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PUC/SP
Mestrado em Direito
SÃO PAULO
2014
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC/SP
Mestrado em Direito
SÃO PAULO
2014
Banca Examinadora
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DEDICATÓRIA
Aos meus pais, Joacy e Edileuza, por todo o amor, dedicação e pelas lições constantes de que
a harmonia e a união familiar são bens inestimáveis e devem ser perseguidos incessantemente.
Aos meus irmãos, Tiago e Joara, e cunhados, Gabriela e Kildere, pessoas excelentes, com
quem sei que posso contar sempre e cuja alegria e o companheirismo tornam a vida muito
mais segura e feliz.
Aos meus sobrinhos, nossas crianças, simplesmente por nos fazerem perceber o verdadeiro
sentido da vida: Kildere Filho, que chegou há pouco mais de um ano e abalou todas as
estruturas, nos presenteando com uma convivência indescritível, de pura felicidade; e Maria
Luiza, a princesa Malu, que ainda nem chegou e já desperta um sentimento tão grande quanto
inexplicável, capaz de emocionar a cada vez que imagino como será o seu rostinho.
À Ana Lúcia, pessoa mais linda que já conheci e com quem espero ter a graça de viver ao
lado pelo resto da vida.
AGRADECIMENTOS
Agradeço enormemente ao meu orientador, Professor Doutor Clóvis Beznos, pelo apoio,
paciência, disponibilidade e generosidade no acompanhamento da elaboração deste trabalho,
e, sobretudo, pelo exemplo de dedicação, não só pelo Direito, mas à ciência e à arte de
lecionar, a qual exerce com maestria.
À Professora Mestre Fernanda Barreto Miranda Daólio, pessoa que primeiro acreditou na
minha capacidade profissional e acadêmica em São Paulo, pelo inestimável incentivo, pelas
valiosas orientações sobre os caminhos a serem seguidos para a realização desta empreitada,
pelo exemplo de profissional dedicada e inteligente, bem como pela maneira respeitosa e
gentil com que sempre me tratou.
Agradeço aos colegas da Advocacia Waltenberg: David, Cristiana, André, Gerusa, Ana
Amélia, Humberto, Rafael, Patrícia, Elen, Angel, Mirian, Helenita, Ana Clara, Marcos e
Vinícius, por todo o apoio, incentivo, paciência e, principalmente, pela harmônica e grata
convivência diária, que mescla de forma inspiradora o profissionalismo e o bem-estar.
Aos colegas Waldemar Fernandes e Flávio Chaib, em Teresina, e Humberto Negrão, Bruno
Galvão, Marcos De Santis, Rafael Janiques e Jorge Henrique de Oliveira Souza, em São
Paulo, os quais, muito além de excelentes parceiros profissionais ou acadêmicos, dividiram
comigo ótimos momentos e outros não tão bons ao longo dessa jornada, sempre com
conselhos e lições de vida valiosos, mostrando-se, enfim, grandes amigos.
Agradecimentos sinceros também a todos os amigos que fiz durante a trajetória acadêmica até
aqui, em especial à Flávia Cammarosano, pela amizade, sensibilidade e solidariedade em
momentos delicados durante a elaboração deste trabalho.
Agradeço, por fim, à minha família, pelo apoio, compreensão, incentivo e por sempre
acreditarem.
RESUMO
The present paper aims, primarily, at investigating the repercussion on the incidence of the
principle of legality of neo-constitutionalism as a legal system established in order to support
the Democratic Rule of Law. Thus, in the first chapter, there is an attempt to demonstrate the
basics of the formation of the State, with emphasis on its instrumental character, its purpose
towards the achievement of the common good and its legal foundation in constitutionalism. In
the second chapter, the characterization of the legality in the face of the liberal state and the
welfare state was undertaken. In the third chapter, the authors demonstrated the evolution of
the Democratic Rule of Law as a political system, which counted on the legal basis of neo-
constitutionalism, highlighting the impact thereof for the new design and implementation of
the legality.
INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 09
CONCLUSÕES ................................................................................................................... 86
REFERÊNCIAS .................................................................................................................. 91
9
INTRODUÇÃO
O Estado pode ser conceituado como “ordem jurídica soberana que tem por fim o bem
comum de um povo situado em determinado território”1. Esta concepção atende aos
desideratos do presente trabalho, tendo em vista que, a despeito de sua simplicidade,
contempla os quatro elementos do Estado, dos quais dois serão fundamentais para o
desenvolvimento da ideia central pretendida. São eles o Estado como ordem jurídica e a
finalidade de atingir o bem comum.
A princípio, no entanto, cumpre destacar que o Estado surgiu da necessidade humana de
viver em comunidade. Com efeito, não restam dúvidas de que ao homem é mais proveitoso o
convívio em sociedade, como forma de tornar mais eficiente a defesa da integridade física e
dos bens de cada indivíduo. Isto é fato, independentemente da concepção adotada quanto ao
fundamento desta associação, se inerente à própria natureza humana (teoria naturalista) ou se
decorrente simplesmente de ato de escolha (teoria contratualista).
A propósito, vale discorrer, ainda que de forma sintética, sobre tais correntes. A
concepção naturalista sustenta que a propensão à vida em sociedade é uma característica
natural do homem, inerente mesmo à sua própria natureza, independentemente de suas
necessidades materiais. Conforme explica Dalmo de Abreu Dallari “assim, pois, não seriam as
necessidades materiais o motivo da vida em sociedade, havendo, independente dela, uma
disposição natural dos homens para a vida associativa.”2
Por outro lado, a teoria contratualista ressalta que a natureza humana levaria ao caos,
pois cada indivíduo, “temeroso de que outro venha a tomar-lhe os bens ou causar-lhe algum
mal, pois todos são capazes disto, [...] toma a iniciativa de agredir antes de ser agredido.”3 No
intuito de evitar a situação de desordem, os homens, num ato puramente racional, firmam o
contrato social, em que cada um cede uma parte de sua liberdade, em nome da estabilidade e
segurança para todos.
Dallari, sem adotar posicionamento firme a favor de qualquer das correntes, informa
haver uma predominância nos dias atuais pela aceitação da teoria naturalista, contudo, sem
excluir a importância do contratualismo, sob o fundamento de que, embora a associação seja
1
DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do estado, 20. ed., São Paulo: Saraiva, 2009, p. 119.
2
Ibidem, p. 10.
3
Ibidem, p. 13.
13
inerente à natureza humana, é inegável o papel da manifestação da vontade para que seja
viabilizada a convivência em sociedade.4
Com efeito, a teoria contratualista, sobretudo defendida por Jean Jacques Russeau, teve
importante papel na formação do Estado Moderno, primeiramente como impulso para o
surgimento das monarquias absolutas. Nesse sentido, anota Maria Sylvia Zanella Di Pietro:
4
Ibidem, p. 18-19.
5
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Discricionariedade administrativa na constituição de 1988. 3. ed. São
Paulo: Editora Atlas, 2012, p. 5.
6
“Russeau pregava que os homens, vivendo em um estado de natureza e diante da existência da lei do mais
forte, abdicavam, tacitamente, da ilimitada liberdade que tinham para viver em sociedade, sob a direção de um
poder que iria distribuir justiça, garantir a paz e punir os excessos de violência.” (GUERRA, Sérgio. Crise e
refundação do princípio da legalidade: a supremacia formal e axiológica da constituição federal de 1988. Revista
Interesse Público. Rio de Janeiro, n. 49, p. 89-112, 2008, p. 93).
7
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 30. ed., São Paulo: Malheiros,
2013, p. 48.
14
propósito de criar um ambiente seguro para a convivência entre os homens. Sobre o tema, são
elucidativas as palavras de Dallari:
É então que ocorre a alienação total de cada associado, com todos os seus
direitos a favor de toda a comunidade. Neste instante, o ato de associação
produz um corpo moral e coletivo, que é o Estado, enquanto mero executor
de decisões, sendo o soberano quando exercita um poder de decisão. O
soberano, portanto, continua a ser o conjunto das pessoas associadas, mesmo
depois de criado o Estado, sendo a soberania inalienável e indivisível.8
8
DALLARI, Dalmo de Abreu. Op. cit., p. 17.
9
O “Estado só atua para a realização do bem comum ou, em outras palavras, só age para o cumprimento do
interesse público” (MARTINS, Ricardo Marcondes. Função administrativa I. Revista Trimestral de Direito
Público. São Paulo, n. 41, p. 174-206, 2003a, p. 182). No mesmo sentido, cite-se Juan Carlos Cassagne: “(...)
configura por certo outro requisito essencial do ato administrativo que se relaciona, como bem se há dito, com o
aspecto representado no fim de interesse público ou bem comum, que por ele mesmo persegue”, (Apud
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Interesse público: verdades e sofismas. In: DI PIETRO, Maria Sylvia
Zanella e RIBEIRO, Carlos Vinícius Aires. (Coord.). Supremacia do interesse público e outros temas
relevantes no direito administrativo. São Paulo: Atlas, 2010, p. 74).
10
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso... Op. cit., p. 60.
11
Ibidem, p. 61-62.
15
15
MEDAUAR, Odete. O direito administrativo em evolução. 2. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003,
p. 77 e 78.
16
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Discricionariedade... Op. cit., p. 6.
17
É válida alusão à observação de Maria Sylvia Zanella Di Pietro, no sentido de que já nessa época existia
Administração Pública, pois “onde existe Estado, existem também órgãos incumbidos do exercício de funções
administrativas”. (Ibidem, p. 5).
18
GORDILLO, Agustín. Tratado de derecho administrativo. Tomo I. Parte General. 7. ed., Belo Horizonte:
Del Rey, 2003, p. II-1.
17
Eduardo Garcia de Enterría também alude à razão do príncipe para justificar o poder a
ele concedido, bem como as características da ordem jurídica nascida no Estado de Polícia.
Conforme explica, o pensamento corrente à época atribuía ao monarca a missão de “afastar o
Direito Positivo das propriedades e das instâncias privilegiadas”, pois “<<o bem público>>
podia em cada momento exigir e impor uma modificação jurídica”.23 Aduz o autor:
Para levar a cabo essas finalidades, ao soberano eram reconhecidos poderes ilimitados,
tanto em relação aos fins que podia perseguir, quanto no que diz respeito aos meios que podia
empregar para atingir tais desideratos.25 Não havia normas jurídicas oponíveis ao governante.
Como bem elucida Carlos Ari Sundfeld: “O poder soberano não encontra limitação, quer
19
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Discricionariedade... Op. cit., p. 6.
20
SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de direito público. 5. ed., São Paulo: Malheiros, 2010, p. 34.
21
Ibidem, p. 34.
22
Apud DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Discricionariedade... Op. cit., p. 6.
23
GARCIA DE ENTERRÍA, Eduardo. La lengua de los derechos: la formación del derecho público europeo
trás la revolución francesa. 3. ed., Madrid: Civitas Ediciones, 2009, p. 97.
24
Ibidem, p. 98.
25
GORDILLO, Agustín. Tratado... Op. cit., p. II-2.
18
interna, quer externa. Será, por isso, insuscetível de qualquer controle. Parecia, ao espírito da
época, que quem detinha o poder – de impor normas, de julgar, de administrar – não poderia
ser pessoalmente sujeito a ele: ninguém pode estar obrigado a obedecer a si próprio.”26
Exceção para as relações consideradas privadas de que a Administração era parte.
Desenvolvida em especial pela doutrina alemã como forma de abrandar o poder absoluto do
monarca, a teoria do fisco preconizava que o patrimônio público não pertencia ao príncipe,
nem ao Estado, mas ao fisco, que, por ter personalidade de direito privado, “submetia-se ao
direito privado e, em consequência, aos tribunais”.27 No mesmo sentido, versa Garcia de
Enterría:
As únicas relações jurídicas que tratam como tais são as relativas ao Direito
Privado; o Príncipe, se absolvido das Leis positivas, está abstrictus ao
Direito natural, por meio do qual entram as duas grandes instituições civis d
propriedade e do contrato; um ius eminens pode romper no caso concreto os
vínculos derivados dessas instituições, mas obrigará o Rey a uma
indenização. A doutrina do Fisco, as primeiras regulações da desapropriação
e dos contratos públicos, se desenvolveram para explicar este peculiar
âmbito relacional.28
Nesse cenário, em que as decisões de poder não são limitadas por normas ou pelos
tribunais, mas dependem unicamente da prudência e juízo moral do monarca, ganhou
relevância a educação do soberano, a formação de sua consciência, dando ensejo ao que foi
denominado de despotismo ilustrado29. Di Pietro se refere ao período como o “império do
arbítrio”, embora não com um sentido pejorativo em si considerado. Explica a autora que:
26
SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos... Op. cit., p. 34.
27
Ibidem, p. 6.
28
GARCIA DE ENTERRÍA, Eduardo. La lengua... Op. cit., p. 99.
29
Ibidem, p. 99.
30
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Discricionariedade... Op. cit., p. 7.
19
vontade do Rei.”31 Nesse sentido, é possível afirmar que o Estado absolutista foi marcado pela
ausência da ideia de que: “A política encarada como a atividade do Príncipe deve estar sujeita
a um enquadramento legislativo votado por uma assembleia representativa e de acordo com
um procedimento legitimatório específico.”32
Após as considerações acima expostas, é possível trazer as noções apresentadas no item
anterior, para afirmar que o Estado de Polícia de fato serviu como instrumento para a busca do
bem comum, à época entendido como o desejo de progresso. Para isso, contava com uma
ordem jurídica, ainda que pouco evoluída, caracterizada, sobretudo, pela ausência de
limitações à atuação dos soberanos, cujas características foram assim sintetizadas por Carlos
Ari Sundfeld:
Nesse contexto, o que de fato se sobressaiu foram os desmandos dos príncipes. Com
efeito, motivados por interesses pessoais e a possibilidade de sempre criar novos interesses e
novos fins conforme seu próprio alvedrio34, somados à insubmissão ao controle judicial, os
governantes historicamente sempre cometeram desmedidos abusos contra os direitos
31
CABRAL DE MONCADA, Luís S. Lei e regulamento. Coimbra: Coimbra, 2002, p. 32, nota de rodapé 2.
32
Ibidem, p. 31.
33
SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos... Op. cit., p. 34-35.
34
MAYER, Otto. Derecho administrativo alemán. Trad. De Horacio H. Heredia y Ernesto Krotoschin. Bueno
Aires: Depalma, 1949.
20
subjetivos dos cidadãos, podendo-se citar, como exemplo, “a criação de tributos e figuras
criminais ex post facto”.35
Além disso, foram nefastas as consequências da má-gestão praticada durante várias
décadas pelos monarcas absolutos, traduzidas em déficits econômicos e sociais. Nesse
período, “o Estado era visto em crescente contraposição ao indivíduo – essa a razão pela qual
os direitos fundamentais eram considerados direitos de defesa do indivíduo frente à força
estatal. Essa a razão de falar-se na existência de uma dicotomia entre Estado e sociedade.”36
Em razão disso, a figura do administrador adquiriu o status de verdadeiro vilão a atentar
contra a liberdade do povo, fazendo daí surgir complexo sistema de proteção,37 que se iniciou
com a revolução francesa de 1789 e transformou de forma radical as relações entre o Estado e
os cidadãos.
restrinja os direitos dos particulares esteja fundada em previsão legal”.39 Na mesma esteira,
mencione-se a lição de Afonso Rodrigues Queiró, que descreve o modelo como aquele no
qual “o Estado se comporta em relação ao particular na forma do direito, quer dizer, ligado
pelas normas jurídicas, qualquer que seja a sua fonte”.40
Como destaca Felipe de Melo Fonte, o final do século XVIII serviu de campo fértil para
a promoção das almejadas mudanças, pois se tratou de “momento privilegiado no plano das
ideias políticas: nele ocorre o feliz encontro de diferentes doutrinas a respeito do arranjo
político-social e das relações entre cidadão e Estado, as quais ganham espaço na arena pública
e finalmente são implementadas após a derrocada do ancien régime”.41
Com efeito, por trás da ideia de submissão do Estado ao ordenamento jurídico, estavam
os valores iluministas, consubstanciados nas noções de que: (i) todos os homens são livres e
iguais; (ii) o povo é a verdadeiro titular do poder soberano; e (iii) o Estado é um mero
instrumento a serviço dos cidadãos.
Odete Medauar, referindo-se ao que denominou didaticamente de “Estado do século
XIX”, caracterizou o Estado Liberal, em contraponto ao Estado absoluto, como soberano.
Afirma a autora:
39
FONTE, Felipe de Melo. Op. cit., p. 250. Não obstante, o autor observa: “É bem verdade que a edição de leis
de cunho abstrato e geral, válidas para todos os habitantes de determinado espaço territorial, é bastante anterior à
Revolução Francesa e já esteve presente mesmo nas antigas codificações.” (Ibidem, ibidem).
40
QUEIRÓ, Afonso Rodrigues. A teoria do “desvio de poder” em direito administrativo. Revista de Direito
Administrativo. Rio de Janeiro, v. 6, p. 41-78, out./dez. 1946.
41
FONTE, Felipe de Melo. Op. cit., p. 249.
42
MEDAUAR, Odete. Op. cit., p. 79.
43
Nesse sentido, é válido acrescentar a evolução dos direitos fundamentais proposta por Paulo Bonavides: “Os
direitos de primeira, segunda e terceira gerações abriram caminho ao advento de uma nova concepção de
universalidade dos direitos humanos fundamentais [...] A nova universalidade dos direitos fundamentais os
coloca assim, desde o princípio, num grau mais alto de juridicidade, concretude, positividade e eficiência. É
universalidade que não exclui os direitos da liberdade, mas primeiro os fortalece com as expectativas e os
pressupostos de melhor concretizá-los mediante a efetiva adoção dos direitos da igualdade e da fraternidade”
(BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 25. ed., São Paulo: Malheiros, 2010, p. 573).
22
Diante disso, pode-se afirmar que o regime jurídico das relações entre Estado e cidadãos
sofreu o influxo de várias correntes de pensamento ao longo da história do Estado de Direito.
Por meio da sua incorporação aos textos normativos editados a partir de então, essas ideias
doutrinárias serviram de base comum para o delineamento das ordens jurídicas que se
seguiram nas três fases do Estado de Direito, tornando-se verdadeiras “pedras de toque desse
novo modo de conceber as relações entre os indivíduos e o Estado – cuja falta faria
desmoronar todo o edifício”.44 São elas:
a) A supremacia da Constituição.
c) A superioridade da lei.
44
SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos... Op. cit., p. 39.
45
CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 3. ed., Coimbra: Almedina,
1999, p. 51.
23
[...] o poder estatal deve ser disciplinado por um conjunto de normas fixadas
por um texto escrito, produzido em determinado momento histórico por um
órgão designado para tanto – o texto foi chamado de Constituição e o órgão
de poder constituinte. Esse texto possui duas características essenciais, que o
distinguem de todos os demais textos normativos: só pode ser alterado por
um procedimento específico, diverso do procedimento previsto para a
elaboração das leis (Constituição rígida), e as normas dele extraídas são
consideradas superiores a todas as demais normas (supremacia da
Constituição). Essas normas, chamadas de constitucionais, são identificadas
não pela matéria, mas pela forma: constam, expressa ou implicitamente,
desse texto (Constituição formal). A Constituição consubstancia um e
apenas um texto escrito (Constituição escrita e codificada), elaborado num
momento histórico certo, determinado, pontual (Constituição dogmática),
ainda que acrescido de emendas ou adendos posteriores. Não se atribuiu total
liberdade ao constituinte: o modelo do constitucionalismo pressupõe a
positivação dos direitos fundamentais e o estabelecimento da separação dos
Poderes.50
46
MARTINS, Ricardo Marcondes. Regulação administrativa à luz da constituição federal. São Paulo:
Malheiros, 2011, 28.
47
GUERRA, Sérgio. Op. cit., p. 90.
48
Ibidem, ibidem.
49
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Discricionariedade... Op. cit., p. 8.
50
MARTINS, Ricardo Marcondes. Regulação... Op. cit., p. 28-29.
24
Com efeito, tomada a premissa de que o poder soberano pertencia ao povo e por ele
deveria ser exercido (Cf. artigo 3º, da Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão de
1789), também era preocupação dos revolucionários a forma como esse exercício se faria.59
A solução encontrada foi justamente a opção pelo constitucionalismo. Caberia à
assembleia constituinte, portanto, produzir o documento necessário para fundar a nova ordem
54
MOTTA, Fabrício. Op. cit., p. 199.
55
GARCIA DE ENTERRÍA, Eduardo. La lengua... Op. cit., p. 102.
56
Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão de 1789. Universidade de São Paulo. Biblioteca Virtual de
Direitos Humanos. Disp. em <http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Documentos-anteriores-
%C3%A0-cria%C3%A7%C3%A3o-da-Sociedade-das-Na%C3%A7%C3%B5es-at%C3%A9-1919/declaracao-
de-direitos-do-homem-e-do-cidadao-1789.html>. Acesso em 13 mar.2013.
57
Ibidem.
58
GARCIA DE ENTERRÍA, Eduardo. La lengua... Op. cit., p. 103.
59
Ibidem, ibidem.
26
60
Ibidem, p. 104 et seq. O autor assevera ainda que a Constituição Francesa de 1791, em seu artigo 2º, se
autodenominou representativa e elegeu como representantes o “cuerpo legislativo y el Rey” (p. 106).
61
SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos... Op. cit., p. 41.
27
dotadas de rigidez, ou seja, modificáveis por um processo mais complexo do que as leis em
geral”.62
Nessa esteira, pode-se afirmar que a Constituição funda o ordenamento jurídico e as
normas nela presentes definem o modelo de Estado vigente em determinado país, num dado
momento histórico.63 O Estado de Direito, portanto, assume a feição que lhe é atribuída pela
Constituição.
Essa conclusão tem relevância para se contrapor a opiniões doutrinárias que identificam
a submissão dos governantes à lei em sentido estrito como o elemento que define o Estado de
Direito, como é o caso de Bandeira de Mello, para quem o princípio da legalidade é
“específico do Estado de Direito, é justamente aquele que o qualifica e que lhe dá a identidade
própria”.64 Por sua vez, Felipe de Melo Fonte65 se refere ao surgimento do constitucionalismo
e do Estado de Direito como duas realidades distintas, mas que ocorreram em momentos
coincidentes da história, unindo-se para influenciar na formação do Direito Administrativo.
No mesmo sentido, Silvia Faber Torres afirma:
com o ordenamento jurídico, podendo-se eleger a lei como instrumento de regência dessa
relação de forma exclusiva, prioritária ou compartilhada. Logo, não se deve apontar a
submissão à lei como elemento determinante, definidor, do Estado de Direito, mas, sim, a
própria Constituição.67
Ademais, a Constituição serve como fonte de validade de todas as normas do
ordenamento jurídico que cria. Essa noção, inspirada na obra de Hans Kelsen,68 implica que
as normas constitucionais são, pois, dotadas de supremacia.69 Nesta esteira, Carlos Ari
Sundfeld explica:
67
Sérgio Guerra faz alusão à lei como um dos principais aspectos do constitucionalismo ( GUERRA, Sérgio. Op.
cit., p. 92). Estamos em crer que também Maria Sylvia Zanella Di Pietro (Da constitucionalização... Op. cit., p.
174) e Ricardo Marcondes Martins (Da regulação... Op. cit., p. 27 et seq) e Eduardo Garcia de Enterría (La
Lengua... Op. cit., p. 102 et seq), embora não se refiram explicitamente à questão, concordam com o argumento
defendido, no sentido de que o Estado de Direito se caracteriza pela submissão da atuação estatal ao direito,
inaugurado pela Constituição, e não exatamente pela submissão à lei.
68
KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 7. ed., São Paulo: Martins Fontes, 2006, p. 215 et seq.
69
MARTINS, Ricardo Marcondes. Função... Op. cit., 2003a, p. 180.
70
SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos... Op. cit., p. 40.
71
Ricardo Marcondes Martins fornece importante notícia histórica sobre a primeira definição de supremacia da
constituição de que se tem conhecimento. Trata-se de texto publicado por Alexandre Hamilton no Independent
Journal o Federalist, em 14.6.1788. Nele a Constituição foi definida como “uma Lei Fundamental, superior a
todas as leis e atos administrativos, de forma que num conflito entre uma norma constitucional e uma norma
infraconstitucional sempre deverá prevalecer a norma constitucional”. O autor esclarece ainda que o voto do Juiz
John Marshall, da Suprema Corte norte-americana, no caso da “Marbury versus Madison” adotou a teoria
elaborada por Hamilton e obteve a consagração histórica. (MARTINS, Ricardo Marcondes. Regulação... Op.
cit., p. 32-33).
72
MARTINS, Ricardo Marcondes. Função... Op. cit., 2003a, p. 180.
29
Outro traço que marcou decisivamente o Estado de Direito73 foi a eleição – pela
Constituição – da lei como o instrumento primordial de limitação do exercício das
prerrogativas estatais. Nesse sentido, destaca-se a lição de Luís S. Cabral de Moncada: “A
influência determinante, não única, do constitucionalismo revolucionário colocou no centro
da teoria do direito público o conceito de lei como expressão da vontade geral”.74
Foi a partir dessa opção feita pelas assembleias constituintes e retratada nas
Constituições que a lei ganhou status elevado, ocupando a posição central no Estado de
Direito. Isto é o que se denominou legicentrismo.75 Lembra Garcia de Enterría que já na
Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 foi lançada a ideia essencial de
legalização do exercício do poder, que inspirou todo o Direito Público posterior.76 Segundo o
autor:
Mas a eleição da lei para representar o império do Direito contra o Estado não foi
aleatória. O primado da lei tem forte cunho ideológico. Como adverte Fabrício Motta, a
legalidade “ganha relevo no momento de combate às antigas e pessoalistas práticas do
absolutismo, trazendo em seu âmago o desejo de garantia, a certeza jurídica e o controle do
poder do soberano.”78 Para garantir esses objetivos, nada mais adequado e necessário que a lei
73
Sem embargo do argumento exposto no item anterior, de que a submissão à lei não é o que define o Estado de
Direito. Este é definido pela submissão à nova ordem jurídica, fundada pela Constituição que, por sua vez, define
a relação entre exercício das prerrogativas estatais e a lei. No Estado de Direito originário da Revolução
Francesa – no que foi seguido praticamente por todos os ordenamentos jurídicos ocidentais – a lei foi eleita
como o instrumento capital de limitação dos deveres-poderes estatais.
74
CABRAL DE MONCADA, Luís S. Op. cit., p. 654.
75
Com efeito, a lei era vista não como um instrumento técnico apto a garantir os direitos e liberdades inerentes à
natureza humana, mas como um valor em si mesma, valor este que fez possível a existência dos direitos e
liberdades: a ausência da lei, editada por um legislador firme e legitimado pela vontade geral, acarretaria a volta
ao passado de privilégios que se tenta esquecer. (MOTTA, Fabrício. Op. cit., p. 206).
76
GARCIA DE ENTERRÍA, Eduardo. La lengua... Op. cit., p. 109.
77
Ibidem, ibidem.
78
MOTTA, Fabrício. Op. cit., p. 203.
30
fosse produto da vontade dos cidadãos que, de resto, eram os verdadeiros titulares do poder
soberano:
Ao relembrar que o direito público todo foi erguido sob as sólidas bases do
princípio da legalidade, García de Enterría anota que o princípio da
legalidade surge como a técnica precisa por meio da qual se consagra a ideia
de que somente a comunidade pode impor mandamentos aos homens,
mediante a lei feita por ela, pode castigar, proibir, levantar impostos e aplicá-
los em proveito geral, pode habilitar a ação dos agentes, juízes ou
funcionários que atuam em seu nome.79
A fim de obter melhor compreensão sobre o conceito de vontade geral, pode-se valer da
lição de Luís S. Cabral de Moncada, com base nos ensinamentos de Russeau:
A vontade geral é, como não podia deixar de ser, um conceito normativo que
não se confunde com a vontade individual [...] nem com a vontade de todos
[...]; não é uma vontade psicológica, nem empírica, na medida em que o seu
conteúdo é o constante do contrato social e nessa medida não pode deixar de
ser a melhor vontade possível do ponto de vista da sociedade em geral pela
mesma razão de que a vontade individual é também a melhor possível do
ponto de vista do seu detentor.80
Por seu turno, Carlos Ari Sundfeld ressalta a desmistificação da lei. Se antes era
considerada sagrada e imutável, no período medieval, e resultado da vontade divina,
expressada pelo monarca, no período absolutista, no Estado de Direito a lei ganha “caráter
humano”, passando a ser a expressão da vontade geral: “A lei, destinada a reger a vida dos
homens, deve ser feita por eles.”81 Nessa esteira, são elucidativas as colocações de Sérgio
Guerra:
79
Ibidem, ibidem.
80
MONCADA, Luís S. Cabral de. Lei... Op. cit., p. 116.
81
SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos... Op. cit., p. 45.
82
GUERRA, Sérgio. Op. cit., p. 93.
31
Demais disso, para cumprir as finalidades que determinaram o seu surgimento, a lei
deveria ser dotada de generalidade e abstração. Sobre a generalidade, dispõe Marcelo
Caetano: “A generalidade da lei implica a formulação de seus preceitos em abstrato e não para
certas pessoas, num caso concreto. Todos quantos se encontrarem ou vierem a encontrar-se
nas circunstâncias que estiverem pressupostas no preceito ficarão obrigados a observar o
comando normativo”.85 Por sua vez, a abstração “significava o estabelecimento de limites às
decisões posteriores a respeito de questões individuais”.86
É com base nos fundamentos e características apresentados alhures que se determinam
os novos contornos das relações entre os indivíduos e a lei. Com efeito, além de representar
para o cidadão a obediência a si próprio, enquanto partícipe da comunidade, a lei também
garante, de um lado, a segurança jurídica, traduzida na prévia definição da intervenção estatal
83
Garcia de Enterría sintetiza bem esse pensamento: “a Lei é a decisão do povo inteiro, decidindo sobre o povo
inteiro, por meio de normas gerais e comuns (La Lengua... Op. cit., p. 116).
84
OTERO, Paulo. Legalidade e administração pública: o sentido da vinculação administrativa à juridicidade.
Coimbra: Almedida, 2007, p. 53-54.
85
CAETANO, Marcello. Princípios fundamentais do direito administrativo. Coimbra: Almedina, 2003, p. 79,
apud GUERRA, Sérgio. Op. cit., p. 90, nota de rodapé n. 6.
86
MOTTA, Fabrício. Op. cit., p. 207. O autor ainda cita a elucidativa lição de Carré de Malberg, ao se referir às
decisões emitidas em abstrato: “por uma parte estão a salvo de qualquer surpresa, pois conhecem previamente as
disposições que poderão, ocorrido determinado caso, ser aplicadas pelos administradores ou o direito que, em
cada caso, será enunciado pelos juízes. Por outra parte, o que garante a segurança dos cidadãos é que a lei, em
razão de seu caráter abstrato e impessoal, será ditada pela autoridade legislativa com um espírito relativamente
desinteressado e, por isso, mais equitativo que as decisões individuais influenciadas pelo interesse do momento
ou em consideração a pessoas determinadas.” (CARRÉ DE MALBERG, R. Teoria general del estado. 2. ed.,
México: Fondo de Cultura Económca, 2001, p. 278).
32
em sua esfera de liberdade, e, de outro, a igualdade, assentada na ideia de que todos os que se
encontrassem na mesma situação receberiam tratamento idêntico.87
Referindo-se à lei, arremata Sérvulo Correia: “através daquele instrumento de técnica
jurídica, acautelar-se-ia simultaneamente a certeza e previsibilidade, a racionalidade e a
justiça das limitações indispensáveis na esfera da liberdade e da propriedade de cada um.”88
No Estado de Polícia, diferentemente, o cidadão estava exposto à vontade muitas vezes
cambiável do príncipe, inserto numa relação genérica de submissão.89 Nesse sentido acena
Garcia de Enterría:
Nessa ordem de ideias, como expressão da vontade geral, “a lei era concebida como
sendo insuspeita em qualquer situação, e, portanto, intocável”.91 Desta maneira, estaria apta a
desenvolver seu papel de superioridade, impondo-se contra os atos praticados no exercício das
demais atividades estatais, isto é, condicionando as atividades de administrar e julgar, o que,
para Carlos Ari Sundfeld, consiste no sentido da superioridade da lei.92 Esclarece o autor:
87
SERVULO CORREIA, José Manuel. Legalidade e autonomia contratual nos contratos administrativos.
Coimbra: Almedina, 1987, p. 18.
88
Ibidem, p. 24.
89
GARCIA DE ENTERRÍA, Eduardo. La lengua... Op. cit., p. 110.
90
Ibidem, p. 110-111.
91
GUERRA, Sérgio. Op. cit., p. 93.
92
SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos... Op. cit., p. 45.
93
Ibidem, p. 84-85.
33
Estabelecido o povo como titular do poder soberano, fundada a ordem jurídica por meio
da Constituição e eleita a lei como instrumento jurídico primordial para a proteção dos
indivíduos contra as interferências abusivas do Poder Público, restava engendrar um sistema
capaz de garantir de forma eficiente o exercício das funções estatais.
Sem prejuízo das noções já apresentadas no início do presente trabalho,94 vale recordar
que após a transferência da titularidade do poder soberano ao povo, evidencia-se a natureza
instrumental do Estado, concebido em face da impossibilidade material de que os homens
exerçam as atividades estatais por si próprios. Logo, o Estado assumiu a incumbência de agir
como representante dos cidadãos em busca do bem comum. Daí porque se diz que exerce
função, traduzida na “atividade dotada de prerrogativas necessárias ao cumprimento do dever
de atender interesse alheio”.95 Desse raciocínio, salta a ideia de que o Estado incorpora as
prerrogativas necessárias à realização do interesse público e, nesse sentido, exerce poder:
“Enquanto dotado da capacidade de impor comportamentos, o Estado é dotado de poder, ou
seja, da possibilidade de impor pela força um comportamento a outrem.”96
É bem verdade que a noção de função não comporta o uso irrestrito das prerrogativas
conferidas ao gestor público: “Esse poder existe tão-somente na medida necessária para o
atendimento dos interesses dos particulares enquanto partícipes de uma sociedade, é apenas
um instrumento para o cumprimento do dever”.97 Contudo, a história mostra que parecem
inevitáveis os abusos.
94
Item “1.1 Estado enquanto realidade instrumental: exercício de função na busca pelo bem comum”.
95
MARTINS, Ricardo Marcondes. Função... Op. cit., 2003a, p. 182.
96
Ibidem, ibidem.
97
Ibidem, ibidem.
34
Afirmava Montesquieu, como dantes se anotou, que todo aquele que detém
Poder tende a abusar dele e que o Poder vai até onde encontra limites.
Aceitas tais premissas, realmente só haveria uma resposta para o desafio de
tentar controlar o Poder. Deveras, se o Poder vai até onde encontra limites,
se o Poder é que se impõe, o único que pode deter o Poder é o próprio Poder.
Logo, cumpre fracioná-lo, para que suas parcelas se contenham
reciprocamente. Daí a conclusão: cumpre que aquele que faz as leis não as
execute nem julgue; cumpre que aquele que julga não faça as leis nem as
execute; cumpre que aquele que executa nem faça as leis, nem julgue. E
assim se firma a ideia de tripartição do exercício do Poder.99
Assim, a teoria da separação dos poderes estabeleceu-se, ao lado da lei, como grande
instrumento para a defesa da liberdade, pois, como assevera Paulo Otero “se numa mesma
pessoa ou corpo de magistratura se reúne o poder legislativo e o poder executivo a liberdade
estará perdida, o mesmo sucedendo se o poder de julgar não está separado do poder
legislativo e do poder executivo”.100, 101
Carlos Ari Sundfeld sintetiza o conteúdo da separação dos poderes da seguinte forma:
cada Poder, representado por um órgão, exerce uma espécie de função. Desta maneira, ao
Legislativo cabe exercer a função legislativa, mediante a edição de normas gerais e abstratas,
cuja finalidade é regular os demais atos estatais, bem como o comportamento dos cidadãos.
Ao Executivo, cabe a função administrativa, realizada por meio da aplicação das leis
elaboradas pelo Legislativo. Por fim, ao Judiciário compete o exercício da função
98
Ricardo Marcondes Martins explica que Montesquieu “tripartiu as atividades do Estado, fazer as leis, executá-
las e julgá-las e atribuiu-as a órgãos diferentes”. (Ibidem, 2003a, p. 183).
99
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso... Op. cit., p. 49.
100
OTERO, Paulo. Legalidade... Op. cit., p. 48.
101
Sem embargo, vale mencionar a observação de Paulo Otero sobre o pensamento de Montesquieu, asseverando
ser obscuro ao afirmar que Legislativo e Executivo se completam na tarefa de produzir e aplicar as leis: “Nem a
lei é a expressão de uma vontade geral sem a intervenção do executivo, antes ela resulta da conjugação entre a
vontade do corpo legislativo que a aprova e da vontade do monarca que não usa o veto, nem o poder executivo
se limita a exercer uma simples função subordinada de aplicação de critérios decisórios a cuja definição é
totalmente alheio. Em vez disso, a legalidade aparece como síntese da racionalidade proveniente da vontade do
legislativo e da vontade do monarca, expressando um equilíbrio entre os dois poderes [...] a legalidade
administrativa surge como resultado de um conjunto de regras a que o executivo livremente deu a sua
concordância e a que aceitou submeter-se” (OTERO, Paulo. Op. cit., p. 52).
35
Os méritos da teoria da separação dos poderes consistiram em: (i) atribuir legitimidade à
lei, que passaria a ser produzida pelo Parlamento, por sua vez o representante do povo; (ii)
reduzir ao mínimo possível a atuação administrativa do Estado, submetendo-a à lei; e (iii)
conferir ao cidadão a prerrogativa de demandar o Estado em juízo, para a defesa de seus
interesses, em caso de descumprimento da lei. Todos esses aspectos simplesmente não
existiam no Estado de Polícia e representaram grandes avanços para a humanidade, por
ocasião da instituição do Estado de Direito.
Uma observação é necessária. Conforme destaca Ricardo Marcondes Martins, é
pertinente a crítica elaborada por Francis-Paul Bênoit sobre a teoria da separação dos poderes
de Montesquieu: “trata-se de uma teoria filosófica, com intuitos políticos, que não descreve
um direito positivo e, assim, não é científica, não consiste na análise de uma realidade”.105
102
SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos... Op. cit., p. 42.
103
MOTTA, Fabrício. Op. cit., p. 211.
104
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Lei e regulamento: a chamada “reserva de lei”. São Paulo:
Instituto de Direito Administrativo Paulista – IDAP.
105
MARTINS, Ricardo Marcondes. Função... Op. cit., 2003a, p. 184. Para conferir a obra crítica de Bênoit:
BÊNOIT, Francis-Paul. Le droit administratif français. Paris: Dalloz, 1968, p. 32-39).
36
106
Ricardo Marcondes Martins concorda com a crítica de Bênoit, mas também registra o valor histórico e a
contribuição prática da teoria de Montesquieu (Op. cit., Função... 2003a, p. 184).
37
107
Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão de 1789. Universidade de São Paulo. Biblioteca Virtual de
Direitos Humanos. Disp. em <http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Documentos-anteriores-
%C3%A0-cria%C3%A7%C3%A3o-da-Sociedade-das-Na%C3%A7%C3%B5es-at%C3%A9-1919/declaracao-
de-direitos-do-homem-e-do-cidadao-1789.html>. Acesso em 13 mar.2013.
108
SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos... Op. cit., p. 47-48.
109
GARCIA DE ENTERRÍA, Eduardo. La lengua... Op. cit., p. 118.
110
Ibidem, p. 121.
111
SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos... Op. cit., p. 48.
112
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso... Op. cit., p. 63.
38
A um só tempo [a lei] atende aos dois valores centrais dos sistemas jurídicos:
justiça e segurança jurídica. A lei veicula justiça, pois permite que os
cidadãos sejam tratados como iguais, estipulando obrigações gerais e
abstratas, válidas para todos os que estejam na mesma situação. Além disso,
o arbítrio só poderá ser contido se o Estado se vincular às normas de conduta
que produz. A separação de poderes impôs ao Estado-administração que se
subordinasse à vontade popular, encarnada na figura do Parlamento, o que
deu origem ao princípio da legalidade administrativa. Esse, portanto, é o
conteúdo básico do princípio (...).113
Cumpre, assim, analisar como essa concepção e esse conteúdo se modificaram ao longo
do Estado de Direito.
113
FONTE, Felipe de Melo. Op. cit., p. 256.
39
1
“A subjetividade moderna analisa-se assim no reconhecimento da capacidade individual para refletir acerca da
legitimidade do mundo que a rodeia, só prestando o seu aval àquilo que resista tal juízo crítico. A modernidade
tem um conteúdo normativo e o estado de direito não lhe podia ficar imune. A subjetividade tem por conteúdo a
liberdade vista não já como uma categoria abstrata de pensamento, mas numa perspectiva, sobretudo, ética,
como um veículo de reforma e legitimação das instituições políticas reais [...] É por isso que o pensamento
iluminista subentende sempre uma teoria da ética, subjetiva porque com origem individual, mas objetiva porque
fundada num princípio objetivamente válido e comprovável, resistente ao juízo crítico. É a partir daí que se
chega à construção do Estado de Direito.” (MONCADA, Luís S. Cabral de. Lei... Op. cit., p. 37).
2
MONCADA, Luís S. Cabral de. Ensaios sobre a lei. Coimbra: Almedina, 2002, p. 50 apud MOTTA, Fabrício.
Op. cit., p. 300, nota de rodapé 11.
3
TORRES, Silvia Faber. Op. cit., p. 9.
4
MEDAUAR, Odete. Op. cit., p. 80.
40
própria concorrência indefinida das liberdades de seus membros”, o que resultou numa
“proeminência absoluta do Poder Legislativo.”11
Nesse sentido, vale mencionar a lição de Marcelo de Sousa Rabelo:
No bojo das relações entre Estado e cidadãos, a lei se destacava como limite negativo à
atuação estatal, significando que a Administração poderia praticar tudo o que não fosse
proibido pela lei.13 “A marca, portanto, do período Liberal, era a postura estatal absenteísta e
legalitária, sendo um mero gestor de manutenção da ordem, do direito de propriedade e do fiel
cumprimento dos contratos.”14
Vale ressaltar, no entanto, que o abstencionismo não era absoluto, porquanto “sofria
derrogações, explicadas como casos excepcionais para atender fatos de emergência ou como
atuações subsidiárias para corrigir deficiências transitórias”.15
11
GUERRA, Sérgio. Op. cit., p. 94.
12
SOUSA, Marcelo Rebelo de. Princípio da legalidade administrativa na constituição portuguesa de 1976.
Revista de Direito Público. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 80, p. 5-15, out./dez. 1986, p. 14-15.
13
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Da constitucionalização... Op. cit., p. 178.
14
GUERRA, Sérgio. Op. cit, p. 94-95.
15
MEDAUAR, Odete. Op. cit., p. 81. A autora cita exemplos de exceções nesse sentido nos campos econômico
e social: “concessão de terrenos a companhias ferroviárias ou a própria construção, direção e controle de
ferrovias; fixação de barreiras alfandegárias para proteger determinados setores econômicos da competição
internacional; financiamento público de determinadas empresas industriais consideradas de especial interesse ao
país; apoio aberto ou oculto (financeiro, diplomático, militar) a empreendimentos coloniais. [...] No campo social
cita-se, como exceção à ausência estatal, o ensino público, pois o que levasse ao aprimoramento do homem não
poderia ser estranho ao Estado (...). Encontram-se também os institutos de proteção social, consideradas
instituições públicas de beneficência, destinadas à ajuda aos carentes (...)”.
16
CABRAL DE MONCADA, Luís S. Op. cit., p. 70 et seq.
42
17
GUERRA, Sérgio. Op. cit., p. 95.
18
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Discricionariedade... Op. cit., p. 14.
19
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Da constitucionalização... Op. cit., p. 178.
20
CABRAL DE MONCADA, Luís S. Op. cit., 56 et seq.
21
GUERRA, Sérgio. Op. cit., p. 94-95.
43
28
Ibidem, p. 178.
29
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso... Op. cit., p. 50.
45
30
MEDAUAR, Odete. Op. cit., p. 83.
31
Explica Maria Sylvia Zanella Di Pietro: “A abstenção do Estado acabou por gerar consequências funestas no
âmbito econômico e social; as grandes empresas vão transformando-se em grandes monopólios e aniquilando as
de pequeno porte; surge uma nova classe social – o proletariado – em condições de miséria, doença, ignorância,
que tende a acentuar-se com o não intervencionismo estatal (Discricionariedade... Op. cit., p. 15).
32
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Discricionariedade... Op. cit., p. 15.
33
Ibidem, p. 16.
34
GUERRA, Sérgio. Op. cit., p. 99.
35
Silvia Faber Torres caracteriza o Estado Social da seguinte forma: “Como ‘projeto moral’ de que era portador,
46
Com efeito, o Estado Social tinha como propósito a missão de corrigir as falhas do
Estado Liberal. Odete Medauar aponta como “ponto teórico nuclear”, como “chave” para a
compreensão do período, a natureza de “correção”, o intuito de corrigir os prejuízos
ocasionados na vigência do modelo anterior. Nas palavras da autora:
A autora também registra citação doutrinária que realça a importância do Estado Social
como forma de organização política de grande valor histórico para a humanidade, vez que “é
o primeiro sistema político de grandes dimensões que tentou conjugar democracia (no sentido
mais geral de abertura potencial do governo a grande número de pessoas) com liberdade
individual.”38
A mudança de paradigma em relação à postura do Estado possibilitou que,
“paulatinamente, sem nenhuma posição doutrinária preestabelecida, o Estado, cada vez mais,
abarcasse maior número de atribuições, intervindo mais assiduamente na vida econômica e
o Estado Social de praticamente todo o Séc. XX legitimava-se pela ‘cura da existência’ (Daseinvorsorge), que
consistia nas prestações de bem-estar que garantissem ao homem as possibilidades de existência que não poderia
assegurar-se por si mesmo, ‘tarefa que ultrapassa tanto as noções clássicas de serviço público como da política
social sensu stricto.’ Tal ‘exigência ética’ teve por consequência a retomada da gestão direta da ordem social e
econômica pelo Estado para proceder à correção das disfuncionalidades da sociedade industrial competitiva (...).
(TORRES, Silvia Faber. Op. cit., p. 39).
36
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Discricionariedade... Op. Cit., p. 16.
37
MEDAUAR, Odete. Op. cit., p. 87.
38
BALDASSARE, Antonio. Lo Stato sociale: una formula in evoluzione. In: BALDASSARE; CERVANTI
(Org.) Critica dello Stato sociale. Roma-Bari: Laterza, 1982, p. 40 apud Medauar, Odete. Op. cit., p. 89.
47
social para compor os conflitos de interesses de grupos e de indivíduos”,39 o que gerou uma
evidente proeminência do Poder Executivo.
Nesse sentido, foi necessária uma adaptação da separação das funções estatais, a fim de
fornecer novo instrumental ao Poder Executivo para responder às crescentes necessidades
normativas, assegurando-se, ao mesmo tempo, as possibilidades de controle desse
instrumental por parte do Legislativo.40
Como destaca Sérgio Guerra, contribuiu determinantemente para esse cenário a
conquista do “sufrágio universal”, por meio do qual as massas se fizeram “ouvir”,
pressionando assim o Estado a assumir postura menos neutra diante do quadro de
desigualdades sociais estabelecidas.41
No Estado Social, portanto, “Deslocou-se a primazia do Legislativo para o Executivo,
afetando a relação entre os dois poderes, na modelagem da concepção clássica da legalidade
administrativa”.42 Com efeito, “o Executivo tornou-se nas sociedades contemporâneas o
centro de impulsos políticos, o único capaz de conceber e colocar em andamento uma
estratégia coerente”.43
Paulo Otero ressalta que a posição privilegiada assumida pelo Executivo no Estado
Social decorre, sobretudo, dos seguintes fatores:
44
OTERO, Paulo. Op. cit., p. 107.
45
Cf. MEDAUAR, Odete. Op. cit., p. 87 e 88.
46
Ibidem, p. 88.
47
Ibidem, p. 89.
49
Nesse contexto em que, para realizar o Direito, era necessária a edição de leis cujo
conteúdo precípuo tinha a finalidade apenas de restringir negativamente a atuação estatal, é
dizer, em que os comandos legislativos eram bastante simples, cingidos a delimitar, por
exclusão, a esfera de atuação do Poder Executivo, era relativamente fácil submeter o Estado à
legalidade.
Entretanto, o foco exclusivamente nesse desiderato permitiu o desenvolvimento
distorcido da ideia de submissão do Estado à lei. Como assinala Fabrício Motta, “Se o Estado
estava submetido à lei, estava submetido ao direito. Essa concepção, no campo filosófico,
reflete a predominância do positivismo na época. Com efeito, os positivistas entendiam o
48
Como destaca Silvia Faber Torres: “O princípio da legalidade, aqui, atende, à perfeição, à clássica divisão
entre os três poderes do Estado: cabe ao legislativo democraticamente composto a edição das leis, ao executivo
a, execução mecânica destas mesmas leis e ao judiciário garantir que elas sejam respeitadas.” (TORRES, Silvia
Faber. Op. cit., p. 24).
49
Cf. MEDAUAR, Odete. Op. cit., p. 102.
50
TORRES, Silvia Faber. Op. cit., p. 23.
50
direito como posto exclusivamente pelo poder soberano do Estado, mediante normas gerais e
abstratas, materializadas na ‘lei’”. Nesta esteira, Felipe de Melo Fonte explica:
o anterior princípio de que a Administração pode fazer tudo o que não esta
proibido foi substituído por aquele segundo o qual ela só pode fazer o que a
lei permite. A lei não é mais uma barreira externa, fora da qual a
Administração pode agir livremente; toda a atuação administrativa passou a
desenvolver-se dentro de um círculo definido pela lei. Fora desse círculo,
nada é possível fazer.57
54
TORRES, Silvia Faber. Op. cit., p. 24.
55
Nas palavras da autora: “A incompletude das disposições legais, a desvelar a impraticabilidade do dogma da
aplicação mecânica e subsuntiva da lei, impunha uma progressiva construção jurisprudencial, criadora mesmo de
novos institutos jurídicos como, entre outros, a teoria da imprevisão, a vedação do enriquecimento sem causa,
responsabilidade civil do Estado, desvio de finalidade, etc” (TORRES, Silvia Faber. Op. cit., p. 24). Sobre a
relação entre o desenvolvimento do conselho de Estado Francês e a origem do Direito Administrativo, confira-se
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso... Op. cit., p. 38 et seq.
56
TORRES, Silvia Faber. Op. cit., p. 24.
57
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Discricionariedade... Op. Cit., p. 25.
58
TORRES, Silvia Faber. Op. cit., p. 24.
52
Assim é que, tanto no âmbito das ações concretas, como no exercício de competências
normativas, deveria o Poder Executivo observar positivamente os limites estabelecidos em lei,
cabendo ao intérprete a aplicação crua dos preceitos legais, como forma de garantir a justiça e
a segurança jurídica.
Maria Sylvia Zanella Di Pietro sintetiza de forma bastante didática as transformações
pelas quais passou a legalidade neste período histórico, ao afirmar que a influência do
positivismo jurídico submeteu toda a atividade estatal à lei, substituindo-se a vinculação
negativa pela vinculação positiva aos comandos legislativos, o que acarretou o fortalecimento
da discricionariedade administrativa e a intensificação da competência normativa do Poder
Executivo.61
Ainda segundo a autora, em função desse processo, caracterizado também pelo
“afastamento do direito natural e a valorização do direito positivo”, a lei “perdeu seu conteúdo
material, significando isto que a lei é obedecida porque contém uma norma,
independentemente do seu conteúdo de justiça; daí a afirmação de que o Estado de Direito
transformou-se em Estado Legal”, o que trouxe consequências também para o controle
judicial da atividade administrativa que, cingido aos aspectos formais, não tinha qualquer
preocupação com princípios e valores.62
O formalismo positivista gozou de relevante prestígio até meados do século XX.
Entretanto, por força das falhas observadas no modelo estatal social, com destaque para os
acontecimentos da segunda guerra mundial, que provocaram uma crise em torno da aplicação
59
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Discricionariedade... Op. cit., p. 18.
60
Ibidem, ibidem.
61
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Da Constitucionalização... Op. Cit., p. 178.
62
Ibidem, p. 178 e 179.
53
63
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Da constitucionalização... Op. Cit., p. 178.
54
b) A lei como manifestação da vontade geral dos cidadãos e o seu valor democrático
daí decorrente.
1
MEDAUAR, Odete. Op. cit., p. 90.
2
Ibidem, p. 91. O trabalho da autora reúne diversas menções doutrinárias acerca das vantagens e desvantagens
do Estado Social. Entre os pontos positivos destaca-se: “(...) a longevidade do Estado social estaria fora de
discussão, pois seria forma histórica de organização política muito mais sólida que a liberal e a comunista e a
única capaz de conjugar-se com a democracia política: ante o absolutismo do indivíduo, própria de uma, e o
absolutismo da coletividade, própria da outra, o Estado social faz valer o relativismo de uma combinação
histórica dos direitos de uma e da outra.” (Op. cit., p. 92).
3
TORRES, Silvia Faber. Op. cit., p. 39-40.
56
4
Cf. MEDAUAR, Odete. Op. cit., p. 94.
5
Para uma visão mais ampla das consequências da globalização para os mercados internacionais e seus reflexos
no âmbito político e social, consulte-se a própria Odete Medauar (Op. cit., p. 94 et seq).
6
Cf. MEDAUAR, Odete. Op. cit., p. 96-97.
7
TORRES, Silvia Faber. Op. cit., p. 46.
57
No campo jurídico, a vinculação positiva do exercício das funções estatais à lei típica do
Estado Social implicou num processo de inflação legislativa, como consequência do esforço
do legislador em tentar atender à demanda por normas que legitimassem a atuação
administrativa.9
A essa circunstância, some-se ainda o incremento da discricionariedade administrativa,
baseado no entendimento segundo o qual as leis não são capazes de estabelecer, adequada e
exaustivamente, a totalidade dos atos que o administrador deverá praticar no exercício de suas
atribuições. Com efeito, “Em virtude de tal constatação, impôs-se ao legislador que, na
impossibilidade de prever todas as situações que exigiriam a atuação do Poder Público,
conferisse certa margem de liberdade à Administração Pública na determinação do conteúdo
dos preceitos legais”,10 inclusive por meio da edição de normas infralegais.
A conjunção dessas razões levou à desvalorização da lei. “A idéia oitocentista de uma
sociedade livre, movendo-se dentro de uma moldura legal e codificada, em textos claros,
concisos e tendencialmente estáveis, transformou-se pela inundação de leis e regulamentos
instáveis – o mundo das incertezas jurídicas (...)”.11 Neste contexto, Manoel Gonçalves
Ferreira Filho destaca que, a despeito das novas atribuições do Estado Social, não houve a
criação de novos instrumentos de atuação, em função do que restou à lei cumprir esse papel, e
conclui:
8
Ibidem, p. 97-98.
9
Cf. FONTE, Felipe de Melo. Op. cit., p. 258.
10
GUERRA, Sérgio. Op. cit., p. 106.
11
Ibidem, p. 105.
12
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. O princípio da legalidade. Revista da Procuradoria Geral do
Estado de São Paulo, v. 10, p. 9-20, 1997, p. 11.
58
instituição do Estado como sistema jurídico, tendo em vista que permitia a perpetuação de
injustiças sob a cobertura da legalidade. Nesse sentido, confira-se a lição de Sérgio Guerra:
13
GUERRA, Sérgio. Op. cit., p. 104.
14
FONTE, Felipe de Melo. Op. cit., p. 258.
15
GUERRA, Sérgio. Op. cit., p. 102.
16
Cf. MARTINS, Ricardo Marcondes. Função... Op. cit., 2003b, p. 223.
59
É neste contexto que surgem as noções de Estado de Direito formal e Estado de Direito
material, a primeira relacionada “ao modo de realização da ação do Estado e concretamente
17
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 36. ed., São Paulo: Malheiros, 2013, p.
120.
18
TORRES, Silvia Faber. Op. cit., p. 33.
19
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Discricionariedade... Op. Cit., p. 26.
20
Cf. MEDAUAR, Odete. Op. cit., p. 100. O trecho citado pela autora é de Jean Rivero (RIVERO, Jean. A
propos des métamorphoses de l’Administration d’aujorrd’hui: democratie et Administration. Pages de
doctrine, vol. I, p 253-254).
21
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Discricionariedade... Op. Cit., p. 26.
60
ao vínculo de seus atos à Constituição e à lei”; e a segunda relativa “ao conteúdo da relação
Estado-indivíduo, sob a inspiração de critérios materiais de justiça, com base numa idéia de
direito, expressão de valores jurídico-políticos vigentes numa época”; de modo que “os
componentes formais são mecanismos para concretizar os valores jurídico-políticos que
inspiram o Estado”. 22
A fim de embasar a nova orientação política, para que se fizesse possível garantir a
participação popular e a efetiva justiça material, ocorreram, porque imprescindíveis, as
necessárias adaptações no campo jurídico, o que, no caso, se concretizou no plano
constitucional:
22
Cf. MEDAUAR, Odete. Op. cit., p. 103. O texto citado pela autora é de Garcia Pelayo (GARCIA PELAYO,
Manuel. Las transformaciones del Estado contemporáneo. 3. ed. Madrid: Alianza, 1987, p. 103).
23
BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e Constitucionalização do Direito: o triunfo tardio do
Direito Constitucional no Brasil. Revista Eletrônica de Direito do Estado – REDE. Salvador, n. 9,
mar/abr/mai. 2007. Disponível em: <http://www.direitodoestado.com.br/rede.asp>. Acesso em 10 fev.2013, p. 3.
24
Ibidem, p. 10.
25
MARTINS, Ricardo Marcondes. Abuso de direito e a constitucionalização do direito privado. São Paulo:
Malheiros, 2010 p. 29.
61
no artigo 30, § 3°, preceitua que "o poder legislativo está vinculado à ordem constitucional; os
poderes executivo e judicial obedecem à lei e ao direito". Por meio desta disposição, quis o
constituinte alemão impor a “obediência não só à lei, em sentido formal, mas a todos os
valores e princípios que estão na base do ordenamento jurídico e que imprimem conteúdo
material à lei”.26
Maria Sylvia Zanella Di Pietro observa ainda que disposições semelhantes foram
trazidas pela Constituição Espanhola de 1978, cujo artigo 103.1 dispõe que a Administração
Pública serve com objetividade aos interesses gerais e atua com submissão plena à lei e ao
Direito; bem como pela Constituição Portuguesa de 1976, em dois dispositivos: o artigo 266,
item 2: "os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e a lei e devem
atuar com Justiça e imparcialidade no exercício das suas funções"; e, na parte referente aos
direitos e deveres fundamentais, o artigo 16: "Os direitos fundamentais consagrados na
Constituição não excluem quaisquer outros constantes das leis e das regras aplicáveis de
direito internacional"; e “os preceitos constitucionais e legais relativos aos direitos
fundamentais devem ser interpretados e integrados em harmonia com a Declaração Universal
dos Direitos do Homem".27
Em linha com a tendência neoconstitucional, a Constituição Federal de 1988, em seu
artigo 1º, afirma expressamente que a República Federativa do Brasil constitui-se em um
Estado Democrático de Direito, tendo como fundamentos a soberania, a cidadania, a
dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo
político.28
Como se observa das normas constitucionais acima mencionadas e em muitas outras
editadas depois, a realização da segurança – fim último do Estado enquanto ente político –
depende intrinsecamente da realização da justiça e, logo, do Direito, o qual, por sua vez, deve
traduzir em seu conteúdo a garantia de concretização dos direitos fundamentais e cuja
interpretação deve necessariamente apontar para a consecução das finalidades primordiais do
Estado. E estes elementos – os direitos fundamentais e todas as demais finalidades do Estado
– estão definidos na Constituição e não mais nas leis.
26
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Da constitucionalização... Op. cit., p. 181.
27
Ibidem, ibidem.
28
Cf. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Discricionariedade... Op. cit., p. 28. A autora lembra ainda que a
Constituição Federal de 1988 adota praticamente os mesmos princípios da Constituição alemã de 1949. Noutra
passagem, elenca uma série de dispositivos constitucionais consagradores da participação popular na
Administração Pública, a exemplo do direito à informação (art. 5º, XXXIII), mandado de injunção (art. 5º,
LXXI), habeas data (art. 5º, LXXII), ação popular (art. 5º, LXXIII), realização facultativa de audiências públicas
pelas Comissões do Congresso Nacional (art. 58), direito de o cidadão denunciar irregularidades ou ilegalidades
perante o Tribunal de Contas (art. 74, § 2º), dentre outros (Op. cit., p. 35).
62
29
Maria Sylvia Zanella Di Pietro discorre sobre a importância e a natureza normativa do preâmbulo nas
Constituições, sobretudo as atuais. A autora se vale das lições, dentre outros, de Héctor Jorge Escola para realçar
a importância do preâmbulo como meio para a definição dos fins de interesse público que Estado deve alcançar e
cita: “é uma máxima admitida no curso ordinário da justiça que o preâmbulo de um estatuto revela a intenção do
legislador, faz conhecer os males que quis remediar e o fim que quis alcançar”. (DI PIETRO, Maria Sylvia
Zanella. Discricionariedade... Op. cit., p. 30).
63
30
TORRES, Silvia Faber. Op. cit., p. 37.
31
Ibidem, p. 43.
32
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Discricionariedade... Op. cit., p. 33.
33
BINENBOJM, Gustavo. O sentido da vinculação administrativa à juridicidade no direito brasileiro. In:
ARAGÃO, Alexandre Santos de; MARQUES NETO, Floriano de Azevedo (Coord.). Direito administrativo e
seus novos paradigmas. Belo Horizonte: Renovar, 2008.
64
Com essas colocações, e com base nas lições de Robert Alexy, segundo quem o
legislador está vinculado aos direitos fundamentais, o que, por si só, demonstra a sua
limitação pelo ordenamento constitucional vigente,37 Ricardo Marcondes Martins afirma que
34
MEDAUAR, Odete. Op. cit., p. 147.
35
Cf. MARTINS, Ricardo Marcondes. Abuso... Op. cit., p. 30. O autor cita a obra de Susanna Pozzolo,
“Neoconstitucionalismo y especificidade de la interpretación constitucional”, na qual a autora “sintetiza de modo
claro e didático todos os argumentos contrários” ao neoconstitucionalismo, sendo o principal deles a mencionada
incompatibilidade entre a proeminência da constituição e a democracia.
36
Ibidem, ibidem.
37
ALEXY, Robert. Direitos Fundamentais no Estado constitucional democrático. Revista de Direito
Administrativo. Rio de Janeiro, Fundação Getúlio Vargas, v. 217, jul./set. 1999, p. 55-66.
65
conteúdos a serem regrados ocasionou uma “crise de generalidade da lei”, bem como a
ampliação desmesurada da produção legislativa, levando a um quadro de desordem e
consequente desvalorização dos textos legais:
É importante que se diga que esse é o resultado da interpretação do artigo 30, § 3º, da
Lei Fundamental da Alemanha de 1949, segundo o qual "o poder legislativo está vinculado à
ordem constitucional; os poderes executivo e judicial obedecem à lei e ao direito". Silvia
Faber Torres lembra que a expressão “lei e direito” foi bastante discutida, em especial na
doutrina alemã, porém, conclui categoricamente que “é intuitivo até que a diferenciação tem
um conteúdo marcadamente axiológico e de superação de um legalismo estritamente
formalista, conferindo primazia à ordem constitucional em sua totalidade”.49
Diferentemente, no direito brasileiro não há, em sede constitucional, a imposição
expressa ou qualquer menção à vinculação direta entre o exercício das atividades estatais e a
Constituição ou o Direito, porém, é cediço que a sistemática constitucional consagrou essa
vertente, como explica Maria Sylvia Zanella Di Pietro:
48
TORRES, Silvia Faber. Op. cit., p. 114.
49
Ibidem, p. 113.
50
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Da constitucionalização... Op. cit., p. 182.
51
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Discricionariedade... Op. cit., p. 29. A autora ainda cita a importante
opinião de José Afonso da Silva (SILVA, José Afonso. Op. cit., p. 422) no mesmo sentido: “está consagrado no
art. 5º, II, da Constituição que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude de lei. O
texto não há de ser compreendido isoladamente, mas dentro do sistema constitucional vigente, mormente em
função de regras de distribuição de competência entre os órgãos do poder, de onde decorre que o princípio da
legalidade ali consubstanciado, se funda na previsão de competência geral do Poder Legislativo para legislar
sobre matérias genericamente indicadas, de sorte que a ideia matriz está em que só o Poder Legislativo pode
criar regras que contenham, originariamente, novidade modificativa da ordem jurídico-formal, o que faz
68
Sem embargo, vale salientar que em consonância com o entendimento acima, o art. 2º,
da Lei nº 9.784/1999, dispõe, no caput: “A Administração Pública obedecerá, dentre outros,
aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade,
moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência”; e,
no parágrafo único, inciso I: “Nos processos administrativos serão observados, entre outros,
os critérios de atuação conforme a lei e o Direito”.
Com estas considerações, parece fora de dúvida que, mesmo na ausência de disposição
constitucional nesse sentido, o direito brasileiro adotou o princípio do primado da
Constituição, de forma a consagrar, por conseguinte, a concepção ampliada de legalidade em
nosso ordenamento, segundo a qual a Administração Pública deve obediência não apenas à lei
em sentido estrito, mas a todos os demais princípios e valores estabelecidos no texto
constitucional.
coincidir a competência da fonte legislativa com o conteúdo inovativo de suas instituições, com a consequência
de distingui-lo da competência regulamentar” (Ibidem, ibidem).
52
FONTE, Felipe Melo. Op. cit., p. 256.
53
TORRES, Silvia Faber. Op. cit., p. 37.
69
Com base nessas ideias, o autor buscou contrapor-se ao que Gustavo Zagrebelsky
denominou de “inércia mental” representada pela fórmula positivista por meio da qual se
concentrava a produção jurídica unicamente na instância legislativa, a partir do que se
pressupunha a redução do direito ao disposto na lei,57 com base numa aplicação meramente
subsuntiva dos preceitos nela estabelecidos de forma rígida, estática, supostamente completa
(completude do ordenamento), sob o fundamento de que somente assim se estaria garantindo
a segurança e a estabilidade na realização do Direito e da justiça.
O advento do neoconstitucionalismo significou, ao contrário, a busca por um método de
concretização do Direito baseado na instituição de normas fluidas, aplicáveis a cada caso
concreto da forma que melhor satisfaça a composição dos vários interesses envolvidos:
58
TORRES, Silvia Faber. Op. cit., p. 36.
59
MARTINS, Ricardo Marcondes. Função... Op. cit., 2003b, p. 225.
60
MARTINS, Ricardo Marcondes. Efeitos dos vícios do ato administrativo. São Paulo: Malheiros, 2008, p.
27-28.
71
A proposição de uma nova classificação das normas jurídicas,61 inicialmente por Ronald
Dworkin,62 sendo em seguida consolidada com Robert Alexy,63 consistiu, basicamente, na
adição dos princípios, ao lado das regras, ao conceito de norma jurídica autônoma, desta
forma “retomando a relação entre direito e moral afastada pelo positivismo jurídico com o
asseverar que o direito estaria também ligado a ideais morais, que fundamentariam
vinculativamente as decisões jurídicas.”64
Para sintetizar essa teoria, deve-se frisar, primeiramente, que “Princípios consistem na
positivação de um valor. (...) Enquanto valor possui caráter axiológico (âmbito do bom).
Quando positivado, o valor é introduzido no ordenamento por intermédio de um princípio
(âmbito do dever-ser)”65. Na assertiva de Humberto Ávila:
61
Vale ressaltar a lição de Genaro Carrió, lembrada por Ricardo Marcondes Martins, no sentido de que “as
classificações não são verdadeiras ou falsas, mas úteis ou inúteis” (MARTINS, Ricardo Marcondes. Abuso...
Op. cit., p. 14).
62
DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. 3. ed., São Paulo: Martins Fontes, 2010, p. 36-46.
63
ALEXY, Robert. Teoria dos Direito Fundamentais. 2. ed., São Paulo: Malheiros Editores, 2011, p. 85-170.
64
TORRES, Silvia Faber. Op. cit., p. 100.
65
MARTINS, Ricardo Marcondes. Abuso... Op. cit., p. 18.
66
ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 12. ed. São
Paulo: Malheiros, 2011, p. 156.
67
Ricardo Marcondes Martins conceitua norma como sendo a “padronização, por meio de abstração, da
ocorrência de determinado fenômeno.” E prossegue: “A norma sempre obedece a um esquema lógico, em que o
consequente é condicionado a um antecedente – “H → C” (se a hipótese, então a consequência). Se a ligação
obedece ao princípio da causalidade, decorre de uma imposição da natureza, é chamada norma natural; se
obedece ao princípio da imputação, decorre de uma imposição humana, é chamada de norma de comportamento.
A norma jurídica é uma norma de comportamento, mas, ao contrário das normas morais e religiosas, ela autoriza
a obtenção da tutela jurisdicional. É, na feliz síntese de Godofredo Telles Jr., um imperativo autorizante.”
(MARTINS, Ricardo Marcondes. Abuso... Op. cit., p. 13).
68
Ibidem, p. 15. O autor explica que a expressão “expressões irredutíveis de manifestação do deôntico” é de
Paulo de Barros Carvalho (CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: Fundamentos jurídicos da
incidência. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 17).
72
caráter prima facie.”69 Com efeito, na medida em que consistem em valores positivados, os
princípios têm como característica fundamental a relatividade, ou seja, o seu conteúdo está
sempre em estado de tensão em relação aos demais princípios reconhecidos pelo ordenamento
jurídico, pelo que sua importância e realização variam de acordo com as circunstâncias em
cada contexto a que se refere. Sobre a distinção entre essas duas espécies de normas jurídicas,
Ricardo Marcondes Martins observa:
Dessa noção, aliás, exsurge o outro aspecto crucial para entender a relação entre a
evolução do conceito de princípio jurídico e a legalidade, a qual diz respeito ao modo de
aplicação de regras e princípios como espécies de normas jurídicas. Esse tema será objeto de
análise do tópico seguinte.
74
Ibidem, p. 20.
74
caso a resposta que ela fornece deve ser aceita, ou não válida, e neste caso em nada contribui
para a decisão.”75
A aplicação das regras, portanto, se baseia precipuamente no método da subsunção, que
corresponde à necessária verificação da perfeita adequação entre os fatos ocorridos no mundo
fenomênico e a hipótese prevista na norma. Em outras palavras, para que uma regra seja
aplicada, “o jurista precisa identificar no mundo real a ocorrência dos fatos descritos na
hipótese normativa”.76
Doutrina Robert Alexy77 que normalmente não há meio termo na aplicação da regra. Por
isso, diz-se que é válida ou não. Em sendo válida, uma vez ocorridos os fatos descritos na
hipótese, deverá ser aplicada. Ao contrário, se for inválida, não deverá ser aplicada. O
comando normativo que ela encerra é, quase sempre, definitivo. “Quase sempre” porque a
definitividade da regra pode ser flexibilizada pela existência de uma exceção no sistema
jurídico, inserida por outra regra. Disso decorre uma conclusão importante: em caso de
conflito de regras, em não se verificando uma exceção no ordenamento jurídico, uma delas
necessariamente deve ser considerada inválida para que a outra seja aplicada. A “decisão é
uma decisão de validade.”78
Essa noção encaixa-se perfeitamente no esquema “se o fato, deve ser a consequência”,
ideia central da subsunção, a qual corresponde ao princípio da imputação que, por sua vez,
nada mais é que a incorporação do princípio da causalidade, proveniente da física clássica, ao
universo do Direito.79 A própria concepção do Direito e sua aplicação basearam-se durante
anos na existência de apenas um tipo de normas jurídicas, as regras, e sua aplicação por meio
da subsunção, com especial destaque para a doutrina positivista de Hans Kelsen, consagrado
como o jurista de maior influência de seu tempo.80 Com base nesse modelo jurídico, como se
viu, a legalidade se consolidou no Estado Liberal e no Estado Social.
Contudo, a partir da identificação dos princípios como “mandamentos de otimização”,
os quais determinam que os valores neles consignados devem ser realizados na maior medida
possível, a depender do contexto fático e jurídico em que se encontram, evidenciando-se
75
DWORKIN, Ronald. Op. cit., p. 39.
76
MARTINS, Ricardo Marcondes. Abuso... Op. cit., p. 32.
77
ALEXY, Robert. Teoria…Op. cit., p. 92.
78
Ibidem, p. 93.
79
MARTINS, Ricardo Marcondes. Abuso... Op, cit., p. 34. Com essas considerações, o autor lembra que Hans
Kelsen (KELSEN, Hans. Causalidade e imputação. In: O que é Justiça? Trad. Luis Carlos Borges. 3. ed. São
Paulo: Martins Fontes, 2001, p. 323-348) esforçou-se para distinguir os princípios da imputação e da
causalidade, no que, opina, não obteve êxito, vez que, sem embargo da diferença substancial entre ser e dever-
ser, “parece evidente que o princípio da imputação, nos termos descritos por Kelsen – se o fato, então deve-ser a
consequência –, segue o juízo da causalidade – se o fato, é a consequência.”
80
A obra prima de Hans Kelsen, “Teoria Pura do Direito”, foi lançada em 1934.
75
assim o seu caráter prima facie e sua relatividade em razão dos demais princípios coexistentes
no ordenamento jurídico, notou-se que a simples observância do esquema “se a hipótese, deve
ser a consequência”, isto é, a subsunção, era insuficiente para concretizá-los plenamente,
motivo pelo qual se fez necessário conceber uma nova forma de aplicação dessa espécie de
norma jurídica autônoma.
A partir daí, Robert Alexy, ao extrair da própria natureza dos princípios a “inexistência
de relação absoluta de precedência” e “sua referência a ações e situações que não são
quantificáveis”, enuncia a “lei de colisão”: “As condições sob as quais um princípio tem
precedência em face de outro constituem o suporte fático de uma regra que expressa a
consequência jurídica do princípio que tem precedência”.81
Dela decorre que eventual colisão entre princípios não determina que um dos princípios
colidentes deverá ser invalidado, nem que deverá ser instituída uma exceção. Ocorrerá apenas,
consideradas as circunstâncias fáticas, a precedência de um dos princípios em relação ao
outro, em função da atribuição ao primeiro de um peso maior, especificamente naquele
determinado caso concreto em exame, não significando isso que, diante de condições
diferentes em um novo caso de colidência entre os mesmos princípios, não possa se inverter a
ordem de prevalência entre ambos.82 A isso Robert Alexy chamou de “relação de precedência
condicionada”,83 cujo desdobramento natural se traduz no seguinte:
Esse exercício de atribuição de diferentes pesos aos princípios em colisão é regido pela
“lei de ponderação”: “Quanto maior for o grau de não-satisfação ou de afetação de um
princípio, tanto maior tem que ser a satisfação do outro”.85 Assim, a ponderação vem se somar
à subsunção como método de aplicação das normas jurídicas, consistindo no modo de
aplicação por excelência dos princípios e representando um novo paradigma para a aplicação
do próprio Direito:
81
ALEXY, Robert. Teoria… Op. cit., p. 99.
82
Ibidem, p. 93-94.
83
Ibidem, p. 96.
84
Ibidem, p. 97.
85
Ibidem, p. 167.
76
86
TORRES, Silvia Faber. Op. cit., p. 104-105.
87
Cf. ÁVILA, Humberto. Teoria... Op. cit., p. 145-156. O autor explica que “A compreensão do Direito
pressupõe também a implementação de algumas condições. Essas condições são definidas como postulados
normativos aplicativos, na medida em que se aplicam para solucionar questões que surgem com a aplicação do
Direito...” (Op. cit., p. 145).
88
Cf. TORRES, Silvia Faber. Op. cit., p. 91.
89
Cf. ÁVILA, Humberto. Teoria... Op. cit., p. 155. Sobre a classificação dos postulados aplicativos normativos
proposta pelo autor, vide ÁVILA, Humberto. Teoria... Op. cit., p. 154 et seq.
90
Sobre a razoabilidade, Humberto Ávila aponta, em síntese, que, dentre várias acepções, três se destacam:
“Primeiro, a razoabilidade é utilizada como diretriz que exige a relação das normas gerais com as
individualidades do caso concreto, quer mostrando sob qual perspectiva a norma deve ser aplicada, quer
indicando em quais hipóteses o caso individual, em virtude de suas especificidades, deixa de enquadrar na norma
geral. Segundo, a razoabilidade é empregada como diretriz que exige uma vinculação das normas jurídicas com
o mundo ao qual elas fazer referência, seja clamando a existência de um suporte empírico e adequado a qualquer
ato jurídico, seja demandando uma relação congruente entre a medida adotada e o fim a que ela pretende tingir.
Terceiro, a razoabilidade é utilizada como diretriz que exige a relação de equivalência entre duas grandezas”
(ÁVILA, Humberto. Teoria... Op. cit., p. 164).
91
Em relação à proporcionalidade, sintetiza o autor: “O postulado da proporcionalidade exige que o Poder
Legislativo e o Poder Executivo escolham, para a realização de seus fins, meios adequados, necessários e
proporcionais. Um meio é adequado se promove o fim. Um meio é necessário se, dentre todos aqueles meios
igualmente adequados para promover o fim, for o menos restritivo em relação aos direitos fundamentais. E um
meio é proporcional, em sentido estrito, se as vantagens que promove superam as desvantagens que provoca. A
aplicação da proporcionalidade exige a relação de causalidade entre meio e fim, de tal sorte que, adotando-se o
meio, promove-se o fim” (ÁVILA, Humberto. Teoria... Op. cit., p. 171).
77
elementos em colisão e quais os critérios para hierarquizar um princípio frente a outro no caso
concreto”, o que “pode levar ao subjetivismo do aplicador da lei e, por conseguinte, a um
verdadeiro decisionismo.”92
Entretanto, lembra Silvia Faber Torres que, ante a constatação de que a ponderação é
uma realidade inevitável no Direito, esforços doutrinários e jurisprudenciais têm sido feitos no
sentido de conferir maior racionalidade e objetividade ao processo ponderativo, destacando-se
dentre esses esforços a “teoria das três etapas”, atribuída ao Tribunal Federal da República
Alemã93 e descrita por Humberto Ávila da seguinte maneira:
92
TORRES, Silvia Faber. Op. cit., p. 104.
93
Ibidem, p. 105.
94
ÁVILA, Humberto. Teoria... Op. cit., p. 156.
95
TORRES, Silvia Faber. Op. cit., p. 104.
96
Ibidem, p. 107. A autora registra a opinião de José Joaquim Gomes Canotilho (CANOTILHO, J. J. Gomes.
Jurisdicción Constitucional y Nuevas Inquietudes Discursivas. Del Major Método a la Mejor Teoria. In:
Fundamentos nº 04 – La Rebelión de las Leyes. Junta General del Principado des Asturias, 2006, p. 432), que
considera um retrocesso jurídico-metódico a tentativa de neutralização da “abertura principal da ordem jurídico-
constitucional” em nome da segurança jurídica, legitimidade e aceitabilidade racional, “o problema não está no
‘modelo de princípios’ nem na ponderação metódica de princípios. O risco de ‘oportunismo casuístico’ espreita,
sim, quando a justiça constitucional se torna refém das contingências do caso concreto e das escolhas aleatórias
dos operadores do direito” (TORRES, Silvia Faber. Op. cit., p. 105).
78
97
Ibidem, p. 92.
98
Ibidem, p. 86.
99
MARTINS, Ricardo Marcondes. Função... Op. cit., 2003a, p. 188. Os conceitos de “norma de
comportamento” e “norma de estrutura” sobre que se apoia o autor é o enunciado por Norberto Bobbio
(BOBBIO, Norberto. Teoria geral do direito. 3. ed., São Paulo: Martins Fontes, 2010, p. 209), ao fazer a
distinção entre as normas jurídicas destinadas a regular o comportamento humano de forma direta, as normas de
comportamento, e as normas de estrutura, voltadas à regulação do comportamento humano apenas de forma
indireta, vez que se prestam a ordenar a produção ou modificação das primeiras.
100
Ibidem, p. 190.
101
Ibidem, 188.
79
última.”104 Essa noção é acolhida por Ricardo Marcondes Martins, com a ressalva de que os
princípios formais não são normas de validade, mas normas de estrutura:
104
SILVA, Virgílio Afonso. Op. cit., p. 148.
105
MARTINS, Ricardo Marcondes. Abuso... Op. cit., p. 39.
106
Ibidem, p. 44 e p. 52.
107
Cf. ALEXY, Robert. Teoria… Op. cit., p. 615.
81
108
Para efeito deste estudo, não se pretende caracterizar de forma exaustiva as funções legislativa, administrativa
e jurisdicional. Para um exame aprofundado do tema, recomenda-se a leitura de MARTINS, Ricardo Marcondes.
Função... Op. cit., 2003a e Função... Op. cit., 2003b. No presente trabalho, buscou-se apenas abordar a
ponderação de princípios no âmbito do exercício das funções estatais.
109
Cf. MARTINS, Ricardo Marcondes. Função... Op. cit., 2003a, p. 201.
110
Ibidem, p. 200. O autor observa que a abstração tem que ser bem compreendida no contexto da ponderação
efetuada no exercício função legislativa. Segundo afirma, “o legislador age num plano abstrato, mas também
tem, diante de si, um caso concreto. Ele atua num cenário histórico-social definido.” (MARTINS, Ricardo
Marcondes. Função... Op. cit., 2003a, p. 201).
111
Ibidem, ibidem.
82
112
Ibidem, p. 229.
113
Nesse sentido é a conclusão de Ricardo Marcondes Martins (Op. cit., Função... 2003b, p. 229).
83
114
Silvia Faber Torres lembra que o conflito de regras, em geral, se resolve no plano da validade e cita como
exemplos os casos de derrogação de leis gerais em face de leis especiais e de leis anteriores em face de leis
posteriores (TORRES, Silvia Faber. Op. cit., p. 102).
84
115
MARTINS, Ricardo Marcondes. Função... Op. cit., 2003b, p. 226-227. Segundo o autor: “A ponderação em
abstrato é privativa da função legislativa, a Administração só pode efetuar ponderações em concreto, jamais
ponderações em abstrato; há um princípio formal no sistema, decorrente da Separação dos Poderes e do princípio
da legalidade, que dá à ponderação efetuada pelo legislador uma espécie de primazia. Por força desta última
consequência, ao princípio concretizado pela lei acrescenta-se o peso de um princípio formal cuja diretriz
estabelece que as ponderações do legislador devem ter primazia. Somente se, no caso concreto, o peso do
princípio oposto for maior que o peso do princípio concretizado pela lei somado ao peso do referido princípio
formal é que a ponderação efetuada pelo legislador poderá ser afastada. O grande parâmetro, aqui, é a
razoabilidade: deve existir um certo consenso de que o princípio colidente é mais pesado.”
116
Ibidem, p. 205.
117
Ibidem, p. 229.
85
Em face de todas essas considerações, pode-se concluir que, embora permita decisões
específicas para cada caso concreto, isto é, não previamente estabelecidas de forma geral e
abstrata pelo legislativo, a aplicação do Direito mediante ponderação, inclusive no que
respeita às regras, dentre elas as leis, não compromete a estabilidade e a segurança jurídica
como pressupostos do Estado de Direito, nem atenta contra os direitos fundamentais e demais
valores decorrentes da vontade popular, os quais continuam garantidos no sistema jurídico-
constitucional por meio do princípio formal da primazia das ponderações efetuadas pelo
legislativo e da reserva legal.
O sistema jurídico-constitucional brasileiro, que institui um Estado Democrático de
Direito, abriga sem dúvidas a aplicação do Direito mediante a combinação da ponderação e da
subsunção e, desta maneira, também acolhe essa nova concepção neoconstitucional da
legalidade, visto que, em primeiro lugar, se apresenta como um sistema pródigo em normas
principiológicas, de natureza marcadamente axiológica e que, nesse sentido, somente podem
ser corretamente aplicadas se compreendidas dentro de um sistema, onde coexistem direitos e
interesses de natureza fluída, em constante situação de tensão recíproca, e que, por isso,
requerem um método de aplicação aberto, como de resto é a ponderação.118
O neoconstitucionalismo é uma realidade e como modelo jurídico-constitucional parece
o sistema mais adequado para dar suporte ao Estado Democrático de Direito, vez que propõe
a elevação dos valores democráticos ao nível constitucional, e, assim, possibilita a efetividade
da participação popular, bem como, consequentemente, do controle da atuação estatal,
inclusive no que se refere exercício da função legislativa, em sua busca pela realização da
justiça por meio do Direito. Além disso, parece inconteste que se trata do modelo jurídico-
constitucional adotado pelas Constituições atuais, inclusive a Constituição Federal de 1988.
118
Ricardo Marcondes Martins apresenta três ordens os fundamentos que embasam essa conclusão. Segundo o
autor, O fundamento normativo decorre de uma peculiaridade da Constituição Brasileira (...). Basta uma rápida
leitura do texto constitucional para perceber a adoção irrestrita de uma concepção principiológica do Direito. (...)
A conflituosidade e consequente necessidade de ponderação são ínsitas a essa espécie normativa. Disso se extrai
que o próprio sistema constitucional brasileiro exige uma teoria do Direito voltada para as peculiaridades dos
princípios jurídicos, e a concepção alemã descrita é a que se mostra mais condizente com essa exigência”.
Ademais, conforme o fundamento técnico: “num sistema em que vigora uma série de princípios em constante
colisão, cumprir a lei de ofício é impossível sem a preconizada ponderação. Do ponto de vista técnico, portanto,
as soluções defendidas pela concepção alemã são plenamente aceitas pela doutrina e pela jurisprudência
brasileiras, sem, no entanto, uma fundamentação clara”. Por fim, o autor se refere a um argumento prático,
extrajurídico, porém aceito porque voltado para uma realidade: “se o povo europeu viu-se forçado a desenvolver
concepções teóricas de enfraquecimento do poder parlamentar, por não confiar plenamente em seus Parlamentos,
como negar existência no povo brasileiro de igual ou maior desconfiança em seu Legislativo, legitimadora de
concepções similares?” (MARTINS, Ricardo Marcondes. Função... Op. cit., 2003b, p. 228).
86
CONCLUSÕES
9. Dessa natureza relativa, fluida dos princípios, também denominada prima facie,
decorre a segunda distinção entre princípios e regras, concernente ao modo de aplicação:
regras se aplicam mediante processo de subsunção, representado pelo esquema lógico “se a
hipótese, dever ser a consequência”, logo, desde que válidas, devem ser aplicadas. Sua
aplicação é, a priori, mais simples, pois, como se viu, os comportamentos dela decorrentes já
estão previamente descritos. Normalmente, em caso de conflitos entre regras, verificada a
inexistência no ordenamento de uma norma de exceção, necessariamente uma delas deve ser
declarada inválida para que a outra possa subsistir.
10. Princípios se aplicam, primeiramente, mediante subsunção, mas, por não
estabelecerem os meios pelos quais os fins que carregam devem ser alcançados, dependem
também da ponderação, consistente no processo de apuração dos princípios em estado de
tensão recíproca, atribuição de diferentes pesos a cada um deles com base nas circunstâncias
fáticas verificadas no caso concreto e, somente a partir daí, determinação do princípio
prevalecente e dos meios que devem ser adotados para concretizá-lo.
11. A evolução dessa teoria consiste no seguinte: regras também podem, eventualmente,
ser aplicadas mediante ponderação e, dessa maneira, é possível a ocorrência de situações em
que regras nem sempre exigirão o seu cumprimento pleno, mesmo diante da inexistência de
uma norma de exceção no sistema e sem que se tenha necessariamente de declará-las
inválidas.
12. Isto porque as regras são resultado da incidência dos princípios, visto que estes têm
natureza de normas de estrutura de dupla estrutura, ou seja, a sua incidência ou decorre da
edição de uma norma jurídica ou causa essa edição, daí decorrendo que toda regra é a
concretização de um princípio. Nesse sentido, um conflito de regras, quase sempre, é também
um conflito entre princípios e, nesse âmbito, a ponderação entre os princípios colidentes pode
determinar que a regra concretizadora do princípio menos pesado no caso concreto pode ser
parcial ou totalmente afastada pela regra concretizadora do princípio mais pesado ou
simplesmente afastada por este.
13. O processo de afastamento da incidência de uma regra, no entanto, é extremamente
complexo e requer um exame minucioso de todas as razões jurídicas envolvidas, inclusive, no
que respeita à observância dos princípios formais presentes no ordenamento jurídico, que
determinam a prevalência das ponderações efetuadas pelo constituinte e pelo legislador, a fim
de garantir a legitimidade das decisões democraticamente tomadas.
14. Fato é que a ponderação assume lugar de destaque na compreensão e aplicação do
Direito na atualidade, tendo em vista consistir na forma mais adequada de conformar os
89
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