, assim, só após ser paga, haveria a suspensão do
cumprimento da prisão, ou seja, uma maneira coercitiva encontrada de executar a obrigação,
fazendo com que o devedor arque com a dívida de natureza alimentar.
No que diz Carlos Roberto Gonçalves (2013, p.351):
314

A incapacidade econômica do alimentante evitaria a prisão, vez que se enquadraria na


hipótese do parágrafo primeiro, do artigo 733 do CPC/73, não sendo, porém, permitido
pleitear simultaneamente, no mesmo processo, a penhora dos bens e a prisão do devedor.

Seguindo o pensamento de Gonçalves, podemos concluir que não pode ocorrer no mesmo
processo a penhora dos bens e a prisão civil do devedor, caso haja comprovação da sua
hipossuficiência econômica.
Diante disso, se verá adiante que o Código de Processo Civil de 2015, inseriu importantes
inovações a respeito desse instituto da prisão civil.

2.1.2 Prisão civil no CPC/2015

Acertadamente, o Novo Código de Processo Civil de 2015, acarretou em diversas mudanças


dentro do cenário do Direito Civil Brasileiro veio para suprir e realizar modificações na ceara cível,
a título de exemplo tem-se como uma das modificações é no que tange sobre a execução de
alimentos, previsto nos artigos 528 ao 533 e 911 ao 913, NCPC/15.
Possibilitando ser fundamentada em título executivo extrajudicial, sendo por meio de
expropriação, prisão civil ou desconto na folha de pagamento. Além disso, poderá ocorrer protesto
do título, inclusão do nome do alimentante no Cadastro de Inadimplentes e penhora do salário.
Uma das grandes modificações do NCPC/15 é a possibilidade de incluir o nome do
devedor de alimentos no Cadastro de Inadimplentes, forçando cada vez mais o alimentante ficar
em dias com os débitos alimentares.
Como previsto nos artigos 528 e 911 do NCPC/15, é admissível que ao ser decretado a
prisão seja exigido que a intimação ocorra de maneira pessoal, na pessoa do devedor e não do seu
advogado, sendo uma exceção do procedimento processual civil.
Seguindo este contexto se nota que é de fundamental importância que como o código
expressa, observar as condições também do devedor.

2.2. Princípios

A palavra princípio vem do latim principium e tem o significado ligado a uma ideia de
começo, neste contexto os princípios devem ser usados como uma maneira de definir condutas
gerando com harmonia todos os sentidos.
De acordo com Renata Malta Vilas Boas (2003, p.21) conceitua-se que:
315

Chegamos à concepção de que o princípio – sua ideia ou conceituação – vem a ser fonte,
o ponto de partida que devemos seguir em todo o percurso; ao mesmo tempo em que é
o início, também é o meio a ser percorrido e o fim a ser atingido. Dessa forma, todo o
ordenamento jurídico deve estar de acordo com os princípios, pois só eles permitem que
o próprio ordenamento jurídico se sustente, se mantenha e se desenvolva.

Alguns anos atrás os princípios não eram levados em consideração dentro do ordenamento
jurídico, o que mudou significativamente e hoje ocupam um lugar de suma importância, pois dois
pensadores Ronald Dworkin e Robert Alexy colocaram os princípios como base das normas
jurídicas.
Portanto, entende-se que os princípios determinam um conjunto de normas ou padrões
que devem ser seguidos pela sociedade. Assim, é importante ressaltar alguns destes princípios
presentes no ordenamento jurídico, visto que são instrumentos de fundamentação da norma.

2.2.1 Princípio da dignidade da pessoa humana

Ao decorrer dos anos houve diversos ditos conceitos para a Dignidade em si, iniciando na
antiguidade quando os primeiros passos desta defesa do ser humano foi encontrado expresso tanto
no Código de Hamurabi, Babilônia quanto no Assíria e no Código de Manu na Índia.
Ainda nesse sentido, Kant (2006) dispõe:

No reino dos fins tudo tem ou um preço ou uma dignidade. Quando uma coisas tem um
preço, pode por-se em vez dela qualquer outra como equivalente, mas quando uma coisa
está acima de todo preço, e portanto não permite equivalente, então tem ela dignidade
[…]. Esta apreciação dá pois a conhecer como dignidade o valor de uma tal disposição
de espírito e põe-na infinitamente acima de todo preço. Nunca ela poderia ser posta em
cálculo ou confronto com qualquer coisa que tivesse preço, sem de qualquer modo ferir
a sua santidade?

O princípio da dignidade da pessoa humana, além de ser um princípio basilar, é de suma


importância dentro do ordenamento jurídico, principalmente em relações abrangentes do Direito
de Família, pois tem como finalidade a proteção do indivíduo como pessoa, o que serve como base
para a socialização e a evolução de cada ser humano.
Partindo do pressuposto que o princípio da dignidade da pessoa humana é um princípio
constitucional fundamental e que não se reveste, apenas, de caráter normativo, mas, traz, em sua
composição, aspectos éticos- valorativos, bem como é um fundamento constitucional que deve ser
assegurado a todos, assim como entende Barroso no sentido que: “O princípio constitucional da
dignidade da pessoa humana identifica um espaço de integridade moral a ser assegurado a todas as
pessoas por sua só existência no mundo”.
316

Desta forma o que se deve ser observado para que assim tenhamos esperança em uma
sociedade mais justa e igualitária, que trate os iguais igualmente e os desiguais na medida de sua
igualdade.
A prestação de alimentos é uma forma de proteger e garantir a subsistência do alimentando,
como reafirma no art. 1.696 do Código Civil ao dizer que: “O direito à prestação de alimentos é
recíproco entre pais e filhos, e extensivo a todos os ascendentes, recaindo a obrigação nos mais
próximos em grau, uns em falta de outros”.
O princípio da dignidade da pessoa humana está intimamente relacionado com a
democracia, tornando-se o um princípio fundamental, conforme o art.1°, III da Constituição
Federal, devendo ser aplicado e interpretado para proteger todos os indivíduos, principalmente no
que se trata sobre alimentos, pois não são objetos e sim seres humanos.
Ainda na Constituição Federal, vem disposto em seu artigo 229: “Os pais têm o dever de
assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os
pais na velhice carência ou enfermidade”.
Portanto, por ser um princípio constitucional e fundamental, deve ser garantido por todos,
e principalmente respeitado pelos seus genitores como demonstrado, em que a alimentação é algo
necessário para sobreviver e viver dignamente, ou seja, a dignidade é, antes de tudo, um valor
concebido como inerente à natureza do ser humano enquanto tal, devendo, então, ser resguardado
e presente em todas relações judiciais.

2.2.2 Princípio da efetividade

Pelo fato da prisão civil ser uma coação excepcional, devidamente interligado ao princípio
da dignidade da pessoa humana, o alimentado necessita que a execução do débito, seja efetivada na
maneira mais célere possível, pois se trata de dívida com natureza alimentícia.
Esse princípio tem respaldo constitucional no art. 5º, incisos XXXV, LIV, LV e LXXVIII,
da Constituição Federal, bem como aparece expressamente no Código de Processo de Civil.
Depende do Poder Judiciário para que seja conferido ao titular do direito natural de forma
tempestiva, econômica e oportuna, oferecendo-lhe uma melhor organização para que os conflitos,
não passem de apenas uma simples homologação judicial, mas que acabe efetivando um direito
reconhecido do titular sobre a prestação de alimentos.
Como podemos analisar de acordo com Dinamarco (2008, p.319):
O princípio da efetividade do processo torna-se verdadeira essência da jurisdição;
principalmente porque um processo tardio, ineficaz e sem real impacto no mundo dos
317

fatos, fracassando na tutela e na realização do direito material, não terá proporcionado


nem a paz social, nem o almejado adequado desfecho da resolução de conflitos.

Neste contexto, não resta dúvidas da importância da efetividade nos processos, a própria
Constituição garante não apenas o direito de acesso à justiça, como também a efetivação da tutela,
ressaltando assim que todos tem direito a uma justiça célere e eficaz. Como mencionado por Rui
Barbosa que: “A justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta”, isto é, a
resposta jurisdicional na qual é pleiteada, contém o conceito de direito, logo, demonstra a garantia
que a jurisdição deve representar.

2.2.3 Princípio da solidariedade familiar

A solidariedade cresce de importância na medida em que permite a tomada de consciência


da interdependência social, como categoria ética e moral que se projetou para o mundo jurídico,
significa uma conexão com limitações e autodeterminações impostas a cada indivíduo os deveres
de cooperar, ajudar, amparar e cuidar do próximo.
Segundo Gonçalves (2005, p.441) sobre o princípio da solidariedade familiar dispõe que:
O dever de prestar alimentos funda-se na solidariedade humana e econômica que deve
existir entre os membros da família ou parentes. Há um dever legal de mútuo auxílio
familiar, transformado em norma, ou mandamento jurídico. Originariamente, não
passava de um dever moral, ou uma obrigação ética, que no direito romano se expressava
na equidade, ou no officium pietatis, ou na caritas. No entanto, as razões que obrigam a
sustentar os parentes e a dar assistência ao cônjuge transcendem as simples justificativas
morais ou sentimentais, encontrando sua origem no próprio direito natural.

Ademais, Lisboa (1865, p.161) discorre sobre o tema da seguinte maneira:

É importante esclarecer que o afeto deve ser entendido como sendo o vínculo emocional
que se origina dos sentimentos que ligam os integrantes de uma família e que o respeito,
por sua vez, deve ser compreendido como o valor que se atribui a um determinado
parente, respectivamente.

Ou seja, é importante levar em consideração os laços sentimentais entre os integrantes de


cada família, o que não difere da obrigação no que cada indivíduo tem que ter para com o outro
ente familiar o que hoje é constitucionalmente imposto.

2.3 Prisão Civil do Devedor de Alimentos

A prisão civil é uma forma de coação contra o devedor de alimentos para realizar o
pagamento do débito alimentar, assim, para uma melhor compreensão é necessário
318

conceituarmos o que sera a prisão civil, bem como analisarmos o procedimento e o processo de
execução do devedor de alimentos, para que, então, se compreenda e se comprove a não eficácia
da prisão civil desse devedor.

2.3.1 Conceito

A prisão civil foi a maneira que o legislador encontrou de coagir o alimentante a efetuar o
adimplemento das prestações devidas ao alimentado. É um meio de execução, que envolve o
patrimônio do devedor, pois caso ele não cumpra a obrigação voluntariamente e de forma
indispensável, terá como consequência a prisão.
Como reafirma Azevedo (2012, p.35) sobre a prisão civil por dívida que:

O ato de constrangimento pessoal, autorizado por lei, mediante segregação celular do


devedor, para forçar o cumprimento de um determinado dever ou de determinada
obrigação. Assim, prossegue Azevedo, ela se reveste de uma sanção de caráter civil,
verdadeiro instrumento coercitivo para constranger o devedor de alimentos.

E ainda Marinoni e Arenhart (2008, p.390-391) explicam que:

Entre todas as técnicas destinadas à execução da obrigação alimentar, a prisão civil é a


mais drástica e a mais agressiva ao devedor, de modo que a sua adoção somente é possível
quando não existirem outros meios idôneos à tutela do direito. Isto pelo simples motivo
de que os meios de execução se subordinam às regras do meio idôneo e da menor
restrição possível.

A prisão civil de devedor de alimentos, como já mencionado não tem o objetivo de punir
e pode ser citada de diversas maneiras, sendo utilizada apenas em último recurso como uma
forma de coibir o alimentante para que cumpra sua obrigação, perante a urgência da mesma e
sua repercussão, que continua vigente dentro do ordenamento jurídico.

2.3.2 Procedimento

O débito alimentar é cobrado pelo fato dessa obrigação alimentícia ser um título executivo
judicial ou extrajudicial, tendo como características a exigibilidade, a liquidação e a certeza.
Deste modo, com base na Lei n°5.478/68 (Lei de Alimentos) e nos artigos 528 ao 533 e
911 ao 914 do Código de Processo Civil de 2015, em caso de mora do devedor, e ainda através da
Súmula 309 do STJ: “O débito alimentar que autoriza a prisão civil do alimentante é o que
compreende as três prestações anteriores à citação e as que vencerem no curso do processo”, nasce
o direito do filho buscar cumprimento dessa obrigação alimentar.
319

Existem diversas maneiras para que o alimentado possa executar o seu título, através do
cumprimento de sentença e do processo de execução, como veremos detalhadamente a seguir.

2.3.2.1 Cumprimento de sentença

O cumprimento de sentença é um título executivo judicial, pois decorre de uma sentença


proferida pelo juiz em processo de conhecimento que transitou em julgado sem o pagamento
voluntário do débito, com base nos artigos 513 ao 519 do CPC/15.
Quando houver a condenação para que seja realizado o pagamento de prestação alimentícia,
a pedido do exequente, o juiz mandará intimar pessoalmente o executado ou devedor para em 3
dias, ele efetuar o pagamento, provar que o fez ou justificar a impossibilidade de pagar o débito.
Caso ele não cumpra o que lhe foi ordenado, o juiz mandará protestar o pronunciamento
judicial, além disso, decretará a prisão pelo prazo de 1 a 3 meses, sendo cumprida em regime
fechado, separado dos presos comuns. Entretanto, essa prisão civil de alimentos só é autorizada
quando a dívida estiver em até 3 (três) prestações atrasadas anteriores ao ajuizamento da execução
(art.528,CPC/15).
No Brasil, a pensão alimentícia pode ser paga tanto através da penhora dos bens do devedor
que é a apreensão dos bens de devedor, por mandado judicial, para pagamento da dívida ou da
obrigação executada quanto no desconto na folha de pagamento como expresso no artigo 529 do
CPC: “Quando o executado for funcionário público, militar, diretor ou gerente de empresa ou
empregado sujeito à legislação do trabalho, o exequente poderá requerer o desconto em folha de
pagamento da importância da prestação alimentícia”.
Porém não somente dos militares podem ser descontados os valores da pesão na folha de
pagamento, como é previsto no artigo citado acima, pois para ser descontado apenas precisa que o
devedor tenha uma renda periódica e estável.
Ainda sobre as formas diretas de pagamento por débito alimentar, existe outra possibilidade
que é o desconto em renda no que se difere do desconto em folha de pagamento este realiza os
descontos de rendas ou outros rendimentos do executado como, por exemplo, arrendamento rural
e aplicação financeira. Vale resaltar que, esse pagamento é feito com no máximo 50% desses
rendimentos líquidos do devedor.

2.3.2.2 Processo de execução


320

O objetivo da execução é simplesmente o cumprimento de uma obrigação, que gira em


torno de título executivo extrajudicial que o credor tem em face do devedor, sendo realizado em
um processo autônomo, e não seguindo o procedimento comum como acontece no cumprimento
de sentença, portanto, é uma nova ação que se inicia para ser concretizada a obrigação alimentar,
previsto nos artigos 771 ao 780 do NCPC/15.
Na execução de alimentos, o juiz realiza a citação para que no mesmo prazo do
procedimento comum, seja feito o pagamento das parcelas anteriores ao início da execução e das
que vencerem no curso do processo executório, conforme o artigo 911 do NCPC/15.
E possibilita na mesma forma do cumprimento de sentença, conforme o art. 912 do
NCPC/15, em que poderá requerer o desconto em folha de pagamento de pessoal da importância
da prestação alimentícia, sendo considerada a forma mais segura de efetuar o valor do débito
alimentar.
Trata-se também de uma execução de quantia certa, em que tem como alternativa a
expropriação dos bens do executado e caso não seja efetivado o adimplemento da dívida alimentar,
poderá ainda recair uma penhora em dinheiro, como por exemplo, através de sua conta bancária.

2.4 Cálculo da Pensão Alimentícia

Não existe um valor previsto por lei, o que geralmente ocorre é que o magistrado após fazer
uma análise devidamente da renda do alimentante determina o a ser pago para o alimentado.
Esse valor poderá ser alterado apenas sob o caso de diminuição ou aumento da renda do
responsável do alimentado direto ou do que paga alimentos, sendo assim os valores podem ser
revistos mesmo findado o processo, sempre visando o benefício da criança.
Nos casos de que existam mais de um filho sendo ambos do mesmo relacionamento, o
valor será feito com base em um percentual maior, pois será um único valor a ser dividido entre os
filhos. Caso sejam de casamentos diferentes, para que o devedor tenha como realizar o pagamento
o valor terá como base um percentual menor, desta maneira o mesmo terá como arcar sem que
isso interfira na sua subsistência.
Ao contrário do que se pensa a pensão alimentícia não pode ser cessada de maneira
autônoma com a maioridade do filho, ou seja, quando este vem há completar 18 anos. Pois para
que ocorra a cessação e acabe a obrigação de pagar alimentos, é exigida a propositura de ação
321

judicial, e se deve também que se comprove que o filho não mais tem necessidade que seu
genitor proveja seu alimento.
De acordo com Christiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvaldi (2014, n.p.):

Os pais têm, por um lado, a obrigação de sustentar os filhos menores, independente de


possuírem renda própria, e, de outra banda, lhes toca o dever de alimentar esses mesmos
filhos, após a maioridade civil, demonstrada a necessidade, por exemplo, de continuar os
estudos.

Desta maneira se comprova que o dever de prestar alimentos não tem relação com a
maioridade do indivíduo e sim com a sua necessidade de sobrevivência e independência financeira.
A quantia pode ser revisionada por meio da Ação revisional de alimentos , quando o filho venha a
ter uma renda advinda de um estágio ,por exemplo, neste caso a pensão pode ser diminuída,
mantendo-se como auxílio financeiro.

2.5 A Efetividade da Prisão Civil por Alimentos

Há uma grande problemática quanto ao impacto que esse meio coercitivo utilizado acaba
interferindo na relação familiar, pois mesmo que o filho esteja sendo representado no pedido de
prisão, abala imensamente a relação afetiva entre pai e filho, em que muitas vezes são rompidas,
mediante diversos sentimentos como raiva e mágoa.
Outro grande impacto diante dessa prisão civil, é que o devedor fica sem trabalhar por estar
preso, impossibilitando-o de pagar o que deve ao credor, e ainda por ser inafiançável, só poderá
ser solto depois de efetuar o pagamento da dívida alimentar, portanto, ficando sem chances de
cumprir sua obrigação.
Não dá para negar que o encarceramento da figura paterna influencia diretamente no
desenvolvimento do filho além da mágoa de está preso, não quer que seu filho presencie o mesmo
naquela situação por ser um momento constrangedor.
Partindo disso, tivemos como concluir como o encarceramento do pai pode ter diversas
causas negativas tanto psicológicas como também no desenvolvimento infantil resultando em um
claro distanciamento social e uma série de mudanças dentro da estrutura familiar.
O pai não pode ser considerado mero pagador, pois no cenário atual o papel de cuidar, se
preocupar e participar da vida dos filhos não é só papel da mãe e sim de ambos os genitores. O
direito dos pais com os filhos devem ser os mesmos, tendo como pressuposto que a sociedade
sofreu diversas alterações ao decorrer dos anos, e hoje os pais também querem participar das
escolhas inerentes à vida dos filhos, o que deixa claro que a justiça tem o dever de assegurar que a
322

ambos os pais, a administração conjunta dos recusos destinados á criança e que de fato não tem
como ocorrer com o encarceramento do pai.

3 CONCLUSÃO

Em síntese, o presente trabalho científico teve como tema a Prisão civil de devedor de
alimentos. Neste trabalho, a autora quis esboçar em relação a efetivação da prisão civil diante do
débito alimentar, dando ênfase ao princípio da efetividade, previsto na Constituição Federal e
Código de Processo Civil.
Primeiramente, foi feito uma comparação entre os Códigos de 1973 e 2015 quanto à única
prisão civil, levando em conta suas características. Diante do tema, foi realizada uma análise dos
princípios norteadores dessa discussão, tais como os princípios da dignidade humana, efetividade
e da solidariedade familiar.
No segundo momento desta pesquisa, abordou-se o conceito da prisão civil por débito
alimentar e seu devido procedimento, podendo ser através de cumprimento de sentença e processo
de execução a depender do título executivo, bem como foi analisado a forma de realizar o cálculo
das parcelas da pensão alimentícia.
Diante o exposto, conclui-se que o tema ora analisado sobre a efetividade da prisão civil
pode ser relativa, pois mesmo que seja um meio coercitivo de extrema relevância, também é um
meio que causa extremo impacto nas relações familiares advinda desta, podendo até mesmo
desfazê-las, diante disso outras medidas menos gravosas devem ser sempre priorizadas, levando
em conta que e de fundamental importância a figura paterna pro desenvolvimento do alimentado.

REFERÊNCIAS

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BARROSO, Luís Roberto. A Nova Interpretação Constitucional: ponderação, direitos fundamentais


e relações privadas. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p.37. Disponível em: CAVALCANTE, Lara
Capelo. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana como fundamento da produção
da existência em todas as suas formas. 2007.115 f. Monografia (Mestrado em Direito
Constitucional) - Universidade de Fortaleza, Fortaleza, CE, 2005.

BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da União:
seção 1, Brasília, DF, ano 139, n. 8, 11 jan. 2002.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Senado


Federal, 2020.
323

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DINAMARCO, Cândido Rangel. A Instrumentalidade do Processo. São Paulo: Malheiros,2008,


p.319. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/301643/o- stj-e-o- principio-da-
efetividade. Acesso em: 13/05/2020.

FARIAS, Christiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil: Famílias. 6ª Ed.
Salvador: Juspodivm, 2014.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro –Direito de Família. 10° ed. . São Paulo:
Saraiva, 2013.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro –Direito de Família. 14° ed.. São Paulo:
Saraiva, 2017.

KANT, Immanuel. Fundamentação da Metafísica dos Costumes e Outros Escritos.


Tradução de Leopoldo Holzbach. São Paulo: Martin Claret, 2006. Coleção A Obra-Prima de Cada
Autor, 2006.

LISBOA: Imprensa Nacional, 1865. p.161 . Disponível em: Pinto, Marcos José A prisão civil do
devedor de alimentos [recurso eletrônico]: constitucionalidade e eficácia / Marcos José Pinto.
Brasília: Escola Superior do Ministério Público da União, 2017. Acesso em: 13/05/2020.

MARINONI, L. G.; Arenhart, S. L. Execução. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 3 v., 2008,
p. 390-391. Disponível em: Pinto, Marcos José. A prisão civil do devedor de alimentos [recurso
eletrônico] : constitucionalidade e eficácia / Marcos José Pinto. Brasília: Escola Superior do
Ministério Público da União, 2017. Acesso em: 13/05/2020.

VILAS-BOAS, Renata Malta, Princípios Constitucionais do Direito Processual Civil. Âmbito


Jurídico. Processo Civil, p.21. Disponível em http://www.ambito-
juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=10180&revista_caderno=21
>Acesso em 22/07/2020.
324

EFICIÊNCIA DO CONSELHO ADMINISTRATIVO DE RECURSOS


FISCAIS (CARF) NO TRATAMENTO DO CONTENCIOSO
ADMINISTRATIVO FISCAL FEDERAL

Thiago Ribeiro da Costa1

1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho foi motivado pelo volumoso estoque de processos do Conselho


Administrativo de Recursos Fiscais - CARF pendente de julgamento, cerca de 116 mil a apreciar,
correspondentes a mais de R$ 600 bilhões de reais de recursos envolvendo contribuintes em
dezembro de 2019 (Dados Abertos, site do CARF). A magnitude dos recursos submetidos à
apreciação do órgão, evidencia a relevância de uma atuação adequada do CARF, a sua influência
sobre a promoção da equidade tributária perante a sociedade, mediante uma atuação célere e
imparcial.

Além disso, em face de notícias de decisão judicial determinando a inclusão em pauta de


processo com mais de cinco anos de espera, por ofensa ao princípio constitucional da razoável
duração do processo. Inevitável notar o paradoxo entre tais situações e a missão e visão
institucionais declaradas pelo Conselho: “assegurar à sociedade imparcialidade e celeridade na
solução dos litígios tributários” e “ser reconhecido pela excelência no julgamento dos litígios
tributários”.

Essas fragilidades de governança e gestão já foram evidenciadas pela Operação Zelotes da


Policia Federal e objeto de Auditoria do Tribunal de Contas da União – TCU, do qual resultou no
Acórdão 1.076/2016-TCU-Plenário (Processo do TCU 011.645/2015-6), que reportou a “falta de
tempestividade dos julgamentos; utilização de procedimentos manuais para a realização de sorteio
eletrônico dos processos; ausência de planejamento estratégico e monitoramento de resultados;
precariedade da estrutura de controles internos” e vários outros problemas que expõem o Órgão a

1 Aluno do Curso de Direito na Faculdade Estácio de Teresina, formado em Ciências Contábeis pela UFPI, com
especialização Gestão e Auditoria Governamental, pela UESPI e Pós-Graduando em Direito Empresarial e Tributário
pela Universidade Candido Mendes. Atualmente exerce o cargo de Auditor Federal de Controle Externo no Tribunal
de Contas da União. Currículo. Lattes iD: http://lattes.cnpq.br/7612230606792308, email: thiagorc@tcu.gov.br
325

risco de fraude e corrupção.

Nesse contexto, será estudado, particularmente, o problema do atual modelo de


contencioso tributário administrativo do CARF em alcançar o seu objetivo de assegurar
imparcialidade e celeridade na solução dos litígios tributários.

O CARF, constitui-se em um dos pilares do denominado Macroprocesso do Crédito


Tributário – MCT, ciclo atinente às receitas tributárias do qual também participam a Receita Federal
do Brasil – RFB e a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional – PGFN.

Para Alexandre (2019), segundo a teoria adotada no Código Tributário Nacional, a


obrigação tributária nasce quando verificada no mundo dos fatos a situação definida em lei, como
fato gerador do tributo. A partir desse fato gerador, compete à RFB efetuar o lançamento do crédito
tributário, permitindo, portanto, que a Administração Pública tenha o direito de cobrar os tributos
devidos. Caso não concorde com o lançamento do crédito tributário, é facultado ao contribuinte
impugná-lo, iniciando o Processo Administrativo Fiscal (PAF), regido pelo Decreto 70.235/1972.
O órgão competente para julgamento em primeira instância é a Delegacia de Julgamento - DRJ,
estruturas administrativas da RFB de natureza colegiada (inciso I do art. 25 do Decreto 70.235, de
1972.

Não obtendo, decisão favorável no primeiro grau de jurisdição, junto a uma DRJ, o
contribuinte poderá recorrer à segunda instância administrativa, de competência do CARF. Por
último, no caso de manutenção de decisão desfavorável ao contribuinte e de não quitação dos
débitos, ocorre a inscrição na dívida ativa da União para cobrança executiva no âmbito das unidades
da PGFN. Ressalta-se, ainda, que o contribuinte pode recorrer ao Poder Judiciário para rever
novamente toda a matéria (fato e direito), o que torna o contencioso administrativo e judicial
moroso e propenso à irrecuperabilidade dos créditos tributários.

Cabe ao CARF, atualmente órgão da estrutura do Ministério da Economia, o Julgamento


de recursos de ofício e voluntário de decisão de 1ª instância, bem como os recursos de natureza
especial, que versem sobre a aplicação divergente da legislação referente a tributos administrados
pela Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB). Trata-se de um órgão colegiado de natureza
paritária. Ou seja, composto por Conselheiros representantes dos contribuintes e da RFB. Além
disso, está organizado em Seções de acordo com o tipo do tributo.

Para obter os resultados e respostas acerca da problematização apresentada neste trabalho,


será feita a análise dos dados de gestão e resultados do CARF, principalmente os apresentados pelo
próprio órgão em seu site de dados abertos, através da pesquisa explicativa. Será utilizado,
326

também o método de pesquisa descritiva com a finalidade de analisar os valores dos estoques de
processos, sua representatividade e composição, com a finalidade de traçar um “padrão” que possa
explicar como o acervo de estoque do CARF chegou a níveis tão críticos. O estudo terá caráter
essencialmente qualitativo, com ênfase na observação e estudo documental da base de dados do
CARF, por meio de sua plataforma digital, de dados apresentado pelo órgão ao TCU, entre outras
pesquisas de dados obtidos da internet, ao mesmo tempo que será necessário o cruzamento dos
dados obtidos com toda a pesquisa já feita.

2 A ATUAL ESTRUTURA RECURSAL DO CARF NÃO É EFICIENTE

Segundo Vasconcelos e da Silva (2016) o sistema tributário brasileiro é frequentemente


apontado pela iniciativa privada como um dos entraves para o desenvolvimento econômico, assim
entendido como um ambiente de negócios que incentive o investimento no país, marcado por uma
relação entre Fisco e contribuinte de excessiva litigiosidade.

O Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial (2019, p. 43), no estudo desafios do


Contencioso Tributário Brasileiro traz uma importante reflexão sobre a complexidade da legislação
tributária brasileira e a grande quantidade de obrigações acessórias a serem cumpridas pelos
contribuintes:

Segundo um estudo publicado em 2018 pelo Instituto Brasileiro de Planejamento e


Tributação (IBPT), desde a promulgação da atual Constituição da República, em 1988,
até setembro de 2018 foram editadas 390.726 normas em matéria tributária, bem como
16 emendas constitucionais tributárias, o que significa, em média, 46 normas tributárias
por dia útil. Soma-se à complexidade da legislação tributária a grande quantidade de
obrigações acessórias a serem cumpridas pelos contribuintes e a alta carga administrativa
advinda desse cenário. o tributária a grande quantidade de obrigações acessórias a serem
cumpridas pelos contribuintes e a alta carga administrativa advinda desse cenário.
Nesse sentido reduzir o imenso contencioso tributário administrativo brasileiro, passa
por uma reforma nas instituições destinadas a solucionar disputas tributárias. Entre elas, a principal
passaria pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF).

Apesar das medidas já adotadas para a melhoria na gestão e integridade do órgão, ainda
assim, o cenário atual do contencioso administrativo tributário demanda respostas diante da
magnitude dos recursos submetidos à apreciação do CARF.

Para se ter ideia da grandeza do problema enfrentado, apenas os processos administrativos


fiscais em trâmite no CARF montam em valores históricos R$ 620 bilhões de reais (posição em
fev/2020, dados Abertos, site do CARF).
327

O grande volume de estoque de processos do CARF e a intempestividade dos seus


julgamentos revela uma contradição entre a situação fática existente com a missão e visão
institucional declaradas pelo órgão: “assegurar à sociedade imparcialidade e celeridade na solução
dos litígios tributários” e “ser reconhecido pela excelência no julgamento dos litígios tributários.

A situação é agravada pois, atualmente, existe um mesmo rito processual para processos de
pequeno e de grande valor, enquanto 54% do acervo do CARF é composto por processos de até
60 salários-mínimos, considerados como de pequeno valor nos termos do art. 3º, caput, da Lei
10.259/2001.

Some-se a isso os recursos disponíveis no âmbito do CARF (recurso especial, embargos de


declaração e agravo) que, além de viabilizarem a interposição com intuito protelatório, aumentam
a complexidade do processo e o seu tempo de tramitação dentro do órgão. Parte dos recursos
voluntários dos contribuintes, julgados pelas turmas ordinárias e extraordinárias (segunda instância
administrativa), permanecem dentro do órgão, aguardando julgamento de recursos internos.

2.1 Volumoso Estoque de Processo

O principal desafio do contencioso tributário administrativo é a redução do atual acervo de


processos que aguardam julgamento. Neste cenário o CARF ocupa posição de destaque, com
números expressivos de estoque, em fevereiro de 2020, na casa dos 620 bilhões de reais, agrupados
em 117 mil processos (Dados Abertos, site do CARF ), e ao longo dos anos o estoque segue uma
tendência de constante aumento (desde 2012, houve acréscimo de 17%). O que representa em 2019
cerca de 8,4% do PIB (7,3 trilhões de reais).

Segundo Estudo do Conselho Nacional de Justiça (2011), a cultura organizacional


burocrática e formalista, associada a um modelo de gerenciamento processual ultrapassado, torna
o executivo fiscal um procedimento moroso e propenso à prescrição.

Nesse mesmo cenário, é imprescindível ressaltar que o volumoso estoque de processos sem
desfecho e a falta de tempestividade na atuação do CARF podem gerar riscos, como o desestímulo
à arrecadação espontânea, sobretudo em razão da possível percepção de ineficiência na cobrança
tributária por parte do Estado. Além disso, a morosidade pode acarretar dificuldade de recuperação
de crédito nas causas favoráveis à União, ou o prolongamento de situações indevidamente
constituídas contra o contribuinte, nos casos em que a decisão for favorável ao contribuinte.
328

2.2 Principais Causas para o Aumento do Acervo de Processos do CARF

O Ministério da Fazenda (2017) em seu Relatório de Gestão do exercício de 2017 apontou


como umas das causas para que o CARF não desenvolva seus objetivos seria o número insuficiente
de conselheiros para analisar e julgar cerca de 120 mil processos em estoque, o que impactaria
sobremaneira o tempo médio de permanência de processos não prioritários em contencioso,
principalmente os de baixo valor e baixa complexidade.

Ressaltar-se, que o Tribunal de Contas da União, no âmbito da Auditoria Operacional


2015/2016 (Processo TCU 011.645/2015-6, peça 61, p. 13), também, apontou algumas causas para
falta de tempestividade dos julgamentos do CARF, quais sejam:

a) ausência de estrutura administrativa adequada de apoio aos conselheiros, desviando a


atuação dos conselheiros da atividade finalística para atividades administrativas;

b) ausência de metas e avaliação de desempenho dos conselheiros, inviabilizando a


detecção de performances aquém do esperado e a adoção das medidas corretivas necessárias; e

c) ausência de gerenciamento do acervo, pois os lotes de processo a serem sorteados eram


formados sem estabelecimento de critérios, de modo que não havia o ganho de eficiência pela
apreciação de processos de mesma área de concentração temática.

Nessa mesma linha, o Ministério da Fazenda, no Programa de Modernização Integrada do


Ministério da Fazenda (PMIMF), também identificou algumas causas ligadas a essa problemática,
a saber (Processo TCU 023.286/2016-4, peça 4, p. 14):

a) acervo e fluxo de novos processos superiores à capacidade de julgamento do CARF,


mensurados, respectivamente, em horas estimadas para julgamento e em horas líquidas disponíveis
para julgamento;

b) quadro de especialistas instituído no RICAR/2015 ainda insuficiente para fazer às


demandas do órgão e à diminuição do quadro 216 para 144 Conselheiros;

c) quadro técnico-administrativo insuficiente para a condução dos processos de trabalho


e sistemas organizacionais;

d) necessidade de indicadores de resultados e de desempenho dos processos de trabalho;

e) modelo organizacional focado em governança, integridade e ética; e


329

f) estrutura adequada de análise de riscos e auditoria operacional.

A Fundação Getúlio Vargas (2017, p. 3), por meio de levantamento decorrente de


entrevistas e discussões em sala de aula sintetizou os principais obstáculos enfrentados por Fisco e
contribuintes no processo administrativo fiscal, especificamente quanto a fase de julgamento:

 Ausência de procedimentos diferenciados em razão de complexidade e/ou valores dos


processos;
 Potencial de geração de conflitos de interesses para conselheiros, independentemente
de sua origem (representação), em função do modelo de representação paritária;
 Aparente polarização dos conselheiros conforme suas representações e surgimento dos
chamados votos de bancada (alinhados em função da origem dos conselheiros);
 Duração breve de mandatos também submetidos periodicamente à renovação
conforme critérios alheios ao controle social, o que pode inibir a autonomia dos
julgadores;
 Ausência de prerrogativas e garantias à independência dos conselheiros;
 Instabilidade da jurisprudência administrativa.

2.3. Medidas de Gestão Adotadas pelo CARF e o Efetivo Impacto na Redução do Estoque

Para gerenciar a tendência de aumento do estoque a 2ª instância administrativa vem


adotando medidas para diminuir o estoque e reduzir sua temporalidade.

Figura 1 – Medidas de gestão do acervo adotadas pelo CARF (2017 a 2019)

2017 • Turmas extraordinárias para processos até 60 SM.


• Divisão para acompanhamento dos prazos dos conselheiros.

2018 • Aprovação de 21 novas Súmulas CARF.


• Atribuição de efeito vinculante a 65 Súmulas CARF.

2019
• Aferição da produtividade conselheiros dos contribuintes.
• Utilização de inteligência artificial para gestão do acervo: identificação de
matérias homogêneas e formação de lotes para julgamentos repetitivos.

Fonte: Dados Abertos, site do CARF

A Fundação Getúlio Vargas (2017, p. 2), no âmbito do projeto macrovisão do crédito


tributário, também apontou medidas de gestão e transparência que foram tomadas nos pelo CARF
nos últimos 2 anos:

Medidas louváveis na gestão e transparência do Conselho foram tomadas nos últimos 2


anos, como a publicação de relatórios de decisões[3] e do manual de exame de
admissibilidade de recurso especial[4], na realização de Seminários acadêmicos[5] e na
obtenção do certificado ISO 9001[6]. Ainda assim, o cenário atual do contencioso
administrativo tributário demanda respostas que complementem e aprofundem as
alterações veiculadas na minirreforma e as que são objeto de quase todas as 39 propostas
legislativas hoje no Congresso Nacional[7], em um esforço conjunto para a construção
330

de um sistema eficiente, neutro e transparente.


Apesar das medidas de gestão adotadas pelo CARF, o estoque desde 2016, não apresentou
grandes variações em termos quantitativos e valor, tendo uma média de 121 mil processos que
representam em torno de 633 bilhões em valor de média nesses 4 anos (Dados Abertos, site do
CARF).

Em 2017, por meio da Portaria MF 329/2017, foram criadas 9 Turmas Extraordinárias com
competência para julgamento de processos de baixa complexidade até 60 salários-mínimos, com
previsão de alcançar posteriormente processos até 120, medida que possibilitaria, segundo o CARF,
um incremento de produtividade em torno de 30%.

Segundo Mengardo (2017), essa espécie de “tribunal de pequenas causas” do CARF tem
por objetivo desafogar o conselho e agilizar o julgamento de casos mais simples, pois segundo
dados do próprio conselho, mais de 70% dos processos em tramitação atualmente poderão ser
analisados pelas turmas extraordinárias.

No entanto, essa medida somente resultou em redução de 5,97% do número de processos


e 0,58% do valor do estoque em relação ao ano anterior (Dados Abertos, site do CARF). Ressaltar-
se que no ano seguinte o quantitativo de estoque voltou a crescer.

Em que pese, segundo dados do próprio CARF, conforme Mengardo (2017) mais de 70%
poderiam ser analisados pelas supramencionadas turmas extraordinárias, a criação das turmas
extraordinárias em 2017 não foi suficiente para a redução significativa do estoque de processos do
CARF.

Com efeito, considerando somente o estoque de processo até 60 salários-mínimos, a criação


das turmas extraordinárias resultou em uma redução de apenas 8,72% do quantitativo desse tipo
de processos (Dados Abertos, site do CARF). Número inexpressivo, considerando que o órgão
passou a ter turmas especializadas para esse tipo de processo. No ano de 2018, o estoque voltou a
crescer 3,69%, com nova redução em 2019 de 11,75%.
331

Gráfico 1 - Evolução do Estoque até 60 mil

Evolução do Estoque até 60 mil


80.000 10,00%
0,071952115 0,06834865
75.000 0,056791632 5,00%
0,036946954
70.000 0,023439825 0,00%

65.000 -0,045282909 -5,00%

60.000 -0,087158206 -10,00%


68591 65485 69204 73934 75667 69072 71624 6320-90,117488551
55.000 -15,00%
2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019

Estoque até 60 mil Porcetagem de aumento do estoque

Fonte: Processo TCU 038.047/2019-5, peça 24.

O CARF, no evento “As Propostas para Diminuição da Litigiosidade e Morosidade do


Contenciosa Tributário” realizado no dia Evento 8/11/2019
(https://www.youtube.com/watch?v=F6zc7zZ6rB0&feature=youtu.be), por meio de sua
Presidente, a Sra. Adriana Gomes Rêgo, elenca como medida de diminuição do estoque o aumento
das turmas extraordinárias, voltada para o julgamento de processos de valor do crédito tributário
originário inferior até 120 salários-mínimos.

Considerando que a criação, em 2017, de 9 turmas extraordinárias não surtiu grande efeito
no estoque em geral, nem mesmo no estoque de processos até 60 salários-mínimos, conclui-se que
a criação de mais turmas extraordinárias, por si só, não tem a força para uma redução expressiva
do estoque.

Nesse sentido, o Conselho Nacional de Justiça (2011, p. 9), trouxe no estudo sobre a
Execução Fiscal no Brasil e o Impacto no Judiciário, como um de suas propostas para a melhoria
da atuação jurisdicional brasileira em relação à matéria administrativa medidas, além das já adotadas
que poderiam impactar positivamente na diminuição do estoque de processos, tais como:

[…] impor à Instância Administrativa prazo para resolver seus processos (possivelmente
um ano);
realizar a apreciação administrativa por alçadas (pelo valor da contenda, estabelecendo
procedimentos processuais sumários e comuns);
selecionar os membros julgadores administrativos por concurso público;
proibir a reformatio in pejus (os órgãos jurisdicionais administrativos deverão julgar as lides dentro dos
limites e das pretensões formuladas pelas partes) e, por fim, instituir a obrigatoriedade de
apreciação de provas praticadas no procedimento administrativo dentro do processo
judicial.
Diante desse panorama, e considerando que 54% do estoque do CARF é composto por
processos de até 60 salários-mínimos (Processo TCU 038.047/2019-5, peça 24), aliada aos ajustes
332

mencionadas acima, uma medida que de fato teria impacto, em uma redução significativa no
estoque, seria a criação de procedimentos especiais para tratamento desse tipo de estoque ainda na
1ª instância administrativa (Delegacias de Julgamento – DRJs), nesse sentido já se posicionou o
Grupo de Trabalho de Estudos Temáticos-GET (MINISTÉRIO DA FAZENDA, 2016),
instituído pela Portaria RFB/PGFN/CARF 1441 de 2016, grupo formado pelos três autores do
Macroprocesso do Crédito Tributário, com o objetivo de estudar e propor nova estrutura de
funcionamento do contencioso administrativo fiscal federal.

Sendo assim, seria necessário aprovação de alteração legislativa para possibilitar o


julgamento de processos de baixo valor de forma monocrática nas DRJs (atualmente todos os
julgamentos são colegiados), com recurso para turmas nas próprias DRJs, assim processo de até 60
salários-mínimos não chegariam ao CARF.

2.4 Câmara Superior de Recursos Fiscais do CARF, Representa Efetivamente uma 3º


Administrativa

O Regimento Interno do CARF prevê como de sua competência, analisar os recursos


contra as decisões de primeira instância, ou seja, aquelas tomadas em nível das DRJs, conforme art.
1º do Anexo II do seu Regimento Interno do CARF.

O art. 1º supracitado também coloca no rol dos recursos analisáveis pelo CARF aqueles de
natureza especial, além do recurso voluntário, aquele interposto junto ao CARF pelo contribuinte
que não concorda com a proferida em primeira instância administrativa (DRJ) e do recurso de
ofício, aquele interposto pelo Presidente de Turma da DRJ, por meio de declaração na própria
decisão, sempre que o valor exonerado for superior a 2,5 milhões de reais.

Entretanto, as decisões do próprio CARF também podem ser objeto de recurso especial.
É o que preveem os art. 64, 65 e 67 do seu Regimento Interno.

Art. 64. Contra as decisões proferidas pelos colegiados do CARF são cabíveis os
seguintes recursos:
I - Embargos de Declaração; e
II - Recurso Especial.
Parágrafo único. Das decisões dos colegiados não cabe pedido de reconsideração.
Seção I
Dos Embargos de Declaração
Art. 65. Cabem embargos de declaração quando o acórdão contiver obscuridade, omissão
ou contradição entre a decisão e os seus fundamentos, ou for omitido ponto sobre o qual
devia pronunciar-se a turma.
(...)
§ 5º Somente os embargos de declaração opostos tempestivamente interrompem o prazo
333

para a interposição de recurso especial. (...)


Do Recurso Especial
Art. 67. Compete à CSRF, por suas turmas, julgar recurso especial interposto contra
decisão que der à lei tributária interpretação divergente da que lhe tenha dado outra
câmara, turma de câmara, turma especial ou a própria CSRF:

Desse modo, uma vez que uma decisão do CARF for contraria ao contribuinte, emitida
por meio de acórdão, este poderá lançar mão do embargo de declaração como um primeiro
instrumento protelatório, alegando “obscuridade, omissão ou contradição”.

Não é só embargos, há também, e principalmente, a figura do Recurso Especial, dirigido à


Câmara Superior de Recursos Fiscais - CSRF. Esse recurso permite que o contribuinte discorde,
junto ao conselho, de uma decisão do próprio CARF.

Na prática, protela-se ainda mais a tomada de decisão, pois os julgamentos nas Turmas
Ordinárias e Extraordinárias não geram decisões terminativas.

De acordo com Silveira (2020), em 2017, o julgamento definitivo dos recursos


administrativos que chegavam à CSRF, ocorria, em média, após transcorridos 9,06 anos (3.306
dias, ou 9 anos e 21 dias). Para a 2ª. instância, as Seções do CARF, essa duração média era de 5,30
anos.

Nesse panorama, verifica-se que desde 2016, os valores julgados por Acordão (turmas
ordinárias e extraordinárias, dados Abertos, site do CARF) superam os valores de entradas de
processos advindos da DRJ (Processo TCU 038.047/2019-5, peça 54), no entanto, esse aumento
de produtividade, não se reflete no estoque, que continua crescendo, em termos de valor, com
exceção do ano de 2017 que teve uma pequena redução de 0,58% (Dados Abertos, site do CARF);

O ganho de produtividade também é verificado pelo aumento de horas relatadas, em 2016


foram relatadas 167.041 mil horas já em 2019 forma 299.185,3 mil horas, aumentou 79,11% (Dados
Abertos, site do CARF).

Em 2019, o CARF possuía em estoque 28.743 recursos não julgados contra suas próprias
decisões (agravo, embargos de declaração e recurso especial), 19,09% do total de estoque de
recursos (Processo TCU 038.047/2019-5, peça 24).

O ganho de produtividade não se reflete no estoque de processos devido à complexidade


da estrutura do CARF, que apesar de julgar nas turmas ordinárias e extraordinárias mais do que as
entradas de processos, tais decisões não acarretam decisões terminativas, ficando o processo ainda
sujeito a recurso especial para a CSRF, configurando assim, efetivamente, uma terceira instância
para o contencioso administrativo fiscal federal;
334

De acordo com Silvera (2020, p. 2), O CARF concentra as 2ª. e 3ª. instâncias que analisam
recursos contra autuações fiscais realizadas pela Receita Federal do Brasil no estágio de revisão
administrativa. Para ele revisão neste estágio deveria ser, como indica a definição semântica do
termo, “administrativa”, interna à administração fiscal.

A possibilidade de revisão administrativa contra erros e excessos dos agentes fiscais é


absolutamente razoável e se constitui prática comum na maioria dos países analisados na
pesquisa. A revisão neste estágio deveria ser, como indica a definição semântica do termo,
“administrativa”, interna à administração fiscal. Mas no caso brasileiro, este tipo de
revisão ocorre somente na 1ª. Instância, as Delegacias de Julgamento da RFB.

Sendo assim, mostra-se essencial uma simplificação da estrutura do CARF, eliminando,


pelo menos, a possibilidade de recursos especial e agravo. Com isso o contencioso administrativo
tributário contaria com, de fato duas instâncias, DRJ e julgamentos pelas turmas ordinárias e
extraordinárias do CARF.

2.5 Esgotamento do Modelo Atual de Contencioso Administrativo Fiscal

O modelo de contencioso administrativo fiscal do CARF, consoante já analisado acima, é


ineficiente e não está conseguindo absorver a grande demanda de litígios, entregando para a
sociedade um processo de resolução de disputas fiscais federal, ineficaz, burocrático e moroso.

Situação está, recentemente, agravada pela conversão da Medida Provisória 899/2019 na


Lei 13.988/2020, que, inicialmente dispunha sobre a transação como forma alternativa de solução
de litígios, e foi incluído no seu art. 28, a extinção do voto de qualidade no CARF e tornando o
julgamento automático a favor do contribuinte em caso de empate, contrariando o posicionamento
de diversas instituições federais que atuam na defesa do interesse público (RFB, PGFN, MPF e
Ministério da Justiça).

Segundo Maia (2020) o voto de qualidade era aplicado em casos de empate no CARF, e o
presidente do colegiado, que representa a Receita, proferia o voto de minerva.

A alteração ocorreu no artigo 19-E da Lei 10.522/2002, inserido por meio da Lei do
Contribuinte Legal (13.988/2020). Ressaltar-se que o dispositivo está sendo questionado no
Supremo Tribunal Federal por duas ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs 6399 e 6403),
que serão julgadas em plenário, conforme decisão do ministro-relator Marco Aurélio Mello.

Art. 19-E. Em caso de empate no julgamento do processo administrativo de


determinação e exigência do crédito tributário, não se aplica o voto de qualidade a que se
refere o § 9º do art. 25 do Decreto nº 70.235, de 6 de março de 1972, resolvendo-se
335

favoravelmente ao contribuinte. (Incluído pela Lei nº 13.988, de 2020)


Com o fim do voto de qualidade, estima-se um potencial redução da arrecadação, estimado
em R$ 60 bilhões por ano, considerando os julgamentos por voto de qualidade a favor da Fazenda
em 2019, conforme Vasconcelos e Matthiesen (2020) no estudo sobre análise de recorrência dos
votos de qualidade no CARF, além do aumento do risco de corrupção, tráfico de influência e
advocacia administrativa, práticas ilícitas já descortinadas no CARF, pela Operação Zelotes e pela
operação Quatro Mãos da Polícia Federal, bem como do aumento da insegurança jurídica e
frustração de trabalhos anticorrupção em curso.

De acordo Silveira, (2020) a Operação Zelotes revelou que grandes bancos e empresas
compravam votos no conselho, para obter decisões favoráveis a seus interesses – e contrárias ao
Estado brasileiro.

Ainda segundo Silveira (2020), no Brasil o CARF é uma estranha jabuticaba, já que somente
no modelo brasileiro a composição do conselho quem dá as cartas são as confederações
empresariais e segundo ele a mudança é muito relevante já que, o principal trunfo dos sonegadores
no CARF é a protelação (julgamentos duram em média nove anos, e como após este período ainda
é possível recorrer ao Judiciário), recorrer a segunda instância administrativa pode garantir,
facilmente 18 anos de adiamento para pagar os impostos sonegados.

Sobre o risco de alterar a sistemática do voto de qualidade antes referida, assim se


posicionou a PGFN na Nota SEI nº 5/2020/COCAT/PGACCAT/PGFN-ME:

o voto de qualidade no CARF está intrinsecamente relacionado à própria natureza


administrativa do órgão: tribunal administrativo fiscal, com competência para revisar o
ato do lançamento, na esfera da própria Administração Pública. Desconsidera-se, em
suma, que o processo administrativo fiscal é o instrumento pelo qual a Administração
Tributária julga e revisa seus próprios atos, em típico controle interno de legalidade. Em
face da natureza jurídica do procedimento previsto no Decreto 70.235, de 1972, é
coerente que, havendo empate, prevaleça a orientação do presidente do colegiado,
julgador mais graduado que traz em sua formação a perspectiva (não o interesse) da
Administração. É por essa razão que o Decreto 70.235/72 determina que a presidência
das turmas deve ser ocupada por conselheiro representante da Fazenda Nacional. É por
essa mesma razão, cumpre destacar, que as decisões do CARF favoráveis ao contribuinte
não podem, via de regra, serem questionadas no Poder Judiciário pela União – na medida
em que a decisão do CARF constitui manifestação da própria Administração Tributária
–, ao passo que o contribuinte sempre poderá rediscutir a matéria decidida em seu
desfavor na esfera judicial. Portanto, qualquer modificação na sistemática do voto de
qualidade exigiria a revisão do próprio modelo em vigor do processo administrativo fiscal,
notadamente no tocante à definitividade unilateral das decisões do CARF, enquanto
manifestação da Administração Tributária. (peça 33, p. 3).

Em parecer oficial Moro (Despacho do Ministro 290/2020), o próprio ex- ministro


insurgiu-se contra a alteração, destacando o impacto avassalador da aprovação do dispositivo em
tela nas ações de combate à corrupção, conforme excerto a seguir transcrito:
336

Além das inconstitucionalidades formais apontadas no parecer, destaco, no mérito, que


o fim do voto de qualidade no CARF poderá ter impacto no combate ao crime, como
bem exposto em relação a créditos tributários constituídos a partir da Operação Lava
Jato na Nota Conjunta Cosit/Cocaj (PLV n 2, de 2020) n.º 3, da Receita Federal:
"A proposta enfraquece as ações da Administração Tributária, do Poder Judiciário e do
Ministério Público no combate à corrupção e aos crimes contra a ordem tributária. Em
ênfase, o CARF julgou, até meados de janeiro deste ano, 14 processos da Operação da
Lava Jato em que houve decisão a favor da Fazenda por voto de qualidade, totalizando
R$ 1,09 bilhão. Desses, em 12 processos há representação fiscal para fins penais, que
teriam seu seguimento interrompido (obstaculizada, portanto, a subsequente persecução
penal) se estivesse em vigor a regra que concede ao contribuinte a vitória em caso de
empate.
Com efeito, registre-se que ainda serão julgados pelo CARF em torno de 300 (trezentos)
processos oriundos da Operação Lava Jato. Em 1ª Instância administrativa, o resultado
a favor da Fazenda Nacional dos processos julgados até o momento relativos à referida
operação foi da ordem de cerca de R$ 11 bilhões (onze bilhões de reais). Os resultados a
favor dos contribuintes foram de cerca de R$ 560 milhões (quinhentos e sessenta milhões
de reais). Saliente-se que a imensa maioria desses processos é objeto de representação
fiscal para fins penais. Ou seja, uma alteração tão significativa na forma de julgamento
dos processos no CARF pode ferir de morte o esforço do Estado Brasileiro na luta contra
a corrupção no país.

O Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil (2020, p. 3), em


Nota de Repúdio, destaca o disparate da inovação legislativa, sem correlação em outro sistema
tributário, que confere ao contribuinte a palavra final sobre os tributos, a qual se sobrepõe à
presunção de legitimidade de ato administrativo proferido em prol do interesse público:

Vemo-nos diante da situação singular em que um tribunal administrativo, que integra a


estrutura do Executivo Federal e tem por propósito promover a revisão dos atos
praticados pela própria Administração Tributária, será obrigado a adotar a visão do
contribuinte quando houver empate na votação. Nesses casos, de empate, a interpretação
final administrativa sobre o litígio será determinada de forma automática, em decorrência
de uma contagem, e não da apreciação da matéria, sobrepondo-se a um ato administrativo
que goza de presunção de legitimidade e foi proferido em prol do interesse público.
Não se conhece nenhum outro sistema tributário em que a palavra final sobre os tributos
devidos seja dada pelo contribuinte. Tal mudança é contrária aos esforços dos países
desenvolvidos, que veem nos planejamentos tributários abusivos, especialmente os
transnacionais, o maior desafio para a arrecadação e a justiça fiscal. Ademais, tal mudança
não atinge de forma igualitária todos os contribuintes, pois os processos de baixo valor
não terão mais acesso à segunda instância de julgamento.

Ainda sobre o dispositivo que extingue o voto de qualidade no CARF, diz o Sindifisco
Nacional (2020, p. 1), por meio de Nota Pública intitulada “Retrocesso no CARF”, que:

O ato - que adquire contornos particularmente nefastos por vir à luz num contexto
trágico para a saúde nacional e para as contas da União e dos demais entes federativos -
fatalmente implicará décadas de retrocesso no combate à sonegação e à corrupção e
entrará para a posteridade como símbolo de absoluto desprezo pela coisa pública”,
arrematando, ao final, que “irá [o Sindifisco Nacional] denunciar o fato à comunidade
internacional e, concomitantemente, empreenderá todos os esforços possíveis para
mobilizar a sociedade civil e reverter esse descalabro.

Sendo assim, o modelo paritário não se sustenta mais sob a justificativa de ser indispensável
para um julgamento imparcial na segunda instância administrativa, além disso, como fim do voto
337

de qualidade o sistema ficou desequilibrado, o sistema constitucional garante a todos a


inafastabilidade da jurisdição, no entanto, quando a Fazenda perde, a decisão é definitiva e quando
o Contribuinte perde, ainda há todas as instâncias do Poder Judiciário, ressaltando que agora em
caso de empate a decisão é sempre pro Contribuinte.

Verifica-se que o modelo de contencioso tributário administrativo federal vai na contramão


da tendência mundial, que é de simplificação e enxugamento. A propósito, o Núcleo de Estudos
Fiscais da FGV (2017) realizou um estudo comparado dos modelos internacionais de contencioso
tributário dentro do Projeto Macrovisão do Crédito Tributário, pelo qual, dos 10 países
pesquisados, apenas a França tinha composição mista paritária.

Para Silveira (2020) há duas questões no mínimo excêntricas, envolvendo a revisão


administrativa no contencioso fiscal brasileiro, a primeira seria o fato da presença de agentes
privados (julgadores) que não são parte da administração fiscal a outra seria o fato de esses agentes
privados serem indicados apenas por confederações empresariais.

Silveira (2020, p. 2), ainda, sintetizou como funciona a revisão administrativa em outros
países, com base em dados publicados pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento
Econômico – OCDE e pela Law Business Research Ltd, uma instituição privada britânica, conforme
transcrito abaixo:

1. Em 24 países, os funcionários da estrutura das administrações fiscais julgam os


recursos dos contribuintes;
2. Dois países (Dinamarca e Noruega) possuem órgãos de julgamento administrativo
independente, externos à administração fiscal, mas os julgadores não são indicados por
associações empresariais.
3. Num outro (Finlândia) há um órgão julgador vinculado à administração, mas com a
representação dos contribuintes de fato. Dos julgamentos realizados pelo Conselho de
Ajustamento (Board of Adjustment) participam, além dos representantes da
Administração Fiscal, os interessados no recebimento de impostos, como municípios,
igrejas, e “receptores de políticas”. Ou seja, na grande maioria dos países a revisão
administrativa do contencioso fiscal é atribuição interna, da administração fiscal. Onde
há participação da sociedade civil, essa representação não constitui exclusividade das
corporações empresariais.

O quadro posto evidencia, que o modelo de contencioso administrativo brasileiro não está
aderente aos modelos adotados internacionalmente, bem como a necessidade de reforma do
contencioso administrativo, nesse sentido, cabe destacar os dois modelos propostos pelo Grupo
de Trabalho de Estudos Temáticos-GET (MINISTÉRIO DA FAZENDA, 2016), instituído pela
Portaria RFB/PGFN/CARF 1441 de 2016.

O primeiro modelo, tem-se as DRJ como instâncias ordinárias de julgamento em única


instância, cabendo recurso especial ao Tribunal Administrativo Fiscal – TAF, apenas nos casos de
divergências entre decisões de distintos órgãos julgadores.

Nesse modelo, seria adotado julgamento colegiado nos processos de alta complexidade e
338

monocrático nos casos de baixa complexidade (julgamentos em instância única).

O TAF seria composto por três Turmas, e pelo Pleno, formado por Auditores-Fiscais. As
Turmas julgariam o recurso especial de divergência, cabendo ao Pleno analisar as divergências entre
as Turmas do próprio Tribunal, além de propostas de súmulas relativas a matérias inseridas na
competência de duas ou mais Turmas do TAF e os incidentes com vistas à uniformização da
jurisprudência nas três Turmas.

O segundo modelo proposto, as DRJ, como instâncias ordinárias de julgamento, julgariam


em instância única e de forma monocrática os processos de baixa complexidade, em primeira
instância e de forma colegiada os processos de alta complexidade.

Nesse modelo o TAF ficaria com a função híbrida de instância recursal ordinária, para os
processos de alta complexidade, julgados de forma colegiada nas DRJ e de instância especial, para
os processos de baixa complexidade, jugadados monocraticamente pelas DRJ, e para os processos
de alta complexidades julgadas pelas turmas ordinárias do TAF.

Desses dois modelos apresentados, o primeiro modelo mostra-se, mas adequado a


solucionar os principais gargalos no contencioso administrativo federal encontrados, como a
necessidade suprir uma instância julgadora do CARF, simplificação do rito processual, inclusive
com rito monocrático para processos mais simples e de baixo valor e extinção do modelo paritário,
prejudicado com o fim do voto de qualidade.

No mais, a principal mudança no modelo atual está ligada a transformação do contencioso


administrativo (CARF ou TAF) em uma instância, somente, de uniformização da jurisprudência
administrativa e apreciação de litígios de maior complexidade e relevância.

3 CONCLUSÃO

O objetivo geral deste trabalho foi avaliar a eficiência do contencioso tributário


administrativo do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) no tratamento de seu
grande estoque de processos administrativos fiscais, que representa em torno de 620 bilhões de
reais (8,4% do PIB de 2019), agrupados em cerca de 117.000 mil processos.

O grande volume de estoque de processos do CARF e a intempestividade dos seus


julgamentos revela uma contradição entre a situação fática existente com a missão e visão
institucional declaradas pelo órgão: “assegurar à sociedade imparcialidade e celeridade na solução
dos litígios tributários” e “ser reconhecido pela excelência no julgamento dos litígios tributários”.

A situação é agravada pois, atualmente, existe um mesmo rito processual para processos de
pequeno e grande valor, enquanto 54% do acervo do CARF é composto por processos de até 60
339

salários-mínimos.

Some-se a isso o elevado número de recursos disponíveis no âmbito do CARF (recurso


especial, embargos de declaração e agravo) que, além de viabilizar a interposição de recursos com
intuito protelatório, aumenta a complexidade do processo e o seu tempo de tramitação dentro do
órgão. Parte dos recursos voluntários dos contribuintes, julgados pelas turmas ordinárias e
extraordinárias (segunda instância administrativa), permanecem dentro do órgão, aguardando
julgamento de recursos internos.

Diante dessas condições, verifica-se que a atual estrutura do CARF não é eficiente, aliada
ao fato que as medidas de gestão adotadas pela administração do CARF não surtiram um efeito
significativo na redução do estoque.

O atual modelo de contencioso administrativo fiscal está esgotado, agravado recentemente


pelo fim do voto de qualidade, e exige uma reformulação, que passa, sobretudo, pela necessidade
de transformação do CARF em uma instância, somente, de uniformização da jurisprudência e
entendimentos administrativos e apreciação de litígios de maior complexidade e relevância,
diminuindo a complexidade jurídica do PAF e reduzindo o prazo de resolução dos litígios
submetidos ao CARF.

REFERÊNCIAS

ALEXANDRE, Ricardo. Direito Tributário. Salvador: Juspodivm, 13ª ed., 2019.

BRASIL. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA. Nota Técnica. Custo e tempo do
processo de execução fiscal promovido pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional. Disponível
em:
http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/nota_tecnica/111230_notatecnicadiest1.p
df.

BRASIL. Decreto nº 70.235, de 6 de março de 1972. Dispõe sobre o processo administrativo


fiscal, e dá outras providências. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D70235cons.htm.
340

. Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966. Dispõe sobre o Sistema Tributário Nacional e


institui normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, Estados e Municípios. Disponível
em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5172.htm.

. Lei nº 13.988, de 14 de abril de 2020. Dispõe sobre a transação nas hipóteses que
especifica; e altera as Leis nos 13.464, de 10 de julho de 2017, e 10.522, de 19 de julho de 2002.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2020/Lei/L13988.htm.

. Medida Provisória nº 899, de 16 de outubro de 2019. Dispõe sobre a transação nas


hipóteses que especifica. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-
2022/2019/Mpv/mpv899.htm.

. Portaria MF 329, de 7 de julho de 2017. Altera o Regimento Interno do Conselho


Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), aprovado pela Portaria MF nº 343, de 9 de junho de
2015, e dá outras providências. Disponível em
http://normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/link.action?visao=anotado&idAto=84296.

. Portaria MF nº 343, de 09 de junho de 2015. Aprova o Regimento Interno do


Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) e dá outras providências. Disponível em:
http://idg.CARF.fazenda.gov.br/acesso-a-informacao/institucional/regimento-interno/riCARF-
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. Relatório de Gestão do exercício de 2017 do Ministério da Fazenda. Disponível em


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MAIA, Flávia. Estudo mostra que voto de qualidade é mais usado em casos de maior valor.
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MENGARDO, Bárbara. CARF terá turmas extraordinárias a partir de setembro. Disponível


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MORO, Sergio. DESPACHO DO MINISTRO Nº 290, de 03 de abril de 2020. Disponível em:


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Tributário: pensando o CARF. Disponível em: https://www.jota.info/opiniao-e-
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NÚCLEO DE ESTUDOS FISCAIS DA FGV DIREITO SP. Projeto Macrovisão do Crédito


Tributário. Disponível em: https://www.jota.info/wp-content/uploads/2017/09/Resutado-de-
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SILVEIRA, Ricardo Fagundes da. Muito além da Zelotes!: as disputas do contencioso fiscal e os
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SILVEIRA, Ricardo Fagundes da. CARF: um tribunal paralelo a serviço dos sonegadores.
Disponível em https://outraspalavras.net/desigualdades-mundo/CARF-um-tribunal-paralelo-a-
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SINDICATO NACIONAL DOS AUDITORES-FISCAIS DA RECEITA FEDERAL DO


BRASIL. Conselheiros repudiam extinção de voto de qualidade do CARF. Disponível em:
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SINDICATO NACIONAL DOS AUDITORES-FISCAIS DA RECEITA FEDERAL DO


BRASIL. Retrocesso no CARF: Nota Pública do Sindifisco Nacional. Disponível em:
https://www.sindifisconacional.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=3782
0:nota-publica-acerca-da-sancao-presidencial-ao-fim-do-voto-de-qualidade-no-
CARF&catid=462&Itemid=1535.
342

VASCONCELOS, Breno Ferreira Martins e MATTHIESEN, Maria Raphaela Dadona. Análise


de recorrência dos votos de qualidade no CARF. Insper – Núcleo de Tributação. Disponível
em: https://www.insper.edu.br/wp-
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VASCONCELOS, Breno Ferreira Martins e DA SILVA, Daniel Souza Santiago. Diagnóstico do


processo administrativo fiscal federal. Disponível em: https://www.jota.info/opiniao-e-
analise/artigos/diagnostico-processo-administrativo-fiscal-federal-22082016.

As Propostas para Diminuição da Litigiosidade e Morosidade do Contenciosa Tributário,


realizado no dia Evento 8/11/2019. Disponível em
https://www.youtube.com/watch?v=F6zc7zZ6rB0&feature=youtu.be.
343

A MEDIAÇÃO DE CONFLITOS COMO INSTRUMENTO


RESOLUTIVO EM CASOS DE ALIENAÇÃO PARENTAL

Tyfane Stephanie Ribeiro Rocha1

1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como objetivo a análise do fenômeno que cada vez está mais
comum no âmbito familiar, denominado de alienação parental que conforme o art. 2 na Lei
12.318/10, que dispõe sobre a este instituto, consiste na interferência na formação psicológica da
criança, ou do adolescente promovido, ou induzido por um dos genitores, pelos avós ou pelos que
tenham os menores sob a sua autoridade, guarda para que repudie genitor, ou que cause prejuízo
ao estabelecimento, ou à manutenção de vínculos com este.
É de conhecimento que as separações entre casais estão cada vez mais recorrentes e diante
desse cenário almeja aqui analisar, de fato, o desfazimento dessas relações e as consequências dos
conflitos oriundos dessa dissolução, que por si só, já possuem uma capacidade de perturbar os
vínculos familiares.
Essa mudança na esfera familiar gera conflitos, já que na maioria das vezes não ocorre que
forma amigável e harmônica, assim foram apresentadas as consequências diretas que o ato do
desligamento acarreta especialmente na vida dos menores, fruto desse relacionamento que pode
desencadear o fenômeno da alienação parental.
Nesse contexto pretende-se evidenciar os efeitos causados pelo ato de alienar, que dito em
outras palavras, é realizado quando o genitor, que possui a guarda da criança, pratica condutas para
desmoralizar o outro genitor e como o alienado pode desenvolver sérios problemas psicológicos
irreparáveis, como, por exemplo, quadros depressivos, transtornos comportamentais ou de
identidade e, em casos extremos, até manifestar tendências suicidas.
Inicialmente procurasse apresentar as características da alienação parental, e como tal
conduta infringe diretamente princípios norteadores para o direito da família, e evidenciar a
importância da sua aplicabilidade nos casos da alienação parental.

1 Aluna do 9º semestre do curso de Direito da Faculdade Estácio de Teresina. E-mail: tyfanesr@gmail.com.


344

Intenta aqui analisar maneiras específicas de como lidar com este problema social, tendo
como principal instrumento a mediação de conflitos como forma resolutiva, evidenciando que as
características da mediação poderão auxiliar a restabelecer o status quo do meio familiar, e não
somente a resolução conflituosa em si.
Assim, a finalidade principal desse artigo é destacar a relevância da utilização do instituto
da mediação nos conflitos familiares, em específico nos casos que acontece a alienação parental.
Casos como esse em que as partes já possuíam uma relação de interação anterior, o método da
mediação se faz essencial, pois, se busca uma volta de uma convivência harmônica entre os
genitores e seus filhos.
Dessa forma, a estrutura desse artigo iniciará a partir da introdução, na qual expõe os
principais pontos que serão analisados e o objetivo pretendido. Após, no desenvolvimento haverá
a abordagem da fundamentação teórica de alguns assuntos, dentre eles; a conceituação da alienação
parental e da mediação de conflitos, a análise de suas características e efeitos, bem como da lei nº
12.318/10 que dispõe sobre o fenômeno da alienação parental, como da lei nº 13.140/15, que
disciplina o instituto da mediação de conflitos.
A fonte principal de pesquisa será fornecida pelos métodos científicos, desse modo o artigo
foi elaborado através de leituras de fontes primárias, livros da área jurídica, jurisprudências e
doutrinas que explanam o tema aqui analisado, bem como secundarias, como artigos, publicações
especializadas, noticias e dados oficiais disponibilizados na internet.

2 DESENVOLVIMENTO

2.1 Conflitos de Familiares.

As famílias vivem em tempos em que os relacionamentos são conturbados, fazendo parte


desse âmbito familiar os conflitos, uma vez que a família é composta por diferentes personalidades,
ideias que acarretam mal-entendidos, assim se tornam mais comuns as separações conjugais e os
desfazimentos dessas relações.
Por consequência, surgem situações conflitantes após a separação, dificultando
especialmente o desenvolvimento dos filhos, frutos dessa relação, que passam a ter que se adequar
com a nova situação de ter duas casas e muitas vezes convivem com constantes discussões entre
seus pais, sendo que por vezes as próprias crianças são o objeto das brigas.
Frente a esse momento de separação nasce de forma brusca outro ambiente familiar,
tornando-se um meio desequilibrado, onde os filhos passam por momentos desagradáveis que
345

podem modificar brutalmente seus comportamentos, podendo se tornar pessoas menos


amorosas e até mesmo adquirir doenças psicológicas.
Sob essa perspectiva Grisard (2002, p.67) pontua com muito condão o quão doloroso e
prejudicial pode ser a separação, vejamos:

Sob todos os ângulos, o divórcio acirra uma significativa desarrumação familiar, sendo
ocasionadas por fontes variadas: o amor acaba entre o casal; os danos da separação
provocam um desequilíbrio socioafetivo; e não existem mais projetos conjugais, nem
parentais. (GRISARD, 2002, p.67).

Diante dessas relações conflituosas entre os pais, os filhos na maioria das vezes são usados
como meio para tentar manipular a situação, tal comportamento é tido quase sempre por aquele
que detém da guarda, que por sua vez, inicia a prática de vários atos com intuito de manipular a
visão dos filhos em relação ao outro genitor, frente rejeição ao fim do relacionamento ou por outros
motivos.
Tais conflitos são marcados pela falta dialogo, conjuntamente pela dificuldade em resolver
problemas onde existem pessoas com posicionamentos diferentes, que nesse caso é o ex-casal,
cujos fatores decorrentes tornam-se negativos interferindo principalmente no desenvolvimento dos
filhos, que visivelmente se tornam a parte mais vulnerável.
De acordo com o autor Trindade (2007, p. 283) a dissolução do casamento quando não
bem resolvida faz com que se aumentem a criação dos conflitos, por meio do reforço de
sentimentos negativos que atrapalham no desenvolvimento de uma relação saudável entre os
genitores e seus filhos:

Logo após a separação dos pais, quando ainda o nível de conflitualidade é intenso, é
comum surgirem problemas e preocupações com as primeiras visitas ao outro progenitor,
pois, fantasias, medos e angústias de retaliação ocupam o imaginário dos pais e dos
próprios filhos, ainda não acostumados com as diferenças impostas pela nova
organização da família. Quando os genitores estão psicologicamente debilitados, os
aspectos de natureza persecutória, de conteúdos predominantemente paranoide, ligados
ao ataque e defesa, podem instaurar uma crise. Esta crise será capaz de desencadear um
processo de alienação do outro cônjuge. Num pressuposto de imaturidade e instabilidade
emocional, utiliza-se o filho como instrumento de agressividade direcionada ao outro,
principalmente, quando padece de sentimentos de abandono e rejeição enquanto
fantasmas de uma relação ainda não adequadamente resolvida através de um luto bem
elaborado. (TRINDADE, 2007, p. 283).

Deste modo, o genitor frente a rejeição da separação, e até mesmo por passar por um
momento de instabilidade emocional realiza uma verdadeira técnica de desmoralização em relação
ao outro genitor, ou por aquele que possua a guarda da criança, sendo compreendidas tais ações
como o instituto chamado de alienação parental.
346

2.2 A Alienação Parental no Brasil - Lei Nº 12.318/10.

Como se vê, a alienação parental consiste em um processo de interferência psicológica na


criança ou do adolescente, podendo ser realizada por qualquer um dos genitores almejando
programar o menor para que odeie o outro, podendo acusar falsamente condutas que influenciem
ao afastamento entre os entes familiares.
Diante da pratica de tal conduta e aumento dos casos da alienação parental resultou na
proposta do Projeto de Lei nº 4.053/2008, que tramitou no Congresso Nacional em meados de
2008, sendo convertido na Lei nº 12.318/10 que dispõe sobre a alienação parental.
Imprescindível mencionar, que essa proposta fora idealizada pelo Juiz do trabalho o Sr.
Elizio Luiz Perez, que por experiência pessoal, constatou a necessidade da atuação do Estado frente
aos casos de alienação parental, bem como da escassez de instrumentos que auxiliassem aos
profissionais do direito identificar os casos dessa alienação.
Adequado com o que diz o juiz supracitado, o principal objetivo da lei seria estabelecer uma
disciplina mais efetiva para lidar com a alienação parental, não apenas aos operadores do direito,
mas aos psicólogos e aos mediadores, uma referência legal mais clara, com a qual nos relacionamos(
IBDFAM, 2011).
Dentro dessa ótica, vejamos como a referida Lei nº 12.318/2010, em seu art. 2º conceitua
a alienação parental:

Art. 2º - Considera-se ato de alienação parental a interferência na formação psicológica


da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós
ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância
para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de
vínculos com este(BRASIL, 2010, n.p.).

Nessa senda, também no art. 2º em seu parágrafo único cita os atos de realizada alienação,
vejamos:

Parágrafo único. São formas exemplificativas de alienação parental, além dos atos assim
declarados pelo juiz ou constatados por perícia, praticados diretamente ou com auxílio
de terceiros: I - realizar campanha de desqualificação da conduta do genitor no exercício
da paternidade ou maternidade; II - dificultar o exercício da autoridade parental; III -
dificultar contato de criança ou adolescente com genitor; IV - dificultar o exercício do
direito regulamentado de convivência familiar; V - omitir deliberadamente a genitor
informações pessoais relevantes sobre a criança ou adolescente, inclusive escolares,
médicas e alterações de endereço; VI - apresentar falsa denúncia contra genitor, contra
familiares deste ou contra avós, para obstar ou dificultar a convivência deles com a criança
ou adolescente; VII - mudar o domicílio para local distante, sem justificativa, visando a
dificultar a convivência da criança ou adolescente com o outro genitor, com familiares
deste ou com avós.
347

Trindade (2007, p.288) por sua vez explica que o papel alienador é procurar evitar ou
dificultar de todas as maneiras possíveis o contato dos filhos com o outro cônjuge através do
seguinte pretexto: “que desde a alegação de que os filhos não se sentem bem quando voltam das
visitas, e que precisam se adaptar com essa nova situação lentamente, até considerar o alienado
como um ser desprezível e desmerecedor de qualquer atenção e carinho”.
A partir da realização de tais condutas devem ser tomadas medidas urgentes para que haja
a cessão dos abusos cometidos pelo alienador para isso, no artigo 6º da lei que dispõe sobre a
alienação parental apresenta em seu rol taxativo de medidas protetivas em seus incisos:

Art. 6º - Caracterizados atos típicos de alienação parental ou qualquer conduta que


dificulte a convivência de criança ou adolescente com genitor, em ação autônoma ou
incidental, o juiz poderá, cumulativamente ou não, sem prejuízo da decorrente
responsabilidade civil ou criminal e da ampla utilização de instrumentos processuais aptos
a inibir ou atenuar seus efeitos, segundo a gravidade do caso:
I - declarar a ocorrência de alienação parental e advertir o alienador;
II - ampliar o regime de convivência familiar em favor do genitor alienado;
III - estipular multa ao alienador;
IV - determinar acompanhamento psicológico e/ou biopsicossocial;
V - determinar a alteração da guarda para guarda compartilhada ou sua inversão;
VI - determinar a fixação cautelar do domicílio da criança ou adolescente;
VII - declarar a suspensão da autoridade parental.
Parágrafo único. Caracterizado mudança abusiva de endereço, inviabilização ou
obstrução à convivência familiar, o juiz também poderá inverter a obrigação de levar para
ou retirar a criança ou adolescente da residência do genitor, por ocasião das alternâncias
dos períodos de convivência familiar (BRASIL, 2010, n.p.).

Assim, a depender da gravidade do caso o juiz poderá escolher qual medida aplicar,
podendo inclusive aplicar mais de uma delas de forma cumulativa. Além disso, o alienador não fica
isento de eventual responsabilidade cível ou criminal.
Todas essas medidas pretendem desencorajar o alienador de continuar com suas práticas,
além de reestabelecer imediatamente o contato do menor com o alienado, antes que danos
irreparáveis se perpetuem.

2.3 Dos Efeitos do Ato da Alienação Parental.

Observa-se que nos casos de alienação parental que a maior vítima é o menor que poderá
apresentar quadros depressivos, desenvolver tendências suicidas, bem como ter sintomas como
nervosismo, ansiedade e agressividade.
Durante a prática da alienação, o alienador com objetivo de afastá-lo de o outro genitor
criando falsas ideias nas memórias dos filhos, de um dos pais, bem como dificulta o convívio social,
como forma de se vingar por conta da separação indesejada ou mesmo com o a falsa necessidade
de proteger, o filho menor.

A conduta daquele que prática a alienação poderá ocorrer de várias maneiras, começando
348

pela exclusão do genitor da vida do menor alienado, dificultando a comunicação, implantando


falsas memórias para que assim consiga afastar o genitor de momentos importantes da vida do
alienado, sendo eles comemorações, apresentações escolares, deixando assim que a participa do
outro genitor seja ausente na vida do filho.
Conforme Dias (2007, p. 409) diz:

Muitas vezes quando da ruptura da vida conjugal, um dos cônjuges não consegue elaborar
adequadamente o luto da separação e o sentimento de rejeição, de traição, o que faz surgir
um desejo de vingança: desencadeia um processo de destruição, de desmoralização, de
descrédito do ex-parceiro. [...] O filho é convencido da existência de determinados fatos
e levado a repetir o que lhe é afirmado como tendo realmente acontecido. (Dias, 2007, p.
409).

Como consequência dessa alienação, o vínculo da criança com o genitor, que não possui a
guarda, se torna cada vez mais delicado, uma vez que a mesma acaba que gerando uma visão
distorcida do próprio familiar.

Nesse sentido sobre as características do alienador Freitas (2012, p.378) afirma que:

O alienador passa uma imagem de psicólogo particular da criança, desabafando e


lamentando as decepções da sua vida, cujas consequências são trágicas para a criança,
que começa desde ir mal à escola até a agredir outras pessoas sem motivos aparentes.
O genitor alienador se torna o centro das atenções dos filhos, fazendo-os crer que ele é
capaz de cuidar sozinho deles, e, que estes não sobreviverão longe dele.

Conforme Mouta (2009, n.p.), ao comentar sobra à alienação, afirmou que:

Os efeitos da síndrome são similares aos de perdas importantes – morte de pais, familiares
próximos, amigos, etc. A criança que padece da Síndrome da Alienação Parental passa a
revelar sintomas diversos: ora apresenta-se como portadora de doenças psicossomáticas,
ora se mostra ansiosa, deprimida, nervosa e, principalmente, agressiva. Os relatos acerca
das consequências da SAP abrangem ainda depressão crônica, transtornos de identidade,
comportamento hostil, desorganização mental e, às vezes, suicídio. Por essas razões,
instilar a alienação parental na criança é considerado como comportamento abusivo com
gravidade igual á dos abusos de natureza sexual ou física.

Assim, o alienado não atinge somente o seu objetivo de desmoralizar o outro genitor, como
também, mesmo sem perceber, ocasiona danos profundos nos filhos, que já sofrem com a
separação tanto quanto os pais e precisam também naquele momento de afeto e se sentirem
amparadas.
Oportuno mencionar que, tal ato fere diretamente os principais princípios norteadores das
relações familiares, que além de estarem na Constituição Federal de 1988 estão na lei nº 8.069/90
que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente que ampara a doutrina de proteção
integral na qual os menores são protegidos de qualquer forma de negligências, sendo acolhidos por
um enorme número de prerrogativas e garantias.
O princípio da afetividade é uma dessas garantias que apesar de se tratar de um princípio
349

implícito, ou seja, não se encontram as expressões “afetividade” ou “afeto” no texto da constituição


e no texto do Código Civil de 2002, mas seus fundamentos podem ser encontrados em vários
artigos.
Este princípio, segundo Lôbo (2011, p. 71) “é dever imposto aos pais em relação aos filhos
e destes em relação àqueles, ainda que haja desamor ou desafeição entre eles”. Dessa maneira, ainda
que exista ausência de afeto, os membros do grupo familiar possuem os deveres impostos pelo
princípio da afetividade para com os demais.
Com íntima ligação com o princípio da afetividade, temos o princípio do melhor Interesse
da criança e do adolescente no qual trata que os direitos devem ser assegurados com absoluta
prioridade à criança, ao adolescente e ao jovem. No qual se pretende assegurar que os direitos
devem com absoluta prioridade à criança, ao adolescente e ao jovem.
Diante de todo o exposto, após percorrer pelo conceito do instituto da alienação parental,
bem como de constatar os efeitos causados e os princípios feridos pelas ações do alienador veremos
um instituto da mediação de conflitos, que busca não somente resolver e eliminar a alienação, mas
também de restabelecer a harmonia no ambiente familiar.

3 A MEDIAÇÃO COMO MEIO RESOLUTIVO NOS CASOS DA ALIENAÇÃO


PARENTAL.

3.1 A Mediação - Noções Gerais.

O poder judiciário brasileiro objetivando que todos os cidadãos tenham acesso à justiça,
bem como com o intuito de resolver a morosidade do judiciário, criou métodos alternativos para
as demandas que poderiam ser resolvidas através de auxiliadores da justiça de um modo mais célere,
sendo um desses métodos a mediação de conflitos.
Assim, a mediação de conflitos trata-se de uma técnica desenvolvida pelo poder judiciário
para intermediar os conflitos de interesses, onde as partes encontram se na presença de um
mediador, chamado terceiro imparcial, que conduzirá a negociação, ouvindo e filtrando as
informações, de uma forma mediadora construindo um ambiente positivo diante dos conflitos para
que ao final exista um entendimento em comum e a satisfação das partes.

Como assim conceitua o artigo parágrafo único do art. 1º da lei nº. 13.140/201540,
conhecida como Lei da Mediação, que veio para regulamentar esse meio de solução de conflitos
entre particulares, vejamos:

Art. 1º Esta Lei dispõe sobre a mediação como meio de solução de controvérsias entre
particulares e sobre a autocomposição de conflitos no âmbito da administração pública.
Parágrafo único. Considera-se mediação a atividade técnica exercida por terceiro
imparcial sem poder decisório, que, escolhido ou aceito pelas partes, as auxilia e estimula
350

a identificar ou desenvolver soluções consensuais para a controvérsia.

Oportuno ressaltar a forma que o mediador atuará, de maneira facilitadora, não irá impor
soluções, uma vez que as partes que tem que fazer isso, a função primordial do mediador será
auxiliar as partes a chegarem a um acordo através de várias negociações, posicionamentos, pelo
exercício do dialogo.
Dito em outras palavras o mediador deverá agir de forma parcial e neutra, objetivando
restabelecer os relacionamentos, desenvolvendo uma linha de comunicação entre as partes
conflitantes, está apto para promover uma cultura do dialogo entre as partes conflitantes para que
as mesmas resolvam suas próprias desavenças.
Podemos elencar outras características do mediador, dentre elas: a sua credibilidade que ele
deverá construir diante das partes; a capacidade de mediar o conflito com competência suficiente
para conduzir as partes ao acordo com satisfação recíproca; ter como princípio a confidencialidade,
uma vez que os fatos ditos no decorrer da mediação terão que ser mantidos em segredo.
Visualizamos no art. 2º da Lei de Mediação, os oito princípios gerais orientadores do
procedimento que facilitam a atuação do mediador e demais operadores do direito na mediação,
conforme está exposto no quadro abaixo:

Tabela 1 – Ilustração Incisos do artigo 2º da lei de Mediação


Incisos do artigo 2º da lei de Mediação Garantias do princípio
Por esse princípio tem que o mediador deverá
agir de forma imparcial, não prejudicando, nem
favoreço uma das partes por circunstâncias
I - imparcialidade do mediador: externas e respeitando os pontos de vistas das
partes, conferindo assim a oportunidade para
que as partes possam
explorar o acordo. Em outras palavras signica
que o mediador irá ouvir as partes, mas não irá
representar ou influenciar nenhuma das partes.
Por esse princípio tem que o mediador deverá
ter o zelo de tratar as partes de forma. O
mediador deve ter o cuidado em tratar as partes
II - isonomia entre as partes:
de forma equânime, proporcionando a ambas
os mesmos de critérios e as mesmas
oportunidades.
351

Por esse princípio tem demonstrado a grande


importância dos diálogos que devem ocorrer
entre as partes.
III - oralidade:

Por esse princípio tem que o procedimento da


medição é informal, tendo em vista a ausência
de e regras fixas, devendo seguir as normas
estabelecidas pelas partes, obviamente tudo nos
limites que lei permite.
IV - informalidade:
Por esse princípio temos que as partes possuem
a livre autonomia de optar pela realização da
medição, bem como se inicia-lo de finaliza-lo e
V - autonomia da vontade das partes: de entrar em um acordo ou não. Bem dito por
Dias (2009), quando afirma que na mediação
não é o mediador que decide o problema em
questão, e sim as partes, pois, a finalidade da
mediação é permitir que os interessados
resgatassem a responsabilidade
por suas próprias escolhas (DIAS, 2009).
Por esse princípio temos a existe da
impossibilidade de um cenário de adversividade
e competitividade, assim viabilizando diálogos
VI - busca do consenso: construtivos e amigáveis, sempre objetivando
ganhos recíprocos entre
elas.
Por esse princípio aplica-se na questão em que
o mediador não pode divulgar o que foi dito ao
VII - confidencialidade: longo do procedimento de mediação.

Por fim, mais de grande relevância, temos a


aplicação da boa-fé na mediação, uma vez que a
lealdade, a honestidade justiça, comunicação e
cooperação das partes, estendem também aos
VIII - boa-fé:
mediadores, e são essenciais para que o
procedimento aplicado seja produtivo e justo.
Fonte: A Autora, 2020.
352

Portanto, com base no demonstrado, o mediador usando desses princípios norteadores e


da sua capacidade resolutiva ficará atenta aos sinais da alienação parental, atuará para escutar,
compreender e diligenciar o conflito com a intenção de direcionar as partes a entender também o
pensamento da outra parte, levando a reflexão da situação, conduzindo as partes a uma
comunicação positiva.

3.2 As Contribuições do Instituto da Mediação nos Casos da Alienação


Parental

Dessa maneira, diante das características do mediador e do instituto da mediação de


conflitos far-se-á maneira mais adequada para diligenciar conflitos familiares, tendo em vista que
tem por objetivo o acordo entre as partes que estão participando da mediação.
Diferente do que ocorre na esfera judicial, onde provavelmente a possibilidade de um
acordo é mínima, já as partes, na maioria das vezes ingressam por essa via como se fosse uma
disputa de quem está certo ou erro, ou de quem vai quer vencer, ou ganhar, posto isto, aumenta a
impossibilidade de alcance da convivência social.
O instituto em questão é essencial para a resolutividade de controversas em que as partes
já possuíam um laço, pois, com ele observa-se a possibilidade de restabelecer o status anterior da
relação, sem que haja parte mais beneficiada e outra prejudicada, ou insatisfeita.
Assim explicou Dias (2009) que principalmente naqueles processos que se envolvem
vínculos afetivos, em que as partes estão repletas de temores, queixas e mágoas, os sentimentos de
amor e ódio se confundem. Portanto, em uma relação de grande relevância como que é o Direito
das Famílias, os litigantes necessitam não tão somente de uma imposição do juízo para uma das
partes, mas sim de um acordo, de forma que se preserve a convivência social entre elas (DIAS,
2009).
O que observamos na mediação, sobretudo, é que as partes através de conversas cheguem
a um acordo. Dessa maneira, é dito que a mediação é um mecanismo de autocomposição, quer
dizer, a resolutividade daquele conflito não é firmada por um terceiro.
Além disso, as soluções são, na maioria das vezes, efetivamente cumpridas, já que foram
propostas pelas partes de forma conjunta e amigável, não faria sentido que elas dispusessem a entrar
um consenso, se não tivessem dispostas a cumpri-la.
Lecionando a respeito do instituto da mediação, Dias (2009, p.84):

Por ser técnica alternativa para levar as partes a encontrar solução consensual, é na seara
da família que a mediação desempenha seu papel mais importante: torna possível a
identificação das necessidades específicas de cada integrante da família, distinguindo
funções, papéis e atribuições de cada um. Dias (2009, p.84).

Valido explicar que na espera judicial uma decisão não vai resolver os problemas de mais
353

importância, quais sejam a harmonia familiar, a questão do afetivo sendo esse o que devem ser
resolvido antes de qualquer outra questão, plausível ressaltar que a mediação além de todos os
benefícios já citados é um procedimento mais célere até mesmo menos oneroso.
Nesse liame, fica evidenciado o grau de relevância da mediação nossos casos que ocorre a
alienação parental, que como já dito anteriormente é caracterizado pela ação do alienador em tentar
desmoralizar o outro genitor, seja com objetivo de afastá-lo, seja como forma de se vingar por
conta da separação indesejada, uma vez que a principal finalidade da medição nesses casos será a
reaproximação.
Como sabido, a parte de maior vulnerabilidade nesse conflito específico são os menores,
que por consequências podem ocasionar problemas psicológicos irreparáveis, acarretando má
formação em seu futuro meio familiar, isto posto podemos destacar outra característica importante
da mediação, qual seja: a amenização dos efeitos causados da alienação parental nos menores.
A amenização supracitada acima, possivelmente não será alcançada no processo judicial, e
visivelmente sabemos a razão, como poderia ser restabelecido um ambiente familiar ou a
amenização dos conflitos oriundos da alienação parental sendo que uma parte teria que sair
ganhando e a outra perdendo, que é o que acontece judicialmente.
Dias (2009, p.83) ressalta ainda que principalmente naqueles processos que se envolvem
vínculos afetivos, em que as partes estão repletas de temores, queixas e mágoas, os sentimentos de
amor e ódio se confundem. Portanto, em uma relação de grande relevância como que é o
Direito das Famílias, os litigantes necessitam não tão somente de uma imposição do juízo para uma
das partes, mas sim de um acordo, de forma que se preserve a convivência social entre elas.
Oportuno citar, que situações como essa que envolves um ex-relacionamento que originou
no nascimento de uma criança não poderá ser tratado como uma disputa de quem está certa ou
errado, muito pelo contrário, as partes conflitantes devem ter como meta a resolutividade positiva
do problema.
Propício citar que, deverá sim haver a procura do judiciário, mas de forma subsidiaria, isto
posto que o instituído da alienação parental não possa ser vista como qualquer outra demanda a
ser resolvida diretamente por decisão judicial, é muito, além disso, um caso como esse deverá ser
manuseado com cautela, visando sempre a resolutividade acompanhada do restabelecimento dos
diálogos, dos afetos familiares.
Restamos convictos que o maior beneficia do instituto da mediação esta na sua capacidade
em ajudar as partes conflitantes em construir ambientes familiares afetivos e receptivos apesar dos
conflitos internos, restabelecendo o convívio familiar sem traumas, não tão somente em resolver o
problema.

4 CONCLUSÃO

Diante de tudo que foi dito no presente artigo, percebe-se que a alienação parental como
354

um dos maiores problemas a ser enfrentado no âmbito familiar, fenômeno esse que desrespeita
diretamente princípios norteadores do direito de família, sendo eles: princípio da afetividade,
princípio da convivência familiar, princípio do melhor interesse da criança e do adolescente.
Perceptível também que os atos praticados pelo alienador surgem de início pela rejeição da
separação da relação e que consiste em atos de desmoralização do genitor que não possui a guarda
do menor, assim o alienador se utiliza do menor como instrumento de vingança, deixando
prevalecer os interesses dos adultos são sobrepostos aos dos menores.
É de conhecimento que quando os conflitos são submetidos ao judiciário, em razão da
morosidade com que os processos caminham, do seu alto custo, o precário acesso à justiça e,
principalmente, o agravamento dos conflitos por meio da aplicação de uma técnica de resolução
adversaria, não consegue alcançar a harmonização e pacificação em casos familiares, e assim
restabelecendo o convívio afetivo.
No diz respeito à resolutividade, foi analisado a utilização de meio um alternativo para
solucionar conflitos o âmbito familiar, sendo esse o instituto da mediação de conflitos que pela
sistemática de diálogo, reflexão e na criação de uma consciência de responsabilidade por seus atos
e comportamentos dos genitores para com seus filhos auxiliariam na minimização dos efeitos que
a alienação causa no menor, bem como seria mecanismo mediador no restabelecimento do
convívio familiar.
A aproximação das partes alcançada com a mediação é extremamente favorável para a
sociedade e para o direito de família, uma vez que quando as partes se dispõem a conversar e com
a finalidade de resolver o problema, de igual maneira estará aberto a cumprir o que foi acordado.
Desse, notório que a mediação cria um ambiente afetivo entre as pessoas que estavam em conflito
e acaba impossibilitando a ocorrência de conflitos futuro.
Por tais motivos aqui exposto, entende-se que o Instituto da Mediação a solução para os
casos de alienação parental pode ser usado como uma “ponte” para a tentativa de solucionar casos
em que se comprovem Alienação Parental, a fim de mostrar ao alienador em questão o quão
prejudicial pode ser sua conduta à vida da criança envolvida, podendo causar danos irreversíveis ao
seu futuro.

REFERÊNCIAS

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BRASIL. Lei n. 13.140, de 26 de junho de 2015. Dispõe sobre a mediação entre particulares
como meio de solução de controvérsias e sobre a autocomposição de conflitos no âmbito da
administração pública e dá outras providências. Diário Oficial da União. 29.06.2015.
BRASIL. Lei nº 12.318, de 26 de agosto de 2010. Dispõe sobre a alienação parental e altera o art.
236 da Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990. Diário Oficial da União. 29.08. 2010
BRASIL. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do
355

Adolescente e dá outras providências. Diário Oficial da União. 13.07.1990.


DIAS, Maria Berenice. Incesto e Alienação Parental Realidade que a Justiça Insiste em
Não Ver. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.
DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 5ª. Ed. rev., atual. e ampl. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2009. p.83-84.
FREITAS, Douglas Phillips. Alienação Parental: comentários À Lei 12.318/2010. 2 ed. São
Paulo: Forense, 2012. p. 378.

GRISARD FILHO, Waldyr. Guarda compartilhada: um novo modelo de responsabilidade


parental. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.

IBDFAM. Direito de Família na Mídia, 2011. Pagina inicial Disponível em:


<http://www.ibdfam.org.br/noticias/na-midia+Entrevista+com+Elizio+Peres>. Acesso 16
mar 2020.
LÔBO, Paulo Luiz Netto. Direito civil: Famílias. 4º ed. São Paulo: Saraiva 2011. p. 71.
MOUTA, João (Presidente da Associação pais para Sempre). Alienação Parental quando um
pai ou mãe destrói laços entre o filho e o outro progenitor, 2009. Disponível em:
www.publico.pt. Acesso 20 mar 2020.
TRINDADE, Jorge. Manual de psicologia jurídica para operadores do direito. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2007.
356

PRINCIPIO IN DÚBIO PRO SOCIETATE NA DECISÃO DE


PRONUNCIA NO JÚRI EM RAZÃO DO PRINCIPIO
CONSTITUCIONAL DA PRESUNÇÃO DE INOCENCIA

Wellerson Carlos de Oliveira Silva1


1 INTRODUÇÃO

O tribunal do júri tem a competência de julgar os crimes dolosos contra a vida e tem
previsão constitucional no artigo 5º, XXXVIII da constituição da república federativa do Brasil.
No entanto, há grande divergência doutrinária acerca do surgimento do tribunal do júri sendo que,
alguns doutrinadores relatam que a origem veio da Grécia, outros mestres dizem que a sua aparição
inicial foi no velho Continente europeu, mais precisamente na Inglaterra, já outros dizem que o
surgimento foi na Palestina.
O tal “princípio” do in dubio pro societate é mais um entre tantos princípios. Significa que, em
determinadas fases do processo penal – como no oferecimento da denúncia e na prolação da
decisão de pronúncia – inverte-se a lógica: a dúvida não favorece o réu, e sim a sociedade. Em
outras palavras, ao receber os autos do inquérito policial, havendo dúvida, deve o Promotor de
Justiça oferecer a denúncia. Da mesma maneira na fase da pronúncia: se o juiz ficar em dúvida
sobre mandar o processo a júri ou não, deve optar pela solução positiva (COSTA, 2015).
Como forma de justificar a remessa de todo e qualquer processo para o Tribunal do Júri,
alguns julgadores se utilizam do princípio in dubio pro societate .Trata-se de um princípio (fictício)
jurídico brasileiro, segundo o qual, mesmo que um juiz não tenha a certeza, mas esteja convencido
pessoalmente da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de
participação, ele deverá pronunciar o acusado a Júri Popular, para que a própria sociedade decida
pela condenação ou não do acusado.
Entretanto, infelizmente é muito comum nos meios forenses, a aplicação do princípio in
dubio pro societate para dar continuidade ao procedimento dos crimes dolosos contra a vida sem
razoável conjunto probatório, na esperança de estarem dando efetivo cumprimento aos preceitos
constitucionais de que o acusado por crime contra a vida deve ser julgado pelos seus pares
(VENTURA, 2016).

Graduado em direito pela faculdade Estácio de Sá/ E-mail – carloswellerson1@gmail.com/ Currículo lattes-
http://lattes.cnpq.br/4887079815519228
357

O objetivo deste trabalho é demonstrar de forma expositiva a aplicação do in dúbio pro


societate na decisão de pronuncia, seus efeitos e consequências no mundo jurídico, será abordado
neste estudo a visão doutrinária pro e contra o citado princípio, em paralelo com a constituição
federal e princípios basilares do ordenamento jurídico brasileiro.

2 DESENVOLVIMENTO

2.1) Tribunal do Júri

2.1.1 Surgimento do tribunal do júri

O Tribunal do Júri tal como se sabe na atualidade surgiu na Europa, mais precisamente na
Inglaterra, em época do Concílio de Latrão. No Brasil, seu surgimento foi em 1822 com a Lei de
18 de Junho. Na constituição, como já abordado anteriormente, a instituição do Júri Popular está
elencada no artigo 5º, XXXVIII, como Garantia Individual, tendo assegurados como Princípios
basilares: a plenitude do direito de defesa, o sigilo nas votações, a soberania dos veredictos e a
competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida (REZENDE, 2017).
O Tribunal do Júri é um órgão de 1º grau, da Justiça Comum, Estadual ou Federal,
composto de um juiz de direito, que é seu Presidente, e de vinte e um jurados, sorteados dentre os
cidadãos de notória idoneidade, alistados anualmente pelo Juiz-Presidente. No Tribunal do Júri os
jurados julgarão com base nos quesitos, que correspondem ao conjunto de perguntas destinadas à
coleta da decisão sobre os fatos classificados pela decisão de pronúncia e articulados pelo libelo, e
sobre as teses postuladas pela defesa técnica (BISNOTTO, 2011).

2.1.2 Tribunal do Júri no Brasil

No Brasil, é consenso que o Júri foi implantado pela lei de 18 de junho de 1822, porém
ainda não integrava o Poder Judiciário. Possuía competência restrita, sendo utilizado apenas para
os julgamentos de crimes de imprensa. Era formado de 24 juízes de fato, escolhidos entre cidadãos
que eram considerados homens bons, honrados, inteligentes e patriotas.

Na data de 25 de março de 1824, dia da outorga da Constituição Imperial Brasileira, foi a


primeira vez que o Tribunal do Júri esteve previsto em uma Constituição, quando passou a ostentar
competência diferente da que foi inicialmente lhe imposta, passando a ter atribuição ampla (cível e
criminal). Todavia, foi através da lei de 20 de setembro de 1830 que o Júri ganhou organização mais
específica, passando a ter o Júri de Acusação e o Júri de Julgação (ou de sentença) (RIBEIRO,
2018).
Destarte, o tribunal do júri, no Brasil, é um tribunal popular, o que implica dizer que os
358
acusados são julgados por parcela do povo, já que o Conselho de Sentença é composto por
cidadãos, denominados jurados, destinados a julgar os crimes dolosos contra a vida, consumados
ou na modalidade de crimes tentados, com apontado acima, cabendo ao magistrado dosar a pena
(VAZ, 2018).

2.1.3 Importância do Tribunal do Júri

O júri é a implementação prática da democracia, ao passo que todo poder emana do povo
e cabe a ele participar e fiscalizar todos as frentes do Estado. Nesse sentido, o Constituinte de 1988
considerou a vida como o bem jurídico de maior importância, cabendo ao legítimo detentor dos
poderes do Estado (o povo), julgar crimes que atentem contra esse bem (QUEIROZ; SILVEIRA,
2020).

Segundo Berclaz (2015) ao permitir a voz ativa do cidadão no julgamento dos crimes
dolosos contra a vida, é um elogiável exemplo de participação do povo na edificação da justiça.
Não por acaso trata-se de uma instituição, de uma garantia fundamental inscrita no artigo 5o,
XXVIII, da Constituição da República.
Nota-se que, o principal fator quando se fala em julgamento no júri é a garantia da
democracia, pois o povo , através do seu voto, poderá fazer o seu juízo em relação ao delito hora
cometido, portanto, esse instituto é de suma importância para o jurisdicionado e para todos as
pessoas da sociedade.

2.2 Considerações Iniciais do In Dúbio Pro Societate

2.2.1 Conceito do princípio do in dúbio pro societate

Trata-se de um princípio (fictício) jurídico brasileiro, segundo o qual, mesmo que um juiz
não tenha a certeza, mas esteja convencido pessoalmente da materialidade do fato e da existência
de indícios suficientes de autoria ou de participação, ele deverá pronunciar o acusado a Júri Popular,
para que a própria sociedade decida pela condenação ou não do acusado.
Infelizmente é muito comum nos meios forenses, a aplicação do princípio in dubio pro
societate para dar continuidade ao procedimento dos crimes dolosos contra a vida sem razoável
conjunto probatório, na esperança de estarem dando efetivo cumprimento aos preceitos
constitucionais de que o acusado por crime contra a vida deve ser julgado pelos seus pares
(VENTURA, 2016).
O conceito de in dúbio pro societate parece bem simples e de fato é, resumidamente significa
que na dúvida o julgado condenará o acusado, muitas vezes com o simples argumento de que a
será feito o bem para a sociedade, sobre o tema:

Na dúvida, beneficie-se o réu. Esse princípio, que coloca a presunção de inocência acima
da necessidade de condenação, é um dos principais nortes do Direito, mas isso não
significa que esteja acima de questionamentos. Com frequência razoável, advogados e
359
juízes têm alegado que, em certas circunstâncias ou em determinadas etapas do processo
penal, o anseio da coletividade por justiça deve prevalecer em situações de incerteza,
garantindo um julgamento mais rígido ou ampliando o alcance da punição. Resumida no
termo "in dubio pro societate", a ideia encontra acolhida em boa parte da comunidade
jurídica, mas é alvo de fortes críticas entre vários doutrinadores, que o consideram uma
ameaça ao próprio Direito e à democracia (NATUSCH, 2018, p 22).

2.2.2 In dúbio pro societate e a sua consideração como princípio

- Conceito de Princípio
Princípios são os alicerces da norma, são o seu fundamento em essência, são o refúgio em
que a norma encontra sustentação para racionalizar a sua legitimação, são a base de onde se extrai
o norte a ser seguido por um ordenamento, seja em sentido lato – como é possível observar-se de
princípios constitucionais, no caso do princípio da legalidade, por exemplo – em que todos devem
obediência à lei (não só os indivíduos, mas também o Estado), seja em ramos específicos do direito,
como o trabalhista - em que o princípio da proteção do trabalhador serve de alicerce para a
construção de todos os outros princípios dessa área do direito e de sua legislação não codificada
(SANTOS, 2015).
Princípios são, pois verdades ou juízos fundamentais, que servem de alicerce ou de
garantia de certeza a um conjunto de juízos, ordenados em um sistema de conceitos
relativos à dada porção da realidade. Às vezes também se denominam princípios certas
proposições, que apesar de não serem evidentes ou resultantes de evidências, são
assumidas como fundantes da validez de um sistema particular de conhecimentos, como
seus pressupostos necessários (REALE, 1986. p 60).

Segundo Barroso (1999, p.147) “são o conjunto de normas que espelham a ideologia da
Constituição, seus postulados básicos e seus fins. Dito de forma sumária, os princípios
constitucionais são as normas eleitas pelo constituinte como fundamentos ou qualificações
essenciais da ordem jurídica que institui”.

“princípio” do in dubio pro societate é mais um entre tantos princípios. Significa que, em
determinadas fases do processo penal – como no oferecimento da denúncia e na prolação
da decisão de pronúncia – inverte-se a lógica: a dúvida não favorece o réu, e sim a
sociedade. Em outras palavras, ao receber os autos do inquérito policial, havendo dúvida,
deve o Promotor de Justiça oferecer a denúncia. Da mesma maneira na fase da pronúncia:se
o juiz ficar em dúvida sobre mandar o processo a júri ou não, deve optar pela solução
positiva (COSTA, 2015, p.1)

- O princípio pro societate e a leis do ordenamento pátrio


Existem doutrinadores que alegam o fato de existir o princípio in dúbio pro societate, no
entanto, juízes e outros especialistas do meio acadêmico tem um tipo de pensamento diferente,
como explica o Juiz de Direito em São Paulo Guilherme Madeira Dezem, o in dubio pro societate é
uma afirmação dos tribunais brasileiros, mas que não encontra respaldo na doutrina, ou seja, em
livros teóricos de direito respeitados academicamente – brasileira ou internacional, as quais
reafirmam o in dubio pro reo (na dúvida, absolve-se o réu) (JUSTIFICANDO, 2017).

Autores como Mauricio Zanoide de Moraes negam a existência deste princípio in dubio
pro societate, sustentando ser o in dubio pro reo a regra até mesmo em casos envolvendo
revisão criminal. De acordo com Geraldo Prado: Em teoria o direito processual penal
brasileiro não reconhece o in dubio pro societate como critério de resolução da incerteza. O
360
critério vigente, que decorre da presunção de inocência, é o in dubio pro reo. Convém
ressaltar que cada etapa do processo tem seu específico âmbito de conhecimento. Assim,
no início do processo, por exemplo, a dúvida somente se refere à existência de indícios
de autoria e materialidade. Se há dúvida quanto à existência desses indícios, a acusação
deve ser rejeitada (JUSTIFICANDO, 2017, p. 1).

O caso é outro se na mesma etapa a dúvida versa sobre a inocência ou culpa do acusado,
reconhecendo-se a existência de indícios. Se os indícios estão presentes, estar em dúvida sobre
culpa ou inocência é algo que não se coloca na etapa inicial, cabendo acolher a denúncia para que
as provas aí sim sejam produzidas. Isso nada tem a ver com o ‘in dubio pro societate’, também
denominado ‘in dubio contra reo’, resquício de modelos autoritários de processo penal. Não é raro os
tribunais confundirem a cognição sumária inicial com situações de ‘in dubio pro societate’ e acertarem
no resultado, errando, porém, quanto ao fundamento (JUSTIFICANDO, 2017).
Nota-se que a doutrina em sua imensa maioria, rejeita veementemente a aplicação do in
dúbio pro societate e não aceita sua aplicação no ordenamento jurídico pátrio, com fundamente quase
que unanime na constituição cidadã de 1988, mais precisamente no princípio da presunção de
inocência, o que será analisado mais adiante.

2.3 Atos Possíveis ao Magistrado no Rito do Júri

A decisão de pronúncia nada mais é do que um dos quatro atos que o magistrado poderá
utilizar para do andamento a procedimento do júri, quais sejam: pronúncia, impronúncia,
desclassificação e por último e não menos importante a absolvição sumária.

2.3.1 Decisão de pronúncia

Para tratar do assunto, primeiro verifica-se se de fato é necessário o conhecimento a


respeito do conceito que se dá a decisão de pronúncia para analisarmos com mais clareza todos os
seus aspectos.

É a decisão interlocutória mista, que julga a admissível a acusação, remetendo o caso a


apreciação do Tribunal do júri. Trata-se de decisão de natureza mista, pois encerra a fase
de formação de culpa, inaugurando a fase de preparação do plenário, que levará ao
julgamento de mérito. Embora se trate de uma decisão interlocutória, a pronúncia
mantém a estrutura de uma sentença, ou seja, deve conter o relatório, a fundamentação
e o dispositivo. (NUCCI, 2015, p. 1).

Ainda sobre o que vem a ser decisão de pronúncia:

A pronúncia é a decisão interlocutória, proferida no curso do procedimento e que fica


uma classificação penal para ser decidida pelos jurados; é, portanto, decisão “processual
de conteúdo declaratório em que o Juiz proclama admissível” a imputação que aceita e
encaminha para julgamento pelo Tribunal do Júri. (PORTO, 2007, p. 69, 70)

2.3.2 Decisão de impronúncia

O magistrado não convencido do instrumento probatório de fato típico imputado ao


suposto réu ou de prova de corpo de delito, a qual se verifica quando se dá atenção às duas notas
361
que seriam utilizadas para, caso sejam reconhecidas, caracterizar uma decisão de pronúncia, quais
sejam: indícios de autoria e prova da existência do crime, expressão está com sentido de prova de
materialidade (PORTO, 2007, p.24).
No contrário, Lopes Júnior (2014, p. 1032) diz que:

A impronúncia [e uma decisão terminativa, pois encerra o processo sem julgamento de


mérito [...]. A impronúncia é proferida quando, apesar da instrução, não lograr o acusador
demonstrar a verossimilhança da tese acusatória, não havendo elementos suficientes de
autoria e materialidade para a pronúncia. Está, assim, em posição completamente oposta
em relação à pronúncia.

Ainda nesse sentido, argumenta que “tal decisão não significa que o réu esteja ‘absolvido’,
pois, em que pese não ser submetido ao Tribunal do Júri, não está completamente livre da
‘imputação’” (LOPES JÚNIOR., 2014, p. 1033).
O dispositivo legal encontra-se no artigo 414 do Código de Processo Penal, in verbis “Não
se convencendo da materialidade do fato ou da existência de indícios suficientes de autoria ou de
participação, o juiz, fundamentalmente, impronunciará o acusado”. Vemos que o magistrado se
depara com umas das quatro alternativas na primeira fase do júri.
A desclassificação acontece quando após o juiz fazer uma análise do caso concreto o
magistrado verificar que o delito imputado ao sujeito não é um crime doloso contra a vida, como
se sabe o tribunal do júri, só é competente para julgar crimes dolosos e que atentem contra o bem
juridicamente tutelado que é a vida. Para melhor esclarecimento sobre o tem, Porto (2007, p. 66 e
67) esclarece que:
A decisão desclassificatória, excluindo o animus necandi que a petição inicial, denúncia
ou queixa, teve como dando especial coloração à vontade do acusado, não compete a
fixação específica de nova e determinada classificação penal; apresentará, pois, uma
classificação de sentido genérico, ficando, no prosseguimento da instrução perante o Juiz
singular competente, a classificação específica na incumbência de aditamento.
Transitando em julgado a decisão desclassificatória, passa a ser matéria preclusa a
classificação originária que foi proposta pela denúncia ou pela queixa, classificação então
não mais restaurável.

2.3.3 Absolvição sumária

De acordo com Nucci (2008, p. 803) “A absolvição sumária é uma decisão de mérito que
coloca fim ao processo, julgando improcedente a pretensão punitiva do Estado”. Trata-se de um
julgamento antecipado da lide favorável ao réu. De acordo com Bonfim (2009, p.23)

Tem a absolvição sumária natureza de sentença. Apreciando o mérito, o juiz que


julga improcedente a pretensão punitiva estatal. É válido ressaltar que somente
se pode arguir absolvição sumária quando a hipótese que ensejar estiver
nitidamente demonstrada, pois impera nesta fase o princípio “in dubio pro
societate”.

O artigo utilizado para fundamentar a absolvição sumária é o artigo 415 do Código de


processo penal que diz que o juiz poderá absolver o acusado, se for provada a inexistência do fato,
provado não ser o acusado o autor ou participe do fato, que o fato não constitui infração penal ou
362
demonstrada a insenção de pena ou alguma causa que exclua o crime.
A absolvição sumária se caracteriza pela excepcionalidade importando em exceção ao
princípio geral que impõe ao Júri o julgamento dos crimes dolosos contra a vida, deve ser reservada
para os casos em que a excludente de ilicitude (justificativas) ou culpabilidade (dirimentes) restaram
absolutamente demonstradas. Caso reste alguma dúvida, ela deve ser resolvida em favor da
competência do Júri, de índole constitucional e, portanto, cabe ao juiz a pronúncia do réu
(CUNHA; PINTO, 2009, p. 45).
Existe ainda uma outra modalidade de absolvição sumária, que a chamada absolvição
imprópria, que surge quando o magistrado isenta o agente de pena na primeira fase do
Procedimento do Júri, entretanto, o vincula a uma medida de segurança. Esta hipótese é possível
quando o réu utiliza a sua inimputabilidade como única tese defensiva (MEDEIROS; FRAITAG,
2015, p. 7).

2.3.4 Desclassificação

A desclassificação, ocorre quando o juiz entende, a partir do convencimento formado em


face das provas colhidas nos autos, que se trata de um outro crime, desta feita, a escapar à
competência do tribunal do júri, descrita no artigo 74 do Código de Processo Penal.

Conceito e exemplo prático de desclassificação: A palavra desclassificar, utilizada no Código de


Processo Penal Brasileiro, tem o sentido de mudar a classificação jurídica do crime, mudar a
imputação inicial, operar uma mutatio ou emendatio libelli, que se opera e verifica por vários modos,
quer por errônea classificação jurídica do Ministério Público na denúncia, quer por errônea avaliação
dos fatos, quer por mudança dos fatos durante a instrução criminal (VALE, 2015, p.1).

O professor Luiz Flavio Gomes diz que existe ainda a desclassificação própria que se dá
quando, em plenário, os jurados consideram que o crime não é da competência do Tribunal do
Júri, sem especificar qual é o delito. Neste caso, o juiz-presidente assume total capacidade decisória
para julgar a imputação, podendo inclusive absolver o acusado. Exemplo: os jurados negam ter
havido intenção de matar. Nesse caso o julgamento passa para o juiz-presidente, que dará a devida
classificação jurídica aos fatos (GOMES, 2011, p.2)
Ainda nos dizeres de Gomes (2011), a desclassificação imprópria, por sua vez, ocorre
quando os jurados reconhecem sua incompetência para julgar o crime indicando qual teria sido o
delito praticado. Nesta hipótese, o juiz-presidente é obrigado a acatar a decisão dos jurados,
condenando o acusado pelo delito por eles indicado. Exemplo: os jurados desclassificam o crime
doloso (contra a vida) para crime culposo (homicídio culposo). Essa desclassificação vincula o juiz,
que não pode decidir de forma distinta (dando outra classificação) (GOMES, 2011).

2.4 In Dúbio Pro Societate na Decisão de Pronúncia e a Presunção de Inocência

2.4.1 Da aplicabilidade do in dúbio pro societate


363

Que fique claro que o in dúbio pro societate ocorre quando o julgador se depara com uma
situação dúvida no que se refere a autoria e materialidade no delito que acontece na situação prática,
e que o objetivo do presente trabalho é analisar a sua aplicação em um momento específico do
processo penal, que é a decisão de pronuncia, isso porque este é o momento em que o magistrado
pode submeter o réu a júri popular, ou não. Por esse motivo o estudo deste momento processual
é importante, pois o que poderá está em jogo é o direito de liberdade de uma pessoa, com base em
incertezas e situações hipotéticas dentro do caso concreto.
Procedimentos de Tribunal do Júri, submetendo o réu ao julgamento pelo Conselho de
Sentença, isto é, no plenário. O artigo 413 do Código de Processo Penal impõe a materialidade do
fato e a existência de indícios suficientes de autoria como requisitos essenciais para a decisão de
pronúncia.
O artigo utilizado para fundamentar a decisão de pronúncia é o artigo 413 do Código de
processo penal, esse artigo diz que “o juiz, fundamentadamente, pronunciará o acusado, se
convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de
participação. (Redação dada pela Lei nº 11.689, de 2008).
Em poucas palavras o caput do artigo 413 do código de processo penal, afirma que diante
de indícios mínimos de materialidade e autoria em decorrência da prática do fato o juiz poderá
pronunciar o acusado, nesta mesma base legal em seu paragrafo primeiro caso o juiz entenda pela
pronuncia, deverá especificar as o dispositivo legal, circunstancias qualificadoras e as causas de
aumento de pena. Ainda nesse dispositivo o legislador decidiu destacar as situações em que o crime
em questão é afiançável, nesse caso o magistrado também deverá arbitrar o valor e decidir pela
manutenção da liberdade provisória se for necessário.
Segundo o art. 413, CPP, o juiz, fundamentadamente, pronunciará o acusado, se
convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de
participação. Nessa hipótese, o acusado será levado a julgamento pelo Tribunal do Júri. A
fundamentação da pronúncia limitar-se-á à indicação da materialidade do fato e da existência de
indícios suficientes de autoria ou de participação, devendo o juiz declarar o dispositivo legal em
que julgar incurso o acusado e especificar as circunstâncias qualificadoras e as causas de aumento
de pena (BATISTA, 2015, p.43).
Analisando o artigo 5 da constituição da república federativa do Brasil de 1988, verificamos
que o princípio da presunção de inocência estará personificado no texto constitucional, o que nos
leva a mais um argumento contrário ao fundamento teórico e hipotético do in dubio pro societate, pois
a redação da carta magna é clara pois diz ipsi literis“ Todos são iguais perante a lei, sem distinção
de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a
inviolabilidade do direito a vida, a liberdade, a igualdade, a segurança da propriedade”. Cabe
destacar no caput no artigo citado anteriormente o direito a liberdade que correrá risco de lesão no
caso do princípio in dubio pro societate ser aplicado de forma errônea ou sem fundamentação
necessária.
364
O problema na aplicação do in dúbio pro societate é justamente a falta de fundamentação, caso
esse princípio seja aplicado, o pensamento do julgador será colocada acima dos princípios
norteadores da constituição do Brasil, existem fundamentos codificados que existem para preservara
segurança jurídica, o arriscado tratar o réu como inimigo da sociedade pois a ressocialização será
impossível de ser aplicada a casos concretos.

2.4 Pensamento dos Juristas

A doutrina ser em sua maioria contraria ao princípio anteriormente citado, é totalmente


compreensível, visto que a constituição da república federativa de 1988, diz expressamente em seu
artigo quinto que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-
se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade,
à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes”, deste modo deve-se buscar a
solução mais justa de modo que a lei seja aplicada de forma mais igual possível nos agentes da
sociedade.
A constituição da república em seguida ainda complementa que em seu inciso LVII, “
ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória;”
Portanto, se não há certeza e nem os requisitos básicos para a condenação do acusado,
quais sejam: prova da autoria e materialidade, fica bastante complicada a sustentação de tal
princípio. Contudo, analisando o caso concreto, o que provavelmente prevalecerá é a ponderação
entre princípios.

Porque se trata de uma relação de valor instável, que é válida para um caso concreto,
podendo essa relação inverter-se noutro caso. A importância que, ultimamente, é
atribuída à ponderação de bens constitucionais radica, como se disse, na natureza
tendencialmente principal de muitas normas jurídicoconstitucionais. O apelo à metódica
de ponderação é, afinal, uma exigência de solução justa de conflitos entre princípios.
Nesse sentido se pôde afirmar recentemente que a ponderação ou o balancing ad hoc é
a forma característica de aplicação do direito sempre que estejam em causa normas que
revistam a natureza de princípios. A dimensão de ponderabilidade dos princípios justifica
a ponderação como método de solução de conflito de princípios (CANOTILHO, 2002,
p. 1227).

Celso de Mello alerta no Inquérito 1.978-0, Rel. Ministro Celso de Mello, Plenário, J.
13/09/2006 DJ de 17/08/2007.

Não se revela admissível, em juízo, imputação penal destituída de base empírica idônea,
ainda que a conduta descrita na peça acusatória possa ajustar-se, em tese, ao preceito
primário de incriminação. Impõe-se, por isso mesmo, ao Poder Judiciário, rígido controle
sobre a atividade persecutória do Estado, notadamente sobre a admissibilidade da
acusação penal, em ordem a impedir que se instaure, contra qualquer acusado, injusta
situação de coação processual.

Tourinho Filho (2010) diz que é indispensável de que haja nos autos do inquérito ou peças
de informação, ou na representação, elementos sérios, sensatos, a mostrar que houve uma infração
penal, e indícios mais ou menos razoáveis de que o seu autor foi a pessoa apontada.
365

2.5 Problemas na Aplicação do In Dúbio Pro Societate

2.5.1 Conflito com a presunção de inocência

O magistrado, após encerrada a instrução probatória (art. 413 CPP), fundamentadamente,


pronunciará o acusado, se convencido da materialidade do fato e da existência de indícios
suficientes de autoria ou de participação. Parece-nos que neste momento, a fim de não subtrair a
competência constitucional dos jurados, a lei comete uma imprecisão técnica, ao afirmar encerrada
a instrução, pois, uma vez finalizada a instrução probatória, entende-se que uma decisão não pode
servir para confirmar/delimitar uma acusação, contentando-se com indícios suficientes de autoria.

Finalizada a instrução, o que é necessário para uma decisão confirmatória (pronúncia) ou


condenatória(sentença), seria a prova da autoria, qualquer definição com carga menor que prova,
esbarra em dúvida acerca dos fatos, e tal momento decisório, por reclamar a observância da garantia
da presunção de inocência na sua modalidade norma de juízo, deveria fazer com que o magistrado
impronunciasse o acusado, pois in dubio pro reo (STEIN, 2017).

Afirmar, simplesmente, que a pronúncia é mera admissibilidade da acusação e que


estando o Juiz em dúvida aplicar-se-á o princípio do in dubio pro societate é desconhecer
que em um País cuja Constituição adota o princípio da presunção de inocência torna-se
heresia sem nome falar em in dubio pro societate (TOURINHO FiILHO, 2010, p. 22).

A primeira questão a ser abordada em relação à aplicação do chamado in dubio pro societate
pode ser pensada a partir da relação entre a ideia de sociedade e réu. Ao se colocar como
representante da sociedade, em um processo em oposição à parte ré, é preciso admitir que,
concretamente, o acusado é tradado como alguém fora da sociedade, mesmo que somente de forma
momentânea.
Enquanto o interesse da sociedade é o esclarecimento do caso, o interesse do réu não é
outro que não o de se ver livre, o mais rápido possível, de qualquer persecução estatal que possa
ser um risco a sua liberdade, de preferência sem que nem mesmo seja iniciado o processo. Não à
toa, Carnelutti, ao parafrasear Santo Agostinho, coloca que “a tortura, em suas formas mais cruéis,
ao menos no papel está abolida, mas o Processo Penal ainda é, em si mesmo, uma tortura.”

Entendidas como posições opostas, é impossível ao Ministério Público atuar nos interesses
da sociedade e, ao mesmo tempo, do réu. Na perspectiva antagonista de se colocar a sociedade
como sujeito ativo e o acusado como sujeito passivo, o in dubio pro societate acaba escondendo sua
verdadeira afirmativa. Ao se colocar a favor da sociedade, ao contrário sensu se dá contra o réu.
Disso segue que:

Não se pode sacrificar a liberdade de um homem, de quem não se tenha verificado a


responsabilidade penal no interesse e na vontade de todos. Este é, como se verá, um
366
postulado político fundamental do liberalismo penal, que exclui tanto a justificação
meramente instrumentalista ou utilitarista quanto a consensualista ou democrática das
decisões punitivas (FERRAJOLI, 2002, p. 02).

2.5.2 Autoritarismo judicial

Sob essa perspectiva liberal, assente em nossa democracia tutelada, o discurso jurídico
corrente após a redemocratização do país aponta para a busca de uma eficácia maior do sistema
penal que seja, ao mesmo tempo, capaz de garantir a consolidação da democracia - por meio do
respeito às garantias individuais presentes na Constituição.
Mantendo essa contradição, a Justiça Penal brasileira atua de forma ambígua, propagando
incessantemente sua democratização, mas cumprindo a lei de maneira tortuosa e agindo, assim, de
forma autoritária e seletiva. Particularmente nosso discurso penal hegemônico congrega elementos
absolutamente contraditórios, como repressão severa e penas alternativas, leis duras e garantias
processuais, encarceramento em massa e proteção aos direitos humanos (PASTANA, 2009).
Fazendo-se uma analogia com o trecho anteriormente citado, verificam-se os riscos de os
magistrados cometerem injustiças, pois caso o juiz tenha dúvida acerca no que diz respeito a prática
do fato definido como crime, deveria automaticamente impronunciar o acusado, pois, contrário
praticará um ato eivado de autoritarismo judicial, pois a constituição e seus princípios norteadores
estariam sendo violados.

3 Da Presunção de Não-Culpabilidade

A Convenção Americana de Direitos Humanos, popularmente conhecida como Pacto de


São José da Costa Rica é um tratado celebrado pelos integrantes da Organização de Estados
Americanos , adotada e aberta à assinatura durante a Conferência Especializada Interamericana
sobre Direitos Humanos, em San José da Costa Rica, em 22 de novembro de 1969 e tendo entrado
em vigor a 18 de julho de 1978, com a ratificação do décimo primeiro instrumento, de iniciativa de
Granada (SANTIAGO, 2011).
O Pacto de São Rose da Costa Rica, teve papel fundamental na busca pela melhor e mais
justa aplicação da lei, levando principalmente em consideração os direitos essenciais como a
liberdade, dignidade da pessoa humana, direito a vida, o instrumento que deu mais bases para que
a constituição de 1988 tivesse suas garantias preservadas em seu texto foi o princípio da não
culpabilidade do sujeito, como é notável, o princípio pro societate também em alguns casos, pode
colidir com esse ato, no qual o Brasil aderiu e faz parte.
O princípio da não-culpabilidade tem a função de evitar exista lesão o à liberdade das
pessoas que são alcançadas pelo poder estatal. Refere-se a um princípio explicitamente mencionado
no artigo 5º, inciso LVII da Constituição Federal de 1988, que prescreve que “ninguém será
considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.
367
Como conhecido, a Constituição iniciou um regime que defende os direitos e as garantias
essenciais, nesse sentido, o sistema processual penal passou a cobrar uma equidade entre o poder
dever de perseguir do estado e as novas garantias constitucionais. Nesse sentido, não há dúvida
que o atual Estado Democrático de Direito conta com o princípio da não-culpabilidade para que
seja dada de forma igualitária a interpretação de seus dispositivos jurídicos, devendo ser afastadas
as que não se adaptam ao seu conteúdo.

CONCLUSÃO

Portanto, através da análise da constituição federal, entende-se que o princípio in dúbio pro
societate conflita fortemente com os princípios constitucionais, principalmente o princípio da
presunção de inocência, pois submeter o acusado a júri popular sem prova da autoria e da
materialidade é uma atitude totalmente equivocada, enviar o sujeito para ser julgado por populares,
com base em incerteza é uma atitude que confronta todo entendimento construído ao longo dos
anos e se torna até um retrocesso.
Pode-se analisar, que a doutrina majoritária e estudiosos do direito também entendem pela
inaplicabilidade do in dúbio pro societate, pela fragilidade argumentativa que este princípio carrega,
muitos autores até desconfiam e duvidam se este “princípio” tem natureza jurídica principiológica.
Vale destacar que, o pacto de San Rose da Costa Rica, prevê instrumento essencial para chegarmos
a conclusão de o princípio do in dúbio pro societate, não deve ser aplicado, pois caso seja aplicado, tem
grande chance de ferir o princípio da não culpabilidade diz que o princípio de culpabilidade, em sua
configuração mais elementar, não há crime sem culpabilidade.

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AFETO: UMA ANÁLISE DOS ASPECTOS DA SOCIOAFETIVIDADE E
MULTIPARENTALIDADE

Wyara Alves de Oliveira1

1 INTRODUÇÃO

A filiação socioafetiva é uma possibilidade jurídica da ordem civil-constitucional de 1988,


uma vez que a formação desta relação familiar passou a considerar o critério da socioafetividade,
quebrando a hegemonia do critério natural ou consanguíneo. A abertura do direito aos fatos
sociais implica na maior aproximação da realidade vivenciada. Tanto mais eficácia terá a norma,
quanto maior a sua correspondência com os costumes, os valores e a vivência que se pratica na
vida social. Abdica-se da compreensão da família como uma organização natural, para reconhecê-
la como um fato cultural.
Atualmente é notório as mudanças nas relações sociais que refletem no convívio familiar.
Diante a tais mudanças, surgiram conceitos em relação ao afeto, um deles é a multiparentalidade.
A multiparentalidade ou filiação multiparental, é um instituto, uma possibilidade, decidida
judicialmente, na qual um filho, seja ele menor de idade ou maior, tenha o nome de seus pais não
biológicos inseridos em sua certidão de nascimento, dando ao filho também, os direitos e deveres
dos pais.
O presente estudo tem como tema o afeto empreendendo-se uma análise dos aspectos da
socioafetividade e multiparentalidade. Assim, a questão que norteou esta pesquisa foi: quais os
critérios que o judiciário tem adotado para reconhecer a multiparentalidade em suas decisões?
Feitas estas considerações iniciais, o presente estudo teve como objetivo geral analisar o
valor jurídico do afeto no surgimento da multiparentalidade e os critérios para seu
reconhecimento no Judiciário brasileiro.
Para atingi-lo, analisamos a contribuição do afeto para o surgimento da
multiparentalidade; explicamos o paradigma da multiparentalidade e quais as mudanças trazidas
pelo mesmo para o Direito de Família; e identificamos os critérios mais recorrentes ou
controversos nas decisões do judiciário em prol da filiação multiparental.
Por fim, para responder o objetivo geral desse artigo, foi realizada uma pesquisa
bibliográfica em doutrinas, entre elas a do Cassetari, Gonçalvez; aliada a legislações e estudos de

1 Discente do XX período do Curso de Bacharelando em Direito da Universidade Estácio em Teresina-PI.


jurisprudências. Cada vez mais, batem as portas do Judiciário, famílias de várias configurações,
unidas pelos laços de afeto, buscando respaldo,do Direito para legalizar situações comuns nas
famílias neoconfiguradas.

2 AFETO E MULTIPARENTALIDADE

2.1 A Importância do Afeto para o Surgimento da Multiparentalidade

A evolução do moderno conceito de família e os novos critérios identificadores das


relações parentais, privilegiando as relações afetivas, contrapondo a tradição do direito brasileiro
que identificava a família mediante o casamento e o registro, primeiro pela Igreja Católica nos
assentos de batismo e casamentos religiosos e, depois, com os assentos de nascimento,
casamento e óbito no Registro Civil, fez surgir hoje o exame da parentalidade pelo enfoque
biológico, registral e socioafetivo (MADALENO, 2015).
Em Roma, o parentesco não era baseado em laços sanguíneos, mas através de poder, ou
seja, quem estivesse sob poder de um mesmo pai, eram considerados parentes e, denominados de
‘’agnadas’’ ou ‘’agnatio’’, que significava membros que possuíam um parentesco masculino em
comum (CASSETARI, 2014).
A parentalidade biológica envolve a consaguinidade, a vinculação genética entre os
parentes. É a primeira que surge em virtude da união do gameta masculino e feminino e jamais
poderá ser modificada, pois o novo parente trará em seu código genético a marca de sua origem,
identificando a multiparentalidade biológica pela metade dos genes herdados da mãe e a metade
herdada do pai, formando um código genético único que sempre o identificará (MADALENO,
2015).
A Doutrina Católica sustenta, que a existência da pessoa se inicia no momento da fusão
do gameta feminino e masculino (fecundação), euqnto para a Medicina, a vida começa no
momento em que o óvulo fecundado se fixa na parede do útero, iniciando-se a gestação. Para o
direito brasileiro, a personalidade civil, a existência da pessoa, começa com o nascimento com
vida, não sendo reconhecidos direitos se nascer morto, apesar da vida uterina, entretanto, desde a
concepção, ressalva os direitos do nascituro, condicionando a nascimento vivo. Conforme o
artigo 2º do Código Civil de 2002 (CARVALHO, 2015), que diz: “A personalidade civil da pessoa
começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do
nascituro”.
Conforme Carvalho (2015), a parentalidade registral identifica no assento de nascimento,
os parentes da pessoa e possui presunção de veracidade e publicidade. Fornece a base
documental para toda a vida do ser humano, comprovando juridicamente que existe, sendo o
principal gerador de direitos e deveres em razão do parentesco.
A paternidade, vínculo mais próximo de parentesco, é presumida no casamento, sendo
desnecessária declaração do marido para o assento dos filhos havidos de sua mulher na
constância do matrimônio, exigindo-se fora do casamento, o reconhecimento voluntário ou
compulsório da perfilhação (arts. 52 e 59 da Lei 6.015/73 , e arts. 1.597, 1.606 e 1.609 CC da Lei
10.406/02). A presunção de veracidade da parentalidade registral é expressa no Código Civil e só
pode ser contestada provando-se erro ou falsidade, dispondo os art. 1.603 e 1.604 também da Lei
10.406/02:

Art.52. São obrigados a fazer declaração de nascimento.


Art. 59. Quando se tratar de filho ilegítimo, não será declarado o nome do pai sem
que este expressamente o autorize e compareça por si ou por procurador especial,
para, reconhecendo-o, assinar, ou não sabendo ou não podendo mandar
assinar a seu rogo o respectivo assento com duas testemunhas.
Art 1.597. Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos:
I - nascidos cento e oitenta dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência
conjugal;
II - nascidos nos trezentos dias subsequentes à dissolução da sociedade conjugal, por
morte, separação judicial, nulidade e anulação do casamento;
III - havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido;
IV - havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários,
decorrentes de concepção artificial homóloga;
V - havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do
marido.

Art.1.606. A ação de prova de filiação compete ao filho, enquanto viver, passando aos
herdeiros, se ele morrer menor ou incapaz.

Art. 1.609. O reconhecimento dos filhos havidos fora do casamento é irrevogável e será
feito:
I - no registro do nascimento;
II - por escritura pública ou escrito particular, a ser arquivado em cartório;
III - por testamento, ainda que incidentalmente manifestado;
IV - por manifestação direta e expressa perante o juiz, ainda que o reconhecimento não
haja sido o objeto único e principal do ato que o contém.
Parágrafo único. O reconhecimento pode preceder o nascimento do filho ou ser
posterior ao seu falecimento, se ele deixar descendentes.

Art. 1.603. A filiação prova-se pela certidão do termo de nascimento registrada no


Registro Civil.

Art. 1.604. Ninguém pode vindicar estado contrário ao que resulta do registro de
nascimento, salvo provando-se erro ou falsidade do registro.

O vínculo, ainda que meramente registral, é o que alicerça os direitos e deveres entre os
parentes como, por exemplo, alimentos, sucessórios e impedimentos para o casamento, tanto que
os pais biológicos ou socioafetivos não podem reconhecer os filhos se no assento de nascimento,
constar outro pai registral, sendo necessário o ajuizamento de ação investigatória de
paternidade/maternidade c/c retificação do registro civil.
A parentalidade socioafetiva envolve os aspectos e os vínculos afetivos e sociais entre os
parentes não biológicos. Não se limita, à posse do estado de filho como por exemplo, na adoção,
que leva uma pessoa, impulsionada pelo afeto, a registrar e criar filho biológico de outrem (art.
1.593 CC, Lei 10.406/02). Sendo assim, necessário intervenção judicial, para regularizar a situação
jurídica, prevalecendo a efetividade sobre o parentesco biológico e ambos sobre o parentesco
registral. (CARVALHO, 2015). Diz o Art. 1.593 do Código Civil, “o parentesco é natural ou civil,
conforme resulte de consanguinidade ou outra origem”.

2.1.1 Das espécies de filiação socioafetivas.

A filiação socioafetiva pode se dar por: adoção judicial; adoção à brasileira, embora esta
seja ilegal no Brasil; reconhecimento voluntário de filho do cônjuge ou da companheira; e o que
se conhece por “filhos de criação”. Discutir-se-á a seguir cada uma dessas situações.

2.1.1.1 Da adoção judicial

A adoção judicial é aquela que advém por um ato jurídico em sentido estrito, onde cria-se
um vínculo denominado de “paternidade-maternidade-filial” entre pessoas estranhas, não
necessitando para tanta que exista um vínculo de relação de parentesco biológico consanguíneo.
Este tipo de adoção, constitui um parentesco eletivo, uma vez que acontece em decorrência
exclusiva de vontade, de um ato de amor e solidariedade, onde visa somente o benefício do filho
ora adotado (DINIZ, 2017).
O instituto ora abordado, é muito aclamado pela Constituição Federal de 1988
(CF/1988), pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e pelo CC, em que resta
claramente demonstrada a preocupação dispensada pela sociedade em valorar, com maior
intensidade, os vínculos afetivos, atribuindo a qualidade de pais aos que por alguma razão não
puderam sê-los.

2.1.1.2 Adoção à brasileira


A adoção à brasileira é a adoção feita sobre livre arbítrio, onde o indivíduo comparece
perante um Cartório de Registro Civil e solicita o registro de uma criança como sendo seu filho,
este tipo de adoção é muito comum atualmente, nesses casos também há a socioafetividade
paternal. A conduta da adoção à brasileira está tipificada no artigo 242 do Código Penal (CP) que
assim prevê:

Art. 242 - Dar parto alheio como próprio; registrar como seu o filho de outrem; ocultar
recém-nascido ou substituí-lo, suprimindo ou alterando direito inerente ao estado civil:
Pena - reclusão, de dois a seis anos.
Parágrafo único - Se o crime é praticado por motivo de reconhecida nobreza: Pena -
detenção, de um a dois anos, podendo o juiz deixar de aplicar a pena (BRASIL, 1940,
s.p).

Porém a sociedade brasileira não rejeita tal conduta, pelo contrário, a sociedade acaba por
exaltá-la, pois, quem age dessa forma, comumente o faz com o intuito de assegurar à criança a
convivência familiar, ou seja, o vínculo afetivo. Quem pratica a adoção à brasileira, visa tão
somente o bem-estar da criança.
Como explica Gonçalves (2015), por tal conduta ser vista como um ato de nobreza, cujo
intuito é apenas incluir o filho alheio ao seio familiar, defende-se então sua descaracterização no
CP, valorizando assim, o lado humano e social da falsa declaração.
O fato de se desejar criar de qualquer forma a filiação, de fato, acaba obrigando os pais a
infringirem as normas legais, porém deve-se levar em conta os vínculos afetivos criados entre
filhos e pais adotantes, o que acaba tornando irrevogável o registro promovido.

2.1.1.3 Do reconhecimento voluntário de filho do cônjuge ou da companheira

Quando um cônjuge, sozinho, comparece por livre e espontânea vontade ao cartório e


declara como se fosse seu filho, de vínculo biológico, a criança do outro cônjuge, resta
configurada uma das formas de adoção à brasileira.
Porém, com o rompimento do vínculo conjugal, o autor da falsa declaração e do registro
busca via judicial a anulação do referido registro, alegando o vício ocorrido quando do registro
civil, uma vez que, findando o vínculo conjugal, ainda persiste, em tese, a obrigação de prestar
alimentos ao suposto filho. (GONÇALVES, 2015).
O registro de filho alheio quando feito de modo consciente, inexistindo prova seja de
coação ou erro, acaba impossibilitando uma posterior anulação, pois desta forma configura a
vontade de formar o vínculo familiar, assim como, a ligação pelo afeto entre pai e filho.
Os julgados, em conformidade com o caput do artigo 1.609 do CC, vêm reconhecendo
voluntariedade no ato, portanto este é irrevogável, rejeitando desta forma, a pretensão de
anulação do registro, o qual é considerado espontâneo. A título de exemplificação elenca-se uma
decisão proferida na 7ª câmara cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS):

APELAÇÃO CÍVEL. NEGATÓRIA DE PATERNIDADE C/C


INVESTIGATÓRIA DE PATERNIDADE E EXONERAÇÃO DE ALIMENTOS.
MENOR. AUSÊNCIA DE VÍCIO DE CONSENTIMENTO. ADOÇÃO À
BRASILEIRA. IRREVOGABILIDADE. Tendo o pai registral reconhecido
espontaneamente sua filha, mesmo ciente da paternidade biológica por outro homem,
pois conheceu a genitora da criança quando estava no 5º mês do estado de gravidez,
com quem manteve união estável por dois anos, caracterizada a denominada adoção à
brasileira. Irrevogabilidade do ato registral (art. 48 ECA), mesmo diante de exame de
DNA excluindo a paternidade e não demonstrada presença de vícios de vontade no ato
jurídico. Deram provimento à apelação2. (RIO GRANDE DO SUL, 2009)

Segundo o Ministro Massami Uyeda (Supremo Tribunal de Jutiça – STJ) em se tratando


de adoção à brasileira, o melhor a se fazer é somente permitir que o pai adotante busque a
nulidade do registro civil da criança, quando ainda não se houver constituído qualquer tipo de
vínculo de socioafetividade com o adotado. (UYEDA, 2009 apud FIGUEIREDO;
FIGUEIREDO, 2015).
Figueiredo e Figueiredo (2015) esclarecem que, quando o suposto pai reconhece a
paternidade, mesmo este sabendo que não é o pai biológico da criança, o registra como filho
consanguíneo fosse, tipifica desta forma a verdadeira adoção, a qual é irrevogável, não cabendo,
no entanto, uma posterior pretensão de anular o registro de nascimento.
O indivíduo que pratica a adoção à brasileira, não a faz em equívoco, pelo contrário,
conhece todas as circunstâncias que giram em torno de sua atitude, porém, mesmo assim dá
continuidade ao seu ato até o definitivo registro civil da criança, que a partir daquele momento
passa a ser considerada se seu filho biológico fosse. (Lôbo, 2017).
Feita a adoção à brasileira, nem mesmo o pai pode querer revertê-la alegando
arrependimento, porém pode fazê-lo mediante impetração de ação própria. E é preciso
considerar que este instituto é ilegal no Brasil e, em alguns casos, até como atitude criminosa,
porém, não se pode ignorar que este ato acaba gerando efeitos decisivos sobre a vida da criança
adotada, tal como a futura formação da paternidade socioafetiva.
O aludido ministro, ainda afirma que após firmado o vínculo afetivo, o pai adotante não
pode mais desconstituir a posse do filho, pois esta já foi comprovada pelo véu da paternidade
socioafetiva (FIGUEIREDO E FIGUEIREDO, 2015).

2 Apelação Cível Nº 70028763902, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: André Luiz
PlanellaVillarinho, Julgado em 30/09/2009) (RIO GRANDE DO SUL, 2009, p. 01.
2.1.1.4 Do filho de criação

A adoção de fato se baseia única e exclusivamente na relação de afeto, não tendo qualquer
vínculo jurídico nem tampouco biológico, diferentemente do que acontece na adoção civil e à
brasileira. Por ser uma relação baseada unicamente no amor obtido pelos pais, para que a situação
de “filho de criação” seja considerada como uma realidade social (socioafetiva) faz-se necessário
sua consolidação. A comprovação da posse do estado de filho está diretamente ligada à finalidade
de mostrar para o mundo jurídico uma verdade social.
Entende-se que é importante analisar sempre a situação fática, avaliando o convívio entre
pai e filho, o que é um dos pressupostos para se identificar a paternidade socioafetiva, além do
afeto, a vontade livre e consciente de querer e ser pai.
A criança mesmo tendo conhecimento de que não existe relação biológica entre ela e os
pais, ela deve desfrutar dos direitos e deveres, pertinentes à filiação. Assim prevê a CF/1988,
onde estabelece em seu artigo 226 § 6º o princípio da igualdade, onde está expressamente
proibido qualquer tipo de denominação de caráter discriminatório referente à filiação. Entretanto,
existe uma contradição a respeito dos filhos de criação entre o que prevê a nossa Carta Magna e
as decisões dos Tribunais.
Alguns magistrados entendiam que os filhos de criação não podem ser igualados aos
filhos adotivos, nem tampouco aos filhos biológicos, não importando o previsto nas normas
constitucionais. Em contrapartida, outros Magistrados já decidem conforme preceitua a norma
constitucional, ou seja, os “filhos de criação” possuem os mesmos direitos e deveres concebidos
aos filhos adotados e consanguíneos, a exemplo do RE nº 370.067 – RS (BRASIL, 2005).
A adoção de fato, pode ocorrer de forma unilateral, quando somente a mãe detém o
vínculo biológico com o filho, e seu companheiro/cônjuge, acaba por tratá-lo como se existisse o
mesmo vínculo, mesmo existindo apenas o vínculo afetivo. Essa situação é comumente vista nos
casos em que a presença do pai biológico não existe, inexistindo no registro civil, por força de
qualquer circunstância, a figura paterna.
Assim sendo, o cônjuge ou companheiro da mãe, apesar de não existir nenhum vínculo
ou relação genética com o menor trata-o como se filho seu fosse dispensando-lhe afeto, atenção e
toda a assistência que uma criança necessita. É evidente que a partir do momento em que se vê
caracterizada a figura do “pai de criação” tem-se a “adoção de fato”.
O reconhecimento da adoção de fato, conforme os princípios consagrados na CF/1988,
são de grande valia na medida em que se vê valorizado o vínculo socioafetivo buscando sempre o
melhor interesse da criança.
Analisado o valor jurídico do afeto frente à pluralidade de entidades familiares
convivenciais, passa-se ao segundo capítulo dessa pesquisa no qual analisamos o paradigma da
multiparentalidade e as mudanças trazidas ao direito de família.

2.2 As Mudanças Trazidas pela Multiparentalidade para o Direito de Família

Para explicar a leitura da família atual no plano jurídico, ter-se-á que abandonar antigas
posições doutrinárias baseadas no individualismo, interesses políticos e ideário autoritário sob
influência religiosa, e em homenagem ao princípio da dignidade humana, redesenhá-la além de
vínculos genéticos e presuntivos, acolhendo novos critérios, dentre os quais aqueles baseados no
afeto e na solidariedade, que é, sobretudo, a vontade de querer conviver para crescer juntos, no
propósito de cuidar do próximo.
Gonçalves ensina que a família brasileira sofreu influência da família romana, na qual
predominaram as preocupações de ordem moral da família canônica, que considerava o
casamento um sacramento, não podendo os homens dissolverem a união realizada por Deus-quod
Deus conjunxit homo non separet -, materializada no direito, especialmente pelas Ordenações Filipinas
de forte predominância do Direito Canônico, e da família germânica, que originou de forma
crescente diversas regras do direito pátrio.
A importância do afeto como determinante para reconhecimento da entidade familiar
esteve ignorada por certo tempo, embora hoje, seja reconhecida implicitamente pela CF/1988,
assim como por reiteradas decisões judiciais, garantindo, inclusive, a obrigação de
reconhecimento desses valores pelo Direito. Dito isto, discute-se nessa seção a filiação
socioafetiva como resultado da judicialização do afeto.
É imperioso analisar o caso de Apelação Cível: AC 208057 SC 2011.020805-7 – Tribunal
de Justiça de Santa Catarina – TJ-SC. Interposta em razão da destituição do poder familiar
ajuizada pelo Ministério Público, em relação ao casal de irmãos adotados.
Segundo as provas constantes nos autos, os pais não apresentavam condições mínimas de
prover o desenvolvimento saudável dos irmãos adotados, agindo com negligência, práticas de
maus tratos físicos, castigos imoderados e, tratamento discriminatório e desigual, entre ambos,
conforme frisa os arts 1.635, 1.637 e 1.638 CC. O TJSC entendeu que o vínculo não foi suficiente
para suprir as necessidades de afeto, ou de uma vida digna, além de outros cuidados igualmente
importantes e indispensáveis e, por esta razão, manteve a destituição ao poder familiar, e
condenação por danos morais, além de compensar pecuniariamente as vítimas em sintonia e
proporcionalidade para os dois irmãos (SANTA CATARINA, 2011).

Art. 1.635. Extingue-se o poder familiar:


I - pela morte dos pais ou do filho;
II - pela emancipação, nos termos do art. 5o, parágrafo único;
III - pela maioridade;
IV - pela adoção;
V - por decisão judicial, na forma do artigo 1.638.
Art. 1.637. Se o pai, ou a mãe, abusar de sua autoridade, faltando aos deveres a eles
inerentes ou arruinando os bens dos filhos, cabe ao juiz, requerendo algum parente, ou
o Ministério Público, adotar a medida que lhe pareça reclamada pela segurança do
menor e seus haveres, até suspendendo o poder familiar, quando convenha.
Art. 1.638. Perderá por ato judicial o poder familiar o pai ou a mãe que:
I - castigar imoderadamente o filho;
II - deixar o filho em abandono;
III - praticar atos contrários à moral e aos bons costumes;
IV - incidir, reiteradamente, nas faltas previstas no artigo antecedente.
V - entregar de forma irregular o filho a terceiros para fins de adoção. (Incluído pela Lei
nº 13.509, de 2017).

2.2.1 A filiação jurídica

Filiação, é o vínculo existente entre pais e filhos, tratando-se de parentesco em linha reta
de primeiro grau entre uma pessoa e aqueles que lhe deram a vida, incluindo no conceito não
apenas os consanguíneos havidos pela união sexual dos pais, mas também por adoção, filiação
socioafetiva e os havidos por reprodução assistida.
Certamente, uma das maiores inovações e avanços introduzidos no direito de família pela
CF/1988 foi a extinção da discriminação e da odiosa distinção entre os filhos, que era prevista e
regulada no CC/1916. Com efeito, o código revogado, como ocorria com os parentes,
classificava os filhos em legítimos, legitimados, ilegítimos e adotivos.
Filhos legítimos, conforme explica Diniz (2017) eram os concebidos na constância do
casamento. Filhos legitimados eram os concebidos ou nascidos antes do casamento dos pais,
portanto, eram ilegítimos que se legitimaram após o matrimônio. Atualmente, os filhos não
podem ser reconhecidos na ata do casamento, isso de acordo com o Art. 3°, da Lei 8.560/92, que
diz: “é vedado legitimar e reconhecer filho na ata do casamento”.
Filhos ilegítimos, eram os havidos fora do casamento e se dividiam em naturais, quando
inexistia impedimento para o casamento dos pais ou eram separados judicialmente, e espúrios,
quando existia impedimentos para o matrimônio dos genitores, subdividindo-se em adulterinos,
quando um dos ascendentes era casado com outra pessoa, e incestuosos quando o impedimento
para o casamento dos pais resultava de parentesco (CARVALHO, 2015).
Carvalho (2015), esclarece que os filhos adotivos ou civis eram os resultantes da adoção.
Na legislação anterior, os filhos adulterinos e incestuosos não podiam ser reconhecidos e os
adotivos possuíam direitos diversos dos consanguíneos. As Leis 7.841/89 e 8.560/92 revogaram
diversos artigos do CC/1916 que discriminavam a filiação, extinguindo as categorias e
designações dos filhos, em obediência ao preceito constitucional. O atual CC, acolhendo o art.
227, § 6°, da CF/1988, veda qualquer discriminação ao dispor em seu art. 1596 que “os filhos,
havidos ou não da relação de parentesco, ou por adoção, terão os mesmos direitos e
qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação” (BRASIL,
2002).
A filiação, entretanto, face à presunção de paternidade dos filhos havidos no casamento,
pode ser classificada didaticamente em matrimonial e extramatrimonial: filiação matrimonial é
oriunda da união de pessoas ligadas por matrimônio ao tempo da concepção; filiação
extramatrimonial é a provinda de pessoas não casadas, ainda que desimpedidas (natural) ou
impedidas em razão de casamento válido de um dos genitores com terceira pessoa (adulterina) ou
por parentesco (incestuosa) (DINIZ, 2017).
Já para Pereira (2016), a filiação jurídica pode ser natural ou de outra origem, como é o
caso da adoção, reprodução medicamente assistida heteróloga ou filiação socioafetiva, consoante
expressamente permite o CC no art. 1.593, ao estabelecer que o parentesco civil pode ocorrer por
outra origem e não somente pela adoção, como ocorria na legislação anterior, em seu art. 332 (até
ser revogado pela Lei 8.560/92) e no art. 336 do CC/1916.
A judicialização do afeto alcançou positivamente a relação de parentesco, permitindo
novos modelos de família. Ao contrário do que ocorria antes, como o caso de filho criado,
cuidado e sustentado como se filho biológico fosse – filho de criação, mas que em razão de a
relação ter somente uma base socioafetiva, ou seja, uma situação que não se enquadrasse como
relação de sangue ou adoção, não encontrava, portanto, amparo na letra da lei.
O reconhecimento jurídico do afeto gerou uma nova perspectiva para o Direito de
família, havendo até quem diga que a instituição família está fadada ao fracasso. Entretanto, outra
visão é mais sensata, pois as mudanças foram para melhor, uma vez que os laços não se formam
e, muito menos se mantêm por imposição de qualquer das partes, valendo a ressalva de que
mesmo terminando, em algumas situações não se pode ignorar os efeitos jurídicos já gerados.
2.3 Da Multiparentalidade no Sistema Jurídico Brasileiro

A multiparentalidade, é a possibilidade de concomitância, de simultaneidade, na


determinação da filiação de uma mesma pessoa. É a possibilidade de uma única pessoa ter mais
de um pai e/ou mais de uma mãe simultaneamente, produzindo efeitos jurídicos em relação a
todos eles a um só tempo (AMORIM, 2017).
Filiação biológica e afetiva são realidades, não se podendo falar em preponderância de
uma sobre a outra, podendo, destarte, coexistirem. O art. 1.593 do CC já dispõe que o parentesco
pode ter outra origem, onde justamente se encaixa a possibilidade do parentesco/filiação
socioafetiva, permitindo-se então a coexistência entre o parentesco afetivo e o biológico. Afirma
que “não há como negar que alguém possa ter mais de dois pais. Todos assumindo os encargos
do poder familiar, a proteção será maior a quem merece tutela com absoluta prioridade” (DIAS,
2016, p. 988).
Para melhor compreensão da multiparentalidade, há de se ter em mente que a
configuração familiar atual contempla, mais do que a possibilidade genética em gerar filhos (do
qual decorre a parentalidade biológica), a valorização do exercício de funções no âmbito familiar,
ou seja, os papéis desenvolvidos pelos membros da entidade familiar que possibilitam a seus
membros, na esteira da busca da felicidade e da satisfação no trato conjunto, contribuir para o
alcance dos objetivos comuns.
Por tal prisma, em análise acerca da filiação socioafetiva, Farias e Rosenvald (2015)
explicam sobre a funcionalização da figura do pai construída no cotidiano vivido, em que, na
estrutura familiar, o pai é aquele que ocupa, na vida do filho, a função paterna,
independentemente do critério biológico.
De tal sorte, a paternidade na configuração familiar atual é vista sob o prisma funcional, e
reconhecida no trato diário, nas relações sociais e na efetiva demonstração de afeto, respeito e
cuidados especiais entre as pessoas (pai e filho), que reconhecem tal relação com tanta grandeza
como aquela decorrente da consanguinidade.
Não obstante, a doutrina dominante mostrar-se favorável à multiparentalidade, há
doutrinadores que se mostram contrários a ela.
Schreiber (2016) entende que a multiparentalidade fez surgir dúvidas no Direito de
Família. Exemplificou com a hipótese do falecimento de um filho sem descendentes, mas, que
possui um pai e uma mãe biológica e um pai socioafetivo. Nesse caso, não se tem certo como
ficaria a partilha de seus bens já que o CC dispõe que em caso de morte de pessoa sem
descendentes, herdam os ascendentes e nada se fala sobre os pais socioafetivos.
Schreiber (2016) questiona o que poderia ocorrer em caso de um filho possuir pais
biológicos e socioafetivos e todos necessitares de alimentos. Este filho teria que prestar alimentos
a todos eles? Decerto traria um ônus muito elevado a esse personagem. Também, levanta a
possibilidade de demandas mercenárias contra pais biológicos e socioafetivos visando apenas
aspectos patrimoniais.
Este temor é compartilhado por Calderón (2016) que alerta para o risco de o
reconhecimento da multiparentalidade abrir portas para demandas banais, sem relevância,
visando apenas o patrimônio dos pais biológicos e recomenda que essa possibilidade seja
considerada pelos legisladores e operadores do direito.
Por outro lado, Tartuce (2017) faz menção às incertezas que pairam sobre o doador de
material genético, em face do instituto da multiparentalidade. O autor relembra que em 2016 a
Corregedoria Nacional de Justiça editou o Provimento n.52 que, ao disciplinar o registro de
nascimento de filhos concebidos por reprodução medicamente assistida, passou a pleitear para o
registro:
Art. 2º
[...]
Inc. II - declaração, com firma reconhecida, do diretor técnico da clínica, centro ou
serviço de reprodução humana em que foi realizada a reprodução assistida, indicando a
técnica adotada, o nome do doador ou da doadora, com registro de seus dados clínicos
de caráter geral e características fenotípicas, assim como o nome dos seus beneficiários
(CORREGEDORIA NACIONAL DE JUSTIÇA, 2016, s.p).

Esta exigência fere a garantia de anonimato daqueles que doam material genético e
desencoraja as pessoas a fazerem essa doação, e embora seja amenizada pelo parágrafo 4 o do
mesmo artigo, que diz que “o conhecimento da ascendência biológica não importará no
reconhecimento de vínculo de parentesco e dos respectivos efeitos jurídicos entre o doador ou a
doadora e o ser gerado por meio da reprodução assistida” (BRASIL, 2016), frente às decisões
inusitadas que surgem dia após dia, causa grande insegurança jurídica.
As polêmicas não se referem ao direito à multiparentalidade em si, mas aos muitos
questionamentos que permanecem sem resposta com o reconhecimento deste instituto que não
veio acompanhado de mudanças no código civil no que tange à guarda, convivência e aos efeitos
patrimoniais.
Explicado o paradigma da multiparentalidade e as mudanças trazidas pelo mesmo para o
Direito de Família, passa-se a discutir as repercussões da multiparentalidade no sistema jurídico
brasileiro.
Acerca de um primeiro ponto de destaque prático em relação à adoção da
multiparentalidade, vale falar de como a tese pode ser reconhecida no âmbito judicial. Nesse
aspecto, a multiparentalidade pode ser reconhecida nas mais diversas ações atinentes à filiação,
além de se vislumbrar plenamente cabível nas ações de adoção.
Nessa toada, como informa Passadore et al. (2017) em casos exemplificativos como o do
ingresso, por pai biológico, mas que não figurou originariamente como tal quando do efetivo
registro de nascimento da criança, e que posteriormente pleiteia sua inclusão, não obstante já
resistir pai registral diverso, e que mantém vínculo afetivo com a criança, a realização de estudo
psicossocial fornece elementos valiosos ao julgador para a preservação do superior interesse da
criança.
Assim, verificada, no exemplo dado, a socioafetividade entre a criança e o pai registral,
não se desfaz tal vínculo, ao passo que, também desejando o genitor exercer a função paterna,
emerge a possibilidade de reconhecimento da multiparentalidade
Como explica Vargas (2017), os casos de multiparentalidade também podem surgir, no
âmbito de ações negatórias de paternidade, ajuizadas por pai registral que, diante do aparecimento
de pai biológico em determinado momento da vida do infante, deseja ter o vínculo formal
consubstanciado na inclusão de seu nome na certidão de nascimento da criança categoricamente
desconstituído, por interesses dos mais diversos (muitas vezes antagônicos ao superior interesse
da criança, o que faz translucidar a situação da multiparentalidade).
Em muitos casos, como ilustram Passadore et al. (2017) o pai registral, e que assim
figurou inicialmente na vida da criança por ato voluntário, em momento posterior, e movido por
sentimentos tendentes a alterações mundanas, deseja simplesmente “desaparecer” de
determinado contexto familiar em que estava inserido, notadamente dos laços, inclusive formais,
que o atrelam a tal núcleo familiar. A alteração do nome, do registro de nascimento da criança, se
mostra essencial para determinar tal rompimento.
Em contrapartida a essa intenção de rompimento, como explica Vargas (2017), tem-se a
visão da criança, por vezes envolvida em conflitos que transcendem seus pensamentos. Para ela,
aquele que a registrou, e que com ela formou vínculos de afeto e paternidade, não pode
simplesmente ser apagado.
Pais e filhos formaram vínculo indissociável que em muito molda a personalidade, as
características e o trato social de um sujeito em desenvolvimento. E tal vínculo, graças à
possibilidade de reconhecimento da multiparentalidade, e dando relevo ao superior (e contínuo)
interesse da criança, pode ser mantido, preservando a integridade do infante (CALDERON,
2017).
Em um dos casos exemplificativos citados na obra de Calderon (2017), determinado pai
pretendia ver seu nome excluído do registro de nascimento da criança, que havia registrado desde
tenra idade. No polo ativo, figuravam, além dele, a genitora da criança e o pai biológico, estando
os maiores, a princípio, todos de acordo com o desfazimento da situação registral, para
“readequar” a paternidade da criança.
Ajuizada a ação, verificou-se, por intermédio da realização de estudo psicossocial pela
equipe multidisciplinar que auxilia o Juízo, que a criança tinha a noção de que o genitor (origem
biológica) era seu pai, mas também tinha no pai registral a figura paterna, o “pai do coração”,
como popularmente dito.
Destacou-se verdadeira situação de multiparentalidade, de modo que o interesse da
criança, de manutenção desses vínculos com os pais, restou ao final preservado, ainda que
contrariando o inicial interesse dos maiores.
Nesse sentido, a sentença proferida, reconhecendo a multiparentalidade em sua essência
de preservação do interesse da criança, determinou a manutenção dos dados do pai registral, e a
inclusão dos dados do pai biológico no assento de nascimento da criança, formalizando, pois, a
situação já compreendida pelo infante.
Um dos pilares fundantes da multiparentalidade é a igualdade, especialmente sob dois
enfoques: a igualdade entre os vínculos de origem biológica e socioafetiva, e a igualdade de
tratamento entre os filhos sejam eles de origem biológica ou socioafetiva (CASSETARI, 2017).
Cassetari (2017) destaca também que a multiparentalidade acarreta, por si, a atribuição do
poder familiar (art. 1.630 e seguintes, do CC), cuja potencialidade de exercício resta configurada
em mesmo grau, por todos os pais e mães que eventualmente figuram como tal em relação à
criança (ou crianças).
Em decorrência do reconhecimento da multiparentalidade e do poder familiar atribuído a
todos os pais de forma igualitária, mostram-se aplicáveis as regulamentações corriqueiras que
permeiam o desenvolvimento da criança, e garantem seu sadio desenvolvimento (CARVALHO,
2015).
Com efeito, e analisando a aplicação prática dos vínculos originários da filiação, tem-se
que o entendimento jurisprudencial atual é no sentido de reconhecer a existência de duas espécies
de origem de parentesco: a biológica e a socioafetiva. Entretanto, como alerta Carvalho (2015)
por muitas vezes se nota que as decisões têm por escopo uma análise, no caso concreto, acerca
de prevalência de um critério sobre o outro.
Não obstante tal discussão, ainda não pacificada nos Tribunais, por outro viés, do qual
emerge a multiparentalidade, se compreende além de uma limitação que faria prevalecer um
critério sobre outro.
Pela adoção da multiparentalidade, segundo Passadore et al. (2017, p.278), compreende-se
que os critérios biológicos e socioafetivo possuem origens diversas, de modo que podem
coexistir com a finalidade de admitir a existência concomitante de parentalidade oriunda do
vínculo genético, e aquela construída através da formação de vínculo socioafetivo. Dessa
pluralidade de vínculos de origem diversa, poderiam existir relações múltiplas entre os filhos e
seus pais (biológicos ou socioafetivos).
Sobre o tema, principalmente no que se refere à responsabilidade de pais biológicos e
socioafetivos, reconhecendo que existem vínculos de origens distintas, e com base na sistemática
de apreciação dos recursos elencada no Código de Processo Civil de 2015 (CPC/2015), destaca-
se a decisão do STF em sede de Recurso Extraordinário (RE) com repercussão geral reconhecida.
Nesse caso, cujo relator foi o Ministro Luiz Fux, foi fixada uma tese que passou a servir
de parâmetro para futuros casos semelhantes, “A paternidade socioafetiva, declarada ou não em
registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na
origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios” (BRASIL, 2016).
O RE 898.060 (Repercussão Geral 622) ressaltou, em atenção ao princípio da paternidade
responsável, que tanto vínculos de filiação advindos relação de afeto entre os envolvidos, quanto
os originados dos laços biológicos, devem ser acolhidos pela legislação. Segundo o relator: “não
há impedimento do reconhecimento simultâneo de ambas as formas de paternidade –
socioafetiva ou biológica –, desde que este seja para preservar o interesse do filho” (BRASIL,
2016).
O ministro Dias Toffoli salientou o direito ao amor, o qual está relacionado com as
obrigações legais do pai biológico para com o filho, a exemplo da alimentação, educação e
moradia. Afirmou que:: “se teve o filho, tem obrigação, ainda que filho tenha sido criado por
outra pessoa” (BRASIL, 2016).
Acompanhando o relator, o ministro Gilmar Mendes pontuou que a tese sustentada pelo
pai biológico demonstra “cinismo manifesto”, pois: ‘’a ideia de paternidade responsável precisa
ser levada em conta, sob pena de estarmos estimulando aquilo que é corrente porque estamos a
julgar um recurso com repercussão geral reconhecida” (BRASIL, 2016).
O ministro Edson Fachin, a seu turno, votou pelo provimento parcial do recurso,
entendendo que o vínculo socioafetivo “é o que se impõe juridicamente” no caso dos autos, em
razão da existência do vínculo socioafetivo com um pai e vínculo biológico com o genitor. Assim,
deixa claro que existe diferença entre o genitor e o pai, quando ressalta que o parentesco não se
confunde com a questão biológica.
Depreende-se que a decisão do STF reflete duas grandes tendências: primeiro, a
necessidade de reconhecimento do afeto quanto elemento caracterizador/formador de vínculos
(parentesco socioafetivo); e segundo, a multiparentalidade, a possibilidade de constituição de
vínculo de paternidade/maternidade simultâneo.

3 CONCLUSÃO

O objeto estudado nesta pesquisa, não se esgotou com o estudo apresentado, no entanto
a pesquisa realizada tornou possível aprofundar conhecimentos sobre os temas aqui
desenvolvidos, especialmente sobre o valor jurídico do afeto com o surgimento da
multiparentalidade bem como sobre os critérios para seu reconhecimento no judiciário brasileiro.
Observou-se que a multiparentalidade é um tema atual e relevante e merece maior
atenção dos operadores do direito, pois, as pesquisas jurídicas não têm retratado o real cenário
das famílias contemporâneas, o que exige que essas questões sejam examinadas.
Tem-se que o Estado deve assegurar ao filho o direito de ter reconhecida a paternidade
biológica e socioafetiva bem como usufruir de todos os efeitos jurídicos da multiparentalidade, a
exemplo do direito ao nome não apenas do pai biológico, mas também o pai socioafetivo, direito
à pensão alimentícia, direitos sucessórios, entre outros.
Percebeu-se também que não mais importa se a parentalidade/filiação se forma por laços
de sangue, laços afetivos ou por ambos simultaneamente. A igualdade deve ser assegurada a pais
e filhos, sejam eles consanguíneos ou socioafetivos.
Ademais, o filho tem o direito de conhecer sua verdade biológica e ser reconhecido pelas
paternidades biológica e socioafetiva tal como reconhecido no RE 898.060, que passou a
reconhecer que independentemente de haver ou não registro público declarando a paternidade
socioafetiva, não existe impedimento para que um vínculo de filiação concomitante seja
reconhecido e surta os efeitos jurídicos que lhe são próprios.
Como resposta ao problema central, pelo exposto nas doutrinas aqui expostas e
consoante o RE 898.060 as questões que envolvem os efeitos jurídicos da socioafetividade como
critério de parentesco para os filhos adotados à brasileira com a possibilidade de acréscimo do
nome do pai biológico na certidão são: reconhecimento concomitante da paternidade biológica e
socioafetiva com iguais direitos para os filhos biológicos e socioafetivos; igualdade garantida não
apenas aos filhos mas também aos pais consanguíneos e socioafetivos; e por fim, o direito de
conhecer sua verdade biológica sem afastar a paternidade socioafetiva mesmo inexistindo registro
público que declare essa última.
Percebe-se que o princípio da afetividade especializa, no âmbito familiar, os princípios
constitucionais fundamentais da dignidade da pessoa humana e da solidariedade, e entrelaça-se
com os princípios da convivência familiar e da igualdade entre cônjuges, companheiros e filhos,
que ressaltam a natureza cultural e não exclusivamente biológica da família.
A valoração jurídica da afetividade, alinhada aos demais princípios e regras do
ordenamento, tem contribuído para a construção de outras categorias jurídicas, viabilizando
interessantes possibilidades no âmbito do direito de família. Destarte, os novos rumos conduzem
à família socioafetiva, onde prevalecem os laços de afetividade sobre os elementos meramente
formais.
O estudo aqui apresentado não esgota o assunto. Cada vez mais chegam ao Judiciário
configurações de família diversas, requerendo dos profissionais da área profundo conhecimento
da matéria, sensibilidade e bom senso a fim de que seja possível continuar produzindo decisões
que assegurem a dignidade da pessoa humana, acompanhando ao mesmo tempo as demandas da
sociedade cada vez mais surpreendentes e específicas.

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