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COORDENAÇÃO GERAL

Celso Fernandes Campilongo


Alvaro de Azevedo Gonzaga
André Luiz Freire

ENCICLOPÉDIA JURÍDICA DA PUCSP

TOMO 2

DIREITO ADMINISTRATIVO E
CONSTITUCIONAL
2ª Edição

COORDENAÇÃO DO TOMO 2
Vidal Serrano Nunes Júnior
Maurício Zockun
Carolina Zancaner Zockun
André Luiz Freire

Editora PUCSP
São Paulo
2022
ENCICLOPÉDIA JURÍDICA DA PUCSP
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

DIRETOR
Vidal Serrano Nunes Júnior
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
DIRETORA ADJUNTA
FACULDADE DE DIREITO
Julcira Maria de Mello Vianna
Lisboa

ENCICLOPÉDIA JURÍDICA DA PUCSP | ISBN 978-85-60453-35-1


<https://enciclopediajuridica.pucsp.br>

CONSELHO EDITORIAL

Celso Antônio Bandeira de Mello Oswaldo Duek Marques


Elizabeth Nazar Carrazza Paulo de Barros Carvalho
Fábio Ulhoa Coelho Raffaele De Giorgi
Fernando Menezes de Almeida Ronaldo Porto Macedo Júnior
Guilherme Nucci Roque Antonio Carrazza
Luiz Alberto David Araújo Rosa Maria de Andrade Nery
Luiz Edson Fachin Rui da Cunha Martins
Marco Antonio Marques da Silva Tercio Sampaio Ferraz Junior
Maria Helena Diniz Teresa Celina de Arruda Alvim
Nelson Nery Júnior Wagner Balera

TOMO DE DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL | ISBN 978-85-60453-62-7


A Enciclopédia Jurídica é editada pela PUCSP

Enciclopédia Jurídica da PUCSP, tomo II (recurso eletrônico)


: direito administrativo e constitucional / coords. Vidal Serrano Nunes Júnior, Maurício
Zockun, Carolina Zancaner Zockun, André Luiz Freire – 2. ed. – São Paulo: Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, 2022
Recurso eletrônico World Wide Web
Bibliografia.
O Projeto Enciclopédia Jurídica da PUCSP propõe a elaboração de doze tomos.

1.Direito - Enciclopédia. I. Campilongo, Celso Fernandes. II. Gonzaga, Alvaro. III. Freire,
André Luiz. IV. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

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ENCICLOPÉDIA JURÍDICA DA PUCSP
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

SANÇÕES POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA


Wallace Paiva Martins Junior

INTRODUÇÃO

A Constituição de 1988 elevou a probidade em função pública no § 4º do art. 37


à posição de direito subjetivo público, cuja natureza é difusa. Trata-se da sublimação da
ética na gestão da res publicae. O dever de probidade que daí se irradia descende
diretamente do princípio da moralidade administrativa explicitado no caput do art. 37 e
no inciso LXXIII do art. 5º.
A regra em cena estabeleceu que o ato de improbidade administrativa (isto é,
aquele que infringe o dever respectivo) implicarão a suspensão dos direitos políticos, a
perda da função pública, a indisponibilidade de bens e o ressarcimento ao erário, na forma
e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.
A Constituição não projetou nesse preceito tão somente as sanções contra a
improbidade administrativa, senão em sentido mais amplo enumerou algumas das
consequências jurídicas da prática desse ato ilícito, indicando sanções (perda da função
pública, suspensão dos direitos políticos etc.) e providências cautelares (indisponibilidade
de bens). Tampouco é possível afirmar que a norma constitucional esgota todas as
perspectivas de repressão aos atos de improbidade administrativa.
A norma em foco tem o sentido de manifestar mandado de censura à
improbidade administrativa a latere de sua repressão penal e deve ser examinada de modo
sistêmico com a integralidade do texto constitucional e os princípios que lhe informam,
como os princípios republicano, democrático e de responsabilidade.
A responsabilidade no exercício do poder é elementar ao regime republicano. É
assaz difundida a lapidar observação de Geraldo Ataliba que “a simples menção ao termo
república já evoca um universo de conceitos intimamente relacionados entre si, sugerindo
a noção do princípio jurídico que a expressão quer designar. Dentre tais conceitos, o de
responsabilidade é essencial. Regime republicano é regime de responsabilidade”.1 Ela
também se imbrica à concepção do princípio democrático, como discorria J. H. Meirelles

1
ATALIBA, Geraldo. República e Constituição, p. 65.

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Teixeira ao pontuar que “irresponsabilidade é característica de regime despótico. Só é


responsável quem administra a própria fazenda, os próprios negócios ou interesses. Mas
na democracia os governantes são, por definição, meros representantes do povo, meros
depositários de sua confiança para realizarem o Bem Comum. E todo representante ou
depositário, por definição também, deve prestar contas e responder pela sua gestão”.2
Assim, por exemplo, encontra-se na Constituição outras matrizes (diretas ou
indiretas) de punição de pessoas (físicas ou jurídicas) pela prática de atos de improbidade
administrativa como, verbi gratia, no âmbito eleitoral (arts. 14, § 9º, e 15, V),
administrativo (art. 41, II), penal (art. 37, § 4º, in fine), e político-administrativo (art. 85,
V), sem embargo da própria prevenção do patrimônio público em face de atos tisnados
por esse sério e grave defeito (arts. 5º, LXXIII, e 129, III). Destarte, as sanções da
improbidade administrativa não se exaurem no § 4º do art. 37.

SUMÁRIO
Introdução ......................................................................................................................... 2
1. Sanções contra a improbidade administrativa ......................................................... 4
1.1. Sanções civis, penais, eleitorais, administrativas e político-administrativas. 5
1.2. Independência de instâncias .......................................................................... 7
2. Sanções civis ........................................................................................................... 7
2.1. Classificação das sanções civis ...................................................................... 9
2.2. Prescritibilidade e imprescritibilidade ......................................................... 10
2.3. Irrelevância de prejuízo patrimonial ou locupletamento ilícito ................... 13
2.4. Eficácia temporal ......................................................................................... 14
2.5. Dimensão subjetiva...................................................................................... 16
2.6. Correlação das sanções com a espécie de ato de improbidade .................... 22
2.7. Aplicação cumulativa ou alternativa ........................................................... 24
3. Sanções em espécie ............................................................................................... 26
3.1. Perda da função pública ............................................................................... 27
3.2. Perda de bens ............................................................................................... 30

2
TEIXEIRA, J. H. Meirelles. Curso de direito constitucional, p. 466.

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3.3. Suspensão temporária dos direitos políticos ................................................ 32


3.4. Pagamento de multa civil............................................................................. 33
3.5. Proibição de contratação com o Poder Público ou de recebimento de
benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios............................................. 34
3.6. Ressarcimento do dano ................................................................................ 35
Referências ..................................................................................................................... 37

1. SANÇÕES CONTRA A IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

A sanção é a consequência pelo descumprimento da norma jurídica. Consiste na


previsão normativa de reação à prática da ação por ele não querida porque agride bem
jurídico tutelado. A responsabilidade consiste na imposição de consequências jurídicas à
violação (omissiva ou comissiva) do ordenamento jurídico. Trata-se de comando
secundário inerente às normas proibitivas ou determinantes.
Em obséquio à reserva absoluta de lei (lei em sentido formal, legalidade
absoluta), a imposição de sanção exige precedência e depende de previsão nessa sede
específica porque a reprimenda é fator de diminuição, limitação, ou restrição de direitos
e liberdades fundamentais. A articulação de sanções contra a prática de ato de
improbidade administrativa não escapa à essa compreensão.
A lei, neste caso, deve observar os módulos constitucionais de repartição de
competências normativas e do modo de produção dos atos normativos. No caso das
sanções civis, político-administrativas ou penais em face da improbidade administrativa,
a competência é da União em caráter privativo, nos termos do quanto estatuído no art. 22,
I, da Constituição de 1988. Com relação ao processo legislativo, não há em face das
matérias articuladas no § 4º do art. 37 da Carta Magna reserva de lei complementar nem
de iniciativa legislativa. A lei deve ser a ordinária, proposto o correlato projeto de lei à
luz da iniciativa comum ou concorrente, porque não constante o assunto das reservas
constitucionalmente adotadas e que merecem interpretação de direito estrito como normas
excepcionais e taxativas. Por envolver direitos políticos e processuais não se admite seu
trato por medida provisória não bastasse carecer-lhe de antemão quaisquer traços de
urgência.

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1.1. Sanções civis, penais, eleitorais, administrativas e político-administrativas

Na conformidade do acima exposto, é possível resumir que a repressão à


improbidade administrativa se articula por sanções de natureza eleitoral (arts. 14, § 9º, e
15, V), administrativo (art. 41, II), civil e penal (art. 37, § 4º) e político-administrativo
(art. 85, V). Sem prejuízo da responsabilidade comum a que todos os agentes públicos se
subordinam, há círculos de responsabilidade especial relativamente a determinados
agentes e que instituídos por conta da peculiaridade de suas próprias funções.
A responsabilidade civil pessoal por ação ou omissão no exercício de função
pública (lato sensu) é subjetiva, dependendo de dolo ou culpa, e se estadeia
principalmente nas Leis da Ação Popular e da Improbidade Administrativa (Leis
4.717/1965 e 8.429/1992), sem embargo da regressiva com lastro no § 6º do art. 37 da
Constituição de 1988 quando o Poder Público tenha sido condenado a ressarcir dano
causado a direito alheio e, é claro, desde que a ação ou omissão seja diretamente
imputável ao agente público.
A Constituição de 1988 franqueia à lei complementar o estabelecimento de
outros casos de inelegibilidade para proteção da probidade administrativa (art. 14, § 9º).
Dessa missão cuida a Lei Complementar 64/1990 robustecida pela redação dada pela Lei
Complementar 135/2010 – conhecida como “Lei Ficha Limpa”. Inelegibilidade, todavia,
não é sanção, senão consequência decorrente, entre outros, da imposição de uma sanção
como, por exemplo, com base na Lei da Improbidade Administrativa. Além disso, a Lei
9.504/1997 delineia condutas vedadas nas eleições (em especial no art. 73) destinadas
também a assegurar a probidade administrativa, prevendo sanções como cassação de
registro ou de diploma e multa.
A responsabilidade administrativa decorre da previsão do art. 41, II, da
Constituição Federal, e é elementar à hierarquia, à autotutela e à controlabilidade que
iluminam a Administração Pública. Ela se manifesta na responsabilidade disciplinar pela
prática de infração funcional – inclusive por improbidade administrativa (art. 132, VI, da
Lei 8.112, v.g.) – expondo seu autor a sanções como advertência, suspensão, demissão,
aplicáveis pela própria Administração Pública com observância do devido processo legal
em todas as suas perspectivas e potencialidades. Além disso, há outras esferas de

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responsabilidade administrativa como as decorrentes do exercício do controle externo


(art. 71 da Constituição de 1988; art. 5º da Lei 10.028/2000).
O art. 85, V, da Constituição Federal, estatui a responsabilidade político-
administrativa do Presidente da República por crime de responsabilidade e, dentre
suas figuras, a que atente contra a probidade na Administração. O assunto foi
regulado na Lei 1.079/1950 – que se estende a outros agentes políticos ali
discriminados (Governadores de Estado, Ministros de Estado, Ministros do Supremo
Tribunal Federal, Procurador Geral da República) – que no inciso V do art. 4º repete
a norma constitucional e no art. 9º cataloga os crimes de responsabilidade contra a
probidade na administração. Essas infrações sujeitam seu autor às sanções de perda
do cargo e inabilitação para o exercício de qualquer função pública por prazo
determinado, conforme julgamento do Poder Legislativo.
Prefeitos estão sujeitos à responsabilidade por infração político-
administrativa (art. 4º do Decreto-lei 201/1967), que implica a cassação do mandato
pela Câmara Municipal, sem prejuízo da responsabilidade criminal específica (art.
1º). Vereadores que façam uso do cargo para a prática de atos de corrupção ou de
improbidade administrativa, sujeitam-se à cassação (art. 7º, I, do Decreto-lei
201/1967), assim como os membros do Congresso Nacional por procedimento
incompatível com o decoro parlamentar como na hipótese de recebimento de
vantagens indevidas (art. 55, II, § 1º, da Constituição Federal).
A tutela repressiva da improbidade administrativa começou na legislação
penal. O Código Penal arrola os denominados crimes contra a Administração Pública
praticados por agentes públicos como o peculato, a corrupção passiva, a concussão,
o emprego irregular de verbas públicas etc. Leis penais extravagantes também
tipificam crimes funcionais, típicos de agentes públicos, como a Lei de Abuso de
Autoridade (Lei 4.898/1965), e que correspondem à noção de improbidade
administrativa.
Além da sanção privativa de liberdade, o Código Penal prevê como efeito da
condenação – que torna certa a obrigação de reparar o dano e a perda de bens produto do
crime – a perda de cargo, função pública ou mandato eletivo quando aplicada pena
privativa de liberdade por tempo (a) igual ou superior a um ano, nos crimes praticados
com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração Pública, ou (b)

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superior a 04 (quatro) anos nos demais casos, estabelecendo que esse não é automático,
devendo ser motivadamente declarado na sentença (art. 92).

1.2. Independência de instâncias

A diversidade de regimes de responsabilidade é funcionalmente resolvida pela


independência de instâncias que alija de seu contexto receio ao bis in idem. Seu
fundamento radica-se na diferenciação de bens jurídicos tutelados – a disciplina interna
da Administração, o direito subjetivo público ao governo honesto etc. – e na natureza da
resposta institucional do ordenamento jurídico.
A independência de instâncias de responsabilidade é consagrada em tradicionais
regras do direito positivo: art. 935, Código Civil; art. 67, Código de Processo Penal; art.
125, da Lei 8.112/1990. Esta também é a tônica da Lei 8.429/1992. O caput do art. 12
enuncia a aplicabilidade das sanções de seus incisos I a III independentemente das
sanções, penais, civis e administrativas previstas na legislação específica, complementado
pelo inciso II do art. 21 ao prescrever o seu cabimento independentemente da aprovação
ou rejeição de contas pelo órgão de controle interno ou pelo Tribunal ou Conselho de
Contas.
As potenciais exceções à incomunicabilidade de instâncias correm por conta das
expressas previsões normativas, como, por exemplo, a absolvição criminal fundada na
inexistência do fato ou negativa de autoria.
E além disso há se considerar que, em regra, as decisões de caráter administrativo
ou político-administrativo se sedimentam sobre contornos diferenciados das
jurisdicionais e não têm entre seus predicados a eficácia da coisa julgada, não se
sobrepondo a estas.

2. SANÇÕES CIVIS

Como visto, a Lei da Improbidade Administrativa institui sanções civis em face


de atos de improbidade administrativa. O § 4º do art. 37 da Constituição de 1988
diferenciou a repressão civil da penal relativamente à improbidade administrativa,
embora ambas em comum demandem imposição por decisão judicial observado o devido

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processo legal. Aliás, a natureza restritiva de direitos das sanções constitucionalmente


previstas inibe sua imposição em outra instância senão a judicial distinta da jurisdição
penal.
A Lei 8.429/1992 arrola no art. 12 as sanções civis típicas contra atos de
improbidade administrativa. Convém obtemperar que ela só estabelece sanções pessoais
aos autores, beneficiários ou partícipes de atos ímprobos, o que não impede a imposição
de provimentos jurisdicionais em face do próprio ato jurídico impugnado. Antes de sua
edição, as sanções civis relativas à prática de ato de improbidade administrativa – para
além do domínio da ação popular – se restringiam à perda de bens amealhados
ilicitamente, como previsto na Lei 3.164/1957 e na Lei 3.502/1958 – conquanto esta
última permitisse cumulativamente o ressarcimento integral do dano.
As sanções civis contra o ato de improbidade administrativa são (a) a perda de
bens, (b) a perda da função pública, (c) a suspensão temporária dos direitos políticos, (d)
o pagamento de multa civil, (e) o ressarcimento do dano, e (f) a proibição de contratação
com o Poder Público ou de recebimento de benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios.
Destas, só constam do § 4º do art. 37 da Constituição de 1988 a perda da função pública,
a suspensão dos direitos políticos e o ressarcimento do dano. A Lei 8.429/1992
acrescentou outras como o pagamento de multa civil, a proibição de contratação com o
Poder Público ou do recebimento de benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, e a
perda de bens ou valores ilicitamente acrescidos.
Como já discorrido anteriormente,3 o acréscimo tem suficiente respaldo
constitucional com base no princípio conformador elementar à atividade normativa
infraconstitucional, uma vez que compete à legislação subconstitucional o
estabelecimento de sanções ou penalidades contra o ato ilícito. A literatura assinala
que não há qualquer inconstitucionalidade como, ad esempia, o faz Juarez Freitas ao
observar que as sanções previstas na Constituição são principais, mas, o art. 37, § 4º,
remete à legislação infraconstitucional a repressão da improbidade administrativa em
traços não taxativos,4 e Cláudio Ari Mello que afasta qualquer inconstitucionalidade
das sanções estipuladas na Lei Federal 8429/1992, assinalando a inexistência de

3
MARTINS JUNIOR, Wallace Paiva. Probidade administrativa, pp. 370-371, n. 58.
4
FREITAS, Juarez. Do princípio da probidade administrativa e sua máxima efetivação. Revista de direito
administrativo, nº 204/73.

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restrição à liberdade de conformação da legislação ordinária para formulação de


casos específicos de improbidade administrativa, fixação de limites mínimos e
máximos para as sanções e a criação de novas reprimendas.5
Adicione-se que a Constituição Federal nos incisos XLV e XLVI do art. 5º
traça as sanções constitucionalmente admissíveis contra o ato ilícito, e no inciso
XLVII do mesmo preceito, as inadmissíveis. A barreira ao legislador
infraconstitucional só seria imponível às sanções constitucionalmente inadmissíveis
e, por isso, os incisos XLV e XLVI do art. 5º aplicam-se a ilícitos de qualquer
natureza. Deste modo, a definição de sanções civis, administrativas, tributárias etc.
contra o ato ilícito são outorgadas à competência da legislação infraconstitucional,
que deve adotá-las dentre as constitucionalmente admissíveis. No exercício da
outorga constitucional deferida à legislação, esta, na repressão da improbidade
administrativa, tinha a prerrogativa de estabelecer as sanções admissíveis
constitucionalmente contra o ato ilícito e não poderia se furtar à imposição das
sanções previstas no art. 37, § 4º, da Constituição Federal, que constituem o mínimo
repressivo indicado.
O art. 37, § 4º, da Carta Magna, ao preceituar a repressão civil à
improbidade administrativa, aliás, remete à conformação normativa
infraconstitucional a disciplina da forma e da gradação das sanções.

2.1. Classificação das sanções civis

As sanções discriminadas no art. 12 da Lei n. 8.429/92 são as seguintes: (a) perda


de bens; (b) perda da função pública; (c) suspensão temporária dos direitos políticos; (d)
pagamento de multa civil; (e) ressarcimento do dano; (f) proibição de contratação com o
Poder Público ou de recebimento de benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios. A lei
adotou compreensão ampla de sanção, pois, ressarcimento do dano não é tecnicamente
sanção concebida em sentido estrito como punição, senão obrigação ou efeito ou
consequência da prática de ilícito.

5
MELLO, Cláudio Ari. Improbidade administrativa - considerações sobre a Lei nº 8.429/92. Cadernos de
direito constitucional e ciência política, nº 11/57.

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Elas podem ser classificadas de acordo com sua natureza em sanções punitivas
e reparatórias. As reparatórias consistem (a) no ressarcimento do dano e (b) na perda de
bens. As punitivas subdividem-se em (a) restritivas de direitos (suspensão temporária de
direitos políticos; proibição temporária de contratação com a Administração Pública ou
de recebimento de benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios), (b) pecuniárias
(pagamento de multa civil), e (c) extintivas de situações jurídicas (perda da função
pública).
Sob enfoque distinto, Silvio Antonio Marques anota que a Lei 8.429/1992
contém no art. 12 obrigações civis (ressarcimento do dano e perda de bens ou valores) e
sanções de privação ou interdição temporária de direitos (perda da função pública,
suspensão de direitos políticos, pagamento de multa civil, proibição de contratação com
o Poder Público ou de recebimento de benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios).6

2.2. Prescritibilidade e imprescritibilidade

Regra no direito nacional é a prescritibilidade da perspectiva sancionatória em


obséquio à segurança jurídica. A imprescritibilidade é exceção que corre por conta de
expressas ressalvas na Constituição.
Por essa razão, o art. 23 da Lei 8.429/1992 estabelece prazos prescricionais
relativamente às sanções civis contra a improbidade administrativa.
Eles são divididos tecnicamente à vista da natureza permanente ou efêmera do
vínculo do agente público nos incisos I e II do mencionado art. 23 que, com o advento da
Lei 13.019/2014, foi acrescentado do inciso III com disposição própria a particulares
fomentados pelo Poder Público.
No primeiro caso, a prescrição das sanções para os ocupantes de mandatos
eletivos, cargos de provimento em comissão e funções de confiança é de 05 anos a partir
do término da investidura.
No segundo caso, cuida-se da prescrição referente aos agentes públicos
investidos em cargos ou empregos públicos, situação na qual o prazo será idêntico ao

6
MARQUES, Silvio Antonio. Improbidade administrativa: ação civil e cooperação jurídica internacional,
p. 131.

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previsto em lei específica para faltas disciplinares puníveis com demissão a bem do
serviço público, nos casos de exercício de cargo efetivo ou emprego. É a lei específica,
de cada âmbito federativo, que fornecerá o lapso prescricional.
No terceiro caso, o prazo também é de 05 anos a partir da data de apresentação
à Administração Pública da prestação de contas final pelas entidades referidas no
parágrafo único do art. 1º da Lei da Improbidade Administrativa, isto é, de entidade que
receba subvenção, benefício ou incentivo, fiscal ou creditício, de órgão público bem como
daquelas para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com menos de
50% do patrimônio ou da receita anual.
Algumas situações particulares não foram evidenciadas pela Lei n. 8.429/92. São
exemplos dessa constatação a omissão de regras próprias para a prescrição de atos de
improbidade administrativa relativamente a servidores temporários, agentes públicos
civis especiais ou honoríficos, e particulares beneficiários ou partícipes do ato de
improbidade administrativa, bem como não trata de situações singulares como a de
servidor titular de cargo de provimento efetivo investido em cargo comissionado e da
reeleição de agentes políticos.
Os servidores temporários, contratados com base no art. 37, IX, da Constituição
Federal (contrato temporário), e os agentes públicos civis especiais (ou agentes
honoríficos), não se submetem ao prazo prescricional do inciso II do art. 23, que é
específico dos titulares de cargo ou emprego público, ou seja, de posições permanentes
na organização do poder. A lacuna deve ser suprida pela adoção do prazo quinquenal
previsto no inciso I do art. 23 em virtude da identidade da natureza do vínculo com o
Estado, precário e transitório, que os assemelha aos agentes públicos políticos eletivos ou
comissionados ou aos servidores ocupantes de cargos de provimento em comissão. 7
Na hipótese de designação ou nomeação de servidor público titular de cargo de
provimento efetivo para o exercício de cargo de provimento em comissão, o prazo
prescricional parametriza-se pelo inciso I do art. 23, como enuncia decisão a timbrar que
“exercendo cumulativamente cargo efetivo e cargo comissionado, ao tempo do ato
reputado ímprobo, há de prevalecer o primeiro, para fins de contagem prescricional, pelo

7
MARTINS JUNIOR, Wallace Paiva. Probidade administrativa, pp. 381-382, n. 60.

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simples fato de o vínculo entre agente e Administração pública não cessar com a
exoneração do cargo em comissão, por ser temporário”.8
E “no caso específico de mandato eletivo, consoante exegese do art. 23, I, da Lei
8.429/1992, na hipótese de reeleição do agente político, o prazo prescricional para a ação
de improbidade administrativa começa a fluir após o término ou cessação do segundo
mandato, pois, embora distinto do primeiro, há uma continuidade do exercício da função
pública, com a permanência do vínculo existente entre o agente e o ente político, uma vez
que a lei não exige o afastamento do cargo para a disputa de novo pleito eleitoral”.9
Em relação a pessoas físicas ou jurídicas beneficiárias ou partícipes do ato de
improbidade administrativa, referidas no art. 3º da Lei 8.429/1992, entende-se adequada
a extensão das regras de seu art. 23.10 Decisão estampa que “aos particulares, réus na ação
de improbidade administrativa, aplica-se a mesma sistemática atribuída aos agentes
públicos para fins de fixação do termo inicial da prescrição”.11
Também a lei não oferece soluções para as causas de suspensão ou de
interrupção da prescrição, o que conduz ao esforço interpretativo. Sérgio Turra Sobrane
sugere, com propriedade, a incidência do art. 200 do Código Civil preceituando que
“quando a ação se originar de fato que deva ser apurado no juízo criminal, não correrá a
prescrição antes da respectiva sentença definitiva”, bem como as causas de interrupção
do Código Civil e do Código de Processo Civil.12 Além delas, devem incidir, no caso do
inciso II do art. 23 da Lei da Improbidade Administrativa, as causas de suspensão e
interrupção da responsabilidade disciplinar, já que há remissão ao instituto da prescrição
no âmbito administrativo relativamente aos agentes públicos permanentes.
Em relação aos agentes públicos que têm vínculo permanente – agentes políticos
vitalícios (magistrados e membros do Ministério Público e do Tribunal de Contas),
servidores públicos stricto sensu (investidos em cargos públicos de provimento efetivo)
e empregados públicos (investidos em empregos públicos) – a baliza da prescrição é a

8
STJ, REsp 1.060.529-MG, 2ª Turma, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, 08-09-2009, v.u., DJe 18-09-
2009.
9
STJ, AgRg-REsp 1.510.969-SP, 1ª Turma, Rel. Min. Regina Helena Costa, 27-10-2015, v.u., DJe 11-11-
2015.
10
MARTINS JUNIOR, Wallace Paiva. Probidade administrativa, p. 384, n. 60.
11
STJ, AgRg-AREsp 161.126-SP, 2ª Turma, Rel. Min. Assusete Magalhães, 02-06-2016, v.u., DJ 13-06-
2016.
12
SOBRANE, Sérgio Turra. Improbidade administrativa: aspectos materiais, dimensão difusa e coisa
julgada, pp. 187-193.

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remissão à prescrição da sanção disciplinar prevista em lei específica para as hipóteses de


demissão.
Como os empregados públicos estão sujeitos à CLT (Consolidação das Leis do
Trabalho) e não ao estatuto, e aquela não prevê prescrição, é razoável dispensar-lhe, por
analogia, o prazo prescricional do art. 23, I, da Lei 8.429/1992.13
Por fim, somente prescrevem as sanções, não a obrigação de reparação do dano
e nem as penalidades objetivam a reparação do dano material e moral (perda dos bens
ilicitamente acrescidos e pagamento de multa civil). O ressarcimento do dano é
imprescritível por força de expressa ressalva constante no § 5º do art. 37 da Constituição
de 1988. Como a norma constitucional não distingue é razoável concluir que a
imprescritibilidade alcança a reparação e punição de danos materiais e morais.

2.3. Irrelevância de prejuízo patrimonial ou locupletamento ilícito

A responsabilidade civil por ato de improbidade administrativa arquitetada na


Lei 8.429/1992 independe da efetiva ocorrência de dano ao patrimônio público, salvo,
evidentemente, quanto ao respectivo ressarcimento. É o que se anuncia no inciso I do art.
21 que “tem como finalidade ampliar o espectro objetivo de incidência da Lei de
Improbidade Administrativa para abarcar atos alegadamente ímprobos que, por algum
motivo alheio à vontade dos agentes, não cheguem a consumar lesão aos bens jurídicos
tutelados – o que, na esfera penal, equivaleria à punição pela tentativa”.14 O preceito
“autoriza a aplicação da norma sancionadora prevista nas hipóteses de lesão à moralidade
administrativa”. 15
A norma, cujo caráter expletivo é manifesto, robustece a noção conceitual da
improbidade administrativa como comportamento que viola não somente valores
patrimoniais, mas, sobretudo, a moralidade administrativa em si mesma considerada.
Assim sendo, e fiel à concepção das três espécies de improbidade descritas nos arts. 9º,
10 e 11 da Lei 8.429/1992 é imperioso gizar que sua caracterização notadamente no

13
MARTINS JUNIOR, Wallace Paiva. Probidade administrativa, p. 384, n. 60.
14
STJ, REsp 1.014.161-SC, 2ª Turma, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, 17-08-2010, v.u., DJe 20-09-
2010.
15
STJ, REsp 711.732-SP, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, 28-03-2006, v.u., DJ 10-04-2006, p. 139.

13
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DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

enriquecimento ilícito de agentes públicos no exercício de função pública (art. 9º) e no


atentado aos princípios da administração pública (art. 11) prescinde de resultado material
negativa no patrimônio público, salvo quando uma de suas figuras exija em sentido
contrário.
Essa constatação é corroborada, aliás, pela atenta leitura dos incisos I e III do
art. 12 da Lei da Improbidade Administrativa que oferecem o ressarcimento do dano
como sanção (lato sensu) condicionada nas hipóteses de improbidade administrativa de
enriquecimento ilícito de agentes públicos no exercício de função pública (art. 9º) e
atentado aos princípios da administração pública (art. 11), às quais correspondem, quando
emprega as fórmulas normativas “quando houver” e “se houver”.

2.4. Eficácia temporal

A exequibilidade das sanções da Lei 8.429/1992 obedece às normas processuais


civis salvo a perda da função e a suspensão dos direitos políticos à vista de exceção
expressa. Com efeito, o caput do art. 20 estabelece que “a perda da função pública e a
suspensão dos direitos políticos só se efetivam com o trânsito em julgado da sentença
condenatória”. É assaz relevante anotar que a exequibilidade das sanções baliza-se pela
liturgia procedimental da Lei da Ação Civil Pública (Lei 7.347/1985), cuja regra referente
ao recebimento dos recursos é o efeito devolutivo apenas, e que prevalece por sua
especialidade em relação ao Código de Processo Civil. Mesmo assim, o juiz pode
conceder, excepcionalmente, eficácia suspensiva nos termos do art. 14 da citada lei.16
Outra abordagem proveitosa sobre a eficácia temporal das sanções da Lei
8.429/1992 respeita ao dimensionamento do impacto da Lei Complementar 135/2010 – a
denominada “Lei Ficha Limpa” – que alterou a Lei Complementar 64/1990 (Lei das
Inelegibilidades).
A Lei Ficha Limpa alterou o art. 1º, I, da Lei Complementar 64/1990, incluindo
a alínea l no art. 1º com a previsão de inelegibilidade decorrente de condenação por
improbidade administrativa.17 Os requisitos dessa causa de inelegibilidade (que é

16
STJ, REsp 1.523.385-PE, 2ª Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, 13-09-2016, v.u., DJe 07-10-2016.
17
Aos que forem condenados à suspensão dos direitos políticos, em decisão transitada em julgado ou
proferida por órgão judicial colegiado, por ato doloso de improbidade administrativa que importe lesão ao

14
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consequência da suspensão dos direitos) são: (a) improbidade administrativa na forma


dolosa que importe lesão ao patrimônio público e enriquecimento ilícito; (b) condenação
à suspensão dos direitos políticos (transitada em julgado ou recorrível, mas, decorrente
de julgamento colegiado). O prazo de inelegibilidade é de 08 anos.
Portanto, não é qualquer condenação por ato de improbidade administrativa que
implicará a inelegibilidade, somente aquela que reunir os requisitos normativos
cumulativamente. Assim estima a jurisprudência ao sublinhar que “não é qualquer
condenação por improbidade que obstará a elegibilidade, mas, tão somente, aquela
resultante de ato doloso de agente público que, cumulativamente, importe em
comprovado dano (prejuízo) ao erário e correspondente enriquecimento ilícito”.18
Se a construção legal é meritória por colmatar um sério vácuo no tocante à
exequibilidade da condenação por improbidade administrativa para fins de
inelegibilidade, não está imune de críticas porque desconsidera as diferentes espécies de
improbidade, excluindo figuras graves (art. 9º, II, III, IV, VI, XI e XII, da Lei 8.429/1992)
ou condenações à suspensão dos direitos políticos de isolados casos dos arts. 9º ou 10 e
do art. 11 da Lei 8.429/1992. Ademais, a improbidade dispensa, nos arts. 9º e 11, prejuízo
material. A legislação, portanto, está aquém do § 9º do art. 14 da Carta Magna.
E exibe ainda incoerência se cotejada a norma ao art. 1º, I, “j”, da Lei
Complementar 64/1990. Este dispositivo inclui a locução “conduta vedada aos agentes
públicos em campanhas eleitorais”, que remete ao art. 73 da Lei 9.504/1997, cujo § 7º se
conecta à Lei 8.429/1992 ao cunhar que “as condutas enumeradas no caput caracterizam,
ainda, atos de improbidade administrativa, a que se refere o art. 11, inciso I, da Lei nº
8.429, de 2 de junho de 1992, e sujeitam-se às disposições daquele diploma legal, em
especial às cominações do art. 12, inciso III”. Embora prevaleça a independência de
instâncias (art. 78 da Lei 9.504/1997 c.c. art. 12 da Lei 8.429/1992), ocorrendo qualquer
das condutas do rol do art. 73 da Lei 9.504/1997, sancionadas com cassação do registro
ou do diploma pela jurisdição eleitoral (art. 73, § 5º), haverá inelegibilidade fundada em
improbidade administrativa da espécie atentado aos princípios da administração pública
(art. 73, § 7º, da Lei 9.504/1997 c.c. arts. 11 e 12, III, da Lei 8.429/1992), que, todavia,

patrimônio público e enriquecimento ilícito, desde a condenação ou o trânsito em julgado até o transcurso
do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da pena.
18
STJ, MC 17.110-PE, 1ª Turma, Rel. Min. Benedito Gonçalves, 10-08-2010, m.v., DJe 20-09-2010.

15
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isoladamente considerada não é motivo de inelegibilidade à luz da alínea l do inciso I do


art. 1º da Lei Complementar 64/1990.
Aliás, o mesmo art. 1º, I, da Lei Complementar 64/1990 também experimentou
alteração na alínea “g” que trata da hipótese de rejeição da prestação de contas por
irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa. Neste
caso, compete à Justiça Eleitoral definir se acoimam a rejeição da prestação de contas
irregularidades insanáveis e, ainda, se elas consistem em ato doloso de improbidade
administrativa, de modo que a rigidez da alínea l pode ser superada.
Inelegibilidade não é penalidade; é consequência de pena. Daí porque tratando o
art. 20 da Lei de Improbidade Administrativa da eficácia da sanção restritiva de direitos
(consistente na suspensão temporária de direitos políticos, decorrente da condenação por
improbidade administrativa), cujo termo a quo é a partir do trânsito em julgado, não se
incompatibiliza com a inelegibilidade inscrita no art. 1º, I, l, da Lei Complementar
64/1990 na redação dada pela Lei Complementar 135/2010, que antecipa os efeitos da
decisão recorrível para fins de negação à elegibilidade. Convém observar, no ponto, que
isso não é incompatível com a Constituição de 1988; ao contrário, concilia-se com o texto
constitucional cujo § 9º do art. 14 inscreve como requisitos de elegibilidade a moralidade
para o exercício do mandato e a vida pregressa do candidato, como destacou o Supremo
Tribunal Federal.19

2.5. Dimensão subjetiva

No aspecto subjetivo as sanções delineadas no art. 12 são aplicáveis aos agentes


públicos e, por força do art. 3º da própria Lei 8.429/1992, aos particulares, pessoas físicas
ou jurídicas, que sejam partícipes ou beneficiárias (diretas ou indiretas) do ato de
improbidade administrativa, desde que tenham obrado com dolo ou culpa (esta, na espécie
do art. 10).
É deveras importante frisar que estão sujeitos à incidência da Lei 8.429/1992
pessoas físicas e jurídicas, agentes públicos ou não, despossuída de qualquer sentido

19
STF, ADI 4.578-AC, ADC 29-DF, ADC 30-DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Luiz Fux, 16-02-2012, m.v.,
DJe 29-06-2012.

16
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interpretação restritiva a sublinhar que a Lei da Improbidade Administrativa somente se


aplica a agentes públicos.
O art. 2º fornece amplo conceito de agente público abrangendo todo aquele que
exerce lato sensu função pública em cargo, função (stricto sensu) ou emprego público e
mandato mediante eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma
de investidura ou vínculo. Portanto, abrange agentes políticos (vitalícios ou eletivos),
servidores e empregados públicos, agentes honoríficos, contratados temporários etc.
Por sua vez, o art. 3º estende a responsabilidade por improbidade administrativa
àqueles que não sendo agentes públicos sejam partícipes ou coautores do ato por indução
ou concurso ou, ainda, dele sejam beneficiários diretos ou indiretos. A tais pessoas, físicas
ou jurídicas, serão aplicáveis as sanções legais que não sejam privativas de agentes
públicos (perda da função pública, v.g.), e se pessoas jurídicas as que não sejam peculiares
a pessoas naturais (suspensão dos direitos políticos, v.g.).
O art. 8º da Lei 8.429/1992 institui a regra da transmissibilidade das sanções ao
enunciar que “o sucessor daquele que causar lesão ao patrimônio público ou se enriquecer
ilicitamente está sujeito às cominações desta lei até o limite do valor da herança”.
Respeitados os entendimentos doutrinários e pretorianos em sentido contrário, o preceito
em tela merece interpretação restritiva. A transmissibilidade é condicionada às forças da
herança e é pertinente ao perdimento de bens ou valores ilicitamente adicionados e ao
ressarcimento do dano, e não às demais sanções de caráter punitivo e que, por isso, são
pessoais e intransmissíveis ao sucessor,20 o que é corroborado por uma leitura sistêmica
do ordenamento jurídico, notadamente o art. 5º, XLV, da Constituição de 1988, e o art.
943 do Código Civil.
Afigura-se proveitoso discorrer nesta oportunidade sobre as relações entre as
Leis 8.429/1992 e 12.846/2013. Não há como vingar tese que infira a exclusividade da
Lei Anticorrupção Empresarial (Lei 12.846/2013) para punição de pessoa jurídica,
supondo equivocadamente a inaplicabilidade da Lei da Improbidade Administrativa às
pessoas jurídicas. A Lei 8.429/1992 não contém qualquer ressalva ou distinção no aspecto
subjetivo. A responsabilidade civil subjetiva de pessoa jurídica de direito privado por
improbidade administrativa não constitui novidade. Antes do advento da Lei

20
MARTINS JUNIOR, Wallace Paiva. Probidade administrativa, p. 325, n. 45.

17
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12.846/2013, ela poderia ser responsabilizada civil e subjetivamente por improbidade


administrativa na qualidade de beneficiária ou partícipe (art. 3º da Lei 8.429/1992), em
conjunto ou não com sócios, administradores e empregados, sujeitando-se à imposição,
para além do ressarcimento do dano ao erário, das sanções de perda de bens, multa civil
e proibição de contratação com o Poder Público ou de recebimento de benefícios ou
incentivos fiscais ou creditícios. Como resumiu a jurisprudência, “o sujeito particular
submetido à lei que tutela a probidade administrativa, por sua vez, pode ser pessoa física
ou jurídica. Com relação a esta última somente se afiguram incompatíveis as sanções de
perda da função pública e suspensão dos direitos políticos”.21
Ademais, a Lei 12.846/2013 se aplica exclusivamente a pessoas jurídicas pela
prática de atos lesivos à Administração Pública por particulares (art. 5º), sujeitas a sanções
administrativas e judiciais baseada em responsabilidade objetiva (arts. 2º, 6º e 19),
enquanto a Lei 8.429/1992 incide em relação a agentes públicos e beneficiários ou
partícipes pessoas físicas ou jurídicas (arts. 2º e 3º), sujeitando-as a sanções judiciais,
fundada em responsabilidade subjetiva por atos de improbidade administrativa (arts. 9º a
12) baseados em ação ou omissão de agentes públicos em proveito próprio ou de terceiros,
inclusive pessoas jurídicas de direito privado.
Enquanto a Lei 8.429/1992 pune ações ou omissões praticadas por agentes
públicos em consórcio ou não com particulares, a Lei 12.846/2013 objetiva a punição de
ilícitos praticados por particulares contra a Administração Pública. Em outras palavras, a
responsabilidade civil pela prática de improbidade administrativa é subjetiva e se
sedimenta em ação ou omissão de agente público que implique enriquecimento ilícito no
exercício de função pública, prejuízo ao patrimônio público (em que ocorre
enriquecimento ilícito de particular), ou atentado aos princípios da administração pública,
ao passo que a responsabilidade civil de pessoa jurídica de direito privado pela prática de
atos lesivos à Administração Pública é objetiva, e não pressupõe necessariamente ação
ou omissão de agente público, pois, se configura pela prática de comportamento ilícito de
particulares sem a participação danosa de agentes públicos em detrimento do Poder
Público.

21
STJ, REsp 1.038.762-RJ, 2ª Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, 18-08-2009, v.u., DJe 31-08-2009.

18
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Corroborando o exposto, assim decidiu o Superior Tribunal de Justiça ao


enunciar que “a conduta dos agentes públicos, que constitui o foco da LIA, pauta-se
especificamente pelos seus deveres funcionais e independe da responsabilização da
empresa que se beneficiou com a improbidade” e que “convém registrar que a recíproca
não é verdadeira, tendo em vista que os particulares não podem ser responsabilizados com
base na LIA sem que figure no polo passivo um agente público responsável pelo ato
questionado, o que não impede, contudo, o eventual ajuizamento de Ação Civil Pública
comum para obter o ressarcimento do Erário”.22
Logo, se não há ação ou omissão ímproba imputável a agente público, mas,
somente lesão ao patrimônio público ou aos princípios jurídico-administrativos, a
hipótese será de incidência da Lei Anticorrupção Empresarial, ao passo que havendo o
comportamento ímprobo de agente público ainda que em benefício de pessoa jurídica de
direito privado, a situação é de aplicação da Lei da Improbidade Administrativa.
Neste sentido, Mateus Bertoncini discorre que
“(...) os ilícitos da Lei 12.846 são cometidos isoladamente pela pessoa jurídica
em face da administração pública, ao passo que os atos de improbidade
administrativa são praticados pelo agente público contra a administração
estatal, direta ou indireta, possuindo o terceiro, dentre os quais a pessoa
jurídica, papel coadjuvante em relação à pessoa física do agente público,
induzindo, concorrendo ou se beneficiando do ato de improbidade
administrativa. Em outras palavras, não há ato de improbidade administrativa
sem a figura do agente público, diversamente dos atos lesivos da Lei sob
comento, praticados exclusivamente pela pessoa jurídica. A participação de
pessoas físicas nesses casos, servidor ou não, importará noutras formas de
responsabilização pessoal, na medida da sua culpabilidade, como se
demonstrará adiante. Disso se pode concluir que os atos lesivos da Lei
12.846/2013 não possuem natureza de ato de improbidade administrativa”.23
Essa opinião é comungada por Antonio Araldo Ferraz Dal Pozzo et alii ao
precisarem que

22
STJ, REsp 896.044-PA, 2ª Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, 16-09-2010, v.u., DJe 19-04-2011.
23
SANTOS, José Anacleto Abduch; BERTONCINI, Mateus; COSTÓDIO FILHO, Ubirajara. Comentários
à Lei 12.846/2013: Lei anticorrupção, p. 155.

19
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“(...) como não estamos diante de uma lei que cuida de ato de improbidade
administrativa, para cuja prática se exige um servidor público, mas diante de
atos lesivos à Administração Pública, que são praticados por particulares, a lei
cuida da matéria como sendo, praticamente, o reverso da medalha em relação
à Lei de Improbidade Administrativa: enquanto nesta, para ser alcançado, o
particular necessita que o agente público pratique um ato de improbidade para
o qual, no entanto, ele induz ou concorre (art. 3º da Lei de Improbidade
Administrativa), em caso de atos lesivos à Administração Pública deve haver
unicamente o comportamento do particular. A atuação conjunta do servidor
público sem dúvida desloca o fato para a Lei de Improbidade
Administrativa”.24
Segue-se daí a adequada exegese do art. 3º da Lei 12.846/2013 a excluir a
responsabilidade subjetiva de dirigentes e empregados de pessoa jurídica por atos lesivos
à Administração Pública pela Lei 8.429/1992.
O preceito enuncia a concorrência da responsabilidade das pessoas jurídicas e de
seus dirigentes, administradores, empregados e terceiros ao cunhar que “a
responsabilização da pessoa jurídica não exclui a responsabilidade individual de seus
dirigentes ou administradores ou de qualquer pessoa natural, autora, coautora ou partícipe
do ato ilícito”. Ele se harmoniza com o ordenamento vigente que não é infenso à
responsabilização da pessoa jurídica, como exemplificam o § 5º do art. 173 da
Constituição de 198825 e o art. 32 da Lei 12.529/2011,26 solidariamente ou não à pessoa
natural.
A independência dessa esfera de responsabilidade é reiterada no § 1º desse art.
3º da Lei 12.846/2013 ao estabelecer que “a pessoa jurídica será responsabilizada
independentemente da responsabilização individual das pessoas naturais referidas
no caput”. Todavia, a responsabilidade de dirigentes ou administradores é subjetiva,
como informa o § 2º do art. 3º da lei, ao condicioná-la à culpabilidade,27 de tal sorte que,

24
Antonio Araldo Ferraz Dal Pozzo, Augusto Neves Dal Pozzo, Beatriz Neves Dal Pozzo e Renan
Marcondes Facchinatto. Lei Anticorrupção: apontamentos sobre a Lei nº 12.846/2013, pp. 52-53.
25
“A lei, sem prejuízo da responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica, estabelecerá a
responsabilidade desta, sujeitando-a às punições compatíveis com sua natureza, nos atos praticados contra
a ordem econômica e financeira e contra a economia popular”.
26
“As diversas formas de infração da ordem econômica implicam a responsabilidade da empresa e a
responsabilidade individual de seus dirigentes ou administradores, solidariamente”.
27
“Os dirigentes ou administradores somente serão responsabilizados por atos ilícitos na medida da sua
culpabilidade”.

20
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na Lei 12.846/2013, percebe-se claramente a instituição de duas ordens distintas de


responsabilidade em função do critério da pessoa: a objetiva, das pessoas jurídicas; e a
subjetiva, de seus dirigentes ou administradores.
No entanto, a lei não indica as sanções das pessoas físicas, dirigentes, sócios,
administradores ou empregados. Esse vácuo autoriza a incidência da Lei 8.429/1992? Em
linha de princípio, a resposta é negativa por se tratar de diploma legal de natureza diversa
que pune agentes públicos e pessoas físicas ou jurídicas por atos de improbidade
administrativa, cujo esteio é ação ou omissão de agente público em proveito próprio ou
alheio. A responsabilidade aí deve ser apurada de acordo com outras normas civis,
comerciais, criminais, administrativas etc. De qualquer forma, a lacuna demonstra a
imperfeição da Lei 12.846/2013. Pois, a latere das sanções das sanções (administrativas
e civis) cominadas à pessoa jurídica alcançaria os objetivos por ela perseguidos o
delineamento de reprimendas a pessoas físicas que fossem dirigentes, sócios,
administradores ou empregados. Serve a tanto o recurso, a título de amostragem, à
responsabilidade dos diretores, membros de conselhos administrativos, fiscais e
semelhantes, e gerentes de instituições financeiras (Leis 4.595/1964 e 6.024/1974) ou a
Lei de Defesa da Concorrência (Lei 12.529/2011) que estatui responsabilidade solidária
entre pessoas jurídicas e seus administradores.
A derradeira questão que empolga a dimensão subjetiva da Lei 8.429/1992 é a
referente à sua aplicabilidade ou não aos agentes políticos. Não se anima com postura que
institui nicho de imunidade do poder no regime republicano nem que adorna o
impeachment como jurisdição excludente da responsabilidade dos agentes políticos à
vista da inexistência de cláusula constitucional nesse sentido. O Supremo Tribunal
Federal já definiu que “as condutas descritas na lei de improbidade administrativa, quando
imputadas a autoridades detentoras de prerrogativa de foro, não se convertem em crimes
de responsabilidade”,28 e que o regime de responsabilidade política não exclui o da Lei
8.429/1992.29 Há, no Superior Tribunal de Justiça, tendência afirmando que “excetuada

28
RTJ 211/225.
29
“MEDIDA CAUTELAR INOMINADA INCIDENTAL – IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
– AGENTE POLÍTICO – COMPORTAMENTO ALEGADAMENTE OCORRIDO NO EXERCÍCIO DE
MANDATO DE GOVERNADOR DE ESTADO – POSSIBILIDADE DE DUPLA SUJEIÇÃO TANTO
AO REGIME DE RESPONSABILIZAÇÃO POLÍTICA, MEDIANTE ‘IMPEACHMENT’ (LEI Nº
1.079/50), DESDE QUE AINDA TITULAR DE REFERIDO MANDATO ELETIVO, QUANTO À
DISCIPLINA NORMATIVA DA RESPONSABILIZAÇÃO CIVIL POR

21
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a hipótese de atos de improbidade praticados pelo Presidente da República (art. 85, V),
cujo julgamento se dá em regime especial pelo Senado Federal (art. 86), não há norma
constitucional alguma que imunize os agentes políticos, sujeitos a crime de
responsabilidade, de qualquer das sanções por ato de improbidade previstas no art. 37, §
4º. Seria incompatível com a Constituição eventual preceito normativo
infraconstitucional que impusesse imunidade dessa natureza”.30

2.6. Correlação das sanções com a espécie de ato de improbidade

Gira em torno dos arts. 9º, 10, 11 e 12 da Lei 8.429/1992 um sentido de


correlação temática entre a natureza do ato e a sanção. Com efeito, a sistemática adotada
na Lei da Improbidade Administrativa dedica blocos de sanções constantes dos incisos I,
II e III do art. 12 que são correspondentes a cada uma das espécies de atos de improbidade
administrativa arrolados nos arts. 9º, 10 e 11, respectivamente.
Anote-se, preliminarmente, que o ato de improbidade administrativa é
externamente considerado grave, mas a legislação, atendendo à gradação que o art. 37, §
4º, da Constituição confere à lei, estabelece diferenciados níveis de gravidade interna. O
que se contém nos incisos do art. 12, como outrora discorrido, é uma escala de gravidade
interna: “é lógico que o enriquecimento ilícito no exercício de funções públicas é o ato
mais grave, tanto que suas sanções são mais severas e agudas, enquanto os atos que
importam prejuízo financeiro ao patrimônio público estão num grau intermediário ou

IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA (LEI Nº 8.429/92) – EXTINÇÃO SUBSEQUENTE DO


MANDATO DE GOVERNADOR DE ESTADO – EXCLUSÃO DO REGIME FUNDADO NA LEI Nº
1.079/50 (ART. 76, PARÁGRAFO ÚNICO) – PLEITO QUE OBJETIVA EXTINGUIR PROCESSO
CIVIL DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA, EM RAZÃO DE, À ÉPOCA DOS FATOS, A
AUTORA OSTENTAR A QUALIDADE DE CHEFE DO PODER EXECUTIVO – LEGITIMIDADE,
CONTUDO, DE APLICAÇÃO, A EX-GOVERNADOR DE ESTADO, DO REGIME JURÍDICO
FUNDADO NA LEI Nº 8.429/92 – DOUTRINA – PRECEDENTES – REGIME DE PLENA
RESPONSABILIDADE DOS AGENTES ESTATAIS, INCLUSIVE DOS AGENTES
POLÍTICOS, COMO EXPRESSÃO NECESSÁRIA DO PRIMADO DA IDEIA REPUBLICANA – O
RESPEITO À MORALIDADE ADMINISTRATIVA COMO PRESSUPOSTO LEGITIMADOR DOS
ATOS GOVERNAMENTAIS – PRETENSÃO QUE, SE ACOLHIDA, TRANSGREDIRIA O DOGMA
REPUBLICANO DA RESPONSABILIZAÇÃO DOS AGENTES PÚBLICOS – DECISÃO QUE
NEGOU SEGUIMENTO À AÇÃO CAUTELAR – INTERPOSIÇÃO DE RECURSO DE AGRAVO –
PARECER DA PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA POR SEU IMPROVIMENTO –
RECURSO DE AGRAVO A QUE SE NEGA PROVIMENTO” (STF, AgR-AC 3.585-RS, 2ª Turma, Rel.
Min. Celso de Mello, 02-09-2014, v.u., DJe 28-10-2014).
30
STJ, Rcl 2.790-SC, Corte Especial, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, 02-12-2009, v.u., DJe 04-04-2011.

22
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DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

médio e os que atentam contra os princípios da administração pública têm menor grau de
gravidade”. 31
Silvio Antonio Marques comunga deste entendimento reverberando a coerência
do legislador “na definição qualitativa e quantitativa de cominações civis por ato ímprobo,
que variam conforme a gravidade das condutas, as quais foram divididas em três
modalidades que preveem tipos classificados em ordem decrescente de importância, na
visão do legislador. Os atos mais deletérios ao patrimônio e a outros interesses públicos
provocam as cominações mais severas, enquanto os menos graves legitimam
consequências jurídicas mais leves”.32
Logo, ao ato de improbidade da espécie enriquecimento ilícito (art. 9º) o juiz
deve aplicar as sanções do inciso I do art. 12 da Lei 8.429/1992; se, todavia, for o ato
subsumido ao art. 10, as do art. 12, II; e, se, por fim, nem um nem outro se configurar,
mas, ocorrer improbidade da espécie de atentado aos princípios da administração pública
o juiz deve adotar as reprimendas do art. 12, III.
Note-se que o art. 11 da Lei 8.429/1992 desempenha a função de norma residual:
se o ato não for classificado como enriquecimento ilícito ou prejuízo ao erário (arts. 9º e
10) e denotar improbidade nem por isso estará o agente isento de responsabilização,
conforme decide o Superior Tribunal de Justiça,33 conquanto seja de bom grado timbrar
que a improbidade administrativa não se caracteriza, para efeito do art. 11, em mera
irregularidade ou simples ilegalidade dissociada de desvio ético de conduta,
desonestidade, má fé.34

31
MARTINS JUNIOR, Wallace Paiva. Probidade administrativa, p. 327, n. 46.
32
MARQUES, Silvio Antonio. Improbidade administrativa: ação civil e cooperação jurídica
internacional, p. 129.
33
STJ, REsp 1.026.516-MT, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, 22-02-2011, v.u., DJe 07-04-2011; STJ, REsp
1.038.736-MG, 2ª Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, 04-05-2010, v.u., DJe 28-04-2011; STJ, REsp
884.083-PR, 1ª Turma, Rel. Min. José Delgado, 18-10-2007, m.v., DJe 16-04-2008.
34
“3. O entendimento majoritário desta Corte Superior é no sentido de que a configuração de ato de
improbidade administrativa exige, necessariamente, a presença do elemento subjetivo, inexistindo a
possibilidade da atribuição da responsabilidade objetiva na esfera da Lei 8.429/92” (STJ, REsp 875.425-
RJ, 1ª Turma, Rel. Min. Denise Arruda, 09-12-2008, v.u., DJe 11-02-2009).
“9. A exegese das regras insertas no art. 11 da Lei 8.429/92, considerada a gravidade das sanções e
restrições impostas ao agente público, deve se realizada cum granu salis, máxime porque uma interpretação
ampliativa poderá acoimar de ímprobas condutas meramente irregulares, suscetíveis de correção
administrativa, posto ausente a má-fé do administrador público, preservada a moralidade administrativa e,
a fortiori, ir além de que o legislador pretendeu” (STJ, REsp 797.671-MG, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux,
05-06-2008, v.u., DJe 16-06-2008).

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Não é lícito ao juiz combinar ou mesclar as penalidades em descompasso à


classificação de espécies de improbidade ou adotar outras não previstas em lei. Não há
possibilidade para fixação dos limites das sanções aquém ou além das balizas previstas
em lei nem para criação de outros parâmetros. Neste sentido, corretamente foi decidido
que “a sanção de suspensão de seus direitos políticos pelo prazo de 5 (cinco) anos, além
de perda da função e de proibição de contratar com o Poder Público, assim como receber
incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente pelo prazo de 5 (cinco) anos, é a
prevista no inciso II do artigo 12 da Lei de Improbidade Administrativa, sendo defeso
aplicar-se multa diversa da prevista nesse dispositivo legal, ante as correspondências que
a própria lei estabelece para as espécies de improbidade administrativa que define e
reprime”.35 Também já se cancelou “a imposição da pena consistente na ‘devolução em
dobro’ dos valores desviados não corresponde à nenhuma das espécies de sanções
previstas na Lei de Improbidade Administrativa (art. 12 e incisos)”.36
Como frisado, impera correlação entre a espécie de improbidade administrativa
e o bloco sancionador respectivo. Assim, por exemplo, se ocorrido enriquecimento ilícito
de agente público a sentença só pode aplicar as sanções do inciso I do art. 12, por sua
correspondência ao art. 9º. Contemplando cada uma dessas relações sanções fixas ou
variáveis em função do tempo e do valor a dosimetria deve esclarecer a quantidade ou
dimensão adotada dentro de cada um dos limites legais. Se, contudo, o ato praticado puder
ser classificado em mais de uma espécie de improbidade administrativa, haverá o
fenômeno da absorção, resolvendo-se pela espécie e consequente reprimenda de maior
gravidade.

2.7. Aplicação cumulativa ou alternativa

Apesar de a Constituição Federal no art. 37, § 4º, ser impositiva ao determinar


que aos atos de improbidade administrativa – sem distinção entre suas espécies – se
aplicarem as sanções respectivas (o que indica sua natural cumulatividade), a Lei
12.120/2009 alterou o caput do art. 12 da Lei 8.429/1992 para explicitar que as sanções

35
STJ, REsp 365.087-PR, 1ª Turma, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, 17-11-2009, v.u., DJe 03-12-2009.
36
STJ, REsp 1.376.481-RN, 2ª Turma, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, 15-10-2015, v.u., DJe 22-10-
2015.

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são aplicadas cumulativamente ou não, balizada a opção, motivada37 pelo juiz, pelos
parâmetros legais de gravidade do fato, extensão do dano causado e proveito patrimonial
obtido pelo agente (art. 12 e parágrafo único, da Lei 8.429/1992).
Se o juiz opta pela aplicação cumulativa ou não das sanções deverá fazê-lo, em
qualquer caso, atendendo ao princípio da proporcionalidade (ou seja, da justa medida)
que demanda o exame de adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito
e interdita tanto o excesso quanto a insuficiência (ou falta), fundamentando as razões
pelas quais escolhe todas, algumas ou uma delas. Como já decidido, “a aplicação das
penalidades previstas na norma exige que o magistrado considere, no caso concreto, ‘a
extensão do dano causado, assim como o proveito patrimonial obtido pelo agente’
(conforme previsão expressa contida no parágrafo único do art. 12 da Lei 8.429/1992).
Assim, é necessária a análise da razoabilidade e proporcionalidade em relação à gravidade
do ato de improbidade e à cominação das penalidades, as quais podem ocorrer de maneira
cumulativa, embora não necessariamente”.38 Para esse fim, “o espectro sancionatório da
lei induz interpretação que deve conduzir à dosimetria relacionada à exemplariedade e à
correlação da sanção, critérios que compõem a razoabilidade da punição” sendo
“necessária a observância da lesividade e reprovabilidade da conduta do agente, do
elemento volitivo da conduta e da consecução do interesse público, para efetivar a
dosimetria da sanção por ato de improbidade, adequando-a a finalidade da norma”.39
O legislador infraconstitucional, em atenção ao mandado constante do § 4º do
art. 37 da Constituição de 1988 que se refere à forma e à gradação previstas em lei,
estabeleceu blocos de sanções de natureza idêntica para as três espécies de improbidade
administrativa, em que algumas são, todavia, variáveis em função do tempo e do valor de
acordo com a gravidade do ato.
Da mesma maneira como obtemperado em relação à aplicação cumulativa ou
não das sanções típicas da Lei de Improbidade Administrativa, o juiz deve fundamentar,
em cada uma das escolhidas que admitem variação de tempo ou de valor, os patamares
máximos ou mínimos.

37
STJ, REsp 658.389-MG, 2ª Turma, Rel. Min. Eliana Calmon, 26-06-2007, v.u., DJ 03-08-2007, p. 327.
38
STJ, REsp 1.376.481-RN, 2ª Turma, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, 15-10-2015, v.u., DJe 22-10-
2015.
39
STJ, REsp 1.130.198-PR, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, 02-12-2010, v.u., Dje 15-12-2010.

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Cumpre salientar que, de acordo com o Superior Tribunal de Justiça, o


ressarcimento do dano, desde que ocorrida repercussão patrimonial negativa no erário,
não é sanção, mas, consequência da lesão econômico-financeira, de tal sorte que é dever
jurídico de restituição. Corolário é que “caracterizado o prejuízo ao erário, o
ressarcimento não pode ser considerado propriamente uma sanção, mas apenas
consequência imediata e necessária de reparação do ato ímprobo, razão pela qual não
pode figurar isoladamente como penalidade”.40 Por isso, configurada a improbidade
administrativa e pronunciada pelo juiz, (a) é inadmissível a isolada imposição desse dever
convindo a adição de outras sanções cumulativamente ou não,41 e (b) se o agente resgata
o dano nem por isso se elimina a imposição das sanções.42 Obviamente, se o juiz reputa
que não houve improbidade administrativa não lhe é dado aplicar qualquer das sanções,
mas, reconhecendo a ocorrência de dano, deve obrigar o responsável ao ressarcimento.
Como visto, não é possível repreender a improbidade exclusivamente pelo
ressarcimento do dano. Se houve condenação somente a isso, então não se caracterizou
improbidade (premissa que, aliás, vale para composição de lege ferenda). Não é dada a
banalização da repressão à improbidade como se verificam em expedientes tendentes à
imprecisão na tipificação do respectivo ato ou na compassiva aplicação de suas sanções,
reduzindo-se generalizadamente o poderoso arsenal repressivo a sanções pecuniárias.
Consectário é a inadmissibilidade, inclusive à luz da obrigatoriedade e da
indisponibilidade, de o Ministério Público requerer na petição inicial esta ou aquela
sanção.

3. SANÇÕES EM ESPÉCIE

O exame particularizado de cada uma das sanções típicas (ou próprias) da Lei
8.429/1992 revela que o diploma legal dedicou a cada uma das espécies de atos de
improbidade administrativa descritas nos arts. 9º, 10 e 11 blocos de sanções respectivas
nos incisos I, II e III do art. 12, e que compreendem a perda de bens, a perda da função

40
STJ, REsp 1.376.481-RN, 2ª Turma, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, 15-10-2015, v.u., DJe 22-10-
2015.
41
STJ, REsp 1.019.555-SP, 2ª Turma, Rel. Min. Castro Meira, 16-06-2009, v.u., DJe 29-06-2009.
42
STJ, REsp 1.009.204-MG, 2ª Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, 01-12-2009, v.u., DJe 17-12-2009.

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pública, a suspensão temporária dos direitos políticos, o pagamento de multa civil, o


ressarcimento do dano, e a proibição de contratação com o Poder Público ou de
recebimento de benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios. Como observado, é
impossível a fixação dos limites das sanções aquém ou além das balizas previstas em lei
nem para criação de outros parâmetros, pois, em matéria de sanções prevalece a reserva
de lei e a adstrição aos seus limites.
Nesse catálogo há sanções variáveis e fixas. As fixas são a perda de bens ou
valores ilicitamente acrescidos, a perda da função pública, o ressarcimento do dano. As
sanções de suspensão temporária dos direitos políticos, pagamento de multa civil, e
proibição de contratação com o Poder Público ou de recebimento de benefícios ou
incentivos fiscais ou creditícios, são variáveis, como revelam os incisos I a III do art. 12,
em função do período de restrição de direitos ou do valor da pena pecuniária. A doutrina
aponta que a variação sopesa a “potencialidade lesiva” de cada espécie de ato de
improbidade.43
A multa civil tem seu valor fixados em patamares máximo e mínimo e sua base
de cálculo depende da natureza da infração. Em se tratando de ato de improbidade
administrativa que substancia (a) enriquecimento ilícito, ela pode alcançar até 03 vezes o
valor do acréscimo patrimonial, (b) prejuízo ao erário, até 02 vezes o valor do dano, e (c)
atentado aos princípios da administração pública, até 100 vezes o valor da remuneração
percebida pelo agente.
A suspensão de direitos políticos é de (a) 08 a 10 anos na hipótese de
enriquecimento ilícito, (b) 05 a 08 anos no prejuízo ao erário, e (c) 03 a 05 anos no
atentado aos princípios da administração pública.
Por sua vez, a proibição de contratação com o Poder Público ou de recebimento
de benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios pode se estender até (a) 10 anos na
situação do art. 9º, (b) 05 anos na do art. 10, e (c) 03 anos na do art. 11.

3.1. Perda da função pública

43
SOBRANE, Sérgio Turra. Improbidade administrativa: aspectos materiais, dimensão difusa e coisa
julgada, p. 156.

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A penalidade de perda da função pública deve ser entendida em sentido amplo


alcançando todas as espécies de vínculo, funcional ou não, do agente público com a
Administração Pública. Assim expressa o próprio art. 2º da Lei da Improbidade
Administrativa que fornece conceito lato sensu de função pública, abrangente de relação
jurídica estabelecida com o Estado mediante mandato, cargo, função (em sentido estrito),
ou emprego público - independentemente de sua natureza vitalícia, política, efetiva,
estável, precária, comissionada, remunerada, gratuita etc. - decorrentes de qualquer
procedimento de investidura como eleição, nomeação, designação, contratação,
credenciamento, requisição etc. Somente o particular desvinculado da Administração
Pública, beneficiário ou partícipe do ato, escapa dessa penitência, como explicita a própria
lei no art. 3º.
Como já discorrido,44 sua finalidade é extirpar da Administração Pública aquele
que exibiu inidoneidade (ou inabilitação) moral e desvio ético para o exercício de função
pública, expandindo-se para qualquer função pública que exerça, mesmo se em nível de
governo diferente daquela executada quando praticado o ato ímprobo. Seria um evidente
bill of indenity alforriar o sujeito da perspectiva da perda da função pública somente
porque veio exercer função distinta daquela contemporânea aos fatos. O ordenamento
jurídico vigente colima a perda da função pública ao agente público ímprobo justamente
porque ele no exercício de cargo, emprego ou função pública, caracterizou-se como
portador de inabilitação moral para o seu desempenho. Essa inabilitação moral não é
restrita ao cargo que ocupava quando praticado o ato ímprobo, como se a mudança ou
alteração da investidura cessasse imediatamente a sua incapacidade; acompanha o agente
público porque ela é uma condição personalíssima, somente sendo abdicada a incidência
da sanção de que se cuida, se o agente público não tem mais nenhum vínculo com a
Administração Pública, de qualquer um dos níveis de governo ou de poderes.
Nesta linha, o Superior Tribunal de Justiça decidiu que “a sanção de perda da
função pública visa a extirpar da Administração Pública aquele que exibiu inidoneidade
(ou inabilitação) moral e desvio ético para o exercício da função pública, abrangendo
qualquer atividade que o agente esteja exercendo ao tempo da condenação irrecorrível”,45

44
MARTINS JUNIOR, Wallace Paiva. Probidade administrativa, pp. 363-364, n. 56.
45
STJ, REsp 924.439-RJ, 2ª Turma, Rel. Min. Eliana Calmon, 06-08-2009, v.u., DJe 19-08-2009.

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sendo “desinfluente o fato de exercer função pública distinta da de outrora” ou exercer


mais de uma função pública o agente público, como ponderam Emerson Garcia e Rogério
Pacheco Alves.46
Se inativo, a improbidade praticada na atividade era causa que impunha a
desvinculação compulsória, motivo pelo qual a sentença cassa-lhe a aposentação.47
Mesmo sendo vitalícios magistrados e membros do Ministério Público podem
ser processados por improbidade administrativa, admitida a imposição da perda da função
porque decorrente de decisão transitada em julgado em processo judicial.48 Em se tratando
de militares, a competência para o processamento e julgamento de ação civil pública por
ato de improbidade administrativa é da Justiça Comum, e não da Militar, e não há óbice
à perda da função pública. Neste sentido, explica a jurisprudência que
“(...) a jurisprudência do STF, que editou a Súmula 673, a demonstrar que a
parte final do art. 125, § 4º, da CF/1988 não impede a perda da graduação do
militar mediante procedimento administrativo. Assim consequentemente com
muito mais razão, não deve haver impedimento quanto à perda da patente ou
graduação resultar de condenação transitada em julgado na Justiça estadual
comum, em razão das garantias inerentes ao processo judicial. Tendo tudo isso
em conta, concluiu que a perda do posto, da patente ou da graduação dos
militares pode ser aplicada na Justiça estadual comum nos processos de sua
jurisdição sem afronta ao disposto no referido artigo da CF/1988”.49

46
GARCIA, Emerson; ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade administrativa, pp. 449-450.
47
O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo expressou que “a perda da função pública deve ser
compreendida em sentido amplo, alcançando as várias espécies de vínculo, funcional ou não, do agente
público com a Administração Pública, de modo a valer então, para o agente inativo, da seguinte maneira: a
improbidade praticada na atividade era causa que impunha a desvinculação compulsória, motivo pelo qual
a sentença anula a aposentação e aplica-lhe a perda da função pública” (TJSP, ACP 81.025-0/7-00, São
Paulo, Órgão Especial, Rel. Des. Palma Bisson, m.v., 29-07-2009). Nesse julgamento foi trazida à baila a
impossibilidade do decreto de cassação da aposentadoria em razão do caráter contributivo do sistema
previdenciário. Ora, assentado que a cassação da aposentadoria equivale à demissão e à perda da função
pública por motivo ocorrido na atividade, o caráter contributivo de benefício previdenciário não impede
sua incidência, reportando-se o julgado a pronunciamentos do Supremo Tribunal Federal (MS 23.219-9-
RS, Tribunal Pleno, Rel. Min. Eros Grau, 30-06-2005, DJ 19-08-2005).
48
STJ, REsp 1.298.092-SP, 1ª Turma, Rel. Min. Regina Helena Costa, 09-08-2016, v.u., DJe 15-09-2016;
STJ, REsp 1.191.613-MG, 1ª Turma, Rel. Min. Benedito Gonçalves, 19-03-2015, v.u., DJe 17-04-2015;
STJ, REsp 1.249.531-RN, 2ª Turma, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, 20-11-2012, v.u., DJe 05-12-
2012; STJ, REsp 1.169.762-RN, 2ª Turma, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, 10-08-2010, v.u., DJe 10-
09-2010.
49
STJ, CC 100.862-MG, 1ª Seção, Rel. Min. Castro Meira, 10-06-2009, v.u., DJe 18-06-2009.

29
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3.2. Perda de bens

O ato de improbidade administrativa de enriquecimento ilícito do agente implica


a perda dos respectivos bens ou valores dele oriundos porque o acréscimo não tem justa
causa. Trata-se de sanção de natureza ressarcitória inspirada por um componente
preponderantemente moral.50 Como expõe Eurico Ferraresi, “o agente público ou o
terceiro não perdem bens ou valores; apenas restituem o que ilicitamente tomaram do
Estado. Tecnicamente, a perda dos bens ou valores não tem natureza de sanção, mas de
restituição do que subtraído do patrimônio público”.51 Em verdade, bens ou valores foram
ilicitamente acrescidos ou porque desviados do patrimônio estatal ou porque foram
apropriados de particulares sem causa lícita por conta de função pública exercida.
Tais bens revertem à pessoa jurídica lesada (art. 18 da Lei 8.429/1992) e,
segundo a jurisprudência, “como bem posto por Emerson Garcia ‘é relevante observar ser
inadmissível que ao ímprobo sejam aplicadas unicamente as sanções de ressarcimento do
dano e de perda de bens, pois estas, em verdade, não são reprimendas, visando unicamente
à recomposição do status quo’ (Improbidade Administrativa. Editora Lumen Juris: Rio
de Janeiro, 2ª ed., 2004, p. 538)”.52 Bem por isso, é impositiva e compulsória sua
aplicação havendo enriquecimento ilícito.
A perda de bens se assenta sobre os requisitos do locupletamento de uma parte,
do empobrecimento de outra, da falta de justa causa e do nexo de causalidade. A perda só
tem lugar em razão da ilicitude ou da imoralidade do enriquecimento. O perdimento
alcança o objeto do enriquecimento ilícito, bem como seus frutos e produtos. Se os bens
são fungíveis (como o dinheiro) incide, se consumido, sobre o equivalente existente no
patrimônio do infrator (art. 884 e parágrafo único, Código Civil), como outrora
explicado.53

50
MARTINS JUNIOR, Wallace Paiva. Probidade administrativa, pp. 346-349, n. 53.
51
FERRARESI, Eurico. Improbidade administrativa: Lei 8.429/92 comentada, p. 139.
52
STJ, REsp 1.019.955-SP, 2ª Turma, Rel. Min. Castro Meira, 16-06-2009, v.u., DJe 29-06-2009.
53
MARTINS JUNIOR, Wallace Paiva. Probidade administrativa, pp. 346-349, n. 53.

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A Constituição Federal admite a perda de bens como penalidade, sujeita ao


devido processo legal (art. 5º, XLV, XLVI e LIV), e que não se confunde com o
confisco.54 Não há como sustentar seu descabimento por falta de previsão constitucional:
“(...) se o constituinte a previu como consequência da prática da improbidade
foi, precisamente, no intuito de se impor ao autor da ilicitude a perda de tais
bens, ou seja, como antecedente lógico e necessário do perdimento, como
remédio predisposto a restauração da integridade do erário”,55 já que “o
sequestro e o perdimento de bens têm origem constitucional (art. 5º, XLV,
XLVI, alínea b; e art. 37, § 4º, da Constituição Federal)”.56
A perda de bens incide sobre o proveito, direta ou indiretamente, positiva ou
negativamente, acrescido ao patrimônio. Será obrigatória nos casos de enriquecimento
ilícito (arts. 6º, 9º e 12, I), mesmo que a vantagem indevida tenha sido obtida por prestação
negativa, circunstância que autoriza a desapropriação do importe equivalente constante
do patrimônio do réu pela verificação do que efetivamente poupou com a obtenção da
vantagem. Nos casos de prejuízo ao erário (art. 10), é condicionada a existência dessa
circunstância (art. 12, II), admitindo-se a cumulação, como se dá nas hipóteses dos art.
9º, IV e XII, e art. 10, XII e XIII, pois, de um lado haverá a perda do proveito acrescido
e, de outro, o ressarcimento do gasto injusto suportado pelos cofres públicos para que
aquele proveito ocorresse. A mesma cumulação ocorre nas hipóteses previstas no art. 9º,
II a IV, e no art. 10, II, IV e V. Aplica-se ao agente público, aos terceiros beneficiários,
partícipes e aos seus sucessores nos termos do art. 8º da lei.
Em muitos casos, será o beneficiário que deverá perder em favor do erário os
bens ou valores ilicitamente acrescidos quando o agente público facilita para que ele
enriqueça ilicitamente mediante, por exemplo, o uso de bens ou serviços públicos ou
mesmo o partícipe que, por simulação, adquiriu em seu nome bens produto do
enriquecimento ilícito de agente público. Por isso, ela pune o enriquecimento direto do
agente público ou indireto, quando este usa terceiros. O art. 6º revela que o
enriquecimento ilícito provocará a perda dos bens ou valores acrescidos ao patrimônio do

54
MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Comentários à Constituição de 1967, t. V, pp. 196-200;
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Comentários à Constituição brasileira, pp. 602-603; MELLO
FILHO, José Celso de. Constituição Federal anotada, pp. 444-445.
55
PAZZAGLINI FILHO, Marino; ROSA, Márcio Fernando Elias; FAZZIO JÚNIOR, Waldo.
Improbidade administrativa, pp. 133-134.
56
ARAÚJO, Edmir Netto de. O ilícito administrativo e seu processo, pp. 231-232.

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agente público, partícipe ou do terceiro beneficiário, demonstrando que estes últimos


estão sujeitos a essa sanção e, não somente, o agente público.
Esta disposição geral do art. 6º liga-se às sanções previstas no art. 12, I e II, da
Lei 8429/1992, explicitando o seu alcance, sendo complementada pela regra do art. 18,
que indica o destinatário de sua eficácia. O perdimento, que atinge bens e valores, é
sanção e não efeito da condenação, como ocorre na instância criminal.

3.3. Suspensão temporária dos direitos políticos

As pessoas físicas, agentes públicos ou particulares beneficiários ou partícipes


de atos de atos de improbidade administrativa estão sujeitas à suspensão temporária dos
direitos políticos. Sua previsão se encontra, para além do § 4º do art. 37 da Constituição
de 1988, no inciso V do art. 15 da Carta Magna.57
A penalidade visa a subtrair a capacidade cívica do cidadão, impedindo disputa
e investidura em mandato eletivo porque tolhe a elegibilidade, a assunção de qualquer
outra função pública (cargo ou emprego público, de natureza efetiva, comissionada ou
vitalícia; função honorífica), e o direito de promoção de ação popular.
Constitui restrição de direitos, substanciando a inabilitação temporária para o
exercício de função pública. Se o agente público encerrou sua investidura definitiva ou
temporária, não se escoima dessa inabilitação projetada para o futuro. Outrossim, se o
agente ainda exerce o posto, ou é detentor de outro em acumulação, a suspensão
temporária dos direitos políticos tem o efeito de gerar a perda da função pública, pois, o
inabilita para o exercício de qualquer função pública. A cidadania, não é ocioso
obtemperar, é condição de acesso a cargos, funções ou empregos públicos, bem como de
sua permanência. Neste sentido, a literatura pondera que se a suspensão dos direitos
políticos for aplicada a ato anterior e o agente estiver exercendo outra função pública
durante sua execução, ela “produz o seu afastamento do cargo, tenha ou não sido ele
condenado à pena de perda da função pública” porquanto fulmina seus direitos políticos
que compreendem o jus suffragi, o jus honorum, o jus ad officium e o jus in officio, isto

57
MARTINS JUNIOR, Wallace Paiva. Probidade administrativa, pp. 369-370, n. 57.

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é, os direitos de votar e ser votado, de ocupar cargos, funções ou empregos públicos e o


de neles permanecer.58
Essa sanção é variável conforme a espécie de improbidade administrativa
praticada, como revelam os incisos I a III do art. 12, tendo o juiz arbítrio para fixação do
mínimo e do máximo legais previstos, considerando o disposto no parágrafo único do art.
12. Entretanto, não tem o julgador liberdade total, pois, acentua Fábio Medina Osório,
que a regra “é a imposição da sanção nos limites mínimo e máximo previstos pelo
legislador”.59
A finalidade da suspensão dos direitos políticos, punitiva da inabilitação moral
do sujeito, é suprimir por prazo certo o gozo dos direitos políticos, evitando que mantenha
ou adquira outra ou nova função pública, pois o ato praticado revela sua inabilitação ética
para tanto.
A sanção é exequível desde o trânsito em julgado da condenação (art. 20 da Lei
8.429/1992). Ela, como visto, poderá gerar inelegibilidade nos termos do art. 1º, I, l, da
Lei Complementar 64/1990, desde que oriunda de decisão irrecorrível ou recorrível
proferida por órgão judicial colegiado por enriquecimento ilícito e lesão ao patrimônio
público dolosos, incidente desde a publicação da decisão.

3.4. Pagamento de multa civil

A multa civil representa uma sanção pecuniária contra o dano moral60


experimentado pela Administração Pública. Neste sentido, Juarez Freitas explica que a
multa civil, potencialmente de elevada monta, reúne forças mais do que razoáveis para
assumir o lugar deste ressarcimento por dano moral.61 A doutrina se divide em torno de
sua natureza jurídica: entende Eurico Ferraresi, fazendo coro a Sérgio Turra Sobrane,62

58
MARQUES, Silvio Antonio. Improbidade administrativa: ação civil e cooperação jurídica
internacional, p. 135.
59
Fábio Medina Osório. Improbidade administrativa: observações sobre a Lei 8.429/92, p. 173.
60
MARTINS JUNIOR, Wallace Paiva. Probidade administrativa, pp. 370-374, n. 58.
61
Juarez Freitas. O controle dos atos administrativos e os princípios fundamentais, p. 118.
62
SOBRANE, Sérgio Turra. Improbidade administrativa: aspectos materiais, dimensão difusa e coisa
julgada, pp. 160-161.

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que ela tem natureza sancionatória e não ressarcitória,63 enquanto Silvio Antonio Marques
a considera indenizatória.64
Não se deve olvidar que a tutela de interesses transindividuais abrange também
o dano moral, como esclarece a Lei 7.347/1985. Por isso, a multa civil é própria para
punição do dano moral pela prática de ato improbidade administrativa, cumulada ou não
com o ressarcimento de dano material.
Ela tem alíquota e base de cálculo variável, conforme a espécie de improbidade
administrativa praticada. Esta multa é receita extratributária da entidade interessada (art.
1º), fixada nos limites máximos e mínimos, segundo os critérios de dosimetria do
parágrafo único do art. 12, sendo revertida para o patrimônio da entidade interessada.65

3.5. Proibição de contratação com o Poder Público ou de recebimento de benefícios


ou incentivos fiscais ou creditícios

A proibição de contratação com o Poder Público e de recebimento de benefícios


ou incentivos fiscais ou creditícios consiste em suspensão temporária do exercício de
direitos por aqueles que praticaram ato de improbidade administrativa, impedindo que
possam negociar com a Administração Pública ou se beneficiar de fomento público.
A penalidade tem singular eficácia contra o particular beneficiário da
improbidade administrativa que não se alforria do dever de boa-fé em suas relações com
o Poder Público, sancionando aquele que demonstrou inidoneidade.
É uma sanção de prazo certo, fixado nos limites previstos variáveis, conforme a
espécie de improbidade administrativa (art. 12, I a III), sendo semelhante a que existe em
outros diplomas legais – por exemplo, o art. 86, III, da Lei 8.666/1993.
Essa suspensão é absoluta, irradiando-se para todo e qualquer nível de governo
(federal, estadual e municipal) e de administração (direta, indireta e fundacional). O
ressarcimento do dano não cessa sua eficácia. A vedação admite a forma indireta,
exemplificando a lei que se aplica ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual

63
FERRARESI, Eurico. Improbidade administrativa: Lei 8.429/92 comentada, p. 146.
64
MARQUES, Silvio Antonio. Improbidade administrativa: ação civil e cooperação jurídica
internacional, p. 136.
65
MARTINS JUNIOR, Wallace Paiva. Probidade administrativa, pp. 370-374, n. 58.

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seja sócio majoritário, de modo que é plenamente cabível nos casos de sucessão
societária, consórcios, sociedade em conta de participação etc. Embora seja aplicável à
pessoa jurídica também, nada impede sua incidência sobre seus sócios com o emprego da
teoria da desconsideração da personalidade jurídica. Assim como não se impede aplicação
da desconsideração inversa, tal como prevista no Código de Processo Civil (art. 133, §
2º) e cujos contornos foram fixados pela jurisprudência.66 Se na desconsideração se
alcança a pessoa física porque a pessoa jurídica é o artifício para a prática de ilícitos e não
tem bens para responder, na desconsideração inversa se atinge a pessoa jurídica porque a
prática de ilícitos é imputável ao administrador que é insolvente.
A sanção prevista no art. 12 da Lei 8.429/1992 aplica-se tanto a agentes públicos,
quanto a particulares e se projeta em qualquer nível administrativo (federal, estadual ou
municipal),67 mas, adverte a literatura, que, no tocante ao fomento público, veda somente
a outorga de benefícios e incentivos fiscais ou creditícios condicionados e especiais, e
não os gerais e incondicionados.68 No tocante à contratação com o Poder Público a lei
utiliza fórmula que inibe tanto a participação em qualquer modalidade de licitação quanto
o recurso a qualquer forma de contratação (ou convenção em sentido amplo).

3.6. Ressarcimento do dano

O ressarcimento do dano, já previsto no art. 5º da Lei da Improbidade


Administrativa, é preceito que se enraíza nas tradicionais disposições do sistema jurídico,

66
“III – A desconsideração inversa da personalidade jurídica caracteriza-se pelo afastamento da autonomia
patrimonial da sociedade, para, contrariamente do que ocorre na desconsideração da personalidade
propriamente dita, atingir o ente coletivo e seu patrimônio social, de modo a responsabilizar a pessoa
jurídica por obrigações do sócio controlador. IV – Considerando-se que a finalidade da disregard doctrine
é combater a utilização indevida do ente societário por seus sócios, o que pode ocorrer também nos casos
em que o sócio controlador esvazia o seu patrimônio pessoal e o integraliza na pessoa jurídica, conclui-se,
de uma interpretação teleológica do art. 50 do CC/02, ser possível a desconsideração inversa da
personalidade jurídica, de modo a atingir bens da sociedade em razão de dívidas contraídas pelo sócio
controlador, conquanto preenchidos os requisitos previstos na norma. V – A desconsideração da
personalidade jurídica configura-se como medida excepcional. Sua adoção somente é recomendada quando
forem atendidos os pressupostos específicos relacionados com a fraude ou abuso de direito estabelecidos
no art. 50 do CC/02. Somente se forem verificados os requisitos de sua incidência, poderá o juiz, no próprio
processo de execução, ‘levantar o véu’ da personalidade jurídica para que o ato de expropriação atinja os
bens da empresa” (STJ, REsp 948.117-MS, 3ª Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, 22-06-2010, v.u., DJe
03-08-2010, RT 901/169).
67
MARTINS JUNIOR, Wallace Paiva. Probidade administrativa, pp. 370-374, n. 58.
68
SOBRANE, Sérgio Turra. Improbidade administrativa: aspectos materiais, dimensão difusa e coisa
julgada, p. 164.

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consistindo na recomposição do patrimônio lesado. Como já acenado, não se trata


propriamente de sanção, mas, obrigação resultante da prática de ato ilícito.
Na Lei 8.429/1992, ela é de imposição obrigatória na hipótese de prejuízo ao
erário (art. 10), e condicionado à sua efetiva prova nas de enriquecimento ilícito e
atentado aos princípios da administração. De qualquer modo, se não houver dano
patrimonial nestas hipóteses, isso não descaracteriza a improbidade, como esclarece o art.
21, I.
Sob o ângulo subjetivo, ela alcança o agente público e terceiros particulares
beneficiários ou partícipes ex vi da cláusula do art. 3º da Lei 8.429/1992, em regime de
solidariedade. A obrigação é transmissível aos sucessores no limite das forças da herança
(art. 8º da Lei 8.429/1992).
Para tanto, é mister o concurso dos seguintes requisitos: ação ou omissão dolosa
ou culposa, repercussão financeira negativa (resultado) e nexo causal entre a ação ou
omissão e o resultado (inclusive nos casos de benefício indireto), ainda que a lesividade
possa ser presumida como ocorre nos casos do art. 10 da Lei 8.429/1992 a exemplo do
que se dá no art. 4º da Lei 4.716/1965 (Lei da Ação Popular).
O ressarcimento do dano deverá ser integral, ou seja, abrangerá tudo aquilo que
representa a expressão do dano, prendendo-se a noção de restitutio in integrum, impondo,
portanto, correção monetária, juros etc. O ressarcimento integral do dano é o corolário do
ato ilícito e é sanção imprescritível nos termos do art. 37, § 5º, da Constituição Federal.
A quantificação do dano não corresponde obrigatoriamente à totalidade de um dispêndio
público, podendo ser encontrada pela apuração da quantia correspondente à lesão e à
redução patrimonial experimentada.
O ressarcimento do dano visa à recomposição do prejuízo material
experimentado pela entidade lesada pelo ato de improbidade administrativa, e, por isso,
a ela reverte nos termos do art. 18 da Lei 8.429/1992 que prevalece sobre o art. 13 da Lei
7.347/1985 em virtude do critério da especialidade.
Suportam o ressarcimento do dano os bens do patrimônio do devedor –
presentes, pretéritos ou pósteros (art. 942, Código Civil; art. 789, Código de Processo
Civil).

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REFERÊNCIAS

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Revista dos Tribunais, 1994.
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POZZO, Beatriz Neves; FACCHINATTO, Renan Marcondes. Lei Anticorrupção:
apontamentos sobre a Lei nº 12.846/2013. 2. ed. São Paulo: Contracorrente, 2015.
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Comentários à Constituição brasileira.
5 ed. São Paulo: Saraiva, 1984.
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Rio de Janeiro: Forense, 2011.
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GARCIA, Emerson; ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade administrativa. 4.
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MELLO, Cláudio Ari. Improbidade administrativa - Considerações sobre a Lei
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MELLO FILHO, José Celso de. Constituição Federal anotada. 2 ed. São Paulo:
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MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Comentários à Constituição de
1967. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1987. Tomo V.
PAZZAGLINI FILHO, Marino; ROSA, Márcio Fernando Elias; FAZZIO
JÚNIOR, Waldo. Improbidade administrativa. 3. ed. São Paulo: Atlas, 1998.

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SANTOS, José Anacleto Abduch; BERTONCINI, Mateus; COSTÓDIO


FILHO, Ubirajara. Comentários à Lei 12.846/2013: Lei anticorrupção. 2. ed. São Paulo:
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TEIXEIRA, J. H. Meirelles. Curso de direito constitucional. Rio de Janeiro:
Forense Universitária, 1991.

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