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UNIVERSIDADE CATÓLICA PORTUGUESA

Direito das Obrigações


Resumos para Exame

José Paulo Miranda Antunes

340119096

Faculdade de Direito | Escola do Porto

2022
Introdução ao Direito Privado – José Paulo Miranda Antunes

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Introdução ao Direito Privado – José Paulo Miranda Antunes

I – NOÇÃO E PRINCÍPIOS DE DIREITO PRIVADO

1. A personificação jurídica do Homem e o reconhecimento de direitos de


personalidade. Reconhecimento da personalidade coletiva. O princípio da
igualdade jurídica perante a lei. A necessidade de proteção dos “mais fracos”.
O Princípio da Autonomia Privada

O direito privado assenta no princípio da igualdade jurídica dos homens perante


a lei. Este princípio constitui, na verdade, a base para a regulamentação e ordenação das
relações jurídicas entre os particulares (ou entre estes e entidades privadas quando
participam no tráfico jurídico geral formalmente do mesmo modo que os particulares).
O princípio da igualdade jurídica parte da ideia de que todos os homens possuem,
por via de regra, virtualidades iguais – sendo assim suscetíveis de serem titulares de
quaisquer direitos subjetivos ou obrigações, de ser titulares de quaisquer relações
jurídicas de direito privado – apesar das suas diferenças naturais ou interesses
divergentes ou posições sociais diferentes, uma vez que o direito privado não os deve
privilegiar nem discriminar em função dos mesmos. Portanto, as diferenças entre as
pessoas e as suas posições sociais não são negadas, mas não devem originar um
tratamento desigual perante a lei.
O Código Civil observa o princípio da igualdade jurídica com grande rigor. O artigo
66º, nº1, constata que “a personalidade [se] adquire (...) no momento do nascimento
completo e com vida”, facto esse que a lei considera como evidente, um dado adquirido,
que há-de aceitar. Com isso, a personalidade jurídica não está à disposição do
legislador.
No mesmo modelo, temos os artigos:
" 67º (capacidade jurídica);
" 68º (termo da personalidade);
" 70º (tutela geral da personalidade);
" 130º (aquisição e efeitos da maioridade);
" 1600º (capacidade para casar);
" 1671º (igualdade dos cônjuges);
" 1850º (capacidade para perfilhar);
" 2188º (capacidade para testar);

Os homens, quando participam no tráfico jurídico privado, fazem-no de acordo com


a sua vontade. Ou seja, agem segundo o Princípio da autonomia privada.
A autonomia privada é o princípio da conformação autónoma das relações jurídicas
por parte do indivíduo segundo a sua vontade. A autonomia privada decorre do
princípio da autodeterminação do homem.
Assim, a ordem jurídica privada reconhece que, dentro dos limites da lei, cada
homem possui a faculdade de estabelecer livremente as suas relações jurídicas (contrair
obrigações e adquirir direitos mediante negócios jurídicos) como ele o entender por
bem.
Deste modo, o direito privado respeita as desigualdades naturais e os interesses
individuais e garante a capacidade de agir originária do indivíduo, não integrado em
estruturas de dominação e obediência. O direito privado encontra-se assim ao serviço da
autorrealização dos homens, salvaguardando a multiplicidade e diversidade de agir dos

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mesmos, ao conferir-lhes a possibilidade da conformação autónoma das suas relações


jurídicas na sua convivência com os outros.
O indivíduo atua dentro de uma esfera ordenada pelo direito. Assim, o indivíduo
somente pode estabelecer relações na medida em que a ordem jurídica põe à sua
disposição certos tipos negociais a utilizar para o efeito.
Portanto, a conformação autónomo-privada de relações jurídicas apenas pode fazer-
se mediante atos cujos tipos negociais são disponibilizados pela ordem jurídica. Para o
efeito, esta estabelece um numerus clausus dos tipos negociais e das possíveis relações
conformáveis por meio deles.

Por conseguinte, a conformação autónoma de relações jurídicas é determinada,


quanto à forma e ao conteúdo possível do negócio, pela ordem jurídica. A autonomia
privada e o Direito Privado estão entrelaçados e correlacionados. O indivíduo pode
decidir, dentro do âmbito da autonomia privada, se quer estabelecer relações jurídicas e
a respeito de que pessoas ou acerca de que objetos e com que finalidade ele o pretende
fazer. Mas apenas pode estabelecer as suas relações jurídicas por meio daqueles atos
que, como tipos negociais, a ordem jurídica admite e apenas pode conformar estas
relações nos moldes reconhecidos por ela. Em contrapartida, a ordem jurídica aceita e
protege o que tiver sido estabelecido em conformidade com a vontade, exatamente em
virtude do facto de ter assumido como seu o princípio fundamental da autonomia
privada.

A conformação autónoma das relações jurídicas, estabelecidas nos termos da lei, em


princípio não necessita de nenhuma outra justificação senão a vontade do indivíduo
(sendo, contudo, desejável que esta vontade seja exercida dentro de vinculações éticas).
Todavia, como a lei que estabelece o quadro (ou marca as balizas) para delimitar a
autonomia privada é norteada e orientada pela ideia de justiça, a vontade do indivíduo
não pode colocar-se à margem da mesma. Seria na verdade inconcebível que a lei
aceitasse um espaço autónomo-privado onde a vontade do indivíduo pudesse ignorar ou
contrariar aquela ideia de justiça.
Assim, se a lei aponta para o estabelecimento de consensos justos, a autonomia
privada, ao realizar-se nos quadros da mesma, também o deve fazer. É, aliás, esta a ideia
que decorre dos artigos 232º e 405º do Código Civil a respeita da liberdade contratual.

A autonomia privada, baseada na premissa da igualdade jurídica de todos os homens,


encontra-se desde sempre perante o dilema de, na altura do estabelecimento de uma
dada relação jurídica concreta, poder existir um desequilíbrio de poder negocial entre as
partes, de tal modo que fique prejudicada a composição adequada dos interesses em
jogo. Efetivamente, os princípios da igualdade formal e autonomia privada ostentam, na
sua abstração, alguma ousadia quando comparados com determinadas constelações reais
em que as pessoas se encontram.
Na verdade, uns são sociais ou economicamente mais fortes e outros são, em termos
materiais correspondentes, mais fracos. Esta realidade não deve, no entanto, ser
exagerada ou levar a uma condenação do princípio da autonomia privada. Muito pelo
contrário, a autonomia privada deve ser protegida por meio de soluções legais
adequadas contra eventuais abusos decorrentes de desigualdades materiais.
Para este efeito, o princípio da autonomia privada tem vindo a ser corrigido com base
em critérios materiais (portanto, visando uma situação de desigualdade material),
atendendo as situações típicas ou tipificáveis, que são caracterizadas pela existência de
uma parte mais fraca. Neste sentido, a correção exprime uma preocupação social do

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legislador e leva a exceções ao princípio da igualdade jurídica formal. Necessitando,


como exceção que é, desta maneira, de uma justificação, a concretização do princípio
da proteção dos mais fracos constitui um problema extremamente difícil para o direito
privado, sobretudo tendo em conta que a proteção, muitas vezes, não é só necessária
como é mesmo imprescindível.
De outro modo, uma autonomia privada, baseada numa igualdade formal sem
limitações, conduziria, em etapas sucessivas, à eliminação dos mais fracos pelos mais
fortes e à eliminação da própria autonomia privada.

Em todo o caso, cada limitação da autonomia privada implica uma limitação da


liberdade. Quer dizer, liberdade e proteção social encontram-se numa relação de tensão.
O problema consiste em encontrar soluções equilibradas, em saber quem são realmente
os mais fracos, e como se resolve o problema com os meios do direito privado, uma vez
que, ao proteger os mais fracos, são contemplados interesses particulares, não gerais, o
que significa um abandono do princípio da igualdade formal. Para o efeito, atende-se a
certas situações consideradas típicas (por exemplo, o lesado em relação ao usurário; o
consumidor em relação ao fornecedor monopolista de energia; o trabalhador perante
o empregador; o desempregado à procura de um emprego, mas já não sempre o
arrendatário de uma habitação em relação ao senhorio ou o consumidor em relação ao
prestador de bens ou serviços).
O que caracteriza a situação do mais fraco é o desequilíbrio de poder em seu
desfavor, situação essa que limita a sua liberdade. A proteção do mais fraco deve
consistir, antes de tudo, num aumento de liberdade decisória deste. Quer dizer, a
liberdade do processo negocial deve ser garantida. Para equilibrar a desigualdade de
poder não é possível fazer desaparecer o poder, pois este existe. Contudo, o poder deve
ser redistribuído ou deslocado, ou para dar força à própria posição do mais fraco,
conferindo-lhe mais liberdade, ou para ser devidamente controlado. O meio clássico é o
controlo do conteúdo da relação jurídica, estabelecido por via judicial, tendo em vista o
seu equilíbrio.
Um outro meio clássico no sentido de evitar abusos da autonomia privada são as
normas imperativas que limitam a liberdade contratual.

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2. A liberdade contratual: significado, limites e exceções.


A consagração da responsabilidade civil. Significado e modalidades.

2.1 Significado e limites da liberdade contratual

A autonomia privada apenas pode ser exercida mediante o recurso aos tipos
negociais previstos na lei. O tipo negocial mais importante é o contrato. Quanto a este
meio de estabelecimento e conformação de relações jurídicas privadas vigora, na lógica
do direito privado, o princípio da liberdade contratual. Na verdade, a autonomia
privada encontra a sua expressão por excelência no princípio da liberdade contratual,
com a qual, às vezes, chega a ser identificada ou confundida.

2.1.1. A liberdade de celebração e de fixação do conteúdo do contrato

A liberdade contratual vem regulada nos artigos 405º, nº1 e 2, e 406º, nº1 do Código
Civil. Segundo estes preceitos, a liberdade contratual atua “dentro dos limites da lei”
em dois sentidos, que são:

a) Primeiro, a liberdade de celebração ou de conclusão de contratos. Em


princípio, ninguém está obrigado a concluir um contrato com outrem. Esta
liberdade de celebração decorre da formulação do artigo 405º, nº1: “as
partes têm a faculdade”.
Segundo, a liberdade de fixação do conteúdo do contrato. Esta liberdade vem
regulada nos nº1 e 2 do artigo 405º e significa que as partes podem concluir
contratos típicos (que são nominados na lei, no Código Civil ou em leis
especiais), podem incluir neles as cláusulas que acharem convenientes,
podem celebrar contratos mistos (por via da conjugação de dois ou mais
contratos típicos) e ainda podem concluir contratos atípicos, não nominados
(que não estão regulados na lei).

b) A liberdade de modificar ou até extinguir o contrato por mútuo


consentimento das partes contraentes (artigo 406º, nº1 do Código Civil).
Assim, podemos constatar que o tipo negocial “contrato” apresenta uma
flexibilidade enorme, deixando um espaço larguíssimo à conformação
autónoma das relações jurídicas privadas no que respeita à sua configuração
no caso concreto. Mas liberdade contratual não significa liberdade do
contrato, apenas corresponde à liberdade na escolha do tipo contratual.

A liberdade contratual encontra a sua justificação na ideia de ser ela o meio


adequado para o estabelecimento de um justo equilíbrio entre os interesses das partes
contraentes. Pressupõe que as pessoas intervenientes na formação do contrato
encontram o resultado correto, apropriado para a realização e conciliação dos seus
respetivos objetivos e propósitos. Além disso, a liberdade contratual contém uma ideia
de justiça, justiça essa obtida a partir da autorregulamentação dos particulares.
A liberdade contratual é a base jurídica de uma ordem de economia de mercado e,
como tal, um elemento fundamental da concorrência económica. Uma economia de

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mercado apenas pode funcionar havendo contratos. Assim, a regra aparentemente


técnico-jurídica do artigo 405º do Código Civil contém, por si só, uma decisão
importante, de largo alcance jurídico-económico, a favor de uma ordem económica não
planificada.
2.1.2. Os limites da lei à liberdade contratual e as suas justificações

De qualquer modo, de acordo com o disposto no artigo 405º, nº1 do Código Civil, a
liberdade contratual deve manter-se “dentro dos limites da lei”. Os limites da lei dizem
respeito tanto à liberdade de celebração do contrato, como à liberdade de fixação do
conteúdo do contrato e ainda à sua eventual modificação ou extinção.

a) Podemos enunciar como limites de celebração do contrato, por exemplo, as


situações em que é proibida a sua própria celebração e aqui temos os artigos
261º (proibição do negócio consigo mesmo), 579º (proibição da cessação de
direitos litigiosos), 877º (proibição da doação por morte), 953º d 2192º a
2198º (que determinam a nulidade de disposições a favor de determinadas
pessoas, ao consagrar indisponibilidades relativas), 1699º e 1720º
(restrições ou eliminações do princípio da liberdade de celebrar convenções
antenupciais, não tendo a eliminação, imposta pela alínea b) do nº1 do
artigo 1720º por razões morais, justificação jurídica nenhuma), etc.

Noutros casos, a celebração de um contrato está sujeita a consentimentos de


outrem (por exemplo, os artigos 1682º a 1684º preveem que um cônjuge
precisa, para determinados negócios, do consentimento do outro) ou
depende de uma autorização (por exemplo, segundo o artigo 145º, nº2,
alínea d), a prática de determinados atos de um maior acompanhado
necessita de autorização prévia do acompanhante; os pais, como
representantes dos filhos, precisam da autorização do Ministério Público
para alienar bens destes e, enquanto ainda exercem as responsabilidades
parentais, também estão proibidos de adquirir bens dos seus filhos sem
previamente terem sido autorizados para o efeito, como dispõem os artigos
1889º e 1892º, respetivamente).

b) Como exemplos relativos à fixação do conteúdo do contrato, que a lei não


consente, temos os artigos 280º (o negócio é legalmente impossível ou tem
um conteúdo contrário à ordem pública ou ofensivo os bons costumes),
282º a 284º (que invalidam os negócios usurários), 334º (segundo o qual o
exercício de um direito é ilegítimo quando é abusivo). E também não podem
ser afastadas normas imperativas que prescrevem o conteúdo obrigatório de
um contrato (por exemplo, o artigo 167º, nº1, que define o conteúdo do ato
de constituição de uma associação, ou o artigo 1418º, nº1, que estabelece as
especificações obrigatórias que devem constar do título constitutivo da
propriedade horizontal).

c) E como exemplos limitativos da modificação ou extinção de um contrato


temos a legislação que prevê um dever jurídico da manutenção do contrato,
imposto a uma das partes, um fenómeno que caracteriza o direito de
arrendamento urbano, destinado a proteger os arrendatários contra o despejo,
inclusive nas situações específicas de divórcio ou separação judicial de
pessoas e bens, em que a posição do arrendatário é transmitida ao outro

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cônjuge sem consentimento do senhorio (artigos 1105º, 1106º, nº1 a 3, e


1793º do CC).

Em muitos e variados casos – para além dos que já foram referidos anteriormente –
existem leis limitativas e restritivas que se sobrepõem à liberdade de fixação de
conteúdo do contrato e que pretendem atuar em dois sentidos: limitação da liberdade
contratual, por um lado, e proteção do social e economicamente mais fraco, por outro
lado, sendo a primeira o meio e a segunda o fim. Com estas leis pretende-se corrigir
perturbações da justiça comutativa ao promover um equilíbrio das prestações e prevenir
contra a usura.

Dever jurídico de contratar

Diferentes são os casos em que existe um dever jurídico de contratar. Este dever
atinge o cerne da liberdade de celebração do contrato e constitui a quebra mais forte do
princípio da liberdade contratual. Em certa medida poderia pensar-se que o dever
jurídico de contratar não restringe o princípio, mas nega-o.
O dever jurídico de contratar que, bem entendido, se verifica a nível de relações
jurídico-privadas, abrange não só a liberdade de celebração como também a liberdade
de fixação do conteúdo do contrato. Se assim não fosse, o obrigado a contratar podia
furtar-se ao seu dever mediante exigências exorbitantes quanto ao conteúdo do contrato
a celebrar, designadamente a respeito do preço, exigências que a outra parte não estaria
em condições de satisfazer, de modo que o dever de contratar teria poucos efeitos
práticos.
Desta maneira, a conclusão de um contrato não pode ser recusada quando certos bens
ou serviços básicos (abastecimento com água, eletricidade, combustíveis, transportes
coletivos e comunicações, etc.) não podem ser obtidos senão pela conclusão do próprio
contrato pretendido. A obrigação de contratar decorre, nas situações em que existe,
diretamente da lei ou de uma concretização do conceito jurídico indeterminado da
ordem pública ou da cláusula geral dos bons costumes. Poderão ser incluídas nestas
situações, ainda, o acesso a certos estabelecimentos privados (bibliotecas, museus ou
fundações com fins culturais) de acordo com os regulamentos de utilização que devem
incluir pagamentos para o efeito.
Outros exemplos são a contratação obrigatória de deficientes, ou a respeito do
cumprimento de certos deveres profissionais, como os de não recusar, em situações de
emergências, a assistência médica.
Por fim, ainda pode ser mencionada a impossibilidade de recusar os pedidos de
inscrição em certas organizações profissionais ou afins (designadamente associações
privadas em posição de monopólio), se estiverem preenchidos os requisitos de inscrição
e se o exercício da profissão ou atividade depender desta última.

Os casos mencionados têm em comum que a liberdade de celebração do contrato


apenas está excluída de um lado. A liberdade de fixação do conteúdo, porém, é retirada
a ambas as partes como meio indispensável para assegurar os objetivos visados. Por
exemplo, o fornecedor de eletricidade não pode recusar a conclusão do contrato, mas o
consumidor pode decidir se quer celebrar um contrato de fornecimento de energia
elétrica ou não, contentando-se com a luz da vela e o calor da lareira. Tanto o
fornecedor como o consumidor não podem negociar o preço da eletricidade, mas o
consumidor pode negociar a quantidade ao gastar mais ou menos. Por isso, a liberdade

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contratual mantém ainda relevância para uma das partes a nível da liberdade de
celebração, sendo determinada pela elasticidade da sua procura. Deste modo, não se
pode afirmar que o dever jurídico de contratar constitui uma negação completa da
liberdade contratual.

Situa-se a um nível diferente o objetivo da diminuição de riscos típicos por meio de


contratos de seguro obrigatórios, como, por exemplo, o seguro automóvel ou o seguro
contra incêndios. Nestas situações, os seguradores não podem, quando a sua atividade
abrange o respetivo ramo, recusar a conclusão de um contrato de seguro onde neste é
obrigatório. O segurado, por seu lado, está numa situação mais flexível: pode escolher
entre os vários seguradores ou, em alguns casos, podia pagar um imposto em vez de
concluir um contrato de seguro (por exemplo, no caso do seguro de incêndios).

Resta dizer que nos casos de utilização de bens ou serviços públicos (por exemplo,
museus ou bibliotecas ou monumentos nacionais) ou na exigência de inscrições em
organizações profissionais com base no direito público (como, por exemplo, as
associações públicas [ordens ou câmaras profissionais]), o dever de contratar não
respeita a relações entre particulares mas situa-se a nível de relações entre entidades
públicas e particulares e é a consequência do princípio do tratamento igual que as
entidades públicas devem aos cidadãos.

São dogmaticamente diferentes e inconfundíveis com os casos anteriores, aqueles em


que as próprias partes, livremente, num contrato-promessa (artigo 410º do CC),
estipularam o dever subsequente de contratar: o contrato-promessa é concluído sem a
existência prévia de uma obrigação jurídica. Aqui estamos exatamente em face do
resultado da auto-vinculação das partes entre si, com os efeitos da execução pacífica,
em caso de não cumprimento da promessa, previstos no artigo 830º do Código Civil.
Por outro lado, as partes podem desvincular-se do contrato-promessa, por mútuo
consentimento, nos termos do artigo 406º, nº1 do CC.
Novamente diferentes são as situações em que – sob a aparência da liberdade
contratual – uma proposta contratual é recusada com fundamentos ou fins
inconstitucionais ou violares da ordem pública ou lesivos dos bons costumes (por
exemplo, com base em racismo ou fundamento religioso); aqui, o contrato proposto
deve ser aceite pela outra parte, não podendo a sua conclusão ser negada com tais
fundamentos.

2.1.3. Outras limitações à liberdade contratual – Cláusulas Contratuais


Gerais

Contudo, limitações à liberdade contratual não existem apenas na lei. Também há


limitações de facto. São aqui de referir, sobretudo, as “cláusulas contratuais gerais” (ou
os contratos de adesão).
Ao contrário do que corresponde à ideia primitiva subjacente aos artigos 405º e 406º
do Código Civil, pensados para contratos individualmente negociados, as cláusulas
contratuais gerais destinam-se à celebração de contratos cujos conteúdos estão
uniformizados e em que as condições para o negocio se encontram pré-estabelecidas por
uma das partes, com vista a um número indeterminado de contratos iguais a concluir no
futuro com parceiros diferentes, restando a estes apenas a aceitação das cláusulas pré-
fixadas, normalmente sem hipótese de alteração (ou de uma alteração substancial).

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As cláusulas contratuais gerais são uma característica da sociedade moderna com os


seus fenómenos de massa e aplicam-se a todos os níveis da contratação e entre todos os
agentes económicos. Do mesmo modo que a produção de artigos individuais (ou a
prestação de serviços individuais) se foi substituindo pela produção de artigos em série,
normalizados, vieram a substituir-se os contratos individualmente negociados por
contratos uniformizados. Este modo de contratar resulta, portanto, das formas de
produção (ou prestação de serviços) modernas.
Mas, muitas vezes, a parte que estabelece as cláusulas contratuais, o “contratante
determinado”, aproveita a sua posição para moldar o conteúdo do contrato no sentido
de fazer prevalecer os seus interesses e a sua vontade, como a vontade do mais forte,
para, por exemplo, impor uma deslocação indevida dos riscos mediante o afastamento
dos respetivos preceitos legais dispositivos, ou para excluir, pura e simplesmente, a
liberdade da fixação do conteúdo do contrato.

Nestas circunstâncias é preciso encontrar soluções eficazes ou montar mecanismos


de controlo judicial suficientes para impedir que a liberdade contratual, designadamente
a liberdade de fixação do conteúdo do contrato, seja abusada quando se recorre à
utilização de tais cláusulas.

Com este propósito foi elaborado o DL nº446/85, de 25 de outubro que regula o


regime das cláusulas contratuais gerais, com vista a proteger o “aderente” que se sujeita
a tais cláusulas contra eventuais abusos, tendo sido instituído um controlo judicial. As
previsões da lei são muito diferenciadas, podendo a utilização de determinadas cláusulas
ser proibida e os contratos serem declarados nulos. Toda a tendência do DL nº446/85
vai no sentido de reforçar as proteções resultantes da lei civil geral, nunca no sentido de
as enfraquecer. Em princípio, as cláusulas contratuais, no núcleo essencial da sua
aplicação, deviam ir ao encontro da situação de interesses de ambas as partes.

2.1.4. As áreas de aplicação da liberdade contratual dentro do direito privado

Estando assim definidos a liberdade contratual, os seus limites como vêm traçados
pelo Código Civil ou por outras leis, bem como as suas limitações de facto, convém
ainda uma referência aos campos de aplicação daquele princípio.
Como campo de eleição é de mencionar, tanto em relação à liberdade de celebração
como quanto à liberdade de fixação do conteúdo do contrato, em primeira linha, a vasta
área do direito das obrigações, visto o tipo legal “contrato” ser extremamente elástico,
seguido do direito comercial e, ainda, do direito do trabalho, não obstante os muitos
limites legais que o caracterizam.
No que respeita aos direitos reais, excetuando os direitos limitados de gozo em que é
admitida, está excluída de todo a fixação do conteúdo do contrato (artigo 1306º, nº1),
uma vez que eles têm um conteúdo determinado e que existe, para além disso, um
numerus clausus dos tipos legais permitidos pela lei.
Quanto ao direito da família, são de distinguir os negócios de caráter pessoal e os de
caráter patrimonial, nomeadamente a escolher o regime de bens. Em ambos os casos,
existe a liberdade de celebração do contrato (havendo capacidade matrimonial).
Todavia, a fixação do conteúdo está reduzida ou excluída no primeiro caso (conforme o
artigo 1591º, quanto à promessa de casamento, o artigo 1618º em relação ao
casamento e o artigo 1852º a respeito da perfilhação) e limitada no segundo (conforme
o artigo 1698º, 1699º e 1718º, relativamente às convenções antenupciais) – aparte as

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ilegitimidades conjugais estabelecidas para negócios patrimoniais dos cônjuges na


constância do seu casamento (artigos 1682º a 1687º do Código Civil).

No direito sucessório, o princípio da liberdade de celebração do contrato tem uma


aplicação reduzida, visto não serem admitidos (excetuando-se o regime dos artigos
1700º e ss. para as convenções antenupciais) pactos sucessórios. O princípio da
autonomia privada ganha expressão – proibidos como são os pactos sucessórios – num
negócio unilateral: o testamento (artigos 2179º e ss. do Código Civil). Todavia, a seu
respeito o princípio da liberdade de fixação do conteúdo do contrato é limitado
sobretudo pelas regras da sucessão legitimária, que não permitem ao testador dispor
com inteira liberdade do seu património (artigos 2156º a 2167º).

O tratamento diferenciado, quanto à liberdade da fixação do conteúdo do contrato,


entre o direito das obrigações, por um lado, e o direito das coisas e o direito da família,
por outro, encontra a sua razão de ser nas exigências do tráfico jurídico. Este necessita
de uniformidade quando está em causa a atribuição de bens ou a determinação do estado
familiar. Aqui o conteúdo deve ser claro, permitindo uma informação definida acerca
das situações existentes, o que seria incompatível com um conteúdo flexível dos direitos
reais ou dos direitos familiares pessoais.
Por exemplo, se houvesse liberdade para determinar caso a caso o conteúdo do
direito de propriedade, ninguém sabia ao certo o que lhe pertencia nem sabia o que
pertencia aos outros, uma vez que cada um podia entender coisa diferente de
“propriedade”.

O princípio da liberdade contratual, no sentido da fixação do conteúdo do contrato,


apenas pode valer quando se trata da constituição ou da modificação de obrigações e
créditos (neste sentido, precisamente, o artigo 1306º, nº1, 2ª parte). Mas assim também
se explica que no próprio direito das obrigações o princípio da livre fixação do conteúdo
do contrato seja afastado quando se trata de obrigações já constituídas que, em seguida,
se pretendem transmitir, quer dizer, atribuir juridicamente a outrem (evidentemente por
via contratual, dentro do princípio da liberdade de celebração do contrato). Aqui, as
partes são limitadas no que toca ao conteúdo do contrato – pelos regimes legais
existentes (ver os artigos 424º ss., quanto à cessão da posição contratual, ou os artigos
577º ss., quanto à transmissão de créditos e dívidas).

1.1 Significado e modalidade da responsabilidade civil

1.1.1. Considerações gerais; as responsabilidades contratual e extracontratual ou


civil; as suas delimitações

Do mesmo modo que a autonomia privada do princípio geral da autodeterminação do


homem, está correlacionado com a natureza humana que este responde pelos seus atos:
“O Homem é um ser que existe com vista à sua autorresponsabilidade”. Portanto, antes
de agir, o homem deve ponderar os riscos e os efeitos da sua ação (para ele próprio, para
familiares, para terceiros ou até para a comunidade), refletir sobre as consequências e
procurar antever os resultados de acordo com a experiência, os conhecimentos, as
informações e os aconselhamentos de que dispõe e dentro do humanamente previsível.
De facto, a responsabilidade, ou melhor, a consciência de responder pelos atos que
vierem a ser praticados por virtude da inclusão das suas consequências na livre decisão
de agir, limita a liberdade do agente no sentido de evitar voluntarismos (irresponsáveis)

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e abusos de podere. Esta constatação, de acordo, alias, com antigo conceito da


liberalitas, vale como ideia fundamental para todo e qualquer tipo de atividade.
Assumir responsabilidade e ser responsabilizado são, por isso, prerrogativas e ónus
do homem. Vista nestes termos, a responsabilidade tem um fundamento ético.

No entanto, a responsabilidade moral não coincide com a responsabilidade jurídica.


Para que possa haver uma responsabilidade jurídica, é necessário a verificação de certos
requisitos/factos danosos, onde os prejuízos não são suportados por quem os sofreu –
segundo o princípio casum sentit dominus, que significa que quem ficou prejudicado há-
de assumir os danos sofridos na sua pessoa ou nos seus bens como efeito do risco geral
de vida – mas sim são imputados a quem os causou, ou seja, o agente, segundo
determinados critérios legais, iguais para todos. A responsabilidade pressupõe assim a
existência de um dano e o dever de indemnizar este dano na medida em que este vai
para além do risco geral de vida que cada um deve assumir individualmente ao tomar,
sempre que possível, conta da sua pessoa e cuidar dos seus bens e dos seus interesses.
Deve indemnizar aquele a quem o facto danoso é imputado por lei. Daí nasce a
responsabilidade civil.

Os danos podem surgir na sequência de um negócio jurídico, um contrato que não é


cumprido ou não devidamente cumprido, ou podem nascer de um comportamento fora
do campo negocial. A responsabilidade civil abrange tanto a responsabilidade
contratual, resultante de um negócio jurídico, como a extracontratual, resultante de
condutas violadoras da lei e, para abarcamos ambas as modalidades dentro de um
conceito, falamos da “responsabilidade civil em sentido amplo”.

A sistematização do Código Civil, todavia, diferencia entre as suas modalidades da


responsabilidade, atendendo à mencionada diversidade dos factos que estão na origem:
as eventuais obrigações de indemnizar têm fontes diferentes. Por isso, a sistematização e
na terminologia da lei, a responsabilidade extracontratual coincide com a
responsabilidade civil em sentido restrito (stricto sensu), englobando este conceito,
então, a responsabilidade por factos ilícitos, a responsabilidade pelo risco e a
responsabilidade por determinados factos lícitos. Para as responsabilidades por factos
ilícitos e pelo risco o Código Civil consagra os respetivos regimes, enquanto para a
responsabilidade civil por factos lícitos não possui um regime próprio.
O Código Civil trata deste modo, sistemática e logicamente correto, as duas
modalidades da responsabilidade em lugares diferentes: a responsabilidade contratual,
por um lado (subsecção relativa à falta ou incumprimento das obrigações contratuais
[artigos 798º a 803º]), e a responsabilidade civil, por outro (subsecção respeitante à
responsabilidade civil por factos ilícitos e pelo risco [artigos 483º a 498º e 499º a 510º],
entre as fontes das obrigações).
De resto, este tratamento diferenciado reflete também o facto de a responsabilidade
contratual atender à violação de direitos relativos, de direitos contratuais (artigo 798º),
enquanto a responsabilidade extracontratual diz respeito à violação de direitos absolutos
a ainda à violação de património (danos puramente patrimoniais), como tais, não são
abrangidas pelo artigo 483º.

De qualquer modo, uma vez verificados o dano e a obrigação de o indemnizar, é


comum a ambas as modalidades o modo de calcular o dano e a maneira como o
obrigado a indemnizar há-de cumprir a sua obrigação de o reparar. Segundo o artigo
562º do Código Civil, “quem estiver obrigado a repara um dano deve reconstituir a

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Introdução ao Direito Privado – José Paulo Miranda Antunes

situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação”.
Vale o princípio da reconstituição natural. Neste contexto, “o dever de indemnizar
compreende não só o prejuízo causado” (danos emergentes), “como os benefícios que
o lesado deixou de obter em consequência da lesão” (artigo 564º, nº1), ou seja, a
indemnização abrange ainda os chamados lucros cessantes. Todavia, “a indemnização é
fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare
integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor” (artigo 566º,
nº1).

Para além deste regime comum para ambas as modalidades, há ainda outros pontos
que a lei trata da mesma maneira. Assim, a apreciação da culpa, quando a houver, é feita
segundo critérios iguais, estabelecidos no artigo 487º, nº2, para a responsabilidade civil
e, por remissão, também aplicáveis à responsabilidade contratual (artigo 799º, nº2), ou
seja, a culpa é apreciada segundo a diligencia de um bom pai de família.
Tanto a responsabilidade contratual como a responsabilidade por factos ilícitos
pressupõem a existência da culpa do lesante (causador do dano), como pressuposto da
sua obrigação de indemnizar o lesado (conforme os artigos 798º [“o devedor que falta
culposamente ao cumprimento”]e 483º, nº1 [“aquele que, com dolo ou mera culpa,
violar o direito de outrem”]).

1.1.2. As responsabilidades contratual e civil por atos próprios

À partida, a responsabilidade do lesante é individual e respeita a atos próprios. O


princípio-base em que assenta é o facto de o lesante ter agido com culpa, o que exprime,
por isso mesmo, uma censura ao seu comportamento. É na culpa, e não tanto na
necessidade de reparar os danos causados ao lesado, que reside a justificação originária
da responsabilidade.

De todo o modo, para que o lesante seja obrigado a indemnizar o lesado é necessário
que se encontrem preenchidos determinados pressupostos legais, tanto na
responsabilidade contratual como na responsabilidade extracontratual.

1 - Dano

Em primeiro lugar, evidentemente, é necessário que tenha ocorrido um dano. Sem


dano, não há a indemnizar. O dano é o prejuízo sofrido pelo lesado.
Tanto pode ser patrimonial (se é suscetível de avaliação pecuniária), como não
patrimonial (se não é suscetível de avaliação pecuniária).
Sendo o dano patrimonial, o lesado é indemnizado mediante a reconstituição natural
(artigos 562º e 566º, nº1) ou, não sendo esta possível ou viável, mediante reconstituição
por equivalente em dinheiro (artigo 566º, nº2).
Sendo o dano não patrimonial, a indemnização consiste numa compensação, nos
termos do artigo 496º, se o dano, pela sua gravidade, merecer a tutela do direito.

2 – Facto voluntário do lesante

Em segundo lugar, tem de ter existido um facto voluntário do lesante, ou seja, este
tem de ter praticado uma conduta que é controlável pela vontade humana. Excluem-se,

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Introdução ao Direito Privado – José Paulo Miranda Antunes

assim, os factos involuntários (como os danos causados por catástrofes naturais, por
exemplo). Esta conduta tanto pode ser positiva (uma ação, pelo que se violou um dever
geral de abstenção), como negativa (uma omissão, desde que existisse um dever jurídico
de atuar no sentido de evitar o dano, nos termos do artigo 486º).

3 – Facto Ilícito

Em terceiro lugar, este facto tem de ser ilícito. A ilicitude decorre de um juízo de
censura sobre o facto por consistir na infração de um dever jurídico e na correspondente
violação de direitos: absolutos, caso se trate de um caso de responsabilidade civil
extracontratual; ou relativos, caso estejamos perante um caso de responsabilidade
contratual.

4 – Culpa do lesante

Em quarto lugar, como vimos, tem de ter existido culpa do lesante. Dizer-se que
alguém é “culpado” implica que se faça um juízo de censura sobre o próprio sujeito por
ter praticado o ato (ou omitido a ação) de que proveio o dano, apesar de o ter podido
evitar.
Tanto é culpado quem atua com dolo (tem intenção de praticar o facto danoso) como
quem atua com negligência (também chamada de mera culpa), ou seja, emitindo a
diligencia que lhe era exigível em face das circunstâncias.

5 – Nexo de causalidade entre o facto e o dano

Finalmente, tem de existir um nexo de causalidade entre o facto e o dano, no sentido


de se poder afirmar que foi o facto que provocou o dano. Este nexo de causalidade deve
ser aferido nos termos da teoria da causalidade adequada, ou seja, o facto tem de se
mostrar, em face da experiência comum, de acordo com as circunstâncias normais,
como idóneo (algo que leva) à produção do dano. Portanto, não basta que o facto tenha
sido a causa concreta daquele dano, tendo, ainda, de o ser também em abstrato. Assim
não estará preenchido este pressuposto caso o dano apenas tenha surgido em virtude da
ocorrência de circunstâncias extraordinárias, anómalas e imprevisíveis.

O preenchimento destes pressupostos enunciados tem algumas especificidades,


consoante estejamos perante responsabilidade contratual ou extracontratual, como
veremos em seguida.

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Introdução ao Direito Privado – José Paulo Miranda Antunes

Responsabilidade
civil pelo risco
Responsabilidade Arts. 499º a 510º
objetiva
Responsabilidade
Extracontratual Responsabilidade civil por factos
civil por factos lícitos
Responsabilidade
Civil ilícitos
Contratual
Arts. 483º a 198º
Arts. 798º a 803º

a) Quanto à responsabilidade contratual, o artigo 798º determina: “O devedor


que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável
pelo prejuízo que causa ao credor”. Em ordem a fortalecer a posição do
credor, e ainda tendo em conta a origem autónomo-privada do vínculo
obrigacional, o artigo 799º, nº1, acrescentou: “Incumbe ao devedor provar
que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não
procede de culpa sua”. Quer isto dizer que a lei presume a culpa do devedor,
cabendo a este o ónus de provar que não a teve. A intenção da lei é a de não
permitir ao devedor uma “saída” fácil e de contribuir para que obrigações
assumidas sejam também cumpridas, dando força ao princípio pacta sunt
servanda consagrado no artigo 406º, nº1. A culpa é apreciada nos termos
aplicáveis à responsabilidade civil (artigo 799º, nº2, em ligação com o artigo
487º, nº2).

b) No que respeita à responsabilidade civil por factos ilícitos, encontramos a


regra fundamental na cláusula geral do artigo 483º, nº1, pelo que diz:
“Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem
ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica
obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”. A
culpa consiste no facto de o agente se ter posto em contradição com a ordem
jurídica, sendo esta conduta censurável. A responsabilidade aqui consagrada
corresponde a uma responsabilidade por factos ilícitos, baseada na culpa e,
por isso, uma responsabilidade subjetiva.

O artigo 483º, nº1, estabelece uma sanção: o lesante que culposamente, violar de
modo ilícito um direito absoluto de outrem fica obrigado a indemnizar o lesado pelos
danos sofridos. Contudo, o lesado, querendo ver os seus danos reparados, não se
encontra numa situação muito cómoda. Ao contrário do que sucede ao credor na
responsabilidade contratual, é a ele que incumbe provar a culpa do autor da lesão
(artigo 487º, nº1, 1ª parte). O lesado arca, portanto, com o ónus (pesado) da prova.
A culpa é apreciada pela diligencia de um bom pai de família, em face das
circunstâncias de cada caso (artigo 487º, nº2), de acordo com os cuidados necessários
no tráfico jurídico. Além de provar a culpa do lesado, que há-de individualizar para o
efeito, o lesado deve provar ainda que existe entre o facto danoso e o dano que sofreu
um nexo de causalidade adequada (artigo 563º), quer dizer, o facto danoso era, dentro

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Introdução ao Direito Privado – José Paulo Miranda Antunes

do razoável e humanamente previsível, suscetível de provocar o dano sofrido. A


ocorrência do dano nestes termos indicia regularmente a ilicitude do facto.
Obviamente, a atribuição do ónus da prova pode dificultar ou mesmo obstar à
obtenção de uma indemnização, em princípio devida, se o lesado não consegue provar
os pressupostos enunciados no artigo 483º, nº1, designadamente o da culpa. Ter razão
(no seu direito) e obter o reconhecimento (do seu direito) não é a mesma coisa. Por isso,
em determinadas situações, a própria lei procedeu a uma redistribuição, ou melhor
dizendo, a uma inversão do ónus da prova ao presumir a culpa do lesante (sendo certo
que isto não significa o abandono do princípio da culpa).
Temos aqui os casos da responsabilidade das pessoas obrigadas à vigilância de
outrem (artigo 491º), dos danos causados por edifícios ou outras obras (artigo 492º) e
dos danos causados por coisas, animais ou atividades perigosas (artigo 493º). Se nas
situações referidas tiver ocorrido um facto danoso, as pessoas respondem pelos danos
causados, salvo se provarem que cumpriram os seus deveres e que nenhuma culpa
houve da sua parte. Também não respondem se os danos eram inevitáveis de todo, visto
a culpa, eventualmente existente, não ter sido decisiva, de modo que não há razão para
uma censura.

Atendendo ao princípio da culpa, não responde pelas consequências do facto danoso


quem, no momento em que o facto ocorreu, estava, por qualquer causa, incapacitado de
entender ou querer (artigo 488º, nº1, 1ª parte). Nestas circunstâncias, uma pessoa não
pode agir culposamente e é, por isso mesmo, inimputável. A falta de imputabilidade é
presumida nos menores de sete anos (artigo 488º, nº2). A presunção é ilidível mediante
prova em contrário (artigo 350º, nº2). Todavia, a lei não ignora que a incapacidade de
querer e entender pode ser o resultado de um agir culposo do lesante. E se este se
colocou culposamente neste estado, sendo este transitório, responde pelos danos que
causou (artigo 488º, nº1, parte final).
Do ponto de vista do lesado, que vê preenchidos todos os pressupostos da
responsabilidade por factos ilícitos menos o da culpa, devido à falta da imputabilidade
do autor da lesão, a irresponsabilidade do lesante inimputável não é confortante. É
difícil argumentar que tal situação faz parte do risco geral de vida do lesado, tanto mais
que ele, por exemplo, pode não possuir grandes bens, mas o lesante sim. A lei sentiu o
problema e dispõe, quanto à indemnização por pessoa não imputável, que “[s]e o ato
causador dos danos tiver sido praticado por pessoa não imputável, pode esta, por
motivo de equidade, ser condenada a repará-los, total ou parcialmente” (artigo 489º,
nº1, 1ª parte). Todavia, esta solução da lei é subsidiária: apenas se aplica desde que não
seja possível obter a devida reparação das pessoas a quem incumbe a vigilância do não
imputável (artigo 489º, nº1, 2ª parte), de acordo com o previsto no artigo 491º. Mas
sempre que estas não respondem será o não imputável obrigado a reparar os danos nos
termos definidos pelo artigo 489º, nº1, 1ª parte e 489º, nº2.
No contexto de situações de culpa leve, o artigo 484º permite uma limitação da
indemnização. Diz ele: “Quando a responsabilidade se fundar na mera culpa, poderá a
indemnização ser fixada, equitativamente, em montante inferior ao que corresponderia
aos danos causados, desde que o grau de culpabilidade do agente, a situação
económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem”. Aqui, a
lei atenua os efeitos sancionatórios da responsabilidade por factos ilícitos a favor do
lesante e à custa do lesado. Mas este deve aceitar o resultado, uma vez que não pode
contar, em todas as situações da vida, com a diligência dos outros.

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Introdução ao Direito Privado – José Paulo Miranda Antunes

Responsabilidade pelo risco

A responsabilidade por factos ilícitos, baseada no princípio da culpa, não tem


resposta para os casos em que surgem danos independentemente de culpa, mas em que
não é de aceitar como justo que sejam suportados pelo lesado que os sofreu. Para estes
casos há um tipo de responsabilidade civil independentemente de culpa, ou seja, a
responsabilidade pelo risco, como responsabilidade objetiva. Contudo, de acordo com o
artigo 483º, nº2, “só existe obrigação de indemnizar independentemente de culpa nos
casos especificados pela lei”, o que significa que há, a seu respeito, uma tipicidade ou
numerus clausus.
A responsabilidade pelo risco constitui, ao lado da responsabilidade por factos
ilícitos, uma modalidade autónoma com fundamentos próprios para a deslocação do
dano de quem o sofreu para quem o causou, imputando-o desta maneira ao lesante. Os
seus fundamentos não residem na ocorrência de um facto ilícito, mas no raciocínio de
que danos resultantes de atividades lícitas, úteis e socialmente aceites por serem
indispensáveis, embora incluam riscos inerentes e nem sempre de evitar, devem ser
assumidos, caso o risco se concretize, por quem exercer estas atividades, tirando delas
os seus proveitos, e não por quem ficar prejudicado pela concretização do risco e os
danos daí causados. Aplica-se a velha máxima ubi commoda, ibi incommoda: quem
pode tirar vantagens da sua atividade deve suportar também as desvantagens que dela
advêm.
O Código Civil regula a responsabilidade pelo risco nos artigos 499º e seguintes,
sendo de realçar aqui os artigos 502º (danos causados por animais que resultem do
perigo especial da sua utilização), 503º (danos provenientes dos riscos próprios de
veículos de circulação terrestre) e 509º (danos causados por instalações de energia
elétrica ou gás), sendo certo que este último caso se distingue um pouco dos dois
primeiros, dado que a responsabilidade não resulta de uma atividade mas é inerente a
uma instalação. Há, além do código Civil, muitas leis especiais que vieram a contemplar
novos casos da responsabilidade pelo risco. É o caso da responsabilidade do produtor
por produtos defeituosos que coloque no mercado.

Na verdade, todas as modalidades de responsabilidade civil que foram mencionadas


e que têm o seu regime no Código Civil se mostram insuficientes quando a
responsabilidade individual não pode ser apurada. De facto, o funcionamento de
instalações técnicas sofisticadas, a informatização de muitos processos, o fabrico
robotizado em grandes séries, a automatização da produção acompanhada por uma
cadeia anónima de atos isolados e especializados, os meios de transporte e de
distribuição modernos, etc. impossibilitam praticamente sempre a individualização de
um lesante e, além disso, impedem de todo o apuramento de culpas pessoais que possam
existir.
Nas condições referidas aparece adequado que os danos causados sejam imputados a
quem utilizar estes modos de produção e tirar deles os seus lucros. Para este efeito, foi
introduzido um regime especial que regula a responsabilidade do produtor como mais
uma forma de responsabilidade objetiva que não pressupõe nem culpa nem ilicitude. O
produtor é responsável, independentemente de culpa, pelos danos causados por defeitos
dos produtos que põe em circulação no pressuposto de o produto ter sido corretamente
utilizado.

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Introdução ao Direito Privado – José Paulo Miranda Antunes

Além da responsabilidade por factos ilícitos e da responsabilidade pelo risco, a lei


conhece ainda uma outra modalidade de responsabilidade civil, que é a responsabilidade
por factos ilícitos. Esta última não encontra no Código Civil um regime geral. Os casos,
todos excecionais, estão regulados de maneira dispersa na lei (ver os artigos 339º, nº2;
1322º, nº1; 1347º, nº3; 1348º, nº2; 1349º, nº3, e 1367º). Nestes casos, o titular de um
direito é obrigado a tolerar determinadas intervenções de outrem, mas obtém, em
contrapartida, um direito de ser indemnizado pelos danos sofridos. Pode ser referido
como paradigmático o caso de estado de necessidade previsto no artigo 339º.
Segundo o artigo 339º, nº1, “[é] lícita a ação daquele que destruir ou danificar
coisa alheia com o fim de remover o perigo atual de um dano manifestamente superior,
quer do agente, quer do terceiro”. Trata-se de uma situação de emergência. É esta que
justifica e torna lícita a ação danosa, destrutiva ou danificadora de uma coisa, da parte
do lesante. Todavia, “o autor da destruição ou do dano é obrigado a indemnizar o
lesado pelo prejuízo sofrido, se o perigo for provocado por sua culpa exclusiva; em
qualquer outro caso, o tribunal pode fixar uma indemnização equitativa e condenar
nela não só o agente, como aqueles que tiraram proveito do ato ou contribuíram para o
estado de necessidade”.

Em muitas circunstâncias sucede que a causação de um dano resulta de atos


praticados por vários autores. Se assim for, todos eles respondem civilmente por atos
próprios pelos danos que hajam causado (artigo 490º). De acordo com o disposto no
artigo 497º, nº1, na sua responsabilidade perante o lesado é solidária. Como explica o
artigo 512º, nº1, 1ª parte. “[a] obrigação é solidária, quando cada um dos devedores
responde pela prestação integral e esta a todos libera”. Por isso, “[o] credor tem o
direito de exigir de qualquer dos devedores toda a prestação” (artigo 519º, nº1, 1ª
parte).
Este regime de responsabilidade solidária coloca o lesado numa posição muito
vantajosa: ele pode, de entre os vários autores do facto danoso, escolher aquele onde lhe
é mais fácil obter a indemnização pelo prejuízo sofrido. Obviamente, o lesado pode
receber a sua indemnização apenas uma vez. Na verdade, a satisfação do seu direito por
um dos lesantes responsáveis (artigo 490º) produz a extinção, em relação ao lesado, das
obrigações dos restantes devedores da indemnização (artigo 523º). Estes hão-de acertar,
agora, as contas entre si, o que sucede com o recurso ao direito de regresso regulado no
artigo 524º: “O devedor que satisfazer o direito do credor além da parte que lhe
competir tem direito de regresso contra cada um dos codevedores, na parte que a estes
compete”.

1.1.3. As responsabilidades contratual e civil por atos de outrem

Além da responsabilidade por atos próprios, há muitas situações em que alguém


responde por atos de outrem. A responsabilidade por atos de outrem verifica-se tanto na
responsabilidade contratual como na extracontratual.

a) Na responsabilidade contratual compete ao devedor o cumprimento da sua


obrigação para com o credor. O devedor cumpre a obrigação quando realiza a
prestação a quem está vinculado (artigo 762º, nº1) ao credor certo (artigo

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Introdução ao Direito Privado – José Paulo Miranda Antunes

769º), no lugar certo (artigo 772º, nº1) e dentro do prazo (artigo 777º, nº1).
Mas com muita frequência o devedor não pode ou não precisa de cumprir
pessoalmente e serve-se de um auxiliar no cumprimento e,
consequentemente, há-de assumir a responsabilidade pelos atos destes.
Para este caso, o artigo 800º, nº1, determina que “[o] devedor é responsável
perante o credor pelos atos (…) das pessoas que utilize para o cumprimento
da obrigação, como se tais atos fossem praticados pelo próprio devedor”, de
modo que o devedor não se pode desculpabilizar. Estamos aqui em face de
uma responsabilidade muito severa destinada a assegurar que obrigações uma
vez assumidas por efeito de uma vinculação autónomo-privada são também
integralmente cumpridas. Afirma-se, de novo, o princípio pacta sunt
servanda (artigo 406º, nº1, 1ª parte).

b) Mas também na responsabilidade extracontratual, encontramos um exemplo,


aliás importante, em que alguém responde por atos praticados por outrem. É o
caso da responsabilidade do comitente pelos atos do seu comissário, regulado
no artigo 500º, nº1: “Aquele (isto é, o comitente) que encarrega outrem de
qualquer comissão responde, independentemente de culpa, pelos danos que o
comissário causar, desde que sobre este recaia também a obrigação de
indemnizar”.

No artigo 500º temos um caso de responsabilidade pelo risco no que respeita ao


comitente. Este assume, independentemente de culpa sua, o risco de o seu comissário
causar danos ao incorrer em responsabilidade civil – ou por factos ilícitos, ou pelo risco,
ou por factos lícitos – e ficar em consequência disso obrigado a indemnizar o lesado.
Mas esta assunção da obrigação por parte do comitente de indemnizar o lesado
pressupõe, primeiro, que na pessoa do comissário se tenha concretizado uma
responsabilidade civil que o obriga a ele próprio a indemnizar o lesado; apenas neste
pressuposto a obrigação é assumida, a seguir, pelo comitente em relação ao lesado.
Para o lesado esta solução da lei significa uma melhoria substancial quanto às suas
possibilidades de vir a ser indemnização: além do comissário que lhe causou o dano e
lhe é responsável, responde-lhe também o comitente, sendo a responsabilidade de
ambos solidária (artigo 497º, nº1). Quer dizer, o lesado pode exigir a indemnização a
quem lhe parecer mais oportuno. Normalmente, será o comitente a quem o lesado se vai
dirigir, uma vez que ele disporá de mais meios económicos do que o comissário, mas
pode não ser assim.
O comitente que tiver indemnizado o lesado tem o direito de exigir do comissário o
reembolso de tudo quanto haja pago, exceto se houver, também culpa da sua parte
(artigo 500º, nº3, 1ª parte). Daí resulta que há o direito de reembolso do comitente face
ao seu comissário se este tiver agido com culpa. Esta solução da lei está perfeitamente
correta, uma vez que não corresponderia às suas decisões valorativas se o autor de um
dano causado culposamente, aqui o comissário, ficasse eximido da sua responsabilidade
unicamente em virtude do facto de ter havido alguém que se viu obrigado, por lei, a
indemnizar o lesado. O direito de regresso do comitente em relação ao seu comissário
culposo evita que assim suceda.

Porém, se houver culpa igualmente do lado do comitente, aplicam-se as regras do


artigo 497º, nº2, que determina que o direito de regra entre vários responsáveis existe na
medida das respetivas culpas e das consequências que delas advieram, presumindo-se
iguais as culpas das pessoas responsáveis.

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Introdução ao Direito Privado – José Paulo Miranda Antunes

De qualquer maneira, a responsabilidade do comitente só existe se o facto danoso for


praticado pelo comissário no exercício das suas funções (artigo 500º, nº2), mas não por
ocasião das mesmas. Quer dizer, o comitente pode desculpabilizar-se e afastar a sua
responsabilidade para com o lesado se provar o comissário agira fora das suas funções,
ou seja, fora do âmbito da comissão de que foi encarregue, uma possibilidade que um
devedor que no cumprimento da sua obrigação se sirva de um auxiliar (artigo 800º) não
tem nem poder ter. trata-se de situações de interesse não comparáveis, visto na
responsabilidade contratual existir uma vinculação do devedor prévia ao ato lesivo do
auxiliar no cumprimento, vinculação essa da qual origina uma estrita obrigação de
cumprimento.

O lesante que for chamado a cumprir a sua obrigação de indemnizar o lesado


responde para o efeito com todos os seus bens suscetíveis de penhora (artigo 601º, 1ª
parte), ou seja, com os ativos do seu património, que pode ficar completamente
arruinado sob o peso das indemnizações.
Por isso existem caminhos em ordem a limitar a responsabilidade, quer por via
negocial quer por via legal. Porém, estas limitações da responsabilidade, nas suas várias
configurações e constelações, muitas vezes não satisfazem. Uma proteção eficaz contra
as consequências patrimoniais ruinosas que podem decorrer da responsabilidade civil
(em sentido amplo) oferecem normalmente os seguros.
Os seguros são quase sempre indicados para os casos de responsabilidade civil
objetiva, onde a concretização dos riscos danosos pode dar origem a prejuízos muito
avultados ou mesmo incalculáveis que ultrapassam as capacidades económicas do
lesante, de qualquer lesante. Por isso, é a lei que em muitas situações deste tipo – e com
o objetivo de proteger o lesante e também a sociedade – impõe um seguro obrigatório
(por exemplo, o seguro automóvel ou o seguro de atividades industriais que envolvem
altos graus de risco).
Mas também para os riscos gerais de vida (doença, invalidez, desemprego, etc.) e os
casos da responsabilidade civil subjetiva ou da responsabilidade contratual, um seguro,
mesmo não sendo obrigatório, pode ser vantajoso em atenção às circunstâncias
concertas, embora possa não abranger os danos causados com dolo ou culpa grave.

O recurso ao seguro não significa, todavia, a eliminação dos riscos. Os riscos


subsistem, uma vez que não podem ser eliminados. Apenas as consequências da sua
concretização são deslocadas para o seguro. A proteção patrimonial por meio do
seguro, por seu lado, leva a uma coletivização dos danos bem como da
responsabilidade, que deixa de ser individual. Esta conclusão poe em causa o sistema
valorativo em que assenta a responsabilidade civil. Sendo, porém, indiscutível a
necessidade social do seguro, a coletivização daí resultante deve ser atenuada por meio
de um sistema de individualização dos prémios de seguro, que beneficia quem não
causar danos e onera quem os produziu. O sentimento da responsabilidade individual
deve ser preservado e, na medida em que a obrigação de indemnizar constitui uma
sanção, o efeito sancionatório não pode ser iludido por completo.
Em contrapartida, também deve ser sublinhado que a existência do seguro torna
possível correr riscos económicos que, doutra maneira, talvez não fossem assumidos.
Sob este aspeto o seguro pode ser encarado como apoio e incentivo a atividades
dinâmicas e empreendedoras.

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Introdução ao Direito Privado – José Paulo Miranda Antunes

1.1.4. Responsabilidade civil e responsabilidade criminal (só referência)

A responsabilidade civil, resumidamente descrita, distingue-se da responsabilidade


penal. Enquanto a primeira visa a reparação de danos causados em direitos ou interesses
privados e depende da iniciativa do próprio lesado, a segunda existe no interesse
público, ou seja, na defesa da convivência pacífica dos cidadãos na comunidade,
protegida pelo direito penal. No primeiro caso, a defesa do direito lesado cabe ao
particular, que pode não reagir; no segundo caso, todavia, ela é uma obrigação que
compete exclusivamente ao Estado.
Responsabilidade civil e responsabilidade criminal podem surgir simultaneamente
quando um ilícito civil constituir ao mesmo tempo um crime (por exemplo, violações
dos direitos de personalidade [artigos 70º e ss.] podem constituir crimes contra as
pessoas, a sua integridade física ou a sua honra; lesões do direito de propriedade [artigo
483º, nº1] podem implicar os crimes de furto ou abuso de confiança.

1.1.5. A responsabilidade civil do Estado e demais entidades públicas

A responsabilidade civil não atinge apenas os particulares, também o Estado pode


responder por danos causados. Contudo, o Estado, ao responder, não responde por atos
próprios, mas responde por atos de outrem, ou seja, por danos causados a terceiros pelos
seus órgãos, agentes ou representantes, atos esses que lhe são imputáveis, de modo que
uma eventual ação judicial deve ser dirigida diretamente contra o Estado. O mesmo
sucede, de resto, com as outras entidades públicas com personalidade jurídica: também
estas respondem para com terceiros por danos causados pelos seus órgãos, agentes e
representantes. São estes os princípios que resultam, desde já, do artigo 22º da CRP.
Mas o Estado e as outras entidades públicas não respondem por todos os danos nos
mesmos termos. É preciso distinguir danos causados em atividades de “gestão privada”
de danos ocorridos em atividades de “gestão pública”. Esta distinção faz-se de acordo
com os critérios, delimitativos de direito público e direito privado. Há, portanto, duas
maneiras de agir, donde resultam dois modos de responder. Nestes termos, os danos
podem surgir no âmbito contratual ou extracontratual.

Quando está em causa a responsabilidade extracontratual do Estado ou de outras


pessoas coletivas de direito público no domínio da gestão privada, ou seja, quando se
trata de uma atuação na sua “veste de particular”, aplica-se o disposto no artigo 501º
do Código Civil. Esta disposição prevê que o Estado e demais pessoas coletivas
públicas, quando haja danos causados a terceiros pelos seus órgãos, agentes ou
representantes no exercício de atividades de gestão privada, respondem civilmente por
esses danos nos termos em que os comitentes respondem pelos danos causados pelos
seus comissários (artigo 500º).
Quando estamos perante casos de responsabilidade contratual do Estado por atos de
gestão privada, em que o Estado atua como qualquer particular no tráfico jurídico
negocial geral (representado pelos titulares dos órgãos, seus funcionários ou agentes) –

21
Introdução ao Direito Privado – José Paulo Miranda Antunes

por meros contratos civis – aplica-se o regime da responsabilidade contratual geral


(artigos 798º e ss., nomeadamente o artigo 800º). Os litígios que resultem desta atuação
pertencem à competência dos tribunais comuns.
No que respeita à responsabilidade contratual do Estado por atos de gestão pública
aplica-se o DL nº 18/2008, de 29 de janeiro.
Pelo contrário, quando está em causa a responsabilidade extracontratual do Estado e
de outras pessoas coléticas públicas no domínio da gestão pública (por exemplo, o
ensino público, a gestão hospitalar, a conservação da rede viária, etc.), já não se aplica o
artigo 501º do Código Civil, mas a Lei nº 67/2007, de 31 de dezembro.

3. O reconhecimento da propriedade privada.

Enquanto as pessoas são “fins em si mesmas”, as coisas são meios ao serviço dos
fins das pessoas, meios desprovidos de valor autónomo, isto é, de um valor que abstraia
da sua aptidão para satisfazer necessidades ou interesses humanos.
Por sua vez, o homem tem necessidade de se servir das coisas como condição da sua
sobrevivência e do seu progresso. A detenção, o uso e a disposição das coisas permite
ao homem satisfazer necessidades fundamentais ou secundárias e potencia a sua
possibilidade real de se propor determinadas finalidades e de escolher entre várias vias
para realização desses fins.

A tutela constitucional da propriedade privada está expressamente consagrada no


artigo 62º, nº1 da CRP, segundo o qual “a todos é garantido o direito à propriedade
privada e à sua transmissão em vida ou morte, nos termos da Constituição”, bem como
nos artigos 61º, 82º e 86º, relativos à tutela da iniciativa e da propriedade privada.

O Código Civil não define o direito de propriedade, mas o artigo 1305º, caracteriza-
o, dizendo que “o proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso,
fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com
observância das restrições por ela impostas”.

Estruturalmente, à face do artigo 1305º do CC, o proprietário parece deter os poderes


correspondentes ao seu direito, de um modo pleno e exclusivo. Não implica isso, no
entanto, que o sistema não introduza cláusulas de limitação a esses poderes, quer através
de disposições legais avulsas que estabelecem restrições de direito público e restrições
de direito privado à propriedade, quer através de uma cláusula geral, como a do artigo
334º.

Características do direito de propriedade

1. O proprietário tem poderes indeterminados

Em primeiro lugar, o proprietário tem poderes indeterminados. Em face disso, é


legítimo dizer-se que base é o “ius utendi, fruendi e abutendi” – direito de usar, fruir e
dispor. Não se limitam os poderes do proprietário senão através das concretas restrições
pela lei impostas. Há uma indeterminação na delimitação dos poderes, ao contrário dos
de um usufrutuário ou dos do titular de um outro direito real limitado que são apenas
àqueles especificamente atribuídos na lei. No direito de propriedade, o titular tem, em
princípio, todos os poderes.

22
Introdução ao Direito Privado – José Paulo Miranda Antunes

2. É dotado de uma certa elasticidade

O direito de propriedade é elástico, é dotado de uma certa elasticidade, de uma força


expansiva – extinto um direito real que limite a propriedade da coisa, reconstitui-se a
plenitude da propriedade sobre ela. Não fica vago o somatório dos podres que se
extinguiram, correspondentes ao direito que findou. O proprietário limitado recupera a
plenitude do seu direito de propriedade.

3. É um direito perpétuo

A terceira característica a referir será a sua qualificação como um direito perpétuo, o


que imediatamente implica não poder extinguir-se pelo não uso. Costuma dizer-se a este
respeito que não usar a propriedade é ainda uma forma de a usar. O proprietário tem tais
poderes que pode querer estar inativo, e esta possibilidade cabe dentro do conteúdo do
seu direito.

Nota: Por suscitarem problemas específicos merece ser destacadas, dentro da


disciplina geral da propriedade, a compropriedade (artigo 1403º) e a propriedade
horizontal (artigo 1414º).

Os direitos reais limitados

A propriedade é o direito real máximo, o de conteúdo pleno e polimórfico.


Em confronto com ele podem ser considerados os chamados direitos reais limitados.
Usa abranger-se dentro desta categoria toda uma série de direitos reais de conteúdo ou
estrutura bem diversa e ao serviço de funções ou interesses de natureza diferenciada.
A sua nota comum é, em contraposição à propriedade, a de serem direitos reais que
não conferem a plenitude dos poderes sobre uma coisa. Conferem apenas a
possibilidade de exercer certos poderes correspondentes à clássica tripartição – “ius
utendi, ius fruendi, ius abutendi”. São, portanto, direitos sobre coisas que em
propriedade pertencem a outrem. São direitos que pressupõem, assim, uma concorrência
de direitos. Quando eles existem, incide em regra sobre a mesma coisa de um direito de
propriedade que é restringido pelo direito real limitado. São, portanto, jura in re aliena
(direitos sobre coisa alheia) ou, pelo menos, sobre coisa não própria.
Dentro deles – dos direitos reais limitados – distinguimos os direitos reais de gozo,
direitos reais de garantia e direitos reais de aquisição.

Os direitos reais de gozo são aqueles que conferem um poder de utilização, total ou
parcial, duma coisa e, por vezes, também o de apropriação dos frutos que a coisa
produza.
No nosso direito são o usufruto, o uso e habitação, o direito de superfície e as
servidões prediais, bem como o direito real de habitação periódica. Esta enumeração é

23
Introdução ao Direito Privado – José Paulo Miranda Antunes

exaustiva, uma vez que estamos num domínio onde vigora o princípio da tipicidade ou
do numerus clausus.
Definimo-los – os direitos reais de gozo – como poderes de utilizar, total ou
parcialmente, uma coisa, conferindo, por vezes, além disso, o poder de apropriação dos
frutos da coisa.
Exemplos: usufruto; direito de uso e habitação há apenas o direito de usar a coisa.
Os direitos reais de garantia são direitos que conferem o poder de, pelo valor de
uma coisa ou pelo valor dos seus rendimentos, um credor obter, com preferência sobre
todos os outros credores, o pagamento da dívida de que é titular ativo.
Os direitos reais de garantia são o penhor, a hipoteca, os privilégios creditórios
especiais, o direito de retenção e a consignação de rendimentos.

Por último, os direitos de aquisição são direitos reais que conferem a um


determinado indivíduo a possibilidade de se apropriar de uma coisa, de adquirir uma
coisa.
Note-se, porém, que estas situações não se identificam com a faculdade geral – mera
emanação da capacidade jurídica – de adquirir. Não é esta faculdade geral que temos
aqui em vista, mas antes aquelas situações especiais em certas pessoas podem exercer
uma especial faculdade de, em determinadas circunstâncias, adquirir a propriedade
sobre uma coisa.
O mais importante direito real de aquisição é o direito real de preferência (artigos
1380º, 1409º, 1535º e 1555º do CC).

4. A relevância jurídica da família e do fenómeno sucessório.

O Direito da Família apresenta algumas características peculiares que bem se


compreendem, à luz de quanto ficou exposto. É caracterizado por um acentuado
predomínio de normas imperativas, isto é, de normas que os particulares não podem
afastar.
Na atual Constituição da República Portuguesa, os artigos 36º, 67º, 68º e 69º contêm
normas dirigidas à disciplina de aspetos variados, respeitantes à família.
Ao Direito da Família dedica o Código Civil um livro – Livro IV (artigos 1576º a
2020º).
De acordo com o artigo 1576º do CC, podemos considerar a família como o
conjunto das pessoas unidas por vínculos emergentes do casamento, do parentesco, da
afinidade e da adoção.

Casamento

Segundo o disposto no artigo 1577º do CC, o casamento “é o contrato celebrado


entre duas pessoas que pretendem constituir família mediante uma plena comunhão de
vida, nos termos das disposições este Código”.
Nos termos do artigo 1787º, o casamento é católico ou civil. As duas formas de
casamento têm efeitos idênticos, agora sem qualquer diferença mesmo quanto à
dissolução do divórcio.

O casamento (civil ou católico) dissolve-se, pois por morte ou por divórcio.


Quanto ao divórcio, de notar as duas modalidades atualmente admitidas (artigo 1773º):
por mútuo consentimento e litigioso.

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Introdução ao Direito Privado – José Paulo Miranda Antunes

O divórcio por mútuo consentimento encontra-se disciplinado nos artigos 1775º a


1778º.
Por outro lado, o divórcio litigioso está regulado nos artigos 1779º a 1787º.
Na novo Código Civil, note-se mesmo a preferência do legislador pela modalidade
do divórcio por mútuo consentimento, impondo ao juiz, no processo de divórcio
litigioso, o dever de procurar obter o acordo dos cônjuges para o divórcio por mútuo
consentimento (artigo 1774, nº2).
Parentesco

O parentesco, outra fonte das relações familiares, é definido no artigo 1578º. Trata-
se do vínculo entre duas pessoas, resultantes de uma delas descender da outra ou de
ambas terem um progenitor comum.
Na primeira hipótese – uma pessoa descende da outra – estamos perante o parentesco
na linha reta. Por exemplo, entre pai e filho (1º grau) ou avô e neto (2º grau).
Na segunda hipótese – ambas têm um progenitor em comum – depara-se-nos o
parentesco na linha colateral.

A modalidade de parentesco que reveste o maior interesse jurídico é a filiação. A


relevância jurídica principal do parentesco traduz-se precisamente na disciplina da
relação entre os pais e os filhos menores sujeitos ao conjunto de direitos subjetivos e
poderes-deveres que se chama poder paternal. O parentesco, para além desta particular
situação, revestirá interesse para algumas normas jurídicas dispersas por vários
institutos, como o dever de alimentos (artigo 2003º, sobre a noção de alimentos, e
2009º, sobre as pessoas obrigadas a alimentos), designação do tutor (artigo 1931º) ou
de membros do conselho da família (artigo 1952º), impedimentos matrimoniais (artigo
1602º) e o direito sucessório (artigo 2133º).
No que toca ao estabelecimento da filiação (artigos 1796º e seguintes), regula-se,
separadamente, o estabelecimento da maternidade (artigos 1803º e seguintes) e o
estabelecimento da paternidade.

O estabelecimento da maternidade pode revestir três formas:

a) Declaração de maternidade (artigo 1803º e segs.);


b) Averiguação oficiosa (artigos 1808º e segs.);
c) Reconhecimento judicial (artigo 1814º).

Quanto ao estabelecimento da paternidade, no que se refere aos filhos nascidos ou


concebidos na constância de matrimónio, presume-se que o pai é o marido da mãe. É a
presunção de paternidade: “pater is est quem justae nuptiae demonstrat” (artigo
1847º) faz-se por:

" Perfilhação: ato pessoal e livre pelo qual alguém pode reconhecer outrem
como seu filho. Admite-se, contudo, que tal possa ser feito por intermédio de
procurador com poderes especiais (artigo 1849º);

" Averiguação oficiosa: sempre que do registo de nascimento não conste a


paternidade, o tribunal averiguará oficiosamente a identidade do pai (artigo
1864º);

25
Introdução ao Direito Privado – José Paulo Miranda Antunes

" Reconhecimento judicial: sempre que a maternidade já esteja estabelecida ou


se peça conjuntamente o reconhecimento de paternidade e maternidade, o
filho (artigo 1869º) ou a mãe, ainda que menor (artigo 1870º), em sua
representação, ou ainda as pessoas mencionadas no artigo 1818º (por
exemplo, artigo 1873º), podem intentar ação judicial de investigação de
paternidade.

Afinidade

A afinidade é, nos termos do artigo 1584º, o vínculo que liga um dos cônjuges aos
parentes do outro. Já não há afinidade nem qualquer vínculo jurídico familiar entre um
dos cônjuges e os afins do outro: afinidade não gera afinidade.
A afinidade tem escassa relevância jurídica. Releva, por exemplo, para a designação
do tutor ou de membros do conselho de família (artigos 1931º e 1952º) e dela resultam
certas incapacidades (por exemplo, o impedimento matrimonial do artigo 1602º, c) e
incompatibilidades).

Adoção

A adoção é uma fonte de relações familiares que foi reintroduzida no nosso


ordenamento jurídico pelo atual Código Civil. Trata-se de um vínculo que estabelece
entre duas pessoas um parentesco legal, por oposição ao parentesco natural, do tipo
paternidade-filiação.
O artigo 1586º define a adoção como “o vínculo que, à semelhança da filiação
natural, mas independentemente dos laços do sangue, se estabelece legalmente entre
duas pessoas nos termos dos artigos 1973º e seguintes”.

Fenómeno sucessório

O fenómeno sucessório ou sucessão, isto é, o chamamento de uma ou mais pessoas


à titularidade das relações patrimoniais de uma pessoa falecida e a consequente
devolução dos bens que a esta pertenciam – artigo 2024º do CC. Excluídas da sucessão
estarão, em princípio, apenas as relações pessoais, isto é, as ligadas incindivelmente à
pessoa do seu titular, por sua natureza (por exemplo, direito a alimentos) ou por força da
lei, em virtude de esta as ter considerado normalmente constituídas intuitu personae
(por exemplo, usufruto – artigo 1476º, nº1, a) do CC).

A sucessão por morte está, como vimos, intimamente ligada ao direito de


propriedade individual.
Não surpreenderá, por isso, que a atual Constituição inclua o direito à transmissão
dos bens por morte na mesma disposição legal em que reconhece o direito à propriedade
privada (artigo 62º, nº1 da CRP).

Os títulos de vocação sucessória admitidos no nosso sistema são a lei, o testamento e


o contrato (artigo 2026º). Quer dizer: o chamamento dos sucessores à titularidade das

26
Introdução ao Direito Privado – José Paulo Miranda Antunes

relações e a devolução dos bens far-se-á segundo o determinado na lei, em testamento


ou por contrato.
Podemos, pois, distinguir uma sucessão legal e uma sucessão voluntária.

A sucessão legal pode ser legítima ou legitimária, consoante possa ou não ser
afastada pela vontade da pessoa falecida, o chamado autor da sucessão, ou de cuiús ou
hereditando. As normas reguladoras da sucessão legítima são assim normas supletivas,
enquanto as da sucessão legitimária são imperativas.

A sucessão voluntária pode resultar de um testamento ou de um contrato. A


sucessão contratual só é, todavia, admitida em casos excecionais, de reduzida extensão,
sendo muito pouco frequente. A regra a esse respeito, com muitas poucas exceções, é a
proibição dos pactos sucessórios (artigo 2028º, nº2).

Ficam-nos, portanto, como modalidades de sucessão, a sucessão legitimária, a


sucessão legítima e a sucessão testamentária.
A sucessão legitimária impõe a devolução de parte dos bens a certas pessoas, no
caso de existirem, mesmo contra a vontade do de cuiús.
A sucessão legítima prescreve a devolução dos bens às pessoas integradas em certas
categorias de sucessíveis designadas na lei, sem a vontade do de cuiús, isto é, na falta
de vontade deste em contrário.
A sucessão testamentária determina a devolução dos bens segundo a vontade do de
cuiús, expressa num testamento válido e eficaz.

1) Sucessão legitimária – artigos 2156º e seguintes do CC.

A sucessão legitimária consiste no chamamento dos herdeiros legitimários à


sucessão na chamada legítima, isto é, numa porção de vens que o testador não pode
dispor, por ser destinada por lei aos referidos herdeiros.
O cônjuge foi elevado à categoria de herdeiro legitimário ou forçado, pelo que no
nosso direito atual herdeiros legitimários são o cônjuge, descendentes e ascendentes
(artigo 2157º).
A legítima do cônjuge, se não concorrer com descendentes nem ascendentes, é de
metade da herança (artigo 2158º).
A legítima do cônjuge e dos filhos, em caso de concurso, é de dois terços da herança
(artigo 2159º, nº1).
Não havendo cônjuge sobrevivo, a legítima dos filhos é de metade ou dois terços da
herança, conforme exista um só filho ou existam dois ou mais (artigo 2159º, nº2).
Os descendentes de segundo grau (netos) e seguintes têm direito à legítima que
caberia ao seu ascendente, sendo a parte de cada uma fixada nos termos transcritos para
a sucessão legítima (artigo 2160º).
A legítima do cônjuge e dos ascendentes, em caso de concurso, é de dois terços da
herança (artigo 2161º, nº1).
Se o autor da sucessão não deixar descendentes nem cônjuge sobrevivo, a legítima
dos ascendentes é de metade ou de um terço da herança, conforme forem chamados os
pais ou os ascendentes do segundo grau (avós) e seguintes (artigo 2161º, nº2).

Importa destacar, ainda, a deserdação (artigo 2166º).

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Introdução ao Direito Privado – José Paulo Miranda Antunes

2) Sucessão legítima – artigos 2131º e seguintes do CC.

A sucessão legítima consiste, pois, no chamamento dos herdeiros legítimos à


sucessão, por o autor da sucessão não ter disposto válida e eficazmente, no todo ou em
parte, dos seus bens.
O chamamento faz-se por ordem de classes de sucessíveis, preferindo dentro de cada
classe os parentes de grau mais próximo aos de grau mais afastado.
De acordo com o artigo 2133º, as classes de sucessíveis e a sua ordem é a seguinte:

a) Cônjuge e descendentes;
b) Cônjuge e ascendentes;
c) Irmãos e seus descendentes;
d) Outros colaterais até ao quarto grau;
e) Estado.

Ainda de acordo com o artigo 2133º, o nº2 deste artigo estipula que “o cônjuge
sobrevivo integra a primeira classe de sucessíveis, salvo se o autor da sucessão falecer
sem descendentes e deixar ascendentes, caso em que integra a segunda classe”.
Por último, o nº 3 diz que “o cônjuge não é chamado à herança se à data da morte do
autor da sucessão se encontrar divorciado ou separado judicialmente de pessoas e bens,
por sentença que já tenha transitado ou venha a transitar em julgado ou ainda se a
sentença de divórcio ou separação vier a ser proferida posteriormente àquela data, nos
termos do artigo 1785º, nº3”.
Note-se, assim, nesta reforma, a valorização da posição sucessória do cônjuge
sobrevivo, passando a integrar a primeira classe de sucessíveis juntamente com os
descendentes, não podendo a sua quota ser inferior a uma quarta parte da herança – no
caso de se tratar da sucessão do cônjuge e descendentes (artigo 2139º, nº1) – e
pertencendo-lhe duas terças partes da herança se se tratar da sucessão do cônjuge e dos
ascendentes (artigo 2142º, nº1). Na falta de descendentes e ascendentes, o cônjuge é
chamado à totalidade da herança (artigo 2144º).

3) Sucessão testamentária – artigos 2179º e seguintes do CC.

A sucessão testamentária consiste no chamamento à sucessão dos herdeiros


designados em testamento (herdeiros testamentários), isto é, num ato unilateral e
revogável pelo qual um indivíduo dispõe de todos os seus bens ou parte deles para
depois da morte.
O testamento pode revestir formas comuns (testamento público e testamento cerrado
– artigo 2205º e 2206º) e formas especiais (testamento militar, testamento a bordo de

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Introdução ao Direito Privado – José Paulo Miranda Antunes

navio ou de aeronave, testamento em caso de calamidade pública – artigos 2210º,


2214º, 2219º e 2220º).

Os sucessores podem ser herdeiros ou legatários, sendo a segunda categoria


praticamente restrita à sucessão testamentária.
Nos termos do artigo 2030º, os herdeiros sucedem na totalidade ou numa quota do
património do falecido (por exemplo, 50% do património), dizendo-se legatários as
pessoas que sucedem em bens ou valores determinados (por exemplo, uma casa ou um
carro).
II – AS FONTES DO DIREITO CIVIL PORTUGUÊS
1. O Código Civil e a sua sistematização

O atual Código Civil foi publicado em 1966, entrando em vigor em 1967. Antes deste, vigorava em
Portugal, o Código de Seabra (publicado em 1867, estando em vigor 100 anos, inspirado maioritariamente
no Código Civil francês da época de Napoleão).
O Código de Seabra era maioritariamente individualista, defensor da liberdade contratual
“extrema”/de liberalismo individualista, sem preocupações sociais.
Houve, então, necessidade de extinguir este código por haver muita legislação avulsa/extravagante, o
que formava dois códigos normativos nem sempre coerentes, e por outro lado, a ideia de liberalismo
individualista começou a ser repensada e posto de parte, levando, assim, à redação de um novo Código
Civil.

Preparação do Código Civil

O Código Civil demorou 22 anos a ser elaborado (criou-se em 1944 uma comissão encarregue de o
redigir). Ao longo dos 22 anos foram elaborados vários estudos sobre pontos concretos por cada um dos
seus autores nas suas áreas de especialidade.
Após a elaboração, o Código Civil foi revisto por 2 vezes, quer pelo Ministério da Justiça, mas
também por professores e juízes.

Sistematização

Corresponde à classificação germânica do Código Civil (BGB) que se inspirou no Direito Romano. A
sua técnica legislativa recorre a normas gerais e abstratas. Ao recorrer a cláusulas gerais e conceitos
indeterminados permitia-se que fosse possível solucionar questões que não estavam originalmente
previstas no CC.
Na Parte Geral, em vez de repetir em cada capítulo os mesmos valores partiu do geral para o particular
– contém normas aplicáveis às diferentes partes do Direito Civil.
Seguindo a estrutura do BGB, o Código Civil português está dividido em 5 partes:

I – Parte Geral
- Das leis
- Das relações jurídicas
* das pessoas
* das coisas
* dos factos jurídicos
* do exercício e tutela dos direitos

Linguagem

Do ponto de vista geral é altamente técnica e rigorosa. O uso de conceitos indeterminados prende-se
com o facto de o legislador nem sempre conseguir pensar/prever todos os casos concretos que a norma
pode abranger. A vantagem destes conceitos é que são mais resistentes à passagem do tempo, ao contrário
do que acontece com conceitos determinados/rigorosos. Por outro lado, verificamos uma concetualização
de conceitos jurídicos, uma vez que as normas concretas também são importantes.

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Introdução ao Direito Privado – José Paulo Miranda Antunes

O Código não se manteve igual, mas foi, sim, alterado várias vezes (maioridade, casamento
homossexual, alteração do estatuto da mulher no casamento, divórcio, etc.).

2. As fontes além do Código Civil

Para além do Código Civil, existe ainda legislação avulsa/extravagante. Assim, o Direito Civil não se
esgota no Código Civil. O problema é que à medida que o tempo passa, começa a existir cada vez mais
legislação não integrada no Código Civil, o que não só dificulta a consulta, como também impulsiona
contradições entre legislação.

III – OS INSTRUMENTOS CENTRAIS DO DIREITO


PRIVADO: A RELAÇÃO JURÍDICA
1. Noção e estrutura da relação jurídica. Perspetiva geral dos elementos da
relação jurídica: as pessoas, o objeto, o facto jurídico e a garantia.

Num sentido amplo pode designar-se por relação jurídica toda a situação ou relação
da vida real (social) que é juridicamente relevante, de modo que é disciplinada pelo
direito. A relação jurídica não abrange, por isso, todas as relações da vida social, mas
apenas aquelas que, sendo suscetíveis de regulamentação jurídica, são ordenadas pelo
direito. Trata-se de um vínculo jurídico, de um vínculo normativo.
Deste modo, existem relações sociais, espaços sociais, livres de direito, não obstante
a sua relevância essencial para a convivência humana como, por exemplo, a amizade, o
namoro, a colegialidade no lugar de trabalho, as atividades nos tempos de lazer (por
exemplo, o desporto amador), etc., onde a liberdade originária do homem não é
ordenada juridicamente, mas através de meras regras de comportamento social. Por
outro lado, há relações jurídicas que não abrangem todos os aspetos ou facetas da
respetiva relação inter-humana, visto esta não ser suscetível de ser captada apenas
mediante uma abordagem jurídica, como acontece, por exemplo, com as relações
jurídicas familiares de caráter pessoal.
Assim, a relação jurídica é a relação da vida social disciplinada pelo direito, sendo
atribuído a uma pessoa um direito subjetivo e imposta a outra pessoa uma obrigação
correspondente de respeitar aquele direito.

Num sentido restrito pode designar-se por relação jurídica toda a relação da vida
social disciplinada pelo direito, mas só quando esta relação apresenta uma determinada
fisionomia típica. Como sabemos, a ordem jurídica contém para a conformação das
relações jurídicas no âmbito da autonomia privada um numerus clausus de tipos. Desta
maneira, a ordem jurídica condiciona, relativamente à forma e conteúdo, a conformação
de relações jurídicas, constituídas no exercício da autonomia privada, ao remeter os
particulares para o emprego dos seus tipos negociais.

Mediante uma relação jurídica são atribuídos direitos subjetivos, aos quais
correspondem obrigações. Deste modo, as relações jurídicas aparecem-nos como
relações de poder.
Direito subjetivo é, neste contexto:

a) A faculdade ou o poder, reconhecido ou atribuído pela ordem jurídica ao seu


titular, de exigir ou pretender de outrem um determinado comportamento
positivo (fazer) ou negativo (não fazer);
30
Introdução ao Direito Privado – José Paulo Miranda Antunes

b) A faculdade, respetivamente o poder, de produzir determinados efeitos


jurídicos que se impõem à outra parte.

A produção daqueles efeitos que se impõem à outra parte pode resultar do exercício
de um direito potestativo diretamente, por meio de um ato de vontade do próprio titular,
ou indiretamente, por decisão judicial (provocada pela vontade do titular).

A situação da pessoa contra a qual se dirige o poder jurídico do titular do direito


subjetivo pode designar-se por obrigação (em sentido lato), tendo esta obrigação o nome
de dever jurídico (quando corresponde ao poder de exigir ou pretender) ou o nome de
sujeição (quando corresponde ao poder de produzir um efeito).
O dever jurídico que corresponde ao direito de exigir chama-se obrigação civil; o seu
cumprimento pode ser obtido judicialmente. O dever jurídico que respeita a um direito
de pretender diz-se obrigação natural; ela não é exigível em tribunal.

De entre as relações jurídicas deve distinguir-se a relação jurídica em sentido


abstrato e a relação jurídica em sentido concreto. A relação jurídica em sentido abstrato
é uma relação visual que equivale a determinado tipo (à sua fisionomia típica), tal como
ele está regulamentado na lei, quer dizer, corresponde ao tipo negocial legal (por
exemplo, as normas que regulam o contrato de arrendamento urbano ou o contrato de
compra e venda). A relação jurídica em sentido concreto é uma relação jurídica em que
as regras da relação em sentido abstrato ganham vida num caso concreto, aplicando-se a
pessoas concretas que se relacionam ao utilizar o tipo negocial, regulamentado na lei,
que lhes convém.

Algumas relações jurídicas bastam-se num único poder jurídico e na correspondente


obrigação, como é o caso do comodato – artigo 1129º, em que a obrigação é a de
restituir.
Mas a maior parte das relações jurídicas contém uma pluralidade de poderes que
podem existir a favor da mesma pessoa (por exemplo, no mútuo oneroso, artigos
1142º, 1145º, nº1, em que a obrigação é de restituir e a de pagar juros) ou a favor de
pessoas diferentes (por exemplo, no contrato de compra e venda, artigos 874º e 879º,
b) e c), em que a obrigação é a de entregar a coisa e a obrigação de pagar o preço
[direitos e obrigações de parte a parte]).
Por isso, é preciso distinguir entre a relação jurídica simples ou una e a relação
jurídica complexa ou múltipla. Se a um determinado direito subjetivo corresponder
apenas um dever jurídico ou uma sujeição, está-se perante uma relação jurídica simples
ou una. Se de um dado facto jurídico resultar uma pluralidade de direitos e/ou
obrigações (deveres ou sujeições), está-se perante uma relação jurídica complexa ou
múltipla.
Na contraposição de relação jurídica una ou simples e relação jurídica múltipla ou
complexa baseia-se a distinção entre o direito de crédito e a relação obrigacional como
organismo.

Quanto à estrutura da relação jurídica, é de distinguir entre estrutura interna e


estrutura externa.
Por estrutura interna da relação jurídica designa-se aquilo a que se chama também
conteúdo da relação jurídica. Este conteúdo é determinado por todo o conjunto dos
elementos da relação que definem o vínculo jurídico daí resultante.

31
Introdução ao Direito Privado – José Paulo Miranda Antunes

O vínculo é o centro da relação jurídica, o nexo que estabelece entre os seus sujeitos,
ligando-os. Este vínculo é caracterizado pela obrigação que corresponde ao respetivo
direito subjetivo. O vínculo existe, por conseguinte, com vista à observação de direitos
subjetivos e as obrigações que lhes correspondem; ele determina como, por força dele,
os direitos subjetivos devem ser respeitados. Resulta daqui que não pode haver relação
jurídica sem o correspondente direito subjetivo. Por outro lado, cada direito subjetivo
cria um vínculo de acordo com a maneira como reclama a sua observância.

Os elementos que, no seu conjunto, definem o conteúdo da relação jurídica,


contribuem todos para o estabelecimento do vínculo, mas não fazem parte dele, sendo-
lhe assim exteriores. Uma coisa é o próprio vínculo, uma outra coisa são os elementos
que concorrem para que este se constitua. Os elementos, no seu conjunto, representam a
estrutura externa da relação jurídica.

Deste modo, os elementos da relação jurídica são os sujeitos, os objetos, os


factos jurídicos e a garantia.

Sujeito Facto Objeto Garantia Sujeito


Jurídico

1. Sujeitos

Os sujeitos da relação jurídica são, assim, o titular do direito subjetivo, por um lado,
e o titular da obrigação correspondente (dever ou sujeição), por outro. O titular do
direito subjetivo é o sujeito ativo da relação jurídica, já o titular da obrigação é o seu
sujeito passivo. De cada lado da “linha reta” (esquema de cima) pode haver um ou mais
titulares. No último caso, que representa uma das formas de relação jurídica complexa,
fala-se de pluralidade subjetiva.

Os sujeitos da relação jurídica são sempre pessoas – pessoas em sentido jurídico –


mas nunca coisas (ou animais). Trata-se de relações interpessoais ou intersubjetivas.
Está excluída desta conceção uma relação jurídica entre uma pessoa, por um lado, e uma
coisa (ou animal), por outro. A relação entre uma pessoa e uma coisa é uma relação
jurídica de índole e natureza bem diferentes, que se caracteriza por um direito de
domínio ou um vínculo de pertença entre uma pessoa e uma coisa.

2. Objeto

Objeto (imediato) da relação jurídica é o direito subjetivo com a correspondente


obrigação, os quais contribuem ambos para determinar o seu conteúdo. Assim, o objeto
decompõe-se nas duas posições jurídicas em que se encontram os respetivos sujeitos:

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Introdução ao Direito Privado – José Paulo Miranda Antunes

posição ativa corresponde um direito subjetivo; a uma posição passiva corresponde uma
obrigação. É em atenção a estas posições que a lei regula a transmissão de direitos, de
obrigações ou de direitos e obrigações em conjunto.

3. Facto jurídico

Por facto jurídico entende-se todo o acontecimento (acontecimento natural ou


comportamento humano) que desencadeia ou produz efeitos jurídicos. Com vista
àqueles factos estão prefiguradas na lei, em abstrato, todas as relações jurídicas que ela
admite, todos os tipos negociais. Contudo, nenhuma relação jurídica pode efetivamente
constituir-se sem que intervenha o respetivo facto jurídico, considerado idóneo pela lei,
para a produção de efeitos jurídicos. O facto jurídico é o elemento causal que leva a
relação jurídica abstrata, idealizada como tipo na lei, para o campo da realidade
concreta, da relação jurídica concreta.

4. Garantia

Embora a ordem jurídica conte, em princípio, como cumprimento espontâneo das


obrigações resultantes de uma obrigação jurídica, ela não pode limitar-se a esta posição
de confiança. É preciso colocar meios adequados à disposição do titular do direito
subjetivo para os casos em que a confiança é desiludida porque o direito subjetivo foi
violado, ou corre o risco – mais ou menos iminente – de vir a ser violado, ou é
contestado ao seu titular. Portanto, é preciso ou repara a violação do direito ocorrida ou
prevenir contra a ameaça da violação do direito. Na verdade, de pouco ou nada valem os
direitos subjetivos quando o titular não dispõe de meios adequados para se defender.
Para este efeito surge a garantia da relação jurídica.

A garantia destina-se, deste modo, “a dar efetividade aos poderes do titular do


direito subjetivo (…) permitindo àquele titular fazer o seu direito mesmo que o obrigado
não queira cumprir espontaneamente”.
Tratando-se de direitos subjetivos que se traduzem num poder de “exigir”, o titular
do direito dispõe para efeitos de garantia de uma ação judicial.
Quanto aos direitos subjetivos que se limitam a conferir um “pretender”, a garantia é
mais fraca. Aqui, o cumprimento do direito subjetivo não pode ser conseguido por via
judicial. Mas se o devedor efetuou espontaneamente a sua prestação, não pode reaver
(repetir) o que foi prestado (artigo 403º). Nisto, quer dizer, nesta posição jurídica
inatacável do titular do direito depois da prestação por parte do devedor, consiste a
garantia de um direito de pretender.
Novamente diferente é a situação quando se trata de direitos subjetivos potestativos
(direitos que atribui ao titular o poder de unilateralmente criar efeitos jurídicos na esfera
do outro, ficando este último, num estado de sujeição). Em relação a estes, o obrigado
não pode furtar-se ao cumprimento, uma vez que os efeitos se lhe impõem, de modo que
fica pira e simplesmente sujeito a eles. Desta maneira, o direito potestativo é garantido

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Introdução ao Direito Privado – José Paulo Miranda Antunes

de modo infalível: a garantia apresenta-nos aqui uma configuração sui generis (até se
podia dizer que os direitos potestativos não possuem garantia, como elemento distinto
deles, sendo esta abrangida pelo seu exercício).

2. As pessoas. As pessoas singulares. Personalidade jurídica; capacidade de gozo


e capacidade de exercício

3. As pessoas. As pessoas coletivas. Elementos constitutivos. Classificações.


Personalidade e capacidade
4. O objeto. As coisas. Classificações e consequências de regime. O património.
As modalidades de património separado
5. Os factos jurídicos. Os factos jurídicos voluntários, maximeo negócio jurídico,
e involuntários (o decurso do tempo)
6. Exercício e tutela dos direitos (garantia). A tutela privada: ação direta;
legítima defesa e estado de necessidade

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