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Introdução ao Estudo do Direito I

Turma B: Ano Letivo 2022/2023


Docente: Prof. Doutor Pedro Romano Martinez
Autor: António Matos

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Aviso: O presente resumo tem caráter meramente consultivo e de forma alguma
substitui os manuais da unidade curricular. Quaisquer eventuais erros ou omissões
provêm, não de eventual maldade, mas da burrice do autor ao não reparar nos
mesmos.
O presente resumo tem por base o manual do Professor Pedro Romano Martinez,
com auxílio dos livros dos professores Miguel Teixeira de Sousa, Oliveira Ascenção,
Sandra Lopes Luís, Pinto Bronze, Santos Justo, entre outros.

O Homem, ser social


O Homem é um ser que, para maximizar a chance da sua
sobrevivência e felicidade, organiza-se com os seus semelhantes. Como tal,
este forma estruturas cada vez maiores de agregação, como a família, clã,
aldeias, vilas, cidades, Estados e impérios.
O Humano é um ser que visa, no final das contas, a satisfação dos
seus interesses, mesmo que indiretamente. Portanto, e porque os interesses
são subjetivos, qualquer organização social levará a conflitos.
São esses conflitos que exigem a existência de normas que os
regulem. Nasce o Direito, obedecendo à máxima sempre presente:
Ubi Homo, ibi societas. Ubi societas, ibi jus.
Portanto, o Direito surge para ordenar a sociedade, os seus conflitos,
mas também para asssegurar uma vida boa, para além da sobrevivência.
O que é uma instituição? Conjunto de regras ligadas a uma conduta
que visam definir uma mesma ideia. Modo de integração e inter-
relacionamento entre pessoas.
Assim, as instituições ajudam o Homem, na convivência social, a
integrar-se, socializar e estabilizar as relações.
Para distinguir Direito Público de Privado usamos os seguintes
critérios:
 Critério do interesse: O Direito Público visa a satisfação do interesse
Público e vice-versa. O critério perde força pela dificuldade de
definir interesse público e privado;

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 Critério da qualidade dos sujeitos: Direito Público é onde há
intervenção do Estado. O critério perde força pelo Estado atuar,
muitas vezes, como particular;
 Critério da posição dos sujeitos: Se, na relação jurídica, há uso do
ius imperii.
Arte ou Ciência?
Arte pode ser definida como forma de abordar o mundo e de
passagem de uma ideia através dos sentidos. No tempo do ius romanum, o
Direito muito facilmente poderia ser classificado como arte, pois era feito
conforme o desejo da justiça do caso concreto.
Hoje, o nosso Direito baseia-se num conjunto de normas que visam
regular a vida em sociedade, com a possibilidade da aplicação de sanções
pelo não cumprimento. A norma jurídica é subjetiva e pode ser interpretada
de várias formas, mas sempre no método próprio do Direito. Nesta
mentalidade, o Direito é uma ciência, existindo para ser aplicado.
As Ordens Normativas
Vários são os conjuntos de regras (ordens normativas) que regem a
nossa forma de viver, entre as quais:
 Ordem Natural: Leis naturais, gerais, universais e invioláveis, os
fenómenos da natureza;
 Ordem Social: Regras de convívio social.
o Ordem Religiosa: Regras de caráter religioso com sanções
extra-mundanas;
o Ordem Moral: Regras que disciplinam a vida em sociedade
baseada em valores éticos visando a prática do bem, com
sanções interiores;
o Ordem de Trato Social: Comportamentos de boa educação
fruto de usos sociais, sanções sociais;
o Ordem Jurídica: Ordem composta por regras jurídicas. O
Direito, a única ordem com coercibilidade. (dever ser)
 Ordem Técnica: Regras de partes especiais do conhecimento que
visam resolver um determinado problema (ter de ser).
Geralmente, a ordem jurídica obedece a um princípio da
subsidiariedade, onde a ordem jurídica não se deve sobrepôr a outras
ordens sociais quando não houver que assegurar o cumprimento das suas

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regras por órgãos do Estado. Porém, quando o Direito age, prevalece sobre
as outras ordens.
As ordens podem entrar em conflito, coincidência ou neutralidade
(??). Como a ordem moral e a jurídica, que muitas vezes entram em
confronto. Porém, o Direito destaca-se por estas características GERAIS:
 Heteronomia: Criada externamente;
 Alteridade: É de outro;
 Exterioridade: Valoriza as condutas manifestadas perante os demais;
 Dinamismo: Como produto cultural, adapta-se;
 Imperatividade: Determina regras, o dever-ser. O incumprimento
leva a sanções;
 Coercibilidade: Suscetibilidade da aplicação de sanções face ao não
cumprimento das normas. Possibilidade de impor as sanções.

Porém, não devemos repetir o erro gravoso da História de


separar o moral do jurídico. Nas palavras de São Tomás de Aquino:
A lei humana não proíbe todos os vício de que os virtuosos se
abstêm, mas só os mais graves”. Assim, o Direito deve servir como
mínimo ético da moral, procurando garantir o justo e bom.
Para distinguir as ordens, Galvão Telles apresenta a moral
como bilateral, na medida em que só impõe deveres, e o Direito
como bilateral, impondo Direitos e deveres. Assim, a moral só
afirma “ama o próximo” e não “tens o Direito de ser amado pelo
próximo”.
Quanto mais, afirmar que o Direito apenas contém
exterioridade é equívoco, na medida em que, se o Direito parte das
condutas reveladas perante terceiros, não lhe é indiferente as
motivações do sujeito, ou já descartámos também a boa-fé?
Lembrar sempre as palavras de Paulo: Non omne quod licet
honestum est.
Funções do Direito
 Função Jurídica: Regras com o fim da justiça;
 Função Política: Organização político-administrativa da sociedade,
inclui combate à anarquia e totalitarismo;
 Função Social: Define comportamentos definidos e proibidos;
 Função Pacificadora: Forma as regras que disciplinam a sociedade e
a sua violência.

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A Ordem Jurídica
Não existe um consenso sobre a definição de ordem jurídica e se a
mesma é separada do Direito. Podemos afirmar, porém, que a ordem
jurídica é a única ordem necessária para a vida social, está sempre presente
na organização do Homem em sociedade, expressa em normas jurídicas.
Exemplo de uma definição é a de Oliveira Ascensão: “Noção englobante
em que se inscrevem as instituições, os órgãos, as fontes do Direito, a vida
jurídica e as situações jurídicas”.
Mesmo assim, podemos afirmar que a ordem jurídica é um tecido
composto por vários elementos:
 As instituições
 Os órgãos
 As fontes de Direito
 O sistema das regras
 As situações jurídicas
O Direito entendemos como o conjunto de vinculações potenciais ou
concretas derivadas da ordem jurídica, abrangendo os últimos dois
elementos. Assim, o Direito não é apenas o sistema de regras jurídicas mas
também as situações subjetivas integrantes nas mesmas. Pessoalmente,
prefiro a definição de Ulpiano: “Ius est ars buoni et aequi” ou de Sebastião
Cruz: “Direito é tudo aquilo que tem especiais atinências com o iustum”.
Mais ainda será de destacar a definição de Direito de Galvão Telles:
Conjunto de regras de conduta social, estabelecidas em vista da Paz, Justiça
e Bem Comum e imposto pela força, se necessário e possível.
Assim, não é ordem jurídica a que não se pode ver realizada uma
ideia de Direito. Uma ordem sem a mesma e apenas fundada em segurança
será um poder arbitrário erigido e mantido na violência e terror.
Direito Objetivo e Subjetivo
Na linguagem comum da plebe não-jurista, a palavra Direito surge
de várias formas. Não obstante, a palavra Direito pode designar uma
multiplicidade de termos jurídicos:
 Direito Objetivo: Conjunto de regras do ordenamento jurídico, ou
seja, normas constantes de diplomas legais.

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Deste Direito Objetivo, são reveladas e consagradas posições dos
sujeitos jurídicos:
 Direito Subjetivo: Posição de um sujeito na ordem jurídica,
identificando as suas posições jurídicas, pretensões, modos de
defesa, etc.
o Teoria da vontade: o direito subjetivo é um poder ou senhorio
da vontade concedido pela ordem jurídica. O sujeito pode
exercer o poder ou não.
o Teoria do interesse: Os direitos subjetivos são interesses
juridicamente protegidos
 A relação do sujeito face ao D.O. e o sentido extraído do mesmo
 Menezes Cordeiro define como uma permissão normativa
específica conferida a um sujeito para aproveitamento de bens.
o Direito Subjetivo propriamente dito: Posição de um sujeito
numa relação jurídica relativamente à norma jurídica onde, ao
direito do mesmo, contrapõe-se um dever jurídico, de
pretensão de um comportamento positivo ou negativo;
o Direito Potestativo: Prerrogativa de exercer um direito,
sujeitando a contraparte à consequência, sem capacidade de se
opor (sujeição).
Mesmo que o Direito Subjetivo não esteja constituído, pode
haver, no indivíduo, a esperança de o adquirir:
 Mera expectativa: Uma simples esperança sem tutela jurídica;
 Expectativa Jurídica: Existem bases jurídicas para a esperança da
concretização de uma situação.
Podemos ainda distinguir o Poder Funcional, um poder-dever onde o
direito não é de exercício livre, como os poderes parentais, existem deveres
inerentes ao direito, visto haver interesses de outrem juridicamente
protegidos.
Pode limitar o direito:
 Exceção de não-cumprimento do contrato;
 Exceção perentória de prescrição (309º CC)
 Existência de um ónus, sendo este a imposição de uma conduta para
obter determinada vantagem
A Norma Jurídica

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O Direito é composto por todas as normas jurídicas e as regras por
elas impostas. Porém, nem todas as normas têm regras, como nem todas
têm a mesma reação ao seu incumprimento.
Assim, a regra jurídica é um critério de apreciação das condutas,
critério de conduta, visto orientá-las e um critério de decisão sobre a
solução jurídica dos casos.
As normas comportam um comando através de uma situação
hipotética, contendo previsão e estatuição, a consequência jurídica.
Imperatividade e Coercibilidade
A regra imperativa jurídica impõe comportamentos e visa reações ao
seu incumprimento. A imperatividade prevê sanções e a coercibilidade a
capacidade e instrumentos de as impor por parte de um aparelho
organizado.
Porém, tendo em conta as situações onde a regra jurídica não impõe
uma conduta mas serve de qualificação ou de produção automática de
efeitos, podemos afirmar que nem todas as normas jurídicas são
imperativas.
A coercibilidade do Direito é dotada de meios próprios,
estadualmente definidos e aplicados de forma geral e abstrata, de origem
heterónoma.
Porém, um regime de obediência imposto por medo de uma sanção
seria insustentável e indesejável, o Direito não é coação, porquanto as
regras jurídicas são obedecidas espontaneamente, com regras que visam
repor o dever-ser caso sejam quebradas.
O Direito impõe um dever ser, sendo as suas regras observadas de
forma mecânica ou intencional. A norma jurídica comporta um comando
decorrente de uma situação hipotética (a previsão) e a estatuição ou
consequência jurídica.
A coercibilidade não é prosseguida sempre, visto que um sujeito
pode não ter justificado a aplicação da sanção ou a sua aplicação é
impraticável.
Concluindo, não podemos considerar a coercibilidade característica
de todo o Direito, devido aos casos onde na norma não existe
imperatividade, ou nos casos onde a coercibilidade não é aplicável.
Existem normas sem regras e regras sem sanção.

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Assim, PRM afirma que a coercibilidade não é característica do
Direito na medida em que esta não está prevista em muitas normas e é
muitas vezes impossível a sua aplicação.
À ausência de sanção é costumeiro chamar à norma de lex
imperfecta, expressão contraditória visto a coerção e sanção não serem
dados adquiridos do Direito.
Ou, como é conhecida, a soft law, que não tem prevista uma sançãoe
tem imperatividade reduzida, como as regras assentes na prática que
regulam as atuações entre agentes, muito presentes no Direito Internacional
A reação tanto pode acontecer por meio de sanção material ou de
desvalor jurídico, todas de origem por intervenção judicial.
Desvalor Jurídico
O desvalor jurídico consiste numa modalidade de reação do Direito
ao seu incumprimento. A sanção tem como alvo o sujeito que cometeu a
ação, o desvalor tem como alvo a ação em si. Ao contrário de uma sanção
física, este consiste na não permissão ao incumpridor de atingir o resultado
desejado
Existem várias situações de desvalor jurídico:
 Ilegalidade: ato que contraria a lei. Visa-se que o infrator não
consiga obter o resultado positivo que pretende. Resulta em
invalidade, ineficácia ou sanção;
 Ilicitude: Ato contrário à lei que viola um comando jurídico, como
direitos de outrem, incorrendo em responsabilidade civil, penal, etc.
São exemplos:
o Abuso de direito: Artigo 334º do CC, alguém que exerce o seu
direito mas fá-lo em excedência da boa fé (confiança e
materialidade subjacente), bons costumes (moral social) e/ou
pelo fim social ou económico do direito.
A definição destes critérios em si é alvo de divergências na
doutrina, entre as teorias internas, que afirmam que o abuso e
solução para o mesmo se encontram no próprio conteúdo de cada
direito subjetivo, seja pelo dolo ou pelo funcionalismo e
interpretação formal do mesmo, e as externas onde o abuso é
visto como uma contrariedade entre as normas que instituem o
direito e preceitos que limitam o seu exercício, estejam presentes
nas normas, no Direito ou em outras ordens, como a Moral.

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Resumindo, o abuso reside na disfuncionalidade de
comportamentos jurídico-subjetivos por não confluírem no
sistema em que as normas onde constam se integram. O espaço de
liberdade que é o direito subjetivo limita-se por barreiras tanto do
próprio sujeito e exercício, como do sistema jurídico e social-
moral.
Assim, primeiramente, a boa-fé define-se como uma tradução
da moralidade do sistema jurídico, obedecendo as ações ao
honestere agere e alternum non laedere, assente na:
 Tutela da Confiança: Não deve frustrar as expectativas
legítimas das pessoas, numa situação criadora de
confiança justificada que é investida e imputada
 Primazia da materialidade subjacente: Conformidade
material das condutas com os princípios inerentes do
sistema, idoneidade valorativa (impossibilidade de se
tirar proveito de uma situação jurídica violada) e
equilíbrio no exercício de posições
São exemplos:
 Exceptio Doli: A possibilidade a uma parte de invocar
uma exceção de não cumprimento justificada na
actuação dolosa da contraparte. Sendo o dolo artifício
empregado com a intenção de induzir em erro OU
conduta dirigida contra uma norma jurídica. Ou seja,
através de uma interpretação e exercício da lei,
pretende-se obter resultados que violam a boa fé;
 Venire contra factum proprium: Uma das partes assume
um comportamento contraditório ao praticado
anteriormente e cujo qual inspirou confiança da
contraparte, que agiu em conformidade sem fator
justificador.;
 Inaguelabilidade de nulidades formais obsta que aquele
que deu azo a uma invalidade possa beneficiar dessa
consequência, quando a contraparte confiou na validade
do negócio;
 Suppresio: Extinção de um direito, muitas vezes pelo
fator-tempo, por o seu exercício ser contra a boa fé. O
não-exercício de uma posição jurídica leva à formação
de confiança do seu não-exercício;

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 Surrectio: Criação de um novo direito que encontra
justificação na boa fé;
 Tu quoque: Uma pessoa que viole uma norma jurídica
não pode depois, sem abuso, prevalecer-se da situação,
exercer uma posição violada ou exigir o acatamento à
situação (ex: dolo do menor). Primazia da materialidade
subjacente. Assim, não pode recorrer às potencialidades
regulativas de um contrato que ele próprio já violou ou
recorrer a qualquer outra posição indevidamente
adquirida.;
 Desequilíbrio no exercício jurídico: Várias situações de
desequilíbrio entre os proveitos das partes, como o
exercício danoso inútil (O titular não tira benefício
pessoal mas causa danos a outrem, como a produção de
fumos e cheiros) (exercício censurável do direito), dolo
agit qui petit quod statim redditurus est
(comportamento da pessoa que exige o que terá de
restituir) e desproporção entre vantagem do titular e
sacrificio imposto a outrem (desencadeamento de
snações por faltas insignificantes);
A consequência do abuso do direito consiste na extinsão do
mesmo (suppressio), cessação do exercício, dever de restituir
ou responsabilidade civil cumpridos os pressupostos.
o Colisão de Direitos: Quando um direito subjetivo deve ser
harmonizado com outro(s) direito(s) por permissões
incompatíveis entre si. Artigo 335º do CC, direitos iguais
devem implicar cedências de ambas as partes. Em direitos
desiguais, favorece-se o que se achar superior;
Direitos iguais designam aqueles que vêm da mesma norma,
da mesma espécie os que contemplem o mesmo tipo de bens.
Neste caso, devem as partes ceder na medida do necessário
para que todos possam produzir o seu efeito sem detrimento de
qualquer das partes. Tal pressuposto implica a possibilidade do
exercício parcial dos direitos e de vantagens iguais. Se não for
o caso, deve usar-se os critérios e argumentos do número 2 do
335º.
Devem todos evitar conflitos, sendo a criação propositada
violadora da boa fé.

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Existem vários argumentos para a prevalência de direitos de
espécie diferente:
 Antiguidade Relativa: O direito primeiro constituído
tenderá a prevalecer;
 Danos pelo não-exercício: Seguindo o princípio de
minimização dos danos, perante uma colisão prevalece
o direito que, se não for praticado, causa maior dano.
 Lucros do exercício: Prevalece o direito que traz maior
lucro ao sujeito face a um que não tenha essa
consequência.
 Prevalência em abstrato: Prevalece aquele que, em
ponderação abstrata, seja visto como superior.
 Igual sacrifício: Aplicação do nº1 do 335º, cedência
mútua de ambas as partes.
 Composição aleatória: Atribuição de prevalencia ou de
anulamento dos direitos de acordo com regras de trato
social, p.e.
 Ineficácia: A não produção de efeitos jurídicos devido à
desobediência à normatividade:
o Inexistência: O ato praticado não tem qualquer relevo jurídico
(casamento praticado por um funcionário sem competência
para tal);
o Invalidade: O ato, da forma como foi praticado, não tem o
valor que o direito lhe pretenderia atribuir.
 Nulidade: A mais grave, o ato não produz efeitos e não
é sanável, podendo ser invocada por qualquer parte a
qualquer altura (ex: art. 220º CC);
 Anulabilidade: Confere desvalor ao ato se for invocado
por uma parte definida na lei. É sanável. Distingue-se da
nulidade pelo facto de o negócio produzir efeitos até ser
anulado;
 Nulidade mista: Misto dos dois anteriores, onde a base é
nulidade mas existe um prazo, como o 410º nº 3 do CC
o Ineficácia strictu sensu: Se um pressuposto para o ato produzir
efeitos não ocorreu ou em inoponibilidade, o ato carece de
efeitos jurídicos.
Sanções Jurídicas

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A sanção é a consequência, ou efeito jurídico, desfavorável para o
infrator, que resulta do incumprimento da norma. As sanções têm caráter
preventivo, visto impelirem ao cumprimento das normas e garante de
segurança jurídica, visto todos ficarem a saber que os que incumprirem as
normas são castigados.
Entende-se que a sanção deve fazer mais que retirar as vantagens que
o infrator obteria do incumprimento, deve também impor uma
consequência negativa ao mesmo.
São modalidades de sanções, não exclusivas entre si, as seguintes:
 Sanções negativas: Uma consequência negativa ao infrator, a perda
de uma situação ativa, como a prisão;
 Sanções premiais: O sujeito é premiado pelo cumprimento da norma.
Não é muito comum.
Para além destas, são tipos de sanções:
 Sanções compulsórias: Visam impelir ao cumprimento de uma
norma ou ao termo da situação de infração depois da infração já ter
sido cometida (ex: sanção pecuniária compulsória, 829º-A CC);
 Sanções Reconstitutivas: Pretende reparar a situação resultante da
infração, restaurar o status quo ante (562º CC).
 Sanções Compensatórias: O infrator deve restituir o lesado através
de compensação. Distingue-se das reconstitutivas por ter a finalidade
de atribuir ao lesado um sucedâneo da situação (ex: danos não-
patrimoniais, 496º CC);
 Sanções Preventivas: Comum a todas as sanções, existem sanções
somente de caráter preventivo, que visam impedir a infração futura
retirando ao agente as condições para tal (ex: apreensão da carta de
condução);
 Sanções Punitivas: O paradigma das sanções, uma sanção
reprovatória, seja por prisão, multa ou indignidade sucessória. As
penas podem ser civis, disciplinares, contra-odenacionais ou
criminais
Tutela Jurídica
Os tribunais não detêm o monopólio do Direito. O mesmo é feito,
praticado e defendido todos os dias na praça pública, através da aceitação
tácita das regras impostas pelo mesmo pelos cidadãos.

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No entanto, convém distinguir entre a aplicação do Direito por
outrem ou pelo próprio sujeito:
Heterotutela
A heterotutela designa a aplicação do Direito por um terceiro, sendo
o mesmo imparcial e independente. O caso paradigmático da mesma é os
Tribunais.
São tipos de Heterotutela:
 Judiciária
A aplicação do Direito feita pelos tribunais (202º CRP), guiados pela
independência e imparcialidade.
Dependendo do litígio, pode o caso ser relegado a tribunais
internacionais. Não obstante, os tribunais nacionais seguem uma hierarquia
e organização própria.
A atividade judicial é regulada pelo Conselho Superior de
Magistratura.
1. Tribunal Constitucional: Fora da hierarquia normal, controla a
constitucionalidade das leis;
2. Supremo Tribunal de Justiça: Órgão superior da hierarquia, com
secção civil, penal e social;
3. Tribunais da Relação (segunda instância) (5): secção civil, penal
entre outras dependendo do tribunal;
4. Tribunais da Comarca (primeira instância): incluem tribunais de
competência genérica e especializada.

Tribunais Administrativos
Julgam litígios decorrentes de relações administrativas:
1. Supremo tribunal administrativo;
2. Tribunal central administrativo;
3. Tribunal administrativo dos círculos.

 Arbitral
Previstos no artigo 209º nº2 da CRP, tendo em vista, por acordo das
partes, recorrem a tribunais privados.

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 Eclesiástica:
Muitas vezes sobre questões de casamentos canónicos, aplicando
Direito Canónico, dependendo também do Direito Português e dos
tribunais da relação.
 Administrativa:
Litígios específicos decididos pela entidade administrativa
competente, como reapreciação da liquidação de imposto por um tribunal
fiscal. Defende os particulares e os interesses do Estado e entidades
públicas.
Não tem de ser imparcial, e a intervenção policial conta como
heterotutela administrativa.
 Outros meios
Os meios alternativos oferecem a vantagem de serem, muitas vezes,
a forma mais rápida de resolução de litígios:
1. Arbitragem: Referida anteriormente;
2. Mediação: As partes confiam a um terceiro independente e imparcial
a aproximação dos seus interesses conflituantes. O mediador
aconselha as partes;
3. Consiliação: Uma mediação onde o conciliador tem papel mais ativo,
propondo soluções às partes de solução do litígio;
4. Julgados da paz: Ponderam questões de pequena importância (muitas
vezes de consumo) e não faz parte da carreira judicial, muitas vezes
não havendo recurso para primeira instância (Lei 78/2011 de 13 de
Julho)
Nota: Existe ainda o Tribunal de Contas, que fiscaliza a regularidade
e legalidade das receitas e despesas públicas.
Nota: Não pode haver recurso para o TC, visto este não fazer parte
da hierarquia normal. Porém, uma decisão inconstitucional pode ser alvo de
petição para o mesmo.
Autotutela
Excecionalmente admite-se que o sujeito faça valer o seu direito sem
necessidade de recurso aos meios judiciais de heterotutela. Não há
autotutela contra autotutela, visto que a mesma visa atuar contra uma
ilicitude.

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Sendo admitida nos seguintes casos:
 Direito de Resistência
De conteúdo amplo, consagrado nos art. 21º e 271º nº3 da CRP,
confere a qualquer pessoa o direito de não acatar uma ordem que ofenda os
seus direitos liberdades e garantias, podendo repelir pela força da agressão
quando não puder recorrer em tempo útil à autoridade pública.
 Ação Direta
Tendo vindo a ser proibida, a ação direta consiste no uso da força
para realizar ou assegurar o próprio direito. Está presente no art. 336º,
1314º do CC e 31º nº2 do CP, podendo ser uma causa de exclusão da
ilicitude, pois o facto é praticado no exercício de um direito. Assegurando a
defesa de um direito, admite-se se: Não for possível recorrer aos meios
coercivos normais; Não exceda o estritamente necessário; Não se
sacrifiquem interesses superiores. A necessidade é causada por um facto
humano ou natural, desde que não seja considerado perigo ou agressão.
Distingue-se da legítima defesa por poder dizer respeito a uma
violação já consumada, mas que ainda permite reação. Distingue-se do
estado de necessidade por visar a conservação tática de um direito.
Se houver erro, deve o prejuízo causado ser alvo de indemnização,
338º CC, salvo se o erro for desculpável.
 Legítima Defesa
Um meio de reação destinado a afastar uma agressão ilícita contra
direitos pessoais ou patrimoniais do próprio ou terceiro, não sendo
possível, em tempo útil, recorrer à autoridade pública. Assemelha-se ao
direito de resistência. Surgem, de formas diferentes, no art. 32º do CP e
337º do CC.
Tem de haver: Uma agressão humana voluntária atual, que viola
valores tutelados pelo Direito, iminente ou em curso; A agressão deve ser
ilícita (ofensa à pessoa ou bens); Observa-se necessidade de reação; A
reação é adequada e proporcional.
Agressão pode ser definida como uma conduta humana ativa ou
inativa dirigida contra a esfera jurídica de outrem (Stratenwercht).
A reação e o meio usado dependem do sujeito e situação, deve a
atuação ser ditada pela necessidade de defesa e necessidade do meio.
Assim, alguém que saiba artes marciais mas que use uma arma num sujeito

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desarmado, pode incorrer em ilicitude. Deve a reação obedecer ao animus
defendendi.
A proporcionalidade da resposta não é fácil de responder. Pelo teor
das situações, a resposta terá de ser maior que a agressão em si, sob pena
do sujeito ficar à mercê do agressor. Mais, a norma só é eficaz se fizer com
que os agressores saibam que lhes espera uma resposta maior do que
pretendem fazer. A proporcionalidade deve ser avaliada pelos meios in
concreto e ciente da situação tensa onde se encontra o agente. Podemos
considerar que o Código Penal revogou o 337º como forma de afastar a
reflexão sobre a proporcionalidade (doutrina minoritária). Falta de
proporcionalidade implica excesso de legítima defesa, que pode ser
desculpado.
Podemos avaliar a proporcionalidade olhando para a figura do
homem médio (487º CC), ou seja, se um homem médio e bom, naquela
situação, agiria da mesma forma.
A necessidade da defesa implica o esgotamento dos meios públicos
(polícia) e privados (dissuasão, fechar uma porta ou até a fuga).
A legítima defesa deve ainda seguir a boa fé, assente na tutela da
confiança e na materialidade subjacente. Logo, não há legítima defesa em
agressão provocada pelo agente ou se a defesa visa cumprir outros
objetivos.
Não se considera injustificada a legítima defesa putativa (erro nos
pressupostos) provinda de perturbação ou medo não culposo do agente
(337º nº2), avaliada, novamente, pelo critério do homem médio.
Não é possível legítima defesa contra atos lícitos, como a própria
legítima defesa ou ação direta, visto que esta visa reagir contra atos ilícitos
As armas de fogo são reguladas por um regime informal restrito da
sua utilização devido à natureza das mesmas, devendo o detentor saber
servir-se dela.
Desproporcionalidade do meio (se o meio é excessivo de repelo da
agressão) ou do modo de emprego do meio (disparar na perna ou cabeça)
para resolver o final do 337º nº1. O excesso pode ainda ser intensivo ou
extensivo, ou seja, se o meio ou a forma como o meio é usado são
excessivos ou se o excesso se prolonga no tempo, respetivamente.
 Estado de Necessidade

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Presente no art 33º do CP e 339º CC, consiste no sacrifício de bens e
interesses de terceiros para afastar um perigo atual que resulte em lesão de
bens e interesses e bens do próprio ou terceiros. É enformado pelo
postulado de solidariedade entre as pessoas, retirando-se a ilicitude do ato
se os interesses e bens forem superiores aos sacrificados.
Aceita-se se: Houver um perigo atual; Ameaça de um bem jurídico
em resultado do perigo; previsão de dano superior ao sacrificado. Assim, o
EN visa evitar a consumação ou a ampliação de um dano.
Por contrário à legítima defesa, atua-se contra factos da natureza ou
de animais e outras situações de perigo de um dano (LD apenas reage
contra agressão), visto que “perigo” vem de uma realidade não humana ou
de uma ação humana mas que carece de vontade, como uma pessoa
sonâmbula.
A repartição dos danos deverá ser feita tendo em conta se a algum
dos intervenientes é imputável a situação, de acordo com a equidade.
No caso do estado de necessidade putativo, pode se aplicar o artigo
338º do CC.
 Direito de Retenção
Presente no art. 754º e 755º do CC, permite a um devedor, que
disponha de crédito sobre o seu credor, o direito de não efetuar a sua
prestação, mantendo a coisa que deveria entregar, desde que diretamente
conectados.
 Exceção de Não-Cumprimento
Exceptio non adimpleti contractus, presente no 428º CC, uma das
partes pode recusar a sua prestação se a contraparte não tiver cumprido,
desde que sinalagmático e os prazos das prestações o permitirem. Não pode
ser invocada pela parte que cumpriu a prestação principal.
 Compensação
A extinção de dívidas quando duas pessoas são, simultaneamente,
credor e devedor, previsto no art. 847º do CC.
 Execução extrajudicial de garantias reais
Previsto no 442º e 817º do CC, o credor possa fazer sua uma
prestação realizada a outro título, fazendo sua a coisa entregue.
 Relações de vizinhança

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Uma parte faz valer um direito sem intervenção judicial. São
exemplos os art. 1349º, 1356º, 1366º e 1367º do CC.
 Tomada de posse administrativa da obra pública
O dono de uma obra pública pode, em caso de diferendo com o
empreiteiro, afastá-lo da obra, continuando a execução da empreitada com
outro empreiteiro sem recorrer a meios judiciais. 91º do Regulamento
Urbanização.
 Greve
Uma abstenção concertada da prestação de trabalho a efetuar por
uma pluralidade de trabalhadores com vista à obtenção de fins comuns,
previsto no art. 57º CRP e 530º e segs do CT. Justifica o incumprimento do
contrato de trabalho.
 Urgência no exercício do direito
Situações de urgência como a presente no 1036º nº2 do CC, não
enquadrável na morosidade da heterotutela.
Reflexão Filosófica
Importa refletir sobre a essência e fim do Direito. O que é o justo?
Por que aplicamos certas soluções jurídicas? Primeiramente, a filosofia
debruça-se no porquê de haver Direito, tal já foi analisado. Cabe atender a
cada uma das correntes filosóficas que exploram a justificação do direito.
Jusnaturalismo
Para esta corrente, o Direito fundamenta-se no direito natural, uma
ordem superior não escrita e universal. Assim, normas positivadas que se
afastem desta ordem natural não são Direito.
Assim, estas escolas tentam legitimar o Direito positivo olhando para
um Direito Natural em hierarquia de supremacia. Para estes, o Direito
Natural é uma legalidade universal, um conjunto de leis que preside à
harmonia física e moral do universo. Critério de legitimidade que permite
aferir a justiça ou injustiça do Direito Positivo.
A fundamentação do direito como de origem natural ou divina
designa as escolas jusnaturalistas transcendentes. Nestas, o Direito Natural
obtém-se através da observação do mundo natural, reflexo das leis divinas
(Escola Medieval de São Tomás de Aquino ou Greco-Romana) ou de leis
naturais (Platão e Aristóteles e Ulpiano).

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A Escolástica espanhola, com o contributo de Grotius, começou a
contestar esta conceção divina do Direito natural, que acabou por dar
origem à escola jusnaturalista racionalista. Nesta, a ratio humana ocupa o
lugar de Deus na definição do Direito Natural.
A dificuldade de apontar uma ordem natural universal levou a
críticas ao pensamento naturalista que, não obstante o seu declínio e
incerteza, perdura no espírito dos juristas.
Positivismo
O Direito é auto-justificativo, sendo fundamentado nas suas próprias
regras. As regras estão legitimadas pela sua produção, i.e., pela
racionalidade humana. Assim, codificou-se o Direito e limitou-se a
abrangência da sua interpretação, num sistema jurídico sem lacunas e
pleno.
Na origem desta teoria encontra-se o pensamento contratualista, que
elimina o Direito Natural. Destacam-se autores como Hobbes, Rousseau,
Kant. Destaca-se, ainda, a Escola Histórica, à qual pertence Savigny, onde
o Direito forma-se a partir do Volksgeist, a vontade do povo, e o
desenvolvimento dos seus princípios na ordem jurídica positivada. O
Volksgeist, ao contrário do Direito Natural, é dinâmico e histórico, pelo que
traduz a essência do povo que lhe dá origem.
Nestas correntes encontra-se, ainda, o positivismo jurídico, fruto do
cientismo do século XIX, que repudia qualquer noção de Direito Natural e
que, aliada às escolas anteriores, atribui ao legislador a capacidade de
emitir um juízo crítico sobre a justiça ou injustiça do Direito. Assim, o
Direito nada mais é que um comando do legislador que, através da lei,
fonte única de Direito, forma normas gerais e abstratas a serem aplicadas
aos casos concretos por um juiz reduzido a mero técnico de leis.
As críticas aos positivismos consistem na noção do secamento da
essência do Direito, a justiça e ordem. O Homem não é perfeito e, como tal,
os sistemas criados pelo mesmo não o serão. Mais, cada povo cria
naturalmente sistemas de regras baseados em “deveres-ser” com
fundamento na sua identidade própria, pelo que a visão do Direito de
Kelsen e das escolas escandinávicas retiram ao Direito partes da sua
identidade, os conceitos de justiça. O Estado não é o único criador de
Direito, mas um sujeito do mesmo, um instrumento, que ajuda na criação
de uma ordem normativa tendo em vista um objetivo, mormente chamado
justiça.

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Outra crítica consiste na reductio ad Hitlerum, que vê nas
atrocidades nazis a incapacidade dos positivistas que evitar a máxima dura
lex sed lex, produto do seu pensamento.
Como tal, as novas escolas positivistas começaram a admitir valores
superiores na ordem jurídica, mesmo que olhando para o mesmo de forma
diferente que os naturalistas olham para o Direito Natural.
Novas Correntes
Têm surgido novas escolas jusracionalistas com base no postivismo
jurídico, como a neokantiana, neohegeliana e histórica. Surgem ainda
escolas que repudiam o positivismo, escolas de realismo jurídico (limita o
Direito aos factos jurídicos e a sua valoração e relação causa-efeito),
jurisprudência analítica (reduz o Direito à aplicação judicial), antifilosófica,
neoliberal (foco na rejeição da metafísica e na eficiência), neopositivismo
relativista constitucional e irracional.
Novos jusnaturalismos focam o Direito Natural na chamada
“natureza das coisas”, sendo de destaque o contributo de autores como
Stammler e Radbruch. Assim, Ascensão define, com Erich Wolff, a
natureza das coisas como a ordem que está na essência de toda a criação,
obtida através da observação de uma sociedade. O Direito Natural é uma
ordem que está na essência dos seres. Assim, é variável mas não relativa.
Novos positivismos têm justificado o Direito com base no órgão que
provêm. Porem, tal vem na aceitação de um valor universal, a da
legitimidade democrática, pelo que redunda num jusnaturalismo inseguro.
Valores da ordem jurídica
O Direito procura certas orientações transversais para definir um
“dever-ser”, mesmo que se revele em normas positivadas, decorrendo de
uma “consciência jurídica geral” através da cultura e reflexão humana.
Assim, de acordo com Ascensão, o Direito é uma ordem existente,
com o sentido de um dever ser, em cada sociedade, destinada a estabelecer
os aspetos fundamentais da convivência e criar condições para a realização
das pessoas, e que se funda em regras com exigência absoluta de
observância.
Assim, chegamos à praecepta iuris: Alternum non laedere,
Honestere Vivere e Suum Cuique Tribuere. Caberá aos juristas interpretar
estes valores e desvendar se são universais ou não.

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Divergência não deve haver, também, sobre as finalidades do
Direito: A organização da vida em sociedade e a busca de soluções justas.
Legitimidade do Direito
A legitimidade evoluiu da sua origem divina para uma legitimidade
formal, fruto da validade do poder. Resta saber se esse poder reflete o povo
ou apenas uma classe restrita. Também podemos legitimar o Direito pela
sua efetividade, onde o mesmo é legítimo por ser aplicado e cumprido em
determinado momento (legitimação pela efetividade) e dotada de
acceptatio legis (legitimação pelo consenso).
Justiça
A justiça vai além da norma positivada, pelo que a justiça sempre foi
um dos se não o principal fim e valor do Direito, ou seja, ius est quod suum
cuique tribuere.
O conceito de justiça também herda do filósofo Aristóteles, baseado
em quatro princípios:
 Princípio da igualdade: Deve-se tratar de igual modo o que é igual.
Existem desigualdades, mas a solução justa tenta procurá-la, sem
arbítrio por parte do julgador. Assim, como o Direito contém
alteridade, todos têm o mesmo valor.
 Princípio da proporcionalidade: Deve adequar-se o caso à realidade e
não ir além do estritamente necessário de forma equilibrada.
 Princípio da imparcialidade: Do julgador, independência no
aplicador do Direito, que não decide baseado em convicções pessoais
 Princípio da segurança jurídica:
o Estado de ordem que permite a convivência social
o Salvaguarda do cidadão perante o Estado
o Estabilidade e previsibilidade na aplicação do Direito (certeza
jurídica), que pode até prevalecer à solução justa.
Porém, estes aspetos de justiça formal podem em si levar a injustiças.
Pelo que deve existir algo mais, uma justiça material que satisfaça o
“impulso da alma” que é a justiça. Deve respeitar um equilíbrio que, para
além de obedecer à praecepta iuris, esteja entre a valorização pessoal do
suum e a vida em commune. Existem várias modalidades de justiça:

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 Justiça distributiva: Tratamento igual na distribuição de bens e
encargos, como modo de realização do bem comum tendo em conta
as necessidades da comunidade de forma proporcional.
 Justiça comutativa: A autonomia privada e mercado livre, regulando
as relações entre sujeitos, com justiça no contrato. Os sujeitos
apresentam-se em pé de igualdade perante as relações sociais. É,
portanto, a justiça das relações sociais, da equivalência entre
prestações ou entre dano e indemnização.
 Justiça geral/legal: Os encargos dos indivíduos devem ser justamente
repartidos entre si, de forma proporcional
Assim, não devem as soluções ser impostas por sentimentos do
julgador, assim corre perigo a segurança e justiça. Como tal, o processo de
decisão deve ser feita mediante a metodologia da ciência do Direito, ou
seja, através da fundamentação da norma aplicada através de uma
argumentação dialética e sistemática.
Equidade
Equidade vem de aequitas, ou seja, do igual ou justo, considerada na
justiça do caso concreto, rejeitando a formulação abstrata e geral da
normatividade obedecedora da justiça. Esta toma em conta as
características individuais de cada caso.
É, portanto, dulcificadora (humanizadora), decisória, flexibilizadora,
interpretativo-aplicadora, integradora e corretiva do Direito face à rígidez e
abstração das normas. É, nas palavras de Castanheira Neves, a “concreta
realização do Direito”. Assim, não se deve autonomizá-la da justiça, pelo
que se encontra na sua dimensão ontológica
Segurança
Referida anteriormente, o Direito, sendo ordem social de fim
pacificador das relações sociais, deve criar uma situação geral de pax et
tranquilitas. Conceito eterno e que ganhou relevância com o liberalismo,
consiste na criação de certeza de forma a que os homens saibam o que
esperar dos outros.
Assim, a segurança consagra não só a defesa dos nossos bens e
pessoa, como a certeza do Direito, de prever os efeitos jurídicos das nossas
ações, segurança perante o Estado, na independência dos tribunais e
respeito das liberdades individuais e segurança social, assegurando a todo o
Homem a base material do seu sustento.

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Portanto, surge a necessidade de balançar a segurança e a justiça,
sendo os mesmos uma particular polaridade que os conexiona. Não pode
haver um sem outro. Doutrinas positivistas afirmam que a única função do
direito é a segurança perante o Estado e certeza do Direito, cegos à essência
do Direito na solução justa de conflitos. Que justiça pode haver num
ordenamento jurídico dotado de imóvel certeza, cega ao caso concreto (será
a justiça mesmo cega?)? Assim, devemos reconhecer a segurança como
parte integrante da justiça sem sacrificar a essência do Direito, vulgo, do
justo, a pretensões que visam a sua limitação.
Assim, a segurança terá de ser justa ou a expressão de uma ordem de
direito pois não é a em função da segurança que se afere o direito e sim em
função do direito o valor da segurança.
Algumas manifestações da segurança são:
 ignorantia iuris non excusat
 O caso julgado: Impossibilidade de recurso de casos transitados em
julgado
 Não retroatividade da lei (12º CC e 29º CRP)
 Usucapião: Decorrido determinado tempo e cumpridas certas
condições, o possuidor de uma propriedade adquire-a, sem
celebração de escritura públicas
 Prescrição: Extinsão de direitos subjetivos pelo fator-tempo.
 Caducidade: Extingue-se um direito decorrido um prazo ou por
acordo das partes.
Repercussão do Tempo nas relações jurídicas
Para garantir segurança são estabelecidos prazos para o exercício de
direitos, como vinte anos para o pagamento de uma dívida (309º CC).
 Prescrição: Existência de uma previsão legal para o exercício do
direito, invocada por aquele que pode tirar benefício. Pode ser
suspenso (318º CC)
 Caducidade: Na falta de qualificação legal, designa-se caducidade.
Inclui o não-uso (298º/3 CC) (328º a 333º CC). Pode ser alegada a
todo o tempo, não podendo ser suspensa. O direito não pode ser
exercido.
O Estudo do Direito

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A formação do Direito é diferente da informação do Direito. Como
tal, a formação do jurista deve passar por uma visão global de toda a
ciência, seja na formação geral, prática, reflexiva e justificativa.
Deste modo, o conhecimento do Direito visa a sua aplicação para a
resolução de casos concretos. Assim, deve-se conhecer as normas positivas
(estáticas) e a sua justificação e modo de aplicação aos casos concretos
(dinâmica).
Ciência do Direito
A ciência do Direito estuda os comandos jurídicos da ordem
normativa com o propósito de encontrar resposta para as situações reais,
recorrendo a um método jurídico.
Assim, o Direito não se reduz ao conjunto de normas jurídicas,
transcende-as.
A ciência do direito tem uma metodologia própria e jurídica, que
justifica a regra, explica a sua valoração e fundamenta a decisão através de
argumentos lógicos. Deste modo, identifica-se a norma, sistematiza-se e
encontra-se a solução justa.
A ciência tem funções de estabilidade da ordem jurídica,
minimizando as surpresas e contruindo jurisprudência constante; De
dinamização da mesma, evoluindo o Direito conforme novas realidades;
Explicar o sistema jurídico e o sentido das suas regras.
Neste sentido, ajudam outras ciências auxiliares, como a História do
Direito, Sociologia do Direito, Economia.
Institutos
Tal como as instituições sociais, que integram e inter-relacionam as
pessoas, os institutos são conjuntos de normas jurídicas concatenadas que
visam o propósito comum de solução de problemas jurídicos similares. São
exemplos:
 Personalidade: O Direito visa exclusivamente a tutela das pessoas e
a resolução dos seus conflitos. A lei não atribui direitos de
personalidade no CC, CT, CRP, etc, mas limita-se a positivar
realidades inerentes à pessoa humana afeta à proteção da sua
dignidade. São direitos subjetivos que protegem a personalidade
humana. A sua violação implica responsabilidade civil e penal;

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 Autonomia Privada: Funda-se no princípio da liberdade, na medida
em que há um espaço de atuação livre e não-interferência na vida
humana. Assim, dá-se às partes liberdade de optar na qualificação
jurídica, solução a encontrar e a forma dos negócios jurídicos. Deste
modo, legitima-se a solução tomada pelos interessados e promove-se
o ajuste de soluções equilibradas. Os limites da mesma são a
personalidade e direitos subjetivos de terceiros.
 Boa fé: Relevante a todo o Direito, e tradução da moralidade do
sistema, é uma norma de conduta assente na tutela da confiança, na
tutela da situação de confiança, e a primazia da materialidade
subjacente, de molde a tornar eficiente a solução implementada pelo
Direito. Boa fé subjetiva= deve-se ter em conta a ignorância da
situação. Boa fé objetiva= Deve-se atender a um comportamento
segundo padrões de normalidade.
 Responsabilidade: O dano sofrido na esfera jurídica é imputado a
outrem. Pode ser subjetiva, assente num delito (ilicitude) ou objetiva,
onde existe previsão legal concreta.
 Propriedade: A tutela da propriedade privada, de aproveitamento de
bens, de aproveitamento de propriedade privada.
Sistema romano-germânico
Linhas valorativas a uma unidade de soluções de forma a evitar o
arbítrio fundada nas fontes e princípios jurídicos.
Neste sistema, nota-se a influencia greco-latina e o desenvolvimento
do Direito continental desde o Corpus Iuris Civilis. A fonte primordial
deste sistema é uma lei fundamental, normalmente designada como
Constituição, e a codificação (sistema ordenado de regras jurídicas
respeitando uma determinada matéria jurídica) de áreas jurídicas
sedimentadas. O seu estudo foi desenvolvido pelas universidades desde
a Idade Média, com destaque para a Escola dos Glosadores e a
Pandectística alemã. É adotado na Europa Ocidental, America do Sul e
Central, Lusofonia, etc.
Common Law
Sistema vigente na Britania e suas colónias, têm grande prevalência
do direito consuetudinário anglo-saxónico, onde as decisões dos
tribunais criam precedentes para casos futuros, criando Direito.
Há, ainda, outros sistemas com origens religiosas, culturais e
regionais.

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Fontes de Direito
Os modos de formação (facto de que derivam as regras, como um ato
legislativo) e revelação (manifestação exterior, revelando-se em factos)
das normas jurídicas, o fundamento do conhecimento de algo como
Direito, tendo origem interna, como a Constituição, leis ordinárias,
costume, jurisprudência e doutrina, ou externa. Podem ser classificadas
em diversos domínios e designações tendo em conta o seu papel na
criação de normas e se surgem autonomamente ou derivadamente.
Assim, visa responder à questão de como se constitui e manifesta o
Direito positivo de uma sociedade, e de que forma o conhecemos e
sabemos que o mesmo é válido perante a sociedade. Ou seja, como é
que conteúdos normativos adquirem juridicidade para serem Direito.
Quais os factos normativos que criam normas vinculantes.
A linguagem do Direito e das suas fontes é performativa, na medida
em que constrói uma realidade. As fontes precisam, mesmo assim, de
acceptatio legis, da aceitação social das regras jurídicas, não basta a
potestas do poder legislativo para a sua validade.
Assim, de forma tradicional, têm sido apresentadas as seguintes
fontes:
 Lei: Ato emanado de órgãos competentes que estabelece os
comandos disciplinadores da vida em sociedade com fonte no
Direito Romano (fonte intencional, pressupõe uma função
normativa)
 Costume: Prática social reiterada com convicção de
obrigatoriedade. Desde a Lei da Boa Razão que deixou de ser
criadora direta de Direito. (fonte não intencional)
 Jurisprudência: Atividade decisória dos tribunais na resolução
de casos concretos. O nosso sistema jurídico não trabalha por
precedente.
 Doutrina: Opinião de juristas distintos sobre a solução de um
certo problema jurídico.
Porém, tal divisão tradicional não descreve efetivamente o Direito
português, sendo necessário uma análise mais detalhada dos fatores que
criam e levam à criação de Direito. São elencados no CC, como guia para
todo o Direito:

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 Lei: Apontada como fonte primordial e imediata, sendo entendida
como disposições genéricas provindas de órgãos estaduais
competentes ou enunciados linguísticos cujo significado seja uma
regra jurídica.
 Normas Corporativas: Regras ditadas pelos organismos
representativos das diferentes categorias morais, culturais,
económicas ou profissionais, no domínio das suas atribuições, bem
como os respetivos estatutos e regulamentos internos. São associadas
ao regime do Estado Novo. Atualmente podem ser denominadas
regulamento administrativo, porém, vê-se hoje que existem normas
jurídicas que provêm de origem infra-estatal, como estatutos e
regulamentos de organizações desportivas, profissionais ou de
ensino, públicas ou privadas. Subordinam-se à lei.
 Assentos: Os tribunais podiam fixar, por assentos, doutrina com
força obrigatória geral aquando de recorrência ao “Tribunal Pleno”.
Porém, foram revogados em 95 após serem declarados
inconstitucionais pelo TC. Os tribunais podem, ainda, uniformizar
jurisprudência, mesmo que sem força vinculativa.
 Usos: Têm valor jurídico se não contrariarem os princípios da boa fé
e forem recebidos pela lei. Não são nem bons costumes nem
costume, mas apenas uma prática social reiterada. Não são fontes de
Direito autónomas, visto que nem sempre criam regras jurídicas e só
valem pelo reconhecimento pela lei para ajudar a esclarecer e
complementar a lei.
 Equidade: Um modo de solução de casos buonum et aequum. Não é
fonte de Direito na medida em que não revela normas, mas
demonstra uma forma de as aplicar, sendo a sua classificação como
fonte de Direito controversa. Não elabora regras, portanto, mas
forma o Direito do caso concreto.
Classificação
 Fontes Internacionais ou externas: Impostas por outra ordem
jurídica
o Direito Internacional: Tem como fontes as convenções e
tratados internacionais. Na ordem jurídica portuguesa, e
pela interpretação da CRP, ocupam uma posição entre a
CRP e leis ordinárias, vigorando quando publicados e
vinculem o Estado Português e se se afirmar nos
tratados dessas organizações (Direito Internacional

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convencional). Existe ainda o D.I. comum, o costume
internacional. Problema da aplicabilidade direta das
normas de Direito Internacional:
 Teoria Dualista: O Direito Internacional e o
Direito Interno são duas ordens jurídicas
independentes, com iguais poderes em planos
separados, com diversidade de fontes e
destinatários, não havendo contacto entre as
mesmas.
 Teoria Monista:
 Monista Internacional: Prevalece o Direito
Internacional
o moderada, só há obrigação de
obedecer houver condições para a
sua obrigatoriedade, só vinculando
após transposição, está na CRP.
 “Nacionalização”:
Transformação da norma em
norma interna;
 Cláusula geral de receção
semiplena: Aplicam-se
determinadas normas
diretamente;
 Cláusula geral de receção
plena: Converte-se
automaticamente em norma
interna (em PT é necessária a
sua publicação)
o radical, Direito Internacional é
obrigatório sempre.
 Monista Interna: Prevalece a ordem
jurídica interna
o Direito Europeu: Direito criado pela EU e os seus
órgãos, Conselho, Comissão e Parlamento, na figura de
Regulamentos, Diretivas, Recomendações e as
Decisões.
 Fontes Internas:
o Fontes Imediatas: Criam diretamente normas jurídicas,
têm juridicidade própria

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 Lei: Fonte paradigmática, definida acima.
 Normas Corporativas: Normas de entidades infra-
estaduais
 Costume: Tem perdido preponderância, mas
ainda serve para explicar o surgimento de normas
e regras
o Fontes Mediatas: retiram a juridicidade de uma fonte
imediata
 Usos: Como o costume mas sem convicção de
obrigatoriedade. A lei remete para os mesmos,
por exemplo, no artigo 234º. Se forem admitidos
pela lei e não sejam contrários aos princípios da
boa fé, são fonte mediata. Devem obedecer à lei e
normas corporativas
 Jurisprudência: Tal como outras fontes mediatas,
a forma de aplicação das normas pode servir
como sua justificação e explicação do sentido.
Assentos agora denominam-se jurisprudência
uniformizada, sendo os antigos assentos válidos
como tal. Existe quem considere a jurisprudência
uniformizada fonte de Direito, mesmo que estas
não tenham caráter vinculativo. Os acórdãos do
TC (acórdãos normativos) podem ser
considerados fontes imediatas, na medida em que
podem declarar a invalidade e não-aplicabilidade
de uma norma. Mesmo assim, as decisões de
tribunais não vinculam casos futuros. No entanto,
a jurisprudência deve procurar a uniformidade das
decisões.
 Doutrina: Explicação do Direito, das suas normas,
aplicação e princípios, servindo como
fundamento para a aplicação da norma jurídica ao
caso concreto. É fonte iuris essendi (princípios e
fundamentação de soluções) e iuris cognoscendi
(identificação de costumes, explicação da ciência
do Direito)
 Fontes de Direito Privadas: Resultam da
autonomia privada, formando regras com eficácia
externa

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Costume
A prática social reiterada com convicção de obrigatoriedade e
juridicidade, adotada tacitamente pela sociedade, foi perdendo relevância
ao longo da História. No presente, serve apenas como forma de despoletar
a intervenção legislativa. Mantém a sua relevância no Direito Internacional
e o common law e em certos casos em Portugal, aplicando-se o mesmo aos
usos (art. 348º CC).
É composto por uma prática social reiterada (o uso, corpus),
acompanhada de opinio iuris vel necessitatis, o animus que formula a
convicção de obrigatoriedade. Ou seja, surge um uso repetido, seguido da
convenção social da sua obrigatoriedade e, finalmente, a convicção de
juridicidade, de que requer tutela jurídica, todo este processo de forma
espontânea.
Assim, o costume é fonte imediata de Direito, pelo que tem o mesmo
valor jurídico de regras provenientes de fonte legal pela convicção da sua
obrigatoriedade. Não necessita de ser reconhecido pela lei nem imposto por
órgãos públicos para valer, ser costume basta para criar Direito. É o modo
por excelência de revelação do Direito, revelando a ordem normativa da
sociedade, independente da atitude dos governantes. É a única fonte
diretamente ligada à sociedade, indo além da rigidez da lei.
Assim, mesmo que afirmemos que o costume tem visto a sua
relevância diminuir, é inaceitável que se reconheça a sua eliminação pela
lei, na medida em que o mesmo é a primeira e mais pura fonte de Direito.
Uma fonte de Direito não pode por sua vontade eliminar outra. De facto, da
mesma forma que o costume necessita do animus para ser Direito, a lei
necessita do seu sentido normativo fundado das autoridades que a emana,
se não, é apenas uma potestas obedecida pela força).
Savigny afirma que o direito é produzido não por arbítrio do
legislador, mas por forças internas que operam em silêncio com base no
costume e na convição do povo. Assim, o costume é a expressão direta da
consciência do povo. É o Volksgeist
Mesmo assim, nada obriga o Estado a impor o costume ou o impede
de legislar contra ele, pelo contrário. A imposição coativa do costume, ou
falta da mesma, é fator de definhamento do mesmo. São conflitos
constantes que determinam ou uma vitória do costume ou da lei. Assim, de
forma habitual, os tribunais não aplicam o costume.
O Costume pode ser:

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 Contra Legem: Vem em sentido contrário à lei, sendo discutível o
reconhecimento do mesmo na aplicação de normas jurídicas. Leis
entram em desuso perante tal dentro do princípio da razoabilidade
(princípios da ordem pública e constitucional). Para Oliveira
Ascensão, o fator de atenção deve ser a eficácia na ordem social, a
regra efetivamente seguida. Assim, o costume pode revogar a lei e
vice-versa. Aliás, o facto de existirem leis cujo único objetivo é
revogar costumes implica o seu reconhecimento como fonte de
direito.
 Praeter Legem: Revela aspetos não regulados na lei (1400ºCC).
 Secundum Legem: Vai de encontro à lei, o mais comum.

Portanto, de nada serve à lei negar o Direito no código civil. O


mesmo surge com relevância em artigos do mesmo. Negar o costume
é negar a essência do Direito como fenómeno social e dinâmico,
atribuindo ao mesmo uma natureza rígida e formalista que nada mais
faz do que enfraquecê-lo e desprestigiá-lo. E nem conseguirá
eliminá-lo, visto que de nada serve a declaração nesse sentido, mas a
eficácia que se retira dessa declaração.
A Lei
A lei é a fonte paradigmática do Direito, onde o poder normativo é
exercido por órgãos com a devida competência legislativa. Assim, a lei não
é uma regra (norma), mas contem-nas.
Como tal, a lei é uma disposição genérica textual emanada de órgãos
competentes que visam disciplinar situações concretas.
Cabral da Moncada entende como a forma que reveste a norma
jurídica quando estabelecida e decretada, duma maneira oficial e solene,
pela autoridade dum órgão expressamente competente para esse efeito, por
ser o órgão legislativo.
Oliveira Ascensão entende como um texto ou fórmula significativo
de uma ou mais regras jurídicas, emanado, com observância das formas
eventualmente estabelecidas, da autoridade competente para pautar
critérios normativos de solução de casos concretos. Diz ainda que lei é o
texto ou fórmula, imposto através das formas do ato normativo, que
contiver regras jurídicas.
A lei é geralmente:

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 Abstrata: Na medida em que disciplina uma pluralidade de situações,
refere-se a uma categoria de situações. Assim não são abstratas as
leis que se referem ou atingem factos passados (bolsas de mérito) ou
a casos concretos (decretos do PR);
 Geral: Tem como destinatários uma multiplicidade indeterminada de
sujeitos, podendo, mesmo assim, ser individualizada (condecoração)
Dentro desta descrição cabem uma multiplicidade de atos, sendo
distinguidos os atos normativos (ex: Portarias) e atos legislativos (Leis, D-
L e DLR). Assim, distingue-se entre:
 Leis Materiais: Atos emanados de órgãos com ou sem competência
legislativa ou sem o exercício de competência legislativa, desde que
contenham normas genéricas e abstratas, uma regra jurídica. Segue a
definição de OA
 Leis Formais: É lei todo o ato emanado do órgão legislativo
competente que enuncia regras jurídicas, ou seja, que é emanada no
uso da função legislativa do Estado.
As leis podem ser, ao mesmo tempo, formais e materiais.
Dividem-se em atos legislativos (Leis, Decretos-Leis e Decretos
Legislativos Regionais) e atos regulamentares (decretos regulamentares,
portarias, despachos e resoluções do Conselho de Ministros e, por
entidades não governamentais, os regulamentos de administração
autónoma, regulamentos de administração indireta, decretos
regulamentares regionais,, estatutos, regimentos e instruções). Existem
ainda atos normativos atípicos, como decretos do PR, resoluções da AR e
decretos dos Representantes da República
A Lei Formulária (Lei 74/98 de 11 de Novembro) determina as
regras de elaboração, publicação, vigência e alteração das leis.
No âmbito territorial da sua aplicação, as leis podem ser
 Centrais, produzidas por órgãos de soberania e destiinadas a vigorar,
em princípio, em todo o território nacional. Mesmo as leis centrais
podem ter um âmbito de aplicação localizado;
 Locais, produzidas pelas autarquias locais, pessoas coletivas
territoriais. Caráter regulamentar;
 Regionais, leis emanadas de órgãos das RAs
No âmbito temporal, o seu período de vigência, a lei vigora desde a
data fixada como início da sua vigência e, em princípio, exerce efeitos

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indefinitivamente até ser revogada. No entanto, as leis podem ter datas de
termo de vigência próprias.
As leis são publicadas no jornal oficial do Estado, o Diário da
República, sendo a mesma obrigatória para produzir efeitos jurídicos (art.
119º da CRP), de forma a criar certeza no seu conteudo e conhecimento do
seu teor. A ignoratia iuris não é reconhecida, pelo que a mesma é aplicada
de forma igual, quer seja conhecida pelo sujeito ou não.
A Entrada em vigor é indicada pela própria lei (ad hoc¸ provinda do
CC e LF). Não havendo data, esta entra em vigor no quinto dia após a sua
publicação (supletivo), iniciando-se a contagem no dia seguinte ao da
publicação, o dia imediato. (Base legal: Art. 2 Lform e art. 279º CC). O
DIA DA PUBLICAÇÃO NÃO CONTA (com poucas exceções). Entre a
publicação e entrada em vigor da lei decorre o prazo de Vacatio Legis,
sendo o mínimo de um dia (ou seja, nunca no próprio dia, mas pode ser
menor a 24 horas). Assim, permite-se a publicidade da lei, o seu
conhecimento e adaptação às mudanças.
Existem, no entanto, diplomas que entram imediatamente em vigor,
como declarações de estados de exceção ou qualquer norma de hierarquia
igual à lei-formulária (derrogação do 2º/1 da LF). Mais, podem haver datas
diferente de entrada em vigor e produção de efeitos parcial ou total da lei
(matéria do tempo, way mais à frente).
Os desvalores dos atos normativos podem ser:
 Inexistência: Por exemplo, falta de promulgação pelo PR, quando
exigida
 Invalidade: Nulidades e Anulabilidades, como as
inconstitucionalidades
 Ineficácia: Irregularidade no processo de formação do ato, não
produzindo efeitos.
As vicissitudes podem ser as seguintes:
 Impedimentos de vigência:
o Por falta de concretização necessária devido à carência de
regulamentação subsequente;
o Lei posterior durante a vacatio legis da primeira
 Suspensão de vigência: Resulta de lei posterior, podendo ser por
tempo indeterminado

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 Retificações: Com limite de 60 dias, podem ser corrigidos pelo
mesmo órgão lapsos gramaticais, ortográficos, de cálculo ou
análogos ou por divergências entre o que foi enviado para DR e o
que foi publicado. Tem efeito retroativo. O limite temporal muitas
vezes é ultrapassado por publicação posterior em suplemento de DR
dentro do prazo. A retificação, quando feita na vacatio legis, implica
um novo vacatio legis, se inovar em matéria legal (que, dizem
alguns, determina a invalidade do ato). A retificação, na
responsabilidade penal, não é retroativa se for menos favorável ao
arguido. Mais, a retificação só pode ser feita pelo órgão de aprovou a
norma retificada.
 Declarações de inconstitucionalidade ou ilegalidade (viola lei
reforçada ou estatuto de uma RA: Determina a inaplicabilidade da
regra desde a sua entrada em vigor.
 Não-Repristinação: De acordo com o número 4 do art. 7º do CC, a
cessação de vigência de uma lei revogatória não leva ao
renascimento da lei que esta revogou. Só acontece em declarações de
inconstitucionalidade ou se for a vontade do legislador
 Alterações e republicação: Deve ser nomeado explicitamente o que é
alterado e indicar anteriores alterações. Mais, não deve haver
renumeração de artigos, adicionando-se, com uma letra, novos
preceitos
A cessação de vigência vem por:
 Caducidade:
o A lei caduca no termo indicado na mesma
o Por cessarem os pressupostos que justificaram o seu
aparecimento (se voltarem a aparecer, PRM acha que continua
em vigor)
o Formação de costume contra legem (desuso da lei e sujeito aos
princípios constitucionais e de ordem pública) (de acordo com
PRM), visto que não logra influenciar a ordem social
 Revogação: Lex posteriori derrogat legi priori. Termo da vigência
da lei por um ato do legislador
o Âmbito
 Total: São revogados todos os preceitos da lei anterior
 Parcial: Subsistem preceitos da lei antiga
o Forma

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 Expressa: A lei revogatória menciona explicitamente os
preceitos ou diplomas revogados;
 Tácita: A revogação vem por incompatibilidades entre a
lei nova e a antiga (necessariamente substitutiva)
o Efeitos
 De sistema ou global: Vem de substituição de toda a
matéria, sendo a nova regulação encontrada em
disposições dispersas em diploma avulso. Sempre
substitutiva. Revoga um instituto ou ramo do direito.
Ex: codificação
 Substitutiva: A lei revogatória substitui o regime
jurídico da lei revogada.
 Simples: A lei revogatória limita a revogar a lei anterior
o Eficácia Temporal
 Retroativa: A partir do início da vigência da lei
revogada
 Não retroativa: A partir da vigência da lei revogatória
Nota: A remissão para um preceito revogado passa a ser feito para a
lei revogatória.
Nota: A lei de hierarquia inferior não revoga a superior
Nota: Lei geral não revoga lei especial, salvo se houver vontade
inequivoca do legislador, que pode ser entendida de várias formas. A
regulação de um problema jurídico num código é uma forma tácita de
revogação de sistema com uma lei geral que, mesmo assim, revoga uma lei
especial. Leis especial é aquela que, em relação a outra, sem contrariar
substancialmente o princípio nela contido, adapta-a a circunstâncias
particulares.
Hierarquia das fontes e regras
Mais que reconhecer a existência de fontes de Direito,
nomeadamente as de revelação das mesmas, devemos encontrar formas de
as hierarquizar de forma a tornar o sistema jurídico mais coerente. Só assim
podemos dizer que uma portaria não pode revogar um despacho, por
exemplo. A hierarquia de fontes reflete-se na hierarquia de regras, sem
afetar o caráter vinculativo das normas.
Aqui as divergências aumentam estrondosamente, especialmente
devido ao papel do Direito Internacional e do Costume. Autores como
Oliveira Ascenção afirmam que o costume, por exemplo, encontra-se numa

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categoria equivalente à lei, incluindo a constitucional. Ascenção afirma,
ainda, que as únicas fontes cuja valia é independente do conteúdo da
regulação é a lei constitucional e costume.
No que todos concordam é que os atos regulamentares encontram-se
em categoria inferior às leis, visto que visam regular as mesmas, não
fazendo sentido contrariá-las. Neste patamar de obediência à lei
encontramos também as normas corporativas e diplomas de autarquias
locais. Seguindo o conceito de bem comum, devem as normas corporativas
obedecer a esses diplomas autárquicos.
No pensamento de Kelsen, Stufenbautheorie, as normas também têm
hierarquia, fundada na validade de uma fonte de hierarquia superior, entre
proposições jurídicas condicionantes e condicionadas, desde a mais geral, a
constitucional, às regras de concretização, como portarias. O pensamento
de Keslen destaca-se por este fazer uma hierarquia que tem em conta o
fundamento de validade das normas. Assim, no topo da hierarquia, está
uma norma fundamental que é a razão da validade de todo o sistema. Qual
é essa norma? CÁ SEI! A teoria de Kelsen é criticada pela existência de
fontes que não encontram fundamento numa fonte superior (criação do
instituto da revisão constitucional pela CRP).
Mas mesmo assim podemos entender as fontes de Direito e as suas
características como algo dinâmico, na medida em que são fontes que
permitem a fontes criar outras fontes.
Existe incerteza sobre a hierarquia dos atos regulamentares, sendo a
sua hierarquização feita muitas vezes por regras consuetudinárias (MTS):
regulamentos de forma mais solene prevalecem; Regulamentos produzidos
por órgãos superiores prevalecem; Regulamentos emanados de órgãos com
competência mais vastas prevalecem; Regulamentos emanados de órgãos
de superintendência prevalecem.
Assim, este seria um exemplo de hierarquia das leis:
 DUDH (16º nº2 CRP)
 CRP
 Direito Internacional
 Leis:
◦ Leis Constitucionais
◦ Leis Reforçadas

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◦ Leis/Decretos-Lei
◦ Decretos Legislativos Regionais
 Atos Regulamentares:
◦ Decretos Regulamentares
◦ Resoluções do Conselho de Ministros
◦ Decretos
◦ Portarias
◦ Despachos Normativos
 Regulamentos das Autarquias
 Normas Corporativas (OA)
Esta hierarquia pode ser debilitada em casos de concretização
substitutiva, onde uma fonte de hierarquia superior aceita ser concretizada
por uma de hierarquia inferior (quando a CRP remete a concretização dos
seus objetivos para a lei).
A hierarquia pode ser modificada de forma dinâmica e relativa
dentro de certos limites, como, por exemplo, as normas constitucionais
manterem a sua supremacia, nenhuma fonte subir de hierarquia quando esta
não lhe permita ter um determinado conteúdo e não desce de hierarquia a
fonte cujo conteúdo não corresponde à sua hierarquia. Assim, enquanto
frequentemente as leis e D-L têm o mesmo valor, uma lei de reserva
absoluta da AR tem hierarquia dinâmica superior a um D-L do GOV.
Assim, uma fonte só é válida em relação a outra fonte, na medida em
que se faltar uma fonte de produção, a fonte produzida não tem validade.
Assim, uma portaria que regula um concurso público inexistente não tem
validade (invalidade dinâmica) ou que viola os preceitos da fonte produtora
(invalidade estática).

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