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2022
Introdução ao Direito Privado – José Paulo Miranda Antunes
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A autonomia privada apenas pode ser exercida mediante o recurso aos tipos
negociais previstos na lei. O tipo negocial mais importante é o contrato. Quanto a este
meio de estabelecimento e conformação de relações jurídicas privadas vigora, na lógica
do direito privado, o princípio da liberdade contratual. Na verdade, a autonomia
privada encontra a sua expressão por excelência no princípio da liberdade contratual,
com a qual, às vezes, chega a ser identificada ou confundida.
A liberdade contratual vem regulada nos artigos 405º, nº1 e 2, e 406º, nº1 do Código
Civil. Segundo estes preceitos, a liberdade contratual atua “dentro dos limites da lei”
em dois sentidos, que são:
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De qualquer modo, de acordo com o disposto no artigo 405º, nº1 do Código Civil, a
liberdade contratual deve manter-se “dentro dos limites da lei”. Os limites da lei dizem
respeito tanto à liberdade de celebração do contrato, como à liberdade de fixação do
conteúdo do contrato e ainda à sua eventual modificação ou extinção.
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Em muitos e variados casos – para além dos que já foram referidos anteriormente –
existem leis limitativas e restritivas que se sobrepõem à liberdade de fixação de
conteúdo do contrato e que pretendem atuar em dois sentidos: limitação da liberdade
contratual, por um lado, e proteção do social e economicamente mais fraco, por outro
lado, sendo a primeira o meio e a segunda o fim. Com estas leis pretende-se corrigir
perturbações da justiça comutativa ao promover um equilíbrio das prestações e prevenir
contra a usura.
Diferentes são os casos em que existe um dever jurídico de contratar. Este dever
atinge o cerne da liberdade de celebração do contrato e constitui a quebra mais forte do
princípio da liberdade contratual. Em certa medida poderia pensar-se que o dever
jurídico de contratar não restringe o princípio, mas nega-o.
O dever jurídico de contratar que, bem entendido, se verifica a nível de relações
jurídico-privadas, abrange não só a liberdade de celebração como também a liberdade
de fixação do conteúdo do contrato. Se assim não fosse, o obrigado a contratar podia
furtar-se ao seu dever mediante exigências exorbitantes quanto ao conteúdo do contrato
a celebrar, designadamente a respeito do preço, exigências que a outra parte não estaria
em condições de satisfazer, de modo que o dever de contratar teria poucos efeitos
práticos.
Desta maneira, a conclusão de um contrato não pode ser recusada quando certos bens
ou serviços básicos (abastecimento com água, eletricidade, combustíveis, transportes
coletivos e comunicações, etc.) não podem ser obtidos senão pela conclusão do próprio
contrato pretendido. A obrigação de contratar decorre, nas situações em que existe,
diretamente da lei ou de uma concretização do conceito jurídico indeterminado da
ordem pública ou da cláusula geral dos bons costumes. Poderão ser incluídas nestas
situações, ainda, o acesso a certos estabelecimentos privados (bibliotecas, museus ou
fundações com fins culturais) de acordo com os regulamentos de utilização que devem
incluir pagamentos para o efeito.
Outros exemplos são a contratação obrigatória de deficientes, ou a respeito do
cumprimento de certos deveres profissionais, como os de não recusar, em situações de
emergências, a assistência médica.
Por fim, ainda pode ser mencionada a impossibilidade de recusar os pedidos de
inscrição em certas organizações profissionais ou afins (designadamente associações
privadas em posição de monopólio), se estiverem preenchidos os requisitos de inscrição
e se o exercício da profissão ou atividade depender desta última.
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contratual mantém ainda relevância para uma das partes a nível da liberdade de
celebração, sendo determinada pela elasticidade da sua procura. Deste modo, não se
pode afirmar que o dever jurídico de contratar constitui uma negação completa da
liberdade contratual.
Resta dizer que nos casos de utilização de bens ou serviços públicos (por exemplo,
museus ou bibliotecas ou monumentos nacionais) ou na exigência de inscrições em
organizações profissionais com base no direito público (como, por exemplo, as
associações públicas [ordens ou câmaras profissionais]), o dever de contratar não
respeita a relações entre particulares mas situa-se a nível de relações entre entidades
públicas e particulares e é a consequência do princípio do tratamento igual que as
entidades públicas devem aos cidadãos.
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Estando assim definidos a liberdade contratual, os seus limites como vêm traçados
pelo Código Civil ou por outras leis, bem como as suas limitações de facto, convém
ainda uma referência aos campos de aplicação daquele princípio.
Como campo de eleição é de mencionar, tanto em relação à liberdade de celebração
como quanto à liberdade de fixação do conteúdo do contrato, em primeira linha, a vasta
área do direito das obrigações, visto o tipo legal “contrato” ser extremamente elástico,
seguido do direito comercial e, ainda, do direito do trabalho, não obstante os muitos
limites legais que o caracterizam.
No que respeita aos direitos reais, excetuando os direitos limitados de gozo em que é
admitida, está excluída de todo a fixação do conteúdo do contrato (artigo 1306º, nº1),
uma vez que eles têm um conteúdo determinado e que existe, para além disso, um
numerus clausus dos tipos legais permitidos pela lei.
Quanto ao direito da família, são de distinguir os negócios de caráter pessoal e os de
caráter patrimonial, nomeadamente a escolher o regime de bens. Em ambos os casos,
existe a liberdade de celebração do contrato (havendo capacidade matrimonial).
Todavia, a fixação do conteúdo está reduzida ou excluída no primeiro caso (conforme o
artigo 1591º, quanto à promessa de casamento, o artigo 1618º em relação ao
casamento e o artigo 1852º a respeito da perfilhação) e limitada no segundo (conforme
o artigo 1698º, 1699º e 1718º, relativamente às convenções antenupciais) – aparte as
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situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação”.
Vale o princípio da reconstituição natural. Neste contexto, “o dever de indemnizar
compreende não só o prejuízo causado” (danos emergentes), “como os benefícios que
o lesado deixou de obter em consequência da lesão” (artigo 564º, nº1), ou seja, a
indemnização abrange ainda os chamados lucros cessantes. Todavia, “a indemnização é
fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare
integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor” (artigo 566º,
nº1).
Para além deste regime comum para ambas as modalidades, há ainda outros pontos
que a lei trata da mesma maneira. Assim, a apreciação da culpa, quando a houver, é feita
segundo critérios iguais, estabelecidos no artigo 487º, nº2, para a responsabilidade civil
e, por remissão, também aplicáveis à responsabilidade contratual (artigo 799º, nº2), ou
seja, a culpa é apreciada segundo a diligencia de um bom pai de família.
Tanto a responsabilidade contratual como a responsabilidade por factos ilícitos
pressupõem a existência da culpa do lesante (causador do dano), como pressuposto da
sua obrigação de indemnizar o lesado (conforme os artigos 798º [“o devedor que falta
culposamente ao cumprimento”]e 483º, nº1 [“aquele que, com dolo ou mera culpa,
violar o direito de outrem”]).
De todo o modo, para que o lesante seja obrigado a indemnizar o lesado é necessário
que se encontrem preenchidos determinados pressupostos legais, tanto na
responsabilidade contratual como na responsabilidade extracontratual.
1 - Dano
Em segundo lugar, tem de ter existido um facto voluntário do lesante, ou seja, este
tem de ter praticado uma conduta que é controlável pela vontade humana. Excluem-se,
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assim, os factos involuntários (como os danos causados por catástrofes naturais, por
exemplo). Esta conduta tanto pode ser positiva (uma ação, pelo que se violou um dever
geral de abstenção), como negativa (uma omissão, desde que existisse um dever jurídico
de atuar no sentido de evitar o dano, nos termos do artigo 486º).
3 – Facto Ilícito
Em terceiro lugar, este facto tem de ser ilícito. A ilicitude decorre de um juízo de
censura sobre o facto por consistir na infração de um dever jurídico e na correspondente
violação de direitos: absolutos, caso se trate de um caso de responsabilidade civil
extracontratual; ou relativos, caso estejamos perante um caso de responsabilidade
contratual.
4 – Culpa do lesante
Em quarto lugar, como vimos, tem de ter existido culpa do lesante. Dizer-se que
alguém é “culpado” implica que se faça um juízo de censura sobre o próprio sujeito por
ter praticado o ato (ou omitido a ação) de que proveio o dano, apesar de o ter podido
evitar.
Tanto é culpado quem atua com dolo (tem intenção de praticar o facto danoso) como
quem atua com negligência (também chamada de mera culpa), ou seja, emitindo a
diligencia que lhe era exigível em face das circunstâncias.
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Responsabilidade
civil pelo risco
Responsabilidade Arts. 499º a 510º
objetiva
Responsabilidade
Extracontratual Responsabilidade civil por factos
civil por factos lícitos
Responsabilidade
Civil ilícitos
Contratual
Arts. 483º a 198º
Arts. 798º a 803º
O artigo 483º, nº1, estabelece uma sanção: o lesante que culposamente, violar de
modo ilícito um direito absoluto de outrem fica obrigado a indemnizar o lesado pelos
danos sofridos. Contudo, o lesado, querendo ver os seus danos reparados, não se
encontra numa situação muito cómoda. Ao contrário do que sucede ao credor na
responsabilidade contratual, é a ele que incumbe provar a culpa do autor da lesão
(artigo 487º, nº1, 1ª parte). O lesado arca, portanto, com o ónus (pesado) da prova.
A culpa é apreciada pela diligencia de um bom pai de família, em face das
circunstâncias de cada caso (artigo 487º, nº2), de acordo com os cuidados necessários
no tráfico jurídico. Além de provar a culpa do lesado, que há-de individualizar para o
efeito, o lesado deve provar ainda que existe entre o facto danoso e o dano que sofreu
um nexo de causalidade adequada (artigo 563º), quer dizer, o facto danoso era, dentro
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769º), no lugar certo (artigo 772º, nº1) e dentro do prazo (artigo 777º, nº1).
Mas com muita frequência o devedor não pode ou não precisa de cumprir
pessoalmente e serve-se de um auxiliar no cumprimento e,
consequentemente, há-de assumir a responsabilidade pelos atos destes.
Para este caso, o artigo 800º, nº1, determina que “[o] devedor é responsável
perante o credor pelos atos (…) das pessoas que utilize para o cumprimento
da obrigação, como se tais atos fossem praticados pelo próprio devedor”, de
modo que o devedor não se pode desculpabilizar. Estamos aqui em face de
uma responsabilidade muito severa destinada a assegurar que obrigações uma
vez assumidas por efeito de uma vinculação autónomo-privada são também
integralmente cumpridas. Afirma-se, de novo, o princípio pacta sunt
servanda (artigo 406º, nº1, 1ª parte).
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Enquanto as pessoas são “fins em si mesmas”, as coisas são meios ao serviço dos
fins das pessoas, meios desprovidos de valor autónomo, isto é, de um valor que abstraia
da sua aptidão para satisfazer necessidades ou interesses humanos.
Por sua vez, o homem tem necessidade de se servir das coisas como condição da sua
sobrevivência e do seu progresso. A detenção, o uso e a disposição das coisas permite
ao homem satisfazer necessidades fundamentais ou secundárias e potencia a sua
possibilidade real de se propor determinadas finalidades e de escolher entre várias vias
para realização desses fins.
O Código Civil não define o direito de propriedade, mas o artigo 1305º, caracteriza-
o, dizendo que “o proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso,
fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com
observância das restrições por ela impostas”.
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3. É um direito perpétuo
Os direitos reais de gozo são aqueles que conferem um poder de utilização, total ou
parcial, duma coisa e, por vezes, também o de apropriação dos frutos que a coisa
produza.
No nosso direito são o usufruto, o uso e habitação, o direito de superfície e as
servidões prediais, bem como o direito real de habitação periódica. Esta enumeração é
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exaustiva, uma vez que estamos num domínio onde vigora o princípio da tipicidade ou
do numerus clausus.
Definimo-los – os direitos reais de gozo – como poderes de utilizar, total ou
parcialmente, uma coisa, conferindo, por vezes, além disso, o poder de apropriação dos
frutos da coisa.
Exemplos: usufruto; direito de uso e habitação há apenas o direito de usar a coisa.
Os direitos reais de garantia são direitos que conferem o poder de, pelo valor de
uma coisa ou pelo valor dos seus rendimentos, um credor obter, com preferência sobre
todos os outros credores, o pagamento da dívida de que é titular ativo.
Os direitos reais de garantia são o penhor, a hipoteca, os privilégios creditórios
especiais, o direito de retenção e a consignação de rendimentos.
Casamento
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O parentesco, outra fonte das relações familiares, é definido no artigo 1578º. Trata-
se do vínculo entre duas pessoas, resultantes de uma delas descender da outra ou de
ambas terem um progenitor comum.
Na primeira hipótese – uma pessoa descende da outra – estamos perante o parentesco
na linha reta. Por exemplo, entre pai e filho (1º grau) ou avô e neto (2º grau).
Na segunda hipótese – ambas têm um progenitor em comum – depara-se-nos o
parentesco na linha colateral.
" Perfilhação: ato pessoal e livre pelo qual alguém pode reconhecer outrem
como seu filho. Admite-se, contudo, que tal possa ser feito por intermédio de
procurador com poderes especiais (artigo 1849º);
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Afinidade
A afinidade é, nos termos do artigo 1584º, o vínculo que liga um dos cônjuges aos
parentes do outro. Já não há afinidade nem qualquer vínculo jurídico familiar entre um
dos cônjuges e os afins do outro: afinidade não gera afinidade.
A afinidade tem escassa relevância jurídica. Releva, por exemplo, para a designação
do tutor ou de membros do conselho de família (artigos 1931º e 1952º) e dela resultam
certas incapacidades (por exemplo, o impedimento matrimonial do artigo 1602º, c) e
incompatibilidades).
Adoção
Fenómeno sucessório
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A sucessão legal pode ser legítima ou legitimária, consoante possa ou não ser
afastada pela vontade da pessoa falecida, o chamado autor da sucessão, ou de cuiús ou
hereditando. As normas reguladoras da sucessão legítima são assim normas supletivas,
enquanto as da sucessão legitimária são imperativas.
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a) Cônjuge e descendentes;
b) Cônjuge e ascendentes;
c) Irmãos e seus descendentes;
d) Outros colaterais até ao quarto grau;
e) Estado.
Ainda de acordo com o artigo 2133º, o nº2 deste artigo estipula que “o cônjuge
sobrevivo integra a primeira classe de sucessíveis, salvo se o autor da sucessão falecer
sem descendentes e deixar ascendentes, caso em que integra a segunda classe”.
Por último, o nº 3 diz que “o cônjuge não é chamado à herança se à data da morte do
autor da sucessão se encontrar divorciado ou separado judicialmente de pessoas e bens,
por sentença que já tenha transitado ou venha a transitar em julgado ou ainda se a
sentença de divórcio ou separação vier a ser proferida posteriormente àquela data, nos
termos do artigo 1785º, nº3”.
Note-se, assim, nesta reforma, a valorização da posição sucessória do cônjuge
sobrevivo, passando a integrar a primeira classe de sucessíveis juntamente com os
descendentes, não podendo a sua quota ser inferior a uma quarta parte da herança – no
caso de se tratar da sucessão do cônjuge e descendentes (artigo 2139º, nº1) – e
pertencendo-lhe duas terças partes da herança se se tratar da sucessão do cônjuge e dos
ascendentes (artigo 2142º, nº1). Na falta de descendentes e ascendentes, o cônjuge é
chamado à totalidade da herança (artigo 2144º).
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O atual Código Civil foi publicado em 1966, entrando em vigor em 1967. Antes deste, vigorava em
Portugal, o Código de Seabra (publicado em 1867, estando em vigor 100 anos, inspirado maioritariamente
no Código Civil francês da época de Napoleão).
O Código de Seabra era maioritariamente individualista, defensor da liberdade contratual
“extrema”/de liberalismo individualista, sem preocupações sociais.
Houve, então, necessidade de extinguir este código por haver muita legislação avulsa/extravagante, o
que formava dois códigos normativos nem sempre coerentes, e por outro lado, a ideia de liberalismo
individualista começou a ser repensada e posto de parte, levando, assim, à redação de um novo Código
Civil.
O Código Civil demorou 22 anos a ser elaborado (criou-se em 1944 uma comissão encarregue de o
redigir). Ao longo dos 22 anos foram elaborados vários estudos sobre pontos concretos por cada um dos
seus autores nas suas áreas de especialidade.
Após a elaboração, o Código Civil foi revisto por 2 vezes, quer pelo Ministério da Justiça, mas
também por professores e juízes.
Sistematização
Corresponde à classificação germânica do Código Civil (BGB) que se inspirou no Direito Romano. A
sua técnica legislativa recorre a normas gerais e abstratas. Ao recorrer a cláusulas gerais e conceitos
indeterminados permitia-se que fosse possível solucionar questões que não estavam originalmente
previstas no CC.
Na Parte Geral, em vez de repetir em cada capítulo os mesmos valores partiu do geral para o particular
– contém normas aplicáveis às diferentes partes do Direito Civil.
Seguindo a estrutura do BGB, o Código Civil português está dividido em 5 partes:
I – Parte Geral
- Das leis
- Das relações jurídicas
* das pessoas
* das coisas
* dos factos jurídicos
* do exercício e tutela dos direitos
Linguagem
Do ponto de vista geral é altamente técnica e rigorosa. O uso de conceitos indeterminados prende-se
com o facto de o legislador nem sempre conseguir pensar/prever todos os casos concretos que a norma
pode abranger. A vantagem destes conceitos é que são mais resistentes à passagem do tempo, ao contrário
do que acontece com conceitos determinados/rigorosos. Por outro lado, verificamos uma concetualização
de conceitos jurídicos, uma vez que as normas concretas também são importantes.
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O Código não se manteve igual, mas foi, sim, alterado várias vezes (maioridade, casamento
homossexual, alteração do estatuto da mulher no casamento, divórcio, etc.).
Para além do Código Civil, existe ainda legislação avulsa/extravagante. Assim, o Direito Civil não se
esgota no Código Civil. O problema é que à medida que o tempo passa, começa a existir cada vez mais
legislação não integrada no Código Civil, o que não só dificulta a consulta, como também impulsiona
contradições entre legislação.
Num sentido amplo pode designar-se por relação jurídica toda a situação ou relação
da vida real (social) que é juridicamente relevante, de modo que é disciplinada pelo
direito. A relação jurídica não abrange, por isso, todas as relações da vida social, mas
apenas aquelas que, sendo suscetíveis de regulamentação jurídica, são ordenadas pelo
direito. Trata-se de um vínculo jurídico, de um vínculo normativo.
Deste modo, existem relações sociais, espaços sociais, livres de direito, não obstante
a sua relevância essencial para a convivência humana como, por exemplo, a amizade, o
namoro, a colegialidade no lugar de trabalho, as atividades nos tempos de lazer (por
exemplo, o desporto amador), etc., onde a liberdade originária do homem não é
ordenada juridicamente, mas através de meras regras de comportamento social. Por
outro lado, há relações jurídicas que não abrangem todos os aspetos ou facetas da
respetiva relação inter-humana, visto esta não ser suscetível de ser captada apenas
mediante uma abordagem jurídica, como acontece, por exemplo, com as relações
jurídicas familiares de caráter pessoal.
Assim, a relação jurídica é a relação da vida social disciplinada pelo direito, sendo
atribuído a uma pessoa um direito subjetivo e imposta a outra pessoa uma obrigação
correspondente de respeitar aquele direito.
Num sentido restrito pode designar-se por relação jurídica toda a relação da vida
social disciplinada pelo direito, mas só quando esta relação apresenta uma determinada
fisionomia típica. Como sabemos, a ordem jurídica contém para a conformação das
relações jurídicas no âmbito da autonomia privada um numerus clausus de tipos. Desta
maneira, a ordem jurídica condiciona, relativamente à forma e conteúdo, a conformação
de relações jurídicas, constituídas no exercício da autonomia privada, ao remeter os
particulares para o emprego dos seus tipos negociais.
Mediante uma relação jurídica são atribuídos direitos subjetivos, aos quais
correspondem obrigações. Deste modo, as relações jurídicas aparecem-nos como
relações de poder.
Direito subjetivo é, neste contexto:
A produção daqueles efeitos que se impõem à outra parte pode resultar do exercício
de um direito potestativo diretamente, por meio de um ato de vontade do próprio titular,
ou indiretamente, por decisão judicial (provocada pela vontade do titular).
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O vínculo é o centro da relação jurídica, o nexo que estabelece entre os seus sujeitos,
ligando-os. Este vínculo é caracterizado pela obrigação que corresponde ao respetivo
direito subjetivo. O vínculo existe, por conseguinte, com vista à observação de direitos
subjetivos e as obrigações que lhes correspondem; ele determina como, por força dele,
os direitos subjetivos devem ser respeitados. Resulta daqui que não pode haver relação
jurídica sem o correspondente direito subjetivo. Por outro lado, cada direito subjetivo
cria um vínculo de acordo com a maneira como reclama a sua observância.
1. Sujeitos
Os sujeitos da relação jurídica são, assim, o titular do direito subjetivo, por um lado,
e o titular da obrigação correspondente (dever ou sujeição), por outro. O titular do
direito subjetivo é o sujeito ativo da relação jurídica, já o titular da obrigação é o seu
sujeito passivo. De cada lado da “linha reta” (esquema de cima) pode haver um ou mais
titulares. No último caso, que representa uma das formas de relação jurídica complexa,
fala-se de pluralidade subjetiva.
2. Objeto
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posição ativa corresponde um direito subjetivo; a uma posição passiva corresponde uma
obrigação. É em atenção a estas posições que a lei regula a transmissão de direitos, de
obrigações ou de direitos e obrigações em conjunto.
3. Facto jurídico
4. Garantia
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de modo infalível: a garantia apresenta-nos aqui uma configuração sui generis (até se
podia dizer que os direitos potestativos não possuem garantia, como elemento distinto
deles, sendo esta abrangida pelo seu exercício).
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