Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
TOMO 10
DIREITO CIVIL
COORDENAÇÃO DO TOMO 10
Rogério Donnini
Adriano Ferriani
Erik Gramstrup
Editora PUCSP
São Paulo
2022
ENCICLOPÉDIA JURÍDICA DA PUCSP
DIREITO CIVIL
DIRETOR
Vidal Serrano Nunes Júnior
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
DIRETORA ADJUNTA
FACULDADE DE DIREITO
Julcira Maria de Mello
Vianna Lisboa
CONSELHO EDITORIAL
1.Direito - Enciclopédia. I. Campilongo, Celso Fernandes. II. Gonzaga, Alvaro. III. Freire,
André Luiz. IV. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
1
ENCICLOPÉDIA JURÍDICA DA PUCSP
DIREITO CIVIL
INTRODUÇÃO
SUMÁRIO
Introdução ......................................................................................................................... 2
2
ENCICLOPÉDIA JURÍDICA DA PUCSP
DIREITO CIVIL
5. Conclusão .............................................................................................................. 31
Referências ..................................................................................................................... 34
1. NOÇÕES GERAIS
3
ENCICLOPÉDIA JURÍDICA DA PUCSP
DIREITO CIVIL
fosse esse incidente. Mas é inegável que essa conduta interrompeu o curso normal da
prova antes que a vitória se concretizasse, frustrando a expectativa legítima não só de
Vanderlei, mas de todos que torciam por ele.
Dá-se, ainda, como exemplos, o caso do advogado que demora para propor a
ação e deixa prescrever a pretensão e, com isso, ela não tem seu seguimento e o cliente
perde a chance de ser indenizado; ou quando ele perde o prazo de recurso
impossibilitando seu cliente de ter revertida a sentença que lhe foi desfavorável. No
campo da medicina, temos a hipótese do erro do diagnóstico que impede que o paciente
seja corretamente tratado e acaba falecendo. Há, ainda, a hipótese de o Estado demorar
de cumprir ordem judicial que determinou a entrega de medicamento indispensável à
manutenção ou recuperação da saúde, eliminando a possibilidade de a vítima se
restabelecer, vindo a falecer.
No âmbito das relações de emprego, temos as doenças profissionais e acidentes
do trabalho cujas sequelas causam limitações físicas retirando a chance de o trabalhador
obter uma progressão profissional.
Nessas situações, a grande dificuldade é fazer prova do nexo causal entre o ato
ilícito e o resultado almejado que acabou não ocorrendo, pois não se pode afirmar
categoricamente que ele necessariamente ocorreria. Nos exemplos acima não há como se
ter certeza de que o autor teria uma sentença de procedência ou que seu recurso seria
provido; nem que o diagnóstico correto levaria à cura do paciente; ou que se a medicação
tivesse sido tempestivamente ministrada impediria sua morte.
O desafio é, ainda, fazer prova desse dano, daí porque estamos diante de um
tema controvertido, muitas vezes confundido com o chamado dano eventual, mas que
dele se distingue. A distinção é importante porque o dano eventual não é indenizado e a
perda de uma chance, como veremos mais adiante, o será.
Fatos como esses foram os grandes impulsionadores da responsabilidade civil
fundada no que o direito moderno denomina "teoria da perda de uma chance” ou “teoria
da perda de chance", a qual não é contemplada explicitamente pelo Código Civil de 2002.
Nunca é demais lembrar a lição de Rui Stoco: “a noção da responsabilidade pode
ser haurida da própria origem da palavra, que vem do latim respondere, responder a
alguma coisa, ou seja, a necessidade que existe de responsabilizar alguém pelos seus atos
danosos. Essa imposição estabelecida pelo meio social regrado, através dos integrantes
4
ENCICLOPÉDIA JURÍDICA DA PUCSP
DIREITO CIVIL
da sociedade humana, de impor a todos o dever de responder por seus atos, traduz a
própria noção de justiça existente no grupo social estratificado. Revela-se, pois, como
algo inarredável da natureza humana”.1
Percebe-se, então, que o fundamento fático é esse sentimento de frustração
decorrente de um comportamento ilícito, injusto e censurável praticado por uma pessoa
que interrompe o desenrolar natural dos eventos, fazendo com que alguém fique privado
da oportunidade de obter determinada vantagem ou de evitar um prejuízo.
2. BREVE HISTÓRICO
1
STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência, p.114.
2
ROCHA, Nuno Santos. A perda de chance como uma nova espécie de dano, p. 4.
3
“RECURSO ESPECIAL. INDENIZAÇÃO. IMPROPRIEDADE DE PERGUNTA FORMULADA EM
PROGRAMA DE TELEVISÃO. PERDA DA OPORTUNIDADE.1. O questionamento, em programa de
perguntas e respostas, pela televisão, sem viabilidade lógica, uma vez que a Constituição Federal não indica
percentual relativo às terras reservadas aos índios, acarreta, como decidido pelas instâncias ordinárias, a
impossibilidade da prestação por culpa do devedor, impondo o dever de ressarcir o participante pelo que
razoavelmente haja deixado de lucrar, pela perda da oportunidade. Constituição Federal. 2. Recurso
conhecido e, em parte, provido” (REsp 788459 BA 2005/0172410-9, rel. Ministro Fernando Gonçalves,
DJe 13.03.2006, p. 334).
5
ENCICLOPÉDIA JURÍDICA DA PUCSP
DIREITO CIVIL
chance de ganhar um milhão de reais em razão da pergunta final não ter resposta correta.
O acórdão condenou a ré ao pagamento de indenização aplicando a teoria da perda de
uma chance, pois restou demonstrado que a autora havia efetivamente perdido a
oportunidade de ganhar no programa e levar o prêmio por culpa da ré que elaborou
pergunta sem resposta.
No âmbito do inadimplemento contratual, tem se aplicado a teoria da perda de
uma chance na hipótese de a empresa de sistema de bloqueio de veículo à distância
deixar de realizá-lo quando avisada sobre o furto, levando o cliente perder a
oportunidade de recuperá-lo, ainda que se trate de uma obrigação de meio a da empresa
contratada.4
O STJ também aplicou essa teoria no caso de descumprimento contratual por
parte da empresa que deveria realizar a coleta de células tronco embrionárias de cordão
umbilical, condenando-a a indenizar recém-nascido por ter deixado de comparecer ao
hospital para proceder a coleta 5. A Corte entendeu que o recém-nascido perdeu
definitivamente a chance de ter acesso a tratamento de alguma patologia no futuro, pois
a medicina avança nos estudos para utilização de células tronco como meio de cura de
diversas enfermidades.
Transcrevo trecho do voto do Ministro Luis Felipe Salomão no julgamento do
REsp 1.190.180/SP:
“Primeiramente, cumpre delinear, com mais precisão, do que cogita a
teoria aventada no acórdão recorrido, conhecida no direito brasileiro, por
influência francesa, de "teoria da perda de uma chance". É certo que,
ordinariamente, a responsabilidade civil tem lugar somente quando há
dano efetivo verificado, seja moral, seja material, este último subdivido na
clássica estratificação de danos emergentes e lucros cessantes. Nesse
cenário, a teoria da perda de uma chance (perte d'une chance) visa à
responsabilização do agente causador não de um dano emergente,
tampouco de lucros cessantes, mas de algo intermediário entre um e outro,
precisamente a perda da possibilidade de se buscar posição mais vantajosa
que muito provavelmente se alcançaria, não fosse o ato ilícito praticado.
4
TJ/SP - Ap. 0179842-53.2008.8.26.0100, rel. Des. Hamid Bdine, j. 23.04.2014 e Ap. 0045311-
76.2012.8.26.0007, rel. Des. Ana Catarina Strauch, j. 17.10.2014.
5
REsp 1.291.247/RJ, rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, j. 19.08.2014.
6
ENCICLOPÉDIA JURÍDICA DA PUCSP
DIREITO CIVIL
7
ENCICLOPÉDIA JURÍDICA DA PUCSP
DIREITO CIVIL
3.1. Conduta
6
Segundo Fernando Noronha, “para que surja a obrigação de indenizar é necessário: a) que haja um fato
(uma ação ou omissão humana, ou um fato humano, mas independente da vontade, ou ainda um fato da
natureza) que seja antijurídico (isto é, que não seja permitido pelo direito, em si mesmo ou nas suas
consequências); b) que esse fato possa ser imputado a alguém, seja por se dever a atuação culposa da pessoa,
seja por simplesmente ter acontecido no decurso de uma atividade realizada no interesse dela; c) que tenham
sido produzidos danos; d) que tais danos possam ser juridicamente considerados como causados pelo ato
ou fato praticado, embora em casos excepcionais seja suficiente que dano constitua risco próprio da
atividade do responsável, sem propriamente ter sido causado por esta.” (NORONHA, Fernando. Direito
das obrigações: fundamentos do direito das obrigações: introdução a responsabilidade civil, p. 468).
8
ENCICLOPÉDIA JURÍDICA DA PUCSP
DIREITO CIVIL
com que este perca uma oportunidade de trabalho. Nessa mesma senda, temos que é lícito
ao empregador verificar a experiência profissional, realizar exame admissional com o
intuito de aferir a aptidão do candidato antes de contratá-lo. Todavia, se ele abusa nessa
investigação ou cria no trabalhador a impressão de que sua contratação é certa, mas não
o contrata, deverá indenizar o candidato pela frustração dessa legítima expectativa
(despesas que teve para se candidatar à vaga de trabalho ofertada; o tempo despendido no
processo de seleção; as chances perdidas de obter um outro emprego por delas desistir em
razão de achar que sua contratação era certa).
7
PEDRO, Rute Teixeira. A responsabilidade civil do médico: reflexões sobre a noção de perda de chance
e a tutela do doente lesado, p. 207.
9
ENCICLOPÉDIA JURÍDICA DA PUCSP
DIREITO CIVIL
8
ZENO-ZENCOVICH. Il danno perl a perdita della possibilita di una utilità futura, pg. 6.
9
SILVA, Rafael Pateffi da. Responsabilidade civil pela perda de uma chance, p. 6.
10
CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil, pg. 65.
10
ENCICLOPÉDIA JURÍDICA DA PUCSP
DIREITO CIVIL
11
LOPES, Rosamaria Novaes Freire. Responsabilidade civil pela perda de uma chance.
12
GARCIA, Paulo Henrique Ribeiro; GRAGNANO, Théo Assuar. Responsabilidade civil pela perda de
uma chance.
13
A Ministra Nancy Andrighi assim expôs: “[c]onquanto seja viva a controvérsia, sobretudo no direito
francês, acerca da aplicabilidade da teoria da responsabilidade pela perda de uma chance nas situações de
erro médico, é forçoso reconhecer sua aplicabilidade. Basta, nesse sentido, notar que a chance, em si, pode
ser considerada um bem autônomo, cuja violação pode dar lugar à indenização de seu equivalente
econômico, a exemplo do que se defende no direito americano. Prescinde-se, assim, da difícil sustentação
da teoria da causalidade proporcional” (REsp 1.254.141-PR, j. 4.02.2012).
14
PERLINGIERI, Pietro; CORSARO, Luigi. Manuale di diritto civile, p. 623.
11
ENCICLOPÉDIA JURÍDICA DA PUCSP
DIREITO CIVIL
15
FRAZÃO, Ana. Pressupostos e funções da responsabilidade civil subjetiva na atualidade: um exame a
partir do direito comparado, p. 39.
16
PEDRO, Rute Teixeira. A responsabilidade civil do médico: reflexões sobre a noção de perda de chance
e a tutela do doente lesado, pp. 400-401.
17
GARCIA, Paulo Henrique Ribeiro; GRAGNANO, Théo Assuar. Responsabilidade civil pela perda de
uma chance, p. 296.
12
ENCICLOPÉDIA JURÍDICA DA PUCSP
DIREITO CIVIL
A perda de chance não pode ser utilizada para suprir a falta da prova do nexo
casal, sendo indispensável a incerteza contrafatual18; a dúvida se a vítima teria conseguido
o resultado esperado, para que seja possível o deslocamento do interesse a ser reparado.
“Enfim, independente da teoria que se adote, como a questão só se
apresenta ao juiz, caberá a este, na análise do caso concreto, sopesar as
provas, interpretá-las como conjunto e estabelecer se houve violação do
direito alheio, cujo resultado seja danoso, e se existe um nexo causal entre
esse comportamento do agente e o dano verificado.”19
3.4. Dano
18
Expressão utilizada por Daniel Amaral Carnaúba em Responsabilidade civil pela perda de uma chance
– a álea e a técnica.
19
STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência, p. 152.
20
O art. 403 do Código Civil de 2002 estabelece: “[a]inda que a inexecução resulte de dolo do devedor, as
perdas e danos só incluem os prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito dela direto e imediato, sem
prejuízo do disposto na lei processual.”
13
ENCICLOPÉDIA JURÍDICA DA PUCSP
DIREITO CIVIL
21
A perda de chance como dano futuro ou dano presente são expressões usadas por Fernando Noronha em
Direito das Obrigações.
22
FERRARA, Gabrielle Gazeo. Aspectos gerais sobre a teoria da perda de uma chance: quando uma
oportunidade perdida é causa de indenizar.
23
FRAZÃO, Ana. Pressupostos e funções da responsabilidade civil subjetiva na atualidade: um exame a
partir do direito comparado, p. 35.
14
ENCICLOPÉDIA JURÍDICA DA PUCSP
DIREITO CIVIL
merecedores de tutela. A autora também esclarece que, nesse processo, os juízes devem
fazer um balanceamento ente os interesses contrapostos do ofensor (danneggiante) e da
vítima (danneggiato)”. 24
O dano injusto abrange hipóteses que ultrapassam a violação de um direito
subjetivo protegido pela norma, abarcando posições subjetivas consideradas legítimas,
isto é, corresponde ao prejuízo e as consequências que a vítima não deveria ter sofrido.
A responsabilidade civil ao ser uma reação ao dano injusto amplia a esfera dos
interesses protegidos sendo a injustiça o limite da responsabilidade25.
No direito italiano o dano injusto é muito importante como se extrai da dicção
do art. 2.043 do Códice Civile: “qualunque fatto doloso o colposo, che cagiona ad altri
un danno ingiusto, obbliga colui che ha commesso il fatto a risarcire il danno”.
Guido Alpa comentando referido artigo afirma que a expressão “injustiça do
dano” é uma cláusula geral que os intérpretes entendem de vários modos.26
Dependendo da corrente doutrinária seguida, a perda de chance é considerada
como dano autônomo, oriundo da ampliação do dano indenizável, independente do dano
final; ou é uma causa parcial que contribui para o dano final e, consequentemente,
indenizável em parte.27
Essa discussão traz duas consequências distintas.
A primeira é a de que se
“o único dano reparável seria a vantagem esperada pela vítima (e
definitivamente frustrada pela conduta do réu), sendo o valor concedido
como indenização fruto da aplicação de uma chamada causalidade parcial
entre a conduta do réu e a vantagem definitivamente perdida pela vítima.
Desse modo, sendo utilizada a noção de causalidade parcial na solução dos
litígios que envolvam a perda de uma chance, tal chance seria apenas uma
causa parcial que concorre para um dano final e, por isso, possuiria a
mesma natureza deste, o que torna desnecessária a especificação do tipo de
24
FRAZÃO, Ana. Pressupostos e funções da responsabilidade civil subjetiva na atualidade: um exame a
partir do direito comparado.
25
PERLINGIERI, Pietro; CORSARO, Luigi. Manuale di diritto civile, p. 618.
26
ALPA, Guido. Manuale di diritto privato, p. 871
27
SAVI, Sérgio. Responsabilidade civil por perda de uma chance.
15
ENCICLOPÉDIA JURÍDICA DA PUCSP
DIREITO CIVIL
dano sofrido”.28
A segunda é no sentido de que
“a perda de uma chance é um dano específico, independente em relação do
dano final, ou seja, a vantagem esperada que foi definitivamente perdida.
Assim, “a função chance perdida é derivada da função vantagem esperada
(dano final), e varia conforme esta, apesar de manter a sua independência.
Neste sentido, é imprescindível analisar que espécie de dano seria este:
patrimonial ou moral, considerando-se que sejam estes os gêneros de danos
existentes em nosso ordenamento pátrio”.29
Como vimos, há duas espécies de perda de chance: a frustração da chance de
obter uma vantagem futura e a frustração da chance de evitar um dano que se efetivou.
3.4.1. A perda de chance como frustração em atingir uma vantagem esperada ou perda
de chance clássica
Caio Mário da Silva Pereira leciona que “para tal modalidade, o fundamento da
reparação por chances é a interrupção do processo de acontecimentos, do qual se esperava
um resultado vantajoso ao final”.30
A vítima esperava obter uma vantagem determinada, mas, durante o transcurso
é interrompido por ação dolosa ou culposa do agente que frustra a chance séria chance
que ela tinha de atingir seu objetivo. Com a interrupção, nunca se saberá se o resultado
seria atingido. Ainda que esse resultado fosse aleatório, com a conduta antijurídica é certo
que ele fica definitivamente impossibilitado. Se o resultado fosse certo e não aleatório, a
hipótese não seria de indenização por perda da chance, mas de reparação do resultado
frustrado.
Glenda Gondim destaca que “é necessário que exista a relação de causalidade
entre a conduta que interrompeu o processo de acontecimentos e a probabilidade, mas
não o resultado final, eis que existindo nexo causal com o resultado final, não se trata de
28
O dano decorrente da perda de uma chance: questões Problemáticas, p. 8. Disponível em:
<http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/documentacao_e_divulgacao/doc_biblioteca/bibli_servicos_p
rodutos/bibli_boletim/bibli_bol_2006/RTrib_n.958.02.PDF>.
29
TORRES, Felipe Soares. PEREIRA, Agnoclébia Santos. O dano decorrente da perda de uma chance:
questões problemáticas, p. 8.
30
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade civil, p. 41.
16
ENCICLOPÉDIA JURÍDICA DA PUCSP
DIREITO CIVIL
chance”.31
Pois bem, dessa forma, claro fica que o nexo causal deve existir no meio da
problemática que deu causa a extinção do objetivo que se desejava alcançar e a
viabilidade que existia do resultado ocorrer.
31
GONDIM, Glenda Gonçalves. A reparação civil na teoria da perda de uma chance, p. 100.
32
Idem, p. 108.
17
ENCICLOPÉDIA JURÍDICA DA PUCSP
DIREITO CIVIL
morte do paciente propriamente dita. Agora, se é possível afirmar que a morte decorreu
necessariamente do erro do médico e não da evolução natural da doença a hipótese não é
de perda de chance mas de indenização pela morte em si. O inverso também é verdadeiro,
ou seja, se for possível afirmar que a morte decorreu da evolução natural da doença e não
do erro do médico, não haverá o dever de indenizar. A perda de chance será aplicada
quando a causa do agravamento ou morte do paciente não for conhecida, e o erro médico
ter criado uma séria possibilidade para o resultado danoso.
3.4.3. A chance
33
Melhoramentos - Dicionário Prático da Língua Portuguesa.
34
CARNAÚBA, Daniel Amaral. Responsabilidade civil pela perda de uma chance: a álea e a técnica, p.
68.
18
ENCICLOPÉDIA JURÍDICA DA PUCSP
DIREITO CIVIL
ressarcível.”35 36
Para Silvio Venosa:
“se a possibilidade frustrada é vaga ou meramente hipotética, a conclusão
será pela inexistência de perda de oportunidade. A ‘chance’ deve ser
devidamente avaliada quando existe certo grau de probabilidade, um
prognóstico de certeza, segundo avaliamos. (...). O julgador deverá
estabelecer se a possibilidade perdida constituiu uma probabilidade
concreta, mas essa apreciação não se funda no ganho ou na perda porque
a frustração é aspecto próprio e caracterizador da ‘chance’. A
oportunidade, como elemento indenizável, implica a perda ou frustração
de uma expectativa ou probabilidade. Quando nossos tribunais indenizam
a morte de filho menor com pensão para os pais até quando este atingiria
25 anos idade, por exemplo, é porque presumem que nessa idade se
casaria, constituiria família própria e deixaria casa paterna, não mais
concorrendo para as despesas do lar. Essa modalidade de reparação de
dano é aplicação da teoria da perda de uma chance. Sempre que se adota
um raciocínio deste nível, há elementos de certeza e elementos de
probabilidade no julgamento”.37
Conforme ensina Caio Mario da Silva Pereira, “para tal modalidade, o
fundamento da reparação por chances é a interrupção do processo de acontecimentos, do
qual se esperava um resultado vantajoso ao final”.38
Sergio Savi aduz que “não é qualquer chance perdida que pode ser levada em
consideração pelo ordenamento jurídico para fins de indenização. Apenas naqueles casos
em que a chance for considerada séria e real, ou seja, em que for possível fazer prova de
uma probabilidade de no mínimo 50% (cinquenta por cento) de obtenção do resultado
esperado (o êxito do recurso, por exemplo), é que se poderá falar em reparação da perda
da chance como dano material emergente.”39 40
35
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, p. 285.
36
O enunciado 443 da V Jornada de Direito Civil, promovida pelo Conselho de Justiça Federal dispõe: “a
chance deve ser séria e real, não ficando adstrita a percentuais apriorísticos”.
37
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil, pp. 326-327.
38
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade civil, p. 41.
39
SAVI, Sérgio. Responsabilidade civil por perda de uma chance, p. 45.
40
Massimo Bianca aponta que a jurisprudência italiana também exige uma probabilidade superior a 50%
(BIANCA, Massimo. Diritto civlle: la responsabilitá, p. 180).
19
ENCICLOPÉDIA JURÍDICA DA PUCSP
DIREITO CIVIL
Glenda Gondim por sua vez, afasta essa exigência dando como
“exemplo, a não entrega de cavalo de corrida em tempo, um magistrado
pode entender que existia uma probabilidade de 48% (quarenta e oito por
cento) do animal alcançar o primeiro prêmio, enquanto outro, analisando a
mesma situação, entenda que a chance era de 52% (cinquenta e dois por
cento). Pelo parâmetro fixo dos 50% (cinquenta por cento) de
probabilidade, se o primeiro magistrado julgasse o caso a reparação por
chances seria improcedente, enquanto se fosse o segundo, existiria a
reparação”.41
Como se vê, para se falar em perda de chance, é necessário que esta exista, ou
seja, a chance perdida faria atingir o resultado pretendido ou evitaria o prejuízo sofrido,
de modo que se não houve prejuízo ou se o resultado foi atingido nós estaríamos tratando
apenas da responsabilidade pelo risco sofrido e não da chance perdida. Chance perdida é
aquela que não tem possibilidade de ser restabelecida, ou seja, a perda é irreversível, não
tendo a vítima condições de restabelecer o desfecho almejado. Configurada a perda e sua
irreversibilidade, há a necessidade de se analisar a probabilidade que havia do resultado
ser atingido, pois na impossibilidade não há que se cogitar em ressarcimento; não se está
a indenizar meras esperanças. Apenas as chances sérias ou reais é que serão merecedoras
de tutela jurídica e, consequentemente, serão passíveis de indenização. “Há incerteza do
dano, mas certeza na probabilidade”.42
Rafael Peteffi43 pondera que considerando o momento da perda da chance e a
possibilidade de reparação há duas hipóteses relacionadas à sua existência. A primeira é
aquela em que a vítima está fruindo a chance para atingir a vantagem esperada, vindo a
perdê-la. Nesse caso, a existência da chance é mais fácil de se demonstrar. Há uma
correspondência entre o cálculo da indenização e a probabilidade objetiva de sucesso
dessa chance. Essa correspondência servirá de base para fundamentar a reparação. A
segunda hipótese é aquela em que a vítima não está no gozo da chance quando ela lhe é
subtraída; embora até então houvesse a possibilidade de sua fruição. Nessa situação, a
existência do dano relacionado à probabilidade que o autor teria de utilizá-la futuramente
41
GONDIM, Glenda Gonçalves. A reparação civil na teoria da perda de uma chance, p. 84.
42
GOMES, Júlio. Sobre o dano da perda de chance. Direito e justiça, p. 2.
43
SILVA, Rafael Peteffi da. A responsabilidade pela perda de uma chance e as condições para sua
aplicação.
20
ENCICLOPÉDIA JURÍDICA DA PUCSP
DIREITO CIVIL
Antônio Jeová Santos sustenta que o dano da perda de chance está inserido no
campo dos danos extrapatrimoniais. Pelo que se depreende de suas colocações, a perda
de chance seria um dano moral futuro, passível de indenização na hipótese de a chance
ser séria e provável. O autor cita como exemplo o caso de um talentoso violinista,
ganhador de vários prêmios, com carreira promissora que restou interrompida em razão
de um acidente que lhe rompeu os tendões do braço, impossibilitando o mesmo de
continuar a tocar violino. Para o autor, com base na análise da vida profissional do
violonista é possível afirmar com certo grau de certeza, ou seja, não se trata de mera
conjectura, que, se não houvesse sofrido o acidente, ele seria um músico de prestígio.
Nesse caso, a perda de chance funcionará como um "agregador do dano moral".45
Felipe Torres e Agnoclébia Pereira ponderam que “equiparada ao dano moral,
estaria se tratando a teoria da perda de uma chance como um instituto desnecessário,
apesar de sua importância. No entanto, enquanto o dano moral deriva da violação de um
44
TORRES, Felipe Soares; PEREIRA, Agnoclébia Santos. O dano decorrente da perda de uma chance:
questões problemáticas.
45
SANTOS, Antônio Jeová. Dano moral indenizável.
21
ENCICLOPÉDIA JURÍDICA DA PUCSP
DIREITO CIVIL
bem que está ligado à personalidade, na perda da chance o dano decorre da frustração de
um interesse do indivíduo, seja de cunho patrimonial ou extrapatrimonial.” Mas concluem
que “a visão mais recente acerca do tipo de dano a que corresponde à perda de uma chance
está aquela que o classifica como dano extrapatrimonial, ou seja, como sendo uma lesão
à dignidade humana. 46
O enunciado 444, aprovado na 5ª Jornada de Direito Civil ao tratar dessa questão
conclui que: “[a] responsabilidade civil pela perda de uma chance não se limita à categoria
de danos extrapatrimoniais, pois, conforme as circunstâncias do caso concreto, a chance
perdida pode apresentar também a natureza jurídica de dano patrimonial. A chance deve
ser séria e real, não ficando adstrita a percentuais apriorísticos.”
Entendemos, entretanto, que embora a perda de chance possa decorrer da
violação de um bem extrapatrimonial, temos que eles possuem fontes distintas. O dano
moral decorre da violação da personalidade da vítima e a perda de chance da violação de
uma probabilidade real e séria de se atingir uma vantagem futura ou de se evitar um
prejuízo. Por isso, teremos situações fáticas em que a perda de chance além de causar
prejuízos patrimoniais, também pode acarretar danos de natureza extrapatrimoniais,
quando levar sofrimento e dor pela perda da possibilidade de se alcançar o resultado
esperado. Nessa situação, além da fixação de indenização pela perda da chance
propriamente dita, haverá outra pelos danos morais sofridos.
46
SANTOS, Antônio Jeová. Dano moral indenizável, p. 8.
47
Nesse sentido: BIANCA, Massimo. Diritto civille: la responsabilitá, p. 182.
22
ENCICLOPÉDIA JURÍDICA DA PUCSP
DIREITO CIVIL
48
GONDIM, Glenda Gonçalves. A reparação civil na teoria da perda de uma chance, p. 129.
49
SAVI, Sérgio. Responsabilidade civil por perda de uma chance, p. 122.
23
ENCICLOPÉDIA JURÍDICA DA PUCSP
DIREITO CIVIL
Na perda de chance não há essa certeza, mas tão somente a probabilidade de se atingir
determinado resultado. Se for considerado lucro cessante a vítima terá que comprovar que
a vantagem esperada seria, pelo menos, razoavelmente obtida não fosse a conduta do
agente. Diante desse cenário, os lucros aqui seriam hipotéticos e, por isso, não permitiriam
sua reparação.
Por outro lado, não há como se negar a dificuldade de enquadrá-la como dano
emergente, pois diz respeito àquilo que a vítima efetivamente perdeu e que pode ser
demonstrado economicamente, o que não é fácil no caso em tela, pois ainda que a chance
seja real e séria não há uma representação monetária propriamente dita.
Felipe Torres e Agnoclébia Pereira argumentam com apoio em Roberta Veras
de Lima Brito “que, se considerada a perda de uma chance como dano emergente,
referente à perda da chance de vitória e não na perda da vitória, as dúvidas acerca da
certeza do dano e da existência do nexo causal entre o ato lesivo do ofensor e o dano,
seriam superadas”.50
50
TORRES, Felipe Soares; PEREIRA, Agnoclébia Santos. O dano decorrente da perda de uma chance:
questões problemáticas.
51
Ibidem. Referidos autores trazem como exemplo o Recurso Cível 71002970986 do TJRS, julgado no dia
25.08.2011 pela 3ª Turma Recursal Cível, tendo como relator o Dr. Eduardo Kraemer, publicação no Diário
da Justiça do dia 29.08.2011, que trata de uma ação de reparação pela perda da chance de um candidato a
participar de etapa de concurso por conta do extravio de sua bagagem em transporte aéreo. Houve o
entendimento acerca da natureza autônoma do dano decorrente da chance perdida, não sendo este
confundido com dano material ou moral.
24
ENCICLOPÉDIA JURÍDICA DA PUCSP
DIREITO CIVIL
Via de regra, o dano pode ser reparado de dois modos: restabelecendo a vítima
à situação anterior ao dano causado ou, na sua impossibilidade, o ressarcimento
pecuniário equivalente ao prejuízo sofrido. Nesse caso, é necessário apurar a extensão do
dano, ou seja, o prejuízo sofrido no patrimônio da vítima para estabelecer o montante
compensatório da indenização.
“Podemos afirmar que a reparação de chances perdidas envolve sempre uma
certeza e uma probabilidade. A primeira é constatada quando da identificação do prejuízo
a reparar; e a outra entra em cena no momento da mensuração do prejuízo”.55
52
ROCHA, Nuno Santos. A perda de chance como uma nova espécie de dano, p. 2.
53
Apud CASTELO, Deyvison Souza. A teoria da perda de uma chance: a inserção doutrinária deste
instituto no âmbito da responsabilidade civil.
54
HIGA, Flávio da Costa. Responsabilidade civil: a perda de uma chance no direito do trabalho, p. 81.
55
CARNAÚBA, Daniel Amaral. Responsabilidade civil pela perda de uma chance: a álea e a técnica, p.
108.
25
ENCICLOPÉDIA JURÍDICA DA PUCSP
DIREITO CIVIL
56
GONDIM, Glenda Gonçalves. A reparação civil na teoria da perda de uma chance, p. 125.
57
Admitida a indenização pela chance perdida, o valor do bem deve ser calculado em uma proporção do
prejuízo final experimentado pela vítima (...). O acórdão recorrido não reconheceu ao médico a
responsabilidade pela morte do paciente. Não pode, assim, fixar reparação integral, merecendo reparo nesta
sede (REsp n. 1.254.141/PR, Min. Nancy Andrighi, j. 4.12.2012).
26
ENCICLOPÉDIA JURÍDICA DA PUCSP
DIREITO CIVIL
resultado final que a vítima poderia ter conseguido se o evento não a tivesse
privado daquela possibilidade (...) Assim, a chance de lucro terá sempre
um valor menor que vitória futura, o que refletirá no montante da
indenização”.58
Desse modo, há de se primeiro verificar o valor desse resultado para, em seguida,
ver o grau de probabilidade do mesmo ser alcançado se não houvesse sofrido o ato ilícito
e ao final, aplicá-la ao montante inicialmente apurado.59
Daniel Carnaúba leciona que
“Num primeiro momento, determina-se qual seria o ganho auferido ou a
perda evitada, se a vítima tivesse obtido o resultado aleatório. Depois, esse
valor será multiplicado pela porcentagem de chances que a vítima perdeu
em função do ato imputável ao réu. O resultado dessa conta será o montante
a ser indenizado em razão da perda da chance”.60
“Note-se que o fato de a reparação ser concedida sob a forma de
percentagem incidente sobre o valor que teria o dano final não significa
que esteja concedendo uma indenização parcial. A reparação mesmo aqui,
tem como medida a extensão do dano (cf. Cód. Civil, art. 944), ou seja, é
integral. O que acontece é ter a chance perdida um valor menor do que o
dano dito final”.61
Rute Teixeira Pedro exemplifica: “[a]ssim, se o prémio ou o quantum derivado
da procedência da acção apresentavam o valor de Y e a chance de o candidato ser o
vencedor ou de a decisão ser favorável ao cliente do advogado era de 30%, o montante
reparatório deveria equivaler a 30% de Y”.62
Como isso nem sempre é possível, o montante será estabelecido por arbitramento
(CC, art. 946), com equidade, observando-se os princípios da efetividade e da
razoabilidade.
58
SAVI, Sérgio. Responsabilidade civil por perda de uma chance, p. 63.
59
“(…) la liquidazione del danno - che deve avvenire in funzione della possibilità che aveva il danneggiato
di conseguire il vantaggio sperato, ad esempio applicando alla valutazione economica di quel vantaggio
un coefficiente di riduzione che tenga conto di quelle probabilità - può avvenire su base equitativa, posta
la naturale difficoltà di provare il preciso ammontare del pregiudizio economico”. (D’APOLLO, Luca.
Perdita di chance: danno risarcibile, onus probandi e criteri di liquidazione, p. 8).
60
CARNAÚBA, Daniel Amaral. Responsabilidade civil pela perda de uma chance: a álea e a técnica, p.
180
61
NORONHA, Fernando. Direito das obrigações, p. 675.
62
Idem, p. 231
27
ENCICLOPÉDIA JURÍDICA DA PUCSP
DIREITO CIVIL
Para Ênio Zuliani “o juiz deverá, em caso de reconhecer que realmente ocorreu
a perda dessa chance, criar um segundo raciocínio dentro da sentença condenatória, ou
seja, auscultar a probabilidade ou o grau de perspectiva favorável dessa chance”.63
Caso seja considerada como uma modalidade autônoma de dano
extrapatrimonial, a apuração da indenização será feita com base nos princípios da
dignidade humana, a condição e comportamento das partes, a gravidade do dano, as
consequências dos atos para a vítima e a álea contida na chance perdida. Adequadamente
sopesadas pelos juízes, ainda que não corresponda ao valor do benefício almejado,
repararemos integral e equitativamente a chance perdida.
Daniel Carnaúba entende que a indenização pela perda de chance deve ter a
mesma natureza do dano que a perda do resultado favorável aleatório teria. Se a vantagem
perdida teria como consequência um dano hipotético moral, deve-se, inicialmente,
mensurar o valor após compensar a lesão hipotética, para, em seguida, reduzir esse
montante conforme o percentual da chance. O mesmo raciocínio se aplica para o dano
patrimonial, que não pode ter a chance perdida indenizada como se fosse dano moral.64
Nada obsta que a perda de chance também acarrete um dano moral propriamente
dito em razão da violação de um direito da personalidade. Nesse caso, haverá indenização
pelo dano decorrente da perda de chance e outra indenização pelos danos morais
sofridos.65
CONTRATUAL
63
ZULIANI, Ênio. Responsabilidade civil do advogado, p. 8.
64
CARNAÚBA, Daniel Amaral. Responsabilidade civil pela perda de uma chance: a álea e a técnica, p.
181.
65
Felipe Torres e Agnoclébia Pereira citam o acórdão da ApCiv 20110710042472 DF 0004173-
94.2011.8.07.0007.30 da 2ª Turma Cível que teve como relator o Dr. Waldir Leôncio Lopes Junior,
(publicada no DJe de 12.02.2014, p. 84) em que o relator tratando de desídia de advogado em propor ação
que por isso prescreveu, analisou o dano material abarcado pelo autor através das verbas rescisórias devidas,
considerando a lesão sofrida pela perda da chance como dano material a meio caminho entre o dano
emergente e o lucro cessante. Foi então a chance perdida arbitrada em base de 70% do valor das verbas
trabalhistas pleiteadas, como razoável para a reparação pela lesão sofrida, além de R$ 10.000,00 (dez mil
reais), como reparação pelo dano moral suportado pelo demandante.
28
ENCICLOPÉDIA JURÍDICA DA PUCSP
DIREITO CIVIL
66
Enunciado 25 (I Jornada CJF): “O art. 422 do Código Civil não inviabiliza a aplicação pelo julgador do
princípio da boa-fé nas fases pré-contratual e pós-contratual”.
Enunciado 170 (III Jornada CJF): “A boa-fé objetiva deve ser observada pelas partes na fase de negociações
preliminares e após a execução do contrato, quando tal exigência decorrer da natureza do contrato”.
29
ENCICLOPÉDIA JURÍDICA DA PUCSP
DIREITO CIVIL
na probabilidade que se tinha de celebrar o contrato com terceira pessoa. Pode ser
trabalhada como dano moral ou, ainda, ser reconhecida a par do dano moral. Imagine, por
exemplo, a hipótese de uma pessoa passar em todo um processo de seleção para uma vaga
de trabalho e, ao final, pedirem sua carteira de trabalho para sua contratação que acaba
não se realizando por terem contratado uma outra pessoa em seu lugar. Aqui há perda de
chance na medida em que lhe foi gerada uma legítima expectativa de contratação em
detrimento de outras oportunidades de emprego existentes, as quais por esse motivo
foram recusadas. Agora, se o candidato, além disso, tivesse pedido demissão do emprego
em que estava, também seria devida a indenização por danos morais, ante à inegável
aflição psicológica sofrida.
No que se refere à fase contratual em si, as violações ocorrem durante sua
execução. Imagine as hipóteses de acidente de trabalho por falta de fornecimento de
equipamento obrigatório ou doença profissional que aflija o trabalhador que, em razão
delas, perde a oportunidade de crescer profissionalmente, e, com isso, obter melhor
salário. Também podemos dar o exemplo do fabricante de embalagens que deixa de
entregá-las, impedindo que o contratante participe de um processo de seleção de empresas
fornecedoras de alimentos para viagem. Embora a promoção não fosse certa, nem a
seleção para fornecer os alimentos, fato é que o problema na execução do contrato levou
à perda da chance do trabalhador de se promover, no primeiro exemplo, assim como da
empresa ser selecionada para o fornecimento de comida, no segundo exemplo.
Como dissemos, a cláusula geral de boa-fé prevista no art. 422 do Código Civil,
que exige lealdade e probidade das partes, é aplicada nas fases pré-contratual, contratual
e pós-contratual. Assim, é possível aplicar todas as conclusões que vimos quanto ao dano
pré-contratual e contratual, ao chamado dano pós-contratual. Imagine o contrato de venda
e compra de um automóvel. Uma parte paga o preço e a outra entrega o veículo, mas não
entrega o DUT assinado e com firma reconhecida. Em tese a venda e compra foi
cumprida, pois o preço foi pago e o bem entregue. Mas é inegável que, embora não
houvesse explicitado a necessidade da entrega do DUT devidamente assinado, sua falta
tira a possibilidade de o comprador negociar o veículo com terceiros. Há, então, perda de
chance.
30
ENCICLOPÉDIA JURÍDICA DA PUCSP
DIREITO CIVIL
5. CONCLUSÃO
Por força dos princípios constitucionais, a perda de uma chance real e séria deve
ser considerada no ordenamento jurídico brasileiro como um dano injusto e, por isso, uma
violação a um direito, passível de indenização.
Guido Alpa ensina:
“Attualmente, si propone di intendere l’espressione ingiustizia del danno
com riferimento ai principi constituzionali: è danno ingiusto la lesione di
qualiasi interesse direttamente tutelato dalla Constituzione (diritto allá
salute, diritto di proprietà), qualsiasi interesse expressamente tutelato
dalla legge e, ancora, qualsiasi interesse che, comparato con quello del
danneggiante, risulta maggiormente meritevole di tutela”.67
“Nota-se uma tendência geral, presente no direito comparado, de
considerar a responsabilidade civil sob o enfoque do balanceamento de
interesses conflitantes, da cessação do ilícito, da proteção dos valores
constitucionais e da busca por justiça e equidade. Este último aspecto
reforça, inclusive, a importância da função punitiva da responsabilidade
civil, para o fim de que a compensação seja proporcional ao grau de
reprovabilidade da conduta”68
Nesse sentido, a responsabilidade civil deixa de ser pensada apenas como uma
forma de compensação da vítima pelo ofensor para ter uma função de desestímulo, de
anulação de todos os ganhos do ofensor e de distribuição de perdas, ultrapassando essa
relação bilateral da vítima com o agente para tutelar um maior número de interesses,
abrangendo as hipóteses de violação à dignidade da pessoa humana. A responsabilidade
civil passa a ser um instrumento de justiça comutativa.
A violação dos direitos subjetivos passa a ser um critério de seleção dos danos
indenizáveis que devem estar relacionados ao valor do ser humano e dos interesses,
inclusive sociais, a ele relacionados.69
A repersonalização do direito privado e as mudanças da sociedade criam novas
67
ALPA, Guido. Manuale di diritto privato, p. 872.
68
FRAZÃO, Ana. FRAZÃO, Ana. Pressupostos e funções da responsabilidade civil subjetiva na
atualidade: um exame a partir do direito comparado, p.37.
69
PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidade constitucional, pp. 678-679.
31
ENCICLOPÉDIA JURÍDICA DA PUCSP
DIREITO CIVIL
situações lesivas, ganhando relevo a análise do dano injusto que permite equilibrar os
interesses envolvidos, proteger bens jurídicos, criar direitos e situações jurídicas e
deslocar o critério de averiguação da injustiça do dano para a conduta do ofensor.70
A perda de chance, protegida pelo princípio da dignidade humana, integra o
processo de repersonalização do direito privado, no qual as relações pessoais prevalecem
sobre as patrimoniais.
A teoria da perda de chance é uma resposta do ordenamento jurídico e da
sociedade ao evitar que o agente causador do dano saia impune pela conduta ilícita que
praticou. Atende-se o princípio da reparação integral do dano (arts. 403 e 944 do Código
Civil), conferindo indenização à vítima que teve uma oportunidade ceifada, ainda que não
seja possível afirmar que o resultado fosse efetivamente alcançado. A indenização não
será pela falta de atingimento do resultado almejado, mas pela perda de oportunidade de
sua efetivação.
A perda de chance corresponde à subtração da oportunidade de se obter um
resultado desejado ou de se evitar um resultado indesejado em razão da conduta do
ofensor. Deve-se distinguir o resultado perdido da possibilidade de atingi-lo que é a
violação realmente sofrida pelo ofendido.
Cabe, entretanto, observar que a aplicação da teoria da perda de chance encontra
limites, pois não é qualquer possibilidade perdida que é passível de indenização por parte
do agente. A vítima deve demonstrar que não se tratava apenas de uma esperança, mas
que havia a probabilidade concreta do sujeito obter uma vantagem ou de evitar um
prejuízo. Caso contrário, o pedido de indenização deve ser indeferido. A aferição será
feita com a aplicação dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade.
A reparação civil pela perda de chance possui pressupostos fáticos distintos
daqueles relacionados à vantagem que seria obtida e que se frustrou. Por isso, não se pode
confundir a causa de pedir de uma situação com o da outra. Na perda de chance deve ficar
claro que se busca indenização pela subtração da oportunidade e não pela falta de
atingimento do resultado esperado.71
70
FRAZÃO, Ana. Pressupostos e funções da responsabilidade civil subjetiva na atualidade: um exame a
partir do direito comparado, p. 40.
71
Nesse sentido o STJ: “a pretensão à indenização por danos materiais individualizados e bem definidos
na inicial, possui causa de pedir totalmente diversa daquela admitida no acórdão recorrido, de modo que há
julgamento extra petita se o autor deduz pedido certo de indenização por danos matérias absolutamente
32
ENCICLOPÉDIA JURÍDICA DA PUCSP
DIREITO CIVIL
identificados na inicial e o acórdão, com base na teoria da perda de uma chance, condena o réu ao
pagamento de indenização por danos morais” (rel. Min. Luis Felipe Salomão, RESP nº 1.190.180-RS)
72
MELO, Raimundo Simão de. Indenização pela perda da chance. Caderno de doutrina e jurisprudência
da Ematra XV, n. 3.
33
ENCICLOPÉDIA JURÍDICA DA PUCSP
DIREITO CIVIL
indenização.
Embora a perda de chance não tenha sido expressamente admitida pelo Código
Civil de 2020, temos que seu reconhecimento como uma nova espécie de dano pela
doutrina e pela jurisprudência, tem permitido afastar injustiças decorrentes da aplicação
do modelo tradicional de caracterização da responsabilidade civil.
REFERÊNCIAS
34
ENCICLOPÉDIA JURÍDICA DA PUCSP
DIREITO CIVIL
35
ENCICLOPÉDIA JURÍDICA DA PUCSP
DIREITO CIVIL
36
ENCICLOPÉDIA JURÍDICA DA PUCSP
DIREITO CIVIL
37
ENCICLOPÉDIA JURÍDICA DA PUCSP
DIREITO CIVIL
9703-1-PB.pdf>.
__________________. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e
jurisprudência. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.
TORRES, Felipe Soares. PEREIRA, Agnoclébia Santos. O dano decorrente da
perda de uma chance: questões problemáticas. Disponível em:
<http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/documentacao_e_divulgacao/doc_bibliotec
a/bibli_servicos_produtos/bibli_boletim/bibli_bol_2006/RTrib_n.958.02.PDF>.
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. 3. ed. São
Paulo: Atlas, 2014.
ZULIANI, Ênio. Responsabilidade civil do advogado. São Paulo: COAD, 2002.
38