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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

LÉA ÉMILE MACIEL JORGE DE SOUZA

Os Limites da Atuação da Justiça Constitucional


no Constitucionalismo Contemporâneo

MESTRADO EM DIREITO

SÃO PAULO
2013
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
LÉA ÉMILE MACIEL JORGE DE SOUZA

Os limites da atuação da Justiça Constitucional


no Constitucionalismo Contemporâneo

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da


Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
como exigência parcial para a obtenção do título
de MESTRE em DIREITO DO ESTADO,
subárea Direito Constitucional, sob a orientação
da Professora Doutora Flávia Cristina Piovesan.

SÃO PAULO
2013
LÉA ÉMILE MACIEL JORGE DE SOUZA

Os Limites da Atuação da Justiça Constitucional


no Constitucionalismo Contemporâneo

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da


Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
como exigência parcial para a obtenção do título
de MESTRE em DIREITO DO ESTADO,
subárea Direito Constitucional, sob a orientação
da Professora Doutora Flávia Cristina Piovesan.

Aprovado em: _____________

Profa. Dra. Flávia Cristina Piovesan (orientadora)


Instituição: PUC-SP Assinatura_______________________

Prof. Dr.______________________________________________________
Instituição:___________________ Assinatura_______________________

Prof. Dr.______________________________________________________
Instituição:___________________ Assinatura_______________________
Para Bruno, dedico este
trabalho com todo o meu
amor.
AGRADECIMENTOS

Deixo registrado o meu agradecimento à Professora Flávia Piovesan pela sua


atenciosa orientação que me foi de inestimável auxílio na elaboração desse trabalho e
pela constante motivação ao estudo dos Direitos Humanos.
Agradeço também à Professora Maria Garcia, não só pelos valiosos
ensinamentos ministrados em suas deliciosas aulas e que vão muito além do ensino
jurídico, mas também pela sua inesgotável atenção e disponibilidade prestadas aos seus
discípulos e pelo exemplo de dedicação, disciplina e sabedoria que repassa aos alunos e
que me serviram de inspiração sempre;
Ao Professor André Ramos Tavares, que considero o expoente do Direito
Constitucional atual, pela sua permanente disponibilidade para o diálogo e o debate,
pelos constantes estímulos ao aprofundamento do estudo, da pesquisa e pelas
fundamentais lições ministradas em suas aulas que proporcionaram o desenvolvimento
e o amadurecimento das ideias trazidas ao presente estudo;
Ao professor Antônio Carlos Mendes por ter estimulado o aprofundamento dos
meus estudos nas áreas de Filosofia do Direito e Filosofia do Direito Constitucional,
pois suas aulas me fizeram enxergar a necessidade de debater tais matérias antes de
pretender debater qualquer outro assunto;
Ao meu marido, Bruno, por ter se dedicado a este mestrado tanto quanto eu,
tomando para si todas as responsabilidades inerentes à rotina que não estivessem
relacionadas à vida acadêmica, permitindo que eu dedicasse todo o tempo livre aos
estudos. Agradeço-o, também, por ser um verdadeiro companheiro, sempre ao meu
lado, incentivando os meus projetos, nunca me permitindo desanimar e por ser o meu
porto seguro, a pessoa responsável por me proporcionar um ambiente pleno de paz,
tranquilidade, carinho, atenção, enfim, de amor;
Ao meu irmão e amigo, Salviano, que me deixa feliz simplesmente pela sua
presença constante, na verdade, diária, em minha vida; pelas ligações intermináveis que
encurtam a distância física que nos separa e estimular sempre o meu desenvolvimento
acadêmico e o meu crescimento profissional;
Ao meu amado irmão, Matteo, que, com o seu nascimento, despertou o meu
senso de responsabilidade e, agora, é um exemplo para mim e a todos com a sua
disciplina e dedicação aos seus objetivos;
À minha mãe, responsável por desenvolver e estimular sempre o meu espírito
crítico e o meu apreço pelo Direito e por ter o mérito de influenciar a formação em mim
de uma personalidade caracterizada pela persistência e determinação;
Aos meus avós maternos, sempre presentes na minha vida, por proporcionarem
uma infância feliz e uma adolescência tranquila, dando lições de amor incondicional;
Por fim, agradeço aos meus amigos, optando por não nomeá-los para não
cometer alguma falta, sempre tão presentes em minha vida e me instigando a ser uma
pessoa melhor.
RESUMO

Esta dissertação tem por objetivo analisar as mudanças que o Constitucionalismo


Contemporâneo operou na forma de atuação da Justiça Constitucional, bem como os
limites de atuação desse órgão face a um novo paradigma. A jurisdição constitucional
concentrada, de inspiração kelseniana, foi idealizada sobre a base de uma função
exclusiva: o exercício monopolizado do controle de constitucionalidade. O fato é que
essa jurisdição constitucional foi pensada para um Estado que tem por base uma
Constituição desprovida de carga axiológica e que seria apenas o fundamento de
validade do ordenamento jurídico. Hoje, a maioria dos Estados possui Constituições que
asseguram direitos e garantias fundamentais e incorporam valores, por meio dos
princípios, não podendo a tarefa de defesa da Constituição do Tribunal Constitucional
ser apenas a de um legislador negativo, quando surgirem normas que ofendam
diretamente a Constituição. A nova configuração do Direito Constitucional, no marco
do Constitucionalismo Contemporâneo, pede um Tribunal Constitucional que auxilie na
concretização da Constituição em toda a sua materialidade. Assim, a figura do Tribunal
Constitucional não pode mais ser identificada com a de um órgão autônomo com
relação aos demais Poderes e que exerce apenas o controle de constitucionalidade e de
forma exclusiva. A necessidade de garantir a concretização da Constituição em toda a
sua materialidade fez com que à função de controle de constitucionalidade exercida pelo
Tribunal Constitucional (função estruturante) fossem agregadas outras, tais como a
interpretativa e de enunciação da Constituição; a arbitral; a legislativa; a governativa; e
a “comunitarista”. No entanto, todas devem ser exercidas dentro de certos limites para
que a Justiça Constitucional não desrespeite a conformação funcional estatuída pela
Constituição e para que haja um exercício compartilhado de concretização
constitucional entre todos os órgãos do Estado.

Palavras-chave: Jurisdição Constitucional. Funções. Limites. Constitucionalismo


Contemporâneo. Direitos Fundamentais. Concretização Constitucional.
ABSTRACT

This study aims to analyze the changes that the so-called contemporary
constitutionalism operated in the form of performance of constitutional justice. The
concentrated constitutional jurisdiction inspired in Kelsen ideas, was designed on the
basis of a single unique function: the exercise of judicial review in a monopolized form.
The fact is that this constitutional jurisdiction was designed for a state that is based on a
Constitution devoid of axiological load and it would just be the foundation of the legal
validity. Today, most States have Constitutions that guarantee fundamental rights and
guarantees and incorporate values through the principles, so the task of defending the
Constitution of the Constitutional Court can not just be a task of negative legislator,
when arise new regulations that directly offend the Constitution. The new configuration
of Constitutional Law, in the context of contemporary constitutionalism, asks for a
Constitutional Court to assist in the implementation of the Constitution in all its
materiality. Thus, the figure of the Constitutional Court can not be identified with an
autonomous agency with respect to the other powers that has one only duty: do the
judicial review in a monopolized way. The need to guarantee the implementation of the
Constitution in all its materiality made the Constitutional Court play another function
beyond the judicial review (called structuring function), were aggregated other
functions, such as interpretive and enunciation of constitutional laws; arbitration;
legislation; governance; and "communitarian". However, such functions shall be
performed within certain limits so that the Constitutional Court does not infringe the
functional conformation imposed by the Constitution and in that way become possible a
shared exercise of the constitutional implementation between all the organs of the State.

Keywords: Constitutional Jurisdiction. Functions. Limits. Contemporary


constitutionalism. Fundamental Rights. Constitutional Concretion.
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO 10

2 DO SURGIMENTO E DO DESENVOLVIMENTO DO
CONSTITUCIONALISMO 15

2.1 Aspectos Introdutórios: Adoção de um Conceito de Constituição 15


2.2 Acepções do Termo Constitucionalismo 21
2.3 Conceito de Constitucionalismo 23
2.4 Constitucionalismo na Antiguidade 25
2.4.1 Constitucionalismo hebreu 27
2.4.2 Constitucionalismo grego 27
2.4.3 Constitucionalismo romano 29
2.5 Ressurgimento do Constitucionalismo na Inglaterra 30
2.6 Constitucionalismo na Era moderna 35
2.6.1 Constitucionalismo francês 36
2.6.2 Constitucionalismo norte-americano 41

3 O CONSTITUCIONALISMO CONTEMPORÂNEO 45

3.1 Marco Histórico 52


3.2 Marco Filosófico 54
3.2.1 Ascensão e decadência do direito natural 54
3.2.2 Ascensão e decadência do positivismo 57
3.2.3 O pós-positivismo 61
3.2.3.1 Alteração na teoria das fontes do Direito com o reconhecimento
da diferença qualitativa entre princípios e regras e da normatividade
dos princípio 63
3.2.3.2 Retomada da importância da argumentação jurídica 66
3.2.3.3 O surgimento de uma nova hermenêutica 71
3.2.3.4 Desenvolvimento de uma teoria dos direitos fundamentais edificada
sobre a dignidade da pessoa humana 74
3.2.3.4.1 A dignidade da pessoa humana como base da teoria dos direitos
fundamentais 77
3.3 Marco Teórico 78
3.3.1 Força normativa da Constituição 79
3.3.2 Supremacia e rigidez constitucional e a expansão da jurisdição
constitucional 82
3.3.3 A nova interpretação constitucional 84

4 O DESENVOLVIMENTO DA JUSTIÇA CONSTITUCIONAL 89

4.1 Judicial Review e o Modelo Norte-Americano 93


4.1.1 A concepção de Hamilton e o paradigmático caso Marbury v. Madison 94
4.1.2 As limitações instituídas ao judicial review 98
4.2 Tribunal Constitucional e o Modelo Europeu 100
4.2.1 Antecedentes históricos 100
4.2.2 O modelo de controle concentrado idealizado por Hans Kelsen 101
4.2.3 Principais características do Tribunal Constitucional em sua concepção
originária 106
4.3 A Dimensão Funcional da Justiça Constitucional 108
4.3.1 Função de interpretação e de enunciação da Constituição 110
4.3.2 Função estruturante 113
4.3.3 Função arbitral 115
4.3.4 Função legislativa 116
4.3.5 Função governativa 119
4.3.6 Função “comunitarista” 121

5 OS LIMITES À ATUAÇÃO DA JUSTIÇA CONSTITUCIONAL 122

5.1 Manutenção da Separação entre Juízo de Legalidade versus Juízo de


Constitucionalidade e entre Juízo de Constitucionalidade versus decisão
Política como Limite à Atuação do Tribunal Constitucional 123
5.2 Teoria da Deference como modo padrão de atuação da Justiça
Constitucional 128
5.3 A Valorização dos Princípios e a Deturpação de Certas Categorias
Teóricas 131
5.4 Justiça Constitucional, Democracia e a Proteção dos Direitos
Fundamentais 133
5.4.1 Justiça Constitucional e proteção das minorias 137
5.5 A Justiça Constitucional entre o Procedimentalismo e o Substancialismo 139
5.6 Da Necessária Concorrência Funcional na Concretização da
Constituição 143
5.7 Formas de Intervenção da Justiça Constitucional no Âmbito Político 150
5.7.1 Sentenças interpretativas 152
5.7.2 Sentenças manipulativas 154
5.8 A Existência de um Código de Processo Constitucional como Forma
de Limitação da Atividade da Justiça Constitucional 156
5.8.1 Vantagens da codificação 158
5.8.2 Conteúdo de um Código de Processo Constitucional 161
5.8.3 Breves considerações sobre o paradigmático Código de Processo
Constitucional do Peru 162

6 CONCLUSÕES 165

REFERÊNCIAS
10

1 INTRODUÇÃO

Diante da propagação das ideologias liberais e racionalistas, fruto das grandes


revoluções do século XVIII, o Estado passou a ser compreendido como Estado de Direito.
Originalmente, o termo designava um Estado governado segundo a vontade geral da razão, ou
seja, que atuava com base nas disposições legais emanadas dos órgãos legislativos. O
surgimento do Estado de Direito significou um grande avanço em termos de limitação dos
poderes absolutos do monarca, em decorrência da adoção de documentos escritos,
denominados Constituições, reguladores e limitadores do exercício do poder político.
Juntamente com o Estado de Direito surgiram os movimentos constitucionalistas
modernos que, apesar de possuírem algumas variações, representavam, em essência, um
movimento teórico jurídico-político que visava limitar e organizar o exercício do poder a
partir da instituição de direitos e garantias aos indivíduos. Nesse momento, surgem os Estados
Constitucionais que, apesar de estarem fundados no império da lei – e serem caracterizados
como Estados de Direito –, também eram instituídos, organizados e limitados pelos
documentos constitucionais.
Sob a forte influência do positivismo jurídico e da teoria clássica do Direito, o Estado
legalista imperou por muito tempo. A norma legislada, vista como expressão da vontade
geral, era o centro do ordenamento jurídico, conferindo unidade e estabilidade ao Direito. A
validade da norma jurídica estava associada apenas ao seu aspecto formal. No século XIX,
tem início a era das codificações, sob a égide do pensamento positivista que defendia a
completude e a autossuficiência do Direito como uma ciência.
Ainda durante a fase do constitucionalismo moderno, em razão da preponderância das
ideias que pregavam a supremacia das normas constitucionais, deu-se o surgimento da Justiça
Constitucional como uma instância responsável, em sua concepção originária, por garantir a
supremacia da Constituição mediante a efetivação de um juízo de compatibilidade lógico
entre as leis ordinárias e as normas constitucionais.
Não obstante alguns avanços no âmbito do Direito Constitucional, a dogmática
jurídica permaneceu distanciada da filosofia jurídica por muito tempo e essa ausência de
reflexão acerca do papel do Direito, dos seus fundamentos de legitimidade e da necessidade
de reconhecer a influência de fatores externos no estudo jurídico lançaram as bases para a
prevalência, por mais de três séculos, das características do Direito em sua perspectiva
clássica, quais sejam: a) existência de caráter científico; b) emprego da lógica formal (daí
porque a interpretação jurídica se restringia ao método de subsunção dos fatos à norma); c)
11

pretensão de completude (eventuais lacunas deveriam ser resolvidas pela aplicação dos
costumes, pela analogia e pelos princípios gerais); d) pureza científica (que pretendia
desvincular o Direito da influência de outras ciências); e) racionalidade da lei e neutralidade
do intérprete.
Após a Segunda Guerra Mundial, porém, com a constatação de que o apego à
legalidade exacerbada permitiu o cometimento das atrocidades nazistas e fascistas, percebeu-
se que o Direito deveria se reaproximar da moral e que a lei deveria apresentar um conteúdo
valorativo válido para se legitimar como Direito. Esses valores compartilhados socialmente
estavam imbuídos nas Constituições dos Estados que deixaram de ser consideradas apenas um
documento simbólico, uma carta de intenções.
A superação histórica do jusnaturalismo, a decadência política do positivismo, o
surgimento de um pensamento pós-positivista – que, apesar de não dotado de uniformidade
dogmática, propôs uma nova forma de pensar o Direito, reaproximando-o da necessidade de
adequação a valores éticos – fez emergir uma nova forma de pensar o Direito Constitucional,
denominada de Constitucionalismo Contemporâneo ou neoconstitucionalismo1.

1
Necessário esclarecer que neste estudo adotamos a terminologia “Constitucionalismo Contemporâneo” em detrimento de
“Neoconstitucionalismo”, tendo em vista a deturpação que este último termo sofreu na doutrina brasileira nos últimos anos.
Lenio Luiz Streck exemplifica como o termo “Neoconstitucionalismo” pode dar ensejo a uma utilização deletéria dos
avanços obtidos pelo Direito Constitucional nas últimas décadas:
“Já de início devemos atentar para a seguinte questão: o termo ‘neoconstitucionalismo’ pode ter-nos levado a equívocos. Em
linhas gerais, é possível afirmar que, na trilha desse neoconstitucionalismo, percorremos um caminho que nos leva à
jurisprudência da valoração e suas derivações axiologistas, temperadas por elementos provenientes da ponderação alexyana.
Desse modo, esse belo epíteto – cunhado por um grupo de constitucionalistas espanhóis -, embora tenha representado um
importante passo para a afirmação da força normativa da Constituição na Europa continental, no Brasil, acabou por
incentivar/institucionalizar uma recepção acrítica da jurisprudência dos Valores, da teoria da argumentação de Robert Alexy
(que cunhou o procedimento da ponderação como instrumento pretensamente nacionalizador da decisão judicial) e do
ativismo judicial norte-americano, problema que será abordado mais adiante, ainda nesta introdução.
[...]
Destarte, passadas duas décadas da Constituição de 1988, e levando em conta as especificidades do direito brasileiro, é
necessário reconhecer que as características desse ‘neoconstitucionalismo’ acabaram por provocar condições patológicas que,
em nosso contexto atual, acabam para contribuir para a corrupção do próprio conceito de Constituição. Ora, sob a bandeira
‘neoconstitucionalista’ defendem-se, ao mesmo tempo, um direito constitucional da efetividade; um direito assombrado pela
ponderação de valores; uma concretização ad hoc da Constituição e uma pretensa constitucionalização do ordenamento a
partir de jargões vazios de conteúdo e que reproduzem o prefixo neo em diversas ocasiões, como: neoprocessualismo e
neopositivismo. Tudo porque, ao fim e ao cabo, acreditou-se ser a jurisdição responsável pela incorporação dos ‘verdadeiros
valores’ que definem o direito justo (vide, neste sentido, as posturas decorrentes do instrumentalismo processual).
[...]
Portanto, é possível dizer que, nos termos em que o neoconstitucionalismo vem sendo utilizado, ele representa uma clara
contradição, isto é, ele expressa um movimento teórico para lidar com um direito ‘novo’ (poder-se-ia dizer, um direito ‘pós-
Auschwitz’ ou ‘pós-bélico’, como quer Mario Losano), fica sem sentido depositar todas as esperanças de realização desse
direito na loteria do protagonismo judicial (mormente levando em conta a prevalência, no campo jurídico, do paradigma
epistemológico da filosofia da consciência).
Assim, reconheço que não faz mais sentido continuar a fazer uso da expressão ‘neoconstitucionalismo’ para mencionar
aquilo que esta obra pretende apontar: a construção de um direito democraticamente produzido, sob o signo de uma
Constituição normativa e da integridade da jurisdição.
Assim, para efeitos dessas reflexões e a partir de agora, passarei a nominar Constitucionalismo Contemporâneo (com iniciais
maiúsculas) o movimento que desaguou nas Constituições do segundo pós-guerra e que ainda está presente em nosso
contexto atual, para evitar os mal-entendidos que permeiam o termo neoconstitucionalismo.
Também é importante consignar que a ideia de um neoconstitucionalismo pode dar margem ao equívoco de que esse
movimento leva à superação de um outro constitucionalismo (fruto do limiar da modernidade). Na verdade, o
12

Surge uma nova forma de se encarar o Direito e, especialmente, o Direito


Constitucional, que passa a ser a base de toda a ciência jurídica, na medida em que a
Constituição é considerada a essência de todo o ordenamento jurídico. Há uma
constitucionalização do Direito. Nessa época, o Estado Constitucional passa a ser também
democrático e a possuir uma abertura radicada no princípio da dignidade humana. Esta, por
sua vez, possui uma expansão ilimitada, sempre passível de modificação ao longo da história.
Dessa forma, a Constituição passou a ser encarada como um documento aberto às influências
de uma sociedade plural e democrática.
Podemos afirmar, assim, que o Constitucionalismo Contemporâneo, não obstante a
existência de grande diversidade doutrinária, caracteriza-se, essencialmente, por ser o mais
recente movimento (ou momento) constitucionalista que está fundado sob uma base
democrática e pluralista, se desenvolve a partir de uma filosofia pós-positivista e tem a
pretensão de preservar a ideia de força normativa da Constituição, de expandir a atuação da
Justiça Constitucional e de continuar a desenvolver uma hermenêutica constitucional
compatível com a necessidade de concretização efetiva das normas constitucionais e da
garantia dos direitos fundamentais.
O surgimento do Constitucionalismo Contemporâneo operou inegáveis modificações
na forma de atuação da Justiça Constitucional (que antes se limitava a exercer de forma
exclusiva o controle de constitucionalidade), bem como nos limites de atuação desse órgão
face a esse novo paradigma. Tendo em vista o fato de que a maioria dos Estados passou a ser
regido por Constituições que asseguram direitos e garantias fundamentais e que incorporam
valores por meio dos princípios, ocorreu uma expansão das categorias funcionais da Justiça
Constitucional. O Tribunal Constitucional deixou de ser o órgão responsável apenas por
exercer a função de legislador negativo, quando surgissem normas que ofendessem
diretamente a Constituição.
A nova configuração do Direito Constitucional, no marco do Constitucionalismo
Contemporâneo, demandou um Tribunal Constitucional que auxiliasse na concretização da
Constituição em toda a sua materialidade. Assim, a figura do Tribunal Constitucional não
pode mais ser identificada com a de um órgão autônomo em relação aos demais Poderes que
exerce apenas o controle de constitucionalidade e de forma exclusiva. A necessidade de
garantia da concretização da Constituição em toda a sua materialidade fez com que à função
de controle de constitucionalidade exercida pelo Tribunal Constitucional (chamada

Constitucionalismo Contemporâneo conduz simplesmente a um processo de continuidade com novas conquistas, que passam
a integrar a estrutura do Estado Constitucional no período posterior à Segunda Guerra mundial”. (STRECK, 2011, p.36-37)
13

estruturante) fossem agregadas outras, tais como a interpretativa e de enunciação da


Constituição; a arbitral; a legislativa; a governativa; e a “comunitarista”.
Houve um certo deslocamento do centro de decisão que antes pertencia,
exclusivamente, ao Legislativo (no Estado Liberal) e depois ao Executivo (no Estado social)
para o Judiciário (no Estado Democrático de Direito). Esse deslocamento não advém da
existência de um proclamado protagonismo judicial, mas de um reposicionamento do
Judiciário, especialmente da Justiça Constitucional, frente às necessidades advindas da
elaboração de Constituições contemporâneas que preveem a necessidade de concretização de
uma série de direitos e garantias fundamentais e do cumprimento das mais diversas normas de
conteúdo programático.
A ampliação das funções da Justiça Constitucional decorreu da abertura semântica das
Constituições contemporâneas, que passaram a contemplar diversos princípios de direitos
humanos e uma vinculação do Legislativo aos direitos fundamentais, retirando do espaço de
decisão política direitos que não poderiam ser suprimidos. No entanto, essa nova competência
funcional da Justiça Constitucional deve ser exercida dentro de limites para não haver
desrespeito à conformação funcional estatuída pela Constituição mas sim um exercício
compartilhado, entre os diversos órgãos dos Estado, para concretizar a Constituição.
Assim, este estudo se propõe a analisar quais foram os avanços mais relevantes
incorporados ao estudo do Direito Constitucional, em razão das inovações trazidas pelo
Constitucionalismo Contemporâneo, bem como a evolução do papel da Justiça Constitucional
ao longo dos anos, com foco especial no alargamento de suas categorias funcionais. Ademais,
diante da interação peculiar e das tensões entre a atividade legislativa e a exercida pela Justiça
Constitucional, também consideramos necessário verificar os limites de atuação do Tribunal
Constitucional, quando exerce as suas funções típicas, para concretizar a Constituição,
implementando direitos fundamentais, sem invadir o âmbito de atuação dos demais órgãos do
Estado.
Para atingir o objetivo a que se propõe, nosso estudo se estrutura em quatro capítulos.
O primeiro aborda de forma histórico-descritiva o processo evolutivo e as diversas fases pelas
quais passou o constitucionalismo, da Antiguidade à modernidade, com especial destaque
para os movimentos constitucionais desenvolvidos na Inglaterra, na França e nos Estados
Unidos. O segundo analisa o momento atual no qual se encontra o constitucionalismo,
chamado Constitucionalismo Contemporâneo, abordando os marcos histórico, filosófico e
teórico, como formas de caracterizar adequadamente o fenômeno. O terceiro capítulo é
dedicado à análise da Justiça Constitucional, com foco na descrição de suas origens e
14

evolução, na abordagem das suas principais características e categorias fundamentais. O


capítulo final tem por objetivo analisar as repercussões dos avanços do Constitucionalismo
Contemporâneo na atuação funcional da Justiça Constitucional, estudar os limites da atuação
do Tribunal Constitucional, como uma forma de evitar o desrespeito à conformação
constitucional das competências e de privilegiar uma concorrência funcional na concretização
da Constituição entre os diversos órgãos do Estado.
15

2 DO SURGIMENTO E DO DESENVOLVIMENTO DO CONSTITUCIONALISMO

2.1 Aspectos Introdutórios: Adoção de um Conceito de Constituição

Antes de iniciarmos o estudo do constitucionalismo em si, dada a intrínseca relação


entre os dois institutos, é necessário analisarmos e adotarmos um conceito de Constituição.
Conforme especificaremos adiante, o constitucionalismo se consubstancia em uma
teoria ou ideologia2 que se desenvolveu e evoluiu ao longo da história humana e cujo objeto é
limitar e regular o exercício do poder político e garantir os direitos individuais, em certa
comunidade e época determinadas. Em outras palavras, o objeto do constitucionalismo seria
promover a ordem social, ou seja, propiciar a instituição de uma Constituição3.
Importante observar que o vocábulo “constituição” não é de fácil conceituação, na
medida em que possui natureza polissêmica. José Afonso da Silva chama a atenção para a
multiplicidade de sentidos que lhe podem ser atribuídos

2
Conforme será exposto, em seguida, há quem apresente o constitucionalismo, não como uma teoria ou ideologia, mas
técnica, movimento, sistema normativo ou um conjunto de instituições e princípios etc.
3
Para Karl Loewenstein, a Constituição deve conter os seguintes elementos fundamentais: “1. La diferenciación de las
diversas tareas estatales y su asignación a diferentes órganos estatales o detentadores de poder para evitar la concentración
del poder en las manos de un único y autocrático detentador del poder. 2. Un mecanismo planeado que establezca la
cooperación de los diversos detentadores del poder. Los dispositivos y las instituciones en forma de frenos y contrapesos –
los checks and balances, familiares a la teoría constitucional americana y francesa –, significan simultáneamente una
distribución y, por tanto, una limitación del ejercicio del poder político. 3. Un mecanismo, planeado igualmente con
anterioridad, para evitar los bloqueos respectivos entre los diferentes detentadores del poder autónomos, con la finalidad de
evitar que uno de ellos, caso de no producirse la cooperación exigida por la constitución, resuelva el impasse por sus propios
medios, esto es, sometiendo el proceso del poder a una dirección autocrática. Cuando, finalmente, bajo el impacto de la
ideología democrática de la soberanía popular del pueblo, el constitucionalismo alcanzó el punto en el cual el árbitro supremo
en los conflictos entre electorado soberano, la idea originaria del constitucionalismo liberal quedó completa en la idea de
constitucionalismo democrático. 4. Un método, también establecido de antemano, para la adaptación pacífica del
ordenamiento fundamental a las cambiantes condiciones sociales y políticas – el método racional de la reforma constitucional
– para evitar el recurso a la ilegalidad, a fuerza o a la revolución. 5. Finalmente, la ley fundamental debería contener un
reconocimiento expreso de ciertas esferas de autodeterminación individual – los derechos individuales y libertades
fundamentales –, y su protección frente a la intervención de uno o todos los detentadores del poder. Que este punto fuese
reconocido en una primera época del desarrollo del constitucionalismo es un signo de su específico telos liberal. Junto al
principio de la distribución y, por lo tanto, limitación del poder, estas esferas absolutamente inaccesibles al poder político se
han convertido en el núcleo de la constitución material” (LOEWENSTEIN, 1979, p.153-154). Tradução livre: “1. A
diferenciação das várias tarefas estatais e sua atribuição a diferentes órgãos do Estado ou detentores de poder para evitar a
concentração do poder nas mãos de um único titular, autocrático do poder. 2. Um mecanismo planejado que estabeleça a
cooperação dos vários detentores do poder. Os dispositivos e instituições na forma de freios e contrapesos – os checks and
balances, familiares à teoria constitucional americana e francesa – significam, simultaneamente, uma distribuição e, portanto,
uma limitação do exercício do poder político. 3. Um mecanismo, planejado igualmente com antecedência, para evitar os
bloqueios respectivos entre os diferentes e autônomos detentores do poder, a fim de evitar que um deles, caso não produza a
cooperação exigida pela Constituição, resolva o impasse por seus próprios meios, isto é, submetendo o processo de poder a
uma direção autocrática. Quando, finalmente, sob o impacto da ideologia democrática da soberania popular do povo, o
constitucionalismo atingiu o ponto em que o árbitro supremo em disputas entre eleitorado soberano, a ideia original do
constitucionalismo liberal estava completa com a ideia de constitucionalismo democrático. 4. Um método, também é
estabelecido com antecedência, para a adaptação pacífica do ordenamento fundamental às mudanças das condições sociais e
políticas – o método racional de reforma constitucional – para evitar o recurso à ilegalidade, à força ou a revolução. 5.
Finalmente, a lei fundamental deveria conter um reconhecimento expresso de certas esferas de autodeterminação individual –
os direitos individuais e liberdades fundamentais – e sua proteção contra a intervenção de um ou de todos os detentores do
poder. Que este ponto fosse reconhecido em uma primeira etapa do desenvolvimento do constitucionalismo é um sinal
específico de seu telos liberal. Juntamente com o princípio da distribuição e, portanto, limitação do poder, estas esferas
completamente inacessíveis ao poder político tornaram-se o núcleo da constituição material.”
16

A palavra constituição é empregada com vários significados, tais como: (a)


“Conjunto dos elementos essenciais de alguma coisa: a constituição do universo, a
constituição dos corpos sólidos”; (b) “Temperamento, compleição do corpo
humano: uma constituição psicológica explosiva, uma constituição robusta”; (c)
“Organização, formação: a constituição de uma assembleia, a constituição de uma
comissão”; (d) “O ato de estabelecer juridicamente: a constituição de dote, de
renda, de uma sociedade anônima”; (e) “Conjunto de normas que regem uma
corporação, uma instituição: a constituição da propriedade”; (f) “A lei
fundamental de um Estado”.
Todas essas acepções são analógicas. Exprimem, todas, a ideia de modo de ser de
alguma coisa e, por extensão, a de organização interna de seres e entidades. Nesse
sentido é que se diz que todo Estado tem constituição, que é o simples modo de ser
do Estado.
A constituição do Estado, considerada sua lei fundamental, seria, então, a
organização dos seus elementos essenciais: um sistema de normas jurídicas,
escritas ou costumeiras, que regula a forma do Estado, a forma de seu governo, o
modo de aquisição e o exercício do poder, o estabelecimento de seus órgãos, os
limites de sua ação, os direitos fundamentais do homem e as respectivas
garantias. Em síntese, a constituição é o conjunto de normas que organiza os
elementos constitutivos do Estado. (SILVA, 2005, p.37-38)

Todas as sociedades, independentemente de suas estruturas sociais, sempre possuem


certas convicções compartilhadas pelos membros da comunidade e que acabam por
representar os princípios sobre os quais se fundamenta a relação entre os detentores e
destinatários do poder. Nesse sentido, Nicola Matteucci (1998, p.247) afirma que “A
Constituição é, de fato, a própria estrutura de uma comunidade política organizada, a ordem
necessária que deriva da designação de um poder soberano e dos órgãos que o exercem” e
que,

Deste modo, sendo a Constituição imanente a qualquer sociedade, é necessário


distinguir o juízo científico sobre as características próprias de cada Constituição,
tanto sob o aspecto formal como sob o aspecto material, do juízo ideológico acerca
do caráter constitucional ou não constitucional de um regime. Para o jurista, todos
os Estados — portanto, também os absolutistas do século XVII e os totalitários do
século XX — têm uma Constituição, uma vez que existe sempre, tácita ou
expressa, uma norma básica que confere o poder soberano de império; que se
imponham depois limites a esta soberania ou que seu exercício seja repartido por
diversos órgãos pouco importa: ubi societas, ibi ius. (MATTEUCCI, 1988, p.247)

A fixação de limites aos detentores do poder está intimamente ligada à existência de


uma sociedade mais justa; percebeu-se que a melhor maneira de impor esses limites seria
fazer constá-los em um sistema de regras fixas, ou seja, estabelecer uma Constituição.
Assim, surgiu a ideia de Constituição em um sentido primitivo, que, hoje, podemos
designar também de sentido material. 4 A Constituição seria a representação de certas

4
Jorge Miranda, por outro lado, designa de constituição em sentido institucional (2000, p. 13-14).
17

convicções comumente compartilhadas em uma certa sociedade, em determinada época, e


teria por fim primordial limitar e fixar o exercício do poder. A ideia de Constituição apresenta
uma dupla significação ideológica: liberar os destinatários do poder do controle social
absoluto de seus dominadores e assegurar-lhes uma legítima participação no processo de
poder. (LOEWENSTEIN, 1979, p.149- 150)
Podemos afirmar que a Constituição em sentido material era a única existente durante
a Antiguidade. Somente com as revoluções dos séculos XVII e XVIII, passou-se a exigir um
documento escrito com a previsão das normas fundamentais. Foi a partir desse momento que
o conceito de Constituição adquiriu conotação semelhante a atual, qual seja, a de um sistema
de leis fundamentais de regulação da sociedade com a finalidade de controlar o exercício do
poder e passou a existir a ideia de Constituição em sentido formal.
Para Gomes Canotilho (2003, p.88), o advento das revoluções proporcionou um
estreitamento entre o Estado e a sociedade. Segundo o autor, o art. 16 da Declaração
Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão expressa que toda sociedade tem uma
Constituição, querendo dizer que o documento constitucional seria pertencente à própria
comunidade política, e não ao Estado. No entanto, o autor afirma que, a partir do século XIX,
houve uma evolução no conceito de Constituição. Ela passou a ser vista como “a lei
conformadora do corpo político que efetivamente constituía o Estado que a criou”
(CANOTILHO, 2003, p. 88), passando o referente de Constituição a ser o Estado e não mais a
sociedade.
O desenvolvimento dos movimentos constitucionais 5 , com a elaboração de vários
documentos constitucionais escritos, no final do século XVIII, associado à ideia de
superioridade das normas constitucionais surgida no início do século XX6, fizeram com que o
conceito de Constituição fosse bipartido em duas perspectivas: uma formal e outra material.
Para Jorge Miranda (2000, p.10), a perspectiva material de Constituição está associada
ao seu objeto, conteúdo e função. Já sob uma perspectiva formal, devemos analisar a posição
das normas constitucionais em face das demais normas jurídicas e o modo como se articulam
no plano sistemático do ordenamento.
Jorge Miranda7 conceitua a Constituição em sentido material como o “estatuto jurídico
do Estado ou, doutro prisma, no estatuto jurídico do político; estrutura o Estado e o Direito do

5
Examinados nos itens seguintes deste capítulo.
6
Especialmente, a ideia do ordenamento escalonado de Hans Kelsen e o surgimento do controle de constitucionalidade nos
Estados Unidos.
7
Além de conceituar Constituição em sentido formal e material, Jorge Miranda apresenta também o sentido instrumental,
como “o documento onde se inserem ou depositam normas constitucionais”. (MIRANDA, 2000, p.12)
18

Estado” e, em sentido formal, como sendo o “complexo de normas formalmente qualificadas


de constitucionais e revestidas de força jurídica superior à de quaisquer outras normas”.
(MIRANDA, 2000, p.10 e 12)
Em razão da polissemia do vocábulo, encontramos, na doutrina pátria e internacional,
a atribuição à palavra Constituição de uma variada gama de conceitos, 8 sentidos 9 e

8
São exemplos dos vários conceitos de Constituição:
a) “Orden jurídico del proceso de integración estatal” (Rudolf Smend apud HESSE, 1983, p.6). Tradução livre: “Ordenação
jurídica do processo de integração estatal”.
b) “Proceso de elaboración consciente, organizada y planificada” (Hermann Heller apud HESSE, 1983, p.6). Tradução livre:
“Processo de elaboração consciente, organizado e planificado”.
c) “Limitación y racionalización del poder y como garantía de un libre proceso de la vida política” (Horst Ehmke apud
HESSE, 1983, p.7). Tradução livre: “Limitação e racionalização do poder e como garantia de um processo livre de vida
política”.
d) “La Constitución es el modo de ser que adopta una comunidad política en el acto de crearse y también en e lacto de
reformarse.” (DROMI, 1997, p.107) Tradução livre: “A Constituição é o modo de ser adotado por uma comunidade política
no ato de sua criação e também de sua formação”.
e) “Constituição é o organismo vivo delimitador da organização estrutural do Estado, da forma de governo, da garantia das
liberdades públicas, do modo de aquisição e exercício do poder. Traduz-se por um conjunto de normas jurídicas que estatuem
direitos, prerrogativas, garantias, competências, deveres e encargos, consistindo na lei fundamental da sociedade.” (BULOS,
2011, p.100)
f) “A Constituição é então a auto-organização de um povo (de uma nação, na acepção revolucionária da palavra), o acto pelo
qual um povo se obriga e obriga os seus representantes, o acto mais elevado de exercício da soberania (nacional ou popular,
consoante a concepção que se perfilhe).” (MIRANDA, 2000, p.18)
g) “A constituição do estado, considerada sua lei fundamental, seria, então, a organização dos seus elementos essenciais: um
sistema de normas jurídicas, escritas ou costumeiras, que regula a forma do Estado, a forma de seu governo, o modo de
aquisição e o exercício do poder, o estabelecimento dos seus órgãos, os limites de sua ação, os direitos fundamentais do
homem e as respectivas garantias. Em síntese, a constituição é o conjunto de normas que organiza os elementos constitutivos
do Estado.” (SILVA, 2005, p.37-38)
h) “Estatuto jurídico do político” (Castanheira Neves apud CANOTILHO, 2003, p.1435)
i) “Juridicamente, porém, Constituição deve ser entendida como a lei fundamental e suprema de um Estado, que contém
normas referentes à estruturação do Estado, à formação dos poderes públicos, forma de governo e aquisição do poder de
governar, distribuição de competências, diretos, garantias e deveres do cidadãos. Além disso, é a Constituição que
individualiza os órgãos competentes para a edição de normas jurídicas, legislativas ou administrativas.” (MORAES, 2010,
p.6)
j) Gomes Canotilho (2003, p.51) traz dois conceitos de Constituição: “Por constituição moderna entende-se a ordenação
sistemática e racional da comunidade política através de um documento escrito no qual se declaram as liberdades e os direitos
e se fixam os limites do poder político.” “Por constituição em sentido histórico entender-se-á o conjunto de regras (escritas
ou consuetudinárias) e de estruturas institucionais conformadoras de uma dada ordem jurídico-política num determinado
sistema político-social.”
l) “A Constituição é um ponto firme, uma base coerente e racional para os titulares do poder político, que visam, mediante
ela, dar estabilidade e continuidade à sua concepção da vida associada.” (VERGOTTINI, 1998, p.258)
m) “Regras jurídicas que determinam os órgãos supremos do Estado, fixam o modo de sua criação, suas relações mútuas, seu
domínio de ação, enfim, o lugar fundamental de cada um em relação ao poder estatal” (Georg Jellinek apud TEIXEIRA,
2011, p.65)
n) “Conjunto de regras relativas ao governo e à vida da comunidade estatal, considerada do ponto de vista da existência
desta” (Maurice Hauriou apud TEIXEIRA, 2011, p.65)
o) “Conjunto de regras que regem, por um lado, a organização e as relações dos grandes poderes públicos, e que fixam, por
outro lado, em proveito dos particulares e das coletividades, as limitações gerais à ação do Estado” Joseph Barthélemy e
Paul Duez apud TEIXEIRA, 2011, p.65)
p) “Sistema de leis e costumes que definem a composição e os poderes dos órgãos do Estado e regulam as relações destes
entre si e para com os cidadãos” (Owen Hood Phillips apud TEIXEIRA, 2011, p.66)
9
Não obstante o reconhecimento da relevância do tema, por questões metodológicas, não será possível analisar detidamente
todos os sentidos que foram, e ainda são, atribuídos à Constituição. Neste estudo, apenas desenvolvemos melhor o sentido
jurídico, abrangendo o sentido formal e material de Constituição. Cumpre, portanto, apenas, mencionar a existência de
Constituição em sentido sociológico, político, jurídico e culturalista; Constituição em sentido formal e material e, para alguns
autores (MIRANDA, 2000, p. 34), há também um sentido instrumental etc. Lâmmego Bulos (2011, p.104-112) traz uma
infinidade de sentidos atribuídos à Constituição: jusnaturalista, positivista, marxista, institucionalista, culturalista,
estruturalista, biomédica, compromissória, suave, em branco, plástica, empresarial, oral, instrumental, estatuto do poder,
ordem material e aberta da comunidade, dirigente, instrumento de realização da atividade estatal, subconstitucional,
documento regulador do sistema político, processo público, meio de resolução de conflitos, garantia do status econômico e
social.
19

classificações 10 . Diversos autores, inclusive, tomando ciência da polêmica envolvendo o


conceito de Constituição, optam por não conceituá-la e limitam-se a apresentar os sentidos
possíveis ao termo.
Neste estudo, optamos por adotar o conceito de Constituição atribuído por Konrad
Hesse, tendo em vista a sua compatibilidade com a ideia de que a Constituição é o centro do
ordenamento jurídico, bem como por ser de clareza evidente e simplicidade elementar ao
perfeito entendimento do instituto.
Konrad Hesse (1983, p.5-6), ao iniciar o estudo acerca do conceito de Constituição,
questiona um posicionamento adotado pelo Tribunal Constitucional Federal Alemão no
sentido de que a Constituição seria uma ordem de valores. Para o autor, essa conceituação é
mais pressuposta do que demonstrada e suscita mais interrogações do que responde. Hesse
questiona ainda: quais seriam esse valores constitucionalmente prescritos e, em que medida,
constituiriam uma ordem ou um sistema? E continua interrogando: como explicar que a
Constituição pode mudar, dado que os valores seriam constitucionalmente impostos, e quais
limites encontraria essa mudança?
Hesse (1983, p. 8) afirma que definir o que é a Constituição somente é possível por
meio da delimitação da tarefa e da função da Constituição na realidade histórico-concreta.
Para ele é indubitável que aparecem como objetivos de um documento constitucional a
unidade política e a ordem jurídica.
A unidade política a que o autor se refere é uma unidade de tipo funcional, ou seja, é
uma unidade de atuação. Não se trata de pretender uma unidade ideológica, de
comportamentos, etc. Mas sim de uma unidade advinda de um compromisso ou acordo
(mesmo que tácito) de cumprimento das decisões estatais (ainda que seja necessário o uso da
coerção ou a imposição de sanção).
No passado, essa unidade se dava por meio da corporificação do respeito a uma
autoridade (senhor feudal, monarca, etc). No presente, porém, deve-se assumir a historicidade
do Estado, não podendo mais a unidade política ser representada como uma unidade
ontológica, prévia e que está além das forças e do desenvolvimento histórico. Para preservar a
sua existência, o Estado deve manter essa unidade política que deve ser constantemente
criada, preservada e consolidada, mediante a atuação dos Poderes instituídos.

10
Por não caber um maior aprofundamento do tema neste estudo, cumpre apenas informar algumas das classificações
existentes de Constituição: quanto à origem, à forma, à extensão, ao conteúdo, ao modo de elaboração, à alterabilidade, à
estabilidade, à sistemática, à dogmática, à função, à origem de sua decretação, ao conteúdo ideológico (liberais ou negativas e
sociais ou dirigentes); constituições garantia, balanço e dirigentes; constituições expansivas, etc.
20

Konrad Hesse (1983, p.13) também constata que, no Estado contemporâneo, não é
mais possível isolar o Estado da sociedade, na medida em que um depende do outro para se
manter. Não é mais possível uma vida social sem um ente responsável, organizador e
planificador, pois as demandas da sociedade para com o Estado são cada vez mais frequentes.
Por outro lado, um Estado democrático não se constitui senão por meio da cooperação
social. Daí porque o autor entende mais adequada a utilização do termo comunidade para
representar essa colaboração entre o estatal e o não estatal dentro do território do Estado,
ficando o termo “Estado” para ser utilizado quando se quiser referir apenas à atividade e
atuação dos Poderes constituídos por meio da formação da unidade política.
Conforme vimos, para Hesse (1983, p.14), a unidade política e, portanto, o Estado e a
realização de suas tarefas, dependem da cooperação humana. Porém, essa atuação precisa ser
organizada, planificada e consciente. Para que a formação da unidade política, que é um
fenômeno permanente, não corra o risco de se desintegrar em meio às lutas pelo poder, é
necessário uma ordenação. É preciso que os Poderes do Estado sejam dotados de uma
organização, de regras de procedimento, para cumprirem suas tarefas e obterem êxito na
manutenção de uma cooperação criadora de unidade, eliminando-se os abusos de poder.
Somente a instituição de uma ordem jurídica permitiria essa cooperação processualmente
ordenada.
Observe-se, porém, que essa ordem jurídica não é um fato preexistente, não se trata de
uma prévia ordem de valores, mas sim, de uma ordem construída, que deve ser criada,
conservada e desenvolvida por meio da ação humana. Essa ordem necessita ser instituída de
forma vinculante pelos Poderes estatais e deve ser concretizada para assegurar a sua
observância.
Trata-se da institucionalização de um Direito histórico e que, para condicionar a
conduta humana, necessita ser aceita por meio de um acordo básico sobre o cumprimento dos
conteúdos da ordem jurídica. Em decorrência desse raciocínio, Konrad Hesse define a
Constituição como “a ordem jurídica fundamental da comunidade”:

La Constitución es el orden jurídico fundamental de la Comunidad. La


Constitución fija los principios rectores con arreglo a los cuales se debe formar la
unidad política y se deben asumir las tareas del Estado. Contiene los
procedimientos para resolver los conflictos en el interior de la Comunidad. Regula
la organización y el procedimiento de formación de la unidad política e la
actuación estatal. Crea las bases y determina los principios del orden jurídico en su
conjunto. En todo ellos es la Constitución “el plan estructural básico, orientado a
21

determinados principios de sentido para la conformación jurídica de una


comunidad”11. (HESSE, 1983, p.16-17)

Adota-se o conceito mencionado, tendo em vista que se considera adequado apresentar


a Constituição como uma ordem jurídica, já que é tal documento que vai ordenar, mediante a
utilização do Direito, a vida em comunidade. Ademais, é ordem jurídica fundamental, pois é a
Constituição que vai estabelecer quais são os assuntos considerados fundamentais pela
sociedade. Acrescente-se, ainda que a utilização pelo autor da palavra comunidade, em vez de
sociedade, é a mais adequada, já que comunidade denota participação, afinidade e união em
torno de uma propósitos comuns.
Essa definição de Konrad Hesse permite vislumbrar o caráter aberto, amplo e
incompleto da Constituição, já que será um instrumento apto a regular as relações sociais em
constantes mudanças. A Constituição possui, assim, uma feição viva, já que estará sempre se
adequando a uma sociedade dinâmica, plena de ideologias e reclamos a serem concretizados.
Assim, “Si la Constitución quiere hacer posible la resolución de las múltiples situaciones
criticas históricamente cambiantes su contenido habrá de permanecer necesariamente ‘abierto
al tiempo’”12 (HESSE, 1983, p.19).

2.2 Acepções do Termo Constitucionalismo

A palavra constitucionalismo traz associada ao seu significado a ideia da existência de


um Estado13 no qual há alguma forma de limitação do poder. Essa limitação sempre se deu
pela Constituição. Não necessariamente de uma Constituição em sentido formal, mas sim, em
sentido material, um instrumento escrito ou não, relacionado aos temas fundamentais do
Estado, tais como a organização do poder político e a definição de direitos mínimos dos
governados14. Karl Loewenstein observa que

11
Tradução livre: “A Constituição é a ordem jurídica fundamental da Comunidade. A Constituição estabelece os
princípios orientadores em conformidade com os quais se deve construir a unidade política e assumir as tarefas
do Estado. Contém os procedimentos para a resolução de conflitos no seio da Comunidade. Regula a
organização e o processo de formação da unidade política e de atuação estatal. Cria as condições e determina os
princípios da ordem jurídica em seu conjunto. Em tudo isso é a Constituição ‘o plano estrutural básico destinado
a certos princípios de sentido para conformação jurídica de uma comunidade’.”
12
Tradução livre: “Se a Constituição quer tornar possível a resolução das múltiplas situações críticas historicamente
cambiantes seu conteúdo deverá permanecer necessariamente ‘aberto ao tempo’.”
13
Tendo em vista a existência e o desenvolvimento de diversas formas de Estado ao longo da história, a palavra Estado não
foi utilizada apenas no sentido de Estado moderno, como hoje é conhecido, mas sim, no sentido de uma sociedade política
organizada e detentora de alguns elementos e caraterísticas identificadores. Para MIRANDA (2011, p.3 e 5), são elementos
condicionantes da existência de um Estado a presença de um povo, território e poder politico, sendo as caraterísticas mais
comumente encontradas a complexidade de organização e atuação, a institucionalização da coercibilidade e da
autonomização do poder político.
14
Paulo Bonavides explica que Constituição do ponto de vista material é “aquele conjunto de normas pertinentes à
22

Sin embargo, la existencia de una constitución escrita no se identifica con el


constitucionalismo. Organizaciones políticas anteriores han vivido bajo un
gobierno constitucional sin sentir la necesidad de articular los límites establecidos
al ejercicio del poder político; estas limitaciones estaban tan profundamente
enraizadas en las convicciones de la comunidad y en las costumbres nacionales,
que eran respetadas por gobernantes y por gobernados.15 (LOEWENSTEIN, 1979,
p.154)

Luís Roberto Barroso (2011, p.26-27) explica que o uso da palavra constitucionalismo
é relativamente recente no vocabulário jurídico, datando de, aproximadamente 200 anos, visto
que, normalmente, está associado aos processos revolucionários ocorridos na França e nos
Estados Unidos.
Lammêgo Bulos (2011, p.65-64), por sua vez, esclarece que o termo
constitucionalismo possui dois sentidos, um amplo e um estrito, sendo este último o mais
comum.
Em sentido amplo, a ideia de constitucionalismo estaria associada ao fato de que todo
Estado, em qualquer época da sociedade, sempre possuiu uma Constituição, na medida em
que sempre existiu uma norma básica para conferir poderes e limites ao soberano. Já em
sentido estrito, a concepção de constitucionalismo estaria relacionada a um movimento
constitucionalista que teve caráter jurídico, social, político e ideológico e que passou a
consistir em uma

Técnica jurídica de tutela das liberdades, surgida nos fins do século XVIII, que
possibilitou aos cidadãos exercerem, com base em constituições escritas, os seus
direitos e garantias fundamentais, sem que o Estado lhes pudesse oprimir pelo uso
da força e do arbítrio. (BULOS, 2011, p.64)

Ao se considerar o constitucionalismo em seu sentido amplo, podemos apontar que a


sua manifestação mais antiga se deu na época do povo hebreu, seguindo-se o
constitucionalismo grego e o romano. O constitucionalismo moderno está associado ao seu
sentido estrito e surgiu a partir dos movimentos constitucionalistas que tiveram origem nas
revoluções do século XVII na Inglaterra (constitucionalismo inglês) e seguiu-se dos

organização do poder, à distribuição de competências, ao exercício da autoridade, à forma de governo, aos direitos da pessoa
humana, tanto individuais como sociais” e, ainda, adverte que “não há Estado sem Constituição, Estado que não seja
constitucional, visto que toda a sociedade politicamente organizada contém uma estrutura mínima, por rudimentar que seja.
Foi essa a lição de Lassale, há mais de cem anos, quando advertiu, com a rudeza de sua convicções socialistas e a fereza de
seu método sociológico, buscando sempre desvendar a essência das Constituições, que uma Constituição em sentido real ou
material todos os países, em todos os tempos, a possuíram” (BONAVIDES, 2004, p.80-81).
15
Tradução livre: “No entanto, a existência de uma constituição escrita não se identifica com o constitucionalismo.
Organizações políticas anteriores viveram sob um governo constitucional, sem sentirem a necessidade de articular os limites
ao exercício do poder político; essas limitações estavam tão profundamente enraizadas nas crenças da comunidade e nos
costumes nacionais, que foram respeitadas pelos governantes e governados.”
23

movimentos na França (constitucionalismo francês) e nos Estados Unidos (constitucionalismo


norte-americano), no século XVIII.
André Ramos Tavares, por sua vez, chega a identificar quatro acepções do termo
constitucionalismo

Numa primeira acepção, emprega-se a referência ao movimento político-social


com origens históricas bastante remotas que pretende, em especial, limitar o poder
arbitrário. Numa segunda acepção, é identificado com a imposição de que haja
cartas constitucionais escritas. Tem-se utilizado, numa terceira concepção
possível, para indicar os propósitos mais latentes e atuais da função e posição das
Constituições nas diversas sociedades. Numa vertente mais restrita, o
constitucionalismo é reduzido à evolução histórico-constitucional de um
determinado Estado. (TAVARES, 2011, p.23)

Conforme percebemos, o uso da palavra constitucionalismo não possui um sentido


consolidado, principalmente em decorrência das várias acepções que o termo adquiriu ao
longo do tempo, razão pela qual a fixação de seu conceito é também polêmica.

2.3 Conceito de Constitucionalismo

Trazer um conceito de constitucionalismo não é tarefa simples. A possibilidade de


atribuir ao termo várias acepções já antecipa que dificilmente se encontrará uma unidade
doutrinária acerca de sua definição.
Santi Romano afirma que apenas há constitucionalismo a partir da instituição dos
governos monarquistas constitucionais do século XVIII e conceitua tal fenômeno como “as
instituições e os princípios que são adotados pela maioria dos Estados que, a partir do século
XVIII, têm um governo que, em contraposição àquele absoluto, se diz ‘constitucional’.”
(ROMANO, 1977, p. 42)
No entanto, a maioria dos autores não limita a existência do constitucionalismo à era
moderna, pois tratam esse fenômeno como algo essencialmente ligado à existência de
organização e limitação do poder político, com o estabelecimento de uma relação entre
governantes e governados regida por uma lei maior. Essa limitação e regulação do poder
político e a institucionalização de relações regidas por uma lei suprema, por sua vez, já
existiram em outras civilizações, em momento bem anterior ao vivido na era moderna.
Gomes Canotilho (2003, p.51) chega, inclusive, a afirmar a existência de diversos
constitucionalismos ou, mais precisamente, de diversos movimentos constitucionais, todos
frutos da evolução do pensamento político e jurídico de cada sociedade ao longo da história.
24

O que o autor afirma quando diz que existem vários constitucionalismos é que as
características de cada um desses movimentos constitucionais irá depender do momento
histórico-evolutivo em que se manifestou o fenômeno.
Por outro lado, por mais que se identifique a existência de um constitucionalismo
hebreu ou de um constitucionalismo francês, por exemplo, a essência do que representa o
fenômeno do constitucionalismo estará presente em todos esses momentos histórico-
constitucionais, impregnado do temperamento de cada contexto histórico pertinente.
Podemos afirmar, portanto, que o constitucionalismo não é um fenômeno estanque,
mas um processo, já que o seu conteúdo se modifica constantemente, na medida da evolução
do pensamento político e jurídico da sociedade. Assim, não há melhor forma de estudar o
constitucionalismo senão sob a perspectiva histórico-descritiva. A partir dessa ideia, Nicola
Matteucci afirma que

Constitucionalismo não é hoje termo neutro de uso meramente descritivo, dado


que engloba em seu significado o valor que antes estava implícito nas palavras
Constituição e constitucional (um complexo de concepções políticas e de valores
morais), procurando separar as soluções contingentes (por exemplo, a monarquia
constitucional) daquelas que foram sempre suas características permanentes.
(MATTEUCCI, 1998, p. 247)

São diversos os conceitos de constitucionalismo na doutrina,16porém Gomes Canotilho

16
Podemos apresentar as seguintes enunciações encontradas na doutrina acerca do termo constitucionalismo:
a) “É oportuno insistir que o mais antigo, o mais persistente e duradouro dos caracteres essenciais do verdadeiro
Constitucionalismo continua sendo o mesmo do início, a limitação do Governo a mercê do direito.” (Charles Howard
Mcllwain apud MATTEUCCI, 1998, p. 253)
b) “Sinteticamente, então, pode-se conceituar o fenômeno do constitucionalismo como uma técnica de limitação do governo,
igual a tantas outras existentes, tais como o Estado de Direito e rule of law, com a finalidade de assegurar aos cidadãos o
exercício de seus direitos, em face de pretensos governos arbitrários, mas que se diferencia das demais técnicas, na medida
em que insere em sua alçada de controle, igualmente, a figura da lei (enquanto produto do legislativo).” (AVELINO, 2007,
p.23)
c) “Fica absolutamente nítida, pois, apresentação do constitucionalismo como movimento que, embora de grande alcance
jurídico, apresenta feições sociológicas inegáveis. O aspecto jurídico revela-se pela pregação de um sistema dotado de um
corpo normativo máximo, que se encontra acima dos próprios governantes – a Constituição. O aspecto sociológico está na
movimentação social que confere a base de sustentação dessa limitação do poder, impedindo que os governantes passem a
fazer valer seus próprios interesses e regras na condução do Estado. O aspecto ideológico está no tom garantístico (como
decorrência da limitação do “poder”) pregado pelo constitucionalismo.”(TAVARES, 2011, p.25)
d) “Constitucionalismo significa, em essência, limitação do poder e supremacia da lei (Estado de direito, rule of law,
Rechtsstaat).” (BARROSO, 2011, p. 27)
e) “Nesse diapasão, conceituamos o constitucionalismo como o processo dialético de natureza ética, política e jurídica, que se
desenrola no curso da história a partir de premissas emancipatórias, cuja finalidade é a criação e a manutenção de uma
constituição, a qual deverá figurar como instrumento de contenção do exercício do poder pelo próprio poder, e como fonte
garantidora da fruição e do exercício dos direitos fundamentais em sua plenitude.” (KHAMIS, 2008, p.77)
f) “O constitucionalismo é uma técnica jurídica de tutela das liberdades, porquanto engloba um conjunto de normas,
instituições e princípios constitucionais positivos, depositados em constituições escritas, a exemplo do direito à vida, à
igualdade, à dignidade, ao devido processo legal e tantos outros vetores relacionados à mecânica dos direitos humanos
fundamentais.” (BULOS, 2011, p.66)
g) “Ora, é justamente a este patrimônio jurídico-político comum à generalidade dos países civilizados, a este conjunto de
princípios e instituições constitucionais, que compõem a bem dizer, a estrutura mestra, a essência, o cerne da organização
política e jurídica dos Estados da atualidade, que se denomina o ‘constitucionalismo moderno’, de cujo conceito ficam, desde
logo afastadas aquelas formas, instituições, princípios e práticas repudiados pela consciência jurídica moderna, superados
25

(2003, p.51) apresenta uma definição que se aplica aos seus variados sentidos, ao afirmar que
“Constitucionalismo é a teoria (ou ideologia) que ergue o princípio do governo limitado
indispensável à garantia dos direitos em dimensão estruturante da organização político-social
de uma comunidade.” O autor ainda acrescenta que o constitucionalismo moderno
“representará uma técnica específica de limitação do poder com fins garantísticos” e que “o
conceito de constitucionalismo transporta, assim, um claro juízo de valor”. O
constitucionalismo seria, portanto, uma teoria normativa voltada para dois temas
fundamentais: ordenação, fundamentação e limitação do poder político e ao reconhecimento e
garantia dos direitos e liberdades do indivíduo. (CANOTILHO, 2003, p. 54-55)
Nesse sentido, o constitucionalismo pode ser encarado como “um processo17 dialético
que se desenrola no curso da história” (KHAMIS, 2008, p.77), pressupõe a existência de uma
finalidade18 e deve atender à sua carga valorativa19, por meio de certas técnicas.20

2.4 Constitucionalismo na Antiguidade

Somente é possível falarmos na existência de um constitucionalismo na Antiguidade,


na medida em que adotarmos, para tanto, um conceito mais amplo do termo e do conceito de
Constituição, a ser compreendida como um conjunto de normas gerais, escritas ou não, que
ordenam uma determinada sociedade.
Adotando-se um conceito amplo de constitucionalismo e de Constituição, concluímos
que ambos já existiam, mesmo antes das concepções pós-revolucionárias do século XVIII,
quando foi possível elaborar de forma mais precisa esses conceitos.

pela evolução histórica e que apenas esporadicamente, como por exceção, podem aparecer e subsistir, por período mais ou
menos dilatado, no panorama político-jurídico da nossa época.” (TEIXEIRA, 2011, p.409-410)
h) “Esse conceito polêmico (de Constituição) é que alimenta o movimento político e jurídico, chamado constitucionalismo.
Esse visa estabelecer em toda parte regimes constitucionais, quer dizer, governos moderados, limitados em seus poderes,
submetidos a Constituições escritas.” (FERREIRA FILHO, 2009, p.7)
i) “O termo constitucionalismo apresenta vários significados. Embora se enquadre numa perspectiva jurídica, tem alcance
sociológico. Em termos jurídicos, reporta-se a um sistema normativo, enfeixado na Constituição, e que se encontra acima dos
detentores do poder; sociologicamente, representa um movimento social que dá sustentação à limitação do poder,
inviabilizando que os governantes possam fazer prevalecer seus interesses e regras na condução do Estado”(CARVALHO,
2006, p.211)
j) “Constitucionalismo é o movimento político, jurídico e social, pautado pelo objetivo de criar um pensamento hegemônico
segundo o qual todo Estado deve estar organizado com base em um documento fundante, chamado Constituição, cujo
propósito essencial seria o de organizar o poder político, buscando garantir os direitos fundamentais e o caráter democrático
de suas deliberações”. (ARAÚJO; NUNES JÚNIOR, 2012, p.26)
17
É um processo já que se desenvolve e se reinventa ao logo da evolução social.
18
Finalidade garantística que se manifesta na criação e manutenção de um documento escrito que assegure os valores
vigentes.
19
Valores éticos, políticos, filosóficos que variam de acordo com o momento histórico.
20
Estado de Direito, portanto, rule of law.
26

Considerando o fato de que já existiu, em diversas outras comunidades, uma norma


básica para conferir poderes e limites ao soberano, podemos afirmar que também existiu
constitucionalismo e Constituição.
O constitucionalismo na Antiguidade não tinha a mesma sistematização ideológica
caracterizadora dos movimentos constitucionais modernos e apresentava-se essencialmente
como um conjunto de “princípios escritos ou consuetudinários alicerçadores da existência de
direitos estamentais perante o monarca e simultaneamente limitadores do seu poder”.
(CANOTILHO, 2003, p.52)
Karl Loewenstein (1979, p.154) faz referência ao fato de que, desde a Antiguidade
hebraica, existiram governos constitucionais que, no entanto, não possuíam um documento
escrito que estabelecesse limites ao exercício do poder, visto que essas limitações já estavam
profundamente enraizadas nas convicções da sociedade e nos costumes, o que fazia com que
fossem obedecidas pelos governantes e governados.
Lammêgo Bulos aponta algumas características desse constitucionalismo na
Antiguidade

a) Os direitos, prerrogativas e deveres não vinham depositados em instrumentos


constitucionais escritos. Aliás, nem existia a díade constituição formal versus
constituição material.
b) Cada comunidade regia-se por costumes próprios, quase sem contato com
outros grupos. Esses costumes derivavam da observância geral, constante e
uniforme das condutas humanas. Formavam-se por dois elementos: um objetivo e
outro subjetivo. O elemento objetivo, material, fático ou externo revelava-se pela
repetição de um procedimento – era o usus. Já o elemento subjetivo, psicológico
ou interno promanava da convicção generalizada de sua exigibilidade. Tratava-se
da opinio juris et necessitatis, que consistia na certeza de que o respeito à norma
consuetudinária equivaleria a uma aquiescência jurídica, disso resultando na sua
obrigatoriedade.
c) Nos grupos sociais relativamente evoluídos, os anciãos do clã, ou da etnia,
submeteriam os membros da comunidade a certos preceitos de comportamento, os
quais eram repetidos em intervalos mais ou menos regulares para que fossem
memorados. O costume, portanto, não era a única fonte de direito dos povos
primitivos, pois existiam verdadeiras leis não escritas para reger a vida do grupo.
d) Influência direta da religião, porquanto os povos primitivos viviam sob o
constante temor dos poderes sobrenaturais, alimentando a crença de que seus
líderes eram representantes dos deuses na terra.
e) Predomínio dos meios de constrangimento para assegurar o respeito aos padrões
de conduta da comunidade, essenciais para se manter a coesão do grupo.
f) Existência de precedentes judiciários. Os chefes ou anciãos firmaram a
tendência de julgar os litígios de acordo com as soluções dadas a conflitos
semelhantes. (BULOS, 2011, p.68)

Normalmente se aponta a existência de três governos constitucionais na Antiguidade:


comunidade dos hebreus, os povos gregos e a república romana.
27

2.4.1 Constitucionalismo hebreu

O povo hebreu instituiu uma forma de governo que passou a ser designada por
teocracia21, já que os súditos acreditavam viver sob a autoridade de uma figura divina. Os
detentores do poder na terra seriam apenas representantes desse poder divino.
Diz-se que o primeiro povo a praticar o constitucionalismo foram os hebreus, pois o
detentor do poder político não possuía poderes absolutos e arbitrários, mas encontrava-se
limitado pelas leis do Senhor que submeteria governantes e governados. (LOEWENSTEIN,
1979, p.154)
Assim, os limites do poder político, ou secular, se encontravam na lei moral, nas
escrituras sagradas. Tanto os governantes quanto os governados deveriam se submeter ao que
estava previsto na sagrada escritura.
Verificamos, pois, na sociedade hebraica o germe da ideia de limitação do exercício
do poder pelo próprio poder, ainda que numa perspectiva teológico-estatal.
Ademais, é também na civilização hebraica que se verifica a primeira forma de
contestação da ruptura com a legitimidade constitucional decorrente das ações praticadas
pelos titulares do poder. Nesse sentido, encontram-se os profetas que contestavam a atuação
ilegítima das autoridades, com base na Constituição moral da sociedade.
Por essas razões é possível apontar a sociedade hebraica como a primeira
manifestação histórica do constitucionalismo, sendo as escrituras sagradas consideradas não
só a lei moral imperativa, mas também o paradigma para valorar e limitar a atuação do poder
político.

2.4.2 Constitucionalismo grego

A civilização grega procedeu à secularização e racionalização do processo de poder.


Karl Loewenstein (1979, p.155) aponta que os gregos atingiram a forma mais avançada de
governo: a democracia constitucional. Havia um democracia direta entre os gregos, sendo
esse o único exemplo conhecido de um sistema político com plena identidade entre os

21
Karl Loewenstein aponta que essa ideologia de dominação foi comum nos impérios orientais da Antiguidade, no mundo
islâmico, no budismo, no xintoísmo. Um exemplo dessa forma de governo na Europa se deu na Genebra de Calvino.
(LOEWENSTEIN, 1979, p.154)
28

governantes e governados e no qual o poder político estava igualmente distribuído entre todos
os cidadãos ativos22.
A sociedade grega manifestava grande apreço ao exercício compartilhado do poder
político e à existência de uma ordem estatal regulada democrática e constitucionalmente, bem
como à defesa da igualdade e de uma justiça igualitária.
O poder político não era, de forma alguma, concentrado ou arbitrário, mas estava
distribuído e limitado racionalmente. As funções estatais gregas eram entregues a diversos
detentores de cargos23. Meirelles Teixeira aponta que

Aristóteles já distinguia as leis ordinárias do Estado (nómoi) daquela que lhe


estabelecia estrutura e os fundamentos (politéia), definindo-a como “aquele
princípio em cuja conformidade se ordenam as autoridades públicas,
especialmente aquela que acima de todos é soberana; a Constituição (politéia)
designa o ordenamento da autoridade do Estado, define a divisão de poderes
políticos, determina onde reside a soberania e, finalmente, fixa a finalidade de toda
a convivência civil. (TEIXEIRA, 2011, p.61)

Além da divisão das funções governamentais, outra herança do pensamento


constitucional grego está relacionada à limitação do governo pela soberania da lei. Nicola
Matteucci transcreve trechos do pensamento de Platão e Aristóteles no sentido de que, para se
evitar a degeneração do governo ou um despotismo das massas, deve-se respeitar a soberania
das leis mais do que a dos cidadãos:

Em seu livro das Leis, ao investir contra as formas degeneradas da democracia,


escreve Platão: “Segundo as leis antigas, o povo não era senhor, mas, de certa
maneira, um servo voluntário das leis”. E Aristóteles repetia, em seu livro Política,
que há democracias onde é soberana a lei e outras onde, ao contrário, é soberana a
massa: “Isto ocorre, quando a autoridade suprema concerne antes às deliberações
das assembleias populares que à lei. E isso é obra dos demagogos. Nos Estados
democráticos onde a lei é soberana, não há demagogos e quem ocupa os mais altos
cargos são os melhores dentre os cidadãos; mas onde as leis não são soberanas,
surgem os demagogos. Um povo assim, tal qual monarca, procura governar por si,
sem se sujeitar à lei; torna-se despótico; tal democracia corresponde ao que, entre
as monarquias, é tirania”. (MATTEUCCI, 1998, p.253)

22
Quando analisamos a democracia grega com os olhos de hoje, podemos afirmar que se trata mais de uma oligarquia do que
de uma democracia, já que a ostentação da qualidade de cidadão dependia de uma série de critérios que excluía da
participação política a grande massa de mulheres, estrangeiros e escravos. Não obstante, esse fato não ostenta grande
importância, dado o grande impacto influenciador que a democracia grega teve sobre as outras civilizações e dado o
momento histórico em que se consolidou.
23
Karl Loewenstein aponta que foram estabelecidas diversas formas de controle para evitar o exercício do poder arbitrário
pelos ocupantes dos cargos públicos como a nomeação dos detentores de cargo por sorteio; o exercício do cargo era rotativo
e estabelecido por período curto de tempo; era vedada a reeleição; não se exigia qualificação especial para o exercício do
cargo, salvo para certas categorias técnicas, o que propiciava o acesso de todos aos cargos públicos. (LOEWENSTEIN, 1979,
p.155-156)
29

Podemos afirmar, portanto, que a civilização grega deu origem a um


constitucionalismo e a um ideal democrático organizados, posto que lá foram concebidos
institutos que até hoje se conservam, tais como a divisão das funções estatais entre os diversos
órgãos, a separação entre o Estado e a religião, a implantação de um sistema judicial, a
institucionalização da supremacia da lei e de sua validade perante todos os cidadãos e o
estabelecimento de um processo formal de criação das leis.
Não obstante a avançada forma de governo instituída na Grécia, tais sociedades não
lograram atingir um equilíbrio estatal e acabaram sucumbindo aos inimigos externos. O fato é
que a assembleia de cidadãos passou a acreditar ter poderes plenos e que não havia
necessidade de ela mesma se submeter às limitações constitucionais, o que fez com que o
povo fosse “incapaz de refrear o seu próprio poder soberano”. (LOEWENSTEIN, 1979, p.
156)

2.4.3 Constitucionalismo romano

A história da civilização romana é bastante extensa e compreende um período de


quase 12 séculos. Normalmente, é dividida em três fases: realeza, república e império.
Podemos afirmar que foi durante a época da república que se desenvolveu o
constitucionalismo romano. A organização estatal da república romana possuía uma série de
freios e contrapesos que tinham a função de limitar o poder político com a previsão de
limitações recíprocas, tais como o estabelecimento de uma estrutura colegiada dos órgãos
superiores; a duração anual dos cargos e a vedação de reeleição imediata; a possibilidade de
intervenção de um tribuno da plebe, quando houvesse conduta ilegal de outro tribuno ou dos
altos magistrados; a participação do Senado; e, ainda, a institucionalização, em tempos de
crise e para determinados fins, de uma ditadura constitucional temporária.
O constitucionalismo romano conseguiu equilibrar melhor a sua democracia interna o
que trouxe mais estabilidade à organização estatal, na medida em que não promoveu uma
democratização excessiva.
O constitucionalismo republicano teve fim com as guerras civis e com a
institucionalização da monarquia de César, que passou a acumular na sua pessoa o exercício
de todos os principais cargos do governo, sem limitação temporal, e a dominar o Senado.
Seguindo-se a esse período monárquico, teve início a era imperial, quando foram eliminados
todos os resquícios de uma Constituição republicana e estabelecido um absolutismo
monárquico com fortes elementos teocráticos.
30

No entanto, mesmo na época imperial, encontrava-se, ainda que apenas


simbolicamente, a influência do constitucionalismo republicano no dogma da lex regia,
segundo o qual o domínio absoluto do monarca teria a sua fonte originária na delegação do
poder político do povo ao imperador. Karl Loewenstein (1979, p.157) afirma que essa
tradição da legitimidade republicana permaneceu subjacente ao pensamento antigo e
medieval, ressurgindo na tradição política inglesa.

2.5 Ressurgimento do Constitucionalismo na Inglaterra

Comumente, afirma-se que durante a Idade Média não houve manifestação do


constitucionalismo; ele somente teria ressurgido com as revoluções do século XVII na
Inglaterra. No entanto, Nicola Matteucci, com apoio nos ensinamentos de Charles Howard
Mcllwain, afirma ser possível encontrar na Idade Média diversas manifestações de uma das
características mais autênticas do constitucionalismo: o princípio do governo limitado

Na Idade Média, encontramos, de fato, não só as mais claras apologias do Governo


limitado, como também, em consonância com elas, a mais explícita reivindicação
do primado da função judiciária. A base sacral do poder do rei consiste unicamente
no dever de administrar aos seus súditos “uma justiça reta e imparcial”, porquanto
“a tarefa de julgar pertence a Deus, não ao homem”; neste sentido, o rei, juiz
supremo, era apenas um ministro e servo de Deus. Assim escrevia um bispo do
século IX, Jonas de Orléans: “Por isso foi colocado no trono real para proferir
juízos justos, para prover pessoalmente e cuidar com atenção que ninguém se
afaste, ao julgar, da verdade e da equidade”.
O rei era, pois, a fonte da justiça, o soberano juiz do seu povo, a pessoa em que os
direitos dos súditos podiam encontrar sua tutela natural e a necessária garantia.
Mas a consciência desta altíssima função, que faz do rei um vigário de Deus, está
aliada ao conhecimento da profunda diferença que existe entre o rei e o tirano,
entre o servo de Deus e o ministro do diabo. Basta pensar na ampla e duradoura
aceitação de que gozou durante a Idade Média a célebre afirmação de Isidoro de
Sevilha, um bispo que viveu entre os séculos VI e VII: “Os reis são assim
chamados por sua função de governar, como o sacerdote é assim chamado por
sacrificar, é também o rei por reger. Mas não rege quem não corrige. Portanto,
agindo retamente, conservará o nome de rei; pecando, o perderá. Daí este dito
entre os antigos: ‘Serás rei, se procederes com justiça, do contrário não o serás’”.
E o critério para julgar a retidão do comportamento do rei era seu respeito pela lei.
João de Salisbury, por exemplo, escrevia, no século XII, em Policraticus: “Entre
um tirano e um príncipe existe esta única, ou, melhor, esta capital diferença: o
príncipe obedece às leis, governando segundo seus preceitos o povo de que se
considera servidor. Na verdade, a autoridade do príncipe deriva da autoridade do
direito: e, mais que o poder, importa submeter às leis o poder supremo. Por isso,
que o príncipe não pense que lhe é lícito o que se aparta da equidade e da justiça”.
(MATTEUCCI, 1998, p. 253)

Por mais que os pensamentos transcritos pelo autor sejam de teólogos da época, esses
princípios éticos de submissão da vontade do rei à vontade de Deus, ou seja, esses preceitos
31

de justiça e retidão que funcionavam como um limitador da atuação do monarca, eram


amplamente aceitos também entre os juristas ingleses, desde o século XIII. (MATTEUCCI,
1998, p. 254)
Lammêgo Bulos (2011, p.70-71) afirma que, já durante a Idade Média, havia o
predomínio de um pensamento baseado na concepção jusnaturalista, segundo a qual as leis
eram preexistentes aos homens e, assim, se os atos do soberano fossem contrários ao Direito
natural, deveriam ser declarados nulos pelo juiz competente.
O fato é que, durante muitos séculos, após a queda do império romano no ocidente, o
cenário jurídico europeu era praticamente uniforme, baseava-se em regras não escritas, na
prática negocial e nos tribunais locais. Somente após o descobrimento do Corpus Iuris
Civilis24, no século XI, podemos afirmar que houve uma ruptura entre a evolução do Direito
na Europa continental, especialmente na França e na Itália, e entre a evolução do Direito na
Inglaterra.
O Direito inglês sempre se baseou e, assim continuou sendo mesmo após o
descobrimento do Corpus Iuris Civilis, primordialmente, nos costumes estabelecidos através
dos tempos e conservados pelo povo 25 . Esse Direito consuetudinário, legitimado pela
aceitação e utilização ao longo das gerações, era o que representava a ideia de justiça da
época e era o que deveria ser considerado “lei” e respeitado pelos monarcas.
Essa noção de necessidade de limitação do poder real (seja pela vontade de Deus, seja
pela ideia de justiça representada no Direito costumeiro) foi, segundo Nicola Matteucci (1998,
p.254) a grande diferença entre a monarquia inglesa e a que se desenvolveu na França e nos
demais países da Europa continental. Enquanto os juristas ingleses defendiam a necessidade

24
O Corpus Iuris Civilis foi uma compilação de textos da época romana, elaborada no século IV por determinação de
Justiniano, que pretendeu consolidar diversos documentos jurídicos romanos em um único corpus. Na realidade, esses textos
não possuíam relação entre si e consistiam em escritos esparsos que ora retratavam o julgamento de casos, ora escritos
doutrinários, ora escritos de lei. Os descobridores de tais textos os consideram superiores ao Direito então predominante.
Iniciou-se a partir daí um estudo aprofundado e sistematizado de tal documento, com a finalidade de encontrar harmonia e
coerência entre esses textos, o que se deu, principalmente, na Itália e na França. Por outro lado, na Inglaterra estabeleceu-se
um Direito autônomo, baseado na prática cotidiana considerada por todos adequada, configurando-se uma centralização
judiciária e uma homogeneidade da classe forense. Por tais motivos, após alguns anos de estudo do Corpus Iuris Civilis na
Europa continental, a tentativa de iniciar tais estudos também na Inglaterra não teve muita repercussão. Ademais, acrescente-
se que tal nação já era um Estado unitário sob o governo de um rei (a Itália e a Alemanha eram descentralizadas, dividida em
comunas e pequenos reinos) e muitos reis rejeitaram o estudo do Direito romano. Henrique III, inclusive, proibiu o estudo
das leges.
25
O sistema jurídico inglês manteve-se baseado no julgamento dos casos concretos, aplicando regras baseadas nos costumes
e nas decisões dos reis ou dos juízes, que iam sendo catalogadas nos Statute Books. Nessa época, ainda não havia
obrigatoriedade em seguir os precedentes, porém, já existia uma preocupação com os julgamentos contraditórios e com a
necessidade de decidir casos similares de maneira semelhante.
32

de submissão da vontade real à lei, os juristas da Europa continental, inspirados nos


glosadores bolonheses26, afirmavam que a vontade do rei é que deveria ser considerada a lei.
Percebemos, pois, que a ideia de imposição de limitação ao governo monárquico, no
caso inglês, não é um pensamento que remonta somente ao início da era moderna, mas que já
integrava o pensamento jurídico daquele país, desde a época medieval, ainda que em uma
forma primitiva. Não podemos esquecer que, ainda durante a Idade Média, por volta de 1215
com a concessão da Magna Charta Libertatum27, houve a primeira tentativa de instituir um
instrumento escrito limitador dos poderes absolutos do monarca.
Porém, podemos afirmar que o movimento constitucionalista inglês somente tomou
força e teve a sua fase mais proveitosa a partir das revoluções ocorridas no século XVII. Foi a
Revolução Gloriosa que acabou por implantar limitações ao governo monárquico e ampliar a
participação do parlamento no processo político.

Os conflitos entre o rei e o parlamento começaram com James I, em 1603, e


exacerbaram-se após a subida de Charles I ao trono, em 1625. O absolutismo
inglês era frágil, comparado ao dos países do continente (França, Espanha,
Portugal), não contando com exército permanente, burocracia organizada e
sustentação financeira própria. Em 1628, o Parlamento submeteu ao rei a Petition
of Rights, com substanciais limitações ao seu poder. Tem início um longo período
de tensão política e religiosa (entre anglicanos e católicos, puritanos moderados e
radicais), que vai desaguar na guerra civil (1642-1658), na execução de Charles I
(1649) e na implantação da República (1649-1658), sob o comando de Cromwell.
A República não sobreviveu à morte de seu fundador, dando-se a restauração
monárquica com Charles II, em 1660. Seu filho e sucessor, James II, pretendeu
retomar práticas absolutistas e reverter a Inglaterra à Igreja Católica, tendo sido
derrubado em 1688, na denominada Revolução Gloriosa. Guilherme (William) de
Orange, invasor vindo da Holanda, casado com Mary, irmã do rei deposto, torna-
se o novo monarca, já sob um regime de supremacia do Parlamento, com seus
poderes limitados pela Bill of Rights (1689). (BARROSO, 2011, p.33)

A Petition of Rights foi um instrumento utilizado para se insurgir contra a implantação


de tributos sem a aprovação do parlamento, bem como para reclamar contra a efetivação de
prisões arbitrárias, a ocupação de casas dos cidadãos por soldados e para impedir o uso da lei
marcial em tempos de paz. Foi um instrumento, portanto, que pretendia limitar o poder dos
órgãos governamentais e instituir a proteção de certos direitos dos cidadãos. Os membros do

26
Glosadores bolonheses foram estudiosos da Universidade de Bolonha, na Itália, que se debruçaram sobre o estudo e a
tentativa de sistematização do Corpus Iuris Civilis e consideravam esse Direito superior ao então vigente, baseado nos
costumes.
27
Antes mesmo do surgimento das declarações de direitos da Era Moderna, este documento já havia sido uma tentativa de
instituição, pelos súditos, de certas garantias contra o poder monárquico. Podemos exemplificar algumas das suas cláusulas: a
possibilidade de julgamento por seus pares; a garantia de que nenhum homem seria privado de seus bens ou sujeito à prisão
sem ser submetido a um julgamento; a estipulação de penas e punições proporcionais ao delito; a garantia de concessão de
justiça; a liberdade e inviolabilidade dos bens da igreja, etc.
33

parlamento não mais se contentavam com a existência de uma ordem constitucional


simbólica, o que acabou gerando toda a tensão no Estado inglês.
Durante o curto período de implantação da república, foi idealizada a primeira
Constituição escrita do Estado moderno 28 : o Instrument of Government de Cromwell, em
1654. Os ingleses, no entanto, acabaram por deixar de lado a existência de uma única lei
fundamental escrita e se contentaram com a regulamentação da ordenação fundamental em
diversos documentos esparsos29.
A Bill of Rights foi um instrumento mais robusto e institucionalizou a soberania do
parlamento na Inglaterra, pois previa a necessidade de convocação regular do parlamento e do
seu consentimento para a criação de leis, a instituição de tributos e a manutenção de um
exército permanente em tempos de paz. Ademais, trouxe a imunidade dos parlamentares por
suas manifestações no parlamento e proibiu a aplicação de penas sem prévio julgamento.
Assim, no caso do constitucionalismo inglês, passou a coexistir a instituição
monárquica com a aristocrática e a popular, na medida em que as funções estatais foram
repartidas de forma orgânica e racional entre o monarca e o parlamento bicameral, que era
composto por uma câmara de pares do rei e de lordes e por uma câmara de representantes do
povo. Institucionalizou-se, assim, o princípio da divisão de Poderes, de suprema importância
para a tutela e a conservação da liberdade política. (ROMANO, 1977, p.46)
André Ramos Tavares (2011, p. 28-29) aponta que, na Inglaterra, instituiu-se um
sistema de Constituição mista que tinha por característica proporcionar às diversas classes
sociais a participação no exercício do poder.
O constitucionalismo inglês também teve o mérito de reconhecer solenemente e de
garantir efetivamente as liberdades públicas, que foram alçadas da categoria de simples
liberdades de fato ao patamar de liberdades jurídicas30.
Esse modelo inglês, chamado por Gomes Canotilho (2003, p.55) de modelo
historicista 31 , proporcionou, por meio da evolução de diversos momentos constitucionais

28
Karl Loewenstein (1979, p.158) afirma que a prioridade na elaboração de uma Constituição pode ser conferida à Suécia
que, em 1634, estabeleceu os princípios de governo em caso de impossibilidade ou ausência no estrangeiro do rei, por meio
da Regeringsfom.
29
Santi Romano parece ser um entusiasta da inexistência de uma Constituição escrita, afirmando: “O caráter consuetudinário
do direito público inglês e a multiplicidade dos seus documentos escritos beneficia a sua estabilidade, opondo aos inovadores
e aos revolucionários uma resistência longa e continuada de trincheiras; o direito constitucional escrito, pelo contrário,
apresenta-se como um fácil e próximo alvo aos seus adversários, quase que um convite e um concurso perpétuo a quem
souber escrever melhor.” (ROMANO, 1977, p.45)
30
Evidentemente, o avanço na consolidação dos direitos e liberdades públicas àquela época, não são
comparáveis ao atual momento evolutivo das proteção dos direitos fundamentais. Porém, proporcionaram
grandes conquistas naquela quadra histórica, já que representaram o início da busca pela implementação dos
direitos e liberdades.
34

(Magna Charta de 1215, Petition of Rights de 1628, Habeas Corpus Act de 1679, Bill of
Rights de 1689, Act of Settlement, de 1701), a consolidação de algumas estruturas
constitucionais, hoje, consideradas fundamentais. Isso se deu não só com referência à
Constituição (histórica) inglesa, mas acabou por influenciar o constitucionalismo francês e
norte-americano. Algumas dessas estruturas permanecem, até hoje, como parte das
Constituições ocidentais modernas.
São frutos desse modelo historicista a garantia da liberdade pessoal de todos os
ingleses e a segurança da pessoa e dos seus bens, o que gerou a necessidade de se criar um
modelo no qual houvesse um julgamento justo e regulado pela lei (due process of law). Essa
lei deveria ser a lei do país (law of the land) a ser aplicada e interpretada de forma evolutiva
pelos juízes, ou seja, dever-se-ia aplicar o Direito comum de todos os ingleses (common law).
Para instituir um governo moderado, principalmente, a partir da Revolução Gloriosa (1688-
1689), ganha estatuto constitucional a representação e a soberania do parlamento, o que
proporcionou a possibilidade de representação social no governo e o compartilhamento de
poder entre o monarca e o parlamento. Ademais, a ideia de soberania do parlamento trouxe
diretamente associada à ideia de que esse poder deveria ser exercido por meio das leis (the
rule of law).
É importante observar que esse constitucionalismo de modelo historicista e a ideia de
soberania do parlamento acabou por impedir que se estabelecesse na Inglaterra uma
Constituição escrita, rígida, e, por conseguinte, um controle de constitucionalidade das
normas. No caso inglês, as leis constitucionais se misturavam com as leis ordinárias gerais, o
que sempre permitiu ao parlamento a possibilidade de modificá-las simplesmente em razão de
sua autoridade soberana. Nesse contexto, pois, o parlamento poderia criar as leis que melhor
lhe aprouvesse, independentemente de estarem ou não em conformidade com o common law,
sem que houvesse nenhum outro órgão que pudesse analisar tais leis e declará-las
inconstitucionais, erigindo-se à categoria de um órgão de caráter absolutista.
Santi Romano (1977, p. 51-52) apresenta cinco institutos que derivaram do
constitucionalismo inglês e que se difundiram por outros Estados: a) o instituto da monarquia
constitucional (naqueles estados que não optaram pela forma republicana de governo); b) o
parlamento bicameral; c) o instituto da representação política por duas câmaras cujos

31
“É evidente, com efeito, a tendência dos ingleses bem como dos romanos ao ‘historicismo’, que se contrapõe à tendência
dos franceses e dos modernos povos latinos ao ‘racionalismo’. Assim, a Inglaterra, não obstante tenha tido um Locke,
considerado o pai espiritual das modernas revoluções (da inglesa do século XVII, da Americana, da francesa), encontra-se
sempre sobre a própria estrada secular, não interrompendo ou, quando muito, restaurando sem grandes modificações, a sua
maravilhosa tranquilidade legislativa. As constituições dos outros Estados têm tido caracteres mais ou menos
revolucionários.” (ROMANO, 1977, p.44)
35

membros provém da eleição popular; d) a existência do governo de gabinete e sua


responsabilidade perante o parlamento; e) as liberdades públicas e suas garantias
constitucionais.
Todas essas influências acabaram por ser servir de base teórica política do
constitucionalismo moderno de vários Estados, porém, adotadas, em medida mais ou menos
semelhantes, a depender das características particulares de cada Estado.

2.6 Constitucionalismo na Era Moderna

O chamado constitucionalismo moderno se opôs ao antigo pelo fato de ter


representado um questionamento, nos planos político, filosófico e jurídico, dos esquemas
tradicionais de domínio político e uma nova forma de ordenação e fundamentação do próprio
poder político. (CANOTILHO, 2003, p.52)
Essa roupagem que o constitucionalismo passou a apresentar, a partir do século XVIII,
só foi possível em decorrência nas novas ideologias políticas, religiosas, jurídicas e filosóficas
que se desenvolveram impulsionadas pelo Iluminismo. Conforme Luís Roberto Barroso
(2011, p. 99) “no plano das ideias e da filosofia, o constitucionalismo moderno é produto do
Iluminismo e do jusnaturalismo racionalista que o acompanhou, com o triunfo dos valores
humanistas e da crença no poder e na razão”.
Não obstante as várias peculiaridades que envolveram cada um dos movimentos
constitucionais da modernidade (inglês, francês e norte-americano), todos eles tiveram por
principais características: regulamentação legal do exercício do poder por intermédio da
adoção de Constituições escritas32, cuja superioridade implicava a subordinação de todos os
atos governamentais aos seus dispositivos; exortação do povo a lutar contra a hegemonia do
poder absoluto, a fim de dividi-lo, organizá-lo e discipliná-lo; oposição à opressão e ao
arbítrio em nome dos direitos e garantias fundamentais; instituição uma ideologia liberalista
baseada na implantação de um governo das leis e não dos homens. (BULOS, 2011, p.65)
Para Gomes Canotilho (2003, p.52), o constitucionalismo moderno proporcionou o
surgimento da Constituição moderna entendida como “a ordenação sistemática e racional da
comunidade política através de um documento escrito no qual se declaram as liberdades e os
direitos e são fixados os limites do poder político” cujas dimensões fundamentais são
compostas pela

32
No caso da Inglaterra não houve a adoção de uma única Constituição escrita em sentido formal, mas sim, de diversos
documentos dotados de conteúdo constitucional.
36

(1) ordenação jurídico-política plasmada num documento escrito; (2) declaração,


nesta carta escrita, de um conjunto de direitos fundamentais e do respectivo modo
de garantia; (3) organização do poder político segundo esquemas tendentes a
torná-lo um poder limitado e moderado. (CANOTILHO, 2003, p.52)

Podemos afirmar que o artigo 16º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão
de 1789 exprime a essência dos movimentos constitucionais modernos ao afirmar que
“qualquer sociedade em que não esteja assegurada a garantia dos direitos, nem estabelecida a
separação dos Poderes não tem Constituição” (BRASIL, 1789).

2.6.1 Constitucionalismo francês

O constitucionalismo francês decorreu de um movimento revolucionário focado no


indivíduo e em seus direitos naturais. Foram o surgimento do Renascimento, o descobrimento
da América, a Reforma Protestante e o desenvolvimento do Iluminismo que lançaram as bases
para o pensamento moderno que pregava a necessidade de valorizar a razão como fonte do
conhecimento, da liberdade individual e da felicidade. Eric Hobsbawm narra que a mais forte
influência da Revolução Francesa estava no campo das ideias dos filósofos da época

A Revolução Francesa não foi feita ou liderada por um partido ou movimento


organizado, no sentido moderno, nem por homens que estivessem tentando levar a
cabo um programa estruturado. Nem mesmo chegou a ter “líderes” como as
revoluções do século XX, até o surgimento da figura pós-revolucionária de
Napoleão. Não obstante, um surpreendente consenso de ideias gerais entre um
grupo social bastante coerente deu ao movimento revolucionário uma unidade
efetiva. O grupo era a “burguesia”; suas ideias eram as do liberalismo clássico,
conforme formuladas pelos “filósofos” e “economistas” e difundidas pela
maçonaria e associações informais.
Até este ponto os “filósofos” podem ser, com justiça, considerados responsáveis
pela Revolução. Ela teria ocorrido sem eles; mas eles provavelmente constituíram
a diferença entre um simples colapso de um velho regime e a sua substituição
rápida e efetiva por um novo. (HOBSBAWM, 2012, p.105-106)

Inicialmente, a Revolução Francesa não se insurgiu contra a monarquia em si, mas


apenas tentou implantar um sistema de monarquia constitucional, nos moldes do que existia
na Inglaterra, com o fim dos privilégios aristocráticos-feudais. O marco histórico que levou à
Revolução Francesa se deu quando, em meio a uma crise financeira do Estado francês, a
nobreza se recusou a reduzir os seus privilégios. Foi, então, convocada uma assembleia
parlamentar composta pelos integrantes do primeiro (nobreza), do segundo (clero) e do
terceiro (burgueses, camponeses e trabalhadores urbanos) estado. O terceiro estado, nesta
37

oportunidade, rebelou-se contra a frequente aliança nobreza-clero, o que sempre assegurava a


derrota do terceiro estado, autoproclamou-se Assembleia Nacional e, após a rebelião popular,
Assembleia Constituinte.
Sob o lema da liberdade, igualdade e fraternidade, o movimento revolucionário
pretendia acabar com o sistema feudal de exploração; propor a elaboração de uma nova
Constituição; a adoção da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão e de uma
constituição civil do clero33.
A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 trazia, em seus 17 artigos
e no preâmbulo, a representação dos ideais do Iluminismo. Este documento procurava acabar
com os privilégios sociais, baseando-se na ideia de que todos os homens nasciam livres e
iguais em direitos, assim, a defesa dos direitos deveria ir além da proteção apenas da
propriedade e da liberdade. A Declaração foi fortemente influenciada pela escola do Direito
natural que acreditava na universalidade dos direitos do homem e na possibilidade de sua
proteção e exigibilidade em qualquer tempo e lugar, já que eram inerentes à natureza humana.
É importante mencionar que, por mais que o constitucionalismo inglês tenha
contribuído para consolidar algumas estruturas constitucionais em outros países, o
constitucionalismo francês não apresenta os mesmos traços do britânico, por ter sido
decorrente do rompimento completo34 com a estrutura anterior (ancien régime)35 e a criação
de uma nova ordem social.
Em razão desse rompimento com o antigo regime, o movimento revolucionário
necessitava fundamentar e justificar o novo poder político e o fez apoiado nas teorias
contratualistas. Tais ideias, baseadas na premissa de que todos os homens são livres e iguais,
pregavam ser a ordem política uma construção decorrente de um contrato social, fundado nas
vontades individuais.
Sendo a nova ordem político-jurídica decorrente de um acordo de vontades entre os
homens livres e iguais, havia a necessidade de elaboração de um documento escrito que
representasse a atribuição e a limitação do poder político e garantisse os direitos dos
indivíduos.

33
Esse documento visava regulamentar a igreja francesa, extinguindo os direitos feudais e os privilégios dos
eclesiásticos, transformando os sacerdotes paroquiais em espécies de funcionários públicos.
34
Muito embora em sua fase gestacional a Revolução Francesa não tivesse pretendido romper completamente com o regime
monárquico, mas sim, implementar um sistema de monarquia constitucional, não foi esse modelo que se desenvolveu em um
momento posterior, quando a monarquia foi extinta e instituída uma república.
35
O constitucionalismo inglês, como já afirmado, decorreu de um movimento evolucionista e que não rompeu
completamente com as estruturas medievais estamentais, tratou-se mais de uma “adaptação político-social ou ajustamento
prudencial da história”. (CANOTILHO, 2003, p.57)
38

Para legitimar a elaboração desse documento escrito, que se consubstanciaria na lei


fundamental, Emmanuel Sieyès desenvolveu a teoria do Poder Constituinte. Este poder
Constituinte 36 seria anterior e superior aos outros poderes do Estado e, por isso, estaria
habilitado a instituir um documento escrito responsável por delimitar as funções exercidas por
cada um dos órgãos estatais. Ademais, sendo superior e anterior este poder não estaria sujeito
a limitações decorrentes de regimes anteriores.
Segundo Gomes Canotilho (2003, p.73), os momentos fundamentais da teoria
desenvolvida por Sieyès seriam: “(1) recorte de um poder constituinte da nação entendido
como poder originário e soberano; (2) plena liberdade da nação para criar uma constituição”,
pois “a nação ao ‘fazer uma obra constituinte’, não está sujeita a formas, limites ou condições
preexistentes”. Essas ideias ficam claras nas palavras de Sieyès

La nation existe avant tout, elle est l’origine de tout. Sa volonté est toujours légale,
elle est la loi elle-même. Avant elle et au-dessus d’elle il n’y a que le droit naturel.
Si nous voulons nous former une idée juste de la suite des lois positives qui ne
peuvent émaner que de sa volonté, nous voyons en première ligne les lois
constitutionnelles, qui se divisent en deux parties : les unes règlent l’organisation
et les fonctions du corps législatif; les autres déterminent l’organisation et les
fonctions des différents corps actifs. Ces lois sont dites fondamentales, non pas en
ce sens qu’elles puissent devenir indépendantes de la volonté nationale, mais parce
que les corps qui existent et agissent par elles ne peuvent point y toucher. Dans
chaque partie la constitution n’est pas l’ouvrage du pouvoir constitué, mais du
pouvoir constituant. Aucune sorte de pouvoir délégué ne peut rien changer aux
conditions de sa délégation. C’est ainsi et non autrement que les lois
constitutionnelles sont fondamentales. Les premières, celles qui établissent la
législature, sont fondées par la volonté nationale avant toute constitution; elles en
forment le premier degré. Les secondes doivent être établies de même par une
volonté représentative spéciale. Ainsi toutes les parties du gouvernement se
répondent et dépendent en dernière analyse de la nation. 37 (SIEYÈS, 2002, p.53)

Apesar de todo o esforço dos teóricos franceses para caracterizarem o seu movimento
constitucional com base exclusivamente nas ideias dos filósofos racionalistas, concordamos
com Santi Romano (1977, p.49-50). Segundo ele, a elaboração da Constituição norte-

36
Podemos afirmar que o Poder Constituinte já havia se manifestado antes mesmo da teorização elaborada por Sieyès,
quando, durante uma das reuniões do Congresso da Confederação, também chamada de Convenção da Filadélfia, em maio de
1787, delegados das ex-colônias britânicas acabaram se reunindo em assembleia que culminou com a elaboração da
Constituição norte-americana.
37
Tradução livre: “A nação existe antes de tudo, ela é a origem de tudo. Sua vontade sempre legal, é a própria lei. Antes dela
e acima dela só existe o direito natural. Se quisermos formar uma ideia exata da série das leis positivas que só podem emanar
de sua vontade, veremos, em primeira linha, as leis constitucionais que se dividem em duas partes: umas regulam a
organização e as funções do corpo legislativo; as outras determinam a organização e as funções dos diferentes corpos ativos.
Essas leis são chamadas de fundamentais, não no sentido de que possam tornar-se independentes da vontade nacional, mas
porque os corpos que existem e agem por elas não podem tocá-las. Em cada parte, a Constituição não é obra do poder
constituído, mas do poder constituinte. Nenhuma espécie de poder delegado pode mudar nada nas condições de sua
delegação. É neste sentido que as leis constitucionais são fundamentais. As primeiras, as que estabelecem a legislatura, são
fundadas pela vontade nacional antes de qualquer constituição; formam seu primeiro grau. As segundas devem ser
estabelecidas por uma vontade representativa especial. Desse modo, todas as partes do governo dependem em última
instância da nação.”
39

americana (inspirada em princípios remanescentes do constitucionalismo historicista inglês)


teve grande influência na explosão da Revolução de 1789 e foi uma das fontes mais diretas da
Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, declaração essa que
serviu de preâmbulo à primeira Constituição francesa, em 1791.
Por outro lado, argumenta o autor que não se pode subestimar a influência que as
teorias francesas, imediatamente anteriores à revolução, principalmente por meio da obra de
Montesquieu, tiveram sobre a elaboração das Constituições americanas. De forma que,
quando estas serviram como modelo ao constitucionalismo francês houve uma
“reimportação” de diversos princípios arraigados no espírito francês. Deste modo, existiu uma
influência mútua de um constitucionalismo no outro, sendo difícil mensurar em que medida
ela de fato ocorreu . (ROMANO, 1977, p.52)
Não obstante compartilharem fundamentos comuns, o constitucionalismo francês e o
norte-americano deram origem a modelos constitucionais distintos. Na França, predominou a
ideia de superioridade do legislador e do primado das leis, enquanto nos Estados Unidos,
desde o início, estava presente a consciência de superioridade da Constituição e de submissão
de todos os órgãos do Estado, inclusive o parlamento, às normas constitucionais.
A Revolução Francesa se desenvolveu em diversas fases 38 não uniformes e a
libertação do regime absolutista teve uma curta duração

A Revolução passaria ainda por fases diversas, marcadas pelo radicalismo das
facções políticas, no plano interno, e pela hostilidade das monarquias europeias,
que estiveram em guerra com a França entre 1792 e 1800. A instabilidade política
e institucional levou à execução do rei, acusado de traição e à instauração da
República, dando início ao período conhecido como o do governo da Convenção
(1792-1795). Após a derrocada do Terror e de Robespiere, sobreveio o período
historicamente conhecido como o do Diretório (1795-1799), no qual se procurou,
sem sucesso, edificar um republicanismo moderado. A fragilidade política desse
governo colegiado e o sucesso militar nas campanhas externas deram ensejo à
ascensão do exército e de seus generais. Coube a um deles, Napoleão Bonaparte,
deflagrar, em novembro de 1799, o golpe de estado conhecido como 18 Brumário,
marco inicial de uma fase decisiva da história francesa e europeia – a era
napoleônica –, na qual ele exerceu o poder como cônsul, ditador e imperador,
sucessivamente, até que a sorte viesse a faltar-lhe no campo de batalha, em 1814,
levando à sua abdicação. (BARROSO, 2011, p.49)

Em decorrência dessa multiplicidade de momentos históricos e das sucessivas formas


de governo, na França, houve a necessidade de se adotar diversas Constituições, ao contrário
do que ocorreu na Inglaterra (ausência total de uma Constituição escrita, dado o modelo

38
Instauração de uma monarquia constitucional parlamentar; a fase da Convenção; a fase do Diretório; e o início da era
napoleônica.
40

historicista adotado naquele país) e nos Estados Unidos (adoção de uma única Constituição
que vigora até hoje com pouquíssimas emendas).
A segunda Constituição escrita francesa data de 1793 (ano I da proclamação da
República), porém a crise política institucionalizada e as guerras externas impediram que a
Constituição tivesse vigência 39 . Em 1795, após Robespiere ser levado à guilhotina, a
Convenção instituiu uma nova Constituição (Constituição do ano III) com a previsão da
criação de um governo colegiado, o Diretório. A perpetuação da crise política e econômica
abriu passagem para que, quatro anos depois, a população, insatisfeita, apoiasse a ascensão de
Napoleão Bonaparte. Então, foi elaborada a Constituição de 1799 (Constituição do ano VIII)
que instituiu o governo sob a forma de consulado, a porta de entrada para reintroduzir uma
monarquia absoluta sob o comando de Napoleão.
Após as sucessivas derrotas nas guerras, em 1812 e 1813, Napoleão é levado a
renunciar e se exila na ilha de Elba, em 1814. No ano seguinte, foge do exílio e retorna ao
poder por um curtíssimo período, pois a derrota na batalha de Waterloo sela o seu exílio
definitivo na ilha de Santa Helena.
Ocorre, então na França, a restauração monárquica e, em 1814 é elaborada uma nova
Constituição que, em 1830 será reformada. Em 1848, inicia-se a Segunda República que, em
1852 se converte em Segundo Império. Após a derrota da França na guerra franco-prussiana,
sobrevém a Constituição de 1875 que institui a Terceira República e perdura até a ocupação
da França pelos alemães na Segunda Guerra Mundial, em 1940. Após o fim da Segunda
Guerra, instituiu-se a Quarta República e, em 1946, foi adotada uma nova Constituição que
não gozou de grande prestígio. Por fim, em 1958, com o início da Quinta República, uma
nova Constituição foi aprovada e vigora até hoje com algumas poucas emendas.
Esse cenário histórico demonstra que o constitucionalismo francês foi marcado por
uma intensa instabilidade política, o que impediu, desde o começo uma consolidação jurídica
por meio da adoção de uma Constituição perene. Ademais, na França, ao contrário dos
Estados Unidos, a Constituição surgiu como um documento sem força normativa; o que
prevalecia eram os atos do parlamento. Até a Segunda Guerra Mundial, foi essa concepção de

39
Eric Hobsbawm (2012, p.121-122) apresenta a Constituição de 1793 com características marcadamente democráticas,
afirmando: “Uma nova Constituição um tanto radicalizada, e até então retardada pela Gironda, foi proclamada. De acordo
com este nobre documento, todavia acadêmico, dava-se ao povo o sufrágio universal, o direito de insurreição, trabalho ou
subsistência, e – o mais significativo – a declaração oficial de que a felicidade de todos era o objetivo do governo e de que os
direitos do povo deveriam ser não somente acessíveis, mas também operantes. Foi a primeira Constituição genuinamente
democrática proclamada por um Estado moderno. Mais concretamente, os jacobinos aboliram sem indenização todos os
direitos feudais remanescentes, aumentaram as oportunidades para o pequeno comprador adquirir as terras confiscadas dos
emigrantes e – alguns meses mais tarde – aboliram a escravidão nas colônias francesas, a fim de estimular os negros de São
Domingos a lutar pela República contra os ingleses.”
41

Constituição, surgida no constitucionalismo francês, que se irradiou por toda a Europa


continental.
A própria Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão tinha uma
importância apenas simbólica. Lembremos que, somente em 1971, o Conselho Constitucional
Francês reconheceu valor jurídico a essa declaração, afirmando que tanto a Declaração quanto
o preâmbulo da Constituição de 1946, incorporavam-se à Constituição de 1958, em razão de
expressa menção no preâmbulo desta última.
Também não houve a instituição de um Poder Judiciário forte. A jurisdição era
dividida em judicial, cuja cúpula era a Corte de Cassação e administrativa, que tinha a
atribuição de julgar os litígios envolvendo o Estado e o Conselho de Estado como órgão de
cúpula. Na França, sempre foi vedado apreciar os atos do parlamento ou do governo e,
somente com a Constituição de 1958 foi instituído o Conselho Constitucional como um órgão
autorizado a fazer uma verificação prévia e preventiva da conformidade dos atos legislativos
com a Constituição. É importante destacarmos que uma reforma constitucional promovida
pela Lei Constitucional nº 228-724 introduziu a possibilidade de controle de
constitucionalidade após a promulgação e vigência da lei.

2.6.2 Constitucionalismo norte-americano

A partir do século XVII, intensificou-se a migração de colonos ingleses para a


América do Norte. As colônias inicialmente formadas eram leais à coroa britânica, já que
possuíam uma certa autonomia, em razão da possibilidade de eleição de um corpo legislativo
próprio e da existência de um Poder Judiciário independente de Londres.
No entanto, em meados do século XVIII, em razão da imposição às colônias de
restrições à atividade econômica40 e da instituição de impostos41 – sem a participação das
colônias nas decisões que levaram a esses atos42 – a harmonia foi rompida. A coroa britânica
adotou, em represália, atos considerados intoleráveis 43 pelos colonos, o que deu ensejo à
convocação do Primeiro Congresso Continental (de 05 de setembro de 1774 a 26 de outubro
de 1774) no qual 12 (doze) das 13 (treze) colônias se reuniram para deliberar sobre o fim dos

40
Estamos nos referindo ao Townshend Acts e ao Tea Act.
41
Como por exemplo, o Stamp Act.
42
O Stamp Act gerou um forte descontentamento entre os colonos e uma desobediência em massa, fundada no fato de que
não havia participação da colônia no parlamento inglês, datando dessa época o surgimento de um dos slogans da revolução:
no taxation without representation. (BARROSO, 2011, p. 37)
43
Implementação de sanções inglesas contra Massachusetts, em razão da Tea Party ocorrida em Boston (quando os colonos
atiraram na baía de Boston chá indiano que estava sendo importado a preços inferiores) e a transferência para o Canadá das
terras ao norte de Ohio.
42

entraves ao seu desenvolvimento. O acirramento da tensão entre a metrópole e as colônias


desaguou na guerra da independência. Em 10 de maio de 1775, começou o Segundo
Congresso Continental 44 que perdurou até 01 de março de 1781, já após a declaração da
independência45, quando foram ratificados os Artigos da Confederação (primeiro documento
de governo dos Estados Unidos).
Por meio da aprovação dos Articles of Confederation, surgiu uma confederação entre
as 13 (treze) ex-colônias. Cada nova federação possuía um governo, um Judiciário e uma
moeda própria e nenhuma delas estava preocupada com a taxação dos produtos uns dos
outros. Esse modelo se mostrou frágil, o que tornou necessária a convocação de uma nova
convenção.
Em 01 de março de 1781, reuniu-se o Congresso da Confederação, que permaneceu
operando até 04 de março de 1798, para tornar possível a manutenção da confederação e
corrigir as falhas dos Artigos da Confederação. Houve 10 (dez) sessões do Congresso da
Confederação, com duração média de 06 (seis) meses cada uma, em várias cidades diferentes
das colônias. Na reunião ocorrida entre 25 de maio e 17 de setembro de 1787, na Filadélfia, o
Congresso converteu-se em convenção constitucional e culminou com a elaboração da
primeira Constituição dos Estados Unidos.
Foi, então, elaborada a primeira carta constitucional escrita do mundo moderno,
representando o marco simbólico da conclusão da Revolução Americana e trouxe um
conteúdo inovador representado pelos seguintes avanços:

a) independência das colônias; b) superação do modelo monárquico; c)


implantação de um governo constitucional fundado na separação de Poderes, na
igualdade, na supremacia da lei (rule of the law). Para acomodar a necessidade de
criação de um governo central com o desejo de autonomia dos Estados – que
conservaram seus próprios Poderes e amplas competências – concebeu-se uma
nova forma de organização do Estado, a Federação, que permitiu a convivência
dos dois níveis de poder, federal e estadual. (BARROSO, 2011, p.39)

Em 17 de setembro de 1787, a Constituição já estava pronta para a ratificação por


parte das ex-colônias, o que ocorreu integralmente em 1788. Essa versão original da
Constituição não previa uma declaração de direitos, o que acabou sendo introduzido, por meio
de 10 (dez) emendas constitucionais conhecidas como Bill of Rights, apenas em 1791.

44
Neste Congresso deliberou-se a necessidade de constituição de um exército organizado (sob o comando de George
Washington); da adoção de constituições escritas pelas ex-colônias e designou-se uma comissão para elaborar a declaração
de independência (cujo principal redator foi Thomas Jefferson). (BARROSO, 2011, p.38)
45
Em 04 de julho de 1776, foi assinada pelos membros do Segundo Congresso a Declaração da Independência, cujo principal
redator foi Thomas Jefferson e teve início um processo de elaboração de Constituições próprias para os Estados recém
emancipados do colonialismo inglês.
43

É interessante notar que a Constituição Americana foi a própria norma fundadora do


novo Estado e passou a fundamentar toda a sua ordem jurídica. Esse mesmo fenômeno não se
deu nos países Europeus, nos quais o Estado era uma instituição prévia à existência de
qualquer documento constitucional. Reflexo direto da importância atribuída à Constituição
norte-americana foi o respeito à ideia de sua rigidez e supremacia, o que, posteriormente,
permitiu instituir o controle de constitucionalidade.
O constitucionalismo norte-americano, apesar de ter decorrido de um movimento
revolucionário, não tinha por fim o rompimento integral e definitivo com a ordem jurídica e
política anterior. O povo 46 americano não tinha por objetivo uma reestruturação dos seus
direitos e liberdades, mas pretendia se desvincular de um parlamento dotado de poderes quase
absolutos e que impunha deveres ao povo norte-americano sem representação dos mesmos
nesse parlamento. Os norte-americanos já possuíam a noção de que a falta de uma
Constituição escrita era a causa da ausência de limites ao parlamento inglês e era o que
proporcionava a possibilidade de elaboração de normas em descompasso com o common law.
Havia, pois, a necessidade de se criar uma lei superior à lei do legislador que garantiria
ao povo regras disciplinadoras do exercício do poder e que seriam oponíveis aos governantes,
quando extrapolassem os limites desse documento escrito fundamental.
Nas palavras de Gomes Canotilho (2003, p. 59) “o modelo americano de constituição
assenta na ideia da limitação normativa do domínio político através de uma lei escrita”. A
Constituição norte-americana surgiu, pois, de um “acordo celebrado pelo povo e no seio do
povo a fim de se criar e constituir um ‘governo’ vinculado à lei fundamental”.
(CANOTILHO, 2003, p.59)
Mesmo tendo o constitucionalismo norte-americano derivado de um movimento
revolucionário e que clamou pela existência de limites normativos fixos por meio da
elaboração de um documento escrito, houve uma significativa transmigração ou propagação
do Direito Constitucional inglês para a lei fundamental norte-americana.
O constitucionalismo norte-americano teve origem, em grande parte, no
constitucionalismo inglês, inspirando-se em seus princípios consolidados ao longo dos anos e,
também, sofreu grande influência dos filósofos franceses e suas ideias revolucionárias 47. A

46
Gomes Canotilho (2003, p.58) explica que o constitucionalismo norte-americano se fundou na ideia de “povo” e não de
“Nação” como ocorreu no caso francês. O fato é que os norte-americanos estavam tentando se livrar de um parlamento
omnipotente e não tinha a intenção de transferir essa omnipotência para a figura da nação que tinha intrínseca também a ideia
de participação do governo. Os norte-americanos queriam que o poder constituinte permanecesse com o povo e a
Constituição representaria um momento de decisão do povo.
47
Santi Romano, ao traçar um panorama sobre o surgimento do constitucionalismo, deixa bem claro que a grande origem de
tudo se deu a partir do movimento constitucional inglês, porém ressalta que foram os constitucionalismos francês e norte-
americano responsáveis, não só por difundir os princípios e instituições incorporados do constitucionalismo inglês, mas
44

Constituição americana foi muito influenciada pelas ideias contratualistas de Locke e pela
ideia da existência de um Direito natural superior até mesmo às leis do parlamento.
Como a Constituição representava uma lei superior, ou seja, uma lei que deveria
pautar a atuação dos governantes e a elaboração das outras leis, acabou se convertendo em
verdadeiro paradigma de atuação. A partir disto, decorreu o raciocínio de que seria nula
qualquer lei que infringisse as normas Constitucionais, o que possibilitou o surgimento do
controle de constitucionalidade (judicial review) feito pelos juízes, que foram alçados à
categoria de defensores da Constituição e dos direitos e liberdades 48. Ou seja, desde o início,
já havia no constitucionalismo norte-americano a defesa da força normativa e da supremacia
da Constituição que eram asseguradas pelo controle de constitucionalidade.

também por estruturar a base do moderno Direito Público mediante as seguintes inovações: “a) Alguns princípios que se
encontraram no direito inglês tiveram aceitação e desenvolvimento diversos. Por exemplo, aqueles relativos aos direitos
individuais e à divisão de poderes: os direitos individuais não mais foram reconhecidos como simples limitações dos direitos
do soberano e foram atribuídos não apenas aos cidadãos, mas a todos os homens; a divisão dos poderes assumiu uma
importância mais precisa e os caracteres a ele conferidos por Montesquieu. b) Outro princípio importantíssimo que,
formulado nas cartas americanas e francesas, influiu muito sobre o direito público atual é o da ‘soberania nacional’ [...],
princípio este que, certamente não é equivalente ao da soberania do Estado, mas que tem o mérito de haver encaminhado a
este último, subtraindo a soberania, como poder pessoal, seja ao príncipe, seja aos indivíduos, tornando-a um atributo da
‘nação’ inteira, que depois encontrou-se no Estado. c) Finalmente, o direito americano e o francês, e esta tem sido talvez a
sua mais importante influência, têm contribuído para modificar na sua íntima estrutura a própria sociedade, o que era
preliminarmente necessário para que novas instituições políticas pudessem ser instauradas. Dessa maneira dividiram os
agrupamentos humanos em categorias e classes colocadas em posições jurídicas mais ou menos diversas e sobre esta base
proclamaram o princípio da igualdade, que representa a fórmula final e mais sintética daquela profunda transformação.”
(ROMANO, 1977, p.53-54)
48
No Capítulo 4, exporemos de forma mais detalhada o surgimento do controle de constitucionalidade no constitucionalismo
norte-americano.
45

3 O CONSTITUCIONALISMO CONTEMPORÂNEO49

O Constitucionalismo Contemporâneo não é um novo termo para ideias antigas50. A


expressão representa uma nova teoria do Direito e do Estado que supera definitivamente os
paradigmas jusnaturalista e positivista, unindo racionalmente Direito e moral representando
um momento evolutivo posterior do constitucionalismo que agrega ideias advindas do pós-
positivismo

Nessa medida, pode-se dizer que o Constitucionalismo Contemporâneo representa


um redimensionamento da práxis político-jurídica, que se dá em dois níveis: no
plano da teoria do Estado e da Constituição, com o advento do Estado
Democrático de Direito, e no plano da teoria do direito, no interior da qual se dá a
reformulação da teoria das fontes (a supremacia da lei cede lugar à onipresença da
Constituição); na teoria da norma (devido à normatividade dos princípios) e na
teoria da interpretação (que, nos termos que proponho, representa uma blindagem
às discricionariedades e aos ativismos). Todas essas conquistas devem ser
pensadas, num primeiro momento, como continuadoras do processo histórico por
meio do qual se desenvolve o constitucionalismo. Com efeito, o
constitucionalismo pode ser concebido como um movimento teórico jurídico-
político em que se busca limitar o exercício do Poder a partir da concepção de
mecanismos aptos a gerar e garantir o exercício da cidadania. (STRECK, 2011,
p.37)

A ideologia do Constitucionalismo Contemporâneo tem como fundamento a


constitucionalização de todo o Direito e traz a noção de “dever ser” em uma realidade muito
mais aproximada ao “ser”. Apresenta-se, pois, não só como uma nova teoria do Direito
Constitucional, que incorpora mudanças advindas das transformações operadas pela pós-
modernidade na sociedade atual, favorece uma visão constitucionalizada do Direito e
proporciona uma nova forma de pensar e praticar o Direito.

49
Convém esclarecer que o debate em torno do Constitucionalismo Contemporâneo ou Neoconstitucionalismo é um
fenômeno que se restringe, em linhas gerais, à Europa e à América Latina. Nos Estados Unidos não houve uma sucessão de
movimentos ou momentos constitucionais. Lá não houve uma ruptura com os paradigmas constitucionais que já estavam
institucionalizados desde os séculos XVIII e XIX. A Constituição norte-americana ainda é a mesma promulgada em 1787 e
sofreu apenas 27 emendas nesses mais de 200 anos de vigência. No sistema norte-americano, o debate constitucional
moderno gira basicamente em torno da amplitude das competências da federação, dos métodos de interpretação
constitucional, do ativismo ou autocontenção da Suprema Corte etc. O debate iniciado na Europa acerca da incompatibilidade
da Teoria do Direito de cunho positivista com o novo constitucionalismo não fez parte das preocupações da doutrina norte-
americana. Como será verificado ao longo do capítulo, várias das marcas características do Constitucionalismo
Contemporâneo já estavam institucionalizadas no ideário dos Estados Unidos desde a época dos Founding Fathers.
50
Lammêgo Bulos entende de forma diversa afirmando que não há nada de novo nas ideias apresentadas por aqueles que se
denominam neoconstitucionalistas e que as supostas características do Neoconstitucionalismo seriam nada mais do que parte
da evolução do Constitucionalismo Contemporâneo, assim, Neoconstitucionalismo seria o Constitucionalismo
Contemporâneo com outro nome e aduz: “não se trata de um movimento e muito menos de uma escola; não agrega, de modo
sistematizado, um corpo coerente de postulados, nem de propostas científicas que venha a acrescer algo, verdadeiramente
novo, àquilo que a humanidade já sabia; trabalha com teses, ideias e descobertas que vêm de priscas eras, mas que
encontraram o seu apogeu na contemporaneidade; seus defensores são chamados de ‘neoconstitucionalistas’, adoram
propagar concepções velhas como se fossem ‘novas’, tomando como suporte constatações do pensamento jusfilosóficos dos
dias correntes.” (BULOS, 2011, p.80-81)
46

Esse novo constitucionalismo supera as bases sobre as quais se fundou o positivismo


jurídico, rejeitando as teorias da fonte, da norma e da interpretação em uma perspectiva
clássica. O fato é que a lei deixa de ser considerada a única fonte do Direito a partir do
momento em que é introduzida a noção de princípios. Ademais, o aparecimento dos
princípios evita a descontextualização do Direito e o retira do dualismo positivismo-
jusnaturalismo. Em razão dessa permeabilização do ordenamento jurídico pelos princípios,
torna-se inadequado continuar a aplicar o esquema da subsunção e da relação sujeito-objeto
propostos pelo positivismo.
O Constitucionalismo Contemporâneo é um fenômeno da segunda metade do século
XX e está diretamente associado ao surgimento do Estado Constitucional de Direito. O
desenvolvimento desse novo movimento constitucional é fruto da evolução do pensamento
jurídico e da ciência política ao longo do século XIX e início do século XX, com acentuado
destaque para o pós-Segunda Guerra Mundial, quando a forma de encarar o Direito é
substancialmente modificada.
De forma simplificada51, podemos afirmar que o Estado já passou por três formas de
organização jurídica: o Estado pré-moderno, o Estado de Direito e o Estado Constitucional.
Na época do Estado pré-moderno, as fontes de produção do Direito eram descentralizadas,
não havia um corpo legislativo responsável pela elaboração de leis e essa função cabia,
principalmente, à jurisprudência, com base na tradição romanística e no Direito natural,
quando vigorava o Direito comum. O constitucionalismo moderno têm suas primeiras
manifestações nesse momento histórico, quando o Direito passou a ser inteiramente
influenciado pelo jusnaturalismo racionalista.
Durante o século XVIII, após as revoluções inglesa, francesa e norte-americana,
ocorre a separação de Poderes e a função de produção do Direito é concentrada, basicamente,
nas mãos dos órgãos legislativos52. Sob a forte influência do positivismo jurídico e da teoria
clássica do Direito, o Estado legalista impera por muito tempo. A norma legislada, vista como

51
Essa divisão mais simplificada é adotada com base em Luís Roberto Barroso (2011, p.265-267). Já Jorge Miranda (2011,
p.25-46) aponta três formas diversas de evolução das formas de Estado: a) sob uma perspectiva de natureza cultural, ele
divide em períodos correspondentes ao Estado do Renascimento (séculos XV e XVI); ao Estado da Ilustração (séculos XVII
e XVIII) e ao Estado do Romantismo (século XIX); b) sob uma perspectiva mais política e jurídico-positiva, ele divide em
Estado estamental ou da monarquia limitada pelas ordens; Estado absoluto e Estado constitucional, representativo ou de
Direito (sendo que esse último apresenta grandes variações e complexidade a partir do século XX, o que não permite uma
classificação mais uniforme, em razão da existência de contradição no que toca às opções e valores dos Estados nesse
século); c) sob uma perspectiva mais complexa, que liga Direito, política e economia, ele divide em Estado de poder
soberano dentro do sistema europeu de Estados; Estado comercial relativamente fechado e com sociedade e economia
capitalista burguesa; Estado liberal e constitucional; e Estado nacional que, simultaneamente, abrange todas estas tendências,
mas com uma tendência democrática.
52
Especialmente na França, e em outros países europeus fortemente influenciados pela tradição francesa. Já na Inglaterra e
nos Estados Unidos, o Direito passa a ser objeto de elaboração do Poder legislativo, mas também continua a ser um produto
do common law.
47

a expressão da vontade geral, é o centro do ordenamento jurídico, conferindo unidade e


estabilidade ao Direito. A validade da norma jurídica estava associada apenas ao seu aspecto
formal. No século XIX, tem início a era das codificações, fortemente influenciada pelo
pensamento positivista que defendia a completude e a autossuficiência do Direito como uma
ciência.
O fato é que a dogmática jurídica permaneceu distanciada da filosofia jurídica e essa
ausência de reflexão acerca do papel do Direito, dos seus fundamentos de legitimidade e da
necessidade de reconhecer a influência de fatores externos no estudo jurídico lançam as bases
para a prevalência, por mais de três séculos, das características do Direito em sua perspectiva
clássica, quais sejam: a) existência de caráter científico; b) emprego da lógica formal (daí
porque a interpretação jurídica se restringia ao método de subsunção dos fatos à norma); c)
pretensão de completude (eventuais lacunas deveriam ser resolvidas pela aplicação dos
costumes, pela analogia e pelos princípios gerais); d) pureza científica (que pretendia
desvincular o Direito da influência de outras ciências); e) racionalidade da lei e neutralidade
do intérprete.
Após a Segunda Guerra Mundial, com a constatação de que o apego à legalidade
exacerbada permitiu atrocidades nazistas e fascistas, percebeu-se que o Direito deveria se
reaproximar da moral e que a lei precisava apresentar um conteúdo valorativo para se
legitimar como Direito. Esses valores compartilhados socialmente estavam imbuídos nas
Constituições dos Estados que, com algumas exceções53, na época, eram consideradas apenas
um documento simbólico, uma carta de intenções. Inicia-se aí a ideia da necessidade de
verificar a compatibilidade das leis com as normas constitucionais.
É importante observarmos que a evolução da teoria do Direito, da forma de pensar o
Direito foi acompanhada sempre pela evolução da forma de pensar também o Direito
Constitucional. Ao mesmo tempo em que se introduzia na sociedade contemporânea os
paradigmas do pensamento pós-positivista (que viriam a superar a teoria clássica do Direito)
também emergia um novo Direito Constitucional que se utilizava justamente dessas premissas
pós-positivistas para se desenvolver.
Essa crise dos conceitos solidificados na era moderna fez emergir uma nova forma de
se encarar o Direito e, especialmente, o Direito Constitucional, que se transforma na base de
toda a ciência jurídica. A Constituição começa a fundamentar e se torna a essência de todo o
ordenamento jurídico. Há uma constitucionalização do Direito.

53
Constituição dos Estados Unidos que, desde o início, foi considerada um parâmetro de validade das normas legais. Ver
Capítulo 1, tópico 1.6.2.
48

Nessa época, o Estado constitucional passa a ser também democrático e a possuir uma
abertura radicada no princípio da dignidade humana. A dignidade humana tem uma expansão
ilimitada, sendo sempre passível de modificação ao longo da história, dessa forma, a
Constituição começou a ser encarada como um documento aberto às influências de uma
sociedade plural e democrática.
É relevante notarmos que o próprio conceito de democracia apresenta uma perspectiva
formal – que está ligada à ideia de governo da maioria e de respeito aos direitos individuais –
e uma material, que significa mais que o governo da maioria, pois está associada à ideia de
inclusão participativa dos grupos minoritários e de menor expressão política. Para dar forma a
uma democracia em sentido material, o Estado precisa, além de respeitar os direitos
individuais, promover direitos fundamentais de conteúdo social necessários à constituição de
uma sociedade minimamente igualitária, na qual as pessoas vivam dignamente e efetivamente
livres.54 Nesse sentido,

A construção do Estado constitucional de direito ou Estado constitucional


democrático, no curso do século XX, envolveu debates teóricos e filosóficos
intensos acerca da dimensão formal e substantiva de dois conceitos centrais
envolvidos: Estado de direito e democracia. Quanto ao Estado de direito, é certo
que, em sentido formal, é possível afirmar a sua vigência pela simples existência
de algum tipo de ordem legal cujos preceitos materiais e procedimentais sejam
observados tanto pelos órgãos de poder quanto pelos particulares. Este sentido
mais fraco do conceito corresponde, segundo a doutrina, à noção de Rechtsstaat,
flexível o suficiente para abrigar Estados autoritários e mesmo totalitários que
sigam alguns tipo de legalidade. Todavia, em uma visão substantiva do fenômeno,
não é possível ignorar a origem e o conteúdo da legalidade em questão, isto é, sua
legitimidade e sua justiça. Esta perspectiva é que se encontra subjacente ao
conceito anglo-saxão de rule of the law e que se procurou incorporar à ideia latina
contemporânea de Estado de direito, État de droit, Stato di diritto. (BARROSO,
2011, p.63)

O surgimento do Constitucionalismo Contemporâneo, portanto, se dá no mesmo


momento em que são superados os estandartes da Teoria Clássica do Direito55. O positivismo
jurídico e a sua lógica de validade formal das leis já não é compatível com os valores que se
desenvolvem nessa sociedade pós-guerra. Há uma necessidade crescente de reaproximar o
Direito e a ética. A Filosofia do Direito e a Sociologia do Direito começam a ser vistas não

54
Para Luís Roberto Barroso “O constitucionalismo democrático, ao final da primeira década do século XXI, ainda debate
com as complexidades da conciliação entre soberania popular e direitos fundamentais. Entre governo da maioria e vida digna
e em liberdade para todos, em um ambiente de justiça, pluralismo e diversidade. Este continua a ser, ainda, um bom projeto
para o milênio.” (BARROSO, 2011, p.64)
55
Podemos apontar como características principais da Teoria Clássica do Direito, fruto do pensamento positivista do século
XIX: a) a defesa de um caráter científico da ciência jurídica; b) o emprego da lógica exclusivamente formal, fazendo com que
a interpretação jurídica se restringisse ao método de subsunção dos fatos à norma; c) pretensão de completude da lei, razão
pela qual eventuais lacunas deveriam ser resolvidas pela aplicação dos costumes, pela analogia e pelos princípios gerais; d)
pureza científica do estudo jurídico, pregando a necessidade de desvincular o Direito da influência de outras ciências; e)
racionalidade da lei e neutralidade do intérprete
49

mais como temas estranhos à ciência jurídica e de natureza quase metafísica, mas sim, como
disciplinas integrantes do estudo jurídico56.
A superação histórica do jusnaturalismo, a decadência política do positivismo, o
surgimento de um pensamento pós-positivistas – que, apesar de não ter uniformidade
dogmática, propõe uma nova forma de pensar o Direito, reaproximando-o da necessidade de
adequá-lo a valores éticos – associado à influência da Teoria Crítica do Direito57, constituíram
o pano de fundo filosófico ideal para se desenvolver essa nova forma de pensar o Direito
Constitucional.
Esse novo constitucionalismo é impulsionado por vários fatores. Entre os mais
significativos estão a derrocada do legiscentrismo baseado na supremacia do parlamento, a
pós-modernidade, a superação do positivismo clássico e a centralidade dos direitos
fundamentais, a diferenciação qualitativa entre princípios e regras. O Constitucionalismo
Contemporâneo emerge como um novo paradigma que revisa as teorias da norma, da
interpretação e das fontes, superando o positivismo e integrando, de forma útil e inovadora,
uma série de transformações teóricas e práticas no campo da ciência jurídica58.
É importante notarmos que o Constitucionalismo Contemporâneo, na medida em que
incorpora valores morais, não pode ser considerado uma teoria universal do Direito, pois
pressupõe a existência de um Estado democrático e Constituições rígidas que contenham um
rol vinculativo e irretroativo de direitos fundamentais. Assim, ao contrário do positivismo –

56
Essa mudança de paradigma se dá, principalmente, em decorrência da influência da Teoria Crítica do Direito, segundo a
qual o Direito não é puro, nem autossuficiente e nem completo, ao contrário, deve buscar interação com outras ciências e
deve tirar inspiração da realidade (sociologia do Direito) e das bases legitimatórias que possibilitam um estudo crítico
(Filosofia do Direito).
57
Em meados do século XX, ganha força a Teoria Crítica do Direito que questiona as premissas do pensamento clássico
(cientificidade, objetividade, neutralidade, estatalidade, completude etc.) e tem por base a ideia de que o Direito não está
imune a ser contaminado pelas opiniões e preconceitos do intérprete, dada a interação necessária entre sujeito e objeto do
conhecimento. A Teoria Crítica dá ênfase ao caráter ideológico do Direito e o trata como “o acessório normativo da
hegemonia de classe” (BARROSO, 2011, p.253). Para a Teoria Crítica, o Direito não é puro, nem autossuficiente e nem
completo, ao contrário, deve buscar interação com outras ciências e deve tirar inspiração da realidade (sociologia do Direito)
e das bases legitimatórias que possibilitam um estudo crítico (Filosofia do Direito). Para a Teoria Crítica seria possível,
inclusive, afirmar que o Direito não se encontra apenas na lei e que poderia existir independentemente de positivação. Essa
Teoria Crítica do Direito teve expressão em diversos países, nas décadas de 70 e 80: na França com a Critique du Droit; nos
Estados Unidos, com a Critical Legal Studies – ambas de forte influência marxista – e na Alemanha com a Escola de
Frankfurt, que foi responsável por questionar a separação entre Direito e ética e por elaborar duas categorias críticas – a
ideologia e a práxis – e por idealizar a existência de duas razões – instrumental e crítica. No Brasil, essa teoria ganhou a
simpatia da esquerda oposicionista, porém foi abafada pela forte pressão do regime militar então vigente. Mesmo tendo
ficado restrita a algumas escolas, essa teoria contribuiu significativamente para fazer surgir uma geração “menos dogmática,
mais permeável a outros conhecimentos teóricos e sem os mesmos compromissos com o status quo.” (BARROSO, 2011, p.
256). É relevante, ainda, apontar que Marilena Chauí (apud BARROSO, 2011, p.254) explica em que consiste a razão crítica
afirmando que “Os filósofos da Teoria Crítica consideraram que existem, na verdade, duas modalidades de razão: a razão
instrumental ou razão técnico-científica, que está a serviço da exploração e da dominação, da opressão e da violência, e a
razão crítica ou filosófica, que reflete sobre as contradições e os conflitos sociais e políticos e se apresenta como uma força
libertadora”.
58
Écio Oto Duarte (2010, p.64 e seguintes) também registra uma série de propriedades e teses atribuíveis ao paradigma
neoconstitucionalista: a) pragmatismo; b) ecletismo (sincretismo) metodológico; c) judicialismo ético-jurídico; d)
interpretativismo moral-constitucional; d) pós-positivismo; e) juízo de ponderação; f) especificidade interpretativa; g)
ampliação do conteúdo da Grundnorm; e h) conceito não positivista de Direito.
50

que se pretendia universal, por não incorporar concepções morais – o Constitucionalismo


Contemporâneo convive com ordenamentos jurídicos de países que não adotam as premissas
desse sistema. Ademais, o Constitucionalismo Contemporâneo não se pretende perene, pois
só vai perdurar enquanto as concepções morais dominantes que lhe dão subsídio se
mantiverem.
Nesse contexto, Direito Constitucional e Filosofia do Direito se integram no marco do
Constitucionalismo Contemporâneo para servirem como base a uma nova teoria do Estado
fundada no pensamento constitucional. Segundo Eduardo Ribeiro Moreira,

uma boa definição para Neoconstitucionalismo é entendê-lo como o paradigma


jurídico, que tem como centro a Constituição e, a partir da mesma, repensa a
Teoria do Direito, a Teoria do Estado e a Filosofia do Direito, suplantando o
positivismo com ênfase na reaproximação entre o Direito e a moral e, percorrendo
as transformações teóricas e práticas, orienta o Estado democrático de Direito.
(MOREIRA, 2006, p.25)

O autor argumenta também que o Constitucionalismo Contemporâneo é uma teoria


que “se enquadra em (1) um Estado em busca de transformação: (2) por meios racionais de
correção e (3) em torno de uma identidade própria de Constituição” (MOREIRA, 2006, p.
32). Esses meios racionais de correção são concretizados por meio da argumentação jurídica:

A estrutura do Neoconstitucionalismo é construtivista, racional e argumentativa,


esses fatores podem ser considerados os pontos da inebilidade os pontos de partida
jusfilosóficos. É nesse ponto que começa a se traçar a essência do
Neoconstitucionalismo: uma Teoria do Direito preocupada em transformar o que
não deve ser e com a pretensão de corrigir aquilo que racionalmente pode ser
aperfeiçoado. Nesses dois termos, o Neoconstitucionalismo como filosofia é
essencialmente voltado para a pretensão de correção e para a transformação.
(MOREIRA, 2006, p.20)

Verificamos portanto que a pretensão de corrigir e transformar somente seriam


possíveis pela reaproximação entre o Direito e a moral conjugados pela racionalidade prática;
esses dois aspectos (reaproximação entre Direito e moral e racionalidade prática) seriam o
marco filosófico do Constitucionalismo Contemporâneo englobados pelo pós-positivismo.
Para Afonso Figueroa, Antonio Maia e Sastre Ariza, o Constitucionalismo
Contemporâneo é um novo paradigma do Direito

que se afirma não somente como a nova Teoria do Direito, mas também como a
nova Filosofia do Direito e uma proposta em desenvolvimento de uma futura
Teoria do Estado, o que representa em última análise, um novo contrato social,
advindo da prática jurídica e mais precisamente do sucesso que a ordem
51

constitucional alcançou em alguns países, como a Alemanha, os Estados Unidos e


mais recentemente a Espanha. (apud MOREIRA, 2006, p.38)

Apesar da inexistência de uniformidade teórica em torno do pós-positivismo, costuma-


se afirmar que se trata de um movimento que alçou os princípios à categoria de norma jurídica
vinculante e que reconheceu a diferença qualitativa entre princípios e regras. Além disso, o
pós-positivismo retoma a importância da argumentação jurídica fundada na razão prática 59; vê
surgir uma nova hermenêutica jurídica e o desenvolvimento de uma teoria dos direitos
fundamentais baseada na dignidade da pessoa humana.
Podemos afirmar, assim, que o Constitucionalismo Contemporâneo, não obstante a
existência de grande diversidade doutrinária, caracteriza-se, essencialmente, por ser o mais
recente movimento (ou momento) constitucionalista que está fundado sob uma base
democrática e pluralista e se desenvolve a partir de uma filosofia pós-positivista que pretende
preservar a ideia da força normativa da Constituição, expandir a atuação da Justiça
Constitucional e continuar desenvolvendo uma hermenêutica constitucional compatível com a
necessidade de concretização efetiva das normas constitucionais e da garantia dos direitos
fundamentais.
Observamos, finalmente, que o Constitucionalismo Contemporâneo também exerce
uma forte influência sobre a doutrina brasileira, especialmente, a partir da promulgação da
Constituição da República de 1988.
No Brasil, antes de surgir a ideia de Constitucionalismo Contemporâneo, já havia um
movimento doutrinário defensor da efetividade das normas constitucionais e que tinha por
base três paradigmas que necessitavam ser adotados pela doutrina nacional: a) no plano
jurídico, deveria ser atribuído uma normatividade plena à Constituição, dotada de
aplicabilidade direta e imediata, e fonte de direitos e obrigações; b) no plano científico, havia
a necessidade de reconhecer ao Direito Constitucional um objeto próprio e autônomo,
retirando-o da categoria de integrante do discurso político ou sociológico; c) no plano
institucional, haveria uma valorização do Poder Judiciário, que passaria a ter um papel mais
relevante na concretização dos valores constitucionais. Essa escola de pensamento lançou,

59
Segundo Luís Roberto Barroso, a ideia de razão prática está ligada à obra de Kant e representa “um uso da razão voltado
para o estabelecimento de padrões racionais para a ação humana” (BARROSO, 2011, p.271). A razão prática, portanto,
estaria contraposta à razão teórica, visto que, enquanto esta se limita ao conhecimento objetivo, descritivo, do Direito, aquela
dá possibilidade de fundamentação racional de princípios de moralidade e justiça. Assim, o “pós-positivismo, ao reabilitar o
uso prático da razão na metodologia jurídica, propõe justamente a possibilidade de se definir racionalmente a norma do caso
concreto através de artifícios racionais construtivos, que não se limitam à mera atividade de conhecer os textos normativos”.
(BARROSO, 2011, p.271)
52

ainda sob a égide do positivismo, os auspícios de uma futura teoria do Constitucionalismo


Contemporâneo.
Não obstante, Luís Roberto Barroso (2011, p.247-248) afirma que foi o pensamento
positivista o grande responsável por impulsionar, no Brasil, o movimento de efetividade das
normas constitucionais, pois não reduziu o Direito à norma, mas sim, elevou o Direito
Constitucional à condição normativa. Sem essa forte contribuição positivista, as normas
Constitucionais ainda seriam desprovidas de normatividade e de imperatividade de
cumprimento e da sua qualidade de documento conformador do restante do ordenamento
jurídico.
O fato de o positivismo ter influenciado fortemente a ideia de “Direito Constitucional
como norma jurídica” não impediu, porém, o florescimento, em terras nacionais, das
doutrinas pós-positivistas, voltadas à fundamentalidade material da norma, que permitiu o
desenvolvimento do Constitucionalismo Contemporâneo e da teoria dos direitos e garantias
fundamentais.
Hoje, a ideia de efetividade da Constituição e a força irradiante e conformadora das
normas constitucionais já faz parte da pré-compreensão dos juristas brasileiros, podendo-se
afirmar que “Em menos de uma geração, o Direito Constitucional brasileiro passou da
desimportância ao apogeu, tornando-se o centro formal, material e axiológico do sistema
jurídico” (BARROSO, 2011, p.248).
Verificamos, portanto, que o Constitucionalismo Contemporâneo é um fenômeno
relativamente recente e, deste modo, não apresenta ainda uma sistematização dogmática
definitiva. Posteriormente, apresentaremos mais detalhadamente o seu desenvolvimento para
expor as mudanças paradigmáticas que se desencadearam e entender as principais
características desse novo momento constitucional.

3.1 Marco histórico

O marco histórico para o surgimento do Constitucionalismo Contemporâneo é variável


a depender do Estado de que se trata, porém, podemos afirmar que coincidiu com os
processos de redemocratização e reconstitucionalização paulatinos ocorridos ao longo do
século XX.
Foi na Europa continental o início do Constitucionalismo Contemporâneo. O Direito
Constitucional europeu, ressurgido após a Segunda Guerra Mundial, estava traumatizado pelo
sangrento período marcado pelas atrocidades cometidas sob o manto da legalidade dos
53

regimes totalitários. Diante disso, o processo de reconstitucionalização esteve, desde o início,


atento às necessidades de reaproximar o Direito e a moral (juízos de valores e éticos cuja
fonte natural é a Constituição) e de implantar uma nova forma de organização política: a
democrática.
A adoção pela Alemanha, em 1949, da Lei Fundamental de Bonn e a instalação do
Tribunal Constitucional Federal, em 1951, foram as principais referências no
desenvolvimento do novo Direito Constitucional que, a partir desse marco, ganhou ascensão
científica nos países de tradição romano-germânica.
A Lei Fundamental alemã previu diversos direitos e garantias fundamentais60 logo em
seus artigos iniciais e, em seu art. 1º, garantiu o respeito e a inviolabilidade da dignidade da
pessoa humana. A Constituição alemã pode ser considerada rígida, pois possui uma forma
mais difícil para a aprovação de emendas e considera cláusulas pétreas a divisão da Federação
em Estados, a participação dos Estados na produção legislativa federal e os direitos e
garantias fundamentais. Ademais, o controle de constitucionalidade das leis frente às normas
constitucionais deve ser feito pelo Tribunal Constitucional Federal, o que demonstra
claramente a opção por um sistema que confere força normativa e supremacia às normas
constitucionais.
Em seguida, merece destaque, como parte desse processo de constitucionalização do
Direito, a Constituição italiana de 1947 e a instalação da Corte Constitucional italiana, em
1956. A redemocratização e a reconstitucionalização de Portugal e da Espanha somente se
deram na década de 70, respectivamente, em 1976 e 1978, o que proporcionou criar novos
Tribunais Constitucionais e incrementar o debate constitucional, nos mesmos moldes do que
ocorria na Alemanha.
Nesse momento inicial, a principal característica do novo constitucionalismo europeu
foi reconhecer força normativa e supremacia às normas constitucionais que, não mais seriam
vistas como meramente políticas, não vinculantes, cuja implementação dependeria da
discricionariedade legislativa ou administrativa. Acrescentamos ainda, o fato de que a
instituição de Tribunais Constitucionais possibilitou adotar a Constituição como um
parâmetro de validade e legitimidade das normas ordinárias.
Ocorreu, assim, o fenômeno da constitucionalização do Direito, pois a influência das
normas constitucionais espalhou-se por todos os campos do conhecimento jurídico. Tudo

60
Luís Roberto Barroso aponta que, mesmo não tendo sido expressamente previsto na Lei Fundamental de Bonn a existência
de direitos sociais, eles são admitidos com base na cláusula do Estado Social, aliada à eficácia irradiante dos direitos
fundamentais e à teoria dos deveres de proteção. (BARROSO, 2011, p.57-58)
54

passou a ser observado sob a ótica constitucional e adequado aos princípios e objetivos da
Constituição. Eduardo Ribeiro Moreira aponta que essa constitucionalização do Direito se dá
sob três perspectivas diferentes:

(a) legislativa (produção e renovação das leis a partir de diretrizes constitucionais);


(b) judicial ( a decisão leva, sempre em conta, as normas constitucionais, em
especial os princípios fundamentais) e (c) em um nível ainda não alcançado por
aqui, de conscientização da sociedade civil dos valores e metas traçados na
Constituição (nível político social). (MOREIRA, 2006, p.32)

No Brasil, apenas com a Constituição de 1988 teve início o processo de


redemocratização e reconstitucionalização do Estado e, assim, somente há 20 anos começou o
desenvolvimento do Constitucionalismo Contemporâneo no país.

3.2 Marco Filosófico

O marco filosófico do Direito Constitucional contemporâneo é o pós-positivismo61.


Antes de analisarmos essa relevante corrente filosófica, no entanto, faremos uma breve
análise dos dois modelos de pensamento que o antecederam: o jusnaturalismo e o positivismo
jurídico.

3.2.1 Ascensão e decadência do Direito natural

Diz-se que o jusnaturalismo tem sua origem na Grécia antiga, onde Platão já se referia
à existência de uma justiça inata, universal e necessária. Essa ideia estoicista de uma lei
universal racional e imanente foi divulgada na Roma antiga por Cícero que, segundo Guido
Fassò (1998, p.656), afirmou haver “uma lei ‘verdadeira’, conforme à razão, imutável e
eterna, que não muda com os países e com os tempos e que o homem não pode violar sem

61
Convém esclarecer que para a finalidade deste estudo adotamos a posição de que o Constitucionalismo Contemporâneo é
um fenômeno mais abrangente do que o pós-positivismo jurídico, tanto é que este foi tratado apenas como o marco filosófico
daquele. O fato é que o pós-positivismo tem um enfoque mais voltado para questões estritamente jurídicas e para a aplicação
do Direito. No pós-positivismo há espaço para o desenvolvimento de questões filosófico-jurídicas envolvendo a interação
entre o Direito e a moral. O Constitucionalismo Contemporâneo, por sua vez, é mais abrangente e, além de envolver a
interação entre Direito e moral, acrescenta a interação política no âmbito do jurídico. Isso permite que o Constitucionalismo
Contemporâneo seja visto, conforme defende Eduardo Ribeiro Moreira (2006, p.63-76) não só como uma Teoria do Direito e
da filosofia jurídica – o pós-positivismo é passível de ser enquadrado também como Teoria do Direito e da filosofia jurídica –
mas também como uma Teoria do Estado, pois a Constituição, no marco do Constitucionalismo Contemporâneo, tem uma
força expansiva, irradiante e conformadora tão intensa que irá abranger as reflexões não só em torno da aplicação do Direito,
mas também em torno de sua criação. Assim, não só o intérprete e aplicador, mas também o legislador e o administrador
estarão vinculados aos preceitos constitucionais e toda a elaboração normativa e cada eleição de política pública deverá estar
voltada à observância e concretização constitucional em toda a sua materialidade. O Constitucionalismo Contemporâneo,
portanto, pode promover uma reorganização do Estado Constitucional com base em seus paradigmas e mediante o
comprometimento com desenvolvimento democrático.
55

renegar a própria natureza humana”. Essa ideia de que existe em todas as sociedades um
conjunto de valores, princípios e pretensões humanas que não decorrem de nenhuma norma
imposta pelo Estado acompanha o conceito de Direito desde a Antiguidade clássica e
permaneceu viva durante a Idade Média, especialmente por meio da obra de Tomás de
Aquino62.
O jusnaturalismo traz em si o pensamento segundo o qual existiria um Direito natural,
composto por normas superiores às estatais e que seriam legitimadas pela ideia de justiça e
ética. Esses valores superiores limitariam essa normatividade estatal. Luís Roberto Barroso
(2011, p.258) aponta que “A despeito das múltiplas variantes, o Direito natural apresenta-se,
fundamentalmente, em duas versões: a) de uma lei estabelecida pela vontade de Deus; b) a de
uma lei ditada pela razão.” Já para Guido Fassò seriam três as versões pela qual se apresenta o
jusnaturalismo:

Na história da filosofia jurídico-política, aparecem pelo menos três versões


fundamentais, também com suas variantes: a de uma lei estabelecida por vontade
da divindade e por esta revelada aos homens; a de uma lei "natural" em sentido
estrito, fisicamente conatural a todos os seres animados à guisa de instinto;
finalmente, a de uma lei ditada pela razão, específica portanto do homem que a
encontra autonomamente dentro de si. Todas partilham, porém, da ideia comum de
um sistema de normas logicamente anteriores e eticamente superiores às do
Estado, a cujo poder fixam um limite intransponível: as normas jurídicas e a
atividade política dos Estados, das sociedades e dos indivíduos que se oponham ao
direito natural, qualquer que seja o modo como for concebido, são consideradas
pelas doutrinas jusnaturalistas como ilegítimas, podendo ser desobedecidas pelos
cidadãos. (FASSÒ, 1998, p.656)

Foi com o Renascimento e, em seguida com o Iluminismo63, que o Direito natural


deixou de estar estritamente ligado à ideia de uma lei superior estabelecida pela vontade de

62
Guido Fassò retrata que “O Jusnaturalismo de Santo Tomás é de grande importância histórica, porque constitui, conquanto
nem sempre perfeita e univocamente entendido, a base do Jusnaturalismo católico. Tornando tradicional, ele foi e é ainda,
embora não tenha sido nunca declarado pela Igreja matéria de fé, o centro da doutrina moral e jurídico-política católica.
Contudo, dentro da teologia da tardia Idade Média, ele foi asperamente impugnado pelas correntes voluntaristas, que tiveram
seu maior expoente em Guilherme de Occam (século XIV). Para estas correntes, o Direito Natural é, sem dúvida, ditado pela
razão, mas a razão não é senão o meio que notifica ao homem a vontade de Deus, que pode, por conseguinte, modificar o
Direito Natural a seu arbítrio. Uma tese que foi reassumida e desenvolvida, no início, pela Reforma Protestante. Do
Jusnaturalismo de Santo Tomás tem sido muitas vezes invocado o princípio (que na realidade fora enunciado por Santo
Agostinho e que Santo Tomás aceitou com fortes limitações e reservas) de que uma lei positiva, diversa do Direito Natural e,
por isso, injusta, não é uma verdadeira lei e não obriga. Tal princípio, muito além das intenções de Santo Tomás, foi muitas
vezes alegado para contestar a validade das leis do Estado, quando este se opunha à Igreja; e há juristas e políticos católicos
que ainda hoje o invocam.”(FASSÒ, 1998, p.657)
63
Manoel Gonçalves Ferreira Filho ensina ser o Iluminismo uma Teoria que “concebe o homem como indivíduo, ou seja,
como um ser individualizado, com vida e direitos próprios, que não se confunde com a coletividade, nem se funde nesta. Este
indivíduo é eminentemente racional, determina sua vontade por uma razão que não aceita senão o que lhe pode ser
demonstrado. Razão, portanto, que rejeita o preconceito, isto é, tudo aquilo que não pode ser explicado objetivamente. Tal
indivíduo racional vive num mundo governado em última instância por uma natureza boa e providente. Desta natureza
resultam leis (naturais) que conduzem à melhor das situações possíveis, desde que não embaraçadas. Visam à felicidade que
56

Deus e passou a se ligar à concepção de que esses valores superiores seriam determinados
pela racionalidade humana. Hugo Grócio64 foi quem primeiro desenvolveu a tese de que o
Direito ditado pela razão seria independente da vontade de Deus e, inclusive, da sua própria
existência, afirmação essa que foi acolhida entusiasticamente pelos iluministas, defensores de
uma cultura laica e antiteleológica. (FASSÒ, 1998, p.657) O Iluminismo, ligado ao
antropocentrismo e ao individualismo, pregava a necessária separação entre os campos da fé e
da ciência, pois somente por meio da razão o homem poderia alcançar o verdadeiro
conhecimento.
A crença na existência de direitos naturais e em princípios de justiça universalmente
válidos, juntamente com as ideias iluministas, serviu de base filosófica para a eclosão da
Revolução Francesa e para a independência norte-americana, o que impulsionou o surgimento
do Estado Liberal e de Direito. A Declaração de Independência dos Estados Unidos (1776) e a
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789) estão impregnadas de ideias
jusnaturalista, pois afirmam explicitamente a existência de direitos inalienáveis e inerentes a
todos os homens.
Assim, o Direito natural esteve, juntamente com o Iluminismo e o contratualismo, na
base do constitucionalismo moderno que marcou a transição dos governos absolutistas para os
Estados liberais, mediante a institucionalização da organização e limitação do poder político e
da previsão de direitos e garantias individuais (direitos inerentes a todos os homens pelo
simples fato de o serem).
A consolidação do Estado Liberal e de Direito e do constitucionalismo moderno se
deu por meio da adoção de documentos escritos de cunho constitucional e não constitucional
que visavam à clareza, a unidade e a simplificação dos postulados jurídicos. No plano
constitucional, foram adotadas Constituições escritas e, no plano não constitucional, deu-se
início à era das codificações, cujo maior expoente foi o Código Civil francês de 1804 (Código
Napoleônico).
O que os iluministas pretendiam com as codificações era justamente consolidar em
documentos escritos, de forma orgânica e sistematizada, o Direito natural. Pretendia-se a
completa identificação entre o Direito e a lei. Nesse sentido, Guido Fassò observa que a
realidade jurídica da era moderna

é o objetivo do homem. Objetivo a ser realizado na Terra e não no Céu como era o caso da salvação eterna, meta proposta
para o homem pelo Cristianismo.” (FERREIRA FILHO, 2009, p. 6)
64
Hugo Grócio é também o precursor nos estudos de Direito Internacional, pois defendeu que o Direito natural seria o
fundamento de um Direito a ser reconhecido como válido por todos os povos. (FASSÒ, 1998, p.657)
57

se caracterizava por um grave estado de confusão e de incerteza, provocado pela


crise do direito então vigente, o direito chamado “comum”, ou seja, o direito
romano justiniano, modificado e complicado através dos séculos pelo concurso de
outras variadíssimas fontes de normas jurídicas, e agora praticamente impossível
de ser conhecido com segurança. Sentia-se, por isso, uma forte necessidade de
reformas legislativas que dessem ao direito principalmente certeza; o
Jusnaturalismo, com a sua teoria de um direito absoluta e universalmente válido,
porque ditado pela razão, era capaz de oferecer as bases doutrinais para uma
reforma racional da legislação. Parecia que o problema da reforma consistia em
converter em normas positivas as normas do direito natural, que se haviam de pôr
em prática de uma vez para sempre. Foi este o propósito das codificações que
tiveram lugar (destacamos a prussiana e a francesa pela sua particular importância)
entre o fim do século XVIII e inícios do XIX, embora, na realidade, os
codificadores levassem em conta, além do direito natural, o direito vigente,
buscando dar a este uma sistematização racional que o aproximasse do modelo
jusnaturalista. (FASSÒ, 1998, p.659)

Apontamos, portanto, que o auge do jusnaturalismo – a consolidação de seus ideais em


documentos escritos de cunho constitucional e não constitucional, trazendo transparência,
organicidade e unidade aos direitos – foi também a causa de seu declínio, visto que a
codificação gerou um grande apego ao texto das normas escritas, positivadas, que seriam,
supostamente, completas e autossuficientes.
Surge, nesse contexto, a Escola da Exegese que, considerando as codificações
instrumentos completos e autossuficientes, pregou o apego exacerbado ao texto da norma e à
interpretação estritamente gramatical, objetiva e neutra. Não se admitia a existência de Direito
fora dos códigos e foi considerado ilegítimo utilizar princípios ou normas extrínsecas ao
sistema do Direito positivo. Em alguns ordenamentos65, nem mesmo em caso de lacuna na lei
se poderia recorrer ao Direito natural. Toda a solução deveria ser encontrada no ordenamento
positivo.
O jusnaturalismo é, então, historicamente superado 66 pelo positivismo jurídico e,
durante algum tempo, o termo jusnaturalismo foi utilizado de forma depreciativa para indicar
tudo aquilo desprovido de fundamento científico e, portanto, de juridicidade.

3.2.2 Ascensão e decadência do positivismo

O nome positivismo surgiu em 1830, na Escola do socialismo utópico de Saint-Simon


(1760-1825). Posteriormente, difundiu-se por meio das ideias de Augusto Comte, considerado

65
Código Austríaco de 1811.
66
Alguns autores apontam que, após a Segunda Guerra mundial, o Direito natural exsurge como “dique e limite ao poder do
Estado” (FASSÒ, 1998, p.659). Essa nova doutrina do Direito natural ressurge modificada, pois o pensamento jusnaturalista
passa a admitir que os direitos naturais não eram imutáveis, mas sim imanentes ao momento histórico vivido pela sociedade
(FASSÒ, 1998, p.660).
58

o precursor do movimento, especialmente na França (BULOS, 2011, p.73). Augusto Comte


afirmou que o conhecimento humano havia atravessado três estágios históricos: o teológico, o
metafísico e ingressara no estágio positivo ou científico (apud BARROSO, 2011, p.261).
É importante notarmos que o positivismo foi uma filosofia que permeou a ideologia de
todas as ciência sociais, não só a jurídica, pois somente as áreas do pensamento passíveis de
serem apreendidas pelos métodos das ciências naturais eram consideradas verdadeiro
conhecimento. Havia uma crença irrestrita na ciência e nos métodos científicos. Sempre
proclamando a importância dos métodos experimentais e ressaltando as limitações da filosofia
racionalista, os positivistas acabaram obtendo prestígio mundial nas mais diversas áreas do
conhecimento.
O conhecimento científico, portanto, passou a ser o único relevante e não estava aberto
às questões teológicas ou metafísicas ou à influência de princípios abstratos e não passíveis de
demonstração cientifica. O método de investigação descritivo era o único respeitado e aceito
para todas as ciências, inclusive as sociais, visto que o conhecimento científico é objetivo e o
objeto de estudo deveria ser preservado de opiniões e preconceitos do sujeito.
Nesse passo, o positivismo jurídico surge, como um momento posterior, de superação
histórica do jusnaturalismo. Trata-se de uma escola filosófica baseada na crença de que o
pensamento jurídico deveria ser regido pelas mesmas leis naturais. Havia uma pretensão de
cientificidade universal. As mesmas leis de investigação científica das ciências naturais,
pautadas na objetividade, invariabilidade e independência da vontade humana, deveriam ser
aplicadas à ciência jurídica. Não eram mais aceitas no estudo do Direito especulações
filosóficas, éticas, morais ou metafísicas e nem a exteriorização de juízos de valor. O único
Direito que interessava era aquele previsto na lei, dotado de imperatividade e coercibilidade
pela imposição estatal. Podem ser enumeradas como características essenciais do positivismo
jurídico

(i) a aproximação quase plena entre o Direito e norma;


(ii) a afirmação da estatalidade do Direito: a ordem jurídica é una e emana do
Estado;
(iii) a completude do ordenamento jurídico, que contém conceitos e instrumentos
suficientes e adequados para a solução de qualquer caso, inexistindo lacunas que
não possam ser supridas a partir de elementos do próprio sistema;
(iv) o formalismo: a validade da norma decorre do procedimento seguido para a
sua criação, independendo do conteúdo. Também aqui se insere o dogma da
subsunção, herdado do formalismo alemão. (BARROSO, 2011, p.262)
59

Hans Kelsen, ao tentar elaborar uma teoria pura do Direito, pode ser apontado como
um dos principais defensores do formalismo como único requisito de validade da norma
jurídica, ao prescrever que

O sistema de normas que se apresenta como uma ordem jurídica tem


essencialmente um caráter dinâmico. Uma norma jurídica não vale porque tem um
determinado conteúdo, quer dizer, porque o seu conteúdo pode ser deduzido pela
via de um raciocínio lógico de uma norma fundamental pressuposta, mas porque é
criada por uma forma determinada – em última análise, por uma forma fixada por
uma norma fundamental pressuposta. Por isso, e somente por isso, pertence ela à
ordem jurídica cujas normas são criadas de conformidade com esta norma
fundamental. Por isso, todo e qualquer conteúdo pode ser Direito. Não há qualquer
conduta humana que, como tal, por força do seu conteúdo, esteja excluída de ser
conteúdo de uma norma jurídica. A validade desta não pode ser negada pelo fato
de o seu conteúdo contrariar o de uma outra norma que não pertença à ordem
jurídica cuja norma fundamental é o fundamento de validade da norma em
questão. (KELSEN, 2009, p.221)

Como Kelsen tentava estabelecer uma teoria “pura” do Direito ele propôs um sistema
jurídico formado exclusivamente por regras jurídicas (enunciados normativos com um
pressuposto e uma consequência), desprezando os princípios, e vinculando o conhecimento
jurídico ao Direito positivo, separando, assim, todos os aspectos sociológicos, psicológicos e
influências advindas da ética e da moral.
Com a vinculação da validade da norma à sua forma, o positivismo pretendia resolver
o problema da identificação do critério de justiça válido, pois na doutrina jusnaturalista
predominava uma total abstração do que configuraria tal critério.
O positivismo jurídico caracterizava-se, pois, por uma total separação entre Direito,
moral e política e, ainda, por considerar que todo o Direito estava contido na lei, assim,
somente o Estado era considerado como sua fonte produtora. O Direito era considerado ainda
um sistema pleno, que se autorregulava e que propunha as próprias soluções para lacunas e
antinomias. Seu traço marcadamente distintivo de outras ciências sociais era o seu caráter
imperativo, com a possibilidade de aplicação de sanção pelo seu descumprimento.
Ao longo do tempo, porém, percebeu-se a impossibilidade de se transportar
integralmente os métodos das ciências naturais para o Direito, pois uma postura meramente
descritiva da realidade não se coadunava com a sua pretensão inerente de atuar sobre a
realidade, conformando-a e transformando-a. O Direito é uma ciência vocacionada a
estabelecer normas prescritivas, ou seja, que direcionam a atuação dos indivíduos. Ademais, a
pretensão de objetividade do aplicador do das normas jurídicas é impossível de ser executada,
na medida em que a atividade cognoscitiva sempre será influenciada pelos juízos de valor.
60

Outro fator que proporcionou a superação do positivismo jurídico esteve relacionado a


implementação dos regimes autoritários nazista, na Alemanha, e fascista, na Itália, tudo
dentro dos quadros da legalidade. Partindo da premissa de que Direito era tudo aquilo que
estava contido na lei e de que a validade da norma estava ligada apenas ao procedimento
seguido para a sua aprovação, não importando o seu conteúdo, esses regimes autoritários
cometeram uma série de atrocidades sob o manto da legalidade vigente.
Ao final da Segunda Guerra Mundial, a principal defesa de todos os acusados pelo
Tribunal de Nuremberg estava na alegação de estrito cumprimento da lei e de ordens
provenientes da autoridade competente. Diante desse fato, a comunidade jurídica
internacional passou a repudiar a existência de um ordenamento jurídico alheio a valores
éticos e o positivismo jurídico restou fracassado pela concepção de que a lei não poderia ser
“uma estrutura meramente formal, uma embalagem para qualquer produto” (BARROSO,
2011, p.264).
Os próprios defensores do positivismo jurídico acabaram abrandando a teoria,
adaptando-a aos novos tempos. Foi o que passou a ser chamado de positivismo soft ou
positivismo inclusivo. Prova disso foi o fato de que Herbert L. A. Hart, no pós-escrito de seu
livro, ao responder críticas feitas por Ronald Dworkin, afirmou que os critérios de validade
estabelecidos por sua regra de reconhecimento não seriam apenas de pedigree (modo como as
leis são adotadas ou criadas pelas instituições), mas que também incluiriam “princípios de
justiça ou valores morais substantivos, e estes podem integrar o conteúdo de restrições
jurídico-constitucionais” (HART, 2009, p.320).
O positivismo evoluiu, deste modo, para uma bipartição em duas classificações:
positivismo exclusivo ou duro – baseado nas ideias de Hans Kelsen, Alf Ross e Norberto
Bobbio e que prega a separação completa entre Direito e moral; que a validade do Direito está
na observância dos critérios formais; o não reconhecimento dos princípios; que o sujeito deve
limitar-se apenas a descrever o fenômeno jurídico – e positivismo inclusivo ou moderado cujo
principal adepto foi Herbert L. A. Hart e que prega o reconhecimento dos princípios e sua
aplicação de forma supletiva; e que a interação entre o Direito e a moral ou os fatos sociais
pode ser reconhecida, mas não é direta e depende da regra de reconhecimento, servindo mais
como um pressuposto do modelo. (MOREIRA, 2006, p.66)
61

3.2.3 O pós-positivismo67

O pós-positivismo, que surgiu a partir do fracasso histórico do jusnaturalismo e da


derrota política do positivismo, é um pensamento filosófico que não tem uniformidade
dogmática e que representa uma confluência, em certa medida, dos paradigmas teóricos
anteriores.
O pós-positivismo emerge no cenário pós Segunda Guerra Mundial, quando a ideia de
um ordenamento jurídico indiferente a valores éticos não era mais aceito. O Direito já não
mais podia ser encarado como um repositório de normas ditadas pelo aparato estatal sem
nenhuma correspondência entre as prescrições normativas e alguma ideia de justiça. A ideia
de que o Direito deveria estar integralmente contido na lei já não era mais uma realidade,
porém, os juristas não se conformaram com uma simples retomada do Direito natural,
permeado de conceitos vagos e de uma razão subjetiva.
Nesse momento histórico, o pós-positivismo surge como uma alternativa à pureza
metodológica dos outros dois paradigmas filosóficos e, ao mesmo tempo em que considera
importante um ordenamento positivo que proporcione clareza, certeza e objetividade, também
reconhece a influência da moral e da política no pensamento jurídico.
Konrad Hesse, ao defender a busca de um ponto de equilíbrio entre, de um lado,
aqueles que pretendem o isolamento completo entre a norma e a realidade e, de outro, aqueles
que voltam os olhos exclusivamente para a realidade política social, acaba por sintetizar o que
pode ser a terceira via buscada pelo pós-positivismo

Eventual ênfase numa ou noutra direção leva quase inevitavelmente aos extremos
de uma norma despida de qualquer elemento da realidade ou de uma realidade
esvaziada de qualquer elemento normativo. Faz-se mister encontrar, portanto, um
caminho entre o abandono da normatividade em favor do domínio das relações
fáticas, de um lado, e a normatividade despida de qualquer elemento da realidade,
de outro. (HESSE, 1991, p.14)

O pós-positivismo traz para o discurso jurídico as ideias de justiça e legitimidade.


Reconhece que, não obstante a moral e a política terem campos de atuação específicos, há

67
Lammêgo Bulos apresenta as origens do neopositivismo na sociedade moderna como um fenômeno da filosofia e que
espalhou influência por todos os demais ramos da ciência, afirmando: “Neopositivismo surgiu em Viena, na segunda década
do século XX, como resultado das discussões de elevado nível intelectual dos integrantes do Círculo de Viena (Hans Hahn,
Philipp Franck, Otto Neurath, Moritz Schlick, Rudolf Carnap, David Hume, Gottlob Frege, Ernst Mach) fortemente
influenciados pelo pensamento de Ludwig Wittgenstein. Os neopositivistas esmiuçaram a semiótica (teoria geral dos signos
linguísticos, que abrange todos e qualquer esquema de comunicação, desde os mais primitivos e singelos aos mais avançados
e complexos) e passaram a se preocupar essencialmente com o estudo da linguagem, que era considerada por eles
instrumento essencial ao saber científico. No campo do Direito, especialmente do Direito Constitucional, a grande
contribuição dos neopositivistas foi transmitir a ideia de que não existe linguagem pura, daí a existência de imprecisões,
ambiguidades e contradições encontradas nos textos jurídicos” (BULOS, 2011, p.73).
62

uma influência constante de tais disciplinas no Direito. A filosofia política e a filosofia moral
passam a estar fortemente conectadas à teoria do Direito. Esse novo paradigma filosófico,
portanto, sem olvidar o Direito positivo, preocupa-se com os problemas da indeterminação do
Direito e com a reaproximação entre Direito, ética, moral e política.
Esse reencontro da Filosofia do Direito com a ciência jurídica e a introdução dos
valores morais no discurso jurídico tornam-se possíveis por meio da materialização dos
princípios, cujo abrigo natural é a Constituição, seja de forma implícita ou explícita. Quando
os juízos éticos e morais se tornam paradigmas de legitimidade do Direito e estão contidos
nos instrumentos constitucionais, as Constituições se convertem em centro do ordenamento
jurídico, pautando a legitimidade e a validade do restante das normas. O reconhecimento da
normatividade e superioridade desses princípios traz por consequência lógica a normatividade
e a superioridade da Constituição, tudo isso corroborado pela rigidez constitucional e pela
instituição de cláusulas pétreas.
Lenio Luiz Streck conclui sobre as características do pós-positivismo que servem de
paradigmas ao Constitucionalismo Contemporâneo

O neoconstitucionalismo tem por objetivo superar as barreiras interpretativas


impostas pelo positivismo legalista. A superação de tais obstáculos poderá ser
visualizada em três fontes: a) por intermédio da teoria das fontes, haja vista que a
lei já não é mais a única fonte – a Constituição passa a ser fonte auto-aplicativa; b)
por uma substancial alteração da teoria da norma, imposta pela nova concepção
dos princípios, cuja problemática também tem relação com a própria fonte dos
direitos; e c) por uma radical mudança no plano hermenêutico- interpretativo [...].
Percebe-se que o neoconstitucionalismo propõe, assim, a superação do paradigma
do direito meramente reprodutor da realidade para um direito capaz de transformar
a sociedade [...]. Essa superação deve ser realizada a partir do Estado Democrático
de Direito, de forma a proporcionar o surgimento e a implantação de
ordenamentos jurídicos constitucionalizados. (STRECK, 2004, p.159- 160)

Apesar da inexistência de uniformidade teórica em torno do pós-positivismo, costuma-


se afirmar que se trata de um movimento que alçou os princípios à categoria de norma
jurídica vinculante e que reconheceu a diferença qualitativa entre princípios e regras. Além
disso, o pós-positivismo retoma a importância da argumentação jurídica fundada na razão
prática68; vê surgir uma nova hermenêutica jurídica e o desenvolvimento de uma teoria dos
direitos fundamentais baseada na dignidade da pessoa humana.

68
Segundo Luís Roberto Barroso, a ideia de razão prática está ligada à obra de Kant e representa “um uso da razão voltado
para o estabelecimento de padrões racionais para a ação humana” (BARROSO, 2011, p.271). A razão prática, portanto,
estaria contraposta à razão teórica, visto que, enquanto esta se limita ao conhecimento objetivo, descritivo, do Direito, aquela
a possibilidade de fundamentação racional de princípios de moralidade e justiça. Assim, o “pós-positivismo, ao reabilitar o
uso prático da razão na metodologia jurídica, propõe justamente a possibilidade de se definir racionalmente a norma do caso
63

Diante da significativa influência que todos esses desenvolvimentos do pós-


positivismo têm sobre o Constitucionalismo Contemporâneo, constituindo-se em aparato
teórico-filosófico dessa nova forma de pensar o Direito Constitucional, necessário tecermos
alguns breves comentários a respeito69.

3.2.3.1 Alteração na teoria das fontes do Direito com o reconhecimento da diferença


qualitativa entre princípios e regras e da normatividade dos princípios

Uma das principais características do pós-positivismo e que influenciou


significativamente o Constitucionalismo Contemporâneo foi a reaproximação entre o Direito
e a moral. A relevância da lei positivada não foi desprezada, porém, a volta da influência da
filosofia de Immanuel Kant fez temas como a legitimidade e a justiça serem reintegrados ao
discurso jurídico.
Ambos ingressaram no ordenamento jurídico na qualidade de princípios,
especialmente, princípios constitucionais. A Constituição passou a ser considerada o local
ideal para albergar a previsão de princípios que serviriam como fonte legitimadora para a
legislação infraconstitucional.
Antes das formulações de Ronald Dworkin70 acerca dos princípios jurídicos, já havia
referência em diversos códigos acerca dos princípios gerais de Direito, que foram objeto de
estudo de outros autores 71 . Esses princípios gerais, porém, eram considerados pela velha
hermenêutica apenas técnicas de integração das normas jurídicas ou critérios diretivos para a
interpretação ou critérios programáticos para o progresso da legislação.
Os princípios foram estudados pelo jusnaturalismo e pelo positivismo, mas foi a partir
do pós-positivismo que passaram a integrar a categoria jurídica, principalmente, a partir dos
movimentos constituintes da segunda metade do século XX, quando as novas Constituições
“acentuam a hegemonia axiológica dos princípios, convertidos em pedestal normativo sobre o
qual assenta todo o edifício jurídico dos novos sistemas constitucionais” (BONAVIDES,
2004, p.264).
Paulo Bonavides acentua que na obra de Karl Larenz já foi possível identificar a ideia

concreto através de artifícios racionais construtivos, que não se limitam à mera atividade de conhecer os textos normativos”.
(BARROSO, 2011, p.271)
69
Como mencionamos, os comentários acerca desses marcos teóricos do pós-positivismo, que estão intrinsecamente ligados
ao Constitucionalismo Contemporâneo, não têm a pretensão de analisar a matéria de forma exaustiva, mas apenas trazer a
essência do que representam tais marcos para a teoria pós-positivista e o Constitucionalismo Contemporâneo, visto que uma
abordagem completa e exaustiva seria trabalho para outras várias dissertações.
70
Ronald Dworkin aborda o assunto dos princípios jurídicos nos livros Taking Rights Seriously (1978) e Law’s Empire
(1986).
71
Giorgio Del Vecchio em Sui principi generali del diritto e Norberto Bobbio em Principi generali di diritto.
64

de normatividade dos princípios, quando o jurista alemão assinala que poderiam assumir o
caráter de ideias jurídicas norteadoras a serem concretizados pela lei e pela jurisprudência e,
por isso, seriam desprovidos da normatividade, sendo princípios “abertos”; ou que poderiam
ser efetivamente uma regra jurídica de aplicação imediata e se apresentariam como
“princípios normativos” (LARENZ apud BONAVIDES, 2004, p.272).
O passo seguinte na evolução do pensamento dos princípios como normas foi dado por
Vezio Crisafulli que os apresentou com uma dupla eficácia – imediata e mediata – que não se
exaure na sua aplicabilidade, prolongando-se para uma eficácia interpretativa. Afirmou ainda
que os princípios, explícitos ou implícitos, constituem norma e os conceituou da seguinte
forma

Princípio é, com efeito, toda norma jurídica, enquanto considerada como


determinante de uma ou de muitas outras subordinadas, que a pressupõem,
desenvolvendo e especificando ulteriormente o preceito em direções mais
particulares (menos gerais), das quais determinam, e portanto resumem,
potencialmente o conteúdo: sejam, pois, estas efetivamente postas, sejam, ao
contrário, apenas dedutíveis do respectivo princípio geral que as contém.
(CRISAFULLI apud BONAVIDES, 2004, p.257)

Mas foi somente com base na obra de Ronald Dworkin que ganhou relevância a
discussão doutrinária que estabelecia uma diferença qualitativa entre regras e princípios, além
de ter sido reconhecida a normatividade dos valores e princípios, ainda quando não expressos
ou escritos. Os princípios, como categorias normativas, não condicionam comportamentos,
mas sim atitudes e as apresentam como fundamentais; têm uma dimensão de peso ou de
importância e não têm aplicabilidade ao modo do “tudo ou nada”. Nas palavras do autor,

a diferença entre princípios jurídicos e regras jurídicas; é de natureza lógica. Os


dois conjuntos de padrões apontam para decisões particulares acerca da obrigação
jurídica em condições específicas, mas distinguem-se quanto à natureza da
orientação que oferecem. As regras são aplicáveis à maneira do tudo-ou-nada.
Dados fatos que uma regra estipula, então ou a regra é válida, e neste caso a
resposta que ela fornece deve ser aceita, ou não é válida, e neste caso em nada
contribui para a decisão. (DWORKIN, 2011, p.39)

Os princípios, por outro lado, não se tornam inválidos se não se aplicam a determinada
situação, pois a sua aplicação está condicionada a uma análise de peso ou valor relativamente
ao caso concreto

Os princípios possuem uma dimensão que as regras não têm – a dimensão do peso
ou importância. Quando os princípios se entrecruzam (por exemplo, a política de
proteção aos compradores de automóveis se opõe aos princípios de liberdade de
65

contrato), aquele que vai resolver o conflito tem que levar em conta a força
relativa de cada um. Esta não pode ser, por certo, uma mensuração exata e o
julgamento que determina que um princípio ou uma política particular é mais
importante que outra frequentemente será objeto de controvérsia. Não obstante,
essa dimensão é uma parte integrante do conceito de um princípio, de modo que
faz sentido perguntar que peso ele tem ou quão importante ele é. (DWORKIN,
2011, p.42)

Robert Alexy desenvolve uma teoria dos princípios semelhante a de Dworkin


dividindo as normas jurídicas em regras e princípios que se diferenciariam entre si por
critérios qualitativos. Enquanto os princípios seriam normas dotadas de um alto grau de
generalidade, as regras teriam um grau relativamente baixo. Para Alexy, os princípios são
mandados de otimização e que, portanto, podem se concretizar em maior ou menor grau. Já as
regras não possuem grau de concreção, ou são integralmente cumpridas ou não o são. Nas
palavras do autor,

o ponto decisivo na distinção entre regras e princípios é que princípios são normas
que ordenam que algo seja realizado na maior medida dentro das possibilidades
jurídicas e fáticas existentes. Princípios são, por conseguinte, mandamentos de
otimização, que são caracterizados por poderem ser satisfeitos em graus variados e
pelo fato de que a medida devida de sua satisfação não depende somente das
possibilidades fáticas, mas também das possibilidades jurídicas. O âmbito das
possibilidades jurídicas é determinado pelos princípios e regras colidentes.
Já as regras são normas que são sempre ou satisfeitas ou não satisfeitas. Se uma
regra vale, então, deve-se fazer exatamente aquilo que ela exige; nem mais, nem
menos. Regras contêm, portanto, determinações no âmbito daquilo que é fática e
juridicamente possível. Isso significa que a distinção entre regras e princípios é
uma distinção qualitativa e não uma distinção de grau. Toda norma é uma regra ou
um princípio. (ALEXY, 2008, p.90-91)

A distinção entre regras e princípios fica evidente quando analisamos, sob a


perspectiva do autor, os conflitos entre as regras ou as colisões entre os princípios. Havendo
conflito entre regras, a solução somente será possível se for inserida uma exceção que remova
o conflito ou se uma das regras for declarada inválida. Se a colisão é entre princípios pode
haver a cedência de um deles diante do outro, que prevalecerá naquela situação; porém, não
significa que o princípio afastado será inválido. A aplicação do princípio está relacionada ao
peso que ele tem em determinado caso concreto.
Assim, os princípios ingressaram no discurso jurídico apresentando características
distintas das normas jurídicas. Riccardo Guastini (apud BONAVIDES, 2004, p.257-258) traz
uma sistematização das principais concepções sobre os princípios e apresenta diferenças
qualitativas entre normas e princípios afirmando que estes últimos caracterizam-se por serem
normas jurídicas que apresentam um alto grau de generalidade e uma linguagem
66

indeterminada, razão pela qual necessitam de concretização pela via interpretativa. Ademais,
Guastini afirma que a palavra “princípio” é normalmente utilizada para se referir a normas de
caráter programático e a normas cuja posição na hierarquia das fontes do Direito é bastante
elevada e, ainda, a normas que desempenham uma função importante e fundamental no
sistema jurídico. O mesmo autor afirma também que a expressão “princípio” é usada para se
referir a normas dirigidas aos órgão de aplicação e cuja função é escolher os dispositivos ou
normas aplicáveis aos diversos casos. Em todas essas concepções mencionadas pelo autor é
possível extrair o traço da normatividade como uma característica dos princípios.
O surgimento dessa nova categoria normativa, que proporcionou a agregação da moral
ao Direito, gerou a necessidade do surgimento de uma nova forma de interpretação
constitucional. No caso dos princípios, há a necessidade de aplicação da técnica da
ponderação para decidir qual princípio será aplicável ao caso concreto.

3.2.3.2 Retomada da importância da argumentação jurídica

Ao longo da evolução do estudo jurídico, surgiram inúmeras teorias da argumentação


jurídica 72 que nada mais são do que a “análise teórica dos processos argumentativos do
Direito” (FIGUEROA, 2012, p.17). Luís Roberto Barroso define argumentação como sendo

a atividade de fornecer razões para um ponto de vista, o exercício de justificação


de determinada tese ou conclusão. Trata-se de um processo racional e discursivo
de demonstração da correção e da justiça da solução proposta, que tem como
elementos fundamentais: (i) a linguagem, (ii) as premissas que funcionam como
ponto de partida e (iii) regras norteadoras da passagem das premissas à conclusão.
A necessidade da argumentação se potencializa com a substituição da lógica
formal ou dedutiva pela razão prática, e tem por finalidade propiciar o controle da
racionalidade das decisões judiciais. (BARROSO, 2011, p.363)

Nas últimas duas décadas do século XX, tendo em vista a tentativa dos jusfilósofos de
excluírem a discricionariedade judicial positivista do campo da justificação jurídica, surgem
teorias da argumentação jurídica, de matiz contemporâneo (pós-positivista), que têm por base

72
Afonso Garcia Figueroa aponta que “há muitas teorias da argumentação. Alguns de seus cultivadores (formalistas)
afirmaram que as decisões jurídicas são frios silogismos; os realistas replicaram que a argumentação jurídica nada tem a ver
com lógica, mas sim com a ideologia, as emoções, os palpites; outros resgataram da Antiguidade clássica a retórica e os
tópicos para conceber a argumentação jurídica como uma simples técnica de persuasão ou de invenção a partir de lugares-
comuns; de acordo com as correntes críticas, o Direito apresenta uma cobertura ideológica a serviço das classes dominantes,
o que justificaria práticas corretivas da parte dos juízes na forma de ativismo judicial (uso alternativo do Direito dos anos
sessenta e setenta) ou de uma interpretação do Direito que aperfeiçoe suas possibilidades morais de acordo com a
Constituição (o garantismo dos anos oitenta e noventa). Também há quem tenha visto no Direito e na sua aplicação uma
vontade divina (jusnaturalismo) ou alguma forma de ordem moral objetiva (Dworkin), sem esquecer que há não muito tempo
inclusive o próprio Habermas se pronunciou sobre estas questões em sua pessoal incursão jusfilosófica Facticidad y validez.”
(FIGUEROA, 2012, p.16)
67

as obras de Robert Alexy (Teoria da argumentação jurídica – de grande influência na Europa


e na América Latina) e de Neil MacCormick (Argumentação jurídica e teoria do Direito –
que influenciou, principalmente os países que adotam o sistema do common law), e que
procuram superar uma concepção puramente formalista da argumentação jurídica, prestando-
se a analisar racionalmente os processos argumentativos.
O pensamento positivista defendia que, nos casos difíceis, quando não houvesse uma
norma jurídica pronta para ser aplicada, o problema deveria ser resolvido por meio da
discricionariedade judicial. Para tanto, o ordenamento ofereceria dispositivos que autorizavam
essa atividade judicial de complementação autopoiética, tais como os princípios gerais de
Direito, os usos e costumes, etc.
O pensamento pós-positivista, no entanto, percebeu que deixar a solução dos casos
difíceis73 para a discricionariedade judicial deu margem a arbitrariedades das mais diversas e
à incidência recorrente de decisionismos. Assim, procurou-se, mediante a elaboração de uma
nova teoria da argumentação jurídica, com base na racionalidade prática74, um meio racional
de fundamentar e legitimar as decisões judiciais evitando a discricionariedade.
O argumento de autoridade, ou seja, a legitimidade de uma decisão simplesmente por
ser emanada da autoridade competente, deixou de ser aceito pacificamente e passou-se a
buscar a justificação racional da decisão. Ao valorizar a argumentação, pretendia-se exigir
uma demonstração racional do itinerário lógico percorrido para atingir a decisão, o que
proporcionaria sua legitimação e controle.
Esse meio foi oferecido por Robert Alexy e seu método de ponderação para solucionar
as colisões entre os princípios. Os casos difíceis seriam resolvidos por meio da ponderação de
princípios, que, para Alexy, seriam hierarquizados axiologicamente75, utilizando-se critérios
prima facie. Nos casos fáceis bastaria ao intérprete utilizar o antigo método da subsunção e os

73
Eduardo Ribeiro Moreira defende que a argumentação jurídica deve ser vista como o principal elemento do
neoconstitucionalismo, pois irá fornecer respostas não só para os casos difíceis, mas também para os casos trágicos. O autor
aponta que os casos trágicos seriam aqueles nos quais o conflito suplanta a colisão entre princípios e contrapõe Direito e
justiça. Seriam aqueles casos que para serem solucionados dependem do sacrifício de valores fundamentais do ponto de vista
jurídico ou moral. (MOREIRA, 2012, p.147-149)
74
Luís Roberto Barroso diferencia razão teórica de razão prática afirmando: “a razão teórica busca a verdade, o
conhecimento, e tem por conduta típica a contemplação. A razão prática busca a produção do bom e do justo, e realiza-se
pela ação. Através de um uso teórico da razão, o sujeito do conhecimento examina a realidade e busca descrevê-la com
objetividade. No campo da teoria do Direito, esse uso da razão caracteriza aquelas concepções que se dispõem a dizer o que o
Direito é, sem julgá-lo. É o caso, em especial, da teoria pura do direito, de Kelsen. Um uso prático da razão, por seu turno, é
voltado para o estabelecimento de padrões de comportamento, caracterizados como justos. É através de um uso prático da
razão que são construídos princípios de justiça a partir dos quais é possível julgar os preceitos de um ordenamento jurídico
concreto. A razão prática é o direcionamento da vontade à consecução daqueles valores éticos.” (BARROSO, 2011, p.363)
75
Segundo Lenio Luiz Streck, “neste ponto, reside uma profunda diferença entre as apostas teóricas de Robert Alexy
daquelas realizadas pela teoria integrativa dworkiniana. Com efeito, enquanto Alexy acredita que um procedimento,
previamente criado, pode levar a uma justificação racional da decisão (colisão de princípios), Dworkin reconhece
expressamente a impossibilidade de se oferecer um método/procedimento prévio, que sempre poderá ser repetido, para
solucionar os casos jurídicos”. (STRECK, 2011, p.232)
68

critérios clássicos para a solução de conflitos entre regras (critérios hierárquico, cronológico
ou da especialidade). Já nos casos difíceis, caberia ao intérprete hierarquizar e decidir qual
seria o princípio aplicável a partir de alguns critérios.
Para Alexy, a argumentação jurídica seria parte especial da teoria da argumentação e,
portanto, também obedeceria às regras do discurso racional e às específicas do discurso
jurídico. Luís Roberto Barroso enumera tais regras

as conclusões devem decorrer logicamente das premissas, não se admite o uso da


força ou da coação psicológica, deve-se observar o princípio da não contradição, o
debate deve estar aberto a todos, dentre outras. Paralelamente, outras regras
específicas do discurso jurídico deverão estar presentes, como a preferência para
os elementos normativos do sistema, o respeito às possibilidades semânticas dos
textos legais, a deferência para com as deliberações majoritárias válidas e a
observância dos precedentes, para citar alguns exemplos. (BARROSO, 2011,
p.365)

O fato é que a introdução dos princípios no discurso jurídico gerou a necessidade de se


elaborar uma nova hermenêutica constitucional, visto que as técnicas de resolução de
conflitos entre as normas infraconstitucionais (antinomias) não seriam aplicáveis aos conflitos
entre princípios. Nesse contexto, a partir da contribuição de Alexy, o princípio da
razoabilidade ou o da proporcionalidade 76 passou a se apresentar como uma técnica
argumentativa constitucional para resolvê-los. Ou seja, uma operação argumentativa nascida a
partir das necessidade de preservar o instrumental teórico do pós-positivismo e do
Constitucionalismo Contemporâneo.
Importante esclarecermos que, ainda que a razoabilidade e a proporcionalidade sejam
tratadas no Brasil como sinônimos, a origem desses termos é bem distinta. A ideia de
razoabilidade desenvolveu-se a partir da garantia do devido processo legal, em sua
perspectiva material, adotada pela Constituição dos Estados Unidos.
Inicialmente, a cláusula do devido processo legal possuía um caráter estritamente
processual, ligada às garantias de participação no processo. Em um segundo momento,
adquiriu uma conotação material e passou a significar a possibilidade de o Poder Judiciário
verificar a compatibilidade entre o meio empregado pelo Poder Legislativo para atingir o fim
almejado: “por intermédio da cláusula do devido processo legal passou-se a proceder ao
exame de razoabilidade (reasonableness) e de racionalidade (rationality) das leis e dos atos
normativos em geral no Direito norte-americano” (BARROSO, 2011, p.278).

76
A maioria dos doutrinadores brasileiros, bem como o Supremo Tribunal Federal, trata os princípios da razoabilidade e a
proporcionalidade como sinônimos.
69

Já a ideia de proporcionalidade desenvolveu-se no Direito alemão, inicialmente, no


âmbito do Direito Administrativo e funcionava como uma limitação à discricionariedade
administrativa; nessa época, ainda não era cogitado o controle judicial dos atos legislativos,
pois imperava a ideia de supremacia da lei e do parlamento. Após a Segunda Guerra Mundial,
porém, a ideia de proporcionalidade passou a ter assento constitucional, extraído do princípio
do Estado de Direito da Lei Fundamental de 1949 e o princípio da reserva legal passou a
significar o princípio da reserva de lei proporcional.
A proporcionalidade ou “máxima da proporcionalidade” apresentada como técnica
argumentativa por Robert Alexy está ligada a uma verificação de compatibilidade entre meios
e fins e o seu conteúdo pode ser dividido em 03 (três) subprincípios: a) adequação (o meio
empregado na medida deve ser adequado ao fim perseguido); b) necessidade (o meio
empregado deve ser o necessário, o exigível para atingir o fim visado, não devendo ser
empregados meios excessivamente gravosos. Quando não houver necessidade, deve-se
procurar sempre o menos gravoso); c) proporcionalidade em sentido estrito (o meio
empregado não deve trazer mais ônus do que o benefício que se pretende obter, ou seja, o
bem jurídico a ser obtido deve ser mais valioso que o bem sacrificado).77
Verificamos, portanto, que a teoria da argumentação de Robert Alexy surge com um
caráter procedimental, na medida em que adota procedimentos racionais para a ponderação de
direitos fundamentais e tenta diminuir a incidência da arbitrariedade. A teoria do autor foi
orientada pela racionalidade prática e pretendeu formular regras ou condições da
argumentação prática racional.
Lenio Luiz Streck (2011, p.231-233) critica essa opção pós-positivista de solução dos
casos difíceis por meio de uma teoria da argumentação baseada na ponderação de princípios
hierarquizados axiologicamente, pois afirma que essa ponderação apenas vem a ser um
mecanismo exterior por meio do qual se encobre o verdadeiro raciocínio. Para o autor, a
maneira como deve ser feita a “escolha” dos princípios que devem prevalecer será tão
subjetiva e dependente do juiz quanto era o esquema da discricionariedade judicial proposto
pelo positivismo. Streck defende que essa “escolha” subjetiva sobre qual o princípio deve

77
Esses mesmos elementos podem ser encontrados nos testes de constitucionalidade dos atos do poder público feitos pelos
juízes nos Estados Unidos. A depender da matéria em questão, será aplicado um deles. Os testes são identificados como
sendo de: a) mera racionalidade (para que o ato governamental seja aprovado, basta que aquele que alega a
inconstitucionalidade não consiga demonstrar a ilegitimidade do fim ou que há inadequação do meio utilizado); b) aferição
severa (para que o ato governamental não seja invalidado, o poder público deverá demonstrar que o fim a que se está visando
é imperioso e que o meio utilizado era necessário); c) nível intermediário (o poder público deverá demonstrar que o fim
público invocado é importante – que significa mais do que apenas legítimo e menos do que imperioso – e que o meio
escolhido possui uma relação substantiva com o fim – um meio termo entre ser meramente racional e ser indispensável).
(BARROSO, 2011, p.282-283)
70

prevalecer continua presa no paradigma da filosofia da consciência e ao esquema sujeito-


objeto, não se compatibilizando com a circularidade hermenêutica. Nem mesmo a existência
de uma hierarquia, conforme propõe Alexy, seria suficiente para retirar a necessidade de
ponderação que, por sua vez, implica em uma margem considerável de discricionariedade.
Lenio Luiz Streck afirma que se deve dar razão às críticas de Jürgen Habermas ao
“uso discricionário da ponderação” e à “ponderação discricionária”, tendo em vista que

A ponderação sempre leva a uma abstração em face do caso, circunstância que


“reabre” para o juiz a perspectiva de argumentação sobre “o caráter fundamental
ou não do direito”, já reconhecido desde o início como fundamental, e assim acaba
tratando esses direitos como se fossem “valores negociáveis”, com o que se perde
a força normativa da Constituição, que é substituída pelo “discurso adjudicador”
da teoria da argumentação jurídica. (STRECK, 2011, p.239)

O autor especifica que, para Habermas, não se deve ponderar valores, nem abstrata,
nem concretamente, e a proporcionalidade só será legítima se aplicada como um sinônimo de
equidade, uma necessidade de coerência e integridade para qualquer decisão. Neste sentido, a
resposta “correta” não seria encontrada por meio de um juízo de ponderação, mas sim, através
de uma “reconstrução principiológica do caso, da coerência e da integridade do direito”
(STRECK, 2011, p.240):

Como venho deixando claro, a partir da segunda edição desta obra e em outros
textos, a alusão à proporcionalidade somente tem sentido como aplicação
equânime do direito e para afastar aquilo que Dworkin chama de “leis de
conveniência”. O sentido do que seja “proporcional” ou “desproporcional” deve
ser dado pela reconstrução da história institucional do direito, nos estreitos
caminhos da integridade e da coerência. (STRECK, 2011, p.182 nota 13).
Por isso, para a hermenêutica (filosófica), o princípio da proporcionalidade não
tem – e não pode ter – o mesmo significado que tem para a teoria da argumentação
jurídica. Para a hermenêutica, o princípio da proporcionalidade é como uma
metáfora, isto é, um modo de explicar que cada interpretação – que nunca pode ser
solipsista – deve obedecer a uma reconstrução integrativa do direito, para evitar
interpretações discricionárias/arbitrárias sustentadas em uma espécie de “grau zero
de sentido”, ou que, sob o manto do caso concreto, tenham a estabelecer sentidos
para aquém ou para além da Constituição (veja-se que o próprio Habermas admite
o uso da proporcionalidade, se esta ocorrer nos espaços semânticos estabelecidos
nos discursos de fundamentação, que tem em uma Constituição democrática o seu
corolário). (STRECK, 2011, p.240)

Luís Roberto Barroso (2011, p.366-368), por sua vez, ao propor critérios que devem
orientar a argumentação jurídica, afirma ser recomendável: 1) a existência de uma
fundamentação, ou seja, a argumentação jurídica deve apresentar fundamentos normativos
que lhe dê sustentação, como as normas jurídicas e a dogmática jurídica, livrando-se de
quaisquer espécies de voluntarismos; 2) o respeito à integridade do sistema, ou seja, deve-se
71

ter compromisso com a unidade, continuidade e coerência da ordem jurídica, mediante a


utilização de soluções universalizáveis para todos os casos que apresentem as mesmas
características, do que decorre a necessidade de observância dos precedentes; 3) conferir certo
peso, ainda que relativo às consequências concretas da decisão, ou seja, o mundo jurídico
deve sempre estar em contato com a realidade e com as consequências práticas de sua
atuação, o que, evidentemente, não autoriza uma argumentação inspirada exclusivamente
neste ponto de vista.

3.2.3.3 O surgimento de uma nova hermenêutica

O giro linguístico pode ser apontado como o fenômeno marcante e decisivo para a
origem da nova hermenêutica frente ao momento pós-positivista. A ideia central do giro
linguístico é a aceitação de que a linguagem deixa de ser objeto da reflexão filosófica e passa
a ser fundamento de todo o pensar, pois é na linguagem que tudo se expressa. A linguagem
não é um instrumento disponível para conhecer objetos, mas é a própria forma pela qual se
possibilita o conhecimento. De modo que,

o direito é linguagem, e terá de ser considerado em tudo e por tudo como uma
linguagem. O que quer que seja e como quer que seja, o que quer que ele se
proponha e como quer que nos toque, o direito é-o numa linguagem e como
linguagem – propõe-se sê-lo numa linguagem. (CASTANHEIRA NEVES apud
ABBOUD, 2012, p. 56)

Outro avanço operado pelos filósofos pós-positivistas foi superar o conceito de


verdade correspondencial da Antiguidade clássica e da filosofia medieval – que compreendia
a verdade como um produto da correspondência da coisa ao intelecto – com base no conceito
de verdade entendida como uma construção subjetiva do sujeito cognoscente. Nesse sentido, o
filósofo deve renunciar o compromisso com a verdade e reafirmá-lo na tarefa da busca da
verdade. (ABBOUD, 2012, p.53-54)
Ademais, o chamado giro hermenêutico-ontológico de Martin Heidegger e Hans-
Georg Gadamer exerceu influência significativa sobre a “compreensão”, transportando o foco
do objeto para o ser.
Em decorrência dos avanços filosóficos brevemente enumerados, a hermenêutica
deixa de ser considerada apenas uma
72

técnica interpretativa ou uma ferramenta metodológica disponível para a


determinação da correta interpretação da legislação e passa a ser encarada como
um modo de ser daquele que compreende o direito, a linguagem passa a ser
constituinte e constituidora do mundo do homem (ABBOUD, 2012, p.59).

No caso da interpretação dos textos normativos, entendeu-se que uma aplicação


silogística do enunciado normativo seria inadequada, pois o enunciado não é norma pronta,
mas apenas linguagem que constitui um dos elementos da norma que irá solucionar o caso.
Outros elementos podem não estar escritos e são condicionados por uma série de fatores.
A teoria estruturante da norma de Friedrich Müller evidenciou que o texto da norma é
apenas seu ponto de partida, constitui o seu programa normativo, porém não é nele que está a
norma passível de aplicação. Georges Abboud observa:

Ocorre que normatividade, essencial à norma, não é produzida por esse mesmo
texto, isso porque a norma e realidade não devem ser justapostos sem nenhuma
relação tal como a doutrina “neokantiana” – que distingue ser de dever ser –
preconiza. O encontro destas dar-se-ia apenas mediante a subsunção do tipo legal
(Sachverhalt) a um primeiro enunciado de caráter normativo. Na realidade,
convém ressaltar que o texto da norma não é a própria norma jurídica, não é
elemento conceitual da norma jurídica, mas configura o dado de entrada (input)
mais importante ao lado do caso a ser decidido juridicamente no processo de
concretização da norma. (ABBOUD, 2012, p.62)

Para Müller, o texto da lei é apenas um dos elementos da norma jurídica, outro
elemento estruturante dela seria o problema concreto que pretende ver resolvido. Deste modo,
para o autor, a norma jurídica seria sempre criada no caso concreto, decorrente do próprio
processo de concretização e teria por característica a temporalidade.
Foi com base nas contribuições de Heidegger que o intérprete deixou de ser
considerado um ser que contempla o mundo de fora e passou a ser visto como um “ser-no-
mundo” que interage e se relaciona com as coisas ao interpretá-las. Esse “ser-no-mundo” não
é imparcial, pois está a todo o momento influenciando e sendo influenciado pelas coisas que
interpreta.
Nesse mesmo sentido, Gadamer afirma que toda interpretação é influenciada pelos
preconceitos e valores que o intérprete possui. Porém, mesmo imbuído de suas pré-
compreensões78, o intérprete deve estar aberto para permitir que o texto lhe diga algo e não

78
Importante notar que Lenio Luiz Streck defende que essa “pré-compreensão (Vorverständnis) não é sinônimo de ‘visão de
mundo’, ‘ideologia’, ‘subjetividade’ etc., como equivocadamente apregoam alguns jusfilósofos contemporâneos, ao
pretenderem agregar uma ‘pitada hermenêutica’ às suas posturas ainda reféns do esquema sujeito-objeto. A pré-compreensão
constitui aquilo que Schnädelbach chama de ‘razão hermenêutica’. Trata-se de um existencial, sobre o qual não temos o
domínio (e isso especialmente os adeptos das teorias argumentativas não conseguem entender). Sendo mais específico: essa
dimensão pré-compreensiva, forjada no mundo prático (facticidade), não é um elemento formal, traduzível por regras de
argumentação, por exemplo, como se fosse um caminho para algo. Essa dimensão ocorre em uma totalidade de nossa
73

deve tentar adaptar o seu conteúdo às suas pré-compreensões. A interpretação depende da


compreensão e esta, por sua vez, depende do diálogo entre o intérprete e o texto.
Sendo a interpretação um processo dialógico entre texto e intérprete (que deve estar
aberto para recepcionar o que o texto quer lhe dizer) e, considerando que ambos estão
inseridos no mundo, em um dado momento histórico-cultural, estabelecer-se-á um movimento
de interações recíprocas e constantes entre o intérprete e o texto. O intérprete acabará sendo
influenciado pelo texto, já que este será capaz de incutir nele novos preconceitos; e o
conteúdo atribuído ao texto, por sua vez, será influenciado pelas opiniões prévias do
intérprete. É o chamado círculo hermenêutico. Gadamer afirma que,

Cada época tem de entender um texto transmitido de uma maneira peculiar, pois o
texto forma parte do todo da tradição, na qual cada época tem um interesse
pautado na coisa e onde também ela procura compreender a si mesma. O
verdadeiro sentido de um texto, tal como este se apresenta ao seu intérprete, não
depende do aspecto puramente ocasional que representam o autor e seu público
originário. Ou pelo menos não se esgota nisso. Pois esse sentido está sempre
determinado também pela situação histórica do intérprete, e, por consequência, por
todo o processo objetivo histórico. (GADAMER, 1999, p.443)

Posteriormente às críticas à sua tese, especialmente as feitas por Jürgen Habermas,


Gadamer esclareceu que a aceitação da existência e influência da pré-compreensão do
intérprete não pode ser incondicional. Essa pré-compreensão, embora não se possa negar o
seu papel no processo interpretativo, deve ser sempre iluminada pela razão crítica, como uma
forma de possibilitar a dissociação entre os preconceitos legítimos e os ilegítimos.
A ideia da interferência da pré-compreensão na atividade interpretativa foi trazida para
a interpretação constitucional por Konrad Hesse que defendeu que

El intérprete no puede captar el contenido de la norma desde un punto cuasi


arquimédico situado fuera de la existencia histórica en que se encuentra, cuya
plasmación ha conformado sus hábitos mentales, condicionado sus conocimientos
y sus pre-juicios. El intérprete comprende el contenido de la norma a partir de una
pre-comprensión que es la que va a permitir contemplar la norma desde ciertas
expectativas, hacerse una idea del conjunto y perfilar un primer proyecto
necesitado aún de comprobación, corrección y revisión a través de un análisis más
profundo, hasta que, como resultado de la progresiva aproximación a la “cosa” por
parte de los proyectos en cada caso revisados, la unidad de sentido queda
claramente fijada.79 (HESSE, 1983, p.44)

realidade, a partir da conjunção de múltiplos aspectos existenciais, que fazem parte da nossa experiência (facticidade, modo-
de-ser-no-mundo) e são, portanto, elementos a que temos acesso mediante o esforço fenomenológico de explicitação.”
(STRECK, 2011, p.230-231)
79
Tradução livre: “O intérprete não pode captar o conteúdo da norma a partir de um ponto quase arquimédico fora da
existência histórica, cujo enquadramento moldou seus hábitos mentais, condicionando o seu conhecimento e pré-conceitos. O
intérprete compreende o conteúdo da norma a partir de uma pré-compreensão que é o que vai permitir contemplar a norma a
partir de certas expectativas, ter uma noção do todo e traçar um primeiro esboço que ainda demandará comprovação,
correção e revisão através de uma análise mais aprofundada, até que, como resultado da progressiva aproximação da "coisa"
por parte dos esboços em cada caso revisados, a unidade de significado restar claramente definida.”
74

Percebemos que Hesse também admite a forte influência da pré-compreensão e dos


hábitos mentais sobre a atividade interpretativa, porém esclarece que essa primeira
aproximação à coisa, condicionada pelos seus prévios conhecimentos, deverá ser objeto de
revisão e correção para que a unidade de sentido seja corretamente fixada.
Observamos, portanto, que a moderna interpretação, inclusive a constitucional, não
pode deixar de reconhecer a força da historicidade e da tradição sobre os hábitos mentais que
moldam a compreensão do intérprete. Por outro lado, essa pré-compreensão deverá ser
submetida a uma análise racional e crítica, ser objeto de testes e correções, para que o
intérprete separe os preconceitos legítimos e os ilegítimos e fixe claramente o sentido do
objeto interpretado.

3.2.3.4 Desenvolvimento de uma teoria dos direitos fundamentais 80 edificada sobre a


dignidade da pessoa humana

O início da busca pela implementação de direitos fundamentais remonta às origens do


constitucionalismo moderno 81 . Os movimentos constitucionais que visavam limitar e
organizar o poder político também tentavam impor uma série de direitos e garantias a serem
assegurados aos particulares em detrimento do poder governamental. No entanto, só é
possível efetivamente falarmos na existência de direitos e garantias a partir da segunda
metade do século XVIII, quando os movimentos revolucionários lançaram mão de
documentos escritos que procuravam instituir a proteção aos direitos e liberdades82.
Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins defendem que, para falarmos em direitos
fundamentais, é necessária a presença de, ao menos, três elementos:

a) Estado. Trata-se do funcionamento de um aparelho de poder centralizado que


possa efetivamente controlar determinado território e impor suas decisões por
meio da Administração Pública, dos tribunais, da polícia, das forças armadas e
também dos aparelhos de educação e propaganda política. Sem a existência de

80
Alguns autores fazem questão de diferenciar a expressão “direitos humanos” da expressão “direitos fundamentais”. Gomes
Canotilho é um deles e especifica que é possível diferenciá-los de acordo com suas origens e significados, pois, enquanto os
“direitos do homem” são os válidos para todos os povos e em todos os tempos, os “direitos fundamentais” são os direitos do
homem jurídico - institucionalmente garantidos e limitados em certo espaço e tempo. Daí porque é possível extrair que os
direitos do homem derivam da própria natureza humana e, por isso, possuem um caráter inviolável, atemporal e universal, já
os direitos fundamentais seriam os direitos objetivamente vigentes numa ordem jurídica concreta (CANOTILHO, 2003,
p.393). Adotamos neste trabalho essa diferenciação proposta pelo autor.
81
A Magna Charta de 1215 foi o primeiro instrumento escrito que tentou atribuir direitos e garantias aos barões frente ao rei,
porém, não pode ser classificada como uma efetiva declaração de direitos, já que não era exigível e dependia da
implementação espontânea do monarca, além do que falta-lhe a característica da universalidade, visto que não era aplicável a
todos os homens do reino. Novas tentativas de instituir direitos aos súditos surgiram por meio dos seguintes instrumentos:
Petition of Rights de 1628, Habeas Corpus Act de 1679, Bill of Rights de 1689, Act of Settlement, de 1701.
82
Virginia, Bill of Rights (1776) e Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789).
75

Estado, a proclamação de direitos fundamentais carece de relevância prática. Estes


não poderiam ser garantidos e cumpridos e perderiam sua função precípua, qual
seja, a de limitar o poder do Estado em face do indivíduo.
b) Indivíduo. Pode parecer supérfluo dizer que a existência dos indivíduos é um
requisito dos direitos fundamentais. Não existem pessoas desde o início da
humanidade? Do ponto de vista da filosofia e da teoria política, a resposta aqui é
negativa. Nas sociedades do passado, as pessoas eram consideradas membros de
grandes ou pequenas comunidades (família, clã, aldeia, feudo, reino), sendo
subordinadas a elas e privadas de direitos próprios.
c) Texto normativo regulador da relação entre Estado e indivíduos. O papel de
regulador entre os dois elementos supra descritos é desempenhado pela
Constituição no sentido formal, que declara e garante determinados direitos
fundamentais, permitindo ao indivíduo conhecer a sua esfera de atuação livre de
interferências estatais e, ao mesmo tempo, vincular o Estado a determinadas regras
que impeçam cerceamentos injustificados das esferas garantidas da liberdade
individual. O texto deve ter validade em todo o território nacional e encerrar
supremacia, isto é, força vinculante superior àquela das demais normas jurídicas.
(DIMOULIS; MARTINS, 2012, p.10-12)

Por tais motivos, somente em razão do desenvolvimento das ideias iluministas que
institucionalizaram a noção de indivíduo e do fortalecimento dos Estados nacionais foi
possível o surgimento de declarações de direitos que tentavam implementar a proteção de
direitos fundamentais em favor dos indivíduos.
Ingo Wolfgang Sarlet (2004, p.49) esclarece que os documentos escritos do século
XVIII, não obstante tenham representado uma certa evolução na luta pela implementação das
liberdades genéricas dos indivíduos, somente podem ser considerados efetivos representantes
da defesa dos direitos e liberdades em uma versão bem primitiva, quando comparados às
declarações de direitos surgidas no século XX. Isso, porque, esses direitos e liberdades não
vinculavam o Parlamento e, portanto, careciam de supremacia e estabilidade.
Mesmo a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, comumente apontada
como um marco para o reconhecimento dos direitos fundamentais, enquanto tal, era
considerada apenas um documento de força política, simbólica, sem nenhuma obrigação do
legislador para com o seu efetivo cumprimento83. O fato de os indivíduos não contarem com
um Poder Judiciário ou qualquer espécie de aparato estatal autônomo suficiente para fazer
cumprir o disposto em tais declarações de direitos ocasionava a ausência de coercibilidade
para o cumprimento das declarações por parte do Estado e a impossibilidade de efetiva
fruição dos direitos pelos indivíduos.
Acreditamos, portanto, que o marco efetivo do reconhecimento dos direitos
fundamentais tenha sido, primeiro, a Declaração da Virgínia de 1776, que positivou os

83
Lembremos que, somente em 1971, o Conselho Constitucional Francês reconheceu o valor jurídico a essa declaração,
afirmando que tanto a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão quanto o preâmbulo da Constituição de 1946,
incorporavam-se à Constituição de 1958, em razão de expressa menção no preâmbulo desta última.
76

direitos do homem logo após a independência das colônias e, em seguida, a Constituição


norte-americana de 1787, a partir da introdução da declaração de direitos, por meio de 10
(dez) emendas constitucionais conhecidas como Bill of Rights, em 1791. Neste momento, os
direitos fundamentais foram positivados em uma ordem jurídica e poderiam então ser objeto
de cobrança por meio judicial84.
As primeiras declarações de direitos possuíam um viés estritamente liberal e
consagravam apenas formas limitativas da intervenção do Estado na liberdade e na
propriedade. Foi apenas com as Constituições mexicana (1917) e a de Weimar (1919) que os
direitos sociais passaram a constar em um documento escrito, mas, ainda assim, desprovidos
de possibilidade de cobrança efetiva pelos seus titulares.
Transcorreu um longo período até que os direitos fundamentais saíssem da esfera de
reconhecimento simbólico e fossem reconhecidos como direitos concretizáveis. Essa
passagem se deu a partir da segunda metade do século XX (pós-Segunda Guerra), quando
quase todas as Constituições começaram a prever declarações de direitos em seus textos, bem
como a disposição de que tais direitos seriam cláusulas imutáveis e passíveis de uma cobrança
judicial efetiva85.
Foi a partir dessa constitucionalização dos direitos fundamentais que eles passaram a
ser encarados em uma dupla natureza: direitos subjetivos e princípios objetivos da ordem
constitucional. André Ramos Tavares ensina que essa dimensão objetiva dos direitos
fundamentais proporciona uma eficácia irradiante de tais direitos e favorece o surgimento da
teoria dos deveres estatais de proteção

A eficácia irradiante obriga que todo o ordenamento jurídico estatal seja


condicionado pelo respeito e pela vivência dos direitos fundamentais. A teoria dos
deveres estatais de proteção pressupõe o Estado (Estado-legislador; Estado-
administrador e Estado-juiz) como parceiro na realização dos direitos
fundamentais, e não como seu inimigo, incumbindo-lhe sua promoção diuturna.
Em síntese, é o “sentido de uma vida estatal contida na Constituição”.
(TAVARES, 2011, p.508)

A moderna teoria dos direitos fundamentais desenvolveu-se no sentido de considerar


que a dimensão desses direitos deve ser aberta 86 , ou seja, não pode haver enumeração

84
Lammêgo Bulos (2011, p.517) aponta que a Constituição Brasileira de 1824 foi a primeira a estabelecer expressamente os
direitos homem. Em seguida, foram positivados na Carta belga de 1831.
85
Importante observarmos que a justiciabilização dos direitos fundamentais ainda é assunto não pacificado no que se refere
aos direitos econômicos, sociais e culturais.
86
Outra faceta da abertura dos direitos fundamentais está relacionada ao seu grau de implementação. Acabou prevalecendo
nos documentos internacionais – Pacto dos Direitos Civis e Políticos e Pacto dos Direitos Econômicos Sociais e Culturais da
ONU – por questões de ajustamento político, que a implementação dos direitos e garantias individuais e políticos seria
77

taxativa.87 Eles estarão sempre abertos à modificação, evolução e adequação à realidade social
vigente, o que evita o fenômeno da petrificação dos direitos fundamentais.

3.2.3.4.1 A dignidade da pessoa humana como base da teoria dos direitos fundamentais

Percebemos, pois, a partir da Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948) e


da adoção, por diversos regimes democráticos-constitucionais, dessa nova teoria dos direitos
fundamentais, mediante a inclusão desses direitos em suas Constituições, que a ideia de
promover e proteger os direitos humanos passou a ser a base de todos os ordenamentos
jurídicos.
É importante mencionarmos que essa teoria dos direitos fundamentais emergida do
pós-positivismo foi edificada sobre o princípio da dignidade da pessoa humana, que a partir
do fim da Segunda Guerra Mundial, foi incluído como um princípio vetor em diversos
instrumentos internacionais88. A abertura da expressão, porém, torna de difícil densificação o
conteúdo de tal princípio.
Luís Roberto Barroso informa que, superando as ideias utilitaristas, foi o imperativo
categórico kantiano que informou a ideia de dignidade da pessoa humana. O autor apresenta
as duas proposições éticas que informa a filosofia do imperativo categórico

a) uma pessoa deve agir como se a máxima da sua conduta pudesse transformar-se
em uma lei universal; b) cada indivíduo deve ser tratado como um fim em si
mesmo, e não como um meio para a realização de metas coletivas ou de outras
metas individuais. As coisas têm preço; as pessoas têm dignidade. Do ponto de
vista moral, ser é muito mais do que ter. (BARROSO, 2011, p272)

O princípio da dignidade da pessoa humana, portanto, representa o núcleo essencial de


todos os direitos constitucionalmente consagrados e é o valor maior da ordem constitucional,
capaz de irradiar efeitos por todo o ordenamento jurídico, abrangendo as relações estatais e as
relações privadas.
Esse princípio assegura a todas as pessoas, por sua simples existência no mundo, a
intangibilidade de um espaço de integridade. Daí porque se inclui em seu conteúdo a proteção
de um mínimo existencial que seria “o conjunto de bens e utilidades básicas para a

integral, ou seja, a sua justiciabilidade seria imediata. Por outro lado, quanto aos diretos e garantias sociais, econômicos e
culturais, a sua implementação se daria de forma progressiva, na medida das possibilidades econômicas do Estado.
87
A Constituição brasileira, em seu art. 5º, §2º, expressa que os direitos fundamentais nela consagrados não excluem outros
decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados.
88
Declaração do Direitos Humanos (1948), Constituição alemã (1949), Constituição Italiana (1947), Constituição portuguesa
(1976), Constituição espanhola (1978), Constituição brasileira (1988).
78

subsistência física e indispensável ao desfrute dos direitos em geral. Aquém daquele patamar,
ainda quando haja sobrevivência, não há dignidade.” (BARROSO, 2011, p.275)
Dentre os direitos a serem reconhecidos como o mínimo existencial de qualquer
pessoa, merecedora de respeito a sua dignidade, estão a percepção de uma renda mínima (que
assegure a manutenção das necessidades básicas, tais como, alimentação, moradia e
vestuário); educação fundamental; saúde básica e acesso à justiça89.
No âmbito do Direito Civil, o princípio da dignidade da pessoa humana possui como
conteúdo também os direitos da personalidade, aí incluídos os direitos à integridade física
(direito à vida, direito à disposição do próprio corpo, direito ao cadáver) e os direitos à
integridade moral (direito à honra, à imagem, à privacidade, direitos autorais, etc.).

3.3 Marco teórico

A teoria clássica do Direito, associada à ideia positivista, voltava o estudo jurídico


apenas para o âmbito de aplicação da norma. A fase de elaboração normativa e eleição de
políticas públicas estava fora do domínio jurídico e pertencia ao campo da política.
A reaproximação do Direito à ética e à política e a chamada “invasão da Constituição”
como características do Constitucionalismo Contemporâneo, importaram em uma nova forma
de pensar o Direito que vai além do seu âmbito de aplicação. O pensamento do novo Direito
Constitucional prega que, ainda quando se esteja tratando de opções legislativas ou de eleição
de políticas públicas, deve-se respeitar as opções constitucionais, sob pena de possibilidade de
recurso ao Poder Judiciário. Ou seja, tanto o legislador quanto o administrador público devem
pautar-se pelas opções, objetivos e limitações constitucionais, caso contrário, o Poder
Judiciário poderá ser acionado para determinar uma concretização compulsória das normas
desrespeitadas.
Essa força constitucional que se espalha pelo ordenamento, conformando e vinculando
a edição das demais normas e a eleição de políticas públicas, decorre da adoção de três
marcos teóricos fundamentais ao Constitucionalismo Contemporâneo, abaixo brevemente
analisados.

89
O acesso à justiça é uma garantia instrumental para proteger e implementar outros direitos básicos inerentes à dignidade
humana.
79

3.3.1 Força normativa da Constituição

O primeiro paradigma teórico do novo constitucionalismo merecedor de destaque é a


força normativa atribuída à Constituição. As normas constitucionais deixaram de ser vistas
como parte de um documento estritamente político, de uma carta de intenções direcionada ao
legislador e que só seria concretizada na medida de sua discricionariedade.
O grande teórico da força normativa da Constituição foi Konrad Hesse que sempre
considerou essencial que a Constituição incorporasse o estado espiritual do seu momento
histórico e considerasse elementos sociais, políticos e econômicos dominantes, sob pena de,
não o fazendo, perder a sua força.
O autor se insurge contra a ideia de que a “Constituição jurídica” se limitaria a
representar por escrito a “Constituição real”, esta última composta pelos fatores reais de
poder. Para ele, concordar com essa afirmação seria o mesmo que descaracterizar o Direito
Constitucional como uma ciência, reduzindo-o ao papel de justificador das relações de poder
dominante, além de o equiparar à sociologia ou à ciência política.
Hesse defende a existência de um condicionamento recíproco entre a Constituição
jurídica e a realidade político-social, afirmando que a pretensão de vigência da Constituição
somente será realizada se considerar essa realidade. A Constituição, ordenação conformadora
da realidade social, não pode estar dissociada da realidade político-social, pelo contrário,
ambos os institutos devem interagir em um condicionamento recíproco.
Para o autor, a força normativa está ligada à possibilidade de realizar o conteúdo da
Constituição, ou seja, a sua normatividade se intensifica à medida que as normas
constitucionais e as circunstâncias sociais se aproximam mutuamente 90 , aduzindo que “a
intensidade da força normativa da Constituição apresenta-se, em primeiro plano, como uma
questão de vontade normativa, de vontade de Constituição” (HESSE, 1991, p.24).
A força normativa da Constituição depende, portanto, de um lado, da possibilidade de
se realizar os conteúdos da Constituição e, de outro, está condicionada pela vontade constante
dos integrantes do processo de concretização em realizá-los. Nas palavras do autor,

90
Nesse mesmo sentido, Giuseppe Vergottini: “a doutrina da Constituição material demonstra que o princípio normativo que
origina e justifica um ordenamento, isto é, a Constituição por excelência, consiste na força normativa da vontade política,
com aplicação realista do princípio de efetividade (princípio que, se bem que com perspectiva diversa, é também usado, em
última instância, pela própria doutrina normativista, ao procurar encontrar, voltando atrás, uma justificação última para as
normas gradualmente dispostas em um sistema). A Constituição material tem, portanto, condições de se apresentar como a
real fonte de validade do sistema (e, consequentemente, também da Constituição formal), de lhe garantir a unidade como
fundamento de avaliação interpretativa das normas existentes e de preencher suas lacunas, de permitir identificar os limites
da continuidade e mudanças do Estado, sendo ela o parâmetro de referência. São, portanto, os princípios constitucionais
fundamentais, a que aludimos, que revestem essencial importância na compreensão de uma Constituição. É a estes que
havemos de fazer referência” (VERGOTTINI, 1998, p.260).
80

Esta fuerza normativa se halla condicionada de una parte por la posibilidad de


realización de los contenidos de la Constitución. Cuanto mayor sea la conexión de
sus preceptos con las circunstancias de la situación histórica, procurando conservar
e desarrollar lo que ya se halla esbozado en la posición individual del presente,
tanto mejor conseguirán estos preceptos desplegar su fuerza normativa. Cuando la
Constitución ignora el estado de desarrollo espiritual, social, político o económico
de su tiempo, se ve privada del imprescindible germen de fuerza vital, resultando
incapaz de conseguir que se realice el estado por ella dispuesto en contradicción
con dicho estado de desarrollo. Su fuerza vital y operativa se basa en su capacidad
para conectar con las fuerzas espontaneas y las tendencias vivas de la época, de su
capacidad para desarrollar y coordinar estas fuerzas, para ser, en razón de su
objeto, el orden global especifico de las relaciones vitales concretas.
De otra parte, la fuerza normativa de la Constitución se halla condicionada por la
voluntad constante de los implicados en el proceso constitucional de realizar los
contenidos de la Constitución. Puesto que la Constitución como todo orden
jurídico precisa de su actualización por medio de la actividad humana, su fuerza
normadora depende de la disposición para considerar como vinculante sus
contenidos y de la resolución de realizar estos contenidos incluso frente a
resistencias; ello tanto más cuanto que la actualización de la Constitución no puede
ser apoyada e garantizada en la misma medida que la actualización de otro derecho
por los poderes estatales, lo cuales no son constituidos sino a través de esta
actualización.91 (HESSE, 1983, p.27-28)

É importante observar que, por mais que a Constituição se configure como a ordem
jurídica fundamental da comunidade, ela deve permanecer incompleta, deixando abertas
algumas questões para serem adaptadas, na medida em que ocorrerem mudanças na realidade
político-social, pois “afigura-se igualmente indispensável que a Constituição mostre-se em
condições de adaptar-se a uma eventual mudança dessas condicionantes” (HESSE, 1991,
p.21).
Além de prever normas de organização, Hesse defende que, para preservar a força
normativa – intimamente associada ao regular cumprimento da Constituição, em razão de sua
adequação à realidade – somente alguns poucos princípios devem estar no texto – o que
facilita a sua rápida adaptação – pois a constitucionalização de interesses momentâneos leva à
necessidade de reformas e à desvalorização da força normativa.

91
Tradução livre: “Esta força normativa está condicionada, por um lado, pela possibilidade de realização dos conteúdos da
Constituição. Quanto maior a conexão de seus preceitos com as circunstâncias da situação histórica, procurando preservar e
desenvolver o que já está esboçado na posição individual do presente, maior será a possibilidade de que estes preceitos
implementem sua força normativa. Quando a Constituição ignora o estado de desenvolvimento espiritual, social, político ou
econômico de seu tempo, vê-se privada do imprescindível germem de força vital, resultando incapaz de conseguir que se
realize o estado por ela disposto em contraposição ao estado de desenvolvimento. Sua força vital e operativa se baseia em sua
capacidade de se conectar com as foças espontâneas e as tendências vivas da época, de sua capacidade para desenvolver e
coordenar estas forças, para ser, em razão do seu objeto, a ordem global específica das relações vitais concretas.
Além disso, a força normativa da Constituição está condicionada pela vontade constante dos envolvidos no processo
constitucional de realizar o conteúdo da Constituição. Dado que a Constituição como toda ordem jurídica precisa de uma
atualização por meio da atividade humana, sua força normadora depende da disposição para considerar como vinculantes
seus conteúdos e da resolução de realizar seus conteúdos mesmo frente a resistências; isso tanto mais quanto a atualização da
Constituição não pode ser apoiada e garantida na mesma medida que a atualização de outro direito pelos poderes estatais, os
quais não são constituídos senão através dessa atualização.”
81

A Constituição é, pois, uma norma jurídica suprema, dotada de força vinculante e


obrigatória e revestida de intensa carga valorativa. Sua força normativa estará assegurada
sempre que as suas normas correspondam à realidade fática, ao mesmo tempo em que estejam
abertas para eventuais adaptações e todos os participantes da vida constitucional pratiquem
seus mandamentos.
Lammêgo Bulos, defendendo que o princípio da força normativa da Constituição não é
um fenômeno do Constitucionalismo Contemporâneo, mas que já existe desde a época do
constitucionalismo moderno, em sua fase mais avançada, assim sintetiza os desdobramentos
do princípio da força normativa

Constatou-se que as constituições possuem uma força jurídica interna que as


distingue dos demais diplomas normativos (leis ordinárias, decretos, resoluções
etc.). Essa força jurídica interna revela três aspectos de notável envergadura no
panorama do constitucionalismo moderno: 1º) supremacia da constituição – todo e
que qualquer ato normativo sujeita-se à hegemonia do poder constituinte
originário; 2º) princípio da efetividade plena das normas constitucionais – os
preceitos constitucionais, mesmo aqueles que dependem de providência normativa
ulterior, existem para condicionar a realidade concreta de seu tempo, ainda que
essa pretensão encontre empecilhos e obstáculos aparentemente intransponíveis.
Era o começo da doutrina das normas constitucionais programáticas, que irá
encontrar o seu apogeu na fase contemporânea do constitucionalismo; e 3º) função
promocional das constituições modernas – ao contrário das teses do grau zero de
eficácia constitutiva do Direito Constitucional, presentes no constitucionalismo
antigo, exsurge a função promocional das normas constitucionais. As
constituições não estabelecem somente os mecanismos para o controle de
constitucionalidade de suas prescrições; além disso, elas promovem,
coercitivamente, a direção social, política, econômica e cultural do Estado. Daí o
caráter promocional de suas prescrições. Promocional, porque procura
acompanhar a evolução do Direito e o fluir das relações sociais, abandonando a
ideia de um ordenamento constitucional unicamente repressivo, para dar vazão às
grandes discussões que afetam o organismo social como um todo. (BULOS, 2011,
p.75-76)

O reconhecimento da força normativa, portanto, é um grande marco para o


Constitucionalismo Contemporâneo, pois proporcionou constatar o caráter vinculativo e
obrigatório das normas constitucionais que passaram a ter os mesmos atributos de
imperatividade, coercibilidade e executoriedade inerentes a todas as normas jurídicas.
82

3.3.2 Supremacia92 e rigidez constitucional e a expansão da jurisdição constitucional

A ideia de supremacia constitucional remonta ao surgimento da primeira Constituição


norte-americana. Enquanto na Europa do século XVIII, ainda prevalecia o dogma da
supremacia do parlamento, a Constituição norte-americana já surge influenciada pelas ideias
de Alexander Hamilton no sentido de que deveria ser considerada um instrumento superior às
leis emanadas do parlamento.
Hamilton defendia que a Constituição era um ato de delegação popular. Nesse
documento, o povo americano havia imposto uma série de determinações de observância
obrigatória aos Poderes Executivo e Legislativo – os detentores do mandato conferido pela
delegação popular contida na Constituição. Sendo, pois um ato de delegação popular, as
determinações constitucionais deveriam ser consideradas superiores àquelas emanadas de leis
elaboradas pelo Poder Legislativo, afinal, as determinações do mandante (povo) são
logicamente superiores às dos seus representantes (Poder Legislativo)

No legislative act, therefore, contrary to the Constitution, can be valid. To deny


this, would be to affirm, that the deputy is greater than this principal; that the
servant is above his master; that the representatives of the people are superior to
the people themselves; that men acting by virtue of powers, may do not only what
their power do not authorize, but what they forbid.93 (HAMILTON, 1787, p.211-
212)

Assim, a Constituição norte-americana seria uma Constituição limitativa dos poderes


do corpo Legislativo e jamais a vontade dos poderes constituídos poderia ser superior à do
poder constituinte. Nas palavras de Hamilton

92
É importante observarmos que a ideia de supremacia das normas constitucionais surgiu em momentos distintos na Europa
continental e nos Estados Unidos. MATTEUCCI (1998, p.255) afirma que “O princípio da primazia da lei, a afirmação de
que todo poder político tem de ser legalmente limitado, é a maior contribuição da Idade Média para a história do
Constitucionalismo. Contudo, na Idade Média, ele foi um simples princípio, muitas vezes pouco eficaz, porque faltava um
instituto legítimo que controlasse, baseando-se no direito, o exercício do poder político e garantisse aos cidadãos o respeito à
lei por parte dos órgãos do Governo. A descoberta e aplicação concreta desses meios é própria, pelo contrário, do
Constitucionalismo moderno; deve-se particularmente aos ingleses, em um século de transição como foi o século XVII,
quando as Cortes judiciárias proclamaram a superioridade das leis fundamentais sobre as do Parlamento, e aos americanos,
em fins do século XVIII, quando iniciaram a codificação do direito constitucional e instituíram aquela moderna forma de
Governo democrático, sob o qual ainda vivem.” Ou seja, no sistema constitucional norte-americano, já imbuído das ideias de
necessidade de controle dos atos do parlamento (e fortemente influenciado pela ideia de norma fundamental do sistema
inglês), não houve dificuldade em se defender a superioridade das normas constitucionais, que deveriam servir de limites à
própria atuação do órgão legislativo. Já na Europa continental, a ideia de supremacia constitucional é bem recente, data da
segunda metade do século XX.
93
Tradução livre: “Nenhum ato legislativo, portanto, contrário à Constituição, pode ser válido. Negar isso, seria afirmar que
o delegado é maior do que o delegante, que o servo está acima do seu mestre; que os representantes do povo são superiores
ao próprio povo; que os homens que agem por força dos poderes concedidos podem fazer não só o que o seu poder não
autoriza, mas o que eles proíbem.”
83

By a limited Constitution, I understand one which contains certain specified


exceptions to the legislative authority; such, for instance, as that it shall pass no
bills of attainder, no ex post facto laws, and the like. Limitations of this kind can
be preserved in practice no other way than through the medium of courts of
justice, whose duty it must be to declare all acts contrary to the manifest tenor of
the Constitution void. Without this, all the reservations of particular rights or
privileges would amount to nothing. 94 (HAMILTON, 1787, p.210-211)

Na Europa continental, o modelo legalista que fundamentava a ideia de soberania do


Legislativo somente é deixado de lado após a Segunda Guerra Mundial e, com inspiração no
modelo norte-americano, quando emerge a ideia de supremacia da Constituição.
Conforme já observamos, a superação do positivismo jurídico decorreu do
entendimento de que o fundamento de validade das normas jurídicas não poderia estar apenas
em critérios formais, mas deveria haver uma legitimação de conteúdo material. Isto significa
que era necessário incorporar ao Direito valores éticos que seriam sua fonte legitimadora.
A crise do Estado legalista relacionou-se a uma crescente desconfiança na atividade
legislativa que, se por um lado, havia sido capaz de produzir ordenamentos jurídicos
totalitários e ensejadores de verdadeiras atrocidades sob o manto da legalidade durante os
regimes nazista e fascista, por outro, também havia sido responsável por uma excessiva
regulamentação da vida social e a intromissão do Estado em setores antes ressalvados de sua
interferência95.
É nesse momento que os valores ingressam definitivamente no ordenamento jurídico e
se alocam nas Constituições – na qualidade de princípios – que, agora, deixam de ser
encaradas como meras declarações de direitos, sem conteúdo jurídico efetivo, para serem
vistas como normas coercitivas e imperativas a serem concretizadas.
A Constituição, agora considerada suprema e permeada de valores (princípios),
irradia-se por todo o ordenamento jurídico conformando e legitimando as demais normas. Os
princípios fundamentais são incluídos no centro duro e imutável das Constituições,
proporcionando a sua proteção contra uma ação ilegítima do parlamento.
O novo modelo de supremacia da Constituição – em contraposição à supremacia do
parlamento – favorece a proteção aos direitos fundamentais (incluídos no núcleo rígido do
texto constitucional) contra uma possível ação danosa do processo político majoritário.
Consolida-se, assim, a noção de rigidez constitucional.

94
Tradução livre: “Por uma Constituição limitada, eu entendo aquela que contém certas exceções específicas à autoridade
legislativa; como, por exemplo, a de que não se deve aprovar projetos de lei para confisco de bens, nem leis ex post facto, e
assim por diante. Este tipo de limitação apenas pode ser preservado, na prática, por meio dos tribunais, que possuem o dever
de declarar todos os atos contrários ao manifesto de conteúdo da Constituição inválidos. Sem isso, todas as reservas de
direitos ou de privilégios particulares equivaleriam a nada.”
95
Esse fenômeno se deu, principalmente, no período do Welfare State.
84

A partir da ideia de supremacia e rigidez constitucional, surge a necessidade de


instituir uma jurisdição constitucional que tivesse por função justamente proteger a
Constituição e a manutenção dos seus atributos.
Nos Estados Unidos, desde o início do século XIX, a partir do julgamento do caso
Marbury v. Madison (1803), institucionalizou-se um modelo de jurisdição constitucional na
qual todos os membros do Judiciário estavam habilitados a verificar a compatibilidade das
leis com a Constituição. O desenvolvimento desse sistema foi favorecido pela opinião, sempre
presente naquele modelo constitucional, de que a Constituição era o instrumento de limitação
do parlamento e, portanto, deveria apresentar-se suprema a todas as demais normas.
Com a adoção, pela Europa continental, na segunda metade do século XX, dessa ideia
de supremacia constitucional – Constituição como limitadora do parlamento – a ideia de
supremacia do parlamento foi abandonada.
Se a supremacia era da Constituição – e não da lei – e se esta apresentava um núcleo
de valores intangível – princípios – havia a necessidade de se instituir um controle de
compatibilidade das leis com as normas constitucionais.
Após um intenso debate acerca de quem deveria ser o guardião da Constituição (se os
Poderes Executivo, Legislativo ou um órgão especificamente criado para esse fim, o Tribunal
constitucional 96 ), acabou prevalecendo em boa parte dos países das Europa continental o
modelo idealizado por Hans Kelsen para a Constituição austríaca de 1920. Foi possível,
assim, consolidar a jurisdição constitucional para garantir e concretizar as normas
constitucionais.

3.3.3 A nova interpretação constitucional

A mudança do centro do ordenamento jurídico da lei para a Constituição, a instituição


da Jurisdição Constitucional, o influxo das teorias pós-positivistas, o desenvolvimento de uma
teoria dos direitos fundamentais, baseada na dignidade da pessoa humana, a grande
complexidade das sociedades modernas, o pluralismo valorativo, a adoção da razão prática
como um parâmetro de fundamentação jurídica, entre outros, são fatores que influenciaram
sobremaneira as mudanças na hermenêutica constitucional97.

96
O tema da Justiça Constitucional será desenvolvido no Capítulo 4.
97
A hermenêutica de uma forma geral, não só a constitucional, sofre profundas mudanças ao longo do século XX,
especialmente na segunda metade, sob a influência de todos os fatores enumerados e, ainda, em razão da influência da Teoria
Crítica do Direito e da filosofia da linguagem.
85

Os cânones hermenêuticos não são mais suficientes para a interpretação


constitucional. Chegamos à conclusão de que essas regras hermenêuticas foram desenvolvidas
para a interpretação de textos normativos, sendo que as normas constitucionais não são
determinadas apenas pelo seu texto, mas pelo processo mesmo de interpretá-las com o
objetivo de concretizá-las.
O fato de as Constituições contemporâneas se apresentarem com um caráter aberto, o
que permite sua adaptabilidade necessária ao longo do tempo, fez com que as normas
constitucionais se mostrassem abstratas, prevendo conceitos vagos, cláusulas gerais e
princípios.
Celso Ribeiro Bastos (2002, p.105-122) ensina que a norma constitucional tem certas
peculiaridades – inicialidade fundante das normas constitucionais, caráter aberto e
possibilidade de atualização; linguagem constitucional sintética, ampla e principiológica;
opções políticas nas normas constitucionais – que justificam uma hermenêutica própria.
A interpretação constitucional, portanto, deixou de estar adstrita à análise do texto da
Constituição e passou a depender da concretização da norma constitucional, da sua aplicação
ao caso concreto. Com base em Konrad Hesse, a interpretação passou a ser concretização, ou
seja, a atualização ou abertura dos textos normativos. A norma jurídica não se identifica com
o texto normativo, mas apenas é encontrada diante de um problema real.
Com apoio, principalmente, nas ideias da hermenêutica filosófica e na doutrina de
Friedrich Müller e sua teoria estruturante da norma, Konrad Hesse se apresenta como o
grande teórico da nova hermenêutica constitucional defendendo a interpretação constitucional
como concretização, mediante a incorporação da realidade de cuja ordenação se trata. Para o
autor, o objetivo da interpretação

es el de hallar el resultado constitucionalmente “correcto” a través de un


procedimiento racional y controlable, el fundamentar este procedimiento de modo
igualmente racional y controlable, creando, de este modo, certeza y previsibilidad
jurídicas, y no, acaso, el de la simple decisión por la decisión.98 (HESSE, 1983,
p.37)

Assim, texto legal e norma jurídica diferem, pois só será norma jurídica aquilo que
resultar da aplicação diante de um caso concreto. O problema é, então considerado, um dos
elementos estruturantes da norma jurídica.

98
Tradução livre: “é o de encontrar o resultado constitucionalmente ‘correto’ através de um procedimento racional e
controlável, o de fundamentar esse procedimento de modo igualmente racional e controlável, criando, assim, a certeza e
previsibilidade jurídica, e não, a possibilidade da simples decisão pela decisão.”
86

Para Hesse, a realização da Constituição depende de uma interação com a realidade,


pois o conteúdo da norma constitucional não consegue ser realizado apenas com base nas
pretensões contidas no texto da norma. A concretização do conteúdo de uma norma
constitucional depende da incorporação das circunstâncias da realidade que essa norma é
chamada a regular. Por tal motivo

a fin de poder dirigir la conducta humana en cada una de las situaciones, la norma
en mayor o menor medida fragmentaria necesita “concretización”. La cual sólo
será posible cuando se tomen en consideración en dicho proceso, junto al contexto
normativo, las singularidades de las relaciones vitales concretas sobre las que la
norma constitucional no puede prescindir de estas singularidades, so pena de
fracasar ante los problemas planteados por las situaciones que la Constitución esta
llamada a resolver.99 (HESSE, 1983, p.29)

A concretização pressupõe compreender o conteúdo da norma e deve estar vinculada à


pré-compreensão 100 do intérprete e ao problema concreto que se quer resolver. Assim, a
concretização da norma constitucional depende da aceitação, como parte do processo de
interpretação, de duas ideias fundamentais: a influência da pré-compreensão e da necessidade
de um problema concreto a ser resolvido. Hesse admite a forte influência da pré-compreensão
e dos hábitos mentais sobre a atividade interpretativa, porém, deixa claro que essa primeira
aproximação à coisa, condicionada pelos seus prévios conhecimentos, deverá ser revista e
corrigida para que a unidade de sentido seja corretamente fixada, sem arbitrariedade.
(HESSE, 1983, p. 43)
Tendo em vista a especificidade das normas constitucionais – o seu caráter amplo e
aberto – Konrad Hesse apresenta princípios específicos da interpretação constitucional, para
ele “A los principios de la interpretación constitucional les corresponde la misión de orientar

99
Tradução livre: “a fim de dirigir o comportamento humano em cada uma das situações, a norma em maior ou menor
medida fragmentária necessita de ‘concretização’. A qual só será possível quando se leva em consideração neste processo,
juntamente com o contexto normativo, as singularidades das relações vitais concretas em que a norma constitucional não
pode prescindir dessas singularidades, sob pena de fracassar ante os problemas levantados pelas situações que a Constituição
está chamada a resolver.”
100
“El intérprete no puede captar el contenido de la norma desde un punto cuasi arquimédico situado fuera de la existencia
histórica en la que se encuentra, cuya plasmación ha conformado sus hábitos mentales, condicionado sus conocimientos y sus
pre-juicios. El intérprete comprende el contenido de la norma a partir de una pre-comprensión que es la que va a permitir
contemplar la norma desde ciertas expectativas, hacerse una idea del conjunto y perfilar un primer proyecto necesitado aún
de comprobación, corrección y revisión a través de un análisis más profundo, hasta que, como resultado de la progresiva
aproximación a la “cosa” por parte de los proyectos en cada caso revisados, la unidad de sentido queda claramente fijada.”
(HESSE, 1983, p.44). Tradução livre: “O intérprete não pode captar o conteúdo da norma a partir de um ponto quase
arquimédico fora da existência histórica, cujo enquadramento moldou seus hábitos mentais, condicionando o seu
conhecimento e pré-conceitos. O intérprete compreende o conteúdo da norma a partir de uma pré-compreensão que é o que
vai permitir contemplar a norma a partir de certas expectativas, ter uma noção do todo e traçar um primeiro esboço que ainda
demandará comprovação, correção e revisão através de uma análise mais aprofundada, até que, como resultado da
progressiva aproximação da ‘coisa’ por parte dos esboços em cada caso revisados, a unidade de significado resta claramente
definida.”
87

y encauzar el proceso de relación, coordinación y valoración de los puntos de vista o


consideraciones que deben llevar a la solución del problema”101. (HESSE, 1983, p.47-48)
Entre eles, citamos: 1) unidade da Constituição – nenhuma norma constitucional pode
ser contemplada isoladamente, vez que há uma interdependência entre todos os elementos
constitucionais e deve-se sempre ter em mente a necessidade de evitar o surgimento de
contradições entre as normas constitucionais; 2) concordância prática 102 – a relação de
interdependência das normas constitucionais exige que os bens jurídicos nela protegidos
sejam coordenados de forma que, na solução do problema, a sua identidade seja sempre
preservada. Havendo colisão entre normas constitucionais, não se pode, mediante uma
abstrata ponderação de bens ou valores, realizar um dos bens e sacrificar o outro. A unidade
da Constituição exige estabelecer o limite de ambos os bens, de modo que cada um atinja uma
efetividade ótima. A fixação desses limites deve observar o princípio da proporcionalidade
para não ir além do necessário para a concordância entre ambos os bens; 3) correção
funcional – o intérprete deve observar a função constitucionalmente atribuída aos órgãos e
não deve modificar essa distribuição de funções por meio da interpretação; 4) critério da
eficácia integradora – na busca da solução dos problemas jurídico-constitucionais, sempre se
deve dar preferência àquelas soluções que preservem a unidade política da Constituição; 5)
força normativa da Constituição – é preciso que por meio da interpretação seja dada
preferência àqueles pontos de vista que proporcionam o alcance da máxima eficácia das
normas constitucionais, diante das circunstâncias de cada caso, visto que, para preservar a sua
força normativa, a Constituição deve ser realizada pelos integrantes do processo de
concretização que devem apresentar vontade de realizar os conteúdos constitucionais; 6)
interpretação conforme a Constituição – uma lei não deve ser declarada nula quando possa ser
interpretada em conformidade com a Constituição, visto que as normas constitucionais não
são apenas “normas-parâmetro”, mas também normas de conteúdo na determinação do teor
das leis ordinárias. (HESSE, 1983, p. 48-57).
No Brasil, Celso Ribeiro Barros sistematizou o estudo da nova interpretação
constitucional. Aquilo que Konrad Hesse apresenta como princípios da interpretação
constitucional, Celso Ribeiro Bastos denomina pressupostos hermenêutico-constitucionais ou
postulados. Para o autor,

101
Tradução livre: “Aos princípios de interpretação constitucional corresponde a missão de orientar e dirigir o processo de
articulação, coordenação e valoração dos pontos de vista ou considerações que devem levar à solução do problema.”
102
Também chamado por alguns autores de princípio da harmonização.
88

esses postulados são um comando, uma ordem mesma, dirigida a todo aquele que
pretende exercer uma atividade interpretativa. Os postulados precedem a própria
interpretação, e se quiser, a própria Constituição. São, pois, parte de uma etapa
anterior à de natureza interpretativa, que tem de ser considerada enquanto
fornecedora de elementos que se aplicam à Constituição, e que significam,
sinteticamente, o seguinte: não poderás interpretar a Constituição devidamente
sem antes atentares para estes elementos. Trata-se de uma condição, repita-se, da
interpretação. Não se terá verdadeira atividade interpretativa se não estiver o
intérprete bem imbuído dessas categorias. Concluindo, o intérprete fica diante de
enunciados cogentes, dos quais a sua atividade (interpretativo-constitucional) não
poderá descurar. (BASTOS, 2002, p.165-166)

Entre eles, estão: 1) supremacia da Constituição – ocupando a Constituição uma


posição de primazia no ordenamento jurídico, a interpretação de todas as demais normas deve
ser feita a partir das normas constitucionais; 2) unidade da Constituição – como são normas
que formam um sistema interdependente e harmônico, o intérprete sempre deverá considerar a
Constituição em sua globalidade e harmonizar eventuais tensões entre as normas para
preservar a sua unidade política e de conteúdo; 3) maior efetividade possível – sempre que
possível o dispositivo constitucional deverá ser interpretado de modo que se lhe confira maior
eficácia, ou seja, deve ser preservada a carga material de cada norma, não sendo aceitável a
sua nulificação, mesmo parcial; 4) harmonização – para evitar a exclusão ou o sacrifício de
algum dispositivo constitucional, deve-se sempre atribuir às normas constitucionais um
conteúdo coerente com as demais normas, evitando assim eventuais conflitos. (BASTOS,
2002, p.172-179)
Importante observar que, para Celso Ribeiro Bastos (2002, 263-298), a interpretação
conforme a Constituição não seria um princípio e nem um postulado da interpretação
constitucional, mas uma das modernas formas de interpretação constitucional ao lado da
declaração de inconstitucionalidade parcial sem redução de texto; da declaração de
constitucionalidade de norma em trânsito para a inconstitucionalidade e a mutação
constitucional; da declaração de inconstitucionalidade como apelo ao legislador; da
declaração de inconstitucionalidade sem pronúncia de nulidade, etc.
Já para Gomes Canotilho (2003, p.1310), a interpretação conforme a Constituição
seria um “instrumento hermenêutico de conhecimento das normas constitucionais que
impõem recurso a estas para determinar e apreciar o conteúdo intrínseco da lei” ou seja seria
mais um “princípio de prevalência normativo-vertical ou de integração hierárquico-
normativa do que um simples princípio de conservação de normas”.
89

4 DESENVOLVIMENTO DA JUSTIÇA CONSTITUCIONAL103

O surgimento e o desenvolvimento da Justiça Constitucional se deram pincipalmente


na Europa, após a Segunda Guerra Mundial. Ao contrário do que aconteceu nos Estados
Unidos – onde o movimento constitucionalista gerou, desde o início, uma noção de limitação
do parlamento e de superioridade da Constituição – na Europa, ainda vigorou por mais de 150
anos a ideia de superioridade do parlamento e das leis emanadas desse órgão.
Havia uma total identificação entre lei e Direito e o monopólio da produção do Direito
era do Poder Legislativo. Prevalecia na Europa continental uma concepção de que os juízes
não estavam autorizados a exercer nenhuma atividade interpretativa das leis, eles deveriam se
limitar a aplicá-las tal qual emanadas do parlamento e segundo o método de subsunção. A
atividade judiciária era considerada mecanicista e toda atividade normativa deveria emanar do
legislativo.
Essa função secundária atribuída ao Poder Judiciário decorria do receio que os
responsáveis pela Revolução Francesa tinham para com os juízes, que sempre foram o braço
executivo do monarca. Daí a opção por lhes deixar um papel menos relevante no momento
pós-revolucionário. Essa tentativa de impor limites rígidos ao Poder Judiciário pode ser
evidenciada pela elaboração de um decreto, em agosto de 1790, que proibiu os tribunais de
fazerem regulamentos e determinou que se dirigissem ao Legislativo sempre que julgassem
necessário interpretar uma lei; era a técnica da référé législatif (KELSEN, 20117, p. IX). Em
meio ao predomínio desse Estado legalista não foi possível desenvolver uma Justiça
Constitucional, tal como ocorreu nos Estados Unidos.
Somente a partir da segunda metade do século XX, o Estado legalista entrou em
decadência. Essa derrocada veio da constatação de que não poderia haver um ordenamento

103
Esclarecemos que, neste trabalho, optamos por utilizar a expressão Justiça Constitucional em vez da mais popular
jurisdição constitucional para designar apenas o estudo da Justiça que se desenvolve no âmbito do Tribunal Constitucional,
adotando-se, integralmente, as ideias de André Ramos Tavares (2005, p.142-153). Concordamos com o referido autor quando
afirma que a utilização da expressão jurisdição constitucional seria mais adequada para identificar “a parcela da atividade
pela qual se realiza, jurisdicionalmente, vale dizer, consoante um método jurídico processual, a proteção da Constituição em
todas as suas dimensões” (TAVARES, 2005, p.144). Daí porque a terminologia jurisdição constitucional “inculca a ideia de
desenvolvimento processual consoante o rito judicial, visando a atuação constitucional. Nesse sentido, intensamente
utilizado, a jurisdição constitucional refere-se ao estudo de questões mais propriamente processuais. Realiza-se um corte
prévio para admitir, sem maiores preocupações, que a defesa e cumprimento último da Constituição opera-se mediante um
processo de tomada de decisão de caráter jurisdicional. Elimina-se, assim, questões essenciais a uma completa teoria da
Justiça Constitucional, como o estudo da natureza política ou jurídica do processo de decisão que dele deriva, quando
realizada pelo Tribunal Constitucional” (TAVARES, 2005, p.146). Assim, a utilização da expressão jurisdição constitucional
limitaria nosso estudo aos aspectos processuais das atividades desenvolvidas pelos Tribunais Constitucionais, quando, na
realidade, é interessante abordarmos também questões mais amplas quanto ao estudo político ou jurídico da natureza das
funções do Tribunal Constitucional e ainda aspectos de legitimidade democrática, por exemplo. É importante notarmos,
também, que o estudo da Justiça Constitucional se limita a analisar a atuação do Tribunal Constitucional e não tem por foco o
desenvolvimento da jurisdição constitucional perante outros tribunais ou juízos.
90

jurídico indiferente a valores, o que gerou uma desconfiança em relação à adoção de critérios
de validade apenas formal da lei, e para com o Poder Legislativo que, apesar de ser
considerado o órgão composto por representantes do povo, havia dado suporte às atrocidades
cometidas sob o manto da legalidade.
A verificação de que o apego à legalidade exacerbada permitiu a ocorrência de fatos
sangrentos, nazistas e fascistas, fez florescer a ideia de que a lei precisava apresentar um
conteúdo valorativo para se legitimar como Direito. Esses valores compartilhados socialmente
deveriam integrar as Constituições dos Estados que, até aquele momento, eram, em geral,
apenas um documento simbólico, uma carta de intenções.
Essa crise dos critérios de validade formal fez emergir uma nova forma de se encarar o
Direito e, especialmente, o Direito Constitucional, que passa a ser a base de toda a ciência
jurídica. A Constituição se transforma no fundamento e na essência de todo o ordenamento
jurídico, adquire um valor normativo hierarquicamente superior e começa a ser vista como lex
superior, fonte da produção normativa, o que faz dela um parâmetro obrigatório a ser
observado por todos os atos do Estado. Há, portanto, uma constitucionalização do Direito.
Inicia-se aí a necessidade de se verificar a compatibilidade das leis às normas constitucionais,
de conformidade substancial dos atos dos Poderes públicos para com as normas e princípios
hierarquicamente superiores da Constituição.
A supremacia jurídica da Constituição, mesmo sendo o traço mais característico do
Estado Constitucional de Direito, não é algo que pode ser identificado apenas pelo texto
constitucional, mas depende do reconhecimento da rigidez da Constituição. Somente quando
se estabelece um sistema de revisão constitucional reforçado (mais difícil que a tramitação
legislativa ordinária) e um sistema de controle de constitucionalidade da lei e de outros atos
de poder é que será possível afirmar a supremacia das normas constitucionais. Assim,
podemos constatar que a supremacia da Constituição e a Justiça Constitucional são realmente
conceitos intrinsecamente unidos.
Nos Estados Unidos, país precursor na instituição de um mecanismo de controle de
constitucionalidade das normas, apontou-se, desde o início, o Poder Judiciário como o órgão
responsável para realizar essa tarefa. Por outro lado, na Europa, ainda muito influenciada pelo
dogma da supremacia do parlamento, instaurou-se um longo debate sobre quem deveria ser o
guardião da Constituição, ou seja, qual entidade teria por função proteger a Constituição
contra eventuais violações, aplicando-a, realizando-a e cumprindo-a104.

104
A par da existência de uma instância especializada, é importante notar que cidadão também dever ser entendido como
guardião da Constituição. André Ramos Tavares (2005, p.74-74) aponta diversos dispositivos constitucionais de alguns
91

O debate polarizou-se, basicamente, entre Hans Kelsen e Carl Schmitt 105 . Kelsen
(2007, 151-153) defendia a atribuição dessa função ao Tribunal Constitucional, que não seria
um órgão do Poder Judiciário, mas do Legislativo, com uma tarefa de legislador negativo e
cuja legitimidade democrática estaria na indicação política de seus membros, não obstante o
autor tenha reconhecido que a atividade a ser desenvolvida por esse órgão teria nítida
semelhança com a atividade judicial. Para Schmitt (1983, p. 248-250), a guarda da
Constituição deveria ser feita por um terceiro neutro com função “mediadora, tutelar e
reguladora”. Ele identificou que essas características estariam presentes no Presidente do
Reich, pois a sua independência, imparcialidade e neutralidade residiria na sua eleição direta
pelo povo alemão, para um mandato de 7 anos, nas travas que existem à revogação desse
mandato e na sua independência com relação às maiorias parlamentares.
Podemos afirmar que a existência de uma Justiça Constitucional e de um Tribunal
Constitucional106 foram uma criação decorrente do constitucionalismo norte-americano e que,
posteriormente, foi reelaborada e adaptada à realidade europeia por Hans Kelsen, na segunda
década do século XX. A ideia central da Justiça Constitucional está fundada na superioridade
das normas constitucionais sobre as demais leis do ordenamento. A Constituição se
transforma em parâmetro de validade de todo o ordenamento, do que decorre a necessidade de
conformar as demais leis às prescrições constitucionais (ENTERRIA, 2001, p.123).
Gomes Canotilho (2003, p.892) define a Justiça Constitucional como o “complexo de
atividades jurídicas desenvolvidas por um ou vários órgãos jurisdicionais, destinadas a
fiscalizar a observância e o cumprimento das normas e princípios constitucionais vigentes.”

Estados que preveem a posição do cidadão enquanto membro obrigado a proteger a Constituição. O autor afirma que
“qualquer um é partícipe na vida constitucional de seu Estado, e, nessa medida, pode transformar-se em curador da
Constituição” (TAVARES, 2005, p.71). Nesse sentido, quando a vontade de Constituição (HESSE, 1983, 78) estiver presente
na sociedade todos irão lutar de forma ativa para ver a Constituição cumprida e serão considerados seus curadores.
105
André Ramos Tavares aponta, ainda, uma constante tendência em boa parte da doutrina constitucional em indicar o
parlamento como o curador da Constituição; a interpretação constitucional seria feita por meio das leis editadas pelo
legislativo, em razão da representatividade democrática de tal órgão. Porém, o autor alega que tal modelo é inadequado, pois
ninguém pode ser juiz em causa própria. Ademais, configuraria um bis in idem atribuir tal tarefa ao legislador, visto que o
legislativo, quando edita leis já tem a obrigação de dar cumprimento à Constituição e, caso verifique a inconstitucionalidade
de uma determinada norma, poderá revogá-la por meio da edição de uma norma nova e constitucional. (TAVARES, 2005,
p.84-85)
106
Tribunal Constitucional para os fins desta pesquisa é o órgão que exerce certas funções, todas com foco na proteção e
concretização da Constituição e na necessidade de proteger a supremacia constitucional. Para que um tribunal se configure
constitucional não será necessário deter o exercício monopolizado da jurisdição constitucional, nem exercer com
exclusividade a função de controle da constitucionalidade, nem que seu modo de atuação se dê apenas por processo
autônomo. Ou seja, concordamos com André Ramos Tavares (2005, p. 153-159) que há Tribunal Constitucional ainda que
outros juízes e tribunais exerçam as funções de garantia e concretização da Constituição, ainda que sejam atribuídas outras
funções a esse tribunal, tais quais as funções de um tribunal supremo e ainda que os processos que se desenvolvam perante o
Tribunal Constitucional não sejam exclusivamente autônomos – muito embora, neste último caso, ainda que não seja
autônomo, as regras processuais que regem a atuação do Tribunal Constitucional sempre serão diversas das que regem o
processo comum, tendo em vista a atuação deste tribunal por meio do processo objetivo.
92

O Estado Constitucional Democrático, portanto, para se preservar e se garantir, passou


a prever meios de garantia da observância das normas constitucionais e da imposição de
sanções contra atos dos órgãos de soberania e de outros Poderes públicos não conformes com
a Constituição (CANOTILHO, 2003, p.887). A manutenção e implementação desse aparato é
competência da Justiça Constitucional. Ou seja, é por meio da Justiça Constitucional que se
assegura a observância, a aplicação, a estabilidade e a conservação da Constituição. É a
Justiça Constitucional que garante a supremacia da Constituição. Gomes Canotilho afirma que

a fiscalização da constitucionalidade tanto é uma garantia de observância da


constituição, ao assegurar, de forma positiva, a dinamização da sua força
normativa, e, de forma negativa, ao reagir através de sanções contra a sua
violação, como uma garantia preventiva, ao evitar a existência de actos
normativos, formal e substancialmente violadores das normas e princípios
constitucionais. (CANOTILHO, 2003, p.889)

André Ramos Tavares (2005, p.199-200) aponta uma diversidade doutrinária sobre as
competências da Justiça Constitucional. Enumera que para Friesenhahn, ela deveria apreciar
os conflitos constitucionais, o controle das normas e o recurso de amparo; sendo que Enterria
acrescenta, ainda, a necessidade de controle prévio de constitucionalidade. Para Valdés, seria
necessário assegurar o caráter normativo da Constituição, garantir o respeito aos direitos
fundamentais e dar solução aos conflitos entre os órgãos do Estado. Favoreu defenderia como
ramos de competência o controle da constitucionalidade dos atos do Poder Público, a proteção
dos direitos fundamentais, o controle das regras da democracia representativa e participativa,
o controle dos demais Poderes públicos e seu funcionamento, o equilíbrio da federação.
Para Gomes Canotilho (2003, p. 895) as competências da Justiça Constitucional
seriam muito heterogêneas e abrangeriam a solução de litígios de competência entre os órgãos
supremos do Estado e aqueles decorrentes de limitação territorial, ou seja, relativos à
federação; o controle de constitucionalidade; a proteção dos direitos fundamentais; o controle
de regularidade da formação dos órgãos do Estado e dos seus titulares através do contencioso
eleitoral; e a averiguação e apuração dos crimes de responsabilidade.
Partindo-se dessa descrição inicial a respeito da essência da Justiça Constitucional,
julgamos necessário traçar um panorama sobre suas origens, desenvolvimento e competências
fundamentais para melhor entendermos o instituto.
93

4.1 Judicial Review e o Modelo Norte-Americano

Conforme abordamos, o constitucionalismo norte-americano, desde o início,


estabeleceu uma concepção de Constituição bem diversa da que existia na Europa. Em razão
da intenção de limitar os poderes do parlamento e sob a influência da tradição do Direito
natural, em sua versão puritana, a Constituição foi erigida à categoria de norma suprema,
limitadora e conformadora das demais leis do parlamento.
A ideia de um “superdireito” limitador das demais normas já existia na tradição do
common law inglês, conforme explica Garcia de Enterria

el common law es el que habilita una técnica especifica a favor de esa supremacía
constitucional, la técnica de la judicial review, que proviene del common law
inglés, de su posición precisamente central como “Derecho común”, desde la cual
el Derecho común puede exigir cuentas a los statutes, a las leyes, como normas
puramente singulares o excepcionales que son, que penetran en un Derecho común
ya constituido. Esta técnica de predominio del common law sobre las leyes o
estatutos es lo que todavía hoy en el sistema inglés, que no conoce la técnica de la
constitucionalidad de las leyes, por motivos que inmediatamente vamos a ver, se
siegue llamando the control of the common law over statutes, es decir, el principio
interpretativo básico por virtud del cual el Derecho común sitúa dentro del sistema
que el representa, y normalmente con criterios restrictivos, todas las normas
singulares dictadas por el legislativo, puesto que el common law en su esencia no
es un derecho legislado, como bien sabido.107 (ENTERRIA, 2011, p.124)

Essa noção inglesa de superioridade do common law sobre as leis emanadas do


parlamento permitiu, ainda no começo do século XVII, que o juiz Edward Coke tentasse
implementar um controle de validade das leis que permitiria a sua anulação caso estivessem
em desconformidade com os princípios fundamentais do sistema, considerados uma expressão
do Direito natural. Essa tese não foi aceita pelo Direito inglês, onde sempre predominou o
dogma da superioridade do parlamento, porém, foi adotada pelos constituintes norte-
americanos.
Desde a elaboração da Constituição norte-americana havia notícia sobre a tentativa de
instituir um controle de constitucionalidade. Essa ideia original de adoção pela constituinte do

107
Tradução livre: “o common law possibilita uma técnica específica em favor dessa supremacia constitucional, a técnica da
judicial review, que provem do common law inglês, e de sua posição central como ‘Direito comum’, em razão da qual o
Direito comum pode exigir respeito por parte dos statutes, das leis, como normas puramente singulares e excepcionais que
são, que penetram em um Direito comum já estabelecido. Essa técnica de predomínio do common law sobre as leis ou
estatutos é o que, todavia, hoje, no sistema inglês, que não conhece a técnica da constitucionalidade das leis, por motivos que
imediatamente serão vistos, segue sendo chamado de the control of the common law over statutes, isto é, o princípio
interpretativo fundamental em virtude do qual o Direito comum situa dentro do sistema que ele representa, e normalmente
com critérios restritivos, todas as normas singulares ditadas pelo legislativo, posto que o common law, em sua essência, não é
um direito legislado, como sabido.”
94

judicial review foi nitidamente inspirada no julgamento da House of Lords108 do Dr. Bonham
case, no qual Edward Coke asseverou, embora sem acolhimento, a controlabilidade dos atos
do parlamento inglês.
Mesmo contando com influentes defensores, dentre eles Madison 109 e Hamilton, o
judicial review não foi acolhido pela constituinte e nem no processo posterior de ratificação
da Constituição (LEAL, 2006, p.20-21). São conhecidas as palavras de Hamilton segundo o
qual

Nenhum ato legislativo contrário à Constituição pode ser válido. Negar isto seria
como sustentar que o procurador é maior que o mandante, que os representantes do
povo são superiores a esse mesmo povo, que aqueles que agem em virtude de
poderes concedidos podem fazer não só o que eles autorizam mas também aquilo
que proíbem. O corpo legislativo não é juiz constitucional de suas atribuições.
Torna-se mais razoável admitir os tribunais como elementos colocados entre o
povo e o corpo legislativo, a fim de manterem este dentro dos limites do seu poder.
Portanto, a verificar-se uma inconciliável divergência entre a Constituição e uma
lei deliberada pelo órgão legislativo, entre uma lei superior e uma lei inferior, tem
de prevalecer a Constituição. (HAMILTON apud MIRANDA, 2000, p. 18)

Mesmo não tendo sido admitido expressamente o judicial review, a Constituição


norte-americana previu a supremacy clause, segundo a qual a Constituição seria um Direito
superior que vincularia os juízes, frente às disposições contrárias das Constituições e leis
estaduais. A primeira emenda à Constituição, editada dois anos depois, estabeleceu um limite
expresso ao Poder Legislativo ao afirmar que o Congresso não poderia editar nenhuma lei que
estabelecesse ou proibisse o livre exercício da religião, que limitasse a liberdade de expressão
ou imprensa ou o direito de reuniões pacíficas ou de apresentar petições ao governo
(ENTERRIA, 2001, p.125-126).

4.1.1 A concepção de Hamilton e o paradigmático caso Marbury v. Madison

Hamilton fundamenta a sua defesa a respeito do judicial review em três premissas: no


acolhimento de uma determinada ideia de Constituição; na natureza da função exercida pelos

108
Interessante observar que, na Inglaterra, a Câmara dos Lordes (House of Lords), órgão integrante do Legislativo, exercia
função jurisdicional ao analisar em última instância os recursos contra as decisões da Corte de Apelação (Court of Appeal) e
exercia a função de corte de primeira instância para o julgamento de seus pares. As funções judiciais da Câmara dos Lords
foram sendo suprimidas, desde 2005, até que, em 2009, foi criada a Suprema Corte do Reino Unido que assumiu as funções
de corte de última instância do reino. Assim, curiosamente, durante quase toda a história do judiciário inglês, um órgão
integrante do parlamento exercia funções jurisdicionais e dava a última palavra acerca do que seria a lei em determinados
casos, o que favorecia o mecanismo de correção das decisões judiciais por meio da edição de lei pelo parlamento.
109
Importante notar que a concepção de controle de constitucionalidade defendida por Madison era bem diferente da
proposta por Hamilton. Enquanto este último pretendia um controle feito pelo Poder Judiciário, o primeiro sustentava a
“instituição de um conselho de revisão das leis, composto por membros dos Executivo e do Judiciário, que teria poder de
veto em relação aos atos editados pelo Congresso americano antes que entrassem em vigor” (LEAL, 2006, p.20).
95

juízes e na estatura político-institucional do Poder Judiciário (LEAL, 2006, p.21). A


Constituição seria o ato pelo qual o povo soberano delegaria aos governantes poder para agir
em seu nome e reservaria para si vários direitos. Assim, sendo a Constituição o instrumento
que institui e regula a forma de proceder dos órgãos do Estado e que limita a autoridade do
Legislativo110, ela aparece como logicamente superior a esses órgãos e juridicamente superior
às demais normas. A sua garantia, portanto, confia-se ao Poder considerado mais neutro e
mais fraco111: o Judiciário. Nas palavras de Hamilton

If it be said that the legislative body are themselves the constitutional judges of
their own powers, and that the construction they put upon them is conclusive upon
other departments, it may be answered, that this cannot be the natural presumption,
where it is not to be collected from any particular provisions in the Constitution. It
is not otherwise to be supposed, that the Constitution could intend to enable the
representatives of the people to substitute their will to that of their constituents. Its
far more rational to suppose, that the courts were designed to be an intermediate
body between the people and the legislature, in order, among other things, to keep
the latter within the limits assigned to their authority. The interpretation of the
laws is the proper and peculiar province of the courts. A constitution is, in fact,
and must be regarded by the judge, as a fundamental law. It therefore belongs to

110
“The complete independence of the courts of justice is peculiarly essential in a limited Constitution. By a limited
Constitution, I understand one which contain specified exceptions to the legislative authority; such for instance, as that it
shall pass no bills of attainder, no ex post facto laws, and like. Limitations of this kind can be preserved in practice no other
way than through the medium of courts of justice, whose duty it must be to declare all acts contrary to the manifest tenor of
the Constitution void. Without this, all the reservations of particular rights or privileges would amount to nothing.”
(HAMILTON, 1787, p. 211). Tradução livre: “A independência completa dos tribunais é particularmente essencial em uma
Constituição limitada. Por uma Constituição limitada, eu entendo aquela que contém certas exceções específicas à autoridade
legislativa; como, por exemplo, a de que não se deve aprovar projetos de lei para confisco de bens, nem leis ex post facto, e
assim por diante. Este tipo de limitação apenas pode ser preservado, na prática, por meio dos tribunais, que possuem o dever
de declarar todos os atos contrários ao manifesto de conteúdo da Constituição inválidos. Sem isso, todas as reservas de
direitos ou de privilégios particulares equivaleriam a nada.”
111
“This simple view of the matters suggests several important consequences. It proves incontestably, that the judiciary is
beyond comparison the weakest of the three departments of power (1); that it can never attack with success either of the other
two; and that all passible care is requisite to enable it to defend itself against their attacks. It equally proves, that though
individual oppression may now and then proceed from the courts of justice, the general liberty of the people can never be
endangered from that quarter; I mean so long as the judiciary remains truly distinct from both the legislature and the
Executive. For I agree, that ‘there is no liberty, if the power of judging be not separated from the legislative and the executive
powers.’(2) And it proves, in the last place, that as liberty can have nothing to fear from the judiciary alone, but would have
every thing to fear from its union with either of the other departments; that as all the effects of such a union must ensue from
a dependence of the former on the latter, notwithstanding a nominal and apparent separation; that as, form the natural
feebleness of the judiciary, it is in continual jeopardy of being overpowered, awed, or influenced by its co-ordinate branches;
and that as nothing can contribute so much to its firmness and independence as permanency in office, this quality may
therefore be justly regarded as an indispensable ingredient in its constitution, and, is a great measure, as citadel of public
justice and the public security.” (HAMILTON, 1787, p.210-211). Tradução livre: “Essa visão simples da questão sugere
várias consequências importantes. É a prova incontestável que o Judiciário é, sem comparação, o mais fraco dos três
departamentos de poder (1); que ele nunca poderá atacar com sucesso qualquer um dos outros dois; e que todo o cuidado
possível é requisito para habilitá-lo a defender-se contra os ataque dos outros. Isso prova igualmente, que apesar de a
opressão do indivíduo poder, agora e depois, provir dos tribunais, a liberdade geral do povo nunca poderá ser posta em perigo
por aquela parte; quer dizer, desde que o judiciário permaneça verdadeiramente distinto tanto da legislatura quanto do
Executivo. Eu concordo, que ‘não há liberdade, se o poder de julgar não estiver separado dos poderes legislativo e
executivo.’ (2) E isso prova, em último lugar, que enquanto a liberdade não teria nada a temer do judiciário sozinho, ela teria
tudo a temer da união do judiciário com qualquer um dos outros órgãos; que os efeitos dessa união podem gerar uma
dependência do primeiro com relação aos últimos, não obstante uma separação apenas nominal e aparente; é assim que se
forma a fraqueza natural judiciário, que está em perigo constante de ser dominado, intimidado, ou influenciado pelos outros
ramos de poder em coordenação; e como nada pode contribuir o suficiente para sua firmeza e independência quanto a
permanência no cargo, esta qualidade pode portanto, ser considerado como um ingrediente indispensável na sua constituição,
e é uma grande medida a ser adotada como fortalecimento da justiça pública e da segurança pública.”
96

them to ascertain its meaning, as well as the meaning of any particular act
proceeding from the legislative body. If there should happen to be an
irreconcilable variance between two, that which has the superior obligation and
validity ought, of course, to be preferred; or, in other words, the Constitution ought
to be preferred to the statute, the intention of the people to the intention of their
agents.112 (HAMILTON, 1787, p.211)

Hamilton preocupa-se, ainda, em demonstrar que a instituição do judicial review não


levará a um modelo que induza à superioridade do Poder Judiciário frente ao Legislativo,
pois, para o autor, a superioridade é do povo em relação aos dois Poderes, e afirma

Nor does this conclusion by any means suppose a superiority of the judicial to the
legislative power. It only supposes that the power of the people is superior to both;
and that where the will of legislature, declared in the statutes, stands in opposition
to that of the people, declared in the Constitution, the judges ought to be governed
by the latter rather then the former. They ought to regulate their decisions by the
fundamental laws, rather them by those which are not fundamental. 113
(HAMILTON, 1787, p.211)

É interessante notarmos que Hamilton apenas defende a possibilidade de os tribunais


afastarem uma lei quando esta se apresentar manifestamente oposta ao texto constitucional.
Os casos duvidosos de constitucionalidade de leis deveriam ser deixados ao juízo do próprio
Poder Legislativo114 (LEAL, 2006, p.24-25).
Ao lado da ideia de superioridade das normas constitucionais, a construção da noção
de rigidez constitucional foi outro fator que contribuiu significativamente para o
florescimento do controle de constitucionalidade. Roger Stiefelmann Leal aponta a esse
respeito que

A vulnerabilidade dos princípios e regras explicitados no documento – ou


documentos – designado por Constituição em face da imposição política dos

112
Tradução livre: “Se for dito que o corpo legislativo são os juízes constitucionais de seus próprios poderes, e que a
construção que eles puserem sobre si é conclusiva também sobre outros departamentos, pode ser respondido, que esta não
pode ser uma presunção natural, e que não pode ser deduzida de nenhuma disposição específica da Constituição. Não é
possível se supor, que a Constituição poderia intencionar permitir que os representantes do povo substituíssem a vontade de
seus constituintes pela sua própria. É muito mais racional supor que os tribunais foram designadas para serem um corpo
intermediário entre o povo e o legislativo, a fim de, entre outras coisas, manter o último dentro dos limites atribuídos à sua
autoridade. A interpretação das leis é competência própria e peculiar dos tribunais. A Constituição é, e de fato, deve ser
considerada pelo juiz, como a lei fundamental. Portanto, pertence a eles determinar o seu significado, bem como o
significado de qualquer ato particular emanado do corpo legislativo. Se acontecer uma variação irreconciliável entre os dois,
aquele que tiver uma superior obrigatoriedade e validade deve, evidentemente, ser preferido, ou, em outras palavras, a
Constituição deve ser preferida ao estatuto, a intenção do povo à intenção de seus agentes.”
113
Tradução livre: “Esta conclusão de forma alguma supõe uma superioridade do poder judiciário sobre o legislativo. Ela só
supõe que o poder do povo é superior a ambos; e que onde a vontade do legislativo, declarada nos estatutos, está em oposição
à do povo, declarada na Constituição, os juízes devem ser regidos por esta em vez da anterior. Eles devem regular suas
decisões pela lei fundamental, em vez de por aquelas que não são fundamentais.”
114
Essa ideia vigora até hoje entre alguns constitucionalistas norte-americanos que defendem a doutrina da deference. A
respeito do tema ver PERRY, Michael J. Direitos humanos constitucionalmente institucionalizados e a Suprema Corte
Americana: da deferência thayeriana. Tradutora: Marina Bevilacqua; Revisor técnico: Felippe Monteiro. Revista
Brasileira de Estudos Constitucionais _ RBEC, Belo Horizonte, ano 1, n. 2, p. 113-126, abr./jun. 2007. Disponível em:
<http://www.bidforum.com.br/bid/ PDI0006.aspx?pdiCntd=41678>. Acesso em: 8 mai 2012.
97

próprios poderes públicos, sobretudo àqueles que se convencionou atribuir a


qualidade de soberano, exigiu uma outra importante alteração de cunho jurídico.
Tratou-se de estabelecer procedimentos mais gravosos para a modificação do texto
constitucional do que os adotados na elaboração das demais leis. Trata-se do
sistema de Constituição rígida. (LEAL, 2006, p.15)

O judicial review não era mencionado expressamente na constituição norte-americana.


No entanto decorreu a ideia da adoção de uma Constituição escrita, rígida e suprema com
relação às demais normas do ordenamento. Ora, se somente atos que obedecessem a
determinados requisitos poderiam alterar a Constituição, entendeu-se que os demais atos, que
a contrariassem e que não obedecessem as formalidades necessárias para modificá-la,
deveriam ser contrários à Constituição e, portanto, inválidos.
A ideia do controle de constitucionalidade das leis somente se estabelece
definitivamente a partir da construção teórica do juiz John Marshall, no julgamento do famoso
caso Marbury v. Madison115, quando, pela primeira vez, foi anulada uma lei federal116 em
decorrência de sua incompatibilidade com a Constituição. Garcia de Enterria afirma que a
possibilidade de se anular uma lei federal em contradição à Constituição decorreu de uma
observação de Marshall, que afirmou

cuando una ley se encuentra en contradicción con la Constitución la alternativa es


mui simple: o se aplica la ley, en cuyo caso se inaplica la Constitución, o se aplica
la Constitución, lo que obliga a inaplicar la ley; él opta por esta segunda solución,
naturalmente, que juzga the very essence of judicial duty, sobre la base de lo que
ya antes Hamilton, en The Federalist, había llamado, y va a quedar en adelante
establecido como un principio capital del Derecho público norteamericano, la
obligación más fuerte, la vinculación más fuerte del juez a la Constitución (higher,
superior obligation).117 (ENTERRIA, 2001, p.126)

Segundo John Marshall, ante a existência de um conflito de leis, caberia ao Poder


Judiciário a decidir qual das normas deveria prevalecer (FERREIRA FILHO, 2009, p.34).
Ademais, sendo a Constituição um direito fundamental, caberia ao Judiciário fazer prevalecer
a Constituição em detrimento de uma lei conflitante (LEAL, 2006, p.26). O judicial review se
transformou na peça central do sistema constitucional norte-americano.

115
Nesse caso a Suprema Corte declarou inconstitucional, por ferir o artigo III da Constituição dos Estados Unidos que trata
das competências da Suprema Corte, uma lei editada pelo Congresso que atribuía à Corte competência para processar e julgar
originariamente writs of mandamus em outras situações que não as expressamente admitidas no texto constitucional. (LEAL,
2006, p.25).
116
Garcia de Enterria assinala que a invalidade de leis estaduais em decorrência de sua incompatibilidade com a Constituição
suscitava menos dúvidas e, inclusive antes do julgamento de Marbury v. Madison, já havia sentenças anteriores admitindo a
anulação da lei estadual. (ENTERRIA, 2001, p.127)
117
Tradução livre: “quando uma lei está em conflito com a Constituição a alternativa é muito simples: ou se aplica a lei, caso
em que não se aplica a Constituição, ou se aplica a Constituição, o que obriga a não aplicar a lei; ao se optar por esta segunda
solução, naturalmente, que se julga the very essence of judicial duty, sobre a base do que Hamilton, em The Federalist, havia
chamado, e que vai acabar se estabelecendo como um princípio fundamental do Direito público norte-americano, a obrigação
mais forte, a vinculação mais forte do juiz à Constituição (higher, superior obligation).”
98

A decisão do caso Marbury v. Madison deu origem à manifestação paradigmática da


Justiça Constitucional e instituiu o que se denomina hoje controle difuso e concreto dos atos
do Legislativo voltado à proteção dos direitos constitucionais. Chama-se difuso, pois os
direitos podem ser invocados perante qualquer juiz e, em última instância, perante o tribunal
supremo, ou seja, todos os órgãos do Poder Judiciário poderiam exercer a função de guarda da
Constituição e o princípio do stare decisis asseguraria a uniformidade das decisões dos
diversos tribunais e a obediência ao que fosse decidido pela Suprema Corte. E concreto, pois
vincula a decisão à resolução jurídica de um caso em particular e à alegação de prejuízo à
interesses pessoais legítimos.

4.1.2 As limitações instituídas ao judicial review

O judicial review foi construído no julgamento de um caso concreto pela Suprema


Corte norte-americana que se autoatribuiu essa nova competência, com base no voto do juiz
John Marshall que, por sua vez, apoiou-se na doutrina de Hamilton.
A Suprema Corte, porém, já tendo ideia, desde o início, da magnitude desta nova
competência e do temor quanto a uma aplicabilidade deturpada do instituto, acabou
construindo na prática jurisprudencial, ainda do século XIX, algumas limitações ao exercício
da jurisdição constitucional. Duas das mais importantes estão relacionadas à necessidade de
haver um caso ou controvérsia para que o Poder Judiciário possa atuar e, ainda, à não
apreciação de questões políticas.
A primeira autolimitação erigida da jurisprudência da Suprema Corte está
fundamentada no artigo III da Constituição norte-americana que determina que a jurisdição
das cortes e juízes alcança apenas casos ou controvérsias 118 . O fato de o dispositivo
constitucional mencionar a necessidade de existir uma “causa” ou “controvérsia” indica que
somente quando houver reais conflitos de interesse é que o Poder Judiciário poderá intervir.

118
A literalidade do mencionado dispositivo prevê (destaque em itálico das palavras “cases” e “controversies” nossos): “The
judicial Power shall extend to all Cases, in Law and Equity, arising under this Constitution, the Laws of the United States,
and Treaties made, or which shall be made, under their Authority;—to all Cases affecting Ambassadors, other public
ministers and Consuls;—to all Cases of admiralty and maritime Jurisdiction;—to Controversies to which the United States
shall be a Party;—to Controversies between two or more States;—between a State and Citizens of another State;—between
Citizens of different States;—between Citizens of the same State claiming Lands under Grants of different States, and
between a State, or the Citizens thereof, and foreign States, Citizens or Subjects.” (ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA,
1787) Tradução livre: “A competência do Poder Judiciário se estenderá a todos os Casos de aplicação da Lei e da Equidade
ocorridos sob a presente Constituição, as leis dos Estados Unidos, e os tratados concluídos ou que se concluírem sob sua
autoridade;—a todos os Casos que afetem os embaixadores, outros ministros e cônsules;—a todos os Casos do almirantado e
de jurisdição marítima;—às Controvérsias em que os Estados Unidos sejam parte;—às Controvérsias entre dois ou mais
Estados;—entre um Estado e Cidadãos de outro Estado;— entre Cidadãos de diferentes Estados;—entre Cidadãos do mesmo
Estado reivindicando terras em virtude de concessões feitas por outros Estados, e entre um Estado, ou os seus Cidadãos, e
Estados, Cidadãos, ou Súditos estrangeiros.
99

Essa limitação é que atribui concretude ao controle de constitucionalidade norte-


americano, posto que o tribunal irá solucionar uma questão específica envolvendo litigantes
sem anular uma lei. O diploma legal inconstitucional e afastado de aplicação no caso concreto
continua válido, salvo para o caso em que houver declaração sobre a sua
inconstitucionalidade. É relevante notarmos que o que impede a aplicação dessa lei declarada
inconstitucional – mas que ainda permanece válida – a outros casos é a doutrina do stare
decisis que implica na necessidade de observância dos precedentes de outros juízos ou
tribunais, especialmente se emanado da Suprema Corte119.
Outro limite imposto ao exercício da jurisdição constitucional está na impossibilidade
de apreciar questões políticas, pois a interpretação da Constituição, em certas questões, deve
ficar a cargo dos Poderes eminentemente políticos (Legislativo e Executivo). Roger
Stiefelmann Leal aponta que a Suprema Corte tentou, mas não conseguiu, oferecer critérios
precisos para identificar quando se está diante de uma questão política ou não, afirmando

No caso Baker v. Carr, a Suprema Corte procurou fornecer elementos para uma
identificação mais precisa de uma political question. Contudo, sua tentativa foi, ao
que parece, infrutífera. Afirmou a Corte estar diante de uma questão política
quando: a) for textualmente demonstrável a atribuição da questão a algum órgão
de natureza política; b) houver a carência de parâmetros judicialmente aplicáveis
para resolver o caso; c) houver a impossibilidade de decidir a questão sem uma
determinação política inicial claramente de âmbito não judicial; d) identifica-se a
impossibilidade de um tribunal promover uma solução independente sem
expressar falta de respeito aos demais órgãos estatais; e) ocorrer uma incomum
necessidade de aderir inquestionavelmente a uma decisão política já tomada; f)
identificar-se a potencialidade de confusão ou embaraço em relação a múltiplos
pronunciamentos de vários órgãos estatais sobre a questão. (LEAL, 2006, p.31)

119
Em razão da organização judiciária norte-americana a necessidade de observar precedentes pode ser apenas persuasiva –
quando o juízo ou tribunal não está estritamente vinculado a julgar de forma idêntica, mas é aconselhável que se faça para a
manutenção da harmonia do sistema – ou mandatória – quando o juízo ou tribunal é obrigado a seguir o precedente de outro
tribunal. No modelo norte-americano, a decisão de cada um dos juízes acerca da constitucionalidade ou inconstitucionalidade
de determinada norma é vinculante para os demais juízes hierarquicamente inferiores e de mesma jurisdição. Ou seja,
decidido um determinado caso específico mediante a aplicação ou negativa de aplicação de determinada norma por
inconstitucionalidade, essa decisão dever ser adotada em todos os casos seguintes que versem sobre o mesmo tema. No caso,
a corte chamada a decidir em último grau sobre a aplicação de uma norma a um caso concreto é a Suprema Corte dos Estados
Unidos. Decidindo a Suprema Corte pela não aplicação de uma norma por inconstitucionalidade a um determinado caso,
todos os juízes de instâncias inferiores estarão vinculados à ratio decidendi dessa decisão e deverão acolher futuras ações nas
quais se requeira a não aplicação da mesma lei ou de lei com o mesmo conteúdo, salvo se possuírem boas razões para não
fazê-lo, quando, então, deverá ser praticado o overruling (revogação do precedente) pelas Cortes que estiveram autorizadas a
fazê-lo. Boas razões, neste caso, não são simplesmente razões que o julgador considere adequadas, de acordo com a sua
convicção pessoal ou com sua visão jurídica do caso, mas sim, para o direito norte-americano, são aquelas fortes razões que
levam o magistrado a desacreditar por completo na decisão que foi dada anteriormente. São fortes razões que indicam a
necessidade de mudança do precedente, pois ocorreram mudanças na sociedade que tornaram o precedente ultrapassado, ou
tendo em vista a total inadequação do precedente à realidade social. Enfim, são boas razões aquelas que vão além do
entendimento pessoal do magistrado e se justificam na própria repercussão da decisão anterior no meio social. A respeito do
tema ver MARSHALL, Geoffrey. What is binding in a precedent? In: MACCORMICK, Neil; SUMMERS, Robert S. (eds.).
Interpreting precedents: a comparative study. Surrey: Ashgate, 2010 e SOUZA, Marcelo Alves Dias de. Do precedente
judicial à súmula vinculante. Curitiba: Juruá, 2006.
100

A tentativa da Suprema Corte não obteve êxito, pois acabou suscitando mais dúvidas
sobre a presença dos supostos critérios no julgamento, do que respostas a respeito do que deve
ser entendido por questões políticas.

4.2 Tribunal Constitucional e o Modelo Europeu

4.2.1 Antecedentes históricos

Antes do desenvolvimento do modelo de jurisdição constitucional idealizado por Hans


Kelsen, tentou-se instituir na Inglaterra e, em dois momentos, na França, alguma forma de
controle de constitucionalidade dos atos legislativos.
Carl Schmitt (1983, p.27) aponta que a demanda por estabelecer um guardião da
Constituição teve início junto com os primeiros movimentos constitucionais da era moderna.
O autor refere-se à precursora tentativa de instituir, após a morte de Cromwell, em 1658, na
Inglaterra, uma corporação especial destinada a manter a ordenação existente do
commonwealth e a impedir a restauração monárquica.
A primeira tentativa francesa de implantar um controle de constitucionalidade se deu
com a proposta de Emmanuel Sieyès de instituir um jurie constitutionnaire. André Ramos
Tavares (2005, p.126-127) aponta que o jurie constitutionnaire seria um neologismo
idealizado por Sieyès para designar um Tribunal Constitucional e tinha por objetivo criar um
conjunto de representantes que tivessem por missão julgar as reclamações contra eventuais
atentados à Constituição. O jurie constitutionnaire de Sieyès buscou inspiração no tribunato
de Rousseau que funcionaria como um órgão conservador das lei e do Poder Legislativo,
como um protetor do soberano contra o governo.
Não obstante apontar-se que o jurie constitutionnaire de Sieyès teve uma forte
influência no pensamento de Alexander Hamilton, na França, a proposta não foi aceita, em
razão do receio de se conferir um imenso poder, maior que os outros Poderes do Estado, a um
único órgão.
A ideia de criar um órgão responsável pela guarda da Constituição foi implementada
no ano VIII da revolução na forma de um Senado conservador – Sénat conservateur – que
seria responsável por manter ou anular todos os atos inconstitucionais assim considerados
pelo tribunat ou pelo governo.
Carl Schmitt (1983, p.28) afirma que foi a Constituição francesa do ano VIII a
responsável por instituir o Senado como defensor da Constituição. O autor prescreve que o
101

instituto permaneceu sem nenhuma atuação até a derrocada de Napoleão e que este Sénat
conservateur apenas vem desempenhar o seu papel de guardar a Constituição quando declara,
já após a derrota de Napoleão, por decreto, que ele e sua família estavam destituídos do trono
por terem ofendido a Constituição e os direitos do povo.
O Senado, portanto, não exerceu suas atribuições, permitindo uma série de práticas
abusivas e inconstitucionais por parte de Napoleão Bonaparte, na qualidade de imperador.
Assim, a ideia de criar uma instância controladora da constitucionalidade dos atos do governo
foi abandonada, na França, em razão do receio de se criar uma instância que controlasse o
próprio governo.

4.2.2 O modelo de controle concentrado idealizado por Hans Kelsen

Não obstante o fato de que os revolucionários franceses tivessem, inicialmente, uma


compreensão de Constituição muito próxima da que tinham os constituintes norte-americanos
(Constituição como lei fundamental e suprema, conformadora das demais normas), segundo
anota Garcia de Enterria (2001, p.130), essa concepção de desfez em razão de ataques da
direita e da esquerda revolucionária e pós-revolucionária. A ideologia direitista propiciou a
manutenção ou a restauração monárquica em vários países, o que manteve a prevalência do
princípio monárquico que via o rei como uma fonte pré-constitucional do poder. A esquerda,
por outro lado, fortemente influenciada pela concepção sociológica de Constituição real de
Ferdinand Lasalle, desvalorizou a força da Constituição e a reduziu a uma folha de papel cuja
única função seria ocultar as relações reais de poder (ENTERRIA, 2001, p.130). A noção de
superioridade da Constituição perdeu-se no tempo.
Além destes fatores que deram origem a uma desvalorização da Constituição, o
modelo de controle de constitucionalidade norte-americano não foi adotado na Europa
também em decorrência da cultura positivista exacerbada que pregava o culto à lei, bem como
a fidelidade ao princípio da separação dos Poderes. A lei era o elemento central do sistema
jurídico, símbolo máximo da razão e expressão da vontade geral. A soberania parlamentar era
incontestável. Seria impensado, portanto, admitir que o parlamento produzisse leis “erradas”.
Permitir que os tribunais julgassem a licitude das leis, obra do parlamento, subvertia toda a
lógica estrutural da teoria da separação dos Poderes.
Ademais, a estrutura do sistema judicial europeu, que muitas vezes prevê uma
jurisdição dual ou plural (ordinária e administrativa) poderia dar ensejo a uma proliferação de
decisões conflitantes sobre a constitucionalidade ou inconstitucionalidade de determinada
102

norma, pois na Europa não vigorava nenhum instituto semelhante ao stare decisis que
proporcionava uniformizar as decisões nos Estados Unidos.
Somente em 1919, e por iniciativa de Hans Kelsen, a doutrina americana do controle
de constitucionalidade foi desenvolvida na Europa, pois o jurista conseguiu apresentar
soluções teóricas para as objeções político-jurídicas que impediam acolher o controle de
constitucionalidade. Para tal fim, o sistema kelseniano introduziu uma mudança significativa
em relação ao sistema americano: concentrar a função da guarda da Constituição em um único
órgão, o Tribunal Constitucional, que não seria propriamente um tribunal do Poder Judiciário
(pois não teria por função aplicar uma lei a casos concretos), mas se limitaria a controlar a
compatibilidade entre duas normas: a Constituição e a lei.
Ao contrário do modelo de controle norte-americano, no qual todos os juízes estão
autorizados a garantir a Constituição, esse outro modelo se apresenta como uma jurisdição
concentrada em um único órgão competente, separado da jurisdição ordinária. A criação de
um órgão específico para analisar a constitucionalidade das normas evitaria decisões
conflitantes a respeito da constitucionalidade por parte de vários juízos, proporcionando
segurança jurídica. Instituiu-se, assim, o modelo de jurisdição concentrada.
O Tribunal Constitucional seria chamado a pronunciar-se exclusivamente sobre
questões jurídico-constitucionais, com total abstração dos motivos e interesses políticos
subjacentes à lei atacada e dos conflitos de interesses relacionados aos casos concretos de
aplicação dessas leis. Ou seja, o controle de constitucionalidade se esgota no Tribunal
Constitucional, que é o órgão responsável para confrontar a norma legal e a constitucional,
ambas abstratas, verificando eventual contradição lógica.
A possibilidade de provocar esse controle, segundo Kelsen (2007, p.174-177)., teria
por modelo ideal uma actio popularis, ou seja, deveria ser conferida a todos os cidadãos.
Porém observa que essa medida não seria recomendável, pois traria o risco de promover
diversas ações temerárias e um intolerável congestionamento das funções. Por esses motivos,
o autor recomenda que a possibilidade de acionar o Tribunal Constitucional seja feita: 1) pelas
autoridades públicas que, devendo aplicar uma norma, tivessem dúvidas quanto a sua
regularidade; 2) pelas partes, em processo judiciário ou administrativo, quando houver
emanado um ato de autoridade pública – sentença ou ato administrativo – dando execução a
uma norma irregular; 3) pelos governos de Estados federados contra os atos da União e pelo
governo federal contra atos dos Estados; 4) por meio de um defensor da Constituição – um
órgão junto ao Tribunal Constitucional que se encarregaria de provocar o controle ex officio,
quando estimasse ser algum ato irregular; 5) por uma minoria parlamentar qualificada, visto
103

que a jurisdição constitucional tem por função proteger as minorias; e 6) pela introdução ex
officio pelo próprio Tribunal Constitucional. Kelsen defende um participação plural no
processo perante o Tribunal Constitucional, pois advoga a participação da autoridade da qual
emanou a norma jurídica para defender sua regularidade, bem como de particulares
interessados no litígio que deu ensejo à instauração do processo concentrado ou de
particulares que tenham direito de levar a causa ao Tribunal.
Hans Kelsen, ao elaborar o seu modelo de controle jurisdicional de
constitucionalidade, defendeu que os Tribunais Constitucionais deveriam basear sua atuação
apenas em uma operação lógico-jurídica de compatibilidade entre uma norma superior e uma
inferior e demonstrou ser veementemente favorável ao distanciamento do Tribunal
Constitucional de uma atuação política. Para ele era “tão difícil quanto desejável afastar
qualquer influência política da jurisprudência da jurisdição constitucional” (KELSEN, 2007,
p.154).
A opção de Hans Kelsen por esse modelo tinha justificativa no momento jurídico-
histórico de tensão política, entre os juízes e o Poder Legislativo da Europa dos anos 20, que
teve seu ápice na República de Weimar e na tensão teórica entre o positivismo e o Direito
livre120. Assim, o Tribunal Constitucional representava duas coisas: uma tentativa de conciliar
a garantia da constituição e da liberdade política do parlamento frente aos juízes e, ao mesmo
tempo, uma tentativa de recuperar a ideia de aplicação racional e controlável do Direito
(ABELLÁN, 2003, p.166).
Nos termos de Kelsen (2007, p.151), todos os juízes continuariam submetidos à
necessidade de aplicar leis, porém, o Tribunal Constitucional poderia eliminar do sistema
jurídico, com eficácia ex nunc, aquelas leis incompatíveis com a Constituição. Kelsen superou
o dogma da soberania do parlamento ao afirmar que todos os Poderes deveriam estar
subordinados à Constituição, pois supremo deveria ser apenas o ordenamento constitucional.
Segundo Garcia de Enterria (2011, p.132), o Tribunal Constitucional de Kelsen foi
construído como um órgão Legislativo, porém, não com uma função de legislação positiva –
que engloba a possibilidade de editar e modificar as leis – mas com função de legislador
negativo, que poderia ab-rogar as normas incompatíveis com a Constituição. A sua
caracterização como legislador – não obstante ser legislador negativo – é que daria força erga
omnes às suas decisões. Nas palavras de Kelsen,

120
Essa escola pretendia liberar, em certa medida, os juízes da necessidade de observância da lei no julgamento dos casos.
104

Claro, a anulação de um ato legislativo por um órgão que não é órgão legislativo
mesmo, constitui uma intromissão no “poder legislativo”, como se costuma dizer.
Mas o caráter problemático dessa argumentação logo salta aos olhos, ao se
considerar que o órgão a que é confiada a anulação das leis inconstitucionais não
exerce uma função verdadeiramente jurisdicional, mesmo se, com a independência
de seus membros, é organizado em forma de tribunal. Tanto que se possa
distingui-las, a diferença entre função jurisdicional e a função legislativa consiste
antes de mais nada em que esta cria normas gerais, enquanto aquela cria
unicamente normas individuais. Ora, anular uma lei é estabelecer uma norma
geral, porque anulação de uma lei tem o mesmo caráter de generalidade que sua
elaboração, nada mais sendo, por assim dizer, que a elaboração com sinal negativo
e portanto ela própria uma função legislativa. E um tribunal que tenha o poder de
anular as leis é, por conseguinte, um órgão do poder legislativo. Portanto, poder-
se-ia interpretar a anulação das leis por um tribunal tanto como uma repartição do
poder legislativo entre dois órgãos, quanto como uma intromissão no poder
legislativo. (KELSEN, 2007, p.151-152)

É importante observarmos que, não obstante a configuração do Tribunal


Constitucional como um órgão Legislativo, os elementos políticos considerados no processo
de elaboração da lei e a característica da livre conformação ou criação legislativa não existem
na atividade do Tribunal Constitucional. A anulação da lei consiste em aplicar normas da
Constituição e, por isso, ao mesmo tempo em que se trata de uma atividade legislativa por
produzir norma jurídica de caráter geral – com sinal negativo – submetida e vinculada
diretamente à Constituição, também se assemelha a atividade jurisdicional (KELSEN, 2007,
p.153). A atividade do Tribunal Constitucional, nos moldes da construção kelseniana, assume
características de uma atividade estatal híbrida, pois reúne atributos inerentes à legislação e à
jurisdição.
Podemos dizer, assim, que o traço característico do sistema kelseniano é excluir o
conhecimento de problemas constitucionais pelos juízes. Isso se justifica, aparentemente, pois
na lógica de Kelsen, a natureza criativo-volitiva da atividade jurisdicional sempre esteve
ligada a uma exigência de concretizar ou resolver casos. A necessidade de garantir o princípio
da hierarquia e supremacia das leis exigia um órgão de fiscalização específico que nem
substitui o legislador, pois não adentra no mérito da elaboração legislativa e nem substitui o
juiz, pois não tem por função analisar a aplicação da lei ao caso concreto. Por esse motivo, o
modelo de Justiça Constitucional kelseniano supõe existir um único órgão cuja tarefa fica
adstrita ao exercício de um juízo de compatibilidade lógica entre dois enunciados normativos,
a lei e a Constituição, sem qualquer referência a fatos, qualificando-se, pois, como jurisdição
concentrada e abstrata. (ABELLÁN, 2003, p.167)
A composição e a organização do Tribunal Constitucional, ante sua função com
características de atividade jurisdicional, deve ser semelhante àquela dos tribunais. Kelsen
(2007, p.154) entende que não deve ser alto o número de membros do Tribunal Constitucional
105

e que a indicação dos mesmos poderia ser feita pelo chefe de Estado, pelas escolas de Direito
ou pelo próprio Tribunal, seguida de uma escolha por deliberação parlamentar. Esses
integrantes deveriam ser selecionados dentre juristas de carreira e estariam impedidos de
exercer a jurisdição constitucional membros do governo e parlamentares.
A atribuição da tarefa de defesa da Constituição a um Tribunal Constitucional teve por
crítico Carl Schmitt (1983, p. 89-90). que afirmava que o controle de constitucionalidade dos
atos passa pela resolução de dúvidas do sentido da norma constitucional – uma determinação
de conteúdo legal de cunho exclusivamente legislativo –, o que não poderia ser realizado no
âmbito da jurisdição, uma vez que a atividade jurisdicional é uma tarefa de subsunção
processual e concreta dos fatos à norma legal. Para o autor, a atribuição da tarefa de guarda da
Constituição a um tribunal ocasionaria não uma “judicialización de la Política, sino una
politiquización de la Justicia”121 (SCHMITT, 1893, p.57).
Carl Schmitt defendeu ainda que instituir um Tribunal Constitucional fere o princípio
democrático e ocasiona a existência de uma segunda câmara legislativa formada por
funcionários profissionais, uma instância política suprema com atribuições para formular
preceitos constitucionais. Isso seria o mesmo que trasladar as funções legislativas a uma
“aristocracia de la toga” 122 (SCHMITT, 1983, p.245). O autor defende que a guarda da
Constituição deve ser feita por um terceiro neutro com função “mediadora, tutelar e
reguladora”. Ele identificou que essas características estariam presentes no Presidente do
Reich, pois a sua independência, imparcialidade e neutralidade residiria na sua eleição direta
pelo povo alemão, na existência de um mandato de 7 anos, nas travas que existem à
revogação desse mandato e na sua independência em relação às maiorias parlamentares
(SCHIMITT, 1983, p. 248-250).
O modelo de Tribunal Constitucional kelseniano prevaleceu e foi transportado para a
Constituição austríaca de 1920. Seu modelo de jurisdição concentrada também foi adotado
por outros países europeus após a Primeira Guerra Mundial.
É relevante lembrarmos também que Kelsen sempre defendeu um controle de
constitucionalidade que não comprometesse a liberdade política do parlamento e que se
mostrasse cercado de razão e lógica. Para atingir tal objetivo, estipulou dois requisitos:
instituir um juízo abstrato de normas, que excluísse toda a ponderação de valores e interesses
subjacentes à lei e aos fatos objeto de sua aplicação, para evitar a subjetividade; e, em
segundo lugar, a adoção de uma Constituição concebida como uma regra procedimental e de

121
Tradução livre: “não uma judicialização da Política, mas uma politiquização da Justiça.”
122
Tradução livre: “aristocracia da toga”
106

organização e não uma geradora de problemas morais e substantivos. (ABELLÁN, 2003,


p.168)
Porém, após a Segunda Guerra, iniciou-se um momento de desconfiança em relação
ao legislador que, durante os movimentos nacional-socialistas, se transformou na maior
ameaça para a liberdade. Assim, os constituintes dos países no pós-guerra, especialmente
Alemanha e Itália, adotaram o sistema de controle de constitucionalidade por Tribunais
Constitucionais, porém, não com a feição kelseniana de legislador negativo, mas sim, de
jurisdição constitucional – embora concentrada – de inspiração norte-americana e com base
na doutrina da supremacia da Constituição.
Segundo Garcia de Enterria (2001, p.134), o sistema adotado na Alemanha e na Itália
foi o americano de supremacia da Constituição com influências significativas da construção
kelseniana, o que deu origem a um sistema de jurisdição concentrada, no qual só alguns
órgãos políticos estavam legitimados a provocar o processo de controle de constitucionalidade
a ser feito exclusivamente pelo Tribunal Constitucional e com uma atribuição de força erga
omnes às sentenças deste Tribunal.

4.2.3 Principais características do Tribunal Constitucional em sua concepção originária

A transposição do modelo kelseniano para a vivência constitucional dos diversos


Estados gerou uma grande variedade de procedimentos e práticas, não houve uma recepção
pura da forma de controle idealizada por Kelsen123. No entanto, as diferenças não impedem
que tracemos um panorama das características originárias, básicas e comuns, na experiência
dos Tribunais Constitucionais.
Uma primeira característica originária que podemos apontar era a necessidade de que
o Tribunal Constitucional fosse um órgão autônomo com relação aos demais Poderes do
Estado. Kelsen já advertia que

Portanto não é com o próprio parlamento que podemos contar para efetuar a
subordinação à Constituição. É um órgão diferente dele, independente dele e, por
conseguinte, também de qualquer outra autoridade estatal, que deve ser
encarregado da anulação de seus atos institucionais – isto é, uma jurisdição ou um
tribunal constitucional. (KELSEN, 2001, p.150)

123
Roger Stiefelmann Leal traz alguns exemplos das peculiaridades que o controle de constitucionalidade de inspiração
kelseniana pode adquirir em cada Estado específico, lembrando que em alguns países o parâmetro do controle de
constitucionalidade das leis é limitado ao texto constitucional, enquanto que em outros locais pode-se estender a outros
diplomas normativos – tal como ocorre naqueles que adotam a figura do bloco de constitucionalidade. Lembra também que
há tribunais Constitucionais que apreciam apenas a constitucionalidade de leis, enquanto outros podem analisar também
decisões judiciais e atos administrativos. (LEAL, 2006, p.58-59)
107

Assim, o Tribunal Constitucional deveria se apresentar como um órgão independente e


autônomo dos demais Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário 124 , sendo dotado de
estrutura, organização e magistratura próprias. Para Louis Favoreu (2004, p.27) era
importante que essa autonomia fosse assegurada pela previsão do estatuto mínimo do
Tribunal Constitucional (organização, atribuições, funcionamento, prerrogativas dos
membros, previsão de autonomia regimental, administrativa e financeira) na própria
Constituição.
Outra característica do Tribunal Constitucional em sua concepção originária seria o
exercício monopolizado do controle jurisdicional da constitucionalidade 125 . Nesse sentido,
Kelsen não via impedimento para o Tribunal Constitucional exercer outras funções além do
controle de constitucionalidade, porém, os outros juízos ou tribunais deveriam manter sua
atuação subordinada à lei (FAVOREU, 2004, p.28).
Por fim, Louis Favoreu (2004, p.28) aponta como característica dos Tribunais
Constitucionais a indicação política de seus membros. Ou seja, os juízes do Tribunal
Constitucional não devem vir da carreira da magistratura em decorrência de promoções
regulares e progressivas. A função precípua dos Tribunais Constitucionais de interpretação da
Constituição demanda uma sensibilidade político-institucional de seus membros, ante a
proximidade e a complexidade dos fatos políticos que serão analisados. Assim, seleção dos
membros deveria envolver alguma forma de apreciação política. Por isso, normalmente, a
indicação dos juízes do Tribunal Constitucional deveria ser feita por autoridades políticas.
Notamos, ainda, que a legitimidade democrática das autoridades políticas que
designam os membros do Tribunal Constitucional acaba se transportando para esse membros
e, em razão de “sua composição plural, dá ensejo a que correntes políticas mais relevantes no

124
Em face da autonomia da jurisdição constitucional com relação à jurisdição ordinária, os países que adotarem esse modelo
de controle de constitucionalidade passam a conviver com uma dualidade ou até pluralidade de jurisdições, na medida em
que se poderá identificar uma jurisdição constitucional, uma jurisdição ordinária e, muitas vezes, uma jurisdição
administrativa.
125
Dada a relevância do tema, hoje, é impensável a existência de um modelo de Justiça Constitucional na qual não seja
deferido a todos os tribunais, juízos, órgãos administrativos, cidadãos, etc a possibilidade de exercer um certo controle de
constitucionalidade, ainda que em sede de interpretação constitucional. Fato que não descaracteriza a existência de um
Tribunal Constitucional. A questão é que, modernamente, a compreensão constitucional é prévia à sua aplicação, logo
qualquer pessoa que esteja aplicando, ou concretizando comandos constitucionais, por meio da aplicação de uma lei, estará
também interpretando referida lei segundo os comandos constitucionais e, portanto, exercendo algum controle de
constitucionalidade, ainda que com resultado negativo (TAVARES, 2005, p.155-156). Como lembra Häberle “todos estão
inseridos no processo de interpretação constitucional, até mesmo aqueles que não são por ela diretamente afetados. Quanto
mais ampla for, do ponto de vista objetivo e metodológico, a interpretação constitucional, mais amplo há de ser o círculo dos
que delas devam participar. É que se cuida de Constituição como um processo público (Verfassung als öffentlichen
Prozess).” (HÄBERLE, 1997, p.32)
108

cenário político do Estado tenham adeptos entre seus integrantes, sem, porém, qualquer
vinculação estrita de representação ou subordinação” (LEAL, 2006, p.69).
É possível afirmarmos que esse modelo de jurisdição constitucional idealizado por
Hans Kelsen não existe mais, se é que algum dia foi implantado em algum lugar. Foi um
modelo pensado para um Estado que tem por base uma Constituição desprovida de carga
axiológica e que seria apenas o fundamento de validade do ordenamento jurídico. Hoje, a
grande parte dos Estados possui Constituições que asseguram direitos e garantias
fundamentais e incorporam valores por meio dos princípios, não podendo a tarefa de defesa
da Constituição do Tribunal Constitucional ser meramente a de um legislador negativo
quando surgirem normas que ofendam diretamente a Constituição. A nova configuração do
Direito Constitucional pede um Tribunal Constitucional que auxilie na concretização da
constituição em toda a sua materialidade.
Desse modo, concordamos com André Ramos Tavares (2005, p.159) quando afirma
que o que deve identificar um órgão como Tribunal Constitucional não são essas
características originariamente pensadas segundo o modelo kelseniano, mas sim, o exercício
de funções marcadas pela ideia de proteção da supremacia da Constituição, mediante sua
defesa e cumprimento.
No marco do Constitucionalismo Contemporâneo, a Justiça Constitucional e as
funções do Tribunal Constitucional deixaram de se identificar exclusivamente com o
exercício monopolístico do controle de constitucionalidade. O foco principal está na
concretização da Constituição em toda a sua materialidade. Diante desta constatação é
necessário estudarmos essas novas funções atribuídas à Justiça Constitucional e, por
conseguinte, ao Tribunal Constitucional, no marco do Constitucionalismo Contemporâneo.

4.3 A Dimensão Funcional da Justiça Constitucional126

André Ramos Tavares (2005, p.173-174) aponta que o dogma da tripartição dos
Poderes em sua concepção original não é mais aceito. A multifuncionalidade do Estado
contemporâneo demanda a reordenação e a redistribuição das funções estatais. O autor afirma,
ainda, que os estreitos limites da clássica divisão de Poderes pensada por Montesquieu não

126
As funções a serem analisadas são apenas estruturais ou próprias do Tribunal Constitucional, ou seja, aquelas que
pertencem por natureza a este órgão e acabam por caracterizá-lo como tal. O estudo das funções impróprias – aquelas que são
atribuídas ao Tribunal Constitucional por força de previsão normativa, mas que não têm relação intrínseca com a posição de
garante da Constituição – não são de interesse para o nosso trabalho, já que são variáveis de um para outro ordenamento
jurídico e não podem fazer parte integrante de uma teoria da Justiça Constitucional.
109

comportam um Tribunal Constitucional, o que demonstra, por si só, a insuficiência dessa


teoria para os dias atuais.
Aos Tribunais Constitucionais foi atribuída a função inaugural e primordial de
controle da constitucionalidade das leis. O exercício dessa função, praticamente
monopolizada pelos Tribunais Constitucionais, acabou proporcionando a esse órgão uma
posição de destaque entre as funções estatais.
No entanto, André Ramos Tavares (2005, p.137-138) aponta que muitas outras
funções127 foram atribuídas ao Tribunal Constitucional ao longo da história e todas são tão
relevantes e originárias quanto o controle de constitucionalidade, na medida em que também
têm por fim preservar e concretizar a Constituição.
Devemos lembrar que toda e qualquer função que se pretenda atribuir ao Tribunal
Constitucional deve ter “a Constituição como uma referência necessária” e sempre estará
alicerçada em duas premissas: na “colocação da Constituição como lex superior” e na
“necessidade de que a Constituição contemple um Tribunal Constitucional e a ele atribua a
sua guarda” (TAVARES, 2005, p.191). Não podemos deixar de ressaltar que todas as
competências a serem exercitadas pelo Tribunal Constitucional devem ter previsão na
Constituição – lei ordinária não pode atribuir funções a esse órgão – e devem ter por objetivo
concretizar o princípio da supremacia da Constituição.
Essas outras funções que o autor atribui ao Tribunal Constitucional (interpretação e
enunciação da Constituição; estruturante; arbitral; legislativa; governativa e “comunitarista”),
no seu entender, demonstram uma superação do modelo clássico de divisão de funções
estatais. E, algumas delas, como a função arbitral, poderiam, inclusive, a colocar o Tribunal
Constitucional em posição de supremacia com relação aos outros órgãos, na medida em que
ele será o responsável por solucionar conflitos entre os demais. (TAVARES, 2005, p.175-
176)
André Ramos Tavares (2005, p.188-190) esclarece que não há diferenciação material
entre as funções exercidas pelos órgãos Legislativo, Executivo, Judiciário e Tribunal
Constitucional. A diferença estaria no aspecto formal (motivo-finalidade) da função de cada
um deles. O autor exemplifica o seu pensamento por meio da função legislativa, ao afirmar

127
André Ramos Tavares reconhece que não há uma unidade doutrinária em torno da aceitação da existência de categorias
funcionais da Justiça Constitucional e aponta três razões básicas para isso: “(i) O tema da Justiça Constitucional é
relativamente recente na História do Direito, impossibilitando um adequado desenvolvimento de parcela de suas categorias
fundamentais. Inicialmente se fixou atenção na ‘legitimidade’ da Justiça Constitucional. (ii) Há uma diversidade e
inadequação de funções atribuídas empiricamente a alguns tribunais constitucionais. (iii) Houve forte concentração
doutrinária no estudo do tema do controle de constitucionalidade das leis, função que inaugura a atividade do Tribunal
Constitucional na história.” (TAVARES, 2005, p193)
110

que não existe uma função legislativa, mas sim funções legislativas exercidas por vários
órgãos, sendo que, cada um deles, ainda que esteja exercendo materialmente a mesma função,
estará fazendo com base em um motivo-finalidade diverso. Enquanto o legislador edita atos
normativos para regular a vida em sociedade, o Tribunal Constitucional edita atos decisórios
de cunho normativo com a exclusiva finalidade de defender a Constituição. Com relação ao
Poder Judiciário, por exemplo, o autor aponta que este executa o Direito e a Constituição com
a finalidade de solucionar conflitos sociais concretos. Já o Tribunal Constitucional executa a
Constituição para defendê-la.

4.3.1 Função de interpretação e de enunciação da Constituição

A função interpretativa está sempre presente na atuação do Tribunal Constitucional,


tendo em vista que a concretização de qualquer norma jurídica pressupõe uma interpretação
prévia 128 . No caso do Tribunal Constitucional, será parte de suas funções estruturais
interpretar exclusivamente a Constituição.
É importante mencionarmos que, como toda aplicação implica em interpretação, o
Tribunal Constitucional também realiza a interpretação casual das leis ordinárias submetidas à
sua apreciação, quando está promovendo o controle de constitucionalidade ou atuando como
uma Corte de cassação; porém, essa interpretação de diploma normativo que não seja
constitucional não integra as funções próprias do Tribunal Constitucional.
O Direito não está integralmente nos textos. Por isso, é imprescindível termos em
mente a diferenciação entre texto escrito ou enunciado jurídico e norma jurídica, como texto
construído pelo operador do Direito a partir dos enunciados. Estes são verdadeiros limites à
intepretação da Constituição, já que a “interpretação insere-se como o processo pelo qual o
Tribunal constrói a norma a ser aplicada, a partir do enunciado fornecido pelo legislador”
(TAVARES, 2005, p.219). Seria a construção de um discurso não autônomo 129 , pois
vinculado ao texto escrito e que implicaria em certo grau de subjetivismo, porém não de
arbitrariedade. A jurisprudência não pode construir novos enunciados, o que é tarefa do

128
A função interpretativa normalmente é exercida como uma função instrumental e está presente sempre que o Tribunal
exerce todas as suas outras funções. Porém, importante mencionar que, no Brasil, essa função já foi exercida de forma
autônoma, por meio da representação para interpretar a lei ou ato normativo federal ou estadual, prevista no art. 119, I, l da
Constituição de 1969.
129
André Ramos Tavares afirma que a atividade interpretativa é normativa por excelência, embora não se deva confundir
com atividade legislativa em sentido estrito (TAVARES, 2005, p.223); mais do que aplicar a Constituição os Tribunais
Constitucionais acabam por completá-la (TAVARES, 2005, p.226).
111

legislador, mas a Justiça Constitucional possui uma exceção a essa regra que se opera por
meio da “enunciação constitucional”. (TAVARES, 2005, p.218-219)
André Ramos Tavares explica que, segundo o esquema de verificação do
130
escalonamento hierárquico proposto por Merkel , a decisão interpretativa do Tribunal
Constitucional sobre determinada norma da Constituição ou a elaboração de uma súmula
vinculante131 será equiparada a uma norma constitucional, segundo o critério da capacidade
ou força de derrogação. 132 Assim, as decisões do “Tribunal Constitucional ocupariam o
mesmo escalão das normas constitucionais em sentido estrito (Constituição originária), já que
poderiam ‘derrogar’ as leis e estas não poderiam derrogar as primeiras.” (TAVARES, 2005,
p.220)
Por outro lado, levando-se em conta o critério do fundamento de validade, tendo em
vista que o fundamento das decisões do Poder Legislativo e do Tribunal Constitucional seria a
Constituição, “ambas estariam, pelo menos, em idêntico posicionamento geral.” (TAVARES,
2005, p.220)
Quando o Tribunal interpreta uma lei ordinária, esta servirá apenas como uma diretriz
para o legislador. Desse modo, se o Tribunal considera determinada lei constitucional, nada
impede que o legislador a revogue por outra posterior. Porém

A decisão que, ao contrário, reconhece a inconstitucionalidade da lei (promovendo


sua interpretação como processo anterior inafastável impõe-se ao Legislativo. Isso
significa que, ao eventualmente revogar a lei declarada inconstitucional e editar
outra com idênticos termos, o Legislador não terá êxito, pois deverá permanecer a

130
A teoria desenvolvida por Merkel apresenta duas possibilidades de escalonamento hierárquico “sendo uma delas baseada
no (i) fundamento de validade e a outra na (ii) capacidade ou força de derrogação.” (TAVARES, 2005, p.219)
131
“A súmula vinculante, por estar inserida no contexto interpretativo, impede a atuação contrária do Parlamento, por meio
de lei formal. Tem-se, como se nota, uma progressiva (e ilimitada) retração do âmbito de atividade do Parlamento, o que é
resultado do processo histórico de assunção do Estado Constitucional.” (TAVARES, 2005, p.232)
132
Victor Ferreres Comella afirma a possibilidade de atuação do legislativo contra uma decisão que declara a
inconstitucionalidade de determinada norma por meio da resposta legislativa. O autor defende que a reformabilidade da
Constituição é um meio de resposta da comunidade política a uma determinada interpretação judicial. Porém essa reforma
pode trazer os inconvenientes de elevar o nível da lei que foi invalidada pelo juiz, ou remeter ao legislador ordinário a
concreção de determinado direito abstrato que provocou a controvérsia, desconstitucionalizando o seu conteúdo. Porém, há
um segundo tipo de resposta que não contém esses inconvenientes, que seria a “resposta legislativa”, consistente na edição de
uma nova lei com o mesmo conteúdo da que foi declarada inconstitucional pelo tribunal, com a finalidade de provocar uma
segunda rodada de debates e de provocar uma mudança na linha jurisprudencial do tribunal. Obviamente, para se admitir essa
repetição de uma lei extirpada do ordenamento deverá ter transcorrido um prazo razoável desde a decisão do tribunal, é ideal,
inclusive, que tenha havido a eleição de um novo parlamento. Nesse sentido, é importante que o sistema jurídico possa
promover a evolução da jurisprudência constitucional. Alguns sistemas não privilegiam essa mudança na jurisprudência, tais
como: a) Os sistemas não federais, posto que nesses sistemas é necessário que o mesmo parlamento que aprovou a lei
invalidada aprove outra de conteúdo similar ou idêntico. Já nos sistemas federais, basta que a nova lei sobrevenha de outro
ente federativo; b) Os sistemas que apenas trazem o controle de constitucionalidade abstrato impossibilitam a mudança de
jurisprudência, pois o tribunal constitucional extirpa a lei considerada inconstitucional do sistema. Já onde ocorre o controle
difuso, o juiz não destrói a lei inconstitucional, apenas deixa de aplicá-la a um caso concreto e assenta um precedente que
deve ser seguido em casos similares. Se, no futuro, o juiz modifica o precedente, a lei recupera a sua aplicabilidade. Assim, o
autor afirma que a resposta legislativa é necessária para possibilitar a modificação da jurisprudência de forma favorável ao
legislador. (COMELLA, 2003, p.340-342)
112

solução já adotada pelo Tribunal Constitucional em sua decisão. (TAVARES,


2005, p.221)

O autor reconhece, ainda, que a interpretação do Tribunal Constitucional, por força da


competência legislativa de reforma constitucional, terá que ceder diante da manifestação
direta do constituinte. Porém, adverte que superar a decisão do Tribunal por meio da reforma
da Constituição pode acabar sendo inviabilizada por dificuldades processuais e políticas
inerentes ao Parlamento, mas não ao Tribunal Constitucional. (TAVARES, 2005, p.230)
Tema polêmico envolvendo a interpretação e a enunciação está ligado à aceitação do
“bloco de constitucionalidade”, quando o Tribunal Constitucional determina o
reconhecimento de força constitucional a certas normas não inseridas formalmente no texto da
Constituição. É por força da interpretação que o Tribunal irá enunciar a existência de mais
normas constitucionais para além do texto da Constituição.
Essa possibilidade foi reconhecida na França, quando o Conselho Constitucional
Francês entendeu que tanto a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão quanto o
preâmbulo da Constituição de 1946 se incorporavam à Constituição de 1958, em razão de
expressa menção no preâmbulo desta última.
No Brasil, a tese ainda não é majoritariamente aceita. Foi exposta pelo ministro Celso
de Mello no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 595-ES e vem sendo usada
para tentar ampliar o parâmetro constitucional de validade das normas. Afirma-se que houve a
introdução do “bloco de constitucionalidade” no ordenamento brasileiro com a entrada em
vigor da Emenda Constitucional nº 45/2004, prevendo que tratados e convenções
internacionais sobre direitos humanos, quando aprovados por 3/5 dos votos, em cada casa do
Congresso, em dois turnos, têm força normativa equivalente a das emendas constitucionais.
André Ramos Tavares (2005, p.234-248) esclarece que a função interpretativa, apesar
de ser realizada por todos os órgãos do Estado, é uma categoria funcional fundamental da
Justiça Constitucional, em razão do grau de intensidade e da finalidade específica com que
essa Justiça a desenvolve. Por esse motivo, apresenta três espécies de interpretação
constitucional que são aplicadas, quase sempre concomitantemente, pelo Tribunal
Constitucional: interpretação principiológica, interpretação evolutiva e interpretação
desenvolvimentista das liberdades públicas.
A interpretação principiológica decorreu da evolução do Direito, por meio da
introdução nas Constituições de normas de caráter principiológico, de conteúdo aberto e
passível de preenchimento pelo órgão responsável pela guarda da Constituição. Os princípios
deixaram de ser apenas valores indicativos da atuação legislativa e converteram-se em Direito
113

positivo de eficácia normativa. O tipo de interpretação desenvolvido neste caso se dá com um


grau máximo de intensidade, pois a determinação do conteúdo das normas constitucionais irá
depender de uma atuação concretizadora do Tribunal com a influência de fatores externos ao
Direto, como a pré-compreensão.
A interpretação evolutiva tem a finalidade específica de adaptar o texto da
Constituição ao momento histórico, permitindo a vigência de um mesmo texto constitucional
ao longo dos anos. A Constituição é um instrumento dinâmico, vivo, assim como a sociedade
que pretende regular e dar suporte. A interpretação evolutiva feita pelo Tribunal
Constitucional vai permitir justamente que, mesmo sem a alteração formal do texto, seja
modificado o conteúdo atribuído à norma jurídica. Essa forma de interpretação, muitas vezes
é apontada como mutação constitucional 133 , visto que altera o significado e o alcance da
norma jurídica, sem alterar o texto normativo.
A interpretação desenvolvimentista das atividades públicas é feita pelo Tribunal
Constitucional quando este concretiza direitos e garantias fundamentais. Esta interpretação
deve sempre ter em vista promovê-los por meio de uma postura ampliativa e beneficiadora,
além de guardá-los contra atos violadores; além disso, também terá traços de uma
interpretação principiológica (pois a grande parte dos direitos fundamentais é lançado em
normas de conteúdo principiológico) e evolutiva (já que a dinâmica da sociedade pede uma
interpretação dos direitos fundamentais sempre adequada ao momento histórico que se vive).

4.3.2 Função estruturante

É a função destinada à manutenção da estrutura do ordenamento jurídico (adequar e


harmonizar formalmente o ordenamento, nos termos de sua lógica interna e de seus
comandos) por meio do controle de constitucionalidade. No caso, o Tribunal Constitucional
vai eliminar do sistema jurídico-normativo os elementos normativos indesejáveis e as práticas
e omissões inconciliáveis com as determinações constitucionais. O foco do Tribunal é,

133
No que tange à mutação constitucional, Gomes Canotilho esclarece que há necessidade de aceitação dessa teoria com
reticências, afinal “uma coisa é admitirem-se alterações no âmbito ou esfera da norma que ainda se podem considerar
susceptíveis de serem abrangidas pelo programa normativo (Normprogramm), e, outra coisa, é legitimarem-se alterações
constitucionais que se traduzem na existência de uma realidade constitucional inconstitucional, ou seja, alterações
manifestamente incomportáveis pelo programa da norma constitucional. Uma constituição pode ser flexível sem deixar de ser
firme. A necessidade de uma permanente adequação dialética entre o programa normativo e a esfera normativa justificará a
aceitação de transições constitucionais que, embora traduzindo a mudança de sentido de algumas normas provocado pelo
impacto da evolução da realidade constitucional, não contrariam os princípios estruturais (políticos e jurídicos) da
constituição. O reconhecimento destas mutações constitucionais silenciosas (‘stille Verfassungswandlungen’) é ainda um
acto legítimo de interpretação constitucional. Por outras palavras que colhemos em K. Stern: a mutação constitucional deve
considerar-se admissível quando se reconduz a um problema normativo-endogenético, mas já não quando ela é resultado de
uma evolução normativamente exogenética.” (CANOTILHO, 2033, p.1229)
114

portanto, verificar a compatibilidade formal dos atos normativos com a hierarquia e a


competência constitucionalmente atribuída para a prática desses atos.
Normalmente, a Constituição prevê normas de conteúdo procedimental (relativas à
forma de organização do Estado) e de conteúdo substancial (referentes ao catálogo de direitos
e garantias assegurados aos indivíduos). Qualquer norma editada pelo Poder Legislativo em
desconformidade com as normas procedimentais ou cujo conteúdo afronte as normas
constitucionais de caráter substancial estará infringindo a estrutura do ordenamento jurídico e
deverá ser eliminada pelo Tribunal Constitucional, por meio da sua função estruturante.
Poderão ser analisados pelo Tribunal não só as leis, mas também todos os demais atos
normativos, desde que tenham fundamento direto na norma constitucional e não em alguma
lei. Ao mencionarmos demais atos normativos, pretendemos incluir também aqueles que
envolvem questões políticas134, pois, em um Estado que adota uma Constituição limitativa
dos governos, não há questão política excluída do alcance constitucional.
O controle de constitucionalidade realizado pelo Tribunal Constitucional servirá,
portanto, para manter o ordenamento jurídico harmonizado e logicamente preservado, sem
que seja incluído no sistema norma incompatível com a estrutura da Constituição. Essa
dimensão estruturante da Justiça Constitucional se justifica em razão da necessidade de
garantir a supremacia e a rigidez das normas constitucionais.
Para André Ramos Tavares, também a função estruturante desenvolvida pelo Tribunal
Constitucional terá a mesma estatura da norma constitucional. O autor afirma que os efeitos
de uma decisão do Tribunal Constitucional que declara a inconstitucionalidade da norma não
“apenas equivalem (de imediato) aos efeitos de um ‘legislador’ negativo (derrogação) mas
também alcançariam o legislador do futuro, impedindo-o de atuar no sentido de apresentar lei
de conteúdo idêntico daquela anulada” (TAVARES, 2005, 262). Assim, seria adotada uma
posição que promove a segurança jurídica e a racionalidade do sistema, não obstante os riscos
de que se inviabilize a função evolutiva (adaptativa) do Tribunal relativamente às normas
constitucionais.
André Ramos Tavares (2005, p.271-272) defende que a técnica de interpretação
conforme a Constituição, por mais que envolva a atividade interpretativa, melhor se enquadra
como parte da função estruturante, uma vez que tem por objetivo afastar aquelas
incompatíveis com o sistema constitucional e atribuir uma interpretação congruente com a

134
No quarto capítulo verificaremos que essa análise de questões políticas encontra limites na separação entre juízo de
constitucionalidade e juízo de decisão política, sendo que, não é dado ao Tribunal Constitucional adentrar no âmbito deste
último.
115

Constituição. Essa técnica também evidencia a distinção que a Justiça Constitucional deve
promover entre enunciado normativo (texto escrito da norma) e norma jurídica (resultado da
interpretação desse texto).
No desempenho da função estruturante, o Tribunal Constitucional pode exercer
também o papel de corte de superposição, ou seja, responsável por adequar as decisões
judiciais inferiores ao sistema jurídico.
Podemos considerar as decisões judiciais como um elemento normativo do sistema,
daí porque seria atribuição também do Tribunal Constitucional reformar para extirpar do
ordenamento as decisões incongruentes. Essa atividade, porém, para não inviabilizar a
atuação do Tribunal, deveria vir acompanhada do instituto do writ of certiorari (existente nos
Estados Unidos) que permite ao Tribunal decidir quais processos aceitará para revisar a
depender da conveniência e relevância social da matéria envolvida.
Atualmente, podemos afirmar que a função estruturante passou a incluir em seu rol de
finalidades a preservação dos direitos fundamentais que passaram a integrar a grande maioria
das Constituições modernas. Por isso, a função estruturante deixou de se referir apenas ao
controle de constitucionalidade das leis e à resolução de conflitos de atribuição e passou a ser
qualificada pela finalidade de tutelar os direitos fundamentais.

4.3.3 Função arbitral

O exercício da função arbitral pelo Tribunal Constitucional tem por objetivo


solucionar eventuais conflitos de competência e também determinar a competência
constitucionalmente estabelecida dos demais órgãos do Estado. O Tribunal deve estar atento
ao exercício das funções normativas ou materiais pelos demais órgãos para verificar se não
está havendo invasão da função constitucionalmente atribuída de uns pelos outros. O Tribunal
deverá, portanto, manter o equilíbrio entre a atuação das demais funções do Estado.
Nos países que adotam a forma federativa, o Tribunal Constitucional será responsável
por resolver os conflitos de competência entre os entes de federação. E, mesmo naqueles que
não adotam, será o Tribunal Constitucional o responsável por solucionar os conflitos
referentes à organização territorial e à estruturação de Poderes.
A função arbitral está sempre associada ao exercício da função interpretativa, posto
que será a partir da leitura das funções constitucionalmente distribuídas entres os órgãos que o
Tribunal irá fixar os limites das responsabilidades de cada um. André Ramos Tavares ensina
que a decisão proferida na atuação da função arbitral
116

operará, inexoravelmente, uma interpretação constitucional para determinar os


limites, os contornos precisos, constitucionalmente estabelecidos, para cada um
dos poderes ou entidades envolvidas no conflito estabelecido. A natureza dessa
decisão, portanto, como se pôde estabelecer, não é a de exercício do controle de
leis, mas sim um “controle” dos limites dos “poderes” ou entidades constitucionais
Esse tipo de decisão, portanto, pode ser considerado uma decisão de interrupção
(constitucionalmente estabelecida) do atrito entre as entidades constitucionais.
Embora essa decisão seja adotada a partir de um específico ponto de colisão ou
atrito, formará um comando genérico aplicável indiscriminadamente para todas as
situações futuras nas quais se pudesse repetir a mesma ocorrência. (TAVARES,
2005, p.319)

Essa função será exercida não só quando o Tribunal estiver na posição de um terceiro
no conflito, ou seja, tratar-se de decidir a competência entre dois órgãos como o Legislativo e
o Executivo, mas também quando o Tribunal tiver que solucionar conflitos nos quais ele
mesmo esteja envolvido. Assim, ainda que o conflito de competência ocorra entre o Tribunal
Constitucional e os Poderes Judiciário, Executivo ou Legislativo será ele o órgão responsável
por fixar a competência de cada uma dessas funções do Estado.

4.3.4 Função legislativa

André Ramos Tavares traz como inerente à Justiça Constitucional a função legislativa
“atividade da qual resulta a composição inaugural de comandos com efeito de caráter geral” e
que foi por muito tempo exclusiva do legislador (TAVARES, 2005, p.322). Essa função,
porém, deve ser desempenhada dentro de certos limites, para não haver invasão das
competências do Legislativo. É importante termos em mente que a função legislativa não é
exclusiva do órgão Legislativo, mas certas atividades serão exclusivamente atribuições sua.
Assim, a atividade legislativa desenvolvida pelo Tribunal Constitucional deverá estar
adstrita aos limites de suas atribuições para evitar ingressar no âmbito daquela que integra as
atribuições exclusivas do órgão Legislativo. Assim, as decisões legislativas do Tribunal
Constitucional devem decorrer expressamente da divisão constitucional de competências e
dependem de norma constitucional prevendo o exercício dessa função. O Tribunal
Constitucional poderá desempenhar essa função em duas situações

(i) Por vezes há uma atribuição de competência sucessiva (na omissão do


legislador a competência transfere-se para o Tribunal Constitucional). (ii) Pode
haver, contudo, uma atribuição direta de competência exclusiva (ao Tribunal
Constitucional pertence o poder de editar normas sobre certas matérias, que ficam,
nessa medida, subtraídas da esfera de atuação do legislador). (TAVARES, 2005,
p.327)
117

É importante observarmos que uma decisão legislativa do Tribunal Constitucional está


no mesmo patamar das leis, ou seja, uma lei ordinária poderá se sobrepor a uma decisão
legislativa do Tribunal.
Ademais, a função legislativa é distinta da atividade interpretativa. Mesmo que as
decisões interpretativas do Tribunal Constitucional tenham status constitucional, essa
atividade não é legislativa, pois sempre estará vinculada a um determinado processo, limitado
pela necessidade de provocação e de observância da imparcialidade e das normas adotadas
pelo legislador e pela Constituição. Já a função legislativa é autônoma e pode ser a finalidade
última do processo. Ao contrário da função interpretativa, que é instrumental e exercida pelo
Tribunal como meio para praticar as outras funções. (TAVARES, 2005, p.325)
Guilherme Braga Penã de Moraes entende que a Justiça Constitucional exerce, no
mínimo, as seguintes atividades legislativas:

(i) a elaboração dos regimentos internos dos tribunais constitucionais; (ii) o


exercício, no âmbito do controle de constitucionalidade, de poderes
tendencialmente normativos, com a prolação de decisões atípicas, e (iii) a
complementação e o desenvolvimento da regulação processual constitucional, pelo
Direito Constitucional e Processual dúctil, principalmente quando os mecanismos
tradicionais de criação judicial de normas jurídicas se revelarem insuficientes para
o desempenho das atribuições que lhe são inerentes. (MORAES, 2011, p.103)

André Ramos Tavares amplia o leque de opções e considera que será exercida
atividade legislativa quando o Tribunal atuar no desempenho das seguintes funções “(i)
competência para elaborar leis; (ii) controle preventivo das leis; (iii) controle das omissões
legislativas inconstitucionais; (iv) decisões aditivas, redutoras e substitutivas; (v) elaboração
de seu regimento interno.” (TAVARES, 2005, p.327)
A possibilidade de elaboração de leis pelo Tribunal Constitucional é considerada
atividade legislativa em sentido estrito e só poderá ocorrer quando a Constituição, ao
estabelecer a competência legislativa de cada um dos órgãos de Estado, contemplar também o
Tribunal Constitucional.
Em relação ao exercício do controle preventivo de leis, por mais que alguns autores o
considere parte da função de controle de constitucionalidade (função estruturante), André
Ramos Tavares (2005, p. 329) atenta para o fato de que, como se trata de uma atividade pré-
positiva (a lei ainda não existe no mundo jurídico), ainda não haverá ofensa da estrutura do
sistema, razão pela qual o enquadramento como função estruturante não é adequado. Aqui
haverá função legislativa, pois o controle preventivo é uma das fases do processo legislativo,
118

sendo o caso de lembrarmos, inclusive, que a decisão do Tribunal será vinculante para o
Legislativo. Assim, Legislativo e Tribunal Constitucional atuam juntos no processo de
elaboração da lei.
A atuação do Tribunal Constitucional no controle das omissões legislativas
inconstitucionais também é uma atividade legislativa, pois haverá uma produção legislativa
do Tribunal no sentido de provisoriamente e especificamente colmatar lacunas no
ordenamento. Importante observar que a atuação do Tribunal estará adstrita às situações em
que a ausência ou a insuficiência de regulamentação legal desrespeite um comando
constitucional. Ou seja, a Constituição prevê a necessidade de regulamentar uma determinada
matéria, porém, o Poder Legislativo permanece inerte e acaba afrontando o comando
constitucional. Na ausência ou insuficiência de normatização, o Tribunal irá, primeiramente,
exercer a função de controle (estruturante) e, se constatar que a falta de lei ofende a estrutura
constitucional do sistema, efetuará a regulação temporária e específica da situação. É
possível, pois, afirmarmos que essa atividade legislativa é supletiva (depende da ausência de
regulamentação pelo Legislativo), provisória (só vigora enquanto o Legislativo não atuar) e
específica (só é possível naquela situação em que a ausência de legislação ocasionar uma
afronta às normas constitucionais).
Guilherme Braga Penã de Moraes (2011, p. 109) atenta para o fato de que o Tribunal
Constitucional também exerce atividade legislativa em casos de inconstitucionalidade por
ação, ao relativizar a eficácia retroativa das decisões por inconstitucionalidade ou, quando
declara a constitucionalidade da norma e fixa a interpretação adequada, proferindo as
“decisões de calibragem” ou “intermediárias”. Essa decisões atípicas seriam a restrição dos
135
efeitos temporais da decisão de inconstitucionalidade , o afastamento do efeito
repristinatório 136 , a interpretação conforme a Constituição 137 , a declaração parcial de
inconstitucionalidade sem redução de texto 138 , o apelo ao legislador 139 , a declaração de

135
Essa técnica se dá quando o Tribunal julga procedente a ação direta de inconstitucionalidade e declara a norma
inconstitucional com a manipulação dos efeitos dessa declaração no tempo. Aqui, o Tribunal, tendo em vista razões de
segurança jurídica ou de excepcional interesse social, reduz o âmbito de eficácia retroativa do pronunciamento jurisdicional,
mediante a fixação de termo inicial para a produção de todos (limitação temporal total) ou alguns (limitação temporal parcial)
dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade, entre a produção da norma jurídica e a publicação da decisão de
procedência, e reconhece a intangibilidade das situações de fato consumadas anteriormente ao marco temporal definido na
decisão.
136
Aqui, o Tribunal declara a inconstitucionalidade de determinada norma, julgando procedente a ação direta de
inconstitucionalidade, porém, não deixa que a norma que havia sido revogada pela lei declarada inconstitucional retome a sua
vigência. Ou seja, a decisão do Tribunal exclui a retomada de vigência da norma revogada em virtude da declaração de
inconstitucionalidade da norma revogadora.
137
Nesse caso, a ação direta de inconstitucionalidade é julgada improcedente e a norma é considerada constitucional, desde
que adotada determinada interpretação. Ou seja, o Tribunal elimina as possibilidades de interpretação incompatíveis com a
Constituição, de maneira que há a redução do conteúdo normativo, sem afetar a expressão literal da norma jurídica submetida
ao controle de constitucionalidade.
138
Neste caso, a ação direta de inconstitucionalidade é julgada parcialmente procedente, sendo o ato normativo declarado
119

140
inconstitucionalidade sem pronúncia de nulidade , a declaração de norma ainda
141
constitucional em trânsito para a inconstitucionalidade , etc.
Também dizemos que há atividade legislativa quando o Tribunal Constitucional – ao
verificar que a Constituição, em determinada matéria, não deixou margem de conformação ao
legislador, determinando a regulamentação em um certo sentido e o legislador editar norma
desrespeitando o comando constitucional (indo além ou aquém deste) – por meio de suas
sentenças adita, reduz ou substitui o conteúdo da norma. É necessário, para haver a atuação do
Tribunal, que a “vontade constitucional” seja clara e que o comando legal tenha desrespeitado
essa intenção constitucional.
Por fim, a função legislativa também se manifesta quando ao Tribunal Constitucional
é dada a atribuição de elaborar o seu regimento interno. Essa possibilidade decorre
diretamente do postulado da separação dos Poderes, pois ao Tribunal Constitucional será
garantido sua auto-organização e não ter que se submeter a processos determinados por outros
órgãos do Estado.

4.3.5 Função governativa

A função de governo, normalmente considerada apenas uma função política, na


realidade, não se deve confundir com a função ora analisada. Ela possui uma natureza mais
discricionária. As questões políticas são decididas apenas por juízos políticos, que se reportam
mais à conveniência e oportunidade de sua atuação em um determinado sentido do que a um
direito correlato de observância necessária.
Já a função de governo de que ora se trata está conectada à necessidade de
cumprimento dos fins do Estado, da necessidade de consecução dos interesses da sociedade.
Esses objetivos do Estado vão estar encartados nas normas constitucionais, muitas vezes, por
meio das normas programáticas. A função de governo, portanto, não é discricionária, visto

inconstitucional, se aplicável a determinada hipótese fática. Aqui, o tribunal irá eliminar as hipóteses de aplicação
incompatíveis com a Constituição, havendo redução do programa normativo, sem alterar a expressão literal da norma
jurídica.
139
Por meio dessa técnica, o Tribunal julga improcedente a ação direta de inconstitucionalidade e reconhece o estado de
constitucionalidade da norma, porém adverte para a necessidade de sua alteração, complementação ou substituição, antes que
se consolide o estado de inconstitucionalidade.
140
O tribunal Constitucional julga procedente a ação direta de inconstitucionalidade, declarando a norma inconstitucional,
sem, no entanto, declarar a sua nulidade, em razão de não existir outra norma apta a preencher a lacuna que a declaração de
nulidade deixaria no ordenamento. Daí o tribunal reconhece o estado de inconstitucionalidade da norma jurídica, todavia
excepciona a possibilidade de sua aplicação, para exortar os órgãos legislativos a produzirem nova regulamentação sobre a
matéria.
141
Nesse caso, o tribunal julga improcedente a ação direta de inconstitucionalidade, declarando a constitucionalidade da
norma, porém, ressalva a possibilidade de vir a declarar, no futuro, a invalidade da lei, porque a afirmação da sua
constitucionalidade é fundamentada em circunstância de fato, que se pode modificar ao longo do tempo.
120

que a própria Constituição estabelece de forma vinculante os objetivos e fins almejados pelo
Estado. Pode-se resumir, portanto, que a função de governo estará associada ao cumprimento
dos comandos e objetivos constitucionais para promover os fins especificados pela
Constituição
O fato é que o Tribunal Constitucional ao se caracterizar como um órgão que visa
promover e proteger a supremacia da Constituição também acaba atuando para concretizar os
objetivos e fins estatais constitucionalmente enumerados. Assim, sendo a função de governo
promover os fins do Estado e cumprir seus objetivos, e a atuação do Tribunal Constitucional
também vinculada a atingir os fins do Estado, é consequência que este Tribunal também irá
exercer uma função de governo.
A função governativa da Justiça Constitucional não se desenvolve de forma autônoma,
já que isso seria uma atribuição dos outros órgãos do Estado, mas sempre conjuntamente com
outra de suas funções. André Ramos Tavares (2005, p.352-354) enumera que o Tribunal
exercerá a atividade governativa quando atua em sua função arbitral e promove um governo
participativo com a atuação de cada um dos órgãos no âmbito de sua respectiva competência;
quando preserva as minorias contra as maiorias evitando que estas governem sozinhas; ou
quando atua na função de controle preservando a estrutura do ordenamento
constitucionalmente estipulada. Aqui cabe observarmos que sendo a lei o instrumento de
governo por excelência, fica evidente que a Justiça Constitucional está exercendo função
governativa quando declara determinada lei inválida.
Hoje, a promoção dos direitos fundamentais pode ser encarada como um dos
principais objetivos constitucionalmente estabelecidos, razão pela qual será uma constante na
função governativa a promoção desses direitos. Deste modo, sendo atribuição da Justiça
Constitucional definir, promover e proteger os direitos fundamentais, ela estará exercendo
inegável função de governo. Nas palavras de André Ramos Tavares,

Não se trata aqui de exigir o cumprimento dos direitos fundamentais na concepção


de liberdades públicas, nem de desenvolver sua interpretação ou integração, mas
sim de exigir e impor a criação de condições fáticas favoráveis para o exercício do
catálogo de direitos fundamentais declarado. Vislumbra-se, pois, nessas
circunstâncias a presença de uma função tipicamente governativa, porque o
Tribunal Constitucional acabará por determinar os âmbitos de atuação exigíveis do
Estado. (TAVARES, 2005, p.356)

Finalmente, é importante asseverar que essa função governativa não pode ser exercida
de forma discricionária pelo Tribunal Constitucional, mas sim, dependerá de provocação dos
órgãos legitimados a fazê-lo; estará restrita aos programas governativos previstos diretamente
121

pela Constituição e deve, evidentemente, respeitar os âmbitos de atuação próprios dos outros
órgãos do Estado.

4.3.6 Função “comunitarista”

André Ramos Tavares atribui, ainda, à Justiça Constitucional uma função inovadora e
que, só recentemente, vem sendo exercida por alguns Tribunais Constitucionais. Essa função
“comunitarista” seria “aquela voltada para a defesa da superioridade do Direito Comunitário
(pró-comunidade) em relação ao Direito estatal (de cada Estado integrante de uma
comunidade maior)” (TAVARES, 2005, p.359)
Tendo em vista o fato de que todas as funções exercidas pela Justiça Constitucional
possuem um fundamento na necessidade de cumprir e garantir a Constituição, para ser
possível implementar a função “comunitarista” é necessário haver previsão constitucional
dessa atuação. Uma vez prevista, ao Tribunal Constitucional será franqueada a possibilidade
de verificar a conformidade de todos os atos normativos e não normativos do Estado às
diretivas superiores do Direito Comunitário. Assim, todo ato Legislativo nacional em
desconformidade com o Direito Comunitário deverá ser excluído do ordenamento.
Essa função se caracteriza, portanto, como um controle de constitucionalidade
indireto, já que “promove-se, em um primeiro momento, a proteção da Constituição,
especialmente de sua supremacia e, particularmente, da norma constitucional que determina o
cumprimento do Direito Comunitário” (TAVARES, 2005, p.262). Somente, em um segundo
momento, e como aplicação da vontade da Constituição, é que vai surgir a proteção do Direito
Comunitário em si.
É relevante notarmos, entretanto, que, principalmente em se tratando de direitos
fundamentais, se a regulamentação comunitária de determinado tema foi inferior à
regulamentação nacional, ou seja, o Direito Comunitário tenha a previsão de menos direitos
fundamentais que o ordenamento interno, prevalecerá a regulamentação interna. Não é
possível retroceder em termos de direitos fundamentais. A regulamentação comunitária
deverá ser considerada um parâmetro protetivo mínimo a ser seguido e obedecido por todos
os Estados-partes da comunidade, sendo deferido a eles estabelecerem uma regulamentação
ainda mais favorável aos seus nacionais.
122

5 OS LIMITES À ATUAÇÃO DA JUSTIÇA CONSTITUCIONAL

Conforme observamos ao final do capítulo anterior, a Justiça Constitucional


desempenha o seu ônus de garantidora da supremacia da Constituição por meio do exercício
de determinadas funções. Já dissemos que as funções atribuídas ao Tribunal Constitucional,
como sua essência, modificaram-se ao longo do desenvolvimento do Constitucionalismo
Contemporâneo. A função inaugural de órgão responsável pelo controle de
constitucionalidade das normas deixou de ser vista como a única função do Tribunal e, não
obstante ter continuado a ser uma das atribuições de destaque, outras foram agregadas à
prática da Justiça Constitucional.
Devido às peculiaridades envolvendo a Justiça Constitucional, essa atuação sempre
esteve adstrita a certos limites impostos pela própria Constituição. Quando do seu surgimento,
as limitações impostas à atuação da Justiça Constitucional eram muito mais rígidas. Prestava-
se mais deferência ao princípio da separação de Poderes, à necessidade de observância estrita
à conformidade constitucional funcional, à impossibilidade de análise de questões políticas, à
atuação na forma de um legislador negativo, etc.
O maior desenvolvimento do Constitucionalismo Contemporâneo ao longo da segunda
metade do século XX, especialmente nas duas últimas décadas, trouxe junto uma evolução
também no pensamento em torno do conteúdo das funções e dos limites ao exercício das
mesmas pela Justiça Constitucional. A inclusão nas Constituições de um número maior de
comandos normativos – a regulação constitucional, hoje, vai muito além da disciplina do
poder político – aumentou o parâmetro da atividade fiscalizatória exercida pela Justiça
Constitucional.
O Estado de Direito foi substituído pelo Estado Constitucional e o Direito passou a
incorporar questões éticas e valores que encontraram, nas Constituições, um espaço natural
para se desenvolver traduzidos em princípios. Assim, houve uma valorização dos princípios e
o reconhecimento de sua normatividade e das peculiaridades inerentes a sua interpretação.
Os avanços perceptíveis no pensamento jurídico oriundos dos institutos agregados
pelo Constitucionalismo Contemporâneo são inegáveis. Porém, também é possível afirmar
que esses institutos acabaram sofrendo reiteradamente uma aplicação deturpada,
descomprometida com a precisão, correção e coerência teórica que lhes seria indicada.
Institutos incompatíveis entre si começaram a ser usados conjuntamente e o discurso
jurídico tornou-se fluido, mais maleável do que seria indicado e passível de ser manejado de
123

forma discricionária e arbitrária. A discricionariedade judicial, considerada uma porta aberta


para a arbitrariedade, passou a ser defendida como um item da nova hermenêutica. A
utilização indevida e descompromissada de institutos tão relevantes não será o foco do nosso
estudo. Ao contrário, temos por objetivo analisar seriamente e respeitando a natureza dos
institutos, como o Constitucionalismo Contemporâneo influenciou a modificação dos limites
de atuação da Justiça Constitucional.
É necessário, pois, analisar até que ponto os avanços do Constitucionalismo
Contemporâneo podem ser incorporados à atuação da Justiça Constitucional sem
comprometer o Estado Constitucional Democrático de Direito.

5.1 Manutenção da Separação entre Juízo de Legalidade versus Juízo de


Constitucionalidade e entre Juízo de Constitucionalidade versus Decisão Política como
Limite à Atuação do Tribunal Constitucional

O significado atual do Constitucionalismo Contemporâneo decorre diretamente da


ideia de Constituição como uma norma jurídica suprema. No Constitucionalismo
Contemporâneo, as normas constitucionais podem ser identificadas como o fundamento de
validade de todo o ordenamento jurídico, como o guia que estrutura e condiciona as demais
normas. Nesse contexto de primazia, supremacia e normatividade da Constituição, uma
jurisdição constitucional é extremamente relevante, na medida em que terá por atribuição
preservar estes atributos.
A Justiça Constitucional, portanto, encontra sua principal fonte legitimadora na
necessidade de existir um órgão responsável pela proteção dessa primazia, supremacia e
normatividade da Constituição. Sem um órgão responsável por manter essa estrutura, o
sistema não subsistiria às constantes e diversas afrontas e desrespeitos provocados pelos
cidadãos e órgãos do Estado.
Podemos afirmar que a dimensão legitimadora da Justiça Constitucional integra a própria
Constituição. Independentemente da construção doutrinária adotada sobre a natureza do
Tribunal Constitucional, se órgão jurídico ou político, ou da visão a respeito do princípio da
divisão das funções, o fato é que os limites da atuação funcional da Justiça Constitucional, ou
seja, os limites dentro dos quais a atuação do Tribunal Constitucional será legítima, são
encontrados na própria Constituição.
Para Marina Gascón Abellán (2003, p.169) a legitimidade de atuação da Justiça
Constitucional depende do exercício de suas funções e do respeito a certos limites. A autora
apresenta como limites a necessidade de se observar a distinção entre juízo de legalidade e
124

juízo de constitucionalidade, por um lado, e a distinção entre juízo de constitucionalidade e


decisão política, por outro.
Primeiramente, para que a Justiça Constitucional atue de forma legítima é preciso
separar juízo de constitucionalidade e de legalidade. Quando estiver sendo exercido um juízo
de legalidade, não pode o de constitucionalidade incidir.
Essa necessária divisão entre as formas de atuação ganha mais relevância quando se
tem em mente aqueles Tribunais Constitucionais que também revisam as decisões judiciais no
tocante à aplicação da Constituição. Por ocasião dessa revisão sobre os atos judiciais, o
Tribunal Constitucional não pode rever o modo pelo qual os juízes interpretam e aplicam as
leis no caso concreto, a não ser que tenha havido a violação de direitos constitucionais. A
função do Tribunal não será analisar o acerto na aplicação do Direito, mas sim a sua
adequação ao texto constitucional. Não compete a ele fixar a melhor interpretação da lei, mas
apenas rechaçar aquelas incompatíveis com a Constituição. Desta maneira, a interpretação da
lei deve ser inteiramente preservada se isto não acontecer. Nos casos em que existam diversas
interpretações compatíveis com a Constituição, não pode o Tribunal impor aquela que
considere a melhor. (ABELLÁN, 2003, p. 170)
A autora esclarece, ainda, que a lei, como uma expressão de direitos políticos
democráticos tem uma autônoma razão de ser frente à Constituição e um âmbito próprio, no
qual a Constituição não pode incidir (ABELLÁN, 2003, p.170). Por mais que a Constituição
apresente-se como uma norma suprema e estruturante do ordenamento jurídico, haverá um
espaço de conformação reservado ao legislador ordinário e no qual ele terá liberdade para
atuar, segundo os parâmetros constitucionais. Se a lei estiver em conformidade com as
determinações constitucionais, o Tribunal Constitucional não poderá considerá-la inválida por
entender que não foi dada a melhor solução ao caso. Aqui encontramos a separação entre o
juízo de constitucionalidade e a decisão política democrática. Atuando o legislador no seu
espaço de conformação, não poderá a decisão política ser considerada inválida.
Quanto à separação entre juízo de constitucionalidade e âmbito de conformação
legislativa, especificamente quando analisa vícios de mérito na atividade do Poder
Legislativo, Gomes Canotilho afirma que se deve ter muita cautela ao transpor a análise do
mérito do ato legislativo para o sistema de fiscalização de inconstitucionalidade. Segundo o
autor, para o Tribunal Constitucional fiscalizar, é necessário uma profunda incongruência
entre o uso do Poder Legislativo e os fins ou escopos fixados na Constituição. Assim, quando
a Constituição estabelece um determinado fim a atingir ela condiciona a atividade legislativa.
Será possível que a Justiça Constitucional controle se, por parte do legislador, houve
125

adequação entre os fins constitucionais e o os meios utilizados para os perseguir ou se os fins


perseguidos pelo legislador foram completamente diversos dos visados pelas normas
constitucionais. (CANOTILHO, 2003, p.1320) Daí observar o autor que será possível o
controle de constitucionalidade para analisar vícios meritórios em duas hipóteses

As hipóteses de vícios de mérito reconduzem-se, fundamentalmente, a duas


categorias: (1) vícios de mérito porque o uso do poder legislativo no sentido de
impor determinadas soluções é objectivamente inadmissível perante determinadas
circunstâncias, violando-se regras e princípios constitucionais (princípio da
igualdade, princípio da proibição do excesso, direitos, liberdades e garantias); (2)
vícios de mérito por irrazoabilidade da lei captada através de um conjunto de
manifestações (inconsequência, incoerência, ilogicidade, arbitrariedade,
contraditoriedade, completo afastamento do senso comum e da consciência ético-
jurídica comunitária). Na primeira hipótese, há casos em que se entrecruzam com
dimensões presentes na segunda hipótese (ex.: violação do princípio da proibição
do excesso). (CANOTILHO, 2003, p.1320)

Marina Gascón Abellán apresenta, ainda, dois modelos que descrevem a relação no
ordenamento jurídico entre a lei e a Constituição: o modelo constitucionalista (também
chamado judicialista) e o legalista (também chamado democrático).
O modelo constitucionalista ou judicialista é aquele no qual a Constituição possui um
projeto político muito bem articulado ou fechado e ao legislador corresponde a tarefa de
executar ou aplicar esse projeto. Nesse modelo, a Constituição já estabelece o que deve ser
feito, dá a orientação da atuação política em várias matérias. O nome constitucionalista é
atribuído ao modelo, pois é a própria Constituição que predetermina a solução de todos os
conflitos, de modo que a lei só pode servir para concretizar as abstratas determinações
constitucionais. Também se denomina esse modelo de judicialista, pois serão os juízes que
analisarão quais normas devem figurar no ordenamento jurídico em cada momento,
principalmente, o Juiz Constitucional quando verifica a compatibilidade da lei com a
Constituição. Essa atribuição, porém, é compartilhada com todos os juízes que poderão,
inclusive, aplicar diretamente a Constituição em detrimento da lei, caso seja necessário.
(ABELLÁN, 2003, p.170)
Por outro lado, no modelo democrático ou legalista, a Constituição se limita a
delimitar as regras de competência política. A Constituição só determina “quem manda”,
“como manda” e “até onde pode mandar”, porém “o que se deve mandar” é algo reservado ao
legislador. Esse modelo é denominado democrático, pois se baseia na ideia de que a
Constituição não predetermina a solução de todos os conflitos, mas apenas assinala as regras
básicas e o marco aberto de valores no qual o legislador pode se mover. Dentro desses limites
de conformação constitucional, caberá aos juízos políticos decidirem. Este modelo também é
126

chamado legalista, pois é o poder político quem se encarrega de, a cada momento, fazer
realidade o que na Constituição só aparece como possibilidade, ou seja, é o legislador
democrático quem determina as normas que devem presidir o sistema jurídico histórico-
concreto, de maneira que o juiz ordinário está sujeito ao princípio da legalidade e o juiz
constitucional só deve declarar inconstitucional a lei quando ultrapassar o marco de
possibilidades políticas permitidas pela Constituição142. (ABELLÁN, 2003, p.171)
Assim, um Estado que adotar um sistema constitucional democrático e comprometido
com a dignidade democrática da lei deverá sempre optar pelo modelo democrático ou
legalista. O fato é que a lei, como uma expressão de direitos políticos, possui uma autônoma
razão de ser, e disso deriva a necessidade de uma separação rigorosa entre as questões
políticas e constitucionais, quando se pretende estabelecer os limites à atuação da Justiça
Constitucional.
Concordamos com Marina Gascón Abellán (2003, p.171) quando afirma que a função
do juiz constitucional não é substituir o parlamento, que goza de uma inegável liberdade
política. Ao juiz não incumbe fixar a melhor lei sobre uma perspectiva constitucional, mas
apenas eliminar aquelas que demonstrem ser intoleráveis constitucionalmente. Ao analisar a
constitucionalidade da lei, não pode o juiz valorar os motivos políticos que levaram o
legislador a adotar determinada posição e nem sugerir ou impor opções políticas. O Tribunal
não deve interferir na direção política do país.
A exigência de que a Justiça Constitucional respeite a separação entre juízo de
constitucionalidade e decisão política, por um lado, e juízo de constitucionalidade e de
legalidade, por outro, exige do Tribunal Constitucional um esforço autoinibitório. Afinal, se
incumbe ao Tribunal, no exercício da sua função arbitral, fixar as competências e os limites
da atuação de cada um dos órgãos do Estado, será ele mesmo quem irá fixar, com base na
Constituição, os limites de sua atuação, segundo um juízo de constitucionalidade.
Importante notarmos que a função do Tribunal Constitucional não se identifica mais
apenas com o exercício monopolístico do controle de constitucionalidade. Porém, não só o
controle de constitucionalidade, mas também todas as funções atribuídas à Justiça
Constitucional (interpretativa, estruturante, arbitral, legislativa, governativa e

142
Esse modelo legalista se assemelha mais ao brasileiro, na medida em que o Tribunal constitucional não está autorizado a
emitir juízos de valor acerca do conteúdo das leis emergentes do legislativo, mas tão somente podem fazer um controle do
cumprimento das formalidades necessárias, bem como verificar se a lei não ofende o que está contido no texto constitucional,
porém, as opções políticas ficam inteiramente ao cargo do legislador democrático. No entanto, ainda assim, a Constituição
americana se enquadra mais perfeitamente a esse modelo, em razão de seu conteúdo sintético que se limita a traçar as
competências de cada um dos poderes estatais e a fixar apenas alguns direitos fundamentais. Por outro lado, a brasileira
avança um pouco na competência do legislador ordinário na medida em que traça diversos programas que devem ser
seguidos pela legislação infraconstitucional.
127

“comunitarista”) podem ser exercidas nos limites necessários de separação entre o âmbito
político e o juízo de constitucionalidade. E só se forem exercidas nestes limites é que serão
legítimas.
Mesmo que estejamos nos referindo a função governativa ou legislativa, não se está
invadindo o âmbito pertencente aos juízos de decisão política. Conforme especificamos, ainda
que a função governativa – em razão do nome a ela atribuído – pareça sugerir que o Tribunal
Constitucional irá exercer funções de governo do Estado, significa apenas que a Justiça
Constitucional também tem um papel determinante para promover e realizar os fins do
Estado. É certo que esses objetivos da sociedade estarão encartados nas normas
constitucionais, muitas vezes, por meio das normas programáticas. Essa função de governo,
portanto, não é discricionária ou autônoma, visto que a Constituição vai estabelecer de forma
vinculante os objetivos e fins a serem atingidos pelo Estado. Podemos resumir, portanto, que
a função de governo estará associada ao cumprimento dos comandos e objetivos
constitucionais para promover os fins especificados pela Constituição e será sempre exercida
em conjunto com outras do Tribunal.
Lembremos que, atualmente, a promoção dos direitos fundamentais pode ser encarada
como um dos principais objetivos constitucionais, razão pela qual será uma constante na
função governativa a promoção de tais direitos. Deste modo, ao se apresentar como parte da
função da Justiça constitucional definir, promover e proteger os direitos fundamentais, este
órgão estará exercendo inegável função de governo de forma legítima, ao promover tais
direitos restringindo-se aos programas governativos previstos pela Constituição e respeitando
os âmbitos de atuação dos outros órgãos do Estado.
No caso da função legislativa, desde que desempenhada dentro de certos limites,
também será possível que o Tribunal Constitucional se abstenha de invadir o âmbito do juízo
de decisão política. As decisões legislativas do Tribunal Constitucional devem decorrer
expressamente da divisão constitucional de competências e dependem de norma
constitucional prevendo o exercício dessa função, só assim a função legislativa da Justiça
Constitucional estará dentro de um âmbito de legitimidade.
É no controle das omissões legislativas inconstitucionais que está o ponto mais tênue
da linha divisória entre o juízo de constitucionalidade e de decisão política, pois a única forma
do Tribunal resolver a omissão inconstitucional será colmatando provisoriamente as lacunas
no ordenamento por meio de uma inovação no mundo jurídico. Evidentemente que a atuação
do Tribunal estará adstrita às situações em que a ausência ou a insuficiência de
regulamentação legal acabe por desrespeitar um comando constitucional. Ou seja, a
128

Constituição prevê a necessidade de regulamentação de uma determinada matéria, porém, o


Poder Legislativo permanece inerte e acaba gerando uma afronta ao comando constitucional.
Na ausência ou insuficiência de normatização, o Tribunal irá, inicialmente, exercer a função
de controle (estruturante) e, se constatar que a falta de lei ofende a estrutura constitucional do
sistema, irá regular de forma temporária e específica a situação. É possível, pois, afirmar que
essa atividade legislativa é supletiva (depende da ausência de regulamentação pelo
Legislativo), provisória (só vigora enquanto o Legislativo não atuar) e específica (só é
possível naquela situação determinada em que a ausência de legislação ocasione uma afronta
às normas constitucionais).
Desde que exercida dentro desses limites, mesmo havendo uma “invasão provisória”
do juízo de decisão política pelo Tribunal, terá sido legítima, na medida em que a
Constituição impõe esse tipo de atuação por parte do Tribunal.

5.2 Teoria da Deference como Modo Padrão de Atuação da Justiça Constitucional

James Bradley Thayer foi um forte crítico à opção da Suprema Corte norte-americana
pela realização do controle de constitucionalidade. Em 1893, o autor escreveu um trabalho,
intitulado “Origem e finalidade da doutrina americana do direito constitucional”,
influenciador de grandes debates até os dias atuais.
Dentre os argumentos apresentados pelo autor contra a realização do controle de
constitucionalidade pelo judiciário está o da deferência143 ou teoria da deference, segundo a

143
Dimitri Dimoulis e Soraya Lunardi (2013, p.336-337) apontam os argumentos aduzidos por Thayer em desfavor do
controle de constitucionalidade feito pelo Judiciário: “Argumento literal: as Constituições estaduais nos EUA não atribuem
aos juízes o poder de controlar a constitucionalidade das leis estaduais. Esse poder é deduzido de maneira implícita.
Argumento histórico: tanto membros da Convenção que criou a Constituição Federal como muitos juízes e doutrinadores dos
EUA negaram que o Judiciário tivesse o poder de anular leis. Crítica ao argumento sistemático de Marshall: a Suprema
Corte dos EUA deduz esse poder do caráter escrito da Constituição Federal. Mas isso não convence, porque muitos países
europeus, como a França e a Suíça, possuem Constituição escrita, sem que os juízes se considerem competentes para anular
normas do Legislativo. Nesses países vale a regra de que as normas constitucionais não podem ser implementadas pelos
tribunais contra a vontade dos legisladores. Argumento da limitada competência do Judiciário: os juízes só podem fiscalizar
a constitucionalidade para resolver um caso concreto e não para anular leis. Esse poder só cabe ao Legislativo, sob pena de
violar a separação de poderes. Argumento da indeterminação constitucional e da abertura interpretativa: a interpretação da
Constituição não pode ser literal e acadêmica. Deve ser política. Como as normas constitucionais são vagas, há várias
possibilidades de interpretação razoável. Não é tarefa do judiciário estabelecer o ‘verdadeiro significado’ da Constituição.
Somente o Legislativo, eleito pelo povo, pode escolher a interpretação mais conveniente, conforme o interesse da Nação,
editando leis que considerar ‘prudentes’ ou ‘razoáveis’. Argumento da deferência: o controle judicial da
inconstitucionalidade é imprescindível. Caso contrário, não haveria garantia de que o Legislador efetivamente se submeta à
Constituição. Mas essa competência do Judiciário conhece fortes limitações. O Judiciário só pode declarar a
inconstitucionalidade se for ‘manifesta’, situada ‘além de qualquer razoável dúvida’, ‘evidente e clara’, ‘muito clara’,
‘inequívoca’, ‘inquestionável’. A doutrina da inconstitucionalidade manifesta é conhecida nos EUA como ‘regra do caso
duvidoso’ (doubtful case rule) ou ‘regra do evidente erro’ (clear mistake rule). Exige que o Judiciário mostre ‘deferência’ ou
‘respeito’ ao Legislativo. Só pode anular uma lei se for evidente que o legislador cometeu um erro ao criar a lei
inconstitucional. Nessa perspectiva, cabe ao judiciário fixar o ‘limite externo’ que a Constituição impõe ao Legislativo. Se
avançassem mais, os magistrados excederiam seus poderes, legislando negativamente, mediante a anulação de leis. Crítica ao
paternalismo judicial: Thayer considera que nos ordenamentos jurídicos que conhecem o controle judicial de
129

qual o judiciário somente poderia declarar a inconstitucionalidade se for manifesta,


inequívoca, além de qualquer razoável dúvida. Essa ideia deu origem a doutrina da
inconstitucionalidade manifesta, também conhecida nos Estados Unidos como regra do caso
duvidoso e exige que o Judiciário mostre deferência ou respeito às opções do Legislativo.
A ideia da adoção de uma postura deferencial pela Justiça Constitucional parte de
pressupostos semelhantes aos da teoria que aponta como limite da Justiça Constitucional a
necessidade de separar o juízo de constitucionalidade do juízo de decisão política.
A partir da premissa de que ao Tribunal Constitucional competiria sempre uma
interpretação final sobre as normas constitucionais, a teoria da deference prevê que função de
interpretação da Constituição deve ser exercida com deferência às opções legislativas. Sempre
que houver questionamento sobre a constitucionalidade de determinada norma, segundo esta
teoria, o Tribunal deverá perquirir se a opção legislativa pela edição da norma questionada foi
razoável, mesmo que não seja considerada a mais adequada. Dessa forma

[O tribunal] só pode desconsiderar a Lei [impugnada] quando aqueles que têm o


direito de elaborar leis não tiverem apenas cometido um mero equívoco, mas um
equívoco muito claro — tão evidente que não dê margem a questionamento. Esse é
o padrão de dever a que os tribunais elevam os Atos legislativos [as Leis]; esse é o
teste que aplicam – não apenas seu próprio julgamento quanto à
constitucionalidade, mas sua conclusão acerca de qual julgamento é admissível a
outro ente incumbido pela constituição do dever de fazê-lo. Essa regra reconhece
que, levando-se em consideração as exigências governamentais rigorosas,
complexas e constantemente trazidas à tona, muitas delas parecerão
inconstitucionais para um indivíduo, ou grupo de pessoas, ao passo que para outros
poderão muito bem parecer constitucionais; que a constituição frequentemente
admite diferentes interpretações; que com muita frequência há uma margem de
escolha e decisão; que em tais casos a constituição não impõe sobre o legislativo
nenhuma opinião específica, mas deixa aberta essa margem de escolha; e que
qualquer que seja a escolha, se for racional, será constitucional. (THAYER apud
PERRY, 2007, p.114-115)

A ideia thayeriana da deferência judicial e a sua premissa da necessidade de um “erro


evidente” que justifique a interferência do juiz constitucional não tem por base uma crença
irrealista na capacidade do Poder Legislativo de sempre decidir questões constitucionais da
maneira mais adequada ou no fato de que os legisladores, e apenas eles, são os efetivos
representantes do povo. Esse teoria tem por fundamento o fato de que, em uma democracia,
os cidadãos são o poder político supremo e, assim sendo, eles, e não o Judiciário, deveriam

constitucionalidade os legisladores não se preocupam muito com questões constitucionais, pensando que se a lei for
inconstitucional o Judiciário fará a devida intervenção. Se o Judiciário limitasse suas intervenções nesse campo, os
legisladores atuariam com maior responsabilidade, preocupando-se mais com ‘questões de justiça e de direitos’, como ocorre
na Inglaterra e em outros países sem o controle judicial da constitucionalidade.”
130

exercer a última palavra em termos de interpretação constitucional, desde que essa


interpretação fosse razoável, sob pena de ruir a própria ideia de soberania popular.
Ademais, a adoção de uma postura não deferencial dos tribunais pode retirar a
capacidade da sociedade e de seus representantes de decidir sobre questões constitucionais. O
desrespeito às opções do legislador, privando-os da dúvida razoável, acaba privando também
os cidadãos de sua capacidade de decidir sobre temas constitucionais controvertidos. A
responsabilidade por proteger e concretizar direitos fundamentais seria transferida do Poder
Legislativo para o Poder Judiciário.
Para os defensores da teoria deferencial, os juízes constitucionais não devem agir
como legisladores nem questionar se, segundo o seu entendimento, determinada lei é boa ou
ruim, mas sim, averiguar se a opção feita pelo Poder Legislativo ao considerá-la
constitucional (já que para editar e aprovar determinada lei os legisladores devem considerá-la
em conformidade com a Constituição) é razoável, ainda que não seja a melhor.
Michael Perry (2007, p.6) acredita na necessidade de adotar a deferência thayeriana
como um padrão de atuação da Justiça Constitucional, salvo, no julgamento de questões que
tratem da constitucionalidade das leis e políticas que disciplinem a liberdade de expressão,
imprensa ou reunião. Em matérias que versem sobre a liberdade de expressão não é
admissível, para o autor, conferir o benefício da dúvida razoável à opção legislativa. O fato é
que a proteção e a implementação direta pelo judiciário dos direitos que se refiram à liberdade
de expressão ou de reivindicação é necessária, justamente, para assegurar os procedimentos
democráticos e privilegiar a autonomia política dos cidadãos ao conduzirem questões
constitucionais controvertidas. Permitir que uma opção do legislador, ainda que, em tese,
razoável, possa retirar minimamente a liberdade de expressão ou de reivindicação dos
cidadãos tenderia a reduzir, e não a acentuar, a capacidade dos cidadãos e de seus
representantes de deliberarem ativa e adequadamente sobre questões políticas controversas.
Assim, quando se tratar de direitos que envolvam a liberdade de expressão e
reivindicação, a lógica se inverte e não deve ser privilegiada a teoria deferencial, tendo em
vista a necessidade de promover, e não de reduzir, a atuação dos cidadãos na vida política e
nas decisões constitucionais. O Tribunal deverá questionar se, no seu entendimento, a norma é
ou não inconstitucional, não sendo necessário conceder o benefício da dúvida razoável ao
Poder Legislativo quanto à constitucionalidade da norma.
Devemos ter em mente que o processo democrático de tomada de decisão não pode ser
desnecessariamente reprimido e que a capacidade pela tomada de decisão democrática
responsável não pode ser subvertida, “então é melhor, em casos de dúvida, que a Suprema
131

Corte, e os tribunais, pequem pela falta de regulamentação de expressão (e imprensa e


reunião) que pelo excesso de tal disciplina” (PERRY, 2007, p.5).
Deste modo, a teoria da deferência não deve ser entendida como uma autorização para
a Justiça Constitucional se omitir diante de atos dos demais Poderes que não sejam
condizentes com as atribuições constitucionalmente impostas a eles. Todos os Poderes devem
evitar a omissão e o arbítrio, observar a necessidade de guarda e concretização da
constituição, no seu âmbito de atuação. Em decorrência do espontâneo cumprimento por cada
um dos órgãos estatais de suas funções constitucionais, somente as condutas eivadas de vícios
violadores da juridicidade e que não comportem o benefício da dúvida razoável em favor do
Poder que o praticou devem ser invalidadas pelo Tribunal Constitucional. Essa postura, que
privilegia a deferência às opções do legislador, estimula e garante os processos democráticos
e a autonomia política plena dos cidadãos.

5.3 A Valorização dos Princípios e a Deturpação de Certas Categorias Teóricas

O reconhecimento dos princípios como uma categoria normativa autônoma é um dos


traços marcantes do pós-positivismo. Em decorrência das ideias do Constitucionalismo
Contemporâneo esses princípios encontraram abrigo especial nos documentos constitucionais
e, por isso, a eles se agregou a categoria de normas supremas.
No entanto, uma das críticas sobre a utilização dos avanços do Constitucionalismo
Contemporâneo é justamente deturpar e exagerar no uso de certos institutos e categorias
dogmáticas como os princípios, que passaram a ser considerados a única categoria normativa
relevante. Diante disso, alguns autores denunciam a utilização indiscriminada dos princípios

E, como tudo virou princípio, muitos juízes deixam de aplicar as normas jurídicas,
em nome de ilações e mais ilações, transformando conjecturas em certezas,
probabilidades em axiomas, deturpando a grande importância que os princípios,
verdadeiramente, possuem. (BULOS, 2011, p.86)

É importante reconhecer, porém, que não há razão para se insurgir contra a


valorização dos princípios e sua aplicação como uma categoria normativa. O verdadeiro
problema do Constitucionalismo Contemporâneo está em deturpar e utilizar
indiscriminadamente os institutos, o que se dá, em grande parte, em nome do ativismo
judicial.
132

O Constitucionalismo Contemporâneo, para evitar o uso indiscriminado de qualquer


instituto, agregou ao seu marco filosófico a necessidade da argumentação jurídica. É o
respeito à importância da argumentação que conseguirá impor limites a atividade indevida e
desenfreada de abuso de uma certa categoria jurídica. Em muitos casos é, sim, necessário
utilizar princípios em sobreposição às regras. Porém, os princípios, por serem normas dotadas
de um alto grau de abstratividade e que incorporam um forte conteúdo axiológico não
deveriam se apresentar como uma norma que se opõe às regras, mas, sim, que condiciona a
sua elaboração. Os princípios, como categoria normativa, existem previamente e, por isso,
devem ser elaboradas regras que se ajustem ao acervo principiológico do ordenamento.
É importante lembrarmos que o Constitucionalismo Contemporâneo, ao se apresentar
como uma nova Filosofia Jurídica e uma nova Teoria do Estado possui uma força irradiante
que ultrapassa o âmbito de aplicação da norma (quando os protagonistas seriam apenas os
juízes), mas também conforma a atividade legislativa e executiva demandando a necessidade
de se elaborar leis e implementar políticas públicas que concretizem os comandos
constitucionais.
No Constitucionalismo Contemporâneo, não há espaço para falarmos em
protagonismo judicial, em necessidade de desrespeito às regras para aplicar princípios. Os
Poderes Legislativo e o Executivo também devem ser protagonistas na concretização dos
comandos constitucionais e elaborar regras que se adequem aos princípios constitucionais. A
argumentação jurídica não detém o monopólio da racionalidade. O legislador se utiliza de
uma racionalidade, a política. E não poderia ser diferente, pois a lei, expressão da vontade
política, está vinculada à Constituição (ABELLÁN, 2003, p.186). A sociedade, por sua vez, é
mais uma protagonista na concretização constitucional, pois é necessário criar uma
consciência constitucional quando toda a sociedade seria conhecedora, cumpridora e
concretizadora dos comandos constitucionais.
Com isso, percebemos que não há no Constitucionalismo Contemporâneo um espaço
para o protagonismo de quem quer que seja. Todas as funções estatais são igualmente
relevantes na vivência constitucional, assim como a sociedade. Não há mais lugar para
discricionariedade do juiz, do legislador ou do administrador. Todos devem obediência à
Constituição, que é a responsável por ditar os parâmetros de atuação e que irá estipular os
limites e o espaço de cada um dos órgãos estatais.
Como é a Constituição a norma que conforma a atuação de todos os órgãos e
intérpretes, essa contraposição entre princípios e regras não deve existir. Os princípios
constitucionais devem condicionar a atuação dos órgãos de produção legislativa e as regras
133

devem se conformar aos princípios. Se não houver respeito aos princípios constitucionais, o
Poder Judiciário poderá intervir e deixar de aplicar a regra por inconstitucionalidade.
Portanto, não é o juiz constitucional quem “decide” de maneira discricionária se
haverá a aplicação de uma regra ou de um princípio. Não sendo inconstitucional, a regra deve
ser aplicada. Não pode o julgador substituir a aplicação de uma regra por ilações que,
supostamente, seriam de conteúdo principiológico, mas que não passam de argumentos gerais
para o julgador proferir a decisão que bem entender. Ademais, não é o juiz quem “decide” os
princípios que existem no ordenamento, pois tal postura solipsista geraria um inchaço dessa
categoria normativa e o seu uso indiscriminado. Os princípios já estão previstos pela
Constituição.

5.4 Justiça Constitucional, Democracia e a Proteção dos Direitos Fundamentais

Podemos afirmar que o fenômeno da “invasão da Constituição” ou


“constitucionalização do Direito” vai muito além de uma Constituição permeada por normas
programáticas. Significa que a Constituição espalha uma força irradiante que conforma o
ordenamento jurídico e elege determinadas políticas públicas. Significa a vinculação de todos
os agentes públicos às prescrições constitucionais.
A previsão de normas programáticas não é prejudicial, mas sim necessária, pois
auxilia a pautar a conduta dos agentes públicos e a traçar as metas para o Estado, que vão
sendo realizadas na medida das possibilidades. O eventual descumprimento de normas
programáticas não proporciona, necessariamente, a perda de força normativa da Constituição,
desde que o legislador e o administrador também usem a argumentação e a racionalidade
prática para justificar o não cumprimento momentâneo de um comando constitucional.
O não cumprimento temporário e justificado de uma determinada norma
constitucional ou a não concretização imediata de algum direito programático não pode
franquear à Justiça Constitucional a possibilidade de atuar fora de seus limites e invadir a
competência dos demais órgãos estatais. Os “fins” e os “meios” expressos nas normas
jurídicas devem ser definidos pelo legislador (regra majoritária). No entanto, é necessário
esclarecer que, quando esses “fins” e “meios” estiverem violando normas constitucionais é
tarefa da Justiça Constitucional corrigir e preservar a força normativa da Constituição (papel
contramajoritário da Justiça Constitucional).
Reconhecemos que o Constitucionalismo Contemporâneo e o Estado Democrático e
Constitucional de Direito proporcionaram um certo deslocamento do centro de decisão para o
134

Poder Judiciário. Isso não significa a primazia desse órgão ou protagonismo, mas apenas um
redimensionamento de suas funções, justamente porque as Constituições contemporâneas
preveem mecanismos a serem implementados pelo Poder Judiciário para a concretização de
alguns direitos.
Porém, o Poder Judiciário não pode ser visto como “solução mágica” para os
problemas decorrentes dos fracassos ou da insuficiência das políticas sociais, sob pena de
correr o risco de criar cidadãos “de segunda classe” que deixam de reivindicar seus direitos
para dependerem do paternalismo judicial. Ademais, não é possível compactuar com a criação
de uma “república de juízes” (STRECK, 2011, p.68). Nesse sentido, importantes as lições de
Lenio Luiz Streck

Tem-se que ter em mente, entretanto, a relevante circunstância de que, se no


processo constituinte se optou por um Estado intervencionista, visando a uma
sociedade mais justa, com a erradicação da pobreza etc., dever-se-ia esperar que o
Poder Executivo e o Legislativo cumprissem tais programas especificados na
Constituição. Acontece que, em grande parte, a Constituição não está sendo
cumprida. As normas-programa da Lei Maior não estão sendo implementadas. Por
isso, na falta de políticas públicas cumpridoras dos ditames do estado democrático
de Direito, surge o judiciário como instrumento para o resgate dos direitos não
realizados. Por isso a inexorabilidade desse “sensível deslocamento” antes
especificado. Com todos os cuidados que isso implica.
Em face do quadro que se apresenta – ausência de cumprimento da Constituição,
mediante omissão dos poderes públicos, que não realizam as devidas políticas
públicas determinadas pelo pacto constituinte –, a via judiciária se apresenta –
por vezes – como a via possível para a realização dos direitos que estão previstos
nas leis e na Constituição. É claro que o Judiciário não faz e não fará políticas
públicas. Aliás, é nesse sentido que devemos desmistificar algumas ideias que se
propagam a respeito dos direitos e das políticas públicas. Com efeito, política
pública é um problema de ação do Poder executivo. O que o Direito pode fazer é
regulamentar a execução dessas políticas e é nesse âmbito regulatório que o
judiciário pode intervir. Isso por um motivo muito simples: o Judiciário jamais
poderá executar uma política pública pelo simples fato de que ele não tem a
“chave do cofre”, etc. O problema do Judiciário é uma questão de regulamentação
e adequação constitucional dessas políticas no âmbito daquilo que Elías Díaz
chama de “legalidade constitucional”. (STRECK, 2011, p.68-69)

Anna Pintore observa que até mesmo a promoção, criação e proteção dos direitos
fundamentais deve ter limites. Para ela, os direitos fundamentais não podem ser convertidos
em um instrumento insaciável “devorador de la democracia, del espacio político y, a fin de
cuentas, de la propia autonomía moral de la cual los hacemos derivar”144 (PINTORE, 2009,
p.243). A defesa dos direitos fundamentais, para a autora, não pode levar ao sacrifício dos
próprios traços democráticos dos ordenamentos constitucionais.

144
Tradução livre: “devoradora da democracia, do espaço político e, finalmente, da própria autonomia moral da qual os
fazemos derivar.”
135

Assim, por mais relevantes que os direitos fundamentais, sua proteção e promoção
sejam para a sociedade, o Tribunal Constitucional deveria evitar a cultura dos “direitos
humanos insaciáveis”. O ordenamento constitucional prevê regramentos tão relevantes quanto
a proteção dos direitos fundamentais e que devem ser respeitados e concretizados para
possibilitar a manutenção do Estado Democrático de Direito.
Anna Pintore (2009, p.248-251) chama a atenção para um problema nas democracias
constitucionais atuais que é conciliar o princípio do Estado de Direito (conteúdo substancial)
com o princípio democrático (conteúdo formal)145. Para a autora, a democracia e os direitos
surgem como dois critérios de legitimação do poder que se contrapõem. É errado imaginar
que ambos são complementares e harmônicos e que é possível promover os dois sem o
sacrifício de nenhum. O fato é que a existência de um direito não se confunde com a
existência da norma que o instituiu, e “la identificación definitoria entre derechos
fundamentales y normas contribuye a generar la ilusión de que estos últimos poseen un
carácter, por así decir, autoejecutivo y de que no precisan de administración (y, por tanto, de
administración democrática)”146. (PINTORE, 2009, p. 254)
Na verdade, um direito, desde que positivado, não gera dúvidas, porém, ainda que
exista uma norma jurídica prevendo-o, o seu conteúdo poderá apresentar várias opções
políticas dentro do marco de direitos compatíveis. Para a autora, o problema se trata de

Estabelecer a quién debe confiarse este poder de administración de los derechos


dentro del marco constitucional, y en qué formas: se al legislador democrático o al
intérprete, si a la mayoría política, ciertamente “solo” mayoría, probablemente
inepta y acaso arrogante pero cuando menos electiva y políticamente responsable,
o, por el contrario, a una minoría, aunque sea filosóficamente ilustrada, pero no
electiva ni políticamente responsable.

145
Anna Pintore defende a inadequação da tentativa de fixar um conceito substancial de democracia, especialmente se há
uma tentativa de identificá-lo com Estado de Direito. Para a autora o conceito de democracia deve ser extraído de uma
perspectiva procedimental, questionando-se acerca de “quem” decide e “como” decide. O conteúdo dessas decisões (“o que”
se decide) não deve integrar o conceito de democracia. Para a autora “una cosa son los contenidos, los ámbitos, sobre los que
puede versar la decisión democrática y otra, los presupuestos (también éstos de contenido) que hacen de dicho método
decisional un método, justamente por ello, democrático. O, por decirlo, de otro modo, una cosa son los contenidos del juego
y otra, los presupuestos indispensables para que el juego que se quiere jugar sea justamente ése y no otro. Mi tesis es que, en
la definición, si se quiere ser fiel a la semántica de ‘democracia’ (de los modernos), pueden incluirse los presupuestos, pero
no debe incluirse el contenido.” (PINTORE, 2009, p.248-249). Tradução livre: “uma coisa são os conteúdos, as áreas, sobre
as quais pode versar a decisão democrática e outra, os pressupostos (também estes de conteúdo) que fazem este método de
decisão, justamente por isso, democrático. Ou, de outra forma, uma coisa são os conteúdos do jogo e outras, os pressupostos
indispensáveis para que o jogo que se quer jogar seja justamente esse e não outro. Minha tese é que, na definição, se se quer
ser fiel à semântica de ‘democracia’ (dos modernos), podem ser incluídos os pressupostos, porém não se deve incluir os
conteúdos.”
146
Tradução livre: “a identificação definidora entre os direitos fundamentais e as normas contribui para a ilusão de que estas
últimas têm um caráter, por assim dizer, autoexecutáveis e não necessitam de administração (e, portanto, a gestão
democrática).”
136

La alternativa, por tanto, no está entre un poder de decisión y una autoejecución,


sino entre un método de administración democrático, y uno no democrático. 147
(PINTORE, 2009, p.264)

Diante destas considerações, a autora conclui ser um entendimento aristocrático e


paternalista o de subtrair a atribuição de conteúdo dos direitos de quem os instituiu e tentar
atribui-lo tal empreitada à administração do intérprete, pois não se deve excluir esta tarefa da
esfera de autonomia moral e política dos titulares dos direitos. A autora afirma que “creemos
en los derechos porque creemos en la autonomía de los individuos, y no a la inversa” 148
(PINTORE, 2009, p.265).
Certamente, proteger, promover e concretizar os direitos fundamentais em um nível
máximo é extremamente relevante para a sociedade. Não há que se negar que a dignidade da
pessoa humana depende da incorporação de cada vez mais direitos ao patrimônio jurídico dos
indivíduos e da efetiva implementação de todos eles. Essa atribuição, porém, não deve ser
conferida originariamente aos órgãos do Poder Judiciário, pois é uma tarefa que depende da
participação de todos diretamente interessados. O campo natural para o florescimento destes
debates é o Poder Legislativo e é lá que a sociedade deve promover uma busca incansável
pela implementar todos os direitos humanos necessários a uma existência digna.
Evidentemente, também, se deve sempre buscar a atuação da Justiça Constitucional na
promoção dos direitos fundamentais, pois a efetiva concretização de vários direitos depende,
em muitos casos, de um Poder Judiciário forte e autônomo. Porém, estas atribuições devem
ser exercidas dentro dos limites constitucionalmente impostos, em conformidade com a opção
política feita por um Estado Democrático de Direito, onde não há protagonismo de nenhum
dos órgãos do Estado, mas o exercício compartilhado da função de proteger e promover a
supremacia da Constituição. Desta maneira, a liberdade de conformação do legislador e a
autonomia moral e política dos cidadãos deve ser respeitada, evitando assim uma atuação
paternalista da Justiça Constitucional.

147
Tradução livre: “Estabelecer a quem se deve confiar este poder de administração dentro do marco constitucional, e em que
formas: se ao legislador democrático ou ao intérprete, se a uma maioria política, certamente ‘só’ maioria, provavelmente
inepta e porventura arrogante, porém, pelo menos, eleita e politicamente responsável, ou, ao contrário, a uma minoria, que
embora seja filosoficamente ilustrada, não é eleita e nem politicamente responsável. A alternativa, portanto, não está entre
um poder de decisão e uma autoexecução, mas sim, entre um método de administração democrático e outro não
democrático.”
148
Tradução livre: “Acreditamos nos direitos, pois acreditamos na autonomia dos indivíduos, e não o contrário”.
137

5.4.1 Justiça Constitucional e proteção das minorias

A Justiça Constitucional tem sua atuação legitimada também pela necessidade de


proteger os direitos constitucionalmente reconhecidos às minorias, em face de eventuais
modificações pretendidas por maiorias eventuais.
Os direitos e garantias fundamentais são incluídos nos documentos constitucionais
como uma forma de fazê-los respeitar ao longo da vivência constitucional. A realização dos
direitos e liberdades tem um custo, posto que a sua efetivação, geralmente, se dá a partir do
sacrifício de outros interesses que podem afetar uma multiplicidade de pessoas. Poderia
ocorrer, por diversos motivos, que a maioria parlamentar, junto à opinião pública, decidisse
algo que lesionasse um direito cuja validade e essencialidade esta mesma maioria
(parlamentar e social) reconheceu, anteriormente, incluindo-o no texto constitucional.
(COMELLA, 2003, p.334)
A Constituição, ao prever tais direitos fundamentais e estipular a dificuldade ou até a
impossibilidade de suprimi-los por se apresentar rígida, acaba recordando à comunidade
política a maior importância desses direitos para assegurar a todos uma existência
minimamente digna, ou seja, a

consagração dos direitos fundamentais pelas constituições passou a representar um


espaço inacessível aos Parlamentos, porque as diversas declarações que foram
sendo incorporadas ao patrimônio cultural da humanidade (na perspectiva
ocidental) procuraram assegurar determinados direitos dos indivíduos contra
práticas espúrias do Legislador (direitos públicos subjetivos como regras negativas
de competência do Estado). (TAVARES, 2012b, p.65)

Diante da necessidade de proteger minorias frente às alterações prejudiciais aos


direitos fundamentais propostas por maiorias, a Justiça Constitucional irá desempenhar um
papel fundamental. O fato é que a atuação do Tribunal Constitucional durante um processo
de controle de constitucionalidade favorece a prática de argumentar a favor e contra as
decisões políticas a partir de razões derivadas das Constituições. (COMELLA, 2003, p.335)
Ao exercer o controle de constitucionalidade, o juiz constitucional chama a atenção
dos cidadãos e dos seus representantes para as demandas, argumentos, contra-argumentos e as
razões relevantes e suficientes que justificam a sua decisão final. Ademais, o juiz
constitucional enriquece o debate em torno dos direitos ao proporcionar novas vozes que não
puderam fazer-se ouvir durante o processo legislativo. O órgão do Poder Legislativo, por
vezes, pode ser um espaço insuficiente para a oitiva de todas as vozes, sem mencionarmos o
138

risco de parcialidade contra os grupos mais marginalizados da sociedade. Assim, os debates


públicos podem ser enriquecidos com os novos argumentos que o juiz constitucional faz
visível por meio de suas sentenças.
A Justiça Constitucional, portanto, pode se converter em um espaço amplo e acolhedor
de discussões a favor e contra determinadas alterações legislativas, no qual vozes que não
foram ainda ouvidas no processo legislativo poderão se manifestar. São elas, vozes
normalmente compostas por diversas minorias sociais e que, no novo constitucionalismo,
merecem também a proteção constitucional visto que poderiam ser prejudicadas se a decisão
sobre o destino de seus direitos ficasse inteiramente ao arbítrio da maioria. Para André Ramos
Tavares

A democracia só será plena quando estiver presente (não como suficiente) o


modelo majoritário e, além dele, estiverem assegurados os direitos e liberdades
fundamentais, o princípio da subordinação de todos à lei (governo de leis e não
dos homens), e desde que existam mecanismos que assegurem que a maioria não
sufocará os correlatos direitos da minoria, alcançados após uma longa evolução
histórica de conquistas. (TAVARES, 2005, p.509)

Em se tratando da prática argumentativa perante a Justiça Constitucional, é necessário


lembrarmos a defesa que Robert Alexy faz da legitimidade de atuação do Tribunal
Constitucional em decorrência da representação argumentativa.
É uma representação que se contrapõe à representação democrática do parlamento,
pois esta última estaria focada apenas em um procedimento de decisão centrado nos conceitos
de eleição e de regra da maioria, o que acabaria gerando um modelo exclusivamente
decisionista. Para fazer com que o modelo de representação democrática do parlamento deixe
de ser exclusivamente decisionista, Alexy (2007, p.162-163) defende a necessidade de incluir
a argumentação no conceito de democracia, como uma forma de torná-la deliberativa, por
meio da institucionalização do discurso. Deste modo, a representação do povo pelo
parlamento deixaria de ser apenas fundada em decisões que têm expressão nas eleições e nas
votações para se fundamentar também nos argumentos apresentados.
Com relação à representação do povo pelo Tribunal Constitucional, o autor afirma que
o fundamento de legitimidade dessa representação estaria também na argumentação. Porém,
para que essa argumentação fosse válida e a representação argumentativa autêntica, o autor
apresenta duas condições: “a existência de argumentos válidos ou corretos” e “a existência de
pessoas racionais capazes e dispostas a aceitar argumentos válidos ou corretos porque eles são
válidos ou corretos”. (ALEXY, 2007, p.164-165)
139

Sendo Justiça Constitucional o local apropriado para o exercício das práticas contra
majoritárias, é preciso adotar um conceito de democracia que vá além da democracia
deliberativa e que agregue a necessária concretização dos direitos fundamentais e a imposição
de limites às maiorias eventuais. Encontramos, deste modo, o conceito de democracia
constitucional compatível com a atuação do Tribunal Constitucional que, mesmo quando
desfavorecer opções políticas da maioria, estará dentro dos limites de legitimidade se tiver por
objetivo promover direitos fundamentais das minorias prejudicadas.

5.5 A Justiça Constitucional Entre o Procedimentalismo e o Substancialismo

A atuação do Tribunal Constitucional para implementar os direitos fundamentais


passou a receber críticas, em decorrência, especialmente, da ausência de legitimidade
democrática para embasar a atuação desses órgãos. Referidas considerações sobre a ausência
de legitimidade democrática do Tribunal Constitucional para fazer a sua decisão se sobrepor à
decisão política do Poder Legislativo fizeram surgir duas teorias ligadas a modelos
doutrinários distintos de democracia que tinham por objetivo conferir essa dimensão
legitimadora à Justiça Constitucional: a teoria procedimentalista e a teoria substancialista.
Apesar das nítidas diferenças entre as duas, ambas têm em comum o fato de terem sido
criadas para justificar a atuação da Justiça Constitucional na defesa, guarda e concretização da
Constituição.
Em linhas gerais, a tese substancialista defende que a legitimação da Justiça
Constitucional estaria ligada à garantia da concretização dos valores constitucionais,
principalmente, os direitos fundamentais. Já a teoria procedimentalista prega que a atividade
do Tribunal Constitucional está legitimada pelo fato de o Tribunal proceder de acordo com
determinados requisitos, assegurando os processos democráticos.
A tese substancialista defende a implementação direta e imediata do direito assegurado
pelo Tribunal Constitucional, garantindo a concretização da materialidade da Constituição. A
tese procedimentalista, ao contrário, estipula que a Justiça Constitucional deve promover a
possibilidade dos próprios indivíduos concretizarem a materialidade constitucional.
Para os partidários da teoria procedimentalista, a importância da Justiça Constitucional
seria garantir que os direitos fundamentais não ficassem restritos à sua seara formal, devendo
ser possibilitada uma concretização efetiva de tais direitos na sociedade e pela própria
sociedade, o que se daria a partir do momento em que se assegura a participação dos cidadãos
nas decisões políticas. A função do Tribunal Constitucional deveria ser a de garantir os
140

processos democráticos, a participação e a igualdade de possibilidade para argumentar. O


Tribunal não chegaria a implementar diretamente o direito em si. A sociedade, por meio dos
processos democráticos (estes sim, assegurados pelo Tribunal Constitucional) estaria apta a
implementar a materialidade da Constituição.
Podemos citar Ronald Dworkin como um dos expoentes da teoria substancialista, que
pretende defender a legitimação da atuação do Tribunal Constitucional pelo conteúdo material
de sua atuação e pelo fim específico desejado: concretizar os valores constitucionais,
especialmente os direitos e garantias fundamentais. Contrapondo-se, portanto, à legitimação
de que goza a soberania popular e o Legislativo. O substancialismo leva à defesa de uma
Justiça Constitucional mais engajada, disposta a concretizar e materializar a Constituição.
As ideias de Dworkin, acerca da legitimação substancial da Justiça Constitucional,
baseiam-se no fato de que a moral faz parte do direito e de que, portanto, o juiz deve pautar a
sua atuação na defesa e implementação dos valores morais acolhidos pela sociedade e que
também integram o ordenamento jurídico. A atividade judicial deve levar apenas a uma única
decisão correta que assim será na medida em que incorporar as práticas sociais. Logo, a
função do Tribunal Constitucional seria garantir a proteção e promoção de direitos
fundamentais, por meio de uma decisão que acolhesse os valores morais que integram o
ordenamento e são acolhidos pela sociedade149.
André Ramos Tavares (2005, p.533) lembra que, para Dworkin, o princípio da maioria
só deveria ser aplicável às matérias sensíveis à escolha política, ou seja, àquelas que
envolvam questões políticas tais como empregar ou não dinheiro público na construção de
determinada estrada. Já em matéria relativa a direitos e liberdades (questões de princípio
político, para Dworkin) a decisão majoritária seria insuficiente para alcançar a “correção” e,
por isso, seria legítima a atuação do Tribunal Constitucional utilizando-se dos mesmos
métodos racionais dos demais tribunais.
Jürgen Habermas 150 , por outro lado, é um dos principais representantes da teoria
procedimentalista e defende que a função do Tribunal Constitucional seria a de assegurar os
procedimentos democráticos. O procedimentalismo surge como a teoria mais preocupada com
a preservação dos procedimentos democráticos e acredita que só respeitando-os a Justiça
Constitucional estará sendo efetiva.

149
O assunto é desenvolvido por Ronald Dworkin, em El Imperio de la Justicia (1992), p.44 e seguintes.
150
O assunto é desenvolvido por HABERMAS em Facticidad y Validez: sobre el Derecho y el Estado Democrático de
Derecho en Términos de Teoría del Discurso, 2005, p.311 e seguintes.
141

Para Habermas a decisão judicial não pode ser construída com base na premissa da
existência de uma única decisão correta, mas, deve ter por fundamento a possibilidade de
participação de todos os interessados, de maneira igualitária, na construção da decisão. A
função do magistrado, portanto, é promover a argumentação e a discussão (ação
comunicativa) de todos os interessados no processo. Assim, a função primordial da Justiça
Constitucional seria garantir o pleno desenvolvimento dos processos democráticos, pois

O Tribunal Constitucional não deve ser um guardião de uma suposta ordem supra
positiva de valores substanciais. Deve, sim, zelar pela garantia de que a cidadania
disponha de meios para estabelecer um entendimento sobre a natureza dos
problemas e a forma de sua solução. (STRECK, 2011, p.61)

Habermas vê diferença entre os princípios e os valores morais, entendendo que os


primeiros seriam normas cogentes, enquanto os segundos apenas preferências compartilhadas
da sociedade. Para ele, não existem valores universais e, por isso mesmo, a legitimidade da
Justiça Constitucional não poderia estar assentada em valores.
Em vez de conferir toda a responsabilidade da decisão ao juiz, que deveria escolher
quais valores acolher (valores que não são universais, mas apenas compartilhados por uma
parcela da sociedade, quiçá uma pequena parcela), Habermas substitui a legitimidade dos
valores por um processo comunicativo, criando um modelo de democracia constitucional que
não se fundamenta nem em valores compartilhados, nem em conteúdos substantivos, mas em
procedimentos que asseguram a formação democrática da opinião, que exige uma
participação política da sociedade.
Ao contrário do entendimento existente na Corte Constitucional Alemã, Habermas
defende que a Constituição não pode ser vista como uma ordem de valores, pois, se assim o
fosse, tratar-se-ia de um instrumento que estaria a impor a todos os cidadãos uma determinada
forma de agir, retirando deles a sua possibilidade de autodeterminação. A Constituição, por
outro lado, deve ser vista como uma norma que fixa os procedimentos democráticos por meio
dos quais os cidadãos poderão exercer a sua autodeterminação e busca, por meio da
argumentação e do discurso, estipular a forma de organização da sociedade e estabelecer o
que se deve entender pelo bem comum.
A função do Tribunal Constitucional, portanto, não seria assegurar imediatamente
determinados direitos, partindo do pressuposto de que todos compartilham do mesmo
entendimento, mas sim, garantir a possibilidade de autodeterminação dos cidadãos.
Habermas, inclusive, entende que o Tribunal se transforma em uma instância autoritária,
142

quando se conduz pela ideia de concretizar valores materiais constitucionais e que essa
invasão pelos tribunais do âmbito político desestimula uma atuação dos cidadãos voltada para
fins cívicos e faz com que o juiz seja considerado a fonte de esperança para a solução de todos
os problemas.
André Ramos Tavares (2005, p.533-534) expõe a tese procedimentalista defendida por
John Hart Ely para quem a atuação do Tribunal Constitucional estaria legitimada, mesmo que
atuasse contra as maiorias eventuais, quando conferisse proteção ao direito de participação
política e aos direitos e liberdades instrumentais a esse direito. Por outro lado, no que tange
aos valores fundamentais, a Justiça Constitucional teria de respeitar a vontade da maioria
representada pelas opções concretizadas pelo Legislativo, desde que este órgão atuasse dentro
do círculo democrático.
A adoção de uma postura procedimentalista é bastante adequada a um Estado que se
pretende democrático e que tem por base a autodeterminação dos cidadãos, pois evita a
adoção de uma postura paternalista do Estado (ou da Justiça Constitucional), colocando nas
mãos de cada um dos cidadãos a possibilidade de decidir e conduzir plenamente as suas vidas.
Tal posição privilegia a qualidade de sujeito de direito (e não de objeto) dos indivíduos, o que
é bastante saudável para o pleno desenvolvimento político e democrático do país.
A adoção pelo Tribunal Constitucional da teoria substancialista pode vir a infringir a
necessária separação entre juízo de constitucionalidade e juízo de decisão política, quando,
por meio da interpretação o julgador impuser a sua própria moralidade política. Considerar
legítima uma atuação do Tribunal Constitucional no sentido de anular lei do Poder Legislativo
produzida em conformidade com a Constituição, mas que poderia apresentar opções políticas
“melhores” ou “piores”, por estarem ou não de acordo com os valores morais, supostamente,
acolhidos pela sociedade, é admitir que a Justiça Constitucional está autorizada a fazer juízos
políticos e a substituir a interpretação constitucional do legislador pela sua interpretação
constitucional.
Por outro lado, não podemos entender que, mesmo adotando uma postura
substancialista, seja autorizada a prática de ativismos ou protagonismos judiciais a pretexto de
concretizar direitos. Pois, a verdadeira concretização só irá acontecer de fato na medida em
que estiver fundada na Constituição e não em critérios pessoais de conveniência política ou
moral.
A dimensão hermenêutica do Direito, e especialmente do Direito Constitucional,
sofreu um redimensionamento a partir do Constitucionalismo Contemporâneo com o
surgimento de textos constitucionais que positivam os direitos fundamentais e sociais. Para
143

tanto, foi significativa a adoção de um modelo de Estado Democrático de Direito151 ligado à


realização dos direitos fundamentais.
Em vista desse novo paradigma, que ocasionou o redimensionamento do Direito
Constitucional com a inclusão de normas de forte conteúdo social e programáticas, houve
também um redimensionamento da hermenêutica e do próprio papel da Justiça Constitucional
que, por mais que não possa ser uma instância na qual se tomam decisões políticas e de
governo 152 , deverá “servir como via de resistência às investidas dos Poderes Executivo e
Legislativo, que representem retrocesso social ou a ineficácia dos direitos individuais ou
sociais” (STRECK, 2011, p.70).
Acreditamos que a postura procedimentalista realmente tem o mérito de promover a
autonomia dos cidadãos, privilegiar um espaço de discussão pública e desenvolver os
institutos democráticos. No entanto, quando se adota um modelo de Constituição que prevê
amplos direitos e garantias fundamentais, individuais e sociais, e ainda normas de conteúdo
programático, é necessário que a atuação da Justiça Constitucional seja pautada por uma
postura também substancialista, porém, não sem reservas. Essa atuação substantiva deverá
encontrar seus limites nos programas e mecanismos constitucionais, não se sobrepor à atuação
dos demais órgãos e sempre respeitar as opções políticas feitas pelos órgãos competentes
dentro do marco constitucional, pois a decisão do Poder Judiciário não é mais nem menos
correta que a decisão política do Poder Legislativo ou Executivo. O juízo feito politicamente e
dentro dos parâmetros constitucionais para elaborar uma lei não pode ser objeto de
julgamento por parte do Judiciário que deverá se limitar a respeitar a opção política adotada.

5.6 Da Necessária Concorrência Funcional na Concretização da Constituição

O Tribunal Constitucional é o órgão responsável por se manifestar acerca da


constitucionalidade ou não de determinada norma, ao qual foi atribuída a função de interpretar
oficialmente as normas constitucionais. No entanto, isto não poderia lhe assegurar primazia na
estrutura orgânica do Estado Constitucional, mas assegurar-lhe-ia, apenas, o seu lugar,

151
Lenio Luiz Streck, com base nos ensinamentos de Elías Díaz, afirma que o Estado Democrático de Direito representa uma
verdadeira superação das noções anteriores de Estado Liberal e Estado Social, representando um novo modelo que pretende
uma profunda transformação no modo de produção capitalista com a sua substituição progressiva por uma “organização
social de características flexivamente sociais, para dar passagem, por vias pacíficas e de liberdade formal e real, a uma
sociedade onde se possam implantar superiores níveis reais de igualdades e liberdades” (STRECK, 2011, p.59). Assim, o
Estado Democrático de Direito se prestaria a uma transformação da estrutura econômica e social a partir de uma práxis
política e de uma atuação dos poderes públicos voltada a garantir e promover os direitos e liberdades fundamentais.
152
Lembremos que a função governativa jamais será exercida de forma autônoma e não tem relação com efetivamente o ato
de governar, mas apenas com o direcionamento da atuação da Justiça Constitucional para a consecução dos fins do Estado.
144

relevante e especificamente determinado no Estado Democrático. Ao Tribunal Constitucional


foi assegurada uma forma de atuar que lhe garante força para fazer vigorar suas decisões
frente aos demais órgãos; isso porém não é primazia.
A democracia participativa em um Estado Constitucional se desenvolve de forma
dinâmica e permite que a todo momento os órgãos produzam decisões, no âmbito de suas
competências, que podem se chocar com as decisões dos demais órgãos. O papel do Tribunal
Constitucional será relevante para afirmar, com base constitucional, qual das decisões deve
prevalecer em determinado momento, porém, não podemos afirmar que há primazia de um
sobre os outros, já que os demais órgãos também possuem papel relevante e determinante na
forma de atuar do Tribunal (a escolha dos membros do Tribunal passa pelo Executivo e
Legislativo; seu orçamento é aprovado pelo Legislativo e pode sofrer ajustes pelo Executivo;
o Legislativo é o órgão incumbido da função de constituinte derivado e tem a força de mudar
texto de norma constitucional, implicando alteração sobre a interpretação constitucional do
Tribunal, etc).
Nesse sentido, Dimitri Dimoulis e Soraya Lunardi (2013, p.348) observam que, nos
Estados Unidos, os críticos ao controle de constitucionalidade pelo Judiciário discordam da
tese da supremacia judicial utilizada, muitas vezes, como argumento legitimador pelas Cortes
Constitucionais. Quando o Tribunal Constitucional adota a ideia de supremacia judicial, ele
reivindica não só o exercício de suas competências, mas também o poder da última palavra e
não respeita as eventuais interpretações divergentes dadas pelos demais órgãos no legítimo
exercício de suas competências. Os autores lembram que

Os críticos consideram, ao contrario, que é necessário entender e aplicar o direito


constitucional com base na equivalência dos poderes estatais em assunto de
interpretação constitucional. É a tese conhecida como departmentalism ou
nonsupremacy. Isso permitiria preservar o poder do povo contra um possível
“despotismo” do Judiciário, mostrando que todas as interpretações dadas por
poderes estatais são igualmente respeitáveis, cada uma em seu momento e âmbito
de competência. (DIMOULIS; LUNARDI, 2013, p.348)

Por mais que se entenda ultrapassada a teoria da divisão de poderes conforme


concebida originalmente, há que se reconhecer que essa divisão continua existindo, mas sob
uma nova perspectiva. Não discordamos do relevantíssimo papel que o Tribunal
Constitucional ocupa no Estado, porém é tão significativo quanto o dos demais órgãos e não
um papel de primazia. Assim, deve-se continuar a prestar deferência ao princípio da
conformidade funcional, expresso em todas as Constituições, por meio das normas que
145

estabelecem a competência de cada um dos órgãos do Estado. Segundo Gomes Canotilho, o


princípio da conformidade constitucional

tem em vista impedir, em sede de concretização da Constituição, alteração da


repartição de funções constitucionalmente estabelecidas. O seu alcance primeiro é
este: o órgão (ou órgãos) encarregado da interpretação da lei constitucional não
pode chegar a um resultado que subverta ou perturbe o esquema organizatório-
funcional constitucionalmente estabelecido (Ehmke). É um princípio importante a
observar pelo Tribunal Constitucional, nas suas relações com o legislador e
governo, e pelos órgãos constitucionais nas relações verticais de poder
(Estado/regiões, Estado/autarquias locais). (CANOTILHO, 2003, p.1224-1225)

A opção da Constituição por adotar um Estado Democrático de Direito não é sem


sentido nem mera perfumaria política-jurídica, mas implica a observância necessária de
alguns princípios por parte dos órgãos constitucionais. A Constituição, como ordem jurídica
fundamental, confere aos Poderes públicos a medida e a forma para a prática dos seus atos.
Assim, todos os atos dos Poderes públicos devem estar em conformidade com o que dispõe a
Constituição, inclusive, no seu aspecto formal. Gomes Canotilho (2003, p.247), quando se
manifesta sobre o princípio da reserva de Constituição, especifica que, “os órgãos do estado
só têm competência para fazer aquilo que a constituição lhes permite” e, ainda que

Na definição do quadro de competência, as funções e competências dos órgãos


constitucionais do poder político devem ser exclusivamente constituídas pela
constituição ou, por outras palavras, todas as funções e competências dos órgãos
constitucionais do poder político devem ter fundamento na constituição e reduzir-
se às normas constitucionais de competência. (CANOTILHO, 2003, p.247)

Konrad Hesse (1983, p. 50), por sua vez, aponta como um dos princípios da
interpretação constitucional a necessidade de observância ao critério da correção funcional, ou
seja, se a constituição regula, de certa forma, a competência dos agentes e das funções
estatais, o órgão de interpretação deve manter-se no marco das funções que lhe são atribuídas
e não deve modificá-las por meio da interpretação. Esse princípio é fundamental nas relações
entre o Tribunal Constitucional e o legislador, pois ao Tribunal só compete, em relação ao
legislador, uma função de controle, sendo vedada qualquer interpretação que restrinja a
liberdade de conformação do legislador além dos limites estabelecidos na Constituição ou,
inclusive, uma conformação feita pelo próprio Tribunal. Assim, os órgãos constitucionais não
devem, por meio da interpretação, modificar a repartição, coordenação e equilíbrio de funções
e de tarefas estabelecidas pela Constituição.
146

Desta forma, não há primazia de um órgão sobre os outros. O que deve haver é a
atuação de cada um dentro dos limites de suas competências constitucionais sempre voltada
para concretizar a Constituição. Na expressão de André Ramos Tavares (2012b, p.67), deve
haver uma “concorrência funcional na concretização da Constituição”, pois

Ao juiz constitucional cumpre o papel didático de orientação geral do Estado no


cumprimento e implementação de direitos fundamentais. Opções políticas de não
implementação ou da (tradicional) situação de violação são ilegítimas do ponto de
vista da Constituição e devem sofrer a “intervenção” do juiz constitucional. Isso
também não significa que este deva se autoproclamar como instância exclusiva e
autossuficiente na implementação da Constituição e dos direitos fundamentais.
Ademais, algumas das “técnicas de decisão da Justiça Constitucional” (v. Tavares,
2007: 249-63) nitidamente demonstram uma dimensão de respeito diuturno para
com as opções validamente consagradas pelo parlamento, podendo ser
apresentadas como “convites ao diálogo interinstitucional” (Rothenburg, 2007:
436) ou verdadeiras práticas de uma autolimitação judicial (cf. Schneider, 1991:
214). A referência à aplicação dessas técnicas é incompatível com a concepção
que defenda um grau máximo (exclusivo e global) da atuação da Justiça
Constitucional. (TAVARES, 2012b, p.70)

Embora a interpretação da Constituição pelo Tribunal Constitucional se agregue ao


conteúdo das normas constitucionais, o legislador, ao atuar conforme suas competências
constitucionais ordinárias ou na qualidade de constituinte derivado, poderá editar textos
normativos contrários às decisões interpretativas do Tribunal, ainda que seja deferido ao
Tribunal vir a declarar, novamente, tais normas inconstitucionais. Essa relação de eventual
contraposição entre Legislativo e o juiz constitucional, faz parte do processo democrático e é
o que proporciona a evolução de entendimentos e posições adotadas por ambos.
Consideramos fazer parte do “jogo democrático” que os órgãos do Estado apresentem,
por vezes, uma atuação dialética e o desenvolvimento social e democrático dessa
contraposição pode levar a uma atuação dialógica. São precisas as palavras de Jutta Limbach
no sentido de que “democracia não é consenso, mas sim, conflito”153.
Por isso é que consideramos válida a atuação do Legislativo ao emitir “respostas
legislativas”, ou seja, em sentido contrário a uma decisão do Tribunal Constitucional que
declara a inconstitucionalidade de determinada norma.
Victor Ferreres Comella defende que a reforma da Constituição é um meio de resposta
da comunidade política a uma determinada interpretação judicial. Porém, pode trazer os
inconvenientes de elevar o nível da lei invalidada pelo juiz, ou remeter ao legislador ordinário

153
Frase proferida por Jutta Limbach na abertura de sua conferência no I Congresso Direitos Humanos - Brasil e
Alemanha Concordâncias e Diferenças, no Centro Universitário UNIFIEO, de 20 a 22 de outubro de 2011, cujos anais não
estão disponíveis ainda.
147

a concreção de determinado direito abstrato que provocou a controvérsia, excluindo o seu


conteúdo da Constituição.
O autor aponta também um segundo tipo de resposta sem esses inconvenientes, a
“resposta legislativa”, que consiste na edição de uma nova lei, com o mesmo conteúdo
daquela declarada inconstitucional pelo Tribunal, com a finalidade de provocar mais debates e
mudar a linha jurisprudencial do Tribunal. Para admitir essa repetição de uma lei extirpada do
ordenamento, o autor considera necessário ter transcorrido um prazo razoável desde a decisão
do Tribunal. É ideal, inclusive, que tenha havido a eleição de um novo parlamento e que o
sistema jurídico possa, então, promover a evolução da jurisprudência constitucional. O autor
afirma que a resposta legislativa é essencial para modificar a jurisprudência favoravelmente
ao legislador. (COMELLA, 2003, p.340-342)
Ainda conforme esse entendimento, Lenio Luiz Streck (2001, p.191) observa, com
apoio em Antonio Manuel Penã Freire – ao considerar que a Justiça Constitucional deve atuar
de forma substantiva na implementação de direitos fundamentais – que o juiz constitucional
deve participar do diálogo coletivo com a incumbência de recordar aos cidadãos o peso de
certos direitos e de enriquecer o debate com argumentos e pontos de vista que não tiveram
espaço na discussão parlamentar

Por isso, o peso do controle de constitucionalidade deve ser compensado com o


poder dos órgãos políticos de “responder” de algum modo aos juízes
constitucionais, já que, de outro modo, a instituição do controle judicial perderia a
sua legitimidade. Em suma, acrescenta o autor, pode não ser razoável que o órgão
de controle de constitucionalidade tenha a última palavra sobre o alcance e os
limites dos nossos direitos, porém, desde logo, o que me parece conveniente é que
tenha a palavra. (STRECK, 2011, p.191-192)

Os Tribunais Constitucionais têm grande poder de conformação, principalmente,


porque a própria Constituição é incompleta justamente para possibilitar a sua adequação à
evolução social. Essa adaptação das normas constitucionais aos novos tempos também pode
ocorrer pela interpretação feita pelos tribunais, razão pela qual “A jurisdição constitucional,
tal como a ciência jurídica, não são meras ‘retardatárias’ em relação à realidade política: têm a
competência e força necessárias para direcionar e ‘melhorar’ (ainda que limitadamente) essa
realidade” (HÄBERLE, 2007, p.77-78). Também na perspectiva do mesmo autor, todos são
intérpretes legítimos da Constituição, pois quem vive a norma acaba por interpretá-la

Isso significa que a teoria da interpretação deve ser garantida sob a influência da
teoria democrática. Portanto, é impensável uma interpretação da constituição sem o
cidadão ativo e sem as competências públicas mencionadas. Todo aquele que vive
no contexto regulado por uma norma e que vive com esse contexto é, indireta ou, até
148

mesmo diretamente, um intérprete dessa norma. O destinatário da norma é


participante ativo, muito mais ativo do que se pode supor tradicionalmente, do
processo hermenêutico. Como não são apenas os intérpretes jurídicos da
Constituição que vivem a norma, não detêm eles o monopólio da interpretação da
Constituição. (HÄBERLE, 2002, p.14-15)

Assim, o Tribunal Constitucional deve atuar para cumprir e proteger o seu papel de
defensor da Constituição e é saudável que os cidadãos tenham confiança e credibilidade no
órgão que exerce essa função. Porém, essa confiança e credibilidade não podem ser tamanhas
que retirem a necessária interação da sociedade com o Legislativo. Nesse sentido, a
observação de Peter Häberle

Mesmo assim, o forte enraizamento da jurisdição constitucional na ética e na vida


dos cidadãos, especialmente em relação à reclamação constitucional, sua ação em
prol da identificação dos cidadãos com a Constituição e, dessa forma, sua
participação na cultura política possuem um aspecto negativo: a jurisdição
constitucional sob a Lei Fundamental pode também ser indício de desconfiança
apolítica em relação à democracia e de confiança desproporcional na
jurisprudência. A crença alemã na jurisdição constitucional não pode implicar
descrença na democracia. Em outras palavras, a atual relação positiva com a
jurisdição constitucional não pode se tornar absoluta. Não deve ter como reflexo
uma relação negativa com o pluralismo dos interesses pluralísticos, com as –
necessárias – situações de conflito limitado, com as atividades do processo
político-democrático público. Muito menos pode permitir uma falta de relação,
como se diz nos romances. Essa reflexão indica o grande número de tarefas que os
políticos, os servidores públicos, os educadores, os pensadores republicanos, os
cidadãos, todos nós devemos desempenhar em relação à nossa ordem
fundamentada na liberdade – sem que isso retire da jurisdição constitucional parte
do seu brilho. Não apenas a jurisdição constitucional, mas todos nós somos,
politicamente, “guardiões da Constituição”! (HÄBERLE, 2007, p.81)

Para Häberle (1997, p. 30), a interpretação da Constituição é uma atividade que diz
respeito a todos, mesmo intérpretes indiretos ou em longo prazo. Trata-se de um processo
aberto que conhece possibilidades e alternativas. A vinculação converte-se em liberdade na
medida em que reconhece uma nova orientação hermenêutica que contraria a lógica da
subsunção. Há a necessidade de integrar a realidade no processo de interpretação, que gera,
como consequência, a ampliação do círculo do intérprete.
As Cortes Constitucionais, portanto, possuem um campo bastante extenso no qual
podem atuar para implementar a defesa das normas constitucionais. No entanto, essa
possibilidade de adequar a interpretação constitucional à realidade social não pode ir além dos
limites do texto constitucional e deve respeitar a atuação e o relevante papel desempenhado
pelo Legislativo em um Estado Constitucional e Democrático de Direito. Sobre o assunto,
Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins concluem que
149

as considerações e finalidades políticas, por mais urgentes que sejam, nunca


devem contrariar normas jurídicas vigentes, sob pena de ilegalidade ou
inconstitucionalidade, algo que exprime o disciplinamento jurídico da política, isto
é, sua submissão ao império da lei.
(...)
entre todas as autoridades estatais, o legislador ordinário é o primeiro
concretizador da Constituição e, consequentemente, o órgão que possui o maior
poder discricionário de tomada de decisões com critérios políticos, não podendo as
demais autoridades contrariar suas decisões por simples motivo de discordância ou
inconveniência política (que pode também se apresentar como discordância moral,
científica, estética etc).
(...)
essas considerações indicam a necessidade de se evitarem construções teóricas e
decisões que desrespeitem essa forma de divisão de tarefas. A necessidade de
autocontenção do Poder Judiciário no exercício de suas competências corresponde
à necessidade de se respeitar o espaço político que foi concedido ao legislador pela
própria Constituição. O critério para tanto é o próprio texto constitucional. O
Judiciário nunca poderá, recorrendo a “ponderações”, decidir de forma a contrariar
a decisão do legislador, exceto quando isso fundamentar-se diretamente no texto
constitucional.
(...)
O exame de proporcionalidade e a hermenêutica constitucional em geral devem
respeitar suas próprias limitações, evitando intervir no campo do poder
discricionário do legislador. O Poder Judiciário não é um legislador que decide
politicamente em instância recursal. Ele só pode modificar a decisão legislativa se
houver um argumento racional, o qual permita fundamentar a incompatibilidade
entre a lei e a Constituição. (DIMOULIS; MARTINS, 2012, p.216-217)

Nesse sentido, acredita-se em um Estado, no qual todos os órgãos devem atuar dentro
dos limites de suas competências constitucionais, respeitando a importância e a relevância dos
demais órgãos, havendo uma “concorrência funcional na concretização da Constituição”
(TAVARES, 2012b, p.67).
Se uma atuação assim gerar uma eventual contraposição entre o entendimento de dois
órgãos, é preciso reconhecer que a norma de fechamento constitucional vigente prevê,
naquele dado momento, que a interpretação do Tribunal Constitucional terá a função de
validar ou invalidar a compreensão dos outros órgãos quanto aos assuntos de natureza
constitucional, desde que o Tribunal não invada o âmbito de atuação político exclusivo dos
demais Poderes. Essa regra de fechamento do sistema é o que se poderia denominar de última
palavra provisória.
Todavia, o assunto não está decidido definitivamente no tempo, dado que nada impede
seu amadurecimento, por meio de novos debates, principalmente com a participação da
sociedade, podendo o Parlamento trazê-lo novamente para a discussão ao editar uma nova
norma. Corroborando tal raciocínio, Conrado Hubner Mendes afirma:

Cortes e parlamentos têm responsabilidades deliberativas, e podem desafiar-se


mutuamente a exercê-las. Isso não é feito sem conflito, incerteza ou risco de erro.
Suponho que elas possam ser consideradas mais ou menos legítimas a depender de
150

seu respectivo desempenho. Por ser este um critério consequencialista de


legitimidade, traz complexidade à separação de poderes.
Até aqui, sustentei basicamente que a instituição com o melhor desempenho
deliberativo sobressai-se na competição pelo melhor argumento e tem legitimidade
para desafiar a outra. No entanto, essa proposição parece simplista e causa
inúmeros problemas práticos. O mais óbvio deles é: e se as duas utilizarem da
razão pública, fizerem um claro esforço de maximização de seu desempenho e,
ainda assim, discordarem?
Uma resposta seria: prevalece, no final das contas, aquela que tiver a prerrogativa
da última palavra provisória. Num sistema de controle de constitucionalidade, a
corte, portanto. Todavia, se, em outra perspectiva temporal, há circularidade, e se a
instituição derrotada – o parlamento – poderá sempre reiniciar uma nova rodada,
não caberia à corte deferir? No extremo do desacordo sincero, engendrado pela
razão pública, seria possível sustentar que a instituição com o melhor pedigree
deve ter um trunfo especial?
Essa aparenta ser uma questão fundamental de qualquer teoria do diálogo. Se a
última palavra provisória não impede novas rodadas procedimentais, significa que
a estabilização de um determinado tema coletivo ocorreria somente a partir de
alguma acomodação entre os dois poderes, ou quando um deles aceitar a posição
do outro (a qual, a propósito, pode ser resultado de seguidas negociações
argumentativas de rodadas anteriores). A abdicação judicial na situação-limite
talvez fosse uma defesa normativa plausível. A corte daria ao parlamento o
benefício da dúvida. No entanto, este cenário é mais especulativo do que realista.
Com maior frequência, poderes reduzem progressivamente o desacordo, fazendo
concessões recíprocas. É um jogo político, mas nada impede que uma deliberação
genuína influencie o processo. (MENDES, 2008, p 205-206)

Sendo os dois órgãos protagonistas de um eventual conflito e ocupantes de relevante


papel no Estado Democrático, devemos considerar que a decisão de ambos terá sua fonte de
legitimação direta da Constituição, de modo que a solução jamais poderá ser encontrada pela
aplicação da ideia de primazia de um sobre o outro. Percebemos, portanto, que essa tensão
permanente entre o Tribunal Constitucional e o Poder Legislativo é inerente ao processo
contínuo de formação da vontade política. E é durante esse processo de densidade deliberativa
que se deve buscar a “última palavra” naquele órgão que melhor argumentar as suas razões.

5.7 Formas de Intervenção da Justiça Constitucional no Âmbito Político

Conforme mencionamos diversas vezes, o aporte teórico do Constitucionalismo


Contemporâneo incorporou as ideias de normatividade e supremacia constitucional e
desenvolveu uma nova forma de interpretar a Constituição que incorporou definitivamente a
necessidade de concretizar os direitos fundamentais como peça essencial no desenvolvimento
da atividade interpretativa.
A Constituição contemporânea não se limita a legitimar e repartir as competências de
governo, mas é uma norma dotada de alta carga valorativa que prevê normas de conteúdo
principiológico que, por sua vez, contém diversos direitos fundamentais. Esse conteúdo
151

axiológico e principiológico das Constituições é normalmente vazado em termos vagos,


abertos e abstratos. Essa abstração e imprecisão das normas constitucionais é necessária,
tendo em vista a pretensão de perpetuação da Constituição e a necessidade de se adaptar às
diversas situações sociais. A Constituição se apresenta como norma incompleta justamente
para permitir a sua atualização e perpetuação ao longo do tempo. Essa abertura da
Constituição permite que ela incorpore o elemento espiritual do seu tempo e considere os
elementos sociais, políticos e econômicos dominantes, possibilitando a manutenção da sua
força normativa. (HESSE, 1991, p.21)
Essa textura aberta das normas Constitucionais também é responsável por elevar o
debate em torno dos limites da atuação da Justiça Constitucional. O que não podemos aceitar
é uma concepção de Justiça Constitucional ilimitada e em grau máximo, sob o argumento de
que seria ela o órgão responsável por dar a última palavra sobre a interpretação das normas
constitucionais.
Conforme já defendemos, a argumentação jurídica e a política são dotadas de
racionalidade; Tribunal Constitucional e legislador têm o ônus de concretizar a Constituição
de forma compartilhada, sem a primazia de nenhum órgão. A dinâmica da democracia
constitucional impõe uma atuação dialógica desses dois órgãos (ainda que, em diversos
momentos, em pontos de tensão anteriores à chegada de uma síntese, seja inevitável uma
atuação dialética). De forma que o Tribunal Constitucional terá sim uma palavra na definição
do alcance e dos limites dos direitos constitucionais, não obstante, não se deva considerar que
seja a última manifestação em definitivo.
Reconhecemos que ao atuar de forma substantiva, para implementar direitos e
garantias fundamentais, a Justiça Constitucional interfere no âmbito de opções políticas,
especialmente, quando o Legislativo ou o Executivo não atuam ou o façam de forma
deficiente para dar cumprimento aos comandos constitucionais, sem nenhuma razão
constitucional relevante para tanto. Essa intervenção legítima da Justiça Constitucional no
âmbito político se dá, principalmente, por meio das decisões intermediárias 154 , a seguir
mencionadas.

154
Decisões intermediárias, também chamadas de decisões de calibragem, são aquelas proferidas pela Justiça Constitucional
que estão em uma zona intermediária entre decisões que declaram de forma integral a inconstitucionalidade ou a
constitucionalidade da norma. Trata-se de uma técnica decisória criada pela Corte Constitucional italiana utilizada para
calibrar os efeitos de suas decisões no controle de constitucionalidade, de modo que as mesmas fiquem mais adequadas a
solucionar o caso específico. São normalmente utilizadas quando o Tribunal se depara com situações em que a declaração de
constitucionalidade ou inconstitucionalidade da norma não privilegia a manutenção da segurança jurídica, da isonomia ou da
proporcionalidade necessárias ao sistema jurídico. São decisões que acabam implicando, em alguma medida, na interferência
sobre o conteúdo normativo dos dispositivos legais analisados e impõem variações interpretativas das normas, em detrimento
de outras que também se poderiam extrair. O Tribunal Constitucional profere tais decisões, em casos de inconstitucionalidade
por ação, quando atua relativizando a eficácia retroativa das decisões por inconstitucionalidade ou, quando declara a
152

Porém, ainda que uma atuação substantiva da Justiça Constitucional seja necessária,
não é possível aceitar discricionariedades e decisionismos. Por isso, as decisões
intermediárias devem ser utilizadas com cautela, dentro dos limites do exercício do juízo de
constitucionalidade e, nesse largo espaço que o juízo de constitucionalidade comporta, deve
frutificar a argumentação racional que serve de base a uma doutrina da interpretação no
Constitucionalismo Contemporâneo. Reiteramos que não podemos confundir a necessária
intervenção da Justiça Constitucional com a possibilidade de arbitrariedades e decisionismos.
Sempre o limite dessa intervenção estará no texto da Constituição.

5.7.1 Sentenças interpretativas

As sentenças interpretativas são resultado da conjugação de dois princípios: do


princípio segundo o qual sempre se deve procurar a conservação das leis no ordenamento
jurídico com o da necessidade de que todas as normas devem sempre ser interpretadas em
conformidade com a Constituição. Segundo este último (que, por sua vez, decorre da
supremacia da Constituição) um preceito legal só deve ser declarado inconstitucional se não
admitir nenhuma interpretação que o compatibilize com a Constituição. Por outro lado, se
houver a possibilidade de ser dada à norma uma interpretação compatível ao texto
constitucional, sua vigência deve ser preservada.
As sentenças interpretativas, portanto, são aquelas que conjugam a primazia da
Constituição e a necessidade de se preservar as leis e, portanto, não anulam o texto da norma,
permitindo que ele continue vigente, sempre que seu conteúdo admita alguma interpretação
conforme a Constituição ou desde que não se atribua ao texto uma interpretação considerada
inconstitucional pelo Tribunal. Marina Gascón Abellán define sentenças interpretativas
conforme o conceito do Tribunal Constitucional espanhol, segundo o qual seriam sentenças
interpretativas aquelas que

rechazan una demanda de inconstitucionalidad o, lo que es lo mismo, declaran la


constitucionalidad del precepto impugnado en la medida en que se interprete en el
sentido que el Tribunal constitucional considera como adecuado a la constitución o

constitucionalidade da norma e fixa a interpretação constitucionalmente adequada; ou, ainda, ao restringir os efeitos
temporais da decisão de inconstitucionalidade, ao afastar o efeito repristinatório; ao utilizar a técnica da interpretação
conforme a Constituição, da declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto, do apelo ao legislador, da
declaração de inconstitucionalidade sem pronúncia de nulidade, da declaração de norma ainda constitucional em trânsito para
a inconstitucionalidade.
153

155
no se interprete en el sentido (o sentidos) que considera inadecuados.
(ABELLÁN, 2003, p.175)

As sentenças interpretativas formalmente rejeitam o pedido de declaração de


inconstitucionalidade da norma, porém, acabam acolhendo, em certa medida, a
inconstitucionalidade de certos sentidos considerados incompatíveis com a Constituição. Ou
seja, o Tribunal determina, ao mesmo tempo, quais os que devem ser acolhidos e afastados da
interpretação da lei.
Por ser a tarefa de interpretação da Constituição atribuída à Justiça Constitucional,
quando atua no exercício, principalmente, da função estruturante, o Tribunal Constitucional
acaba exercendo a tarefa de interpretar também as normas da legislação ordinária, o que seria
da competência da jurisdição ordinária. Porém, estando ambas as interpretações
(constitucional e da legislação) intrinsecamente ligadas, deve ser reconhecida a possibilidade
de o Tribunal proferir sentenças interpretativas, ainda que ingresse no juízo de legalidade que
não lhe é próprio. Além de haver uma invasão do âmbito da decisão política, há também outra
do âmbito do juízo de legalidade inerente à legislação ordinária. Gomes Canotilho observa
acerca da interpretação conforme a constituição que este tipo de interpretação

só permite a escolha entre dois ou mais sentidos possíveis da lei mas nunca uma
revisão do seu conteúdo. A interpretação conforme à constituição tem, assim, seus
limites na “letra e na clara vontade do legislador”, devendo, “respeitar a economia
da lei” e não podendo traduzir-se na “reconstrução” de uma nova norma que não
esteja devidamente explícita no texto. (...) Pelo contrário, a alteração do conteúdo
da lei através da interpretação pode levar a uma usurpação de funções,
transformando os juízes em legisladores activos. Se a interpretação conforme a
constituição quiser continuar a ser interpretação, ela não pode ir além dos sentidos
possíveis resultantes do texto e do fim da lei. Por outras palavras: a interpretação
conforme a constituição deve respeitar o texto da norma interpretanda e os fins
perseguidos através do acto normativo sujeito a controlo. (CANOTILHO, 2003,
p.1311)

Marina Gascón Abellán (2003, p. 175-176) afirma que, mediante a aplicação dessa
técnica, o Tribunal Constitucional mais se aproxima de um tribunal supremo, em razão do
risco de que, sob o pretexto de dar uma interpretação conforme, acabe dando a “melhor”
interpretação da lei, em detrimento de outras igualmente constitucionais. Assim, a autora
afirma que os limites que separam a interpretação conforme da “melhor” interpretação são
imprecisos e, por isso, essa técnica deve ser utilizada sempre junto ao exercício do self-
restraint. Com a escusa da interpretação conforme, o Tribunal pode acabar impondo uma

155
Tradução livre: “rechaça uma demanda de inconstitucionalidade ou, o que é o mesmo, declaram a constitucionalidade do
preceito impugnado na medida em que se interprete no sentido que o Tribunal constitucional considera como adequado à
constituição ou não se interprete no sentido (ou sentidos) que considera inadequados.”
154

outra que claramente não se deduz de seu texto, ultrapassando os limites da interpretação
conforme (quando o Tribunal profere interpretações plausíveis da lei) para realizar uma
alteração judicial do ordenamento invadindo o âmbito que a Constituição reserva ao
legislador. Quando o Tribunal avança este limite, surgem as sentenças manipulativas.

5.7.2 Sentenças manipulativas

A possibilidade do Tribunal Constitucional adotar uma sentença manipulativa


evidencia a invasão do âmbito de decisão política por parte da Justiça Constitucional. Essas
sentenças manipulativas são proferidas quando não há nenhuma interpretação plausível do
preceito legal impugnado compatível com a Constituição. Ocorre que, mesmo constatando
que a norma legal é incompatível com o texto constitucional, o juiz constitucional considera
adequada ou conveniente a manutenção da vigência de tal preceito. Para manter esse preceito
legal inconstitucional vigente, o Tribunal pode lançar mão de dois tipos de sentenças
manipulativas: i) aquelas que manipulam o texto da lei para provocar uma interpretação
conforme o mesmo (anulando um inciso, uma ou várias palavras do texto para mudar o seu
156
sentido) ii) aquelas que manipulam diretamente sua interpretação, forçando as
possibilidades interpretativas do texto (interpretação contra legem) para resultar compatível
com a Constituição157.
As sentenças manipulativas são um caso especial de pronunciamento interpretativo,
pois excluem certa interpretação da lei e impõem outra. A interpretação pode recair sobre o
programa normativo, gerando as sentenças substitutivas, ou sobre o âmbito de aplicação,
dando ensejo às sentenças redutoras ou aditivas.
As decisões substitutivas são aquelas nas quais há a substituição de uma interpretação
plausível e compatível com o texto da norma, mas que é inconstitucional, por outra que,
claramente, não deriva do preceito, porém, é compatível com a Constituição.
As sentenças redutoras são aquelas cujo âmbito de aplicação da norma é reduzido por
meio da interpretação. Neste caso, a regra deixa de ser aplicável a uma ou mais hipóteses
compreendidas originariamente no enunciado abstrato para haver adequação do seu conteúdo
à norma constitucional.

156
Nesse tipo de sentença manipulativa se inclui a declaração de inconstitucionalidade parcial com redução de texto.
157
Nesse tipo de sentença manipulativa se inclui a declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto. Neste
caso, a ação direta de inconstitucionalidade é julgada parcialmente procedente, sendo o ato normativo declarado
inconstitucional, se aplicável a determinada hipótese fática. Aqui, o tribunal irá eliminar as hipóteses de aplicação
incompatíveis com a Constituição, reduzindo o programa normativo, sem alterar a expressão literal da norma jurídica
155

Já as aditivas são aquelas nas quais, pela interpretação, ocorre uma extensão das
hipóteses de aplicação da norma para torna-la compatível com a Constituição. As sentenças
aditivas supõem o reconhecimento da inconstitucionalidade por omissão, pois parte do
pressuposto de que o dispositivo legal deixou de abordar algo imposto pela Constituição. Para
solucionar essa omissão, a sentença acrescenta, por via interpretativa, a hipótese que está
faltando. Assim, a sentença aditiva é aquela que estende a aplicação de um preceito legislativo
a uma hipótese não prevista até então, sendo que, sem a referida extensão o preceito
continuaria inconstitucional.
Dimitri Dimoulis e Soraya Lunardi (2013, p.274-275), com base na doutrina italiana,
subdividem as decisões manipulativas aditivas em duas categorias: as de garantia ou de
prestação “tomadas quando a Corte Constitucional acrescenta à norma um dispositivo que diz
respeito ao exercício de um direito fundamental, de cunho negativo (direito de liberdade) ou
social” e as de princípio ou dispositivo genérico proferidas quando a inconstitucionalidade
“pode ser sanada pela criação de vários dispositivos, não cabendo à Corte escolher o mais
adequado. Nesse caso, pronuncia-se a inconstitucionalidade por omissão e se declara a
necessidade de supri-la, deixando a escolha a critério do juiz da causa.”
A justificativa para adotar sentenças manipulativas aditivas é promover o princípio da
igualdade. Marina Gascón Abellán (2003, p.178), porém, observa que a igualdade também
poderia ser privilegiada se o juiz constitucional simplesmente anulasse o preceito. No entanto,
esclarece que, na medida em que opta não por anulá-lo integralmente, mas sim estendê-lo a
determinadas hipóteses não previstas, é porque entende que a ausência total do preceito traz
prejuízos imediatos a todos os beneficiários da norma. Assim, evidencia-se a atuação do
Tribunal na qualidade de legislador positivo, visto que cria uma nova lei para os aplicadores
do Direito que não foi desejada pelo legislador. Para a autora, essa atuação não é aceitável,
posto que subtrai do legislador competências que lhe são próprias e traz uma situação de
insegurança jurídica com consequências não previstas e nem almejadas por essa interpretação
constitucional.
A autora preceitua, porém, que as sentenças manipulativas, por serem mecanismos que
ultrapassam os limites da Justiça Constitucional, só são admissíveis quando produzem normas
constitucionalmente exigidas, ou seja, quando a norma que deriva da sentença obedece à
necessidade de proteger algum bem ou valor constitucional e ainda não exista outra forma de
fazê-lo que não a estabelecida na sentença. Nestes casos, é indiferente que a integração
constitucional seja efetivada pelo juiz constitucional ou pelo legislador. No entanto, não
estando preenchidos os requisitos acima, o Tribunal deveria limitar-se a declarar a
156

inconstitucionalidade do preceito, mesmo que o fizesse sem a declaração da nulidade da


norma, pois cumpriria sua função estruturante, porém, deixando para o legislador reparar a
situação de inconstitucionalidade pela via legislativa. (ABELLÁN, 2003, p.179)
Essa atividade legislativa do Tribunal Constitucional poderá ser admitida quando
verificamos que a Constituição, em determinada matéria, não deixou margem de conformação
ao legislador, determinando a regulamentação em um certo sentido e o legislador houver
editado norma desrespeitando o comando constitucional (indo além ou aquém deste). É
necessário, para haver uma atuação do Tribunal neste sentido, que a “vontade constitucional”
seja bem clara e que o comando legal tenha desrespeitado essa intenção constitucional.
Com esse posicionamento nos parece que, mesmo ante uma atuação manipulativa do
Tribunal Constitucional, deve-se dar prevalência à efetividade da Constituição e à proteção de
sua supremacia, que não poderia ter sido obtida de outro modo senão mediante a utilização
das sentenças manipulativas, mesmo extrapolados os limites impostos à Justiça
Constitucional.

5.8 A Existência de um Código de Processo Constitucional como Forma de Limitação da


Atividade da Justiça Constitucional

Uma das funções do Tribunal Constitucional é a arbitral, segundo a qual a este órgão
competirá dirimir os conflitos de atribuição entre os demais órgãos do Estado, e fixar o limite
das competências constitucionais elencadas a cada um. Em decorrência dessa função arbitral,
caberá à Justiça Constitucional fixar as dimensões e os limites de sua atuação o que, muitas
vezes, acontece sem parâmetros objetivos.
A atuação da Justiça Constitucional quando desenvolve suas funções típicas158 se dá
por meio de processos 159 regidos por normas inseridas em uma categoria diferenciada dos

158
Adotamos neste trabalho o entendimento de que são funções típicas da Justiça Constitucional as funções interpretativa,
estruturante, arbitral, legislativa, governativa e “comunitarista”.
159
O Direito Processual, de forma geral, apenas passou a ser considerado disciplina autônoma em meados do século XIX, por
obra, principalmente, de Oskar Von Bülow. A afirmação do estudo do processo civil e penal se deu já nas primeiras décadas
do século XX. Nessa época, não foi possível o desenvolvimento de uma teoria do processo constitucional, dado que ainda
não havia o reconhecimento da supremacia e normatividade da Constituição. Somente após o reconhecimento do valor
jurídico da Constituição, principalmente, após a Segunda Guerra Mundial, houve um maior desenvolvimento do estudo dos
processos pelos quais se daria a defesa e implementação das disposições constitucionais. Os processualistas da época, porém,
não se dedicaram ao estudo das formas de implementação e concretização constitucional pela via judicial, o que acabou
sendo levado a efeito pelos próprios constitucionalistas e propiciou a unificação do estudo da parte substancial da
Constituição e da parte processual (que trata da defesa e implementação da Constituição), passando as duas a serem tratadas
exclusivamente como parte do Direito Constitucional. Mesmo ainda no século XX, quando os âmbitos substancial e
processual da Constituição eram estudados como parte do mesmo objeto, já foi possível perceber a necessidade de se fazer
uso de processos específicos destinados à defesa dos valores constitucionais. A partir dessa percepção, que teve como
precursor Niceto Alcalá-Zamora y Castillo, começou-se a utilizar a denominação “processo constitucional” para esse tipo de
atuação voltada à implementação direta da materialidade constitucional. O reconhecimento da existência de um processo
constitucional decorreu da conclusão de que se estaria tratando de um método de atuação do Estado, consubstanciado no
157

processos civil e penal, razão pela qual considerou-se adequado denominar àquele por meio
do qual atua a jurisdição constitucional de processo objetivo. Chegou-se ao entendimento de
que para defender valores constitucionais seria necessário exercer uma jurisdição ordinária e
contenciosa e adotar, pela Justiça Constitucional, certos procedimentos específicos que
caracterizariam este processo objetivo.
Esse processo constitucional ou objetivo tem por fim a realização direta (e não
incidental ou secundária) da Constituição e se dá por meio da Justiça Constitucional, quando
atua no exercício de todas as suas funções típicas. Assim, não é qualquer tipo de realização
constitucional operada indiretamente por qualquer magistrado no exercício da função
jurisdicional que se constituirá em objeto do processo constitucional.
Importante observarmos que, mesmo que as características desse processo objetivo
variem, a depender da função exercida pelo Tribunal Constitucional, ele sempre será diverso
do processo comum, em razão da peculiaridade da matéria, das partes envolvidas e do
interesse relativo às disputas intersubjetivas e de índole pessoal que caracterizam a matéria
objeto do processo comum e que não estão presentes no processo objetivo.
Outro fator de distanciamento entre os processos objetivo e comum encontra-se na
finalidade que se busca atingir com o primeiro, qual seja “a certificação, manutenção e
ratificação da supremacia constitucional contra todos os comportamentos normativos ou não
que dela se desviem” (TAVARES, 2005, p.393). Dimitri Dimoulis e Soraya Lunardi (2013,
p.10) afirmam “Temos um verdadeiro processo constitucional quando a atuação processual
objetiva diretamente preservar a supremacia da Constituição”.
Podemos afirmar que o processo é objetivo, pois não se pretende com ele privilegiar
esse ou aquele interesse, mas preservar a ordem constitucional. Há uma preocupação com a
restauração da ordem constitucional, com a prevalência da Constituição e com a sua
imposição sobre todos os comportamentos. O que se pretende é “a proteção da Constituição
objetivamente considerada como interesse exclusivo” (TAVARES, 2011, p.274).
O grande debate em torno do processo objetivo por meio do qual atua a Justiça
Constitucional está ligado à ausência de regulação legal deste procedimento. Normalmente,
não há previsão nos ordenamentos jurídicos de uma legislação que estipule a forma pela qual

encadeamento lógico de atos destinados a obtenção de uma tutela jurisdicional protetiva da supremacia constitucional, dos
direitos fundamentais e, ainda, da distribuição horizontal e vertical do poder político. Passou-se, então, a ser utilizada a
denominação Direito Processual Constitucional para o estudo dos instrumentos processuais garantidores do cumprimento das
normas constitucionais (proteção da materialidade constitucional: supremacia constitucional, direitos fundamentais e
distribuição horizontal e vertical do poder político) e a denominação Direito Constitucional Processual para o estudo
sistemático dos conceitos, categorias e instituições processuais consagrados na Constituição.
158

deverá ser exercida a jurisdição constitucional 160 . Essa ausência de parâmetros objetivos
acaba sendo suprida pelo próprio Tribunal Constitucional à medida que os problemas
processuais vão aparecendo, porém

Esquece-se o papel balizador do processo objetivo, cujas regras previamente


assentadas podem chegar ao ponto de manipular o resultado ou atuação em geral
da Justiça Constitucional e de seu relacionamento com os demais “poderes” (v.
Baracho, 1984: 345 e ss.). Olvida-se, neste último sentido apresentado, que a
instrumentalização da Justiça Constitucional pode revelar consequências para o
próprio resultado da atuação da justiça Constitucional (e que , por esse motivo,
tal instrumentalização não é neutra ou isenta de opções). (TAVARES, 2012b,
p.161)

Na ausência de unidade metodológica e principiológica, portanto, é a jurisprudência


quem acaba ocupando um espaço próprio da técnica legislativa, suprindo as lacunas e
desenvolvendo os mais diversos institutos para proporcionar a efetiva concretização dos
direitos. Essa atuação legislativa inovadora do Tribunal Constitucional, porém, não é
adequada.
O redimensionamento das funções da Justiça Constitucional, em face da maior
necessidade de concretizar os direitos fundamentais que estão fora do alcance da decisão
política dos Legislativos, elevou o debate em torno dos limites a atuação do juiz
constitucional, com o intuito de evitar arbitrariedades. A utilização dos métodos da nova
hermenêutica constitucional associada aos métodos de trabalho do Tribunal Constitucional
por meio de um parâmetro normativo, acabaria proporcionando uma desejável imposição de
limites objetivos à atuação do Tribunal.

5.8.1 Vantagens da codificação

A proposta de um Código de Processo Constitucional não poderia se restringir apenas


à reunião em um único documento de leis esparsas sobre o tema mas que não estivessem aptas
a agregar inovações ao sistema jurídico, pois

A proposta de um novo Código de Processo Constitucional não é de mera


perfumaria jurídica ou de simples reunião de leis esparsas, sem maiores
consequências positivas ou razões práticas para a sociedade. A adoção desse

160
Alguns países da América Latina criaram leis específicas sobre o processo constitucional (Costa Rica, em 1989) e
podemos dizer que as Leis 9.868/99, 9.889/99 e 12.562/11, no Brasil, são também leis gerais sobre o tema. Porém, a
construção de um Código Processual Constitucional nas províncias argentinas de Entre Rios (1990) e Tucumán (1999), e a
criação de um código dessa natureza em âmbito nacional no caso do Peru, em 2004, faz saltar aos olhos a possibilidade de
regulamentação ampla e geral da matéria, como forma de evitar um constante e necessário preenchimento por parte dos
Tribunais Constitucionais da ausência de legislação acerca do tema.
159

Código visa, sobretudo, a que esses processos já existentes se desenvolvam mais


adequadamente, com maior intensidade e clareza de seu sentido real, colocando o
Direito (enquanto ordem jurídica estatal) a serviço dos direitos humanos (ordem
jurídica da sociedade). (BELAUNDE; TAVARES, 2010, p.5)

É fato que a sociedade ocidental enfrenta o fenômeno da desvalorização dos


códigos161, não obstante, acreditamos que a elaboração de um código em matéria de Direito
Processual Constitucional teria o mérito de unificar critérios e princípios a serem adotados em
relação ao tema. Poder-se-ia unificar, com base em valores comuns, toda a normatização legal
sobre a defesa da supremacia constitucional; proteção processual dos direitos fundamentais e
salvaguarda da distribuição horizontal e vertical do poder político. A codificação tem a
vantagem de ser permeada por valores comuns e tem a propriedade de inovar no ordenamento
jurídico de maneira adequada, sistematizando e uniformizando as normas relativas ao tema
sobre o qual se refere. É indispensável ressaltar a importância de um tratamento do processo
constitucional de maneira orgânica, sistemática e integral.
A uniformidade da regulamentação evitaria dúvidas e discussões meramente
processuais e que, por vezes, atrasam o andamento regular do processo e a prestação da tutela
jurisdicional. Concordamos com Domingo Garcia Belaunde e André Ramos Tavares, quando
afirmam:

Ademais, a formação de um Código em matéria processual parece especialmente


significativa e útil, por tratar de unificar critérios que são importantes de serem
observados na realização (judicial) de direitos humanos fundamentais. Além disso,
trata-se de unificar normas de ordem pública, como é o caso das normas
processuais. Numa regulamentação uniforme é imprescindível para evitar
discussões formais que prejudicam o direito material e, ademais, estabelecer regras
com uma principal fonte de legitimidade, que é busca pela realização dos direitos
humanos fundamentais. Essa característica deve, atualmente, ser complementada,
já que existem processos constitucionais para dirimir conflitos de competência e
para defender a supremacia constitucional de maneira objetiva.
(...)
Mas o fundamento próprio da criação de um Código de Processo Constitucional é
a presença de uma Carta de Direitos Humanos Fundamentais em cada Constituição
estatal ocidental. É a presença e impositividade dos direitos fundamentais que
justifica a criação de um Código específico que promova e proteja tais direitos.
(...)
A formulação de um Código de Processo Constitucional atende ao grau de
maturidade que se reconhece à sociedade, capaz de identificar como foco e origem
de muitas das dificuldades relacionadas aos direitos fundamentais na forma ou
processo a aplicar. Essa percepção, que só se desenha em sociedades mais
avançadas, permite a consciência de que o aprimoramento das leis e, em particular,
de leis processuais, é etapa inevitável no caminho rumo ao Estado Constitucional
pleno. (BELAUNDE; TAVARES, 2010, p.5-7)

161
O que está evidenciado pela constante elaboração de leis gerais ou leis “marco” sobre determinados temas em vez de
Códigos.
160

Observamos que uma proposta de codificação do processo constitucional não possui


relação alguma com as codificações da Antiguidade (Corpus Juris Civilis de Justiniano,
Código de Hamurabi), já que tais “códigos” não possuíam preocupação com a uniformidade
dos institutos de que tratavam e procuravam apenas reunir, em um mesmo instrumento, várias
normas sem qualquer correlação necessária. Um possível Código de Processo Constitucional,
por outro lado, deveria possuir unidade, uniformidade e harmonia entre os institutos e
instrumentos abordados, como forma de proporcionar a máxima efetividade possível à
proteção dos direitos e garantias fundamentais. Um código que trate da matéria processual
constitucional também não deveria ter por base o modelo inaugurado com o Código Civil
francês de 1804, posto que não poderia ser caracterizado por uma pretensão universalizante de
abordar toda a matéria especificada em um único documento, reduzindo a regulamentação
integral do tema apenas ao conteúdo da lei.
A proposta de se elaborar um Código de Processo Constitucional não tem por fim
reduzir o papel do juiz constitucional na interpretação e aplicação do Direito, mas
implementar parâmetros racionais e controláveis à interpretação e concretização
constitucional. É uma tentativa de evitar a arbitrariedade ou, até mesmo, a excessiva
“personalização” da aplicação do Direito. Deseja-se impedir que o jurisdicionado fique na
dependência do entendimento específico de determinado juiz para conhecer a evolução de seu
processo. Mais uma vez, lembremos a importância da elaboração de um código na
possibilidade de regulamentar de forma adequada, sistematizada, harmônica do processo
constitucional, abordando institutos com maior intensidade e clareza de seu sentido real.
No contexto brasileiro, outra grande vantagem de elaborar um código está relacionada
ao fato de que aprová-lo pode levar mais tempo para a sua maturação e atenção, com mais
discussões e análises por comissões de juristas e parlamentares162. As leis esparsas, por outro
lado, são aprovadas mais facilmente a depender dos interesses governamentais envolvidos163.
A própria Constituição da República prevê, em seu art. 64, §4º, que a tramitação dos códigos
não precisa se submeter ao prazo estipulado para o processo legislativo ordinário. Dessa
forma, nos parece evidente que a elaboração de um código para tratar da matéria processual

162
Nesse sentido, veja-se o tempo de tramitação do Código Civil de 2002 e dos projetos de Código de Processo Civil (PL
8.046/10) e Código de Processo Penal (PLS 156/2009), desde a instituição da comissão elaboradora, e que ainda estão em
trâmite no Congresso.
163
Não se pode esquecer que a opção do legislativo pela elaboração de leis gerais em vez de códigos não está apenas
relacionada com a existência na sociedade de uma descrença nos códigos. No caso brasileiro, trata-se também de opção do
corpo político no sentido de evitar toda a tramitação mais dificultosa, formal e plural que exige um código. É evidente que a
elaboração de um código atrai mais atenção da sociedade em geral do que a elaboração de leis esparsas.
161

constitucional acabaria gerando um espaço mais aberto para a discussão da comunidade


jurídica e de toda a sociedade.

5.8.2 Conteúdo de um Código de Processo Constitucional

Ao considerarmos que a função de um Código de Processo Constitucional seria


unificar e harmonizar os institutos, critérios e princípios relativos à materialização dos direitos
e garantias fundamentais, como uma forma de dar efetividade à jurisdição constitucional, é
possível estabelecermos certo conteúdo mínimo e necessário de um código que a isso se
propõe.
Inicialmente, julgamos necessário um primeiro título que contemple: i) princípios de
ordem geral, constitucionais e infraconstitucionais, que orientem todas as demais normas; ii)
normas sobre diretrizes gerais do processo objetivo explicitando o seu objeto e objetivos, ou
seja, sobre a teoria geral do processo constitucional; iii) um conjunto de regras introdutórias,
de aplicação geral, principalmente, regras hermenêuticas e de interpretação, já que os
processos constitucionais possuem um objeto específico, relacionado à implementação da
materialidade constitucional em toda a sua plenitude; iv) em seguida, poder-se-ia introduzir
normas sobre competências e responsabilidades dos órgãos judiciais e a respeito da natureza e
dos efeitos da decisão proferida pelos órgãos jurisdicionais; e v) finalmente, dar-se-ia início às
regulamentações específicas de cada um dos processos constitucionais, inclusive no que tange
à parte recursal.
Julgamos ideal que o objeto do código não se restrinja à normatização dos processos
objetivos (ação direta de inconstitucionalidade, ação declaratória de constitucionalidade, ação
direta de inconstitucionalidade por omissão, ação direta interventiva, arguição de
descumprimento de preceito fundamental), mas que se refira também às ações constitucionais
(habeas corpus, mandado de segurança, habeas data, mandado de injunção, ação popular, ação
civil pública) e que hoje constam em diversas leis esparsas e, por isso, não possuem uma
unificação de princípios regedores básicos. Ademais, tal código poderia, também, apresentar
alguns regramentos específicos (no que houvesse de diferente do processo comum) para
determinadas questões relacionadas diretamente ao controle de constitucionalidade pela via
difusa.
Assim, esse Código de Processo Constitucional regularia não só o processo objetivo
(forma de atuação da Justiça Constitucional no exercício de suas funções típicas), mas
também para tratar das ações constitucionais. Esse código poderia abordar todo o processo
162

constitucional, ou seja, todas as ações referentes aos institutos e elementos relacionados à


proteção da supremacia da Constituição e dos direitos fundamentais; à distribuição horizontal
e vertical de competência; e à promoção e defesa da Constituição em âmbito normativo. Ou
seja, por meio dele, seriam regulamentados, segundo a terminologia de Domingo García
Belaunde, os processos constitucionais propriamente ditos (aqueles que são por “natureza”
constitucional) e aqueles processos “constitucionalizados” (que sem serem propriamente
constitucionais, o legislador atribuiu-lhes essa categoria). (BELAUNDE; TAVARES, 2010,
p.7)

5.8.3 Breves Considerações sobre o Paradigmático Código de Processo Constitucional do


Peru

O caso paradigmático de codificação nacional164 do Direito Processual Constitucional


é o Código de Processo Constitucional aprovado no Peru em 2004165, atualmente em vigor, e
elaborado a partir de um projeto de iniciativa de uma comissão autoconvocada formada por
juristas independentes, em 1994.
O Código de Processo Constitucional peruano foi muito bem recebido pela doutrina
nacional e estrangeira, pois concentrou e sistematizou os instrumentos de controle de
constitucionalidade e defesa dos direitos fundamentais em um só instrumento normativo, com
a mesma redação legislativa e técnica processual constitucional. O código foi bem sucedido
em abordar o processo constitucional de forma orgânica, integral e sistemática e, ainda,
positivou importantes avanços e inovações provenientes de muitos anos de contribuição
doutrinária e jurisprudencial. Serviu ainda para corrigir deficiências e suprir lacunas relativas
ao funcionamento judicial e presentes na legislação anteriormente em vigor.
O Código de Processo Constitucional do Peru começa delimitando o alcance das
normas contidas no instrumento e, já no artigo 2º, prevê os fins do documento abordando, em
seguida, os princípios processuais pertinentes:

Artículo I - Alcances
El presente Código regula los procesos constitucionales de habeas corpus, amparo,
habeas data, cumplimiento, inconstitucionalidad, acción popular y los conflictos de
competencia, previstos en los artículos 200 y 202 inciso 3) de la Constitución.
Artículo II - Fines de los Procesos Constitucionales
Son fines esenciales de los procesos constitucionales garantizar la primacía de la
Constitución y la vigencia efectiva de los derechos constitucionales.

164
Em âmbito regional o caso paradigmático foi a construção de um Código Processual Constitucional na província argentina
de Tucumán, em 1999.
165
O Código foi criado pela Lei peruana n. 28.237, de 31 de maio de 2004.
163

Artículo III - Principios Procesales


Los procesos constitucionales se desarrollan con arreglo a los principios de
dirección judicial del proceso, gratuidad en la actuación del demandante,
economía, inmediación y socialización procesales.
El Juez y el Tribunal Constitucional tienen el deber de impulsar de oficio los
procesos, salvo en los casos expresamente señalados en el presente Código.
Asimismo, el Juez y el Tribunal Constitucional deben adecuar la exigencia de las
formalidades previstas en este Código al logro de los fines de los procesos
constitucionales.
Cuando en un proceso constitucional se presente una duda razonable respecto de si
el proceso debe declararse concluido, el Juez y el Tribunal Constitucional
declararán su continuación.
La gratuidad prevista en este artículo no obsta el cumplimiento de la resolución
judicial firme que disponga la condena en costas y costos conforme a lo previsto
por el presente Código.166 (PERÚ, 2004)

O título preliminar do Código de Processo Constitucional peruano é dotado de


conteúdo principiológico e traça diversas diretrizes gerais de atuação dos órgãos judiciais,
prevendo, ainda algumas regras de competência. Após traçar esse panorama introdutório geral
e essencial para a sua correta aplicação, o código passa a estipular a normatização geral e
específica de cada um dos institutos sobre os quais menciona.
Importante esclarecermos que há regras abordando o controle difuso de
constitucionalidade, mas apenas para especificar a necessidade de o juiz não aplicar lei que
considere inconstitucional e o dever de não divergir de decisões do Tribunal Constitucional
que confirmem a constitucionalidade de certa norma. O fato é que o controle difuso não é
exercido em um processo constitucional, mas sim, em processos comuns, civis e penais,
devendo ser encarado como uma técnica à disposição do julgador para proteger os direitos e
garantias fundamentais dos jurisdicionados. Um Código de Processo Constitucional, portanto,
não trata do controle difuso, mas apenas poderá reconhecê-lo como uma técnica disponível e
regulamentar certos aspectos peculiares e relevantes pertinentes ao seu uso.
Conforme analisam Domingo García Belaunde e André Ramos Tavares (2010, p.10-
11), o código peruano é um exemplo vitorioso e traz diversas regras específicas que

166
Tradução livre: “Artigo I - Abrangência. Este Código regula os processos constitucionais de habeas corpus,
amparo, habeas data, cumprimento, inconstitucionalidade, ação popular e os conflitos de competência, previstos
nos artigos 200 e 202 inciso 3) da Constituição. Artigo II - Objetivos dos Processos Constitucionais. São
objetivos essenciais dos processos constitucionais garantir a supremacia da Constituição e da efetiva validade
dos direitos constitucionais. Artigo III - Princípios Processuais. Os processos constitucionais são desenvolvidos
de acordo com os princípios direção judicial do processo, gratuidade da atuação do demandante, economia,
rapidez e socialização processuais. O Juiz e o Tribunal Constitucional têm o dever de impulsionar de ofício os
processos, salvo nos casos expressamente previstos no presente Código. Além disso, o Juiz e o Tribunal
Constitucional devem adaptar a exigência das formalidades previstas neste Código à realização dos fins dos
processos constitucionais. Quando um processo constitucional apresentar uma dúvida razoável acerca de estar
efetivamente concluído, o Juiz e o Tribunal Constitucional devem determinar a sua continuação. A gratuidade
prevista neste artigo não obsta o cumprimento da decisão judicial definitiva que disponha sobre a condenação em
custas e despesas, conforme o previsto por este Código.”
164

solucionam problemas discutidos há tempos pela doutrina. Entre eles, questões relativas à
impossibilidade de questionar a decisão de um processo constitucional por meio de outro
processo constitucional, aos recursos das ações constitucionais e a execução de algumas
sentenças, além de fazer referência às dificuldades diante da banalização dos processos
constitucionais.
A elaboração de um Código de Processo Constitucional desponta, pois, como um
passo necessário para que os processos constitucionais ou constitucionalizados sejam
regulados de forma unitária, sistematizada e harmônica. Em razão das peculiaridades do
processo objetivo, referentes à massificação do debate e à participação da sociedade, somente
a elaboração de um código poderia promover o desenvolvimento adequado, com mais
intensidade e clareza esperadas de tais processos que versam sobre matéria constitucional e
que têm por fim promover e proteger os direitos e garantias constitucionais. Assim,
consideramos relevante a adoção de um paradigma processual específico para proporcionar
controle e limitação adequada da Justiça Constitucional. Lembramos, sempre, que estas
normas processuais não poderão ser instituídas com a finalidade de limitar a defesa e a
concretização da Constituição por parte do Tribunal.
165

6 CONCLUSÕES

O constitucionalismo, em sua concepção mais básica, é identificado como uma teoria


ou ideologia que tem por fim limitar e regular o poder político e a organização do Estado.
Considerando-se uma caracterização primitiva, o constitucionalismo sempre existiu, desde a
Antiguidade, naqueles Estados nos quais havia alguma forma de limitação e de regulação do
poder político.
Porém, foi somente a partir das revoluções liberais do século XVII e XVIII que surgiu
o constitucionalismo com uma feição moderna e apareceram documentos escritos com o
objetivo de limitar e regular o poder político e garantir alguns direitos individuais, de caráter
eminentemente liberal, aos cidadãos. É nessa época que ocorre a transição do Estado
Absolutista para o Estado Constitucional.
A concepção de Direito, então, é fortemente influenciada pelas ideias jusnaturalistas,
até que, no século XIX, o início da “era das codificações” proporciona a superação do
jusnaturalismo pelo positivismo jurídico. O positivismo jurídico, porém, promove um apego
exacerbado ao texto da lei, permitindo a ocorrência de atrocidades, durante o período dos
regimes nazista e fascista, sob o manto da legalidade.
A necessidade de reaproximar o Direito e a moral, que já vinha se desenhando desde o
início do século XX, ganha força após a Segunda Guerra Mundial, quando se consolida a
ideia de que não pode existir um ordenamento jurídico indiferente a valores. Esses, por sua
vez, ingressam no ordenamento jurídico por meio de princípios incluídos nos textos
constitucionais. Os critérios de validade normativa estritamente formais não eram mais
suficientes para legitimar o conteúdo do Direito.
Ganha visibilidade, nesse momento, a Teoria do Direito pós-positivista que promove
uma alteração na teoria das fontes do Direito com o reconhecimento da diferença qualitativa
entre princípios e regras e da normatividade dos princípios. O abandono do apego ao
formalismo e à interpretação literal dos textos faz com que a argumentação jurídica ocupe um
papel de destaque no processo de concretização das normas. Surge, assim uma nova
hermenêutica jurídica baseada na filosofia da linguagem e na necessidade de reconhecimento
da influência de fatores externos na atividade interpretativa. As ideias pós-positivistas
também promovem o desenvolvimento de uma teoria dos direitos fundamentais edificada
sobre a dignidade da pessoa humana.
166

Essa evolução na Teoria do Direito, a partir da segunda metade do século XX,


favorecida pelos aportes filosóficos do pós-positivismo, acabou por proporcionar uma
constitucionalização do Direito. As normas constitucionais passam, então, a ser consideradas
supremas e dotadas de força normativa. A Constituição deixa de ser vista como uma carta de
intenções e começa a ser considerada um instrumento jurídico dotado de força normativa e de
cumprimento coercitivo, agregando ao seu conteúdo uma forte carga axiológica e
principiológica da qual decorre a abertura do seu texto.
Essa nova forma de pensar o Direito Constitucional, que traz a Constituição para o
centro do ordenamento jurídico e lhe confere supremacia e normatividade, passa a ser
chamada de Constitucionalismo Contemporâneo.
O Constitucionalismo Contemporâneo caracteriza-se, essencialmente, por ser um
movimento (ou momento) constitucionalista fundado sob uma base democrática e pluralista,
desenvolvido a partir de uma filosofia pós-positivista e que pretende preservar a ideia da força
normativa da Constituição, expandir a atuação da Justiça Constitucional e continuar
desenvolvendo uma hermenêutica constitucional compatível à necessidade de concretização
efetiva das normas constitucionais e da garantia dos direitos fundamentais.
A centralidade da Constituição também ensejou a elaboração de um sistema que
tivesse por missão proteger a sua supremacia, rigidez e normatividade. Nos Estados Unidos,
esse ônus foi atribuído ao Poder Judiciário, por meio da criação do judicial review. Em grande
parte da Europa, porém, foi adotado um modelo inspirado naquele desenhado por Hans
Kelsen, no qual se atribuía tal tarefa a um Tribunal Constitucional que, ao menos em sua
configuração inicial, mais se assemelhava a um órgão Legislativo, apesar de exercer
atividades semelhantes à judicial, com função apenas de verificar a compatibilidade das leis
às normas Constitucionais.
As atribuições da Justiça Constitucional, porém, acompanharam a evolução do
Constitucionalismo Contemporâneo e à função originária de controle de constitucionalidade
(também denominada estruturante) foram agregadas as funções de interpretação e enunciação
constitucional, arbitral, legislativa, governativa e “comunitarista”.
Observamos que houve um certo deslocamento do centro de decisão que antes
pertencia, exclusivamente, ao Legislativo (no Estado Liberal) e depois ao Executivo (no
Estado social) para o Judiciário (no Estado Democrático de Direito). Esse deslocamento não
advém de um proclamado protagonismo judicial, mas de um reposicionamento do Judiciário,
especialmente da Justiça Constitucional, diante das necessidades decorrentes da elaboração de
167

Constituições contemporâneas que preveem a necessidade de concretizar direitos e garantias


fundamentais e cumprir as mais diversas normas de conteúdo programático.
A ampliação das funções da Justiça Constitucional derivou da abertura semântica das
Constituições contemporâneas que passaram a contemplar diversos princípios de direitos
humanos e de uma vinculação do Legislativo aos direitos fundamentais, retirando do espaço
de decisão política certos direitos considerados insuprimíveis.
Porém, não podemos aceitar uma concepção de Justiça Constitucional ilimitada e em
grau máximo, ao argumento de que seria ela o órgão responsável por dar a última palavra
sobre a interpretação das normas constitucionais. A textura aberta das normas Constitucionais
elevou o debate em torno dos limites da atuação da Justiça Constitucional. Por esse motivo, é
cada vez mais relevante o refinamento do método de trabalho da Justiça Constitucional para
que, por meio da utilização de uma nova hermenêutica e de processos constitucionais
previamente definidos, seja possível que a Justiça Constitucional ocupe o seu papel na
implementação dos direitos fundamentais, sem ingressar no âmbito de outros órgãos do
Estado que devem ter a sua relevância também reconhecida.
Se a Justiça constitucional teve redimensionada a sua atuação foi porque a
Constituição assim determinou. De modo que a atuação deste órgão deve estar sempre
limitada e pautada pelas normas constitucionais.
A distinção necessária entre o juízo de constitucionalidade (a ser exercido pela Justiça
Constitucional) e juízo de decisão política (âmbito no qual o Tribunal Constitucional não
pode ingressar) continua a ser essencial a uma atuação legítima do órgão que exerce estas
funções. Por mais que o princípio da separação de funções seja encarado sob uma perspectiva
contemporânea, o princípio da conformidade funcional continua vigente e deve ser respeitado,
sob pena de invasão de um órgão nas funções de outro.
Por mais relevante que seja concretizar os direitos fundamentais em um estado
Constitucional, não podemos esquecer que este Estado também é democrático e, por isso, há
outras normas estruturais do sistema constitucional às quais se deve prestar tanta reverência
quanto aos direitos fundamentais. Estes, por sua vez, não podem ser convertidos em um
instrumento insaciável, que devora a própria democracia e o espaço político e de autonomia
dos cidadãos. A defesa dos direitos fundamentais não pode levar ao sacrifício dos próprios
traços democráticos dos ordenamentos constitucionais.
A possibilidade de invasão excepcional do âmbito de decisão política poderá ser
admitida apenas e tão somente quando verificado que a Constituição, em matéria específica,
não deixou margem de conformação ao legislador, determinando a regulamentação em um
168

certo sentido e o legislador houver editado uma norma desrespeitando o comando


constitucional (indo além ou aquém deste). É necessário, para haver a atuação do Tribunal
neste sentido, que a “vontade constitucional” esteja previamente determinada e que o
comando legal tenha desrespeitado essa intenção.
Certamente a atuação da Justiça Constitucional para promover os direitos
fundamentais é relevante, mas as suas funções devem ser exercidas dentro de limites
constitucionais, em conformidade com a opção política feita por um Estado Democrático de
Direito, no qual não há protagonismo de nenhum dos órgãos do Estado, mas o exercício
compartilhado da função de proteger e promover a supremacia da Constituição. Deste modo,
a liberdade de conformação do legislador e a autonomia moral e política dos cidadãos deve
ser respeitada, evitando assim uma atuação paternalista da Justiça Constitucional.
Uma atuação legítima do Tribunal Constitucional deve ser substantiva, porém,
conjunta com um exercício de autocontenção para não ultrapassar os limites constitucionais.
Sendo, ainda, indicado, para este objetivo consolidar um método de trabalho,
institucionalizando regras claras e uniformes para o processo constitucional.
Nesse contexto, a elaboração de um Código de Processo Constitucional é um passo
necessário para que os processos constitucionais ou constitucionalizados sejam regulados de
forma unitária, sistematizada e harmônica. As peculiaridades do processo objetivo, referentes
à massificação do debate e à participação da sociedade, nos levam a concluir que somente a
elaboração de um Código Processual Constitucional poderia promover o desenvolvimento
adequado, com a maior intensidade e clareza esperada de tais processos envolvendo a matéria
constitucional e que têm por fim promover e proteger os direitos e garantias constitucionais. É
relevante para proporcionar um controle e uma limitação adequada da Justiça Constitucional
estabelecer um paradigma processual específico. Todavia, alertando que estas normas
processuais não serão instituídas com a finalidade de limitar a defesa e a concretização da
Constituição por parte do Tribunal.
Deste modo, uma atuação da Justiça Constitucional comprometida com a proteção dos
direitos e garantias fundamentais é essencial para o desenvolvimento da sociedade e para
proporcionar uma identificação constitucional dos cidadãos. Porém, não podemos nos
esquecer que os meios democráticos de proteção dos valores constitucionais também devem
ser privilegiados, e nunca desrespeitados pela atuação dos órgãos que exercem a jurisdição
constitucional.
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